Download PDF
ads:
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAQUARA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
E MEIO AMBIENTE
GISELE TEIXEIRA PARRA PEDROSO
RESTRIÇÕES LEGAIS AO USO DA PROPRIEDADE RURAL: O CASO
DA MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO SANTO
ANTONIO NO MUNICÍPIO DE JAHU – SP
Araraquara
- 2008-
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAQUARA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
E MEIO AMBIENTE
GISELE TEIXEIRA PARRA PEDROSO
RESTRIÇÕES LEGAIS AO USO DA PROPRIEDADE RURAL: O CASO
DA MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO SANTO
ANTONIO NO MUNICÍPIO DE JAHU – SP
Dissertação apresentada ao Centro
Universitário de Araraquara como parte
das exigências para obtenção do grau de
Mestre em Desenvolvimento Regional e
Meio Ambiente.
.
Orientador: Prof. Dr. Zildo Gallo
Araraquara
- 2008-
ads:
Ficha Catalográfica – elaborada pela Biblioteca do Centro Universitário de
Araraquara/SP – UNIARA
P415r Pedroso, Gisele T. P.
Restrições legais ao uso da propriedade rural: O caso da microbacia
hidrográfica do córrego Santo Antonio no município de Jahu-SP.
Gisele Teixeira Parra Pedroso - Araraquara: Centro Universitário de
Araraquara, 2008.
Dissertação (Mestrado) – Programa de pós-graduação em
Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente – Centro Universitário
de Araraquara –UNIARA.
Área de concentração: Dinâmica regional e alternativas de
sustentabilidade.
Orientador: Prof. Dr. Zildo Gallo
1. Microbacia hidrográfica - 2. Restrições legais - 3. Pequena
propriedade. I.Título
C.D.U.504.03
Ao Alencar,
Meu grande amor.
Por tudo que representa em minha vida.
AGRADECIMENTOS
À Deus, por ter me dado força e discernimento para superar os momentos difíceis e concluir
mais uma etapa da minha vida.
Ao meu Orientador Prof. Dr. Zildo Gallo, e ao Prof. Dr. Hildebrando Herrmann, por toda a
dedicação, paciência, apoio e compreensão, por todo conhecimento transmitido durante a
elaboração deste trabalho. Além de admiráveis professores e orientadores, foram também
grandes amigos nos momentos mais difíceis.
Ao Prof. Dr. José Querino Tavares Neto, por ter despertado em mim o amor pela ciência, e
por ter sido juntamente com a Silvana, sua esposa, minha referência acadêmica no primeiro
ano do Curso de Direito.
Ao Prof. Dr. Oriovaldo Queda, pelas suas preciosas contribuições e amizade.
Aos meus queridos pais, irmão e avós, pessoas que tanto amo e que sempre estiveram
pacientemente ao meu lado, me apoiando e incentivando.
Ao Engenheiro Agrônomo da CATI de Jahu, João André, ao geógrafo Kiko Veniziani, ao
Marcos Fernandes, do IBGE por toda a dedicação, paciência e auxílio prestados, essenciais
para o desenvolvimento deste trabalho.
Ao Toni Carioba da Fazenda Santo Antonio dos Ipês, que esteve sempre pronto para ajudar,
agradeço pelas suas valorosas contribuições, dedicação e amizade.
Ao Miguel, Engenheiro Florestal do DEPRN de Bauru, pela sua paciência e prontidão, e pela
valiosa contribuição com suas informações.
Ao Prof. Fernando Frederico, de quem eu tive prazer de ser colega de escola, aluna e
estagiária, por toda sua dedicação, orientação e amizade, e à Juliana, sua sócia, pessoa muito
querida, que tanto me ensinou e orientou.
Aos meus amigos da Faculdade, em especial à: Jaqueline, Marcos, Pablo, Pedro, Sabrina e
Vanessa, pelo incentivo, amizade e auxílio nos trabalhos e estudos para as provas, sem os
quais tudo teria sido bem mais difícil.
Aos Procuradores do Estado e meus orientadores de estágio, Dr. Sílvio Ferracini e Drª Vânia
Barbieri Benatti, pela compreensão, amizade e valorosos ensinamentos.
À Daniela, secretária do nosso escritório, por toda a dedicação, prontidão, pela grandiosa
colaboração para a realização deste trabalho.
A todos que no momento posso não lembrar, mas que direta ou indiretamente contribuíram
para a elaboração desse estudo, meus sinceros agradecimentos!
“É mais fácil para quem deixou de resistir ou a quem
sequer foi possível em algum tempo resistir, aconchegar-
se na mornidão da impossibilidade, do que assumir a briga
permanente e quase sempre desigual em favor da justiça e
da ética”.
(Paulo Freire)
viii
SUMÁRIO
Resumo.......................................................................................................................................x
Abstract.....................................................................................................................................xi
Lista de Ilustrações.................................................................................................................xii
Lista de Tabelas.....................................................................................................................xiii
Lista de Abreviaturas e Siglas..............................................................................................xiv
Introdução.................................................................................................................................1
1 O Meio Ambiente e o Direito Ambiental.............................................................................7
1.1 Conceito de Natureza e Meio Ambiente..........................................................................7
1.2 Noções Básicas sobre Ecologia......................................................................................12
1.2.1 A Ecologia Profunda.............................................................................................16
1.3 A Vida em Sociedade e o Direito...................................................................................19
1.4 O Direito Ambiental.......................................................................................................25
1.5 A Tutela Constitucional do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado....................28
1.6 Princípios do Direito Ambiental.....................................................................................32
1.6.1 Princípio da Razoabilidade – Proporcionalidade..................................................36
1.6.2 Princípio da Função Sócio-ambiental da Propriedade..........................................38
2 A Microbacia Hidrográfica do Córrego Santo Antonio...................................................46
2.1 A Bacia Hidrografia e a Solução de Conflitos...............................................................46
2.2 A Gestão dos Recursos Hídricos no Estado de São Paulo.............................................49
2.3 Localização Geográfica da Microbacia do Córrego Santo Antonio...............................51
2.4 Considerações sobre o Município de Jahu.....................................................................53
2.4.1 Características Sócio-econômicas do Município..................................................54
2.4.2 Hidrologia.............................................................................................................57
2.4.3 Clima e Vegetação................................................................................................58
2.4.4 Aspectos Relevantes da Microbacia para o município.........................................59
2.4.5 Planejamento Urbano frente às questões ambientais............................................63
2.5 Uso e Ocupação do Solo da Microbacia........................................................................67
2.5.1 Tipos de Solo presentes na Microbacia................................................................71
2.5.2 Capacidade e Adequação do Uso do Solo............................................................76
ix
2.6 Estrutura Fundiária da Microbacia e a Questão da Pequena Propriedade.....................83
3 Das Restrições Legais .........................................................................................................88
3.1 Espaços Territoriais Especialmente Protegidos.............................................................88
3.2 Distinção entre Flora, Vegetação e Floresta...................................................................92
3.3 As Áreas de Preservação Permanente.............................................................................94
3.3.1 As Resoluções CONAMA...................................................................................96
3.3.2 A Supressão das Áreas de Preservação Permanente...........................................100
3.3.3 Áreas de Preservação Permanente na Microbacia..............................................102
3.4 A Reserva Florestal Legal..............................................................................................109
3.4.1 A Reserva Florestal Legal no Estado de São Paulo...........................................116
3.5 As Restrições Legais e a Pequena Propriedade..............................................................120
3.6 As Restrições Legais e o Desenvolvimento Sustentável...............................................126
Conclusão.............................................................................................................................129
Referências...........................................................................................................................133
x
RESUMO
A ecologia profunda e a teoria sistêmica, ou em rede, vêm revolucionando o conceito de que o
homem é o centro do universo. Preservar o meio ambiente é algo de suma importância não
apenas com vistas à sobrevivência humana, mas pelo valor reconhecido a todas as formas de
vida. Os espaços territoriais especialmente protegidos, como as Áreas de Preservação
Permanente e as Reservas Florestais Legais, são instrumentos valiosos para a consecução
desse objetivo. Contudo, além de haver uma infinidade de leis, decretos e regulamentações
disciplinando o assunto (o que dificulta a interpretação normativa e dá margens aos
questionamentos), constatou-se a inadequação do conceito de pequena propriedade
estabelecido pelo Código Florestal. Isso porque, além da já conhecida violação ao princípio da
isonomia, por dispensar o mesmo tratamento a todos os proprietários rurais ignorando sua
situação fática, o dispositivo ignora a linha tênue que hoje separa o campo da cidade. Quanto
à obrigatoriedade do proprietário arcar com o ônus de restaurar a Reserva Florestal Legal,
concluiu-se que existe uma responsabilidade solidária entre a coletividade e o Poder Público
pela situação atual. Referente à sociedade, ela tem o dever de preservar o meio ambiente, mas
isso não ocorre; e, ao Poder Público, que além de ter sido omisso por décadas de legislação
florestal vigente, estaria também se refutando do dever de restaurar os processos ecológicos
essenciais.
Palavras chave: teoria dos sistemas, microbacia hidrográfica, área de preservação
permanente, reserva florestal legal, pequena propriedade, restrições legais, políticas públicas,
município de Jahu.
xi
ABSTRACT
The deep ecology and the systemic theory or also called net ecology, has revolutionizing the
concept that the man is the center of the universe. Preserve the environment is an ultimate
issue, not only seeking the human survival but also because of the value of every kind of life.
The specially protected territorial spaces as the Permanent Preservation Areas and the Legal
Forest Reserves are valuable instruments to reach this goal. However, besides the existence of
numberless laws, decrees and adjustments ruling the subject (what difficults the normative
interpretation and makes room to questioning) it was ascertained the concept’s inadequacy of
small property established by the Forest Code. That’s because, besides the yet known
isonomy principle violation, by discharging the same treatment to all the earth owners
ignoring their real situation, the dispositive ignores the thin line that nowadays separates field
and city. As for the owners’ obligation in paying the entire burden and restoring the Legal
Forest Reserve, it ends up that there is a solidary responsability between the collectivity and
the Public Power by today’s situation. About what concerns to the society, is that it has the
duty of preserving the environment, but this doesn’t happen; and to the Public Power, that
adding the fact of being silent for decades of the current forest legislation , would also be
refuting itself from the duty of restoring the essential ecologic processes.
Key words: systemic theory, micro-watershed permanent preservation area, legal forest
reserve, small property, legal restriction, public politics, Jahu council.
xii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1- Elementos estruturais de um ecossistema.................................................................15
Figura 2 - Representação de uma bacia hidrográfica................................................................47
Figura 3 – Localização da Microbacia do Córrego Santo Antonio...........................................51
Figura 4 – Nascente do Córrego Santo Antonio.......................................................................52
Figura 5 – Foz do Córrego Santo Antonio na divisa com o perímetro urbano.........................52
Figura 6 – Ocupação da cultura canavieira no Estado de São Paulo........................................56
Figura 7 – Hidrologia no município de Jahu.............................................................................57
Figura 8.1 – Métodos de captação de água no Município de Jahu...........................................60
Figura 8.2 - Captação de água superficial nos diversos córregos para abastecimento do
Município de Jahu.....................................................................................................................61
Figura 8.3 - Participação do Córrego Santo Antonio no volume total captado no Município de
Jahu...........................................................................................................................................61
Figura 9 - RPPNs cadastradas no Estado de São Paulo............................................................62
Figura 10 - Uso e ocupação de solo na microbacia do Córrego Sto Antonio / 2003................70
Figura 11 - Tipos de solo na microbacia do Córrego Santo Antonio.......................................73
Figura 12 - Os efeitos da erosão nos recursos naturais.............................................................75
Figura 13 - Capacidade de uso do solo na microbacia do Córrego Santo Antonio..................80
Figura 14 - Bacia hidrográfica do Córrego Santo Antonio: Adequação do uso do solo no ano
2003 a partir das classes de capacidade de uso.........................................................................81
Figura 15 - Bacia hidrográfica do Córrego Santo Antonio Jahu – SP: Mapa de uso do solo
2003 e estrutura fundiária.........................................................................................................84
Figura 16 - Localização das sete áreas para implantação de projeto piloto............................105
Figura 17 - Implantação da APP na Fazenda Santo Antonio dos Ipês...................................106
Figura 18 - Detalhe Córrego Santo Antonio no local do plantio............................................106
Figura 19 - Plantio à margem do Córrego Santo Antonio......................................................107
Figura 20 - Área do plantio vista da RPPN Amadeu Botelho................................................107
Figura 21 - Localização da APP e de obras de empreendimento imobiliário vista da RPPN
Amadeu Botelho.....................................................................................................................108
Figura 22 - RPPN Amadeu Botelho vista da área do plantio de mudas.................................108
Figura 23 - Fragmentos florestais na Microbacia do Córrego Santo Antonio........................120
xiii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Mudança de paradigmas - do antropocentrismo ao ecocentrismo...........................18
Tabela 2 - Princípios do Direito Ambiental..............................................................................34
Tabela 3 - Principais Culturas Exploradas em Jahu no Ano 2006............................................55
Tabela 4 - População Rural no município de Jahu e Região.....................................................55
Tabela 5 - Pontos de captação de água no município de Jahu..................................................60
Tabela 6 - Uso e ocupação do Solo na MBH Córrego Santo Antonio - 2006..........................68
Tabela 7 - Tipos de solo na MBH Córrego Santo Antonio.......................................................71
Tabela 8 - Tipos de Solo e Fatores Limitantes ao Uso - 2005..................................................74
Tabela 9 - Grupos e Classes de capacidade de uso da terra......................................................77
Tabela 10 - Enquadramento das terras em classes de capacidade de uso.................................78
Tabela 11 - Identificação, priorização e solução de problemas na MBH Córrego Santo
Antonio......................................................................................................................................82
Tabela 12 - Estrutura Fundiária da Microbacia do Córrego Santo Antonio - 2006..................83
Tabela 13 - Classificação das propriedades rurais segundo critério do INCRA......................86
Tabela 14 - Grupos de Unidades de Conservação....................................................................89
Tabela 15 - Práticas de recuperação de áreas degradadas.........................................................89
Tabela 16 - Medidas a serem adotadas em propriedades que não atinjam o percentual de RFL
exigido.....................................................................................................................................117
Tabela 17 - Cômputo da APP na RFL....................................................................................121
Tabela 18 - Cenário da estrutura fundiária da microbacia com a instituição da APP e da
Reserva Legal..........................................................................................................................123
xiv
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APP – Área de Preservação Permanente
CATI – Coordenadoria de Assistência Técnica Integral
CC – Código Civil
CEEIBH – Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas
CF – Constituição Federal
CMDR – Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
CREA – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura
CRF – Cota de Reserva Florestal
DAP – Declaração de Aptidão ao PRONAF
DEPRN – Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais
EJF – ESALQ Júnior Florestal
ESALQ – Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz
FUPAM – Fundação Para a Pesquisa Ambiental
GEF – Global Environment Facility
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEF – Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais
LERF – Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal
MBH – Microbacia Hidrográfica
MP – Medida Provisória
MPF – Ministério Público Federal
ONU – Organização das Nações Unidas
PEMH – Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas
PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
RFL – Reserva Florestal Legal
RL – Reserva Legal
RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Nacional
xv
SAEMJA – Serviço de Água e Esgoto do Município de Jahu
SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente
SMA – Secretaria de Estado de Meio Ambiente
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
UC – Unidade de Conservação
UICN – União Internacional para Conservação da Natureza
1
INTRODUÇÃO
A relação do homem com a natureza tem sido marcada pelo paradigmático
antropocentrismo, que hoje ainda predomina no mundo ocidental. Essa noção de que a
natureza existe para servir o homem, indiscriminada e irrestritamente, com certeza corroborou
com o iminente cenário de insustentabilidade que já era previsto há quase meio século,
quando os primeiros alertas sobre a importância da preservação do meio ambiente foram
dados.
Todavia, nem sempre esse foi o pensamento predominante no ocidente. Na época
dos filósofos pré-socráticos, por exemplo, o modo de pensar a natureza era completamente
antagônico ao da atualidade. A natureza era venerada e respeitada, e até mesmo temida,
devido ao reconhecimento de sua força, limite da qual o homem desconhecia.
A ecologia profunda e a teoria sistêmica (ou em rede) há algumas décadas têm
revolucionado o conceito de que o homem é o centro do universo. Ao contrário do que se
pensava (e do que muitos ainda pensam), é impossível separar o homem da natureza por ser
ele apenas um elemento a integrá-la, já que tudo faz parte de um sistema interligado e
interdependente, onde qualquer interferência será sentida em maior ou menor intensidade por
todos os seus componentes. Essa dinâmica de teia de relações presentes em todos os
organismos vivos foi observada pelos biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela, que a
denominaram autopoiese, cujo significado é “autogeração”, “autocriação”.
Niklas Luhmann considera o sistema jurídico, assim como o sistema social, um
sistema autopoiético fechado e auto-referente, ou seja, ele se reproduz partindo de seus
próprios elementos e estruturas, criando suas próprias relações com o ambiente intra-social.
Observa-se daí, que por se tratar de um sistema fechado, não significa que ele esteja isolado,
pois ao se relacionar com o ambiente externo, há uma simbiose de informações, que são
trabalhadas e reorganizadas no seu interior para solucionar problemas, buscando garantir a
sobrevivência do próprio sistema.
É notória a identificação da microbacia hidrográfica, objeto de estudo deste
trabalho, como um sistema autopoiético por se tratar de um sistema com limitações físicas que
o distingue das áreas adjacentes, ao mesmo tempo em que está aberto, ou seja, mantém
constantes interações com a área externa às suas limitações.
Partindo desse pressuposto, impõe-se a importância da preservação dos
ecossistemas e do uso racional dos recursos naturais para o ambiente ecologicamente
equilibrado, de modo a atender às necessidades do presente sem comprometer a subsistência
2
das futuras gerações. É o que caracteriza o desenvolvimento sustentável. Daí a necessidade de
rever constantemente o conceito de desenvolvimento, assim como dos pilares que o sustentam.
No Brasil, as regras de acesso aos recursos naturais são basicamente as que
regulam a propriedade da terra. Teriam surgido da necessidade de harmonizar as atividades da
espécie humana com o restante da natureza, contribuindo para a mudança de atitudes e
pensamentos, instituindo novos conceitos solidificados por um conjunto de normas que
visassem à contenção do processo de desenvolvimento insustentável que era praticado.
A Constituição Federal promulgada em 1988 deu maior ênfase à questão,
dedicando um capítulo ao meio ambiente quando trata da ordem social. Está disposto no caput
do artigo 225, que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Os incisos I, III e VII, do § 1º, do mesmo artigo, delegam ao Poder Público a
incumbência de:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; [...];
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais à crueldade.
A Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, regulamentou as disposições
supramencionadas ao estabelecer critérios e normas para a criação, implantação e gestão das
unidades de conservação.
O Código Florestal, Lei nº 4.77,1 de 15 de setembro de 1965, consoante previsão
constitucional e visando a assegurar o bem-estar das populações humanas também dispôs
sobre espaços protegidos necessários ao uso sustentável dos recursos naturais, ao definir no
artigo 1º, §2º, II e III, que foi acrescentado pela MP 2.166-67/2001:
II – Área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º
desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar
os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo
gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações
humanas;
III– Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural,
excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos
naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da
biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.
Porém, muita polêmica paira sobre a legalidade da aplicação desses conceitos,
3
cujas previsões, apesar de já existirem no Código Florestal, somente foram regulamentadas
recentemente pela Lei nº 7.803/1989, pela MP 2.166-67/2001 e pelas Resoluções CONAMA
302 e 303 (de 2002) e 369 (de 2006). Essas regulamentações supervenientes têm gerado uma
série de indagações sobre a obrigatoriedade de instituição desses espaços protegidos nas
propriedades rurais. Questiona-se, então, se não haveria afronta à Constituição, a direito
adquirido, ou ainda, se a aplicação dos referidos dispositivos legais não geraria direito à
indenização.
Embora ambos os conceitos previstos no Código Florestal possam ser
considerados restrições ao direito de propriedade, a Área de Preservação Permanente (APP),
talvez por estar visivelmente relacionada à disponibilidade da água, tem sido amplamente
discutida junto aos proprietários rurais. Pode se afirmar que grande parte deles já tem ciência
da importância de preservar e recuperar essas áreas.
Já, no tocante às Reservas Florestais Legais (RFL), apesar de estarem legalmente
amparadas e de não terem uma função ambiental menos importante que as Áreas de
Preservação Permanente (APP), elas têm enfrentado fortes resistências dos proprietários
rurais, além da omissão do Poder Público, que até bem pouco tempo fechava os olhos para o
descumprimento da norma que impõe a sua instituição em todas as propriedades rurais.
Talvez alguns fatores sejam a causa dessa dificuldade na aplicação das normas
ambientais: primeiro, porque os parâmetros utilizados para impor as restrições não tenham
qualquer embasamento científico, ou seja, foram estabelecidos aleatoriamente; segundo,
porque a lei é totalmente genérica, desconsiderando particularidades pontuais, como estrutura
fundiária, clima, solo, características socioeconômicas. Cabe aqui ressaltar o problema das
pequenas propriedades, que apesar de terem limitações físicas e, em grande parte financeira,
superiores às demais, sofrem restrições idênticas, colidindo com o princípio constitucional da
isonomia, que impõe tratamento igual aos que se encontrem na mesma situação fática; e por
fim, devido à falta da atuação estatal, quer seja exercendo seu poder polícia, ou ainda, no
cumprimento do dever de instituir e preservar os bens ambientais.
Questiona-se, pois, com razão, a obrigatoriedade do proprietário rural de arcar
individualmente com o ônus da recomposição florestal, já que esta se dará em benefício de
toda a coletividade.
Eis o problema que se impõe: o permanente conflito entre o desempenho da
função socioambiental da propriedade rural, visando ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, e o direito individual da propriedade, que pode ser até mesmo inviabilizado pelas
limitações ao direito à livre iniciativa e ao lucro, impostas pelas restrições legais.
4
Para tanto, foi considerada a hipótese de que as restrições legais impostas,
sobretudo à pequena propriedade rural, geralmente repercutem em perdas ao pequeno
produtor, inviabilizando o exercício do direito individual de propriedade, gerando o direito à
indenização.
Para trabalhar toda a complexidade desses problemas pontuais, porém, de maneira
sistêmica, a abordagem da microbacia hidrográfica como unidade de gestão foi extremamente
adequada, uma vez que os problemas são individualizados, envolvendo todos os atores na
busca da solução dos conflitos advindos da multiplicidade de usos da água e demais recursos
naturais. A delimitação física facilita o detalhamento de suas potencialidades e pontos
críticos.
O estudo elegeu como universo empírico a Microbacia do Córrego Santo Antonio,
onde estava sendo implementado o Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas
(PEMH), que é financiado parcialmente pelo Banco Mundial em acordo com o Governo do
Estado de São Paulo e executado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, através da
Coordenadoria de Assistência Técnica Integral – CATI.
Situada no município de Jahu, interior do Estado de São Paulo, a microbacia tem
chamado a atenção de pesquisadores pela sua riqueza em mananciais e biodiversidade, sendo
responsável por cerca de 30% do abastecimento de água do município. Mas, apesar de suas
peculiaridades e valor ecológico, empreendimentos imobiliários (aprovados pelo Plano
Diretor recém elaborado) estavam na iminência de nela se estabelecerem, isentos de qualquer
restrição necessária para assegurar a preservação de seus recursos naturais. Ressalte-se que na
ocasião, houve orientação da Associação de Engenharia e Arquitetura de Jahu para que a
cidade não expandisse em direção à referida microbacia, embasados inclusive em trabalhos
científicos que demonstravam a vocação agrícola, aliada a práticas conservacionistas da área.
Com relação ao Plano Diretor, o Ministério Público Federal moveu Ação Civil
Pública por Improbidade Administrativa (que até o final do presente trabalho não tinha sido
julgada), na qual denuncia a ausência da disponibilidade de informação e da participação
popular na sua elaboração e aprovação, com o intuito de favorecer alguns poucos empresários
do ramo imobiliário ligados ao Poder Executivo (até mesmo por grau de parentesco) em
detrimento do interesse público.
Contemplando essas particularidades, pretendeu-se analisar a efetividade da
legislação ambiental e das políticas públicas locais, evidenciando possíveis causas que
pudessem dificultar sua implementação, sugerindo, ainda, mecanismos de incentivo que
viabilizem a instituição da Reserva Florestal Legal e da Área de Preservação Permanente, não
5
aleatoriamente, mas de uma forma integrada, permitindo que elas exerçam suas funções
ambientais em harmonia com outros direitos constitucionais, como o direito à propriedade e à
livre iniciativa.
A importância do presente estudo reside também na abordagem desses temas à luz
do caso concreto, haja vista que inúmeras são as discussões teóricas sobre o assunto, sendo
ainda deficitária sua representatividade na prática.
Foram analisados aspectos jurídicos institucionais com o intuito de detectar de
que forma o recém elaborado Plano Diretor pactua com os princípios fundamentais do Direito
Ambiental e de que forma o Poder Público tem interagido com a comunidade na elaboração e
implementação de políticas públicas.
A técnica utilizada foi principalmente a revisão bibliográfica, que através de
pesquisa exploratória e documental realizou um levantamento de dados do uso e ocupação do
solo da referida área. Para isso, foram usadas informações obtidas junto à CATI
(Coordenadoria de Assistência Técnica Integral), em periódicos, sites, bancos de teses e
dissertações.
Os temas também foram pesquisados em anais de congressos, livros e revistas
específicas, além de consulta à jurisprudência recente. Conjuntamente foi realizada pesquisa
de campo por meio de consultas informais dirigidas aos técnicos diretamente envolvidos com
os temas: Engenheiro Agrônomo da CATI de Jahu (responsável pela implementação do
Programa de Microbacia Hidrográfica), Engenheiro Civil (representante da Associação dos
Engenheiros e Arquitetos de Jahu) e Engenheiro Florestal do DEPRN de Bauru (para auxiliar
nas diferentes concepções sobre os assuntos abordados).
As pesquisas foram qualitativas e quantitativas, utilizando o método indutivo e o
dedutivo para analisar dialética e sistematicamente os dados obtidos, objetivando resgatar a
hipótese mais condizente com a realidade mostrada no estudo.
Concluído o trabalho, espera-se contribuir para o aprofundamento da discussão
oferecendo subsídios aos gestores públicos no enquadramento da questão das restrições legais
impostas aos proprietários rurais, bem como auxiliar o Poder Legislativo em possíveis
alterações nas normas ambientais que venham a favorecer efetivamente a preservação do
meio ambiente.
Para melhor compreensão dos temas abordados, o trabalho foi organizado em três
seções, nas quais são apresentados os assuntos de maior relevância, necessários para fomentar
as discussões deles decorrentes.
6
A primeira seção trata do meio ambiente e do Direito Ambiental. Nela foram
abordados conceitos de natureza e meio ambiente, noções de ecologia profunda, definições de
Direito Ambiental, além da discussão sobre a constitucionalização do direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Foram relacionados ainda, os princípios norteadores do
Direito Ambiental, enfatizando o princípio da função social da propriedade e o princípio de
razoabilidade / proporcionalidade. Os assuntos tratados deverão fundamentar a relevância de
preservar os recursos naturais e do dever de respeito à natureza, além de despertar interesse
sobre a necessidade de adotar uma postura mais solidária e socialmente justa.
A segunda seção aborda o conceito de bacia hidrográfica e da gestão dos recursos
hídricos no Estado de São Paulo, destacando a importância de considerar a bacia hidrográfica
uma unidade de gestão. Trata-se de um meio eficiente para solucionar problemas pontuais,
partindo de uma abordagem global.
Na seqüência, foi apresentada a área de estudo, começando por algumas
considerações sobre o município de Jahu, seguidas da caracterização da Microbacia do
Córrego Santo Antonio, tais como: tipos de solo, uso e ocupação, adequação de uso do solo,
sua relevância para o município. Ao apresentar a estrutura fundiária da microbacia, foram
destacados diferentes conceitos de pequena propriedade previstos no ordenamento jurídico
brasileiro e a afronta ao princípio da isonomia, por destinar a ela o mesmo tratamento dado às
demais propriedades. Também foram relacionados os principais problemas que ocorrem na
área, bem como suas prováveis causas e possíveis soluções, dados estes identificados pelos
próprios produtores rurais.
A terceira seção trata das restrições legais impostas aos proprietários rurais,
iniciando-se pelos Espaços Territoriais Especialmente Protegidos, distinção entre floresta,
flora e vegetação, conceito e caracterização das Áreas de Preservação Permanente (APP) e
Reserva Florestal Legal, destacando suas funções ecológicas. Foram apresentadas as APPs
existentes na área da microbacia e o Projeto Mata Ciliar que nela estava sendo implementado.
A legalidade das Resoluções CONAMA e a regulamentação para supressão das APPs também
foram tratadas nessa seção, que ressaltou ainda aspectos de como a Reserva Florestal Legal
está regulamentada no Estado de São Paulo.
Por fim discutiu-se a repercussão das restrições legais nas pequenas propriedades
rurais, analisando, no caso concreto, os possíveis impactos causados, a aplicabilidade dos
conceitos legais para os dias atuais e seus reflexos na efetividade da legislação ambiental.
Na Conclusão foi realizada a reconstrução dos temas abordados e apresentação
das considerações referentes aos objetivos e hipóteses formulados.
7
O MEIO AMBIENTE E O DIREITO AMBIENTAL
1.1 CONCEITO DE NATUREZA E MEIO AMBIENTE
Os diversos conceitos de meio ambiente nada mais são do que diferentes maneiras
de expressar o significado de natureza como um todo indivisível, dotado de um valor
intrínseco, cujos componentes estão em constante interação. Inclui, nessa conceituação, a
natureza humana, a natureza de todas as formas de vida, a natureza de todas as coisas, assim
como os reflexos de suas interações.
O termo natureza é originário do latim natura, que significa nato, nascido. Para
Paulo de Bessa Antunes, a natureza significa “uma totalidade na qual evidentemente o ser
humano está incluído”.
1
Essa noção de totalidade também está presente na Hipótese Gaia (nome dado à
deusa Terra pelos gregos), formulada pelo cientista britânico James Lovelock, segundo a qual
a Terra é um sistema único e interligado, regulada não apenas pela biosfera, mas por todos os
seus componentes, já que a evolução das formas de vida está intimamente ligada à evolução
do ambiente físico e químico. Diante disso, o estudioso propõe uma nova ciência sobre a vida,
a partir de uma visão sistêmica e mais abrangente, denominada geofisiologia, que ignora as
divisões entre as ciências da Terra, como a geologia, e as ciências da vida, como a fisiologia.
Sendo assim, Lovelock considera a Terra como um ser vivo capaz de auto-regular
seus processos físico-químicos e que, como todo organismo vivo, também possui órgãos que
seriam os ecossistemas
2
.
Fritjof Capra também se reporta à hipótese Gaia, pois define que uma das
características fundamentais da vida é o padrão em rede – “Uma das principais intuições da
teoria dos sistemas foi a percepção de que o padrão em rede é comum a todas as formas de
vida. Onde quer que haja vida, há redes”.
3
1
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 10ª ed. ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris,
2007, p. 6.
2
BLANC, Cláudio. Gaia o planeta vivo – entenda melhor a hipótese de James Lovelock. Mundo em Foco. São
Paulo, ano 2, n. 2, 2007, p. 8 – 10.
3
CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão
Cipolla. 5ª reimpressão da 1ª ed. de 2002.São Paulo: Cultrix, 2005, p. 27.
8
Norberto Bobbio ressalta o caráter extremamente genérico do conceito de
natureza, lembrando a distinção feita por Aristóteles entre as ciências que a têm por objeto,
das ciências que estudam o fazer humano.
Nesta distinção, ou melhor, contraposição, entre a natureza e o mundo da práxis
humana, emerge, a meu ver, o significado profundo, original e fundamental do
termo natureza. Este serve, originalmente, para abranger, em uma mesma categoria,
todas as coisas que não são produzidas pelo homem; toda parte do mundo que, aos
olhos de quem observa e procura entender a realidade do universo, não depende do
fazer humano; todos os seres e eventos que, tendo ‘em si mesmos o princípio do
movimento’, nascem, desenvolvem-se e morrem de acordo com leis que o homem
não formulou nem pode alterar.
4
Para a grande parte das pessoas, a natureza nada mais é do que a fonte infinita dos
recursos necessários a sua sobrevivência, tais como: água, alimentos, medicamentos, moradia,
etc. Ressalte-se que, limitado pelo acesso a esses recursos, o homem primitivo era nômade,
sendo obrigado a deslocar-se constantemente em busca de água e alimentos. Foi no período
neolítico (que é a última divisão da pré-história e está compreendido entre os anos 7000 a
2500 a.C.) que o homem passou a se “apropriar” dos recursos naturais utilizando artefatos de
pedra polida. Iniciou-se então o desenvolvimento de práticas de manejo agrícola, como a
irrigação e o controle de pragas, possibilitando sua fixação em locais determinados.
Nesse período, o controle de pragas era feito por meio da seleção das espécies
vegetais mais resistentes e produtivas, podendo considerar que o sucesso da domesticação de
plantas somente foi possível devido ao seu grande número de espécies existentes.
Conseqüentemente, ao adaptá-las a seus propósitos, o homem foi substituindo as espécies
selvagens por outras selecionadas e por ele modificadas, causando assim uma redução da
variabilidade entre as plantas cultivadas
5
.
Na Inglaterra, entre os séculos XVI e XVII, a manipulação da natureza em causa
própria era o pressuposto difundido pelos intelectuais e teólogos, que sustentavam a idéia de o
mundo ter sido criado para o bem do homem, tendo as outras espécies que se subordinarem
aos desejos e às necessidades humanas. Esse espírito absolutamente antropocêntrico foi
amplamente difundido pelos teólogos da época, que se fundamentavam, inclusive, na
interpretação do relato bíblico da criação, segundo o qual o Jardim do Éden teria sido um
4
BOBBIO, Norberto. Locke e o direito natural. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1997, p. 28.
5
ARAGÃO, Francisco José Lima. Organismos transgênicos: explicando e discutindo a tecnologia.Barueri, SP:
Manole, 2003, p. 35.
9
paraíso preparado para o homem, no qual Deus conferiu a Adão o domínio sobre todas as
coisas vivas. Analisando sob essa ótica, fica claro que o cristianismo (que predominava na
Europa) pregava a exploração ocidental da natureza, por ser uma religião excessivamente
antropocêntrica, diferentemente de outras religiões orientais que veneravam a natureza
6
.
Porém, nem sempre esse foi o pensamento predominante no mundo ocidental. Na
época dos filósofos pré-socráticos, por exemplo, o modo de pensar a natureza era
completamente antagônico ao da atualidade. Os gregos a reverenciavam, assim como aos
deuses, pois acreditavam que tudo fazia parte da natureza e que tudo nela tinha alma
7
.
Contudo, uma forte conotação antropocêntrica já pode ser observada no século V
a.C., com a famosa frase de Protágoras (“o homem é a medida de todas as coisas, das coisas
que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são"), seguida das filosofias de
Platão e Aristóteles que também colocam o homem no centro do universo, promovendo o
conhecimento humano e menosprezando a natureza, que a ele deveria servir.
A filosofia Iluminista do século XVIII consagra definitivamente o
antropocentrismo defendido pelo filósofo francês René Descartes que, em seu Discurso sobre
o Método, ressalta as oposições homem-natureza, espírito-matéria, sujeito-objeto, legitimando
a capacidade humana de dominar a natureza, que é transformada em objeto “e, como objeto
pode ser cortada, dividida, modificada e até destruída”.
8
Atualmente, evidencia-se que o antropocentrismo ainda é a visão predominante. O
homem, na busca incessante do apogeu tecnológico que, por sua vez, o auxilia na gananciosa
conquista do poder, acabou por negligenciar um aspecto de suma importância - o meio
ambiente como fonte de todos os recursos indispensáveis à sua sobrevivência. Não é difícil
concluir que a insistência nessa conduta insustentável poderá culminar na extinção da raça
humana, uma vez que catástrofes ambientais já têm sido freqüentemente noticiadas pela
mídia.
A complexidade econômica do mundo moderno exige cada vez mais a
apropriação da natureza para atender a demanda da sociedade. Surge, então, que essa
apropriação quase sem controle objetivo e desenvolvida principalmente por pessoas jurídicas,
põe em risco o atual patrimônio ambiental brasileiro, comprometendo inexoravelmente as
6
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais.
Tradução de João Roberto Martins Filho. São Paulo: Companhia das Letras, 2ª ed., 1989, p. 26.
7
GALLO, Zildo. Ethos, a grande morada humana: economia, ecologia e ética.Itu: Ottoni Editora, 2007, p. 12.
8
Id., Ibid., p. 14.
10
futuras gerações
9
.
Nesse sentido, Luís Paulo Sirvinskas lembra a necessidade de proteger a natureza
para as presentes e futuras gerações, quer seja por considerá-la sujeito de direito, uma vez que
ela tem seu valor intrínseco, quer seja para garantir sua utilidade na preservação da espécie
humana.
10
Ao contrário da generalidade do significado de natureza, a expressão meio
ambiente encontra-se definida no artigo 3º, inciso I, da Lei nº 6938/81, que dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, como o “[...] conjunto de condições, leis, influências, e
interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as
suas formas”.
Na opinião de Luís Paulo Sirvinskas, esse conceito legal não é adequado por não
abranger todos os bens jurídicos protegidos e o artigo citado faz menção apenas ao meio
ambiente natural. Haveria, ainda, que considerar o meio ambiente cultural, o artificial e o
meio ambiente do trabalho, cujas definições seguem abaixo:
- meio ambiente natural: integrado pela atmosfera, a água, o ar, o solo, o
subsolo, os elementos da biosfera, a fauna, a flora, ou seja, pela interação dos seres vivos com
seu meio;
- meio ambiente cultural: integrado pelos bens de natureza material e imaterial,
pelos conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico;
- meio ambiente artificial: integra o espaço urbano construído (conjunto de
edificações e equipamentos públicos). Como aponta Celso Antonio Pacheco Fiorillo, o termo
urbano como sinônimo de cidade, nesse caso, não está empregado em contraste com o termo
rural, mas qualifica algo que se refere ao território habitável da cidade, incluindo o campo
11
;
- meio ambiente do trabalho: integra a proteção do homem em seu local de
trabalho, por passar nele boa parte de sua vida
12
.
9
HERRMANN, Hildebrando. Legislação Mineral, Ambiental e Tributária. In: TANNÚS & CARMO (org).
Agregados para a construção civil no Brasil: contribuição para a formulação de políticas públicas. Belo
Horizonte: CETEC, 2007, p 77-122.
10
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 3ª ed. rev. e atual.São Paulo: Saraiva, 2005. p. 9.
11
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 21.
12
SIRVINSKAS, op. cit., p. 29.
