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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
COMISSÃO DE PÓSGRADUAÇÃO E PESQUISA
ASPECTOS DE COESÃO TEXTUAL NA ESCRITA DE
SURDOS: A FORMAÇÃO DAS CADEIAS TÓPICAS
Gláucia dos Santos Vianna
Dissertação de Mestrado submetida ao
Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade Federal do
Rio de JaneiroUFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção
do título de Mestre em Linguística.
Orientadora: Profª. Doutora Maria Cecilia
de Magalhães Mollica
Rio de Janeiro
agosto de 2010
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
COMISSÃO DE PÓSGRADUAÇÃO E PESQUISA
Aspectos de Coesão Textual na Escrita de Surdos: a formação das cadeias
tópicas
Gláucia dos Santos Vianna
Orientadora: Professora Doutora Maria Cecília de Magalhães Mollica
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Linguística.
Examinada por:
_________________________________________________
Presidente: Profª. Doutora Maria Cecília de Magalhães Mollica
_________________________________________________
Profª. Doutora Deize Vieira dos Santos
_________________________________________________
Profª. Doutora Marcia Lisbôa Costa de Oliveira
_________________________________________________
Profª. Doutora Suplente (UFRJ): Maria Luiza Braga
_________________________________________________
Profº. Doutora Suplente: Maria de Fátima Souza de O. Barbosa
Rio de Janeiro
agosto de 2010
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FICHA CATALOGRÁFICA
VIANNA, Gláucia dos Santos.
Aspectos de Coesão Textual na Escrita de Surdos: a
formação das cadeias tópicas/ Gláucia dos Santos Vianna. 2010.
183f. :il.
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Programa de PósGraduação em Linguística,
2010.
Orientação: Professora Doutora Maria Cecília de
Magalhães Mollica, Programa de pós-graduação em
Linguística, UFRJ.
1. Produção Textual 2. Surdos 3. Coesão Referencial 4.
Cadeias Coesivas 5. Continuidade Tópica I. Título.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA
ASPECTOS DE COESÃO TEXTUAL NA ESCRITA DE
SURDOS: A FORMAÇÃO DAS
CADEIAS TÓPICAS
Por
GLÁUCIA DOS SANTOS VIANNA
UFRJ
2010
Dedicar a quem mais senão àqueles que me
deram a vida e a vontade de estudar e trabalhar.
Àqueles que sempre me ensinaram a lutar; a ter
força e perseverança para driblar os obstáculos
inerentes a vida. E a descobrir, ao final da
jornada, o doce e reconfortante sabor da vitória,
reconhecendo no esforço diário um eterno
aprendizado para a vida. Àqueles que nunca
desistiram de me ensinar, mesmo quando isso era
uma tarefa árdua, como nos cálculos
matemáticos, lembram? Mas sempre depositaram
confiança em mim e na minha capacidade de
superação... Ensinando-me, da forma mais
verdadeira, que não basta querer vencer; é preciso
saber, antes de tudo, lutar para vencer, pois não
existe vitória sem esforço e superação. Este
trabalho é dedicado a minha mãe Nida e ao meu
pai Oswalcy. Vocês serão sempre meus exemplos...
Meus mestres!
Agradecimentos
Tantos nomes deveriam aparecer aqui e merecer um
agradecimento especial... Mas impossível contemplar a todos...
Agradeço, portanto, a algumas pessoas fundamentais para a
concretização deste estudo. Primeiramente, à comunidade
surda, que por intermédio dos seus textos me ajudou a
perceber os mitos que ali estavam. A todas as amigas das
escolas pelas quais passei ao longo da minha jornada - Anne
Sullivan, Sítio do Ipê, Paulo Freire e que sempre me
escutaram e transmitiram a mim o apoio necessário para que
eu pudesse chegar até aqui. Aos queridos amigos do mestrado
que, com suas indicações, conselhos, compreensão e leituras
me mostraram com muito carinho e amizade, por onde
deveria seguir. Á minha família, nem se fala, sem eles eu
simplesmente não teria driblado tantos obstáculos e
conseguido vencer... Papai, mamãe, Mércia, Marcinha, do
fundo do meu coração, obrigada por dividirem comigo
tantas tarefas difíceis, inclusive a mais nobre de todas:
assumirem em alguns momentos o meu papel de mãe, e assim,
me possibilitarem estudar e seguir adiante. À minha comadre
Hélia, pela amizade eterna e por todas as sábias palavras que
me ajudaram sempre. Ao meu marido, Marcos, o ombro que
esteve sempre ali, pronto para segurar uma lágrima, para me
fazer rir das coisas menos relevantes da vida... e
principalmente à minha linda e adorada filha Luisa, que a
partir de sua existência, me ensinou o verdadeiro sentido dos
verbos perseverar” e “amar”. E finalmente, mas não menos
importante, a minha querida orientadora, professora
doutora Maria Cecília Mollica, que sempre acreditou e
confiou em mim, indicando os melhores caminhos a serem
tomados.
“A linguagem
na ponta da língua
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras
sabe lá o que ela quer dizer?...
“O português são dois; O outro, mistério.”
Carlos Drummond de Andrade
RESUMO: Uma das maiores questões geradas pelas perdas auditivas, observa-se nos
efeitos sobre o desenvolvimento linguístico e suas implicações na escrita em Língua
Portuguesa. Considerando que surdos não apresentam as mesmas características de
produção textual de um ouvinte, este trabalho se propõe a discutir a importância do uso
da escrita para esses sujeitos, não somente como instrumento de comunicação, mas
como modalidade indispensável no amplo acesso à informão e ao convívio social. O
foco da pesquisa volta-se, nesse sentido, para a análise do aspecto coesivo nas
produções escritas desses sujeitos, no intuito de se investigar a maneira pela qual surdos
tendem a estabelecer coesão referêncial em suas composições. O estudo dos nexos
coesivos nos textos analisados e dos possíveis mecanismos utilizados para assegurar a
referencialidade se desenvolve a partir do conceito teórico de continuidade tópica
descrita por GIVÓN (1983) e de Cadeia Coesiva descrita por Antunes (1996). O
Corpus deste trabalho é constituído de textos produzidos por alunos surdos profundos,
em estágios variados de aprendizado do português, cuja fluência em LIBRAS se mostra
evidente. Embora as produções textuais em análise apresentem limitações na estrutura
narrativa, verifica-se a presença de elementos coesivos em grande número, os quais
mantêm a referencialidade e a progressão dos picos ativados no discurso.
Diferentemente do português, observa-se uma tendência predominante ao
estabelecimento da coesão referêncial por meio de cadeias de repetição ou cadeias
mistas, nas quais o tópico matriz é mantido integralmente na superfície textual ou
retomado por outros léxicos semanticamente compatíveis, sem a que seja utilizada
necessariamente, a referência por sustituição pronominal. Neste estudo, a
preocupação de sinalizar aos profissionais envolvidos no trabalho com surdos a
necessidade de se lançar um novo olhar sobre a escrita desses sujeitos. Aspectos
relacionados a possíveis interfencias da LIBRAS nas produções textuais de surdos e
as implicações educacionais decorrentes dos resultados obtidos na pesquisa são
igualmente discutidos.
PALAVRAS-CHAVE: Surdos; produção textual; coesão referêncial; cadeias coesivas.
ABSTRACT: One of the most important issues generated by audition loss is
observed in the effects on the linguistic development and its implications in the writing
of the Portuguese language. Considering that deaf people do not show the same
characteristics in terms of textual production of a typical hearer, this research aims at
discussing the importance of using the writing ability for these individuals, not only as a
tool of communication but as a crucial modality in the huge access to information and
social engagement. The focus of this research, as a matter of fact, is on the analysis of
the cohesive pattern in the written production of the informants with the goal of
investigating the way through which deaf people tend to establish referential cohesion
in their writing. The study of the cohesive nexus in the observed texts and of the
possible mechanisms used to assure constituting reference develops from the theoretical
concept of topical continuity by GIVÓN (1983) and cohesive chain by ANTUNES
(1996). The corpus of this work is constituted of texts written by deeply deaf students
having a high level of literacy at an intermediate stage of Portuguese learning and
whose fluency in LIBRAS is evident. Although the observed textual productions show
limitations in their narrative structure, it is seen a great deal of cohesive elements which
keep the system of reference and the progression of the activated topics in discourse.
Differently of Portuguese, it is verified a predominant trend in the establishment of a
referential cohesion by means of repetition chains or mixed chains in which the matrix
topic is totally kept in the textual surface or retaken by other similar semantic words
without the necessary use of pronominal reference. Finally, this study is concerned with
signalizing to the professionals who deal with the education of deaf people the necessity
of launching a new perspective on the writing of this population. Aspects related to
possible interferences of LIBRAS in the textual production of the investigated subjects
and the educational implications coming from the results will be also discussed.
KEY- WORDS: Deaf people; textual production; referential cohesion; cohesive chains.
Sinopse
Reflexão e análise da escrita de surdos por meio da
observação dos elementos de coesão referêncial a
partir da formação de cadeias coesivas” na superfície
textual. Estudo dos nexos coesivos com o objetivo de
demonstrar a maneira pela qual os surdos estabelecem
coesão, destacando-se em seus textos os principais
mecanismos utilizados para este fim. Leva-se em
conta, na análise, o grau de proficiência em que se
encontram os sujeitos da pesquisa ao produzir textos na
língua portuguesa.
Sumário
Introdução ................................................................................................. 13
Hipóteses ................................................................................................... 21
Pressupostos Teóricos
1- Surdez: Implicações linguísticas e questões pedagógicas .................... 22
1.1- Entendendo a surdez .......................................................................... 22
1.2- A educação do surdo ......................................................................... 24
1.3- As formas de comunicação dos surdos Um enfoque das
principais abordagens comunicativas ....................................................... 27
1.3.1- A Filosofia Oralista ................................................................. 27
1.3.2- Comunicação Total/Bimodalismo ........................................... 32
1.3.3- O Bilinguismo ......................................................................... 35
1.4- LIBRAS: afinal, que língua é essa? ................................................... 39
1.5- A escrita, a leitura e as representações sociais no contexto
do surdo ..................................................................................................... 48
2- Aspectos da coesão textual: a descrição ............................................... 56
2.1- Mecanismos coesivos: uma proposta de classificação ...................... 62
2.2- Escrita e “referenciação.................................................................. 65
2.2.1- A noção de co-referência ........................................................ 67
2.2.2 - As ativações “ancoradase a constituição da Anáfora
Indireta .............................................................................................. 71
2.3 A manutenção da Continuidade Tópica .......................................... 77
2.3.1- Continuidade e progressão: o tópico que se mantém
é o mesmo que progride na esfera textual ........................................ 80
2.4 A formação das Cadeias Coesivas: um estudo das redes
de significados ........................................................................................... 82
2.4.1- Os recursos da Repetição e da Substituição na formação
das cadeias coesivas e na relação de “referencialidade” ................... 85
3 Aspectos Metodológicos: a constituição da amostra ........................ 102
4 Análise dos dados ............................................................................... 106
4.1- Discussão dos resultados .................................................................. 161
5- Considerações finais........................................................................... 169
Referências .............................................................................................. 172
Anexos...................................................................................................... 177
13
Introdução
É cada vez mais crescente o interesse pela relação entre ngua (gem) e cultura como
objeto de estudo na área de Ciências Humanas. Em parte, isto se deve a uma
compreensão cada vez mais generalizada de que a prática da linguagem, por meio dos
jogos semântico-pragmáticos, constitui elementos fundamentais para a construção das
subjetividades que vivificam qualquer comunidade.
O modelo teórico da linguística funcional, por exemplo, concebe a ngua como um
instrumento ímpar de comunicação, postulando sua essência como eminentemente
submetida às pressões provenientes das situações comunicativas que exercem grande
influência sobre sua estrutura linguística. Assim o funcionalismo analisa a língua tendo
como referência a situação comunicativa como um todo integrado, no qual todos os
componentes se conjugam para estabelecer o enunciado, tais como o propósito do ato de
fala, os participantes e, principalmente, o contexto discursivo.
A produção do enunciado implica uma intrincada troca, chamada de interação
linguística, que congrega diversas escolhas feitas pelos falantes no intuito de se atingir o
objetivo principal do ato enunciativo: a comunicação. HALLIDAY (1985:78), portanto,
compreende as línguas naturais como intrinsecamente atreladas ao sistema social, ou
seja, ao uso. Segundo o autor ―everything is said or written unfolds in some context of
use […]. Language has evolved to satisfy human needs‖.
A língua, então, sendo compreendida dessa forma, constitui-se como um conjunto
de métodos para produzir significados. O sistema linguístico protodos os elementos
necessários para que a ngua possa ser utilizada em situações concretas de uso pelos
falantes. Importante ressaltar, entretanto, que é a partir dos fatores externos que o
falante deverá proceder para determinar suas escolhas. Assim, cada indivíduo faz parte
de um grupo social e usa a língua em situações variadas para atingir diferentes
14
objetivos. De acordo com NEVES (1997:60), o sistema linguístico configura uma teoria
de ngua enquanto escolha: ―A consideração do sistêmico implica a considerão de
escolhas entre os termos do paradigma, sob a ideia de que escolha produz significado”.
As escolhas feitas na ngua se situam no nível paradigmático do sistema linguístico,
enquanto no nível sintagmático encontram-se as cadeias de relações. É, pois, a
articulação eficaz de todo esse processo de escolhas e relações sintagmáticas que produz
um texto. Este, então, pode ser caracterizado como uma representação conjugada tanto
do sistema social quanto do sistema linguístico.
O processo textual, dialético em sua natureza de construção de sentidos, é marcado
por fluxos e refluxos, idas e vindas, tomadas e retomadas de pontos de vista. É preciso,
pois, encarar a linguagem humana como representação do mundo e do pensamento,
como instrumento de comunicação e, acima de tudo, como forma de interação social: é
preciso pensar a linguagem humana como lugar de constituição de identidades, de
representação de papéis, de negociação de sentidos, portanto, de co-enunciação.‖
(KOCH, 2003: 128).
A identidade no ato comunicacional se constrói pelas relações que se estabelecem
entre os falantes, os enunciadores e o meio social em que vivem, através do desempenho
de “papéis em eventos sociais. Os falantes, ao desempenhar papéis num evento de fala,
colocam-se como sujeitos da interação, multiplicando-se em tipos diversos de categorias
e funções sociais desempenhados. Segundo FIORIN (2006), ao se referir à lebre obra
Bakhtiniana a respeito das articulações dialógicas da interação linguistica postula que, a
língua em sua totalidade concreta, viva, em seu uso real, tem a propriedade inexorável
de ser dialógica. Isso implica crer que:
15
―Todos os enunciados no processo de comunicação,
independentemente de sua dimensão, são dialógicos. Neles existe uma
dialogização interna da palavra, que é perpassada sempre pela
palavra do outro. Para constituir um discurso leva-se em conta o
discurso do outro, que está presente no seu. Por isso, todo discurso é
inevitavelmente ocupado, atravessado, pelo discurso alheio. O
dialogismo constitui-se nas relações de sentido que se estabelecem
entre dois enunciados.‖ (FIORIN, 2006: 19)
Portanto, ao se observar diferentes línguas como instrumento de interação, é
facilmente percebível a diversidade cultural que se expressa por meio do léxico e das
opções semântico-pragmáticas, que acabam por determinar as escolhas realizadas no
discurso e nas produções textuais de indivíduos pertencentes a uma determinada
comunidade.
Partindo-se desse pressuposto, a modalidade escrita do uso da ngua também se
coloca como um modo de comportamento linguístico que se evidencia a partir do
contexto discursivo, constituindo-se ao longo dos anos como um produto cio-cultural
(NARASINHAM, 1995). Isso nos faz acreditar que a forma como utilizamos a escrita
o se distancia da forma como compreendemos a linguagem, o texto e seu produtor,
concepção segundo a qual a escrita é vista como uma atividade de produção textual,
tornando-se artifício para se planejar, articular e programar atividades de mundos
distanciados.
Atualmente, custa-nos imaginar a existência de comunidades ágrafas, cuja
comunicação é estabelecida exclusivamente pela modalidade oral. A dificuldade em
compreender uma comunidade, cuja prática social se estabelece sem o uso da escrita,
torna-se ainda mais relevante quando nos damos conta de que vivemos em uma
sociedade tipicamente grafocêntrica, que dependente sobremaneira da modalidade
escrita. muito deixamos pra trás o tempo em que a escrita era de difícil acesso e o
16
domínio do código escrito destinado apenas a poucos privilegiados. Nos dias de hoje, a
escrita se popularizou e faz de fato parte da nossa vida, visto que somos constantemente
solicitados a escrever textos em nossas atividades cotidianas de comunicação, seja no
trabalho, na gestão da vida pessoal, seja nas pequenas e corriqueiras atividades
domésticas.
A escrita, entretanto, consiste em uma modalidade de uso da língua, cujos
marcadores prosódicos e elementos paralinguísticos não figuram tão explicitamente na
atividade discursiva tal como ocorre na oralidade. Dessa forma, torna-se relevante, no
processo de composição textual, a utilização de estratégias de coesão e de elementos
linguísticos situacionais, que proporcionem ao texto escrito maior eficácia na
comunicação e na interação com o leitor.
Nesse sentido, é importante refletir acerca da singular condição linguística dos
indivíduos surdos em nosso país, usuários de uma língua o-oral e possuidores de uma
visão de mundo ditada pela modalidade visuo-gestual da Língua Brasileira de Sinais a
Libras. Como bem assinala ONG (1998), no processo de recepção e interpretação
textual, as palavras estão sozinhas e para se fazerem entender sem gestos, sem
expressão facial, sem entoação, usuários de Libras, cujo modus vivendi difere da
comunidade ouvinte, poderão encontrar maior dificuldade em estabelecer coesão e
sentido por meio da escrita.
As reflexões acima descritas contribuem para que consideremos que a ngua escrita
constitui também instrumento linguístico que se constrói a partir de seu lugar social.
Assim, tanto surdos quanto ouvintes adquirem espontaneamente a língua que dominam
e podem ter acesso à modalidade escrita. Como já ressaltado anteriormente, a língua que
o surdo identifica como legítima e utiliza na comunicação não é a mesma que serve
17
como base ao sistema escrito, por ser um sistema visuo-manual e o oral-auditivo,
ambos com muitas diferenças estruturais.
É preciso considerar, portanto, que, além da Língua de Sinais, o surdo, em nossa
sociedade, necessita aprender a lidar com a linguagem na sua forma escrita e a dominar
tais aspectos tão pertinentes envolvidos no discurso. A escrita é um meio importante do
qual os surdos não podem prescindir, posto que, sem ela limitam-se a chance de
integração ao mundo ouvinte e o acesso sistemático a rede de informações no meio
social. Muito embora a Língua de Sinais desempenhe um papel de vital importância no
desenvolvimento social e cognitivo do indivíduo surdo, o podemos esquecer de que
vivemos em uma sociedade na qual a prática da escrita se tornou essencial. Dessa
forma, para que surdos alcancem seu intento de transmitir uma mensagem textual e
favorecer o processo de interação, o basta apenas à apropriação das regras da língua,
tampouco ao pensamento e às próprias intenções enquanto escritores. É preciso, pois,
considerar que o leitor ouvinte, com seus conhecimentos, é parte fundamental desse
processo.
Observo que as pesquisas relacionadas às habilidades linguísticas dos surdos têm se
concentrado sobremaneira na investigação das habilidades de comunicação, revelando
pouca produção científica acerca da eficiência do uso que essa populão apresenta em
relação à compreensão textual e à produção escrita. A importância de um número maior
de estudos nessa área se traduz no fato de que, da mesma forma que habilidades de
compreensão e de produção textual são consideradas vitais para ouvintes em se tratando
de proficiência em língua materna, estas devem assumir a mesma relevância para
surdos, ambos co-participantes da interação.
Entretanto, pouco ainda temos revelado em se tratando de habilidades textuais da
comunidade surda, tornando necessária uma crescente demanda de estudos nessa área,
18
que venham a contribuir para a construção de um quadro de informações mais preciso e
informativo a respeito do assunto. Neste contexto, a presente pesquisa vem colaborar
com a evolução desse panorama, focando o objeto de estudo nas questões que versam
sobre a produção textual de surdos.
Os procedimentos entre as línguas utilizadas pelo surdo em situação de
aprendizagem do português escrito acabam gerando, na escrita, peculiaridades e
características bastante singulares nos procedimentos coesivos, tais como os de
manutenção da continuidade tópica e a referencialidade. Como os surdos desenvolvem
as cadeias coesivas na superfície textual e trabalham tais aspectos linguísticos, são
perguntas que este estudo se propõe a responder, visto que esses sujeitos se
desenvolvem e constroem sua identidade a partir de uma ngua de plano visuo-gestual.
O texto da dissertação se come de três capítulos principais. O primeiro capítulo
volta-se para os aspectos relacionados à surdez no contexto da sociedade, ao ressaltar
algumas questões linguísticas e pedagógicas mais pertinentes. Neste são descritas as
principais abordagens comunicativas utilizadas pelos surdos ao longo da história,
identificando as principais características da corrente oralista, da filosofia de
Comunicação Total e do Bilinguismo. Outro item aqui abordado diz respeito à
importância da LIBRAS no desenvolvimento socio-educacional do indivíduo surdo,
bem como do seu papel preponderante no processo de aprendizado da modalidade
escrita do português. Pontua-se, finalmente, nesta primeira parte da pesquisa, algumas
reflexões que destacam a escrita como fator indispensável de recepção e expressão do
pensamento, mencionando algumas dificuldades encontradas por surdos nesse contexto.
Nessa perspectiva, o discutidos conceitos instituídos a respeito da escrita surda,
principalmente, no que tange aos aspectos coesivos textuais e às formações de cadeias
picas.
19
O segundo capítulo contempla basicamente a descrição detalhada dos principais
mecanismos coesivos utilizados nas produções textuais em Português, no intuito de se
evidenciar a forma como os surdos asseguram a continuidade tópica e a progressão dos
referentes na superfície textual. Dessa forma, recorre-se à revisão literária dos trabalhos
realizados pelos autores mais expressivos acerca do tema abordado. Busca-se ainda,
neste capítulo, compreender a forma como são utilizados os mecanismos de repetição e
substituição no momento em que atuam como promotores da coesão referêncial e da
progressão dos referentes textuais. Aspectos relacionados à escrita, produção textual e
características de ativão de referentes no discurso são igualmente retratados. Por fim,
promove-se um estudo detalhado no que diz respeito à formação das cadeias coesivas na
superfície textual, sua constituição e seus principais elementos relacionáveis aos nexos
coesivos. O aprofundamento teórico apresentado neste capítulo, acerca das questões
relacionadas à coesão, referencialidade e formão de continuidade tópica, constitui
um instrumento indispensável à análise e à apreciação dos textos que constituem a
amostra dessa pesquisa.
O terceiro capítulo versa especificamente sobre os procedimentos metodológicos
concernentes ao presente estudo, descrevendo a constituição do corpus, as instituições
de ensino das quais foram coletados os textos, os sujeitos produtores das redações e os
instrumentos e materiais empregados. Consta também nesta seção a descrão detalhada
dos procedimentos utilizados no desenvolvimento e realização das atividades de
produção escrita.
Finalmente, no quarto e último capítulo desta pesquisa, apresentam-se as análises
individuais dos textos selecionados, a marcação dos referentes linguísticos ativados ao
longo das produções textuais e a caracterização das cadeias coesivas potencialmente
identificadas na amostra. Observa-se, especialmente, nessa etapa de análise e
20
identificação de aspectos coesivos nos textos coletados, a forma e a frequência de
utilização dos mecanismos de manutenção ou substituição lexical no processo de
formação de cadeias coesivas. Seguem-se aos itens apresentados neste capítulo a
discussão dos resultados finais obtidos na pesquisa e as últimas considerações acerca do
estudo empreendido.
21
Hipóteses
As estratégias de composição textual, que conferem coesão à escrita, como a
continuidade dos referentes”, ao serem utilizadas por indivíduos surdos, podem diferir
das mesmas técnicas usadas por ouvintes, visto que estes interagem linguisticamente, no
plano visuo-gestual. Como observado ao longo do meu estudo, a escrita surda não segue
o mesmo padrão de construção dos ouvintes, os quais se apóiam na linguagem oral para
produzir seus textos, evidenciando o tratamento fala - escrita como um continuum.
(Chafe: 1982, 1985). Indivíduos surdos demonstram construir a escrita em Português
(L2) a partir dos conceitos linguísticos construídos pela LIBRAS, que parece ser seu
sistema subjacente, visto ser a língua de aquisição natural.
Acredito, portanto, que na escrita surda, uma vez introduzido um tópico no discurso,
existe uma tendência maior à sua retomada ao longo do texto, por meio da manutenção
do mesmo nome citado (Matriz) ou, em menor escala, pela retomada de tal referente por
meio de uma substituição lexical. Tal característica será preponderante no sentido de
confirmar a influência da LIBRAS (L1) sobre a escrita em Português (L2), ressaltando
que o mundo da linguagem escrita possui interfaces com a “oralidade” (neste caso,
entendida como a modalidade linguística visuo-gestual da Língua de Sinais).
Considerando a hitese de que a Língua de Sinais é a língua natural dos surdos, deve-
se registrar, na presente pesquisa, que a LIBRAS assume então um caráter mediador e
de apoio para a produção escrita, sendo o surdo usuário da mesma.
22
Pressupostos Teóricos:
1. SURDEZ: implicações linguísticas e questões pedagógicas
1.1. Entendendo a Surdez
A surdez caracteriza-se basicamente pela privação sensorial da audão, resultando
como consequência dessa privação inúmeras questões de ordem linguística,
educacional, social e cultural. De acordo com o MEC
1
, é considerado surdo o indivíduo
que possui audição não funcional no que diz respeito ao cumprimento de atividades da
vida diária, e, parcialmente surdo, aquele que, mesmo apresentando perda, possui
funcionalidade auditiva, com ou sem o uso de prótese. No que diz respeito a essa
caracterização, diz-se existirem duas correntes centrais que procuram, segundo os
aspectos metodológicos e filosóficos, definir o que venha a ser surdez. Posso adiantar,
entretanto, que uma se volta para o aspecto cnico dessa privação sensorial, enquanto a
outra se ocupa um pouco mais das implicações sociais e pedagógicas decorrentes da
surdez.
Alguns sinais podem orientar e dar pistas para os profissionais envolvidos na
formação educacional da criança, principalmente para a família, de que possa haver um
quadro de surdez, como a interrupção do balbucio somente ao final do primeiro ano de
vida e a defasagem na fala. A criança, então, em geral adota palavras-chave no intuito
de se fazer entender, fato que se contrasta com o desenvolvimento regular da
comunicação gestual, frequentemente muito rica e compensadora à ausência verbal.
1
Lei nº 9394/96 LDBN - Educação Especial
23
Contudo, é somente o médico, através de exames audiométricos, que confirma o
diagnóstico de surdez.
Através de exames clínicos especializados, é possível definir o grau da perda e a
localização da lesão: ouvido externo, ouvido médio e ouvido interno ou nas vias
auditivas neurais. Geralmente, a surdez ou a perda auditiva podem ser classificadas em
quatro níveis ou graus definidos, a partir da constatação dos limiares da privação da
audição em decibéis, sendo assim caracterizados
2
:
1) Surdez leve: limiar entre 26 a 40 dB
2) Surdez moderada: limiar entre 41 a 65 dB
3) Surdez severa: limiar entre 66 a 90 dB
4) Surdez profunda: limiar acima de 90 dB
A compreensão verbal, por parte de indivíduos surdos que se encontram no limiar de
perda da audição acima de 70 dB, vai depender da utilização da percepção visual e da
observação contextual das situações a eles apresentadas. Em razão de não serem
mediados adequadamente, os conhecimentos linguísticos desses sujeitos podem
apresentar comprometimentos no que se refere, sobretudo, à produção escrita.
No que tange à sua etiologia, a surdez pode ser dividida em dois grupos principais: a
surdez do tipo congênita e a surdez adquirida. O tipo de surdez considerada congênita
tem sua origem em fatores exclusivamente hereditários ou distúrbios de características
pré conceptuais e pré natais. Dentre os fatores responsáveis pela surdez congênita,
2
Fonte de pesquisa: SALLES, H.M.M.L. et al. Ensino de língua portuguesa para surdos: caminhos para
a prática pedagógica. Brasília. MEC. SEESP: 2004.
ESPAÇO. Informativo Técnico - Científico do INES. 28 e Nº 30 Rio de Janeiro: INES, 2007/ 2008.
24
grande parte tem sua causa atrelada à rubéola, drogas ototóxicas, alcoolismo materno,
sífilis, irradiação e toxoplasmose.
A surdez adquirida é, em grande parte, decorrente de desordens péri-natais,
neonatais e s-natais. As causas peri-natais podem ter sua origem em partos
traumáticos ou prematuros, infecção materna e uso de drogas ototóxicas. No que
concerne às causas neo e s-natais, figuram entre as principais, o sarampo, a
meningite, a caxumba infantil, infecções no aparelho auditivo, drogas ototóxicas e
encefalite.
1.2. A educação do surdo
De modo geral, ao se caracterizar um diagnóstico de surdez em uma criança, o risco
de a comunicação oral apresentar déficits em relação às crianças ouvintes é quase
inexorável
3
. Tão importante quanto falar (considerando aqui o seu aprendizado e treino)
é o aprendizado da modalidade escrita, que deve ser encarado como uma das maiores
metas e desafios no que tange à educação do surdo. Assim sendo, cabe ao professor o
papel singular de intérpreteno processo de aquisição do código escrito pelo surdo.
Ao ler para a criança surda, ao interrogar-lhe sobre o sentido do que foi interpretados,
ambos, criança e professor inserem-se na prática linguístico-discursiva da escrita.
O conceito principal da educação brasileira no que diz respeito à educação de surdos
postula o desenvolvimento linguístico baseado em técnicas de ensino de primeira e
3
Crianças acometidas por surdez na fase compreendida pelo período crítico para a aquisição da
linguagem, ou seja, do nascimento até os 7 anos de idade, não tiveram contato com os dados primários
que deflagariam as escolhas correspondentes à língua de uma determinada comunidade linguística. Sem
que as opções tenham sido encorporadas até os 7 anos de idade, o subbstrato neurológico para a língua
oral não mais se fixa ao córtex. Outro sistema, portanto, se desenvolve naturalmente, a Língua de Sinais,
que ao invés de usar a interface fonológica usa a interface visuo-gestual. (CHOMSKY: 1993,1995;
FRANÇA: 2006)
25
segunda língua. Ou seja, priorizam-se as habilidades interativas e cognitivas que devem
ser adquiridas pela criança surda diante das suas experiências naturais com a LIBRAS,
que concorre para um desenvolvimento linguístico plenamente satisfatório.
O projeto educacional para surdos ignorou por anos a fio a viabilidade de qualquer
interlocução entre atores pedagógicos. A imposição de uma ótica normativa oral como
única viável, conforme revela a história de escolarização desses sujeitos, desconsiderou
por completo a ngua de sinais em prol de uma artificialidade impossível de se
conquistar: a tão almejada normalização.
―Todos os surdos recebiam na escola a educação linguística
baseada no aprendizado da língua oral, sem opção da LIBRAS. Essa
visão de ensino priorizava o ensino da fala como centralidade do
ensino pedagógico. A metodologia era pautada no ensino somente de
palavras, sob alegação de que surdos tinham dificuldade de
abstração. Aprender a falar tinha um peso maior do que aprender a
ler e a escrever‖ (SILVEIRA, 2007:34).
Embora inúmeras pesquisas demonstrem que a ngua de sinais é adquirida
naturalmente por crianças surdas na posão principal de primeira língua, percebemos,
no contexto educacional, um uso bastante restrito se comparada a sua relevância no
processo de escolarização do surdo. Somente recentemente vem sendo disseminado o
seu uso a partir de pressões exercidas pela comunidade surda e de incentivos de
políticas blicas, no sentido de promover capacitação profissional eficaz em
metodologias específicas para ensino desses sujeitos e de exigir relativa proficiência em
língua de sinais.
Decorre desse conjunto de questões o fato de os surdos, em sua grande maioria, não
ter experiências mais expandidas nem em LIBRAS nem em português, acabando por
gerar dificuldade em se tornar proficiente em ambas as línguas. Dessa forma, posso
26
reiterar que a dificuldade apresentada por surdos na aquisição do português em sua
modalidade escrita advém muito mais da interferência pouco positiva do contexto
educacional do que da condição de surdo.
