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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
IURI BARBOSA GOMES
JORNALISMO EM QUADRINHOS:
mediações e linguagens imbricadas nas reportagens
Palestina Uma Nação Ocupada e em O Fotógrafo
CUIABÁ
2010
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IURI BARBOSA GOMES
JORNALISMO EM QUADRINHOS:
mediações e linguagens imbricadas nas reportagens
Palestina Uma Nação Ocupada e em O Fotógrafo
Dissertação apresentada, para a
obtenção do título de Mestre em
Estudos de Cultura Contemporânea,
à Universidade Federal de Mato
Grosso, na área de concentração em
Estudos Interdisciplinares de Cultura,
linha de pesquisa em Comunicação e
Mediações Culturais.
Orientador: Prof Dr.º Yuji Gushiken
CUIABÁ
2010
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IURI BARBOSA GOMES
11
JORNALISMO EM QUADRINHOS:
mediações e linguagens imbricadas nas reportagens Palestina
Uma Nação Ocupada e em O Fotógrafo
Dissertação apresentada, para a
obtenção do título de Mestre em
Estudos de Cultura Contemporânea,
à Universidade Federal de Mato
Grosso, na área de concentração em
Estudos Interdisciplinares de Cultura,
linha de pesquisa em Comunicação e
Mediações Culturais.
Aprovada em 6 de abril de 2010.
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________
Prof.º Dr.º Yuji Gushiken
Universidade Federal de Mato Grosso
____________________________________
Prof.º Dr.º Giovandro Marcus Ferreira
Universidade Federal da Bahia
____________________________________
Prof.º Dr.º José Serafim Bertolotto
Universidade Federal da Mato Grosso
12
Ficha Catalográfica
Bibliotecária Luzimar Barbosa Chaves
13
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos membros da banca, Yuji Gushiken, orientador que muito
ajudou na construção deste trabalho seja com a oriental paciência ou com as
muitas conversas regadas a café , Giovandro Marcus Ferreira (UFBA),
examinador externo que se dispôs a vir da Bahia para participar da discussão e do
aprimoramento desta pesquisa, José Serafim Bertolotto (ECCO-UFMT) e Icléia
Rodrigues de Lima e Gomes (ECCO-UFMT), por terem aceito o convite de
participar desta avaliação e pelos comentários que auxiliaram na construção final
deste trabalho.
Agradeço ainda aos professores que durante o mestrado, de uma forma ou
de outra, ajudaram na lapidação do texto e numa mais aprofundada pesquisa
bibliográfica mesmo que indiretamente.
Agradeço também aos familiares e amigos que ajudaram e foram
demasiado pacientes durante todo o processo de pesquisa: Luzimar Barbosa
Chaves, Kamilla Braz de Campos, Maysa Barbosa Gomes, Protásio de Morais,
Danilo Fochesatto, Kenas de Figueiredo, Joelcio Fagundes, Lawrenberg
Advíncula, Laura Josani, Dyolen Vieira (in memorian), Geni e Cecília, e todos
aqueles nomes que não cabem nos encartes dos CDs.
14
RESUMO
A pesquisa descreve a emergência do jornalismo em quadrinhos como
experimentação de linguagens de onde se retiram repertórios do jornalismo e das
histórias em quadrinhos. Aponta os contornos que atribuem ao JHQ um limite e
um nome entre tantas outras linguagens. Essa experimentação é analisada a
partir de obras seminais Palestina, Uma Nação Ocupada, do jornalista maltês
Joe Sacco, e O Fotógrafo, do trio francês Didier Lefèvre, Emmanuel Guibert e
Fréderic Lemercier e outras obras que vieram no bojo dos precursores. Na
perspectiva dos estudos culturais, considera-se o JHQ como um território
experimental de linguagens que se atualiza em função dos processos mediadores
que lhe sustentam a existência.
Palavras-chave: comunicação; jornalismo; jornalismo em quadrinhos; linguagens.
15
ABSTRACT
This paper describes the emergence of comic journalism (CJ) as languages
experiment where take away jornalism and comic repertoire. Points out the
contours that attach a limit to comic jornalism and a name among many other
languages. This experimentation is analyzed from seminal papers - Palestina, Uma
Nação Ocupada, from the maltese journalist Joe Sacco, and The Photographer,
from the French ones Didier Lefèvre, Emmanuel Guibert and Fréderic Lemercier,
and others papers that came in the midst of the precursors. In a cultural studies
perspective, the Comic Jornalism is consider as a language experimental territory
that updates itself according to the mediating processes which suports
its existence.
Keywords: communication, journalism, journalism in comics; languages
16
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Capa de Palestina, Uma Nação Ocupada 08
Figura 2: Capa de O Fotógrafo Vol. 1 09
Figura 3: O Fotógrafo: fotografia e quadrinhos juntos 18
Figura 4: Página da adaptação de A Metamorfose para os quadrinhos 24
Figura 5: Página de Maus, de Art Spiegelman 28
Figura 6: Palestina, Uma Nação Ocupada 31
Figura 7: Palestina, Uma Nação Ocupada 31
Figura 8: Palestina, Uma Nação Ocupada 32
Figura 9: O Fotógrafo 32
Figura 10: Palestina, Uma Nação Ocupada 34
Figura 11: O Fotógrafo: metalinguagem 37
Figura 12: Página de Palestina, Uma nação Ocupada, de Joe Sacco 41
Figura 13: Capa (esq.) e uma das páginas de 08: A graphic diary of the
campaign trail 47
Figura 14: O Fotógrafo: costumes locais 48
Figura 15: Palestina, Uma Nação Ocupada: visão do repórter 49
Figura 16: “Animação estática” em Palestina, Uma Nação Ocupada 51
Figura 17: O Fotógrafo: o encontro de costumes e mundos diferentes 57
Figura 18: Página de Che, biografia de Che Guevara 58
Figura 19: Johnny Cash com Bob Dylan em uma página de Johnny
Cash, uma biografia, feita por Reinhard Kleist 60
Figura 20: O Fotógrafo: Conflitos de costumes e crenças 71
Figura 21: Página de Crônicas Birmanesas, de Guy Delisle 74
17
SUMÁRIO
Introdução 8
1. Sobre a prática jornalística 12
2. Quadrinhos: de subliteratura à nona arte 22
3. Jornalismo em Quadrinhos: linguagens imbricadas 27
4. Mediação é/e convergência 41
5. Biografias: um afluente do JHQ 58
6. Território e Campo: uma possível leitura 63
7. Metodologia: Estudos Culturais e Mediações 76
Considerações finais 83
Referências 87
18
Figura 1: Capa de Palestina, Uma Nação Ocupada
INTRODUÇÃO
A expressão jornalismo em
quadrinhos é relativamente recente, e
precisamente começa a ganhar
notoriedade com a obra apurada e
desenhada pelo jornalista maltês Joe
Sacco, Palestina, Uma Nação Ocupada
lançada originalmente em janeiro de
1994 os Estados Unidos. Com uma
linguagem coloquial e com um estilo
que lembra o grande nome do chamado
quadrinho underground, Robert Crumb,
Sacco literalmente traça quadros em
capítulos sobre o conflito que há tempos
ocorre entre palestinos e israelenses.
Em tom investigativo e longe da
utópica objetividade jornalística, Sacco
vai a campo humanizar histórias que
envolvem intolerância, tortura e mortes, sempre com a política e o aspecto
sociocultural como pano de fundo. As mais de 100 páginas de Palestina... trazem
em capítulos um intrincado jogo de desenhos que ilustram de forma
metalinguística uma apuração jornalística sobre a questão palestino-israelense.
Esta pode ser reduzidacomo uma disputa entre quem pode viver e quem pode
controlar o uso de uma porção de terra (SMITH, 2008: 56). As aspas não são
gratuitas, uma vez que todo um teor político e cio-cultural por trás desse
histórico conflito e que Sacco faz questão de explicitar ao longo da obra.
Inclusive partes em que as palavras ganham mais relevância com relação às
ilustrações.
Para a construção dessa reportagem, Joe Sacco passou dois meses entre
Jerusalém, Cisjordânia e Faixa de Gaza entre o final de 1991 e início de 1992.
19
Muita coisa aconteceu desde então e ele mesmo reconhece isso na introdução
do livro, já em 1994 , mas a força dos relatos que ele recolheu nesse período e o
pouco avanço no que diz respeito ao processo de paz na região tornam a história
atual, não-datada. É o recorte de um período, uma espécie de documentário cujas
personagens são donas-de-casa, feirantes, estudantes e gente que, na
normalidade de quem vive no conflito, mostram nuances que muitas vezes
passam despercebidas pela cobertura jornalística convencional.
Desde o lançamento de Palestina, Uma Nação Ocupada, porém, outras
obras de cunho jornalístico mesclando a linguagem dos quadrinhos foram
lançadas, como Pyongyang Uma Viagem à Coreia do Norte (2007) e Crônicas
Birmanesas (2009), ambas escritas e desenhadas pelo desenhista canadense
Guy Delisle e lançadas pela Zarabatana Books. Nestas obras, assim como a de
Sacco, Delisle ilustra a realidade a partir da sua vivência: uma temporada que
passou na Coreia do Norte ao
acompanhar sua esposa, Nadège, que
trabalha na ONG Médicos Sem
Fronteiras (MSF) e que acaba indo
parar em Rangum, então capital de
Myanmar (antiga Birmânia), país
dominado por uma ditadura e não
reconhecido por diversos países.
Uma obra que também mescla
jornalismo e quadrinhos é a trilogia O
Fotógrafo, do trio francês Didier
Lefèvre, Emmanuel Guibert e Fréderic
Lemercier. O livro-álbumreportagem,
assim como uma das obras de Delisle
trata dos Médicos Sem Fronteiras,
mais especificamente de uma
expedição que eles fazem no
Figura 2: Capa de O Fotógrafo Vol. 1
20
Afeganistão em 1986
1
. A diferença desta obra para as do canadense e para as de
Sacco é a riqueza estilística, que mescla os quadrinhos ao fotojornalismo
numa época em que fotos PB de filmes 35mm davam a tônica a esta prática. O
Fotógrafo foi lançado no final de 2006 pela Conrad Editora a mesma que lançou
os livrosreportagem de Sacco.
A fim de um recorte acadêmico para a pesquisa, escolheram-se Palestina,
Uma Nação Ocupada e O Fotógrafo, obras seminais às quais se seguiram outras
que contribuíram para a constituição do que hoje se chama de jornalismo em
quadrinhos. São livrosreportagem que trazem as principais características desta
proposta que se insere num tempo de links e inserções jornalísticas ao vivo: um
tempo em que somos bombardeados por informações e imagens em demasia.
A discussão que aqui se levanta tangencia a mediação cultural nesse novo
formato de apresentação de uma reportagem, um formato que, num primeiro
momento, pode parecer incomum, monstruosa. Isso porque as HQs comumente
são associadas à ficção, e o jornalismo ao que é tido como real ou como
próximo do real. E é entre estas suas linguagens que o jornalismo em quadrinhos
se erige, é entre estes dois meios que ele dita o seu ritmo e se territorializa sem
no entanto deixar de exibir imbricadas em si características tanto das HQs como
do jornalismo. O resultado é um produto estético que não se afasta do caráter
profissional do fazer jornalismo, mas também não descarta o valor estilístico e
potencialmente comunicativo das imagens dispostas em quadrinhos.
O que se propõe a apresentar neste trabalho de pesquisa é narrar a
emergência histórica do jornalismo em quadrinhos, resumido nas iniciais JHQ,
numa empreitada primeiramente descritiva, considerando que o estranhamento
dessa experimentação demanda constituir o objeto em seus contornos mínimos. O
JHQ se insere no atual campo da comunicação e da própria pesquisa acadêmica,
como ele impõe um ritmo diferenciado à notícia diante da crise dos jornais sem
no entanto ostentar uma suposta imagem de “salvação do jornalismo e mesmo
diante de um tempo em que as novas mídias imprimem um ritmo acelerado às
1
Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) são conhecidos serem de vários países e por viajarem por
territórios inóspitos ou não para tratar de pessoas que não têm acesso a tratamentos médicos
básicos ou de maior complexidade.
21
informações. Não que seja uma vertente inserida no mainstream jornalístico, tendo
em vista os poucos práticos que podem ser vistos, seja no Brasil ou no exterior.
Mas certamente se alguns, é porque existe um público que a consome e que a
legitima como produção comunicacional ao mesmo tempo que subsidia novas
produções.
Trata-se de uma prática semiológica (CIRNE, 1972: 17) que não se
desvencilha da realidade e dos preceitos jornalísticos, e que é construída quase
que de forma artesanal, indo de encontro com a facilidade das ferramentas
disponíveis para o trabalho de se reportar uma informação. O que se pretende é
pensar a prática desse novo suporte jornalístico sem, contudo, tecer verdades
absolutas sobre o tema mesmo porque não sequer uma bibliografia
específica, sobretudo por ser uma forma aberta e sujeita a agregar novos suportes
comunicacionais. A própria pesquisa sobre o tema está sujeita a imbricações
conceituais.
O presente trabalho inicialmente apresentar a forma mais usual da prática
jornalística, a questão da crise pela qual passa a profissão e os elementos de uma
grande reportagem tendo em vista que o JHQ, em grande parte, apresenta-se
desta maneira. Em seguida faz-se um rápido histórico do desenvolvimento dos
quadrinhos a fim de situar esta linguagem. E, enfim, a discussão se volta para a
mescla de linguagens e a territorialização do jornalismo em quadrinhos, uma
prática essencialmente experimental no campo da comunicação sendo mediada
pelo aspecto cultural dos nossos tempos: uma brecha na qual o jornalismo em
quadrinhos se legitima como prática jornalística, seja pelo público que o consome
ou pelas produções que, às margens, ganham terreno no campo comunicacional.
22
CAPÍTULO 1: SOBRE A PRÁTICA JORNALÍSTICA
As práticas jornalísticas tiveram início na Grã-Bretanha e nos Estados
Unidos, e a simples busca pela informação (news-gathering) foi responsável pelo
surgimento dos gêneros jornalísticos que hoje estão em voga (NEVEU, 2006: 22-
23). Estes gêneros ganharam força e características peculiares que ao longo do
tempo foram se agregando a uma prática que aos poucos foi sendo
institucionalizada como um campo de conhecimento. Muitas denominações para
gêneros estilísticos surgiram, mas independente de como é feita a apuração ou a
narrativa, tem-se sempre em mente que a
“A essência do jornalismo é a informação da atualidade,
ou seja, de fatos, situações e ideias que estão ocorrendo,
desenrolando-se ou atuando em e sobre determinada
comunidade no momento preciso de sua manifestação”
(BELTRÃO, 1980: p. 14).
Essa informação da atualidade exige um interesse abrangente calcado na
lealdade à sociedade (MARTINS, 2005: 33). Cabe ao jornalista apurar o olhar
jornalístico para perceber o que é notícia, o que causa interesse público
procurando sempre levar em conta a ética que substancia a sociedade:
“(...) notícia está no curioso, não no comum; no que
estimula conflitos, não no que inspira normalidade; no que
é capaz de abalar pessoas, estruturas, situações, o no
que apascenta ou conforma; no drama e na tragédia e não
na comédia ou no divertimento” (NOBLAT, 2003: 31).
A atualidade, portanto, é o combustível da atividade jornalística. Como tal,
precisa ser interpretada antes de ganhar os olhos e ouvidos da sociedade
(BELTRÃO, 1980: 12). Vivemos num período de comunicação de massa, em
massa e para a massa, e da mercantilização da informação, e a atualidade acaba
sendo uma espécie de maldição do jornalismo, pois é preciso vender a grande
notícia do dia sem apelar ao sensacionalismo seja à base da violência ou do
entretenimento fugaz. É bom lembrar, porém, que tal assertiva não é dogma
23
comunicacional-jornalístico, mas sim algo próximo do que se idealiza para a
profissão.
Nesse cenário expandido gerado pela modernidade, o jornalismo é
obrigado a acompanhar o desenvolvimento tecnológico que envolve a mídia
2
participando, assim, da reordenação do espaço e do tempo no mundo moderno
(THOMPSON, 1998: 135). Hoje as diversas tecnologias permitem que a
comunicação seja ela impressa ou audiovisual exiba um caráter ritualístico: a
aldeia global de McLuhan espraia não informações, mas costumes e culturas
entendendo cultura como uma rede de práticas que constituem o cotidiano
3
. O
jornalismo entra como parte integrante do emaranhado de costumes sociais, como
um meio de informar e também como mais um tijolo usado no muro que edifica o
simulacro da realidade vigente, que é construída socialmente. O jornalismo se
porta, ainda, como a sentinela da ordem social, seja para mantê-la ou para
destruí-la, um espelho da consciência crítica de uma comunidade em um
determinado espaço de tempo (NOBLAT, 2003: 21).
A reportagem para nós ganha especial atenção por se tratar de um gênero
jornalístico que humaniza o fato noticiado (cujo caráter é atual) relacionando a um
contexto maior mesmo que no perímetro do assunto em questão. Não que a
notícia diária ou mesmo os fait-divers (DEJAVANTE, 2006: 56) não sejam
ilustráveis humanísticamente, mas o caráter de imediatismo deles vai contra a
uma das características principais do jornalismo em quadrinhos: o trabalho em,
literalmente, desenhar-se os mínimos detalhes, em se pensar na disposição das
imagens e das fotos, a busca por fontes in loco tal qual um etnógrafo. Estas
taferas, no corre-corre de uma redação por mais afastada da imagem romântica
retratada nos filmes
4
, por exemplo , seriam difíceis de serem feitas com o esmero
que algumas propostas apresentam e que mais adiante serão deslindadas.
2
envolvida também uma questão metalingüística atrelada a uma estratégia de marketing, como
por exemplo o Jornal Nacional, que foi copiado pelo jornal da TV Record e que, para se renovar e
gerar novas tendências, fez uma propaganda em torno do novo cenário e da dinâmica adotada nas
matérias.
3
Isso nos remete à definição de Muniz Sodré para globalização: “um outro nome para
teledistribuição mundial de pessoas e coisas” (2002: 12)
4
Cf. os filmes Todos os homens do presidente (Título Original: All the President's Men.
Produção: Walter Coblenz. Direção: Alan J. Pakula. Roteiro: William Goldman, baseado em livro de
24
com as possibilidades criativas da reportagem, cujo nascimento está
ligado à cobertura da Guerra de Secessão (NEVEU, 2006: 23), a situação muda
um pouco, pois além de o repórter utilizar fontes secundárias (documentos, livros,
relatórios e outros) na construção do texto, há a premissa deste ser maior e com
mais possibilidades de se trabalhar as linguagens principalmente a visual, que
agrega um valor significativo e estético maior ao conteúdo verbal.
