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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Líria Maria Bettiol
Atualizando o debate: formação profissional, trabalho em saúde e
serviço social
DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CALICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Líria Maria Bettiol
Atualizando o debate: formação profissional, trabalho em saúde e
serviço social
Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para
a obtenção do título de DOUTORA em Serviço Social pelo
Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação da
Profª. Drª. Regina Maria Giffoni Marsiglia.
SÃO PAULO
2010
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A Fábio Lanza companheiro;
a João Bettiol e Líria F. Bettiol pais;
amores eternos!
AGRADECIMENTOS
Bem vale haver lutado e cantado, bem vale haver vivido se o amor me acompanha.
Pablo Neruda
Aos sujeitos desta pesquisa, pela disponibilidade em conceder as entrevistas e por suas
valiosas contribuições.
À Profª Drª Regina Maria Giffoni Marsiglia, que traduz o significado da expressão
“orientadora”, com seu apoio, compreensão e carinho, mas sobretudo disponibilidade e
gratuidade em me conduzir, ensinar, instigar e fazer acreditar, nos momentos mais difíceis, que a
conclusão deste trabalho seria possível. Muito obrigada!
Ao Programa de Estudos Pós-Graduados de Serviço Social da PUC-SP, pela excelência
em formação e pela capacidade acolhedora de seus professores e técnicos administrativos.
Agradecimentos especiais à Kátia (atual Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais) e
Vânia.
À minha família, pelo apoio, incentivo e fé. Todos, indistintamente, de um jeito ou de
outro, contribuíram para a realização deste trabalho.
Aos meus amigos de jornada, de quem nem o tempo nem a distância conseguiram me
separar: lio Paro, Maria das Graças Goua, Elaine Santa, Luís e Isís. E aos novos amigos que
a vida gentilmente me permitiu conhecer e amar: Carlos Toscano, Nelson Tomazi e Eliana
Louvison, Miguel, Érica, Sofia e Gabriel, Eliza Nantes, Ana Paula Garbiate e Natália Moreira.
Ao Departamento de Serviço Social da UEL, pela compreensão, apoio e amizade.
Agradeço imensamente àqueles que, além de colegas de trabalho, tornaram-se amigos e partilham
comigo a alegria de concluir esse processo.
A todos os alunos com os quais tive a oportunidade de conviver, aprender e ensinar,
transformando a experiência da docência em uma constante aprendizagem. Agradeço
especialmente a Cristina Cascarano, Josiane Ayelo, Sueli, Marcos e Luciana Tondini.
À nia Noeli, pela qualidade do trabalho de normatização desta tese.
À Capes, pelo suporte financeiro no processo de doutoramento.
... pelo prisma ontológico, a ateão em saúde pode ser compreendida
como ação humana destinada ao cuidado do/com o outro. Por esse sentido, o
trabalho não é uma mercadoria, o trabalhador não é um recurso e a educação
o se reduz ao método. O trabalho em saúde é uma mediação na produção da
existência humana degradada ou digna seja para quem o realiza, seja para
quem o recebe. O trabalho voltado para a produção de vidas dignas de serem
humanas exige a transformação radical não somente das práticas da atenção, mas
das próprias relações sociais de produção. Portanto a formação do trabalhador
em saúde, muito além de ser orientada pelo e para o serviço de saúde, estando a
eles integrada, deve ser orientada pela e para a emancipação humana, devendo se
integrar a totalidade contraditória da realidade social.
(Pereira; Ramos, 2006, p. 109)
RESUMO
O presente estudo adm da interlocução do serviço social com a saúde, guiado pelo processo da
formação profissional. É resultado de inquietações oriundas da vivência como assistente social e
pesquisadora da área, inserida na realidade da saúde pública brasileira, que apontava a
necessidade de refletir sobre a questão da formação de recursos humanos em consonância com as
demandas do Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, o objetivo geral do trabalho consiste
em situar, analisar e articular o projeto de formação profissional expresso nas Diretrizes
curriculares nacionais para os cursos de serviço social e o debate nacional sobre a formação dos
profissionais em saúde. Para isso, especificamente, refletiu-se sobre as discussões acerca da
formação profissional para o trabalho em saúde e a trajetória do serviço social na referida área. A
metodologia baseou-se na abordagem qualitativa, que teve como primeiro momento a pesquisa
documental, seguida pela de campo, realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com
roteiro norteador. A amostra utilizada foi a intencional: selecionamos quatro sujeitos assistentes
sociais, dentro da denominada “vanguarda acadêmica”, por sua experiência na área ou por serem
representantes da profissão em espaços coletivos, pprios e multiprofissionais, de discussão
acerca da formação profissional.Verificou-se que as Diretrizes curriculares são majoritariamente
avaliadas como positivas e entendidas como uma resposta coletiva às demandas da formação de
qualidade e à existência de vários elementos que carecem de maior debate e instrumentalização
das unidades de ensino superior. Por outro lado, divergem as posições sobre o trato da
intervenção profissional dentro das Diretrizes curriculares e a forma como tem sido encaminhada
a discussão no conjunto da profissão. Evidenciou-se também que a relação do serviço social com
a sde, mediatizada pelas mudanças nessa política a partir da Constituição de 1988 e a
instituição do SUS, sobretudo tomado o princípio da integralidade, reforça a participação dos
assistentes sociais no conjunto das profissões de saúde. Porém, a participação do serviço social
no movimento nacional de mudança nos cursos de graduação da área da sde, por meio do
rum Nacional de Educação das Profissões na Área de Saúde (Fnepas), está em construção,
demonstrando posições contrárias quanto ao alcance desse espaço e da participação do serviço
social nele. Notou-se, portanto, que as Diretrizes curriculares comportam lacunas que ainda não
foram preenchidas e indicam a urgência de ampliar o debate sobre o projeto de formação
profissional, bem como introduzir a questão dos recursos humanos para o trabalho em saúde,
sobretudo na perspectiva interdisciplinar, em que a troca de conhecimentos e experiências pode
sedimentar um novo tipo de trabalhador em saúde.
Palavras-chave: serviço social; sde; formação profissional; trabalhador em saúde.
ABSTRACT
The present study results from the interlocution of Social Work and the Health System and it
is conducted by the social worker education. This is a result of inquietudes acting as a Social
Work and Researcher in the field in touch with the Brazilian Health Care System reality that
pointed the reflection necessity about the human resources education in consonance with the
Health System (SUS). Based on what was exposed, the work main goal consists in locating,
analyzing and articulating the professional project education according to the National
Curriculum Guidelines to the Social Work Schools and the national debate about the health
professional education. Specifically for this purpose, it was reflected about the discussions
involving the social worker education and the Social Work trajectory focusing the Health
System field. The adopted methodology was the qualitative approach having as a first
moment a documental research. As a second moment, a field research was taken on a semi-
structured interview basis. The used sampling was the intentional: four leading academic
social workers that discuss the social worker education were selected. They were chosen by
their experience in the field or by representing the Social Work in multi-professional spaces.
It was observed that the most of the Curriculum Guidelines are positively analyzed and they
are also a collective response to quality educational needs and the existence of many elements
that demand a discussion and their operationalization in the universities. On the other hand,
some positions divert on the way a professional should intervene according to the guidelines
and on how the discussion on the profession has been taken. It was also evident that the Social
Work and the Health System relationship, mediated by changes in the politics after the 1988
Constitution and the Health System (SUS) establishment, as well the integrality, intensifies
the social workers participation in the Health Sector. However, the Social Work participation
in the national graduation courses changing movement in the health sector, by means of the
National Education Forum of Health Sector Professions (Fnepas), is building up. Opposite
positions about the Social Work range and participation in the movement are shown.
It is noticed that there are blanks in the Curriculum guidelines not filled yet and they indicate
that is necessary to make the debate on the education project wider, as well to introduce the
question about the human resources to the health sector, specially on an interdisciplinary
perspective where the knowledge and experiences exchange can consolidate a new
professional kind on the Health sector.
Key words: social work, health, professional education; health worker.
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS ...................................................................................................................... 10
INTRODUÇÃO............................................................................................................................. 12
I A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL ........................................................................... 16
1.1 Apontamentos sobre o ensino superior brasileiro na década de 1990 ............................. 22
1.2 A universidade em foco ...................................................................................................... 25
1.3 A extensão universitária como uma das formas de responsabilidade/compromisso social
da universidade .......................................................................................................................... 37
1.4 Dilemas e desafios da extensão universitária na atualidade ............................................. 44
1.5 A extensão universitária e sua relação com o mundo profissional: o caso da sde
pública ........................................................................................................................................ 48
II EXPERIÊNCIAS E DEBATES EM TORNO DA RELAÇÃO ENSINO/SERVIÇO: A
CAPACITAÇÃO DOS RECURSOS HUMANOS DA SAÚDE NO BRASIL DO SÉCULO
XX .................................................................................................................................................. 52
2.1 Breve histórico: Flexner e seu relatório............................................................................. 52
2.1.1 A Contraproposta: o Relatório Dawson .................................................................... 54
2.2 A trajetória da mudança do modelo de ensino dos cursos de sde no Brasil ................ 57
2.3 A experiência da Integração Docente-Assistencial (IDA) ............................................... 60
2.4 A proposta UNI Uma nova iniciativa na educação dos profissionais de sde: união
com a comunidade”................................................................................................................... 64
2.5 Rede Unida: um novo ator na busca de um novo cenário ................................................ 69
2.6 As Diretrizes curriculares dos cursos de graduação na saúde .......................................... 72
2.7 A questão dos recursos humanos na saúde e a atenção básica: exigências e desafios ... 76
2.8 A estratégia de saúde da família e a questão dos recursos humanos ............................... 80
2.9 Os Polos de Capacitação, formação e especialização do Programa Saúde da Família .. 82
III DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS HUMANOS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA
O SERVIÇO SOCIAL .................................................................................................................. 87
3.1 Notas introdutórias sobre as exigências para os Recursos Humanos no contexto do SUS
e o serviço social ....................................................................................................................... 87
3.2 Serviço social e saúde ......................................................................................................... 89
3.3 O serviço social na década de 1990 ................................................................................... 96
3.4 As Diretrizes curriculares para os cursos de graduação em serviço social ..................... 98
3.4.1 Os cursos de graduação de serviço social no Brasil a partir de 1990: elementos
para análise ......................................................................................................................... 101
IV FORMAÇÃO PROFISSIONAL, TRABALHO EM SAÚDE E SERVIÇO SOCIAL:
PERSPECTIVAS E DESAFIOS ................................................................................................ 109
4.1 Na direção da pesquisa de campo: motivações, inquietações e procedimentos
metodológicos ......................................................................................................................... 109
4.2 Os discursos dos sujeitos da pesquisa: formação profissional e o trabalho
em saúde .................................................................................................................................. 119
4.2.1 Serviço social e formação profissional Diretrizes curriculares nacionais para os
cursos de graduação (implantação, avaliação, dificuldades e desafios) ......................... 124
4.2.2 Formação de recursos humanos para a saúde formação profissional do assistente
social e sua condição de trabalhador em saúde ................................................................. 135
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 156
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 163
APÊNDICES .............................................................................................................................. 176
LISTA DE SIGLAS
Abepss Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
Abess Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social
Abrasco Associação Brasileira de Saúde Coletiva
AIS Ações Integradas de Saúde
Andes Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
Bird Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial)
Cadrhu Curso de Atualização e Desenvolvimento de Recursos Humanos em Saúde
Capsis Curso de Aperfeiçoamento em Planejamento de Sistemas Integrados de Saúde
Cavisa Curso de Atualização em Vigilância Sanitária
Cbciss Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio em Serviços Sociais
Cebes Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Cfess Conselho Federal de Serviço Social
Cinaem Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico
Conasems Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde
Conasp Conselho Consultivo da Saúde
Conass Conselho Nacional de Secretários de Saúde
CPC Centro Popular de Cultura
Cress Conselhos Regionais de Serviço Social
Crub Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
Crutac Centro Rural de Treinamento e Ação Comunitária
EAD Ensino a Distância
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
Enesso Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social
FMI Fundo Monetário Internacional
Fnepas - Fórum Nacional de Educação das Profissões na Área de Saúde
Gerus Desenvolvimento Gerencial para Unidades sicas de Saúde
IDA Integração Docente-Assistencial
IES Instituição de Ensino Superior
LDB Diretrizes e Bases da Educação
Loas Lei Orgânica da Assistência Social
MEC Minisrio da Educação e Cultura
MS Ministério da Saúde
Noas Norma Operacional da Assistência à Saúde
Opas Organização Pan-Americana da Saúde
Pacs Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PEPP projeto Ético-político Profissional
Proesf Projeto de Implantação e Consolidação da Saúde da Família
ProUni - Programa Universidade para Todos
PSF Programa Saúde da Falia
SUS Sistema Único de Saúde
UE Unidade de Ensino
UnB Universidade de Brasília
UNE União Nacional dos Estudantes
Usaid Agência para o Desenvolvimento Internacional do Departamento de Estado
USP Universidade de São Paulo
12
INTRODUÇÃO
O presente trabalho apresenta o esforço de dialogar com saúde, educação nesta
última, especialmente a formação profissional e o serviço social. Partiu-se da compreensão
de que a articulação desses três objetos de estudo oferece uma oportuna e inesgotável reflexão
sobre como o produto final dessa conjugação pode (ou não) colaborar para a formação de um
novo tipo de trabalhador em saúde.
Tal inquietação advém da experiência pessoal e profissional como assistente social
atuante na saúde e como professora na área de serviço social, em que o cotidiano de trabalho
apontou a necessidade de refletir sobre a formação profissional da categoria dos assistentes
sociais para o trabalho em saúde.
Durante essas vivências, percebeu-se que a complexa trama da gestão das políticas
sociais passa por um caminho tão importante quanto qualquer outro, que é a questão dos
recursos humanos, entendidos aqui como os trabalhadores envolvidos nessas políticas. É fato
que a questão da formação profissional destes profissionais foi relegada durante muito tempo
aos currículos”, os quais são, por vezes, distanciados da realidade dos campos de trabalho,
aprisionados no mundo acadêmico, bem como totalmente desconexos em relação aos
processos formativos e focados no mérito individual.
No trabalho como assistente social da saúde da família foi visível a desarticulação dos
trabalhadores e suas formações específicas em relação à proposta da estratégia. o obstante
o modelo segundo o qual se pretendiam efetivar ações multiprofissionais com relações
profissionais menos rígidas no ambiente de trabalho, com foco na promoção e prevenção da
saúde, muitas vezes percebeu-se a ausência de preparo profissional para este trabalho. Ainda,
todas as inovações contidas no SUS, sobretudo pelo princípio da universalidade, integralidade
e participação popular, tornavam a experiência coletiva de trabalho na unidade de sde
altamente educativa, mas que passava desapercebida por muitos trabalhadores. Assim, faziam
muito sentido as palavras de Ferreira Gullar “O novo é para nós a liberdade e a submissão ,
pois, para tais trabalhadores, a implantação de um novo serviço significava ou deveria
significar um espaço de criação, de realização e de aprendizagem, ignorado por alguns e
amarrado na velha forma de trabalhar na sde. À medida que observava o trabalho de outros
profissionais, tamm pensava sobre o serviço social, seu projeto ético-político e, nele, a
questão da formação profissional.
13
O maturamento do projeto de pesquisa ocorreu no processo de doutoramento e
culminou na definição do objetivo geral deste trabalho, de situar, analisar e articular o projeto
de formação profissional expresso nas Diretrizes curriculares nacionais para os cursos de
serviço social e o debate nacional dos profissionais de saúde.
Assim, especificamente, procurou-se refletir sobre as discussões acerca da formação
profissional para o trabalho em saúde, procurando compreender as particularidades do serviço
social na saúde, partindo de suas bases históricas. Ainda, objetivou este estudo fomentar o
debate sobre o assistente social como um profissional de saúde e perceber os pontos de
convergência e divergência entre a proposta de formação profissional do serviço social e o
debate nacional sobre a formação dos recursos humanos para o trabalho em saúde. Para isso,
associou-se a revisão bibliográfica pleiteada para esse estudo à realização de pesquisa
documental e de campo.
A pesquisa foi qualitativa, tendo em vista a natureza do presente objeto, mas se partiu,
em um primeiro momento, de pesquisa documental, tomando como fonte o documento
Diretrizes gerais para o curso de serviço social, produzido pela Abepss em 1996.
Posteriormente, na pesquisa de campo, utilizou-se a técnica de entrevistas semiestruturadas a
partir de um roteiro norteador. A seleção dos sujeitos da pesquisa teve como recorte
profissionais que possuem vinculação com as discussões propostas, de forma que a amostra
intencional privilegiou as organizações e/ou entidades envolvidas nesse debate, por
intermédio de representantes do serviço social.
A partir do arcabouço teórico que se construiu nesse trabalho, sobretudo os pontos
diretamente vinculados ao serviço social, foram privilegiados como sujeitos da pesquisa os
seguintes profissionais:
um representante da Abepss por ser uma das entidades representativas da
categoria e ser a responsável direta pela formação profissional;
um representante do serviço social no Fnepas Fórum que congrega as
entidades representativas dos cursos de graduação em saúde;
um profissional que participou das discussões sobre a proposta das Diretrizes
curriculares para os cursos de serviço social e tem uma participação significativa no
campo da produção acadêmica quanto à temática da saúde;
um profissional que participou na Rede Unida, cuja presença na interlocução
entre o serviço social e as demais profissões de saúde tem sido importante, no que
tange à questão da formação profissional.
14
Partindo da análise dos discursos desses profissionais, mediante a definição de
categorias analíticas, foi possível estabelecer algumas considerações sobre a temática
proposta, manifestas na heterogeneidade das representações sobre a formação profissional do
serviço social e sua atuação na saúde e que foram ora se distanciando, ora se aliando, num
rico e fértil debate sobre a profissão e sua incuro na saúde.
O presente trabalho esestruturado em quatro capítulos que cumprem a função de
instrumentalizar os debates propostos. Nesse sentido, o exame da literatura contemplou um
arcabouço teórico que possui produções sobre o ensino superior brasileiro; retoma o
movimento de mudança da graduação das profissões da saúde, que tal área tomou para si a
responsabilidade de enfrentar, e, ainda, o acúmulo teórico que o serviço social consolidou
nesses anos de reflexões sobre a profissão e suas interfaces com a saúde.
Sendo assim, no Capítulo I o leitor encontrará uma proposta de discussão sobre a
educação superior no Brasil. Tomando a própria história da configuração da universidade
brasileira, destacou-se como esta instituição ainda hoje preserva características como o
patrimonialismo e trava em seu interior uma luta contra o conservadorismo e o autoritarismo
presentes na sociedade brasileira.
Diante disso, contém a construção analítica de expoentes intelectuais que se
debruçaram sobre a tetica da universidade: Cristovam Buarque, Marilena Chauí, Luís
Eduardo Wanderley e Boaventura Souza Santos. Assim, traz para o centro das discussões os
desafios que a universidade enfrenta no contexto atual, suas potencialidades como espaço
ímpar de reflexão da própria sociedade e sua função social, dentre outros elementos
abordados. Sobre este último, destacou-se a questão da extensão universitária, considerada o
local por excelência da articulação da universidade com a sociedade em que esinserida.
Elegeram-se como ponto de partida as divergências sobre o conceito de extensão, suas críticas
e a apropriação de algumas áreas desse espaço, para fomentar debates e discussões e, depois,
romper com a perspectiva extensionista, detalhando e examinando o caso da saúde pública
brasileira.
O Capítulo II é dedicado à reconstrução do caminho percorrido pela saúde na tentativa
de mudança do ensino. Para atender a esse objetivo, tomou-se como palco das reflexões a
capacitação dos recursos humanos em saúde, mediatizada pela relação ensino-serviço.
Foi no contexto da adoção do modelo flexneriano que a área da sde construiu seus
currículos, com ênfase no atendimento individual, institucional e especializado e vendo sua
expansão como “melhor caminho” para a formação, o que deixou marcas até hoje no processo
do cuidado em sde em todo o mundo, inclusive no Brasil. Da mesma forma, nas tentativas
15
de sua superação é que foram desenhadas diversas propostas de enfrentamento como inversão
dos princípios apregoados por este modelo, tendo como enfoque a ação integral, o trabalho
em equipes e a pluralidade de espaços de cuidado. No Brasil, são inúmeras as iniciativas que
molduram a questão de uma formação mais adequada e em consonância com a realidade do
país, sobretudo posterior ao SUS, tais como a experiência IDA, a proposta UNI e a Rede
Unida, as Diretrizes curriculares dos cursos de graduação na saúde, os polos de capacitação,
o Fnepas e outros.
É no Capítulo III que se encontrarão as discussões sobre o serviço social e a saúde,
tendo como mote a questão da atenção básica como uma das grandes possibilidades postas na
organização do SUS para uma redefinição da ação profissional. Parte-se, assim, da realidade
do sistema e de suas exigências aos trabalhadores em sde, enfocando a questão da saúde da
família como um grande laboratório de projetos e ações governamentais direcionados à
adequação do perfil profissional.
Nesse contexto, dialoga-se com o serviço social retomando sua relação com a saúde. É
no movimento de exame das particularidades da ação profissional, de suas demandas e
desafios que a relação educação-formação e trabalho em saúde é abordada e se inicia,
tomando como cleo o projeto ético-político da categoria e suas prerrogativas no campo da
formação.
No Capítulo IV estão apresentadas as reflexões oriundas da pesquisa de campo.
Embora, como verificará o leitor, muitos depoimentos dos sujeitos estejam incorporados no
corpo do trabalho, dada a riqueza e a densidade que possuem, nesse capítulo é que a
perspectiva analítica se condensou.
Assim, o percurso metodológico guiou a definição dos sujeitos, do instrumento de
pesquisa e das categorias de análise que permitiram que os discursos profissionais pudessem
ser recortados e selecionados de acordo com as necessidades teóricas deste trabalho. É por
intermédio da análise do discurso que as falas pessoais foram compreendidas como portadoras
de identidade e alteridade.
Por fim, foram registradas algumas reflexões sobre a referida investigação, que
indicam uma das muitas análises possíveis no campo da pesquisa social. Dessa forma, espera-
se que o presente estudo contribua para a discussão da formação dos trabalhadores em saúde e
o serviço social, como parte desse coletivo, que, em um movimento dialético e
interdisciplinar, pode muito contribuir e também aprender nesse processo.
16
I A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL
O desenvolvimento da educação superior no Brasil faz parte do próprio processo de
formação
1
sócio-hisrica do País. Está, portanto, condicionado aos elementos estruturantes da
condição de colônia portuguesa, de caráter extremamente exploratório e servil aos interesses
da metrópole.
Se vamos à essência de nossa formão, veremos que na realidade nos
constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros, mais tarde,
ouro e diamantes, depois algodão e, em seguida, café, para o comércio
europeu. Nada mais que isso. É com tal objetivo /.../ que se organizarão a
sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a
estrutura bem como as atividades do País (PRADO JR., 2000, p. 20).
Dessa forma, o surgimento tardio da universidade no Brasil (CUNHA, 1986, p. 11)
reflete o próprio processo de colonização. o interessava desenvolver políticas educacionais
porque não se esperava nada do País além de produtos comercializáveis na Europa. Por outro
lado, a própria vio elitista, pica das relações de subordinação, reforçava a ideia de que
aqueles que queriam cursar o ensino superior deveriam ir para a Europa, no caso, para a
Universidade de Coimbra (CUNHA, 1986, p. 12). Deve-se ressaltar que:
A imensa maioria daqueles que almejavam realizar um curso superior eram
filhos de colonos europeus que se estabeleceram aqui. Em geral estes não
eram os trabalhadores, mas sim, os exploradores, grandes empresários e
podiam se dirigir à Universidade de Coimbra para realizar seus estudos.
(AMARAL, 2003, p. 101)
O que existia em termos de educação na época do colonialismo eram as ações voltadas
ao ensino da massa empobrecida, função desempenhada pelos jesuítas nos culos XVI e
XVII, até 1759, data da sua expulo do Brasil. Nesse processo, havia a ideia de expandir a
doutrina católica entre os índios e prestar apoio aos colonos, reforçando no campo da
educação as destinadas à escolarização sica. Conforme declara Amaral, os jesuítas tinham
como projeto instaurar a Universidade do Brasil, a partir da transformação do Colégio da
Bahia, que se tornou uma espécie de embrião de uma instituição de ensino superior no País
(2003, p. 101). Porém, como elucidado, os interesses imediatos da metrópole portuguesa
1
Para Marilena Chauí “quando os historiadores falam em formação, referem-se não só às determinações
econômicas, sociais e políticas que produzem um acontecimento histórico, mas também pensam em
transformação e, portanto, na continuidade ou descontinuidade dos acontecimentos, percebidos como processos
temporais. Nesse sentido, o registro da formação é a história propriamente dita, incluídas suas representões,
sejam aquelas que conhecem o processo histórico, sejam as que o ocultam (isto é as ideologias)” (CHAUÍ, 2000,
p. 9).
17
coibiram qualquer possibilidade de investimento nesse sentido, ainda mais considerando a
ruptura promovida pelo marquês de Pombal entre o Estado português e a Companhia de Jesus
ampla detentora de poder econômico na colônia portuguesa da América, por meio da
exploração da própria mão-de-obra indígena.
Em 1808, com a vinda da família real ao Brasil e a instalação da Corte portuguesa,
foram finalmente institucionalizados os cursos superiores em terras brasileiras. Conforme
Caio Prado Jr. relata, anteriormente a esse período, a colônia vivia “o mais rudimentar sistema
de educação e instrução que fosse /.../, o nível cultural da colônia era da mais baixa e crassa
ignorância” (PRADO JR., 2000, pp. 138-9).
Ao constatar esse processo são perceptíveis consequências importantes para o
desenvolvimento do País. De acordo com Amaral (2003), pelo menos dois elementos podem
ser considerados primordiais. Primeiro, enquanto em outros países da América Latina e nas
colônias espanholas as primeiras universidades datam de 1538
2
, no Brasil as primeiras
instituições de ensino superior surgiram a partir de 1808, com a criação da Faculdade de
Medicina da Bahia; seguia-se, em 1854, a Faculdade de Direito de o Paulo e Recife e em
1874 a Escola Militar e Politécnica do Rio de Janeiro, com separação dos cursos para civis e
militares (GOMES, 1993). Evidencia-se, dessa forma, um sensível atraso do Brasil no campo
do desenvolvimento da ciência e da tecnologia em relação aos outros países latino-
americanos, o que desembocaria imediatamente no segundo elemento: a inibição do ensino
superior no País trouxe sérias consequências do ponto de vista tecnológico e científico, como
na área algodoeira, em que o Brasil o conseguiu acompanhar o aperfeiçoamento
tecnológico diante do mercado norte-americano e assistiu ao declínio dos pros de tal
produto (PRADO JR., 2000, p. 147)
Com a chegada da família real e o desenvolvimento das primeiras instituições de
ensino superior, era aceivel que as últimas tivessem como demanda institucional atender aos
interesses militares de defesa da corte. O ensino, nesse contexto, tinha como objetivo
“fortalecer a reprodução da classe dirigente e a sociedade política da época” (GOMES, 1993,
p. 31). Dessa forma, sedimentava-se uma sociedade verticalizada em que os líderes eram
devidamente preparados para perpetuar relações de mando, enquanto a uma massa de
indivíduos restava a obediência.
2
Amparado em Tobias (1991), o autor relata que a Universidade de São Domingos foi criada em 1538, a
Universidade de Lima em 1551, a do México em 1553, a de Santa Fé de Bogotá em 1580, a de Quito em 1586 e
a de Sucre em 1587 (AMARAL, 2003, p. 100).
18
Nesse sentido, uma análise do contexto histórico de Portugal explica o
desenvolvimento do ensino superior no Brasil, que a permanência de D. João VI por aqui
(1808-21) é resultado da situação política e econômica de Portugal na época da expansão
napoleônica e da tomada do território da metrópole pelos seus exércitos. A Coroa portuguesa
se viu pressionada, por um lado, pela Inglaterra, de quem era dependente economicamente
desde o Tratado de Methuen (de 1703, conhecido como Tratado dos Panos e Vinhos, que
colocava Lisboa sob ameaça por conta da permanência da frota inglesa no Rio Tejo); por
outro lado, a adesão da Espanha ao bloqueio napoleônico à Inglaterra punha o País em um
dilema cuja solução seria o aporte da Corte portuguesa no Brasil (CUNHA, 1986, p. 70). Para
Amaral,
preocupado, portanto, com o futuro de seu império, D. João VI priorizou, no
Brasil, a criação de cursos que, além da sde, da defesa e da criação de
infra-estrutura, pudesse representar um pouco do ensino e da pesquisa no
sentido tecnológico. Dessa forma, talvez o Rei acreditasse que a
competitividade de Portugal estaria mais bem preservada, frente ao poder da
Inglaterra e à ameaça napoleônica (AMARAL, 2003, p. 103).
O ensino superior no Brasil se constituiu na forma de instituições isoladas e fechadas
em si mesmas, portanto, não se configuraram como universidades. Para o educador Anísio
Teixeira (1968), essa estratégia de D. João VI guardou semelhanças com a atitude de
Napoleão, que fechou as universidades e criou escolas isoladas, numa franca atitude de
manutenção do poder governamental.
Somente em 1822, com a proclamação da Independência do Brasil, é que o ensino
superior apregoou seu desvencilhamento da Corte portuguesa. Todavia, esse desvencilhar-se
não se efetivou, que, nos inúmeros debates e planos efetivados no decorrer do processo de
criação das universidades, perpetuou-se a estrutura de poder patrimonialista. Donde
prevaleceu os interesses dos “donos do poder” e se manter afastada a sociedade de qualquer
possibilidade de inserção no debate, promovendo-se, assim, nos dizeres de Chauí (2000, p.
86), a “sagração do governante” tão coadunada com a forma como a sociedade brasileira lida
com a representação política. Ou seja, longe de ser uma construção baseada nas necessidades
de um determinado país, foi obra dos colonizadores que, embora no contexto da
Independência política, ainda eram membros da mesma classe dirigente de outrora,
garantindo, assim, a perpetuação da “cultura senhorial”. Por isso, um indicativo importante
para pensar a estrutura do ensino superior do Brasil remete-se ao Decreto 7.247, de 9 de abril
de 1879. Este, em consonância com o espírito liberal, estabelece que “É completamente livre
o ensino primário e secundário no município da Corte e o ensino superior em todo o Império,
19
salvo a inspeção necessária para garantir as condições de moralidade e higiene” (TOBIAS,
1991, p. 158). Estavam lançadas, dessa forma, as bases para o ensino superior privado
3
no
País.
De um modo geral, nota-se um descaso com a implantação da universidade no Brasil,
que entrou no período da República, em 1889, sem sua efetivação. Anísio Teixeira faz o
seguinte comentário:
De sorte que não foi apenas, a meu ver, a consciência conservadora que se
opôs à universidade; parece ter havido por parte dos governos brasileiros um
particular e constante propósito de resistir a certos desenvolvimentos
puramente ornamentais de educação. Tenho refletido longamente sobre isso.
Sempre estranhei esse comportamento do governo brasileiro, desde o tempo
do Império. Veja bem, um Imperador como Pedro II, um homem
razoavelmente culto e até altamente inclinado para as coisas intelectuais,o
abriu uma só escola superior no Brasil; resistiu à ideia da universidade a
sua última fala no trono, quando afinal reconheceu, por certo que
relutantemente, que seria conveniente uma universidade para o Norte e outra
para o Sul do Brasil. Nem por isso se criou qualquer universidade. A
República continuou a tradição de resistência (TEIXEIRA, 1968, p. 4).
A primeira universidade no Brasil surgiu em 1920, no Rio de Janeiro, como uma
junção de quatro instituições de ensino superior existentes: Faculdade de Medicina, Escola
Politécnica e Faculdade de Direito. Depois foi a vez de Minas Gerais, em 1927,cuja
universidade nasceu também como um aglomerado de cinco faculdades, reforçando a
perspectiva napoleônica na formação das primeiras universidades brasileiras (SGUISSARDI,
2004).
No primeiro governo Vargas (1930-1945) ocorreu certa expansão do ensino superior
no Brasil, resultante do processo de industrialização e urbanização do País.
A partir desse contexto foram implantadas várias universidades pelo Brasil, com clara
inspiração do modelo francês de universidade, a napoleônica, caracterizada por ser
aglomerados de cursos superiores, sem nenhuma vinculação entre si (GOMES, 1993, p. 18).
Nota-se que esse modelo de universidade era compatível com a estrutura de poder
organizada no País. Assim, reforçaram-se as diferenças entre os cursos superiores, as quais se
mantêm até os dias de hoje, como denunciou Chauí ao elucidar a atualização do mito
fundador brasileiro, dessemelhança que “se nota na grande valorização dos diplomas que
credenciam atividades não-manuais e no consequente desprezo pelo trabalho manual /.../
3
Embora o ensino primário tenha sido desde 1823 gratuito a todos os cidadãos (TOBIAS, 1991, p. 155), nessa
época era comum a prática de cobrança de mensalidades e/ou matrículas nas instituições públicas de ensino
superior. Um excelente trabalho sobre a política de financiamento do ensino superior público no Brasil pode ser
encontrado em Amaral (2003).
20
repetindo indefinidamente o padrão de comportamento e de ação que operava, desde a
Colônia, para a desclassificação dos homens livres pobres (2000, p. 92).
Algumas tentativas isoladas de superação desse modelo foram adotadas. No Rio de
Janeiro, em 1935, criou-se uma universidade de perfil integrado que tinha como objetivo a
junção da cultura geral, com especializações literária e científica e pesquisa. A Universidade
do Distrito Federal (1935-39), considerada muito crítica e radical” (GOMES, 1993, p. 39),
foi fechada durante a ditadura, na Era Vargas.
Contraditoriamente, foi no contexto do governo varguista que houve alguma
sistematização na área da educação. Remete-se a esse período a criação do Ministério da
Educação e pode-se perceber que, paulatinamente, foram se introduzindo novas medidas
relacionadas à organização acadêmica.
Ainda, outro exemplo da tentativa de instituir um novo modelo de universidade
brasileira pode ser apontado a partir da experiência da Universidade de o Paulo (USP), em
1934. Ali, sob o comando de Fernando de Azevedo, buscou-se outro modelo de universidade
germânico/humboldtiano com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras,
como centro integrador da busca e da crítica do saber, assim como da própria universidade”
(SGUISSARDI, 2004, p. 36), tendo sofrido com o conservadorismo das escolas
profissionalizantes. Ainda, a experiência da UnB, que foi alvo de um dos primeiros atos do
governo militar de 1964: o desmantelamento de sua experiência democratizante (LEHER,
2001, p. 169).
Em consonância com o conservadorismo da época, a primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB) data de 1961, elaborada no bojo da proposta desenvolvimentista e
das discussões dos movimentos de educação de base. Para Lampert
no que se refere ao ensino superior, a referida lei aumentou o controle e o
poder normativo do Conselho Federal de Educação; possibilitou que o
ensino superior fosse ministrado tanto nas universidades quanto em escolas
isoladas, manteve o sistema de cátedra; garantiu a representação discente nos
órgãos colegiados etc. /.../. Sendo outorgada em um período de
desenvolvimento econômico, em que a massificação e a privatização do
ensino não faziam parte do cenário sociopolítico educacional, certamente
constitui-se em um parâmetro de qualidade de ensino, tanto no nível superior
quanto no ensino primário, ginásio e secundário (2004, pp. 76-7).
No contexto das discussões sobre a educação e a universidade, muitos foram os
embates que buscavam dotá-las de um caráter orgânico, integrado e com vistas à autonomia.
21
Porém, a utilização da educação como mecanismo de controle
4
, principalmente associada à
conjuntura ditatorial que se instalou a partir de 1964, impossibilitaram então maiores avanços.
“A política universitária precisava ser mudada, /.../ mas no sentido de ajustá-la ao modelo de
desenvolvimento” (FAGUNDES, 1986, p. 63). De acordo com Lampert (2004), a Lei
5.540/68 publicada no período da ditadura militar (1964-1985), conhecida como Lei da
Reforma do Ensino Superior e seus conteúdos permitiram identificar a tônica do discurso
ditatorial: embora conjugasse questões importantes como o trinômio ensino, pesquisa e
extensão, significou, antes de tudo, uma artimanha política para acalmar o movimento
estudantil, bem como atender a algumas reivindicações do movimento dos docentes. Por outro
lado, estava em curso um projeto de adequação do modelo de universidade brasileira ao
capital norte-americano.
Essa lei, atendendo às orientações da Usaid, visava à eficiência, à
modernização, à flexibilização administrativa e à formação de recursos
humanos de alto nível para o desenvolvimento do País. A Lei da Reforma do
Ensino Superior, um instrumento em favor dos interesses predominantes,
pretendeu formar mão-de-obra barata e especializada para atender aos
empresários nacionais e internacionais; institucionalizar a dependência da
universidade aos interesses das grandes empresas; produzir mão-de-obra
para manter a estrutura tecnocrática militar do neocapitalismo do Brasil e
produzir legislação repressiva para conter estudantes e população,
legitimando o modelo político-econômico implantado pelos militares em
1964 (LAMPERT, 2004, p. 77).
É no contexto da redemocratização do Brasil, caracterizado pela onda de
manifestações de cunho contestatório, que as discussões sobre o ensino superior brasileiro
ganharam maior fôlego, fazendo emergir as discussões sobre autonomia universitária,
expansão da s-graduação e alterações curriculares. Assim, no artigo 207 da Constituição de
1988 foi definida a essência da universidade brasileira:
As Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e
de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (BRASIL, 1988).
Dessa forma, o tema da autonomia universiria, enfrentado com avanços e recuos no
decorrer da construção da universidade brasileira, adquiriu um estatuto legal, o que não
garantiu sua consolidação sem disputas e conflitos, presentes nos debates nacionais até hoje.
No próximo item, será abordada a década de 1990 que foi marcada por novas configurações
no ensino superior no Brasil, caracterizado pela intensificação da massificação e privatização
4
Para Mészáros, “a educação formal não é a força ideologicamente primária que consolida o sistema do capital;
tampouco ela é capaz de, por si , fornecer uma alternativa emancipadora radical. Uma das funções principais
da educação formal nas sociedades é produzir tanta conformidade ou „consenso‟ quanto for capaz, a partir de
dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados (MÉSZÁROS, 2005, p.
45).
22
do ensino superior que ocorreu em toda a América Latina no século XX (TRINDADE, 2001,
p. 31). A universidade brasileira blica sofreu duros golpes em sua organização e premissas
fundamentais, tais como a autonomia, seu caráter estatal, gratuito e democrático.
1.1 Apontamentos sobre o ensino superior brasileiro na década de
1990
A década de 1990 representou para o Brasil, no campo das políticas sociais, um
momento de afirmação das prerrogativas constitucionais de 1988
5
, atreladas a um contexto de
reorientação econômico-política e social do País. Este processo, embora iniciado nos
governos anteriores, teve sua maior expressão com Fernando Henrique Cardoso e sua
proposta de reforma do Estado.
Do ponto de vista econômico, a reforma do Estado aparecia como uma condição para
o crescimento e possibilidade de maior eficia das políticas públicas. Para além das
particularidades brasileiras, significaram uma resposta ao contexto mundial do pós-guerra (a
partir de 1945) e seu padrão de acumulação e regulação (crise do Welfare State), bem como à
queda do muro de Berlim e a adesão às ideias vinculadas pela social-democracia. Tudo isto
associado às discussões e propostas globais, no âmbito da mundialização, promoveram a
redução da intervenção estatal, em consonância com as orientações internacionais de ancias
como o Banco Mundial (Bird), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) (BEHRING, 2000).
A interferência dos organismos internacionais nas políticas sociais é uma constante na
realidade brasileira. De certa forma, a condição de dependência em relação ao capital
estrangeiro permitiu a orientação e a recomendação, sempre aceitas, de indicativos e
adequações da realidade brasileira às exigências internacionais.
Diante desse quadro acirraram-se as discussões em torno da educação superior no
Brasil. A Lei 9.394/96, que estabeleceu as novas Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
incorporou a ideologia neoliberal, vinculando a educação com as orientações mercadológicas
e globalizantes do modelo em curso.
A Lei reduz a intervenção do Estado, impõe a privatizão, incentiva a
competitividade e o descompromisso do Estado com suas funções básicas.
5
São regulamentados o Sistema Único de Saúde (SUS), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei
Orgânica da Assistência Social (Loas) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
23
Em contrapartida, permite espaços para as instituições de ensino inovarem e
se organizarem administrativa e pedagogicamente, dentro de suas
possibilidades e limites (LAMPERT, 2004, p. 77).
Ainda sobre a LDB, Leher faz os seguintes apontamentos:
No que se refere ao ensino superior, propugna: a diferenciação das
instituições de ensino superior (universidades, centros universitários,
faculdades integradas, faculdades, instituições superiores ou escolas
superiores); a fragmentação da carreira docente por instituição; e o
estabelecimento do peso de 70% para os docentes nos órgãos colegiados.
Tais medidas estão sendo complementadas por uma enxurrada de medidas
provisórias, decretos e portarias que, em comum, fazem avançar a
intervenção governamental nas universidades públicas, exorbitando o poder
normativo do governo às esferas que seguramente não são de sua
competência (LEHER, 2001, p. 173).
Dessa forma, a LDB representou um primeiro passo para o desmonte da universidade
pública brasileira, tendo em vista que abriu importantes vazios para a consolidação do ensino
superior privado e, pior, em detrimento do ensino público, o que é visível quando se
examina na referida Lei a ausência de indicações sobre as fontes financeiras que assegurem
sua autonomia. Assim, mantém atrelada sua dependência aos governos, bem como legitima
personalismos, quer seja na figura de articuladores, que vão desde reitores até legisladores,
que tomam a “causa da universidade” como forma de manter ou reforçar seu poder existente.
Sem dúvida, a questão da autonomia universitária tem sido foco de árduos debates,
seja pelos setores administrativos ou pela comunidade acadêmica, em fóruns de debate,
manifestações e uma produção teórica ampla
6
, mas que ainda reforça a ideia da universidade
isolada da sociedade. Em 2007 assistimos ao confronto de posições quanto às novas medidas
tomadas no governo José Serra, de São Paulo, no que dizia respeito às universidades paulistas,
que resultaram na tomada do edifício da Reitoria da USP por estudantes. A imprensa noticiou
amplamente o fato e qualquer observador atento e com alguma vincia social, fora da
universidade, pode confirmar o quão desinformada a população se apresentava quanto ao fato.
Mais que isso: esse alheamento era reforçado pelas ideias elitistas e conservadoras
majoritariamente transmitidas pela mídia, que endossava de modo enfático as ões
governamentais, sem ter muita clareza do que realmente viriam a ser e quais os impactos
dessas medidas para as universidades.
José Paulo Netto, em entrevista à revista Universidade e Sociedade, faz uma discussão
interessante sobre as lutas nas universidades que traduzem essa inquietação:
Não podemos ficar nos campi, se ficarmos nos campi, estaremos derrotados,
até porque, com a imprensa oficialista brasileira que conhecemos bem
6
A revista Universidade e Sociedade organizada pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de
Ensino Superior (Andes) é um bom exemplo dessas publicações.
24
seremos isolados e o governo federal vai ser vítima desses vagabundos,
desses marajás, desses privilegiados /.../. Temos de relacionar isso com o
quadro econômico-social, mas de forma que fiquem bem claros o sentido e o
significado dessa luta, que é de uma corporação, mas não é necessariamente
coorporativa; que é particular, mas não é necessariamente particularista
(BEZERRA; LEITE, 2003, pp. 132-3).
Dessa forma, todas as reivindicações e desafios das universidades se encontram
na questão da autonomia universitária, que é uma questão dorsal. Entretanto, passam também
por outra, não menos importante, que é a relação da universidade com a sociedade, entendida
não pelos serviços prestados, mas, inclusive e principalmente, pela interlocução da
universidade como parte da sociedade.
Cabe aqui um esclarecimento de que ao eleger a universidade como lócus de análise,
não se desconsiderou o papel dos demais tipos de instituições de ensino superior do país. Mas,
parte do entendimento de que na universidade convergem todos os requisitos para propiciar
uma formação de qualidade, tais como a autonomia universitária (mesmo que questionada sua
aplicação) e a indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e extensão.
Para o representante/Fnepas, um dos sujeitos da pesquisa de campo por s realizada,
a importância da universidade, com destaque para as públicas, é a tendência de manter a
qualidade de ensino, mesmo com dificuldades.
Porque é muito diferente lecionar em uma faculdade particular eu já
lecionei em um curso isolado e lecionar numa universidade pública. E era
diferente lecionar em uma universidade pública dez anos atrás. Mas, ainda
assim, /.../ mesmo que essa coisa da falta da formação, de conhecimento
mais geral, da universidade com falta de recursos, a universidade pública
ainda é o espaço melhor para isso (Representante/Fnepas, em entrevista
realizada para esta pesquisa).
A opção profissional, portanto, longe de ser um privilégio é uma assertiva do caráter
da universidade e daquilo que ela expressa enquanto instituição social.
Sendo assim, iniciou-se essa reflexão procurando fazer alguns apontamentos sobre a
educação superior no Brasil na referida década, com claro enfoque para a questão da LDB e
seus rebatimentos na política educacional superior no Brasil. Verificaram-se dois elementos
essenciais no desenho das atuais universidades brasileiras: o ataque à (fgil) autonomia
universitária versus a expansão do ensino superior privado. A ideia de uma crise das
universidades tem produzido debates e apontado elementos para uma nova compreensão da
universidade, seus desafios e funções contemporâneas. A seguir serão apresentadas algumas
contribuições sobre a universidade partindo de importantes autores: Cristovam Buarque,
Marilena Chauí, Luís Eduardo Wanderley e Boaventura de Souza Santos.
25
1.2 A universidade em foco
Muitos autores têm se dedicado a apontar caminhos para o enfrentamento da crise da
Universidade, tais como Boaventura Souza Santos, Marilena Chauí, Luís Eduardo Wanderley
e Cristovam Buarque.
A própria gica de suas reflexões traz a compreensão de homem e de mundo que
sustenta seu pensamento, bem como a interpretação da sociedade e, de certa forma, um
projeto para ela. Portanto, embora partilhem alguns pensamentos, pontos divergentes entre
eles.
Para Cristovam Buarque a universidade passa por uma profunda crise de identidade,
de função, de competência” (2002, p. 32). Contextualizar esse momento é fundamental, ou
seja, trazer para o debate dentro da universidade as mudanças do mundo e mais, a partir
delas também ser um centro de transformação. A ideia principal do autor é a de que parte da
crise da universidade advém de sua sensação de “inutilidade” (BUARQUE, 2002, p. 33). Esta
se traduz em cinco componentes: 1) o fim do prestígio automático; 2) a convivência com
setores intelectuais de modos externos à universidade; 3) o desgaste da ideia da necessidade
de diploma universitário; 4) a reorganização do mercado para o atendimento, no campo da
formação, de seus quadros (funcionais), com a introdução das denominadas universidades
coorporativas”; e 5) o papel que a mídia desempenha na transmissão direta do conhecimento
entre o criador intelectual e o público” (BUARQUE, 2002, p. 33).
Diante desses desafios, a autor propõe algumas “pistas” para a universidade que
passam pela crítica da estrutura organizacional desta. A sensação de que a instituição é eterna
e definitiva, afastada da comunidade acadêmica e do momento real da universidade, afasta
também a possibilidade de construção partilhada do novo. O que se traduz também na
incompreensão ou mesmo ausência, por parte dos alunos, nas discussões e tentativas de
mudanças curriculares ou quaisquer outras propostas de adequação da universidade aos temas,
movimentos e urgências contemporâneas. Estes redundam, por sua vez, na necessidade de
repensar as formas de estruturação da universidade, como os departamentos por isso o autor
propõe cleos temáticos e disciplinares, que sirvam como encruzilhadas de conhecimentos
específicos” (BUARQUE, 2002, p. 34); a atualização constante, utilizando-se os meios da
tecnologia (permanecendo menos tempo dentro da universidade, mas jamais sair dela); e a
ideia do campus universitário.
26
Depois do enclausuramento dos mosteiros, os intelectuais passaram a viver
em espaços abertos, onde conviviam. Mas, da mesma forma que o câmpus
derrubou os muros dos mosteiros, a Internet está derrubando os muros
invisíveis que cercam os câmpus. A universidade no futuro não podese
limitar a um espaço geográfico (BUARQUE, 2002, p. 34).
A crise na universidade remete a um elemento quase genérico no atual contexto, a
ética como preocupação constante e que perpasse seu caráter normativo para ganhar um
significado mais amplo como dimensão humana. Cristovam Buarque dedicou atenção especial
à relação da universidade com o comportamento ético, a partir da ideia de que, mais
importante do que produzir conhecimento, é importante contribuir na construção do futuro,
mas “de pensar não apenas do construir o futuro, mas que futuro construir” (BUARQUE,
2002, p. 34).
Para que serve o conhecimento produzido? Como ele é incorporado no cotidiano das
sociedades? Ou, mais ainda, que tipo de conhecimento nossa sociedade requer?
A Embrapa gastou cerca de R$ 1 milhão de verba pública com sua elite de
pesquisadores para adaptar a soja transgênica da Monsanto às condições
ambientais do País. Com a pesquisa, a Instituição pretende ainda incorporar
ao seu produto a tolerância ao herbicida Roundup da Monsanto (F8,
Agrofolha, 18/06/00) A Monsanto, beneficiária do projeto, cede seu material
genético com a condição de que a Embrapa não incorpore à sua soja
transgênica a resistência a herbicidas de outras empresas (LEHER, 2001, p.
184).
O relato acima demonstra a realidade que permeia as universidades e as produções que
realizam, na medida em que as pressões externas, leia-se “mercado” tendem a direcionar e
comprometer os resultados de pesquisas e estudos para privilegiamento de determinados
grupos ou setores.
Ainda, importante contribuição o autor traz sobre a temática socioambiental
amplamente debatida na atualidade como uma necessidade não de natureza ética, mas de
sobrevivência é apontada também por Buarque como uma das principais atribuições da
universidade. Esta deve incorporar em seu cotidiano a preocupação ambiental; não se trata
apenas de um tema de milincia pela proteção ambiental, mas [de] uma nova forma de ver,
entender e criar ideias sobre o mundo. E, sobretudo, na definição do mundo futuro que ela
constrói” (BUARQUE, 2002, p. 36).
E, por último e o por isso menor, um dos maiores desafios da universidade é, de um
lado, caminhar na direção de uma “rede universitária mundial, compatibilizando seus
sistemas, definindo suas funções específicas” (BUARQUE, 2002, p. 37); por outro, fortalecer
o elo com a busca e produção de conhecimento para seu País, sua cidade e para a comunidade
27
na qual está inserida. Trata-se, portanto, de reforçar a interlocução com os dilemas locais e se
r a serviço da busca de soluções e possíveis enfrentamentos.
