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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
MARIA CÉLIA BRAZ SANTOS
MATE, MÁ, TICA!
UM CASO DE RESISTÊNCIA E VIOLÊNCIA NA TERRITORIALIDADE
DO CABULA
Salvador
2010
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1
MARIA CÉLIA BRAZ SANTOS
MATE, MÁ, TICA!
UM CASO DE RESISTÊNCIA E VIOLÊNCIA NA TERRITORIALIDADE
DO CABULA.
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado
da Bahia (UNEB), como requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Narcimária C. do Patrocínio Luz.
Área de concentração: Ciências Humanas/Educação.
Salvador
2010
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Santos, Maria Célia Braz
Mate, má, tica! Um caso de resistência e violência na territorialidade do Cabula / Maria
Célia Braz Santos . – Salvador, 2010.
132f.
Orientadora: Profª Drª Narcimária Correia do Patrocínio Luz.
Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação.
Campus I. 2010.
Contém referências e apêndices.
1. Etnomatemática. 2. Matemática - Estudo e ensino. 3. Educação. 4. Educação
Pluricultural. I. Luz, Narcimária C. do Patrocínio. II. Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Educação.
CDD: 510
3
MARIA CÉLIA BRAZ SANTOS
MATE, MÁ, TICA!
UM CASO DE RESISTÊNCIA E VIOLÊNCIA NA
TERRITORIALIDADE DO CABULA
Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação,
Universidade do Estado da Bahia – UNEB, pela seguinte banca examinadora:
Narcimária Correia do P. Luz – Orientadora ______________________________
Doutora em Educação
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Henrique Cunha Júnior__________________________________________________
Doutor em Educação
Universidade Federal do Ceará – UFC
Ana Célia da Silva ______________________________________________________
Doutora em Educação
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Salvador, 30 de Julho de 2010
4
Ao meu pai, Vidal, que antes de partir do mundo visível,
me deixou com régua e compasso.
Ao companheiro Washington, grande incentivador e
admirador dos traçados.
Aos meus sobrinhos, David, Bárbara, Júnior e Neto, que
eles possam caminhar com altivez no espaço escolar
irradiando a alegria de ser e ter ascendência africana e
usufruam de meus desenhos.
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AGRADECIMENTOS
Orumilá, o Senhor do Ifá, conhecedor dos destinos, determinou que assim o fosse. Nas matas
do Cabula eu adentrei para providenciar aperfeiçoar os conhecimentos necessários não a
mim, mas a Ana, Maria, Jaciguai, José, João, Dandara, Ayó... A todos os alunos e alunas que
entrecruzaram meu caminhar na busca de re-pensar a minha condição de existência na
contemporaneidade, condição esta que envolve o sentido de ensinar e aprender as
matemáticas no mundo plural. Sou muito grata pelo aprendizado constante.
Reconheço o ato de vanguarda da Doutora Ana Célia da Silva que acolheu a minha proposta
de pesquisa ao PPGEDUC, abrindo possibilidades para professores de matemática re-avaliar o
ensino da matemática mediante a Etnomatemática, de transcender aos limites estabelecidos
pelos programadas academicistas desse ramo de conhecimento. Tal como a Doutora enfatiza,
“a Etnomatemática está inserida na Linha de Pesquisa 1 - Processos Civilizatórios: Educação,
Memória e Pluralidade Cultural”. Obrigada!
Nessa caminhada, a passagem foi iluminada por Narcimária que traz a Luz no próprio nome.
Nos encontros e desencontros das opiniões, o respeito e admiração nos esboços construídos e
o sentimento de proteção que me permitiu navegar na parte sólida da água. Valeu!
Foram tantas emoções na caminhada. Ah! Algumas eu esqueci...! Trago sempre em mente
os bons momentos de aprendizagem e integração com as colegas da turma de 2008, que
lembravam da minha pesquisa quando liam algo relacionado com o ensino da matemática,
especialmente Silvia Karla e Simone Magalhães.
Como me afastei dos familiares que solicitavam a minha presença, minha mãe, D. Antonia,
Washington, Evelin, Zuzu, Viviane, Vinicius, Yasmim, David, Júnior, Taísa .... Agradeço
pela compreensão nos momentos não compartilhados, à atenção não dispensada.
Ao me afastar de uns, fiquei bem mais próxima de outros. Como foi prazeroso vivenciar mais
ativamente a comunidade do Polivalente do Cabula, carinhosamente chamada de Poli, que
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tem como primeira-dama a Professora Lúcia Maria Santana Ferreira, diretora da escola. Ela
procura proteger nossa escola como Oyá protege seus filhos dos raios do trovão. Aos alunos,
colegas, professores, coordenadores e funcionários, que colaboraram, direta e indiretamente
com a pesquisa, principalmente os que fazem parte da comunidade escolar ao longo do tempo,
Reginalda, Edna, Marli, Rita, Regina, Cássia, Luiz, Aida, Ábia, Joana e Nilcéa. Aos colegas e
alunos que deram vozes à pesquisa, minha gratidão.
Não posso deixar de registrar a colaboração do profº Drº Marco Aurélio Luz e da Profª Msc.
Janice Nicolin, pelas entrevistas concedidas e à atenção dispensada. Aproveito e deixo meus
sinceros agradecimentos a todos que contribuíram para a materialização da pesquisa.
Na vida temos que tomar decisões de acordo com nossos desafios. Assim, ao entregar o cargo
que exercia de Coordenadora de Perícias dos Crimes Contra o Patrimônio no Departamento
de Polícia Técnica, para me dedicar à pesquisa, desagradei alguns colegas, mas eles
compreenderam que a minha relação com a educação não tem explicação. Valeu à força!
Célia Braz
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RESUMO
A pesquisa intitulada MATE, MÁ, TICA! Um caso de resistência e violência na
Territorialidade do Cabula tem como objetivo analisar as concepções elaboradas por
estudantes e professores/as no âmbito do Colégio Polivalente do Cabula diante da pluralidade
cultural que permeia o contexto escolar. O Colégio Polivalente do Cabula está localizado na
territorialidade do Cabula, cujo princípio inaugural está enraizado na resistência histórica
quilombola - o Quilombo do Cabula, dotando o território de sentimento, de memória histórica
coletiva, em um processo dinâmico de adaptação, recriação e continuidade da ancestralidade
africana. Sob a perspectiva da Etnomatemática, o trabalho de campo foi iniciado partindo do
pressuposto que o ensino da matemática procura traduzir a visão eurocêntrica de mundo,
através do discurso universalista do conhecimento. Como o conhecimento matemático não é
universal, e sim, cultural, a matemática e seu ensino não levam em consideração os valores
socioexistenciais dos alunos na territorialidade do Cabula, contribuindo para o alto índice de
reprovação na disciplina, tornando o espaço escolar desagradável para os estudantes. A
metodologia do trabalho está fundamentada na abordagem qualitativa, em uma releitura do
cotidiano do ensino da matemática na escola, no diurno, a partir do segundo semestre de
2008, mediante observação direta e participante, entrevistas individuais e coletivas e aplicação
de questionário. Como consequências do trabalho realizado ficou evidenciado que a
matemática e seu ensino são extensões da ética da violência institucionalizada do currículo
escolar, desencadeado por práticas pedagógicas recalcantes adeptas da educação bancária,
privilegiando o universalismo do conhecimento, postura autoritária, falta de preocupação com
a aprendizagem dos alunos e o excesso de abstracionismo dos conteúdos. Rever as raízes
culturais da matemática trata-se de atitude primordial para se discutir as matemáticas
existentes no mundo plural.
Palavras-chaves: Etnomatemática; educação pluricultural; territorialidade.
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ABSTRACT
The research entitled MATHE, MA, TICS! A case of resistance and violence in Cabula’s
territoriality aims to analyze the concepts developed by students and tutors at “Colégio
Polivalente do Cabula” facing the cultural diversity which permeates the school environment.
The “Colégio Polivalente do Cabula” is located in the territoriality of Cabula, whose
inaugural principle is rooted in the historical resistance “quilombola” - the “Quilombo
Cabula”, endowing the territory feeling of collective historical memory in a dynamic process
of adjustment, recreation and continuity of African ancestry . From the perspective of
Ethnomatematics, the fieldwork was initiated on the assumption that mathematics teaching
seeks to translate the Eurocentric view of world through the universal knowledge discourse.
Once mathematical knowledge is not universal but cultural, mathematics and its teaching does
not take into consideration the preexisting social values of the students in Cabula’s
territoriality, contributing to the high failure rate in the discipline, making the area unpleasant
for high school students. The work methodology is based on a qualitative approach, a
rereading of the daily teaching of mathematics at school, at day-shift, since the second
semester of 2008, through direct and participant observation, individual and collective
interviews and questionnaire. As consequences of the work it became evident that
mathematics and its teaching are extensions of the ethics of curriculum institutionalized
violence, teaching practices triggered by repressive devotees of banking education,
emphasizing the universality of knowledge, authoritarian stance, lack of concern with students
learning and over-abstraction of content. Reviewing the cultural roots of mathematics is the
primary attitude to discuss mathematics in the plural world.
Keywords: Ethnomathematics; pluricultural education; territoriality.
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LISTA DE SIGLAS
AJA - Associação Juventude Afonjá
CEAO - Centro de Estudos Afro-Orientais
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
COFIC - Comitê de Fomento Industrial do Pólo Petroquímico de Camaçari
CONDER - Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia
CPC - Colégio Polivalente do Cabula
EJA - Educação de Jovens e Adultos
FFCH - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
GPIMEM - Grupo de Pesquisa em Informática, outras Mídias e Educação Matemática
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
MEC - Ministério da Educação
PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais
PDE - Plano de Desenvolvimento Escolar
PPGEDUC - Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade
SIMOV - Sistema de Controle de Bens Imóveis
UFBA - Universidade Federal da Bahia
UNEB - Universidade do Estado da Bahia
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Tecnologia
URBIS - Urbanização e Habitação da Bahia S/A
USAID - Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional
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LISTA DE FIGURAS
Figura 01. Ideograma de Sankofa 13
Figura 02. Mapa digital do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá 31
Figura 03. Avenida Luiz Edurdo Magalhães 32
Figura 04. Mapa digital do Colégio Polivalente do Cabula 34
Figura 05. Muro frontal do colégio 35
Figura 06. Placa com o nome da rua 35
Figura 07. Búzios 40
Figura 08. Tecidos de Gana 51
Figura 09. André Rebouças 53
Figura 10. Cumeeira do telhado da escola 70
Figura 11. Sigla do colégio 71
Figura 12. Escrituras de compra e venda e de desapropriação; SIMOV 72
Figura 13. Atividades/2008 80
Figura 14. Eduardo/CPC 81
Figura 15. Integrantes da AJA com Mãe Stela 82
Figura 16. Sala de capoeira 88
Figura 17. Carlinhos Brow 91
Figura 18. Conjunto de atividades sobre “Consciência Negra” 102
Figura 19. Novas experiências/ São Sebastião do Passé e Alagoinhas 109
Figura 20. Mosaico de Atividades 110
Figura 21. Atividades lúdico-estéticas 113
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
13
CAPÍTULO I
26
TERRITORIALIDADE DO CABULA
26
1.1 ARKHÉ QUILOMBOLA 27
1.2 COLÉGIO POLIVALENTE DO CABULA 33
CAPÍTULO II
37
AS MATEMÁTICAS NO MUNDO PLURAL
37
2.1 A MATEMATIZAÇÃO DOS MUNDOS 41
2.1.1 Política de embranquecimento
43
2.1.2 Política de alteridade
45
2. 2 ETNOMATEMÁTICA: UMA ALTERNATIVA DE EDUCAÇÃO
PLURICULTURAL
48
2.2.1 Matemática: contribuições silenciadas do saber milenar africano
52
CAPÍTULO III
59
DO MUNDO PLURAL À ESCOLA TOTALITÁRIA
59
3.1 PANORAMA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: ESCOLA TOTALITÁRIA
E MATEMÁTICA SE ENLAÇAM
61
3.1.1 Início do monopólio da escrita e da fala 61
3.1.2 O caminho salvador da ciência: “ordem e progresso” à vista 62
3.2 ARKHÉ DA ESCOLA POLIVALENTE: TRABALHADOR
OBEDIENTE E NEGAÇÃO DO DIREITO À ALTERIDADE
67
3.2.1 Escola Polivalente do Bairro do Cabula
69
3.2.2 O ensino da matemática no Colégio Polivalente do Cabula
74
CAPÍTULO IV
78
AYÓ, AYÓ: UM OLHAR ETNOMATEMÁTICO SOBRE A VIDA NA
ESCOLA E A ESCOLA DA VIDA
78
12
4.1 A COMUNALIDADE DO CABULA 80
4.2 CAMINHADA METODOLÓGICA 83
4.3 REVISITIANDO O POLIVALENTE: NOVOS OLHARES, NOVOS
SABERES
87
CAPÍTULO V
94
EDUCAR O “OUTRO”
94
5.1 CONHECER O “MUNDO DO OUTRO” 94
5.1.2 Educar a si mesmo
98
5.1.3 Entre os muros do CPC: violência e resistência
102
5.2 PLANTANDO ALGUMAS SEMENTES 108
CONSIDERAÇÕES FINAIS
114
REFERÊNCIAS
117
APÊNDICES
APÊNDICE A – Roteiro para entrevista semi-estruturada 124
APÊNDICE B – Questionário/aluno 125
APÊNDICE C – Questionário/professor 128
APÊNDICE D – Termo de autorização de uso e imagem da voz 131
APENDICE E – Termo de consentimento livre e esclarecido 132
13
INTRODUÇÃO
Figura 01. Ideograma Sankofa
1
Esta pesquisa é fruto da minha trajetória profissional e o interesse em dar continuidade
à formação acadêmica no curso de mestrado em Educação da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB) nasce não apenas como resultado do envolvimento ao longo das minhas
graduações e experiência profissional, mas da percepção da geração de conhecimento como
um instrumento de compreensão e superação de desafios existenciais. Recorro ao simbolismo
de Sankofa para acentuar que a base da minha existência está no meu passado, na minha
história. Refletir sobre a matemática e seu ensino implica, portanto, em voltar ao passado e
“apanhar o que ficou para trás”. (NASCIMENTO, 1996, p. 62).
Apesar de ter concluído curso técnico na área de Química e navegar com facilidade
nas Ciências Exatas, optei, para surpresa geral, pelo curso de Ciências Sociais da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 1983. As possibilidades de compreensão do
mundo que me cercava e a conexão entre várias áreas de conhecimento por meio das Ciências
Sociais haviam me seduzido, além da possibilidade de ingressar na área de pesquisa e
docência, que me atraia. Não posso deixar de registrar que a concepção política de meu pai,
operário da área industrial, e o nosso envolvimento contribuíram para minha inclinação nesse
campo de conhecimento.
Nos primeiros anos na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH) fui
construindo minha existência, participando de estágios e me engajando nos movimentos
1
Ideograma retirado do site do Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO):
www.ipeafro.org.br. O ideograma Sankofa pertence a um conjunto de símbolos gráficos chamados adinkra, da
língua Akan. Sankofa significa “Aprender do passado, construir sobre as fundações do passado. Em outras
palavras, volte às suas raízes e construa sobre elas para o desenvolvimento, o progresso e a prosperidade de sua
comunidade em todos os aspectos da realização humana”. (NASCIMENTO, Elisa N., 1996, 63). Recorro ao
simbolismo de Sankofa para acentuar a necessidade de se levar para a sala de aula o saber milenar africano no
desenvolvimento do pensamento matemático.
14
sociais. Participei como estagiária da Urbanização e Habitação da Bahia S/A (URBIS); da
Secretaria de Educação do Estado; e estagiei no Programa de Educação Básica para
Servidores da UFBA, ministrando aulas de Integração Social, na a série, durante o
segundo semestre de 1988. Esse foi o meu primeiro contato com a Educação de Adultos. É
válido registrar que desde que cursava a rie do Ensino Fundamental (hoje ano, aos 13
anos de idade) que desenvolvia atividade de “reforço escolarna territorialidade do Engenho
Velho de Brotas, onde a matemática era a disciplina em que os alunos apresentavam maior
dificuldade, não apenas os oriundos de escola pública, como também os da rede particular.
Com o Prof. Gey Espinheira, na disciplina Prática de Pesquisa em Sociologia, tive a
oportunidade de desenvolver o trabalho intitulado Música, Etnicidade e Práticas Sociais
(Música afro-baiana: a construção de uma identidade étnica).
No ano de 1989, ano em que concluía o curso de licenciatura, as atividades
acadêmicas realizadas com a Profa. Ana Alice Costa me aproximaram das questões de gênero,
levando-me a participar do Curso de Metodologia e Técnicas de Trabalho com Mulheres e a
integrar a equipe do projeto de pesquisa Relações de Poder no Subúrbio, na condição de
bolsista de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Em 1990, precisei concluir o curso de bacharelado e cancelar a minha
bolsa, pois a minha condição material de existência conduzia-me ao mercado de trabalho.
As atividades realizadas durante a minha passagem pela FFCH permitiram o contato
com bibliografias que muito me auxiliaram em meu aprendizado. A articulação entre os
“olhares” do campo sociológico e histórico, centrada na problemática da exclusão social,
analisada sob a ótica dos diferentes atores desse campo, norteou minhas áreas de interesse.
Sentia a necessidade de estudar melhor o campo econômico e suas relações com os
métodos quantitativos. Por este motivo, em 1988, em fase de finalização do curso na UFBA,
prestei seleção para a Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia e concluí o curso,
em 1992, mediante bolsa do Comitê de Fomento Industrial do Pólo Petroquímico de Camaçari
(COFIC), tendo como trabalho de final de curso A indústria do carnaval baiano.
No início da década de 90 o Governo do Estado abriu concurso público para a
Secretaria da Justiça e Direitos Humanos. Trabalhar em uma secretaria com nome tão
imponente me seduziu de imediato, aliado ao aprendizado que se acumulava. Fui a primeira
classificada no concurso e escolhi trabalhar no Presídio Feminino. Nos primeiros meses passei
a trabalhar na área educacional e, posteriormente, fui transferida, a pedido, para o Presídio
Lafayete Coutinho, onde dei sequência às minhas atividades educacionais, até 1991, quando
fui aprovada no concurso para professora do Ensino Médio da Secretaria de Educação,
15
lecionando as disciplinas Economia e Mercado, Estatística e Matemática Financeira. Aos
poucos fui me enveredando para a área de matemática dos cursos profissionalizantes.
Em 1993, simultaneamente às atividades da área educacional, retorno para a Secretaria
da Justiça e Direitos Humanos, havia me afastado pelo período de dois anos, após a morte
prematura de meu pai, indo trabalhar, novamente, no setor educacional do Presídio Lafayete
Coutinho, participando do projeto de alfabetização dos sentenciados desta unidade prisional.
Em um ambiente de trabalho, a educação era vista como agente de socialização, Colégio
Estadual João Florêncio Gomes, e, em outro, no presídio, meio de ressocialização. Acredito
que o somatório dessas experiências ampliou meus parâmetros metodológicos levando-me a
buscar as pontes entre as esferas do poder, tanto micro quanto macro.
Em 1997, participo da seleção e sou aprovada para o curso de extensão da UFBA de
120 horas denominado A matemática e suas conexões pró-ciências”. Vou ampliando meus
conhecimentos da área de matemática, chegando a cursar dois semestres no Instituto de
Matemática da UFBA, após ser aprovada através de vestibular, em 1998.
A estabilidade financeira e a possibilidade de trabalhar em um campo técnico onde a
matemática fosse aplicada fizeram que eu prestasse concurso para a Polícia Técnica. Em
1999, passo a exercer a função de Perito Criminal no Departamento de Polícia Técnica da
Bahia. Apesar de ser um órgão que faz parte da estrutura da Segurança Pública do Estado, não
o vejo como aparelho repressivo, e sim como auxiliar da justiça, pois o laudo pericial é um
instrumento de proteção do cidadão e, a meu ver, deveria fazer parte da Secretaria de Justiça e
Direitos Humanos, como já acontece em alguns Estados da federação.
Ao longo da minha trajetória profissional, os compromissos com a qualidade dos
serviços prestados e as questões sociais fizeram que eu concluísse o curso de Licenciatura em
Matemática durante o período de 2001-2002, participando do curso de Complementação para
Licenciatura Plena em Matemática do Programa Especial de Formação Pedagógica de
Docentes na Área de Matemática; em 2003, do Curso de Pós-Graduação em Gestão
Governamental pela UNEB; em 2004, do Curso de Pós-Graduação em Gestão de Segurança
Pública, em convênio com a UNEB e a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia;
em 2007, do Curso de Especialização em Políticas e Gestão em Segurança Pública, pela
UFBA. À exceção do primeiro, todos os cursos eram voltados para as áreas de Ciências
Sociais Aplicadas e Administração Pública. Em 2006, participei também do curso de
Capacitação de Profissionais do Ensino Público para atuar na Educação Profissional
Técnica de nível médio integrada ao ensino médio na modalidade Educação de Jovens e
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Adultos -- CEPROEJA. As raízes de meu anteprojeto de mestrado se esboçavam nesse
momento.
Durante o curso CEPROEJA tive a oportunidade de consultar bibliografias que
despertaram para a necessidade de aprofundar a contextualização da Educação de Jovens e
Adultos (EJA) no cenário educacional brasileiro, como os textos de Leôncio Soares, Miguel
Arroyo, Nilma Lino Gomes, Kabengele Munanga, Maria Conceição F. R. Fonseca, Ubiratan
D’Ambrosio, entre outros. Através deste último autor conheci a Etnomatemática, que veio
saciar um pouco minhas inquietações com o campo da matemática, ou melhor, relacionar a
matemática com o conhecimento socialmente construído.
As leituras realizadas sobre as produções acadêmicas norteadas pela Etnomatemática
contribuíram para o reconhecimento da matemática enquanto produção cultural, um formato
cultural de conhecimento presente em distintos processos civilizatórios. Em função dessa
concepção, passo a grafar a palavra matemática com “m” minúsculo por considerar que as
distintas maneiras de produções matemáticas são igualmente importantes; no mundo plural
várias matemáticas e a matemática acadêmica, também denominada de “matemática
importada” nas elaborações de Scandiuzzi (2005, p. 195), é apenas uma delas, que se
universalizou em função do processo de ocidentalização do mundo, ao impor a lógica de
dominação cultural, não reconhecendo a pluralidade cultural dos povos como uma
característica marcante das culturas humanas. As elaborações de Elivanete Alves de Jesus
(2007) também sinalizam para a singularidade da palavra matemática ao se reportar a
matemática acadêmica.
Acredito que o somatório dessas experiências refletiu, de alguma forma, no trabalho
monográfico ao final do curso CEPROEJA, através do qual busquei analisar, sob um enfoque
histórico-social, as percepções dos alunos da EJA do Colégio Polivalente do Cabula sobre a
matemática e seu ensino.
O diálogo construído durante o processo de elaboração da monografia favoreceu a
ampliação de novos “olhares” e incentivos para saltos mais amplos, culminando com a
aprovação, em 2008, no Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade
(PPGEDUC), da UNEB.
Meu anteprojeto de seleção ao mestrado contemplava para a ressignificação da
matemática para a EJA, dentro da perspectiva da Etnomatemática. As dificuldades
encontradas para aprendizagem da matemática constituem-se como parte de um processo de
exclusão produzido pelas e nas práticas pedagógicas, levando-me a buscar compreender como
17
as práticas pedagógicas poderiam contribuir de forma efetiva para a ressignificação da
matemática e seu ensino na modalidade EJA.
Considerando que os alunos da EJA foram excluídos da escola regular e que o ensino
da matemática formal contribuiu parcialmente para o processo de exclusão, a ressignificação
do seu ensino poderia contribuir para a reversão de tal processo. Dessa forma, dentro da
problemática da exclusão social, percebia a articulação das inquietações do projeto com a
Linha de Pesquisa Processos Civilizatórios: Educação, Memória e Pluralidade Cultural.
Acreditando que para além das contribuições teóricas e acadêmicas que este estudo e
experiência tenham me proporcionado permanecia a certeza de que entre as responsabilidades
inerentes do ser educador estava em reconhecer os malefícios de um sistema excludente:
“a dignidade do indivíduo é violentada pela exclusão social, que se muitas vezes por não
passar pelas barreiras discriminatórias estabelecidas pela sociedade dominante, inclusive e
principalmente, no sistema escolar” (D’AMBROSIO, 2002, p.9).
Ao efetivar minha matrícula no curso de mestrado fui informada que havia sido
selecionada pela Drª Ana Célia da Silva, entretanto a minha orientadora seria a Drª
Narcimária Correia do Patrocínio Luz, que se encontrava no Rio de Janeiro concluindo o pós-
doutorado.
Quando tive oportunidade de encontrar a Profª Ana Célia da Silva, a mesma sinalizou
sobre a necessidade de tecer reflexões referentes à discriminação racial no projeto de
pesquisa. Em uma dessas oportunidades, fui presenteada com um texto intitulado “A inclusão
social através da pluralidade cultural no viés da matemática”, fruto da pesquisa “Formação de
professores numa perspectiva de combate ao racismo, ao preconceito e a discriminação nas
escolas nas ries iniciais”, que a mesma coordenava e cuja facilitadora da disciplina
Matemática foi a educadora Liu Onawale Costa (Eliane Costa Santos).
A leitura da dissertação de mestrado de Eliane Costa Santos (2008) abriu
possibilidades até então não acolhidas nas reflexões sobre educação matemática.
No primeiro encontro com a Profª Narcimária Luz, em 22/07/2008, o recorte teórico-
epistemológico vai sendo tecido. Não posso deixar de registrar que a pesquisadora mantém
uma postura firme contra as metanarrativas sobre a educação, possibilitando aos educadores
valores e idéias que acolhem os patrimônios civilizatórios dos povos africanos e aborígenes,
criando possibilidades de se pensar uma ética do futuro que abarque as diversas formas
existenciais viventes no mundo plural.
As leituras realizadas, sobretudo das elaborações constantes nos Cadernos de
Pesquisa Sementes, dos quais a Profª Narcimária Luz era editora responsável, bem como das
18
produções acadêmicas de Marco Aurélio Luz, Juana Elbein dos Santos e Narcimária Luz,
conduziram-me a um universo tão próximo e ao mesmo tempo distante, que se entrelaçavam
às minhas condições existenciais, bem como a de familiares, amigos e alunos; porém o vivido
não era concebido diante da dimensão do universo de signos e significados. Posso afirmar que
o próprio processo de conhecimento passou a ser questionado e a matemática, como parte
desse processo etnocêntrico-evolucionista, é revisitada.
As discussões e as leituras proporcionadas pelas disciplinas no curso de mestrado,
notadamente Educação e Contemporaneidade e Dimensão Estética da Educação Africano-
Brasileira, ministradas pelas Doutoras Delcele Queiroz e Narcimária Luz, respectivamente,
sinalizaram para a falta de referencial da cultura afro-brasileira no sistema oficial de ensino e
o fracasso escolar institucionalizado, levando-me a relacionar o cenário negativo do ensino da
matemática à falta de significado do conteúdo trabalhado em sala de aula, sem ligações com
as condições socioexistenciais dos alunos. Dentro desse contexto, a pesquisa é concebida, a
“ficha começa a cair”, a realidade problematizada e as resistências em sala de aula começam a
se cruzar.
O Colégio Polivalente do Cabula, escola em que leciono desde 2001, carrega a África
no próprio nome: cabula, palavra de origem bantu. A territorialidade do Cabula traz em sua
essência a ancestralidade africana como marca de sua existência e que se faz presente na
contemporaneidade.
Seguindo essa trilha, a pesquisa expande seu leque de análise a fim de compreender as
concepções elaboradas por estudantes e professores/as no âmbito do Colégio Polivalente do
Cabula sobre a matemática e seu ensino diante da pluralidade cultural que permeia o contexto
escolar na territorialidade do Cabula.
Todo empenho foi desenrolado a fim de proporcionar discussões sobre o ensino da
matemática e suas contribuições para o processo de fortalecimento de uma educação
pluricultural. Como a matemática, enquanto disciplina acadêmica, que expressa uma visão
eurocêntrica de mundo, pode contribuir para a compreensão da realidade socioexistencial dos
alunos?
A legitimidade da matemática expressa uma relação de poder político e econômico
entre a cultura ocidental, dita dominante, e outras culturas não-ocidentais. Esta concepção
universalista da disciplina matemática passou a ser questionada pela Etnomatemática, ao
estabelecer a relação entre matemática e cultura. Dessa forma, a Etnomatemática, constitui
ferramenta teórica desta pesquisa.
19
À medida que novas leituras foram realizadas, destacando as elaborações de Ubiratan
DÁmbrosio, Gelza Knijnik, Eliane Costa Santos, Elivanete Souza de Jesus, Maria do Carmo
Domite, Iran de Abreu, Milton Rosa, Daniel Orey, Marcelo Borba, Paulus Gerdes, Paulo
Scandiuzzi, Maria da Conceição F. R. Fonseca, Olé Skovsmose, entre outros, o referencial
teórico dentro do campo da educação matemática se firmava.
Os autores citados proporcionam reflexões sobre a matemática enquanto formato
cultural de conhecimento, ofertando contribuições significativas ao processo de ensino-
aprendizagem. As elaborações de Henrique Cunha Júnior são fundamentais na interlocução
entre a matemática e a cultura africana.
O processo etnocêntrico-evolucionista que formata a sociedade brasileira contribuiu
para que os códigos culturais, os valores éticos e estéticos do colonizador branco europeu
moldassem as relações sociais aqui impostas, não reconhecendo o patrimônio civilizatório
africano e indígena no processo de formação social.
Ontem, o Estado colonial, hoje, no mundo contemporâneo, o Estado neocolonial e
seus aparelhos estão engendrados para dar continuidade ao processo de negação ao
patrimônio civilizatório africano e a instituição escolar tem um papel fundamental.
Estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Tecnologia (UNESCO)
2
e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP), indica que os estudantes negros têm desempenho escolar pior dos que os alunos
brancos, mesmo quando estão na mesma classe socioeconômica. A pesquisa revela que os
estudantes negros e pardos possuem as mais baixas pontuações em português e matemática,
sendo que nesta última a diferença é mais acentuada. para ilustrar, na série do Ensino
Fundamental, 44,7% dos brancos tiveram nota baixa na prova de matemática contra 56% dos
estudantes negros, perfazendo uma diferença de 11,3% pontos percentuais.
Conforme análise das coordenadoras do estudo, tratar os desiguais como iguais faz
acentuar as desigualdades:
Como admitir, se o que se nega em princípio é a desigualdade, se se defende que
todos são iguais e todos podem se empenhar, se quiserem, em iguais condições? Os
que concordam que os alunos negros têm menor desempenho, quando não culpam
suas famílias, as famílias dos negros que o cuidam, não acompanham os
trabalhos, não têm nível, não têm condições econômicas (expressões de professores)
2
Relações raciais na escola: reprodução de desigualdade em nome da igualdade. Coordenação de Miriam
Abramovay e Mary Garcia Castro. Brasília: UNESCO, INEP, Observatório de Violências nas Escolas, 2006, 370
p. O estudo foi realizado com base nos resultados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb)
de 2003, aplicados em estudantes das redes publica e particular de e série do Ensino Fundamental e do
ano do Ensino Médio. O estudo incorporou, também, dados quantitativos coletados em cinco capitais
brasileiras: Belém, Brasília, Salvador, São Paulo e Porto Alegre.
20
ou transferem para uma genérica referência à situação socioeconômica, considerada
inferior para o caso dos negros. Tem-se, portanto, em tal debate, implícita a
ideologia da igualdade na escola, em nome da qual se nega a importância de reforço
escolar, atenção a cotidianos, práticas, vontades, afetos e significados da escola, da
educação, dos projetos de vida, e como tais construtos de vida são afetados por
discriminações, sentir-se fora de lugar, não pertencer, mal-estares derivados pela
autonegação identitária, o que se constrói na relação com o outro, tido como
superior, o normal, e como esse outro o desqualifica. (CASTRO; ABROMOVAY,
2006, p.26-27).
As explicações para as desigualdades na educação podem ser atribuídas à reprodução
exclusiva dos valores eurocêntricos difundidos pelo sistema oficial de ensino e às práticas
cotidianas de preconceito e discriminação existentes nesses sistemas, em consonância com a
formação da sociedade brasileira.
As análises fortalecem a crença da discriminação que sofrem os alunos negros de ser a
causa da existência de um estigma negativo à sua história sobre o desempenho escolar
institucionalizado.
Elisa L. Nascimento (1996, p. 73) também chama atenção para a relação existente
entre a falta de referencial da criança negra na escola e o seu fracasso escolar:
“as conseqüências da falta de referencial própria, da criança afro-brasileira, numa escola que
não comporta nem leva em consideração a sua identidade, os índices de repetência e evasão
são muito maiores entre as crianças negras”.
A concepção eurocêntrica de mundo presente nas práticas educativas das escolas
brasileiras, formatada pela “ideologia do embranquecimento e da cultura do recalque” (LUZ,
1983), dificulta a identidade do ser de ascendência africana, afetando o processo de
construção social do sujeito. A política de embranquecimento procura apagar todo cabedal
tendo por base a civilização africana.
A matemática, enquanto disciplina obrigatória de qualquer instituição de ensino
formal, procura traduzir a visão eurocêntrica de mundo, através do discurso universalista do
conhecimento, tornando-se, dessa forma, um típico exemplo de opressão pelo conhecimento.
Como o conhecimento matemático não é universal, e sim, cultural, a disciplina ensinada nas
escolas não leva em consideração os valores socioexistenciais dos alunos, contribuindo para o
processo de rejeição das crianças no ambiente escolar.
Faz parte da rotina do (a) professor (a) de matemática, do Ensino Fundamental e
Médio, ouvir expressões do (a) estudante de que não “gosta de matemática”, que é difícil,
complicado, estudar e aprender matemática.
Recorrendo ao poeta, posso parodiar afirmando que “desde que a escola é escola que a
matemática é assim”. É a disciplina do currículo oficial em que o professor se limitava (ou
21
muitos ainda se limitam?) em reproduzir os conceitos e o aluno a decorar e repetir esses
conceitos. É a matemática a ciência das abstrações, dos modelos formais consistentes.
