Num sábado, pouco antes do Natal, meu pai foi enviado em uma expedição
de compras natalinas, e eu, com uns cinco anos de idade, deveria
acompanhá-lo. Na hora, meu pai não gostou muito da idéia e das
responsabilidades dessas compras, e por isso o clima estava tenso. Um de
seus deveres era comprar um presente para mim, e ele orquestrou esta
compra da seguinte maneira: levou-me até um determinado balcão de
brinquedos na Woolworth, onde estava exposta uma meia dúzia de artigos,
todos com preço de dois xelins, e me convidou a escolher. Com certa
consternação, vi-me diante daquelas opções sem graça até que, pressionado
para tomar uma decisão, acabei escolhendo um trenzinho de brinquedo meio
bobo. Voltamos para casa, cumprida a missão de meu pai e radicalmente
revisadas as minhas estimativas sobre os méritos daquela festiva ocasião.
Uma das diversas perguntas levantadas por minha mãe a respeito da sensatez
das diversas compras concentrava-se na satisfação que eu teria com meu
presente. “Foi ele que escolheu”, respondeu prontamente meu pai. Minhas
faculdades racionais não estavam suficientemente desenvolvidas para que eu
pudesse articular a maneira como havia sido logrado, mas é claro que sabia
que realmente isso acontecera. Talvez naquele momento tenha entrado em
jogo algum impulso edipiano que me empurrou na direção de uma carreira
na filosofia. De qualquer maneira, eu gostaria de apresentar a moral que
tirei da história: quando as pessoas têm de fazer escolhas, todos os
determinantes mais importantes já ocorreram.(sem grifo no original-cap. 8)
Do mesmo modo ocorre com a nossa vida em sociedade. A falsa sensação de
democracia e da possibilidade de escolha pelo direito ao voto, por exemplo, não
passam de uma ilusão de capacidade de decisão, pois quando somos convidados a
decidir todas as decisões realmente importantes já foram tomadas. E a consciência
disso é o primeiro passo para o exercício da verdadeira razão, de uma razão que não
esquece das suas circunstâncias, objetivo de Adorno nas palavras de Ricardo Timm de
Souza:
Este é o móvel fundamental do pensamento de Adorno: o pensamento que
não esquece seus próprios condicionamentos, sua história, seus limites, suas
origens e motivação originais, quase obsessivamente fixado em seus
próprios condicionantes, e que não suporta nenhum tipo de sublimação
conciliatória em um todo racional, em algum tipo de Totalidade (SOUZA,
2004, p. 96).
Toda a ação social se move dentro dessa possibilidade restrita de liberdade.
Essa pálida representação da liberdade é suficiente para os fracos que se inserem no
sistema em busca de sua ínfima e ilusório parcela, sem se aperceberem do fato de que
são como ratos de laboratório em uma daquelas esteiras construídas para testar os