Se a sociedade não fosse apartada, ou se fosse apartada explicitamente, sem
hipócritas pretensões democráticas, a extensão poderia ficar reduzida aos
estágios no setor privado de prodão. Mas, se quer uma sociedade integrada
é preciso que os alunos saibam que um mundo externo ao campus /.../.
Além disso, na crise atual do mundo acadêmico, a convivência com o
pensamento acadêmico é uma condição necessária para o avanço do
pensamento dentro da universidade (BUARQUE, 1994, pp. 190-1).
Como síntese, a proposta do autor parte da constatação de que os desafios da
universidade do futuro estão intimamente ligados aos desafios postos ao homem no século
XXI, ou seja, sua compreensão do passado e seu compromisso com o futuro, tendo como
pilares a ética, a ecologia e a sua relação mais particularizada com seu País e o local, mas
sempre contextualizada em uma perspectiva global e mundial, pica da conjuntura que este
século especialmente vivencia.
Outro autor que se debruçou sobre a temática da universidade, trazendo importantes
contribuições sobre o estudo, bem como propostas, foi o professor Luís Eduardo Wanderley.
Embora seus escritos contenham a reconstrução histórica e política da universidade brasileira,
interessou particularmente sua contribuição referente à análise dos anos 1990.
É interessante confrontar o pensamento do autor nos anos de transição ditadura militar
versus democracia com algumas ponderações posteriores, envolvidas com as mudaas
sociopolíticas o nos planos nacionais, mas agora globais, essencialmente, e jurídico-
institucionais (como a LDB).
Do ponto de vista macroeconômico, na década de 1990 se assistiu a certo
“desconforto”, sobretudo para a esquerda ou os setores mais progressistas. Este desconforto,
resumidamente, pode ser traduzido na crescente dificuldade de responder: efetivamente, qual
será seu papel e seu lugar dentro de uma nova ordem internacional? Nesse momento de
muitas perguntas e poucas respostas, o autor passa a refletir sobre as consequências dessa
aceleração da mudança social mundial para a universidade e a formação do profissional”
(WANDERLEY, 1994, p. 5).
Novos desafios são colocados à universidade, que ainda o foi capaz de resolver seus
dilemas antigos nem no plano da reflexão e nem muito menos em sua concretude. Sendo
assim, um quadro novo com problemas velhos postos à educação superior no período de
transição entre os séculos XX e XXI, os desafios são oriundos das profundas mudanças no
mundo do trabalho. As demandas de qualificação estão vinculadas a capacidade de vivência
frente as flexíveis situações que relacionam tecnologia e educação (WANDERLEY, 1994).
28
Utilizando-se das reflexões da filósofa Marilena Chauí, o autor aponta as
mudanças em cursos superiores nas formações sociais capitalistas. Para a
autora, a conjuntura brasileira, associada aos traços autoririos e
hierarquizados, dificultaram processos democráticos em vários espaços
sociais, dentre eles a universidade. Foi no âmbito da crise do Estado de bem-
estar social, guardando as devidas proporções em relação ao quadro
brasileiro, que se viram surgir novos conceitos e expressões que expressaram
a investida do neoliberalismo no País. Um exemplo que nos conecta à
realidade global pode ser analisado a partir da adoção, sem criticidade e
reflexão, da famigerada expressão capital humano”
7
.
Dessa forma, a universidade brasileira vai sentir todos os reflexos da realidade, ao
passo que sua frágil perspectiva autônoma e democrática possibilitou que todas essas
investidas fossem não só aceitas, mas tomadas como função” (ou missão?) da universidade:
ser mais produtiva, justa (em relação aos seus eleitos) e solidária.
Em sua obra Escritos sobre a universidade Chauí (2001) trouxe sérias reflexões sobre
como o contexto geral do capitalismo contemporâneo afetou a universidade em várias
direções.
Destaca-se o distanciamento entre universidade e sociedade, que a coloca como uma
instituição à parte e, portanto, sem nenhuma obrigação em relação à segunda. Pode parecer
que, ao permanecer além dos dilemas da sociedade, a universidade tenha condição melhor de
refletir e propor alternativas para eles, no entanto, o que se tem percebido é que, ao contrário,
as idéias dominantes impregnaram o universo acadêmico pelas mais variadas portas e janelas:
em sua estrutura administrativa e política nas formas de eleição e na distribuição dos órgãos
colegiados; na relação com os discentes pela desconsideração da realidade da classe
trabalhadora e sua demanda por educação blica de qualidade e pela transformação, muitas
vezes, da “carência” cultural, política e educacional dos alunos em sua responsabilização, o
que leva, portanto, à política do mérito; na relação com os docentes ao tratar a categoria
como privilegiada diante do quadro do mundo do trabalho, precarizar as relações
trabalhistas e forçar a ênfase salarial nas lutas, por vezes distantes dos objetivos estritamente
educacionais.
Ainda, na relação com os docentes, a crescente desvalorização em seu ambiente de
trabalho e na sociedade e a pressão da lógica produtivista e privatizante os tornaram reféns do
esquelético ensino superior e incapazes de se visualizar como responsáveis pela vida
7
A simples idéia de aplicar a palavra “capital” a seres humanos, supondo que eles se transformavam em
“capital humano” para as empresas, feria profundamente o humanismo que marcou o pensamento de esquerda no
pós-guerra. O ser humano não poderia ser nunca visto como portador de capital em si mesmo; menos ainda ser
ele mesmo, simultaneamente, capital (remunerado com salários) e força de trabalho comprada no mercado pelo
verdadeiro capital. Entre os marginalistas, porém, o “capital humano” (capital incorporado aos seres humanos,
especialmente na forma de saúde e educação) seria o componente explicativo fundamental da black box (do
desenvolvimento suplementar) (PAIVA, 2001, p.187).
29
acadêmica brasileira, esvaziando o conteúdo político de suas práticas, incluindo a docência.
Não o raros, hoje, pela observação empírica, os graduandos de cursos de licenciatura que
afirmam não querer ser professores e também os professores que não querem lecionar. Enfim,
são fragmentos de uma totalidade que expõem a universidade a uma difícil crise e exigem
soluções imediatas que têm sido tomadas, majoritariamente, na perspectiva do mercado.
A gica empresarial aos poucos vai impregnando o ensino superior, vivel a partir
das avaliações em critérios quantitativos (número de publicações, participação em eventos
etc.); e na utilização de meios gerenciais de produtividade e eficiência /.../. Elas são
exemplares da perspectiva que visualiza a universidade com a organização social, e não como
instituição social (WANDERLEY, 2005, p. 158).
Esta é uma das questões centrais do pensamento do autor: a universidade é uma
instituição social e, portanto a sua lógica é própria e difere radicalmente da empresarial,
sobretudo a sua finalidade, a relação custo-benefício, que está, por sua vez, atrelada à queso
do compromisso social da universidade. Nem tudo que é produzido por esta (pesquisas,
projetos) deve ter como parâmetro o lucro. A respeito, pode-se observar a política de
investimentos das instituições fomentadoras para as pesquisas nas diferentes áreas, em que
vantagens para aquelas relacionadas à área imediatamente produtiva e tecnológica, das
pesquisas em saúde e farmacológica, ciências agrárias e, por último, a educação, as ciências
sociais ou humanas.
Deve-se salientar que, no âmbito dos periódicos estrangeiros, surge uma
questão que tem sido motivo de polêmica nas avaliações institucionais das
IES [instituições de ensino superior]: os indicadores apontam uma baixa
produção na área das humanidades o que coloca um problema específico
para as ciências humanas, as ciências sociais aplicadas, linguística, letras e
artes; e uma proporção bem maior nas áreas de ciências exatas e da Terra,
bem como das ciências biológicas (WANDERLEY, 2005, p. 167).
Dessa forma, fica evidente que, enquanto instituição social, a universidade tem como
princípio fundamental se debruçar sobre os problemas de uma sociedade, de uma nação e, no
caso brasileiro, marcado por enormes desigualdades, auxiliar e propor, a partir de suas
múltiplas ões e interlocuções, formas de enfrentamento e pertencimento para o conjunto da
sociedade. No entanto, como demonstra o autor acima, as áreas mais próximas da lógica do
capital têm sido privilegiadas. Nesse sentido, Chauí (2000) expõe que assim, ao desvincular
educação e saber, no contexto da reforma universitária, a tarefa da universidade “não é
produzir e transmitir a cultura (dominante ou não, pouco importa), mas treinar os indivíduos a
fim de que sejam produtivos para quem for contratá-los. A universidade adestra e fornece
força de trabalho” (p. 52).
30
É na sua feição “operacional” (CHAUÍ, 2000, p. 190) que reside um processo
endógeno de reflexão sobre a crise da Universidade, como saída nela mesma. Tomam forças
as saídas burocticas e esquematizantes, que passam pela adoção de teorias como as de
“capital humano” no suporte ao trabalhador, pelos incrementos tecnológicos como exemplos
de modernização e sda para seus dilemas, pela falácia da “extensão universitária”, por vezes
com práticas clientelistas, moralizantes e sem nenhum cunho político.
No artigo Universidades e Sociedades, Consensos e Dissensos”, Wanderley dialoga
com o escritor português Boaventura Sousa Santos e, em concordância com este, avalia que a
crise da universidade se desdobraria em crise de hegemonias, crise de legitimidade, crise
institucional (WANDERLEY, 2005, p. 162). Acrescenta-lhes a falta sistêmica de integração
entre os vários níveis de ensino, as contradições entre as políticas governamentais e as
pretendidas pelos setores organizados da comunidade acadêmica, as contradições entre
modelos de gestão oferecidos para a superação da falta de recursos /.../, as reformas
constantes nas agências de fomento (Capes, CNPq); e os modelos propostos pelas entidades
científicas (SBPC e sociedades nacionais por área de conhecimento) e pelas associações de
professores, estudantes e funcionários” (WANDERLEY, 2005, p. 162).
Dessa forma, o esforço de refletir sobre a universidade brasileira resulta na exposição
de um quadro em que tal instituição se vê acuada e desafiada em múltiplos sentidos. A
universidade brasileira nasceu elitista e, embora tenha havido maiores possibilidades de
acesso e manutenção dos setores populares no ensino superior público, esse número ainda é
inexpressivo
8
. Mesmo a proliferação das instituições particulares de ensino que elevou
quantitativamente o índice de participação e conclusão no ensino superior não traduz que
efetivamente esses jovens tenham a possibilidade de um ensino de qualidade. Ainda, na
perspectiva de instituição social, muito poucas (as exceções) dessas instituições tem se
debruçado sobre o almejado compromisso social”.
A universidade ainda forma “prioritariamente, portanto, quadros das elites e das
classes médias, os quais, por sua vez, têm em sua base de formação um compromisso e uma
aderência ao projeto societário capitalista. Assim, à medida que se formam, os novos quadros
são direcionados à manutenção do status quo.
8
Em 2007 o governo federal instituiu, pelo Decreto n. 6.096, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (Reuni). Em seu art. aponta como objetivo “criar condições para a
ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da
estrutura física e de recursos humanos existentes nas Universidades Federais”. O Reuni tem sido alvo de muitas
críticas por parte da comunidade acadêmica, dado seu caráter antidemocrático e irresponsável, pois prevê uma
expansão sem suporte financeiro, am de facilitar a precarização do trabalho docente e a flexibilização da
indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão.
31
Por outro lado, internamente a universidade se atrelada à lógica de reforma do
Estado, com políticas de avaliação e desempenho muito próximas das grandes corporações.
Ainda mais: as instituições de momento apertam o cerco quanto à quantidade de artigos,
participação em congresso, frequência a cursos de mestrado e doutorado, dentre uma série de
cobranças próprias da universidade frente às novas exigências do século XXI. Outra
importante queso presente na realidade das instituições brasileiras remete à própria lógica
das suas tradicionais funções: ensino, pesquisa e extensão, com certo privigio da pesquisa,
inclusive, quando se fala em produtividade, por meio de pontuações e avaliações de
desempenho docente, desprivilegiando as atividades de ensino e extensão, dentre outros
motivos, porque são consideradas menos relevantes.
Não seria exagero afirmar que certo descaso com a atividade de ensino e até de
descrédito, como se a sala de aula fosse um espaço ultrapassado e a construção do
conhecimento se desse privilegiadamente nos momentos da pesquisa (grupos de iniciação
científica, laboratórios, experimentos etc.); a extensão, por sua vez, muito trabalhosa e
complexa, é vista muitas vezes como um esforço sem retorno (pela universidade e pelos
próprios envolvidos).
E, por fim, trata-se da própria lógica capitalista presente no reordenamento do Estado,
nas práticas de enxugamento de investimentos em políticas blicas, na precarização dos
serviços e na paulatina, mas constante, transferência do dever do Estado para a sociedade
civil. No caso da educação superior assistimos, com a instalação no governo Lula, à expansão
da rede pública federal e à criação do ProUni
9
, que permite a inclusão de alunos menos
favorecidos economicamente em universidades privadas conveniadas com o MEC, a partir da
concessão de bolsas. O movimento sindical organizado dos docentes, bem como diversos
setores da sociedade civil, apontou a incoerência desse projeto, que é uma forma de subsidiar
ou fortalecer a rede privada de ensino. Porém, quando uma política de expansão no número
de vagas nas universidades públicas, esta não acontece de forma global (recursos humanos,
físicos), o que tem prejudicado de forma aguda a excelência pica destas instituições. Ainda,
muitas universidades privadas hoje são superiores às públicas, simplesmente porque possuem
laboratórios modernos e se apropriam de atualizações tecnológicas com maior agilidade.
9
O Programa Universidade para Todos (ProUni) foi criado pela MP 213/2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, de
13 de janeiro de 2005. Tem como finalidade a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de baixa renda,
em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior, oferecendo, em
contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas que aderirem ao Programa. Conforme dados disponibilizados, no
semestre de 2007 o Estado de o Paulo recebeu 6.473 bolsas integrais, do total de 32.355, e 5.125 bolsas parciais, do total
de 22.857. No montante final, no referido período foram concedidas 55.212 bolsas. Disponível em: <<http://prouni-
inscricao.mec.gov.br/prouni/Oprograma.shtm>, acessado em 12 fev. 2008.
32
Pressionadas, muitas vezes, pela lógica do mercado (formar para o mercado e de
acordo com as necessidades deste) e pela lógica empresarial, as universidades correm o risco
de perder de vista um importante elemento de sua constituição: propiciar uma formação mais
universal, portanto, capaz de congregar elementos profissionalizantes, éticos, políticos e
culturais.
Boaventura de Souza Santos dedicou vários de seus escritos à reflexão sobre a
universidade e é a partir deles que se pretende extrair algumas ideias para a discussão a seguir.
O autor aponta que a universidade está sendo cada vez mais cobrada, pela sociedade e
pelo Estado, em um contexto de menos investimentos; porém, essa dificuldade o é somente
organizacional ou financeira: é, sobretudo, uma postura de “relativa impermeabilidade”, ou
seja, a capacidade que as universidades têm de isolar-se da sociedade (SANTOS, 1999, p.
187). Isolamento este que se reforça e se expressa em diversos momentos e modalidades, nos
projetos e pesquisas que desenvolvem, nos muros que as cercam, nos quilômetros de distância
das cidades que as abrigam e também nas lutas que travam. Enfim, embora não deseje, parte
significativa das universidades ainda convive (e talvez com um pouco de razão) com os
estereótipos de “feudos” e “ilhas da fantasia”.
Para o autor, uma tripla crise da universidade”: crise de hegemonia, em que a
universidade se vê ameaçada por outros espaços de formação, seja pela sua incapacidade de
responder às pressões externas, seja pelo seu caráter elitista e seletivo; crise de legitimidade,
causada pela falência no atendimento dos objetivos coletivos; e crise institucional que como
uma resposta às demais, aponta como alternativas mudaas organizacionais muito próximas
da lógica mercantil e capitalista (SANTOS, 1999, p. 190). Esta, como se sabe, está baseada no
resultado, em detrimento do processo de debate, da discussão democrática e da autonomia,
características típicas das organizações públicas universitárias.
Dentre as três, a crise de hegemonia assume papel principal, pois dela emergem as
demais, pois reside nela a própria construção do que é ou deveria ser a universidade.
A centralidade da universidade enquanto lugar privilegiado da produção de
alta cultura e de conhecimento científico avançado é um fenômeno do século
XIX, do período do capitalismo liberal, e o modelo de universidade que
melhor a traduz é o modelo alemão, a Universidade de Humboldt. A
exigência posta no trabalho universitário, a excelência dos seus produtos
culturais e científicos, a criatividade da atividade intelectual, a liberdade de
discussão, o esrito crítico, a autonomia e o universalismo dos objetivos
fizeram da universidade uma instituição única, relativamente isolada das
restantes instituições sociais, dotada de grande prestígio social e considerada
imprescindível para a formação das elites (SANTOS, 1999, p. 193).
33
Essa ideia reforçou o caráter elitista da universidade, que vai cada vez mais tendo
dificuldade de se manter. Isso porque, na sociedade capitalista, o acirramento das
desigualdades vai produzindo uma série de questionamentos sobre o Estado, as instituições e
organizações sociais e sua contribuição no enfrentamento desse quadro.
Dessa forma, a universidade foi (é) obrigada a se repensar, o que, para o autor,
traduzir-se-ia em resolver suas principais dicotomias: alta cultura versus cultura popular,
educação versus trabalho, teoria versus prática (SANTOS, 1999, p. 193).
A postura da universidade frente a esses desafios tem causado outros tantos, que
podem ser visualizados numa análise panorâmica da instituição. Assim, para a questão da alta
cultura(cultura-sujeito), procurou-se uma aproximação com a cultura de massas (cultura-
objeto), porém, houve certa tensão no elemento qualidade, o que, segundo o autor, levou a
uma segregação das universidades entre as de “elite” e as de “massas” (SANTOS, 1999, p.
194). Percebe-se a predominância dessa ideia, inclusive no meio acadêmico: assim como os
filmes têm estrelas conforme sua qualidade, avaliada pelos críticos de cinema, as
universidades também, sobretudo nos guias de estudante. Movimento semelhante e mais sério
é o caso de certificações do tipo “OAB Recomenda”, que o segrega como reforça uma
competição exacerbada nas instituições
10
.
De um lado, a questão da qualidade do ensino, a competência e a titulação do corpo
docente, a estrutura sica o elementos importantes na contagem dos pontos no processo de
avaliação das instituições universitárias; de outro, está a questão do mercado de trabalho.
Christophe Charle faz uma análise dessa ideia que invade o espaço universitário europeu.
Os objetivos iniciais humanistas e culturais, foram substitdos por uma
competição calcada no mundo das empresas e do mercado. Muito utilizadas,
as classificações internacionais se difundiram, favorecendo uma visão
econômica do espo universitário europeu /.../. As universidades passaram a
se identificar com corporações e marcas. E a dividir entre si um mercado de
diplomas cujo valor social é medido de acordo com as oportunidades e os
salários obtidos pelos agraciados com esse investimento educativo
(CHARLE, 2007, p. 34).
Tal fenômeno é descrito pelo autor como darwinismo educativo e tem alterado a
configuração da universidade europeia; inclusive a lei francesa de julho de 2007, quando trata
10
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em sessão plenária realizada em 7 de dezembro de
1999, estabeleceu como meta que, periodicamente, seria atribuído um selo de qualidade aos cursos de direito que se
destacassem, em cada unidade da federação, pelo nível do ensino oferecido /.../. A outorga do selo de qualidade representaria,
assim, para o Conselho Federal, mais uma forma de colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, consoante o
mandamento inserto no citado dispositivo do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil ./.../. Surgia, então,
com a aprovação unânime do Conselho Federal, o programa OAB RECOMENDA, cujo escopo seria o de atuar como um
indutor de qualidade do ensino do direito, na medida em que fosse capaz de despertar nas instituões que o ministram
interesse em obter o selo que dele resulta /.../. A primeira edição do programa OAB RECOMENDA foi divulgada em janeiro
de 2001.” Disponível em <http://www.oab.org.br/OABRecomenda1.pdf>, acessado em 12 fev. 2008.
34
da autonomia universitária, atende essencialmente a esse modelo: Ela transforma o reitor em
gerente /.../. A priori, ele dispõe de instalações e do orçamento sem qualquer regulação,
decide diretamente sobre as contratações, pode criar empregos fora das regras da função
pública e do julgamento da comunidade universitária (CHARLE, 2007, p. 35).
Em análise semelhante, Santos (2005) constata que, das três crises apontadas por ele
em seu trabalho Pela mão de Alice (1995), a institucional acabou por ser o foco das propostas
reformistas, que era e é, desde pelo menos dois séculos, o elo mais fraco da
universidade pública porque a autonomia científica e pedagógica da universidade assenta na
dependência financeira do Estado”(p. 12).
Sendo assim, é diante de um contexto de crise e, consequentemente, de reforma do
Estado que a universidade sente o peso de uma tendência globalizada de redução do
compromisso político com a educação de forma geral e com a universidade em particular.
Esse processo faz parte de uma ofensiva do capital contra as políticas públicas, com enfoque
nas políticas sociais, e sua convero em mercadorias. Assim, o autor parte da análise de
determinados “pilares” para o entendimento e análise da crise institucional, dentre eles a
descapitalização da universidade blica; a transnacionalização do mercado universitário e a
passagem do conhecimento universitário ao conhecimento pluriversitário (SANTOS, 2005).
Para esse autor, as universidades têm perdido parte de sua preocupação humanística e
cultural, o que vem causando um desvirtuamento de suas funções, como alternativa à pressão
da carência de recursos. Cita os casos brasileiro e português da proliferação de fundações
vinculadas às universidades blicas, porém com estatuto privado e, portanto, capazes de
vender determinados serviços à comunidade, como cursos de especialização.
Somado a isso, tomando como referência estudos econômicos que indicavam o
potencial da educação como negócio, salienta que tem se evidenciado um processo que o
autor denominou de transnacionalização do mercado universitário como resposta a um
conjunto de fatores que pressionam as universidades blicas (financiamento, abertura de
novos mercados, avanço tecnológico).
Os analistas da empresa de serviços financeiros Merril Lynch consideram
que o sector da educação tem hoje características semelhantes às que a saúde
tinha nos anos 1970: um mercado gigantesco, muito fragmentado, pouco
produtivo, de baixo nível tecnológico mas com grande procura de
tecnologia, com um grande déficit de gestão profissional e uma taxa de
capitalização muito baixa (SANTOS, 2005, p. 27).
Tal proposta tem como regulador a OMC no âmbito do Acordo Geral sobre o
Comércio de Serviços (GATS), no qual a educação é um dos 12 serviços abrangidos. Tal
35
documento distingue quatro modos de ofertas de serviços universitários mercantis: oferta
transfronteiriça com destaque para ensino na modalidade a distância; consumo no
estrangeiro prevê o movimento transnacional do consumidor; presença comercial
caracterizada pela possibilidade de franquias; e presença de pessoas deslocação temporária
de professores e pesquisadores para um determinado país.
Ainda de acordo com Santos (2005), a universidade tem o desafio de aproximar a
produção do conhecimento universitário ao que ele denomina conhecimento pluriversitário.
Para ele, parte da crítica social imprimida à universidade é oriunda do tipo de conhecimento
produzido, descontextualizado, por vezes, da realidade social e suas demandas, enquanto o
conhecimento pluriversitário é um conhecimento contextual na medida em que o princípio
organizador da sua produção é a aplicação que lhe pode ser dada” (p. 41).
Conforme enunciava Boaventura de S. Santos, portanto, a universidade tenta
compatibilizar a educação humanística e a formação para o trabalho. A própria compreensão
da relação educação-trabalho vai se tornando muito complexa e a universidade encontra
dificuldades em interpretá-la e resolvê-la. De um lado, atender às exigências de um mercado
dinâmico, ágil e em permanente mutação, que demanda à universidade constante
reformulação de seus currículos, por exemplo (o que o combina, muitas vezes, com a
rigidez dos projetos pedagógicos e suas grades curriculares); por outro, mesmo tendo de
cumprir a tarefa de preparar adequadamente para o mundo do trabalho, procura não
abandonar as suas características principais de propiciar uma formação mais humanística.
Confrontada com as antinomias da formação profissional a que, sob pressão
social, pretendeu vincular a sua hegemonia, não deixa de manter em segunda
linha, e ainda marginalizada, a educação humanística, pronta a ser reativada
no momento em que for nesse sentido a pressão social dominante (SANTOS,
1999, p. 198).
Dessa maneira, as exigências do mercado de trabalho que hoje são válidas podem
perder sua força no movimento da história. A alteração de papéis e funções não é
perfeitamente possível como em alguns espaços vai dando sinais de mudanças. É o caso
dos Estados Unidos, onde “um recente relatório do Congresso mostrou preocupação com a
corrida ao dinheiro [das universidades-empresa], que deixa expressiva parcela da classe média
fora das boas universidades” (CHARLE, 2007, p. 35).
Para Boaventura Santos, outra tensão a ser enfrentada pela universidade, permeada
pela anterior, é a causada pela dicotomia teoria versus prática, que tem origem em um apelo à
prática vinculado às exigências de formação profissional em decorrência do desenvolvimento
tecnológico. Há, ainda, outra, de cariz mais sociopolítico, “que se traduziu na crítica ao
36
isolamento da universidade, da torre de marfim insensível aos problemas do mundo
contemporâneo, apesar de sobre eles ter acumulado conhecimentos sofisticados e certamente
utilizáveis na sua resolução” (SANTOS, 1999, p. 200).
Sendo assim, a ideia de aproximar a universidade da realidade social tem suscitado
grandes debates e promovido uma série de interpretações possíveis sobre esse apelo à prática.
Dentro da lógica capitalista e do mercado, cada vez mais a universidade tem estreitado laços
com as grandes corporações, relação vinculada, sobretudo, à pesquisa e aos avanços do
conhecimento científico. Para o autor, há uma diferenciação de interesses entre a comunidade
científica e a comunidade industrial”: enquanto a primeira zela pelo rigor científico e pela
publicização dos resultados, a segunda almeja o lucro e a competitividade.
A crise da universidade leva a arranjos que por vezes destoam da ideia da pesquisa
desinteressada”. Por vezes, a definição do que deve ser pesquisado ou do que seja um bom
objeto de estudo é determinada por uma visão utilitarista e mecânica de orientação
mercadológica e financeira.
Com vistas à reversão desse panorama, Santos (2005) indica que a universidade deve
comportar um projeto de país, em que ela mesma seja tomada como bem público. Tal projeto
deve ser sustentado por diferentes atores sociais: a própria universidade pública e sua
comunidade acadêmica; o Estado nacional e, por fim, a sociedade e suas diferentes formas de
organização.
Ainda, enumera uma série de princípios norteadores desse processo, sendo o primeiro
a necessidade de envolver a promoção de alternativas de pesquisa, de formação, de extensão
e de organização que apontem para o bem blico universitário” (SANTOS, 2005, p. 62); a
aceitação da crise de hegemonia e legitimidade da universidade e, com isso, o desejo de
enfrentá-la; a definição de universidade com a exigência (e o cumprimento) da formação
graduada e pós-graduada, pesquisa e extensão, além da reconquista da legitimidade por
intermédio da democratização do acesso, da extensão, da pesquisa-ação, da ecologia de
saberes, da relação universidade-escola pública e universidade-indústria, da responsabilidade
social e de uma nova institucionalidade baseada no conceito de rede e de democracia interna e
externa. Indica, por fim, a necessidade de regular o setor privado: as universidade privadas e a
transnacionalização da educação superior.
Conforme foi referido, a vinculação com a prática dentro de uma vertente social e
política”, como expressou Souza Santos, trouxe outro tipo de discussão sobre a universidade e
sua função social, associada rapidamente ao seu envolvimento com a comunidade, que foi se
modificando e adquirindo novas características e divergências.
37
A área de extensão vai ter no futuro próximo um significado muito especial.
No momento em que o capitalismo global pretende funcionalizar a
universidade e, de facto, transformá-la numa vasta agência de extensão ao
seu serviço, a reforma da universidade deve conferir uma nova centralidade
às atividades de extensão (com implicações no curriculum e nas carreiras
docentes) e concebê-las de modo alternativo ao capitalismo global,
atribuindo às universidades uma participação ativa na construção da coesão
social, no aprofundamento da democracia, na luta contra a exclusão social e
a degradação ambiental, na defesa da diversidade cultural (SANTOS, 2005,
p. 73).
Percebe-se que um exame na literatura sobre universidade encaminha um debate com
sentido similar e que embora com maior ênfase por parte de alguns autores à pesquisa,
outros ao ensino, e outros, ainda, à extensão, que são os três principais fins da instituição a
vinculação desta com a sociedade sempre está presente nas diversas e diversificadas análises.
Para fins desse estudo, interessam, sobretudo, aquelas associadas à ideia de extensão
universitária, assunto que será tratado na sequência.
1.3 A extensão universitária como uma das formas de
responsabilidade/compromisso social da universidade
Ao examinar a literatura sobre a temática, é quase um consenso a diversidade de
conceitos sobre o que seja extensão universitária. Ainda, a título de esclarecimento, toma-se
como fundamental a advertência de Wanderley de que, apesar de ser válida a separação do
tripé (ensino, pesquisa e extensão), para fins analíticos, o conteúdo social está e deve estar
presente no conjunto” (WANDERLEY, 2005, p. 168). Porém, como mencionado, nesse
estudo será privilegiada a extensão como uma das formas de compromisso social da
universidade.
A análise do surgimento e compreensão da extensão universiria apresenta uma
pluralidade de informações, que vai se modificando com o movimento da universidade e da
própria sociedade.
Assim, para alguns estudiosos, a extensão universitária tem uma longa história que
remete à própria origem das universidades européias modernas, já que não é possível falar em
extensão universitária no contexto medieval, tendo em vista que “o compromisso social de
tais universidades efetivou-se pela via do ensino” (FAGUNDES, 1986, p. 26).
Surgiu na Inglaterra, em meados do século XIX, uma nova forma de extensão
universitária, destinada a toda a população, sem distinções, desde que o fizessem parte da
38
universidade. Foi na Universidade de Cambridge, em 1867, que a extensão universitária (já
com esta nomenclatura) teve sua primeira experiência e inclusive influenciou a extensão nos
Estados Unidos. Ainda, na Inglaterra surgiram as primeiras Universidades Populares,
construídas a partir das críticas dos operários, que se irradiariam para outros países, inclusive
a Espanha, na Universidade de Oviedo, que por consequência seria o centro de apoio às ideias
extensionistas presentes no Movimento de Córdoba, na Argentina (ROCHA, 2001, p. 17).
Tais afirmações devem ser contextualizadas no momento histórico em que ocorreram,
o que significa que essas primeiras atividades tidas como extensionistas
11
possuíam um
caráter diferenciado do que atualmente se construiu como extensão.
Para Rocha, a história do extensionismo na América Latina pode ser dividida em
fases: 1) a exteno na Universidade Medieval era dotada de caráter religioso, tida como
“missão” ou “ação filantrópica”; 2) o exteno no Período das Luzes, em contraposição ao
dogmatismo da fase anterior, passou a ter como eixo central a racionalidade, as expressões da
modernidade, a valorização da liberdade, dentre outros fatores que serviram para que a
extensão passasse a ter um caráter de ação revolucionária; 3) o extensionismo e a
modernização da sociedade no período de difusão do positivismo e das ideias liberais na
América Latina (meados do século XIX), sob influência da concepção norte-americana de
extensão universiria técnica associada ao desenvolvimento; 4) a institucionalização do
extensionismo universitário, quando (1960) foram criadas estruturas próprias para a extensão,
assim como institdos pró-reitores, departamentos de extensão etc.
A fase seguinte foi 5) a construção e reconstrução das concepções do extensionismo
universitário (1970), em que se debatida a extensão como um importante componente
propulsor de mudança social e de difusão da cultura. Foram realizados seminários
internacionais de âmbito latino-americano que tiveram em Paulo Freire uma das figuras
essenciais no processo de crítica e reconstrução da ideia de extensão; 6) na década de 1980, a
extensão universiria passou a ter maior vinculação interna com as universidades, que
cobravam maior autonomia para gerir suas ações extensionistas e um privilegiamento das
ações da prestação de serviços em suas múltiplas dimensões; finalmente, a última fase (1990)
se constituiu como a atuação em rede por meio de intercâmbios entre os diferentes países
latino-americanos, e foi marcado também pela importância de um Programa Latino-
11
Extensionismo: representa a ação decorrente do exercício da extensão universitária em suas várias
modalidades ou formulações, em que se incluem: cursos de extensão; atividades de assistência técnica; prestção
de serviços no campo social, no educacional, no sanitário, no jurídico e na difusão cultural; atuação em projetos
de ação comunitária ou similares; assessorias ou consultas; realização de levantamentos; elaboração de planos e
projetos; difusão de resultados de pesquisas” (ROCHA, 2001, p. 13).
39
Americano de Extensão, que culminou em uma associação de Extensionistas Latino-
Americanos (ROCHA, 2001).
É importante registrar que as Universidades Populares, bem como a construção de um
conceito de extensão latino-americano, tem como referência o Movimento de Córdoba
(1918)
12
.
Dessa forma, as universidades latino-americanas passam a se envolver e se
preocuparem com os problemas sociais. Embora motivadas pelos ideais do movimento de
Córdoba, as primeiras atividades extensionistas tiveram no modelo americano da
multidiversidade de funções sua primeira face. O rol de atividades classificadas como
extensão reunia ações assistencialistas, cursos das mais diversas modalidades e objetivos,
palestras, assessoria técnica e outras, derivando daí a ideia de uma extensão cooperativa,
associada ao atendimento das necessidades de uma comunidade social e economicamente
carente. Ainda, em sua trajetória histórica, avançou da perspectiva religiosa, passando pela
revolucionária, para a acadêmica.
A extensão pode ser pensada como resultado de uma das contradições da universidade
no caso, das instituições públicas, que o atendem a todos, portanto, têm em seu interior
um importante elemento segregador. A ideia de extensão contribuiu para que os benefícios da
universidade pudessem ser socializados. Ideia que, posteriormente, no caso brasileiro, esteve
vinculada à legislação (LDB) e passou a ser uma das funções da universidade,
independentemente de sua natureza pública ou privada.
Segundo Nogueira (2001), no Brasil, foi a partir de 1911 que houve as primeiras
experiências de extensão universitária, influenciadas por dois modelos: um, aberto a toda a
população (Universidade Livre de o Paulo, 1911-17) e outro ligado à prestação de serviços
na área rural, que levava assistência técnica, na década de 1920, por meio da Escola Superior
de Agricultura e Veterinária de Viçosa e da Escola Superior Agrícola de Lavras, ambas em
Minas Gerais. O modelo de extensão utilizado, de inspiração norte-americana, era a assessoria
técnica aos trabalhadores rurais, dentro da ideia assistencialista de estender os conhecimentos
produzidos pela universidade a uma população carente.
Do ponto de vista legal, em 11 de abril de 1931, por interdio da Lei 19.851, a
extensão passou a ser legalizada no Estatuto das Universidades Brasileiras, sobretudo pelo
12
O Movimento de Córdoba foi liderado pelos estudantes universitários que “assumem o poder na Universidade
Católica tradicional ali existente, ocupando-a /.../. Aão dos estudantes, a partir de Córdoba, colocara a
Extensão Universitária em evidência, com a criação de Universidades Populares em várias nações latino-
americanas /.../. Para Touraine foi o movimento de Córdoba quem deu importância política às Universidades
latino-americanas” (ROCHA, 2001, p. 18).
40
artigo 35, que dispõe sobre os cursos que poderiam ser ministrados nos “institutos de ensino
superior no Brasil”. Neste artigo os cursos de extensão são “destinados a prolongar, em
benefício coletivo, a atividade técnica e científica dos institutos universitários” (ESTATUTO
DAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS, 1931); e no artigo 42:
A extensão universitária será efetivada por meio de cursos e conferências de
caráter educacional ou utilitário, uns e outras organizados pelos diversos
institutos da Universidade, com prévia autorização do Conselho
Universitário.
§ Os cursos e conferências, de que trata este artigo, destinam-se
principalmente à difusão de conhecimentos úteis à vida individual ou
coletiva, à solução de problemas sociais ou à propagação de ideias e
princípios que salvaguardem os altos interesses nacionais.
§ 2º Estes cursos e conferências poderão ser realizados por qualquer instituto
universitário em outros institutos de ensino cnico ou superior, de ensino
secundário ou primário ou em condições que os façam acesveis ao grande
público (BRASIL, ESTATUTO DAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS,
1931).
Nota-se que a compreensão de extensão universitária presente no Estatuto conserva a
posição de extensão cooperativa e apresenta um apelo nivelado ao compromisso social da
universidade.
Em 1961, a LDB Lei 4.024 , em seu artigo 69, apresentava de forma tímida a
extensão universitária, vinculada diretamente à prestação de serviços.
Art. 69. Nos estabelecimentos de ensino superior podem ser ministrados os
seguintes cursos:
a) de graduação, abertos à matrícula de candidatos que hajam concluído o
ciclo colegial ou equivalente, e obtido classificação em concurso de
habilitação;
b) de pós-graduação, abertos à matrícula de candidatos que hajam concluído
o curso de graduação e obtido o respectivo diploma;
c) de especialização, aperfeiçoamento e extensão, ou quaisquer outros, a
juízo do respectivo instituto de ensino, abertos a candidatos com o preparo e
os requisitos que vierem a ser exigidos (LDB, 1961).
Contraditoriamente a essa realidade opaca nas leis, a cada de 1960 foi um marco do
ponto de vista da organização estudantil. A União Nacional dos Estudantes (UNE) criou os
Centros Populares de Cultura (CPC), instaurando um processo de comunicação
universidade/sociedade que atendia à ideia de compromisso com as classes populares
(NOGUEIRA, 2005). Outra importante contribuição no campo das práticas extensionistas que
marcaram as décadas de 1950 e 1960 foi a participação de Paulo Freire no Serviço de
Extensão Cultural da Universidade de Recife, sobretudo as ações vinculadas à alfabetização
de adultos e à educação popular, associando a leitura e a escrita, como instrumentos políticos,
para a conscientização e transformação social.
41
Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o
mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais
obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na
própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como
um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não
como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se
crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada (FREIRE, 1983,
p. 80).
A contribuição de Paulo Freire para a construção de um conceito de extensão
universitária brasileira foi significativa, sobretudo a partir de suas críticas. Para ele, a extensão
ainda conservava o caráter social dominador, não avançando na perspectiva de uma troca de
saberes, mas ainda vendo o extensionista, como alguém que sabe mais e que transfere seus
“conhecimentos” a alguém que não os detém, ou seja, ainda persistia a ideia domesticadora:
Parece-nos, entretanto, que a ação extensionista envolve, qualquer que seja o
setor em que se realize, a necessidade que sentem aqueles que a fazem de ir
até a outra parte do mundo, considerada inferior, para, à sua maneira,
normalizá-la. Para fa-la mais ou menos semelhante a seu mundo /.../. E
todos estes termos envolvem ações que, transformando o homem em quase
coisa, o negam como um ser de transformão do mundo (FREIRE, 2006,
p. 22).
Não houve avanços na concepção de comunicação” no lugar de extensão, mas, a
partir da discussão trazida por Freire, o “termo passa a significar uma relação
conscientizadora para os parceiros da extensão intercâmbio entre saber sistematizado e
saber popular; a extensão como ponte entre a universidade e a sociedade” (ROCHA, 2001, p.
22).
Embora vinculado à Igreja Católica brasileira, portanto afeto às orientações cristãs,
deve ser mencionado o Movimento de Educação de Base (MEB), vinculado à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O MEB surgiu no final da década de 1950, motivado
pela Ação Popular Católica e sua proposta de “pedagogia na ação”.
No Movimento de Educação de Base, os processos educativos de
alfabetização, conscientização, politização, animão popular e os múltiplos
meios empregados (cursos, encontros, debates, contatos, cartas etc.)
pretendiam eliminar/diminuir a tutela tradicional sobre o povo
(WANDERLEY, 2007, p. 118).
A Ação Popular concentrou significativo mero de estudantes católicos que aderiram
à convocatória da CNBB de implementar um plano nacional de educação, sob a perspectiva
da educação de base
13
, sobretudo no Nordeste do País, atingindo, assim, os meios operários e
13
Conforme Carta de princípios do MEB, divulgada pela Igreja Católica brasileira: O nosso drama não é
alfabetizar. Junto a isto urgência de muito mais: urgência gritante de se abrirem aos nossos camponeses,
operários e suas famílias as riquezas da educação de base, fundamental, educão que chamaríamos de cultura
popular, a qual tende a fazer o homem despertar para seus próprios problemas, encontrar suas soluções,
42
rurais. Contudo, a experiência o chegou a ser refletida nos marcos das ações extensionistas
de cunho universitário propriamente dito. Foi, entretanto, alvo de estudos e pesquisas sobre
sua orientação, objetivos e o alcance de seu trabalho, por exemplo, o realizado por Wanderley
(1984).
O desmantelamento do MEB seguiu o mesmo percurso das ões extensionistas no
Brasil na década de 1960. O contexto da ditadura militar (1964-85) não somente coibiu as
forças sociais, pela marca da repressão e da censura, como iniciou um processo de
substituição dos modelos existentes. Substituiu, sobretudo, aqueles vinculados à formação
política e de maior conteúdo social e ligados aos movimentos populares por outros, mais
amenos e em consonância com as ideias ditatoriais. Assim, surgiram o Projeto Rondon e o
Centro Rural de Treinamento e ão Comunitária (Crutac), na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, em 1966. Os projetos tinham como marca o trabalho destinado às
populações mais desprovidas social e economicamente e a visualização das ões como uma
contribuição das universidades para desenvolvimento do País. Para Fagundes,
a ênfase da alise sobre o compromisso social da universidade brasileira,
sob o ângulo da extensão universitária, recai sobre o pensamento do MEC e
do Crub (Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras) a partir da
segunda metade da década de 60 até o presente. Esta delimitação justifica-se,
quando se atenta para a importância que a extensão adquire nesse período,
sendo alçada, com a Reforma Universitária de 1968, ao foro de terceira
função da universidade, ao lado do ensino e da pesquisa /.../ como uma
modalidade de a universidade suprir a falta de contato com um público
maior e desincumbir-se de seus compromissos sociais (FAGUNDES, 1986,
p. 15).
A trajetória da extensão universitária brasileira seguiu sem muitas mudanças teóricas
e de concepção, prevalecendo ainda a nica de prestação de serviços e realização de cursos.
Não obstante, as instituições começassem a incorporar, lentamente, a ideia de extensão
universitária nas leis (Lei da Reforma Universitária de 1968), na elaboração do Plano de
Extensão Universitária (1975), na criação da Coordenação de Atividades de Extensão e na
criação das Pró-Reitorias de Extensão (1980), ao mesmo tempo em que se configurava a ideia
da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (NOGUEIRA, 2005).
Em 1987 foi realizado o I Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das
Universidades Públicas Brasileiras, que trouxe um conceito de extensão universitária,
aprender a comer bem, a defender sua saúde, a manter boas relações com seus semelhantes, a andar com seus
próprios pés, a decidir seus destinos, buscar sua elevação vica, moral, econômica, social e espiritual. É esta a
escola que temos de jogar no seio das populações camponesas e operárias, através de seus métodos próprios
experimentados e vitoriosos” (apud WANDERLEY, 1984, p. 59).
43
reafirmado em 1999 no documento Universidade Cidadã e no Plano Nacional de Extensão
(2000-2001):
A extensão universitária é o processo educativo, cultural e científico que
articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação
transformadora entre universidade e sociedade. A extensão é uma via de
mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que
encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um
conhecimento acadêmico. No retorno à universidade, docentes e discentes
trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido
àquele conhecimento.
Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e
popular, terá como consequências a produção do conhecimento resultante do
confronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do
conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação
da universidade.
Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a
extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do
social (FORPROEX, 2001, p. 5).
A extensão passou a ter maior visibilidade e contou com setores indispensáveis para
sua legitimação, com novo sentido, a partir da articulação com ensino e pesquisa, teoria e
prática. Aos poucos a visão assistencialista foi se deslocando e a extensão, como uma das
fuões da universidade, foi se redimensionando como prática social.
As mudanças passaram a ser percebidas na própria organização das estruturas
responsáveis pelo acompanhamento da extensão universitária. Sem dúvida, o Fórum de Pró-
Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras passou a desempenhar um papel
importante na sistematização e direcionamento da extensão universitária no País,
desdobrando-se em comissões, fóruns, seminários e uma rie de espaços de debate, reflexão
e socialização de experiências.
Dessa forma, a compreensão da extensão universitária brasileira cumpriu um longo
percurso que vai desde as influências europeias e americanas, às quais seu surgimento esteve
vinculado, à luta e resistências daqueles que reafirmaram a extensão como uma relação íntima
da construção do conhecimento na realidade social e visualizaram nela a possibilidade de
socialização do conhecimento do ensino e da pesquisa.
O valor da extensão, portanto, é o de estar atento às formas pelas quais o
mundo se constrói e reconstrói, às maneiras de sua estruturação e
reestruturação; é o de apreender a realidade para além das manifestações
externas localizadas em uma específica dimensão temporal, vazia de sentido
e deslocada da sua hisria; é o de recusar tomar o concreto imediato não
como resultado do movimento, mas como se este fosse o próprio movimento
/.../. Nesse sentido, o valor maior da extensão é o de ser capaz de provocar
esta intolerabilidade com relação à realidade social e de poder transformá-la
em ão consciente do desenvolvimento e da política acadêmica (FARIA,
2005, pp. 24-5).
44
Com maior clareza conceitual, maior institucionalização e maior visibilidade, a
extensão universitária ainda tem um importante percurso na direção de compromisso social da
universidade, que pode ser traduzida na afirmação de Wanderley (2005): é necessário dar
concretude às afirmações de que as universidades devem se situar como promotoras do
desenvolvimento sustentável do País, desenvolver uma formação crítica e humanística,
preparar técnicos e profissionais com visão ética” (WANDERLEY, 2005, p. 173). Embora,
muitos avanços possam ser seguramente apontados na trajetória histórica da extensão
universitária, são muitos, também, os seus dilemas e desafios na atualidade.
1.4 Dilemas e desafios da extensão universitária na atualidade
Um dos primeiros desafios da extensão universitária é o de se consolidar como uma
prática indissociável do ensino e da pesquisa. Conforme elucidado, a extensão é uma das
formas de compromisso social da universidade, mas o a única e nem a melhor. Várias
críticas foram surgindo nesse sentido, apontado que o privilegiamento de uma função
(extensão) em detrimento de outras (ensino e pesquisa) poderia não promover ações cada
vez mais desintegradas, mas dificultar as ões na dirão do compromisso social das
universidades. Por isso, Botomé (1996) postula que o compromisso social da universidade
precisa ser realizado por todas as atividades da instituição e o ser privilégio de uma delas,
como se esta fosse a destinada a cumprir tal papel.
Outro importante desafio está na marginalidade da extensão universitária que, embora
esteja presente nos discursos e documentos oficiais, ainda persiste, na compreensão de muitos,
como simples assistência, o que se comprova por ações como o programa nacional
Universidade Solidária (1999) e a mesmo o retorno do Projeto Rondon
14
(2004), associado à
falta de financiamento.
14
Segundo Vilany Kehrle da assessoria de comunicação social do MEC, o Projeto Rondon é uma ão governamental que
envolve vários Ministérios, visando ao fortalecimento de políticas públicas. Criado em 1967, o Projeto levou estudantes e
professores de instituições de ensino superior a desenvolver trabalhos sociais nas regiões mais carentes do País até 1989. A
reativação do Rondon foi proposta pela UNE ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em novembro de 2003. Ele faz pensar
um projeto de nação, pois desloca alunos de sua realidade local para outra vivência”, defende o coordenador-geral de
Orientação e Controle da SESu /MEC, Jorge Gregory. Uma das mudanças importantes adotadas pelo governo federal ao
retomar o projeto, em 2004, é que, na primeira fase de implantação, na década de 1960, o estudante fazia a inscrição e
aguardava a seleção. Na nova fase, a inscrição fica a cargo das instituições de ensino, que necessitam demonstrar excelência e
qualidade acadêmicas para serem selecionadas. Disponível em:
<http://mecsrv04.mec.gov.br/acs/asp/noticias/noticiasDiaImp.asp?id=7267>, acessado em 12 fev. 2008.
45
Quanto ao programa Universidade Solidária, análises dos seus documentos oficiais
feito pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores em seu XII Encontro Nacional (1997), segundo
Nogueira,
permitem concluir que, embora aprovado, o Programa Universidade Cida
não apresentava consistência suficiente para constituir-se como proposta do
Fórum para a extensão nas IES públicas brasileiras. Tanto assim que a
diretriz central do evento foi a constituição da Comissão Nacional de
Extensão do rum para, em conjunto com a SESu/MEC, elaborar o Plano
Nacional de Extensão Universitária (NOGUEIRA, 2005, p. 78).
o Projeto Rondon foi originalmente instituído por meio do Decreto 62.927, de 23 de
junho de 1968, e desde sua origem recebeu críticas por funcionar como um intermediário
entre um pensamento elitista e um sentimento populista. De uma parte
haveria a comunidade dos portadores de cultura, explicadores da realidade e
conhecedores de técnicas salvadoras. De outra parte, estaria a comunidade
dos necessitados, ignorantes e apáticos, sem uma visão correta da realidade
e, portanto, incapazes de dimensionar os seus problemas e de saírem de uma
situação, da qual eles seriam os próprios responsáveis (FAGUNDES, 1986,
p. 94).
Atualmente, o Projeto Rondon é visualizado como uma ação de integração social
coordenada pelo Ministério da Defesa e pelo MEC através da Secretaria de Ensino Superior.
O Fórum dos Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Forproex)
também assumiu o Projeto Rondon como uma ação extensionista vinculada a projetos e
programas de extensão (BASSANI, 2007).
Certamente, ambos os projetos m várias questões polêmicas para serem debatidas.
Uma delas diz respeito ao que, no caso do Projeto Rondon, separaria as críticas da década de
1980 às suas novas concepções como uma ação extensionista. Fica evidente, partindo desse
exemplo, que as discussões e o movimento de institucionalização da extensão permitiram
novas interpretações e orientações para as atividades de extensão, que vão conduzindo a um
mapeamento da extensão no Brasil.
