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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Pós-Graduação em Serviço Social
MARCELO MOREIRA NEUMANN
O Desaparecimento de Crianças e Adolescentes
SÃO PAULO
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Pós-Graduação em Serviço Social
MARCELO MOREIRA NEUMANN
O Desaparecimento de Crianças e Adolescentes
Tese apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em
Serviço Social sob a orientação do
Profa. Dra. Myrian Veras Baptista.
SÃO PAULO
2010
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Banca examinadora
______________________________________
______________________________________
______________________________________
______________________________________
______________________________________
Dedico a minha esposa Alessandra Paula Ferreira Moreira Neumann, meu filho
Matheus e meu enteado Arthur.
In memorial: Francisco Neumann, avô paterno desaparecido.
AGRADECIMENTOS
A CAPES - Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de vel Superior,
pelo financiamento da Bolsa nestes 04 anos de doutorado;
A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que viabilizou meu doutoramento por
meio de sua infraestrutura e do seu corpo docente;
Agradeço a minha orientadora Profa. Dra. Myrian Veras Baptista, que com sua
paciência, carinho e sapiência, me permitiu amadurecer no doutoramento;
Aos colegas do Núcleo de Estudos da Criança e do Adolescente – NCA;
Aos diretores, coordenadores, professores, funcionários e alunos do curso de psicologia
da Universidade Presbiteriana Mackenzie;
Aos colegas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento de
Medicina Legal, Ética Médica, Medicina Social e do Trabalho Centro de Ciências
Forenses, Projeto Caminho de Volta, especialmente a Dra. Gilka, Claudia, Cíntia e
Cristina;
Aos colegas do IPUSP, Laboratório de Estudos sobre o Preconceito e principalmente ao
Prof. Dr. José Leon Crochík;
Aos colegas que atuam na defesa dos direitos da criança e do adolescente, destacando o
pessoal ligado a REDESAP e a Secretaria Especial de Direitos Humanos;
A minha família, meus familiares, especialmente meu pai, minha mãe e meus irmãos.
Agradeço a minha sogra, meus cunhados e todos os nossos familiares que não puderam
contar conosco nestes últimos anos;
Agradeço todos os meus amigos, especialmente meu companheiro de jornada, Ednilton,
que ajudou a iluminar parte deste trabalho;
Ao meu colega Dr. Dermi Azevedo pela luta e consolidação dos direitos humanos;
Aos meus argüidores da PUC-SP: Prof. Evaldo Vieira, Profas. Maria Lúcia Martinelli,
Marta da Silva Campos, Maria Lúcia Carvalho.
SUMÁRIO
Lista de Tabelas/Quadros/Figura...............................................................................
Lista de Abreviaturas.............................................................
....................................
Resumo..................................................................................................................
.....
Abstract.......................................................................................................................
i
iii
vi
vii
Introdução...............................................................................................
....................
Capítulo I – O desaparecimento como objeto de investigação..................................
I.1.1 – Problematização do conceito...........................................................
I.1.2 – Conceitos jurídicos-legais...............................................................
I.1.3 – O conceitos de desaparecimento na mídia e a massificação do
indivíduo.........................................................................................
I.1.4 – Conceitos de desaparecimento no âmbito psicossocial...................
I.2 – Desaparecimento: Do mito ao conceito..............................................
I.3 – Desaparecimento: Do objeto aos sujeitos envolvidos........................
Capítulo II – O desaparecimento: determinações sociais, naturais e individuais......
II.1 – A história e o desaparecimento de pessoas...........................
..............
II.2 – Aspectos culturais e religiosos..........................................
..................
II.3 – O desaparecimento e a questão social................................................
II.4 – O desaparecimento e a violência........................................................
II.4.1 – A violência urbana..........................................................
....
II.4.2 – A violência familiar e doméstica........................................
II.4.2.1 – A violência doméstica contra crianças e
adolescentes..............................................................................
II.4.2.2 – A violência sexual contra crianças e
adolescentes..............................................................................
II.5 –. O desaparecimento e os regimes totalitários.....................................
II.6 – As catástrofes e o desaparecimento de pessoas..................................
II.7 – A subjetividade e sua relação com o desaparecimento...............
.......
Capítulo III – Desaparecidos: A frieza nos números.................................................
Capítulo IV – Investigação: O desaparecimento de crianças e
adolescentes............................................................................
............
IV.1 – Apresentação e comportamento do sujeito “A”..............
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77
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83
94
96
IV. 2 – O sujeito “B”: o desaparecido.......................................
IV. 3 – Considerações sobre o comportamento do sujeito
“C” ........................................................................................
.......
IV.4 – O papel e o comportamento do sujeito “D”......................
Capítulo V – Desaparecimento: Desafios e Perspectivas..............................
.............
Conclusões..................................................................................................................
Referências Bibliográficas..........................................................................................
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i - Lista de Tabelas/Quadros/Figura
Tabela I - Dados de Violência : Período: maio de 2003 até novembro de 2008
Tabela II – Taxa de Homicídios (em 100.000) Por Idades/ Faixa Etária Brasil
– 2000
Tabela III – Taxa de Suicidios (em 100.000) Por Idades/ Faixa Etária Brasil
- 2000
Tabela IV- Total de Queixas registradas x Queixas solucionadas no Estado de
São Paulo- Período: Janeiro de 2005 à Setembro de 2009
Tabela V - Faixa Etária e sexo
Tabela VI - Baixas das queixas registradas por ano
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92
Figura I – Cadeia de relações
96
Quadro I - Indicadores da identidade do sujeito A
Quadro II – Comportamento previsto para o sujeito A
Quadro III – Comportamento previsto do sujeito B
Quadro VI – Comportamentos possíveis do sujeito C
Quadro V – Instituições que atuam com o desaparecimento infanto-juvenil
cadastradas na REDESAP
Quadro VI – Possíveis ações previstas do sujeito D
97
98
103
105
106
107
ii - Lista de Abreviaturas
Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e
Defensores Públicos da Infância e da Juventude
Ato Institucional nº 5
Boletim de Ocorrência
Centro de Referência da Assistência Social
Centro de Referencia Especializado da Assistência Social
Código Brasileiro de Ocupação
Código Penal Brasileiro
Código Civil Brasileiro
Comissão Parlamentar de Inquérito
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa / SP
Deoxyribonucleic acid ou ácido desoxirribonucleico
Estatuto da Criança e do Adolescente
Fundação para a Infância e Adolescência
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
Informação da Segurança Pública, Sistema de
Lei Orgânica da Assistência Social
Organização das Nações Unidas
Organização Não Governamental
Polícia Federal
Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças e
Adolescentes
Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos
Secretaria Especial de Direitos Humanos
Secretaria Estadual de Segurança Pública
Secretaria Nacional de Segurança Pública
Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas de Curitiba
Sistema Único da Assistência Social
Sistema de Informação e Proteção à Infância e Adolescência
Sistema de Informação da Mortalidade
Universidade de São Paulo
ABMP
AI-5
BO
CRAS
CREAS
CBO
CPB
CCB
CPI
CONANDA
DHPP
DNA / ADN
ECA
FIA
IBGE
INFOSEG
LOAS
ONU
ONG
PF
REDESAP
SEASDH
SEDH
SSP
SENASP
SICRIDE
SUAS
SIPIA
SIM
USP
Resumo
O Desaparecimento de Crianças e Adolescentes
O desaparecimento de pessoas, especialmente de crianças e adolescentes desperta muita
comoção na sociedade, entretanto os estudos científicos sobre o tema ainda são raros. Estas
poucas publicações existentes não oferecem uma reflexão profunda do ponto de vista
conceitual. Nelas o ‘desaparecimento’ é reduzido pela relação de causa e efeito. O objetivo
deste trabalho foi ampliar o conceito pelas visões da sociologia, do direito, da psicologia e
da literatura, para posteriormente tratá-lo no seu sentido etimológico. Foi verificado que na
origem da palavra existem os elementos sociais que o constitui, pois, o desaparecimento
pode ocorrer nas relações sociais humanas na qual ele é percebido, observado e
sentido. Após a delimitação conceitual procurou-se relacionar o desaparecimento com suas
múltiplas determinações, destacando as determinações sociais, naturais e psicológicas. Nas
determinações sociais foram debatidos os aspectos históricos, cultural-religiosos, a questão
social, as violências e a influência dos regimes totalitários no desaparecimento de pessoas.
Nas determinações naturais foram mostradas como as pessoas desaparecem em virtude das
forças da natureza e da ação do homem. Discutiu a formação do individuo e de sua
subjetividade e, como essas determinações psicológicas podem influenciar nos casos de
fugas do lar ou de instituições. A proposta de investigação do desaparecimento de crianças
e adolescentes partiu destas múltiplas determinações, com a predominância das
determinações sociais. A seguir foi caracterizada a participação dos envolvidos nestes
desaparecimentos, fundamentado em alguns casos atendidos pelo Projeto Caminho de
Volta - FMUSP. Os dados obtidos nos prontuários foram analisados e categorizados, que
resultou em ‘quadros de comportamentos previstos’ dos envolvidos na situação de
desaparecimento. Estes quadros mostram as atitudes tomadas por cada um dos sujeitos
envolvidos logo após o desaparecimento de crianças e adolescentes. Eles revelam o tipo de
relação - as dificuldades e as dores das pessoas que procuram o desaparecido, como
também os prováveis motivadores desta situação. No último capítulo foram debatidos os
desafios e perspectivas atuais do tema, relacionados com a política pública brasileira, que
se move timidamente na consolidação do marco legal para o desaparecimento no país.
Concluí-se que ao considerar o desaparecimento como uma situação predominantemente
social, retira-se a carga depositada pela sociedade nos desaparecidos ou nos seus familiares
e diante disto universaliza-se a questão, mostrando que o problema deve ser enfrentado por
todos.
Palavras-chaves: desaparecimento, crianças e adolescentes desaparecidos, direitos
humanos.
Abstract
The Disappearance of Children and Adolescents
The disappearance of people, especially children and adolescents awakens a lot of
commotion in the society, however scientific studies on the subject are still rare. These
few studies do not provide a deep reflection of the conceptual point of view. There is
the 'disappearance' is reduced by the relation of cause and effect. The objective of this
study was to expand the concept by the visions of sociology, law, psychology and
literature, then treat it in its etymological sense. It was found that the origin of the word
existing social elements that constitute it, the loss can only occur in human social
relationships - in which it is perceived, seen and felt. After delineating the conceptual
effort to relate the disappearance of their multiple determinations, highlighting the
social causes, natural and psychological. In the social determinations were discussed
the historical, cultural, religious, social issues, violence and the influence of totalitarian
regimes in the disappearance of people. In natural determinations were shown how
people disappear because of natural forces and human action. Discussed the formation
of the individual and subjectivity and how these may influence psychological
determinations in cases escape of the home or institution. The proposed investigation of
the disappearance of children and adolescents from these multiple measurements, with
the predominance of social determinations. The following is characterized by
participation of those involved in these disappearances, based in some cases assisted by
the ´Projeto Caminho de Volta´ - FMUSP. The data obtained from medical records
were analyzed and categorized, which resulted in ' table expected behaviors' those
involved in the situation of disappearance. These tables show the actions taken by each
of the subjects involved soon after the disappearance of children and adolescents. They
reveal the kind of relationship - the difficulties and pains of those seeking the missing,
as well as the likely reasons for this. In the last chapter were discussed current
challenges and perspectives of the topic, related to Brazilian public policy, moving
tentatively in consolidating the legal framework for the disappearance in the country.
Concluded that when considering the disappearance as a predominantly social situation,
removes the load placed by society in missing or their families and forth this
universalizing the issue, showing that the problem should be tackled by all.
Keywords: disappearance, missing children and adolescents, human rights.
PONTÍFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL
O DESAPARECIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Desaparecimento de Luisa
1
Pede-se a quem souber
do paradeiro de Luísa Porto
avise sua residência
À Rua Santos Óleos, 48.
Previna urgente
solitária mãe enferma
entrevada há longos anos
erma de seus cuidados.
INTRODUÇÃO
O desaparecimento de pessoas, especialmente de crianças e adolescentes, é um
tema recorrente na mídia nos últimos tempos no Brasil. Embora possa despertar uma
comoção geral na população, pela televisão, que mostra dramas familiares em busca de
algumas informações sobre o ente desaparecido, não existe até hoje no país ações de
Estado que efetivamente enfrentem o problema de forma madura e consistente.
A visibilidade do problema que a mídia desperta não é suficientemente tratada pela
academia e pelas agências de fomento, centros de pesquisas, Conselhos dos Direitos,
principalmente os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, e
conseqüentemente escassos trabalhos e publicações no Brasil. Com relação às
publicações internacionais, na nossa revisão bibliográfica encontram-se alguns estudos
sobre desaparecimento que normalmente estão relacionados a outros temas como: a
exploração sexual, violência doméstica, tráfico de pessoas, fuga de casa, entre outros.
O interesse em estudar o desaparecimento na infância e na adolescência partiu da
minha experiência no Projeto Caminho de Volta, do Departamento de Medicina Legal,
Ética Médica, Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade
1
Poema de Carlos Drummond de Andrade, que será dividido em todo o início e final de cada capítulo na
seqüência original do autor.
2
de São Paulo. Integro a equipe desde a criação do Projeto e tenho colaborado na
articulação do mesmo junto ao Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do
Adolescente.
Outro aspecto pessoal é minha busca pelos documentos do meu avô paterno, que
desapareceu da vida do meu pai quando este tinha aproximadamente 03 anos de idade. Em
1940 após uma discussão com minha avó, ele foi embora de casa e nunca mais a família
teve notícias dele. Concomitantemente ao doutorado procurei o paradeiro de meu avô, mas
ainda não obtive sucesso. Sei que ele está morto, porém não sei aonde morreu, de que
sofreu, com quem ficou e muitas outras perguntas às quais não sei se terei resposta. A
família de um desaparecido fica nesta lacuna, neste espaço que nunca é preenchido.
Este estudo tem por finalidade analisar os elementos presentes no desaparecimento,
inicialmente tratará do seu aspecto conceitual e a partir de sua delimitação, relacionará com
a área da criança e do adolescente no Brasil. O desaparecimento de crianças e adolescentes
é diferente do desaparecimento de adultos, entretanto similaridades entre elas. Existem
várias determinações nos dois casos, discute-se como estas influenciam no aumento das
ocorrências.
Segundo informações da Secretaria Especial de Direitos Humanos (Gattás e Fígaro-
Garcia, 2007), em 2007, estimava-se aproximadamente 40.000 ocorrências de
desaparecimento de crianças e adolescentes registradas anualmente nas delegacias de
polícia de todo o país. Nesta estimativa não estavam contabilizados maiores de 18 anos.
Acredita-se que, de 10 a 15% destes casos, a criança e o adolescente permanecem
desaparecidas por longos períodos de tempo e que algumas jamais serão encontradas. Isto
significa que anualmente desaparecem sem deixar qualquer vestígio cerca de 4.000 a 4.500
crianças e adolescentes em todo o país.
Em São Paulo, o maior Estado da federação, com mais de 32 milhões de habitantes,
são registradas em média anualmente 8.000 casos de desaparecimento de crianças e
adolescentes (os números serão detalhados no capítulo III). Estes dados não espelham
verdadeiramente o quadro de desaparecidos em São Paulo ou no Brasil, visto que estes são
baseados em Boletins de Ocorrência. Existe um alto índice de casos subnotificados, ou
seja, casos que chegam aos serviços de proteção social, mas não são computados como
desaparecimento por não serem encaminhados aos sistemas formais de notificação, que é
quem se responsabiliza pela quantificação das ocorrências.
Os conselhos tutelares servem como um exemplo da subnotificação de casos de
desaparecimento, visto que muitos conselheiros não entendem que alguns casos devam ser
3
comunicados à delegacia, como no caso da fuga. Para os conselheiros tutelares a fuga é
tratada simplesmente como um problema familiar. Na verdade a subnotificação de
desaparecidos no país esconde também uma face perversa, que é a falta das políticas
sociais, na garantia dos direitos individuais e sociais, acentuando mais o descrédito da
população no Estado.
Outro problema associado à subnotificação de desaparecidos, é a cultura das 24 ou
48 horas para abertura do Boletim de Ocorrência nas delegacias. Embora em 2005 o
governo Lula tenha promulgado uma lei de busca imediata após o desaparecimento, a falta
de preparo das polícias, somado ao volume de trabalho nas delegacias de todo o país
contribuem para a desestimulação das notificações, como aponta o estudo de Oliveira
(2007).
A contradição entre a cultura e a lei fica clara, visto que o art. 227 da Constituição
Federal do Brasil de 1988 e o art. 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente, explicitam,
que a criança e o adolescente são prioridades absolutas. Entretanto existe uma desatenção
da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público de assegurar os
direitos dessa criança e desse adolescente. Em decorrência dessa desatenção, deixam de
tomar providências imediatas ou a de médio e longo prazo, em situações em que o
desaparecimento não é registrado.
A desatenção é tanto do Estado, como da sociedade civil. Uma prova disto são as
resoluções publicadas entre 1993 e 2004 pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente CONANDA. Este órgão, criado pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, é paritário, na qual 50% são representantes do governo e 50% são
representantes da sociedade civil organizada. Eles têm a missão de decidir sobre os
desígnios da política social na área da infância e juventude. Nas resoluções publicadas
deste período, aparece apenas uma citação do anexo da resolução 42 de 13/10/95, que
diz: “apoiar serviços de identificação e localização de pais, de responsáveis e de crianças e
adolescentes desaparecidas”. Nesta Resolução o CONANDA utiliza o mesmo texto do art.
87 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nessa pesquisa realizada nas resoluções,
nenhum projeto ou ação para crianças e adolescentes desaparecidos foi apoiado e, muito
menos, foram criados programas com recursos do CONANDA. Somente por meio da
resolução nº 72 de 11 de junho de 2001, foi criado um grupo de trabalho para levantamento
de informações sobre a organização nacional para o enfrentamento das situações de tráfico,
seqüestro e desaparecimento de crianças e adolescentes. O relatório com as informações
obtidas não foi acessado nesta pesquisa.
4
Desta maneira, constata-se que o CONANDA, órgão maior da política da infância
no país, por uma série de fatores, deixou o tema de lado, priorizando outras questões que
surgiram na sociedade. Assim verifica-se uma triste realidade: após quase 20 anos de
Estatuto da Criança e do Adolescente o desaparecimento de crianças e adolescentes, não
aparece como um problema devidamente importante para ser pensado e enfrentado.
Recentemente, foi criada a Comissão Parlamentar de Inquérito dos Desaparecidos –
CPI com membros da Câmara Federal e do Senado. Os parlamentares estão apurando os
casos de desaparecimento de crianças e adolescentes a partir de 2005 no país. O relatório
não está pronto, mas a CPI fez um encontro em outubro de 2009 na Assembléia Legislativa
de São Paulo, com representantes de vários segmentos sociais e vem realizando vários
encontros no país com a finalidade de apurar melhor as causas desses desaparecimentos.
Desta forma não existe uma política global no país que trate o tema em todos os
seus ângulos. Os poderes - executivo, legislativo e judiciário - não tem integração entre eles
e o que resta efetivamente são estratégias isoladas de enfrentamento, que são insuficientes
para dar conta da situação. Uma dessas estratégias é operacionalizada pela Secretaria
Especial de Direitos Humanos, ligada diretamente ao gabinete da Presidência da República,
que criou em 2002 a REDESAP- Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças
e Adolescentes Desaparecidos. A função desta REDE é criar e articular serviços
especializados de atendimento ao público e coordenar um esforço coletivo de âmbito
nacional para a busca e localização dos desaparecidos, além de disponibilizar em seu site
fotos de crianças e adolescentes desaparecidos há mais de um ano em todo o país.
A REDESAP conseguiu articular com o governo federal a aprovação do Cadastro
Nacional de Pessoas Desaparecidas. O sistema está sendo criado com parceria da Secretaria
Nacional de Segurança Pública, com a direção do grupo do INFOSEG
2
e poderá
futuramente ser uma esperança promissora para várias famílias que procuram seus entes
desaparecidos.
A outra estratégia de política pública nesta área está ligada às políticas de
segurança. Atualmente a participação do Estado se resume às ações de competência da
polícia, que normalmente se traduzem em abertura de Boletim de Ocorrência, investigação
e disponibilização das fotos dos desaparecidos na Internet. Encontram-se no Brasil alguns
serviços ligados à estrutura da polícia, os quais realizam atendimento e acompanhamento
direto às famílias dos desaparecidos.
2
INFOSEG – Sistema de Informação da Segurança Pública
5
O papel da Segurança Pública é mais paliativo, pois atua sobre os efeitos do
problema, isto é, quando o desaparecimento tornou-se uma ocorrência. Contudo, as
estatísticas
3
da SEDH demonstram que 40% dos casos de desaparecimentos estão
associados à fuga de casa. Isto ocorre por vários motivos, como: violência doméstica,
conflitos nos relacionamentos, influência de amigos, aventura, entre outros. São raras as
ações preventivas ou profiláticas para diminuir as ocorrências de desaparecimento por parte
da Segurança Pública ou de outros organismos governamentais.
A polícia às vezes faz campanha sobre crianças perdidas quando existe grande
concentração de pessoas, como nas praias e eventos. Entretanto, com relação aos fugitivos
não existe qualquer política. Sabe-se que grande parte destes “fugitivos” volta para suas
casas antes de completar uma semana de desaparecimento, conforme aponta o estudo de
2007 de Gattás e Figaro-Garcia. Os casos são resolvidos por si mesmos, sem uma atuação
direta da polícia ou de outros órgãos. Porém, existe uma possibilidade real da criança ou do
adolescente sumir novamente se não houver um trabalho com as famílias desses
desaparecidos. É de conhecimento dos operadores do Sistema de Garantia de Direitos, que
existem outras causas para o desaparecimento, muitas delas, influenciadas diretamente por
determinações sociais.
A prevenção, ou ações profiláticas de apoio a família, poderia diminuir os casos de
desaparecimento. Grande parte das famílias envolvidas no desaparecimento de crianças e
adolescentes, estão em situações precárias de sobrevivência, como aponta o estudo de
Gattás e Fígaro-Garcia. A influencia da concentração de capital para uma pequena parcela
da sociedade, gera uma desigualdade econômica grande, se há concentração de riqueza de
um lado, de outro, pobreza. A pauperização histórica de muitas famílias no Brasil cria
uma vulnerabilidade grande desta população. Esta vulnerabilidade é tratada por políticas de
Estado, que tentam corrigir as distorções sociais por uma integração de políticas sociais e
macroeconômicas mas, principalmente, é por meio das políticas de Assistência Social -
como os programas de fortalecimento econômico e social destas pessoas que os efeitos
são mais evidentes. Entretanto os governos historicamente não conseguem cobrir todos os
direitos sociais dos indivíduos que necessitam de auxílio para suprir suas necessidades
básicas.
A fragilização destas políticas públicas no atendimento às necessidades básicas dos
indivíduos tem levado ao avanço crescente de organizações sociais, que ocupam os
3
Será tratado os números no corpo da tese em capítulo específico.
6
diversos espaços, não cobertos pelas políticas, na tentativa de reparar a lacuna deixada pelo
Estado. Essas organizações têm se revelado uma alternativa viável para os governos, pela
falta da política efetiva na vida destas pessoas. A organização não-governamental que ficou
conhecida no Brasil, pelo enfrentamento da questão do desaparecimento de crianças e
adolescentes, foi a Associação “Mães da Sé”. A ONG, que foi criada para a busca de
crianças desaparecidas, ampliou sua luta na busca de qualquer pessoa desaparecida, devido
à grande procura de familiares em situações nas quais algum familiar estava desaparecido.
A instituição foi inspirada na entidade argentina “Mães da Praça de Maio”. Hoje, no Brasil,
existem várias entidades criadas com esse propósito.
Existem ainda outras ações pontuais e específicas no país para o trabalho
relacionado ao desaparecimento de crianças, como a do SICRIDE - Serviço de Investigação
de Crianças Desaparecidas de Curitiba - que utiliza-se de “alta-tecnologia” para
desenvolver o envelhecimento de imagens de crianças que permanecem na situação de
desaparecimento, para facilitar o seu reconhecimento. O serviço é considerado modelo, por
estar na estrutura da Segurança Pública, além disto, oferecer investigação qualificada, apoio
social e psicológico às famílias e desenvolver ações preventivas nas comunidades.
Outra experiência governamental de destaque são as ações do SOS – Crianças
Desaparecidas, programa da Fundação para a Infância e Adolescência do Rio de Janeiro
FIA-RJ. Atualmente a FIA/RJ encontra-se vinculada à Secretaria de Estado de Assistência
Social e Direitos Humanos SEASDH. O programa oferece assistência psicossocial aos
familiares dos desaparecidos e colabora na busca por meio de divulgação de fotos em
cartazes e no seu site. Desenvolve um amplo programa de prevenção em todo o Estado do
Rio de Janeiro, dentre outras ações pertinentes ao assunto.
Em setembro de 2004, a Faculdade de Medicina da USP, criou uma ação para
enfrentamento do desaparecimento de crianças e adolescentes denominada “Projeto
Caminho de Volta”, na qual faz junção da biologia molecular, da bioinformática e do
atendimento psicossocial para construir sua intervenção. A inovação do projeto é a
integração sistemática de dados por meio de entrevistas psicossociais, encaminhamentos
das famílias para acompanhamento especializado e coleta de material biológico de
familiares para a determinação do seu DNA - elemento essencial de identificação da
origem de crianças/adolescentes localizados. Essas informações são inseridas no Banco de
Dados e, posteriormente, são base de confrontação de dados identificatórios dos conjuntos
familiares.
7
Assim, o que é constatado no Brasil nesta área, são ações importantes, porém
pulverizadas, as quais muitas vezes não possuem qualquer nexo entre sí. No Estatuto da
Criança e do Adolescente é previsto
4
a realização de uma política integral nestes casos,
determinando que devem ser criados:“serviço de identificação e localização de pais,
responsável, crianças e adolescentes desaparecidos”. Sua implantação, segundo o
Estatuto, é de responsabilidade dos Governos e da Sociedade. Todavia, essa questão está
“desaparecida” da política social do Brasil, visto que o país não a assumiu como uma
política de Estado. Como vimos, o Estado desenvolve apenas ações pontuais no contexto
das políticas globais de direitos humanos, deixando de considerar aspectos fundamentais
para consolidar uma política, a partir de um marco legal para o tema. A falta deste marco
legal impede o avanço de outras estratégias de enfrentamento da questão no país.
Posto isto, é verificado também que a produção cientifica e os poucos estudos
existentes na área (como citamos anteriormente) não apenas inviabilizam o
dimensionamento do problema do desaparecimento como dificulta o estabelecimento de
suas relações com causas que não são as mais evidentes. Nesse sentido esta pesquisa pode
subsidiar ações que possam contribuir para o enfrentamento do desaparecimento de
crianças e adolescentes e mostrar que o problema não pode ser apenas tratado como uma
questão afetiva e individual, mas sim como uma questão determinada socialmente, que
merece a atenção de todos.
Para isso, apresentar-se-á no primeiro capítulo os conceitos de desaparecimento
pelo viés social, legal, psicossocial, da mídia e da literatura. Após a sistematização dos
conceitos desenvolver-se-á uma conceitualização com a finalidade de nortear reflexões
para o comportamento humano, para depois avançar no campo das políticas públicas para a
melhoria dos conhecimentos que servirão para a busca e localização de crianças e
adolescentes desaparecidos.
4
Livro II parte especial, Título I Da Política de Atendimento, Capítulo I Disposições Gerais, os artigos:
Art.86: “A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto
articulado de ações governamentais e não- governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios.Art 87: São linhas de ação da política de atendimento: I - políticas sociais básicas; II -
políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem; III -
serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos,
exploração, abuso, crueldade e opressão IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável,
crianças e adolescentes desaparecidos V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da
criança e do adolescente.
8
No capítulo II, serão apresentadas as determinações que interferem no
desaparecimento. Existem causas bastante visíveis para o desaparecimento de pessoas,
como nos casos das catástrofes naturais ou causadas pela ação do homem; Outras são
diretamente influenciadas pelo processo histórico, cultural, religioso, político e econômico.
Como a fuga de casa esmais relacionada à questão individual, vamos refletir sobre a
subjetividade e a formação do indivíduo. Neste capítulo, utilizamos matérias jornalísticas
para respaldar nossa análise.
O capítulo III, trata de pesquisa na qual foram apurados os dados de
desaparecimento da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, no período
que vai entre o ano de 2005 e setembro de 2009. Para análise dessa pesquisa discute-se a
“frieza nos números”, mostrando como o desaparecimento é uma situação relevante,
sempre minimizada pelos órgãos competentes.
No capítulo IV serão apresentados os sujeitos envolvidos na questão do
desaparecimento, partindo do comportamento de cada um deles após o evento. Este estudo
propõe uma nova configuração para entender o desaparecimento. Assim, inicialmente,
parte-se da teoria tradicional para a descrição do fenômeno e depois se articula com a
teoria crítica da sociedade que permite a superação daquilo que foi descrito. Pela teoria
tradicional será adotada a base behaviorista/comportamental e a sua superação terá como
base a teoria crítica, que esclarece o objeto através das visões filosóficas dos séculos XVII
ao XX, particularmente o materialismo-histórico-dialético de Karl Marx e a psicanálise de
Sigmund Freud.
As descrições do comportamento dos envolvidos na situação de desaparecimento de
crianças e adolescentes, partiram da observação dos casos atendidos pelo Projeto Caminho
de Volta da Faculdade de Medicina da USP. Foram analisados alguns casos e depois
sistematizados em quadros. Os quadros foram submetidos à avaliação e preenchidos na
medida em que aparecia outras hipóteses. Desta maneira estes quadros representam ao
mesmo tempo, casos reais e casos hipotéticos estes últimos não foram atendidos pelo
Projeto. As hipóteses das diversas situações de desaparecimento partiram da revisão
bibliográfica sobre o tema.
No último capitulo apresentamos as diversas possibilidades de melhoria do Sistema
de Garantia de Direitos, partindo do marco legal, passando pela discussão dos operadores
deste sistema, que têm a missão da busca e localização de pessoas desaparecidas. Serão
apresentadas algumas dificuldades e como pode-se avançar no país a partir de propostas
exeqüíveis.
9
Pede-se a quem avistar
Luísa Porto, de 37 anos,
que apareça, que escreva,
que mande dizer
onde está.
Suplica-se ao repórter-amador,
ao caixeiro, ao mata-mosquitos, ao transeunte,
a qualquer do povo e da classe média,
até mesmo aos senhores ricos,
que tenham pena de mãe aflita
e lhe restituam a filha volatilizada
ou pelo menos dêem informações.
É alta, magra,
morena, rosto penugento, dentes alvos,
sinal de nascença junto ao olho esquerdo,
levemente estrábica.
Vestidinho simples. Óculos.
Sumida há três meses.
Mãe entrevada chamando.
10
CAPÍTULO I O DESAPARECIMENTO COMO OBJETO DE
INVESTIGAÇÃO
Roga-se ao povo caritativo desta cidade
que tome em consideração um caso de família
digno de simpatia especial.
Luísa é de bom gênio, correta, meiga, trabalhadora, religiosa.
Foi fazer compras na feira da praça.
Não voltou.
Levava pouco dinheiro na bolsa.
(Procurem Luísa.)
De ordinário não se demorava.
(Procurem Luísa.)
Namorado isso não tinha.
(Procurem. Procurem.)
Faz tanta falta.
O objeto de investigação científica deste trabalho é o desaparecimento de crianças e
adolescentes. Contudo, neste capítulo, o conceito de desaparecimento será debatido de
forma mais ampla. Neste caso o desaparecimento tanto pode envolver crianças e
adolescentes como pode ser pensado no caso de pessoas adultas desaparecidas. A pesquisa
está circunstaciada na realidade brasileira, especialmente no Estado de São Paulo e no
contexto histórico contemporâneo.
Entende-se objeto de pesquisa por objeto de conhecimento. Para Adorno é real e
aparente a separação entre sujeito e objeto. Apreender o objeto sem considerar os aspectos
de sua constituição é recair no subjetivismo, deturpando o seu movimento.
...”Uma vez radicalmente separado do objeto, o sujeito já reduz este a si; o
sujeito devora o objeto ao esquecer o quanto ele mesmo é objeto”... (Adorno,
1995: 183)
Mesmo sendo reconhecido como parte integrante do objeto o sujeito não está livre.
nem distante deste. A idealização que a teoria tradicional realiza, ao afirmar que o sujeito
pode descrever e controlar as variáveis, sem envolvimento subjetivo em sua análise, não
corresponde às possibilidades reais do sujeito, uma vez que ele é parte da sociedade que
estuda.
A teoria crítica rompe com a teoria tradicional, pela sua recusa em considerar as
diversas determinações que abrangem aspectos históricos, culturais, econômicos - que
fazem parte da totalidade na relação sujeito-objeto.
11
Todavia não pode-se desconhecer os avanços no conhecimento proporcionados por
tal visão visto que eles podem nos fornecer elementos importantes, no entanto, sua
apropriação deve, necessariamente ser submetida à crítica para a superação dos seus
limites teóricos. A sua descrição do desaparecimento, na perspectiva reducionista do
comportamento humano, pode nos fornecer pistas necessárias para seu desvelamento.
Assim não será eliminada essa visão, mas sua apropriação será crítica, dentro da
perspectiva dialética.
Ainda que a teoria crítica da sociedade se oponha à teoria tradicional, utiliza-se de
seus conhecimentos lançando mão da dialética negativa para iluminar o objeto estudado,
com a possibilidade de esclarecer seu movimento dentro de uma compreensão de sua
lógica e não da gica do sujeito. Trabalha-se para a aproximação de uma totalidade, que
não é estática mais sim em constante transformação.
A visão de conceito implica em um pensamento dinâmico. A sociedade burguesa
traz em si, a compreensão de coisas prontas ou acabadas, para sua utilização. Isto decorre
da aplicação das técnicas como meios para atingir determinados fins, que é a lógica da
produção, que é a base do capitalismo.
Do mesmo modo os conceitos de forma geral são utilizados como fórmulas prontas,
que poderão ser úteis em apresentações e publicações diversas. O conceito de
desaparecimento pode cair na mesma lógica. Contudo, ao iluminar suas faces consegue-se
ampliar o seu escopo e apreender o seu movimento.
Nesta perspectiva, os conceitos que serão trazidos no presente capítulo, em sua
maioria são freqüentemente
reduzidos às análises realizadas por uma área de
conhecimento. A revisão bibliográfica nos proporcionou verificar como o conceito de
“desaparecimento” é concebido predominante como uma questão da área do direito,
reduzido aos conceitos normativos, legais.
I.1 - CONCEITOS SOBRE O DESAPARECIMENTO
Segundo Chauí (2002) o pensamento conceitual ou lógico difere do pensamento
mítico, pois opera por um procedimento lógico que articula elementos homogêneos. Um
conceito é a explicação da essência ou da natureza própria de um ser. Não é substituto para
as coisas, mas expressa o entendimento que se tem delas a partir de uma análise ou de uma
síntese dos dados da realidade ou do próprio pensamento.
12
Para consubstanciar a análise que será realizada, procurou-se encontrar os conceitos
sobre ‘desaparecimento’ nas leis, na psicologia, nas ciências sociais, nos dicionários, na
literatura e na mídia. Entretanto é na origem etimológica da palavra que se encontrou os
elementos essenciais para sua superação. A revisão bibliográfica foi um importante
instrumento de sistematização de dados para ajudar na composição lógica do conceito.
Antes de apresentar o conceito de ‘desaparecimento’ encontrado nos marcos legais,
predominante nos casos de desaparecidos, optou-se por debater o conceito pelo seu aspecto
social. A tese defendida por Dijaci David de Oliveira no Departamento de Ciências Sociais
da Universidade de Brasília, em 2007, intitulada “Desaparecidos civis: conflitos familiares,
institucionais e segurança pública”, mostra a dificuldade em estabelecer um conceito claro
e universal para o termo. Isto também foi objeto de discussão no livro “Caminho de Volta:
Tecnologia na busca de crianças e adolescentes desaparecidos no estado de São Paulo”,
organizado por Gilka J. F. Gattás e Claudia Figaro-Garcia (2007).
Os autores recorrem aos dicionários para estabelecer algumas idéias sobre o
conceito de ‘desaparecimento’. Isto ocorre devido às poucas especulações cientificas em
relação ao tema. Reflete também a existência de pouquíssimos estudos, pesquisas, artigos e
publicações encontradas. Os trabalhos destes autores é o que de mais novo de
publicação sobre o tema no país.