Torna-se imperativo repensar as concepções tradicionais do ensino de português
escrito voltado para a educação do surdo, no sentido de enfatizar a importância do
aspecto visual da leitura e da escrita como um fator constitutivo desse processo de
apropriação da escrita. Não podemos, portanto, nos esquivar de uma refleo mais
aprofundada acerca dos aspectos socioculturais inerentes ao indivíduo surdo, tampouco
lançar um olhar crítico sobre o histórico das abordagens comunicativas que serviram de
base para a educação deses indivíduos ao longo de todos esses anos. Esses fatores
podemos afirmar, foram determinantes para se estabelecer o panorama atual do contexto
educacional da comunidade surda. Problematizar a práxis pedagógica de todas as
principais correntes filosófico-metodológicas que permearam o caminho educacional
dos surdos por todos esses anos talvez represente uma boa forma de escrutinarmos o
emaranhado de tensões tão frequentemente encontradas no percurso e desenvolvimento
da comunicação entre os indivíduos de comunidades surdas.
27
1.3. AS FORMAS DE COMUNICAÇÃO DOS SURDOS - um enfoque
das principais abordagens comunicativas
A história da educação de Surdos no Brasil traz as marcas de uma trajetória
desenhada desde o século XVI. Entretanto, somente a partir do século XX é que as
perspectivas educacionais designadas à escolarização e ao desenvolvimento linguístico
e cognitivo dos sujeitos surdos passaram a considerar algumas abordagens filosóficas
como base metodológica de ensino. Neste panorama, despontaram como principais
expoentes filosóficos o oralismo, a comunicação total e o bilinguismo.
1.3.1. A filosofia oralista
O princípio básico que norteia o oralismo consiste na crença de ser dada ao surdo a
oportunidade de comunicar-se através da fala, promovendo uma maior integração e
proximidade com a comunidade ouvinte (ALMEIDA, 2000). Na concepção oralista,
diversas técnicas são desenvolvidas no intuito de se aproveitar, ao máximo, possíveis
resíduos auditivos, através de aparelhos (amplificadores auditivos) e de treinamentos
que estimulam a oralidade (e.g., método acupédico, verbotonal). Diversas técnicas
foram desenvolvidas e aperfeiçoadas com esse objetivo, como é o caso da eletroacústica
(aparelhos de amplificação sonora) individual e coletiva para o maior aproveitamento
dos resíduos auditivos.
De acordo com os pressupostos estabelecidos pela filosofia oralista, o modelo de
“sucesso” pessoal oferecido ao indivíduo surdo era o ouvinte, sendo, portanto, muito
importante que a língua oral fosse desenvolvida de tal forma que se aproximasse ao
28
máximo da fala do ouvinte. Quanto mais sucesso fosse obtido, mais bem sucedido era
considerado, posto que mais próximo estaria do modelo a ser copiado.
Com o propósito de integrar mais rapidamente o sujeito surdo à sociedade ouvinte,
colocavam-no imerso por completo em contexto cultural ouvinte, tais como, fala,
atitudes, valores e comportamento, coibindo qualquer forma de aproximação ou
convívio com outros surdos e proibindo-lhe o uso da ngua de sinais.
A oralização era considerada então sinônimo de negação da ngua natural dos
surdos, sinônimo de correções exaustivas, de imposição a treinos repetitivos e
menicos da fala. Respaldado pela figura prestigiosa de Alexandre Graham Bell,
oralista convicto e respeitado da época, o movimento ganhou força e se consolidou a
partir de 1890 no célebre congresso de Milão, no qual pregou-se a concepção de que a
surdez era uma aberração genética e, assim, deveria ser extirpada da sociedade. Neste
cenário de exclusão e segregação da surdez, eram proibidos casamentos entre indivíduos
surdos ou qualquer tipo de contato mais próximo entre os pares.
A oralização, ao longo de sua fase mais extremista, deixou marcas profundas na
vida dos surdos. Nos dias de hoje, resquícios dos traumas sofridos em tempos que a
Língua de Sinais foi violentamente banida como forma de comunicação, provocando
danos irreparáveis de ordem psicológica, social e cognitiva nas pessoas surdas.
A abordagem oralista permaneceu forte e respondeu quase que exclusivamente pela
metodologia empregada na educação de surdos, por cerca de um século, de 1880 até
meados de 1980, deixando como legado um histórico de constantes fracassos na questão
da comunicação e na aceitação da surdez. Na concepção de FERREIRA BRITO (1993),
os fracassos na comunicação do dia a dia da criança surda foram, inúmeras vezes,
causas de inseguranças que repercutiram por toda a vida, levando-a a rejeitar a condição
de surda, na busca constante de um modelo ouvinte.
29
A abordagem oralista merece o reconhecimento, o somente o perfil de opressão
impresso na sua busca desenfreada pela recuperação da audição, mas, em contrapartida,
também o mérito pelo desenvolvimento de inúmeras técnicas para o treino vocal, que
são largamente utilizadas em clínicas fonoaudiológicas até os dias de hoje.
Na sociedade atual, a oralização de surdos tem se constituído como uma abordagem
pouco estimulada nas escolas. Entretanto, é notório, que ainda seja utilizada em
contextos educacionais específicos, principalmente se considerarmos o desejo das
famílias que almejam oralizar seus filhos surdos na expectativa que possam vir a
aprender o mais rápido possível a se comunicar oralmente. Passado algum tempo do
início dos treinos orais, essas mesmas famílias percebem que falar não constitui tarefa
fácil de ser alcançada pelo surdo e, passam a indagar-se sobre qual o melhor caminho a
seguir.
Nesse sentido, todos os profissionais envolvidos na formação educacional do
indivíduo surdo são preponderantes no auxilio à tomada de decisões. Qualquer que seja
o caminho a ser seguido devese ter como objetivo primordial a estimulação global da
comunicação do surdo com vista a facilitar o desenvolvimento de sua linguagem.
Muitos são os fatores que podem contribuir para que se tenha como proposta um
caminho que contemple também a oralidade. Dentre eles podemos mencionar o treino
oral no sentido do desenvolvimento ou preservação do resíduo auditivo, de forma a se
adquirir consciência do mundo sonoro
4
que o cerca. Por outro lado, o treinamento da
leitura orofacial também constitui um bom auxílio à comunicação. O uso de aparelhos
de amplificação sonora individual (AASI) ou implantes cocleares (IC) são ferramentas
hoje facilitadoras da leitura orofacial, pois atuam como auxiliares à compreensão de
4
Os treinamentos visando esse objetivo específico envolvem o desenvolvimento da atenção, do
reconhecimento da presença ou ausência de ruídos, sons instrumentais ou da fala, através da percepção
auditiva.
30
sons e consequentemente a melhor produção da fala que se pretende que o surdo
adquira.
No entanto, para que a abordagem oralista alcance seu objetivo, são necessários um
diagnóstico precoce, a adaptação imediata do aparelho de amplificação sonora
individual ou a realização do implante coclear. O início da reabilitação deve ocorrer
logo após o diagnóstico da surdez, com metas e objetivos a serem alcançados e muita
participação dos pais. O ensino da fala a um indivíduo surdo constitui tarefa árdua e
morosa, visto que, por mais leve que seja o grau de surdez, a percepção e a produção da
fala estão gravemente comprometidas. O trabalho deve ser desenvolvido de tal modo
que a habilitação ou a reabilitação auditiva ocorra segundo uma sequência gradativa de
dificuldades, tal como se segue:
Detecção auditiva habilidade primeira a ser desenvolvida, a partir da qual o
indivíduo deve perceber a presença ou a ausência do som. O objetivo do
desenvolvimento dessa habilidade é o de determinar se o aparelho está funcionando a
contento e, assim, preparar a criança para os níveis mais refinados das habilidades
auditivas.
Discriminação auditiva habilidade discriminatória a ser desenvolvida na
criança, no intuito de levá-la a identificar sons iguais ou diferentes. Com o
desenvolvimento de aprendizado dessa habilidade, a criança terá condições de analisar
as diferenças acústicas do mundo sonoro, tais como sons fortes e fracos, agudos e
graves, contínuos e intermitentes.
Reconhecimento auditivo habilidade de identificar o som e a fonte sonora, com
capacidade de classificar e nomear o som ouvido, repetindo o estímulo e apontando a
figura, a palavra ou a sentença correspondente ao estímulo.
31
Compreensão auditiva habilidade para entender os estímulos sonoros
apresentados sem necessariamente repeti-los. Pressupõe-se que a criança entende uma
mensagem acústica e que é capaz de manter minimamente um diálogo de modo a
compreender e a se fazer compreender.
Independente do método oral empregado, o objetivo fundamental do oralismo é
levar a criança surda a construir e a usar a linguagem oral de forma eficiente,
possibilitando sua interação com o meio social. Os surdos eficientemente oralizados
são, portanto, aqueles capazes de se comunicar também oralmente por meio da língua
portuguesa, com desenvoltura semelhante a outro indivíduo ouvinte. Entretanto o que é
constatado se contrapõe aos objetivos traçados pela filosofia oralista:
―A grande maioria dos surdos submetidos ao processo de
oralização não fala bem, utiliza pouco a leitura orofacial, e não
participa com naturalidade da interação verbal, demonstrando haver
uma discrepância entre os objetivos do método oral e os ganhos reais
que ele determina. Apenas uma pequena parcela deles apresenta
habilidade de expressão e recepção verbal razoável/boa. Essa
realidade é resultado de uma gama complexa de representações
sociais, sejam históricas, culturais, linguísticas, políticas, respaldadas
em concepções equivocadas que reforçam práticas, nas quais o surdo
é condicionado a superar uma ―deficiência‖, buscando tornarem-se
iguais aos demais‖
(SILVEIRA, 2007: 34)
32
1.3.2. Comunicação total/ bimodalismo
A abordagem comunicativa denominada Comunicação Total ganhou seus primeiros
impulsos na década de 1970, após estudos americanos a respeito do desenvolvimento de
crianças surdas, filhas de pais surdos, somados ao grande descontentamento em relação
ao movimento oralista. Segundo essa filosofia, o indivíduo surdo é compreendido como
uma pessoa e a surdez, como uma marca que repercute nas suas relações sociais e no
desenvolvimento tanto cognitivo, quanto afetivo (CICCONE, 1990).
Por possuir uma maneira particular de compreender o surdo enquanto cidadão do
mundo, a Comunicação Total pensa na organização de uma metodologia de trabalho
que busca programas para seu atendimento e seu processo educacional. SCHINDLER
(1988) definiu a abordagem não somente como uma metodologia, mas como uma
filosofia que incorpora as formas de comunicação auditiva, manual e oral, apropriadas
para assegurar uma comunicação efetiva com as pessoas surdas.
A filosofia da Comunicação Total proe a exposição do surdo ao maior número de
informações (auditiva, oral, sinalizada, escrita etc.), para que o surdo se aproprie da que
lhe for mais útil em seu desenvolvimento global, sem a valorização de uma forma em
detrimento de outra; a meta é o desenvolvimento individual pleno. Além disso, permite-
se o uso de qualquer recurso espaço-visual que venha a contribuir como facilitador da
comunicação, tal como a LIBRAS, a datilologia (representação manual do alfabeto), o
cued-speech” (representação manual de sons do português) e uma forma de ―pidgin
5
,
5
Pidgin ou pídgin, é o nome dado às formas de comunicação criadas, normalmente de maneira
espontânea, a partir da mistura de línguas, servindo de meio de comunicação entre os falantes de idiomas
diferentes. Os pidgins têm normalmente gramáticas simplificadas e um vocabulário restricto, servindo
como línguas de contacto auxiliares. São improvisadas e não o aprendidas de forma nativa. O conceito
é originário da Europa entre os comerciantes e negociantes do Mediterrâneo na Idade Média, que usavam
a Lingua franca ou Sabir. (Disponível em: www.wikipedia.com.br)
33
que consiste em uma comunicação incipiente inicial entre comunidades linguísticas
distintas, resultante do contato das duas línguas.
Fica claro, portanto, que a Comunicação Total postula uma valorização de
abordagens alternativas que possam permitir ao surdo ser alguém, com quem se possam
trocar ideias, sentimentos, informações desde sua mais tenra idade. O uso de sinais
passou a ser utilizado apenas como apoio ao desenvolvimento da oralidade,
descaracterizando as concepções originais da proposta que se tornou uma técnica para
facilitar o desenvolvimento da fala.
Alguns partidários da filosofia postulada pela Comunicação Total aceitam a ideia de
que a ngua de sinais pode atuar como um excelente apoio para a oralidade, de maneira
que a combinação de ambas as modalidades (LIBRAS sinalizada + Português oral)
possa garantir formas de comunicação mais eficientes. A partir de então, a comunicação
Total passou a ser encarada como uma forma de comunicação bimodal, denominada
bimodalismo‖.
O Bimodalismo é compreendido como uma prática que se utiliza de sinais retirados
da ngua de sinais e da ngua oral concomitantemente. A estrutura de ngua
apresentada às crianças é, portanto, a da língua oral. Dessa forma, acredita-se na
necessidade do uso de aparelho de amplificação sonora individual para o
aproveitamento dos resíduos auditivos no desenvolvimento da leitura orofacial,
juntamente com o uso da fala, dos sinais e do alfabeto digital.
MEADOW (1987) observa que, com crianças surdas, vindas de famílias em que a
língua oral é a norma de comunicação eleita, uma das alternativas mais próprias de
comunicação com essas crianças e por parte delas seria o bimodalismo, que congrega a
34
prática da língua oral e a forma manual (visual). Neste método, o trabalho terapêutico
pode ter dois objetivos distintos:
a) Fazer com que o surdo desenvolva a oralidade, sendo a ngua de sinais utilizada
apenas como apoio. Tal como no oralismo, o treinamento auditivo e o desenvolvimento
das habilidades auditivas são tarefas exigidas da criança.
b) Desenvolver a utilização da ngua de sinais como comunicação principal para o
surdo, sendo esta a base para o desenvolvimento da linguagem oral (quando possível).
Observa-se que a proposta da Comunicão Total teve seu mérito enquanto
abordagem comunicativa, no momento em que alavancou a inclusão de Surdos em
escolas regulares, facilitando a comunicação do professor (que não dominava a ngua
de sinais) com alunos surdos e, consequentemente, facilitando as situações de instrução
desses sujeitos. No entanto, essa combinação entre as diferentes formas de comunicação
acaba por gerar alterações estruturais tanto na língua oral como na língua de sinais. Com
isso, ―não as línguas de sinais passaram a sofrer interferências das línguas orais,
como também os surdos passaram a não entender os sistemas sinalizados criados por
ouvintes, os quais fragmentavam a língua original (SANTOS, 1994:14). Ao se
mesclar ambas as nguas em suas modalidades distintas, sacrificava-se o aprendizado
das duas, visto que os surdos acabavam por não apreender nenhuma delas em sua
totalidade.
Dessa forma, paralelamente ao desenvolvimento das propostas da Comunicação
Total, as pesquisas em torno da Língua de Sinais foram se tornando cada vez mais
estruturadas e, com elas, surgiram também alternativas educacionais que apontavam
para uma educação bilíngue. Na visão de QUADROS (1997), o bilinguismo surge como
uma proposta de ensino usada por escolas que propõem tornar acessível à criança surda
35
duas línguas, considerando a Língua de Sinais (LIBRAS) como língua natural,
pressupondo, portanto, o ensino de Português como segunda língua (L2)
A principal diferença entre a Comunicação Total e a filosofia do bilinguismo
consiste no fato de que o surdo bilíngue é usuário proficiente de duas línguas,
utilizando-se de uma ou de outra para comunicar-se, em função do seu interlocutor (se
ouvinte, ou se um usuário de LIBRAS). A Comunicação Total, no entanto, traduz-se em
uma forma híbrida de comunicação, através da qual são utilizados simultaneamente
todos os recursos de fala e sinais com um mesmo interlocutor. Neste sentido, como
pontua DORZIAT (1997), a Comunicação Total não pode ser entendida como uma
linguagem propriamente dita, mas uma maneira de comunicar-se ou mesmo uma
metodologia específica para o ensino dos surdos.
1.3.3. O bilinguismo
Atualmente, o bilinguismo tem sido amplamente aceito entre os especialistas e
educadores como a forma de comunicação dos surdos que permite a integração do
indivíduo ao meio sociocultural a que naturalmente pertence (FERNANDES, 1997), ou
seja, às comunidades de surdos e de ouvintes. Tanto para a comunidade surda, quanto
para grande parte dos linguistas estudiosos da questão, o enfoque bilíngue busca
assegurar o pleno desenvolvimento do indivíduo surdo, pois constitui uma abordagem
filofico-educacional que subsidia níveis mais elevados de proficiência da primeira
língua (LIBRAS) e da segunda (Português), simultaneamente.
O pressuposto sico do bilinguismo é o de que os surdos devem adquirir como
língua Materna ou L1, a Língua de Sinais; como segunda língua ou L2, a ngua oficial
36
de seu país; no caso do Brasil, o Português. Os surdos bilíngues seriam então, oralizados
e, ao mesmo tempo, usuários da língua de sinais. Essa proposta baseia-se no fato de que
o surdo, por si , já vive numa condição bilíngue e bicultural, isto é, convive
diariamente com duas nguas e duas culturas:
1. a língua gestual LIBRAS e a cultura de toda a comunidade surda do seu país;
2. a língua oral e escrita do Potuguês e a cultura ouvinte de seu país.
De acordo com MOURA (2000), os surdos formam uma comunidade com cultura e
língua própria. O bilinguismo, nesse sentido, permite que o indivíduo não perca sua
identidade com esta comunidade através da língua dos sinais; ao mesmo tempo, permite
que o surdo não se distancie da comunidade de ouvintes (através da língua oral),
ampliando, assim, seu universo de interação. Os adeptos da filosofia bilíngue defendem
que a língua gestual deve ser adquirida, preferêncialmente, pelo convívio com outros
surdos mais velhos que dominam a língua gestual.
O bilinguismo pressupõe, portanto, o desenvolvimento pleno das duas línguas para a
criança surda. Uma vez que cerca de 90% dos sujeitos surdos têm família ouvinte,
torna-se imperativo que a família aprenda a língua de sinais no intuito de que a criança
surda possa usá-la também ao comunicar-se em casa. A língua oral, que geralmente é a
língua utilizada em família, seria sua segunda ngua (L2).
O uso do bilinguismo torna claro neste aspecto que, na educação da criança surda
haja sempre presente o desenvolvimento de competências linguísticas e culturais
múltiplas que lhe permitam transitar eficaz e adequadamente pelas duas línguas e pelas
duas comunidades partindo do entendimento de que:
37
a) A ngua é um instrumento de vital importância para o desenvolvimento de certos
processos cognitivos da criança e que há um tempo cronológico e psicológico ideal para
essa aquisição.
b) A ngua de sinais é uma língua como qualquer outra e não apenas gestos
combinados;
c) A língua de sinais é adquirida naturalmente pela criança surda.
Uma postura que envolva o bilingüismo prioriza, evidentemente, o fato de que uma
língua precisa ser de donio do indivíduo para contribuir significativamente para seu
desenvolvimento cognitivo e sua necessidade de comunicação com o meio. Ser bilíngue
o é conhecer a gratica das duas nguas, mas também conhecer profundamente
as significações sociais e culturais das comunidades linguísticas de que se faz parte.
Cabe ressaltar que, para a maior parte das crianças ouvintes, a língua natural do país
onde vivem é, simultaneamente a ngua materna e a língua de escolarização. Não o é,
entretanto, para os surdos. Para a comunidade surda, a ngua de aquisição espontânea e
natural terá de ser uma língua de sinais. A língua de escolarização, a qual se toma por
partida para o aprendizado da leitura e da escrita, é uma língua oral (no nosso caso, o
Português). Esse fato potencializa sobremaneira a necessidade de que a escola passe a
focalizar de forma sistemática o ensino da leitura e da escrita, permitindo dessa forma
que o aluno surdo domine a modalidade do Português escrito.
A dificuldade em tornar-se proficiente em uma língua, na automação da leitura ou
da escrita, sem ter, no entanto, o conhecimento da estrutura gramatical e do seu
vocabulário, é um problema real ao ensino de surdos. Ao contrário do que acontece com
os ouvintes, a aprendizagem da leitura e da escrita, por parte dos surdos, não pode partir
da mobilização do conhecimento da ngua oral; antes, é através da aprendizagem do
38
vocabulário e do ensino explícito da estrutura gramatical que a criança surda, quando
desconhecedora da língua oral, tem acesso ao conhecimento dessa língua e assim extrai
significado do produto escrito. Estamos assim diante da aprendizagem de uma segunda
língua e não de um uso secundário de uma língua oral. Muita dificuldades atribuídas aos
surdos no que diz respeito à sua escolarização podem estar atreladas à falta de
desenvolvimento satisfatório de uma primeira língua sobre a qual possam refletir e com
a qual seja possível construir significados da ngua escrita.
―E é nesse contexto que o surdo construiu sua história linguística,
trazendo esse rol de dificuldades que esperamos serem, em breve superadas.
Nessa perspectiva, o bilinguismo surgiu como uma resposta a essas
reflexões, que a surdez deve ser reconhecida como mais um aspecto das
infinitas possibilidades da diversidade humana. Considerando que os Surdos
não são ―ouvintes com defeito‖, mas sim pessoas diferentes, eles estarão
aptos a entender que a diferença física gera uma visão não limitada, não
determinística de uma pessoa.‖ (SILVEIRA, 2007: 26)
O grande objetivo do ensino em um modelo bilingue é tornar o indivíduo Surdo
aunomo na procura e no uso de informação, permitindo dessa forma a utilização de
todo o escopo de aprendizado adquirido na demanda de atividades da sua vida escolar e
cotidiana. Pode-se concluir que o bilinguismo enquanto abordagem filosófico-
educacional justifica-se e se sobrepõe às abordagens anteriores, por conseguir apontar
caminhos alternativos ao que foi tradicionalmente posto na educação de surdos. O
bilinguismo altera-lhes a rota de aprendizagem, a fim de que surdos possam ser
cidadãos plenos no exercício da cidadania e no uso de sua primeira e verdadeira língua,
a LIBRAS.
39
1.4. LIBRAS: afinal, que ngua é essa?
Considerada a ngua natural dos surdos (ALMEIDA, 2000), a Língua de Sinais
possui características próprias, utilizando os gestos e expressões faciais como canal de
comunicação substituto da vocalização. A aquisição desta modalidade de comunicação
tem sido objeto de inúmeras investigações com crianças de diferentes ambientes
linguísticos: surdos filhos de pais surdos, surdos filhos de pais ouvintes e ouvintes filhos
de pais surdos. A partir de inúmeros estudos empreendidos na área de aquisição de
linguagem, foram identificadas algumas fases distintas que marcam o processo de
apropriação da ngua de sinais por parte de seus usuários: inicialmente gestos sem um
significado preciso; posteriormente, sinais específicos relacionados a objetos,
adquirindo, então, um significado estável, até um momento em que vários sinais se
combinam para formar uma sintaxe.
Nas Línguas de Sinais, os elementos gramaticais são denominados sinal. Estes são
formados a partir da combinação do movimento das mãos com um determinado formato
em uma determinada localização do corpo (uma parte ou um espaço em frente ao
corpo). As articulações das mãos, comparáveis aos fonemas e às vezes aos morfemas,
são denominadas parâmetros. FELLIPE (1988; 1998) e FERREIRA BRITO (1995)
destacam que as línguas de sinais se estruturam a partir de unidades mínimas que
formam unidades maiores e mais complexas, possuindo diversos níveis linguísticos:
fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático.
O sinal é formado a partir da combinação do movimento das mãos com um
determinado formato em um determinado lugar, podendo este lugar ser uma parte do
corpo ou um espaço em frente ao corpo. As articulações das mãos, que podem ser
comparadas aos fonemas e às vezes aos morfemas em línguas orais, o chamadas de
40
parâmetros. A LIBRAS, portanto, têm sua estrutura gramatical organizada a partir de
alguns parâmetros que estruturam sua formação nos diferentes níveis linguísticos. Três
são seus parâmetros principais ou maiores: a Configuração da(s) Mão(s) - (CM), o
Movimento - (M) e o Ponto de Articulação - (PA); Outros três constituem seus
parâmetros menores ou secundários: Região de Contato, Orientação da(s) mão(s) e
Disposição da(s) mão(s), conforme descritos abaixo.
Parâmetros Principais
1. Configuração das Mãos: são as formas que as mãos adquirem no momento da
execução do sinal, que podem ser da datilologia (alfabeto manual) ou outras formas
feitas pela mão predominante (mão direita para os destros), ou pelas duas mãos do
emissor ou sinalizador. Pelas pesquisas linguísticas, foi comprovado que na LIBRAS
existem 43 configurações das mãos. Os sinais que designam APRENDER,
LARANJA e ADORAR têm a mesma configuração de mão.
2. Movimento: os sinais podem ter um movimento próprio ou não. Os sinais citados
acima m movimento, à exceção de PENSAR que, como os sinais de AJOELHAR,
e de EM-, o tem movimento;
3. Ponto de Articulação: é o lugar onde incide a mão predominante configurada,
podendo esta tocar alguma parte do corpo ou estar em um espaço neutro vertical (do
meio do corpo até a cabeça) e horizontal frente do emissor). Os sinais
TRABALHAR, BRINCAR, CONSERTAR são feitos no espaço neutro e os
sinais ESQUECER, APRENDER e PENSAR são feitos na testa.
41
Parâmetros Secundários
4. Região de contato: consiste na maneira como a mão, no momento da execução do
sinal, entra em contato com o corpo, podendo ser através do:
Toque, como acontece com os sinais de MEDO” e CONHECER.
Duplo toque, como acontece com os sinais de FAMÍLIA” e SURDO”.
Risco, como acontece com os sinais de OPERAR” e PESSOA.
▪Deslizamento, como acontece com os sinais de CURSO” e EDUCADO.
5. Orientação das Mãos: os sinais podem ter uma direção própria assumida para a
palma da mão e a simples inversão desta direcionalidade pode significar ideia de
oposição, contrário ou concordância número-pessoal, como os sinais de QUERER E
QUERER-NÃO; IR e VIR;
6. Disposição das mãos: a realização dos sinais na LIBRAS pode ser feito com a mão
dominante ou por ambas as mãos, sem que haja o comprometimento da compreensão do
sinal executado. Tal variação pode ser observada nos sinais que designam BURROe
DIFERENTE.
Além dos parâmetros acima descritos, a LIBRAS conta com uma série de
componentes não manuais, como a expressão facial ou o movimento do corpo, que
muitas vezes podem definir ou diferenciar significados entre sinais. A expressão facial e
corporal pode traduzir alegria, tristeza, raiva, amor, encantamento, dando mais sentido a
LIBRAS e, em alguns casos, determinando o significado de um sinal. O dedo indicador
em [G], por exemplo, sobre a boca, com a expressão facial calma e serena, significa
42
silêncio; o mesmo sinal usado com um movimento mais rápido e com a expressão de
zanga significa uma severa ordem: Cale a boca!
Será, portanto, a combinação harmônica e perfeita dos parâmetros acima
descritos, somados aos componentes adicionais o manuais, que resultará na execução
do sinal. Falar com as mãos é, antes de tudo, saber combinar com maestria todos os
elementos que formam os sinais para, posteriormente, combiná-las na construção de
frases e orações a partir de um determinado contexto.
Como enfatizado por FIORIN (2006:23), é preciso compreender, pois, que para
que haja interação discursiva, em quaisquer que sejam as línguas, não basta apenas
saber o significado de cada uma das unidades lexicais que compõem um enunciado‖. É
preciso ir muito mais além e perceber as inúmeras relações dialógicas que as unidades
mantêm com outros enunciados do discurso. Ou seja, é preciso também ser proficiente
nas regras de combinação entre as unidades nas estruturas sintáticas e contextuais
maiores que as regulam para construir o seu verdadeiro significado.
A questão levantada por inúmeros estudiosos na área é se a forma de comunicação
visuo-gestual apresentada pela língua de sinais pode ou não ser considerada como
língua. Recentemente, pesquisadores demonstraram que a Língua de Sinais não apenas
satisfazem as necessidades cognitivas, comunicativas e expressivas de seus usuários,
como também apresentam todas as propriedades fundamentais de uma língua natural.
Segundo FERREIRA BRITO (1995), dentre outros estudiosos da LIBRAS, as Línguas
de Sinais são comparáveis em complexidade e em expressividade às línguas orais, pois
possuem estrutura e regras gramaticais próprias, tendo assim valor linguístico
semelhante ao das línguas orais.
43
―As nguas de sinais são, portanto, consideradas pela linguística
como línguas naturais ou como um sistema linguístico legítimo, e não
como um problema do surdo ou como uma patologia da linguagem.
Stokoe, em 1960, percebeu e comprovou que a língua de sinais
atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no
léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita
de sentenças. (QUADROS & KARNOPP, 2004: 30)
Na caracterização do sistema linguístico das línguas de sinais, o primeiro aspecto a
ser considerado consiste no fato de que essas línguas utilizam a modalidade visuo-
espacial, que difere da modalidade oral-auditiva assegurada pelas línguas orais. Esse
traço de diferença evidencia sobremaneira o cerne do conceito de linguagem, suas
manifestações e propriedades. Como salienta FERREIRA BRITTO (1995), o canal
visuo-espacial de comunicação pode não ser o preferido pela maioria dos seres humanos
para o desenvolvimento da linguagem, posto que a maioria das línguas naturais
possuem orientação oral-auditiva, entretanto é uma alternativa que revela de imediato a
força e a importância da manifestação da faculdade da linguagem em pessoas surdas.
Outro aspecto que se sobressai na língua de sinais diz respeito à sua forte
motivação icônica. Não é difícil supor que tal característica se explique pela natureza do
canal perceptual; na modalidade visuo-espacial, a articulação das unidades da
substância gestual (significante) permite a representação icônica de traços semânticos
do referente (significado), o que justifica o fato de muitos sinais reproduzirem imagens
do referente.
No que tange ao plano semântico-pragmático, como acontece com a maioria das
línguas, os traços são determinados pelo seu uso e contexto. Os traços prosódicos das
línguas de sinais são realizados através de expressões faciais, manuais ou corporais. A
codificação da atitude do falante em relação ao que está sendo descrito, em particular os
tipos diretivo, optativo ou exortativo, ilustra a convergência entre ambas as modalidades
44
linguísticas: visuo-manual e oral-auditiva. Em Língua de Sinais são utilizados
movimentos de pescoço e expressões fisiomicas em sincronia e simultaneidade com o
sinal manual, enquanto que, emnguas orais, é utilizada a modulação do contorno
melódico em sintonia com os segmentos fônicos.
Pode-se afirmar, portanto, que traços suprassegmentais, como o contorno melódico
e a intensidade presente nas línguas orais e as expressões faciais e o ritmo nas línguas de
sinais, devem ser analisados, como sugere FERREIRA BRITO (1986, 1993, 1995),
como parte do que é central à gramática de uma ngua e não apenas enquanto fator
paralinguístico ou periférico. Alguns estudos investigam a hipótese de que essas
expressões codificam propriedades gramaticais de categorias funcionais da estrutura
oracional. Analisando tais recursos expressivos das Línguas de Sinais, QUADROS
(1995: 64) ressalta:
―Os sinais em si mesmos, não expressam o significado completo
do discurso. Este significado é determinado por aspectos que
envolvem a interação dos elementos expressivos da linguagem. No ato
da conversação, o receptor deve determinar a atitude do emissor em
relação ao que ele produz [...]. Os surdos utilizam a expressão facial
e corporal para omitir, enfatizar, negar, afirmar, questionar,
salientar, desconfiar e assim por diante‖
No que tange ao plano morfológico, da mesma forma como ocorre em línguas orais,
as Línguas de Sinais apresentam um sistema de estrutura e formão de palavras,
semelhante à divisão das palavras em classes. O ponto que as diferencia de algumas
línguas orais é o seu caráter sintético, muitas vezes confundido como um modelo
econômico” de linguagem: seu plano morfológico faz uso do léxico, sistema flexional
nominal e sistema flexional verbal.
Por serem essencialmente visuo-espaciais, as línguas de sinais oferecem muitas
formas diferentes e criativas de serem plenamente exploradas. Configurações de mãos,
45
movimentos corporais, expressões faciais, localizações diversas, espaço de sinalização,
classificadores.
6
Esses o alguns dos recursos discursivos que as Línguas de Sinais
oferecem para serem explorados durante o desenvolvimento linguístico da criança surda
e que devem ser utilizados ao máximo para que se atinja um processo de aquisição com
êxito.