O Forproex, por interdio da Comissão Permanente de Avaliação da Extensão
Universitária, organizou uma pesquisa intitulada Institucionalização da extensão nas
universidades públicas brasileiras: estudo comparativo 1993/2004, partindo dos resultados de
um estudo comparativo publicado em 1995 (Perfil da extensão universitária no Brasil) e com
dados obtidos em 2005. Tomando como referência a categoria Dificuldades para o
desenvolvimento da extensão universitária”, os dados obtidos revelaram que, em ambos os
anos de referência do estudo, a principal dificuldade foi a limitação de recursos financeiros,
seguida por recursos de infra-estrutura como veículos (78,6%), suprimento para equipamentos
de informática (62,9%) e salas (61,4%). Complementando essas análises no que se refere
46
aos recursos destinados às atividades de extensão, verifica-se que 67,1% das
instituições alocam recursos orçamentários para a extensão. A captação de
recursos está institucionalizada por meio de convênios em 61,4% das
instituições. Destacam-se nas informões classificadas como “outros a
participação em editais públicos (sete respostas), recursos advindos de taxas
internas, fundos e fundações (seis respostas), prestação de serviços (três
respostas) e apoio externo não institucionalizado.
No tocante à concessão de bolsas de extensão, pode-se observar que 88,9%
das IPES possuem programas institucionais de bolsas, porém 90%
consideram o número de bolsas insuficiente, tendo em vista a demanda
existente. Com relação ao suporte de recursos humanos nas P-Reitorias,
observa-se que a maior parte das IPES considera os recursos humanos
insuficientes para gestão. Cerca de dois terços das instituições consideram
que a carência concentra-se nos técnicos e cargos comissionados
(COMISSÃO DE AVALIAÇÃO PERMANENTE, 2008).
A questão do financiamento é uma problemática enfrentada pelas universidades
brasileiras como um todo e atinge de forma geral o desenvolvimento das suas atividades,
independentemente de sua natureza, tendo sido foco de amplos debates e reivindicações da
comunidade acadêmica. Diante do enxugamento e sucateamento das políticas públicas, nos
casos de convênios, sobretudo governamentais, é comum as atividades de extensão servirem
para substituir ou representar o Estado em determinado contexto social, o que, sem uma
crítica aprofundada sobre o Estado, pode levar a ativismos e pragmatismos. Quanto aos
convênios com o denominado terceiro setor, as questões postas estão presentes nas análises de
trabalhos nessa área e dizem respeito ao grau de autonomia na orientação e dirão do
trabalho e à sua continuidade.
Não se produzem ões de impacto e de relevância social sem condições nimas de
trabalho e suporte institucional. A ausência de tal mecanismo pode levar ao perigo de ações
grosseiras e amesmo aventureiras, que prejudicam os objetivos propostos e o cumprimento
de qualquer plano de trabalho. Ademais, a falta de um financiamento adequado pode
inviabilizar as atividades, caracterizando um rompimento dos vínculos estabelecidos com o
grupo a que se destinou a ação.
Atualmente, um dos maiores desafios da extensão universitária é conseguir avançar na
perspectiva de prática social, superando a dimensão assistencialista e de prestação de serviços.
Ainda, significa visualizar a extensão como um elemento catalisador do ensino e da pesquisa,
rompendo, assim, as fraturas presentes na análise das funções da universidade. A extensão
ainda é para muitos uma atividade que se fora da universidade, enquanto que o ensino e a
pesquisa se caracterizam como ações no interior desta (salas de aula e laboratórios).
Muitas análises têm apontado para a diversidade de orientações e perspectivas da
extensão universitária no Brasil. Para Silva, a extensão universitária aponta diversas
47
concepções: a tradicional (ou funcionalista), caracterizada pela desarticulação entre o ensino
e a extensão e pela prática apolítica e assistencialista; a concepção processual, que surge
como uma reação à anterior e assume o papel de consciência social da universidade”, por
intermédio da articulação entre ensino e pesquisa; e, por último, a conceão crítica, em que a
extensão passa a ser visualizada como matéria de currículo e, portanto, desaparece enquanto
conceito, sendo incorporada pelo ensino e pesquisa comprometidos e contextualizados com a
realidade social (SILVA, 2001, pp. 92-3).
Certamente, ao passo que se verificam diversas compreensões e orientações para a
extensão brasileira, demonstra-se a sua vitalidade enquanto conceito e prática. A maturação
da extensão universiria conduziu a esclarecimentos, dotando-a cada vez mais de
cientificidade. Sendo assim, ao pensar os desafios para a extensão universitária, fica evidente
que a questão es na própria universidade. A questão da autonomia universitária, do
financiamento do ensino superior no País, das reformas em curso, assim como o quadro de
desigualdade social e a fragilidade da democracia; que afetam as sociedades como um todo,
são demandas para todas as instituições universitárias. Assim, a queso sobre qual o valor
de extensão para a universidade brasileira hoje deve considerar, de saída, o que de fato é uma
instituição universitária e como garantir estes pressupostos diante do processo de globalização
em curso (FARIA, 2005, p. 23).
Como foi possível observar, existem muitas críticas à extensão universitária, assim
como discursos apaixonados e percepções críticas que consideram o valor da extensão, mas
apontam a necessidade do constante debate, da construção e re-construção de ões cada vez
mais engajadas com as exigências regionais e globais postas às universidades. Nesse sentido,
a extensão universitária é um terreno fértil de estudos e pesquisas, não no sentido de isolá-la,
mas, ao contrário, na perspectiva da qualidade acadêmica, da indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão e nos marcos democticos universais, imbricados na realidade social.
Desvendar algumas particularidades das atividades de extensão e sua relação com o
mundo profissional vinculado aos sistemas de sde e às múltiplas relações que vão se
constituindo no decorrer de seu desenvolvimento é a tarefa que foi proposta para esse estudo e
será apresentada a seguir.
48
1.5 A extensão universitária e sua relação com o mundo
profissional: o caso da saúde pública
Algumas considerações iniciais sobre a articulação da extensão com o mundo
profissional se fazem necessárias, antes de aprofundar o estudo específico da saúde pública.
Conforme apresentado anteriormente, a extensão, na perspectiva aqui apontada, é um
elemento importante no processo de formação profissional. Assume esta relevância por
possibilitar a articulação entre saber científico e saber popular, integrando os conhecimentos
produzidos e construídos nas universidades à realidade social local, regional e global. Dessa
forma, dota a formação acadêmica de sentido e de responsabilidade, quer seja no âmbito do
que é produzido (relevância da pesquisa), quer seja na forma como esse resultado é
socializado.
Já foi dito que a relação das universidades com o mercado de trabalho tem se mostrado
desafiadora. Retomando, fica evidente que as exigências do mercado de trabalho, cada vez
mais diversificadas e mais ágeis, têm desafiado as universidades a acompan-las e mais: a
lógica competitiva e mercadológica vai imprimindo aos poucos algumas mudanças na
orientação, até então tradicional, das universidades. A preocupação com a formação
profissional tem feito parte da agenda dos cursos das mais diferentes dirões, com perigo de
recorrer ao utilitarismo e a um deslocamento das dimensões humanistas e éticas.
Segundo Mariângela Wanderley, um dos grandes desafios das universidades, no que
diz respeito à formação profissional, é justamente sua capacidade de reagir ao setor produtivo
(que tem aumentado a sua participação nas fontes de receita das universidades na forma de
convênios, parcerias etc.) sem se subalternizar. Outro desafio posto é a massificação do
ensino superior no País, que tem se traduzido em uma ameaça à busca da qualidade e
contribuído para o escamoteamento das universidades públicas. Ainda, garantir a missão da
universidade de formar profissionais altamente qualificados e em consonância com as
mudanças da sociedade contemponea e, ao mesmo tempo, comprometidos com a realidade
do País (WANDERLEY, 1997, pp. 8-9).
A partir da LDB de 1996 as universidades devem definir diretrizes curriculares para os
cursos de graduação. Sendo assim, cada categoria profissional, a partir de seus órgãos
representativos, tratou de promover amplos debates sobre quais aspectos poderiam ser
incorporados na direção da formação profissional mais contemponea e que atendesse às
exigências do mercado de trabalho, além de uma preocupação mais consistente que os
respectivos cursos atentem para a questão da regionalidade e de sua participação local.
49
Dessa forma, a extensão universitária se configura como um espaço estratégico na
qualificação da formação profissional, mas também nos diversos processos que promove: de
socialização de produtos, tecnologias e metodologias desenvolvidos pelas universidades, em
uma relação de reciprocidade com os diferentes sujeitos envolvidos.
Certamente, a saúde é uma das áreas que tem acumulado maior experiência nessa
direção e, portanto, tem muito a contribuir na investigação da relação das universidades com
os serviços.
O Forproex sistematizou o trabalho de extensão universitária em oito áreas temáticas:
Comunicação, Cultura, Direitos Humanos e Justiça, Educação, Meio Ambiente, Saúde,
Tecnologia e Produção e Trabalho. Ao referenciar o trabalho desenvolvido na área da saúde,
ressalta-se a importância de intensificar o relacionamento entre universidade e sistema de
saúde,
estimular a integração de experiências de extensão em saúde aos currículos
de graduação, colaborar no desenvolvimento de poticas e estratégias de
assistência à saúde, identificar interfaces relevantes e objetos de estudo
comuns e atuar no sentido de que sejam criadas condições para o
desenvolvimento dos sistemas formador e prestador de serviços. Sendo
criativo na identificação das necessidades e na proposição de procedimentos
metodológicos, o Fórum poderá, numa ação conjunta com outras instituições
da área da saúde, produzir e difundir trabalhos que orientem ações em
educação popular (FORPROEX, 2006).
A saúde blica brasileira tem constantemente enfrentado o desafio de consolidar um
sistema de saúde de qualidade, resolutivo e universal. Nesse sentido, a qualificação de
recursos humanos é um elemento imprescindível, sobretudo no atual contexto, em que, pelo
desenvolvimento de novas tecnologias e da difusão pida por meios eletrônicos, a
necessidade de educação permanente o é mais uma decisão individual do profissional, mas
uma demanda social. Portanto, a definição de estratégias para propiciar e promover esses
recursos humanos tem feito parte da trajetória da saúde pública no Brasil.
Compreendendo a universidade como um espaço privilegiado de produção e difusão
do conhecimento, evidencia-se o potencial que possui quanto à formação, capacitação e
educação permanentes.
Do ponto de vista da universidade, a consolidação de propostas de
integração com o sistema de saúde tem como elemento estratégico a atuão
da extensão, articulada ao ensino e à pesquisa. Constitui insncia pela qual a
Universidade objetiva propor e desenvolver ações conjuntas e experiências
inovadoras, de forma a contribuir para a implementação de um sistema de
atenção de qualidade, equitativo e inclusivo. A extensão atuará na atenção à
sde, na formação de recursos humanos e geração de conhecimento e novas
50
metodologias, observado o parâmetro de compromisso com as necessidades
de saúde da população (FORPROEX, 2006).
Para que a extensão universitária possa atingir os objetivos e metas propostos é
necessária uma articulação e integração da universidade com os gestores e profissionais de
saúde, bem como dos Ministérios da Saúde e da Educação. Essa relação se expressa a partir
das Diretrizes curriculares para os cursos de graduação da área da saúde e os diversos
projetos e programas desenvolvidos pelo Ministério da Saúde em parceria com as
universidades. No próximo capítulo seo examinadas, particularmente, as experiências e a
relação da extensão universitária com a formação profissional vinculada à saúde pública,
ocorridas a partir da LDB/96, que, embora não incorpore a expressão indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão”, atribui igual status a elas, tornando-se a base das
alterações na formação dos RH da sde.
É importante esclarecer que o SUS assume a responsabilidade de acompanhar o
desenvolvimento de políticas de formação dos profissionais de saúde. No caso específico da
saúde, apresentam-se posições diferenciadas acerca do que seriam recursos humanos.
Portanto, antes de tudo, considera-se fundamental situar o leitor sobre o trato e o significado
com que o termo foi utilizado no decorrer deste trabalho.
De acordo com Schraiber e Machado (1997), a não de “recursos humanos” tem sido
encaminhada de três formas distintas nos estudos sobre a temática na área da sde: 1. (1940-
1950) Como pessoas portadoras de um saber (sujeito privado); 2. (1970-1980) Como
instrumento de saber, ou seja, como insumo de um determinado processo produtivo; e 3. (a
partir de 1990) Como trabalhadores, tanto no exercício profissional como submetido às
regras do mercado.
Ainda, avalia-se que as mais variadas críticas em torno do termo recursos humanos
repousam na adoção de cada uma dessas formas (PEREIRA; RAMOS, 2006). No entanto,
concorda-se com Schraiber e Machado (1997) que, analisando a imensa produção intelectual
nesse campo (RH como “projeto da ação”), apontaram uma fragilidade de associar recursos
humanos a trabalhadores, do ponto de vista da teoria política, ou da sociológica, ou ainda da
econômica, diretamente sobre trabalho em sde” (p. 282). Trata-se de uma discussão em
curso e, portanto, incapaz de abolir a expressão “recursos humanos”, ainda em uso.
Diante dessa conceituação ainda em construção, neste trabalho adotou-se a
compreensão de RH como trabalhadores.
Sua peculiaridade [dos recursos humanos como trabalhadores] é deter saber
complexo e, simultaneamente, submeter-se a regras de mercado e produção
de serviços socialmente organizada, estabelecendo, ainda, relões
51
extremamente diferenciadas quer com o Estado, enquanto sendo trabalhador
social, quer com condições objetivas de trabalho, enquanto sendo detentor de
saber complexo (SCHRAIBER; MACHADO, 1997, p. 283).
Diferenciações sobre o entendimento de RH à parte, é consenso que o setor de saúde é
um dos maiores existentes (não importa se precarizado), além de altamente diversificado. Para
alguns autores, a crescente incorporação de novas tecnologias gera a necessidade de novas
ocupações, sobretudo aquelas de fundo técnico.
Para fins desse estudo será focada a preocupação com a formação de RH para o SUS,
tendo em vista que este prevê relações mais horizontalizadas e menos rígidas entre os
profissionais, o estabelecimento de vínculos com a comunidade a partir do controle social, a
humanização e a co-responsabilidade no modo de operar os serviços de saúde. Portanto, são
novas exincias que implicam mudanças na lógica histórico-social desses serviços, em que
perdurou a ação médica hegemônica, para uma nova perspectiva de trabalho coletivo e
cooperativo, despontando novas perspectivas aos profissionais, incluído aí o assistente social.
52
II EXPERIÊNCIAS E DEBATES EM TORNO DA RELAÇÃO
ENSINO/SERVIÇO: A CAPACITAÇÃO DOS RECURSOS
HUMANOS DA SAÚDE NO BRASIL DO SÉCULO XX
2.1 Breve histórico: Flexner e seu relatório
Pensar sobre o desenvolvimento do ensino médico no culo XX exige como ponto de
partida o Medical Education in the United Sates and Canada de Abraham Flexner, ou, como
ficou conhecido, o Relatório Flexner. No texto, elaborado em 1910 por solicitação de parte da
categoria dica americana, Flexner fez uma avaliação do ensino médico a partir da pesquisa
realizada em 155 faculdades de medicina existentes nos Estados Unidos e Canadá e chegou a
conclusões alarmantes. Do total, 120 se encontravam em ssimas condições de
funcionamento. Os problemas eram diversos e englobavam desde o ingresso do estudante
(seleção ruim) a sua aprendizagem (ausência de laboratórios) e falta de vínculos na relação
entre a formação científica e o trabalho clínico (SCHWARTZMAN, 1996).
Vale ressaltar que os propósitos da Reforma Flexner ancoravam-se na
medicina como ciência, em oposição ao empirismo. A concepção científica
da medicina, nele contida, fundava as bases do saber médico na física,
química e biologia, junto com a prática médica, por sua vez concebida como
explicação e produção dessas ciências. A clínica consistia na base
fundamental da prática médica, por sua vez articulada à pesquisa
laboratorial. Clínica e laboratório, enfim, eram os pilares da atividade
médica (CANESQUI, 2000, p. 27).
As principais proposições do Relatório Flexner para o ensino dico englobavam
pouca ênfase na prevenção e promoção da saúde e valorização do hospital de ensino, portanto,
cada faculdade deveria ter seu hospital, com um corpo cnico próprio e permanente;
organização da assistência médica nas especialidades; assistência ambulatorial somente em
casos que demandassem internação; e proporção de 400 leitos para 50 alunos (MARSIGLIA,
1995, pp. 21-2).
As linhas gerais do pensamento de Flexner partiam de uma sequência ainda hoje muito
presente nas grades curriculares de diversos cursos: primeiro a formação sica, em seguida
as específicas, e por último, no caso do ensino dico, a clínica hospitalar. Portanto, a ênfase
estava na atenção dica individual e era evidente a ausência em aspectos preventivos e de
promoção à saúde.
53
É importante ressaltar que essa “cientificidade” trazida por Flexner desvinculou as
experiências e estudos em sde pública das Escolas Médicas. Nos primeiros a ênfase
“centrava-se no ensino da higiene, nas intervenções administrativas, nas preocupações com os
determinantes da saúde e do bem-estar, dedicando-se ainda aos estudos das doenças mais
frequentes da população” (MARSIGLIA, 1995, p. 22).
A influência do Relatório Flexner na América Latina foi marcante, especialmente a
partir da década de 1940, primeiro período de expansão das escolas médicas no Brasil
(CANESQUI, 2000, p. 28). Embora, tenha sido fonte de inspiração para as mudanças no
ensino médico, o Relatório Flexner apresentava algumas lacunas. Assim, por exemplo, as
mudanças propostas careciam de pensar questões mais cruciais para os cursos de graduação,
como a prática médica e as necessidades de saúde da população. Consequentemente, não
tomaram em conta a estreita relação entre o aparelho formador e o utilizador de recursos
humanos, deixando intactos os fatores que condicionavam o aluno e o docente a uma prática
individual e a um enfoque curativo dos problemas de saúde. Persistiram as dicotomias: teoria
prática; psíquicoorgânico; indivíduo-sociedade (TORRES, 2002).
Ainda, mantendo a lógica liberal da medicina, o Relatório Flexner representou a
“apoteose da ciência e da tecnologia”, em que vários equipamentos de diagnósticos e
tratamento das doenças eram criados e desenvolvidos para dar suporte ao desenvolvimento da
acumulação, expansão e crescimento capitalista no setor saúde. Portanto, os desdobramentos
do Relatório Flexner foram além da organização e reestruturação da formação médica:
também fortaleceram a estruturação científica no campo da saúde, que foi se tornando cada
vez mais complexa e especializada, e tamm competitiva e lucrativa.
Ao se focar o modelo individual da clínica, fortaleceu-se o poder dico na figura do
“detentor da vida e da morte”, por isso são comuns as analogias entre a medicina e a religião e
à alusão aos médicos como semideuses (LOPES, s/d). Ainda, a representação social do
médico ultrapassa a condição de profissão e está cravada na própria forma como se mantêm e
reatualizam determinadas estruturas de poder. Chauí, ao demonstrar como a “cultura
senhorial” continua viva na sociedade brasileira, apontou como “nossa sociedade tem o
fascínio pelos signos de prestígio e de poder, como se depreende do uso de títulos honoríficos
sem qualquer relação com a possível pertinência de sua atribuição (o caso mais corrente sendo
o uso de doutor quando, na relação social, o outro se sente ou é visto como superior e
doutor é o substitutivo imaginário para antigos títulos de nobreza) (2000, p. 92).
O poder médico, portanto, o é somente aceito entre as profissões que atuam na
saúde e reconhecem seu papel de executores diretos da atividade (MACHADO, 1996),
54
possuidores do processo assistencial e exclusivamente livres para atuar em qualquer ramo das
atividades de saúde (PIRES, 1998); mas o é também a própria representação da relação de
mandonismo que ele reserva. Em Queiroz (1976) encontra-se importante alise da
substituição do coronel, mediante a crescente urbanização e declínio da agricultura, por outros
representantes das camadas médias, como os profissionais liberais, que o, à sua maneira,
preservar a estrutura coronelista.
São verdadeiros mitos, reatualizados constantemente pela literatura, por exemplo, em
romances como Inocência, de Visconde de Taunay, com a trágica história de amor entre a
sertaneja e o doutor; ou, ainda, Sinhá Moça, de Maria Camila Dezonne Pacheco Fernandes,
transformada primeiro em filme (1953) e exibida pela Rede Globo como telenovela em 1986
e em 2006. Isso sem mencionar o fascínio que seriados norte-americanos que abordam a
temática médica exercem sobre o blico em geral, como é o caso de House, em exibição no
Universal Channel (TV fechada) e na emissora brasileira aberta Rede Record.
Dessa forma, em consonância com elementos presentes no mito fundador brasileiro
(CHAUÍ, 2000) e com a própria ideologia da meritocracia, dominante no modo de produção
capitalista, o modelo flexneriano encontrou terreno fértil para fincar suas raízes na medicina.
Seu maior êxito está na profunda subordinação das demais profissões em relação à do dico:
por mais que se justifique sua atuação e se desenvolvam competências técnicas e teóricas,
serão sempre eles os grandes responsáveis pelo cuidado à saúde e que poderão, inclusive,
decidir sobre o fazer profissional de determinadas categorias, como é o caso do polêmico Ato
Médico.
Não negando o processo histórico e, nele, a constituição de arenas de disputa, todavia,
a saúde encontrou outro modelo de organização do trabalho e da formação dica no que se
denominou Modelo de Dawson. Este, apresentado a seguir, contrariando os elementos
flexnerianos, foi capaz de polemizar e detonar um processo de revio e crítica sobre o
modelo vigente.
2.1.1 A Contraproposta: o Relatório Dawson
Em 1920, o dico inglês Bertrand Dawson elaborou um novo modelo de
atendimento à saúde, totalmente contrio ao modelo flexneriano. Para ele, os serviços de
saúde deveriam ser regionalizados para melhor atender às necessidades dos indivíduos e das
55
comunidades, ter um enfoque preventivo e contar com a presença de profissional dico
generalista (MARSIGLIA, 1995).
As radicais diferenciações entre os dois relatórios remetem à própria conjuntura
política, econômica e social de cada um dos países. Dawson fazia parte do Conselho Médico
Consultivo do Ministério da Saúde inglês e, portanto, tinha uma relação forte com as demais
políticas públicas no País e por isso recomendou que as ações de saúde fossem articuladas
com a Lei dos Pobres, que vigorava desde o século anterior (RIBEIRO, 2002).
A Inglaterra, assim como a Europa como um todo, apresentou ao longo da história
uma certa tradição e preocupação com a miria e a proletarização de amplas camadas sociais
não por uma preocupação humanística e distributiva dos bens e da riqueza, mas por temer a
organização dos trabalhadores e a emergência de revoluções sociais e classistas. Foi assim
com a nova Lei dos Pobres em 1843 e com o relatório sobre o estado de saúde da população
na Inglaterra, elaborado em 1848 por Chadwick, que embasou a primeira legislação sobre
saúde pública naquele país, com enfoque para os conselhos locais de saúde, seguidos de
conselho central de saúde (MARSIGLIA, 1995, p. 22).
Para Dawson, no início do século XX, a formação médica deveria ter outros
parâmetros, como integração dos aspectos curativo e preventivo; formação generalista
destinada ao atendimento individual e comunitário; acesso generalizado aos planos de sde
há a indicação de que o Estado deveria ser o provedor e responsável pelas políticas de saúde e
que os serviços para as falias deveriam ser regionalizados, partindo-se de um centro
primário de saúde, com ações preventivas e curativas exercidas por um médico geral e
integrados com centros de saúde mais especializados e hospitais, incluindo até as ações de
reabilitações” (MARSIGLIA, 1995, p. 22). Este modelo influenciou o ensino dico inglês e
o soviético e propiciou a estruturação da rede de serviços com unidades simplificadas de
atendimento, constituindo uma rede de atenção primária, num determinado território. Nesse
sentido, destaca-se como um exercício de ateão primária à saúde, sustentado nas ações de
promoção dos meios de prevenção das enfermidades, uma condição possível com a
participação da população” (RIBEIRO, 2002, p. 16).
No âmbito mundial, em um contexto de crises econômicas e políticas pós-guerra
(1945), em que a redefinição da ordem política e econômica internacional trouxe evidentes
implicações para os países mais pobres e dependentes, gradualmente foram incorporadas
mudanças no ensino médico. Pode-se citar como uma das principais motivações a
Conferência Internacional sobre Atenção Primária de Saúde, que ficou conhecida como
56
Conferência de Alma-Ata (URSS, 1978), cujo objetivo era eleger a atenção primária como um
caminho para alcançar a meta definida pela OMS: “Saúde para todos no ano 2000”.
Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde baseados
em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e
socialmente aceitáveis, colocados ao alcance universal de indivíduos e
famílias da comunidade, mediante plena participação e a um custo que a
comunidade pode manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito
de autoconfiança e autodeterminação. Fazem parte integrante tanto do
sistema de saúde do País, do qual constituem a função central e o foco
principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da
comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da
família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os
cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares
onde vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um
continuado processo de assistência à saúde (DECLARAÇÃO DE ALMA-
ATA, art. VI, 1978).
Posteriormente, em 1981, aconteceu a Conferência de Karachi, organizada pela OMS,
que destacou a importância dos hospitais para o desenvolvimento e crescimento da ateão
primária. De acordo com Marsiglia (1995), dentre as diversas atividades recomendadas nesta
Conferência, podem-se apontar as seguintes: os hospitais deveriam ser regionalizados e
deveriam ter um departamento de saúde da comunidade; os serviços deveriam promover
programas de educação continuada para o pessoal dos hospitais, a fim de reorientar o enfoque
hospitalar para o da saúde; deveria haver a participação da comunidade no processo de
melhoria dos serviços hospitalares; deveria ser dado incentivo às pesquisas nos serviços de
saúde; haveria a necessidade de adaptar os currículos formadores dos trabalhadores de saúde,
privilegiando-se as necessidades de sde das comunidades; e, finalmente, destacava-se a
importância do diálogo contínuo das organizações nacionais e internacionais sobre o papel
dos hospitais na atenção primária de saúde (MARSIGLIA, 1995, p. 24).
Conforme se pode observar, havia uma mudança em marcha no modelo de formação
dos profissionais de saúde que teve nos relatórios de Flexner e Dawson suas primeiras
sistematizações com aportes e concepções diferenciadas, mas ambas na urgência da
mudança no campo da formação, amparadas seguidamente por relevantes Conferências
Internacionais que novamente apontaram a necessidade de reorganizar o modelo de formação
dos profissionais de saúde, com enfoque na multiplicidade de atores e na articulação da
promoção e do cuidado na sde.
57
2.2 A trajetória da mudança do modelo de ensino dos cursos de
saúde no Brasil
Com diferentes graus de adesão e influências em outros países, o modelo flexneriano
ganhou maior incidência na América Latina, e consequentemente no Brasil. Para
Schwartzman, o conceito de qualidade utilizado por Flexner no início do século presidiu a
legislação da reforma universitária brasileira. O art. 1 da Lei 5.540, de 1968, rezava que o
ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes e a
formação de profissionais de nível universitário. O art. 2 dizia que
o ensino superior, indissociável da pesquisa, se ministrado em universidades e,
excepcionalmente, em estabelecimentos isolados (SCHWARTZMAN, 1996). Sendo assim, o
que o referido Relatório apontou como modelo ideal” para o funcionamento do ensino
superior foi aceito e institucionalizado no Brasil.
Com forte influência da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) em 1950 foram
criados no Brasil os departamentos de medicina preventiva, focados em programas sociais de
higiene e prevenção, promovendo experiências extramurais e resultando na criação de Centros
de Saúde-Escola (FEUERWERKER; MARSIGLIA, 1996).
Esse movimento de reforma foi importante para desencadear uma rie de propostas e
estratégias para repensar a formação médica e a reorganização dos serviços de sde.
Segundo Canesqui, dentre as principais ideias estavam
a Medicina Integral, Medicina Preventiva, Medicina de Família, seguidos de
outros movimentos de formação do médico generalista que se desdobravam,
nas décadas subsequentes, na formulação de novos projetos e propostas de
reforma, como a Medicina Comunitária e depois a Integração Docente-
Assistencial, seguida da Ateão Primária em Saúde e a atual Saúde da
Família (CANESQUI, 2000, p. 28).
O movimento de expansão do mero de escolas de medicina no Brasil (eram nove
escolas em 1920 e em 1975 havia 73 unidades de ensino) foi concomitante ao aumento das
preocupações quanto à qualidade do ensino oferecido e à formação dos profissionais de saúde.
Conforme aponta Marsiglia, em 1967 uma pesquisa realizada por Juan César García
sobre as características da educação médica na América Latina indicou, dentre outros
elementos, a falta de planejamento na formação de recursos humanos para a saúde. Em 1973 o
então Minisrio do Trabalho e da Previdência Social propôs a inserção dos alunos nos
hospitais previdenciários e postos de assistência médica, medida que foi apoiada pela
Associação Brasileira de Educação Médica, sobretudo porque respondia ao problema de falta
de articulação entre o sistema formador e os serviços de sde e, ainda, à realidade de
58
muitas faculdades de medicina que o possuíam hospital de ensino (MARSIGLIA, 1995, p.
27).
De forma gradual e mida, foi se estabelecendo um dlogo entre as insncias
gerenciais dos serviços de saúde e as instituições formadoras. De certa forma, a proposta de
utilização dos serviços blicos de sde para as atividades práticas das escolas de medicina
permitiu que o enfoque do ensino fosse se alterando paulatinamente, ao propiciar aos
graduandos um contato com a realidade da sociedade brasileira e ir provocando mudanças em
direção à maior abertura às necessidades e possibilidades da saúde pública. Isto, porém, de
maneira endógena e buscando uma reorientação interna do trabalho médico, sem muita
preocupação com os serviços e com uma possibilidade de articulação entre eles.
Ainda nessa direção, por intermédio da Opas e de outros organismos internacionais, o
ideário da medicina comunitária começava a ser disseminado no país por influência da
experiência norte-americana.
A proposta da Medicina Comunitária, por sua vez, surge nos Estados
Unidos, na década de 1960, sob a forma de extensão do cuidado médico aos
grupos sociais que dele se encontravam excluídos. Desenvolve-se valendo-se
de princípios elaborados da Medicina Integral e da Medicina Preventiva e
tem, como seu projeto central, uma estratégia de prestação de serviços à
população (CYRINO, 2002, p. 21).
É importante ressaltar que esse era um momento de grande presença do capital
estrangeiro no País, o qual, além do aporte financeiro, era um grande influenciador e
orientador das políticas blicas. As ideias desenvolvimentistas desse período tinham forte
inclinação para o trabalho com as comunidades mais pobres, quer seja na prestação de
serviços ou na cooptação das comunidades sob o discurso da participação popular.
A presença das organizações internacionais não foi harmoniosa, traduzindo-se em
conflitos de conotação político-ideológica, que fatalmente apontavam para a cisão em dois
grupos: de um lado, aqueles que estavam vinculados aos Estados Unidos, fortemente
criticados como manipulados e manipuladores pelas políticas neocolonizadoras norte-
americanas; de outro, um grupo vinculado à ideia de construção de um pensamento da
educação dica essencialmente latino-americano, acusado de ser um instrumento da política
externa cubana (ALMEIDA, 2001, p. 45). Emergindo nos debates políticos da época, que não
se esgotaram o facilmente, de forma que muitos deles persistem até hoje, continua forte a
presença norte-americana nas políticas sociais.
No Brasil, a medicina comunitária foi difundida a partir de 1970 e tornou-se, inclusive,
um espaço de resistência e de crítica ao modelo ditatorial da época, reunindo importantes
59
intelectuais e formadores de opinião que passaram a utilizá-la como campo para a politização
da sde. Diante da impossibilidade conjuntural de discussões mais profundas acerca dos
mecanismos ocultos por trás da ideia de comunidade”, havia um primeiro “encantamento”
com a disciplina, que seria questionada mais tarde como parte de um movimento de
manutenção da estrutura, encobrindo as desigualdades sociais e a lógica do governo de
realizar baixos investimentos sociais, entendimento que fez parte de um contexto referente ao
momento político e econômico do País.
Sob o manto do milagre econômico” o Ps viveu um crescimento econômico que,
embora guardasse seu lado perverso (acirramento da concentração de renda, aumento da
dívida externa, ausência de democracia, dentre outros) e associado a uma ideologia ufanista,
garantiu um clima de confiaa e otimismo no País, desmontado somente a partir segunda
metade da cada de 1970.
Dessa forma, no bojo das inquietações políticas e econômicas do País, foram
fundadas as bases para o Movimento da Reforma Sanitária, no qual se iniciou uma discussão
sobre a reformulação do sistema de saúde, ancorado nos princípios de universalização dos
direitos, descentralização e controle social sobre a saúde, dentre outros. O Movimento de
Reforma Sanitária ganhou forças e contribuiu para o questionamento da formação dos
profissionais como condição sine qua non para a construção de um novo modelo de saúde.
Sendo assim, foi na década de 1970 que as experiências “extramuros” ganharam
espaço na discussão das mudanças necessárias na formação dos profissionais de saúde,
associadas a movimentos maiores no âmbito governamental, como o Programa de
Interiorização dasões de Saúde (1977), PrevSaúde (1980), Ações Integradas de Saúde
(AIS, 1984) e SUS (1988) que se refletiriam nas mais variadas propostas de reformulação
dos currículos universitários para a formação de recursos humanos, de acordo com os
princípios discutidos na Reforma Sanitária (CARVALHO; MARTIN; CORDONI, 2000).
Concomitantemente, em âmbito mundial se realizavam vários encontros que
contribuíram para a atualização da relação ensino e serviços na agenda dos organismos
internacionais: II Plano Decenal de Saúde das Américas (1972), que teve seu desdobramento
no ano seguinte, com a recomendação da OMS de uma efetiva participação da população nas
decisões sobre a política de saúde; XXII Reunião do Conselho Consultivo da Opas, em que
foram definidas as funções das universidades no trabalho de orientação e promoção de ativa
participação da comunidade, destacando a necessidade de articular ensino e serviço (REDE
UNIDA, 2005). A seguir, ainda na década de 1970, foi realizada a Conferência Internacional
sobre Atenção Primária de Saúde, realizada em Alma-Ata, em 1978, que estimulou as
60
experiências no campo da atenção primária, reforçando os Departamentos de Medicina
Preventiva e as atividades fora do serviço escola (CHAVES; KISIL, 1999).
Deve ser destacado também, de acordo com Nunes (2007), que as experiências
brasileiras mencionadas acima aconteceram no bojo da ditadura militar, portanto, foram
marcas de um movimento progressista na saúde pública brasileira, que teve como mote
central a luta democrática pensada no contexto de uma nova saúde públicae de uma “nova
educação na sde”. Fizeram parte desses processos, trabalhadores, instituições escolares,
associações e outros, que se tornaram atores fundamentais e que, paulatinamente, foram
possibilitando uma nova identidade para a saúde pública brasileira.
Longe de se constituir em um caminho errático de jovens profissionais, a
relação entre instituições, pessoas e entidades foi, aos poucos, possibilitando
a estruturação de projetos que renovam as instituições e as pessoas,
constituindo uma massa crítica de profissionais formados para atuar nessa
realidade, problematizada e reconstruída com a atuação do próprio
movimento (NUNES, 2007, p. 14).
Um dos efeitos dessa atuação foi a instituição de uma nova intelectualidade capaz de
refletir e propor ações na dirão almejada e ir, por intermédio da socialização da produção
pensada e vivida, influindo na formação e identidade das profissões que atuam na saúde e sua
relação com os serviços.
Nesse sentido é que as experiências “extramuros” aqui debatidas, limitadas e bastante
pontuais, permitiram que novas propostas se configurassem, como as de Integração Docente-
Assistencial (IDA), numa tentativa de integrar os hospitais de ensino ao sistema de sde
(FEUERWERKER; COSTA; RANGEL, 2000).
2.3 A experiência da Integrão Docente-Assistencial (IDA)
A cada de 1970 trouxe contribuições para o movimento de mudaa na relação
ensino/serviços da área médica. Dois acontecimentos podem ser considerados fundamentais
nesse processo. O primeiro, de caráter internacional, remete-se ao II Plano Decenal de Saúde
das Américas (1972), que elegeu os recursos humanos como peça-chave para a ateão
médica integral (ALMEIDA, 2001).
Nesse sentido, posteriormente (em 1979) foi firmado, no Brasil, o Acordo
Opas/MS/MEC/MPAS, que estabeleceu o Programa Geral de Desenvolvimento de Recursos
Humanos para a saúde no País com o intuito de reforçar os processos de integração docente-
assistencial (BARBIERI, 2006).
61
Nesse acordo, foi reconhecida a indissociabilidade e o caráter intrínseco do ensino das
profissões de saúde e a prestação de serviço à comunidade, assim como a existência de outras
“experiências de envolvimento entre instituições de ensino e de prestação de serviço, mas que
seriam mais bem definidas como programas de extensão do ensino em ambiente extramural
da escola do que processos e integração docente-assistencial” (MARSIGLIA, 1995, p. 47).
Dessa forma, a proposta da IDA respondeu a uma necessidade dos atores
fundamentais no processo de formação de recursos humanos para a saúde: as faculdades,
sobretudo os departamentos de medicina preventiva, os serviços de saúde e a população. Após
a crítica elaborada, as formas experimentadas de atividades extramuros” quer seja no
campo da medicina comunitária, quer na fuão de extensão universitária , servem de
fundamentação para a Integração Docente-Assistencial.
Os pressupostos que deram origem à experiência IDA, por um lado, partiam da
avaliação das propostas anteriores e projetavam um novo modelo de articulação entre ensino e
serviço; por outro, polemizaram a questão das universidades e sua função social. Assim, as
fuões da universidade (ensino, pesquisa e extensão) foram discutidas e o ensino
“extramuros”, tradicionalmente vinculado à exteno universitária, passou a ser questionado,
tendo em vista que as vivências no campo da extensão apontavam para uma perspectiva da
comunidade como sujeito passivo ou ator coadjuvante, sempre à margem das ões. A
proposta IDA pretendia estabelecer uma relação orgânica que reconstruísse a ideia
fragmentada que o tripé da universidade construiu.
Se se considera esta separação falaciosa (ensino, pesquisa e extensão), a
extensão universitária é uma expressão redundante, pois se a Universidade
fosse um espaço público centro de reflexão, de criatividade e de verdadeira
integração entre ensino, pesquisa e assisncia sobre os problemas colocados
pela sociedade, sejam eles tecnológicos, cienficos, socioeconômicos e
políticos, ou mesmo éticos , ou se fosseuma casa aberta ao tempo”, aberta
a todos, indivíduos e/ou grupos sociais, que buscam conhecimentos,
informações necessárias para o desenvolvimento de suas potencialidades,
não haveria o que estender (IYDA, 2002, p. 223).
Conforme aponta Marsiglia, em documentação expedida pelo MEC às universidades
no sentido de apoiar e adotar os desafios da proposta IDA, realça-se que ela exigia
modificações conceituais, estruturais e estratégicas profundas, contrariando o clássico
conceito de ensino/pesquisa e extensão tão ao sabor da universidade brasileira‟”
(MARSIGLIA, 1995, p. 48).
Sendo assim, há um questionamento daquelas que seriam as funções tradicionais da
Universidade, que o perdurar até hoje no contexto do ensino superior. Essa leitura da
fragmentação das atividades da universidade, bem como as contradições entre tais funções e a
62
realidade que as mesmas ocultam a persistência do caráter elitista e endógeno da
universidade nortearam os debates sobre a relação ensino-serviço em uma perspectiva
diferenciada do discurso extensionista presente na época.
A universidade deveria estar integrada com o sistema de saúde de forma
permanente e não apenas utilizar os servos para a prática de ensino e os
Distritos Docentes Assistenciais deveriam ser desenvolvidos como parte
do PrevSaúde e do Programa IDA (MARSIGLIA, 1995, p. 48).
Partindo dessa concepção e entendimento da relação ensino-serviço, é na década de
1980 que a proposta IDA ganhou maior fôlego na direção estabelecida no documento (Acordo
Opas/MS/MEC/MPAS), de maior articulação das faculdades de medicina, enfermagem,
odontologia e outras com os serviços de sde. “Os projetos IDA tinham por sua vez apoio de
projetos de tecnologia educacional e de administração de saúde. De certa maneira, estes
projetos buscavam propor modelos viáveis e factíveis que articulassem as inúmeras propostas
de mudança no setor saúde” (CHAVES; KISIL, 1999, p. 6).
Para cumprir tal função, a proposta IDA contou com o apoio da Fundação W. K.
Kellogg, que possuía uma larga participação no continente latino-americano, sobretudo nas
áreas de saúde
15
, educação e desenvolvimento rural.
Até meados dos anos 50, a transmissão dos modelos de educação médica
estrangeiros no início europeus e posteriormente norte-americanos
realizava-se por meio da ida e vinda de missões especiais, constituídas por
professores e dirigentes universitários. A partir de 1955, a influência passou
a ser exercida por intermédio da participão de representantes dos
organismos internacionais, destacadamente da Opas e de fundações norte-
americanas, em reuniões nacionais e regionais (ALMEIDA, 2001, p. 43).
A Fundação W. K. Kellogg foi criada em 1930 e seus recursos advêm das ações da
companhia Kellogg, pioneira na fabricação de cereais matinais, e de outros investimentos
destinados para o fundo sob curatela da Fundação. A Fundação acredita ser sua missão:
“Ajudar as pessoas a ajudarem a si mesmas” (FUNDÃO W. K. KELLOGG, 2010).
A atuação da Fundação no Brasil data de 1940, quando expandiu sua atuação para
além dos Estados Unidos. Suas primeiras incursões no País se deram na concessão de bolsas
de estudos individuais para treinamento de pessoal em algumas instituições, dando prioridade,
inicialmente, às disciplinas sicas de formação dica. Posteriormente, em 1950, as ações se
dirigiram no sentido de fortalecimento das instituições (REDE IDA/BRASIL, 1987), como as
escolas de saúde blica de São Paulo, México e Santiago do Chile, além de impulsionar a
criação de novas escolas (CHAVES; KISIL, 1999, p. 4).
15
Sobre a influência de organizações norte-americanas na formulação de mudanças na formação dos
profissionais de saúde, ver Feuerwerker (2002).
63
A Fundação Kellogg se constituiu, portanto, num importante ator na América Latina
no processo de mudança na educação dos profissionais de saúde. Embora, atualmente, novas
propostas se inscrevam na agenda da formação profissional e sejam mais comuns avaliações
das experiências IDA, elas foram muito importantes, pois, além de estimular de fato
alterações no modelo de ensino, provocaram um amplo debate acerca da temática e agregaram
sujeitos dispersos nos mais variados departamentos e áreas do conhecimento esta foi uma
das maiores contribuições da proposta (MARSIGLIA, 1995).
Para Almeida, a temática da “integração docente-assistencial” e as relações entre
instituições educativas e de serviços foi reiteradamente discutida nos anos 70 e 80.
“Constituiu uma das tendências da área de formação de recursos humanos na América Latina
e foi levada em conta como critério essencial no planejamento de muitas mudaas
educacionais” (2001, p. 46).
A IDA foi um importante catalisador das propostas de mudaa na formação dos
profissionais de saúde, sobretudo aquelas relacionadas à atenção sica, numa tentativa de
responder às necessidades de aproximação entre serviços e universidade, tendo em vista
melhor atender à comunidade.
Foram realizados vários encontros e ações que buscavam efetivar a proposta IDA e,
assim, em 1985 se chegou à Rede IDA, como uma estratégia de socialização das experiências,
espaço de informação e debate, comunicação entre os diferentes projetos, portanto, um
momento de complementaridade. Na avaliação de Marsigila
O papel que a Rede IDA/Brasil vem desenvolvendo desde a sua criação em
1985 tem sido fundamental não só como apoio para cada experiência, mas
também como oportunidade de integração e troca entre elas. O caráter de
relações horizontalizadas entre os programas que dela participam e a
existência de uma coordenação para encaminhar as proposições do grupo são
bastante valorizados pelos participantes (MARSIGLIA, 1995, p. 115).
A partir de 1985 foram realizados vários encontros nacionais da Rede de projetos
IDA/Brasil
16
, que foram importantes para o fortalecimento da proposta IDA e dos diferentes
projetos, por intermédio da sistematização dos trabalhos que vinham sendo desenvolvidos. A
Rede IDA permitiu maior organização, seja por iniciativas operacionais imediatas, como a
divisão dos trabalhos por sub-redes (que englobavam desde a saúde da criaa até a
participação popular), seja pela articulação de importantes atores que, posteriormente, fariam
parte do Movimento da Reforma Sanitária e da luta pelo Sistema Único de Saúde.
16
Dentre eles, o I Encontro Nacional da Rede de Projetos IDA/Brasil, Ouro Preto-MG; 1986; II Encontro de
Coordenadores de Projetos da Rede IDA/Brasil, Belo Horizonte-MG, 1987; III Encontro de Coordenadores de
Projetos da Rede IDA/Brasil, Friburgo-RJ, 1988; I Congresso Nacional da Rede IDA e I Encontro de
Coordenadores de Sub-Redes, Rio de Janeiro-RJ, 1989 (BARBIERI, 2006, pp. 49-55)
64
Na década de 1990, passados mais de dez anos da experiência IDA no Brasil, um
conjunto de estudos e avaliações sobre a proposta começou a apontar suas contribuições, mas
também algumas fragilidades.
Tendo por base as críticas dos próprios assessores dos projetos e organismos
financiadores (dentre eles a Fundação Kellogg), críticos apontam que a IDA
revela-se uma forma efetiva de racionalizar o uso de recursos; contribui para
a formação de uma massa crítica de líderes nos setores de educação e saúde;
propicia o desenvolvimento do trabalho em equipe; contribui para
desmistificar a exclusividade da atenção hospitalar. Algumas debilidades da
proposta são: por ser inovadora, é desestabilizadora, sendo elevado o risco
de rechaço por parte das estruturas tradicionais; sua dependência de líderes
carismáticos; probabilidade de ser encarada como atividade marginal, pois
envolve, na maior parte das experiências, apenas certos setores da escola
médica, geralmente os departamentos de [sde] preventiva; o fato de ser
excessivamente acadêmica; o de apresentar desenvolvimento insuficiente de
novos modelos de práticas; dependência de recursos externos; ausência ou
precariedade de processos de autoavaliação (KISIL; CHAVES apud
ALMEIDA, 2001, pp. 47-8).
As décadas de 1970 e 1980 foram palco de várias discussões e experiências advindas
da medicina comunitária, geral e de família, da IDA, as quais foram amplamente estudadas e
abriram novas possibilidades para o movimento de mudança na formação dos profissionais de
saúde.
Estudos avaliativos apontaram para a realidade de que as propostas de ensino
“extramuros”, no Brasil, aconteceram de modo marginal, paralelo ao movimento hegemônico
e dependente de conjunturas favoveis. No entanto, tais experiências se tornariam terreno
fértil para as novas propostas que surgiram na década de 1990.
2.4 A proposta UNI “Uma nova iniciativa na educação dos
profissionais de saúde: união com a comunidade”
Partindo das avaliações anteriores (1980) e da conjuntura dos países latino-
americanos, que saíam de experiências ditatoriais e buscavam redefinir seus sistemas de sde
por exemplo, no caso do Brasil, a construção do SUS , a Fundação Kellogg, objetivando
reafirmar a articulação entre ensino e serviço e sua ligação com a comunidade, lançou uma
nova proposta para as universidades latino-americanas: Uma nova iniciativa na Educação
dos Profissionais de Saúde: união com a comunidade”, que foi chamada de UNI.
A proposta UNI, dentre outros objetivos, buscava solucionar um problema identificado
nas experiências IDA: a limitada participação da população nos projetos, que quando se
65
efetivavam ainda tinham um caráter muito utilitarista e mido. Assim, a Fundação Kellogg,
juntamente com a Opas, passou a incentivar os UNI, paralelamente às experiências IDA.
Em síntese, podemos dizer que o Programa UNI está assentado sobre uma
sólida base de trabalho, reuniões e projetos realizados no período de 1950 a
1990. Convém mencionar que na década de 90 houve um ressurgimento do
interesse na educação médica, representado por acontecimentos tais como:
uma segunda Conferência de Edimburgo (WHO, 1993), o Encontro
Internacional de Educação Médica (OPS, 1997), um novo programa da OMS
(WHO, 1991) e, no caso do Brasil, a criação da Comissão Interinstitucional
Nacional de Avaliação do Ensino dico (CINAEM, 1997) (CHAVES;
KISIL, 1999, p. 8).
Nesse contexto, em 1991, em San José, Costa Rica, o Programa UNI foi anunciado em
uma reunião da Fepafem e foram enviadas 800 cartas-convites para universidades latino-
americanas. Nessas cartas eram apresentadas as informações mais gerais sobre o programa e
as primeiras providências a ser tomadas pelas universidades candidatas, como a carta de
intenção e um pré-projeto.
Nesse documento inicial deveria estar claramente definida a adesão das
instituições aos princípios gerais do Programa, seu compromisso em alocar
uma equipe para atender às atividades iniciais de formulação de uma
proposta definitiva, e seu compromisso de mudança institucional para
garantir uma efetiva parceria entre serviços, universidade e comunidade.
Antecipava-se que os projetos aprovados teriam uma duração de três anos, e
que deveriam ser multiprofissionais, incluindo como mínimo escolas de
medicina e enfermagem e estimulando a participação de outras escolas da
área da saúde. Deveriam ser bem explícitos os outros dois componentes do
projeto: o de serviços e o comunitário (CHAVES; KISIL, 1999, p. 12).
Foram recebidas quase 150 p-propostas e selecionadas 15 cartas de intenção. No
Brasil, inicialmente, foram selecionadas quatro instituições: Unesp (Botucatu), UNB
(Brasília), UEL (Londrina) e Faculdade de Medicina de Marília - Fundação Municipal
(Marília), que passaram pela fase de “Desenvolvimento de modelos e propostas”(CHAVES;
KISIL, 1999, p. 66). Para assessorar as instituições e contribuir na elaboração do projeto final,
foram realizadas várias oficinas e encontros, e em julho de 1992 a versão final das propostas
foi enviada para a Fundação Kellogg. Foram aprovados 15 projetos, e em 1993 um segundo
grupo de oito projetos a ser iniciados em 1994, constituindo-se, assim, 23 projetos UNI
17
.
Quanto à presença brasileira no segundo grupo de projetos, acrescentaram-se mais
duas instituições, dessa vez, do Nordeste: Universidade Federal da Bahia (Salvador) e
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Natal).
17
“A distribuição geográfica dos projetos abrange 11 países, cruzando a América Latina, de Monterrey, no
México, a Temuco, no Chile, na direção norte-sul e de Natal, no Brasil, a Colima, no xico, na direção leste-
oeste” (CHAVES; KISIL, 1999, p. 13).