I.1.1 - PROBLEMATIZAÇÃO DO CONCEITO
A falta de uma conceitualização bem delimitada, permite interpretações diversas
sobre uma mesma coisa, como ocorre com o site da Secretaria Especial de Direitos
Humanos SEDH, órgão ligado diretamente à Presidência da República. Encontra-se na
página virtual uma vasta lista de possibilidades para o desaparecimento de crianças e
adolescentes e esta passa a ser a referência social sobre o tema. O desaparecimento é
apresentado pela SEDH como conseqüência das fugas do lar motivadas por conflitos
familiares, por violência e/ou por abuso sexual. Estas podem, também, fugir ou serem
subtraídas das instituições responsáveis pela sua guarda/tutela: em alguns casos em razão
de conflitos de guarda o que é denominado de ‘subtração de incapaz’- ou em casos de
transferência irregular de guarda, de perda de contato da criança com seus responsáveis
legais; existem ainda situações de rapto consensual - ligadas à fuga com o(a) namorado(a),
à perda da criança por descuido ou negligência, ao abandono intencional, às decorrências
13
de situação de rua. Também situações imprevisíveis podem levar a criança ou o
adolescente a não ter sua localização possibilitada: acidentes, intempéries e calamidades
(terremotos, maremotos, furacões, desabamentos, enchentes e etc.). ainda que se
considerar situações de tráfico para fins de exploração sexual, ou de suspeita de
homicídio/extermínio ou seqüestros.
O fato da SEDH apresentar as conseqüências ou as causas para o desaparecimento
não responde ao que é o ‘desaparecimento’. Segundo Gattás e Figaro-Garcia (2007), “a
definição do termo desaparecido ou desaparecimento é extremamente complexa...”, é essa
complexidade que pretende-se resgatar no presente trabalho. As autoras apresentam duas
maneiras de classificar o termo articulado com o social: uma ação praticada por terceiros
ou uma situação de desastre. Depois apresentam que o desaparecimento é decorrente de um
sumiço, que pode estar ligado ao desejo da pessoa de sumir ou, ainda, a pessoa pode
desaparecer por doença ou senilidade. Assim as autoras ampliam a compreensão do
desaparecimento a partir da visão legal e da prática policial, determinando que o
desaparecimento pode ocorrer por vontade própria do indivíduo ou não.
Oliveira (2007), defende, em sua tese, o conceito de ‘desaparecido civil’, na qual
inclui toda a pessoa - sem distinção de maturidade física, psíquica ou social, gênero,
raça/etnia ou classe social. Desaparecido civil é um termo geral que abrange também o
desaparecimento de crianças e adolescentes. Desta forma, o autor entende que o
desaparecido civil é:
(...)caracterizado como sendo a pessoa que saiu de um determinado ambiente
de convivência familiar ou de algum grupo de referência emocional-afetiva
como roda de amigos, para realizar qualquer atividade cotidiana, porém que
não anunciou sua intenção de partir (daquele lugar) e jamais retornou. Sem
motivo aparente, sumiu sem deixar vestígio. (op. cit.: 18)
O desaparecido civil, para o autor, é todo aquele que desaparece sem obedecer
qualquer lógica e que, portanto, esse desaparecimento permanece uma incógnita, sem
explicação. Embora no transcorrer de seu trabalho o autor aponte as causalidades, ele
elimina todas as hipóteses de presunção, como as catástrofes, pois nelas há um forte indício
de desaparecimento. Segundo o autor, presume-se que o desaparecimento ocorreu em
decorrência do fato, seja ele o terremoto, o furacão, o tsumani, as enchentes ou os
desmoronamento, nestes casos uma relação direta do acontecimento com o
14
desaparecimento da pessoa. Todavia, do ponto de vista conceitual, o autor não responde ao
que é o ‘desaparecimento’.
Neste trabalho, Oliveira defende também que o conceito de ‘desaparecido civil’ é
diferente de outras classificações jurídicas, como: ‘subtração de incapaz’, ‘seqüestro’, o
foragido, o ausente e o desaparecido político. Na sua análise, essas definições tratam as
pessoas desaparecidas por conta do paradeiro desconhecido e considera que existem
mecanismos legais que propiciam a mobilização social - como a defesa civil, o corpo de
bombeiros, a polícia e etc.
O problema da conceitualização ainda permanece, visto que os autores debatem o
desaparecimento dentro de uma lógica de causa e efeito. Embora Oliveira (2007) tente
aproximar de um conceito de desaparecimento civil, o autor perde aspectos fundamentais,
como, aqueles elementos que ele mesmo nega. Neste caso seu conceito compreende apenas
o rompimento do indivíduo de seu círculo social.
O conceito de desaparecimento de pessoas será pensado de forma mais ampla. O
que tenta-se resgatar, nesta tese, no aspecto conceitual é sua etimologia. Isto implica em
verificar a sua origem, o seu sentido, o significado da palavra ‘desaparecimento’, o que
será feito posteriormente, no final deste capítulo. Para ampliar a compreensão dos
conceitos tratados pelos autores citados, deve-se recorrer à classificação jurídica e legal do
desaparecimento, objeto da próxima discussão.
I.1.2 - CONCEITOS JURÍDICO- LEGAIS
Segundo a definição jurídica estabelecida por meio do Código Civil brasileiro,
‘desaparecido’ é todo e qualquer indivíduo cuja morte é considerada certa, ou seja, existe a
presunção da morte.
Por outro lado, o ‘desaparecimento’, do ponto de vista legal, só ocorre com a
abertura do Boletim de Ocorrência que, de acordo com o Manual de Polícia Judiciária (São
Paulo, 2000), Portaria DGP- 18, de 25 de novembro de 1998 sobre Medidas e cautelas a
serem adotadas na elaboração de inquéritos policiais, no Art 13, item III, deve obedecer às
seguintes recomendações :
15
(...)registrar, de imediato, ocorrência alusiva ao desaparecimento de pessoa,
sendo vedado condicionar o registro ao decurso do prazo de vinte e quatro
horas ou a qualquer condição aleatória. (op. cit: 599)
O ‘desaparecimento’ pode ser entendido por outras configurações jurídicas,
expressas no código penal brasileiro, como: subtração de incapaz, rapto, seqüestro e outras
modalidades correlacionadas. Abaixo serão apresentados alguns artigos posto no Código
Penal Brasileiro - CPB, seguidos de comentários:
Rapto violento ou mediante fraude
Art. 219 - Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou
fraude, para fim libidinoso:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Rapto consensual
Art. 220 - Se a raptada é maior de 14 (catorze) anos e menor de 21 (vinte e
um), e o rapto se dá com seu consentimento:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Diminuição de pena
Art. 221 - É diminuída de um terço a pena, se o rapto é para fim de
casamento, e de metade, se o agente, sem ter praticado com a vítima qualquer
ato libidinoso, a restitue à liberdade ou a coloca em lugar seguro, à disposição
da família.
Concurso de rapto e outro crime
Art. 222 - Se o agente, ao efetuar o rapto, ou em seguida a este, pratica outro
crime contra a raptada, aplicam-se cumulativamente a pena correspondente ao
rapto e a cominada ao outro crime.
O rapto consensual é muito comum no Brasil, principalmente aqueles ligados a
fugas de namorados. Segundo a SEDH, 10%
5
dos casos, em 2009, tinham essas
características. o capítulo IV do mesmo código, que trata dos crimes contra o poder
familiar, tutela e curatela, expressa da seguinte forma:
Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes
Art. 248 - Induzir menor de 18 (dezoito) anos, ou interdito, a fugir do lugar em
que se acha por determinação de quem sobre ele exerce autoridade, em virtude
de lei ou de ordem judicial; confiar a outrem sem ordem do pai, do tutor ou do
curador algum menor de 18 (dezoito) anos ou interdito, ou deixar, sem justa
causa, de entregá-lo a quem legitimamente o reclame:
Pena - detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa.
Alguns estudiosos da área da infância e da juventude condenam a criminalização da
fuga, mas o presente artigo prevê a punição daqueles que a estimulam ou que induzem à
fuga do lar. A SEDH afirma que grande parte dos desaparecimentos são fugas, chegando a
5
Segundo pronunciamento de Carmem Silva, subsecretária de promoção dos direitos da criança e do
adolescente da SEDH, em fevereiro de 2010.
16
40% do total de ocorrências registradas no site do governo federal. Como motivo dessas
fugas, há que se considerar aspectos de violência familiar, os quais serão tratadas em outro
capítulo deste trabalho. no art. 249 do mesmo código, que trata da subtração de
incapazes, está previsto:
Subtrair menor de 18 (dezoito) anos ou interdito ao poder de quem o tem sob
sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial:
Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 2 (dois) anos, se o fato não constitui
elemento de outro crime.
§ 1º - O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do interdito não o
exime de pena, se destituído ou temporariamente privado do pátrio poder, tutela,
curatela ou guarda.
§ 2º - No caso de restituição do menor ou do interdito, se este não sofreu maus-
tratos ou privações, o juiz pode deixar de aplicar pena.
No presente artigo fica claro que esse crime foi tipificado em virtude da subtração
da criança/adolescente por algum familiar, principalmente um dos pais separados e que não
está legalmente com a guarda ou tutela de seus filhos. Segundo a SEDH, 15% dos
desaparecimentos de crianças e adolescentes possuem essa característica.
O seqüestro é outra modalidade jurídica de desaparecimento. É um crime tipificado
no artigo 148 do Código Penal Brasileiro. que significa privar alguém de sua liberdade,
mediante sequestro ou cárcere privado, prevendo:
A pena agravante de reclusão, de dois a cinco anos:
se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou
maior de 60 (sessenta) anos;
se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou
hospital;
se a privação da liberdade dura mais de quinze dias.
se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;
se o crime é praticado com fins libidinosos.
E se resultar à vítima algum sofrimento grave, seja de ordem fisica ou moral em
razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, a pena pode atingir de dois a oito anos de
prisão.
Normalmente, o sequestro de pessoas ocorre com a intensão de extorsão, ou seja,
coação do sequestrado ou de pessoas utilizando à violência ou ameaça, e com o intuito de
obter alguma vantagem, seja financeira, bens materiais, ou para utilizar o indivíduo
sequestrado como objeto de permuta, com a finalidade de libertar um ou mais indivíduos
presos, etc.
No Código Penal Brasileiro, o crime de extorsão mediante sequestro é punido com
a pena de 8 a 15 anos de reclusão (art. 159 do Código Penal Brasileiro). Nos casos de
homicídio ou lacrocínio, há um aumento da pena quando existe a ocultação de cadáver .
17
São previstos também neste código o abandono de incapaz e o abandono de recém
nascido:
Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou
autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos
resultantes do abandono:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos.
§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Aumento de pena
§ 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:
I - se o abandono ocorre em lugar ermo;
II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador
da vítima.
Exposição ou abandono de recém-nascido
Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Desta forma o Código Penal tipifica a intenção do responsável em abandonar a
criança e o adolescente o que leva, em alguns casos, ao desaparecimento.
também outros casos que se caracterizam como formas de tráfico de seres
humanos para fins de trabalho escravo ou de exploração sexual.
Aliciamento para o fim de emigração
Art. 206 - Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para
território estrangeiro.
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional
Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra
localidade do território nacional:
Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, e multa.
Segundo Faleiros, a Assembléia das Nações Unidas, em 1994, sedimentou esse
problema como fenômeno mundial presente em países pobres ou em desenvolvimento,
definindo o tráfico de pessoas como:
(...)o movimento clandestino e ilícito de pessoas através de fronteiras nacionais,
principalmente dos países em desenvolvimento e de alguns países com
economias em transição, com o objetivo de forçar mulheres e adolescentes a
entrar em situações sexualmente ou economicamente opressoras e exploradoras,
para lucro dos aliciadores, traficantes e crime organizado ou para outras
atividades (por exemplo, trabalho doméstico forçado, emprego ilegal e falsa
adoção).
18
Nessa perspectiva, o tráfico de pessoas é visto como um problema internacional,
porém, deve-se também considerar o tráfico interno de cada país, em razão de guerra civil
ou em situações de caos e catástrofes (como ocorreu no Haiti
6
, em janeiro de 2010), ou,
ainda em situação de pobreza extrema.
Outro importante instrumento jurídico é o Código Civil Brasileiro, que considera o
‘desaparecido’ como ‘ausente’. Assim posto no art. 22:
Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não
houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhes os
bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público,
declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador.
Deve-se ressaltar que a legislação entende o ‘ausente’ como a pessoa desaparecida
de seu lar, condicionando uma coisa à outra. Isto reforça a tese que aparece nos artigos
posteriores deste capítulo, no sentido que o ausente é aquele que tinha algum bem e pelo
seu desaparecimento será nomeado um curador para administrá-lo. Caso ele apareça:
Art. 36 - Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois de
estabelecida a posse provisória, cessarão para logo as vantagens dos sucessores
nela imitidos, ficando, todavia, obrigados a tomar as medidas assecuratórias
precisas, até a entrega dos bens a seu dono.
As instituições que trabalham com a questão do desaparecimento vão agir de
acordo com o marco legal. Essa visão predominante na sociedade ofusca determinações
importantes para a compreensão de ‘desaparecimento’. A natureza de nossa legilação é sua
positivação, isto é, a descrição, no papel, de uma regulamentação geral para a sociedade. O
Código Penal Brasileiro é anacrônico, não espelha a realidade atual do país e, portanto suas
premissas legais estão constantemente em desacordo com a dinâmica social.
Contudo, outras legislações no Brasil que tratam do desaparecimento, em outra
perspectiva. A última Lei Federal 11.259 sobre o tema, foi publicada em Diário Oficial no
dia 2 de janeiro de 2006, determinando a investigação imediata do desaparecimento de
crianças e adolescentes após a notificação aos órgãos competentes, como Delegacias de
Polícia, Delegacias Especializadas, Varas de Infância e Juventude e Conselhos Tutelares.
O Presidente Luis Inácio Lula da Silva sancionou esta lei no dia 30 de dezembro de 2005, a
qual resultou em um acréscimo de um segundo parágrafo no Art.208, do Capítulo VII do
6
Ver reportagem no próximo capítulo
19
Estatuto da Criança e do Adolescente – que trata da proteção judicial, dos interesses
individuais, difusos e coletivos. Este artigo trata das ações de responsabilidade por ofensa
aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, quando não há oferecimento ou quando
o mesmo é feito de forma irregular por serviços e atendimentos preconizados pela Lei.
Assim, o seu segundo parágrafo estabelece:
A investigação imediata do desaparecimento de crianças e adolescentes será
realizada imediatamente após a notificação aos órgãos competentes, que
deverão comunicar o fato aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e
companhias de transporte interestaduais e internacionais, fornecendo-lhes todos
os dados necessários à identificação do desaparecido.
Outra lei recentemente aprovada foi a de 12.127, de 17 de dezembro de 2009,
que instituiu o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, e outras
providências. Esta lei deverá ser regulamentada por Decreto-Lei que instituirá o Sistema
Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes, Idosos e Pessoas
Desaparecidas.
Este decreto, em fase atual de discussão, dá um avanço significativo para a questão
dos desaparecidos no país, visto que será criado um Comitê Gestor, composto pelos
governos - federal e estaduais - e sociedade civil organizada, para acompanhar os casos de
desaparecimento em toda a extensão do território nacional.
A lei 8.069/90, sancionada no governo Collor denominada de Estatuto da Criança e
do Adolescente, é um marco histórico na questão da infância e adolescência no Brasil e
existem vários aspectos para reflexão sobre o tema do desaparecimento. Todavia o
Estatuto, fazia (anteriormente à mudança do art. 208) uma menção direta ao
desaparecimento, no art. 87:
São linhas de ação da política de atendimento: (...)
IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e
adolescentes desaparecidos (...)
Foi visto que o desaparecimento de pessoas enquanto conceito jurídico assume por
vezes a noção de rapto, de seqüestro, de homicídio ou latrocínio com ocultação de cadáver,
de aliciamento, de abandono ou de ausência. Assim não existe uma caracterização de crime
ou de tratamento jurídico tipificado como desaparecimento ou desaparecido. Quando se
20
trata especificamente de desaparecimento de crianças e de adolescentes um pequeno
avanço nomeando a situação, porém este avanço está circunstanciado em ações imediatas
de busca, localização e de atendimento.
Este salto no contexto do marco jurídico poderia ajudar na resolução do problema,
como citado pela Convenção Interamericana de 1994, sobre o desaparecimento forçado de
pessoas, que considera:
(...) o desaparecimento forçado, a privação da liberdade de uma ou mais
pessoas, por qualquer forma, cometida por agentes do Estado ou por pessoas ou
grupos de pessoas que atuem com a autorização, com o apoio ou com a
anuência do Estado, seguida da falta de informação ou da negativa de se
reconhecer a dita privação da liberdade ou de se informar o paradeiro da pessoa,
impedindo assim o exercício dos recursos legais e das garantias processuais
pertinentes.
Neste caso o desaparecimento se dá por motivos de perseguição por parte do
Estado. Existe uma relação direta do desaparecido com uma causa: o indivíduo
desapareceu em virtude da ação de pessoas representantes do Estado.
Existe todo um movimento dos delegados pertencentes à REDESAP para
reformatar o conceito de desaparecimento pela esfera jurídica. Todavia isto ainda não
ocorreu, mas vale a pena mostrar suas intenções
7
, como perspectiva de mudanças para os
setores que atuam com o tema. O primeiro aspecto destacado é que o desaparecimento de
pessoas não é um “caso de polícia”. Isto porque os policiais entendem que o
desaparecimento não ocorre somente por ações criminosas, deste modo criam subtipos de
desaparecimentos, depois de uma exaustiva classificação a partir das causas. São eles:
Desaparecimento de Pessoas para desaparecimento enigmático
(inexplicável suspeita de homicídio, ocultação de cadáver, etc.) ou crianças
perdidas; Afastamento/ Abandono do Convívio Familiar casos de fuga de
domicilio (auto-exposição); Evasão de Local de Custódia Legal para menores
fugidos de abrigos ou centros de reabilitação e convivência (auto-exposição);
Cooptação para práticas criminosas para os casos de aliciamento para o
tráfico, exploração sexual e tráfico de seres humanos (crime); Seqüestro
(crime); Vítimas de calamidades.
7
As intenções foram apresentadas em uma carta enviada aos coordenadores dos Conselhos Tutelares da
Capital do Mato Grosso do Sul -Campo Grande. A SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública
estará adotando classificação similar para o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas.
21
Os casos de auto-exposição seriam relacionados a situações de risco ou de
vulnerabilidade, que os torna de competência dos Conselhos Tutelares; e os casos de:
sequestro, subtração de incapaz, cooptação para práticas criminosas e desaparecimento
enigmático seriam atribuição da Policia Judiciária. As vítimas de calamidades são de
responsabilidade da defesa civil. No sentido conceitual, a carta apresenta um importante
avanço, visto que existe a nomeação ‘desaparecimento de pessoas’ e separa de outros
crimes e outras modalidades de desaparecimento.
Entretanto, como apresentado, os conceitos jurídicos e legais demarcam o
desaparecimento enquanto uma situação fragmentada, que não traduz um conceito
universal e deixam de considerar aspectos importantes que ainda não estão presentes nas
leis, reforçando uma visão parcial do mesmo. Para uma investigação que possa se
aproximar melhor do objeto serão trazidos a seguir o conceito de desaparecimento a partir
da visão da mídia.
I.1.3 O CONCEITO DE DESAPARECIMENTO NA MÍDIA E A
MASSIFICAÇÃO DO INDIVÍDUO
Indubitavelmente a mídia é formadora de opinião, seja por seus veículos
televisivos, escritos ou de radiofusão. Cada veículo é mantido por grupos privados
(empresariais) ou públicos (do Estado). Os grupos transmitem seus valores por meio de
programas, notícias, entrevistas, reportagens especiais, filmes, desenhos e outras atividades
de entretenimento como: atividades culturais, esportivas, beleza, saúde e etc.
Uma importante contribuição crítica aos meios de comunicação em relação à
criança e a família foi feita por Neil Postman, nos Estados Unidos em seu livro “O
desaparecimento da Infância
8
”. Nele, o autor traz a concepção de que a dia,
principalmente a televisão, alargou a fronteira entre a vida adulta e a vida infantil. Aquilo
que era considerado segredo nas relações adultas passaram a ser socializadas no mundo da
criança. Esta influência permitiu o afrouxamento da infância enquanto fase especial de
desenvolvimento humano. Então, como não mais fronteiras que demarquem o que é da
criança e o que é do mundo adulto, a infância, na concepção idealista, desaparece. A
novela criada para o público adulto é um programa assistida pela família, como modo de
8
A idéia de infância remete ao conceito de infantus, ou seja, que na origem é aquele que não tem voz e nem
vontade.
22
entretenimento. A criança passa a viver e a participar das tramas e dos dramas vividos no
mundo adulto e expõe-se, segundo o autor, a uma erotização precoce. Contudo a criança
não tem maturidade cognitiva e física para suportar tamanha descarga. Estes estímulos irão
favorecer a uma iniciação precoce à vida adulta. Embora possa concordar com sua visão,
se as fronteiras não estão demarcadas, nesta concepção, poderia se pensar também na
infantilização do adulto. Como os pais passam a assistir filmes e desenhos infantis, com
seus filhos e outras crianças, a inversão também é válida. É notório que cada vez mais o
adulto quer parecer mais jovem, movimentando as indústrias de beleza (cosméticos,
depilação, cirurgias plásticas, modas e etc.). Portanto se há o desaparecimento da infância,
há, por outro lado, a infantilização do adulto que, ao assistir os programas, pode reviver
seus momentos de infância. Segundo Cohn, que organizou o livro “Sociologia” de Adorno,
na Introdução desse livros, reforça o argumento:
(...) No intricado jogo entre a espontânea disponibilidade infantil e as injunções
do mundo adulto, por um lado, e a maturidade adulta e a infantilização, pelo
outro, desenha-se a teia que une o progresso à regressão. O mundo adulto não é
adulto, nem o mundo infantil é infantil, e ambos se interpenetram no mundo
falso, do qual em momentos privilegiados a experiência infantil permite
visualizar saídas saídas só possíveis, contudo na maturidade autônoma,
portanto na realização da verdade do mundo infantil e do mundo adulto.
A regressão do espírito humano no capitalismo tardio é motivada com a finalidade
de aprisionar os instintos primários do homem para colocá-los a serviço da sociedade. O
projeto de um homem sem autonomia, propenso à adesão das pautas sociais, produz um
ônus forte para a própria sociedade, que é o irracionalismo dos comportamentos que
fomentam a barbárie social.
Neste projeto societário há, portanto, não o desaparecimento da infância, mas
também o desaparecimento da autonomia humana, como é destacado por Horkheimer e
Adorno, no prefácio do Livro “Dialética do Esclarecimento”:
O indivíduo se vê completamente anulado em face dos poderes econômicos. Ao
mesmo tempo, estes elevam o poder da sociedade sobre a natureza a um nível
jamais imaginado. Desaparecendo diante do aparelho a que serve, o indivíduo
se vê, ao mesmo tempo, melhor do que nunca provido por ele. (1985: 14)
23
Hoje, na verdade, existe um continente imenso de produtos e mercadorias para
todos os públicos. A acessibilidade e o aumento dos bens de consumo pela massa, fazem
parte da reificação do espírito humano e, portanto, de sua regressão. A enxurrada de
informações propagadas e de diversões assépticas, despertam e idiotizam as pessoas,
anulando quaisquer modificações que possam ocorrer na sociedade.
Assim a mídia faz parte de uma indústria cujo objetivo é a movimentação do capital
para sua acumulação: os programas atualmente o baseados em pesquisas de opinião, que
consegue abstrair tendências de comportamento. O mercado utiliza-se destes estudos para
projetar seus investimentos futuros. Assim, o indivíduo, sujeito ou cidadão, vai
desaparecendo e aparecendo uma nova configuração: o consumidor.
A mídia faz parte da chamada “Indústria Cultural”, que expõe uma visão de homem
e de mundo e influencia o comportamento das pessoas, reverberando para toda a
sociedade. Segundo Adorno, a “Indústria Cultural” é:
(...) a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. Ela força a
união dos domínios, separados milênios da arte superior e da arte inferior.
Com prejuízo para ambos. A arte superior perde, através de sua domesticação
civilizadora, o elemento de natureza resistente e rude, que lhe era inerente
enquanto o controle social não era total (...). (1994: 92/93)
Pela “Indústria Cultural” o controle torna-se absoluto por meio dos valores
ideológicos transmitidos para todos na sociedade. Ela dita modas e formas de
comportamento que são reproduzidas instantaneamente, pois traz uma promessa de
realização e felicidade por meio do consumo, ofuscando as contradições sociais. Como
qualquer indústria, trabalha para a massificação das mercadorias, incutindo nas pessoas
necessidades desnecessárias. Para além disto, Horkheimer e Adorno (1985) alertam que a
indústria cultural mostra a regressão - do esclarecimento à ideologia - destacando o cinema
e o rádio, como a expressão mais influente. Como o contexto da indústria cultural muda e
esse texto foi realizado nos anos 40, quando estes veículos de comunicação eram os mais
fortes nas massas, de convir que hoje, a televisão, a internet e as mídias digitais, como
os celulares e outros aparelhos eletrônicos, são cada vez mais soberanos na propagação das
ideologias.
Contudo, o jornalismo atual não pode ser considerado livre, visto que a sociedade é
administrada para fins de exploração e dominação. As matérias jornalísticas trazem a
interpretação do fato, mas não necessariamente o fato em si.
24
A mídia possui uma visão mediada por interesses de determinados grupos que
querem se manter nesta posição, como foi colocado. Todavia não podemos retirar o caráter
informativo que ela tem, e é esta perspectiva que será utilizada. Segundo Oliveira (2005),
existem pesquisas realizadas sobre as violações de direitos das pessoas que não são
veiculadas na mídia, porém existem alguns destaques que a mídia a estes problemas na
América Latina, como o estudo realizado por Canela sobre o desaparecimento (apud
Oliveira, 2005):
(...) a veiculação sobre desaparecidos civis na mídia, em nove países da
América Latina (cf. Tabela 4), o maior índice de referências ao tema ocorre na
Nicarágua com 0,86% do total de temas abordados 39. Nos demais países
praticamente todos estão no mesmo patamar (Venezuela,0,38%; Argentina,
0,40% e Bolívia, 0,42%).O Brasil com 0,23%, sexta posição, aparece próximo a
Colômbia com 0,25% (quinta posição). Os três países com os menores índices
de abordagem do tema são Costa Rica com 0,16%, Paraguai com 0,11% e
Guatemala com apenas 0,08%.
Ao considerar os veículos de comunicação, como concessões governamentais, a
contrapartida de utilidade pública para a população é extremamente pequena. A
informação de dados é um direito do cidadão, entretanto, perde-se a dimensão da
obrigatoriedade desta prestação de serviços à população em razão da pequena dimensão
dos dados apresentados.
Na medida em que as reportagens sobre o desaparecimento de pessoas, serão
trazidas neste texto, será refletido o conceito de desaparecimento incorporado pela mídia.
Foram pesquisadas as matérias veiculadas pelo grupo o “Estado de São Paulo”, do segundo
semestre de 2009 até o mês de fevereiro de 2010 - mais precisamente, foram coletadas no
seu site oficial - para ajudar na reflexão sobre o conceito de desaparecimento. Essas
reportagens não são as mesmas que são veiculadas no jornal impresso, contudo elas são
uma versão resumida destas matérias.
A primeira noção conceitual de desaparecimento encontrada no veículo de
comunicação é causal:
25
Zona leste de SP tem dois desaparecidos
9
Uma senhora de 72 anos e um menino, de 11, estariam desaparecidos desde o
início da noite de quarta-feira, 3, segundo moradores da favela da Vila Guarani,
região de Cidade A.E.Carvalho, na zona leste de São Paulo, após serem
arrastados pela enxurrada que se formou com o transbordamento do córrego
Jacupeval, que passa pela Avenida Caititu, onde fica a favela.
Existem inúmeras reportagens que determinam o acontecimento relacionado com a
causa. Quando o fato não é casual, a reportagem é especulativa, na tentativa de encontrar
uma explicação para ele:
CPI quer PF para apurar sumiço de jovens em Luziânia
10
BRASÍLIA - A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o
desaparecimento de crianças e adolescentes no Brasil aprovou hoje
requerimento para que a Polícia Federal participe das investigações sobre o
desaparecimento de seis jovens em Luziânia, cidade a 66 quilômetros de
Brasília. Os jovens desapareceram desde dezembro. O presidente da Câmara,
deputado Michel Temer (PMDB-SP), se reuniu hoje com as mães dos
desaparecidos e prometeu empenho da Casa na elucidação do caso.
O desaparecimento assume uma verdade da vida social, uma preocupação para toda
a sociedade, mas sabe-se que existem todos os dias no Brasil, diversos casos de
desaparecimento. Oliveira (op. cit.) estima que 24 pessoas somem todos os dias no país,
sendo que 12 são crianças e adolescentes. Os problemas sociais ganham visibilidade
quando entram em pauta nas grandes empresas de comunicação. A pauta jornalística busca
o elemento motivador para a venda de uma determinada matéria. Se todos falam de
desaparecimento, os veículos de comunicação fomentam o interesse no assunto. Portanto
não é casual que as duas reportagens apresentadas foram publicadas no mesmo dia.
Para a mídia, o ‘desaparecimento de pessoas’ é tratado como desaparecimento de
qualquer coisa. uma naturalização básica: todos sabem o que é um desaparecimento,
portanto, deve-se dar uma notícia para suscitar uma explicação lógica e aplacar os
sentimentos despertados com o acontecimento. Ou, ainda, como foi colocado
9
RICARDO VALOTA - Agencia Estado , quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010.
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,zona-leste-de-sp-tem-dois-desaparecidos,506081,0.htm
10
EUGÊNIA LOPES - Agencia Estado, quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010.
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,cpi-quer-pf-para-apurar-sumico-de-jovens-em-
luziania,506555,0.htm
26
anteriormente, para dar um caráter especulativo, com o objetivo de manter acessa a
esperança de um reencontro.
Quando a pessoa desaparecida é encontrada, ou seja, quando aparece de fato para a
família ou para a sociedade, a mídia utiliza mecanismos de sensibilização, com reportagens
posteriores, para despertar a emoção das pessoas que estão acompanhando o caso. Alguns
teóricos dizem que determinadas mídias fazem parte da ‘indústria do espetáculo’, cuja
finalidade é a exploração da desgraça humana para convertê-la em capital. Com seu
sensacionalismo, aumenta o número de pessoas que querem estar acompanhando este
processo.
Entretanto, a mídia faz parte de uma totalidade, cheia de contradições das quais
ninguém escapa. Partindo de uma visão crítica, podem-se filtrar os elementos
manipulativos da mídia que se encontram na “indústria cultural” e reutiliza-los como
elementos para a superação. Neste sentido, no presente trabalho, são apresentadas em
vários capítulos, reportagens jornalísticas sobre determinados fatos que ocorreram, mas
sem desconecta-las dos aspectos ideológicos de produção em massa.
Conclui-se que o conceito de desaparecimento de pessoas utilizado pela mídia é um
conceito que faz parte de um “senso comum”. Segundo Chauí (2002), as características do
“senso comum” são subjetivos, pois exprimem opiniões, sentimentos pessoais ou de
grupos; são qualitativos, visto que cada um adjetiva as coisas; são heterogêneos, pois cada
um analisa o fato de acordo com suas experiências; são generalizadores, pois reúnem
opiniões e idéias de fatos ou coisas julgadas semelhantes e, em decorrência disto, tendem a
estabelecer relações de causa e efeito.
I.1.4 - CONCEITOS DE DESAPARECIMENTO NO AMBITO PSICOSSOCIAL
A idéia debatida neste trecho é de recuperar a questão do desaparecimento pelos
aspectos emocionais e psicossociais, e verificar se alguns destes elementos poderão nos
ajudar na ampliação da nossa investigação sobre o conceito.
Com a falta do indivíduo desaparecido, vários sentimentos presentes naquelas
pessoas que possui uma ligação afetiva e emocional com ele, principalmente para os
membros da família, como apresenta Gattás e Figaro-Garcia (2007)
27
(...)O fundamental é que o desaparecimento provoca uma incógnita para a
família, abre um vazio que não consegue ser preenchido a não ser que o
desaparecido seja encontrado.
Mesmo que a pessoa seja encontrada dependendo do tempo de desaparecimento, o
vazio perdura como aconteceu no caso de Pedrinho, do Estado de Goiás, subtraído na
maternidade por Vilma Martins, ainda recém nascido, como mostra a reportagem abaixo:
Vilma Martins foge da prisão para participar de pescaria em
GO
11
(...)A ex-empresária Vilma Martins deverá ser punida com "bloqueio" de até 30
dias, pelo Conselho Disciplinar da Casa do Albergado, após deixar a prisão sem
autorização para pescar e se divertir num pesque-pague de Goiânia. "Com
certeza ela será punida", afirmou a direção do presídio, onde a ex-empresária
cumpre pena de 15 anos e nove meses por subtrair o menino Pedrinho (Pedro
Rosalino Braule Pinto), em 1986, de uma maternidade em Brasília, registrá-lo
como Osvaldo Martins Borges Júnior na condição de filho natural (...) Além de
Pedrinho, a ex-empresária também subtraiu a menina Aparecida Fernanda
Ribeiro da Silva, de uma maternidade em Goiânia, em 1979 e a registrou como
filha natural, com o nome de Roberta Jamilly. Também falsificou assinaturas de
Pedrinho e de Roberta, em procurações públicas, para receber seguros deixados
pelo marido, Oswaldo Borges Martins, morto após ataque cardíaco e sem saber
que os filhos que tinha não eram seus(...)
A mãe biológica de Pedrinho, que foi registrado pelo nome de Osvaldo, deixou de
exercer a maternagem, permitindo uma lacuna no acompanhamento do filho. Essa lacuna,
não foi preenchida com a volta do filho. Os anos em que ela não pôde ser cuidadora do
filho abriram marcas profundas em seu psiquismo. A presença do filho hoje não recupera
os anos de intensa tristeza, falta de esperança, entre outros sentimentos e sintomas
adquiridos pela ausência do filho.
Oliveira (2007), utiliza-se da narrativa da Odisséia de Homero, para trazer o
universo emocional de Penélope, esposa de Odisseu
12
. Ele ficou ausente de sua vida por
vários anos. Sentimentos como a saudade, o vazio pela falta do outro, a distância gerando a
insegurança e o medo, o apego a relação com o marido, o desejo pelo outro, a desesperança
do retorno, a recusa à mudança, o esquecimento, enfim todo o sofrimento e a expectativa
11
O Estado de S.Paulo Online, Rubens Santos, segunda-feira, 31 de março de 2008
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,vilma-martins-foge-da-prisao-para-participar-de-pescaria-em-
go,148867,0.htm
12
Chamado pelos romanos de Ulisses.
28
de sua volta, todos os dias. Esse universo emocional de Penélope é intenso e contraditório,
alimentado pelas vozes de outros que retornavam da guerra.
13
Para a mulher, movida por uma impotência restou-lhe esperar. A espera é um
comportamento comum para aqueles que estão vivendo essa situação. A conformidade
pode ser uma postura comum frente à ausência da pessoa. Com a falta de motivação para a
busca, a pessoa que aguarda uma informação da pessoa desaparecida, fica se culpando. A
culpa aparece como um sentimento reativo por vários motivos: por não ter dado atenção
necessária ao desaparecido, por ter facilitado o desaparecimento, por ter discutido, brigado,
violado a pessoa desaparecida, entre outros.
Mas o fato de não encontrar ou localizar a pessoa desaparecida, alimenta a culpa e a
frustração se evidencia a cada dia de ausência. O desaparecimento para alguns se
assemelha ao luto. Todavia “... diferencia a morte de um desaparecimento é que nela há um
corpo que transmite uma materialidade de uma vida que se foi...”(Gattás e Figaro-Garcia).
No desaparecimento não a materialidade, assim não um fechamento da situação,
tornando a “ferida aberta”, sem a cicatrização necessária para abrandar o sofrimento.
Segundo as autoras a materialidade se pelos objetos deixados, pelas fotos, enfim pelas
lembranças da pessoa desaparecida.
Os sentimentos fantasiosos de morte e os lutos vividos intensa e constantemente
pelos membros da família pelo desaparecimento de um de seus membros, coloca uma
questão fundamental: a sobrevivência do próprio grupo. Canevacci (1982), na introdução
do livro “Dialética da Família”, reflete essa questão trazendo uma frase de W.Fuchs sobre
esse ponto:
Quando o chefe da família, ou um outro dos membros importantes, deixa de
viver, o grupo – em certo sentido- começa também, a partir daquele momento, a
morrer (...) aquela morte dispersa uma parte de sua substância”. (1982: 32)
Dois pontos que deve-se esclarecer nesta ótica, o primeiro é a importância que a
cultura atual atribui a criança
14
, em especial no Brasil do ponto de vista jurídico-social. O
segundo refere-se ao próprio desaparecimento, que como foi colocado, é como uma morte
sem o enterro, sem finalização. Neste sentido, paira na família o mesmo sentimento posto
em destaque acima. Canevacci, continua na mesma página:
13
Na Ilíada e na Odisséia atribuída a Homero, narra a Guerra de Gregos e Troianos, tendo o herói Aquiles e
Ulisses como protagonistas centrais nas duas histórias.
14
Alguns autores trabalham com a idéia do creantiarcado, na qual a criança é o centro das relações familiares
e do grupo. Contraponto a idéia de patriarcado e matriarcado.