11
Diferente da classificação apresentada, juridicamente é possível distinguir o meio
ambiente sob duas perspectivas: numa visão estrita, expressando o patrimônio natural e as
relações com e entre os seres vivos ou numa outra visão mais ampla que abrange toda a
natureza original, artificial e bens correlatos, resultando, assim, na distinção cada vez mais
aceita entre ecossistemas sociais e ecossistemas naturais.
13
O presente trabalho tratará do meio ambiente natural dada sua natureza original e
abrangente, considerando que dele advém os demais conceitos de meio ambiente após a
interferência humana.
Para José Afonso da Silva, o uso da expressão meio ambiente, embora possa
parecer redundante, já que o conceito de meio (que está no centro de algo) está inserido na
palavra ambiente (lugar onde habitam seres vivos), se justifica pela necessidade de reforçar o
sentido significante do termo. Isso porque ao utilizar simplesmente a palavra ambiente,
exprime-se o conjunto de elementos naturais e culturais que interagem e condicionam o meio,
ao passo que meio ambiente expressa o resultado da interação desses elementos. O referido
autor define meio ambiente como a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e
culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”,
14
destacando que a preservação, a recuperação e a revitalização da qualidade do meio ambiente
tornaram-se um imperativo do Poder Público para garantir uma boa qualidade de vida
humana.
15
Edis Milaré não considera redundante a expressão meio ambiente por tratar de
termos equívocos, ou seja, a mesma palavra pode ter significados diferentes. Poder-se-ia
considerar redundância, caso os termos fossem unívocos.
16
A preservação dos ecossistemas e da diversidade biológica é de suma importância
para manter o equilíbrio do meio ambiente e inibir o comprometimento da disponibilidade dos
recursos naturais às futuras gerações. Dessa maneira, a noção de alguns conceitos básicos
sobre ecologia é importante para compreender o funcionamento de um ecossistema e a
necessidade de preservá-lo.
13
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª ed. ref., atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 110-111.
14
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2007.
p. 20.
15
Id. Ibid., p. 24.
16
MILARÉ, op. cit., p.111.
12
1.2 NOÇÕES BÁSICAS SOBRE ECOLOGIA
A palavra ecologia deriva da raiz grega oikos, que significa casa, ambiente, e de
logia que significa estudo, de tal modo que ecologia quer dizer estudo das casas ou dos
ambientes.
Diferentemente da biologia pura, que estuda os seres vivos de modo isolado,
independente do seu meio ambiente, a ecologia estuda a relação dos seres vivos com o meio
em que vivem.
17
Ecologia pode ainda ser definida como “o estudo da estrutura e função da
natureza, sendo uma das divisões básicas da Biologia que trata dos princípios fundamentais,
comuns a toda a vida”.
18
Para entendimento do assunto a ser tratado, é importante mencionar
sinteticamente alguns outros conceitos relacionados à ecologia, quais sejam:
a) População: é o conjunto de indivíduos da mesma espécie que dividem o
mesmo habitat, possuindo características próprias, exclusivas do grupo e não dos indivíduos,
como: densidade, taxas de natalidade e mortalidade, relações de interdependência, entre
outras, além de possuírem características genéticas, como a adaptação e a habilidade
reprodutiva. Por serem entidades estruturadas, não podem ser confundidas com simples
agrupamentos de indivíduos independentes entre si”;
19
b) Comunidade
: é uma unidade organizada constituída pelo conjunto de
populações existentes em determinada área / habitat. A comunidade “possui características
adicionais às dos indivíduos e às das populações que a compõem;
20
c) Habitat e nicho ecológico: habitat é o lugar, o “endereço” de uma determinada
espécie ou indivíduo, com todas as suas características físicas ou abióticas, ao passo que nicho
ecológico é o papel, a “profissão” que cada indivíduo ou espécie exerce no ecossistema e suas
relações com as demais espécies e o ambiente em que vive.
17
SIRVINSKAS, op. cit., p. 29.
18
ODUM, Eugene Pleasants. Ecologia; tradução de Kurt G. Hell. 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Brasília: INL,
1975. p. 22.
19
BRAGA, Benedito, et al. Introdução à Engenharia Ambiental. São Paulo: Prentice Hall, 2002. p. 38.
20
Id., Ibid., p.38.
13
Para definir nicho ecológico de uma espécie, é preciso identificar suas fontes de
energia e alimento, sua taxas de crescimento e metabolismo, seus efeitos sobre outros
organismos e sua capacidade de modificar o meio em que vive. Num ecossistema equilibrado,
cada espécie ocupa um nicho diferente, para não haver competição entre elas
21
. Essas espécies
variam nas dimensões de seu nicho, existindo na Natureza as especialistas e as não-
especialistas. Aparentemente, as primeiras são muitas vezes mais eficientes no uso de seus
recursos e, freqüentemente, têm maior sucesso, ou seja, são mais abundantes por possuírem
amplo suprimento de recursos.
Por outro lado, Eugene Pleasants Odum observa que “as especialistas são mais
vulneráveis a mudanças, tais como as que poderiam resultar de grandes modificações,
ambientais ou biológicas. Desde que o nicho das espécies não especializadas tende a ser
maior, elas podem ser mais adaptáveis a mudanças, mesmo que jamais sejam abundantes no
local”.
22
Ante o exposto, pode-se concluir que apesar do ecossistema ser abordado de
diferentes formas, quanto maior e mais diversificado ele for, mais estável e independente dos
ecossistemas adjacentes ele poderá ser, pois maiores serão as possibilidades de adaptação.
Tais conceitos deveriam ser primordialmente levados em conta pelo homem ao
exercer suas atividades econômicas, como a exploração agrícola, por exemplo. Conforme
exemplifica Eugene Pleasants Odum, o homem pode correr sério risco ao depender de apenas
uma ou algumas poucas variedades de trigo ou pinheiro, só porque a colheita em determinado
momento é maior, porque na ocorrência de doença súbita ou mudança climática, essas
espécies ou variedades especializadas podem ser eliminadas.
23
Sendo assim, pode-se afirmar que quanto maior o número de espécies ou
variedades presentes no ecossistema em que a atividade humana estiver inserida, os riscos
serão menores já que as chances de adaptação à ocorrência de possíveis mudanças ou
epidemias serão maiores.
d) Sistema
: é a interação harmoniosa de componentes interdependentes que
formam um todo unificado, ou ainda, segundo David Drew, “sistema é um conjunto de
21
BRAGA, Benedito, et al. Introdução à Engenharia Ambiental. São Paulo: Prentice Hall, 2002. p. 10.
22
ODUM, Eugene Pleasants. Ecologia; tradução de Kurt G. Hell. 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Brasília: INL,
1975. p. 52.
23
Id. Ibid., p. 60.
14
componentes ligados por fluxos de energia, funcionando como uma unidade”. Esses
componentes, não podem ser dissociados, já que um interfere na esfera do outro. Daí a
importância da harmonia e do equilíbrio dos sistemas
24
.
O sistema está organizado em diversos níveis e tem como característica ser, além
de uma unidade estrutural, uma unidade funcional já que sua dimensão mínima é a de uma
organização capaz de funcionar por si só, visando garantir o fluxo de energia proveniente de
uma fonte externa para alimentar seus processos
25
.
e) Ecossistema: “é um sistema estável, equilibrado e auto-suficiente,
apresentando em toda sua extensão características topográficas, climáticas, pedológicas,
botânicas, zoológicas, hidrológicas e geoquímicas praticamente invariáveis.
26
Denomina-se ainda ecossistema, a interação entre determinada comunidade
biológica e seu ambiente físico, utilizando geralmente o sol como fonte de energia externa.
Uma das características fundamentais dos ecossistemas é a homeostase, que é um
estado de equilíbrio dinâmico, obtido por meio de mecanismos de autocontrole e auto-
regulação. Esses mecanismos são acionados toda vez que ocorrer alguma alteração.
O tempo de resposta é o intervalo existente entre a ocorrência da mudança e o
acionamento dos mecanismos de auto-regulação. Geralmente, esse mecanismo homeostático
só é efetivo para modificações naturais que porventura aconteçam, sendo que, no caso de
modificações artificiais impostas pelo homem, por serem relativamente violentas e
continuadas, o mecanismo não consegue absorver as mudanças, ocorrendo o impacto
ambiental.
27
Os ecossistemas são compostos por elementos vivos ou bióticos, como as plantas,
os animais (entre eles está o homem) e elementos inanimados ou abióticos, como a água, o ar
e o solo, que se inter-relacionam trocando material e energia, com o fim de obter uma
estabilidade funcional.
24
DREW, David. Processos interativos homem-meio ambiente; tradução de João Alves dos Santos. Revisão de
Suely Bastos. São Paulo: Difel, 1994. p.21.
25
BRANCO, Samuel Murgel. Ecossistêmica: uma abordagem integrada dos problemas do meio ambiente. 2ª ed.
São Paulo: Editora Edgard Blücher Ltda, 1999, p. 69.
26
BRAGA, op. cit., p. 10.
27
Id. Ibid., p. 10.
15
O componente biótico subdivide-se em seres autótrofos, que sintetizam seu
próprio alimento, sendo por isso independentes ou auto-suficientes e seres heterótrofos, que
dependem do alimento sintetizado pelos autótrofos para obterem energia.
Segundo Eugene Pleasants Odum, o ecossistema compõe-se estruturalmente da
seguinte forma:
a) Substâncias abióticas, que são os elementos básicos e compostos do
meio físico;
b) Produtores ou seres autotróficos, como as plantas;
c) Grandes consumidores, que são seres heterotróficos, representados
principalmente por animais que se alimentam de outros organismos ou
de matéria orgânica;
d) Decompositores ou microconsumidores, que são organismos
heterotróficos (fungos, bactérias), que decompõem os componentes do
protoplasma morto e, ao invés de ingerir alimento, absorvem alguns dos
produtos resultantes da decomposição, liberando ainda substâncias
utilizáveis pelos produtores
28
.
Essas estruturas estão representadas na Figura 1, que mostra a inter-relação, ou
ainda, a formação de redes existentes entre os componentes de um ecossistema.
Figura 1 – Elementos estruturais de um ecossistema
Fonte: Braga et al, 2002.
28
ODUM, Eugene Pleasants. Ecologia; tradução de Kurt G. Hell. 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Brasília: INL,
1975. p. 28.
16
1.2.1 A Ecologia Profunda
Nos dias atuais, o conceito de ecologia já não se restringe ao que fora mencionado
anteriormente. Fritjof Capra compara a concepção dos ecossistemas em função da forma de
teia alimentar (redes de organismos), conceituando os organismos como redes de células,
órgãos e sistemas orgânicos, e as células como redes de moléculas.
29
Não existe nenhum organismo individual que viva em isolamento. Os animais
dependem da fotossíntese das plantas para ter atendidas as suas necessidades
energéticas; as plantas dependem do dióxido de carbono produzido pelos animais,
bem como do nitrogênio fixado pelas bactérias em suas raízes; e todos juntos,
vegetais, animais e microorganismos, regulam toda a biosfera e mantém as
condições propícias à preservação da vida
30
.
O autor destaca, ainda, as características definidoras da vida celular: a membrana,
a natureza de seu metabolismo interno e a forma em rede química que esses processos
metabólicos se encadeiam.
A função de cada um dos componentes dessa rede é a de transformar ou substituir
outros componentes, de maneira que a rede como um todo regenera-se
continuamente. É essa a chave da definição sistêmica da vida: as redes vivas criam
ou recriam a si mesmas continuamente mediante a transformação ou a substituição
dos seus componentes. Dessa maneira, sofrem mudanças estruturais contínuas ao
mesmo tempo que preservam seus padrões de organização, que sempre se
assemelham a teias.
31
Essa dinâmica de autogeração presente em todos os organismos vivos foi
observada pelos biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela, que a denominaram
autopoiese, cujo significado é “autogeração”, “autocriação”.
É notório a identificação das microbacias hidrográficas, objeto de estudo deste
trabalho, como um sistema autopoiético. Isso por tratar-se de um sistema com limitações
físicas que o distingue das áreas adjacentes, além de ser um sistema aberto, ou seja, mantém
constantes interações com a área externa às suas limitações (como será analisado mais
adiante).
Por esse conceito de autopoiese, o valor inerente à natureza e à vida em todas as
suas formas, independente do que representa para o desenvolvimento humano, tem se
evidenciado a cada dia. “Estamos participando do nascimento de uma comunidade e de uma
29
CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão
Cipolla. 5ª reimpressão da 1ª ed. de 2002.São Paulo: Cultrix, 2005. p. 27.
30
Id., Ibid., p. 23.
31
Id., Ibid., p. 27.
17
consciência planetária. Uma densa rede de interações está se formando, estendida e difusa,
sobre a inteira superfície do planeta, interessando profundamente, nas formas mais
imprevisíveis, à vida cotidiana de cada habitante da Terra”.
32
A ecologia até então conhecida (ecologia rasa), apesar de combater a poluição e
defender a natureza, tem caráter notadamente antropocêntrico, uma vez que a sua finalidade é
salvaguardar a dignidade da vida humana - é totalmente voltada para o homem, sem buscar
entender, ou ao menos questionar, as situações existentes.
Desde a década de 70, a proposta de ecologia profunda ou ecosofia, do filósofo
norueguês Arne Naess, tem se desenvolvido e proliferado significativamente, auxiliando no
processo de conscientização da sociedade, ao demonstrar a necessidade da adoção de uma
conduta ética e solidária para com a natureza.
Diferentemente da ecologia rasa, a ecologia profunda fomenta uma mudança do
estado atual das coisas, por meio de incessantes questionamentos. Ao invés de se preocupar
com desenvolvimento econômico, ela se preocupa com o desenvolvimento pessoal como
forma de aquisição de uma vida digna.
33
Para Edis Milaré, esse “[...] aprofundamento do
conceito de Ecologia nos conduz a uma visão conceitual e – por que não dizer? – a uma
revisão prática de hábitos sociais e até pessoais, voltada para uma vida saudável e sustentável.
Esboça-se um novo estilo de civilização em consonância com as possibilidades da Terra”.
34
Fritjof Capra ressalta também a importância de entender os problemas a partir de
uma visão sistêmica (holística), ao invés de abordá-los isoladamente. É preciso mudar de
paradigma, pois os problemas que a sociedade enfrenta hoje têm dimensão global e requerem
para sua solução uma profunda mudança na escala de valores e nas maneiras de perceber e
pensar os humanos.
O autor ainda identifica as mudanças de pensamento e de valores como uma
mudança da auto-afirmação para a integração, dizendo que deveria haver um equilíbrio entre
as duas tendências por se tratarem de aspectos essenciais de todos os sistemas vivos. Contudo,
a cultura industrial ocidental enfatiza excessivamente as tendências auto-afirmativas como a
32
AZEVEDO, Simone Vicente de. A ética aplicada às questões ambientais. Disponível em
http://www.ida.org.br/artigos/etica.pdf. Acesso em 28 de fevereiro, 2008.
33
COUTO, Hildo Honório do. A ecologia profunda. Revista Meio Ambiente, 22 dezembro 2006. Disponível em:
http://www.revistameioambiente.com.br/2006/12/22/a-ecologia-profunda/. Acesso em: 25 de fevereiro, 2008.
34
MILARÉ, op.cit., p. 109.
18
competição, a expansão, a dominação, negligenciando as integrativas
35
, conforme demonstra
a Tabela 1:
Tabela 1: Mudança de paradigmas - do antropocentrismo ao ecocentrismo
PENSAMENTO VALORES
Auto-afirmativo Integrativo Auto-afirmativo Integrativo
Racional Intuitivo Expansão Conservação
Análise Síntese Competição Cooperação
Reducionista Holístico Quantidade Qualidade
Linear Não-linear Dominação Parceria
Fonte: CAPRA
36
Faz-se urgente essa mudança de paradigma frente ao estágio de comprometimento
do equilíbrio da vida na Terra, em decorrência da conduta ambiciosa, irresponsável e
desprovida de ética do ser humano. Conforme aponta Simone Vicente de Azevedo: “Não
temos, portanto, o direito de escolher o não-ser das futuras gerações, em proveito do ser da
presente geração”.
37
(grifo da autora)
Diante dos conceitos apresentados e entendendo a Terra como um grande
organismo vivo, pode-se afirmar a importância de manter o equilíbrio do meio ambiente para
preservar todas as formas de vida, incluindo nesse rol as futuras gerações humanas.
Aliás, considerando a Terra como um grande sistema vivo e, portanto,
autopoiético, a conduta irresponsável põe em risco a sobrevivência humana e não a planetária,
já que esta possui mecanismos para se autogerar. Sendo assim, é muita prepotência ou falta de
conhecimento o homem ainda crer que comanda a natureza e que pode manipulá-la no
atendimento de seus interesses. Muito pelo contrário, quando a sobrevivência humana for
totalmente incompatível com a sobrevivência do sistema, ela certamente sucumbirá.
Muito embora os problemas ambientais possam ser conhecidos por grande parte
das pessoas, é preciso induzir (com incentivos e, sobretudo, educação) ou até mesmo coagir,
se necessário (através de normas), a sociedade a adotar determinadas condutas necessárias
35
CAPRA, Fritjof. Ecologia profunda: um novo paradigma. Agenda 21 Empresarial. Disponível em
http://www.agenda21empresarial.com.br/web213/Library/_UmNovoParadigma.pdf. Acesso em: 25 fev. 2008.
36
Id. Ibid.
37
AZEVEDO, Simone Vicente de. A ética aplicada às questões ambientais. Disponível em
http://www.ida.org.br/artigos/etica.pdf. Acesso em 28 fevereiro 2008.
19
para salvaguardar os ecossistemas, ainda que considerados apenas como base do patrimônio
ambiental pertencente a todos.
Essa abordagem pode parecer a princípio, um discurso antropocêntrico por estar
voltado à sobrevivência humana. Mas na verdade o que se destaca, é a sobrevivência pacífica
e solidária humana. É o reconhecimento e valorização da vida em todas as suas formas,
independente de qualquer vantagem individual que delas possa ser obtida, que pelo princípio
da ética e da solidariedade estariam subjugados à convivência digna e harmoniosa em
sociedade.
1.3 A VIDA EM SOCIEDADE E O DIREITO
A fragilidade resultante da falta de sentidos mais aguçados, ou até mesmo da força
física inferior, quando comparado a tantas outras espécies, levou o homem a buscar o
convívio em sociedade, como a melhor forma de suprir suas carências. Para regulamentar a
vida social, os indivíduos celebram entre si um contrato fictício, criando o Estado - Ente
político e abstrato, que compõe a ordem política: indivíduo, sociedade e Estado.
38
Hildebrando Herrmann observa que os indivíduos são frutos de uma relação
pessoal com os demais integrantes da comunidade e que seus conflitos com o Estado são
intermediados pela sociedade civil organizada, que por ser um ente coletivo “deve harmonizar
interesses divergentes, sempre buscando o interesse coletivo”. Menciona também que: “A
ação resultante da vontade coletiva é expressa através de políticas públicas, as quais, dentro
de uma concepção sociológica podem ser entendidas como fruto de uma vontade
majoritariamente definida e voltadas para fins previamente escolhidos”.
39
Eros Roberto Grau ressalta que políticas públicas designam toda forma de
intervenção do Estado (poder público) na vida social, concluindo que o próprio direito
manifesta-se como uma política pública
40
.
Na formação das políticas públicas uma complexidade de atos deverá ser
38
HERRMANN, Hildebrando. Equívocos legais na regulamentação do aproveitamento mineral. Areia e Brita,
Associação Nacional de Entidades de Produtores de Agregados para a Construção Civil, São Paulo, n. 23,
jul./ago./set. 2003, p. 40.
39
Ibid., p.40.
40
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda,
2000. p. 22.
20
atendida, entre os quais se destacam: “a) diagnóstico da realidade social ou setorial, b)
planejamento da ação governamental, c) aprovação de medidas contidas nos planos de ação,
d) implementação das medidas aprovadas, e) monitoramento das atividades executadas”.
41
As políticas públicas são implementadas através do Direito, “que por conter
normas coercitivas obrigam as pessoas físicas e jurídicas”. Entretanto, sua implementação
deve sempre buscar a harmonização de eventuais conflitos, para que se faz necessário
“diagnosticar suas causas e as formas ideais para sua solução”.
42
A palavra direito, originada de um vocábulo do baixo latim directum ou rectum,
que quer dizer direito ou reto, está também ligada a outras palavras que têm a etimologia em
jus, outro termo do latim vinculado à noção de direito, de ordem, ou o do que é justo.
Sobre a definição do direito, Eros Roberto Grau assevera que: “A descrição do
direito como sistema de normas que regula – para assegurá-la - a preservação das condições
de existência do homem em sociedade é tipicamente descrição de expositor do direito”, ao
distinguir meros expositores de sensores ou críticos do direito. Os primeiros estariam
limitados a interpretar o direito, ao passo que os críticos separariam o que é e o que deve ser
no direito, contribuindo assim para transformá-lo. Afirma o autor que “não descrevemos o
direito, porém os nossos modos de ver o direito”, já que em sua opinião, não existe o direito
concreto, “apenas existem, concretamente, os direitos”.
43
O direito [...] não é uma simples representação da realidade social, externa a ela,
mas, sim, um nível funcional do todo social. Assim, enquanto nível da própria
realidade, é elemento constitutivo do modo de produção social.
Logo, no modo de produção capitalista, tal qual em qualquer outro modo de
produção, o direito atua também como instrumento de mudança social, interagindo
em relação a todos os demais níveis – ou estruturas regionais – da estrutura social
global.
44
André Franco Montoro também faz observações sobre a impossibilidade de
formular um único significado para a palavra direito, já que ele designa várias realidades,
devendo, portanto “serem formuladas diferentes definições, correspondentes às diversas
realidades”.
45
Ele distingue cinco realidades diferentes correspondentes às acepções
41
HERRMANN, Hildebrando. Equívocos legais na regulamentação do aproveitamento mineral. Areia e Brita,
Associação Nacional de Entidades de Produtores de Agregados para a Construção Civil, São Paulo, n. 23,
jul./ago./set. 2003, p. 40.
42
Id. Ibid., p.40.
43
GRAU, Eros Roberto, op. cit., p. 16.
44
Ibid., p. 17.
45
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. 26ª ed. ver. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2005, p. 53.
21
fundamentais do direito: a) o direito como norma, lei e regra social obrigatória; b) o direito
como faculdade, a exemplo do poder, da prerrogativa que o Estado tem de legislar; c) o
direito como o que é devido por justiça; d) o direito como ciência; e) o direito como fenômeno
da vida coletiva, como um fato social.
46
Das definições supracitadas, a mais comum é a que trata o direito como norma
jurídica, a qual é uma regra de conduta social que tem como objetivo a regulação das
atividades humanas em suas relações sociais.
47
Há de se distinguir, no entanto, as normas jurídicas das demais normas que
regulam o comportamento humano na vida coletiva, como: as normas morais, as religiosas e
os usos e costumes. Norberto Bobbio observa que algumas dessas regras derivam da natureza,
constituindo o direito natural, sendo que outras derivam da arte ou convenção e constituem o
direito positivo. Ressalta ainda, que apesar do direito consuetudinário ter prevalecido e ter
sido aceito pelas sociedades antigas como algo que sempre existiu, não se deve considerá-lo
como um direito natural (entendendo a natureza como o conjunto de todas as coisas que
independem do fazer humano), pois é “um conjunto de regras transmitidas de geração a
geração, aplicadas pelos magistrados e seguidas espontaneamente pelos cidadãos”.
48
Todas as concepções de direito natural nos remetem a certos “juízos de valor”
jurídico que são acessíveis ao conhecimento racional e que têm sempre como fonte a natureza
ou a razão universal e imutável. Nesse caso, a palavra direito tem outro significado quando se
refere ao direito positivo, tendo uma analogia apenas de relação com este, ou seja, um
fundamenta o outro. “O Direito natural é constituído não por um conjunto de preceitos
paralelos ao Direito positivo, mas pelos princípios fundamentais do Direito positivo”.
49
Entre os princípios do direito natural, destacam-se: fazer o bem; dar a cada um o
que lhe é devido; conservar a vida social; respeitar a personalidade do próximo e as leis da
natureza
50
. Assim, as leis humanas deverão sempre respeitar as leis da natureza, que são
46
MONTORO, op. cit., p. 56.
47
Ibid., p. 361.
48
BOBBIO, Norberto. Locke e o direito natural. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1997. p. 31.
49
MONTORO, op. cit., p. 74.
50
Ibid., p. 74.
22
isonômicas, universais, imutáveis e invioláveis, ou seja, o Direito natural deverá sempre
prevalecer e ser garantido pelo direito positivo.
51
O direito positivo é constituído por um conjunto de normas (regras obrigatórias)
elaboradas por determinada sociedade para reger sua vida interna, com a proteção da força
social, uma vez que é posto / prescrito pelo Estado. “Assim, o direito pretende proteger e
assegurar a liberdade de agir do indivíduo, subordinando-a ao interesse coletivo; ele demarca
as áreas da liberdade e do interesse coletivo, tendendo à determinação de um ponto de
equilíbrio entre esses dois valores”.
52
Miguel Reale, concebendo a experiência jurídica como um processo dialético de
fato, valor e norma, define a regra jurídica “[...] como uma integração de fatos segundo
valores, integração esta que, uma vez objetivada (tornada objetiva), está também sujeita a
mutações operadas em razão de supervenientes alterações verificadas no plano normativo,
factual e axiológico”.
53
Essas normas jurídicas, ao contrário das demais normas de conduta social,
possuem uma força coercitiva que pode ser efetiva ou potencial. Outra característica que as
distingue das demais é relativa ao seu conteúdo ou à matéria por ela abordada, que terá
sempre como objetivo a realização da justiça.
54
O que transforma este fato [fato externo, natural] num ato jurídico (lícito ou ilícito)
não é a sua facticidade, não é o seu ser natural, isto é, o seu ser tal como
determinado pela lei da causalidade e encerrado no sistema da natureza, mas o
sentido objetivo que está ligado a esse ato, a significação que ele possui. O sentido
jurídico específico, a sua particular significação jurídica, recebe-a o fato em questão
por intermédio de uma norma que a ele se refere com o seu conteúdo, que lhe
empresta a significação jurídica, por forma que o ato pode ser interpretado segundo
esta norma. A norma funciona como esquema de interpretação. Por outras palavras:
o juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico
(ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma
interpretação normativa.
55
Nesse sentido, Roberto Baptista Dias da Silva, se reportando a Canotilho e Vital
Moreira conclui que é importante distinguir a norma de seu enunciado lingüístico, já que este
deve ser interpretado para se extrair o conteúdo da norma, que em outras palavras, vem a ser o
51
Prof. Dr. José Querino Tavares Neto, em aula da Disciplina de Introdução ao Estudo do Direito, da Faculdade
de Direito de Jahu, em março de 2004.
52
GRAU, E. R., op. cit., p. 20.
53
REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito: para um novo paradigma hermenêutico. 1ª ed. 3ª tiragem. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 3.
54
MONTORO, A. F., op. cit., p. 361-363.
55
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998. p.4.
23
produto da interpretação dos textos normativos.
56
Além das normas serem eficientes para garantir a paz e a segurança jurídica numa
comunidade, é preciso haver uma ordenação harmoniosa entre as normas reguladoras de
conduta. E, para tanto, mais uma vez a noção de sistema se faz presente nas palavras de
Reinhold Zippelius:
As normas reguladoras de conduta não devem, portanto, contradizer-se e deve
harmonizar-se entre si. Devem, além disso, conjugar-se no sentido de constituir um
modelo global funcional de uma ordem comunitária. Se designa como “sistema” a
conexão ordenada de forma não-contraditória de diversos elementos, então, as
normas jurídicas constituirão um sistema de regulação de conduta (um “sistema
sócio-cibernético”). A estrutura de acção projectada mediante estas normas será uma
ordem de condutas humanas harmonizadas entre si (“um sistema de interações”).
57
Com a organização sistematizada do direito, ocorre que a interpretação dada às
normas jurídicas também deverá ser sempre sistêmica, considerando todo o universo das
normas para que se possa extrair o valor preponderante no momento, naquela determinada
comunidade, ou até mesmo ir além da comunidade, numa abordagem global.
Em se tratando ainda de sistemas, é possível afirmar que o direito é autopoiético,
ou seja, ele é capaz de se auto-gerar para solucionar seus problemas internos. Roberto Eros
Grau atribui tal característica ao direito por considerá-lo um sistema aberto, pois está em
constante evolução, modificação, além de ser um “mecanismo tendente à regulação de
conflitos” - “[...], no interior do litígio, ele não trata de problemas empíricos, de problemas
sociais, porém, trata apenas de problemas internos a si próprio, de seus próprios problemas”
58
(grifo do autor). O autor expressa ainda sua discordância “com a exposição de Luhmann, do
direito como sistema autopoiético, normativamente fechado, cognitivamente aberto”, por
considerar que “os juristas, em regra, não tratam dos problemas que o direito estaria destinado
a resolver, mas sim dos problemas do direito”.
59
Luhmann considera o sistema jurídico, assim como o sistema social, autopoiéticos
fechados e auto-referentes, porque eles se reproduzem partindo de seus próprios elementos e
estruturas, criando suas próprias relações com seu ambiente intra-social. Observa-se, porém,
56
SILVA, Roberto Baptista Dias da. Uma Visão Constitucional da Eutanásia. 2007. 298f. Tese (Doutorado em
Direito Constitucional) – Curso de Pós-Graduação em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2007. p. 17.
57
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado.Tradução de Karin Praefk; Aires Coutinho. Coordenação de
J.J. Gomes Canotilho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p.63.
58
GRAU, E. R., op. cit., p. 21.
59
Ibid., p. 21.
24
que por serem sistemas fechados, não significa que estejam isolados:
El sistema jurídico, al igual que el sistema social, es también para Luhmann, un
sistema autopoietico, es decir, un sistema cerrado y autorreferente. Lo cual significa,
que el sistema jurídico se autrreproduce a partir de sus propios elementos y
estructuras, y que crea sus propias relaciones com su ambiente intrasocial,
manteniendo así, uma diferencia especifica respecto a dicho ambiente. Ahora bien,
el cierre sistêmico no significa que el sistema jurídico sea un sistema aislado. Antes
al contrario, el sistema jurídico opera en su ambiente; y, por ello, la cuestión se
centra en saber como ese ambiente unfluye en el funcionamiento interno del propio
sistema, así como en conocer las cosecuencias que se derivan de la relación con su
ambiente a la hora de determinar la propia reproducción del sistema. Sin embargo, la
relación del sistema jurídico com lo extrajurídico no es normativa, sino también en
este caso << cognitiva>>, porque se trata de un proceso regulado desde dentro.
60
Parece um pouco equivocada a crítica que Roberto Eros Grau faz à definição de
Luhmann, já que ela se enquadra perfeitamente nas duas características principais da
autopoiese, pois o sistema jurídico, apesar de possuir uma delimitação, um ambiente próprio
que o distingue dos demais subsistemas, interage com o ambiente externo, assimilando sua
evolução, suas transformações.
Essas informações externas são processadas no interior do sistema jurídico, que se
reproduz de acordo com as necessidades para a manutenção do equilíbrio e sobrevivência do
próprio sistema. Essa regulação ocorre internamente, porém, absorve dados externos,
funcionando como um sistema auto-referencial, mas é aberto cognitivamente.
As normas que compõem o sistema jurídico estão conectadas nessa rede pelos
princípios gerais do direito que, assim como as regras, também são normas. Vale dizer que:
“As normas compreendem um gênero do qual são espécies as regras e os princípios”.
61
Roberto Baptista Dias da Silva, ao discorrer sobre a interpretação constitucional,
atenta para as diferenças entre regras e princípios constitucionais:
As regras, então, expressam direitos e deveres definitivos, ou seja, se são válidas,
devem realizar precisamente aquilo que determinam. Por outro lado, os princípios
expressam direitos e deveres prima facie e, portanto, quando em colisão com outros
princípios, deverão ser sopesados, revelando-se, no caso concreto, mais ou menos
amplo.
62
Para Luis Roberto Barroso as normas se classificam em normas-princípio e
normas-disposição. Para ele “as normas-disposição, também referidas como regras, têm
eficácia restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou
60
Apud. ARNAUD, André-Jean; DULCE, María José Farinas. Sistemas jurídicos: elementos para un análisis
sociológico. 2ª ed. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid: Boletín Oficial del Estado, 2006, p. 152.
61
GRAU, E. R., op. cit., p.19.
62
SILVA, R. B. D., op. cit., 25.
25
simplesmente princípios, têm normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais
destacada dentro do sistema”.
63
Como no sistema jurídico as normas devem coexistir harmoniosamente, para
dirimir qualquer antinomia, em casos de conflito deve-se fazer uso dos critérios da hierarquia,
nos quais a norma superior prevalece sobre a inferior, e da especialização, em que a regra
especial deve prevalecer à regra geral. Desse modo, toda e qualquer norma infraconstitucional
deve estar em harmonia com a constituição, por ser esta, em sentido material, o conjunto das
regras fundamentais relativas à convivência sob forma de comunidade de Estado. A essas
normas, quando consagradas em um documento constitucional (constituição em sentido
formal), atribui-se o grau hierárquico mais elevado no Estado, ao qual se podem reconduzir
todas as outras normas jurídicas internas.
64
1.4 O DIREITO AMBIENTAL
Ao falar em direito ambiental, deve-se ter em mente que este não visa apenas à
proteção dos ecossistemas. Sua abrangência é bem mais ampla, partindo do pressuposto de
que não basta simplesmente se preocupar com a preservação dos recursos naturais, é preciso
também se preocupar em como fazer o uso racional desses recursos, de maneira a permitir um
contínuo desenvolvimento econômico e social, capaz de atender as demandas das presentes e
futuras gerações.
[...] o Direito Ambiental pode ser definido como um direito que tem por finalidade
regular a apropriação econômica dos bens ambientais, de forma que ela se faça
levando em consideração a sustentabilidade dos recursos, o desenvolvimento
econômico e social, assegurando aos interessados a participação nas diretrizes a
serem adotadas, bem como padrões adequados de saúde e renda.
65
Luís Paulo Sirvinskas define direito ambiental como “[...] a ciência jurídica que
estuda, analisa e discute as questões e os problemas ambientais e sua relação com o ser
humano, tendo por finalidade a proteção do meio ambiente e a melhoria das condições de vida
63
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 6ª ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 151.
64
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. Tradução de Karin Praefk; Aires Coutinho. Coordenação de
J.J. Gomes Canotilho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 67.
65
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 10ª ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2007,
p. 9.
26
no planeta”.
66
Para José Afonso da Silva, o direito ambiental deve ser considerado, como em
todo ramo do Direito, sob dois aspectos: o primeiro consiste do conjunto de normas jurídicas
que disciplinam a proteção da qualidade do meio ambiente – é o direito ambiental objetivo; o
segundo é o que busca o conhecimento sistematizado das normas e princípios ordenadores da
qualidade do meio ambiente – é considerado direito ambiental como ciência.
67
O autor declara
ainda não existir uma teoria de direito ambiental, podendo-se dizer, no entanto, “[...] que se
trata de uma disciplina jurídica de acentuada autonomia, dada a natureza específica de seu
objeto, [...]”.
68
Também aponta “[...] que o Direito Ambiental é hoje um ramo do Direito
Público, tal é a forte presença do Poder Público no controle da qualidade do meio ambiente,
em função da qualidade de vida concebida como uma forma de direito fundamentada da
pessoa humana [...]”.
69
O Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a articulação da
legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram
o ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem
antagônica. Não se trata mais de construir um Direito das águas, um Direito da
atmosfera, um Direito do solo, um Direito florestal, um Direito da fauna ou um
Direito da biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada matéria tem
de específico, mas busca interligar estes temas com a argamassa da identidade dos
instrumentos jurídicos de prevenção e de reparação, de informação, de
monitoramento e de participação.
70
Da definição de Paulo Affonso Leme Machado depreende-se, mais uma vez, a
importância do sistema em rede, por ser um facilitador das interações necessárias para
desenvolver e implementar o direito ambiental. Incluem-se nessas interações, a participação
popular tendo acesso às informações, donde se pressupõe existir um nível adequado de
educação para poder processá-las e, assim, monitorar a efetividade das políticas públicas
desenvolvidas, para saber se realmente estão atendendo a vontade coletiva.
[...] é de grande importância ressaltar que a gestão ambiental é um conjunto de
diretrizes, normas e ações destinadas à administração dos recursos naturais, da
66
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 3ª ed. rev. e atual.São Paulo: Saraiva, 2005, p. 27.
67
SILVA, J. A., op. cit., p. 42.
68
Ibid., p. 41.
69
Ibid., p.41.
70
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 8ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Malheiros Editores Ltda, 2000, p. 122.
27
qualidade ambiental e do meio ambiente como um todo. Tudo isto supõe políticas
apropriadas, ações coordenadas e um grande empenho participativo, seja do Poder
Público, seja de segmentos organizados da sociedade: são fatores constitutivos da
gestão. Guarde-se bem: gestão ambiental é responsabilidade compartida, não é
questão exclusiva de indústrias e classes empresariais, como erroneamente muitos
acreditam e propugnam. Cada cidadão, cada grupo, na medida de suas
responsabilidades e competência, é, ipso facto, gestor ambiental.
71
Referindo-se às normas ambientais, Edis Milaré alerta que tanto a Constituição
quanto a Política Nacional de Meio Ambiente têm caráter fundamentalmente antropocêntrico,
por omitirem “[...] a consideração essencial de que o ser humano, considerado como indivíduo
ou como coletividade, é parte integrante do mundo natural e, por conseguinte, do meio
ambiente”, o que pode levar facilmente à idéia de separação do homem e o meio ambiente,
pois “o ambiente é algo extrínseco e exterior à sociedade humana, confundindo-o, então, com
seus componentes físicos bióticos e abióticos, ou com recursos naturais e ecossistemas”.
Conclui-se ainda “que este equívoco passou para as Constituições Estaduais e,
posteriormente, para as Leis Orgânicas de grande parte dos Municípios”.
72
Referido autor adota a nomenclatura direito do ambiente, que é também utilizada
pela doutrina mais moderna, por considerá-la mais abrangente além de gramatical e
juridicamente correta. Ela define o direito do ambiente como “o complexo de princípios e
normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam
afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para
as presentes e futuras gerações”.
73
(grifo do autor)
Ele também critica o caráter assistemático da legislação ambiental brasileira, o
que é muito grave, dada sua natureza transdisciplinar, por gerar inúmeros conflitos devido ao
antagonismo existente entre normas que regulam a mesma matéria, dando margem, assim, ao
exercício de atividades lesivas ao meio ambiente. “Finalmente, porque estruturada em
retalhos, a legislação ambiental brasileira tem vastíssimas clareiras normativas, verdadeiros
‘buracos negros ambientais’, onde inexistem normas de regramento das condutas dos
envolvidos, como exemplo, a questão dos resíduos perigosos ou tóxicos”.