66
Conforme já exposto, os projetos UNI se propuseram a realizar uma série de inovações
no modelo assistencial, na formação de recursos humanos e na articulação dos serviços com a
comunidade. Para Feuerwerker e Sena (1999), os UNI se constituíram como projetos de
desenvolvimento social na medida em que investiram nas comunidades como atores sociais
dotados de saberes, histórias e, embora não desprivilegiasse as lideranças, teve como
horizonte alcançar a comunidade como um todo. Da mesma forma, a universidade e os
serviços de saúde foram redimensionados, e com uma particularidade: a ideia matriz de
parceria.
A presença deste conceito a parceria traduzido, em sentido amplo, como
alianças políticas com fins específicos, demonstra ser generalizado o
entendimento de que as mudanças na educação médica, dependendo do seu
plano de profundidade, implicam mudança nas relações de poder, na
correlação de forças políticas e lutas contra-hegemônicas
(FEUERWERKER, 2002, p. 64).
Para Almeida, são relevantes a Conferência Integrada Universidade Latino-Americana
e a Saúde da População (Havana, 1991) que teve forte caráter multiprofissional e
interdisciplinar, bem como se caracterizou como um momento de sistematização e reflexões
sobre a realidade da educação médica até então e a II Conferência Mundial de Educação
Médica (Edimburgo, 1993), que por sua vez, fez uma análise crítica ao excessivo enfoque às
dimensões educacionais (curriculares), à extensão dos espaços institucionais de formação e
outros. Ambos os eventos serviram “para acumular conhecimentos e recursos de poder por
parte de atores do movimento latino-americano de educação dica. Trata-se de
acontecimentos que possibilitaram a construção e/ou divulgação das propostas de mudança”
(ALMEIDA, 2001, p. 50).
Associado a esses eventos internacionais e suas demandas, estudo realizado pela
Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem), em 1991,
revelou que 96,25% das escolas médicas no Brasil ainda adotavam o modelo biomédico na
formação, centrado na concepção biológica da doea, na ptica e instrumental do trabalho
clínico, relegando os fundamentos da saúde pública e das ciências sociais à margem desse
processo, dicotomizando o individual e o coletivo e o curativo/preventivo (CANESQUI,
2000, p. 38).
Tais questões contribuiriam para que novas propostas de mudaa aflorassem, com
perspectivas mais multiprofissionais, humanizantes e participativas. Ao mesmo tempo,
buscou-se não perder aquilo que já vinha sendo construído no campo da formação médica as
propostas seguintes, com destaque para os UNI, mais que iniciativas isoladas, possuíam uma
67
característica de continuidade e ruptura. Continuidade porque não negavam os movimentos
anteriores e suas contribuições, ruptura porque buscavam, por meio de uma análise crítica
dessas experiências, vencer os obsculos identificados e preencher lacunas importantes, quer
seja na metodologia do trabalho, quer nos seus princípios, quer nas suas metas.
Para Chaves e Kisil, a proposta UNI surgiu a partir de vários movimentos em curso na
América Latina: a IDA, a consigna Saúde para todos no ano 2000 e a Declaração de Alma-
Ata e, por último, o desenvolvimento comunitário, que sempre foi preponderante, ora
mobilizado pelas universidades, ora pelos serviços de saúde (CHAVES; KISIL, 1999, p. 8).
Com as informações anteriores, que permitiram a visualização das necessidades no
campo da formação dos profissionais de saúde, em 1990, em Atibaia (SP), a Fundação
Kellogg, por meio de seus consultores e staff, estabeleceu aquilo que seria a base dos
programas UNI e que serviria como norte para a futura formulação dos projetos.
Uma primeira consideração é que os programas UNI deveriam ser adotados pelas
escolas de sde, e não por cursos isolados, o que contribuiria para a construção de um
projeto de mudança na universidade que contemplasse o princípio da articulação ensino-
serviço e comunidade.
Cada escola poderia organizar seu projeto de acordo com suas particularidades locais e
regionais, porém era imprescindível “a base epidemiológica, a interdisciplinaridade, o
trabalho em equipe multiprofissional e o ensino/aprendizagem em serviço”
(FEUERWERKER, 2002, p. 60).
Para os UNI, os cursos de graduação em saúde deveriam qualificar o profissional para
os três níveis de atuação profissional (primário, secundário e terciário), e o somente no
campo clínico, mas na capacidade de gerir os serviços dentro dos princípios da gestão
moderna, aqui se destacando a ideia do controle e da participação social. Também deveriam
investir na sistematização e na construção do conhecimento, por intermédio de estudos e
pesquisas. Por fim, deveriam fortalecer os diferentes atores, com destaque para a comunidade.
Os projetos UNI têm dois grandes tipos de objetivos. O primeiro é o
desenvolvimento de modelos de ensino-aprendizagem, prestação de serviços
de saúde aos indivíduos, melhorias ambientais e práticas de autocuidado em
nível pessoal, familiar ou comunirio.
O segundo tipo de objetivo é o desenvolvimento de líderes, tanto para a
geso de projetos tripartites quanto para as inúmeras modificações, reajustes
e inovações a serem feitas gradualmente nos componentes de cada projeto
(CHAVES; KISIL, 1999, p. 10).
Pela análise dos diferentes textos produzidos (FEUERWERKER, 2000;
FEUERWERKER; ALMEIDA, 2002; FUNDAÇÃO KELLOGG, 1991; CHAVES; KISIL,
68
1999) observa-se que os projetos UNI previram modificões no campo da ação pedagógica
envolvendo o desenvolvimento de conteúdos (como a gradual superação da separação entre
ciclo básico e profissional); a forma como se articularia efetivamente ensino/serviço
(variedade de locais de ensino/aprendizagem, treinamento em serviços e atuação em equipes
multiprofissionais); novas metodologias de ensino (como a aprendizagem baseada em
problemas, o estudo autodirigido e o ensino tutorial, por exemplo) e a efetiva participação da
comunidade (desenvolvimento de lideraas, empoderamento, autocuidado, dentre outros).
Conforme se pode observar, desde o início o UNI representou um projeto audacioso e
com grandes e importantes metas a cumprir. Embora a conjuntura da década de 1990 fosse
favorável para tal empreitada, tendo em vista que nesse período houve uma retomada do
interesse pelas mudanças necessárias na formação médica no Brasil (ALMEIDA, 2001), os
princípios e metas do projeto representavam um grande desafio, sobretudo porque, além de
atitudes inovadoras, o projeto previa formas novas (e, em certo ponto, inéditas) de pensar e
propor a formação profissional na saúde, envolvendo mudanças pedagógicas, organizacionais
e também comportamentais.
A nova relação que se propunha com os serviços (como indispensáveis atores, com
saberes acumulados e capazes, inclusive, de contribuir com a formação dos futuros
profissionais) confrontava-se com a tradicional maneira de visuali-los serviços pobres
para pobres. Nesse sentido,
As falhas ou deficiências observadas na prestação de serviços assistenciais
fora do hospital de ensino deveriam servir de base para a programação de
educação permanente do pessoal de serviços. Potencialmente também
deveriam alimentar ajustes, revisões e reformas curriculares, já que muitas
vezes as deficiências identificadas poderiam ser fruto da orientação da
própria graduação (FEUERWERKER, 2002, p. 61).
Da mesma forma, o tratamento dado à comunidade diferia totalmente da concepção
anterior, que a visualizava somente como um lugar onde estavam as demandas, ou mesmo
onde estavam os doentes. O fortalecimento da comunidade e sua eleição como um dos pilares
fundamentais para as mudanças necessárias na formação dos profissionais de saúde e,
consequentemente, na própria condição de sde das comunidades revela uma nova
compreensão e uma nova forma de dialogar com esta.
A organização comunitária, que conduza à autogeso e à aquisição de poder
pela comunidade (empowerment) é condição necessária para que haja uma
participação efetiva nos projetos e deve ser estimulada e apoiada.
A noção de autorresponsabilidade, decorrente da anterior, leva à de
autocuidado da saúde, que é básico para o êxito dos projetos. O autocuidado
deve ser entendido como envolvendo, conforme a ação necessária, o
indivíduo, a família e a comunidade (CHAVES; KISIL, 1999, p. 11).
69
O estudo avaliativo de Barbieri (2006) aponta que o projeto UNI, mesmo tendo
terminado formalmente, deixou uma grande contribuição, sobretudo no Brasil: embora
algumas instituições o tenham tido muito êxito, aqui foi onde seus impactos foram maiores,
seja no fortalecimento das organizações comunitárias, seja na abertura de espaços para
discussões mais políticas sobre questões diversificadas. A avaliação de Chaves, Feuerwerker e
Tancredi apontou na mesma direção:
O desenvolvimento do ideário UNI nos projetos cria terreno propício para
uma mudança de escala, já em nível institucional, representada pela
passagem do objetivo saúde para o atendimento à constelação de
necessidades humanas, que, em outras palavras, representa o objetivo maior:
qualidade de vida. O trabalho iniciado com os UNI criou espaços e
possibilidades para a constituição de sujeitos, dotados de projetos coletivos
construídos com base na solidariedade e na razão comunicativa,
indispensáveis para uma outra qualidade de vida (CHAVES;
FEUERWERKER; TANCREDI, 1999, p. 182).
Outro importante desdobramento do projeto UNI foi a efetivação da Rede Unida no
Brasil, que tem se caracterizado como um importante ator nas discussões sobre a formação
dos profissionais de saúde.
2.5 Rede Unida: um novo ator na busca de um novo cerio
Atualmente, qualquer estudo sobre gestão em sde aponta para a necessidade do
trabalho em rede. A noção (cada vez mais presente) de incompletude tem feito com que o
trabalho em rede seja visualizado como uma exigência para qualquer tipo de atividade, na
perspectiva de construção de vínculos horizontais, ancorados em princípios democráticos e na
ampla participação negociada e propositiva.
Dessa forma, em um contexto de globalização da economia, aliado aos avanços no
campo da tecnologia (com destaque para a informática), o conceito de rede tem se
demonstrado um elemento estratégico no trabalho em qualquer instituição e para qualquer
área.
O novo conceito de rede ganha complexidade, pois não são suficientes
apenas o compartilhamento de objetivos comuns e a adesão a certos
procedimentos tecnológicos, normativos e processuais. Há, igualmente, a
exigência de uma adesão comprometida e de sintonia de expectativas e
valores culturais entre os agentes e organizações que a compõem. Por isso
mesmo, observa-se que as redes modernas mantêm-se num processo
contínuo de busca de legitimação através de fluxos ativos de informação e
interação (GUARÁ; CARVALHO, 1995, p. 14).
70
Em uma tentativa de classificar os tipos de rede, Sanicola (2008, p. 27) agrupou-as em
quatro orientações metodológicas: como orientação terapêutica, que pode ser utilizada em um
sentido clínico; como unidades de oferta ou recursos, estabelecendo uma organização em rede
tanto de serviços como de pessoas; como community care, em uma perspectiva mais
comunitária, com ampla utilização do terceiro setor; e, por fim, como intervenção de rede com
enfoque nas redes naturais do sujeito.
Para a reflexão sobre a Rede Unida, a orientação metodológica de projeto de
organização dos recursos em rede auxilia a problematizar tanto a sua formação como sua
contribuição. Para a autora acima mencionada, antes de qualquer ação propriamente dita, é
preciso compreender o território, entendido como o local onde atua a rede, e suas
características particulares, que apontaram os problemas e tamm os serviços e recursos
disponíveis para o trabalho.
Como trabalho social de rede, pre um movimento contínuo de circulação,
comunicação e conexão de diversas naturezas, que aciona uma rede de recursos e a organiza
em um sistema-agente (como equipe) em uma direção única (com o sistema de serviços).
Portanto, esse tipo de rede pode ser visualizado como “instrumento de leitura da realidade e
produto final do trabalho social”, capaz de ações e estratégias imbuídas de relações
significativas entre seus atores (com as pessoas, com os serviços e com o terririo em que
está envolvido) e uma função própria do operador de rede, ora como ordenador e construtor
de redes, ora como coordenador e mediador dos recursos e serviços que existem
(SANICOLA, 2008, pp. 36-7).
Nesse sentido, os Programas UNI entenderam que seria importante aproveitar o espaço
da Rede IDA, mas também trazer e implementar modificações na sua concepção e forma de
trabalho. “E, sobretudo, vinham propor à Rede a ideia de passar a ser um ator político, que
interviesse ativamente nos cenários das políticas de sde e de educação” (FEUERWERKER;
ALMEIDA, 2002, p. 174). Para isso, a proposta era de que a Rede se adequasse à realidade do
SUS, incorporando não projetos, mas pessoas e instituições, atuando de acordo com o
paradigma do trabalho em rede.
O conceito e o paradigma do trabalho em rede permitem que os agentes e
atores sociais implicados desenvolvam uma cooperação, conservando sua
individualidade e autonomia. A ação em rede, efetivamente, dá espaço a uma
forma de integração que permite que as diferenças sejam preservadas. A rede
constitui uma construção social e organizacional na qual é possível realizar o
máximo de integração com o máximo de diferenciação entre formal e
informal, entre processos comunitários, mercado, Estado e terceiro setor
(SANICOLA, 2008, p. 76)
71
Respeitando parte dessas características, foram realizadas várias oficinas e encontros
para fomentar a discussão; em 1996, em Salvador (BA), por ocasião do Seminário Nacional,
reuniram-se o Conselho Consultivo da Rede IDA e representantes dos seis projetos UNI do
Brasil para construírem um programa das mudanças na formação de RHs e na possibilidade
da junção desses atores em um sujeito político mais forte e atuante nas questões educacionais,
sobretudo no campo da saúde. Fundava-se assim a Rede UNIIDA (BOLETIM
INFORMATIVO, 1996).
A Rede passou a se chamar Rede UNIIDA e estabeleceu uma agenda de trabalho que
mesclava aspectos para o fortalecimento da rede (internos) e outros que poderiam ser espaços
de intervenção da rede. A metodologia utilizada para isso foi o planejamento estratégico
situacional. De acordo com Sanicola (2008, pp. 64-7), o planejamento é um dos níveis de
estruturação do trabalho em rede, somado ao nível institucional (as normas e legislações
vigentes sobre a formação de redes pode reduzir ou não sua aplicabilidade); outro nível é o
organizacional, que também está vinculado a normatizações de diversas ordens (como do
Estado), porém possibilita iniciativas diversificadas, que permitem flexibilidade e
proximidade com realidades e problemáticas vivenciadas pelos envolvidos.
O planejamento está contemplado no nível projecional e no nível operacional; no
primeiro es a configuração de um projeto de dimensão coletiva em favor de determinado
segmento ou em uma intervenção específica “que pressuponha a exigência de uma parceria
viabilizadora de recursos com entidades estatais, sem fins lucrativos ou comunitárias, que
identificam objetivos comuns e atuem em conjunto para enfrentar um problema ou uma
necessidade emergencial” (SANICOLA, 2008, p. 66); no nível operacional eso as ações
propriamente ditas em torno de uma situação real e a definição das intervenções individuais
de cada membro da rede. Nesse sentido, merece destaque o papel do operador e sua
capacidade de dar flexibilidade, agilidade e resolubilidade à rede, sendo seu produto final
resultado das convicções pessoais e profissionais de seus operadores.
A formação da Rede Unida é expressão desse comprometimento com o debate
democrático entres os seus membros. Em 1997, no III Congresso Nacional da Rede UNIIDA,
efetivou-se a junção e a Rede passou a denominar-se Rede Unida. Nesse momento, foram
apresentadas algumas alterações: incorporaram-se ao Conselho Consultivo representantes de
segmentos comunitários, polos de capacitação em saúde da família e serviços de saúde.
Também se identificou o ideário comum da rede em três planos: formação de RH,
transformação do modelo assistencial e participação social (BARBIERI, 2006, p. 74). A Rede
72
UNIIDA procurou, dessa forma, atender às exigências do que de fato se caracterizava como
rede.
Espaço de troca e divulgação de experiências de articulação entre
universidades, instituições de ensino e pesquisa, serviços, comunidade,
constituída por projetos, instituições e pessoas interessadas em promover
mudanças no modelo de atenção, no modelo de ensino em saúde e nas
formas de participação social, coerentes com os princípios do SUS
(FEUERWERKER; ALMEIDA, 2002, p. 175).
Dessa forma, são fundamentais as redes para dar sustentação aos sistemas. No entanto,
Sanicola (2008, p. 77) ressalta que as redes sociais estão em constante mutação, com fluxo
contínuo de entrada e sda de pessoas, reforço e enfraquecimentos de seus laços.
Merece uma nota a presença do serviço social na Rede Unida. Para
Docente/pesquisadora, um dos sujeitos da pesquisa de campo realizada para esta tese, no
serviço social a Rede Unida “é uma ilustre desconhecida”, por falta de engajamento da
profissão nesses espaços. São poucos os assistentes sociais que fazem parte da Rede Unida.
Vera Maria Nogueira, outro sujeito desta pesquisa, participou ativamente da Rede, estando
hoje afastada, e também demonstrou em seu depoimento o distanciamento que a profissão tem
mantido em relação a esses espaços, resultado da falta de divulgação, alegando “não tenho
notícia, o se fala, ninguém fica sabendo”. O serviço social tem investido pouco nesses
espaços de interlocução com a saúde, sobretudo naqueles relacionados à formação
profissional, como a Rede Unida e o Fnepas o último mereceu maior atenção
posteriormente. Muitas podem ser as hipóteses para essa realidade, alvo de intensa
investigação ainda a ser pleiteada.
Dessa forma, com participações pontuais do serviço social, a Rede Unida foi se
constituindo e, em um processo de legitimação, os congressos promovidos foram-na
caracterizando como um importante sujeito político e com muito a dizer na direção da
transformação na formação dos profissionais de saúde, com grandes contribuições para as
mudanças curriculares nacionais dos cursos de graduação na área da saúde.
2.6 As Diretrizes curriculares dos cursos de graduação na saúde
Conforme abordado anteriormente, a trajetória do ensino superior no Brasil se
constitui como um movimento engeno, muito preso à ideia da universidade fechada em si
mesma. Aos poucos, as universidades foram adquirindo maturidade e se vinculando às
questões da sociedade. Os cursos de graduação na saúde também vivenciaram esse trajeto e,
73
como todos os cursos superiores ligados ao ensino, tiveram uma grande reorganização a partir
da LDB de 1996.
As contribuições da referida Lei se deram efetivamente quando preconiza a
flexibilidade dos currículos, o desenvolvimento de competências e habilidades, o
aperfeiçoamento cultural, técnico e científico dos cidadãos e a implementação de projetos
pedagógicos inovadores (HADDAD, 2006).
Dessa forma, a partir da LDB os cursos passaram a ser orientados por Diretrizes
curriculares, e não mais por currículos mínimos, justamente para que pudessem desenvolver
os princípios defendidos na Lei.
Os cursos de graduação na saúde foram definidos na Resolução do Conselho Nacional
de Saúde mero 287, de 8 de outubro de 1998, que abrange os cursos de biomedicina,
ciências biológicas, educação física, enfermagem, farcia, fisioterapia, fonoaudiologia,
medicina, medicina veterinária, nutrição, odontologia, psicologia, serviço social e terapia
ocupacional.
Para operacionalizar o trabalho de implantação das Diretrizes curriculares, o MEC
lançou um edital para que a construção das Diretrizes pudesse ser debatida pelas categorias
profissionais e contemplasse as necessidades identificadas por elas como essenciais no projeto
de formação profissional.
No caso dos cursos de sde, assim como em outras áreas, é comum a ausência de
articulação interministerial; sendo assim, embora com ações conexas e interdependentes, o
movimento do MEC foi de atuação paralela ao Ministério da Saúde (MS) e vice-versa. Foi no
bojo das discussões do SUS que a temática sobre a formação de recursos humanos para a
saúde impôs a exigência de articulação entre eles.
A Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu art. 200, afirmou ser atribuição do
SUS interferir na formação profissional e garantir coerência com as diretrizes constitucionais
da saúde. Portanto, a partir da Constituição Federal, o Estado tem o dever constitucional de
ordenar a formação de seus profissionais, observável nos arts. 13 (inciso IV - recursos
humanos) e 15 (inciso IX - participação na formulação e na execução da política de formação
e desenvolvimento de recursos humanos para a saúde) da Lei Ornica da Saúde Lei 8.080
de 19 de setembro de 1990 (BRASIL, 1990).
Outra importante referência na Lei 8.080 está no art. 27, quando fala dos espaços do
sistema de saúde para a prática de ensino e pesquisa.
74
Art. 27. A política de recursos humanos na área da saúde será formalizada e
executada, articuladamente, pelas diferentes esferas de governo, em
cumprimento dos seguintes objetivos:
I - organização de um sistema de formação de recursos humanos em todos os
níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além da elaboração de
programas de permanente aperfeiçoamento de pessoal;
IV - valorização da dedicação exclusiva aos serviços do Sistema Único de
Saúde (SUS).
Parágrafo único. Os servos públicos que integram o Sistema Único de
Saúde (SUS) constituem campo de prática para ensino e pesquisa, mediante
normas específicas, elaboradas conjuntamente com o sistema educacional
(BRASIL, 1990).
Embora os preceitos legais atribuam como uma das competências do MS ordenar a
formação de recursos humanos na área da saúde, e concomitantemente ao MEC, dentre
outros, estabelecer as políticas de formação da educação superior e avaliar a qualidade dessa
formação, verifica-se que, “por muito tempo, houve dissociação entre formação de
profissionais de sde de nível superior e necessidade de recursos humanos para o Sistema
Único de Saúde” (HADDAD, 2006, introdução). O resultado dessa distância se traduziu em
um “vazio” em relação ao debate sobre a formação dos profissionais de saúde.
Uma das hipóteses para explicar esse vazio foi o predomínio da concepção de que
primeiro aconteceriam as mudanças na organização do sistema de saúde e que essas, por sua
vez, determinariam transformações na formação profissional, deixando ao mercado de
trabalho o papel importante de definidor e indutor. Essa ideia foi defendida por gestores do
sistema de saúde e pelas próprias instituições formadoras (ALMEIDA, 1999).
A formação profissional de saúde ficou por muito tempo fora da agenda dos gestores
do SUS e também o foi incorporada por muitas universidades que embora as
determinantes legais da LDB indicassem as opções pelas Diretrizes curriculares ainda se
pautavam pela lógica dos currículos mínimos. Trabalhavam, assim, na perspectiva de
disciplinas sicas e específicas, fortalecendo a dicotomia entre teoria e prática, o que
desemboca em uma formação profissional distante das reais necessidades de sde da
população.
As Diretrizes curriculares dos cursos de graduação da saúde, orientadas pelo
parecer número 1.133, apontam a necessidade de esses cursos incorporarem,
nos seus projetos pedagógicos, o arcabouço teórico do SUS. Valorizam
ainda os postulados éticos, a cidadania, a epidemiologia e o processo
sde/doença/cuidado, no sentido de garantir formação contemporânea de
acordo com referenciais nacionais e internacionais de qualidade e inova ao
estimular a inserção precoce e progressiva no SUS, o que lhe garantirá
conhecimento e compromisso com a realidade de saúde do seu país e sua
região (HADDAD, 2006, introdução).
75
Para se constituir um ator social importante no processo de formação dos profissionais
de saúde, a Rede Unida passou a se fazer presente em muitos espaços de discussão e debate
sobre o tema, propiciando, assim, interlocução estratégica nos espaços de definição de
políticas públicas na área. Quanto à universidade, a Rede acreditava que as mudanças o
poderiam ser somente internas, mas deveriam ser articuladas com a comunidade e os serviços
de saúde. Esta foi a estratégia definida pela Rede, no sentido de fortalecê-la a partir da adesão
comprometida e crítica desses três atores.
O próximo passo contou com o estabelecimento de diálogos com outros atores
estratégicos, como Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Conselho Nacional
de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), dentre outros. Isso garantiu maior
visibilidade e reconhecimento e a Rede passou a ser uma voz presente nos debates nacionais
sobre o processo de formação em sde. Um exemplo importante foi o da definição das
Diretrizes curriculares dos cursos de saúde: a Rede Unida contribuiu para a mobilização e
ativa participação desses atores na construção do documento.
Os resultados desse trabalho foram muitos, além da incorporação das sugestões da
Rede pelos especialistas. Embora estes tenham sido resistentes no princípio, todo o trabalho
em torno das Diretrizes fortaleceu e legitimou a Rede como importante interlocutora no
movimento de mudaa da formação profissional na área da sde.
Atualmente, a Rede Unida tem colocado para si mesma o desafio de efetivar o
trabalho em rede, colocando-se como catalisadora dos movimentos de mudança, tendo como
eixo central de seu trabalho a ideia de “trabalhar estrategicamente, acumulando poder à rede e
diminuindo resistências” (FEUERWERKER; ALMEIDA, 2002, p. 180). A história da Rede
Unida tem como marco a abertura de canais de participação de cunho democrático, pois se
acredita que a mudaa necessária só será possível com debate diverso, envolvendo os
serviços, a comunidade e a universidade é o que denomina de “massa crítica”.
Transformar o processo de formação implica mudanças na concepção de
sde, na construção do saber, nas práticas clínicas, nas relações entre
profissionais de saúde e população, entre as diversas categorias de
profissionais de saúde, na concepção de educação e de produção do
conhecimento, nas práticas docentes, nas relações entre professores e
estudantes, nas relações de poder entre os departamentos e disciplinas
(FEUERWERKER; ALMEIDA, 2002, p. 180).
Sendo assim, a base para as propostas mudancistas é a democratização, associada com
a capacidade de planejar as ações.
Para tanto, algumas estratégias fundamentais: fortalecer as possibilidades
de parcerias entre universidades, serviços de saúde e população, ampliar a
76
compreensão existente nas escolas a respeito dos processos de mudança,
seguir investindo na produção de conhecimento e na formão de quadros
capazes de apoiar as iniciativas nas escolas, continuar ampliando o
envolvimento e a participação nas mudanças (FEUERWERKER;
ALMEIDA, 2002, p. 183).
A Rede Unida, ao longo dos seus 20 anos de experiência e trabalho em saúde, tem se
envolvido nas diversas formas de debate e propostas que viabilizaram os referidos processos
de mudança, seja nas alterações curriculares e pedagógicas ou na relação com os serviços,
caracterizados, sobretudo, nas políticas de educação e recursos humanos.
No próximo item foi privilegiada a atenção sica, como uma aproximação da grande
temática que envolve os RH na sde.
2.7 A questão dos recursos humanos na saúde e a ateão básica:
exigências e desafios
Conforme os destaques anteriores, a questão da atenção básica ganhou relevância
mundial a partir da Conferência de Alma-Ata (1978), que significou a “reafirmação da saúde
como direito fundamental; que os governos têm a responsabilidade pela saúde dos cidadãos; e
que a população tem o direito de participar das decisões no campo da saúde” (BUSS, 2000, p.
170).
No Brasil, logo na cada de 1980, por proposta do Conselho Consultivo da Saúde
(Conasp), foram implantadas as AIS, que se configuraram como uma prévia do que seria o
processo de descentralização da saúde no Brasil, integrando políticas e recursos da saúde e
previdência social aos das Secretarias de Saúde (IYDA, 2002).
A década de 1980 foi marcada por profundas transformações na organização dos
serviços de sde, as quais foram transformando alguns ideários da Reforma Sanitária em
ações concretas.
Ao regionalizar os serviços e inscrever os municípios como locus privilegiado de
atuação na direção do cuidado à saúde, ocorreu uma expansão do número de serviços de
atenção sica e, consequentemente, aumentou a demanda por profissionais na esfera pública,
o que, associado a uma posição do MEC de flexibilização para abertura de novos cursos de
graduação na cada de 1990, impulsionou a oferta de novos cursos de graduação na área da
saúde.
Pode-se dizer que a cada de 1980 foi palco de importantes ensaios no campo da
reorganização dos serviços de atenção sica e que, embora caracterizada por movimentos
77
isolados dos serviços e das instituições formadoras, imprimiu-se uma direção no
desenvolvimento de recursos humanos naquele período. As suas principais características
foram a exclusividade do debate no terreno dos serviços, o que se desdobrou em ações
voltadas para os profissionais formados, majoritariamente na modalidade de cursos de
atualização oferecidos pelo MS; as universidades, por sua vez, articuladas com as Secretarias
Estaduais de Saúde, passaram a oferecer cursos de s-graduação lato sensu na área. Deve-se
salientar, ainda, a efetiva atuação do MS e da Opas na oferta de capacitações em áreas
consideradas estratégias dos serviços de sde. Alguns exemplos que podem ser citados são o
Curso de Atualização e Desenvolvimento de Recursos Humanos em Saúde (Cadrhu); o Curso
de Aperfeiçoamento em Planejamento de Sistemas Integrados de Saúde (Capsis) e o Curso de
Atualização em Vigilância Sanitária (Cavisa) (GIL; CERVEIRA; TORRES, 2002).
Como expressão desse movimento, no bojo das discussões pró-SUS, a temática dos
recursos humanos entrou na pauta da 8ª Conferência Nacional de Sde e desembocou na I
Conferência Nacional de Recursos Humanos para Saúde (1986), que trouxe importantes
contribuições para o debate acerca da temática. Com o tema Política de Recursos Humanos
Rumo à Reforma Sanitária”, a Conferência recomendou a adoção de uma política que
regulasse sarios, jornada e regime de trabalho e, ainda, indicou a necessidade de novas bases
para a preparação de pessoal de saúde, com destaque para o trabalho multiprofissional,
procurando romper com o modelo médico hegemônico (CAMPOS, PIERANTONI,
MACHADO, 2006).
Os debates passam a ser mais sistematizados e, com a implantação do SUS na cada
de 1990, o discurso de adequação dos recursos humanos para este Sistema encontrou na
realidade dos serviços novas reflexões e desafios. Por um lado, os gestores de saúde
manifestaram sua insatisfação com os profissionais do serviço, e por outro os últimos também
estavam descontentes, sobretudo com a desvalorização profissional, traduzida nas condições
de trabalho (jornada de trabalho extensa, baixos salários, dentre outros). Dessa forma, a
“prova de fogo das proposições para os recursos humanos para a sde no Brasil passava
pela capacidade operacional e política de intermediar a correlação de forças existentes entre
os diferentes atores envolvidos no processo. Ainda, deve-se apontar a emergência de uma
nova consciência cidaque passou a fazer parte da realidade do sistema de saúde. O período
de democratização no País reforçou a participação popular, por intermédio do controle social
nas diferentes políticas blicas. Sendo assim, os profissionais de saúde se deparam com um
usuário dos serviços, cidadão de direito, em vez de um simples paciente, que deve não ser
78
atendido em suas necessidades, mas fazer parte do desenvolvimento da política de saúde no
País.
Até a metade da década de 1990, poucos foram os avanços efetivos no
desenvolvimento de recursos humanos para o SUS. Ao contrário, os problemas e
dificuldades se multiplicaram sem que surgissem no cenário nacional possibilidades de
superação (GIL; CERVEIRA; TORRES, 2002, p. 109). Ainda, segundo as autoras, algumas
experiências, como o Projeto Desenvolvimento Gerencial para Unidades Básicas de Saúde
(Gerus)
18
, proposto em parceria pelo MS e a Opas, foram iniciativas importantes, mas, como
se tratou de experiências isoladas, não garantiram a implementação de um projeto global de
desenvolvimento de recursos humanos.
Dessa forma, o grande mérito do Projeto foi trazer à tona a temática da gestão como
um elemento crucial na mudaa da saúde brasileira em curso. No entanto, as características
peculiares dos Estados e da organização de seus serviços de saúde deram ao projeto diferentes
alcances. Ramires, Lourenção e Santos (2004), a partir de uma pesquisa bibliográfica,
evidenciaram os impactos do Gerus em municípios como Curitiba, Londrina e São José do
Rio Preto, e Estados como Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, dentre outros. A
primeira indicação a que chegaram foi a relevância da formação e capacitação gerencial como
resposta a uma demanda expressiva das unidades de saúde; a segunda remete ao próprio
Gerus e sua capacidade de responder às diferenças regionais e locais dos municípios, tornando
clara a necessidade de sua flexibilização e reformulação.
Em estudo avaliativo sobre a implantação do Gerus em UBS da região Sul da cidade
de o Paulo, Lico, Ferreira e Martins (2005) apontaram que houve ampliação da visão do
papel gerencial, com desdobramentos na questão da reorganização dos serviços, associada ao
desenvolvimento de competências técnicas. Evidenciaram também o limite das capacitações,
quando confrontadas com o compromisso pessoal e político com processos de mudanças.
Concomitantemente à formação no campo dos serviços, tendo o Projeto Gerus como
marco de apoio à geso, no cenário acadêmico o avanço das discussões sobre as mudanças na
formação dos profissionais de saúde sobretudo com o desenvolvimento dos Programas UNI
e sua vinculação efetiva com os serviços de saúde e a população , bem como o surgimento
da Rede Unida, contribuiu para que as ações e os atores sociais envolvidos na discussão se
posicionassem em um debate cada vez mais intenso e que, finalmente, contemplasse a ideia
18
O Projeto Gerus se caracterizou como uma interveão no campo do desenvolvimento de recursos humanos
em saúde, centrado na formação/qualificação técnica e administrativa de gerentes de UBS, com o objetivo de
efetivar o desenvolvimento institucional e, consequentemente, aumentar a capacidade gerencial, na perspectiva
da mudança das práticas sanitárias e do modelo de atenção à saúde (BERTUSSI, 2008).
79
de um movimento diversificado em sua composição (universidades, gestores dos serviços de
saúde, comunidade), mas uno em seus propósitos. Porém, se a questão dos recursos humanos
para o SUS foi ganhando materialidade no debate, sendo possível reconhecer inúmeros
avanços, ainda persistiam entraves para sua efetivação. As conquistas no campo jurídico-
institucional (Lei 8.080; Lei 8.142 e a Norma Operacional da Assistência à Saúde Noas) de
fato não garantiram as mudanças necessárias para a consolidação do SUS; as transformações
nos cenários acadêmicos ainda são exceção à regra, segundo a qual prevalece nos currículos
dos cursos de graduação da área da saúde a ptica das especializações e pouco se valoriza a
atenção básica. Da mesma forma, os serviços continuam sendo marcados como de baixa
qualidade e resolubilidade e centrados na doença, com a fragmentação do cuidado (GIL;
CERVEIRA; TORRES, 2002).
Diante disso, por maior que tenha sido o esforço do MS e de sujeitos diversificados na
perspectiva de mudança nos cursos de graduação da área da sde, ainda persiste o modelo
flexneriano e sua defesa da assistência à saúde altamente individualizada e fragmentada.
Portanto, alicerçada na base da competência pessoal e competitiva, em que os sujeitos
profissionais individualizados são os responsáveis pelo seu sucesso mediante a adequação às
pressões do mercado de qualificação profissional. Esse é um aspecto crucial dos processos de
mudança: transformar a qualificação do trabalho superior, a qualificação do trabalhador.
Nesse sentido, com a adoção da atenção básica como prioridade para a saúde brasileira
pelo MS, assiste-se à possibilidade de potencializar as iniciativas e experimentos de alteração
no campo da formação, sobretudo pelo caráter pedagógico que o SUS apresenta, ao eleger o
princípio da integralidade como norteador das ações de saúde, o que coloca em posição
igualitária os diferentes níveis de atenção.
A atenção sica tem sido palco de verdadeiros enfrentamentos em relação às
problemáticas do SUS. Deve-se destacar como lócus privilegiado a Saúde da Família, com a
prerrogativa do trabalho multiprofissional e territorializado. Atualmente, conforme
informações obtidas no sítio do MS, o Brasil possui 30.440 equipes de Saúde da Família,
espalhadas em 5.250 municípios
19
(BRASIL, 2010).
A implantação da estratégia Saúde da Família tem produzido inúmeras críticas, como
a de Franco e Merhy (2002), assim como demostrações de otimismo, como a de Paim (2008),
enriquecendo os estudos e pesquisas sobre a atenção básica.
19
Informação disponível em: <http://dtr2004.saude.gov.br/dab/abnumeros.php#consolidado>, acessado em 19
fev. 2010.
80
Divergências à parte, é no universo da atenção básica que propostas afetas à formação
de trabalhadores para o SUS têm sido desencadeadas e pensadas enquanto processo em
construção. Na sequência será abordada especificamente a saúde da família, com enfoque nos
Polos de Capacitação, formação e especialização na área.
2.8 A estratégia de saúde da família e a questão dos recursos
humanos
A década de 1990 foi palco da tentativa de reorganização da atenção sica no País
por intermédio da adoção da estratégia de sde da falia. Neste sentido, priorizaram-se
ações de prevenção, promoção e recuperação da sde sob dois princípios fundamentais: o
atendimento familiar, ou seja, abrangendo todos os indivíduos, independentemente da faixa
etária; e a intersetorialidade como medida para articular as ações de saúde com as demais
políticas sociais existentes (BETTIOL, 2006, p. 65).
Do ponto de vista conjuntural, esse período é marcado pela reestruturação produtiva
do capital em nível mundial e que, no caso do Brasil, instalou ideias reformistas do papel do
Estado diante das políticas sociais. Nessa conjuntura político-econômica é que é implantado o
Programa Saúde da Família (PSF). Para muitos, o PSF surgiu como uma estratégia de
reordenação das ações do SUS em âmbito municipal, mas muitas interpretações também o
identificaram como um “projeto de saúde pobre para os pobres”, sobretudo pela priorização
da presença das equipes em regiões pobres e vulneráveis socialmente.
O PSF teve como precursor o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS, de
1991), que pretendeu aproximar os serviços de saúde da população e introduzir um ator social
no campo da atenção básica os agentes comunitários de saúde.
Para dar conta dos objetivos
20
definidos para a estratégia, foram contemplados o
trabalho multiprofissional, com a ideia de um trabalho em equipes mínimas (enfermeiro,
médico, auxiliar de enfermagem, agentes comunitários de saúde e, posteriormente, dentista)
que deveriam compor a rede de apoio e vigilância à saúde em um determinado território
20
O objetivo do PSF é a reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao
modelo tradicional de assistência, orientando para a cura de doenças no hospital. A atenção está centrada na
família, entendida e percebida a partir do seu ambiente físico e social, o que vem possibilitando às equipes de
saúde da família uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e da necessidade de intervenções que
vão além de práticas curativas” (BRASIL, 1997).
81
(aproximadamente 4.500 pessoas). Dessa forma, o PSF constituiu-se em um instrumento de
reorganização do SUS, tendo como sustentação a efetivação da municipalização dos serviços.
Ao instituir o trabalho em equipe, territorializado e integrado à rede de serviços de
saúde, o PSF pretendeu aproximar os profissionais de sde e a população, favorecendo um
ambiente de co-responsabilidade tanto pela própria condição individual de sde como pela
organização da política local na área.
A medicina preventiva e medicina comunitária, em 1950 e 1960, respectivamente,
utilizaram-se da noção de território. Em 1980, o tema passou a auxiliar diagnósticos,
planejamentos e a organização dos sistemas locais de saúde. Atualmente, a noção de território
tem sido fundamental para a proposta do PSF. Para Santos, “o território em si, para mim, não
é um conceito. Ele se torna um conceito utilizável para análise social quando o
consideramos para o seu uso, a partir do momento em que o pensamos juntamente com
aqueles atores que dele se utilizam” (2000, p. 22)
Ao passo que a estratégia de saúde da família foi se consolidando no País, iam sendo
produzidas no campo acadêmico muitas reflexões sobre ela. Como parte de um debate fértil e
diverso a questão dos cuidados primários em saúde , a estratégia foi sendo debatida por
intermédio de vários recortes: a humanização em sde, o atendimento domiciliar, a
participação popular, a equipe mínima e tantos outros.
Merecem destaque, no entanto, as críticas estabelecidas ao PSF e sua vinculação ao
capital estrangeiro, sobretudo a partir do financiamento internacional Bird para o Projeto de
Implantação e Consolidação da Saúde da Família (Proesf), acordado em setembro de 2002. O
Proesf teve como objetivos expandir as ões do PSF em municípios com mais de cem mil
habitantes; investir na capacitação profissional e institucionalizar sistemas de avaliação e
monitoramento do Programa. A principal preocupação reside no fato de que, historicamente,
as agências internacionais financiadoras têm um largo compromisso com o mercado e, na
condição de financiadoras, passam a “recomendar” uma série de ações que contribuem para
fragilizar ainda mais as políticas sociais no Brasil (BETTIOL, 2006).
Dessa forma, compreende-se que a estratégia de saúde da família esteve inserida nas
discussões ampliadas das políticas sociais que pretendem adotar uma lógica racionalizadora
de aplicação de recursos. Considerando, ainda, o fato de que o Saúde da Família é um projeto
estruturante do SUS e que pretende contribuir para a ampliação e a consolidação da atenção
primária à sde, trata-se de um esforço múltiplo que envolve a sociedade brasileira, com a
ocupação dos espaços garantidos por lei para participação direta da gestão da política de
saúde, além de forjar outros mecanismos de controle, essencialmente democráticos, para que a
82
atenção à saúde da família se concretize. Por outro lado, faz-se necessária a articulação dos
órgãos gestores e dos profissionais envolvidos diretamente no desenvolvimento da estratégia
em um projeto coletivo para acumular forças para consolidar e aperfeiçoar o Saúde da
Família.
Anteriormente, em pesquisa sobre a participação popular e o PSF em um dos inúmeros
municípios de pequeno porte que implantaram a estratégia na década de 1990, verificou-se
que um dos problemas centrais do caso estudado estava focado no profissional de sde
(BETTIOL, 2006). A formação profissional ainda centrada na doença, o despreparo para o
trabalho multiprofissional e as constantes disputas de poder apontaram para a necessidade de
compreender o processo de formação e educação permanente desses profissionais dentro da
estratégia de saúde da família.
2.9 Os Polos de Capacitação, formação e especialização do
Programa Saúde da Família
Os Polos de Capacitação em Saúde da Família são parte de um conjunto de medidas
de sustentação para o referido Programa, tendo em vista que, nas avaliações sobre o
desenvolvimento do SUS, sempre esteve presente a questão dos recursos humanos. Conforme
apontado anteriormente, a estratégia de saúde da falia trouxe uma nova forma de pensar e
fazer quanto aos serviços de saúde. Embora movimentos de articulação entre ensino e
serviços de sde tenham sido implementados e um processo de mobilização e discussão
sobre a necessidade de mudanças na formação dos profissionais de saúde esteja em curso, é
fato também que em um País como o Brasil, de dimensões continentais e realidades o
distintas, esses movimentos têm se dado em ritmos diferentes e, portanto, os seus primeiros
resultados são bem pontuais e específicos de algumas cidades e regiões brasileiras
(FEUERWERKER, 2002).
Os Polos foram criados para atender às necessidades de formão e
desenvolvimento de recursos humanos para apoiar a estratégia de Saúde da
Família, valorizando a articulação ensino-serviço. São definidos como a
articulação de uma ou mais instituições voltadas para a formação e educação
permanente de recursos humanos em sde, vinculadas às universidades ou
instituições isoladas de educação superior, com Secretarias de Estado e/ou
Secretarias Municipais de Saúde, através de convênios ou consórcios para
implementar programas destinados ao pessoal de prestação de serviço em
Saúde da Família no âmbito de um ou mais municípios. Trata-se, portanto,
de uma rede de instituições comprometidas com a integração ensino-serviço,
83
voltada para atender à demanda de pessoal preparado para o
desenvolvimento da estratégia da Saúde da Família no âmbito do SUS (GIL;
CERVEIRA; TORRES, 2002, pp. 114-5).
Nesse sentido, os Polos foram pensados para atender a três necessidades: a
capacitação, a formação e a educação permanente.
Em síntese, a questão da educação está intimamente ligada a classe social e portanto,
entrelaçadas a um determinado projeto hegemônico em disputa. Sendo assim, a forma e o
conteúdo que os mais variados processos educativos possuem estão vinculados a um tipo de
sociedade. o é adequado isolar as estratégias no campo educacional, em um sentido
ampliado, das grandes questões que envolvem a humanidade, como a ética, multiculturalismo,
a sustentabilidade, o trabalho e outros, inseridos em um contexto de desenvolvimento global e
desigual dos países. Essa observação é necessária para que se perceba que a discussão
proposta não pretende abarcar somente o formato dos mecanismos, ou das ões, e muito
menos avaliar seus impactos mas sobretudo, apanhar o lugar estratégico que tais ações
desempenham na disputa de diferentes projetos societários.
Nesse sentido, os polos de capacitação cumpriram com sua tarefa de visualizar a
complexidade das relações de formação para os trabalhadores de sde, cruzando informações
que expuseram a fragilidade do ensino na graduação, as disparidades regionais e locais dos
polos e das unidades de sde da família, bem como as dificuldades financeiras e sobretudo o
formato dado à iniciativa; ou seja, a falência do modelo de cursos e palestras, bem como
denunciou o enfoque biomédico e curativo. Dessa forma, emerge a necessidade de reforçar
outras formas de realizar e impactar o cotidiano dos trabalhadores de saúde na atenção sica
e suas necessidades de formação, lhe conferindo estatuto de sujeito do processo e não mais
passivo espectador.
Como desdobramento, são enfocadas ações importantes como as Residências
Multiprofissionais de Saúde da Família
21
e os Polos de Educação Permanente
A valorização da educação permanente EPS advém do esgotamento do modelo
anterior descrito acima. Dessa maneira, tem em sua base a reorientação da formação e
21
Tem-se assistido a um cansativo processo estabelecido pelo MS de implantar projetos e políticas e, ao mesmo
tempo, suspendê-las ou esvaziá-las de conteúdo político. Um importante exemplo é a criação das Residências
Multiprofissionais em Saúde da Família, recentemente implantadas, que vivenciam a “corda bamba” do
Ministério sobre sua continuidade ou mudança para Residência Multiprofissional Hospitalar. Ainda, o
privilegiamento da modalidade de programas de pós-graduação stricto sensu profissionais. De acordo com o
MEC, “O objetivo do programa é contribuir para a criação, o fortalecimento e a ampliação de programas de pós-
graduão stricto sensu que tratem de assuntos relativos a práticas em saúde. Ampliar a produção científica sobre
questões relacionadas a práticas em saúde e apoiar a ampliação de recursos humanos capacitados para atuar na
área também são finalidades da iniciativa”. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14570>, acessado em 20 fev. 2010.
84
capacitação de recursos humanos, tendo como fundamento os princípios do SUS a partir da
realidade dos serviços de saúde, valorizando seu caráter continuado e multiprofissional.
As residências multiprofissionais têm inspiração nas resincias médicas, que desde 1950
configuraram-se como uma forma de educação continuada no contexto da s-graduação. Foi
a partir da década de 1980, com a instituição do SUS e, portanto, com a incorporação de
outras demandas no campo da formação dos trabalhadores de saúde, para além das médicas
que se projetou e pleiteou a residência para outras profissões (MOURÃO et. al., 2006).
Com a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (2004), com foco nos
processos educativos desenvolvidos no cotidiano dos serviços, a proposta de residência
multiprofissional ganhou fôlego. O Ministério da Saúde, amparado por vários atores, com
destaques para as categorias presentes nos serviços de saúde, tomou para si a responsabilidade
de conduzir este processo. Inúmeras experiências foram ativadas pelo Brasil e focaram a
questão da educação permanente como motriz do trabalho a ser desenvolvido pelos residentes.
Na análise de Mourão et al. (2006, p. 362) a presença do serviço social nesse modelo de
formação se faz essencial, pois a graduação com enfoque generalista o contempla todos os
conhecimentos necessários para a atuação em determinadas áreas, tornando valioso o
processo de formação pela residência.
O sujeito da pesquisa representante/Fnepas endossou tal afirmação a partir de sua
experiência em um curso de especialização em Saúde e Serviço Social na UERJ, onde é
docente. Para ele,
a formação continuada é importante. O serviço social, como outras
profissões, tem um buraco na formão intermediária, entre o mestrado e a
graduação, que é esse discurso de atualização ou mesmo de especialização.
poderiam também ser abordados por essa temática [saúde]
(Representante/Fnepas, em entrevista realizada para esta pesquisa).
Espaços citados, como as residências profissionais e multiprofissionais, cursos de
especialização lato sensu, cursos de aprimoramento em sde com vários enfoques, são
alternativas no sentido da formação continuada e permanente. Objetivam complementar e
aprofundar o estudo e a reflexão sobre determinada área de interesse ou atuação, a fim de
dominar sua especificidade e, consequentemente, seus reflexos nas ões e prioridades
estabelecidas mediante o exercício da profissão.
Devem-se relembrar importantes críticas feitas por Gadotti ao processo de educação
permanente, quando polemiza que o essencial não é aumentar a quantidade da educação,
mas sim garantir sua qualidade (1991, p. 97). Outra provocação advém da realidade de que
nem todos os indivíduos m acesso a esse tipo de educação, considerando suas diferenças
85
sociais e econômicas. De tal maneira, que a formação intermediária é dependente do sujeito
profissional e de sua capacidade, entre outras, financeira, de ati-la.
Esse mosaico de experimentos, projetos e iniciativas representa, enfim, um esforço
grandioso, complexo e diverso, que essendo enfrentado com responsabilidade por parte dos
sujeitos envolvidos. Todavia, é preciso tomá-los o isoladamente como resultados
particulares de reivindicações específicas da saúde, mas, sobretudo, como uma nova forma de
pensar a educação e sua relação com a sociedade.
Muitos autores trabalharam a questão da educação com diferentes perspectivas (dentre
outros, FREIRE, 1983; MÉSZÁROS, 2005; MORIN, 2005). O conceito de educação adotado
nesse trabalho pretende entendê-la como um complexo e largo processo humano” (NAGEL,
2001, p. 100).
Educação implica formão do homem e compreende inúmeros processos,
incluindo-se, dentre eles, os ativados pela própria escola em seus diferentes
graus, modalidades, estratégias ou técnicas. A educação, na perspectiva
adotada, pleiteando mudanças nos homens, não estaria limitada apenas à
escolarização ou educação formal. Enquanto uma busca intencional de novos
comportamentos para responder melhor às (novas) exigências da vida, a
educação contaria, para a sua concretização, com outras instituições como a
família, a igreja, o setor jurídico e, principalmente, os meios de
comunicação, e estaria associada, em sua raiz, à substituição ou à reprodução
(ainda que sob formas novas) da ordem social (NAGEL, 2001, p. 100).
Compreendida dessa forma, é impossível pensar a educação descolada de um
movimento maior que está intrinsecamente ligado ao trabalho e à economia. Para Mészáros
(2005), a educação institucionalizada serviu não só ao propósito de fornecer os conhecimentos
e a mão-de-obra necessária ao desenvolvimento do capital, mas também cumpriu o seu dever
de gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes.
Dessa forma, a educação desempenha um papel fundamental na sociedade, na medida
em que permite a socialização dos conhecimentos culturais, científicos e um conjunto de
valores que deverá preparar o indivíduo para a vida em sociedade. Portanto, o conceito de
educação está articulado ao de cidadania.