29
Os fundamentos materiais e morais de coesão de uma família (ou de um grupo)
são gravemente prejudicados pela morte, na medida em que não exista solução
de continuidade na própria essência dos indivíduos que a compõem. (1982:33)
Referindo-se a criança e o adolescente como uma nova geração, eles garantem a
perpetuação da própria família. Na medida em que algo lhes aconteça o projeto de futuro é
obstado. Nos casos de desaparecimento o fantasma da morte é perene, não tem como o
grupo fechar aquela situação e lidar com a situação concreta, pois não há a morte concreta,
não há: corpo, caixão, sepultura e funeral. Estes são elementos fundamentais para o grupo
familiar e para nossa cultura, poder para enterrar seu morto.
I.2 - DESAPARECIMENTO: DO MITO AO CONCEITO
Na lógica do desaparecimento está a idéia do aparecimento. O que pode
desaparecer e aparecer, igualmente ao que o mágico, ou ilusionista faz? Ironicamente
pode-se dizer que muitas coisas aparecem e desaparecem conforme nossos desejos. É
incrível afirmar que pelas nossas próprias vontades somos capazes de tal feito. A idéia
freudiana de determinismo psíquico, poderia ser um elemento interessante para nossa
análise, porém é reducionista.
O termo desaparecimento, resgatado a partir da revisão dele nos dicionários,
caminho que vários pesquisadores fizeram para compreender a situação, encontra-se no
dicionário Aurélio. O termo mostra o ato de desaparecer, mostrando o contínuo processo
de não-aparecimento; a palavra é oriunda do verbo desaparecer que possui os seguintes
significados : Deixar de ser visto; sumir-se, perder-se; sumir(-se), morrer, retirar-se,
afastar-se apagar-se, ofuscar-se, obscurecer, ocultar-se, esconder-se; sumir(-se),
esquivar-se furtivamente.
No verbo fica claro a ação do sujeito, demonstrando a diversidade de alternativas
que o mesmo pode ter a partir de um desejo seu. Neste sentido o indivíduo quer deixar de
ser visto, quer se esconder, ocultar-se ou de sumir. Ele pode se retirar, esquivar ou se
afastar de um determinado grupo social, mas dificilmente quer morrer ou apagar-se como
foi trazido, salvo as exceções os casos de suicídio, que serão debatidas ao longo deste
trabalho. A priori pode-se negar que de fato exista desejos de autodestruição, ou que seja
de morte, mas será que o sujeito não transita por essas escolhas? Será que a sociedade lhe
oferece outras alternativas? É uma discussão em tanto, quando pensa-se nas possibilidades
de desaparecimento.
30
Em suma, o desaparecimento como palavra é o não-aparecimento de algo, de uma
situação ou de uma pessoa. Na base do desaparecimento está o aparecimento, que é o ato
ou efeito de aparecer. O verbo aparecer significa pelo dicionário Aurélio: Principiar a ser
visto; tornar-se visível; mostrar-se, Expor-se à vista; exibir-se, mostrar-se; Surgir;
manifestar-se; Ir a reuniões; fazer vida social; comparecer; Fazer-se notar; pôr-se em
evidência. Ser patente, perceptível ou sensível; mostrar-se, revelar-se; Ser publicado;
Comparecer; apresentar-se; Mostrar-se.
Quando é tratado do desaparecimento de pessoas, pode-se afirmar que o fenômeno
pode ocorrer para o sujeito que busca ou tenta a localização do procurado. Entretanto pode
ser diferente para o sujeito “considerado desaparecido”, que por algum impeditivo não
pode aparecer, conforme descrição dos significados do verbo. Portanto de fato a pessoa
“considerada desaparecida” não sabe sobre seu desaparecimento ou sobre sua busca, pois
ele aparece para seu mundo social, todavia seu desaparecimento se remete ao rompimento
com seu grupo social de origem. Exemplo disto ocorreu com o cantor Belchior:
Cantor Belchior está no Uruguai, diz o jornal 'El País'
15
Mulher do cantor diz não entender por que as éssoas acham que ele estaria
desaparecido
O cantor Belchior está vivendo na cidade uruguaia de São Gregório de Polanco,
segundo matéria publicada neste domingo, 30, no site do jornal El País. Em
entrevista ao jornal, por telefone, a mulher do cantor, Edna Assunção de Araújo,
disse não entender como todos podiam estar falando de seu desaparecimento,
pois ele continua fazendo apresentações e está trabalhando em novos projetos.
Segundo o jornal, o casal está morando em São Gregório de Polanco em busca
de tranquilidade, para produzir composições e programar o futuro.
Como o cantor ficou sem aparecer em seu circuito social, ele e a mulher foram
considerados desaparecidos. Eles não tinham a consciência do desaparecimento deles,
assim o desaparecimento foi criado socialmente. Alguém perguntou onde está Belchior?
Ninguém soube responder! E tudo levou a crer que o mesmo estava desaparecido.
Por outro lado o desaparecimento existe enquanto situação, quando houve uma
falta real e simbólica ao mesmo tempo das pessoas que sentiram isto. Para aprofundar essa
questão, será utilizado a mesma história épica de Homero, refletida e apresentada por outro
15
Estado Online, Solange Spigliatti, domingo, 30 de agosto de 2009, disponível em:
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,cantor-belchior-esta-no-uruguai-diz-o-jornal-el-
pais,427074,0.htm
31
angulo por Oliveira (2007). Para pensar no movimento do desaparecimento a ilíada
16
,
encontra-se Ulisses, que protagonizou sua Odisséia
17
pessoal longe do filho e da esposa.
Ulisses, rei de Ítaca, saiu em defesa da Grécia com seus homens, para estabelecer o poder
total a Agamenon, rei dos reis. Páris um dos filhos do rei de tróia havia fugido com
Helena, que era mulher de Menelau, rei de Esparta e irmão de Agamenon. Existem dois
episódios fundamentais para pensarmos em nosso objeto de análise. Um se refere ao
próprio “rapto” de Helena.
Pela narrativa da ilíada, Helena estava apaixonada por Páris e era infeliz com seu
marido. Ela escolheu um caminho para si, pois a mulher como propriedade do marido na
época não podia ter desejos próprios, ela deveria servir a ele independentemente de seus
desejos. Menelau deu conta de uma falta real de sua mulher, prenúncio de uma ausência
simbólica existente de amor e afeto na relação. Ao se atirar nos braços de Páris, Helena
pôs em ato sua opção de vida. O desaparecimento neste caso pode ocorrer quando
houve um rompimento simbólico e depois real da relação. E este ocorre aos olhos de quem
perdeu todo o referencial, da pessoa amada, mas não necessariamente a quem de fato
desapareceu.
Em outro trecho da ilíada, Ulisses, após a vitória sobre os Troianos, é condenado
por Posêidon - Deus do Mar, a divagar no mar com sua tripulação, pois havia desafiado
seus poderes. Na Odisséia , Ulisses fica sem ver sua amada esposa Penélope e seu filho
Telêmaco. O protagonista saiu de Ítaca, logo após o nascimento do filho e ficou muito
tempo vagando por terras desconhecidas, depois do encerramento da guerra. A esposa
pacientemente esperava pela volta do marido, que ano após ano não voltava para casa. A
ausência era real, todavia ela não conseguia se desligar simbolicamente dele.
Enquanto Ulisses batalhava contra os troianos, Penélope conhecedora do marido
sabia que ele voltaria aos seus braços, mas houve um rompimento perturbador. Ela olhava
para Ítaca, sentia o vento e o silêncio da natureza. A falta de informação sobre o marido,
alimentava uma profunda tristeza espiritual. Não dor maior que a ausência sem a perda
real, permitindo que qualquer movimento diferenciado na ilha abriria possibilidades de
esperança. Outros pretendentes queriam desposá-la e pressionavam para que ela escolhesse
um deles. Penélope propôs costurar uma tapeçaria e logo que confeccionada tomaria uma
decisão. Durante várias noites cuidadosamente puxava os fios e recomeçava tecer durante
16
Na ilíada como a Odisséia, obras atribuídas a Homero, século VIII a.C., escritas em alfabeto fenício, sendo
que a primeira obra narra as aventuras do herói Aquiles durante a tragédia de Tróia. (Mendes, 2005)
17
A Odisséia ressoa ainda o eco da guerra de Tróia, narrada parcialmente na Ilíada. Só que na Odisséia narra
as viagens e aventuras de Ulisses- para os Romanos, Odisseu para os gregos (Mendes, 2005)
32
o dia. Ficou anos ludibriando seus pretendentes, até ser descoberta. Penélope traz consigo a
força da intuição, sabendo que no seu íntimo seu marido retornaria ao lar.
Os deuses reúnem-se em assembléia, estando Posêidon ausente. A pedido de
Minerva, decidem pelo regresso de Ulisses. A deusa vai a Ítaca, disfarçada
como rei dos fios, Mentor. Recebida por Telêmaco, anima-o e aconselha-o a
procurar Nestor, na cidade de Pilo, e Menelau, em Esparta, para obter notícias
de seu pai. Telêmaco, sentindo-se revigorado, ordena à sua mãe Penélope, que
descera para ouvir o poeta Fêmio, que retorne aos seus aposentos. Logo em
seguida, ele convoca os pretendentes de sua mãe para uma reunião na praça
pública, para lhes comunicar suas resoluções.(Odisséia, 2005: 27)
Telêmaco ansiava conhecer seu pai, não teve a mesma paciência da mãe, saiu de
Ítaca a procura do pai desaparecido. Isto explica em parte a procura do pai, ou de algo que
conforte o espírito humano, do vazio existencial. O pai foi real em uma pequena parcela
de tempo, mas simbolicamente referencial para toda sua vida. A mitificação do pai foi
passada pela cultura, ou seja, pelos servos do rei, pelos parentes e principalmente pela mãe.
Todos sustentavam os atos heróicos do rei e com isto mantinham o controle sobre o jovem,
até o ponto de querer desaparecer aos olhos do reino. podemos ser reconhecidos como
herói com atos heróicos. Repetir os feitos do pai e sair do lar a sua procura é um destino
que traz em seu bojo o caminho de volta.
Objetivamente pode desaparecer algo que de fato exista ou existiu. Do ponto de
vista jurídico predomina as seguintes idéias, segundo Oliveira (2007): do indivíduo que
desapareceu de seu domicílio; do ausente para facilitar a transmissão patrimonial;
desaparecidos políticos como desaparecidos forçados ou involuntários; vítimas de
catástrofes; o foragido da justiça, assim o desaparecido é todo e qualquer indivíduo cuja
morte é certa na maioria das vezes, ou seja, prevalece a presunção da morte. Considerando
os aspectos psicossociais o desaparecimento pode ser real ou simbólico, e os emocionais
são ocasionados pela ausência do indivíduo, levando aos estados de angústia, depressão,
luto, sentimentos de culpa, medo, fantasia, esperança, saudade, impotência entre outros.
Para manter a idéia de desaparecimento tratada até agora, será apresentado a
situação dentro de uma lógica das relações sociais entre pessoas, deste modo a visão
comportamental é bastante elucidativa.
33
I.3 – DESAPARECIMENTO: DO OBJETO AOS SUJEITOS ENVOLVIDOS
Para expandir sobre a questão do desaparecimento e de seu conceito, deve-se
considerar que a situação o ocorre nas relações humanas, ou na vida social humana,
diferente das experiências míticas ou místicas como descrito na Bíblia:
(...) E, quando passaram a primeira e segunda guardas, chegaram à porta de
ferro, que para a cidade, a qual se lhes abriu por si mesma; e, tendo saído,
percorreram uma rua, e logo o anjo se apartou dele .(Atos dos Apóstolos 12:10)
Não cabe aqui entrar no mérito dessas experiências, como também os processos de
alucinações que ocorrem em muitos casos de pessoas com transtornos ou doenças mentais.
A criação imaginária de pessoas e situações, do ponto de vista da pessoa que está sofrendo
pode ser real, mas não é para o conjunto de pessoas. uma infinidade de relatos de
abdução por naves ou discos voadores, contudo a comunidade cientifica não aceitam essas
aparições, por não possuir provas inquestionáveis do evento e isto passa a ser uma
experiência meramente individual.
Entretanto, considerando que nosso tema é a investigação do desaparecimento e sua
relação com as crianças e os adolescentes, parte-se desta visão, ou seja, a situação de
desaparecimento é evento eminentemente humano, que pode causar profundas marcas na
cultura e em toda sociedade, como no caso das guerras, dos regimes totalitários, dos
genocídios e das catástrofes.
Como a sociedade é feita de pessoas, e ela é possível nas ações conjuntas,
dependentes uma das outras. A psicologia social sócio-histórica entende o homem como
um ser social por natureza, é nas relações entre outros homens, que o indivíduo se apropria
da realidade criada pelas gerações anteriores e pelo manuseio dos instrumentos, na
perspectiva material-histórica e no seu aprendizado que se pela cultura humana. (Bock
et al., 1999)
Os autores do livro “Psicologias” desmistificam três idéias imperantes sobre o
homem: a primeira é que o homem é um ser natural (nasce bom e a sociedade corrompe); a
terceira, que o homem é um ser abstrato (genérico, sem considerar o tempo e o espaço); a
segunda, é de que o homem é um ser isolado, objeto de nossa discussão. Nesta concepção
do homem isolado, o mito supõe que as pessoas originalmente não são seres sociais, mas
desenvolve paulatinamente a necessidade de se relacionar com outras pessoas. Ao ampliar
o debate, entra-se no conceito do instinto gregário, do teórico Le Bon. Para ele, sem este
34
instinto o homem não conseguiria a unir e a se relacionar com seus semelhantes e portanto
não haveria sociedade.
Um dos precursores da psicologia social, Le Bon, no seu estudo sobre a “Psicologia
das Massas” refere que os fenômenos afetivos coletivos, são inconscientes, nos quais os
membros da multidão estão implicados. Freud amplia essa visão no texto “Psicologia das
Massas e Análise do Eu”. Para ele um grupo existe porque:
…um certo mero de indivíduos colocaram um e mesmo objecto no lugar
do seu Ideal do Eu e, consequentemente, se identificaram uns com os outros em
seu Eu. (Freud, 1921).
A psicanálise vai investigando pelas vias do ideal de ego e ego ideal, que mais tarde
se tornou na teoria freudiana de superego. Assim as identificações que ocorrem dentro de
um grupo social, são mais imaginárias em relação ao líder
18
e mais simbólicas em relação
aos pares, desta forma funcionam para o grupo como proteção em relação aos riscos e
ameaças de ruptura e, tem a função de manutenção de baixos níveis de agressividade
intragrupal. Nesta identificação entre pares, e a admiração da imago de um líder bom e
poderoso contribui para que reine a concordância no interior do grupo, fazendo com que o
mesmo lute contra o inimigo exterior. Portanto as relações em grupo passariam, segundo a
psicanálise freudiana pelas identificações projetivas.
Ao considerar o desaparecimento como uma situação social, verifica-se a
importância de especular sobre a origem das relações sociais e os estudos sobre os grupos,
desde os primórdios da civilização até os dias atuais. Isto pode nos fornecer elementos
preciosos para futuras investigações, devido a pluralidade e a composição dos grupos em
uma mesma comunidade ou sociedade.
Um outro elemento importante trazido por Freud, no texto “Mal Estar na
Civilização
19
”, é um sentimento oceânico que vincula os seres humanos e marca toda a
cultura:
Isso equivale a dizer que se trata do sentimento de um vínculo indissolúvel, de
ser uno com o mundo externo como um todo. Posso observar que, para mim,
isto parece, antes, algo da natureza de uma percepção intelectual, que, na
verdade, pode vir acompanhada de um tom de sentimento, embora apenas da
18
Em “Totem e Tabu” Freud discuti a figura do pai da horda primitiva.
19
Algumas traduções optaram por “Mal Estar na Cultura”. Trecho retirado da versão eletrônica “Obras
Psicológicas de Sigmundo Freud, Imago, 2001.
35
forma como este se acharia presente em qualquer outro ato de pensamento de
igual alcance. Segundo minha própria experiência, não consegui convencer-me
da natureza primária desse sentimento; isso, porém, não me o direito de
negar que ele de fato ocorra em outras pessoas.
O autor debate sobre o assunto e aprofunda a noção que a espécie humana recebe
uma indicação de sua vinculação com o mundo externo através de um sentimento imediato
que, desde o início, é dirigido para esse fim. Utiliza-se de sua teoria para consubstanciar os
vínculos a partir dos aspectos estimuladores e inibidores que o mundo externo traz, dentro
da lógica da libido e da dinâmica do id e da formação do eu e do superego. Tanto neste
texto como em outros - mais no final de sua vida - em que trata do instinto de morte, o
autor nos traz a reflexão sobre a possibilidade constante de dissociação dos vínculos
sociais. Neste mesmo texto aponta sobre o mal estar produzido pela expectativa em relação
aos outros. Para Freud as relações humanas também é pautada por frustrações, decepções
entre outros sentimentos negativos que paira na sociedade um certo mal-estar. Este mal
estar também é causado, na civilização pela relação que o homem tem com a natureza e
consigo mesmo (por meio de seu corpo físico).
Para Herbert Marcuse, falar de civilização é dizer sobre a história da repressão e da
opressão sobre os homens. O autor trabalha que na origem da teoria freudiana, existe uma
repressão que é filogenética e ontogenética. A primeira recai sobre a espécie humana e a
outra sobre o aparelho psíquico do homem, que permitiu a criação ou de lugar para
depositar os desejos impedidos pela cultura: o inconsciente.
Não é objeto do trabalho aprofundar essas questões, todavia deve-se mostrar como
as relações humanas se fundamentam. Para isto é necessário trazer a questão da família,
como a primeira instituição ou grupo social, que permite a socialização do indivíduo. O
Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária revisado em 2009, uma
importância central a família, visto que ela é o lócus privilegiado nos primeiras anos de
vida de uma criança:
Desde o seu nascimento, a família é o principal núcleo de socialização da
criança. Dada a sua situação de vulnerabilidade e imaturidade, seus primeiros
anos de vida são marcados pela dependência do ambiente e daqueles que dela
cuidam. A relação com seus pais, ou substitutos é fundamental para sua
constituição como sujeito, desenvolvimento afetivo e aquisições próprias a esta
faixa etária. A relação afetiva estabelecida com a criança e os cuidados que ela
recebe na família e na rede de serviços, sobretudo nos primeiros anos de vida,
36
tem conseqüências importantes sobre sua condição de saúde e desenvolvimento
físico e psicológico. (2009: 23)
Esta afirmação está ambientada em um contexto social que tem como base a família
burguesa, discutida amplamente neste trabalho, assim pode se dizer que a família ganhou
este “status” da primeira instituição socializadora da criança. Partindo desta noção é ela
que faz a socialização da criança com outras instâncias do ambiente, ampliando
gradativamente seu circuito social. Com os valores e a educação transmitida pela família
contribuirá para que a criança possa desenvolver novos vínculos com seu mundo.
Contudo para entender a dinâmica do desaparecimento, partindo do princípio das
relações humanas, deve considerar que a situação possa existir, no mínimo, entre duas
pessoas. Na hipótese de um indivíduo que vive sozinho, por exemplo o ermitão, sua
solidão e seu isolamento é desconectado das relações humanas e isto não abala a
sociedade, pois com a falta de relacionamento, não nada que possa “ligar” os seus elos
com outras pessoas. Portanto uma pessoa sem ligação ou relação com outra, seu
desaparecimento não é percebido. Caso o ermitão venha morrer por qualquer circunstância
ninguém ficará sabendo. O exemplo exprime a idéia que o desaparecimento ocorre na
relação com o outro. Mesmo que ele tenha existido sua ruptura com as relações sociais e
com a sociedade de maneira geral impede a visão de desaparecido. Neste caso pode
considerar que o desaparecimento ocorreu por muito tempo, e ninguém mais pode lembrar
sobre o ocorrido. São pessoas que foram esquecidas e que não “representam mais nada
socialmente”. Assim qualquer estatística sobre o desaparecimento nunca exprimirá sua
verdadeira dimensão, visto que não se sabe quantas pessoas vivem, no mundo nestas
condições de isolamento social.
A proposta de conceito deste trabalho, não se esgota em si mesmo, visto que na
nossa concepção a conceitualização é dinâmica. Desta forma pensa-se que o conceito
absorveu alguns elementos que tornaram possível sua expressão, assim esses elementos
refletidos iluminaram sua dinâmica, mas não conta de sua totalidade. Parte-se da noção
que o desaparecimento é uma categoria social, que nasce na sociedade: pelas relações entre
as pessoas; vive na sociedade: pelos fatos e pela sua perpetuação; morre na sociedade: seja
na lembrança ou no esquecimento das pessoas.
Os elementos do conceito de desaparecimento neste trabalho são: O
desaparecimento é um processo continuo de não aparecimento, ocorrendo na relação entre
uma e mais pessoas que possuem uma ligação relacional constante, podendo ser afetiva ou
37
de responsabilidade civil, seja por laços consangüíneos, amorosos ou de afinidade ou de
amizade. Ocorre o não aparecimento físico da pessoa e/ou a perda total do seu contato,
com o seu circuito social, levando ao rompimento das relações anteriormente constituídas.
de considerar os casos em que uma ou mais pessoas testemunham o fato do
desaparecimento, mas que não possuem qualquer relação com o desaparecido. Isto é
comum nos casos de tragédias ou catástrofes. Portanto o desaparecimento ocorre nas
relações humanas e na convivência das pessoas em sociedade. O desaparecimento é uma
situação que ocorre na visão do sujeito que procura, mas não necessariamente no sujeito
desaparecido. Ele é iminentemente social; não existe desaparecimento descolado das
determinações sociais. Se o aparecimento ocorre nas relações humanas, pelo
reconhecimento da existência individual, o desaparecimento possui a mesma lógica. Esta
visão conceitual traz um problema central na nossa discussão, que como foi dito, são as
pessoas que não estão integradas a estrutura social e consequentemente estão fora da
sociedade. Os chamados “excluídos”, como os moradores em situação de rua e ermitões,
são ou foram pessoas desaparecidas? Existe o reconhecimento deles?
Ao considerar o desaparecimento como um processo social, ou que ele ocorre nas
relações humanas é reafirmar nossa tese que isto é possível ocorrer no mínimo entre
duas pessoas: a que desaparece e a que busca. Nesta perspectiva que o presente trabalho
tenta desenvolver, entretanto vamos ampliar nossa visão do desaparecimento de pessoas
como uma situação determinada socialmente, no capítulo II, nos permitirá dar maior
substância ao estudo do nosso objeto.
Se todavia não a encontrarem
nem por isso deixem de procurar
com obstinação e confiança que Deus sempre recompensa
e talvez encontrem.
Mãe, viúva pobre, não perde a esperança.
Luísa ia pouco a cidade
e aqui no bairro é onde melhor pode ser pesquisada.
Sua melhor amiga, depois da mãe enferma,
É Rita Santana, costureira, moça desimpedida.
a qual não da noticia nenhuma,
limitando-se a responder: Não sei.
O que não deixa de ser esquisito
38
CAPÍTULO II DESAPARECIMENTO: DETERMINAÇÕES
SOCIAIS, NATURAIS E INDIVIDUAIS
Somem tantas pessoas anualmente
numa cidade como o Rio de janeiro
que talvez Luísa Porto jamais seja encontrada.
Uma vez, em 1898,
ou 9,
sumiu o próprio chefe de polícia
que saíra a tarde para uma volta no Largo do Rocio
e até hoje.
A mãe de Luísa, então jovem, leu no Diário Mercantil,
ficou pasma.
O jornal embrulhado na memória.
Mal sabia ela que o casamento curto, a viuvez,
a pobreza, a paralisia, o queixume
seriam, na vida, seu lote
e que sua única filha, afável posto que estrábica,
se diluiria sem explicação.
O presente capítulo refletirá sobre o desaparecimento e suas determinações. Ele é
um problema que ocorre por determinações sociais ou não? Pensando nas causas, o texto
apresentará alguns elementos sociais, naturais e individuais que favorecem o
desaparecimento de pessoas. Neste trabalho considera-se que o não-aparecimento da
pessoa, ocorre por três motivações: o indivíduo desaparece por algum motivo pessoal,
particular, mas faz isto de forma “voluntária”. Uma outra situação em que ele desaparece
sem vontade própria, “involuntária”, seja por questões sociais ou catástrofes naturais ou
causadas pelo homem. A terceira possibilidade é a falta de consciência sobre seu
desaparecimento, seja por uma falta de informação, deficiência mental, seja por sua
imaturidade psicológica ou de desenvolvimento, entre outras.
Ao lançar reflexões dentro da lógica do objeto, pode-se apreender ou chegar mais
próximo de uma totalidade. Embora nosso tema esteja circunscrito à criança e o
adolescente, nesta parte do trabalho uma preocupação em apresentar de forma genérica
o desaparecimento de pessoas. Portanto neste capítulo foi pensado contextualizar histórica
e culturalmente o desaparecimento de pessoas. No outro tópico será debatido como a
questão social influencia no desaparecimento de pessoas e em seguida, debate-se sobre a
violência. Estes três primeiros aspectos influenciam na decisão de pessoas sumirem
espontaneamente, como também pode estar relacionados com fatores que não dependem
do indivíduo. Portanto fica muito difícil separar uma coisa da outra, pois estão
intrinsecamente ligados. Já existem outros aspectos que favorecem o desaparecimento que
não dependem o indivíduo, como as catástrofes e os regimes totalitários. Há também
situações de desaparecimento em que a pessoa não tem a consciência sobre seu
39
desaparecimento, ou seja, ela está sendo procurada por alguém de sua família de origem,
mas não tem esse conhecimento.
II.1 - A HISTÓRIA E O DESAPARECIMENTO DE PESSOAS
A história da humanidade pode ser contada de rias formas, todavia não pode ser
considerada apenas como fatos históricos isolados como muitos entendem. A história é
contada pelo homem, que dependendo de sua visão pode manipulá-la. As ideologias
contribuíram significativamente para desvios de fatos e acontecimentos, na qual
distorceram a maneira como se enxerga a história.
Contudo procedimentos científicos que permitem vasculhar os modos de viver
de cada civilização, são escrituras, livros, documentos, registros, obras de artes, pinturas,
esculturas, construções arquitetônicas, artefatos, objetos, vestimentas que permitiu a
reconstrução do modus operandi de cada civilização. A história como uma ciência pode ser
entendida como aquela que estuda o homem e suas ações no tempo e no espaço,
permitindo uma análise dos processos e eventos ocorridos no passado.
Segundo Karl Marx, a história é um processo de criação, satisfação, e recriação
contínuas das necessidades humanas; é isso o que distingue o homem dos animais, cujas
necessidades são fixas e imutáveis. Ao estudar a evolução da sociedade humana,
apreendemos a partir do empírico, ou seja, dos processos reais, concretos, da vida social
humana. Os indivíduos não vivem isoladamente, mas num processo evolutivo calcado na
realidade e estão submetidos a determinadas condições materiais e históricas
(desenvolvimento das relações sociais). Neste sentido, quando o processo passa a ser
descrito, a história deixa de ser um agrupamento de fatos construídos ou uma atividade
inventada pelos sujeitos. Ao descrever a realidade pela filosofia ou pela negação da
realidade existente o conhecimento prático deixa de existir.
Os fatos construídos ou inventado pelos sujeitos servem apenas para delinear a
histórica, inviabilizando a interpretação das épocas. Para Marx cada sociedade caracteriza-
se por uma dinâmica interna de evolução própria, assim podem ser identificadas e
definidas mediante uma análise Ex post facto. Atribuir finalidade à história não passa de
uma distorção teleológica, que transforma a história recente na finalidade da historia mais
antiga. A tipologia da sociedade, na visão marxista baseia-se no reconhecimento de uma
diferenciação progressiva da divisão do trabalho. Portanto, deve-se atentar para as
condições materiais da existência societária.
40
Ao inverter a relação entre o Estado e a sociedade civil - ilusão hegeliana -, Marx
potencializa o indivíduo, como o componente da sociedade civil que pode transformar a
realidade existente e combater a ideologia e as ilusões produzidas na sociedade. Alerta para
encarar estas ilusões:
São elas que constituem o que Marx denomina ideologia, necessária porque
decorre da realidade social e histórica que se baseia, fundamentalmente, na
divisão do trabalho, primeiro entre os sexos, depois entre a agricultura, a
indústria e o comércio, ou entre as diversas atividades de um mesmo ramo, ou
ainda entre o trabalho manual e o intelectual. (ABRÃO, 1999:377)
Ao combater as ilusões e as ideologias produzidas a consciência poderia se
emancipar e superar os modelos de pensamento pré-existentes, como se as novas idéias,
por elas mesmas, constituíssem uma nova realidade.
Não cabe aqui aprofundar os diversos momentos históricos, visto que a história não
é uma constituição de fatos sucessivos, não é linear, como nos alerta Marx. Todavia vamos
destacar alguns elementos históricos que permitirão refletir sobre nosso objeto de estudo.
Pela falta de estudos e pesquisas nesta área, optou-se em refletir a partir da literatura épica,
da bíblia cristã e dos momentos que constituíram nossa história.
A ilíada e a Odisséia
20
, que é um conjunto de poemas épicos, atribuídas à Homero,
foram escritos VIII século a. C, na Jônia. Narra acontecimentos próximos a guerra entre os
gregos e troianos. diversos trechos, na qual o desaparecimento pode ser considerado;
entre eles a fuga de Helena com Páris para Tróia; o desaparecimento de Ulisses após o
término da guerra contra os troianos; o desaparecimento de milhares de soldados que
lutaram na guerra, entre outros trechos.
Na bíblia sagrada cristã o desaparecimento pode ser entendido em várias passagens,
entre elas destaca-se o êxodo do povo judeu do Egito, que fugiu da opressão dos Faraós
por centenas de anos.
Porque quarenta anos andaram os filhos de Israel pelo deserto, até se acabar
toda a nação, os homens de guerra, que saíram do Egito, e não obedeceram à
voz do SENHOR; aos quais o SENHOR tinha jurado que lhes não havia de
deixar ver a terra que o SENHOR jurara a seus pais dar-nos; terra que mana
leite e mel. (Josué 5:6)
20
Os dois textos serão debatidos no capítulo que trata do desaparecimento como uma questão conceitual.
41
Desta maneira, o desaparecimento dos judeus do Egito é um acontecimento
extremamente positivo. Existem vários aspectos no livro sagrado, como o aparecimento e o
desaparecimento de Deus, de anjos, de doenças, como segue abaixo:
E andou Enoque com Deus; e não apareceu mais, porquanto Deus para si o
tomou. ( Gênesis 5:24)
E o anjo do SENHOR estendeu a ponta do cajado, que estava na sua mão, e
tocou a carne e os pães ázimos; então subiu o fogo da penha, e consumiu a
carne e os pães ázimos; e o anjo do SENHOR desapareceu de seus olhos.
( Juízes 6:21)
E nunca mais apareceu o anjo do SENHOR a Manoá, nem a sua mulher; então
compreendeu Manoá que era o anjo do SENHOR. (Juízes 13:21)
Sucedeu, pois, que, estando o teu servo ocupado de uma e de outra parte, eis
que o homem desapareceu. Então o rei de Israel lhe disse: Esta é a tua sentença;
tu mesmo a pronunciaste. (1 Reis 20:40)
E ele, estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero, limpo. E logo a lepra
desapareceu dele. (Lucas 5:13)
Abriram-se-lhes então os olhos, e o conheceram, e ele desapareceu-lhes. (Lucas
24:31)
O que é mais intrigante na Bíblia é o desaparecimento de Jesus Cristo, depois da
sua meninice, adolescência e começo da vida adulta. Há relatos históricos que apontam que
Jesus trabalhou como marceneiro com João. Teria sido proposital a omissão dos fatos de
Jesus neste período? Existem muitas especulações com relação ao hiato na história de
Cristo, não existe certeza de nada.
Depois da decadência do Império Romano, surge a dominação pela igreja católica
na idade média. Ela é conhecida pela “idade das trevas”, na qual o poder na Europa ficou
concentrado na igreja católica. Para manter a dominação sobre as sociedades, a igreja criou
a inquisição, que por sua vez tinha o papel de julgar aqueles considerados hereges. Com a
finalidade de impor seus dogmas a igreja matou milhares de pessoas, por discordar de suas
posições, valores, ou do seu próprio poder.
Os judeus foram perseguidos por séculos e quando eles não eram convertidos,
fugiam de seus lares para escapar da implacável perseguição. A perseguição aos judeus é
histórica, desde os tempos da fuga do Egito e recentemente no século XX, na segunda
grande guerra, todas na origem é a eliminação da tribo de Judá, como alerta Horkheimer e
Adorno, no texto “Elementos do anti-semitismo”:
42
Os anti-semitas se arvoram em executores do Velho Testamento: eles
providenciaram para que os judeus, já que comeram da árvore do conhecimento,
retornem ao pó. (1985:174)
O Estado submetido à ordem da Igreja executava todas as suas ordens. Pessoas
eram sumariamente executadas, muitas seqüestradas e trancadas em calabouços, portanto o
desaparecimento de pessoas nestes séculos não era algo tão incomum e muitas pessoas
eram submetidas à tortura como forma de purificação espiritual.
O renascimento e o iluminismo na Europa permitiram dar outro sentido a vida
humana. As navegações propiciaram as descobertas das Índias e do continente americano,
tornando o mundo mais dinâmico. As artes, a literatura e as ciências com novas idéias
propiciaram um avanço nas condições de vida das pessoas:
O mercantilismo leva à descoberta de novas terras (a América, o caminho para
as Índias, a rota do Pacífico) e isto propicia a acumulação de riquezas pelas
navegações sem formação, como França, Itália, Espanha, Inglaterra. Na
transição para o capitalismo, começa a emergir uma nova forma de organização
econômica e social. Dá-se, também, um processo de valorização do homem.
(BOCK ET AL., 1999: 36)
Todavia, as violações de direitos humanos perduraram. A igreja católica continuaria
sua imposição dogmática na sociedade por meio da perseguição aos ditos hereges, judeus e
todos aqueles que representariam uma ameaça ao seu poder.
Um outro aspecto de desaparecimento de pessoas que tornou-se comum, ocorreu
após as descobertas de novas terras pelos europeus, na qual marcou o início do tráfico de
escravos negros da áfrica. O rapto, o seqüestro, a cooptação de negros para trabalharem
para ditos “senhores”, perdurou por vários séculos em todo mundo. Segundo Wanderley
(2004):
Abordar a situação dos negros, nos primeiros séculos, implica tratar da
instituição fundamental que configurou as sociedades americanas- a escravidão,
que modelou sua economia, suas relações sociais e jurídicas, a natureza do
Estado e da Igreja
Entre o século XVI ao XIX, destaca o autor, cerca de 11 milhões de escravos foram
trazidos à America, sendo que metade foi trabalhar nas ilhas do Caribe e 40% no Brasil. A
43
colonização do Brasil pelos portugueses foi à expressão da dominação sobre a população
nativa e os negros que foram escravizados. A herança do desaparecimento no país é a
forma como os dominantes trataram os dominados. O negro, o índio, o mameluco, o pardo
são a mais pura expressão daqueles que foram excluídos de seus direitos desde essa época.
Os resquícios desta colonização estão marcados na história deste país e engrossam as
estatísticas de desaparecidos.
Assim, o desaparecimento pensado como uma produção social e histórica amplia a
compreensão da situação para além do fato em si, ou seja, qualquer desaparecido tem uma
estreita relação com seu mundo social e determinado historicamente. O sentido de
desaparecimento na colonização das Américas é muito distinto do desaparecimento de
pessoas nos dias atuais. Muitos navegantes se aventuravam na busca de novas terras e
outras fontes de enriquecimento e poderia supor que romper com suas respectivas origens
familiares ou sociais não tinham o mesmo significado de hoje, na qual, o mundo é regido
por um complexo sistema de informação globalizado. No processo de mundialização, em
questão de segundos uma informação de um determinado fato pode abalar ou fortalecer
economias, sistemas políticos, mostrar catástrofes, atentados, guerras, fome entre outras.
O desaparecimento de pessoas na sociedade atual assume proporções mundiais,
como o caso da pequena Madeleine, desaparecida de forma enigmática
21
em Portugal:
Pai de Madeleine nega existência de provas da morte da filha
22
Casal McCann quer proibir a venda do livro 'Maddie, a verdade da mentira', que
os envolve no caso.
Gerry McCann, o pai de Madeleine McCann - a menina britânica desaparecida
em Portugal em 2007 - negou hoje que existam provas sobre a morte de sua
filha, no segundo dia do julgamento que enfrentam os McCann e o ex-inspetor
de polícia portuguesa Gonçalo Amaral (...) Madeleine, que desapareceu em 3
de maio de 2007 na Praia da Luz (Algarve, no sul de Portugal) quando estava
quase completando 4 anos, ressaltou que o litígio é "legal" e que seu objetivo é
"a proteção da família".Amaral, que coordenou parte das investigações sobre o
desaparecimento da menina, declarou-se satisfeito por ter conseguido os
depoimentos no processo "de todos os inspetores que trabalharam na
investigação" e se mostrou "confiante" em que a proibição cautelar sobre a
venda de seu livro seja retirada(...).Gerry e Kate McCann mantiveram desde o
início que sua filha foi sequestrada, embora em setembro de 2007 tenham sido
considerados suspeitos, mas os desculparam em julho de 2008 por falta de
21
No segundo encontro da REDESAP, no Rio de Janeiro, em 2009, a polícia brasileira vem apresentando e
trabalhando com esta idéia de desaparecimento enigmático, na qual são considerados casos de rompimento
abrupto sem uma explicação lógica.