Não há nada mais angustiante para o professor/professora de matemática, a meu modo
de ver, ser e resistir, do que a expressão facial de um/uma aluno/aluna em não compreender o
assunto e a dificuldade deste em traduzir essa linguagem para a realidade. Por outro lado, não
podemos esquecer que o professor/professora não recebeu formação para os desafios oriundos
de sala de aula. A matemática escolar é um simulacro da matemática acadêmica, ou
matemática pura, melhor dizendo, o que acabou excluindo desta, conforme enfatiza Maria da
Conceição Fonseca (2006), o objeto, o sujeito e a história.
A matemática escolar procurou tomar como objeto de estudo as teorias formais
consistentes, na tentativa frustrada de levar para sala de aula o formalismo matemático (por
isso tanto axiomas, definições e teoremas, haja abstrações!), dissociando-a do mundo da
experiência (FONSECA, 2006; MACHADO, 2005).
Repassando a minha época de estudante secundarista, final da década de 70, posso
caracterizar o (a) professor (a) de matemática como aquela pessoa sisuda, fechada, de pouco
diálogo, sempre vista como a detentora do saber, o agente transmissor do conhecimento e o
aluno o receptor desse conhecimento.
Os livros de matemática eram carregados de demonstrações e com muitos exercícios.
Exercitar era a solução para as dificuldades, o segredo do sucesso. Os alunos que conseguiam
resolver as atividades davam uma olhadinha no final do livro, ufa! Resposta certa. E assim, ia
adquirindo segurança, se familiarizando com esse ramo de conhecimento. Quem estudou
matemática de forma diferenciada?
O significado do conteúdo estudado, sua aplicabilidade, não se tinha espaço para os
questionamentos, para a contextualização. Dizer que não entendeu? Quem se atrevia?
Pouquíssimos, para ser modesta. Não havia espaço para relativizar o conhecimento, para as
dúvidas.
Esse breve retrospecto reflete a minha trajetória enquanto estudante e a formação
acadêmica que recebi, vivenciei, compartilhei e como não poderia deixar de ser, também
reproduzi e, ao longo do tempo, passei a questionar, impulsionada, é claro, também pela
resistência e persistência dos alunos que entrecruzaram meu caminhar.
Recorrendo aos dicionários, eles são unânimes em atribuir aos gregos à origem
etimológica da palavra matemática, que vem de mathema, “tudo que é objeto de
aprendizagem” (ABBAGNANO, 2003, p. 642), como também as elucubrações filosóficas
para explicações do mundo através das formas e relações.
22
A matemática grega se afirma como o grande legado da humanidade de forma
etnocêntrica, não reconhecendo em seu bojo contribuições milenares do continente africano,
principalmente da civilização egípcia. O certo é que as origens da matemática se perdem na
noite do tempo do continente africano.
A minha formação acadêmica, calcada no eurocentrismo relaciona a origem, o
princípio, dessa disciplina ao universo cientifico grego e que durante o Renascimento volta a
influenciar, chegando ao ápice durante o mundo moderno.
Todo conhecimento matemático historicamente construído é ideologizado a partir do
Sec. XVIII, assegurando as bases de expansão do sistema capitalista. A matemática chega aos
bancos escolares adornada de objetividade, do rigor e da neutralidade que a universaliza.
Quantas vezes reproduzi em sala de aula que a matemática era única, singular, que o
seu conhecimento era universal, sua verdade era absoluta e com o mesmo significado para
todos. Quantas falácias! Que passaram a ser desconstruídas nas inquietações insurgidas em
sala de aula e que se transformaram em desafios, alimentados nos curso de formação que
participava. É nesse cenário que a Matemática, passa a ser revisitada e começa a perder sua
singularidade. Eis a nossa Mate, má, tica! Minha, dos alunos que lutam para permanecer na
escola, seja com rebeldia, com a idade defasada para a série ou pela recusa em responder às
atividades.
Discutir a questão da matemática e seu ensino implica necessariamente em reconhecê-
la como fenômeno humano, portanto histórico, e romper com uma posição idealista que a
considera como uma realidade preexistente, que não permite relativismo, isenta de valores.
A matemática como linguagem representa uma construção histórico-social, possuindo
caráter simbólico e não natural. Todos os povos produzem conhecimentos matemáticos, pois
estes se referem às representações da realidade, traduzidos nas maneiras diversas de relacionar
quantidades, medidas, formas e operações.
A natureza cultural da matemática vem sendo discutida pela Etnomatemática, cujas
teorizações refletem as raízes culturais dessa área de conhecimento. Todos os povos
produzem matemática, e a matemática acadêmica é apenas uma de suas formas e que foi
ideologizada no processo de ocidentalização dos mundos.
Quem se propõe ensinar, se propõe em ser crítico da sua prática pedagógica e do
mundo que lhe cerca. A Etnomatemática é um programa de pesquisa que se desenvolve com a
prática pedagógica e se enlaça com o pensamento freiriano:
Como manifestação presente à experiência vital, a curiosidade humana vem sendo
histórica e socialmente construída e reconstruída. Precisamente porque a promoção
da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma das tarefas
23
precípuas da prática educativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da
curiosidade crítica, insatisfeita, indócil. (FREIRE, 2007, p. 32).
O ensino da matemática é considerado uma área crítica no Colégio Polivalente do
Cabula, pois a disciplina é campeã em reprovação. Levando em apreço o percentual de alunos
reprovados no ano de 2008, 70% foram reprovados em matemática, conforme desempenho
acadêmico disponibilizado pela direção.
A visão eurocêntrica de mundo procurou negar a matriz africana da matemática e
impor a lógica de uma ciência complexa, abstrata; os “inteligentes” de origem européia
eram capazes de compreender. A matemática que é ensinada nas escolas “nega ou inviabiliza
um aprendizado empírico de uma cultura africana e suas grandes construções e
desenvolvimentos” (SANTOS, E., 2008, p.54).
O Colégio Polivalente do Cabula está localizado na territorialidade do Cabula. De
acordo Reis e Gomes (1996), a origem da localidade está enraizada na constituição do
quilombo do Cabula que foi extinto em 1807.
Ao se falar de territorialidade se faz necessário inquirir sobre os princípios fundantes
desse espaço histórico, permeados pela noção de arkhé, enquanto princípio inaugural que
estrutura a territorialidade.
A territorialidade do Cabula traz em sua essência o patrimônio afro-brasileiro que
“alimenta a afirmação existencial da comunalidade e constitui nossa nacionalidade de forma
diversa” (SANTOS e LUZ, 2007, p. 40).
O presente e o futuro da territorialidade do Cabula, local onde foi criado o espaço
institucional de reflexões desta pesquisa, guardam uma dimensão histórica do passado
ressignificado, enquanto dimensão simbólica da comunalidade afro-brasileira, ancorada na
tradição, cujo caminhar perpassa o tempo e se faz presente na contemporaneidade.
Durante o processo de enraizamento do espaço, processo este dinâmico de vivência
compartilhada, de comunhão cotidiana, que pode ser compreendido dentro de uma
complexidade simbólica que caracteriza as comunalidades afro-brasileiras, os vínculos de
sociabilidade são evidenciados no transcorrer do tempo e ultrapassam os muros das escolas,
cujas práticas pedagógicas procuram silenciar. É dentro dessa dinâmica que o conceito de
educação pluricultural passa a ser construído.
Diante do exposto, a pesquisa teve a pretensão de compreender a seguinte questão:
Quais as concepções elaboradas por professores (as) e estudantes sobre a matemática e seu
ensino diante da pluralidade cultural que permeia todo o contexto escolar na territorialidade
do Cabula? Responder esta pergunta foi meu desafio.
24
Compreender as concepções elaboradas por estudantes e professores/as no âmbito do
Colégio Polivalente do Cabula sobre a matemática e seu ensino diante da pluralidade cultural
que permeia o contexto escolar na territorialidade do Cabula foi meu objetivo maior. Atrelado
a ele objetivou-se também: identificar as concepções elaboradas pelos/as professores/as e
estudantes sobre a matemática e seu ensino; analisar as relações que podem ser estabelecidas
entre as concepções elaboradas e o processo de ensino e aprendizagem da matemática no
Colégio Polivalente do Cabula; e refletir sobre a territorialidade do Cabula enquanto
patrimônio sociocultural afro-brasileiro e educação pluricultural.
Concepção aqui se refere ao sentido que atribuímos às coisas em que fazemos ou
realizamos, está atrelada às nossas experiências pessoais e aos mecanismos ideológicos
dominantes, às representações sociais construídas.
Concepções de matemática estão imbricadas na formatação da prática pedagógica
(didática) que sustentam as ações dos/das professores/professoras em sala de aula e que vai
caracterizar o uso (sentido e significado) da matemática escolar. As percepções dos/das
professores/professoras sobre o trabalho realizado, bem como o processo de aprendizagem
dos/das estudantes foram buscados nas falas, nas atividades propostas e no devir do ser
professor/a de matemática.
Um conto relacionado à Orumilá abre as elaborações dessa pesquisa, abre os caminhos
a serem trilhados pela abordagem teórico-epistemológica. O meu objetivo é ressaltar que toda
cultura produz seus esquemas gicos e que os mitos, tal como a ciência, são formas
simbólicas de ver e estar no mundo plural, não possuindo valores diferenciados. Para barrar a
onipresença e onipotência da matemática e entender que ela não explica tudo nesse mundo é
preciso recorrer a Orumilá:
Segundo as tradições Òrúnmìlà esteve presente quando o universo foi criado por
Olódùma, e assim explica-se o seu conhecimento que transcende todo o tempo,
seja presente, passado, futuro e o espaço. Foi testemunha da escolha do destino por
parte de cada pessoa, daí a necessidade de sempre se ir a Órúnmìlà para se
descobrir o próprio destino e seu caminho. Ele tem todas as respostas para os
problemas humanos, sendo também o porta-voz de todos os demais Òrisà.
(BENISTE, 2001, p. 24)
A linguagem mítica dos contos africanos, além do caráter pedagógico, sinaliza a
percepção de mundo latente nas entrelinhas, a vinculação sociocultural expressa. Assim, na
sabedoria ancestral de Mestre Didi, Orumilá é o grande adivinhador, aquele que prevê o
futuro; nos contos de Rita de Cássia Amaral ficamos sabendo como a festa chegou aos seres
humanos, simbolizando o grande poder de Olorum e como Orunmilá se torna o pai do
25
segredo; Wande Abimbola nos mostra que Orunmilá representa o princípio da ordem,
sabedoria, fertilidade e continuidade; no conto de Samuel Feijoo temos informações como
Orunmilá recebe o cargo de babalaô, ao preparar a melhor e a pior comida para Obatalá;
vários autores, citados por Reginaldo Prandi, nos contam que Orunmilá prefere a Paciência à
Discórdia e à Riqueza. Procurei preservar o grafismo original dos textos consultados, por isso
Orumilá aparece em alguns contos escritos Orunmilá e Òrúnmìlà.
Partindo da resistência negra e da importância da cultura afro-brasileira no Cabula,
busca-se compreender a sua territorialidade enquanto espaço sociocultural afro-brasileiro,
arraigado na noção de arkhé. Para tanto, são imprescindíveis os estudos de Marco Aurélio
Luz (1983; 2003), Narcimária Luz (2000; 2003; 2005) e Janice Nicolin (2007) para
caracterizar a territorialidade do Cabula. Nos dizeres da Profª Drª Narcimária Luz (orientação,
dia 22/07/2008), se aproximar da arkhé quilombola do Cabula” é reconhecer a dinâmica
histórica da territorialidade local.
Rever o universalismo de pensamento matemático diante da pluralidade cultural da
humanidade, tendo a abordagem da Etnomatemática como eixo articulador é o objetivo do
segundo capítulo.
No terceiro capítulo, discuto o conhecimento socialmente construído do currículo
escolar, a pedagogia do embranquecimento e do recalque que foi implantada na
territorialidade do Cabula e os impactos à população afro-brasileira ali existente e o ensino da
matemática no Colégio Polivalente do Cabula.
No quarto capítulo, relato a caminhada metodológica, ressaltando o método e as
técnicas utilizadas no trabalho de campo, bem como a construção panorâmica da
comunalidade do Cabula.
No quinto capítulo, procuro fazer possíveis relações entre o processo de ensino e
aprendizagem da matemática no colégio em apreço, mediante a leitura dos colaboradores da
pesquisa: alunos e professores. Apresento, também, uma proposta de trabalho para as séries
iniciais da educação infantil, voltada para o universo simbólico afro-brasileiro.
Por fim, teço as considerações finais, que não se esgotam por si. As questões que
foram levantadas apresentam um leque de possibilidades que poderão conduzir a estudos
posteriores. Mas, o futuro a Orumilá pertence!
26
CAPÍTULO I
TERRITORIALIDADE DO CABULA
Orumilá recebe de Obatalá o cargo de babalaô Fazia muito tempo que Obatalá
admirava a inteligência de Orunmilá. Em mais de uma ocasião Obatalá pensou em
entregar a Orunmilá o governo do mundo...
Samuel Feijoo apud Reginaldo Prandi
Obatalá se encantava com a inteligência de Orunmilá e em diversos momentos pensou
na possibilidade de entregar-lhe os segredos que governam o mundo, o destino da
humanidade. Porém, ao refletir sobre o assunto acabava desistindo, diante da jovialidade de
Orunmilá, apesar da seriedade dos seus atos. Certa feita, a fim de testar a capacidade de
Orunmilá, Obatalá ordenou-lhe “que preparasse a melhor comida que pudesse ser feita”.
Diante da missão, Orunmilá preparou ngua de touro e Obatalá, após degustar da
iguaria, queria saber por que a língua era a melhor comida que havia. Orunmilá respondeu:
“Com a língua se concede axé, se ponderam as coisas, se proclama a virtude, se exaltam as
obras e com seu uso os homens chegam à vitória”.
Passado algum tempo, Obatalá pede a Orunmilá que prepare a pior comida que
houvesse e Orunmilá volta a preparar língua de touro. Surpreso, Obatalá quis saber como a
melhor comida que havia podia se tornar a pior. Orunmilá respondeu: Porque com língua se
caluniam as pessoas, se destrói a boa reputação e se cometem as mais repudiáveis vilezas”.
Obatalá ficou encantado com a inteligência e precocidade de Orunmilá e não titubeou:
entregou-lhe o governo dos segredos e Orunmilá foi nomeado o primeiro babalaô, “palavra
que na língua dos orixás quer dizer pai do segredo”.
Babalaô, em iorubá, significa pai (baba) do segredo ou do mistério (awo) (REIS, 2008,
p. 128). Os últimos babalaôs desapareceram no Brasil por volta de 1960 (BARROS, 2005, p.
170).
Neste conto ficamos sabendo como Orumilá se torna o primeiro babalaô. O princípio
do mundo? Ele conhece. A origem dos segredos que governam o mundo e a vida dos
homens encontra-se sob o seu poder. É inerente ao ser humano querer saber sobre sua
27
existência e, principalmente, sobre o mistério que envolve o seu futuro. A origem da
territorialidade do Cabula, a sua arkhé, Orumilá também conhece e nos enriquece.
1.1 ARKHÉ QUILOMBOLA
Etimologicamente a palavra arkhé é de origem grega e significa princípio, começo:
A arkhé é o que vem e está antes de tudo, no começo e no fim de tudo, o
fundamento, o fundo imortal e imutável, incorruptível de todas as coisas, que as faz
surgir e as governa. É origem, mas não como algo que ficou no passado e sim como
aquilo que, aqui e agora, origem a tudo, perene e permanentemente. (CHAUÍ,
2007, p. 46)
O termo vem sendo utilizado no Brasil por pesquisadores que expandem
intelectualidade negra, ancorada na ancestralidade africana, notadamente por Muniz Sodré,
Marco Aurélio Luz e Narcimária Luz, entre outros.
Narcimária Luz (1999, p. 49) apresenta a noção de arkhé como origem, o de forma
estática, pontuada no tempo linear, mas enquanto um princípio germinal, irradiador, que
dinamiza a existência e assegura o futuro, o destino, a tradição:
Arkhé é uma palavra de origem grega que se refere tanto a origem como ao devir,
futuro, princípios inaugurais que estabelecem sentido, força e dão pulsão às formas
de linguagem estruturadoras da identidade, princípio-começo-origem; principio
recriador de toda a experiência; gênese.
Mediante a noção de arkhé é possível envolver a noção de territorialidade, que não se
restringe ao espaço ocupado pelo território, mas abrange as dinâmicas históricas de criação do
território material e imaterial, que transcorrem tempo e espaço, possibilitando a compreensão
das ordenações simbólicas que são acumuladas, constituindo em elaborações existenciais.
Aproveitando o pensamento de Maffesoli (2008, p. 64), quando fala da alma de uma
comunidade, a territorialidade do Cabula pode ser compreendida historicamente dentro de
seu princípio de criação:
As raízes de um ser, as de uma comunidade, são uma mistura de passado, presente
e futuro, mas não podem ser compreendidas de um modo externo; é preciso ir
buscar sua lógica no próprio interior das mesmas, sob pena de obter uma visão
abstrata desencarnada e, de cada vez, superficial
.
Dessa forma, ao se falar de territorialidade, se faz necessário inquirir sobre os
princípios que deram origem ao espaço histórico, aos princípios inaugurais de existência, a
sua arkhé, cujo caminhar perpassa o tempo e se faz presente na contemporaneidade.
28
Os princípios inaugurais da territorialidade do Cabula estão ancorados na
ancestralidade africana, cuja visão de mundo formata as instituições (famílias,
comunalidades) e seus valores criam modos de viver e relações sociais (vínculos de
sociabilidades), enriquecidos por valores ético-estéticos que asseguram o patrimônio
civilizatório afro-brasileiro:
Toda essa perspectiva existencial desdobra-se da arkhé africana que caracteriza
seus princípios inaugurais, originais, a ancestralidade, que possibilita a constituição
e recriação de todas as experiências de linguagens e valores capazes de expressar o
estar no mundo e a pulsão de sociabilidade. (LUZ, N., 1999, p.46).
A ancestralidade africana está assentada em forças cósmicas que dinamizam a
existência em dois planos: o mundo visível (aiyê) e o mundo invisível (orun). Toda existência
daí provém, permitindo a descendência:
Aiyê e orun, dois mundos que interagem, interpenetram-se na dinâmica do pleno e
do vazio, visível-invísivel, dimensões das relações intrínsecas que abrangem o
mistério, elaborados liturgicamente através de uma expressão estética de profunda
sabedoria constituída pelas forças cósmicas que governam o universo e pelo culto
aos ancestrais. (LUZ, N., 1999, p. 47)
Os valores civilizatórios do africano são princípios estruturantes da vida, sendo a
religião o eixo norteador desse processo. O patrimônio civilizatório do africano, no Brasil,
apesar de toda repressão, de toda política imperialista impetrada pelo Estado-nação, persistiu
e se expandiu ao longo do tempo, em decorrência do processo dinâmico de resistência,
adaptação e recriação das instituições religiosas:
[...] a religião ocupa o lugar mais relevante no processo civilizatório e cultural
negro. Em relação ao processo civilizatório, a religião é fonte e guardiã dos valores
espirituais, da visão do mundo que propulsiona a vontade de viver. A religião negra
é depositária dos profundos conhecimentos das leis e das forças que regem o
universo e como utilizá-las, proporcionando a continuidade e a expansão da vida.
Em relação ao processo cultural, a religião é fonte e dinamizadora de um ethos,
indicadora de comportamentos, hábitos, enfim, de uma maneira negra de ser. Ela
estabelece e proporciona uma ética própria. Imprime formas de relações sociais,
estipulando formas próprias de organização e hierarquias e estimula a vida comunal
[...]. (LUZ, 1983, p. 38).
A ancestralidade é que assegura nossa base existencial, cujo princípio formata a
territorialidade e esta, por sua vez, conduz ao território. O território do Cabula surge da
conduta da territorialidade, força “espiritualizada”, singular, que garante a identidade do
grupo, que serve de inserção na comunalidade, alimentando o sentimento de pertencimento.
29
A historiografia atribui o surgimento do território do Cabula resultante da ocupação do
espaço pela comunidade quilombola que ali se instalou entre meados do século XVIII e início
do século XIX, quando foi extinto, em 1807, conforme nos faz ver Reis (1996, p.334).
O distrito do Cabula, rodeado por suas matas extensas, era local estratégico de
resistência entre os homens escravizados, nos levantes organizados da época:
O elemento-chave no plano seria uma ação combinada entre fugitivos
aquilombados e escravos urbanos. O principal local de contato eram as matas do
sangradouro, nas imediações de Salvador. Essas matas eram extensas e cercadas de
roças, na estrada de Brotas, Matatu, Quinta dos Lázaros e Cabula. O local era, havia
muito, usado para o estabelecimento de quilombos suburbanos, um dos quais
destruídos em Cabula, em 1807. [...]. (SCHWARTZ, 1999, p.385).
Os quilombos, durante o período escravista-colonial, foram os grandes responsáveis
pela expansão da civilização negra. Esses espaços se constituíram na forma “mais evidente da
titânica luta do negro por sua afirmação sócio-existencial e contra a escravidão e o genocídio”
(LUZ, 2000, 342).
A referência quilombola na construção da territorialidade do Cabula é enraizada na
resistência africana, em um processo dinâmico de adaptação, recriação e continuidade da
ancestralidade africana.
Outro marco fundamental na constituição desta territorialidade, que deriva desse
princípio inaugural, da resistência histórica quilombola, de afirmação socioexistencial,
dotando o espaço de sentimento, de identidade cultural, de memória simbólica, coletiva, é a
criação das comunidades de “terreiro”:
Quando e Aninha, a Iyá Oba Biyi, implantou Afonjá nas imediações do Cabula
foi porque considerou, sobretudo, que aquele território estava profundamente
marcado pelo passado heróico de continuidade cultural, rico de axé e forças míticas
emanadas pelos antepassados africanos do quilombo do Cabula.
Esse território se impregnou de profundo significado histórico para a população
afro-descendente, que reimplantou e reelaborou no local modos de sociabilidade
ancorados à preservação da memória coletiva das comunalidades que ali existiram
[...]. (LUZ, N., 1999, p. 66).
É preciso fazer um breve comentário sobre a terminologia terreiro
3
. Recorrendo a
Juana Elbein dos Santos (2002, p. 32), a comunidade de terreiro é uma continuação de
associações bem organizadas, egbè, e que durante o século XIX foi transportada, implantada e
recriada no Brasil mediante a prática contínua da religião Nagô, dando continuidade ao
3
Barros (2005, p. 174). No Brasil, pode chamar-se também de I, Casa-de-Santo, Roça e Abaçá.
30
complexo cultural africano, mantendo e renovando a adoração das entidades sobrenaturais, os
òrìsà, e a dos ancestrais ilustres, os égun:
Essas associações acham-se instaladas em roças, que ocupam um determinado
terreno, o terreiro”, termo que acabou sendo sinônimo da associação e do lugar
onde se pratica a religião tradicional africana. [...]. Resumindo, o “terreiroé um
espaço onde se organiza uma comunidade – cujos integrantes podem ou não habitá-
lo permanentemente no qual são transferidos e recriados os conteúdos específicos
que caracterizam a religião tradicional negro-africana. Nele encontram-se todas as
representações materiais e simbólicas do aiyê e do órun e dos elementos que os
relacionam. O àse impulsiona
a prática litúrgica que, por sua vez, o realimenta
pondo todo o sistema em movimento. ( SANTOS, J., 2002, p. 32-38).
A comunidade terreiro do Ilê AOpô Afonjá foi fundada em 1910, por Mãe Aninha,
Iyalorixá Oba Biyi
4
. A atuação de e Aninha, bem como das demais lideranças que a
sucederam, após sua morte, foi de fundamental importância para continuidade do legado
africano e respeito pelas religiões de matriz africana.
O Ilê Axé Opô Afonjá, além da resistência cultural e religiosa, preserva uma
considerada área verde no território do Cabula, que a cada dia vem perdendo espaço para as
edificações, empreendimentos imobiliários. Essa área verde constitui o espaço do mato, que
corresponde à floresta africana, intrínseco ao ritual de toda prática litúrgica, segundo Santos e
Luz (2007, p. 11):
O espaço do mato equivale ao ibo, floresta sagrada, local da origem das iniciações
no continente africano. Nelas estão as árvores, as folhas, as águas, e as forças
espirituais que aí habitam. Daí são retiradas as ervas para os preparos religiosos e
medicinais.
Observando a figura 02, podemos perceber, também, que no espaço do terreiro há uma
escola oficial, a Escola Municipal Eugenia Anna dos Santos, que é o nome católico de Mãe
Aninha. Nesse espaço institucional funcionou, a partir de 1976, até 1986, a primeira
experiência de educação pluricultural do Brasil, a Mini Comunidade Oba Biyi, que significa o
Rei nasce aqui, uma homenagem à Mãe Aninha, Yalorixá Oba Biyi.
5
4
Ver os livros O Rei nasce Aqui Oba Biyi de Deoscoredes M. dos Santos e Marco Aurélio Luz (2007); Os
Nagô e a Morte de Juana Elbein dos Santos (2002); Agadá de Marco Aurélio Luz e a Dissertação de Mestrado
de Janice de Sena Nicolin (2006): Artebagaço Odeart: ecos que entoam à mata africano-brasileira do Cabula”,
UNEB. Essas elaborações trazem informações imprescindíveis sobre a fundação dessa comunidade terreiro.
5
Mestre Didi, Assogbá, era menbro da Conselho Religioso do IlÊ AOpô Afonna época, apresentou a idéia
à comissão feminina do terreiro, e também a Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil SECNEB.
Posteriormente, firmou-se um convênio entre essas entidades e a Prefeitura da cidade do Salvador. O Ilê A
Opô Afonjá entrou com o terreno, a prefeitura e a SECNEB com
a construção do espaço físico, redesenhando a
arquitetura para atender ao currículo pluricultural. A SECNEB coordenava a prática pedagógica. Ver Nárcimária
Luz (org.), 1996.
31
Figura 02. Mapa digital do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá
Fonte:CONDER
A célebre frase de Mãe Aninha, “de anel no dedo e aos pés de xangô”, indica o
caminho seguido pelos idealizadores do projeto, dentre eles o seu neto, Mestre Didi. Essa
visão de vanguarda da Yalorixá Oba Biyi sinalizava a necessidade de se manter a identidade, a
tradição frente à sociedade oficial, conforme nos enriquece Narcimária Luz (1999, p. 67):
“Já anunciava a necessidade de ver seus descendentes com sua alteridade própria fortalecida
sabendo lidar com desenvoltura com os códigos da sociedade oficial, mas sem se afastar da
sua arkhé civilizatória representada pelo pai mítico ancestral Xangô”.
Essa experiência educacional está relatada no livro O rei nasce aqui - Oba Biyi: a
educação pluricultural africano-brasileira”, de Deoscoredes M. dos Santos, Mestre Didi e
Marco Aurélio Luz, idealizador e um dos coordenadores do Projeto, respectivamente. Os
autores descrevem o início do desafio e os caminhos percorridos.
Um trecho marcante é quando os autores se reportam da rejeição escolar – “não
gostam da gente lá” (2007, p. 37), indicando que a experiência se desencadeia em decorrência
das reflexões sobre a escola enquanto um espaço desagradável para as crianças e para os
jovens negros do terreiro que a frequentavam, afetando sua motivação para os estudos. Assim,
os idealizadores procuraram trabalhar a tradição sem perder o vínculo com o contexto social,
mediante a dinâmica enunciada por Mãe Senhora “da porteira para dentro, da porteira para
fora”.
32
[...] nos indica princípios de exercícios de poder e territorialização que caracterizam
as relações da comunidade terreiro com o contexto social envolvente, onde fluem
de um lado a rede comunitária, isto é, a comunalidade afro-brasileira e de outro, a
sociedade oficial de constituição caracterizadamente neo-colonial. (SANTOS e
LUZ, 2007, p. 41-42).
O currículo dessa experiência educacional pluricultural assentava-se na narrativa
mítica e na dimensão lúdica da estética (música, dança, diálogos, figurinos etc.). Mediante os
autocoreográficos as crianças vivenciaram dramaticamente os contos que auxiliaram na
elaboração do existir; “até mesmo porque nele se baseiam valores sociais característicos da
comunalidade” (SANTOS e LUZ, 2007, p.109).
As imagens e as narrativas relatadas no livro expressam valores e linguagens
existenciais dos afro-brasileiros, assegurando um ambiente educacional onde as crianças e
jovens puderam assumir sua ascendência africana sem preconceito.
O território do Cabula, pelo que pudemos inquirir, se constituía, durante o período
escravista-colonial, de uma extensa área de vegetação densa, localizada nos arrabaldes da
cidade, territorializada por africanos que ali resistiram contra a escravização e, mesmo após a
investida das forças do Estado contra a comunidade quilombola, extinguindo-a oficialmente
no início do século XIX, continuou sendo habitado, cultivado e sacralizados por africanos:
É possível que, pela própria localização geográfica constituída por uma mata
fechada, muito intensa até as cinco primeiras décadas do século XX, enquanto
havia ocupação natural da população interna daquele lugar, tenha sido a condição
favorável à forma social de quilombo no Cabula. Não sabemos quando chegaram os
primeiros habitantes no lugar, mas sabemos que fora constituído por uma
territorialidade quilombola. (NICOLIN, 2006, p 56).
Em meados do século XIX, o espaço foi transformado em fazendas - cuja principal
produção era laranja - chácaras ou ranchos de descanso dos beneficiários do sistema
socioeconômico.
Com o processo de industrialização da cidade do Salvador, essa mata de raiz
quilombola passou a ser desmatada para construção de vias de acesso e edificações. A mais
recente avenida construída na localidade, Avenida Luiz Eduardo Magalhães, é um retrato
desse impacto urbano-industrial.
Figura 03. Avenida Luiz E. Magalhães
33
Em trabalho primoroso sobre a territorialidade do Cabula, Janice Nicolin (2006, p. 67)
afirma que o processo urbano-industrial na localidade do Cabula vem tamponando o
patrimônio material da arkhé civilizatória africana ali enraizada e considera que as políticas
educacionais neocoloniais “ocultam a verdadeira formação de sítios sociais do Brasil”.
A territorialidade do Cabula traz em sua essência arkhé civilizatória africana, a
resistência, ou seja, a recusa à identidade de escravo e afirmação da alteridade própria e de
seus descendentes na Bahia. A criação de uma escola polivalente na territorialidade do Cabula
não significa apenas dar prosseguimento ao modelo de adequação do sistema educacional ao
socioeconômico, mas desqualificar a resistência africana no Brasil e até mesmo nas Américas,
mediante a política de negação do direito à alteridade:
A negação do direito à alteridade, à identidade própria, caracteriza um dos aspectos
mais deletérios dos valores sociais característicos do contexto colonialista-
imperialista.
As ideologias mudam seus conteúdos, mas mantêm de forma renovada a mesma
postura evolucionista etnocêntrica, capaz de justificar o genocídio. (LUZ, 2003, p.
264).
Nesse sentido, a educação vai se constituir em ferramenta poderosa na cultura do
recalque, isto é, de negação dos valores existenciais dos afro-brasileiros, em que o ser negro e
assumir a ascendência africana, é ser inferiorizado, é ser reprimido na forma de ser e existir.
As práticas pedagógicas reinantes nas escolas oficiais brasileiras estão engendradas no
recalqueamento ideológico imposto, a fim de impedir a expansão do ser afro-brasileiro, de
assunção da vertente civilizatória negra na formação social brasileira.
Inquirir como os/as professores/as de matemática e estudantes do Colégio Polivalente
do Cabula concebem a matemática e seu ensino é reconhecer que a legitimidade desta
disciplina expressa uma relação de poder entre os valores eurocêntricos difundidos pelo
Estado totalitário que reproduz a matemática acadêmica mediante o currículo oficial sem
qualquer referência aos valores socioexistenciais dos estudantes afro-brasileiros e ao processo
de construção de identidade destes.
1.2 COLÉGIO POLIVALENTE DO CABULA
No início dos anos 70, do século passado, em plena Ditadura Militar, implanta-se na
territorialidade do Cabula uma escola polivalente, sob a cobertura da Lei 5.692/71, inserida
34
na lógica da reprodução das condições de exploração do sistema capitalista, alinhando o setor
educacional às necessidades socioeconômicas do país, à política imperialista do capital norte-
americano e de continuidade à política neocolonial do estado brasileiro de recalque e negação
do patrimônio civilizatório africano na formação social brasileira.
Oficialmente, a Escola Polivalente do Bairro do Cabula foi autorizada mediante
Decreto 24.174, de 05/08/1974, dentro do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino
PREMEM, financiado na conjuntura dos acordos Ministério da Educação (MEC) e os Estados
Unidos, através da Agencia Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional
(USAID).
A Escola Polivalente do Bairro Cabula, hoje denominada Colégio Polivalente do
Cabula, está localizada na Rua Belchior Maia de Atayde, logradouro 16.187, rua sem saída,
adjacente à avenida principal do bairro do Cabula, Avenida Silveira Martins.
Figura 04. Mapa digital do Colégio Polivalente do Cabula
Fonte: CONDER
Ao pesquisar os dados biográficos de Belchior Maia de Atayde e as “razões” das
possíveis homenagens ao local, informações que se encontram estampadas no muro frontal da
escola, não encontrei outra relação a não ser a repressão, a profissionalização dos/das jovens
visando o mercado de trabalho, o recalque e a imposição da linguagem etnocêntrica do
catolicismo a uma territorialidade enraizada pela ancestralidade africana: tratava-se de um
padre salesiano que dirigiu o Liceu de Salesiano de Salvador no período de 1960-1964, tendo
sido, também, em Pernambuco, presidente da Associação dos Educadores Católicos. (LIMA,
2000; www.dpnet.com.br).
35
Figura 05. Muro frontal do colégio Figura 06. Placa com o nome da rua
A territorialidade do Cabula está ancorada na ancestralidade africana, na memória
simbólica da comunidade quilombola, a arkhé, que dinamizou o espaço, transcendeu o tempo,
impulsionando a existência, traduzido na maneira de ser, de se relacionar, de estar no mundo,
o eidos, e irradiando um ethos, uma visão de mundo, conforme nos esclarece Narcimária Luz
(2003, p. 67), as se referir aos princípios seminais que estruturam a comunanalidade africano-
brasileira:
Sobre o eidos, desdobra-se a compreensão da dimensão ontológica da diversidade
humana, marcada pela angustiante procura de respostas sobre o estar no mundo, no
universo, a pulsão da existência enriquecida pela linguagem mítica presentificada e
absorvida no viver cotidiano das comunalidades.