74
Daí pode-se
certificar da necessidade urgente de uma codificação ambiental.
71
MILARÉ, E., op. cit., p. 735.
72
Ibid., p. 114.
73
Ibid., p. 758.
74
Ibid., p. 747.
28
1.5 A TUTELA CONSTITUCIONAL DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO
A Constituição Federal de 1988, diferentemente das que a precederam, dedicou
um capítulo ao meio ambiente, institucionalizando definitivamente o direito ao ambiente
sadio como um direito fundamental do indivíduo.
75
O artigo 225, caput, do instituto, dispõe que: “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações”. Dessa disposição aufere-se ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, além do caráter indisponível, por ser um direito fundamental, o
caráter difuso por ser um bem de uso comum do povo. Também estabelece ao Poder Público e
ao cidadão titular do direito, o dever de defendê-lo e preservá-lo, se comprometendo com as
presentes e futuras gerações.
Embora o meio ambiente ecologicamente equilibrado seja considerado no referido
dispositivo legal como um bem de uso comum do povo, é importante observar que o direito
ao mesmo é de todos, ou seja, não está se referindo específica e restritamente a todos os seres
humanos, mas a todas as espécies, a todos os seres que o compõe.
A Resolução nº 37/7, proclamada pela Assembléia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU) em 1982, também denominada Carta Mundial da Natureza, já
reconhece a extensão desse direito aos demais organismos, ao determinar que toda forma de
vida é única e deve ser respeitada independente de sua utilidade para o homem: “Every form
of life is unique, warranting respect regardless of its worth to man, and, to accord other
organisms such recognition, man must be guided by a moral code of action”.
76
Seguindo a tendência, as normas de direito ambiental nacionais e internacionais
vêm reconhecendo cada vez mais direitos próprios da natureza, atribuindo status jurídico a
animais e ecossistemas, possibilitando a defesa de formas de vida não humana. Entretanto,
grande parte da doutrina discorda dessa tendência por acreditar que seria um irracionalismo
colocar em pé de igualdade o homem e os demais seres vivos, já que o Direito é uma
construção humana para servir aos propósitos humanos.
77
75
MILARÉ, E., op. cit., p. 142.
76
World Charter for Nature, Adopted by the General Assembly in Resolution 37/7 of 10 October 1982.
Disponível em http://www.un-documents.net/wcn.htm. Acesso em 20.10.2007.
77
ANTUNES, P. B., op. cit., p. 20.
29
Paulo de Bessa Antunes observa: “[...] colocando em pé de igualdade o Homem e
os demais seres vivos, de fato, rebaixa o valor da vida humana e transforma-a em algo sem
valor em si próprio, em perigoso movimento de relativização de valores”.
78
(grifo nosso)
José Afonso da Silva também pondera no mesmo sentido, ao considerar o homem
no centro das atenções: “A proteção ambiental, abrangendo a preservação da Natureza em
todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico,
visa a tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como forma de
direito fundamental da pessoa humana”.
79
(grifo do autor)
Como se observa, a primeira alegação de que o valor da vida humana seria
rebaixado, “sem valor em si própria”, contradiz literalmente a determinação contida na
Resolução nº 37/7 da ONU de que toda a forma de vida deve ser respeitada independente de
sua utilidade para o homem. Além disso, ambas as afirmações também contradizem a
proposta da qual tanto se fala atualmente, de romper com o antropocentrismo ainda
predominante no mundo ocidental. Essa ruptura supõe a conscientização de que todas as
formas de vida, inclusive a humana, são meros componentes de um mesmo organismo
complexo que é o planeta Terra. Dessa forma, todos os seus componentes estão interligados e
a sobrevivência de um desses subsistemas (órgãos) interfere diretamente na sobrevivência dos
demais, conforme já visto anteriormente.
Sendo assim, estamos e sempre estivemos em “pé de igualdade”, pois, como
adverte Édis Milaré, “[...] o ambiente responderá e corresponderá ao homem na medida e nos
moldes em que for por ele tratado. Não há alternativa para a lei ou ordenamento da natureza,
da qual, aliás, a espécie humana é parte integrante e solidária, apesar de nem sempre
reconhecê-lo e aceitá-lo”.
80
Não se justifica, portanto, supervalorizar a vida humana em
detrimento das demais formas de vida, ainda mais por se tratar da única que atua de forma tão
irresponsável e desrespeitosa, causando significativos impactos ao equilíbrio do planeta.
Em segundo lugar, considerando ainda a proposta de ruptura com o
antropocentrismo, deve-se entender que as disposições encontradas nos incisos I, II e VII do
art. 225, CF, que delegam ao Poder Público a incumbência de proteger a natureza para
garantir o equilíbrio ecológico, tratam do reconhecimento da natureza como sujeito de direito.
78
ANTUNES, P. B., op. cit., p. 20.
79
SILVA, J. A. da, op. cit., p. 58.
80
MILARÉ, É., op. cit., p. 199.
30
Apesar dela não ter capacidade para postular em juízo (assim como os seres humanos
totalmente incapazes), caberá ao Ministério Público e a todos os cidadãos representá-la,
atuando em sua defesa.
O Direito não atribui nem poderia atribuir autonomia aos seres irracionais, porém
ocupa-se deles, protege-os e dispõe sobre suas boas condições e o seu correto uso, e
dessa forma, direta ou indiretamente, ocupa-se da preservação do planeta Terra. É o
nosso Direito que se aplica aos “direitos” dos demais seres, especialmente os vivos,
a fim de garantir a harmonia na convivência planetária.
81
Para Antonio Herman Benjamin, embora a expressão todos do art. 225, CF possa
dar margem a mais de uma interpretação, ao fazer uma abordagem literal da Constituição,
extrai-se que a palavra todos se refere aos seres humanos, já que a mesma expressão é
utilizada em outros pontos da Lei Maior para garantir direitos fundamentais que não
apresentam nenhuma vocação de se conectarem às formas de vida não humanas, como por
exemplo, a educação, ressalvando que “[...] como a interpretação da norma reflete muito do
que se colhe da realidade cultural, incubadora dos nossos valores éticos, quem sabe um dia se
verá no ‘todos’ do art. 225, caput, uma categoria mais ampla e menos solitária do que apenas
os próprios seres humanos”.
82
Salienta também que “[...] a negação de titularidade de direito a
outros seres vivos não implica, automática e inevitavelmente, negação de reconhecimento de
seu valor intrínseco”.
83
Apesar de não compartilhar do entendimento de alguns doutrinadores que
consideram o meio ambiente apenas como um bem de uso comum do povo, não reconhecendo
seu valor intrínseco, vale dizer que não se trata de um bem particular, tampouco de um bem
público, mas sim de um bem de interesse público.
José Afonso da Silva se referindo à expressão todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, contida no art. 225, CF, ressalta:
[...] o objeto do direito não é o meio ambiente em si, não é qualquer meio ambiente.
O que é objeto do direito é o meio ambiente qualificado. O direito que todos temos é
à qualidade satisfatória, ao equilíbrio ecológico do meio ambiente. Essa qualidade é
que se converteu em um bem jurídico. A isso é que a Constituição define como bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. [...] esses atributos do
meio ambiente não podem ser de apropriação privada mesmo quando seus elementos
constitutivos pertençam a particulares. Significa que o proprietário, seja pessoa
81
MILARÉ, É., op. cit., p. 114.
82
BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira.
In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito Constitucional Ambiental
Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 106.
83
Id. Ibid., p. 106.
31
pública ou particular, não pode dispor da qualidade do meio ambiente a seu bel-
prazer, porque ela não integra a sua disponibilidade.
84
O referido autor complementa que elementos físicos, como o ar e a água, também
não são suscetíveis de apropriação privada, “[...] não são bens públicos nem particulares. São
bens de interesse público, dotados de um regime jurídico especial, enquanto essenciais à sadia
qualidade de vida e vinculados, assim, a um fim de interesse coletivo”.
85
Dessa maneira, o ambiente deve ser considerado como um macrobem, incorpóreo
e imaterial, não devendo ser qualificado como patrimônio público, por pertencer à
coletividade, mas a título autônomo. “Na concepção de microbem ambiental, isto é, dos
elementos que o compõem (florestas, rios, propriedade de valor paisagístico etc.), o meio
ambiente pode ter o regime de sua propriedade variado, ou seja, público e privado, no que
concerne à titularidade dominial”.
86
De qualquer forma, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme
menciona o dispositivo, é essencial à sadia qualidade de vida, condição esta indispensável
para que uma pessoa possa viver dignamente. Aliás, para viver com dignidade é preciso
dispor dos mínimos recursos e condições necessárias a assegurar as prerrogativas
mencionadas no Preâmbulo constitucional, quais sejam: o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
[...]. Seria impossível falar em bem-estar sem que haja uma qualidade de vida saudável.
Logo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito
constitucional fundamental, uma vez que o direito das presentes e futuras gerações a uma vida
digna é um dos princípios fundamentais da Constituição e está inserido logo em seu artigo 1º
que diz: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: [...]; III - a dignidade da pessoa humana.
Pela dignidade da pessoa humana tratar-se de um dos princípios fundamentais
adotados por nossa constituição, para não dizer, o mais importante, e considerando que para
viver com dignidade, num ambiente saudável, se faz necessário o equilíbrio ecológico deste
meio, pode-se concluir seguramente que o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado se
84
SILVA, J. A., op. cit., p. 83-84.
85
Id. Ibid., p. 84.
86
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE,
José Rubens Morato (orgs). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 147-149.
32
inclui no rol dos direitos e garantias fundamentais de todo brasileiro e de todo estrangeiro
residente no País, conforme prevê o caput do art. 5º da Constituição Brasileira.
1.6 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL
Existem alguns princípios que são adotados pelos doutrinadores como a base, o
alicerce do direito ambiental. Embora não haja um consenso com relação à nomenclatura,
destaca-se a importância desses princípios, devido à complexidade da matéria, pois além de
nortear a elaboração das normas jurídicas, os princípios surgem como verdadeiros
“guardiões” do meio ambiente, uma vez que, na ausência ou até mesmo nas controvérsias
diante da aplicação dessa ou daquela norma, eles definirão o que melhor se aplica ao caso
concreto. É importante lembrar que todas as normas e toda manifestação de vontade têm
necessariamente de se compatibilizarem com a Constituição, que é a fonte primária da
produção normativa por força da supremacia constitucional. Devem, portanto, serem
interpretadas consoante aos princípios e regras constitucionais.
A partir da segunda metade do século XX, o pós-positivismo surge com o ímpeto
de superar o conhecimento convencional, reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade ao
ordenamento positivo.
Os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a síntese dos
valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade,
seus postulados básicos, seus afins. Os princípios dão unidade e harmonia ao
sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas. De parte
isto, servem de guia para o intérprete, cuja atuação deve pautar-se pela identificação
do princípio maior que rege o tema apreciado, descendo do mais genérico ao mais
específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie. Estes
são os papéis desempenhados pelos princípios: a) condensar valores; b) dar unidade
ao sistema; c) condicionar a atividade do intérprete.
87
Luís Roberto Barroso classifica os princípios constitucionais em:
- princípios instrumentais de interpretação constitucional que são “[...]
premissas conceituais, metodológicas ou finalísticas que devem anteceder, no processo
intelectual do intérprete, a solução concreta da questão posta”.
88
Classificam-se em: a)
princípio da supremacia da constituição; b) princípio da presunção de constitucionalidade das
leis e atos do poder público; c) princípio da interpretação conforme a Constituição; d)
87
BARROSO, L. R., op. cit., p. 327.
88
Id. Ibid., p. 370.
33
princípio da unidade da Constituição; e) princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade;
e) princípio da efetividade.
89
- princípios constitucionais materiais que indicam valores ou fins a serem
alcançados pelo Estado e pela sociedade, irradiando-se pelo sistema, interagindo entre si e
pautando a atuação dos órgãos de poder, inclusive a do Judiciário ao determinar o sentido das
normas. Por possuírem raios de ação diferentes, assim como amplitude de efeitos e graus de
influência diversos, eles são agrupados em: a) Princípios fundamentais, que expressam as
principais decisões políticas no âmbito do Estado, veiculando a forma, o regime e o sistema
de governo. Incluem também os objetivos fundamentais da República contidos no art. 3º da
CF e os que regem suas relações internacionais, que se encontram no art. 4º da CF. Exemplos:
princípios republicano, federativo, da separação dos Poderes, da livre iniciativa, da dignidade
da pessoa humana – que é o centro axiológico da concepção de Estado democrático de direito;
b) Princípios gerais, que são especificações dos princípios fundamentais, irradiando-se por
toda a ordem jurídica. Por terem menor grau de abstração, eles tutelam direta e imediatamente
as situações jurídicas que contemplam e estão concentrados majoritariamente no art. 5º da
Constituição, equiparando-se aos direitos fundamentais. Diferentemente dos princípios
fundamentais, eles não têm caráter organizatório do Estado, mas sim, limitativo de seu poder,
resguardando situações individuais, a exemplo dos princípios da legalidade, da liberdade, da
isonomia, do acesso ao judiciário, entre outros; c) Princípios setoriais ou especiais são
aqueles que presidem um conjunto específico de normas afetadas a determinado tema,
capítulo ou título da Constituição. Eles se irradiam limitadamente, mas no seu âmbito de
atuação são supremos. Exemplos: no âmbito da ordem econômica são os princípios da
garantia da propriedade privada, da função social da propriedade, da livre concorrência, da
defesa do consumidor e da defesa do meio ambiente.
90
Ressalte-se que um mesmo princípio pode servir de fundamentação para mais de
uma ciência, podendo ser abordado um princípio do Direito Administrativo, ou
Constitucional, a exemplo do princípio da proporcionalidade, para fundamentar a aplicação de
uma norma ambiental.
89
BARROSO, L. R., op. cit., p. 370-374.
90
Id. Ibid., p. 374-376.
34
Tabela 2: Princípios do Direito Ambiental
Princípio do ambiente
ecologicamente equilibrado como
direito fundamental da pessoa
humana
Direito configurado como extensão do direito à vida, para uma boa
qualidade de vida. Reconhecido pela Conferência das Nações Unidas
sobre o Ambiente Humano de 1972 (Princípio 1), pela Declaração do
Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (Princípio 1),
pela Carta da Terra de 1997 (Princípio 4), expresso no caput do art. 225
da Lei Maior.
Princípio da solidariedade
intergeracional
Busca assegurar a solidariedade sincrônica (relação de cooperação entre
gerações contemporâneas) e a diacrônica (da geração presente para com
as gerações futuras). Estabelecido na Declaração de Estocolmo sobre o
Ambiente Humano de 1972 (Princípio 2), na Declaração do Rio sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (Princípio 3), expresso no
art. 225, caput , CF.
Princípio da natureza pública da
proteção ambiental
Fruição humana comum e solidária do mesmo ambiente ecologicamente
equilibrado. Está vinculado ao princípio do Direito Público da primazia
do interesse público e ao princípio de Direito Administrativo da
indisponibilidade do interesse público. Expresso no art. 2º, I da Lei
6.938/81 e no caput do art. 225, CF.
Princípio da prevenção
Aplicado quando tratar de risco certo por tratar-se de atividade
conhecidamente perigosa, por entender que a maioria dos danos
ambientais são compensáveis, porém irreparáveis. Presente no art. 225,
§ 1º, IV, CF (estudo de impacto ambiental).
Princípio da precaução
A precaução pode ser entendida como a atuação antecipada diante de
condições de risco ou perigo, baseado em posições ou incertezas
científicas, visando garantir a disponibilidade dos recursos naturais para
as presentes e futuras gerações, por meio do uso racional e sustentável
desses recursos, compatibilizando desenvolvimento econômico-social
com a preservação do meio ambiente. Está presente na Declaração do
Rio de 1992 (Princípio 15); Convenção sobre o Clima (art. 3º, 3); Carta
da Terra (Princípio 2); art. 225, V, CF; art. 54, § 3º, Lei 9.605/98 (Lei
dos Crimes Ambientais); art. 1º, caput, Lei 11.105/2005 (Lei da
Biossegurança).
Princípio da consideração da
variável ambiental no processo
decisório de políticas de
desenvolvimento
Ressalta a obrigação de considerar a variável ambiental em qualquer
ação ou decisão, de iniciativa pública ou privada, que possa causar
impacto negativo ao meio ambiente. Está presente no art. 225, § 1º, IV,
CF; Declaração Rio/92 (Princípio 17); art. 10, §§ 2º e 3º, Lei 6.803/80;
art. 9º, III, Lei 6.938/81; Resoluções CONAMA 001/86, 006/87,
237/97.
Princípio do controle do poluidor
pelo Poder Público
Considera as atribuições e intervenções do Poder Público, através de seu
poder de polícia, necessárias à manutenção, preservação e restauração
dos recursos ambientais, objetivando sua utilização racional e
disponibilidade permanente. Disposto no art. 23, caput, VI, e art. 225, §
1º, V, CF; art. 5º, § 6º, Lei 7.347/85.
35
Fonte: adaptado de MILARÉ, 2007.
Na tabela acima, estão sintetizados alguns dos princípios do Direito Ambiental.
Apesar de não se constituírem objetos de estudo do presente trabalho, dois princípios serão
abordados a seguir, por estarem estritamente relacionados ao tema, além de serem bastante
utilizados para dirimir controvérsias em matéria de direito ambiental.
Princípio do poluidor-pagador
Imputa ao poluidor a obrigação de pagar pela poluição por ele causada
ou que ainda possa vir a ser causada (internalização dos custos sociais
externos que acompanham o processo produtivo). Presente no art. 225,
§ 3º, CF; art. 4º, VII, Lei 6.938/81, Declaração Rio / 92 (Princípio 16).
Princípio do usuário-pagador
Considera a previsível escassez dos bens naturais diante de seu uso
irracional (abusivo), impondo ao usuário a obrigação de arcar com os
custos necessários para viabilizar a utilização que obtém desses
recursos, bem como pelo próprio uso que faz dos mesmos, por se
tratarem de bens coletivos, aos quais todos têm o mesmo direito.
Previsto no art. 4º, VII, Lei 6.938/81, além de cobranças análogas como
IPTU, ITR, e outros pagamentos por serviços ecológicos que estão
sendo estabelecidos pontualmente no Brasil.
Princípio da função socioambiental
da propriedade
O exercício do direito de propriedade está intimamente vinculado ao
dever do proprietário de salvaguardar os bens da coletividade, buscando
a harmonização entre seus próprios interesses individuais e os interesses
coletivos. Art. 5º, XII e XIII, art. 182, § 2º, art. 186, CF; art. 2º, § 1º,
“c”, Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra)
Princípio da participação
comunitária
Devido à importância de envolver o cidadão na formulação e
implementação da política ambiental, pois é necessário que todos se
conscientizem de suas responsabilidades, para assim contribuir com a
melhoria e preservação do meio ambiente. Embasado nas informações
recebidas, cada indivíduo deve ter a oportunidade de participar de
processos decisórios. Vide art. 5º, XIV, XXXIII, XXXIV, LXXI,
LXXIII, art. 225, caput e § 1º, VI, art. 129, III e § 1º, art 220, CF; art. 9º
VII e XI, Lei 6.938 / 81; Lei 10.650 / 03; art. 3º, caput, Res. CONAMA
237 / 97.
Princípio da cooperação entre os
povos
Considerando que as agressões ambientais podem ultrapassar fronteiras
territoriais dos Estados soberanos, estes deverão manter intercâmbio
financeiro e tecnológico para solucionar os problemas relacionados ao
meio ambiente. Vide art. 4º, IX, CF; Capítulo VII da Lei 9.605/ 98;
Capítulo 2, Seção 1 da Agenda 21; art 5º da Convenção sobre
Diversidade Biológica; art. 3º, n. 5, da Convenção Quadro das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas, Princípios 2, 7, 9, 12, 13, 14, 18 e
27 da Declaração do Rio de 92.
36
1.6.1 Princípio da razoabilidade - proporcionalidade
91
Os atos do Poder Público (inclusive os do Poder Legislativo), sempre deverão
estar informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico, que é a justiça. O
parâmetro de valoração que permite aferir se tal preceito está sendo cumprido, em
atendimento aos valores vigentes, é o princípio da razoabilidade, que garante a não ocorrência
de arbitrariedade, supondo ainda equilíbrio, moderação e harmonia
92
- ele permite ao
Judiciário controlar a discricionariedade legislativa e administrativa.
A atuação do Estado na produção de normas jurídicas normalmente far-se-á diante
de certas circunstâncias concretas; será destinada à realização de determinados fins,
a serem atingidos pelo emprego de determinados meios. Desse modo, são fatores
invariavelmente presentes em toda ação relevante para a criação do direito: os
motivos (circunstâncias de fato), os fins e os meios. Além disso, há de se tomar em
conta, também, os valores fundamentais da organização estatal, explícitos ou
implícitos, como a ordem, a segurança, a paz, a solidariedade; em última análise, a
justiça. A razoabilidade é, precisamente, a adequação de sentido que deve haver
entre esses elementos.
93
Luís Roberto Barroso distingue a razoabilidade em interna, que é a razoabilidade
existente dentro da lei, devendo seus motivos, meio e fins estarem relacionados racional e
proporcionalmente, e externa, que indica a adequação da norma aos meios e fins
preconizados e admitidos pela Constituição.
94
Ele também relaciona como qualificadores da
razoabilidade/proporcionalidade os requisitos desenvolvidos na doutrina alemã que são: a)
exigibilidade ou necessidade da medida, que pressupõe a adoção dos meios que sejam menos
onerosos ao cidadão para a obtenção dos fins perseguidos (também chamada de proibição de
excessos). Atualmente, tem-se discutido amplamente a aplicação desse controle com a
finalidade oposta, ou seja, contra a omissão ou ação insuficiente dos poderes estatais
95
; b)
proporcionalidade em sentido estrito, que verifica a relação dos custos causados pela adoção
da medida com as vantagens dos resultados ou fins obtidos.
A caracterização do princípio da proporcionalidade na doutrina brasileira, também
se dá pela presença dos três requisitos supracitados: 1) adequação – aptidão das medidas
adotadas pelo Poder Público para atingir os objetivos pretendidos; 2) necessidade ou
91
BARROSO, L. R., op. cit., p. 228.
92
Id. Ibid., p. 224.
93
Id. Ibid., p. 226.
94
Id. Ibid., p. 226.
95
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 798, 2002, p.27.
37
exigibilidade – não pode haver outra medida menos gravosa do que a adotada para atingir os
mesmos objetivos pretendidos; 3) proporcionalidade em sentido estrito – relação
custo/benefício da medida para justificar a interferência na esfera dos direitos do cidadão.
96
O teor deste princípio pode ser extraído do art. 5º, LIV da Constituição Brasileira
que diz “Ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, e
está intimamente vinculado ao princípio da isonomia, já que é a razoabilidade que vai
permitir equiparar os que são iguais e distinguir os desiguais, nas medidas ou proporções de
suas desigualdades, para dar-lhes o tratamento adequado.
Virgílio Afonso da Silva considera equivocado o uso dos termos
proporcionalidade e razoabilidade como se fossem sinônimos. Para o autor, razoabilidade é
uma simples análise da relação meio e fim, para verificar se determinado ato estatal é
razoável, ao passo que a proporcionalidade tem uma estrutura definida com subelementos ou
sub-regras independentes (adequação, necessidade, proporcionalidade em sentido estrito), que
são aplicados numa ordem pré-definida. A razoabilidade, então, compreende apenas a análise
da adequação, enquanto a proporcionalidade vai além, não se restringe apenas em estabelecer
o que é razoável, pois deve analisar a necessidade e a proporcionalidade do ato em sentido
estrito.
Também é importante ressaltar que as sub-regras citadas deverão ser aplicadas
subsidiariamente e isso significa que, no caso concreto, pode ocorrer que nem todas sejam
analisadas. Quanto à adequação, o autor considera adequado não somente o meio que atinge a
finalidade pretendida, mas também aquele que fomenta, que promove a realização do
objetivo, ainda que este não seja completamente atingido. Quanto à proporcionalidade em
sentido estrito, o autor salienta:
Ainda que uma medida que limite um direito fundamental seja adequada e
necessária para promover um outro direito fundamental, isso não significa, por si só,
que ela deve ser considerada como proporcional. Necessário é ainda um terceiro
exame, o exame da proporcionalidade em sentido estrito, que consiste em um
sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a
importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que
fundamenta a adoção da medida restritiva.
97
Complementa, ainda, afirmando que para uma medida ser considerada
desproporcional, não é necessário que ela implique na não realização de um direito
fundamental, nem que ela atinja o núcleo essencial de algum direito fundamental. Basta que
96
BARROSO, L. R., op. cit., p. 229.
97
SILVA, V. A., op. cit., p. 40.
38
os fundamentos para a adoção da referida medida não tenham peso suficiente para justificar a
restrição do direito fundamental atingido. “Se a importância da realização do direito
fundamental, no qual a limitação se baseia, não for suficiente para justificá-la, será ela
desproporcional”.
98
1.6.2 Princípio da função socioambiental da propriedade
Nas civilizações primitivas, a propriedade era comunitária, com domínio coletivo
sobre as coisas úteis, sendo somente de propriedade privada apenas os objetos de uso pessoal.
A terra, por sua vez, não era objeto de apropriação devido ao caráter nômade dos povos
primitivos, passando a ter papel relevante já na Idade Média, por representar a base da
organização econômica e social do feudalismo. Com o advento da Revolução Francesa houve
o reconhecimento e a valorização dos direitos individuais, destacando-se entre eles o direito
de propriedade, que era exercido segundo o Código Napoleônico, ou seja, de maneira
absoluta. Esses valores individualistas foram sendo paulatinamente substituídos pelo valor
social.
99
Segundo Hely Lopes Meirelles, por exigência do interesse público, o Estado deve
intervir imperiosamente na propriedade privada para satisfazer as exigências coletivas e
reprimir a conduta anti-social da iniciativa particular.
Modernamente, o Estado de Direito aprimorou-se no Estado de Bem Estar (Welfare
State), em busca de melhoria das condições sociais da comunidade. Não é o Estado
Liberal que se omite ante a conduta individual, nem o Estado Socialista que suprime
a iniciativa particular. É o Estado orientador e incentivador da conduta individual no
sentido do bem-estar social. Para atingir esse objetivo o Estado de Bem-Estar
intervém na propriedade e no domínio econômico quando utilizados contra o bem
comum da coletividade.
100
No Brasil, a Constituição de 1934 renovou o conceito de propriedade, que até
então era exercido em plenitude, ao estipular que o exercício do direito de propriedade não
poderia contrariar o interesse social.
Edson Luiz Peters relaciona a resistência dos tribunais brasileiros em acolherem o
98
SILVA, V. A., op. cit., p. 41.
99
TEIZEN Jr., Augusto Geraldo. A função social no código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2004, p. 41-47.
100
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. Atualização de Eurico de Andrade
Azevedo et al. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 567.
39
princípio da função social da propriedade, ainda na década de setenta, embora já prevista
constitucionalmente, com o artifício utilizado por certos juristas de distinguirem normas
programáticas de não programáticas no intuito de não se indisporem politicamente.
Predominava, pela análise da interpretação jurisprudencial, a tese de que a norma
referente à função social da propriedade era programática, e, assim sendo,
necessitava ser regulamentada por legislação infraconstitucional para ter aplicação
efetiva, não sendo auto-aplicável. Nesta tese se agarravam não somente os donos de
grandes extensões de terra como também os governantes, que não estavam dispostos
a enfrentar o poder político e econômico dos coronéis da terra, cujos interesses
foram sempre muito bem defendidos no Congresso Nacional.
101
(grifo do autor)
Na atual Constituição, o direito de propriedade tem garantia de inviolabilidade e
está enfaticamente inscrito no art. 5º que contém o rol dos direitos e deveres individuais e
coletivos, o que o eleva a direito fundamental, pois o art. 5º tem natureza constitucional de
cláusula pétrea. Assim sendo, o direito à propriedade não tem caráter absoluto frente à
exigência constitucional do cumprimento da função social da propriedade.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: [...];
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social [...] (grifo nosso)
No mesmo sentido, a Constituição Federal, ao tratar dos princípios gerais da
atividade econômica, prevê em seu artigo 170 que: “A ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]; II –
propriedade privada; III – função social da propriedade”.
O cumprimento da função social é uma incumbência designada tanto à
propriedade rural, quanto à propriedade urbana, conforme prevê o texto constitucional que
impõe aos municípios sua contemplação:
Art.182 A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com
mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento
e expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade, expressas no plano diretor.
101
PETERS, Edson Luiz. Meio ambiente & propriedade rural. 1ª ed. 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2004, p. 109.
40
No que refere às propriedades rurais, a Constituição Federal também não se omite
ao dispor:
Art.186 A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos
seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
(grifo nosso)
O exercício do direito de propriedade está intimamente vinculado ao dever do
proprietário de salvaguardar os bens da coletividade, buscando a harmonização entre seus
próprios interesses individuais e os interesses coletivos. Conforme Antonio Herman
Benjamin: “No geral, a proteção do meio ambiente, no sistema constitucional brasileiro, não é
uma incumbência imposta sobre o direito de propriedade, mas uma função inserida no direito
de propriedade, dele sendo fragmento inseparável”.
102
(grifo do autor)
Vincula-se também ao poder/dever do Poder Público fiscalizar e exigir a
contemplação dessa função social, bem como estabelecer planos e adequar normas que
viabilizem o cumprimento da exigência constitucional, que também está disposta no § 1º do
artigo 1.228 do Novo Código Civil:
O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades
econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o
estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio
ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitar a poluição do ar e
das águas. (grifo nosso)
Vale observar que o Código Florestal é uma lei especial e que a Lei 4.504/64
(Estatuto da Terra) está fundamentada no princípio da função social da propriedade,
condicionando o seu uso e gozo ao cumprimento de sua função social, o que já está previsto
em seu artigo 2º: “É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra,
condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei”. O § 1º do mesmo artigo
dispõe que: “A propriedade de terra desempenha integralmente a sua função social quando
simultaneamente: a) favorece o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela
labutam, assim como de suas famílias; b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c)
assegura a conservação dos recursos naturais; [...]”.(grifo nosso). E o artigo 12 do mesmo
instituto reforça essa vinculação: “À propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma
102
BENJAMIN, Antonio Herman. Desapropriação, reserva florestal legal e áreas de preservação permanente.
Revista CEJ, n. 3, dezembro 1997. Disponível em <http://wwww.cfj.gov.br/revista/numero3/artigo04.htm>.
Acesso em 12 de fevereiro, 2008.
41
função social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo previsto na Constituição Federal
e caracterizado nesta Lei”.
A relevância do cumprimento da função social da propriedade pode ser notada
analisando a Súmula 668 do STF que diz: É inconstitucional a lei municipal que tenha
estabelecido, antes da Emenda Constitucional n. 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU,
salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”.
Segundo Antonio José de Mattos Neto, a propriedade deverá manter um vínculo
socioeconômico com a comunidade, de acordo com sua realidade fática, significando um ônus
social ao proprietário que poderá exercer o seu direito de propriedade desde que não se
abstenha de utilizar o imóvel de acordo com sua finalidade natural e adequada. “Assim, o
imóvel urbano apresenta como destinação natural a utilizada para moradia, de abrigo ao ser
humano contra as intempéries da natureza; o imóvel rural, apresenta como finalidade normal a
que se destina a produção de outras riquezas, os bens alimentícios”.
103
Dessa observação, pode-se extrair o sentido da propriedade a que todos têm
direito de acesso e que o constituinte a incluiu no rol dos direitos fundamentais – a
propriedade no sentido de uma moradia digna, ou ainda, a propriedade que além de prover o
sustento do cidadão e sua família, produza riquezas como os bens alimentícios, objetivando
também promover a dignidade da pessoa humana. Infelizmente o desenvolvimento até hoje
preconizado, está longe de ser o desenvolvimento almejado. Neste, a produção de riqueza não
estaria subordinada ao exaurimento dos recursos naturais em total desrespeito à natureza, mas
sim, à promoção da tão sonhada justiça social.
Antonio José de Mattos Neto apresenta três aspectos estruturais de função social:
a) econômico ou produtivo, que se dá pela atividade agrária; b) social, consolidado pelo bem
estar que deve ser gerado por meio de relações econômicas da propriedade; c) ambiental, pelo
qual a propriedade deverá visar à preservação do meio ambiente. “Pelo viés da função
ecológica exige-se do proprietário uma postura não apenas de abstenção de prática de atos
predatórios ao ecossistema, como também a atuação positiva de atos que assegurem o
aproveitamento racional e adequado do solo rural e a utilização racional dos recursos naturais
disponíveis”.
104
(grifo nosso)
No sentido da atuação positiva, embora as certificações ambientais nem sempre
103
NETO, Antonio José de Mattos. Garantia do direito à propriedade agrária. In: BARROSO, Lucas Abreu;
MIRANDA, Alcir Gursen de; SOARES, Mário Lúcio Quintão (Orgs. e Cols.). O direito agrário na
Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 6.
104
Id. Ibid., p. 21.
42
representem a conscientização preservacionista da empresa ou do empresário, elas acabam
funcionando como ferramenta de melhoria e controle da qualidade do meio ambiente. Isso
porque, apesar de algumas empresas e empresários buscarem nas certificações ambientais o
mero preenchimento de requisitos para aceitação no mercado de consumo, para manterem-se
certificados eles precisam adotar uma série de condutas e princípios ambientais aos quais
devem submeter todos os seus atos, sob pena de perder a certificação e, conseqüentemente, a
competitividade.
Diante do exposto, Augusto Geraldo Teizen Júnior conclui que “[...] o Estado
exerce um papel decisivo e insubstituível na aplicação normativa, tanto no plano urbano
quanto no rural. Pressupõe-se, no entanto, a existência de uma política urbana e de uma
política agrária, um programa de atuação governamental que dê diretrizes para a adequada
utilização desses bens em proveito da sociedade”.
105
Antonio Herman Benjamin, discorrendo sobre os benefícios da
constitucionalização do meio ambiente, destaca a ecologização da propriedade e da sua
função social:
A ecologização da Constituição, portanto, teve o intuito de, a um só tempo, instituir
um regime de exploração limitada e condicionada (= sustentável) da propriedade e
agregar à função social da propriedade, tanto urbana como rural, um forte e explícito
componente ambiental.[...]. Com novo perfil, o regime da propriedade passa do
direito pleno de explorar, respeitado o direito dos vizinhos, para o direito de explorar
só e quando respeitados a saúde humana e os processos e funções ecológicos
essenciais.
106
Pode-se dizer que o princípio da função social ou socioambiental da propriedade
evidencia a relatividade do caráter absoluto da propriedade. Sem deixar de ser privada, a
propriedade deverá também proporcionar utilidade à coletividade, sobretudo no que diz
respeito à preservação do meio ambiente. Nesse sentido, Patryck de Araújo Ayala diz que:
A obrigação de defesa do meio ambiente e a função social da propriedade
condicionam a forma de valoração dos bens para a finalidade de apropriação.
Definem uma nova modalidade de apropriação dos bens, que complementa o sentido
econômico, fazendo com que seja integrada à dimensão econômica uma dimensão
que poderia ser chamada de dimensão de apropriação social.
107
(grifo do autor)
105
TEIZEN JR., A. G., op.cit., p. 143.
106
BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da Constituição Brasileira.
In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs). Direito Constitucional Ambiental
Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 72.
107
AYALA, Patryck de Araújo. Deveres ecológicos e regulamentação da atividade econômica na Constituição
brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito Constitucional
Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 265.
43
O autor ainda aponta para a superposição do princípio da função social à
autonomia privada, concluindo que somente possui proteção constitucional a propriedade
privada que cumpre a sua função social, sendo que o seu descumprimento importará ao
proprietário a imposição de uma sanção, qual seja, a expropriação compulsória.
108
A
Constituição é clara nesse sentido, ao impor no caput do art. 184 que: “Compete à União
desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja
cumprindo sua função social [...]”.
Por outro lado, existem decisões do STF (Recurso Extraordinário n. 134.297-
8/SP) e do STJ (Recurso Especial n. 146.358 / PR), como as que se referem à definição das
condições de uso e acesso aos recursos naturais situados na Serra do Mar, que impõem ao
Poder Público a obrigação de indenizar os proprietários que sofrerem restrições, proibindo-os
de exercerem o direito de propriedade, ainda que realizada sob razões de proteção ambiental,
como a criação de áreas protegidas.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - ESTAÇÃO ECOLÓGICA - RESERVA
FLORESTAL NA SERRA DO MAR - PATRIMÔNIO NACIONAL (CF, ART.
225, § 4º) - LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA QUE AFETA O CONTEÚDO
ECONÔMICO DO DIREITO DE PROPRIEDADE - DIREITO DO
PROPRIETÁRIO À INDENIZAÇÃO - DEVER ESTATAL DE RESSARCIR OS
PREJUÍZOS DE ORDEM PATRIMONIAL SOFRIDOS PELO PARTICULAR –
RE NÃO CONHECIDO. - Incumbe ao Poder Público o dever constitucional de
proteger a flora e de adotar as necessárias medidas que visem a coibir práticas
lesivas ao equilíbrio ambiental. Esse encargo, contudo, não exonera o Estado da
obrigação de indenizar os proprietários, cujos imóveis venham a ser afetados, em
sua potencialidade econômica, pelas limitações impostas pela Administração
Pública. - A proteção jurídica dispensada às coberturas vegetais que revestem as
propriedades imobiliárias não impede que o dominus venha a promover, dentro dos
limites autorizados pelo Código Florestal, o adequado e racional aproveitamento
econômico das árvores nelas existentes. A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal e dos Tribunais em geral, tendo presente a garantia constitucional que
protege o direito de propriedade, firmou-se no sentido de proclamar a plena
indenizabilidade das matas e revestimentos florestais que recobrem áreas dominiais
privadas objeto de apossamento estatal ou sujeitas a restrições administrativas
impostas pelo Poder Público. Precedentes. - A circunstância de o Estado dispor de
competência para criar reservas florestais não lhe confere, só por si - considerando-
se os princípios que tutelam, em nosso sistema normativo, o direito de propriedade -,
a prerrogativa de subtrair-se ao pagamento de indenização compensatória ao
particular, quando a atividade pública, decorrente do exercício de atribuições em
tema de direito florestal, impedir ou afetar a válida exploração econômica do imóvel
por seu proprietário. - A norma inscrita no ART.225, § 4º da Constituição deve ser
interpretada de modo harmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo
ordenamento fundamental, notadamente com a cláusula que, proclamada pelo art. 5º,
XXII, da Carta Política, garante e assegura o direito de propriedade em todas as suas
projeções, inclusive aquela concernente à compensação financeira devida pelo Poder
Público ao proprietário atingido por atos imputáveis à atividade estatal. O preceito
consubstanciado no ART.225, § 4º, da Carta da República, além de não haver
convertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pelas florestas e
108
AYALA, P. A., op. cit., p. 266.