22
Estado on line, LISBOA quarta-feira, 13 de janeiro de 2010. .
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,pai-de-madeleine-nega-existencia-de-provas-da-morte-da-
filha,495118,0.htm
44
provas para sustentar a hipótese de morte acidental de Madeleine.O caso foi
arquivado pelo Ministério Público de Portugal, embora possa ser reaberto se
novos dados referentes ao desaparecimento da menina surgirem. ( grifo nosso)
A repercussão deste caso no mundo, sem um desfecho leva toda a sociedade
indagar as razões do desaparecimento da menina. Será que os pais mataram a menina? Ela
foi sequestrada? Ela se afogou e seu corpo desapareceu? A falta de informação em outros
momentos históricos, poderiam naturalizar o desaparecimento de pessoas. Perguntas ou
preocupações como estas, poderiam não existir, visto também, que historicamente as
relações humanas nas sociedades anteriores não era calcada nos preceitos dos vínculos
atuais de relações. Para uma análise mais acurada sobre o desaparecimento de pessoas e
considerando o desaparecimento com um fenômeno eminentemente social, ou seja, ocorre
nas relações humanas pautada nos vínculos entre pessoas, deve-se pensar como eles foram
constituídos historicamente. Dentre as discussões trazidas por Canevacci no livro
“Dialética da Família”, ressaltamos:
Da acentuação da relação entre vínculos de parentesco e desenvolvimento das
forças produtivas, Engels deduziu a conseqüência de que, nas sociedades
chamadas “primitivas” ou “em desenvolvimento” onde a produção é limitada
- , os laços de parentesco amplo formam frequentemente a essência das
obrigações de um indivíduo e envolvem as próprias instituições políticas e
econômicas do grupo. Nas sociedades desenvolvidas ocorre o inverso. Disso
resulta que a família patriarcal e individual moderna provoca, por um lado, o
desenvolvimento da propriedade privada, ao mesmo tempo que, por outro, faz
com a anterior família antiga perca o seu caráter público. É a premissa para a
cisão histórica que, na era burguesa, se verifica entre esfera pública e esfera
privada: essa última se desenvolve simultaneamente com a propriedade e a
família. (1982: 20)
Assim foi verificado que a realidade material e histórica ao longo de seu processo
de evolução produziu várias formas de desaparecimento: seja na relação do homem com a
divindade; seja na fuga da opressão sobre um povo; seja pelo desaparecimento de uma
cultura e o aparecimento de outra, como ocorreu na decadência da civilização grega e a
soberania romana, e depois o declínio do império romano e a ascensão da igreja católica; o
aparecimento da inquisição e o desaparecimento de seus opositores; o aparecimento de
novas idéias (ciência) e o declínio do poder da igreja católica; o aparecimento de novas
castas (burguesia) e o desaparecimento das monarquias; a descoberta de novas terras e o
45
aparecimento do trabalho escravo; o desaparecimento do camponês e o aparecimento do
trabalho nas indústrias; o desaparecimento do trabalho escravo e o aparecimento do
trabalhador assalariado; o aparecimento das classes trabalhadoras e o desaparecimento da
liberdade, da igualdade e da fraternidade; o aparecimento das novas tecnologias e o
desaparecimento do indivíduo. Em todas as fases históricas, e pode-se enumerar diversos
momentos, e que na base está o conflito de classes. A luta constante dos dominadores
contra os dominados, processo de dominação que ainda perdura na sociedade, perpetuando
a desigualdade entre classes e as violações de direitos humanos, como o desaparecimento.
II.2 – ASPECTOS CULTURAIS E RELIGIOSOS DO DESAPARECIMENTO
Ressalta-se a dificuldade de separar a cultura de seu aspecto histórico, entretanto
neste trecho foi pensado como a cultura influencia decididamente no desaparecimento de
pessoas. Neste meio tempo, o desaparecimento está sendo entendido pelo viés da cultura
ao considerar os fatores desta na tradição de cada povo. Algumas culturas tratam de forma
distinta de outras, a maneira como lida com seus descendentes. Para Canevacci a cultura é
entendida como:
(...) a atividade criadora determinada pelos homens, em seu significado
antropológico global de conjunto de experiências e de valores partilhados e
vividos em comum. Ou seja: é cultura a “aparte que historicamente se
acrescenta à natureza do Homem”, aquele “conjunto explicito e implícito dos
modos estabilizados de pensar, sentir e agir dos homens (...) instrumento
especificamente humano de adaptação à natureza para a satisfação dos
carecimentos”. Desse modo, transformando a natureza através de suas
criações, os homens se transformam a si mesmos”. (1982: 38)
Ao transformar seu mundo, o homem foi mudando também suas relações sociais.
No mundo ocidental, Europa e os países que foram colonizados pelos europeus caso das
Américas, Oceania e alguns países africanos - a educação dos séculos XVIII, XIX e XX foi
pautada nos princípios da burguesia. Nestes países a relação é de submissão à autoridade
paterna e materna, baseado na força econômica dos pais e na propriedade privada.
O iluminismo que influenciou a Revolução Francesa e a época, tinha em Rousseau,
um pensador na qual seu entendimento era que o homem possuía uma qualidade própria, o
de agente livre. Assim, enquanto agente livre, sua passagem do Estado de natureza para a
46
civilização é mediada pelo desenvolvimento desta faculdade humana. Juntamente com a
liberdade, o homem possui uma segunda qualidade, a de se aperfeiçoar. O aperfeiçoar seria
o afastamento da condição originária do homem. Esta capacidade própria da razão está
ligada à atividade das paixões e é ela que faz o homem se afastar cada vez mais de sua
condição originária.
Para se escapar desta condição (Estado Natural), na qual os homens estão
submetidos, pode encontrar ajuda na razão e nas paixões, principalmente do medo, por
meio da criação de um contrato que instituía um poder superior, com base nas leis naturais,
e que controlava suas ações. Assim, os homens, por medo e pela racionalidade, criavam o
contrato social, transferindo mutuamente direitos – pois não existe em sua condição natural
um homem que não tenha direito – desenvolvendo vínculos pelos quais ficam então
obrigados.
O texto de Rousseau sobre o “Contrato Social”
23
ele concebe que o homem nasce
livre, mas com o decorrer da história foi impedido pela ordem social, assim como os seus
governantes. O homem obedece à coerção imposta pela ordem social, levando em conta a
força e o efeito que parte de uma mudança. Enfim, a ordem social é um direito que
sustentava todos os indivíduos e se fundamentava pela construção da sociedade e não pela
natureza (ROUSSEAU, 1999).
A família é a primeira das sociedades e a única natural. Os filhos obedecem e
moram com os pais apenas enquanto for necessário para sua conservação. Caso resolvam
continuar a morarem juntos, não será naturalmente, mas por convenção. Terminada esta
ligação, todos retornam ao estado de independência, sendo cada indivíduo o seu próprio
senhor, protegendo a sua conservação individual.
Portanto para o autor, pensar na saída de casa por parte dos indivíduos que possuem
uma determinada autonomia não é um problema; ficar morando na casa dos pais, ao
contrário é uma mera convenção social. As fugas, entendidas como desaparecimento, na
visão do autor, poderiam denotar a evitação por parte dos familiares de seus descendentes
para conquistar autonomia e crescimento individual. Os boletins de ocorrência de
desaparecimento podem revelar também a obtenção do controle familiar sobre as ações dos
ditos desaparecidos.
Retomando a visão rousseauniana, o primeiro modelo das sociedades políticas
também é a família. O pai é a figura do chefe e os filhos o povo, sendo todos nascidos
23
Escrito originalmente em 1762
47
livres e iguais, e que alienam sua liberdade em razão de seu próprio benefício. A diferença
é que o pai sente amor pelos filhos e o chefe sente prazer em liderar. Os indivíduos se
uniram para superar barreiras que sozinhos, em seu estado natural, jamais conseguiriam. O
ser humano não sobreviveria sem a força gerada pela união.
O total das forças aparece apenas quando muitas pessoas se juntam. Assim, a
liberdade e a força são os mais importantes instrumentos de conservação individual. O
contrato social é a ação necessária para que essa união mantenha cada indivíduo e seus
respectivos bens, obedecendo a si próprio, e livre como anteriormente (ROUSSEAU,
1999).
As cláusulas deste contrato social, não são divulgadas, mas são reconhecidas
igualmente em todos os lugares. Estas cláusulas são determinadas pela natureza da ação,
que qualquer modificação a anula e, quebrando o pacto social, os indivíduos retornam a
liberdade natural e perdem a liberdade contratada. Todas as intenções do contrato social se
limitam à alienação total, e sem separação do indivíduo, e seus direitos em razão da
comunidade. Se todos os indivíduos agem igualmente, a condição é igual para todos e não
razão para se oprimir os demais. Se algum indivíduo resguardar qualquer direito, a
ausência de um juiz comum entre este e os demais faria com que cada indivíduo julgasse,
além das próprias ações, as ações dos demais, o que transformaria a associação tirânica e
ineficaz.
O ato de associação é um acordo recíproco do público com os particulares. Cada
indivíduo se encontra forçado como membro do soberano para com os particulares e como
membro do Estado para com o soberano. O indivíduo não tem obrigação consigo mesmo,
mas com o todo no qual ele faz parte (ROUSSEAU, 1999).
Segundo Rousseau os vínculos entre as pessoas e de pais e filhos são mediados pela
cultura para o cumprimento do “contrato social”. Outros autores entendem que os vínculos
familiares não são naturais, isto é uma criação da cultura, uma necessidade criada pela
sociedade como uma forma de transmissão da propriedade privada e dos bens conquistados
pela família e que mais tarde deveria se manter para seus descendentes.
Ao considerar isto algo “inventado” pela cultura, os vínculos afetivos seriam a mais
pura manifestação de sentimentos “armados” contra os instintos primários de busca de
autonomia e independência. O indivíduo seria podado pelos tutores de sua inteira
“liberdade”, com a finalidade de perpetuar a dominância familiar.
A subjetividade individual formada com esse propósito possibilita um indivíduo
que segue a risca o modelo imposto pelo sistema social. Todavia, resquícios arcaicos
48
que rebatem na consciência do indivíduo, ao considerar como algo “não-natural”, alguns
tentam romper com esse circulo, mesmo possuindo condições sociais e econômicas, mas a
maioria das pessoas não atua e fantasia com a possibilidade de fugir, de sumir ou de
romper com as tramas societárias.
Para Canevacci, recuperando a visão de Engels, a família monogânica, nos
movimentos socialistas, não era alvo de destruição, mas sim de realização.
De fato, a família proletária é constituída, por sua natureza, pela união de duas
pessoas ligadas apenas pelo amor, união que historicamente foi desvirtuada pela
preocupação de ter de transmitir bens hereditários aos próprios filhos, e que
poderá adquirir todo o “sabor” extraordinário do seu núcleo virginal uma vez
quebrada a crosta superimposta coercitivamente pelo modo de produção
capitalista. E, ao mesmo tempo, será assim abolida a falsa monogamia histórica
da era cristã-burguesa, sempre relacionada, contra suas promessas, à dupla
moral da prostituição e do adultério. (op. cit, 1982)
Dentro deste conceito Engels, abre uma possibilidade clara da relação monogâmica
ocorrer em outra perspectiva. Na burguesia européia, principalmente na era vitoriana a
repressão sobre as mulheres era intensa, tanto que o adoecimento emocional levava aos
casos de histeria. Charcot e Freud trabalharam nestes casos, e em 1902 o pai da psicanálise
escreve sobre “A dupla moral social e a doença nervosa moderna”. No texto alertava sobre
uma moral masculina, que incentiva as experiências sexuais antes do casamento e a moral
feminina, baseada na virgindade.
A influência da industrialização, deixando a vida mais agitada, no final do século
XIX e começo XX contribuía para o aumento gradativo das “doenças dos nervos”. Somado
pela repressão e a submissão das mulheres, que nas relações conjugais era subserviente ao
sistema, todavia a mulher começou paulatinamente reivindicar outro lugar para ela na
sociedade. O projeto burguês expandiu para todos os segmentos sociais, a mulher até
então, dona-do-lar passou a produzir nas fábricas e oficinas e na sua condição foi ganhando
um espaço que até então era de ocupação masculina.
Entretanto as relações econômicas e sociais iriam se “contaminar” com a promessa
de felicidade pela conquista de novas mercadorias. A consciência individual foi
coisificando o indivíduo cada vez mais isolado. Nesta perspectiva pode existir um projeto
intrínseco da ideologia burguesa posta na sociedade contemporânea, que foi alertado por
Canevacci:
49
O processo de objetivação social da era burguesa – que tem como meta o
desaparecimento do sujeito deve ser depurado tanto das relações de produção
capitalistas como da total reificação das relações interpessoais, causada pela
“dilatação” e pela “espiritualização” do caráter fetichista da mercadoria. (1982:
29)
O desaparecimento do sujeito, visto que gradativamente o homem é substituído
pelas máquinas no processo de industrialização, robotização e em todos os campos da
produção. A tecnologia não vem para salvar o homem da labuta, mas principalmente
ocupar seu lugar, deixando-o excluído do processo de produção e implantando a
coisificação das relações sociais, pela contemplação da mercadoria. Assim reforçaria a
hierarquização posta na sociedade: de que homens que podem usufruir das mercadorias
e de existe uma maioria que não poderá desfrutar delas. Porém, na cultura capitalista,
ditada pela burguesia, os dois são prisioneiros, a diferença está na possibilidade (pequena)
de um deles de desfrutar; o prazer é efêmero, mas é melhor do que nada, para aquele que
consegue. Como afirmam Horkheimer & Adorno, na passagem de Ulisses com sua
tripulação, próximos aos cantos das sereias:
O que ele escuta não tem conseqüências para ele, é a única coisa que
consegue fazer é acenar com a cabeça para que o desatem: mas é tarde
demais, os companheiros que nada escutam- sabem do perigo da canção,
não de sua beleza e o deixam no mastro para salvar a ele e a si mesmos.
Eles reproduzem a vida do opressor juntamente com a própria vida, e aquele
não consegue mais escapar a seu papel social. (1985: 45)
Ao pensar outras culturas, têm se a necessidade de frisar que o mal não é a cultura
burguesa ou a socialista, mas que todas elas têm como base a dominação de um
determinado grupo sobre outros.
Nas culturas ocidentais os mecanismos sociais que passam pelo Estado e pela
religião, são muito fortes. O indivíduo é formado para a perpetuação de seu núcleo familiar
e da proteção de sua comunidade e da terra. No livro “O caçador de Pipas”, o autor Khaled
Hosseini, traz vários elementos para pensar como se estrutura e se organizam as sociedades
ocidentais. Nele vemos a submissão dos membros da família em torno do pai e a religião,
permitindo um sistema de crenças que inviabiliza uma consciência “livre” ou autônoma. A
heteronomia é seu princípio, não espaço para a individualidade, mas a perpetuação de
uma cultura, de um povo. Este nacionalismo produz o fundamentalismo, alas mais radicais
50
que lutam contra seus inimigos e as ameaças externas. Todavia verifica-se a
“americanização” deste processo, no sentido da expansão do capitalismo, principalmente
para o consumo de novas tecnologias, aos países muçulmanos, portanto a influência da
sociedade ocidental sobre a oriental, atualmente, começa a despertar possibilidades
inimagináveis de desejo e de “autonomia”.
O autor mostra as constantes tensões existentes no Afeganistão e região e conta a
história de:
Amir e Hassan cresceram juntos, exatamente como seus pais. Apesar de serem
de etnias, sociedades e religiões diferentes, Amir e Hassan tiveram uma infância
em comum, com brincadeiras, filmes e personagens. O laço que os une é muito
forte: mamaram do mesmo leite, e apenas depois de muitos anos Amir de
sentir o poder dessa relação. (2005:resumo da contra-capa)
Hassan fora vitima de abuso sexual que foi guardada em segredo por Amir. Na fase
adulta morando nos Estados Unidos, Amir, se vê obrigado a ajudar o filho desaparecido do
seu “amigo de infância”, que havia morrido. A idéia de reparar uma culpa, que lhe era
presente em toda a sua vida. Ao voltar ao seu país, ele se depara com um cenário de
profundas transformações. A guerra, os conflitos étnicos e as proibições do sistema político
do Talibã era diametralmente oposta a vida que o protagonista principal vivia na América.
Sua sina é encontrar o filho de Hassan, que logo após a morte do pai, segundo o tio estava
desaparecido.
O Romance expõe o aspecto cultural da vida em países em guerra ou sob domínio
do Estado ou das milícias. Além disto, mostra a crueldade, a exploração, a vitimização
física e sexual existentes nestes sistemas contra os mais frágeis - crianças, adolescentes,
mulheres e idosos.
Devido as constantes guerras existentes na região, principalmente no oriente médio,
as fugas e o desaparecimento de pessoas nestas regiões de risco são uma constante, visto
que muitas pessoas querem preservar sua vida e de seus familiares. O fundamentalismo
religioso e a intolerância aumentam os casos de perseguição e morte de várias pessoas,
naturalizando o desaparecimento delas. Todavia, não se pode resumir a vida no Oriente
Médio aos seus conflitos, como narra Hosseini em seu livro, momentos de extrema
alegria, proteção e respeito a suas tradições, tornando odioso qualquer tipo de violência
contra seus povos.
51
O judaísmo, como cultura e religião sofreu a mais triste perseguição da história. O
anti-semitismo tem reminiscências históricas, pois o judeu é o povo da circulação. Segundo
Adorno e Horkheimer, os judeus representam o “povo sem lugar”, que põem em
movimento as idéias, o conhecimento, os objetos e as mercadorias. Portanto ele atrai uma
perseguição por estar na ponta da cadeia produtiva, nas academias, nos lugares mais
importantes da sociedade. O Nazismo foi o movimento mais pernicioso para destituir os
judeus deste lugar. O Holocausto é o símbolo da morte, do desaparecimento de milhares de
pessoas que cometeram o “crime” de serem judeus.
II.3 - O DESAPARECIMENTO E A QUESTÃO SOCIAL
O presente tópico refletirá sobre a questão social que como ela contribui
significativamente para o desaparecimento de pessoas e consequentemente de crianças e
adolescentes. Segundo Castel a caracterização da questão social, é:
(...) como uma aporia fundamental, uma dificuldade central, a partir da qual uma
sociedade se interroga sobre sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura. É,
em resumo, um desafio que questiona a capacidade de uma sociedade de existir
como um todo, como um conjunto ligado por relações de interdependência(...)
(op.cit. 2004: 238)
Na verdade o autor defende que a questão social remete a outras questões que
impedem para uma solução ou para uma saída racional. Mas aponta que ela se baseia na
estratificação da sociedade pelo trabalho. Na sociedade contemporânea ela se remete a
função integradora do trabalho na própria sociedade. Ele levanta sobre o processo de
transformação do trabalho em emprego e depois debate como a internacionalização do
mercado, a globalização, somado as crescentes exigências da concorrência e da
competitividade, passando o trabalho como alvo para redução de custos. Em suma reduzir o
preço da mão-de-obra e aumentando a produtividade.
Neste condicionamento do trabalho em emprego, fica sem emprego o menos
qualificado. Ganha-se muito menos aquele que não teve oportunidade de estudar, de se
qualificar para as novas exigências de emprego. Assim o desemprego cresce, tornando o
próprio emprego frágil permitindo a precarização do trabalho. Com as precárias condições
52
de trabalho e de renda, desenvolve-se cada vez mais um universo de excluídos que vivem
na miséria, na fome e no abandono do Estado.
A exclusão econômica, aliado ao desamparo do Estado, da comunidade e de toda a
sociedade, faz com que milhares de pessoas, todos os anos, desaparecem de seus
familiares. Essas pessoas não possuem requisitos mínimos de dignidade, impossibilitando
o exercício da chamada cidadania. Muitas delas não têm sequer um local de moradia ou
outros espaços na sua própria casa.
Em 302 casos pesquisados por Gattas e Figaro-Gracia, sobre o perfil das famílias de
crianças e adolescentes desaparecidas, mostra que estas famílias residem: 7% em barracos,
9,6% em apartamento, 75,2% em casa e 8,3% afirmam que residem em outros lugares.
Sendo que 60,3% afirmam que a moradia é própria, contra 39,7% dos entrevistados que
dizem morarem em locais que não são deles, grande parte destas famílias residem em
bairros periféricos do município de São Paulo.
Na pesquisa do IBGE
24
, 2000, mostra que 1,12 % das famílias brasileiras que
moram nos centros urbanos, vivem em residências com apenas 01 cômodo, com uma
média de quase 03 pessoas que vivem no domicilio e 4,13% moram em 02 cômodos, com
a média de 03 pessoas no mesmo domicilio.
Numa sociedade capitalista que reforça a vida privada, voltada para as necessidades
individuais do conforto, quando o indivíduo não na prática a promessa da sociedade
realizar, ele se rebela contra a sua própria família e irracionalmente contra a sociedade.
A questão social mostra como o indivíduo é espoliado em seus direitos,
inviabilizando sua plena realização. Sobra o sacrifício penoso e esforçado, sendo que a
recompensa é mínima, nutrindo objetivamente e subjetivamente o desejo de sumir, de
desaparecer.
II.4 - O DESAPARECIMENTO E A VIOLÊNCIA
Nesta parte do texto será debatido sobre a violência em geral, logo depois será
apresentado duas modalidades de violência que influenciam no desaparecimento de
pessoas, a saber: a violência urbana e a violência familiar/doméstica. Nesta última, foi
24
Disponível em: www.ibge.gov.br/home/estatistica/.../censo2000/.../pdf/tabela_1_9_1.pdf - Censo
Demográfico 2000
53
destacada a violência doméstica contra crianças e adolescentes, que ajudará na análise final
da tese e na conclusão do objeto de estudo.
Deve-se considerar que a violência pode ocasionar tanto o desaparecimento
voluntário como o involuntário. No caso voluntário, existe uma atitude que pode levar o
indivíduo a não aceitar as violências em que ele fora submetido e assim foge desta
realidade, desaparecendo do seu agressor como de seus familiares e conhecidos. No outro
caso, ocorre a violência e o ofensor desaparece com sua vítima, sem o seu consentimento.
O ofensor pode ter raptado, subtraído ou assassinado a vitima e oculta sem paradeiro ou
cadáver.
A violência é um tema recorrente na sociedade, isto porque de um lado é explorada
na dia para causar uma sensação de medo e insegurança na população. Por outro lado,
após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, indícios de uma cultura voltada
para a garantia dos direitos humanos, conforme Bobbio trata em seu livro “A Era dos
Direitos”. Mesmo que existam muitas violações dos direitos humanos, o autor defende os
avanços na sociedade em preservar a vida do homem. Neste processo histórico de
conquistas como os direitos civis das mulheres, que no começo do século XX não tinha
direito ao voto e as decisões políticas em seus países. O sufrágio universal é um exemplo
de uma conquista histórica não só das mulheres, que continuam se submetendo ao poder do
homem, mas mesmo assim pode ser considerada uma conquista de toda a sociedade, ao
reconhecer a vontade do gênero feminino. Não cabe aqui debater sobre todas as conquistas
sociais no campo do direito, visto que muitos autores
25
acreditam que o “progresso” não é
de toda a sociedade, mas sim de uma parcela dela, que se mantém no poder.
Ao debater a violência, temos que pensar nas relações de poder e dominação
existente na sociedade, conforme Marilena Chauí define:
(...) uma realização determinada das relações de força tanto em termos de
classes sociais quanto em termos interpessoais(...) em lugar de tomarmos a
violência como violação e transgressão de normas, regras, etc., preferimos
considerá-la sob dois outros ângulos. Em primeiro lugar, com conversão de uma
diferença e de uma assimetria numa relação hierárquica de desigualdade, com
fins de dominação, de exploração e de opressão. Isto é a conversão dos
diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre superior e inferior.
Em segundo lugar como ação que trata a um ser humano não como sujeito mas
25
T. W. Adorno defende a idéia que o progresso ocorre só em uma parte da sociedade em seu texto
“Progresso” publicado no livro “Palavras e Sinais”. Ladislau Dowbor também expõe essa idéia em “Gestão
Social e Transformação da Sociedade”.
54
como uma coisa. Está caracterizada pela inércia, pela passividade e pelo
silêncio. De modo que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou
anuladas, há violência. (CHAUÍ apud AZEVEDO e GUERRA, 1998)
Pode-se pensar que numa sociedade de dominação, na qual os direitos sociais e
civis são anulados, a voz, e as vontades são dirigidas ou não são consideradas pelos
dirigentes sociais. Assim o indivíduo tem pouca atuação política sobre seus direitos, ele
passa a não existir mais, ou seja, desapareceu da cultura, pois perdeu sua autonomia, visto
que é submetido a uma ordem social massificante, que não favorece sua consciência
individual. Este ser é calado, integrado a uma ordem dominante, sem que perceba a
opressão que é imposta a ele.
A violência gera no indivíduo uma atitude de autoconservação, com a finalidade de
manter as necessidades introjetadas pelo sistema social, que no caso do Brasil é o sistema
do capitalismo monopolista. Isto torna o indivíduo competitivo e alienado das contradições
impostas por esse mesmo sistema.
A teoria crítica da sociedade nos permite lançar um olhar ampliado a respeito dos
fenômenos de violência e da dominação social. Pode-se relacionar o desaparecimento de
pessoas como algo constitutivo da sociedade, que educa seus filhos pela via da violência. O
teórico frankfurtiano Theodor Adorno (1985), em seu texto sobre “A gênese da burrice”,
faz uma analogia entre o processo de construção da inteligência e a antena do caracol. Em
suma, o caracol caso haja um obstáculo ou perigo constante no contato com o mundo
exterior, a antena irá involuir para o abrigo protetor do corpo e dificilmente haverá
tentativas posteriores de experiências no ambiente devido ao trauma que foi gerado.
Desse modo, é possível dizer que a repressão das possibilidades, pela resistência
imediata da natureza diante de algo ameaçador e violento, prolonga-se internamente, com o
atrofiamento dos órgãos pelo medo. A criança, no início de seu desenvolvimento,
encontra-se extremamente fragilizada e depende quase que totalmente de experiências
gratificantes e de acolhimento. Numa sociedade que perpetua a dominação pelo uso da
violência, só pode esperar a formação de pessoas igualmente violentas e irracionais, porque
foram cicatrizadas e paralisadas no seu processo de evolução intelectual. Horkheimer e
Adorno ainda fazem a seguinte consideração:
A sociedade é um prolongamento da natureza enquanto compulsão duradoura e
organizada que, reproduzindo-se no indivíduo como uma auto-conservação
55
conseqüente, repercute sobre a natureza enquanto dominação social da natureza.
(1985: 169).
A compulsão referida possibilita a não-reflexão sobre o modo como a criança é
tratada e percebida na sociedade. Dessa forma, ocorre a perpetuação da violência e do
desrespeito. É necessário manter a ordem social hierárquica e o poder de uns sobre os
outros. O outro que se encontra na categoria inferior é objeto de desprezo e é
desconsiderado em seus direitos e desejos. Segundo Adorno, a natureza nunca é
transcendida, e as leis aplicadas para entender os animais são aplicadas
indiscriminadamente para entender o que é humano, portanto social.
A violência praticada pelos adultos nas crianças, alimenta o desejo de fuga e de
desaparecimento. Sair do controle da autoridade paterna, materna ou de outros familiares
responsáveis por sua guarda ou tutela e ganhar uma possível autonomia é um desejo de
muitas crianças e adolescentes. Esse rompimento com o poder estabelecido na família é
uma tentativa, às vezes desesperada, de ser reconhecido e ganhar a atenção merecida. As
cicatrizes marcadas na subjetividade individual pelo processo educativo na base da punição
corporal física, leva o indivíduo ao próprio irracionalismo em que ele é criado, assim
romper com aqueles que deveriam dar condições de sua subsistência é mais fácil.
Os dados do “Disque 100”, serviço de notificação de violações dos direitos da
criança e do adolescente, vinculado a Secretaria Especial de Direitos Humanos, apresentou
no II Encontro da REDESAP, no Rio de Janeiro os seguintes dados:
Tabela I - Dados de Violência
Período: maio de 2003 até novembro de 2008
Tipo de Violência Brasil
Exploração Sexual Comercial
14.842
Negligência
41.912
Pornografia
661
Tráfico de Criança e Adolescente
288
Violência Física e Psicológica
40.072
Abuso Sexual
21.314
Total
119.089
Obs: Uma Denúncia pode registrar mais de um tipo de violência.
Isto significa que em 67 meses foram denunciadas 119.089 casos de violações dos
direitos da criança e do adolescente. Na estatística apresentada pelo “Disque 100” o
número total dividida pelo número de meses representaria mais de 1.777 denúncias por
56
mês, mais de 59 notificações a cada dia, quase 2,5 comunicações por hora. Deve-se
considerar que muitas notificações não procedem e outras tantas são enviadas para os
Conselhos Tutelares e para o Ministério Público Estadual para dar prosseguimento às
investigações.
Entrementes, o texto “Elementos do Anti-Semitismo” de Horkheimer e Adorno,
desenvolvem também uma outra reflexão a respeito da violência, utilizando como
exemplo-chave a perseguição aos Judeus na Guerra Mundial. Para o autor,
esclarecimento significa lançar luz ao objeto, e para isso se concretizar, é preciso refletir
sobre o objeto a partir de sete visões que se complementam: a visão biológica, a
psicológica, a jurídica, a econômica, a cultural/social, a religiosa e a histórica.
A partir desse olhar para o objeto, o autor afirma que a ordem social foi
estabelecida de tal forma que não consegue se manter sem a desfiguração dos homens,
embora se pense o contrário. Um comportamento violento ocorre quando o indivíduo,
privado de sua subjetividade, se solto enquanto sujeito (p. 160). A partir da dominação
social, aqueles que não se realizam nem econômica nem sexualmente têm um ódio sem
fim, e por isso não admitem nenhum relaxamento, porque não conhecem nenhuma
satisfação. Mas a contradição apresenta-se em que a própria racionalidade ligada à
dominação está na base do sofrimento humano. Em uma sociedade fundada na dominação,
a violência acaba se constituindo como uma válvula de escape, onde a cólera é
descarregada sobre os desamparados que chamam a atenção (p. 160).
A ausência de reflexão faz com que uma ação de violência torne-se realmente um
fim em si e autônomo, encobrindo a própria falta de finalidade. A partir disso, a violência é
naturalizada, desconhecendo-se sua razão. Para Adorno, “a aliança entre o esclarecimento
e a dominação impede que a verdade tenha acesso à consciência e conserva sua forma
reificada”.
Analisando a violência por meio da visão religiosa, o autor discute a influência da
doutrina Judaica-Cristã, que prega a aceitação do sofrimento, da violência física, para
assim o indivíduo conseguir a redenção, baseado na vida de Jesus Cristo. Assim: “a
confirmação da salvação eterna era buscada na desgraça daqueles que não faziam o turvo
sacrifício da razão”.
Do ponto de vista psicológico, Adorno faz relação com a teoria de Freud sobre a
projeção. A projeção é algo natural do ser humano, mas se torna patológica quando o
sujeito é incapaz de discernir no material projetado o que é dele e o que é alheio, se
57
tornando uma falsa projeção. Então, uma vítima de violência contém elementos do próprio
agressor, mas que este não consegue distinguir como seus. Para o autor:
O eu que projeta compulsivamente não pode projetar senão a própria
infelicidade, cujos motivos se encontram dentro dele mesmo, mas dos quais se
encontra separado em sua falta de reflexão. Por isso os produtos da falsa
projeção, os esquemas estereotipados do pensamento e da realidade, são os
mesmos da desgraça. (1985:179)
A violência é decorrente da dominação social, é sempre uma relação assimétrica de
poder. Porém, o autor discute sobre a violência, fruto da dominação, como também
mantenedor dela, pois, “a dominação pode perdurar na medida em que os próprios
dominados transformem suas aspirações em algo odioso”. Assim, a noção de felicidade
sem poder é intolerável, pois ela seria a felicidade pura e simples. O indivíduo, ao
passar por um processo civilizatório penoso, se obrigado a reprimir alguns desejos, em
detrimento da ordem social. Por isso, a menor possibilidade de um ser humano realizar o
desejo reprimido, é tida como alvo de ódio, e motivo de aniquilamento.
Assim considerando a violência como produto das relações assimétricas de poder,
em uma sociedade de dominação, o aniquilamento de determinados indivíduos se faz
necessário para alguns com a finalidade de manter o domínio. O desaparecimento de
pessoas passa a ser uma modalidade de violência que serve em alguns casos para perpetuar
a dominação, isto fica evidenciado nos regimes totalitários e na exclusão de pessoas no
sistema capitalista. Dentro disto, o texto a seguir debaterá a violência urbana e como ela é
um fator decisivo no desaparecimento de pessoas.
II.4.1- A violência urbana
Entende-se a violência urbana como todas as violações de direito que ocorrem no
espaço urbano e que atentam contra os indivíduos, ferindo a sua integridade física, psíquica
e social. Deve ficar claro a multidimensionalidade da violência, visto que não uma
violência, mas várias violências relacionadas entre si. (Schilling ,2002)
O Livro Mapa da Violência III” de Jacobo Waiselfisz, traz uma visão conceitual
de Michaud, sobre a violência, que permite refletir sobre sua determinação social, como
ocorre no desaparecimento de pessoas:
58
(...) violência quando, em uma situação de interação, um ou vários atores
agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma
ou a mais pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em
sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas ou
culturais (op.cit. 2002)
Portanto, o autor concorda com a visão de Michaud de que a violência ocorre na
interação entre pessoas. Como os centros urbanos possuem a maior densidade demográfica
da população, de se esperar que nestes espaços exista maior índice de violências contra
outrem. Deixando de lado, a naturalização da violência nos centros urbanos, deve-se
considerar criticamente que a violência urbana também é produto de uma sociedade de
dominação que leva à desigualdade, a exploração, a opressão, como é defendido em todo
esse trabalho.
A violência urbana produz várias situações que consequentemente levam ao
desaparecimento de pessoas. Os homicídios e latrocínios com ocultação de cadáver é uma
triste realidade da violência nas grandes cidades brasileiras. Alguns destes casos estão
associados ao tráfico e o consumo de drogas. As estatísticas mostram que grande parte das
pessoas envolvidas com o uso e o tráfico de drogas, são jovens que não tiveram qualquer
apoio da família ou do Estado.
Os números da mortalidade juvenil no Brasil são assustadores e eles engrossam as
estatísticas de casos de desaparecimento, pois muitos desses jovens foram exterminados
por conflitos e dívidas com outros traficantes e com a própria polícia. O Livro “Mapa da
Violência IIIde Jacobo Waiselfisz, alerta para a questão dos homicídios ocorridos contra
os jovens de 15 a 24 anos:
Em 1980, as “causas externas” eram responsáveis por aproximadamente a
metade (52,9%) do total de mortes dos jovens do país. Vinte anos depois, dos
45.310 óbitos juvenis, 31.851 foram originados por causas externas, pois esse
percentual elevou-se de forma drástica. No ano 2000 acima de 2/3 de nossos
jovens (70,3%) morrem por causas externas e, como veremos ao longo deste
trabalho, o maior responsável são os homicídios. (2002: 26)
59
A taxa de homicídios em 100.000 habitantes nas capitais brasileiras é grave.
Quando os dados são classificados por idade, fica evidente a violência contra crianças e
adolescentes. Segundo Waiselfisz
26
, nesta faixa etária, teria as seguintes taxas:
Tabela II
27
– Taxa de Homicídios (em 100.000)
Por Idades/ Faixa Etária
Brasil - 2000
Idade/Faixa Taxa de Homicídios
0 a 4 anos 1,1
5 a 9 anos 0,7
10 a 14 anos 3,2
15 anos 16,4
16 anos 28,1
17 anos 45,1
Na tabela observa-se o saldo expressivo da faixa entre 10 e 14 para 15 anos, e essa
tendência vai sendo acentuada, aumentando gradativamente nas idades mais próximas da
maioridade civil, que no Brasil é de 18 anos completos. Dos casos pesquisados “(...)29,5%
de todas as mortes juvenis no ano de 2000 foram causadas por armas de fogo”. (pág. 110)
Os homicídios praticados em série por uma mesma pessoa é uma discussão
recorrente na nossa sociedade. Os chamados “seriais killer” ganham espaço na mídia
mundial e é um das causas que preocupam a sociedade e as autoridades competentes pelo
número de casos sem resolução e que as pessoas ou seus corpos estão desaparecidos. Isto
ocorreu em São Paulo, no caso do “maníaco do parque” Francisco de Assis Pereira, na
qual são atribuídos pelo menos 06 assassinatos.