O ethos projeta o emocional-lúcido que envolve o discurso das comunalidades,
expressando suas dinâmicas territoriais; instituições; visão de mundo; modos e
formas de comunicação, portando e elaborando conhecimentos, emoções e gênese
de criatividade, característica de universos simbólicos e formas comunitárias.
Ao trazer esses princípios estruturadores que estão presentes nas comunalidades da
territorialidade do Cabula para as reflexões teóricas deste estudo estamos buscando ressaltar a
pluralidade cultural que está dentro e fora dos muros do Polivalente do Cabula e que a criação
dessa instituição nessa territorialidade, desde a arquitetura do espaço escolar até a prática
pedagógica ali desencadeada, podem ser compreendidas dentro do processo de formação
social brasileira.
O trabalho de campo foi desenvolvido e norteado pelos princípios estruturantes das
comunalidades afro-brasileiras. As noções teórico-epistemológicas de arkhé, eidos, ethos
fundamentam a noção de territorialidade, mediante processo de afirmação socioexistencial,
que dinamiza a vida nas comunalidades.
Partindo dessas articulações, o trabalho de campo foi desencadeado com o intuito de
analisar as concepções elaboradas por estudantes e professores/as no âmbito do Colégio
Polivalente do Cabula sobre a vida que existe fora da escola que carrega valores e linguagens
36
que garantem a expansão à vida, que asseguram modos de ser, viver e existir e que o currículo
oficial, no caso específico, o universalismo da matemática, procura silenciar.
37
CAPÍTULO II
AS MATEMÁTICAS NO MUNDO PLURAL
Orumilá, Babalaô (O Grande Adivinhador) - Orumilá era tido como um dos
maiores adivinhos e calculistas daquela época, e até hoje mesmo, conforme se
verifica, sempre seus cálculos matematicamente são falados”.
Mestre Didi
Orumilá é o sacerdote encarregado dos procedimentos divinatórios; também chamado
de Ifá, Baba Iou Oluô e domina a técnica divinatória executada através do jogo de búzios.
Orumilá é considerado o supremo sacerdote, o patrono dos babalaôs, a entidade mais sábia do
mundo, a que tem a capacidade de conhecer o destino, de adivinhar, de saber jogar, de
consultar o Oráculo de Ifá - sistema de adivinhação iorubá composto de rios métodos,
sendo o jogo de búzios um deles. Diante de suas proezas calculistas, adivinhatórias, Orumilá é
considerado como o Grande Matemático.
De certa forma, a matemática não deixa de ter esse encantamento, de estar relacionada
ao jogo (LUZ, 24/04/2009)
6
, as possibilidades probabilísticas, as estimativas. Expressões
midiáticas arrolando as previsões matemáticas são constantemente divulgadas: “De acordo
com o matemático..., a possibilidade de acerto é de...”; “a chance matemática do time ‘A’ não
se classificar é de...”.
Em “Orumilá, Babalaô (O Grande Adivinhador)”, Mestre Didi nos conta que a
mulher de Orumilá lhe solicita um menino para lhe ajudar nas tarefas domésticas, pois a
mesma se encontrava muito cansada. Em busca de atender aos apelos da mulher, Orumilá saiu
em direção ao caminho da feira. Durante o trajeto ele encontra várias pessoas pescando no rio
e adivinha a quantidade de peixe pescada, deixando os presentes embasbacados com suas
proezas calculistas. E assim se foi, calculando, desafiando os problemas mensuráveis que
encontrava pela frente e deixando todos impressionados com sua precisão.
Ao chegar à feira, Orumilá se depara com um garoto que adivinha a quantidade de
caulis (búzios, moeda de troca da época) que trazia no bolso para adquirir um ajudante. Diante
de tal surpresa, Orumilá compra o garoto e este vai para casa. As façanhas do garoto correm o
mundo, deixando todos pasmados e chegando ao conhecimento do rei do lugar. Então, com o
6
Entrevista realizada com o Profº Dr. Marco Aurélio Luz, em 24/04/2009.
38
intuito de desafiar Orumilá, o rei mandou propagar uma conferência entre Orumilá e o garoto,
o seu servo, com o objetivo de saber qual dos dois tinha mais conhecimento.
No grande dia do desafio, Orumilá chegou ao palácio do rei em companhia de seu
servo. O rei havia mandado construir uma casa toda fechada de cimento e colocado dentro
dela cem homens. Ordenou que Orumilá adivinhasse o que tinha no interior da mesma,
determinando que o menino decifrasse em primeiro lugar. Este assim o fez, acertando e sendo
aclamado pelo rei. De imediato, Orumilá desmentiu o garoto e o rei, dizendo:
- Não, Senhor, existem dentro desta casa duzentas e uma pessoas juntas e perfeitas.
Com estas palavras, o rei indignado disse:
- acabei de crer que você não sabe de nada. Este menino descobriu o que tem
dentro de casa.
Porém Orumilá, não se conformou e disse:
- Eu ainda sou o grande Babalaô. De hoje a cinco dias eu venho assistir a abertura
desta casa, e peço para que pessoa nenhuma bula nela até o dia marcado.
Conforme o combinado, o rei não colocou ninguém dentro. Orumilá foi
imediatamente fazer seus preceitos, suas oferendas. No dia combinado, na presença de todos,
Orumilá mandou abrir a casa e de dentro dela saíram duzentos homens, cada homem com
uma ave no ombro. Diante do que via, o rei reconheceu Orumilá não apenas como adivinho,
mas como o grande Babalaô, “o maior não da corte, mas de todo o mundo” (MESTRE
DIDI, 1981, p, 48).
Ah! Orumilá traz em si a essência da existência, conhece os poderes da criação. Seu
conhecimento transcende tempo e espaço. Eis o mistério do mundo! A vida é acompanhada de
mistério, bem além das explicações ditas cientificas. A maior parte de nosso existir está
envolto do conhecimento imaterial, da invisibilidade. Por mais que a ciência procure abarcar
as dimensões da existência o vácuo existencial, o momento do silêncio, da síncopa (LUZ,
24/04/2009). Na trilha da reflexão, Muniz Sodré (2003) também nos diz que o mistério da
vida é aquilo que silencia a racionalidade do Ocidente:
O Ocidente deve calar-se a respeito do mistério da origem e do destino, porque a
racionalidade histórica não lhe permite que fale a respeito. Mas existem culturas na
África, na Ásia, na América Latina e até na Europa, pequenos grupos, que
ritualizam e falam daquilo que é silenciado, daquilo que é oculto (SODRÉ, 2003, p.
18)
A matemática, enquanto materialização da ciência está envolvida no processo de
“explicação” sobre o “mistério da vida”. Para Solomon e Higgins (2006, p.55), muitos físicos
contemporâneos insistem em afirmar que o conhecimento matemático é a chave para
39
compreensão do universo. Para Muniz Sodré (2003, p. 19) existe uma aproximação
preliminar entre a linguagem da ciência moderna e a do universo mítico, ao abandonar a
certeza racionalista do positivismo e admitir a indeterminação que está no âmbito do mistério,
do mito, ao lidar com os paradoxos enigmáticos:
[...] joga com os paradoxos, com dimensões do real que são completamente
desconhecidas e hipotéticas, com o imponderável, não tem mais nenhuma certeza
absoluta. Todas as dimensões do paranormal, do psiquismo, estão fascinando os
cientistas, porque se observa, por exemplo, que as forças do pensamento têm uma
interferência sobre a matéria, são questões que a física moderna está levantando.
(...). Afinal, não se trata de uma aproximação completa, mas eu diria que algumas
coisas que pertencem à esfera do mítico estão sendo discutidas também nas ciências
mais avançadas, na matemática e na física. (SODRÉ, 2003, p. 20)
O conhecimento matemático está na finitude da nossa imaginação, na possibilidade do
imaginário mensurável. E a vida? Eu fico com a dimensão existencial do mistério profundo,
que garante o direito à existência. Por mais que a ciência evolua, a nossa essência continua
muito além do limite do pensamento: “o mundo não é admissível senão quando pensado; é, na
melhor das hipóteses, uma imagem refletida do cérebro humano” (MAFESOLI, 2008, p.34).
O certo é que diferentes maneiras de ver o mundo e nele viver e, com certeza, a
matemática não explica tudo nesta vida.
Ao trazer um conto mítico para iniciar as considerações sobre as matemáticas no
mundo plural, busca-se enfatizar não apenas o seu caráter pedagógico, mas a percepção de
mundo latente nas entrelinhas, a vinculação sociocultural e a complexidade simbólica das
idéias matemáticas representadas no pensamento africano. O jogo de búzios, por exemplo, é
um dos instrumentos de transmissão das ordens divinas, na cosmovisão africana, e Orumilá,
conforme mencionado, é seu grande conhecedor, seu intérprete por excelência (BENISTE,
2001, p. 23).
Esse jogo divinatório, composto por 16 ou 21 búzios, cada um identificando as
principais divindades iorubás mais representativa no Brasil, apresenta muitas possibilidades
matemáticas de leitura, como o cálculo das probabilidades, das configurações possíveis,
conforme esquema matemático apresentado por Wanderleya Costa e Vanísio Silva (2005 p.
96-97)
7
. Ao se lançar os búzios, as configurações possíveis (abertura voltada para baixo ou
7
Teoria de Probabilidade é trabalhada na segunda série do Ensino Médio. Considerando X o número de búzios
fechados, temos que X pode assumir os valores de 0 até 16, ou seja, X={0, 1, 2,..., 16}. Sendo assim, “para
determinarmos a probabilidade de acontecer cada uma dessas configurações, devemos observar que ao lançar os
búzios não se leva em consideração a ordem em que eles aparecem, e, como são lançados todos juntos, eles se
tornam independentes entre si. Assim, para calcular a probabilidade de sair exatamente um búzio fechado,
devemos adicionar as probabilidades de todas as possíveis disposições desta configuração e multiplicar as
40
para cima) sinalizam as vontades das divindades e apontam um leque de possibilidades
matemáticas:
O conjunto das diferentes configurações possíveis pelo lançamento dos búzios é
parte central das respostas das entidades à questão colocada e segue um modelo
probabilístico para variáveis aleatórias discretas chamado distribuição binomial.
Isso significa que no jogo se considera que cada búzio admite apenas dois
resultados (abertura para baixo ou para cima) e que eles o independentes de cada
búzio. Combinando as várias repetições do jogo tem-se, então, um leque de
possibilidades de alternativas possíveis (COSTA e SILVA, 2005 p. 97).
Levando em consideração o lançamento de 16 búzios, uma das configurações
possíveis é de que todos os búzios apresentem a abertura voltada para cima, não ocorrendo
nenhum fechado (P[X = 0] = [1/2]
16
= 0,000015); outra possibilidade é de um aberto e os
demais fechados (P[X =1] = 16[1/2]
15
= 0,000244), até que todos apareçam fechados. Sendo
assim, de acordo com os cálculos, a probabilidade de aparecer todos os búzios fechados ou
todos abertos é muito pequena, aparecendo, aproximadamente, 15 vezes em 1 milhão de
jogadas.
Figura 07. Búzios
Conforme acentuam Costa e Silva (2005), ao se trabalhar a probabilidade no jogo de
búzios, estão “presentes um componente mítico e outro pessoal e circunstancial, que se refere
à interpretação face à situação vivida. Esses componentes elevam as possibilidades de leitura
da resposta e revelam a riqueza e complexidade da etnomatemática do negro” (COSTA e
SILVA, p. 2005, p.97).
As matemáticas existentes no mundo, em diversas alteridades civilizatórias, foram
silenciadas pelo currículo oficial, pela matemática acadêmica. O que se deseja ressaltar é que
o conhecimento matemático é inerente à espécie humana e ao longo do tempo se tornou uma
ferramenta poderosa não apenas de localização no tempo e no espaço e descrição do mundo
probabilidades dos resultados em cada uma das disposições, isto é, P[x=1]= P[FAA...A] + P[AFA...A] + ..... +
P[AAA...F] +.... = [P(A)P(A)P(A)..P(F)] = [qpp ...p] + [pqp …p] + ...+ [ppp ...q] = 16qp
15.
Assim, P[x=0]= p
16
,
P[x=1]=16qp
15
,…, P[x=r]=C
16,r
q
r
p
16-r
,.., P[x=15]=16q
15
p
1
, P[x=16]=q
16
, onde C
16,r
é o mero de combinações
de 16 elementos tomado r a r. Em valores numéricos, cada búzio tem probabilidade de p=1/2 de estar aberto e
q=[1-p]=1/2 de estar fechado”. (op. cit. 2005, p.96).
Búzio
Fechado
Búzio Aberto
41
físico, mas um poderoso instrumento de dominação política e econômica. Esse conhecimento
socialmente construído, que representa uma dimensão cultural de conhecimento, constitui em
seus fundamentos, conforme Ubiratan D’Ambrosio (2005a, p. 6), “maneiras de comparar,
classificar e ordenar, medir, quantificar e inferir elementos fundamentais que na tradição
cultural ocidental nomeia matemática”. Sendo assim, a matemática representa um formato
cultural de conhecimento que em sua essência forneceu explicações ditas científicas para a
humanidade e que serviu de subsídio para o processo de ocidentalização do mundo,
desvinculando sua origem a situações socioculturais expressas.
2.1 A MATEMATIZAÇÃO DOS MUNDOS
Os gregos buscaram a explicação do mundo mediante a materialização deste, traduzida
em números e proporções, ou melhor, nas formas e relações. A concepção grega da
matemática a diferenciava das demais formas de conhecimento. Para os gregos a matemática
possuía “uma pureza, uma elegância, uma universalidade atraentes e uma certeza que não
podia ser encontrada em nenhuma outra parte, especialmente na confusão da vida cotidiana”
(SOLOMON e HIGGINS, 2006, p. 56).
O discurso universalista da matemática propagado pelos gregos tornou-se o grande
“legado da humanidade”, a suprema expressão da racionalidade humana:
A matemática é, desde os gregos, uma disciplina de foco nos sistemas educacionais,
e tem sido a forma de pensamento mais estável da tradição mediterrânea que
perdura até os nossos dias como manifestação cultural que se impôs, incontestada,
às demais formas. [...] A matemática se universalizou, deslocando todos os demais
modos de quantificar, de medir, de ordenar, de inferir e servindo de base, se
impondo, como modo de pensamento lógico e racional que passou a identificar a
própria espécie. (D’AMBROSIO, 1998, p. 10).
O pensamento do ocidente se forma ao longo do tempo, mediante as implicações do
contexto, pautado na visão imperialista do conhecimento matemático. Pode-se admitir que a
matemática se universalizou antes ou concomitante à expansão do capital, tornando-se uma
forma imperialista de conhecimento. D’Ambrosio (2002, p. 73) considera sua universalização
como “um primeiro passo em direção à globalização que estamos vivenciando em todas as
atividades e áreas de conhecimento”.
Foi através das “conquistas” na era renascentista, na era dos “descobrimentos”, das
explorações e destruições de civilizações milenares que encontramos as bases das condições
históricas para iniciar a produção capitalista:
42
As descobertas de ouro e de prata na América, o extermínio, a escravização das
populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior das minas, o início da
conquista e pilhagem das Índias Orientais e a transformação da África num vasto
campo de caçada lucrativa são os acontecimentos que marcam os albores da era da
produção capitalista. (MARX, 1985, p. 868).
O capitalismo começa a se expandir, na era denominada de Moderna, tornando-se
imperioso, e, nesse processo “evolutivo”, um emaranhado de produções ideológicas
eurocentristas para justificar as atrocidades cometidas e reproduzidas, apresentando as
alteridades civilizatórias dos povos como desigualdades e, como tal, supostamente inferiores.
Granger (1996, p. 41) ao apresentar o pensamento de René Descartes (1596 -1650)
mediante a obra o Discurso do Método afirma que “as regras do método que o filósofo quer
aplicar universalmente não aparecem em parte alguma de maneira mais manifesta do que no
raciocínio matemático”. A ênfase metodológica proposta por Descartes na incessante busca
da certeza encontraria um lugar seguro nas demonstrações das matemáticas e da geometria,
Comprazia-me sobretudo com as Matemáticas, por causas da certeza e da evidência
de suas razões; mas não notava ainda seu verdadeiro emprego, e, pensando apenas
que serviam apenas às artes mecânicas, espantavam-se de que, sendo seus
fundamentos tão firmes e tão sólidos, não se tivesse edificado sobre eles nada de
mais elevado. (DESCARTES, 1996, p. 69).
A ciência com pretensão universal precisava fornecer um fundamento comum e único
às demais ciências particulares, unicidade no modo de investigação dos seus objetos
específicos. Essa ciência universal é a matemática,
Essa ciência universal é a mathesis universalis, a matemática universal. Esta,
porém, não se confunde com as chamadas “matemáticas”, como a álgebra, a
aritmética ou a geometria, que são antes as manifestações mais perfeitas da própria
mathesis universalis. Mas, por isso mesmo, o estudo das matemáticas serve,
segundo Descartes, como exercício preparatório a ciência universal. (ABRÃO,
1999, p.201).
Não se tem o propósito neste trabalho de discorrer sobre as regras do método científico
de Descartes, mas ressaltar a matematização do método que serve, conforme explicitado no
subtítulo da obra Discurso do Método, “para bem conduzir a razão e procurar a verdade nas
coisas” (DESCARTES, 1996, p. 61). Essa razão impulsiona os ideais emancipatórios dos
dogmas religiosos e de dominação, alimenta a razão Iluminista na crença do progresso
humano, criando as bases filosóficas para o positivismo.
43
A modernidade está fundamentada na Razão Iluminista, na crença do progresso
humano, desencadeado pela razão, materializado na ciência e na técnica. É nesse cenário que
a matemática - tal como as demais ciências exatas e naturais - se universaliza trazendo em seu
bojo todo arcabouço propagado pelos gregos e com ela todo o discurso de dominação e de
construção de conceitos universais.
A universalização da matemática e seu ensino se processaram dentro da concepção
positivista de mundo. No Brasil - no decorrer do texto dissertativo foi ressaltado e será
desdobrado - a institucionalização do ensino, desde a sua concepção, está engendrada no
sentido de aniquilar qualquer base da civilização africana no processo de formação social,
mediante política de embranquecimento da população, positivando tudo que se relaciona ao
mundo do branco, à civilização ocidental, tornando-a o centro das referências e da existência,
a partir das quais tudo e todos devem ser moldados.
Assim, a visão etnocêntrica da escola torna o ambiente escolar um espaço
desagradável para as crianças e jovens afro-brasileiros, pois não há acolhimento de seus
valores, de sua ascendência africana. Pelo contrário, uma estrutura organizativa que
procura atribuir um caráter negativo a tudo que se relaciona ao mundo do outro, das
diferenças, procurando traduzi-las em desigualdades.
2.1.1 Política de embranquecimento
À medida que o conhecimento matemático-tecnicista se expande, sua trilha carrega
toda uma visão romântica da ciência totalitária, em querer abarcar todas as dimensões da vida
individual e social do homem.
O discurso positivista adotado por Augusto Comte (1760-1825) é considerado como
expoente máximo da “vocação tecnocientifica” da humanidade, tornando-o um representante
“Iluminista adaptado à era industrial” (BERNADETE ABRÃO,1996, p. 397).
De formação politécnica, esse filósofo foi também professor de matemática e
procurou aplicar às ciências sociais os métodos racionalizantes utilizados na matemática, a
fim de captar as leis que regem o desenvolvimento da sociedade. A filosofia positivista de
Comte, de forma abreviada, defende a neutralidade da ciência como algo factível e necessário,
uma vez que está imbuída na produção de certezas lógicas. Advoga a unidade metodológica
da investigação científica, mediante a utilização dos modelos das ciências exatas e naturais. A
realidade social “quantificável”, “mensurável”, “matematizada” pode ser captada
objetivamente.
44
Comte defende que o conhecimento humano é desencadeado de forma evolucionista
passando por três estados: o teológico, no qual o homem procura explicar o mundo físico e os
acontecimentos mediante forças sobrenaturais, de alcance mitológico-religioso; o metafísico,
quando os fatos são explicados através das abstrações, sem desvinculação do sobrenatural; e,
por último, o estado positivo ou científico, em que consiste o regime científico da razão
humana:
Embora a princípio indispensável sob todos os aspectos, o primeiro estado deve ser
doravante provisório e preparatório; o segundo, que é na realidade apenas a
modificação dissolvente do anterior, nunca comporta mais que um simples destino
transitório, a fim de conduzir gradualmente ao terceiro; é neste, único plenamente
normal, que consiste, em todos os gêneros, o regime definitivo da razão
humana. (COMTE, A., p.16). Grifo nosso.
A matemática exerce papel fundamental na terceira fase, ela é o ponto de partida na
educação científica, pois possui caráter universal. O positivismo comtiano prega uma
educação cientifica basilar para o desenvolvimento das ciências especializadas, com o
objetivo de garantir a previsão das necessidades do homem, numa perfeita simbiose entre
ciência e progresso.
O conhecimento científico no início do século XX se desenrolou em um contexto
epistemológico regido pela “lei dos três estados”, em que as diversas vertentes civilizatórias
foram qualificadas de “primitivas”, “selvagens”, “não civilizadas”. Em prol da civilização
desqualifica-se o “outro” e seu patrimônio civilizatório, criando-se as bases teóricas do
racismo:
A adoração dos astros caracteriza o grau mais elevado dessa primeira fase teológica
que, no começo, quase não difere do estado mental em que se detêm os animais
superiores. Embora essa primeira forma de filosofia teológica se manifeste com
evidência na história intelectual de todas as nossas sociedades, ela não domina
mais diretamente hoje senão na menos numerosa das três grandes raças que
compõe nossa espécie. (COMTE, p 17). Grifo nosso.
Observa-se, pela citação, que o evolucionismo positivista se apropria do modo de
existir do “outro”, considerando-o “animalesco”, inferior, bem como das diferenças
fenotípicas para dar sustentação à concepção de “raças humanas”, avaliando como desiguais
suas estruturas biológicas. A derrota do nazi-facismo, na metade do século XX, refutou
completamente as bases “científicas” do racismo (LUZ, 1996, p.42).
45
A raça, conforme amplamente divulgado, é única: apenas humana. Sua base é uma
derivação da política de embranquecimento e no mundo contemporâneo sua insistência
conceitual dificulta a compreensão da diversidade humana:
[...] a noção de raça desvia da possibilidade de se entender o real fundamento das
diversidades humanas, que possui na linguagem, nas diferentes formas de
comunicação ou ainda de vinculação da sociabilidade caracterizada pelos valores,
pelas instituições, territorialidade e temporalidade sua razão de ser. [...]. Está a
razão da discriminação, a não aceitação da pluralidade cultural, na verdade, fonte
da riqueza da humanidade. (LUZ, 2004, p. 17-18).
O positivismo procura negar, ou invalidar, todo um conjunto de saberes milenares em
que está fundamentada a narrativa mítica, considerando-a atrasada, primitiva, contemplativa,
uma fase antecessora ao estágio científico
Na visão ocidental de mundo e de dominação, o mito é uma forma atenuada da
intelectualidade, um modo atrasado de ver e estar no mundo. O “progresso” é a força motriz
da vida social, que erradica o imaterial da sociedade:
Na real marcha do Progresso, que assinala a fim do século XIX, o racional, o
quantitativo é o que, em nível profundo faz funcionar, ‘deve’ fazer funcionar a vida
em sociedade. O que está em jogo é uma sociedade perfeita, que não mais repousa
sobre um fantasma religioso ou imaginário, mas que encontra na razão os seus
fundamentos. (MAFFESOLI, 1985, p. 54).
Nesse contexto, a matemática acadêmica ou ocidentalizada, ao ser vista como a
materialização da própria ciência, anunciando o discurso universalista do conhecimento,
consubstanciado na visão eurocêntrica de mundo e como condição necessária para a expansão
tecnológica do capital, não permite em seu bojo o reconhecimento de outras matemáticas,
nulificando outros processos civilizatórios e a pluralidade de cultura dos povos.
A dimensão cultural da matemática é negada pelas escolas públicas, regidas pela
filosofia positivista, que inviabiliza o respeito pelos laços culturais dos/as estudantes e de suas
comunalidades, contribuindo, assim, para o “fracasso” dentro e desse modelo oficial de
ensino.
2.1.2 Política de alteridade
Lévi- Strauss (1987, p. 333) nos faz ver que a diversidade é uma característica
marcante das culturas humanas ao considerá-la como “um fenômeno natural, resultante das
relações diretas e indiretas entre as sociedades”.
46
Dessa forma, alteridades civilizatórias distintas possuem maneiras diferentes de
matematizar, ou seja, maneiras distintas de manipular quantidades, medir, formatar, efetuar
representações geométricas e operações.
Aracy Lopes da Silva (1995) nos enriquece com suas análises enfatizando como as
narrativas míticas costumam ser compreendidas no cotidiano. A autora afirma que os mitos
indígenas permitem às crianças, mesmo de forma elementar, contato com a diversidade
humana, com os diversos modos de expressar a existência humana marcados pelas
especificidades culturais dos povos que a produziu.
Os mitos indígenas, o que se estende também para a narrativa mítica africana, são
comumente utilizados como algo fantasioso, falsário, que não merece crédito: “isso é mito”,
“uma lenda”, “apenas um conto”. Essa é a postura que impera em muitos educadores
brasileiros, ao utilizarem os mitos indígenas como recursos pedagógicos.
Em entrevista realizada com a educadora Janice Nicolin
8
, a mesma relata uma situação
recalcante vivenciada por um aluno afro-brasileiro, sequaz do Candomblé, na aula de
Filosofia, quando a professora regente da disciplina disse que “mito era mentira”, que se
contrapunha à ciência, esta sim, “era o conhecimento válido”, ridicularizando o conhecimento
do aluno. Este não se conformou com a explicação e falou para a professora de Filosofia, “que
ele e sua família acreditavam nos mitos, que não tinham explicações científicas, mas que
asseguravam toda a base de conhecimento da existência”. Ao falar de mito em sala de aula, a
professora Janice Nicolin se deparou com a revolta do aluno que relatou o ocorrido. Janice
assegurou para a turma que “o mito não tem explicação científica, entretanto é uma referência
de compreensão do próprio mundo, de conhecimento elaborado sobre o mundo” (NICOLIN,
em 19/02/2009).
Infelizmente, encontramos poucas educadoras como Janice Nicolin em sala de aula.
Ao trabalhar narrativas orais indígenas na escola, o educador permite que seus alunos,
principalmente os das séries iniciais, tenham contato com emoções e imagens simbólicas
constitutivas da própria condição humana (SILVA, A.,1995, p. 319).
Somos todos humanos, porém possuímos modos diferentes de ser e estar no mundo.
Essa percepção deve fazer parte da rotina diária dos/das professores/as, conforme enfatizado
pela a autora e aqui amplamente compartilhado. Para tanto, faz-se necessário ampliar os
olhares, desnudar a “racionalidade” do ocidente, os “estados evolutivos” da humanidade.
8
Entrevista realizada em 19/02/2009. Professora, pesquisadora e coordenadora do grupo Artebagaço Odeart -
oficina de dança, de teatro e música. O grupo desenvolve trabalhos ressaltando a linguagem ética-estética
africano-brasileira.
47
A universalização do capitalismo mundial fez que o modo de ser e de existir do
“outro” fosse considerado como desigual e não como diferente, reduzindo o “outro” a si
mesmo (LUZ, 2003, p.146).
Antes de levar a narrativa mítica para sala de aula, é de fundamental importância
conhecer a sociedade de onde os mitos nascem, para captar seus sentidos. Os estudos
antropológicos, notadamente os realizados por Lévi-Strauss, permitiram o reconhecimento das
narrativas míticas enquanto linguagem simbólica e que precisa ser decifrada para ser
compreendida:
Em uma palavra, a linguagem mítica é essencialmente simbólica: com imagens
concretas, que conhecemos através dos sentidos, articuladas logicamente em
histórias narradas oralmente, fala de tema e questões que dizem respeito a toda a
humanidade. Mitos são produzidos por culturas especificas e expressam, por vezes
dialeticamente, questões próprias aos contextos sociais que lhes deram origem e
tem vigência. (SILVA, A., 1995, p. 326).
Reportando-se à educação matemática em uma comunidade indígena, Scandiuzzi
(2005) sinaliza que essa pode ser pensada mediante estudo etnográfico realizado na
comunidade, a fim de apreender a matemática local, relacionada aos mitos:
Através dos mitos, os povos indígenas estão construindo seu mundo abstrato e
explicando todo o relacionamento que os faz perceber a realidade que os envolve.
Neste caso, os mitólogos estão atentos aos aspectos específicos da mitologia,
enquanto um matemático deve ver as relações desta mitologia com a
construção do raciocínio para dar conta da explicação, compreensão,
interpretação, medição do que encontra ao redor da sociedade estudada.
(SCANDIUZZI, 2005, p. 191). Grifo nosso.
A compreensão a respeito dos mitos não acontece de forma simplória, mesmo quando
envolve questões relacionadas à humanidade, pois tais questões são pertinentes a cada
sociedade e a cada cultura. Portanto, é uma “descrição densa”, recorrendo a Clifford Geertz
(1989, p. 13-41), dos contextos socioculturais de onde os mitos provêm.
Compartilhando que humanidade é sinônimo de diversidade, que toda cultura produz
seus esquemas lógicos e que os mitos, assim como a ciência são formas simbólicas de
conhecimento de estar e vivenciar os mundos, não possuindo valor diferenciado, pode-se
inferir que as matemáticas estão presentes nas formas simbólicas de interpretação dos
diversos contextos culturais. Inquirir sobre essas matemáticas é o objeto de estudo da
Etnomatemática:
48
[...] o sistema de contagem dos índios munducurus, no coração do Brasil, nos
mostra que não é necessário saber contar além de cinco para viver em harmonia
com o ambiente. Matemáticas como essa, que surgiram em contextos naturais e
específicos, são os objetos de estudos dos etnomatemátiocos”.(D´AMBROSIO,
2005b, p.6).
A etnomatemática negra também pode se encontrada em outras expressões culturais
de matriz africana, em outros espaços socioculturais das periferias das grandes
cidades brasileiras. [...]. A integração entre mitos, religiosidade e corpo no
pensamento de origem africana mostra formas próprias de matematizar, bem como
maneiras particulares de se relacionar o tempo e o espaço. Entender a maneira
como essas relações se contraem pode ser o grande desafio que nos levará a
reconhecer e valorizar a matemática relacionada à africanidade brasileira. (COSTA
e SILVA, 2005, p. 98).
A concepção universalista, evolucionista da disciplina matemática passou a ser objeto
de reflexão da Etnomatemática, ao estabelecer a relação entre matemática e cultura.
2.2 ETNOMATEMÁTICA: UMA ALTERNATIVA DE EDUCAÇÃO PLURICULTURAL
A Etnomatemática se desenvolveu no Brasil a partir da década de 70, do século
passado, como área da Educação Matemática, mediante os estudos do pesquisador Ubiratan
D’Ambrosio, cujas elaborações ganharam projeção internacional. D’Ambrosio desenvolvia
estudos nos Estados Unidos na década de 60 e suas experiências, quando do início das
“políticas afirmativas em relação às comunidades negras” e outros movimentos
reivindicatórios lá existentes, serviram de inspiração para tecer o Programa de Pesquisa
Etnomatemática. (KNIJNIK, 2004, p.21).
Busca-se enfatizar que a Etnomatemática questiona o caráter universal da matemática
ensinada na escola, sem relações com o contexto sociocultural e político, procurando enfatizar
o pensamento matemático dos diferentes grupos socioculturais, especialmente dos povos que
tiveram seus destinos marcados pelos valores do mundo do capital imperialista.
Dessa forma, a questão da pluralidade cultural passa a ser repensada no âmbito da
Educação Matemática e a matemática acadêmica não é vista como produto exclusivo da
sociedade, mas aquela produzida pela cultura do colonizador branco/europeu, engendrada na
dinâmica da esfera econômica. Existem “outras” matemáticas, socialmente desprestigiadas,
que estão atreladas aos grupos, aos povos, situados à margem da sociedade oficial e que
precisam ser levadas para sala de aula.
Segundo D’Ambrosio (1998; 2002), a etimologia da expressão Etnomatemática
encontra-se na junção das raízes etno, matema e tica:
49
[...] etno é hoje aceito como algo muito amplo, referente ao contexto cultural, e
portanto inclui considerações como linguagem, jargão, códigos de comportamentos,
mitos e mbolos; matema é uma raiz difícil, que vai na direção de explicar, de
conhecer, de entender; e tica vem sem dúvida de techne, que é a mesma raiz da arte
e de técnica. Assim, poderíamos dizer que etnomatemática é a arte ou técnica de
explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais.
(D’AMBROSIO, 1998, p. 5-6).
A Etnomatemática parte da premissa que todos os povos ou alteridades civilizatórias
produzem conhecimentos matemáticos. Assim sendo, os pesquisadores norteados por essa
vertente estão imbuídos a identificar as técnicas ou habilidades práticas utilizadas pelos
diferentes grupos culturais, a fim de se entender suas realidades e direcionar este
conhecimento em prol do grupo.
O termo Etnomatemática indica um programa de pesquisa que se desenvolve com a
prática pedagógica e que procura entender o saber e fazer matemático ao longo da história da
humanidade.
D’Ambrosio acentua que seu pensamento sofreu influência sobre as discussões da
ciência e seu papel no mundo contemporâneo:
as críticas às propostas epistemológicas que popularizam a filosofia da ciência dos
anos 70 em torno de Poper e Kuhn, e que colocaram em campos estranhamente
opostos Lakatos e Feyerabend, tiveram influência no meu interesse pela a
etnomatemática. (D’AMBROSIO, 2002, p.17).
O enfoque epistemológico da Etnomatemática abrange seu caráter historiográfico,
tanto no que se refere à história da ciência para validação do conhecimento, quanto à
dimensão política da prática pedagógica. Eliane Costa Santos (2008), orientanda de
D”Ambrosio, em seu trabalho dissertativo
9
nos enriquece com as dimensões do Programa de
Etnomatemática, que busca mudanças significativas na ação pedagógica no sentindo
lakatosiano:
Para falar sobre esse sentido lakatosiano, D’Ambrosio em conversa durante a
orientação, conta que Lakatos é um húngaro refugiado da Inglaterra. Na linha de
filosofia, havia a disputa entre Kunn (americano), Popper (inglês) e Lakatos
(europeu). Kunn defendia o avanço com base em revolução científica, o Popper
contrapunha-se e dizia que a ciência tinha seu próprio curso de evolução e Lakatos
conciliava os dois e dizia que toda pesquisa se faz mediante um programa. Não
uma ruptura, não é terminal, vai sempre se encaminhando.