É imperativo, portanto, a exposição da criança surda o mais precocemente possível à
língua de sinais, identificada como uma língua preponderante (L1) que poderá ser
adquirida por ela sem que sejam necessárias condições especiais de “aprendizagem”. O
trabalho pedagógico em favor de uma língua de sinais desponta como uma proposta de
trabalho linguístico que permite o desenvolvimento rico e pleno de linguagem e que
possibilita ao surdo o desenvolvimento integral de suas habilidades cognitivas.
Da mesma forma como ocorre o processo de aquisição de linguagem com as
crianças ouvintes, espera-se que o processo de aquisição das línguas de sinais seja
adquirida na exposição com usuários fluentes nessa língua. As crianças surdas,
envolvidas em práticas discursivas e em processos interpretativos por elas gerados,
inserem-se no funcionamento linguístico-discursivo do sistema da língua de sinais.
Crianças surdas têm necessidade de ser conduzidas em atividades de elaboração
linguística realizadas por meio da Língua de Sinais. A língua adquirida permite o
restabelecimento da comunicação efetiva, que servi de apoio para a construção de
todo o processo de letramento escolar tanto quanto para a aquisição da modalidade
escrita da ngua portuguesa. Tomando-se por base o que afirma DORZIAT (1999:14),
a língua de sinais é que dará condições de os surdos se tornarem seres humanos na
6
Classificadores são sinais que utilizam um conjunto específico de configurações de mãos para
representar objetos incorporando ações. Tais classificadores são gerais e independem dos sinais que
identificam tais objetos. É um recurso bastante produtivo que faz parte das línguas de sinais.
(QUADROS, 2006)
46
sua plenitude, através da apropriação dos conceitos científicos, disponíveis na
educação formal‖.
Novas perspectivas, no entanto, começam a despontar em nosso país com a
adoção de uma potica linguística sistemática no que concerne à língua brasileira de
sinais (LIBRAS), que começa a ser instaurada agora por meio legal. A lei 10.436 de
2002 reconhece o estatuto linguístico da Língua de Sinais e, assinala ao mesmo tempo,
que a LIBRAS não pode substituir o português. A recomendação atual do MEC é a de
que, em função da língua portuguesa ser, pela Constituição Federal, a língua oficial do
Brasil, portanto língua cartorial em que se registram os compromissos, os bens, a
identificação das pessoas e o próprio ensino, determina-se o seu uso em caráter
obrigatório nas relações sociais, culturais, econômicas, jurídicas e nas instituições de
ensino.
Nessa perspectiva, o ensino de ngua portuguesa, como segunda língua para surdos,
baseia-se no fato de que esses são cidadãos brasileiros, têm o direito de utilizar e
aprender a língua oficial do país em que vivem, tão importante nesse caso para o
exercício pleno da cidadania. O decreto 5626 de 2005 enfatiza que a educação de surdos
no Brasil deve ser bilíngue, garantindo dessa forma o acesso à educação por meio da
língua de sinais e o ensino da língua portuguesa escrita como segunda ngua.
7
Postula-
se, portanto, que se aborde como proposta educacional para o surdo um enfoque
bilíngue através do qual a Língua de Sinais representa a língua de instrução; e a ngua
portuguesa, uma modalidade de segunda língua, da qual o indivíduo surdo não pode
prescindir para assegurar plena inserção na sociedade tecnologizada pela escrita e obter
de uma vasta gama de informação disponível por intermédio do código escrito.
7
Políticas linguísticas. Quadros, 2006. MEC, SEESP.
47
De fato, influenciado pela tecnologizão de uma sociedade grafocêntrica, o
aprendizado da modalidade escrita consiste em tarefa quase obrigatória, haja vista a
argumentação de que a “posse” do código escrito permite ao possuidor alçar esferas
mais complexas de abstrações mentais. ONG (1982:82), por exemplo, ao ressaltar as
qualidades intrínsecas da escrita, preconiza que:
―Como outras criações artificiais e de fato mais do que
qualquer outra, a escrita é absolutamente valiosa e, aliás, essencial
para a realização do potencial interior humano mais completo. As
tecnologias não são meros auxiliares externos, mas também
transformações internas do nosso ser ciente (consciousness), e o são
muito mais ainda quando elas afetam a palavra. A escrita aumenta a
condição de ser ciente.
Uma vez que a nossa sociedade ouvinte valoriza justamente aquilo que é postulado
como característico do pensamento transformado pela escrita, caracterizações como esta
citada por ONG (op.cit.) reforçam a importância da prática do letramento como uma
ideologia, que confere à posse do código escrito uma enorme gama de efeitos positivos.
Os efeitos desejáveis da apropriação da escrita não se repercutem apenas no âmbito da
cognição como acima apontado mas sobretudo no âmbito social.
48
1.5. A escrita, a leitura e as representações sociais no contexto do
surdo
O contexto bilíngue, que passa a despontar no cenário educacional como principal
abordagem pedagógica na maior parte das escolas voltadas para a escolarização de
surdos, coloca em evidência a ngua de sinais e a língua portuguesa. Nessa nova
perspectiva de escolarização, não basta simplesmente decidir se uma língua ou outra
fará parte do programa escolar, mas é necessário que se torne possível a existência de
ambas no atendimento às diversas funções cotidianas na rotina escolar dos surdos.
A estreita relação entre leitura, escrita e linguagem se estabelece à medida que a
criança surda, ao possuir um bom desenvolvimento linguístico em sua ngua
predominante, a LIBRAS, terá a seu favor um cabedal de recursos mnemônicos capaz
de codificar ou simbolizar os estímulos recebidos e de modo a processá-los eficazmente
na construção do código escrito. Fica, portanto, estabelecido, que a modalidade escrita
exige da criança aprendiz (seja ela surda ou ouvinte), uma dupla estratégia de abstração.
Segundo VYGOTSKY (1996), a primeira estratégia de abstração consiste em
estabelecer relações com a oralidade; a segunda estratégia pressupõe relações com o
interlocutor (desconhecido e imaginário). Daí provém toda a complexidade desse
processo de construção que impõe à criança um alto grau de reflexão sobre o
conhecimento a ser adquirido.
A questão do letramento escolar de alunos surdos no que diz respeito,
especificamente, à aquisição da língua portuguesa escrita tem demandado,
sobremaneira, muita reflexão por parte dos profissionais e pesquisadores da área da
surdez. Muito embora alunos surdos consigam desenvolver com certa eficiência
habilidades de codificação e decodificação dos estímulos recebidos, a maioria apresenta
49
incapacidade em atribuir sentido ao que lê. Tamanha limitação pode ser explicada não
somente pelas concepções equivocadas em leitura e escrita que insistem em embasar as
práticas pedagógicas desenvolvidas na escola, mas, sobretudo, ao pouco contado ou, por
muitas vezes, desconhecimento da ngua portuguesa e de materiais escritos, que os
alunos surdos apresentam quando chegam à escola. O sucesso da produção escrita nesse
contexto, portanto, requer ações específicas e altamente especializadas de todos os
profissionais envolvidos na escolarização do surdo, pois são inegáveis todas as
especificidades da situação de aquisição da modalidade escrita por esses alunos.
Nesse processo de construção, relembra SILVEIRA (2007), a leitura adquire um
papel de extrema relevância, devendo ser uma das principais preocupações no ensino de
português como segunda ngua, uma vez que constitui etapa fundamental para a
aprendizagem da escrita. Dessa forma, torna-se imprescindível que, ao se conduzir o
aluno surdo ao aprendizado da ngua portuguesa, a LIBRAS seja utilizada como
veículo de comunicação. Devemos considerar, neste ponto, que a escrita não é mero
registro de fala, mas a transmissão de mensagens por meio de um sistema convencional
que representa conteúdos linguísticos, pressupondo uma análise da linguagem.
O processo de construção da escrita pelo aluno surdo é subsidiado, o pela
mobilização dos componentes sonoros de uma língua de modalidade oral-auditiva como
o português, mas por sua língua materna, a LIBRAS. Dessa forma, o surdo se apropria
de estratégias e estruturas próprias da Língua de Sinais no momento em que escreve em
Português. A escrita assim passa a ser construída e significada, por intermédio do
sistema lingüístico da sua ngua predominante, uma língua que, para o aprendiz, possui
significação direta em termos de conceituação e abstração mental necessárias ao
aprendizado da tecnologia escrita. Como enfatizado por QUADROS (2006: 31),
50
―Falar sobre os processos de interações comunicativas, sobre
a língua de sinais e sobre a língua portuguesa escrita são formas de
desenvolver a conscientização do valor das línguas e suas respectivas
complexidades. Este exercício dará subsídios para o processo de
aquisição da leitura em sinais, bem como para o desenvolvimento da
leitura e escrita do português como segunda língua. (...) As crianças
surdas precisam internalizar os processos de interação entre quem
escreve e quem para atribuir o verdadeiro significado à escrita.
Dessa forma, a escrita em português é significada a partir da língua de
sinais‖
Faz-se, então, indispensável que o surdo possua relativo donio de sua língua
materna, para que possa adquirir tamm o Português como segunda língua (L2), visto
que será justamente a ngua de sinais a base para todas as outras aquisições. Entretanto,
de se considerar que muitos surdos não possuem o donio nangua materna,
utilizando muitas vezes uma comunicação gestual de origem caseira para fins de
comunicação estritamente familiar. Somado a isso, o acesso tardio ao ambiente escolar e
a recusa do uso da LIBRAS por parte da família como ngua majoritária no
desenvolvimento da linguagem infantil acabam por determinar uma experiência
educacional bastante variável. Cabe ser ressaltado, portanto, a visão de FERNANDES
(1999) acerca da questão, quando enfatiza que, embora o potencial intelectual dos
surdos seja considerado normal, seu desempenho será limitado pela privação de
ferramentas linguísticas, acarretando, assim, atraso na aquisição de vários aspectos
cognitivos.
Neste sentido, não podemos nos esquivar de uma reflexão mais aprofundada no que
tange principalmente aos aspectos socioculturais inerentes à comunidade surda,
tampouco da função relevante da escrita como decorrente de práticas discursivas, pois,
como podemos observar, são fatores determinantes de sua educação. É necessário
51
repensar as concepções tradicionais de ensino do Português na modalidade escrita
voltada para a escolarização do surdo, ressaltando a importância do aspecto visual da
leitura e da escrita como indispensável nesse processo em detrimento a outros aspectos
talvez menos relevantes.
É preciso observar neste ponto que, na perspectiva do desenvolvimento cognitivo, a
aquisição de uma segunda língua é similar ao processo de aquisição da primeira. O
Português escrito, enquanto língua alvo a ser atingida, apresentará características típicas
de aquisição observadas no aprendizado de uma segunda língua. QUADROS (2006: 34)
observa aspectos que dizem respeito a esse processo de aquisição:
―As produções textuais de surdos apresentam vários
estágios de interlíngua, ou seja, nesse processo de aquisição, as
crianças revelam um sistema que não mais representa a primeira
língua, mas também não representa, ainda, a língua alvo. A
interlíngua não é caótica e desorganizada, mas apresenta sim
hipóteses e regras que começam a delinear uma outra ngua que
não é mais a primeira língua daquele que está no processo de
aquisição da segunda língua.
Os estágios da interlíngua
8
apresentam características de um sistema linguístico com
regras próprias que segue em um fluxo de desenvolvimento contínuo em direção a
segunda língua, ou língua-alvo. Em produções textuais de surdos, têm se observado os
seguintes estágios de interlíngua:
1) Interlíngua I : Neste estágio, observa-se o emprego predominante de estratégias
de transferência da língua 1 (LIBRAS) para a escrita da ngua 2 (ngua portuguesa).
Há o predomínio de frases sintéticas com emprego preponderante de construção de frase
do tipopico-comentário. Emprego de verbos no infinitivo e falta de conjunções.
8
Para uma descrição mais completa dos estágios de interlíngua observados em produções textuais de
surdos, ver BROCHADO (2003).
52
2) Interlíngua II: Neste estágio, observa-se na escrita de surdos uma intensa
mescla das duas línguas, em que predomina o emprego de estruturas linguísticas da
Língua de Sinais e o uso indiscriminado de elementos do português, na tentativa de
apropriar-se da língua-alvo. estruturas de fases alternantes, ora com características
da ngua de sinais, ora com características gramaticais da ngua portuguesa.
3) Interlíngua III: Neste estágio, surdos demonstram em sua escrita o emprego
predominante da gramática da língua portuguesa em todos os níveis, principalmente, no
sintático, definindo-se pelo aparecimento de um mero bem maior de frases na ordem
SVO e de estruturas complexas da língua. Observa-se o uso consistente de flexões
verbais, nominais e de emprego de palavras funcionais, tais como, artigos, preposições e
conjunções.
de se considerar, entretanto, como demonstrado em alguns estudos, que o
aprendizado do português como segunda língua - a ngua-alvo - pode apresentar
características circunstanciais típicas desse processo. Ou seja, observa-se o desempenho
individual variável tanto em relação ao êxito, como em relação ao processo de
aprendizagem em si. Há, por exemplo, variação nas estratégias utilizadas pelos alunos,
bem como nos objetivos, podendo faltar motivação e aceitação da ngua-alvo ao longo
do percurso, o que tem sido apontado como uma possível causa de insucessos do
aprendizado.
As condições que cercam todo o processo de aprendizagem da língua portuguesa
escrita pelos alunos surdos são de certa forma, desafiadoras e adversas. Por um lado,
para eles, aprender a nova ngua coincide com o desafio de aprender a ler e a escrever.
53
Por outro lado, faltam-lhe as “pistas” que o conhecimento de uma língua oral pode
fornecer aos aprendizes de uma segunda língua. Além de lidar com aspectos tão
específicos da ngua portuguesa, sabemos ainda que necessitam lidar com aspectos
específicos da língua de sinais em função de sua modalidade visuo-espacial (SALLES
et al., 2004).
Em meio a tantas adversidades, não causa surpresa o fato de que a produção escrita
de surdos revelem características próprias que suscitem dificuldades de interpretação. A
tarefa de adquirir um língua impõe o domínio dos elementos do léxico, os quais trazem
consigo informações sintáticas, semânticas e fonológicas, bem como possíveis
combinações entre eles, combinações estas, que resultarão na formão de seqüências
adequadas à gramática da língua aprendida.
Muitas dificuldades encontradas por surdos inerentes ao processo de automação da
gramática da língua-alvom sido apontadas como uma incapacidade de produção
textual adequada às expectativas ouvintes. Essa leitura equivocada tem levado muitos
profissionais envolvidos em sua escolarização, até mesmo pesquisadores, a acreditar
que uma pessoa surda não é capaz de produzir uma escrita que contemple
satisfatoriamente os quesitos sicos de ordenação textual bem como os de elementos
de coesão e coerência na superfície do texto.
O primeiro contato com um texto escrito por surdo é para muitos ouvintes, no
mínimo, desconcertante. Por desconhecerem a realidade linguística do surdo e todas as
implicações dela decorrentes, membros da comunidade ouvinte, custam a crer que a
língua portuguesa seja tão opaca” para esse sujeito ou que, anos a fio de escolarização,
o tenham conseguido causar o efeito esperado. Diante de tamanha frustração, são
inúmeras as dificuldades de construção textual apontadas por professores e profissionais
54
envolvidos na educação do surdo, no que diz respeito ao processo de aprendizagem do
português escrito.
Pesquisas recentes em escrita surda têm revelado que, em se tratando de normas”
sintático-ortográficas da ngua portuguesa escrita, não são os erros ortográficos que
figuram como maiores vilões desse processo de composição, mas as construções
sintáticas. Como destacado em GÓES (1999:38), são justamente as construções
sintáticas atípicas que comprometem o entendimento do texto, sendo comum a falta de
coesão referêncial, com ordenação inadequada de palavras e frases, criando
construções ambíguas ou textos com sentido indefinido ou incompleto.
Ao descrever algumas dificuldades encontradas por surdos na escrita, SILVEIRA
(2007: 46) chama a atenção para o fato de que tais obstáculos são apontados por muitos
profissionais, como uma incapacidade intransponível de o sujeito surdo se expressar
coerentemente por meio da escrita:
―Uma das maiores dificuldades que o surdo tem
apresentado na sua produção textual em português é exatamente a de
fazer as ligações entre palavras, segmentos, orações, períodos e
parágrafos, ou seja, a de organizar sequencialmente o pensamento em
cadeias coesivas na língua portuguesa. Essa ideia tem levado muitas
pessoas que lêem tais produções a acreditarem que uma pessoa surda
não tem coerência na expressão escrita.‖
Observo, entretanto, que esse raciocínio é, realmente, equivocado. Embora coesão e
coerência apresentem vínculos entre si, são fenômenos relacionados a aspectos distintos
do texto e com características particulares inerentes a cada um. Elementos de coesão
estão diretamente relacionados à forma do texto em seu aspecto estrutural, enquanto a
coerência relaciona-se a aspectos lógico-semânticos que pressuponho ser a condição
básica de um texto. Podemos, inclusive, encontrar fatos narrados isoladamente, com
55
apresentação de um perfeito sequenciamento coesivo, que não possuem uma coerência
textual, pois a coesão não é condição nem totalmente suficiente, nem totalmente
necessária para a formação de um texto. (MARCUSCHI, 1983)
Os textos escritos em português, elaborados por surdos, apesar de apresentar certas
inadequações na forma, não violam o princípio de coerência, pois, salvo raras exceções,
conseguem expressar de forma inteligível suas ideias e transmitir mensagens,
considerando obviamente o estágio de interngua em que se encontra o texto analisado.
Como observado por FÁVERO (2006), o elemento fundamental para a transmissão de
uma mensagem escrita é de fato a coerência, que depende diretamente da estruturas
cognitivas e dos princípios pragmáticos que regem a linguagem.
Outro aspecto importante a ser questionado em relação aos textos produzidos por
surdos diz respeito à ideia de que inexistam elementos de coesão nas construções,
tampouco formação de cadeias coesivas na superfície textual, fato que lhes atribui os
tulos”, quase que perpétuos, de desordenados, indefinidos, inadequados, atípicos.
Ressalto, entretanto, que existem inúmeros recursos na língua portuguesa que podem ser
utilizados para a formação de uma cadeia coesiva, que extrapolam consideravelmente os
limites de uma simples manutenção ou substituição de umpico discursivo.
Considerando o aprendizado de uma segunda língua e a inflncia da ngua 1 sobre
a escrita em uma língua 2, é possível admitir que a produção escrita por surdos
apresente coesão referêncial estabelecida por outros recursos que não aqueles
prototipicamente conhecidos, tais como a substituição anafórica, por exemplo. Passo,
portanto, nas próximas seções, à revisão de estudos acerca da coesão e dos aspectos
constitutivos das cadeias coesivas, no intuito de lançar um olhar mais crítico e
aprofundado sobre as questões em destaque.
56
2. Aspectos da Coesão Textual: a descrição
Interessa-me, particularmente, nesse estudo, levantar hiteses em relação a
elementos específicos de coesão referêncial utilizados por surdos frente às produções
escritas, observando principalmente a formação das cadeias coesivas impostas aos
referentes abordados nos textos. A coesão, vista por teóricos da área de linguística
textual (FAVERO, 2006; KOCH, 1989), constitui um dos princípios básicos da
textualidade que se manifesta através de marcas linguísticas na superfície do texto,
assegurando-lhe a continuidade, a sequência e a unidade semântica.
Em obra clássica sobre o aspecto coesivo, HALLIDAY & HASSAN (1976)
reconhecem, no entanto, que a noção de coesão textual precisa ser acrescida também da
noção de registro, ou seja, a forma como o texto se estrutura semanticamente a partir de
classes específicas de contextos situacionais que definem sua substância. Importa-se
avaliar, nesta perspectiva, o significado textual redimensionado por todos os seus
componentes constitutivos, que incluem o caráter social, comunicativo,
multirepresentacional.
Desta forma, a definição de coesão, segundo os autores acima citados, assume uma
conceituação eminentemente semântica, referindo-se às relações de significado que se
estabelecem dentro do texto. Será, pois, o aspecto coesivo que conferi ao material
textual a definição de texto, fazendo com que seja mais do que uma simples sequência
de frases desconexas. A coesão permite a interpretação de um elemento no discurso a
partir da dependência que se estabelece com um outro que o antecede (coesão anafórica)
ou que o segue (coesão catafórica). Segundo os autores, a coesão ocorre quando a
interpretação de algum elemento no discurso é dependente da de outro. Um pressupõe o
57
outro, no sentido de que não pode ser efetivamente decodificado, a não ser por recurso
ao outro.
Na perspectiva apontada, portanto, a coesão é interpretada como sendo basicamente
um conjunto de recursos semânticos que funcionam na sentença como elos de
ligação”, capazes de estabelecer a conexão de uma dada sentença, com outras, na
estrutura textual, com o propósito de criar um texto. Indiscutivelmente, a obra clássica
dos autores representa um marco na literatura desenvolvida acerca do tema, no
momento em que estabelece um modelo de sistematização do conjunto global de
categorias e recursos da coesão utilizados ainda atualmente como pilar de sustentação
para inúmeras pesquisas na área linguística.
HALLIDAY & HASSAN (op.cit.) apresentam como categorias coesivas a
referência, a substituição, a elipse, a conjunção e a coesão lexical. Esse conjunto de
categorias coesivas define-se como eminentemente relacionais, ou seja, têm por função
principal funcionar como conectores, ligando estruturas distintas na supercie textual.
Em discordância com alguns pressupostos discutidos no trabalho dos autores, no que
tange ao aspecto coesivo e sua preponderância na construção textual, MARCUSCHI
(1983) pondera que a coesão não consiste em condição necessária, tampouco é
suficiente para a criação de um texto. Basta atentarmos para o fato de que nos
deparamos a todo o momento com textos destituídos de recursos coesivos prototípicos,
nos quais a continuidade se ao nível do sentido e não ao nível das relações entre os
constituintes lingüísticos. Vejamos, por exemplo, o trecho destacado a seguir:
58
a) Cocada de leite condensado, uma delícia! Doce de abóbora com coco não
fica na geladeira. Doce de leite voa. Chocolate? Tem pernas... Minha filha é
tarada por doces!
Pode-se observar claramente, no trecho (a) que, embora não existam mecanismos
coesivos explícitos, tais como retomadas que funcionem como elos de ligaçãoentre
as sentenças, a textualidade se mantém íntegra no nível semântico-pragmático.
MARCUSCHI (1983) acrescenta, em suas considerações que, se por um lado pode
haver textos destituídos de mecanismos coesivos, por outro, pode também haver textos
em que ocorre um sequenciamento coesivo de fatos isolados que permanecem isolados,
e com isso não têm condições de formar uma textura. Tal observação pode ser
ilustrada pelo trecho abaixo:
b) Carlos não estuda na Universidade de Brasília.
Meu filho não sabe que a primeira Universidade foi a de Bolonha.
Ele só pensa em sair da Universidade e começar a trabalhar na área médica.
A Universidade do meu filho é rodeada de plantas.
Aquela universidade da esquina não possui sequer um laboratório de química!
Como bem aponta o autor, podemos ter construções formadas por um
sequenciamento de fatos isolados como visto na sequência acima que semanticamente
o têm condição de formar um texto. Muito embora os referentes “universidade e
“meu filho” apareçam constantemente retomados, inclusive pronominalizados, é
59
possível perceber que tais mecanismos coesivos não são suficientes para conferir uma
textura capaz de unificar as relações de sentido entre as sentenças e formar um texto
semanticamente coeso.
KOCH (1989) compartilha da visão de MARCUSCHI (op.cit.) quando pondera que
a coesão não constitui condição necessária nem suficiente para que um texto seja
verdadeiramente um texto. Entretanto, a autora tece alguns comentários pertinentes que
dizem respeito à importância do aspecto coesivo na tessitura do material textual.
KOCH (1989) pondera que embora seja exacerbado conferir à coesão um caráter
indispensávelna construção de um texto, é importante perceber que os mecanismos
de coesão o são menos importantes por isso. A adequada utilização de elementos
coesivos é altamente desejável no processo de construção textual, visto que são
mecanismos capazes de fazer com que o texto adquira maior legibilidade, fluência e
tornar mais explícitas as relações estabelecidas entre os componentes linguísticos.
A autora conclui suas considerações acerca do tema afirmando que o conceito de
coesão textual diz respeito a todos os processos de sequencialização que asseguram (ou
tornam recuperável) uma ligação linguística significativa entre os elementos que
ocorrem na superfície textual. (KOCH, 1989:18)
Perspectiva semelhante é descrita por ANTUNES (1996) ao observar o papel de
caráter parcial, mas não menos importante que a coesão desempenha na estrutura do
texto. A autora pondera que a coesão se refere, essencialmente, à forma como os
elementos linguísticos se organizam na superfície textual no propósito de assegurar
continuidade, progressão e unidade semântica ao texto. Desta forma, portanto, em se
tratando de organização textual, a tríplice dimensão seria o alicerce principal de sua
constituição, conjugando-se harmoniosamente na superfície do texto.
60
ANTUNES (1996: 30-53) destaca duas propriedades essenciais da coesão na
constituição de um texto, as quais se relacionam com a dimensão local dos elementos
textuais e com a dimensão global de sua estrutura. Embora sejam dois níveis distintos
de articulação, cada qual com suas próprias redes de relações, ao final da tessitura
textual, a suas propriedades em conjunto ajustam-se e integram-se, resultando um todo
unificado.
1) A coesão promove e assinala a progressão da superfície textual, com via de
acesso à continuidade pica e suas relações adjacentes numa dimensão micro-
estrutural ou local, no que tange o nível menor das subpartes da sequência.
2) Na promoção da continuidade, que se evidencia pela sequência lexical, a coesão
opera também com base nas relações macroestruturais ou globais, assegurando
a unidade pica do texto como um todo integrado (elemento relevante para seu
funcionamento sociocomunicativo).
Torna-se evidente, então, a partir de tais considerações, que o processo de
construção textual não se esgota simplesmente na justaposição de uma série de
frases e orações que possam ser ordenados aleatoriamente, por mais bem escritas
que estejam. Existem restrições ordenativas que impõem regras de continuidade a
frases e parágrafos que visam preservar o teor comunicativo do material textual.
Sob este aspecto, portanto, parece ser um consenso o fato de que a forma como
são organizadas as várias partes de um texto difere da forma como são organizadas
as partes de uma frase, visto que obedecem a regras e a procedimentos distintos no
desempenho de cada operação. Dessa forma, cabe ressaltar que, via de regra, o
61
conteúdo semântico de uma frase é afetado por todo o contexto que envolve a
produção textual, evidenciando que a integração dos segmentos e a constituição dos
nexos e das cadeias devem se orientar em direção a um determinado fim.
―Dessas observações decorre que a coesão o se define
propriamente como uma questão intra ou interfrásica, embora também
aconteça dentro desses limites. Noutros termos, a coesão não se esgota
com os recursos de ligar ou de conectar uma palavra a outra, uma
frase a outra. Não se reduz, portanto, a uma relação localizada entre
duas unidades nominais, por exemplo, ou no limite entre uma e outra.
Inclui o estabelecimento de relações macro estruturalmente estendidas,
no sentido de sua inteira distribuição textual.‖ (ANTUNES, 1996:31)
2.1. Mecanismos Coesivos: uma proposta de classificação
Observo que parece haver similaridade entre os linguistas no que tange à definição e
à concepção do que seja coesão e o papel por ela desempenhado na integridade da
superfície textual. Entretanto, quando a questão consiste em definir os mecanismos
coesivos, encontramos relativa dificuldade em conseguir uma unificação, sobretudo no
que diz respeito à classificação. Detalharei neste trabalho a proposta de classificação
dos mecanismos coesivos postulada por KOCH (1989), cujo esquema classificatório se
apresenta em dois grandes grupos: a coesão referêncial e a coesão sequencial.
Costuma-se afirmar que a coesão referêncial é a que se estabelece entre dois ou
mais componentes da supercie textual, que remete (ou permite recuperar) um mesmo
referente presente no discurso ou inferível a partir do contexto compartilhado no
universo textual.
62
A coesão sequencial é aquela que diz respeito aos procedimentos linguísticos por
meio dos quais se estabelecem diversos tipos de interdependência semântica e ou
pragmática entre enunciados (e ou partes de enunciados) à medida que o texto progride.
Em termos de estrutura informacional, pode-se dizer que a coesão referêncial está ligada
à informação “velha”, enquanto a coesão sequencial, à “nova”.
Particularmente, interessa-me neste estudo aprofundar questões específicas no que
tange aos mecanismos linguísticos utilizados na tessitura do texto, como forma de se
assegurar a coesão refencial, visto que o foco da pesquisa volta-se para a análise da
continuidade e a formação das cadeias tópicas em textos escritos por surdos.
Ressalto, portanto, os trabalhos de FÁVERO (2006) e KOCH & ELIAS (2008), os
quais postulam que a coesão referêncial como técnica que confere ao texto
continuidade tópica e unidade textual, obtém-se basicamente pela utilização de dois
recursos linguísticos principais: a substituição e a reiteração.
Existe substituição quando um componente da superfície do texto é retomado ou
precedido por uma pro-forma
9
. As “pro-formas” constituem elementos gramaticais
representantes de uma categoria e, em geral, são “leves semanticamente; adquirem
peso a partir da referência estabelecida com o elemento substitdo. As substituições
podem ocorrer com uso de pro-formas” conformes os exemplos
10
abaixo listados:
1) Pronominal:
―Amanhã vou conhecer meu primeiro aluno surdo. Ele veio de outro estado para se
matricular em nossa escola.
9
As “pro-formas” podem exercer a função de pro-sintagma, pro-constituinte ou pro-oração.
10
Todos os exemplos listados nesta seção, que dizem respeito aos mecanismos de substituição e
reiteração, são de autoria própria. Foram por mim elaborados a fim de melhor ilustrar os mecanismos
discutidos.
63
O indivíduo surdo precisa ser respeitado. Sua língua e sua cultura merecem
respeito.
2) Numeral:
Existem dois tipos de preconceito aqui envolvidos. O primeiro é lingüístico e o
segundo cultural.‖
3) Adverbial locativo:
―Nossa escola de Surdos é referência em educação: aqui desenvolvemos todo o
potencial cognitivo dos alunos‖.
Em se tratando de reiteração, esta se caracteriza pela repetição de expressões
do texto, cujos elementos reiterados possuem a mesma referência. Em geral, ocorre
a reiteração por:
1) Repetição do mesmo item lexical:
―Detesto preconceito! Preconceito é um ingrediente pernicioso em qualquer
comunidade.‖
2) Reiteração por formas nominais sinônimas
11
:
Muitos Surdos sempre sonharam em usar aparelhos auditivos, na esperança
talvez, de perceberem um pouco o universo acústico que os cercam. No entanto, o
uso dessas próteses não é indicado para todos.‖
3) Reiteração por formas nominais hiperonímicas:
11
Em relação aos sinônimos, Fávero (2006: 23-24) observa: “Não existe identidade semântica absoluta
entre “aparelhos auditivos” e “essas próteses”. O fator relevante neste caso é a identidade referêncial, pois
a sinonímia não constitui uma questão puramente lexical, mas sim textual.”
64
O professor de LIBRAS pediu que todos os alunos sinalizassem com as mãos as
letras do nome e se apresentassem. Dessa forma, os alunos entenderam que o
alfabeto manual é muito importante na descrição dos nomes próprios.‖
4) Reiteração por nomes genéricos:
―Dor, sofrimento, vergonha. Tudo isso serviu para que a prática da oralização
desenfreada fosse repudiada pela comunidade Surda.‖
5) Reiteração por formas nominais definidas
12
:
―Xuxa, em todos os seus DVDs, insere músicas sinalizadas, demonstrando muito
carinho e respeito por seu público formado de crianças surdas. A rainha dos
baixinhos possui admirável consciência social.
6) Elipse:
―Os Surdos devem ter a oportunidade de interagir amplamente com a
sociedade ouvinte. Ø Devem ter a oportunidade de estudar, Ø trabalhar, Ø
conversar, Ø se divertir. Ou seja, Ø exercerem de fato sua cidadania.‖
12
Esse tipo de retomada baseia-se primordialmente, no nosso conhecimento de mundo. A continuidade
tópica se mantém com o funcionamento sociopragmático da língua. As relações entre “Xuxa” e “rainha
dos baixinhos” são imanentes ao texto e não somente a língua.
65
2.2. Escrita e Referenciação”
A atividade discursiva pressupõe em sua constituição que façamos sistematicamente
referência a algum tópico-sujeito-situação a cujo processo denomina-se referenciação.
Sendo assim, a noção de elemento de referência se torna bastante ampla, podendo ser
representado por um nome, um sintagma, uma oração, ou até mesmo por todo um
enunciado. Na visão de LYONS (1981), a referência é a relão que se estabelece entre
expressões linguísticas e o que elas representam no mundo ou no universo discursivo. O
autor, portanto, assume como referência a relação existente entre uma expressão e
aquilo que essa expressão designa ou representa em ocasiões particulares de sua
enunciação.