Os assassinos em série é fenômeno mundial e que por traz destas ocorrências
existem histórias de estupros, sodomia, ritualismo entre outras práticas. Dentre os casos de
repercussão mundial, foram os crimes praticados por um professor belga, como citado pela
reportagem a seguir:
Professor belga admite ser assassino em série e reivindica 15 mortes
28
Ronald Janssen confessou crime cometido em janeiro, casos arquivados e vários
estupros.
A confissão de um professor de segundo grau, que admitiu ser um assassino em
série e afirmou ter matado até 15 pessoas e estuprado diversas outras durante os
últimos dez anos, sem despertar a menor suspeita, está chocando a sociedade
belga(...) .Van Uytsel foi relacionada agora ao suspeito porque os investigadores
26
O autor utilizou das Fontes: SIM- Sistema de Informação da Mortalidade/DATASUS e IBGE.
27
Tabela reproduzida parcialmente.
28
Estado Online, quarta-feira, 13 de janeiro de 2010, disponível em:
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,professor-belga-admite-ser-assassino-em-serie-e-reivindica-15-
mortes,495138,0.htmhttp://www.estadao.com.br/noticias/geral,professor-belga-admite-ser-assassino-em-
serie-e-reivindica-15-mortes,495138,0.htm
60
do caso lembraram que o último sinal emitido por seu celular na noite de seu
desaparecimento foi captado por uma antena de Halen, próxima à casa de
Janssen e longe do local onde a vítima foi vista pela última vez. Os relatos do
professor de desenho industrial foram se multiplicando e, na terça-feira, o
assassino em série confesso teria reivindicado um total de 15 assassinatos, todos
por motivos sexuais, além de "diversos" estupros. Jornais locais afirmam que
suas vítimas teriam entre 15 e 28 anos e os crimes teriam começado no início da
década de 90, quando Janssen era estudante da universidade belga de
Louvain(...)
Os assassinatos de meninos em Altamira, Pará, tinha outra caracteristica, mas
chocou a sociedade brasileira nos anos 90. Eram meninos
29
, com idade que variava entre 8
e 14 anos, após serem seqüestrados eram castrados (emasculados). Os crimes aconteceram
entre 1989 e 1993 e tinham motivação por rituais de magia negra. As crianças encontradas,
mortas ou vivas, estavam nuas, algumas com orifícios de arma de fogo, queimaduras de
cigarro, olhos arrancados, pulsos cortados, órgãos sexuais extirpados cirurgicamente,
sofreram abuso sexual e sevícias. Até hoje a cidade tem 04 meninos da mesma época e
com a mesma faixa etária, que até hoje estão desaparecidos.
Não existe nenhum estudo brasileiro que associa os desaparecimentos pessoas com
o número de homicídios. Desta forma, teria que desenvolver um estudo nos boletins de
ocorrência de desaparecimento e relacionar com os cadáveres encontrados com indícios de
homicídios ou latrocínios. Contudo também deveria ser aprofundado outros documentos de
investigação sobre essas mortes, visto que uma aparente morte por afogamento pode ter
sido causada por uma intenção concreta de matar.
Oliveira, neste sentido, chama a atenção para o sub-registro e dentre as questões
que considera importante, revela:
Além de ter os mesmos problemas de sub-registro que o SIM (cemitérios
clandestinos, corpos jogados ou enterrados em lugares inóspitos, etc.), os
boletins de ocorrência, principalmente nos casos de homicídios, pecam pela
falta de acompanhamento posterior ao incidente. Assim, casos registrados,
como de lesão corporal, se a evolução posterior levou a morte da vítima, é
pouco provável a mudança de figura delitiva no boletim de ocorrência. (2007:
130)
Outro fenômeno associado à violência urbana são os casos de subtração de incapaz,
seqüestro e rapto que acontecem nos espaços urbanos, seja por pessoas conhecidas da
vítima, seja por pessoas sem qualquer vínculo com ela, são desaparecimentos em que o
indivíduo foi involuntariamente cooptado por outrem. Existem casos em que a subtração é
29
disponível em: http://www.hcnet.usp.br/ipq/nufor/pdf/meninos.pdf
61
feita de forma consciente por um dos pais ou parentes sem a devida aceitação do guardião
de fato.
Os acidentes automobilísticos também são considerados um problema associado à
mobilidade das pessoas nas grandes cidades. Eles podem em algumas situações levar ao
desaparecimento de pessoas. Como nos casos em que o automóvel caiu num rio ou foi
levado por uma enxurrada. Outros acidentes nos espaços urbanos podem levar ao
desaparecimento, como ocorre nas grandes cidades litorâneas, na qual o índice de
desaparecimento é grande, com uma grande possibilidade do desaparecimento ter sido
causado por afogamento. Estes casos são recorrentes, como mostra a reportagem do Estado
de São Paulo, abaixo:
Bombeiros encontram corpos de jovens desaparecidos no PR
30
Jovens foram vítimas de afogamento no litoral paranaense durante o réveillon
na cidade de Guaratuba
O corpo de um jovem foi encontrado na tarde deste sábado, 2, próximo ao
Morro do Cristo, em Guaratuba, no litoral do Paraná, segundo informações do
Corpo de Bombeiros. Após o resgate, por volta das 17 horas, o corpo foi
encaminhado ao Instituto Médico Legal de Paranaguá e identificado por
familiares como o de Samuel da Silva Fernandes, de 21 anos, morador de
Pinhais, que se afogou na manhã do dia , entre os postos de Coroados e Mar
Doce, em Guaratuba. Por volta das 20 horas do sábado, foi encontrado também
o corpo de Eduardo Paulino de Lima, de 17 anos, morador de Curitiba, que se
afogou por volta das 22h15 horas do dia 31, nas proximidades da Avenida Ponta
Grossa, em Guaratuba. Ele foi localizado na Ilha dos Ratos que fica nas
proximidades da trajetória de travessia do Ferry Boat.Na manhã deste domingo,
3, durante busca com a moto aquática, o piloto do Corpo de Bombeiros avistou
o corpo de Robert Luiz Santana, de 14 anos, que era morador de Ponta Grossa e
se afogou no final da tarde de sexta, na prainha próxima à entrada da Baía de
Guaratuba. Ele foi encontrado próximo ao local do afogamento.Ainda na manhã
deste domingo, um pescador avistou o corpo de um homem, a aproximadamente
2,8 quilômetros da costa, em Coroados. Ele estava em avançado estado de
decomposição, trajando sunga preta e com tatuagens nas pernas. O corpo foi
encaminhado ao IML de Curitiba para ser identificado. Não havia solicitações
de busca nem aviso de desaparecimento.
A outra situação de violência associada aos centros urbanos são os suicídios.
Obviamente não se pode relacionar o suicídio a vida urbana, todavia Durkheim, em seu
livro “O Suicídio: Estudo Sociológico” evidencia que o suicídio é um importante indicador
da vida social. O autor esclarece que a sociedade não se resume como produto da ação do
homem e da consciência individual. Ao contrário disto, o comportamento humano, sua
30
Estado Online, Solange Spigliatti, domingo, 3 de janeiro de 2010, disponivel em: www.estadao.com.br
62
forma de agir e pensar no mundo é resultado da realidade exterior a ele, e que em cada
momento, a elas se conformam. Portanto o suicídio passa a ser um termômetro social, na
qual a vida em sociedade, ou como a sociedade se estrutura, não está adequado para o
indivíduo.
Embora os estudos de Durkheim, tenha uma enorme relevância ao mundo cientifico
e da sociologia moderna, existem algumas críticas ao seu trabalho, ao dar uma importância
grande aos reguladores sociais sobre o comportamento individual, deixando de lado os
aspectos psíquicos. É claro a influência da sociedade na constituição psíquica do homem,
mas deve-se considerar que esta relação é dentro de uma tensão constante do homem em
relação ao seu meio social. A totalidade se dá a partir desta tensão existente entre indivíduo
e cultura, e é desta forma também que deve-se entender o desaparecimento de pessoas.
Os estudos de Waiselfisz revela a inexistência de suicídios no país na faixa etária
até 10 anos, ou seja, quando a criança está em formação, em pleno desenvolvimento e
maturação de seu físico, de sua inteligência e de sua vida social. Com o desenvolvimento
cognitivo e o aumento da consciência sobre a sua condição no mundo a taxa por 100.000
habitantes, passa a crescer:
Tabela III
31
– Taxa de Suicidios (em 100.000)
Por Idades/ Faixa Etária
Brasil - 2000
Idade/Faixa Taxa de Suicídios
0 a 4 anos 0
5 a 9 anos 0
10 a 14 anos 0,5
15 anos 1,9
16 anos 2,4
17 anos 3,0
O desaparecimento de pessoas pode ter sido uma opção do indivíduo, que teve o
desejo de tirar sua vida, todavia esta opção está conectada com o social. Se ele quis se
jogar no rio ou mar, para não ser encontrado, tinha em mente o desejo de sumir
efetivamente. Todavia as pessoas que conviveram com a pessoa desaparecida não saberá
de nada, se isto for feito de maneira escondida, sem deixar qualquer pista de seu
desaparecimento. Neste aspecto o fenômeno do suicídio reforça nossa tese do
desaparecimento de pessoas como um fenômeno social.
31
Tabela reproduzida parcialmente.
63
II.4.2 - A violência familiar e doméstica
Quando debate-se em relação à violência familiar ou intrafamiliar, logicamente está
refletindo sobre as violências ocorridas no seio familiar, cometida por um dos membros da
família. No conceito moderno de família, não existe espaço para o modelo nuclear
burguesa, composta pelo pai, mãe e filhos. Hoje, o conceito de família é mais amplo,
envolvendo outras pessoas com relação de consangüinidade ou afinidade e que são
pertencentes ao mesmo grupo familiar, como: tios, padrastos, enteados, primos e avôs, que
têm uma missão de cuidar das demandas do núcleo familiar, mas não moram
necessariamente no mesmo lar. A diferença da violência familiar da violência doméstica é
que esta última está circunscrita ao ambiente em que a violência ocorreu. Na violência
doméstica os autores podem ser pessoas que não pertencem ao núcleo familiar, como:
empregados domésticos, namorados, amigos ou conterrâneos que vivem no mesmo
ambiente da pessoa agredida.
Nos estudos sobre o desaparecimento, Gattás e Fígaro-Garcia, destacam as
ocorrências de violência no âmbito da família ou do domicílio, tipificando esta violência
em: maus tratos, violência doméstica, negligência, abuso sexual/incesto, exploração sexual
infantil. As autoras fazem uma distinção de maus tratos de violência doméstica, sendo que
o primeiro conceito refere-se à violência direta sofrida pelas crianças e adolescentes e o
segundo refere-se aos comportamentos violentos indiretos que ocorrem no seio familiar,
geralmente brigas entre marido e mulher, chamada também de violência conjugal.
A violência familiar ou doméstica comporta todos estes conceitos, mas parte-se da
conceitualização de Azevedo e Guerra, que entende que maus tratos é um termo valorativo
em que os maus tratos às vezes são necessários para muitos pais, pois eles estão educando
as crianças a serem boas. Todavia os maus tratos não deixam de ser uma violência, que em
nome de uma educação, exacerba o direito de educar dos pais, ou seja, os pais como
educadores passam a cometer abusos contra seus filhos.
A violência entre os cônjuges pode desdobrar para um outro conceito: a violência
contra a mulher. O Brasil avançou na defesa e na proteção de mulheres que são
sistematicamente aviltadas por seus maridos ou companheiros, foi a lei Maria da Penha.
Essa lei possibilita uma ação mais rápida das autoridades para coibir a violência contra a
mulher. Nos conflitos conjugais são comuns os “desaparecimentos” de um ou mais pessoas
do núcleo familiar, visto que alguns casos a mãe leva consigo seus filhos. O marido pode ir
a delegacia abrir um Boletim de Ocorrência do sumiço da esposa e dos filhos. A subtração
64
de incapaz ou o rapto familiar, este último conceito utilizado pela Fundação para Infância e
Adolescência – FIA/RJ, são comuns nos casos de conflitos, brigas e separações conjugais.
A violência familiar e/ou doméstica tem sido apontada como a maior responsável
pelo desaparecimento de pessoas, quando está associada à fuga do lar. A fuga por sua vez é
uma atitude de intolerância frente às dificuldades no relacionamento entre as pessoas.
Caberia aqui uma profunda discussão sobre a família e como ela está organizada em nossa
sociedade, porém nosso objetivo não é esgotar essa discussão, deixando para que outros
trabalhos possam debater sobre a questão do desaparecimento e a família do desaparecido.
II.4.2.1 - A violência doméstica contra crianças e adolescentes
As estatísticas mostram uma íntima relação dos casos de desaparecimento e a
violência doméstica contra crianças e adolescentes: a fuga de crianças e adolescentes do
lar, segundo Gattás e Figaro-Garcia, 65% dos casos estudados a criança/adolescente foge
sozinha de sua família, sendo que 10% dos casos existem alguma incidência de maus-tratos
(direto) e de violência doméstica (indireta) contra os “fugitivos”. Soma-se mais 4% dos
casos com algum tipo de abuso sexual, infração e situação de miséria das famílias,
propiciando a fuga delas. Outro indicador aponta que 28% das 84 crianças e adolescentes
desaparecidos, revelam que fizeram isto por conflitos familiares. Por estes motivos trazido
pelos entrevistados, mais de 42% casos a criança ou adolescente desapareceu mais de uma
vez de seus familiares, sendo que em 12 casos a criança e o adolescente já tinha perdido a
conta de quantas vezes havia fugido, colocando assim que a violência é um fator
determinante para o desaparecimento de crianças e adolescentes.
A violência contra crianças e adolescentes não é um fato recente. Por longos
períodos da história foi uma prática habitual, justificada e aceita pelas diferentes
sociedades. Os primeiros relatos sobre a criança brasileira datam do século XVI, com a
chegada dos jesuítas no Brasil. Os jesuítas introduziram os castigos e ameaças no Brasil
colonial, sendo atribuído ao padre Luis da Grã, em 1553, a frase: “sem castigo, não se fará
a vida”. No século XVIII, registros do tratamento dado às crianças abandonadas na
cidade de São Paulo, como os filhos de mães solteiras, viúvas ou extremamente pobres,
que eram chamados expostos”. No entanto, apesar da violência contra crianças e
adolescentes ser identificada em relatos históricos, seu reconhecimento, como sendo um
problema, é relativamente recente.
65
A partir do século XIX, começaram a surgir textos médicos sobre a violência
praticada contra crianças. Na França o primeiro trabalho foi escrito em 1860 por Tardieu,
pioneiro na utilização do termo “criança espancada” (Azevedo e Guerra, 1997). O grande
avanço em relação à violência contra crianças e adolescentes ocorreu a partir de 1961,
quando Henry Kempe descreveu a Síndrome da Criança Espancada. Esta síndrome, para
Kempe, ocorria em crianças de baixa renda, com graves ferimentos em épocas diversas, e
explicações discordantes ou inadequadas fornecidas pelos pais, sendo o diagnóstico
baseado em aspectos clínicos e radiológicos.
Após os anos 60, a área de saúde começou a preocupar-se com a violência contra
crianças e adolescentes, sobretudo a área de pediatria, que no Brasil passou a tratá-la como
um problema de saúde. Em 1973 foi descrito por um professor da Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo, o primeiro caso de espancamento de uma criança na
literatura nacional. Azevedo & Guerra (1997) atentam para o uso dos termos violência e
violência doméstica, substituindo o termo médico “maus-tratos”, pois o primeiro indica a
presença de uma relação assimétrica, hierárquica, de poder com fins de dominação e
opressão.
Em 1988, o texto da atual Constituição Brasileira, no artigo 227, assegura os
direitos à criança e ao adolescente, que deixam de ser vistos como propriedade do país. Até
a promulgação da presente Constituição, a infância não era vista como uma fase específica
e própria da vida, e nem a criança considerada como um sujeito de direitos. Até o limiar
deste século ela foi definida, inclusive juridicamente, como fase da incapacidade, da tutela,
da menoridade, com as obrigações de obediência e submissão.
De acordo com os estudos realizados na área da infância e da juventude,
convenciona-se que o termo vitimizar refere-se exclusivamente a situações de violência
física, sexual, psicológica, abandono e negligência presente em todas as classes sociais, em
contraposição ao verbo vitimar, que alude à precariedade das condições objetivas de vida e
está associado à pobreza.
A violência, que, no cotidiano, é apresentada como abuso sexual, psicológico ou
físico, de crianças e adolescentes, é, pois, uma articulação de relações sociais gerais e
específicas, ou seja, de exploração e de forças desiguais nas situações concretas. Esta
violência manifesta, concretamente, uma relação assimétrica de poder que se exerce pelo
adulto ou mesmo não adulto, porém mais forte, sobre a criança e o adolescente num
processo de apropriação e dominação não do destino, do discernimento e da decisão
livre destes, mas de sua pessoa enquanto outro. Esse uso, chamado abuso, do poder da
66
força é, de fato, uma profunda desestruturação de uma relação de poder legitimado pelo
direito e pelo diálogo, pela autoridade na dinâmica de ensino/aprendizagem mútua vivida
no questionamento comum do mundo e na construção da autoridade legítima (Faleiros,
1995).
Faleiros (1995) ainda ressalta que a desestruturação do poder legítimo é a expressão
da repressão e do autoritarismo, é a escravidão do outro a si, uma manifestação da relação
de domínio do outro, presente tanto na esfera familiar e doméstica como em diferentes
contextos institucionais de poder (escola, polícia, comércio, mídia, igreja). É a
desestruturação do poder simbólico da proteção do adulto e do adulto pai/parente,
desestruturação dos referenciais culturais da família como formadora da identidade, da
socialização e mesmo da ideologia da convivência familiar.
Nesse contexto, pode haver graves conseqüências internas e externas da violência
doméstica na criança e no adolescente. Westphall (2002), num estudo de delinqüência
juvenil no Recife e no Rio de Janeiro, afirma que a idade média dos infratores é de 17 anos
e todos vivenciaram, desde a infância, questões negativas emocionais, a maioria causada
por agressões físicas, psicológicas e abandonos. A autora também chama a atenção para as
mais freqüentes conseqüências psíquicas e de comportamento, vindas da violência
doméstica. A saber: Dificuldade de concentração e danos à memória decorrente de
problemas de sono e tentativas de evitar lembranças dolorosas; Ansiedade excessiva,
especialmente com a mãe, temendo deixá-la ou dormir a sós; Jogos agressivos; Ações
violentas para esconder o medo; Restrição nas atividades, exploração e pensamento, por
medo de reviver pensamentos traumáticos. (Westphall, 2002)
A chamada violência doméstica é equivocadamente definida pelo “locus” onde se
realiza: a casa. Em realidade ela é resultado de relações de poder. Esse poder não se
expressa somente no uso da força de adulto, de mais velho, mas também pelas artimanhas
da sedução, da persuasão e do uso do imaginário, de tal forma que a criança vitimizada
pareça uma preferida. A vitimização inverte a relação de proteção em relação de prejuízo
para o outro, causando-lhe trauma. Segundo Guerra (1997), violência doméstica é definida
como sendo:
(...) todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra
crianças e/ou adolescentes que sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou
psicológico à vítima – implica de um lado, numa transgressão do poder/dever de
proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa
negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos
e pessoas em condições peculiares de desenvolvimento.
67
A minimização dessa violência está na relação de uma cultura continente as
necessidades da criança e de garantia de seus direitos. Implica em notificar
permanentemente a quebra deste respeito, da proteção e de trocas afetivas e de
aprendizagem e também implica coibir os abusos, enfrentar as ameaças e os segredos,
proteger as vítimas e as testemunhas. Estas ações, no entanto, não se inscrevem na crítica
do imaginário do segredo. Reforçam a cultura de que existem apenas alguns desvios
individuais de conduta de acordo ao paradigma da patologia sexual causadora do abuso. O
paradigma da crítica cultural, que aqui estamos preconizando, aliada a critica da
desigualdade, significa a crítica de um modo de viver a relação social e a relação sexual
pela dominação, pela discriminação e pela exploração.
II.4.2.2 - A violência sexual contra crianças e adolescentes
A violência sexual contra crianças e adolescentes pode ser dividida em abuso
sexual e exploração sexual. O abuso sexual é uma das causas mais substanciais para a fuga
de casa e com isto o desaparecimento de crianças e adolescentes. Segundo Azevedo e
Guerra (1997) o abuso ou vitimização sexual é:
(...) todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual
entre um ou mais adultos e uma criança menor de dezoito anos, tendo
por finalidade estimular sexualmente a criança ou utilizá-la para obter
uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa.
Os tipos ou formas de abuso sexual podem envolver contato sexual com penetração
(oral, vaginal e anal), sem penetração (tentativa para ter sexo oral, vaginal e anal),
atividade sexual envolvendo toque, carícias e exposição do genital, exploração sexual
envolvendo prostituição, pornografia, voyeurismo e assédio sexual (Ippólito, 2004). Em
relação ao contexto, o abuso sexual pode ser intrafamiliar, extrafamiliar ou institucional.
O abuso sexual intrafamiliar é o mais freqüente e envolve a atividade sexual entre
uma criança ou adolescente e um membro imediato da família (pai, padrasto, irmão) ou
próximo (tio, avô, tia), ou com parentes que a criança considere membros da família
(Ippólito, 2004). Esta forma de abuso é uma manifestação da transgressão do poder
familiar e costuma ser crônica, recidivante e sem violência.
68
O abuso sexual extrafamiliar é qualquer forma de prática sexual envolvendo uma
criança /adolescente e alguém que não faça parte da família. Na maioria dos casos, o
agressor é conhecido e tem acesso à criança (ex.: vizinho, religioso, professor, babá, amigo
da família).
Estes casos habitualmente chegam ao sistema de saúde via Serviços de Emergência,
onde a família procura rapidamente o atendimento, relatando o abuso. O abuso sexual
institucional ocorre em instituições, cuja função é cuidar da criança no momento em que
esta está afastada da família. Pode ser praticado por uma criança maior ou adolescente ou
pelos próprios cuidadores ou funcionários (Ippólito, 2004).
A fuga das instituições se constitui um problema, principalmente nos casos dos
abrigos ou casas-lares. As crianças e adolescentes que estão acolhidas por estas
instituições, foram colocadas para sua proteção e a garantia integral de seus direitos. Elas
estão por conta do Estado na figura do juiz de direito que garante sua defesa e proteção, e
as instituições têm o dever de guarda, provendo todas as necessidades da
criança/adolescente. Na medida em que elas desaparecem, de quem é a responsabilidade?
Quais as medidas cabíveis nestes casos?
As crianças e adolescentes que estão em poder do Estado, estão por que foram
violadas em seus direitos, sofreram: negligência, abandono, violência física, psicológica ou
sexual. Algumas delas são órfãos de mãe e/ou pai e não tem ninguém que é responsável
por ela. Muitas dessas crianças e adolescentes não possuem filiação definida ou são de
filiação duvidosa, o que levanta outra questão: estas crianças/adolescentes podem estar
desaparecidas?
A outra face da violência sexual é a exploração sexual de crianças e adolescentes, e
quando se estabelece uma relação comercial caracterizada pela relação sexual de uma
criança ou adolescente com adultos, mediada pelo dinheiro ou pela “troca de favores”. Esta
prática tem sido milenarmente denominada de “prostituição”. Entretanto o termo
prostituição engloba várias modalidades de práticas sexuais mediadas por dinheiro ou troca
de favores. Destacamos que nas relações desiguais de poder e dominação social ocorridas
na sociedade não cabe denominar uma menina como “prostituta”, mas, sim, como objeto
da exploração sexual, ou seja, ela é “prostituída” por um sistema perverso que impede seu
pleno desenvolvimento. Como mostra a reportagem divulgada no Estado, online em
16 de
novembro de 2009:
69
Americana é acusada de prostituir filha de 5 anos
32
Menina está desaparecida desde terça-feira; polícia realiza buscas na região.
A mãe de uma menina de cinco anos desaparecida quase uma semana no
Estado da Carolina do Norte, Estados Unidos, foi acusada de tráfico humano
após suspeitas de que ela teria permitido que sua filha fosse abusada
sexualmente. De acordo com documentos da polícia de Fayetteville, Antoinette
Nicole Davis, de 25 anos, foi presa na noite de sábado, acusada de permitir que
sua filha, Shaniya, fosse levada "com a intenção de ser mantida em servidão
sexual". Shaniya Davis está desaparecida desde a manhã de terça-feira passada,
quando a mãe alertou a polícia que ela tinha sido levada da casa onde a família
morava. A criança continua desaparecida e as buscas por ela agora
envolvem a polícia de Fayeteville, helicópteros e o FBI. O sargento da polícia
da cidade, John Somerindyke disse ao jornal local Fayeteville Observer que
espera encontrar Shaniya viva. A polícia de Fayetteville afirma que recebeu
centenas de pistas sobre o paradeiro da criança e fotos de Shaniya já foram
divulgadas em rede nacional.
O Documento oficial do “Congresso Nacional contra Exploração Sexual”, ocorrido
em agosto de 1996, em Estocolmo-Suécia, referenda que:
A exploração sexual de crianças é uma questão mais de abuso de poder do que
de sexo. A indústria bilionária, ilegal, que compra e vende crianças como objetos
sexuais, sujeita-as a uma das mais danosas formas de exploração do trabalho
infantil, coloca em risco sua saúde mental e física, e prejudica todos os aspectos
de seu desenvolvimento. Constitui uma das piores violações dos direitos
humanos, e foi identificada por muitos órgãos nacionais e internacionais como
uma forma moderna de escravidão. Sua cobertura é trans-nacional, seu impacto
transgeracional. A exploração sexual comercial de crianças ocorre virtualmente
em todos os países do mundo e afeta milhões de crianças. A prostituição, a
pornografia, e o tráfico de crianças com propósitos sexuais, conecta pequenas
cidades e grandes centros urbanos interliga os países em desenvolvimento, e os
liga a países desenvolvidos: a Europa Oriental aos Estados Unidos, o Nepal à
Índia, o Brasil ao Japão. (in Faleiros, 2000: 71)
A exploração sexual comercial tem uma relação direta com a categoria abuso
sexual (intrafamiliar e extra-familiar), visto que muitas pessoas sofreram uma violação na
sua integridade sexual e não conseguem sair desta condição. Existem vários tipos de
exploração sexual, como: a pornografia, o turismo sexual, exploração sexual convencional
(prostituição) e o tráfico. O tráfico para fins sexuais de pessoas pode ocorrer internamente
no próprio país de origem do traficado, como pode ocorrer internacionalmente.
32
Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/geral,americana-e-acusada-de-prostituir-filha-de-5-
anos,467226,0.htm
70
Todas as modalidades de exploração sexual podem ter na origem a fuga ou o
desaparecimento de pessoas. As redes de aliciamento para o trabalho escravo ou para o
“mercado sexual” utilizam-se de pessoas que foram cooptadas, raptadas ou iludidas com
promessas de realização financeira. Neste sentido o indivíduo que está na exploração
sexual pode estar de forma voluntária ou pode estar de forma involuntária.
Em relação às Redes de Aliciamento, exemplos concretos, de quadrilhas nacionais e
internacionais desbaratadas no Brasil, que aliciavam suas vítimas na porta de escolas. O
fenômeno não se restringe às cidades turísticas e aos grandes centros. Pelo contrário,
propaga-se em pequenas cidades do interior do país, que também possuem suas redes
locais de exploração.
Agências de modelos, vídeo locadoras, casas de jogos on-line, fotógrafos
profissionais, agências de oferta de emprego internacional, entre outras, podem ser
eventualmente “fachadas” para o aliciamento e a exploração sexual e, por isso, merecem
ser alvos da atenção dos pais, educadores e autoridades encarregadas do cuidado, proteção
e formação de crianças e adolescentes. (Ippólito, 2004)
A prostituição no Brasil é considerada uma atividade livre, prevista no Código
Brasileiro de Ocupação CBO, como uma ocupação econômica, que pode ser praticada
por pessoas adultas com a finalidade de permitir atividades sexuais para obtenção de lucro
em espécie ou qualquer outro benefício, seja material ou subjetivo. Assim, para a pessoa
que se prostitui, implica num certo grau de consciência para decidir o que faz, ainda que
pressionada por fatores sócio-econômicos.
Todavia se a prática envolve crianças e adolescentes em atos sexuais ou
pornográficos com adultos, fica caracterizada como crime de acordo com a Lei 8069/90 -
ECA e pode denominar como exploração sexual. Prostituir criança e adolescentes implica
no ato de troca de favores sexuais por bens materiais ou sociais. Há uma relação de
movimentação da mercadoria pelos serviços prestados, na qual existe na ponta o prestador
de serviços e na outra o cliente que recebe o produto. O agenciador ganha na mediação
entre um e outro. (Faleiros, 2000)
São exploradores tanto os clientes que paga pelos serviços, como os intermediários
em qualquer vel, ao induzirem, facilitarem ou obrigarem crianças e adolescentes a se
prostituir, para manterem relações sexuais com adultos - ou mesmo adolescentes mais
velhos – ou serem usados na produção de material pornográfico.
O tráfico para fins de exploração sexual de crianças e adolescentes, segundo o
protocolo de Palermo do qual o Brasil é signatário diz:
71
Tráfico de pessoas significa o recrutamento, transporte, transferência, abrigo e
guarda de pessoas por meio de ameaças, uso da força ou outras formas de
coerção, abdução, fraude, enganação ou abuso de poder e vulnerabilidade, com
pagamento ou recebimento de benefícios que facilitem o consentimento de uma
pessoa que tenha controle sobre outra, com propósitos de exploração. Isso
inclui, no mínimo, a exploração da prostituição de terceiros ou outras formas de
exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas
similares à escravidão, servidão ou remoção de órgãos
33
.
Como uma das modalidades de exploração sexual, sua prática envolve atividades de
cooptação e/ou aliciamento, rapto, intercâmbio, transferência e hospedagem da pessoa
recrutada para essa finalidade. (Libório e Gomes, 2004)
A forma mais recorrente é que o tráfico para fins de exploração sexual de crianças e
adolescentes ocorra de forma “maquiada” por agências de modelo, turismo, trabalho
internacional, namoro-matrimônio e, mais raramente, por agências adoção internacional.
Muitas jovens, seduzidas por uma mudança de vida rápida ou sucesso fácil, embarcam para
outros estados do país ou outros paises e lá se vêem forçadas a entrar no mercado da
exploração sexual. De acordo com as normativas nacionais e internacionais o tráfico de
mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial é crime, e uma
violação dos direitos humanos.
No tráfico de mulheres, crianças e adolescentes nacional ou transnacional, as
pessoas são exploradas não somente nas atividades sexuais comerciais (prostituição,
turismo, pornografia e trafico para fins sexuais), mas também de outras formas: no trabalho
forçado e escravo, na agricultura, nas casas de entretenimento, na pesca, nos serviços
domésticos e outros.
dificuldade em se dar visibilidade ao fenômeno por se tratar de uma questão
relativa ao crime organizado ou que envolve corrupção, e pela fragilidade das redes de
notificação existentes nas estruturas de poder governamentais. A notificação rápida do
desaparecimento pode ajudar na busca e localização destas pessoas, antes que elas possam
efetivamente sumir e participar destas Redes.
33
Artigo 3
o
, parágrafo A do Protocolo de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas,
especialmente Mulheres e Crianças, complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional.
72
Ao se estabelecer uma relação objetiva entre globalização e o tráfico de seres
humanos, o fenômeno emerge inserido numa economia clandestina e ilegal, organizada em
redes locais e transnacionais, estruturadas por meio de mecanismos que viabilizam o
recrutamento e o aliciamento de mulheres, crianças e adolescentes, reforçando a
dependência social, econômica e psicossocial destes segmentos (Leal e Leal, 2002).
Até nas catástrofes existem a possibilidade de tráfico de crianças, mascarando a
situação das adoções ilegais como destaca o Estado, como forma de ação humanitária:
ONU denuncia tráfico de crianças
34
Pelo menos 15 menores foram tirados de hospitais nesta semana
A ONU denunciou ontem a existência de uma rede de tráfico de crianças do
Haiti, pedindo que a adoção seja apenas a última opção. Segundo a entidade,
registro de que pelo menos 15 menores desapareceram de hospitais haitianos
nesta semana. As investigações indicam que a rota mais usada é a República
Dominicana, de onde são mandadas para países ricos. Até meados de fevereiro,
7 mil mulheres darão à luz em meio ao caos no Haiti. Para a entidade, trata-se
hoje de um dos países mais perigosos do mundo para se ter um bebê. O risco de
morte de parturientes é 8 mil vezes superior no Haiti em comparação a um país
rico.Em entrevista ao Estado, o chefe do departamento de proteção à infância da
Unicef para as Américas, Jean Luc Legrand, alertou que existem informações
que famílias americanas estariam pagando até US$ 45 mil para adotar crianças
haitianas. Ele admite que os desafios hoje no Haiti são importantes e a entidade
criou um sistema para tentar monitorar todos os menores que deixem o país pelo
aeroporto. "Estamos tentando monitorar isso e também fazer um registro de
todas as crianças que estão sozinhas. Temos notícias de embarque de grupos de
crianças em aviões." Uma rede de ONGs que trabalham com crianças também
informou à Unicef o desaparecimento de 15 menores. A rede teme que esse
número seja apenas a ponta de um iceberg - 47% dos haitianos têm menos de 18
anos e 20% menos de 5 anos.O caminho do tráfico é complexo, mas está sendo
beneficiado pelo caos no país. Inicialmente, as crianças são retiradas de
hospitais e orfanatos. Os traficantes normalmente dão parte do dinheiro obtido
aos donos das instituições onde estão os menores. Em outros casos, são apenas
pegas nas ruas. "Não digo que não haja órfãos. Mas não é porque uma criança
está sozinha que ela seja órfã. Além disso, ela pode ter parentes em outras partes
do país ou vivendo no exterior. Por isso, rejeitamos, por enquanto, dizer quantas
crianças ficaram órfãs no terremoto", disse. O segundo passo do tráfico é fazer
essas crianças chegar a Santo Domingo. Lá, seus documentos são falsificados e
elas são enviadas principalmente para EUA, França, Bélgica, Canadá e Itália.
"A Unicef gostaria de lembrar a todos esses governos que eles assinaram
tratados internacionais relativos a adoção e ao tráfico e pedimos que, neste
momento, cumpram suas obrigações de fiscalizar", disse Legrand. Vários
governos europeus anunciaram que estão facilitando os processos para famílias
que desejam adotar crianças haitianas.
34
O Estado de São Paulo
Jamil Chade,
Versão Impressa , Sábado, 23 de Janeiro de 2010 , disponível em:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100123/not_imp500290,0.phphttp://www.estadao.com.br/estada
odehoje/20100123/not_imp500290,0.php
73
O tráfico internacional de crianças é uma realidade mundial e serve tanto para
abrandar o sofrimento de milhares de casais e pessoas que não podem ter filhos, como
também serve de forma perversa para o tráfico de órgãos. Portanto com as catástrofes,
quem tira proveitos econômicos e sociais dos vulnerabilizados e acentuam mais o
desaparecimento de pessoas, principalmente de crianças.
II.6 - O DESAPARECIMENTO E OS REGIMES TOTALITÁRIOS
O desaparecimento tornou-se um fenômeno evidente associado aos regimes
políticos totalitários, considera-se para todos os efeitos que os regimes totalitários se
constituem pelo controle de todas as atividades sociais dentro de um país, sejam elas de
natureza política, econômica, religiosa, culturais e enfim do poder completo sobre o Estado
e sobre as liberdades individuais.
Os regimes totalitários podem ser de natureza religiosa, militar ou de certos grupos
que querem impor uma determinada ideologia. São conhecidos os regimes socialistas e/ou
comunistas como existem até hoje na China, Coréia do Norte ou em Cuba. O stalinismo
que ocorreu na antiga União Soviética e em muitos países do leste europeu, são exemplos
históricos de regimes comunistas.
regimes totalitários que estão ligados a religião, e não são considerados Estados
laicos, mas Estados condicionados ao poder da religião, como ocorre com os Estados
islâmicos como o Irã, Paquistão, Afeganistão e a Mauritânia.
Irã acusa mídia estrageira de 'unir forças' com oposicionistas
35
(...) Denúncia
O sindicato de imprensa dos Emirados Árabes Unidos denunciou o
desaparecimento do correspondente da televisão estatal de Dubai em Teerã no
domingo. Em um uma nota divulgada nesta terça, o presidente deste organismo,
Mohammed Youssef, pediu à União Internacional de Jornalistas que intervenha
para saber o paradeiro do jornalista sírio Rida al-Basha, após se perder qualquer
tipo de contato com ele no domingo passado.O desaparecimento do jornalista de
nacionalidade síria coincidiu com a celebração da festividade xiita da Ashura,
que foi aproveitada pela oposição iraniana para realizar maciças manifestações
de protesto, reprimidas com brutalidade pelas autoridades iranianas.O
35
Agência Estado Reuters, terça-feira, 29 de dezembro de 2009, disponível em:
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,ira-acusa-midia-estrageira-de-unir-forcas-com-
oposicionistas,488170,0.htmhttp://www.estadao.com.br/noticias/internacional,ira-acusa-midia-estrageira-de-
unir-forcas-com-oposicionistas,488170,0.htm
74
comunicado não dá detalhes sobre as circunstâncias nas quais o correspondente
desapareceu, nem precisa se estava cobrindo as manifestações quando sumiu.