Isso para D”Ambrosio é estar fora da gaiola, sem enquadramentos e aberto para
modificações, para novas formas e visões. Este é o perfil lakatosiano do Programa
de Etnomatemática na visão D’Ambrosio, portanto, propõe um enfoque
epistemológico alternativo associado a uma historiografia
.
(SANTOS, E., 2008, p.
69)
9
Mestrado em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tendo como tema Os tecidos de
Gana como atividade escolar: uma intervenção Etnomatemática para a sala de aula”, dissertação defendida em 2008.
50
Milton Rosa e Daniel Orey (2004) em artigo publicado no site da Sociedade Brasileira
de Educação Matemática (www.sbem.com.br) apresentam vinte fragmentos históricos que
contribuíram para o desenvolvimento da Etnomatemática como um programa. Esses fatos
foram acumulados historicamente e vão desde Heródoto (484-425 a.C), ao efetuar registros
antropológicos durante suas viagens, percebendo, entre outras observações, que a interação da
cultura egípcia como o meio ambiente era resultado da necessidade do desenvolvimento de
técnicas aritméticas e geométricas que eram necessárias para a medição das terras ao longo do
Rio Nilo”, até o reconhecimento, em 1997, por parte da comunidade internacional em
Educação Matemática, de Ubiratan D’Ambrosio como um dos mais importantes matemáticos
do século XX (ROSA e OREY, 2004, p.3).
Os autores nos mostram que o reconhecimento das contribuições matemáticas
realizadas por indivíduos de diversas culturas ao longo do tempo colabora para o
entendimento e compreensão do pensamento matemático.
Assim, através da história, procura-se desenvolver um senso crítico que valoriza as
diversas formas de conhecimento e eleva a auto-estima dos indivíduos que
pertencem a estes grupos, promovendo, dessa forma, a criatividade e a dignidade da
identidade cultural
.
(ROSA; OREY, 2004, p.14).
A dimensão política da prática pedagógica enfatizada pela Etnomatemática está em
sintonia com o pensamento de Paulo Freire, pois além da pesquisa do saber e do fazer
matemático de rias culturas, entrelaçados nas dimensões etnográfica, histórica e
epistemológica da Etnomatemática, esta se apresenta como alternativa à educação tradicional.
(D’AMBROSIO, 2005, p.9).
Não espaço neste programa de pesquisa para transmissão linear do saber, pois o
reconhecimento que ensinar não é transmitir conhecimento, “mas criar as possibilidades para
a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 2007, p. 47), é ver o outro e se ver
como sujeito no e do próprio processo de conhecimento.
As teorizações feitas a partir da abordagem Etnomatemática têm como inquietação a
exclusão produzida pela escola através do ensino da matemática. As práticas pedagógicas
guiadas à luz dessa alternativa, os conhecimentos e os valores que são propostos aos
estudantes fazem parte do seu universo simbólico, de suas referências culturais, contribuindo
para a construção de sujeitos sem recalques.
Eliane Costa Santos (2008, p. 72) chama atenção que uma lacuna no Brasil em
“relação à pesquisa em que o Etno tem como base a cultura local”, sem muita especificidade
51
com o saber/fazer matemático e a cultura negra. Isso é facilmente constatado nos bancos de
dados das produções acadêmicas do país.
Gelsa Knijnik (2004, p. 19-38) traça os itinerários da Etnomatemática no Brasil até o
ano de 2002, organizando-os em cinco categorias temáticas as dissertações e teses, a saber:
Etnomatemática e Educação indígena; Etnomatemática e Educação urbana; Etnomatemática e
Educação rural; Etnomatemática, epistemologia e história da matemática e Etnomatemática e
formação de professores.
Após o período em questão, algumas produções acadêmicas foram produzidas, a
exemplo da pesquisa de Elivanete A. de Jesus (2007), na Comunidade Kalunga do Riachão
(Goiás), a qual procurou analisar o saber/fazer matemático em uma comunidade de
remanescentes de quilombo. A Comunidade Kalunga traz a oralidade como forma de
comunicação e transmissão dos saberes e o pensamento matemático se encontra enraizado
dentro de um sistema de representação simbólica cultural. O conhecimento matemático é
trabalhado segundo um conjunto de conhecimentos construídos, organizados e difundidos
pelos sujeitos culturais e sociais no dia-a-dia da comunidade, de forma dinâmica, permitindo a
incorporação de novos conhecimentos. (JESUS, 2007, p.173-174).
A pesquisa de Eliane Costa Santos (2008) é uma inovação das produções até então
consultadas por apresentar uma proposta de intervenção Etnomatemática para sala de aula,
tendo como recorte a cultura africana, entrelaçada no tecido Kente (tecidos de Gana). A
pesquisadora apresenta uma série de atividades, pertinentes ao Ensino Fundamental, da a
8ª séries, podendo ser adaptadas, conforme as necessidades do contexto.
Figura 08. Tecidos de Gana
10
Pesquisadores vêm produzindo artigos acadêmicos que procuram recuperar a
matemática dos afro-brasileiros, como, Wanderleya N. Gonçalves Costa e Vanísio Luiz da
Silva (2005); Henrique Cunha Júnior (2001; 2003; 2007); Marizilda dos S. Menezes (2003).
10
Seminário Nacional Africanidades e Afrodescendência: Formação de professores para a educação das relações
étnicas, Universidade Federal do Ceará, de 23 a 27/03/2009.
52
Elisa Larkin Nascimento (1996; 2005) sinaliza para a releitura do desenvolvimento
tecnológico e cientifico dos povos africanos.
A matemática acadêmica traz em seu bojo contribuições de várias civilizações,
entretanto o eurocentrismo não permite reconhecer a origem do pensamento matemático no
continente africano, quando muito, fala das “contribuições das civilizações indiana e
islâmica”. (D’AMBROSIO, 2007, p.73).
Reconhecer a origem da matemática é o primeiro passo para se fazer uma releitura
desse campo de conhecimento e, acima de tudo, resgatar a alteridade de uma civilização que
teve sua história perdida na noite dos tempos (LUZ, 2003, p. 25). Dessa forma, buscamos
transcender os limites sinalizados à luz da lei 10.639/03, que estabelece a obrigatoriedade da
temática História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas totalitárias, públicas e privadas,
através do legado africano, nas áreas de Educação Artísticas, Literaturas e História,
principalmente.
2.2.1 Matemática: contribuições silenciadas do saber milenar africano
Fruto da militância afro-brasileira em prol de mudanças estruturais na educação,
visando o reconhecimento e a valorização do seu legado histórico e cultural na formação da
sociedade brasileira, o Governo Federal sancionou a Lei 10.639/03 que altera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 9.394/96 nos seus artigos 26 e 79, estabelecendo a
obrigatoriedade do ensino “História e Cultura Afro-Brasileira” nos estabelecimentos de
Ensino Fundamental e Médio, oficiais e particulares:
Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1
o
O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo
da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição
do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do
Brasil..
§ 2
o
Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados
no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística
e de Literatura e História Brasileira. (htpp://www.planalto.gov.br). Grifo nosso.
A importância dessa lei é inquestionável para uma sociedade como a nossa que sempre
procurou negar outras vertentes civilizatórias, a não ser a européia, na formação do povo
brasileiro, estruturando-se à base de ideologias racistas para não reconhecer o “outro” e sua
história. A questão aqui levantada é em relação à educação matemática. A lei ao sinalizar “em
53
especial” as áreas de Artes, Letras e História acaba reforçando os “limites” academicistas das
disciplinas curriculares, dificultando a contribuição do continente africano em diversas áreas,
tais como engenharia, medicina, matemática e informática.
Henrique Cunha Júnior (2001) defende a terminologia Afroetnomatemática, para
relacionar o campo de pesquisa que estuda os aportes de africanos e afrodescendentes no
campo do uso da matemática:
Este estudo da história da matemática no continente africano trabalha com
evidencias de conhecimento religioso africano, nos mitos populares, nas
construções, nas artes, nas danças, nos jogos, na astronomia e na matemática
propriamente dita, realizada no continente africano [...], uma das tarefas importantes
da Afroetnomatemática é o uso da história de africanos e afrodescendentes para
mostrar o sucesso passado nas áreas da matemática e dos conhecimentos
relacionados com esta, como arquitetura e engenharia. (http://www.ideario.org.br)
Ressalta o pesquisador que a engenharia brasileira contou com a participação em seu
desenvolvimento de grandes expoentes negros, como Mestre Valetin, Theodoro Sampaio
(1855-1937), dos irmãos André Rebouças (1838-1898) e Antonio Rebouças e Manoel
Quirino. “A história dos afro-descendentes na engenharia brasileira é muito rica, mas um
pouco difícil de ser recuperada, pois muitos dos participantes eram autodidatas, construíram
sem ter diploma das escolas de arquitetura”. (CUNHA JUNIOR/ www.ideario.org.br).
Figura 09. André Rebouças
http://educacao.uol.com.br/biografias
A matemática que é ensinada nas escolas, mediante uma visão etnocêntrica
evolucionista de mundo, procurou negar a sua origem como desdobramento do conhecimento
milenar da civilização africana.
Narcimária Luz (2003) oferece análises sobre as mazelas totalitárias dos sistemas
oficiais de ensino, regulados pelo “monopólio da fala etnocêntrico-evolucionista”.
Reportando-se ao mito de Édipo, a pesquisadora demonstra o quanto a onipotência ocidental
54
nas políticas educacionais não permite abrir espaços de acolhimento para riqueza de
linguagens e valores de outras civilizações:
A lógica dessa onipotência edipiana, característica da episteme ocidental, reveste-se
de princípios ético-estéticos que visam apenas transformar o outro no mesmo, ou
melhor, o outro fragmentado, submetido à veleidade de um poder de visão universal
[...]. É assim que o pensamento cerne das políticas educacionais, não consegue se
abrir para acolher a riqueza de linguagens e valores que caracterizam a diversidade
cultural dos povos milenares (LUZ, N., 2003, p. 63)
Assim, educação pluricultural parte da concepção que a educação institucional deve
ser idealizada, pensada, articulada, a partir de linguagens e valores existenciais dos povos ou
alteridades civilizatórias que formam o Brasil, contribuindo para que os estudantes assumam
seu legado ancestral, permeada por uma prática pedagógica sem recalque.
Por mais que se procure ocultar, relegar a sua história, a civilização africana é a
primogênita, pois foi nesse continente que apareceram os primeiros homens, o homo erectus e
o homo sapiens sapiens, como também o conhecimento. Ideologias racistas procuraram
associar a idéia de homo sapiens à imagem do macaco, do primata. Pesquisas arqueológicas e
antropológicas proporcionaram uma releitura do homo sapiens para o homo sapiens sapiens
ou homo rationalis, e este último é identificado pela sua capacidade de usar a matemática
(D’AMBROSIO, 1998, p. 10), de pensar, de fazer grandes deslocamentos (LUZ, em
24/04/2009).
As variações físicas entre os continentes existentes na esfera terrestre marcaram as
diferenciações fenotípicas dos seres humanos que migraram para os diversos pontos do
planeta. Inúmeras teorias foram levantadas pelos colonialistas para “justificar” essas
diferenciações ”evolutivas” do homem, sua relação com a natureza e a capacidade cognitiva:
Um francês vive na Guiné e na Lapônia, mas um negro não viverá igualmente em
Tornea, nem samoiedo em Benin. Parece também que a organização é menos
perfeita nos dois extremos. Nem os negros nem os lapoões têm a inteligência dos
europeus. Assim, se pretendo que meu aluno seja um habitante da Terra, eu o
escolherei numa zona temperada, na França, por exemplo, mas do que em outro
lugar. (ROUSSEAU, 2004, p.32).
O pensamento rousseauniano reflete com polidez a visão ocidental sobre o
conhecimento da civilização africana. Em seu pensamento, não espaço para ver o “outro”
não europeu como diferente. É preciso explicar a origem das desigualdades entre os homens
fundamentada na razão Iluminista, na crença do progresso humano, consolidada na ciência e
na técnica.
55
O processo de ocidentalização do mundo não permite conhecimento apurado sobre os
povos e os ambientes em que eles vivem. Compartilhando as reflexões de Aracy L. da Silva
(1995, p.325), enfatizamos que “a mente humana opera, em todo o lugar, segundo os mesmos
princípios e, por isso, é possível o aprendizado de novos significados e o diálogo entre
culturas diversas”.
Venera (2009) nos faz perceber que Rousseau coloca a educação conectada aos
interesses do Estado, em prol da unidade nacional. Para esse pensador a educação deve
promover a “forma nacional”, a nacionalidade, direcionando as vontades, os desejos do
cidadão a fim de torná-los patriotas, independente de suas comunidades. Em prol da “unidade
nacional” o modelo educacional brasileiro se estruturou
[...] semelhantes aos que Rousseau propôs a comemoração, divulgação e
celebração de fatos da história brasileira, cuidadosamente escolhidas, privilegiando
àqueles que fizessem silenciar as múltiplas histórias e que construísse um sentido
de unidade da nação -, eram sempre presentes na prática pedagógica. (VENERA,
2009, p. 235).
Isso ainda é perceptível e estruturante. As comemorações cívicas fazem parte do
calendário pedagógico; a engrenagem do sistema de ensino oficial, apesar de toda resistência,
da mobilização das “vozes silenciadas”, está regida pela pedagogia do embranquecimento e
do recalque, dificultando a construção de identidade própria dos sujeitos afro-brasileiros.
Enriquecendo a discussão, Marco Aurélio Luz (2003, p. 17) enfatiza que a nossa
identidade nacional ou a nossa nacionalidade está atrelada à “presença histórica, social e
cultural determinante do processo civilizatório negro” e que todas as instituições do Estado
brasileiro regidas pela lógica positivista evolucionista, associadas a “cientificidade”
psiquiátrica do início do séc. XX, criaram as “bases ideológicas para desqualificar a
população negra e ameríndia, da participação no Estado republicano nascente, lançando-a no
limbo da estratificação da cidadania” (LUZ, 1996, p. 41). O sistema de ensino no Brasil tem
como marca principal a negação do patrimônio civilizatório africano e ameríndio.
Muito já se falou da cultura negra do Egito, do seu desenvolvimento e sua influência a
outros povos. No campo da matemática, uma releitura crítica da história, descomprometida
com o contexto colonial-imperialista permite visualizar a influência dos sofisticados
conhecimentos matemáticos egípcios na matemática grega-romana:
[...] os sistemas gregos mais famosos, notoriamente os de Plantão e Aristóteles,
originaram-se no Egito. Hoje, quando dois autores colaboram, o crédito para seu
trabalho em comum se compartilha igualmente entre os dois. Eu não consigo
56
entender por que a Grécia antiga deve colher toda a honra que dela se apropriou do
Egito. (DIOP apud LUZ, 2003, p.27).
A Civilização helenística é grata ao Egito de forma imensurável. Foi ao Egito que
todos os cientistas gregos do período helenístico se dirigiram, em busca de
conhecimento ( DIOP, 2007, p. 312)
Boyer (1996, p.7-8) sinaliza que os hieroglíficos egípcios inscritos na pedra Rosetta,
encontrada em 1799, e decifrados são indicadores de que conhecimentos científicos e
tecnológicos da Grécia antiga se originaram no Egito:
As inscrições egípcias revelam familiaridade com grandes números desde tempos
remotos. [...]. As pirâmides exibem tão alto grau de precisão na construção e
orientação. [...]. Os egípcios começaram cedo a se interessar pela astronomia e
observaram que a inundação anual do Nilo tinha lugar pouco depois que Sirius, a
estrela do cão, se levantava a leste logo antes do sol. Observando que esses
surgimentos helíacos de Sirius, o anunciador da inundação, eram separados por 365
dias, os egípcios estabeleceram um bom calendário solar feito de doze meses de
trinta dias cada um e mais cinco dias de festa. [...].
Dirk Huylebrouck (2005, p. 42), matemático e professor em Bruxelas, escreveu artigo
intitulado “África, berço da Matemática”
11
, relatando que um osso petrificado, encontrado em
1950, denominado bastão de Ishango por causa da localidade em que foi descoberto, entre
Congo e Uganda, sugere que mais de 20 mil anos a humanidade era capaz de pensar
numericamente. O bastão ainda se encontra cercado de mistérios, porém ele é a prova da
existência de uma aritmética concreta na África central, fora do limites do Egito, apesar da
oposição dos eurocentristas em reconhecer o passado civilizatório africano.
Em Matemática, o eurocentrismo supõe que a origem da disciplina se situa na
explosão científica grega, cuja influência foi retomada no Renascimento.
Reconhece-se, às vezes, uma dívida em relação à civilização árabe, que garantiu a
passagem da matemática para o Ocidente. (HUYLEBROUCK, 2005, p.47)
Os estudos de Paulus Gerdes (2002; 2003a) são referências do programa
Etnomatemática no continente africano. Gerdes (2003b) publicou um artigo expondo o
desenvolvimento de estudos histórico-etnomatemáticos na África ao sul do Sahara, ao longo
de vinte e cinco anos. As publicações referenciadas refletem o conhecimento da riqueza
científica e diversidade cultural africana. Encontramos elaborações na África Ocidentral
Benin, Costa do Marfim, Ghan, Guiné Conakry, Libéria, Mali, Nigéria, Senegal, Sierra Leoa;
África Central Camarões, Congo (Brazzaville), Congo/Zaire,Gabão, Guiné Equatorial;
África Oriental Burundi e Ruanda, Quênia, Somália, Tanzânia, Uganda; África Austral
11
Edição especial da Revista Scientific American sobre Etnomatemática.
57
África do Sul, Angola, Botswana, Lesoto, Madasgáscar, Moçambique, Suzialândia, Zâmbia,
Zimbabwe.
Um dos primeiros temas de investigação histórico-etnomatemática foi o da
metodologia de pesquisa, uma vez que a ideologia colonial deu a entender que não
havia matemática nem em Moçambique nem na África dita negra. A tese de
doutoramento de Gerdes, de 1985, apresenta reflexões filosóficas, históricas e
antropológicas sobre o despertar do pensamento geométrico em diversos contextos
culturais [...]. (GERDES, 2003b, p. 505).
Elisa Larkin Nascimento (1996, p.64-65) reforça a discussão sobre a “Atenas negra”,
recorrendo a outros autores que desenvolveram pesquisas e produções acadêmicas sobre o
desenvolvimento político africano que é acompanhado de desenvolvimento tecnológico,
ressaltando a sua expansão em todo o continente africano, não se limitando apenas ao Egito:
O legado egípcio fundamenta um desenvolvimento autóctone africano em todo o
continente, assim como o saber grego-romano fundamenta a civilização ocidental de
origem européia. As tecnologias de mineração e metalurgia, a agricultura e a criação
de gado, as ciências, a medicina, a matemática, a engenharia, a astronomia, enfim,
todo um cabedal de conhecimento tecnológico e reflexão filosófica caracterizavam
tanto esses estados africanos como outras coletividades menores.
O conhecimento astronômico é outra área de destaque no antigo saber africano, cujo
desenvolvimento pressupõe domínio de conhecimento matemático. Pesquisadores
descobriram no Quênia um observatório astronômico que
[...] atesta a complexidade do desenvolvimento cultural pré-histórico da África
subsaarana. Sugere fortemente, que um sistema de calendário complexo e preciso,
baseado nos cálculos astronômicos, foi desenvolvido até o primeiro milênio a.C na
África oriental (VAN SERTIMA apud NASCIMENTO, 1996, p.66).
O povo dogon, na região do antigo Mali, também desenvolveu conhecimento
astronômico complexo, envolvendo o sistema solar, a Via Láctea com sua estrutura espiral, as
luas de Júpiter, os anéis de Saturno. (NASCIMENTO, 1996, p. 66).
Henrique Cunha Júnior (2007) também fornece contribuições para uma mudança de
perspectiva sobre grafismos, símbolos e escrita na cultura e na história africana, pois no Brasil
sempre se procurou difundir que os homens escravizados eram ágrafos, para justificar “atraso
cultural e ausência de civilização” (p.1). Segundo ao autor, o grafismo nas sociedades
africanas na região da Etiópia, “vai além da escrita para relações com os números e com a
matemática e com a astronomia” ( p.8).
58
Levar para sala de aula as histórias e culturas africanas silenciadas pelo currículo da
escola totalitária permite que os alunos afro-brasileiros tenham acesso a informações sobre a
história e de sua história, podendo contribuir para superação do discurso eurocêntrico tão
acentuado nas práticas escolares do ensino da matemática.
Assim sendo, na prática, sempre tivemos como base uma matriz africana, que
poderia ter nos ajudado a superar o eurocentrismo, bem como algumas barreiras
epistemológicas da educação escolar, além de minimizar conflitos evidenciados pelo
conhecimento da cultura de uma civilização, porém nunca foi utilizado.
(SANTOS, E., 2008, p. 55).
No Brasil, o sistema educacional reflete o modelo republicano de dominação
engendrado para produzir a desafricanização da população, mediante processo de
embranquecimento desta e de negação do legado africano, a fim de suprimir a marca da
escravização aqui imposta.
59
CAPÍTULO III
DO MUNDO PLURAL À ESCOLA TOTALITÁRIA
“Orunmilá traz a festa com dádiva de Olodumare Dizem que certa vez
Orunmilá veio à Terra acompanhando os orixás em visita a seus filhos humanos
[...]. Foi quando ele humildemente pediu a Olorum-Olodumare que lhe permitisse
trazer aos homens algo novo, belo e ainda não imaginado, [...]”.
Rita de Cássia Amaral apud Reginaldo Prandi
Este conto nos revela como os seres humanos foram presenteados com a festa.
Orunmilá veio à Terra (aiyê) junto como os orixás para visitar os seres humanos quando pediu
a Olorum (mesmo significado que Olodumare, Senhor Supremo, Deus) a autorização para
trazer “algo novo, belo e ainda não imaginado, que mostrasse aos homens a grandeza e o
poder do Ser Supremo”. Olorum concordou e enviou a festa para os humanos:
Olodumare mandou trazer aos homens a música, o ritmo, a dança.
Olodumare mandou Orunmilá trazer para o Aiê os instrumentos, os tambores que
os homens chamaram de ilu e bata, os atabaques que eles denominaram rum, rumpi
e lé, o xequerê, o gã e o agogô e outras pequenas maravilhas musicais.
Para tocar os instrumentos, Olodumare ensinou os alabês, que sabem soar os
instrumentos que são a voz de Olodumare. [...].
Quando a comitiva chegou à Terra (Orunmilá e os orixás) houve grande alegria.
Aconteceu a primeira festa na Terra! E, desde então, “a música e a dança estão presentes na
vida dos humanos e são uma exigência dos orixás quando eles visitam nosso mundo”.
É inerente ao patrimônio civilizatório afro-brasileiro o som, a fala a dança, ... a
alegria! Alegria de existir, de se comunicar com o orum (o mundo invisível), revelada na
linguagem do sagrado, em uma dimensão estética que perpassa pela noção nagô de Odara,
traduzido, segundo Marco Aurélio Luz (2003, p. 451), em bom,útil e belo ao mesmo tempo:
A dimensão estética está expressa no conceito nagô de odara, que significa, bom
útil e bonito, concomitantemente. O elemento estético é bom essencialmente porque
é portador de determinada qualidade e quantidade de axé, e belo porque sua
composição, forma, textura, matéria e cor simbolizam aspectos de representação da
visão de mundo característica da tradição, realizando a comunicação. (LUZ, 2003,
p. 451).
60
A noção de Odara busca associar que não separação entre o técnico e o estético
(LUZ, 2002, p. 117), que não se dicotomiza a razão da emoção, todos os elementos estéticos
dão formato às narrativas de elaboração de mundo. A noção de Odara contrapõe-se à visão
matematizada da vida:
Odara permite um sistema de pensamento em que não há o afastamento do sentir e
do pensar, da razão e da emoção; ao contrário do Ocidente, cujo exercício de
comportamento exige a dicotomia, a síncrese, o afastamento da razão e emoção, o
esquematismo “racionalista”, [...]. Nessa perspectiva de experiência mítica,
interpessoal e ritual, Odara permite a expressão de uma linguagem contextual e
estética, de onde transbordam expressões de dança, música, dramatização,
vestuário, instrumentos, emblemáticas, culinária, polirritmia percussiva, textos,
recriações de elementos dramáticos milenares, esculturas, etc. (LUZ, N., 2003, p.
72-73).
A matematização dos mundos resultou em uma identidade entre concepção de vida e
concepção matemática: no mundo ocidentalizado existe a separação entre razão e emoção,
corpo e alma, teoria e a prática. Sendo assim, o racionalismo da disciplina matemática
apresenta uma visão limitada de mundo e com outras dimensões de conhecimento.
O universo simbólico afro-brasileiro nos enriquece com uma variedade de linguagens
ético-estéticas que expressam leitura de mundo e que não encontram espaço nas linguagens
pedagógicas da escola totalitária brasileira:
Fica, então, o desafio para as gerações sucessoras de reconhecerem as alteridades
civilizatórias que caracterizam distintos povos e aprenderem a coexistir com essas
riquezas étnico-culturais, banhando o cotidiano escolar com essas possibilidades de
valores e linguagens viscerais à expansão da vida. (LUZ, N., 2003, p. 79)
Por que não se pensar em trabalhar educação matemática sustentada pela noção de
Odara? Conforme já ressaltado, a Etnomatemática do afro-brasileiro está ancorada na
integração entre mitos, religiosidade e expressão corporal; e seu entendimento reside na
relação dialética do vivido-concebido e na pesquisa de cunho etnográfico, a fim de superar o
etnocentrismo.
A matemática escolar tem suas raízes no pensamento grego e se desenvolveu ao longo
do tempo, matematizando o mundo plural e se consagrando como a expressão suprema do
conhecimento universal, sinônimo de poder tecnocientífico e condição necessária para a
expansão do capitalismo.
No Brasil, a matemática oficial foi instituída no período colonial, com a chegada da
família real, em 1808, e se expande durante os períodos históricos subsequentes, notadamente
61
durante a década de 50, com a industrialização e com o processo de institucionalização da
ciência no país.
3.1 PANORAMA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: ESCOLA TOTALITÁRIA E
MATEMÁTICA SE ENLAÇAM
A História da Educação no Brasil começa com a colonização. As interpretações de
como os povos indígenas e os descendentes de povos africanos que foram escravizados
tiveram acesso às práticas educativas no decorrer do tempo não podem estar, então,
desvinculadas do processo de formação do Estado brasileiro. Na medida em que se modifica
o contexto social, político e econômico mudam-se, também, a percepção da organização
escolar e o que se espera das crianças e jovens do continuum afro-brasileiro e aborígene para a
reprodução da “ordem e progresso”.
3.1.1 Início do monopólio da escrita e da fala
A “educação” imposta pelos jesuítas iniciou o processo de homogeneização cultural
dos povos indígenas aqui encontrados. Os jesuítas promoveram ações a fim de catequizar
civilizações milenares espalhadas pela América. A “educação humanística” propagado pela
teologia cristã, a fim de domesticar o “outro”, o não “civilizado” tinha como missão assegurar
a barbárie necessária a fim de acumular o capital mercantil na era renascentista:
Um movimento ideológico, científico e cultural, promovido por mecenas
burgueses, relegaria a segundo plano as noções de Deus e do destino. A idéia do
homem, como ser ocupante do centro do universo, o indivíduo que se faz a si
próprio, aventureiro, guerreiro, capaz de “mudar o mundo” construindo seu próprio
poder e sua glória, caracteriza o humanismo. (LUZ, 2002, p. 18).
Foram os jesuítas que criaram a primeira escola oficial do Brasil, na cidade do
Salvador, recém fundada apenas para que os nativos pudessem “ler e escrever”
12
; podemos
afirmar que é o início do monopólio da escrita e da fala no país.
A dinâmica da relação mercantil-colonial imposta foi impulsionada pela escravidão,
que vai caracterizar o valor e o significado do trabalho e garantir a acumulação de capital. O
12
Ver CARVALHO, Maria Rosário. A Baía de Todos os Santos no século XVI sob o olhar jesuítico. In: Parque
Metropolitano de Pirajá: história, natureza e cultura. Salvador: Centro Educacional São Bartolomeu, 1998, p.
37-52. O relato mostra a dimensão imperialista imposta pela educação jesuítica que em prol de sua missão
provocou verdadeiro etnocídio.
62
comércio escravista é a força motriz do sistema socioeconômico, sendo caracterizado na
sociedade colonial “como trabalho forçado sob tortura, que é conseqüência do genocídio
intrínseco ao ritmo da acumulação do capital mercantil” (LUZ, 2002, p. 25).
Com relação à matemática, não se tem registro sobre seu ensino neste período, apesar
de alguns padres jesuítas que vieram para o Brasil possuírem formação matemática, alguns
com a carreira já consolidada em Portugal. (D’AMBROSIO, 1999).
3.1.2 O caminho salvador da ciência: “ordem e progresso” à vista
Na fase da política de Marquês de Pombal (1750-1777), se expulsa os jesuítas e
implanta-se o ensino público oficial, escola de primeiras letras, formatada na cultura da escrita
e aritmética, sem autonomia pedagógica e restrita a uma parcela da população: a de origem
européia.
O processo de implantação da escola totalitária se deu em consonância à conjuntura
econômica, ou seja, a política econômica mercantil escravista determinava as condições
históricas para sua criação e de todo aparato ideológico para produção e reprodução do
sistema.
Durante o período imperial acelerou-se o processo de institucionalização da escola no
Brasil. Neste momento ocorre mudança na estrutura de relações sociais, surgindo a
necessidade de utilização de mão-de-obra “qualificada” e “normatizada” para atender as
novas relações econômicas e sociais; é um período de grande efervescência social, em que os
conflitos passaram a preocupar os governantes. A solução seria recorrer à educação para
normatizar a situação. É neste cenário que a matemática e as ciências começam a se
institucionalizar.
Em 1808 são criadas a s primeiras Escolas de Medicinas, na Bahia e no Rio de Janeiro,
e logo depois a Academia Real Militar, onde foi criado um Curso de Ciências Físicas,
Matemáticas e Naturais. Em 1839, a Academia Militar se transformou em Escola Militar da
Corte e em 1842 foi “instituído o grau de doutor em Ciências Matemáticas”, sendo o primeiro
doutorado concedido ao maranhense Joaquim Gomes de Souza, em 1848. (D´AMBROSIO,
1999).
Os descendentes da civilização européia que se beneficiavam de toda exploração
instituída se deslocavam para a Europa a fim de realizarem seus estudos; ao retornarem ao
Brasil se transformavam nas elites dirigentes que iriam moldar o sistema de ensino brasileiro:
63
As elites dirigentes são influenciadas por intelectuais e ideólogos provenientes dos
grandes centros urbanos da Europa, que passam a orientar, produzir e influenciar
modos existenciais urbanos que irão determinar o tipo de “cidadão” a formar, e
nesse projeto sócio-político, a educação escolar formal será um dos tentáculos mais
eficazes. (LUZ, N., 2009, p.328).
Não é propósito deste trabalho enfocar a história da educação matemática no Brasil
13
,
mas enfatizar que a matemática foi importada dos centros europeus e que essa “importação”
é tecida em conformidade à estrutura sócio-política do contexto. Durante o período do
Império progrediu a filosofia positivista de Comte em todos os campos dos saberes; na era
republicana o ideário positivista continua, deixando até seu lema político registrado em nossa
bandeira: “ordem e progresso”. Era preciso manter a ordem e reproduzir as condições
materiais da sociedade.
Comte elaborou a organização do conhecimento de forma enciclopédica e hierárquica,
em conformidade com o surgimento da ciência e seu estado positivo: Matemática,
Astronomia, Física, Química, Fisiologia e Física Social (VALENTE, 2000, p. 202). Dessa
forma, a matemática é a alavanca da educação cientifica, pois o conhecimento matemático
sistematizado é aplicado universalmente, isto é, a matemática pode traduzir o universo
mediante formulação de leis.
Narcimária Luz (2009), em seu ensaio “Oropa, França e Bahia” traz reflexões sobre a
criação da Escola Normal na Bahia e as formas de resistência da população africana e seus
modos de sociabilidade durante o contexto histórico em alusão. Na era do século das luzes o
objetivo era normalizar os que se rebelavam contra o sistema:
“os corpos rebeldes, ‘delinquentes’, ‘selvagens’, pagãos, para atender às conquistas de
mercado, à demanda da produção, ao comércio, à indústria e à ética de acúmulo de bens e
riquezas, máxima da ordem capitalista-industrial”. (LUZ, N., 2009, p. 324).
Recorrendo a Foucault, a autora enfatiza os mecanismos coercitivos europeus,
notadamente franceses, que são “transportados” para o Brasil, a fim de assegurar a eficácia da
normalização e a consolidação do poder coercitivo estatal: “A Europa, Paris e por
conseqüência gradualmente a Bahia, imprimem uma geopolítica nas cidades, cujos princípio
ético-estéticos são o cárcere, a homogeneidade, a disciplina”. (LUZ, N., 2009, p. 325-326).
13
Destaco dois livros que foram consultados e que são basilares para compreensão da história da matemática no
Brasil: o livro de Clóvis Pereira da Silva, A Matemática no Brasil. Uma história de seu desenvolvimento,
Editora da UFPR, Curitiba, 1992; sobre a influência do positivismo, ver Circe Mary Silva da Silva, A
Matemática Positivista e sua Difusão no Brasil, Vitória, EDUFES, 1999.
64
Neste contexto, o aparato jurídico-político do Estado brasileiro legisla copiando a
estrutura e funcionamento do ensino público francês, reproduzindo as considerações
ideológicas necessárias para instituir a pedagogia do embranquecimento e do recalque, em
que a Escola Normal será uma fiel representante dessa matriz:
A Escola Normal será um das muitas estratégias de perpetuação da ética
patrimonialista ibérica e de suas relações de prolongação neocolonial-imperialista, e
exercerá na Bahia o papel fundamental de fincar e institucionalizar os valores ético-
estéticos de referência capitalista-industrial no cotidiano baiano e de instituir uma
pedagogia do embranquecimento (LUZ, N., 2009, p. 328).