44
pelas matas nele referidas (Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica
brasileira), também não impede a utilização, pelos próprios particulares, dos
recursos naturais existentes naquelas áreas que estejam sujeitas ao domínio privado,
desde que observadas as prescrições legais e respeitadas as condições necessárias à
preservação ambiental. - A ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de
propriedade (CF/88, art. 5º, XXII). Essa proteção outorgada pela Lei Fundamental
da República estende-se, na abrangência normativa de sua incidência tutelar, ao
reconhecimento, em favor do dominus, da garantia de compensação financeira,
sempre que o Estado, mediante atividade que lhe seja juridicamente imputável,
atingir o direito de propriedade em seu conteúdo econômico, ainda que o imóvel
particular afetado pela ação do Poder Público esteja localizado em qualquer das
áreas referidas no art. 225, § 4º, da Constituição. - Direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de
terceira geração (CF, art. 225, caput)
109
.
ADMINISTRATIVO - AGRAVO REGIMENTAL - DESAPROPRIAÇÃO
INDIRETA - CRIAÇÃO DE PARQUES DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL -
SERRA DO MAR – PARQUE DE MARUMBI - PRECEDENTES.
1. A criação de parques de preservação ambiental deve respeitar o direito à
propriedade.
2. A limitação administrativa que impede o uso, gozo e disposição da totalidade de
uma determinada área desnatura-se em uma verdadeira desapropriação indireta,
diferentemente das limitações do Código Florestal, relacionadas às matas de
preservação permanente. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido.
110
Na decisão do STF foi considerado que, embora a referida área tenha status de
patrimônio nacional, a Constituição não proibiu o uso econômico de seus recursos naturais,
desde que sejam aproveitados racionalmente, respeitando as condições necessárias à
preservação ambiental. Coibiu-se com isso a imposição de ônus ambientais arbitrários ao
proprietário rural por considerar que o dever de proteção do meio ambiente também é da
coletividade, não podendo o proprietário arcar exclusivamente com a execução de tarefas
públicas de proteção do meio ambiente, como nesse caso em que houve um esvaziamento do
direito de propriedade.
Considerando a totalidade do bem, pode-se dizer que há desapropriação indireta
sempre que a Administração Pública, ao interferir no direito de propriedade: a) aniquilar o
direito de exclusão, dando ao espaço privado um fim de uso comum do povo; b) eliminar, por
inteiro, o direito de alienação; c) inviabilizar integralmente o uso econômico da
109
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 134.297-8. Recorrente: Estado de São Paulo e
Recorridos: Paulo Ferreira Ramos e cônjuge. Relator Ministro Celso de Mello. 13 de junho de 1995. Disponível
em <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 20 de março, 2008.
110
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 146.358 / PR. Agravante:
Estado do Paraná e Agravados: Hamilton Tha e Outros. Relatora Ministra Eliana Calmon. 23 de maio de 2000.
Disponível em <http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp>. Acesso em: 20 de março, 2008.
45
propriedade.
111
O princípio da função social da propriedade e o já citado princípio da primazia do
interesse público sobre o interesse privado têm sido utilizados como os principais argumentos
para impor legalmente aos proprietários rurais restrições ao exercício do direito de
propriedade, assim como determinadas obrigações (como a recomposição das matas nativas).
Mas, alguns cuidados devem ser tomados para que a medida não se torne
desproporcionalmente onerosa ao proprietário, inviabilizando o exercício de seu direito de
propriedade.
Sílvio de Salvo Venosa pondera que “A justa aplicação do direito de propriedade
depende do encontro do ponto de equilíbrio entre o interesse coletivo e o interesse
individual”,
112
cabendo “[...] ao legislador ordinário equacionar o justo equilíbrio entre o
individual e o social. Cabe ao julgador, [...], traduzir esse equilíbrio e aparar os excessos no
caso concreto sempre que necessário. Equilíbrio não é conflito, mas harmonização”.
113
Tal
afirmação nos remete à necessidade de aplicação do princípio da proporcionalidade.
Entretanto, os princípios supra mencionados, ao que tudo indica, não foram
considerados na elaboração do Plano Diretor de Jahu, como se verá a seguir. Eivado de
arbitrariedades e contrariando advertências técnicas, a expansão urbana do município avança
sobre áreas de mananciais, se contrapondo ao cumprimento da função social da propriedade e
favorecendo interesses individuais em detrimento dos interesses difusos, que deveriam ser os
privilegiados pelo Plano. Essas irregularidades abrangem a área da microbacia do Córrego
Santo Antonio, que será objeto de estudo do presente trabalho.
111
BENJAMIN, A. H., Desapropriação, reserva florestal legal e áreas de preservação permanente. Revista CEJ,
n. 3, dezembro 1997.
112
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. v. 5. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 179.
113
Id. Ibid., p. 181.
46
A MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO SANTO ANTONIO
2.1 A BACIA HIDROGRÁFICA E A SOLUÇÃO DE CONFLITOS
A importância da água para a sobrevivência do planeta e particularmente dos
homens é inquestionável, pois como apontam Maria do Carmo Calijuri e Anna Paola M.
Bubel: “Além de insumo básico e essencial à vida em todas as suas formas, a água representa
bem de consumo para quase todas as atividades humanas”.
114
Considerando as diversas possibilidades de uso de um curso d’água, inúmeros
fatores, como o crescimento da urbanização e industrialização, manejo inadequado do solo e
desflorestamento, podem influenciar na manutenção da qualidade e quantidade desse precioso
recurso. As rivalidades advindas da multiplicidade de uso da água e, conseqüentemente, da
diversidade de interesses quanto ao seu uso, podem gerar conflitos. Para dirimi-los, adotar a
bacia hidrográfica como unidade de gestão é de fundamental importância, já que possibilita
um gerenciamento individualizado e, por isso, mais eficiente, não só dos recursos hídricos,
mas dos recursos naturais como um todo.
Zildo Gallo ressalta a tendência moderna de planejar o aproveitamento dos
recursos hídricos contemplando seus diversos usos, numa perspectiva de gestão global,
buscando a utilização racional de cada bacia hidrográfica. Ele aponta que: “As bacias devem
ser consideradas como um todo indivisível, cujo aproveitamento deve dar-se da forma mais
otimizada possível, com o objetivo de buscar um melhor desenvolvimento econômico e social
para as respectivas regiões, partindo do conhecimento das características e necessidades
locais”.
115
Conceitualmente pode-se dizer que a bacia hidrográfica é uma rede de drenagem
constituída por um rio principal e seus tributários, cuja área é limitada por divisores de água.
Toda a água precipitada na área da microbacia vai superficialmente ou subterraneamente para
o rio principal. Esse trajeto é influenciado por vários fatores, como por exemplo, a cobertura
vegetal, o tipo de solo e o relevo.
114
CALIJURI, Maria do Carmo; BUBEL, Anna Paola Michelano. Conceituação de microbacias. In: LIMA,
Walter De Paula; ZAKIA, Maria José Brito (orgs.). As florestas plantadas e a água. São Carlos: RiMa, 2006, p.
45.
115
GALLO, Zildo. A proteção das águas, um compromisso do presente com o futuro: o caso do Rio Piracicaba.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1995, p. 21.
47
Para José Carlos Veneziani Júnior: “A bacia hidrográfica pode ser compreendida
como uma porção da superfície terrestre, na qual ocorre o escoamento da água que não se
infiltra no solo e converge para um único ponto em comum e ainda pelas águas que afloram
do subsolo e escoam por seus canais de drenagem [...]”.
116
Considerando a seção transversal do rio, “[...] chama-se bacia hidrográfica ou
bacia de contribuição, a área coletora de água proveniente da precipitação que, escoando pela
superfície do solo, atinge a seção considerada”,
117
conforme ilustra a Figura 2.
Figura 2 – Representação de uma bacia hidrográfica
Fonte: Mello et al, (1994).
Maria do Carmo Calijuri e Anna Paola M. Bubel conceituam bacia hidrográfica:
“como unidade geomorfológica fundamental, que expressa processos que operam no
ambiente por meio de suas formas. Ela define a área de captação do escoamento
superficial que alimenta um sistema aquático. Desta maneira, qualquer ponto da
superfície terrestre faz parte de uma bacia hidrográfica e, portanto, não pode ser
considerado de forma pontual, mas como parte de um todo”.
118
116
VENIZIANI Jr., José Carlos. Utilização de índices de vegetação para estimativa de proteção do solo pela
cobertura vegetal: uma contribuição para o uso da equação universal das perdas de solo. Rio Claro, 2004.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista – UNESP, p. 51.
117
MELLO, Maria Helena de Almeida; JÚNIOR, Mário José Pedro; NETO, Francisco Lombardi. Hidrologia,
climatologia e agrometeorologia. In: LOMBARDI NETO, Francisco; DRUGOWICH, Mário Ivo (coor.). Manual
técnico de manejo e conservação de solo e água – Potencialidades agrícolas das terras do Estado de São Paulo,
v. II, n. 39. Campinas: Centro de Comunicação Rural – CECOR – CATI, 1994, p. 3.
118
CALIJURI, M. C.; BUBEL, A. P. M., op. cit., p. 52.
48
As autoras observam que: “Uma bacia hidrográfica coleta a precipitação que cai
sobre sua superfície e conduz parte dessa água para o rio através do escoamento superficial e
do fluxo de água subterrânea”
119
. Em alusão a Gomi et al., elas classificam a rede da bacia
hidrográfica em sistemas de cabeceira (microbacias) e sistemas a jusante (sistema de rede ou
bacia hidrográfica), de acordo com as características dos processos.
120
Ressaltam ainda a
dificuldade freqüente em delimitar a área de uma microbacia, o que deverá sempre considerar
a seleção de processos essenciais que controlem e permitam sua interação e conectividade
com os sistemas adjacentes, uma vez que ela é fundamental para as práticas de manejo que
suportam a sustentabilidade dos recursos hídricos
121
.
Todo rio começa em algum lugar. ‘Esse algum lugar’ é sua cabeceira, a rede de
pequenos rios, rios de cabeceira, que cobrem a paisagem de toda bacia hidrográfica.
A saúde dos grandes rios depende, sobretudo, de uma microbacia intacta. Isso
decorre da redução de sedimento e nutrientes, controle do fluxo e,
conseqüentemente, prevenção do excesso de erosão e manutenção da biodiversidade.
Essa rede de drenagem primária é determinante no metabolismo dos grandes
sistemas lóticos.
122
Walter de Paula Lima e Maria José Brito Zakia advertem que, embora na natureza
a permanência dos recursos hídricos em termos de regime de vazão e de quantidade e
qualidade da água que emana das microbacias hidrográficas, decorra de mecanismos naturais
de controle desenvolvidos ao longo de processos evolutivos da paisagem, ações antrópicas
vêm alterando significativamente essa condição natural de equilíbrio.
123
O papel das microbacias na conservação, restauração e manejo dos recursos hídricos
vem sendo reconhecido mais intensamente nos últimos anos e o manejo de
microbacias hidrográficas, como estratégia holística de uso dos recursos naturais
renováveis de maneira a salvaguardar o solo e a água, é tido como um dos mais
importantes, tanto para a sustentabilidade das microbacias, como das bacias de
maior escala e dos rios, mas, principalmente para a busca do desenvolvimento
sustentável.
124
Portanto, é preciso zelar pela saúde da microbacia para viabilizar a produção de
bens e serviços demandados pela sociedade, assim como para a manutenção da qualidade
ambiental.
119
CALIJURI, M. C.; BUBEL, A. P. M., op. cit., p. 46.
120
Id. Ibid., p. 53.
121
Id. Ibid., p. 46.
122
Id. Ibid., p. 52.
123
LIMA, Walter de Paula; ZAKIA, Maria José Brito. Saúde ambiental da microbacia. In: LIMA, Walter de
Paula; ZAKIA, Maria José Brito (orgs.). As florestas plantadas e a água - implementando o conceito da
microbacia hidrográfica como unidade de planejamento. São Carlos: RiMa, 2006, p. 61.
124
Id. Ibid., p. 62.
49
2.2 A GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO ESTADO DE SÃO PAULO
No Brasil, pode-se dizer que a primeira legislação específica a tratar sobre os
recursos hídricos foi o Código das Águas, instituído pelo Decreto nº 24.643, de 10 de julho de
1934, ainda em vigor, e que se preocupou basicamente em disciplinar a propriedade e a
multiplicidade dos usos da água, controlando e garantindo a quantidade a ser disponibilizada
de acordo com a demanda.
A adoção da bacia hidrográfica como unidade de gestão foi introduzida no Brasil
de forma limitada, através de um acordo entre o Ministério das Minas e Energia e o Governo
do Estado de São Paulo, que instalaram, em 1976, um Comitê Executivo para elaborar estudos
referentes ao aproveitamento, controle e proteção das águas das bacias do Alto Tietê e
Baixada Santista, além de um Comitê Especial para deliberar. Inspirado nos resultados
positivos dessa experiência pioneira, o Governo Federal criou, em 1979, o Comitê Especial de
Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas – CEEIBH, ao qual se submeteriam os demais
Comitês Executivos de Estudos Integrados a serem criados para cada bacia hidrográfica de
rios federais, onde se fizessem necessários.
125
Em 1988, a Constituição atribuiu à União a competência de “instituir sistema
nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de
seu uso”,
126
disposição que foi regulamentada pela Lei 9.433/97 ao instituir a Política
Nacional de Recursos Hídricos e criar o Sistema Nacional de Recursos Hídricos. O artigo 1º,
inciso V da referida lei dispõe que “a bacia hidrográfica é a unidade territorial para
implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos”.
No mesmo ano, no Estado de São Paulo, foi organizado o Programa Estadual de
Microbacias Hidrográficas - PEMH, a ser desenvolvido pela Secretaria de Agricultura e
Abastecimento do Estado de São Paulo, nos termos do Decreto Estadual 41.990, de 23 de
julho de 1997.
O PEMH é um projeto do Governo do Estado de São Paulo, em conjunto com o
Banco Mundial, executado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento através da CATI,
que tem como objetivos promover o desenvolvimento rural através de sistemas de produção
agropecuária, garantindo a sustentabilidade socioeconômica e ambiental, além de estimular a
125
GALLO, Zildo. A proteção das águas, um compromisso do presente com o futuro: o caso do Rio Piracicaba.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1995, p. 23.
126
Artigo 21, inciso XIX, CF.
50
participação dos produtores rurais e da sociedade civil nas atividades que realizam.
127
As ações desenvolvidas por tal programa têm como premissas o controle da
erosão e a redução da degradação do solo, da água e do meio ambiente, o que se dará pela
adoção das seguintes estratégias: a) aumento da cobertura vegetal do solo para reduzir a
desagregação pela redução da energia de impacto das gotas de chuva na superfície do solo; b)
aumento da infiltração da água no perfil do solo, visando à diminuição de deflúvio superficial,
aumentando a capacidade de armazenamento; c) controle do escorrimento superficial,
promovendo a redução do desgaste do solo pelo processo erosivo, com conseqüente redução
dos mananciais por sedimentos ou insumos agrícolas e regularização do regime hídrico da
bacia hidrográfica.
128
Para atender às estratégias formuladas, algumas tecnologias deverão ser
praticadas, como por exemplo: a) uso da terra segundo sua vocação agrícola, evitando a super
utilização; b) preparo adequado do solo para reduzir sua desestruturação, melhorar aeração e
aumentar infiltração de água; c) preparo, plantio e cultivo em nível para reduzir a velocidade e
quantidade do escorrimento superficial; d) uso correto de defensivos agrícolas, diminuindo os
custos de produção e a contaminação dos mananciais; e) readequação de estradas, carreadores
e construção de estruturas para captação das águas pluviais, reduzindo a erosão nos leitos das
estradas e nas glebas marginais.
129
A Lei Estadual nº 11.970/05 ampara a possibilidade de uso de incentivos
financeiros para a adoção das práticas recomendadas pelo plano de ação de cada microbacia,
através do reembolso de parte do valor gasto pelo produtor rural.
Para participar do Programa, o município deverá possuir um Conselho Municipal
de Desenvolvimento Rural – CMDR, a fim de representar a agropecuária municipal e atender
às exigências do programa, além de formalizar convênio com o Estado que contemple as
diferentes ações do PEMBH no município.
127
Artigo 2º, Decreto Estadual 41.990/97.
128
BERTOLINI, Dorival; LOMBARDI NETO, Francisco. Embasamento técnico do programa estadual de
microbacias hidrográficas. In: LOMBARDI NETO, Francisco; DRUGOWICH, Mário Ivo (coor.). Manual
técnico de manejo e conservação de solo e água – Potencialidades agrícolas das terras do Estado de São Paulo,
v. I, n. 38. Campinas: Centro de Comunicação Rural – CECOR – CATI, 1994, p. 11.
129
Id. Ibid., p. 12.
51
2.3 LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA MICROBACIA DO CÓRREGO SANTO
ANTONIO
Situada na porção central do estado de São Paulo, a Microbacia do Córrego Santo
Antonio pertence à sub-bacia do Rio Jahu, afluente do Médio Tietê, e faz parte da Unidade de
Gerenciamento de Recursos Hídricos Tietê-Jacaré.
Com área total de 2.320 hectares, o perímetro da Microbacia é de
aproximadamente 27 km, sendo que a nascente do córrego está localizada a uma distância de
9 km da área urbana e a sua foz encontra-se na divisa entre a área urbana e a rural.
Figura 3: Localização da Microbacia do Córrego Santo Antonio
52
Figura 4: Nascente do Córrego Santo Antonio
Fonte: CATI / Jahu
Figura 5: Foz do Córrego Santo Antonio na divisa com o perímetro urbano
Fonte: CATI / Jahu
RP
P
A
m
a
Nascente
Foz
no Rio Jahu
53
2.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O MUNICÍPIO DE JAHU
Em meados do século XIX, a região onde está inserido o município de Jahu foi
desbravada e colonizada por sertanistas lavradores que se encantaram com a fertilidade do
solo e a exuberância dos bosques existentes no local. Algumas culturas começaram a ser
desenvolvidas, como: algodão, tabaco, mandioca, milho e cana de açúcar, culturas estas que
mais tarde seriam superadas pela do café, também chamado de “ouro negro”, que se expandiu
dominando o território a partir do final do século XIX, tendo seu auge no início do século
XX.
130
A cultura do café propiciou um rápido e crescente desenvolvimento
socioeconômico na região, principalmente com relação à imigração de europeus que
trouxeram consigo inovações como o serviço telefônico e novas vias de transporte como a
hidrovia e a ferrovia. A cidade também ganhou o sistema de iluminação a querosene
(sucedido pela luz elétrica), o abastecimento de água, a rede de esgoto e a pavimentação com
paralelepípedos. Segundo Adão Valdemir Levorato, foi no período cafeeiro que Jahu
acumulou expressivo patrimônio arquitetônico devido à construção de suntuosos prédios
comerciais e casarões residenciais, nos mais diversos estilos. Tudo advindo da riqueza gerada
pelo café.
131
Em 1929, a cultura do café entrou em declínio devido à crise decorrente da
“quebra” da Bolsa de Nova York, mostrando alguma recuperação a partir de 1940 e um novo
declínio em 1957 com a superprodução mundial que derrubou novamente o preço do produto.
A partir de então, o café deixou de ser a principal fonte de riqueza de Jahu e da região.
132
Na década de 1960, já se observava no local a expansão da cana-de-açúcar, com a
instalação de várias usinas e destilarias e a conseqüente intensificação do processo de êxodo
rural. Com o Programa Pró-Álcool, em meados da década de 70, a cana-de-açúcar teve
extraordinária expansão em toda a região. Hoje, com 155 anos, o município tem cerca de 44
mil hectares de sua área ocupada pela cultura da cana-de-açúcar.
133
130
LEVORATO, Adão Valdemir. O Jahu... encontros, cantos e encantos, a cidade em cores. Jahu: Dom Bosco,
2003, p. 60.
131
Id. Ibid., p. 80.
132
Id. Ibid., p. 81.
133
COORDENADORIA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA INTEGRAL: banco de dados. Disponível em:
www.cati.sp.gov.br. Acesso em 12 set. 07.
54
O nome Jahu é originário da língua indígena tupi-guarani (Ya-hú) para designar
uma espécie de grande bagre - peixe de couro que abundava no local àquela época. Duas
grafias do nome podem ser encontradas: Jaú e Jahu, que também já foi grafado Jahú. Embora
nenhuma seja incorreta, a grafia adotada neste trabalho será Jahu, por ser a estabelecida em
Lei Municipal (Lei nº 481/88) para designar a cidade ou o município oficialmente.
2.4.1 Características socioeconômicas do município
As principais atividades econômicas desenvolvidas em Jahu são o cultivo da cana-
de-açúcar, que é fornecida às inúmeras usinas e destilarias da região para a produção de
açúcar e álcool, além da indústria calçadista – o município é considerado a “capital nacional
do calçado feminino”, com aproximadamente 200 indústrias instaladas na cidade, que juntas
produzem diariamente cerca de 75 mil pares de calçados.
Há predominância de um solo com alta fertilidade, fator este que aliado a um
relevo pouco acidentado, de topografia levemente ondulada, favoreceu a ocupação da cultura
canavieira em quase toda a extensão das terras agricultáveis, que hoje são exploradas
economicamente, conforme Tabela 3.
Abrangendo uma área territorial de 688 km
2
(seiscentos e oitenta e oito
quilômetros quadrados), Jahu conta com uma população de 125.392 (cento e vinte e cinco
mil, trezentos e noventa e dois) habitantes, dos quais apenas 3.137 (2,5%) habitantes vivem na
zona rural, como se observa na Tabela 4.
O técnico responsável pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
em Jahu, o engenheiro Marcos Fernandes, observa que o vínculo do proprietário rural com a
terra é menor a cada geração. Segundo ele, o que se nota é a permanência das pessoas mais
idosas na zona rural, já que a tendência dos filhos é mudarem para as zonas urbanas,
utilizando a terra apenas para aferir os dividendos gerados pelo arrendamento para as
usinas.
134
134
MELOZO, Thatiana. Vínculo com a terra diminui a cada geração. Comércio do Jahu, Jahu, p.3, 13 de
outubro de 2007.
55
Tabela 3: Principais Culturas Exploradas em Jahu no ano 2006
Cultura
Nº de
Propriedades
Área (ha)
% Área Total
Explorada
Cana-de-açúcar 634 44.020,3 80,5
Pastagens (braquiária, colonião, capim-
napier, capim-jaraguá, outras gramíneas)
420 8.305,4 15,3
Café 49 900,8 1,6
Milho 53 572,3 1,0
Eucalipto 25 151,4 0,3
Arroz 56 140,1 0,2
Outras 63 599,0 1,1
TOTAL
-
54.689,3 100
Fonte: LUPA / CATI
135
Tabela 4: População Rural no município de Jahu e Região
Cidade
População Total
(un)
População Rural
(un)
População Rural
(%)
Jahu 125.454 3.137 2,5
Bariri 30.995 1.535 4,9
Barra Bonita 35.090 729 2,1
Bocaina 10.299 1.027 9,9
Boracéia 4.128 452 10,9
Brotas 20.996 2.120 10,1
Dois Córregos 24.384 1.275 5,2
Igaraçu do Tietê 23.079 109 0,5
Itapuí 11.605 580 5,0
Mineiros do Tietê 11.760 458 3,9
Torrinha 8.928 1.186 13,3
Fonte: IBGE
136
Torna-se importante observar que os três menores índices de habitantes na zona
rural (Jahu, Igaraçu do Tietê e Barra Bonita) encontram-se em locais próximos ou onde estão
inseridas unidades agroindustriais de grande grupo sucroalcooleiro.
135
COORDENADORIA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA INTEGRAL: banco de dados. Disponível em:
www.cati.sp.gov.br. Acesso em 12 set. 07.
136
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA: banco de dados. Disponível em :
www.ibge.gov.br . Acesso em 12 set. 07
56
Na Figura 6, observa-se a regional agrícola de Jahu entre as principais áreas
produtoras de cana-de-açúcar do Estado. Além das características de solo e clima adequadas,
a localização do município no centro do Estado de São Paulo (distante cerca de 300
quilômetros da capital) o beneficia pela facilidade no escoamento de sua produção agrícola e
industrial para os grandes centros urbanos.
Figura 6: Ocupação da cultura canavieira no Estado de São Paulo
Fonte: LUPA / CATI disponível em www.cati.sp.gov.br. Acessado em 12 de setembro, 2007.
Regional Agrícola
de Jahu
57
2.4.2 Hidrologia
Jahu está situado no Médio-Tietê, na Bacia Hidrográfica Tietê-Jacaré. Apesar da
existência de inúmeros córregos e ribeirões em sua área de abrangência, vale ressaltar três
importantes rios que o banham: Rio Tietê, Rio Jahu e Rio Jacaré-Pepira (Figura 7).
Entre os mais importantes afluentes do Rio Jahu está o Córrego Santo Antonio,
que será o universo empírico do presente trabalho. A Microbacia Hidrográfica do Córrego
Santo Antônio está totalmente localizada no município de Jahu e, devido à sua importância
estratégica, que será tratada a seguir, foi priorizada pelo Conselho Municipal de
Desenvolvimento Rural para a implantação do Programa Estadual de Microbacias
Hidrográficas.
Figura 7: Hidrologia no município de Jahu
58
2.4.3 Clima e vegetação
A variação climática se dá em virtude, principalmente, da latitude e da altitude do
local. Segundo o sistema de classificação de Köpen, Jahu está inserida na região bioclimática
Cwa, que engloba a região central e o planalto paulista, com isso o clima se caracteriza por ser
tropical de altitude, com inverno seco e verão quente e chuvoso.
As médias climáticas anuais do município são
137
:
Precipitação: 1500 milímetros – chovendo menos de 12 mm no mês mais
seco (julho) e mais de 250 mm no mês mais chuvoso (janeiro);
Temperatura média: 23ºC;
Temperatura média máxima: 32º C em janeiro;
Temperatura média mínima: 13º C em julho.
Contudo, o que vai definir o tipo de vegetação do local não é o bioclima, mas a
conjunção dos fatores de solo e clima, além do histórico de uso e ocupação do local, podendo,
por esse motivo, ocorrer diferentes tipos de vegetação dentro da mesma região bioclimática.
Segundo a classificação do IBGE, a região do município está inserida no Bioma
Mata Atlântica e Bioma Cerrado. A Floresta Estacional Semidecidual e áreas de transição
entre Floresta Estacional e Cerrado integram o Bioma Mata Atlântica. O Decreto Federal nº
750/93, dispõe que a Floresta Estacional está incluída legalmente no domínio da Mata
Atlântica e pode ser definida como uma formação que ocorre em áreas marcadas por duas
estações climáticas bem definidas, sendo uma chuvosa e outra seca. Tal variação climática
levou à adaptação das plantas, fazendo parte delas perderem suas folhas durante o período
seco. “Quando entre 20 e 50% das árvores do dossel perdem suas folhas, a floresta é
denominada de floresta estacional semidecídua. Quando a perda das folhas ultrapassa os 50%
da cobertura do dossel, a floresta é chamada de floresta estacional decidual”.
138
Segundo Marcelo Crestana et. al, depois da Floresta Amazônica e da Mata
Atlântica, o cerrado é o ecossistema mais importante do Brasil em termos florísticos, além de
ser o segundo em extensão, por abranger mais de dois milhões de quilômetros quadrados.
Dessa maneira, apesar da sua importância no Estado de São Paulo, ele foi quase que
totalmente destruído para dar lugar à agricultura intensiva, à pecuária e às florestas plantadas,
137
Dados fornecidos pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI).
138
CRESTANA, Marcelo de Souza Machado (Org.) et. al. Florestas – sistemas de recuperação com essências
nativas, produção de mudas e legislações. 2ª ed. atualizada. Campinas: CATI, 2006, p. 54.
59
restando pouco mais de 1% dos primitivos - 14% da área do Estado. Fatores como a baixa
declividade, a proximidade dos centros consumidores, a falta de legislação e fiscalização
oficiais, favoreceram a ocupação dessas áreas. Na região de Jahu, o cenário é o mesmo, ou
seja, restaram pequenos fragmentos, dispersos e isolados de cerrado.
139
Estudo realizado pela equipe do Projeto Mata Ciliar (da Secretaria do Meio
Ambiente do Estado de São Paulo), levantou em 2006 a existência de 146 espécies vegetais
típicas de floresta estacional semidecidual na Bacia Hidrográfica do Rio Jahu.
2.4.4 Aspectos relevantes da Microbacia para o município
O Córrego Santo Antonio hoje é o principal ponto de captação de água superficial
para o abastecimento do município de Jahu, respondendo por aproximadamente 31% (Figura
8.3) do volume total captado, conforme dados fornecidos pelo SAEMJA (Serviço de Água e
Esgoto do Município de Jahu).
O volume médio de água captado por mês é de 1.117.090 m
3
. Desse total, 431.180
m
3
ou 38,6% são águas subterrâneas provenientes de quinze poços, sendo que os oito
primeiros citados na Tabela 5 estão localizados na zona urbana e, os outros sete, situam-se
em bairros rurais e no distrito municipal. Os demais 61,4% do volume, que corresponde a
685.910 m
3
, são provenientes de quatro pontos de captação de águas superficiais, conforme
ilustra a Figura 8.1. Desse volume, 83% ou 570.240 m
3
são provenientes da unidade
receptora dos Córregos Santo Antonio e Córrego João da Velha (Figura 8.2).
Observe-se que, embora os Córregos Santo Antonio e João da Velha tenham
pontos de captação distintos, suas águas se misturam em uma única unidade receptora de onde
é bombeada para a estação ETA 1. Estima-se que cerca de 60% do volume recebido na
unidade seja proveniente do Córrego Santo Antonio, o que representa 31% do volume total de
água captada no município.
Segundo informações contidas no Plano da Microbacia, a qualidade e a
quantidade da água captada têm sofrido alterações contínua e gradativamente nos últimos
anos. A qualidade é afetada principalmente na época das águas, por causa da presença de
grande quantidade de sedimentos, oriundos provavelmente de processos erosivos na bacia de
139
CRESTANA, M. de S. M. (Org.) et. al., op. cit., p. 41.
60
contribuição. A alteração da quantidade é sentida na época da seca, pois o volume de água
disponível está reduzindo ano a ano.
Tabela 5: Pontos de captação de água no município de Jahu
Denominação dos pontos de captação Tipo
Volume Médio
(m³/mês)
RP1 – Fórum Subterrânea 22.900
RP2 - Santa Rosa Subterrânea 69.000
P3 – Kartódromo Subterrânea 28.950
RP4 - Santo Antonio Subterrânea 105.400
P5 - São José Subterrânea 16.500
RP6 – Julinho Subterrânea 6.600
P7 – Paraty Subterrânea 11.150
RP8 - Nova Jaú Subterrânea 120.440
Poço Balneário Subterrânea 7.440
P2 - Vila Ribeiro Subterrânea 2.500
P1 – Potunduva Subterrânea 10.800
P2 – Potunduva Subterrânea 26.400
P1 - Pouso Alegre Subterrânea 1.190
P2 - Pouso Alegre Subterrânea 1.910
P1 – Independência Subterrânea SEM LEITURA
Córregos Santo Antonio e João da Velha Superficial 570.240
Córrego São Joaquim Superficial 51.820
Córrego dos Pires Superficial 63.850
TOTAL 1.117.090
Fonte: SAEMJA
140
Figura 8.1 Métodos de captação de água no Munipio de Jahu
Subterrânea;
431.180; 38,6%
Superficial;
685.910; 61,4%
Subterrânea
Superficial
Fonte: SAEMJA / 2007
140
SAEMJA TÉCNICA. Informações do proc. 0417/2007.[mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
giseleparra@terra.com.br em 12 de novembro, 2007.
61
Figura 8.2 Captação de água superficial nos diversos
córregos para abastecimento do Munipio de Jahu
346.298; 50,5%
223.942; 32,6%
51.820; 7,6%
63.850; 9,3%
Sto Antonio
João da Velha
S Joaquim
dos Pires
Figura 8.3 Participação do Córrego Sto Antonio no volume
total captado no Munipio de Jahu
346.298; 31%
770.792; 69%
Córrego Sto Antonio
Demais fontes de
abastecimento
Além de ser uma área rica em mananciais, vale também ressaltar a grande
biodiversidade presente no local, devido principalmente à existência de uma reserva ecológica
cadastrada como RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) - “Reserva Ecológica
Fonte: SAEMJA / 2007
Fonte: SAEMJA / 2007
62
Amadeu Botelho”. Embora estejam oficialmente cadastrados 142,88 hectares, a área total da
reserva é de aproximadamente 190 hectares, sendo que destes, cerca de 62 hectares estão
situados dentro da MBH do Córrego Santo Antonio. Em dimensão, a aludida RPPN é a sétima
maior, dentre as trinta e cinco RPPNs cadastradas atualmente no Estado de São Paulo (Figura
9).
A Reserva Florestal Amadeu Botelho já foi objeto de outros trabalhos científicos
que registraram a presença de 145 espécies vegetais
141
e 174 espécies de aves, sendo que, até
o último registro desses dados, a curva cumulativa de espécies ainda não havia se
estabilizado.
142
Figura 9: RPPNs cadastradas no Estado de São Paulo
Fonte: FREPESP
143
141
NICOLINI, Eliana Maria. Composição florística e estrutura fitossociológica do estado arbóreo em mata
mesófila semidecídua no município de Jahu. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista – UNESP,
Rio Claro, 1990, p. 171.
142
UBAID, Flávio Kulaif. Dinâmica da comunidade de aves na Reserva Ecológica Amadeu Botelho – Município
de Jaú, SP -2006. 45f. Monografia - Trabalho de conclusão do curso de Biologia – Universidade do Sagrado
Coração – USC, Bauru, 2006.
143
Federação das Reservas Ecológicas Particulares do Estado de São Paulo. Disponível em:
http://www.cidadania.net/frepesp/rppns.asp. Acesso em 19 nov. 2007.
RPPN Reserva
Florestal Amadeu
Botelho
63
2.4.5 Planejamento urbano frente às questões ambientais
O planejamento urbano não parece ter sido sempre relevante para as
administrações do município, haja vista sua expansão ter se dado de maneira desordenada,
repercutindo em alguns aspectos negativamente na qualidade de vida de seus cidadãos, fato
que tende a se evidenciar cada vez mais com o passar do tempo.
Prevendo isso, a Constituição Federal de 1988 instituiu no artigo 182, § 1º a
obrigatoriedade do Plano Diretor para cidades com mais de vinte mil habitantes, o qual
deveria servir de instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana,
objetivando sempre o bem-estar de seus habitantes.
Regulamentando referida disposição constitucional, a Lei nº 10.257 (Estatuto da
Cidade), de 10 de julho de 2001, estabeleceu diretrizes gerais de política urbana. Também
determinou que a partir da data em que entrasse em vigor, os Municípios com mais de vinte
mil habitantes e os integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, que ainda
não tivessem o Plano Diretor aprovado pela Câmara, teriam o prazo de cinco anos para que
assim o fizessem.
144
Dessa forma, Jahu teria até o dia 10 de outubro de 2006 para elaborar e
aprovar a lei que instituiria o respectivo Plano Diretor.
Dentre as diretrizes gerais da política urbana, destacam-se:
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
[...]
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da
população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de
influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus
efeitos negativos sobre o meio ambiente;
[...]
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: [...]
g) a poluição e a degradação ambiental;
VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em
vista o desenvolvimento sócio-econômico do Município e do território sob sua área
de influência [...].
145
Ainda tentando efetivar o comando constitucional ao qual compete à União
instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano
146
, foi criado, pela Lei Federal nº
10.683/03, o Ministério das Cidades para cuidar da política de desenvolvimento urbano dos
municípios, participando ativamente da implementação de ações e programas de urbanização.
144
Lei 10. 257/01, artigo 41 c.c. artigo 50.
145
Artigo 2º, Lei 10.257/01.
146
Artigo 21, inciso XX, CF.
64
O Procurador Federal em Jahu, Dr. Marcos Salati, remetendo ao conceito de
sistemas, anteriormente abordado, assevera que:
A referida cooperação do governo federal também se revela necessária no processo
de urbanização municipal a fim de evitar e, também corrigir as distorções de
crescimento urbano no território brasileiro, a distribuição espacial da população e,
ainda, seus efeitos negativos sobre o meio ambiente. Realmente, a partir do
momento em que o Município cresce da maneira que quiser, o interesse nacional
resta violado, vez que as cidades são partes de um todo e nenhuma lesão acaba
circunscrita em âmbito local
147
.
E conclui: “Portanto, o Plano Diretor nada mais é do que uma lei, editada pelo
Município, que vem a adequar os vetores relativos à política urbana traçados pela União, às
peculiaridades de cada cidade, de sorte a integrar e harmonizar os interesses local e nacional,
sem prevalência de qualquer um deles”.
148
Contudo, a Lei Complementar nº 277, de 10 de outubro de 2006, que dispõe sobre
o Plano Diretor de Jahu, na opinião do Procurador, deixou de lado tais diretrizes fixadas pela
União, já que “[...] o Plano Diretor avançou sobre mananciais, modificou o eixo de
crescimento e desenvolvimento da cidade tendo em vista interesse particular de um loteador,
desprezou a participação popular, favoreceu o mau uso da propriedade, de sorte a incentivar a
especulação imobiliária [...]”.
149
(grifo nosso)
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), as irregularidades começaram com
a contratação direta da Fundação Para a Pesquisa Ambiental (FUPAM), que recebeu R$
598.000,00 (quinhentos e noventa e oito mil reais) para elaborar o anteprojeto do Plano
Diretor e normas correlatas. A FUPAM, por sua vez, sub-contratou um renomado escritório
de arquitetura, a título de consultoria, ao qual competiu, no entanto, a autoria exclusiva do
anteprojeto do Plano.
Observa-se ainda na denúncia do Ministério Público Federal (MPF), que além de
pagar um valor estratosférico - quando comparado à média de R$ 200.000,00 (duzentos mil
reais) paga por cidades de igual ou maior porte que Jahu - o prefeito municipal, ao contrário
dos demais chefes do executivo da região, não buscou verbas federais disponibilizadas pela
147
BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria da República no Município de Jahu. Ação civil pública
por ato de improbidade administrativa. Procedimento administrativo nº 1.34.022.000083/2006-49. Requerente:
Procurador da República e Requeridos: Prefeito Municipal de Jahu e outros. 05 de março de 2007. Disponível
em http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/pdfs/acp_plano_diretor%20JAU-final2.pdf, acesso em 20 de
maio de 2008, f. 9.
148
Id. Ibid.
149
Id. Ibid., f. 12.
65
União para financiar, ainda que em parte, a confecção do Plano Diretor, já que este representa
interesse nacional conforme já mencionado
150
.