As ilustrações aquecem o texto: dão visualidade pronta,
antes da leitura. Fotos, caricaturas, charges, anúncios
enxertam-se em meio aos textos, quebram-lhes a
monotonia, imprimem movimento ao texto. Eis o grande
arranjo estético, a orquestração gráfica do jornalismo
(KELLY, 1972: 168)
No caso do jornalismo em quadrinhos, as imagens ganham especial
importância, tanto no erigir como na significação da reportagem, que as
referências podem ser as mais diversas. Uma fotografia, por exemplo, serve como
referência direta à realidade, algo do tipo: “Leitor, o se engane, esta história é
verídica e o um mero exercício de HQ”. Assim como a mesma fotografia agraga
um avalor artístico à história em questão.
Os pilares da linguagem jornalística são os registros de linguagem, o
processo de comunicação e os compromissos ideológicos (LAGE, 1998). A língua
do país escrita e falada é entendida como registro. A linguagem jornalística “é
basicamente constituída de palavras, expressões e regras combinatórias que são
possíveis no registro coloquial e aceitas no registro formal” (LAGE, 1998: 38).
O processo de comunicação diz respeito ao referencial, a alteridade do
emissor, do receptor e do processo de comunicação. Para isso, no jornalismo,
buscam-se enunciados que atestam evidências dos fatos noticiados nomes,
datas, horários, enfim, detalhes que enriquecem o texto e que contribuem para a
verossimilhança da história em questão (LAGE, 1998: 42). Esse processo está
diretamente ligado à apuração, e por isso a foto ganha uma especial relevância.
Bob Woodward e Carl Bernstein. Distribuição: Warner Bros, 1976. 1 DVD (138 min), son, color.
Legendado. port.) e O Jornal (Título Original: The Paper. Produção: Brian Grazer e Frederick Zollo.
Direção: Ron Howard. Roteiro: David Koepp e Stephen Koepp. Distribuição: Universal Pictures /
UIP, 1994. 1 DVD (88 min), son, color. Legendado. port).
25
Por fim, os compromissos ideológicos são definidos pela posição tomada pelo
repórter ao escolher este ou aquele termo visando, é claro, não afetar a
comunicabilidade. A primeira palavra que vem à mente diante disso é
“objetividade”.
A objetividade é um preceito muito difundido/discutido. Os bons manuais de
jornalismo pregam a neutralidade como ferramenta imanente à linguagem
jornalística. Porém, na perspectiva levantada por este artigo, acredita-se que é
possível escrever uma reportagem com um quê subjetivo sem, contudo, se afastar
tanto da sobriedade exigida, pois
Reproduzir o real, por intermédio da lente de aumento da
imprensa, significa ser fiel aos acontecimentos, permitir
que eles ganhem repercussão pública exatamente como
ocorreram. Isso não exclui a possibilidade de o jornalista
expressar os próprios pontos de vista (julgamento,
valoração) sobre os fatos, em espaço apropriado no jornal
(MELO, 2006: 38)
Como se apresentará mais a frente, o olhar crítico do jornalista traz
embutido o teor idiossincrásico que irá servir de tempero à reportagem Ernest
Miller Hemingway e o próprio Joe Sacco são bons exemplos. No jornalismo em
quadrinhos não se exclui o olhar do jornalista de maneira alguma, principalmente
por ele estar na história narrada, ele imprime de forma metalingüística suas
impressões. Destarte, por meio de desenhos e fotografias tem-se um registro, um
relato imagético do que poderia ser descrito por palavras. É o discurso visual
sobrepondo-se ao verbal. E nisso se ganha em objetividade, que nessa
proposta jornalística assume um sentido não da impessoalidade que muitas vezes
é almejado, e sim de um olhar que respeita o leitor ao apresentar, de forma
contextualizada, uma notícia com as impressões do repórter, sem, contudo, soar
como um artigo de opinião.
Dos três pilares descritos acima surgem as formas de se apresentar uma
notícia: a escrita (grafojornalismo), os signos icônicos (cinejornalismo), a oralidade
(radiojornalismo) e a voz e a imagem (telejornalismo) (BELTRÃO, 1980). O
26
jornalismo em quadrinhos, infere-se, agrega a escrita e os signos icônicos (os
desenhos e a fotografia), que serão tratados adiante.
O foco aqui se volta para o jornalismo impresso, tendo como referência o
jornal e as revistas informativas cujas imagens dão suporte a textos. Hoje em dia,
em alguns casos, tais imagens têm vida autônoma, livre das limitações semânticas
afinal, um analfabeto pode não conseguir ler uma oração, mas com certeza
apreende mais facilmente a mensagem de uma fotografia.
A humanidade atinge à faculdade de pensar visualmente.
Retorno aos primitivos, após o imenso hiato da escrita? É
p efetivo poder da informação visual. Condição do tempo?
Civilização da velocidade escreve Poyares não suporta
muito meditar. É para a frente. Jogada no ritmo
incessante, na balada ardente do tempo de mudança
5
. A
circunstância da velocidade junta-se à tendência intensiva
dos meios de comunicação, baseados na imagem.
(KELLY, 1972: 114-115)
Aqui tenta-se fugir da questão referente ao significado, pois este é
resultado de uma visão mais pessoal cujo combustível interpretativo é o repertório
cultural de cada leitor.
Qualquer imagem é analisada como uma interpretação-
transformação do real, como uma formação arbitrária,
cultural, ideológica e perceptualmente codificada. (...) Não
uma realidade empírica na foto: ela é um símbolo um
conjunto de códigos. (DUBOIS, 1994: 53)
Ressalta-se que os quadrinhos na proposta aqui apresentada não
funcionam como “facilitadores‟ de um entendimento maior de qualquer questão
que seja mas sim de uma forma experimental de construção jornalística.
Admite-se, porém, que a fotografia
6
, as ilustrações, as charges, os cartoons
são unidades semânticas autônomas, mas pobres em sintaxe, o que pode gerar
ambigüidade (LAGE, 1998: 07). No caso das fotos, a legenda resolve esse
5
Qalter Poyares. Comunic, Soc. E Rel. Públ,. Pág. 181.
6
Data de 4 de março de 1880 a primeira aparição de uma fotografia em jornal. A foto chamava-se
Shanty-Town (Favela) e foi impressa pelo New York Daily Graphic.” (NEIVA JR., 2006: 72)
27
possível ruído na comunicação nos quadrinhos, os balões com falas e as
onomatopeias cumprem esse papel.
Tendo como referência esse universo informacional, e antes de um
aprofundamento específico de como se constrói o jornalismo em quadrinhos ou
pelos menos as duas obras selecionadas para este trabalho , é bom lembrar que
a união entre jornalismo e quadrinhos faz surgir uma vida pertinente: é real o
que está ilustrado, ou é um mero devaneio artístico ilustrando um lead? Para
dirimir tal incerteza, a fotografia seria o primeiro instrumento para situar a
verossimilhança do fato ao leitor, para apresentar um recorte verdadeiro
7
do que,
a princípio, pode parecer um mero produto do que mescle gratuitamente a
informação ao entretenimento superficial, algo para passar o tempo. Isso porque
hoje em dia a
informação torna-se entretenimento. Vai da notícia ao
espetáculo. Passa-se da ação à contemplação, da
descrição à dramatização, da apresentação à construção
de uma narrativa que repõe os fatos numa ordem e numa
discursividade adequadas ao efeito jornalístico (SILVA,
2003: 104).
A fotografia foi o primeiro instrumento mecânico a registrar de forma
analógica a realidade (LAGE, 1998: 24). No caso do jornalismo em quadrinhos, ela
não necessariamente entra em cena vide os livroreportagem de Sacco: não
fotos, mas visualiza-se claramente nos desenhos enquadramento fotográficos
8
.
Mas isso definitivamente não exclui a fotografia do processo constitutivo do
jornalismo em quadrinhos, tanto que a obra O Fotógrafo, do trio Didier Lefèvre,
Emmanuel Guibert e Fréderic Lemercier, prova ser possível a junção (Figura1).
7
As aspas não são gratuitas, pois existe uma verdade? Segundo Ivan Lima (1998), no Japão sha-
shin (fotografia) quer dizer reflexo da realidade. Tendo a visão de uma imagem refletida num
espelho, soa no mínimo estranha tal definição, porque além dos gostos e sugestões, vale lembrar
que nossos olhos são facilmente enganados por ilusões de ótica vide o uso de espelhos
convexos e côncavos.
8
Diferente do livro Crônicas Birmanesas, de Guy Delisle, que ao final do livro mostra as fotos
usadas para afazer algumas das ilustrações.
28
Uma dúvida que sempre surge nesse novo suporte para a informação é até
que ponto o que se lê/vê é real ou imaginário. Como foi dito acima, a fotografia
é o liame visual que situa o leitor no que é tido como real. Como salienta Dubois
(1994), a fotografia é percebida como uma espécie de prova que atesta a
existência daquilo que mostra. Ele completa o raciocínio citando André Bazin
(1918-1958), importante crítico e teórico do cinema, um dos fundadores da revista
francesa Cahiers du cinema:
Esta gênese automática subverteu radicalmente a
psicologia da imagem. A objetividade da fotografia
confere-lhe um poder de credibilidade ausente de qualquer
obra pictórica. Sejam quais foram as objeções do nosso
espírito crítico, somos obrigados a crer na existência do
objeto representado, literalmente re-presentado, quer
dizer, tornado presente no tempo e no espaço. A fotografia
se beneficia de uma transferência de realidade da coisa
para a sua reprodução.
9
9
Citação que está presente na obra O Cinema: Ensaios”, de André Bazin.
Figura 3: O Fotógrafo: fotografia e quadrinhos juntos
29
quadrinhos adultos, seja de Milo Manara (de cunho erótico) ou mesmo
de Will Eisner (criador das graphic novels
10
e cujas obras têm um tom mais
existencialista e humanístico), que podem ser tidos como “baseados em fatos
reais” e cujo aspecto literário é acentuado. Ressalta-se que o “encontro das HQs
com a literatura se no nível da narração pura e simples, num nível muito mais
íntimo e anterior do que o das adaptações de uma mídia a outra, que viriam
acontecer mais tarde” (PATATI; BRAGA, 2006: 61).
A diferença, porém, com relação ao jornalismo em quadrinhos é que a
história deste é construída mediante a apuração dos fatos, uma humanização
do relato de acordo com preceitos jornalísticos respeito às fontes, senso crítico.
Trata-se de um trabalho cujo diferencial se na concepção artística de como ele
será apresentado, na experimentação
11
. E o campo da comunicação é aberto a
novas propostas, sujeito a re-inventar usos e a aproveitar ao máximo a
potencialidade de novas ferramentas. Em tempos de links ao vivo e de fotografia
digital, a WebTV, por exemplo, é um sintoma de como as novas mídias podem se
expandir ainda no que diz respeito à plena utilização dos avanços tecnológicos em
prol da comunicação.
O jornalismo em quadrinhos não surge, é bom frisar desde já, como
panaceia para a crise que a contemporânea comunicação enfrenta. Nos tópicos
abordados em congressos de comunicação, nacionais e internacionais, a pauta
costuma girar em torno das novas mídias e dos desafios aos comunicadores
diante disso. A queda da obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão de
jornalista no Brasil também tangencia, num âmbito mais local, essa crise. Na
verdade é como se a prática jornalística sentasse numa cadeira de balanço e
assistisse a tudo que freneticamente passa, e, a seu tempo, fizesse por se
entender a quem se interessasse em compreender este ou aquele assunto.
Justamente por não estar inserido num contexto mais amplo do jornalismo,
o jornalismo em quadrinhos não pode ser visto como a salvação ou mesmo
responder a qualquer demanda que seja no que diz respeito à sanar a crise no
10
“Na tradição europeia dos anos 1970, tratava-se de trabalhar textos e desenhos na direção de
uma expressividade mais assumidamente pessoal” (PATATI, BRAGA, 2006: 89).
11
Como afirma Martin-Barbero (2006): a arte reside na experiência.
30
campo jornalístico. Diante da prática profissional acima citada, trata-se de uma
prática que surge como experimentação comunicacional, como um produto cujos
alicerces imagéticos permeiam uma abordagem diferente no que diz respeito à
apresentação de uma reportagem.
A civilização que repousou na leitura sente-se, de certo
modo, perturbada: o cultivo das palavras, o pensamento
progressivo, o desenvolvimento lógico do raciocínio são
subitamente abalados pelo impacto das imagens (KELLY,
1972: 117)
Inegavelmente as imagens causam certa atração. Não que a máxima Uma
imagem vale mais que mil palavrasseja imbatível, mas é algo bem próximo de
nossos dias uma época marcada pela profusão de imagens: uma bricolagem
constante de fotos, desenhos, stencil, quadrinhos e o que mais tiver apelo
imagético. Claro que não basta apenas a imagem estar em determinado lugar
para ser assimilada.
Para representar o mundo é preciso um repertório de
esquemas que elaborem e interpretem a realidade.
Obrigatoriamente, um modelo organiza a experiência
perceptiva. O esquema fixa a instabilidade flutuante que
caracteriza o mundo. assim as coisas são
reconhecidas. As coisas representadas não explicam a
imagem; esta é aquilo que a invoca. (NEIVA JR., 2006: 12-
13)
O poder da imagem é inseparável do JHQ. Um livroreportagem
quadrinizado tem seu apelo imagético, sua monstruosidade que cativa e causa
estranhamento. Porém, ressalta-se aqui que o JHQ não é a salvação do
jornalismo, principalmente no Brasil, onde é cediço que tal experimentação ainda
não é tão praticada e/ou aceita pelo menos no que se observa em jornais diários
de grande circulação. O JHQ, como será explicado mais adiante, apresenta-se
como uma experimentação no campo da comunicação. Diante de todos os
preceitos jornalísticos apresentados acima, ele se insere como uma tentativa de
se apresentar a notícia em um suporte diferente. Não que, diante da crise, ele seja
31
quem esteja com a luz ou a bússola que irá guiar a profissão, mas se mostra como
uma opção a ser explorada.
São muitos os sintomas que apontam uma falência
múltipla dos órgãos jornalísticos: fim da Lei de Imprensa,
desregulamentação do profissional diplomado,
crescimento vertiginoso das mídias sociais, queda nas
circulações de impresso mundo afora, migração de verbas
publicitárias, cerceamento jurídico da liberdade de
expressão, influência do Estado nos meios de
comunicação... Se há um futuro incerto à espreita, um
“novo jornalismo” precisa ser criado. (FORTI, 2009: 27)
Se vai dar certo ou não, o próprio mercado, o público consumidor, as
editoras e quem o faz irá dizer. Não é, porém, a preocupação deste trabalho
identificar a longevidade do JHQ, e sim focar o lado experimental em suas
linguagens imbricadas que parecem ir na contramão de um período marcado
pelas mídias instantâneas.
32
CAPÍTULO 2: QUADRINHOS: DE SUBLITERATURA À NONA ARTE
Ao longo dos tempos, as charges, tiras, cartoons e fotografias ganharam
cada vez mais espaço nos jornais e revistas. A personagem Yellow Kid, por
exemplo, tornou-se o maior atrativo do jornal New York World (CAMPOS,
LOMBOGLIA, 1984: 10-11), sendo considerado uma das primeiras inserções da
HQ no jornalismo. Hoje nos jornais e revistas há infográficos, tiras, charges,
caricaturas, fotografias e outros elementos que se inserem no catálogo imagético
da comunicação na contemporaneidade. Na extremidade de tudo isso está Sacco
e uma nova proposta de se fazer jornalismo: em quadrinhos. Com isso ele prova
que as histórias em quadrinhos (HQs) vão além de histórias de aventuras com
sujeitos de colante (MCCLOUD, 2005: 02), ele elimina os estereótipos que
afirmam ser o gibi um mero material de consumo infantil, descartável. Patati e
Braga inclusive afirmam que as histórias em quadrinhos, “irmãs do cartum e do
folhetim, deixaram marca indelével nas fisionomias culturais e costumes do século
XX” (PATATI, BRAGA, 2006: 16).
Com o passar do tempo, as HQs ganharam outros contornos e deixaram de
ser consideradas subarte ou subliteratura, influenciando outros campos, inclusive
o da comunicação (LUYTEN, 1984: 08), sem contudo trazem em si a pretensa
intenção de mostrar a realidade. Como ressalta José Arbex no prefácio de
Palestina, Uma Nação Ocupada:
A linguagem do quadrinho (...) é, muito mais, uma forma
de manifestação estética. (...) A linguagem do quadrinho
sequer tem a pretensão à verossimilhança postulada pela
arte românica ou realista do final do século XIX (ARBEX,
2004)
A ligação entre quadrinhos e a imprensa existe há tempos, quando em
jornais norte-americanos e europeus se publicavam caricaturas de veia
humorística com alguns diálogos que mais tarde serviriam como base aos
balões, que é onde as falas das personagens aparecem. A união jornal+tiras
inicia-se por volta de 1850, sendo a primeira tira cômica com balão a do Yellow
Kid em 1896 (IANNONE: 1994: 33), pois antigamente as primeiras histórias em
33
quadrinhos eram histórias completas em uma única página. Eram formatadas
para ocupar uma página nos suplementos dominicais do começo do século XIX
(PATATI; BRAGA, 2006: 23).
Não é de hoje, vale ressaltar, que as HQs transitam nas páginas de jornais
e revistas, e também não é novidade que o próprio universo jornalístico parece
andar de mãos dadas com as HQs: temos Super-Homem, que quando não a
salvar o mundo é o jornalista Clark Kent, também Peter Parker, que ganha a
vida como fotógrafo free lancer e cuja identidade secreta é a do Homem-Aranha, e
pode citar ainda Tin Tin, um misto de jornalista e Indiana Jones, sempre com o
cachorro Milou e que, apesar de repórter, raramente aparecia escrevendo algo
(PATATI; BRAGA, 2006: 37).
Hoje não há como negar a influência dos quadrinhos na indústria cultural
com ênfase, é claro, na cultura pop de massa que abarca desde Chaplin aos
irmãos Wachowski
12
. As comics denominação dada às HQ nos Estados Unidos
chegaram a figurar como fator de capital de venda de jornais (LUYTEN, 1984:
10). Não é à toa que jogos, roupas e brinquedos bebem da fonte HQ para espraiar
seus produtos à sociedade. A visão de um produto para crianças ou para as
gerações mais novas também, de certa forma, caiu como exemplo podemos
citar Sandman, gibi voltado para adultos que explora ao extremo questões oníricas
e outras tantas de cunho psicológico. Mesmo que as histórias sobre super-heróis
tenham ou pelo menos pareçam ter se esgotado criativamente, com a
segmentação da informação uma miríade de HQs disponíveis no mercado: dos
mangás surreais e românticos, como Death Note
13
, aos conhecidos X-Men, que se
mantém até hoje apesar da história ser mais do que conhecida.
pouco tempo as HQs eram consideradas sem importância ou vistas
como algo negativo. O ditador italiano Benito Mussolini chegou a banir todas as
HQs da Itália com o seguinte argumento: as revistinhas eram uma „contracultura
corrosiva' que poderia prejudicar a formação dos jovens italianos. Soma-se a isso
12
Criadores da trilogia cinematográfica Matrix, obra que traz imbricadas, entre muitas referências,
elementos dos mangás.