Os sistemas políticos fechados, ou chamados não democráticos, tenta impedir toda
e qualquer tipo de propagação de informações não autorizadas, isto ocorre para manter o
sistema em ordem, com a finalidade de aplacar as revoltas e evitar a visibilidade das
contradições existentes no país.
O nazismo de Adolf Hitler e o fascismo de Benedito Mussolini são exemplos de
ditaduras assumidos por grupos de uma determinada posição ideológica, que querem se
manter no poder, perseguindo todos os opositores, grupos étnicos e pessoas que não se
adequavam ao sistema imposto. O clima xenofóbico propiciou que milhares de judeus,
negros, homossexuais e militantes de diferentes correntes ideológicas fossem exterminados
ou obrigados a deixar seus países.
O genocídio, o assassinato e a morte de pessoas, tornaram-se um fenômeno comum
nas guerras, sendo que muitos países adotaram o símbolo do soldado desconhecido, morto
na em campo de batalha, mas que não podia mais ser reconhecido devido à
descaracterização de seu corpo. A primeira e a segunda guerra mundial foram a expressão
de um mundo desumano, na qual o desaparecimento de pessoas era uma constante.
Na América Latina os regimes totalitários anularam as manifestações individuais e
aniquilaram qualquer possibilidade de insurreição popular, perseguindo líderes e todos
aqueles que se opunham ao regime vigente. Destaca-se as ditaduras militares no Chile
36
, na
Argentina
37
e no Brasil, que como outros países, dizimou toda a possibilidade de levante
popular.
No Brasil, por exemplo, a ditadura militar, implantada por meio do golpe de abril
de 1964, cometeu várias atrocidades contra o povo e a nação brasileira. Milhares de
pessoas foram presas, torturadas e tiveram seus direitos políticos cassados; Muitos, por
serem sindicalistas, camponeses, advogados ou parlamentares, funcionários públicos,
ferroviários ou simplesmente estudantes que foram perseguidos por não corroborar com as
idéias impostas pelo regime. Algumas pessoas, como vários artistas brasileiros
conseguiram escapar para o exílio. O AI-5 (Ato Institucional nº 5) que cassou políticos e
36
O general Pinochet durante os dezessete anos de seu governo no Chile, foi acusado de ter cometido crimes
contra a humanidade. Torturas, terrorismo e genocídio ocorreram sob sua liderança.
37
Na Argentina o golpe de estado de 24 de março de 1976, fez com que uma junta militar tomasse o poder
e lançasse uma campanha contra os militantes políticos e sociais. No período de 76 à 83 o governo militar
perseguiu, prendeu, torturou muitos militantes, as estatísticas de instituições que trabalham com a questão
contabiliza que em torno de 30 mil pessoas foram mortas ou desaparecidas neste período, estimativas mais
conservadoras falam em 15 mil. ( Folha de S. Paulo - 27/07/2003)
75
suspendeu o direito de habeas corpus, silenciou toda a nação. Em 1969 foi editada nova
Lei de Segurança Nacional que instituiu a pena de morte
38
para os opositores políticos,
engrossando assim a lista de mortos e desaparecidos.
Com a derrocada paulatina dos regimes militares na América do Sul, institui-se a
possibilidade da constituição de um sistema político “aberto e participativo”. A abertura
política propiciou a instauração da chamada democracia. As famílias das vítimas pós-
ditadura nestes países se mobilizaram para repor a verdade dos fatos e apagar as seqüelas
deixadas pelos regimes. Desta forma procuraram seus governos para punir os militares e
outros executores que contribuíram para o desaparecimento de milhares de civis. Os
Movimentos Sociais e Organizações Não Governamentais nesta esfera foram criados para
forçar os governos a tomar atitudes contundentes nesta área. Os governos tiveram que
realizar ações que minimamente pudesse responder aos anseios desses grupos e de parte da
sociedade.
Entretanto, nesse período de ditadura também desapareceram pessoa por outros
motivos: o fenômeno do desaparecimento é cultural e histórico. Com certeza, os
desaparecidos políticos são apenas uma das faces do problema. Se fosse comparado o
desaparecimento de pessoas na sociedade contemporânea poderia empiricamente concluir
que o sistema atual produz mais vítimas que na época da didatura militar. Existem
oficialmente 138 ‘desaparecidos políticos’ na época da Ditadura Militar Brasileira (1964-
1985) Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a partir de 1964
39
.
Na ditadura argentina, outra prática perversa que era bastante comum era a
subtração de crianças daqueles que eram perseguidos pelo regime. Os militares retiravam as
crianças dos pais considerados subversivos e entregam as crianças para as famílias que
apoiavam o sistema ditatorial.
O caso que ganhou repercussão internacional foi da família que é dona do jornal
Clarin, que apoiou o regime militar argentino. Na época da ditadura essa família “adotou”
duas crianças de casais perseguidos. Este caso na argentina é apenas a ponta de um iceberg
maior e um exemplo de prática comum nos regimes totalitários. Como foi destacado pela
Agência Estado:
38
A emenda Constitucional n. 01 de 17 de outubro de 69, estabeleceu a possibilidade da incidência da pena
capital; da mesma forma o decreto lei n. 898 de 29 de setembro de 1969, que estabeleceu o crime contra a
Segurança Nacional, também estabeleceu a pena de morte no Brasil.
39
CEPE - Companhia Editora de Pernambuco Governo do Estado de Pernambuco, Recife, 1995
76
Herdeiros do ''Clarín'' fazem teste de DNA
40
A batalha entre a presidente argentina, Cristina Kirchner, e o Grupo Clarín
ganhou ontem um novo capítulo, quando os herdeiros do maior grupo de mídia
do país, Felipe e Marcela Noble Herrera, foram submetidos a um exame de
DNA para verificar se são filhos de vítimas da ditadura militar (1976-83), que
assassinou 30 mil civis e sequestrou 500 crianças, filhos dos presos políticos. Os
dois irmãos, ambos de 33 anos, foram adotados em 1976 quando eram recém-
nascidos por Ernestina Herrera de Noble, a presidente do Clarín.O resultado do
exame - que ficará pronto entre 15 e 45 dias - é de interesse especial de Cristina
e de seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, que seriam beneficiados por
um eventual escândalo que envolvesse a presidente do Grupo Clarín na suposta
cumplicidade com o sequestro de bebês durante a ditadura. O casal Kirchner
está em pé de guerra com o Clarín desde o ano passado. Desde então, o governo
adotou diversas medidas para reduzir o poder do grupo, que se tornou a
principal fonte de denúncias dos casos de corrupção dos Kirchners. Ernestina,
de 84 anos, afirma que Marcela foi abandonada dentro de uma caixa na porta
de sua casa, enquanto Felipe teria sido entregue por uma mulher, a mãe
biológica, que depois partiu sem deixar pistas. No entanto, organismos de
defesa dos direitos humanos, entre eles as Avós da Praça de Maio, acreditam
que os dois foram sequestrados pelos militares.Diversas famílias que possuem
filhos desaparecidos durante o regime militar pretendem saber se Felipe e
Marcela são seus netos sequestrados. O juiz federal Conrado Bergessio, no
entanto, autorizou a comparação das amostras genéticas dos jovens com o
DNA de duas famílias que abriram um processo na Justiça para exigir a
identificação dos herdeiros do Clarín. As Avós da Praça de Maio protestaram
contra a restrição e a decisão de realizar o exame no Corpo Médico Legista, em
vez do Hospital Durand, tradicional centro para esse tipo de teste. Ernestina
foi detida em 2002, suspeita de ter adotado os filhos de forma ilegal, mas foi
liberada poucos dias depois.
Os regimes totalitários do século XX, que aviltaram os direitos humanos com sua
posição antidemocrática, tiveram milhares de pessoas que seguiram seus preceitos por se
identificarem com o regime, outras não aceitaram, todavia o inimigo era visível aos olhos
dos seus opositores. Pelo contrário, na atualidade, o sistema capitalista se permite uma
opressão que vem em tons de liberdade e realização, ofuscando aqueles que
verdadeiramente oprimem a sociedade.
As manifestações em torno do problema como os panelaços das "Madres de Plaza
de Mayo" na Argentina e as mobilizações realizadas pelo grupo Tortura Nunca Mais” no
Brasil, tiveram repercussão massiva na sociedade, contudo o fato de milhares de pessoas
que por motivos variados desaparecem por dia de suas famílias não tem qualquer
repercussão na sociedade. Vimos na dia ocasionalmente Organizações Não
Governamentais, como as “Mães da Sé”, chorarem por seus filhos e/ou pupilos, mas estas
40
Agência Estado, on line, Ariel Palacios, correspondente, Buenos Aires, disponível em
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091230/not_imp488504,0.php
77
ações emotivas são insuficientes para pautarem efetivamente as reais causas do
desaparecimento de centenas de crianças e adolescentes no Brasil anualmente.
II.6 - AS CATASTROFES E O DESAPARECIMENTO DE PESSOAS
As catástrofes são comuns, podem ser consideradas como uma fatalidade levando a
pessoa ao desaparecimento de forma involuntária. Foi envolvida no caso por estar presente
no momento e no local do ocorrido. Elas podem ser divididas em dois grandes grupos: o
primeiro ocorre pela força da natureza e o segundo causado pelo o homem, chamados de
antrópicas. Os desaparecimentos por causas “naturais”, são aquelas provocadas por:
terremotos, tsunamis, maremotos, chuvas fortes, tempestades, furações, que ocasionam
enchentes, deslizamento de terras e soterramento. Existem outros fenômenos da natureza
que podem levar ao desaparecimento de pessoas como as erupções de vulcões, queimadas
por excesso de calor, aumento excessivo de temperatura como também a baixíssima
temperatura.
O terremoto na capital do Haiti, Porto Príncipe, no início de 2010, matou mais de
200 mil pessoas, segundo informações da ONU. O exercito brasileiro que fazia a
“pacificação” do país, junto com outros países, sofreu com o incidente, como destacado
pelo Estado, online:
Sobe para 14 número de militares mortos; 4 estão
desaparecidos
41
Falta de notícias alimenta a angústia e a esperança dos parentes que
acompanham as buscas no Brasil
(...) Os quatro estão desaparecidos. Por meio de nota, a mulher do militar, Cely
Zanin, pediu "a todos os brasileiros" que rezem pelo seu marido e pelos seus
colegas - o tenente-coronel Marcus Vinicius Macedo Cysneiros e os majores
Francisco Adolfo Vianna Martins Filho e Márcio Guimarães Martins. "A dor é
grande; a angústia, sem fim." Ontem à tarde, o Exército enviou um capelão do
Colégio Militar e um oficial à residência de Zanin, na Asa Norte de Brasília.
estavam a mulher e a sogra do coronel, além do casal de filhos. "Vim trazer
ajuda espiritual à família nesse momento de incerteza e dor", explicou o capelão
Alexandre Santos.(...)Chefe da inteligência desaparece. O major artilheiro
Márcio Guimarães Martins também está desaparecido. Promovido em
dezembro, ele trabalhava na Brigada Paraquedista, no Rio, e chegou ao Haiti
dois dias antes do terremoto para assumir a função de chefe da Inteligência do
Batalhão(...).
41
Damaris Giuliana, Eduardo Kattah, Vannildo Mendes, Pedro Dantas, Talita Figueiredo e João Carlos de
Faria. Disponivel em http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100115/not_imp496010,0.php
78
O tsunami de dezembro de 2004, que varreu a costa asiática e a costa leste da áfrica
matou milhares de pessoas. Sem um procedimento de identificação eficiente, muitas
pessoas foram enterradas em valas comuns, pelo adiantado processo de putrefação dos
corpos. Muitas pessoas, pelo caos e pelo desespero humano, desapareceram, mas nestes
casos como foi exposto há a relação de seu desaparecimento, ou seja, existe a presunção.
Outro fator de desaparecimento de pessoas recorrentes, são os constantes
deslizamento de terras nas cidades brasileiras devido as fortes chuvas de verão, somado ao
crescimento desordenado, que empurram famílias menos abastadas para as encostas dos
morros. Todos os anos o país soma dezenas de mortos e esses fenômenos da natureza
produzem uma infinidade de pessoas desaparecidas, entre adultos, idosos, adolescentes e
crianças. As catástrofes não escolhem pessoas, ela é implacável contra todos, como foi
apresentado pela Agência Estado, sobre os deslizamentos de terra que ocorreram em Angra
dos Reis na última passagem de ano:
Bombeiros ainda buscam ao menos 6 pessoas em Angra
42
Um efetivo de cerca de 50 bombeiros de Angra dos Reis, no Rio, segue em
busca na tarde de hoje por ao menos outras seis pessoas no Morro da Carioca,
segundo estimativa da prefeitura do município. Na manhã de hoje, subiu para 14
o número de corpos resgatados no local, após os bombeiros localizarem o corpo
da menina Ana Beatriz Marques, de seis anos. Ainda durante a manhã,
chegaram os primeiros cães farejadores para ajudar nas buscas. De acordo com
o coronel Jerri Andrade Pires, do 10º Grupamento do Corpo de Bombeiros, a
estimativa é de que o total de vítimas dos deslizamentos provocados pelas
chuvas chegue a 20 corpos, que alguns moradores ainda reclamam do
desaparecimento de familiares. O vice-prefeito Essiomar Gomes foi ao local e
conversou com os moradores, ouvindo suas reivindicações. O Secretário de
Meio Ambiente, Marco Aurélio Vargas, também esteve no local acompanhando
as buscas(...)
As catástrofes antrópicas normalmente são: acidentes aéreos, de trens,
automobilísticos, naufrágios, entre outros. Todos eles são causados ou por falhas humanas,
ou falhas mecânicas e tecnológicas, sendo que estas últimas são criadas pelo homem.
Como ocorreu com o desaparecimento de um helicóptero na selva amazônica:
42
SOLANGE SPIGLIATTI - Agencia Estado, on line. Domingo, no dia 3 de janeiro de 2010. Disponivel em:
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,bombeiros-ainda-buscam-ao-menos-6-pessoas-em-
angra,490022,0.htm
79
Helicóptero de táxi aéreo desaparece na Amazônia
43
Um avião Bandeirante e um helicóptero do 2º esquadrão do 10º Grupo de
Aviação da Força Aérea Brasileira (FAB) decolaram, no início da tarde de
ontem, da base área de Campo Grande numa missão de busca e resgate de um
helicóptero da táxi aéreo JVC. Com duas pessoas a bordo, o helicóptero Esquilo
AS50 está desaparecido desde o fim da tarde de sexta-feira no sul da região
amazônica. A aeronave comercial fazia o trecho de 610 quilômetros entre
Manaus e Lábrea, no sul do Amazonas. De acordo com a empresa, o piloto e um
mecânico estavam a bordo. Os nomes não foram divulgados. O helicóptero
desaparecido decolou de Manaus por volta de 13h30 da sexta-feira. O último
contato foi feito às 17h30, quando a aeronave sobrevoava a região de Canutama,
a cerca de 620 quilômetros de Manaus. Chovia forte na região no momento em
que o helicóptero desapareceu.(...)
Tanto as catástrofes naturais, como as antrópicas produzem milhares de
desaparecidos, como foi exposto, mas existe uma relação direta entre o desaparecimento e
estas ocorrências. Desta forma, nestes casos uma presunção do ocorrido, isto é, se
presume que o desaparecimento ocorreu em razão de um determinado fato.
II.7 – A SUBJETIVIDADE E SUA RELAÇÃO COM O DESAPARECIMENTO
Neste último trecho deste capítulo será refletido como a formação do indivíduo e seu
processo de subjetivação, pode ajudar nos casos de fugas. As fugas de casa ou da família de
origem e as fugas das instituições predominam nas estatísticas de desaparecimento,
perfazendo 40% dos casos, segundo a SEDH.
Foi verificado que a sociedades tinham por base a transmissão de bens e da
propriedade privada acumula pela família. Com a pauperização das famílias devido à perda
gradativa da renda na era moderna, pode-se concluir que os seus descendentes não possuem
o mesmo vínculo com seus familiares que se tinha no século passado. Seja por não ter bens
ou propriedade privada a ser transmitida, ou por não dar condições “dignas” de
sobrevivência. Entretanto deve-se considerar por que crianças e adolescentes que vivem em
condições praticamente iguais de vida, têm comportamentos distintos em relação a sua
família e a sociedade. Por que existem indivíduos totalmente integrados a sociedade e não
rompem com seus vínculos e outros fazem isto com mais “facilidade”?
43
Estado on line, reportagem de Adriana Fernandes. Segunda-Feira, 18 de Janeiro de 2010. Disponivel em :
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100118/not_imp497369,0.php
80
Na pesquisa de Gattás e garo-Garcia, foi comparada o perfil das famílias
envolvidas no desaparecimento, atendidas pelos técnicos do Projeto Caminho de Volta, com
as famílias de perfil igual, mas que não tiveram desaparecimento de crianças e adolescentes.
Os pesquisadores foram aos bairros de maior incidência de desaparecimento para o estudo
de caso-controle e constataram:
Em praticamente todas as localidades visitadas a equipe destacou os evidentes
sinais de exclusão social, política, cultural e econômica que subsidiam as
questões de desaparecimento de crianças e adolescentes. Eram, em sua maioria,
bairros extremamente precários no que se refere às condições mínimas de
habitação, qualidade de vida e saúde e indicavam a alta vulnerabilidade a que
crianças, adolescentes e seus familiares estavam expostos. (2007: 59)
Para aprofundar a questão das fugas, deve-se pensar sobre os aspectos subjetivos
que levam o indivíduo a fugir de seu lar. Foi verificado que do ponto de vista objetivo a
pobreza e a cultura atual que inviabiliza muitas famílias acumular, permite relações frágeis
com seus descendentes. também a considerar os aspectos da falta de universalização das
políticas básicas: saúde, alimentação, habitação, educação, cultura, lazer, profissionalização,
entre outras. Estas políticas são garantidas constitucionalmente, mas na prática não se
cumprem. A criança e o adolescente como “prioridade absoluta”
44
, é uma pura invenção do
Estado de direito e sua negligência oferece maior risco à vulnerabilização de crianças e
adolescentes.
Neste mesmo estudo de Gattás e Figaro-Garcia constataram também diferenças
significantes das famílias dos desaparecidos em relação às famílias caso-controle. Entre elas
destacam-se a estrutura da família nuclear (p=0,00015) entre os grupos, ou seja, as famílias
de caso controle possuem estatisticamente um patamar mais elevado neste aspecto e o
padrão de família nuclear é menor nas famílias envolvidas no desaparecimento. Foi
verificado também que nas famílias dos desaparecidos encontram-se mais situações de
maus tratos, violência, uso ou tráfíco de drogas, consumo de álcool, distúrbios de conduta e
alguns tipos de deficiência, na comparação das famílias caso controle.
Desta forma verifica-se uma influência direta destas variáveis no desaparecimento
de crianças e adolescentes. Ao verificar o comportamento ou a características atribuídas
pela família à criança e o adolescente, foi constatado neste estudo que não havia uma
diferença significante entre as atribuições dadas pelos os grupos, porém verificou-se que as
44
No Estatuto da Criança e do Adolescente, aparece ‘Prioridade Absoluta’, no artigo 4, presente também no
art. 227 da Constituição Brasil de 1988.
81
crianças tímidas possuem maior fator de proteção em relação às fugas do que as crianças
mais sociáveis. Por outro lado as famílias dos desaparecidos atribuíram mais características
negativas, de personalidade de suas crianças/adolescentes, como: mentirosas, agressivas,
isoladas e tristes. E as famílias do caso controle atribuíram aspectos mais positivos como;
alegres, falantes, sociáveis e desinibidas.
Será que esses aspectos respondem as questões do desaparecimento de crianças e
adolescentes, principalmente ao que tange as situações de fugas? Poderia considerar a fuga
como um ato voluntário? Como ficaria a subjetividade nestes casos?
Com certeza as especulações sobre as fugas de crianças e adolescentes de seus lares
são inúmeras, contudo não se pode desconsiderar a fuga como desaparecimento. Foi visto
conceitualmente que o desaparecimento é um processo de não aparecimento, independente
das causas em que ele ocorre. O rompimento das relações sociais seja por subtração, seja
por fatores políticos ou naturais são desaparecimentos. A reflexão que cabe nos casos de
fugas são os motivos intrínsecos que levam ao desaparecimento. A fuga é um
comportamento motivado por várias razões, como foi visto, pode ser considerada também
como um ato “voluntário”, mas não pode ser reduzida sem considerar as determinações
sociais apontadas ao longo deste trabalho, por outro lado não pode resumir o ato da fuga a
subjetividade mais considerá-la como elemento fundamental, para a formação individual e
as formas de relações sociais como revela Crochík:
O entendimento de que a subjetividade não é somente fruto das circunstâncias
sociais atuais, embora estas sejam fundamentais, mas também de um projeto
histórico implícito no desenvolvimento de nossa civilização, leva a que os
problemas relacionados ao seu estudo devam ter uma dupla perspectiva: a da
noção histórica de indivíduo, presente na literatura e na filosofia, e o da
possibilidade da realização desse projeto nos dias de hoje.
Pela ultima vez e em nome de Deus
todo-poderoso e cheio de misericórdia
procurem a moça, procurem
essa que se chama Luísa Porto
e é sem namorado.
Esqueçam a luta política,
ponham de lado preocupações comerciais,
percam um pouco de tempo indagando,
inquirindo, remexendo.
Não se arrependerão. Não
há gratificação maior do que o sorriso
de mãe em festa
e a paz intima
conseqüente às boas e desinteressadas ações,
82
puro orvalho da alma.
Não me venham dizer que Luísa suicidou-se.
O santo lume da fé
ardeu sempre em sua alma
pertence a Deus e a Teresinha do Menino Jesus.
Ela não se matou.
Procurem-na.
Tampouco foi vítima de desastre que a polícia ignora
e os jornais não deram.
Está viva para consolo de uma entrevada
e triunfo geral do amor materno
filial e do próximo.
83
CAPÍTULO III - DESAPARECIDOS: A FRIEZA NOS NÚMEROS
Nada de insinuações quanto à moça casta
e que não tinha, não tinha namorado.
Algo de extraordinário terá acontecido,
terremoto, chegada de rei.
As ruas mudaram de rumo,
para que demore tanto, é noite.
Mas há de voltar, espontânea
ou trazida por mão benigna,
O olhar desviado e terno, canção.
O desaparecimento de pessoas, especialmente de crianças e adolescentes, na
maioria das vezes perde-se nas estatísticas produzidas pelas pesquisas e estudos. Deve-se
alertar para o fato que atrás de cada número, existe uma pessoa. Independente do motivo
do desaparecimento a pessoa não pode se resumir a um número. Nesta perspectiva que é
trazido a frieza nos números, como reflete Horkheimer e Adorno:
A sociedade burguesa está dominada pelo equivalente. Ela torna o heterogêneo
comparável, reduzindo-o a grandezas abstratas. Para o esclarecimento, aquilo
que não se reduz a números e, por fim, ao uno, passa a ser ilusão: o positivismo
moderno remete-o para a literatura, “Unidade” continua a ser a divisa de
Parmênides a Russell. O que se continua a exigir insistentemente é a destruição
dos deuses e das qualidades.(1985: 23)
Os números utilizados como uma coisa que se esgota em si mesmo, é o puro
esclarecimento
45
que serve a dominação, desconsiderando seus aspectos qualitativos ele
recai ao conceito de uma verdade não existente. Os números devem ser pensados dentro de
um aspecto mais amplo como o histórico-cultural, econômico-político ou psicológico-
biológico. As estatísticas devem nesta medida trazer um conhecimento dialético, evitando
o rompimento, como ocorre com as ciências positivadas.
Os números de desaparecimento de crianças e adolescentes podem chegar
anualmente no Brasil em torno de 40.000 ocorrências (REDESAP), notificadas nas
Delegacias de todo o país como foi colocado na introdução deste trabalho. Os dados sobre
pessoas desaparecidas são maiores por atingirem adultos e idosos.
45
O conceito do esclarecimento é debatido por Horkheimer e Adorno no Livro “Dialética do
Esclarecimento”. O esclarecimento pode ser entendido como conhecimento racional do homem do seu
mundo e como o homem lida com o poder advindo do conhecimento.
84
No Rio de janeiro, uma pesquisa por amostragem revelou a situação dos
desaparecidos no Estado, conforme matéria do Estado de São Paulo, veiculada no jornal no
dia 11 de Dezembro de 2009
:
Dos desaparecidos no Rio em um ano, 71% 'reapareceram';
6,8% morreram
46
Pesquisa inédita sobre registros de pessoas desaparecidas no Estado do Rio em
2007 indica que 6,8% morreram e 14,7% "não reapareceram". Foi selecionada
para o estudo uma amostra de 456 (10,3%) dos 4.423 casos de desaparecimento
registrados no banco de dados da Polícia Civil em 2007. Para o secretário de
Segurança, José Mariano Beltrame, o resultado "desmistifica uma série de
questões que eram levantadas" em relação ao grande número de desaparecidos
no Rio. "Se tivermos de incluir os desaparecidos no total de homicídios, é um
número muito pequeno, quase insignificante. Num primeiro momento, é a
análise mais importante para nós", disse. A pesquisa foi pedida por Beltrame no
fim do ano passado ao Instituto de Segurança Pública (ISP), vinculado à
secretaria. Em 2008, 5.095 desaparecimentos foram registrados nas delegacias
do Estado.Das 31 mortes apuradas pelos pesquisadores entre os 456 registros de
2007, 13 foram consideradas naturais ou acidentais e 18, homicídios dolosos.
Nove pesquisadores trabalharam desde agosto na checagem dos
desaparecimentos, por meio de entrevistas com as pessoas que fizeram os
registros ou os responsáveis pelas vítimas.
MOTIVOS
A maioria (61%) era homem e tinha de 10 a 19 anos (33%). A motivação mais
apontada para o desaparecimento foi "fuga" (17,4%), depois "distúrbio mental"
(15%) e, em terceiro, "causas violentas" (12,9%). "Os menores fogem de casa,
depois não têm mais onde ficar e acabam voltando por necessidade econômica",
disse a cientista social Vanessa Campagnac, responsável pela pesquisa. Apesar
de o estudo ter verificado que 71% dos 456 reapareceram, apenas 84 casos
foram registrados na Polícia Civil. O número representa 2% do total de
desaparecimentos do ano de 2007. "É falta de cidadania não fazer o registro (de
reaparecimento)", disse Beltrame. P
Sem dúvida, os aparatos do Estado, não tem respostas das famílias e das pessoas
que abriram a ocorrência nas delegacias. Como o problema foi solucionado, não a
preocupação de avisar as autoridades sobre o retorno dessas pessoas. Em São Paulo a
Delegacia de Homicídios e de Proteção a Pessoa, DHPP, possui um funcionário exclusivo
para ligar para os familiares dos desaparecidos com o objetivo de verificar se a situação
perdura. Contudo no estudo apresentado pela reportagem aponta que 14,7% dos casos da
amostra pesquisada não apareceram, isto significa em torno de 67 pessoas. Ao aplicar o
mesmo percentual no total de 4.423 casos de desaparecimento no Estado do Rio de Janeiro
em 2007, chegaria em 650 casos sem qualquer notícia. Em 01 ano, isto significaria 1.8
desaparecimento sem solução por dia. Esse dado é insignificante?
46
Disponível em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091211/not_imp480265,0.php
85
no Estado de São Paulo a Secretaria de Segurança Pública, em seus relatórios
anuais apresenta quantos casos foram registrados nas diversas delegacias espalhadas pelo
Estado. Os números, com a classificação etária, não espelham verdadeiramente o problema
do desaparecimento de pessoas em São Paulo, por se tratar apenas dos casos em que foram
abertos os Boletins de Ocorrência – B.O.
O problema do desaparecimento é maior do que é apresentado nos registros
oficiais, há casos em que não se registra a queixa, devido a cultura policial de desmotivar a
abertura imediata do Boletim de Ocorrência, orientando os pais a voltarem em 24 ou 48
horas. Além da cultura policial, debatida por Oliveira (2007), existe um alto índice de
casos que são subnotificados.
A subnotificação é um fenômeno recorrente nos casos de violação de direitos
humanos. Na verdade existe um atendimento ou conhecimento do fato, que o mesmo
não é encaminhado para as autoridades competentes tomar as ações necessárias para a
resolução do caso. Um grande aliado a subnotificação é a cultura da omissão, muito
presente no Brasil. Além deste aspecto, existem outros problemas de ordem política
institucional que interferem na dimensão numérica dos desaparecimentos no Brasil,
destacado por Oliveira :
O cenário atual aponta pelo menos três problemas: a) falta de sistematização dos
dados das policias estaduais. Isto é decorrente da falta de reconhecimento da
importância sobre o problema, carência de uma metodologia adequada, visão de
que a ação da polícia deva ocorrer apenas mediante a evidência ou forte suspeita
de crime; b) interferência dos conflitos políticos que inviabilizam um adequado
diálogo entre os estados e entre estes e o governo federal (os dados da SENASP
certamente refletem a falta de diálogo e de responsabilidade dos gestores
estaduais em alimentarem os dados nacionais); c) falta de publicidade dos dados
levantados (grande parte dos dados sobre os desaparecimentos não são
disponibilizados pelas polícias estaduais). (op. cit. 2007)
Para sanar este problema o governo federal, por meio da Secretaria Especial de
Direitos Humanos SEDH, que é articuladora da REDESAP, está concretizando uma
proposta reivindicada há muito tempo pelas organizações sociais que tratam do assunto,
como noticiado pela agência Estado:
86
Sancionada lei para cadastro de crianças desaparecidas
47
A partir de hoje, os dados pessoais e as características físicas de crianças e
adolescentes cujo desaparecimento tenha sido registrado em órgão de Segurança
Pública federal ou estadual constarão de um Cadastro Nacional de Crianças e
Adolescentes Desaparecidos. É o que prevê a Lei 12.127, que criou o
cadastro, aprovado no dia 18 de novembro pelo Congresso e publicada no
Diário Oficial da União hoje, sancionada pelo presidente em exercício, José
Alencar. A nova lei está em vigor, mas ainda será necessário definir a forma
de acesso às informações do cadastro e o processo de atualização e de validação
dos dados. Essa definição será feita em convênios entre a União, os Estados e o
Distrito Federal.De acordo com a lei, resultante de um projeto de autoria da
deputada Bel Mesquita (PMDB-PA), os recursos para o desenvolvimento,
instalação e manutenção da base de dados sairão do Fundo Nacional de
Segurança Pública (FNSP).
O Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos é um primeiro
passo na consolidação dos números de crianças e adolescentes que se encontra em situação
de desaparecimento. Para tornar o cadastro eficiente, o governo federal deve superar as
dificuldades na alimentação correta dos dados em cada estado da Federação. Mesmo
superando todas as dificuldades isto não resolverá o problema dos números de pessoas
desaparecidas no país.
Não obstante, os números apresentados pela Secretaria de Segurança Pública do
Estado de São Paulo, pode nos revelar aspectos importantes sobre o desaparecimento de
pessoas. Todos os dados aqui revelados são dos Boletins de Ocorrência de 2005 até
setembro de 2009. Os quadros estão estratificados em faixas etárias, sexo e possuem
alguns detalhamentos sobre problemas associados à pessoa desaparecida.
O quadro I nos fornece informações para pensar sobre o total de notificações
realizadas neste período (2005 à setembro de 2009) dos 96.472 boletins de ocorrência
realizados em todo o Estado de São Paulo 43% das ocorrências envolvem crianças e
adolescentes. Cabe ressaltar que em 2.878 (3%) B.Os não existem a informação de idade,
podendo então ser maior o número de ocorrências deste segmento no Estado. No distrito
federal, no ano de 2004 Oliveira chegou a 49,8% dos casos de desaparecimento desta
mesma faixa etária (entre 0 à 18 anos). Porém, os outros dados coletados pelo autor no seu
estudo não se mantiveram na mesma faixa etária dificultando nossas comparações
47
Agencia Estado Online NERI VITOR EICH, sexta-feira, 18 de dezembro de 2009,
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,sancionada-lei-para-cadastro-de-criancas-
desaparecidas,484343,0.htm
87
estatísticas. Contudo é possível inferir que entre 40% a 50% dos casos de
desaparecimentos são de crianças e adolescentes. É um número assustador, se pensarmos
que atrás de cada ocorrência existe uma história de uma criança ou adolescente que fugiu
de casa ou foi subtraída, seqüestrada, explorada ou morta. Nos estudos de Gattás e Figaro-
Garcia mostra que 57,3% das crianças e adolescentes desaparecidas retornaram
espontaneamente para suas moradias ou foram localizadas no período de setembro de 2004
à maio de 2006. Pelos dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo,
85% dos casos nesta faixa etária foram dadas às baixas da queixa de desaparecimento.
Portanto existe uma lacuna grande entre os estudos de Gáttas e Figaro-Garcia e o órgão
oficial do Estado, mas mesmo assim nos chama a atenção que 15% das ocorrências de
desaparecimento de crianças e adolescentes não foram solucionados ou por inoperância do
sistema policial ou por que as crianças e adolescentes estão de fato desaparecidas. Isto
representaria em 05 anos, 6.199 casos que não foram resolvidos, indicando mais de 1.239
casos por ano ou 3.39 casos por dia de desaparecimentos de crianças e adolescentes não
solucionados no Estado de São Paulo.
Do total de 41.526 ocorrências de desaparecimentos de crianças e adolescentes
42,6% correspondem ao sexo masculino e 57,4% ao sexo feminino. Nos estudos do Projeto
Caminho de Volta da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em 302 casos
estudados a tendência se manteve no mesmo patamar 41,4% para o sexo masculino e
58,6% para o sexo feminino. Isto ocorreu provavelmente por coincidir períodos de
pesquisa (2004 a 2006) e ser do mesmo Estado, com a ressalva de que o Projeto Caminho
de Volta atende mais a capital e as regiões no entorno do município de São Paulo.
Quando é analisado por faixa etária, distribuídas pelo critério da Secretaria de
Segurança blica, verifica-se que 3,88% são de crianças entre 0 a 07 anos, sendo que
73,57% destas queixas foram resolvidas pela polícia ou as crianças foram encontradas,
estima-se então que entorno de 425 crianças nesta faixa etária encontram-se desaparecidas
de seus responsáveis. Na faixa etária de 08 a 12 anos, ocorreram nestes 57 meses 7.620
desaparecimentos, 18,35% do total de B.Os, sendo que foram localizadas 6.821 crianças
(89,5%) e 799 crianças continuam desaparecidas, segundo os dados. Isto significa que mais
de 10% dos casos de desaparecimentos nesta faixa etária não foram resolvidos. Na última
faixa etária, correspondente ao período da adolescência, foram solucionados 84,65% dos
casos dos 32.298 B.Os do Estado, perfazendo um total de 4.975 adolescentes
desaparecidos. Se for comparado a faixa etária de 0 a 12 anos, que corresponde a
classificação de criança segundo a lei 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente,
88
aparece um universo de 9.228 B.Os, representando 22,23% do total contra 77,77% dos
B.Os de adolescentes, na qual a faixa etária é de 13 à 18 anos. Na tabela I encontra-se
também as informações de problemas associados ao desaparecimento de pessoas.
Tabela IV - Total de Queixas registradas X Queixas solucionadas no Estado de São Paulo
Período: Janeiro de 2005 à Setembro de 2009
Total Geral
Queixas resolvidas
Idade Masc. Fem
Total (
%)
Masc. Fem. Total
0 a 07
937 671 1608 (3,88 %) 711 472 1183 (73,57%)
08 a 12
4468 3152 7620 (18,35%) 4056 2765 6821 (89,5%)
13 a 18
12292 20.006 32.298(77,77%) 10363 16960 27323 (84,65)
Sub-total A
17.697 23.829 41.526 (43%) 15130 20197 35327 (85%)
> 18
38.806 13.262 52.068 (54%) 31372 10919 42291
Não Inf.