O MPF destaca também a ausência da participação popular na fase de elaboração
do anteprojeto, que durou pouco mais de três meses (pouquíssimo tempo para um projeto tão
complexo). O motivo da pressa era a data limite de 10 de outubro de 2006 para que o mesmo
fosse aprovado, a fim de evitar que os agentes públicos envolvidos fossem responsabilizados
por improbidade administrativa, conforme previsto no artigo 52, inciso VII do Estatuto das
Cidades. Não é à toa que o Estatuto da Cidade e as Regulamentações do Ministério das
Cidades enfatizam tanto a importância da publicidade e participação popular na elaboração do
Plano Diretor, já que sua abrangência envolve interesses de toda a sociedade.
Diante desse cenário, segundo o Procurador, o que houve em Jahu durante essa
fase foram “audiências” meramente expositivas, sem a devida divulgação prévia ou posterior
(já que não houve apresentação de atas demonstrando resultado dos debates) que
viabilizassem a publicidade e a participação popular conforme estabelece o Estatuto da
Cidade. Ao contrário do que deveria ser, o Poder Executivo alterou o anteprojeto sem
qualquer tipo de discussão ou informação à população, sendo que essas alterações foram
apenas submetidas à Câmara que, por incrível que pareça, as aprovou sem maiores
questionamentos. Aliás, ainda segundo o Procurador, o acesso às várias informações
solicitadas foi denegado, a exemplo do que ocorreu com o Conselho Regional de Engenharia
e Arquitetura (CREA)
151
.
O fato é que diante de tantas irregularidades, a microbacia estudada também fora
afetada, como se perceberá pelos fatos a seguir expostos.
A Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Jahu (AEAJ), objetivando
representar a sociedade civil, criou um grupo gestor para acompanhar a confecção do Plano
Diretor. Esse grupo elaborou e encaminhou à FUPAM, em agosto de 2006, um documento
que denominaram Sugestões da AEAJ para o Plano Diretor da Cidade de Jahu.
Diante de tantas recomendações técnicas formuladas é importante ressaltar:
1 – Expansão da mancha urbana
A ampliação do perímetro e a possibilidade de crescimento em direção aos
150
BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria da República no Município de Jahu. Ação civil pública
por ato de improbidade administrativa. Procedimento administrativo nº 1.34.022.000083/2006-49. Requerente:
Procurador da República e Requeridos: Prefeito Municipal de Jahu e outros. 05 de março de 2007. Disponível
em http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/pdfs/acp_plano_diretor%20JAU-final2.pdf, acesso em 20 de
maio de 2008, f. 21-28.
151
Id. Ibid., f. 28-40.
66
mananciais devem ser contidas imediatamente.
2 – Proteção das áreas de nascentes
Controle especial do uso e ocupação do solo nas áreas de mananciais que servem
como áreas de captação de água de superfície.
As respectivas áreas que necessitam de atenção especial são:
[...]
b) Bacia hidrográfica do Córrego Santo Antonio;
[...]
Nessas áreas deve-se inibir a urbanização ou se esta for realmente necessária,
que sejam tomadas as medidas necessárias para minimizar os efeitos dessa
ocupação.
No caso da destinação destas áreas ao cultivo agrícola, também é importante
uma regulamentação de seu uso controlando a aplicação de fertilizantes, herbicidas e
pesticidas, além da exigência da recomposição total da mata ciliar, e a adoção de
práticas conservacionistas adequadas com o objetivo de evitar a erosão do solo
152
.
Valéria Lopes Rodrigues, em sua dissertação de mestrado, definiu para o
município de Jahu atributos geotécnicos e ambientais (geofatores) que interferem positiva ou
negativamente na ocupação urbana, e que são dependentes das características da área
estudada, bem como contribuem para a finalidade do estudo. Três geofatores foram definidos
em seu trabalho:
a) Grupo A: relacionados ao fenômeno de geodinâmica externa, ou seja, os
processos como erosão pluvial e inundações que podem acarretar graves problemas
para a urbanização;
b) Grupo B: são os que determinam as propriedades do terreno, descrevendo as
características dos materiais (rochas e solos), do relevo local e das condições de
drenagem e água subterrânea;
c) Grupo C: relacionados às áreas que contenham jazidas minerais, às Áreas de
Preservação Permanente (APP), às Reservas Ambientais e às áreas de recarga de
aqüíferos.
153
Considerando os geofatores do Grupo A, a autora concluiu que em Jahu a
microbacia possuidora de maior proporção da área com alta restrição é a do Córrego Santo
Antonio, devido principalmente à concentração de sulcos em parte expressiva de sua área.
Quanto às restrições dos geofatores do Grupo B, observou-se que cerca de 50% a 70% da área
da microbacia do Córrego Santo Antonio é de alta a muito alta restrição à ocupação. A mesma
microbacia é também a que possui a maior área ocupada pelas classes de restrição para os
geofatores do Grupo C, por haver, principalmente, a presença da RPPN (Reserva Particular do
Patrimônio Natural) Amadeu Botelho.
154
152
Sugestões da AEAJ para o Plano Diretor da Cidade de Jahu , f. 3.
153
RODRIGUES, Valéria Lopes. Mapeamento geotécnico como base para o planejamento urbano e ambiental :
município de Jaú/SP. São Carlos, 2008. Dissertação (Mestrado Programa de Pós-Graduação e Área de
Concentração em Geotecnia). Escola de Engenharia de o Carlos da Universidade de São Paulo, f.69.
154
Id. Ibid., f. 138-139.
67
Ao produzir o mapa de restrições geotécnicas e geoambientais do município,
Valéria Lopes Rodrigues aponta:
Para os casos em que as características da área contribuem para deflagração de
processos, temos as bacias do Córrego Santo Antonio e do Rio Jaú. Ambas possuem
altas densidades de: drenagem, declividade, curvatura de encostas côncavas, além de
topo rochoso raso. O rio Jaú ainda sofre processos de inundações e a presença de
aluvião em toda sua extensão. Todas essas características contribuem para o
aparecimento e aumento de processos. [...]
Dessa forma, verificou-se que as melhores áreas de expansão estão localizadas no
eixo Sudoeste/ Nordeste do município de Jaú, ocupando partes das microbacias dos
Córregos: Barra Mansa, Figueira, Jataí, São José e Pires.
155
No entanto, apesar de todas as advertências, empreendimentos imobiliários estão
na iminência de serem executados na área da microbacia do Córrego Santo Antonio, isentos
de qualquer condicionante ou restrição que contemplasse os aspectos ambientais
cientificamente comprovados.
2.5 USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DA MICROBACIA
Da área total da microbacia, que é de aproximadamente 2.320 hectares, 148
hectares (6,4%) encontram-se urbanizados e 49 hectares (2,1%) são áreas de expansão
urbana.
156
Cumpre ressaltar que concomitantemente ao Programa de Microbacias, outro
programa estadual está sendo implementado na área. Trata-se do Projeto de Recuperação das
Matas Ciliares, que foi precedido de um estudo - o Programa de Adequação Ambiental,
elaborado por uma equipe técnica do Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ / Piracicaba). Segundo esse estudo,
a área total da microbacia foi delimitada em 2.411,50 hectares, ou seja, 91,5 hectares a mais
do que a área anteriormente mencionada. Essa diferença de dados será percebida quando
tratar das APP’s existentes na microbacia, pois foram levantadas pela equipe da ESALQ, que
considerou a área total de 2.411,50 hectares.
O presente trabalho adotará a área total de 2.320 hectares, considerando que esse
primeiro levantamento foi realizado no campo pelo geógrafo José Carlos Toledo Veniziani
Júnior, referenciando minuciosamente todos os divisores de água. Diferentemente, o
155
RODRIGUES, V. L., op. cit., f. 140.
156
CATI. Projeto de Microbacia Hidrográfica do Córrego Santo Antonio. Jaú, 2005, f. 7.
68
levantamento feito pela ESALQ foi realizado principalmente através de análises de
fotografias aéreas, considerando, em algumas situações, a divisa das propriedades ao invés
dos divisores de água, sendo portanto, menos preciso. Soma-se a isso o fato da CATI também
ter adotado a área de 2.320 hectares para a elaboração do Plano de Microbacia, do qual
decorrem todos os demais dados utilizados no trabalho.
Com 91,5% da área situada na zona rural, a exploração econômica existente na
microbacia é basicamente a agricultura, conforme mapeamento do uso e ocupação do solo
mostrado na Figura 10, salvo as áreas que são objeto de especulação imobiliária - tendência
que deverá ser vista com cautela por se tratar de uma microbacia bastante rica em mananciais.
O cenário rural poderá ser alterado pelo Plano Diretor, conforme já exposto.
A ocupação predominante na área é da cultura canavieira, seguida pelas
pastagens. Outras espécies também são cultivadas em menor escala, como café, milho, soja,
além de culturas de subsistência a exemplo de olerículas e frutíferas, estas sem nenhuma
representatividade econômica.
Tabela 6: Uso e Ocupação do Solo na MBH Córrego Santo Antonio – 2006
Tipo de Uso /
Ocupação
Área (ha)
% da Área
Total
Cana-de-açúcar 1.242 53,5
Pastagens 373 16,1
Culturas anuais 108 4,6
Café 103 4,4
Área urbana 148 6,4
Área de expansão
urbana
49 2,1
Vegetação natural 109 4,7
Áreas abandonadas -
APP
70 3,0
Sedes 39 1,7
Fruticultura 32 1,4
Pesqueiro 11 0,5
Eucalipto 6 0,3
Olerícolas 2 0,1
Estradas Municipais 28 1,2
TOTAL 2.320 ha 100%
Fonte: CATI / Jaú
157
157
CATI. Projeto de Microbacia Hidrográfica do Córrego Santo Antonio. Jaú, 2005, f. 12-13.
69
A renda média anual auferida na área é de R$ 4.530.000,00 (quatro milhões
quinhentos e trinta mil reais), sem considerar atividades não agrícolas, como o turismo rural e
ecológico que vêm sendo desenvolvidos na microbacia.
158
Observa-se que o mapa de uso e ocupação do solo (Figura 10) refere-se ao ano de
2003. Já os dados da Tabela 6 foram atualizados em 2006, segundo informações obtidas junto
ao Engº Agrônomo João André Miranda de Almeida Prado, executor do Plano de Microbacia.
Basicamente o que mudou no mapa foi a conversão de cerca de 30% da área ocupada por
pastagens em cultura canavieira.
158
CATI. Projeto de Microbacia Hidrográfica do Córrego Santo Antonio. Jaú, 2005, f. 23-24.
70
71
2.5.1 Tipos de solo presentes na microbacia
José Carlos Veniziani Júnior mapeou a declividade e os tipos de solo encontrados
na Microbacia do Córrego Santo Antonio.
159
Tabela 7: Tipos de solo na MBH Córrego Santo Antonio
LOCALIZAÇÃO NA MBH TIPOS DE SOLO APTIDÃO AGRÍCOLA
160
Áreas de nascentes
Latossolo Vermelho Amarelo
(LV1)
Os Latossolos
são passíveis de
utilização com culturas anuais,
perenes, pastagens e
reflorestamento. Situados em
relevo plano ou pouco ondulado
(declividade 7%, o que facilita a
mecanização). São profundos,
porosos, bem drenados e de fácil
preparo. Um fator limitante é a
baixa fertilidade desses solos, o que
pode ser contornado com
aplicações adequadas de corretivos
e fertilizantes, aliadas ao plantio de
cultivares adaptadas, na época
recomendada.
Divisores mais baixos e
meia encosta da porção
intermediária
Latossolo Vermelho (LE 1 e 3) e
Podzólico Vermelho Amarelo
(PV1)
Os Podzólicos ou Argissolos
têm
boa aptidão para agricultura quando
a fertilidade natural é elevada e não
houver pedregosidade. Os
intermediários para latossolos
apresentam aptidão para uso mais
intensivo, mesmo contendo baixa
fertilidade natural, por serem mais
profundos. Culturas perenes
também são uma alternativa para
esses solos, principalmente, os mais
profundos.
159
VENIZIANI JR., José Carlos. Utilização de índices de vegetação para estimativa de proteção do solo pela
cobertura vegetal: uma contribuição para o uso da equação universal das perdas de solo. Rio Claro, 2004.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista – UNESP. f. 46-48.
160
EMBRAPA- EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. Disponível em
http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/Agencia16/arvore/AGO1_43_911200585233.html. Acesso em 24 de
novembro, 2007.
72
Áreas de várzea
Gleissolos
Os Gleissolos
apresentam sérias
limitações ao uso agrícola,
principalmente, em relação à
deficiência de oxigênio (pelo
excesso de água), à baixa
fertilidade e ao impedimento à
mecanização.
Não se recomenda
sua utilização para atividades
agrícolas, pois a manutenção das
várzeas é de suma importância para
a perenização dos cursos d´água.
Terço inferior da MBH e
interflúvios inferiores
(áreas associadas a
derrames basálticos da
Formação Serra Geral)
Latossolo Vermelho (LRe),
Nitossolo (TE1) e Neossolo
(Litólico)
Os Nitossolos ou Terra Roxa
Estruturada, compreendem solos de
grande importância agrícola, por
serem de elevado potencial
produtivo. Em vista de suas
características, à exceção do relevo
(se estiverem localizados em
relevos ondulados, apresentam
riscos de erosão), esses solos têm
aptidão boa para lavouras e demais
usos agropastoris. Quando
comparados aos Latossolos, os
Nitossolos apresentam maior
potencial de resposta às adubações,
conseqüência de sua CTC mais
elevada.
Os Neossolos ou Solos Litólicos
,
por serem muito arenosos, com
baixa capacidade de agregação de
partículas, condicionada pelos
baixos teores de argila e de matéria
orgânica, são muito suscetíveis à
erosão, sobretudo em relevo
suavemente ondulado (3% a 8%
declividade). Tendo em vista a
grande quantidade de areia,
sobretudo nos solos em que a areia
grossa predomina sobre a fina, há
séria limitação quanto à capacidade
de armazenamento de água
disponível, pela infiltração ser
muito rápida. Culturas perenes são
opções mais recomendáveis do que
as anuais.
Fonte: Adaptado de Veneziani Jr. (2004).
73
74
A área se localiza na Bacia Sedimentar do Paraná sobre os derrames basálticos da
Formação Serra Geral e da Formação Itaqueri. José Carlos Veniziani Júnior relacionou os
tipos de solo com as unidades geológicas de onde teriam se originado. Da Formação Itaqueri
(Grupo Bauru) provavelmente teriam se originado o Latossolo Vermelho Escuro, o Latossolo
Vermelho Amarelo e o Podzólico Vermelho Amarelo. O Latossolo Roxo e a Terra Roxa
Estruturada teriam se originado da Formação Serra Geral.
161
Do mapeamento e classificação dos tipos de solo presentes na microbacia é
possível diagnosticar as áreas e fatores limitantes ao cultivo, depreendendo-se da Tabela 8
que o fator mais relevante é a susceptibilidade à erosão, verificada em 76% da área da
microbacia. Tal diagnóstico é compatível com os resultados obtidos por Valéria Lopes
Rodrigues ao identificar o problema da erosão na microbacia do Córrego Santo Antonio.
Tabela 8: Tipos de Solo e Fatores Limitantes ao Uso - 2005
Tipo de Solo Área (ha)
% da Área
da MBH
Fator Limitante
Latossolo 1660 72 Susceptibilidade à erosão
Nitossolo 303 13 Susceptibilidade à compactação
Neossolo 214 09 Alta declividade e pedregosidade
Argissolo 88 04 Susceptibilidade à erosão
Gleissolo 55 02 Risco de inundação
Fonte: CATI – Jaú
162
A erosão pode ser considerada um processo de perda do solo, que despido de
vegetação, fica vulnerável à ação do vento (erosão eólica) ou da água (erosão hídrica).
Dorival Bertolini e Francisco Lombardi Neto chamam a atenção para o problema que
consideram o mais importante da agricultura paulista - a erosão hídrica. Isso porque ao
degradar o perfil do solo, o processo erosivo torna-o menos produtivo, diminuindo a
rentabilidade.
163
161
VENIZIANI JR., J. C., op. cit., f. 45-46.
162
CATI. Projeto de Microbacia Hidrográfica do Córrego Santo Antonio. Jaú, 2005. f. 11.
163
BERTOLINI, Dorival; LOMBARDI NETO, Francisco. Embasamento técnico do programa estadual de
microbacias hidrográficas. In: LOMBARDI NETO, Francisco; DRUGOWICH, Mário Ivo (coor.). Manual
técnico de manejo e conservação de solo e água – Potencialidades agrícolas das terras do Estado de São Paulo,
v. I, n. 38. Campinas: Centro de Comunicação Rural – CECOR – CATI, 1994, p. 1.
75
A disponibilidade dos recursos hídricos também fica comprometida pela poluição
e assoreamento dos mananciais causados pela erosão, conforme ilustra a Figura 12.
Figura 12: Os efeitos da erosão nos recursos naturais
Baixa
Produtividade
Poluição de
Mananciais
Erosão do Solo
Degradação
do Solo
Enchentes e
Assoreamento
de Mananciais
Fonte: Bertolini & Lombardi Neto
164
Igo Fernando Lepsch destaca que: “O solo suporta e nutre as plantas que
produzem alimentos, fibras e combustível, daí o grande interesse em estudá-lo, pois só
assim poderemos compreender suas múltiplas e complexas funções para melhor decidir
como manejá-lo, cultivando-o adequadamente”.
165
A utilização do solo segundo a vocação agrícola, respeitando sua capacidade de
uso, é imprescindível para evitar os impactos causados pela erosão.
José Carlos Veniziani Júnior avaliou o grau de risco de erosão na microbacia,
considerando as práticas conservacionistas adotadas. Verificou que 52% da área oferecem
baixo risco de erosão, ou seja, essas áreas podem ser utilizadas para exploração agrícola
com baixos impactos nas perdas de solo por erosão, desde que adotadas práticas
164
BERTOLINI, Dorival; LOMBARDI NETO, Francisco. Embasamento técnico do programa estadual de
microbacias hidrográficas. In: LOMBARDI NETO, Francisco; DRUGOWICH, Mário Ivo (coor.). Manual
técnico de manejo e conservação de solo e água – Potencialidades agrícolas das terras do Estado de São Paulo,
v. I, n. 38. Campinas: Centro de Comunicação Rural – CECOR – CATI, 1994, p. 2.
165
LEPSCH, Igo Fernando. Solos do Estado de São Paulo. In: LOMBARDI NETO, Francisco; DRUGOWICH,
Mário Ivo (coor.). Manual técnico de manejo e conservação de solo e água – Potencialidades agrícolas das
terras do Estado de São Paulo, v. II, n. 39. Campinas: Centro de Comunicação Rural – CECOR – CATI, 1994,
p. 70.
76
conservacionistas adequadas. Mais de 28% da área oferecem alto risco de erosão,
devendo ser destinadas à preservação ambiental, silvicultura, ou outros cultivos que
representem baixo impacto nas perdas de solo. Os demais 20% da área representam grau
de risco médio, devendo cada região ser avaliada mais detalhadamente, a fim de definir
uma política de uso adequada, que não exponha o solo aos agentes erosivos.
166
2.5.2 Capacidade e adequação do uso do solo
A classificação técnica do solo tem por objetivo:
“[...] indicar os dados que levem a decidir qual a combinação de uso agrícola e
medidas de controle da erosão, permitindo o aproveitamento mais intensivo da terra,
sem risco de depauperamento do solo [...] Assim, o sistema se baseia nas limitações
permanentes das terras e é todo voltado para as possibilidades e limitações para a
utilização das mesmas; essa idéia está diretamente relacionada com sua intensidade
de uso”.
167
No mesmo sentido, José Carlos Veniziani Júnior observa que a variação da
intensidade da utilização do solo sem risco de erosão é definida em função das classes de
capacidade de uso que, por sua vez, dependem dos fatores limitantes. Assim, em áreas onde as
limitações são grandes, haverá uma diminuição da liberdade e adaptabilidade de escolha.
“Podemos ter então a subutilização, quando os fatores limitantes são restritos e o uso
é dedicado à silvicultura, pastagem etc. Podemos também verificar a máxima
utilização quando as áreas estão nos limites, entre a capacidade de uso e a escolha do
uso. E ainda podemos observar que ocorre a sobre-utilização quando a área
apresentar uso intenso, sendo a classe de capacidade restrita”.
168
O autor ainda afirma: “Uma relação de equilíbrio ambiental só pode ocorrer
quando se faz o uso adequado do solo, para isto, uma das formas de avaliação da adequação
do uso pode ser a utilização de levantamentos de capacidade de uso do solo”.
169
Dorival Bertolini et al. classifica a capacidade de uso da terra em grupos e classes,
cujos significados estão resumidos na Tabela 9.
166
VENIZIANI JR., J. C., op. cit., f. 89.
167
BERTOLINI, Dorival et. al. Classificação técnica. In: LOMBARDI NETO, Francisco; DRUGOWICH, Mário
Ivo (coor.). Manual técnico de manejo e conservação de solo e água – Potencialidades agrícolas das terras do
Estado de São Paulo, v. II, n. 39. Campinas: Centro de Comunicação Rural – CECOR – CATI, 1994, p. 121.
168
VENIZIANI JR., J. C., op. cit., f. 31.
169
Id. Ibid., f. 30.
77
Tabela 9: Grupos e Classes de capacidade de uso da terra
Grupos Classes de capacidade de uso
I – terras cultiváveis, aparentemente sem
problemas especiais de conservação, ou sem
restrições ao uso;
II – terras cultiváveis com problemas simples
de conservação, ou com ligeiras restrições ao
uso, necessitando de práticas especiais de
conservação, de fácil execução;
III – terras cultiváveis com severas restrições
ao uso, apresentando problemas complexos de
conservação;
A – Terras passíveis de utilização com
culturas anuais ou perenes, pastagens,
reflorestamento e preservação ambiental;
IV – terras cultiváveis ocasionalmente ou em
extensão limitada, apresentando sérios
problemas de conservação.
V – terras adaptadas para pastagens e ou
reflorestamento, não necessitando de práticas
especiais de conservação, cultiváveis apenas
em casos especiais;
VI – terras com restrições moderadas ao uso,
com problemas simples de conservação,
cultiváveis em casos especiais de algumas
culturas permanentes protetoras do solo;
B – Terras impróprias para culturas
intensivas, mas adaptadas para pastagens
reflorestamento e preservação ambiental;
VII – terras com severas restrições ao uso e
adaptadas, em geral, somente a pastagens ou
reflorestamento, com problemas complexos
de conservação.
C – Terras não adequadas para cultivos
anuais perenes, pastagens ou
reflorestamento, mas apenas para
preservação ambiental, recreação ou
armazenamento de água.
VIII – terras impróprias para cultivos anuais,
perenes, pastagens ou reflorestamento,
servindo apenas como abrigo e proteção da
fauna e flora silvestre, como ambiente de
recreação ou para fins de armazenamento de
água.
Fonte: adaptado de Bertolini et al
170
Devido à dificuldade de encontrar levantamentos pedológicos mais detalhados
para avaliar a capacidade de uso do solo, que seria o ideal, os autores propõem um
levantamento pedológico simplificado para classificar o solo quanto à sua capacidade de uso,
o qual denominam “Levantamento Utilitário”, conforme ilustra a Tabela 10.
170
BERTOLINI, Dorival et. al. Classificação técnica. In: LOMBARDI NETO, Francisco; DRUGOWICH, Mário
Ivo (coor.). Manual técnico de manejo e conservação de solo e água – Potencialidades agrícolas das terras do
Estado de São Paulo, v. II, n. 39. Campinas: Centro de Comunicação Rural – CECOR – CATI, 1994, p. 122-
123.
78
Tabela 10: Enquadramento das terras em classes de capacidade de uso
Fonte: Bertolini et al.
171
José Carlos Veneziani Júnior definiu as classes de capacidade de uso do solo na
microbacia segundo método simplificado proposto por Bertolini et al. Para tanto, utilizou-se
das variáveis: a) fertilidade aparente, obtida através de análise do valor de V% (saturação de
bases), que se for acima de 50% indica alta fertilidade; b) profundidade efetiva do solo, se
171
BERTOLINI, Dorival et. al., op.cit., p. 136.
79
referindo à espessura máxima do solo, na qual inexiste impedimento físico à penetração das
raízes; c) drenagem interna, que indica a permeabilidade do solo ao longo de seu perfil; d)
classes de declividade.
172
O autor associou o mapa de unidades pedológicas e o mapa de classes de
declividade aos dados sobre as classes de capacidade de uso, estabelecendo o mapeamento
das diferentes classes de capacidade de uso do solo.
Evidenciou que a classe predominante é a Classe III, ocupando 63,3% da área, na
qual é possível estabelecer cultivos anuais ou perenes, necessitando, no entanto, de práticas de
conservação adequadas para que não ocorram perdas de solo e queda de produtividade. A
Classe VI ocupa 10,2% da área e é composta majoritariamente por solos litólicos (rasos e
pedregosos), difíceis de cultivar por serem bastante pedregosos e pouco espessos, devendo ser
destinados prioritariamente à recuperação ambiental, ou ainda, à silvicultura ou pastagens. Em
9% da área ocorre a Classe II, que é passível de exploração intensiva de culturas anuais, sem
demandar práticas conservacionistas mais complexas. As classes IV e V ocupam
respectivamente 15,1 e 2,4% e representam basicamente as áreas próximas aos corpos
d’água.
173
(Figura 13)
Para avaliar a adequação do uso do solo, José Carlos Veneziani Júnior utilizou
três procedimentos distintos, que demonstraram o uso adequado do solo na maior parte da
microbacia, pelo fato da área apresentar um manejo adequado, fundamentado em práticas de
conservação recomendadas.
174
(Figura 14)
172
VENIZIANI JR., J. C., op. cit, f. 90.
173
Id. Ibid., p. 92-94.
174
Id. Ibid., p. 111.
80
81
82
Finalmente, o diagnóstico da microbacia elaborado pelo engenheiro agrônomo da
CATI, decorreu de reiteradas discussões com os proprietários rurais e foi a eles apresentado
em reunião realizada na Casa da Agricultura de Jaú em novembro de 2005. Na ocasião, além
de serem eleitos os problemas prioritários, foram discutidas, também, suas causas e ações
necessárias para solucioná-los.
Tabela 11: Identificação, priorização e solução de problemas na MBH Córrego Santo
Antonio
Fonte: CATI
Como se observa, os produtores reconhecem os impactos e os riscos de erosão
ocasionados, principalmente, pelo manejo inadequado do solo, assim como pela ausência de
vegetação.
PROBLEMAS
PRIORIZADOS
CAUSAS ATIVIDADES / AÇÕES
Cursos d’água e açudes
assoreados
Mata ciliar degradada ou ausente,
conservação do solo deficiente, estradas
sem adequão, práticas agrícolas
inadequadas.
Recomposão da mata ciliar, terraceamento,
adequação de estradas, capacitão de produtores
rurais em conservação do solo, elaborão de PIP´s,
produtores beneficiados com incentivos de manejo e
conservação dos recursos naturais.
Cursos dágua
contaminados
Resíduos de agrotóxicos usados na
agricultura, lançamento de esgotos e
deposição de lixo doméstico e industrial
próximo aos mananciais.
Orientação e capacitão dos produtores rurais e
suas famílias em conservação dos recursos naturais,
constrão de fossas sépticas biodigestoras,
monitoramento da qualidade da água através de
análises de água periódicas, destinão adequada
do lixo, recomposição da mata ciliar, capacitação de
monitores ambientais.
Incêndios e presença de
animais nas áreas de
preservão permanente
Falta de informão aos produtores rurais,
falta de isolamento da APP através de
cercas e aceiros, descuido na queima da
palhada de cana-de-açúcar.
Capacitão dos produtores rurais em preservação
dos recursos naturais, construção de aceiros e
cercas para protão dos mananciais, construção de
abastecedouro tipo I.
Degradão do solo pela
ação da erosão.
Manejo inadequado do solo falta de
incentivos para práticas conservacionistas,
falta de capacitação do produtor.
Terraceamento, elaborão de PIP´s, produtores
beneficiados com incentivos para a prática do plantio
direto, capacitão dos produtores, plantio direto na
palha, elaborão de PEC (subsolador e roçadeira).
Estradas inadequadas
Estradas sem revestimento, estreitas,
encaixadas, mal planejadas e sem
manutenção.
Seleção da estrada e definição dos trechos críticos,
projeto de adequão de estradas, capacitão do
público estratégico.
Pastagens degradadas
Falta de incentivo para práticas
conservacionistas, manejo inadequado
das pastagens, falta de capacitação do
produtor.
Elaboração de PEC, capacitão de produtores
rurais em plantio direto e recuperação e manejo e
pastagens, terraceamento, planejamento de ações
junto com a comunidade para a obtenção de
equipamentos de plantio direto na palha,
implantão de sistema de divisão de pastagens.
Presença de voçorocas
Manejo inadequado do solo falta de
incentivos para práticas conservacionistas.
Estabilização e recuperação das áreas atingidas,
constrão de cercas para isolamento.
Elevação da acidez do solo
Cultivos sucessivos sem a devida corrão
da acidez do solo.
Aplicão de calcário para corrão da acidez do
solo.
Compactão do solo
Manejo inadequado do solo, excessivo uso
de mecanização pesada.
Implantão de práticas de cultivo mínimo e plantio
direto, elaborão de PEC (subsolador e radeira).
Baixa disponibilidade de
água
Falta de protão aos mananciais,
assoreamento e poluão dos mananciais.
Constrão de abastecedouros comunitários tipo III.
Interferência da Rodovia
SP-225 nas propriedades
Aumento do volume de água encaminhado
até as propriedades, interrupção de
acessos às propriedades.
Planejamento e construção de sistemas de
contenção como caixas de captão de água e
terraços, planejamento de novos acessos às
propriedades.
Deposição de lixo em
voçorocas e estradas.
Facilidade de acesso falta de informação,
falta de fiscalização.
Isolamento das voçorocas com cercas, retirada do
lixo já depositado, orientão aos produtores e
comunidade, denúncia aos órgãos competentes.
83
2.6 ESTRUTURA FUNDIÁRIA DA MICROBACIA E A QUESTÃO DA PEQUENA
PROPRIEDADE
Conforme se observa na Tabela 12 e Figura 15, quase metade das propriedades
(45%) existentes na microbacia possuem área igual ou inferior a 30 hectares, que é o limite
estabelecido pelo Código Florestal para conceituar pequena propriedade rural na área que
abrange o Estado de São Paulo. Ressalte-se que as áreas assinaladas sob nº 26 e 30 na Figura
15 correspondem ao Loteamento Chácaras do Botelho (26) e ao Conjunto Habitacional que
abrange Residenciais Parati, Comerciários e Villagio di Roma (30), não tendo sido por esse
motivo consideradas na Tabela 12.
Tabela 12: Estrutura Fundiária da Microbacia do Córrego Santo Antonio – 2006
Fonte: CATI / Jaú
O artigo 1º, parágrafo 2º do Código Florestal (que foi acrescentado pela MP
2.166-67/2001) define:
I – Pequena propriedade rural: aquela explorada mediante o trabalho pessoal do
proprietário ou posseiro e de sua família, admitida a ajuda eventual de terceiro e cuja
renda bruta seja proveniente, no mínimo, em 80% (oitenta por cento), de atividade
agroflorestal ou do extrativismo, cuja área não supere:
[...]
c) trinta hectares se localizada em qualquer outra região do país.
Portanto, para ser considerada pequena propriedade não basta ter área inferior a
trinta hectares. Há que ter no mínimo 80% da renda bruta proveniente de atividade
agroflorestal ou extrativista, exercida por mão-de-obra familiar, com a possibilidade de ajuda
eventual de terceiro.
Área da Propriedade
(ha)
Total de Propriedades
(Un.)
%
Até 14 09 22,5
De 15 a 30 09 22,5
De 31 a 50 08 20,0
De 51 a 200 13 32,5
Maior que 200 01 2,5
TOTAL 40 100
84
85
Quanto à estrutura fundiária, nota-se que a lei distingue apenas a pequena das
demais propriedades rurais, impondo uma rigidez uniforme na sua aplicação. Esse conceito
deve ser questionado, pois o proprietário de uma área de até dez hectares, por exemplo, que
nela desenvolva atividades de subsistência, na maioria das vezes carece de recursos
financeiros e tecnológicos, auferindo, via de regra, uma renda muito inferior à dos
proprietários de áreas maiores. Assim, as restrições impostas a esses micro-proprietários
provavelmente causarão impactos bem mais significativos, que muitas vezes até inviabilizam
o exercício de suas atividades. Da mesma maneira, é desproporcional submeter uma área de
31 hectares ao mesmo tratamento jurídico despendido a uma propriedade de 1000 hectares,
por exemplo.
Observa-se também que a legislação não distingue o local onde essas áreas estão
inseridas, tampouco suas características físicas, climáticas, biológicas, socioeconômicas e isso
é um grande equívoco, principalmente se considerar as finalidades a que elas se destinam.
Dependendo da localização dessas áreas, inúmeras serão as variáveis, ainda que a nível
estadual, tais como: diferenças quanto ao clima, luminosidade, tipo de solo que determinará
seu grau de susceptibilidade à erosão, seu uso e ocupação adequados, além de diferentes
formas de vegetação e fauna predominantes.
André Luis Oliveira, destaca a classificação apresentada pelo INCRA (Instituto de
Colonização e Reforma Agrária) que define minifúndio, pequena, média e grande propriedade
rural em termos de módulos rurais, cuja dimensão, segundo artigo 5º da Lei 4.504/64
(Estatuto da Terra), é fixada para zona de características econômicas e ecológicas
homogêneas, distintamente, de acordo com o tipo de exploração rural a que possa ser
submetida.
De acordo com o autor, pode-se considerar:
“[...] módulo rural, como a menor parcela de fracionamento do solo rural, levando-se
em conta alguns critérios objetivos que permitam ao trabalhador extrair dessa terra o
sustento de sua família, absorvendo-lhe a força própria de trabalho. Assim, o
tamanho do módulo rural deverá levar em consideração a produtividade e os custos
de produção em cada região do País, cabendo ao INCRA fixar para cada município,
a dimensão do módulo rural [...].”
175
A adoção de um critério como esse, que considera as desigualdades, muito
provavelmente teria maior condição de favorecer o desenvolvimento sustentável, por
175
OLIVEIRA, André Luiz. A reserva florestal legal e os princípios constitucionais da isonomia e
razoabilidade. Dissertação (Mestardo) – UNIARA – Centro Universitário de Araraquara. Araraquara, 2007, f.
149.
86
compensar, de certa forma, as dificuldades enfrentadas pelo pequeno produtor rural no
atendimento às normas ambientais e aos objetivos por ela almejados.
Mesmo alguns benefícios previstos no Código Florestal, destinados à pequena
propriedade, poderiam favorecer um número bem maior de produtores, se não fosse tão
genérica a classificação fundiária por ele adotada.
O INCRA, como já mencionado, considera diversos fatores para calcular a
unidade do módulo fiscal que, por sua vez, é utilizada para classificar as propriedades em
minifúndio, pequena, média e grande propriedade rural. No município de Jahu, onde o
módulo fiscal corresponde a 14 hectares, a classificação das propriedades se daria da seguinte
forma:
Tabela 13: Classificação das propriedades rurais segundo critério do INCRA
CLASSIFICAÇÃO DIMENSÃO CLASSIFICAÇÃO EM JAHU
Minifúndio
Área inferior a 1 módulo fiscal Inferior a 14 hectares
Pequena propriedade
Área entre 1 e 4 módulos fiscais De 14 a 56 hectares
Média propriedade
Superior a 4 e até 15 módulos fiscais De 56,1 a 210 hectares
Grande propriedade
Superior a 15 módulos fiscais Superior a 210 hectares
Fonte: INCRA / Jahu.
É evidente que a adoção dessa classificação, se considerada no estabelecimento
das restrições legais impostas aos produtores rurais, lhes dispensaria um tratamento mais
isonômico. Além de distinguir os minifúndios, representados pelos micro-proprietários
(exemplificados anteriormente), a classificação do INCRA também distingue os pequenos e
médios proprietários dos grandes proprietários ou latifundiários.
Devido ao fato da área de estudo estar localizada no Bioma Mata Atlântica, pode-
se dizer que existe uma terceira definição de pequena propriedade rural. A Lei Federal 11.428
de 22 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do
Bioma Mata Atlântica, considera:
Pequeno produtor rural: aquele que, residindo na zona rural, detenha a posse de
gleba rural não superior a cinqüenta hectares, explorando-a mediante o trabalho
pessoal e de sua família, admitida a ajuda de terceiros, bem como as posses coletivas
de terra considerando-se a fração individual não superior a cinqüenta hectares, cuja
renda bruta seja proveniente de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou
silviculturais ou do extrativismo rural em 80% (oitenta por cento) no mínimo
176
.
176
Art. 3º, I, Lei 11.428/06.
87
Poder-se-ia perguntar: qual a área máxima deveria ser utilizada para definir
pequena propriedade rural – 30, 50, ou 56 hectares, já que as três são definidas por Lei
Federal?
O Parágrafo único do art. 2º da Lei 11.428/06 estabelece que somente os
remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e nos estágios secundário inicial,
médio e avançado de regeneração na área de abrangência do Bioma Mata Atlântica terão seu
uso e ocupação regulados por ela. Ressalte-se que esta definição também estaria ferindo o
princípio da isonomia, uma vez que dispensa um tratamento diferenciado a algumas
propriedades apenas por fazerem parte de determinado bioma, considerando que não existe
um bioma mais importante que o outro, já que todos têm suas características peculiares e
fundamentais ao bom funcionamento do ecossistema.
Tais reflexões levam a concluir que os parâmetros indicados pelo Estatuto da
Terra seriam os mais justos e adequados para definir a classificação das propriedades rurais.
A questão fundiária será novamente abordada quando tratar das restrições legais
impostas ao proprietário rural.
88
DAS RESTRIÇÕES LEGAIS
3.1 ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS
Com o objetivo de garantir o equilíbrio do meio ambiente, a Constituição Federal,
em seu artigo 225, § 1º, outorga ao Poder Público a incumbência de:
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção
.
A Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, regulamentou o referido dispositivo ao
instituir o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), estabelecendo
critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação.
O artigo 2º, inciso I, da Lei 9.985/00 define unidades de conservação como:
Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com
características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com
objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração,
ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.
Essas unidades foram divididas em dois grupos com características e objetivos
distintos: as unidades de proteção integral e as unidades de uso sustentável. A Tabela 14
contempla os principais objetivos de cada grupo de unidades de conservação e as categorias
em que os mesmos se subdividem.
A seguir, a Tabela 15 compara algumas definições utilizadas para nomear as
práticas de recuperação de áreas degradadas.
89
Tabela 14. Grupos de Unidades de Conservação
GRUPOS OBJETIVO CATEGORIAS
Estação Ecológica
Reserva Biológica
Parque Nacional
Monumento Natural
UNIDADES DE
PROTEÇÃO
INTEGRAL
Preservar a natureza,
sendo admitido apenas o
uso indireto dos seus
recursos naturais, com
exceção dos casos
previstos na Lei do
SNUC.