13
Thriller policial contado em mangá cuja história gira em torno de uma personagem que possui
um caderno sinistro (Death Note). Quem tem o nome escrito caderno morre, e a partir daí o
protagonista passa a agir como um justiceiro a fim de tornar o mundo melhor.
34
Figura 4: Página da adaptação de A Metamorfose para os quadrinhos
o discurso do psicólogo alemão Frederick Wertham, que chegou a lançar um livro,
Seduction of the Innocent, no qual ele acusava os quadrinhos como fomentadores
da delinqüência e que incitavam ao homossexualismo isso sem levar em conta o
período pós-guerra pelo qual os Estados Unidos atravessavam, tempo de um
exacerbado nacionalismo (GUZMAN, 1991). Hoje Wertham leva a alcunha de
“inimigo das HQs”. Com o passar do tempo, porém, as histórias em quadrinhos
ganharam outros contornos e deixaram de ser consideradas produtos de baixa
qualidade e
passaram a ser
encaradas como uma
forma de arte cujas
possibilidades
estéticas vão além do
mero entretenimento
com balões
14
.
É bom deixar
claro, porém, que a
praticada associação
entre quadrinhos e
literatura (da qual
inclusive o jornalismo
em quadrinhos
usufrui em parte) não
começou com Peter
Kuper para citar um
nome que ganhou
relativa notoriedade
14
Cf. Là Oú Vont Nos Peres, do australiano Shaun Tan. O livro teve sua primeira tiragem em 2007
pela editora Dargaud. Trata-se de desenhos “mudos” hiperrealistas que contam determinado
trecho da vida de um imigrante à procura de um lugar melhor para viver. O conceito de estrangeiro
ganha contornos oníricos quando o personagem vai parar num lugar completa e absurdamente
diferente do de sua origem.
35
ao transpor de forma quase xilográfica um clássico da literatura, A Metamorfose,
de Franz Kafka. O romance O Guarani, de Jose se Alencar, por exemplo, foi
adaptado aos quadrinhos já em 1950 e há todo um percurso de outras obras que
foram roteirizadas e quadrinizadas: clássicos nacionais e internacionais, de O
Alienista, de Machado de Assis (desenhado pelos irmãos brasileiros Fábio Moon e
Gabriel Ba) a Moby Dick e a Bíblia
15
. Nesse aspecto, no que diz respeito à
aproximação entre quadrinhos e literatura um nome que merece atenção é o de
Will Eisner, criador da chamada graphic novel
16
e que influenciou muitos outros
autores/desenhistas que unem literatura aos quadrinhos.
Como será deslindado mais à frente, os quadrinhos tem ligação direta com
o cinema. Um fato que ilustra essa aproximação data de 1920, quando Ed
Wheelan criou o Minute Movies (Momento do Cinema). Nesta obra Wheelan
introduz na linguagem de HQ o close up (IANNONE, 1994: 23), comum nas
apresentações das personagens
17
: fundo escuro, rosto em evidência, uma espécie
de 3x4. Em alguns casos é feito um círculo branco num fundo preto destacando
apenas o rosto ou mesmo o corpo inteiro, tal qual um feixe de luz sobre um ator
de teatro ou sobre o profissional do stand up comedy. As histórias de Robert
Crumb são cheias desse recurso, obviamente é utilizado de diferentes maneiras.
Outro dado que remete à ligação entre cinema e quadrinhos é a própria confecção
do story board, que é a planificação de um filme na linguagem HQ, mas sem os
balões.
Além desses detalhes, soma-se a isso a utilização do universo fantasioso
dos super-heróis pela indústria cinematográfica. Flash Gordon (cujo título original
é Flash Gordon conquers the universe) foi lançado pela Universal nos idos anos
de 1940, e Buck Rogers, em 1941. Vale a pena reparar as naves espaciais de
15
A referência neste caso é a Gênesis, capítulo do Antigo Testamento da blia ilustrado por
Robert Crumb, grande nome do chamado quadrinho underground, uma importante forma de
expressão contra-cultural lançada nos Estados Unidos na década de 1960. Essa tradução”
mantém seu habitual traço sujo e peculiar com direito às suas mulheres de corpos calipígios e
tudo mais.
16
Cf. nota 7.
17
Cf. a entrada de Três Homens em Conflito. Título Original: Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo.
Produção: Alberto Grimaldi. Direção: Sergio Leone. Roteiro: Agenore Incrocci, Sergio Leone, Furio
Scarpelli e Luciano Vincenzoni. Distribuição: United Artists, 1966. 1 DVD (161 min): son, color.
Legendado. Port.
36
papelão envoltas em gelo seco (PATATI; BRAGA, 2006: 218), um cenário bem
diferente dos muitos recursos gráficos que hoje estão disponíveis. X-Men, Homem
Aranha, Super-Homem, Homem de Ferro, Quarteto Fantástico: a lista segue por
mais um sem-número de adaptações de quadrinhos para o cinema.
Assim, tem-se que cada uma destas vertentes artísticas passa a adotar as
características expressivas que lhes convém, adaptando-as ou apenas
transferindo as mesmas de uma linguagem para outra. o os devires se
apresentando. No caso do jornalismo, a apropriação da linguagem dos quadrinhos
inclui as outras acima citadas, como a fotonovela, que tem sua origem nos anos
1940 na Itália motivada pelo sucesso do cinema e dos seus atores.
Não se quer aqui traçar a extensa história dos quadrinhos, todos os
percalços enfrentados ao longo do tempo para a plena viabilização expressiva
dessa vertente artística que é considerada a nona arte. Quer-se aqui inserir as
HQs no campo territorial das linguagens que compõem o jornalismo em
quadrinhos, situá-las num tempo em que, como afirma Norval Baitello Júnior
(2007), “vivemos uma nova transcendência nas imagens da mídia, que nos
querem transportar a viagens múltiplas fora de nosso tempo, espaço e corpo”.
37
CAPÍTULO 3: JORNALISMO EM QUADRINHOS: LINGUAGENS IMBRICADAS
O jornalismo em quadrinhos abordado neste artigo se refere principalmente
ao praticado por Joe Sacco, cais-fonte da epistemologia prática desse novo fazer
jornalístico no qual o repórter é o quadrinista e uma das personagens da
reportagem
18
. Outra obra que será usada como fonte é o livro-álbum-reportagem
O Fotógrafo, do trio francês Didier Lefèvre, Emmanuel Guibert e Fréderic
Lemercier, que constrói uma narrativa que se erige pelas fotografias e com
quadrinhos bem estilizados que numa primeira leitura podem passar por toscos
ou preguiçosos e que conta a jornada do fotógrafo Didier Lefèvre ao
acompanhar uma equipe dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Afeganistão.
Em ambas as obras o que mais chama a atenção é a forma como estes
repórteres/ilustradores/fotógrafos contam uma história de cunho jornalístico,
tradicional no que diz respeito ao fazer jornalismo, mesclando no texto o lado
interpretativo e literário do jornalista) e com um quê de vanguarda por apresentar
uma técnica diferente de se vender uma notícia. O consumo de informações
jornalísticas é influenciado pela expressão de admiração e espanto (LAGE, 1998:
18), e as imagens fazem isso a serviço da reportagem, seja no estilo imprensa
marrom ou a serviço do trabalho de luz e sombra de um espetáculo teatral. Por
isso, talvez, é que m causado admiração e espanto trabalhos como os de Joe
Sacco, que apura e desenha reportagens tendo como ferramenta a linguagem das
HQ lembrando que uma primeira aproximação entre jornalismo e desenhos
havia sido feita com as charges, prática comuns em editoriais de política e que
hoje está presente em praticamente todas as publicações jornalísticas, sejam elas
online ou impressas.
O jornalismo em quadrinhos, aqui chamado de JHQ, tem sua possível
gênese em Ângelo Agostini, um desenhista italiano radicado no Brasil que no
século XIX fazia espécie de reportagens ilustradas contra a escravidão
i
. Porém, foi
com Joe Sacco que a prática foi “sistematizada”. É evidente que eles não são os
únicos a retratarem um recorte da realidade em quadrinhos tendo em vista que o
18
Função referencial da linguagem. Mais adiante será explicada.
38
Figura 5: gina de Maus, de Art Spiegelman
jornalismo bebe na fonte da realidade para se erigir. Art Spiegelman se aventurara
nessa arte ao lançar em 1986 o primeiro volume de Maus: a história de um
sobrevivente, que
conta/ilustra vida
do pai do autor,
um sobrevivente
do holocausto. A
diferença está na
forma como ele
apresenta cada
nacionalidade:
judeus aparecem
como ratos, os
alemães são
gatos, americanos
aparecem
desenhados como
cachorros, e os
poloneses são
porcos. A história
é instigante, cheia
de fatos dignos de
um bom filme de
Hollywood e os
quadrinhos de
Spiegelman
seriam um bom
storyboard.
No ano 2000 foi a vez de Will Eisner trazer ilustrado o cotidiano metrópole
norte-americana em New York: The Big City. Robert Crumb também contribuiu nos
anos 1960 com essa humanização dos quadrinhos, experimentando com seus
39
traços sujos um olhar mais crítico e incisivo sobre a realidade ao ilustrar por um
período American Splendor, que inclusive ganhou um filme que trabalha na
película a estética dos quadrinhos aliada à animação
19
.
Tais exemplos trazem uma forte carga do que convencionalmente se
chama de vida real, que também é fonte para a prática jornalística. Mas no campo
específico do jornalismo aliado às HQs não dúvida: o maltês Joe Sacco é o
grande precursor ao lançar em 1994 o livroreportagem Palestina, Uma Nação
Ocupada
20
.
Formado em jornalismo pela Universidade do Oregon em 1981, Sacco vive
em Nova Iorque e ganha a vida como cartunista e jornalista. A grande sacada de
Sacco, porém, o foi escrever uma versão palestina de Hiroshima
21
. O que ele
fez foi unir linguagens, transgredir o conceito da pirâmide invertida ou mesmo do
tradicional e declarado morto lead (NOBLAT, 2003: 96). Ele criou um monstro
comunicacional conceito este que será abordado adiante.
Para entender e mesmo justificar essa nova forma de apresentar uma
grande-reportagem parte-se do pressuposto que a missão de um jornalista é
informar contando histórias e tendo em vista o bem comum. O jornalista deseja
dominar as técnicas que regem a profissão para cumprir tal missão de informar a
sociedade acrescida da formação de um imaginário e da conscientização
(SILVA, 2003: 104). Sacco não criou uma técnica nova no que diz respeito à
apuração, e sim re-arranjou as que estão disponíveis para produzir as versões que
lhe cabem produzir. A questão aqui é a maneira como essa versão será
apresentada: ele pode seguir o tradicional Era uma vez... ou começar explorando
o clímax da história, como fez Kafka em A Metamorfose que aliás também
ganhou uma versão em quadrinhos
22
.
diferentes maneiras de se contar uma história sob a ótica jornalística
textos, infografia, tabelas, fotografia (NOBLAT, 2003: 37) e agora, quadrinhos, “a
19
ANTI-HERÓI Americano. Título original: American splendor. Produção: Ted Hope. Direção e
roteiro: Robert Pulcini e Shari Springer Berman. Distribuição: Fine Line Features, 2003. 1 DVD (100
min): son., color. Legendado. Port.
20
Cf. Bibliografia.
21
Obra escrita por John Hersey e considerada por muitos com a melhor reportagem já escrita.
22
Cf. bibliografia.
40
narrativa moderna em imagens” (MARTIN-BARBERO, 2006: 201). Estes são aqui
vistos como um novo suporte no qual o jornalismo pode dar um salto além no que
tange à concepção construtiva da notícia, aliando conceitos estéticos. uma
mudança, mas frisa-se que “nem toda mudança é inovação, porém toda inovação
envolve mudança” (SANTOS; FILHO, 2008, p. 15). Como se afirmou acima, Joe
Sacco e os demais asseclas do jornalismo em quadrinhos não inovam na
apuração, mas sim na forma como apresentam a reportagem, e com isso mudam,
mesmo que timidamente, uma parcela do campo comunicacional.
Neste ponto é preciso passar pelo dito new journalism novo jornalismo, ou
jornalismo literário, ou ainda romance de não-ficção , que mescla elementos de
ficção com a objetividade jornalística. O norte-americano Truman Capote é tido
como o pai dessa vertente surgida por volta dos anos 1950 nos Estados Unidos. O
new journalism na verdade extrapola os limites do jornal impresso, dando luz ao
livroreportagem veículo mais comum para esse novo gênero. Hiroshima é um
exemplo, Chatô, o Rei do Brasil
23
é outro, e Na Pior em Paris e Londres
24
também
não foge desse caráter literário tanto que estampa na capa os dizeres
“jornalismo literário”. E aqui é necessário abrir um parêntese: quem diga que
não existe o gênero literário ou o político: jornalismo é jornalismo. Entende-se aqui
jornalismo literário como aquele cuja narrativa é mais bem trabalhada, atenta à
detalhes que enriquecem o texto. José Marques de Melo o entende como
jornalismo diversional
25
.
As obras de cunho jornalístico de Sacco nada mais são do que
livrosreportagem ilustrados, ou melhor, quadrinizados. A diferença está justamente
na convergência da comunicação com a arte e algumas de suas vertentes no
caso os quadrinhos, o cinema e a literatura. Essa é a mudança: uma nova
perspectiva no que diz respeito à apresentação de uma notícia, o que suscita uma
23
MORAIS, Fernando. Chatô, o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
24
ORWELL, George. Na pior em Paris e Londres. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
25
Cf. a entrevista de José Marques de Melo em: < http://www.anj.org.br/sala-de-
imprensa/entrevistas/leia-a-seguir-a-entrevista-com-o-jornalista-jose-marques-de-melo-falando-
sobre-seus-50-anos-de-profissao/ >. Acessado em 28 de dezembro de 2009.
41
Figura 6 - Palestina, Uma Nação Ocupada
Figura 7 - Palestina, Uma Nação Ocupada
estética e um ritmo diferentes tanto no que diz respeito à construção do “texto”
como na leitura.
Numa reportagem quadrinizada são os quadrinhos que arquitetam a
narrativa e que, na seqüência das imagens, guiam a leitura da notícia. Trata-se de
um gênero híbrido na composição da linguagem na qual o cinema e a televisão
emprestam os enquadramentos:
No plano do enquadramento, a estória em quadrinho é
claramente devedora ao cinema de todas as suas
possibilidades e de todos os seus vezos. Mas, já no plano
da montagem, o discurso resultaria mais complexo se se
considerasse mais a fundo o aspecto, assinalado, de
que a estória em quadrinhos, contrariamente ao cinema,
realiza um continuum graças à justaposição de elementos
estáticos (ECO, 1990: 151)
A aproximação do personagem, um
ângulo incomum ou mesmo uma panorâmica do
cenário para depois cair no detalhe de um
brinco, por exemplo, são alguns dos recursos
usados nos
quadrinhos de
Sacco ou nas
fotografias de Didier
Lefèvre. Seguem
alguns exemplos de
como as imagens
são dispostas a
partir dessa visão
televisivo-
cinematográfica.
A Figura 4
iliustra um exemplo
de plano geral no
42
Figura 8 - Palestina, Uma Nação Ocupada
Figura 9 O Fotógrafo
qual a imagem situa a personagem num cenário geral, uma ideia do ambiente.
É uma visão de cima, como se estivesse o observador em uma grua. E como
exemplo de plano médio tem-se a imagem abaixo, na Figura 5. Percebe-se que o
foco é a personagem, mostrando-a de corpo inteiro.
Outro tipo de enquadramento usado na televisão e no cinema é o chamado
“plano americano”, no qual uma aproximação da personagem, que na imagem
43
é cortada no meio da perna ou da cintura para cima mais comum, como Figura
8, do livro de Sacco.
ainda o primeiro plano, no qual se mostra mais o rosto e o plano corte
(ou insert), que ênfase a um detalhe. Na Figura 9, retirada de O Fotógrafo, é
possível observar bem estes dois tipos enquadramento, principalmente por se
tratar de fotos neste caso, o brinco, que tem um significado específico no
contexto retratado pelo fotógrafo.
Como se nota, a questão imagética a tônica nesse tipo de proposta
jornalística. Há todo um cuidado com a fotografia e uma preocupação em se
conseguir uma ordem atraente de disposição das imagens. Soma-se a isso um
esmero com o texto, e então tem-se presente a literatura no auxílio das
construções gramaticais, como o uso das metáforas, que inclusive se apoiam nos
desenhos e fotos para ganhar mais expressividade e humor.
Se prestarmos atenção, os livrosreportagem que aqui se utiliza como fonte
de pesquisa Palestina, Uma Nação Ocupada e O Fotógrafo têm ainda um quê
das características dos documentários: poéticos, expositivos, observativos,
participativos, reflexivos e performáticos (NICHOLS, 2005). No caso da obra de
Sacco, abarcam-se três dessas classificações de documentário observativo,
participativo e poético, sendo esta
hábil em possibilitar formas alternativas de
conhecimento para transferir informações
diretamente, dar prosseguimento a um argumento
ou ponto de vista específico ou apresentar
proposições sobre problemas que necessitam
solução (NICHOLS, 2005: 138).
De certa forma, Sacco não deixa de criar uma prática social, uma nova
forma de se apresentar a subjetividade por meio de uma linguagem jornalística
estando aqui a ética exigida pela profissão. Guardadas as devidas proporções,
estamos diante de uma obra de arte que apreende a realidade (FURTADO, 1986:
139), tal qual Augsburgo João Maurício (1802-1858), Aimé-Adriano Taunay (1803-
1828) e Hércules Florence (1804-1879) artistas contratados pelo Barão G. H.
von Langsdorff para retratarem expedições que o barão pelo Brasil.
44
Figura 10 - Palestina, Uma Nação Ocupada
Talvez os traços de Sacco ou as fotos de Lefèvre não sejam considerados
45
“arabescos de evocação histórica” (COSTA, DIENER, STRAUSS, 1995: 14) como
as ilustrações dos artistas-viajantes acima citados, mas certamente funcionam
como um registro dos costumes locais onde cada um, à sua maneira, busca
conseguir subsídios para a reportagem em formato HQ. Tendo em vista alguns
mandamentos do que se conhece como observação participante
26
, é possível
verificar nas duas obras aqui utilizadas como exemplo a interação e a diferença
entre o repórter e suas fontes (pesquisador e grupo pesquisado). A Figura 8 ilustra
essa situação no caso de Palestina..., e no caso de O Fotógrafo, Figura 12 (pág.