1884 994 2878 (3 %) 1272 645 1917
Sub-Total B
58.387 38.085 96.472 (100%) 47.774 31.761 79.535
Problemas Psiquiatricos
318 174 492 216 121 337
Problemas Mentais
5550 2499 8049 4729 2249 6978
Alcoolismo
2926 469 3395 2215 348 2563
Sub-Total C
8794 3142 11936 7160 2718 9878
Fonte: SSP-SP
A análise da Tabela IV, nos números dos problemas psiquiátricos, mentais e
alcoolismo ficam prejudicados por não apresenta-los pela faixa etária. Entretanto pode-se
inferir que o alcoolismo possivelmente incide mais na fase da adolescência e na fase adulta
e os problemas psiquiátricos e/ou mentais podem estar relacionados às três fases. A divisão
destas características está associada à descrição fornecida pela pessoa na confecção do
Boletim de Ocorrência. Os problemas psiquiátricos
48
são classificados de acordo com o
CID 10, com pacientes que tomam ou precisam de medicamentos psiquiátricos para
controle de sua conduta. Já nos casos de “problemas mentais” estão associados os
indivíduos com deficiência intelectual, que se perdem ou doenças que afetam a consciência
da pessoa. Nestes casos, muitas vezes o indivíduo não tem a plena consciência do seu
desaparecimento. Na pesquisa do Projeto Caminho de Volta das 84 entrevistas realizadas
com as crianças e adolescentes que desapareceram e retornaram aos seus lares 2,4%%
tinham histórico de alcoolismo, 8,3% consumiram álcool ou drogas e 7,1% associaram o
álcool a outros elementos. Destes casos 9,5% dos entrevistados possuíam algum tipo de
deficiência (física ou mental).
Cabe ressaltar o fato da Secretaria de Segurança Pública SSP/SP, inserir
características dos desaparecidos, como que atribuísse parte dos desaparecimentos a eles
próprios. Faz parte de uma estratégia política de individualizar um problema social? Esse
relatório estatístico foi realizado pela SSP/SP para a Comissão Parlamentar de Inquérito -
48
Pesquisa realizada no site da www.psiqweb.med.br que possui os manuais de psiquiatria CID 10 e DSM
IV e dispõe de outras matérias sobre o assunto.
89
CPI dos Desaparecidos, coordenado pela Deputada Federal Bell Mesquita. portanto
nele, elementos que sugerem esta possibilidade, a manipulação dos números é
apresentados sob outra ótica, pode escamotear os verdadeiros problemas que afetam a
busca e a localização de pessoas desaparecidas, como a própria discussão sobre os motivos
dos desaparecimentos.
Na tabela II, foi retirado os B.Os sem informação de idade, na comparação de faixa
etária e sexo, verifica-se: na fase da infância de (0 a 12 anos) uma incidência maior do
sexo masculino (5,77%) e esta tendência inverte na adolescência, na qual o sexo feminino
é maior (21,37%). Na fase adulta mais pessoas desaparecidas do sexo masculino
(41,47%) contra 14,16% do sexo feminino.
Tabela V
49
: Faixa Etária e sexo
Fonte: SSP-SP
Na comparação entre a fase adulta e aquela em que é considerada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, como fase peculiar de pessoa em desenvolvimento (0 até os 18
anos), nota-se uma desproporção, visto que a fase adulta é mais elástica que a outra. O
dobro da idade seria 36 anos, mas a expectativa de vida hoje, no Brasil, chega aos 70 anos.
Portanto teria uma diferença significativa de pessoas adultas que desaparecem, isto
significaria entorno de 52 anos a mais que na fase da infância e adolescência.
A diferença da fase infantil para a adolescência é bastante acentuada no sexo
feminino, destacando uma queda considerável após os 18 anos. Com este panorama
apresentado pelos números, as perguntas são: Porque desaparecem mais meninos na
infância e garotas na adolescência? No livro do Projeto Caminho de Volta estudo de Gattás
& Fígaro-Garcia, há elementos para pensar sobre a resposta:
49
Tabela V em destaque. Os números se referem aos mesmos números da Tabela IV, transcritos pela
classificação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Sexo Masculino Feminino Total
Criança ( 0 a 12 anos ) 5.405 (5,77%) 3.823 (4,08%)
9.228 (9,85%)
Adolescente (13 a 18
anos incompletos)
12.292 (13,13%)
20.006 (21,37%)
32.298 (34,50%)
Fase Adulta ( maior de
18 anos)
38.806 (41,47%)
13.262 (14,16%)
52.068( 55,63%)
Total 56.503 ( 60,37%) 37.091(39,63%)
93.594 (100%)
90
Não parece existir diferenças no tipo de desaparecimento que ocorre em ambos
os sexos. Pois a fuga de casa sozinha foi relatada por 80% das meninas e 74,4%
dos meninos(...). Porém, quanto às razões do desaparecimento, parece haver
diferenças entre os grupos. A fuga dos meninos, está aparentemente mais
associada com maus tratos e violência conjugal (15,4%), conflito familiar ou
aventura (30,8%), enquanto para as meninas o motivo parece ser conflito
familiar (35,6%), aventura (20%), medo (11%) ou mesmo razões outras não
bem determinadas ( 22,2%).
Dos casos entrevistados, segundo o estudo 80% dos meninos e 56% das meninas,
manifestaram o desejo de voltarem para suas casas. Os meninos se viram mais vivendo nas
ruas (56,5%), esmolando ou furtando e as meninas em menor proporção. Todavia elas
recebem mais ajuda de familiares (55,6%) ou são acolhidas por pessoas amigas/familiares
ou pessoas desconhecidas que não avisam as autoridades sobre seu desaparecimento. Para
Oliveira o contexto socioeconômico pode influenciar decisivamente neste comportamento.
(...) É difícil especular sobre as razões do desaparecimento, entretanto, os dados
empíricos indicam que uma possível interferência dos conflitos
intrafamiliares que “empurram” os jovens para a rua, para as casas de amigos ou
mesmo de outros parentes, mudam de cidade e de hábitos. Pode-se ainda
questionar o que levaria um jovem a desaparecer num contexto socioeconômico
em que o acesso aos bens sociais é extremamente precário, ou seja, o trabalho, o
lazer, a habitação, entre outros. Desaparecer diante de um cenário nacional
desfavorável, certamente deve significar mais que simples aventura para vários
deles.
(
op. cit, 2007)
Esta idéia reforça que o desaparecimento é originariamente social, seja pela
violência: doméstica, conflitos familiares ou pelas questões de ordem econômica, política
ou cultural. Mesmo considerando os aspectos psicológicos que permitem a fuga de casa,
como haviam sido discutidos anteriormente, estes são determinados também socialmente,
ainda mais numa sociedade massificante como a nossa. Com a queda da autoridade na
família estruturada no modelo nuclear burguês
50
, devido à queda econômica, não existe
mais elementos que possam ligar efetivamente o indivíduo a sua família de origem, visto
que a maioria dos desaparecimentos ocorre em famílias menos abastadas.
50
Segundo o Livro de Gattás e Fígaro-Garcia 50,3% a familiar é nuclear, 28,1% múltipla composição e
20,9% possuem agregados.
91
Uma outra hipótese repousa na própria fase da adolescência, na qual muitos
teóricos afirmam que é uma fase de desprendimento”, na qual sua libido na infância era
investida dentro do grupo familiar e gradativamente na pré-adolescência sua energia
libidinal está voltada inteiramente para a cultura. Portanto a um movimento paulatino de
afastamento do núcleo familiar para o investimento de energia em direção ao seu mundo
social: amigos, escola, espaços sociais do bairro e da comunidade (CONANDA, 2009). As
identificações que o adolescente pode ter com seu mundo social podem levá-lo ao
afastamento total da família de origem, pois na sua família as contradições que muitas
vezes não enxerga nas relações com os outros. a convivência diária com os outros
poderá mudar sua visão em relação a sua família. Em alguns casos isto pode ser tarde, no
caso das meninas adolescentes, o envolvimento com amigas (os) e namorados podem levá-
la a outras experiências como: freqüentar bares, casas noturnas, relações sexuais, uso de
álcool ou drogas entre outras. Estas experiências dão a sensação de uma pseudo-liberdade,
de uma felicidade antes não alcançada pela educação e repressão imposta pelos pais e/ou
responsáveis.
Para responder por que as meninas somem mais na adolescência, teria que se
discutir mais profundamente à questão de gênero. É de fundamental importância verificar
também os aspectos históricos-culturais presentes na vida das mulheres. A questão não é só
de repressão ou de exploração, a mulher sempre foi calada nos seus direitos sociais e
políticos. No Brasil a representação das mulheres nos poderes executivo, legislativo e
judiciário é mínima, mostrando a desigualdade que existe há séculos no país.
Nas famílias entrevistadas pelo Projeto Caminho de Volta, há um contingente
grande de famílias chefiadas somente por mulheres, que declararam no seu estado civil:
14,9% solteiras, 34,4% separadas e 6% de viúvas, totalizando 55,3% contra 41,4% que se
declararam casadas. Quanto à profissão, destas 42,4% se intitulou “do lar”, 27,5%
trabalham nos serviços de limpeza, 14,2% em serviços técnicos e 5,9% em subemprego.
Isto mostra como as mulheres se desdobram para prover as necessidades da família, se
ausentando da vida dos filhos. os pais, gênero masculino, atuam em 23% na construção
civil, 11,1% em serviços gerais e 4,4% na situação de subemprego. Cerca de 10,6% das
famílias entrevistadas o pai é falecido e a mãe em 4,6%. A ausência da figura paterna e
materna não é em virtude só do trabalho, mas também a ausência física total.
Uma sociedade que tem como base a divisão social do trabalho e o mesmo é
reduzido ao emprego, os pais vivem para sua conservação, e não mais participam da
vida afetiva e educacional de seus filhos. A atenção não é mais dirigida às necessidades da
92
criança e do adolescente, mas dirigida pelas necessidades criadas pela sociedade de
consumo. uma substituição do afeto pela mercadoria, do amor pelo objeto desejado, do
carinho pela televisão de 42 polegadas. Como ninguém quer ficar de fora de ter acesso as
novas tecnologias, as exigências nas relações passam a ser do mérito. No fundo são
relações de troca, de permuta na qual a educação como um todo vai caminhando para sua
coisificação.
Outra informação importante nas estatísticas da Secretaria de Segurança Pública do
Estado de São Paulo é o sistema integrado de informações que a policia implantou na
Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa – DHPP, especificamente na 2º Delegacia de
Desaparecidos, na qual bloqueia a Cédula de Identidade da pessoa que está sendo
procurada.
Considerando que os adolescentes possuem a maior probabilidade de possuir esse
documento e outros mecanismos de investigação, deve-se esperar que o número indicado
esteja próximo do real. Portanto é espantoso o número de casos sem solução.
Na Tabela III, a Secretaria de Segurança blica do Estado de o Paulo,
demonstra alguns elementos de solução dos casos:
Tabela VI - Baixas das queixas registradas por ano
2005 2006 2007 2008 2009 Totais %
Esclarecidas pela Delegacia 7533 8313 10266 9455 6716 42283 53,16
Através de Familiares 392 483 276 216 162 1529 1,92
Via Telex “Capital” 495 590 516 484 350 2435 3,06
Via Telex
“Interior”
6158 6768 6572 6892 4768 31158 39,18
Via Sistema 461 403 496 461 309 2130 2,68
Sub-Total A 15039 16557 18126 17508 12305 79535 100
Portaria 35 1626 1637 1616 1498 1075 7452
Portaria 36 5716 4432 3796 3448 2013 19405
Portaria 36 (Desconhecidos) 1884 1956 1742 1624 952 8158
Sub-Total B 9226 8025 7154 6570 4040 35015 100
Fonte: SSP-SP
Nota-se que dos 79.535 casos solucionados ou que sofreram baixa no sistema da
polícia, apenas 1,9% tiveram ajuda de familiares dos desaparecidos. Efetivamente 53,16%
dos casos foram esclarecidos pelas Delegacias do Estado. Considera “via sistema” os casos
resolvidos 2,68% pela consulta ao sistema integrado da polícia com outros órgãos
governamentais e que a notificação de desaparecimento estava aberta. Considera-se “via-
telex” as informações encaminhadas pelas delegacias da capital (3,06%) e do interior
(39,18%) do Estado, mas não está especificado como foi de fato resolvido o problema.
Verificar as portarias 35 e 36....
93
A qualquer hora do dia ou da noite
quem a encontrar avise a Rua Santos Óleos.
Não tem telefone.
Tem uma empregada velha que apanha o recado
e tomará providencias.
94
CAPÍTULO IV - INVESTIGAÇÃO: O DESAPARECIMENTO DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Mas
se acharem que a sorte dos povos é mais importante
e que não devemos atentar nas dores individuais,
se fecharem ouvidos a este apelo de campainha,
não faz mal, insultem a mãe de Luísa,
virem a pagina:
Deus terá compaixão da abandonada e da ausente,
erguerá a enferma, e os membros perclusos
já se desatam em forma de busca.
Deus lhe dirá :
Vai,
procura tua filha, beija-a e fecha-a para sempre em teu coração.
Nos capítulos anteriores foram apresentadas algumas aproximações teóricas sobre o
nosso objeto: ‘desaparecimento’. Depois foi debatido os fatores sociais, naturais e
psicológicos que são determinantes para o desaparecimento e por fim foi trazido alguns
números produzidos pelas estatísticas oficiais e suas considerações. Contudo, neste
capítulo, tratará da dinâmica do desaparecimento de crianças e adolescentes.
Foi apresentado no capítulo I que para o desaparecimento de um ser humano
ocorrer, isto só é possível, na relação com outro ser humano, pois a sociedade é uma cadeia
de relações sociais humanas e partindo deste principio, será mostrado a seguir a
participação de cada sujeito na situação de desaparecimento. Parte-se da teoria tradicional
para descrever a participação de cada sujeito envolvido na situação de desaparecimento.
Para poder ter mais elementos sobre esses sujeitos, será utilizada a pesquisa de Gattás e
Figaro-Garcia (2007) para descrevê-los de forma mais precisa e será utilizada outras
referências relacionadas com a questão da infância e da adolescência.
Conforme foi mostrado a importância do conceito de desaparecimento
fundamentado nas relações humanas e na importância dos vínculos afetivos ou da ligação
que um ser humano tem com o outro, esclarece a finalidade de nossa próxima discussão
que é de determinar que para o desaparecimento ocorrer ao menos dois sujeitos devem
interagir. O primeiro, neste trabalho será chamado de sujeito A - que é o indivíduo que
possui uma relação, seja ela de afeto, de amizade, de conhecimento com o sujeito B, que é
o desaparecido. Serão apresentados os sujeitos C - que influencia diretamente no
desaparecimento de B e o sujeito D - que possui a missão de ajudar na busca ou localização
do desaparecido.
95
A sistematização deste estudo, só foi possível pelo acesso aos prontuários do
Projeto Caminho de Volta da Faculdade de Medicina da USP. Não houve uma
preocupação quantitativa dos dados, mas sim, a preocupação partiu da necessidade de uma
construção de um fluxo dos casos de desaparecimento de crianças e adolescentes.
As perguntas que se seguiram na investigação foram: Como estes casos chegam ao
conhecimento do Sistema de Garantia de Direitos? E os casos que não chegam? Quem faz
a notificação? Quanto tempo demorou em perceber o desaparecimento? Quais foram às
primeiras providências? Quem ajudou na busca ou na localização? Por que familiares
deixam de procurar o desaparecido?
Estas questões nortearam nosso trabalho e para que isto fosse respondido, foram
sistematizados os comportamentos de todos os envolvidos na situação de desaparecimento.
Desta forma, o estudo seguiu para a teoria comportamental (behaviorista), pois ela
nos dá condições de observar os comportamentos dos sujeitos envolvidos. Esta teoria
permite considerar que o desaparecimento é um evento social destacado por Bock et al.:
Hoje, não se entende comportamento como uma ação isolada de um sujeito, mas
sim, como uma interação entre aquilo que o sujeito faz e o ambiente onde o seu
“fazer” acontece. Portanto, o Behaviorismo dedica-se ao estudo das interações
entre o indivíduo e o ambiente, entre as ações do indivíduo (suas respostas) e o
ambiente (as estimulações). (1999: 46)
Para os autores de “Psicologias”, a unidade básica para a descrição de um
comportamento é o ponto de partida para seu estudo, que começa na interação do homem
com o ambiente, ele é produto e produtor dessas interações.
A preocupação na descrição a seguir, não é individualizar ou particularizar a
questão do desaparecimento, visto que foi trazido elementos sociais que envolvem os
sujeitos analisados. Desta forma, reforça a necessidade de não separar o indivíduo da
sociedade, como também demonstrar a tensão existente na relação sociedade e indivíduo.
de se considerar a tensão existente entre um e outro e entender como as contradições
estão presentes o tempo todo.
OS SUJEITOS ENVOLVIDOS NO DESAPARECIMENTO
Para conhecer os homens, é preciso vê-los agir. No mundo dos salões nós os
ouvimos falar, eles mostram seus discursos e escondem suas ações; mas na
96
história elas são desmascaradas e nós os julgamos a partir dos fatos.
(ROUSSEAU, 1999)
Como foi colocado anteriormente parte-se à priori que o sujeito A é todo aquele que
possui vinculo ou mantém uma relação cotidiana com o sujeito B (desaparecido). Neste
estudo, o sujeito A será chamado também de “sujeito da procura”, ou seja, aquele que tem
a iniciativa de procurar e/ou localizar o sujeito B. Também será apresentado o sujeito C,
que será todo aquele que influencia no desaparecimento de B; seu papel na dinâmica do
desaparecimento é de suma importância, visto que ele às vezes possui um poder sobre B e
faz com que de forma decisiva haja o desaparecimento. O sujeito D é aquele que ajuda na
busca e localização de B, ele pode ser uma pessoa física ou jurídica (instituições).
Na figura I, abaixo, pode-se entender a cadeia destas relações:
O sujeito B - desaparecido, possui uma relação direta com o sujeito A
eventualmente com o sujeito C. O sujeito C pode ser uma pessoa do circulo de convivência
de B ou pode ser um desconhecido. O sujeito D vai ser determinante na busca ou de sua
localização, junto com A e o sujeito C. Às vezes o sujeito D, vai entrar neste círculo
depois do desaparecimento de B, portanto sua relação é por vezes indireta, mas deve-se
investigá-lo melhor.
IV. 1 – APRESENTAÇÃO E COMPORTAMENTO DO SUJEITO “A”
Considera-se neste estudo que o sujeito A é todo aquele que toma a iniciativa da
busca ou da localização do “desaparecido”. Ele procura B na casa de parentes, com os
vizinhos e amigos em geral, procura na comunidade ou é aquele que vai a delegacia abrir o
boletim de ocorrência.
Segundo dados do Projeto Caminho de Volta da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, o sujeito A é aquele que após o desaparecimento vai a
Sujeito “B”
Sujeito “A”
Sujeito “C”
Sujeito “D”
97
Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa DHPP, particularmente na Delegacia de
Desaparecidos, no centro de São Paulo, levar mais informações para a investigação é neste
local que está instalado o Projeto da USP.
O quadro I, abaixo, nos fornece alguns indicadores para revelar a identidade do
sujeito A.
Fonte: Caminho de Volta (2007)
Esse quadro demonstra o universo de familiares do sujeito B, que participaram do
Projeto Caminho de Volta, pois é exigido para fazer parte do projeto, uma pessoa que
tenha parentesco com o desaparecido para traçar o perfil genético, que posteriormente se
comparado com outros perfis. Desta feita, o quadro apresentado nos dá apenas indicadores,
todavia eles não são suficientes para identificar com exatidão quem é o sujeito A. Para
saber de fato quem seria o sujeito A, deveria investigar uma amostra significativa de
Boletins de Ocorrência nas delegacias.
Outro papel atribuído ao sujeito de busca, são as instituições que possuem a
responsabilidade de cuidar e zelar pela proteção e defesa dos direitos da criança e do
adolescente, como: abrigos, casa-lar, casa de passagem, os centros de convivência, Febem,
Fundação Casa, entre outros equipamentos que tem o dever direto sobre as crianças e
adolescentes, que se encontram sobre a sua custódia.
Conclui-se que normalmente o sujeito A é um familiar, pode ser a mãe, pai, irmão, tios,
avós, primos. Em alguns casos será um dos njuges ou namorado e em outros casos
podem ser amigos, vizinhos, conhecidos do sujeito B ou as instituições que tem a guarda
ou oferecem serviços de proteção, defesa dos direitos da criança e do adolescente. Um
ponto relevante a considerar é: quanto maior é a proximidade do sujeito “B” com A”,
considerando o grau de relacionamento, dependência psíquica, social e por sua presença
Banco de referência
Total de casos
Mãe
183 (60,5%)
Mãe e pai
43 (14,2%)
Mãe e outros
8 ( 2,7%)
Pai
35 (11,6%)
Irmãos
6 (2,0%)
Avó materna
5 (1,7%)
Avó paterno
3(1,0%)
Meios-ir
mãos
4 (1,3%)
Tios maternos
4 (1,3%)
Adotados 11 (3,7%)
98
física, cresce a probabilidade de buscar a pessoa desaparecida imediatamente. Considera-se
que essas instituições são constituídas por funcionários e que portanto são eles, mas
precisamente a direção, que teria o dever de informar a ocorrência de desaparecimento, se
isto de fato venha a acontecer.
Existem duas possibilidades de comportamento de A: Ele efetivamente busca o
sujeito B ou ele não busca o sujeito desaparecido. Neste último caso é atribuído a ele esse
papel social de procura ou de localização. O quadro I, permite a visualização do
comportamento de A.
Considerando que o sujeito A tente buscar ou localizar o sujeito B, é comum que
ele o faça inicialmente nas casas de familiares, vizinhos ou amigos e lugares freqüentados
pelo sujeito B. Caso ele não apareça, o sujeito A estende sua busca no bairro, na
comunidade ou na região. Persistindo o desaparecimento e com o passar das horas o sujeito
A, vai a delegacia abrir o Boletim de Ocorrência A delegacia pode abrir o B.O. ou não,
visto que existe a desestimulação da notificação. Hoje, a abertura do B.O. pode ser
realizada via internet. Procura o desaparecido nos Hospitais, no Instituto Médico Legal e
em outros lugares, com ou sem ajuda da polícia, em busca de informação ou do corpo.
Pode ir ao Conselho Tutelar ou Organizações Não Governamentais e outros serviços de
busca ou localização por meio da divulgação da foto, busca por apoio psicossocial ou
serviços auxiliares, que possam ajudar na busca, localização ou identificação do
desaparecido.
Quadro II – Comportamento previsto para o sujeito A
Sujeito A
Ação/ Local
Onde? Complemento
Procura B
Vai a Delegacia ou abre B.O. via
internet.
Depois vai a uma Delegacia do Bairro ou
Especializada
Na comunidade local Vizinhos, amigos, parentes. Locais que o
sujeito B freqüenta
Nos serviços:
Conselho Tutelar
Hospitais
IML
Organizações Não-Governamentais
Outros
Busca de informação
Busca do corpo
Busca e/ou localização por foto
Busca por apoio psicossocial
Serviços de DNA
Pela internet Divulgação da situação via correio
eletrônico ou Web-site
Pela mídia
Jornal
Televisão
Rádio
Faz reportagens do seu caso
Participa de entrevistas
Divulga fotos
Por quê? Contexto
Procura ou
Não Procura
Por ter cometido Homicídio
Oculta o cadáver
99
Não Procura B
Não reconhece o desaparecimento de B
Por problemas/dificuldades de ordem
intelectual/ cognitiva;
Por acreditar que se encontra em local
“seguro” ou “acordado”;
Por falta de informação.
Não sabe do desaparecimento de B Pela forma de “funcionamento” de B
modus operandi
Por desentendimentos, brigas e
conflitos.
Culpa, raiva, ódio do sujeito B
Por violência Física, Sexual e/ou Psicológica
Por abandono Intencional
Por negligência Por Ação ou Omissão aos direitos
fundamentais de B
Em São Paulo os casos de desaparecimento são concentrados no DHPP, situado no
bairro da Luz. No local além de contar com uma equipe especializada de busca e
localização, o sujeito A pode contar com o apoio psicossocial dos psicólogos do Projeto
Caminho de Volta da Faculdade de Medicina da USP. Com o passar dos dias a tendência é
buscar outras fontes de busca ou localização. Hoje o sujeito A pode contar com o apoio de
organizações sociais diversas que atuam na divulgação da foto via internet, bem como os
veículos de comunicação e campanhas especificas de pessoas desaparecidas.
Com o passar do tempo o comportamento ativo de A, pode cair, devido a falta de
resposta do sujeito desaparecido. Nestes casos o sujeito da procura pode entrar em estados
psicológicos preocupantes, como: ansiedade excessiva, depressão, melancolia, síndromes
do pânico, descrença ou desesperança da vida e das pessoas que estão ao seu redor.
O sujeito A pode não procurar por B, mas isto pode mudar na medida em que o
tempo passe. Considerando o comportamento de não procurar por A, o sujeito B não o faz
por:
1- Não reconhecer o desaparecimento de B;
2- Não saber do desaparecimento de B;
3- Por ter tido algum desentendimento, briga ou conflito;
4- Por ter cometido alguma violência;
5- Por ter abandonado intencionalmente o sujeito B;
6- Por ter cometido alguma negligência, por ão ou omissão dos direitos
fundamentais da criança e do adolescente;
7- Por ter cometido o homicídio.
Na primeira hipótese o sujeito A, não reconhece o desaparecimento por apresentar
problemas de ordem intelectual ou cognitiva. Isto ocorre nas situações na qual o sujeito A
possui problemas que interferem na sua consciência, tanto por causas endógenas como
exógenas. Dentre elas destacam-se as doenças degenerativas do sistema nervoso central
100
que altera os estados de consciência. Estas doenças podem ser congênitas com herança
genética, ou adquiridas por hábitos como o consumo de álcool, drogas ilícitas e licitas
(medicamentos) ou substâncias psicoativas. As doenças degenerativas podem estar também
associadas à senilidade, alterando os estados de reconhecimento do seu mundo.
Existe também a possibilidade do não reconhecimento do desaparecimento de B,
por acreditar que o sujeito B se encontra em local “seguro” ou local “acordado” com outras
pessoas (sujeito C). Isto ocorre nas situações em que o sujeito B confiança o sujeito A ao
seu ex-companheiro (a). As separações de casais são muitos comuns nos dias de hoje e os
casais com filhos, organizam ou deveria organizar as visitas de acordo com que foi
estabelecido pelo Juiz de Família. Contudo neste processo de “idas e vindas” a criança e o
adolescente pode utilizar este trânsito para escapar da autoridade dos pais e desaparecer. O
sujeito A pode deixar seus filhos sob a responsabilidade de algum parente ou conhecido
(sujeito C) e o sujeito B pode vir a desaparecer, mas o fato não foi comunicado ao
responsável.
A segunda hipótese refere-se ao fato do sujeito B não saber do desaparecimento de
A, pela forma que o sujeito B age. Em algumas famílias o modelo de relação é calcado num
modelo “aberto” de relação, na qual, não existem cobranças. Cada membro da família
possui um comportamento em que não é constantemente acompanhado. Não regras de
horários, não normas que impeçam a entrada ou a saída da casa. Isto pode ocorrer em
famílias extremamente maduras, pois a relação se estabeleceu desta forma ou ao contrário
disto. Neste caso a família possui uma dinâmica, que foge a regra do modelo burguês. O
sujeito A não busca localizar o sujeito B por que as relações entre seus membros podem
estar abaladas ou comprometidas por situações de violência (doméstica ou conjugal)
conflitos, desentendimentos ou pela própria resistência da criança e do adolescente aceitar
as normas dentro de casa. Como as relações estão “soltas”, a criança ou o adolescente faz o
que bem quer. Fica dias sem ir para casa, costumeiramente dorme fora e não tem o hábito
de avisar onde se encontra. Em alguns casos observa-se a falta de preocupação do sujeito A
no cuidado e no zelo com o sujeito B, neste contexto que entra as contingências de
abandono ou de negligência. Como foi tratado no capitulo I deste trabalho, o
desaparecimento pode ser simbólico, ele pode acontecer mesmo com a presença do outro.
Existe uma última possibilidade: quando o sujeito A assassina o sujeito B e oculta
seu corpo. Neste caso o sujeito A pode buscar por B, como uma forma de esquivar da
justiça, ou ele efetivamente não busca e o tem qualquer atitude neste sentido;
101
simplesmente nega qualquer tentativa de procura ou de investigação sobre o paradeiro de
B.
Quando o sujeito A é uma instituição: Cabem os funcionários e/ou seus diretores
avisar a autoridade judiciária com a finalidade de proceder a busca e/ou a localização do
sujeito B. A omissão neste caso pode levar o estabelecimento a uma ação movida pelo
Ministério Público. Existem casos em que a instituição não quer de fato a criança ou o
adolescente naquele espaço, devido ao seu comportamento rebelde e/ou agressivo. O
receio do sujeito B de aparecer novamente, incentiva a não notificação ou a notificação
morosa.
E quando não existe o sujeito A? Neste caso, como não tem ninguém que está
procurando outrem, não existe o desaparecimento enquanto categoria social, mas isto não
quer dizer que o indivíduo que de algum modo rompeu com seu circulo social, não esteja
desaparecido. Ele pode ter sido vítima de uma ocorrência que levou a sua morte, mas não
materialidade de seu corpo, não laços sociais, não qualquer ligação com seu
mundo, todavia desapareceu. Nestes casos não tem como prever uma estatística de pessoas
que desaparecem, pois ninguém notifica.
IV.2 – O SUJEITO “B” – DESAPARECIDO
O sujeito B é o sujeito do desaparecimento, em nosso caso são crianças e
adolescentes. Considera-se criança aquele ser entre 0 até 12 anos de idade e adolescente de
12 até 18 anos, conforme classificação etária do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ao analisar o comportamento deste sujeito, é possível verificar três formas efetivas
de desaparecimento. O desaparecimento voluntário associado às fugas e o suicídio; o
desaparecimento involuntário, na qual o indivíduo é vitima de causas externas como a
violência, catástrofes, subtração entre outros; O desaparecimento ocorre pelo fato do
indivíduo ter problemas no seu discernimento (consciência) como nos casos de deficiência
intelectual.
O desaparecimento voluntário não está desconectado das determinações sociais,
como foi defendido ao longo do trabalho. Na visão comportamental é visto a ação do
indivíduo no seu mundo social. Aquilo que é possível observar “a olho nu”, sem
aprofundar nas questões subjetivas.
102
Portanto, no caso de crianças, a voluntariedade é algo discutível, visto que as
mesmas são sujeitos de direitos e se encontram em fase de peculiar desenvolvimento físico,
psíquico e social. Assim a criança precisa da família, da comunidade, do poder público
para assegurar todas as garantias inerentes a sua condição, previsto no Estatuto da Criança
e do Adolescente
51
e na Constituição Federal do Brasil, artigo 227. Como ser “dependente”
a criança em tese teria todas as condições de ter seus direitos garantidos e assistidos por
todos.
As crianças pequenas são seres mais dependentes e que, portanto teria menos
possibilidades de desaparecer por conta própria, exceto nos casos em que ela possa se
perder - mais isto para o trabalho é um comportamento involuntário, pois não existe a
intenção ou vontade. Quanto menor a idade dela maior é a probabilidade de ter sido
subtraída, raptada ou seqüestrada.
Quando a criança é muito nova e foi subtraída, com o passar do tempo, ela tende a
se acostumar com as pessoas que a subtraíram, perdendo a consciência sobre o seu
desaparecimento.
No caso da fuga do lar ou da instituição é diferente, existente um ato “voluntário”,
do ponto de vista comportamental. Ela pode ter sido influenciada por C, mas a atitude de
sair de casa é dela. Entretanto todo ato “voluntário”, não significa algo natural ou inato da
pessoa. Como foi discutido anteriormente o seu ato isolado não está desconectado do seu
ambiente social e de sua formação subjetiva. A formação individual se na tensão com a
sociedade, que molda o caráter social do indivíduo.
Para a psicologia sócio-histórica (Bock et al.) a subjetividade é compreendida como um
sistema integrador do interno e do externo, na sua dimensão social e individual, e esta
última também é determinada socialmente. Assim não se entende o indivíduo como uma
mônada
52
, mas sim na sua relação com o seu mundo. Para esta vertente da psicologia, o
universo intrapsiquico não é natural, ele ocorre na atuação do homem com seu ambiente e
51
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência
na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas
áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
52
Segundo Leibniz As mônadas são "formas substancias do ser com as seguintes propriedades: elas são
eternas, indecompostas, individuais, sujeita as suas proprías leis, sem interação mútua, e cada uma refletindo
o proprio universo dentro de uma harmonia pré-estabelecida (historicamente um exemplo importante de
panpsiquismo). Mônadas são centros de forças; substância é força, enquanto o espaço, extensão e movimento
são meros fenômenos.”
103
na relação com outros homens. Assim o ato voluntário não pode ser entendido como um
ato desprovido das determinações sociais.
Quadro III – Comportamento previsto do sujeito B
Sujeito B
Desaparecimento Motivos
Voluntário
- Fuga do lar conflitos familiares/ brigas/
desentendimentos/ violência:
doméstica, familiar ou conjugal.
Aventura/ curiosidade
- Fuga de instituição Violência/ Conflitos/ Aventura/ curiosidade
- Suicídio Causas sociais
Não tem
consciência sobre
o seu
desaparecimento
- Pessoa portadora de deficiência;
- Psicóticos ou neuróticos graves
-
Incapacidade de entender o ato
( Bebê)
- Foi criado pela pessoa que o subtraiu
Involuntário
- foi subtraída (Subtração de incapaz) - por “C”
- por desconhecido
- foi abandonada - pelos pais e/ou responsáveis
- sofre Acidentes - causas naturais ( enchente, soterramento
de terra, terremoto, tsumani e etc.)
- antrópicas ( acidentes aéreos, naufrágio e
etc)
- foi Traficada - para fins de exploração sexual;
- para retirada de órgãos;
- para trabalho escravo
- Suspeita de homicídio e extermínio; - vingança, drogas, desavenças pessoais
- violência urbana
- transferência irregular de guarda; - pai
- mãe
- parentes
- foi Raptada (rapto consensual) - fuga com namorado(a)
- fuga com c
- se perdeu - descuido
- negligência
- desorientação
no caso de adolescentes, o desejo de uma “independência” pode levar a ter
comportamentos de fugas de casa. Isto pode ocorrer por uma necessidade de querer se
aventurar no mundo ou devido a intensos conflitos com os pais. Deve-se ressaltar que após
os 12 anos, o adolescente, por exemplo, pode transitar pelas rodovias interestaduais sem
qualquer fiscalização, não existem regras para eles nesta faixa etária quanto ao pedido de
documentação, facilitando o transito fora da sua região de moradia.
Em alguns casos de deficiência intelectual ou de algumas síndromes congênitas, ou até
abuso de substâncias entorpecentes que impedem a consciência, a criança e o adolescente
não sabem de seu desaparecimento. Nestes casos onde não existe essa “consciência”,
poderá ter havido em algum momento uma queixa de desaparecimento ou uma busca por
sua localização.
104
O que é comum também nos casos de desaparecimentos de crianças e adolescentes
são os casos em que ela se perde do seu grupo social. Nos eventos, onde um trânsito
grande de pessoas, a criança pode ser perder. Pela imaturidade física e mental está mais
sujeita de encontrar suas referências. Ela pode ficar vulnerável e pode ter ajuda de pessoas
que queiram resolver o problema, todavia podem encontrar também pessoas que agem com
outras intenções. As estruturas de shows, espetáculos contam com os serviços de
divulgação das pessoas que se desaparecem uma das outras. Nas praias e nas matas, seja
pelas correntezas, seja pela densidade da floresta pode levar qualquer um à desorientação.
Outros lugares podem dificultar a busca e a localização de uma pessoa. Ultimamente a
mídia destacou dois homens que em circunstancias diferentes desaparecerem. O primeiro
caso o homem caiu num buraco perto da estação de trem e não conseguia sair do local.
Avisou a “emergência” pelo celular e foi resgatado com vida. No segundo caso no interior
de São Paulo, outro homem conseguiu avisar pelo celular, os bombeiros, sua localização
após ter caído em local de difícil acesso. Estes dois casos é uma demonstração de como a
tecnologia pode estar a serviço do homem e não ao contrário.
IV. 3 – CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPORTAMENTO DO SUJEITO “C”
Esse sujeito pode assumir duas faces: a primeira ele tem uma relação direta com o
sujeito B e eventualmente com o sujeito A. Pode ser uma pessoa conhecida do
desaparecido e que possui um grau de parentesco como: pai, mãe, tios, primos, avós, como
outros conhecidos: amigos, vizinhos, namorados ou cônjuge. A segunda face é o do
desconhecido, que não tem qualquer ligação com B.
A dinâmica das pessoas envolvidas no desaparecimento de B, proposta neste
trabalho, o sujeito C é aquele que pode assumir múltiplos papéis. Todavia qual é a
relevância para a descrição deste sujeito? Considerando como indeterminado, ele assume o
papel de influenciar diretamente no desaparecimento de B em muitos casos.
Como pai ou como mãe, podem ter cometido inúmeras violências contra B. Eles
podem ter acentuado conflitos que foram determinantes para a fuga dos filhos ou dos seus
entes. Nos casos de pais separados ele pode assumir o papel daquele que subtrai e/ou
acolhe o filho sem o consentimento do responsável ou da justiça.
O sujeito C também pode ser um familiar, amigo ou namorado e que possui uma
ascensão significativa sobre B. Como o caso apresentado pelo jornal O Estado de São
105
Paulo, na qual quem exerce a função do sujeito C é a patroa da empregada doméstica, que
assassinou a diarista com rituais de magia negra.