Refúgio da Vida Silvestre
Área de Proteção
Ambiental
Área de Relevante
Interesse Ecológico
Floresta Nacional
Reserva Extrativista
Reserva de Fauna
Reserva de
Desenvolvimento
Sustentável
UNIDADES DE
USO
SUSTENTÁVEL
Compatibilizar a
conservação da natureza
com o uso sustentável
de parcela dos seus
recursos naturais
Reserva Particular do
Patrimônio Natural
Fonte: adaptado de Brasil
177
Tabela 15. Práticas de recuperação de áreas degradadas
Fonte: Adaptado de Crestana (org) et al
Para melhor compreensão da classificação e dos objetivos definidos, seguem
alguns conceitos das principais terminologias utilizadas:
177
BRASIL. Lei 9.985, de 18 de julho de 2000. In: MEDAUAR, Odete (org). Constituição Federal. Coletânea
de Legislação de Direito Ambiental. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
Conceito Definição Fonte
a) Retornar um ecossistema degradado ou
população para uma condição não degradada,
que possa ser diferente de sua condição original.
IUCN, Unep,
WWF 1991
Reabilitação
b) Recuperação de um ecossistema, com nível
intermediário de degradação, podendo ou não
haver intervenção humana.
Maini 1992
a) Retornar um ecossistema degradado ou
população a uma condição original.
IUCN, Unep,
WWF 1991
Restauração
b) Recuperação de um ecossistema degradado
de forma irreversível, havendo necessidade de
intervenção humana.
Maini 1992
Recuperar
Readquirir, recobrar o pedido. Ferreira 1986
Recompor
Tornar a compor, reorganizar. Ferreira 1986
90
Proteção integral – manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas
por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais (Art. 2º,
VI, Lei do SNUC).
Uso sustentável – exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos
recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os
demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável (Art. 2º, XI,
Lei do SNUC).
Preservação – conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visem à
proteção à longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos
processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais (Art. 2º, V, Lei do
SNUC).
Recuperação – é a restituição de um ecossistema ou uma população silvestre
degradada para uma condição não degradada, que possa ser diferente de sua condição original
(Art.2º, XIII, Lei 9.985/2000).
Restauração – restituição de um ecossistema ou população silvestre degradada o
mais próximo possível da sua condição original (Art.2º, XIV, Lei 9.985/2000)
Uso indireto – aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos
recursos naturais (Art. 2º, IX, Lei do SNUC).
Conservação da natureza – o manejo do uso humano da natureza,
compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a
recuperação do ambiente natural, para que possa produzir maior benefício, em bases
sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e
aspirações das gerações futuras, garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral (Art. 2º,
II, Lei do SNUC).
Além dessas áreas protegidas, outras leis esparsas também definem espaços
territoriais especialmente protegidos, a exemplo das Áreas de Preservação Permanente (APP)
e das Reservas Florestais Legais (RFL), previstos no Código Florestal (Lei nº 4771/65).
Para Luís Paulo Sirvinskas, o disposto no artigo 225, parágrafo 1º, inciso III da
Constituição, que permite e ao mesmo tempo obriga a criação de espaços a serem
especialmente protegidos, recepcionou a Lei nº 4771/65, no que tange à Reserva Florestal
Legal, assim como outras áreas justificadamente protegidas por lei.
178
178
SIRVINSKAS, L. P., op.cit., p. 217.
91
Édis Milaré distingue os espaços especialmente protegidos em sentido estrito
(stricto sensu) - que são as unidades de conservação típicas, estabelecidas pelo Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) - dos espaços especialmente protegidos em
sentido amplo (lato sensu), como por exemplo, as áreas de preservação permanente e reserva
florestal legal. O autor não considera sustenvel caracterizar essas áreas como unidades de
conservação atípicas, por carecerem o requisito essencial para tanto, qual seja, um ato legal de
sua instituição pelo Poder Público, dispondo exclusivamente a respeito de cada uma,
conforme prevê o artigo 2º, inciso I da Lei 9.985/2000.
179
Muito embora ambos os conceitos sejam considerados restrições ao direito de
propriedade, as Áreas de Preservação Permanente (APP), talvez por estarem íntima e
visivelmente relacionadas à disponibilidade de água, têm sido amplamente trabalhadas junto
aos proprietários rurais. Grande parte deles já tem ciência da importância de preservá-las e
vários projetos têm sido fomentados inclusive pelo Governo do Estado de São Paulo, como é
o caso do Projeto Mata Ciliar, implementado na área estudada (Microbacia do Córrego Santo
Antonio).
A Reserva Florestal Legal (RFL), apesar de estar legalmente amparada e de não
ter uma função ambiental menos importante que a da Área de Preservação Permanente (APP),
enfrenta fortes resistências dos proprietários rurais, na maioria das vezes por falta de
conscientização, além da omissão do Poder Público, que até bem pouco tempo ignorou o
descumprimento da norma que impõe sua instituição em todas as propriedades rurais. Pode-se
afirmar que desde essa instituição, a Reserva Florestal Legal permanece sendo um simulacro
de conservação, com os proprietários rurais ignorando a limitação administrativa fixada pelo
Código Florestal e com a carência de estrutura do Poder Público para induzir o respeito à
lei.
180
179
MILARÉ, É., op.cit., p. 689.
180
IRIGARAY. Carlos Teodoro José Hugueney. Compensação de reserva legal: limites à sua implementação. In:
BENJAMIN, Antonio Herman; LECEY, Eladio; CAPPELLI, Sílvia (orgs.). Congresso Internacional de Direito
Ambiental. Meio ambiente e acesso à justiça: flora, reserva legal e APP. v 3. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2007, p. 54.
92
3.2 DISTINÇÃO ENTRE FLORA, VEGETAÇÃO E FLORESTA
É conveniente determinar a abrangência dos termos floresta e flora, já que a
Constituição e o Código Florestal fazem essa distinção ora se reportando a uma, ora a outra
definição. A observação de que a Constituição, ao tratar da incumbência do Poder Público de
proteger a fauna e a flora não fazendo menção ao termo floresta, cumulado com o uso do
termo flora sempre feito no singular, ao passo que floresta é sempre usada no plural, levou
José Afonso da Silva concluir que:
[...] flora é um coletivo que se refere ao conjunto das espécies vegetais do país ou
de determinada localidade. A flora brasileira compõe-se, assim, de todas as formas
de vegetação úteis à terra que revestem, o que inclui as florestas, cerrados, caatingas,
brejos e mesmo as forrageiras nativas que cobrem os nossos campos naturais.
181
(grifo do autor)
Édis Milaré ressalta a importância de esclarecer as diferenças conceituais entre
flora, vegetação e floresta, a fim de evitar equívocos à gestão ambiental caso esses termos
sejam usados indistintamente. Ele afirma que:
Flora é a totalidade de espécies vegetais de determinada região, sem
qualquer expressão de importância individual dos elementos que a
compõem, podendo pertencer a grupos botânicos diversos, desde que
tenham exigências semelhantes quanto aos fatores ambientais (biológicos,
de solo e clima). Compreende também bactérias, fungos e fitoplânctons
marinhos.
Vegetação é a cobertura vegetal de certa área, região ou país, que se
organiza em diferentes estratos, como o arbóreo, o arbustivo, o herbáceo e
outros, para formar conjuntos específicos, como florestas, pradarias,
savanas, pântanos e outros.
Floresta, por sua vez, é uma formação vegetal de proporções e densidades
maiores. Tomada como um ecossistema complexo que inclui todos os
vegetais e elementos que compartilham as mesmas características
ambientais e ecológicas, ela tem valiosíssimas funções, como o controle
do ciclo hidrológico, a fixação e fertilização do solo.
182
O termo floresta é um tipo de flora composta por um conjunto de vegetação
razoavelmente densa e elevada, compreendendo matas e bosques (de grande ou pequena
181
SILVA, J. A., op. cit., p. 160-161.
182
MILARÉ, E., op. cit., p. 238.
93
extensão), excetuadas as áreas verdes urbanas.
183
Sem adentrar nas peculiaridades de cada uma, Paulo de Bessa Antunes menciona
a classificação das florestas elaborada pela União Internacional para a Conservação da
Natureza (UICN), pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pelo
Fundo Mundial para o Meio Ambiente (WWF): a) floresta natural – local onde não houve
corte ou abatimento de árvores nos últimos 250 anos; b) floresta modificada – local onde
houve abatimento de árvores nos últimos 250 anos e onde crescem novas árvores derivadas de
recuperação natural ou por plantio suplementar de enriquecimento; c) floresta plantada
local onde todas ou a maioria das árvores foram plantadas ou semeadas
184
.
O autor ainda caracteriza quanto à localização dos diversos tipos de floresta:
a) Floresta borealé a principal floresta do mundo em extensão, ocupando área
equivalente a 25% da superfície terrestre (aproximadamente 6 bilhões de hectares). Apesar de
sofrer grave risco de sobrevivência, ocupa pouco espaço na mídia, já que a maior parte dela
está situada nos países de primeiro mundo, como Canadá, EUA e Rússia. O Canadá concentra
cerca de 10% de todas as florestas do mundo (responsáveis por cerca de 20% da água doce do
planeta), o que levou entidades governamentais a assinarem um acordo com as entidades
privadas, que subsistem das florestas, com objetivo de ampliar a participação da comunidade
na gestão sustentável das florestas canadenses, alterando, assim, posturas predatórias e
destrutivas para que haja uma consonância entre a preservação do meio ambiente e o
desenvolvimento econômico;
b) Floresta temperada – é a maior vítima da poluição industrial por estar situada
nos países mais industrializados do planeta. Na Europa, praticamente não existem florestas
naturais. O que tem ocorrido é um grande incentivo governamental para ampliação de áreas
florestais, pois, como observa Paulo de Bessa Antunes, não se pode admitir que o
desenvolvimento se dê às custas de pressão sobre as florestas tropicais, lembrando da
necessidade de uma nova ordem econômica internacional que seja capaz de alterar o perfil da
distribuição internacional de riqueza entre as nações;
c) Floresta tropical – situada na região mais pobre do mundo, abriga mais da
metade das espécies vegetais e animais do planeta apesar de sua pequena extensão (inferior a
7% da superfície terrestre). O Brasil é o país que possui mais florestas tropicais,
acompanhadas do maior número de espécies vegetais e animais do mundo (a Amazônia
183
SILVA, J. A., op. cit., p. 161.
184
ANTUNES, P. B., op. cit., p. 485.
94
brasileira possui cerca de 40% da floresta tropical remanescente no mundo). As florestas
brasileiras se constituem de ecossistemas diversos, como, por exemplo, a já mencionada
Floresta Amazônica, o Cerrado, a Mata Atlântica e a Caatinga.
185
3.3 AS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
Num breve histórico da institucionalização ambiental no Brasil, vale ressaltar que,
o Código Florestal de 1934 já considerava as florestas um bem de interesse comum, impondo
limitações aos direitos de propriedade, sobretudo no tocante ao corte das árvores situadas em
florestas de conservação perene. O Novo Código Florestal, que foi instituído pela Lei nº 4.771
de 15 de setembro de 1965 e ainda encontra-se em vigor, classificou essas áreas em Áreas de
Preservação Permanente (APPs), aludindo à proibição de sua supressão devido à importância
de suas funções ambientais. Já se notava, nessa época, a preocupação do legislador com o
desmatamento desenfreado das matas nativas brasileiras.
Posteriormente, a Medida Provisória nº 2.166-67 de 2001, que foi reeditada 67
vezes e “[...] ‘congelada’ pela Emenda Constitucional 32, de 11.09.2001”
186
, introduziu o
conceito de APP, estabelecendo suas funções ecológicas e ambientais de garantir a
integridade dos ecossistemas e a qualidade do meio ambiente, dispostos no artigo 1º, § 2º, do
Código Florestal:
II - Área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º
desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar
os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo
gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações
humanas;
O Código distingue dois modos de instituição de APP: as ex vi legis ou, por
determinação legal, que são as elencadas no artigo 2º do Código Florestal e as áreas de
preservação permanente instituídas por ato declaratório do Poder Público, que estão previstas
no artigo 3º do mesmo instituto.
Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as
florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em
faixa marginal, cuja largura mínima seja:
1) de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos 10 (dez) metros de largura;
185
ANTUNES, P. de B., p. 486 – 494.
186
MILARÉ, E., op. cit., p. 691- 692.
95
2) de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água que tenham 10 de (dez) metros a
50 (cinqüenta) metros de largura;
3) de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200
(duzentos) metros de largura;
4) de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a
600 (seiscentos) metros de largura;
5) de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a
600 (seiscentos) metros;
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais e artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água”, qualquer
que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de
largura;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45º (quarenta e cinco
graus), equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em
faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a
vegetação.
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos
perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e
aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos
respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites
a que se refere este artigo.
Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declaradas
por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural
destinadas:
a) a atenuar a erosão das terras;
b) a fixar as dunas;
c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;
e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;
f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;
g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;
h) a assegurar condições de bem-estar público. (grifo nosso)
§ 1º A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só se
admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária
à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse
social.
§ 2º As florestas que integram o patrimônio indígena ficam sujeitas ao regime de
preservação permanente (letra g) pelo só efeito desta Lei.
Art. 3º-A. A exploração dos recursos florestais em terras indígenas somente pode
ser realizada pelas comunidades indígenas em regime de manejo florestal
sustentável, para atender a sua subsistência, respeitados os arts. 2º e 3º deste Código.
Essas alterações supervenientes no Código Florestal suscitam questionamentos
sobre o direito à indenização. Por exemplo, até o ano de 1989, o proprietário rural que tivesse
um rio ou qualquer curso d´água de até 10 metros de largura passando em sua propriedade,
teria que preservar, a título de APP, uma faixa marginal de 5 metros de largura. Com a Lei nº
7.803/89, que determinou a redação da alínea “a”, art. 2º do Código, essa faixa passou a ser de
30 metros.
96
Vale lembrar, que considerando o Direito como um sistema autopoiético, através
das interações com o ambiente, ele pode detectar a necessidade de aprimoramento (que pode
ser no sentido mais restritivo) da norma, com o fim de manter o equilíbrio e a sobrevivência
do sistema. Dessa maneira, seria plenamente justificável o aumento dessas faixas de
preservação, assim que notado o iminente risco gerado pelo exacerbado desmatamento.
No entanto, muita cautela é imprescindível quando da aplicação dos novos
parâmetros aos casos já consolidados, sob pena de afrontar direito adquirido, o que causaria
uma devastadora insegurança jurídica. Além disso, como já foi dito, a rigidez das restrições
impostas aos proprietários rurais não consideram particularidades locais, e o que é mais
agravante – não têm qualquer embasamento técnico na fixação de seus limites.
Quanto à natureza jurídica das áreas de preservação permanente, não se trata de
simples restrição imposta pelo Poder Público, mas sim de restrições inerentes à sua própria
natureza.
187
A retenção das árvores por acidente físico do terreno não é uma servidão, como são,
por exemplo, as servidões de caminho. Não é uma restrição subjetiva, criada pelo
Homem, ao direito de propriedade, como as servidões jurídicas. É uma interdição
natural do solo, como é a interdição de plantar nos penhascos, de utilizar a área
alagadiça. Assim sendo, quem compra um terreno à margem de cursos d´água, nas
nascentes, nas margens de estradas e onde mais existam matas protetoras já o
adquiriu com aquela restrição, porque ao adquirir já ali estavam as montanhas e
demais acidentes da Natureza que exigem a contemplação da permanência da
floresta. Não há, pois, o que indenizar.
188
3.3.1 As Resoluções CONAMA
Visando à regulamentação dos artigos 2º e 3º do Código Florestal, o CONAMA
editou, em março de 2002, a Resolução 302, que dispõe sobre os parâmetros, definições e
limites das APPs de reservatórios artificiais e o regime de uso do seu entorno; e a Resolução
303, que dispõe sobre parâmetros, definições e limitações das áreas de preservação
permanente, além de estabelecer a metragem das APPs para as restingas, e conferir
parâmetros para definição de topos de morros. A legalidade e a constitucionalidade dessas
normas têm sido duramente questionadas pelos operadores do Direito, por entenderem “que o
Conselho Nacional do Meio Ambiente teria extrapolado sua competência ao estabelecer
187
SILVA, J. A. da., op. cit., p. 173.
188
PEREIRA, Osny Duarte, apud SILVA, J. A., op. cit., p. 173.
97
limites ao direito de propriedade não existentes em lei”.
189
Apesar de não ter o objetivo de
discutir a constitucionalidade das Resoluções CONAMA, algumas observações merecem ser
apresentadas.
Paulo de Bessa Antunes afirma que dentre as atribuições do CONAMA,
especificadas no art. 8º da lei que deu origem ao órgão – Lei nº 6.938/81 e que instituiu a
Política Nacional do Meio, não se encontra a competência de regulamentar diretamente a lei,
pois essa é uma competência do Presidente da República conforme determinação expressa do
art. 84, IV, CF, de tal modo que o Código Florestal somente poderia ser regulamentado por
decreto presidencial.
190
Hely Lopes Meirelles adverte que embora caiba ao Chefe do Executivo
regulamentar os vazios da lei ou fatos e circunstâncias não previstos pelo legislador, é
essencial “[...] que o Executivo, ao expedir regulamento – autônomo ou de execução de lei -,
não invada as chamadas ‘reservas da lei’, ou seja, aquelas matérias só disciplináveis por lei, e
tais são, em princípio, as que afetam as garantias e os direitos individuais assegurados pela
Constituição”.
191
Além de terem inovado ao criar medidas não existentes em lei, as Resoluções 302
e 303 de 2002 do CONAMA, segundo Paulo de Bessa Antunes, são ilegais também por
invadirem a competência constitucional dos Estados Membros em legislar supletivamente às
normas gerais estabelecidas pela União sobre florestas; além de violarem o Princípio do
Desenvolvimento Sustentável, pois a aplicação dos parâmetros e limite de cem metros para
APPs de reservatórios artificiais em áreas rurais, estabelecida pela Resolução 302, causaria
impactos socioeconômicos negativos, sobretudo aos pequenos proprietários.
192
Contudo,
existe a possibilidade de redução desse limite desde que observados: a) o patamar mínimo de
trinta metros conforme estabelecido no licenciamento ambiental e no plano de recursos
hídricos da bacia onde estiver inserido o reservatório
193
; b) outros critérios técnicos
estabelecidos no § 4º, art. 3º da Resolução 302/02. Outrossim, o inciso III do art. 3º estabelece
a largura mínima de quinze metros de APP para reservatórios artificiais localizados em área
189
MILARÉ, É., op. cit., p. 694.
190
ANTUNES, P. de B., op. cit., p. 514.
191
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. Atualização de Eurico de Andrade
Azevedo et al. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p.124.
192
ANTUNES, P. de B., op. cit., p. 521-522.
193
Art. 3º, § 1º, Resolução CONAMA 302/02.
98
rural, não utilizados em abastecimento público ou geração de energia elétrica, com até vinte
hectares de superfície. Ou seja, dificilmente uma pequena propriedade terá um reservatório
artificial com mais de vinte hectares de superfície.
É importante mencionar que o SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente,
constituído pela Lei 6.938/81, foi assim estruturado: a) órgão superior - Conselho de Governo
que assessora o Presidente da República na formulação de políticas e diretrizes
governamentais para o meio ambiente; b) órgão consultivo e deliberativo – Conselho
Nacional do Meio Ambiente – CONAMA - que tem a finalidade de assessorar, estudar e
propor ao Conselho de Governo diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e
os recursos naturais, além de deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e
padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia
qualidade de vida; c) órgão central – Secretaria do Meio Ambiente da República, que tem a
finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política
nacional e as diretrizes; d) órgão executor – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis – IBAMA - tem por finalidade executar e fazer executar a
política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente; e) órgãos seccionais – são
os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo
controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental; f) órgãos
locais – são os órgãos ou entidades municipais responsáveis pelo controle e fiscalização
dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições
194
. (grifo nosso)
Cumpre ressaltar que o art. 6º, § 1º da Lei 6.938/81 dispõe: “Os Estados, na esfera
de suas competências e nas áreas de sua jurisdição, elaborarão normas supletivas e
complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observados os que forem
estabelecidos pelo CONAMA”. (grifo nosso)
No mesmo sentido, o § 6º, art. 4º do Código Florestal, com redação determinada
pela MP 2.166-67/2001, afirma: “Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a
desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente
criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regimes de uso serão definidos por resolução do
CONAMA”. (grifo nosso)
Com relação à constitucionalidade do artigo supra mencionado, já existe o
posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), em decorrência da Ação Direta de
Inconstitucionalidade - ADI 3.540, cujo acórdão encontra-se anexo (Anexo VII). A ação foi
proposta pelo Ministério Público Federal questionando a constitucionalidade do art. 1º da MP
194
Art. 6º, Lei 6.938/81.
99
2.166-67/2001, que alterou o art. 4º, caput e §§ 1º a 7º do Código Florestal, prevendo a
possibilidade de intervenção em APP, em casos de utilidade pública e interesse social, o que
também foi regulamentado pela Resolução 369/2006 do CONAMA. O STF assim considerou:
A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu
significativas alterações no art. 4º do Código Florestal, longe de comprometer os
valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao
contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades
desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir
ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior
vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado
e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão.
195
É perceptível que as maiores ressalvas e questionamentos aludidos, talvez não se
refiram tanto à competência regulamentadora do CONAMA, mas sim ao conteúdo de suas
regulamentações, que ora são vistas como demasiado permissivas (Resolução 369/2006), ora
como excessivamente restritivas (Resoluções 302 e 303). A utilidade das deliberações
técnicas do CONAMA para proteger o meio ambiente pode ser extraída do conteúdo do
acórdão supracitado, além do caráter participativo das decisões do órgão, que é composto por
representantes dos Estados Membros, do Distrito Federal, dos Municípios, dos demais
Ministérios, da sociedade civil organizada, além de Conselheiros convidados.
Fazendo uma interpretação sistemática da Constituição Federal, do Código
Florestal e da Lei 6938/81 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, percebe-
se que seria inócua a delegação de competência consultiva e deliberativa ao CONAMA, caso
suas resoluções, advindas de estudos e discussões técnicas, não tivessem aplicabilidade por
serem consideradas ilegais - não se descartando, porém, a possibilidade de serem argüidas e
reformuladas para se adequarem de acordo com as necessidades circunstanciais.
Por todo exposto, parece demonstrada a legalidade das deliberações, já que as
Resoluções CONAMA não criam, ampliam, ou subtraem direito, apenas atuam nas atividades
que lhes são atribuídas, como “estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à
manutenção da qualidade do meio ambiente, com vistas ao uso racional dos recursos
ambientais, principalmente os hídricos”.
196
A questão que se impõe e que seria de vital
importância para garantir a efetividade da norma, é analisar o caso concreto à luz do princípio
da proporcionalidade e razoabilidade, para resguardar o interesse da coletividade, que sempre
195
ADI-MC 3540 - Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Requerente: Procurador Geral da
República. Requerido: Presidente da República. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento: 01/09/2005. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp.
Acesso em 15 de março, 2008.
196
Art. 8º, VII, Lei 6.938/81.
100
será preponderante, sem comprometer, no entanto, os interesses individuais envolvidos. Essa
discussão será retomada ao analisar no caso concreto, a situação das propriedades da
microbacia.
3.3.2 A supressão das Áreas de Preservação Permanente
Em regra, a supressão e intervenção nas Áreas de Preservação Permanente são
proibidas, com exceção ao disposto no artigo 4º do Código Florestal, regulamentado em 2006
pela Resolução 369 do CONAMA, que, por autorização expressa do Código Florestal
197
“definiu os casos excepcionais em que o órgão ambiental competente pode autorizar a
intervenção ou supressão de vegetação em área de preservação permanente para a
implantação de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social,
ou para a realização de ações consideradas eventuais e de baixo impacto ambiental”.
198
O artigo 4º do Código Florestal assim dispõe:
Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente
poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social
devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio,
quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.
§ 1º A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão
ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão
federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo.
§ 2º A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área
urbana dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o
município possua conselho do meio ambiente com caráter deliberativo e plano
diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente,
fundamentada em parecer técnico [...]. (grifo nosso)
José Afonso da Silva aponta para as diferenças contidas nas redações dos artigos
3º e 4º do Código Florestal que tratam da intervenção em Áreas de Preservação Permanente.
Assim, nas situações previstas no artigo 4º, não estaria autorizado o corte raso das áreas de
preservação permanente em si, uma vez que ele fala apenas em supressão de vegetação.
Diferentemente, o artigo 3º, § 1º dispõe: “A supressão total ou parcial de
florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder
Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos
de utilidade pública ou interesse social”. (grifo nosso)
197
Art. 1º, § 2º, incisos IV e V, “c” c.c. art. 4º, § 3º, Lei 4.771/65.
198
MILARÉ, É., op. cit., p. 696.
101
Na opinião do autor, essa supressão total ou parcial de florestas refere-se apenas
às áreas de preservação permanentes, assim declaradas nos termos do caput do mesmo artigo,
ou seja, a supressão prevista no artigo 3º, § 1º não se aplicaria às APPs determinadas por lei e
elencadas no artigo 2º, tampouco às do patrimônio indígena equiparadas a elas, conforme
dispõe § 2º do artigo 3º. Do contrário, seria inútil a lei que reconhecesse florestas de
preservação permanente só para admitir a possibilidade de sua supressão total ou parcial,
mesmo que em condições restritas.
199
Márcia Dieguez Leuzinger vai além, ao compartilhar o entendimento majoritário
da doutrina, de que espaço territorial especialmente protegido é “qualquer área sobre a qual
incida proteção jurídica específica de seus atributos naturais, [...], incluindo, portanto, não
apenas as unidades de conservação, mas também as áreas de preservação permanente, as áreas
de reserva legal, os biomas constitucionalmente protegidos (§ 4º do art. 225) [...]”.
200
A autora conclui, que o artigo 4º do Código Florestal, com redação conferida pela
MP nº 2.166-66/01, que prevê a possibilidade de supressão de vegetação em APP por meio de
simples autorização do órgão ambiental competente, afigura-se inconstitucional, pois essas
áreas somente poderiam ser alteradas ou extintas por lei, conforme previsão constitucional
(art. 225, § 1º, III) que impõe ao Poder Público definir em todas as unidades da Federação,
espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos sendo a alteração e
a supressão permitidas somente através de lei.
201
Diante de tal conflito, conclui-se que tal dispositivo constitucional refere-se aos
espaços territoriais especialmente protegidos no sentido estrito, já que o sistema normativo
remete à competência do CONAMA a regulamentação das intervenções na APP. Além disso,
seria inviável a necessidade de elaboração de lei sempre que houvesse caso de utilidade
pública ou interesse social.
No Estado de São Paulo existem Resoluções da Secretaria de Estado de Meio
Ambiente - SMA que regulamentam a supressão de vegetação nativa, conforme prevê o artigo
14, alínea “a”, do Código Florestal: “Além dos preceitos gerais a que está sujeita a utilização
das florestas, o Poder Público federal ou estadual poderá: a) prescrever outras normas que
atendam às peculiaridades locais; [...]”.
199
SILVA, J. A. da., op. cit., p. 174.
200
LEUZINGER, Márcia Dieguez. Alteração e extinção de áreas de preservação permanente. Instituto o Direito
por um Planeta Verde. Disponível em http://www.planetaverde.org/modules/sections/index.php?. Acesso em: 26
de fevereiro, 2008.
201
Id. Ibid.
102
A Resolução SMA nº 13, de 22 de fevereiro de 2008, dispõe sobre a concessão de
autorização para a supressão de vegetação nativa para a implantação de obras de interesse
público, especificando quais seriam essas obras.
A Resolução SMA nº 14, de 13 de março de 2008, que foi posteriormente
modificada pela Resolução SMA nº 30 de 24 de abril de 2008, dispõe sobre os procedimentos
para supressão de vegetação nativa para parcelamento do solo ou qualquer edificação em área
urbana. Abstrai-se desse texto a preocupação em conciliar empreendimentos imobiliários com
a proteção do Bioma Mata Atlântica, reportando-se mais de uma vez à Lei Federal 11.428/06.
Os critérios e parâmetros da concessão de autorização para supressão de
vegetação nativa, considerando as áreas prioritárias para o incremento da conectividade estão
dispostos na Resolução SMA nº 15, de 13 de março de 2008. O Projeto Biota - FAPESP
estabeleceu áreas prioritárias para a manutenção e recuperação da conectividade efetiva entre
os fragmentos de mata nativa existentes no Estado, fundamentais para a conservação e
restauração da biodiversidade. Essa Resolução que não se aplica para supressão de vegetação
nativa em estágio pioneiro, de árvores isoladas, tampouco para obras de interesse público,
prevê, para os casos em que for passível a supressão, critérios de compensação mediante
recuperação de áreas degradadas.
As supracitadas resoluções foram elaboradas em atendimento ao estabelecido no
artigo 3º da Resolução SMA n º 40, de 21 de setembro de 2007, que tratava do Projeto
Estratégico Desmatamento Zero, o qual foi instituído com o objetivo de assegurar a
conservação dos remanescentes de vegetação nativa no Estado de São Paulo, delimitando os
casos em que ficou suspensa temporariamente a concessão de autorização para a sua
supressão, até que novos critérios e parâmetros fossem estabelecidos por Resolução
específica.
3.3.3 AS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NA MICROBACIA
Atualmente está sendo implementado na microbacia do Córrego Santo Antonio o
Projeto de Recuperação de Matas Ciliares, por meio do Programa de Recuperação de Zonas
Ciliares do Estado de São Paulo, que foi instituído pelo Decreto Estadual 49.723, de 24 de
junho de 2005. O Projeto financiado pelo Banco Mundial visa reduzir o processo erosivo que
é responsável pela perda de solo e assoreamento de mananciais.
103
Entre os objetivos do Projeto de Recuperação de Matas Ciliares estão: apoiar a
conservação da biodiversidade com a formação de corredores de matas ciliares; reduzir
processos de erosão e assoreamento de corpos hídricos; reduzir a perda de solo e apoiar o uso
sustentável de recursos naturais; contribuir para a redução da pobreza na zona rural; contribuir
para mitigar as mudanças climáticas globais e; contribuir para a conscientização da sociedade
em geral.
202
Para implementar esse Programa, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de
São Paulo estabeleceu um contrato de prestação de serviços com o Laboratório de Ecologia e
Restauração Florestal (LERF/ESALQ/USP), através da Esalq Júnior Florestal (EJF), visando
elaborar um programa de adequação ambiental para 15 microbacias, dentre as quais a
Microbacia do Córrego Santo Antonio.
No Relatório Geral, elaborado pela ESALQ, foram identificados 166,85 ha de
Áreas de Preservação Permanente, e menos de 5% de cobertura florestal na microbacia do
Córrego Santo Antônio, sendo que, mesmo os fragmentos existentes, em sua maioria, são
passíveis de restauração ou têm necessidade de serem restaurados.
203
Os sistemas de restauração da cobertura vegetal propostos para a área,
considerando as características das situações encontradas foram: a) indução e condução da
regeneração natural; b) adensamento; c) enriquecimento e d) implantação. O Relatório
também apontou que a maior parte da APP não está apta a se regenerar, o que indica que a
principal forma de restauração a ser adotada nessa microbacia será o plantio total das espécies
(implantação)
204
.
Na primeira fase do Programa foram definidos projetos pilotos a serem
implementados em sete propriedades da microbacia, quando serão realizados levantamentos
mais detalhados das APPs. Observa-se na Figura 16 que os projetos foram elaborados de
acordo com as intenções dos proprietários, que não concordaram com a implantação da
cobertura vegetal em toda APP existente em suas respectivas áreas.
Foi a Resolução SMA- 42 de 26 de setembro de 2007 que instituiu o Projeto
Estratégico Mata Ciliar, apoiado pelo Fundo Global de Meio Ambiente (Global Environment
Facility – GEF) e Banco Mundial. O Projeto Estratégico deve ser compatibilizado com o
202
Art. 1º, Decreto Estadual 49.723/05.
203
ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA LUIZ DE QUEIROZ: LABORATÓRIO DE ECOLOGIA E
RESTAURAÇÃO FLORESTAL. Projeto de recuperação de matas ciliares – Relatório Geral: Programa de
adequação ambiental da microbacia do Córrego Santo Antonio – Jaú, SP. Piracicaba, 2006, f. 31-32.
204
Id. Ibid., f. 22-23 e 72.
104
Projeto de Recuperação de Matas Ciliares (Decreto 49.723/05), visando: a conservação da
biodiversidade pela formação de corredores ecológicos de modo a aumentar a conectividade
entre remanescentes florestais; o controle de erosão e conseqüente redução da perda de solo e
do assoreamento de corpos d'água; a proteção das nascentes e das áreas produtoras de água
para abastecimento público; a fixação de carbono visando apoiar os esforços de mitigação do
aquecimento global; a conscientização da sociedade para o uso sustentável dos recursos
naturais.
A principal intenção da Resolução SMA 42/07 é contribuir para que o percentual
de cobertura vegetal do Estado de São Paulo que hoje é de 14% seja ampliado para no mínimo
20%. A implementação desse projeto será mais um subsídio para demonstrar que os
problemas trabalhados considerando a bacia hidrográfica como unidade de gestão são muito
mais fácil e racionalmente resolvidos, assim como a adequação da legislação ambiental ao
caso concreto.
105
Figura 16. Localização das sete áreas para implantação de projeto piloto
A primeira área onde está sendo implementado o Programa Mata Ciliar é a
Fazenda Santo Antonio dos Ipês, propriedade onde se localiza a RPPN Amadeu Botelho.
106
Figura 17. Implantação da APP na Fazenda Santo Antonio dos Ipês
Figura 18. Detalhe Córrego Santo Antonio no local do plantio
107
Figura 19. Plantio à margem do Córrego Santo Antonio
Figura 20. Área do plantio vista da RPPN Amadeu Botelho
APP
108
Figura 21. Localização da APP e de obras de empreendimento imobiliário vista
da RPPN Amadeu Botelho
Figura 22. RPPN Amadeu Botelho vista da área do plantio das mudas
APP
Obras - loteamento
109
3.4 RESERVA FLORESTAL LEGAL
Desde que não esteja se referindo a determinada prescrição normativa lingüística,
a denominação Reserva Florestal Legal (RFL) será a utilizada neste trabalho, por
compartilhar do entendimento de Édis Milaré de que a expressão reserva legal, apesar de ser
a adotada pela legislação vigente, pode causar confusão com o princípio da reserva legal,
pois, conforme destaca o autor é uma “garantia constitucional dos direitos do homem e
integrante do rol das liberdades públicas clássicas, que estabelecem limitações jurídicas ao
poder estatal”.
205
Reserva Florestal Legal é a denominação também utilizada por Paulo de Bessa
Antunes
206
e Paulo Affonso Leme Machado.
207
O Código Florestal de 1934 já introduziu a idéia da Reserva Florestal Legal no
ordenamento jurídico brasileiro ao proibir os proprietários de terras cobertas de matas, de
abaterem três quartas partes da vegetação existente, permitindo “[...] excepcionalmente o
aproveitamento integral da propriedade mediante termo de obrigação de replantio e trato
cultural por prazo determinado”.
208
A preocupação com a rápida e crescente destruição das florestas nativas
brasileiras também justificou, conforme definido na Exposição de Motivos 29/65, a edição da
Lei 4.771/65 que instituiu o Novo Código Florestal, ainda vigente e concebido como uma
tentativa para solucionar o problema da devastação das reservas florestais que ameaçava
desertificar grandes áreas do território nacional.
209
Ao contrário da incidência da Área de Preservação Permanente, que se dá sobre o
domínio público e privado, a Reserva Florestal Legal incide apenas em áreas de domínio
privado. O artigo 1º, § 2º, inciso III, do Código Florestal apresenta o conceito de Reserva
Florestal Legal e define seus objetivos:
Reserva Legal: área localizada no interior da propriedade ou posse rural, excetuada a
de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à
conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da
biodiversidade, e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas.
205
MILARÉ, É., op. cit., p. 699.
206
ANTUNES, P. de B., op. cit., 533.
207
MACHADO, P. A., L., op. cit., p. 698.
208
MILARÉ, É., op. cit., p. 700.
209
Id. Ibid., p. 700.
110
O artigo 16 do Código Florestal, com redação determinada pela Medida
Provisória 2.166-67/2001, disciplinou a supressão das florestas e outras formas de vegetação
nativa, excetuadas as existentes em APP, definindo os percentuais mínimos a serem mantidos
como Reserva Florestal Legal:
Art. 16 As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em
área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de
utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão,
desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:
I - 80% (oitenta por cento), na propriedade rural situada em área de floresta
localizada na Amazônia Legal;
II- 35% (trinta e cinco por cento), na propriedade rural situada em área de cerrado
localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo 20% (vinte por cento) na
propriedade e 15% (quinze por cento) na forma de compensação em outra área,
desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do §
7º deste artigo;
III- 20% (vinte por cento), na propriedade rural situada em área de floresta ou outras
formas de vegetação nativa localizadas nas demais regiões do País; e
IV- 20% (vinte por cento), na propriedade rural em área de campos gerais,
localizada em qualquer região do País.
A percentagem considerada sempre que mencionar a área da RFL será de 20% da
área da propriedade, por ser a restrição imposta às propriedades situadas no Estado de São
Paulo.
Ressalte-se, que embora no caput do artigo 16 esteja expresso que deverão ser
mantidos os percentuais de vegetação nativa nas propriedades a título de Reserva Legal, a
inexistência de vegetação não exonera o proprietário ou possuidor de imóvel rural da
obrigação de instituí-la em sua propriedade. Configura-se uma obrigação propter rem,
conforme orientação jurisprudencial:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ambiental – Sentença que determinou a instituição de
reserva florestal legal – Sustentam os recorrentes que a mesma não poderia subsistir,
pois não haveria lei dispondo a respeito e que a questão ainda dependeria de
regulamentação – Descabimento – Regulam a matéria o Código Florestal no seu
artigo 16 e parágrafos, que foram alterados pela Medida Provisória nº 2.166/67; a
Lei nº 8.171/91, artigo 99 – Obrigação do proprietário em recompor a reserva legal –
Fato de ter havido desmatamento, mesmo que por antecessores que não afasta a
obrigação do apelante de instituir a reserva, com indiscutível amparo na legislação
vigente – Ao adquirir o imóvel, o proprietário assume o ônus legal de fazer o que
seus antecessores deixaram de fazer e de refazer o que eles eventualmente tenham
feito de forma ilegal – Irrelevante ter recebido o imóvel desmatado – Averbação da
área que deverá ser feita no registro de imóveis – Recurso parcialmente provido para
determinar que o apelante, no prazo de seis meses, localize a reserva legal, e
providencie a necessária averbação. (Apelação n. 380.096-5/8 – Ipuã/São Joaquim
da Barra – Câmara Especial do Meio Ambiente – Relator: Samuel Júnior – 19.10.06
– V.U. – Voto n. 12.728)
210
210
Disponível em http://www.biblioteca.tj.sp.gov.br/acervo/principal.nsf. Acesso em 26 de fevereiro, 2008.