Rosa Fátima Souza (2000) também reconstitui o processo de renovação dos programas
da escola primária desencadeado no Brasil a partir de 1870, de cunho enciclopédico, situando
a modernização educacional do país em relação ao contexto internacional. A autora utiliza
como objeto de análise o parecer de Rui Barbosa acerca da Reforma do ensino primário e
várias instituições complementares da instrução pública (1883).
A “renovação” do ensino e a “transposição didática” dos grandes centros europeus
fizeram parte do debate sobre a questão política de inserção das massas, até chegar a condição
de “cidadã”.
Nesse cenário, os descendentes de africanos, a partir da Lei do Ventre Livre, em
1871, recebem a classificação de “ingênuos” e serão formalmente admitidos nas
escolas públicas a partir de 1878, depois de muitas consultas feitas pelos
professores indagando se as crianças filhas de escravos teriam o direito à instrução.
Sobre os “libertos” na Bahia, após a abolição é que irão ter, com dificuldades,
instrução – restrita às escolas noturnas. (LUZ, N., 2009, p. 328-329).
Comte indicou livros didáticos para o aprendizado das matemáticas elementares
(geometria, álgebra, aritmética e trigonometria), a exemplo Os Elementos de Geometria, de
Clairaut, que foi traduzido para o português. Além dessa obra, Comte indicou outros livros
que circularam nos centros academicistas brasileiros: Condorcet, Lacroix e Legendre.
Durante grande parte da segunda metade do século XIX, a Matemática escolar
orientou-se pelas obras compiladas por Cristiano Benedito Ottoni. Senador do
Império e professor de matemática na Academia Real dos Guardas-Marinha, Ottoni
compilou para Aritmétuca e Álgebra, os livros de Bourdon e, para Geometria, o
livro de Vincent, autores franceses que escreveram didáticos para escolas militares.
Ottoni foi o primeiro autor de livros didáticos de aceitação e adoção nacional.
(VALENTE, 2000, p. 205).
65
A utilização de livros didáticos de base européia não se limitou apenas ao ensino da
matemática, mas às diversas áreas do conhecimento. Para enriquecer a temática, recorremos a
Narcimária Luz (2009, p. 340), que apresenta alguns livros didáticos utilizados pela Escola
Normal na Bahia:
Para otimizar a execução da programação da Escola Normal foram adotados como
primeiros livros didáticos: Manual de Ensino Mútuo e Simultâneo, traduzido por
João Alves Portella; Gramática Filosófica da Língua Portuguesa, de Jerônimo
Soares Barbosa; Aritmética, de Besout; Curso Normal do Barão Degerando;
Desenho Linear, de L.B. Francoeeurt; Catecismo da Doutrina Cristã, de
Montepellier; [...]. toda a bacia semântica teórico-metodológica desses livros
didáticos respondia ao solo societal europeu.
A reforma implantada por Benjamim Constant no inicio da era republicana, em 1890,
traduz com precisão a influencia da filosofia comtiana na organização escolar brasileira,
levando o ensino secundário a se tornar ainda mais enciclopédico:
O ensino secundário, pensado conforme o colégio modelo da capital, o Ginásio
Nacional (Colégio de Pedro II), teve alterado seu programa de estudos. Procurando
seguir a orientação comtiana, Benjamin Constant torna-o enciclopédico e inclui
todo as ciências da hierarquia positivista. São eliminadas disciplinas como
Filosofia, Retórica e surgem outras como Astronomia, sociologia, Moral. As
matemáticas (sic) fica reservada grande parte do currículo:
1º ano: Aritmética e Álgebra elementar
2º ano:Geometria preliminar, Trigonometria retilínea e Geometria espacial, desenho
ano: Geometria geral, seu complemento algébrico, Cálculo diferencial e integral,
Geometria descritiva, Desenho
4º, 5º, 6º e 7º anos: Revisão de cálculo e Geometria. (VALENTE, 2000, p. 203)
A primeira Constituição republicana (1891) referenda a proibição ao voto do
analfabeto e o analfabetismo passa a ser visto como “vergonha nacional”, uma vez que atingia
80% da população (SOARES e GALVÃO, 2005, p.262). Notório que essa população é
constituída de africanos e afro-brasileiros que são “liberados” das senzalas e passam à
condição de “não escravos”, mas não de brasileiros, de cidadãos brasileiros. Nos períodos
históricos antecedentes à era republicana, o sistema oficial de ensino se organizou sem
atenção direcionada aos sujeitos das populações afro-brasileiras e aborígenes.
É preciso ressaltar também que nesse emaranhado os africanos e seus descendentes
não assistiam a tudo de forma pacífica e ordeira, uma vez que as insurgências negras e a
possibilidade de tomada de poder ameaçavam a ordem instituída e se fazia necessário às
instituições estatais atender a demanda iminente dos afro-brasileiros, face não apenas às
pressões exteriores, de ampliação de mercado, mas da resistência oferecida pelos africanos e
por seus descendentes.
66
A resistência instituída pelos homens levados à condição de escravizados, durante o
período da escravidão legalizada, continua também por todo o século XX, em busca de
conquistar espaços sociais negados, chegando ao tempo presente em demandas por respeitos à
alteridade civilizatória, ao direito da existência, ao acesso a bens sociais e espaço público.
O que observamos nesse panorama da educação nacional é que o sistema oficial de
ensino se estruturou pautado em uma tradição moldada em inovações curriculares assentadas
nas ideologias iluministas e positivistas, na perspectiva reprodutiva de mercado, em um
sistema oficial de ensino totalitário, com práticas pedagógicas recalcantes, discriminatórias.
No início do século XX, iniciam-se as elaborações teóricas de formatação da ideologia
racista - cientificista no Brasil, numa violação indelével à civilização africana e indígena,
impregnando todo o tecido social.
A escola oficial no Brasil continua, em grande parte, a reproduzir os valores do
colonizador branco/europeu, na propagação da ideologia do embranquecimento e do recalque,
na reprodução do discurso universalista do conhecimento:
Educação aqui, a que embranquece, é a educação do mundo branco, com sua face
cordial hipócrita, que encobre relações sociais tirânicas e desumanas, desde os
tempos da formação social do mercantilismo escravista, desdobrando-se na
contemporaneidade positivista republicana. (LUZ, 1996, p.35).
À trilha reflexiva proposta por Marco Aurélio Luz (1996, p. 36), o bem chamado
“educação” é, portanto, “o sistema de ensino engendrado pelo Estado-nação, uno e totalizante,
e que passa a ser índice de mobilidade social e inserção no que chamamos de sociedade
oficial”.
Dentro dessa visão totalitária, a educação, enquanto serviço oferecido pelo Estado
nacional, materializado nas escolas públicas, tem a função de preparar o “outro”,
independente de seus valores, de suas crenças, para a “progressão” financeira e social na
sociedade desigual, alavancada pelos aportes teóricos necessários à expansão da sociedade
capitalista, assegurando, assim, a mobilidade social dos que conseguem vencer os obstáculos
institucionais, enraizados na visão ocidental de mundo.
Diante do exposto, ao se fazer referência à educação formal ou institucionalizada
estamos nos reportando à educação oferecida pela estrutura estatal, portanto, ela é política, é
histórica, é ideológica. Nessa dinâmica, a educação não se processa de forma unidimensional,
mas arraigada aos momentos históricos que
afloram questões políticas, econômicas, sociais e
culturais, formatando seu ideário. O ideário educacional proposto passa pela concepção de
67
que a educação institucionalizada deve ser formatada por práticas pedagógicas que absorvam
valores existenciais dos afro-brasileiros e povos indígenas, em todas as áreas do
conhecimento, a fim de que as crianças e os jovens possam assumir suas ascendências sem
recalque.
Na era republicana, a partir dos anos 30, as orientações das políticas educacionais
estiveram em conformidade com as exigências históricas influenciadas pela industrialização
do país e pela sua forma de inserção ao capitalismo internacional.
Nos anos 60, a educação insere-se na conjuntura das relações internacionais entre o
Brasil e Estados Unidos, país economicamente hegemônico. É nessa “parceria” que nascem as
escolas polivalentes.
Implanta-se uma escola, a Escola Polivalente do Bairro do Cabula, em um território
marcado pela comunidade quilombola do Cabula, cuja territorialidade é dinamizada pela
tradição africana.
3.2 ARKHÉ DA ESCOLA POLIVALENTE: TRABALHADOR OBEDIENTE E NEGAÇÃO
DO DIREITO À ALTERIDADE
O tecnicismo educacional atinge o ápice nos anos 60, durante o período da Ditadura
Militar. Neste contexto, foram assinados doze acordos entre o MEC e a USAID, com o
objetivo de planejar, organizar, dirigir, controlar e reprimir a educação brasileira.
O país precisava de mão-de-obra para atender as demandas internas e externas e o
sistema educacional precisava se integrar à racionalidade do sistema econômico. As
orientações técnicas prestadas pelos nortes-americanos formataram o sistema educacional
brasileiro e a criação de escolas polivalentes.
A origem da escola polivalente é norte-americana, seu modelo é uma similitude da
escola voltada para atender as “minorias” sociais, além de ser um mecanismo de controle e
repressão contra a sociedade brasileira:
[...] o modelo de Educação Polivalente, implantado no Regime Militar junto com a
Lei 5.692/71, foi uma cópia da escola para as minorias norte-americanas e também
um projeto das elites brasileiras no contexto da aliança para o progresso, da Guerra
Fria e, conseqüentemente, utilizado para reprimir as idéias comunistas
disseminadas na sociedade brasileira [...] (ARAÚJO, 2005, p.92).
68
A arkhé político-ideológica de criação da escola polivalente é a reprodução das
condições de manutenção e ampliação do sistema capitalista, dentro do contexto de negação
dos valores civilizatórios dos africanos e seus descendentes. Na sociedade capitalista faz-se
necessário criar as condições para reprodução do capital: força de trabalho dócil e obediente.
A ajuda financeira, em última instância, procurava adequar a estrutura curricular às
necessidades socioeconômicas do país, à reprodução da força de trabalho, combate ao
comunismo e submeter a sociedade brasileira ao imperialismo do capital norte-americano:
Estava esta educação dentro do contexto das relações internacionais, entre EUA e
Brasil. E a uma educação voltada para formar sujeito adequado para a nova
realidade política e econômica. Portanto, esta escola que foi implantada, em algum
momento, pensou em formar cidadãos críticos, mas trabalhadores obedientes,
acríticos etc., mas voltados exclusivamente para o mundo do trabalho e, assim,
corresponder aos objetivos da Aliança para o Progresso e às relações de interesses
entre os EUA e o Brasil contra o comunismo. (ARAÚJO, 2005, p.93)
A Lei 5.692/71, Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de e Graus, implementada
durante o Regime Militar, cuja tônica, como não poderia deixar de ser, conforme vem sendo
enfatizado, adequar o sistema educacional ao modelo socioeconômico, é a Lei que oficializa o
modelo de escola polivalente.
A fim de melhor contextualização do modelo da escola polivalente, recorremos à
legislação pertinente, artigo 5º, alíneas a e b, do parágrafo 2º:
§ 2º A parte de formação especial de currículo:
a) terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho, no ensino de
1º grau, e de habilitação profissional, no ensino de 2º grau;
b) será fixada, quando se destina a iniciação e habilitação profissional, em
consonância com as necessidades do mercado de trabalho local ou regional, à vista
de levantamentos periòdicamente renovados. (BRASIL, 1971).
Recorrendo a Araújo (2005, p. 95), vemos que a organização da escola polivalente
tinha por objetivo, então, sondar as aptidões dos alunos para inseri-los no mercado de trabalho
mediante dois tipos de modelo:
a) Escola Polivalente do tipo Integrada. Caracteriza-se pela possibilidade que tem
de comportar alunos da a série. Desse modo, física, pedagógica e
administrativamente ela também é integrada.
b) Escola Polivalente da à série, caracteriza-se pela propriedade que tem de
absorver o contingente escolar de outras escolas, os antigos primários. Ela assume
duas funções básicas:
é chamada de escola aberta, quando recebe alunos concluintes da série de
grau de qualquer escola da rede.
69
é chamada de escola de área ou ainda complexo escolar quando restringe sua
clientela a concluinte da série do grau de determinadas escolas, denominadas
tributárias.
O módulo de aluno é estimado em 800 para escola aberta e de a série, sendo
400 alunos por turno, e 40 por turma. [...]. (ARAPIRACA apud ARAUJO, 2005, p.
95)
Sendo assim, as habilidades técnicas dos/das estudantes estavam sendo direcionada
para atender a demanda do comércio, da indústria, da agricultura e do serviço doméstico,
mediante as oficinas que recebiam o nome genérico de “Artes Práticas”, que compreendiam
Artes Industriais, Educação para o Lar, Técnicas Comerciais e Técnicas Agrícolas”, conforme
enfatiza Iraci Gama Santa Luiza (2002, p. 181)
14
.
Observamos que a educação escolar mais uma vez se molda para atender a questões
político-econômicas, dando prosseguimento às políticas neocoloniais. Conforme
enfatizado, a sociedade brasileira representa um formato de cultura verticalizado, além de ser
ancorada nos valores do mundo capitalista, em que os códigos culturais do colonizador branco
europeu arquitetam as relações socialmente aceitas, assentadas na idéia de nacionalidade, de
cidadania, de ordem e progresso. A “docilidade” desse/a aluno/a trabalhador/a vai sendo
tecida seguindo a lógica de negação aos valores civilizatórios dos afro-brasileiros, de não
reconhecimento das vertentes civilizatórias africanas e indígenas na formação social do
Brasil.
3.2.1 Escola Polivalente do Bairro do Cabula
A Escola Polivalente do Bairro do Cabula passou a funcionar no ano de 1975, um ano
após a portaria de autorização, dentro do modelo de escola aberta, da a séries,
absorvendo alunos de outras escolas, oriundos do primário, em dois turnos de atividades
pedagógicas e com capacidade de 400 alunos.
Foram ofertadas oficinas de artes plásticas, técnicas agrícolas, técnicas comercias,
educação para o lar, corte e costura, as quais funcionavam no turno oposto ao que os/as
estudantes cursavam as disciplinas curriculares básicas: Português, Estudos Sociais,
Matemática, Ciências.
A partir de 1986, ainda no âmbito legal da Lei 5.692/71, a escola passou a se chamar
Colégio Polivalente do Cabula, oferecendo Ensino Médio, com cursos profissionalizantes de
Magistério, Contabilidade e Administração. Sob a égide da Lei 9394/96, a escola passa a
14
“Seminário sobre as Experiências Inovadoras na Educação Baiana na Década de 1960”, realizado pela
Universidade do Estado da Bahia-UNEB e que resultou na Coleção Memória da Educação.
70
oferecer o grau/ Formação Geral e, desde o ano de 2004, a modalidade EJA passou a ser
ofertada no noturno. Em suma, a escola, atualmente, atende a demanda de a série e
Ensino Médio, no diurno e EJA e Ensino Médio no noturno.
Durante o período de 1974-1988, a escola teve uma diretora geral, a qual deixou o
cargo por irregularidade administrativa. Durante o período de intervenção, dois anos, teve
cinco interventores/as. Em 2000, a atual gestora foi nomeada e em 2009 permaneceu no
cargo, sendo eleita pela comunidade escolar.
Inquirir fotografias referentes ao tempo áureo da Escola Polivalente do Bairro do
Cabula foi tarefa árdua, não logrando êxito. Os registros fotográficos desapareceram. Quem
vivenciou a época das oficinas destaca as atividades exitosas, principalmente de técnicas
agrícolas.
Os professores colaboradores e funcionários relatam que o Polivalente era colégio de
“elite”, pois para se conseguir uma vaga era preciso recorrer a políticos da região, havia muita
disputa. O Professor de Geografia, Jorge Santos, ex-aluno do Polivalente fala que era “preciso
madrugar na fila”, pois o ensino era de qualidade, o “nível era outro”.
Os alunos tinham também aula de reforço de português e matemática, pois, segundo os
depoimentos dos professores que trabalham na escola desde a sua criação, “os alunos eram
carentes de base”, vinham do “primário sem base”, o “fracasso maior era nas e séries”.
Concepção também compartilhada pela Secretária Escolar, Srª Marli, que trabalha na unidade
desde o inicio dos anos 80. Ela também atribui à falta de “base” dos/as alunos/as devido ao
“insucesso”, principalmente em matemática, a disciplina campeã em reprovação.
Desde quando ingressei no Polivalente do Cabula, em 2001, funcionários/as e
professores/as mais antigos falavam que no local havia funcionado um “terreiro de
candomblé” e que era “só dar uma olhadinha no telhado para ver o formato”. Alguns
chegaram a atribuir ao fato arrolado, o motivo da “agitação dos alunos”. Era comum, também,
alunos, professores e funcionários fazer paródias com a sigla do colégio: CPC - Colégio
Polivalente do Cabula, para “Centro Psiquiátrico do Cabula.”
Figura 10. Cumeeira do telhado da escola.
71
Figura 11. Sigla do colégio
Os donos da terra hoje denominada Cabula eram os povos indígenas que aqui existiam
quando os portugueses chegaram para ocidentalizar os mundos e acumular capital.
Posteriormente, esse espaço foi territorializado por africanos que ali resistiram contra a
escravização. Entretanto, o Estado totalitário, neocolonial, não se permitiu reconhecer essa
forma de ocupação. De acordo com a historiografia constante na Fundação Gregório de
Mattos, órgão da Prefeitura Municipal de Salvador, o “Cabula foi doado a Antonio de Ataíde -
Conde de Castanheira - pelo seu primo-irmão, Tomé de Souza. Antonio acabou arrendando
esta área para o senhor Natal Cascão.” (www.culturatododia.salvador.ba.gov.br).
Buscando informações no Arquivo Público Estadual das ações “racionalizantes” do
Estado sobre a área onde foi construída a Escola Polivalente, até onde foi possível apurar, o
Sr. Arlindo Vaz Sampaio, proprietário da “Granja Vaz Sampaio”, conhecida antigamente com
Fazenda Grande, arrematou a área em 28/09/1938, perante o Dr. Juiz de Órfão e Ausentes da
Comarca desta Capital, Edgar Joaquim de Souza Carneiro. Em 1941, Arlindo Vaz Sampaio,
vende parte da granja a Pedro Tenório Carneiro de Alburquerque. Este, por sua vez, em 1954,
conforme Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas do Ofício, fls. 208, Livro 3-P,
registro 20.036, vende a Agenor Pitta Lima.
Juracy Magalhães e Jose A. Gueiros (1996, p. 160-161) relatam como o governo da
Bahia na década de 30, quando Juracy foi interventor, realizou várias construções públicas
com o dinheiro do jogo de bicho e que Agenor Pitta Lima era o “barão do jogo de bicho da
Bahia”. Esse fato foi confirmado por D. Luzia
15
, moradora antiga do local e comadre de
Agenor:
nunca foi candomblé, nunca foi terreiro. existia uma chácara, foi uma
chácara do primeiro banqueiro de jogo de bicho da Bahia, Agenor Pita Lima. Ai
tinha uma casa muito bonita, ele trazia cantores, era uma casa tipo cassino [...],
tinha um corredor bonito, que saia pela cozinha, um bar muito bonito, era uma casa
chique. Ele morou muito tempo, tinha mais duas casas ali onde existe a Embasa,
[...]. Antes de comprar essa chácara ele morava nos Barris, ele tinha muito dinheiro,
era muito rico naquela época [...].
15
Procurei respeitar o anonimato da colaboradora, substituindo o seu nome.
72
Teve um dia que Ana mandou me chamar ligeiro, ai o trator estava derrubando a
casa. Depois que eu soube, que eram os impostos e que ele não pagava.... ai foi
perdendo. Depois começou a construção desse polivalente, mas não tinha muro, não
tinha cerca, era tudo aberto, depois fizeram uma alverania [...].
Em 1972, a propriedade de Agenor Pitta Lima foi desapropriada “amigavelmente”
pelo Governo do Estado, tendo como Secretário de Educação e Cultura Rômulo Galvão de
Carvalho. A área total do terreno da Escritura é de 23.780 m², a área destinada ao espaço
escolar é de 8.495,63 m², tendo como área construída 3.311,70 m², conforme o Sistema de
Controle de Bens Imóveis (SIMOV), do Governo do Estado.
Figura 12. Escrituras de compra e venda e de desapropriação; SIMOV
Inegavelmente o Polivalente foi construído em imensa área territorial, o que justifica a
horizontalização de sua edificação e área arborizada. O espaço físico foi estruturado em
módulos separados e articulados entre si pela área de circulação largueada. O telhado é de
“quatro águas”, ou seja, possui quatro inclinações, tendo na cumeeira um pote de barro, tipo
alguidar, assentado de forma invertida (vide figura 10). Subjetividade à parte, a arquitetura do
espaço escolar é belíssima, muito aconchegante!
Dona Luzia, que vivenciou a construção da escola, afirma que ali não era terreiro e que
a casa/chácara foi derrubada para a construção da escola: “Nada disso, como é que diz..., é
questão de estética, estava na moda, que se colocava para enfeitar como é que diz, menina? É
folclore, um tipo de folclore [...]”.
“Folclore, um tipo de folclore”! É assim que a comunidade escolar e o Estado vêem a
cultura do afro-brasileiro. Para ilustrar, no mês de agosto de 2008, encontrei alguns cartazes
fixados na área de circulação que se utiliza para expor “atividade de pesquisa” dos alunos,
realizadas pelas professoras de português e artes do matutino, sobre folclore” e estavam
estampadas figuras relacionadas à capoeira e aos rituais do candomblé. Protestei,
externalizando meu descontentamento na sala dos professores, perante à Coordenação
Pedagógica e Direção da escola. Posteriormente, o fato chegou ao conhecimento das
73
professoras responsáveis pelas atividades que retiraram os cartazes, com certa animosidade.
Ouvi de uma delas, pessoa por quem tenho admiração: “desde que me entendo como gente,
Celinha, que candomblé, caipora, capoeira, tudo isso é folclore, agora tá tudo mudado”.
Quem se propõe a ensinar, se propõe em ser crítico não da sua prática pedagógica,
mas também do mundo que lhe cerca. É preciso ressignificar nossa prática pedagógica. Como
significar implica dar sentido, ressignificar é revisitar o sentido da nossa ação pedagógica,
mediante processo contínuo de formação e transformação.
Folclorizar, isto é, “passar ao domínio cultural coletivo qualquer manifestação de
cultura dos povos” é subjugar, desqualificar as manifestações culturais do outro. O “folclore”
na formação social brasileira faz parte do processo de embranquecimento, da ideologia do
recalque das civilizações africana e aborígene, de homogeneização cultural em que a cultura
branca européia é a única salutar, “normal”, o “padrão” ideal de civilização:
O Estado utiliza a ideologia de embranquecimento, em que procura imprimir a todo
custo, valores, normas e padrões de comportamento, que ratifiquem o ideal de EU,
de identidade, nacionalidade e cidadania branco-europeu. Assim, pode-se
identificar tentativas de alijamento às alteridades próprias, às identidades culturais,
o outro diverso, que pulsam no nosso cotidiano plural. (LUZ, N., 1996, p.82).
A educação escolar é instrumento fundamental da ideologia desse Estado totalitário. A
associação que se faz na comunidade escolar com a simbologia utilizada à religião do
candomblé é uma tentativa de “folclorização” do patrimônio civilizatório africano, da
desvinculação entre significante e significado, de negação da alteridade própria do afro-
brasileiro:
Dessa maneira, os ideólogos a serviço da dominação colonial tentam esvaziar as
populações tradicionais do direito à sua alteridade própria, de sua capacidade de
produzir e expressar civilização e quiçá contemporaneidade. Tentam também
transformar seu patrimônio cultural em fragmentos, desarticulando os significantes
dos significados. Essa visão folclorizante tende a ser eficaz para introduzir na
realidade fermentos de alienação e de cooptação. ( LUZ, N., 1999, p.64)
Seguindo à mesma linha de reflexão, ao querer atribuir a “agitação” dos alunos, bem
como a paródia com a sigla do colégio (CPC) a um centro psiquiátrico, não vejo outra
explicação a não ser pelo víeis da ideologia racista, discriminatória que está latente na
sociedade brasileira. Conforme ressaltamos, a religião é a fonte de irradiação do processo
civilizatório africano e sua continuidade nas Américas. Portanto, a religião de matrizes
africanas é o principal ponto de ataque das políticas estatais neocoloniais.
74
A ambiguidade entre o local e a arquitetura do espaço escolar pode ser
compreendida dentro da política de negação da religião africana, enquanto espaço de
afirmação existencial do negro e “continuidade transatlântica de seus princípios e valores
transcendentes”. (LUZ, 2003, p. 31). A escola faz parte de uma engrenagem maior que é a
sociedade, nesse espaço reproduzem-se os valores, a ideologia, que formatam o estado
brasileiro.
3.2.2 O ensino da matemática no Colégio Polivalente do Cabula
Esta pesquisa não tem o propósito de levantar o quantitativo das reprovações ao longo
do tempo, levou em consideração apenas o desempenho letivo do ano de 2008,
disponibilizado pela direção da escola, indicadores educacionais (índice de aprovação,
reprovação e abandono escolar) referentes aos anos 2004 e 2005 e o resultado da Prova Brasil
referente aos anos de 2005 e 2007, disponibilizados pelo site do INEP
(http://provabrasil.inep.gov.br), a fim de ilustrar a realidade inconteste.
De acordo com os tecnicistas do MEC, a Prova Brasil permite fazer o diagnóstico da
situação da educação no país e, assim, melhorar a qualidade do ensino básico. A aplicação da
Prova Brasil é anual e visa avaliar o desempenho em língua portuguesa e matemática de
estudantes de e séries de escolas públicas, nas áreas urbanas. O teste é universal, ou seja,
são as mesmas questões para todos/as os/as estudantes regularmente matriculados/as.
Ao conhecer o desempenho dos alunos, o diretor tem como saber a real situação da
escola em relação às demais. Os resultados da Prova Brasil permitem aos dirigentes
das escolas, inclusive, trocarem experiências de boas práticas pedagógicas. Além
disso, secretários estaduais e municipais de educação podem, a partir do
desempenho das escolas de sua jurisdição, elaborar políticas para reforçar a
aprendizagem em sua localidade.
As questões da prova são elaboradas com base nas habilidades de leitura e
interpretação e de raciocínio diante de problemas lógicos. Além dos testes, os
alunos respondem a questionários para opinar sobre os professores, o diretor e a
própria escola. (http://provabrasil.gov.br).
Não se pode deixar de registrar que as políticas públicas em educação, principalmente
as voltadas para o ensino da matemática, se pautam em pesquisas quantitativas baseadas em
testes, o que reforça o mecanicismo do ensino, focalizando os erros.
O ensino da matemática no Colégio Polivalente do Cabula não vem bem muitos
anos, desde a sua criação. De acordo com os dados coletados, referente ao ano de 2007, a
média do exame Prova Brasil da escola (223,88) estava abaixo das médias nacional (240, 56),
75
estadual (232,26) e municipal (227, 22) e a escola apresentou o menor um índice de
aproveitamento escolar: apenas 55,5% dos/as estudantes matriculados/as obtiveram
aprovação.
PROVA BRASIL
MÉDIA
APROVAÇÃO
ESCOLAR
REDE
2005 2007 2004
%
2007
%
NACIONAL 237,46 240,56 76,7 78,2
ESTADUAL 231,01 232,26 73,9 67,8
MUNICIPAL 220,66 227,22 71,4 63,2
CPC 227,58 223,88 70,9 55,5
Quadro 01. Indicadores educacionais – 2004 /2005/2007
Fonte: INEP.
O sentido e o aprendizado da matemática acadêmica, de acordo com os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), refletem a visão universalizante, a tônica tecnicista de nosso
currículo, a onipotência e onipresença da matemática em todas as esferas da vida cotidiana;
aprender os abstracionismos dos conceitos matemáticos é um bom começo para uma carreira
exitosa, para a mobilidade social do cidadão:
A Matemática, por sua universalidade de quantificação e expressão, como
linguagem, portanto, ocupa uma posição singular. No Ensino Médio, quando nas
ciências torna-se essencial uma construção abstrata mais elaborada, os instrumentos
matemáticos são especialmente importantes. Mas não é só nesse sentido que a
Matemática é fundamental. Possivelmente, não existe nenhuma atividade da vida
contemporânea, da música à informática, do comércio à meteorologia, da medicina
à cartografia, das engenharias às comunicações, em que a Matemática não
compareça de maneira insubstituível para codificar, ordenar, quantificar e
interpretar compassos, taxas, dosagens, coordenadas, tensões, freqüências e quantas
outras variáveis houver. A Matemática ciência, com seus processos de construção e
validação de conceitos e argumentações e os procedimentos de generalizar,
relacionar e concluir que lhe são característicos, permite estabelecer relações e
interpretar fenômenos e informações. As formas de pensar dessa ciência
possibilitam ir além da descrição da realidade e da elaboração de modelos [...].
(PCN/ENSINO MÉDIO, p. 9).
Nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio, as disciplinas estão agrupadas em
áreas de conhecimento com a vertente “suas Tecnologias”, sinalizando para uma nítida
preocupação de nossos “técnicos pedagógicos” em promover, no âmbito das disciplinas,
“competências e habilidades que sirvam para o exercício de intervenções e julgamentos
76
práticos.
[...]
, de um significado amplo para a cidadania e também para a vida profissional”
(PCN/ENSINO MÉDIO, p. 6).
A distribuição da carga horária dessa disciplina nas escolas públicas de Ensino
Fundamental e Médio no estado da Bahia reflete a importância deste ramo do conhecimento
para o currículo escolar.
ENSINO FUNDAMENTAL
Disciplinas 5 série 6 série 7 série 8 série
Língua Portuguesa 05 05 05 05
Matemática 04 04 04 04
Ciências 03 03 03 03
Geografia 02 02 02 02
História 02 02 02 02
Educação Física 02 02 02 02
ENSINO MÉDIO
Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias
1 ano 2 ano 3 ano Total
Língua Portuguesa e
Literatura Brasileira
05 05 05 600
Artes 02 02 01 200
Ciências Naturais,
Matemática e suas
Tecnologias
1 ano 2 ano 3 ano Total
Matemática 04 04 04 480
Física 02 02 02 240
Química 02 02 02 240
Biologia 02 02 02 240
Ciências Humanas e suas
Tecnologias
1 ano 2 ano 3 ano Total
História 02 02 02 240
Geografia 02 02 02 240
Filosofia 02 - - 80
Sociologia - 02 - 80
Quadro 02. Distribuição da carga horária/ 2008
Fonte: Secretaria do Colégio Polivalente do Cabula
77
Analisando o Quadro de distribuição da carga horária do ano de 2008 para os
professores do Colégio Polivalente do Cabula, quadro 02, verificamos à exceção do ensino da
“Língua Portuguesa e Literatura Brasileira”, que a disciplina matemática possui a carga
horária mais elevada no Ensino Fundamental. No Ensino Médio a disponibilidade de carga
horária permanece inalterada e se levarmos em consideração à área de conhecimento, a
correspondente ao ensino da matemática (Ciências Naturais, Matemática e suas Tecnologias)
ultrapassa a área de conhecimento Linguagens, Códigos e suas Tecnologias: 1200 horas
anuais e 800, respectivamente. Não se pode contestar, portanto, que é por falta de horas
destinadas ao ensino desta disciplina que se atribui resultados negativos em relação à
aprendizagem da matemática.
De acordo com os dados disponibilizados pelo INEP/MEC, pode-se observar que a
média de horas-aula diária da escola está dentro das médias consideradas (4,5); com relação
ao índice de docentes com curso superior, a escola apresenta 92,9, o maior destaque,
entretanto em relação a distorção idade-série o índice da escola é mais elevado (59,4),
ratificando o baixo índice em aprovação.
No ano letivo de 2008, destacado no capítulo I, levando em consideração o total de
alunos reprovados, nos três turnos, 352 alunos, 246 não conseguiram aprovação na disciplina
matemática, o que corresponde a 70% das reprovações.
A insatisfação generalizada, tanto por parte dos/das professores/as, quanto por parte
dos/das estudantes, sinaliza para análises mais aprofundadas sobre a matemática e seu ensino
no Colégio Polivalente do Cabula, ultrapassando os limites dos dados estatísticos.
78
CAPITULO IV
AYÓ, AYÓ: UM OLHAR ETNOMATEMÁTICO SOBRE A VIDA NA ESCOLA E A
ESCOLA DA VIDA
Orumilá institui o oráculo – Naquele tempo não havia separação entre Céu e
Terra... Orumilá retirou-se para o Orum....
Wande Abimbola apud Prandi
Neste conto, Abimbola narra que em Ifè (local de criação do mundo) não havia
separação ente o Céu e Terra, entretanto, os inimigos de Orunmilá vangloriavam-se pelo fato
de ele não ter ainda filhos, foi quando Orunmilá teve oito filhos. O primeiro foi Ala(rei de
Ará); o segundo foi Ajeró (rei de Ijeró); o filho caçula, foi Oluó (rei da cidade de Ouó).
Existia naquela época muita fartura na Terra.
16
Em dada ocasião, quando Orunmilá celebrava um ritual, convocou seus oitos filhos.
Todos comparecerem e prestaram as devidas deferências ao Pai, menos Oluó, o último deles
a nascer, compareceu, porém não fez qualquer procedimento de respeito ao Pai: não deitou
aos seus pés, não fez as oferendas, não fez as homenagens. Orunmilá volta-se para Oluó e
questiona sua atitude: “Por que não demonstras respeito por teu pai?” Ele responde que “seu
pai tinha sandálias de precioso material, mas ele também as tinha; que o pai usava roupas dos
mais finos tecidos, mas que ele também as usava; que seu pai tinha cetro e tinha coroa e que
ele os tinha também” e, para concluir, falou que o homem que usa coroa não deve baixar a
cabeça para saudar uma outra pessoa. Resultado, Orunmilá se enfureceu diante de tamanha
arrogância de rejeição à sua autoridade e tomou-lhe o cedro (bastão de apoio dos soberanos).
O pior estava por vim: Orunmilá retira-se para o Orum e a Terra entra em desgraça, havendo
mazelas para todos os cantos: “fome, caos, peste e confusão. Parou de chover, plantas não
cresciam e animais não procriavam, todos estavam em desespero.”
Orunmilá não ficou surpreso com o que estava acontecendo na Terra, pois Ele
representava o princípio da ordem, sabedoria, fertilidade e continuidade. Em desespero, os
habitantes da Terra fazem oferendas para Orunmilá, ofertando todo tipo de sacrifícios.
Orunmilá aceita as oferendas, entretanto, “a paz entre o Céu e a Terra estava definitivamente
rompida.”