Patroa confessa assassinato de diarista em ritual em SP
53
A diarista Rosana Nascimento, de 17 anos, foi encontrada morta ontem na
Rodovia Anhanguera, em Perus, zona norte da capital paulista, com vários
cortes no rosto e nas pernas e uma vela preta na boca. O crime envolveria ritual
de magia negra. No fim da noite, a operadora de telemarketing Tatiana de Jesus,
de 31 anos, patroa de Rosana, confessou o assassinato, segundo a polícia. A
prisão temporária da acusada foi pedida à Justiça. A jovem havia desaparecido
com a filha de três meses no sábado (...)
Não obstante, existem casos em que o sujeito C, influencia decisivamente no
desaparecimento, chegando também às vezes a desaparecer com B. Na pesquisa do Projeto
Caminho de Volta revela que 10.7% das crianças e adolescentes entrevistadas, assumiram
que fugiram de casa com amigos e apenas 1,2% com o namorado.
Considerando o fato de este sujeito ser um desconhecido, deve-se ressaltar que
efetivamente ele não tinha qualquer relação com o sujeito B e com seus familiares. Desta
forma, ele aparece no ato do desaparecimento: raptando, subtraindo ou seqüestrando ou
acolhendo B. Nesta mesma pesquisa coordenada por Gattás e Figaro-Garcia 9,5% das 84
crianças e adolescentes entrevistadas ficaram em casas de pessoas consideradas por elas
como desconhecidas.
Quadro VI – Comportamentos possíveis do sujeito C
Comportamentos Complemento
Sujeito C
Procura B
Abre B.O Na Delegacia ou pela Internet
Procura na comunidade local Pode ajuda o sujeito A em toda busca:
Vizinhos, amigos, parentes. Locais
que o sujeito B freqüenta
Nos serviços:
Conselho Tutelar
Hospitais
IML
Organizações Não-Governamentais
Outros
Busca de informação
Busca do corpo
Busca e/ou localização por foto
Busca por apoio psicossocial
Serviços de DNA
Pela internet Divulgação da situação via correio
eletrônico ou Web-site
Pela mídia
Jornal
Televisão
Rádio
Faz reportagens do seu caso
Participa de entrevistas
Divulga fotos
- C foge com B; Pode ser um amigo, namorado, um
dos pais ou parentes próximos
- C extermina B; Comete assassinato e oculta cadáver
- C não reconhece o desaparecimento de B; Por problemas/dificuldades de ordem
intelectual/ cognitiva;
53
Agencia Estado Online, quinta-feira, 7 de janeiro de 2010. disponível em:
http://www.estadao.com.br/noticias/geral,patroa-confessa-assassinato-de-diarista-em-ritual-em-
sp,491941,0.htm
106
Não Procura B Por acreditar que se encontra em
local “seguro” ou “acordado”;
Por falta de informação.
- C não sabe do desaparecimento de B;
- C sabe do paradeiro de B Mas não quer contar, pois acredita que
escondendo a informação ele estará
protegendo B.
IV.4 – O PAPEL E O COMPORTAMENTO DO SUJEITO “D”
O sujeito “D tem um papel fundamental na busca e/ou localização do
desaparecido. Ele pode assumir o papel de algum familiar, amigo, vizinho, namorado ou
cônjuge, como também pode ser uma instituição que oferece apoio ao sujeito “A”. Neste
último caso pode ser a Delegacia de Polícia, Organizações governamentais e Não
Governamentais que oferecem assistência diversas ao sujeito “A” e seus familiares.
A REDESAP da Secretaria Especial de Direitos Humanos SEDH possuem 45
instituições cadastradas no Brasil que atuam diretamente com a questão do
desaparecimento de crianças e adolescentes, conforme descrito no Quadro abaixo:
Quadro V – Instituições que atuam com o desaparecimento infanto-juvenil cadastradas na REDESAP
Quant. Serviço Observação
26 Delegacias Especializadas
Proteção e Defesa da Criança/Adolescente
04 Núcleos/Centros Especializados
Assistência/ Segurança Pública
05 Serviços especializados
Estrutura das Secretarias Estaduais de Segurança
Pública
04 Organizações Não -
Governamentais
02 São Paulo
02 Fundações
Governos Estaduais
01 Secretaria de Estado
Distrito Federal
01 Vara da Infância e Juventude
Rio de Janeiro
01 Defensoria Pública
Rio de Janeiro
01 Universidade
São Paulo
45 Instituições Total
Nota-se a predominância de equipamentos ligados à estrutura da política de
Segurança Pública, perfazendo um total de 34 instituições. Deve-se considerar as
instituições não cadastradas na REDESAP, que desenvolvem a busca e a localização de
pessoas desaparecidas, destaca-se as instituições que oferecem algum tipo de atendimento
psicossocial ou de busca/ localização, seja governamentais ou não governamentais,
brasileiras ou internacionais, como o “Missing Kids”, organização presente em muitos
países, inclusive no Brasil. Existem outras organizações que ajudam na divulgação das
107
fotos de desaparecidos pela internet. São inúmeras entidades que colaboram nesta missão,
inclusive divulgando via mensagens eletrônicas o desaparecimento de pessoas. Na atual
conjuntura social de “ajuda” pela internet encontra-se rios casos solucionados, mas
que estão rodando em listas de e-mails.
Quadro VI – Possíveis ações previstas do sujeito D
Sujeito D
Ação/ Local
Ações Complemento
Procura B
Pela investigação das causas Entrevista com as pessoas envolvidas
Na comunidade local Vizinhos, amigos, parentes. Locais
que o sujeito B freqüenta
Nos serviços:
Hospitais
IML
Serviços de Saúde
Abrigos ou instituições
semelhantes
Outros
Busca de informação
Busca do corpo
Oferece serviço de divulgação de foto
Encaminha para apoio psicossocial
Encaminha para serviços de DNA
Pela internet Divulgação da situação ou da foto no
Web-site da policia e/ou dispara
atenção do caso via correio eletrônico
Pela mídia
Jornal
Televisão
Rádio
Faz reportagens do caso
Participa de entrevistas
Divulga fotos
Por quê? Contexto
Procura ou
Não Procura
Não reconhece o desaparecimento
de B
Por acreditar na volta do sujeito B e
pela forma de funcionamento” e
características de B
Não abre boletim de ocorrência e não
dá outras providências ao caso.
Mesmo não reconhecendo todas as
providencias ao caso.
Não Procura B
Não sabe do desaparecimento de B
Por falta de informação.
Por negligência
Por Ação ou Omissão aos direitos
fundamentais de B
Alega falta de estrutura (física e de
pessoal)
Tenta desestimular a abertura do B.O.
ou impõe a condição de 48 ou 72
horas para a sua feitura.
Na visão de Carlos Drummond de Andrade, o desaparecimento não é um problema
individual, mas de toda a sociedade, que poderá ajudar de alguma forma na busca,
localização ou na elucidação do caso, como foi narrado na poesia de Desaparecimento de
Luisa, mas a dor é muito grande e a desilusão avança dia após dia:
Ou talvez não seja preciso esse favor divino.
A mãe de Luísa (somos pecadores)
sabe-se indigna de tamanha graça.
E resta a espera, que sempre é um dom.
Sim, os extraviados um dia regressam
— ou nunca, ou pode ser, ou ontem.
E de pensar realizamos.
Quer apenas sua filhinha
que numa tarde remota de Cachoeiro
108
acabou de nascer e cheira a leite,
a cólica, a lágrima.
Já não interessa a descrição do corpo
nem esta, perdoem, fotografia,
disfarces de realidade mais intensa
e que anúncio algum proverá.
Cessem pesquisas, rádios, calai-vos·
Calma de flores abrindo
no canteiro azul
onde desabrocham seios e uma forma de virgem
intata nos tempos.
E de sentir compreendemos.
Já não adianta procurar
minha querida filha Luísa
que enquanto vagueio pelas cinzas do mundo
com inúteis pés fixados, enquanto sofro
e sofrendo me solto e me recomponho
e torno a viver e ando,
está inerte
gravada no centro da estrela invisível
Amor.
109
CAPÍTULO V DESAPARECIMENTO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES: DESAFIOS E PERSPECTIVAS
A criança é o princípio sem fim. O fim da criança é
o princípio do fim. Quando uma sociedade deixa
matar as crianças é porque começou seu suicídio
como sociedade. Quando não as ama é porque
deixou de se reconhecer como humanidade.
Herbert de Sousa (BETINHO)
54
Neste último capítulo trazemos como podemos avançar na situação de crianças e
adolescentes desaparecidas no país. Desta forma, serão apresentadas várias reflexões e
proposições para minimizar o problema e seus impactos na sociedade brasileira. Parte-se
da idéia central desta tese que o desaparecimento é determinado socialmente e que,
portanto é uma situação que sempre irá ocorrer.
Quando a CPI Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o desaparecimento de
crianças e adolescentes, veio a São Paulo para apurar esses casos de desaparecimento no
Estado, na minha apresentação fiz algumas considerações que acredito ser relevante para
entender esta situação. Estas contribuições serão trazidas neste capítulo na tentativa de
aproximar o Estado de uma questão que ficou desaparecida da política pública até os dias
atuais.
No encontro ocorrido na Assembléia Legislativa de São Paulo, no dia 05 de outubro
de 2009, refletimos que o desaparecimento de crianças e adolescentes ocorre por um
processo histórico de exclusão, na qual o capitalismo exclui aqueles que não produzem e
pouco consome. Neste sentido para compreender o desaparecimento de crianças e
adolescentes e deve-se pensar no aspecto econômico. Numa sociedade pautada na injustiça
social e na desigualdade, o Estado não pode se desresponsabilizar sobre o que ocorre com
os mais fragilizados. O perfil das famílias atendidas pelo Projeto Caminho de Volta, como
vimos, bem como as famílias que procuram ajuda na Organização Não Governamental
“Mães da Sé”, mostram o estado de vulnerabilidade social em que elas estão inseridas.
Isto reforçaria que a família tem se preocupado muito mais com sua
autoconservação, por meio do trabalho do que a educação com os filhos. A atenção que é
um componente básico da formação individual não é mais um investimento libidinal
importante. Sem este investimento o indivíduo se solto em sua subjetivação. Com o
tempo o indivíduo vai deformando o seu caráter individual em decorrência dos estereótipos
54
O texto de Herbert de Sousa (BETINHO) começa nesta página e termina no final deste capítulo.
110
externos. O ego ideal, formado na relação com os pais, segundo Freud, é substituído pelo
ideal de ego, que é formado pela introjeção dos elementos do mundo externo. Ao
considerar que no Brasil, o mundo externo é baseado no capitalismo de monopólio, o
indivíduo vai introjetando a mercadoria como algo fundamental para sua satisfação e
realização das necessidades individuais.
Nas pesquisas divulgadas pelo IBGE é verificado o aumento continuado de famílias
chefiadas por mulheres, sem companheiros e que precisam prover todas as necessidades da
casa. Essas famílias, que estão envolvidas no desaparecimento de crianças e adolescentes,
também têm pouco acesso às políticas sociais básicas e muitas ainda estão fora dos
programas de “bolsa auxílio”. Portanto o modelo econômico influencia a cultura, que por
sua vez condiciona o indivíduo, que reproduz um comportamento esperado por esta. A
falta de atenção em razão da subsistência e do principio do conforto, leva ao desamparado,
inviabilizando a participação mais ativa dos pais e/ou responsáveis na formação do
indivíduo.
Foi alertado que o país não dispõe de mecanismos de justiça, por não apresentar um
marco legal consistente que regula a questão do desaparecimento civil de pessoas, muito
menos de criança e adolescente. Este aspecto será melhor debatido neste texto.
Foi sugerido a ampliação de ações para o aperfeiçoamento do sistema de busca e
localização de crianças e adolescentes: como o Projeto Caminho de Volta, da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, que possui metodologia de busca e a localização,
por meio da biologia molecular - DNA , o atendimento psicossocial e a bioinformática.
Estas três possibilidades de investigação, além de ajudar a família propriamente dita, ajuda
na consolidação de estudos e pesquisas na área. Propomos na CPI também a ampliação de
estudos e pesquisas sobre o desaparecimento nas Universidades.
Outra dificuldade ressaltada no evento foi a articulação do Sistema de Proteção
Social e Defesa de Garantia de Direitos, considerando o poder judiciário, o Ministério
Publico, os Conselhos de Direitos e Tutelares, e as unidades de abrigamento. Um dos
grandes problemas enfrentados nesta área são os processos de crianças e adolescentes que
estão sob guarda e tutela do Estado e que podem estar sendo procuradas por suas famílias
de origem. O poder judiciário timidamente encaminha alguns casos de crianças e
adolescentes abrigados para o Projeto Caminho de Volta fazer o perfil genético deles,
contudo são ações isoladas, determinadas por alguns juízes. Consideramos que a
magistratura deveria incorporar esta prática de investigação forense em seus procedimentos
de encaminhamento.
111
Desta maneira deve-se fortalecer ões integradas na esfera federal, estaduais e
municipais visando consolidar um cadastro único de desaparecidos, preferencialmente com
material biológico dos familiares. Na atual proposta do governo federal sobre o assunto o
Cadastro Nacional inicialmente será feito pelos atores de cada Estado brasileiro
previamente cadastrado na REDESAP. Estes representantes estaduais que irão validar ou
não a comunicação de desaparecimento de pessoas e disponibilizarão os casos ativos no
Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas.
O segundo estágio consistirá na coleta do material genético dos familiares para
acesso nacional destas informações em cada Estado da federação. Neste sentido, pensamos
também na ampliação ou no aproveitamento do exame do pezinho que é feito nos recém-
nascidos para guardar o seu material genético. Isto não significa traçar o perfil de DNA de
imediato, mas sim o arquivamento deste material por parte dos familiares que poderia ser
utilizado para a identificação quando houvesse uma necessidade. A questão das políticas
de controle podem futuramente recair sobre a violabilidade dos direitos humanos, visto que
na mesma proporção o material poderia ser utilizado para um banco de “criminosos” por
exemplo.
Na verdade a Lei 8.069/90, no Título II que discorre sobre “Os Direitos
Fundamentais”, especificamente no Capítulo I que trata do Direito à Vida e à Saúde” ,
pode-se verificar muitos aspectos relacionados a identificação das crianças nos serviços de
saúde.
Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes,
públicos e particulares, são obrigados a:
I - manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários
individuais, pelo prazo de dezoito anos;
II - identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão
plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas
normatizadas pela autoridade administrativa competente;
III - proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de
anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação
aos pais;
IV - fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as
intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato;
V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência
junto à mãe.
Então consta como obrigação destes serviços os procedimentos quanto a
informação e a identificação. No caso de haver qualquer problema desta natureza, pode-se
entender no Brasil, como crime, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, como
segue:
112
Art. 228. Deixar o encarregado de serviço ou o dirigente de
estabelecimento de atenção à saúde de gestante de manter registro das
atividades desenvolvidas, na forma e prazo referidos no art. 10 desta Lei,
bem como de fornecer à parturiente ou a seu responsável, por ocasião da
alta médica, declaração de nascimento, onde constem as intercorrências do
parto e do desenvolvimento do neonato:
Pena - detenção de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena - detenção de dois a seis meses, ou multa.
Art. 229. Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de
atenção à saúde de gestante de identificar corretamente o neonato e a
parturiente, por ocasião do parto, bem como deixar de proceder aos exames
referidos no art. 10 desta Lei:
Pena - detenção de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena - detenção de dois a seis meses, ou multa.
Por outro lado, a política de controle é de fundamental importância para não
aumentar os casos de desaparecimento de crianças e adolescentes, assim deve-se pensar
melhor sobre o livre acesso de adolescentes em viagem no território nacional. Refletimos
que se deveria começar a exigir autorização dos pais ou responsáveis somente à partir dos
14 ou 15 anos de idade. Obviamente isto não pode ferir o direito de “ir ou vir” da pessoa.
Pensamos não ferir o que esta garantida na Constituição Brasileira de 1988. Sabe-se
também que muitos adolescentes estão fugindo de situações de conflitos ou de violência de
seus familiares, entretanto estas questões devem ficar claras no atendimento dos menores
de 18 anos. Caso o adolescente esteja sofrendo algum tipo de violência isto deve ser
cuidado pelo Sistema de Garantia de Direitos e caso os atores deste sistema concluam que
para sua proteção social é bom sua saída, então o faça formalmente.
Esta questão está claramente colocada na Seção III “Da Autorização para Viajar”
do Estatuto da Criança e do Adolescente, que norteia a questão da criança, mas entende
que o adolescente, ou seja, maior de 12 anos possa viajar livremente sem qualquer pedido
de autorização dos pais ou responsáveis. Por isso que reafirmamos que o ECA abre uma
lacuna perigosa para a fuga de adolescentes para outras localidades. Neste sentido, o poder
público deveria retomar a questão, visto que o adolescente é um sujeito que se encontra em
fase de desenvolvimento físico, psíquico e social. Existe maturidade para viajar sozinho?
As fronteiras brasileiras conseguem controlar o fluxo de jovens que anualmente saem do
país?
Art. 83. Nenhuma criança poderá viajar para fora da comarca onde reside,
desacompanhada dos pais ou responsável, sem expressa autorização judicial.
§ 1º A autorização não será exigida quando:
a) tratar-se de comarca contígua à da residência da criança, se na mesma
unidade da Federação, ou incluída na mesma região metropolitana;
113
b) a criança estiver acompanhada:
1) de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau, comprovado
documentalmente o parentesco;
2) de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável.
§ 2º A autoridade judiciária poderá, a pedido dos pais ou responsável, conceder
autorização válida por dois anos.
Há precedente para ambos, isto ocorre somente quando há viagem ao exterior:
Art. 84. Quando se tratar de viagem ao exterior, a autorização é dispensável, se
a criança ou adolescente:
I - estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável;
II - viajar na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro
através de documento com firma reconhecida.
Art. 85. Sem prévia e expressa autorização judicial, nenhuma criança ou
adolescente nascido em território nacional poderá sair do País em companhia de
estrangeiro residente ou domiciliado no exterior.
Contudo deve-se observar as sansões previstas quando má intenção por parte
daqueles que estão querendo explorar a criança e o adolescente:
Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de
criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades
legais ou com o fito de obter lucro:
Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.
Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude:
(Incluído pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à
violência.
É previsto penas para quem facilitar a fuga ou transportar a criança ou adolescente:
Art. 251. Transportar criança ou adolescente, por qualquer meio, com
inobservância do disposto nos arts. 83, 84 e 85 desta Lei:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso
de reincidência.
Chamamos a atenção dos presentes da reunião da CPI para a importância na
capacitação dos atores do sistema de garantia de direitos, principalmente a polícia que
ainda possui a cultura das 24/48 horas para abrir o Boletim de Ocorrência e os Conselhos
Tutelares que ainda não sabem distinguir uma fuga de um desaparecimento.
Articular com as Organizações Não-Governamentais que atuam no setor para um
programa efetivo de enfretamento com recursos alocados da União. Não se trata de
fortalecer o terceiro setor mais contar com ele para ser um elemento estratégico na
consolidação de uma política pública inexistente.
Vimos que a nova política da assistência social (LOAS- SUAS), prevê as unidades
do Centro de Referência da Assistência Social - CRAS e o Centro de Referencia
114
Especializado da Assistência Social CREAS, assim acreditamos que é um lócus
privilegiado de identificação e atendimento para crianças e adolescentes e suas respectivas
famílias que se encontram em estado de vulnerabilidade pessoal e ou social. Sabe-se que
grande parte dos desaparecidos são vitimas de muitas violações de direitos e que podem
aparecer nestes Centros em busca de ajuda ou informações. O profissional que atua na
Assistência deve estar preparado para encaminhar adequadamente estes casos, para que os
mesmos não fiquem subnotificados.
O último ponto proposto na CPI dos Desaparecidos, foi chamar a mídia para
propagar cada vez mais fotos e divulgar matérias jornalísticas de pessoas desaparecidas.
Ressaltou se que o Estado brasileiro é muito condescendente com a dia e ela como
concessão deve prestar serviços à população brasileira. No Estado democrático a mídia
briga para ser “livre”, mas no sistema capitalista a mídia se rende aos encantos no capital
desvirtuando seu caráter que é fornecer as informações. Os espaços vazios nos cadernos de
publicidade, chamados de “calhau” poderia ser usado na divulgação de fotos. É de suma
importância que estes jornais possam ser convocados para propagar o tema todos os dias
em suas páginas, para isto a câmara federal deve propor um projeto de lei que oficialize
esta questão.
O Dr. Eduardo Resende de Melo, atual Presidente da ABMP Associação
Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores blicos da Infância e da
Juventude, na sua exposição no II Encontro Nacional da REDESAP debate e propõe uma
série de considerações sobre o desaparecimento de crianças e adolescentes que julgamos
importante e que serão colocadas parcialmente a seguir:
Primeiro ele chama a atenção para as dimensões de análise do marco legal para
aprimoramento do Sistema de Garantia de Direitos. Para tanto ele propõe a adequação
técnica legislativa para o tema. A necessidade da precisão conceitual do marco legal: a
questão do “desaparecimento”, da “localização” e as situações sujeitas à localização ou
busca, como foi debatido ao longo deste trabalho.
Para isto é necessária a atribuição institucional pela localização: coerência teórica e
sistêmica entre os marcos legais. Neste caso é a Polícia? É a Assistência ou são os
Conselhos Tutelares? Se a questão é judiciária deve-se ter uma condução, se for social
outra e se for uma questão de violação de direitos, possivelmente outra regulamentação.
Segundo Mello os critérios para utilização do serviço de garantia das liberdades
cívicas, não podem ferir como dissemos os princípios normativos da Constituição
115
Brasileira de 1988. Como também a possibilidade de incorporar a dimensão sistêmica da
localização/ busca e sua articulação com outros serviços
Com relação ao Marco Legal ressalta o Estatuto da Criança e do Adolescente: Art.
87, inc IV +Art. 208, §2º (cf. lei 11.259/05), como colocamos anteriormente e o decreto
3951/01
55
e o decreto 3413/00, que faz a designação da autoridade central a que se refere a
Convenção sobre os aspectos civis do seqüestro internacional de crianças e adolescentes
Sobre a adequação técnica legislativa, revela a Lei 11.259, que introduz a obrigação
de investigação do desaparecimento no artigo 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente
referente à proteção judicial de interesses individuais, difusos e coletivos, todavia sem
qualquer coerência lógica.
Levanta a precisão e suficiência conceitual do marco legal. Os Serviços de
localização podem ser utilizados apenas em caso de desaparecimento? Desaparecido em
relação a quem? (a situação de adultos). A Localização implica em busca física da pessoa?
Como fica a situação de adolescentes em conflito com a lei, apreendidos em cidades
distintas? Portanto com a falta de uma delimitação das atribuições dos serviços (impasses
entre polícia e Conselho Tutelar) a competência passa a ser de ninguém.
Disse que a imprecisão conceitual do termo “desaparecimento” para contemplar
todas as situações em que localização ou busca podem se fazer necessárias: formas de
movimentação de crianças e adolescentes que não implicam desaparecimento (crianças em
situação de rua; não acompanhadas e migração) leva a uma confusão maior dos agentes de
localização.
É para ele questionável a delimitação das pessoas passíveis de serem localizadas
conforme art. 87 do Estatuto da Criança e do Adolescente: pais, responsável e crianças e
adolescentes desaparecidas. Com a garantia da convivência familiar e a família ampliada
atual, as pessoas citadas no artigo não bastariam, visto que estas não traduzem a atual
composição familiar existente na realidade brasileira.
Hoje, no país a atribuição institucional pela localização é da Secretaria de Direitos
Humanos designada como autoridade central para efeito da Convenção sobre aspectos
civis do seqüestro internacional de crianças (art. 1º, decreto 3951 de 2001). Para Mello,
previsão no art. 2º, VI, deste decreto, da utilização do Sistema de Informação de Proteção a
55
Decreto que designa a Autoridade Central para dar cumprimento às obrigações impostas pela Convenção
sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, cria o Conselho da Autoridade Central
Administrativa Federal contra o Seqüestro Internacional de Crianças e institui o Programa Nacional para
Cooperação no Regresso de Crianças e Adolescentes Brasileiros Seqüestrados Internacionalmente.
116
Infância e Adolescência para análise das crianças/adolescentes desaparecidos e, ao mesmo
tempo, inc. VIII, fornecimento à polícia federal dos dados referentes às crianças e
adolescentes desaparecidos. Hoje a Secretaria Nacional de Segurança Pública, tem se
preocupado em inserir a policia federal, principalmente a rodoviária na capacitação de seu
efetivo na identificação de crianças e adolescentes desaparecidos.
Segundo Melo, ocorre uma inexistência de atribuição formal de responsabilidade
em âmbito interno do governo, como órgão de coordenação das ações de enfrentamento da
questão. Embora isto não seja formalizado a Secretaria Especial de Direitos Humanos que
vem assumindo esta função.
Os convênios realizados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos com polícias
estaduais ou ONG´s não são suficientes, visto que o Art. 208, § 2º, Estatuto da Criança e
do Adolescente, prevê dispersão de responsabilidades: “órgãos competentes” com
subseqüente comunicação a portos, aeroportos, polícia rodoviária e companhias de
transporte interestaduais e internacionais. Desta forma o Estado brasileiro deve avançar nas
ações de busca imediata nos casos de desaparecimento, bem como contar com o apoio
destes locais para a prevenção de novos casos.
O Presidente da ABMP, diz que falta previsão legal do Projeto de lei da deputada
Bel Mesquita, que cria o Cadastro Nacional de Crianças Desaparecidas (1842/07). Hoje
sabemos que o Cadastro foi ampliado para pessoas desaparecidas e transviados.
critérios, segundo Mello para utilização do serviço e garantia de liberdades
cívicas. Primeiramente ausência de critérios precisos previstos em lei para utilização
dos serviços. Então é possível a violação em tese do direito à privacidade e intimidade,
especialmente em relação a adultos. O direito, por exemplo, a não querer ser localizado?
Para isto é necessária uma articulação sistêmica entre proteção e localização. Lembra do
Projeto de lei do deputado Valdir Colatto, que altera a lei geral de telecomunicações para
estabelecer a possibilidade de utilização das redes de telefonia móvel para localização de
pessoas desaparecidas (3797/08), que permite um ‘GPS’ voltado a idosos, pessoas com
deficiência e crianças e adolescentes, isto por um lado poderia ser um beneficio na
localização, entretanto viola a direito à privacidade.
No caso de crianças e adolescentes, ressalta o direito à liberdade de movimento.
Assim colocada à questão dos limites para a caracterização de desaparecimento e as
relações geracionais/filiação: a situação de fuga com namorado/viagem com amigos. Neste
sentido, a necessidade de articulação da localização com respeito ao direito à
participação da criança e do adolescente que fugiu. Para resgatar o “desaparecimento”
117
como tentativa de garantia de direito, tanto na fuga por conflitos familiares como fuga de
instituição.
Retornando ao aspecto discutido sobre a dimensão sistêmica da localização, Mello
ressalta sobre a necessidade de delimitação de responsabilidade institucional pelos
programas de localização como sendo de fundamental importância para o controle da
execução de serviços. Existe a possibilidade de demanda judicial e sua inter-relação entre
promoção de direitos e controle.
Alerta para a localização de pessoas sem cadastro adequado de atendimento pode
gerar novas violações de direitos. Na atual composição do Cadastro Nacional de Pessoas
Desaparecidas e Transviados
56
, o Comitê Gestor da REDESAP tem se preocupado com as
questões éticas para que isto não ocorra, mas não significa que isto não possa ocorrer, visto
que a finalidade da política pode mudar. Ressalta a importância do SIPIA para ajudar na
efetivação das políticas públicas neste setor.
Esclarece a importância do Cadastro Nacional para a divulgação também de fotos
de crianças e adolescentes, porém pode haver o mau uso da providência, como a
exploração sexual de crianças pelos pais, fuga de crianças e por uma violação clara e a
utilização do serviço para localização delas. Assim deve-se ser pensada na integração do
serviço de localização a rede de programas de atendimento, mas também o controle
constante do respeito às liberdades individuais. Na localização de pessoas, Dr. Eduardo
pensa na possibilidade de cooperação internacional: quando a movimentação não for ilícita
(não aplicabilidade da Convenção), principalmente nas regiões de fronteiras.
Ao debater seus pontos, Mello traz as seguintes proposições:
Elaboração de legislação compreensiva que preveja as hipóteses de localização ou
de busca, sem referência necessária a desaparecimento;
Atribuição formal institucional do serviço de localização/busca, com mecanismos
de controle de atividades;
Integração do serviço de localização e de busca com outros programas de
atendimento, com detalhamento dos modos de exercício do direito à participação
por parte de crianças e adolescentes;
Reflexão da estruturação do serviço num modelo de localização fundado na
investigação criminal: dualidade de vias eventualmente, conforme haja efetiva
suspeita de ocorrência de crimes ou não?
56
O Cadastro Nacional inicialmente era de Crianças e Adolescentes, depois foi incorporado os Idosos e o
termo Pessoas Desaparecidas e por fim foi incluído a palavra transviados.
118
Para a equipe que trabalha no Projeto Caminho de Volta, pela sua atuação no
DHPP, Delegacias de Desaparecidos e na Faculdade de Medicina Legal da USP, tem
refletido sobre a importância de criação de equipes de referência nas delegacias,
particularmente nas delegacias especializadas. Para isto deve ter uma normatização nas
delegacias dos procedimentos a serem tomados nos casos de desaparecimento.
Outro aspecto preventivo discutido na equipe é a regulamentação nos hospitais e
maternidade sobre a identificação por meio da coleta de material biológico. Diferente do
exame do pezinho esta proposição é mais ampla.
É debatido sobre a importância do envolvimento intersetorial dos diversos serviços
de atendimento à criança e do adolescente, para minimizar o problema na sociedade. Para
isto a integração das Unidades Básicas de Saúde com o novo sistema apregoado pelo
Sistema Único da Assistência Social, pois a implantação e/ou implementação do CRAS-
Centro de Referência da Assistência Social é fundamental visto a sua capilaridade em áreas
de vulnerabilidade social.
Para a equipe do Projeto Caminho de Volta, além das questões aqui levantadas e
aquelas ações que estão sendo executadas pelo Governo Federal, cabe incluir também a
necessidade de obrigatoriedade de Registro e Identificação de Cadáveres. Em São Paulo, o
Projeto Caminho de Volta tentou articular o Instituto Médico Legal – IML para não
enterrar como indigente menores de 18 anos, sem extrair o material genético do mesmo. A
tentativa é frustrada, visto que não existe uma legislação que regulamente isto.
Ressalta-se também para a vigilância e registro constante para o sistema de adoção.
Sabe-se que no Brasil, existem adoções que ocorrem a margem do sistema formal. Hoje
para alguém adotar uma criança, ela deve ser habitada pelo judiciário para entrar no
Cadastro Nacional de Adoção. Como majoritariamente as pessoas que se candidatam,
exigem um perfil da criança pequena, do sexo feminino e parecida com o seu biológico,
não há muitas adoções. Com isto muitos casais e pessoas procuram burlar a lei e trabalham
no sentido de conseguir a criança por outras vias. Isto alimenta a adoção ilegal e outras
formas de subtração e consequentemente de desaparecimento.
Afinal, a criança é o que fui em
mim e em meus filhos enquanto eu e humanidade.
Ela, como princípio, é a promessa de tudo. É minha
obra livre de mim.
119
Se não vejo na criança, uma criança, é porque
alguém a violentou antes, e o que vejo é o que
sobrou de tudo que lhe foi tirado. Diante dela, o
mundo deveria parar para começar um novo
encontro, porque a criança é o princípio sem fim e
seu fim é o fim de todos nós.
120
CONCLUSÃO
A questão do desaparecimento de crianças e adolescentes, como vimos ainda
necessita de muito investimento de políticas sociais e públicas no país. A mobilização
mundial acerca do tema não é suficiente para deter os números assustadores da situação.
O Brasil como outros países do mundo enfrentam várias dificuldades, entre elas as
econômicas e as sociais, mas os Estados não podem fechar as possibilidades de discussão
sobre o tema. Foram poucas ações efetivamente de enfretamento até o presente momento.
O país deve priorizar a questão para não entrar nas estatísticas de maior país do mundo a
contabilizar seus desaparecidos. Vimos que 40% dos desaparecimentos estão associados a
fuga de casa. Os indivíduos fogem de suas famílias e de seu circulo social, porque na
sociedade atual a família e a comunidade não exercem mais a função de protetores e
defensores dos seus direitos. Aliás, muitas vezes, são eles que perpretam a violência contra
seus membros, motivando a fuga de casa.
Existe uma minimização do problema por parte do Estado. Este movimento refere-
se à própria desresponsabilização do Estado em relação a garantia das políticas públicas,
que consequentemente leva ao desaparecimento de pessoas. O Estado não condições
sociais mínimas de sobrevivência para uma grande parcela de pessoas e na medida em que
diminuiu sua responsabilidade nestes casos, aumenta a culpa nos indivíduos ou na família.
As instituições privadas e as Organizações Não Governamentais, estão na
vanguarda do enfrentamento do problema e assume um papel que deveria ser do Estado. O
desaparecimento de crianças e adolescentes ainda não é uma política de Estado,
fragilizando todo o sistema de garantia de direitos. Diferente do desaparecimento político
que já ganhou espaço e status social.
Podemos pensar que grande parte da classe política no Brasil e em muitos países,
foi perseguida nos regimes ditatoriais e hoje legisla para reparar o dano causado em sua
vida ou dos opositores do antigo regime. Na ditadura militar era claro quem era o inimigo,
no capitalismo moderno, ninguém enxerga o inimigo. Na sociedade atual a opressão é
ofuscada em tons de liberdade e fica mais difícil determinar a culpa ou a responsabilidade.
Quem responde pelos milhares de desaparecidos todos os anos no país? De quem é a
culpa? Quem pode reparar os danos causados pelo desaparecimento?
121
A falta do marco legal impede que haja mecanismos confiáveis de busca e
localização dos desaparecidos. A polícia não funciona direito, o poder judiciário não se
compromete, o Estado empurra o problema para a sociedade civil e assim por diante.
O marco legal, importante mecanismo de cobrança social então é deixado de lado,
para encobrir as próprias mazelas do Estado.
Uma possibilidade efetiva de reflexão sobre o marco legal seria a adequação de um
novo conceito, discutido inicialmente neste trabalho. No processo de articulação teórica
viu-se a necessidade de retirar a concepção de causa e efeitos presente no conceito de
desaparecimento, assim foi pensado trazer a origem conceitual pelo seu referencial
etimológico. Isto possibilitou dar sustentação a todo método deste trabalho;
As determinações sociais, naturais e psicológicas, foram trazidas para mostrar sua
influência no desaparecimento de pessoas, entretanto, foi visto que uma predominância
das determinações sociais: econômicas, políticas, culturais, jurídicas, ideológicas e
religiosas, nestes casos. Ao considerar que as determinações sociais interferem na natureza,
pela ação do homem como a própria mudança climática em decorrência do aquecimento
global, queimadas, poluição do ar, construções de vias públicas, extração do petróleo, entre
outras, pode-se concluir que as catástrofes não pode ser pensadas como fenômeno
exclusivamente natural. De outro lado, o homem deve ser entendido como parte da
natureza, que modifica seu ambiente e é modificado por ele. Assim vimos que o
psicológico também é constituído pelos elementos sociais, portanto é difícil separar as
determinações sociais de outras. Nesta discussão não exclui os aspectos inatos do aspecto
psicológico ou biológico, sem dúvida eles existem, mas é a cultura, ou a forma como a
cultura trata uma determinada questão que irá reforçar ou não os comportamentos.
A sistematização dos comportamentos dos envolvidos nos casos de
desaparecimento, não pode ser utilizada sem as considerações críticas deste trabalho. Os
quadros de comportamento esperado podem servir para a melhoria das investigações
policiais, mas não como uso descolado das discussões trazidas ao longo deste trabalho.
Estes comportamentos são historicamente constituídos, o que se espera hoje dos pais ou da
família é diferente do que se esperava em outros séculos. A base destes comportamentos é
o modelo burguês de relação. Nele o indivíduo deve a satisfação e a obediência aos
responsáveis, sem considerar os aspectos individuais, mas sim a manutenção dos bens
adquiridos do capital acumulado .
O desaparecimento de adultos é diferente do desaparecimento de crianças e
adolescentes, mas grande parte destas determinações é similar entre os grupos. O que
122
difere substancialmente é que a criança e o adolescente são seres mais dependentes por sua
condição de pessoa em fase peculiar de desenvolvimento. É na infância e na adolescência
que a maturação dos aspectos físicos, psíquicos e sociais. Diferente do adulto que
teve a oportunidade de desenvolver suas pontencialidades. Mas não existe adulto imaturos?
Sim, entretanto do ponto de vista da proteção social e das garantias individuais estes
indivíduos respondem por si mesmo após a maioridade. Se comete um crime, responde por
ele. Se desaparece voluntariamente, responde por ele.
123
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