No caso brasileiro, as reflexões sobre cidadania e educação devem situar-se sobre a
forma como a sociedade está alicerçada em suas estruturas de poder, que são essas que
direcionam uma determinada concepção de educação para servir a um estatuto de cidadania.
Para Chauí (2000), a sociedade brasileira é verticalizada em todos os aspectos e as relações
sociais e intersubjetivas são sempre de mando e obediência. As diferenças e assimetrias são
sempre transformadas em desigualdades que reforçam a relação mandoobediência. O outro
86
jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos, jamais é reconhecido como
subjetividade nem como alteridade” (CHAUI, 2000, p. 89).
Dessa forma, o direto social ainda convive com a visão de favor, benesse e a tutela em
muitos espaços e políticas, bem como, na atual conjuntura, intitulado de privilégio”. A
cidadania no Brasil é um processo inconcluso, porque não consegue ser efetivada enquanto
acesso aos direitos sociais, sobretudo quando pensados no binômio acesso-qualidade, mas
também é inconclusa porque o consegue sair do “discurso” e ser materializada na prática,
com ampla participação dos sujeitos sociais nos processos decisórios e no usufruto das
conquistas sociais, políticas e econômicas.
A cidadania compreende vigoroso chamado à participação na vida social e
no Estado, obras dos homens e patrimônios comuns a todos. Além do mais, a
cidadania constitui um princípio de igualdade, realizado na igualdade
jurídica e materializado numa sucessão de direitos. Assim é relevante o
papel da participação no conjunto da democracia liberal (VIEIRA, 2004, p.
192).
Quando se reconstrói a trajetória da redemocratização do País, recupera-se o enorme
apelo que o conceito de cidadania teve e sua permeabilidade enquanto luta social. Na saúde
não foi diferente e o movimento da reforma sanitária foi e continua sendo um de seus maiores
defensores.
Sendo assim, é no contexto do SUS e de suas múltiplas frentes de ação que a questão
dos trabalhadores de saúde eclodirá, e com ela a preocupação de visualizar esses sujeitos
como cidadãos e portadores de uma demanda legítima e urgente: a formação permanente e
qualificada. No próximo capítulo, retornar-sea problemática da formação de RH, sobretudo
enquanto projeto de formação profissional que privilegia a graduação, como etapa primordial
e fundamental. Ainda, abordou-se a relação do serviço social com tal questão em um esforço
de refletir sobre a articulação dos elementos: saúde, formação profissional e serviço social.
87
III DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS HUMANOS E
SUAS IMPLICAÇÕES PARA O SERVIÇO SOCIAL
3.1 Notas introdutórias sobre as exigências para os Recursos
Humanos no contexto do SUS e o serviço social
Uma série de estudos e publicações sobre a história da sde no Brasil remete à
trajetória da construção e implantação do SUS (cf. CAMPOS, 1992; YIDA, 1994; MERHY,
1992; TEIXEIRA, 1995). Desde seus primórdios este sistema enunciava novas demandas
para os serviços e sua reorganização e, consequentemente, para inovações no campo de
atuação profissional, inclusive para o serviço social.
Os sujeitos da pesquisa entrevistados para este trabalho apontaram como o surgimento
do SUS e as mudanças nele contidas também apresentaram desafios e novas exigências ao
trabalho do assistente social na saúde. Assim, a presidente/Abepss enfatizou a situação
específica da saúde brasileira e como o cotidiano de trabalho no SUS desnuda várias
expressões da questão social e, consequentemente, indica ões em que o assistente social se
faz necessário.
Olha, quando nós pensamos a perspectiva de saúde integral e também a
Reforma Sanitária, a saúde publica etc., vamos ver que a população
brasileira hoje são 184 milhões de pessoas. Aproximadamente 30% dessa
população não usam o SUS, porque podem pagar planos de saúde, ou a
empresa paga para os trabalhadores; todos os demais precisam do SUS. Isso
significa aproximadamente 130 milhões de pessoas que precisam do SUS.
30% da população brasileira não têm acesso ao SUS por inúmeras razões,
como transporte, ou quando acessam o SUS é pobre para os pobres. e então,
veja, o SUS acaba sendo um sistema para aqueles que não podem pagar.
Embora na rede de alta e média complexidade não seja tanto assim,
principalmente na atenção básica é assim /.../ eu acho que a nossa formação
é muito importante para a equipe multiprofissional de saúde, porque o
[assistente] social é aquele profissional que totaliza, que articula com a
questão social, que de fato consegue trazer a queso da integralidade, da
sde integral (Presidente/Abepss, em entrevista realizada para esse
trabalho).
O princípio da integralidade é também ressaltado por ex-Rede Unida enquanto
portador de uma inversão na prática do assistente social no contexto do SUS.
Na saúde nós temos um papel diferenciado em função desses determinantes
sociais. A Constituição fala o que é saúde, na hora em que ampliar a
concepção de saúde, amplia-a como um processo que organiza a atenção à
sde, seja no campo da assistência ou no campo só da atenção. Até esse
momento quem tinha o domínio era o campo médico, porque se entendia a
88
sde como uma disfunção orgânica; na hora em que você sai dessa
disfunção orgânica, em que você tem determinantes sociais, você tem outro
enfoque, outra maneira de organizar o próprio processo de atenção à saúde.
Não dá só para você ter o médico, não só para você ter o enfermeiro, que
são muito mais ligados à assistência (ex-Rede Unida, em entrevista realizada
para esse trabalho).
Em perspectiva muito semelhante, a docente/pesquisadora frisou a própria
compreensão do processo saúde-doença como uma das possibilidades de atuação do assistente
social na saúde, bem como essa categoria associa aspectos relacionados às condições de vida
nas esferas social, econômica, cultural e política, e portanto referenda e legitima a ação
profissional, por conta de sua formação.
Eu acho que o serviço social tem tudo a ver com a saúde . Tem tudo a ver,
inclusive, com a proposição da saúde como processo de saúde e doença. Se a
gente pensa nessa idéia de que saúde são condições de vida e tudo o mais,
então, eu acho que o [assistente] social é o profissional. Isso eu afirmo pela
minha experiência de alguns anos /.../ trabalhando na saúde com a formação
de residentes e convivendo em projeto coletivo com outras profissões. Eu
acho que o assistente social tem uma formação em que tem essa perspectiva
de saúde. Ele traz essa perspectiva de saúde (Docente/pesquisadora, em
entrevista realizada para esse trabalho).
Ao se reconhecerem as mudanças que o SUS impactou na ação profissional, todavia,
também ficou indicada uma dificuldade de compreendê-la enquanto parte de uma totalidade.
O representante/Fnepas, deu uma importante contribuição ao indicar essa tensão em seu
depoimento.
Acho que o papel dos assistentes sociais, concordando com Dalva [COSTA,
2006], nesse sentido, tem sido responder, se mobilizados, onde o SUS não
vem acontecendo, pelas lacunas do Sistema de Saúde, ali vem surgindo o
nosso trabalho. E eu acho que a gente não identifica isso como trabalho,
porque a gente fica tratando, então, o dia inteiro de inúmeras exceções
autorizar a entrar fora do horário, ir à farmácia entregar o remédio direito
para a mãe , a gente não entende isso como trabalho e não problematiza
isso. E a gente fica no meio do caminho (Representante/Fnepas, em
entrevista realizada para este trabalho).
Evidenciou-se que o SUS, ao propor outra gica para a saúde brasileira tanto do
ponto de vista político, que inclui a própria concepção da saúde enquanto um direito social e
dever de Estado; ou do ponto de vista da reorganização dos serviços, como evidencia o
enfoque à atenção sica, com a saúde da família; ou, ainda, com as Políticas Nacionais de
Humanização e Educação Permanente, dentre outros , desafiou gestores, usuários e
trabalhadores em saúde para dar visibilidade às mudanças pretendidas.
No caso dos trabalhadores em sde, a urgência de adequação profissional foi
reativada, que esteve presente por longa data na agenda política de setores progressistas
(Cebes e Abrasco, por exemplo). Foi apontado tamm que as profissões atuantes na saúde
89
buscaram caminhos ora individuais, ora coletivos para influenciar mudanças em suas
graduações na direção de um perfil adequado à nova realidade da saúde brasileira.
Sendo o assistente social um profissional com uma longa trajetória na saúde e,
portanto, partícipe das mudanças e inovações trazidas pelo SUS, referenciados pelos
depoimentos apontados anteriormente, a profissão foi/é desafiada a refletir sobre a relação que
a profissão tem com a área e, por isso, a seguir se trata desse assunto.
3.2 Serviço social e saúde
O serviço social possui uma ligação forte com a saúde, tendo sido por muitos anos, o
maior campo de trabalho do assistente social no Brasil. A saúde incorporou o profissional e,
sobretudo com o SUS, a profissão tem sido constantemente requisitada e sua atuação revisada.
Sendo assim, pensar a relação do serviço social com a sde exige uma retomada da própria
gênese da profissão e de como ela se modificou, fortaleceu e foi posta à prova na sociedade
brasileira.
A conjuntura de 30 a 45 caracteriza o surgimento da profissão no Brasil,
com influência europeia, e a área da saúde não foi a que concentrou maior
esforço quantitativo de profissionais, apesar de algumas escolas terem
surgido motivadas por esse setor. A formação profissional também se
pautou, desde o início, em algumas disciplinas relacionadas à saúde
(BRAVO; MATOS, 2006, p. 198).
A partir de 1945 o processo de expansão do serviço social no Brasil, está intimamente
ligado às particularidades do capitalismo brasileiro, acomodadas à experiência do pós-guerra
(1945), que se caracterizou como um desenvolvimento capitalista dependente. A
industrialização se acelera no Brasil a partir do tripé capital internacional, estatal e privado
nacional. “O processo de acumulação ancorava-se num setor de bens de capital
predominantemente vinculado ao Estado; no de bens duráveis multinacional, impulsionador
do processo, e, finalmente, num setor de produção de bens de consumo baseado no capital
nacional” (MENDONÇA; FONTES, 1988, p. 31).
A forte presença do capital estrangeiro o se limita à esfera econômica, mas dela
deriva para outras áreas. Na polarização característica da guerra fria (Estados Unidos versus
União Soviética), os países latino-americanos se viram obrigados a se posicionar a favor dos
Estados Unidos, com raras exceções. No Brasil, a influência norte-americana foi sentida em
vários espaços da vida social brasileira e teve como objetivo, dentre outros, instaurar uma
90
“Doutrina de Segurança Nacional” que se ancorou internacionalmente na luta anticomunista
e, internamente, foi atribuída aos seguintes fatores:
a) despreparo e ineficiência das elites políticas;
b) inadequação das estruturas políticas e instituições governamentais ao
encaminhamento das queses de desenvolvimento econômico e segurança
nacional;
c) ingenuidade política e as características culturais do povo brasileiro, que o
tornarampresa fácil da ação comunista;
d) infiltração do movimento comunista internacional em todas as áreas,
setores e instituições sociais, numa ação que caracteriza uma agressão
interna (TREVISAN, 1985, p. 52).
É nesse contexto que o serviço social brasileiro passou de uma influência europeia (de
base religiosa e moralista) para a norte-americana. “Nesta década, a ação profissional na
saúde tamm se amplia, transformando-se no setor que mais vem absorvendo os assistentes
sociais” (BRAVO; MATOS, 2006, p. 198).
Articulando ao projeto capitalista imperialista dos Estados Unidos que se efetivava
pela entrada do capital estrangeiro no País outros tipos de controle das sociedades
dependentes, assistiu-se, no Brasil e no mundo, a uma intensa política de “auxílio e
cooperação” entre as nações, em uma relação marcadamente tutorial, que separava os países
em pobres, subdesenvolvidos, atrasados e, portanto, necessitados da intervenção da nação
desenvolvida, rica e ideal os Estados Unidos. Como estratégia para essa penetração na
organização dos Estados nacionais, são criadas várias instituições que cumprem essa fuão,
como a Organização Mundial de Saúde (OMS), de 1948.
Uma das primeiras ações da OMS foi a formulação de um novo conceito de sde:
“Saúde é o mais completo bem-estar físico mental e social, e não apenas a ausência de
enfermidade”. Bravo e Matos (2006) enfatizam que a adoção de aspectos biopsicossociais
contribuiu para a entrada de outros profissionais na saúde, dentre eles, o assistente social.
Numa importante reflexão, Franco e Merhy (2003) destacam que a forma que os
serviços de sde assumem está eminentemente ligada à esfera política. Naturalmente que a
esfera política faz interfaces com o mundo econômico-social e muitas vezes o argumento
ligado às questões financeiras e técnicas tem servido aos governantes, como justificativa para
implantar determinado tipo de assistência à saúde” (FRANCO; MERHY, 2003, pp. 59-60).
De fato, ao expandir o conceito de saúde e seus determinantes, criaram-se as
condições necessárias para a atuação de equipes multiprofissionais, além de viabilizar uma
resposta para os desafios no campo da saúde mundial, permitindo suprir a falta de
profissionais com a utilização de pessoal auxiliar em diversos níveis; ampliar a abordagem em
saúde, introduzindo conteúdos preventivistas e educativos; e criar programas prioritários com
91
segmentos da população, dada a inviabilidade de universalizar a atenção médica e social”
(BRAVO; MATOS, 2006, p. 199).
O assistente social inicialmente é requisitado para a atuação na saúde, em atividades
de caráter educativo, sobretudo aquelas relativas aos hábitos de higiene e saúde. Com a
implantação da Política Nacional de Saúde e sua vinculação à previdência social (de caráter
contributivo, portanto, seletiva e excludente), a atuação do assistente social na saúde, de base
estritamente hospitalar, resumir-se- á a mediar os conflitos entre a demanda e a capacidade de
atendimento. “O assistente social vai atuar nos hospitais, colocando-se entre a instituição e a
população, a fim de viabilizar o acesso dos usuários aos serviços e benefícios. Para tanto, o
profissional utiliza-se das seguintes ações: plantão, triagem ou seleção, encaminhamento,
concessão de benefícios e orientação previdenciária” (BRAVO; MATOS, 2006, 199).
Como se pode perceber, a atuação do assistente social condiz então com o próprio
momento da profissão rem-instituída no País, traduzindo-se como meramente executora de
ações sem respaldo teórico e carente de criticidade e, portanto, alheia ao esquema perverso e
excludente que a saúde brasileira vai implementando.
Os novos contornos da atuação profissional vieram pelas mudanças motivadas pelas
experiências internacionais da medicina comunitária (EUA, 1950-1960) “como alternativa aos
altos custos dos serviços médicos, responsabilizados pela dificuldade de acesso a eles, de
amplas camadas da população” (FRANCO; MERHY, 2003, p. 74). Cabe aqui uma crítica
pontuada por Donnangelo: a assistência à saúde, enquanto ideário da medicina comunitária,
pouco alterou a lógica do processo de trabalho da área, centrada, ainda, no médico e em suas
tecnologias próprias (DONNANGELO, 1975). Portanto, embora o ideário da medicina
comunitária contemplasse o trabalho multiprofissional, a efetivação deste no cotidiano da
prestação de assistência à saúde encontrou resistências.
A medicina comunitária foi introduzida na América Latina por interdio da Opas e
encontrou sustentação na ideologia desenvolvimentista que predominava no continente,
sobretudo no Brasil. Bravo e Matos (2006) atribuem a permanência do assistente social nos
hospitais e a ênfase à sua atuação no âmbito curativo à particularidade do atendimento focado
no indivíduo e na abordagem conhecida como serviço social de casos(em referência ao
indivíduo e sua realidade). A profissão é envolvida no discurso desenvolvimentista, sobretudo
em ações vinculadas ao planejamento e à atuação comunitária nos trabalhos de
desenvolvimento de comunidade (DC) (importantes reflexões sobre o serviço social e a
ideologia desenvolvimentista podem ser examinadas em IAMAMOTO, 1996; CASTRO,
1993; NETTO, 2001).
92
O Serviço Social médico, como era denominado, não atuava com
procedimentos e técnicas do DC e sim, prioritariamente, com o Serviço
Social de casos, orientação inclusive da Associação Americana de Hospitais
e da Associação Americana de Assistentes Sociais Médico-Sociais. A
participação só era visualizada na dimensão individual, ou seja, o
engajamento do “cliente no tratamento” (BRAVO; MATOS, 2006, pp. 200-
1).
Dessa forma, a atuação do assistente social na saúde foi se consolidando com uma
forte presença no trabalho individual e nas instituições hospitalares, o que não deixa de
produzir efeitos para a profissão. Por um lado, assistimos a um avanço na solicitação do
trabalho do assistente social na saúde e a certo “domínio” em algumas ões específicas no
processo de trabalho da saúde (por exemplo, levantamento social dos usuários e identificação
de suas demandas emergentes, encaminhamentos etc.), que são importantes na assistência à
saúde. Por outro, porém, houve um enclausuramento dos profissionais nas instituições
hospitalares e em seu modelo biomédico, o que os impediu de vivenciar as mudanças ou
ensaios de mudanças que a saúde experimentava nesse momento.
Na realidade, desde sua inserção na saúde até a década de 1970, a atuação nessa área
não sofreu grandes alterações. Contraditoriamente, a profissão no Brasil passou por momentos
de questionamentos, oriundos do agravamento da questão social”. O crescente processo de
industrialização e urbanização no País, a partir de 1950, associado ao desenvolvimento do
capitalismo brasileiro e ao acirramento das desigualdades sociais, fez que os assistentes
sociais repensassem sua atividade profissional, primeiro do ponto de vista metodológico,
adotando o DC como alternativa e aposta para o futuro da profissão não sem problemas de
fundo político, teórico e ideológico , e segundo pela própria atuação em equipes
multiprofissionais, que lhes permitiu terem contato com outras profissões e paulatinamente
irem se inteirando das discussões no campo das ciências sociais, sobretudo aquelas vinculadas
ao desenvolvimentismo. Conforme José Paulo Netto (2001), “no espírito da época”, a
legitimação profissional começa a se modificar: na plástica expressão de fino analista, o
assistente social quer deixar de ser um „apóstolo‟ para investir-se da condição de „agente de
mudança” (NETTO, 2001, p. 138).
As mudanças ocorridas na profissão na transão das décadas de 1970 e 1980
evidenciaram o descompasso por que passou o serviço social. A profissão tinha condições de
avançar no campo das lutas sociais, com as organizações da classe trabalhadora; no entanto,
carecia de massa crítica, ou seja, de uma capacidade elaborada de compreender e analisar o
quadro mais geral da sociedade brasileira na época. Foram essas inquietudes profissionais e
políticas que encaminharam a profissão para o seu processo de revisão.
93
O ponto de partida para essa refleo foi o movimento de reconceituação, que ocorreu
no bojo da ditadura militar. Prosseguindo com Netto (2006, p.142), verifica-se que a década
de 1960 e seus múltiplos eventos contestatórios em escala internacional foi a base para que
tais reflexões acerca da profissão e a erosão do serviço social „tradicional‟ acontecessem na
América Latina”. A própria crise do modelo de desenvolvimento capitalista, ancorado nas
plataformas do Welfare State, os sinais de seu esgotamento (acirramento das desigualdades
sociais, sensível redução do padrão de acumulação capitalista, redução do crescimento
econômico e déficits na estrutura financeira do Estado) e uma maior mobilização das classes
trabalhadoras em defesa de seus direitos colaboraram para caracterizar essa década como
definidora do período seguinte.
O movimento de reconceituação, dentro das margens aqui apresentadas, não teve
outra alternativa senão mergulhar em si mesmo, na pesquisa histórica e nas particularidades
da profissão: sua natureza, especificidades e objeto, traduzidas nos documentos produzidos
pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intermbio em Serviços Sociais (Cbciss)
(Documentos de Teresópolis, Ara e Alto da Boa Vista). Dessa forma, o recurso à
perspectiva tecnocrático-modernizadora apontou para a profissão que boa teoria e
metodologia encaminhariam a profissão à modernização.
Cabe ressaltar que esse momento de revio foi marcado fortemente pelo encontro
com as ideias marxistas, em um primeiro momento, sob forte influência de Althusser. Essa
influência foi sentida, sobretudo, na negação do trabalho institucionalizado, visto que as
instituições são tidas como “aparelhos ideológicos do Estado”. Em contrapartida, a opção
“revolucionária” seria o trabalho com comunidades. Vale ressaltar que, embora a influência
católica no serviço social tenha sido diluída aos poucos, eventos como o Concílio Vaticano II
(1962-965), seguido do de Medellín (1968), em que a Igreja Católica orientou sua atuação
para o trabalho com o povo e com forte preocupação social, somaram-se às questões
anteriores e redundaram no surgimento do serviço social alternativo. É por isso que Netto
(2001) qualificou esse movimento de intenção de ruptura”, que iniciou um movimento de
crítica e autocrítica que será superado na década de 1980, com a crítica marxista ao próprio
marxismo “utilizado” pela profissão, a partir da obra de Iamamoto e Carvalho lançada em
1982.
Essa obra influenciou de maneira ímpar o serviço social, que significou o
rompimento com as teorias estruturalistas e funcionalistas que foram bases da profissão,
propiciando a revisão crítica dos seus fundamentos teóricos. Sendo assim, os acontecimentos
históricos no contexto s-ditadura e o processo de redemocratização da sociedade brasileira,
94
associados ao amadurecimento crítico e teórico da profissão, ao protagonismo acadêmico e
político do coletivo dos assistentes sociais, organizados nas suas entidades (Abepss, Cfess),
permitiram a aproximação da profissão de outros campos das ciências, o que resultou em um
avanço da maturidade intelectual profissional.
É notório que a categoria profissional vivenciou esse processo de forma heterogênea,
mas em alguns locais o desenvolvimento da profissão foi se consolidando, sobretudo com os
cursos de pós-graduação (1970) que impulsionavam o estudo e a crítica de novas perspectivas
teóricas, que seriam gradativamente difundidas pela profissão.
Partindo desse quadro, algumas demandas profissionais foram enfrentadas, como a
revisão dos currículos e seus conteúdos, a consolidação de espaços de troca de experiências,
formação e produção do conhecimento no campo do serviço social, como os Congressos
Brasileiros de Assistentes Sociais, por exemplo.
Da mesma maneira a saúde brasileira também passou por mudaas e por momentos
de revisão crítica. É claro que, tratando-se de uma política pública, experimentou diversas
modalidades de gestão impulsionadas pelas características que o executivo possuiu. No
entanto, do ponto de vista dos debates promovidos pelos profissionais de saúde, pelos
diversos atores da sociedade civil organizada e, principalmente, pela academia, as décadas de
1970 e 1980 foram decisivas e significaram uma curvatura no que tange à compreensão da
saúde no País.
Um exame nas obras de Arouca (2003) e de Donnangelo (1975) confirmará que o
processo de revisão crítica na saúde brasileira foi responsável por canalizar e potencializar
esforços na direção da reforma sanitária e nas suas conquistas e desafios.
Para Teixeira (1989) a obra de Arouca tendo como escopo desvendar, dentre outros,
o discurso preventivista lançou as bases tricas para a organização do movimento pela
reforma sanitária, que se consolidou politicamente em 1980. Para ele o movimento
preventivista, em síntese, possui baixa densidade política ao o realizar modificações nas
relações sociais concretas e uma alta densidade ideológica ao constituir, atras do seu
discurso, uma construção teórico-ideológica daquelas relações (AROUCA, 2003, p. 252).
Portanto, o exame teórico e crítico de diversos autores contribuiu para uma maior
aproximação das ciências sociais na saúde e que vai se materializando em uma nova forma de
pensar e entender o processo saúde e doença e imprimir a perspectiva da totalidade no trato
das questões referentes a ela. Conforme Canesqui.
A queso da saúde em nossa sociedade também é social e política,
engendrando respostas societárias e do Estado, ao lado de outras que se
95
fazem fora da instituição e do monopólio da medicina, mas que se
constituem num acervo de conhecimentos e de práticas acumulados e
permanentemente reatualizados de respostas aos sofrimentos e às aflições em
geral, mobilizando as tradições culturais; as religiões e outras medicinas, que
acabam compondo um mosaico diversificado de ofertas de cura em nossa
sociedade, os quais os futuros médicos e os profissionais de saúde
dificilmente podem ignorar, mesmo porque elas concorrem com a medicina
e se incorporam às práticas de consumo dos adoecidos (2000, p. 42).
Apesar dos avanços e contribuição que essa vinculação trouxe para a saúde, tanto no
campo da investigação como no da atuação, em um sentido de práxis, é preciso ressaltar que a
forma como ela se deu/ainda é muito díspar e reforça a dificuldade de consolidar propostas
em âmbito nacional no Brasil
22
.
Assim, foi se construindo um referencial teórico a partir dos estudos desses autores,
que o sendo incorporados à área da saúde e se constituíram, conforme Escorel, nas “bases
universitárias” do Movimento de Reforma Sanitária brasileiro. Somaram-se, ainda, a criação
do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e da Associação Brasileira de Saúde
Coletiva (Abrasco) (1979), que se corporificaram como importantes sujeitos coletivos na
articulação do conhecimento, da consciência sanitária e organização do movimento sanitário
(TEIXEIRA, 1988).
A década de 1980 se constituiu em um período de grande ebulição nacional
(acontecimentos com as “Diretas-Já” (1984); o ressurgimento dos movimentos sociais, a
mobilização popular em torno da formulação da Constituição da República, de 1988, dentre
outros) que congregou importantes conquistas que foram postas à prova na cada seguinte.
No campo da saúde, visualizamos a consolidação da Reforma Sanitária, tendo como
marco a 8ª Conferência Nacional de Saúde e as propostas construídas coletivamente pelos
mais diferentes autores, que serão incorporadas na Constituição de 1988, seguida da
institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS).
Em um contexto de redemocratização da sociedade brasileira e de projeção para o
futuro do Ps, a impressão que se tem é a de que essa década pode ser considerada um
período embrionário em termos de ideias, propostas e, sobretudo, autocrítica. Nesse sentido,
os diferentes atores se encontram e se aproximam, encontrando elementos comuns em práticas
(e até discursos) diferenciadas. Esse movimento aproximou o serviço social da Reforma
Sanitária e de seus princípios e foi um “repensar” da atuação do assistente social na saúde.
22
Para aprofundar o tema: Canesqui (2000).
96
3.3 O serviço social na década de 1990
Conforme apontado anteriormente, a década de 1990, no âmbito do serviço social é
tributária dos processos históricos, sobretudo das duas últimas décadas anteriores (1970-
1980).
Nos primeiros anos de 1990, percebe-se uma maior articulação da profissão com os
movimentos sociais, que se traduziria na defesa dos direitos e a favor da classe trabalhadora.
Os desdobramentos dessa conjuntura foram sentidos em ações como a reformulação do
Código de Ética Profissional (1993); a Lei 8.662/93, que regulamenta a profissão, e na
construção de uma proposta das Diretrizes curriculares para a formação profissional
(ABEPSS, 1996; MEC-SESu/CONESS, 1999), constituintes do projeto ético-político da
profissão
23
.
O projeto do serviço social brasileiro é historicamente datado, fruto e
expressão de um amplo movimento de lutas pela democratização da
sociedade e do Estado no País, com forte presença das lutas operárias que
impulsionaram a crise da ditadura do grande capital. Foi no contexto de
ascensão dos movimentos das classes sociais, das lutas em torno da
elaboração e aprovão da Carta Constitucional de 1988 e pela defesa do
Estado de Direito, que a categoria dos assistentes sociais foi sendo
socialmente questionada pela prática política de diferentes segmentos da
sociedade civil e não ficou a reboque desses acontecimentos /.../. Tal
processo condiciona, fundamentalmente, o horizonte de preocupações
emergentes no âmbito do serviço social brasileiro, exigindo novas respostas
profissionais (IAMAMOTO, 2007, p. 223).
Ainda de acordo com Iamamoto (2007), a construção do projeto ético-político passa
por diferentes dimensões do universo profissional: seus instrumentos legais; as manifestações
coletivas da categoria por intermédio de suas entidades representativas em âmbito nacional e
internacional; o conjunto dos trabalhos desenvolvidos pela categoria e suas imbricações no
campo da qualidade dos serviços prestados, do compromisso com os direitos sociais e a
defesa da democracia; a exigência de aprofundamento constante mediado pela pesquisa e
finalmente, no ensino universitário, sobretudo em tempos de contrarreforma universitária,
garantindo a qualidade do ensino e da formação profissional em consonância com as
Diretrizes curriculares, valorizando a participação dos estudantes organizados no movimento
estudantil do serviço social (IAMAMOTO, 2007, pp. 224-5).
Foi nesse contexto que a “autoimagem” da profissão (NETTO, 1999, p. 95) foi e
continua sendo construída. Tendo por base a realidade social e as relações sociais, o serviço
23
Ver: Paulo Netto (1999); Iamamoto (2007).
97
social vai se legitimando socialmente, pelos seus discursos e práticas políticas, presentes tanto
no campo das lutas sociais, em que a profissão se posiciona radicalmente a favor da classe
trabalhadora, quanto nas suas ões profissionais cotidianas. Ainda segundo José Paulo Netto
(2006, p. 156), a ppria condição democrática em que os projetos profissionais o
construídos implica a existência de outros projetos diferentes. No entanto, na segunda metade
da década de 1990, o PEPP alcançou hegemonia no interior profissional.
Pode-se afirmar que o projeto ético-político profissional (PEPP) ainda seja majoritário
na categoria, mas, com o avanço das políticas neoliberais no Brasil e todo um contexto de
refluxo dos movimentos sociais e de reforma do Estado, a afirmação desse projeto
profissional será ameaçada e novamente atacada” nos anos 2000. Nesse período soma-se um
acirramento das manifestações da questão social, com destaque para profundas
transformações no mundo do trabalho, visíveis desde a década de 1980 e que têm alterado as
condições de vida de grande parte da população que vive do trabalho. Ainda, acompanha-se o
desenvolvimento, no campo das políticas sociais, de um “Estado assistencial”
24
, em que as
políticas blicas têm se assentado sobre a gica do emergencial e estagnado,
comprometendo a perspectiva da emancipação humana que a profissão persegue no seu PEPP.
Nessa direção, muitos são os desafios postos para os profissionais. No campo das
políticas sociais, campo de atuação fundamental para o serviço social, a experiência no
governo Lula tem demonstrado não uma ruptura com o modelo anterior, mas uma
continuidade. “Todavia, em face do contexto ideopolítico que marcou a eleição do presidente
Lula e do seu discurso de fome zero‟ e justiça social, novas armas m sendo tecidas, quiçá
com um apelo mais tático que o seu antecessor” (BEHRING, 2006, p. 45).
As tendências atuais no campo da seguridade social estão, portanto, marcadas pela
primazia das políticas compensatórias de combate à pobreza, seletivas e temporárias;
privatização e mercantilização dos serviços sociais; reforço das iniciativas do setor
empresarial, sob o jugo da “responsabilidade social”; despolitização das desigualdades sociais
de classe para uma fragmentação e excessiva particularização dos indivíduos e suas
demandas.
Os reflexos do panorama acima têm se constituído em tentativas de desmonte da
seguridade social. Mas outros setores também são afetados com as estratégias, muitas vezes,
economicistas e mercadológicas do Estado. As análises sobre educação realizadas no Capítulo
I apontaram a invao” da lógica de mercado no contexto educacional. De tal maneira que se
24
Expressão utilizada por José Paulo Netto, em Conferência no XII CBAS 2007.
98
realizará um exame sobre as incursões desse movimento na formação profissional do
assistente social, tendo como fundamento as Diretrizes curriculares para os cursos de
graduação em serviço social.
3.4 As Diretrizes curriculares para os cursos de graduação em
serviço social
Conforme dito anteriormente, o Edital 4/97 publicado pela SESu/MEC convocou as
instituições de ensino superior para que apresentassem as propostas de diretrizes para os
cursos de graduação. No caso do serviço social essa atribuição foi realizada pela, então,
Abess
25
(WANDERLEY, 1998).
A construção da proposta foi realizada coletivamente e contou com um amplo debate
da categoria profissional. Foram realizadas diversas oficinas pelo Brasil, mobilizando
docentes, discentes, supervisores de campo e as entidades organizativas da categoria
profissional (Abess, Cfess, Cress, Enesso etc.), para que a revisão curricular pudesse abarcar
as principais demandas da categoria e suprir as lacunas do antigo currículo de 1982.
A partir da homologação das diretrizes pelo MEC em 04/07/2001 se instaurou um
amplo processo de readequação e implantação das referidas diretrizes nos cursos de serviço
social do País.
Iamamoto retoma a polêmica instaurada em torno das diretrizes aprovadas pelo MEC,
que “a proposta original sofreu uma forte descaracterização no que se refere à direção
social da formação profissional, aos conhecimentos e habilidades preconizados e considerados
essenciais ao desempenho do assistente social” (2007, p. 445). Assim, de acordo com a
autora, impediu-se que fosse garantido “um conteúdo básico à formação profissional no País”.
Para Boschetti, esse esvaziamento da proposta atual esteve em total consonância com
a política que o MEC tem desenvolvido, de flexibilização e orientação para o mercado, e, no
caso do serviço social em particular, em detrimento da formação generalista e com
perspectiva de totalidade” (2004, p. 24).
As oficinas promovidas pela Abepss para avaliação da implementação das Diretrizes
curriculares (2002, 2004 e 2008) apontam uma série de dificuldades nesse processo. A
oficina realizada em Niterói-RJ nos dias 6 e 7 de junho de 2002 indicou recomendações
acerca do ensino do trabalho do assistente social.
25
Atualmente denominada Abepss.
99
Essas recomendações dizem respeito à criação de instrumentos de
capacitação para docentes e supervisores, compreendendo desde socializão
de textos clássicos e básicos e outros que possibilitem o aprofundamento dos
temas à elaboração de textos com densidade teórica, com fins didáticos
acessíveis a docentes, discentes, bem como nas páginas da Internet e dos
outros meios de divulgação; a participação mais efetiva dos cursos de pós-
graduação na capacitação docente; a participação mais efetiva da pós-
graduação no projeto de formação profissional referente a 2004. Para tanto,
recomendou-se, também, entre outras, algumas tarefas desafiantes tais como:
a discussão sobre o significado dos núcleos de formação profissional;
acompanhamento de forma sistemática e constante do conjunto do corpo
docente/discente e da supervisão de estágio; a sistematização das
experiências das atividades complementares integralizadoras no currículo; o
acompanhamento e a definição de estratégias de enfrentamento da redução
dos cursos (MENDES, 2004, 9-10).
Passados dois anos, em nova oficina (2004), novos desafios foram incorporados à
agenda da profissão. As demandas da formação profissional são cada vez mais problemáticas,
dentro do contexto da contrarreforma universitária. Acentuaram-se, nesse âmbito, as
discussões sobre a proliferação dos cursos de serviço social no País, sobretudo nas IES
particulares, e os reflexos no projeto ético-político profissional. Nos textos dessa oficina é
perceptível a preocupação da Abepss de garantir a formação profissional de qualidade, e
também suas dificuldades. Dessa forma, ampliaram-se os debates sobre o processo de
abertura dos cursos, o papel dos avaliadores e os conteúdos das disciplinas, muitas vezes
incorporados mecanicamente e sem nexos lógicos nos projetos pedagógicos das escolas,
ferindo, assim, a proposta da Abepss. Foi registrado, também, um avanço da pós-graduação
em serviço social no Brasil 18 programas, na ocasião (CARVALHO, 2004, p. 169), o que
significou um avanço em termos de publicações de dissertações e teses e, consequentemente,
de disseminação dessa produção.
É importante ressaltar que esses mesmos cursos de pós-graduação que o
importantes conquistas para a profissão na medida em que contribuem para a maturação
intelectual preparam os profissionais que atuarão nos cursos de serviço social espalhados
pelo País. Portanto, sinalizam um descompasso entre o projeto formador das instituições e a
resistência e condições dos sujeitos profissionais inseridos no espaço sócio-ocupacional das
IES. Assim como os assistentes sociais inseridos em outros campos, que vivem na tensão
entre o projeto ético-político profissional e a condição de assalariamento, os “assistentes
sociais docentes” vivenciam as mesmas contradições. Nesse contexto, juntam-se as discussões
mais ampliadas em torno da precarização do trabalho docente e da política educacional de
100
ensino superior no País a partir da expansão descontrolada de novos cursos de graduação,
principalmente a partir da segunda metade da década de 1990
26
.
O tema da reforma universitária tem sido uma constante nas discussões acerca da
formação profissional. Em 2006 a Abepss enviou um CD-Rom com todas as informações
sobre o processo de avaliação das Diretrizes curriculares para todas as unidades de ensino de
serviço social do País. O objetivo da avaliação foi conhecer o processo de implantação das
Diretrizes, englobando questões teóricas, políticas e operativas. Para isso, foram indicados
alguns pontos a serem observados: 1) Fundamentos históricos e teórico-metodológicos do
serviço social; 2) Queso social; 3) Trabalho e serviço social; 4) Pesquisa; e 5) O tratamento
dispensado à prática profissional
27
.
A oficina nacional de 2008, realizada no Rio de Janeiro, trouxe para a agenda
profissional aspectos relacionados ao contexto da formação dos assistentes sociais no Brasil, a
partir da avaliação da implementação das Diretrizes curriculares. Prevalecem as dificuldades
de articular os conteúdos ministrados pelas disciplinas com as propostas dos núcleos de
fundamentação (núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social; cleo de
formação sócio-histórica da sociedade brasileira e núcleo de fundamentos do trabalho
profissional)
28
.
Para Iamamoto (2007), esse é um dos maiores problemas na efetivação do projeto do
serviço social brasileiro, que permite que o conteúdo da formação seja livremente definido
pelas unidades de ensino, desde que estejam submetidos aos núcleos. Assim, o tom” das
disciplinas pode ser facilmente organizado de acordo com as exigências do mercado,
priorizando, muitas vezes, um ensino mais instrumentalizador, com forte ênfase no ensino e
desarticulado da pesquisa.
Outro ponto de reflexão que tem merecido atenção da categoria e das suas entidades é
a proliferação de cursos de graduação de serviço social na modalidade do ensino a distância
(EAD), que tem trazido ao serviço social novas demandas e exigido posicionamentos na
direção do enfrentamento acerca da política governamental no campo da educação com a
expansão do nível superior, a partir da modalidade EAD.
Nesse sentido, a seguir se apresentado um panorama da graduação de serviço social
no Brasil, dando ênfase à proliferação dos cursos de serviço social no País e ao debate sobre o
ensino a distância e as suas implicações para o projeto ético-político profissional.
26
Conforme dados elaborados no Censo do Ensino Superior publicado em 2003 (MEC/INEP/DAES, 2003).
27
Disponível em: <http://www.ufpe.br/new/visualizar.php?id=3837>, acessado em 20 out. 2008.
28
Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em serviço social, homologadas
em 04/07/01 pelo MEC.
101
3.4.1 Os cursos de graduação de serviço social no Brasil a partir de
1990: elementos para análise
Para esse momento, parte-se do pensamento de Yazbek; Martinelli; Raichelis (2008)
que afirmam que as profissões só podem ser analisadas a partir do desenvolvimento da
própria sociedade e das relações sociais nelas inscritas.
Dessa forma, ao se propor uma reconstrução dos cursos de graduação de serviço social
no Brasil a partir de 1990, pretendeu-se particularizar um momento em que a sociedade
brasileira passou por um momento de reforço do ideário democrático, defendido árdua e
corajosamente nas duas décadas anteriores. Este reforço ocorreu, porém, em um contexto de
afirmação de um tipo de “pensamento único, resultado do desmoronamento da experiência
do socialismo do Leste europeu, que se traduziu para os intelectuais burgueses como o fim da
história (cf. FUKUYAMA, 1992).
Assim, os ideais neoliberais vão se colocando perfeitamente na sociedade brasileira,
que, com uma experiência frágil de democracia, endossa o discurso de modernização e as
propostas nele embutidas de reforma do Estado. Fatalmente, a mesma força social que
impulsionou a sociedade no processo de redemocratização do País e na definição de muitas
conquistas legais traduzidas na Constituição de 1988 não teve a mesma força no
enfrentamento da proposta liberal.
Ao pulverizar demais as lutas sociais e dar a elas um recorte meramente culturalista,
diluindo, assim, a perspectiva de classe social, fragilizou-se a potência reivindicatória ao redor
de questões mais coletivas e ampliadas da sociedade. Ou seja, fragmentou-se a classe social e
se particularizaram as lutas em questões focais, pontuais e grupais, tudo isso em um contexto
de crescimento do chamado “terceiro setor”
29
e daquilo que comporia, segundo Bresser
Pereira (1997), “ o público não-estatal”
30
.
29
A articulação das lutas sociais tende a dificultar a busca da hegemonia burguesa da sociedade civil. Por outro
lado, o isolamento (mediante a „setorizaçãode esferas da sociedade) e a mistificação de uma sociedade civil
(definida como „terceiro setor‟), popular‟, homogênea e sem contradição de classe (que em conjunto buscaria o
„bem comum‟) em oposição ao Estado (tido como „primeiro setor‟, supostamente burocrático, ineficiente) e ao
mercado („segundo setor‟, orientado pelo lucro), contribui para facilitar a hegemonia do capital na sociedade”
(MONTAÑO, 2002, pp. 15-6).
30
“No Brasil é comum pensarmos que as organizações ou são estatais ou são privadas. Na verdade podem ser
públicas mas não estatais. Estas são essencialmente necessárias nas áreas de educação, da saúde, da cultura, das
obras sociais e da proteção ao meio ambiente. Não é possível limitar as atividades dessa área ao mercado, mas
também não faz sentido separá-la totalmente do mercado e colocá-la dentro do Estado. Nos países desenvolvidos
um mero crescente de escolas, de hospitais, de museus são organizões públicas não estatais. São fundações
privadas, que recebem recursos do Estado, mas são autônomas em relação a ele. Que buscam recursos da
sociedade, a qual servem. Que se inserem no mercado sem perder seu caráter público” (PEREIRA, 1997, p.11).
102
Sendo assim, o discurso da supremacia da sociedade civil organizada, articulada, ética
e competente em detrimento de um Estado moroso, corrupto, burocrático e incompetente,
sobretudo para o trabalho com as políticas sociais, seria a nica dos governos FHC (1995-
2002) e teve importantes impactos na configuração da interveão social do Estado nesse
período. Nesse sentido, a título de exemplo, tem-se a própria criação e desenvolvimento do
Programa Comunidade Solidária
31
e a homologação da Lei do Voluntariado (Lei 9.608, de 18
de fevereiro de 1998).
No campo da educação, em consonância com a supremacia do ideário neoliberal, foi
sancionada a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996), discutida no
Capítulo I desse trabalho, e trouxe implicações diretas para a formatação do ensino superior
no País.
Antecipadamente, em 1992, Florestan Fernandes analisou a reforma em curso,
prevendo que teria forte tendência a burocratizar a carreira docente e interna da universidade e
que a suposta expansão de vagas no ensino superior “inundaria” a universidade de estudantes
de graduação e pós-graduação sem criar condições mínimas de atender a essa demanda, como
uma tática” de enfrentar o movimento estudantil. Para ele, em um contexto de “desastre”, o
setor privado, ou, como ele mesmo chamou, os empresários na área da educação”
(FERNANDES, 1992, p. 43) veriam uma oportunidade de negócio e os seus reflexos seriam
sentidos sobretudo no campo da pesquisa, que essas instituições o têm um compromisso
com a pesquisa, necessária para o desenvolvimento econômico. Ainda, apontava com um
grave problema a conspiração do silêncio em torno da escola”, em que os debates acerca da
universidade não chegavam à sociedade, caracterizando-se como um movimento endógeno,
limitado às associações docentes e demais entidades da área educacional.
De fato, as análises de Florestan Fernandes se concretizaram e assistiu-se, na década
de 1990, a um intenso sucateamento da universidade pública e a uma proliferação de cursos
superiores no Brasil a partir das IES privadas.
Segundo Sguissardi, no período de 1994 a 2000, o mero de IES privadas,
especialmente aquelas com fins lucrativos, aumentou mais que as públicas (2004, p. 44). De
um crescimento nacional de 38%, o percentual de IES privadas foi de 58%, enquanto as IES
31
Este programa, proposto pelo governo Fernando Henrique Cardoso, no início de sua gestão, tem como alvo
os segmentos mais pobres do País, inseridos em patamares inferiores a condições dignas de vida. Para
administrar este programa, foi criada uma Secretaria Executiva e um Conselho Consultivo vinculado à Casa
Civil, composto pelos ministros das áreas sociais e econômicas e 21 membros da sociedade civil. o possui
prerrogativas executivas, e suas finalidades estão mais voltadas à mobilização da sociedade civil, de entidades
governamentais e não governamentais, e à integração entre os níveis federal, estadual e municipal, visando a
ões conjuntas no ataque aos problemas da fome e da pobreza.(SUPLICY; MARGARIDO NETO, 1995)
103
públicas diminuíram 23%, tendo em vista que as IES municipais decresceram de 86 para 54 e
as IES isoladas estaduais diminuíram de 48 para 31. Ainda, nesse período, houve a
manutenção do mero de escolas federais (39) e um crescimento das IES federais de 18 para
22 e das universidades estaduais, que passaram de 25 para 30.
Os rebatimentos desse quadro ficam claros quando se analisa a evolução das
matrículas de 1994 a 2000. Considerando os dados de Sguissardi, o número de matriculados
em universidades do setor privado registrou um aumento de 121%, contra 36% no setor
público. Nas IES privadas não-universitárias (isoladas, integradas ou centros universirios), o
número de matriculados elevou-se em 53% e diminuiu em 10% nas públicas. De um modo
geral, registrou-se em 2001 uma prevalência de matriculados no ensino superior nas IES
privadas (70%) em relação às públicas (30%) (SGUISSARDI, 2004, p. 44).
Os dados apontados acima indicam um quadro de alteração no modelo de ensino
superior do Brasil, sobretudo quando se tem a diversificação (ou flexibilização do sistema) de
tipos de IES no Brasil no próprio arcabouço jurídico brasileiro. Esta “flexibilização” se deu
por intermédio dos Decretos 2.207/97, 2.206/97 e 38.601/01, que liberaram um expressivo
número de IES brasileiras do princípio da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão.
É evidente que eso presentes nos conteúdos dos decretos a visão e os interesses dos
organismos multilaterais e algumas entidades ligadas ao empresariado, sobretudo aqueles que
têm negócios” na educação.
O Andes-SN (2003), em análise da proposta de reforma universitária em curso,
apontou o que estaria por de trás da ideia de flexibilização” do sistema de ensino superior no
País:
a adoção [de] um padrão unitário de qualidade da universidade brasileira
como meta a ser alcançada não significa a busca da homogeneização das
instituições. A diversidade necessária para se atender às diferentes demandas
sociais deve ser respeitada. Trata-se da elevação geral do padrão de
qualidade das universidades de maneira, inclusive, a contribuir para a
superação das diferenças regionais do desenvolvimento econômico e social.
É um princípio que se contrapõe à concepção de um padrão de qualidade
desigual para o ensino superior que admite a coexistência de “centros de
excelência”, dedicados à transmissão e à produção do conhecimento,
formadores das elites, e “„instituições periféricas, que se ocupam apenas da
reprodução do conhecimento destinado à profissionalização das classes
menos favorecidas (pp. 13-4).
Consciente das diversidades e particularidades regionais e locais, portanto, a referida
entidade propôs um plano unirio de qualidade para as IES que contemplaria, a partir de seus
princípios, o
104
ensino público, gratuito, democrático, laico e de qualidade para todos;
autonomia didático-cienfica, administrativa e de gestão financeira
(inclusive das instituições privadas em relação às suas mantenedoras);
democratização interna e liberdade de organização do corpo discente e
docente; indissociabilidade das esferas de ensino, pesquisa e extensão;
condições dignas de trabalho aos docentes (carreira unificada, isonomia
salarial, estabilidade no emprego, política de capacitação docente, plano de
carreira) (ANDES-SN, 2003, pp. 15-6).
Ao contrário do que foi proposto e defendido pela categoria organizada dos docentes
de ensino superior, assistiu-se à manutenção das diferenciações entre as IES, o apoio às
iniciativas de educação a distância (graduação e pós-graduação) e o enquadramento dos
cursos sequenciais e tecnológicos como cursos superiores. Tais posições, definidas na reforma
universitária, vão privilegiando e alicerçando a concepção ideológica de educação como um
serviço, e não como um direito.
O serviço social sentiu os reflexos desse processo na medida em que, como todas as
profissões, assiste à crescente alteração do panorama dos cursos de graduação no País, com
fortes incursões no perfil do aluno, que passa a ser essencialmente trabalhador e jovem (INEP,
2006).
A abertura desordenada de cursos de graduação de serviço social no País, com
privilégio do setor privado e forte heterogeneidade das políticas de formação, tem se
configurando como um quadro de expansão da profissão complexo e complicado.
Com base nos dados trazidos por Iamamoto (2009, p. 438), o País possui 82.000
assistentes sociais ativos, mero que equivale ao segundo maior contingente de assistentes
sociais no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, que possuem 150.000 profissionais de um
total de 500.000 assistentes sociais.
No Brasil existem 253 cursos de graduação em serviço social 46 em instituições
públicas, com 5.358 vagas (16%), e 207 em instituições privadas de ensino superior, somando
27.465 vagas (84%). Iamamoto (2009, p. 41), citando dados do Inep/MEC de 2007, apontou
que nesse ano havia 32.823 assistentes sociais em formação no Brasil.
Percebe-se, a partir desses meros, que a mercantilização da educação tem sido
encaminhada a largos passos, haja vista a redução de investimentos no setor público em prol
do desenvolvimento de condições que favoreçam o setor privado, como abordado
anteriormente. No entanto, uma delas tem sido objeto de grande discussão dentro do serviço
social, que é a modalidade de ensino a distância (EAD).
Recorre-se novamente a Iamamoto (2009, pp. 41-2) para elucidar a situação dos cursos
de graduação a distância em serviço social.Tomando como base o ano de 2007, de acordo
105
com a autora, existem no País seis cursos de graduação na modalidade EAD, responsáveis por
9.760 vagas informadas, sendo somente um de caráter blico, da Fundação Universidade do
Tocantins (Unitins)
32
, e os outros cinco em instituições privadas (Uniderp Campo
Grande/MT; Univali Santa Catarina; Unit Aracaju/SE e Unopar Londrina/PR). A
projeção da autora é que, somadas as vagas presenciais e a distância, em 2010 o número de
profissionais irá dobrar no Brasil.
Pode-se antever, já no curto prazo, um crescimento acelerado do desemprego
nessa área, visto que dificilmente a oferta de postos de trabalho pode
acompanhar, no mesmo ritmo, o crescimento do contingente profissional,
pressionando o piso salarial e estimulando, no curto prazo, a precarização
das condições de trabalho e a insegurança do trabalho (IAMAMOTO, 2009,
p. 42).
Algumas consequências desse processo são sentidas no campo da formação
profissional. A categoria profissional organizada sempre se posicionou contrariamente à
EAD
33
, sobretudo na graduação, porém, os esforços não foram suficientes para que os cursos
tivessem início (o primeiro curso de graduação de serviço social na modalidade EAD foi
iniciado na Unitins, no segundo semestre de 2006). Assim, o debate e a crítica m apontado
desafios e exigências para a sustentação do projeto ético-político profissional, sobretudo com
a entrada dos graduados em serviço social na modalidade EAD, que pode alterar
sensivelmente a “face” da profissão no País.
As principais críticas derivam da ppria gica em que está assentada a EAD. A
primeira delas é que, sob o prisma do avanço tecnológico, essa modalidade propiciaria um
maior acesso ao ensino superior, que diminuiria os custos, à medida que amplia o acesso a
diferentes sujeitos e regiões do País. Contrariamente ao “mito da democratização do ensino
superior”, tem-se de pautar a discussão em outro ponto: a quem se destinam os cursos de
graduação na modalidade EAD? A perversidade da proposta está justamente em reforçar
desigualdades, já que é destinada aos “excluídos” do ensino superior.
A segunda crítica está na necessidade de um alunado preparado e disciplinado para a
autoaprendizagem, capaz de lidar com os conhecimentos e habilidades por si só. Nesse
sentido, percebe-se a presença de um conteúdo político que trata do aligeiramento na
32
Em 19 de agosto de 2009 a Unitins foi descredenciada pelo MEC e, em razão disto, as entidades da categoria
Cfess, Cress, Abepss e Enesso produziram uma Carta aberta aos estudantes e trabalhadores dos cursos de
graduação a distância em serviço social no Brasil em 9 de setembro de 2009, reafirmando sua posição contrária
a essa modalidade de ensino. Cf. <http://www.cfess.org.br/noticias_res.php?id=305>, acessado em 19 fev. 2010.
33
Em 17 de fevereiro de 2006 as entidades Enesso, Abepss e Cfess enviaram um Manifesto ao ministro de
Estado de Educação, Fernando Haddad, e à sociedade brasileira, tendo como assunto os cursos de graduação a
distancia em serviço social. Documento disponível em:
<http://www.cfess.org.br/pdf/entidades_graduacaodistfev2006.pdf>, acessado em 19 fev. 2010.
106
formação das pessoas, caracterizando um ensino sem criticidade, apostilado e, portanto, sem
profundidade teórica, além de impossibilitar espaços e mediações pedagógicas importantes
para a formação profissional, por exemplo, as oficinas.
Por último, tem-se o próprio cumprimento das Diretrizes curriculares para os cursos
de graduação de serviço social; a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e,
particularmente, a questão da regulamentação da supervisão direta do estágio.
No sentido do enfrentamento da categoria profissional organizada, quanto à
proliferação dos cursos de graduação de serviço social, sobretudo aqueles a disncia, podem-
se citar algumas iniciativas que ocuparam (e ocupam) a agenda profissional. Uma delas foi a
discussão acerca do Exame de Proficiência para os recém-formados
34
, apresentado como uma
estratégia para garantir a formação profissional qualificada, que o exercício profissional
pressupõe a aprovação neste Exame. Após amplo debate, a proposta foi suspensa.
Outra iniciativa está vinculada ao estágio supervisionado. Em 2008, o Cfess publicou a
Resolução Cfess 533
35
, de 29 de setembro, em que regulamenta a supervisão direta de
estágio no serviço social, trazendo importantes mudanças no que tange aos parâmetros
institucionais para o desenvolvimento de uma política de estágio. A presente resolução,
enquanto
norma regulamentadora, acerca da supervisão direta de estágio em Serviço
Social, deve estar em consonância com os princípios do Código de Ética dos
Assistentes Sociais, com as bases legais da Lei de Regulamentação da
Profissão e com as exigências teórico-metodológicas das Diretrizes
curriculares do Curso de Serviço Social aprovadas pela Abepss, bem como
o disposto na Resolução CNE/CES 15/2002 e na Lei 11.788, de 25 de
setembro de 2008 (CFESS, 2008).
Uma das inovações da resolução está presente no art. 3º, §único, que define o número
de estagiários por supervisor, tendo como limite ximo um estagiário para cada dez horas
semanais de trabalho.
Dessa forma, pretende-se “frear” a expansão descontrolada dos cursos de graduação de
serviço social, especialmente os sequenciais e a distância. Ainda nesse sentido, tem-se
recorrido à condição do serviço social inserido no conjunto das profissões de saúde, tendo em
vista o § do art. 28 do Decreto 5.773, de 9 de maio de 2006 que estabeleceu essa lógica de
34
Cf: Revista Serviço Social e Sociedade, n. 94, jun. 2008.
35
A Unopar uma das istituições que oferecem cursos de graduação na modalidade a distância, encaminhou,
em junho de 2009, representação ao Ministério Público Federal/Procuradoria da República no município de
Londrina (PR) alegando ilegalidade da referida resolução, tendo sido arquivada pelo procurador da República
João Akira Omoto, que reconheceu a legalidade da resolução. Disponível em:
<http://www.cfess.org.br/noticias_res.php?id=338>, acessado em 20 fev. 2010.
107
restrição e autorização de cursos da área de saúde à anuência do CNS. Nessa perspectiva, “a
criação de cursos de graduação em direito, medicina, odontologia e psicologia, inclusive em
universidades e centros universitários, deverá ser submetida, respectivamente, à manifestação
do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ou do Conselho Nacional de Saúde”
(BRASIL, 2006). Para que esse mesmo processo de restrão às novas aberturas de cursos de
serviço social ocorra é preciso que se valide e reforce a presença do assistente social como um
trabalhador em saúde.
Conforme abordado anteriormente, o serviço social possui uma interface com a
saúde e ganhou outra centralidade a partir do SUS. Assim, como as necessidades sociais se
complexificam a partir do desenvolvimento da sociedade brasileira, passam a exigir novas
fuões do assistente social na saúde. Marcadamente, o serviço social alargou suas funções
para o campo do controle social, a democratização dos serviços e o trabalho socioeducativo.
Costa apontou as tendências atuais de requisições do assistente social na saúde, destacando a
diversidade de tarefas que evidenciam a capacidade desse profissional para lidar com uma
gama heterogênea de demandas, derivadas da natureza e do modo de organização do trabalho
em saúde, bem como das contradições internas e externas ao sistema de sde” (COSTA,
2006, p. 340).
Dentro do campo ético-político, a conjugação entre serviço social e sde ocorre a
partir da defesa intransigente dos direitos, do controle social e da legitimação dos princípios
do SUS pelo Estado, assim como o enfoque à família e aos diferentes recortes do social,
presente na política de saúde, que poderão ser enfrentados quando forem articuladas as
políticas, sobretudo no âmbito da seguridade social.
A partir de 2004 há uma maior aproximação de fato do serviço social, enquanto
profissão representada por suas entidades, com o movimento de formação de recursos
humanos para a saúde, com a participação no AprenderSUS”, bem como a participação de
assistentes sociais na Rede Unida
36
. Ambas as situações passaram a exercer um papel
importante de interlocução do serviço social com grupos de associações de profissionais da
área de saúde.
Tal movimento se desdobrou em um convênio entre Abepss, Opas e MS a partir do
Projeto Serviço Social: Interfaces com a Saúde, com o acompanhamento de um Comitê
36
Como já mencionado, dois dos sujeitos desta pesquisa participaram da Rede Unida. Vera Maria Nogueira
participou ativamente dos debates produzidos pela Rede e foi um importante sujeito na interlocução do serviço
social com a área. Regina Mioto, em seu depoimento, relatou sua participação em uma Oficina da Rede Unida
em Belo Horizonte, como profissional convidado. Atualmente ocupa o cargo de primeiro-vice-presidente da
Rede Unida a Profª Regina Maria Giffoni Marsiglia, assistente social e professora da PUC-SP.
108
Gestor, composto por docentes assistentes sociais que representavam as seis regionais da
Abepss (MOTA; UCHÔA, 2006, p. 10).
Assim, instaurou-se o debate dentro da profissão por meio de seminários, runs
permanentes de discussão e debates, encontros regionais. O produto final foi a produção de
materiais didáticos e uma coletânea de textos em CD que se transformou em um livro (MOTA
et al., 2006) que foi distribuído às instituições de ensino de serviço social no País, a fim de
auxiliar a aproximação das Diretrizes curriculares do serviço social e o SUS.
Registra-se, ainda, a participação da Abepss no Fórum Nacional de Educação das
Profissões da Área de Saúde (Fnepas), um importante campo de luta em prol da superação do
modelo biologista e espaço de fortalecimento das estratégias para interferir na graduação.
É importante ressaltar que esse movimento foi (é) permeado de tensões e que ainda
carece de maior debate e maturação. Mas ele está posto e, dessa forma, é preciso capturar
como a profissão, no campo da formação na graduação, tem encaminhado a questão do
assistente social como um trabalhador da saúde; se as Diretrizes curriculares garantem essa
condição e se o trato que vem sendo dado à sde (predominantemente pelo relato da prática)
tem possibilitado aos profissionais isolados, em um primeiro âmbito, no exercício
profissional, e coletivamente a capacidade de dialogar, debater e contribuir com o
movimento maior de qualificação dos trabalhadores de sde.
No próximo capítulo será apresentada a pesquisa que se orientou a partir desses
questionamentos.
109
IV FORMAÇÃO PROFISSIONAL, TRABALHO EM SDE
E SERVIÇO SOCIAL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS
4.1 Na direção da pesquisa de campo: motivações, inquietações e
procedimentos metodológicos
As inquietações que acompanharam o desenvolvimento desse trabalho foram
encaminhando e complementando as escolhas bibliográficas, que, somadas à constituição
histórica do objeto de pesquisa, delinearam e configuraram a organização da pesquisa de
campo. É evidente que, ao propor o estudo, como parte do próprio projeto de pesquisa, foi
detalhada a forma como se realizaria a pesquisa. O que se considera importante registrar é o
entendimento da realização da pesquisa como um processo de aprendizagem e maturação,
com inflexões na própria pesquisa de campo.
A partir das reflexões expostas nos capítulos anteriores, parece evidente que o que
interessa nesse estudo é a captura das relações existentes entre formação profissional e
formação para o trabalho na sde. Ainda, mais especificamente a questão do assistente social
como um profissional de saúde e sua formação específica.
Aparentemente, formam-se dois eixos expressos no decorrer do trabalho: de um lado,
um movimento nacional de discussão acerca da formação de trabalhadores em saúde; de
outro, o serviço social enquanto profissão legitimada e socialmente reconhecida pelo seu
caráter de atuação generalista, mas com a classificação no campo da atuação profissional,
como uma profissão da saúde
37
. Sendo assim, pela própria configuração do serviço social no
Brasil, é desnecessário discursar sobre os diferentes enfoques que a atuação profissional
caminha e sobre a unidade dos espaços sócio-ocupacionais, em um projeto coletivo, que é o
projeto ético-político profissional. A investigação proposta transita sobre a análise dos pontos
de encontro e de tensão entre essas temáticas.
Parte-se dessas ideias iniciais para o desvelamento das relações que, por vezes,
apresentam-se diferentemente do que são. A vida e o questionamento são os grandes
motores da pesquisa científica e movimentam a construção do conhecimento para além do
acesso à informação.
37
“O Serviço Social é uma das 14 (catorze) (sic!) categorias profissionais de nível superior consideradas da área
de saúde, definidas pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS 287, de 8 de outubro de 1998.”
(UCHÔA, 2007, p. 188.)
110
O desafio a que esse trabalho se propõe, portanto, elege a pesquisa qualitativa como
caminho, que seu objeto/sujeito é o homem e a sociedade e permite revelar, por intermédio
de seus recursos e procedimentos, a lógica interna de determinados grupos, ao privilegiar
como campo de análise os significados e as vivências desses sujeitos.
A pesquisa qualitativa se preocupa, em essência, com os significados da vida humana
portanto, é altamente complexa, sobretudo no contexto contemporâneo, em que o próprio
movimento da história provoca e atualiza as demandas do cotidiano.
Minayo avalia que, a partir da especificidade das ciências sociais, a objetividade é
inatingível, o que torna possível somente objetivações. “Portanto, a objetivação, isso é, o
processo de construção que reconhece a complexidade do objeto das ciências sociais, seus
parâmetros e sua especificidade, é o critério mais importante de cientificidade (2000, p. 35).
Daí advém a importância dos métodos e técnicas de pesquisa, envolvendo todas as etapas da
organização do processo, o que garante um rigoroso trato teórico-metodológico ao objeto.
Outra importante consideração é a de que, vencida a tese da neutralidade da ciência e
ciente de que a realidade pode ser vista de diferentes formas, reforça-se a importância da
teoria como aporte para a garantia de uma cientificidade nas ciências humanas. Portanto,
torna-se relevante esclarecer que, ao apresentar os caminhos metodológicos percorridos,
pretende-se ultrapassar uma visão de dever” em contraposição a uma noção de completude,
que insere a metodologia na questão maior do trabalho acadêmico: polemizar o objeto de
estudo, priorizando seu caráter totalizante, histórico e dialético.
O presente estudo procurou demonstrar o percurso que a formação profissional para a
saúde teve no Brasil e as suas incursões no conjunto da vida social brasileira, considerando
para isso o papel do Estado, os diferentes atores e seus projetos em disputa e o contexto
econômico, social e político em que se movimentam essas forças. Particularizando para o caso
da saúde, tratou-se de apresentar a disputa por um modelo de saúde para o País.
Nesse sentido, recupera-se a importância da compreensão de diferentes concepções e
visões que, articuladas, compõem, no caso da pesquisa em questão, o debate da formação para
a sde no Brasil. O enfoque da pesquisa de campo é a interlocução com o serviço social e
sua posição nesse debate.
É reconhecida a produção intelectual do serviço social na saúde, que aponta para um
acúmulo de discussão na área. São imeros pesquisadores que olham para as questões da
saúde e alimentam o debate em torno do tema, nos mais diferentes veis dentro da graduação
e pós-graduação. A título de exemplificação, pode-se elencar a resposta positiva do I
Seminário Nacional de Serviço Social na Saúde, realizado pelo Cfess e pelo Cress-PE entre 8
111
e 10 de junho de 2009, em Olinda, que reuniu centenas de assistentes sociais para debater a
atuação profissional na área; bem assim, o documento produzido pelo Cfess, intitulado
Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Saúde.
Partindo dessa realidade, a definição dos sujeitos se construiu a partir de duas
premissas importantes para essa pesquisa. A primeira parte da compreensão de que, ao
discutir formação profissional e formação profissional para a atuação na saúde , é eminente
a importância que a profissão em questão, no caso o serviço social, confere ao tema da
formação. Por isso, a pesquisa dedicou atenção a fonte documental expressa nas Diretrizes
curriculares nacionais para os cursos de serviço social, sua construção e implementação
histórica, procurando discutir o projeto de formação profissional sistematizado, defendido e
realizado pela categoria profissional, enquanto projeto coletivo. A análise documental, muito
mais que localizar, identificar, organizar e avaliar textos, som e imagem, funciona como
expediente eficaz para contextualizar fatos, situações momentos” (MOREIRA, 2005, 276). A
segunda premissa particulariza o debate da formação profissional dentro de uma área de
atuação específica a saúde. Dessa maneira, deve-se reconhecer que, ao trazer a área da
saúde, objetivou-se produzir um estudo que fosse capaz de expressar a realidade da profissão
em uma perspectiva interdisciplinar.
É da relação desafiadora e inquietante com outras áreas de conhecimento e
que se dá no cotidiano que emerge uma experncia concreta capaz de
ampliar os horizontes profissionais e de redefinir objetos de atenção
profissional no âmbito da pesquisa e da intervenção sempre aspectos
articulados, sem perder de vista que o ponto de partida dessa relação é o
próprio serviço social (BOURCUIGNON, 2008, p. 117).
Para isso, considerou-se a importância da categoria profissional na direção do processo
formativo, seja na condição de docentes, representantes de entidades, profissional e/ou
supervisor de estágio ou de estudante. A qualidade de uma proposta que abarque opiniões
diferenciadas e até mesmo conflitantes, dentro do que seria a formatação final de um projeto
de formação profissional construído nessas tensionalidades, depende da capacidade de
mobilização e organização de tais atores. O serviço social tem um estrutura representativa
forte e atuante. Nesse sentido, ressalta-se a atuação do conjunto Cfess-Cress, além da
112
Abepss
38
, que representam uma capacidade de difusão dos debates e organização da agenda
política do serviço social que conferem à profissão certa credibilidade social
39
.
Essa estrutura é importante para que a profissão consiga se colocar frente aos grandes
debates postos à sociedade brasileira. Em seus escritos políticos Gramsci (2004, p. 134)
elucidava a importância da organização e da unidade de orientação, além da preocupação com
o domínio da base teórica, como alicerces da ação do Partido Comunista Italiano (GRAMSCI,
2004, p. 294). Assim, a garantia de uma formação e uma ação coesa, o que não significa sem
conflitos, é fundamental para a garantia do projeto ético-político da profissão.
Vale dizer que o confronto de posições e divergentes aportes teóricos fazem parte
dessa “unidade”, contemporizadas, que dentro do serviço social o pluralismo é um dos
princípios do Código de Ética Profissional. A ideia de “unidade de orientação” tomada de
Gramsci para este trabalho tem que ver com a radicalidade da fundamentação teórico-
metodológica, ético-política e técnico-operativa. Ou seja, para além das opções teóricas, deve
permanecer o compromisso com a qualidade e o aprofundamento das questões estudadas e
experimentadas no cotidiano.
Dessa maneira, entende-se que a construção de um arsenal de conhecimentos e saberes
é importante para o desenvolvimento da profissão de forma geral. Mas a disponibilização, o
acesso e o trato desses “saberes” revelam a dificuldade e o alcance dessas construções.
Conforme dito no decorrer deste trabalho, as condições históricas da formação social do
Brasil reforçaram as difereas regionais em todos os campos. Na educação superior não foi
diferente, de forma que algumas regiões do País sofreram tardiamente o processo de
institucionalização de universidades, sobretudo públicas, tendo somente se expandido o
ensino superior, de forma geral, na década de 1990, com ênfase no âmbito privado. Assim, a
possibilidade de continuar o processo de formação no campo da pós-graduação ficou restrito a
algumas cidades brasileiras, centralizando a ação nas capitais. Atualmente, dos 26 cursos
existentes de pós-graduação stricto senso em Serviço Social e Políticas Sociais (CAPES,
38
A Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social tem sua origem em 1946, com a formação da
antiga Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social. As informações específicas da entidade, bem como
seu estatuto e demais aspectos correlatos, estão disponíveis em: <http://www.abepss.org.br/index.html>,
acessado em 19 ago. 2009.
39
Assistentes sociais são citados como exemplo de resistência. Junto com alguns deputados e mais vinte
pessoas que representavam as entidades sociais, o presidente do ANDES (Sindicato Nacional dos Docentes do
Ensino Superior) Fernando Pires foi recebido pelo presidente da Câmara dos Deputados Michel Temer.
Fernando entregou um documento que relata o risco que o SUS está correndo com o PLP 92/2007. Disse que a
sociedade civil é contra esse projeto e citou o exemplo da categoria de assistentes sociais: Em seminário
recente, o Conselho Federal de Serviço Social e cerca de mil assistentes sociais aprovaram moção de repúdio a
esse projeto. A categoria tem mais de 84 mil profissionais em todo o País. Disponível em:
<http://www.cfess.org.br/noticias_res.php?id=253>, acessado em 19 ago. 2009.
113
2009), essa realidade comprova-se a partir de sua distribuição: região Norte com dois; região
Nordeste com sete; região Sudeste com dez; região Centro-Oeste com três e região sul com
quatro. Como se observa, a maior concentração é na região Sudeste, em particular no eixo
Rio-São Paulo.
Deve-se ressaltar, de acordo com Uchôa (2007), que a vasta produção do serviço
social na área da saúde não tem repercutido nas bibliografias utilizadas pelas instituições
formadoras, conforme dados da pesquisa de implementação das Diretrizes curriculares
nacionais realizada pela Abepss em 2006, quando se verifica a pequena presença de autores
do serviço social como referência para as disciplinas que tratavam da temática da saúde.
Todas as áreas e profissões tendem a formar um rol de autores que ajudam a tornar,
pelas suas discussões e publicações, os projetos profissionais mais palveis e próximos da
realidade dos sujeitos. Desempenham, portanto, um papel de formadores de opinião” e seus
trabalhos e elucidações tendem a compactar uma visão ou posição dentro de algum campo
específico do saber. Segundo Uchôa (2007), os autores do serviço social mais citados como
referência para disciplinas relativas à área da saúde foram Ana Maria Vasconcelos, Dilséa
Bonetti, Eduardo Mourão Vasconcelos, Lúcia Rosa, Maria Dalva Horácio, Maria Inês Bravo,
Maurílio Matos e Vera Nogueira.
Essas considerações servem para justificar a escolha dos sujeitos da pesquisa de
campo, quando se entendeu que a dirão formativa da profissão está corretamente amparada
em um projeto profissional coletivo que se constrói por inúmeros atores, incluindo uma
vanguarda acadêmica (VASCONCELOS, 2002) que tem uma grande responsabilidade no
processo de formação e debate profissional. Sendo assim, a intencionalidade da amostra levou
a selecionar pessoas que desempenham essa função na profissão no âmbito da saúde, que a
relação formação profissional, serviço social e trabalhador de saúde pode ser apreendida por
muitos enfoques.
De acordo com Bourguignon (2008), a escolha do sujeito que participa das pesquisas
produzidas pelo serviço social está sempre vinculada a sua experiência, mediatizada por
determinações de ordens diversas. Por isso, a seleção do sujeito é sempre primordial, exigindo
que o pesquisador selecione um sujeito que tenha vivência profunda sobre a temática a ser
trabalhada, que realmente os depoimentos e as informações decorram da vivência do sujeito”
(BOURGUIGNON, 2008, p. 161).
Diante do exposto, deve-se deixar esclarecido que, ao se privilegiar determinadas
organizações, dentre inúmeras que existem, o se tratou de utilizar nenhum critério de valor
ou mérito, mas de selecionar aquelas que compuseram o referencial teórico construído nesse
114
trabalho. Dessa maneira, focaram-se as instituições e organizações que estivessem mais
próximas da direção no campo da formação profissional, não em detrimento de outras, mas
como recorte para fins exclusivos desta pesquisa.
O próximo passo foi selecionar quais sujeitos, dentro dessa vanguarda acadêmica,
poderiam compor o conjunto de entrevistados. Como é conhecido nos estudos qualitativos, a
seleção dos entrevistados tende a não recorrer a amostras probabisticas. Segundo Duarte
(2005), existem dois tipos básicos de amostras o probabilísticas: a convencional e a
intencional. Enquanto a primeira é baseada na viabilidade, a segunda parte da selão por
juízo particular, como conhecimento do tema ou representatividade subjetiva” (DUARTE,
2005, p. 69).
Sendo assim, como é impossível aferir valores e posições para esses assistentes
sociais e suas produções, retirando a possibilidade de qualquer “personalismo”, para melhor
delimitação acondicionaram-se outros elementos importantes para refletir sobre o serviço
social, formação profissional e formação profissional para os trabalhadores de saúde. Tendo
como norte a própria organização teórica desse trabalho, foram definidos os seguintes
sujeitos.
um representante da Abepss por ser uma entidade representativa da categoria
e a responvel direta pela formação profissional;
um representante do serviço social no Fnepas Fórum que congrega as
entidades representativas dos cursos de graduação em saúde;
um profissional que participou das discussões sobre a proposta das Diretrizes
curriculares para os cursos de serviço social; e
um profissional que integre a Rede Unida, pois esta tem uma participação
importante na interlocução entre o serviço social e as demais profissões de
saúde, no que tange à queso da formação profissional dos trabalhadores de
saúde.
A ideia da representatividade associada à contribuição trica e analítica ofereceu a
sustentação, dentro da proposta da pesquisa qualitativa, para o número de quatro sujeitos.
Concorda-se aqui com Martinelli, o importante é a densidade da experiência e não a extensão
do grupo (2005, p. 122); assim, para fins desse trabalho, o interessa a questão do
percentual numérico, mas sim as contribuições em processos-chave (as Diretrizes
curriculares, a Rede Unida, o Fnepas, dentre outros) levados por indivíduos que, inseridos em
115
determinados contextos e situões, foram essenciais para a configuração do serviço social em
particular, e para as discussões do serviço social na sde em específico.
As representações por si indicavam os nomes dos sujeitos. Assim, ao buscar as
entidades surgiram as referências e se iniciaram os contatos para a realização das entrevistas.
Considera-se importante explicitar que a adoção da entrevista como instrumento de coleta de
dados tem que ver com a possibilidade deencontro entre pessoas”, portanto, além das
informações que são colhidas, toda uma rie de particularidades da pesquisa de campo
que o possíveis nesse momento. Assim, a identificação visual e todas as suas conexões: a
voz, as expressões corporais, emoções etc. compõem junto com a possibilidade de
reconhecimento recíproco entre o entrevistado e o entrevistador, como indivíduos sociais que
são, assistentes sociais, trabalhadores, mulheres e homens com todas as realidades que
expressam e carregam as principais contribuições dessa técnica de pesquisa.
A entrevista, reconhecida como um dos instrumentos mais usados nas pesquisas
sociais” (MARSIGLIA, 2006, p. 392), privilegia o homem/sujeito como detentor de uma
informação, mas tamm de uma história. Por alguns instantes uma penetração no mundo
desses indivíduos e suas falas e realidades são marcadas por um “chão” que expressa um
pouco das vidas desses sujeitos.
O que torna a entrevista instrumento privilegiado de coleta de informações
para as ciências sociais é a possibilidade de a fala ser reveladora de
condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela
mesma um deles) e ao mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um
porta voz, as representações de grupos determinados, em condões
hisricas, socioeconômicas e culturais específicas (MINAYO, 2000,
pp.109-110 ).
As exigências para utilização da entrevista como técnica de pesquisa se vinculam ao
marco teórico-conceitual do trabalho; à seleção das fontes de pesquisa; à realização e ao trato
das informações colhidas como elementos essenciais para a credibilidade e validade do
estudo, já que deixa estabelecidos os limites deste tipo de pesquisa (DUARTE, 2005).
Sendo assim, como os sujeitos estão vinculados ao serviço social de forma geral, a
pesquisa de campo foi realizada em diferentes locais e a partir da disponibilidade dos sujeitos
e da pesquisadora. O que demandou um longo período de coleta de dados de abril a
novembro de 2009. Os contatos foram realizados por e-mail ou telefone e agendadas as
entrevistas em datas e locais definidos. Estas foram remarcadas muitas vezes, pois, quando a
demanda o surgia do entrevistado, advinha da pesquisadora. De forma geral, as entrevistas
ocorreram em três Estados brasileiros: São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
116
Para a realização das entrevistas, foi elaborado um roteiro de entrevista (apêndice I)
que auxiliou no processo de captura das informações que permitissem chegar o mais próximo
possível aos objetivos do trabalho, que partia da interlocução de questionamentos sicos e
interessados à pesquisa, mas permitia que novas interrogações surgissem no decorrer da
entrevista e pudessem, dessa forma, ser esclarecidas (TRIVIÑOS, 1990). O roteiro foi
dividido em duas partes, que conformam as duas grandes categorias de alise do trabalho: a)
serviço social e formação profissional e b) Formação de recursos humanos para a saúde. Na
primeira parte as questões versaram sobre as Diretrizes curriculares nacionais para os cursos
de graduação em serviço social e na segunda parte foram tematizadas mais especificamente a
questão da formação profissional do assistente social e sua condição de trabalhador da saúde.
As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra, para que pudessem ser
apreendidos os depoimentos em sua totalidade e fidelidade. A utilização da técnica do
gravador é muito comum na pesquisa qualitativa, pois permite o registro fiel e preciso das
falas do sujeito, garantindo, assim, rigoroso trato do material coletado. As fitas ficao sob
posse da pesquisadora por cinco anos e em seguida serão incineradas.
As entrevistas transcritas foram enviadas, por e-mail aos sujeitos para sua apreciação e
devolvidas por três deles. Todos os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (apêndice II).
Em relação à descrição e análise dos dados, o pesquisador assume a posse das
informações colhidas nas entrevistas e as articula. Nesse processo, tomou-se como suporte a
análise do discurso, que privilegia a fonte oral como recurso primordial para a pesquisa
(MARTINELLI, 2005). De acordo com Brandão (2004), tomado como figura entre a língua e
a fala, o discurso é visto como ponto de articulação dos processos ideológicos e dos
fenômenos linguísticos, tendo importante destaque as condições históricas, institucionais e
sociais. Sendo assim, o discurso nunca é somente uma formação linguística, mas está
carregado de significados e ideologias.
No discurso, as relações entre esses lugares [marcados por propriedades
diferenciais] acham-se representadas por uma série de formações
imagináriasque designam o lugar que destinador e destinario atribuem a
si mesmo e ao outro, a imagem que eles fazem de seu próprio lugar e do
lugar do outro (BRANDÃO, 2004, p. 44).
De tal maneira, esse movimento de interação dos discursos, eu e outro, permite que, ao
considerar o depoimento de determinados sujeitos, sejam também capturados elementos que
os conformam, ou seja, como esses sujeitos foram formados enquanto sujeitos, permitindo
assim que se compreendam os significados de seus discursos. Ainda, pretende-se atribuir
117
destaque aos componentes do discurso (ideologia e inconsciente) para eliminar qualquer
tentativa de centralizar o sujeito descolado de sua relação com o poder (ideologia) e com o
desejo (inconsciente) (BRANDÃO, 2004).
A análise do discurso apresenta-se como um caminho recomendável para a pesquisa
de campo, tendo em vista que os sujeitos são sujeitos coletivos
40
, posta a sua identificação
como vanguarda acadêmica, e são partícipes fundamentais da produção de sentido dentro dos
discursos profissionais do serviço social.
Assim, para efetuar o trabalho com as narrativas transcritas, foram estabelecidas duas
grandes categorias para direcionar a análise:
as categorias manifestam as diferentes determinações constitutivas do ser, ou
seja, totalidades parciais que só conseguem reconhecimento e compreensão
cienfica pelo menos no plano do materialismo histórico-dialético, quando
são visualizadas dentro de totalidades mais abrangentes /.../. Por meio das
categorias podemos, então, fazer uma viagem do singular ao universal,
mediatizados pelo particular (SETÚBAL, 1999, p. 80).
a) serviço social e formação profissional Pretendeu-se nessa categoria desvendar o
processo de formação profissional do serviço social e seus desdobramentos na profissão. Para
isso, partiu-se do documento organizado pela Abepss Diretrizes curriculares nacionais para
os cursos de graduação de Serviço Social, analisando-se sua construção, implementação e
desafios atuais.
b) Formação de recursos humanos para a saúde Tomando como área de análise a
saúde, procurou-se investigar o processo de formação de recursos humanos para este trabalho
e a participação do serviço social enquanto um profissional da área. Esta categoria abarcou o
debate sobre a formação profissional generalista e a atuação específica, confrontada sobretudo
às competências e habilidades profissionais e às necessidades postas ao aspecto formativo do
trabalhador de saúde no contexto do SUS.
A seguir esuma breve apresentação dos sujeitos com as informações disponíveis na
Plataforma Lattes e as respectivas organizações que atuaram ou possuem vínculo de acordo
com a temática da pesquisa.
- Abepss Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Elaine
Rossetti Behring, atual presidente da entidade, bolsista de Produtividade em Pesquisa do
CNPq - vel 2, possui graduação (1987), mestrado (1993) e doutorado (2002) em serviço
social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, é professora-adjunta da
40
Quando uso a noção de sujeito coletivo é no sentido de uma coletividade onde se elabora uma identidade, se
organizam práticas através das quais seus membros pretendem defender seus interesses e expressar suas
vontades, constituindo-se nessas lutas” (SADER, 1988, p. 55).
118
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Tem experiência na área de serviço social,
com ênfase em política social, orçamento blico e fundamentos do serviço social, atuando
principalmente nos seguintes temas: serviço social, seguridade social, política social,
assistência social e trabalho. Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas do Orçamento Público
e da Seguridade Social (Gopss) e é membro do Programa Pensamento Social e Realidade
Brasileira na América Latina, bem como do Centro de Estudos Octavio Ianni, a ele ligado, e
ao Procad/Capes, liderado pela UnB e coordenado pela professora na UERJ.
- Fnepas - Fórum Nacional de Educação das Profissões na Área de Saúde
41
. Maurílio
Castro de Matos, representante da Abepss (geso 2009-2010) no Fnepas, possui graduação
(1996) e mestrado (2000) em serviço social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e
doutorado em serviço social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2009).
Atualmente é professor-assistente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e assistente
social da Prefeitura Municipal de Duque de Caxias. Tem experncia na área de serviço
social, com ênfase em política social da saúde e da criança e adolescente, atuando
principalmente nos seguintes temas: formação profissional, exercício profissional, assessoria e
controle social. É o representante da Abepss no Fnepas.
- Rede Unida/Oscip Rede Unida de Desenvolvimento de Recursos Humanos em
Saúde/Oscip
42
. Vera Maria Ribeiro Nogueira, foi integrante da Rede Unida e diretora da
Abepss, integra o Conselho Fiscal da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social, é bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - vel 2 e possui graduação em
serviço social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1967), mestrado na mesma
área pela Pontifícia Universidade Católica de o Paulo (1990), doutorado em Enfermagem
(linha de pesquisa saúde e sociedade) pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002) e
41
O Fnepas - Fórum Nacional de Educação das Profissões na Área de Saúde, criado em julho de 2004,
congrega entidades envolvidas com a educação e desenvolvimento profissional na área da saúde. Atualmente, o
Fnepas é composto pelas seguintes entidades: Associação Brasileira de Educação Médica - Abem, Associação
Brasileira de Enfermagem - ABEn, Associação Brasileira de Ensino Odontológico - Abeno, Associação
Brasileira de Ensino de Fisioterapia - Abenfisio, Associão Brasileira de Ensino de Psicologia - ABEP,
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - Abepss, Rede UNIDA, Sociedade Brasileira de
Fonoaudiologia - SBFa, Rede Nacional de Ensino de Terapia Ocupacional - Reneto, Associação Brasileira de
Hospitais Universitários e de Ensino - Abrahue, Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva -
Abrasco e Associação Brasileira de Ensino Farmacêutico Abenfar”. Disponível em:
<http://www.fnepas.org.br>, acessado em 7 nov. 2009.
42
A Rede UNIDA reúne projetos, instituições e pessoas interessadas na mudança da formação dos
profissionais de saúde e na consolidação de um sistema de saúde equitativo e eficaz com forte participação
social. A principal ideia força da Rede Unida é a proposta de parceria entre universidades, serviços de saúde e
organizações comunitárias. Não se trata de qualquer parceria: trata-se de uma modalidade de co-gestão do
processo de trabalho colaborativo, em que os sócios compartilham poderes, saberes e recursos. Funciona com
uma Secretaria-Executiva, atualmente em Londrina [PR], que procura dinamizar as relações entre os membros,
propondo debates e intervenções organizadas em eventos, e questões relevantes das políticas de saúde e
educação em nosso País.” Disponível em: <http://www.redeunida.org.br/index.php>, acessado em 5 nov. 2009.
119
pós-doutorado na Universidad Autónoma de Barcelona - Departamento de Sociologia -
Seminário de Análise de Políticas blicas - Saps. Professora-adjunta da Escola de Serviço
Social/Programa de Mestrado em Política Social da Universidade Católica de Pelotas e do
mestrado em Política Social do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de
Santa Catarina. Pesquisadora do CNPq. Atualmente é consultora ad hoc do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais. Editora da Revista Sociedade em Debate do mestrado em Política
Social da Universidade Católica de Pelotas. Tem experiência na área de serviço social, com
ênfase em serviço social aplicado, atuando principalmente nos seguintes temas: política de
saúde, direito à saúde, formação profissional, direitos sociais, políticas sociais, saúde em
fronteiras e Mercosul.
- Docente pesquisadora vinculada a área da saúde. Regina Célia Tamaso Mioto,
docente em Serviço Social e ex-diretora da Abepss, atuou intensamente na construção das
Diretrizes curriculares nacionais para o serviço social e esteve presente na Assembleia da
Abepss de aprovação das referidas Diretrizes em 1996, no Rio de Janeiro. É bolsista de
Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2 e possui graduação em serviço social pela
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1973), mestrado em educação pela
Universidade Estadual de Campinas (1989) e doutorado em sde mental pela Universidade
Estadual de Campinas (1994). Realizou s-doutorado na Universidade de Perugia-IT.
Atualmente, é professora-associada da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem
experiência na área de serviço social, com ênfase em serviço social da saúde, atuando
principalmente nos seguintes temas: serviço social, família e proteção social, família e
intervenção profissional e formação e intervenção profissional.
4.2 Os discursos dos sujeitos da pesquisa: formação profissional
e o trabalho em saúde
O termo currículo vem do latim curriculum e traduz a ideia de carreira, percurso, lugar
onde se corre, campo (VASCONCELLOS, 2009). A expressão Vitae curriculum foi utilizada
por Cícero (106 a.C. 43 a.C.), grande orador e pensador político romano, e depois em
sermões de Calvino (1509-1564), que lhe deu o sentido de caminhada, que tem um fim e que
passa por determinadas etapas. Tal sentido foi absorvido pelas igrejas protestantes, escolas e
120
universidades e passou a traduzir dois sentidos: percurso individual ou proposta curricular
(HAMILTON, 1992, pp. 32-5).
O serviço social, em sua trajetória profissional, manteve cuidado com o currículo
orientador da formação dos quadros profissionais. Um exame na obra de (1995) sobre
conhecimento e currículo em serviço social auxilia no entendimento de como os modelos de
organização curricular atenderam a determinados objetivos da profissão, de acordo com o seu
tempo histórico. Nesse sentido, Moreira e Silva disseram que o currículo o é um elemento
transcendente e atemporal ele tem uma história, vinculada a formas específicas e
contingentes de organização da sociedade e da educação (MOREIRA; SILVA, 2006, p. 8)
É sob esse prisma que as Diretrizes curriculares aqui abordadas são entendidas:
como produto de um amplo e sistemático debate realizado pelas unidades de ensino a partir
de 1994 (ABEPSS, 1996) e como expressão de um novo contorno jurídico-institucional,
deflagrado na LDB (Lei 9.394 de 20/12/1996), que oportunizou a definição de diretrizes
curriculares para os cursos de graduação.
A concepção de currículo abarca, conforme Vasconcellos,
o conjunto de formulações (representações, saberes, programas, disciplinas e
estruturas) e de experiências (atividades práticas, vivências) propiciadas pela
instituição de ensino para a formão dos sujeitos (educandos, mas também
educadores e comunidade) de acordo com as grandes finalidades que se
propõe expressas no Projeto Político Pedagógico (VASCONCELLOS, 2009,
p. 28 grifos do autor).
O documento Diretrizes gerais para o curso de serviço social Abepss, foi aprovado
em Assembleia-Geral extraordinária da categoria profissional no Rio de Janeiro, dia 8 de
novembro de 1996. Compõe o documento uma breve apresentação em que se recupera o
histórico do processo percorrido pela categoria até a proposta apresentada para as Diretrizes
curriculares. Bem como a justificativa de que os novos perfis assumidos pela questão social
frente à reforma do Estado e às mudanças no âmbito da produção requerem novas demandas
de qualificação do profissional, alteram o espaço ocupacional do assistente social, exigindo
que o ensino superior estabeleça padrões de qualidades adequados (ABEPSS, 1996). São
apresentados como
1) pressupostos da formação profissional: a particularidade do serviço social como
profissão interventiva, a relação do serviço social com a questão social, o agravamento
da questão social frente à reestruturação produtiva do capital, o neoliberalismo e a
reforma do Estado no contexto brasileiro e a determinação do processo de trabalho do
121
serviço social pelas configurões estruturais e conjunturais da queso social
(ABEPSS, 1996);
2) princípios e diretrizes da formação profissional: a) princípios: flexibilidade de
organização dos currículos plenos, rigoroso trato teórico e metodológico da realidade
social e do serviço social, adoção de uma teoria social crítica, superação da
fragmentação de conteúdos na organização curricular, estabelecimentos da dimensão
investigativa e interventiva como princípios formativos, padrões idênticos de
desempenho e qualidade para os cursos diurno e noturno, caráter interdisciplinar,
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, exercício do pluralismo como
elemento próprio da natureza da vida acadêmica e profissional, ética como princípio
formativo e indivisibilidade entre estágio e supervisão acadêmica; b) diretrizes
curriculares: apreensão crítica do processo histórico como totalidade; apreensão da
constituição e desenvolvimento do capitalismo e do serviço social no país, apreensão
do significado social da profissão, apreensão das demandas postas ao serviço social,
exercício profissional respeitando a legislação profissional em vigor;
3) Nova gica curricular: conjunto de conhecimentos insepaveis que se traduzem
em cleos de fundamentação constitutivos da formação profissional, a saber: núcleo
de fundamentos trico-metodológicos da vida social, cleo de fundamentos da
particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira e núcleo de
fundamentos do trabalho profissional. No documento os núcleos são apresentados,
destacando os objetivos e objetos de análise particular de cada um deles. Ainda,
refere-se às matérias básicas que compõem a matriz curricular e possíveis
desdobramentos, destacando as disciplinas, seminários temáticos, oficinas/laboratórios
e atividades complementares. Contém um conjunto de matérias básicas propostas:
sociologia, ciência política, economia política, filosofia, psicologia, antropologia,
formação sócio-histórica do Brasil, direito, política social, acumulação capitalista e
desigualdades sociais, fundamentos históricos e teóricometodológicos do serviço
social, processo de trabalho do serviço social, administração e planejamento em
serviço social, pesquisa em serviço social e ética profissional. Por fim, apresenta as
atividades indispensáveis integradoras do currículo: o estágio supervisionado e o
trabalho de concluo de curso.
4) Observações e recomendações: carga horária mínima do curso, tempo mínimo e
máximo para integralização do currículo, abertura às IES de aproveitamento de estudo,
garantia de maior carga horia às disciplinas de serviço social, defesa do mesmo
122
padrão de qualidade para cursos diurno e noturno, enfoque na necessidade de prever e
sistematizar as atividades complementares, o total da carga horária mínima do curso
que o esgio supervisionado deve traduzir (15%) e a determinação do prazo de dois
anos, após aprovação do MEC, para sua implantação.
Em 2001, as Diretrizes foram parcialmente aprovadas pelo MEC, que apresentou
algumas alterações com sensíveis reflexos no campo da formação, tematizados no presente
estudo e abordados pelos sujeitos da pesquisa posteriormente. Após a aprovação, os cursos de
serviço social no Brasil passaram por processos de reestruturação curricular, atendendo às
novas orientações. Embora tenha sido objeto de análise anterior, é bom relembrar que as
Diretrizes foram implementadas no contexto da reforma do Estado de forma geral e da
reforma universitária de maneira particular, momento em que ocorreu a expansão de cursos
superiores no Brasil, marcadamente privados. Em relação aos cursos de serviço social o
triênio 2002-2004 merece destaque, uma vez que o número de cursos novos no País passou
de 112 para 162, ou seja, teve um aumento de 69,1% (SCHMICKLER; RIBEIRO, 2006, p.
463).
Em um processo de crescente expansão dos cursos e com uma proposta de formação
profissional diferenciada, tanto teórica quanto metodologicamente, as discussões e debates em
torno da implementação da proposta das Diretrizes não conseguiram atingir de maneira
uniforme todas as IES. Em alguns cursos novos implantados nesse período, não foi possível
nenhum apoio ou suporte nesse momento importante, que é a constituição da matriz curricular
e de um projeto político-pedagógico que sedimente as Diretrizes e princípios do documento.
Inevitavelmente, inúmeros equívocos e prejuízos foram sentidos pela categoria profissional,
com os quais se convive até o presente momento, conforme as avaliações lideradas pela
Abepss têm demonstrado.
Dessa forma, merece destaque o debate acadêmico e das vanguardas profissionais
como orientadores e sistematizadores desse processo. Conforme se aprende com Vásquez,
nas condições específicas da sociedade dividida em classes antagônicas, o patrimônio
cultural, de que é parte a herança filosófica, o é possível por igual para as classes
dominantes e para as classes oprimidas (1968, p. 305); condições objetivas e históricas de
vida e de formação conformam as posições de determinados sujeitos em relação à própria
profissão. Não se pode ignorar o conteúdo de classe presente na constituição do intelectual.
Ainda com Vásquez, é notório que os intelectuais formados nas instituições da classe
123
dominante têm possibilidade de aproveitar o legado cultural existente e reelaborá-lo num ou
noutro sentido (1968, p. 305).
Nessa direção, a partir do discurso particular dos indivíduos pesquisados neste
trabalho, pretende-se, reconhecer esses sujeitos como históricos e ideológicos, em que suas
afirmações são recorte das representações de um tempo histórico e de um espaço social.
Dessa forma, como ser projetado num espaço e num tempo orientado socialmente, o sujeito
situa seus discursos em relação ao discurso do outro (BRANDÃO, 2004, p. 59).
Respeitando essas primeiras considerações, para análise da pesquisa desenvolvida para
esse estudo partiu-se das categorias serviço social e formação profissional Diretrizes
curriculares nacionais para os cursos de graduação. (implantação, avaliação, dificuldades e
desafios) e formação de recursos humanos para saúde formação profissional do assistente
social e sua condição de trabalhador da saúde.
Na primeira categoria de análise eso presentes os questionamentos referentes ao
processo de discussão para a construção das Diretrizes curriculares para os cursos de
graduação em serviço social, seus resultados, dificuldades e desafios, traduzidos em uma
tentativa de avaliação particular do documento e de seu processo de implementação.
A segunda categoria de análise contempla as reflexões oriundas do serviço social no
conjunto das profissões da saúde e sua participação nas discussões sobre os recursos humanos
nesta área. Ainda, contemplou o projeto de formação profissional e o trabalho na saúde,
tomando como referência as competências e habilidades do assistente social, preconizadas na
lei que regulamenta a profissão.
Os sujeitos são identificados pelos vínculos com as entidades representativas
envolvidas na pesquisa e na discussão da temática, como a seguir, ex-Rede Unida (Vera
Maria Ribeiro Nogueira, foi diretora da Abepss), Presidente/Abepss (presidente atual da
entidade Elaine Rossetti Behring), Representante/Fnepas (Maurílio Castro de Matos
representante da Abepss no Fnepas) e docente/pesquisadora (Regina Célia Tamaso Mioto, ex-
diretora da Abepss com produção vinculada a área da saúde).
124
4.2.1 Serviço social e formação profissional Diretrizes curriculares
nacionais para os cursos de graduação (implantação, avaliação,
dificuldades e desafios)
A construção das Diretrizes curriculares seguiu a marca que o serviço social foi
imprimindo ao longo da história da profissão no Brasil: o debate permanente e democrático.
Todos os sujeitos da pesquisa frisaram a importância de construir uma proposta coletiva em
torno de um projeto de formação profissional, materializada nas oficinas regionais, que foram
os espaços por excelência de debate da categoria quanto às mudanças na graduação. Suas
experiências nessas oficinas, sua compreensão sobre o debate e seus desdobramentos refletem
o momento do serviço brasileiro e as intencionalidades e apostas que compõem as atuais
Diretrizes.
Para ex-Rede Unida, o grande mérito das Diretrizes curriculares foi assegurar a
presença de um conjunto de matérias e disciplinas na matriz curricular. Para ela, a grande
questão posta no documento, que carece de debate, é a da intervenção profissional:
o Serviço Social é uma profissão de intervenção, então nós temos que
qualificar para a intervenção, todo o aparato teórico, metodológico, ético,
político vai ser para subsidiar a intervenção /.../. A intervenção para os
profissionais... algum grupo que acha que vo, tendo uma referência teórica
fundamental, você capacita e está tudo pronto para a intervenção, eu tenho
uma posão um pouco contrária a isso. Isso é fundamental, é claro, vo
precisa ter gente qualificada teoricamente, muito bem qualificada, para poder
fazer uma intervenção de qualidade, mas aqui tem um salto que me parece
que não vem sendo cumprido, não vem sendo atendido, porque quando a
gente começou as Diretrizes curriculares foi um processo de avaliação,
naquela ocasião, muitíssimo interessante, também porque nós fazíamos
oficinas locais, foram mais de 600 oficinas feitas no País. O pessoal se sentiu
muito comprometido com as Diretrizes, foi uma construção bem coletiva
mesmo, mas depois, na operacionalidade caiu, voltou a discussão do bendito
processo de trabalho, que ocupou um tempo imenso da profissão, da
discussão temática da profissão, dos eventos, e depois cada unidade de
ensino (UE) foi fazendo do jeito que achava, não alterou nada, não alterou
nem estágio, não alterou coisa nenhuma, acho que foram poucas as
experiências inovadoras e me parece que continua a mesma questão, o
mesmo problema. (ex-Rede Unida, em entrevista realizada para esta
pesquisa.)
Em análise muito próxima, a docente/pesquisadora também apontou o momento de
discussão das Diretrizes como espaço marcado por debates e grandes movimentações.
Foi um processo de revisão, eu acho, importante, porque ele vinha na
contramão daquela visão teoricista do serviço social que tinha sido colocada
pelo currículo de [19]82. E eu acho que quem participou e aí eu coloco um
125
pouco, vamos dizer, da vanguarda, dos assistentes sociais, dos professores,
da Abepss, eles estavam muito preocupados com a questão da intervenção
profissional (Docente/pesquisadora, em entrevista realizada para esta
pesquisa).
Assim como para ex-Rede Unida, a docente/pesquisadora destacou, como ressalvado,
a discussão da relação entre serviço social e trabalho. Para ela, na tentativa de dar uma
sustentação teórica à condição de profissão interventiva, o serviço social ao trazer essa
temática para o debate em um momento em que o havia amadurecimento em termos de
corpo teórico, trouxe um grande problema para a profissão: a categoria ansiou por delegar
ao exercício profissional, à intervenção, um papel de destaque na nova proposta de formação,
mas acabou gerando um debate no campo acadêmico que complicou muito a questão dos
procedimentos e de como encaminhar, de verdade, a mudança curricular nos cursos”. E,
continua, isso foi um período muito difícil justamente para a gente tentar operacionalizar o
que estava proposto nas Diretrizes, e aqui eu enfatizo muito a questão do exercício
profissional (Docente/pesquisadora, em entrevista para esta pesquisa).
A presidente/Abepss abordou a construção das Diretrizes dando ênfase ao grau dos
debates e discussões teóricas travados para a construção do documento. Como parte do grupo
de assessores da Abepss que acompanhou as oficinas, relata que sua memória é de
reuniões enormes no Rio de Janeiro e Pernambuco desse grupo de
assessores. E nós tivemos discussões intensas, uma das grandes discussões
que houve foi em torno da matéria do serviço social. Havia três posições, a
UERJ na época defendia que o extracurrículo deveria girar em torno da
Política Social e da Assistência, a assessora Sueli Gomes defendia uma
posição em torno da queso da proteção social, mas com todo um
fundamento na nova história e no debate da longa duração, e a Marilda
[Iamamoto] colocando o eixo na questão social. Então, nós tivemos que
discutir muito isso, e no final das contas nós da UERJ fomos convencidos de
que o cus da intervenção profissional poderia ser a política social, mas a
matéria é a queso social, aquilo que requisita a política. (Presidente/
Abepss, em entrevista realizada para esta pesquisa.)
Tomadas hoje como produto final desse processo, as Diretrizes curriculares não
podem ser compreendidas como uma ação de determinados grupos ou pessoas com a
finalidade de atender a uma determinação legal, até porque o serviço social deflagrou o
processo de revio curricular bem antes da LDB. Nesse sentido, o relato da
presidente/Abepss é registro vivo da fertilidade no campo teórico, plural e participativo desse
processo de construção. Sob outra perspectiva, a mesma, também ressaltou a questão do
exercício profissional.
E a minha avaliação é de que as Diretrizes curriculares são um grande
salto, sobretudo se elas forem compreendidas plenamente, são um salto no
sentido de equilibrar um pouco mais o exercício profissional com os
126
fundamentos. A formação da década de [19]80 foi uma formação muito
marcada pelo debate do método e o debate teórico que eu acho que gerou
uma certa ênfase na dimensão teórico-metodológica em detrimento da
história e do trabalho, então, eu acho que as Diretrizes produzem esse
equilíbrio entre a dimensão dos fundamentos trico-metodológicos, a
dimensão histórica e o trabalho profissional, principalmente quando se
introduz a questão da inserção do profissional nos processos de trabalho, eu
acho que isso enriquece muitíssimo as possibilidades de interpretação do
exercício profissional, e também de uma compreensão não-corporativa do
fazer profissional. (Presidente/Abepss, em entrevista realizada para esta
pesquisa.)
Nota-se que uma análise divergente entre os sujeitos, ex-Rede Unida,
docente/pesquisadora e presidente/Abepss sobre a questão do exercício profissional e da
intervenção nas Diretrizes, quando pensadas na discussão do processo de trabalho.
A ex-Rede Unida e a docente/pesquisadora, ao situarem o exercício profissional como
o elemento central que deveria ter norteado as Diretrizes, trazem para o debate uma questão
nodal atualmente para a profissão: a discussão do processo de trabalho. De certa forma, os
relatos dos sujeitos de pesquisa apontam com uma tendência que pode ser comprovada na
avaliação das Diretrizes em 2006 e denunciada por Iamamoto em 2007. Assim, conforme
foi dito, ao efetivar “alterações nas Diretrizes curriculares, assunto que sepormenorizado
posteriormente, o MEC trouxe grandes prejuízos para sua implantação, que anunciava a
impossibilidade de garantir um conteúdo sico comum à formação profissional no País
(IAMAMOTO, 2007, p. 446). O exemplo trazido por ex-Rede Unida é a comprovação dessa
realidade, quando, na avaliação da implementação das Diretrizes em 2006, percebe-se que as
dificuldades relacionadas ao eixo serviço social e trabalho apontam: frágil compreensão das
categorias trabalho e processo de trabalho como aporte teórico do serviço social; dificuldade
de entender as implicações teóricas e operativas da utilização do conceito de processo de
trabalho na formação profissional do assistente social; dificuldade para lidar com a dimensão
operativa da profissão a partir do conceito de processo de trabalho; ausência de
transversalidade da discussão de trabalho e processo de trabalho em relação aos estágios e à
prática profissional, dentre outros (ABEPSS, 2008).
Ao focar a discussão no marco trico do processo de trabalho, abriu-se um vácuo” e,
na impossibilidade de preenchê-lo com orientações mais claras e definidas sobre o processo
de trabalho, permitiram-se múltiplas interpretações e discussões sobre a temática, orientadas
pela instituição de ensino ou pelos corpo docente responsável pelas disciplinas, por vezes
equivocadas e/ou fragilizadas.
A presidente/Abepss reconheceu que as Diretrizes curriculares comportam muitos
flancos e incluiu dentre eles o debate sobre o processo de trabalho. Em seu depoimento,
127
expressou o desejo de fomentar a discussão sobre trabalho e processo de trabalho, inclusive
retomar esse embate até para nós fazermos uma publicação que oriente mais as discussões
nas Unidades, esse é um momento das Diretrizes (Presidente/Abepss, em entrevista realizada
para esta pesquisa).
A discussão travada em torno do tema serviço social e trabalho é importante por trazer
para a profissão questões diferenciadas em torno da categoria trabalho, bem como quanto ao
próprio entendimento da utilidade da profissão, do assistente social como um trabalhador e de
suas demandas no contexto do mundo do trabalho. No entanto, como bem expressou a
Presidente/Abepss, muitas temáticas que conformam as Diretrizes curriculares, e como o
conhecimento é amplo demais e a tendência da ciência e de seus cientistas e intelectuais tem
sido, diante da impossibilidade de dominar este todo, agarrar-se a determinados objetos de
estudo, o perigo reside em focar seus recortes e suas próprias linhas de pesquisa. Assim, o
se trata de “julgar” se o debate é pertinente ou não, pois todo debate é, mas de refletir se essa
discussão não está posta para um pequeno grupo, pesquisadores e acadêmicos de uma forma
geral, em detrimento de uma categoria que se utiliza das formulações deste grupo para refletir
e qualificar sua ação profissional. Nesse caso, o excessivo tom academicistaque o debate
sobre serviço social e trabalho tem tomado na profissão deixou de produzir material para
refletir sobre o exercício profissional, ou seja, o trabalho do assistente social. O que, de fato,
tende a fortalecer o isolamento entre a academia e os serviços, e nesse ponto reside o perigo
expresso no radicalismo trico ou prático, em que na supremacia de um sobre o outro há uma
evidente perda para o conjunto dos assistentes sociais que buscam referenciais teóricos
capazes de subsidiar e qualificar sua ação profissional.
Muito próximo ao depoimento da presidente/Abepss está o discurso do representante
Fnepas, que traz uma contribuição importante quando a recuperação da construção das
Diretrizes é registro de sua representação enquanto movimento estudantil, ao contrário de
todos os demais sujeitos. Assim como a presidente/Abepss, retoma o debate a partir das
posições divergentes em torno da matéria do serviço social e destaca a contribuição de
Marilda Iamamoto, inicialmente ao trazer para o debate a questão do trabalho e do processo
de trabalho do serviço social; depois, em sua opinião, a autora avança e identifica que o
serviço social na realidade está inserido em processos de trabalho (Representante-Fnepas, em
entrevista realizada para esta pesquisa).
Acho que foi um momento rico, na minha opinião, claro que o currículo, ele
contempla uma posição, ele não articula, ele não faz um /.../ dessas várias
posições, mas na minha opinião, foi fruto de um discurso, de um processo de
discussão maduro. Ou seja, eu acho que não tem, assim, vencidos e
128
vencedores. Eu acho que a própria categoria, essas inúmeras oficinas que
tive oportunidade de participar, elas construíram, apontaram para uma
direção hegemônica e coletiva, mesmo com todas essas... Eu acho que se
está tão correta essa minha análise, minha opinião, que mesmo com todas
essas polêmicas no meio da categoria profissional, no seio, hoje, a gente tem
uma defesa das Diretrizes com todas as ofensivas, aí, do que o MEC fez com
elas, da sua implementação. (Representante/Fnepas, em entrevista realizada
para esta pesquisa.)
Merece uma análise particular a interferência do MEC na proposta original das
Diretrizes curriculares feita pela Abepss. A presidente/Abepss classifica essas alterações
como perdas irreparáveis:
foram perdas irreparáveis, todo o entendimento que o Conselho Nacional de
Educação tem é de diretrizes praticamente formais, burocráticas, todas as
matérias sram, e algumas coisas de perfil, por exemplo, tiraram a dimensão
ético-política e colocaram conhecimentos de informática. Isso é o mais
terrível que poderia acontecer. Na verdade, na minha opinião, a única coisa
que eles salvaram e que nos favorece é a questão do estágio supervisionado;
todas as outras dimensões foram largamente prejudicadas. E isso causa um
estrago muito grande, porque as unidades de formação acadêmica que se
construíram depois disso e que não participaram desse processo histórico
/.../, a como referência da Abepss, das diretrizes da Abepss etc., enfim
ficam com a referência do MEC, que é uma referência pobre, paupérrima. É
uma violência contra uma área que realizou um debate o importante e que
o conseguiu ser regulamentada. O grande desafio inclusive é difundir as
Diretrizes, capacitar para sua implementação (Presidente/Abepss, em
entrevista realizada para esta pesquisa).
A posição do representante/Fnepas sobre a interferência do MEC nas Diretrizes
curriculares é de que tal ingerência, no aspecto, primeiro, formal, ela é pequena na medida
em que a própria Abepss conseguiu direcionar os avaliadores de curso, ela consegue colocar
essa questão da implementação das Diretrizes (Representante/Fnepas, em entrevista
realizada para esta pesquisa).
O entrevistado ressaltou também um limite posto a qualquer currículo, quando
considerado, de acordo com Moreira e Silva, um artefato social e cultural /.../ colocado na
moldura mais ampla de suas determinações sociais, de sua história, de sua construção
contextual (MOREIRA; SILVA, 2006, p. 7). Nessa perspectiva, o representante/Fnepas
apontou que, além da interferência do MEC, outros elementos postos pela realidade social
brasileira causaram prejuízos ao processo de implantação das Diretrizes, citando a própria
expansão do ensino privado, a necessária articulação entre ensino, pesquisa e extensão,
condições de trabalho, espaço físico, bolsas permanentes para os alunos
(Representante/Fnepas, em entrevista realizada para esta pesquisa).
Então, nesse sentido as Diretrizes não têm sido um avanço, porque as
condições dos trabalhos da maioria das universidades apontam para outro
129
lado, que não esse. Então, você tem um currículo formal, a maioria das
faculdades está tendo várias disciplinas que a gente defende, mas, na
realidade, isso ainda é muito pouco frente à necessidade do processo de
formação profissional como um todo (Representante/Fnepas, em entrevista
realizada para esta pesquisa).
Nesse mesmo sentido, a docente/pesquisadora apontou que a homologação das
Diretrizes curriculares pelo MEC esteve em consonância com o momento da reforma
universitária, a qual via sim uma flexibilização curricular e um interesse bastante grande,
inclusive, na diminuição das horas dos cursos. A formação técnica /.../ vinha toda aquela
discussão logo em seguida, nesse processo, vinha nessa esteira toda dos cursos equivalentes
(Docente/pesquisadora, em entrevista realizada para esta pesquisa).
Quanto ao posicionamento da categoria frente às ofensivas da reforma universitária,
tendo como mote a homologação das Diretrizes, tanto a presidente/Abepss como a
docente/pesquisadora apontaram uma fragilidade das organizações da categoria:
E que na época nós não tivemos uma reação política à altura, inclusive nós
só soubemos que havia perdas eu estava na Presidência do Cfess através
de um texto da professora Marilda Iamamoto, produzido para o Cfess, onde
ela colocou essa questão e que nos deixou... aí fomos conversar com a
Abepss, enfim, ativemos nessa época algumas tensões políticas em torno
dessa queso (Presidente/Abepss, em entrevista realizada para esta
pesquisa.)
Eu acho que o MEC deu a direção que tinha que dar e a profissão e o serviço
social não estavam, não tinham consolidação suficiente para segurar esse
tipo de discussão. Nem sei se poderia ter, mas, em tese, eu acho que não
tinha uma base consensual e de compreensão da profissão no Brasil inteiro.
Inclusive por causa das queses que estavam em discussão. Mesmo a
questão do trabalho: serviço social era trabalho ou não era trabalho? Mesmo
as formas com foi o processo de trabalho do serviço social, daí, “não, não é
trabalho!, “é em serviço social”, “não, é do assistente social”. Então, quero
dizer, eu acho que pegou num momento em que tinha fragilidade no âmbito
da profissão e uma reforma que estava acontecendo e ela acontece
independente de o serviço social se alinhar a ela ou não
(Docente/pesquisadora, em entrevista realizada para esta pesquisa.)
É pertinente destacar no depoimento da docente/pesquisadora a consciência da
limitação do serviço social frente às mudaas mais gerais no cenário do ensino superior.
Embora seja possível admitir que uma maior articulação com outras profissões no processo de
homologação das Diretrizes, bem como a denúncia sobre o posicionamento do MEC à
sociedade de forma geral, mas, sobretudo à categoria profissional, pudessem ter gerado
alguma possibilidade de mudança, é fato que o estado brasileiro e sua forma patrimonialista
de governar têm garantido as suas demandas pela via do autoritarismo e do poder de governo.
Dessa forma, tanto a formação como o exercício profissional do assistente social não
podem ser autonomizados das marcas sócio-históricas da sociedade brasileira, bem como das
130
atuais transformações societárias. Nessa dirão, ganha centralidade a discussão da
intervenção social. Yasbek ressalta que, na medida em que o assistente social vai se firmando
como um profissional da interveão, a profissão busca atualizar-se, redefinindo seus
procedimentos e estratégias de ação, adequando-se às novas demandas e redefinições do
mercado de trabalho (2004, p. 18).
As questões da intervenção e do exercício profissional são uma constante no discurso
da ex-Rede Unida e da docente/pesquisadora. Estão presentes em suas análises o
reconhecimento da densidade teórica das Diretrizes, sua construção democrática e coletiva,
sua consonância com o código de ética e a lei que regulamenta a profissão, enfim, partes
constitutivas do documento que permitem uma avaliação positiva dele, mas que por si s não
garantem a formação de qualidade pretendida e menos ainda projetos pedagógicos
inovadores:
o meu conhecimento, pelo contato com os profissionais, que eu também
tenho tido muito contato, e mesmo de avaliar cursos, porque eu avalio curso,
sou avaliadora, e quando eu avalio os cursos eu fico vendo como esses
alunos aprendem a fazer serviço social, eles aprendem a ser de uma maneira,
a intervenção... mesmo quando você pega os relatórios de estágios, os planos
de estágio, é de uma fragilidade, de uma inconsistência, um senso comum,
uma repetição de palavrório que não diz nada, eles não conseguem extrair do
real aquilo que é o chão da profissão, que é o chão da intervenção
profissional. /.../ eu faço uma crítica tamm de como os alunos continuam
sendo formados a partir dos campos de estágio, a formação da ação
profissional é no campo de estágio, não é pela universidade, por mais que se
tenha tentado. (ex-Rede Unida, em entrevista realizada para esta pesquisa.)
A formação profissional tem um papel importante e decisivo na direção social que a
profissão quer imprimir à sua atuação no real, ou seja, na sociedade em que es inserida.
A qualificação profissional é uma construção individual, coletiva e contínua e,
portanto, é inacabada (PEREIRA; RAMOS, 2006, p. 21). Sendo assim, considerando os
espaços de qualificação diferenciados, universirios, comunitários, movimentos sociais,
serviços, assim como os sujeitos envolvidos neste processo, eles o podem ser analisados da
mesma forma, devem ser considerados em suas particularidades, bem como o alcance de seu
potencial educativo mediante as condições objetivas (e subjetivas) do sujeito aprendiz.
Qualificar o serviço é qualificar a formação profissional.
Embora esteja contemplada nas Diretrizes curriculares a diversidade de espaços
formadores, o que se tem presenciado é que poucas instituições têm investido nesse quesito,
considerando-se o fato de que a maior parte das IES privadas não possui grupos ou núcleos de
extensão (ABEPSS, 2008). Postergam, dessa maneira, momentos importantes no processo de
ensino-aprendizagem. Tal informação é relevante quando a distribuição de IES por categoria
131
administrativa revela a supremacia do setor privado (com 89% das instituições, contra 11%
públicas, divididas entre federais 4,6% , estaduais 3,6% e municipais 2,7%). É
importante salientar que estão incluídas aqui todas as IES que oferecem cursos de graduação
(presencial e a distância) (INEP, 2009, p. 6). Dessa forma, ocorreria uma escie de
naturalização da perspectiva do estágio como a única forma de relação teoria versus prática
no contexto do serviço social.
O estágio é de uma potencialidade alta, porém, isoladamente, torna-se fragilizada.
Ademais, há a persistência de construir uma política de estágio restringindo-se a questões
jurídicas, normativas, e desprivilegiando a sustentação desse processo; ou seja, o rompimento
com as visões parciais e fragmentadas da experiência profissional e a capacidade de produzir
vivências mais orgânicascom os serviços, para que possam gerar conhecimento, pontos a
ser alcaados no longo prazo. A atual gestão da Abepss assumiu a tarefa de construção de
uma política nacional de estágio, que contempla essa perspectiva e está em processo de
discussão
43
. Conforme relato:
Mas nós, nessa geso da Abepss, nós resolvemos atacar pelo estágio, porque
o estágio é uma disciplina-síntese da formação profissional, todos os
problemas da formação estouram no estágio, em vista dos conteúdos, da
articulação, da teoria prática, dimensão da ética, e segundo porque uma
regulamentação no Congresso Nacional que já foi sancionada sobre o estágio
e também a resolução do Conselho Federal de Serviço Social. Então, a gente
achou que era importante a Abepss orientar as universidades, nesse momento
em que inclusive a legislação do Congresso coloca a questão do estágio não-
obrigatório. É como algo a ser acompanhado do ponto de vista acadêmico,
isso não cabe nos projetos pedagógicos de várias Unidades de Formação
Acadêmica (UFA), inclusive que não têm quadros docentes para fazer esse
acompanhamento. É um debate quentíssimo, nós estamos soltando um
documento-base agora, nesse mês, está começando a circular, a ideia de
fazer oficinas regionais e esse debate culminar em uma oficina nacional que
vai aprovar uma política nacional de estágio (Presidente/Abepss, em
entrevista realizada para esta pesquisa).
Por outro enfoque de análise sobre o estágio, a ex-Rede Unida aponta como,
contraditoriamente, o estágio pode produzir uma desigualdade na formação profissional,
quando os limites reais, seja do número de campos de esgio, pela sua qualidade diferenciada
ou ambos os casos, direcionam aos melhores campos os melhores alunos mediante processo
de seleção, relegando um mero alto de estudantes a estágios de baixa qualidade. Para ela,
no campo de estágio aquele profissional que é atuante, interessado, compromissado; esse
profissional iria fazer isso mesmo, formar os alunos no seu perfil, e formava bem, mas, em
43
Para mais informações, ver: <http://www.abepss.org.br/briefing/graduacao/politica_nacional_estagio.pdf>,
acessado em 10 fev. 2010.
132
uma classe de 40 alunos, você tem 10 que o ter esse estágio, e os outros 30 você tem que
colocar num lugar que os aceite (ex-Rede Unida, em entrevista realizada para esta pesquisa).
Essa é uma queso de grande importância para pensar a política de estágio sobretudo
como uma política que contemple as diferenças de natureza das instituições. O setor privado
exerce grande pressão sobre a questão do estágio, pois, se, por um lado, tende a ter menos
campos de estágio próprios, por outro, em muitos casos os estágios são a garantia de bolsas de
estudo que são revertidas ou garantem o pagamento de mensalidades escolares. Dessa forma,
ao pensar sobre o ensino da prática e o estágio supervisionado, é exigida, conforme
Vasconcelos (2009), a reflexão sobre o projeto político-pedagógico da instituição, pois é
muito difícil pensar no currículo sem articulá-lo com as funções das instituições de ensino. E
é fato que existem, independente dos docentes assistentes sociais, muitas instituições de
ensino que assumem para si a política de estágio, vinculando-a imediatamente à queso do
mercado, ou seja, o estágio a serviço do “contratante”.
Uma tentativa de garantir certa padronização da formação profissional pelo estágio foi
realizada em Florianópolis (SC), segundo relato de ex-Rede Unida; em linhas gerais, balizou-
se pela premissa de que quem ensina é a universidade, por intermédio de campos de estágio e
de oficinas organizadas a partir das competências e habilidades exigidas pela profissão e
transformadas em conteúdos teóricos e práticos que servirão de fundamento para o agir
profissional, ou seja, nesse formato, o aluno não iria mais aprender no estágio, mas sim
praticar (ex-Rede Unida, em entrevista realizada para esta pesquisa). Essa experiência foi
resultado de uma pesquisa da referida professora sobre o processo de formação de outras
profissões.
Quem tem estágio assim como nós? Eu fui ver. Eu percebo que algumas
áreas profissionais davam toda a formação e todas as habilidades, as
habilidades exigidas para as competências pela universidade, pelo curso, e
depois o aluno ia fazer o estágio como se fosse um estágio profissional já, só
que ele não era um profissional, ele ficava sob a supervisão de um
profissional, só que formalmente ele teria todo conhecimento necessário para
a ação. Mudou a natureza do estágio, ele não iria mais no estágio para
aprender, porque já tinha aprendido na universidade, mas ele ia para praticar
sob a supervisão de um profissional para dizer se ele está apto ou não. Isso
acontecia no sétimo período, no oitavo período ele voltava para o
departamento para fazer um fecho de tudo isso. (ex-Rede Unida, em
entrevista realizada para esta pesquisa.)
Assim como o discurso construído pela experiência é particular, também serve para
demonstrar certas regularidades. Tematizar sobre as necessidades de mudanças nos projetos
formadores e nos processos educativos pode significar transitar por uma zona de instabilidade,
em que as coisas têm obrigatoriamente de sair do lugar e ser revistas, comprovando a ideia de
133
que propostas consolidadas e de estruturas muito rígidas se tornam muito difíceis de ser
vencidas, como os currículos, as orientações didáticas, as metodologias de ensino etc.
Romper com o discurso genérico da formação profissional de qualidade, partindo da
compreensão de que a formação se no contexto das relações sociais e deve se pautar por
elas, tomando como mote “a formação de caráter sico, sem ele a formação específica e
profissional pode se tornar puro adestramento” (MOTTA, 1994, p. 111) e avançar para uma
formação profissional para o serviço social na perspectiva da totalidade: ensino público de
qualidade; políticas educacionais consolidadas; garantia de financiamento e suporte à gestão
são temas que ainda carecem de investigação particularizada e produção de conhecimento
capazes de fomentar novas experiências e substanciar o debate sobre o estágio. Como aponta
Gentilli (2000), os desafios postos à formação profissional pelas Diretrizes curriculares são
muitos e passam por diferentes olhares.
Para atender às demandas postas na perspectiva hoje defendida, entende-se
que as disciplinas e as matérias da grade curricular precisarão levar em conta
não só os eixos teóricos básicos da formação arrolados pelo novo currículo,
mas também serem estabelecidos fundamentalmente novos padrões de
ensino, de diálogo e de parcerias com o conjunto da categoria, e não só com
as lideranças e instituições representativas (GENTILLI, 2000, p. 147).
Nesse sentido, o estágio, como parte do denominado ensino da prática”, deve ser
entendido e valorizado, porém, não deve ser visto como o único momento de aproximação da
relação entre teoria e prática.
As disciplinas devem se constituir em laboratórios intelectuais, as oficinas
em espaços de reflexão crítica e produção de novos conhecimentos. É no
tripé: qualificação profissional/mercado de trabalho/entidades da categoria
que a formão profissional deve responder, daí que a formação profissional
no interior da ordem capitalista se constitui uma resposta política
(GUERRA, 2000, p. 160).
Tomando como suporte tais reflexões, é possível identificar o processo de formação
profissional como desencadeador de parte das convicções, conhecimentos técnicos e
habilidades, o que torna fundamental a questão das Diretrizes curriculares na medida em que
expressa um projeto de formação.
Nesse sentido, a avaliação da ex-Rede Unida foi a de que
a perspectiva teórico-metodológica é excelente, e é essa que nós devemos
seguir. Agora é aplicar isso nas nossas pesquisas sobre o exercício
profissional... a capacidade interventiva nossa só vai se ampliar, só vai ter
essa densidade teórica quando nós nos debruçarmos um pouco mais sobre a
intervenção profissional, com esse olhar mantido nas Diretrizes curriculares.
É isso que eu acho que está faltando um pouco colocar (ex-Rede Unida, em
entrevista realizada para esta pesquisa).
134
Na mesma direção, a docente/pesquisadora reconheceu a pertinência da matriz teórico-
metodológica utilizada, a adão do princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão, mas acrescentou, de acordo com sua visão, uma limitação das Diretrizes, que é a
questão da intervenção profissional.
Ela é uma profissão que ainda tem problemas de fazer essa ponte, de se
reconhecer embora seja, ela tem dificuldades de se reconhecer como um
profissional da prática /.../. Eu acho que desde a reconceituão o grande
desafio é fazer uma profissão que tem um caráter interventivo, mas
fundamentada em bases teórico-metodológicas de sustentação. Então vamos
dizer, é esse trânsito entre teoria e prática e que conhecimento se constrói
através disso, para dar o corpo para a profissão. (Docente/pesquisadora, em
entrevista realizada para esta pesquisa.)
Com uma avaliação enlaçada em estratégias, a presidente/Abepss viu o momento atual
das Diretrizes como uma atuação em duas frentes: primeiro retomar o debate com o MEC
para tentar emplacar as Diretrizes novamente considerando todo o debate que temos
(Presidente/Abepss, em entrevista realizada para esta pesquisa); segundo, com as unidades de
ensino, no sentido de difuo e capacitação para a correta implantação das Diretrizes.
Acrescentando, o representante/Fnepas avaliou que as Diretrizes curriculares tendem
a permanecer como referência. No entanto, tematizou sobre o perigo do esvaziamento delas,
no sentido da sua banalização enquanto tradução de um projeto de formação profissional.
Como exemplo, mencionou os cursos a distância e suas matrizes curriculares, que comportam
todas as orientações e disciplinas propostas nas Diretrizes, e ressaltou que o conteúdo de
uma disciplina o é feito apenas em sala de aula, com quadro e giz (Representante/Fnepas,
em entrevista realizada para esta pesquisa), reforçando a importância do ensino presencial, da
universidade, do professor e do coletivo. Ainda, apontou a formação cultural necessária para a
absorção e apropriação de muitos conteúdos presentes e orientadores das Diretrizes, como o
marxismo, e também a questão da própria capacitação docente.
Então, acho que a gente vai ter um projeto formal que vai ser real em
algumas unidades, em outras ele não vai ser implementado porque não são
apenas as Diretrizes, a forma e conteúdo das disciplinas, mas é um contexto
de ensino que a gente tende cada vez mais a não ter (Representante/Fnepas,
em entrevista realizada para esta pesquisa).
De todo o exposto até aqui, evidenciou-se que as Diretrizes curriculares nacionais
para os cursos de serviço social do Brasil têm a marca de um processo social, construído pela
categoria profissional como resposta a uma permanente inquietação em relação à formação
profissional de qualidade. Todavia, demonstrou-se que o documento possui limites impostos
pela realidade social brasileira, particularmente em um contexto de sucateamento e
privatização do ensino blico superior e também por características da própria profissão que
135
vão trazendo novas questões que se incorporam às que estiveram presentes em seu início.
Esse constante movimento de reflexão demonstra que muito foi feito em termos de formação
profissional do serviço social, mas ainda muito a fazer.
São várias as demandas postas e aqui apenas apresentadas. Elas engendram um
mosaico de temáticas a serem pesquisadas, por exemplo, a interferência da precarização do
ensino público na formação do assistente social e as respostas ou participação que a profissão
tem dado a esse problema; ainda, a queso da formação dos docentes assistentes sociais,
tanto teórica quanto pedagogicamente; a impossibilidade, diante da atual forma de geso das
entidades da profissão, de acompanhar, assessorar e fiscalizar os cursos de serviço social
nesse imenso País que é o Brasil. Enfim, como a formação é um processo interminável, assim
também são suas frentes de trabalho, o que impõe ao serviço social a urgência de pactuar cada
vez mais seu projeto de formação profissional com toda a categoria, não como mero
coadjuvante, mas como partícipe.
4.2.2 Formação de recursos humanos para a saúde formação
profissional do assistente social e sua condição de trabalhador em
saúde
A ex-Rede Unida tomando como referência para pensar o assistente social enquanto
um trabalhador em saúde as oficinas regionais decorrentes do convênio de Cooperação
Técnica entre o Ministério da Saúde e a Abepss, por intermédio do Projeto Serviço Social:
Interfaces com a Saúde aponta que este Projeto tinha como intencionalidade fortalecer um
núcleo que pudesse ser polarizador dessa capacitação em política de saúde (ex-Rede Unida,
em entrevista realizada para esta pesquisa). Retomando sua participação no processo, ela
relatou que suas contribuições nesses espaços caminhavam pelo eixo da integralidade.
Como é que o Servo Social entra na perspectiva da integralidade? E,
argumentando como essa nova concepção de saúde que vem da Constituição
brasileira abre um outro campo para o serviço social: favorece a entrada do
serviço social como um outro estatuto profissional na atenção à saúde, que
até o momento era muito para médicos, eu sempre trabalhei na área da saúde
e posso dizer isso. Na hora em que entra essa nova dimensão da própria
concepção de saúde, dos determinantes sociais, tudo isso, no meu
entendimento, abre uma possibilidade de a gente ingressar como profissional
de saúde com estatuto mais qualificado, com campo mais definido, mais
especificado de quais são as nossas funções, no mesmo patamar das outras
profissões, e não de uma profissão subalterna como sempre foi,
136
subalternizada como sempre foi. Então, nós fizemos e discutimos, ainda
assim, como entraríamos nesse eixo da integralidade com uma ideia de
promoção de saúde, não a promoção de saúde naquela concepção anterior,
mas sim a promoção de saúde entrando tanto na atenção primária, na
secundária e na de alta e média complexidade. (ex-Rede Unida, em
entrevista realizada para esta pesquisa.)
Uma questão importante que a entrevista com a ex-Rede Unida apontou foi a
importância da participação de pesquisadores e profissionais do serviço social na área da
saúde, nesse espaço. Em seu relato, destacou o quão os seminários na região Sul foram
concorridos, mobilizando muitas pessoas. Ainda, citou como resultado desse forte impacto
que as atividades desencadearam na referida região a criação de um blog, In-formão
continuada em serviço social e saúde, em funcionamento até hoje, sob responsabilidade da
Unisinos - RS
44
.
Tal fato aponta para um quadro que oscila em direções opostas. Por um lado, a
presença de pesquisadores e profissionais atuantes na sde densidade às discussões sobre
a profissão e a área e pode, inclusive, como no caso da região Sul, desencadear ações e
propostas concretas para tais questões, o que notoriamente é um avanço. Por outro, torna o
processo de discussão da área altamente dependente de tais atores e, daí, pode privar os
estudantes, docentes e profissionais do serviço social de espaços e condições de ampliar as
reflexões sobre a temática. Associando essa hipótese aos dados da última pesquisa feita pela
Abepss segundo a qual, das 102 UE que responderam à pesquisa, em 36, ou seja, em 35%
não havia oferta de nenhuma disciplina relacionada à saúde (UCHÔA, 2007, p. 192) , é
possível perceber que os processos formadores são, em sua materialidade, dependentes de sua
expressão formal, seja nos documentos e legislações nacionais ou nos projetos pedagógicos
das UE, mas dependem de condições muito particulares, marcadas pela trajetória das próprias
instituições e sua vinculação com a temática, por intersões geográficas, intelectuais e
laborais (assim, tende a depender da existência de um grupo de pesquisadores ou de
profissionais consolidados na área). Trata-se, portanto, de conjugar a formação generalista a
um campo particular de ação, dentro de um mosaico de realidades que compõe o mapa das
IES no Brasil, considerando suas diferenças regionais e de própria natureza jurídica.
44
Sobre a história da fundação do blog e seus objetivos, Dias e Maia (2006) esclarecem: Estamos
sistematizando uma ferramenta que possa dar visibilidade aos temas e experiências referentes à saúde em serviço
social. Nosso propósito é formar um grupo para articulação on-line, demanda advinda do "Seminário Serviço
Social - Interfaces com a Saúde" realizado na cidade de Florianópolis, nos dias 5 a 7 de julho deste ano, para
articularmos experiências profissionais dos assistentes sociais na área da saúde. Nesta perspectiva, estamos
criando o Grupo: In-Formação continuada em serviço social e saúde grupo autogestionário de informação e
formação dos assistentes sociais para a afirmação da saúde, enquanto política pública. Disponível em
<http://s.socialesaude.zip.net/arch2006-09-10_2006-09-16.html>, acessado em 11 jan. 2010.
137
O representante/Fnepas problematizou os dados da pesquisa da Abepss realizada em
2006 ressaltando os prejuízos que esta defasagem pode trazer a um profissional de
característica eminentemente interventiva, do qual a gente cobra também um papel
intelectual, portanto ser assistente social o é tarefa fácil (Representante/Fnepas, em
entrevista realizada para esta pesquisa).
Essa dependência do sujeito profissional para o desenvolvimento acadêmico da área se
repetiu na fala da presidente/Abepss, quando emitiu sua posição sobre a permanência do
serviço social no conjunto das profissões da saúde. Para ela, a visualização do assistente
social como um profissional da saúde é positiva, desde que não seja visto como profissional
exclusivo dessa área,que sua atuação passa pelo enfrentamento da questão social.
Agora, esse reconhecimento do [profissional de] serviço social como
membro da equipe ampliada da saúde, eu acho que é fundamental para nós,
em termos de reconhecimento, de articulação política também, de ruptura
com subalternidades que existem, pelo menos por criar condições de ruptura
com esse ambiente na saúde que muitas vezes privilegia a área dica, a
enfermagem, e os outros profissionais que fazem parte de uma equipe
multiprofissional ficam um pouco de lado (Presidente/Abepss, em entrevista
realizada para esta pesquisa).
É no discurso sobre a formação generalista que as determinações individuais dos
sujeitos profissionais foram destacadas. Para a presidente/Abepss a formação generalista
oferecida pelas Diretrizes curriculares contribui para a atuação em qualquer esfera e não é
incompatível como aprofundamento em determinadas áreas. O importante, segundo a
entrevistada, é o assistente social saber mobilizar as ferramentas que recebe com as Diretrizes.
Mas essas ferramentas que ele adquiriu aqui, nesse momento generalista, é
que vão permitir que ele tenha análise da correlação de forças, das
possibilidades institucionais, que ele tenha um olhar mais rico para extrair a
riqueza da própria realidade e transformar isso em ões concretas dentro de
um projeto de trabalho. Agora, isso é o que nós desejamos, é o perfil que nós
queremos alcançar, mas nós sabemos que as condições também, na saúde e
fora da saúde, nem sempre propiciam esta possibilidade. Então, vai depender
muito dessa capacidade de articulação do profissional, e eu acho também
que nem sempre a sala de aula fornece isso: muitas vezes é necessário algum
nível de participação política (Presidente/Abepss, em entrevista realizada
para esta pesquisa).
Avançando na discussão acerca da própria identidade do assistente social trabalhador
em saúde, o representante/Fnepas defendeu esta posição utilizando como referência o texto de
Dalva Costa (2006), mencionado neste trabalho, quando a autora confronta o discurso de
desqualificação do trabalho na área e a crescente solicitação desse profissional no SUS.
Porque ele é um profissional que domina toda a instituição de saúde, ele sabe
atender à população e mobilizar os recursos necessários ou a realização de
138
alguma prática educativa, ele tem que conhecer a dinâmica da política de
sde, ele tem que conhecer a dinâmica da instituão, ele tem que conhecer
o papel dos outros trabalhadores. Então, ele integra, nesse sentido, um
trabalho coletivo na área da saúde (Representante/Fnepas, em entrevista
realizada para esta pesquisa).
A convivência em processos de trabalho coletivo em sde deve ser pensada na
permanência do controle de uma categoria: os médicos (NOGUEIRA, 1990). Portanto, as
ações o construídas no contexto de relações de poder profissional e cnico, rigidamente
definidas.
A posição da docente/pesquisadora sistematizou essa questão. Além da experiência de
trabalho acumulada na área, a entrevistada acompanhou recentemente a Residência
Multiprofissional em Saúde da Família da UFSC e, tendo como referência todo essa
proficiência na área, creditou ao assistente social todas as condições e requisitos para ser
considerado um trabalhador em saúde (sobretudo quando pensada a saúde como condições de
vida) e, dessa maneira, sua formação contempla a perspectiva da sde.
que, contraditoriamente, por ele não ter uma formação que trabalhe com
essa questão interventiva, que trabalhe sobre aquilo que ele faz, que discuta
as questões, por exemplo, da saúde, faz com que ele seja um profissional que
não consegue se colocar muito na equipe de saúde (Docente/pesquisadora,
em entrevista realizada para esta pesquisa).
Para ela, essa dificuldade que não é exclusiva de nenhuma área da sde, mas perpassa
a queso da formação profissional como um todo, podendo, no contexto da saúde, acabar
gerando dois tipos de profissional: aquele que
todo mundo reconhece o trabalho, mas ele não tem o reconhecimento
enquanto um profissional de discussão, de proposta, ou aquele que fica
muito preso num discurso do projeto ético-político, da questão dos
fundamentos e, [em relação à] equipe, ele fica no ostracismo, porque a
equipe não consegue se apropriar daquilo e não tem um caminho de
interlocução (Docente/pesquisadora, em entrevista realizada para esta
pesquisa).
Diante dessa constatação, merece destaque uma ponderação de Rosendo (1999) sobre
a forma como se “ensina saúde” e que auxilia no entendimento do peso de características
pessoais, para o dizer ideais, que incorrem sobre um determinado profissional.
Para o ensino superior, o mais importante é o domínio do conhecimento
referente à sua área de atuação: a formação didática não seria necessária,
porque os alunos universitários por serem adultos, por se submeterem a
rigorosa seleção, e por estarem motivados pela profissionalização ao final do
curso estariam a priori” preparados para aprender sozinhos (ROSENDO,
1999, p. 15).
Sendo assim, a profissão, no contexto contemporâneo do trabalho em saúde, tem o
desafio de criar um projeto de formação audacioso, capaz de influir nas relações com os
139
usuários e com os demais trabalhadores, “assim como na capacidade de pensar o cotidiano
mais imediato, mas também o próprio sistema de sde e o Ps no qual existe e trabalha”
(PEREIRA; RAMOS, 2006, p. 11).
Como se percebe, são muitas as exigências postas à formação do conjunto dos
trabalhadores em sde e estas o enfrentadas por respostas coletivas em espaços
estratégicos como runs de discussão e congressos, entre outros, e particularmente nos
projetos pedagógicos da cada UE.
E como se posiciona o serviço social nesse processo?
Conforme os depoimentos, foi evidenciada uma concorncia com a permanência dos
assistentes sociais como trabalhadores em saúde, portanto, também desafiados a formar RH
para o SUS. É nesse momento que a questão da formação generalista merece ser destacada. A
alocução de ex-Rede Unida ressaltou a compreensão e a vitalidade que essa condição de
formação traz ao serviço social, mas destacou a importância de aproximá-las ainda no
contexto da graduação e citou para isso a própria atuação na saúde.
Nós entendemos como é que nós entramos nessa perspectiva, como é que
nós contribuímos com a integralidade /.../ nós temos assim um leque de
ações nesse campo da saúde que precisa ser reposto, e não só fazer uma
leitura do que faz, mas por que faz. Como é que, técnica e teoricamente,
você justifica esse fazer no campo da integralidade, por onde vai isso? Nós
colocamos o direito, nós trabalhamos na construção da cidadania, e aí o que
é isso na saúde, como é que fica? O que é isso? Por onde faz isso? (ex-Rede
Unida, em entrevista realizada para esta pesquisa.)
Esse depoimento da entrevistada ilustra bem como a transposição de grandes questões
ou mesmo de suportes teóricos é importante, tanto teórica quanto operacionalmente. E isso,
alertou ex-Rede Unida, não é uma demanda exclusiva da sde, mas da profissão e, portanto,
permeia todo um “desvendar” da ão profissional em seus múltiplos espaços de atuação.
Nesse sentido, concorda-se com Motta (1994, p. 104) quando afirma que a atividade prática
deve ser o ponto de partida para o conhecimento.
Nós hoje temos as demandas que são colocadas , então, essa capacidade
que eu acho que o assistente social tem, e que todas as profissões precisam
ter, de transitar do discurso da política para entender como a política pública
que exige resultados e precisa ter um profissional para operar, e operar
entendendo o que vem operando, desde as grandes concepções presentes nos
estatutos das políticas até a sua chegada ali na ponta do sistema é o que nós
não estamos conseguindo fazer (ex-Rede Unida, em entrevista realizada para
esta pesquisa).
Com posição semelhante, a docente/pesquisadora defendeu a formação generalista,
mas que consiga fazer que o assistente social possa chegar e possa atuar em qualquer área
com competência. A partir de sua experiência profissional como docente, relatou que tem
140
trabalhado essa questão da intervenção no curso, a partir dos três grandes sujeitos de
intervenção do serviço social, que seriam a família, os movimentos sociais e as instituições, e,
a partir disso, a gente particularizar através das políticas (Docente/pesquisadora, em
entrevista realizada para esta pesquisa).
Seguindo a mesma lógica, o representante/Fnepas reforçou a importância da formação
generalista e do peso que o sujeito profissional tem nesse processo, ao revelar (ou não)
disponibilidade para avançar nos aspectos formativos, o que de forma alguma exclui a
importância da universidade.
Então é assim, eu sei o que é o serviço social, faço umas conjunturas, mas eu
tenho que compreender a base das políticas sociais, eu tenho que saber
minimamente me localizar na política da criança, da saúde, eu tenho que
pensar isso (Representante/Fnepas, em entrevista realizada para esta
pesquisa).
Evidencia-se, dessa maneira, a existência de um “nó” que consiste na dificuldade de
entender e conseguir analisar diferentes espaços de trabalho e a atuação neles, o que tende a
gerar uma grande lacuna entre as requisições e expectativas dos serviços e da própria
sociedade em relação aos trabalhadores.
/.../ ao se enfatizar o mundo do trabalho como relação social fundamental,
que não se reduz à ocupação, tarefa, emprego, mas não os exclui e, além
disso, abarca o conjunto de relações produtivas, culturais, aponta-se que nele
se situa o lócus da unidade teoria/prática, técnica e política (MOTTA, 1994,
p. 108).
É sabida e reconhecida a diversidade de espaços sócio-ocupacionais nos quais o
assistente social está inserido. No entanto, concorda-se com a afirmação de Gentilli de que
existe hoje, na prática, uma gama muito variada de focos de atenção dos assistentes sociais
em relação aos problemas concretos cotidianos que estão completamente dispersos, sem uma
boa articulação com os conteúdos mais genéricos da formação profissional(2000, p. 135).
Dessa forma, a tônica presente na entrevista da ex-Rede Unida é pertinente às
reflexões que o serviço social tem feito sobre o exercício profissional, sobretudo na discussão
da atuação do profissional na saúde. Sendo assim, referenda-se a formação generalista da
profissão, mas justamente pela compreensão de que o assistente social está na saúde e,
portanto, deve marcar posições, inclusive políticas, o que demanda um rol de conhecimentos e
habilidades que o capacite para a ação profissional comprometida. Ou seja, tomando como
importantes instrumentos o conhecimento e a informação, o papel que as instituições
formadoras têm nesse processo é ímpar.
141
É importante destacar que não se trata de desenvolver uma tese unívoca que atribui às
instituições formadoras toda e exclusiva responsabilidade sobre esse processo, o que se
tornaria um contrassenso em relação ao que foi dito anteriormente. Ao contrário, considera-se
como uma das partes de uma mesma totalidade que compõe a realidade social. Dessa maneira,
ao focar a questão das IES e a formação profissional, pretende-se, reconhecendo a interligação
de múltiplos fatores, destacar a particularidade desse espaço, onde se dão as práticas
educativas, entendidas aqui como trabalho educacional (SCHRAIBER, 1989).
Pticas educativas, portanto, implicam, além da transmissão de conteúdos,
um dado sistema de valores, que através das práticas se elabora, se difunde e
se impõe /.../. Por essa razão elas se constituem no elemento principal a ser
considerado para o estudo da educação (SCHRAIBER, 1989, p. 25).
A conceituação de práticas educativas permite que não se feche a questão da formação
profissional em um único elemento ou ação, mas se a estude em múltiplos aspectos que
conformam o processo educativo. Nesse sentido, a ex-Rede Unida assumiu uma posição
particular e que , segundo ela mesma, destoa de parte da categoria, que considera
a ação profissional decorrência do conhecimento, só. É sim uma decorrência
do conhecimento, mas que conhecimento se precisa pegar para você fazer a
ação profissional? Essa seleção de conhecimentos nas áreas que eu acho que
precisa-se um investimento grande em pesquisa /.../. Mas eu quero
resgatar o que os assistentes sociais estão fazendo de ação profissional e
fazer uma leitura e dar um cunho trico, técnico, científico ao que m
fazendo para dar uma visibilidade teórica a isso, porque, senão nós vamos
ficar trabalhando na base do consenso. (ex-Rede Unida, em entrevista
realizada para esta pesquisa.)
É notório que a profissão tem vivenciado um redimensionamento dos espaços sócio-
ocupacionais, por conta de mudanças internas (o próprio processo de intenção de ruptura) e
externas, vinculadas à mudança da realidade social e, no caso brasileiro, com destaque para o
texto constitucional de 1988, que consagrou a perspectiva democrática e de direito. No
entanto, se internamente o projeto de ruptura foi política e teoricamente fértil, Netto assinalou
que, por diversas razões, ele se evidenciou primeiro e especialmente na universidade, tendo
encontrado inúmeras dificuldades de atingir todo o segmento profissional (2001, p. 251). Uma
das hipóteses apregoadas pelo autor é a incapacidade de conjugar o referencial teórico crítico
com as demandas do exercício profissional.
/.../ sobretudo em função desta inadequação, esta perspectiva vem
conservando e aprofundando seus traços opositivos ao tradicionalismo, mas
sem conseguir avançar efetivamente no rompimento com ele no terreno da
prática profissional donde a nossa sugestão de que a ruptura, este domínio,
permanece ainda como intenção (NETTO, 2001, p. 255).
142
Nessa perspectiva, a ex-Rede Unida corroborou aquilo que as avaliações da
implantação das Diretrizes curriculares no Brasil têm afirmado, de que uma apropriação
muito superficial da concepção teórico-metodológica (ex-Rede Unida, em entrevista
realizada para esta pesquisa). o claros os rebatimentos no exercício profissional e,
consequentemente, no projeto de formação, que, em uma profissão interventiva, a
implementação de um currículo está imbricada com a capacidade deste de atender às
necessidades reais das requisições, quer sejam intelectivas, éticas ou operativas, feitas a
determinada profissão.
Sendo assim, no contexto da atuação profissional na saúde, é importante refletir como
a profissão tem se colocado nesse espaço. No decorrer desse estudo, evidenciou-se que a área
da saúde tem vivenciado um processo permanente de mudanças tanto no campo da assistência
e da gestão como no do controle social. Particularmente, interessam-nos os processos de
mudanças vinculados à formação profissional dos trabalhadores da sde e, nesse caso,
particularmente os assistentes sociais.
Nesse trabalho se apresentou uma série de ões, projetos e movimentos fecundados
no interior do processo de trabalho em saúde. De acordo com Pires (1998), o trabalho em
saúde está situado no denominado setor de serviços, como um tipo de trabalho da esfera da
produção o material, que se completa no ato de sua realização. Sendo assim, o produto é
indissociável do processo que o produz, tornando-se a própria realização da atividade. O
trabalho em saúde em sua configuração atual é, majoritariamente, um trabalho coletivo,
realizado por diversos profissionais de sde e diversos profissionais ou trabalhadores
capacitados para execução de determinadas tarefas no conjunto das ações necessárias à saúde.
Nogueira (1990, p. 60) destaca que o processo de trabalho em saúde apresenta três
aspectos fundamentais: é um exemplo de processo de trabalho em geral; é um serviço; e é um
serviço que se funda numa interrelação pessoal muito intensa. Como processo de trabalho,
possui uma direcionalidade técnica de natureza coletiva porque um conjunto de categorias e
indivíduos procuram agir coerentemente, compartilhando seus conhecimentos.
Tomando como referência o trabalho de Costa (2006), em que analisa a participação e
a inserção dos assistentes sociais em processos de trabalho desenvolvidos no SUS, pode-se
inscrever o assistente social como integrante da força de trabalho em sde, que o
reconhecimento técnico particular dessa prática é visível quando analisado dentro daquilo que
seria a concepção ampliada de saúde e, portanto, útil enquanto atividade. Por conseguinte, a
compreensão do assistente social parte do domínio teórico-metodológico de seu exercício
143
profissional na área. Nessa direção ex-Rede Unida afirma que parte da dificuldade, posta no
plano da formação, advém da fragilidade de estudar a ação profissional.
Esse aparato teórico-metodológico que vem sendo ensinado na formação não
vem dando conta de chegar a esse pedaço que tem aqui, fica muito um
ensino de jargão. Discute a questão social, e no nosso campo da saúde, o que
é questão social aqui? Como é que ela se expressa? Como você vai mostrar
que tem? Como você vai levar as expressões da queso social
concretamente em um determinado bairro, para um município a ser
discutido, uma proposta de ação coletiva, conjunta? /.../ Precisamos analisar
o que é a ação profissional a partir dos determinantes sociais na saúde (ex-
Rede Unida, em entrevista realizada para esta pesquisa).
Trata-se da necessária articulação entre aquisição, produção e sistematização do
conhecimento no cotidiano do trabalho profissional. No caso da saúde, ao eleger as
determinantes sociais da saúde como lócus privilegiado para situar, analisar e qualificar a
atuação profissional na área, ex-Rede Unida apresentou uma direção que favorece todo o
arcabouço teórico-metodológico e ético-político que o assistente social traz em sua formação
generalista, que a própria ideia de determinantes sociais da saúde passa pela compreensão
do processo saúde-doença como processo social. Ademais, qualquer análise nessa perspectiva
significa pensar em um trabalho integrado com ênfase nas políticas interssetoriais, no trabalho
em rede e nas estratégias combinadas, o que posiciona os trabalhadores em saúde em
destaque.
Tomam destaque, nesse processo, as diretrizes do SUS para a formão de
recursos humanos na sde: o atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais, a partir do
reconhecimento/investigação do processo de determinação social das
doenças enquanto expressões da questão social” (VASCONCELOS,
2007, p. 155).
A diretriz de formação de recursos humanos na saúde, conforme apresentado nesse
estudo, o é recente. Conflui na sua dirão toda uma trajetória de experimentos, no intuito
de qualificar a atuação na área. Nesse grande objetivo, os profissionais de saúde foram
ganhando destaque e, consequentemente, a questão da formação profissional, sobretudo no
contexto de expansão dos serviços de saúde.
Conforme demonstrado no Capítulo II, várias foram as iniciativas de mudaa que as
profissões de saúde experimentaram e experimentam para oferecer à sociedade profissionais
mais qualificados para o trabalho em saúde, considerando toda a sua complexidade.
Essa sintonia, contudo /.../ não deve ser compreendida no quadro de uma
submissão do campo de recursos humanos às necessidades imperiosas dos
reformadores do sistema, tendo em vista o fato da formão de pessoal de
sde não apenas possuir um desdobramento em políticas públicas, mas
144
também constituir, pouco a pouco, um domínio cognitivo, de pensamento e
elaboração teórica (NUNES, 2007, p. 35).
Essa perspectiva foi apontada pela docente/pesquisadora, quando discorreu sobre a
participação do serviço social no movimento organizado dos trabalhadores em saúde, em
torno da formação de recursos humanos no Brasil. Para ela, quando esse movimento se pautou
no conhecimento das ciências sociais para produzir e fundar suas bases teóricas e políticas,
muitos profissionais acabaram indo se capacitar em outros espaços, como a Escola de Saúde
Pública, e começaram a se autodenominar sanitaristas.
Quem estava identificado muito com a saúde acabou não se identificando
com o serviço social. E o serviço social não conseguiu, também, agregar
esses profissionais /.../. Acho que, naquela busca do projeto ético-político,
naquela necessidade de se firmar dentro de uma postura mais radical, ele não
se abriu para o debate que estava acontecendo (Docente/pesquisadora, em
entrevista realizada para esta pesquisa).
A participação do serviço social nesses espaços sempre foi mida, como demonstrou
ex-Rede Unida e reforçou a docente/pesquisadora, citando como exemplo a participação na
Rede Unida. A docente/pesquisadora retomou o período em que, por acaso, a gestão da
Abepss congregou três profissionais da saúde (Regina Mioto, Vera Nogueira e Jussara
Mendes) e foi se constituindo um momento de aproximação mas, pelo fato, eu acho, de que
havia pessoas que tinham uma perspectiva de juntar forças, de trabalhar na área da saúde
(Docente/pesquisadora, em entrevista realizada para esta pesquisa).
Essa postura que o serviço social adotou em relação a esse movimento próprio da área
da saúde trouxe implicações em espaços coletivos de ação, debate e formação, onde o
assistente social se encontra com outras profissões. A docente/pesquisadora exemplificou com
dois momentos próprios de sua experiência em Florianópolis (SC): um vinculado à rede
docente-assistencial e outro à residência multiprofissional em sde da família. Para ela, a
atuação do assistente social, como estagiário (rede docente-assistencial) ou como residente,
sempre foi problemática.
A resincia foi um espo muito importante para eu perceber isso. Como a
gente estava distanciado, como os nossos estudantes não participavam, e se
participavam eles não entendiam o que estava acontecendo
(Docente/pesquisadora, em entrevista realizada para esta pesquisa).
A residência multiprofissional, associada a outras importantes iniciativas já
apresentadas nesse estudo, compõe esse movimento em direção à mudança nos cursos de
graduação da saúde, como uma das alternativas para garantir a formação profissional de
trabalhadores em saúde em consonância com as necessidades do SUS.
145
Nessa direção, merece destaque o Fnepas como um espaço de articulação entre as
entidades de formação, tendo em vista o fortalecimento da perspectiva multiprofissional, de
construção de identidades profissionais, da cooperação e do trabalho em rede.
A Abepss compõe o Fnepas desde sua fundação, em 2004. O representante/Fnepas
recuperou esse momento e apontou que, na época, houve uma tensão na profissão, por
análises que entendiam que a presença norum estaria reduzindo, voltando ao serviço
social dico (Representante/Fnepas, em entrevista realizada para esta pesquisa). A posição
que a profissão assume nesse rum é interessante, justamente por se tratar de um espaço em
que as relações de poder profissional tendem a se desnudar. O Fnepas é, por excelência, o
local em que os diferentes projetos profissionais se manifestam, o que o transforma em
altamente pedagógico e estratégico.
A apropriação que a categoria profissional faz desse espaço se resume ao universo
acadêmico. Em documentos oficiais da categoria vinculados à atuação na área da saúde, como
a primeira versão dos Pametros para a atuação do assistente social na Saúde (CFESS,
2009), o Fórum não foi sequer mencionado. Para ex-Rede Unida, a permanência e a
participação no Fórum são fundamentais para marcar posição.
Veja o Fnepas: era um espaço político importante, interessantíssimo para
você marcar posições, a nossa argumentação lá era essa. Olha, tem que ir
porque você faz alianças com os que são próximos, é claro você não vai
ganhar, mas você está marcando posições, uma hora você vai conseguir
adeptos /.../. Porque se você não esconcordando você vai pelo menos para
gritar lá que não concorda, se você não acredita em uma dinâmica societária,
que a instituição é fechada, que não muda. Eu acredito que muda, que nós
construímos consenso, vai se construindo devagar, vai se alterando alguma
coisa (x-Rede Unida, em entrevista realizada para esta pesquisa).
Essa posição particular de ex-Rede Unida está em consonância com o destaque que ela
atribui à integralidade para pensar o exercício profissional na saúde, já que o Fórum tem como
objetivo geral contribuir para o processo de mudança na graduação das profissões da área da
saúde, tendo como eixo a integralidade na formação e na atenção à saúde (FNEPAS
45
).
Com uma argumentação mais focada nas estratégias do serviço social no Fnepas, a
presidente/Abepss afirmou que a presença da categoria neste Fórum es vinculada a duas
razões: a primeira diz respeito a todo esse debate sobre a formação de recursos humanos em
saúde, e uma outra razão tem a ver com a questão do reconhecimento de cursos etc. São
espaços que nós podemos construir, alianças para, enfim, para lutar contra a precarização do
ensino superior (Presidente/Abepss, em entrevista realizada para esta pesquisa).
45
Disponível em: <http://www.fnepas.org.br/objetivos.htm>, acessado em 7 fev. 2010.
146
Para o representante/Fnepas, o Fórum é um espaço interessante, onde se acirram as
diferenças entre as profissões; para ele, sempre acham que a gente es mais político do que
deveríamos ser. Segundo seu relato, houve inclusive ponderações, na gestão anterior, sobre
se valeria a pena a permanência da categoria no Fórum. Apesar das dificuldades que o serviço
social enfrenta, o representante/Fnepas reconheceu que a visualização da área da saúde não
somente como campo de atuação para o serviço social, mas como demanda de formação
profissional, foi uma contribuição do Fnepas.
Da importância de que, se você quer interferir no SUS, você tem que pensar
quem é esse trabalhador que esindo para o SUS. Então, o Fnepas, nesse
aspecto, ele é extremamente positivo. E é isso que a gente quer recuperar. Eu
vi em uma das falas nossas na reunião de São Paulo, a única que eu fui do
Fnepas, a gente falou: A gente precisa recuperar essa origem!, que é
pensar a formação profissional, o conteúdo. Esse é uma questão que a gente
vem debatendo. (Representante/Fnepas, em entrevista realizada para esta
pesquisa.)
Não é permitido nenhum tipo de ingenuidade acerca de espaços como o Fnepas que
anulem o confronto de ideias, as diferenças teóricas e suas concepções de homem e mundo e,
além disso, questões de fundo que devem ser levantadas para o estudo dessas relações.
Esclarecidas tais advertências, cabem algumas indagações: é possível a integralidade no atual
grau de divisão e especialização do trabalho? Ou, ainda, é possível recuperar processos de
trabalho alienados, tão característicos do atual modelo de “acumulação flexível”?
Com o desenvolvimento do setor de sde, sobretudo no campo das tecnologias,
alterando o processo de produção dos serviços de saúde, houve uma fragmentação do cuidado,
mediante as especializações e lócus muito particulares de atuação profissional,
autonomizando as diferentes profissões e se esvaziando a perspectiva de força de trabalho
no setor. Isto contribuiu para uma desqualificação e desumanização do profissional, sobretudo
daqueles vinculados às categorias mais subordinadas ao poder/saber médico.
Merece ser examinada, tamm, a importância que os projetos formadores exercem na
formação própria da sociedade e de um tipo particular de intelectual.
A partir do exame das políticas educacionais brasileiras, Neves (2008) aponta como
vem se construindo no país um contexto favorável à disseminação do intelectual urbano a
serviço das elites dominantes. Sua constituição passa pelas reformas educacionais em todos os
âmbitos, dirigidas pela massificação
46
da escolarização. Dessa maneira, a formação dos
46
“O termo massificação só recentemente foi empregado pelo Banco Mundial-Unesco. Ele surgiu na Declaração
mundial da educação superior no Século XXI, em 1998, para indicar uma tendência mundial de expansão desse
nível de educação. No Brasil, os documentos governamentais m preferido utilizar, para indicar essa diretriz
política, a expressão „democratização da educação escolar‟” (NEVES, 2008, p. 378).
147
intelectuais, orientada pelo Estado, corrobora a constituição de uma tríade que aprisiona a
figura do cidadão nos papéis de consumidor, empreendedor e solidário. Isso porque, no
movimento da vida prática, o processo de individualização de riscos (FLEURY, 2008, p. 73)
tanto atualiza sua condição social como determinante (no acesso e usufruto de determinados
direitos sociais); determinada (como expressão de seu próprio movimento e escolhas na vida)
e coletiva (envolvido no manto da solidariedade”), ou seja, ajusta o sentimento de
pertencimento e colaboração para a diminuição das profundas desigualdades sociais.
Da mesma maneira, todos esses elementos estão presentes nos projetos de formação
dos trabalhadores em saúde.
Entende-se que o trabalho em saúde, assim como um projeto de sentido
público-democrático da saúde, requer a ampliação qualitativa e quantitativa
da formão profissional dos trabalhadores da saúde. Porém, chamamos a
atenção que esta escolarização tem que ser voltada para a valorização ética e
pública desse trabalho. (PEREIRA, 2008, p. 418)
Nesse sentido, concorda-se com a presidente/Abepss, quando valoriza o potencial da
profissão no Fnepas:
eu acho que o serviço social tem um papel importantíssimo, porque nós
temos uma visão de seguridade social, porque nós somos, hoje, até às vezes
um pouco isoladamente, somos defensores da reforma sanitária, com uma
visão de saúde pública mais ampla, e uma visão não-corporativa. Eu acho
que tem uma coisa muito importante que o serviço social acumulou, que foi
essa perspectiva de romper com o corporativismo, e nada mais corporativo
do que as profissões de saúde. e então, tem um embate político que o serviço
social pode deixar sua marca, já deixa sua marca nesse embate, no sentido de
fazer avançar essa ruptura com o corporativismo, essa valorização da saúde
integral e, portanto, das demais profissões como profissões de saúde. Tem o
debate também da residência multiprofissional, são várias frentes em que nós
podemos fazer o debate avançado. Agora, é um terreno muito difícil
(Presidente/Abepss, em entrevista realizada para esta pesquisa).
É nessa perspectiva que projetos profissionais se afinam ou se distanciam de
determinado projeto societário e é nesse movimento de aproximação e distanciamento que
inúmeras conquistas sociais foram efetivadas. Ou seja, é no combate que o projeto ético-
político-profissional tem futuro (NETTO, 2006, p. 158) e a própria noção de combate impõe o
confronto com ideais e projetos diferentes, bem como a formação de alianças. É relativamente
mais fácil o diálogo com os iguais, com aqueles que aspiram as mesmas conquistas, do que
com os que pensam o contrário. Quando pensamos em profissões, seus objetos de ação, seus
códigos, signos e convicções enraizados na sua história profissional particular, o Fnepas pode
ser visto como uma grande “babel”. No entanto, para pensar a formação de recursos humanos
para o SUS, se retiradas todas as possibilidades de romantismos e crenças que possam delegar
a outros espaços esse papel, o Fórum carrega um alto potencial de mudança, isso se se
148
considerar a graduação como etapa definitiva do processo de formação, quando a dimica
de transformação da realidade explicita a necessidade de aprender permanente (FORGRAD,
2000, p. 5).
Ao eleger a graduação um momento definidor de um processo permanente de
aprendizagem, reforça-se sua condição de prioridade, por vezes delegada à marginalidade.
Não é raro as IES no país desenvolverem seus cursos des-graduação em detrimento de uma
graduação simples, comum e, de certa forma, padronizada. Nesse sentido, anos a Abepss
tem insistido na importância de uma articulação com a graduação, como forma de preservar a
unidade e o equibrio do projeto de formação profissional da categoria
47
.
Pensar a graduação no contexto de uma profissão interventiva pode remeter à reflexão
sobre como o fazer” profissional ou ação interventiva é tratada nesse momento. Dessa forma,
ao se pretender “ensinar a fazer”, deve-se de anteo conhecer esse fazer, e o lócus
apropriado para esse movimento passa pelas competências e habilidades que determinada
profissão possui e que a graduação deve oferecer.
As competências e habilidades profissionais devem expressar os requisitos necessários
para o seu exercício, bem como as ações que compõem o domínio técnico da profissão. No
caso do serviço social, elas estão detalhadas na Lei 8.662, de 7 de junho de 1993, que
regulamenta a profissão no Brasil, em seu art. 4º.
Como dito anteriormente, o caráter generalista da formação do assistente social
garante que o profissional possa recriar continuamente suas alternativas de trabalho,
mobilizar recursos humanos e materiais, em face da mudança e da crescente complexidade,
comunicar-se, negociar relações diversas e partilhar seus compromissos ético-profissionais”
(YASBEK, 2004). Dessa maneira, ao estabelecer as competências profissionais, estas devem
conseguir expressar o fazer profissional.
Os sujeitos da pesquisa, quando questionados sobre a atuação na saúde e as
competências profissionais, reconhecem o caráter amplo destas.
O representante/Fnepas afirmou que são genéricas, porque elas atuam para todos os
profissionais, mas acho que, ao mesmo tempo, elas contribuem para atuação na saúde”. Para
ele, as atribuições e competências profissionais, pensadas no contexto da atuação em saúde,
foram aprofundadas com a elaboração do documento Pametros para atuão do assistente
47
É relevante destacar que Abepss, como as demais Associações de Ensino teve suas atividades iniciais a partir
do ensino na graduação, e posteriormente, incorporou dentre suas atividades a pesquisa e o ensino pós-graduado,
diferentemente de outras entidades semelhantes (Medicina, Enfermagem, entre outras) que ainda possuem de
forma separada as atividades de graduação e pós-graduação, inclusive em entidades diferentes.
149
social na sde, organizado pelo Cfess com assessoria de Maria Inês Bravo, importante
interlocutora da profissão na área.
Os Parâmetros trazem para a profissão toda a problemática da sde brasileira e como
os assistentes sociais a têm enfrentado no cotidiano dos serviços de saúde. O documento
estrutura a ão profissional por frentes de ação, classificadas, segundo o documento, em:
Assistenciais; em Equipe; Socioeducativas; de Mobilização, Participação e Controle Social;
de Investigação, Planejamento e Gestão; Ações de Assessoria, Qualificação e Formação
Profissional (CFESS, 2009, p. 4).
Para a presidente/Abepss, as competências e atribuições da profissão estão em
consonância com a sde, sobretudo quando esta é pensada na perspectiva da integralidade.
Tomando como referência o SUS, a entrevistada ressaltou as lacunas do sistema e como essa
refração em relação à questão social chega para a profissão.
Então a intersecção que eu vejo na nossa profissão é que nós temos uma
interpretação do que isso significa, o que é a queso social brasileira. Quais
são os traços da formação social brasileira e o que isso implica em termos de
demanda? Nós conseguimos explicar esse processo de trabalho intenso?
(Presidente/Abepss, em entrevista realizada para esta pesquisa)
Com um contraponto, a docente/pesquisadora, ao falar das competências profissionais,
enfatizou que estas são o abertas que, na verdade, elas falam muito pouco”. E desenvolveu
suas ideias partindo de uma realidade concreta, que é o fato de muitas das competências dos
assistentes sociais também serem as de outros profissionais.
Então, aí é que vem a minha questão: se a gente não qualifica o que nós
queremos dizer com aquilo e falamos nós podemos fazer isso, nós
perdemos especificidade frente às outras profissões. Porque é isso que eu
notava na área da saúde. O que acontece? Se você pega profissionais que
têm uma formação dentro da teoria crítico-dialética, eles, além da formação,
que era o que a gente poderia aportar, têm a especificidade da questão. E nós
não temos (Docente/pesquisadora, em entrevista realizada para esta
pesquisa).
Essa é uma queso que carece de maior exame e debate na profissão. Entende-se que
o depoimento acima é pertinente, pois revela um aspecto importante no trabalho coletivo em
saúde, que é a convivência em equipe profissional.
O alerta que a docente/pesquisadora fez centraliza a importância de dominar
concretamente o fazer profissional. Como foi expresso, a formação prevê, além dos
conhecimentos técnicos e teóricos, valores, convicções; e todos esses elementos compõem as
práticas educativas presentes no processo de formação profissional, mas não delegam poder
maior a um ou outro.
150
O caráter genérico das competências, se por um lado permite que os assistentes sociais
expandam sua atuação, por outro, como salientou a docente/pesquisadora, podem produzir um
“discurso genérico que não ampara a ação”.
Porque nós não temos o corpo de conhecimento sobre esse fazer, sobre essas
competências que nos permitem fazer o trânsito com a questão da teoria, dos
marcos trico-metodogicos, e nos colocarmos com competência dentro de
uma equipe profissional. Então, a gente sempre fica resvalando por um
discurso genérico que não ampara a ação (Docente/pesquisadora, em
entrevista realizada para esta pesquisa).
Referendando essa posição, ex-Rede Unida tematizou sobre o papel da universidade
nesse aspecto, ressaltando que
a responsabilidade é da academia, que não esconseguindo estudar a ão
profissional /.../. Outra queso, se você pegar os congressos brasileiros, que
são fóruns de discussão de formão profissional, voquase não encontra
nada, há a perspectiva acamica, muito acadêmica, tomou conta desse
espaço que era de discussão profissional, então as experiências que aparecem
de relato são frágeis, porque não estão dando subsídios para o profissional
poder analisar (ex-Rede Unida, em entrevista realizada para esta pesquisa).
Diante do exposto, é possível afirmar que, para ex-Rede Unida e a
docente/pesquisadora, recuperar a centralidade do exercício profissional é uma condição
indispensável para a formação que se almeja no interior da categoria e levantar o papel que a
academia tem nessa tarefa remete à reflexão sobre como têm sido encaminhadas as práticas
educativas no contexto da graduação.
Trata-se de “desbravar” a vivência do trabalho profissional e seu potencial pedagógico
para transpor toda a referência teórica para a realidade da ação profissional. No entanto,
concorda-se com as entrevistadas quando afirmam que é preciso dedicar maior trato ao “fazer
profissional”. Atualmente, a profissão tem todas as condições teóricas e políticas de fazer esse
movimento de retorno à ação profissional. Ainda, defende-se a ideia de que a melhor forma de
atualizar e qualificar a formação profissional é partir da característica interventiva da
profissão, tomando como suporte a compreensão do trabalho como princípio educativo.
A ideia de princípio educativo vem de Gramsci, quando criticou a educação burguesa,
buscando um projeto de educação socialista. Para ele, a divisão da sociedade entre intelectuais
(dirigentes) e instrumentais (subalternos) se exprime nas escolas: humanistas e profissionais
manuais. O “novo” princípio educativo viria da fuão da capacidade de agir tanto intelectual
como manualmente.
Muitos autores partiram dessa ideia para elucidar a importância do trabalho como
desencadeador de processos de aprendizagem. No campo da educação, Frigotto (1987)
enfatizou que tomar como social e fundamental o processo de trabalho passa a ser elemento
151
nuclear e determinante das práticas e políticas de recursos humanos” (FRIGOTTO, 1987, p.
18).
Parece consenso que a matriz teórica adotada pela profissão é adequada ao projeto
ético-profissional. Embora com dificuldades, as Diretrizes curriculares expressam conceitos,
as categorias necessárias à profissão, demonstram um possível caminho para articular
diferentes conhecimentos, na tentativa de construção de uma formação lida, crítica e
propositiva. Ainda que as ofensivas sociais e econômicas contra o ensino superior apontem
para um futuro difícil a formação, a categoria profissional tem fortalecido seus espaços de
representação política, como o Cfess e a Abepss, eo tem poupado esforços para se
posicionar frente às questões presentes e futuras da realidade brasileira, marcando uma
posição importante no campo das lutas sociais.
O potencial pedagógico do trabalho, por si só, o coloca em posição de destaque nas
práticas educativas. Mas deve-se problematizar que, como num círculo vicioso, ele também
pode contribuir para abrir ou expandir fendas entre a formação acadêmica e o exercício
profissional.
Nesse sentido, dar naturalidade ao que está proposto nas Diretrizes curriculares sobre
a flexibilidade dos modelos de ensino é um possível caminho. Deve encaminhar projetos
audaciosos e capazes de alterar uma determinada forma de ensinar o fazer”. Toma-se, por
exemplo, a necessidade de uma política de estágio coerente com os princípios das Diretrizes
curriculares, respeitando os sujeitos envolvidos no processo supervisores e graduandos.
Mas deve-se avançar para momentos de reflexão teórica, de aproximação densa desse estágio
com os conteúdos aprendidos durante a graduação.
Defende-se também a urgência de avançar na perspectiva da extensão universitária,
justamente por permitir outro tipo de encontro com a ação profissional orientada pelos
preceitos da universidade, por essência multiprofissional e com a responsabilidade de
socialização dessas experiências.
Deve-se retomar a posição política sobre a extensão universitária que algumas
organizações e entidades vinculadas à saúde têm assumido, e dentre elas, merece destaque a
Rede Unida. As cticas mais comuns repousam sobre apontamentos realizados em estudos
anteriores sobretudo quanto a marca que a extensão universitária tem assumido de lócus
privilegido da “função socialda universidade (Botomé, 1996) bem como os “processos de
domesticação” (Gurgel, 1986) de que as ações extensionistas fizeram parte. Nesses casos, o
contra argumento foi de que o verdadeiro compromisso da universidade com a sociedade
152
deveria estar fincado na produção, disseminação, uso e acesso aos conhecimentos produzidos
pela mesma.
Da mesma forma, para a Rede Unida, a vinculação da universidade com os serviços de
saúde e com as organizações comunitárias é condição essencial para as mudanças necessárias
na formação dos trabalhadores em saúde. Porém essa relação não é balizada pelo ideário da
extensão universitária como compromisso social, mas como relação orgânica e fusão desses
atores (universidade-sociedade-serviços de saúde), sistematizada na noção de co-gestão dos
processsos em curso, para vencer a simples noção de parcerias. A extensão universitária,
reservadas as críticas passíveis de serem feitas
48
, é um espaço em que ocorrem importantes
aproximações teórico-práticas.
Conforme os dados da pesquisa Abepss de 2006 sobre a implementação das
Diretrizes, ficou evidente que a extensão é um espaço pouco utilizado pelos cursos de serviço
social (ABEPSS, 2008). Várias hipóteses podem ser levantadas para justificar esses dados, no
entanto, não cabe aqui trazê-las, mas apenas reconhecer certa comodidade no ensino do
serviço social que resiste em incorporar novos espaços de aprendizagem, comunicação
multiprofissional e de encontro com a sociedade/comunidade.
É inegável a realidade das IES, quando se fala de extensão, que convivem no País
diversos tipos delas, desde faculdades isoladas (isentas de pesquisa e extensão) até a
universidade. Ainda, mesmo com a obrigatoriedade e com condições específicas de fa-lo,
são poucos os cursos que se utilizam dessa possibilidade para reforçar o caráter interventivo
da profissão.
Cabe aqui retomar uma inquietação que faz parte desse estudo. O serviço social é uma
profissão de caráter teórico-prático. Portanto, a questão do exercício profissional sempre
esteve presente no interior dos debates da profissão, que é elemento constitutivo dela. No
entanto, como ressaltou metaforicamente a docente/pesquisadora essa questão que identifica
a profissão, que é a questão da ptica, ela é, continua sendo, o „patinho feio‟ da formação”.
Trata-se de tomar o exercício profissional como cus privilegiado do processo de formação,
não como um adendo ou uma abstração, mas carregado de significado e enriquecido com toda
a base teórica que a profissão tem, avançando da perspectiva de mera descrição do que o
assistente social faz para a análise crítica dessa ação profissional.
Na investigação com ex-Rede Unida obteve-se o relato da experiência da UFSC de
reorientar a formação profissional a partir da intervenção. Esta experiência foi sistematizada
48
Cf. Capítulo I.
153
por Mioto e Lima (2009) em recente artigo em que as autoras partem do exame do exercício
profissional e suas múltiplas variações e interpretações para, à luz da experiência particular
daquela universidade, propor ts eixos articuladores da dimensão técnico-operativa do
serviço social: processos político-organizativos, processos de gestão e planejamento e
processos socioassistenciais.
Esta proposta pretende enfrentar, sem reduzir a dimensão técnico-operativa
ao universo das estratégias e técnicas e espera contribuir para o
fortalecimento da identidade profissional em que está calcada,
fundamentalmente, na sua dimensão interventiva (MIOTO; LIMA, 2009, p.
26)
Uma importante reflexão debatida neste estudo e compartilhada no trabalho das
referidas autoras é a questão da formação generalista versus formação especialista. Concorda-
se com Mioto e Lima quando apontam que “a formação técnico-operativa está fortemente
calcada nos programas de estágios e estes, por sua vez, estão orientados para as
especificidades dos campos de intervenção” (2009, p. 32). Ou seja, em muitos casos os
graduandos possuem somente a experiência de uma realidade sócio-ocupacional e pode ser a
sua única referência de experiência prática. No entanto, não necessariamente, ao ingressar no
mercado de trabalho, terá essa área como lócus de ação.
Não se nega a importância e os ganhos que a profissão tem com seu caráter
generalista, mas é preciso inquietar-se com a forma como sido encaminhada na graduação. É
nesse aspecto que o debate educação (formação), saúde e serviço social ganha substância e
densidade.
Neste trabalho de investigação, chamou-se a atenção para a intensa relação que a
saúde tem procurado estabelecer com os serviços e tem significado o desenvolvimento de
projetos em parceria com a comunidade e a universidade. Deve-se mencionar também o
investimento que a área tem feito na questão das metodologias ativas, numa tentativa de
aproximar cada vez mais o saber acadêmico da realidade das instituições e das comunidades.
Percebe-se, enfim, um movimento na direção da formação com qualidade que caminha
pari passu com as questões teórico-práticas. Nesse sentido, ao eleger a ação profissional como
lócus adequado para interferir nos processos de trabalho e sde, sobretudo no SUS, a área da
saúde pode contribuir muito com o serviço social. O que não significa negar as discordâncias
teóricas e metodológicas entre as diferentes áreas, mas, ao recuperar as experiências que a
saúde tem desenvolvido no campo da educação, pode-se encontrar algumas pistas para
retomar a ação profissional como mote para o processo de formação.
154
No contexto da reflexão sobre a ação profissional, o representante/Fnepas e a
docente/pesquisadora deixaram grandes contribuições para pensar a formação profissional
para o serviço social e a saúde. Também concordaram quando enfatizaram que a saúde pode
ser um excelente cus de análise do exercício profissional.
É para isso que a gente tem que chamar a atenção dos nossos companheiros,
que todos são docentes, de que se vo tomar a saúde como objeto de
reflexão, não é tomar a saúde isoladamente, apenas a política, mas tomar que
ali, por ser o maior campo de trabalho, vão se materializar tanto avanços da
formação profissional como lacunas (Representante/Fnepas, em entrevista
realizada para esta pesquisa).
Não sou a favor de profissionais PARA a saúde, mas a saúde tem que ter um
lugar, assim como as políticas sociais-chave, a seguridade social, de
conhecimento e de programas que coloquem o nosso aluno em contato com
a realidade da saúde, em atividade na saúde (Docente/pesquisadora, em
entrevista realizada para esta pesquisa).
Deve-se acrescentar que o debate sobre a intervenção es posto, como bem elencaram
todos os sujeitos da pesquisa, em todos os espaços sócio-ocupacionais em que a profissão
esteja inserida. A saúde foi tomada como objeto de estudo e debatida como uma área de forte
vinculação com a profissão e que, portanto, é portadora de todas as características e condições
para contribuir para a formação profissional que a categoria almeja.
Ressalta-se que a saúde não deve ser somente visualizada como local de análise do
campo prático do “fazer profissional”. Mas, também, como um espaço essencialmente
multiprofissional, permeado de relações de poder profissional e de projetos em disputa. A
saúde materializa os projetos societários em movimento, no âmago de um dos seus centros
condensadores: as profissões e seus intelectuais.
Por isso, defende-se a permanência do debate, o aprofundamento das discussões sobre
o serviço social e sua ação profissional, mas que estejam vinculados à discussão da educação,
enquanto uma atividade intencional, direcionada a um fim e cada vez mais
contemporaneizada. Portanto, é no contexto da saúde que se apregoa que o serviço social deve
acolher, aproximar e contribuir na construção cada vez mais interdisciplinar da formação de
trabalhadores para atuarem no SUS.
Nota-se, a partir dos depoimentos, que há um consenso sobre a forte relação do serviço
social com a saúde, sobretudo quando pensada como espaço para investigação da ação
profissional, mas, quando a análise é vinculada à formação dos trabalhadores para a área,
incluídos nesse coletivo os assistentes sociais, o serviço social o tem a mesma
expressividade.
155
A análise da participação da profissão no movimento recente de mudança nos cursos
de graduação da saúde indicou uma participação tímida e confinada a poucos sujeitos
profissionais, mais especificamente aqueles envolvidos no processo, não encontrando eco no
interior da categoria.
Quando tomamos por referência o Código de Ética do assistente social que reforça a
“articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilham dos
princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores (CFESS, 1993) como um dos
seus princípios fundamentais , não se referenda o diálogo do serviço social com a saúde,
sobretudo no contexto da reforma sanitária, como se percebe que é indispensável.
O desafio apontado aqui está em conjugar a necessidade das lutas políticas, suas
“bandeiras”, suas reivindicações, seu movimento crítico de reflexão e denúncia, tão necessária
ao SUS no Brasil, com o estar no “instituído” nos espaços formais impregnados de
conservadorismo, de pragmatismo e de tantas outras tensionalidades. E é justamente por isso
que o serviço social se faz necessário e não pode se furtar de estar por inteiro nesse debate.
156
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conhecimento verdadeiro é útil na medida em que, com base nele, o
homem pode transformar a realidade.
Adolfo Sánchez Vázquez
A articulação dos temas serviço social, saúde e formação profissional permite uma
série de reflexões que expressam divergências teóricas e analíticas e que conduzem a um
debate necessário a todas as profissões que atuam na saúde, a respeito da questão dos recursos
humanos e das exigências que o sistema único de saúde tem colocado a estes sujeitos
profissionais.
Todas as mudanças que o SUS trouxe no âmbito da saúde tiveram de ser
marginalizadas por seus trabalhadores em um contexto de total ausência de preocupação com
essa força de trabalho e suas requisições, tanto enquanto classe trabalhadora (e suas
demandas, sempre urgentes, por melhores salários, condições de trabalho e temas afins) ou
como técnico-profissionais (aprimoramento técnico e intelectual; atualizações permanentes).
Desta perversa equação surgem os produtos da qualidade dos serviços, das dificuldades de
otimização dos recursos disponíveis e da crítica à desumanização do sistema.
Tomando esse quadro como referência, algumas profissões vinculadas à saúde
acabaram se pondo como objetivo maior, dentre os inúmeros possíveis, o debate acerca da
formação profissional no contexto da graduação. Partindo de uma história de experimentos,
projetos e ações inovadores que chegariam aa subsidiar a conquista dos SUS em seu
formato atual é que explodiu, nas cadas de 1980 e 1990, um movimento nacional de
recuperação da formação profissional, o restrito a categorias profissionais, mas
representado por um coletivo de profissões que atuavam na saúde e respondiam à importância
de reorientar a formação profissional para a atuação no SUS.
São tributários desse processo a experiência da proposta UNI, a Rede Unida e o
Fnepas e a própria elaboração conjunta de Diretrizes curriculares para a graduação de alguns
cursos da área da saúde, em resposta à exigência da nova LDB.
O serviço social, com uma trajetória antiga de atuação na sde, realizou o processo de
revisão curricular isoladamente; embora o assistente social seja considerado um profissional
da saúde, ele não é exclusivo dela, pois a formação generalista que possui inclui a profissão
em inúmeros espaços sócio-ocupacionais e áreas diversificadas.
157
As Diretrizes curriculares nacionais apresentam-se como um legado de um rico
momento de debate e refleo a respeito da profissão. Traduzem o compromisso da categoria
com as exigências da formação de qualidade, na medida em que avançam tanto em conteúdos
teóricos apropriando-se de debates decisivos no campo das ciências sociais como em
conteúdos práticos que tomam o trabalho do assistente social como um eixo central do
processo formativo.
É no bojo das discussões que antecederam a aprovação do documento que a
atualização das polêmicas teóricas, sempre presente na profissão, traz para o debate a relação
entre serviço social e trabalho. E, embora não tenha sido a única apropriação de difícil
transposição para os novos currículos, este tema assumiu posição de destaque e persiste até
hoje, como expressão de um plural e fértil debate acadêmico no interior da profissão.
As Diretrizes curriculares, todavia, foram sendo implementadas em um contexto de
crise no ensino superior, em que a ofensiva neoliberal contrariava todas as possibilidades e
exigências postas nos documentos quando confrontadas com a realidade das IES blicas e
privadas. As primeiras, sucateadas e feridas em sua autonomia, à mercê dos orçamentos
ínfimos e das propostas governamentais privatizantes; as segundas (privadas), aprisionadas no
mercado e, com raras exceções, vendo na busca da lucratividade sua essência.
Quando pensadas nesse quadro, as condições objetivas da implementação das
Diretrizes tornaram sua efetivação muito difícil, que, enquanto documento norteador do
processo formativo, têm um limite representado na própria organização da sociedade
brasileira e sua conformação social, revelando, dessa forma, uma perversa dicotomia entre
ensino público e privado e entre instituições e regionalidades, ao imprimir a um projeto que
tende a ser coletivo exigências iguais para sujeitos diferenciados.
É evidente que o padrão de excelência em qualidade deve ser seguido, porém, para
além do credenciamento institucional (se a IES está apta ou não a oferecer um curso de
serviço social), o pode ser negado que as Diretrizes curriculares eso construídas em uma
perspectiva que destoa da realidade da maioria dos cursos do País, sobretudo no momento de
expansão.
Reflete-se que este é um movimento que tem desafiado intelectuais, pesquisadores e
tantos outros sujeitos sociais a, na aspereza e dureza do real, forjar respostas objetivas para
questões que afligem a população em uma perspectiva de transformação social.
O ensino superior privado não é uma abstração pode vir a ser , mas é nesse espaço
transitório que estão sendo formados inúmeros assistentes sociais que estão nas frentes de
trabalho, legitimando uma visão de profissão e prestando seus serviços à sociedade brasileira.
158
Essa é uma das inúmeras leituras possíveis em relação às Diretrizes curriculares.
Defende-se tal posição. dentre outros fatores, pelo reflexo que a categoria tem sentido ao
debater o exercício profissional como centralidade na formação profissional.
Embora tomada como princípio norteador das Diretrizes curriculares, uma
discorncia entre os sujeitos da pesquisa sobre esta assertiva, o que impulsiona reflexões
como: qual o lugar da ação profissional dentro das práticas educativas das IES de serviço
social? E, ainda, como tem sido desenvolvida, no âmbito pedagógico, a queso do “aprender
a fazer” serviço social?
Nos limites desta pesquisa, evidenciou-se a existência de duas notas consideradas
imprescindíveis para iniciar o debate.
A primeira remete ao enfoque atribuído ao estágio como o local por excelência de
aprendizagem do exercício profissional. Com uma aposta positiva na Política Nacional de
Estágio para os cursos de serviço social, recém-aprovada pela Abepss e entendida como
estratégia de qualificação da formação profissional, ressalta-se a realidade dos estágios e sua
configuração efetiva. Este momento primordial do processo de formação torna-se cada vez
mais personificado na figura do graduando e/ou do supervisor de campo, tornando-se sua
potencialidade formativa dependente desses sujeitos.
Não se nega o protagonismo dos indivíduos, enquanto portadores de criatividade,
criticidade, superação e compromisso; no entanto, é fato que deve haver a mesma
preocupação institucional em oferecer condições e espaços de formação a este grupo.
a necessidade de polemizar sobre a relação entre serviços e universidade,
estabelecida no processo histórico do serviço social. Com certeza iniciativas isoladas de
IES e campos de estágio que atenderam a este postulado do projeto de formação profissional,
porém essa questãoo mereceu maior investimento no âmbito da profissão, o que se
evidencia pela ausência ou, no melhor das opções, pela tímida participação dos serviços nos
processos de revisão curricular. Permanece o fosso que separa as discussões acamicas da
realidade dos campos, que são tradicionalmente supridas pela ideia dos famigerados
“eventos” da categoria, numa relação temporal, factual e inorgânica.
Ainda, deve-se complementar com a realidade dos graduandos de serviço social,
maciçamente parte da classe trabalhadora e oriundos da escola pública, portanto, portadores
de condições precárias de vida, acirradas pelas mudanças no mundo do trabalho e pela
tentativa de desmonte das políticas públicas e que tem rebatimento na formação geral
(cultural, política e social) das comunidades.
159
de refletir sobre essa perspectiva e elaborar estratégias que contemplem esse perfil
dos ingressantes nos cursos de serviço social, como forma de enfrentamento da queso, seja
por meio de cursos de nivelamento, atividades de tutoria e outros tantos tipos de espaços de
aprendizagem que podem ser utilizados para tal propósito. Soma-se, ainda, no campo das
lutas e reivindicações, a questão da educação pública, laica e de qualidade em todos os níveis.
Articulada a esses fatores, vincula-se a segunda nota, que se refere ao princípio e
diretriz da formação profissional: a flexibilidade na organização dos currículos, extrapolando
as disciplinas e aula como únicos espaços de aprendizagem.
A universidade brasileira tem como uma de suas bases a indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão. Reforça-se a possibilidade de aprendizagem contida nas
propostas extensionistas, dado seu caráter social e sua vinculação com a pesquisa e o ensino.
A própria noção de extensão estimula a ação interdisciplinar, comunitária e produtora
de um tipo de conhecimento prático que pretende responder às demandas sociais. Permite,
portanto, outros espaços e formas pelas quais intervenção profissional pode ser exercida,
examinada e reinventada junto com os próprios campos de atuação profissional, forjando uma
articulação mais orgânica com os serviços e a comunidade.
Diante das dificuldades postas às IES de avançarem nessa perspectiva, não
fórmulas mágicas e muito menos receituários, pois é na realidade objetiva, segundo o seu
contexto institucional, pedagógico e político, que as propostas podem ter eco ou não. Nesse
sentido, apregoa-se o incentivo, a capacitação e o suporte que as entidades representativas da
profissão têm de tomar para si tal responsabilidade, na direção de uma formação que extrapole
o tradicionalismo e o conservadorismo no formato dos currículos.
Nesse sentido, as experiências pioneiras do coletivo das profissões da saúde têm muito
a contribuir com o serviço social, o como modelo ou cópia, mas como fonte de pesquisa na
perspectiva de focar a graduação como momento primordial da formação, em uma proposta
que tem em seu horizonte a ação multiprofissional, enraizada nos serviços e na comunidade
em que está inserida. Sendo, assim, capaz de atender às demandas dos usuários e do próprio
SUS.
Embora, de acordo com a portaria CNS 287, de 8 de outubro de 1998, o serviço
social seja considerado uma das profissões da saúde, é consenso que exista um “mal estar” em
assumir tal posição, pois isto, para muitos, fere a ideia de profissão generalista. Ainda,
equivocadamente, levantou debates sobre certa formação especializada em saúde em
detrimento de tantas outras áreas ou políticas em que o assistente social atua.
160
É no binômio formação generalista e formação para o trabalho em saúde que reside o
centro do debate proposto neste trabalho.
Parece evidente que o assistente social é um trabalhador da saúde, quer seja pelo
domínio técnico e específico que a profissão legitimou para si dentro dessa área, quer pela sua
necessidade social, dado o conceito ampliado de saúde a doença deve ser pensada no
contexto das relações sociais em que a vida acontece.
Destaca-se o salto qualitativo que a profissão pode dar, especialmente em termos de
qualificar a ação profissional e, consequentemente, de atribuir um status diferenciado ao
assistente social nas equipes de saúde, quando é tomado como mote o princípio constitucional
da integralidade.
Ao estabelecer a necessidade de efetividade das ações assistenciais, preventivas e
promocionais de sde frente à realidade dos usrios, legitimam-se as contribuições de
diferentes sujeitos profissionais na organização do processo de trabalho em saúde.
Dessa maneira, a formação generalista preconizada nas Diretrizes curriculares fornece
os elementos para que o assistente social atue com qualidade e responsabilidade na esfera da
saúde. Deriva dessa certeza a inquietação que originou este estudo: se tomamos como
verdadeira tal afirmação, por que os jovens profissionais, em uma análise empírica que
fazemos enquanto professora, sempre se queixam da formação que receberam e das
exigências do trabalho em saúde?
Uma primeira explicação advém da própria realidade da vinculação entre sde e
serviço social. Mesmo quando há disciplinas relacionadas à saúde, como a disciplina de
seguridade social, a forma como é desenvolvida a articulação entre ambas não consegue
atingir a ação profissional, ficando, muitas vezes, na história, nas características da política e
dando pouca ênfase à própria ação profissional na saúde. Dessa maneira, contribui para
formar o profissional mais no aspecto da “política” (no sentido do domínio da construção
social da saúde, da conjuntura e seus reflexos na área) e menos para o perfil da ação (como o
assistente social enfrenta tais questões no cotidiano profissional).
Nota-se também que a presença do assistente social no conjunto das profissões de
saúde não significou uma mudança na formação dos recursos humanos para o SUS. Embora o
serviço social tenha participação efetiva no Fnepas e tenha tido até um projeto aprovado para
o desenvolvimento de pesquisa (que culminou na avaliação do processo de implementação
das Diretrizes curriculares no Brasil, realizado em 2006), sua permanência é ainda muito
representativa da Abepss e pouco pulverizada no interior da categoria. Isto permite afirmar
que a preocupação com a formação de quadros profissionais para o trabalho no SUS não é
161
uma demanda clara para o serviço social: quando muito é particular de pesquisadores e
professores com alguma vinculação com a área, repondo a problemática da personificação.
Entende-se que esse movimento é comum a todas as áreas e políticas em que o
assistente social está inserido e esta é, inclusive, uma tarefa da academia: formar assistentes
sociais críticos e competentes, capazes de serem lideranças, pesquisadores e fomentadores de
novas ações e projetos nos espaços onde atuam. Destarte, a questão da formação para o
trabalho em saúde é espelho para a mesma relação com outras áreas, o que permite retomar a
pergunta feita anteriormente (por que queixas acerca da formação recebida em detrimento
do trabalho profissional a ser desempenhado?).
Mesmo sendo privilegiado o caráter interventivo da profissão, o seu trato dentro das
práticas educativas ainda carece de maturamento, expresso na real dificuldade de analisar a
ação profissional para além do seu aspecto descritivo, de suascnicas e abordagens.
O exame das competências e atribuições profissionais auxilia nesse processo. Porém,
considerando-se o caráter generalista da profissão, elas são ampliadas e se tornam genéricas,
objetivando dar suporte à diversidade de espaços sócio-ocupacionais da profissão. Tor-las
mais próximas da realidade dos campos de trabalho é imprescindível para reposicionar a
intervenção como centro da formação profissional.
Diante disso, defende-se como melhor forma de responder a essa questão o
estreitamento dos laços entre a formação e o mundo do trabalho, que a categoria trabalho
comporta tanto as possibilidades de reversão de um dado tipo de sociedade como a
manutenção do status quo, tornando-a pedagógica. Daí advém a compreensão do trabalho
como princípio educativo, que serve também para respaldar a formação profissional do
assistente social.
Juntamente com outras áreas e políticas de atuação, a saúde pode ser o cenário para
essa empreitada. Contribuem para isso a própria conformação do processo coletivo do
trabalho; a sua dimensão relacional; a conexão intrínseca com outras áreas e serviços; a base
teórica e política da reforma sanitária, que se aproxima do projeto ético-político profissional,
entre outros elementos. Ainda merece ser ressaltado o fato de que a saúde é um dos maiores
campos de atuação do assistente social.
Finalmente, a conjuntura político-econômica-social é uma ameaça a qualquer tentativa
de mudaa. Assim, sob o manto do capital, movem-se iniciativas sutis de sedimentação de
uma determinada sociedade em que a tecnologia reforça o individualismo, os movimentos
sociais são criminalizados, os direitos sociais são tomados como privilégios. É nesse tabuleiro
que se movem as peças contra-hegemônicas dessa realidade. Entende-se que a formação
162
profissional é parte desse conjunto, que prepara indivíduos sociais que atuarão nas
condições sociais, materiais, culturais de outros indivíduos. Portanto, deve ser capaz de influir
nesse processo.
Essa é, todavia, uma tarefa árdua, e por isso deve ser compartilhada com outros
sujeitos, profissões, organizações, enfim, deve se tornar a mais fina expressão do significado
do termo “coletivo. Para isso, adotar a perspectiva das ações e dos diálogos interdisciplinares
é condição primordial.
Na realidade do ensino superior em que esa formação profissional, tem-se assistido
à crescente mercantilização da educação, seja na expansão dos cursos de graduação presencial
ou na modalidade a disncia com reflexos previsíveis que indicam um cenário ainda mais
degradante no ensino superior brasileiro.
Nesse sentido, é inegável a ação que as profissões têm desenvolvido na direção
contria deste projeto, ao privilegiar a graduação como cus e o SUS como ferramenta de
ação e aprendizagem, com distorções, erros e acertos característicos de um processo social.
Tem-se partindo na direção de um jeito de aprender e ensinar saúde, que também possibilita a
construção de outro e novo jeito de aprender e ensinar o fazer profissional do assistente social.
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Abepss e Cfess, de 17 de fevereiro de 2006. Documento disponível em:
<http://www.cfess.org.br/pdf/entidades_graduacaodistfev2006.pdf>, acessado em 19
fev. 2010.
Representação da Unopar ao Ministério Público Federal/Procuradoria da Reblica no
município de Londrina (PR), de junho de 2009, sobre a Resolução Cfess nº 533, de 29
de setembro, que regulariza a supervisão de estágio. Disponível em:
<http://www.cfess.org.br/noticias_res.php?id=338>, acessado em 20 fev. 2010.
175
Fontes Orais (entrevistas):
- Elaine Rossetti Behring. Entrevista realizada no Teatro da PUC (Tuca) São Paulo, em 12
de maio de 2009.
- Maurílio Castro de Matos. Entrevista realizada na PUC São Paulo, em 24 de junho de
2009.
- Regina Célia Tamaso Mioto. Entrevista realizada na UFSC Florianópolis, em 30 de julho
de 2009.
- Vera Maria Ribeiro Nogueira. Entrevista realizada em Londrina, em 11 de abril de 2009.
176
APÊNDICE I
Roteiro semi-estruturado de entrevista:
I Identificação (aspectos que serão importantes para compor o perfil dos
enrevistados):
IES:_______________________________________________________________________
Tempo de formada:_______ anos. Instituição formadora:_____________________________
Titulação:___________________________________________________________________
Emprego(atualmente):_________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Entidade que representa: _______________________________________________________
II Serviço Social e Formação profissional:
2.1 Voacompanhou o processo de discussão para a construção das diretrizes curriculares
para os cursos de graduação em Serviço Social? Se sim, comente tal processo.
2.2 O resultado final (homologação) contemplou as questões apontadas pelo debate nacional?
Comente.
2.3 Passados sete anos da definição das diretrizes curriculares, como você avalia a sua
implementação? (Aponte os avanços e as dificuldades desse processo)
2.4 Na sua avaliação, qual o palpel das diretrizes na formação profissional?
2.5 Quais seriam os desafios para a efetivação da proposta das diretrizes curriculares?
III Diretrizes Curriculares e Formação de recursos humanos para a saúde.
3.1 Como você avalia a presença do curso de Serviço Social no conjunto das profissões da
saúde?
3.2 Partindo do ponto de vista formal-legal como você percebe a participação do Serviço
Social no movimento de formação de recursos humanos para a sde? Procure pensar do
ponto de vista mais geral (participação em organizações como o FNEPAS) e também
específico (o trato da política de saúde dentro das diretrizes).
3.3 A partir das avaliações da implementação das diretrizes curriculares no país, como você
considera que a formação para o trabalho na saúde tem sido encaminhada no Serviço Social?
3.4 Tomando como parâmetro as competências e habilidades postas para o assistente social
você considera que elas contribuem para a afirmação da categoria como trabalhadores de
saúde?
3.5 Do ponto de vista pedagógico, você acredita que a formação generalista, característica da
formação profissional, têm dado conta de preparar os graduandos para o trabalho na saúde,
considerando as suas especificidades?
177
APÊNDICE II
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL
Pesquisa: “Atualizando o debate: formação profissional, trabalho em saúde e serviço social
Objetivo Geral: Situar e analisar as Diretrizes Curriculares para o Serviço Social dentro do
debate nacional sobre a formação dos profissionais de sde.
A pesquisa se conduzida pela pós-graduanda ria Maria Bettiol, doutoranda em Serviço
Social pela PUC SP e orientada pela Drª Regina Maria Giffoni Marsiglia.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pelo presente documento, eu_____________________________________________, CPF
___________ ou RG nº_______________, emitido por ____________________, residente
à_____________________________________________________________ no município de
____________________________ declaro ceder, sem quaisquer restrições quanto aos seus
efeitos patrimoniais e financeiros, a plena propriedade e os direitos autorais da entrevista de
caráter documental prestado a pesquisadora Líria Maria Bettiol, na cidade de ________, em
______________, num total de ____minutos gravados.
A pesquisadora fica consequentemente autorizada a utilizar, divulgar e publicar, para fins
acadêmicos e científicos, a mencionada entrevista no todo ou em parte, editada ou o, bem
como permitir a terceiros o acesso a mesma para fins idênticos, segundo suas normas, desde
que haja indicação de fonte e autor.
Ressalva:_______________________________________________________________
___________, __________
Local e data
_______________________
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