49). Há um contato direto entre eles e isso exige inclusive uma certa maleabilidade
do repórter para conseguir a informação desejada como no caso em que Sacco
pede ajuda a dois garotos palestinos e eles o enganam (pág. 23 e 24). Além das
diferenças entre eles, faz-se nesta situação, de novo, um retrato do que é local, de
como um estrangeiro é visto e tratado. Ele, o repórter, é a alteridade do que quer
noticiar.
Não uma cobrança por parte das fontes do que será feito daqueles
relatos. No caso de Lefèvre é um pouco diferente, que ele foi contratado para
cobrir fotograficamente a missão da MSF, ou seja: suas imagens m um fim
(ainda que não exigido pelos afegãos atendidos, mas sim da ONG). Mas existe
sim uma preocupação como relato em si, pois, como supostos etnógrafos, Sacco
e Lefèvre não são meros observadores do que retratam, mas participantes e
informantes do processo mesmo que a participação não seja tão determinante,
tendo em vista justamente o caráter jornalístico.
Tanto Sacco como Lefèvre participam das histórias descritas na HQ, ambos
se inserem como um personagem do que está sendo descrito a nanquim e a
películas em branco e preto. Uma das questões que surge na confecção da
reportagem em quadrinhos é, justamente por essa observação participativa, o
caráter subjetivo (atrelado ao caráter metalingüístico da obra), que se evidencia
desde o traço do jornalista-ilustrador, na escolha das fotos, e passa pela
participação deste no enredo apurado. É a função emotiva da linguagem:
26
In: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092007000100012&script=sci_arttext > Acessado em
03 de dezembro de 2009.
46
A mensagem organiza-se, centralmente, na posição
do emissor, marcado pelo traço indicial do pronome
em 1ª pessoa, ao mesmo tempo que envia seus
sentires, lembranças, expressões (...) A função
emotiva implica, sempre, uma marca subjetiva de
quem fala, no modo como fala. (CHALHUB, 2002:
17-18)
Essa marca subjetiva pode ser notada nas ilustrações, nas fotografias
selecionadas ou descartadas e pelo recheio dos balões. Tais características
afastam o trabalho da utópica objetividade exigida pelo jornalismo convencional”.
“É isso que significa objetivação: algo que é feito por sua própria importância”
(SENNETT, 2006: 99). No caso do JHQ, não importa o que Sacco ou Lefèvre
sentiam quando apuraram suas respectivas reportagens malgrado eles deixarem
claro seus sentimentos nos quadrinhos e fotografias. Por isso optamos por
abordar a interpretação como força motriz na construção dos textos-quadrinhos
diferente, é bom lembrar, de opinião. Conexões entre fatos presentes e passados
são feitas na interpretação da realidade descrita, e o olhar crítico do jornalista faz
a diferença. No caso das obras de Sacco e do trio francês, por mais pessoal que
pareçam seus quadrinhos, o leitor percebe que não uma visão hermética do
fato, e sim a forma como eles literalmente é ilustrado nos livros.
Não se tenta em nenhum momento esconder o olhar do repórter ou a sua a
participação e envolvimento, pois é justamente esta a característica reflexiva
presente nos documentários: o narrador torna-se parte integrante da paisagem:
neste caso, uma metalinguagem ilustrada que se altera no decorrer da narrativa
numa espécie de catarse reflexiva sobre sua própria condição. Há exatidão no que
está ilustrado, porém os traços ou mesmo as fotografias que possam ser usadas
como elementos significativos e o texto e a interpretação do jornalista não
suscitam uma verdade, e sim uma versão. Parafraseando Nelson Rodrigues: não
existe a vida como ela é, e sim como eu a vejo, como Sacco ou Lefèvre a veem e
como qualquer outra pessoa a vê.
O teor idiossincrásico é imanente à construção da reportagem a ser
retratada em quadrinhos: mais uma versão da realidade, não a verdade pura e
absoluta. Esta questão esbarra, além da objetividade, na técnica adotada pelo
47
Figura 11 O Fotógrafo: metalinguagem
repórter. E como diz Juremir Machado da Silva (2003): o jornalista, na relação
existente entre objetividade e subjetividade, “tem o seu imaginário formatado pela
técnica jornalística”. Ele não foge dos preceitos da profissão ou simplesmente cria
figuras ou fotografa cenários artificiais. Tem-se aqui que o caráter reflexivo vem ao
encontro da função fática da linguagem: pensar a mensagem no e para o canal
no caso, o livroreportagem ilustrado
27
.
Como foi mencionado acima, portanto, uma forte característica dessa
prática é a função metalingüística da linguagem: “mensagem de nível
metalingüístico implica que a seleção operada no digo combine elementos que
retornem ao próprio código” (CHALHUB, 2002: 49). Tanto em Palestina... como
em O Fotógrafo os narradores aparecem falando sobre o livroreportagem no
próprio livroreportagem: Sacco, por exemplo, se desenhou imaginando que uma
cena daria uma boa foto, e Lefèvre em vários momentos é desenhado
fotografando e na seqüência é mostrada a imagem clicada. O próprio fazer da
obra é evidenciado. Em O Fotógrafo, por exemplo, as imagens são dispostas
como em negativos, e algumas são marcadas com um xis vermelho. Ou seja: o
jornalismo em quadrinhos se constrói não aleatoriamente: as funções referencial,
poética, fática e metalingüística alicerçam a construção imagética do
livroreportagem, dando ao produto um trato artístico peculiar.
27
Cf. página 121 de Palestina... para verificar o teor fático da linguagem usada por Sacco.
48
Diante desse quadro de linguagens, qual a diferença de Palestina, uma
nação ocupada para Rota 66, de Caco Barcelos, por exemplo? O
experimentalismo. Barcelos usa o texto verbal, Joe Sacco e o trio francês
exploram o verbal com o rico auxílio de imagens. Lembrando que eles seguem o
que dita a prática jornalística na apuração entrevistas, o olhar crítico do repórter,
o cuidado com o texto , mas constroem de formas distintas a reportagem. A
junção de linguagens, porém, não se afasta dos registros de linguagem, do
processo de comunicação e dos compromissos ideológicos descritos por Nilson
Lage (1998). No que se refere aos registros de linguagem, vale citar, os
quadrinhos se apropriam das gírias, dos cacoetes e do coloquialismo que inclusive
aproxima a reportagem do cidadão comum mesmo que não seja esse o objetivo
principal de um relato como o do JHQ.
Neste jogo entre função referencial (a objetividade do jornalismo, que no
jornalismo ganha um caráter mais de testemunho por meio das fotografias, uma
vez que estas implicam um legitimidade, e não objetividade) e a função poética (a
subjetividade do repórter), a imagem se vinga da linguagem verbal e re-assume
seu posto de comunicação primária afinal, aprendemos primeiro a ler figuras, e
as próprias pinturas rupestres evidenciam o caráter sedutor da linguagem
visual. McCloud (2005) cita como exemplo o fato de os nossos primeiros livros
terem mais imagens que palavras. Na sociedade contemporânea as imagens
criam a necessidade de se relacionarem com o homem. Houve um período em
que os livros de verdade eram aqueles calhamaços de palavras, parágrafos e
sentido(s), sem figuras. Essa ideia, porém, foi diluída com a TV e a Internet,
canais que prescindem da imagem. Com o JHQ, as imagens ganham nova
relevância. Parafraseando a propaganda de refrigerante: imagem é tudo.
A imagem mediática está presente desde o berço até o
túmulo, ditando as intenções de produtores anônimos ou
ocultos: no despertar pedagógico da criança, nas escolhas
econômicas e profissionais do adolescente, nas escolhas
tipológicas (a aparência) de cada pessoa, até nos usos e
costumes públicos ou privados, às vezes como
„informação‟, às vezes velando a ideologia de uma
„propaganda‟, e noutras escondendo-se atrás de uma
„publicidade‟ sedutora... A importância da „manipulação
49
icônica‟ (relativa à imagem) todavia não inquieta
(DURAND, 1998: 33)
As discussões que hoje permeiam a prática jornalística passam à margem
das formas como ela é pensada. É como se o jornalismo estivesse tão presente
no dia-a-dia que passou a precisar desta alteridade (a HQ) para exibir alguma
novidade em sua forma de ser concebido. Teorizar uma prática jornalística suscita
discutir a epistemologia da profissão com um olhar atento à linguagem em si e
entendemos aqui o termo linguagem como representação do mundo, um
simulacro da realidade (FURTADO, 1986: 132). Em Palestina...referências que
o próprio Sacco faz sobre a sua atuação como jornalista
28
, suscitando uma união
entre a art nouveau desenhos estilizados, composições minuciosas e senso
crítico apurado e o fazer jornalístico com todas as suas características e
exigências na construção das realidades.
A convergência das comunicações com as artes sugere uma troca cultural,
uma re-significação do próprio fazer jornalismo. Sacco inclusive havia dado
indícios dessa re-significação em histórias que misturavam sátira autobiográfica
com uma espécie de diário de bordo onde se encontrava relatos de guerra
tema que norteou posteriormente a junção do jornalismo com os quadrinhos na
carreira dele. Tais relatos foram publicados originalmente na revista Yahoo,
produzida pelo próprio Sacco entre 1988 e 1992
29
. Não se trata tão-somente um
artefato mercantil kitsch, como a princípio é fácil supor:
A experiência estética no interior da cultura de massa
exige o pensar as relações entre as artes e as novas
linguagens advindas das novas tecnologias, considerando
os sujeitos e objetos presentes no processo de
comunicação artística (FURTADO, 1986: 131)
A experiência do jornalismo em quadrinhos, porém, não advém
necessariamente das novas tecnologias, das novas linguagens surgidas via
28
SACCO, Op. cit., p. 121-122.
29
Lançado originalmente em 2003, depois do sucesso e reconhecimento de Palestina, Uma Nação
Ocupada, O Derrotista (lançado três anos depois no Brasil) reúne as histórias publicadas
primeiramente na revista Yahoo. Trata-se de um punhado de histórias sobre guerra e sobre o
período em que Sacco acompanhou uma banda de rock. Destaque para o relato da mãe dele
durante a Segunda Guerra, em Malta.
50
internet e afins. A experiência proposta pela iniciativa de Joe Sacco e companhia
passa pela questão da leitura, de um tempo maior para a fruição das imagens, de
uma nova forma ler uma reportagem. Não que os livrosreportagem disponíveis no
mercado sejam produtos de massa amplamente consumidos, discutidos em
mesas de bar ou em salas acadêmicas à exaustão.
51
CAPÍTULO 4: MEDIAÇÃO É/E CONVERGÊNCIA
Figura 12: Página de Palestina, Uma nação Ocupada, de Joe Sacco
52
Os avanços das tecnologias possibilitaram o fenômeno conhecido como
globalização da comunicação, no qual grande parte da população mundial está
ligada a cabo a tudo que acaba de acontecer. A simultaneidade é a nova ordem
mundial no que diz respeito à veiculação de informações: das Torres Gêmeas
caindo em rede mundial, passando pela guerra no Iraque em drops diários e
chegando ao playback ao vivo executado na abertura dos Jogos Olímpicos de
Pequim, em 2008. Tudo nos remete aos progressos pelos quais as tecnologias da
informação passaram ao longo do tempo em especial no século XX. A aldeia
global se apequena ainda mais devido à liquefação das fronteiras físicas: o mundo
ao alcance de um clique ou de uma zapeada na TV, estando a fruição de bens
simbólicos inevitavelmente sujeita a tal avanço. A revolução multimídia que marca
o que alguns estudiosos chamam de pós-modernidade altera os processos
comunicacionais e sociais (SILVA, 2003: 95). Gianni Vattimo (1989) defende a
ideia de que vivemos numa sociedade pós-moderna, e um dos sinais disso é o
fato de estarmos "mergulhados" na era da comunicação. Uma comunicação que,
dentro de uma linha cronológica, localiza-se na idade do instantâneo e do
imediatismo (VENTURELLI, 2004), num período cujo signo-mor é o excesso de
informações e de imagens. E tudo isso é acompanhado de perto pelos novos
paradigmas culturais.
É diante desse cenário que práticas comunicacionais experimentais surgem
como propostas ou estratégias de se ter um novo suporte para a informação
leia-se: notícia. É o caso do jornalismo em quadrinhos, JHQ, acima deslindado.
Em plena era dos satélites e do rizomático e plurilinear hipertexto na Web, os
livrosreportagem desse modelo de apresentação de um fato jornalístico sugerem
uma pausa na fruição das imagens como não se deter, por exemplo, nas
fotografias que compõe O Fotógrafo? A convergência da comunicação em
especial a massiva: fotografia, cinema, televisão, publicidade, jornais, revistas,
quadrinhos, livros de bolso, etc com as artes é um fato observado algum
tempo, como já foi mencionado anteriormente.
Unir arte e comunicação pode ser identificado como uma característica do
tempo atual, um período de devires em que o que aparenta vir a ser não
53
necessariamente chega a se efetuar. Vivemos numa época em que são
percebidas “mudanças na esfera cultural mais ampla, envolvendo os modos de
produção, consumo e circulação de bens simbólicos” (FEATHERSTONE, 1995:
30). Como a comunicação se insere no campo da cultura aqui entendida como
um grupo organizado de padrões, crenças, leis naturais e convenções, entre
outras coisas, que não é estático e está sujeito a um contínuo processo de
transformação (CALDAS, 1986: 14) , entende-se o JHQ como fruto desse tempo
em que as fronteiras das linguagens se entrelaçam, criam intersecções que geram
novos espaços, novos territórios. As composições minuciosas e intrincadas
elaboradas por Joe Sacco sugerem um emaranhado de traços, como um contínuo
tecido ilustrado, uma história que em si mesma cria um território próprio, uma vez
que mescla as linguagens acima citadas na construção jornalística de uma
realidade
30
.
A questão de se fazer esse tipo de iniciativa jornalística talvez passe, nos
dias de hoje, pela crise que os jornais impressos enfrentam, como a baixa
vendagem, o formato ultrapassado e a concorrência da ágil e interativa
31
internet.
Mas aqui se deixa claro que não é este o mote que foi usado para tal
experimentação, e sim um pano de fundo, tendo em vista que o lançamento de
Palestina, Uma Nação Ocupada data do período de uma maior popularização da
internet, por exemplo.
Sobre esse aspecto é necessário abrir um parêntese: uma crise de
identidade e de receita no atual jornalismo (BELO, 2006: 14). A crise existe pelo
fato que a mídia jornalística impressa muitas vezes insistir numa competição
contra a celeridade da televisão, o alcance do rádio ou os links da Web. É ignorar
a prescrição sugerida pela nova era: velocidade a favor dos furos de reportagem.
Em hipótese a solução ou a direção a se tomar seja o diferencial pelo
30
Partindo do pressuposto que não existe A vida como ela é, mas sim A vida como eu a vejo no
caso, uma realidade não estanque que necessariamente passa pelo caleidoscópio cultural e
idiossincrático do repórter. A objetividade, uma das principais premissas do jornalismo, é entendida
aqui como algo inalcançável. Procura-se não ser objetivo no sentido romântico no que tange ao
jornalismo, mas sim manter considerável sobriedade diante de um fato a ser noticiado.
31
Conforme explica Marco Silva (2003), entende-se interatividade como uma relação na qual se
“associa emissão e recepção como pólos antagônicos e complementares na co-criação da
comunicação”. Disponível em < http://www.saladeaulainterativa.pro.br/leia_comunicacao.htm >.
Acessado em 19 de janeiro de 2009.
54
conteúdo mais denso, mais aprofundado dos assuntos em pauta. Ou se não é
esta a solução, ao menos pode ser assim entendida como uma possível
estratégia, não para a salvação de publicações e do próprio jornalismo impresso,
mas como prática mesmo.
Fundamentalmente, porém, a crise que aflige a imprensa não interessa
tanto ao fazer do jornalismo em quadrinhos, pois esta é uma prática que surge
como uma forma diferente de se apresentar um fato ao leitor. Não se trata de uma
salvação para os jornais, mas sim de experimentar linguagens no campo da
comunicação, explorar aspectos estéticos para além de meros rebuscamentos
estilísticos. Se o progresso das ideias nasce quase sempre da descoberta de
relações impensadas, de ligações inauditas ou mesmo de redes nunca antes
imaginadas (CALABRESE, 1987: 21), o JHQ dá um passo nessa direção. Não que
seja ignorada a máxima da velocidade a favor da notícia, mas neste caso o tempo
ganha outro sentido e não vem, a priori, acompanhado pelo imperativo de furo de
reportagem. Assim, o jornalismo, que tem toda uma tradição, ganha outros
contornos.
(...) as tradições são como áreas de construção, sempre
sendo construídas e reconstruídas, quer os indivíduos e os
grupos que fazem parte destas tradições se deem ou não
conta disto (BURKE, 2003: 102).
É bom frisar que o JHQ não necessariamente se apresenta como o
progresso da grande reportagem ou a panaceia do jornalismo impresso
principalmente no Brasil , mas sim como uma experimentação prática até então
não usada. O diferencial do JHQ é a sugestão ou proposta de uma pausa na
fruição das imagens que, em outras mídias, em especial as eletrônicas, são
freneticamente passadas para as pessoas. É uma questão de tempo, de absorção
do que se lê e contempla: cria-se uma necessidade de tempo para se deslindar os
traços, as fotografias e todas as entrelinhas ilustradas da reportagem em questão.
A ideia que se tem é que não como, na pós-modernidade, parar por
completo para uma nítida observação e caso consiga parar, perdem-se outras
tantas cores, outros tantos sons. O olhar parece sempre míope, pois não
55
consegue acompanhar a miríade de matizes e formas e movimentos que
compõem o cenário atual. Somos leitores moventes, e o JHQ parece exigir, no
formato ao qual se apresenta, um retorno ao leitor contemplativo
32
. Não se trata de
uma visão romântica da leitura, mas sim uma experiência estética de um produto
jornalístico que sugere uma forma específica de leitura mais tempo para a
obnubilação , uma junção de linguagens que cria um formato próprio mas não
estanque.
“Um novo comunicante deverá trazer novos conceitos de
forma, de relacionamento, de leitura, específicos e que
informam a partir de sua própria linguagem, independente
de qualquer representação verbal” (SÁ, 1975: 31).