De acordo com o que postula LYONS (1980, 1981), a referência ganha dimensões
generosas em se tratando de propriedades discursivas. Em primeiro plano, a referência
adquire a propriedade de ser uma relação dependente do enunciado”, não aplicada,
portanto a itens lexicais isolados. Em segundo plano, a referência requer, para
constituir-se como fenômeno, a presença indispensável dos usuários da língua que, no
que tange a essa abordagem, assumem o papel de agentes e operadores da referência.
Cabe ao usuário da língua, no caso, cumprir o ato de referir-se a segmentos da
realidade pelo uso de uma expressão referêncial.
13
O sucesso, portanto, da interação
discursiva nessa perspectiva depende sobremaneira da capacidade do seu interlocutor
conseguir, por meio da referência utilizada, identificar a entidade referida. A vinculação
da referência ao enunciado a partir de uma perspectiva claramente pragmática faz com
13
São expressões referênciais aquelas expressões linguísticas pelas quais o locutor se refere a um
indivíduo, a um grupo de indivíduos ou a uma classe de indivíduos. A referência pode ser “definida”,
quando o referente é especificado e identificado, ou indefinida, quando o referente é específico , mas não
identificado. No primeiro caso incluem-se os sintagmas nominais definidos, os nomes próprios e os
pronomes pessoais, no segundo caso, incluem-se os pronomes indefinidos ou um sintagma nominal
introduzido por um artigo indefinido. Essa distinção é crucial para a construção e manutenção da
referência no desenvolvimento do texto.
66
que seja encarada como uma ação praticada pelo sujeito produtor da interação
discursiva no momento em que indica, através de expressões linguísticas apropriadas, as
entidades sobre as quais está falando. Como bem enfatizado por ANTUNES (1996: 69),
―A construção da referência e a contraparte da sua identificação
representam uma atividade integrada de ambos os parceiros da
comunicação. Com efeito, ao emissor do texto compete selecionar as
instruções mais adequadas a fim de favorecer, dentro das cabíveis
referências virtuais, o reconhecimento da referência atual realizada.
Ao receptor, por outro lado, cabe a tarefa de reconhecer tais
indicações, sem o que pode ficar comprometido o sucesso da interação.
É assim que a identificação da entidade sobre a qual se está falando
assume uma condição de crucial importância.‖
De uma maneira geral, a perspectiva englobada por essas considerações remonta à
total intencionalidade dos sujeitos do discurso. Na verdade, é através do processo da
referência que o produtor do texto, pretendendo que uma determina entidade seja
linguisticamente identificada pelo participante, recorre a expressões referênciais mais
adequadas a cada situação. Nesse sentido, é o contexto global em que se realiza a
interação linguística, e, ainda mais, o conhecimento de mundo que o produtor do texto
pressupõe partilhar com seus interlocutores, que regula o uso mais pertinente da forma
a ser utilizada. Ou seja, ―é na dimensão particular de cada situação comunicativa que
se pode decidir sobre a forma adequada (um nome próprio, um grupo nominal, um
pronome) de designar um referente. (ANTUNES, 1996: 69).
67
2.2.1. A noção de co-referência
No donio interno do texto, as expressões nominais, uma vez ativadas, também
podem funcionar como referentes de outras expressões nominais, passando então, à
categoria de referentes linguísticos. Esses são, portanto, segmentos textuais cuja
referência retoma outra expressão nominal. A co-referencialidade funciona então. como
um processo textual de grande força coesiva, visto que realiza e assinala a “identidade”
referêncial das entidades previamente introduzidas no discurso, fato que, em
determinados contextos, viabiliza sobremaneira a compreensão do sentido global do
texto.
Na visão de ANTUNES (1996), existe relação de “co-referência entre as duas
expressões nominais quando, por meio de um processo de remissão ou retomada, ambas
as expressões designam a mesma entidade em relação à qual estão se referindo. As
expressões referênciais que constituem essa relação representam no universo textual os
termos constitutivos dos nexos co-referênciais, os quais devem ter como referência atual
a mesma entidade sobre a qual se predica. Este, inclusive, é um ponto pacífico entre as
discuses acerca da co-referencialidade.
É importante ressaltar, entretanto, que, em um processo de remissão ou retomada
textual, as unidades referidas às quais se retorna, ainda que co-referêncialmente, quase
sempre reaparecem “modificadas”, e dificilmente apresentam as formas originais. Dessa
forma, pode-se observar que o mecanismo de retomada textual, geralmente ocorre
permitindo também o acréscimo aos referentes de informações anteriores. Ou seja, num
contexto de co-referencialidade, além de se permitir a retomada do referente linguístico,
o processo de remissão ou retomada possibilita que se acrescentem novas informações a
partir das propriedades que lhe são atribuídas.
68
O processo de co-referência é sem vida alguma inteiramente pertinente e
imprescindível para a atividade linguística, sendo particularmente relevante para a
manutenção da coesão referêncial do texto. Basta observar que, de fato, é a coesão
referêncial a responsável pela unidade discursiva do texto, de forma a assegurar a
continuidade dos referentes linguisticos.
GIVÓN (1983) observa que, em se tratando de referenciação na atividade
discursiva, haveria uma pré-disposição natural ao uso de um nome ou sintagma
nominal como o principal encarregado de introduzir uma informação nova no discurso.
Especificamente, na língua portuguesa, o uso de umpronome e da anáfora zero,
seriam as escolhas preferênciais para se fazer a retomada de entidades
mencionadas. (PAREDES SILVA, 2007:01)
Como forma de evidenciar o processo de co-refêrencia na superfície textual, destaco
para análise o segmento abaixo:
1) A maioria dos Surdos dessa época foi educada em mosteiros, asilos ou escolas
em regime de internato. Eles migravam para essas instituições, vistas como única
possibilidade de receber instrução. Lane (1984), por exemplo, dedica um livro para
contar um pouco da história do Surdo nos Estados Unidos...‖
Gesser, 2009, pág.23
A partir da observação do segmento, compreende-se que o referente “Surdos dessa
época,” inicialmente introduzido no discurso, é retomado e mantido em foco na
progressão textual por meio, principalmente, da p- forma pronominal ele” utilizada
na seqüência. Tal referente, no entanto, perde sua posição focal e é deixado em stand
byno discurso, quando uma nova referenciação acontece. O novo referente linguístico
69
“Lane é introduzido no texto e passa a ser então o pico de foco sobre o qual se
desenvolvem as predicações.
O mecanismo de retomada dos referentes pode ser feito não somente de forma
retrospectiva ou anafórica, como exemplificado no trecho 01 em destaque, mas também
de forma prospectiva ou catafórica, como observa-se no trecho a seguir, no qual a pró-
forma pronominal “ela” serve de base para a introdução do novo referente, “surdez”.
2) “Ela em nada afeta a vida dos Surdos. Não constitui um problema. Ver a surdez
como deficiência é inscrever-se no paradigma ouvinte.‖
Gesser, 2009, pág.23
Existem certos elementos na língua que são, preponderantemente, responsáveis pela
função de estabelecer referência a itens previamente introduzidos no discurso ou
àqueles que serão posteriormente apresentados ao interlocutor como informação nova.
Tais elementos referênciais, como a pro-forma pronominal Ela” destacada no trecho 02
o são interpretados semanticamente no contexto discursivo, por seu sentido próprio.
Tomados isoladamente, podem parecer “vaziosde significado, indicando apenas que
devemos procurar a informação necessária à interpretação em algum outro ponto do
texto a fim de decodificá-lo eficientemente. Nesse caso, o elemento referêncial “Ela”
somente se completa semanticamente quando é estabelecida a adequada referência ao
pico “surdez”.
70
2.2.2. As ativações ancoradas e a constituição da anáfora
indireta
A “informatividade” ou status informacional, nomenclatura utilizada por muitos
autores, diz respeito ao conhecimento (ou contexto) que os interlocutores compartilham
uns com os outros, ou supõem que compartilham no momento da interação linguística,
manifestando-se em todos os níveis da codificação.
O primeiro esforço para formular um modelo de discurso em que o grau de
conhecimento compartilhado desempenhe um papel essencial na atividade discursiva
deve-se ao trabalho de Ellen Prince em 1981. Os maiores avanços têm sido registrados
no que se refere à codificação da informação nos referentes nominais e ainda assim as
tipologias de “status informacional” não são muito satisfatórias. Mesmo as escalas
propostas como refinamento da dicotomia cssica entre informação velha e informação
nova não conseguem dar conta de todos os casos, concentrando-se quase que
exclusivamente nos nomes.
A partir do trabalho de PRINCE (1981), muitas pesquisas foram realizadas no
intuito de descrever o status informacional dos referentes ou “entidades”, como por ela
denominados. Essa questão da informatividade é abordada na linguística,
principalmente de cunho funcionalista, a partir da classificação semântica e da
codificação de referentes no discurso. A forma como tais referentes são decodificados
na superfície textual demonstra que sua ativão no discurso é, na verdade, determinada
por fatores de ordem semântico-pragmática.
PRINCE (op.cit.), ao considerar o status informacional dos referentes, adota uma
perspectiva textual, alicerçando sua tipologia sobre a história discursiva dos referentes.
O modelo de PRINCE (1981) denomina os referentes como “entidades”, que podem
71
representar um indivíduo, uma classe, um exemplar, uma sustância, um conceito. As
entidades discursivas distribuem-se, segundo a autora, em três grupos principais: as
entidades novas, as evocadas e as inferíveis.
As entidades novas são aquelas mencionadas pela primeira vez em um discurso
particular, cabendo ao ouvinte ou leitor ativar conceitos previamente estabelecidos no
intuito de interpretá-las. O segundo grupo proposto por PRINCE (1981) diz respeito às
entidades evocadas, que são aquelas atualizadas. Uma vez que uma entidade tenha sido
introduzida no discurso, as menções posteriores são consideradas evocadas. O terceiro e
último grupo congrega as entidades inferíveis, ou seja, as que são deduzidas, através de
um raciocínio lógico ou plausível, de outras entidades mencionadas, não importando
o status da menção inicial.
CHAFE (1987), entretanto, apresenta uma diferente tipologia para o tratamento das
questões relacionadas à informação pois, deixa clara sua formação cognitiva. O autor
postula em sua fundamentação teórica, que a noção crucial para a compreensão do que
difere uma informação dada (velha ou evocada) de uma informação nova é exatamente
o nível de consciência (consciousness) do ouvinte. CHAFE (op.cit.) afirma que uma
informação dada ou velha faz parte do conhecimento que o falante assume estar na
consciência do seu interlocutor no momento da interação discursiva. A informação
nova, entretanto, consiste no conhecimento que o falante assume estar introduzindo na
consciência do seu interlocutor por intermédio do seu discurso.
Em se tratando de construção textual, de acordo com a visão dos autores acima
destacados, fica assegurado portanto que um referente (pico,sujeito, conceito) é dado
como novo, quando constitui um objeto de discurso ativado pela primeira vez no
universo textual, passando consequentemente a fazer parte da consciência do leitor .
72
Entretanto, algumas entidades novas parecem não apresentar um conteúdo com
tanta novidade assim para alguns leitores, visto que podem existir (mesmo que
inconscientemente) no arquivo mental do ouvinte, cabendo a ele apenas ativá-las. Esse
tipo curioso de referente parece figurar no texto, de uma certa forma, ancorado‖ em
algum tipo de associação com elementos presentes no cotexto ou no contexto
sociocognitivo dos interlocutores. (KOCH, 2008:135).
É o femeno que acontece no trecho 03 apresentado abaixo, no qual pode-se
observar que a expressão nominal a oralizaçãoalude não a um único referente que
possa ser imediatamente apontado no texto, mas faz remissão a informações contidas no
cotexto antecedente.
3)―Pode-se dizer que a busca desenfreada pela audição e a promoção do
desenvolvimento da fala vocalizada pelo surdo são objetos que se traduzem em vários
sentimentos: dor, desejo, discriminação e frustração. A oralização deixou marcas
profundas na maioria dos Surdos.‖
Gesser, 2009, pág. 24
A esta forma de introdução de referentes ancorada acabam por constituir
anáforas associativas ou indiretas, uma vez que não podemos indicar no cotexto um
referente explícito com o qual se estabelece a referência, mas sim um elemento
relacional que chamamos de âncora e que é, indiscutivelmente, decisivo para a
interpretação (KOCH, 2008).
A constituição das anáforas indiretas se dá por meio de expressões definidas que se
encontram na dependência interpretativa de determinados elementos discursivos
precedentes e que apresentam duas funções referênciais principais:
73
1) Introduzir novos referentes, podendo esses não terem sidos nomeados de forma
explícita;
2) A continuidade da relação referêncial global.
É fácil perceber que o sintagma nominal a oralização”, grifado no trecho em
destaque, é uma expressão referêncial nova ativada na estrutura do texto. Entretanto, soa
ao leitor como se o sintagma nominal fosse um referente conhecido no texto, pois ele
ancora, ainda que somente cognitivamente, no contexto antecedente.
Diferentemente das anáforas diretas, que retomam ou fazem remissão aos referentes
previamente introduzidos na superfície textual, as anáforas indiretas acabam por
também ativar novos referentes, visto que não possuem elementos correspondentes
explícitos no texto. Dessa forma, ocorre uma estratégia de introdução de novos
referentes na estrutura textual que, embora inéditos morfologicamente, parecem estar
implícitos no contexto ou cotexto semântico do tópico desenvolvido.
Definir o fenômeno das anáforas indiretas a partir de seus constituintes não se traduz
em uma tarefa fácil, pois a identificação anafórica depende de uma série de outras
definições e distinções não bem firmadas. Segundo as observações de MARCUSCHI
(2005), devemos levar em conta que, em se tratando de anáforas indiretas, estamos
lidando com um alargamento considerável do conceito de elemento anafórico, visto que
as AIs evidenciam alguns aspectos característicos que desconstroem o conceito
prototípico de elemento anafórico por apresentar:
A- Inexistência de uma expressão antecedente ou subsequente explícita
para retomada, com presença apenas de uma âncora, de uma
expressão ou contexto semântico decisivo para interpretação da
anáfora indireta;
74
B- Ausência de relação de co-referência entre âncora e anáfora indireta,
estabelecendo-se apenas estreita relação conceitual;
C- Interpretação da anáfora indireta como ativação de um novo referente
e não como uma busca ou reativação de referentes prévios por parte
do receptor;
D- Realização da anáfora indireta normalmente feita por elementos não
pronominais, sendo menos comum sua realização pronominal.
CONSTITUIÇÃO DAS ANÁFORAS INDIRETAS
TIPOS
SEMÂNTICOS
TIPOS
CONCEITUAIS
TIPOS
INFERENCIAIS
Exigem estratégias cognitivas
de compreensão baseadas no
conhecimento semântico que se
encontra armazenado no léxico.
Em geral, estão vinculados a
papéis semânticos.
Exigem estratégias cognitivas
baseadas em modelos mentais,
conhecimentos de mundo e
enciclopédicos. São mais
ligadas a processos inferenciais
globais.
Exigem estratégias cognitivas
baseadas em informações
precedentes do universo textual.
São fundadas em estratégias
inferenciais mobilizadas pelo
conhecimento textual
75
Devemos, portanto, considerar que os processos cognitivos e as estratégias
inferenciais são decisivos na atividade discursiva, sendo particularmente difícil traçar
uma divisória e estabelecer as relações tidas entre ―o mundo criado por palavras (o
texto) e o mundo representado pelas palavras (o contexto)‖(MARCUSCHI, 2005:54).
Nesta perspectiva, o autor ressalta a importância de se considerar uma abordagem
integrada na constituição das anáforas com base na hitese nomeada de Continuum
Anafórico.
A proposição da existência do Continuum é defendida por MARCUSCHI (2005)
baseado no fato de não existir uma diferença preponderantemente essencial entre os
tipos constitutivos das anáforas, nem mesmo situada entre as anáforas ditas diretas e as
indiretas. Ambas divergem no ponto crucial em que a anáfora direta reativa referentes
previamente introduzidos no discurso, apresentando, portanto, uma relação mais
formalizada com elementos antecedentes, enquanto as indiretas ativam referentes novos
com base em âncoras contextuais e modelos cognitivos diversos. Entretanto, se forem
observados criteriosamente os aspectos constitutivos das anáforas diretas e indiretas em
um movimento ampliado de um lo a outro, nos damos conta de que ambas envolvem
uma certa integração de conhecimentos por processos cognitivos diversificados,
cabendo priorizar a Inferência.
Um levantamento das estratégias cognitivas que contribuem para a interpretação das
anáforas demonstra que os conhecimentos semânticos, os conhecimentos conceituais e
por fim o conhecimento textual são princípios utilizados na compreensão das anáforas
indiretas, mas não específicos dela. Muitas anáforas diretas se valem desses princípios
para se constituir e estabelecer sua devida compreensão, como acontece nas retomadas
por sinonímia, por metáfora, por caracterização direta ou por tantas outras retomadas
que se baseiam, primordialmente, no conhecimento de mundo. Reitera-se, dessa forma,
76
a noção de que o fator relevante no caso da constituição de um elemento anafórico é a
identidade refencial, não constituindo uma questão puramente lexical, mas textual.
2.3. A manutenção da Continuidade Tópica
No momento em que interagimos discursivamente, seja falando ou escrevendo,
colocamos sempre em evidência algum assunto sobre o qual desejamos discorrer: o
tópico da atividade comunicativa. Pressupõe-se, portanto, que todo texto se desenvolve
a partir de um tópico focal (que está em evidência no momento da interação discursiva).
À medida que o assunto se desenvolve, pode dividir-se em subtópicos ou tópicos
secundários, os quais estarão, direta ou indiretamente, relacionados ao tema em
andamento.
Chamamos continuidade tópica a sequenciação dos picos e de seus subtópicos na
superfície textual de forma que seja mantida a mesma focalização do tema durante a
progressão dos segmentos. Have mudaa tópica quando ocorrer uma alteração no
tema focal em relação ao que vinha sendo mantido em evincia e progredindo nos
segmentos anteriores. No que tange à estrutura informacional, a coesão referêncial
estabelecida pela cadeia tópica estaria diretamente ligada às informações “velhas”, visto
que faz referência ou retoma os novos tópicos introduzidos no discurso.
Para que um texto se mostre coeso em suas proposições, é necessário que sejam
atendidas algumas exigências em termos de organização e continuidade tópica, de modo
que a progressão referêncial se realize de forma harmônica no texto, sem quebras e
rupturas abruptas ou definitivas que possam comprometer a atividade discursiva. Torna-
se imperativo ressaltar que a topicalidade constitui um dos fatores principais de
organização discursiva.
77
GIVÓN (1983) tece pertinentes considerações a respeito da progressão referêncial e
os principais fatores que favorecem a continuidade tópica. O autor postula que o
discurso humano é, eminentemente, multi-proposicional, ou seja, tende a ser construído
por uma cadeia de proposições, as quais fazem menção ao mesmo tema, aos mesmos
picos e aos mesmos sujeitos, sendo as construções dessa natureza uma característica
recorrente na ngua. Sendo assim, um discurso construído sob um curso linear em se
tratando de proposições é considerado pelo autor como o caso não marcado
textualmente; é a ocorrência mais corriqueira em se tratando de construção, visto que
um texto desenvolvido desta forma corresponde exatamente às expectativas dos
interlocutores. A linearidade das proposições ressaltada por GIVÓN (op.cit.) pode ser
claramente observada no segmento 04:
4)―Descobriram minha surdez quando eu tinha quase 5 anos. Minha família é toda
ouvinte, e minha mãe falou que eu era quietinho e que por isso não desconfiou. Ela
então me levou ao médico porque eu quase não falava, e lá o médico disse que eu tinha
uma perda auditiva muito grave.‖
Gesser, 2009. Pág. 49
No momento em que uma construção apresenta em seu curso uma quebra”, ruptura
ou desencadeamento dessas proposições, dar-seuma ocorrência de maior marcação
na produção textual. Uma cadeia de referências contínua e progressiva é,
inquestionavelmente, muito mais fácil de ser identificada em termos de processamento e
acessibilidade linguística. O mesmo não ocorre com uma construção descontínua, cuja
constituição apresenta rupturas abruptas. Construções desse tipo, ao contrário, trazem
78
consigo o fator surpresa, que surpreende e toma de assalto o interlocutor, deixando o
pico focal menos acessível e muito mais difícil de ser recuperado cognitivamente.
5)Muitos ouvintes têm a crença de que estar em um contexto de surdos é entrar
em um contexto silencioso. Surdos oralizados apresentam as mesmas dificuldades do
que usuários de LIBRAS. Eles acreditam em crenças postuladas há anos.‖
Gesser, 2009. Pág.50
Entretanto, é importante observar que as construções descontínuas, como citadas
anteriormente, não devem ser confundidas com as construções tipicamente corriqueiras
que apresentam descontinuidades parciais em que os referentes ativados textualmente
por vezes são colocados em uma posição de “stand by” para serem recuperados
posteriormente. As descontinuidades parciais correspondem a desfluxos de ordem
natural que, ao longo do texto, vão se reconstruindo e tecendo uma “teia” que i
conferir ao texto, continuidade e progressão no momento em que se constroi uma
unidade semântica.
Dessa forma, constitui-se uma qualidade altamente apreciada no produtor do texto,
a capacidade de conseguir indicar em sua construção todas as pequenas
descontinuidades parciais que podem ocorrer a partir de uma continuidade tópica mais
ampla que norteia a construção. Uma forma de maestria, portanto, em conseguir
demarcar de forma clara e eficiente as descontinuidades parciais quando se fizerem
necessárias na superfície textual, utilizando com proficiência estratégias de
continuidade e mudança.
79
2.3.1. Continuidade e progressão: o tópico que se mantém é o
mesmo que progride na esfera textual
Observo, neste momento que, para assegurar a continuidade de um texto e a unidade
coesiva, é preciso manter certo grau de equilíbrio entre dois elementos fundamentais em
sua constituição: a repetição e a progressão. Como ressaltado por KOCH e ELIAS
(2009: 138), na escrita de um texto, remete-se, continuamente, a referentes que
foram antes apresentados e, assim, introduzidos na memória do interlocutor; e
acrescentam-se as informações novas, que, por sua vez, passarão também a constituir o
suporte para outras informações.‖
A coesão referêncial previamente assinalada como elemento indiscutível na
promoção da continuidade tópica toma para si outra responsabilidade quando assume o
papel relacional com a progressão textual. Obviamente, esta resignificação do papel da
coesão é na verdade decorrente do anterior, visto que continuidade e progressão
constituem elementos relacionáveis e interdependentes. Observando os elementos que
progridem no texto, percebemos que eles estão de uma ou outra forma atrelados aos
elementos previamente apresentados e continuados ao longo da construção textual, ou
seja, o tópico que continua é o mesmo que progride na superfície textual.
É interessante observar que mecanismos de continuidade tópica como, por exemplo,
as repetições e as retomadas, acabam sendo, por assim dizer, muito mais que meros
dispositivos de referenciação, se observarmos que cada retomada envolve ampliações e
acréscimos em referência ao contexto semântico anteriormente introduzido.
80
―Na continuidade da seqüência do texto, num jogo de
reocorrências e retomadas, algo mantém-se, prevalece, sustenta-se,
como na integridade de um fio, algo também deve ir, como num
programa de afluências, somando-se, ampliando-se, progredindo... Um
texto, sob condições normais, não flui sobre o mesmo ponto sem que a
este, de uma forma ou de outra, se acrescente algum elemento de
informação.‖ (ANTUNES, 1996: 32)
Destaco, portanto, que cada novo referente introduzido no discurso por meio de um
nome ou sintagma nominal pode (e quase sempre o faz) assumir uma condição
camaleônica”, pois é capaz de incorporar novos traços semânticos que lhe vão sendo
agregados à medida que o texto progride referêncialmente.
Nesta perspectiva, o referente transforma-se a cada novo nome a ele atribuído ou se
reconstroi semanticamente a cada nova retomada que lhe mantém o mesmo nome.
Como bem assinalado por KOCH (1989:26), um referente é algo que se (re)constroi
textualmente. O contexto discursivo, nesta perspectiva, desempenha um papel
preponderante, visto que a relão de referência não se estabelece unicamente entre as
formas remissivas e os elementos referidos. Ela se estende por entre todos os contextos
que envolvem ambos na constituição, por assim dizer, de uma teia” semântica.
A partir de uma análise empreendida em textos jornalísticos, no que tange ao estudo
da coesão e seus aspectos contextuais, ANTUNES (1996) acrescenta à literatura uma
valiosa contribuição, introduzindo uma nova perspectiva acerca do tema, à medida que
introduz o conceito de cadeias coesivas cuja constituição será amplamente descrita e
detalhada nas próximas seções da presente pesquisa.
81
2.4. A formação das Cadeias Coesivas: um estudo das redes de
significados
ANTUNES (1996) define Cadeia Coesiva como sendo um encadeamento de nexos
semanticamente semelhantes que se distribuem pela superfície do texto de tal forma que
parece se constituir em um terreno pontilhado por “nós”, formando uma teia de
significados. A formação das cadeias coesivas ocorre quando um determinado item
lexical, que figurou pela primeira vez no discurso sob o status de Matriz (M), é repetido
ou substituído ao longo do texto por outros léxicos, ou seja, seus referentes. Esse
movimento sistêmico de retroação a elementos previamente ativados, ou até mesmo
passíveis de serem ativados a partir deles, constitui um princípio de construção que
confere ao texto unidade semântica e progressão, à medida que promove ainda mais a
densidade da inter-relação entre seus segmentos.
Observo que novamente ganha lugar de destaque a interdependência entre a unidade
pica que se quer alcançar no texto e os mecanismos linguísticos que possam ser
utilizados como forma de assegurá-la no objetivo principal de promover e assinalar a
necessária continuidade. O fato de um texto desenvolver-se a partir de um tópico
semântico central acaba por favorecer, de certa forma, condições bastante propícias para
que se desdobrem na superfície textual cadeias de unidades lexicais unidas por
diferentes tipos de “nós” coesivos.
Em relação a esse aspecto específico, uma relação mais direta pode ser estabelecida
entre o número de ocorrência de determinadas unidades lexicais e a obtenção da
unidade tópica do texto. Na sequência da proposta de HALLIDAY & HASSAN (1989),
as unidades lexicais que, na superfície do texto, estabelecem cadeias de identidade ou de
similaridade, consistem em ocorrências relevantes, ao passo que aquelas deixadas em
82
posição secundária à formação de qualquer uma dessas cadeias caracterizamse como
ocorrências periféricas.
Tal proposição leva-nos a perceber que a ocorrência dos nexos coesivos recobra
relevância não pelo fato de figurarem em maior ou menor quantidade no texto, mas
primordialmente pelo fato de estarem vinculados diretamente à formação de cadeias
mais ou menos extensas. O principal fator que determina a densidade coesiva de um
texto não é necessariamente o número de ocorrências dos nexos coesivos, mas sim a
continncia de que as unidades lexicais unidas por estes nexos formem cadeias
coesivas e contribuam, portanto, para a sua continuidade.
Passando ao domínio da atualização linguística, as unidades lexicais que são
portadoras de significados entram em relação umas com as outras e incidem no eixo
sintagmático da língua. A organização do texto, por determinação de sua unidade tópica
e fatores pragmáticos, pressupõe um quadro “multidirecional” de ligações de maneira a
se estabelecer a formação dos nexos coesivos. Contudo, no universo das relações
textuais, a atividade combinatória das unidades lexicais não se esgota na similaridade
semântica dos termos envolvidos na combinação. Ela decorre também da unidade
semântica do texto que, em princípio, funciona como um parâmetro geral de escolha,
combinação e organização lexical.
A partir de uma concepção mais ampla da questão textual, destaco ainda a
interferência de um enorme conjunto de propriedades a serviço da textualidade que,
imbuídas do propósito de assegurar a eficiência e a eficácia comunicativa, acabam por
também determinar a formação de nexos coesivos. Como bem sintetizado por
ANTUNES (1996:84), existem razões internas à língua, existem razões internas ao
texto e, ainda, existem razões externas ao texto para a determinação dos nexos coesivos
lexicais.‖
83
A obtenção do nexo coesivo se dá, substancialmente, pela interrelação semântica
entre os termos lexicais, em contrapartida a unidade semântica do texto é que cria o
nexo. Acontece que a relação semântica que liga tais termos pode estabelecer-se
diretamente, mediante o sentido existente entre as unidades lexicais, como pode também
ocorrer indiretamente, a partir de algum elemento implícito, porém inferível, a partir dos
conhecimentos compartilhados pelo texto. No percurso de produção e interpretação
textual, o nexo coesivo funciona como um sinalizador do sentido pretendido, que o
leitor ou ouvinte busca interpretar. Nesse aspecto, ressalta-se a colocação de BROWN
& YULE (1983:201) acerca da formação dos nexos coesivos e a relativização do termo
antecedente.
Os autores em questão afirmam que, durante a atividade discursiva, os interlocutores
conseguem estabelecer os nexos referênciais apropriadamente, sem que seja preciso,
para isso, memorizar a forma exata do referente originalmente introduzido. Tal
competência se traduz na verdade, por meio da representação mental do referente, com
o qual se relacionam inúmeras expressões referênciais posteriores que assegurarão a
continuidade tópica, não sendo preciso “decorar” a matriz do nexo.
Desta forma, o referente linguístico, ou termo “pressuposto” como denominam
HALLIDAY & HASSAN (1976) não é memorizado sob o ponto de vista formal, mas
sob a forma de um esquema de representação mental que ativa termos com os quais se
retoma uma referência anterior. Nessa perspectiva, o interlocutor constroi a sua própria
representação particular de algo que está no mundo a sua volta ou de um referente que
está no universo textual, criado pelo discurso. ―Em cada caso ele (interlocutor) deve
buscar sua representação mental para determinar a referência
14
.‖ (BROWN & YULE,
1983:202). O conhecimento dos esquemas de organização da realidade, ou a construção
14
Tradução livre de própria autoria do trecho retirado do original: BROWN, G; YULE, G. Discourse
Analysis. Cambridge University Press, Cambridge: 1983.
84
do conhecimento de mundo, é encarado aqui como um princípio fundamental dos
conceitos e informações, constituindo assim uma base significativa para muitas
associações. Em se tratando de interação discursiva, tais associações podem ser
encaradas como esquemas mentais pertencentes ao conhecimento acumulado do
interlocutor e, dessa forma, por ele inferíveis.
Pautado nesta perspectiva, interlocutores em ato discursivo excluemse da
necessidade de esclarecer cada relação semântica que une, em “nós”, determinadas
entidades em associações e através das quais um referente ativado entra em perfeita
harmonia coesiva com outros previamente introduzidos no discurso. Tal princípio
evidencia a estreita relação entre “língua” e “mundona configuração de uma unidade
de significado, demonstrando que a força coesiva dos termos depende da ligação
semântica existente entre os elementos mutuamente selecionados.
2.4.1. Os recursos da Repetição e da Substituição na formação
das Cadeias Coesivas e na relação de Referencialidade.
Como recursos de realização da coesão referêncial e, consecutivamente, como
principais formadores das cadeias coesivas, ANTUNES (1996) destaca dois importantes
mecanismos existentes na língua: a repetição e a substituição. O interesse por
conseguir uma maior especificação teórica dos termos utilizados fez com que a autora
analisasse em separado o mecanismo da repetição e da substituição. Dessa forma, o
tratamento demasiadamente genérico e superficial com que vinham sendo tratados
ambos os mecanismos destacados recebe em seu estudo um novo paradigma face à
interpretação de tais recursos no universo textual, de modo a dar conta das inúmeras
85
particularidades distintivas que sua utilização assume. Passo, portanto, à caracterização
detalhada de cada um desses recursos, tendo em vista o estabelecimento de um
fundamento teórico necessário para a observação empírica a ser empreendida na etapa
de análise dos dados.
A repetição, na visão de ANTUNES (1996), caracteriza-se pelo fato de que, num
texto, elementos lexicais voltam a ocorrer por duas ou mais vezes, atendendo a
inúmeros fatores e propósitos que norteiam a atividade discursiva. A reocorrência
dessas unidades lexicais pode acontecer sem nenhuma alteração morfológica, de
maneira que um item vai sendo repetido integralmente na supercie do texto. A este
mecanismo dá-se o nome de repetição total. A reocorrência das unidades lexicais em
um texto pode apresentar, entretanto, algumas alterações morfológicas de ordem
flexional ou derivacional, que é denominada repetição parcial.