16
Wande Abimbola não cita os nomes dos demais filhos de Orumilá no texto original: Sixteen great poems of
Ifa.
79
Os filhos de Orunmilá o procuraram no Orum e imploraram pelo seu retorno ao Aiyê.
Orunmilá nunca mais voltou para Terra, mas entregou a seus filhos dezesseis nozes sagradas e
disse-lhes: “Quando tiveres problemas e desejarem falar comigo, consultem este Ifá”.
Orunmilá não retornou mais ao Aiyê, entretanto, deixou o oráculo para que os
humanos possam recorrer quando precisarem, independente do problema.
Na escola da vida, diferentes maneiras de ser, de encontrar as soluções para as
inquietações, de estar no mundo plural. A vida na escola procura calar todo o pulsar de vida
existente, procurando impor a todos os valores existenciais sustentados pela dinâmica do
mundo do capital, no qual dinheiro é a solução para tudo e o conhecimento matemático o
caminho para o sucesso.
Procurando conhecer o ensino da matemática nos limites do Colégio Polivalente do
Cabula, diante da pluralidade cultural que cerca todo o contexto escolar, procurei vivenciar a
comunidade escolar no diurno, a partir do segundo semestre de 2008, uma vez que exerço
atividade laboral no período noturno, consequentemente, tenho uma convivência mais
acentuada com a comunidade neste período.
Lecionei no diurno durante dois anos, 2001 e 2002. A partir de 2003, passei a trabalhar
no vespertino e noturno e em 2006 fiquei trabalhando durante a noite. Além da
familiaridade com os professores do noturno, outro fator preponderante na escolha dos/das
professores/as de matemática que trabalham apenas no diurno é o fato deles/delas trabalharem
40 horas semanais em sala de aula, no mínimo, não exercendo, assim, outra atividade
remunerada extra-classe.
Procurei respeitar o anonimato dos colaboradores da pesquisa. Aos professores, atribui
às letras do alfabeto em conformidade com a ordem das entrevistas realizadas. Aos alunos fiz
apenas a substituição dos nomes.
No ano de 2008, tive uma aluna que se chamava Ayó. De imediato, ao pronunciar seu
nome, tive a discrepância de pergunta-lhe se não havia grafado seu nome errado no diário de
classe, que conhecia a terminologia Oyá, nome do Orixá Iansã. Ela com toda delicadeza e
beleza acentuada me informou que Oyá era o nome de sua irmã e que o seu nome significava
alegria em iorubá.
Como a maioria dos jovens com quem tive a oportunidade de trabalhar em minha
trajetória profissional, Ayó também não gostava de matemática, porque era “difícil,
complicado”, se estudar e aprender matemática. De certa forma, essa pesquisa é uma
homenagem as Marias, as Ayós, aos Josés que entrecruzaram minha trajetória; é uma tentativa
80
de se trazer alegria para a sala de aula de matemática, de proporcionar sentido e significado
aos alunos afro-brasileiros para se estudar e aprender as matemáticas existentes no mundo
plural. Eis o meu Ayó, Ayó!
Figura 13. Atividade/2008.
4.1 A COMUNALIDADE DO CABULA
De acordo com as reflexões desenvolvidas nos capítulos precedentes, a territorialidade
do Cabula traz em sua essência a arkhé quilombola, que, historicamente, impulsionou o
processo de enraizamento do espaço, processo esse dinâmico, de vivência compartilhada, de
comunhão cotidiana, que pode ser compreendido dentro de uma complexidade simbólica
que caracteriza as comunalidades afro-brasileiras.
A pesquisadora Janice Nicolin (17/02/2009) nos relata um pouco dessa vivência
compartilhada, remanescente da comunalidade quilombola, fruto de suas observações:
O certo é que as características dos quilombos a gente vê até hoje, Engomadeira é
um quilombo, certos locais, como o Beiru é um quilombo. O que é quilombo? É o
local onde o individuo se protege de quem está lhe perseguindo, local mesmo de
proteção, e você vê isso lá na Baixada. Eu moro na Baixada, o que está acontecendo
na rua direta, no alto, no mundo urbano industrial, o que acontece ali, na Baixada
fica sabendo, alguém vai passando, um por outro. Por exemplo, eu ensino à noite, e
a preocupação de avisar: “ou pró, cuidado! Não passe ali que tem gente
interceptando carro”. Na comunalidade temos a união para proteger o povo e não a
um só, entendeu?
Eu tenho quase certeza que foi importado de quilombo, pois todas essas formas de
se relacionar não podem ser uma coisa de ontem, porque elas são muito fortes [...],
81
é uma coisa assim de raiz, forte mesmo, que faz com que o individuo pratique
aquele ato e não saiba que está fazendo aquilo ali, é como se fosse a presença do
mito, a presença do mito nos passa, entendeu, eu vejo muito isso [...].
Faz parte da rotina dos alunos saírem em grupo. Após o término da aula é comum
encontrar os/as colegas aguardando na área de circulação. À noite, por exemplo, eles chegam
e saem em grupo, raramente andam sozinhos. Falam da violência no bairro, mas percebo que
é o gostar de estar junto, de interagir, da vivência compartilhada. O que acontece no bairro
eles narram, se um está doente também avisam, ligam, vão às casas para saber: “vou lá, eu sei
onde ela/ele mora”.
Na vida comunal a preocupação, a maneira de viver dessa comunalidade é fruto da
dinâmica histórica do local, que constitui a territorialidade, ancorada na ancestralidade
africana. Quando falamos da ancestralidade africana, estamos nos reportando a “uma unidade
cósmica, viva e ativa. Ela é a base fundamental de todas as existências” (SOUZA, E., 2008, p.
4).
A criação de comunidade terreiro na territorialidade do Cabula é outro marco
fundamental de continuidade da ancestralidade africana. A territorialidade do Cabula está
enraizada na resistência histórica quilombola, enquanto espaço de afirmação socioexistencial,
dotado de sentimento, de identidade cultural, de memória simbólica e coletiva.
Os/as alunos/as do Colégio Polivalente do Cabula carregam em sua essência, a
maioria, a ancestralidade africana. Muitos alunos são oriundos de comunidade terreiro,
conforme pude constatar, carregam a alteridade própria e não têm vergonha de auto-afirmar:
Ayó!
O jovem cabuleiro é aquele que mantém o vínculo, ele tem consciência dessa
tradição e de ser a pessoa encarregada de manter essa tradição, pois tem muitos
cabuleiros [...], os meninos da comunidade de terreiro [...], eles não são destituídos
de solo de origem, como diz Narcimária, eles conhecem as origens [...], são
verdadeiros africano-brasileiros, todos os meninos que jogam capoeira ou lutam,
dependendo como cada um olhe, eles participam de grupo de percussão, muito
deles são de comunidade de terreiro, na escola tem muito mais menino de
comunidade de terreiro que você imagina. Calados! Eles não querem nem falar,
nem você abrindo a discussão, são os gestos, são os gestos que você percebe, no
evento, no momento [...]. (NICOLIN, 17/02/2009).
O Polivalente do Cabula fica linearmente a 735 metros do Terreiro Ilê Axé Opô
Afonjá, conforme mapa digitalizado da área disponibilizado pela Companhia de
Figura 14.
Eduardo/ CPC
82
Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER)
17
e muito alunos
são oriundos
dessa comunidade-terreiro, ou estudaram lá. Alguns foram meus ex-alunos e participam da
comunidade da Associação Juventude Afonjá (AJA), fonte de fortalecimento e dinamismo da
comunidade terreiro.
Figura 15. Fotos dos integrantes da AJA com Mãe Stela
Fonte: Ilê Axé Opô Afonjá/AJA
É importante ressaltar que, segundo mapeamento realizado pelo Centro de Estudos
Afro-Orientais (CEAO) da UFBA (www.terreiros.ceao.ufba.br), existia, até a data do acesso,
cento e quatro comunidades terreiros, independente da nação ou do regente, no bairro do
Cabula e adjacências - bairros que se desmembraram com a industrialização da cidade
(Arenoso, Barreiras, Cabula I, Cabula II; Cabula IV, Engomadeira, Cabula VI, São Gonçalo,
Mata Escura, Narandiba, Pernambués, Saboeiro, Sussuarana e Tancredo Neves).
A escola enquanto espaço desagradável, recalcante para os/as jovens do terreiro não
proporciona reflexões sobre a diversidade cultural que está envolta em todo o contexto
escolar. Pelo contrário, a pedagogia do recalque é uma poderosa ferramenta empregada em
uma territorialidade afro-brasileira.
17
Ver www.conder.ba.gov.br
Eduardo
Rosana
Ayó
Yalorixá Mãe
Stela de Oxóssi
83
4.2 CAMINHADA METODOLÓGICA
A metodologia utilizada na pesquisa baseia-se em uma abordagem qualitativa de
pesquisa em educação. Dentre as diversas formas que a pesquisa qualitativa assume, a opção é
pelo estudo de caso, de inspiração etnográfica.
De acordo com Yin (2001, p. 35), o estudo de caso é aqui entendido como “uma
maneira de se investigar um tópico empírico seguindo-se um conjunto de procedimentos pré-
especificados”, podendo suas características tecnicamente importantes, serem apresentadas de
duas maneiras (YIN, 2001, p. 35):
1. O estudo é uma verificação empírica que pesquisa um fenômeno contemporâneo
dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno
e o contexto não estão claramente definidos.
2. A investigação de estudo de caso enfrenta uma situação tecnicamente única em que
haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados, e, como resultado,
baseia-se em várias fontes de evidências, com os dados precisando convergir em um
formato de triângulo, e, como outro resultado, beneficia-se do desenvolvimento prévio
de proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise de dados.
A escolha do estudo de caso ocorreu por conta do interesse de se analisar as
concepções elaboradas pelos colaboradores sobre a matemática e seu ensino ante ao espaço
histórico socialmente construído, cuja memória simbólica formatou vínculos de sociabilidades
que ultrapassam os muros da escola.
Os dados levantados serviram para nortear a subjetividade dos sujeitos da pesquisa,
como parte integrante da aprendizagem significativa, dentro de uma realidade singular. Como
apontam Alves-Mazotti e Gewandsznajder (1998), o estudo qualitativo não busca uma
generalização dos resultados, mas uma melhor compreensão do objeto dentro de um campo
específico, podendo, obviamente, ser utilizado como objeto de reflexão em outros setores,
sem que isso se traduza numa generalização dos resultados.
Faz-se necessário ressaltar aspectos da caminhada metodológica. Os elementos de
inspiração etnográfica presente no trabalho de campo estiveram acentuadamente marcados na
descrição e análise de uma prática pedagógica em que a pesquisadora se também
envolvida: ao mesmo tempo em que atuava como pesquisadora exercia a prática pedagógica
Para assegurar a validade e a confiabilidade da pesquisa, foram utilizadas várias
técnicas de coletas de dados para verificar as percepções dos atores. Heraldo M. Vianna
(2007, p. 63) nos alerta que a validade de uma pesquisa refere-se
84
à propriedade, ao significado e à utilidade das inferências feitas pelos pesquisadores
a partir dos elementos que coletam. A confiabilidade está ligada à consistência
dessas inferências ao longo do tempo. Na pesquisa qualitativa, a coleta de dados
depende muito da perspectiva assumida pelo pesquisador, dos seus conceitos sobre
as coisas.
A perspectiva metodológica esteve norteada por noções ao invés de conceitos, nos
quais o pesquisador fica limitado na percepção da existência, ficando com “dificuldade para
sair da malha estreita e sólida, dos conceitos estabelecidos” (MAFFESOLI, 2008, 17).
Ao trazer a situação socioexistencial dos alunos na territorialidade do Cabula mediante
noções norteadoras, sinaliza-se para uma dimensão mais ampla, a fim de se assimilar a
dimensão da vida que está muito além das aparências, fora dos muros da escola. Conforme
nos faz ver Narcimária Luz (2003, p. 66) ao se referir as noções de arkhé, eidos e ethos:
A tônica colocada sobre essas noções as focaliza como princípios seminais, isto
porque estamos lidando com relações simbólicas riquíssimas, carregadas de
elaborações emocionais, transcendentais e imanentes, primordiais à experiência
humana com seu meio ético, social e cósmico.
À medida que se procura compreender a rede de significados culturais presentes na
territorialidade do Cabula e o processo de produção de conhecimento na escola, mediante as
representações e percepções de atores da comunidade escolar, esta pesquisa inspirou-se para o
campo etnográfico, consciente da delicada e complexa relação objetividade-participação.
Conforme já mencionado, o local da pesquisa era familiar à pesquisadora que coletava
os dados na própria escola onde exercia suas atividades laborativas. A fim de se evitar a
contaminação da pesquisa pelos “pré-conceitos, pré-suposições e por observações do senso
comum”, como explica Marli D. A. de Andre (1997, p. 4), recorri o procedimento da
triangulação:
Trata-se, portanto, de saber lidar com as percepções e opiniões formadas,
reconstruindo-se em novas bases, levando, sim, em conta as experiências vividas, mas
filtrando-as com o apoio do referencial teórico e de procedimentos metodológicos
específicos, como por exemplo, a triangulação
.
Esse processo, segundo a autora, permite ao pesquisador trabalhar com uma
diversidade de sujeitos dentro do universo da pesquisa, comparando suas percepções, bem
como se utilizando de variados instrumentos de coletas de dados a fim de elucidá-las.
Na mesma linha de reflexão, Heraldo M. Vianna (2007, p. 69) também argumenta que
a triangulação vai possibilitar fazer uma verificação, uma comparação em relação às
85
percepções de várias pessoas durante o período de observação da pesquisa, comparando-as e
refletindo sobre a consistência das informações levantadas.
Por mais que se procure ser fiel ao fato observado, não se pode negar que o observador
é parte da realidade social e suas percepções não são isentas, “com uma validade irrestrita,
uma validade que se possa dizer total”, conforme argumenta Vianna (2007, p. 65).
Marli D. A de André (1997, p. 5) também mostra que o trabalho etnográfico não é um
retrato inconteste da realidade, mas uma interpretação do pesquisador, na qual seus valores se
fazem presentes. Dessa forma, pode-se dizer que toda observação é de certa forma seletiva,
pois são priorizados determinados aspectos em detrimento de outros, os questionamentos
arrolados casam com o aporte teórico, com as percepções de uma dada realidade. Em suma,
somos parte da pesquisa que realizamos.
Ao decidi realizar a pesquisa no colégio em que atuo profissionalmente, alinhavo a
pesquisa na dimensão dialética do “vivido-concebido”. Só concebemos aquilo que
vivenciamos na prática e que se entrelaça em nossa existência. De fato, antes de trabalhar no
Colégio Polivalente do Cabula havia trabalhado em duas escolas públicas, mas as relações
construídas, principalmente com os/as alunos/as, alguns - descobri depois - iniciados na
religião de matriz afro-brasileira foram muito forte.
Seguindo os trilhos da vida, fui acolhida nas matas remanescentes do Cabula e as
inquietações que desembocaram a pesquisa é fruto do encantamento, consciente ou
inconsciente, que se enlaça na minha existência, no meu modo de existir e resistir.
A pesquisa de campo envolveu os seguintes instrumentos de coletas de dados de
inspiração etnográfica: diário de campo, observação direta e participante. Além das
entrevistas individuais e coletivas, questionário, pesquisa documental e recurso audiovisual.
As entrevistas, assim como o questionário, apresentaram o mesmo roteiro:
identificação; trajetória profissional; vivência educacional; educação matemática. Meu
objetivo era averiguar a consistência das informações obtidas, as percepções dos diversos
sujeitos, filtrando os dados coletado em conformidade com o referencial teórico-
epistemológico que formatava a pesquisa, permitindo, assim, a interpretação e compreensão
do fato em análise. Meu universo se constituiu na totalidade dos professores de matemática do
diurno: cinco profissionais, sendo dois homens e três mulheres.
Vale ressaltar que não tive preocupação direta de arrolar as práticas pedagógicas
atreladas às novas tendências metodológicas no ensino da matemática. Por outro lado, de
acordo com as concepções sobre a matemática e seu ensino e a prática pedagógica
desenvolvida, a concepção de ensino de matemática (seja a matemática como linguagem ou
86
um conjunto de saber abstrato e científico) aparece nas falas, nas atividades propostas, na
formatação da aula, nos materiais e recursos utilizados, bem como na postura do professor/
professora em relação à aprendizagem dos alunos.
Foram entrevistados apenas os alunos que cursavam dependência em matemática e/ou
com matrícula especial no ano letivo de 2009. Dos alunos que se encontravam inseridos nesse
contexto, apenas dois remanesceram na escola. Eles responderam também a um questionário,
que foi estruturado em duas partes: uma que trata da identificação pessoal e outro que aborda
a relação com a escola e com a matemática.
Dependência é o direito que o/a estudante possui de cursar no turno oposto em que
está matriculado, as disciplinas em que foi reprovado/a no ano anterior, podendo cursar no
máximo três disciplinas, entretanto, fica dependendo da aprovação nas disciplinas pendentes
para a promoção a série subsequente. o aluno especial, cursa a disciplina em que ele
perdeu, fica retido, sem poder se matricular na série seguinte. Refere-se aos estudantes que
cursavam a série (nono ano) e precisam concluir o Ensino Fundamental para passar para o
Ensino Médio. Da mesma forma, o aluno que está no terceiro ano do Ensino Médio, sendo
reprovado em até três disciplinas, ele poderá se matricular para cursar apenas essas
disciplinas.
Optei em entrevistar os/as alunos/as que estavam fazendo dependência e com
matrícula especial apenas em matemática, porque meu objetivo era buscar perceber a relação
entre os/as estudantes com a matemática. Inquirir sobre os fatores atribuídos ao “insucesso”
na disciplina com esses alunos seria muito mais marcante.
A entrevista coletiva sobre o ensino da matemática, os fatores atribuídos ao “fracasso”
dos estudantes, de acordo com a percepção de professores de outra área, serviu para
complementar as informação sobre o ensino da matemática no Polivalente do Cabula,
conforme afirma Patrícia Rosa da Silva (2007):
A dinâmica do grupo permite uma maior interação social entre os
sujeitos, possibilitando a construção de um discurso coletivo nem
sempre consensual. A possibilidade de um panorama sobre consensos,
dissensos, pontos de convergência, discrepâncias e argumentos
diferentes, parece um ganho valioso, em detrimento da imprecisão da
mensuração oferecida pela técnica. (SILVA, 2007, p.48).
Portanto, a entrevista coletiva realizada, se constituiu numa conversa não-estruturada,
sem roteiro pré-estabelecido, dirigida pela pesquisadora (moderadora) e gravada para
posterior análise.
87
Visando a ampliação das percepções dos alunos sobre o ensino da matemática na
escola, durante o diurno, e conhecer melhor a realidade problematizada, mediante coleta e
geração de dados, busquei fazer um vídeo. A escolha foi aleatória, os/as entrevistados/as
participaram de forma espontânea. Essas gravações permitiram registrar todas as expressões,
orais e faciais, os gestos.
A utilização de vídeo em pesquisa qualitativa na área de educação matemática vem
sendo utilizada no Brasil por Marcelo C. Borba e por pesquisadores do Grupo de Pesquisa em
Informática, outras Mídias e Educação Matemática (GPIMEM), ao qual ele pertence:
[...] Vídeo artigos são hipertextos multimídias, nos quais um texto pode ser lido na
tela, nos leva a “links” como, por exemplo, um trecho de vídeo. Nosso grupo é
provavelmente pioneiro na Educação Matemática Brasileira no uso intensivo de
vídeo em pesquisas. [...]. O vídeo artigo, possibilita que além da transcrição de
determinado diálogo se veja um segmento (“video-clip”) da filmagem que se
articula com a descrição, interpretação e discussão teórica feita no vídeo artigo [...]
(BORBA, 2004, p. 9).
A análise dos dados levantados foi procedida pelas concepções apresentadas pelos
professores e em seguida pelos alunos, buscando sempre intercalar as percepções apresentas
com o referencial teórico. O vídeo produzido é utilizado como complementação e exploração
dos dados coletados.
4.3 REVISITANDO O POLIVALENTE: NOVOS OLHARES, NOVOS SABERES
No ano de 2004, o Sr. Romualdo Ferreira dos Santos, Mestre Sassá, Mestre de
Capoeira, que tinha dois filhos que estudavam na escola, procurou a direção desta e relatou o
trabalho que o mesmo vinha desenvolvendo com “meninos de rua” da comunidade e informou
que estava sem espaço para trabalhar. Dentro do contexto do programa “Amigos da Escola”,
visando também atender a comunidade e principalmente aos alunos, oferecendo alternativa de
lazer, como forma de desenvolver a cultura africana, conforme sinalização apontada no Plano
de Desenvolvimento Escolar (PDE), a direção da escola concedeu o espaço da quadra aos
domingos e durante a semana no período das 17 horas até as 18 horas e 30 minutos.
De acordo com informações fornecidas pela gestora da escola, a unidade escolar
também foi palco para a realização das atividades do Grupo “Eu Negro”, que realizava
oficinas de artes e capoeira, no período de 2004-2007, bem como debate sobre direitos
humanos e racismo. A aceitação de atividades diversas na escola era tentativa de diminuir a
evasão escolar que era elevada.
88
A partir de 2007, Mestre Sassá passou a ocupar uma sala do anexo frontal da escola,
que estava sem utilidade, pois o número de alunos matriculados na escola encontrava-se em
decréscimo. No início das atividades, os alunos do CPC se matriculavam, participavam das
atividades, depois se desinteressavam. Atualmente, Mestre Sassá ocupa o espaço apenas aos
domingos.
Participei de três encontros, entre os meses de agosto a novembro, pretendia conhecer
melhor nosso ancestral Berimbau e a movimentação do corpo no jogo da capoeira, além, é
claro, de tentar estar em contato com os alunos para averiguar a possibilidade destes
intercambiarem o conhecimento matemático com as atividades realizadas. Essa “parceria” do
Mestre Sassá com a escola, dentro do contexto da pesquisa, sinaliza uma aproximação da
diversidade de cultural que permeia os muros fora e dentro da escola.
Figura 16. Sala de capoeira
Em janeiro de 2009, comecei minhas visitações ao colégio, conversando com a
diretora da escola, Profª Lúcia Ferreira, que informou sobre o projeto “música e matemática”
que a escola iria oferecer dentro do programa do Governo Federal “Mais Educação”.
Entretanto, conforme pude observar, o projeto não foi avante. Nesse encontro, a mesma
sinalizou que o ensino da matemática, de acordo como com o desempenho acadêmico de
2008, havia sido um “fracasso”.
O MEC direcionou verba para “melhorar a qualidade de ensino”, através do programa
acima citado. Foram contratados estagiários para desenvolver atividades de “reforço’ e para
realizar oficinas direcionadas às disciplinas: português, matemática, história e geografia.
Esses “reforços” que funcionavam em horário oposto aos que os/as estudantes
cursavam as disciplinas “normais”, procuravam colocar mais um “atrativo” a fim de tentar
chamar atenção da juventude, utilizando as artes, teatro, dança e música. Tais “reforços
escolares” fazem lembrar o “reforço” durante a década 70, quando a escola começou a
funcionar e precisava preparar os alunos que chegavam com a “base fraca” visando o mercado
profissionalizante. E agora? É preciso elevar o índice da escola perante aos controles
89
universais estabelecidos pelo MEC para justificar as verbas recebidas, diminuir a distorção
idade-série, é preciso melhorar a imagem de “competência” da escola, caso contrário,
diminuem os recursos.
Em fevereiro, no dia 10/02/2009 participei da Semana Pedagógica do CPC, no período
matutino. Compareceram, dezoito professores, sendo quatro professores de matemática. A
diretora apresentou o desempenho acadêmico da escola. Passei a anotar alguns fatores
atribuídos pelos professores para o baixo desempenho:
Preguiça para o estudo: “o aluno é preguiçoso para estudar”;
Desleixo: “o aluno hoje é muito desleixado”;
Papel da família: “os pais não aparecem, muitos nem conhecem o pai”.
Disciplina: “esse primeiro ano foi a pior turma que vi, quanta ousadia,
precisava ver o nível”.
Medidas sugeridas pela direção da escola: fazer AC (atividade complementar) seriado;
conselho de classe mensal/ avaliação do percurso; acompanhamento dos atestados médicos;
monitores nas salas; plano anual de trabalho entregue até 30/03; esboço do planejamento em
conjunto.
No dia seguinte, contamos com a participação de palestrante da Secretaria de
Educação do Estado, para falar do projeto “Paz nas Escolas”; a Semana Pedagógica finalizou-
se com a produção do esboço do “planejamento por área”.
Nos meses de abril e maio, realizei levantamento na secretaria da escola em busca de
fontes para subsidiar a dissertação: matriz curricular; fotografias antigas, portaria de criação
da unidade escolar, conhecer os novos professores de matemática da escola e o quantitativo de
alunos matriculados e que estavam cursando dependência e matrícula especial.
No ano letivo de 2009, tivemos 42 alunos matriculados no turno matutino e que
precisavam fazer dependência no vespertino. Desses 42 alunos, dois cursavam apenas
matemática, 39 cursavam matemática mais uma ou duas disciplinas e um aluno em inglês e
biologia. No turno vespertino, dos alunos matriculados e que deveriam fazer dependência no
matutino foram 28 matriculados, sendo dois em matemática, vinte e quatro (24) em
matemática mais outras disciplinas e dois alunos sem dependência em matemática. Um aluno
da 8ª série estava matriculado como aluno especial.
No noturno, quatro alunos/as dependentes, todos em matemática e uma aluna cursava
apenas matemática. Um aluno da 3ª série do Ensino Médio foi matriculado como aluno
especial na disciplina matemática.
90
No total, no universo dos dependentes e dos que possuíam matricula especial, tivemos
76 estudantes. Nesse conjunto, a minha amostra era dos alunos que cursavam dependência e
matricula especial em matemática, o que acabou se constituindo em sete alunos. Desses,
apenas dois alunos - sendo meus alunos no noturno - frequentaram e concluíram, pois foram
transferidos a pedido do diurno, por questão de trabalho. Os demais, cinco alunos, desistiram
de estudar, ou seja, abandonaram a escola.
Sobre o aluno do noturno que cursava matricula especial, o jovem Esdras, tive
oportunidade de conhecê-lo no ano letivo anterior, em 2008. Possuía sólidos conhecimentos
na área de Informática e namorava uma aluna. Por intermédio dela, trocamos algumas idéias,
números de telefone e ele me assessorou no ajuste a um equipamento eletrônico que possuía.
Garoto muito atencioso, diligente na computação (prestava serviço na UNEB, setor de áudio e
vídeo), porém, tinha com um entrave na sua vida que lhe impedia de concluir o Ensino
Médio: a tal da matemática.
Entrei em contato com ele, falei da pesquisa e que gostaria de entrevistá-lo. Falou-me
que estava sem frequentar a escola direito por causa do trabalho, gostaria de voltar, mas não
saberia se o professor iria passar alguma atividade para ele “recuperaras notas perdidas.
Estávamos na Unidade. Encarreguei-me de falar com o professor e averiguar as
possibilidades de o aluno retornar. Ledo engano, o nobre colega foi reticente e disse “que o
mesmo não havia feito qualquer atividade, era turista, que ele nem o conhecia direito”. Diante
do fato, não insisti em fazer a entrevista com esse aluno que entrou na categoria dos
“desistentes”. Sendo assim, apenas dois alunos foram entrevistados e responderam ao
questionário: um fazia dependência e outro cursava em regime de matrícula especial.
Aconteceu no noturno, dia 03/06/2009 uma reunião com a equipe gestora. Os
principais pontos levantados: a comemoração do dia do meio ambiente que ocorreria na
escola no dia seguinte; a frequência como critério de controle administrativo; a questão da
retenção – a importância da frequência para o professor poder dar parecer descritivo do aluno;
avaliação integral; confecção de ficha de acompanhamento do aluno; a importância do
registro de classe; reunião mensal para fazer o planejamento. Os professores se queixaram da
indisciplina, da falta de interesses dos alunos. A diretora ressaltou a definição das habilidades
para o bimestre. Com relação à EJA, pediu aos professores que trabalhavam com artes
laborais que se manifestassem, relatassem suas atividades. A diretora pergunta a professora
de Geografia sobre as Leis 10.639/03 e 11.645/08. A professora responde: “na verdade,
colocamos diversidade cultural agora”.
91
No dia 04/06/2009, dia nacional do meio ambiente, o Colégio Polivalente do Cabula
estava em festa. O cantor e compostitor Carlinhos Brow fez uma palestra na escola, dentro do
projeto da Rede Globo “Amigos da Escola - Todos pela Educação”. Estive lá, para colaborar,
interagir, registrar e ...dançar!
Figura 17. Carlinhos Brow
No dia 10/06/2009, no período noturno, aconteceu a escolha da composição que iria
representar a escola no Festival Anual da Canção Estudantil. Fui convidada para participar
da comissão de jurados.
Durante o ano letivo de 2009 foram realizadas duas “feiras”. A primeira aconteceu no
mês de junho, antecedendo o período junino, realizada pelos professores do noturno e tinha
por objetivo pesquisar a importância da festa junina para a economia do estado. A segunda, no
mês de novembro, organizada pela vice-diretora do vespertino, estava direcionada para a
preservação do planeta. Essas “feiras” foram avaliadas quantitativamente pelos professores e
incorporaram a pontuação no resultado final da unidade de cada aluno.
No dia 10/08/2009 foi realizada uma reunião pedagógica, no turno da manhã, na qual
se fizeram presentes quatorze professores, mais duas gestoras (a diretora e a vice-diretora do
matutino). Foram discutidos os seguintes pontos:
A compatibilidade série x idade (a escola tinha um número expressivo de
alunos repetentes, “são os piores”).
O nível de proficiência dos alunos não é o esperado e o que a escola deveria
fazer para mudar o quadro.
Conforme enfatizou a diretora, a proposta de mudança focalizada na
aprendizagem; a escola tem autonomia para estabelecer critérios de nota.
O “erro” foi apontado nos “testes” externos, ou seja, a escola estava sendo
qualificada a partir das avaliações externas.
92
Solução: planejamento coletivo (a escola realizou um contrato com uma equipe
da UNEB para ensinar os professores a fazer o planejamento coletivo);
Reforço escolar (professores de português e matemática dariam reforço no
turno oposto, a fim de preparar os estudantes para os testes do MEC).
Houve muitos relatos de violência física na escola.
A partir do mês de agosto de 2009 passei a realizar as entrevistas com os/as
professores/as de matemática do diurno. Foram cinco no total, sendo dois professores e três
professoras. Foi realizada também, uma entrevista coletiva, um “bate-papo” com os
professores que chegaram para o intervalo no período matutino, na sala dos professores.
Aproveitei a oportunidade e fiz o “bate-papo”, uma entrevista não-estruturada, cuja temática
foi o ensino da matemática. A entrevista coletiva contou com duas professoras de português,
uma de física e uma de matemática.
A duração da entrevista coletiva foi de 10 minutos. A pequena duração do encontro
visou diminuir a possibilidade de dispersão dos componentes, apesar da dificuldade na hora
da transcrição, pois os/as participantes, em determinados momentos, falavam ao mesmo
tempo.
Foi realizada, também, uma entrevista coletiva com três professoras que trabalham na
escola há muito tempo, desde a época da Escola Polivalente do Bairro do Cabula: uma
professora de artes/desenho; uma pedagoga e também professora de francês e uma professora
de ciências. A conversa versou sobre a história do Polivalente, desde sua criação até os dias
atuais mediante uma entrevista semi-estruturada, propriamente. Entretanto, por problemas
técnicos, a entrevista não foi gravada. Ainda assim, os principais pontos foram registrados no
caderno de anotações. Vale ressaltar que procurei rotineiramente anotar os fatos relevantes da
pesquisa.
Além das entrevistas individuais com os cinco professores de matemática, apliquei
também um questionário (apenas uma professora não deu retorno), como os mesmos tópicos
do roteiro da entrevista, buscando averiguar a coerência nas informações coletadas.
Não vou dizer que é fácil entrevistar, ou aplicar questionário, com colegas da mesma
disciplina, principalmente os que não foram meus contemporâneos do diurno. Conforme
ressaltado, enquanto pesquisadora/observadora também faço parte do contexto que está sendo
pesquisado/observado. O papel do observador, características e habilidades necessárias são
ressaltadas por Lüdke e André (1986, p.17), bem como a delicada tarefa de “selecionar e
reduzir a realidade sistematicamente”.
93
Os registros audiovisuais foram feitos em duas etapas. Pela tarde, no dia 15/09/2009,
contamos com a participação de estudantes de séries variadas, da 7ª a 3ª série do Ensino
Médio e a própria pesquisadora manipulou a câmera móvel. Pela manhã foi realizada no dia
06/10/2009 com alunos do Ensino Fundamental e da série do Ensino Médio. Essa
produção fílmica contou com a colaboração de um operador. Foi registrada também, com a
permissão da professora, uma aula de matemática em que a professora estava fazendo
atividade pontuada e em grupo. Os alunos também participaram. A vice-diretora do
vespertino, que à noite exerce a função de Coordenadora Pedagógica, deixou registrada sua
opinião sobre as dificuldades que os alunos apresentam com a matemática. Dessa forma,
procurei documentar e analisar as concepções construídas sobre a matemática e seu ensino
utilizando meios audiovisuais.
Durante as gravações foi possível obter informações de forma mais descontraída e
coletar dados referentes às manifestações dos estudantes contra a prática pedagógica de
professores de matemática, que, até então, não tinha conhecimento. Posteriormente, procurei
saber perante a vice-diretora maiores detalhes sobre as manifestações. Os alunos do série
do Ensino Médio fizeram um abaixo-assinado solicitando troca de professor de matemática.
Dos três professores que passaram pela turma, os dois primeiros saíram por causa de
manifestação dos alunos. O primeiro professor ensinava física e matemática ao mesmo tempo,
o segundo só matemática.
Presenciei, também, no dia 21/09/2009, na sala dos professores, a insatisfação dos
professores diante da vice-diretora sobre o comportamento da turma. Um professor foi
enfático em dizer que o problema “era interpretação, os alunos não sabem interpretar porque
eles têm preguiça de ler”. Os professores presentes, um total de quatro, foram unânimes em
dizer que os alunos querem achar pronto; eles não querem ler, não querem ter trabalho”.
Procurei anotar as opiniões, no diário, para as análises posteriores.
A partir do mês de maio o colégio lançou o “Jornal Polivalente”, de publicação
bimestral, tendo como editor um professor de matemática. Tomei conhecimento do jornal no
mês de julho. Foram lançados três exemplares. O jornal é um meio de comunicação, de
divulgação das principais ações realizadas pela escola, daquilo que a equipe gestora acredita e
se propõe a fazer.
94
CAPITULO V
EDUCAR O “OUTRO”
Orunmilá prefere a Paciência à Discórdia e à Riqueza Orunmilá era um homem
que nada sabia de seu passado ou futuro. Ele nada tinha e mandaram que fizesse um
ebó para que melhorasse sua condição de vida [...].
Agenor Miranda da Rocha, Deoscóredes Maximiliano dos Santos, Mariano
Carneiro da Cunha e Júlio Braga apud Reginaldo Prandi.
A fim de melhorar sua existência, Orunmilá fez o ebó. Certo dia, três mulheres batem
à sua porta e todas queriam morar com Ele. Chamavam-se Paciência, Discórdia e Riqueza.
Orunmilá preferiu Paciência, provocando uma discussão entre as preteridas que não se
entendiam e para evitar que se agredissem mutuamente, trabalhadores das redondezas vieram
separá-las e as levaram ao chefe do local onde elas relataram, cada uma ao seu modo, o que
havia acontecido. Entretanto, por falta de testemunha para o fato ocorrido, elas foram levadas
à casa do babalaô da aldeia, “o homem mais sábio do lugar, o adivinho que poderia resolver a
causa”. Ao avistar o homem, elas disseram: “É por causa deste homem que estamos brigando.
Porque ele ficou com Paciência e desprezou a nós, Discórdia e Riqueza”. Então disse
Orunmilá: “Onde tem Paciência tem tudo. Sem Paciência não podemos viver”. Sendo assim,
elas disseram: “Por isso vamos também ficar com este homem, porque onde tem Paciência
tem tudo”.
A vida é um grande mosaico em que precisamos pacientemente ir reunido as peças
para dar o nosso formato. Saber suportar as dores, os infortúnios da existência, da nossa
sobrevivência, da vida escolar, da pesquisa acadêmica, com muita paciência que é
verdadeira fonte de sabedoria.
5. 1 CONHECER O “MUNDO DO OUTRO”.
Para você me educar,
você precisa me conhecer,
precisa saber da minha vida,
meu modo de viver e sobreviver,
conhecer a fundo as coisas nas quais eu creio e as quais me agarro nos momentos
de solidão, desespero, sofrimento.
Precisa saber entender as verdades,
pessoas e fatos as quais eu atribuo forças superiores às minhas,
95
e aos quais me entrego
quando preciso ir além de mim mesmo.
Para você me educar,
precisa me encontrar
lá onde eu existo, quer dizer,
no coração das coisas,
nos mitos e nas lendas,
nas cores e movimentos,
nas formas originais e fantásticas,
na Terra, nas estrelas,
nas forças dos astros, do sol e da chuva.
[...]. Autor desconhecido
18
Ao procurar abordar aspectos socioculturais dos alunos, tendo por base as informações
fornecidas pelo corpo docente, buscávamos relacionar simultaneamente o grupo discente à
cultura que se prende a esse grupo. Ao inquirir sobre aspectos culturais da comunidade local e
sua relevância no planejamento escolar dos professores de matemática, busca-se perspectiva
para o programa da Etnomatemática na ambiência escolar.
A imagem dos/das alunos/alunas perante o corpo docente não é nada agradável. O
“outro” é destituído de tudo, visto como um “estranho sociocultural”, um ser sem rumo, sem
família, cuja cultura que predomina é a da violência, das drogas, do mundo dos “excluídos”,
dos “incapacitados”:
São alunos totalmente carentes, carente de tudo, carente de amor, quanto carente de
bens materiais; são alunos revoltados, revoltadíssimos, é uma realidade voltada para
a violência, as brincadeiras são violentas, as expressões, tudo eu faço, eu mato, eu
aconteço, um passa pelo o outro e pega o lápis ou a caneta e finge ser a arma, “vou
te matar, vou te matar, não brinque comigo não!”[...]. Então, a realidade deles é
essa, então, se ele vive isso, fica difícil você fazer outro trabalho paralelo.( “A”)
Eu acho que... falta muito.. assim, a questão da família, as referências, que não é só
problema aqui dessa escola, é um problema geral, mas a família, eu acho que está
faltando muito pra eles, a base que a família dá, está faltando muito pra eles. Então,
eles ficam assim, sem objetivos, sem, talvez, essa questão toda que a gente está
vivendo da violência e tudo mais, eles ficam sem, eu acho que eles ficam sem
perspectivas, eles não pensam no futuro às vezes, eu não vejo, [...]. (“D”)
Olha, eu estive discutindo até essa semana com uma aluna que estudava em escola
particular e ela falou “professora eu sinto muita diferença porque eles exigem
muito mais da gente e tal, tal” , ai eu falei para ela: realmente, diferença nessa
questão, porque os alunos..., eles não acompanham, determinado tipo de conteúdo,
determinado tipo de aula, assim, então, não adianta cumprir o planejamento,
passando sem que eles entendam a questão. Então, realmente, nós temos que
trabalhar de forma bem mais light, pra poder, pelo menos, pra ver se a gente deixa
esses alunos com um pouco mais de conhecimento, você sabe que é difícil, não é
Célia? ( “B”).
Conforme as representações construídas pelos professores, é a escola, ou melhor, os
ensinamentos proporcionados pela escola oficial, principalmente pela matemática, dentro do
18
Recebi esse poema em um curso de formação voltado para a reestruturação da EJA, oferecido pela UNEB/SEC, sendo a
mediadora a professora da UNEB Edite Farias. Apesar da Constituição Federal/88 vetar o anonimato e assegurar a livre
manifestação do pensamento (art. 5º, IV), não consegui identificar o autor do belíssimo poema.
96
padrão universalista, o caminho “salvador” para os jovens, o caminho “iluminador’ das
mentes.
O não acompanhamento por parte dos/das estudantes é sinalizado como fruto da
culpabilidade do “outro”, da sua família, da sua condição material de existência, da sua
pobreza. E quem são os pobres nessa territorialidade? Os afro-brasileiros.
A “incapacidade” que os/as estudantes possuem em não acompanhar os “conteúdos”,
ao planejamento pré-estabelecido reforça a máxima que os afro-brasileiros não têm aptidão
para o conhecimento matemático. Na realidade, sabemos que a prática pedagógica
homogeneizante é uma extensão da ética da violência institucionalizada, de negativação do
“outro” e de sua alteridade.
Cunha Júnior (2008, p. 2) enfatiza que o fracasso dos estudantes nas territorialidades
afro-brasileiras está centrado na ineficiência do sistema educacional brasileiro, na
precariedade ou inexistência do ensino da matemática nessas territorialidades:
[...]. Trata-se apenas de uma simulação de ensino de matemática. As aulas de
matemática são descontínuas, dadas por professores improvisados e de treinamento
precário para desempenho de suas funções. Onde ele existe é deficiente e
desprovido dos meios e métodos adequados. No entanto, o ônus da deficiência de
um sistema educacional, que leva sempre a submissão e a inferiorizarão dos
afrodescendentes, recai justamente sobre nós afrodescendentes, dando a impressão
de que temos uma dificuldade genética para o aprendizado da matemática
. [...].
Nos discursos construídos pelos/as professores/as uma sinalização dos/as
educadores/as em tratar as diferenças dos/as alunos/as em desigualdade: “são fracos, são
carentes, são pobres”. Não espaço para ver esse “outro” enquanto pessoa, portadora de
conhecimento, um todo integrado ao seu contexto sociocultural. Diferentes, sim! Porém, não
desiguais.
Conhecer o “mundo do outro” é de fundamental importância no trabalho pedagógico,
pois o/a professor/professora deve procurar se desnudar dos valores de “seu mundo” para
poder enxergar o mundo do “outro”, que não se encontra passivamente no processo de
conhecimento:
É necessário, então, que o professor procure conhecer o mundo desse aluno, porque
é através desse conhecimento que será possível compreendê-lo e educá-lo,
aproveitando e respeitando o conhecimento, o cotidiano, as experiências, a cultura,
o que ele traz consigo. ( SILVA, A., 2004, p.74)
A ambiência violenta ressaltada pelos professores como característica marcante da
comunidade escolar é fruto da falta de referência civilizatória do jovem afro-brasileiro, da
97
denegação e recalcamento impostos pelo Estado neocolonial na territorialidade do Cabula:
“O que temos assistido, ao longo do tempo, são tensões e conflitos que se acirram cada vez
mais entre as gerações que frequentam a escola, isto porque não encontram e não vêem suas
referências civilizatórias e desdobramentos comunais legitimados no currículo escolar”.
(LUZ, N., 2002, p. 82).
A matemática e seu ensino, da forma que vem sendo dinamizada no Colégio
Polivalente do Cabula, refletem com mais veemência a violência institucionalizada de nosso
currículo escolar na imposição da universalização do conhecimento matemático com condição
sine quo non para a “ordem e progresso” instituída pelo Estado, cujos valores ético-estéticos
estão presentes no ambiente escolar.
Como educar se o que se procura é denegar os valores existenciais do “outro”?
Conforme enfatiza Narcimária Luz (2002, p. 86), educar é reafirmar nosso legado ancestral:
“É repor os valores e princípios herdados e reelaborados legado ancestral. É expansão
socioexistencial da diversidade humana, fruto de civilizações milenares que inauguraram esse
território e lutam há séculos, tenazmente, para mantê-lo viável à vida”.
Em entrevista realizada com a gestora da escola, profª Lúcia Ferreira, a mesma
ressalta, e aqui é amplamente compartilhado, que apesar de todas as mazelas socioeconômicas
enfrentadas pelos alunos, jovens cabuleiros, para utilizar a expressão de Janice Nicolin,
trazem uma força, uma garra quando participam das atividades artísticas, quando participam
de atividades que extrapolam os limites da sala aula, principalmente as voltadas para
valorização da cultura negra: “eles são muito ativos, são múltiplos”.
Vale ressaltar que os projetos voltados para a valorização da cultura afro-brasileira
foram desencadeados sem a participação consistente do corpo docente, resultando em ações
pontuais da direção da escola, muitas vezes a iniciativa partindo de grupos da comunidade, a
exemplo do Grupo Eu Negro, que teve a participação de integrantes do AJA.
Mediante a utilização de recursos audiovisuais ficou mais evidente o
descontentamento dos alunos contra a prática pedagógica autoritária dos professores de
matemática. Eles se organizaram pedindo mudança de professor através de abaixo-assinado,
alguns preferiam ficar nos corredores conversando ao invés de assistir aula de matemática.
Essas atitudes são pró-ativas, refletem comportamentos que traduzem valores das suas
comunalidades.
O grande desafio da educação matemática hoje na territorialidade do Cabula está na
capacidade dos/as professores/as de matemática interpretar as capacidades e a própria ação
cognitiva dos/das estudantes de forma dinâmica: “a alternativa é reconhecer que o indivíduo é
98
um todo integral e integrado, e que suas práticas cognitivas e organizativas não são
desvinculadas do contexto histórico no qual se dá, [...]”. ( D’AMBROSIO, 2007, p. 17).
É preciso que o/a educador/a adote uma postura de “ser um eterno aprendiz” e que se
permita quebrar paradigmas educacionais, tornando a sala de aula um cenário para
investigação matemática. Este trabalho, conforme enfatizamos, limita-se ao enfoque da
Etnomatemática, uma vez que nosso objetivo aqui é discutir a diversidade cultural.
5.1.2 Educar a si mesmo
Para transcender a pratica conteudista, recalcante, norteada pela transmissão mecânica
do saber é preciso que o/a professor/a de matemática esteja inserido/a em processo constante
de formação e transformação, em uma perspectiva da prática reflexiva, dialógica, voltada para
o conhecimento cultural dos educandos. Essa dinamização é foco para a formação de
professores na perspectiva da Etnomatemática, de acordo com a sinalização proposta por
Maria do Carmo S. Domite (2004, p. 429):
[...]. Por outro lado, a possibilidade de tais atitudes por parte do/a professor/a que
procuram negociar com o universo do conhecimento do educando e, por isso menos
autoritária e mais dialógica estão intimamente ligados ao modo de ser do
professor e da professora como pessoa, no seu cotidiano, assim como o
conhecimento que o professor/a tem de si e do contexto escolar no qual está
inserido.
A maneira de se relacionar com o “outro”, de forma o aconchegante, foi ressaltada
pelos dois alunos remanescentes da dependência e em regime de matrícula especial como
empecilho para o aprendizado da matemática: “Tem uns que não falam com os alunos... aí faz
qualquer coisa e pronto”. (JOÃO)
O aluno que estudou na rede particular de ensino, antes de se transferir para a pública,
ressaltou a falta de compromisso profissional com a aprendizagem do/a aluno/a da escola
pública:
no Batista, o professor prestava atenção nos alunos que estavam com
rendimento baixo, e procurava sempre ajudar, botava para sentar na frente, sentar
com aluno que sabia mais para ajudar os que estavam com dificuldade. Na escola
pública não, as professoras que eu tive davam o assunto e não queriam saber se o
aluno estava com dificuldade. A diferença é essa, que eu acho. (JOSÉ)
Paulo Freire (2007) nos chama atenção sobre afetividade e prática docente como
condição necessária para ensinar e aprender:
99
A atividade docente de que a discente não se separa é uma experiência alegre por
natureza. É falso também tomar como inconciliáveis seriedade docente e alegria,
como se alegria fosse inimiga da rigoridade. Pelo contrário, quanto mais
metodicamente rigoroso me torno na minha busca e na minha docência, tanto mais
alegre me sinto e esperançoso também. (FREIRE, 2007, p. 142).
Essa alegria de ensinar, de estar, de se projetar no futuro coletivo não foi percebida nas
falas, apesar de todos estarem a mais de dez anos em sala de aula. Pelo contrário, o “estar
professor/professora” é uma condição passageira, pois a maioria dos professores entrevistados
pensam em exercer outra atividade:
Urgentemente, urgentemente... (risos). estou esperando meu filho crescer um
pouquinho mais, pra buscar outra coisa. Talvez em educação, que eu gosto muito,
eu gosto muito de sala de aula, principalmente de matemática, mas está difícil,
muito difícil. (“D”)
Minha filha, hoje eu penso... (risos). Penso e quero... e estou correndo atrás.
Sério? Já estou correndo atrás... (“C”)
Porque eu quero sair de sala? Porque eu preciso, eu moro num país capitalista, tá?
E eu tenho sonhos a ser realizados, apesar de ter realizado muitos sonhos na
educação, dentro da educação, com a educação, que me deu dinheiro, mas eu tenho
novos sonhos a serem conquistados e eu preciso de dinheiro pra isso, por isso que
eu quero sair da educação em termos de rentabilidade, mas eu tenho certeza do que
eu vou fazer eu não vou ser realizada, então eu preciso de uma sala de aula para me
realizar ... (risos). (“A”).
Dois professores não descartam diretamente a possibilidade de exercer outra atividade.
Um sinaliza após a aposentadoria e que não seja na área educacional e o outro que trabalhou
durante muito tempo na iniciativa privada e que possui a idade mais avançada entre os
pesquisados, descarta momentaneamente a possibilidade:
Outra atividade? Não, agora quando me aposentar mesmo, porque não pretendo
parar e procurar outro trabalho para fazer e que não seja na educação,
sinceramente! (“B”)
Então, a princípio não. Apesar nos dias de hoje, principalmente quem tem família,
como é o meu caso eu esteja fugindo da razão, mas... Difícil! (“E”).
Essa falta de perspectiva na educação pode ser intercalada com a formação docente dos
pesquisados: apenas uma professora possui formação em licenciatura em matemática, dois são
licenciados em matemática, mas possuem formação também em Administração e Economia e
duas professoras não possuem formação específica na área, uma em Ciências Naturais e outra
em Administração e Biologia.
Outro fato interessante nesse “tornar-se professor/professora” é que durante a
trajetória, enquanto estudante, a relação com a disciplina não foi harmoniosa, não se
processou de forma prazerosa, mas sim, circunstancial:
100
Não, até que eu não tinha tanto gosto assim pela matemática. Na verdade, quando
eu fiz, prestei vestibular eu não tinha intenção lecionar, de trabalhar com a
educação, mas... eu relaxei um pouco, não estudei para fazer o curso que eu queria
que era Odontologia e acabei... é, assim que sai da faculdade passei no concurso cai
em educação e estou até hoje, eu nunca tive muito gosto não ... (risos). (“B”).
Não, não tive um bom relacionamento com a matemática, não tive. Eu tinha medo
dos professores de matemática porque eles criavam esse impacto, né? E eu faço
questão de não fazer isso com meus meninos e então, assim, dizem que Deus
escreve tudo certo por linhas torta, eu acho que todo meu trauma, tudo que eu
passei, certo? A aversão que eu tinha a matemática me ajuda hoje a tirar a aversão
da matemática dos meus meninos, porque uma coisa que eu trabalho muito com
eles é isso, professor de matemática não é bicho, [...]. (“A”)
Eu lembro bem na e 6ª séries que eu tive a mesma professora, eu recordo, eu não
aprendia, eu não conseguia aprender muito com ela, ela corria, ela se preocupava
muito em trabalhar os conteúdos, corria demais e não se preocupava muito se os
alunos realmente estavam aprendendo [...]. (“D”).
É nesse emaranhado de frustrações, de formação não específica, que a prática docente
se realiza norteada pela pedagogia recalcante no território afro-brasileiro, não diferindo muito
da prática vivenciada durante a trajetória escolar desses/as professores/as enquanto
estudantes: prevalece o formalismo educacional, a repetição dos exercícios, o treinamento
para a obtenção da pontuação necessária para aprovação: O professor não explica o assunto
direito e quer colocar logo na prova,
[...]
ai, o aluno perde na matéria. Ensinar mais, antes de
ter algum assunto para ponto, só isso”. (JOÃO)
De modo geral, o ensino da matemática no Colégio Polivalente do Cabula no período
em estudo pode ser enquadrado dentro do modelo que Paulo Freire (1978) chama de
“educação bancária”, o professor se limita a transmitir o conhecimento matemático e o aluno
é o receptor passivo da mensagem. O conhecimento matemático se configura como um
conjunto estático de objetos abstratos, que, do ponto de vista didático, ocorre através da
transmissão do saber:
Então assim, ser um professor é você transmitir os conhecimentos sair de sala de
aula realizada, satisfeita, e trabalhar em cima do amor. (“A”)
Professor de matemática significa ser aquele indivíduo, ou ele ou ela, onde busca
sempre mostrar para o aluno a importância da existência do mesmo [...]. (“C”)
Do ponto de vista pedagógico, o aluno que obtém sucesso é aquele que vai repetir,
reproduzir o que o professor falou; a “prova” é mera repetição dos “exercícios”. As causas
para os/as professores/professoras sobre a falta de êxito dos/as estudantes dentro do modelo
de ensino é: “falta de interesse, compromisso e dedicação por parte dos alunos; falta de
motivação e apoio da família; falta de base; falta de leitura”. Em suma, a causa do “fracasso”
101
é sempre o “outro”, que não se domesticou para reproduzir o que o/a professor/a exercitou,
conforme a determinação do sistema:
A gente luta contra a preguiça do aluno, a gente luta contra a falta de interesse,
então, eu acho que é um dos professores mais exigidos por causa disso, porque pelo
fato deles não quererem e é uma disciplina que exige muita dedicação por parte
deles e pelo fato deles não corresponder, então exige muito da gente, muita
paciência. (“D”).
Ficou evidenciado que o professor é o detentor do saber e que a aprendizagem é
resultante do esforço pessoal do aluno:
Eu queria muito mais, porém recebo muito pouco dos alunos, interesse, por mais
que a gente se esmere, por mais que a gente participe, por mais que a gente
incentive existe sempre um bloqueio, não sei se é bloqueio, mas existe uma
resistência dos próprios alunos, não no todo, mas a maioria de insistir, de não
querer aprender por achar dificuldade. De onde vem essa dificuldade, até hoje
ninguém conseguiu explicar. (“D”).
Hoje os alunos, eles não tem muito compromisso também consigo mesmo então,
fica difícil você não pode atingir uma maioria, infelizmente. (“E”)
Recorremos a D’Ambrosio (2005) para sintetizar o formalismo educacional observado
nas falas, sem qualquer relação com o contexto sociocultural:
A educação formal é baseada na mera transmissão de explicações e teorias (ensino
teórico e aulas expositivas), no adestramento em técnicas e habilidades (ensino
prático com exercícios repetitivos). Do ponto de vista dos avanços mais recentes de
nosso entendimento dos processos cognitivos, ambas são totalmente equivocadas.
Não se podem avaliar habilidades cognitivas fora do contexto cultural. Obviamente,
a capacidade cognitiva é própria de cada individuo. [...]. (D’ AMBROSIO, 2005, p.
17).
A prática do ensino da matemática não reflete o dinamismo da vida e da própria
matemática e que ao longo do tempo contribuiu para a exclusão dos alunos no sistema oficial
de ensino. Não é por acaso que os/as alunos/as expressam “não gostar de matemática”, que
dizem que é “difícil e complicado estudar e aprender matemática”. A limitação da prática em
sala de aula não reflete as matemáticas, enquanto idéias construídas historicamente e
traduzidas em linguagens. Na concepção universalista da disciplina matemática, que impera
no Colégio Polivalente do Cabula, não há espaço para perceber que a aprendizagem se
processa não porque é universal, mas porque é sociocultural, porque se entrelaça aos valores
socioexistenciais.
102
5.1.3 Entre os muros do CPC: violência e resistência
Durante o trabalho de campo iniciado no segundo semestre de 2008, não foi observado
qualquer ação voltada para se discutir efetivamente a diversidade cultural. Limitou-se, a
alguns professores/as, colarem cartazes mostrando as “pesquisas” dos alunos sobre “racismo”,
o “20 de Novembro”e, até mesmo, o “Dia do Folclore”!.
Figura 18. Conjunto de atividade sobre “consciência negra”
No PDE do colégio, também não foi constatada qualquer referência ressaltando a
diversidade cultural. De acordo com o Memorial (2005), que serviu de base para elaboração
do PDE vigente, elaborado pela equipe gestora da escola (a diretora, os três vice-diretores, a
secretaria e um coordenador pedagógico), foram diagnosticados as principais dificuldades
enfrentadas pela comunidade escolar:
Desinteresse dos alunos expresso nos índices de evasão e repetência;
defasagem série x idade; problemas de disciplina e violência;
dificuldades de aprendizagem em disciplinas específicas da área de
linguagem, matemática e ciências da natureza; baixo desempenho nas
avaliações externas; absenteísmo recorrente de professores;
descompromisso de uma parcela sensível de professores; alta
rotatividade de professor, principalmente por conta de licenças e
afastamentos médicos; currículo inadequado às necessidades dos
alunos; contexto socioeconômico dos alunos desfavorável; pouco
envolvimento das famílias; pouca participação da comunidade; a não
utilização dos recursos pedagógicos e tecnológicos disponíveis na
escola; pouca atuação do corpo técnico-pedagógico; ausências de
práticas pedagógicas inovadoras. (MEMORIAL, 2005, p. 21-23).
A equipe gestora ressaltou dois aspectos para a re-estruturação do trabalho escolar: o
aluno deixar de ser receptor passivo do conhecimento, sendo sujeito do próprio processo de
conhecimento e o professor deixar de ser mero transmissor para ser “um agente central do
ensino da escola”, que além do conhecimento acadêmico fundamentado deve ser “capaz de
conquistar o interesse dos alunos e envolvê-los na sala de aula, para que o processo de
103
aprendizagem se realize de forma consistente”. (MEMORIAL, 2005, p. 24). Como se daria
esse processo, o texto não deixa claro.
As dificuldades levantadas pela equipe gestora em 2005 não diferem das levantadas
durante o trabalho de campo, nas diversas reuniões em que tive oportunidade de participar,
selecionando, de acordo com o meu objetivo: a dificuldade de aprendizagem em matemática,
defasagem idade x série, problemas de disciplina e violência, pobreza e o baixo desempenho
das avaliações externas.
Os/as professores/as de matemática que participaram da pesquisa colocam a
defasagem idade x série como empecilho para a aprendizagem da matemática, ressaltando
também que nas séries onde há a defasagem é maior a indisciplina dos alunos.
Ah! Com certeza, não tenha dúvida disso. Vo trabalhar na quinta série é
diferente. Eu tiro até isso por mim, porque agora que eu estou fazendo um curso de
matemática, terminando o curso de Licenciatura em Matemática eu fico
observando, se eu tivesse estudado o curso de matemática na época certa, ta? Eu
achava que eu estava rendendo mais, entende? Eu acho que eu estaria absorvendo
mais os assuntos, os conteúdos. Hoje eu não tenho tempo, eu tenho que trabalhar,
eu faço minhas atividades a noite, cochilando, dormindo. Isso acontece com os
meninos também, alguns preferem a rua, aos estudos [...]. Acho que tudo tem que
ser feita na sua época, na sua idade, na data certa...(risos), no tempo certo, é o
próprio biológico, o sistema biológico nosso. (“A”).
Compartilho que para estudar não existe idade e que a criança, o/a jovem ou o adulto
aprende ao que é pertinente ao seu contexto cultural. O processo de construção de
conhecimento é marcado pelas vivências dos estudantes, os jovens e adultos não operam de
forma universal, mas sim por uma pertinência que é sociocultural (OLIVEIRA, 1999, p. 71).
Em nosso caso, faz-se necessário reavaliar as motivações históricas de criação das
escolas polivalentes, especificamente, a do Bairro do Cabula, e tecer reflexões sobre os
impactos causados pela pedagogia do embranquecimento e do recalque nessa territorialidade.
A violência e a indisciplina são resultantes da “ética da violência’ imposta pelos princípios
que estruturam o mundo do capital:
Nosso movimento em tecer reflexões transdiciplinares sobre educação, como
extensão de uma ética da violência, parte da compreensão de que o projeto
neocolonial e imperialista de mundo que impregnou as políticas educacionais no
Brasil, inviabilizou a coexistência entre as dinâmicas civilizatórias, matrizes da
nossa identidade nacional, abortou qualquer possibilidade de afirmação do direito à
alteridade própria de nossa diversidade étnico-cultural e isso tem-se refletido de
modo perverso entre as gerações mais jovens. (LUZ, N., 2002, p. 76).
104
Quando me refiro à violência, esta não se limita apenas ao aspecto físico, mas
enquanto arma ideológica de imposição de negação da identidade. Durante o processo de
formação social, à margem da sociedade oficial, valores culturais de vertentes civilizatórias
africanas não foram acolhidos no sistema oficial de ensino, oferecendo às crianças de origem
africana valores diferenciados dos seus, comprometendo seu rendimento escolar e processo
identitário, sendo essas crianças, a sua maioria, conforme os dados oficiais, os “fracassados”
do sistema educacional. Fracassado é o sistema que não consegue ver, nem absorver toda
pulsão de vida existente nas comunalidades das crianças e jovens, que insiste em recalcar
“eu”, para que se transforme no “outro”, no trabalhador “embranquecido” e obediente.
A matemática, enquanto disciplina obrigatória de qualquer escola institucionalizada,
procura traduzir a visão homogeneizante de mundo. Seus conteúdos são vistos como
independentes, isentos de subjetividade, um modo legítimo de raciocinar, que não permite
relativismo. Essa concepção vem desde os gregos, que inseriram esta disciplina nos sistemas
educacionais e, desde então, a matemática passou a ser um “filtro utilizado para selecionar
lideranças” (D’AMBROSIO, 1998, p.10).
Boyer (1996, p.60) atribui a Platão ser o grande incentivador para que a matemática se
tornasse parte essencial do currículo para a educação de homens de estados. A célebre
advertência na Academia de Platão “Quem não é geômetra não entre!” serve para ilustrar o
“lugar que a matemática e a geometria assumem em um momento de grande importância na
definição do pensamento ocidental e da filosofia em seu nascer” (CORNELLI e COELHO,
2007, p. 3).
No decorrer da história, o conhecimento matemático fez se universalizar de forma
imperialista. Não importa o local, sendo escola estatal, a matemática tem vaga afiançada no
currículo, garantindo as bases técnicas “racionalizantes” para a expansão do progresso
técnico-industrial; os sistemas educacionais estruturam-se dentro dessa gica assegurando as
condições necessárias para a reprodução. Até o presente momento, não consegui localizar um
país que dispensasse a matemática do currículo oficial.
Reportando ao ensino da matemática, seu sentido e significado, na territorialidade do
Cabula, defendo o “ser” professor por opção e não por força das circunstancias. Estar sem ser,
só aumenta a violência sobre o “outro”, cuja diferença será a causa da desigualdade imposta:
Devemos enfatizar o direito à dignidade, à distinção de acordo com o grupo étnico.
Perceber o sentido dos símbolos = (igual) e (diferente) e dos símbolos desiguais >
(maior que) e o < (menor que). [...]. Esses símbolos refletem a postura da escola
(sociedade) excludente, que, ou iguala todos, priorizando uma cultura em
detrimento da outra (eurocêntrica), ou coloca em posição de menor importância
105
sobrevalorizando a outra. Devemos fazer um estudo detalhado desses sinais e da
influencia deles na nossa vida, além da visão na “neutra” matemática [...]. (SILVA
e SANTOS, 199-, p.2).
O/a professor/a de matemática deve dominar o conteúdo do que vai ensinar e possuir
conhecimento para ir além daquilo que se propõe ensinar. Esse além está na possibilidade de
tomar uma posição, de abdicar da falta de relativismo da matemática, de reconhecer as
matemáticas existentes no mundo plural e que a matemática acadêmica é apenas uma delas,
que se universalizou, face à política imperialista do capital. Não se pode deixar de levar para
nossos/as alunos/as que a matemática acadêmica representa um formato de conhecimento
socialmente construída, que traz raízes afro-asiáticas e não apenas a européia.
O aluno que se encontra na condição de dependência ou em regime de matrícula
especial é um típico exemplo da opressão do ensino da matemática no Polivalente do Cabula.
Recorrendo ao dicionário encontramos a definição para a palavra dependência como estado de
quem ou daquilo que é dependente; subordinação; sujeição. Cursar dependência ou estar
dependente da disciplina matemática é uma condição que reflete bem a prepotência da
matemática e de seu ensino. Os estudantes estão sujeitos, subordinados ao aval da matemática
para progredir na vida, para desenvolver suas habilidades e competências? Qual o sentido de
se ensinar e aprender matemática? Essas questões devem fazer parte das reflexões diárias dos
professores desta disciplina.
É preciso que os/as professores/as se reconheçam como sujeitos históricos e que
estejam comprometidos a fim de transcender aos limites impostos pelo sistema, não de forma
isolada, mas de modo coletivo. Para tanto, ressignificar o sentido de educação pluricultural é
fundamental a fim de incorporar as referências socioexistenciais no currículo escolar.
Buscar, inquirir o saber/ fazer matemático dos diversos grupos culturais e voltar esse
conhecimento para o grupo, com o intuito de contribuir para uma formação social menos
excludente, é o desafio. Esta caminhada é fomentada pelo programa da Etnomatemática.
Apenas dois professores disseram ter ouvido falar da Etnomatemática, entretanto não
souberam relatar o seu entendimento. Com relação à aplicação da Lei 11.645/08 na sala de
aula de matemática, esta se limita aos “gráficos” e dentro da “interdisciplinaridade”, conforme
respostas dos que se habilitaram em responder.
No questionário, busquei saber a disponibilidade de os professores participarem de um
curso de formação voltado para a abordagem da pluralidade cultural e educação com ênfase
ao patrimônio matemático afro-brasileiro. De modo geral, uma predisposição dos docentes
em conhecer o assunto e isso já é algo importante:
106
“Não. Porque não vejo o que acrescentar”. (“E”)
“Sim. Para adquirir mais conhecimentos, aprofundamento no assunto de forma a
transmitir para meus alunos”. (“B”)
“Sim. Para conhecer.” (“C”)
“Sim. É importante conhecer nossa cultura em todos os aspectos”. (“A”).
Nas concepções levantadas no trabalho de campo com os/as professores/as ficou
evidenciado que estes são os detentores do saber e são os encarregados em transmitir os
conhecimentos matemáticos; que os/as alunos/as são “debilitados” em termos de
conhecimento; que a aprendizagem depende do esforço pessoal dos alunos; e que os melhores
alunos são os que fazem as atividades, os exercícios, os que reproduzem os modelos.
Os/as professores de matemática não são adeptos às inovações didáticas, são, digamos
assim, mais tradicionais, partidários da educação bancária:
Então, matemática pra mim ainda é quadro mais de cálculo, outra disciplina
você tem um leque maior [...]. O Estado disponibilizou televisor, pen drive, onde
vocês têm condições de passar mais alguma coisa, filme. Como Geografia, por
exemplo, pode abordar um tema bastante atual como a globalização, o problema
do aquecimento global, problemas de enchentes, tudo mais coisas assim, mudanças
climáticas exageradas [...]. Mas em nível de matemática, é mais lculo mesmo.
(“E”).
Infelizmente, mudou pouca coisa na forma de ensinar matemática, isso vem desde
[...]. A gente vai para a universidade e os professores não tem novidade para a
gente, quando a gente questiona como enfrentar esses problemas que a gente
detectava lá, eles não tinham o que dizer pra gente, não tinha novidade. [...]. (“D”).
A falta de inovação no ensino da matemática e a rigidez na forma de avaliar foram
ressaltadas na entrevista coletiva com a participação de professores de outras áreas:
Se você for pensar na tecnologia do mundo moderno, na era industrial até hoje,
nem todas as disciplinas a tecnologia, a informática tem colaborado, na matemática
você não observa isso [...]. Quando a gente quer alguma coisa de português, de
química, de física você manda ir na internet e você encontra. Na matemática você
não vê, não tem essas ferramentas [...]. O mesmo jeito, você pega o caderno e
[...]. (Profª de Português “A”).
Talvez o que está faltando ao professor de matemática é maquiar um pouquinho aí,
recuperar depois... (risos), porque o problema está em todas as disciplinas. Vo
sabe que tudo agora é gráficos e números, o que valem são os números, vocês estão
na frente dos números. Então, o que eu posso dar como sugestão para minhas
colegas de matemática, façam mais devolutivas... (risos), recuperação paralela...