No caso da obra de Joe Sacco, é possível observar cada linguagem ao
longo desse traçar contínuo da grande reportagem. Tem-se, assim, um
contemporâneo “monstro comunicacional” conceito que vale também para O
Fotógrafo. E para chegar a este conceito, anteriormente mencionado, parte-se de
uma captura intelectual de Foucault:
O monstro é que é a figura essencial, a figura em torno da
qual as instâncias de poder e os campos de saber se
inquietam e se organizam. (...) Enfim, um misto de formas:
quem não tem braços nem pernas, como uma cobra, é um
monstro. Transgressão, por conseguinte, dos limites
naturais, transgressão das classificações, transgressão do
quadro, transgressão da lei como quadro: é disso de fato
que se trata, na monstruosidade (FOUCAULT, 2001: 79-
79)”
O jornalismo em quadrinhos, por ser essencialmente um misto de
linguagens, transgride as linguagens que o caracterizam: transita entre duas
concepções tidas como tradicionais: a do jornalismo uma prática profissional que
vigia a ordem social e faz as vezes de consciência crítica de uma comunidade
(NOBLAT, 2003) , e a dos quadrinhos arte seqüencial (EISNER, 1999). De
uma maneira geral, cada época exibe o seu catálogo de aberrações: na Idade
Média, o homem bestial (misto de homem com animal), no Renascimento, os
32
Estas são definições de Lucia Santaella, que explica a distinção de três tipos de leitores
levando em cota o ciberespaço: o movente, o contemplativo e o imersivo. Cf. bibliografia.
56
irmãos siameses, e na Idade Clássica, os hermafroditas (BELUCHE, 2008). O
monstro era tido como uma violação das leis naturais (FOUCAULT, 2001: 69). E o
que se pode entender do JHQ senão como uma violação do que comumente se
entende de jornalismo e mesmo de quadrinhos?
O termo monstro não possui uma origem muito clara. O
que se sabe com certeza é que sua origem é latina,
podendo vir tanto de monstra que significa „mostrar,
apresentar‟, quanto de monstrum, com significado de
„aquele que revela, aquele que adverte‟, ou mesmo de
monstrare que possui a ideia de ensinar um
comportamento, prescrever a via a seguir‟” (LEITE
JÚNIOR, 2008)
Tendo clara a definição de jornalismo e de quadrinhos, e partindo do
conceito de monstruosidade, entende-se aqui o JHQ como uma prática para a
qual se aponta o dedo, que causa estranhamento. Lembremos do emaranhado de
traços de Joe Sacco em Palestina, Uma Nação Ocupada. A monstruosidade
reside justamente na imbricação de elementos do cinema, do fotojornalismo e do
documentário, e que, a partir disso, muda a intensidade do que concebemos como
jornalismo e quadrinhos mas sem sair do perímetro jornalístico. É jornalismo,
mas também HQ. É HQ, mas também jornalismo.
“O que torna o material cada vez mais rico é aquilo que faz
com que heterogêneos mantenham-se juntos sem deixar
de ser heterogêneos; o que assim os mantém, são
osciladores, sintetizadores intercalares de duas cabeças
pelo menos; analisadores de intervalos...” (DELEUZE,
GUATTARI, 2005: 139);
A classificação ao qual essa prática escapa é a que define de forma
limítrofe essas duas principais linguagens na qual o JHQ se erige: tal qual as
gêmeas Daisy e Violet, de Freaks
33
, não andam separadas nessa proposta
lingüístico-comunicacional. Jornalismo e quadrinhos caminham juntos, colados,
33
Filme dirigido por Tod Browning e lançado em 1932, Freaks é um filme sobre aberrações com
aberrações. O que o torna um clássico-cult é o fato de abordar um tema que ainda hoje causa
certa repulsa. O que dizer na época em que saiu, quando não se tinha muitas informações sobre
estes indivíduos? Trata-se de um compêndio de imagens que chocam, de personagens
monstruosos em suas singularidades corpóreas e que se aceitam como tais, num aparente
adeus ao corpo.
57
Figura 13 Capa (esq.) e uma das páginas de 08: A graphic diary of the campaign trail
mas conscientes cada um de sua função e do seu papel. Um não se deixa levar
pelo outro: o jornalismo não vira ficção, tampouco os quadrinhos viram tão-
somente uma notícia ilustrada. Tem-se uma linguagem monstruosa ciente de
sua feição e de sua perturbação no campo jornalístico e dos próprios quadrinhos
afinal, é quadrinhos, mas não tem aquele ar de mero entretenimento pop e
combina de forma harmoniosa semelhanças e diferenças entre as linguagens
utilizadas na construção da obra (BURKE, 2003: 30).
O JHQ, com essas características de produto investigativo-estético,
documentário-poético, apresenta-se, portanto, como um trabalho jornalístico lento,
com ritmo próprio. Ele vai quase que na contramão: na era do link e do mundo ao
alcance de um clique, trata-se de uma proposta que exige mais tempo para ser
confeccionada e para ser fruída. Mas, apesar de ser calcada em papel e nanquim
e fotografia, o JHQ também passeia pela internet. Um recente exemplo é a graphic
58
Figura 14 O Fotógrafo: costumes locais
novel feita por Dan Goldman, 08: A Graphic Diary of the Campaign Trail
34
(Figura
11).
A obra de Goldman é uma não-ficção que aborda a corrida presidencial nos
Estados Unidos. Com desenhos estilizados que parecem imagens tiradas da
televisão, este é um exemplo recente dessa proposta migrando para uma
outra mídia, a internet, malgrado ter sido feita como que para um suporte
“tradicional” (o papel). E a partir deste exemplo pode-se inferir que estas obras,
desde o seu início, trazem sempre uma carga crítica sociocultural muito forte
seja pelas questões do Oriente Médio seja por assuntos políticos.
34
Cf. < http://dangoldman.net/08-Excerpt.pdf > Acessado em 02 de abril de 2009.
59
Analisando o teor idiossincrásico das obras, identifica-se, porém, um quê de
“narração primitiva” na qual é produzida uma ritualização da ação:
A ritualização da ão encontra-se, assim, ligada não a
certas “técnicas”, mas também a certos arquétipos que,
como assinala Roman Gubern, remetem “ao conjunto de
nossas experiências cotidianas” e que nascem “não no
céu, mas sim a partir dos sofrimentos e deleites
cotidianos” (MARTIN-BARBERO, 2006: 195
Há inegavelmente um olhar firme sobre o cotidiano, sobre as histórias
comuns das quais o jornalismo se utiliza para a chamada humanização do relato.
E isso tanto em obras como Palestina, Uma Nação Ocupada e como em O
Fotógrafo, uma vez que elas criam a narrativa através da fala dos entrevistados e
do próprio repórter dentro de um contexto sociocultural. A visão do repórter em
nenhum momento é deixada de lado, pois ele está inserido na história, e tal qual
um fotógrafo, registra o fato, mas não tem o poder de mudá-lo, revertê-lo ou criar
qualquer tipo de perturbação.
No caso dos dois livros aqui usados como fonte de estudo, os repórteres
não pretendem salvar ninguém e nem escondem que sentem medo, raiva. Eles
são os outros, os estranhos. Como diria Barbero: “Todo sujeito está sujeito a outro
e é ao mesmo tempo sujeito para alguém. É a dimensão viva da sociabilidade
atravessando e sustentando a dimensão institucional, a do „pacto social‟”
(MARTIN-BARBERO, 2006: 306). E isso faz com que cada um, à sua maneira,
descreva com esse olhar os costumes das pessoas como no caso das figuras 10
e 10.
Em se tratando do JHQ, entra em jogo também, a apropriação simbólica de
uma obra, explicada por Bourdieu (2007), e o consumo produtivo, descrito por
Calabrese como “uma forma de consumo que não permanece passiva, mas que,
no próprio acto de consumir um objecto cultural, produz uma interpretação que
muda a própria natureza do objecto” (CALABRESE, 1987: 143). Ao consumir um
livroreportagem em quadrinhos, o público-leitor ajuda a moldar, a alterar a
concepção de que se tem desse tipo de obra, e assim re-significam e conduzem
60
Figura 15: Palestina, Uma Nação Ocupada: a visão do repórter
61
as duas linguagens jornalismo e quadrinhos a outros lugares que não os que
habitualmente estamos acostumados a vê-las.
“A obra de arte e, do mesmo modo, qualquer outro
produto cria um público sensível à arte e capaz de sentir
o prazer com a beleza. Por conseguinte, a produção não
cria apenas um objeto para o sujeito, mas também um
sujeito para o objeto” (SÁ, 1975: 32).
A dúvida sobre o que é jornalismo e o que é arte
35
, quando as duas formas
de expressão se apresentam amalgamadas, o surge com o JHQ. Basta lembrar
de Guernica, obra de Picasso que se originou de uma fotografia impressa num
jornal francês (VENTURELLI, 2004: 25).
Por outras palavras, não existe uma objectividade imediata
dos fatos, existe a coerência da perspectiva segundo a
qual os interrogamos, do horizonte dentro do qual os
incitamos a responder (CALABRESE, 1987: 20)
A forma usada por Sacco para retratar conflitos no Oriente Médio é
importante para a compreensão da obra e do que ele apura: esse ritmo que o
formato propõe. Um exemplo é a brincadeira de animação que ele faz ao se
utilizar da ideia de frame por frame para sugerir movimento numa cena estática
(SACCO, 2004: 38). De certa forma, ele quebra a gramaticalidade esperada de
uma imagem parada, e nisso um salto maior, uma significação ampliada
(PINTO, 2002: 38).
Isso é possível porque, na construção desse território de linguagens,
consegue-se explorar com liberdade o código jornalismo-HQ, e a partir daí surge
esse novo ritmo (DELEUZE, GUATTARI, 2005) na hodierna comunicação que é
marcada pelas abundantes imagens desbotadas e gastas pelo tempo que são
devoradas por novas imagens que as reciclam (BAITELLO JUNIOR, 2005).
35
Considera-se os quadrinhos como nona arte. Quem mais contribuiu para que essa forma de
expressão encarada como algo tipicamente adolescente e ficcional ganhasse status de arte foi
Will Eisner, criador das graphic novels, que são histórias ricamente ilustradas e com conteúdo para
além de capas e super-poderes.
62
Palestina, Uma Nação Ocupada, vale citar, venceu o American Book
Award, um dos prêmios literários mais importantes dos Estados Unidos concedido
a autores contemporâneos proeminentes. Pouco depois de seu lançamento, a
obra também ganhou o Brooker Prize, prêmio de jornalismo que normalmente
contempla livros como os de Truman Capote e Hunter Thompson (PATATI;
BRAGA, 2006, 76). Soma-se a isso o prêmio HQ Mix, o Oscar dos quadrinhos no
Brasil, em 2000. Outra obra de Joe Sacco, Área de segurança Gorazde, a guerra
na Bósnia Oriental, foi eleita a HQ do ano pela conceituada revista Time. Talvez
essa seja a prova que, apesar dos seus 180 anos de idade, o espírito de
renovação e experimentalismo dos quadrinhos renasce na convergência das
linguagens
36
, e o mesmo pode-se estender ao jornalismo, que ganha um novo
ritmo junto ao formato HQ.
36
Um exemplo é a obra O Espinafre de Yukiko, de Frédéric Boilet, que mistura fotos que parecem
desenhos e traços simples, esboçados. É quadrinhos em tom biográfico, e, como o JHQ,
metalingüístico.
Figura 16: “Animação estática” em Palestina, Uma Nação Ocupada
63
A epistemologia dos quadrinhos se constrói na observação do que foi
feito e no que ainda pode surgir a partir de agora. Assim como demorou muito
tempo para os quadrinhos imporem suas próprias convenções gráficas como
linguagem internacional, o JHQ exigirá tempo para estabelecer um padrão se é
que isso é possível ou mesmo se é a questão. Trata-se de um fluxo semiótico no
qual uma junção de diferentes linguagens que se entrelaçam e que apontam
para diferentes possibilidades de abordagem jornalística.
O JHQ é um devir jornalismo-HQ, um devir foto-HQ, foto-jornalismo, e cada
um destes devires assegura a desterritorialização de um dos termos e a
reterritorialização do outro, “os dois devires se encadeando e se revezando
segundo uma circulação de intensidades que empurra a desterritorialização cada
vez mais longe” (DELEUZE, GUATTARI, 2006: 19). Neste ponto surge a
construção de um território de linguagens, um ritmo próprio para a apresentação
de uma grande reportagem. Um ritmo que não se enquadra no deadline das
redações, que precisa esticar uma linha do tempo própria para que tanto a
confecção como a fruição do produto final seja mais lenta por mais que esteja
inserida num contexto atual, na forma diferente se de narrar uma história.
Como foi adiantado acima, o JHQ se insere num período de excesso de
informações e de imagens, tudo atrelado ao avanço técnico-comunicacional das
mídias impressas, eletrônicas e digitais. “O encontro da informática com os
sistemas de representação visual promove uma troca cultural no que se refere à
construção, veiculação e visualização das imagens” (PLAZA, 1993: 73). Vivemos
uma célere iconofagia contemporânea: “as imagens desgastadas são devoradas
por novas imagens que as reciclam” (BAITELLO JUNIOR, 2005: 17). O JHQ
acaba por se inserir nesse contexto imagético, e o faz sem maiores problemas.
Por mais que haja uma certa confusão do tipo: jornalismo ou quadrinhos? , ele
se apresenta de tal maneira que ele é visto e percebido pelos diferentes públicos
leitores. Não se trata de apenas ser visto, vendido como produto da indústria
cultural, mas trata-se, sendo um produto editorial e comunicacional, de uma
notoriedade principalmente, neste caso, acadêmica que extrapola o círculo de
admiradores que poderia o JHQ tornar apenas uma curiosidade estilística.
64
O jornalismo em quadrinhos recicla as imagens das quais dispõe numa
experimentação visual que exige mais tempo para ser absorvida tanto que não
se reportagens em quadrinhos em jornais diários. alguns exemplos
37
,
inclusive em periódicos de circulação diária, mas em quantidade meramente
ilustrativa. A grande parte do material de JHQ está publicada em
livrosreportagens, o que sugere um público leitor-consumidor mais específico, que
tenha tempo e interesse de conferir esse tipo de experimentação, de aberração
informativa. Não se trata, por enquanto, de um produto para as grandes massas: o
conteúdo exige repertório do leitor e o preço do livroreportagem ainda não é
acessível à maioria do virtual público leitor. Vale lembrar, porém, que o mercado,
no modo de produção capitalista, é quem arquiteta as mudanças que marcam o
social, definindo, a partir das práticas de consumo, a fruição dos bens
simbólicos
38
.
Nesse sentido, porém, há exceções. Um exemplo são os dois volumes de O
Grito do Povo (Le cri du peuple), escritos pelo cineasta e jornalista Jean Vautrin e
desenhada por Jacques Tardi, obra esta que trata da Comuna de Paris, quando
moradores defenderam a cidade de uma invasão alemã. Ilustrada por
personagens simples (operários e prostitutas) e figuras conhecidas (o pintor
Gustave Coubert e a anarquista e precursora do feminismo Louise Michel, por
exemplo), O Grito do Povo vendeu mais de 200 mil exemplares na França, onde
foi publicado em quatro volumes pela Editora Casterman, em 2004.
37
Junior, Luiz Costa Pereira. Obra que mistura fotos a desenhos seqüenciados retoma gênero
que começa a virar corrente própria. Disponível em <
http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11381 >. Acessado em 14 de agosto de 2008. No
dia 19 de agosto de 2007 Joe Sacco foi capa da Folha + da edição nº28627 do jornal Folha de São
Paulo. A reportagem Iraque, uma história [em quadrinhos], por Joe Sacco mostra o que o jornalista
viu no Iraque quando conheceu um centro de treinamento militar dos Estados Unidos para os
iraquianos. Como se vê, por mais que seja uma notícia fria, o tema é atual e pertinente, e foi
publicado num periódico de grande circulação. Claro, num caderno cultural talvez pelo caráter
artístico da obra, talvez pelo fato de ainda existir uma ideia de que uma reportagem nesses moldes
não cabe no caderno Internacional ou de Cidades de um jornal. Não é o caso de entrarmos no
mérito da linha editorial do jornal em questão, mas sim observarmos a inserção do jornalismo em
quadrinhos também num veículo diário. A versão em inglês da reportagem originalmente
publicada no jornal The Guardian, está disponível em < http://image.guardian.co.uk/sys-
files/Guardian/documents/2006/01/20/fullsacco1.pdf >. Acessado em 22 de novembro 2006.
38
Cf. nota 57.
65
A boa receptividade por parte do público adulto e culto francês demonstra
ou pelo menos sugere um bom princípio de legitimidade à experiência
capitaneada por Joe Sacco e pelo trio Didier Lefèvre, Emmanuel Guibert e
Fréderic Lemercier. Vale lembrar ainda propostas feitas na Itália
39
que
demonstram a aceitação e os exemplos práticos dessa amálgama lingüística o
mais visíveis. O que explicaria isso?
Do lado da comunicação, o que hoje necessitamos pensar
é um processo no qual o que está em jogo já não é a
dessublimação da arte, simulando, na figura da indústria
cultural, sua reconciliação com a vida, como pensavam os
frankfurtianos, e sim a emergência de uma razão
comunicacional, cujos dispositivos a fragmentação que
desloca e descentra, o fluxo que globaliza e comprime, a
conexão que desmaterializa a hibridiza agenciam as
mudanças do mercado da sociedade. (MARTIN-
BARBERO, 2006: 13)
No Brasil, segundo o ilustrador Cau Gomes, a tendência é sequer
considerar o cartum como uma vertente do jornalismo
40
lembrando que ele está
intimamente ligado à própria gênese das histórias em quadrinhos, que hoje
desaguam, também, no nicho jornalístico. Independente disso, a prática vem
sendo feita e testada, publicada e legitimada seja por prêmios jornalísticos ou do
universo dos quadrinhos ou por vendagens consideráveis.
A aceitação na França o deixa de ser um primeiro passo rumo a um
reconhecimento maior dessa convergência artístico-comunicacional calcada numa
prática semiológica (CIRNE, 1972: 17). A aceitação da proposta se dá pela obra, e
não como artefato. Explica-se: entende-se artefato como a projeção de uma
imagem vista na tela, o objeto estético diz respeito à opinião do leitor sobre o
artefato, e a obra não é somente um objeto estético, mas se prolonga, não se
39
Cf. a editora italiana BeccoGiallo, que trabalha com HQs de investigação de grandes casos,
como a catástrofe nuclear de Chernobyl . Disponível em < www.beccogiallo.it > Acessado em 18
de julho de 2008.
40
MOULATLET, Ana Luiza. Para Cau Gomez, "a imprensa desistiu de considerar o cartum um
tipo de jornalismo”. Redação do Portal Imprensa. <
http://portalimprensa.uol.com.br/portal/traco/2008/08/15/imprensa21756.shtml > Acessado em 16
de agosto de 2008.
66
sabe onde começa nem onde termina. Seguindo o ponto de vista da prática (SÁ,
1975), o JHQ é algo que foi feito antes de uma teorização.
O resultado da prática de jornalismo em quadrinhos gera um produto, pois,
como toda informação hoje em dia, os livrosreportagens de Joe Sacco e de quem
mais pratica o JHQ são consumidos mercadológica
41
(CANCLINI, 1995) e
simbolicamente o que nos remete ao consumo produtivo
42
de Calabrese (1987)
e a Martin-Barbero:
O consumo não é apenas reprodução de forças, mas
também produção de sentidos: lugar de uma luta que não
se restringe à posse dos objetos, pois passa ainda mais
decisivamente pelos usos que lhes o forma social e nos
quais se inscrevem demandas e dispositivos de ão
provenientes de diversas competências culturais
(MARTIN-BARBERO, 2006: 292)
uma mediação por parte dos quadrinhos no que diz respeito à
abordagem jornalística, pois procura-se um novo suporte para a apresentação de
uma reportagem, o que configura inclusive uma mudança nos dois campos tanto
do jornalismo como dos quadrinhos.
O campo daquilo que denominamos mediações é
constituído pelos dispositivos através dos quais a
hegemonia transforma por dentro o sentido do trabalho e
da vida da comunidade” (MARTIN-BARBERO, 2006: 265)
Não que Palestina... ou O Fotógrafo tenham mudado a vida dos que ali
estão retratados, mas ela evoca a memória deles, mas não de forma pitoresca ou
folclórica, mas sim quase etnográfica. Eles criam com o JHQ um novo suporte
para a apresentação de um fato de importância jornalística, e se utilizam da
cultura tanto a deles como a de quem observam como uma ponte na
construção imagética desse produto comunicacional.
41
“O consumo é um processo em que os desejos se transformam em demandas e em atos
socialmente regulados” (CANCLINI, 1995: 59)
42
CF. conceito na pág. 42.
67
Figura 17 O Fotógrafo: o encontro de costumes e mundos diferentes
68
CAPÍTULO 5: BIOGRAFIAS: UM AFLUENTE DO JHQ
A característica híbrida de juntar um relato jornalístico com os quadrinhos
pôde ser verificada, por exemplo, no trabalho aqui citado de Art Spiegelman,
Maus a história de um sobrevivente. De caráter biográfico, a história de
Figura 18: Página de Che, biografia de Che Guevara feita por Hector Oesterheld e Alberto e Enrique Breccia
69
Spiegelman se utiliza de metáforas visuais para contar a história de vida do pai do
autor, um sobrevivente do holocausto da Segunda Guerra Mundial. É quadrinhos,
mas é também uma biografia e que se constrói, vale ressaltar, com um método
de apuração jornalística ilustrada na própria obra. O que se percebe são duas
linguagens se misturando: uma espécie de aquarela cujos matizes seriam mais
bem “definidos”
43
com a proposta de Joe Sacco. E por isso citamos alguns
exemplos de biografias em quadrinhos, um afluente do JHQ que cada vez mais se
expande e ganha obras.
A partir de Palestina... percebeu-se o potencial dos quadrinhos para o
jornalismo e seus gêneros. Um exemplo disso são as biografias, e para ilustrar tal
inferência pode-se citar a vida quadrinizada de Che Guevara. Neste caso é
possível identificar como o olhar jornalístico conta na hora da concepção artística.
Uma foi feita por Kim Yong-Hwe e lançada no Brasil em 2006, a outra pelos
argentinos Alberto e Enrique Breccia (arte) e Hector Oesterheld. A primeira é na
caracterização estilística do mangá (quadrinhos japoneses) e traz referências mais
recentes, como a banda Rage Against the Machine e como a imagem do
guerrilheiro é usada comercialmente como uma ideia de rebeldia.
A segunda, que originalmente foi lançada três meses depois da morte de
Che, é densa, de um preto e branco jornalístico que contextualiza os fatos e, indo
e voltando no tempo, instiga a leitura. Mais próxima das pretensões do
documentário, a biografia argentina de Che não deixa de ter o seu caráter
jornalístico: o relato de um fato histórico, mas com um viés artístico que exorta a
um olhar mais atencioso, um tempo maior para a leitura tanto do que está nos
balões como das imagens que em alguns momentos, devido à riqueza de
detalhes e ao fato de ser em branco e preto, parecem xilogravuras.
43
Novamente as aspas não são gratuitas, tendo em vista que, malgrado Sacco ter dado o pontapé
inicial do JHQ, o formato dele não estanque.
70
Outro exemplo biográfico que podemos citar é o da quadrinista americana
Alison Bechdel. Ela também brinca com o imaginário, com as cores e com a
narrativa ao falar do pai e de si mesma. Na obra de Alison também se identifica
uma apuração jornalística, um olhar diferenciado e metalingüístico. E se os traços
não são emaranhados como os de Sacco mas um ou outro detalhe lembra
Figura 19: Johnny Cash com Bob Dylan em uma página de Johnny Cash, uma biografia, feita por Reinhard Kleist
71
Robert Crumb
44
e tampouco o livro tem o fotojornalismo de O Fotógrafo, a
história se faz interessante. Pode-se identificar na obra uma biografia em formato
de reportagem quadrinizada: a humanização, a contextualização dos fatos e
uma ordem cronológica que não afeta a comunicabilidade da narrativa.
Outra biografia lançada no mercado editorial brasileiro é Johnny Cash, uma
biografia, feita por Reinhard Kleist. Os traços são estilizados, em preto e branco. O
título é auto-explicativo, mas o que interessa é que são retratados, em desenhos,
fatos que muitas vezes não são contados quando se fala de Johnny Cash como
o vício em boletas (anfetaminas).
Tanto Maus como Fun Home e Johnny Cash, uma biografia foram
premiadas. Maus primeira ganhou o prêmio Pulitzer
45
. A obra de Alison Bechdel foi
eleita o melhor livro de 2006 pela revista Time, além de ganhar o Eisner Award
46
de 2007. Johnny Cash, uma biografia ganhou o título de Melhor Graphic Novel
alemã no Festival de Berlim e na Feira do Livro de Munique, além de ter ganhado
em 2008 o Max und Moritz (o mais importante prêmio de quadrinhos na
Alemanha) e o Les Prix des Ados 2009, no Festival de Música e Literatura de
Deauville na França.
As biografias são apenas um braço com veias jornalísticas que se estende
no campo da comunicação. Da França vem outro exemplo de como este nicho
tem sido explorada na linguagem dos quadrinhos. Em março de 2010 estava
previsto o lançamento da biografia da cantora, pintora e modelo francesa Kiki
47
(que fez parte da vanguarda artística parisiense da década de 20, frequentando os
mesmos círculos sociais de surrealistas como André Breton e Max Ernst).
Desenhada por Catel e roteirizada por José-Louis Bocquet, Kiki de
44
Cf. nota 8 (pág. 15)
45
Prêmio estadunidense outorgado a pessoas que realizem trabalhos de excelência na área do
jornalismo, literatura e música. Administrado pela Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, foi
criado em 1917 e é anunciado sempre em abril. Os indicados são escolhidos por uma banca
independente.
46
Criado em 1987, após o fim do Jack Kirby Awards, trata-se hoje da premiação estadunidense
mais importante da indústria dos quadrinhos.
47
Ela é quem posa em "Le Violon d'Ingres" (1924), fotografia de Man Ray na qual ela aparece de
costas com o corpo semelhante a um violino. In: <
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u690936.shtml >. Acessado em: 09 de fevereiro
de 2010.
72
Montparnasseoriginalmente lançada em 2007 no mercado europeu e também
foi premiada no Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, na França,
em 2008. Serão 416 página na edição brasileira sendo que o rascunho inicial
previa mais de 600 laudas.
O que se percebe com o JHQ e a biografia entra como um “afluente” do
campo jornalístico é que um valor estético que se emoldura através das
imagens, que podem ser consideradas como uma espécie de bússola na pós-
modernidade: sigamos as imagens, assistamos as imagens e cultuemos as
imagens, sejam elas de carne e osso ou desenhos de uma indústria, por exemplo,
musical
48
. Como diria Arnaldo Antunes, música para ouvir música, e neste caso:
imagem para satisfazer impressões e fruições mercadológicas e sociais. Como
bem reforça Venturelli (2004): na imensa e irreversível imagoteca universal na
qual está inserida a contemporaneidade proliferam-se milhares de imagens.
48
Os atores não são imagens às quais muitos se espelham? Isso nos remete à mitologia. E com
relação aos desenhos musicais, temos a banda Gorillaz, cujos músicos são desenhos animados
malgrado o dinheiro em torno deles ser de verdade. É uma espécie de versão mais atual da
proposta do Kraftwerk, que usou robôs para representá-los, por exemplo, em videoclipes.
73
CAPÍTULO 6: TERRITÓRIO E CAMPO: UMA POSSÍVEL LEITURA
Se na literatura, que possibilita diferentes formas de expressão, a união
com os quadrinhos dialoga de forma artística e harmoniosa
49
, com o jornalismo
não de ser diferente. A característica de unir linguagens heterogêneas é o que
enriquece a construção comunicacional do JHQ. E ao mesmo temo é o que causa
uma certa confusão mercadológica: a falta de um rótulo mais claro faz inclusive
com que livros de JHQ sejam encontrados nas estantes de quadrinhos das
livrarias. Talvez haja uma resistência, no mercado ou no meio intelectual, em não
se considerar o JHQ algo rio por ser retratado em quadrinhos malgrado a
linguagem das HQs ser utilizada para confecção, por exemplo, de manuais do tipo
ISO 9000 e guias turísticos, e nem por isso deixam de ser quadrinhos ou produtos
editoriais considerados importantes em suas áreas.
Emerge então um território de linguagens a partir dessa junção, da distância
entre elas que aproxima uma da outra. Esta é a marca do JHQ. Como elucidam
Deleuze e Guattari (2005), o território é uma distância que “não assegura e
regula a coexistência dos membros de uma mesma espécie, separando-os, mas
torna possível a coexistência de um máximo de espécies diferentes num mesmo
meio, especializando-os” (DELEUZE, GUATTARI, 2005: 116-117). uma
reorganização das funções nessa amálgama de linguagens, sendo que as
atividades funcionais não são territorializadas sem adquirir um novo aspecto:
O território é de fato um ato, que afeta os meios e os
ritmos, que os "territorializa". O território é o produto de
uma territorialização dos meios e dos ritmos (DELEUZE,
GUATTARI, 2005: 120)
Essa territorialização permite que ali se atualize um ritmo o ritmo próprio
que marca o JHQ: algo entre o jornalismo e os quadrinhos, um caminhar próprio
que não se desvincula totalmente dos dois caminhos iniciais essencialmente
49
Cf. Dom Casmurro e O Alienista, de Machado de Assis, ilustrados por Ruy Tridade e Fábio
Moon e Gabriel Bá, respectivamente. Che: uma biografia, ilustrada por Kim Yong-Hwe (cf.
bibliografia). Ou Desista! e A Metamorfose, ambos oriundos da obra de Franz Kafka e ilustrados
por Peter Kuper.
74
comunicantes. As duas linguagens dialogam num campo próprio: tendo a imagem
do jornalismo como um imenso oceano cujos gêneros navegam de acordo a força
do vento. O JHQ se destaca não como melhor ou pior, por não se mostrar no
pelotão de frente, mas por se mostrar num ritmo diferenciado que, como se pode
pensar com Deleuze e Guattari (2005), opera em blocos heterogêneos, e não num
espaço-tempo homogêneo. O notório no JHQ é o seguinte:
É que a ação se faz num meio, enquanto que o ritmo se
coloca entre dois meios, ou entre dois entre-meios, como
entre duas águas, entre duas horas, entre lobo e cão
(DELEUZE, GUATTARI, 2005: 119)
A incomum ou até então impensada conexão entre jornalismo e
histórias em quadrinhos (HQs) une uma prática calcada na platônica objetividade
50
às características das HQs estas, em geral, associadas à ficção. O jornalismo
em quadrinhos não se refere tão-somente a um exercício artístico ou de estilo,
pois nem todo jornalista sabe ou tem o talento de desenhar (e houve quem nem
por isso deixou de lançar uma reportagem em HQ, como é o caso de Didier
Lefèvre), mas sim a um reflexo de como caminha a comunicação para uma
convergência maior com as artes, uma hibridação de formas comunicacionais e
culturais (SANTELLA, 2004).
No capitalismo contemporâneo, a questão do talento, aliás, remete à ideia
de perícia, explicada por Richard Sennett (2006). Para ele, uma característica
permanente do avanço tecnológico é a extinção das capacitações. Não se discute
aqui até que ponto as novas tecnologias amputam este ou aquele talento dos
profissionais do jornalismo e os padroniza
51
. O que se observa é que o JHQ exige,
sim, uma perícia, um certo talento que, assim como a imbricação de linguagens,
diferencia o produto final. Sacco tem a perícia do traço, um talento a mais que não
é absorvido pelo mercado jornalístico formal a não ser, suponha-se, que ele
50
Lembrando que a objetividade, uma das principais premissas do jornalismo, é entendida aqui
como algo inalcançável e que passa pelo auditório cultural do repórter. Procura-se não ser objetivo,
mas manter certa sobriedade diante de um fato a ser noticiado.
51
A ideia aqui é a seguinte: há uma padronização na maneira de se reportar uma notícia.
Experimentações narrativas praticadas por Hunter Thompson, por exemplo, não são tão comuns
no jornalismo atual.
75
tentasse a carreira de chargista. O que ele faz? Apura, roteiriza e desenha uma
reportagem que, quem sabe em outro momento, seria apresentada de forma
tradicional: lead, sub-lead e todo um complemento textual.
Aprofundar a habilidade através da prática é algo que vai
de encontro às instituições que precisam de indivíduos
que façam muitas coisas diferentes de improviso. Embora
as organizações flexíveis precisem de gente inteligente,
enfrentam problemas quando elas passam a se
comprometer com a perícia (SENNETT, 2006: 100)
Joe Sacco e o trio francês se utilizam da perícia que possuem para ampliar
o campo das práticas comunicacionais. Não que eles o tenham feito em represália
aos veículos jornalísticos em que trabalhavam ou algo do gênero, e sim porque
enxergaram essa possibilidade de experimentação. Que fique claro: “Uma
definição abrangente de perícia seria: fazer algo bem-feito simplesmente por
fazer” (SENNETT, 2006: 98). Como foi explicado: eles poderiam ter optado por
um modelo tradicional de narrativa, mas escolheram os quadrinhos. Tendo em
vista que o campo do jornalismo tem como característica a diversidade de
abordagens e está sujeito a experimentações, o JHQ nasce nesse imenso oceano
estriado, e ele o alisa à sua maneira ao mesmo tempo em que estria o seu próprio
campo tendo em vista a não-uniformidade de proposta do JHQ.
É assim que ele cria a sua marca: não como salvação do jornalismo, mas
como uma experimentação comunicacional. Na crise de mercado na qual, como
se ressaltou anteriormente, o JHQ não surge como salvação ou solução ,
observa-se a diferença experimental praticada por Sacco e demais autores de
JHQ justamente pela produção de uma marca de linguagem, que se constitui
como marca de distinção. E a partir do momento em que ele lança um trabalho
como esse e tem respaldo de um público erudito que “aceita” a proposta
jornalística dele, Sacco inicia uma nova forma de se fazer reportagem no que diz
respeito ao suporte em que ela é apresentada.
Diante das mediações explicadas por Barbero (2006), se nas literaturas de
cordel e colportage é possível se encontrar o caminho que leva o folclórico ao
popular, seria o JHQ uma forma de popularização tanto do jornalismo como dos
76
quadrinhos? Talvez não seja o caso, assim como não o é o da salvação desse
nicho comunicacional. Livros como o de Maurício Pestana
52
, por exemplo, não
surgem como a panaceia ou como incentivadores de leitura. O JHQ emerge de
uma forma que, pelo próprio formato e pelo preço de produto final
53
, não é tão
popular, não é facilmente encontrado em bancas de revista. O que se infere é que
o JHQ não é um produto editorial massivo, pelo menos no Brasil. Como foi
citado anteriormente, há exemplo de produtos de JHQ que alçaram à condição de
best-sellers editoriais na França, mas naquele país, além de uma aparente
facilidade em se aceitar esse tipo de experimentação artístico-comunicacional,
uma classe média culta disposta a conhecer, fruir e pagar pelo produto. Situação
ainda diferente no Brasil, onde uma elite econômica que não necessariamente
constitui uma elite intelectual suficientemente cosmopolita e aberta a interagir com
experimentações editoriais como o JHQ.
O JHQ se mostra como uma proposta diferente de se comunicar com suas
bases imersas em questões culturais o jornalismo, as HQs, a fotografia, a
literatura. Tais características também, reconhece-se, enfraquecem o jornalismo,
pois sempre a dúvida sobre até que ponto é jornalismo e até que ponto é
meramente quadrinhos ou um experimento artístico. Essa fisionomia é que
confunde, é o que deixa de certo modo vulnerável a própria prática, mas que
suscita questionamentos, novos olhares sobre o próprio jornalismo tendo em
vista, é bom lembrar, o contexto no qual o JHQ surge, que é marcado pelo caos
de imagens, por um intenso fluxo de informação.
“...qualquer fenómeno comunicativo (ou qualquer
fenómeno cultural) que tenha uma geometria irregular ou
uma turbulência no próprio fluxo é um fenômeno caótico.
Não os objectos, portanto, mas também o seu processo
de produção e de recepção” (CALABRESE, 1987: 140).
O território de linguagens no qual o JHQ se apresenta não deixa dúvida que
os elementos artísticos são usados em prol da própria construção da reportagem
52
PESTANA, Maurício. Revolução Constitucionalista de 1932 em quadrinhos. São Paulo: Imprensa
Oficial de São Paulo, 2009.
53
Um exemplar de O Fotógrafo, pelo site da Editora Conrad, custa R$ 46,00. Consulta feita no dia
02 de março de 2010.