O recurso da repetição, utilizado como forma de assegurar a unidade tópica do texto,
ocorre tanto no exercício da língua quando no uso da ngua falada. Em cada
modalidade, porém, estarão salvaguardadas todas as particularidades inerentes à sua
realizão. Nas situações de oralidade, por exemplo, predominam a exigência
comunicacional, sendo esta mais livre e espontânea. A modalidade escrita atende às
exincias normativas convencionais, sendo seu uso mais formal, menos espontâneo.
Entre as exigências normativas e convencionais acima referidas, observo que,
tradicionalmente, as técnicas de produção textual atribuem um valor altamente positivo
à variação vocabular na prática de composição, relegando à repetição os rótulos de “mal
vista”, “enfadonha” e “desinteressante”. Julgo que alguma distorção ou insuficiência
teórica podem ter norteado o tratamento proibitivo que tal recurso tem recebido a partir
de algumas orientações da literatura que se propõe ao ensino da “boa” produção textual.
Obviamente que, a repetição como recurso estético e persuasivo requer um uso
86
funcionalmente equilibrado e discursivamente proposital, no intuito de se evitar o
desinteresse e a baixa informatividade do texto. Um bom exemplo do adequado uso da
repetição pode ser observado no trecho abaixo destacado, no qual o recurso utilizado
constitui um ato verdadeiramente discursivo, no sentido de que, por ele possa ser
estabelecida uma interligação, uma retomada, ou uma remissão aos referentes textuais.
Começam no dia 30 de Abril as inscrições para o VII Congresso Latino-
Americano de Educação Bilíngüe para Surdos, organizado pelo Departamento de
Educação e Interpretação do Grupo Señas Libres. O principal objetivo desse
congresso, que acontecerá na Cidade do México entre os dias 20 e 23 de novembro, é
promover a difusão e a análise da educação bilíngue para Surdos. Para integrar este
VII Congresso em bilinguismo, foram convidados diversos especialistas em educação,
cultura e linguística, além de Surdos e ouvintes dispostos a contribuir para a
abordagem da questão.‖
Revista da Feneis ano V - número 17- pág. 23
Ao considerar o que se pode conseguir com a adequada utilização do recurso da
repetição em atendimento à continuidade pica e unidade textual, torna-se oportuno o
seu uso que vem compensar a forma como sempre foi avaliado nos donios
linguísticos. Cabe ainda ser enfatizado que sua condição de elemento reocorrente na
superfície textual, aliado à condição de identidade lexical, faz da repetão um recurso
altamente saliente e mais facilmente identifivel dentre todos os outros que asseguram
a coesão textual. Ressalto, portanto, o dito pela autora:
―a repetição é um fenômeno inteiramente previsível e, e na
dependência de determinados fatores, um fenômeno praticamente
87
inevitável. domínios da atividade humana que requerem
terminologias específicas e os textos vinculados a estes domínios
condicionam a repetição ou, por vezes, funcionalmente a exigem.
também situações em que as exigências de precisão e desambiguidade
linguística reclamam a reutilização de determinadas palavras.‖
(ANTUNES, 1996: 90)
Torna-se, dessa forma, imperativo salientar que o caráter coesivo do recurso de
recorrência não se sustenta somente no fato de uma unidade lexical simplesmente
voltar a figurar na supercie textual, visto que nem todo elemento repetido estabelece
algum tipo de nexo coesivo com outros itens, previamente ativados.
15
Ainda que a
identidade lexical entre duas ou mais unidades seja, a princípio, um indicativo de nexo
coesivo, outros fatores serão igualmente relevantes para que a relação de identidade
assuma uma fuão coesiva na estruturação do texto.
Concluo então que, para o emprego do recurso da repetição funcionalmente coesiva,
faz-se necessário o atendimento a uma série de estratégias textuais que visam
estabelecer interligações com elementos textuais anteriores em fuão de assegurar
continuidade e demarcar fronteiras tópicas na composição textual. Desta forma, a
repetição cumpridevidamente o papel de marcação lexical do pico e subtópicos do
texto, assegurando assim a continuidade micro e macroestrutural.
Inegavelmente, a repetição lexical constitui um importante recurso na formação das
cadeias coesivas, no entanto não é o único que funciona como elo de ligação das
sequências textuais. É possível conseguir o mesmo efeito mediante à variação das
unidades lexicais, visto que as nguas, em geral, dispõem de recursos que nos
possibilitam voltar a identificar o mesmo referente em um dado evento comunicativo,
sem que seja necessário reiterá-los sob a mesma forma linguística.
15
Destaco, neste caso específico, as repetições de palavras polissêmicas, que embora possuam identidade
lexical entre si, nem sempre cumprem a função de assegurar a continuidade tópica e a unidade textual, por
estarem sujeitas a inúmeras possibilidades de combinações sintagmáticas.
88
ANTUNES (1996) denomina o recurso pelo qual se procede à variação das unidades
lexicais de substituição, caracterizando-o, em termos gerais, como um mecanismo
coesivo de natureza reiterativa, através do qual se permite ligar elementos textuais por
meio da substituição de uma unidade por outra semanticamente equivalente.
Pelas vias da substituição, pode-se estabelecer uma referência ou retomar um tópico
ou uma predicação já construída anteriormente na supercie textual, evidenciando dessa
forma, seu caráter coesivo enquanto elemento de manutenção da continuidade tópica e
unidade semântica requeridas pelo texto. Assim, é possível substituir uma palavra por
um pronome, um adrbio ou por outras unidades lexicais
16
que lhe sejam semântica ou
textualmente equivalentes. A autora, portanto, propõe uma pequena subdivisão do
recurso coesivo da substituição, resultando na distinção entre substituição gramatical e
substituição lexical, como destacarei a seguir.
Sobressai no contexto da substituição gramatical a utilização dos pronomes que,
indubitavelmente, constituem uma classe particular de expressões referênciais, ou seja,
expressões pelas quais nos referimos às coisas e às pessoas. Neste cenário. salienta-se a
enorme força textual dos elementos que podem funcionar como unidades de
substituição, assegurando a cadeia referêncial do texto. Tal recurso coesivo consiste em
um procedimento bastante corriqueiro em nossas atividades discursivas, entretanto,
tomar a decisão de substituir uma palavra por um pronome requer uma certa
competência em saber avaliar seus efeitos interpretativos no universo textual.
Cabe ressaltar que não somente os pronomes pessoais fornecem a possibilidade de
entrar em nexo coesivo com seus antecedentes. Outros pronomes, como os
demonstrativos, os possessivos, os relativos, os indefinidos e até mesmo certos
16
Por unidade lexical, Antunes (2005) se refere àquelas palavras cujo significado nos remete para o
mundo da experiência (real ou fictícia), tais como os substantivos e os adjetivos e por unidades
gramaticais, àquelas que têm seu significado definido em função da gramática da língua, como os
pronomes e as preposições. Ressalta, entretanto que na prática, essa distinção, por vezes, não é o
simples.
89
advérbios também podem cumprir tal função, a de retomar e antecipar referências
anteriores ou subsequentes.
Este livro foi pensado para os professores que estão diante do aluno Surdo. Temos
tido contato com professores de diferentes partes do país e percebemos que eles
necessitam de ideias, dicas mais concretas para introduzir a língua portuguesa para
crianças Surdas. Esses professores dão aula no ensino fundamental [...]. Normalmente,
eles não são Surdos se não são falantes nativos da Língua Brasileira de Sinais. E são
justamente estes, que usam a língua de sinais com as crianças surdas no contexto
educacional.‖
Quadros & Schmidt, 2006. Pág. 07
O que não pode ser esquecido diz respeito ao fato de que essas unidades
gramaticais não possuem autonomia referêncial; elas não se aplicam mecanicamente ao
mesmo referente, pois dependem do pico antecedente que retomam. Um pronome de
terceira pessoa “ele”, por exemplo, pode fazer referência em um mesmo texto, a um
homem, a um animal ou a um objeto. Também pode acontecer de dois pronomes
distintos retomarem um único referente previamente ativado no texto.
Situações características também ocorrem com a utilização de mecanismos de
substituição lexical, que constitui um recurso coesivo de grande uso em nossa ngua,
pelo qual se promove a ligação entre dois ou mais segmentos textuais. Pelas vias da
substituição lexical, também se consegue a volta a uma referência ou a uma predicação
previamente introduzida no discurso, daí o fato de ser um recurso reiterativo tal como a
repetição.
90
Ressalto, entretanto, que a substituição lexical não se encerra no simples fato de se
proceder a uma troca de alguns elementos textuais por outros sinonimamente
equivalentes ou por identificação de co-referencialidade, pois essa alteração, ainda que
uma seja a variação de uma unidade por outra, consiste em um mecanismo complexo.
Afinal, substituir uma palavra por outra, pressupõe um ato de interpretação, de análise,
com o objetivo de se avaliar a adequação da unidade escolhida como substituidora em
relação ao efeito que se pretende conseguir no discurso.
―O termo substituição poderia conduzir à ideia equívoca de que, por
esse recurso, processa-se a uma simples reposição de um termo por
outro, tal como acontece em uma atividade preponderantemente
mecânica. A mutação dos estados e das propriedades dos indivíduos e
eventos do mundo, cujo conhecimento é ativado pelo texto, reflete-se no
aspecto dinâmico e progressivo com que, na interação verbal, como
tive oportunidade de referir, são feitas as referências e as predicações,
Isto é, nem sempre, do ponto de vista da referência, por exemplo, um
referente lingüístico é retomado estritamente na integridade dos
estados e das propriedades com que foi introduzido no universo do
discurso.‖ (ANTUNES, 1996: 92)
Compreende-se, portanto, por substituição lexical um processo bastante
característico de composição textual, em que se reflete não somente a dinâmica inerente
ao mundo das coisas referidas, mas também à dinâmica da própria ação de se predicar
sobre as coisas do mundo. O valor impetrado a cada unidade lexical se sobrecarrega de
valores sociais de tal forma, que a escolha de um elemento de composição textual vai
muito mais além do que um simples registro do seu valor descritivo.
Altera-se, portanto, o quadro da obviedade referida, visto que, na busca por termos
antecedentes que formam as cadeias coesivas por substituição lexical, é impraticável
fazê-lo por meios óbvios de identificação. A identificação do nexo coesivo é fornecida,
91
primordialmente, pelo conhecimento que os interlocutores compartilham da organização
semântica do léxico, das experiências culturais e, antes de tudo, das circunstâncias em
que se estabelece o discurso. Daí a complexidade do fato de que a escolha, por o se
repetir uma palavra e encontrar uma outra que a possa substituir, requer a ciência de
que, por esse mecanismo, não se comprometa a reiteração pretendida.
Se compararmos o recurso da substituição lexical com o da repetição, podemos
dizer que o primeiro oferece uma vantagem em relação ao segundo, que consiste no fato
de se poder acrescentar novas informações ou novos dados acerca de um referente
previamente introduzido, possibilitando ao interlocutor um maior conhecimento acerca
do tópico e evidência e deixando o texto muito mais informativo.
Dentre as possibilidades implicadas na substituição de uma unidade lexical por outra
semanticamente compatível, merece ser destacado que, na utilização deste processo
substitutivo, podemos recorrer:
a) a um item sinônimo, utilizando uma palavra que possua um sentido equivalente
ou aproximado da unidade a ser substituída. A fim de que seja estabelecida uma cadeia
pica, em que o “fiocondutor se desenvolva em sequência adequada, é necessário um
uso verdadeiramente textual da questão sinonímica, de forma a se assegurar, por meio
de dois itens lexicais em relação de co-referencialidade, a necessária continuidade de
um texto. De fato, esse tipo de recurso envolve muitas restrições de significado, pois
nem mesmo palavras tidas como exemplos clássicos de sinônimos podem ser usadas
indiscriminadamente como equivalentes entre si em qualquer situação textual. O
contexto discursivo, neste caso, será preponderante para assegurar a textualidade e a
manutenção tópica.
92
Romeu Paris, diretor operacional do SBT, mostrou seriedade ao falar sobre o
tema Closed Caption e a forma como foi tratada a adoção da legenda oculta pela
emissora: O Brasil tem, mas poucos sabem [...]. Informou também que a emissora
encara a adoção do closed caption não como mera ―liberalidade‖, mas sim como uma
real conscientização do dever social. Hoje o SBT está com 200 horas de sua
programação com closed caption e pretende expandir para ainda este ano, o recurso
da legenda oculta ao dobro de horas na programação.
Revista da Feneis Ano V Número17 Pág. 17
b) a um item hiperônimo cujo papel articulador favorece a formação de cadeias
coesivas a partir da interpretação de elementos semanticamente equivalentes. Por serem
considerados “nomes genéricos”, ou “superordenados”, os hiperônimos podem nomear
uma classe de seres ou abarcar todos os membros dentro de um único grupo. Dessa
forma, pela relação hiperonímica estabelecida entre os segmentos de um texto, pode-se
formar uma cadeia coesiva entre um nome mais específico ou subordinado e outro mais
geral ou superordenado.
Os hiperônimos possuem uma altíssima frequência de uso em nossa língua, pois
apresentam uma versatilidade muito maior em relão à inequívoca equivalência de
referência que podem assumir. De certa forma, os hiperônimos funcionam como uma
espécie de curinga(ANTUNES, 2005:102) em nossas mãos que pode ser alocado em
muitos lugares no processo de composição textual, visto que podem substituir um
93
universo de muitas outras palavras. Basta para isso que designem entidades do mesmo
tipo.
A versatilidade no uso de hiperônimos se faz notar a partir das diversas dimensões e
perspectivas que esse tipo de substituição pode admitir. Vale referir que existe um
grupo de palavras hiperônimas que funcionam como unidades terminológicas de uma
nomenclatura ou de uma taxonomia, como o termo “roedor”, que designa uma classe
específica de seres, bem delimitada e bem definida. Entretanto, existem termos bem
mais genéricos e abrangentes, tais como “instrumento”, “elemento” e “itens” que podem
ser aplicados a uma série quase infinita de seres, emprestando às línguas uma grande
versatilidade e flncia.
Convém salientar que a utilização dos hiperônimos, além do movimento de
substituição, pode resultar também em um recurso que impulsiona o dinamismo textual,
propiciando, na retomada do objeto referido uma “caracterização”, ou enquadramento
pessoal que implica em certa avaliação
17
. Dessa forma, esse tipo de substituição, além
de concorrer para a manutenção da continuidade pica do texto, sinaliza conceitos e
visões acerca do pico em questão, tal como pode ser observado no trecho seguinte.
17
Substituições desse tipo têm sido chamado por diversos autores de “recategorização”, no sentido de que
o referente previamente ativado no texto, é retomado sob a forma de uma avaliação pessoal, que pode ser
positiva ou negativa, da qual resulta uma outra expressão definidora. Esse termo “recategorizaçãovem
sido preconizado na seqüência de diversos trabalhos desenvolvidos por Marcuschi no que diz respeito aos
procedimentos textuais de “fazer referência às coisas”.
94
Os Surdos foram privados de se comunicarem em sua língua natural durante
séculos. Por séculos os Surdos não tinham respeitados os seus direitos e reconhecidas
suas responsabilidades, mesmo depois de receberem educação. [...] Escolas proibiam o
uso da língua de sinais para a comunicação entre os surdos, forçando-os a falar e fazer
leitura labial. Quando desobedeciam, eram castigados fisicamente e tinham as mãos
amarradas dentro das salas de aula. Torturas dessa natureza eramlhes impetradas
quase que diariamente.
Gesser, 2009. Pág. 25
Na mesma linha de considerações, destaca-se o uso dos hiperônimos que assumem
uma função, de certa forma, “resumidora”, na qual retomam as informações anteriores e
sinalizam o fechamento do pico, possibilitando, assim, a transição para um outro
seguinte. Observo que o uso dos pronomes demonstrativos nesse tipo de retomada
desempenha um papel significativo, sobretudo naquelas em que se estabelece uma
relação de co-referencialidade, em que se retoma o mesmo referente textual.
―Várias implicações sociais, políticas, educacionais, psicológicas e linguísticas
decorrem dessa proibição. Porém o que a história nos mostra é que a língua de sinais,
diferentemente da maioria das línguas minoritárias, não morreu e não morrerá porque,
enquanto tivermos dois surdos compartilhando o mesmo espaço físico, haverá sinais.
Essa é a ironia da tentativa desenfreada de coibir o seu uso‖
Gesser, 2009. Pág. 26
95
c) a formas de caracterização situacional, retomando um referente textual por meio
de uma unidade lexical, ou de uma expressão, que ifuncionar como uma descrição
desse referente, conforme o que for realmente relevante ressaltar ou focalizar no
momento da interação discursiva. O termo “caracterização situacional” cunhado por
Antunes (1996) tem exatamente por objetivo colocar em evidência o aspecto de
podermos “caracterizar” o objeto em questão conforme as singularidades situacionais de
cada contexto específico.
A Telemar instalou na sede da Feneis um telefone público especial para Surdos.
Agora, eles poderão efetuar ligação através deste novo orelhão especial, que pelo
tamanho, parece mais um ―orelhinha‖. Além de funcionar como um aparelho comum,
apto a fazer ligações entre ouvintes, este moderno aparelho é equipado com um teclado
e com um visor. Dotado desses recursos, esse novo telefone permite ao surdo digitar
suas mensagens e ler as respostas. Este tipo de orelhão, no entanto, não se comunica
com telefones residenciais, apenas com outros idênticos.”
Revista da Feneis Ano V, número 17 Pág. 18
Como podemos perceber, através da substituição por caracterização situacional,
muitas equivalências referênciais podem ser conseguidas. Entretanto, lançar mão deste
recurso requer antes de tudo, nosso conhecimento de mundo, visto que, neste tipo de
mecanismo, o conhecimento apenas linguístico não é suficiente. Faz-se necessário um
prévio conhecimento acerca da situação envolvida no contexto discursivo, nos episódios
do dia a dia; são as informações armazenadas na memória acerca dos referentes
envolvidos na enunciação que serão as grandes mobilizadoras na autorização das
substituições.
96
Dentre esse conjunto de informações armazenadas, recorremos a um tipo de seleção
dos aspectos que julgamos ser mais relevantes a focalizar. Dessa forma, retomar uma
referência a um telefone público com a expressão “orelhão”, como vimos acima, requer
muito mais do que um simples conhecimento da ngua; requer o conhecimento prévio
de particularidades da vida cotidiana e de expreses específicas utilizadas na época
para designar este tipo de aparelho telefônico de uso coletivo. Esta expressão
descritiva”, tão singular e popular no passado, foi selecionada exatamente por se
mostrar altamente relevante no contexto da interação, mobilizando muito mais nosso
conhecimento de mundo acerca da situação do que o conhecimento da língua.
d) a retomada por Anáfora Zero (Elipse) que, indiscutivelmente, se traduz em um
recurso coesivo altamente utilizado em nossa ngua, constituindo no texto um
indicativo de continuidade por promover a articulação de diversos segmentos. A elipse,
em termos gerais, é definida com sendo o resultado da omissão ou do ocultamento de
um termo que pode ser facilmente identificado via contexto.
Em se tratando de recurso coesivo, a elipse corresponde à estratégia de se omitir, na
superfície textual, uma unidade, uma expressão ou até mesmo uma seqncia inteira que
fora previamente introduzida nas sequências textuais anteriores, mas facilmente
recuperáveis por marcas do próprio contexto em que ocorre o discurso. Sua importância
se resume, portanto, no fato de assinalar que alguma coisa está sendo reiterada na
continuidade do texto, muito embora seja, justamente, a omissão” de um elemento
esperado, que sinalize o encadeamento referêncial. Na verdade, essa falta é compensada
pela ocorrência no texto de inúmeros outros elementos co-textuais e contextuais que
acabam por favorecer a recuperação de referente omitido.
97
Devido a tais características, a elipse é considerada um recurso também reiterativo
se considerarmos sua dimensão textual, visto que promove a articulação entre
segmentos, possibilitando que se retome uma mesma refencia sem que seja necessário
repeti-la, além de outros efeitos estilísticos que pode provocar como a concisão e a
leveza de estilo.
―Vemos no primeiro relato que o jovem surdo tem a oportunidade de se
construir de outra forma no encontro com seus pares surdos. É nesse momento que Ø
imprime outro rumo à história, com valores e subjetividades identificados e aceitos no
grupo. Mas, muito provavelmente, as crianças filhas de ouvintes percorrem,
anteriormente, um caminho inverso: Ø ao serem constantemente encaminhadas para os
médicos, para fazerem tratamentos, reabilitações e treinos de fala, Ø assimilam e Ø
constroem uma gama de significados diferentes, ou seja, Ø vêem-se talvez como únicas
nessa condição, e como que Ø se obrigam a existir como ―deficientes‖.
Gesser, 2009. Pag. 67
O uso da elipse, entretanto, requer uma boa dose de competência textual, pois exige
do produtor do texto que se saiba, apropriadamente, onde” usá-la e quando usá-la, de
preferência alternando na composição, o mecanismo da elipse com outros recursos
coesivos de forma a não prejudicar a continuidade. A elipse se caracteriza por um
apagamento”, uma omissão” e faz com que sua utilização exija um cuidado ainda
maior, para que não seja dificultada a recuperação da referência e que não seja perdida
a ponta do fio que é responsável por amarrar o texto, fazendo uma perfeita tessitura.
Vale, entretanto, considerar que a inclusão da elipse entre os recursos que desempenham
98
uma função coesiva, emprega a este mecanismo uma nova perspectiva de maior
relevância dentro daquilo que se precisa desempenhar no intuito de se manter a
continuidade tópica do texto.
A partir do detalhamento nesse estudo dos mecanismos de repetição e substituição
comumente utilizados na composição textual, apresento, neste momento, um esquema
classificatório que contempla os principais recursos que favorecem coesão referencial
sugeridos em ANTUNES (1996; 2005), FÁVERO (2006), KOCH (1989) e KOCK &
ELIAS (2008). Estes foram devidamente descritos teoricamente e avaliados, ao longo
pesquisa, como tipicamente responsáveis pela formação de cadeias coesivas, as quais
acabam por também favorecer a continuidade tópica e a progressão discursiva por
intermédio de seus nexos.
O objetivo principal de unificar em um só esquema classificatório os recursos
abordados pelos autores acima citados consiste em facilitar a visualização e a pesquisa
sistemática aos possíveis mecanismos formadores de cadeias coesivas, elencados de
forma abrangente e detalhada nos capítulos anteriores. O esquema abaixo proposto
favorece sobremaneira a etapa final de análise e classificação dos dados, visto que, ao
ser disposto de forma bastante concisa e objetiva, consegue simultaneamente reunir e
recapitular todos os mecanismos estudados na pesquisa. Dessa forma, torna-se uma
ferramenta ímpar no processo da análise dos dados, cujo objetivo principal dessa fase é
a de investigar de forma empírica a possível formação de cadeias coesivas na
composição escrita de surdos por intermédio dos nexos textuais.
99
Possíveis cadeias formadas por Repetição
Repetição Total:
formadas por repetição total das unidades
lexicais sem alteração morfológica
formadas por repetição total de uma sequência
de unidades lexicais sem alteração morfológica
Repetição Parcial:
formadas pela repetição parcial das unidades
lexicais com alteração morfológica
formadas pela repetição parcial de seqüências
de unidades lexicais com alteração morfológica
Repetição Mista:
formadas pela conjugação da repetição total,
que ocorre sem alteração morfológica das
unidades lexicais e da repetição parcial, que
ocorre com alteração morfológica das unidades
lexicais.
Cadeias Mistas:
cadeias formadas pela utilização dos recursos
conjugados da repetição e da substituição, em
um mesmo “fio” condutor, como estratégia de se
assegurar a continuidade tópica do texto.
100
Substituição Hiperonímica:
formadas por hiperonímia estritamente lexical
(designadores rígidos)
formadas por hiperonímia léxico-contextual
Substituição por Caracterização Situacional:
formadas por caracterização imediata (co-
textuais), tais como:
▪ por nomes de qualidade ou próprios
▪ Por nomes de função desempenhada
▪ por antonomásia (apelidos, codinomes)
▪por nomes de categorias sociais, profissionais,
etárias e outras eventuais.
formadas por caracterização mediata (contexto
sócio-cultural), tais como:
▪ por nomes metafóricos
▪ por nomes metonímicos
101
3. Aspectos Metodológicos: “a constituição da amostra”
Os textos selecionados para compor o corpus dessa pesquisa foram produzidos
por alunos surdos que frequentam as escolas E.E.E.E. Anne Sullivan e E.M. Paulo
Freire, nas quais estão devidamente matriculados e cumprem todas as exigências
previstas no currículo. O tipo de linguagem utilizada pelos alunos no ambiente escolar é
a Língua de Sinais, (LIBRAS), embora, em seus ambientes familiares, a comunicação
seja realizada, muitas vezes, por leitura labial e gestual caseiro de apoio.
Em relação às Instituições de ensino, observa-se queo escolas públicas que
atendem a uma clientela de poucos recursos financeiros. A E.E.E.E. Anne Sullivan, por
exemplo, caracteriza-se principalmente pelo fato de localizar-se estrategicamente no
centro da cidade de Niterói, próxima ao terminal rodoviário, recebendo alunos oriundos
de vários municípios vizinhos que não possuem uma instituição apropriada capaz de
absorver a demanda da comunidade surda.
A escola municipal Paulo Freire está localizada no bairro do Fonseca, em Niterói,
absorvendo um grande número de alunos oriundos de diversas localidades dos
municípios que não possuem escolas aptas à escolarização de surdos. Por fazer parte de
um projeto piloto da rede municipal de ensino, a E.M. Paulo Freire, que possui em
maioria turmas regulares de alunos ouvintes, adota como modelo filofico-educacional
a abordagem bilíngue para as turmas de surdos que funcionam incluídas na instituição.
A escola conta com um grande número de surdos adultos que trabalham junto aos
alunos sob a forma de instrutores de LIBRAS, transmitindo a língua de sinais aos
pequenos aprendizes que ainda o demonstram grande desenvoltura na modalidade
gestual e fortalecendo a cultura e a identidade da comunidade surda.
É interessante observar, em relação aos alunos da instituição, que mesmo sendo
bastante conversadores e abertos à integração com a população ouvinte da escola,
102
permanecem sempre junto nas atividades diárias de escolarização, demonstrando uma
identificação mútua em termos de linguagem e identidade cultural no uso da Libras.
Fato também observável em relação aos alunos que deixaram a escola e frequentam a
algumas atividades na instituição, na modalidade de “egressos”.
No que tange à formão do Corpus deste estudo, foram selecionados para compor a
amostra composições textuais bastante variadas tanto em relação ao fator idade, quanto
em anos de escolarização dos alunos participantes. Os alunos escolhidos para
produzirem o material de análise demonstram possuir relativa proficiência na escrita do
Português, apresentando características de estágios na interlíngua variando entre II e
III. Os participantes em questão apresentam uma faixa etária bastante variável e ampla,
sendo o grupo da amostra composto por adolescentes a partir dos 13 anos até adultos
com mais de quarenta anos.
Tamanha variação foi propositalmente escolhida no intuito de comprovar por meio
do material escrito, que os níveis de proficiência na escrita do português não estão
atrelados è idade dos participantes, mas ao tempo de exposição, ao empenho pessoal e
ao nível de aprendizado da segunda ngua. Todos os alunos envolvidos nesta análise
o têm acompanhamento pedagógico auxiliar em casa, somente a escolarização
sistemática nas instituições escolares. Inclusive os trabalhos extracurriculares que por
vezes exigem pesquisa, são feitos em Sala de Recursos com professoras proficientes em
Língua de Sinais.
A coleta dos dados se deu por um período contínuo de seis meses diretamente em
sala de aula após as atividades de produção textual, cujos temas propostos foram
previamente estabelecidos em discussão com a professora regente do grupo de
referência. Toda a temática abordada nas tarefas de redação gira em torno de atividades
tipicamente cotidianas ou a partir de trabalhos culturais bastante motivadores que
103
incluíram a leitura de contos clássicos da literatura ou sessões de projeção de filmes
escolhidos pelos alunos, fator relevante para uma boa motivão do grupo na execução
das tarefas.
Os recursos utilizados para a realização dos trabalhos de composição textual
realizados nas aulas incluem itens bastante corriqueiros no dia a dia dos alunos
envolvidos na pesquisa, tais como lápis e papel pautado para o registro da redação. Por
vezes, a realização das composões textuais era precedida da leitura de textos literários
ou jornalísticos, os quais funcionavam não somente como um instrumento de incentivo
à escrita, mas também como um veículo de informação necessária acerca do tema a ser
discutido.
Dentre os sujeitos que participaram da pesquisa, encontram-se surdos que
apresentam principalmente o seguinte perfil:
surdos com perda auditiva severo-profunda congênita ou adquirida até dois anos
de vida.
surdos que, por decorrência da surdez, tiveram contato linguístico com a ngua
portuguesa apenas por meio da escrita.
É necessário enfatizar que as redações foram analisadas tendo como base as
referências tricas adotadas para interpretar a formação das cadeias coesivas em seu
aspecto referêncial, de forma a se observar como indivíduos surdos estabelecem a
continuidade e a progressão dos referentesno contexto discursivo. Dessa forma, foi
utilizado o referêncial trico de GIVÓN (1983) acerca da continuidade tópica, de
ANTUNES (1996; 2005), no que diz respeito às cadeias coesivas e de todos os outros
autores que desenvolveram trabalhos envolvendo referenciação e discurso, mencionados
no referêncial teórico da pesquisa.
104
Na prática da análise dos textos, procurei articular o fundamento teórico dos autores
citados com as prerrogativas da abordagem comunicativa e educacional bilíngue. Tal
atitude me permitiu visualizar de forma muito mais pertinente a utilização do português
na modalidade de segunda língua (L2), evidenciando seu uso no contexto social e
sobretudo na realização da prática cotidiana das tarefas escritas.
Torna-se neste ponto imperativo afirmar que, diante das peculiaridades linguísticas
apresentadas pelos surdos em suas produções textuais, é necessário que um pesquisador,
ao examinar as composições desses sujeitos, esteja atento não a modelos canônicos de
dados da escrita de sujeitos ouvintes. Tampouco a mecanismos prototípicos que possam
assegurar a coesão referêncial na escrita utilizada por esses indivíduos, mas
seguramente, às condições de produção, recepção e interlocução dos sujeitos surdos.
Justifica-se daí a necessidade da constante análise estratégica por parte desse
receptor/pesquisador, que não seja voltada apenas para suas expectativas pessoais, seus
objetivos, seus conhecimentos de mundo. Ele precisa, principalmente, estar atento às
pistas deixadas por esses sujeitos, para que o texto seja melhor interpretado
18
.
(TANNEN, 1998: 102)
18
Tradução livre de autoria própria do trecho retirado do original “TANNEN, D. Talking voices:
repetition, dialogue and imagery in conversational discourse. Paris: Mouton Publishers: 1988”
105
4. Análises dos dados
Esse capítulo da pesquisa destina-se, especificamente, à organização e à análise dos
dados coletados nas instituições de ensino. O objetivo primeiro desta seção consiste em
retomar as hipóteses iniciais estabelecidas para o início da pesquisa e confrontá-las com
os dados coletados, a fim de observar a formação de cadeias tópicas nas produções
textuais de indivíduos surdos.
A coesão referêncial estabelecida, nas redações selecionadas para compor o corpus
desse estudo, pode apresentar uma tendência preponderante às retomadas e remissões a
referentes previamente ativados no texto por meio do mecanismo da repetição total ou,
em menor escala, por meio da substituição lexical ou pronominal. Tal característica de
construção textual, a ser confirmada nos dados, é preponderante no sentido de
comprovar que, em se tratando de surdos, a LIBRAS (L1) permanece como sistema
subjacente na prática da escrita do Português (L2). As evincias de tros de
interferência ou justaposição entre os dois digos podem ressaltar os mecanismos
utilizados, visto que, em uma situação de bilinguismo, ao se tomar uma ngua como
base de produção, a outra nunca é totalmente desativada.
Este capítulo de análise apresenta-se dividido de acordo com as seguintes
perspectivas. Em primeiro plano, procedo à apresentação de cada texto,
individualmente, na forma original como foram construídos, sendo imediatamente
seguido por seu desmembramento em períodos, a fim de facilitar a visualização dos
referentes ativados e de suas respectivas predicações.
Em cada período apresentado estão devidamente marcadas as “entidades” que foram
ativadas na produção e posteriormente recuperadas pelos mecanismos da repetição ou
da substituição, no intuito de manter o pico em foco e fazê-lo progredir na superfície
textual.
106
Procedi à análise dos dados como sugerido em MARCUSCHI (1998), denominando
de Matriz (M) cada novo referente introduzido no discurso, que servi de base ou
modelo para a projão de outros segmentos posteriormente repetidos (R), ou
substituídos (S) à sua semelhança ou identidade discursiva.