111
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ambiental – Recomposição de Reserva Florestal Legal
– Instituída originalmente como forma de preservar as florestas e matas nativas, a
reserva legal sofreu evoluções e, hoje, está o proprietário obrigado a recompô-la – O
fato de ter havido o desmatamento, mesmo que por antecessores, não afasta a
obrigação “propter rem” de instituí-la – Pedido amparado na legislação vigente – É
irrelevante ter recebido o imóvel desmatado – Recurso provido, para que no prazo
de 06 meses localize a reserva legal e providencie a necessária averbação, sob pena
de multa diária de R$ 1.000,00. (Apelação n. 406.965-5/1 – Porto Ferreira – Câmara
Especial do Meio Ambiente – Relator: Samuel Júnior – 19.10.06 – V.U. – Voto n.
12.733)
211
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESERVA FLORESTAL. NOVO
PROPRIETÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA.
1. Em se tratando de reserva florestal legal, a responsabilidade por eventual dano
ambiental ocorrido nessa faixa é objetiva, devendo o proprietário, ao tempo em que
conclamado para cumprir obrigação de reparação ambiental, responder por ela. 2. O
novo adquirente do imóvel é parte legítima para responder ação civil pública que
impõe obrigação de fazer consistente no reflorestamento da reserva legal, pois
assume a propriedade com ônus restritivo. 3. Recurso especial conhecido e provido.
(Recurso Especial n. 195274/PR – 2ª Turma – Relator: Ministro João Otávio de
Noronha – 07.04.05)
212
Existem, no entanto, decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
213
em sentido
contrário ao acima exposto, afastando do proprietário que não desmatou a obrigação de
recompor a Reserva Florestal:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL - OBRIGAÇÃO DE REPARAR -
PARTICULAR QUE ADQUIRIU TERRA JÁ DESMATADA -
IMPOSSIBILIDADE. NÃO SE PODE IMPOR A OBRIGAÇÃO DE REPARAR
DANO AMBIENTAL, ATRAVÉS DE RESTAURAÇÃO DE COBERTURA
ARBÓREA, A PARTICULAR QUE ADQUIRIU A TERRA JÁ DESMATADA.
RECURSO IMPROVIDO.
(Recurso Especial n. 156899/PR – 1ª Turma - Relator:
Ministro Garcia Vieira - 17/03/98)
DANO AO MEIO AMBIENTE - AQUISIÇÃO DE TERRA DESMATADA -
REFLORESTAMENTO - RESPONSABILIDADE - AUSÊNCIA - NEXO
CAUSAL - DEMONSTRAÇÃO.
Não se pode impor a obrigação de reparar dano ambiental, através de restauração de
cobertura arbórea, a particular que adquiriu a terra já desmatada. O artigo 99 da Lei
nº 8.171/91 é inaplicável, visto inexistir o órgão gestor a que faz referência. O artigo
18 da Lei nº 4.771/65 não obriga o proprietário a florestar ou reflorestar suas terras
sem prévia delimitação da área pelo Poder Público. Embora independa de culpa, a
responsabilidade do poluidor por
danos ambientais necessita da demonstração do
nexo causal entre a conduta e o dano. Recurso improvido. (Recurso Especial n.
218120/PR – 1ª Turma - Relator: Ministro Garcia Vieira - 24/08/99)
211
Disponível em: http://www.biblioteca.tj.sp.gov.br/acervo/principal.nsf. Acesso em 26 de fevereiro, 2008.
212
Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em 26 de fevereiro, 2008.
213
Id.
112
Reforçando a obrigação do proprietário de instituir a RFL, o art. 99, “caput” da
Lei 8.171/91 também estabelece:
A partir do ano seguinte ao da promulgação desta Lei, obriga-se o proprietário rural,
quando for o caso, a recompor em sua propriedade a Reserva Florestal Legal
prevista na Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965, com a nova redação dada pela Lei
7.803, de 18 de julho de 1989, mediante o plantio, em cada ano, de pelo menos 1/30
(um trinta avos) da área total para complementar a referida Reserva Florestal Legal –
RFL.
Embora a obrigação de instituir e manter 20% da área da propriedade com
florestas nativas a título de Reserva Florestal Legal possa já representar um ônus considerado
pesado pelos produtores, existe entendimento de que a recomposição prevista na Lei 8.171/91
deve considerar a área total da propriedade e não o percentual da Reserva Florestal Legal
como prevê a lei:
DIREITO AMBIENTAL - LIMITAÇÃO À PROPRIEDADE RURAL – RESERVA
FLORESTAL - EXEGESE DO ART. 99 DA LEI N. 8171/91 - OBRIGAÇÃO DE
RECOMPOSIÇÃO DA ÁREA NA PROPORÇÃO DE 1/30 AVOS,
CONSIDERADA A ÁREA TOTAL DA PROPRIEDADE.
Não se trata, a reserva florestal, de servidão, em que o proprietário tem de suportar
um ônus, mas de uma obrigação decorrente de lei, que objetiva a preservação do
meio ambiente, não sendo as florestas e demais formas de vegetação bens de uso
comum, mas bens de interesse comum a todos, conforme redação do art. 1º do
Código Florestal. A única finalidade do art. 99 da Lei n. 8171/91 foi a de estabelecer
um prazo maior, que não o imediato, para que os proprietários procedessem à
recomposição da área de floresta, não alterando em nada as demais disposições
legais caracterizadoras do dever de recomposição de área de reserva legal, que se for
feita a passos curtos, jamais atingirá a finalidade da lei, no tocante à preservação do
meio ambiente, que não pode ser visto como o conjunto de pequenas partes, mas o
próprio todo. Recurso não conhecido, porquanto não violado pelo aresto a quo o art.
99 da Lei n. 8171/91. (Recurso Especial n. 237.690/MS – 2ª Turma - Relator:
Ministro Paulo Medina - 12/02/02)
214
Para o Ministro, uma vez que o Código Florestal impõe o dever de preservação de
20% do total da propriedade “[...] visando à defesa do meio ambiente, não poderia o art. 99 da
Lei n. 817191 conceder prazo para reflorestamento na proporção de 130 avos ao ano,
considerado o total da reserva legal, senão o total do próprio imóvel, que é o parâmetro
utilizado para o impor da limitação”
215
, concluindo primeiramente que a única finalidade do
mencionado artigo é “[...] o estabelecimento de um prazo maior, que não o imediato, para que
214
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 237.690/MS – Recorrente Antenor Ellias da
Motta e Recorrido Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul. Relator: Ministro Paulo Medina -
12/02/02. Disponível em:
http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=(('RESP'.clap.+ou+'RESP'.clas.)+e+
@num='237690')+ou+('RESP'+adj+'237690'.suce.). Acesso em 20 de fevereiro de 2008.
215
Id.
113
os proprietários procedam à recomposição da área de floresta”
216
. Conclui-se ainda, aplicando
o princípio geral da integralidade, que o Direito Ambiental não se refere a qualquer meio
ambiente, mas ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, não tendo a lei o interesse de
proteger vegetações esparsas, mas sim grandes conjuntos de vegetação, “[...] de modo a
conservar de forma eficaz a natureza, não se coadunando com tal idéia a possibilidade de
recomposição de área de reserva florestal de que se cuida no largo espaço de tempo de trinta
anos, vislumbrado pelo recorrente”.
217
Por outro lado, a obrigatoriedade de instituição da RFL causa indignação nos
proprietários rurais que se sentem prejudicados por terem de arcar individualmente com o
ônus da recomposição florestal, já que esta beneficiará toda a coletividade, conforme
menciona Patryck de Araújo Ayala ao tratar das restrições impostas ao direito de propriedade,
pautado em decisão do STF, a qual está prolatada no julgamento do Recurso Extraordinário n.
134.297-8/SP
218
.
Fazendo uma análise comparativa entre a Área de Preservação Permanente e a
Reserva Florestal Legal observa-se que o art. 18 do Código Florestal, que trata do
florestamento / reflorestamento das APPs, assim dispõe:
Art. 18 Nas terras de propriedade privada, onde seja necessário o florestamento ou
reflorestamento de preservação permanente, o Poder Público Federal poderá fazê-lo
sem desapropriá-las, se não o fizer o proprietário.
§ 1º Se tais áreas estiverem sendo utilizadas com culturas, de seu valor deverá ser
indenizado o proprietário.
§ 2º As áreas assim utilizadas pelo Poder Público federal ficam isentas de tributação.
É questionável a obrigatoriedade da instituição da RFL frente à discricionariedade
da instituição da APP, conforme acima exposto, ou seja, desde que respeite as áreas
delimitadas pela Lei, o proprietário poderá reflorestá-las, sendo que a mesma
discricionariedade é estabelecida ao Poder Público, apesar do seu dever constitucional de
“preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das
216
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 237.690/MS – Recorrente Antenor Ellias da
Motta e Recorrido Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul. Relator: Ministro Paulo Medina -
12/02/02. Disponível em
http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=(('RESP'.clap.+ou+'RESP'.clas.)+e+
@num='237690')+ou+('RESP'+adj+'237690'.suce.). Acesso em 20 de fevereiro, 2008.
217
Id.
218
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. Recurso Extraordinário n. 134.297-8.
Recorrente Estado de São Paulo e Recorridos Paulo Ferreira Ramos e cônjuge. Relator Ministro Celso de Mello.
13 de junho de 1995.
Disponível em http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp. Acesso em: 20 de março,
2008.
114
espécies e ecossistemas”.
219
Desse modo, alguns questionamentos podem ser levantados: a) Frente à
importância do cumprimento das funções ambientais das áreas de preservação permanente -
quais sejam: a de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das
populações humanas - de que adianta simplesmente abandonar essas áreas sem o devido
tratamento para o restabelecimento de suas funções? b) Se o Poder Público pode florestar /
reflorestar a APP, por que não a RFL, já que ela também é necessária à conservação e
reabilitação dos processos ecológicos (que é dever do Poder Público)?
Aliás, pode-se afirmar que existe uma responsabilidade solidária entre a
coletividade e o Poder Público pela situação atual de desmatamento. À sociedade, que tendo o
dever de defender e preservar o meio ambiente não o fez; e ao Poder Público que além de ter
sido omisso por décadas de legislação florestal vigente, estaria também se refutando do dever
de restaurar os processos ecológicos essenciais.
O artigo 18 do Código Florestal, conforme já citado, fala do direito do proprietário
à indenização, caso o Poder Público promova o reflorestamento em área que estiver sendo
cultivada. Ora, se apesar de cultivar em Área de Preservação Permanente o proprietário pode
ser desonerado da obrigação de reflorestar e ainda ser indenizado se o Estado o fizer, não faz
sentido obrigá-lo a custear o reflorestamento em 20% da área de sua propriedade, sem ao
menos falar em direito à indenização.
Merece ser destacado ensinamento de Vladimir Passos de Freitas sobre limitação
ao exercício da propriedade:
Esse é o ponto certo, o meio-termo entre o direito do proprietário individualmente e
o da sociedade, interessada na preservação ambiental. Se a limitação administrativa
impede a exploração econômica do imóvel, justo é que todos paguem o preço,
solidariamente, através da indenização devida pelo Estado. Mas isso não poderá
significar causa de indevido enriquecimento do proprietário, daí porque áreas cuja
exploração não era permitida, por serem de preservação permanente declarada pelo
Código Florestal de 1965, não devem ser indenizadas.
220
Miguel Reale, em parecer solicitado pela Sociedade Rural Brasileira, afirma
categoricamente que a demarcação de 20% da área total da propriedade a título de reserva
legal, segundo um único critério, é “uma fonte inexaurível de tratamentos desiguais”, além de
219
Art. 225, § 1º, I, CF.
220
FREITAS, Vladimir Passos de. A constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2ª ed. ver. – São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 166-167.
115
afrontar direitos adquiridos e fatos jurídicos perfeitos, violando direitos fundamentais como o
valor do trabalho e da livre iniciativa. Ressalta, também, a necessidade de individualização do
imóvel como localização e coeficiente de desmatamento:
A bem ver, nenhum direito é tão concreto como o direito de propriedade, que não se
reduz à mera relação ideal entre o proprietário e a coisa, uma vez que ele exige que o
bem, móvel ou imóvel, seja sempre determinado na totalidade de suas qualidades
identificadoras. Em se tratando de imóvel rural, mister é que se leve em conta sua
situação nesta ou naquela região [...], com este ou aquele outro coeficiente de
desmatamento e arborização, esta ou aquela outra espécie de floresta, etc. Sem
individualização efetiva do imóvel com seus característicos próprios, não há que
falar, em suma, em direito de propriedade, de tal modo que, quando a lei se limita à
uma disposição abstrata, impõe-se de per si a necessidade de regulamentação [..]
221
.
Quanto à obrigação de instituição da RFL pelo proprietário, o autor também
considera tratar-se de uma transferência ao particular de um dever constitucionalmente
delegado à União.
Inclusive, vale mencionar que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn 3346, em que a Confederação Nacional da
Agricultura e Pecuária do Brasil aponta para a inconstitucionalidade do artigo 1º da Medida
Provisória 2166-67/01, na parte que altera os artigos 1º, 4º, 14, 16 e 44 do Código Florestal. A
ação foi distribuída no STF em novembro de 2004 e até junho de 2008 ainda aguardava
julgamento.
Diante de tais divergências, poder-se-ia concluir que a obrigação de manter as
áreas destinadas à RFL e à APP deve ser de fato suportada pelos proprietários rurais, os quais
já têm nessa restrição uma limitação ao exercício do direito de propriedade, ao passo que os
custos para sua implementação e manutenção deveriam ser subsidiados pelo Estado. Isso
porque até bem pouco tempo, o Estado foi negligente no exercício de seu poder de polícia, o
que teria favorecido o desrespeito às imposições legais que regulam o desmatamento,
contribuindo para a situação irregular em que se encontra a maioria das propriedades rurais.
Conforme já mencionado, a obrigação do Estado de preservar e restaurar os processos
ecológicos essenciais, assim como a de proteger a fauna e a flora, estão expressas no artigo
225 da Constituição Federal.
Dessa forma, o proprietário rural que pode não ter sido o agente causador do
desmatamento e que já tem o seu direito de propriedade restringido, não assumiria sozinho o
ônus decorrente da conduta irresponsável de outrem, em benefício de toda a coletividade, ao
221
REALE, Miguel. Parecer técnico solicitado pela Sociedade Rural Brasileira. São Paulo, 17 de abril de 1998.
116
mesmo tempo em que o Estado assumiria a responsabilidade de ter negligenciado por tantos
anos sua incumbência constitucional de preservar e restaurar o meio ambiente.
3.4.1 A Reserva Florestal Legal no Estado de São Paulo
No Estado de São Paulo, a manutenção, a recomposição, a condução da
regeneração natural e a compensação da área de Reserva Florestal Legal foram
regulamentadas pelo Decreto nº 50.889 de 16 de junho de 2006.
A Lei 12.927 de 23 de abril de 2008, que dispõe sobre a recomposição de reserva
legal no Estado de São Paulo, também definiu uma série de conceitos e critérios para a
recomposição da RFL, por meio do plantio temporário de espécies arbóreas exóticas
intercaladas com espécies arbóreas nativas, ou pela implantação dos Sistemas Agroflorestais
(SAF). Essas práticas deverão se submeter aos princípios e diretrizes estabelecidos na lei.
222
Segundo o Engenheiro Florestal do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais
(DEPRN) de Bauru, SP, Sr. Miguel Francisco Saez Cáceres Filho, essas definições têm
auxiliado na implementação do instituto, pois dirimiu uma série de questionamentos, como
densidade de plantio, número máximo e mínimo de indivíduos de cada espécie, por exemplo.
O Código Florestal, assim como o Decreto Estadual 50.889/06 advertem para a
necessidade da averbação da área de Reserva Florestal Legal à margem da inscrição da
matrícula do imóvel no registro de imóveis competente, beneficiando o pequeno proprietário
com a gratuidade de tal procedimento, obrigando, ainda, o Poder Público a lhe prestar apoio
técnico e jurídico quando necessário.
223
A localização da Reserva Florestal Legal na propriedade deverá ser aprovada pelo
órgão ambiental estadual competente, que no Estado de São Paulo é o DEPRN -
Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais, da Secretaria do Meio Ambiente,
mediante convênio, pelo órgão ambiental municipal ou outra instituição habilitada, devendo
ser considerados no processo de aprovação, além da função social da propriedade: a) plano de
bacia hidrográfica; b) plano diretor municipal; c) zoneamento ecológico-econômico ou outras
222
Art. 3º, Lei Estadual 12.927/08.
223
Art. 16, §§ 8º e 9º, Lei 4.771/65 e Art. 3º, “caput” c.c. Art. 12, Decreto Estadual nº 50.889/06.
117
categorias de zoneamento ambiental; d) proximidade com outra Reserva Legal - Área de
Preservação Permanente, unidade de conservação ou outra área legalmente protegida.
224
Embora a princípio essa obrigação possa parecer excessivamente restritiva ao
direito de uso da propriedade, os dois institutos oferecem ao proprietário ou possuidor de
imóvel rural, com área de vegetação nativa em extensão inferior aos percentuais exigidos,
alternativas que poderão ser adotadas isoladas ou cumulativamente, como mostra a tabela
abaixo:
Tabela 16. Medidas a serem adotadas em propriedades que não atinjam o percentual
de RFL exigido
Previsão Legal
Medida a ser adotada
Código Florestal
Decreto Estadual
50.889/06
Recompor o percentual a ser averbado como
Reserva Legal em uma única etapa.
_ Art. 4º, “caput”, I
Recompor a Reserva Legal mediante o plantio de
espécies nativas, a cada 3 anos, de no mínimo 1/10
(um décimo) da área total necessária à sua
complementação. Nesse caso, estão previstos o
dever do órgão ambiental estadual competente de
apoiar tecnicamente a pequena propriedade ou posse
rural familiar e a possibilidade do plantio de
espécies exóticas como pioneiras, em caráter
temporário e de acordo com critérios técnicos
estabelecidos pelo CONAMA.
Art. 44, “caput”, I, c.c.
§§ 1º e 2º do mesmo
artigo
Art. 4º, “caput”, III, c.c.
Art. 5º, §§ 2º e 3º
Conduzir a regeneração natural nas áreas da
Reserva Legal, desde que a viabilidade de tal
procedimento esteja comprovada por laudo técnico,
podendo ser exigido o isolamento da área.
Art. 44, “caput”, II, c.c.
§ 3º do mesmo artigo
Art. 4º, “caput”, II, c.c.
Art. 5º, § 1º
Compensar a Reserva Legal por outra área
equivalente em importância ecológica e extensão,
desde que pertencente ao mesmo ecossistema e
esteja localizada na mesma microbacia, conforme
critérios estabelecidos em regulamento.
Art. 44, III
Art. 4º, “caput”, IV, c.c.
Art. 6º, § 1º e 3º,“1”
Fonte: Adaptado de BRASIL, Código Florestal & SÃO PAULO, Decreto Estadual nº 50.889/06
A compensação da RFL está sujeita à aprovação do órgão ambiental estadual
competente e pode ser implementada mediante o arrendamento de área sob regime de
servidão florestal ou reserva legal, ou ainda pela aquisição de Cotas de Reserva Florestal
225
.
224
Art. 16, § 4º, Lei 4.771/65 e Art. 10, “caput”, Decreto Estadual nº 50.889/06.
225
Art. 44, § 5ºda Lei 4.771/65 e Art. 6º, § 7º do Decreto 50.889/2006.
118
A Medida Provisória 2.177-67/2006 acrescentou ao Código Florestal os artigos
44-A e 44-B, que instituíram, respectivamente, a servidão florestal e a Cota de Reserva
Florestal (CRF). A servidão florestal é instituída mediante a renúncia temporária ou
permanente do direito de supressão ou exploração de vegetação nativa, situada fora da
Reserva Florestal Legal e da APP, devendo também ser averbada em cartório
226
. Já a CRF é
um título representativo de vegetação nativa sob regime de servidão florestal, Reserva
Particular do Patrimônio Natural (RPPN) ou reserva legal instituída voluntariamente sobre a
vegetação que exceder os percentuais legalmente estabelecidos
227
.
A questão que se impõe é que, como adverte José Rogério dos Santos,
228
os
institutos criados carecem de regulamentação na maioria dos estados brasileiros, a exemplo do
Estado de São Paulo, tendo por esse motivo, pouca ou nenhuma efetividade.
O Código Florestal em seu art. 44-C e o Decreto Estadual no art. 14 cerceiam o
uso da compensação pelo proprietário ou possuidor rural que tiver suprimido (total ou
parcialmente) a vegetação nativa situada no interior de sua propriedade, sem autorização
legal, após 14 de dezembro de 1998, data em que entrou em vigor a Medida Provisória 1.736-
31. Na opinião de Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray, tais restrições limitam a
modalidade da compensação, primeiro por não ser fácil encontrar remanescentes de Reserva
Florestal Legal nas microbacias inseridas nas áreas onde a agropecuária se consolidou,
também porque os proprietários rurais possuem fundado receio de adquirir áreas a serem
mantidas como Reserva Florestal Legal que venham a sofrer invasões e, por último, porque
grande parte do passivo ambiental decorre de desmatamentos efetuados após 1998.
229
Quando não for possível a compensação na mesma microbacia, o órgão ambiental
estadual competente (DEPRN) poderá aprovar outra área equivalente em importância
ecológica e extensão, desde que localizada na mesma bacia hidrográfica e no mesmo Estado,
226
Art. 44-A, Lei 4.771/65.
227
Art. 44-B, Lei 4.771/65.
228
SANTOS, José Rogério dos. Os efeitos da reserva legal florestal sobre a propriedade rural e o meio
ambiente. Disponível em htpp:/www.portaldoagronegocio.com.br/index.php?p=texto&idT=573. Acesso em: 10
de maio, 2008.
229
IRIGARAY. Carlos Teodoro José Hugueney. Compensação de reserva legal: limites à sua implementação.
In: BENJAMIN, Antonio Herman; LECEY, Eladio; CAPPELLI, Sílvia (orgs.). Congresso Internacional de
Direito Ambiental. Meio ambiente e acesso à justiça: flora, reserva legal e APP. v 3. São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 2007, p. 58.
119
considerando o critério da maior proximidade possível da área desprovida de Reserva
Florestal Legal, atendendo, quando houver, o Plano de Bacia Hidrográfica.
230
Ao aprovar a instituição da RFL mediante compensação, o DEPRN emitirá um
Termo de Responsabilidade de Preservação da Reserva Legal que deverá ser averbado nas
matrículas dos imóveis envolvidos nos respectivos Cartórios de Registros de Imóveis.
231
Segundo informação do Engenheiro Miguel Cáceres Filho, na região ainda são bem poucos os
casos de averbação de compensação da RFL. O pacto levado para registro é firmado
livremente entre as partes, já que o assunto também carece de regulamentações.
O Código Florestal e o Decreto 50.889/06 oferecem aos proprietários rurais a
alternativa de instituir a Reserva Florestal Legal em regime de condomínio entre mais de uma
propriedade, desde que respeitado o percentual legal em cada imóvel, com suas respectivas
averbações após aprovação pelo DEPRN
232
.
Na área estudada, até agosto de 2007, havia apenas uma RFL averbada, segundo
levantamento feito junto ao Cartório de Registro de Imóveis de Jahu. Essa informação foi
confirmada pelo Engenheiro Miguel Cáceres Filho, que mostrou, também, o registro de
alguns poucos fragmentos florestais ocorrentes na Microbacia do Córrego Santo Antonio,
alegando que Jahu está inserido em uma das regiões mais desprovidas de vegetação do Estado
de São Paulo.
Fábio Castro ressalta a importância dos pequenos fragmentos florestais existentes
no Estado, afirmando que: “A proteção da biodiversidade nas florestas paulistas não pode se
limitar às unidades de conservação. A prioridade devem ser os fragmentos florestais
remanescentes e espalhados pelo interior do Estado, pois cada um tem composição única de
espécies de plantas e animais”.
233
Nesse aspecto, a instituição de RFL e RPPN em áreas particulares, interligadas
pelas matas ciliares, se convertem em importantes estratégias de proteção à biodiversidade.
230
Art. 44, § 4º, Código Florestal e art.6º, §1º, “2”, Decreto 50.889/06.
231
Art. 6º, § 3º do Decreto 50.889/06.
232
Art. 16, § 11, Lei 4.771/1965 e Art. 7º, Decreto 50.889/06.
233
CASTRO, Fábio. Fragmentos preciosos. Agência Fapesp, 17 outubro 2007. Disponível em:
http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?id=6419. Acesso em 04 de dezembro, 2006.
120
Figura 23. Fragmentos florestais na Microbacia do Córrego Santo Antonio
Fonte: DEPRN / Bauru – Mapa SIGAM
3.5 AS RESTRIÇÕES LEGAIS E A PEQUENA PROPRIEDADE
Muito embora não se questione a importância das funções da Reserva Florestal
Legal para o equilíbrio do ecossistema, os prováveis impactos causados aos pequenos
proprietários rurais não podem ser ignorados na elaboração e implementação de normas e
políticas públicas que visem à preservação ambiental, como têm sido até bem pouco tempo.
Como já dito anteriormente, os pequenos proprietários que exercem em suas áreas
atividades de subsistência, dependendo da dimensão, da ocupação do solo e localização de
suas propriedades, mantêm-se na irregularidade por desconhecimento, ou por terem a
dignidade de sua própria subsistência e de seus familiares totalmente comprometida pelas
restrições legais a eles impostas.
Com relação aos deveres elencados no artigo 44 do Código Florestal (para
propriedades que não atinjam o percentual de RFL estabelecido no art. 16), vale lembrar as
duas ressalvas contidas em seu caput, que remetem aos parágrafos 5º e 6º do art. 16 do
Código Florestal:
§ 5º O Poder Executivo, se for indicado pelo Zoneamento Ecológico Econômico –
ZEE e pelo Zoneamento Agrícola, ouvidos o CONAMA, o Ministério do Meio
Ambiente e o Ministério da Agricultura e Abastecimento, poderá:
I – reduzir, para fins de recomposição, a reserva legal, na Amazônia Legal, para até
cinqüenta por cento da propriedade, excluídas em qualquer caso, as Áreas de
Preservação Permanente, os ecótonos, os sítios e ecossistemas especialmente
Córrego Santo Antonio
121
protegidos, os locais de expressiva biodiversidade e os corredores ecológicos; e
II – ampliar as áreas de reserva legal, em até 50% (cinqüenta por cento) dos índices
previstos neste Código, em todo o território nacional.
§ 6º Será admitido, pelo órgão ambiental competente, o cômputo das áreas relativas
à vegetação nativa existente em área de preservação permanente no cálculo do
percentual de reserva legal, desde que não implique em conversão de novas áreas
para uso alternativo do solo, e quando a soma da vegetação nativa em área de
preservação permanente e reserva legal exceder a:
I – 80% (oitenta por cento) da propriedade rural localizada na Amazônia Legal;
II – 50% (cinqüenta por cento) da propriedade rural localizada nas demais regiões do
país; e
III – 25% (vinte e cinco por cento) da pequena propriedade definida pelas alíneas b e
c do inciso I do § 2º do art. 1º.
Muita atenção deve ser dada à aplicabilidade do § 6º do artigo 16 supracitado,
pois, para ser considerada pequena propriedade não basta ter área inferior a 30 hectares
conforme já exposto. Por exemplo, em uma propriedade de 4,10 hectares somente poderia
considerar o estabelecido no inciso III se fosse explorada mediante mão-de-obra familiar, cujo
proprietário obtenha 80% de sua renda bruta, provenientes de atividade agroflorestal. Caso
contrário, se enquadraria no que estabelece o inciso II, conforme exemplifica Tabela 17:
Tabela 17. Cômputo da APP na RFL
Condição normal
RFL + APP > 50%
(Inciso II)
RFL + APP > 25%
(Inciso III)
ha % ha %
%
ajustada
ha %
%
ajustada
TOTAL
4,10 100,00 4,10 100,00 - 4,10 100,00 -
APP
1,30 31,71 1,30 31,71 31,71 1,30 31,71 31,71
RFL
0,82 20,00 0,75 18,29 18,29 0,00 0,00 0,00
APP +RFL = 51,71% “Sobra” 1,71% de RFL (20-
18,29%) - máximo seria 50%
“Sobra” 6,71% de APP
(31,71-25%)
No caso do inciso II, desconsiderando o limite da área total, apenas a título de
exemplificação, o máximo de RFL a ser instituído deverá ser de 18,29%, para não exceder a
soma de 50%, já que não pode ser reduzida a percentagem da APP. No caso do inciso III,
como a soma da APP mais RFL poderia ser no máximo de 25%, tendo em vista a
inalterabilidade da área de preservação permanente, se configuraria um “excedente” de 6,71%
de APP.
Contudo, para haver o enquadramento no inciso III, é necessário comprovar que o
indivíduo é proprietário nos termos do inciso I, § 2º, art. 1º do Código Florestal, mediante
122
apresentação da DAP - Declaração de Aptidão (que é emitida pela Casa da Agricultura local),
ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).
É certa a existência de outros dispositivos que beneficiam os pequenos
proprietários rurais. O artigo 16 do Código Florestal, por exemplo, autoriza a pequena
propriedade ou posse rural, ao instituir a RFL, computar o plantio de árvores exóticas
(frutíferas, ornamentais ou industriais), desde que cultivadas em sistema intercalar ou
consorciadas com espécies nativas:
§ 2º A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser
utilizada sob regime de manejo sustentável, de acordo com princípios e critérios
técnicos e científicos estabelecidos no regulamento, ressalvadas as hipóteses
previstas no § 3º deste artigo, sem prejuízo das demais legislações específicas.
§ 3º Para cumprimento da manutenção ou compensação da área de reserva legal em
pequena propriedade ou posse rural familiar, podem ser computados os plantios de
árvores frutíferas ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas,
cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas.
Na opinião de Paulo de Bessa Antunes, essa medida somente seria admissível
após a elaboração de um censo agrícola que definisse a quantidade de pequenas propriedades
rurais existentes em cada região do país, sob pena de que a Reserva Florestal Legal, em áreas
predominantemente ocupadas por pequenas propriedades, não se transforme em letra morta.
Conclui ainda estar certo de que a incorporação de espécies exóticas na Reserva Florestal
Legal é a negação conceitual da sua própria razão de ser.
234
É proveitoso destacar aqui a gratuidade da averbação da Reserva Florestal Legal
da pequena propriedade, assim como o dever do Poder Público de prestar apoio técnico e
jurídico quando necessário, conforme disposto no § 9º do art. 16 do Código Florestal. No
mesmo sentido, a previsão contida no § 1º do art. 44 imputa ao órgão ambiental estadual
competente o dever de auxiliar tecnicamente a pequena propriedade ou posse rural familiar na
recomposição da RFL.
Porém, apesar de existir um grande número de propriedades com área inferior a
30 hectares na Microbacia do Córrego Santo Antonio, segundo o Engenheiro Agrônomo da
CATI, João André Miranda de Almeida Prado, nenhuma delas se enquadraria na definição de
pequeno proprietário nos termos do inciso I, § 2º, art. 1º do Código Florestal, tendo em vista
se tratar de situações em que as propriedades são destinadas ao lazer ou são de proprietários
que não têm 80% de sua renda advinda de atividade agroflorestal. Desse modo, não é possível
determinar se as restrições legais interferem ou até mesmo inviabilizam a atividade agrícola
na pequena propriedade rural.
234
ANTUNES, P. B., op.cit., p. 541.
123
Tabela 18: Cenário da estrutura fundiária da microbacia com a
instituição da APP e da Reserva Legal
Ref.
Área Total
(ha)
APP (ha)
APP (% Área
Total)
20% R.L.(ha)
APP +
R.L.(ha)
APP + RL
(% Área
Total
)
1 7,2 0,0 0,0 1,4 1,4 20,0
2 145,0 7,5 5,2 29,0 36,5 25,2
3 54,4 2,0 3,8 10,9 12,9 23,8
4 27,2 1,0 3,8 5,4 6,5 23,8
5 27,2 1,5 5,5 5,4 6,9 25,5
6 95,5 2,1 2,2 19,1 21,2 22,2
7 1,5 0,0 0,0 0,3 0,3 20,0
8 13,2 0,7 5,5 2,6 3,4 25,5
9 7,3 0,3 4,1 1,5 1,8 24,1
10 31,5 0,6 1,9 6,3 6,9 21,9
11 288,0 5,4 1,9 57,6 63,0 21,9
12 25,3 0,0 0,0 5,1 5,1 20,0
13 131,0 3,7 2,8 26,2 29,9 22,8
14 45,4 0,3 0,7 9,1 9,4 20,7
15 29,4 0,8 2,6 5,9 6,6 22,6
16 15,0 1,0 6,5 3,0 4,0 26,5
17 43,0 1,4 3,2 8,6 10,0 23,2
18 33,6 1,4 4,1 6,7 8,1 24,1
19 15,0 0,0 0,0 3,0 3,0 20,0
20 31,4 0,4 1,3 6,3 6,7 21,3
21 59,1 4,0 6,8 11,8 15,8 26,8
22 29,4 0,3 1,0 5,9 6,2 21,0
23 44,7 0,0 0,0 8,9 8,9 20,0
24 122,1 4,9 4,0 24,4 29,3 24,0
25 48,3 4,4 9,0 9,7 14,0 29,0
26 38,0 0,0 0,0 7,6 7,6 20,0
27 71,8 2,3 3,2 14,4 16,6 23,2
28 41,1 0,0 0,0 8,2 8,2 20,0
29 60,0 0,0 0,0 12,0 12,0 20,0
30 80,0 0,0 0,0 16,0 16,0 20,0
31 12,1 1,1 8,7 2,4 3,5 28,7
32 149,6 11,6 7,7 29,9 41,5 27,7
33 51,0 0,3 0,5 10,2 10,5 20,5
34 18,0 0,0 0,0 3,6 3,6 20,0
35 12,0 0,0 0,0 2,4 2,4 20,0
36 4,1 1,3 31,2 0,8 2,1 51,2
37 125,0 1,8 1,4 25,0 26,8 21,4
38 51,0 1,9 3,6 10,2 12,1 23,6
39 70,0 1,7 2,4 14,0 15,7 22,4
40 3,0 1,2 40,0 0,6 1,8 60,0
41 24,2 1,5 6,2 4,8 6,3 26,2
42 3,0 0,6
TOTAL 2.184,6 68,0 3,1 436,9 504,9 23,1
Estrutura fundiária da Microbacia do Córrego Santo Antonio
Área < que 30 hectares
APP + RL > 25 %
APP + RL > 50 %
Áreas s/ acesso ao Córr Sto Antonio
Áreas urbanas
LEGENDA:
124
Esse cenário talvez demonstre a estagnação dos conceitos legais que não
acompanharam a evolução da sociedade moderna. As relações entre o rural e o urbano, a
cidade e o campo mudaram muito desde a concepção do Código Florestal.
Maria Lúcia Falconi da Hora Bernadelli, ao falar da influência do processo de
industrialização na redefinição da urbanização brasileira
235
aduz que:
No passado, a divisão social, a técnica e a territorial do trabalho encontravam-se
assentadas em outras bases. As cidades exerciam funções complementares ao
campo: vendas, lojas, pequenas fábricas, armazéns, bancos e serviços nas cidades.
Os moradores do campo buscavam aí o que não era produzido nas fazendas e sítios,
assim como aproveitavam para vender sua produção
236
.
Com a ampliação do conhecimento técnico-científico, a divisão entre a cidade e o
campo vai deixando de existir. “Isso ocorre a partir do momento em que o campo passa a
incorporar novos sistemas de produção e tecnologia produzidos na cidade, bem como em
relação ao modo de vida”.
237
Seduzida pelos prazeres e comodidades disponíveis nas cidades, a sociedade foi
ficando cada vez mais dependente desse novo código de valores, desse novo estilo de vida.
Ângela Maria Endlich adverte:
É preciso problematizar acerca dessas novas atividades desenvolvidas no campo,
entendidas como do novo rural. A proposta de volta ao campo e revalorização da
natureza são valores rurais? Esse retorno ocorre de uma perspectiva urbana. Ele só é
aceitável, por parte da sociedade, tendo em vista o conforto, a acessibilidade, o
vínculo com a cidade e com a mídia que veicula valores urbanos. Ou será que as
pessoas voltariam para o campo sem eletricidade e outros confortos, já incorporados
como necessidades, com base em referenciais urbanos? O que impulsiona atividades
consideradas como de novo rural? A demanda é basicamente urbana”.
238
Pensando dessa forma, ainda que desconsiderando a ofensa ao princípio da
isonomia conforme já abordado, é questionável a definição de pequeno produtor rural pelo
Código Florestal, pois, por mais raízes que o proprietário e sua família possam ter no campo,
independentemente de morar e trabalhar em sua propriedade, é muito comum que tenha o
auxílio de mão-de-obra de terceiros, o que também não o impede de ter 80% de sua renda
bruta proveniente de atividade agroflorestal. Hoje em dia, as atividades da maioria das
pessoas se dividem e se misturam entre o campo e a cidade, mudando substancialmente as
235
BERNARDELLI, Maria Lúcia Falconi da Hora. O caráter urbano das pequenas cidades da região canavieira
de Catanduva-SP. In: SPOSETO, Maria Encarnação Beltrão; WHITACKER, Arthur Magon (org.). Cidade e
campo: relações e contradições entre urbano e rural. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 226.
236
Id. Ibid., p. 228.
237
Id. Ibid., p. 233.
238
In: SPOSETO, Maria Encarnação Beltrão; WHITACKER, Arthur Magon (org.). Cidade e campo: relações e
contradições entre urbano e rural. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 29.
125
relações econômicas, sociais e de trabalho.
Esse desvirtuamento do conceito de pequeno produtor talvez possa desestimular o
engajamento e o investimento no desenvolvimento sustentável. A exemplo do que ocorre na
Microbacia do Córrego Santo Antonio (Tabela 18), sete propriedades com área inferior a 30
hectares, cuja soma da APP e RFL é maior que 25%, não terão as prerrogativas concedidas às
pequenas propriedades rurais, por não se enquadrarem no conceito do inciso I, § 2º, art. 1º do
Código Florestal. Conforme se observa na Figura 15 (p. 85), as propriedades 36, 40, 41 e 42
são visivelmente prejudicadas pela sua conformação territorial e localização em relação ao
Córrego Santo Antonio. Observa-se ainda a ausência de informação sobre a APP da
propriedade 42 por ainda não ter esse dado disponível devido à sua recente individualização
(originária da área 32).