77
quadrinizada
54
. Como foi citado anteriormente, não se cria uma nova forma de
fazer jornalismo, uma nova técnica de entrevista ou algo nesse gênero. O que se
tem é uma nova forma de apresentar uma reportagem, com um ritmo próprio
tanto de confecção como de leitura. A fruição do produto é diferente da de um
jornal diário. E nesse território de linguagens, aos poucos e esta é uma
observação que se faz aqui com certa pretensão o JHQ interfere no campo
jornalístico, de modo específico, e comunicacional, de modo mais amplo. E neste
caso, recorre-se a Bourdieu para um melhor esclarecimento:
O campo de produção propriamente dito deriva sua
estrutura específica da oposição mais ou menos
marcada conforme as esferas da vida intelectual e artística
que se estabelece entre, de um lado, o campo de
produção erudita enquanto sistema que produz bens
culturais (e os instrumentos de apropriação desses bens)
objetivamente destinados (ao menos a curto prazo) a um
público de produtores de bens culturais que também
produzem para produtores de bens culturais e, de outro, o
campo da indústria cultural especificamente organizado
com vistas à produção de bens culturais destinados a não-
produtores de bens culturais (“o blico cultivado”) como
nas demais classes sociais (BOURDIEU, 2007: 105)
O JHQ é produzido por jornalistas que, ou sabem desenhar, ou conhecem
desenhistas dispostos a enveredar por esse universo. O campo do JHQ deriva da
oposição entre o mundo dos quadrinhos convencionalmente atrelado a super-
heróis, a ficção e a histórias fantasiosas
55
e o do jornalismo área profissional
que relata os fatos do cotidiano, da chamada realidade. Mas pergunta-se: o JHQ
tem uma norma de produção? Como foi mencionado nas páginas anteriores,
não um modelo específico, mesmo porque uma reportagem quadrinizada pode
trazer de uma vez, além dos quadrinhos, a fotografia, elementos do
documentário como foi explicado no capítulo Jornalismo em Quadrinhos:
Linguagens Imbricadas. As normas de produção são estabelecidas na própria
prática, pois cabe aos envolvidos decidirem que elementos visuais e estéticos irão
54
Lembrando que: Todo ato de produção cultural implica na afirmação de sua pretensão à
legitimidade cultural” (BOURDIEU, 2007: 108).
55
O que não diminui os trabalhos dos profissionais da área, claro. Faz-se aqui apenas uma
observação de como se mostram antípodas o jornalismo com os quadrinhos.
78
utilizar na reportagem. A norma de produção, infere-se com a recente história do
JHQ, diz mais respeito às normas jornalísticas, porque se foge muito de certas
exigências dessa área profissional, deixa de ser jornalismo.
pouco se discutia até que ponto é jornalismo ou apenas quadrinhos: a
diferença está na monstruosidade do resultado final, ao ultrapassar as duas
fronteiras, sem no entanto deixar de enxergá-las. Os próprios leitores e críticos
irão avaliar se é ou não jornalismo em quadrinhos. O controle de qualidade e
talvez tal assertiva seja pretensiosa se pela utilização das normas
jornalísticas no que diz respeito ao respeito às fontes, aos relatos, à humanização
do relato, à ética profissional. É assim que funciona: por mais que sua base esteja
alicerçada no moderno jornalismo, o JHQ tem um ritmo próprio de produção e de
fruição. Ele funciona de acordo com um manual pouco ortodoxo no qual estão
contidas as exigências mínimas, cabendo à criatividade e ao talento-perícia de
cada profissional o arremate final em como se relatar uma reportagem em
quadrinhos.
A autonomia que o JHQ possui no campo comunicacional, nessa leitura
que se faz aqui sobre o conceito de Pierre Bourdieu (2007), pode ser verificada
em alguns números de vendas. É preciso ter em mente que a difusão dessa
prática ainda é tímida, principalmente no Brasil, que não possui uma tradição
como, por exemplo, na França
56
, onde esse novo formato é bem aceito pelo
público e pela crítica. Para se ter uma ideia, a série criada pelo jornalista Philippe
Cohen sobre o presidente francês Nicolas Sarkozy virou best seller vendeu
cerca de 300 mil exemplares. Cohen batizou a cria como história de investigação
em quadrinhos. Denominações à parte, aos poucos o JHQ ganha reconhecimento
dos jornalistas “convencionais” e da academia reconhecimento que, como
explicado acima, remete aos Estudos Culturais.
Ser “aceito” não o transforma, ressalta-se mais uma vez, na salvação do
jornalismo, mas o faz ser visto como uma possibilidade a mais a ser explorada no
relato de um fato. Não se trata de ser um cartunista como jornalista ou o contrário,
56
PALMEIRA, Cristina. Quadro a quadro. Revista Imprensa Jornalismo e Comunicação. N. 234,
maio 2008.
79
mas de enxergar a chance de se utilizar de outro suporte para fazer uma grande
reportagem. E aqui voltamos ao talento ao qual Sennett (2006) se refere. E não se
trata de uma competição do tipo: O Fotógrafo é melhor que Palestina, Uma Nação
Ocupada. Essa questão cabe ao leitor, que, por gosto próprio, escolherá qual o
livro que, de certa forma, mais significa a ele. Cada obra irá apresentar distinções,
características próprias. E as condições sociais e por que não profissionais?
irão mediar o surgimento de novos exemplos de JHQ. A França, como foi
mencionado, é um país de conhecido histórico literário e intelectual, o que pode vir
a ser um fato determinante para que surjam exemplos de jornalismo em
quadrinhos tanto em reportagens como em biografias.
Joe Sacco, por exemplo, passou sete anos produzindo seu novo livro,
Footnotes in Gaza
57
. A história conta, uma vez mais na Palestina, o que
aconteceu em 1956, quando 111 refugiados palestinos foram mortos por soldados
israelenses. Não quer dizer este novo trabalho vai ser melhor que o do outro
jornalista. Pode haver, levando em consideração o talento, uma busca de
superação do próprio ilustrador e esta é uma questão muito pessoal, e que não
é meta ser respondida neste trabalho , mas uma competição pela legitimidade
não se dará entre quem faz JHQ. Ele busca suas distinções a partir de suas
próprias criações, a partir de um eixo próprio. Trata-se de uma prática que cria um
território e tenta alisá-lo à medida que se insere no contexto da comunicação
contemporânea, e aos poucos ele se distingue do que se vê. De novo: não se trata
de ser melhor ou pior, mas de ser uma experimentação no campo da
comunicação.
com o JHQ uma ruptura com as ortodoxias precedentes (BOURDIEU,
2007) no que diz respeito à prática jornalística e ao próprio uso da linguagem dos
quadrinhos como um novo suporte ao jornalismo. Não que a história narrada
seja posta em segundo plano. Como foi escrito anteriormente, as histórias dos
livrosreportagens aqui tidos como fonte de pesquisa primam pela humanização do
relato, por um olhar atento e com forte teor etnográfico. Mas há, diante do que se
57
Footnotes in Gaza foi lançado nos Estados Unidos em dezembro. Até o fechamento deste
trabalho, não havia previsão de lançamento no Brasil.
80
convencionou chamar de jornalismo todo um arsenal de práticas e preceitos que
regem a profissão , uma quebra com a ortodoxia jornalística, em especial sobre a
forma como dizer, como noticiar ressaltando, mais uma vez, que a história não é
deixada em segundo plano.
Afirmar o primado da maneira de dizer sobre a coisa dita,
sacrificar o “assunto”, antes sujeito diretamente à
demanda, à maneira de abordá-lo, ao puto jogo das cores,
dos valores e das formas, forçar a linguagem para forçar a
atenção à linguagem, constituem procedimentos
destinados a afirmar a especificidade e o caráter
insubstituível do produto e do produtor, dando ênfase ao
aspecto mais específico e mais insubstituível do ato de
produção artística. (BOURDIEU, 2007: 111)
A exploração da linguagem em sua máxima possibilidade a favor da forma,
mas também em prol da história, que é o que corpo ao livroreportagem
quadrinizado. Se uma boa história em quadrinhos precisa de um bom roteiro, um
bom argumento, uma boa reportagem precisa de uma boa história para se
sustentar como tal. E no meio comunicacional, em especial o jornalismo, a
imbricação entre jornalismo e quadrinhos e demais linguagens afins , aliada
aos temas abordados nas reportagens e às técnicas, tudo isso possibilita a esta
prática uma distinção. O produto criado pelo próprio JHQ, no qual o grupo que o
pratica busca esta distinção cultural pelas especificidades reconhecidas em sua
atividade jornalístico-experimental, é que faz com que tais obras ganhem
notoriedade no campo cultural.
“(...) é a própria lei do campo, e não um vício de natureza,
como pretendem alguns, que envolve os intelectuais e os
artistas na dialética da distinção cultural, muitas vezes
confundida com a procura a qualquer preço de qualquer
diferença capaz de livrar do anonimato e da insignificância.
(BOURDIEU, 2007: 109)
A especialidade do JHQ (a imbricação de linguagens e a diferenciação da
prática convencional) alia-se ao talento (Sennett, 2006) do jornalista-ilustrador. E
esta suplementação de perícias já cria uma distinção. A maneira e o estilo como a
reportagem é apresentada seja somente com quadrinhos, como no caso de
81
Figura 20: O Fotógrafo: Conflitos de costumes e crenças
Sacco ou misturando HQ com fotografias (e seus negativos), como em O
82
Fotógrafo também ajudam a distinguir o JHQ, a criar a marca de linguagem que
diferencia esta prática do jornalismo convencional
58
. Os temas também contam
muito, que demonstram a sensibilidade do autor-jornalista ao selecionar sua
pauta: as impressões de mundo, esta ou aquela ideia, sentimentos. Tudo serve de
subsídio para a elaboração do trabalho, e o talento nesse momento faz diferença,
pois pode auxiliar e facilitar os caminhos a serem percorridos na construção do
roteiro que norteia a reportagem quadrinizada. O teor etnográfico é forte, e
fornece, de certa forma, um matiz diferenciado às cores de um simples relato. A
página abaixo (Figura 17) de O Fotógrafo explicita bem o conflito entre culturas, o
embate entre costumes e crenças diferentes. Esse dado peculiar que
normalmente está presente nas obras que se encaixam como JHQ seja uma
reportagem ou uma biografia é mais um componente na construção de uma
marca característica desta prática.
Porém, ainda sobre a questão do campo (BOURDIEU, 2007) no JHQ não
uma condenação por parte da comunidade intelectual ou artística de quem o
pratica quando se utilizam procedimentos de distinção não reconhecidos, até
porque não uma norma formalizada de como fazer JHQ. Se alguém quiser
juntar quadrinhos, fotografia e colagens, é possível fazê-lo. Trata-se de um campo
aberto, sujeito mesmo a experimentações outras, mas que tem suas distinções e
algumas regras (principalmente as que dizem respeito à parte jornalística). A
monstruosidade reside na junção das linguagens, mas, como elas serão reunidas,
isso vai depender do talento do autor.
Todas essas distinções reforçam o caráter popular-urbano (BARBERO,
2006) do jornalismo em quadrinhos: popular porque é um produto que traz em si o
apelo e linguagens de comunicação de massa (jornalismo e quadrinhos), e urbano
porque é consumido por uma classe média que vive em cidades onde o fluxo de
informações tende a propiciar contato com novas linguagens. Esse conjunto de
58
Ressaltando-se mais uma vez que o JHQ, por mais que tenha sua distinção, sua marca de
linguagem e esteja criando um território no campo da comunicação, ele tem como fonte os
preceitos do jornalismo tradicional. Não se quer aqui exaltar o JHQ como a mais interessante
novidade no campo comunicacional dos últimos tempos. O que se quer aqui é apresentar de que
maneira ele se distingue, como as linguagens se misturam e não deixam de ser identificáveis no
emaranhado imagético dos livrosreportagem disponíveis no mercado.
83
características ajuda a criar a marca de linguagem do JHQ, distingue-o de uma
maneira peculiar no campo da comunicação. Como se escreveu acima, o JHQ
é, ainda pelo estranhamento editorial, um produto monstruoso para o qual se
“aponta o dedo”.
Esse reconhecimento passa pelo aspecto cultural e também pelo
econômico, tendo em vista o valor que cada livroreportagem custa. No que diz
respeito ao cultural, o reconhecimento vem com a aceitação de uma forma de
expressão jornalístico-artística, como uma linguagem visual que explora de forma
singular a junção do jornalismo com os quadrinhos. Sabe-se que antes do cinema
e da televisão, uma verdadeira revolução no campo gráfico pôde ser verificada no
século XX, principalmente pela substituição dos desenhos reproduzidos em
litogravuras por fotografias nas revistas (NEIVA JR., 2006: 72). O JHQ também se
enquadra nesse repertório de experimentações imagéticas. Num século marcado
pelas imagens como foi o XX e como se anuncia o XXI sejam elas ao vivo, preto
e branco, excessivamente coloridas ou modificadas por Photoshop , os
quadrinhos amalgamados com o jornalismo ganham uma nova feição.
O teor experimental que permeia essa prática comunicacional talvez seja o
ponto alto, tanto em termos de linguagem como de própria autonomia enquanto
campo. Afinal, há um público consumidor, um interesse acadêmico no que diz
respeito a estudar ou pelo menos identificar melhor esse monstro comunicacional,
as editoras investem em tradução e em produtos de qualidade, e uma
autoridade no assunto/prática, Joe Sacco. Por mais que seja possível encontrar
outros títulos de JHQ, cabe a Sacco, sendo isso quase consenso, o mérito de ter
sistematizado de maneira prática um novo território no campo da comunicação ao
unir jornalismo com quadrinhos. Há quem mescle tons mais de crônica, como Guy
Delisle (Figura 18), mas sem deixar o caráter jornalístico de contar uma história de
lado: apuração, humanização do relato, contato com as fontes, pesquisa.
84
O que se verifica inda com o JHQ é um acontecimento, não é substância
Figura 21: Página de Crônicas Birmanesas, de Guy Delisle
85
nem acidente, nem qualidade nem processo, não é da ordem dos corpos, mas que
também não é imaterial (FOUCAULT, 2004). Voltamos ao conceito que tangencia
a ideia de monstruosidade. A proposta iniciada por Sacco e pelos demais artistas-
comunicadores se materializa em livrosreportagens, mas ao mesmo tempo se
mostra amorfa, pois não um modelo específico, algo que restrinja outras
possibilidades de experimentações no que diz respeito a unir jornalismo e
quadrinhos. É como se a proposta estivesse solta no ar e coubesse a quem
percebesse isso captar e traduzir em ilustrações e fotos imagens em geral
uma reportagem. Como foi apresentado anteriormente, o JHQ se efetiva como
uma mistura entre o jornalismo e os quadrinhos sem, contudo, fechar as propostas
num único formato.
A criação de um território de linguagens mediado pelas questões culturais
torna o JHQ, de certa maneira, um ente diferenciado no campo da comunicação.
O que o diferencia no processo comunicacional é justamente a característica de
acontecimento, a monstruosidade, o ir e vir entre as fronteiras que o definem. Não
se quer aqui atribuir mil e uma qualidade ou fazer apologias ao trabalho de Sacco
e companhia, mas fazer leituras possíveis tendo como pano de fundo a prática
jornalística e a história dos quadrinhos.
Por mais que pareçam forçadas tais capturas intelectuais, faz-se necessário
explicar que, na ausência de uma bibliografia específica sobre JHQ, a criação de
um campo de conhecimento passa por leituras outras que ultrapassem, mesmo
que ligeiramente, a barreira do senso comum e nisso talvez resida o cerne da
pesquisa. Dizer que JHQ é monstruoso ou caótico não é algo que se faz
gratuitamente.
Como um trabalho que, em primeiro lugar, descreve o objeto, o que se
pretende aqui é enxergar o JHQ como o mercado e como a própria prática faz
com que ele se estabeleça como produto e depois se imponha como objeto de
pesquisa. Seja em Paris, onde as condições sociais e intelectuais medeiam o
surgimento de novos livrosreportagem, ou seja no Brasil, onde editoras tem se
preocupado em traduzir e lançar obras do gênero, o JHQ aos poucos se
estabelece como um novo campo possível dentro da comunicação, e por meio do
86
seu discurso que alia imagens ao texto se diferencia como prática jornalística cujo
percurso vai de encontro ao deadline e estria o liso campo das experimentações.
87
CAPÍTULO 7: METODOLOGIA: ESTUDOS CULTURAIS E MEDIAÇÕES
Antes de seguirmos, faz-se necessário inserir o jornalismo em quadrinhos,
ou JHQ, dentro de um nicho de conhecimento acadêmico. Para isso tem-se como
referência os Estudos Culturais, que surgiram em meados na década de 1950
(HALL, 2003: 132) e nos remete a uma nova forma de pensar a cultura. A
formulação marxista da base (economia) condicionando a superestrutura (cultura)
não era mais suficiente para explicar o vórtice que envolve a cultura. A explicação
dada por essa equação base/superestrutura fica aquém, por exemplo, se levarmos
em conta o surgimento das novas mídias ao longo da história. O caleidoscópio
cultural contemporâneo com suas linguagens e engrenagens rizomáticas não
cabe tão-somente nas margens do estruturalismo que se limita a estudar o que
fica, e não se volta às vicissitudes:
A teoria marxista, tal qual vulgarizada pelo movimento
comunista, estabelece a primazia das infra-estruturas
econômicas, das quais as superestruturas (sistemas
políticos, direito, criação cultural) são apenas produtos.
Raramente levada em conta com precisão, a diversidade
das superestruturas de uma sociedade, de uma „formação
social‟ a outra, não passa então de puro „reflexo‟ das
relações de classe e de produção‟ (MATTELART, 2004:
78)
A ruptura de pensamento proposta pelos Estudos Culturais traz novas
formas de se abordar um tema. Aliás, essa ruptura traz à tona assuntos antes
deixados de lado que não podiam estar sob o guarda-chuva do que se
convencionou a chamar de cultura entendida aqui como um grupo organizado de
padrões, crenças, leis naturais e convenções, entre outras coisas, que não é
estático e está sujeito a um contínuo processo de transformação (CALDAS, 1986:
14).
Raymond Willians que, juntamente com Richard Hoggart, Edward
Thompson e Stuart Hall, é considerado um dos pais dos Estudos Culturais, os
founding fathers (MATTELART, 2004: 45) foi um dos pensadores que
desmistificou a ideia de uma cultura pura e trouxe à tona uma interpretação dela
como algo feito por todos, socialmente indo de encontro com a visão difusionista
88
de Hoggart com relação a alta cultura (CEVASCO, 2003: 51). Por mais que se
reconheçam falhas nesse modo de pensar tendo em vista que as condições
sociais e econômicas de cada indivíduo pesam no momento de fruição dos bens
culturais
59
(visão que evidencia uma referência marxista comum aos founding
fathers) , ele representa um avanço frente à visão elitista que se tinha da
cultura outrora.
Os Estudos Culturais nascem de uma recusa do legitimismo, das
hierarquias acadêmicas dos objetos nobres e ignóbeis. Eles se fixam sobre a
aparente banalidade da publicidade, dos programas de entretenimento, das
modas vestimentares (MATTELART, 2004: 72). Num linguajar próximo do
marketing, o olhar se volta, a partir dos estudos culturais, às coisas simples da
vida, ao que está ao nosso redor e passa como mero elemento na composição do
cotidiano. Como escreveu o próprio Stuart Hall:
O que importa são as rupturas significativas em que
velhas correntes de pensamento são rompidas, velhas
constelações deslocadas, e elementos novos e velhos são
reagrupados ao redor de uma nova gama de premissas e
temas (HALL, 2003: p. 131)
A quebra de paradigma proposta pelos Estudos Culturais nos remete a uma
crise na literatura. A linguagem verbal, antes tida como hegemônica, perde uma
parte de sua força sendo válido lembrar uma formulação feita pelo teórico
marxista Antonio Gramsci, que dizia que a hegemonia é uma construção do poder
pelo consentimento dos dominados com relação aos valores de uma ordem social,
“uma „vontade geral‟ consensual” (MATTELART, 2004: 74).
Vale citar que na teoria marxista que como foi mencionado acima, é
uma referência na nese dos estudos culturais estão imbricadas linguagem e
ideologia, sendo a linguagem vista como um fenômeno histórico, imutável. Por
mais acadêmica que possa soar esse tipo de assertiva, vale dizer que tal
59
Com relação ao conceito de fruição de uma obra de arte, um bem cultural, vale lembra Boudieu:
“A obra de arte considerada enquanto bem simbólico (e não em sua qualidade de bem econômico,
o que ela também é) existe enquanto tal para aquele que detém os meios para que dela se
aproprie pela decifração, ou seja, para o detentor do código historicamente constituído e
socialmente reconhecido como a condição da apropriação simbólica das obras de arte oferecidas a
uma dada sociedade em um dado momento do tempo.”
89
pensamento vai de encontro com o materialismo, que a história da linguagem
como um “movimento resultante do trabalho (lingüístico) dos homens (práxis) em
seus diversos estágios de organização social. Este trabalho se justamente na
interação”. O marxismo era a corrente utilizada pelos founding fathers, porém,
como explica Hall, nenhuma perspectiva é absoluta e separada, e as rupturas
surgem com novas perspectivas epistemológicas.
Não é preciso ir longe para observar que, antigamente, a visão hegemônica
que se tinha era que os livros ditos sérios eram aqueles cujas páginas não
continham imagens, que tinham conceitos e elucubrações sobre temas difíceis.
“As abstratas imagens conceituais expressas nos textos escritos não chegavam à
compreensão do homem comum” (BAITELLO JUNIOR, 2005: 16). Como lembra
Maria Elisa Cevasco: “O discurso da cultura de minoria – o de um pequeno
número de eleitos que detém o valor cultural ainda pode ser escutado em certas
posições contemporâneas” (CEVASCO, 2003: 48).
Sabe-se que a leitura entendida aqui como a compreensão e
interpretação da mensagem dada dentro de um contexto não era e nem é ainda
um privilégio de todos, e a compreensão se mostra, destarte, numa margem ainda
mais afastada o que nos leva de volta à teoria marxista. Esta não é o foco neste
trabalho, mas ajuda a entender como o conceito de cultura esteve e ainda está
atrelado à questão da linguagem (principalmente a verbal), sendo essa um
componente na legitimidade dos objetos de pesquisa. A questão cultural passa,
necessariamente, pela linguagem escrita.
O jornalismo em quadrinhos, como experimentação entre comunicação e
arte, se beneficia hoje dessa visão menos fechada da cultura e do que se pode
focar como objeto de pesquisa. Com essa abertura, a comunicação, é bom
salientar, torna-se também um item significativo na amplitude da cultura
contemporânea. Se tivesse entrado no mercado mais tempo, no início dos
working papers do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS),
provavelmente o jornalismo em quadrinhos seria enquadrado também como “o
ópio dos intelectuais”, um vanguardismo pitoresco (MATTELART, 2004: 55).
90
As aparentes banalidades da publicidade, dos programas de
entretenimento, das modas e outros temas como as subculturas jovens
ganham monografias desde o início da década de 1970 dos pesquisadores da
Escola de Birmingham, berço dos Estudos Culturais. As evoluções, as
hibridações, as contradições e a coerência das subculturas, por exemplo, puderam
ser vistas através do olhar dos pesquisadores, com uma leitura diferenciada da
que a publicidade e a mídia, por exemplo, pintam delas (MATTELART, 2004: 64-
65).
O fato de tais pesquisas terem já retrabalhado o olhar restritivo que a
academia tinha para esses micro-universos do cotidiano e para os saberes e
fazeres do dia-a-dia abriu caminho para estudos como este a respeito do
jornalismo em quadrinhos, cujo processo de produção passa, inevitavelmente, por
linguagens que remetem à cultura de massa quadrinhos, cinema, fotonovela.
Nesse ponto chega-se às mediações que fazem com que os meios
comunicacionais existam, embora, no caso do JHQ, não se trate de mediações de
massa, mas mediações socioculturais que permitem a emergência de
experimentações como processo de invenção de novas práticas sociais. Entre
editoras, públicos virtuais, condições de produção, ambiente favorável e outros
fatores, novos meios emergem como projetos experimentais.
Elementos culturais servem de substrato para o surgimento de uma
proposta de experimentação como o jornalismo em quadrinhos. Na pespectiva das
mediações, o JHQ evidencia-se como uma espécie de “blasfêmia”, por misturar
linguagens distintas jornalismo e história em quadrinhos , embora ambas
constituam o imaginário moderno do campo comunicacional de modo mais amplo
desde o século XX.
Tal qual o cordel, como salienta Martin-Barbero (2006), o JHQ mistura uma
linguagem considerada culta (jornalismo) com uma outra que está inserida na
cultura pop (quadrinhos). Há uma diferença, no entanto: enquanto o cordel é
consumido por uma parcela considerada iletrada da população, os livros que se
enquadram no JHQ são comprados por uma classe média culta, que entende e
91
que parece estar mais suscetível e disposta a apreender a junção da linguagem
verbal do jornalismo com o visual dos quadrinhos.
Seria, por outro lado, uma vulgarização. Não é o caso do cordel, que é
mediação por não ser uma linguagem erudita tampouco ser uma linguagem
popular: ele é as duas. Ele mistura linguagens e religiosidades, e por isso não é
bem visto por “quem está em cima”. É possível estender essa visão ao JHQ, que
mistura duas linguagens e nem sempre é bem visto afinal, há quem confunda
quadrinhos (mais relacionado à ficção) com jornalismo (mais calcado na
realidade). Nesse caso, o JHQ não passaria de uma banalização do jornalismo por
meio dos quadrinhos.
Apesar de se entender a imagem como uma forma de escrita (BAITELLO
JÚNIOR, 2005: 35), um livroreportagem nos moldes do JHQ talvez não seja
facilmente compreendido por quem não tem esse conhecimento prévio, por quem
não conhece as convenções jornalísticas ou dos próprios quadrinhos. É fato que
hoje em dia, não pelo status de nona arte, mas pela própria presença no meio
cultural, os quadrinhos não causam mais tanto estranhamento com sua
linguagem, por mais audaciosa que seja
60
.
Bem como o jornalismo não se mostra estranho, mesmo que seja ele
dotado de aparências extremas, como é o caso do gonzo journalism
61
. As duas
formas de linguagem já são bem conhecidas, e a junção delas é que, num
primeiro momento, pode causar confusão e estranhamento. Confusão porque
quem acredite não ser possível unir jornalismo com quadrinhos, o que poderia dar
ao JHQ o aspecto de mero entretenimento com ares de informação. o
estranhamento se dá pela própria junção, pela linguagem monstruosa que surge a
partir da união do jornalismo com os quadrinhos imagens unidas umas nas
outras e o uso da fotografia junto à linguagem das HQs, por exemplo.
60
Cf. nota 13.
61
Trata-se de uma técnica de reportagem criada e desenvolvida no início dos anos 60 nos Estados
Unidos pelo jornalista Hunter S. Thompson. Assim como o new journalism de Tom Wolfe, Gay
Talese e Truman Capote, o gonzo journalism sugere novas formas de apresentação do texto e
também de temas, abordagem e apuração. Um exemplo desta linguagem é o livro Medo e Delírio
em Las Vegas uma jornada selvagem ao coração do sonho americano (Conrad, 2007), escrito
por Thompson e adaptado ao cinema por Terry Gilliam (Fear and Loathing in Las Vegas,
EUA, 1998).
92
A questão que pode surgir, destarte, é: a confusão e o estranhamento se
dão por parte de quem? Pelo menos da parte do jornalismo isso não é tão visível.
Não que o JHQ seja ou venha a se tornar um gênero jornalístico e passe a ser
amplamente utilizado em redações. Mas alguns exemplos de reportagens e
mesmo de pequenas notícias neste formato, o que demonstra uma aproximação
pacífica do JHQ com a forma tradicional da profissão.
uma classe média que consome esse formato de jornalismo, pois o
livrosreportagens tem um preço não acessível a grandes extensões da massa
consumidora, e essa classe média não deixa de ser o que move a confecção e a
tradução dessas obras. Não que Joe Sacco ou Didier Lefèvre tenham “escrito”
suas respectivas reportagens pensando vender milhões de exemplares, mas eles
tem o respaldo de existirem um público específico para o tipo de produto que
oferecem ao mercado. Se é vulgarização ou não segmentos de consumidores
que permitem mercadologicamente a produção de tais obras: uma classe média
culta que demanda o consumo por estas experimentações.
O sucesso de obras do JHQ, por exemplo, na França (país onde a
aceitação a esse tipo de experimentação é mais evidente) talvez resida no fato
de ser um país com uma numerosa classe média culta, onde emergiram muitas
das hoje conhecidas tradições artísticas, vanguardas e onde as artes
historicamente tem sido práticas sociais mais presentes no cotidiano da população
em geral.
Não se pretende aqui subestimar este ou aquele país, mas os números
franceses sobre o JHQ apontam na direção de esta ser uma prática jornalística
que, além do respaldo acadêmico enquanto um objeto de pesquisa que assim o
é, nesta análise, na perspectiva acadêmica proposta pelos Estudos Culturais ,
possui um público que consome e se interessa por este tipo de experimentação.
As transformações socioeconômicas e culturais na passagem do século XX
ao XXI permeiam as mediações como condição de produção, circulação e
consumo de produtos editorais como o jornalismo em quadrinhos. Se a imagem foi
no século XX um elemento que propiciou a massificação do consumo de bens
culturais, nos dias de hoje, a partir da própria massificação de produtos como
93
histórias em quadrinhos que se permite a invenção de um produto para segmentos
cultos, como o jornalismo em quadrinhos. São essas transformações no processo
de produção, circulação e consumo que autorizam, no campo comunicacional, a
emergência de blasfêmias midiáticas e culturais como o JHQ.
Se meios é porque, como sugere Martin-Barbero, mediações que
configuram historicamente suas condições de existência. A partir das produções
seminais de Joe Sacco (Palestina, Uma Nação Ocupada) e do trio francês Didier
Lefèvre, Emmanuel Guibert e Fréderic Lemercier (O Fotógrafo), além de outras
obras que vieram constituindo esse nicho de experimentações entre jornalismo e
quadrinhos, percebe-se o quanto a cultura das imagens da comunicação de
massa hoje se traduz em novos modos de codificação para segmentos sociais
que, acostumados ao consumo de produtos da cultura pop e massiva, se dispõem
a fruir produtos que, pelo estranhamento que ainda causam, é preciso, antes de
mais nada, ao menos apontar o dedo e reconhecer sua existência. Mas de que se
trata exatamente, ainda não se sabe, o que demanda, do ponto de vista da
pesquisa, um registro que descreva não suas formas ainda não consolidadas, mas
seus contornos mínimos que lhe atribuem um limite entre tantas outras linguagens
e um nome: jornalismo em quadrinhos.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As discussões que hoje permeiam a prática jornalística transitam em qual
suporte ela é apresentada ao grande público: webTV, jornal impresso, vídeo, rádio
e, como se explicitou acima, em quadrinhos. O jornalismo, prática estabelecida
social e profissionalmente, necessitou de uma alteridade visualizada nos
quadrinhos para pensar e mesmo enxergar novas possibilidades de
experimentações enquanto forma comunicacional.
Em 1994 realizava-se a Copa do Mundo de Futebol, Ayrton Senna morria
na Itália, Nelson Mandela tornava-se o primeiro presidente negro da África do Sul,
a Sony lançava seu videogame no Japão (Playstation), Fernando Henrique
Cardoso era eleito presidente do Brasil no primeiro turno e se iniciava a
operação comercial da Internet no Brasil.
Enquanto tudo isso ocorria, Joe Sacco lançava Palestina, Uma Nação
Ocupada. Sem a pretensão de salvar o jornalismo ou de mudar o mundo um
romantismo atrelado à profissão que, aos que tudo indica, aos poucos morre e se
transforma em um engajamento político-social, de fato, sério , Sacco lançava as
bases de uma prática que hoje busca se estabeler no campo jornalístico e
comunicacional onde linguagens o imbricadas em prol de uma grande
reportagem: o jornalismo em quadrinhos (JHQ).
Admite-se que para a produção diária das notícias, tal proposta é difícil e
inviável, pois seria preciso adaptar novos horários de fechamento das edições ou
mesmo adotar o caráter taylorismo-fordismo (uma intensa, padronizada e
fragmentada produção em série visando a redução de custos e elevação de
lucros). Não é o caso, pois o próprio Sacco levou sete anos para fazer um livro.
A prática do JHQ exige pesquisa, um trabalho muito próximo do trabalho de
campo etnográfico. O repórter precisa estar presente para não apenas descrever,
mas narrar com matizes pessoais e humanizados um relato a ser noticiado.
nisso uma re-significação do próprio fazer jornalismo, uma junção entre a
comunicação e as artes que é mediada por um cenário sociocultural propício ao
surgimento de experimentações como a do jornalismo em quadrinhos.
95
Vive-se um período em que as imagens assumem um papel preponderante,
e tudo se transforma em algo para se ver. Tudo se resume, se presume e se
reduz, e ao mesmo tempo de beneficia do alargamento das linguagens, da união
destas e de novas propostas. Cria-se uma espécie de fábula das linguagens, um
texto quase onírico onde elas parecem conviver em harmonia. Mas não é tão
simples assim. O jogo não parece ser tão igual a partir do momento em que o
jornalismo precisa se estabelecer como tal para que uma experimentação seja
aceita como séria. Não se quer aqui vangloriar o JHQ ou Sacco ou mesmo o trio
francês responsável pelo álbum O Fotógrafo. Apenas se reconhece a construção
de um produto editorial que se mantém e se reproduz diante de um cenário
comunicacional adverso, diferente de quando a proposta surgiu.
Tendo como pano de fundo a alguns conceitos dos Estudos Culturais, o que
se pretendeu aqui foi deslindar o JHQ, suas linguagens e como ele se erige diante
de um cenário que, a princípio, não teria espaço para ele: em meio a frenética
profusão de imagens numa rotina calcada pela celeridade, propor um trabalho que
exige mais tempo para a confecção e para a própria fruição é ir na contramão.
Não deixa de ser um desafio comunicacional, quem nem se estabeleceram
ainda convenções que firmem uma “identidade” ao JHQ, essencialmente híbrida.
Híbridas, neste contexto, significa linguagens e meios que
se misturam, compondo um todo mesclado e
interconectado de sistemas de signos que se juntam para
formar uma sintaxe integrada (SANTAELLA, 2003: 135)
Se o que importa o as quebras significativas de pensamento e a
reagrupação de velhos elementos ao redor de uma nova gama de premissas e
temas (HALL, 2003) e esta parece ser a marca do nosso tempo , o JHQ não é
tão estranho assim. A monstruosidade e toda a aparência intrincada de linguagens
se desenrolam aos poucos quando observado de perto sob uma perspectiva que
vai além da simples observações estética. o obras cujo apelo visual é forte, e
isso é inegável. Mas não se resume somente a isso: todo um conjunto de
devires que caracterizam o JHQ ora como arte média (BOURDIEU, 2007) ora
como algo que vai além do lugar-comum tanto em termos jornalísticos como no
96
que diz respeito aos quadrinhos. E nisso ainda exibe um quê de arte erudita, uma
vez que não é totalmente igualitária a distribuição de tais produtos culturais seja
pelo preço ou mesmo pelo acesso às edições.
Diante isso, o que se pode inferir é que o JHQ, como prática experimental
da comunicação, cria um campo novo de linguagens e se destaca no campo
jornalístico. Não como salvação, como a panaceia para a crise que aflige os
jornais impressos ou o que mais for nesse sentido, mas sim como um novo
caminho que pode ser percorrido no que diz respeito a construção de uma grande
reportagem que sugere novos ares à fruição de uma notícia.
Trata-se de uma proposta experimental que é mediada por questões
culturais tendo a França, país mencionado nos capítulos anteriores, como um
dos principais expoentes do gênero e cujo ponto de partida é a conversão das
artes com as comunicações. É um entrelaçamento imagético que traz em si ares
etnográficos, de documentários e de todo um arsenal imagético que ilustra de
forma poética e jornalística uma grande reportagem.
Por mais caótica que possa parecer tal prática afinal, ao mesmo tempo
em que ganha certo status, ela parece perdê-lo justamente por estar agregada aos
quadrinhos, a uma cultura popular , ela tem se estabelecido culturalmente e
economicamente seja pela venda ou pelas edições caprichadas que, como se
sabe, tem um custo. Ganhando força nos sujeitos sociais, o JHQ erige narrando
os confrontos da vida real, histórias que ganham outros contornos nos traços e
nas fotos utilizadas. O JHQ, beneficiando-se da quebra de paradigmas seja no
próprio campo da comunicação como na academia , constrói um território de
linguagens próprio, marca contemporânea da mestiçagem, do hibridismo
62
. Reside
nisto sua monstruosidade, sua transgressão em ser isso e aquilo ao mesmo tempo
sem contudo deixar de ter uma identidade própria e, paradoxalmente, amorfa.
A arte, caso possamos designar-lhe uma mínimo de
sentido subversivo, passou a ocupar todos os espaços
imagéticos possíveis para a sua veiculação e suas
62
Como ressalta Santaella: “Por volta do início dos anos 80, começaram a se intensificar cada vez
mais os casamentos e misturas entre linguagens e meios, misturas essas que funcionam como um
multiplicador de mídias” (SANTAELLA, 2003: 15).
97
experimentações. O homem contemporâneo urano vive
submerso por uma proliferação incontrolável de imagens.
Vive-se numa imensa e irreversível imagoteca universal,
proporcionada principalmente pelos meios de
comunicação (VENTURELLI, 2004: 85)
O campo, o território, o ritmo, o acontecimento: o JHQ se faz presente
assim. Talvez indo contra o que diz Nietzsche sobre o jornalismo discurso feito
pelos fracos para os fracos , a prática é um emaranhado de linguagens que situa-
se no atual signo do excesso principalmente no que diz respeito à informações e
imagens de uma maneira geral artísticas e de outras categorias. É nesse
contexto que o JHQ surge e se apresenta, mediado culturalmente e arquitetado
por um intenso e imanente caráter semiológico.
98
BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Luís. Técnica de jornal e periódico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
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BAITELLO JUNIOR, Norval. A era da iconofagia: Ensaios de Comunicação e
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