(risos), não joguem, lancem logo as notas, porque não vai resolver os problemas e o
aluno fica com mais raiva das nossas disciplinas e a escola com mais raiva da gente,
porque não está chegando ao êxito e o problema sempre é o professor, nunca é o
aluno. (Profª Português “B”)
Novas tendências metodológicas no ensino da matemática vêm sendo utilizadas, a
exemplo de uso de materiais concretos e jogos; a Etnomatemática; a resolução de problemas;
a modelagem matemática; a História da Matemática; uso de computadores e calculadoras
107
(MENDES, 2009). Entretanto, não foi observado qualquer uma dessa tendência no trabalho de
campo.
Os/as professores/as que vêm procurando introduzir “inovações metodológicas” no
ensino de matemática, mesmo de forma incipiente, sem muito fundamento, reconhecem que
essas atividades são as que mais chamam atenção dos/das estudantes:
Olha, posso dar um exemplo. Eu agora pedi que eles fizessem uma paródia usando
a matemática e em outras duas turmas, eu pedi que eles fizessem uma ponte entre a
matemática e temas de outras disciplinas, conteúdo de outras disciplinas e eles
estão até empolgados. Então, a questão da interdisciplinaridade, a questão da
aplicação da matemática, eu senti que eles estão buscando, estão curiosos em
descobrir, em fazer alguma coisa, nesse momento não por causa da nota, mas eles
estão assim buscando, estão interessados na proposta. (“D”)
O lúdico. Porque eles agem, eles interagem, eles gostam, é..., se bem que eles não
associam o lúdico à aula, você tem que falar muito, eles acham que é aula livre, né?
Então, você tem que trabalhar essa questão. [...] Olha eu trabalho com...
amarelinha, com aquela música cada um no seu quadrado, eles amaram. Na
geometria, tem a questão da bola, do triângulo, do cone, vamos confeccionar, é...
trabalho muito com a música, onde eu tento inserir, ou a mesmo eles, eles
conseguem criar, fazem trabalhos maravilhosos, colocam as letras nas músicas,
minha filha, é maravilhoso, precisa ver, eles fazem isso também; na música, precisa
ver! Trabalho também um pouquinho de educação física, voltado né? Eles vão
pular corda, eles vão contar um dois, três...e ai depois a gente pergunta os múltiplos
[...]. (“A”).
Olha ... É eu tenho trabalhado desde que eu fiz o curso do Gestar que é uma forma
diferenciada de trabalhar vários conteúdos em uma atividade e é uma coisa que
chama muita atenção deles e até aqueles alunos que não gostam de ficar em sala de
aula.., as atividade do Gestar é geral, eles participam, eles gostam bastante. (“B”).
A postura autoritária do professor, o tradicionalismo no ensino, a falta de preocupação
com a aprendizagem dos alunos, o excesso de abstracionismo dos conteúdos sem
contextualização e a negativação dos resultados foram os assuntos mais ressaltados pelos
alunos, principalmente nas filmagens. Alguns alunos ressaltaram as “brincadeiras”, a
“indisciplina” e a “falta de estudo” como fatores que contribuíram para o fracasso e a
reprovação na disciplina, assumindo a culpa pelo “insucesso”, entretanto reforçam que o/a
professor/a não procura “explicar” melhor.
Os dois educadores que trocaram de turma a pedido dos alunos do ano vespertino,
atribuem aos alunos a responsabilidade pela aprendizagem escolar, não admitem inovações no
ensino, são rígidos em suas colocações:
Tudo é uma questão de interpretação. Se a gente faz, por exemplo, um trabalho em
sala de aula, se a gente o texto todo pra ele, bota a fórmula ali, pronto, eles
gostam, eles conseguem, eles não tem dificuldade nenhuma nisso, eles não têm
dificuldade. Até a gente jogar a fórmula, eles decoram a fórmula, a gente se
predispõem colocar a fórmula na prova, porque a questão da gente, a gente viu,
com relação a matemática não é a fórmula em si, não é ele saber calcular, é a
preguiça de interpretar, ou seja, ele não aceitar interpretar matemática, ele aceita
108
interpretar Português, ele aceita interpretar outras disciplinas, mas matemática ele
não se predispõe a interpretar. (Profª de Física “F”)
Eu acho que a palavra chave hoje, principalmente, que está inserido no que eu
acabei de falar, tem que ter muita paciência, porque os alunos, devido a essa
debilidade do primeiro grau, ele não tem o hábito, assim de concentração e a
disciplina exige, né?, Muita concentração [...]. Vo pode nem usar, mas é
importante você saber o desenvolvimento mental..., mas a matemática tem uma
coisa interessante, ela ajuda a voacelerar o seu raciocínio, a partir do momento
que você pratica mais você sente uma velocidade de raciocínio maior. Então, eu
acho que, o foco central estaria isso, em aguçar mais o raciocínio, seria mais ou
menos isso. (“E”)
Acredito que todas as disciplinas escolares, dentro das suas especificidades, têm por
propósito desenvolver a capacidade de raciocínio, não apenas a matemática. É preciso
repensar os conteúdos que são trabalhados em sala de aula, muitos em desuso, e inovar, por
exemplo, com a introdução de jogos matemáticos, principalmente de origem africana.
5.2 PLANTANDO ALGUMAS SEMENTES
A busca por alternativas metodológicas para aprimorar a minha prática pedagógica e a
certeza que o conhecer é o primeiro passo para se modificar o que discordamos fizeram que as
inquietações do presente se transformassem em desafios, ancorados no passado.
Se tivesse que começar o trabalho de campo hoje, provavelmente evitaria a avaliação
do processo de ensino e aprendizagem de matemática no Polivalente, pois a constatação de tal
realidade, que não difere muito do meu tempo de estudante, destaca-se em decorrência das
vozes que foram se fortalecendo mais ativamente no decorrer do processo e pressionando por
mudanças.
As sementes que venho procurando lançar, primeiramente, estão centradas na
discussão das raízes culturais da matemática. Ficou evidente, a partir de nossas experiências
docentes na formação de professores no interior do Estado, o desconhecimento por parte da
maioria dos docentes sobre a História da Matemática. A bacia semântica grego-romana é a
que impera. Não havia espaço para admitir contribuição de outras civilizações, principalmente
a africana. Rever as contribuições silenciadas da matemática acadêmica é um bom começo
para se discutir a universalidade da matemática.
109
Figura 19. Novas experiências/ São Sebastião do Passé e Alagoinhas
A realização de atividades desenvolvidas pelos alunos e mediada pelo/a professor/a a
fim de reconhecer as diversas contribuições, invenções tecnocientíficas dos africanos e de
seus descendentes no Brasil e no mundo, é instigante, abrindo possibilidades para se discutir a
base africana no pensamento matemático, ajudando a superar o eurocentrismo tão arraigado
nas práticas pedagógicas. Precisamos resgatar a nossa história, pois a nossa ancestralidade é a
matriz dessa história.
É notório que todo o re-pensar da matemática pode ser concebido dentro de uma
relação dialógica e a partir do entendimento de que o seu ensino pode ajudar a escola a
construir de forma integrada às demais disciplinas conhecimento, atitudes e valores que
ressaltem a alteridade do outro, a partir de uma ética-estética que ajude a valorizar o olhar do
outro, o seu modo de ser, de existir, de estar no mundo plural.
Utilizando o livro de Claudia Zaslavsky (2000) apresentei para a turma da EJA/2009,
Eixo V (corresponde a e séries) algumas atividades matemáticas existentes no mundo
plural, com destaque para os jogos de tabuleiro, comumente generalizados com o nome de
Mancala. As atividades são tentativas de aproximação da diversidade de culturas da
humanidade. Trabalhamos com jogos de tabuleiro, com Aware, Oware ou Awalé (a
terminologia varia de acordo com a localidade). Apresentei a proposta de atividade à colega
da disciplina Artes Laborais, entretanto a mesma informou que iria fugir do seu
planejamento. A falta de planejamento coletivo é um empecilho para a eficácia das ações,
entretanto, não podemos ser absorvidos pelo continuísmo.
Dentro do mosaico de atividades realizadas no período letivo de 2009, apesar das
dificuldades enfrentadas pelas modificações verticalizadas na EJA, procuramos utilizar o
ábaco, confeccionado pelo aluno Manoel Getúlio, para trabalhar sistema numeração,
construção de sólidos geométricos, além de apresentação de situações-problema, dentro do
contexto da sociedade e da cultura.
110
Figura 20. Mosaico de atividades
.
Tendo como referência as experiências vivenciadas e a atuação profissional na
territorialidade do Cabula, espaço que abarca também a nossa universidade (UNEB), durante
as atividades de Tirocínio Docente
19
, sob a orientação da Drª Narcimária Luz, foi apresentada
uma proposta de atividades para as séries iniciais da educação infantil, construída ao longo do
curso.
Procuramos aprofundar as particularidades do complexo universo africano-brasileiro e
dos povos indígenas, diante de uma totalidade histórica de negação da alteridade, enraizada na
política genocida e de recalque. Nossas indagações versaram em proposições coletivas de uma
educação pluricultural, procurando ressaltar que desde muito cedo a criança está submetida
aos mecanismos de discriminação presentes no interior da escola e que estes atentam contra o
não reconhecimento da alteridade própria, comprometendo a constituição das identidades.
Em diversas oportunidades, a matemática, enquanto representação de um formato
cultural de conhecimento, uma maneira de manipular formas, quantidade, medidas e
operações, foi trazida à cena das discussões no âmbito da disciplina Processos Civilizatórios e
Pluralidade Cultural, quando foram ressaltados seus referenciais civilizatórios e as angustias
vivenciadas pelos alunos/as e professores/as por desconhecerem a riqueza do patrimônio
civilizatório africano e afro-brasileiro.
A atividade proposta teve como objetivo intercambiar as discussões proporcionadas
pela disciplina Processos Civilizatórios e Pluralidade Cultural com o conteúdo matemático
19
Estágio supervisionado em uma disciplina acadêmica na graduação. O tirocínio foi realizado na disciplina
Processos Civilizatório e Pluralidade Cultural, oferecida no 7º semestre no curso de Pedagogia.
111
escolar que é trabalhado na Educação Infantil, através de linguagens inseridas na dimensão
lúdico-estética da Educação afro-brasileira.
Existem muitas maneiras de conceber e trabalhar com a matemática na educação
infantil. A matemática está presente na arte, na música, nos contos míticos, na culinária, nas
brincadeiras e jogos infantis. Uma criança aprende muito de matemática, sem que o adulto
precise ensiná-la. Através das atividades descobrem coisas iguais e diferentes, organizam,
classificam e criam conjuntos, estabelecem relações, observam os tamanhos das coisas,
brincam com as formas, com as quantidades, ocupam um espaço e assim, o construindo e
desenvolvendo o pensamento matemático. Quanto ao trabalho com os números, são símbolos
que representam graficamente quantidade de coisas que poderiam ser representadas de outras
formas. O que procuramos propor foi uma alternativa criativa de aprendizagem da matemática
voltada para o universo simbólico afro-brasileiro.
A célebre frase de Mãe Aninha, Iyá Oba Biyi, “quero ver as nossas crianças de anel
nos dedos aos pés de Xangô”, sinalizava a necessidade de ver seus descendentes com sua
alteridade própria fortalecida e inseridos na sociedade oficial, sem, entretanto, se afastar dos
seus valores civilizatórios representados pelo pai mítico ancestral Xangô. (LUZ, N., 2003).
Xangô, orixá do fogo, Alaafin, rei de Oyó, dinastia, origem ancestralidade, princípio
estruturador social e político figura histórica importantíssima na vida dos nagôs. Nas
comunidades afro-brasileiras a idéia de pai simbolicamente está representada por Xangô,
protetor da comunidade, ancestral mítico, patrono das dinastias reais, o rei que cuida do reino,
da expansão da comunidade, protege as famílias, linhagens e filhos. Esta é a concepção
africana de pai. Triângulos são elementos estéticos que caracterizam Xangô e ocupam uma
função importante. Dois triângulos mais um, ou dois mais um, é igual a três, o que representa
o casal e o descendente, sucessão de triângulos, sucessão de famílias, expansão da
comunidade. São várias formas geométricas com triângulos que podem constituir a
simbologia ligada ao orixá Xangô. ( LUZ, N., 2003).
No campo da matemática, os triângulos são polígonos muito especiais, pois são figuras
geométricas que geram outras figuras. Um quadrilátero pode ser decomposto em, no mínimo,
dois triângulos. Um pentágono pode ser decomposto em, no mínimo, três triângulos, e por
vai. O triângulo não se deforma, ele é rígido, fornece a sustentação para não desintegrar suas
partes, além de gerar as demais figuras.
A Etnomatemática permite ao educador da Educação Infantil direcionar o seu olhar
para uma relação entre o conhecimento matemático construído e a cultura negra, esta
concebida como uma complexa dimensão simbólica e visão de mundo que se expressa em
112
diversos elementos estéticos que “magnificam o sagrado e exprimem uma determinada
significação” (LUZ, 1983).
Ronaldo Martins (2008), que desenvolveu uma proposta educacional contextualizada
no patrimônio civilizatório africano-brasileiro, afirma que ao trabalhar com as crianças sobre
a simbologia do Orixá Xangô, espera-se que elas:
percebam que os símbolos dos orixás são elaborações estéticas que têm uma relação
concreta com a vida e a história dos descendentes de africanos no Brasil Através do
Oxé podemos aprofundar conhecimentos sobre Oyó, a capital política dos iorubas,
terra de Xangô, e tratar sobre as primeiras comununidades-terreiro na Bahia
construídas em homenagem a Xangô, considerado o grande pai ancestral das
comunidades nagôs brasileiras. (MARTINS, 2008, p.157).
Ao se inserir no cotidiano escolar da Educação Infantil a simbologia dos Orixás, nesta
atividade pedagógica especifica, a de Xangô, espera-se que as crianças comecem a perceber,
desde cedo, os modos de afirmação da estética afro-brasileira e sua dimensão com a vida, com
a sua realidade.
Tema: Arraias/Pipas: linguagens lúdico-estéticas afro-brasileiras e composições
etnomatemáticas.
Objetivos:
Vivenciar no cotidiano escolar da Educação Infantil a cultura africano-brasileira,
possibilitando a construção do processo identitário sem recalque.
Apresentar noções de geometria por meio das formas que aparecem nas armações das
arraias/pipas, como os triângulos.
Reconhecer os triângulos como figuras geométricas e como elementos estéticos
inseridos no universo simbólico afro-brasileiro.
Criar composições geométricas intercambiando cores, tamanho e forma com a
linguagem estética afro-brasileira.
Metodologia:
A metodologia a ser desenvolvida será desencadeada a fim de despertar o entusiasmo
em aprender, na alegria do existir, ancorada na noção de Odara, belo e técnico ao mesmo
tempo, conduzindo a participação espontânea e direta das crianças.
As formas geométricas, notadamente os triângulos e as cores, serão trabalhadas
relacionando-as ao universo simbólico afro-brasileiro. O repertório mítico relacionado ao
113
Orixá Xangô norteará toda dimensão estética das elaborações, aproximando-se das linguagens
e valores que expressam a alteridade civilizatória dos afro-brasileiros. As arraias, ou pipas, ou
papagaios, dependendo da denominação na localidade, serão apresentadas como linguagens
lúdico-estéticas.
Materiais:
Emborrachado (cores variadas, sendo imprescindíveis o branco e o vermelho)
Cartolina dupla face (cores variadas)
Cola
Tesoura
Arraias/pipas armadas
Figura 21. Atividades lúdico-estéticas.
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Orunmilá aprende o segredo da fabricação dos homensObatalá reuniu as
matérias necessárias à criação do homem e mandou convocar os seus irmãos orixás.
Apenas Orunmilá compareceu. [...] Somente Orunmilá sabe de que modo foi feito
cada homem, que venturas e que infortúnio foram usados na construção de seu
destino.
Rita de Cássia Amaral apud Prandi
Neste conto temos conhecimento de como Orunmilá tornou-se o pai do segredo.
Obatalá, de posse das matérias para criação do homem, convoca seus irmãos orixás,
entretanto, Orunmilá foi o único a comparecer, sendo recompensado por Obatalá que lhe
revelou “todos os segredos da construção do homem”, bem como “os mistérios e os materiais
usados na sua confecção”. Dessa forma, Orunmilá se tornou o pai do segredo, do mistério, da
magia e do conhecimento futuro. Apenas Orunmilá conhece os segredos da existência, o
destino, o futuro!
Não poderia tecer as considerações finais desta pesquisa sem recorrer aos
ensinamentos proporcionados pelos contos africanos, especialmente aos relacionados à
Orumilá, que nortearam minhas elaborações em cada capítulo, alertando-me, ensinando-me,
levando-me a refletir sobre a vida, ou melhor, a ser, existir e resistir.
Tenho consciência que o objeto de estudo desta pesquisa precisa ir além do limite aqui
explorado, a sensação da (in)conclusão afaga meus sentimentos e deixa a certeza da
ressignificação do ensino da matemática na territorialidade do Cabula, bem como da
necessidade de rever as contribuições dos patrimônios civilizatórios não-ocidental no
desenvolvimento da matemática.
Ao longo desta pesquisa, principalmente nos eventos que participei voltados para
educação matemática e no trabalho de campo desenvolvido, pude perceber o quanto a
matemática e seu ensino silenciam as contribuições do continente africano e de seus
descendentes.
Procurei acentuar que o conhecimento matemático é inerente à espécie humana, que se
tornou uma ferramenta poderosa não apenas de localização no tempo e no espaço e descrição
do mundo físico, mas um poderoso instrumento de dominação política e econômica.
Esse conhecimento socialmente construído representa uma dimensão cultural de
conhecimento, que se universalizou, concomitante ao processo de internacionalização do
115
sistema capitalista. O programa Etnomatemática traz em sua essência inquietações sobre o
universalismo da matemática, que procura apagar sua memória, suas raízes culturais.
Dentro desse contexto, a educação pluricultural foi refletida no âmbito da educação
matemática, uma vez que a matemática acadêmica não é vista como produto exclusivo da
sociedade, mas aquela produzida pela cultura do colonizador branco/europeu, engendrada na
dinâmica da esfera econômica.
No mundo plural “outras” matemáticas, socialmente desprestigiadas, presentes em
diversas culturas e que precisam ser levadas para sala de aula. Dessa forma, a educação
pluricultural deve ser formatada por práticas pedagógicas que absorvam valores existenciais
dos afro-brasileiros, a fim de que as crianças e os jovens possam assumir sua ascendência sem
recalque.
No Brasil, concomitante ao processo de formação social, o sistema educacional se
estruturou fomentado pela pedagogia do embranquecimento e ideologia do recalque, a fim de
desafricanizar sua população e denegar todo o patrimônio civilizatório africano.
Sendo assim, é compreensível a criação da Escola Polivalente do Bairro do Cabula na
territorialidade do Cabula, um espaço ancorado na ancestralidade africana, na arkhè
quilombola, que dinamizou o espaço ao longo do tempo, impulsionando a existência,
reelaborando formas de ser, de se relacionar e de estar no mundo contemporâneo.
A criação de comunidade terreiro na territorialidade do Cabula veio expandir a
continuidade da ancestralidade africana na Bahia. A territorialidade do Cabula está enraizada
na resistência histórica quilombola, enquanto espaço de afirmação socioexistencial, dotado de
sentimento, de identidade cultural, de memória simbólica e coletiva.
Os/as alunos/as do Colégio Polivalente do Cabula carregam em sua essência, a
maioria, a ancestralidade africana. Muitos/as são oriundos/as de comunidade-terreiros,
entretanto a escola não procura acolher o universo simbólico dos afro-brasileiros, mas sim,
folclorizar, desconfigurar seus símbolos e significados. A estética da cumeeira do telhado é
um exemplo.
No trabalho de campo ficou evidenciado o ensino da matemática como um pico
exemplo de opressão pelo “saber”, com elevado índice de reprovação ao longo do tempo,
desencadeado por práticas pedagógicas recalcantes, adeptas da educação bancária,
privilegiando o universalismo do conhecimento matemático, postura autoritária, a falta de
preocupação com a aprendizagem dos alunos e o excesso de abstracionismo dos conteúdos
sem contextualização.
116
O ensino no Colégio Polivalente do Cabula e, especificamente, a prática do ensino da
matemática não refletem o dinamismo da vida e da própria matemática, contribuindo para a
exclusão dos alunos no sistema oficial de ensino e aos que resistem, mesmo o possuindo a
compatibilidade idade x série, conforme os tecnicistas do Estado, não se limitam em ouvir
passivamente, clamam, mesmo de forma indisciplinada, violenta, pelo acolhimento do
universo socioexistencial de sua territorialidade.
Mate, má, tica! É uma extensão da ética da violência, que procura impor o
universalismo do conhecimento matemático, tornando uma arma ideológica de dominação
política e econômica aos moldes positivistas.
A vida na escola é para homogeneizar as elaborações de vida, o pulsar das
comunalidades existentes na territorialidade do Cabula. Os fracassados não são os/as
alunos/as, mas o sistema que não consegue ver, nem absorver toda elaboração de vida
existente nas comunalidades das crianças e jovens, que insiste em recalcar “eu”, para que se
transforme no “outro”, comprometendo a constituição das identidades. É preciso repensar o
sistema de ensino no Brasil, lançando alternativas para o futuro de todas as disciplinas e
especialmente da matemática. É preciso acolher valores e linguagens que fazem parte das
elaborações de nossos estudantes e de suas comunalidades.
O grande desafio do/a professor/a de matemática está no reconhecimento das
matemáticas e nas suas formas de expressões culturais de matriz africana criando
possibilidades de diálogo com a matemática acadêmica, não se limitando a transmitir
conhecimento, mas criando as possibilidades para sua construção. A busca dessa
Etnomatemática é que impulsiona meu sentido de ensinar e aprender as matemáticas
existentes na territorialidade do Cabula.
117
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[online]. 2009, n.34, p. 231-240. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. Acesso
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YIN, Robert K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman,
2001.
124
APÊNDICE A - ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
DADOS PESSOAIS
Fale um pouco de você. Identifique-se (idade, regime de trabalho, quanto tempo
trabalha na escola etc).
SUA RELAÇÃO COM A MATEMÁTICA
Fale sobre o “seu gostar” matemático.
Dos/as professores/as de matemática que cruzaram sua trajetória de aluno/a qual
ou quais as características mais relevantes deles/as?
NATUREZA DO TRABALHO DO
/A PROFESSOR/A DE MATEMÁTICA
O que é ser professor/a de matemática? O que significa ser um professor de
matemática.
Seu trabalho como professor/a de matemática corresponde às suas expectativas?
Você está satisfeito em realizar o tipo de trabalho que você faz em sala de aula?
Pensa em exercer outra atividade?
PLANEJAMENTO e EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Você decide quais conteúdos
deverão ser trabalhados em sala de aula e a maneira de
abordá-los? O que você diria sobre sua autonomia como professor/a
de Matemática
no Colégio Polivalente do Cabula?
Você acha que consegue realizar seu trabalho satisfatoriamente independe
nte dos
outros colegas?
Das atividades pedagógicas realizadas, quais as
que você acha que desperta mais
atenção dos/as estudantes? Por quê?
Você procurou abordar aspectos socioculturais da comunidade escolar em seu
planejamento? Conhecer melhor os/as educandos/as?
Como você descreveria o
alunado?
ouviu falar de etnomatemática? O que você entende? Quais a
utores lhe remetem
ao programa de pesquisa etnomatemática?
Você conhece o teor da Lei 10.639/03? Ou da Lei 11.645/08?
Será possível
trabalhar aspectos da Lei nas aulas de matemática?
Em algum momento, você procurou ressaltar a contribuição do continente
africano no desenvolvimento do pensamento matemático?
Você acha possível intercambiar matemática com conhecimento
milenar das
comunidades afro-brasileiras?
125
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO/ALUNO
Prezados (as) Alunos (as),
Sou aluna do Curso de Mestrado em Educação e Contemporaneidade da UNEB e venho
desenvolvendo pesquisa de campo com o intuito de analisar as concepções elaboradas por
estudantes e professores/as no âmbito do Colégio Polivalente do Cabula sobre a prática
pedagógica voltada para o ensino da matemática diante da pluralidade cultural que permeia o
contexto escolar. Portanto, a contribuição de vocês é de fundamental importância para o êxito
da pesquisa.
Antecipadamente, agradeço.
Um forte abraço,
Célia Braz
(Professora de Matemática do CPC, período noturno)
I. CONHECENDO MELHOR VOCÊ
1. Nome(opcional): ______________________________________________
2. Idade: _________________________________________________________
3. Bairro em que reside: _____________________________________________
4. Com quem você mora? ________________. Quantas pessoas residem com você?
____________________________.
5. Como você se considera: ( ) Negro ( ) Branco ( ) Pardo ( ) Índio
( ) outros. Especifique: ______________________________.
6. Qual a religião que você mais se identifica? ( ) Matriz Católica ( ) Matriz
Evangélica ( ) Matriz Espírita ( ) Matriz afro-brasileira.
7. O que você faz no período em que não está na escola?
_______________________________________________________________________
_________________________________________________________.
8. De acordo com seu padrão de vida, sua renda familiar, é possível adquirir bens materiais
que você julga importante para seu bem-estar? Explique.
II. SUA RELAÇÃO COM A ESCOLA E A MATEMÁTICA
1. Em que série você estuda? __________________________________________
126
2. É a primeira vez que cursa dependência? ( ) Sim ( ) Não. Apenas em
matemática? ( ) Sim ( ) Não. Se negativo, quais são as outras disciplinas que
você cursa dependência?_______________________________
3. Quais as razões que levaram você a cursar dependência?
_____________________________________________________________________
___________________________________________________________
4. Você não obteve aprovação alguma vez, anterior a esta em que cursa dependência? (
) Sim ( ) Não. Se afirmativo, quantas vezes? ______
5. Com que idade ingressou na escola? ___________________________________
6. Entre as disciplinas do currículo escolar, em qual você encontra maior dificuldade?
Por quê? ______________________________________________
________________________________________________________________________
______________________________________________________________
8. Gosta de Matemática? ( ) Sim ( ) Não. Por quê.
9. Você consegue relacionar o conteúdo que é trabalhado na sala de aula de Matemática
com a sua vida cotidiana? Explique. ____________________________
___________________________________________________________________
10. O que você sente mais dificuldade na aula de Matemática? Explique.
11. Você acha que as dificuldades encontradas pelos/as alunos/as em Matemática tem
relação com a postura (o modo de transmitir conhecimento) do professor de Matemática
no desenvolvimento das aulas? Justifique.
12. sugestões para a aula de Matemática, de forma que ela se torne mais interessante e
ganhe importância para o seu cotidiano.
13. Levando em consideração as aulas de Matemática no ano de 2008, assinale um dos
conceitos (insatisfatório, regular, bom e excelente) para cada um dos itens.
127
CONCEITOS
ITENS
Insatisfatóri
o
Regular
Bom
Excelente
1.1. Provas
1.2. Exercícios
1.3. Atividades em grupo
1. Atividades propostas
1.4. Aulas
2.1. Solução de dúvidas
2.2. Clareza nas respostas
2.3. Disponibilidade
2. Desempenho do
professor
2.4. Estímulo à participação
3.1 Importância
3.2. Ligação com o mundo do trabalho
3.3. Aplicação na vida cotidiana
3. Conteúdos gerais
3.4. Tempo destinado ao desenvolvimento do conteúdo
5. Local de realização das atividades
6. Livro e apostilas
13. Faça comentários sobre o (s) item (ns) para o (s) qual (is) assinalou insatisfatório ou
regular.
14. Outro (s) comentário (s):
128
APÊNDICE C – QUESTIONÁRIO/PROFESSOR
Prezados (as) Colegas,
Sou aluna do Curso de Mestrado em Educação e Contemporaneidade da UNEB e venho
desenvolvendo pesquisa de campo com o intuito de analisar as concepções elaboradas por
estudantes e professores/as no âmbito do Colégio Polivalente do Cabula sobre a prática
pedagógica voltada para o ensino da matemática diante da pluralidade cultural que permeia o
contexto escolar. Portanto, a contribuição de vocês é de fundamental importância para o êxito
da pesquisa.
Antecipadamente, agradeço.
Um forte abraço,
Célia Braz
(Professora de matemática do CPC, período noturno)
I. CONHECENDO MELHOR VOCÊ
1.Nome (opcional): ______________________________________________
2.Idade (opcional): ______________________________________________
3.Bairro em que reside: _____________________________________________
4.Como você se considera: ( ) Negro ( ) Branco ( ) Pardo ( ) Índio
( ) outros. Especifique: ______________________________.
5.Qual a religião que você mais se identifica? ( ) Matriz Católica ( ) Matriz Evangélica
( ) Matriz Espírita ( ) Matriz afro-brasileira.
6.Sua formação de Ensino Fundamental e Médio foi:
( ) Escola Pública (Ensino Fundamental) ( ) Escola Pública (Ensino Médio)
( ) Escola Privada (Ensino Fundamental) ( ) Escola Privada (Ensino Médio)
II. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
9. Tempo de profissão:
10. Tempo de trabalho na escola:
11. Trabalha 40 horas semanais? ( ) Sim ( ) Não.
12. É licenciado em matemática? ( )Sim ( ) Não. Se negativo, qual a sua
formação? ___________________________________________
129
13. Quais as motivações que lhe levaram a ser professor/a?
14. Você está satisfeito com a sua profissão?Justifique.
III. VIVÊNCIA EDUCACIONAL
1. Como você vê a comunidade em que atua profissionalmente? Quais as características mais
relevantes que você reconhece no segmento discente?
2. Faz parte da rotina do (a) professor (a) de matemática ouvir expressões do alunado de que
“não gosta de matemática”, que é “difícil, complicado, estudar e aprender matemática”.
Como você lida com essa situação?
3.Você acha que as dificuldades encontradas pelos/as alunos/as em Matemática têm relação
com a postura (o modo de transmitir conhecimento) do professor de Matemática no
desenvolvimento das aulas? Justifique.
4.Na Semana Pedagógica do CPC, fevereiro/2009, foi apresentado pela equipe gestora, o
rendimento escolar do ano letivo de 2008. De acordo com os dados, 70% dos que foram
conservados não conseguiram êxito na disciplina matemática. Quais os fatores que
contribuíram para esse cenário?
5.Quais os conteúdos de Matemática que os estudantes apresentam mais dificuldades de
aprender?
6.Ao elaborar seu planejamento escolar, você já procurou inserir em suas aulas aspectos
culturais da comunidade local? Se positivo, de que forma?
7.Você utiliza o livro didático em suas atividades (sala de aula e atividades para casa)?
Como? Por quê?
8.Quais as atividades pedagógicas realizadas em sala de aula que despertam mais atenção dos
estudantes? E com relação aos recursos?
130
IV. Um pouco de EDUCAÇÃO MATEMÁTICA.
1. Você já ouviu falar em etnomatemática? O que você entende?
2. Em sua opinião, como a Matemática pode contribuir para a compreensão da realidade
socioexistencial dos (as) alunos (as)?
3. Para você, é possível estudar o conteúdo matemático escolar com os saberes das
comunidades afro-brasileiras que estruturam a identidade cultural dos (as) estudantes
que vivem na territorialidade do Cabula?
4. A Lei 11.645/08(que incorpora aspectos da 10.639/03) obriga a inclusão no
currículo escolar das escolas públicas o estudo da cultura afro-brasileira e africana no
Ensino Fundamental e Médio.
a) Será possível aplicar essa Lei na sala de aula através dos conteúdos matemáticos?
Explique.
b) Você participaria de um curso de formação voltado para a abordagem da Pluralidade
Cultural e Educação com ênfase no patrimônio matemático afro-brasileiro? Por quê?
c) Quais sugestões você apresenta para se trabalhar a História da África e da cultura
afro-brasileira em sala de aula através da Matemática?
131
APÊNDICE D – TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E VOZ
Eu ________________________________________________________, autorizo o uso de
minha imagem e voz pela pesquisadora MARIA CÉLIA BRAZ SANTOS na pesquisa de
mestrado intitulada MATE, MÁ, TICA! UM CASO DE RESISTÊNCIA NA
TERRITORIALIDADE DO CABULA desenvolvida no Programa Pós-graduação em
Educação e Contemporaneidade na Universidade do Estado da Bahia. A presente autorização
é concedida a título gratuito, abrangendo o uso da imagem e voz acima mencionadas, única e
exclusivamente para fins acadêmicos.
_______________________ ________________________________
Assinatura da (o) entrevistada(o)
Assinatura do responsável por obter o consentimento.
Salvador, _____ de ____________2009.
132
APÊNDICE E - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ________________________________________________ , consinto em participar do
estudo de pesquisa MATE, MÁ, TICA! Um caso de resistência e violência na territorialidade do
Cabula, que tem como objetivo analisar as concepções elaboradas por estudantes e professores/as no
âmbito do Colégio Polivalente do Cabula sobre a prática pedagógica voltada para o ensino da
matemática diante da pluralidade cultural que permeia o contexto escolar.
Estou ciente que será utilizado para coleta de dados um questionário que contém quatro
tópicos: “Conhecendo Melhor Você”, “Trajetória Profissional”, “Vivência Educacional” e “Um Pouco
de Educação Matemática” e que este instrumento subsidiará a Dissertação de Mestrado do Programa
de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia - UNEB.
Estou ciente, também, que a pesquisadora responsável por este projeto de pesquisa é Maria Célia Braz
Santos, orientada pela Profª Drª Narcimária Correia do Patrocínio Luz .
Meu consentimento está fundamentado na garantia de que as informações apresentadas serão
respeitadas e assenta-se nas seguintes restrições:
a. Não serei obrigado(a) a realizar nenhuma atividade para qual não me sinta disposto(a) e
capaz.
b. Não participarei de atividade que possa vir a me trazer qualquer prejuízo.
c. O meu nome e o dos demais participantes da pesquisa não serão divulgados.
d. Todas as informações individuais terão o caráter estritamente confidencial.
e. A pesquisadora estará obrigada a me fornecer, quando solicitado, as informações
coletadas.
f. Posso, a qualquer momento, solicitar a pesquisadora, que meus dados sejam excluídos da
pesquisa.
Ao assinar este termo, passo a concordar com a utilização das informações para os fins
específicos deste estudo, salvaguardando as diretrizes universalmente aceitas da ética na pesquisa
científica, desde que sejam respeitadas as restrições acima elencadas.
Salvador, _____ de __________________ de 2009
Nome:__________________________________________RG.: ___________________
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