As “cadeias coesivas” formadas pelos mecanismos que asseguram a coesão
referêncial são devidamente marcadas e categorizadas em uma pequena tabela que se
procede a cada texto apresentado. Nesta tabela estão destacados os elementos
formadores da cadeia, o número de repetições ou substituições, bem como a
caracterização nominal do mecanismo utilizado.
Sob outro ângulo proposto para o momento da análise, passo num segundo plano, a
focalizar, mais especificamente, alguns aspectos textuais envolvidos no processo da
produção do texto, tais como o contexto discursivo, o desenvolvimento e a adequação
ao tema proposto para a dissertação. Obviamente, nesta etapa crucial de interpretação,
são ressaltados todos os mecanismos utilizados pelos surdos no intuito de assegurar a
textualidade e a coesão nas redações produzidas. Dessa forma, pontuo individualmente,
cada mecanismo coesivo recorrente no texto, bem como a estruturação e a forma como
foram utilizados pelos alunos, na tentativa de manter a continuidade e a progressão dos
referentes ativados.
1) Primeiro grupo de dados: “O Alienista”
Como parte do Corpus constituído para a análise desse estudo, apresento
primeiramente um grupo de textos coletados na E.E.E.E. Anne Sullivan, a partir de uma
atividade interpretativa desenvolvida com alunos adolescentes surdos “egressos” do
ensino médio, com base em impressões pessoais do conto de Machado de Assis, O
107
Alienista. O conto selecionado para o desenvolvimento da atividade se deu por conta
do nível de discriminação que toda a comunidade surda ainda sofre por parte de muitos
segmentos da sociedade majoritária ouvinte. Muitos surdos continuam sendo
considerados, nos dias de hoje, “loucos” ou “anormais” por aqueles que desconhecem
sua história, sua luta e suas imensuráveis conquistas em se tratando de língua e
cidadania.
Como forma de assegurar, portanto, uma análise qualitativa que contemple também
como fator de textualidade, o contexto no qual todos os alunos foram inseridos no
período de desenvolvimento da atividade, apresento a sinopse do conto trabalhado:
O Doutor Simão Bacamarte, cientista, monta em Itaguaí um hospício denominado
Casa Verde, onde pretende executar seus projetos científicos. Ele pretende separar o
reino da loucura do reino do perfeito juízo, mas a confusão em que ambas se misturam
acaba aborrecendo o Doutor que, para levar a efeito a seleção dos loucos, tem que saber
o que é a normalidade. Assim, qualquer comportamento que diferisse da norma da
maioria era objeto de internação. No início, o projeto do Alienista é bem recebido pela
população de Itaguaí, mas a aprovação cessa quando o médico passa a recolher na Casa
Verde, pessoas em cuja loucura a população não acredita. Numa primeira etapa, são
internados os que, embora manifestassem hábitos ou atitudes discutíveis, eram tolerados
pela sociedade: os politicamente volúveis, os sem opiniões próprias, os mentirosos, os
falastes, os poetas que viviam escrevendo versos empolados, os vaidosos. Para pasmo
geral dos habitantes de ltaguaí, Simão Bacamarte, um dia, solta todos os recolhidos no
hospício e adota critérios inversos para a caracterização da loucura: os loucos agora são
os leais, os justos, os honestos. A terapêutica para esses casos de loucura consistia em
fazer desaparecer de seus pacientes as "virtudes", o que o Dr. Simão Bacamarte
consegue com certa facilidade. Declara curados todos os loucos, solta-os todos e,
108
reconhecendo-se como o único louco irremediável, o médico tranca-se na Casa Verde,
onde morre alguns meses depois.
Todos os alunos envolvidos nessa atividade possuem boa fluência em LIBRAS, e
o tiveram a interfencia ou ajuda do professor no sentido de facilitação da escrita em
Português. Foi feita somente, por meio da Língua de Sinais,um profundo debate acerca
do tema central do conto discutido e uma detalhada orientação sobre o trabalho a ser
executado. Seguem, portanto, abaixo os textos produzidos durante a realização desta
atividade:
Composição I:
"Eu comparo Alienista com agora. A pessoa pensa surdo
conversar sinais parece maluco. A pessoa é médico não sinto no
próprio corpo, pensar surdo maluco. Mas médico não entender
vida surdo. O surdo consciência igual ouvinte, sinais diferentes
de Português".
109
1) Eu (M1) comparo (o) Alienista (M2) com (o que acontece) agora.
2) A pessoa (M3) pensa (que o) surdo (M4) (ao) conversar (em) Sinais (M5)
parece maluco.
3) A pessoa (R 3) é médico (S3) (e) não sente no próprio corpo, (por isso) (ele) Ø
(S3) pensa (que o) surdo (R4) (é) maluco.
4) Mas médico (R3) não entende (a) vida (do) surdo (R4).
5) O surdo (R4) (tem) consciência igual (ao) ouvinte, só (os) Sinais (R5) (são)
diferentes do Português.
Formação das Cadeias Tópicas
REPETIÇÃO
MISTA
Repetição Total
1ª) Surdo surdo surdo
→ surdo
2ª) Sinais → sinais
Repetição + Substituição
Pessoa pessoa médico
→ Ø → médico
Esta primeira composão destaca-se pela adequação e o desenvolvimento do tema
trabalhado em sala de aula a partir do conto de Machado de Assis, O Alienista”. A boa
110
reflexão demonstrada na redação em relação ao preconceito linguístico sofrido pela
comunidade surda em decorrência do uso de uma língua visuo-gestual evidencia o
perfeito entendimento da atividade a ser realizada, somado ao bom conhecimento de
mundo que o aluno demonstra possuir acerca do tema proposto.
Observo que o aluno produtor da redação expressa-se satisfatoriamente por meio da
modalidade escrita do português. Demonstra relativa desenvoltura no uso das estruturas
sintáticas da línguaalvo utilizada na produção, as quais fornecem os subsídios
necessários à construção da boa sequencialidade e compreensão das ideias expostas.
Ressalto nessa produção o uso adequado e bastante pertinente do pronome de
primeira pessoa Eu” como forma de expressar sua opinião pessoal acerca do tema, em
oposição ao uso predominante do discurso em terceira pessoa. Tal particularidade na
construção do texto permite ressaltar o bom emprego que o aluno faz de alguns recursos
inerentes à prática de redigir, sabendo a forma apropriada, em Português, de como
colocar-se como sujeito no discurso.
No que tange, especificamente, ao foco central dessa pesquisa, que é a formação de
cadeias tópicas, ressalto o uso plenamente satisfatório do mecanismo da repetição e da
substituição lexical de forma a assegurar a coesão referêncial e a continuidade dos
referentes. Dessa forma, destaco a formação de duas cadeias picas formadas pelo
mecanismo da repetição integral da matriz (M) que, retoma os referentes por meio da
repetição total das unidades e uma cadeia mista de construção bastante longa e
complexa composta por cinco elementos.
Observo que a cadeia mista, especialmente assinalada pela análise empreendida,
parece funcionar como a espinha dorsal da redação, visto que se desenvolve
verticalmente por toda a composição. Para evidenciar a importância dessa cadeia na
estrutura do texto, tomo por base o referente pessoa” que, inicialmente ativado, se
111
mantém comopico central no texto por intermédio de rias retomadas e remissões ao
longo da construção. Para assegurar o tópico em evidência, o aluno utiliza os
mecanismos de repetição e substituição, formando uma cadeia pica bastante variada e
rica em termos de dispositivos coesivos.
Ressalto, como recursos de construção da cadeia pica, o uso bastante interessante
do predicativo do sujeito como mecanismo de recategorização do referente pessoa
em “médico” (itens 3 e 4), reconstruindo-se textualmente. O contexto discursivo, nesse
caso, desempenha um papel preponderante, visto que a relação de referência não se
estabelece exclusivamente entre os elementos referidos. Ela se estende por todos os
contextos que envolvem ambos na constituição de uma cadeia coesiva”. (KOCH,
1989:31.
Pontuo, entretanto que, embora o aluno demonstre relativa coerência no uso e
variação dos mecanismos coesivos, não foi utilizada em sua composição o recurso da
substituição pronominal em terceira pessoa, o qual se apresenta na escrita em
Português como a forma canônica mais escolhida como mecanismo de retomada
gramatical dos referentes linguísticos ativados no texto.
Destaco finalmente o uso pertinente da substituição por elipse (item 3) como
recurso de coesão referêncial, demonstrando que o aluno possui uma boa
competência na escrita da segunda ngua. Como a elipse se caracteriza por um
apagamento do elemento referênciado, faz com que sua utilização exija um cuidado
ainda maior em sua adequada utilização. O contexto e o conhecimento compartilhado
com o receptor do texto, nesse caso, exercem papel preponderante na recuperação do
referente omitido.
112
Composição II:
..."surdo tem vontade televisão entender. intérprete
importante ter informação. Mas passado sem intérprete. Só
sabe ouvir toda informação.”
1) Surdo (M1) tem vontade (de) ver televisão e Ø (S1) entender.
2) (um) Intérprete (M2) é importante (para) (o surdo) Ø (S1) ter informação
(M3).
3) Mas (o) passado (era) sem intérprete (R2).
4) (Surdo) Ø (S1) só sabia ouvir* toda (a) informação (R3).
Formação das Cadeias Tópicas
REPETIÇÃO
SUBSTITUIÇÃO
Repetição Total
1ª) Intérprete → intérprete
2ª) Informação → informação
Substituição por elipse
Surdo → Ø→ Ø
113
Percebo a partir do fragmento acima, que o aluno, ainda não demonstra a
desenvoltura na apropriação da modalidade escrita do Português como observado no
primeiro texto apresentado. Observo certa restrição na abrangência do vocabulário e no
emprego das estruturas linguísticas da língua-alvo, apresentando estratégias típicas de
transferência da língua de sinais, tais como o predomínio de frases sintéticas do tipo
pico-comentário.
Entretanto, essa restrição apresentada pelo aluno na escrita da ngua portuguesa
o configurou impedimento para que fosse alcançado o objetivo primordial da atividade
de produção textual desenvolvida, que consistia, basicamente, na tentativa de expressar
uma reflexão acerca do conto trabalhado em sala de aula.
Verifico que a interpretação pessoal do aluno a partir dos debates realizados sobre
O Alienista ocorreu de forma diferente dos outros participantes, visto que, em seu
texto, sobressaem temas que não estão diretamente relacionados ao conto trabalhado,
muito embora estejam intimamente ligados à cultura surda.Dessa forma, o aluno opta por
ressaltar em sua produção a importância do papel que o interprete desempenha na vida do
surdo no atendimento às diversas funções cotidianas e no acesso à informação. Reflete-
se, em sua redação, uma preocupação em enfatizar os ganhos que toda comunidade surda
obteve com a presença do intérprete em vários programas de televisão, facilitando a
compreensão dos indivíduos surdos às informações transmitidas.
No que tange especificamente ao aspecto coesivo, ressalto nesta composição o
emprego adequado do mecanismo de retomada dos referentes linguísticos por meio da
repetição total das unidades lexicais sem alteração morfológica, como estratégia de
focalizar os tópicos de maior evincia (“intérprete” e “informação”) e de manter a
continuidade tópica.
114
Observo, no entanto, que o aluno ainda não possui grande desenvoltura na escrita
que lhe permita a utilização adequada do recurso de substituição por meio da elipse, fato
que causa certa ambiguidade referêncial no desenvolvimento do seu texto. A quebra da
cadeia tópica, ocasionada pelo uso inadequado do mecanismo da elipse, como observado
no item 2, evidencia que, o fator de predizibilidade torna-se um elemento semântico-
pragmático preponderante e indispensável para o entendimento do texto (GIVÓN, 1983).
Pontuo portanto que, em caso de uma utilização inadequada dos mecanismos de
coesão referêncial, a ausência de um conhecimento compartilhado com o produtor do
texto a respeito dos picos desenvolvidos inviabiliza sobremaneira a compreensão do
texto. Destaco o item 4 da composição para demonstrar a relevância do contexto no
momento da recepção, visto que a compreensão deste segmento requer do leitor a
inferência de que o referente omitido pela elipse, “surdo, é na verdade o sujeito da
predicação desenvolvida.
Destaco nesta produção o emprego bastante peculiar do verbo “ouvir, no item 4,
como fator de influência explícita do contato e da exposição do aluno com as formas
sintáticas e gramaticais da modalidade escrita da segunda língua. A escolha pelo uso do
verbo ouvir em sua produção deixa clara a intenção do aluno em aproximar ao máximo a
sua escrita aos modelos e padrões utilizados pelos usuários nativos do Português em suas
redações. Finalmente observo que também não foi utilizado nesta redação o recurso da
substituição pronominal como estratégia de assegurar a coesão referêncial.
115
Composição III:
"Antigo alienista eu sinto a agora vida surdo. Comunicação é
normal igual ouvinte. Mas fora na rua, ouvinte surdo papo
grupo pensando doente, gesto surdo fala eu não sou doente
mental. É preconceito. falta respeito."
1) (O preconceito do) Antigo Alienista (M1) eu (M2) sinto agora (na) vida (do)
Surdo. (M3)
2) (A) Comunicação (M4) (do Surdo) é normal igual (a) Ø (S4) (do) ouvinte.
(M5)
3) Mas fora (da comunidade Surda), na rua, (o) ouvinte (R5) (um) surdo
(R3) (de) papo (com o) grupo (e) Ø (S5) pensa (que o Surdo) Ø (S3) é
doente. (S3)
4) (Por) gesto o surdo (R3) fala.
5) Eu (S3) não sou doente mental (R3).
6) Ø (Isso) ( S ) É preconceito, Ø ( S ) (é) falta (de) respeito.
116
Formação das Cadeias Tópicas
SUBSTITUIÇÃO
MISTA
Substituição por elipse
1ª) Comunicação → Ø
2ª) Ø (isso) é preconceito Ø
falta de respeito
Repetição + Substituição
1ª) Ouvinte → ouvinte → Ø
2ª) Surdo → surdo → Ø
doente surdo eu
doente mental
Destaco primeiramente nesta composição a boa reflexão feita pelo aluno acerca
dos temas debatidos em sala de aula a partir da leitura do conto “O alienista”. A
excelente adequação ao tema e o bom desenvolvimento dos tópicos no processo de
construção do texto evidenciam uma identificação imediata do preconceito sofrido pelo
surdo por parte da sociedade ouvinte, com o conceito de loucura abordado no conto.
Ressalto ainda nessa produção uma tentativa bastante interessante e pertinente de
conjugar a forma de discurso direto com o uso do discurso indireto como uma forma de
interlocução. Entretanto, a apropriação ainda incipiente dos sinais de pontuação e das
estruturas típicas de construção da ordem direta do Português faz com que sua tentativa
de construção mereça ainda ser desenvolvida. O desconhecimento, entretanto, das
estruturas linguísticas mais adequadas para uma construção dessa natureza faz com que
o aluno empregue de maneira muito interessante o pronome de primeira pessoa “eu” no
item 5. Muito embora esse emprego possa parecer, à primeira vista, uma retomada por
117
repetição integral ao referente “eu” introduzido no item 01, na verdade, ele substitui
“surdo” (item 4), assumindo o papel de interlocutor em primeira pessoa com o leitor
como uma resposta dialógica, visto que tal processo poderia desencadear a alteridade
da interlocução. Tal particularidade na elaboração desse texto permite visualizar o
empenho que o aluno demonstra no aprendizado da segunda língua, arriscando-se na
utilização de estruturas linguísticas da língua-alvo, mesmo que ainda de forma
indiscriminada.
No que diz respeito aos aspectos de coesão, observo uma variação nos mecanismos
utilizados na formação das cadeias tópicas identificadas no texto. Destaco
especialmente a cadeia mista formada por cinco elementos referênciais que, embora
bastante complexa em termos de construção, consegue assegurar a referencialidade dos
picos discursivos. Como admivel recurso de construção dessa cadeia, ressalto a
substituão lexical empreendida pelo aluno do referente “surdo, previamente ativado,
pela caracterização situacional “doente” (item 3). Posteriormente, ele o recategoriza em
doente mental”, colocando em evidência o aspecto de que, em uma retomada, pode-se
caracterizar o tópico em questão conforme as singularidades situacionais de cada
contexto específico. Lançar o desse recurso, entretanto, requer prévio conhecimento
acerca da situação envolvida no contexto discursivo, nos episódios envolvidos, pois
―são essas informações acerca dos referentes envolvidas na enunciação que serão as
grandes mobilizadoras na autorização das substituições‖ (ANTUNES, 1996: 92-93).
Observo, no entanto, que a utilização da anáfora zero em grande número como
recurso de continuidade pica não surtiu no texto o resultado esperado, visto que o
aluno não possui ainda desenvoltura na escrita suficiente que lhe permita a utilização
proficiente desse recurso de substituição. Como notado principalmente no item 03, a
utilização da elipse resultou em um certo “estranhamento” no encadeamento dos tópicos
118
ativados no texto, já que seu uso inapropriado, neste caso, acabou gerando ambiguidade
no processamento da refencia. É preciso atentar para o fato de que, de acordo com o
conceito de referência postulado por GIVÓN (1983), quanto mais picos potenciais
introduzidos no texto, tanto menos acessível será sua recuperação. Portanto, torna-se
preponderante para a devida interpretação da atividade textual de referência que os
mecanismos para sua manutenção sejam devidamente utilizados.
Finalmente, ressalto nessa redação o uso bastante particular da anáfora zero no
item 06 que, diferentemente do que ocorreu no item 03, seu emprego agora, na forma de
referência estendida, resultou em um brilhante instrumento de retomada às ideias
expostas, resumindo todas as predicações e agregando suas impressões pessoais acerca
das predicações desenvolvidas.
Composição IV:
"O alienista acredito boa ajuda pessoas. dico fazendo para
remédio diferente cada problema. Louco ou deficiente e surdo.
Alienista é boa inaugurar inventa casa verde mas acontece
muito pessoa precisar ajuda família é importante amizade e
papo com a mulher."
119
1) O alienista (M1) (eu) Ø acredito, (ser) boa ajuda (para as) pessoas (M2).
2) Médico (S1) fazendo remédio diferente (para) cada problema (M3).
3) Louco, deficiente ou surdo. (S3)
4) (O) Alienista (R1) (foi) bom (em) inaugurar (e) Ø (S1) inventar (a) casa verde.
5) Mas acontece muito pessoa (R2) precisar (da) ajuda (da) família. É importante
(a) amizade e (o) papo com a mulher.
Formação das Cadeias Tópicas
REPETIÇÃO
SUBSTITUIÇÃO
MISTA
Repetição Parcial
Pessoas → pessoa
Substituição por caracterização
situacional
Problema louco, deficiente
ou surdo
Repetição + Substituição
O alienista → médico
alienista → Ø
Observo, de imediato nessa composição, a forma positiva como o aluno
conduziu sua produção, ressaltando as qualidades do “Alienista” em ter fundado a Casa
Verde para alocar todos aqueles que apresentassem qualquer tipo de desvio no
comportamento considerado normal para os padrões por ele instituídos. Essa
conformidade, por parte do aluno, pode ser decorrente talvez, do pouco entendimento ao
120
conteúdo do conto trabalhado ou, até mesmo, ao pouco conhecimento da história dos
surdos. Esse desconhecimento da sua história e dos preconceitos enfrentados pela
comunidade surda por anos a fio pode ter sido motivado, inclusive, por uma dificuldade
de comunicação em LIBRAS. Cabe aqui ser ressaltado que muitos alunos surdos
adultos ainda não são usuários proficientes da língua de sinais em decorrência de
diversos motivos sociais que inviabilizam o contato e a aquisição precoce da sua ngua
natural.
Embora o aluno tenha demonstrado pouca articulação e capacidade reflexiva no
que diz respeito aos conteúdos discutidos no desenvolvimento da atividade, é possível
observar relativa consistência na escrita do português. Ressalto o emprego
extremamente adequado do verbo flexionado em primeira pessoa, acredito (item 1),
no intuito, presumo, de se evidenciar ao leitor que as predicações seguintes tratam de
considerações pessoais sobre o tema.
Em termos de aspectos coesivos, destaco a manutenção pertinente da
continuidade tópica por intermédio da substituição lexical que recategoriza o referente
linguístico O alienista” para “médico” e, posteriormente, retoma-o sob a forma
original, construindo assim uma cadeia mista com elementos de substituição e repetição
(itens 1, 2).
Destaco ainda a remissão bastante peculiar empregada ao referente problema,
no item 2, que aparece recategorizado no item 3 sob as formas lexicais de “louco”,
deficiente” ou “surdo”. Ao retomar o referente textual por meio de caracterizações
situacionais, o aluno demonstra ter a intenção de descrever esse referente conforme seu
conhecimento acerca do tópico focal, mesmo que esse conhecimento seja equivocado ou
pouco pertinente ao tópico apresentado. Sendo assim, as expressões referênciais
envolvidas na retomada ou remissão são selecionadas exatamente por parecer ao aluno
121
altamente relevantes no contexto de interação, mobilizando muito mais o conhecimento
de mundo acerca da situação do que o próprio conhecimento da ngua. (ANTUNES,
1996)
É importante notar, nessa produção, a ambiguidade referêncial evidenciada no
item 05 que, por conta da introdução anterior de diversos referentes na supercie
textual e da intenção do aluno em fazer a retomada posteriormente por zero anáfora,
acaba por não referênciar adequadamente opico desejado. Como ressaltado por
GIVÓN (1983), as construções clivadas, como a sentença apresentada no item 05,
representam um alto grau de descontinuidade na cadeia pica, pois “quebram” as
expectativas do leitor. Neste caso, em especial, torna-se necessário o conhecimento do
leitor acerca do tema em questão, para que se interprete corretamente o texto.
Observo que, novamente nesta composição, não foi utilizado o recurso da
substituição pronominal de terceira pessoa como forma de assegurar a referencialidade
dos tópicos ativados. O fato é bastante curioso, visto que este tipo de substituição
constitui uma das formas mais escolhidas na escrita para estabelecer a retomada ou a
remissão aos referentes linguísticos ativados no discurso.
2) Segundo grupo de dados: “Minha Vida” e “Feliz Natal”
Passo, neste momento, à análise de duas composições textuais elaboradas por uma
aluna surda adulta de 24 anos, de modalidade “egressa”, matriculada no ano de
escolaridade em modalidade EJA. O objetivo de selecionar suas produções justifica-se
pela necessidade de demonstrar que os estágios de apropriação e evolução da língua-
alvo não são diretamente condicionados pela idade ou pelos anos dedicados à
122
escolarização, mas pelo desenvolvimento individual e pela motivação demonstrada ao
aprendizado da segunda língua.
O primeiro texto que apresento neste grupo foi produzido a partir de uma atividade
realizada em sala de aula sobre as questões da vida cotidiana. Foram selecionadas pela
professora, algumas notícias retiradas dos jornais diários e alguns artigos de revistas,
que retratam fatos cotidianos da vida moderna. A partir da seleção desse material
jornalístico, foi confeccionado com os alunos um quadro mural com as manchetes de
maior destaque, as quais enfocavam questões relacionadas ao trabalho, ao estudo, à
maternidade, ao casamento e à situação econômica do povo brasileiro.
Os alunos foram encorajados a expor suas ideias e experiências sobre os temas
relacionados no mural, suscitando assim, uma discussão no grupo bastante proveitosa e
motivadora para a etapa posterior de produção textual.
O segundo texto apresentado neste grupo foi produzido no período de preparação
das festas natalinas, em relação ao qual os alunos da turma encontravam-se bastante
motivados para debater e escrever sobre o tema Natal”. Dessa forma, a professora
orientou os alunos no sentido de relatar, por meio de redações, as festas de Natal
realizadas em casa. Os alunos foram advertidos a não se esquecer de mencionar as
pessoas envolvidas na festa, as comidas preparadas, os presentes trocados e a
importância do natal para a família. Ao final da atividade, foi confeccionado um belo
mural com as produções textuais, a fim de serem apresentadas na festa de encerramento.
Ressalto, entretanto, que os alunos produtores dos textos não tiveram a interferência
ou a ajuda do professor no sentido de facilitação da escrita em Português. Foram feitas
somente por meio da Língua de Sinais um profundo debate acerca dos temas destacados
durante o desenvolvimento das atividades pedagógicas e uma detalhada orientação
123
sobre os trabalhos a serem executados. Seguem, os textos produzidos durante a
realizão das atividades descritas e suas respectivas análises:
Composição I:
“Minha Vida”
Sou alta 1.75, meu pé tamanho 39 e 40. Blusa GG e calça 48. Sou pouco
é gorda. Eu fiz começar academia 1 mês. Também nova começou
estudo Precisa minha vida futuro trabalhar muito Bem salário. Por isso,
precisa lutar ajudar meu filho te um menino tem 3 anos 9 meses
agora eu não ter casada, então fico solteira.
1) Ø (S1) Sou alta, (tenho) Ø ( S1) 1.75, (e ) meu (M 2) pé (é) 39 e 40.
2) (Minha) Ø (S2) blusa (é) GG e (minha) Ø (S2) calça (é) 48.
3) Ø (S 1) Sou um pouco gorda.
4) Eu (M1) já fiz começar a academia (M3) já (a) um mês.
5) Ø (S1) Também comecei (um) novo estudo (M4).
6) Ø (S1) Preciso (na) minha vida (no) futuro trabalhar muito (e ter) bom salário
(M5).
7) Por isso, ( S ) Ø ( S 1) preciso lutar (para) ajudar meu filho (M6).
124
8) Ø (S1) Já tenho um menino (S6) (que) tem 3 anos e 9 meses.
9) Agora eu (R1) não (estou) casada, então Ø (S1) fico (fiquei) solteira.
Formação das Cadeias Tópicas
SUBSTITUIÇÃO
MISTA
Substituição por caracterização situacional
Filho → menino
Substituição por elipse
Meu → ØØ
Substituição pronominal
Por isso
Repetição + Substituição
Ø Ø Ø Eu Ø Ø Ø
→ Ø → eu → Ø
.
Esta primeira composição destaca-se pela perfeita adequação e pelo
desenvolvimento do tema trabalhado em sala de aula a partir das questões geradas pelo
estudo, pelo trabalho e pela maternidade na vida da mulher moderna, que precisa
exercer vários papéis em suas atividades cotidianas. A boa reflexão demonstrada na
produção da redação evidencia o perfeito entendimento da atividade a ser realizada,
somado ao grande conhecimento de mundo que a aluna possui acerca dos temas
discutidos em sala de aula.
125
Muito embora a aluna ainda esteja cursando o ensino fundamental, observo que sua
escrita evidencia um elevado estágio de apropriação da ngua-alvo, expressando-se
satisfatoriamente por meio da modalidade escrita do português. A aluna demonstra,
inclusive, uma boa desenvoltura no uso das estruturas sintáticas do Português, as quais
fornecem os subsídios necessários à construção da seqüencialidade e a compreensão das
ideias expostas ao longo do texto.
No que tange aos aspectos coesivos, verifico que a aluna se destaca pelo bom
encadeamento temático nessa produção, que apresenta em seu desenvolvimento uma
estratégia de continuidade tópica bastante satisfatória com a formação, inclusive, de
cadeias coesivas longas e complexas para os padrões apresentados nas dissertações de
surdos.
Ressalto nessa produção o uso adequado e bastante pertinente da flexão verbal em
primeira pessoa dos verbos “ser”, no sentido de marcar suas considerações pessoais
sobre os temas comentados (itens 1, 2, 3). As formas verbais flexionadas são utilizadas
na composição com sujeito em “elipse”, representando um elemento catafórico que
evidencia uma possível prospecção do futuro referente Eu” a ser introduzido no
discurso. Posteriormente, então, a aluna ativa o pronome “eu” no item 4, no momento
em que passa a considerar suas impressões sobre novos aspectos da sua vida, como se
desejasse ressaltar a manutenção do mesmo “referente” na cadeia tópica.
O fato de a cadeia tópica formada em torno do referente “euser a maior e mais
complexa de todas e perpassar por todo o texto deixa claro que este sujeito representa o
principal elemento sobre o qual se desenvolvem várias predicações. Destaco ainda nessa
produção como recurso de assegurar a continuidade referêncial, a utilização exemplar
do mecanismo substitutivo lexical sob a forma de uma caracterizão situacional, em
126
que a aluna recategoriza o referente “filhoem menino”, reiterando uma referência
feita, ao mesmo tempo em que lhe acrescentam novas informações. Como ressaltado
por ANTUNES (2005:109) no que diz respeito à recategorização, é preciso observar
que tal recurso envolve também a operação de caracterizar a entidade anteriormente
referida de acordo com as propriedades que são pertinentes no contexto.‖
Ressalto também nessa redação a forma especial de ativação ancorada da
entidade academia” no item 4, uma vez que sua introdução na superfície do texto se dá
com base nas associações textuais com elementos já presentes no cotexto ou no contexto
sociocognitivo dos leitores. Neste caso, basta observar que, embora a entidade
academia” figure pela primeira vez na superfície do texto sem apresentar uma relação
de co-referência explícita com outro referente linguístico, estabelece com o contexto
antecedente uma relação de “ancoragemque é decisiva para sua interpretação. Fazem
parte desse contexto os elementos relacionais, “gorda” (item 3), “blusa GG” e “calça
48” (item 2), os quais atuam na grande teia” semântica do texto como nexos coesivos
indispensáveis à interpretação do novo elemento “academia” ativado. Nesta perspectiva,
ressalto o conceito postulado por MARCUSCHI (2005:54), que estabelece uma grande
dificuldade em traçar uma divisória entre as relações entre ―o mundo criado por
palavras (o texto) e o mundo criado pelas palavras (o contexto).
Destaco, finalmente, nessa composição, a manutenção da coesão referêncial,
bastante particular e complexa, conseguida pela aluna por meio da utilização do
elemento pronominal “isso” no item 7. A função resumidora desempenhada pelo
elemento pronominal, nesse caso, o apenas retoma um termo antecedente
especificamente identificável na superfície do texto em processo de co-referência, mas
faz remissão a uma predicação inteira, resumindo-a e procedendo ao fechamento dos
picos.
127
Composição II:
“Feliz Natal”
Minha casa na Feliz Natal foi ótimo, eu junto tudo familiares, muita
coisas comer, muita delícia. Também familiares ganha presentes por
causa dia especial natal.
1) Minha casa no Feliz Natal (M1) foi ótimo.
2) Eu (fiquei) junto (com) tudo familiares (M2).
3) (Teve) Muitas coisas (M3) (para) comer, muita delícia (S3).
4) Também só (os) familiares (S2) ganha(ram) presentes por causa do dia especial
(do) Natal.(R1)
Formação das Cadeias Tópicas
REPETIÇÃO
SUBSTITUIÇÃO
Repetição Total
Natal → Natal
Familiares → familiares
Substituição por hiperonímia
Coisas → delícia
128
Destaco, primeiramente, nesta composição a boa reflexão feita pela aluna acerca do
tema “Nataldebatido em sala de aula, bem como da adequação satisfatória à atividade
proposta pela professora. Embora o texto apresente um desenvolvimento um pouco
mais simples em termos de estruturas sintáticas do Português, se comparada à
composição da análise anterior, é notório o bom entendimento que a aluna demonstra
acerca dos tópicos a serem explorados no processo de construção da sua redação.
Decorre desse entendimento a clareza demonstrada pela aluna na apresentação e
desenvolvimento das ideias na fase de construção, fato que facilita sobremaneira a
compreensão do texto no momento de recepção e diálogo com o leitor.
A simplicidade apresentada pela aluna na construção do texto, entretanto, o
configurou qualquer impedimento para que fosse alcançado o objetivo primordial da
atividade de produção textual em segunda ngua, que consistiu, nesse caso, basicamente,
na tentativa de refletir coerente acerca dos temas trabalhados em sala de aula. Pelo
contrário, a aluna demonstrou pleno conhecimento de mundo no que diz respeito ao tema
proposto, configurando bom atendimento ao encadeamento pico e à relação de
referencialidade.
Nos aspectos coesivos apresentados na composição, destaco a estratégia de
manutenção da continuidade pica por meio do recurso de retomada integral das
matrizes, como observado primeiramente no referente “Natal” (item1) e, posteriormente,
em “familiares” (item 2). O mecanismo da repetição total, nesse caso, desempenhou no
texto, de forma bastante consistente, o papel de assegurar os tópicos em evidência
quando necessário, bem como desfocalizá-los para uma posição de “stand by” à medida
que, evidenc-los não era mais relevante.
Destaco ainda nessa produção o uso admirável que a aluna fez do mecanismo de
substituição lexical por hiperonímia no item 03, no qual o referente linguístico “coisas
129
pra comeré retomado e recategorizado em delícia. Dessa forma, a aluna consegue
manter o tópico ativado em evidência no desenvolvimento da cadeia e, ao mesmo tempo,
apresentar as impressões pessoais acerca dos itens dispostos à mesa na ceia de Natal. A
retomada referêncial empregada revela alto nível de apropriação da ngua-alvo, visto
que os hiperônimos apresentam grande frequência de uso no Português, justamente por
exibirem uma funcionalidade excepcional. Como bem ressaltado por ANTUNES (2005:
106), Os hiperônimos podem resultar também em um recurso que impulsiona o
dinamismo textual, propiciando, na retomada do objeto referido uma caracterização, ou
enquadramento pessoal que implica em certa avaliação.‖
Finalmente, observo nesse texto uma peculiaridade na utilização do termo “Feliz
Natal, no título, que se repete integralmente na primeira oração, como um “efeito
gatilho que impulsiona a escrita. Tal particularidade permite visualizar o empenho que
a aluna demonstra no aprendizado da segunda língua, arriscando-se na utilização de
elementos lexicais da língua-alvo, no intuito de tornar o texto mais elaborado, mesmo
que os empregos vocabulares ainda ocorram de forma indiscriminada.
3) Terceiro grupo de dados: Minha escola e “Feijão com arroz”
Os textos que comem o terceiro grupo de dados que apresento nesta seção foram
produzidos por três alunas adolescentes, com idades entre doze e treze anos,
matriculadas no quinto ano de escolaridade da E.M. Paulo Freire. A escola que adota
como abordagem filofico-educacional o bilinguismo para a escolarização dos alunos
surdos oferece, em sistema de contra-turno, aulas especializadas de Português como
modalidade de segunda língua.
130
As aulas de língua portuguesa como modalidade L2 na escola Paulo Freire são
ministradas por professores altamente qualificados para o desempenho da função, haja
vista a formação em Letras exigida para à ocupação do cargo e o pleno donio
requerido da LIBRAS e da prática pedagógica voltada para a escolarização de surdos.
Tais exigências se justificam quando se compreende a magnitude do trabalho a ser
realizado, tão especifico e tão particular junto aos alunos surdos.
Os textos que apresento neste grupo foram produzidos a partir de algumas
atividades realizadas nas aulas específicas de Português como segunda língua, junto à
professora especializada. Na primeira etapa do desenvolvimento da atividade que
descrevo inicialmente, os alunos foram expostos a um grupo de palavras pertencentes ao
vocabulário relacionado com o tema “escola”. Os exercícios aplicados na turma, com o
objetivo de fixação das novas palavras apresentadas, caracterizavam-se pela semelhança
com os que são aplicados em classes de aprendizagem de ngua estrangeira.
As a etapa de fixação do vocabulário, os alunos foram requeridos a aplicar as
palavras aprendidas em um texto, cujo tema girava também em torno da mesma
temática trabalhada. A atividade pôde ser realizada em pequenos grupos compostos por
três alunos que se mobilizavam intensamente na tentativa de conseguir preencher de
forma coerente as lacunas existentes no texto. No desenvolvimento da atividade, os
grupos demonstraram bastante motivão, fato que acabou gerando, em sala de aula, um
clima bastante agradável de cooperação mútua e de troca de experiências pessoais.
A segunda atividade que descrevo, também desenvolvida nas aulas de Português
como segunda língua, foi introduzida a um grupo iniciante no processo de apropriação
do código escrito. Os alunos desse grupo, embora apresentem grande desenvoltura e
domínio na primeira língua, a LIBRAS, revela ainda, pouca proficiência na estrutura
sintática requerida na escrita da língua-alvo, o Português. Observo que o grupo em
131
questão, mantém como estratégias de produção de textos a predomincia de frases
bastante sintéticas, com foco nas palavras de forte conteúdo semântico, tais como os
substantivos, adjetivos e os verbos.
O tema da atividade desenvolvida girou em torno dos “pratos típicos brasileiros”,
com enfoque maior dado ao arroz com feijão de todos os dias. Para atingir um nível
desejável de motivão no grupo para o desenvolvimento da atividade, a professora
apresentou, leu e debateu um artigo publicado na revista científica Junior, Nosso
Amiguinho. O artigo reportava exatamente os bitos alimentares do povo brasileiro e
suas respectivas preferências regionais. Como moradores do estado do Rio de janeiro, o
grupo elegeu o habitual “arroz com feijão” como o prato de maior destaque e apreço do
povo fluminense.
As a etapa de leitura por meio da LIBRAS, interpretação e reflexão sobre o tema
trabalhado, a professora avançou para a etapa de fixação do vocabulário, na qual os
alunos foram requeridos a aplicar as palavras relacionadas aos pratos picos, em
exercícios de características voltadas para o aprendizado de uma segunda língua.
Como fechamento das duas atividades de Português, os alunos foram encorajados
pela professora a expor suas ideias e experiências a respeito dos temas abordados,
produzindo individualmente os próprios textos. O objetivo principal das atividades de
produção textual proposta aos alunos era, na verdade, o de avaliar uma possível
aplicação do vocabulário novo em um contexto cotidiano de escrita e a capacidade de
expor ideias e experiências no uso de uma segunda língua. Ao final das atividades,
foram confeccionados murais com as produções textuais desenvolvidas, a fim de serem
facilmente visualizadas e lidas, não somente por todos os alunos da turma, mas tamm
pelos demais profissionais da escola envolvidos no projeto educacional do ensino de
surdos.
132
Ressalto, entretanto que, durante o desenvolvimento das atividades de produção dos
textos, os alunos o tiveram a interferência ou a ajuda da professora no sentido de
facilitação da escrita em Português. Foi feita somente, por meio da Língua de Sinais, um
detalhamento minucioso no sentido de orientar os trabalhos a serem executados.
Apresento a seguir os textos produzidos durante a realização dos projetos descritos
com as respectivas análises:
Composição I:
“Minha Escola”
Eu sete anos chegava a escola para conhece minha turma. Eu estou
com saudade de minha turma. Eu já com 12 anos. Agora conhece muito
outra turma minha.
Eu gosto muito de estudar Português, Matemática, Ciências, história
geografia. Eu tinha vontade quero futuro trabalhar professora. Eu gosto
a minha vida escola!
1) Eu (M1) (aos) 7 anos chegava a escola (M2) para Ø (S1) conhece[r] minha
turma (M3).
2) Eu (R1) estou com saudade de minha turma (R3).
3) Eu (R1) já (estou) com 12 anos.
4) Agora Ø (S1) conheço muito (a) outra turma minha.
133
5) Eu (R1) gosto muito de estudar Português, Matemática, Ciências, História (e)
geografia.
6) Eu (R1) tinha vontade (de no) futuro trabalhar (como) professora.
7) Eu (R1)gosto (d)a minha vida (na) escola (R2)!
Formação das Cadeias Tópicas
REPETIÇÃO
MISTA
Repetição Total
Minha turma Minha turma
Escola escola
Repetição + Substituição
Eu Ø Eu Eu Ø Eu
Eu Eu
Esta primeira composição que apresento como parte integrante desta terceira seção
destaca-se pela perfeita adequação ao tema proposto e pelo bom encadeamento das
ideias na etapa de tessitura do texto. A boa reflexão demonstrada nessa redação no que
tange às experiências vividas na escola, aos desejos e aos anseios da aluna em
desenvolver uma vida acadêmica longa e uma possível profissionalização, evidenciam o
perfeito entendimento da atividade a ser realizada, somado ao bom conhecimento de
mundo que demonstra possuir acerca do tema proposto.
134
Observo que a aluna produtora dessa redação expressa-se de forma bastante
satisfatória por meio da modalidade escrita do português, demonstrando relativa
desenvoltura no uso das estruturas sintáticas da línguaalvo. Cabe nesse momento ser
enfatizado que, a boa utilização dos elementos linguísticos e das estruturas sintáticas da
língua a ser utilizada na produção favorecem sobremaneira a recepção textual por parte
dos leitores, haja vista que fornecem os subsídios necessários à construção da boa
sequencialidade, articulação e compreensão das ideias expostas.
Embora seja bastante jovem, a aluna evidencia, por meio da sua escrita, um estágio
elevado de apropriação da língua portuguesa na modalidade de segunda língua (L2),
apresentando em sua redação um vocabulário bastante variado que permite caracterizar
amplamente suas ideias acerca do tema trabalhado. Observo, a partir dessa e das demais
produções textuais analisadas, que a apropriação de um amplo e variado vocabulário na
língua a ser aprendida constitui fator de altíssima relevância no estágio de produção
textual.
Destaco ainda, nessa produção, o ótimo desenvolvimento da sequencialidade
temporal que a aluna empreendeu no que se refere às orações que constroem o seu texto,
sabendo desenhar, satisfatoriamente, uma linha cronológica de desenvolvimento dos
fatos que têm ocorrência no passado, no presente e, possivelmente, no futuro. A
utilização adequada e bastante criteriosa dos elementos lexicais que fazem a marcação
temporal ao longo da sua produção deixa clara a intenção da aluna em expor
sequencialmente os fatos, delimitando-os de acordo com suas devidas ocorrências. A
julgar pela complexidade das estruturas temporais utilizadas no desenvolvimento da
produção e a pouca idade da aluna em questão, verifico desenvoltura na apropriação da
língua-alvo e um enorme desejo pessoal em aprimorar-se cada vez mais na segunda
língua. Como enfatizado por QUADROS & SCHMIEDT (2006:33), o Português
135
enquanto segunda ngua a ser conquistada, apresenta características de apropriação por
surdos bem semelhantes a processos de apropriação de outras nguas por ouvintes, ou
seja, ―observa-se variação individual tanto no nível do êxito como nas estratégias
utilizadas, bem como nos objetivos e desenvolvimento pessoais.‖
No que tange, especificamente, ao foco central dessa pesquisa, que diz respeito à
formação de cadeias tópicas, ressalto o uso satisfario que a aluna fez dos mecanismos
da repetição integral da matriz e da substituição por elipse como forma a assegurar a
coesão e a continuidade dos referentes. Dessa forma, destaco a formação da cadeia
referêncial mista em torno do referente “Eu”, que bastante longa e complexa, mantém o
sujeito em evidência por meio de repetições e substituições contínuas ao longo da sua
construção. Verifico, no desenvolvimento dessa cadeia, o uso adequado, e, bastante
pertinente que a aluna faz do pronome de primeira pessoa “Eu” como forma de
expressar suas experiências pessoais acerca do tema trabalhado, evidenciando assim, um
relativo donio às categorias pronominais do Português, de forma a saber, por
exemplo, como colocar-se como sujeito no discurso com a devida adequação.
Observo ainda que, a cadeia mista especialmente construída em torno do referente
Eu”, nesse caso, funciona como opico-sujeito central, visto que se desenvolve
verticalmente por toda a composição, sofrendo todas as predicações. Para assegurar a
referencialidade e manter o sujeito em evidência, a aluna utiliza os mecanismos de
repetição e substituição, formando uma cadeia tópica de alta relevância na produção,
composta por oito elementos. Tomo por base para evidenciar a proeminência dessa
cadeia na estrutura do texto um certo “desfavorecimento” que ela acaba por gerar na
formação de outras cadeias na supercie textual, pelo fato de reunir em torno de sua
construção várias predicações curtas e ativar diferentes tópicos que o são retomados e
desenvolvidos. Com exceção, obviamente, dos referentes “minha turma” (item 1) e
136
escola” (item 1) que são retomados integralmente pela repetição integral das matrizes,
assegurando assim a referencialidade na superfície do texto.
Pontuo finalmente que, embora a aluna demonstre relativa coerência no uso dos
elementos linguísticos pronominais da ngua portuguesa, o utiliza em seu texto o
recurso da substituição por pronomes de terceira pessoa como estratégia de assegurar a
referencialidade e a progressão dos tópicos previamente introduzidos.
Composição II:
“Minha escola”
Eu gosta escola muito. Nós amigas brinca muito. Nós mulheres
amigas muito. Eu amiga conhece Horrany, Rodilaine, Sttefania, Anna,
Julia.
Eu adora muito estudar Português e Matemática. Eu futuro quer
trabalhar banco. Mas faculdade, formatura, trabalhar,
namorar.
1) Eu (M1) gosta(o) (da) escola muito.
2) Nós (M2) (que somos) amigas (S2) brinca(mos) muito.
3) Nós (R2) (que somos) mulheres (S2) (somos) amigas (S2) muito.
4) Eu (R1) (sou) amiga (S1) (de) Horrany, Rodilaine, Steffania, Anna, Julia.
137
5) Eu (R1) adora(o) muito estudar Português e Matemática.
6) Eu, (R1) (no) futuro quer(o) trabalhar (no) banco.
7) Mas 1º Ø (S1) (quero fazer) faculdade, Ø (S1) (quero chegar a) formatura, Ø
(S1) (quero) trabalhar (e) 4º Ø (S1) (quero) namorar.
Formação das Cadeias Tópicas
MISTA
Repetição + Substituição
1) Eu eu amiga eu eu Ø Ø Ø
Ø
2) Nós amigas nós mulheres amigas
Apresento, inicialmente, como uma particularidade dessa composição, a forma
carinhosa como a aluna aborda o tema central de trabalho “escola”, a partir das
impressões pessoais e experiências vividas com o grupo de amigos. Por tratar-se de uma
aluna bastante jovem, no início da adolescência, justifica-se e torna-se evidente a
importância atribuída ao grupo e à amizade, fatores que são focalizados com merecido
destaque no processo de construção do seu texto. Destaca-se ainda, a pertinente leitura
de mundo que a aluna faz dos aspectos futuros relacionados ao seu desenvolvimento
138
tanto acadêmico quanto profissional, demonstrando grande preocupação em percorrer
todas as etapas de escolarização e obter assim a formação necessária para o trabalho.
Por forte influência do grupo de amigas e da vida moderna que exige cada vez
mais a inserção das mulheres no mercado de trabalho, a aluna estabelece prioridades nas
etapas do seu desenvolvimento pessoal, elencando, em ordem sequencial, todos as
conquistas que almeja concretizar. Dessa forma, expõe com satisfatória clareza e boa
estruturação linguística, que pretende estudar bastante para chegar a formatura e assim
poder trabalhar em um banco. Este sim parece ser sua maior conquista a julgar pela
forma como desenvolve sua redação.
Percebo a partir da construção do seu texto, que a aluna, ainda não demonstra o
mesmo nível de aprendizado e apropriação da modalidade escrita do Português como
apresentado no texto anteriormente analisado nesta mesma seção. Observo certa
restrição na abrangência do vocabulário e no emprego das estruturas linguísticas da
língua-alvo, apresentando estratégias típicas de transferência da ngua de sinais, tais
como o predomínio de frases sintéticas do tipo tópico-comentário e pouca ou quase
nenhuma flexão verbal em pessoa, tempo e modo. Possivelmente, encontra-se em um
nível intermediário de aprendizado, em que se observa uma intensa mescla entre as
estruturas das duas línguas em contato, a L1 e a L2, que visivelmente, se observa na
superfície textual. Como apontado por MARCUSCHI (2007:23) em relação ao
aprendizado e utilização da escrita em casos de bilinguismo, poderá ocorrer uma
interferência ou uma justaposição entre os dois digos linguísticos em contato, visto
que ao tomar um modo (L2) como base de produção, o outro (L1) nunca é totalmente
desativado. O autor ainda ressalta que em certos casos, as proximidades entre os dois
são tão estreitas, que parece haver uma mescla, quase uma fusão de ambas, numa
sobreposição.‖
139
A aluna, então, de modo a conseguir apresentar suas perspectivas de futuro sem
ainda possuir vasta gama de vocabulário e estruturas sintáticas para a prática da escrita
em uma segunda-língua, lança mão de inusitada estratégia de construção para chegar ao
objetivo final da produção. Procede, portanto, a apresentação das suas intenções
pessoais de desenvolvimento profissional, sob uma forma sintética e concisa,
semelhante a um esquema de itens, no qual utiliza, inclusive, a numeração ordinal como
forma de assegurar a sequencialidade das ideias expostas e a coesão da construção (item
7). Observo que, embora surpreendente, o recurso utilizado pela aluna resultou em uma
inteligente estratégia de combinação, articulação e emprego dos elementos linguísticos
por ela aprendidos. A iniciativa da aluna ressalta que, em se tratando da escrita em uma
segunda língua, além da apropriação das estruturas linguísticas da língua alvo, é
também indispensável uma boa dose de perspicácia, arrojo e competência textual.
No que concerne especificamente à análise dos aspectos coesivos, destaco em
primeiro lugar o mecanismo utilizado pela aluna no sentido de assegurar a continuidade
referêncial da matriz s, ativada no item 2, de manter o tópico em foco e fazê-lo
progredir na superfície do texto. A cadeia coesiva formada em torno desse referente
utiliza exemplarmente o mecanismo da substituição lexical que, sob a forma de uma
caracterização situacional, qualifica-o junto ao contexto discursivo. A aluna, assim,
recategoriza o tópico nós em amigas (item 2) e, posteriormente, em “mulheres”
(item 3), reiterando a referência feita, ao mesmo tempo em que lhe são acrescidas
novas informações.
Ressalto que, através do recurso da substituição por caracterização situacional,
muitas equivalências referênciais podem ser conseguidas, entretanto o uso deste
mecanismo requer o conhecimento de mundo acerca do pico em evidência. Tal fato
demonstra que a aluna, ao fazer uso deste mecanismo em sua produção, mobiliza
140
conhecimentos e informações armazenadas que funcionam como grandes mobilizadores
na autorização das substituições a serem executadas. Retomar, portanto, uma referência
a “nóscom a entidade “amigase posteriormente, com “mulheres” requer muito mais
do que um simples conhecimento da língua-alvo; requer o conhecimento prévio de
particularidades da vida cotidiana e de expressões específicas utilizadas na ngua que
possam melhor caracterizar o referente matriz. ANTUNES (2005:116) ressalta ainda
que ―o recurso da recategorização envolve também a operação de caracterizar a
entidade anteriormente referida de acordo com as propriedades que são pertinentes no
contexto.‖
Destaco finalmente na composição a formação da cadeia referêncial mista em
torno do referente “Eu”, que, bastante longa e complexa, mantém o sujeito em evidência
por meio de repetições e substituições ao longo da construção. Verifico, no
desenvolvimento dessa cadeia, o uso adequado e pertinente do pronome de primeira
pessoa Eu” como forma de expressar as experiências pessoais acerca do tema
trabalhado, evidenciando relativo donio da forma a ser utilizada para colocar-se como
sujeito no discurso com a devida adequação. Com o intuito de assegurar a
referencialidade e de manter o sujeito em evidência, a aluna utiliza, inicialmente, no
desenvolvimento do texto, o mecanismo de repetição contínua do pronome para,
somente ao final da composição (item 7), fazer uso da substituição por elipse
consecutivamente em quatro remissões.
141
Composição III:
“Arroz com Feijão”
Melissa faz arroz com feijão. Gosta peixe muita. Mais tem pipoca.
Melissa gosta mais arroz com feijão peixe (muito popular no país).
Melissa gosta arroz com feijão peixe galinha.
1) Melissa (M1) faz arroz com feijão (M2).
2) Ø (S1)Gosta peixe(M3) muita(o). Mais tem pipoca.
3) Melissa (R1) gosta mais arroz com feijão (R2) (e) peixe (R3) (muito popular no
país).
4) Melissa (R1) gosta arroz com feijão (R2), peixe (R3) (e) galinha.
Formação das Cadeias Tópicas
REPETIÇÃO
MISTA
Repetição Total
Arroz com feijão arroz com
feijão → arroz com feijão
Peixe → peixe → peixe
Repetição + Substituição
Melissa Ø Melissa
Melissa
.
142
Inicio a análise do texto destacando a boa interpretação que a aluna, embora em
estágio inicial de aprendizagem do Português, realizou do material apresentado e
discutido em sala de aula a respeito dos pratos típicos da culinária brasileira e de seus
respectivos apreciadores. Observo que, a restrição vocabular apresentada na produção
textual não constitui um fator de impedimento para que a aluna consiga ressaltar, por
meio da escrita em português, suas predileções pessoais em se tratando da culinária
tipicamente nacional. Por meio de estratégias de transferência da língua de sinais, sua
língua natural, para a língua-alvo escrita, o Português, a aluna constrói sua redação com
uma alta predomincia de frases sintéticas e estrutura sintática ainda muito semelhante
à ngua brasileira de sinais. Tal característica pode ser observada a partir da construção
gramatical apresentada em sua produção, com poucas evidências de estruturas
linguísticas do Português.
Destaca-se nesse texto a apropriação ainda incipiente do conceito pronominal de
primeira pessoa do singular, visto que a aluna faz uso do seu próprio nome para
estabelecer a marcação dos referentes introduzidos, os quais poderiam ter sido ativados
facilmente sob a forma pronominal “Eu” (itens 1, 3 e 4) . A partir da utilização direta do
seu nome na supercie textual, a aluna expressa sua opinião acerca do tema trabalhado,
ignorando a forma mais prototípica, em Português, de como colocar-se como sujeito no
discurso. A julgar pelo desconhecimento da importância e da frequência de uso dos
pronomes na prática de redigir, constato que a aluna ainda se encontra em estágio de
conceituação e aprendizado das categorias pronominais da língua-alvo.
No que tange, especificamente, ao foco primeiro dessa pesquisa, que procura
investigar a formação de cadeias tópicas, observo uso satisfatório do mecanismo da
repetição total dos referentes como forma de assegurar a coesão e a continuidade dos
picos ativados. Destaco a formação de duas cadeias formadas pelo emprego exclusivo
143
da repetição integral da matriz (M) que, pela forma como são organizadas ao longo da
construção, procuram não somente colocar em posição focal os referentes sobre os quais
se desenvolvem as predicações, mas também evidenciar suas preferências na culinária
brasileira.
O fato de a aluna ter feito uso do recurso da elipse no item 2, como forma de
assegurar continuidade tópica, não impede que seja claramente observada no texto a
predomincia, quase que exclusiva não fosse essa única substituição apontada, do
mecanismo da repetição integral do mesmo item lexical. Observo que, ao considerar o
que se pode conseguir com a utilização do recurso da repetição em atendimento à
continuidade tópica e à unidade textual, torna-se altamente oportuno o emprego desse
recurso, compensando, portanto, a forma como sempre foi desvalorizado nos donios
linguísticos. Como bem enfatizado por ANTUNES (1996:89),―a sua condição de
elemento reocorrente, aliado à sua condição de identidade lexical, faz da repetição um
recurso altamente saliente e também mais facilmente identificável dentre todos os
outros que asseguram a coesão textual.‖
Finalmente destaco a apropriação que a aluna faz de alguns elementos
pertencentes ao texto trabalhado pela professora em sala de aula (item 3), numa
tentativa, talvez, de tornar sua redação mais elaborada, ou até mesmo mais próxima da
escrita canônica da ngua–alvo. A iniciativa de “apoderar-se” de partes de outros textos
que não são de sua própria autoria pode ter sido motivada pela particular restrição
vocabular apresentada, somada ao desejo de arriscar-se no uso de elementos lexicais do
Português, mesmo que esse uso ainda ocorra de forma inapropriada.
144
4) Quarto grupo de dados: WALL-E
Como quarto e último grupo de dados dessa pesquisa, apresento uma seleção de
textos coletados na E.M. Paulo Freire, com alunos adolescentes surdos matriculados no
sexto ano de escolaridade, produzidos a partir de uma atividade interpretativa de uma
releitura do filme “WALL-E” dos estúdios Dysney.
A seleção do filme justifica-se por conta do trabalho empreendido junto ao grupo
acerca das questões ambientais que tanto afetam o planeta Terra. Após intenso trabalho
de pesquisa em jornais, revistas, em mídias eletrônicas, leitura de textos, discussões e
construções de quadros-murais, a projeção do filme caracterizou o ponto alto do projeto
desenvolvido junto à turma.
Ressalto que a escolha criteriosa do filme, por parte do professor de Português,
facilitou sobremaneira a compreensão dos alunos aos conteúdos abordados. Por
apresentar diálogos curtos que propiciaram a leitura simultânea das legendas e uma
narração de fácil entendimento, a selão da animação WALL-E configurou perfeita
adequação à realidade surda. O forte apelo visual ressaltado pelas imagens em 3D foi
preponderante para prender a atenção de todos ao conteúdo transmitido, que resultou,
posteriormente, em produções textuais de excelente qualidade.
Procedo nesse momento à apresentação da sinopse do filme trabalhado, como forma
de assegurar, portanto, uma análise qualitativa que contemple também, como fator de
textualidade, o contexto no qual todos os alunos foram inseridos no período de
desenvolvimento da atividade:
As entulhar a Terra de lixo e poluir a atmosfera com gases tóxicos, a humanidade
deixa o planeta e passa a viver em uma gigantesca nave. O plano da humanidade
consiste na retirada de todo o entulho em alguns poucos anos, com robôs sendo
145
deixados na Terra para limpar o planeta. Wall-E é o último destes robôs, que se
mantém em funcionamento graças ao auto-conserto de suas peças. Sua rotina diária
consiste em compactar o lixo existente no planeta, que forma, diariamente, torres
maiores que arranha-céus, e também em colecionar os objetos curiosos que encontra no
lixo ao realizar seu trabalho. Depois de anos sozinho desempenhando a função para a
qual projetado- a limpeza do planeta- WALL•E (abreviação de Waste Allocation Load
Lifter Earth-Class, que em português é Localizador e Coletor de Lixo Classe Terrestre)
descobre um novo propósito em sua vida, além de coletar sucata, no momento em que
encontra uma bela robô de busca enviada à Terra chamada EVA.
Seguem, portanto, os textos produzidos durante a realização da atividade acima
descrita e suas respectivas análises:
Composição I:
Wall-E está triste não tem amigos andar susto Eva. Wall-E correr
muito medo. Depois Wall-E anda encontrar conhecer Eva depois
conversar. Eva falar quero flor, Wall-E procurar encontrar flor. Eva
flor. Wall-E e Eva noite estrela bonita. Wall-E sempre junto amiga
Eva. Depois Wall-E vontade dar as mãos Eva. Eva Wall-E e depois
Eva beijo boca Wall-E.
Wall-E junto dança Eva e foi casa juntos.
146
1)Wall-e (M1) está triste (porque) não tem amigos.
2) Ø (S1) anda(r) (leva) susto (e) Ø (S1)Eva (M2).
3) Wall-e (R1) corre(r) muito (de) medo.
4) Depois Wall-e (R1) anda, Ø (S1) encontra(r) e Ø (S1) conhece(r) Eva (R2).
5) Depois (eles) Ø (M3) conversa(r) (m).
6) Eva (R2) fala(r): quero flor (M4).
7) Wall-e (R1) procura(r) e Ø (S1) encontra(r) flor (R4).
8) Eva (R2) (a) flor (R4).
9)Wall-e e Eva (S3) (m) noite estrela bonita.
10)Wall-e (R1) (está) sempre junto (da) amiga Eva (R2).
11) Depois Wall-e (R1) (tem) vontade (de) dar as mãos (a) Eva (R2).
12) Eva (R2) Wall-e (R1) e depois Eva (R2) beijo(a) (a) boca de Wall-e (R1).
13) Wall-e (R1) junto dança(com) Eva (R2) e Ø (S3) (eles) foi (vão) (para) casa
juntos.
147
Formação das Cadeias Tópicas
REPETIÇÃO
MISTA
Repetição Total
Eva Eva Eva Eva Eva
Eva → Eva → Eva → Eva
Flor → flor → flor
Repetição + Substituição
Wall-e → Ø Ø → Wall-e
Wall-e → Ø Ø → Wall-e Ø
Wall-e Wall-e Wall-e
Wall-e → Wall-e
Ø → Wall-e e Eva → Ø
Observo primeiramente nessa composição a boa compreensão que o aluno teve
do filme apresentado em sala de aula como fechamento do projeto de meio ambiente. A
leitura do texto produzido é capaz de transmitir ao leitor toda a ideia de caos e solidão
que o aluno pretende enfatizar na composição, refletindo com relativa profundidade
sobre questões relacionadas à devastação, solidão e amizade, que foram tão
intensamente ressaltadas no filme.
Muito embora o aluno seja bastante jovem e ainda esteja cursando o ensino
fundamental, observo que sua escrita evidencia elevado estágio de apropriação do
Português, dado que se expressa com desenvoltura no uso da língua-alvo. Observo
ainda que o aluno demonstra, inclusive, boa utilização das estruturas sintáticas do
Português, as quais fornecem os subsídios necessários à construção da sequencialidade
e a compreensão das ideias expostas ao longo do texto.
148
Destaco a tentativa bastante interessante e pertinente de conjugar a forma de
discurso direto com o uso do discurso indireto, no item 6, como uma forma de
interlocução. Entretanto, a apropriação ainda incipiente dos sinais de pontuação e das
estruturas típicas de transcrição de diálogos em Português faz com que a tentativa de
construção mereça ainda ser desenvolvida. Tal particularidade, entretanto, na elaboração
do texto permite visualizar o empenho que o aluno demonstra no aprendizado da
segunda língua, arriscando-se na utilização de estruturas linguísticas da língua-alvo,
mesmo que ainda de forma indiscriminada. Ao arriscar-se dessa forma em suas
produções, o aluno coloca em evidência uma certa familiaridade com estruturas
narrativas, haja vista a maneira coerente como tenta dar voz à personagem Eva, que
atua como referente de foco no momento da interlocução (item 6). Posteriormente, no
item 07 o aluno retoma o foco central ao personagem Wall-e, prosseguindo
exemplarmente a narração.
No que tange, especificamente, ao aspecto coesivo da composição, ressalto o
emprego adequado do mecanismo de retomada dos referentes linguísticos por meio da
repetição total das unidades lexicais sem alteração morfológica, como estratégia de
focalizar os tópicos de maior evidência, “Wall-e” e Eva”, e a manter a continuidade
referêncial na superfície textual. Tal fato pode ser evidenciado pela forma como o aluno
constrói a referência do pico Eva” em seu texto, repetindo-o integralmente em uma
seqüência de oito retomadas, logo após sua primeira ativação na composição.
Em relação ao personagem Wall-e, que desempenha a função de personagem
principal da narrativa, verifico a formação de uma cadeia mista, bastante longa, formada
por 14 elementos, que se desenvolve por toda a construção. Essa cadeia, em específico,
desempenha o papel crucial na elaboração do texto, a julgar pela quantidade de
predicações a ela atribuídas. Verifico ainda, em relação a esta cadeia formada a partir do
149
referente Wall-e, que o aluno consegue utilizar de forma satisfatória, em muitas orações,
o recurso da substituição por elipse, conjugando de forma balanceada o mecanismo da
repetição integral e do apagamento, no intuito de favorecer o encadeamento e a
progressão do tópico. Conforme postulado por ANTUNES (2006:121), o uso da elipse
requer uma boa dose de competência textual, pois exige que se saiba, apropriadamente,
―onde‖ e ―quando‖ usá-la, de preferência alternando sua utilização com outros
recursos, de forma a não prejudicar a continuidade.
Entretanto, ao verificar o item 4 da sua produção, constato que a omissão do
referente na oração resulta em uma utilização equivocada do mecanismo da elipse, fato
que causa certa ambiguidade referêncial no desenvolvimento do seu texto, dificultando
sobremaneira o processamento da co-referencialidade com o devido pico linguístico.
Por conta da retomada anterior dos referentes “Wall-e” e “Eva” em uma mesma oração
(item 4) e da intenção do aluno em fazer a retomada posterior por zero anáfora (item 5),
acabam por prejudicar a adequada referência ao pico desejado. Como ressaltado por
GIVÓN (1983), quanto mais tópicos em potencial forem ativados no discurso, mais
difíceis serão suas posteriores retomadas. Neste caso, em especial, o fator de
predizibilidade torna-se um elemento semântico pragmático preponderante e
indispensável para o entendimento do texto.
Observo finalmente que, embora a produção em análise apresente duas cadeias
referênciais longas em torno dos mesmos referentes “Wall-e” e Eva, o aluno não faz
uso do mecanismo da substituição pronominal de terceira pessoa como forma de
retomá-los e fazê-los progredir na superfície do texto. Tal fato merece ser reiterado,
visto ser a substituição por referência pronominal um recurso de alta frequência na
língua para a retomada ou a remissão aos referentes linguísticos ativados.
150
Composição II:
Wall-E procurar lixo e viu planta. Wall-E viu encontrou Eva. Wall-
E deu planta pra Eva. Wall-E viu terra longe forma nave espacial Wall-
E. Eva não viu depois acorda cadê planta ficar zangada. Wall-E depois
deu planta para Eva e está feliz. Wall-E brincar com Eva e dar mãos.
1) Wall-e (M1) procura[r](ou) (no) lixo e Ø (S1) viu planta (M2).
2) Wall-e (R1) [viu] encontrou Eva (M3).
3) Wall-e (R1)deu planta (R2) para Eva (R3).
4) Wall-e (R1) viu Terra (M 4) longe (em) forma(de) nave espacial Wall-e.
5) Eva (R3) não viu Ø (S4)
6) Ø (S3) depois acorda(e fala)(:) cadê planta (R2) (?)
7) Ø (S3) fica(r) zangada.
8) Wall-e (R1) depois deu planta (R2) para Eva (R3) e [está] Ø (S1) (ficou) feliz.
9) Wall-e (R1) brinca[r] com Eva (R3) e (eles) da[r](ão) (as) mãos.
151
Formação das Cadeias Tópicas
REPETIÇÃO
MISTA
SUBSTITUIÇÃO
Repetição Total
Planta planta planta
planta
Repetição + Substituição
Wall-e Ø Wall-e
Wall-e Wall-e Wall-e
Ø Wall-e
Eva Eva Eva Ø Ø
Eva Eva
Por Elipse
Terra Ø
Inicio a análise dessa composição destacando a boa interpretação que o aluno
fez do filme Wall-e exibido como culmincia do projeto de meio-ambiente
desenvolvido em sala de aula. Muito embora o aluno tenha enfatizado, e reproduzido,
em sua redação o encontro do personagem Wall-e com a roEva em detrimento de
outras queses abordadas no filme acerca do caos gerado lixo, não desqualifica o
satisfatório desempenho na atividade proposta.
Cabe ser ressaltado que a exibição do filme contou apenas com o recurso das
legendas em Português, as quais foram lidas e interpretadas de forma autônoma e
individual por cada um dos alunos integrantes da turma. Sendo assim, posso considerar
que uma atividade de produção textual, embasada exclusivamente por conceitos
construídos a partir de leituras e interpretações individuais e particulares, não constitui
tarefa fácil de ser executada por alunos surdos.
152
Concluo, portanto, que esta composição, apesar de apresentar seleção vocabular um
pouco mais restrita e construções de orões mais simplificadas, se comparadas à outros
textos analisados, é possível perceber o bom encadeamento que o aluno empreende aos
picos ativados na superfície do texto e a clareza demonstrada na exposição das ideias.
Admito assim que texto l apresentado pelo aluno cumpre suficientemente o objetivo
principal da atividade de produção textual em segunda língua, que consistiu, nesse caso,
na tentativa de expressar uma reflexão coerente acerca do filme exibido em sala de aula.
É notório, portanto, que o aluno demonstra entendimento dos conceitos trabalhados,
bem como da relevância de se encontrar um amigo no contexto de solidão contido na
cena por ele descrita.
Observo ainda nessa produção, que em se tratando da estruturação linguística da
escrita, evidencia-se um estágio de relativa apropriação do Português como segunda
língua, haja vista a proficiência e a desenvoltura com que o aluno demonstra ao aplicar
em seu texto elementos estruturais referentes à sintaxe da ngua-alvo.
Dessa forma, no propósito de demonstrar o aprendizado que o aluno exibe em sua
escrita, destaco uma intensa mescla das duas nguas em contato, a LIBRAS e o
Português, na qual é possível observar o emprego de muitos verbos conjugados
apropriadamente, em parceria com outros, ainda na forma infinitiva. No item 1, por
exemplo, como pode ser verificado, o aluno registra o verbo “procurar”
inapropriadamente na forma infinitiva, ao passo que posteriormente, no mesmo período,
retoma o referente “Wall-e” sob o mecanismo de elipse, empregando exemplarmente a
flexão verbal em terceira pessoa do pretérito. Ressalto ainda, em relação à fleo dos
verbos utilizados em sua composição, o grande número de elementos verbais
satisfatoriamente flexionados, dentre os quais estão elencados “encontrou” (item 2),
deu(item 3) e “viu (item 4). Tal fato permite visualizar o desejo de arriscar-se no
153
uso de elementos lexicais e estruturas linguísticas particulares do Português, mesmo que
esse emprego ainda ocorra de forma inconstante.
Em se tratando, especificamente, do aspecto coesivo da composição, ressalto o
emprego predominante que o aluno fez do mecanismo de retomada dos referentes
linguísticos por meio da repetição total das unidades lexicais sem alteração
morfológica. Dessa forma, é assegurada a estratégia de focalizar os picos de maior
evincia no texto, “Wall-e” e “Eva”, e a de manter a continuidade referêncial. A
preponderância do emprego da repetição nessa produção é evidenciada pela formão
das cadeias tópicas na superfície textual, que apresentam como mecanismo principal de
continuidade a retomada integral das matrizes “planta”, Eva” e “Wall-e”.
Verifico, em relação às estratégias utilizadas no sentido de assegurar a
continuidade, que o aluno utiliza apropriadamente, em muitas orações, o recurso da
substituição por elipse, conjugando-o de forma bem coerente e balanceada ao
mecanismo da repetição integral, no sentido de favorecer o encadeamento e a
progressão das cadeias picas. Entretanto, no item 5 da redação, o mesmo não ocorre,
visto que a utilização inadequada do recurso de apagamento do referente, não surtiu
o resultado esperado, ocasionando no processo de recepção certo estranhamentono
acesso à referência. A devida compreensão do segmento requer do leitor a inferência
de que o referente omitido pela elipse, Terra”, é na verdade o tópico da predicação
desenvolvida.
Tal fato pode ter sido motivado pelo desencadeamento das proposições que vinham
sendo desenvolvidas na composição em torno do pico focal planta” (item 3). No
momento em que ocorre a ativação abrupta nov do novo referente “Terra” (item 4), a
ruptura traz consigo o fator surpresa, quebrando a continuidade e a progressão que
estavam sendo desenvolvidas. Neste caso, em especial, GIVÓN (1983) observa, que
154
em se tratando de uma construção descontínua, cuja constituição apresenta rupturas
abruptas, surpreende e toma de assalto o leitor, deixando o tópico focal menos acessível
e muito mais difícil de ser recuperado cognitivamente.
Ressalto ainda que, embora o aluno apresente relativo aprendizado das estruturas
linguísticas e sintáticas do Português, não figura também em sua produção o recurso da
substituição pronominal em terceira pessoa, que consiste em um mecanismo coesivo
bastante recorrente.
.
Composição III:
Wall-E amigo barata. Wall-E não conhece Eva. Depois Wall-E medo
acender. Eva perto lado Wall-E. Wall-E achar planeta. Wall-E sempre
amigo Eva. Wall-E entra dentro casa Eva. Casa muito bonita. Mas Eva
sempre zangada. Wall-E sempre quieto. Wall-E gosta Eva. Wall-E anda
diferenta. Eva apagar olhar Wall-E.
1) Wall-e (M1) amigo barata.
2) Wall-e (R1) não conhece Eva (M2).
3) Depois Wall-e (R1) medo acender.
4) Eva (R2) (fica) perto [lado] (de) Wall-e (R1).
5) Wall-e (R1) acha(r) (o) planeta.
155
6) Wall-e (R1) sempre amigo de Eva(R2).
7) Wall-e (R1) entra dentro (da) casa (M3) (de) Eva (R2)
8) Casa (R3) muito bonita.
9) Mas Eva (R2) (está) sempre zangada.
10) Wall-e (R1) (está) sempre quieto.
11) Wall-e (R1) gosta(de) Eva (R2).
12) Wall-e (R1) anda diferente.
13) Eva(R2) apaga[r] (e) Ø (S2) olha[r] (para) Wall-e (R1).
Formação das Cadeias Tópicas
REPETIÇÃO
MISTA
Repetição Total
Wall-e →Wall-e Wall-e Wall-e
Wall-e Wall-e Wall-e Wall-
e Wall-e Wall-e Wall-e .
Casa casa
Repetição + Substituição
Eva Eva Eva Eva Eva
Eva Eva Ø
156
Inicio a análise ressaltando a forma coerente como a aluna interpretou o filme
exibido em sala de aula, visto que a partir da leitura do texto é possível compreender a
ideia de solidão e insegurança vivida pelo personagem Wall-e e a intensa necessidade
de se encontrar um amigo em meio ao caos gerado no planeta Terra.
Percebo na composição, que a aluna não demonstra o mesmo nível de aprendizado
e apropriação da modalidade escrita do Português como apresentado em alguns textos
analisados nas seções anteriores. Observo, especialmente, certa restrição na
abrangência do vocabulário e no emprego das estruturas linguísticas da ngua-alvo. O
texto apresenta estratégias típicas de transferência direta da estrutura linguística da
língua de sinais, tais como o predomínio de frases sintéticas do tipo pico-comentário
e pouca ou, quase nenhuma flexão verbal em pessoa, tempo e modo. Possivelmente, a
aluna se encontra em nível intermediário de aprendizado, em que pode ser observada
uma mescla entre as estruturas das duas línguas em contato, a LIBRAS, como L1 e o
Português como L2, que visivelmente, se misturam na superfície do texto.
Em se tratando do foco central da pesquisa, que são os elementos coesivos
apresentados na elaboração do texto, destaco a utilização dominante que a aluna faz do
mecanismo de retomada dos referentes linguísticos por meio da repetição total das
unidades lexicais sem alteração morfológica. Dessa forma, é assegurada a estratégia de
focalizar os tópicos de maior evidência no texto, “Wall-e” e “Eva”, e a de manter a
continuidade referêncial.
A prepondencia do emprego da repetição total na composição é ressaltada pela
formação das cadeias tópicas no desenvolvimento do texto, que apresentam como
mecanismo principal de continuidade, a retomada integral das matrizes. Destaco
especialmente a cadeia formada em torno do referente Wall-e, composta
exclusivamente por onze elementos de repetição integral e a cadeia mista desenvolvida
157
a partir do referente Eva, que embora apresente uma única retomada aopico
principal sob a forma de elipse (item 12), é composta predominantemente por seis
repetições integrais.
Verifico, entretanto que, embora a aluna em sua composição tenha optado por
lançar mão uma única e exclusiva vez do recurso da substituição por elipse, é norio
que utiliza-o apropriadamente, conjugando o mecanismo de apagamento do pico
focal ao mecanismo da repetição integral, de forma bem coerente e balanceada, no
sentido de favorecer o encadeamento e a progressão do referente “Eva”.
Composição IV:
Wall-E está triste porque quero amigo. Ela procurar amigo e Eva
encontrar. Wall-E fala quero passear você. Quero nave espacial boa
muito ele fala. Ele dar os mãos Eva. Esta reclamar muito Wall-E. Eu
quero andar passear você. Admirar estrela e sentir bonita estrela e
planeta ajudar.
1) Wall-e (M1) está triste porque quer [o] (um) amigo(M2).
2) El[a](e) (S1) procura[r] (um) amigo (R2) e Eva (S2) encontrar.
3) Wall-e (R1) fala (:) quero passear (com) você (S2).
4) Ø (S1) Quero nave espacial boa muito, ele (S1) fala.
158
5) El[a](e) (S1) dar as mãos (a) Eva(R2).
6) Esta (S2) (ela) reclama[r] muito(com) Wall-e (R1).
7) Eu (S2) quero andar e Ø passear (com) você (S1) (para) Ø admirar estrela (M3)
e Ø sentir (a) bonita [e] estrela (S3) e (o) planeta ajudar Ø.
Formação das Cadeias Tópicas
REPETIÇÃO
MISTA
Repetição Total
Estrela estrela
Repetição + Substituição
Wall-e ela Wall-e Ø ele
ela Wall-e você.
Amigo amigo Eva Você
esta Eu → Ø → Ø → Ø → Ø.
Destaco primeiramente, a boa compreensão que o aluno demonstra possuir do
filme apresentado em sala de aula como fechamento do projeto de meio ambiente, visto
que a partir da leitura do texto produzido é possível perceber a importância atribuída a
amizade e ao companheirismo para compensar o caos e a solidão vividos pelo
personagem central “WALL-e”.
159
Observo que embora o aluno seja ainda jovem e esteja cursando as séries
intermediárias do ensino fundamental, apresenta na escrita estágio elevado de
apropriação do Português, haja vista que se expressa com desembaraço na utilização da
segunda ngua. Percebo a boa utilização das estruturas linguísticas do Português,
podendo ser destacados emprego de verbos flexionados e o predomínio de estruturas
frasais mais complexas, as quais fornecem os subsídios necessários à construção da
sequencialidade e da compreensão das ideias expostas ao longo do texto.
No propósito de demonstrar a boa apropriação que o aluno exibe em relação à
utilização dos verbos na escrita da lingua-alvo, destaco a intensa mescla das duas
línguas em contato, a LIBRAS e o Português, em que é possível observar o emprego de
muitos elementos flexionados em primeira pessoa, conjugados a outros, ainda na forma
infinitiva. Nos itens 3 e 4, por exemplo, como pode ser verificado na composição,
ocorre, inclusive o registro de todos os verbos satisfatoriamente flexionados em
primeira e terceira pessoas do singular, fato que evidencia a relativa desenvoltura na
utilização de estruturas sintáticas mais complexas, mesmo que ainda alternante.
Ressalto ainda a tentativa do aluno, bastante interessante, de tentar conjugar a
forma de discurso direto com o a forma do discurso indireto na produção no sentido de
assegurar a estrutura de interlocução. Entretanto, a apropriação ainda incipiente dos
sinais de pontuação pertencentes ao digo da língua-alvo que poderiam favorecer
sobremaneira a construção e das estruturas linguísticas típicas da ordem direta, fazem
com que a tentativa de elaboração do diálogo entre os personagens mereça ser melhor
desenvolvida.
No que diz respeito aos aspectos de coesão apresentados na superfície do texto,
observo a intensa variação nos mecanismos utilizados no encadeamento das cadeias
picas identificadas. Destaco especialmente na composição a formação de duas
160
cadeias mistas principais que, embora bastante complexas em termos de construção,
conseguem assegurar eficazmente a referencialidade dos picos discursivos. Como
excelente recurso de continuidade da cadeia coesiva desenvolvida em torno do
referente amigo” (item 1), previamente ativado, ressalto a substituição lexical
empreendida pelo aluno na forma de uma caracterização situacional, evidenciando que
o amigo encontrado era, na verdade, Eva”. A forma como o recurso foi empregado na
construção, coloca em evidência o fato de que, em uma retomada dessa natureza, pode-
se caracterizar” de forma bastante eficaz o pico de foco de acordo com as
singularidades situacionais de cada contexto específico.
Destaco ainda o uso bastante pertinente das substituições por elipse (item 7)
empregadas como recurso de coesão referêncial do pico “eu”, demonstrando que o
aluno possui boa competência na utilização desse mecanismo quando em uso da
modalidade escrita da segunda língua. Cabe ser ressaltado, entretanto, que tendo em
vista o fato da substituição por elipse ser caracterizada por uma omissão”, o contexto e
o conhecimento compartilhado com o receptor do texto, nesse caso específico, exercem
papel preponderante no processamento e recuperação do referente omitido.
Observo, especialmente na construção desse texto, que o aluno tenta fazer uso do
mecanismo da substituição pronominal de terceira pessoa como forma de retomar os
referentes “Wall-e” e “Eva” previamente ativados e fazê-los progredir na supercie do
texto (itens 2, 5 e 6). Pode ser verificado no item 2 e 5, que o aluno faz uso do pronome
ela” em expectativa de estabelecer co-referencialidade com o tópico masculino “Wall-
e”, deixando claro o desejo de aproximar ao máximo o texto produzido ao modelo
predominante ouvinte. Como venho reiterando nas análises apresentadas, a substituição
por referência pronominal em terceira pessoa consiste em uma forma substitutiva
161
bastante utilizada na escrita da língua portuguesa como recurso de manutenção da
continuidade tópica.
O fato de o aluno ter feito uso do recurso pronominal merece realmente ser
destacado, visto que em nenhum outro texto selecionado para compor a amostra dessa
pesquisa apresentou esse tipo de substituiçãao. Concluo, portanto, que tamanha
iniciativa na elaboração do texto permite visualizar o empenho que o aluno demonstra
no aprendizado da segunda língua, arriscando-se na utilização de estruturas linguísticas
mais complexas da língua-alvo, ainda que esse emprego ocorra de forma inadequada
ou inconsistente.
4.1. Discussão dos Resultados
As reflexões sobre os dados levam-me a deduzir que os indivíduos surdos são
capazes de produzir textos escritos em Português (L2) com a presença de
continuidade dos referentes ativados. A escrita desses sujeitos reflete a tradução de
um conjunto de ideias, pensamentos e atitudes construídas por intermédio da Língua
de Sinais. Alguns textos elencados nas sessões anteriores dedicadas às análises
apresentam sequências potencialmente compatíveis com as mesmas consideradas
por PAREDES SILVA (2007) como conexão ótima
19
, em que se observa a
formação de cadeias tópicasformadas a partir de várias retomadas e proposições
relacionadas ao mesmo referente-tópico-sujeito‖. Dentre as mais expressivas
analisadas na pesquisa, vale destacar a cadeia formada em torno do referente
19
Grau 1 de conexão, de acordo com a escala proposta por GIVÓN (1983). A escala completa pode ser
consultada em GIVÓN, T. 1983. Topic Continuity in Discourse: The functional domain of switch-
reference. In: John Haiman & P. Munro (Eds.) Switch Reference and universal grammar. Amsterdam.
Philadelphia, John Benjamin, pp. 51-82.
162
alienista” que figura na composição I da primeira seção de análise dos dados, em
que o aluno recorre ao desdobramento do tópico focal por meio de novas
caracterizações ao longo do texto:
Eu comparo Alienista com agora. A pessoa pensa surdo conversar sinais
parece maluco. A pessoa é médico não sinto no próprio corpo, Ø pensar surdo
maluco. Mas médico não entender vida surdo.
Destaco também a cadeia pica construída na composição I da segunda seção
de análise de dados, em que o referente “eu”, ativado na primeira oração,
desencadeia rias novas proposições ao longo da produção, sendo retomado,
inúmeras vezes, por meio dos diferentes recursos da repetição integral e da elipse:
Ø Sou alta 1.75, meu tamanho 39 e 40. Blusa GG e calça 48. Ø Sou pouco é
gorda. Eu já fiz começar academia 1 mês. Também nova Ø começou estudo Ø
Precisa minha vida futuro trabalhar muito Bem salário. Por isso, Ø precisa lutar
ajudar meu filho Ø já te um menino tem 3 anos 9 meses agora eu não ter casada,
então Ø fico solteira.
163
Torna-se importante lembrar que o exercício da produção escrita realizado por
indivíduos surdos não constitui tarefa fácil de ser executada, a julgar pelo fato de que
muitos deles crescem sendo sistematicamente expostos a inputs linguísticos mesclados
entre o Português e a LIBRAS: duas nguas cujas modalidades espaciais e estruturais
são potencialmente diferenciadas. Essa forma peculiar de desenvolvimento linguístico é
compreendida por muitos pesquisadores como um tipo especial e particular de
aquisição”, que poderá resultar na modalidade escrita, em interferência ou
justaposição entre os doisdigos visto que, ao tomar um modo como base de produção
(L2), o outro (L1) nunca é totalmente desativado. A questão é também avaliada por
MARCUSCHI (2007:24) que, em uma visão exemplar ressalta que em certos casos, as
proximidades entre os dois códigos são tão estreitas, que parece haver uma mescla,
quase uma fusão de ambas, numa sobreposição.‖
A sobreposição da L2 sobre a L1 ressaltada por MARCUSCHI (op.cit.) no que se
refere à escrita pode ser verificada na amostra analisada, partindo-se principalmente do
aspecto característico de que, os sujeitos surdos envolvidos na pesquisa utilizaram em
apenas uma produção textual, pronomes de terceira pessoa (ele, ela, eles, elas) como
forma de referenciação aos picos introduzidos no discurso. Como bem ressaltado por
GIVÓN (1983), a escolha entre fazer uso de nomes definidos ou pronomes, depende
sobremaneira da possibilidade linguística de se conseguir eficazmente identificar na
escrita os referentes em potencial que aparecem no texto. Portanto, em caso de existir
um sistema pronominal na língua, suficientemente rico para marcar a diferença, não será
preciso usar sistematicamente um sintagma nominal (nome) para manter o pico em
evincia e fazê-lo progredir na superfície do texto. A retomada poderá ser feita pro
nominalmente, assegurando da mesma forma a continuidade e a progressão dos tópicos.
164
Ressalto, entretanto que, as nominalizações e as categorias pronominais da LIBRAS
são essencialmente espacializadas. Pesquisas recentes evidenciam que os termos
dêiticos formam a base da referência pronominal e que tais termos são como podemos
assim dizer, apontados no campo visuo-gestual da Língua de Sinais. Esse tipo de
associação referêncial dêitica ocorre tanto com referentes presentes no momento da
interação, como com referentes ausentes ao ato discursivo.
No que diz respeito ao primeiro caso, os elementos envolvidos (a primeira e a
segunda pessoa do discurso) são introduzidos apontando-se com o dedo indicador a
quem o sinalizador se refere. Em caso de ativação do referente “Eu”, aponta-se para o
próprio peito. Se o referente a ser ativado corresponder a “você”, o sinalizador apontará
diretamente ao receptor.
Em se tratando de pronomes pessoais de terceira pessoa em LIBRAS, as relações se
tornam bem mais complexas, pois esses desempenham funções anafóricas e dêiticas que
podem também envolver referentes não participantes do contexto discursivo imediato.
Em razão de se referênciar às pessoas que estejam presentes no momento da interação,
são utilizadas formas iticas pronominais de terceira pessoa que o sinalizador aponta
diretamente ao referente de forma a marcar sua ativação, retomada ou remissão.
No caso específico de referentes que não estão presentes na interação ou,
temporariamente ausentes, a referencialidade é estabelecida de forma diferenciada.
Neste caso, o sinalizador direciona o ato de apontar a um local espacial arbitrário ao
longo do plano horizontal que, em geral, ocupa o lado do corpo, de forma a demarcar o
lugar específico que o referente assumirá durante o discurso. A mesma forma é utilizada
para se referir a objetos, lugares e coisas no espaço.
É bastante comum na LIBRAS que um referente, logo após ser ativado
espacialmente, seja subsequentemente referênciado por meio de sinais próprios que os
165
identificam, ou por terem seus nomes soletrados através do alfabeto manual
(datilologia), conjugando ambas as estratégias de ativação simultaneamente.
A referência anafórica requer que o sinalizador aponte (em geral, olhe e também
incline o corpo) o local previamente demarcado e estabelecido as a ativação do
elemento linguístico co-referente em um ponto estabelecido no campo visuo-gestual.
Este ponto específico destinado a um dado referente linguístico servirá de base para sua
possível retomada ou remissão ao longo do discurso, mesmo que outros referentes
sejam ativados em outros pontos espaciais. Em geral, a atividade de co-referência em
LIBRAS é também estabelecida a partir da conjugação do mecanismo de se apontar
espacialmente para a base do pico a ser retomado, aliada ao mecanismo de
identificação ou caracterização do mesmo por meio dos sinais próprios de identificação
ou da soletração. É imperativo ressaltar a importância da direção do olhar e de toda a
linguagem corporal envolvida no processo discursivo nesse caso, para o correto
processamento, compreensão e acesso ao significado da referência pronominal.
A característica essencialmente dêitica dos elementos pronominais da LIBRAS,
conjugada à forma como os picos discursivos são sistematicamente caracterizados ou
descritos a cada nova retomada ou remissão, quando em atividade linguística de co-
referência, parecem justificar e ressaltar a maneira como os surdos estabelecem a
coesão referêncial no uso da escrita em Português.
Observo que, os textos que comem a amostra dessa pesquisa apresentam
massivamente a formação de cadeias referênciais obtidas pelo emprego da repetição
sistemática do referente linguístico, à exceção de uma única composição (IV),
integrante da quarta seção de análises, que retoma picos ativados pelo emprego dos
elementos pronominais do Português. Concluo, portanto, que a maneira como os surdos
estabelecem as relações de referência na LIBRAS (L1) demonstram ser muito mais
166
significativas e coerentes aos usuários, fato que dificulta sobremaneira a apropriação e o
uso de categorias pronominais abstratas na escrita do Português (L2). Sugere-se, neste
caso, uma justaposição da Língua 1 natural dos surdos, a LIBRAS, à Língua 2, cuja
modalidade é utilizada na forma escrita, evidenciando o desenvolvimento linguístico
relacionado entre oralidade e escrita como um continuum. (CHAFE: 1982, 1985;
TANNEN, 1985; MARCUSCHI, 2007)
Com o objetivo de evidenciar a importância que os sujeitos surdos demonstram
atribuir à marcação sistemática do pico focal através de insistentes identificações no
decurso das retomadas, destaco a composição III da quarta e última seção de análises,
que mostra claramente essa peculiaridade. Observa-se, na composição, que o referente
matriz “Wall-e” é retomado integralmente, ao longo do texto, evidenciando que o
recurso de repetição é empregado na composão no intuito de assegurar a
continuidade e a progressão assemelhando-se, potencialmente à maneira como a
referência anafórica é estabelecida na Língua de Sinais.
Wall-E amigo barata. Wall-E não conhece Eva. Depois Wall-E medo acender.
Eva perto lado Wall-E. Wall-E achar planeta. Wall-E sempre amigo Eva. Wall-E
entra dentro casa Eva. Casa muito bonita. Mas Eva sempre zangada. Wall-E sempre
quieto. Wall-E gosta Eva. Wall-E anda diferenta. Eva apagar olhar Wall-E.
A partir da análise dos resultados obtidos nessa pesquisa, posso concluir que as
estratégias de coesão textual utilizadas por indivíduos surdos na língua-alvo diferem em
alguns aspectos dos que são comumente usadas por ouvintes que, em geral, são
167
orientados pelo modelo gramatical do Português no que diz respeito à referência. Esta
perspectiva, porém, tem sido questionada e reorientada, principalmente, pela linguística
textual contemporânea, que trata a questão da coesão referêncial sob outro ângulo e a
partir de outra concepção.
O processo de referenciação, dessa forma, não constitui apenas a representação
de entidades do mundo na língua como comumente tem sido retratada pela gramática
tradicional da ngua, mas o processo de constituição de entidades no discurso. Assim, a
questão da alternância entre as escolhas canônicas das substituições nominais por
pronomes ou por zero anáfora ganha outra dimensão, que não a estritamente gramatical.
PAREDES SILVA (2007: 01-02) faz pertinentes considerações sobre a maneira como a
questão da referência tem sido encarada pela linguística quando afirma:
―Ao invés de considerar a segunda menção de um referente como
uma simples retomada, passa-se a vê-la como parte de um processo
através do qual está se construindo uma entidade no discurso. E a
opção por usar um nome ou um pronome, ou ainda, por usar o mesmo
nome ou outro sinônimo ou equivalente deixa de ser uma questão de
estilo para se tornar parte do processo de construção do sentido do
texto.‖
Nessa perspectiva, indivíduos surdos demonstram empregar na escrita do Português
(L2), uma vasta gama de estratégias e recursos linguísticos de coesão e referencialidade
que são subsidiados pelas estruturas linguísticas LIBRAS, ou o sistema subjacente,
visto ser a língua de aquisição natural. Portanto, surdos elaboram (e alcançam) o
sentido textual a partir de uma outra lógica de composição, uma outra visão de mundo.
Basta observar nos dados os recursos de referencialidade apontados na escrita, que
determinam uma tenncia preponderante para se estabelecer retomadas e remissões por
168
meio da manutenção do mesmo nome citado (Matriz) e, em menor escala, por
substituições, ratificando sobretudo minhas hipóteses iniciais.
Tais características observadas nas produções textuais que comem a amostra são
fundamentais, no sentido de confirmar que, inegavelmente, o universo da linguagem
escrita possui interfaces com a oralidade e, no caso específico desse estudo, a
oralidade” é compreendida como a modalidade linguística visuo-gestual da Língua de
Sinais.
5. Considerações Finais
Em toda atividade discursiva, a interação linguística é mediada pela imagem que os
sujeitos têm ou constroem de seus interlocutores, sejam surdos ou falantes de qualquer
língua. Em se tratando, especialmente, o caso dos surdos, a via mais próxima para a
construção de conhecimentos é a Língua de Sinais, fator que determina e ressalta as
condições de produção do texto escrito. Por reconhecer como legítima a língua(gem) de
modalidade visuo-gestual da LIBRAS. Em se tratando de aprendizes do Português, os
textos escritos por surdos não possuirão as mesmas características dos textos
produzidos por ouvintes, mas de um típico falante de segunda ngua. O fato de
enfatizar novamente tais questões recai sobre a necessidade de se redimensionar o olhar
sobre essa escrita considerada por muitos, tão atípica e de características tão
particulares.
169
É importante perceber na escrita surda elementos que permitem compreender a
textualidade envolvida em um processo de construção ditado pela lógica da Língua de
Sinais. As dificuldades encontradas por sujeitos surdos no uso da modalidade escrita da
língua-alvo, antes de constituírem um impedimento para a compreensão de seus textos,
podem representar uma pista, uma referência da forma como estabelecem sentido e
coesão no uso de uma segunda língua.
Se, portanto, a escola não compreende a rede de fatores que corroboram para a
produção de um texto escrito por surdos, nunca terá os instrumentos necessários para
avaliar a produção do seu aluno, muito menos para orientá-los. Compreender um texto,
ou avaliar o seu grau de coerência e coesão implica saber que todo o processo de
construção depende não somente de suas características internas ou superficiais, mas
dos múltiplos conhecimentos dos usuários dessa modalidade escrita. É justamente todo
esse conhecimento de mundo que define as estratégias a serem utilizadas na sua
produção.
Muito ainda pode e deve ser realizado na tentativa de se modificar o cenário da
escolarização de surdos no Brasil. A oficialização da LIBRAS, obviamente, consistiu
em um enorme passo em direção à novas perspectivas educacionais e sociais para toda a
comunidade surda, prevendo a presença de intérpretes em escolas, repartições públicas e
estabelecimentos comerciais. Assim também foi modelo educacional bilíngue, que
desponta no cenário de renovação atual como uma forma de se rediscutir e redesenhar a
história da educação de surdos em nossa sociedade.
A proposta de se pautar o desenvolvimento linguístico e educacional em um modelo
bilíngue abre um leque de expectativas positivas junto a educadores e educandos surdos,
de que grandes mudanças poderão ocorrer. A implementação adequada do bilinguismo
nas redes educacionais, aliada à políticas blicas capazes de assegurar a satisfatória
170
gestão da abordagem educacional, oportuniza ao surdo a devida acessibilidade à cultura,
à história e a historicidade da comunidade surda. Escolas bilíngues hoje despontam
como potenciais instituições aptas a desenvolver uma educação para surdos sustentada
por experiências globais a serem organizadas por meio do pluralismo cultural e
linguístico vivenciado por esses indivíduos. Sustentado pela UNESCO
20
, o verdadeiro
desenvolvimento do conhecimento humano está alicerçado sobre quatro pilares básicos
de sustentação, que são o aprendizado do conhecimento, o aprendizado de como fazer o
conhecimento, o aprendizado de como viver juntos e, finalmente, o aprendizado de ser
cidadão.
Torna-se imperativo ressaltar que a questão cultural do surdo no que diz respeito à
construção de cidadania perpassa por questões densas ao desenvolvimento humano, tais
como as diferenças humanas, o multiculturalismo, a construção da identidade e os
impactos linguísticos e educacionais gerados na comunidade. O atendimento a tais
questões, dentro de um modelo filofico-educacional destinado a surdos, possibilita a
construção de um novo paradigma escolar apto à compreensão de diferentes formas de
desenvolvimento individual.
―Apesar de haver um lugar para a Cultura Surda e também um
lugar para a cultura ouvinte, não há fronteiras entre ambas, tendo em
vista o fato de serem complementares e convergirem para a formação
de cidadãos brasileiros. A interface e o convívio das duas culturas
constituem cenário multicultural, no qual não melhores nem
piores, há apenas, diferentes.‖
(SALLES, 2004: 53)
20
Education for All International Coordination. UNESCO leads the global Education for All movement,
aiming to meet the learning needs of all children. Disponível em www.UNESCO.org
171
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Anexos:
Textos da seção 01 de análise de dados: “O Alienista”
178
179
Textos da seção 02 de análise de dados: “Minha Vida e Feliz Natal”
180
Textos da seção 03 de análise de dados: “Minha escola e Arroz
com Feijão”
181
182
Textos da seção 04 de análise de dados: “Wall-E”
183
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