Outra questão a ser discutida é com relação ao manejo sustentável da RFL. A
legislação ambiental prevê a possibilidade do plantio temporário de espécies exóticas ou da
implantação do Sistema Agroflorestal
239
- definido no artigo 2º, VI, Lei 12.927/08:
Sistemas Agroflorestais (SAF): sistemas de uso e ocupação do solo em que plantas
lenhosas perenes (árvores, arbustos, palmeiras) são manejadas em associação com
plantas herbáceas, culturas agrícolas e forrageiras e/ou em integração com animais,
em uma mesma unidade de manejo, de acordo com um arranjo espacial e temporal,
com alta diversidade de espécies e interações ecológicas entre seus componentes.
O artigo 1º, § 2º, III, do Código Florestal estabelece que a Reserva Legal é
necessária ao uso sustentável dos recursos naturais. A Lei 9.985/00 define uso sustentável
como a “exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais
renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos
ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável”.
240
Mesma definição se
encontra no artigo 3º, V, da Lei 11.428/06.
Como se observa, a lei não proíbe o uso dos recursos naturais, portanto, não faz
sentido a autorização temporária para o uso sustentável, desde que a atividade não ponha em
risco as demais funções da Reserva Florestal Legal, quais sejam: a conservação e reabilitação
dos processos ecológicos, a conservação da biodiversidade e o abrigo e proteção da fauna e
flora nativas. Atividades de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) poderiam ser
desenvolvidas sem afetar o equilíbrio ecológico.
Ademais, aliar o homem à natureza de maneira sustentável para obter seus
proventos, talvez seja o caminho para sua reintegração ao sistema.
239
Art. 44, § 2º, Código Florestal c.c. art. 1º e 4º da Lei 12.927/08.
240
Art. 2º, XI, Lei 9.985/00.
126
3.6 AS RESTRIÇÕES LEGAIS E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Em decorrência da falta de informação dos proprietários, da ampliação
desordenada das áreas de produção agrícola e da falta de políticas públicas que subsidiem o
cumprimento da legislação ambiental, adequando-as à realidade fática, grandes impactos têm
sido causados ao meio ambiente, comprometendo o futuro de todas as formas de vida.
Não podem ser ignoradas as conseqüências suportadas pela natureza, advindas das
ações antrópicas desordenadas e negligentes, tal como o hábito cada vez mais consumista da
sociedade que demanda exponencialmente produtos e tecnologias de ponta, sem se preocupar
com a capacidade de carga do planeta, tampouco com sua pegada ecológica.
Segundo Ademar Ribeiro Romeiro, a capacidade de carga do planeta é definida
por seus limites ambientais globais e a pegada ecológica representa a magnitude da pressão
exercida pelas sociedades humanas sobre o meio ambiente, e resulta do tamanho da população
multiplicado pelo consumo per capta de recursos naturais. Para o autor, a superação da
capacidade de carga do planeta certamente ocasionará grandes catástrofes ambientais, e por
não conhecê-la é preciso adotar postura precavida, ou seja:
[...] é preciso criar o quanto antes as condições sócio-econômicas, institucionais e
culturais que estimulem não apenas um rápido progresso tecnológico poupador de
recursos naturais, como também uma mudança em direção a padrões de consumo
que não impliquem o crescimento contínuo e ilimitado do uso de recursos naturais
per capita.
241
A intensificação da agricultura também contribuiu significativamente para o
ocorrência dos impactos ambientais. Apesar de adotar novas tecnologias produtivas e
gerenciais, grande parte dos produtores (empresários rurais), até bem pouco tempo não se
preocupava em como manejar os recursos naturais de forma sustentável, a fim de garantir
qualidade de vida às presentes e futuras gerações.
O crescimento acelerado da cidade sobrepondo-se arbitrariamente ao espaço rural,
sem planejamento e sem estudo de impacto ambiental, muitas vezes avançando em áreas de
mananciais, como é o caso do município de Jahu, soma-se aos fatores que inviabilizam a
consecução do desenvolvimento sustentável.
Para José Eli da Veiga & Eduardo Ehlers, a experiência internacional confirma
que é perfeitamente possível incentivar simultaneamente a conservação da biodiversidade e a
criação de empresas e empregos, sobretudo nas regiões rurais em que o crescimento
econômico não chegou a destruir as fontes de amenidades, sendo que, nesses casos, restrições
241
ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Economia ou economia política da sustentabilidade? Texto para discussão. n.
102, set. 2001. IE / UNICAMP, p. 6.
127
ambientais podem alavancar o crescimento econômico em vez de prejudicá-lo.
242
Nesse
sentido, os autores sugerem:
Em vez de insistir na necessidade de aplicar recursos fiscais tradicionais (acrescidos
de receitas obtidas com a bioprospecção) na manutenção e expansão das unidades de
conservação, é necessário começar a taxar atividades que contribuem com a erosão
da biodiversidade e investir os recursos assim arrecadados na promoção de um
empreendedorismo dirigido ao melhor aproveitamento das amenidades rurais e à
diversificação dos sistemas produtivos.
243
No mesmo sentido, Paulo de Bessa Antunes ao referir que o Direito Ambiental se
desdobra em três vertentes – direito ao meio ambiente, direito sobre o meio ambiente e direito
do meio ambiente, conclui:
Tais vertentes existem, na medida em que o direito ao meio ambiente é um direito
humano fundamental que cumpre a função de integrar os direitos à saudável
qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos
naturais. Mais do que um ramo autônomo do Direito, o DA é uma concepção de
aplicação da ordem jurídica que penetra, transversalmente em todos os ramos do
Direito. O DA tem uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma
dimensão econômica que devem ser compreendidas harmonicamente.
Evidentemente que, a cada intervenção humana sobre o ambiente, o aplicador do
DA deve ter a capacidade de captar os diferentes pontos de tensão entre as três
dimensões e verificar, no caso concreto, qual delas é a que está mais precisada de
tutela em um dado momento.
244
Atualmente, o conceito de desenvolvimento sustentável tem permeado as mais
diversas esferas da sociedade que finalmente atentou para a necessidade de mudar sua
conduta. É preciso sim atender às suas demandas, porém, sem negligenciar os cuidados
necessários para preservar o meio ambiente.
Walter de Paula Lima, quando trata do manejo florestal sustentável, considera que
a sustentabilidade deve ocorrer do ponto de vista social, cultural e ecológico e não apenas do
ponto de vista econômico. A questão deve ser abordada de maneira mais ampla, partindo da
premissa de que todos os elementos do ecossistema, incluindo o fluxo de energia e a ciclagem
de água e nutrientes, estão ligados e em constante interação. Isso implica que qualquer
alteração da paisagem, decorrente do uso dos recursos naturais, irá causar impacto em todos
os demais elementos do ecossistema.
Assim, o manejo florestal sustentável significa, primeiro, que há o entendimento
dessas inter-relações; segundo, que em função desse entendimento se procure aplicar
242
VEIGA, José Eli da; EHLERS, Eduardo. Diversidade biológica e dinamismo econômico no meio rural. In:
MAY, Peter H; LUSTOSA, Maria Cecília; VINHA, Valéria da (org.). Economia do meio ambiente: teoria e
prática. 4ª reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. p. 279-280.
243
Id. Ibid., p. 286.
244
ANTUNES, P. B., op. cit., p. 9.
128
práticas de manejo de paisagem na preparação do plano de manejo, visando a
organizar a ocupação dos espaços produtivos da paisagem de maneira a garantir a
permanência dos processos ecológicos e hidrológicos em toda a unidade de manejo;
e, em terceiro lugar, que se busquem práticas de manejo que minimizem os impactos
ambientais. Essa busca por práticas sustentáveis de manejo, por sua vez, implica um
processo contínuo de monitoramento das ações, cujos resultados devem realimentar
o plano de manejo, dentro de uma perspectiva adaptativa de constante e permanente
aprendizado institucional.
245
Tal conceito de manejo sustentável florestal não apenas pode, como deve ser
transposto à produção agrícola e industrial, ou ainda, a qualquer atividade que demande
recursos naturais. Mais uma vez, as circunstâncias clamam pelo poder-dever do Estado atuar,
elaborando políticas públicas que viabilizem o desenvolvimento sustentável, analisando a
realidade de cada caso.
A Usina São Francisco do empresário Leontino Balbo é reconhecida
internacionalmente pela sua conduta sustentável. Localizada em Sertãozinho, no interior do
Estado de São Paulo desenvolve, desde 1986, o cultivo orgânico da cana-de-açúcar. O
empresário reconhece a dificuldade inicial desse tipo de cultivo e relata que nos primeiros oito
anos a produtividade dos canaviais caiu 12% se comparada ao plantio tradicional.
246
Entretanto, nos últimos três anos a produtividade da Usina São Francisco chega a ser 25%
maior do que a média do Estado
247
. Esse resultado se deve aos serviços ambientais prestados
pelo ecossistema equilibrado, que co-existe com a produção agrícola devido à presença de
grandes áreas de vegetação nativa, além da adoção de práticas conservacionistas como rotação
de cultura e controle biológico de pragas. É mais uma prova de que ao cuidar da natureza, o
homem cuida de si próprio.
Ignacy Sachs ensina: “O desafio do nosso tempo é utilizar a presente crise como
uma oportunidade para dar início a um processo de transição do mau desenvolvimento ao
desenvolvimento e, dessa forma, tentar formar um amplo consenso social em torno de um
novo projeto de sociedade”.
248
245
LIMA, Walter de Paula. As florestas plantadas e a água: antecedentes, conceitos e objetivos. In: LIMA,
Walter de Paula; ZAKIA, Maria José Brito (orgs.). As florestas plantadas e a água - implementando o conceito
da microbacia hidrográfica como unidade de planejamento. São Carlos: RiMa, 2006, p. 2.
246
HERZOG, Ana Luiza. O maior fazendeiro verde do mundo. Revista Exame. Ed. 893, 16 mai. 2007. p. 143-
145.
247
YONEYA, Fernanda. Produção responsável na ordem do dia. Suplemento Agrícola - O Estado de São Paulo.
16 abr. 2008. p. 10-11.
248
SACHS, Ignacy. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. Paulo Freire Vieira (org.).
São Paulo: Cortez, 2007, p. 126.
129
CONCLUSÃO
A relação do homem com os demais componentes do sistema ecológico deve ser
revista com a máxima urgência, para viabilizar o re-direcionamento de políticas públicas e de
inclusão social, que garantam a continuidade de uma vida digna e o contínuo e racional acesso
aos recursos naturais.
Visando à preservação dos ecossistemas, a Constituição Federal delegou ao Poder
Público a incumbência de definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais
especialmente protegidos, além de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais
entre outros deveres elencados em seu artigo 225.
Regulamentando o acima exposto, além das Unidades de Conservação instituídas
por lei específica, o Código Florestal também disciplinou a instituição da Área de Preservação
Permanente (APP) e da Reserva Florestal Legal (RFL). Aliás, o grande número de leis,
decretos e regulamentações supervenientes, além de dificultarem a interpretação normativa,
abrem precedente para questionamentos e postergações de seu cumprimento.
A Área de Preservação Permanente, presente em áreas públicas e privadas, é
reconhecidamente essencial para a preservação dos recursos hídricos e proteção do solo, entre
outras funções que lhe são atribuídas pelo Código Florestal. Contudo, a delimitação da largura
das APPs parece questionável, primeiro porque esses parâmetros não têm embasamento
técnico-científico que garantam o cumprimento de suas funções; segundo, porque no
estabelecimento destas dimensões aleatórias, não foram considerados aspectos locais, como
clima, solo, vegetação, dentre outros.
O Direito, por ser uma ciência humana, está sempre em evolução. Algumas vezes
atua remediando problemas, outras, se antecedendo a eles, como ocorre no caso em tela.
Diante do crescente desmatamento, particularmente no Estado de São Paulo, onde restam
apenas cerca de 14% de sua cobertura vegetal, existem motivos evidentes para enrijecer a lei
no sentido de coibir a destruição e aumentar as áreas de florestas.
Vale, porém, ressaltar os cuidados necessários para que não haja afronta a direito
adquirido, o que causaria uma desestabilização do sistema jurídico, dada a insegurança
difundida. É indiscutível a importância de se preservar o meio ambiente, que é um bem de
interesse público, que por sua vez se sobrepõe ao interesse individual. Contudo, numa
situação de confronto entre dois direitos constitucionais, deve-se ter em mente a necessidade
de analisar a proporcionalidade entre a medida a ser tomada, e as conseqüências que serão
130
suportadas pela parte atingida. Daí a necessidade de análise do caso concreto.
O mesmo ocorre com a Reserva Florestal Legal, necessária ao uso sustentável dos
recursos naturais, à conservação da biodiversidade, ao abrigo e proteção da fauna e flora
nativas e ao equilíbrio ecológico, que deve ser obrigatoriamente instituída nas propriedades
particulares. As porcentagens estabelecidas no Código Florestal, também carecem de
embasamento científico, pois dependendo do caso concreto, poderia ser necessário menos ou
mais do que o mínimo estabelecido em lei, para que houvesse o cumprimento de suas funções
sócio-ambientais. No que diz respeito à obrigatoriedade de sua instituição pelo proprietário
rural, também pairam questionamentos que merecem ser mais profundamente analisados.
É irrefutável a importância de preservar e restaurar florestas, porém não parece
justo obrigar o particular, que muitas vezes não foi o responsável pelo desmatamento, a arcar
sozinho com o ônus dessa restauração, uma vez que o que se busca é um benefício dirigido a
toda a sociedade. Ademais, a intervenção nessas áreas, à época, ocorreu em perfeita sintonia
com a legislação aplicável ao caso concreto. Esse custo, a princípio, parece ser de
responsabilidade do Poder Público, que também tem o dever, junto aos demais cidadãos, de
preservar e restaurar processos ecológicos essenciais. Isso porque ele foi omisso em seu dever
de preservar essas áreas mantenedoras dos processos ecológicos, e ao não exercer seu poder
de polícia, permitiu que se chegasse a um nível alarmante de desmatamento. Sem dizer que
também estaria se escusando de cumprir seu dever de restaurar esses processos.
Nesse aspecto, parece importante a realização de estudos mais específicos para
estabelecer a efetividade dessa figura que só existe no ordenamento jurídico brasileiro, uma
vez que, nos demais países, a exemplo dos países europeus e Estados Unidos, as unidades
florestais protegidas são criadas e mantidas pelo Estado. Também porque, cientificamente
talvez fosse demonstrado que uma melhor adequação legislativa, incluindo a APP na RFL,
por exemplo, ocasionaria um maior comprometimento dos proprietários rurais com a
preservação do meio ambiente.
O que se deve ter em mente, é que a responsabilidade em preservar o meio
ambiente é solidária, é de todos, e também é do Poder Público. Ao proprietário rural,
individualmente, caberia o ônus de suportar a restrição imposta, ou então, o direito à
indenização, caso fosse obrigado a arcar com os gastos de reflorestamento, especialmente
quando isso ocorreu com estrita obediência à lei em vigor.
Outro aspecto que merece ser mais discutido, ainda referente à Reserva Florestal
Legal, é quanto ao seu uso permanente e não temporário, desde que efetuado de forma
sustentável, pois o próprio Código Florestal assim prevê. Seria outra forma viável e
131
estimulante de preservar florestas auferindo renda, como a advinda da venda créditos de
carbono, e de sistemas agroflorestais.
No tocante às pequenas propriedades rurais, além do problema da definição do
Código Florestal ser genérica demais ao distinguir apenas duas categorias de propriedade
quanto ao tamanho da área (menores que 30 e maiores que 30 hectares), a lei aplica as
mesmas limitações para ambas, salvo alguns pequenos privilégios, de pouca efetividade,
como flagrado pelo presente estudo.
Quase metade das propriedades situadas na Microbacia do Córrego Santo Antonio
tem área inferior a 30 hectares. Todavia, pelo disposto no artigo 1º, § 2º, inciso I do Código
Florestal, não se enquadram no conceito de pequenas propriedades, o que comprometeu a
análise da hipótese considerada.
Identificou-se no trabalho, que o conceito de pequena propriedade parece
equivocado não apenas quanto à dimensão territorial e falta de especificidade – por não
considerar características locais, como produtividade - mas também com relação à sua
inadequação ao tratar das relações estabelecidas entre o urbano e o rural.
Isso acontece porque desde que foi estabelecido o conceito de pequena
propriedade, prevendo que as atividades deveriam ser exercidas exclusivamente por mão-de-
obra familiar, e que no mínimo 80% de sua renda bruta deveriam ser provenientes de
atividade agroflorestal, significativas mudanças ocorreram no âmbito das relações
econômicas, sociais e de trabalho. É muito difícil, hoje em dia, o proprietário que preencha
todos os requisitos para ser enquadrado na definição do Código Florestal.
Nesse cenário, é difícil analisar o esvaziamento do direito de propriedade, uma
vez que tal proprietário não é tido como pequeno proprietário, o que não significa que as
limitações a ele impostas não tenham grandes repercussões, podendo até mesmo inviabilizar a
prática de atividade econômica.
Outro fato constatado foi a desídia com que as políticas públicas são elaboradas
no município. Caso sejam julgadas procedentes as alegações feitas pelo Ministério Público
Federal, ficará comprovado que os interesses coletivos foram subordinados ao favorecimento
de poucos e determinados indivíduos, vinculados ao Poder Executivo Municipal.
Esse tipo de conduta compromete o município e a sociedade, que arcarão com as
conseqüências de uma gestão que não contempla princípios éticos, tampouco os de Direito
Ambiental Constitucional, como o princípio da precaução, o da natureza público-privada da
proteção ambiental, o da proporcionalidade e o da participação comunitária, entre outros.
Assim, a área estudada, rica em mananciais e biodiversidade, ao invés de ser
132
objeto de política pública que subsidie o seu desenvolvimento sustentável, se sujeita às
finalidades inadequadas, que colocam em risco o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Novos estudos seriam ideais para a análise individual de todas as propriedades, a
fim de quantificar os impactos causados pelas restrições legais, além de acompanhar o
deslinde da Ação Civil Pública.
Por último, não se pode deixar de mencionar os benefícios que a restauração de
florestas, como as matas ciliares, dentre outras, além da preservação dos fragmentos
remanescentes proporcionam a médio e longo prazo. Desse modo, seria importante a adoção
de políticas públicas que auxiliassem na disseminação desse entendimento, conciliando os
aspectos ecológicos, antrópicos e econômicos, reintegrando o homem à natureza.
133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 10ª ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Ed.
Lúmen Júris, 2007. 988p.
ARAGÃO, Francisco José Lima. Organismos transgênicos: explicando e discutindo a
tecnologia.Barueri, SP: Manole, 2003, 115 p.
ARNAUD, André-Jean; DULCE, María José Farinas. Sistemas jurídicos: elementos para un
análisis sociológico. 2ª ed. Madrid: Universidad Carlos III de Madrid: Boletín Oficial del
Estado, 2006, p. 152
ATTANASIO, Cláudia Mira. Planos de manejo integrado de microbacias hidrográficas com
uso agrícola: uma abordagem hidrológica na busca da sustentabilidade.Piracicaba, 2004.
Tese (Doutorado) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São
Paulo.
AYALA, Patryck de Araújo. Deveres ecológicos e regulamentação da atividade econômica na
Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato
(orgs). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 262-298.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma
dogmática constitucional transformadora. 6ª ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004
(4ª tiragem em 2008), 427 p.
BENATTI, José Heder. Indenização da cobertura vegetal no imóvel rural: um debate sobre o
papel da propriedade na contemporaneidade. In: FREITAS, Vladimir Passos de (coord.).
Direito ambiental em evolução. Vol. 4, 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2007. 364p.
BENJAMIN, Antonio Herman. Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da
Constituição Brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens
Morato (orgs). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 57-
130.
_____. Desapropriação, reserva florestal legal e áreas de preservação permanente. Revista
CEJ, n. 3, dezembro 1997. Disponível em
http://wwww.cfj.gov.br/revista/numero3/artigo04.htm. Acesso em 12 fevereiro 2008.
BERNARDELLI, Maria Lúcia Falconi da Hora. O caráter urbano das pequenas cidades da
região canavieira de Catanduva-SP. In: SPOSETO, Maria Encarnação Beltrão;
WHITACKER, Arthur Magon (org.). Cidade e campo: relações e contradições entre urbano e
rural. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p. 217-247
134
BERTOLINI, Dorival et. al. Classificação técnica. In: LOMBARDI NETO, Francisco;
DRUGOWICH, Mário Ivo (coor.). Manual técnico de manejo e conservação de solo e água –
Potencilidades agrícolas das terras do Estado de São Paulo, v. II, n. 39. Campinas: Centro de
Comunicação Rural – CECOR – CATI, 1994, p. 121-156
_____; LOMBARDI NETO, Francisco. Embasamento técnico do programa estadual de
microbacias hidrográficas. In: LOMBARDI NETO, Francisco; DRUGOWICH, Mário Ivo
(coor.). Manual técnico de manejo e conservação de solo e água – Potencilidades agrícolas
das terras do Estado de São Paulo, v. I, n. 38. Campinas: Centro de Comunicação Rural –
CECOR – CATI, 1994, p. 1-15
BOBBIO, Norberto. Locke e o direito natural. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1997. 256p. Título original: Locke e il diritto naturale.
BLANC, Cláudio. Gaia o planeta vivo – entenda melhor a hipótese de James Lovelock.
Mundo em Foco. São Paulo, ano 2, n. 2, p. 8 – 10, 2007.
BRAGA, Benedito, et al. Introdução à Engenharia Ambiental. São Paulo: Prentice Hall,
2002, 305 p.
BRANCO, Samuel Murgel. Ecossistêmica: uma abordagem integrada dos problemas do meio
ambiente. 2ª ed. São Paulo: Editora Edgard Blücher Ltda, 1999, p. 63-80.
BRASIL. Código Florestal. In: MEDAUAR, Odete (org). Constituição Federal. Coletânea de
Legislação de Direito Ambiental. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
_____. Constituição da República Federativa do Brasil. In: MEDAUAR, Odete (org).
Constituição Federal. Coletânea de Legislação de Direito Ambiental. 6ª ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2007.
_____. Lei 9.985, de 18 de julho de 2000. In: MEDAUAR, Odete (org). Constituição Federal.
Coletânea de Legislação de Direito Ambiental. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2007.
_____. Ministério Público Federal. Procuradoria da República no Município de Jahu. Ação
civil pública por ato de improbidade administrativa. Procedimento administrativo nº
1.34.022.000083/2006-49. Requerente: Procurador da República e Requeridos Prefeito
Municipal de Jahu e outros. 05 de março de 2007. Disponível em
http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/pdfs/acp_plano_diretor%20JAU-final2.pdf,
acesso em 20 de maio de 2008.
135
_____. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – Meio Ambiente –
Direito à preservação de sua integridade (CF, ART. 225) – Prerrogativa qualificada por seu
caráter de metaindividualidade – Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que
consagra o postulado o postulado da solidariedade – Necessidade de impedir que a
transgressão a esse direito faça irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeneracionais
– Espaços Territoriais Especialmente Protegidos (CF, ART. 225, § 1º, III) – Alteração e
supressão do regime jurídico a eles pertinente – Medidas sujeitas ao princípio constitucional
da reserva da lei – Supressão de vegetação em área de preservação permanente –
Possibilidade de a Administração Pública, cumpridas as exigências legais, autorizar, licenciar
ou permitir obras e/ou atividades nos Espaços Territoriais Protegidos, desde que respeitada,
quanto a estes, a integridade dos atributos justificadores do regime de proteção especial –
Relações entre economia (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) e ecologia (CF, ART. 225) –
Colisão de direitos fundamentais – Critérios de superação desse estado de tensão entre valores
constitucionais relevantes – Os direitos básicos da pessoa humana e as sucessivas gerações
(fases ou dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161) - A questão da precedência do
direito à preservação do meio ambiente: uma limitação constitucional explícita à atividade
econômica (CF, ART. 170, VI) – Decisão não referendada – Conseqüente indeferimento do
pedido de medida cautelar. ADI n. 3.540-MC. Requerente Procurador Geral da República e
Requerido Presidente da República. Relator Ministro Celso de Mello. 03 de fevereiro de
2006. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp.
Acesso em: 20 março 2008.
_____. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário - Estação Ecológica - Reserva
Florestal na Serra do Mar – Patrimônio Nacional (CF, ART. 225, PAR.4.) – Limitação
Administrativa que afeta o conteúdo econômico do direito de propriedade – Direito do
proprietário a indenização – Dever estatal de ressarcir os prejuízos de ordem patrimonial
sofridos pelo particular - RE não conhecido. Recurso Extraordinário n. 134.297-8. Recorrente
Estado de São Paulo e Recorridos Paulo Ferreira Ramos e cônjuge. Relator Ministro Celso de
Mello. 13 de junho de 1995. Disponível em
http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp. Acesso em: 20 março
2008.
_____. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. Direito Ambiental – Limitação à
Propriedade Rural – Reserva Florestal – Exegese do art. 99 da Lei n. 8171/91 – Obrigação de
Recomposição da área na proporção de 1/30 avos, considerada a área total da propriedade.RE
não reconhecido. Recurso Especial n. 237.690/MS – Recorrente Antenor Ellias da Motta e
Recorrido Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul. Relator: Ministro Paulo
Medina - 12/02/02. Disponível em
http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=(('RESP'.clap.+ou+'RESP'.clas.)+e+
@num='237690')+ou+('RESP'+adj+'237690'.suce.). Acesso em 20/02/08
_____. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Civel – Ambiental – Sentença
que determinou a instituição de reserva florestal legal – Sustentam os recorrentes que a
mesma não poderia subsistir, pois não haveria lei dispondo a respeito e que a questão ainda
dependeria de regulamentação – Descabimento – Regulam a matéria o Código Florestal no
seu artigo 16 e parágrafos, que foram alterados pela Medida Provisória nº 2.166/67; a Lei nº
8.171/91, artigo 99 – Obrigação do proprietário em recompor a reserva legal – Fato de ter
havido desmatamento, mesmo que por antecessores que não afasta a obrigação do apelante de
136
instituir a reserva, com indiscutível amparo na legislação vigente – Ao adquirir o imóvel, o
proprietário assume o ônus legal de fazer o que seus antecessores deixaram de fazer e de
refazer o que eles eventualmente tenham feito de forma ilegal – Irrelevante ter recebido o
imóvel desmatado – Averbação da área que deverá ser feita no registro de imóveis – Recurso
parcialmente provido para determinar que o apelante, no prazo de seis meses, localize a
reserva legal, e providencie a necessária averbação. Apelação n. 380.096-5/8. Apelante
Henrique Ulian e outro e Apelado Ministério Público do Estado de São Paulo. Relator:
Samuel Júnior – 19.10.06 – V.U. – Voto n. 12.728. Disponível em:
http://www.biblioteca.tj.sp.gov.br/acervo/principal.nsf, acesso em 26 de fevereiro de 2008
CALIJURI, Maria do Carmo; BUBEL, Anna Paola Michelano. Conceituação de microbacias.
In: LIMA, Walter De Paula; ZAKIA, Maria José Brito (orgs). As florestas plantadas e a água.
São Carlos: RiMa, 2006, p. 45-59
CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de
Marcelo Brandão Cipolla. 5ª reimpressão da 1ª ed. de 2002.São Paulo: Cultrix, 2005. 296p.
Título original: The hidden connections.
_____. Ecologia profunda: um novo paradigma. Agenda 21 Empresarial. Disponível em
http://www.agenda21empresarial.com.br/web213/Library/_UmNovoParadigma.pdf. Acesso
em: 25 fev. 2008.
CASTRO, Fábio. Fragmentos preciosos. Agência Fapesp, 17 outubro 2007. Disponível em:
<http://www.agencia.fapesp.br/boletim_dentro.php?id=6419>. Acesso em: 04 dez. 2006.
CATI - COORDENADORIA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA INTEGRAL: banco de dados.
Disponível em: www.cati.sp.gov.br . Acesso em 12 set. 07.
_____. Projeto de Microbacia Hidrográfica do Córrego Santo Antonio. Jaú, 2005.
COUTO, Hildo Honório do. A ecologia profunda. Revista Meio Ambiente, 22 dezembro 2006.
Disponível em: http://www.revistameioambiente.com.br/2006/12/22/a-ecologia-profunda/.
Acesso em: 25 fev. 2008.
CRESTANA, Marcelo de Souza Machado (Org.) et. al. Florestas – sistemas de recuperação
com essências nativas, produção de mudas e legislações. 2ª ed. atualizada. Campinas: CATI,
2006. 248 p.
DREW, David. Processos interativos homem-meio ambiente; tradução de João Alves dos
Santos; revisão de Suely Bastos. São Paulo: Difel, 1986, 210 p.
137
EMBRAPA-EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA.Disponível em:
http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/Agencia16/arvore/AGO1_43_911200585233.html.
Acesso em 24 nov. 2007.
ENDLICH, Ângela Maria. Perspectivas sobre o urbano e o rural. In: SPOSETO, Maria
Encarnação Beltrão; WHITACKER, Arthur Magon (org.). Cidade e campo: relações e
contradições entre urbano e rural. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006, p.11-31.
ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA LUIZ DE QUEIROZ: LABORATÓRIO DE
ECOLOGIA E RESTAURAÇÃO FLORESTAL. Projeto de recuperação de matas ciliares –
Relatório Geral: Programa de adequação ambiental da microbacia do Córrego Santo Antonio
– Jaú, SP. Piracicaba, 2006. 75f.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 3ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2002.
FREITAS, Vladimir Passos de. A constituição federal e a efetividade das normas ambientais.
2ª ed. ver. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, 248 p.
GALLO, Zildo. A proteção das águas, um compromisso do presente com o futuro: o caso do
Rio Piracicaba. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas,
1995.
_____. Ethos, a grande morada humana: economia, ecologia e ética.Itú: Ottoni Editora,
2007. 130 p.
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores Ltda, 2000. 209 p.
HERRMANN, Hildebrando. Legislação Mineral, Ambiental e Tributária. In: TANNÚS &
CARMO (org). Agregados para a construção civil no Brasil: contribuição para a
formulação de políticas públicas. Belo Horizonte: CETEC, p 77-122, 2007.
_____. Equívocos legais na regulamentação do aproveitamento mineral. Areia e Brita,
Associação Nacional de Entidades de Produtores de Agregados para a Construção Civil, São
Paulo, n. 23, p. 40-42, jul./ago./set. 2003.
_____. A legalidade da atividade mineral em áreas de preservação permanente. Areia e Brita,
Associação Nacional de Entidades de Produtores de Agregados para a Construção Civil, São
Paulo, n. 31, p. 28-31, jul./ago./set. 2005.
138
HERZOG, Ana Luiza. O maior fazendeiro verde do mundo. Revista Exame. ed. 893, Ed.
Abril, 16 mai. 2007. p. 143-145.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA: banco de dados.
Disponível em : www.ibge.gov.br . Acesso em 12 set. 07
IRIGARAY. Carlos Teodoro José Hugueney. Compensação de reserva legal: limites à sua
implementação. In: BENJAMIN, Antonio Herman; LECEY, Eladio; CAPPELLI, Sílvia
(orgs). Congresso Internacional de Direito Ambiental. Meio ambiente e acesso à justiça:
flora, reserva legal e APP. v 3. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007,
p. 53-64.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1998. 427p. Título original: Reine Rechtslehre.
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim
Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 130-203
LEPSCH, Igo Fernando. Solos do Estado de São Paulo. In: LOMBARDI NETO, Francisco;
DRUGOWICH, Mário Ivo (coor.). Manual técnico de manejo e conservação de solo e água –
Potencilidades agrícolas das terras do Estado de São Paulo, v. II, n. 39. Campinas: Centro de
Comunicação Rural – CECOR – CATI, 1994, p. 70-120
LEUZINGER, Márcia Dieguez. Alteração e extinção de áreas de preservação permanente.
Instituto o Direito por um Planeta Verde. Disponível em
http://www.planetaverde.org/modules/sections/index.php?. Acesso em: 26 fev. 2008.
LEVORATO, Adão Valdemir. O Jahu... encontros, cantos e encantos, a cidade em cores.
Jahu: Dom Bosco, 2003, 312 p.
LIMA, Walter de Paula; ZAKIA, Maria José Brito. Saúde ambiental da microbacia. In:
LIMA, Walter de Paula; ZAKIA, Maria José Brito (orgs.). As florestas plantadas e a água -
implementando o conceito da microbacia hidrográfica como unidade de planejamento. São
Carlos: RiMa, 2006, p. 61-87
_____. As florestas plantadas e a água: antecedentes, conceitos e objetivos. In: LIMA, Walter
de Paula; ZAKIA, Maria José Brito (orgs.). As florestas plantadas e a água - implementando
o conceito da microbacia hidrográfica como unidade de planejamento. São Carlos: RiMa,
2006, p. 1-7.
139
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 8ª ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo:Malheiros Editores Ltda, 2000, 971 p.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. Atualização de Eurico
de Andrade Azevedo et al. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, 790 p.
MELLO, Maria Helena de Almeida; JÚNIOR, Mário José Pedro; NETO, Francisco
Lombardi. Hidrologia, climatologia e agrometeorologia. In: LOMBARDI NETO, Francisco;
DRUGOWICH, Mário Ivo (coor.). Manual técnico de manejo e conservação de solo e água –
Potencilidades agrícolas das terras do Estado de São Paulo, v. II, n. 39. Campinas: Centro de
Comunicação Rural – CECOR – CATI, 1994, p. 1-69
MELOZO, Thatiana. Vínculo com a terra diminui a cada geração. Comércio do Jahu, Jahu,
p.3, 13 de outubro de 2007.
MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª ed. ref., atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, 1280 p
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. 26ª ed. ver. e atual. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 2005, 702 p.
NETO, Antonio José de Mattos. Garantia do direito à propriedade agrária. In: BARROSO,
Lucas Abreu; MIRANDA, Alcir Gursen de; SOARES, Mário Lúcio Quintão (Orgs. e Cols.).
O direito agrário na Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 1-24
NICOLINI, Eliana Maria. Composição florística e estrutura fitossociológica do estado
arbóreo em mata mesófila semidecídua no município de Jahu -1990. 195f. Dissertação
(mestrado) – Universidade Estadual Paulista – UNESP, Rio Claro, 1990.
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Servidão florestal para fins de compensação de reserva
legal: instrumento de incentivo à proteção florestal? In: BENJAMIN, Antonio Herman;
LECEY, Eladio; CAPPELLI, Sílvia (orgs). Congresso Internacional de Direito Ambiental.
Meio ambiente e acesso à justiça: flora, reserva legal e APP. v 1. São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 2007, p. 69-81
ODUM, Eugene Pleasants. Ecologia; tradução de Kurt G. Hell. 2ª ed. São Paulo: Pioneira;
Brasília: INL, 1975, 201 p.
140
OLIVEIRA, André Luiz. A reserva florestal legal e os princípios constitucionais da isonomia
e razoabilidade. Dissertação (Mestardo) – UNIARA – Centro Universitário de Araraquara. .
Araraquara, 2007, 233f.
PETERS, Edson Luiz. Meio ambiente & propriedade rural. 1ª ed. 2ª tir. Curitiba: Juruá, 2004,
192p.
PRIMACK, Richard B.; RODRIGUES, Efraim. Biologia da Conservação. Londrina: E.
Rodrigues, 2001. 328p.
REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito: para um novo paradigma hermenêutico. 1ª ed.
3ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2002 , 124p.
_____. Parecer técnico solicitado pela Sociedade Rural Brasileira. São Paulo, 17 de abril de
1998.
RESENDE, Roberto Ulisses. As regras do jogo: legislação florestal e desenvolvimento
sustentável no Vale do Ribeira. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2002.
RYFF, Tito. Microbacias hidrográficas: um novo conceito de desenvolvimento rural. Agro
Analysis, v. 15, n. 5, 1995.
RODRIGUES, Valéria Lopes. Mapeamento geotécnico como base para o planejamento
urbano e ambiental : município de Jaú/SP. São Carlos, 2008. Dissertação (Mestrado
Programa de Pós-Graduação e Área de Concentração em Geotecnia). Escola de Engenharia de
São Carlos da Universidade de São Paulo. 156 f.
ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Economia ou economia política da sustentabilidade? Texto
para discussão. n. 102, set. 2001. IE / UNICAMP. 28 p.
SACHS, Ignacy. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. Paulo
Freire Vieira (org.). São Paulo: Cortez, 2007. 472 p.
SAEMJA TÉCNICA. Informações do proc. 0417/2007.[mensagem pessoal]. Mensagem
recebida por [email protected] em 12 de nov. 2007.
SANTOS, José Rogério dos. Os efeitos da reserva legal florestal sobre a propriedade rural e
o meio ambiente. Disponível em
htpp:/www.portaldoagronegocio.com.br/index.php?p=texto&idT=573. Acesso em: 10 mai.
2008.
141
SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO; COORDENADORIA DE
ASSISTÊNCIA TÉCNICA INTEGRAL. Manual do Programa Estadual de Microbacias
Hidrográficas - Seção Técnica e Seção Operativa. São Paulo, 2001.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores Ltda., 2007. 351 p.
SILVA, Roberto Baptista Dias da. Uma Visão Constitucional da Eutanásia. 2007. 298f. Tese
(Doutorado em Direito Constitucional) – Curso de Pós-Graduação em Direito. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, n.
798, 2002, p.27.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 3ª ed. rev. e atual.São Paulo:
Saraiva, 2005. 488 p.
TEIZEN Jr., Augusto Geraldo. A função social no código civil. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2004. 192 p.
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e
aos animais; tradução de João Roberto Martins Filho. 2ª ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989, 454 p.
UBAID, Flávio Kulaif. Dinâmica da comunidade de aves na Reserva Ecológica Amadeu
Botelho – Município de Jaú, SP -2006. 45f. Monografia - Trabalho de conclusão do curso de
Biologia – Universidade do Sagrado Coração – USC, Bauru, 2006.
VEIGA, José Eli da; EHLERS, Eduardo. Diversidade biológica e dinamismo econômico no
meio rural. In: MAY, Peter H; LUSTOSA, Maria Cecília; VINHA, Valéria da (org.).
Economia do meio ambiente: teoria e prática. 4ª reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
p. 271-286.
VENIZIANI JR., José Carlos. Utilização de índices de vegetação para estimativa de proteção
do solo pela cobertura vegetal: uma contribuição para o uso da equação universal das
perdas de solo.Rio Claro, 2004. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista –
UNESP. 121 p.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. v. 5. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005,
672 p.
142
World Charter for Nature, Adopted by the General Assembly in Resolution 37/7 of 10
October 1982. Disponível em http://www.un-documents.net/wcn.htm. Acesso em 20.10.2007
YONEYA, Fernanda. Produção responsável na ordem do dia. Suplemento Agrícola - O
Estado de São Paulo. 16 abr. 2008. p. 10-11.
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado.Tradução de Karin Praefk; Aires Coutinho.
Coordenação de J.J. Gomes Canotilho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. Título
original: Allgemeine Staatslehre.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo