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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA, MEMÓRIA E
DESENVOLVIMENTO REGIONAL
CAMINHOS DA PRESERVAÇÃO: POLÍTICAS, PATRIMÔNIO
MATERIAL E REFLEXOS NAS DINÂMICAS SOCIAL E URBANA DE
CACHOEIRA-BA
MARIA DA PAZ DE JESUS RODRIGUES
SANTO ANTONIO DE JESUS-BA
2010
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1
MARIA DA PAZ DE JESUS RODRIGUES
CAMINHOS DA PRESERVAÇÃO: POLÍTICAS, PATRIMÔNIO
MATERIAL E REFLEXOS NAS DINÂMICAS SOCIAL E URBANA DE
CACHOEIRA-BA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional da
Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial
para a obtenção do grau de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Adalberto Silva Santos.
SANTO ANTONIO DE JESUS-BA
2010
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2
R696 Rodrigues, Maria da Paz de Jesus.
Caminhos da preservação: políticas, patrimônio material e reflexos
nas dinâmicas social e urbana de Cachoeira BA / Maria da Paz de
Jesus Rodrigues - 2010.
230 f.: il
Orientador: Prof. Dr. Adalberto Silva Santos.
Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado da Bahia, Programa
de pós-graduação em Cultura Memória e Desenvolvimento Regional, 2010.
1. Patrimônio Cultural Proteção. 2. Cachoeira BA. 3. Política e
Cultura. 4. Cultura Material Conservação e Restauração I. Santos,
Adalberto Silva. II. Universidade do Estado da Bahia, programa de pós-
graduação em Cultura Memória e Desenvolvimento Regional.
CDD: 363.69098142
Elaboração: Biblioteca Campus V/ UNEB
Bibliotecária: Juliana Braga – CRB-5/1396.
3
TERMO DE APROVAÇÃO
M
ARIA DA
P
AZ DE
J
ESUS
R
ODRIGUES
CAMINHOS DA PRESERVAÇÃO: POLÍTICAS, PATRIMÔNIO
MATERIAL E REFLEXOS NAS DINÂMICAS SOCIAL E URBANA DE
CACHOEIRA-BA
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Cultura,
Memória e Desenvolvimento Regional pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) DCH -
CAMPUS V, na área de concentração em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional.
Santo Antonio de Jesus-BA, 12 de agosto de 2010.
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________
Prof. Dr. Adalberto Silva Santos (orientador)
IHAC -UFBA
_______________________________________________
Prof. Dr. Janio Roque Barros de Castro
UNEB -CAMPUS V
_______________________________________________
Prof. Dr. Paulo César Miguez de Oliveira
IHAC -UFBA
4
AGRADECIMENTOS
A Deus que, com sua infinita bondade, sempre me protegeu e iluminou os meus caminhos. E
por me conceder inúmeras bênçãos, entre elas, a conclusão da dissertação.
As minhas mães, Chica (mãe-vó), Jocélia (mãe-mãe) e Célia (mãe-tia), mulheres guerreiras
que, cada uma ao seu jeito, me ensinaram a perseverar, não fraquejando diante das
adversidades. A elas os meus mais sinceros agradecimentos pelo amor, acompanhamento e
estímulos constantes.
A minha família (irmãos, primos, tios) pela torcida, convivência harmoniosa e alegria que
tanto me fortalece e dá ânimo e, principalmente, por compreenderem meu “isolacionismo” e
minhas ausências em ocasiões importantes.
A Cadu, pelo companheirismo, carinho, paciência, por me ouvir nas horas de ansiedade, pela
disposição para discutir novas ideias e auxílio no esclarecimento de algumas inquietações
sobre a pesquisa.
Aos meus amigos, pelo apoio e por entenderem meu distanciamento forçado por conta das
atribuições acadêmicas, em especial a Léa e Sandra pela atenção, encorajamento e pelas
sábias palavras de incentivo.
Ao Profº Adalberto Santos, pela dedicação no processo de orientação, sempre afável e ao
mesmo tempo firme. O meu muito obrigado pelo compromisso, confiança, orientação segura
e coerente, e pela serenidade tranquilizadora.
Aos professores Janio Roque (que me acompanha desde a graduação) e Paulo Miguez pelas
indicações norteadoras, observações críticas e pelas contribuições enriquecedoras.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) pela concessão da bolsa de
mestrado, possibilitando a dedicação integral às atividades do curso de pós-graduação e
produção da dissertação.
5
A Gilvânia, Eduardo, Lene e Claudia, amigos do mestrado, pelas agradáveis conversas,
parceria, troca de experiências, consultorias mútuas e terapias coletivas.
A Profª Ely Estrela pelo auxílio para o desenvolvimento da pesquisa. Aos demais professores
do Programa de Pós-Graduação em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional. E aos
funcionários que dão vida ao mestrado e a UNEB- V e fazem as coisas acontecerem.
As meninas da República Estrelas-Divas (Léa, Sandra, Carmem e Meire) pela acolhida
afetuosa em Santo Antonio e pelos inúmeros momentos de descontração.
Aos cachoeiranos que me receberam gentilmente em suas residências para responder os
questionários ou conceder entrevistas, obrigada pelas preciosas informações.
A todos aqueles que colaboraram para a realização da pesquisa através da indicação de
possibilidades, esclarecimentos, recomendação de leituras, empréstimo de materiais e livros.
Agradeço, em especial, a Lourival Trindade pela constante disposição em cooperar e a Jomar
Lima pela concessão das fotografias.
6
Todo Risco
A possibilidade de arriscar
é que nos faz homens.
Vôo perfeito
no espaço que criamos.
Ninguém decide
sobre os passos que evitamos.
Certeza
de que não somos pássaros
e que voamos.
Tristeza
de que não vamos
por medo dos caminhos.
(Damário da Cruz)
7
RESUMO
As políticas culturais implantadas pelos Poderes Públicos nos municípios constituem-se em
profícuos campos de investigação, tendo em vista que é na escala local que essas políticas
efetivamente se concretizam. Na presente pesquisa buscou-se analisar as políticas culturais
direcionadas à preservação do patrimônio material urbano em Cachoeira-BA, bem como
identificar os reflexos e implicações provenientes do desenvolvimento dessas ações. Nessa
perspectiva, são enfatizadas as intervenções para salvaguarda do patrimônio urbano com
destaque para o tombamento integral da cidade e as execuções do Programa Integrado de
Reconstrução das Cidades Históricas (PCH) e do Programa Monumenta. Neste estudo,
propõe-se, ainda, investigar o papel desempenhado pelos três entes federados no
empreendimento dessas políticas e a compreensão da população cachoeirana sobre o
patrimônio local. A viabilização da pesquisa e elucidação dos objetivos propostos pautaram-
se em pesquisas bibliográficas, estudos de documentos institucionais, aplicação de
questionários e obtenção de informações através de entrevistas com gestores públicos e
agentes sociais cachoeiranos. A análise dos caminhos percorridos pelas políticas de
preservação em Cachoeira-BA revelou interfaces, complexas relações engendradas e como as
dinâmicas social, econômica e urbana foram e continuam a ser influenciadas pela execução de
ações governamentais em atenção ao patrimônio material e sua inserção nos circuitos
turísticos.
PALAVRAS-CHAVE: políticas culturais, preservação, patrimônio material, programas de
recuperação e Cachoeira.
8
ABSTRACT
Cultural policies implemented by the government in the municipalities are in fruitful research
fields, with a view that these policies actually materialize at the local level. In the present
study it was examined the cultural policies whose aim is to preserve the urban material
heritage in Cachoeira Town, Bahia, Brazil, as well as to identify the consequences and
implications starting from the development of these actions. Reflecting upon such
perspectives, it is emphasized the interventions of safeguarding the urban heritage with
emphasis on the full official recognition of the town’s colonial architectural as seen in its
several manor-houses and other values and also the executions of the Integrated Program for
Reconstruction of Historic Cities (HCP) and the Monumenta Program. Within this study, it is
proposed an investigation on the role played by the three federal entities in the enterprise of
these policies and understanding of the town’s population on local heritage. The feasibility of
the research and elucidation of the proposed objectives were made through library research,
studies of institutional documents, questionnaires and information from interviews with
public administrators and the town’s social workers. The analysis of the paths with which the
policies of preservation in Cachoeira Town have run through, revealed interfaces, complex
engendered relationships as the social, economic and urban dynamics were and keep on being
influenced by the performance of governmental actions in attention to the material heritage
and its place in the tourist circuits.
KEY WORDS: cultural policies, preservation, material heritage, recovery programs,
Cachoeira.
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Casa de Câmara e Cadeia...................................................................................
93
Figura 02: Casa na Praça da Aclamação, nº 04...................................................................
93
Figura 03: Sobrados da Praça da Aclamação recuperados com recursos do PCH.............. 107
Figuras 04, 05 e 06: Fachadas e ambientes internos da Pousada do Convento................... 108
Figura 07: Igreja da Ordem Primeira do Carmo..................................................................
108
Figura 08: Malha urbana da cidade de Cachoeira com indicações das áreas de expansão. 122
Figura 09 e 10: Imóveis arruinados que desmoronaram atingindo propriedades vizinhas. 134
Figura 11: Fachada da Igreja Matriz ..................................................................................
146
Figura12: Ponte D. Pedro II................................................................................................
146
Figura 13: Capela d’Ajuda, primeira intervenção do Programa Monumenta em
Cachoeira............................................................................................................................. 166
Figura 14: Fachada da Ordem Terceira do Carmo e Casa de Oração ................................ 177
Figura 15: Interior da Igreja da Ordem Terceira ................................................................ 177
Figura 16: Igreja do Rosarinho, antes da recuperação........................................................
179
Figura 17: Igreja do Rosarinho, após as intervenções.........................................................
179
Figura 18: Quarteirão Leite Alves, antes das reformas.......................................................
181
Figura 19: Quarteirão Leite Alves, após a recuperação...................................................... 181
Figura 20: Ruínas do Imóvel na Praça da Aclamação, nº 02, antes da restauração............ 187
Figura 21: Imóvel na Praça da Aclamação, nº 02, após reforma.........................................
187
LISTA DE MAPAS
Mapa 01: Localização do Município de Cachoeira na Região do Recôncavo Sul..............
15
Mapa 02: Zoneamento da sede do município de Cachoeira-BA.........................................
131
Mapa 03: Áreas de projeto, áreas de influência e localização dos monumentos e imóveis
destacados............................................................................................................................
168
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 01: Relação dos bens culturais materiais tombados isoladamente no perímetro
urbano de Cachoeira-BA......................................................................................................
92
Quadro 02: Intervenções do Programa Monumenta executadas na cidade de Cachoeira
entre os anos de 2002 a 2008...............................................................................................
176
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01: Atual estado de preservação do imóvel............................................................
143
Gráfico 02: Importância da preservação dos patrimônios materiais de Cachoeira............. 144
Gráfico 03: Monumento mais importante ou que melhor representa a cidade de
Cachoeira............................................................................................................................. 145
Gráfico 04: Renda familiar mensal dos proprietários dos imóveis selecionados para
receber o financiamento pelo Monumenta.......................................................................... 188
Gráfico 05: O que foi possível realizar no imóvel com o financiamento............................
190
LISTA DE SIGLAS
ACM Antônio Carlos Magalhães
ABCH Associação Brasileira de Cidades Históricas
Bahiatursa Empresa de Turismo da Bahia S/A
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento
CAR Companhia de Desenvolvimento e Ação Social
CEAB Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia
CEC Conselho Estadual de Cultura
CNRC Centro Nacional de Referência Cultural
11
DEPAM Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização
EMTUR Empresa de Empreendimentos Turísticos da Bahia S/A
FHC Fernando Henrique Cardoso
Ficart Fundo de Investimento Cultural e Artístico
FUNCEB Fundação Cultural do Estado da Bahia
FUNPATRI Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural
GRAU Grupo de Renovação Arquitetônica e Urbanística
IPAC Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros
MEC Ministério da Educação e Cultura
MinC Ministério da Cultura
MUNIC Suplemento de Cultura da Pesquisa de Informação Básica Municipais
PAC Cidades
Históricas
Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas
PDITS Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável
PDU Plano Diretor Urbano
PCH Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas
PNC Plano Nacional de Cultura
Prodetur/NE Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
Produr Programa de Desenvolvimento e Infra-Estrutura Urbana
PRONAC Programa Nacional de Apoio à Cultura
PTR Plano de Turismo do Recôncavo
SECULT Secretaria de Cultura da Bahia
SEPLAN Secretaria de Planejamento da Presidência da República
SNC Sistema Nacional de Cultura
SNPC Sistema Nacional do Patrimônio Cultural
SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
UCG Unidade Central de Gerenciamento
UEP Unidade Executora do Projeto
UFRB Universidade Federal do Recôncavo
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a Cultura
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
.................................................................................................................
14
1. PERCURSOS DAS POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL................................. 24
1.1 REFLETINDO SOBRE POLÍTICAS CULTURAIS................................................. 24
1.2 TRAJETÓRIAS DAS POTICAS CULTURAIS FEDERAIS.................................. 31
1.2.1 Inauguração das polític
as culturais estatais: a Era Vargas (1930 a 1945)
..........
32
1.2.2 A ditadura militar e a organização institucional das políticas culturais (1964
a 1985).................................................................................................................................
35
1.2.3 A influência do neoliberalismo na condução das políticas culturais (1985 a
2002)....................................................................................................................................
39
1.2.4 O processo de democratização e a construção de políticas públicas de cultura
(2003 a 2010)...................................................................................................................... 43
1.3 ENCAMINHAMENTOS DAS POLÍTICAS CULTURAIS NA BAHIA....................
48
1.3.1 Especificidades das políticas culturais desenvolvidas na Bahia durante os
anos de 1991 a 2006........................................................................................................... 51
1.3.2 Descentralização e democratização: novas diretrizes das políticas culturais na
Bahia (2007 a 2010)........................................................................................................... 58
1.4 POLÍTICAS CULTURAIS NA INSTÂNCIA MUNICIPAL: UM PROCESSO EM
CONSTRUÇÃO.................................................................................................................. 66
1.4.1 As ações culturais desenvolvidas pela instância municipal em Cachoeira- BA:
o predomínio das políticas de eventos e primeiras iniciativas para estruturação do
setor cultural ..................................................................................................................... 71
2. A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO MATERIAL NO BRASIL E SUAS
RESSONÂNCIAS EM CACHOEIRA-BA..................................................................... 75
2.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE AMPLIAÇÃO DA NOÇÃO DE
PATRIMÔNIO NACIONAL.............................................................................................. 76
2.2 POLÍTICAS DE SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO MATERIAL URBANO:
NOTAS INTRODUTÓRIAS..............................................................................................
84
2.3 AS PRIMEIRAS AÇÕES DE PROTEÇÃO AOS BENS CULTURAIS
EDIFICADOS EM CACHOEIRA- BA.............................................................................. 90
2.4 TOMBAMENTO DE CACHOEIRA: TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO DA
PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO E A RETOMADA DO DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO.....................................................................................................................
95
13
3. IMPLICAÇÕES DAS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO NAS DINÂMICAS
SOCIAL, ECONÔMICA E URBANA DA CIDADE DE CACHOEIRA-BA............. 104
3.1 IMPLANTAÇÃO DO PCH E AS INTERFACES ENTRE O PATRIMÔNIO
CULTURAL E AS POLÍTICAS DE TURISMO............................................................... 104
3.2 DINÂMICA ESPACIAL E ESTRATÉGIAS DE GESTÃO URBANA EM
CACHOEIRA PÓS- TOMBAMENTO.............................................................................. 119
3.3 COMPREENSÃO DOS CACHOEIRANOS SOBRE PATRIMÔNIO LOCAL E A
RELAÇÃO COM O ÓRGÃO DE PRESERVAÇÃO FEDERAL......................................
138
4. O PROGRAMA MONUMENTA EM CACHOEIRA: ESPERANÇA DE
RECUPERAÇÃO DO PATRIMÔNIO URBANO E DINAMIZAÇÃO DA
ECONOMIA LOCAL.......................................................................................................
152
4.1 DIRETRIZES NACIONAIS DO PROGRAMA MONUMENTA............................... 153
4.2 PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO E A PROPOSTA PARA CACHOEIRA............. 162
4.3 COMPONENTES DO PROGRAMA E AS RESPECTIVAS AÇÕES
EXECUTADAS.................................................................................................................. 170
4.3.1 Recuperação
de monumentos e imóveis públicos
..................................................
175
4.3.2 Financiamento para a recuperação de imóveis privados
.....................................
185
4.4 PRINCIPAIS RESULTADOS E ENTRAVES DO MONUMENTA EM
CACHOEIRA......................................................................................................................
194
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 199
REFERÊNCIAS................................................................................................................
209
ANEXOS............................................................................................................................ 218
14
INTRODUÇÃO
As leituras sobre a cidade podem ser processadas a partir de diferentes perspectivas, tendo em
vista as múltiplas dimensões que a compõem e se interrelacionam imprimindo-lhe caráter
multifacetado, grande complexidade e imbricadas redes de relações e fluxos. Em meio a essas
dimensões, a cultural se configura como uma vertente privilegiada de análise por contribuir,
sobremaneira, para tornar compreensíveis as diversas práticas sociais, dinâmicas,
espacialidades e territorialidades (re) produzidas nas cidades e propiciar abordagens
integradas, de modo que o viés cultural não seja concebido isoladamente, mas associado à
economia, à política e ao social.
Nessa perspectiva de interpretação da intrínseca relação que se entre cultura e cidade,
Luccchiari (2003) concebe que a cultura extrapola o campo estrito dos sistemas abstratos dos
significados e valores e sofre uma recontextualização, tornando-se legível nas formas e
padrões de organização sócio-espacial e expressando, através das formas produzidas, uma
dimensão ativa na determinação da estrutura social. A materialização da dimensão cultural do
urbano pode ser perceptível, a título de exemplificação, nos lugares sagrados, toponímia
atribuída aos logradouros, manifestações imateriais, festas populares, configuração do
desenho urbano, formas simbólicas e no patrimônio arquitetônico.
Conforme Corrêa (1989), a cidade, como um espaço urbano socialmente produzido, é
simultaneamente reflexo e condicionante social, fragmentada e articulada, conjunto de
símbolos e campo de lutas, e expressa tanto as ações sociais do presente quanto as do passado
que perduram nas marcas refletidas nas formas espaciais que permanecem no presente. O
autor enfatiza, ainda, a dimensão simbólica e cultural das cidades, abrangendo o cotidiano,
crenças, valores e, em partes, projetadas nas formas espaciais materializadas no espaço urbano
e nas suas funções sociais.
Em algumas cidades as expressões e dimensão culturais sobressaem ante as demais,
exercendo influência direta nas dinâmicas sociais, econômicas e urbanas e, em determinados
casos, são ainda mais acentuadas por intermédio das políticas culturais estabelecidas pelo
15
Estado. É o que ocorre, por exemplo, na cidade de Cachoeira-BA, localizada na região do
Recôncavo Sul
1
da Bahia.
Mapa 01: Localização do Município de Cachoeira na Região do Recôncavo Sul.
Fonte: Informações Básicas dos Municípios Baianos, SEI,1997.
Cachoeira é um município de pequeno porte do interior baiano, cujos primórdios remetem à
colonização portuguesa na Baía de Todos os Santos, no século XVI. Possui uma população
estimada em 33.782 habitantes e notabiliza-se no âmbito nacional pela potencialidade
histórico-cultural, conferida pela suntuosidade do conjunto arquitetônico urbano de inspiração
barroca, tombado como Monumento Nacional em 1971 e avaliado como o segundo mais
relevante do país, ficando atrás apenas de Ouro Preto-MG e, pela multiplicidade de bens
culturais imateriais manifestadas em tradicionais festas populares como o São João e a Festa
D’ Ajuda e práticas culturais/religiosas permeadas pela simbiose da cultura afro-brasileira
expressas, sobretudo, nas religiões de matriz africana, grupos de Sambas de Roda e na
singular Festa de Nossa Senhora da Boa Morte.
1
Regionalização econômica estabelecida pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
(SEI), que subdivide o estado da Bahia em 15 Regiões Econômicas. A região do Recôncavo Sul é formada por
33 municípios localizados nas proximidades da Baía de Todos os Santos.
16
Atualmente, Cachoeira enfrenta uma série de percalços de ordem econômica e dificuldades
para superá-los, uma realidade que contrasta como seu áureo passado, marcado pela
prosperidade econômica atingida, sobretudo, nos séculos XVIII e XIX em função: dos altos
rendimentos dos engenhos açucareiros implantados em seu território no período colonial; da
sua localização estratégica como último ponto navegável do Rio Paraguaçu e o papel de
entreposto comercial intermediando as trocas mercantis entre o Recôncavo e o Sertão,
possibilitando a interligação dessas regiões com a capital baiana através, inicialmente, do
sistema de navegação e, a posteriori, do transporte ferroviário; e da indústria fumageira que se
instalou na região contribuindo, a partir da segunda metade do século XIX, para a
intensificação dos fluxos de exportações e para o expressivo crescimento demográfico e
socioeconômico no município.
Em meados da década de 1960, uma associação de fatores desencadeou a decadência
socioeconômica no município provocando uma redução do seu dinamismo e a marginalização
espacial viária da cidade. Entre esses fatores destacam-se o declínio da cultura açucareira, as
sucessivas crises da indústria fumageira, o enfraquecimento do sistema multimodal de
transporte
2
, e a afirmação do rodoviarismo na região, principalmente com a construção da
BR101 na década de 1970. Ao fazer uma análise sobre a rede urbana do Recôncavo em 1959,
Santos (1998) pondera que “o Recôncavo passou a olhar para dentro, comunicando-se com
Salvador, sobretudo, por terra”. Nessa conjuntura, cidades como Cachoeira e Santo Amaro, de
grande influência por conta dos seus portos, declinavam de capital regional para centro local
em contraposição à afirmação de Feira de Santana como eixo rodoviário e centro de comando
das relações no território.
Outro fator que contribuiu para acentuação da crise econômica de Cachoeira e declínio na
hierarquia urbana foi a descoberta de reservas petrolíferas e a atuação da Petrobras, a partir da
década de 1950, em algumas cidades situadas no norte do Recôncavo Baiano. Conforme
enfatiza Brito (2008), os investimentos realizados pela Petrobras, nos municípios do
Recôncavo inseridos na cadeia produtiva do petróleo, impulsionaram expressivo dinamismo
econômico, intensificação da urbanização, ampliação da funcionalidade dos núcleos urbanos,
melhoramento das infraestruturas físicas, aumento das migrações interregionais e
2
Em Cachoeira o sistema multimodal de transporte era composto: pelo transporte fluvial no rio Paraguaçu,
limitado ao longo dos anos a pequenas embarcações sem um fluxo contínuo em função do assoreamento do
trecho navegável do rio; o sistema ferroviário, hoje restrito ao transporte de cargas; e o transporte rodoviário.
17
descentralização funcional, resultando na subdivisão da região em Recôncavo
“canavieiro/fumageiro”
3
e a Região Produtora da Bahia
4
.
As transformações provocadas pela gestão territorial da Petrobras em parte do Recôncavo
Baiano, articuladas ao declínio das atividades econômicas tradicionais e o rearranjo no
sistema de transportes induziram a modificações nas dinâmicas socioespaciais e econômicas e
a reestruturações na rede urbana da região. Desse modo, cidades que eram extremamente
influentes e significativas do ponto de vista econômico, como Cachoeira, Santo Amaro e
Nazaré, ficaram excluídas desse processo de desenvolvimento e modernização, e relegadas a
ocuparem as mais baixas posições na hierarquia funcional urbana.
No entanto, a exuberância do patrimônio material, aliada às singulares e multifacetadas
manifestações culturais, faz com que Cachoeira busque se afirmar na contemporaneidade
como uma centralidade regional do ponto de vista da sua dimensão cultural. Um propósito
corroborado pela implantação de políticas culturais e programas pelas esferas governamentais,
mormente Federal e Estadual, com o intuito de aliar preservação e valorização do patrimônio
e bens culturais com a reativação do desenvolvimento econômico por meio do estímulo à
atividade turística.
A princípio, a intenção da pesquisa era analisar as políticas culturais implantadas em
Cachoeira para as vertentes materiais e imateriais da cultura, ou seja, as ações de salvaguarda
do patrimônio material e as de fomento e incentivo às manifestações e expressões de caráter
imaterial. No entanto, as investigações preliminares revelaram que, com exceção de algumas
ações pontuais, somente a partir de 2004 os bens imateriais tornaram-se objetos de políticas
culturais, mediante a instituição do registro do Samba de Roda do Recôncavo Baiano como
Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, contemplando os sambas de roda cachoeiranos e,
mais recentemente, com a disseminação dos editais e prêmios de cultura pela Fundação
Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) e do programa federal Cultura Viva.
Em contraposição, foi verificada uma predominância no município de políticas culturais
voltadas para a salvaguarda do patrimônio histórico edificado situado no espaço urbano, que,
3
O Recôncavo “canavieiro/fumageiro” é composto pelas cidades de econômica estagnada em função da
decadência das produções açucareira e fumageira, como Cachoeira, São Félix, Muritiba, Maragogipe, Santo
Amaro e Nazaré.
4
A Região Produtora da Bahia é formada por municípios envolvidos na cadeia produtiva do petróleo e seus
derivados e contemplados com ações desenvolvidas pela Petrobras, a exemplo de São Francisco do Conde,
Candeias, Camaçari, Simões Filho, Lauro de Feitas, Madre de Deus e Alagoinhas.
18
desde 1938, vem sendo beneficiado com ações preservacionistas Estaduais e Federais. Perante
essas constatações, optou-se pela restrição do foco da pesquisa às políticas culturais
direcionadas para a preservação do patrimônio material urbano de Cachoeira, tendo em vista a
explícita priorização ao longo dos anos de tais políticas e por elas apresentarem resultados
mais mensuráveis e concretos, permitindo a realização de análises mais aprofundadas.
O estabelecimento dessa realidade em Cachoeira é um reflexo direto dos caminhos
percorridos pelas políticas culturais no Brasil, que, até a década de 1970, eram
fundamentalmente pautadas na preservação do patrimônio material. Traçando um rápido
panorama dos percursos das políticas de proteção ao patrimônio urbano no país, pode-se
perceber que, inicialmente, as ações de proteção ao patrimônio nacional, que começaram a ser
instituídas pelo Estado nos anos de 1930, apresentavam como princípios basilares a afirmação
da identidade da nação, preservação da memória coletiva e proteção de bens materiais
relacionados a fatos memoráveis da história do país ou com valores excepcionais.
A partir dos anos de 1970, a prática da preservação foi atrelada à indução ao desenvolvimento
nas cidades históricas, em sua maioria imersa em decadências econômicas. Assim, o intento
deixou de ser apenas salvaguardar os símbolos representativos da nação e o patrimônio passou
a ser considerado como fonte de recursos econômicos e atrativo privilegiado para o turismo
cultural. Na década de 1990, intensificou-se a utilização econômica do patrimônio para fins
turísticos e dinamização das cidades e centros históricos, além disso, associou-se preservação
às políticas de gestão urbana, e as revitalizações urbanas, através da recuperação e/ou
requalificação do patrimônio, passam a ser então o novo paradigma. Entre os programas
formulados e executados com base nesses princípios, o Programa Monumenta figura com
relevo pela abrangência de atuação e proposta de recuperação sustentável do patrimônio
histórico urbano como estratégia de desenvolvimento econômico e social.
E em Cachoeira, como essas diferentes diretrizes e desígnios assumidos pela prática de
preservação no Brasil ao longo dos anos se processaram? As reflexões iniciais referentes à
implantação de políticas e programas em atenção ao patrimônio material na cidade de
Cachoeira suscitaram uma série de indagações: Quais motivos induziram a proteção de
monumentos isolados a partir de 1938? Com base em quais critérios foram escolhidos os bens
dignos de serem resguardados? Quem define o que pode ser considerado patrimônio? Quais
intenções nortearam o processo de tombamento integral do perímetro urbano? Na formulação
e condução das políticas de preservação, qual a participação dos Poderes Públicos e da
19
sociedade? Na proteção ao patrimônio, quais são os órgãos mais atuantes no município?
Como a população local avalia o tombamento da cidade? De que modo esse patrimônio é
utilizado para a reativação da economia? O tombamento promoveu interferências na dinâmica
do espaço urbano? Quais fatores conduziram à execução do Programa Monumenta na cidade
e quais os rebatimentos das intervenções promovidas?
A partir desses questionamentos delineou-se como objetivo central da pesquisa analisar as
políticas de preservação do patrimônio material urbano implantadas em Cachoeira, buscando
identificar as implicações sociais, econômicas e espaciais provenientes desses processos.
Assim, o presente trabalho propõe-se, ainda: investigar o papel desempenhado pelas
instâncias governamentais na execução de políticas e ações de preservação em Cachoeira;
averiguar se existem envolvimento e participação da sociedade local na condução de tais
políticas; abordar as interações entre a preservação do patrimônio em Cachoeira e as políticas
de turismo; investigar se ocorre uma gestão integrada do patrimônio local; e ressaltar a
importância da ação conjunta entre Poderes Públicos e sociedade para a elaboração e
efetivação de políticas culturais coerentes com as especificidades e necessidades locais.
Para o desenvolvimento da pesquisa foi fundamental a adoção de procedimentos
metodológicos capazes de contribuir para a definição dos encaminhamentos e auxiliar na
elucidação das indagações e alcance dos objetivos propostos. Assim, partiu-se, inicialmente,
do estudo de fontes bibliográficas, por ser uma etapa essencial para a ampliação e revisão da
literatura e, por conseguinte, definição do referencial conceitual-analítico, aprofundamento
das discussões e articulação dos conceitos que propiciaram bases interpretativas e
fundamentação para as análises realizadas. As contribuições teóricas e reflexões de autores
com Rubim (2009, 2007a e 2007b), Canclini (2001), Coelho (1997), Fonseca (2005, 2001 e
1996), Sant’Anna (1995 e 2004), Simão (2006), Castriota (2009), entre outros foram basilares
para a compreensão e norteamento das considerações referentes às políticas culturais, as ações
governamentais de salvaguarda do patrimônio material no Brasil e o processo de preservação
e gestão do patrimônio em áreas urbanas.
Cabe ressaltar que, para entender os rumos seguidos pelas políticas de preservação em
Cachoeira, foi necessário primeiro analisar os percursos das políticas culturais no Brasil,
que a preservação é uma das suas vertentes de atuação. Desse modo, foram empreendidas
considerações teóricas e analíticas sobre políticas culturais e traçada uma breve trajetória
dessas a partir da realidade brasileira. A ampliação dos conhecimentos sobre políticas
20
culturais promovidas pelo Estado foram fundamentais para apreender como, nos diferentes
períodos e gestões governamentais, os princípios ideológicos, intencionalidades e noção de
cultura adotados foram categóricos para ampliar ou restringir a atuação do Estado, e
determinar a escolha das distintas vertentes de atuação, finalidades e setores priorizados.
Com o desígnio de ter acesso a informações, relatórios, decretos e documentos relativos às
políticas e ações culturais implantadas no Brasil e as direcionadas para o município de
Cachoeira, foram efetuadas pesquisas documentais: na Secretaria de Cultura da Bahia
(SECULT); arquivo e biblioteca da Superintendência do IPHAN na Bahia; no Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); arquivo do IPAC; Arquivo Público da Bahia; no
escritório da Unidade Executora de Projetos (UEP) do Programa Monumenta responsável por
Cachoeira; Secretarias Municipais de Planejamento e Cultura e Turismo de Cachoeira; bem
como em sites de órgãos governamentais relacionados à cultura, que se constituem em fontes
profícuas de informações.
A análise dos documentos institucionais foi preponderante para o entendimento da temática
em estudo por revelarem mais detalhadamente as proposições, objetivos e metas pretendidas
pelas políticas formuladas pelos Poderes Públicos para o campo cultural e, especificamente,
da preservação tanto para o âmbito nacional quanto o local. Permitiram, ainda, a construção
de uma cronologia das políticas e programas que contemplaram Cachoeira e a constatação de
que, embora algumas localidades da zona rural do município possuam bens tombados
5
, é nas
circunscrições da cidade que se concentram as ações de preservação, ratificando assim a
delimitação do espaço urbano como o recorte espacial da pesquisa.
Entraves burocráticos para o acesso a alguns documentos institucionais ou mesmo a escassez
de registros dificultaram análises mais aprofundadas de determinados aspectos, a exemplo da
origem das iniciativas para o tombamento de Cachoeira. Mas não inviabilizaram a consecução
da pesquisa, pois recorreu-se às fontes orais através de entrevistas com os conhecedores e/ou
vivenciadores das ações que resultaram na salvaguarda federal do acervo arquitetônico
urbano.
Considerando relevante a inclusão das opiniões e concepções dos agentes sociais
cachoeiranos no processo de pesquisa, visto que compõem uma parcela da população
5
Os bens tombados como monumentos nacionais e localizados na zona rural do município de Cachoeira são: os
Engenhos Vitória e Embiara, a Igreja de Santiago do Iguape, o Seminário da Vila de Belém, o Convento de
Santo Antônio do Paraguaçu e a Capela do Engelho Velho do Paraguaçu.
21
diretamente atingida pelas ações empreendidas por meio da concretização das políticas para o
âmbito cultural, foram aplicados 150 questionários e realizadas entrevistas (ver anexo). As
informações e dados obtidos com esses procedimentos foram essenciais para compreender a
percepção dos agentes sociais locais sobre aspectos concernentes ao tombamento, a relação
que estabelecem com o patrimônio local, a avaliação que fazem das políticas e programas
executados, bem como da atuação dos órgãos de preservação na cidade.
A consulta aos moradores através dos questionários ocorreu entre os meses de fevereiro e
março do ano corrente e obedeceu aos seguintes critérios de distribuição: 50 questionários
para os donos de propriedades selecionadas pelo Programa Monumenta para receberem
financiamento para a recuperação de imóveis privados, desses 50 proprietários que
participaram da pesquisa 26 haviam sido contemplados pela concessão do empréstimo e 24
estavam na espera; 50 questionários para os moradores das residências localizadas nas
imediações dos imóveis selecionados pelo Monumenta, ou seja, inseridas na área de atuação
do programa, mas não assistidas diretamente; e 50 questionários para os moradores do Alto
do Rosarinho, um bairro possuidor de singulares referências da cultura negra materializadas
em terreiros de candomblé, na Igreja do Rosarinho e Cemitério dos Africanos ou Nagôs
6
e a
única área periférica de Cachoeira inserida na área de projeto do Monumenta.
as entrevistas semiestruturadas para os agentes sociais cachoeiranos contemplaram
representantes da sociedade civil organizada, proprietários de imóveis selecionados e
contemplados com o financiamento pelo Monumenta, conhecedores da história local e
moradores do bairro do Rosarinho e do chamado centro histórico de Cachoeira. Essas
entrevistas, nas quais se buscou estabelecer um diálogo com o entrevistado, contribuíram,
sobremaneira, para: a aquisição de informações adicionais sobre a execução das políticas em
análise; compreensão de como se processa a participação da sociedade cachoeirana na
formulação e condução de políticas culturais e, em especial, as de preservação do patrimônio;
a interpretação dos dados coletados com os questionários; e ampliação das reflexões sobre as
implicações decorrentes das ações governamentais de proteção ao patrimônio urbano.
6
A Igreja do Rosarinho foi construída em 1864 pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Sagrado
Coração de Maria, composta majoritariamente por negros, para a realização dos seus cultos “católicos”. Em
1874 a Irmandade construiu, anexo a Igreja, o Cemitério dos Africanos ou dos Nagôs para o sepultamento dos
negros cachoeiranos que desempenharam um relevante papel nas lutas pela abolição e/ou eram lideranças
políticas e religiosas.
22
A realização de entrevistas semiestruturadas com gestores públicos envolvidos com a
condução das políticas culturais de preservação no município constituiu-se em outro
importante passo para apreender essas políticas pela ótica dos agentes que as executam na
instância local, além do papel desempenhado por algumas instituições públicas nos seus
processos de implantação. Outras importantes contribuições concernem à realização de
observações in loco e a aquisição de informações com os participantes do grupo focal, sobre o
patrimônio histórico-cultural, promovido em maio de 2009 em parceria com os mestrandos da
linha de pesquisa Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional/Local como atividade da
disciplina Desenvolvimento Regional e Sustentabilidade. A realização do grupo focal
objetivou discutir com a sociedade cachoeirana as diferentes concepções de desenvolvimento,
o papel da sociedade civil e dos governos locais no processo de construção de políticas
públicas e como a cultura pode contribuir para a promoção do desenvolvimento sociocultural
no município.
A operacionalização do trabalho de campo e a posterior sistematização e análise dos dados
propiciou a complementação das informações adquiridas com as pesquisas bibliográficas e
documentais, permitindo a agregação de significativas informações sobre o recorte espacial
do estudo, revelando interfaces e auxiliando no entendimento da complexidade local. Por fim,
as fontes primárias e secundárias foram ponderadas de forma conexa, de modo a contribuir
efetivamente para a produção da dissertação e possibilitar análises coerentes sobre as
implicações advindas com a implantação de políticas e programas de preservação em
Cachoeira.
Esta dissertação está estruturada em quatro capítulos, nos quais são tecidas considerações
relativas ao tema em discussão nas instâncias nacional, estadual e municipal para, dessa
maneira, tornar mais compreensíveis as especificidades do processo de execução de políticas
culturais na cidade de Cachoeira.
No primeiro capítulo, realizou-se uma discussão teórico-conceitual sobre as políticas
culturais, visando explicitar os rumos seguidos por essas políticas no âmbito federal e
estadual, bem como os seus possíveis reflexos no município de Cachoeira. Assim, são
brevemente rememoradas suas trajetórias, partindo dos marcos fundadores, perpassando pelos
avanços e retrocessos, até o panorama vigente com a democratização e descentralização do
processo de elaboração e condução das políticas culturais. No que concerne às
municipalidades, são apontados alguns fatores e entraves que dificultam a formulação de
23
políticas culturais na escala municipal a as tentativas do MinC e SECULT para a inserção dos
municípios brasileiros no processo de descentralização da cultura, dando ênfase à realidade do
município de Cachoeira.
O segundo capítulo versa sobre as políticas culturais de preservação do patrimônio material
desenvolvidas no espaço urbano de Cachoeira, realizando, a princípio, uma concisa
abordagem sobre a ampliação da noção de patrimônio nacional e as políticas de preservação
no Brasil direcionadas à proteção dos conjuntos arquitetônicos urbanos para, em seguida,
apresentar as ações que resultaram no tombamento do perímetro urbano de Cachoeira.
no terceiro capítulo buscou-se apontar as interações entre o patrimônio e as políticas de
turismo com foco na promoção do desenvolvimento econômico, analisar as implicações
decorrentes do tombamento na dinâmica urbana e as estratégias de gestão para conciliação da
preservação com a expansão da cidade, também são tecidas considerações a respeito da
percepção da população cachoeirana sobre o patrimônio material e a relação que estabelecem
com os órgãos de preservação que atuam na cidade.
No quarto capítulo, discute-se sobre a execução do Programa Monumenta em Cachoeira.
Inicialmente, são destacadas as premissas, prioridades e o modelo de intervenção adotado
pelo referido programa para tentar atingir a recuperação sustentável do patrimônio e
requalificação de áreas urbanas, logo em seguida, analisam-se a proposta de intervenção
estipulada para Cachoeira, a execução das ações com ênfase nos investimentos relativos à
recuperação de monumentos e imóveis públicos e privados e, por fim, são apontados alguns
impactos socioeconômicos decorrentes dessas ações, bem como os entraves apresentados pelo
programa na cidade e avaliação realizada pelos agentes sociais cachoeiranos.
A realização deste estudo torna-se relevante por se constituir numa tentativa de suscitar
discussões referentes à execução de políticas culturais nos municípios, tendo em vista que é
na escala local que essas políticas efetivamente se concretizam, e por buscar explicitar, a
partir da realidade e especificidades de Cachoeira, as possíveis implicações decorrentes do
processamento dessas políticas, mais especificamente sobre como o processo de preservação
do patrimônio material urbano e as estratégias governamentais para a sua proteção,
recuperação e utilização econômica produzem reflexos diretos nas dinâmicas sociais e
urbanas.
24
1. PERCURSOS DAS POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL
1.2 REFLETINDO SOBRE POLÍTICAS CULTURAIS
A afirmação da cultura como um direito social de todo cidadão, associada ao seu
reconhecimento como componente estratégico para o desenvolvimento sociocultural das
sociedades e a centralidade que vem assumindo nas últimas décadas, tem despertado
inquietações e incentivado discussões teórico-conceituais sobre as políticas culturais, a
necessidade de analisar os seus princípios basilares, os elementos essenciais para a sua
existência, as diferentes abordagens e os possíveis impactos provocados pela sua
implementação. Podem ser concebidos como agentes responsáveis pela promoção de políticas
culturais o Estado, organismos não-estatais, instituições privadas, sindicatos e associações.
Porém, na presente análise, será priorizado o papel desempenhado pelo Estado como agente
incumbido do desenvolvimento dessas políticas, visto que, no município de Cachoeira, esse é
o agente predominante.
Embora haja uma visível ampliação das discussões, ainda são escassos os estudos e
documentos que propõem uma definição para o termo políticas culturais, na maioria dos
casos, o conceito é considerado como auto-evidente. De acordo com a Organização das
Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a Cultura (UNESCO), políticas culturais são
“práticas sociais conscientes e deliberadas, de intervenções e não-intervenções, tendo por
objeto satisfazer certas necessidades culturais pelo melhor emprego possível de todos os
recursos materiais e humanos de que dispõe uma sociedade” (UNESCO, 1969 apud Cury,
2002, p. 6). Todavia, por ser uma definição genérica, não oferece subsídios concretos para a
apreensão do conceito e norteamento das ações nesse campo.
Tencionado contribuir de forma mais efetiva para a construção de políticas culturais, a
Declaração do México, elaborada durante a Conferência Mundial sobre Políticas Culturais,
realizada no México em 1982, estabelece como princípios basilares para as políticas em
questão: a identidade cultural; a dimensão cultural do desenvolvimento; a cultura e a
democracia; o patrimônio cultural; a criação artística e intelectual e educação artística; as
relações entre cultura, educação, ciência e comunicação; e a cooperação cultural
25
internacional. A instituição desses princípios e a explicitação de suas relevâncias possuíam o
intento de colaborar com os Estados para a elaboração de linhas mestras para a condução de
políticas culturais de modo a assegurar direitos e valores culturais dos diferentes povos.
Para Coelho (1997), política cultural é uma ciência da organização das estruturas culturais e
pode ser concebida como uma série de ações executadas pelos Poderes Públicos, organizações
civis, grupos comunitários ou instituições privadas com a pretensão de atender as demandas
culturais da população e viabilizar o desenvolvimento de suas representações simbólicas. A
partir dessa compreensão, a materialização de tais políticas ocorre através de iniciativas que
estimulem a produção, a distribuição e a utilização da cultura, proteção aos bens que
compõem o patrimônio histórico e o ordenamento dos órgãos incumbidos de executá-las. Na
concepção do autor, as políticas culturais, habitualmente, são voltadas para dois objetos, a
saber: o patrimonialista, que ressalta a preservação e difusão de obras, bens e tradições de
forte caráter nacional e relacionados aos primórdios do país; e o criacionista, que enfatiza as
formas de apoio para a produção, distribuição e consumo de novos bens e valores culturais.
Coelho (1997) ainda tece considerações sobre as perspectivas ideológicas que, em alguns
contextos, permeiam as políticas culturais e elenca três modos básicos que refletem a
influência exercida por essas ideologias no processo de definição e implantação dessas
políticas, sobretudo aquelas conduzidas pelos Estados:
1. Políticas de dirigismo cultural: posta em prática principalmente por
Estados fortes e partidos políticos que exercem o poder de modo
incontestado, promovem uma ão cultural em moldes previamente
definidos como de interesse do desenvolvimento ou da segurança nacionais.
2. Políticas de liberalismo cultural: afirmam não defender modelos únicos de
representação simbólica, nem entendem, necessariamente, que é dever do
Estado promover a cultura e oferecer opções culturais à população [...] O
objetivo é um só: enquadrar a cultura nas leis de mercado.
3. Políticas de democratização da cultural: Procura criar condições de acesso
igualitário à cultura para todos, indivíduos e grupos. Não privilegia modelos
previamente determinados, como os do nacionalismo, e tem no Estado e suas
instituições culturais públicas e semipúblicas seus principais agentes [...]
Procura incentivar a participação popular no processo de criação cultural e
os modos de autogestão das iniciativas culturais. (COELHO, 1997, p. 299-
300)
26
Esses três modos ideológicos que as políticas culturais podem incorporar são elucidativos
para a compreensão das políticas governamentais direcionadas para o campo cultural
brasileiro, à medida que contribui para o entendimento de como, nos diferentes períodos, os
princípios ideológicos orientadores foram categóricos para ampliar ou restringir a atuação do
Estado, moldar as ações culturais desenvolvidas e determinar a escolha dos distintos
enfoques, finalidades e setores priorizados.
A conceituação de políticas culturais proposta por Coelho (1997) tem grande mérito,
principalmente, pelo seu pioneirismo. No entanto, Barbalho (2005) aponta algumas
contradições e imprecisões cometidas. Em primeiro lugar, contesta que as políticas culturais
possam ser consideradas ciência, por entendê-las como um conjunto de intervenções práticas
e discursivas, que não tem caráter científico e cujo objeto não faz parte de uma área específica
do conhecimento, mas perpassa por outras ciências sendo, portanto, transdisciplinar.
Em segundo lugar, as críticas se estendem também a não abordagem das discordâncias que
envolvem as necessidades culturais da população que não são definidas pelos agentes atuantes
nos setores públicos e culturais de forma imparcial, ao contrário, reproduzem as suas
interpretações sobre as necessidades, os interesses em jogo e as desiguais relações políticas e
sociais. Por fim, o autor refuta o emprego do termo estrutura, alegando que esse termo remete
a uma noção de política cultural objetivista, desconsiderando, portanto, as representações,
imaginários e significados inerentes à esfera cultural.
Outra contribuição concernente ao empenho teórico propondo uma definição para as políticas
culturais é a de Canclini (2001, p. 65), que as entende como
[...] conjunto de intervenciones realizadas por el estado, las instituciones
civiles y los grupos comunitários organizados a fin de orientar el desarrollo
simbólico, satisfacer las necessidades culturales de la población y obterner
consenso para um tipo de orden o transformación social.
A definição proposta por Canclini será adotada como o conceito basilar sobre políticas
culturais na presente pesquisa porque deixa subentendido a necessidade de tais políticas serem
concebidas como políticas públicas, ressalta a proeminência do estabelecimento de diálogos e
a obtenção de concordância entre os agentes envolvidos e por considerar as políticas culturais
27
como um instrumento para a promoção não somente do desenvolvimento simbólico, mas,
também, para uma transformação de cunho social.
Em outro viés, Botelho (2004), apesar de não propor uma definição para políticas culturais,
contribui significativamente para as discussões ao enfocar as dimensões ampliada e restrita da
cultura, demonstrando como podem determinar a elaboração das políticas e estratégias
adotadas pelos Poderes Públicos. A dimensão sociológica ou restrita da cultura relaciona-se
com o circuito organizacional da cultura e não com o plano do cotidiano, desse modo, as
políticas culturais pautadas nessa dimensão incitam a produção, circulação e consumo dos
bens simbólicos, favorecem o acesso às diversas linguagens, promovem programas de
manutenção e/ou apoio aos espaços culturais e a formação de um público consumidor, criam
estratégias de financiamento para os produtores e são propensas a enaltecer a cultura erudita.
Conforme Botelho (2004), normalmente, as políticas culturais tendem a apresentar enfoque
eminentemente sociológico, em função de essa dimensão possibilitar que os resultados
obtidos pelos programas e investimentos realizados sejam mensurados de forma mais
concreta, dando-lhes maior visibilidade social por possuir uma área de atuação bem
delimitada e por se tratar de um universo institucionalizado que viabiliza a execução das
ações propostas.
Já a dimensão antropológica ou ampliada diz respeito à cultura produzida simbólica ou
materialmente pelos indivíduos no seu cotidiano e por suas interações sociais. Destarte, a área
de abrangência das políticas culturais pautadas na concepção antropológica é extremamente
vasta e complexa, demanda a participação direta dos agentes envolvidos de forma a exporem
as reais necessidades culturais da sociedade, além de orientar a elaboração das políticas
governamentais para a cultura. Contudo, Botelho (2004, p. 5) ressalta:
Embora uma das principais limitações das políticas culturais seja o fato de
nunca alcançarem, por si mesmas, a cultura em sua dimensão antropológica,
esta dimensão é, no entanto, geralmente eleita como a mais nobre, que é
identificada como a mais democrática, em que todos são produtores de
cultura, pois ela é a expressão dos sentidos gerados interativamente pelos
indivíduos, funcionando como reguladora dessas relações e como base da
ordem social.
28
A relação entre as dimensões da cultura e a orientação das políticas culturais também são
salientadas por Coelho (1997), para quem a prevalência da dimensão sociológica provocou a
proliferação de programas impostos verticalmente, dissociados dos contextos de aplicação e
dos anseios dos grupos receptores, resultando em intervenções muitas vezes autoritárias e
tratamento discriminatório das culturas populares. Afirma ainda que dificilmente as políticas
culturais perderão o caráter de intervencionista, mas considera o reconhecimento da análise
antropológica como uma possibilidade para novas perspectivas, por oferecer meios de
interação entre os propositores e receptores, contribuindo, sobremaneira, para a construção de
programas menos invasivos.
A compreensão por alguns governantes da relevância da dimensão ampliada da cultura, aliada
às novas exigências culturais da sociedade e a sua maior interferência nos processos
decisórios, suscita a emergência das políticas culturais serem concebidas como políticas
públicas e, a partir dessa premissa, estimularem a participação social em suas formulações e
assegurarem a implantação de programas que garantam condições favoráveis para o pleno
desenvolvimento da cultura em suas variadas formas de manifestação.
As políticas públicas possuem múltiplas definições fundamentadas em diferentes linhas
teóricas, comumente, são apreendidas como resultados provenientes de ações implementadas
pelos governos como o objetivo de alcançar metas e produzir efeitos específicos, e se
diferenciam das políticas governamentais por atender, prioritariamente, os interesses públicos
e por buscar apresentar articulação entre Estado e as partes envolvidas nos processos.
Souza (2006) concebe que políticas públicas são as ações postas em práticas pelos governos
com o intuito de corrigir problemas, alcançar resultados ou induzir mudanças, e podem se
desdobrar em planos, programas, projetos, bases de dados ou sistemas de informações e
pesquisas. Ressalta ainda que são permeadas por conflitos de interesses e enfatiza a
necessidade de submetê-las a sistemas de acompanhamento e avaliação de modo a analisá-las
frequentemente e, caso preciso, redefinir os rumos das suas ações para cumprir os propósitos
estabelecidos. Palmeira (1996) sustenta que as políticas públicas não são apenas
proposições dos Poderes Públicos, mas exprimem também a influência exercida por alguns
segmentos sociais que lutam por melhoria de suas condições de vida e/ou para angariar
vantagens, requerendo, assim, ampla participação da sociedade no seu processo de
formulação e implantação para que não haja sobreposição de interesses.
29
Partindo do pressuposto de que uma das atribuições primordiais das políticas públicas
concerne à resolução de problemas e desequilíbrio produzidos pelos desajustamentos sociais,
torna-se vital que tais políticas: integrem agentes dos distintos segmentos sociais em todos os
níveis de decisão, cabendo ao Estado a execução das ações; possuam objetivos coerentes e
metas atingíveis; definam ações de forma extensiva e não excludente; e não se balizem em
intervenções aleatórias e isoladas.
Trazendo o enfoque para o plano da cultura, Simis (2007, p. 131) pondera que políticas
públicas e as diretrizes de ação adotadas aspiram “o alcance do interesse público pelos
melhores meios possíveis, que no nosso campo é a difusão e o acesso à cultura pelo cidadão”,
e a responsabilidade pela efetivação das ações é uma incumbência dos órgãos
governamentais. Nesse sentido, uma política pública cultural deve ser alicerçada na
universalização do acesso aos bens culturais, no estímulo às variadas manifestações, na
formação de gestores culturais aptos a desenvolverem projetos e planos de ação, na criação de
múltiplos meios de financiamento e de mecanismos de avaliação da política, formulação de
programas estratégicos e organização de instrumentos de participação social (PORTO, 2002).
Um dos aspectos mais proeminentes de uma política pública para a cultura é a viabilização e
legitimação da participação da sociedade nas etapas de elaboração, condução e avaliação,
tornando-as, desse modo, mais democráticas. Como explícita Rubim (2007a, p. 151),
“somente políticas submetidas ao debate e crivo públicos podem ser consideradas
substantivamente políticas públicas de cultura”, nesse sentido, não cabe uma atuação
unilateral do Estado, tornando-se imprescindível o engajamento de diferentes agentes sociais
no desenvolvimento dessas políticas, embora as negociações envolvam agentes com poderes e
níveis de articulação díspares.
No entanto, Amorim (2007) salienta que no Brasil, a despeito do aumento da inserção da
sociedade nas deliberações políticas a partir dos anos de 1980 e do fortalecimento de alguns
instrumentos como as conferências e os conselhos - que permitem a ampliação dos debates
entre Estado e agentes sociais e a atuação consultiva de segmentos organizados –, o
envolvimento da sociedade ainda constitui-se num entrave, não somente pelas relações
políticas desiguais, mas pelo fato de grande parte da população ignorar a cultura política da
participação, e afirma que “um dos desafios da democracia brasileira consiste em consolidar
um sistema político pautado no desenvolvimento de uma cultura política que promova valores
e hábitos democráticos como a participação, a confiança e a cooperação” (AMORIM, 2007, p.
30
366).
Outro aspecto a ser considerado é a problemática de inserção dos excluídos (que na
maioria dos casos não dispõem ao menos de condições mínimas de subsistência e acesso as
informações) em processos de elaboração de políticas públicas extensos, complexo e sem
garantia de resultados efetivos e/ou atendimento das necessidades mais imediatas
(TEIXEIRA, 2001).
Os desafios a serem suplantados pelas políticas culturais não se restringem à participação da
sociedade. A complexa conjuntura social vigente impõe novas demandas e outros
encaminhamentos. A interação entre as políticas culturais implantadas nas escalas global,
nacional, regional e local é considerada por Canclini (2001) e Rubim (2009) como um dos
principais desafios da contemporaneidade, pois com a intensificação mundial dos fluxos
econômicos, informacionais, culturais e populacionais, fazem-se eminentes as mediações e
interlocuções entre as escalas para o desenvolvimento integrado da cultura. Todos esses
aspectos conduzem a uma reinterpretação do nacional, que não deixa de possuir seus aspectos
singulares, porém, a depender das circunstâncias históricas e sociais, sofre maior ou menor
exposição às influências externas.
A transversalidade e interfaces da cultura são outros desafios a serem considerados, à medida
que a centralidade assumida pela cultura
[...] obriga a pensá-la como dimensão transversal, porque perpassa toda a
complexa rede que compõe a sociedade atual. A transversalidade da cultura,
entretanto, não implica no seu desaparecimento enquanto campo social. Na
contemporaneidade, a cultura comparece como um campo social singular e,
de modo simultâneo, perpassa transversalmente todas as outras esferas
societárias, como figura quase onipresente. (RUBIM, 2007a, p. 148)
Corroborando essa afirmação, Menezes (1999) defende que, em relação às políticas culturais,
o mais importante não deveria ser quais as diretrizes e estratégias utilizadas pelos órgãos
responsáveis pela cultura e, sim, qual a dimensão cultural das políticas de educação,
econômicas, de saúde, entre outras. A aplicabilidade da transversalidade e da concepção
ampliada da cultura nas várias esferas políticas seria um avanço considerável, porém o
alcance de tal propósito torna-se tarefa problemática, uma vez que requer dos órgãos
31
governamentais um elevado nível de articulação e elaboração conjunta de meticuloso
planejamento para contemplação de todas as áreas sociais.
As dinâmicas culturais e as conjunturas processadas nos contextos brasileiro, baiano e, mais
especificamente, do município de Cachoeira-BA, também apresentam uma série de outros
desafios com os quais se deparam as políticas culturais na atualidade. Esses desafios serão
abordados nas discussões tecidas nos próximos tópicos que versam sobre o desenvolvimento
de políticas culturais pelas instâncias governamentais federal, estadual e municipal.
1.2 TRAJETÓRIAS DAS POTICAS CULTURAIS FEDERAIS
Inúmeros pesquisadores da temática em análise, a exemplo de Rubim (2007b), Calabre (2007)
e Feijó (1986), apontam a década de 30 do século XX como o marco inicial da implantação de
políticas culturais, por entenderem que as ações pretéritas e instituições fundadas durante o
período Colonial, Imperial ou República Velha não apresentam caráter de políticas culturais
pelo marcante viés autoritário, aleatório, elitista, discriminatório e pontual. Assim, será
considerado como os primórdios desse processo o Governo de Vargas, iniciado na década de
1930, por se configurar na primeira tentativa estatal de sistematização das políticas culturais
como políticas de governo.
Objetivando tornar mais compreensível o desenrolar das ões e políticas culturais no âmbito
federal e os seus possíveis reflexos no município de Cachoeira-BA, no presente tópico serão
rememorados suas trajetórias, partindo dos marcos fundadores, perpassando pelos avanços e
retrocessos, até o panorama vigente com a democratização das políticas culturais. A
abordagem sobre políticas culturais federais está subdividida em quatro eixos: os primórdios
da sistematização das políticas culturais; a ditadura militar e a organização institucional das
políticas culturais; a influência do neoliberalismo na condução das políticas culturais; e, por
fim, a tentativa de democratização e construção de políticas públicas de cultura.
32
1.2.1 Inauguração das políticas culturais estatais: a Era Vargas (1930 a 1945)
A década de 30 do século XX caracterizou-se pela projeção do Movimento Modernista que se
iniciou na década anterior; pela transição econômica no país (da economia rural para a de base
industrial); pelo crescimento da urbanização e pela efervescência política que resultou na
Revolução de 30 e ascensão de Getúlio Vargas a governante do Brasil. O governo ditatorial
de Vargas adotou uma prática política populista, incentivou o processo de industrialização,
intensificou a participação do Estado nas questões/setores econômicos e sociais e,
fundamentalmente, utilizou-se do sentimento de nacionalismo como uma estratégia política
para atingir o desenvolvimento.
Para a concretização do projeto de edificação da nação, era necessário promover a coesão
social e regional em torno da ideia de uma identidade nacional. Com base nessa
intencionalidade, o governo destinou especial atenção à institucionalização do setor cultural,
considerado como mecanismo fundamental para despertar a brasilidade, legitimar a
mestiçagem e fortalecer o nacionalismo.
O político mineiro Gustavo Capanema, incumbido da gestão do Ministério da Educação e
Saúde
7
, de 1934 a 1945, exerceu importante papel na sistematização das ações
governamentais destinadas ao campo da cultura, contando com a colaboração de notáveis
personalidades envolvidas como o modernismo e/ou com a cultura nacional a exemplo de
Cândido Portinari, Carlos Drummond de Andrade, Lúcio Costa, Heitor Villa-Lobos, Oscar
Niemeyer e Rodrigo Melo Franco de Andrade. Alguns pesquisadores, como Feijó (1986) e
Miceli (1984), alegam que a cooptação de intelectuais pelo Estado era uma artimanha para
obter o apoio das elites e controlar as críticas ao regime, já outros, como Fonseca (2005),
defendem que esses intelectuais fizeram significativo esforço para criar um projeto para a
cultura brasileira com relativa autonomia dentro do governo.
No período, dentre as medidas empreendidas pelo Ministério da Educação e Saúde estão a
criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (1936), o Serviço de Radiodifusão
Educativa (1936), a Superintendência de Educação Musical e Artística (1936), o Serviço
7
Nessa época, a cultura estava diretamente atrelada à educação, o que explica o fato das ações culturais partirem
desse Ministério.
33
Nacional de Teatro (1937), o Instituto Nacional do Livro (1937), o Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (1937) e o Conselho Nacional de Cultura (1938).
Em relação ao patrimônio histórico e artístico nacional, havia uma demanda na sociedade
brasileira pela preservação de bens culturais expressivos, despertada, principalmente, pelos
modernistas e defensores da arquitetura barroca. As iniciativas pioneiras de proteção aos bens
culturais partiram dos governos estaduais de Minas Gerais (1923), da Bahia (1927) e de
Pernambuco (1928), estados que possuíam consideráveis bens históricos e artísticos. Na
Bahia foi criada em 1927, pelo presidente estadual Francisco Góis Calmon, a Inspetoria
Estadual de Monumentos Nacionais com a função de organizar a defesa do acervo histórico e
artístico do estado, porém, assim como nos outros estados, tais iniciativas não se constituíram
em ações muito frutíferas. Com o Estado Novo, a proteção aos monumentos e a elevação de
alguns à categoria de patrimônio nacional foram incorporadas à política nacionalista de
Vargas (FONSECA, 2005).
Normalmente, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN
8
), criado pela
Lei nº 378 de 13 de Janeiro de 1937, é considerado como o órgão federal precursor da política
de preservação no país, mas Fonseca (2005) ressalva que, na instância federal, as ações
iniciais de proteção aos patrimônios provieram do Museu Histórico Nacional, que assumiu
por breve período tal atribuição através da Inspetoria dos Monumentos Nacionais. A primeira
ação de maior relevo do Governo Federal no que se refere à proteção aos patrimônios foi o
tombamento, como Monumento Nacional, da cidade mineira de Ouro Preto, em 1933.
Reconhecendo a eminência de intervenções mais efetivas do Estado e atendendo às pressões
exercidas por intelectuais que compunham o movimento modernista, em 1936, Gustavo
Capanema recorre à experiência de Mário de Andrade
9
para a elaboração das normas de
condução e a institucionalização de um órgão de preservação do patrimônio nacional.
Influenciado por uma interpretação ampliada de cultura, Mário de Andrade estruturou um
anteprojeto de modo a contemplar as oito categorias de arte, a saber: arqueológica, ameríndia,
popular, histórica, erudita nacional, erudita estrangeira, aplicada e estrangeira. O anteprojeto
previa, ainda, a divulgação e coletivização do patrimônio cultural e a proteção aos bens
8
Em 1970, o órgão assume caráter de Instituto e passa a ser denominado de Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN).
9
Mário de Andrade notabilizava-se no cenário político do período por ter sido o responsável pela concepção do
Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, qualificado como muito inovador pelo pioneirismo, pelas
práticas adotadas e a noção ampla de cultura.
34
móveis, imóveis e imateriais (CURY, 2002). Apesar do caráter avançado e, em parte,
pluralista, o anteprojeto não foi adotado integralmente por não se enquadrar no projeto
político em vigor.
Prevaleceu, para a regulamentação das ações do SPHAN, no que tange à organização e
proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, o previsto no Decreto- lei 25, de 30
de novembro de 1937, que estabelece o tombamento de bens móveis e imóveis mediante a
inscrição nos Livros do Tombo: Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Histórico; das
Belas Artes; e no das Artes Aplicadas. Assim, o SPHAN, gerido por Rodrigo Melo Franco de
Andrade, por 31 anos (1937 a 1968), promoveu em quase todo o território nacional ações de
conservação, tombamento, restauração, orientação para proteção de bens particulares e
públicos e, com isso, minimizou a descaracterização de imóveis e monumentos de valor
histórico e/ou artístico, consistindo no órgão mais atuante no sentido de identificar e difundir
o patrimônio cultural brasileiro.
Não obstante aos limitados recursos, o SPHAN conseguiu atuar em grande parte do território
brasileiro, que, além da sede no Rio de Janeiro, possuía coordenações regionais em
Salvador (responsável pelos estados da Bahia e Sergipe até 1990), em Recife (até 1980, com
jurisdição em Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas) e na cidade de São
Paulo (abrangia São Paulo e Mato Grosso). E, em 1938, efetuava estudos técnicos em
Cachoeira-BA que culminaram em tombamentos de imóveis isolados entre os anos de 1938 e
1943, intervenções que serão enfocadas no segundo capítulo da presente dissertação.
Segundo Veloso (1996), o SPHAN configurava-se numa academia e não somente em um
órgão federal, por ser fruto do debate de intelectuais brasileiros, por seus membros buscarem
constantemente atualizar suas informações sobre o tema, travarem discussões teóricas sobre
os conceitos que norteavam as prática e por desenvolverem estratégias de legitimação das
ações. E a propósito do desempenho do órgão, a mesma autora declara:
O fato é que a academia SPHAN nasce ancorada numa idéia básica que é o
registro da nação, cuja face era preciso tornar visível; não através da
incorporação de traços da natureza, como no romantismo, mas também da
identificação de uma tradição cultural que tivesse uma duração no tempo,
cujo passado era preciso alcançar, e que tivesse uma visibilidade no espaço,
cuja configuração e moldura era preciso estabelecer (VELOSO, 1996, p. 78)
35
A despeito de denotar um considerável avanço e servir como referência para a estruturação de
políticas de preservação, até mesmo em outros países da América Latina, a atuação do
SPHAN foi, sobremaneira, influenciada pelos intelectuais que compunham o seu quadro
institucional, assumindo, dessa forma, uma postura classista e balizada numa concepção de
patrimônio que não abarcava a diversidade étnica e cultural do Brasil, priorizando a arte
colonial de inspiração barroca e a monumental arquitetura religiosa, o que levou essa fase a
ser rotulada como de “pedra e cal” (FONSECA, 2005).
O regime getulista inovou pela tentativa pioneira de ordenamento no âmbito cultural e
proporcionou um florescimento da produção cultural nacional, contudo, a intensa intervenção
do Estado veio acompanhada de repressão, centralização, seleção tendenciosa do que seria
exaltado como popular nacional e rigorosa censura ao que não se adequava ao ideal de uma
nação coesa. Assim, imperaram o autoritarismo e paternalismo nas ações culturais
desenvolvidas no período.
1.2.2 A ditadura militar e a organização institucional das políticas culturais (1964 a
1985)
A fase correspondente aos governos democráticos, entre 1945 e 1964, foi marcada pela
ruptura na indução do desenvolvimento cultural pela esfera estatal. Nesses anos somente a
implantação do Ministério da Educação e Cultura (MEC) em 1953, a Campanha de Defesa do
Folclore Nacional, a expansão das universidades públicas e o Instituto Superior de Estudos
Brasileiros (ISEB) podem ser mencionados como ações governamentais fomentadoras da
cultura.
A restrição da atuação governamental se contrapunha à efervescência cultural do período em
diversas áreas e com o surgimento de iniciativas sociais como os Centros Populares de
Culturas (CPCs) criados pela União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1961, e o
Movimento de Cultura Popular idealizado por Paulo Freire e implantado em Pernambuco, em
1960, ambos com as atividades encerradas em 1964 com o Golpe Militar (Rubim, 2007b).
Inscrevem-se também nessa fase o florescimento da bossa-nova, a arquitetura de Oscar
Niemayer e Lúcio Costa e o cinema novo de Glauber Rocha.
36
A instauração do regime militar no Brasil, em 1964, paradoxalmente, trouxe novos ânimos
para a gestão pública da cultura com a participação mais incisiva do Estado no cenário
cultural, embora com viés altamente censurador, típico de governos ditatoriais, e a fundação
de alguns órgãos, entre os quais: o Conselho Federal de Cultura (1966), o Instituto Nacional
de Cinema (1966), o EMBRAFILME (1969), o Departamento de Assuntos Culturais (1970), a
TELEBRÁS (1972), a FUNARTE (1975) e a RADIOBRÁS (1976), e a redefinição de outros,
como a transformação do SPHAN em Instituto, em 1970.
A defesa do nacionalismo e o projeto de construção de uma identidade nacional são
retomados na ditadura militar. Barbalho (2007) pondera que nesse momento específico, a
intenção era dar continuidade à integração regional e social como medida de segurança e
estratégia de desenvolvimento, justificando, assim, o lema defendido pela elite: “Proteger e
Integrar a Nação”. Nesse contexto, exaltou-se a diversidade cultural brasileira, a miscigenação
como comunhão entre culturas e, mais uma vez, governo e elite apoderaram-se da cultura
como símbolo de uma nação unificada.
Para a construção de imagens representativas da nação, projeção dos supostos vínculos
identitários e propagação das benfeitorias do regime, os dirigentes governamentais
incentivaram a expansão da indústria cultural e investiram na instalação de infraestrutura
tecnológica para funcionamento do sistema de comunicação, concedendo a administração
para as empresas privadas que deveriam seguir com rigor os princípios e recomendações do
Estado. “Ao se definir como concessionário único e transferir para a jurisdição federal o poder
de concessão, ele concentra poder e facilita o controle sobre as redes nacionais de televisão”
Ortiz (1994, p. 88). Desde modo, vivenciou-se um período de disseminação dos veículos de
comunicação de massa associados à “alienação” e desinformação da sociedade em virtude da
repressão da censura não aos meios de comunicação, mas também à literatura, ao teatro, à
música, ao cinema, entre outras áreas.
Por outro lado, o Estado totalitário constituía-se no grande mecenas da cultura. Em meio às
ações que conduziram essa titulação, pode ser citada a execução, em 1973, do Plano de Ação
Cultura (PAC) com o intuito de fomentar a promoção e divulgação de manifestações pelo país
com um calendário de eventos financiados pelo Estado com recursos provenientes do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Segundo Miceli (1984a), o governo
patrocinava as atividades artísticas que não apresentavam condições de sustentação no
mercado (teatro, museus, óperas), no entanto, havia uma prevalência de recursos destinados
37
para projetos de restauração de monumentos, demonstrando a supremacia da questão
patrimonial para o aparelho estatal.
A respeito das políticas de preservação do patrimônio nacional executadas pelos militares,
Santos (2007) as avalia como essenciais para a compreensão das representações sobre
memória e identidade vigentes no período, na medida em que expressavam o propósito de
veneração ao passado e aos valores tradicionais, através da proteção de monumentos de
“interesse nacional”, em sua maioria obras arquitetônicas de inspiração barroca. O
Compromisso de Brasília
10
, elaborado em 1970, ratifica a forte expressão da vertente
patrimonial durante a ditadura ao ressaltar a importância de resguardar e valorizar o
patrimônio histórico e artístico incentivando a expansão dos bens e conjuntos urbanos
tombados, bem como ao propor iniciativas para que o culto ao passado pudesse contribuir
com a edificação da consciência nacional. É nessa conjuntura que se insere o tombamento do
Conjunto Arquitetônico e Paisagístico do espaço urbano de Cachoeira-BA, visando
salvaguardar não apenas alguns monumentos tombados isoladamente, mas a totalidade do
acervo da cidade (o que será discutindo com maior abrangência no capítulo 2).
Introduz-se também na década de 1970 o atrelamento das políticas culturais de preservação
com as políticas de turismo, com o objetivo de atrair divisas, investimentos e, por
conseguinte, alavancar o desenvolvimento econômico em algumas regiões do país. Para a
viabilização da atividade turística e recuperação dos monumentos nas cidades que
compunham o rol dos patrimônios nacionais, em 1973 entra em vigor o Programa Integrado
de Reconstrução das Cidades Históricas (PCH), com foco inicial na região Nordeste,
ampliando-se, posteriormente, para a região Sudeste e Sul. A Bahia foi um dos estados mais
assistidos pelo PHC, sendo o município de Cachoeira contemplado com a restauração de
alguns monumentos e sobrados.
Com a abertura política do regime militar e a proliferação das iniciativas governamentais no
campo da cultura, emerge no MEC a eminência de estruturação das ações culturais. Destarte,
na gestão do ministro Ney Braga, teve início a institucionalização das ações culturais,
10
O Compromisso de Brasília foi um encontro de governadores ocorrido em Brasília com o objetivo de discutir a
proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e a necessidade dos estados e municípios criarem seus
próprios órgãos e legislações de preservação, desenvolvendo, assim, ações complementares às do IPHAN.
38
oficializada com a Política Nacional de Cultura (PNC), formulada pelo Conselho Federal de
Cultura
11
em 1975. Como ressalta Miceli (
1984b, p. 57):
A importância político-institucional desse “ideário de uma conduta”
consistiu, sobretudo no fato de haver logrado inserir o domínio da cultura
entre as metas da política de desenvolvimento social do governo Geisel. Foi
a única vez na história republicana que o governo formalizou um conjunto
de diretrizes para orientar suas atividades na área cultural, prevendo ainda
modalidades de colaboração entre órgãos federais e de outros ministérios.
Apresentando como objetivo primordial a “codificação do controle sobre o processo cultural”
e tratando a cultura como questão de segurança nacional, a PNC possuía como propostas
basilares o estímulo à criatividade, à propagação das atividades culturais, à integração das
diversidades regionais e preservação dos bens culturais, além de atender às demandas
específicas de alguns segmentos culturais (COHN 1984, p.88).
Sobressai-se, também, no período em análise, a criação do Centro Nacional de Referência
Cultural (CNRC) em 1975, coordenado por Aloísio Magalhães. O CNRC surgiu como uma
entidade diferenciada das demais existentes por ser resultado de convênio entre os Ministérios
da Educação e Cultura, do Interior, das Relações Exteriores e da Indústria e Comércio, a
Secretária de Planejamento da Presidência da República, a Universidade de Brasília e a
Fundação Cultural do Distrito Federal, por possuir um quadro de profissionais
multidisciplinares, enfocar o saber popular, tecnologias tradicionais e artesanato como
significativos à memória nacional e o desenvolvimento, além de adotar uma noção ampla da
cultura, tendendo para a dimensão antropológica, e induzir à renovação das concepções de
patrimônio que imperavam no momento (CALABRE, 2007 e BOTELHO, 2007).
As propostas inovadoras de Aloísio Magalhães ganharam projeção em 1979, quando,
designado para a direção do IPHAN, conduziu uma reformulação da atuação do órgão e
incorporou ao conceito de bem cultural as criações populares, os saberes e hábitos culturais
até então relegados. Posteriormente, Aloísio Magalhães promoveu a fusão entre o IPHAN, o
11
Durante a ditadura militar, os membros do Conselho Federal de Cultura eram nomeados pelo Presidente da
República, não havendo participação da sociedade na elaboração das políticas para o setor cultural.
39
PCH e o CNRC, instituiu a Fundação Nacional Pró-Memória (FNpM) e criou as bases para o
surgimento da Secretaria da Cultura do MEC, em 1981.
No decorrer da ditadura militar, a cultura brasileira recebeu considerável impulso no que
tange à produção, difusão e à institucionalização das iniciativas para o setor cultural, porém
permeado pelo rígido controle do Estado (ORTIZ, 1994). Assim, depreende-se que as
políticas culturais desenvolvidas nesse período enquadram-se no modo ideológico de políticas
de dirigismo cultural discutido por Coelho (1997), posto que agregavam um Estado
autoritário que concebia a política cultural como estratégica para segurança nacional e a
preservação de valores do passado e da cultura popular como elementos básicos para a
afirmação de uma suposta identidade nacional.
1.2.3 A influência do neoliberalismo na condução das políticas culturais (1985 a 2002)
Superada a ditadura, inicia-se a fase pós-abertura e a construção da democracia no país,
aguçando entre os gestores estaduais da cultura o anseio pela criação de um ministério
específico e desvinculado da pasta da educação, o que foi concretizado em 1985 durante o
Governo de José Sarney (1985 a 1989). Sem uma estrutura econômica e administrativa
favorável, o Ministério da Cultura (MinC) se deparou com vários percalços que dificultaram o
seu pleno funcionamento. Como elenca Calabre (2007), os problemas concerniam à
indisponibilidade de espaços físicos para a instalação do novo ministério, ausência de corpo
técnico-administrativo apto para as novas funções, transitoriedade de ministros e escassez de
recursos orçamentários para a execução de programas.
Buscando reverter o quadro de fragilidades e a falta de assistência à produção da cultura, entra
em vigência, em 1986, a primeira lei federal de incentivos fiscais para o financiamento da
cultura, a Lei 7.505, denominada de Lei Sarney, que representava, naquele momento, um
dispositivo para viabilizar alternativas de fomento às atividades e reduzir os encargos
financeiros diretos do Estado, que o país estava diante de uma recessão econômica
provocada pela inibição dos investimentos privados, aceleração inflacionária e aumento do
déficit público, obrigando os órgãos governamentais a reduzirem as verbas destinadas aos
setores sociais, entre os quais, o cultural.
40
O modelo de funcionamento da Lei Sarney suscitou severas críticas, pois além de evidenciar a
predominância do mercado na gestão cultural em detrimento do Estado, a lei não dispunha de
critérios eficazes para a aprovação técnica de projetos, avaliação da sua relevância cultural e
equidade no partilhamento dos recursos; beneficiava projetos de cunho comercial e
executáveis do ponto de vista econômico e, o pior, não possuía mecanismos de controle e
acompanhamento da execução dos projetos, deixando brechas para a sonegação e a evasão
fiscal (SILVA, 2007).
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, gerou-se a expectativa de valorização e
fomento da cultura brasileira, por conter disposições referentes às responsabilidades e
obrigações do Estado e da sociedade em relação à cultura, às manifestações culturais e
patrimônios nacionais. O artigo 215 da Constituição Federal é enfático ao dispor que “o
Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura
nacional, e apoiará e incentivará a valorização e difusão das manifestações culturais”
(BRASIL, 2003a, p. 134)
Entretanto, a regulamentação, através do documento oficial, das atribuições do aparelho
estatal com a cultura não foi suficiente para evitar o descaso e retrocessos ocorridos durante a
presidência de Fernando Collor de Melo (1990 a 1992). Principiou-se um desmantelamento
das instituições culturais com a transformação do recém-criado Ministério da Cultura
12
em
Secretaria atrelada à Presidência e a extinção de alguns órgãos ligados à cultura na instância
federal, como a EMBRAFILME e as Fundações PRÓ-MEMÓRIA e FUNARTE.
Imbuído do espírito neoliberal de um Estado mínimo, Collor deu início à campanha de
privatização das empresas estatais, restringiu o orçamento público destinado aos
investimentos sociais, decretou a abertura do mercado ao capital estrangeiro e possibilitou às
corporações adquirirem grande poder de barganha junto aos órgãos governamentais. Santos
(2007) enfatiza como principais reflexos da tendência neoliberal na gestão e produção cultural
no governo Collor a atuação das empresas privadas incitando a expansão do mercado
cultural, a transposição das fronteiras nacionais, a globalização do consumo e as interações
entre culturas locais e globais e, fundamentalmente, o afastamento do Estado da função de
mecenas da cultura, além da ascensão do capital privado como regulador hegemônico da
gestão cultural no Brasil.
12
Na gestão presidencial de Itamar Franco (1992 a 1994) o Ministério da Cultura é reativado.
41
Em 1991, a Lei Sarney foi substituída pela Lei 8.313, popularizada como Lei Rouanet
13
.
Mais rígida, a lei estabeleceu níveis mais baixos de dedução e a prática de avaliação prévia,
por uma comissão composta por representantes do governo e entidades culturais, dos projetos
interessados em pleitear a concessão de financiamento junto às empresas privadas. A Lei
Rouanet instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), criado com o
desígnio de angariar recursos para o setor cultural através da instituição de três mecanismos
de financiamento: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), os Fundos de Investimento Cultural e
Artístico (Ficart) e os Incentivos a Projetos Culturais
(SILVA, 2007)
. Apesar do PRONAC se
desdobrar em três modalidades de financiamento, durante os governos Collor e FHC
vigoraram soberanamente apenas os incentivos a projetos via renúncia fiscal.
As privatizações e política de financiamento foram potencializadas nos dois mandatos
presidenciais de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), que projetou e consolidou o
avanço dos princípios neoliberais no Brasil. Perante essa conjuntura, a cultura não ficou
imune, houve um nítido distanciamento da administração pública em relação às questões
culturais, as atividades e expressões artísticas passaram a ser consideradas capazes de se
autossustentarem, logo não necessitavam de auxílio estatal direto.
Franscisco Weffort, à frente do MinC, limitou as possibilidade de financiamentos federais e
realizou a desburocratização da Lei Rouanet, um artifício para facilitar a adesão pelas
empresas e isentar o Estado dessa incumbência financeira. Como aborda Santos (2007, p.
171),
A eleição das leis de incentivo (a Rouanet e a do Audiovisual), como pilar
do programa de intervenção estatal, se traduziu na conformação de uma
política cultural orientada sobremaneira pela relevância da dimensão
econômica imanente ao circuito da produção, circulação e consumo dos bens
culturais, vinculados à esfera da grande produção. Essa tendência liberal de
conferir relevância à dimensão econômica da cultura respondeu à
importância que o “mercado cultural” assumiu na dimensão do
contemporâneo – mercado esse fortemente regulado pelas pressões exercidas
pelos mecanismos da sociedade de consumidores, sobretudo do
entretenimento.
Ao transferir para o mercado as atribuições relacionadas ao fomento das manifestações
culturais, o Estado também se exime da tarefa de decidir, conduzir as políticas culturais e
13
Nome do então secretário federal de cultura, o embaixador Paulo Sérgio Rouanet.
42
definir quais são as prioridades. Com isso as empresas agem livremente, muitas vezes dando
preferência às atividades que propiciarão maior visibilidade midiática a suas marcas. Além de
o fato do marketing cultural” realizado por essas empresas se valer do dinheiro público,
que as verbas investidas são provenientes de renúncia fiscal, ou seja, o mercado direciona as
políticas culturais de financiamento e o setor público é que arca com as despesas.
A lógica das leis de incentivo entremeadas com a ausência de uma política nacional de cultura
implicou em uma série de consequências danosas para a produção cultural no Brasil:
convergência de financiamento dos projetos do Sudeste
14
e restrições das atividades nas
demais regiões, situação acentuada nos estados que não dispunham de uma política cultural
estruturada, capaz de oferecer subsídios, compensando as limitações do suporte federal;
concentração de recursos em poucos projetos e contemplação de iniciativas oriundas das
próprias empresas patrocinadoras; predomínio das grandes produções e espetáculos de artistas
renomados em detrimento das expressões tradicionais e/ou de reduzida repercussão midiática;
consolidação do agente captador de recursos como interlocutor entre produtores e
financiadores; e a emergente necessidade de profissionalização dos criadores culturais.
(Barbalho, 2007 e 2005, Santos, 2007)
Em meio ao entendimento equivocado de concepção das leis de financiamento como políticas
culturais, sobressaem-se algumas iniciativas propulsoras para o campo cultural: o incentivo à
implantação de bibliotecas pelo país, a execução do Programa Monumenta, o decreto sobre o
registro dos bens culturais de natureza imaterial e a criação do Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial.
O Decreto 3.551/2000, além de instituir o registro de bens culturais de natureza imaterial,
configura-se como um marco na transição das políticas patrimoniais brasileiras, por garantir a
representatividade dos diferentes grupos sociais na constituição do patrimônio cultural do
país, não o restringindo às expressões de algumas etnias ou aos aspectos estritamente
materiais (FONSECA, 2001). O decreto pode ser considerado ainda a culminância das
proposições de Mário de Andrade e Aloísio Magalhães, das discussões internacionais
promovidas pela UNESCO e as inquietações dos envolvidos com o âmbito cultural sobre a
14
A concentração de atividades financiadas na região Sudeste, mais especificamente no eixo Rio-São Paulo, é
um reflexo da centralização de empresas de médio e grande porte, participantes da política de financiamento
nesse circuito.
43
necessidade de ampliação da noção de bens culturais e o reconhecimento da diversidade
cultural do Brasil.
Numa ação completar ao registro, foi criado ainda o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial, ao qual compete oferecer suporte para a realização de projetos de identificação,
reconhecimento, salvaguarda e valorização do patrimônio cultural imaterial junto à sociedade,
firmar parcerias com instituições públicas e privadas para a consecução dos objetivos do
programa, bem como dar assistência aos bens registrados. Até o final da gestão de FHC,
foram concluídos os registros do Ofício das Paneleiras de Goiabeira (ES) e da Arte Kusiwa
dos Wajãpi (AP).
o Programa Monumenta, principiado no ano 2000, apresentava como diretrizes a
revitalização e uso sustentável do patrimônio histórico e artístico urbano sob proteção federal,
viabilizando sua utilização social, cultural e econômica, visto que as áreas preservadas
oferecem significativa atratividade para o desenvolvimento do turismo cultural. Em 2002, as
ações do Monumenta foram iniciadas em Cachoeira-BA, sob a coordenação do Instituto do
Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (IPAC), com o propósito de restaurar imóveis do
centro histórico que se encontravam em estágio avançado de deteriorização, muitos em ruínas
(A implantação do Programa Monumenta em Cachoeira será objeto de discussões mais
aprofundadas no quarto capítulo). A iniciativa do Programa Monumenta é extremamente
relevante por proporcionar a preservação de alguns patrimônios materiais, todavia não é
completamente dissociada do liberalismo imperante na política do governo, em decorrência
de promover a preservação de patrimônios, mas também adequá-lo para a lógica de mercado e
uso com finalidades turísticas.
1.2.4 O processo de democratização e a construção de políticas públicas de cultura (2003
a 2010)
As gestões governamentais de Lula vieram acompanhadas de novos encaminhamentos para a
condução da cultura nacional e representam uma fase de transição das políticas culturais no
44
país. Ao assumir o Ministério da Cultura, Gilberto Gil (2003 a 2008
15
) propôs
redirecionamentos conceituais e reformas institucionais, objetivando romper com as
limitações e fragilidades identificadas na atuação do órgão, a restrita intervenção do Estado no
setor cultural, o escasso orçamento (um dos menores da União), o beneficiamento de
determinadas atividades culturais, o desvirtuamento e centralização das políticas de
financiamento e a reduzida participação da sociedade na elaboração das políticas culturais,
entre outros aspectos.
Almejando redefinir o funcionamento do MinC e originar uma estrutura administrativa capaz
de dar suporte às mudanças na condução institucional da cultura brasileira, foram criadas as
secretarias: de Políticas Culturais; Diversidade e Identidade Cultural; Fomento e Incentivo à
Cultura; Articulação Institucional; o Conselho Nacional de Políticas Culturais; e, ampliação
das secretarias Executivas e do Audiovisual.
Para acompanhar esse processo, alguns órgãos federais pré-existentes foram revigorados com
a ampliação do seu campo de atuação. A título de exemplificação, pode ser mencionado o
caso do IPHAN com o aumento do seu raio de abrangência através da implantação de novas
superintendências e escritórios técnicos, concomitante com a intensificação da preservação
dos patrimônios materiais e fortalecimento do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial.
O patrimônio material foi contemplado com a progressão do Programa Monumenta durante o
Governo Lula, abrangendo um número maior de municípios, incluindo os imóveis privados e
estendendo os convênios com as cidades assistidas pelo programa até 2009. E para dar
continuidade à política de assistência às cidades com conjuntos ou sítios arquitetônicos
resguardados pelo IPHAN, foi lançado, em outubro de 2009, o PAC Cidades Históricas
(Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas). A política para o
patrimônio imaterial consolidou-se com o surgimento do Departamento de Patrimônio
Imaterial no IPHAN, a valorização das expressões da cultura popular e a extensão do rol dos
bens registrados com a inclusão de mais doze bens, entre os quais o Samba de Roda do
Recôncavo Baiano, registrado em 2004, contemplando assim os grupos de samba de roda
existentes em Cachoeira. Cabe pontuar que, desde 2005, o Samba de Roda do Recôncavo
15
Com a solicitação de Gilberto Gil de afastamento do cargo, Juca Ferreira assumiu o Ministério da Cultura em
29 de agosto de 2008, dando continuidade ao projeto de gestão do MinC nos moldes da administração anterior.
45
Baiano também é reconhecido como Obra-prima do Patrimônio Oral e Imaterial da
Humanidade pela UNESCO.
A criticada, e ao mesmo tempo necessária, Lei Rouanet se configurou e perdura como a
principal política de financiamento da cultura na instância federal. Entretanto, sofreu algumas
reformas e adequações regulamentadas pelo Decreto 5.761/2006. Primando pela
democracia nas decisões culturais, o MinC realizou ampla consulta à sociedade e aos
segmentos artísticos a fim de diagnosticar as principais distorções apresentadas pela lei para, a
partir daí, expandir o mero de áreas culturais atendidas, incluir programas e ões culturais
(antes limitava-se aos projetos), determinar quais propostas se enquadrariam nos editais de
incentivo via renúncias fiscais ou do Fundo Nacional de Cultura e criar os meios de
democratizar e descentralizar os financiamentos e o aprimoramento da fiscalização
(GRUMAN, 2008). Outras modificações foram cogitadas e a nova proposta para as
políticas de financiamento da cultura, com a criação do Programa Nacional de Fomento e
Incentivo à Cultura – Procultura, está em fase de tramitação no Congresso.
Uma das principais distinções da prática de gestão empregada por Gil e mantida por Juca
Ferreira é a formulação de políticas públicas de cultura em conjunto com a sociedade civil,
por entenderem que uma política cultural é elemento constituinte do projeto de formação de
uma nação democrática e plural, logo não devem ser estruturadas sem a participação ativa dos
agentes envolvidos. Seguindo o previsto na Constituição de 1988 e nas diretrizes do Sistema
Nacional de Cultura, o MinC vem incentivando a institucionalização dos conselhos de cultura
nas três instâncias governamentais com função consultiva e paridade na representação do
poder público e da sociedade, induzindo a participação social e democratização do processo
de construção das políticas públicas para o campo da cultura.
Se anteriormente as políticas culturais eram predominantemente fundamentadas na dimensão
restrita da cultura, Gil tenta recuperar a noção ampliada, empregada anteriormente por Mário
de Andrade e Aloísio Magalhães. Nessa perspectiva, buscou firmar parcerias com os demais
ministérios com o fito de desenvolverem políticas articuladas, ressaltando, assim, as interfaces
da cultura com as demais áreas. Como afirma o próprio Gilberto Gil (2004, p 1):
Uma concepção antropológica, abrangente da cultura baliza a ação do
Ministério da Cultura do Brasil: cultura como a dimensão simbólica da
46
existência social brasileira, como eixo construtor de nossa identidade,
permanentemente alimentada pela diversidade cultural do país e do planeta.
Cultura como alicerce da construção e do exercício da cidadania, da
superação da desigualdade e da exclusão social. Cultura como espaço de
inclusão econômica, pelas inúmeras possibilidades de geração de trabalho e
renda existentes no mundo das artes e do patrimônio histórico-cultural.
Tal postura assumida pelo MinC é, segundo Rubim (2009), um indicativo da abrangência da
atuação do Estado nas áreas culturais, passando a incorporar as diversificadas expressões
culturais e não somente a cultura erudita. Dentre as ações executadas pelo MinC com a
intenção de contemplar as três dimensões da cultura, propiciar a democratização e
universalização de acesso aos bens culturais e integrar a atuação dos Ministérios, merecem
destaque a implantação dos Programas Cultura Viva e Mais Cultura.
Com o desígnio de enaltecer a diversidade cultural brasileira, possibilitar aos grupos
socialmente excluídos acesso aos direitos elementares de cidadania e prover os meios básicos
para as comunidades desenvolverem ações culturais ou impulsionarem suas expressões, foi
criado, em 2004, o Programa Cultura Viva. Os Pontos de Cultura representam a principal
linha de ação do programa, constituindo-se em projetos desenvolvidos pela sociedade civil
que, por meio de seleção pública por editais, recebem subsídios para alavancar as atividade e
expressões culturais locais.
Conforme informação disponibilizada no site do MinC, até maio de 2010 foram criados
2.500 Pontos de Cultura dispersos pelo território brasileiro. Destes, 228 Pontos de Cultura
estão presentes em 129 municípios da Bahia, dois deles localizados na área urbana do
município de Cachoeira: o Terreiro Cultural e a Sociedade Litero Musical Minerva
Cachoeirana. O primeiro desenvolveu atividades relacionadas ao Cineclube e Cine Teatro,
criando uma estrutura de apoio à produção, veiculação de diversificadas expressões artística,
buscando estimular ações de economia solidária, jornalismo colaborativo, educomunicação e
protagonismo juvenil, tendo o seu funcionamento encerrado no ano de 2008. Enquanto o
segundo refere-se a uma secular filarmônica que realiza ações vinculadas ao ensino musical
para a população cachoeirana, abrangendo, principalmente, o público infanto-juvenil.
o Programa Mais Cultura, criado em 2007, surgiu como uma reação governamental diante
das constatações dos baixos e preocupantes indicadores relacionados ao acesso da população
brasileira aos bens e serviços culturais, revelados pelas pesquisas realizadas pelo Instituto
47
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o setor cultural. Como o próprio nome
induz, o programa é uma tentativa de prover meios que permitam à população maior acesso
aos bens culturais, complementando as ações do Cultura Viva e tem como área de atuação
prioritária a região do semiárido brasileiro, a mais desprovida de equipamentos culturais e
iniciativas fomentadoras das culturas locais. A proposta é que o programa seja desenvolvido
de forma transversal e em articulação com órgãos culturais federais, estaduais e municipais,
através de acordos de cooperação para implantação descentralizada das ações e em parceria
com os demais ministérios.
Essa administração do Governo Federal se preocupou também com a institucionalização de
planejamentos a longo prazo concebendo-os como políticas de Estado, como é o caso do
Plano Nacional de Cultura (PNC). A despeito de não ser propriamente original, tendo em
vista que em 1975 foi formulado o primeiro PNC, no contexto da Ditadura Militar, a
proposição atual se diferencia pela elaboração conjunta entre órgãos governamentais
pertencentes às três esferas públicas, iniciativa privada e sociedade civil, assumindo uma
dimensão pública e caráter mais democrático.
O desenho e a implementação de políticas públicas de cultura pressupõem a
interface entre governo e sociedade. Além de explicitar suas expectativas e
encaminhar suas demandas, os cidadãos também devem assumir co-
responsabilidades nas tomadas de decisão, na implementação e avaliação das
diretrizes, nos programas e nas ações culturais. Retoma-se assim a idéia da
cultura como direito do cidadão e amplia-se a perspectiva da participação
social na gestão da cultura (BRASIL, 2007, p. 85)
Em 2007, são publicadas as primeiras diretrizes norteadoras do PNC, fruto dos seminários,
reuniões de câmaras setoriais, Conselho Federal de Políticas Culturais e das conferências
municipais, intermunicipais, estaduais e nacional. Entre 2008 e 2009 essas diretrizes passaram
novamente pelo crivo da sociedade civil nos seminários promovidos em todos os estados, e só
então foram encaminhadas para a aprovação pelo Congresso. A expectativa era que o PNC
fosse aprovado e iniciasse sua implementação em 2009, o que não ocorreu que a proposta
ainda está em tramitação.
O PNC consiste no planejamento plurianual correspondente ao decênio de 2008 a 2018 e
dispõe sobre os conceitos e valores adotados com base numa perspectiva de valorização da
48
diversidade, diagnósticos e desafios a serem enfrentados pelas políticas culturais e as
estratégias gerais que embasarão a atuação dos órgãos governamentais responsáveis pela
condução da cultura no país. Outra atribuição do PNC é a operacionalização do Sistema
Nacional de Cultura (SNC), que possibilitará a integração entre as instâncias federal, estadual
e municipal para a promoção conjunta de políticas culturais, bem como servirá de rede para a
efetivação, acompanhamento e avaliação do PNC.
O MinC, liderado por Gilberto Gil e Juca Ferreira, inovou essencialmente ao inserir a cultura
na pauta de discussões do governo, ao ressaltar a importância do Estado intervir no campo da
cultura, criando condições para o acesso e produção de bens simbólicos, ao reconhecer a
multiplicidade de identidades e valorizar a diversidade cultural brasileira, ao incentivar as
pesquisas culturais sobre o setor cultural e ao considerar imprescindível a participação da
sociedade civil na formulação dos planos de ação e políticas públicas de fomento à cultura
nacional, pensadas como política de Estado e não com a transitoriedade das políticas de
Governo.
Contudo, algumas proposições ainda não foram inteiramente cumpridas e, até o final do
mandato em dezembro de 2010, Juca Ferreira tem pela frente os desafios: de cobrar celeridade
do Congresso Nacional para aprovação do PNC (que estava previsto para 2008) e da revisão
da Lei Rouanet; executar as propostas iniciais do PNC; concretizar o SNC; potencializar a
inserção da sociedade brasileira no processo de elaboração e acompanhamento da
implementação das políticas públicas; firmar parcerias interministeriais; e mediante esses
atos, impulsionar o pleno desenvolvimento do setor cultural no Brasil.
1.3 ENCAMINHAMENTOS DAS POLÍTICAS CULTURAIS NA BAHIA
Na Bahia, as primeiras ações culturais foram tímidas, pouco expressivas e com um raio de
abrangência extremamente limitado. Em alguns momentos, essas políticas foram norteadas
pelas mesmas tendências incorporadas pela instância federal, em outros seguiram caminhos
divergentes, experimentado novos modelos de gestão e vinculando, de forma inédita, a cultura
com o turismo, rompendo com a costumeira junção com a educação.
49
Os primeiros marcos das iniciativas públicas para o setor cultural na Bahia remetem para a
administração estadual de Otávio Mangabeira (1947 a 1951), quando se efetivou a primeira
política de apoio à cultura através da fundação do Departamento de Cultura na Secretaria de
Educação da Bahia. Estruturado e gerido pelo renomado educador Anísio Teixeira, o
Departamento se converteu num grande centro de sustentação e incentivo para a música, o
teatro, as artes plásticas, a literatura e o cinema no âmbito baiano (MACIEL, 2008).
Posteriormente, durante o contexto do regime militar e da mesma forma que no âmbito
nacional, estabeleceu-se uma situação contraditória, porque à medida que, por um lado, a
cultura recebeu impulsos governamentais, por outro lado a ditadura provocou a desarticulação
do movimento cultural, repressão aos artistas, intensa fiscalização sobre as ações dos
funcionários públicos e a exoneração daqueles que não se enquadravam ao regime. Segundo
Uchôa (2008), nessa fase, juntamente com a forte repressão aos movimentos culturais e
sociais, o governo assumiu o controle de algumas ações culturais, ampliou os investimentos e
deu origem a algumas das principais instituições culturais do estado, começando a balizar o
seu papel no campo da cultura.
Influenciado pela expressividade que a vertente patrimonial tinha perante o governo dos
militares e pela conjuntura política vigente, em 1967, o governador Antônio Lomanto Júnior
funda o Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (IPAC), com o papel de zelar pela
preservação do patrimônio cultural baiano, até então sob responsabilidade exclusiva do
SPHAN. Na gestão seguinte, de Luís Viana Filho (1967 a 1971), as ações continuaram com a
formação do Conselho Estadual de Cultura (CEC), em 1967, encarregado pela elaboração de
políticas para estimular a produção cultural e literária, a ampliação e melhoria dos
equipamentos e acervos, a expansão das atividades do IPAC, por meio da abertura do
Escritório Regional do Recôncavo na cidade de Cachoeira, para atender, além da cidade sede,
Santo Amaro e Nazaré.
Ao exercer o primeiro mandato como governador da Bahia, em 1972, Antônio Carlos
Magalhães (ACM) criou a Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), em 1973, que
diferenciava-se pela proposta de dinamização, estímulo à cultura e sua produção. A FUNCEB
foi o último órgão cultural criado na fase ditatorial, compondo, juntamente com o IPAC e
CEC, as instituições culturais do período. O seu sucessor
16
deu continuidade aos projetos.
16
Roberto Santos pertencia ao mesmo grupo político de ACM, governou a Bahia de 1975 a 1979.
50
Assim, a FUNCEB, que era o órgão mais atuante no ordenamento da cultura, estruturou o
Serviço de Difusão Cultural e as ações das coordenadorias de bibliotecas, imagem e som,
música e artes cênicas (UCHÔA, 2008).
ACM, quando reassumiu o Governo Estadual (1979 a 1983), intensificou as ações culturais da
FUNCEB, que passou a desempenhar funções como: estímulo ao surgimento de grupos
artísticos; construção de centros culturais em algumas cidades do interior; e realização de
concursos, feiras, exposições, seminários, cursos e oficinas para fomentar a produção cultural
e artística na capital e em alguns municípios do interior do estado. Por conta dessa ampliação,
o período é considerado pelos ex-funcionários e dirigentes da fundação como a “fase de ouro
da FUNCEB. (BAHIA, 2004a).
Essas ões sinalizavam o início da campanha de valorização da “identidade cultural baiana”
desenvolvida pelo grupo Carlista
17
, com o objetivo de potencializar o turismo cultural. Insere-
se nessa etapa, também, o início da preocupação com a preservação do patrimônio cultural e a
parceria com o Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas (PCH) para o
desenvolvimento de ações em cidades com potencial turístico, a exemplo de Cachoeira,
Nazaré, São Francisco do Conde e Lençóis.
Os planos de ACM, de projeção da cultura baiana, sofreram uma interrupção momentânea
com o fim do Regime Militar e eleição direta de Waldir Pires (1987 a 1989), que desde a
disputa eleitoral utilizava a cultura como um dos chamarizes de seu governo. Assim, a
estrutura organizacional das instituições culturais foi alterada com a implantação da primeira
Secretária de Cultura do Estado da Bahia, em 1987, que abarcou as instituições culturais pré-
existentes.
A Secretaria de Cultura gerou expectativa de novas ações para o fomento do campo cultural e
com cunho menos intervencionista. Entretanto, a renúncia de Waldir Pires
18
e a transferência
do cargo para Nilo Coelho provocou a estagnação das propostas renovadoras da secretaria.
Nilo Coelho (1989 a 1991) submeteu a SEC a uma reforma estrutural, abolindo alguns órgãos
e dando origem a outros, reduziu a FUNCEB à Fundação das Artes e tentou articular a capital
e o interior por meio da promoção de seminários e debates, porém a proposta foi infrutífera
17
Grupo político liderado por Antônio Carlos Magalhães (ACM) até sua morte em 2007. O grupo exerceu
supremacia no comando do Governo Estadual baiano desde o final da década de 70 até o ano de 2006.
18
Abriu mão do cargo de governador para concorrer às eleições de 1989 como vice-presidente de Ulisses
Guimarães.
51
(SANTOS, 2008). Além disso, a crise financeira do estado contribuiu para a descontinuidade
dos projetos em desenvolvimento, aniquilando, naquele momento, as esperanças de uma
gestão cultural menos direcionadora.
1.3.1 Especificidades das políticas culturais desenvolvidas na Bahia durante os anos de
1991 a 2006.
A partir de 1991, com o começo do terceiro mandato de ACM e a permanência do seu grupo
político (o extinto PFL) por 16 anos consecutivos no comando do poder estadual
19
, a cultura
começou a receber maior atenção governamental, porém esse processo de valorização e
incentivo estava essencialmente atrelado a um projeto político para o desenvolvimento da
Bahia e a uma concepção equivocada da cultura voltada para aspectos econômicos, fonte de
divisas, emprego e renda. Destarte, as supostas políticas culturais do período foram rotuladas
pelo caráter restrito da cultura, apresentando contornos e metas bem definidas, tornando-se
intrinsecamente condicionadas aos interesses econômicos e concebidas como mecanismo
auxiliares na indução do desenvolvimento socioeconômico via economia do turismo.
Com a intenção de instituir uma “marca registrada” que diferenciasse o turismo no estado
baiano pelos aspectos culturais, arquitetou-se uma enfática campanha de construção da ideia
de baianidade, materializada na: projeção das multifacetadas manifestações da cultura
imaterial; valorização da simbiose entre as diferentes matrizes religiosas e da coexistência do
sagrado e do profano nas festas populares; divulgação do rico acervo arquitetônico de origem
barroca; espetacularização e profissionalização do carnaval de Salvador e, em menor
instância, das festas de São João (inclusive do tradicional São João em Cachoeira); e o
reconhecimento dos afro-descendentes e das suas expressões culturais e religiosas como
elementos essenciais para a formação da singularidade cultural e identidade do povo baiano.
Santos (2007) afirma que essa construção de uma “comunidade imaginada” foi,
simultaneamente, incorporada pelos grupos negros organizados como uma alternativa para
minimizar o preconceito étnico e fortalecer uma representação positiva, entendida pelas
19
ACM (1991 a 1993), Antônio Imbassahy (1993 a 1994). Paulo Souto (1995 a 1999 e 2003 a 2006), César
Borges (1999 a 2002) e Otto Alencar (2002 a 2003).
52
entidades culturais como um meio de resistência e corroborada pela elite local que tinha
interesses diretos na propagação de uma imagem sedutora da Bahia para as indústria do
entretenimento e turismo. Esse autor esclarece, ainda, que
[...] essa imagem pode ser possível se houver um correspondente real na
sociedade. Desse modo, o discurso da baianidade deve ser eficaz não só para
vender uma imagem do povo baiano, mas também para produzi-la
internamente. Nesse cenário as políticas culturais ganham fôlego para
fomentar os elementos emblemáticos dessa narrativa. (SANTOS, 2007,
p.135)
Processou-se, então, uma série de políticas, programas e ações com foco no incentivo às
tradições e manifestações populares, produção e consumo cultural, preservação do patrimônio
cultural e a criação de um mercado de entretenimento, sobretudo na capital do estado, visando
estimular a cultura local, fomentar a atividade turística e, consequentemente, atrair
investimentos e gerar divisas.
Na sua terceira gestão (1991 a 1993), ACM extinguiu a Secretaria de Cultura, recriando a
Secretaria de Educação e Cultura, concentrou suas ações na recuperação dos equipamentos
culturais danificados, a exemplo do Teatro Castro Alves e Museu de Arte da Bahia. Também
projetou e iniciou a polêmica revitalização do Centro Histórico de Salvador
20
em 1992, com
ênfase no Pelourinho, onde ocorreram desapropriações e parte dos moradores
(afrodescendentes e de baixa renda) foram deslocados para áreas periféricas da cidade,
configurando o início do processo de gentrificação da área. Depois de concluídas as
restaurações, diversos imóveis passaram a abrigar empreendimentos direcionados ao
entretenimento e turismo, prevalecendo os interesses do capital privado.
No seu primeiro governo Paulo Souto ratificou o atrelamento da cultura e turismo ao instituir
a Secretaria de Cultura e Turismo (SCT), em 1995, que foi gerida durante 12 anos pelo
economista e historiador Paulo Gaudenzi
21
, figura central na condução do projeto de junção
da cultura ao turismo na Bahia. A cultura passa a ser vista como um vetor propiciador da
20
O Centro Histórico de Salvador foi tombado pelo IPHAN, em 1984, e reconhecido pela UNESCO, em 1985,
como Bem Cultural do Patrimônio Mundial.
21
Paulo Gaudenzi era o presidente da Bahiatursa desde 1979, com interrupção da gestão apenas de 1987 a 1990,
durante os governos de Waldir Pires e Nilo Coelho.
53
inserção da Bahia no mercado de bens simbólicos e como mecanismo de projeção no cenário
internacional. Como declara o próprio Guadenzi (2006, p 219), “a cultura tem no turismo um
suporte de ampliação, de facilitação e de fortalecimento de mecanismos que favorecem o
processo de difusão cultural”. Durante sua administração, a SCT definiu como principais
linhas de ação para o setor cultural: o fortalecimento institucional; o incentivo à produção e
circulação dos bens culturais, inclusive no exterior; melhoria dos equipamentos e serviços
culturais; valorização e preservação do patrimônio histórico e cultural; e impulso ao
desenvolvimento sociocultural.
A SCT agregou os órgãos de turismo como a Empresa de Turismo da Bahia (Bahiatursa), a
Superintendência de Investimentos Turísticos (Sedetur) e a Superintendência de
Desenvolvimento de Pólos Turísticos (Suinvest) e as instituições e superintendências de
cultura, a saber: Conselho Estadual de Cultura (CEC), Instituto do Patrimônio Artístico
Cultural da Bahia (IPAC), Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), Fundação
Pedro Calmon (FPC), Superintendência de Cultura (Sedecult) e o Instituto de Rádio Difusão
da Bahia (IRDEB).
A FUNCEB, principal órgão executor das políticas culturais elaboradas pelo Governo
Estadual, acumulava as atribuições de dinamizar o setor cultural, induzir a disseminação de
atividades e grupos artísticos e zelar pela integridade física dos equipamentos culturais da
capital e de alguns poucos municípios
22
do interior baiano. Desse modo, realizou reformas e
melhorias da infraestrutura de teatros e centros de cultura, com destaque para a recuperação
do Teatro Castro Alves, em Salvador, e incentivou o fomento e a difusão das diversas
linguagens artísticas. Além disso, lançou editais para atender demandas e carências de áreas
específicas como música, artes cênicas, literatura, artes plásticas, audiovisual e fotografia
(BAHIA, 2004a).
Porém, como as demais instituições culturais do período, a FUNCEB enfatizou o apoio aos
projetos e a dinamização dos equipamentos culturais de Salvador com o intuito de fortalecer o
mercado de entretenimento. No interior, privilegiou a manutenção dos teatros e centros de
cultura e não a sua ocupação por grupos e manifestações, bem como não houve preocupações
com a descentralização geográfica dos equipamentos culturais, que promovesse a expansão
para regiões desprovidas de instalações culturais.
22
Juazeiro, Itabuna, Porto Seguro, Alagoinhas, Jequié, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Lauro de Freitas,
Valença, Lençóis, e Santo Amaro.
54
O IPAC, instituição remanescentes das primeiras iniciativas culturais do governo estadual
baiano, possuía as incumbências de desenvolver medidas de preservação dos patrimônios
culturais e artísticos, orientar e emitir pareceres sobre intervenções nos bens protegidos,
decretando, ao longo dos anos, o tombamento isolado de bens nos municípios de Salvador,
Cachoeira, Alagoinhas, Caetité, Feira de Santana, Lauro de Freitas, Santo Amaro, Nazaré, São
Félix, entre outros.
Juntamente com o IPAC, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia (CONDER),
que não pertencia ao quadro da SCT, operou na condução das políticas de preservação
executadas pelo governo estadual com a finalidade de criar novos pontos de interesse turístico
ou intensificar a atividade, o que não pode ser considerado simplesmente como um exemplo
de transversalidade da política cultural baiana, mas uma comprovação de que diversos órgãos
eram encarregados em desempenhar funções relativas à potencialização do turismo no estado.
O maior programa para a cultura da Secretaria de Cultura e Turismo, nos
seus 12 anos de existência, foi a política de preservação do patrimônio
material. A essa política foram destinados os maiores recursos financeiros
(do erário público e de empréstimos de organismos internacionais), assim
como sua presença foi recorrente nos discursos eleitoreiros e nas mensagens
de abertura dos trabalhos na Assembléia Legislativa, durante todo o período
(SILVA, 2008, p. 128)
O viés preservacionista adquiriu grande importância no período, em decorrência dos bens
preservados significarem um atrativo para o turismo cultural. Desse modo, pautados numa
política direcionada à recuperação dos imponentes monumentos de valor histórico e
arquitetônico e de acervos veis em sua maioria representativos da cultura barroca que
marcou o período colonial na Bahia, iniciou-se, em 1991, a revitalização do Centro Histórico
de Salvador. A partir de 1995, contando com o financiamento do Banco Interamericano do
Desenvolvimento (BID), através do Prodetur/NE I e II
23
, ampliou-se a área de intervenção no
Centro Histórico da capital e os projetos de recuperação foram estendidos, passando a
englobar cidades do interior selecionadas pelo latente potencial turístico, a exemplo de
Cachoeira e Lençóis.
23
Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (Prodetur/NE), executado pelo Banco do Nordeste e
financiado pelo BID, tem por objetivo auxiliar estados e municípios a expandirem as atividades turísticas na
região.
55
No decorrer da administração governamental do grupo Carlista, o IPAC sofreu algumas
modificações de suas atribuições. E entre as principais, podem ser citadas: em 2000, limitou
sua atuação à fiscalização técnica das obras de recuperação do Centro Histórico de Salvador,
cabendo à CONDER conduzi-las; foi incumbido da fiscalização das ações do Programa
Monumenta na Bahia; e, em 2003, assumiu a responsabilidade pela manutenção e
dinamização de onze museus do estado e animação cultural do Pelourinho. Assim, suas
funções foram desdobradas em preservação e realização de atividades culturais com intuito de
atrair público.
Seguindo as tendências da instância federal de diversificação dos bens protegidos legalmente
e valorização da cultura popular, foram tombados entre os anos de 2003 e 2006 terreiros em
Salvador, Maragogipe, Lauro de Freitas, Camaçari e Cachoeira. Em Cachoeira foi tombado,
em 2006, o Terreiro Rumpame Ayano Runtólogi, localizado no bairro do Caquende, mais
especificamente no Alto da Levada. Pertencente à nação jêje e fundado em 1963 por Luiza
Franquelina da Rocha, ou melhor, Gaiaku
24
Luíza, o terreiro teve seu tombamento por meio
da iniciativa do historiador cachoeirano Manuel Passos Rocha Pereira com o encaminhamento
de um ofício ao IPAC em 2005.
a Sedecul - fragmentada em três diretorias, a de Eventos, de Informações Culturais e a de
Incentivos Culturais - competia incitar o desenvolvimento da produção cultural e os processos
de animação das expressões artísticas, difundir e apoiar as manifestações populares, buscar
fontes de recursos, promover a formação de consumidores de bens culturais e produzir
informações sobre o setor, a exemplo do Inventário Patrimonial, um mapeamento e registro
minucioso dos bens materiais existentes em todo o estado e o Censo Cultural, executado em
parceria com as prefeituras municipais, a fim de produzir um catálogo referencial sobre as
manifestações, atividades, grupos, espaços, serviços, equipamentos, agentes e instituições da
cultura presentes nos municípios. Todavia, esses levantamentos não foram efetivamente
aproveitados pelos governos para subsidiar suas ações e nem sofreram atualizações ao longo
dos anos.
A Diretoria de Incentivos Culturais foi a encarregada de buscar alternativas de custeio para as
atividades culturais, atraindo empresas privadas e seguindo os mesmo rumos e as tendências
neoliberais vigentes na instância federal. Constituiu-se como principal mecanismo de ação da
24
Para a nação jêje, Gaiaku significa sacerdotisa.
56
diretoria o Programa Estadual de Incentivos a Cultura (Fazcultura), criado no ano de 1996 em
parceria com a Secretaria da Fazenda, com o intuito de redirecionar recursos públicos via
isenção fiscal e fazer com que o Estado deixasse de ser o único investidor nas expressões da
cultura baiana.
O Fazcultura é uma lei de financiamento por meio de incentivos fiscais - ainda em vigor – que
surgiu como uma estratégia propulsora para projetos e manifestações culturais que
demandavam apoio financeiro para desenrolar e/ou dar continuidade às suas atividades,
atendendo as áreas de artes cênicas, cinema e vídeo, fotografia, literatura, música, artesanato,
folclore e tradições populares, museus, biblioteca e arquivos. O programa foi influenciado e
segue os mesmos princípios da Lei Federal Rouanet, ou seja, concessão de isenção fiscal
(redução de 5% sobre o imposto ICMS) às empresas que subsidiam projetos culturais
previamente aprovados por uma comissão e que, após receberem a certificação, vão à procura
de patrocínio (BAHIA, 1996).
Embora essas leis de financiamento federal e estadual apresentem similaridades no modelo de
funcionamento e apesar da Bahia ter sido o primeiro estado brasileiro a adotar as leis de
incentivo a cultura, Vieira (2004) chama atenção para a diferença crucial na forma de
condução, pois enquanto na instância federal a iniciativa privada era o agente hegemônico no
processo decisório de aplicação dos recursos no âmbito cultural, no estado baiano, os
dirigentes políticos mantiveram o controle governamental sobre o direcionamento dos
recursos e sobre os rumos da produção cultural, não se configurando uma ausência do Estado
nesse processo. Porém, a forte intervenção do governo local não impediu a ocorrência de
disparidades no beneficiamento de determinadas áreas ou disputas desiguais entre os
proponentes. Desse modo, na Bahia, além da lógica do mercado, o Estado também se
configurou como um dos grandes responsáveis pelos favorecimentos ilícitos e contradições
apresentadas pela política de financiamento para a cultura.
Ao analisar as diretrizes e o desempenho do Fazcultura, Santos (2007) aponta algumas
incoerências apresentadas pelo programa, dentre as quais: a concentração de projetos
financiados nas áreas cênica, música e tradições populares; a predominância de projetos
conduzidos por “profissionais da cultura” e não pelos membros formadores das entidades
culturais; o fato de o próprio Governo Estadual e suas instituições serem proponentes de
projetos submetidos à concessão de patrocínio; e o grande volume de recursos destinados a
projetos de pessoas físicas ou jurídicas, que ao serem rotulados como de interesse público
57
passavam a ter garantido o financiamento sem concorrer com os demais projetos da sua área,
sendo obscuros e sem amparo legal os critérios para enquadrar os projetos em tal definição.
Em 2005, é criado o Fundo de Cultura
25
, cumprindo um dos requisitos para adesão do
Governo Estadual ao Sistema Nacional de Cultura e tem por finalidade apoiar
financeiramente os projetos e manifestações de notável relevância cultural, mas sem
viabilidade de autossustentação e que não atendem aos critérios exigidos pelo mercado para a
obtenção de patrocínio via Fazcultura (Silva, 2008). Porém, do mesmo modo que o
Fazcultura, apresentou desvirtuamento, práticas de beneficiamento indevido e privilégio de
projetos do próprio Governo.
Ao delinear um panorama das políticas culturais no estado da Bahia, é inegável a relevância e
a dinamização que a cultura atingiu durante as gestões governamentais do grupo Carlista. Não
obstante, subjacente ao incentivo à produção cultural e o reconhecimento da cultura baiana
estava a intencionalidade de maximizar o fluxo turístico no estado; assim, as ações culturais e
projetos desenvolvidos visavam valorizar a cultura não apenas pelo seu caráter simbólico e
social, mas, essencialmente, pela potencialidade da sua dimensão econômica. Além disso, a
construção da imagem de baianidade resultou na projeção da cultura da capital e do
Recôncavo como as expressões mais significativas da cultura baiana, relegando ao
obscurantismo as multifacetadas manifestações culturais existentes nas demais regiões do
estado.
Levando em consideração as diretrizes do conceito de política cultural proposto por Canclini
(2001), depreende-se que durante os governos Carlista a gestão da cultura não estava pautada
em princípios de uma efetiva política cultural, menos ainda em políticas públicas para o setor,
tendo em vista: a priorização da implementação de ações conducentes ao desenvolvimento
econômico; a preocupação mais incisiva com a mercantilização da cultura baiana do que com
o atendimento das reais necessidades da população; as decisões unilaterais e verticalizadas;
bem como a ausência de diálogos e/ou mecanismos de consultas aos diversos segmentos
envolvidos a fim de se estabelecer consensos sobre os rumos a serem seguidos pelas políticas
para o âmbito cultural.
25
As verbas do Fundo de Cultura são provenientes do orçamento geral do estado, auxílio de entidades públicas e
privadas, devolução de saldos remanescentes dos projetos do Fazcultura e ressarcimento por uso indevido de
recursos do Fazcultura e do próprio fundo.
58
1.3.2 Descentralização e democratização: novas diretrizes das políticas culturais na
Bahia (2007 a 2010)
A derrota eleitoral do grupo carlista na disputa governamental em 2006 promoveu uma
ruptura na política baiana não apenas partidária, mas também ideológica, resultando,
consequentemente, em novos direcionamentos para o setor cultural. O governador eleito,
Jacques Wagner (PT), logo que assumiu o cargo decretou o desmembramento da SCT e a
criação de secretarias desvinculadas, sinalizando uma possibilidade de redução da submissão
da cultura ao turismo. A nova Secretaria de Cultura da Bahia (SECULT), liderada pelo diretor
teatral Márcio Meirelles, definiu como prioridades iniciais romper com o insulamento
apresentado pelas gestões anteriores na formulação e condução das políticas culturais e
ampliar o alcance dos programas para todo o estado da Bahia, tendo como base de ação os
Territórios de Identidade.
O Governo Federal na gestão Lula elegeu o território
26
como propício para execução de
programas com foco no desenvolvimento sustentável de regiões consideradas vulneráveis,
denominadas de Territórios de Cidadania. O Governo Estadual baiano vem seguindo a mesma
tendência. Nessa perspectiva, definiram-se os 26 Territórios de Identidade
27
como nova forma
de regionalização do estado para fins administrativos, em substituição às 15 Regiões
Econômicas. Os Territórios de Identidade foram adotados pela SECULT como base para o
planejamento e execução de ações propostas, por entender que o eixo estruturante desses
territórios é a cultura. Vale salientar que essa regionalização adotada para facilitar o
planejamento e gestão integrada, vem despertando críticas pela nomenclatura, critérios para
composição dos territórios e, especialmente, por tentar agregar em um só território municípios
com identidades e sentimentos de pertencimento divergentes.
26
O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), articulador da proposta, considera o território “como um
espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo cidades e campos caracterizados
por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as
instituições, e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e
externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam
identidade e coesão social, cultural e territorial” (OLIVEIRA, 2008, p.4).
27
Os Territórios de Identidade foram instituídos pelo MDA com o auxílio técnico da Coordenação Estadual dos
Territórios (CET), a partir das especificidades dos arranjos produtivos e características culturais e sociais dos
municípios.
59
Aderindo ainda aos alinhamentos técnicos e políticos do MINC, os atuais gestores da
SECULT buscaram traçar as linhas de ação e metas fundamentadas numa concepção
ampliada de cultura, compreendendo-a como fonte de transformação e desenvolvimento
social, considerando suas variadas dimensões. E vem estabelecendo, também, canais de
diálogo com os segmentos diversos e reafirmando a necessidade de integração sociedade e
Estado para a produção de políticas públicas para a cultura, de modo a torná-las mais
democráticas. Conforme Meirelles,
Perceber a cultura de forma plural e horizontal tem uma consequência
imediata: jogar por terra qualquer possibilidade de existência de
“iluminados” capazes de compreender e projetar as necessidades de um
povo. As políticas públicas de cultura demandam participação. Em todas as
suas etapas desde a formulação até a execução e avaliação. Por isso, este
governo assume o compromisso de estabelecer uma relação sincera e
transparente com a sociedade baiana. Além disso, propõe-se a criação de
sistemas de governança para permitir o intercâmbio constante com os
diversos setores da sociedade baiana (MEIRELLES, 2008, p. 14).
Com o intuito de estabelecer diálogos e firmar parcerias, a primeira iniciativa de
intermediação com os representantes municipais da cultura ocorreu em maio de 2007, com a
convocação do I Encontro de Dirigentes Municipais da Cultura, para apresentar a nova
proposta de gestão da secretaria, conclamar o apoio dos municípios e a dar início à formação
do Fórum de Dirigentes Municipais de Cultura, que é um colegiado composto por gestores
públicos da cultura, com funções consultivas e de organização referentes às políticas estadual
e territorial para a área. Nas atribuições do Fórum incluem-se a realização anual do Encontro
de Dirigentes Municipais de Cultura
28
, auxílio na organização das Conferências Estaduais e
implantação de um Sistema Estadual de Cultura.
Norteada pela missão de “atuar de forma integrada e em articulação com a sociedade, na
formulação e implantação de políticas públicas que reconheçam e valorizem a diversidade
cultural da Bahia, nas dimensões simbólicas, econômicas e de cidadania” (ANDRADE, 2008,
p.16) a SECULT foi estruturada em: gabinete do Secretário; Diretoria Geral; Conselho
28
A terceira edição do Encontro de Dirigentes Municipais de Cultura ocorreu em abril de 2009, e um dos seus
principais eixos de discussão foi a implantação dos sistemas e dos planos municipais, estadual e federal de
cultura e a realização da III Conferência Estadual de Cultura, realizada em 2009.
60
Estadual de Cultura; cleo de Culturas Populares e Identitárias; Núcleo de Cultura Digital;
Superintendência de Promoção Cultural; Superintendência da Cultura (Sedecult), composta
pelas Diretorias de Integração Regional e a de Projetos para o Desenvolvimento da Cultura;
além dos quatro órgãos vinculados à secretaria: FUNCEB, IPAC, FPC e IRDEB.
Se, no passado, a FUNCEB era o “braço central” para execução das políticas voltadas para o
campo da cultura, na nova SECULT a Superintendência de Cultura é a grande responsável
pelas atuais linhas de ação com foco na descentralização, democratização, integração e
desenvolvimento dos territórios, formação e qualificação de agentes e transversalidade com as
demais secretarias que compõem a administração estadual. Para uma melhor compreensão do
papel desempenhado por essa superintendência na concretização dos novos rumos da cultura
na Bahia, torna-se importante analisar os seus principais programas e ações desenvolvidas.
Com a atuação da Diretoria de Integração Regional, a SEDECULT tem propiciado os meios
para uma maior aproximação dos órgãos nas instâncias estadual e municipal, induzindo, desse
modo, a ocorrência de convergências entre as políticas culturais implantadas nas duas esferas.
Para atingir tais propósitos, os instrumentos utilizados são:
Representações Territoriais visando descentralizar a atuação da SECULT, e para fazê-
la presente em todo o estado baiano, em 2009, foram contratados 27 técnicos de nível superior
e com experiência em trabalhos culturais para desempenharem as funções de representantes
territoriais e interlocutores diretos da SECULT, orientar os municípios a empregarem a gestão
participativa e promover articulações entre os agentes culturais e Poder blico para a
efetivação do Sistema Estadual da Cultura (BAHIA, 2008b);
Realização das Conferências Estaduais de Cultura. Essas conferências representam
tentativas de democratização na gestão da cultura na Bahia ao integrar dirigentes públicos,
iniciativa privada, produtores, instituições e a sociedade. A II Conferência Estadual de
Cultura
29
, promovida em 2007 na cidade de Feira de Santana, foi precedida de encontros
municipais e territoriais que envolveram a participação de aproximadamente 40.000 pessoas e
390 municípios. A conferência tinha como objetivo identificar as demandas culturais e, de
modo participativo, discutir, avaliar e, essencialmente, propor sugestões a serem utilizadas
29
Vale destacar que, seguindo as recomendações do MINC, a I Conferência Estadual de Cultura aconteceu em
2005, durante a gestão de Paulo Souto, no entanto, contou com o envolvimento de apenas 21 municípios,
apresentando uma reduzida participação e não surtindo os resultados esperados (BAHIA, 2008a).
61
como parâmetro para elaboração de políticas públicas para o setor e a construção do Plano
Estadual de Cultura (BAHIA, 2008a).
a III Conferência, em 2009
30
, contou com o envolvimento de mais de 43.000 pessoas que
participaram das conferências realizadas em 367 municípios baianos, nos 26 Encontros
Territoriais, nas 15 Pré-Conferências Setoriais e da Conferência Estadual ocorrida em Porto
Seguro. Dentre as proposições lançadas durante a Conferência Estadual sobressaíram: a
revisão da legislação estadual de modo a assegurar 1,5% do orçamento para a cultura; a
desburocratização e simplificação dos editais publicados; ampliação da rede de pontos de
cultura no estado; criação e requalificação de centros culturais nas cidades do interior; e
efetivação das representações territoriais da SECULT. A III Conferência inovou com a
realização das Pré-Conferências Setoriais e conseguiu agregar um número maior de
participantes do que a II Conferência, porém apresentou uma redução no número de
municípios envolvidos, o que pode denotar uma desmobilização dos gestores municipais ou
descrédito em relação a Conferência motivado pelo limitação no cumprimento das propostas
lançadas durante a II Conferência em 2007;
Formação do Sistema Estadual de Cultura - nos mesmos moldes do Sistema Nacional
de Cultura, propõe a ação conjugada do estado e municípios para o estabelecimento de
planejamentos, políticas culturais democráticas, estratégias de ações e instrumentos de
fomento à cultura. A participação oficial dos municípios requer a adesão ao Protocolo de
Intenções, um documento que ratifica a compactuação entre os Governos estadual e municipal
para a implantação do Sistema Estadual de Cultura, e imputa obrigações referentes à criação
de órgãos específicos para a cultura nos municípios, existência de conselho de cultura com
caráter paritário, promoção de conferências e elaboração de Plano de Cultura. Até agosto de
2009 (quando foram divulgados os últimos balanços da SECULT), 203 municípios baianos
haviam assinado o protocolo, dando início ao processo de cumprimento das atribuições
previstas no acordo. (BAHIA, 2009a).
A Sedecult é a incumbida pela formação e qualificação de gestores e agentes culturais. Com a
intenção de disseminar uma noção mais abrangente da cultura e habilitá-los para a elaboração
de projetos, obtenção de recursos e gerenciamento de instituições culturais foram
30
Como os dados da III Conferência Estadual de Cultura ainda não foram publicados em documento oficial, as
informações utilizadas são provenientes do blog da conferência (http://www.blogdaconferencia.ba.gov.br) e da
Carta de Ilhéus produzida durante a Conferência Estadual.
62
estabelecidas parcerias com as universidades públicas baianas para a realização de cursos de
gestão cultural custeados pelo Fundo de Cultura. Em algumas universidades, as parcerias
foram efetivadas e os cursos realizados, mas em outras o processo ainda está em fase de
andamento.
Dando continuidade à proposta de capacitação, são realizadas, desde 2009,
videoconferências
31
relacionadas a temáticas emergentes, linhas de atuação e programas da
secretaria, possibilitando, assim, a descentralização dos cursos de formação e o diálogo entre
os participantes, dirigentes da SECULT e pesquisadores, para o esclarecimento de dúvidas e
orientações sobre os procedimentos a serem seguidos no desenvolvimento das ações.
Outro encargo da Sedecult é a coordenação estadual do Programa Mais Cultura na Bahia, o
primeiro estado brasileiro a sancionar o acordo de cooperação com o MinC para
descentralização das ações do programa. O convênio possibilitou o surgimento de 150
Pontos de Cultura estaduais, criação de 101 bibliotecas municipais e melhorias em outras 36
unidades.
Apesar da área prioritária ser a região do Semiárido – em virtude da escassez de equipamentos
e apoio a projetos culturais o Recôncavo Baiano vem sendo contemplado pelo programa
com a implantação de 11 bibliotecas e 17 Pontos de Leitura (um deles localizados no
município de Cachoeira), a disponibilização de verbas para 17 Pontos de Cultura
pertencentes à rede do Programa Cultura Viva e a inserção dos municípios de Muritiba,
Governador Mangabeira, Cabaceiras do Paraguaçu, Castro Alves e Varzedo no processo de
concorrência dos editais de Microprojetos para atividades culturais que têm nos jovens seu
público alvo.
As modalidades de financiamento para a cultura perduraram na atual gestão, porém os novos
encaminhamentos assumidos pela SECULT requisitaram modificações nos mecanismo pré-
existentes de apoio à cultura baiana. Nesse sentido, a Superintendência de Promoção Cultural,
responsável pelos programas de fomento, atendendo reivindicações das classes artísticas,
propôs adequações nas leis que regulamentam o Fazcultura e Fundo de Cultura.
Objetivando minimizar as distorções e centralização de financiamentos apresentadas pelo
modelo de funcionamento do Fazcultura, foram instituídas algumas alterações no programa de
31
São transmitidas pela Rede de Videoconferência do Instituto Anísio Teixeira presente em todos os Territórios
de Identidade da Bahia.
63
incentivo cultural, entre as quais destacam-se: a descentralização do programa, com o
estabelecimento da cota de 50% para projetos desenvolvidos no interior; redefinição do
partilhamento dos recursos entre as áreas assistidas; limitação de projetos realizados por um
único proponente; definição de limites orçamentários dos projetos; critérios de avaliação
baseados no valor cultural do projeto e benefícios sociais; além da viabilidade e qualidade
técnica (BAHIA, 2007)
O Fundo de Cultura também sofreu modificações expressas: na especificação do que pode ser
enquadrado em cada área artístico-cultural, evitando assim, utilizações inadequadas; na
ampliação do número de projetos do interior; na ampliação do lançamento de editais para
linguagens artísticas e manifestações culturais ; no apoio a projetos por demandas espontâneas
e que não se enquadram nos editais lançados; na exclusão de projetos do governo,
privilegiando as iniciativas da sociedade civil; na intensificação na fiscalização das verbas
repassadas às instituições de direito privado com caráter público, como o Museu Hansen
Bahia em Cachoeira, que recebem apoio continuado; e na definição de um teto de projetos
aprovados por Território de Identidade (BAHIA, 2008b) .
Essas alterações contribuíram sobremaneira para a descentralização estadual do Fazcultura e
Fundo de Cultura, democratização e transparência no processo seletivo, maior participação e
assistência aos projetos do interior e às manifestações populares, desconcentração de recursos,
deixando de privilegiar poucos projetos. No entanto, é necessário otimizar os mecanismos de
financiamento e ampliá-los de modo a atender à crescente demanda por apoio e incluir
áreas/segmentos que ainda não recebem fomento.
Almejando romper com o viés tradicionalista da prática de proteção e concebendo que a
preservação apenas faz sentido com o envolvimento direto dos beneficiários, o IPAC adotou,
como missão, operar conjuntamente com a sociedade para salvaguardar os bens intangíveis e
tangíveis e afirmar as diferentes identidades culturais. Nos últimos quatro anos, o IPAC
prosseguiu na proteção dos bens imóveis, porém com o diferencial de incorporar outras
influências arquitetônicas e não somente a barroca como ocorrera no passado. Os bens
imateriais receberam especial atenção com a conclusão dos registros como patrimônio
imaterial estadual da Festa de Santa Bárbara, Carnaval de Maragogipe (BAHIA, 2008c) e, em
25 de junho de 2010, com a inclusão da Festa da Boa Morte no Livro de Registro Especial de
Eventos e Celebrações.
64
Aliado às ações de dinamização dos museus, recuperação e reabilitação sustentável do Centro
Histórico de Salvador, o IPAC também vem interiorizando suas intervenções ao adotar
medidas de proteção e/ou preservação a bens materiais de Caetité, Cipó, Feira de Santana,
Alagoinhas e Maragogipe, além de prestar maior assistência técnica aos municípios e,
sobretudo, pela incisiva participação na condução do Programa Monumenta nas cidades de
Cachoeira e Lençóis (BAHIA, 2008c). Outros avanços proeminentes concernem ao
lançamento, em 2009, de três editais de apoio à valorização do patrimônio cultural,
preservação e restauração de bens tombados e ao Programa de Educação Patrimonial, com a
realização de oficinas, debates e curso em algumas cidades baianas, inclusive Cachoeira e São
Félix.
Contribuindo para a democratização, descentralização dos recursos e incentivo à produção
cultural no estado, a FUNCEB: criou canais de diálogo e mobilizou as classes artísticas para a
formação das Câmaras Setoriais; aumentou consideravelmente o número de editais,
contemplando áreas desassistidas, a exemplo das culturas populares e indígenas, cessão de
pauta em espaços culturais e cultura digital e design; investiu na modernização e dinamização
dos centros culturais da capital e interior; ampliou a atuação e acesso à Escola de Dança;
induziu o aumento do número de projetos do interior inscritos nos editais através de
campanhas de divulgação e realização de oficinas de elaboração de projetos; e promoveu o
Circuito Cultural da Bahia como uma estratégia para possibilitar o acesso dos cidadãos a
espetáculos de diferentes linguagens artísticas (BAHIA, 2008b).
A análise dos resultados da II Conferência Estadual de Cultura apontou que, para os
participantes dos Encontros territoriais, um dos temas prioritários foi as culturas populares.
Para atender a esses anseios, a FUNCEB lançou editais específicos e premiações para as
manifestações tradicionais da cultura popular, contemplando, prioritariamente, projetos do
interior destinados à manutenção desses grupos, realização de oficinas de confecção de
adereços e gravação de CD com suas músicas tradicionais. Em 2007, entre os projetos
contemplados pelo Prêmio Manifestações da Cultura Popular, consta o samba de roda
Suerdick em Cachoeira, um reconhecimento da relevância cultural e social do tradicional
grupo de samba do Recôncavo - fundado em 1961 por D. Dalva Damiana de Freitas e outras
operárias da fábrica de charutos Suerdieck - que desenvolve ações educativas como o grupo
de samba de roda mirim, uma maneira de preservar e garantir a continuidade desse Patrimônio
Cultural da Humanidade.
65
Mudanças significativas podem ser observadas na condução da cultura no âmbito estadual
com a diminuição da subordinação da cultura aos interesses turísticos, a concepção de
políticas culturais como políticas públicas e a redução da priorização do enfoque sociológico,
buscando introduzir ações pautadas na dimensão ampliada da cultura, aproximando-se, assim,
da noção de políticas culturais proposta por Canclini (2001). Outros diferenciais em relação
aos governos anteriores são a tomada de iniciativas com foco na democratização através da
realização de conferências, inserção da sociedade no processo de formulação das políticas e
definição das intervenções prioritárias, bem como a tentativa de descentralização das ações
por todo o estado e a inserção dos municípios no processo de gestão pública da cultura.
Podem ser apontados ainda como avanços: a ampliação da ideia de baianidade ou uma
releitura para além das fronteiras do Recôncavo, valorizando as demais regiões e
reconhecendo a diversidade cultural do estado; maior transparência com a utilização de
editais; e o entendimento da cultura como propulsora do desenvolvimento em suas variadas
dimensões e não somente a econômica.
Todavia, os quase quatro anos de gestão não foram suficientes para concretizar plenamente os
redirecionamentos na política para o campo cultural e atender às demandas requeridas pelo
setor cultural na Bahia. A SECULT ainda tem pela uma série de imputações a serem
cumpridas, entre as quais se destacam: implantar o Sistema Estadual de Cultura e, para tal,
precisa minimizar a relutância dos municípios em aderir ao Protocolo de Intenções; efetivar as
proposições originadas nas Conferências; ampliar os mecanismos de financiamento e fomento
para as linguagens artísticas e manifestações culturais; e regulamentar a cultura na Bahia
através da criação de uma Lei Orgânica que assegure a continuidade dos programas em vigor,
legitime a participação social e designe orçamentos específicos, o que vem sendo discutido
com as classes artísticas e a sociedade, no intuito de criar um escopo institucional para a
cultura.
66
1.4 POLÍTICAS CULTURAIS NA INSTÂNCIA MUNICIPAL: UM PROCESSO EM
CONSTRUÇÃO
A análise pormenorizada do desenvolvimento de políticas culturais pelos entes federados
revela que, durante cadas, os municípios brasileiros, com exceção de alguns casos
isolados
32
, estabeleceram uma relação de subalternidade e dependência ao Governo Federal
ou Estadual, configurando-se como meros executores ou receptores de programas e ações
concebidas pelas instâncias superiores, na maioria das vezes, de forma verticalizada. Possíveis
mudanças começaram a ser anunciadas a partir do final dos anos de 1980 e, na
contemporaneidade, um novo cenário ganha contornos com a inserção mais contundente dos
municípios no processo de gestão e, fundamentalmente, formulação de políticas públicas para
a cultura.
O final da década de 1980 do século XX, caracterizado pelo início do processo de
redemocratização do país e a descentralização política, administrativa e financeira do Estado
imposta pela Constituição Federal de 1988, esboçou novos ânimos para a implantação de
políticas sociais na esfera municipal, que a descentralização representava uma
probabilidade de maior expressividade para os municípios, redução da subordinação ao
Estado, serviços públicos mais eficazes, presteza na resolução dos problemas, ampliação da
participação dos cidadãos nas questões políticas e controle das ações do Poder Público local
(MATTOS, 2006). No entanto, tais expectativas e transformações na estrutura político-
administrativa não foram plenamente concretizadas na maior parte dos municípios brasileiros.
Como esclarece Arretche (1996), somente a descentralização não resulta em aumento da
eficiência e/ou democratização nas políticas públicas em decorrência da assunção desses
atributos estarem mais intimamente atreladas à natureza das instituições responsáveis pela
32
Entre as experiências relevantes, sobressaem-se as iniciativas inovadoras de Mário de Andrade (1935 -1937) e
Marilena Chauí (1989 1992), na cidade de São Paulo. Rubim (2007) e Botelho (2007) apontam a gestão de
Mário de Andrade, à frente do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, como um marco fundador das
políticas culturais municipais e no Brasil, em virtude do seu cunho audacioso, abrangência da noção de cultura e
por as ações extrapolarem as circunscrições municipais. a proposta de Marilena Chauí ressaltava a
democratização da cultura como um direito do cidadão, idealizando a política cultural como cidadania cultural
(CHAUÍ, 1995).
67
condução das decisões do que à instância na qual são realizadas. Para a pesquisadora, a
descentralização no Brasil não produziu uma relação direta com a redução do clientelismo ou
melhoria das políticas públicas em função da maior proximidade dos cidadãos com os
aparelhos administrativos.
Analisando a descentralização da gestão pública da cultura a partir dos dispêndios culturais
realizados pelas três instâncias governamentais, tendo como referência o panorama político
nacional dos anos de 1992 a 1996, Silva (2002) considera inadequado fazer alusão à
descentralização nas políticas culturais para expressar as relações existentes entre a União,
estados e municípios no período, pelo fato de não satisfazerem aos requisitos básicos para a
configuração de tal fenômeno e porque avalia que a simples transferência de recursos
financeiros para os cofres públicos dos estados e municípios não simboliza ações partilhadas
ou denota intermediações para a definição de parâmetros norteadores comuns para a execução
de políticas públicas. E assegura ainda:
A descentralização envolve mais, pois é um processo que deve corresponder
a ações intencionais e coordenadas dos níveis dos governos. [...] Para
caracterizar a descentralização feita a partir do Governo Federal, teríamos
que apontar a participação nítida dos governos subnacionais na definição e
na programação das políticas, bem como a participação qualificada de outras
instituições da sociedade civil (SILVA, 2002, p 15).
A despeito dos municípios terem adquirido maior autonomia política assumindo a maior parte
dos encargos financeiros para com as atividades culturais e tornando-se os principais
investidores na cultura do país (SILVA, 2002), sobretudo durante os governos de influência
neoliberal e a quase desoneração com o setor, a instauração da descentralização não se
traduziu, de imediato, na proliferação de órgãos exclusivos para a área ou no fortalecimento
das políticas culturais em inúmeros municípios brasileiros. Situação essa comprovada pelos
resultados do Suplemento de Cultura da Pesquisa de Informação Básica Municipais
33
(MUNIC 2006) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
convênio com o MinC, a fim de analisar a gestão pública da cultura nos municípios pós-
33
Cabe destacar que os responsáveis pelas informações e dados, que compõem a pesquisa, foram os gestores dos
órgãos culturais nos municípios ou, na ausência desses, os funcionários públicos designados pelos prefeitos.
68
descentralização e cooperar para a edificação de um sistema de informações sobre a cultura
no Brasil.
A pesquisa realizada pelo IBGE procurou abranger dimensões variadas, intentando produzir
indicadores referentes à administração, recursos humanos, legislações, mecanismos de
fomento, equipamentos e estrutura disponíveis, iniciativas e projetos executados, diversidade
de manifestações e atividades artístico-culturais. Porém, para efeito desse estudo serão
consideradas apenas as informações relativas aos órgãos responsáveis pela gestão da cultura,
o perfil das políticas culturais e a existência de aspectos participativos.
Com base nos dados coletados pela pesquisa, depreende-se que o campo cultural ainda não
figura como componente privilegiado na estrutura administrativa municipal e apresenta
elevado grau de fragilidade do ponto de vista organizacional, já que somente 4,2% dos
municípios brasileiros indicaram ter órgãos específicos, com a cultura comumente associada a
outras áreas, a exemplo da educação, turismo e esporte (72,0%) ou restrita a um setor
subordinado a outras secretarias e ao executivo (18,7%).
Quanto à distribuição espacial desses órgãos específicos, o MUNIC-2006 verificou uma
predominância no Sudeste e nas cidades com população superior a 50 mil habitantes,
destacando-se também a região Nordeste, na qual os municípios revelaram uma expressiva
ocorrência de secretarias exclusivas, principalmente nos estados do Maranhão, Ceará,
Pernambuco e Alagoas. Na Bahia, dos 417 municípios, 343 possuíam secretarias conjuntas e
apenas 8 municípios secretaria específica, o que indica uma presumível reprodução da
associação cultura e turismo vigorante, por 12 anos consecutivos (entre os anos de 1995 a
2006) na organização administrativa do Governo Estadual.
Apesar do limitado número de órgãos específicos, surpreendentemente, 57,9% dos municípios
afirmaram possuir uma política cultural estruturada, com uma tida concentração no eixo
Sul-Sudeste e em estados do Nordeste como Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Ceará. Vale
salientar que 192 municípios baianos declaram ter uma política cultural em operacionalização.
Os municípios enumeram como objetivos centrais dessas políticas: dinamizar as atividades
culturais (37,4%); garantir a sobrevivência das tradições culturais locais (37,1%); e tornar a
cultura um dos componentes básicos para a qualidade de vida da população (37,0%). A
questão patrimonial também é contemplada; 36,7% dos municípios apontaram a preservação
69
do patrimônio histórico, artístico e cultural como um dos focos de atuação das suas políticas
culturais (IBGE, 2007).
No entanto, quando analisadas as principais ações implantadas pelos municípios que
declaram desenvolver uma política cultural, é observável uma priorização de: promoções de
atividades culturais para públicos variados; feiras e mostras da produção artística e artesanato;
e manutenção de calendário de festas tradicionais populares. Tais ações conduzem à suspeita
de que as políticas culturais desenvolvidas nos municípios podem estar assumindo traços
típicos das políticas de eventos, que Coelho (1997, p. 300) considera
[...] o exato oposto de uma política cultural: designa um conjunto de
programas isolados – que não se configuram um sistema, não se ligam
necessariamente a programas anteriores nem lançam pontes necessárias para
programas futuros – constituídos por eventos soltos uns em relação aos
outros.
Outro aspecto agravante é a reduzida participação dos segmentos sociais diretamente
interessados na construção dos planos municipais de cultura. De acordo com os resultados do
MUNIC 2006, apenas 9,7% dos planos municipais de cultura tiveram o envolvimento da
sociedade civil no seu processo de concepção, demonstrando, assim, a ausência de princípios
participativos na elaboração das políticas a serem aplicadas nos municípios.
Os demais 42,1% dos municípios que não possuíam uma política cultural formulada
constituíram-se em fator de preocupação para os dirigentes federais da cultura, tendo em vista
que o percentual abarca significativa parcela dos municípios brasileiros, sinalizando que a
cultura ainda não estava devidamente inserida nas pautas das prioridades das administrações
públicas municipais ou sendo concebida como alternativa privilegiada para se alcançar
melhores índices de desenvolvimento social.
O MinC, em parceria com alguns Governos Estaduais, vem desenvolvendo e implantando,
desde de 2004, mecanismo de suporte para instrumentalizar os municípios no ordenamento do
setor, na estruturação de políticas culturais democráticas e participativas e no
desenvolvimento da fruição cultural e universalização do acesso aos bens simbólicos, visando
reverter esse cenário nacional de precariedade da institucionalização da cultura, baixos
70
indicadores da relevância que a dimensão cultural tem para os dirigentes públicos municipais,
carência de órgãos específicos; maior incidência de iniciativas, infraestrutura e políticas
culturais em execução nos municípios com maior densidade populacional e nos pertencentes
às regiões Sul e Sudeste.
As estratégias do MinC para a consolidação da cultura na pauta de prioridades das
municipalidades são: articular as políticas culturais executadas pelos entes federados por meio
de uma rede a ser materializada pelo Sistema Nacional de Cultura; e transformar o Plano
Nacional de Cultura em referência basilar para o norteamento dos órgãos responsáveis pela
cultura no país, oferecendo diretrizes para construírem suas próprias políticas. Para disseminar
as ações e programas desenvolvidos pelas secretarias específicas e instituições culturais
federais e estimular a existência de parcerias com os municípios, o MinC vem estabelecendo
diálogos diretos com os gestores através da promoção de encontros, seminários, discussões,
visitas técnicas a algumas regiões, além da veiculação no território nacional de cartilhas
informativas sobre os programas federais.
Com a mesma perspectiva de fortalecimento do setor cultural na esfera local, a SECULT tem
atuado com foco na indução da criação dos Sistemas Municipais de Cultura como uma
estratégia para estimular avanços na gestão municipal e viabilizar a implantação do Sistema
Estadual de Cultura. A instauração do sistema municipal prevê a existência de órgãos
específicos, conselho de cultura, plano municipal, meios de fomento, conferências de cultura,
sistema de informação e indicadores culturais, além de programas de qualificação e formação
(BAHIA, 2009b).
Adeptos do modelo de democracia participativa, as atuais gestões, tanto do MinC quanto da
SECULT, consideram imprescindível a formação de conselhos municipais de cultura como
meio privilegiado de intermediação entre sociedade e Governo Local para a determinação dos
rumos a serem seguidos pelas políticas culturais públicas. Para isso, orientam que os
conselhos sejam órgãos colegiados consultivos, de cunho paritário entre Poder Público e
sociedade e com representações civis dos diferentes setores culturais.
Mas, a afirmação do conselho municipal como “um lugar onde sociedade e governo se
encontrem estabelecendo relações interculturais e possam construir juntos à cultura em
compasso com o desenvolvimento humano [...] e ser um instrumento permanente de escuta
das demandas e dinâmicas culturais” (FARIA, 2005, p. 115) requer a superação de algumas
71
possíveis fragilidades que podem emperrar o seu pleno andamento, entre as quais, a
capacitação dos conselheiros para lidar com as questões burocráticas, administrativas e
financeiras demandadas pelo conselho (BEHRING e BOSCHETTI, 2008) e a mobilização
constante da sociedade civil e segmentos culturais para a participação continuada e
permanente no conselho, de modo a assegurar as conquistas alcançadas, além de não permitir
que, com o passar do furor inicial, o conselho se configure em simples representação
burocrática, sem dinamização e/ou efetiva participação social.
As medidas empreendidas pelo MinC e pela SECULT para impulsionar a institucionalização
municipal da cultura já começaram a surtir resultados favoráveis na Bahia. A título de
exemplificação, podem ser citados: a criação do Fórum de Dirigentes Municipais da Cultura;
a adesão de 203 municípios baianos ao Protocolo de Intenções para a formação do Sistema
Estadual de Cultura; a experiência do município de Jequié
34
, com a criação do conselho e
fundo de cultura, elaboração do Plano Municipal Anual de Fomento à Cultura Social, apoio a
projetos, manifestações e dinamização de espaços através do lançamento de editais; e as
iniciativas para implantação do Sistema Municipal de Cultura, principalmente nas
municipalidades dos Territórios de Identidade do Baixo Sul e Sisal
1.4.1 As ações culturais desenvolvidas pela instância municipal em Cachoeira- BA: o
predomínio das políticas de eventos e as primeiras iniciativas para estruturação do setor
cultural
O município de Cachoeira também vem buscando se inserir na nova conjuntura de
sistematização do campo cultural na instância local. Influenciado pelas demandas e cobranças
de alguns representantes da sociedade civil, o Poder Público local vem tentando iniciar o
processo de formação das bases que propiciarão um redirecionamento na gestão municipal da
cultural, pois, a despeito da expressiva potencialidade, o município ainda não possui secretaria
específica e uma política estruturada para o campo cultural, incorrendo na dependência
constante dos programas e ações dos Governos Federal e Estadual em atenção à preservação
do patrimônio histórico cultural e às expressões e manifestações locais.
34
Município localizado na Região Econômica do Sudoeste e no Território de Identidade do Médio Rio de
Contas, fica a aproximadamente 365 km de Salvador e possui uma população estimada em 150.000 habitantes.
72
Durante longo período, a grande incumbência do setor cultural vinculado à Secretaria de
Educação, Cultura e Desportos era à organização das festas populares e cívicas nas zonas
urbana e rural, restringindo sua atuação a produção de eventos e a propagação de uma
imagem de Cachoeira como “berço cultural do Recôncavo”, almejando despertar o interesse
turístico. Essa quase inércia do Poder Público local em relação à cultura, entremeada pela
escassez de recursos específicos para a área e pela subalternidade a outras pastas do governo,
constituíram-se em fatores agravantes para a desatenção com os bens e manifestações de
natureza imaterial, além da degradação e descaso sofrido pelo patrimônio material local.
Em 2005, seguindo os mesmos princípios do Governo Estadual, é criada em Cachoeira a
Secretaria de Cultura e Turismo como uma estratégia para fortalecer o turismo histórico-
cultural no município. Embora ainda muito incipientes, a partir desse ano, podem ser
apontadas algumas iniciativas direcionadas ao setor cultural como: apoio às manifestações
tradicionais; realização do cadastramento das expressões, grupos e atividades relacionadas à
cultura local; inserção de algumas manifestações na programação das principais festividades;
implantação, em 2007, da disciplina Educação Patrimonial nas escolas da rede pública, em
parceria com a Secretaria Municipal de Educação; realização, em 2008, do seminário “Cultura
e Turismo em Cachoeira: desenvolvimento territorial e sustentável”, possibilitando o diálogo
entre representantes das instituições e superintendência da SECULT e os munícipes,
suscitando, assim, os primeiros debates sobre a criação do conselho de cultura e o
planejamento de uma política para Cachoeira.
Em Cachoeira ainda ocorre um nítido predomínio da política de eventos, o que, segundo Faria
(2003), se reproduz em muitos municípios brasileiros nos quais os governantes optam pela
substituição das políticas culturais pelas políticas de eventos como forma de satisfazer a
população local e angariar patrocinadores e recursos, mas, em contrapartida, não possibilita a
ampliação da diversidade artística e nem incentiva o despertar de valores culturais. O mesmo
autor alerta ainda que
Não se trata de negar o evento, mas contextualizá-los nas políticas públicas
para que possam contribuir para a qualidade da vida cultural e para o
desenvolvimento humano. Eventos culturais, mesmo os consagrados ou
legitimados pela indústria cultural, podem vir a contribuir para a cidade
desde que o acesso seja aberto e se desenvolva a partir daí um processo
educativo do público (FARIA, 2003, p. 39).
73
Os novos modelos de gestão pública da cultura nos âmbitos nacional e estadual associados à
disseminação das discussões em encontros e conferências evidenciaram as fragilidades do
setor no município, impondo a necessidade de ultrapassar o entendimento da cultura
cachoeirana e suas multifacetadas expressões apenas como chamariz para a potencialização
do turismo na cidade, tornando um imperativo a formulação de uma política cultural coerente
com as necessidades locais.
Os primeiros atos concretos prenunciadores de mudanças estruturais começaram em maio de
2009 com a convocação de audiência blica para formação da comissão pró-conselho -
composta por dois representantes do Poder Público e cinco da sociedade civil - incumbida de
redigir a minuta de lei que, após aprovação, permitirá a implantação do conselho municipal de
cultura em Cachoeira. Para cumprir tal função, a comissão contou com a cooperação do
representante territorial do Recôncavo e da consultoria técnica da Escola de Administração da
UFBA.
Segundo Whashington Luiz Ferreira da Silva, responsável pela pasta de cultura do município
de Cachoeira, no período de criação da minuta da lei, as audiências públicas para formação da
comissão pró-conselho e apresentação da primeira versão da minuta de lei foram conduzidas
da forma mais democrática possível, procurando acatar as opiniões divergentes e não impor a
vontade do Poder Público, considerando decisiva a participação da sociedade civil em todas
as etapas de elaboração. Quanto às perspectivas em relação ao funcionamento do conselho,
declarou que espera que os conselheiros eleitos sejam comprometidos em auxiliar na
construção de políticas públicas culturais para o município, visto que é algo almejado a
muitos anos pela população.
O conselho terá como atribuições prioritárias a construção de um Plano Municipal de Cultura
- fundamentado nas demandas e proposições apresentadas pela sociedade - que sirva de
diretrizes norteadoras para a atuação dos gestores municipais, bem como contribuir para a
criação do Fundo Municipal de Cultura, possibilitando, assim, o repasse de verbas dos
Governos Federal e Estadual (via fundo) para o município, que atualmente não pode contar
com esses auxílios financeiros de modo regular, o que se constitui numa problemática para as
manifestações, grupos, projetos e espaços culturais locais que carecem de incentivo e suporte
para dar prosseguimento as suas atividades ou propor iniciativas inovadoras.
74
A minuta de lei para criação do conselho de cultura deveria ter sido encaminhada para
aprovação pelo Poder Legislativo até o mês de setembro do ano de 2009, que estava
prevista a escolha/eleição dos conselheiros durante a II Conferência Municipal de Cultura
ocorrida no dia 08 de outubro do mesmo ano, porém o processo foi adiado em função de
alguns impasses na sua construção e discordâncias conceituais e metodológicas entre a
comissão pró- conselho e o Poder Executivo local.
A criação do conselho e de uma política cultural para Cachoeira é uma demanda expressa pela
sociedade civil desde a I Conferência Municipal de Cultura ocorrida em 2007 e ratificada
durante a II Conferência Municipal de Cultura, quando foram travados debates referentes ao
fortalecimento do setor cultural na cidade, enfocando a restrição de apoio governamental às
manifestações e expressões culturais, a iminência de institucionalização da cultura no
município e a necessidade de maior participação da sociedade civil nas questões concernentes
a cultura no município, tendo em vista o reduzido envolvimento apresentado até o momento.
Para atender aos anseios e cobranças de alguns representantes da sociedade civil, bem como
se adequar as novas exigências de estruturação do setor cultural na instância local, o Poder
Executivo Municipal sancionou, em julho de 2010, a criação do Sistema Municipal de
Cultura. Conforme o Projeto de Lei Nº 12/2010, o Sistema Municipal de Cultura tem a
finalidade de estimular o desenvolvimento municipal com pleno exercício dos direitos
culturais, promovendo a economia da cultura e o aprimoramento artístico-cultural, e será
composto por: Secretaria de Cultura, Conselho de Cultura, Centro Cultural, Museus
integrados ao município, Arquivo e Biblioteca Municipais.
Na contemporaneidade, é imperativo que o Poder Público de Cachoeira incorpore as novas
diretrizes de gestão da cultura e promova o desenvolvimento de políticas culturais na escala
local, pois, conforme afirma Botelho (2004, p. 06), a esfera municipal é um espaço
privilegiado para reivindicações relacionadas à área cultural “em função de sua proximidade –
indiscutivelmente maior do viver e do fazer cotidianos dos cidadãos, esses governos
tornam-se mais suscetíveis às demandas e pressões da população”, o que ratifica a
proeminência dos municípios adotarem os paradigmas de construção de políticas culturais de
forma participativa e com foco na promoção da cidadania e indução ao desenvolvimento
social, assumindo papel ativo no processo e deixando de ser receptáculos de programas e
ações implantadas de cima para baixo, sem considerar as especificidades locais.
75
2. A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO MATERIAL NO BRASIL E SUAS
RESSONÂNCIAS EM CACHOEIRA-BA
No capítulo anterior discutiu-se a respeito do processamento das políticas culturais instituídas
nos âmbitos federal, estadual e municipal, buscando enfocar como nos distintos períodos
históricos e gestões governamentais essas políticas incorporaram vertentes, princípios e
prioridades diferenciadas.
Ao longo dos anos o Governo Federal, através dos órgãos representativos do setor cultural,
consagrou-se como o grande articulador e implementador de políticas culturais em detrimento
do Poder Público municipal que recentemente começou a se inserir de forma mais efetiva
no processo de descentralização da gestão blica da cultura. Tal realidade engendrou
reflexos diretos na maneira como o campo cultural foi gerido na esfera local, principalmente
nos municípios desprovidos de órgãos, legislações e uma política específica para a dimensão
cultural, como Cachoeira.
Assim, as políticas culturais desenvolvidas no município foram subordinadas às diretrizes das
políticas federais e estaduais que, até a década de 1970, eram fortemente pautadas num viés
preservacionistas essencialmente direcionadas à preservação do patrimônio material e
entendido ora como símbolo da nacionalidade ora como atrativo para o turismo cultural.
Nos próximos tópicos, as discussões versarão sobre o processo histórico de ampliação da
noção de patrimônio nacional, sobre as ações empreendidas para a salvaguarda do patrimônio
urbano no Brasil, bem como sobre o processamento dessas ações e programas de preservação
do patrimônio material no espaço urbano do município de Cachoeira que, desde 1938, vem
sendo assistido pelos órgãos de preservação federal e estadual, com o fito de promoverem a
proteção e conservação do patrimônio edificado, mas também inseri-lo na lógica de promoção
do desenvolvimento socioeconômico por meio da sua utilização econômica com a indução à
atividade turística.
76
2.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE AMPLIAÇÃO DA NOÇÃO DE
PATRIMÔNIO NACIONAL
Compreender o processo de ampliação da noção de patrimônio nacional no âmbito brasileiro é
essencial para o entendimento de como - em conformidade com os diferentes períodos
históricos, contextos políticos, modificações de valores e demandas da sociedade - a noção de
patrimônio sofreu alterações, possibilitando a incorporação de distintos bens culturais, a
expansão do seu leque de abrangência e como essas diferentes concepções a cerca do conceito
foram determinante para pautar as políticas preservacionistas. Ao longo das cadas, o
patrimônio nacional evoluiu do histórico e artístico ao cultural, perpassando pelo imaterial e,
atualmente, busca integrar as vertentes materiais e imateriais através da adoção dos conceitos
de paisagem e itinerário culturais.
Comumente entendido como “herança, bens de família ou quaisquer bens materiais
pertencentes a uma pessoa, instituição ou coletividade” (MICHAELIS, 1998, p. 1570), é na
França, mais especificamente no bojo da Revolução Francesa, que o patrimônio ganha status
de histórico e passa a ser concebido como ícone de uma nação, logo, digno de merecer uma
política destinada à prática da sua conservação e proteção. De acordo com Choay (2006), a
França atentou para a ideia de um “patrimônio da nação” e para a necessidade de atribuir
caráter nacional a alguns monumentos diante da iminência de destruição de palácios, castelos
e bens materiais pertencentes à nobreza e ao clero, e que foram transferidos para a
propriedade do Estado com a Revolução Francesa. Deste modo, perante as ameaças de
arruinamento ou mesmo de desaparecimento desses monumentos pelo avanço da reforma ou
atos de vandalismo provocados por aqueles que viam nessas construções a perpetuação do
antigo regime político e considerando, ainda, os valores histórico, artístico e econômico que
apresentavam, deu-se início, no século XIX, a implantação de uma política de preservação
sistemática e contínua associada à afirmação desses monumentos como de interesse público.
Fonseca (2005) ressalta que a partir desse período a noção de patrimônio se atrelou ao projeto
de construção de uma identidade nacional e consolidação dos Estados-nações modernos e,
para tanto, passou a exercer funções simbólicas como reforço à noção de cidadania,
visibilidade da nação e estímulo à coesão nacional na defesa desse patrimônio comum. O
modelo de preservação desenvolvido na França caracterizou-se pelo viés centralizador, estatal
77
e de priorização dos interesses políticos do Estado, diferentemente da prática de preservação
anglo-saxônica pautada no apoio e participação da sociedade civil organizada e direcionada
para o culto ao passado. O exemplo francês influenciou diretamente a política de preservação
do patrimônio desenvolvida no Brasil, o que fez com que os primeiros atos institucionais e
procedimentos fossem fundamentados nos princípios jurídicos da legislação francesa.
No Brasil, as primeiras inquietações sobre a necessidade de proteção dos bens nacionais e
história do país, materializada em monumentos, emergiram no movimento modernista da
década de 20 e também por apreensões relativas à destruição de monumentos de arquitetura
barroca e modernização das cidades, evoluindo para o plano institucional em 1937 com a
criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), cuja organização
administrativa e estabelecimento de diretrizes ficaram a encargo de intelectuais oriundos do
referido movimento cultural, como já explicitado no primeiro capítulo.
Segundo Simão (2006), o despertar para a preocupação com a formação e preservação do
patrimônio nacional pelos modernistas e o enaltecimento do estilo barroco colonial dos
séculos XVII e XVIII como uma expressão genuinamente brasileira não se caracterizam como
paradoxos, pois na compreensão dos modernistas, para que o Brasil pudesse se enquadrar
entre as nações modernas e civilizadas, era preciso buscar na sua história, tradições e raízes
elementos aglutinadores para afirmação de uma identidade própria e exaltação da
nacionalidade, o que coadunava com a política do Estado Novo.
Assim, foram eleitos como os primeiros símbolos de uma arte verdadeiramente nacional e
dignos de representar a nação brasileira alguns conjuntos arquitetônicos e sítios urbanos nos
quais predominavam edificações de influência barroca, além de bens imóveis como Igrejas
Católicas e os seus bens móveis integrados, edifícios públicos, Casas de Câmara e Cadeia,
fortes, sobrados e casarões, dispersos principalmente por Minas Gerais, Bahia e Pernambuco.
Ou seja, nas primeiras décadas de atuação o IPHAN privilegiou a preservação do patrimônio
de pedra e cal, de arquitetura barroca colonial, com aspectos monumentais, relacionado à
cultura da elite branca e a fatos históricos e memoráveis do país. É nesse contexto que se
inscrevem os primeiros tombamentos isolados de algumas igrejas, monumentos e imóveis em
Cachoeira.
No entanto, para atingir o propósito de formação de um patrimônio nacional e assegurar sua
proteção era imperativa a criação de instrumentos legais e eficientes, capazes de oferecer
78
sustentação jurídica às ações de salvaguarda empreendidas pelo SPHAN, em contraposição
aos interesses adversos a essas medidas que, de acordo com Fonseca (1996), iam desde a
resistência apresentada por proprietário de imóveis à rejeição no meio intelectual aos critérios
de valoração e restauração empregados pelo órgão, que priorizava os valores artísticos e
históricos dos patrimônios.
A seguridade e respaldo para a atuação do SPHAN e para a instituição do patrimônio nacional
foi então proveniente da promulgação do Decreto-lei 25, de 30 de novembro de 1937,
popularmente conhecido como a lei de tombamento nacional, por ter estabelecido a prática de
tombamento como alternativa privilegiada para garantir a integridade de um bem, impondo
restrições de uso e limitações ao direito de propriedade, posto que a coisa inscrita em um dos
quatro livros do tombo
35
não pode ser destruída, descaracterizada ou mutilada. Meira (2004)
ressalta que o decreto-lei 25/37, ainda em pleno vigor, somente pode ser consolidado em
decorrência da formalização, na Constituição de 1934, da função social da propriedade como
princípio constitucional, e que foi ratificada e ampliada na Constituição de 1937.
O ato do tombamento de bens edificados sempre foi permeado por polêmicas e discordâncias,
à medida que alguns o concebe como autoritário ou uma punição quando não ocorre algum
tipo de contrapartida, alegam ainda que os proprietários dos imóveis considerados como
relevantes para sociedade e gerações futuras devem ser recompensados com indenizações,
outros defendem que o patrimônio é um bem coletivo que precisa ser resguardado para a
posteridade e equiparam as limitações do tombamento às sanções impostas pelas leis de
zoneamento e índices urbanísticos (MEIRA, 2004).
O decreto-lei 25/37 estabelece ainda que os bens culturais apenas integram o patrimônio
histórico e artísticos mediante a inscrição em um dos livros do tombo e define como bens
passíveis de se tornarem patrimônio nacional “o conjunto de bens móveis e imóveis existentes
no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos
memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico,
bibliográfico ou artístico” (Brasil, 1937). Desse modo, a não especificação do que poderia ser
enquadrado na categoria de “interesse público” ou ser incluído nos livros do tombo deu
margem ao privilégio do tombamento de bens relacionados apenas aos grupos sociais
35
Livros do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, Livro do Tombo Histórico, Livro do Tombo das
Belas-Artes e Livro do Tombo das Artes Aplicadas
79
hegemônicos e associados à cultura erudita, selecionados de acordo com as interpretações dos
técnicos responsáveis por tal função, desconsiderando a diversidade dos diferentes segmentos
sociais e/ou étnicos.
As políticas de preservação no Brasil foram justificadas, durante as três primeiras décadas de
existência, pela necessidade de proteção de bens de significativo valor histórico e estético e
considerados como símbolos da nação, apresentando entre os seus objetivos o fortalecimento
de uma identidade coletiva. Embora reconheça que a conservação da integridade física desses
monumentos e bens culturais através do tombamento tenha sido importante para suas
preservações, cuja destruição seria irreparável, Fonseca (2005) alerta que as atribuições de
valor eram realizadas por intelectuais e de forma extremamente seletiva e centralizada. Assim,
a maioria dos bens tombados não servem como parâmetros reais de uma identidade nacional,
pois grande parcela da população os reconhece como símbolos abstratos e afastados da nação
em função de não serem representativos da pluralidade e tradições culturais brasileiras. Nesse
ensejo, surgem na década de 1970 as primeiras contestações à definição do que pode ser
considerado como patrimônio nacional.
O processo de ampliação da noção de patrimônio nacional, bem como a transição do conceito
de patrimônio histórico e artístico para o patrimônio cultural, foi impulsionado por dois fatos,
a saber: o surgimento do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) em 1975 e a
promulgação da Constituição Federal de 1988. Coordenado por Aloísio Magalhães desde a
sua criação, o CNRC surgiu com a proposta inovadora de complementar a ação do IPHAN
através da valorização da cultura popular e não apenas dos bens monumentais. Nessa
perspectiva, propôs como alternativa renovadora ao conceito de patrimônio histórico a adoção
da noção de bem cultural, por permitir a contemplação das atividades e manifestações
populares, do artesanato, hábitos culturais, ritos e a inserção dos bens de origens afro-
brasileiras e indígenas. O CNRC diferenciava-se dos folcloristas e defendia a proposição de
que era imprescindível o reconhecimento dos bens resultantes das manifestações e fazeres
populares inseridos nos cotidianos e nas práticas dos grupos sociais, pois representavam os
verdadeiros valores de uma nacionalidade, além disso, ressaltavam a capacidade desses bens
de gerar valor econômico, sendo uma viabilidade para o processo de desenvolvimento
(FONSECA, 2005).
Na prática, as propostas do CNRC não se efetivaram plenamente, contudo as novas tendências
e concepções a cerca do patrimônio nacional suscitadas pelo CNRC se refletiram na
80
abordagem que a Constituição de 1988 faz a respeito dos bens culturais e no alargamento do
conceito de patrimônio cultural brasileiro, definido no artigo 216 como:
[...] os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados
às manifestações artístico-culturais;
V os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (BRASIL, 2003a)
Tecendo uma comparação do que está disposto na Constituição de 1988 com a descrição
apresentada pelo decreto-lei 25/37, nota-se uma considerável ampliação do rol de bens
culturais “merecedores” de serem incluídos na categoria de patrimônio nacional e uma
tentativa de redirecionamento da prática de preservação mediante a compreensão da cultura
como produção material e também simbólica. Após a promulgação da Constituição 1988,
persistiu a priorização da preservação de bens materiais e com caráter monumental, todavia,
ocorreu: uma diversificação dos tombamentos com a contemplação de bens pertencentes aos
diferentes segmentos sociais e grupos étnicos; e a inserção de estilos arquitetônicos variados,
monumentos relativos a distintas fases históricas, bens concernentes ao patrimônio natural
que apresentavam significado simbólico. Entretanto, no que tange à situação das expressões
culturais populares e bens imateriais não foram perceptíveis grandes alterações, o que veio
a acontecer com a aprovação do decreto 3.551, de 4 de agosto de 2000, que institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial.
Resultado das inquietações suscitadas desde a década de 1970 sobre a necessidade de ampliar
o alcance da proteção e de valorizar os bens culturais nacionais e das discussões
internacionais promovidas pela UNESCO, o decreto 3.551/2000 foi sancionado com a
finalidade de propiciar a implantação de uma política de preservação pautada numa
concepção mais abrangente de patrimônio cultural, reconhecer às expressões e manifestações
do saber, fazer e viver provenientes dos grupos tradicionais e/ou populares como parte
81
integrante da cultura nacional e, fundamentalmente, assegurar a continuidade e processo de
reprodução dessas práticas, no entanto, sem imobilizá-las por meio de um tombamento
(BRASIL, 2003b).
Segundo Weffort (2003), ministro da Cultura quando da aprovação do decreto, o registro foi a
modalidade adotada para a preservação dos bens e manifestações imateriais, tendo em vista
que o tombamento, por seu caráter restritivo, não era o mais aplicável para a proteção de bens
dinâmicos e mutáveis por natureza. Assim, a proposta é que a cada dez anos os bens sejam
reavaliados de modo a verificar a continuidade da prática e a permanência dos seus elementos
peculiares e, mediante as constatações, revalidar o título de Patrimônio Cultural do Brasil ou
apenas manter o registro de referência cultural de um determinado período histórico.
De acordo com as categorias, os bens podem ser registrados nos: Livro dos Saberes; Livros
das Celebrações; Livro das Formas de Expressão; Livro de Registro dos Lugares. Nesses
quase dez anos de existência do decreto 3.551/2000, vários pedidos de registro foram
encaminhados para o IPHAN e, até julho de 2010, foram concluídos os registro de 19 bens
imateriais, entre os quais, o Samba de Roda do Recôncavo Baiano, Ofício das Baianas de
Acarajé, Roda de Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira, registros que contemplam
diretamente práticas e manifestações presentes na cidade de Cachoeira.
Para minimizar as dicotomias relativas aos patrimônios material e imaterial, complementar os
instrumentos de proteção, bem como se inserir nas novas tendências mundiais, o IPHAN vem
buscando introduzir e empregar em suas práticas os conceitos de paisagem e itinerário
culturais. Concebendo a Paisagem Cultural Brasileira como “uma porção peculiar do território
nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida
e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores” (IPHAN, 2009), o IPHAN
justifica a atribuição de uma chancela à paisagem cultural em função dos instrumentos legais
existentes não contemplarem plenamente o conjunto de fatores implícitos nessas paisagens
que apresentam contextos culturais complexos e estão expostas a fenômenos como a
globalização e a massificação, que podem se constituir em ameaças aos modos de vida e
tradições locais.
Desse modo, o objetivo primordial da chancela é atribuir um selo de reconhecimento a
porções singulares do território nacional, locais nos quais a interrelação entre a cultura
humana e o meio natural reproduzem na paisagem uma identidade peculiar, a exemplo do
82
Pantanal Matogrossense, as regiões de imigração do Sul do país, as paisagens do Rio São
Francisco e do Vale do Ribeira. A proposta é que a chancela seja gerida por um pacto entre os
poderes públicos, a iniciativa privada e a sociedade civil, culminando em uma administração
compartilhada e regulamentada por um plano de gestão.
Analisando essa nova tendência de expansão da noção de patrimônio, Castriota (2009)
pondera que o conceito de paisagem cultural vem exercendo um papel inovador ao propor
avanços conceituais e metodológicos para o campo do patrimônio no país, à medida que
agrega de forma intrínseca os aspectos materiais e imateriais do conceito, que na maioria dos
casos é pensado isoladamente, e por possibilitar leituras combinadas do natural e cultural,
material e imaterial de conjuntos como os centros históricos. E pontua, “[...] a partir dessa
compreensão ampliada, parece-nos possível também propor estratégias integradas que, ao
combinar esses diferentes aspectos, terminam por constituir respostas muito mais completas
ao complexo desafio da conservação urbana” (CASTRIOTA, 2009, p. 259).
o itinerário cultural, rotulado como uma nova categoria patrimonial, surge de debates
internacionais sistematizados em 2008 na Carta Internacional de Itinerários Culturais do
Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), segue as nessas perspectivas
conceituais e metodológicas da chancela das paisagens, ou seja, de integração dos patrimônios
tangíveis e intangíveis e propõem mudanças de paradigmas no reconhecimento de
salvaguarda nos diversos âmbitos, além da definição de critérios norteadores para proteção,
conservação e adequada gestão dos itinerários. O itinerário cultural possui caráter dinâmico,
sendo entendido como “uma via de comunicação terrestre, aquática, mista ou de outra
natureza, determinada materialmente, com uma dinâmica e funções históricas próprias, ao
serviço de um objetivo concreto e determinado” (BRITO, 2009), podendo ser resultado de
movimentos interativos de pessoas e de trocas contínuas e mútuas de bens, ideias,
conhecimentos e dos valores sobre períodos significativos entre povos, países e regiões ou de
sistemas dinâmicos e relações históricas entre os bens culturais materiais e imateriais.
A necessidade iminente de se construir alternativas concretas de desenvolvimento, a partir das
suas potencialidades culturais, fez o IPHAN e o IPAC, em conjunto com outras instituições e
representações civis, propor a criação de um Itinerário Cultural da Foz do Rio Paraguaçu,
abarcando, a princípio, os municípios de Cachoeira, São Félix e Maragogipe, com a intenção
de lançar esse itinerário candidato a Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO. Os
órgãos governamentais envolvidos nesse projeto apontam como justificativas para a criação
83
do referido itinerário cultural: o fato dos núcleos urbanos de Cachoeira, São Félix e
Maragogipe serem representativos dos ciclos de açúcar e do fumo no Brasil; por
compreenderem o trecho navegável do rio Paraguaçu, que deságua na Baía de Todos os
Santos; por essa região ter estabelecido um contexto singular, formado por igrejas, conventos,
fortificações, núcleos urbanos e rurais de expressivo valor cultural, onde se manifesta ainda
um extraordinário patrimônio naval, formado pelos famosos saveiros e canoas baianas, e
expressões culturais únicas relacionadas às tradições de origem africana, como o candomblé,
o Samba de Roda e uma culinária peculiar, conformando uma rota que proporcionou
importantes intercâmbios na região e daí para o mundo (BRITO, 2009).
Com o intuito de integrar a população desses municípios nesse projeto, foi realizado entre os
dias 15 e 16 de junho de 2009 o seminário “Itinerário Cultural do Rio Paraguaçu”, na cidade
de Cachoeira, uma estratégia para consultar a sociedade sobre a proposta, ouvir seus anseios e
sugestões e promover a integração entre Poder Público local e sociedade civil dos três
municípios. Por enquanto a proposição ainda está em fase inicial de elaboração, assim, ficam
as expectativas de consolidação do itinerário, de reconhecimento e valorização integrada das
vertentes material e imaterial expressas no patrimônio edificado e nas práticas, expressões e
manifestações sociais locais e da potencialização da prática do turismo cultural na região.
Durante mais de sessenta anos as políticas de preservação no Brasil e o desenrolar do
processo de proteção foram essencialmente conduzidos de forma centralizadora, tendo o
Estado como protagonista e com ações pautadas numa concepção de patrimônio restrito aos
bens materiais de caráter excepcional, nas quais preservar se identificava automaticamente
com tombar. Nos últimos anos, essas práticas de preservação e a compreensão do patrimônio
cultural ampliaram-se de forma considerável com: a introdução de novos instrumentos legais
de proteção como o inventário, o registro e a chancela; a contemplação de diferentes grupos
sociais que compõem a diversidade brasileira; o reconhecimento dos bens de natureza
imaterial; e, mais recentemente, com a abertura de canais de diálogo e incentivo à
participação da sociedade na construção do patrimônio nacional. Mediante a análise da
trajetória do processo de formação do patrimônio brasileiro, pode-se constatar que o
patrimônio está inserido num campo de conflitos e, como salienta Sant’Anna (2004), por se
tratar de bens relacionados à história e à cultura de um grupo ou nação, apresenta uma
construção social permanente, na qual objetos e práticas se constituem em patrimônio através
84
dos discursos e ações influenciados por aqueles que tem “força e voz” para definir uma
função e valores para esses bens num determinado período histórico.
2.2 POLÍTICAS DE SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO MATERIAL URBANO:
NOTAS INTRODUTÓRIAS.
Durante a “fase heróica” do IPHAN, correspondente as três primeiras cadas de existência
do órgão sob a direção ininterrupta de Rodrigo Melo Franco de Andrade, objetivou-se
prioritariamente a preservação de bens móveis e imóveis relacionados à arte colonial barroca
dos séculos XVII e XVIII, entendida como a primeira modalidade de arte nacional. Embora
nessa fase o referido órgão de preservação tenha privilegiado a proteção dos bens de caráter
móvel ou monumentos isolados, foram as cidades os objetos iniciais de salvaguarda, assim, os
tombamentos das primeiras cidades, Ouro Preto
36
, Tiradentes, Sabará, Congonhas, Mariana,
São João Dey Rei em Minas Gerais, foram promovidos balizados em critérios estéticos e
valor histórico solidificados em sua arquitetura barroca.
Porém, na percepção dos intelectuais que compunham o quadro do IPHAN no período, as
cidades eram interpretadas como obras de arte estáveis ou sujeitas a poucas modificações, não
existindo ao menos preocupações quanto à delimitação da área tombada dentro do espaço
urbano. Mas, ao contrário do que supunham, esses núcleos urbanos não ficaram estagnados ou
congelados no tempo. Como enfatiza Simão (2006, p. 32),
Apesar de inaugurar o processo de proteção com um núcleo urbano, na
verdade, conjuntos urbanos tombados não eram visualizados como cidades,
organismos vivos e dinâmicos, mas como obras de arte que, certamente, não
sofriam transformações ulteriores. Pouco foi considerado acerca do uso dos
núcleos urbanos e das necessidades inerentes de um organismo dinâmico,
talvez até por que essas cidades estivessem em estado de grande abandono e
deteriorização, indicando uma estagnação irreversível.
36
A cidade de Ouro Preto foi elevada a Monumento Nacional antes da criação do SPHAN, através do Decreto-
lei 22.938 de 1933, sendo inscrita em 1938 no Livro do Tombo das Belas Artes, assim como as demais cidades
mineiras tombadas no período.
85
Em meados da década de 1950, os aspectos de algumas cidades históricas começaram a sofrer
modificações, apresentando alterações nas suas estruturas econômicas e espaciais, em virtude:
dos novos rumos assumidos pela política econômica brasileira, iniciado a partir dos anos de
1950 com o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek e intensificado no final dos anos
1960 com o regime militar; da política de desenvolvimento industrial aplicada em
determinadas regiões; do estímulo à ampliação da malha rodoviária, facilitando a
acessibilidade e a difusão do turismo; e do crescente processo de urbanização e o aumento
demográfico nas cidades (MEC/SPHAN/FNpM, 1980). A associação de tais fatores gerou
nas cidades tombadas impulsos de crescimento e modernização, novas lógicas de valorização
e uso do solo e, consequentemente, mudanças na configuração espacial pela expansão do
tecido urbano, provocando apreensões nos dirigentes do IPHAN e incitando a necessidade de
redirecionamentos na política de preservação para os núcleos urbanos.
A adaptação aos novos padrões de desenvolvimento, que permeavam as políticas
governamentais no período, também se constituía num desafio a ser enfrentado pelo IPHAN.
Era necessário buscar medidas conciliadoras entre a prática da preservação e a indução ao
desenvolvimento, principalmente nas cidades imersas em decadência de ordem econômica.
Diante dos impasses com os quais se confrontavam o órgão de preservação, a alternativa
encontrada por Rodrigo Melo Franco de Andrade foi a de recorrer ao auxílio técnico da
UNESCO em 1965. Atendendo à solicitação, a organização internacional enviou ao Brasil,
em 1966, o Inspetor Principal dos Monumentos Franceses, Michel Parent, com a atribuição de
auxiliar o IPHAN na árdua missão de estabelecer uma política com foco na proteção e
conservação do patrimônio urbano e buscar soluções adequadas para as novas demandas
impostas.
Após a realização de estudos sobre a realidade brasileira entre os anos de 1966 e 1967, Parent
formulou um abrangente relatório - que no período se tornou referência basilar para a gestão
do patrimônio na instância federal - apresentando diagnósticos sobre a situação do patrimônio
nacional e apontando como principais estratégias para minimizar os problemas latentes a
preservação por meio do planejamento urbano, o aproveitamento do potencial turístico do
patrimônio como mecanismo para sua conservação e a atuação integrada dos Poderes
Públicos. Defensor da prática dos grandes tombamentos e alinhado às discussões
86
internacionais levantadas pela Carta de Veneza (1964)
37
referentes à importância de estender
a proteção à arquitetura modesta no entorno dos monumentos, Parent aconselha ainda a
ampliação das áreas protegidas nas cidades, salientando sempre a relevância da ação conjunta
entre as três instâncias governamentais (SANT’ANNA, 1995).
Com base nas indicações propostas por Parent, em 1968 começaram a ser elaborados planos
de desenvolvimento urbano para algumas cidades tombadas, sendo os planos das cidades de
Salvador, Ouro Preto e Parati produzidos por consultores da UNESCO, que consideraram a
capital baiana caso prioritário, tendo em vista o estágio de degradação do centro histórico e a
sua elevada potencialidade turística, sugerindo para a cidade um plano de renovação da área
urbana central com a elevação do nível habitacional e substituição da população de baixo
poder aquisitivo, o que, em partes, foi aplicado quando da recuperação do Centro Histórico de
Salvador, em 1992 ( aspectos esses abordados no primeiro capítulo).
Para Simão (2006), os planos urbanísticos formulados entre o final dos anos 1960 e a década
de 1970 caracterizam-se pelo viés técnico e extensas análises setoriais dissociadas da
realidade, por serem desenvolvidos a partir de parâmetros racionais e universais, além de
conceberem as cidades de modo fragmentado, desconsiderando toda a sua complexidade e,
resultando, assim, no arquivamento das propostas e produção de planos diretores mais
utilizados como fonte de pesquisa do que como instrumento de gestão municipal ou recurso
auxiliar para proteção ao patrimônio urbano.
Durante as décadas de 1970 e 1980 a indução ao turismo cultural se afirma como mecanismo
propulsor do desenvolvimento econômico nas cidades históricas e alternativa para
conservação do patrimônio. Nessa perspectiva, é criado, em maio de 1973, o Programa
Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas (PCH) que, de acordo com Sant’Anna
(1995, p. 154), “se encaixou perfeitamente nas novas diretrizes do desenvolvimento urbano e
na política cultural de integração e reforço da nacionalidade”. Esse Programa tinha por
finalidade consolidar o patrimônio como recurso econômico através do turismo e incentivar a
criação de órgãos estaduais de preservação.
O PCH - que será foco de análise mais a frente - vigorou até 1983 com o encerramento das
intervenções promovidas nas cidades históricas através dos financiamentos pelo programa,
37
Documento produzido no II Congresso Internacional de arquitetos e técnicos dos Monumentos Históricos,
realizado pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), em maio de 1964.
87
instaurou-se, por mais de uma década, uma fase de inexistência de ações governamentais
efetivas para a proteção do patrimônio urbano em função das restrições orçamentárias para o
campo da cultura, principalmente durante os Governos de Sarney e Collor, o que limitou
sobremaneira a atuação dos órgãos de preservação.
A partir dos anos de 1990, uma nova conjuntura das políticas de preservação entra em cena
com os projetos de recuperação e reestruturação de centros históricos influenciados pela
experiência europeia, iniciada na década de 1980, de massificação e vinculação do patrimônio
à indústria cultural e ao planejamento urbano, transformando-o em um lucrativo produto com
a sua valorização imobiliária e em um novo modelo de urbanização (SANT’ANNA, 2004).
Intensifica-se então o uso do patrimônio urbano como estratégico para a dinamização da
economia urbana, mormente nos centros históricos ou cidades com economia estagnada, e
passa a ser considerado instrumentos de visibilidade e atração de investimentos, além, é claro,
de chamariz para o turismo cultural.
As primeiras iniciativas nesse sentido partiram dos governos estaduais e municipais, a
exemplo das intervenções no Pelourinho em Salvador, no Bairro de Recife na capital de
Pernambuco e no Corredor Cultural do Rio de Janeiro. Mas, em meados da década de 1990, o
Governo Federal se engaja nesse processo tornando-se, em conjunto com estados e
municípios, um dos principais agentes na condução desses programas de revitalização ao:
buscar novas fontes de financiamento para os projetos de preservação firmando parcerias com
o BID e o BNDES
38
; estreitar relações e obter apoio de organismos internacionais como a
UNESCO; e ao atuar diretamente não somente através do IPHAN, mas, também, do MinC e
Caixa Econômica Federal, novos órgãos envolvidos nesses “empreendimentos para áreas
urbanas históricas. Adepto das tendências neoliberais e entendendo que a preservação e
revitalização dos centros históricos não poderiam ocorrer apenas com custeio de recursos
públicos, o governo FHC procurou ainda despertar o interesse e investimentos privados
através da tentativa de empregabilidade da recuperação sustentável e a indução à
mercantilização dos patrimônios urbanos como uma atividade rentável. Entre os programas de
recuperação formulados nesse contexto sobressai-se o Programa Monumenta, objeto de
capítulo específico nesta pesquisa.
38
O Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), fundado em 1952, é uma empresa pública federal, e,
atualmente, o principal instrumento de financiamento de longo prazo para a realização de investimentos em
segmentos da economia por meio de uma política que busca incluir as dimensões social, regional e ambiental.
Informações disponíveis em: www.bndes.gov.br
88
As revitalizações urbanas tornaram-se o novo paradigma da prática de preservação do
patrimônio material urbano no Brasil, suscitando críticas por diversos estudiosos que
entendem que esses centros históricos não precisam necessariamente de uma revitalização
que supõe a ideia de trazer à vida, dar novo ânimo ou a interpretação equivocada de que essas
áreas não possuem uma vitalidade, o que não se aplica à maioria das realidades apresentadas
pelos centros históricos, hoje, ocupados, em muitas situações, por uma população de baixo
poder aquisitivo. E afirmam que o ideal seria uma requalificação ou reabilitação do local
conduzida de forma participativa. Entretanto, a real intenção desses projetos é desenvolver
uma vitalidade econômica imposta verticalmente ou promover a substituição dos moradores
originários por segmentos abastados e atividades direcionadas ao entretenimento e turismo.
Jacques (2003, p. 39) ressalta que
As municipalidades descobriram que a preservação do patrimônio pode ser
lucrativa e passaram a investir em revitalizações urbanas, muitas vezes
empreendimentos puramente comerciais, que visam a satisfazer interesses
econômicos diversos ou, então, são simples ações midiáticas, para efeitos de
marketing político eleitoral. Essas intervenções, que devem ser realizadas
rapidamente, para satisfazer calendários políticos, provocam tanto um
enobrecimento dos espaços, ao expulsar a população original de baixa renda
das edificações a serem recuperadas, quanto uma transformação do
patrimônio em cenários, ao manter as fachadas que são restauradas sem
grandes preocupações quanto ao valor histórico, artístico e cultural das
edificações, para promover a instalação de novos restaurantes de luxo, bares
ou centros ditos culturais.
Jacques (2003) comunga com as análises de Jeudy (2005) concernentes a relação entre
restaurações urbanas padronizadas e a homogeneização e/ou “museificação” das cidades
históricas. Para Jeudy (2005), os modelos de restauração ou gestão patrimonial empregados
seguem, na maioria das vezes, diretrizes de intervenções formuladas a partir de padrões
internacionais, não levando em consideração as especificidades e dinâmicas próprias de cada
local, provocando a existência de similaridades e até mesmo a homogeneização das cidades a
despeito das suas particularidades culturais. Ressalta, ainda, que os intensivos processos de
conservação do patrimônio urbano podem conduzir a uma “petrificação” das cidades e a
produção do fenômeno da “museificação urbana”, no qual a cidade se converte em um museu
de si mesma.
89
Numa perspectiva de reversão desses processos e da minimização do predomínio do valor
econômico do patrimônio sobre os demais valores, Castriota (2009) enfatiza que é essencial a
atuação da sociedade em conjunto com o Governo no sentido de regulamentar e direcionar os
rumos da renovação dessas áreas de forma a não “transformar as cidades em museus, mas em
pensar na preservação e na melhoria de sua qualidade de vida, o que abrange tanto as áreas
consideradas ‘históricas’ quanto aquelas mais novas” (p. 89). Para tanto, sugere a
aplicabilidade do conceito de patrimônio ambiental urbano, compreendido como uma
viabilidade para se pensar a preservação interrelacionada ao conjunto da cidade, considerando
as imbricações entre patrimônio e os demais aspectos que compõem a paisagem e a dinâmica
das cidades.
Castriota (2009) elenca algumas estratégias de intervenções gerais fundamentadas na noção
de patrimônio ambiental urbano, destacando-se entre elas a adoção de procedimentos
unitários para a totalidade da cidade e não apenas de fragmentos, ou seja, vincular os
planejamentos para as áreas históricas a serem resguardadas e os novos espaço que precisam
ser estruturados e atrelar as políticas de preservação com a política urbana. Nesse sentido, o
Plano Diretor emerge como um instrumento vital para assegurar a participação da sociedade
na gestão urbana evitando, ao menos em tese, as disparidades e privilégios de alguns
segmentos.
A partir das análises realizadas, depreende-se que os programas e ações de preservação
desenvolveram intervenções pautadas numa perspectiva de estímulo ao desenvolvimento de
atividades turísticas e restauração de monumentos em detrimento de desígnios relativos à
problemática da questão urbana nas cidades tombadas que, como afirma Simão (2006),
também enfrentam problemas urbanos semelhantes aos apresentados pelas demais cidades,
portanto, é imprescindível que as políticas e programas de salvaguarda não se limitem à
restauração dos bens edificados, mas que atuem na resolução ou minimização de aspectos que
conformam a dinâmica das cidades e interferem diretamente na proteção do patrimônio, como
a ausência de planejamentos e gestão urbana integrada à preservação, crescimento urbano
desordenado, escassez de infraestrutura e serviços básicos e baixos índices de qualidade de
vida da população local. Nos próximos tópicos serão tecidas considerações sobre como essas
políticas e práticas de preservação do patrimônio material urbano adotadas ao longo dos anos
se processaram em Cachoeira e quais os reflexos e impactos dessas ações no espaço urbano.
90
2.3 AS PRIMEIRAS AÇÕES DE PROTEÇÃO AOS BENS CULTURAIS EDIFICADOS
EM CACHOEIRA-BA
Em Cachoeira, a maior parte dos imponentes monumentos começou a ser construído no
século XVIII, apogeu da economia açucareira. As obras de cunho público eram custeadas pela
Câmara local, pelo Governo da província e por contribuições da população local, as
edificações dos templos católicos ficavam ao encargo das ordens religiosas e das diversas
irmandades existentes em Cachoeira, algumas compostas pelos senhores de engenho e
comerciantes que formavam a elite local (FLEXOR, 2007). O fato desses prédios públicos e
religiosos terem sido construídos com o auxílio financeiro da população denota uma forte
participação da sociedade civil ou ao menos da elite cachoeirana da época na organização da
vida social, política e religiosa do município, em função de contribuírem para a existência das
edificações que cumpriam tais finalidades.
As primeiras proposições para a proteção do acervo arquitetônico de Cachoeira partiram do
Governo Estadual baiano - precursor no Brasil em criação de legislações para a defesa de bens
históricos e artísticos - através da promulgação pelo governador Góis Calmon, em 1927, da lei
que originou a Inspetoria Estadual de Monumentos Nacionais. As atribuições principais
estavam em concordância com os administradores municipais e arcebispado, e configuravam-
se na realização do inventário dos monumentos presentes nos municípios de Salvador, Santo
Amaro, Cachoeira, Maragogipe, Itaparica e Rio de Contas, além da conservação desses
monumentos como relíquias testemunhadoras das diversas fases de desenvolvimento do país
(IPHAN/ UFBA, 1979). No entanto, por omissão de consecutivos governos com a questão, as
proposições da legislação estadual custaram a se concretizar em ações práticas. O Inventário
de Proteção do Acervo Cultural baiano somente foi elaborado pelo IPAC na década de 1980.
As iniciativas efetivas para resguardar o patrimônio material cachoeirano datam de 1938,
quando o recém criado SPHAN principia estudos avaliativos e as primeiras ações de
tombamento no município. Assume a coordenação o assistente técnico Godofredo Filho,
escritor modernista responsável pela Diretoria da 4ª região do SPHAN, que compreendia os
estados da Bahia e Sergipe. O fato de Cachoeira constar no rol prioritário das cidades
brasileiras contempladas com intervenções pelo SPHAN é um forte indício da importância
dada pelos modernistas, que participaram da primeira fase do órgão, à preservação do seu
91
acervo histórico arquitetônico de origem barroca como elemento emblemático da identidade
nacional.
Como mencionado nos tópicos anteriores, a intenção do SPHAN nos primeiros anos de
atuação, rotulado como a “fase heróica”, consistia na preservação de bens representativos do
estilo arquitetônico barroco, eleito pelos modernistas como uma expressão artística
genuinamente brasileira. Assim, as pesquisas realizadas em Cachoeira estavam pautadas na
identificação de monumentos civis e religiosos que se enquadrassem nos requisitos para
serem inscritos nos Livros de Tombo, ou seja, apresentar características da arquitetura
colonial dos séculos XVI ao XVIII, valor histórico e/ou artístico e simbolismo para afirmação
da identidade brasileira.
Ao estabelecer o tombamento como prática para salvaguarda, o órgão de preservação federal
objetivava, entre outros aspectos, proteger os acervos culturais da destruição por uso indevido,
pelo avanço da urbanização nas cidades brasileira e pelos ímpetos de modernização. Essas
ameaças também circundavam os bens materiais de Cachoeira e se constituíam em
preocupações expressas nas correspondências trocadas entre Godofredo Filho e Rodrigo
Mello Franco de Andrade durante a condução dos estudos para definição de como se daria a
preservação no município, nas quais, evidencia-se a apreensão com as modificações nos
traçados sinuosos das ruas, configuração espacial dos bairros Caquende e Pitanga, ambiência
das Praças da Aclamação e da Ajuda e, principalmente, com as fachadas das casas e sobrados.
Cumpre-nos acentuar que, passando presentemente pela cidade de
Cachoeira, uma onda de progresso e relativo bem-estar econômico, os
proprietários de muitas das casas que enumeramos, sobretudo das mais
modestas, procuram reformá-las modificando-as para que dêem maior
conforto ou rendimento. O que fazer então? Será conveniente tombar todas
elas, prejudicando economicamente os seus donos, que se verão privados de
melhorá-las? Ou tombaremos apenas o exemplar mais significativo de cada
época, estilo ou categoria social? [...] Qual a providência preferível no caso?
Donde se conclui que, para todas as sugestões e perguntas feitas, esperamos
do SPHAN respostas que nos permitam agir com segurança, conciliando a
defesa do patrimônio histórico e artístico de Cachoeira com outras razões
igualmente justas e poderosas. (GODOFREDO FILHO, 1939)
Percebe-se nesse fragmento que, além do receio diante das transformações em curso na
cidade, coexistiam inquietações sobre a maneira mais conveniente de proceder para a proteção
92
dos bens edificados e instituir o tombamento, considerado pelo próprio dirigente regional
como um fator prejudicial para o proprietário do imóvel, visto que impossibilitaria a livre
intervenção na estrutura do bem.
Como nos anos iniciais a linha de atuação adotada pelo SPHAN privilegiava a prática de
tombamento de bens culturais isolados (MEC/SPHAN/FNpM, 1980) e não a totalidade dos
núcleos urbanos, resolveu-se o impasse por meio do registro nos Livros de Tombo de apenas
alguns monumentos históricos e artísticos. Deste modo, após a conclusão dos estudos e
documentações realizados entre os anos de 1938 e 1943, foram tombados 20 bens culturais
materiais na área urbana e 06 nas localidades rurais.
Quadro 01: Relação dos bens culturais materiais tombados isoladamente no perímetro urbano de
Cachoeira-BA.
Fonte: Arquivo da Superintendência do IPHAN na Bahia.
Bens tombados isoladamente
Data do
tombamento
Livro do Tombo inscrito
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário
04/07/1938
Livro histórico
Livro das belas artes
Igreja e Convento de Nossa Senhora do
Carmo 22/08/1938
Livro histórico
Livro das belas artes
Igreja e Casa de Oração da Ordem Terceira
do Carmo 22/08/1938
Livro histórico
Livro das belas artes
Paço Municipal (Casa de Câmara e Cadeia) 04/07/1939 Livro histórico
Capela e Jardim do Hospital São João de
Deus
04/07/1939
Livro arqueológico, etnográfico
e paisagístico.
Livro das belas artes
Capela de Nossa Senhora da Ajuda
15/09/1939
Livro histórico
Livro das belas artes
Casa na Praça Dr. Aristides Milton, nº 23A
04/07/1939 Livro histórico
Casa na Rua Sete de Setembro, nº 34 04/07/1939 Livro histórico
Chafariz na Praça Dr. Aristides Milton 04/07/1939 Livro das belas artes
Jarros de Louça na Praça Dr. Aristides
Milton
05/07/1939
Livro das artes aplicadas
Casa na Praça da Aclamação, nº 04 22/08/1939 Livro histórico
Casa na Rua Ana Nery, nº 07 06/12/1939 Livro histórico
Casa na Rua Ana Nery, nº 01 21/05/1941 Livro das belas artes
Casa na Rua Treze de Maio, nº 13 24/07/1941 Livro das belas artes
Casa na Rua Ana Nery, nº 25 08/08/1941 Livro das belas artes
Casa na Rua Benjamin Constant, nº 01 08/08/1941 Livro das belas artes
Casa na Rua Benjamin Constant, nº 17 08/08/1941 Livro das belas artes
Casa na Rua Benjamin Constant, nº 02 25/08/1941 Livro das belas artes
Casa na Rua Ana Nery, nº 02
09/08/1941
Livro histórico
Livro das belas artes
Casa na Rua Ana Nery, nº 04
18/02/1943
Livro histórico
Livro das belas artes
93
Com a análise da relação dos bens tombados isoladamente, é possível constatar em Cachoeira
a reprodução dos princípios norteadores empregados pelo SPHAN para a constituição da ideia
de patrimônio nacional, à medida que se verifica no rol dos bens protegidos: um predomínio
de monumentos históricos do século XVIII; enaltecimento da arquitetura barroca e religiosa;
seleção de imóveis significativos para a história da nação, a exemplo da Casa de Câmara e
Cadeia ícone da relevância política do município durante as lutas pela Independência da
Bahia; casa na Praça Dr. Aristides Milton, 23, local das reuniões dos grupos favoráveis à
Independência da Bahia, casas natais de Ana Nery (enfermeira voluntária na Guerra do
Paraguai) e Teixeira de Freitas (grande jurista brasileiro); e imóveis residenciais destacados
pela excepcionalidade e estética dos seus traços arquitetônicos barrocos (RIBEIRO, 1994).
Figura 01: Casa de Câmara e Cadeia Figura 02: Casa na Praça da Aclamação, nº 04
Após os tombamentos, o SPHAN passou a atuar na fiscalização das intervenções e obras nos
patrimônios de modo a evitar sua descaracterização. As primeiras ações dessa natureza foram
realizadas nas igrejas das Ordens Primeira e Terceira do Carmo e no Convento que se
encontravam em pleno processo de reforma quando foram efetivados os tombamentos. Apesar
dos recursos escassos, o órgão adquiriu em 1953 e promoveu restaurações no imóvel 17 na
Rua Benjamin Constant e na Casa 04 na Praça da Aclamação, onde foram instalados, em
1966, com a conclusão das reformas no prédio, a sede do órgão federal de preservação em
Cachoeira e o Museu Regional que compõe o grupo de Museus e Casas Históricas integradas
ao IPHAN, com a finalidade de retratar e informar sobre a vida social da comunidade
cachoeirana no pretérito (ROCHA, 2002).
94
A despeito dos esforços empreendidos, do empenho na superação de problemas como o
reduzido quadro técnico-administrativo e da distância e dificuldade de comunicação com a
diretoria nacional, a atuação da Diretoria Regional do SPHAN nas primeiras décadas não foi
capaz de conter a deteriorização de parte do patrimônio edificado e a perda de bens móveis
por descaso da população, extravio e/ou periódicas cheias do rio Paraguaçu (FLEXOR, 2007),
que foram controladas com a Construção da Barragem Pedra do Cavalo nos anos 80. Como
relata o Sr. Raimundo Cerqueira
39
, “Cachoeira foi muito destruída pelas enchentes, que foram
uma das contribuições desastrosas para que perdêssemos muitos dos bens valiosos como
móveis de jacarandá, porcelanas chinesas, jogos de jantar ingleses, obras de arte sacra, muita
coisa foi destruída e com isso o seu povo criou um desgosto pela própria terra”.
A situação de desatenção com o patrimônio é ainda mais agravada com a submersão de
Cachoeira na recessão econômica iniciada na década de 1960, decorrente do declínio das
culturas canavieira e fumageira, enfraquecimento do seu sistema multimodal de transporte,
mudanças na dinâmica espacial e rearranjo na hierarquia urbana do Recôncavo em meados
dos anos de 1950 impulsionadas pela atuação e investimentos da Petrobras em algumas
cidades situadas na porção norte do Recôncavo Baiano. Como constata Brandão (1998, p. 45),
[...] o advento da Petrobras, apesar de sua estrutura gigantesca, de seu papel
catalizador na ampliação e geração de intensas transformações no sistema
viário, no mercado de trabalho e nos mercados bancário e imobiliário, criou
um mundo novo e relativamente fechado, que se mostraria incapaz de
revitalizar a região no seu conjunto, frente a uma estrutura social arcaica e
desgastada. E as cidades históricas de São Félix, Maragogipe, Santo Amaro,
Cachoeira, Nazaré e Jaguaripe, como o circuito de casarões e templos que
pontuam a região, continuaram a morrer.
A decadência econômica em Cachoeira produziu efeitos perversos para o patrimônio em
decorrência do esvaziamento de alguns imóveis por conta do aumento das migrações,
dificuldade econômica dos proprietários em manter os casarões em bom estado de
conservação, os inúmeros assaltos às igrejas e vendas ilegais de bens móveis que compunham
as fachadas de propriedades privadas, além da incipiente ação no período dos órgãos de
preservação federal e estadual.
39
Professor e presidente da Sociedade Cultural Orféica Lyra Ceciliana. Entrevista realizada em 08/10/09.
95
Mas, paradoxalmente, essa decadência também contribuiu para a preservação das edificações
coloniais, pois a falta de recursos financeiros impossibilitou os proprietários de destruírem os
antigos casarões e substituí-los por novas construções ou dando-lhes características modernas
como ocorreu em Santo Amaro, que apesar de também ter sofrido declínio econômico e de
não ter sido incluída diretamente entre as cidades beneficiadas com as atividades da cadeia
produtiva do petróleo a partir de 1960, possuía considerável número de moradores
empregados na Petrobrás, provocando uma dinamização na economia local e circulação de
capital.
Perante o cenário no qual Cachoeira se encontrava e visando salvaguardar não apenas alguns
bens tombados isoladamente, mas a totalidade dos monumentos históricos urbano e a
preservação da paisagem no entorno, em 1967 a Constituição do Estado da Bahia eleva
Cachoeira à condição de Monumento Histórico Estadual, assegurando, então, a proteção
estadual instituída legalmente, todavia, tal medida não surtiu os efeitos esperados no sentido
de minimizar a degradação dos bens materiais da cidade, demandando ações mais enfáticas.
2.4 TOMBAMENTO DE CACHOEIRA: TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO DA
PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO E A RETOMADA DO DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
Considerando a relevância de Cachoeira para a preservação da memória nacional e a urgência
em garantir proteção especial à cidade, o IPHAN delibera a aprovação do processo 843-T-71
que regulamenta o tombamento integral do perímetro urbano na instância federal e a inscrição
do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico. Assim, em 13 de janeiro de 1971, o então presidente da República, Emílio
Garrastazu Médici, sanciona, por meio do decreto 68.045 (ver anexo), a conversão da área
urbana de Cachoeira a Monumento Nacional através da sua inscrição e dos lugares históricos
adjacentes nos Livros do Tombo e institui ainda a aplicação de medidas conducentes à
valorização e desenvolvimento da cidade.
Entre as medidas especificadas nesse decreto sobressai: a adoção de plano urbanístico
adequado à preservação do acervo arquitetônico e natural dos sítios históricos; a criação de
96
uma Fundação organizada pela sociedade civil e com personalidade jurídica, a fim de orientar
os serviços de conservação das edificações e logradouros, a urbanização dos bairros novos e
os empreendimentos privados; elaboração de um plano para incremento do turismo em
benefício da cidade; e inclusão no Programa Nacional de Cultura de ações complementares de
assistência, incentivo, valorização e difusão dos bens inseridos no núcleo histórico de
Cachoeira.
O decreto previa, ainda, a realização dessas ações pelos Ministérios da Educação e Cultura, do
Planejamento e Coordenação Geral, do Interior, das Minas e Energias, dos Transportes, da
Indústria e Comércio, pelo IPHAN e EMBRATUR e pelos Órgãos e Fundações Estaduais e
Municipais competentes, com o custeio das despesas incluso no orçamento do Governo
Federal. Entretanto, nem as medidas decretadas nem a integração entre as instâncias
governamentais e seus respectivos órgãos se concretizaram, resultando em consequências
nada favoráveis para o município de Cachoeira.
Confluíram para o tombamento federal de Cachoeira dois fatores substanciais: os novos
direcionamentos incorporados pela política de preservação para as áreas urbanas do IPHAN
na década de 1970 e a política para o desenvolvimento do país idealizada pelo regime militar
com a busca de vinculação da prática preservacionista e a promoção do desenvolvimento.
Se, nas três primeiras décadas de atuação do IPHAN, ocorreu um privilégio à proteção dos
bens culturais isolados de natureza móveis e imóveis, em meados dos anos 1960 emerge a
necessidade do órgão repensar a política de salvaguarda direcionada para os espaços urbanos
em decorrência da intensificação da urbanização, modernização e industrialização do país,
crescimento demográfico e expansão urbana desordenada, provocando alterações na
configuração espacial das cidades, além da preocupação com a descaracterização do entorno
dos patrimônios, influenciada por tendências internacionais suscitadas pelas recomendações
da Carta de Veneza (1964) sobre a valorização da arquitetura trivial como essenciais para a
ambientação dos monumentos tombados.
Com base nessas novas diretrizes e conjunturas socioeconômicas, os núcleos urbanos
passaram a ser os objetos preferenciais das políticas preservacionistas, redefinindo-se a
extensão das áreas tombadas de diversas cidades e centros históricos que haviam sidos
contemplados com ações de proteção, de modo a incluir áreas até então desprezadas por
serem representativas da arquitetura modesta e/ou englobar o entorno dos bens tombados
97
(SANT’ANNA, 1995). Os procedimentos de tombamentos na década de 1970 foram
influenciados também pelas Normas de Quito
40
.
A partir de então as ações de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional
passaram a ser diretamente vinculadas à promoção do desenvolvimento econômico por meio
da indução a atividade turística, principalmente, nas cidades estagnadas e empobrecidas, mas
possuidoras de potencial para o despertar do turismo cultural, entendido, simultaneamente,
como uma viabilidade econômica para as cidades tombadas e uma alternativa para a
conservação do patrimônio, portanto, o tombamento de Cachoeira insere-se nesse novo
contexto.
A respeito desse atrelamento do campo patrimonial brasileiro às políticas de
desenvolvimento, ressaltando o seu viés econômico e associando-o às questões relativas à
importância simbólica de um bem cultural, Fonseca (2005, p. 142) esclarece:
O objetivo era demonstrar a relação entre valor cultural e valor econômico e
não apenas procurar convencer autoridades e sociedade do interesse público
de preservar valores culturais, como ocorrera nas décadas anteriores. Essa
articulação foi feita em duas direções: seja considerando os bens culturais
enquanto mercadorias de potencial turístico, seja buscando nesses bens os
indicadores para um desenvolvimento apropriado.
Segundo Nascimento (2009), o ato de tombamento federal de Cachoeira foi concebido pelos
Poderes Públicos e pela sociedade como um mecanismo impulsionador para superação da
crescente decadência instaurada na cidade e reativação do desenvolvimento a partir do
incremento turístico, tendo em vista a expressividade do seu conjunto arquitetônico colonial e
manifestações culturais. No entanto, era necessário implantar a infraestrutura e suporte
adequados para o desenvolvimento da atividade turística, bem como promover a restauração
em alguns imóveis destacados, o que demandou a agregação de esforços e ações conjuntas
dos órgãos de cultura e turismo pertencentes às instâncias federal e estadual, que serão
enfocadas a seguir.
40
As normas de Quito são resultado da reunião da Organização dos Estados Americanos, realizadas em
dezembro de 1967 na cidade de Quito, capital do Equador, onde se propôs a valorização e utilização econômica
do patrimônio cultural através do turismo como uma viabilidade para geração de renda nos empobrecidos países
da América Latina.
98
No que concernem às iniciativas para a solicitação do tombamento do perímetro urbano de
Cachoeira, não foi possível averiguar com precisão a origem das primeiras conjecturas por
conta da impossibilidade de acesso ao dossiê referente ao processo de tombamento da
cidade
41
. De acordo com o Sr. Rubens Rocha
42
, as iniciativas partiram da Prefeitura
Municipal, no período administrada por Ariston Mascarenhas, do Poder Legislativo
Municipal, da Loja Maçônica de Cachoeira e alguns membros da sociedade.
alguns agentes locais com significativo histórico de participação e engajamento nas causas
sociais em Cachoeira, a exemplo dos senhores Raimundo Cerqueira, Luiz Claudio
Nascimento
43
e Marcelino Gomes
44
, asseguram que as ações para o processo de tombamento
da cidade surgiram das inquietações e mobilização de alguns poucos representantes da
sociedade civil e refugiados políticos da Ditadura Militar que se encontravam em Cachoeira, e
apontam o antropólogo Roberto Costa Pinho
45
, na época diretor da Fundação Casa Paulo Dias
Adorno, como um dos grandes mentores desse projeto. De acordo com a versão apresentada
isoladamente pelos citados cachoeiranos, foi organizado um esboço do projeto de
tombamento e, com o apoio do Deputado Estadual Edvaldo Brandão Correia, a proposta foi
encaminhada para a Assembleia Legislativa para a condução dos tramites legais e
burocráticos.
Segundo Fonseca (2005), normalmente, as solicitações de tombamentos eram provenientes do
próprio IPHAN, porém entre as décadas de 1970 a 1980 houve uma relevante incidência de
solicitações de tombamento requeridas por prefeituras e assembleias legislativas, em
decorrência dos políticos compreenderem a preservação como um mecanismo para viabilizar
41
Após várias solicitações oficiais à Superintendência do IPHAN na Bahia e longa espera, por conta da
justificativa equivocada de que não poderia ter acesso imediato ao processo de tombamento porque estava sendo
utilizado para análise de questões judiciais e emissões de pareceres, descobri apenas em março de 2010, em
conversa informal com um dos arquitetos que compõe o quadro do IPHAN, que não existe uma cópia do
processo de tombamento de Cachoeira na Bahia e que o dossiê e documentos relativos ao tombamento
encontram-se depositados no Arquivo Central do Instituto no Rio de Janeiro. Diante da inviabilidade de
deslocamento para o Rio de Janeiro em virtude de estar em plena realização do trabalho de campo, não foi
possível o acesso ao processo de tombamento para sanar as dúvidas e obter informações adicionais.
42
Aposentado, licenciado em História e Chefe do Escritório Técnico do IPHAN em Cachoeira entre os anos de
1978 a 1994. Entrevista realizada em 22/05/2010.
43
Historiador e mestre em Estudos Étnicos e Africanos com ênfase em antropologia, desenvolve pesquisas sobre
a história e a cultura do Recôncavo Baiano. Entrevista realizada em 07/10/2009.
44
Rubono da etnia Jêje-mahin, dirige um terreiro de candomblé, diretor da Fundação Casa Paulo Dias Adorno e
ex-funcionário do Escritório Regional do IPAC em Cachoeira. Entrevista realizada em 23/03/2010.
45
Participou do processo de implantação da Universidade de Brasília em 1961, integrou a equipe de Aloísio
Magalhães, criou e coordenou projetos na Fundação Pró-Memória relacionados à integração entre educação e
cultura e foi assessor especial de Gilberto Gil durante o seu primeiro mandado à frente do Ministério da Cultura.
99
a aquisição de recursos junto ao Governo Federal para a solução de problemas urbanos e
proporcionar visibilidade as suas gestões.
Embora a iniciativa para o tombamento da cidade tenha partido supostamente de
representações da sociedade local, não ocorreu em Cachoeira um envolvimento massivo da
população na condução desse processo, nem uma consulta à sociedade em geral sobre tal
intenção ou, posteriormente, uma explicação oficial sobre o que significava o novo status
adquirido pela cidade, contribuindo para o surgimento de conflitos por falta de entendimento
das normas de proteção às quais a cidade passou a ser submetida. Como lembra Rubens
Rocha
46
,
Quando foi anunciado o tombamento de Cachoeira houve comemorações
pela população, mas, depois que o tombamento entrou em vigor, a própria
população passou a ser contrária por se sentir prejudicada em função das
restrições para as reformas dos imóveis que não sabiam que existiriam.
O esclarecimento para a população sobre o que representava o tombamento, bem como o
chamamento para assumirem, juntamente com as instituições de preservação, a
responsabilidade pela defesa do patrimônio cultural somente ocorreu 11 anos após a elevação
de Cachoeira à categoria de Monumento Nacional com a realização, entre os dias 23 a 26 de
março de 1982, do Seminário “Preservação e Valorização do Patrimônio Cultural e Natural”,
uma iniciativa de Aloísio Magalhães, o então dirigente do SPHAN- Pró Memória
47
.
O seminário fazia parte da nova política de preservação dos anos 1980 instituída por Aloísio
Magalhães que adotou a prática de consulta aos moradores das cidades e centros históricos
tombados na instância federal. Aloísio Magalhães julgava imprescindível a participação social
na gestão das políticas de preservação, contrapondo-se à ideia de apropriação dos patrimônios
para a nação e defendendo a apropriação dos bens culturais pelas comunidades locais como
uma forma verdadeiramente eficaz para sua conservação (SIMÃO, 2006).
46
Entrevista realizada em 22/05/2010.
47
Em 1979 com a fusão do IPHAN/PCH/ CNRC criou-se uma nova estrutura administrativa para o órgão federal
de preservação passando a ser composto pelo SPHAN rgão normativo) que se tornou secretaria e a Fundação
Pró-Memória (órgão executivo).
100
Em Cachoeira, o seminário que contou com a presença do Aloísio Magalhães foi promovido
em parceria como o MEC, Governo Estadual, IPAC, FUNCEB, Bahiatursa e Prefeitura
Municipal, apresentando como objetivos principais refletir com a comunidade sobre as ações
desenvolvidas no Município pelos órgãos encarregados da preservação e valorização do
patrimônio cultural e natural de Cachoeira e sobre a adoção de critérios que visassem a
ampliação e dinamização dessas ações. A metodologia do seminário consistiu em palestras
informativas, discussões por grupos de trabalho sobre questões relativas ao patrimônio
arquitetônico, patrimônio cultural, patrimônio natural e legislação, além da produção de
relatórios setoriais, culminando na publicação de um documento com as proposições
aprovadas pela plenária final.
Não obstante a proeminência das propostas apresentadas no seminário para a gestão
partilhada do patrimônio local, indução à apropriação dos bens pelos cachoeiranos,
reconhecimento das manifestações culturais, ordenamento do espaço urbano, planejamento da
atividade turística e beneficiamento dos munícipes, ainda hoje, apenas algumas poucas
proposições foram concretizadas, entre as quais: a criação do plano diretor do município, o
desenvolvimento parcial da disciplina Educação Patrimonial nas escolas da rede pública de
ensino e a implantação de um campus universitário na cidade.
Contribuíram para a não efetivação dos avanços e aplicabilidade das sugestões: a ruptura com
a política de inclusão da sociedade com a morte de Aloísio Magalhães em junho de 1982; a
escassez de recursos para serem investidos nessas ações, principalmente durante os Governos
Collor e FHC, nos quais imperaram a lógica das leis de mercado nas políticas culturais; o
restrito quadro técnico administrativo e a limitada atuação dos escritórios do IPAC e IPHAN
em Cachoeira; a baixa mobilização da sociedade no sentido de reivindicar o cumprimento das
propostas e assegurar canais de participação nas políticas de preservação direcionadas ao
município; e a frágil articulação entre as instituições competentes pelos setores de cultura e
turismo.
Por ser a cidade tombada pela instância federal, a grande responsabilidade pela preservação e
integridade do patrimônio de Cachoeira é atribuída ao IPHAN que atua diretamente na cidade
através do Escritório Técnico local composto por apenas um arquiteto, alguns poucos
funcionários, restritos aparatos técnicos e a incumbência de zelar pela proteção do patrimônio
cultural de 104 municípios baianos. Especificamente em Cachoeira, desde o tombamento, as
principais atribuições do órgão federal circundam em torno: da fiscalização e controle das
101
intervenções no espaço urbano; da emissão de pareceres e autorização de reformas,
adaptações ou novas construções; da orientação técnica na elaboração dos projetos de modo a
resguardar as características originais dos imóveis e a manutenção da fisionomia histórica da
cidade; e da participação em conselhos relacionados ao patrimônio cultural. Todavia, com a
deficiência do corpo técnico-administrativo, a ação do IPHAN sempre se deu de forma
limitada, não conseguindo ao menos abranger a totalidade do núcleo urbano de Cachoeira,
mas ainda assim a sua atuação é preponderante para a salvaguarda dos bens culturais
edificados e para evitar a desfiguração do conjunto arquitetônico. Por conta do papel
fiscalizador e impeditivo do IPHAN e da deficiência de canais de diálogo, nem sempre a
relação do órgão com a população se de forma cordial e sem embates, como veremos no
próximo capítulo.
O IPAC também possui um Escritório Regional em Cachoeira criado com a finalidade de
desempenhar ações complementares e de apoio na árdua tarefa de preservação do patrimônio
histórico cultural da cidade. Entretanto, sua atuação na cidade é restrita, sobressaindo-se
apenas nas cadas de 1970 e 1980 quando apresentou ativa participação à frente da
coordenação do PCH em Cachoeira e a partir de 2002 quando assumiu a incumbência de ser o
responsável pela coordenação do Programa Monumenta na cidade. Ademais, o seu escritório
presta um papel apenas representativo não apresentando ações de relevo no que concerne à
proteção do patrimônio, servindo a sua sede, na parte inferior, como um salão para exposições
fotográficas e artísticas e, a parte superior, para as reuniões técnicas quando da vinda de
membros do IPAC à Cachoeira e para abrigar o Conselho do Fundo Municipal de Preservação
do Patrimônio Histórico e Cultural (FUNPATRI).
No que se refere ao Poder Municipal, a situação é ainda mais crítica, pois, a despeito das
atribuições com a preservação do patrimônio expressas no art. 30 da Constituição de 1988 e
em outras legislação específicas, praticamente inexistem iniciativas da prefeitura em prol da
preservação, e os órgãos municipais competentes, na maioria das situações, se eximem das
funções de fiscalização e acompanhamento da execução das obras e intervenções realizadas
nos imóveis privados previamente autorizadas pelo IPHAN, constituindo-se tais fatores em
problematizadores para o impedimento de ações danosas contra o patrimônio. Diante do
exposto, ficam claras as fragilidades para o desenvolvimento de uma gestão integrada entre os
três entes federados no sentido de articular as ações, compartilhar responsabilidades, unificar
102
as forças em busca de resultados favoráveis e formular conjuntamente uma política pública de
proteção ao suntuoso patrimônio cachoeirano.
Aliado a esses aspectos, em Cachoeira, com exceção de algumas ativas representações da
sociedade civil, não uma incisiva mobilização da população no sentido de participar das
decisões políticas da gestão municipal, auxiliar na elaboração de programas e projetos, se
engajar na condução de planos de ação ou reivindicar de forma enfática o cumprimento de
propostas e a realização de medidas conducentes à minimização dos problemas locais. Como
afirma Teixeira (2001), a participação é um instrumento que possibilita aos cidadãos
definirem critérios para orientar a ação pública, assim, ao não se inserir nas questões políticas
a população abdica do seu direito constitucional de participação direta no controle social do
Poder Público.
Um indício da veracidade dessa afirmação é a reduzida participação da sociedade nas reuniões
e conferências realizadas na cidade. Durante o trabalho de campo foi constatado que dos 150
moradores consultados, 21% frenquentaram as reuniões para a elaboração do Plano Diretor
Participativo ocorridas em 2006, 19% compareceram à Conferência Municipal de Cultura
realizada em outubro de 2009 e somente 11% estiveram presentes na Conferência da Cidade
promovida em janeiro de 2010. Em Cachoeira, a reduzida participação da sociedade nos
processos políticos não é um fato isolado e assemelha-se ao que sucede no âmbito nacional,
pois, conforme Amorim (2007), não obstante a existência de instituições políticas
democráticas, no Brasil ocorre uma limitação da cultura política participativa, um aspecto
essencial para a consolidação de práticas democráticas. Mas, ressalta, “se, por um lado, existe
um número considerável de cidadãos desinteressados pela política, de outro lado, uma
pequena parcela imbuída de sentimento de eficácia política que acredita que sua participação
pode alterar os resultados e as decisões políticas” (AMORIM, 2007, p. 378).
Alguns recentes indicativos de redirecionamentos sugerem o florescer de mudanças nesse
cenário, a título de exemplificação pode ser mencionado a mobilização para implantação do
Sistema Nacional do Patrimônio Cultural (SNPC) e a iniciativa das organizações civis
cachoeiranas, INSTITUTO PRESERVAR e A CIDADÃ, para a criação de uma Associação
das Cidades Históricas e com Bens Tombados da Bahia. O SNPC segue os mesmos princípios
do Sistema Nacional de Cultura (SNC), portanto objetiva propor formas de interrelação entre
as esferas de governos de modo a estabelecer diálogos e articulações para a gestão do
103
patrimônio cultural, definir conceituações e princípios comuns e incentivar o fortalecimento
institucional, principalmente, na instância municipal.
no âmbito local, o avanço se através da proposta de fundação da associação baiana,
inspirada na criação em 2009 da Associação Brasileira de Cidades Históricas (ABCH), cuja
finalidade será unificar as proposições relativas à preservação do patrimônio e interagir com
os Poderes Públicos municipais, estadual e federal no intuito de promover e/ou articular
políticas públicas direcionadas para a educação, preservação e conservação do patrimônio
material e imaterial nessas cidades. Como explica Jomar Lima
48
:
Devido à carência de políticas públicas generalizadas para todas as cidades
históricas e as que possuem alguns bens tombados é que pensamos nessa
integração. Além disso, a interlocução entre essas cidades é uma forma de
conseguirmos uma inserção maior junto ao Governo Federal e um
fortalecimento para as reivindicações. A UFRB, o IPHAN e o IPAC foram
convidados a serem parceiros na construção da associação e já nos reunimos
algumas vezes com o diretor da UFRB, com o presidente do IPHAN e
diretor do IPAC, assim o projeto vem tomando um corpo e tem um
estatuto pronto. Sabemos que para as cidades históricas vai ser
importantíssima essa união.
A formação da associação será precedida pela realização do I Fórum das Cidades e com Bens
Tombados da Bahia, previsto para ocorrer em 2010, com o objetivo de efetivar a criação da
associação, promover a integração e troca de experiências entre as cidades e órgãos
competentes. A formalização da associação pressupõe uma mudança nos rumos da
preservação vigente atualmente nas cidades baianas, em especial em Cachoeira, devido à
proposta de inserção mais contundente das representações da sociedade civil no processo de
gestão da área urbana patrimônio, compartilhamento das responsabilidades entre Poder
Público e sociedade e a possibilidade de indução à maior apropriação simbólica desses
patrimônios pela população local.
48
Administrador, graduando em Museologia pela UFRB, fotógrafo, fundador da ONG Instituto Preservar e foi
por 16 anos administrador do Conjunto do Carmo de Cachoeira.
Entrevista realizada em 28/03/2010.
104
3. IMPLICAÇÕES DAS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO NAS DINÂMICAS
SOCIAL, ECONÔMICA E URBANA DA CIDADE DE CACHOEIRA-BA
É nos espaços urbanos das cidades tombadas que se manifestam os efeitos mais evidentes das
políticas e programas de preservação implantados pelas instituições governamentais, visto que
o ato do tombamento de conjuntos ou sítios urbanos associados à execução de intervenções de
restauração e indução ao aproveitamento social e econômico dos patrimônios não se
processam de maneira isolada e sem interferências nas dinâmicas inerentes às cidades, ao
contrário, produzem reflexos diretos não somente em sua dimensão cultural, mas, também,
nas suas dimensões econômica, espacial e social, e originam imbricadas relações entre os
agentes envolvidos.
Nos tópicos subsequentes, buscar-se-á analisar quais as implicações provocadas pela
implantação de políticas culturais de preservação na cidade de Cachoeira. Nessa perspectiva,
são abordadas as interações entre as políticas de preservação e as de turismo empreendidas
com foco na promoção do desenvolvimento econômico por meio do estímulo à atividade
turística, bem como são tecidas análises sobre os rebatimentos espaciais decorrentes do
tombamento do espaço urbano e as estratégias de gestão e, por último, as impressões da
população cachoeirana sobre o tombamento e a relação que ela estabelece com o patrimônio
material local.
3.1 IMPLANTAÇÃO DO PCH E AS INTERFACES ENTRE O PATRIMÔNIO
CULTURAL E AS POLÍTICAS DE TURISMO
Como mencionado no capítulo anterior, nos anos de 1970 os estudos técnicos realizados pela
UNESCO em algumas cidades brasileiras tombadas e as Normas de Quito indicaram como
estratégias eficazes para a preservação das cidades históricas o aproveitamento do valor
econômico apresentado pelos patrimônios e a indução ao turismo como atividade apropriada
para impulsionar essa valorização. A partir de então, o turismo começa a ser compreendido
como uma prática conciliatória entre a proteção do patrimônio cultural nacional e a melhoria
105
das condições de vida da população através do aumento dos índices econômicos. Nesse
sentido, os Poderes Públicos passam a desenvolver ações para implantação da atividade
turística com a perspectiva de reduzir as responsabilidades e dispêndios com a conservação do
patrimônio, bem como dinamizar a economia das cidades históricas, na grande maioria imersa
em decadência de ordem econômica.
Em Cachoeira, em função do avançado estágio de deteriorização do patrimônio edificado por
motivos explicitados, uma das primeiras medidas empreendidas para incitar a prática da
atividade turística constituiu-se na restauração das fachadas de alguns sobrados nas
imediações dos monumentos localizados no centro histórico, com as ações iniciais de reparo
realizadas entre os anos de 1974 e 1975. As reformas efetivadas, sob a coordenação do
IPAC
49
e supervisão técnica do IPHAN, só foram possíveis graças ao financiamento obtido do
Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas (PCH).
Formulado por um Grupo de Trabalho Interministerial, composto por representantes do
IPHAN, EMBRATUR, SUDENE, Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, o PCH
compunha o quadro de programas integrados do governo e diferenciava-se pela participação
de outros setores governamentais na política de preservação e tentativa de descentralização
com o gerenciamento dos recursos na instância federal e a execução das ações pelos órgãos
estaduais. O Programa administrado, inicialmente, pela Secretaria de Planejamento da
Presidência da República (SEPLAN) e transferido para o IPHAN, em 1979, apresentava como
principal foco de atuação as cidades tombadas da região Nordeste
50
, sobressaindo a Bahia,
seguida por Pernambuco como os estados mais beneficiados pela execução do PCH
(FONSECA, 2005). Influíram para a concepção do programa: as novas tendências de
preservação suscitadas pelas recomendações das Normas de Quito (1967); o modelo de
desenvolvimento adotada pelo regime militar que propunha o incremento das bases
econômicas da região Nordeste; e as proposições expressas no Compromisso de Brasília
(1970) para o estabelecimento de novos encaminhamentos para a proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional e medidas para ação conjunta dos três entes federados.
49
Os projetos de restaurações custeadas pelo PCH eram conduzidos pelo IPAC por conta da orientação assumida
pelo programa de descentralização executiva das ações, uma forma de incentivar a participação das instituições
estaduais nas políticas de preservação.
50
Em decorrência das intensas pressões políticas, em 1976 o PCH foi ampliado, passando a contemplar estados
da região Sudeste e Sul.
106
Para Sant’Anna (1995), o PCH além de ter induzido diretamente a criação de órgãos de
preservação estaduais para atuarem como executores do programa em seus respectivos
estados, conseguiu estruturar um sistema nacional de preservação inédito na condução das
políticas para o patrimônio no Brasil à medida que as instituições federais eram responsáveis
pela coordenação
51
, avaliação, acompanhamento, fiscalização e controle dos recursos,
enquanto aos órgãos estaduais cabia a incumbência de executar as ações previstas.
O PCH contava com recursos financeiros proveniente do Fundo de Desenvolvimento de
Projetos Integrados e contrapartidas repassadas a fundo perdido pelos governos estaduais e
municipais envolvidos no programa. Apresentava como principais objetivos fomentar a
prática da atividade turística e utilização do patrimônio cultural como fontes de receitas para
as cidades decadentes e, para tal, promovia a implantação de infraestrutura adequada e a
restauração dos monumentos históricos degradados. Estavam previstos, também, o custeio de
cursos técnicos e especialização de mão-de-obra e a realização de projetos e planejamentos de
desenvolvimento urbano, porém eram atividades relegadas a segundo plano. No Nordeste,
apenas ocorreram poucos investimentos na elaboração de planos diretores para Laranjeiras e
São Cristóvão em Sergipe, para o Pelourinho em Salvador e para algumas cidades em
Alagoas.
Os critérios basilares para a seleção das cidades e priorização da aplicação dos investimentos
eram relacionados à viabilidade para implantação do turismo, potencialidades culturais e
riscos de deteriorização dos monumentos. A partir dos critérios elencados, Salvador,
Cachoeira e Porto Seguro na Bahia foram escolhidas em primeira instância para compor as
cidades contempladas pelo PCH e para a execução das intervenções nas áreas urbanas visando
dotá-las de infraestrutura turísticas e recuperar alguns bens imóveis.
Em Cachoeira, o PCH começou a ser executado em 1974 e custeou, inicialmente, a
recomposição do estilo barroco colonial das fachadas de alguns casarões e sobrados e a
restauração integral de prédios destacados, buscando recompor os traços originais, muitas
vezes distorcidos por reformas sem orientação técnica, e criar uma “ambientação” para o
turismo. Conforme Marcelino Gomes
52
, ex-funcionário do IPAC que era o órgão encarregado
da execução das ações em Cachoeira, no período da execução do PCH foram restaurados: o
51
A coordenação do PCH na região Nordeste ficou a cargo de uma Secretaria Executiva da Delegacia Regional
da SEPLAN em Recife-PE, criada exclusivamente para essa finalidade.
52
Entrevista realizada em 23/03/2010.
107
Solar Estrela (atualmente sede das Obras de Assistência Social da Paróquia de Cachoeira e do
restaurante Rabbuni), a casa de Ana Nery e parte da Igreja Matriz; as fachadas de todos os
prédios entre o Solar Estrela e a Igreja Matriz na Rua Ana Nery; as fachadas das casas no
corredor do prédio do IPHAN na Praça da Aclamação; e foram recuperados também o prédio
onde hoje funciona a sede do IPAC e as fachadas dos sobrados vizinhos na Praça 25 de Junho.
Figura 03: Sobrados da Praça da Aclamação recuperados em 1975 com recursos do PCH
Além dessas intervenções citadas, ocorreu também a adequação do Convento e da Igreja da
Ordem Primeira do Carmo para utilização turística. Quando lançada a proposta de
transformação do Convento do Carmo em pousada, atribuindo-lhe um uso permanente, o
imóvel apresentava uma estrutura inutilizada e bastante degradada pelo abandono, que em
1955 os religiosos carmelitas encerram as atividades em Cachoeira. O projeto inicial
elaborado pelo Grupo de Renovação Arquitetônica e Urbanística (GRAU) da Faculdade de
Arquitetura da UFBA, e encaminhado para aprovação e inserção do PCH em 1977, apenas
começou a ser executado em 1982, após várias tramitações para adequações requeridas pela
Empresa de Empreendimentos Turísticas da Bahia S/A (EMTUR), órgão de turismo
responsável pela supervisão da rede hoteleira no estado (FLEXOR, 2007). Com a conclusão
das obras em 1983, o Convento do Carmo transformou-se em Pousada do Convento,
atendendo aos padrões internacionais de hospedagem e sendo administrado por grupos
privados, por meio de concessões que recompensam a Ordem Carmelita pelo uso do prédio
mediante o repasse de módicas contribuições financeiras.
108
Figuras 04, 05 e 06: Fachadas e ambientes internos da Pousada do Convento
Em relação à Igreja da Ordem Primeira do Carmo, as intervenções restauradoras foram
iniciadas em 1984. A intenção era torná-la um versátil espaço para eventos, conferências e
seminários, suprindo as carências do município até então desprovido desse tipo de
equipamento e, para isso, foram extintas as funções religiosas do templo. Porém, Flexor
(2007, 121) revela que
A lógica econômica logo mostrou que havia demanda para os serviços de
alojamento, mas não para a realização de eventos de grande porte. O espaço
da igreja, ao contrário do convento, manteve-se ocioso, não gerou recursos
que permitissem sua manutenção e, principalmente, por não se tornar um
foco de atração de visitantes, abstraiu da fruição do público um importante
elemento patrimonial.
Figura 07: Igreja da Ordem Primeira do Carmo
109
As investidas governamentais no âmbito estadual para a potencialização do fluxo turístico em
Cachoeira desdobravam-se ainda nas ações promovidas pela Empresa de Turismo da Bahia
S/A (Bahiatursa
53
), iniciadas na década de 1970 e impulsionadas com a formulação do Plano
de Turismo do Recôncavo (PTR) em 1971, que destinava ênfase especial para Cachoeira,
seguindo, assim, as recomendações expressas no art. do decreto de tombamento da cidade,
que dispõe sobre o estabelecimento de parcerias entre o Conselho Nacional de Turismo,
EMBRATUR, IPHAN, órgãos estaduais e municipais para elaboração de planos de fomento
ao turismo.
O PTR representou um marco na consolidação da atividade turística como a grande estratégia
de desenvolvimento econômico do estado baiano adotada pelos governos do grupo Carlista,
além disso, configurou-se no primeiro modelo de gestão da política de turismo na Bahia e
propiciou à Bahiatursa diretrizes regulatórias para a promoção do turismo cultural. A intenção
era difundir uma imagem “sedutora” do estado baiano utilizando-se dos atrativos históricos e
multifacetadas manifestações culturais presentes, sobretudo, na capital e no Recôncavo
Baiano, onde Cachoeira sobressaia-se pela riqueza do patrimônio edificado, relevância
histórica e singulares manifestações socioculturais.
Nessa perspectiva, a Bahiatursa deu início em 1972, logo após o tombamento da cidade, ao
processo de espetacularização dos festejos de São João e a resignificação da tradicional Feira
do Porto
54
. Castro (2009) salienta que Cachoeira foi pioneira na promoção de festas juninas
espetacularizadas no espaço urbano, em função da iniciativa pela Bahiatursa de organização e
patrocínio da festividade, contribuindo sobremaneira para a turistificação do evento, que em
meados da década de 1970 passou a ser de responsabilidade do Poder Público local. Ressalta,
ainda, o fato da participação de manifestações culturais locais, a exemplo dos Sambas de
Roda e folguedos tradicionais, combinada ao espaço festivo formado por casarões e sobrados
imprimirem uma peculiaridade ao festejo, distinguindo-o dos demais.
Essa espetacularização do São João em Cachoeira se caracterizou pela criação de uma
significativa infraestrutura festiva composta por formas espaciais permanentes e efêmeras,
a
reconfiguração funcional de construções preexistentes e residências que passam a desenvolver
53
A Bahiatursa, criada em 1968, é atualmente uma empresa de economia mista vinculada à Secretaria de
Turismo, sendo responsável pela divulgação e promoção turística da Bahia, tanto no Brasil quanto no exterior.
54
A Feira do Porto é uma feira de artesanato realizada na área do porto fluvial durante o período da festividade
junina, no passado era uma feira livre para comercialização de produtos agrícolas no período dos festejos
juninos.
110
funções de hospedagem e serviços de comercialização de bebidas e alimentação para atender
às demandas do período, pela inserção na grade de programação de atrações musicais
midiatizadas e massiva divulgação publicitária. No decorrer dos anos essas ações produziram
o efeito desejado pelos órgãos de turismo e, hoje, a festa do São João de Cachoeira se insere
no circuito dos mega eventos juninos da Bahia, atraindo durante sua realização milhares de
turistas para Cachoeira. No entanto, sua expressividade ainda se circunscreve ao âmbito
estadual (CASTRO, 2009). Cabe destacar, que, apesar da organização do São João ser
atualmente uma atribuição da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, a Bahiatursa se
mantém como uma das principais patrocinadoras, juntamente com a Petrobras, através do
estabelecimento de convênios com a prefeitura municipal.
A secular festa organizada pela Irmandade da Boa Morte em devoção a Nossa Senhora da
Glória e Nossa Senhora da Boa Morte, também foi incluída no rol das ações da Bahiatursa e
Governo Estadual, que desde então começa a ser percebida pelos gestores do turismo na
Bahia como uma atratividade capaz de potencializar o turismo internacional na região do
Recôncavo. Assim, a partir dos anos de 1970, a Irmandade e a festa da Boa Morte, que no
período enfrentavam sérios problemas de ordem financeira e estrutural, passam a ser foco de
intervenções por meio de repasse de recursos, divulgações publicitárias com exposições
fotográficas, produção de vídeos e publicações em revistas especializadas e, posteriormente,
com a reestruturação da sede da Irmandade em resposta à campanha internacional suscitada
por artistas de renome em favor da Irmandade. Por outro lado, inicia-se também o processo de
turistificação da festa marcada pelo sincretismo religioso, com a contundente exposição da
imagem da festividade e da Irmandade da Boa Morte nos âmbitos nacional e internacional,
indução à expansão da festa profana e inserção de apresentações de grupos e manifestações
culturais de origem negra não de Cachoeira, mas também de Salvador. Essa turistificação,
iniciada na década de 1970, é intensificada a partir de 2007 com o lançamento do Programa
de Ação do Turismo Étnico Afro na Bahia, no qual a Festa da Boa Morte constitui-se num dos
mais destacados atrativos para o segmento dos turistas afro-americanos.
Entremeado a essa espetacularização das festividades, o patrimônio material também foi
projetado como chamariz para a prática do turismo histórico e cultural à medida que os
monumentos possuem destacado simbolismo, valor arquitetônico e por serem impregnados
pelos fatos históricos e heróicos ocorridos em Cachoeira. Como forma de dar ânimo e vida a
esses bens culturais edificados, além do incentivo a suas adaptações para funções turísticas,
111
houve um estímulo à continuidade de peculiares manifestações culturais populares que
corriam grande risco de extinção, a exemplo da Festa D’ Ajuda, bumba-meu-boi e sambas de
roda, tencionando formar em Cachoeira uma simbiose única entre o patrimônio material e os
bens culturais imateriais.
Também ocorre nesse período o incentivo à aplicação de investimentos privados na
refuncionalização de casarões e sobrados, de modo a se adequarem para o oferecimento de
serviços básicos de alimentação, hospedagem e entretenimento; além do auxílio financeiro
para a instalação, em 1989, das pousadas do Guerreiro, ainda em funcionamento, e a do Pai
Thomas, cujas atividades foram encerradas há alguns anos, mas o proprietário vem realizando
pequenas reformas com o propósito de reativá-la.
Apesar dos esforços impetrados e injeção de recursos governamentais federal e estadual,
principalmente entre as décadas de 1970 e 1980, o turismo em Cachoeira não se consolidou
nesse período como uma atividade capaz de promover a reativação do desenvolvimento
econômico no município ou ao menos garantir a conservação e proteção do patrimônio
edificado. Com o encerramento do PCH, em 1983, que destinou considerável montante de
recursos para a recuperação de monumentos urbanos de reconhecido valor, não ocorreu a
continuidade dos investimentos governamentais e/ou privados na recuperação ou conservação
do patrimônio local.
Traçando um panorama do desempenho do PCH na região Nordeste, Sant’Anna (1995)
aponta que 90% dos projetos executados eram direcionados para a restauração de pequenos
conjuntos arquitetônicos ou monumentos destacados, utilizados em sua maioria para
finalidades turísticas/culturais (hotéis, museus, casas de cultura, teatros, etc.) ou abrigar
órgãos públicos. A autora avalia o programa como positivo, mas considera que o modelo
adotado não conseguiu concretizar novas práticas referentes à preservação e planejamento
para os espaços urbanos tombados, que continuaram a ser interpretadas numa perspectiva
museificante desconsiderando-se seu caráter dinâmico e mutável. Intercalava-se a esses
fatores a ausência de preocupações em preparar a população e a cidades receptoras para a
aplicação dos investimentos e para condução de medidas complementares às ações de
conservação do patrimônio.
Em Cachoeira, a recuperação de alguns imóveis destacados se mostrou incapaz de atrair os
esperados investimentos privados nas áreas históricas, alavancar o desenvolvimento
112
econômico através do incremento da atividade turística e gerar recursos para a conservação
progressiva dos patrimônios urbanos que, com o passar do tempo e a ausência de novas
intervenções, voltaram a apresentar sinais evidentes de deterioração, e a década de 1990 se
constituiu num período marcado pelo declínio das atividades turísticas e descaso com a
conservação do patrimônio.
Todavia, a potencialização da atividade turística em Cachoeira era uma das estratégias de
desenvolvimento econômico do Recôncavo pregada pelos governos Carlistas como a
alternativa mais viável para reverter a situação de estagnação apresentada pelos municípios e,
nessa conjuntura, Cachoeira era considerada município âncora para a Zona Turística da Baía
de Todos os Santos
55
, ou seja, aquele concebido como referência na região, possuidor de
atratividades e capaz de dar suporte aos demais, além de apresentar, depois de Salvador, a
melhor estrutura para atendimento das demandas específicas do turismo, assim, os órgãos de
turismo estaduais continuaram a promover Cachoeira através de propagandas em estímulo à
visitação.
Com a ampliação do convênio entre o Governo Estadual e o Banco do Nordeste para a
implantação do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste do Brasil
(PRODETUR NE II
56
) em dezembro de 2004, Cachoeira e alguns outros municípios do
Recôncavo passam a compor o rol dos beneficiados com a aplicação de investimentos para
estruturação do setor turístico. Um dos requisitos para firmamento do convênio constituía-se
na elaboração prévia de um Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável
(PDITS) abrangendo a zona turística contemplada e a ser adotado como um planejamento
referência para atuação dos órgãos de turismo e a integração com outras áreas como
infraestrutura, educação, segurança pública, etc.
55
A Zona Turística da Baía de Todos os Santos é composta pelos municípios de Salvador, Cachoeira, Itaparica,
Jaguaripe, Madre de Deus, Maragogipe, Nazaré, Salinas da Margarida, Santo Amaro, o Félix, São Francisco
do Conde, Saubara e Vera Cruz.
56
O PRODETUR/NE é financiado pelo BID e executado pelo Banco do Nordeste que também assume as
atribuições de mutuário e gestor dos recursos, os municípios e/ou estados são submutuários que recebem os
recursos e executam os projetos. O Programa tem por objetivo auxiliar estados e/ou municípios a expandirem as
atividades turísticas na região através da concessão de créditos em condições especiais. Na Bahia, a primeira
etapa denominada de PRODETUR NE I foi iniciada em 1994 e privilegiou a cidade de Salvador com a
ampliação do Aeroporto Internacional e a efetivação da 6ª etapa de recuperação do Centro Histórico. Para a
segunda etapa, iniciada efetivamente em 2004, o Governo da Bahia assinou 03 contratos de subempréstimo,
totalizando US$ 39 milhões de financiamento a serem investidos em algumas zonas turísticas do estado de forma
descentralizada. (Informações concedidas por e-mail pela assessoria de comunicação do Banco do Nordeste)
113
Na Bahia, os PDITS das zonas assistidas foram elaborados por diferentes empresas
contratadas com essa finalidade, sendo o PDITS do Pólo Salvador e Entorno, correspondente
às zonas turísticas da Baía de Todos os Santos e Costa do Coqueiro, realizado pela Fundação
Getúlio Vargas com base na metodologia denominada de Matriz SWOT, que consiste na
identificação dos pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças dos setores e temas
analisados, auxiliando na elaboração de estratégias de ação formuladas com base num
processo de planejamento participativo envolvendo comunidades, sociedade civil organizada,
equipe técnica de trabalho e políticas de governos estadual e federal (BAHIA, 2004b).
O documento produzido para o Pólo Salvador e Entorno, lançado em 2004, traça um
diagnóstico da área de planejamento fazendo referências a diversos aspectos, no entanto, as
análises a serem tecidas enfocarão as ponderações relativas à capacidade institucional do
município, ao patrimônio histórico, ao turismo histórico-cultural, apontado como a categoria a
ser estimulada na Baía de Todos os Santos, e às estratégias para o desenvolvimento turístico,
priorizando os aspectos que se aplicam à Cachoeira. Vale salientar que tais eixos foram
selecionados por serem os focos de interesse para a presente pesquisa e que os dados
coletados para a elaboração do PDITS são referentes aos anos de 2002 e 2003.
Os diagnósticos realizados pelo PDITS em Cachoeira ratificaram que o município possui
grande potencial para a atividade turística ancorada, principalmente, nos atrativos históricos e
culturais materializados no expressivo patrimônio edificado e nas manifestações culturais e
religiosas. Entre os atrativos efetivos da categoria Histórico-cultural destacaram-se o
Conjunto do Carmo, o conjunto arquitetônico da cidade, a Fundação Hansen Bahia, as igrejas
e a Ponte D. Pedro II. No ranking geral da Baía de Todos os Santos, o Conjunto do Carmo foi
eleito como o quarto atrativo efetivo e o único listado fora de Salvador. No item
Manifestações Culturais, a Festa da Boa Morte figurava como o atrativo efetivo do Pólo
nesse segmento, vindo em lugar a Festa de Iemanjá na capital. Sobressaíram-se, ainda, em
Cachoeira, o artesanato, as Festas de São João e D’ Ajuda. Foram apontados também alguns
atrativos em potencial na área urbana e nas localidades rurais, além de pontos fortes e
oportunidades apresentadas pela cidade, a exemplo de: grande variedade e valor do
patrimônio histórico; a utilização turística de vários patrimônios; a existência de
manifestações culturais complementando a atratividade do patrimônio material; a atuação dos
órgãos de preservação federal e estadual; as ações de recuperação do programa Monumenta; e
o crescimento pelo interesse no turismo cultural.
114
No ranking final dos municípios na categoria turismo histórico-cultural, Cachoeira ocupava a
posição perdendo apenas para a capital do estado. Porém, o estudo avalia que o turismo na
cidade, assim como nas demais do entorno, era de curta duração partindo, na maioria dos
casos, de Salvador onde são vendidos os pacotes que apresentavam poucas opções de gasto
turístico e refletiam a desestruturação da rede de serviços, assumindo o papel de roteiros
complementares. Foram identificados também outras fragilidades e entraves que se
constituíam em sérias barreiras ao pleno desenvolvimento do turismo, como: as ameaças ao
conjunto arquitetônico por fatores sociais, urbanísticos, econômicos e ambientais que limitam
o seu uso sustentável e podem provocar o arruinamento e a desvalorização pelo turista por
conta da baixa conservação; ausência de pesquisas ou controle sobre o fluxo turístico nos
monumentos; desconhecimento da história e valor do patrimônio histórico e artístico pelos
moradores e reduzido envolvimento nos processos decisórios; poucos recursos técnicos e
financeiros direcionados ao patrimônio e baixa preocupação com a sua gestão por parte da
prefeitura; e a dependência excessiva no município de repasses financeiros pelas instâncias
governamentais superiores.
No que se refere à capacidade de gestão e institucional dos municípios da Baía de Todos os
Santos, constatou-se que, embora alguns apresentassem instrumentos que denotavam relativa
capacidade de planejamento e implementação de políticas para o desenvolvimento, muito
ainda precisava ser alcançado para uma adequada gestão do turismo e para evitar as
vulnerabilidades. E avaliou-se, ainda, que a capacidade de planejamento e implementação de
políticas pelos municípios estava comprometida pela falta de instrumentos que assegurassem
a sustentabilidade da atividade turística e pela limitada participação da sociedade. Cachoeira é
citada pela baixa capacitação, reduzido número de funcionários e equipamentos técnicos da
Secretaria (na época de Educação, Cultura, Turismo e Desportos). No período da realização
dos PDITS a cidade utilizava como instrumentos de gestão os Códigos de Postura e de Obras
e não possuía conselho de turismo, planejamentos participativos e plano diretor, considerado
fator condicionante para participação no PRODETUR II e estratégico para a política de
desenvolvimento urbano com bases sustentáveis.
Em consonância com os diagnósticos e levantamentos realizados por meio de um
planejamento participativo envolvendo Poder Público, Sociedade Civil e comunidades, o
PDTIS do Pólo Salvador e Entorno propõe macroestratégias estaduais de desenvolvimento
turístico e estratégias sub-regionais de acordo com as especificidades e os diferenciais de cada
115
zona ou município objetivando a consolidação das bases, fortalecimento dos diferencias
agregando valor para o turismo, produção de vantagens competitivas e sustentáveis, e as
estratégias subdivididas nos seguintes campos de atuação: Estrutura Pública; Gestão
Municipal; Sócio-educação; e Integração e Produto Turístico. Considerando as suas
peculiaridades e demandas, foram sugeridas para Cachoeira uma série de ações e projetos
estratégicos, a saber:
- Estrutura Pública: construção de um terminal rodoviário municipal; recuperação da malha
ferroviária SSA/Cachoeira; recuperação da Ponte D. Pedro II e da estação ferroviária de
Cachoeira; recuperação e revitalização do cais do porto e atracadouro municipal; recuperação
e a restauração do patrimônio histórico apoiando sua revitalização; criação de um Quarteirão
Cultural e estabilização de imóveis isolados (Projetos e Ações o Financiáveis); e
recuperação da Igreja dos Pretos do Rosarinho e cemitério anexo;
- Gestão Municipal: gerir o patrimônio histórico, cultural e ambiental utilizando sua
contribuição para a atividade turística, resgate e valorização das manifestações culturais do
município;
- Integração: estimular a formação da cadeia produtiva local do turismo, aumentando a
contribuição dessa atividade para o PIB regional e baiano,e implantação de parque alimentício
para dinamizar a economia local (Projetos e Ações Não Financiáveis);
- Sócio-Educação para o Turismo: fomentar atividades que fortaleçam o reconhecimento do
turismo como atividade geradora de benefícios socioeconômicos como trabalho e renda, e
inserir educação para o turismo nas escolas do Ensino Médio (Projetos e Ações Não
Financiáveis) (BAHIA, 2004b).
Embora aponte diversificadas estratégias no plano de ação, nem todas são financiáveis pelo
PRODETUR NE II, já que o PDITS faz alusão a uma estruturação do desenvolvimento
turístico do Pólo, não se restringindo às ações que podem ser enquadradas no financiamento
do Programa. Portanto, cabe aos órgãos competentes buscarem alternativas para captação de
recursos. Ao verificar as ações indicadas para Cachoeira, constatou-se que das proposições
elencadas apenas algumas poucas foram efetivadas, como: a construção do terminal
rodoviário pela Prefeitura Municipal; início da recuperação da estrutura da Ponte D. Pedro II
116
pela Ferrovia Centro-Atlântica S.A
57
, uma medida compensatória estipulada pelo Ministério
Público, IPHAN e IPAC à concessionária por conta da intervenção feita em 2002 na Estação
Ferroviária de Cachoeira para facilitar as manobras dos trens de cargas, porém sem a prévia
autorização dos órgãos de preservação; e a implantação em 2009 do curso técnico em
hospedagem no Colégio Estadual da Cachoeira. No que tange ao patrimônio histórico, muitas
das proposições lançadas no plano de ação do PDITS foram concretizadas com a execução do
Programa Monumenta na cidade.
Na prática, das ações financiáveis pelo PRODETUR NE II começaram a ser desenvolvidos,
em 2010 cursos de qualificação profissional para 70 cozinheiros e 32 garçons, na maioria,
atuantes nos restaurantes e pousadas do município. Foram iniciadas, também, nesse ano as
fiscalizações para implantação de um atracadouro e um pier no Porto de Cachoeira, uma
estratégia para o estímulo ao turismo náutico aproveitando a potencialidade do Rio Paraguaçu.
O plano de ação exposto no PDITS ainda está em processo de desenvolvimento e, como
algumas ações previstas do PRODETUR NE II são para longo prazo, ainda não são
perceptíveis em Cachoeira mudanças significativas em decorrência da atuação desse
programa e nem a almejada sustentabilidade do turismo. O PDITS do Pólo Salvador e
Entorno, por ter sido formulado com a proposta de ser um plano de governo, reflete nas ações
e estratégias elencadas o discurso imperante na Bahia entre os anos de 1991 a 2006 de
enaltecimento da baianidade através da publicização das manifestações e expressões culturais,
valorização do patrimônio material como atrativos diferenciados, preocupação com a baixa
valorização e zelo da comunidade em relação ao patrimônio, não por serem elementos
integrantes dos seus espaços de vivência, mas porque é necessária a sua conservação para o
turismo e a indução ao consumo dos “produtos” culturais e históricos apresentados pelo
estado e utilização da cultura para potencializar o fluxo turístico, ressaltando apenas a sua
dimensão econômica.
Na instância municipal, com a criação da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo em 2006
- muito provavelmente uma iniciativa para fortalecimento da gestão municipal em resposta às
recomendações para a implantação do PRODETUR NE II - começaram a ocorrer ações mais
enfáticas do Poder Público local para a promoção do turismo na cidade que, como aponta o
Plano Diretor Participativo do município, é uma das vertentes para o desenvolvimento
5757
A Ferrovia Centro-Atlântica S.A, pertencente a Vale do Rio Doce, é a responsável pelo gerenciamento da
malha ferroviária baiana desde 1996 quando a Rede Ferroviária Federal (RFFSA) foi privatizada.
117
econômico local. Seguindo as mesmas diretrizes estaduais, a estratégia municipal para o
estímulo ao turismo em Cachoeira se ampara nas singularidades históricas e culturais. Como
salienta Serpa (2007, p.158),
[...] o consumo cultural parece ser o novo paradigma para o
desenvolvimento urbano. [...] Essa nova (velha) cidade folcloriza e
industrializa a história e a tradição dos lugares, roubando-lhes a alma. É a
cidade das requalificações e revitalizações urbanas, a cidade que busca
vantagens comparativas no mercado globalizado das imagens turísticas e
dos lugares-espetáculo.
Cachoeira não foge dessa lógica de indução do turismo cultural e utilização da cultura para
afirmar sua imagem de “capital cultural do Recôncavo” no mercado global e respaldar uma
possível centralidade cultural, que do ponto de vista da hierarquia urbana, declinou para as
últimas posições. Nesse ensejo, o Plano Diretor do município propõe a criação de um
Cluster
58
de Cachoeira com a agregação de várias atividades econômicas, no qual a produção
cultural e turística figure como a atividade central. No Art. 21º, referente às principais metas
para dinamização do cluster, as ações citadas ilustram a importância da cultura nesse novo
empreendimento:
I - desenvolver um inventário dos diferenciais econômicos, culturais e
turísticos do município;
II - garantir uma imagem forte e positiva do conceito de “Matriz Cultural do
Recôncavo”;
III - incluir a produção cultural e turística na rota de desenvolvimento
econômico, acionado por um forte trabalho de marketing, articulando com
agentes culturais, operadoras e agências de viagem (promoção cultural,
intercâmbio e venda do produto cultural e turístico nos respectivos
mercados-alvo) (CACHOEIRA, 2006, p. 7).
O cluster ainda não foi efetivado, mas a prefeitura municipal vem desenvolvendo outras
estratégias com foco na ampliação do fluxo turístico, por meio de campanhas de divulgação
58
Nesse caso, o cluster pode ser definido como um arranjo produtivo local, onde atividades produtivas
semelhantes são desenvolvidas conjuntamente, havendo uma interrelação na busca de resultados favoráveis para
todas as partes envolvidas.
118
da cidade em eventos especializados, participação em concursos culturais, como o “Cidade
Baiana da Cultura 2010”
59
para eleger a mais representativa culturalmente, incentivo à
realização de eventos culturais e, principalmente, divulgação massiva das festividades
realizadas na cidade. A despeito dessas ações e planejamentos estratégicos, o turismo em
Cachoeira sempre se caracterizou pelo caráter sazonal alcançando seus picos máximos em
junho e agosto, quando ocorrem respectivamente as Festas do São João e da Boa Morte, não
se tornando capaz de atrair expressivos recursos privados e promover a esperada reativação do
desenvolvimento econômico, ficando as atividades comerciais direcionadas aos serviços
turísticos dependente dos incipientes e esporádicos fluxos. Diante dessa situação, as
expectativas de reversão desse quadro recaíram para a execução do Programa Monumenta e
as suas possíveis implicações benéficas para o turismo.
Entre os grandes entraves para a alavancagem do turismo em Cachoeira podem ser
mencionados como os mais importantes a dependência excessiva de recursos e iniciativas
governamentais, principalmente das instâncias estadual e federal, e a reduzida inclusão e
envolvimento da população local na cadeia produtiva e com a atividade de um modo geral. De
acordo com Ângelo Oswaldo de A. Santos, ex-presidente do IPHAN e ex-secretário de Estado
da Cultura de Minas Gerais, os requisitos basilares para a experiência exitosa de associação
entre cultura e turismo na cidade de Tiradentes - Minas Gerais foram o amadurecimento e a
articulação de uma comunidade comprometida com o turismo em termos culturais e
econômicos, que soube conciliar a identidade do conjunto urbano tombado com as
adequações para atender às demandas contemporâneas sem prejudicá-lo esteticamente. Ele
afirma categoricamente que “o prazer de viajar a uma ‘cidade histórica’ é desempenhado em
um cenário que não pode admitir o falso” (SANTOS, 2003, p. 74), fazendo assim uma crítica
ao processo de museificação que vem se reproduzindo atualmente nas cidades históricas.
Dessa forma, o envolvimento da população e a sua conscientização sobre a importância e
valores simbólicos e econômicos apresentados pelo patrimônio e sobre as possibilidades de
benefícios advindos com uma utilização turística planejada e coerente com a realidade local,
bem como o engajamento dos demais segmentos sociais, são fatores preponderantes para que
o turismo se configure como uma atividade capaz de reativar a economia local de forma
59
“Cidade Baiana da Cultura”
t
rata-se de concurso promovido pelo Grupo GTRÊS através do Fazcultura e
Governo do Estado. Visa o desenvolvimento social e econômico da cidade eleita pela valorização e promoção do
seu patrimônio e diversidade cultural. A ganhadora da edição do concurso realizado em 2010 foi à cidade de
Rio de Contas, ficando Cachoeira como a segunda colocada.
119
equitativa e sustentável, além de se tornar realmente um instrumento auxiliar na preservação
dos patrimônios e não apenas para utilizá-lo como mera atração concebida somente do ponto
de vista econômico. Para tanto, torna-se imprescindível ainda uma maior articulação e a
existência de planejamentos conjuntos entre as políticas culturais e as políticas de turismo.
3.2 DINÂMICA ESPACIAL E ESTRATÉGIAS DE GESTÃO URBANA EM CACHOEIRA
PÓS-TOMBAMENTO
Se as primeiras intervenções e tombamentos realizados pelo IPHAN na década de 1930 no
sentido de resguardar as cidades representativas para a história da nação foram fundamentadas
numa interpretação das cidades como obras de arte estáveis e passíveis de sofrerem poucas
transformações. Durante a década de 1960 as pressões da modernização e avanços da
urbanização nas cidades brasileiras despertaram nos dirigentes do IPHAN a necessidade de
adequarem suas concepções e práticas à nova conjuntura, provocando redirecionamentos na
política de preservação para os núcleos urbanos. Assim, entre as décadas de 1960 e 1970,
iniciou-se a realização de estudos sobre o desenvolvimento urbano das cidades históricas
tombadas e a elaboração dos primeiros planos urbanísticos, visando aliar a preservação dos
bens culturais e o controle ao crescimento desordenado dessas cidades.
Para analisar essas questões em Cachoeira - tombada em janeiro de 1971 no contexto dos
novos rumos incorporados à preservação das áreas urbanas e ao mesmo tempo cumprir o
estabelecido no art. do decreto de tombamento da cidade, o IPHAN firmou convênio, em
dezembro de 197,1 com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), para a realização de
pesquisas sobre o desenvolvimento urbano da cidade pelo Centro de Estudos da Arquitetura
na Bahia (CEAB) da Faculdade de Arquitetura. O resultado concreto dessa parceria consistiu
na produção do Plano Urbanístico de Cachoeira publicado em dois volumes. O primeiro,
“Introdução ao Estudo da Evolução Urbana”, lançado em 1976, compreendeu do surgimento
da cidade no séc. XVI até o final da fase colonial e aborda a história da formação e
desenvolvimento da cidade, a evolução da ocupação espacial do sítio e a evolução
demográfica da cidade. o segundo volume, “Evolução Urbana de Cachoeira – Séculos XIX
e XX”, publicado em outubro de 1979, contemplou o século XX até o ano de 1970 e trata
120
basicamente do apogeu da vila, implantação de equipamentos públicos, os sistemas de
transporte fluvial e ferroviário e o declínio econômico de Cachoeira. (IPHAN/UFBA, 1979).
Igualmente à maioria dos planos urbanísticos elaborados para as cidades históricas nesse
período, os estudos realizados em Cachoeira não representaram contribuições muito
significativas em termos de planejamento urbano, pois enfocaram, exclusivamente, os marcos
e processos históricos de formação da cidade, deixando de apresentar proposições concretas
para a organização do espaço urbano em função das novas necessidades e demandas, visto
que o tombamento do núcleo urbano associado às características topográficas da cidade
figurava como fatores limitadores para a expansão da malha urbana.
O tio urbano de Cachoeira é delimitado pelo Rio Paraguaçu e pela disposição do relevo
formado por morros mamelonares que circundam a cidade. Com a histórica concentração de
edificações no terraço fluvial, ou seja, nos terrenos menos acidentados nas proximidades do
rio - ocorrida desde o século XVI, período correspondente ao ponto de partida da nucleação
urbana -, e com a limitação de espaços ociosos e as necessidades de expansão da cidade
iniciou-se na primeira metade do século XIX a ocupação das áreas de encosta (BRASIL,
2005b), principalmente, pela população de baixo poder aquisitivo composta majoritariamente
por afro-descendentes.
Em Cachoeira, o tombamento englobou todo o perímetro urbano, não sendo estabelecida
previamente a demarcação de uma área a ser salvaguardada. Em 1972, o CEAB chegou a
sugerir a delimitação no espaço urbano de um centro histórico e a definição de áreas e graus
de preservação diferenciados, essa delimitação foi, posteriormente, atualizada por um trabalho
conjunto entre o IPHAN e o IPAC. No entanto, embora venham servindo de referência para
alguns estudos e projetos, as análises feitas pelo IPHAN ainda não foram concluídas e as
delimitações não são regulamentadas oficialmente. Conforme Sant’Anna (1995), sempre
houve uma preocupação por parte do IPHAN em delimitar a área selecionada como
patrimônio, porém a obrigatoriedade de delimitações oficiais foi instituída na década de
1980, sendo anteriormente empregada de forma assistemática. Ele pondera ainda que:
A existência ou não de uma poligonal delimitando a área tombada é,
basicamente, o que distingue a cidade do centro histórico. Ou seja, a cidade
tombada é, em geral, um centro histórico que não foi delimitado. Este
aparente detalhe gera, entretanto, muitos problemas práticos. Se, por um
121
lado, a falta de delimitação pode proporcionar uma preservação mais integral
da cidade, por outro dificulta bastante o discernimento sobre o conteúdo da
proteção e aumenta o risco de que seja arbitrária (SANT’ANNA, 1995, 227).
Apesar de apresentar uma economia estagnada, a cidade de Cachoeira não ficou imune às
modernizações, às pressões concernentes ao aumento da malha urbana e o aproveitamento do
solo, ou seja, o tombamento integral do núcleo urbano não impediu a continuidade do
crescimento da cidade e, embora esse crescimento não tenha alcançado dimensões muito
expressivas, provocou uma relativa mudança no desenho urbano. Além disso, as novas áreas
de expansão também integram o conjunto arquitetônico tombado e são submetidas aos
regimentos específicos, pois ocupam áreas do sítio tombado.
Nas áreas centrais da cidade, onde ocorreu um controle mais rígido pelo IPHAN das
alterações já que abrigavam os imóveis e monumentos mais valiosos do ponto de vista
arquitetônico, a expansão se deu de maneira mais discreta através do acréscimo de
pavimentos recuados em alguns imóveis, da ocupação dos imensos quintais característicos do
parcelamento colonial, com a reconstrução de alguns prédios em ruínas e a ampliação do uso
do andar térreo dos sobrados para fins comerciais e o superior como residência (BRASIL,
2005b). Não obstante as legislações e atuação do órgão de preservação federal, alguns
proprietários burlaram as restrições alterando as estruturas internas de suas residências,
mantendo íntegras apenas as fachadas.
Em contraposição à demanda por novas áreas para ocupação, acentuou-se o esvaziamento de
diversos imóveis situados no centro da cidade - um processo principiado na década de 1960
por conta do declínio das atividades econômicas - cujos proprietários migraram para outras
localidades, especialmente para a capital, em busca de melhores oportunidades econômicas,
não possuíam condições financeiras para custear suas reformas ou simplesmente relegaram os
imóveis, na maioria herdados e com pendências relacionadas a inventários e regularização
fundiária. Esses imóveis desocupados, sem manutenção e submetidos aos desgastes pela ação
do tempo transformaram-se em ruínas e, hoje, constituem-se em sérias ameaças à segurança
dos transeuntes e imóveis vizinhos, além de denotar um aspecto de abandono à cidade.
Por outro lado, ocorreu uma expansão desordenada nas áreas periféricas impulsionada por
fatores como: aumento da densidade demográfica; adensamento de construções nas áreas do
centro e carência de terrenos disponíveis; valorização do solo urbano nas áreas centrais em
122
função de serem dotadas de infraestrutura básica e constituírem espaços privilegiados em
termos de localização e concentração de investimentos públicos. Somam-se ainda a esses
fatores as normas estabelecidas pelo Decreto-lei 25/37, ao qual Cachoeira é subordinada por
ser patrimônio nacional, que impõe restrições para modificações das estruturas e impossibilita
a verticalização dos imóveis. Diante desses aspectos, a ampliação da malha urbana se deu pela
intensificação das ocupações em direção às encostas dos morros que circundam a cidade,
sobretudo após o tombamento. Assim, foram construídas algumas edificações com estruturas
modernas e destoantes das características da cidade colonial barroca, mas,
predominantemente, surgiram aglomerações de casas com tipologia simples e/ou de
arquitetura vernacular, dando origem as novas ruas e bairros que fugiram ao controle e
regulação dos órgãos públicos responsáveis.
Figura 08: Malha urbana da cidade de Cachoeira com indicações das principais áreas de expansão
.
Fonte: Arquivo pessoal de Jomar Lima.
Adaptação: Maria da Paz Rodrigues
Segundo Simão (2006), geralmente, as Prefeituras Municipais das cidades tombadas não
interferem no processo de crescimento das cidades se mantendo alheias aos possíveis
problemas decorrentes da falta de regulação e, em muitas situações, ao invés de atuar de
acordo com as determinações e em conjunto com o IPHAN, promovem ações e/ou fazem
concessões contrárias à preservação do patrimônio gerando conflitos. Para a autora, o IPHAN,
por sua vez, tem limitações de atuação por compreender a cidade de forma fragmentada e
analisar as intervenções em cada edificação isoladamente não integrando-a ao todo que
compõem a cidade.
123
A realidade apresentada por Cachoeira não é diferente ou se distancia das práticas
desenvolvidas em outras cidades históricas do país, e apresenta como agravante o fato do
órgão de preservação federal não contar com um mero de profissionais suficiente para
atender a todas as demandas e necessidades requeridas pelo município, deixando de promover
um incisivo acompanhamento em todo o núcleo urbano tombado, além de atuar quase
isoladamente, tendo em vista que a Prefeitura Municipal, responsável pelo licenciamento das
obras e da fiscalização em parceria com o IPHAN, carece de corpo técnico qualificado para
desempenhar tais funções e, em algumas situações, emite licenciamentos sem a prévia
anuência do IPHAN.
Não obstante a esses empecilhos técnicos, logísticos e de recursos humanos, o trabalho
desempenhado pelo IPHAN configura-se como imprescindível para a preservação do acervo
arquitetônico da cidade; contudo, diante das limitações enfrentadas ocorreu um
privilegiamento das ruas e bairros circunscritos ao chamado centro histórico de Cachoeira,
onde se concentram os exemplares mais destacados do patrimônio material do ponto de vista
arquitetônico. Essa deficiência na atuação e priorização das áreas centrais foram ratificadas
durante o trabalho de campo, à medida que 20% dos moradores consultados através da
aplicação de questionários no centro da cidade afirmaram receber orientações do IPHAN para
conservação/preservação dos seus imóveis e realização de reformas, enquanto no Bairro do
Alto do Rosarinho (área periférica) somente 10% alegaram receber esse tipo de orientação.
Sobre esse aspecto, o entrevistado A
60
, morador do Alto do Rosarinho, declarou: “eles
(técnicos do IPHAN) mexem no centro, no subúrbio a gente faz o que quer. Eles não
mexem com o Rosarinho, não incomodam em nada aqui em cima, só fiscalizam embaixo
no centro”.
Essa precariedade de fiscalização e controle pelos órgãos públicos competentes, associada à
ampliação contínua da extensão da cidade, provoca impasses entre a expansão urbana e a
preservação da paisagem e do núcleo salvaguardado e suscita indagações como: Sendo o
Conjunto Arquitetônico e Paisagístico de Cachoeira inscrito no Livro do Tombo e submetido
as restrições de alterações expressas no Decreto-lei 25/37, essa expansão da cidade ocupando
as encostas e eliminando as áreas verdes que compõem a ambientação da paisagem não
promove a sua descaracterização e altera a configuração do espaço urbano tombado,
descumprindo as especificações legais? Por outro lado, como conter a expansão natural de
60
Para todos os entrevistados que optaram por não se identificar foram utilizadas letras em substituição aos
nomes. Entrevista realizada em 29/03/2009.
124
uma cidade que como qualquer outra apresenta processos dinâmicos, intensificação do
processo de urbanização, aumento da população, necessidades de criação de novos espaços de
moradia e, consequentemente, modificações na sua configuração espacial?
A respeito da problemática sobre o “congelamento” da cidade para a manutenção dos típicos
traços coloniais e afiançar a preservação do patrimônio material urbano, Henrique (2009,
p.04), inspirado nas concepções de Jeudy (2005) de museificação das cidades e considerando
que algumas ações planejadas e implementadas em Cachoeira são permeadas por
contradições, polemiza levantando a seguinte indagação: “Se é possível tombar a forma, é
possível tombar o conteúdo/existência/cotidiano?”. Para Henrique (2009), as construções
históricas, que correspondem às formas, são passíveis de sofrerem tombamento em
decorrência de suas características de fixos espaciais permitirem sua “petrificação”, o que, em
algumas situações, pode até ser concebido como algo positivo do planejamento e gestão das
cidades históricas.
No que se refere à possibilidade de tombamento dos conteúdos, Henrique (2009) relativiza ao
sinalizar que existem diferentes opções de respostas plausíveis para essa questão e considera
que em primeira instância a resposta sobre a viabilidade de tombamento dos conteúdos seria
negativa, mas aponta que para algumas correntes do planejamento e da gestão vigora a
concepção de ser inviável tombar apenas parte de algo, porque, partindo do pressuposto de
que a cidade é uma junção intrínseca da forma e do conteúdo, torna-se necessário tombar a
cidade em sua totalidade. De acordo com Henrique (2009), o tombamento dos fluxos e dos
conteúdos sugere o bloqueio do movimento, um elemento inerente às cidades e à produção do
espaço, responsável pela alteração dos conteúdos, vivacidade do cotidiano e pela existência de
permanências e mudanças, que por sua vez vão ser centrais na produção de conteúdos. Nesse
sentido, a imposição do tombamento ao conteúdo e ao cotidiano resultaria numa possível
“paralisia da vida” ou, como defende Jeudy (2005), uma “museificação do vivo”.
Para Henrique (2009), outro aspecto a ser considerado refere-se ao fato de que nas cidades
tombadas vem sendo recorrente a “teatralização-cenarificação” das construções nas áreas
patrimoniais onde atores sociais encenam representações da cultura local, incidindo em uma
banalização, perda de vitalidade e homogeneização dos patrimônios. E assevera,
125
Grande parte das ações de planejamento de áreas e cidades tombadas
vincula-se a tentativa de ‘retirada’ do patrimônio do fluxo contínuo da
cidade, as formas tombadas preservadas e conservadas se configuram
ilusoriamente sob uma redoma; as intervenções do planejamento retiram a
força o patrimônio da cidade. Os corpos tornam-se estátuas e o cotidiano vira
uma peça teatral. A imagem negativa predomina, mas dentro dela existem as
possibilidades de se pensar e viver o novo, enfim, nas formas e nos
conteúdos tombados residem as contra-racionalidades, que podem dar uma
nova vida a áreas tombadas. (HENRIQUE, 2009, p. 7)
O referido autor aponta como caminho possível para reduzir esses conflitos a elaboração e
empregabilidade de planejamentos e formas de gestão menos materialistas e funcionalistas e
que considerem as singularidades, temporalidades e cotidianidades específicas do local. Mas
reconhece que a resolução para essas divergências entre o planejamento para áreas tombadas e
a vida cotidiana está longe de ser alcançada, mesmo porque envolve aspectos que se inserem
em lógica e tempos diferenciados.
O planejamento e a gestão urbana são elementos privilegiados para a integração dos interesses
da preservação do patrimônio cultural e os interesses relativos às questões urbanísticas e de
expansão das cidades. No Brasil, esses mecanismos ganham fortalecimento com a aprovação
em 2001 do Estatuto da Cidade (Lei 10.257) que regulamentou as diretrizes gerais da política
urbana nacional, determinando como uma delas a proteção, preservação e recuperação do
meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e
arqueológico, e, ainda, instituiu a elaboração do plano diretor
61
, com participação popular,
para as cidades com mais de 20 mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas e
aglomerações urbanas, inseridas em área de influência de empreendimentos com significativo
impacto ambiental e integrante de áreas de especial interesse turístico (Brasil, 2001).
No entendimento de Castriota (2009), com os planos diretores participativos tornou-se mais
plausível a adoção de medidas que fujam da visão homogenizadora imperante no
planejamento urbano no país e a definição de estratégias mais efetivas de preservação à
medida que a preservação dos bens culturais constitui-se em um dos requisitos básicos para o
cumprimento da função social da propriedade, o que torna indispensável sua contemplação no
61
Na verdade, o plano diretor havia sido instituído pelo art. 182 da Constituição Federal de 1988 como um
instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana apenas para as cidades acima de 20 mil
habitantes. Porém, a ausência de uma regulamentação mais específica deu margem para que os planos diretores
fossem pensados como um documento elaborado estritamente por técnicos, quando não ignorados pelas gestões
municipais.
126
plano diretor. Ainda segundo Castriota (2009, p. 181), “se o instrumento do tombamento foi
importante num primeiro momento [...] hoje em dia necessitamos de mecanismos mais
flexíveis e adequados para a necessária gestão da mudança das áreas a serem conservadas”.
Em face dessa realidade, ele sugere a criação de zonas especiais de interesse cultural e a
definição de parâmetros específicos de desenvolvimento urbano para as áreas possuidoras de
forte significado para a população e que não apenas concentrem o patrimônio edificado. Ao
mesmo tempo, defende que os planos diretores não priorizem a regulamentação e melhoria
somente para as áreas históricas, devendo assistir também as demais áreas que conformam o
espaço urbano por meio da adoção de procedimentos que permitam contemplar a cidade
integralmente.
Perante esse novo contexto, se até então a Prefeitura Municipal de Cachoeira mantinha-se
alheia a esse processo de ampliação dos bairros periféricos e à preservação do patrimônio,
com a aprovação do Estatuto da Cidade e a obrigatoriedade de elaboração do plano diretor
participativo ocorreram mudanças de rumos e o Poder Público local teve que assumir, ao
menos em teoria, responsabilidades e atribuições sobre o uso e controle do solo urbano, bem
como se viu impelido a buscar estratégias de planejamento capazes de conciliar a gestão
urbana com as particularidades impostas pelas legislações de preservação às quais a cidade
está submetida.
A elaboração do Plano Diretor Urbano (PDU) de Cachoeira, com abrangência municipal,
tinha a atribuição de ser pensada como um instrumento de gestão urbana e,
concomitantemente, de fortalecimento da gestão do patrimônio, todavia na prática não foi
bem isso que aconteceu. Para auxiliar a Prefeitura Municipal na realização dessa árdua e
complexa tarefa de estabelecer estratégias de planejamento que levassem em consideração as
especificidades requeridas pela cidade tombada, o Governo Estadual, por intermédio da
Companhia de Desenvolvimento e Ação Social (CAR) e do Programa de Desenvolvimento e
Infraestrutura Urbana (Produr) e contando com recursos do Banco Mundial, disponibilizou os
serviços de uma consultoria para assessorar na condução do processo, iniciado no ano de
2006, que culminaria na produção das primeiras minutas de lei do PDU da cidade.
Porém, mediante as apresentações iniciais das minutas durante as audiências públicas
realizadas na Câmara de Vereadores, um pequeno grupo de representantes da sociedade civil
verificou a existência de inúmeras distorções e ambiguidades tanto nas diretrizes propostas
quanto na leitura das dificuldades e potenciais apresentados pelo município, procurando então
127
a Superintendência do IPHAN na Bahia (7ª S.R./IPHAN), através da sua representação em
Cachoeira e solicitando auxílio técnico para a realização de análises das minutas de lei que
fugiam aos seus domínios e das proposições relacionadas ao patrimônio cultural da cidade.
Assim, em julho de 2006, criou-se a Comissão Pró-Revisão do Plano Diretor da Cidade de
Cachoeira composta por um vereador, aproximadamente 11 representantes da sociedade civil
e um grupo de técnicos do IPHAN. A comissão, que possuía legitimidade perante a Câmara
Municipal de Cachoeira, incumbiu-se de realizar a revisão, prioritariamente da Lei do Plano
Diretor Urbano e dos zoneamentos da cidade e os índices urbanísticos atribuídos, além de
propor alterações tornando-as mais condizentes com a realidade do município (ANDRADE
JÚNIOR, 2007).
De acordo com a informação técnica sobre as reuniões da Comissão Pró-Revisão do PDU em
Cachoeira, produzida em setembro de 2007 por Nivaldo Vieira de Andrade Junior- no período
Técnico em Arquitetura e Urbanismo da S.R./IPHAN atuante no Escritório do Instituto na
cidade - após dois meses de encontros semanais e intensivas discussões abertas a participação
da comunidade, foram constatadas uma série de distorções na minuta da Lei do PDU
elaborada pela consultoria contratada pelo Governo Estadual. A título de exemplificação,
serão listados alguns dos equívocos e problemas detectados, dando ênfase aos referentes ao
espaço urbano de Cachoeira
62
e ao patrimônio cultural:
- Conceber o PDU de modo genérico, não contemplando as especificidades de Cachoeira e
desconsiderando a sua condição de patrimônio nacional;
- Apresentar a delimitação de zonas de proteção rigorosa e proteção simples para o espaço
urbano de Cachoeira, atribuindo suas definições ao IPHAN o que não é verídico, posto que,
para o órgão federal de preservação, impera a compreensão de que a cidade como um todo
deve ser preservada e encontra-se protegida pela instância federal, e porque nunca houve
qualquer delimitação oficial e, embora se tenha iniciado alguns estudos e levantamentos em
Cachoeira tendo como objetivo principal a definição de zonas com diferentes graus de
proteção, tais estudos ainda não foram finalizados;
62
Cabe destacar que os equívocos elencados se limitaram aos aspectos identificados pela Comissão na cidade de
Cachoeira, não contemplando as falhas encontradas nas proposições para os demais núcleos urbanos abordados
pelo PDU como Belém, Capoeiruçu, Santiago do Iguape e São Francisco do Paraguaçu.
128
- Restringir a Zona do Centro Histórico, correspondente a zona de proteção rigorosa, a uma
reduzida parte da área urbana delimitada pela Rua da Feira a noroeste, pela antiga Estação
Ferroviária a oeste, pelo Rio Paraguaçu a sudoeste, pela Praça da Aclamação a sudeste e pela
Praça Maciel ao norte;
- Inexistência de índices urbanísticos - responsáveis pela regulação da ocupação, coeficiente
de aproveitamento, altura máxima, dimensões mínimas e máximas do lote, permeabilidade,
áreas verdes míninas, etc. para a suposta Zona do Centro Histórico, justamente a área que
mais precisa de regulamentação para manter a preservação da configuração arquitetônica;
- Definição de uma zona equivalente a 50% da área urbanizada do sítio tombado como “Zona
Especial de Interesse Social”, fixando índice de ocupação de 100%, o que permitiria que se
construísse na totalidade dos terrenos localizados nessa zona, provocando à descaracterização
do conjunto tombado ou mesmo a “favelização” de toda a área. Buscando evitar que tais
consequências se concretizassem, a Comissão sugeriu índice de ocupação de 80% e taxa de
permeabilização de 20%, possibilitando a densificação nos trechos da zona que ainda
apresentam uma ocupação rarefeita e assegurando a manutenção do parcelamento e
morfologia urbana atuais;
- Criação de duas Zonas de Hotelaria de Grande Porte” em área de vegetação nas encostas, o
que representaria fatores agravantes para a preservação da cidade tombada, promovendo não
somente um impacto ambiental, mas a descaracterização da paisagem urbana de Cachoeira.
Em contraposição, nenhuma medida foi indicada para o trecho urbano da Praça Teixeira de
Freitas e entorno, onde se concentram vários imóveis arruinados que possuem potencial para a
instalação de complexo hoteleiro capaz de dinamizar o turismo e requalificar a área central da
cidade; (ANDRADE JÚNIOR, 2007).
Identificados os equívocos, a Comissão propôs as reformulações pertinentes, que foram
posteriormente submetidas para apreciação nas audiências públicas e acréscimo das
contribuições da comunidade, dando origem assim a versão da minuta de lei. Entretanto,
algumas alterações propostas pela comissão não foram acatadas na versão final do PDU de
Cachoeira, gerando conflitos de informações e a persistência de possíveis ameaças ao
patrimônio urbano, pois transformou-se numa junção da Lei proposta pela minuta
elaborada pela Comissão e aprovada em audiência pública em 05/10/2006 com algumas
tabelas de índices urbanísticos e anexos pertencentes a versão da minuta do PDU. Desse
129
modo, a sanção do Plano de Diretor em 10 de outubro de 2006 aconteceu em meio a um
conturbado processo pela proximidade do prazo limite para a aprovação do plano
63
, pressões
exercidas pelo Poder Executivo municipal para a imediata aprovação da minutas e por conta
das discordâncias do Escritório Técnico do IPHAN em Cachoeira e da Comissão Pró-Revisão
o PDU em relação à versão da lei aprovada.
Diante do impasse que se estabeleceu, a Comissão Pró-Revisão do PDU vem atuando no
sentido de contactar órgãos federais e estaduais, solicitando que recomendem ou mesmo
obriguem os Poderes Legislativo e Executivo municipal a retomarem o processo de revisão do
Plano Diretor, de modo a sanar os equívocos existentes, todavia, até o momento, as
negociações não avançaram positivamente. Enquanto a revisão não é efetivada, prevalece
como instrumento de gestão urbana do município de Cachoeira a versão da Lei 730/2006
aprovada em outubro de 2006 pelos Poderes Legislativo e Executivo municipal.
Analisando o PDU em vigor, verificou-se que é apontado como objetivo basilar o
desenvolvimento do território municipal, destacando o ordenamento espacial das
aglomerações urbanas tanto na cidade quanto nas localidades rurais. Na proposta alusiva ao
ordenamento espacial da sede do município através do Partido Urbanístico, reconhece-se no
PDU a necessidade de estabelecer diretrizes que levem em consideração os aspectos
geomorfológicos da cidade e a preservação do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico
tombado, mas aponta-se tais fatores como sérios limitadores ao crescimento da malha urbana.
Em face disso, são eleitos como principais vetores de expansão duas aglomerações urbanas
situadas no entorno da cidade e de fácil acesso: a Rua Benjamin Constant (Ladeira da Cadeia)
em direção à localidade da Lagoa Encantada e o distrito do Capoeiruçu nas margens da BR
101. Vale salientar que Capoeiruçu vem apresentando na última década um significativo e
rápido crescimento, um processo iniciado em 1980 com a instalação do Instituto Adventista
de Ensino do Nordeste (IAENE) e alavancado com a implantação de cursos universitários e a
transformação do Instituto em Faculdades Adventistas da Bahia (FADBA) atraindo estudantes
de diferentes estados brasileiro e impulsionando o aumento da oferta de serviços e ampliação
da aglomeração urbana. Já para a expansão no espaço urbano da cidade denominado no PDU
63
De acordo com o art. 50 do Estatuto da Cidade, a Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, os municípios
sem plano diretor aprovado deveriam fazê-lo no prazo de cinco anos a partir da entrada em vigor da lei,
estabelecendo o mês de outubro do ano de 2006 como prazo final para a sua aprovação, caso contrário, os
prefeitos dos municípios que não cumprissem a determinação seriam acusados de improbidade administrativa
(BRASIL, 2001).
130
como “área urbana consolidada”, é apontada como alternativa de incremento para a área
passível de ocupação a requalificação dos imóveis arruinados ou em elevado estado de
degradação.
No que se refere ao Zoneamento Urbano, a versão aprovada do PDU assinala que o Conjunto
Arquitetônico e Paisagístico de Cachoeira abrange toda a área da sede municipal e engloba a
paisagem natural e construída circundante até o cume das encostas e não até o sopé das
encostas, como prevista na 1ª versão da minuta de lei. A partir dessa compreensão são
delimitadas duas zonas com diferentes graus de proteção: uma Zona de Preservação Rigorosa,
correspondendo à área urbana consolidada; e uma Zona de Preservação da Paisagem,
correspondendo ao entorno da área urbana consolidada.
Definidas as Zonas de Preservação, o espaço urbano de Cachoeira foi subdividido em
diferentes zonas (mapa 02), segundo o PDU, com o desígnio de aplicação de normas e
políticas apropriadas. As zonas foram demarcadas com base nos critérios de: predominância
de uso e ocupação e suas tendências; aspectos geomorfológicos; questões de funcionalidade
dentro do contexto urbano; valores ambientais, culturais e paisagísticos das áreas; acesso aos
sistemas urbanos; e compatibilidade entre a densidade e a infraestrutura instalada ou sua
capacidade de ampliação.
Como pode ser observado no mapa 02, as zonas habitacionais (ZH) compreendem quase toda
a área plana do espaço urbano com ocupação iniciada no século XIX, as Zonas de Especial
Interesse Ambiental - Entorno (ZEIA2), correspondem justamente às áreas de expansão
urbana atuais, demandando particular atenção e acompanhamento dos órgãos responsáveis
pela preservação e controle do uso do solo no município de modo a assegurar o cumprimento
dos índices urbanísticos definidos; o mesmo se aplica às Zonas de Especial Interesse Cultural
(ZEIC 1 e 2).
131
Mapa 02: Zoneamento da sede do município de Cachoeira-BA
Fonte: Plano Diretor Urbano de Cachoeira- BA, 2006.
A Zona Mista (ZM) é relativa à área de habitação e de concentração do comércio formal.
Pode-se apontar como fatores influenciadores para o adensamento comercial nessa área: o
processo histórico de concentração do comércio local nas proximidades do Porto de
Cachoeira, um dos mais dinâmicos do país no período colonial; prática colonial de uso misto
dos imóveis abrigando estabelecimentos comercias na parte térrea; corresponder aos espaços
centrais da cidade apresentando intensa circulação; e a proximidade com os principais
monumentos, facilitando o oferecimento de serviços aos turistas.
Outro aspecto a ser ressaltado concerne à Zona de Hotelaria (ZNO), não mais localizada nas
áreas verdes das encostas como proposto na minuta do PDU, mas situada nas imediações
das Praças Teixeira de Freitas, 25 de Junho e da Aclamação, como aconselhado pela
Comissão como estratégia para minimizar a degradação dos imóveis, aproveitar os prédios
132
com potencial para instalação de hotéis e pousadas, e requalificar a área. O PDU, além de
acatar a sugestão da Comissão, incrementou-a com a proposta de implantação de um
Complexo de Apoio ao Turismo com a instalação de pousadas e restaurantes na zona
associado à criação do Parque Público do Beira Rio dotando a área de infraestrutura para
atividade turística.
Constam ainda no PDU disposições atinentes à afirmação da cultura e preservação da história
e patrimônios materiais e imateriais e, são apontadas como estratégias para o desenvolvimento
desses eixos a realização de projetos que estimulem as atividades artísticas e culturais da
população, incentivem a difusão do conhecimento histórico, valorizem a educação
patrimonial e incitem o envolvimento dos cachoeiranos nas ações fiscalizadores. Segundo o
PDU, o cumprimento dessas ações garantirá o fortalecimento da autoestima do cidadão e
atração de visitantes para a cidade, ou seja, mais uma vez é ratificada a preocupação com o
estímulo às manifestações e expressões culturais e preservação do patrimônio construído por
serem atrativos turísticos.
Verificou-se que o PDU aprovado não faz nenhuma menção ao Programa Monumenta
iniciado na cidade em 2004, ignorando as intervenções na estrutura urbana e as possíveis
alterações e implicações decorrentes da sua execução. Outro aspecto a ser salientado é que a
despeito da sanção do plano diretor ainda é possível constatar em Cachoeira ações que
denunciam a dissociação entre a gestão da política urbana e o cumprimento das normas de
preservação do patrimônio.
Sobre essas discordâncias de atuação e concepções entre Poder Público municipal e órgãos de
preservação, Sônia Rabello de Castro, ex- diretora do Departamento de Patrimônio Material e
Fiscalização (DEPAM), é enfática ao afirmar que ao ocorrer o tombamento de uma área
urbana e do seu entorno pelas instâncias governamentais federal ou estadual, cabe aos agentes
públicos municipais praticar uma gestão urbana que seja coerente e respeite as restrições
impostas pelo ato do tombamento. Todavia, para que as determinações possam ser levadas em
consideração pela administração municipal é essencial que haja a demarcação do núcleo
tombado e sejam definidas as normas e restrições básicas, competindo, assim, ao órgão do
patrimônio determinar para cada local e circunstâncias do tombamento as diretrizes que
devem ser cumpridas para proteção e garantia do interesse público federal. E ressalta:
133
[...] a compatibilização da gestão dos interesses públicos de proteção do
patrimônio cultural e do planejamento urbano não é tarefa simples: depende,
fundamentalmente, da clareza das diretrizes aplicáveis às áreas e núcleos
tutelados, ainda que se reconheça não ser este um trabalho simples para os
órgãos de proteção do patrimônio cultural. Porém, uma vez realizada esta
tarefa, mecanismos de gestão poderão ser utilizados para facilitar a
administração destes interesses, e também dos interesses dos
administradores. (CASTRO, 2005, p. 48)
De acordo com Aníbal Garrido
64
, embora não exista em Cachoeira a delimitação da área
tombada caracterizando-se numa espécie de “tombamento elástico” onde tudo é tombado, as
normas às quais a cidade está submetida são estabelecidas nos artigos do Decreto-lei 25/37 e
nas portarias que regulamentam o tombamento, além disso, o IPHAN busca divulgá-las para o
Poder Público Municipal e facilitar o seu entendimento, inclusive, com a publicação de notas
técnicas que visam esclarecer os artigos do citado decreto e alguns conceitos técnicos. Porém,
conforme relataram Rubens Rocha
65
e Aníbal Garrido, com exceção de alguns poucos
prefeitos, não por parte dos governantes municipais uma compreensão plena da
importância que o conjunto arquitetônico de Cachoeira tem para o país e nem sobre a
necessidade de garantir a sua preservação e integridade, sendo recorrentes ações municipais
contrárias às especificações de proteção ao conjunto tombado.
O plano diretor de Cachoeira, embora sancionado, não foi plenamente implementado,
constituindo-se em referência basilar para a atuação municipal no que tange à gestão urbana.
Contudo, algumas poucas proposições estão sendo colocadas em prática, sobressaindo-se
entre elas a tentativa de ocupação e reabilitação dos imóveis abandonados localizados no
centro da cidade, uma ão que coaduna com a proposta de requalificação do centro histórico
pregada pelo Programa Monumenta e foi impulsionada também pela implantação do Centro
de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB),
acentuando os problemas de insuficiência de terrenos ociosos e/ou passíveis de ocupação e a
carência de imóveis disponíveis, tornando emergencial repensar a ocupação de prédios
abandonados.
Vale ressaltar que a ocupação desses imóveis em ruínas, em sua maioria concentrados na área
central de Cachoeira e nas proximidades dos monumentos destacados, além de ser uma das
64
Arquiteto e atual Chefe do Escritório Técnico do IPHAN em Cachoeira. Entrevista realizada em 20/05/2010.
65
Aposentado, licenciado em História e Chefe do Escritório Técnico do IPHAN em Cachoeira entre os anos de
1978 a 1994. Entrevista realizada em 22/05/2010.
134
diretrizes para expansão urbana expressa no PDU, foi uma das principais reivindicações dos
cachoeiranos durante a Conferência Municipal da Cidade
66
realizada em janeiro de 2010. A
população se sente ameaçada pelos riscos de desmoronamentos dos imóveis sem manutenção
(algo comum de acontecer em períodos de chuvas intensas) ou afetada economicamente pelos
prejuízos decorrentes do desabamento de parte dos antigos sobrados sobre as residências e
estabelecimentos comerciais. Por conta da grande quantidade de imóveis desocupados
muitos anos ou em fase de arruinamento no centro, alguns munícipes e representantes
públicos são favoráveis à efetivação de suas desapropriações pela Prefeitura local,
possibilitando a reocupação ou restauração para abrigar novos moradores (primordialmente os
estudantes da UFRB que enfrentam o problema de escassez de moradias) e empreendimentos
comerciais.
Figura 09 e 10: Imóveis arruinados que desmoronaram atingindo propriedades vizinhas.
Uma das principais vertentes para ocupação das áreas centrais será através da utilização das
formas espaciais ociosas para abrigar instalações da UFRB, atribuído-lhes uma função social
e, simultaneamente, suprindo parte das demandas, carência de espaço e necessidades de
ampliação estrutural apresentada pela universidade. Para o cumprimento de tal desígnio, o
IPHAN adquiriu o prédio do antigo Cine teatro de Cachoeira que, após restauração com
recursos do Programa Monumenta, irá integrar as propriedades da universidade, outro prédio
a ser cedido à universidade, depois da reforma pelo Monumenta e em regime de comodato, é
66
A Conferência Municipal da Cidade compõe uma das etapas para a realização da Conferência Nacional das
Cidades, uma iniciativa do Ministério das Cidades com o objetivo de discutir com a população questões relativas
ao desenvolvimento urbano e atuação da gestão pública nesse sentido.
135
o sobrado onde funcionou a Casa da Moeda, pertencente à Santa Casa de Misericórdia de
Cachoeira.
A Prefeitura Municipal de Cachoeira, por sua vez, utilizando-se do direito de preempção
67
para proteção de imóveis de interesse histórico e cultural regulamentado pelo PDU e, após
negociações com a administração da universidade, promoveu, inicialmente, a desapropriação
e doação do Quarteirão Leite Alves para abrigar as instalações principais da UFRB. Também
em maio de 2010, realizou a doação de três imóveis situados no centro histórico, onde serão
construídos pavilhões de aulas e laboratórios para atender aos novos cursos a serem
implantados em 2011, em contrapartida, foi estabelecido um convênio de cooperação técnica
entre as instituições
68
. A atual estrutura da UFRB, que já administra a antiga sede da
Fundação Hansen Bahia e pleiteia uma sessão de uso por parte do Governo Estadual para a
utilização plena do espaço, é formada ainda por um prédio doado pela Prefeitura Municipal de
São Félix para a instalação da residência universitária no referido município.
De acordo com o atual diretor do campus da UFRB em Cachoeira, Xavier Vatin
69
, a
universidade começou a funcionar em 16 de outubro de 2006, em um Anexo do Colégio
Estadual da Cachoeira, com 3 cursos de graduação, 26 professores, 5 servidores e 120
estudantes. Atualmente, são 8 cursos de graduação e 1 de pós-graduação, 97 professores,
quadro que será ampliado para 106 nos próximos meses, 50 servidores e 1.200 alunos e, ao
final da implantação da universidade em 2011, tem-se a estimativa de alcançar 2.160
estudantes, um crescimento que considera muito significativo e uma experiência inédita no
Brasil.
Segundo suas conjecturas, até o final de 2011 a comunidade de estudantes, professores e
servidores da UFRB chegará a quase 20% da população urbana de Cachoeira. Quando
questionado se a cidade está preparada para atender às demandas provenientes dessa
ampliação da universidade, Xavier Vatin reconhece que não, mas afirma que talvez a
universidade também não estivesse preparada para se instalar em Cachoeira, uma cidade
67
O direito de preempção é o direito de preferência que o Poder Público Municipal terá para a aquisição de
imóvel urbano objeto de alienação oneroso entre particulares, que deverá ser regulado por lei municipal, baseada
no plano diretor, que delimitará as áreas em que incidirá o direito e fixará um prazo de vigência não superior a
cinco anos. (BRASIL, 2001)
68
Universidade do Recôncavo ganha imóveis em Cachoeira. Jornal A Tarde. Salvador, 24 de abril de 2010.
Reportagem de Cristina Santos Pita. Caderno Principal.
69
Entrevista realizada em 05/04/2010.
136
tombada e que tem um perfil muito peculiar e diferente de Cruz das Almas, Santo Antonio ou
Amargosa que também abrigam campus da UFRB.
O diretor assume que em termos de infraestrutura a cidade não estava e nem está preparada
para receber um campus universitário federal, sobretudo pelas proporções que vem assumindo
e, por Cachoeira ser tombada, são grandes os problemas com a questão de moradia e muitas
as dificuldades para encontrar terrenos e prédios que permitam aumentar o tamanho da
universidade, algo que precisa ser concretizado até o final desse ano, pois se não houver
outros espaços complementares o Quarteirão Leite Alves não irá comportar as demandas.
Sobre a possibilidade de ocupação dos imóveis arruinados no centro da cidade, declara:
Precisamos ter uma política de diálogo com o município, com a prefeitura,
com os órgãos como o IPHAN e os de patrimônio em geral para poder
recuperar ruínas na cidade e poder reabilitar essas ruínas para fazer
repúblicas estudantis que poderiam passar a incorporar o patrimônio da
universidade. Se a gente conseguir isso, futuramente vamos resolver 2
problemas: a residência e permanência dos estudantes aqui através dessas
pequenas repúblicas espalhadas pela cidade e, obviamente, uma maior
integração dos estudantes com a comunidade local e, a universidade passaria
a participar de um processo de reconstrução progressiva da cidade, que por
mais que tenha recebido um valor enorme de investimentos pelo Monumenta
ainda precisa de melhorias. Assim, as coisas vão caminhar e acho que os
gestores municipais atuais e futuros vão perceber a importância da
universidade. (Xavier Vatin
70
)
Por meio das análises dos programas e ações culturais e turísticas desenvolvidos em
Cachoeira durante as décadas de 1970 a 1980 e na atualidade, bem como das proposições
expressas nos documentos institucionais como PDTIS de Salvador e Entorno, Plano Diretor
Urbano e do Programa Monumenta (que ainda será abordado no próximo capítulo) foi
possível verificar que priorizam as ações direcionadas ao centro da cidade. Essa concentração
das intervenções e investimentos governamentais em determinadas áreas produz influências
na determinação da centralidade intraurbana, que conforme define Spósito (1998), diz respeito
às formas de expressão da centralidade tomando como referência o território da cidade ou da
aglomeração urbana, assim, concerne aos processos interno da cidade que apresenta
dinâmicas específicas e diferenciadas dos espaços regionais.
70
Entrevista realizada em 05/04/2010.
137
Em Cachoeira a centralidade intraurbana assume características singulares, apresentando
como critérios de definição a visibilidade cultural e turística e concentração do patrimônio
histórico cultural, quando comumente essas centralidades são demarcadas por concentração
de atividades comerciais, serviços públicos ou privados e existência de terminais de
transportes. Ocorre ainda a peculiaridade de em uma mesma área da cidade ou no seu entorno
imediato existir a superposição de diferentes centralidades que se complementam e são ao
mesmo tempo interrelacionadas. Assim, evidencia-se a concentração de funções político-
administrativas, comércio informal contíguo ao comércio formal e serviços turísticos no
centro histórico da cidade, que por sua vez engloba os bens culturais materiais mais
expressivos. Vale salientar que associada a outras questões de ordem política, social e
econômica, a morfologia do relevo constitui-se em um aspecto de interferência no surgimento
de novas centralidades no espaço urbano de Cachoeira, em virtude de limitar a expansão da
malha urbana.
Para Lopes nior e Santos (2009), as estratégias econômicas e locacionais empregadas por
grupos econômicos, comerciais ou de serviços influem diretamente na estrutura urbana
modificando as relações do centro com a sua periferia, por conseguinte, a concentração e a
descentralização processada no espaço urbano por esses agentes implicam em uma nova
dinâmica intraurbana e a existência de novas centralidades vinculadas a esses grupos ou
empresas. Entretanto, a realidade apresentada por Cachoeira não se insere nessa lógica, até
por conta do reduzido dinamismo econômico, destarte não é a atuação de grupos econômicos
que define a centralidade intraurbana, mas, sobretudo, a incidência de investimentos
governamentais em atenção ao patrimônio material e ao segmento turístico. Nessa conjuntura,
os Poderes Públicos se configuram como agentes preponderantes, uma vez que por meio das
intervenções realizadas contribuem para a reafirmação da centralidade existente em
Cachoeira.
Com tal privilegiamento do centro, a periferia da cidade não se torna subordinada ao centro
somente em relação às atividades econômicas, serviços ou questões administrativas, em
termos culturais, a periferia encontra-se excluída e desfavorecida no que se refere ao
desenvolvimento de ações e programas, além de ser relegada pelos órgãos de preservação a
segundo plano a despeito de possuir bens culturais extremamente representativos para a
população cachoeirana.
138
3.3 COMPREENSÃO DOS CACHOEIRANOS SOBRE PATRIMÔNIO LOCAL E A
RELAÇÃO COM O ÓRGÃO DE PRESERVAÇÃO FEDERAL
O período anterior à década de 1980 foi marcado pela condução das políticas de preservação
de modo centralizado e unilateral, imperando as decisões e pareceres de intelectuais que
visavam a preservação da cultura relacionada às elites cultas por ser compreendida como de
interesse público para a nação e pela prevalência de solicitações de tombamentos oriundas das
representações do próprio instituto federal de preservação, apesar da determinação existente,
desde 1938, que o ato do tombamento poderia ser requerido por qualquer pessoa. Esse quadro
se modificou quando Aloísio Magalhães assumiu a direção geral do IPHAN e buscou
disseminar a prática de consulta à população das cidades tombadas através da realização de
seminários, bem como proliferaram as contestações para a ampliação da noção de patrimônio
nacional e iniciou-se uma tímida participação de movimentos sociais.
Em virtude da inexistência de participação da sociedade no processo de concepção das
políticas para o patrimônio até os anos de 1980 e, essencialmente, da legitimidade alcançada
pela prática de proteção organizada pelos primeiros intelectuais que compunham o IPHAN,
eram raras as manifestações explícitas em contraposição aos decretos de tombamentos de
obras monumentais ou de negação dos valores atribuídos aos bens rotulados como dignos de
preservação.
Porém, como enfatiza Fonseca (2005), nem sempre a sociedade brasileira interpretou o
tombamento como um aspecto positivo, assim, o ato tem sido apropriado de maneira
divergente, à medida que, para alguns grupos sociais, ter um bem da sua cultura protegido
pode se reverter em benefícios simbólicos ou econômicos ou mesmo representar afirmação de
poder político, como ocorreu com o processo de tombamento do Terreiro da Casa Branca na
Bahia, conduzido pelo movimento negro como luta política contra uma ação de despejo. Mas,
na maioria das situações, o tombamento é permeado por conflitos envolvendo embates entre
direitos individuais e coletivos e a redução do direito pleno de propriedade dos imóveis. O
fato dos proprietários desconhecerem ou não compreenderem os valores inscritos nos bens
leva-os a enaltecerem na suas interpretações os prejuízos econômicos advindos do ato de
tombamento de imóveis privados.
139
Para Fonseca (2001), o fato das atribuições de valores aos patrimônios terem sido realizadas
durante várias décadas exclusivamente por intelectuais, sem a participação ou consulta às
comunidades diretamente atingidas, implicou na disseminação de uma noção das políticas de
patrimônio como conservadoras e elitistas e no privilégio de bens concernentes às classes
dominantes relacionadas aos colonizadores e, consequentemente, na problemática da redução
do patrimônio cultural às representações de apenas algumas matrizes culturais não abarcando
a diversidade cultural, étnica e social do país, impossibilitando que os diferentes grupos se
reconheçam nos bens protegidos, aspectos basilares para o cumprimento da função do
patrimônio.
Perante esse contexto, Fonseca (2005) avalia que os bens tombados pela instância federal não
servem como parâmetros efetivos de identidade nacional, pois grande parcela da população os
reconhece como símbolos distantes da nação. A autora não menospreza o valor dos
patrimônios sob tutela do Estado nem a relevância das políticas de preservação desenvolvida
no país e ressalta que para a população esses bens possuem valor pela antiguidade e
opulência; no entanto, intitula os imóveis tombados de patrimônio pesado e mudo,
esclarecendo que a referência ao pesado não se deve apenas a monumentalidade dos bens,
mas pesado em função de ser mudo, que representam símbolos abstratos e afastados da
nacionalidade, com os quais apenas um restrito grupo se identifica, sendo escusos para a
maioria dos brasileiros os valores que amparam legalmente sua proteção. Pontua ainda que,
em algumas situações, a proteção limita o acesso do público em geral aos bens tombados,
dificultando a compreensão pela população dos fatores que justificam seu reconhecimento
como patrimônio nacional e corroborando para alimentar a ideia de preservação como
atividade culta
Direcionando essas análises para a cidade de Cachoeira, é possível afirmar que o processo de
tombamento da cidade não foi suficiente para despertar, em significativa parcela dos
cachoeiranos, o reconhecimento da importância dos bens patrimoniais e a necessidade de
zelar pela sua integridade e conservação, o que em parte pode ser creditado à atuação
unilateral dos órgãos de preservação, à condução dos processos por técnicos sem consulta à
sociedade do que deveria ser protegido e à precariedade de canais de diálogo e mecanismos de
envolvimento da população nas ações empreendidas.
As informações levantadas por meio da realização de entrevistas revelaram que a maior parte
dos cachoeiranos não compreendeu o que significou o tombamento da cidade ou não teve
140
consciência da sua relevância, por isso alguns proprietários mantiveram as características
coloniais dos seus imóveis enquanto outros não, pois não tinham conhecimento dos seus
valores históricos e arquitetônicos. Como lembra Marcelino Gomes
71
, a cidade foi tombada
num período da Ditadura Militar, portanto não houve uma preocupação em esclarecer para a
população o que estava acontecendo, muito menos seriam admitidas manifestações públicas
contrárias, quando os cachoeiranos descobriram o que era tombamento, a cidade já estava
toda protegida. Assim, a forma como o processo foi conduzido resultou, logo de início, num
reduzido reconhecimento e valorização dos patrimônios pela população que não estabeleceu
de imediato uma relação de pertencimento com tais bens ou sequer concebeu o tombamento
como um aspecto benéfico para a cidade.
Destarte, a inexistência de ações esclarecedoras e educativas, o descrédito do turismo como
atividade promotora do desenvolvimento econômico associado ao período de carência de
políticas culturais em atenção ao patrimônio na década de 1990 reforçaram, em uma parcela
da população, a interpretação do tombamento e das intervenções fiscalizadoras e restritivas do
IPHAN como entraves burocráticos para a modernização e avanço do município, sem,
contudo, ponderar o caráter positivo das atuações para a proteção do suntuoso acervo
arquitetônico.
Existe atualmente em Cachoeira um grupo que declara abertamente ser contrário ao
tombamento integral da cidade, propondo inclusive a anulação do decreto 68.045 de 13 de
janeiro de 1971. Entre os representantes desse grupo encontra-se o Sr. Heraldo Cachoeira
72
,
para quem os prédios tombados entre 1938 e 1943 eram o suficiente para contar a história de
Cachoeira, não sendo necessário tombar toda a cidade que estava muito descaracterizada.
Em sua opinião, o tombamento não trouxe nada de positivo para o município e, sim,
prejudicou o desenvolvimento da cidade, visto que não é possível construir uma fábrica ou
fazer qualquer outra construção, pois o Patrimônio (denominação atribuída ao IPHAN) não
consente. E afirma categoricamente:
Eu chamo o Patrimônio de o “Cupim”, porque parece que o Patrimônio tem
interesse em conservar a ruína, não permite que se faça nada. A cidade vai
71
Entrevista realizada em 23/03/2010
72
Ex-marinheiro e advogado aposentado, declara-se um apaixonado pela história de Cachoeira a ponto de
incorporá-la ao seu sobrenome. Durante suas viagens como marinheiro, pesquisou sobre Cachoeira em
bibliotecas do Rio de Janeiro, Portugal, Vaticano, França e Holanda. Entrevista realizada em 26/03/2010.
141
acabar terminando como a cidade italiana de Pompéia que tem ruínas. Eu
sou contra esse decreto, apelei para os deputados para ver se a gente
conseguem derrubar o decreto e manter o decreto de 1938, aumentando um
pouco o número de prédios a ser tombado no centro da cidade. (Heraldo
Cachoeira)
A ausência de canais de diálogos e envolvimento dos munícipes cachoeiranos na política de
preservação empreendida na cidade, tornando-os agentes passivos ao invés de parceiros na
defesa do patrimônio, deram margem para o surgimento dessas proposições contrárias à
salvaguarda integral do núcleo urbano e da concepção do tombamento como o grande
percalço para o dinamismo econômico de Cachoeira. Sobre essa situação, Luiz Claudio
Nascimento
73
pondera que para esse segmento social que prega um “destombamento” da
cidade, desenvolvimento representaria a modernização arquitetônica de Cachoeira nos
mesmos moldes que ocorreu em Cruz das Almas ou Santo Amaro e atribui esse paradoxo
como consequência de uma falta de consciência histórica e do que significa a preservação e
conservação do patrimônio do município, e, em parte, uma falha do IPHAN em não ter
realizado um trabalho prévio de educação patrimonial.
Entretanto, nem todos são congruentes com a concepção de tombamento como símbolo de
retrocesso, ao contrário, uma parcela crescente de cachoeiranos é porta-voz de concepção
muito positiva e credita à proteção total do perímetro urbano, aliada as ações do IPHAN, a
manutenção da integridade e das características originais de parte considerável do acervo
arquitetônico, principalmente dos imóveis privados que são submetidos aos anseios de
modernização pelos seus proprietários. Afirmam que o tombamento foi uma espécie de
salvação para Cachoeira que corria grandes riscos de ser desfigurada, mas reconhecem que a
relação de pertencimento da população com os seus patrimônios ainda é muito reduzida,
acarretando em uma série de problemas.
A respeito da limitada valorização atribuída aos bens materiais, a fala da entrevistada B
74
aponta um indicativo ao afirmar: “nós que vivemos aqui perdemos o hábito de olhar para um
imóvel e observar os pequenos detalhes que é onde está a sua beleza, portanto, as pessoas não
reconhecem o valor histórico dessa cidade até pela força do hábito de não muita
importância ao olhar com outros olhos”.
73
Entrevista realizada em 07/10/2009.
74
Para todos os entrevistados que optaram por não se identificar foram utilizadas letras em substituição aos
nomes. Entrevista realizada em 25/03/2010.
142
Na concepção de alguns entrevistados, esse quadro vem sofrendo pequenas, mas
significativas, alterações sendo possível constatar mudanças de discursos e posturas dos
munícipes em relação ao reconhecimento dos valores inerentes à necessidade de preservação
do patrimônio local. Nesse contexto, podem ser apontados como fatores impulsionadores da
mudança: a elevação do nível educacional da população; os investimentos governamentais na
recuperação dos principais monumentos e alguns imóveis privados; a transferência provisória,
a partir de 2008, da capital do estado e das secretarias administrativas do governo para
Cachoeira todo 25 de junho como reconhecimento a sua preponderante participação nas lutas
pela Independência da Bahia; e a incisiva exposição midiática de Cachoeira e suas
potencialidades culturais, despertando a valorização e estima pela cidade, não apenas entre os
turistas, mas também entre os próprios cachoeiranos.
As informações e dados obtidos por meio da aplicação de questionários durante o trabalho de
campo contribuiu para o entendimento dessa complexa relação estabelecida entre a população
cachoeirana e o patrimônio material, bem como para compreender a concepção dos moradores
a respeito do tombamento e atuação dos órgãos de preservação. Antes de adentramos
propriamente nas análises relativas aos dados coletados com os questionários, faz-se
necessário traçar o perfil dos moradores de Cachoeira consultados e dos seus respectivos
imóveis.
A faixa etária média dos moradores que responderam à pesquisa está acima dos 60 anos
(26%), seguida por 31 e 40 anos (21%). Cabe destacar que o número de jovens que participou
foi reduzido, pois priorizou-se a aplicação dos questionário aos proprietários/responsáveis
pelos imóveis. Do público pesquisado, 83% são naturais da própria cidade de Cachoeira e os
demais oriundos, em sua maioria, de cidades circunvizinhas ou do âmbito estadual. Quanto ao
nível de escolaridade dos consultados, 44% concluíram o Ensino Médio e 21% apenas
possuíam o Fundamental Incompleto. Enquanto os dados expostos até então são equiparados
para as duas áreas, no que se refere à renda mensal familiar, constatou-se uma diferenciação
entre o centro e do bairro do Rosarinho. Dos residentes do centro, 13% apresentam uma renda
familiar de 1 salário mínimo por mês, 41% entre 3 a 5 salários e 8% até 10 salários mínimos,
já no bairro do Rosarinho, 46% das famílias sobrevivem com 1 salário ao mês, 24% com 3 a 5
salários e nenhuma família se enquadrou na categoria até 10 salários mínimos, apresentando
ambas as áreas uma média de 3 (25%) a 4 (29%) habitantes por residência.
143
No que tange à situação dos imóveis nas duas áreas pesquisadas, verificou-se que 91% são
próprios, sendo 54% comprados e 36% herdados. A maioria dos proprietários não sabe
precisar o ano de construção do seu imóvel, mesmo porque muitas residências do centro
tiveram suas origens entre os séculos XIX e início do XX. Como pode ser observado no
gráfico 01, quando questionados sobre o estado de preservação dos seus imóveis, grande
parcela dos proprietários responderam que os mesmo encontram-se em um estado variante
entre bom e razoável, além disso, 62% consideram que estão adequados às necessidades da
família ou do comércio, dados que contrastam com as recorrentes reclamações às restrições
impostas pelo IPHAN para a realização de modificações na estrutura do imóvel.
Gráfico 01: Atual estado de preservação do imóvel
Fonte: Pesquisas de campo realizadas entre fevereiro e março de 2010.
Dos moradores consultados somente 23% declaram desenvolver algum tipo de atividade
econômica em seus imóveis, sobressaindo-se entre as atividades especificadas: serviços de bar
e mercearia, restaurantes, fabrico de licor, produção caseira de doce, confecção e
comercialização de artesanato, padaria, lojas, galerias, pensionato e aluguel de parte do
imóvel. Dos que afirmaram desempenhar alguma atividade econômica, apenas 40% possuem
a renda familiar ou a sua maior parcela diretamente relacionada à utilização do imóvel para
fins econômicos, o que denota que os cachoeiranos ainda não tiram proveito das
potencialidades apresentadas por alguns imóveis para o oferecimento de serviços,
principalmente turísticos e de hospedagem, o que possibilitaria uma elevação da sua renda
mensal e o propalado uso sustentável dos imóveis.
144
A análise dos dados coletados revelou um indicativo de mudanças na compreensão dos
cachoeiranos em relação à proteção do patrimônio local. Como já mencionado, de acordo com
os entrevistados, quando do tombamento a grande parte da população não entendeu ou não
atribuiu muita importância à salvaguarda dos bens materiais existentes na cidade, todavia,
hoje, esse quadro vem sofrendo alterações de forma favorável à proteção do acervo
arquitetônico. Ao serem questionados sobre a preservação dos patrimônios tangíveis de
Cachoeira, 81% afirmaram ser muito importante, em contraposição aos 11% que ainda não
perceberam ou compreendem o seu sentido para a cidade.
Gráfico 02: Importância da preservação dos patrimônios materiais de Cachoeira
Fonte: Pesquisas de campo realizadas entre fevereiro e março de 2010.
Apesar do considerável avanço constatado, muitos moradores não concebem suas residências
como parte integrante do rol dos patrimônios da cidade e, de modo equivocado, entendem que
patrimônio se refere apenas às construções monumentais a exemplo dos prédios públicos e
igrejas. Outros incorporaram demasiadamente o discurso turístico disseminado na cidade e
demonstram uma preocupação com a preservação para turista vê, ou seja, não defendem a
conservação do patrimônio local por ser um componente intrínseco ao seu espaço de vivência
e cotidiano, mas, sim, por ser um dos principais atrativos turísticos do município. Tal
interpretação pode ser identificada claramente na fala da entrevistada C
75
:
75
Moradora do Alto do Rosarinho. Entrevista realizada em 05/04/2010.
145
Gosto muito de morar em Cachoeira, acho importante a cidade ser tombada,
mas acho que a cidade deveria ser mais aproveitada, pois tem tantos prédios
velhos e os donos não reconstroem para fazer algo. Se isso fosse feito, a
cidade ficaria melhor e mais bonita. Tem muitos turistas que vêm pra cá,
mas para ver o quê? Casas e prédios velhos?
Com a realização da pesquisa de campo verificou-se que, embora apresentem ordens de
prioridade diferenciadas, as referências dos monumentos mais relevantes são as mesmas para
os cachoeiranos que residem tanto na área central quanto na área periférica da cidade, como
pode ser observado no gráfico 03. Tecendo uma análise comparativa com a pesquisa
desenvolvida por Lôla Medeiros Ribeiro em 1994 sobre o patrimônio histórico de Cachoeira a
partir dos relatos e memórias da população, constatou-se que, mesmo depois de transcorridos
16 anos, alguns monumentos são reincidentes como referências para os cachoeiranos, pois no
trabalho realizado por essa pesquisadora a Igreja da Matriz de Nossa Senhora do Rosário foi
eleita como o principal monumento da cidade, enquanto a Câmara de Vereadores figurava
entre os edifícios públicos mais lembrados.
Gráfico 03: Monumento mais importante ou que melhor representa a cidade de Cachoeira
Fonte: Pesquisas de campo realizadas entre fevereiro e março de 2010.
Moradores do
Centro
Moradores do
Rosarinho
146
A reincidência deve-se ao fato dos valores conferidos pela população à Câmara de Vereadores
continuarem inalterados, mesmo porque se trata de um prédio emblemático para a afirmação
política de Cachoeira, inicialmente como Vila e, a partir de 1837, na categoria de cidade
heróica. A Igreja Matriz também mantém suas funções religiosas ativas. O Conjunto do
Carmo, composto pela Casa de Oração, Museu de Arte Sacra (em implantação) e as Igrejas
das Ordens e 3ª, encanta pela exuberância externa e opulência interna, consagrando-se
como um dos cartões postais mais difundidos da cidade de Cachoeira. Vale salientar que as
Igrejas Católicas foram os monumentos mais mencionados pelos moradores, além das acima
mencionadas, foram citadas, ainda, as Igrejas D’Ajuda, do Monte e a do Rosarinho. Tais
incidências de menções às igrejas como monumentos destacados e as preocupações com sua
preservação evidenciam o simbolismo que elas representam para a população, constituindo-
se, talvez, num dos poucos monumentos com os quais parte dos cachoeiranos estabeleça um
forte vínculo e a relação de pertencimento.
a Ponte D. Pedro II, construída sobre o rio Paraguaçu com estruturas metálicas importadas
da Inglaterra e datando sua inauguração de 1885, tornou-se, na época, a mais importante da
América do Sul e tombada pelo IPAC, em 2002, como exemplar do patrimônio industrial.
Depreende-se que sua escolha tenha sido motivada pela função que exerce de ligação entre os
municípios de Cachoeira e São Félix e, primordialmente, pelo elo criado com os cachoeiranos
por ser um patrimônio próximo das suas vivências na cidade, posto que a utilizam
constantemente fazendo parte do cotidiano, ao contrário de muitos monumentos que, por não
estarem inseridos em suas práticas diárias, mantêm-se distantes, não apresentando um
simbolismo ou relação afetiva com os munícipes.
Figura 11: Fachada da Igreja Matriz Figura12: Ponte D. Pedro II
147
Outro aspecto proeminente averiguado na pesquisa concerne à atribuição de responsabilidades
para a preservação dos bens edificados em uma cidade tombada como Cachoeira. Conforme
Simão (2006), nas primeiras décadas de atuação do IPHAN a efetivação do ato de
tombamento de um bem ou conjunto não pressupunha o consentimento prévio da população
diretamente atingida, visto que, além de não ser uma prática política vigente no período, a
situação de desgaste e arruinamento dos bens dispersos pelo país e considerados excepcionais
exigia celeridade das ações de salvaguarda e intervenções emergenciais. Para Simão (2006),
essa forma de atuação originou uma relação de dependência entre a União e a população,
desse modo, comumente, as comunidades delegam ao Estado a incumbência exclusiva de
promover a restauração e conservação dos bens edificados tombados e, em muitos casos, a
responsabilidade pelas dificuldades enfrentadas em seu processo de desenvolvimento.
Em Cachoeira, quando perguntado aos moradores a quem cabia as obrigações pela proteção
do acervo arquitetônico da cidade, 27% dos moradores responderam que era uma
responsabilidade dos proprietários, 22% conferiram essa função aos Poderes Públicos
envolvendo os três entes federados e 51% afirmaram ser uma atribuição que compete aos
proprietários e aos Poderes Públicos. A maior parte dos consultados se mostrou consciente da
importância do seu papel na promoção da preservação ao assumir ou compartilhar com os
Poderes Públicos o compromisso e encargos para resguardar o patrimônio local. Esse
compartilhamento das responsabilidades pode ser conferido ainda por 71% dos proprietários
de imóveis terem realizado reformas significativas e/ou reparos em termos de manutenção
com os seus próprios recursos. É inegável que essas melhorias tenham sido realizadas visando
primeiramente o bem estar das famílias ou adequação para atividades comerciais; mas, se
essas obras seguem os critérios definidos pelo IPHAN, por extensão, também se promove a
conservação dos imóveis protegidos por lei federal.
Os que alegaram que a proteção ao acervo é de responsabilidade do Estado justificaram tal
posicionamento utilizando argumentos similares aos apontados por Simão (2006), ou seja,
como a cidade foi tombada pelo órgão de preservação federal, cabe ao Estado assumir as
competências também com a manutenção da integridade dos imóveis. Nesse sentido a
declaração de Pedro Borges dos Anjos
76
é elucidativa:
76
Professor e editor-fundador do Jornal O Guarany. Entrevista realizada em 25/03/2010.
148
Os responsáveis pela preservação dos patrimônios deveriam ser em lugar
os próprios moradores. Se, por ventura, Cachoeira não fosse tombada os
próprios moradores preservariam os seus valores independente do
reconhecimento. Com o reconhecimento os moradores esperavam, e
continuam esperando, que o governo destine recursos para que esses valores
sejam integralmente preservados, independente dos seus proprietários terem
recursos ou não para fazê-la. Então, o governo precisa despertar justamente
para esse lado e que a maioria dos proprietários de imóveis em Cachoeira
não tem condições de fazer uma restauração de acordo com as diretrizes que
são instituídas para a preservação.
Na realidade, os grandes responsáveis pela preservação e integridade dos imóveis privados,
em Cachoeira, são realmente os proprietários, pois caso decidam não conservar e não se
mobilizarem no intuito de promover a manutenção e reparos que esses imóveis seculares
requerem, permitindo, assim, que os mesmo sofram um arruinamento, os órgãos públicos
incumbidos pela garantia da preservação e com atuação na cidade não interferem de modo
enfático fazendo cumprir o determinado no Decreto-lei 25/37, o qual dispõe em seu art. 19
que não tendo o proprietário da coisa tombada recursos para arcar com as despesas de
conservação deverá comunicar ao IPHAN (na época do decreto SPHAN) a necessidade de
realização de intervenções. E, caso não o façam, poderá ser multado em um valor equivalente
ao dobro do dano sofrido pelo bem. O referido artigo prevê, ainda, mediante aprovação pelos
dirigentes do IPHAN, o custeio das obras pela União ou a desapropriação da coisa.
A pesquisa buscou averiguar também qual a avaliação que os cachoeiranos fazem do trabalho
desenvolvido pelos órgãos de preservação que agem na cidade. E, logo de início, foi
constatado que a referência que eles têm e as menções que fazem são em relação ao IPHAN, o
único atuante nesse sentido, que o IPAC não desempenha ações de preservação e controle
das intervenções diretamente com a população local, assumindo o seu escritório na cidade
papel de representação, e a Prefeitura Municipal não possui um órgão específico que assuma
tal competência. Os resultados apontaram uma avaliação relativamente positiva da atuação do
IPHAN, posto que 55% dos moradores consultados aprovam as fiscalizações realizadas pelo
órgão de preservação, 34% se mostraram contrários e 11% decidiram se abster, preferindo não
julgar as ações efetivadas. No entanto, foi com a realização de entrevistas aos moradores e a
alguns representantes da sociedade civil que se tornou mais compreensível a complexa e
conflitiva relação de “amor e ódio” desenvolvida pela população de Cachoeira em relação ao
IPHAN, relevando alguns dos motivos que geram os conflitos.
149
Em virtude da sua função fiscalizadora e impeditiva, o IPHAN é visto por muitos moradores,
sobretudo os do centro histórico onde sua atuação é mais enfática, como um antagonista à
modernização e ao melhoramento dos imóveis e de alguns aspectos da cidade. Um lema
recorrentemente utilizado quando se referem ao órgão federal é que esse possui “dois pesos e
duas medidas” para avaliar e liberar as intervenções nos imóveis e para aprovar os projetos de
construções de novos imóveis nos escassos terrenos ociosos da área urbana. Acusam o órgão
ainda de não ser totalmente imparcial nos julgamentos dos pedidos, uma concepção que incita
alguns proprietários a burlar o seu controle transgredindo as regras e não respeitando as
restrições, que muitas vezes não são bem compreendidas pela população.
De acordo com os estudos realizados em 2005 pelo Grupo de Trabalho do Programa
Monumenta, aproximadamente 30 a 40% das reformas e/ou modificações efetivadas nos
imóveis localizados no centro da cidade não são autorizadas pelo IPHAN, o que resulta em
relações nem sempre pacíficas quando o órgão intervém exigindo a recomposição do que foi
alterado; e, não raro, culmina em embates judiciais. Para vários munícipes, o IPHAN não
promove esclarecimentos e orientações para a população, agindo de forma distante e
utilizando-se da punição judicial para conter as ações que vão de encontro à preservação dos
bens particulares resguardados. O entrevistado Pedro Borges
77
é um dos proprietários
autuados pelo Ministério Público em função de denúncias do IPHAN e, segundo os seus
relatos, responde a processo por ter tirado o seu imóvel do estado de ruína para fazer as
instalações de uma escola de línguas. Alega que não recebeu nenhuma assistência técnica dos
órgãos competentes e dez anos após a conclusão das reformas recebeu a notificação para a
demolição dos acréscimos. Em contrapartida também processou ao IPHAN por permitir, na
sua interpretação, a desfiguração do imóvel que atualmente sedia o Banco Bradesco, a
construção de algumas residências com estilo moderno e de outras obras que considera um
flagrante desrespeito. A ação está em tramitação há doze anos.
Acerca dos problemas com a regularização das intervenções nos imóveis privados, Aníbal
Garrido
78
pondera que muitos proprietários ainda respondem judicialmente ao
descumprimento dos trâmites legais, todavia, quando comparado com os números do passado
e a quantidade de pessoas que, hoje, procuram cumprir a lei e promover reformas corretas,
esse número se torna relativamente pequeno. Porém, na interpretação de Garrido, embora a
maioria das pessoas cumpra os ritos legais isso é feito, às vezes, a “contra gosto”, e muito
77
Entrevista realizada em 25/03/2010
78
Arquiteto e atual Chefe do Escritório Técnico do IPHAN em Cachoeira. Entrevista realizada em 20/05/2010.
150
mais por receio às penalidades impostas do que em função do entendimento de que Cachoeira
é importante para a nação enquanto patrimônio cultural, mas, reconhece que existem poucas
pessoas que compreendem o valor do patrimônio local e pregam a sua preservação. E declara
com veemência:
Eu acho injustificável que, após 40 anos de tombamento, uma pessoa diga
que não sabe que Cachoeira é tombada, e use esse argumento para cometer
um ato ilícito. É injustificável que aleguem que o IPHAN não esclarece isso,
haja vista as ões para proteger o patrimônio local [...] As pessoas podem
até não ter conhecimento das implicações desse tombamento, mas pelo
menos sabe que é tombada, e deveriam buscar saber as regras que precisam
seguir em função do bem ser tombado (Aníbal Garrido).
As declarações da entrevistada Rita Santana
79
se contrapõem ao entendimento do técnico do
IPHAN, pois, considera que a comunidade em geral não sabe o quê e nem o porquê deve ser
preservado e que falta orientação dos órgãos de preservação nesse sentido, alega ainda, que
“ninguém pode partir do princípio de que a pessoa que nasceu ou mora numa cidade histórica
é obrigada a entender de tombamento e a importância da preservação, principalmente, quando
se ouve desde criança que a cidade é uma velharia”. Assim como Rita Santana, alguns dos
entrevistados acreditam que muitos desses conflitos poderiam ser evitados se o IPHAN
tivesse uma relação de proximidade e diálogo com a população, e realizasse um permanente
trabalho de educação sobre a relevância do patrimônio local. Avaliam também que a
persistência do descaso de alguns habitantes e de ações danosas aos bens edificados está
intrinsecamente vinculada à falta de informação e conscientização da população, o que
poderia ser revertido com ações conjuntas entre instituições de ensino, Poder Público local e
as instituições de preservação estadual e federal. O depoimento de Nila da Silva
80
sintetiza os
anseios e inquietações de alguns cachoeiranos a respeito dessa situação:
A população de Cachoeira vê o tombamento como um erro e não como algo
bom, isso porque não existem políticas públicas que eduque e conscientize
como é bom você preservar tudo o que aconteceu no passado e continuar o
presente sem destruir essa riqueza que foi Cachoeira, tentando buscar no
presente um futuro melhor para a cidade e, para isso, precisa de políticas
com atuação do município, com educação, com reuniões para a população
79
Funcionária pública e fundadora da ONG Raízes do Recôncavo. Entrevista realizada em 24/03/2010.
80
Trabalhadora autônoma. Entrevista realizada em 25/03/2010.
151
explicando e esclarecendo porque não devem mudar a fachada da casa, que
se todos decidirem mudar suas fachadas a cidade vai perder sua identidade
histórica. que não esclarecimentos. O homem tem consciência do
que é certo ou errado se ele tem conhecimento. Falta uma educação de
preservação e de respeito com o patrimônio.
Entretanto, mesmo em face dessa problemática, existem aqueles que partem em defesa do
IPHAN, imputando as limitações de suas ações à insuficiência de funcionários,
principalmente técnicos especializados para atender a tantas demandas, o que implica em
sérias restrições a sua atuação no município. Como demonstraram os dados dos questionários,
apesar dos conflitos, o trabalho de preservação desempenhado pelo IPHAN na cidade é
reconhecido por parte considerável dos moradores como estratégico e imprescindível para a
salvaguarda do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da cidade. Alguns chegam a afirmar
que, caso não houvessem as intervenções do órgão, a cidade teria sofrido as mesmas
descaracterizações que ocorrem em outras cidades coloniais do Recôncavo como Santo
Amaro, Maragogipe e Nazaré que, sem a proteção pelo tombamento e o amparo de
instituições responsáveis pela preservação, não conseguiram manter o conjunto dos seus
acervos, perdendo valiosos bens materiais que registravam suas histórias.
A problemática apresentada por Cachoeira não são exclusivas a sua realidade, situações
similares se reproduzem nas demais cidades brasileiras tombadas, mormente nas que têm todo
o seu núcleo urbano resguardado pela lei federal de preservação, conforme apontam Simão
(2006) e Castriota (2009) sobre Ouro Preto e Mariana em Minas Gerais. Assim, na
contemporaneidade, impõem-se aos órgãos de preservação os desafios de implementarem
políticas de preservação que assumam o caráter de políticas públicas, para desvincular do
imaginário da população a noção de preservação do patrimônio como um entrave ao
desenvolvimento. E, ainda, fundamentalmente, incorpore a participação social no processo de
condução das ações de preservação de modo que não sejam práticas impostas e realizadas
apenas por técnicos correndo-se o risco de resguardar bens com os quais a comunidade não
possuam relação de pertencimento e, por fim, estimular a apropriação dos bens tombados
pela sociedade dando-lhes sentido e uma função social. Como elucida Jeudy (2005, p. 19),
“para que exista patrimônio reconhecível, é preciso que ele possa ser gerado, que uma
sociedade se veja o espelho de si mesma, que considere seus locais, seus objetos, seus
monumentos reflexos inteligíveis de sua história e sua cultura.”
152
4. O PROGRAMA MONUMENTA EM CACHOEIRA: ESPERANÇA DE
RECUPERAÇÃO DO PATRIMÔNIO URBANO E DINAMIZAÇÃO DA ECONOMIA
LOCAL
A percepção alimentada por alguns cachoeiranos do tombamento como uma perspectiva
imobilista e impeditiva do crescimento e modernização da cidade, articulada às
descontinuidades das políticas de preservação após o encerramento, na década de 1980, do
Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas (PCH), o descrédito do turismo
como atividade promotora do desenvolvimento socioeconômico e a persistência da
decadência econômica enfrentada pelo município, desde meados dos anos 1960, deram
margem à reprodução de um novo ciclo de degradação do patrimônio tangível,
proporcionando a Cachoeira o acúmulo de mais um título, porém nada honroso, como o de
“Cidade Heróica” ou o de “Monumento Nacional”, pois referia-se ao de “maior centro
histórico brasileiro em área urbana com pior estado de conservação”
81
.
A reversão da situação de desatenção governamental em relação à preservação do patrimônio
cultural edificado durante a década de 1990 e transformações no quadro de precariedade e
arruinamento apresentado por Cachoeira começaram a ocorrer a partir de 2002, durante a
gestão de Fernando Henrique Cardoso, com a implementação da proposta de recuperação do
patrimônio histórico urbano como estratégia de desenvolvimento econômico e social
operacionalizada com o lançamento do Programa Monumenta.
As considerações tecidas no presente capítulo buscam abordar as premissas, prioridades e o
modelo de intervenção adotado por esse programa para tentar atingir a recuperação
sustentável do patrimônio e requalificação de áreas urbanas nas quais o patrimônio se
encontrava em estado de degradação e, primordialmente, enfatizar a proposta estipulada para
Cachoeira, a execução das intervenções, os impactos socioeconômicos decorrentes dessas
ações e os impasses estabelecidos.
81
Informação divulgada no discurso proferido pelo presidente do IPHAN, Luiz Fernando de Almeida, durante
cerimônia de inauguração do Quarteirão Leite Alves que sedia as instalações da Universidade Federal do
Recôncavo (UFRB), em Cachoeira, no dia 25 de maio de 2009. Disponível em:
http://www.ipac.ba.gov.br/site/conteudo/downloads/arquivos/arquivo352/Iphan.pdf.
153
4.1 DIRETRIZES NACIONAIS DO PROGRAMA MONUMENTA
Fruto de negociações estabelecidas entre o Governo Federal, por meio do MinC, com o BID e
contando com a parceria técnica da UNESCO, o Programa Monumenta é inspirado no modelo
do Programa de Reabilitação do Centro Histórico de Quito, capital do Equador, parcialmente
destruído por um terremoto em 1987. A proposta de reabilitação urbana implantada em Quito,
no ano de 1994, com o financiamento do BID, tornou-se referência de preservação sustentável
na América Latina por ter conseguido agregar a melhoria das condições de habitação no
centro histórico, a valorização imobiliária, a dinamização econômica através do uso comercial
e turístico do patrimônio edificado e programas sociais para garantir o uso habitacional e a
permanência da população de baixo poder aquisitivo (TADDEI, 2003).
No Brasil, os trâmites para definição dos parâmetros norteadores do Programa de Preservação
do Patrimônio Cultural Urbano, denominado de Programa Monumenta, iniciou-se em 1996
durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso. Missões técnica de consultores
internacionais contratados pelo BID vieram ao Brasil avaliar a competência do IPHAN para
execução de programas abrangentes de desenvolvimento de ações de preservação em conjunto
com as demais instâncias governamentais e iniciativa privada. Essas missões tinham também
como atribuição estabelecer como meta para o programa a ser elaborado a transição de uma
prática de preservação centralizada no Estado, com baixo retorno do investimento público e
sem garantia da continuidade de conservação do patrimônio restaurado, para uma prática
pautada no compartilhamento das atribuições referentes à preservação com os estados,
municípios, sociedade e setor privado e, sobretudo, capaz de viabilizar a sustentabilidade das
ações empreendidas, adequando, assim, o programa às novas discussões e premissas vigentes
no BID.
Os estudos efetivados pela consultoria do BID revelaram uma série de fragilidades no IPHAN
provocadas pelo limitado quadro de funcionários, baixas condições de trabalho e orçamentos
incompatíveis com as funções a serem desempenhadas. Problemas agravados pela política de
restrição das verbas para a cultura adotada pelo Governo Federal nos anos de 1990.
Expuseram, ainda, a precariedade e restrita atuação dos órgãos de preservação estaduais e
municipais, representando entraves para a descentralização das ações da instância federal.
Tais diagnósticos apontaram a necessidade de fortalecimento não apenas das estruturas do
154
IPHAN, mas do sistema de preservação brasileiro e demandaram uma reorganização
estrutural do MinC, de modo a se tornar apto para assumir o gerenciamento do programa,
que o IPHAN e os estados não dispunham de recursos, estrutura administrativa e experiência
necessária para desenvolver um projeto de tamanha complexidade e alcance nacional
(BRASIL, 1999).
Considerando as diretrizes de descentralização das ações e articulação entre os entes
federados impostas pelo BID, o Programa Monumenta desenvolveu uma estrutura
organizacional que compatibilizou funções de coordenação, administração, planejamento,
execução e supervisão entre organismos internacionais e instituições pertencentes às esferas
nacionais e locais. Nesse arranjo, o BID, como agente financiador central, instituiu as
premissas básicas de funcionamento do programa em consonância com os objetivos
acordados e exercendo as funções de supervisão geral, monitoramento e autorização das
despesas relativas aos componentes do programa cujas ações são custeadas pelo empréstimo
externo. Segundo Jurema Machado
82
, a participação do BID não foi fundamental apenas pelo
financiamento concedido para a execução das ações previstas, mas, essencialmente, pela
normatização das regras a serem cumpridas, dando respaldo e seriedade ao programa.
A UNESCO, cujo envolvimento não é estipulado no contrato de empréstimo, foi convidada
pelo governo brasileiro a integrar o programa com o desígnio de propiciar agilidade e
minimizar os percalços burocráticos no cumprimento de determinadas ações. Deste modo,
desempenha um papel de controle e supervisão do programa, administração dos recursos
destinados à execução de ações diretas pela instância federal, sendo responsável ainda pela
contratação e pagamento de especialistas e de serviços, organização de licitações e
lançamento de editais para a seleção de projetos relacionados à capacitação de profissionais e
à dinamização econômica e cultural.
Ao MinC coube a competência de ser o principal organismo executor do Monumenta,
acumulando as atribuições de coordenação, orientação, supervisão e fiscalização. Para
gerenciar a efetivação das referidas funções, foi criada em 1997, no MinC, a Unidade Central
de Gerenciamento (UCG), formada por consultores terceirizados selecionados pela UNESCO
e estruturada em departamentos por área de atuação. A UCG foi incumbida da execução do
82
Jurema Machado é coordenadora do setor de cultura da representação da UNESCO no Brasil. Pronunciamento
realizado na Conferência “Avaliação do Programa Monumenta” ocorrida no dia 15 de dezembro de 2009 durante
o I Fórum do Patrimônio Cultural em Ouro Preto -MG.
155
programa por meio da realização de diversas etapas, entre as quais: a supervisão; o
planejamento e controle de atividades concernentes as linhas de atuação; suporte aos
municípios contemplados com o convênio; e orientação e acompanhamento das unidades
responsáveis pelo andamento dos projetos no âmbito local. O IPHAN, por sua vez, restringiu-
se a assumir um papel secundário e com caráter estritamente técnico, ficando sob sua
responsabilidade a orientação e aprovação dos projetos de intervenção nos bens e núcleos
urbanos tombados e a condução apenas do componente referente ao seu fortalecimento
institucional com ações intermediadas pela UNESCO.
Na escala local, a intenção inicial era firmar os convênios diretamente com os municípios
selecionados. Porém, diante das limitações institucionais e financeiras apresentadas por
alguns dos municípios, os estados também passaram a ser admitidos como responsáveis pela
execução do Monumenta. Assim, as administrações estaduais ou municipais foram
encarregadas da elaboração dos projetos e concretização das ações estipuladas, no entanto,
suas atuações não se deram de forma direta, mas através de Unidades Executoras de Projetos
(UEP), originadas exclusivamente com a finalidade de coordenar, supervisionar, executar e
administrar financeiramente o projeto, as licitações, o cumprimento dos contratos e a
efetivação das ações nas cidades beneficiadas. Cabe destacar que as estruturas das UEPs
podem ser compostas por funcionários efetivos das instituições públicas envolvidas com o
programa e/ou funcionários contratados, mas, comumente são estruturas terceirizadas
vinculadas a uma secretaria de governo, assim como a UCG.
Para Ana Lúcia Paiva Dezoit
83
, especialista em gestão fiscal e municipal do BID, o fato do
Programa Monumenta ser subordinado aos trâmites burocráticos requeridos pelo BID, pela
UNESCO, pelo Governo Federal, através do MINC e do IPHAN e, por fim, dos governos
estaduais ou municipais dificultou, sobremaneira, a realização a contento de tudo o que foi
planejado para o programa de preservação do patrimônio cultural urbano brasileiro,
figurando-se a excessiva burocracia como um dos principais obstáculos emperradores da
capacidade executiva do Monumenta.
Além da estruturação desse arranjo institucional do programa, foi preciso também instituir
um grupo de trabalho formado por especialistas independentes e representantes dos órgãos de
83
Ana Lúcia Paiva Dezoit, especialista em gestão fiscal e municipal do BID
.
Pronunciamento realizado na
Conferência “Avaliação do Programa Monumenta” ocorrida no dia 15 de dezembro de 2009, durante o I Fórum
do Patrimônio Cultural em Ouro Preto -MG.
156
preservação para a criação de uma lista de prioridades de intervenções e conservação,
estabelecimento de uma espécie de ranking dos 101 Sítios e Conjuntos Urbanos Nacionais e
para a definição das cidades prioritárias para a contemplação com investimentos do programa,
em virtude da primeira lista apresentada pelo IPHAN em 1996 ter sido desconsiderada pelo
BID, sob a alegação de ausência de critérios fundamentadores claros. Foram selecionadas, a
princípio, como amostras representativas as cidades de Ouro Preto (MG), Rio de Janeiro (RJ),
São Paulo (SP), Salvador (BA), São Luís (MA), Recife e Olinda (PE), objetivando
contemplar áreas históricas com significativos conjuntos patrimoniais em cidades médias
tombadas, inseridos em centros metropolitanos e/ou em cidades com expressivo fluxo de
circulação de turistas.
Cumpridas as exigências iniciais, é firmado o contrato de empréstimo
1200/OC-BR, em
1999, entre o BID e o Governo Federal para a execução do programa orçado em US$ 125
milhões, sendo acordado que o Banco financiaria 50% dos custos totais e os valores restantes
ficariam ao encargo das contrapartidas federal, estadual ou municipal. No ano posterior, o
Monumenta entra oficialmente em vigor com foco na recuperação de bens materiais públicos
do patrimônio histórico urbano nacional e com previsão de encerramento das suas atividades
em 2007.
Entretanto, em 2001 o programa ganha outros direcionamentos com a ampliação territorial do
raio de atuação, passando a compor o Programa 26 cidades brasileiras
84
, entre as quais
Lençóis e Cachoeira, na Bahia. Durante as gestões do Governo Lula, o programa sofre nova
reestruturação com: a incorporação da estrutura administrativa do Monumenta ao IPHAN;
ampliação do aporte de recursos pelo Governo Federal; inclusão em 2004 dos imóveis
privados nas intervenções do programa, mediante convênio entre o MinC e a Caixa
Econômica Federal para a liberação de financiamento aos proprietários, aumentando, assim, a
atuação de agente financeiro desempenhada pelo banco, que passou a ser responsável pelo
provimento de verbas para a reabilitação de imóveis de uso habitacional e/ou a adequação
para geração de renda; e extensão do financiamento do BID para o ano de 2009 e
continuidade da execução do programa até o final de 2010 com o fito de permitir a conclusão
das obras em algumas cidades.
84
Além das cidades da amostra representativa, foram inseridas no Programa: Alcântara (MA), Belém (PA),
Cachoeira (BA), Congonhas (MG), Corumbá (MS), Diamantina (MG), Goiás (GO), Icó (CE), Laranjeiras (SE),
Lençóis (BA), Manaus (AM), Mariana (MG), Natividade (TO), Oeiras (PI), Pelotas (RS), Penedo (AL), Porto
Alegre (RS), São Cristóvão (SE), São Francisco do Sul (SC), Serro (MG).
157
O Programa Monumenta elegeu como objetivo primordial e com alcance imediato a
recuperação do patrimônio histórico urbano sob tutela federal em conjunto com a ampliação
da sua utilização econômica, cultural e social, articulando, assim, preservação e
desenvolvimento socioeconômico, à medida que estimula o turismo cultural, a capacitação de
profissionais especializados, geração de emprego e renda e, consequentemente, promove uma
dinamização na economia das áreas ou cidades beneficiadas. Figuram como objetivos do
programa para longo prazo: a continuidade da preservação nas áreas prioritárias; o aumento
da conscientização da população brasileira acerca desse patrimônio; o aperfeiçoamento da
gestão do patrimônio nas três instâncias governamentais; e o estabelecimento de critérios de
prioridades para a implementação de ações de conservação.
Segundo o Regulamento Operativo, o Programa atingirá as finalidades principais quando as
áreas de projeto mantiverem suas características preservadas sem a necessidade de recursos
federais adicionais para sua conservação, quando forem observadas mudanças de atitude da
sociedade em relação à importância da preservação do patrimônio nacional, e quando o
programa tiver conseguido disseminar sua estratégia de atuação, de modo que os sítios
históricos incluídos ou não no programa possam ser recuperados e/ou conservados
independentes de financiamentos externos intermediados pela União. (BRASIL, 2006a).
Uma das diretrizes do Programa Monumenta é a recuperação sustentável, que consiste no uso
social ou econômico capaz de garantir a conservação permanente dos bens edificados sem a
aplicação de recursos públicos para sua manutenção, decorrendo a sustentabilidade do
envolvimento da população local com a preservação do patrimônio, valorização imobiliária e
participação da iniciativa privada através de investimentos em atividades econômicas, e com
esses aspectos associados à implementação de ações concernentes à conservação dos imóveis,
medidas educativas e intervenções que incitem a ampliação do retorno dos investimentos
realizados.
Sobre essa questão, Taddei
85
, ex-coordenador nacional do Programa Monumenta, considera
que “a idéia é conferir sustentabilidade ao patrimônio histórico e ao conjunto de bens que
guardam entre si uma certa relação, e que no seu conjunto possam gerar renda para auto
conservação de todos, incluindo aqueles bens que não têm essa capacidade”. Vale ressaltar
85
Declaração constante na reportagem “Monumenta: preservação do patrimônio cultural e reestruturação
urbana”. In: COM CIÊNCIA- Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. SBPC: Labor, 10/03/2002.
Disponível em: http://www.comciencia.br/reportagens/cidades/cid02box.htm
158
que, subjacente à propagação da noção de autossustentabilidade de preservação dos
patrimônios estão os interesses com a desoneração dos órgãos públicos com as obrigações
financeiras para a sua salvaguarda e conservação.
No intuito de assegurar a recuperação sustentável e criar mecanismo para a participação direta
da sociedade e iniciativa privada na condução do Programa, um requisito essencial diz
respeito à criação pelos municípios do Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio
Histórico e Cultural (FUNPATRI), com a finalidade de assegurar a sustentabilidade financeira
do projeto, garantindo a manutenção dos recursos a serem aplicados na conservação do
patrimônio por um prazo mínimo de 20 anos. Como explica Taddei (2003, p. 111),
Destinados a administrar os recursos de conservação permanente dos
investimentos do Programa, esses fundos são dirigidos por um Conselho
Curador, composto paritariamente por representantes das três esferas de
governo e por representantes da comunidade e da iniciativa privada locais. O
Conselho tem total autonomia na administração dos recursos, mesmo sobre a
parcela de dinheiro público envolvidos no projeto cuja previsão orçamentária
depende de lei municipal. Seus limites são os do cumprimento da destinação
prevista para os recursos e as eventuais imposições do organismo
financiador. Quanto à composição desses recursos, mais ou menos dois
terços para a implantação inicial do projeto são públicos e um terço provém
das parcerias com o setor privado. Essa composição pode variar, conforme a
captação dos recursos. Essa, no entanto, é a meta mínima de participação do
setor privado, estabelecida pelo Programa.
O FUNPATRI, principal instrumento de gestão criado no âmbito do Monumenta, é
responsável por direcionar os recursos para a conservação dos monumentos restaurados,
contemplando, em primeira instância, os bens edificados cuja utilização não permite a geração
de renda suficiente para sua manutenção e, após o atendimento desses, os orçamentos podem
ser destinados aos monumentos nacionais e para ampliação da Área do Projeto
86
ou replicação
dos investimentos. Além dos recursos públicos, as receitas para o fundo podem ser
provenientes de pagamentos de aluguéis ou concessão de uso de imóveis públicos, cobranças
de ingressos para visitação de monumentos, recursos de convênios, doações e,
fundamentalmente, do retorno do financiamento concedido para recuperação de imóveis
privados.
86
Área do Projeto refere-se à área do Sítio Histórico Urbano ou do Conjunto Urbano de Monumentos Nacionais
eleita como objeto de investimentos do Programa Monumenta.
159
Outro aspecto do Programa que merece ser ressaltado é que, para atingir os propósitos e metas
elencadas, suas linhas de atuação foram subdivididas em cinco componentes, a saber:
Investimentos integrados em Área de Projeto; Fortalecimento institucional; Promoção de
atividades econômicas; Capacitação de artífices e de agentes locais de cultura e turismo;
Programas educativos sobre o patrimônio. Esses componentes foram pensados como
instrumentos estratégicos para recuperar, dinamizar, envolver a iniciativa privada e a
população local, bem como incentivar a recuperação sustentável do patrimônio cultural
edificado.
A ênfase atribuída por alguns componentes ao desenvolvimento de atividades dinamizadoras
restritas à Área de Projeto, ao uso rentável do patrimônio material urbano e à indução a sua
refuncionalização para atender as demandas e lógicas de mercado, fazem com que as linhas de
atuação do programa sejam alvos de críticas. Sant’Anna (2004) pondera que os componentes
do Monumenta, majoritariamente, estão voltados para estimular a promoção do turismo ou
aproveitamento econômico e cultural dos imóveis, o que pode resultar num modelo de
intervenção que incita a homogeneização funcional das Áreas de Projeto e contribui para a
formação de enclaves turísticos, na maioria dos casos, não sustentáveis e aponta o caso do
Pelourinho em Salvador como um exemplo de reprodução dessa problemática.
De acordo com Sant’ Anna (2004), a sustentabilidade ancorada na geração de renda através de
usos culturais e turísticos não está garantida em grande parte das cidades integrantes do
programa. Em sua concepção, para a efetiva implantação de um processo de preservação
sustentável e atração de investimentos privados, a aplicação de recursos públicos em
intervenções físicas não é suficiente, faz-se necessário conhecer a realidade urbana e
patrimonial das cidades participantes, criar instrumentos de planejamento e gestão coerentes,
incitar a mobilização política e social e aplicar modelos de intervenção flexíveis e que
considerem as especificidades locais.
Para alcançar tal desígnio, torna-se essencial o envolvimento direto da sociedade e do setor
privado, porém essa participação não deve ser limitada ao emprego de capitais em
empreendimentos culturais e turísticos, o que nem sempre produz resultados favoráveis na
conservação sustentável, mormente se for concebido isoladamente. É, portanto, imperativa a
adoção de mecanismos que assegurem a participação desses agentes no processo mais amplo
de gestão do patrimônio.
160
As críticas ao modelo de intervenção implantado pelo Monumenta são direcionadas ainda à
centralização dos esforços institucionais na potencialização do valor econômico dos
patrimônios inseridos nas áreas de atuação. Esse aspecto está explicitamente refletido nos
procedimentos de seleção dos Conjuntos ou Sítios Históricos e, sobretudo, no privilégio para
aqueles com possível potencial de geração de contrapartida financeira e retorno dos
investimentos dos setores públicos e privados. Segundo Dezoit (2009
87
), equivocadamente se
priorizou a avaliação econômica e a valorização imobiliária dos imóveis beneficiados em
detrimento dos efeitos multiplicadores e utilização desse patrimônio pela sociedade.
Não obstante a existência de pontos frágeis e direcionamento para o viés econômico, o
Programa Monumenta sobressai-se no rol das políticas de preservação do patrimônio material
urbano desenvolvidas no Brasil pela tentativa de descentralização das atribuições com a
preservação, articulação de instituições pertencentes às três esferas do governo e engajamento
do setor privado e da sociedade, buscando implantar um novo modelo de gestão do
patrimônio. Além disso, o programa constitui-se num significativo esforço no âmbito das
políticas culturais para conciliar a preservação e uso econômico do patrimônio cultural,
estratégias de gestão urbana e requalificação de áreas urbanas tombadas imersas em estado de
degradação ou em precária situação de conservação.
Como salienta Ana Fernandes (2009)
88
, as áreas urbanas patrimônio são extremamente
problemáticas do ponto de vista da dinâmica urbana e um dos aspectos positivos do programa
refere-se à existência de três grandes políticas: a de preservação, a da gestão urbana e do meio
ambiente, e, considera que “é preciso criar políticas para áreas de proteção em conjunto com
as políticas urbanas. Ou pensamos dessa maneira ou se reproduz os problemas como o
esvaziamento dos Centros Históricos”. Elenca, também, como ponto positivo do programa, o
fato de 50% das áreas de intervenção do Monumenta manterem sua população, mas alerta que
é preciso ter cautela em relação ao turismo por, às vezes, ser um processo avassalador, sendo
necessário pensar também nas mudanças de investimentos e na compra de imóveis nas áreas
centrais por grandes grupos privados. As preocupações suscitadas dizem respeito à
possibilidade de valorização imobiliária excessiva após as intervenções do Monumenta em
áreas antes degradas e, normalmente, ocupadas por uma população de baixo poder aquisitivo,
87
DEZOIT, Ana Lúcia Paiva. Pronunciamento realizado na Conferência “Avaliação do Programa Monumenta”
ocorrida no dia 15 de dezembro de 2009, durante o I Fórum do Patrimônio Cultural em Ouro Preto-MG.
88
Pronunciamento realizado na Conferência “Avaliação do Programa Monumenta” ocorrida no dia 15 de
dezembro de 2009, durante o I Fórum do Patrimônio Cultural em Ouro Preto-MG.
161
podendo, diante da inexistência de um planejamento que assegure a permanência dos
habitantes e o uso habitacional dos imóveis, acarretar a “expulsão” desses moradores e a
instauração de um processo de gentrificação na área.
Apesar da grande relevância para valorização do patrimônio e alcance de significativas
melhorias, o MinC e o IPHAN reconhecem que os consideráveis investimentos destinados à
recuperação do patrimônio cultural, através do Programa Monumenta, não foram suficientes
para promover plenamente a reversão da situação de degradação das cidades históricas, tendo
em vista a multiplicidade de carências e demandas. Desse modo, algumas cidades
contempladas pelo programa ainda padecem com problemas de subaproveitamento do
potencial econômico e simbólico dos sítios históricos, crescimento urbano desordenado,
ameaças de descaracterização do patrimônio, infraestrutura urbana deficiente e iminente risco
de arruinamento dos imóveis (BRASIL, 2009).
Diante dessas constatações e visando minimizar os problemas listados, ampliar o raio de
atuação das políticas e programas de preservação no país, bem como dar continuidade às
ações que apresentaram resultados positivos como o Programa Monumenta, foi lançado em
outubro de 2009 o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas.
Diferentemente do Monumenta, esse programa configura-se numa política com caráter
transversal por envolver diferentes instituições governamentais, não recorrer a empréstimos
internacionais para a obtenção de recursos, além da sua abrangência englobar todas as cidades
brasileiras que possuam patrimônio salvaguardado, exigindo-se apenas como pré-requisito a
elaboração de um plano de ação pautado na resolução dos problemas estruturais e promoção
do desenvolvimento local a partir do estímulo às potencialidades do município e balizado
numa atuação integrada dos setores públicos, privados e da sociedade. Cachoeira é um dos 32
municípios brasileiros
89
contemplado em primeira instância pelo programa, porém como as
intervenções propostas para Cachoeira ainda não começaram a ser executadas, o PAC Cidades
Históricas não se constituirá em objeto de análise na presente pesquisa.
89
A princípio serão beneficiadas as cidades de Marechal Deodoro, Penedo e Piranhas, em Alagoas; Cachoeira,
Cairu e Salvador, na Bahia; Icó, Sobral e Viçosa, no Ceará; Pirenópolis, em Goiás; São Luís, no Maranhão; Belo
Horizonte, Diamantina, Ouro Preto e São João del Rei, em Minas Gerais; Corumbá, no Mato Grosso do Sul;
Belém, no Pará; Areia e João Pessoa, na Paraíba; Olinda, Recife e Serinhaém, em Pernambuco; Parnaíba e Pedro
II, no Piauí; Rio de Janeiro; Natal, no Rio Grande do Norte; Jaguarão e Piratini, no Rio Grande do Sul; Laguna e
São Francisco do Sul, em Santa Catarina; Santos, em São Paulo; e São Cristóvão, em Sergipe.
162
4.2 PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO E A PROPOSTA PARA CACHOEIRA
Envolta num cenário de deterioração de parte do suntuoso patrimônio cultural edificado e,
concomitantemente, na busca pela afirmação do turismo cultural como atividade propiciadora
de melhores índices econômicos, Cachoeira sobressaiu-se como uma das cidades prioritárias
entre as áreas elegíveis para a implantação do Programa Monumenta, ocupando a
90
colocação no ranking dos 101 sítios e conjuntos urbanos sob proteção federal definido pelo
Grupo de Trabalho do IPHAN, mediante a adoção de critérios seletivos e de hierarquização
como: presença de monumentos tombados pela instância federal; inserção em estrutura urbana
de interesse de preservação; pluralidade dos bens, descentralização pelo território nacional;
homogeneidade cronológica e estilística; diversidade histórica e cultural; singularidade e
fatores de risco (BRASIL, 2005b).
Os resultados do relatório produzido pelo Grupo de Trabalho sobre Cachoeira, como uma
avaliação prévia para a implantação do programa, classifica-a como Sítio Histórico Urbano
Nacional pela contiguidade das características coloniais por quase toda a cidade, e ressalta sua
representatividade histórica e artística com a peculiaridade de acumular diferentes
temporalidades. E aponta como principais fragilidades a inexistência de legislação urbanística
de proteção na instância municipal, a precariedade da fiscalização realizada pela Prefeitura
Municipal nas obras autorizadas pelo IPHAN e a decadência da economia local dificultando a
conservação tanto dos monumentos quanto dos imóveis privados.
Convidada a compor o Programa Monumenta em 2001, após a decisão do Ministério da
Cultura de ampliação territorial do programa, Cachoeira precisou cumprir uma série de
requisitos antes de celebrar a assinatura do Convênio de Adesão. O primeiro deles referia-se à
comprovação de capacidade operacional e de contrapartida financeira. Não apresentando o
município condições de assumir tais atribuições, o Governo Estadual se incumbiu da
responsabilidade financeira e o IPAC, em convênio com a Fundação Hansen Bahia
91
,
incumbiu-se da coordenação geral, administração das verbas, execução e fiscalização. Assim,
90
Os sete primeiros sítios e conjuntos urbanos sob proteção federal eleitos como prioritários pelo Grupo de
Trabalho do IPHAN foram: São Luís-MA, Belém-PA, Alcântara-MA, Góias-Go, João Pessoa-PB, Olinda-PE e
Porto Alegre-RS.
91
A Fundação Hansen Bahia, através de Convênio celebrado com o IPAC, órgão Executor do Monumenta em
Cachoeira, é responsável pela elaboração de Estudos e Projetos referentes às obras e serviços, bem como a
manutenção da UEP local.
163
coube à administração municipal apenas a obrigação de se manter adimplente viabilizando o
repasse de recursos para a execução das obras.
Outra exigência inicial concernia à elaboração de uma Carta Consulta construída em parceria
com o Governo Estadual e fundamentada nos resultados das oficinas de planejamento
participativo desenvolvidas com a sociedade e representantes do setor privado, Poder blico
e ONGs. Embora um dos critérios basilares para a produção desse documento tenha sido o
envolvimento da sociedade, em Cachoeira essa participação se deu de forma extremamente
incipiente. De acordo com os relatos de Pedro Erivaldo
92
, houve um comparecimento massivo
da população para a abertura da oficina, no entanto, o mesmo não se reproduziu com o início
dos trabalhos de planejamento, de modo que, compareceram apenas seis cachoeiranos para
juntamente com os trinta técnicos do programa discutirem, durante seis dias, as
especificidades e necessidades de Cachoeira, traçar um esboço do projeto para a cidade e
eleger as prioridades de intervenção.
Na Carta Consulta da cidade, apresentada em julho de 2001, constavam os objetivos
primordiais do projeto, definição prévia de área contemplada e de influência, a relação dos
imóveis e logradouros nelas inseridos e sugestões de utilização dos imóveis públicos após as
reformas, além de demonstração de interesse da iniciativa privada com o projeto, que é um
dos requisitos do programa. No caso do segmento privado, na verdade, sua participação
restringe-se a de beneficiário, à medida que é contemplado pelos investimentos públicos para
recuperação de imóveis e promoção de atividades econômicas e não desempenha nenhuma
função executiva e/ou é responsável pela aplicação direta de recursos no programa.
Com a aprovação da Carta Consulta pela Unidade Central de Gerenciamento (UCG), Grupo
de trabalho do IPHAN e o BID, a Unidade Executora do Projeto (UEP), encarregada pelo
desenvolvimento das atividades do Monumenta em Cachoeira, deu início à produção do Perfil
do Projeto, que consiste nos estudos para verificação das viabilidades técnica, financeira,
econômica e socioambiental para a implantação do projeto de forma sustentável, bem como a
apresentação do Marco de Referência com a caracterização global da área de projeto e de
influência e o Marco Lógico correspondente aos objetivos, estratégias de ação inter-
relacionadas e investimentos propostos.
92
Presidente da ONG “A cidadã” e graduando do Curso de Museologia pela UFRB. Entrevista realizada em
05/04/2010.
164
Conforme o exposto nos resultados finais dos estudos efetivados sobre a Área de Projeto e de
Influência (ver mapa 03), a cidade apresenta um patrimônio arquitetônico avaliado como
regular do ponto de vista da conservação, apesar da existência de imóveis em ruínas, e foram
identificados como fatores propulsores da sua deteriorização a ausência de manutenções, a
realização de reformas inadequadas, além de questões sociais, econômicas e ambientais que
representam sérios riscos a sua preservação e emperravam seu uso sustentável.
Em relação aos aspectos urbanísticos, foi diagnosticado que as principais deficiências da área
eram relacionadas à precariedade da sinalização, do mobiliário urbano e da iluminação
pública, com o agravante da fiação elétrica aérea e as placas de identificação comercial
desordenadas dificultarem a visualização do conjunto de bens edificados. Outro aspecto
evidenciado foi a necessidade de um ordenamento paisagístico e melhoria da infraestrutura
urbana de modo a possibilitar uma melhor circulação e utilização desses espaços como área
de lazer, com destaque para a orla do Rio Paraguaçu.
Considerou-se também que o potencial econômico dos imóveis localizados na Área de Projeto
era relativamente bem aproveitado através do uso misto, mormente para abrigar
estabelecimentos comerciais e serviços direcionados ao turismo, apontado como uma das
atividades mais dinâmicas do município e com viabilidade de crescimento, a despeito do seu
atual caráter sazonal. No Marco de Referência do Perfil do Projeto o estímulo à atividade
turística, mediante a recuperação do centro histórico, é avaliado como de suma importância
para o fortalecimento e melhoria dos indicadores econômicos em Cachoeira e na Baía de
Todos os Santos, tendo em vista o declínio sofrido pelas tradicionais atividades produtivas
(produção de cana e fumo) que garantiam a sustentação da região, resultando na decadência
econômica dos municípios, elevação dos índices de desemprego e agravamento de problemas
sociais.
No que tange às análises socioeconômicas, foi averiguado que, embora os imóveis situados na
área de atuação do programa possuíssem significativo valor imobiliário, não havia na cidade
uma forte especulação imobiliária ou ameaças à permanência dos residentes, que possuem
uma renda mensal mediana e são constituídos em sua maioria por idosos e crianças, já que os
jovens e adultos são obrigados a migrarem em busca de melhores oportunidades de emprego e
formação acadêmica.
165
O Perfil do Projeto menciona a necessidade de implementação de ações e mudanças na área
de modo a assegurar sua renovação e sustentabilidade e reconhece que tais interferências na
dinâmica local podem provocar alterações expressivas no mercado imobiliário. Contudo, não
faz referência à possibilidade de “expulsão” dos habitantes originais em decorrência da
excessiva valorização das propriedades após a recuperação da área e a intensificação do
turismo. Cabe salientar que, dentre os benefícios econômicos contabilizados para o projeto do
Monumenta para Cachoeira, a valorização imobiliária dos imóveis figura em primeiro lugar,
seguida, por conseguinte, pela concessão de uso de espaços públicos para exploração privada,
aumento da arrecadação tributária e a disposição do visitante para pagar pela preservação do
patrimônio mediante a cobrança de taxas para ter acesso aos imóveis recuperados.
Os estudos prévios verificaram ainda que o projeto a ser desenvolvido na cidade apresentava
viabilidade econômica e financeira fundamentada na: comprovação da capacidade de
contrapartida financeira pelo Governo Estadual; garantia de verbas suficientes para
contemplar os investimentos integrados em monumentos, logradouros, imóveis privados e
atividades relativas aos demais componentes do programa; e na valorização dos imóveis da
Área de Projeto e de Influência. Os diagnósticos também respaldaram a sustentabilidade do
projeto para Cachoeira, antevendo um fluxo de recursos para o Fundo de Preservação capaz
de avalizar sua manutenção.
Constatada a existência de um contexto favorável, identificadas as demandas, comprovadas as
viabilidades com a conclusão dos estudos em abril de 2002 e atendidos os pré-requisitos, a
cidade se tornou apta para o recebimento do Monumenta. Assim, em junho de 2002, o
Governo do Estado da Bahia firma o convênio 390/02 de financiamento como o MinC e,
no mesmo ano, inicia-se a aplicabilidade do Perfil do Projeto com o financiamento das
atividades enquadradas nos componentes do programa.
Inicialmente, a Área de Projeto selecionada compreendia apenas o chamado Centro Histórico,
onde concentram-se os monumentos de maior relevo da cidade, do ponto de vista
arquitetônico, formando, de acordo com as recomendações do Regulamento Operativo para
sua delimitação, um “conjunto arquitetônico harmonioso”, favorecendo a confluência de
atividades econômicas e sustentabilidade da área. Nessa perspectiva, os monumentos
contemplados pelas intervenções do Programa seriam o Conjunto do Carmo (Igreja da Ordem
Primeira, Igreja da Ordem Terceira e Casa de Oração), Casa de Câmara e Cadeia, imóvel na
Rua Ana Nery, 7 (casa natal de Ana Nery), Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário e a
166
Capela de Nossa Senhora da Ajuda. A Capela D’ Ajuda, primeira igreja edificada em
Cachoeira no final do século XVI e marco de referência da formação do núcleo urbano, foi
eleita o projeto de arranque do Monumenta, cujas restaurações foram concluídas em
novembro de 2002.
Figura 13: Capela D’Ajuda, primeira intervenção do Programa Monumenta em Cachoeira.
Quanto aos logradouros, as intervenções mais significativas seriam nos espaços de maior
fluxo turístico, correspondentes à Rua do Cais, Praça Teixeira de Freitas, Rua 25 de junho,
Praça 13 de Maio, Praça da Aclamação e Rua Benjamin Constant, no sentido de promover a
recomposição da pavimentação das ruas e calçadas, melhoria da iluminação, paisagismo,
acréscimo de sinalização e mobiliário urbano como lixeiras e bancos (BRASIL, 2002).
Na primeira versão do Perfil do Projeto, cogitava-se somente o financiamento para
recuperações de alguns imóveis privados considerados como destacados pelo valor histórico-
arquitetônico e pela localização nas imediações dos monumentos restaurados, quais sejam: o
prédio da Biblioteca, no largo D’ Ajuda; a Casa dos Velhos, na Rua Benjamin Constant,
02; imóvel na Rua Ana Nery, nº 04; Loja Maçônica, na Rua Benjamin Constant, nº 01; e Solar
Estrela, na Rua Ana Nery, nº 01. A contemplação desses imóveis com o financiamento estava
inserida na estratégia de atratividade e composição de uma ambiência para estimular o
fortalecimento da área de intervenção como zona de apelo turístico.
Em 2004, o Perfil do Projeto para o município sofre uma revisão e ampliação, aprovada pela
UCG e viabilizada com assinatura do Convênio Aditivo em 2005, possibilitando a
disponibilização de financiamento para os imóveis privados, o acréscimo de monumentos e
167
imóveis privados destacados a serem recuperados e a ampliação da Área de Projeto,
expandindo-se até a outra margem do Rio Paraguaçu para favorecer a cidade de São Félix (ver
mapa 03), possuidora de relevantes bens imóveis, mas historicamente excluída das políticas
de preservação do patrimônio material.
As mudanças empreendidas na proposta de intervenção se deram como reflexos decorrentes
do aumento da disponibilidade de aporte de recursos para o Programa e da compreensão pelos
órgãos executores de que o acervo patrimonial de Cachoeira ultrapassa os limites do centro
histórico, não sendo a amostragem selecionada anteriormente capaz de garantir a
representatividade do patrimônio tangível local e atender às demandas e carências
constatadas, o que poderia acarretar numa ameaça à consecução dos objetivos estipulados, a
saber: intensificação da utilização social, econômico e cultural da área de projeto tanto por
moradores quando por visitantes; preservação do patrimônio histórico e artístico urbano sob
proteção federal; e sensibilização da população acerca desse patrimônio e aperfeiçoamento da
sua gestão (BRASIL, 2004).
Pela nova proposta, ao invés de seis monumentos federais, seriam restaurados doze,
incluindo: a Casa da Moeda na Rua Ana Nery, nº 25; a Casa Natal de Anísio Teixeira, na Rua
Sete de Setembro, 34; Museu Regional do Recôncavo e sede do Escritório do IPHAN, na
Praça da Aclamação, 04; a sede da Fundação Hansen Bahia, na Rua Treze de Maio, 13;
imóveis na Rua Benjamin Constant, 17 e na Rua Ana Nery, nº02. Também foram alteradas
as propostas de intervenção no Conjunto do Carmo e na Igreja do Rosário, tendo em vista a
necessidade de restaurar também os bens artísticos integrado em estado precário de
conservação. Ampliou-se também o número de imóveis privados destacados
93
a serem
beneficiados com a inclusão do Cine Teatro, Conjuntos de Casas e de Sobrados da Santa Casa
de Misericórdia, imóvel na Praça da Aclamação - 02, Hotel Colombo e o Sobrado na
Avenida Salvador Pinto, em São Félix. Para tanto foram disponibilizado R$ 1.712.000,00
para as recuperações.
93
Os imóveis privados destacados possuem prioridade na concessão de financiamento não sendo submetido ao
processo de seleção por editais como os demais imóveis privados, e foram escolhidos pelo IPHAN a partir de
critérios como o valor histórico, artístico e importância socioeconômica.
168
Mapa 03: Áreas de Projeto e de Influência e a localização dos monumentos e imóveis privados destacados
Fonte: Projeto Cachoeira-BA. Revisão do Perfil do Projeto. Caderno Principal. Volume I.
169
Outro diferencial diz respeito à inclusão de Monumentos Estaduais e Municipais
94
- embora
as diretrizes do Programa estejam voltadas para a proteção dos monumentos sob tutela federal
- assim, passaram a compor o Perfil do Projeto a Igreja de Nossa Senhora do Monte, a Igreja
do Rosarinho e Cemitério dos Pretos
95
, Quarteirão Leite Alves e imóvel na Praça Manoel
Vitorino, 12. A inserção desses bens materiais não se justificaram exclusivamente pela
relevância arquitetônica ou caráter histórico, mas fundamentalmente pelo simbolismo para a
sociedade e/ou pela função social que assumiriam após as restaurações.
De acordo com a matriz de planejamento constante no projeto do Programa Monumenta para
Cachoeira, as ações de recuperação do patrimônio foram associadas a intervenções mais
abrangente de forma a cumprir o previsto nas diretrizes nacionais do programa e atender às
demandas detectadas na cidade. Entre as metas a serem alcançadas e os resultados esperados
sobressaem-se: recuperação dos monumentos até o ano de execução do programa;
patrimônio histórico revitalizado, 5 anos após a conclusão das obras; articulação dos órgãos
competentes pela preservação do patrimônio das três esferas governamentais em uma única
instituição; Fundo de Preservação superavitário após 02 anos de conclusão do Projeto;
promoção de campanhas de conscientização sobre o patrimônio local; incremento do fluxo
turístico; inclusão da cidade no PRODETUR e envolvimento da comunidade no processo
turístico; criação de um banco de dados sobre o patrimônio arquitetônico e terreiros de
candomblé; estímulo à implantação de universidades; disponibilização de linhas de créditos
para pequenos e médios investidores da Área de Projeto; assistência para elaboração do Plano
Diretor e estrutura de acompanhamento; e realização de oficinas profissionalizantes
(BRASIL, 2002 e 2004). Nos tópicos subsequentes, buscar-se-á analisar as atividades
executadas para contemplar os componentes do projeto, bem como identificar as ações
propostas no Perfil do Projeto que foram realmente efetivadas no decorrer desses quase oito
anos de execução do Monumenta em Cachoeira.
94
Os Monumentos Estaduais e Municipais são aqueles cujos proprietários são o Governo Estadual e a Prefeitura
Municipal, ficando aos seus encargos a responsabilidade pela conservação.
95
De acordo com o historiador cachoeirano Luiz Cláudio Nascimento, a Igreja do Rosarinho e o Cemitério dos
Pretos foram incluídos no Perfil do Projeto em função da reivindicação da comunidade negra, concretizada por
ele em um requerimento enviado à coordenação local do Programa ressaltando a importância de também
preservar os bens culturais materiais localizados nos espaços não ocupados pelos colonizadores, mas pelos
colonizados.
170
4.3 COMPONENTES DO PROGRAMA E AS RESPECTIVAS AÇÕES EXECUTADAS.
Comumente as ações de preservação ao patrimônio material em núcleos urbanos, a exemplo
do Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas (PCH) executado entre as
décadas de 1970 e 1980, processavam-se a partir de intervenções isoladas de recuperação das
estruturas físicas dos monumentos considerados como os mais representativos do conjunto
arquitetônico e, sem preocupações em assegurar uma utilização efetiva desses monumentos
ou desenvolver medidas auxiliares para sua dinamização e manutenção permanente,
resultando na necessidade de constantes investimentos públicos para suas conservações.
Evitando incorrer nas mesmas falhas, o Programa Monumenta procurou estabelecer em seu
plano operacional a definição de estratégias para a recuperação do patrimônio histórico
intercalada a ações que as tornassem sustentável e duradoura, além de viabilizar o
cumprimento da proposta de conjugar preservação com desenvolvimento econômico e social.
Essas estratégias foram agrupadas nos cinco componentes ou linhas de atuação do programa
no intuito de contemplar a restauração dos bens edificados juntamente com o fortalecimento
dos executores públicos e a promoção de atividades sociais, econômicas, culturais e
educacionais, concebidas como ações complementares para garantir a sustentabilidade dos
projetos de intervenção.
Os componentes seguem diretrizes nacionais estabelecidas no Regulamento Operativo, no
entanto a definição das prioridades para as cidades beneficiadas buscam se adequar às
especificidades e principais carências apresentadas. Cada Perfil de Projeto elaborado
apresenta um quadro com a enumeração das ações a serem realizadas em todos os
componentes e os seus respectivos custos. No Perfil de Projeto de Cachoeira, dentre as
atividades relacionadas por componente, destacam-se as seguintes propostas:
- Investimentos integrados por Área de Projeto: conservação de monumentos nacionais,
estaduais, municipais e imóveis privados; melhoria de logradouros; e instalação subterrânea
das fiações e pequenos reparos em infraestrutura;
- Fortalecimento institucional: criar leis municipais de preservação do patrimônio cultural e
ordenamento do uso do solo; elaborar do Plano Diretor; capacitar gestores públicos; implantar
gestão participativa; equipar com recursos materiais e humanos os escritórios locais do
171
IPHAN, IPAC e secretarias municipais de Urbanismo e Cultura e Turismo; e realizar
inventário de bens móveis e imóveis;
- Promoção de atividades econômicas: realização de seminário para capacitação de
investidores privados e orientar os proprietários a otimizar o uso dos imóveis; realização de
feiras e eventos anuais; disponibilização de linhas de crédito compatíveis com a realidade
local; e implantação de transportes hidroviários e ferroviários regulares de passageiros;
- Treinamento de artífices e agentes locais de cultura e turismo: realização de cursos de
capacitação profissional de agentes de turismo, formação de agentes patrimoniais e técnicos
especializados em restauração; e promoção de cursos de manutenção preventiva para usuários
e/ou proprietários de bens móveis e imóveis;
- Programas educativos: promover campanha de divulgação e informação sobre o patrimônio
cultural local, realizar de amplas campanhas de Educação Ambiental e de resgate da cidadania
no município; equipar escolas com recursos materiais e humanos para o desenvolvimento de
programas de Educação Patrimonial e Ambiental; e publicar de livros, catálogos e vídeos
(BRASIL, 2004).
Porém, das inúmeras proposições elencadas para a cidade de Cachoeira, até o momento,
somente uma parte delas foi concretizada, com uma nítida concentração de esforços e
recursos na execução do componente relativo à recuperação dos monumentos e imóveis
públicos e privados considerado como o eixo basilar do programa, cujas análises serão
realizadas em subtópicos específicos por se tratarem de ações mais expressivas e que
demandam uma abordagem mais abrangente.
Dentre as atividades de fortalecimento institucional, apenas o Plano Diretor Urbano foi
criado, todavia, sua elaboração não se inscreve necessariamente no rol de ações do programa,
pois não houve uma interferência direta e sua sanção, ocorrida em outubro de 2006, se deu em
meio a um conturbado processo por conta da proximidade do prazo limite para a aprovação do
plano estabelecido pelo Estatuto da Cidade (como mencionado no capítulo anterior).
Almejando agregar a preservação e gestão do patrimônio cultural com a política urbana, o
Monumenta colabora e custeia a elaboração de Plano Diretor Participativo
96
para algumas
96
Em 2003 o MinC, o IPHAN, os Ministérios da Cidade e do Meio Ambiente firmaram um termo de cooperação
técnica para implementar os Planos Diretores em 82 cidades históricas do país.
172
cidades históricas incluídas ou não no programa que demonstrarem interesse nesse tipo de
auxílio, (BRASIL, 2005b). Mas, ao contrário de Nazaré e Santo Amaro, na Bahia, e outras 25
cidades dispersas pelo Brasil, Cachoeira não fez uso desse benefício.
Conforme Eduardo Fucs
97
, as ações desenvolvidas para contemplar os componentes de
promoção de atividades econômicas e capacitação de artífices e agentes de cultura e turismo
tiveram execução direta pela instância federal que, através de editais lançados pela UNESCO,
selecionou e custeou alguns projetos. Em 2005, concorreram aos editais e receberam
financiamentos os subsequentes projetos de formação e capacitação profissionalizantes:
cursos de formação e requalificação de mão-de-obra em carpintaria, estucaria, cantaria e
ferraria; oficina-escola de marcenaria e pintura artística no distrito de Belém de Cachoeira
promovida pela Associação de Produtores e Moradores de Belém (ASPROMOB); e cursos de
formação de guias turísticos e promotores culturais pela Fundação Casa Paulo Dias Adorno.
Dos profissionais formados através dos cursos promovidos no bojo do programa, os que
receberam qualificação em atividades concernentes a restauro e conservação foram os que
tiveram maiores oportunidades de atuação e contratação em função da escassez de mão-de-
obra especializada na região e da grande demanda em decorrência da realização das obras nos
monumentos e imóveis públicos e privados. Já para os agentes culturais e turísticos a situação
não é tão favorável. Segundo o coordenador do curso, Marcelino Gomes
98
, são grandes as
dificuldades de inserção desses profissionais no setor, assim, dos 52 alunos formados, após
um curso de 6 meses em 2005, praticamente nenhum atua de maneira efetiva, são apenas
convidados, esporadicamente, para a prestação de pequenos serviços.
No que tange à promoção de atividades econômicas, em 2008 - através do edital para auxílio
técnico e financeiro para projetos nas áreas de elaboração e implementação de roteiros
turísticos e fortalecimento de atividades culturais e produtivas tradicionais o Monumenta
apoiou a pesquisa sobre novos roteiros histórico-culturais para o Recôncavo Baiano e a
posterior publicação dos resultados em um livro. Fruto de projeto desenvolvido pela UFRB e
Universidade de Salvador (UNIFACS) e coordenado pelas pesquisadoras Lúcia Aquino de
Queiroz e Regina Celeste Souza, o livro sugere a implantação de roteiros turísticos integrados
entre os municípios de Cachoeira, Santo Amaro e Maragogipe fundamentados nas
97
Engenheiro UEP (Unidade Executora de Projetos) responsável pela execução do Programa Monumenta em
Cachoeira. Informações concedidas através de entrevista não presencial.
98
Entrevista realizada em 23/03/2010.
173
potencialidades culturais, naturais e do patrimônio histórico-cultural, propõe a inclusão das
comunidades locais no processo e execução de projetos possíveis e necessários para os
municípios e, por fim, apresenta linhas de ação estruturantes para o desenvolvimento turístico
na região.
No que diz respeito ao componente de programas educativos sobre o patrimônio, as ações
desempenhadas se restringem à publicação, em 2008, do livro bilíngue “O Conjunto do
Carmo de Cachoeira” e algumas ações empreendidas pelo IPAC em 2009. O livro, publicado
com a intenção de difundir o patrimônio local, em especial, os monumentos e acervos mais
importantes da cidade concentrados nesse conjunto, aborda a história de formação da cidade e
da construção do Conjunto do Carmo, as contínuas intervenções e reparos para sua
manutenção, os problemas de gestão, enfatiza o processo de restauração e recuperação
promovido pelo Monumenta na Igreja da Ordem Primeira e na Igreja e Casa de Oração da
Ordem Terceira que integram o conjunto e destaca, ainda, os novos usos propostos após as
intervenções. Porém, não houve um lançamento na cidade e poucas pessoas sabem da sua
existência.
Já as ações de Educação Patrimonial postas em prática pelo IPAC abarcaram os municípios de
Cachoeira e São Félix e desdobraram-se em oficinas de conservação em papel voltadas para
avaliação de documentos, diagnóstico, correção de imperfeições e técnicas de
armazenamento, além de mostras sobre as manifestações culturais dos municípios e
exposições fotográficas, a exemplo da “Duas paisagens – uma troca de olhares”, formada por
cerca de 70 painéis com imagens de bens materiais e imateriais de Cachoeira e São lix
expostos na Ponte D. Pedro II, na galeria do IPAC em Cachoeira e na Casa Américo Simas
em São Félix, com o objetivo de fazer com que “uma cidade olhasse a outra” e refletissem
sobre seus aspectos semelhantes e diferentes, induzindo a uma valorização mútua e
estabelecimento de parcerias na preservação cultural.
A despeito da importância dos programas educativos para despertar na comunidade a
apropriação, conhecimento e valorização do patrimônio cultural, facilitando a propalada
preservação sustentável, esse não é um dos componentes privilegiado como uma das vertentes
principais de atuação do Monumenta, tendo em vista a limitação das ações nesse sentido. A
indução à prática da Educação Patrimonial, como uma das possibilidades de execução do
componente, poderia se constituir num instrumento privilegiado para a compreensão e
aproximação dos cachoeiranos dos bens culturais edificados, passando a considerá-los
174
elementos integrantes do seu espaço de vivência, contribuindo, assim, para o
compartilhamento de responsabilidades com a sua preservação, pois, como esclarece o Guia
Básico de Educação Patrimonial elaborado pelo IPHAN:
Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional
centrado no patrimônio cultural como fonte primária de conhecimento
individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as
evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos,
sentidos e significados, o trabalho de Educação Patrimonial busca levar as
crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e
valorização de sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto
desses bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos,
num processo contínuo de criação cultural (HORTA,1999, p. 06).
Justamente por ponderarem a relevância do desenvolvimento de uma prática de Educação
Patrimonial para Cachoeira é que fora do âmbito do Monumenta algumas significativas ações
vêm sendo empreendidas, tanto por órgãos públicos quanto por organizações da sociedade
civil, a título de exemplificação podem ser citadas: a publicação da cartilha “Cachoeira:
vivências e compreensões do patrimônio cultural”, elaborada pelo escritório local do IPHAN
e publicada em 2007 no bojo das comemorações de 70 anos do Instituto, e que constitui-se
num instrumento pedagógico para a compreensão do patrimônio histórico e cultural
cachoeirano, que traz entrevistas com personalidades populares detentoras de informações
privilegiadas sobre a cidade e breves históricos dos 25 bens culturais materiais e imateriais
mais citados nos depoimentos dos entrevistados, buscando contemplar os mais expressivos
para a memória e identidade coletiva local; as iniciativas da Secretaria Municipal de
Educação, em parceria com o IPHAN, de capacitação de professores e a mida introdução da
Educação Patrimonial nos currículos das escolas públicas municipais em 2008, sendo
trabalhada de forma interdisciplinar no Ensino Fundamental I e como disciplina para as séries
finais do Ensino Fundamental II.
Somam-se ainda a essas ões dos órgãos públicos, os projetos educacionais executados pela
ONG Raízes do Recôncavo, um centro de estudos coordenado por Rita Santana e que sete
anos trabalha com jovens de escolas públicas, buscando despertá-los para o conhecimento e
valorização dos patrimônios. Dentre os projetos sobressaem: a criação de um arquivo de
pesquisa sobre Cachoeira e o Recôncavo; a formação de repórteres mirins para cobertura dos
175
principais eventos culturais da cidade; o programa de rádio diário “Será que você sabe?”, no
qual alunos e coordenadores apresentam informações sobre os aspectos culturais e históricos
da cidade; e o projeto Novos Olhares, realizado com o apoio da empresa Votorantim, que
envolve cerca de 90 alunos das redes públicas de ensino dos municípios de Cachoeira, o
Félix e Maragogipe em oficinas de redação de roteiro, captura e edição de imagens, cujo
resultado final contabiliza a produção de 15 minidocumentários sobre religiosidade,
patrimônio edificado e natural, artesanato e culinária desses três municípios
99
.
Embora sejam proeminentes, apenas as iniciativas acima e projetos executados isoladamente
não são capazes de suprir as históricas carências em termos de esclarecimentos e elevação da
conscientização dos cachoeiranos no que se refere ao patrimônio histórico-cultural local,
torna-se imprescindível o desenvolvimento de mecanismos mais ampliados e incisivos,
inclusive com uma articulação mais enfática e permanente com as políticas de educação.
4.3.1 Recuperação de monumentos e imóveis públicos
Entre os anos de 2002 a 2010, das dezesseis propostas de intervenção nos monumentos
públicos, selecionadas para serem incorporadas ao Perfil do Projeto visando à restauração dos
seus elementos arquitetônicos e estabilização das estruturas, quatorze foram executadas,
juntamente com a requalificação urbana de alguns logradouros e a recuperação dos bens
artísticos integrados da Igreja da Matriz do Rosário, ainda em operação (ver quadro 02). A
realização dessas intervenções demandou a aplicação de vultosos investimentos dos Governos
Federal (70%) e Estadual (30%), orçados em aproximadamente R$ 24.000.000,00, com a
previsão de ao final do Programa alcançar a soma de R$ 36.000.000,00 investidos na
recuperação do patrimônio e em atividades relativas aos componentes do programa,
contrastando com os orçamentos iniciais para execução do projeto estipulados em R$
7.978.012,53 e tornando Cachoeira a cidade brasileira a receber o maior aporte de recursos do
Programa Monumenta.
99
Informações concedidas por Rita Santana em entrevista realizada em 24/03/2010.
176
Item Obras concluídas e em execução Valor (R$) Conclusão
01 Capela de Nossa Senhora da Ajuda 135.901,97 Nov/2002
02 Casa de Câmara e Cadeia 400.551,92 Jul/2004
03 Casa Natal de Ana Nery – Rua Ana Nery, nº 07 183.251,67 Jul/2004
04 Conjunto do Carmo- Ordem Primeira 1.918.787,71 Ago/2006
05 Conjunto do Carmo- Ordem Terceira e Casa de Oração
2.521.566,85 Ago/2006
06 Igreja do Rosarinho e Cemitério dos Pretos 436.188,22 Ago/2006
07 Imóvel à Rua Benjamin Constant, nº 17 258.178,68 Dez/2006
08
Casa Natal de Teixeira de Freitas - Rua Sete de
Setembro, nº 34
278.504,91 Dez/2006
09 Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário 1.553.745,40 Fev/2007
10 Imóvel à Rua Ana Nery, nº 02 367.651,66 Ago/2007
11 Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Monte 1.001.123,42 Ago/2008
12 Requalificação urbana de logradouros 2.228.201,47 Ago/2008
13 Imóvel na Rua Treze de Maio, nº 13 992.134,77 Set/2008
14 Quarteirão Leite Alves 7.961.587,05 Mai/2009
15 Imóvel na Praça Manoel Vitorino, nº 12 1.149.546,90 Mar/2010
16 Bens artísticos incorporados à Igreja Matriz do Rosário 956.732,84 Em execução
Valores totais investidos até maio de 2010.
23.665.296, 31
Quadro 02: Intervenções em monumentos e logradouros executadas na cidade de Cachoeira pelo
Programa Monumenta entre os anos de 2002 a 2010.
Fonte: Unidade Executora do Projeto (UEP), Cachoeira-BA.
A grande aposta do Monumenta para assegurar a recuperação sustentável do patrimônio é
estimular o uso social ou econômico dos bens recuperados, inclusive com a refuncionalização
de alguns de modo a cumprirem uma função social, justificando, assim, o considerável
volume de recursos públicos investidos. A propósito dessa atribuição de uma funcionalidade
socioeconômica aos monumentos, Castro (2009, p. 25) salienta:
Teoricamente pretende-se transformar a concepção de “redoma de vidro”
atribuída ao patrimônio cultural material tombado, e associar a sua
necessidade premente de conservação a uma funcionalidade supostamente
sustentável. Busca-se assim fugir da patrimonialização museificante e
petrificadora e estimular o uso de edificações históricas de forma racional,
para que futuramente os altos investimentos na recuperação sejam pagos
com o retorno social e econômico através do uso misto dos imóveis.
177
Com o intuito de incitar o uso dos bens materiais, inserindo-os no cotidiano da população e
tornando-os sustentáveis, os estudos de viabilidades econômicas realizados estipularam para
os monumentos que possuíam uma utilização social pelos cachoeiranos, a exemplo das
Igrejas, a geração de receitas financeiras como estratégia para garantir sua manutenção, com
recursos advindos da concessão de uso de espaços públicos para exploração privada e
cobrança pela visitação por serem locais de interesse turístico.
No Conjunto do Carmo já existia a prática de cobrar a quantia módica de R$3,00 aos turistas e
R$ 1,00 aos estudantes para apreciarem o seu ornamento interno e raras obras religiosas que
compõem o embrião do Museu de Arte Sacra do Recôncavo e de locação do espaço interno
para a realização de eventos. Porém, após as suas restaurações essas atividades foram
intensificadas e os valores arrecadados revertidos para a sua manutenção básica.
Recentemente a administração da Igreja D’Ajuda também resolveu aderir à cobrança da taxa
de R$2,00 para visitação interna e, assim, em vez de só abrir suas portas nos dias e horários de
realização de missas, a Igreja se mantém disponível para visitação do público todas as
manhãs, além de ser uma tentativa de geração de renda para auxiliar na conservação das suas
estruturas que já apresentam indícios de desgaste pela falta de reparos.
Figura 14: Fachada da Ordem Terceira Figura 15: Interior da Igreja da Ordem
do Carmo e Casa de Oração. Terceira.
Fonte: Arquivo pessoal de Jomar Lima
Para os monumentos e imóveis públicos que apresentavam estrutura subutilizada foram
sugeridas novas funcionalidades. para as formas arruinadas que representavam uma
rugosidade no espaço urbano foram atribuídas, após as obras de recuperação, funções sociais
178
e culturais direcionadas a suprir demandas locais. De uma maneira ou de outra o desígnio
eram dinamizar os usos desses bens materiais, valorizar o patrimônio local, aproveitar seus
potenciais para incremento do turismo e, concomitantemente, fortalecer a tentativa de
reabilitação e sustentação da área. Entretanto, nem sempre as propostas indicadas foram
realmente implementadas ou os seus usos não correspondem às sugestões previstas no
projeto.
Visando um melhor aproveitamento da Casa Natal de Ana Nery e do imóvel na Rua Ana
Nery, 2, foram pensadas a implantação de atividades com finalidades turísticas,
respectivamente, seriam instalados um memorial em homenagem a Ana Nery e um receptivo
turístico, no entanto, as propostas não foram efetivadas e, hoje, os prédios abrigam órgãos
públicos e a extensão de uma instituição de ensino superior privada, ou seja, não se cumpriu o
estabelecido, mas os imóveis possuem usos que garantem a sua manutenção. Outros casos são
mais preocupantes, a exemplo do imóvel na Rua Benjamin Constant, nº 17, que após a
retirada do Arquivo Público Municipal ficou em completo desuso, e da Casa Natal de Teixeira
de Freitas que passou a abrigar o referido arquivo, porém não desempenha plenamente uma
função social, visto que o arquivo se mantém fechado para visitação pública, desde 2007, por
falta de organização e catalogação do acervo, o que vem sendo realizado a passos lentos pela
Fundação Pedro Calmon que firmou um termo de convênio com a Prefeitura Municipal para
gestão do arquivo a fim de promover sua estruturação e a preservação dos documentos.
Para a Igreja do Rosarinho, há alguns anos sem nenhuma utilização em decorrência do
precário estado de conservação e completo abandono, sugeriu-se a reativação da prática
religiosa e a implantação de um Centro Cultural e Comunitário atribuindo uma utilização ao
prédio da Igreja e ao salão em anexo, porém apenas a função religiosa foi efetivada. Embora
tenham ocorrido algumas tentativas de implantação do centro com a promoção de cursos de
corte e costura e realização de atividades culturais, a exemplo de aulas de capoeira e ensaios
de afoxés, não houve um grande envolvimento da comunidade local, situação agravada com a
desativação da associação do bairro.
179
05
Figura 16: Igreja do Rosarinho, antes da Figura 17: Igreja do Rosarinho, após as
recuperação. intervenções.
Fonte: Projeto Cachoeira-BA. Revisão do Perfil do
Projeto. Caderno Principal. Volume I.
Segundo alguns moradores do Alto do Rosarinho, ouvidos durante a pesquisa de campo, a
reforma da igreja e do Cemitério dos Nagôs (anexo à igreja) foi muito significativa por serem
referências para a população negra, mas reclamam que não houve orientações para a
população sobre a importância de preservá-los e medidas para estimular a participação nas
atividades do centro. Eles consideram também que falta assistência para as suas conservações
por, diferentemente das outras igrejas restauradas, não existirem funcionários responsáveis
pela limpeza da Igreja do Rosarinho que abre em dia de missa e por não terem ocorrido
ações de manutenção na igreja e no cemitério que padecem com problemas de pequenas
infiltrações, estrago da pintura e ações de vandalismo, fatores que representam riscos à
preservação desses bens.
Essas não são questões restritas à Igreja do Rosarinho, Jomar Lima
100
ratifica a existência de
problemas decorrentes da falta de manutenção também nas igrejas da Matriz e D’ Ajuda e
afirma que o Conjunto do Carmo, mesmo com a cobrança de taxas para visitação, não
consegue ser autossustentável em virtude do fluxo turístico em Cachoeira ainda ser pequeno,
portanto, apenas o pagamento de ingressos não gera subsídios capazes de manter um
empreendimento dispendioso como o Carmo, tornando-se premente a articulação da prefeitura
e instituições competentes para se pensar em atividades e ações que mudem essa realidade.
Em sua concepção, faltou uma regulamentação contratual entre o Programa Monumenta e os
responsáveis pelos monumentos restaurados para a efetivação das propostas e definição de
100
Administrador, graduando em Museologia pela UFRB, fotógrafo, fundador da ONG Instituto Preservar e foi
por 16 anos administrador do Conjunto do Carmo de Cachoeira. Entrevista realizada em 28/03/2010
180
contrapartidas, não em dinheiro, mas com compromissos firmados, pequenas manutenções e
apresentação de relatórios anuais. Jomar Lima cita, a título de exemplificação, o caso do
Conjunto do Carmo:
A intenção era fazer na Ordem 1ª do Carmo uma biblioteca pública, tive que
contestar por mais de um ano que não tinha lógica fazer uma biblioteca ali e
apresentei o projeto de fazer o Museu de Arte Sacra que foi aceito, mas não
foi amarrado nada com a instituição, não contrato para definir essa
responsabilidade. As Ordens e 3ª do Carmo receberam um dos maiores
investimentos do estado da Bahia e o que foi feito para amarrar isso? Nada.
As apreensões com a situação do patrimônio recuperado também se reproduzem nos meios de
comunicação, expressas, por exemplo, na reportagem do Jornal Reverso publicada em agosto
de 2008, que alerta para o fato de alguns imóveis públicos e privados recuperados pelo
programa apresentarem vestígios de desgastes provocados pela ação do tempo e ausências de
intervenções preventivas como pequenos reparos no telhado e pintura, possíveis de serem
feitos no dia-a-dia e bem menos dispendiosos que a conservação corretiva (COSTA e
BRAGA, 2008). Diante do exposto, depreende-se que nem sempre os usos estipulados
asseguram a total sustentabilidade dos bens edificados de forma a garantir sua conservação,
assim, as expectativas de autossustentação do patrimônio em Cachoeira encontram-se
ameaçadas ante essas fragilidades.
A despeito de toda essa problemática, Jurema Machado
101
avalia que é em Cachoeira que se
encontra um dos “maiores ganhos” nacionais do Programa Monumenta, referindo-se à
implantação do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do
Recôncavo Baiano (UFRB) na cidade, concebida como uma estratégia para utilização de
alguns bens do patrimônio arquitetônico em estado de arruinamento e, sobretudo, para
qualificar e reativar a vitalidade socioeconômica de Cachoeira.
O Quarteirão Leite Alves - antiga sede de uma das fábricas de charuto que mais contribuiu
para a dinamização da economia local no final do século XIX, servindo suas estruturas
arruinadas nos últimos anos como canteiro de obras municipal - foi o imóvel selecionado para
receber as instalações centrais da UFRB em Cachoeira, demandando a sua recuperação e
101
Pronunciamento realizado na Conferência “Avaliação do Programa Monumenta” ocorrida no dia 15 de
dezembro de 2009, durante o I Fórum do Patrimônio Cultural em Ouro Preto-MG.
181
transformação de ruínas em uma moderna estrutura adequada para abrigar a nova
funcionalidade o investimento de R$ 7.961.587,05, um valor maior que os aplicados pelo
programa, por exemplo, nas cidades de Natividade-TO (R$ 5.600.000,00), Diamantina-MG
(R$ 6.100.000,00) e Laranjeiras- SE (R$ 7. 000.000,00), onde também a recuperação do
patrimônio foi associada à instalação de uma universidade federal.
Após quase três anos de atraso nas obras provocado pela falência da primeira construtora
responsável pela restauração do Quarteirão Leite Alves e a abertura de um novo processo de
licitação, o prédio da UFRB foi inaugurado em 25/05/2009, contando com a presença do
Presidente Lula, o Presidente do Senegal, quatro ministros de Estado, o representante do BID
no Brasil, o Presidente do IPHAN Luiz Fernando de Almeida, o Governador da Bahia Jacques
Wagner e diversas outras autoridades políticas das três instâncias governamentais. A
implantação do campus avançado da UFRB, composto atualmente por 8 cursos de graduação,
1 de pós-graduação e 1.200 discentes, representa um proeminente passo para a retomada do
desenvolvimento em Cachoeira, ao propiciar: uma dinamização social, econômica e cultural;
contribuir para a democratização e acesso da população ao ensino superior; possuir potencial
de atração de empreendimentos e serviços para atender as novas necessidades requeridas pelo
aumento do fluxo de pessoas e especificamente pela comunidade acadêmica; criar
oportunidades de melhoria das condições de vida local, auxiliar na circulação de recursos e
geração de renda; e, consequentemente, viabilizar a contínua conservação do patrimônio
arquitetônico, dentre outros aspectos.
Figura 18: Quarteirão Leite Alves, antes das Figura 19: Quarteirão Leite Alves,
após a
reformas recuperação
Fonte: Projeto Cachoeira-BA. Revisão do Perfil do
Projeto. Caderno Principal. Volume I.
182
Conforme explica Xavier Vatin
102
, diretor do campus da UFRB em Cachoeira, a implantação
da universidade é uma reivindicação popular das comunidades do Recôncavo de quase dois
séculos e, obviamente, uma postura política do governo para expansão do ensino superior
federal em uma região que apresenta uma dupla característica, de um lado uma riqueza
cultural e artística sem igual no Brasil e, em contrapartida, é também uma das regiões mais
afetadas do ponto de vista socioeconômico. O diretor afirma que ao se iniciar uma
universidade como a UFRB, são grandes as responsabilidades em corresponder às seculares
expectativas, e pressupõe que em um prazo de dez anos já será possível constatar um impacto
positivo na estrutura política da cidade e sobre a proposta de reformulação urbana com uma
melhor utilização do patrimônio.
Para Vatin, a universidade, que enfrenta uma série de percalços por conta da carência de
imóveis e áreas disponíveis para abrigar suas estruturas e corpo docente e discente, ainda tem
pela frente os desafios de: continuar a buscar alternativas que permitam sua expansão na
malha urbana da cidade que apresenta uma série de restrições por ser tombada; auxiliar na
complexa gestão do patrimônio local; contribuir para a conscientização da população no
sentido de ressaltar a riqueza do patrimônio material e imaterial, minimizar os conflitos com o
IPHAN pela impossibilidade de modificação em suas residências e fazê-la perceber que a
preservação do patrimônio pode trazer muito mais benefícios que prejuízos como já ocorre em
Ouro Preto-MG, e, essencialmente, trazer a comunidade cachoeirana para dentro da
universidade de modo que “a população de Cachoeira enxergue a universidade federal como
possibilidade real e não como um sonho distante. O que não é simples.”
As expectativas de parte da população local sobre a instalação da universidade e as
possibilidades de melhorias para Cachoeira são realmente enormes e não se restringem apenas
à dinamização da economia local, circundam a elevação do nível de conhecimento dos
habitantes da região associado ao despertar da criticidade, da cidadania e luta pelos direitos
sociais e, se expressam, ainda, no fato dos moradores do Rosarinho terem mencionado no
trabalho de campo o prédio da UFRB como o quarto monumento mais importante ou que
melhor representa a cidade atualmente. O depoimento da Srª Cleonice dos Santos
103
evidência
essa expectativa da população em relação à UFRB:
102
Entrevista realizada em 05/04/2010.
103
Dona de casa, aposentada e integrante do Samba de Roda Suerdieck. Entrevista realizada em 01/04/2010.
183
Foi uma coisa muito boa o que eles fizeram na cidade. Aquele prédio onde é
a universidade tava abandonado quantos anos? Muitos. E agora, aí, uma
universidade em Cachoeira, o que levanta a cidade. [...] De tudo o que o
Monumenta reformou, o que eu mais gostei foi a universidade, porque ali é o
futuro das crianças e de quem quer chegar mais alto.
Em contraposição, outra parcela dos cachoeiranos não descredencia a instalação da
universidade em Cachoeira e seus aspectos positivos, mas concebe que a cidade não foi
preparada para receber a implantação da UFRB e as transformações na dinâmica local.
Transformações essas confirmadas na pesquisa “Reestruturação urbana no município de
Cachoeira a partir da instalação da UFRB” desenvolvida pela UFBA entre os anos de 2007 e
2009 sob a coordenação do pesquisador Wendel Henrique. O estudo aponta que a implantação
da universidade articulada com a execução do Monumenta e desenvolvimento do programa de
turismo étnico são fatores desencadeadores da modificação da estrutura urbana e do cotidiano
da cidade através da introdução de novos tempos e temporalidades com a vinda de
professores, estudantes e funcionários, com a alteração das organizações sociais, com o
surgimento de atividades comerciais e de serviços para atender as necessidades dos novos
moradores rompendo com o predomínio de atividades “tradicionais” relacionadas ao rural.
Segundo os resultados da referida pesquisa, essas novas dinâmicas proporcionaram a
recuperação de alguns setores e a melhoria das condições socioeconômicas de parte da
população e da infraestrutura de determinadas área; mas, por outro lado, vem promovendo
mudanças significativas no cotidiano como a elevação do custo de vida e aquecimento do
mercado imobiliário. Prevê, ainda, que, caso essas ações e programas permaneçam
dissociados da realidade de muitos moradores, poderá acentuar a exclusão das classes menos
privilegiadas economicamente desse processo de desenvolvimento da cidade (HENRIQUE,
2009).
Para que essa situação não continue a ser reproduzida ou ao menos que os problemas
evidenciados sejam mitigados, é indispensável mais uma vez articulação entre os Poderes
Públicos e a sociedade civil para a elaboração de estratégias e planejamentos coerentes e
capazes de conduzir a uma sociabilização da provável renda advinda com o novo dinamismo
econômico, bem como a difusão de melhorias infraestruturais por todo o espaço urbano e não
somente em alguns espaços privilegiados.
184
São também aspectos fundamentais a mobilização dos órgãos públicos no sentido de preparar
a sociedade para se inserir na cadeia produtiva e tirar proveito dos benefícios provenientes
desse novo ciclo vivido pela cidade e a aproximação da comunidade acadêmica, e da
universidade como um todo, do cotidiano dos moradores, rompendo com o estigma
sustentado por alguns de que a UFRB é para “os de fora”, posto que a maior parte dos
discentes e docentes é proveniente de outros municípios, principalmente de Salvador.
Assim como o Quarteirão Leite Alves, outro imóvel que se encontrava em estado de ruínas e
sofreu uma refuncionalização foi o da Praça Manoel Vitorino, 12. Antes utilizado como
depósito de materiais de construção, passou a abrigar parte do acervo artístico da Fundação
Hansen Bahia, que sua antiga sede provisória na Rua Treze de Maio 13, cedida pelo
Governo Estadual em regime de comodato, foi adaptada durante as reformas para sediar parte
das instalações da UFRB. Vale salientar que a ocupação da propriedade localizada anexa ao
Quarteirão Leite Alves pelo Centro Cultural Hansen Bahia coaduna-se com a proposição da
população de instalação de um centro cultural no imóvel realizada durante o seminário
promovido por Aloísio Magalhães em 1982 e só atendida agora vinte e oito anos depois.
Além da recuperação de monumentos e imóveis, integram os investimentos em áreas e bens
públicos a requalificação de logradouros urbanos. As intervenções realizadas ocorreram
basicamente nos logradouros situados na orla fluvial de Cachoeira, contemplando a Rua do
Cais, Praça Manoel Vitorino, Praça Ubaldino de Assis, Praça Ivone Beça Ramos e Praça
Teixeira de Freitas, onde foram realizadas melhorias com a recuperação da pavimentação de
ruas e calçadas, paisagismo, iluminação e mobiliário urbano (bancos, lixeiras e telefones
públicos).
Para os logradouros não foram estipulados uma adaptação de suas funcionalidades ou
produção direta de rendimentos, as propostas de intervenções referem-se apenas à
qualificação dos espaços existentes e o estímulo as suas utilizações como áreas de lazer,
cabendo à iniciativa privada complementar as opções de entretenimento. Na perspectiva de
criar uma orla fluvial multifuncional foram melhorados os equipamentos das praças e quadra
de esporte e construído um calçadão visando incitar a circulação de moradores e turistas e a
apreciação paisagística do rio Paraguaçu e edificações do entorno.
185
4.3.2 Financiamento para a recuperação de imóveis privados
Com o objetivo de atender as necessidades de recuperação do patrimônio local e à
recomposição dos aspectos históricos, artísticos e cênicos dos imóveis localizados na Área de
Projeto (BRASIL, 2004), no ano de 2004, com a reestruturação do programa, as propriedades
privadas passaram a integrar a lista de intervenções do Monumenta, graças ao convênio de
financiamento firmado entre o Ministério da Cultura e a Caixa Econômica Federal. Essa linha
de crédito para os imóveis privados foi concebida ainda como uma estratégia para viabilizar
ações mais integrais de reabilitação dos centros históricos, fundamentada na compreensão de
que só as intervenções nos monumentos públicos não seriam suficientes para atingir tal
desígnio.
É um instrumento inovador que conseguiu dar resposta a uma demanda
evidente: uma cidade era tombada, se estabelecia um direito público sobre o
privado, mas, inexistiam formas de apoio e incentivo a preservação dos
imóveis privados. O nosso desafio, hoje, é estender esse financiamento a
todas as cidades históricas do Brasil (ALMEIDA, 2009, p. 01).
A concessão do empréstimo para pessoas físicas ou jurídicas de direito privado segue uma
modalidade de financiamento especial, ou seja, juros zero, início do pagamento das parcelas
seis meses após o término das obras e prazos para saldar a dívida de 10 anos para imóveis
estritamente comerciais, 15 anos para imóveis habitacionais e/ou mistos e 20 anos para
imóveis dos proponentes com baixa renda familiar. Os proprietários poderiam recorrer ao
empréstimo para a realização de obras de recuperação de fachadas e coberturas, consolidação
estrutural, melhoria das instalações elétricas, demolição de acréscimos que descaracterizassem
a edificação, e para os proponentes cuja renda familiar não excedesse três salários mínimos,
permitiu-se reformas internas visando o ajustamento a legislação sanitária brasileira e a
adaptação do imóvel para geração de renda.
Em Cachoeira, o processo de seleção dos imóveis privados para recuperação com apoio
financeiro do Monumenta começou a ocorrer em setembro de 2005, mediante o lançamento
pelo Governo Estadual, através do IPAC, do edital público nº 001/05, e foi encerrado em abril
de 2006, disponibilizando ao todo o valor de R$ 3.833.983,00 para reforma dos imóveis
escolhidos via edital. As divulgações da seleção se deram por meio de reuniões, distribuição
186
de cartilhas explicativas e publicações no site do programa; mas, segundo os entrevistados,
contrariamente ao esperado, a procura pela concessão do empréstimo não atraiu, a princípio,
muitos candidatos, gerando preocupações na coordenação da UEP local com a possível
inviabilização do processo por falta de participantes. A alternativa encontrada para convocar
os proprietários passíveis de se candidatarem foi intensificar a divulgação utilizando
propaganda em carros de som volante, assim, somente nos últimos dois dias para o
encerramento das inscrições houve um aumento do número de interessados.
De acordo com as informações obtidas, podem ser apontadas como possíveis justificativas
para a ocorrência dessa situação: a excessiva burocracia a ser cumprida; os equívocos
alimentados de que o financiamento era apenas para pessoas com alto poder aquisitivo; os
receios de perda da propriedade do imóvel, que os empréstimos com valores acima de R$
20 mil requereriam a sua hipoteca como garantia; as dificuldades de esclarecimentos, pois,
para alguns, a linguagem demasiadamente técnica utilizada, tanto no edital quando nas
reuniões presididas por representantes da Caixa Econômica, IPAC e Monumenta, não
facilitava a compreensão das condições de participação e funcionamento do processo; e
desconhecimento da possibilidade de auxílio técnico pela UEP local para elaboração da
proposta.
A primeira exigência para participar da seleção concernia ao envio pelos interessados de uma
proposta com a descrição do estado de conservação, a situação fundiária e usos do imóvel,
bem como os custos das intervenções e o valor de contrapartida oferecido. Tais propostas
foram avaliadas por uma comissão formada por membros da Unidade Executora do Projeto
(UEP) local, IPAC, IPHAN e Caixa Econômica a partir dos critérios: relevância histórica do
imóvel; estado de conservação; renda familiar, não podendo comprometer mais de 30%; e
percentual de contrapartida com recursos próprios.
Após aprovadas as propostas prosseguiram, por ordem de classificação, para os trâmites
legais de concessão do empréstimo pela Caixa Econômica, agente financiador do programa,
sendo requeridos a apresentação de documentos comprobatórios da propriedade do imóvel,
renda familiar e capacidade de pagamento, além da proposta de intervenção, com os valores e
cronograma de execução das obras. É no cumprimento dessa etapa e no relacionamento com a
Caixa Econômica para liberação das parcelas do financiamento que se concentram as mais
incisivas críticas dos proprietários dos imóveis em relação ao processo de seleção e concessão
do empréstimo pelo programa. Diversos selecionados alegaram ser excessiva a burocracia
187
requerida e muito dispendioso e desgastante atender às rigorosas exigências feitas pelo banco,
levando alguns a abdicarem do financiamento.
Ao traçar o panorama do processo de seleção e da situação atual dos imóveis contemplados
cruzando os dados constantes nos documentos e informações fornecidas pela UEP local, o
seguinte quadro se delineia: dos 1.026 imóveis privados inseridos na Área de Projeto em
Cachoeira, 424 necessitavam de ações restauradoras, desse montante 148 imóveis
participaram da seleção em 2005, sendo classificados 141 para concorrem ao financiamento.
Decorridos 4 anos do encerramento da seleção, todos os classificados foram convocados
pela Caixa Econômica para análise da capacidade econômica, jurídica e técnica, dentre os
quais 54 desistiram ou foram reprovados e, assim, até julho de 2010, 30 imóveis privados e 01
imóvel privado destacado
104
tiveram os financiamentos liberados e as obras concluídas, em
04 imóveis as obras estão em processo de execução, 07 propostas estão em fase de
contratação e 45 propostas encontram-se em estágio de análise.
Figura 20: Ruínas do Imóvel na Praça da Figura 21: Imóvel na Praça da Aclamação, nº 02,
Aclamação, nº 02, antes da restauração após reforma.
Fonte: Projeto Cachoeira-BA. Revisão do Perfil do
Projeto. Caderno Principal. Volume I.
Apesar da área de projeto abranger quase todo o espaço urbano de Cachoeira, os imóveis
privados selecionados pelo edital e aprovados pelo agente financiador estão, em sua maioria,
localizados nas imediações dos monumentos mais destacados e circunscritos à área
considerada como o centro histórico da cidade, ratificando a seletividade espacial das ações
de preservação em Cachoeira e o privilegiamento das áreas centrais, bem como atendendo aos
preceitos do programa de formação de um contíguo “conjunto arquitetônico harmonioso” que
104
Imóvel na Praça da Aclamação, nº 02, transformado em hotel e restaurante.
188
sirva de atratividade turística. O bairro do Rosarinho, por exemplo, embora esteja inserido na
Área de Projeto do Monumenta, não possui nenhum imóvel contemplado com o
financiamento, as duas propostas inscritas na seleção via edital desistiram logo na primeira
etapa em decorrência de não terem como cumprir os trâmites burocráticos.
Verificou-se também que grande parte dos imóveis selecionados é utilizada atualmente para
fins residenciais, somente em 36% são desenvolvidas atividades econômicas e alguns não
exerciam nenhuma função social estando desocupados por conta do estado de arruinamento.
A renda familiar mensal dos proprietários dos imóveis enquadra-se entre 3 a 5 salários
míninos (Ver gráfico 04), igualando-se à média dos demais moradores da cidade consultados,
o que desmistifica a alegação por alguns cachoeiranos de que a concessão de financiamento
favoreceu apenas pessoas com alto poder aquisitivo e que não necessitavam de empréstimos
com condições especiais.
Gráfico 04: Renda familiar mensal dos proprietários dos imóveis selecionados para receber o
financiamento pelo Monumenta
Fonte: Pesquisas de campo realizadas entre fevereiro e março de 2010.
No entanto, foi averiguado que no rol das propostas selecionadas existem situações como o
fato de um único proponente conseguir financiamento para reforma de dois imóveis de sua
propriedade e a contemplação de três a quatro imóveis cujos donos pertencem a uma mesma
família. Diante dessas constatações, estabelece-se a inquietação: essas ocorrências são
provenientes de beneficiamentos indevidos por conta da prática de clientelismo e forças de
influência ou são apenas reflexos da baixa mobilização dos proprietários para participarem do
processo de seleção, das dificuldades para cumprimento da excessiva burocracia e condições
189
de custear a contratação de arquitetos para elaboração dos projetos e emissão de documentos,
gastos com os quais nem todos os interessados poderiam arcar? Os dados e informações
levantadas durante a realização da pesquisa não permitiram um esclarecimento coerente e
preciso sobre essa inquietação, assim, a resposta para essa questão requer posteriores
aprofundamentos das investigações em campo.
Direcionado as análises para os imóveis cujos proprietários receberam o financiamento e
efetivaram as reformas, verificou-se que os valores aprovados são variantes entre R$
697.399,07 e R$ 5.000,00 e que as parcelas dos empréstimos começaram a ser concedidas em
2006, mas se concentraram no ano de 2007 com 65% das liberações. A partir dos dados dos
proprietários contemplados, foi possível constatar que as mais elevadas quantias
disponibilizadas pelo programa para recuperação de imóveis privados foram para
investimentos turísticos, em especial do setor de hotelaria, assim, o primeiro e o quarto
maiores aportes de recursos foram liberados para o mesmo proponente, que utilizou do
empréstimo para viabilizar a transformação de dois imóveis arruinados em estabelecimentos
comerciais relativos a serviço de hospedagem e delicatessen (BRASIL, 2008).
Dos 31 imóveis com repasse dos financiamentos concluídos, 04 desenvolviam, antes das
reformas, alguma atividade comercial e 08 iniciaram o aproveitamento da propriedade para
fins econômicos ou pretende fazê-lo após as intervenções de adequações custeadas pelo
empréstimo. De uma maneira ou de outra, os empreendimentos são basicamente direcionados
para as demandas turísticas como pousadas, galerias de artes e minerais, bares, atividades
culturais, venda de artesanato, aluguel dos espaços para lojas diversas. Por outro lado, parcela
significativa dos proprietários beneficiados apenas fez uso dos valores para promover
melhorias da infraestrutura e aspectos externos, visando oferecer segurança e propiciar
condições mais dignas de habitação nos imóveis, utilizando-os simplesmente para moradia da
família. Dos imóveis residenciais, 1 transformou-se em pensionato e 5 foram destinados para
aluguel por elevados valores em função do aquecimento do mercado imobiliário provocado,
em parte, pela carência e procura de imóveis para atender às demandas dos novos moradores
vindos com a implantação da UFRB.
190
Gráfico 05: O que foi possível realizar no imóvel com o financiamento
Fonte: Pesquisas de campo realizadas entre fevereiro e março de 2010.
Na pesquisa de campo foi averiguado que, embora constem na relação do Monumenta como
obras concluídas apresentando inclusive fachadas pintadas e com aspectos de reformados, ao
menos 5 imóveis dos 31 apontados como reformas encerradas, na realidade, ainda não estão
com as obras internas finalizadas. O estabelecimento dessa situação pode ser atribuído a
fatores como: a demora de quase dois anos ou mais para a liberação da primeira parcela do
financiamento, defasando os valores dos orçamentos apresentados quando da convocação pela
Caixa Econômica; os erros cometidos nos cálculos referentes aos custos totais das obras; as
restrições dos serviços e materiais que poderiam ser financiados pelo programa, ocorrendo
uma preocupação mais enfática com a aparência externa dos imóveis em detrimento das
condições internas que ficaram, na maior parte dos casos, a cargo dos proprietários; e a falta
de recursos dos beneficiados para darem continuidade às obras com a aplicação de recursos
próprios após o encerramento do repasse das parcelas do empréstimo.
Por conta da falta de esclarecimentos, alguns proprietários acreditaram que poderiam reformar
totalmente o imóvel através do financiamento; porém, de acordo com o estabelecido no
Regulamento Operativo do programa e no edital de seleção pública, as reformas internas
concerniriam apenas à estabilização da edificação e adequação das fiações às normas de
seguranças. E para os imóveis cuja renda familiar não ultrapassasse três salários nimos
poderiam ser realizados reformas para geração de renda e com foco no atendimento dos
padrões sanitários. Outro aspecto que não foi devidamente compreendido pelos selecionados,
apesar de estar incluso no edital de seleção, é que o empréstimo é a juros zero, mas sofre
atualizações monetárias anuais de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor
191
(INPC
105
), assim, as prestações são corrigidas anualmente como forma de assegurar o retorno
do valor integral dos recursos financiados. Esses conflitos de entendimento podem ser
percebidos, por exemplo, na fala do entrevistado D
106
:
A propaganda que é a juros zero, na verdade, é uma maquiagem. Há juros no
empréstimo e todos os anos ajustam o percentual. [...] O que eles falam é
uma coisa, mas quando chega no papel é outra e, quando você procura saber
porque houve reajuste, eles não explicam, não vem detalhando o porquê do
reajuste no boleto bancário.
A deficiência na comunicação entre a UEP local e os proprietários dos imóveis e o restrito
envolvimento da comunidade na condução do programa são os motivos principais para a
ocorrência desses equívocos em relação às regras operacionais atinentes ao financiamento
para os imóveis privados. Os problemas de comunicação se refletem também nas inquietações
e dúvidas dos selecionados que ainda estão na expectativa pela liberação do financiamento e
não sabem ao certo quando serão contemplados ou o que acontecerá ao término do programa,
previsto para o final de 2010. As angústias desses selecionados se baseiam na seguinte
suposição: se ao longo de quatro anos, contados a partir do encerramento da seleção em 2006,
33 imóveis receberam o financiamento, será possível atender os cerca de 53 imóveis na lista
de espera apenas nesses 7 meses que faltam para o encerramento do Monumenta? Segundo a
UEP local, o prazo limite para a concessão dos financiamentos é o mesmo da vigência do
programa, ou seja, até dezembro de 2010 todos serão contemplados.
A falta de informações precisas abrange ainda o funcionamento do Fundo Municipal de
Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural (FUNPATRI), gerando apreensões quanto às
incertezas de conservação dos imóveis restaurados e aplicação dos recursos. Como se pode
perceber nas palavras da entrevistada B
107
:
105
O INPC são índices calculado pelo IBGE com o objetivo de balizar os reajustes de salário e tem como base
geográfica de pesquisa as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, São
Paulo, Belém, Fortaleza, Salvador e Curitiba, além do Distrito Federal e do Município de Goiânia. Informações
disponíveis em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/inpc_ipca/defaultinpc.shtm
106
Para todos os entrevistados que optaram por não se identificar foram utilizadas letras em substituição aos
nomes. Beneficiado pelo financiamento através do Monumenta Entrevista realizada em 25/03/2010.
107
Beneficiada pelo financiamento através do Monumenta Entrevista realizada em 25/03/2010.
192
Uma preocupação muito grande que eu tenho com o futuro desses imóveis
reformados é que muita gente, assim como eu, não tem condições de dar
manutenção, fazer uma pintura, um reparo no telhado uma vez por ano. Será
que daqui a 20 anos esses mesmos imóveis vão estar bem? Muita gente
daqui a 20 anos vai estar acabando de pagar o seu empréstimo. E ao final do
pagamento dos financiamentos esses imóveis não precisarão ser reformados
todos de novo? Será que o fundo vai ser realmente utilizado para conservar
esses e outros imóveis? Quais destinos darão a esse fundo?
A principal atribuição do FUNPATRI é justamente garantir a continuidade da conservação
dos monumentos e imóveis recuperados pelo Monumenta através da administração e
replicação dos recursos depositados no fundo. Criado através de lei municipal em 2008 e
gerido por um conselho curador composto por representantes da Prefeitura Municipal, MinC,
IPHAN, IPAC, UFRB, comunidade, organizações civis de preservação do patrimônio ou
promoção da cultura e empresariado
108
, atualmente, as únicas fontes de receita do FUNPATRI
de Cachoeira são provenientes das parcelas pagas pelos proprietários de imóveis
contemplados com o financiamento e do repasse anual do Governo Estadual de R$ 30.000,00,
por ser o responsável pela execução do programa na cidade.
A respeito do emprego das verbas sob responsabilidade do FUNPATRI, Lourival Trindade
109
,
gestor em exercício do fundo de preservação, esclarece que os conselheiros optaram por não
fazer uso imediato dos recursos arrecadados por entenderem que ainda não é preciso em
função da cidade continuar a receber investimentos dos Governos Federal e Estadual através
do prosseguimento da liberação de empréstimos para imóveis privados pelo Programa
Monumenta e da execução do PAC Cidades Históricas. A intenção é começar a utilizar as
verbas após o encerramento das concessões de financiamentos pelos programas
governamentais.
Assim, com o objetivo de movimentá-lo para gerar rendimentos, o dinheiro do fundo de
preservação do município foi aplicado em uma conta na Caixa Econômica Federal, porém, de
acordo com o gestor, havendo a necessidade de efetivar ações ou atender demandas
apresentadas pelos proprietários de imóveis, o conselho pode avaliar a situação e aprovar o
108
Para a composição do conselho curador do FUNPATRI, os representantes da sociedade civil e o presidente
são escolhidos através de processo de votação, os representantes dos Poderes Públicos são escolhidos por
indicação e o gestor nomeado pelo prefeito. Em Cachoeira, o estatuto do fundo prevê que o gestor será sempre o
Secretário de Cultura e Turismo.
109
Atual secretário de Cultura e Turismo do município de Cachoeira e gestor do FUNPATRI. Entrevista
realizada em: 05/04/2010
193
financiamento do projeto. “A idéia é beneficiar as pessoas que tenham necessidade do
empréstimo e a conservação dos monumentos, mas é preciso agir com cautela para ter esse
dinheiro sempre em caixa para realizar as ações e fazer com que ele seja permanente”
(Lourival Trindade).
Segundo Trindade, o maior problema do fundo de preservação não está ligado ao
gerenciamento e utilização do dinheiro, pois essas questões serão estudadas com cuidado
pelos conselheiros, em sua opinião o grande desafio, que vem enfrentando, é a
inadimplência de alguns proprietários beneficiados. Como explica, se o proprietário atrasar
três parcelas consecutivas a Caixa Econômica encerra o contrato de recebimento e comunica
ao conselho do FUNPATRI, que, então, passa a assumir a incumbência de garantir o retorno
do valor investido para a conta do fundo municipal e, caso as negociações não surtam efeito,
será o responsável em “tomar” os imóveis hipotecados. É nesse ponto que reside a grande
problemática, pois a concretização de uma ação como essa pode colocar a continuidade do
programa em risco e se propagar de maneira negativa, por outro lado, a ausências de
providências mais incisivas pode incitar o aumento de inadimplentes.
A associação desses fatores problemáticos no que se refere a intervenções em imóveis
privados faz com que a execução dessa linha de atuação seja a mais complexa do Monumenta.
A própria UEP local aponta o processo de financiamento como o maior desafio enfrentado
pelo programa em Cachoeira, porém não atribui esse fato às questões mencionadas e, sim, à
singularidade, pioneirismo e, principalmente, o envolvimento de várias instituições (IPHAN,
MINC, Caixa Econômica e comunidade).
Não obstante os problemas evidenciados, é inegável que o financiamento para restauração de
imóveis privados associado à recuperação dos monumentos públicos contribuiu para a
melhoria dos aspectos visuais do centro da cidade e para a viabilização das reformas de
propriedades de destacado valor histórico e arquitetônico, mas cujos donos não possuíam
condições financeiras de conservá-los ou mantê-los íntegros. O depoimento da entrevistada
E
110
expressa a importância da concessão do empréstimo para os menos favorecidos
economicamente: “minha casa estava caindo, se não fosse o financiamento do Monumenta, eu
não teria feito nada, pois ganho um salário mínino e com as exigências que a Caixa faz nunca
iria me emprestar o dinheiro para fazer uma reforma dessa. Para mim foi uma benção”.
110
Beneficiada pelo financiamento através do Monumenta Entrevista realizada em 26/03/2010.
194
Apesar do limitado número de imóveis contemplados com o financiamento até o momento, a
concessão de empréstimos pelo programa tem auxiliado na melhoria das condições de
habitação de algumas poucas famílias cachoeiranas e, possivelmente, com a liberação do
financiamento para as demais propostas selecionadas esse beneficiamento atingirá índices
mais expressivos.
4.4 PRINCIPAIS RESULTADOS E ENTRAVES DO MONUMENTA EM CACHOEIRA
As análises dos documentos institucionais associadas às ações executadas pelo Monumenta e
as informações obtidas durante o trabalho de campo permitiram constatar que as intervenções
realizadas em Cachoeira apresentam frutos positivos e saldos favoráveis, contudo, não
conseguiu, no decorrer dos oito anos de atuação, concretizar uma parte considerável das metas
e objetivos estipulados na matriz de planejamento do projeto elaborado com base nas
diretrizes nacionais do programa e principais demandas apresentadas pela cidade. Quando
questionado sobre os objetivos e resultados efetivados, o engenheiro da UEP local, Eduardo
Fucs, reconhece que dentre os previstos, por enquanto, somente a preservação de áreas
prioritárias do patrimônio histórico e artístico urbano foi alcançada.
A estratégia de articulação dos órgãos públicos de preservação do patrimônio pertencentes às
três instâncias governamentais não obteve avanços muito profícuos, pois o Poder Público
Municipal continua a desempenhar um papel nino; além disso, a integração entre IPAC e
IPHAN é restrita ao cumprimento das atribuições previstas no regulamento operativo para a
condução do Monumenta não se estendendo ao desenvolvimento de outras ações, assim, o
IPHAN continua a atuar no município praticamente de maneira isolada, bem como
permanecem as fragilidades de gestão do patrimônio de modo compartilhado.
O envolvimento da população local, considerado como essencial para a execução a contento
do programa, se deu de maneira limitada e superficial, as oficinas de planejamento não
conseguiram agregar um grande público, nem as reuniões promovidas pela UEP local. De
acordo com os entrevistados, mesmo nas reuniões, quando o comparecimento da população
foi mais significativo, a participação não ocorreu de forma plenamente consultiva e muito
menos deliberativa, à medida que as propostas estavam prontas e apenas eram apresentadas
195
para informação da comunidade, na maioria das vezes, sem acatar suas sugestões. Alguns dos
entrevistados reconhecem que a população, por sua vez, se eximiu em cobrar uma
representatividade maior no programa e no acompanhamento das ações, e justificam essa
baixa mobilização da sociedade como um reflexo das promessas governamentais não
cumpridas, provocando frustrações dos anseios e incredulidade de melhorias para a cidade.
A execução dos componentes que eram para se desenvolverem conjugadamente não
correspondeu ao previsto, produzindo alguns percalços e sérias ameaças à almejada
sustentabilidade das intervenções em decorrência da incipiência no implemento de medidas
complementares à recuperação das edificações destacadas buscando proporcionar a
intensificação de suas utilizações para fins econômicos ou sociais, o engajamento do setor
privado, a preservação continuada e a requalificação da Área de Projeto.
Analisando as ões empreendidas para contemplar os cinco componentes, verifica-se que as
propostas de fortalecimento das instituições públicas ligadas à preservação através da
capacitação de gestores, atualização das legislações e elaboração de inventários, até o
momento, praticamente não se efetivaram. O mesmo se aplica para a promoção de atividades
econômicas. Constitui-se outro problema a deficiência de ações referentes à realização de
atividades e campanhas educativas sobre o patrimônio, acarretando, por extensão, em
dificuldades para o aumento da conscientização da população sobre a sua importância e
necessidade de preservação, um dos objetivos prioritários do programa para longo prazo. Já os
cursos de formação e qualificação profissional apresentam bons resultados por terem
possibilitado a capacitação de agentes de cultura e turismo e artífices, principalmente, pelo
aperfeiçoamento de técnicos especializados em restauração de prédios históricos minimizando
a carência na região e auxiliando na geração de empregos.
A despeito dos atrasos na conclusão das obras de restauração realizadas nos monumentos, a
não concretização de algumas propostas de usos supostamente sustentáveis para os bens
restaurados, da seletividade espacial das intervenções e dos problemas com o financiamento e
reforma dos imóveis privados, o componente de investimentos integrados em Área de Projeto
é, sem sombra de dúvidas, o mais bem sucedido do programa e que apresenta resultados mais
notórios.
As restaurações promovidas nas 14 edificações públicas, a recuperação de logradouros e
reforma de 31 imóveis privados associadas ao estímulo, à utilização, refuncionalização ou uso
196
misto através do desenvolvimento de alguma atividade rentável ou oferecimento de serviços
propiciaram uma renovação no aspecto paisagístico e início da requalificação do espaço
urbano de Cachoeira, sobretudo, do núcleo histórico. As intervenções empreendidas em
Cachoeira incitaram ainda a dinamização socioeconômica a partir da intensificação da
atividade turística e, sobretudo, pela implantação da UFRB - o grande feito em âmbito
nacional do Monumenta - atraindo novos moradores, impulsionando o crescimento do
comércio e surgimento de novos serviços para atender às demandas geradas.
No que tange à influência das ações do Programa Monumenta para o incremento do turismo,
81% dos cachoeiranos consultados afirmam ter ocorrido uma elevação nos fluxos turísticos
após as restaurações das edificações, algo que consideram muito benéfico, tendo em vista que
parte do comércio local é direcionada para o atendimento dessa atividade. Também influem
para o aumento desses fluxos a atuação dos órgãos estaduais de turismo por meio de
investimentos em campanhas promocionais e, mormente, no Programa de Turismo Étnico
Afro que apresenta a Festa da Boa Morte como o principal chamariz. Vale salientar que,
embora apresente índices de elevação, o turismo ainda se processa da forma sazonal e a
cidade continua a apresentar fragilidades estruturais que dificultam a permanência do turista
por um período mais prolongado.
Para 93% dos entrevistados as intervenções do programa contribuíram diretamente para a
valorização dos imóveis. Contudo, essa alteração no mercado imobiliário veio acompanhada
do aumento vertiginoso da especulação e valorização não dos imóveis como das ruínas
inseridas na Área de Projeto do Monumenta. Como pontua Henrique (2009, p. 101):
[...] é o financiamento da recuperação de edificações particulares com juros
zerados e prazos longos, que tem instalado, em alguns casos, um verdadeiro
comércio de ruínas na cidade. Foi extremamente vantajoso a aquisição de
imóveis em estado precário e a recuperação das fachadas, telhados e rede
elétrica, com os recursos sem juros e prazos de até 20 anos para pagamento,
e sua posterior venda ou aluguel por valores bem acima da média, mas que
encontram demanda, em função das novas dinâmicas urbanas de Cachoeira.
A valorização imobiliária era uma consequência sinalizada nos estudos prévios para
definição do perfil do projeto para a cidade, apontada como um benefício econômico
contabilizado a partir do potencial dos imóveis. No entanto, a especulação imobiliária vem
197
assumindo proporções preocupantes para uma cidade de pequeno porte, sendo fomentada pela
crescente procura por imóveis residenciais pelos estudantes e professores vindos com a
criação UFRB em 2006 e pelas mudanças na lógica de mercado que passa a conceber o
patrimônio como recurso estratégico e atrativo turístico diferencial em meio à
homogeneidade. Apesar dessa crescente valorização dos imóveis, sobretudo nas áreas
centrais, o processo de gentrificação não é uma realidade em Cachoeira, no entanto, é preciso
acompanhamento e controle pelos Poderes Públicos para que num futuro próximo esse
problema não venha a se constituir numa ameaça à permanência dos moradores originários.
Quando perguntado se aprovavam a maneira como o programa vem sendo conduzido, 52%
dos consultados, em geral por meio do questionário, responderam que sim, enquanto que
dentre os proprietários de imóveis selecionados para receberam o financiamento e que
participaram da pesquisa essa aprovação se reduz para 41%. Entre os agentes sociais e os
selecionados pelo programa entrevistados oralmente as opiniões sobre a avaliação da atuação
do Monumenta em Cachoeira também são divergentes e aclaram os dados obtidos através dos
questionários. Para alguns entrevistados o programa foi muito bom e tem resultados positivos,
pois trouxe muitos benefícios para a cidade e para os proprietários que possuíam imóveis em
situação de precariedade e arruinamento. “O olhar para a cidade depois do Monumenta é
outro, passou a ser mais visitada, respeita e reconhecida nacional e internacionalmente. A
cidade estava uma ruína, especialmente, na parte dos monumentos públicos e religiosos” (Nila
da Silva
111
).
Embora pondere os aspectos favoráveis, a maioria atribui uma série de falhas a condução do
programa e alegam que as ações realizadas em Cachoeira poderiam ser bem mais amplas. As
principais críticas circundam: a deficiência de canais de diálogo entre a coordenação do
programa no município e comunidade local; a ausência de iniciativas referentes à Educação
Patrimonial de modo a esclarecer a comunidade do entorno das edificações restauradas para a
importância de suas preservações e, a população cachoeirana como um todo no sentido de
despertar a valorização e relação de apropriação do patrimônio histórico cultural local; a
excessiva burocracia para a concessão de financiamento para imóveis privados, o que levou
parte considerável dos selecionados a desistirem do processo; e o reduzido número de
propriedades recuperadas. Alguns são mais radicais na avaliação: “o Monumenta hoje é uma
111
Trabalhadora autônoma e beneficiada pelo financiamento através do Monumenta. Entrevista realizada em
25/03/2010.
198
cortina, quando a gente abre que não é bem como eles disseram. O programa não
conseguiu trazer todos os benefícios estipulados, trouxe alguns, mas não correspondeu ao
esperado. Nesse momento a avaliação é péssima” (Entrevistado D)
112
.
Apesar dos impasses, problemas para concretização das metas projetadas, falha na
comunicação e integração da população local e percalços para implantação de um modelo de
preservação sustentável, as intervenções do Programa Monumenta em Cachoeira vêm
contribuído para a recuperação de parte do desgastado patrimônio material e dinamização da
economia local através da geração de empregos e renda proporcionada não apenas pela
intensificação da atividade turística, como também pelo incentivo ao uso social e econômico
das edificações e atendimento das demandas geradas a partir da implantação da UFRB.
Depois da chegada do Monumenta Cachoeira teve uma ascensão e está se
estruturando. Ainda não está bom, tem muita coisa por vim, mas com certeza
a chegada do Monumenta deu uma guinada, não de 360°, mas pelo menos de
180°, porque está garantindo a preservação de alguns prédios. [...] Com o
Monumenta o que era ruína se torna uma casa que abriga um comércio, um
hotel e, assim, o poder econômico também melhora, vai circulando mais
dinheiro, então, a mudança com certeza está havendo.
113
Entretanto, é preciso atentar para que a população como um todo se beneficie com esse
processo de redinamização socioeconômica e não somente uma pequena parcela reproduzindo
o favorecimento apenas para alguns ou incorrer no mesmo insucesso da proposta de atração
turística por meio da restauração de alguns monumentos promovida no contexto do PCH , que
se mostrou incapaz de promover o desenvolvimento local via turismo ou a preservação
continuada. Assim, ficam as expectativas de que, nos meses restantes para encerramento do
programa, sejam revistas as falhas operacionais, minimizados os problemas evidenciados e
executadas medidas conduzentes ao fortalecimento da gestão integrada do patrimônio e de
formação das bases para a sustentabilidade das intervenções.
112
Beneficiado pelo financiamento através do Monumenta Entrevista realizada em 25/03/2010.
113
Declaração de uma das participantes do grupo focal realizado em Cachoeira no dia 20/05/2009.
199
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos caminhos percorridos pelas políticas culturais implantadas em Cachoeira-BA
revelou-se um profícuo campo de investigação para a leitura contemporânea da cidade a partir
da dimensão cultural, especialmente, para a compreensão das complexas relações sociais e
interfaces propiciadas por esses processos e como as dinâmicas econômica, social e espacial
da cidade foram e continuam a ser diretamente influenciadas pela execução de ações
governamentais em atenção à preservação do patrimônio histórico edificado e sua inserção
nos circuitos turísticos.
Em Cachoeira ocorreu uma explícita predominância de políticas culturais focalizadas na
salvaguarda do patrimônio material em detrimento das manifestações e expressões de
natureza imaterial, que, por sua vez, foram subordinadas às políticas de turismo empreendidas
principalmente por órgãos estaduais e, somente em 2004, passaram a ser assistidas com ações
culturais mediante a inclusão do samba de roda do Recôncavo Baiano no rol dos Patrimônios
Culturais Imateriais Brasileiros e contemplação de alguns poucos projetos e grupos locais
com editais e prêmios da FUNCEB ou do programa federal Cultura Viva.
A instauração dessa realidade é intrinsecamente relacionada ao fato do Governo Federal, por
meio dos seus órgãos representativos do setor cultural o IPHAN e o MinC, se constituir no
principal agente público implementador de políticas e programas para o campo cultural na
cidade, reservando-se às instituições estaduais, na maior parte das vezes, a desempenhar um
papel de parceria na execução das ações. Como até o meado da década de 1970 imperaram
no direcionamento das políticas de preservação federais de proteção aos bens culturais
edificados de caráter monumental considerados como mbolos da nação e, posteriormente, a
sua recuperação para utilização com fins econômicos, o mesmo se reproduziu no município
de Cachoeira.
O condicionamento das políticas culturais desenvolvidas na cidade as diretrizes nacionais
revelam que o Poder Público local não desempenha papel ativo na elaboração ou implantação
de tais políticas, uma condição que se prolifera em vários outros municípios do Brasil,
sobretudo, os de pequeno e médio porte. Partindo da realidade apresentada por Cachoeira,
200
verificou-se que, não obstante a maior autonomia adquirida a partir da promulgação da
Constituição Federal de 1988, os novos encaminhamentos tomados pela administração
pública no país e o suporte destinado pelo MinC e SECULT aos gestores, muitos municípios
ainda não conseguiram se inserir no processo de descentralização da gestão pública da cultura
e, fundamentalmente, formular suas próprias políticas com base nas demandas e anseios
locais.
Na maioria dos casos, contribuem para essa situação as descontinuidades político-
administrativas, a inexistência de secretaria específica, ausência de corpo técnico-
administrativo especializado, os dirigentes locais ainda não atentarem para a centralidade da
cultura como catalisadora do desenvolvimento em suas variadas dimensões e não a
econômica, além da reduzida mobilização da sociedade civil. Desse modo, em parcela
significativa dos municípios brasileiros o campo cultural ainda é dependente das iniciativas e
intervenções procedentes das instituições culturais federais e estaduais, conformando-se,
assim, à condição de receptáculos dos programas formulados pelas esferas superiores ou a
parceiros/facilitadores na execução de algumas ações. Situação essa que, historicamente, vem
ocorrendo em Cachoeira.
A cidade em análise começou a ser contemplada com medidas federais de proteção ao
patrimônio local quase que simultaneamente à criação do então SPHAN, em 1937, assim,
entre 1938 e 1943 foram realizados os tombamentos isolados de 20 edificações civis e
religiosas na área urbana com a intenção de resguardar o acervo de imóveis barrocos da
descaracterização pelos avanços da urbanização e modernização. Escolhidas de forma
unilateral pelos técnicos do IPHAN, o tombamento dessas edificações não causou grande
repercussão entre os cachoeiranos, que todas eram de propriedade pública, não produziram
impactos econômicos ou espaciais e, mesmo com os esforços impetrados pela Diretoria
Regional do IPHAN, não garantiram a contenção do processo de degradação dos demais
monumentos e imóveis privados provocados pela incipiência das intervenções públicas no
período, pelo descaso da população por desconhecerem o valor desses bens e/ou carência de
recursos para conservá-los, posto que, entre os anos de 1950 e 1960 do século XX, a cidade
começa a submergir em decadência econômica que, por extensão, resultou em efeitos danosos
ao patrimônio local.
Para salvaguardar a totalidade do conjunto arquitetônico e paisagístico a cidade foi elevada,
em janeiro de 1971, a categoria de Monumento Nacional e tombado integralmente o seu
201
perímetro urbano. Tal ato se constitui num marco para a intensificação da implantação de
políticas culturais federais em assistência ao patrimônio material da cidade e de alterações em
suas dinâmicas.
Dois fatos foram substanciais para o tombamento integral de Cachoeira: a política para o
desenvolvimento do país adotada pelos governos militares; e os novos encaminhamentos
assumidos pela política de preservação para as áreas urbanas no intuito de se adequar às
recomendações da Carta de Veneza (1964) e Normas de Quito (1967), bem como conciliar
preservação e desenvolvimento, seguindo as novas tendências impostas pelo regime político
vigente no país. Nessa conjuntura, o tombamento de Cachoeira não se configurou apenas em
um ato institucional para a proteção do patrimônio edificado, mas, também, foi realizado com
o fito de inserir a cidade na lógica de promoção do desenvolvimento socioeconômico por
meio da utilização do patrimônio e indução à atividade turística.
Na perspectiva de retomada do dinamismo da cidade e implantação do turismo como a nova
alternativa econômica, medidas de recuperação de alguns monumentos destacados e criação
de infraestrutura de hospedagem começaram a ser empreendidas na década de 1970 no âmbito
do Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas (PCH), um programa federal
executado em parceria com o órgão de preservação estadual, representando uma experiência
de descentralização da preservação, mas que com o encerramento do programa, em 1983, não
teve prosseguimento. Aliado às restaurações, as investidas governamentais se desdobraram no
incentivo à refuncionalização de imóveis particulares para o oferecimento de serviços para
atender às demandas turísticas e criar um ambiente favorável a potencialização da atividade.
Inscreve-se também nesse período o início das interfaces entre políticas de preservação e de
turismo em Cachoeira, pois enquanto os órgãos de preservação (IPHAN e IPAC) cuidavam da
restauração e adaptação de edificações de relevo do ponto de vista arquitetônico, o Governo
Estadual, através da Bahiatursa, se incumbia da turistificação dos eventos culturais locais,
ocorrendo, desta forma, a mercantilização do patrimônio material concomitante à
espetacularização das tradicionais festas do São João e da Boa Morte e divulgação midiática
das singulares expressões culturais. O desígnio era projetar Cachoeira no cenário nacional
ressaltando como diferencial a simbiose entre patrimônio histórico e manifestações da cultura
afro-brasileira.
202
Entretanto, a despeito do empenho e investimentos federais e estaduais, nas décadas de 1970 e
1980, e da potencialidade histórico-cultural apresentada por Cachoeira, a tentativa de
incremento do turismo na cidade não surtiu os resultados ambicionados, à medida que se
configurou como um roteiro complementar a Salvador e de curta duração. O fluxo turístico
não atingiu grandes patamares apresentando caráter esporádico e com acentuada elevação nos
meses de junho e agosto quando ocorrem, respectivamente, a Festa de o João, que agrega
visitantes regionais, e a Festa da Boa Morte que consegue atrair turistas do âmbito nacional e
internacional. Diante desses entraves, não foi possível atingir a plena retomada do dinamismo
econômico, tornando-se o comércio local, em parte, adaptado para servir ao turismo,
dependente dos incipientes fluxos. Também não foi possível garantir recursos para a
preservação das edificações restauradas pelo PCH que, associado às descontinuidades das
intervenções públicas e falta de manutenção, voltaram a apresentar aspectos de arruinamento,
principalmente, na década de 1990 quando ocorreu uma expressiva redução do turismo e
acentuação do descaso com o patrimônio urbano.
Cabe ressaltar que, ao contrário do que alguns cachoeiranos alegam, o tombamento não
produziu a estagnação econômica da cidade por conta das restrições impostas, mesmo porque,
desde meados dos anos de 1950, Cachoeira já vinha submergindo em decadência por conta do
declínio da lavoura açucareira, indústria fumageira e sistema multimodal de transporte, além
das alterações nas dinâmicas e hierarquia urbana do Recôncavo. O tombamento representou
uma viabilidade de escape da crise, que contribuiu para a intensificação da atuação das
instituições federais e estaduais de cultura e turismo e aproveitamento do potencial do
patrimônio histórico para a instauração da atividade turística como alternativa capaz de gerar
relativa vitalidade à economia local. Apesar da sazonalidade e de não ter conseguido se
afirmar a ponto de promover o almejado desenvolvimento socioeconômico, o turismo se
configura atualmente como uma das principais bases de sustentação do município.
Além dessas intervenções governamentais para aproveitamento do patrimônio para fins
econômicos e desenvolvimento do turismo provocando reflexos na dinâmica da economia
local, o tombamento da cidade também causou interferência na organização do espaço urbano
e restrições a sua expansão. Quando do tombamento do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico
de Cachoeira, em 1971, não houve uma delimitação prévia da área a ser salvaguardada, assim,
todo o perímetro urbano mais a área circundante estão subordinados ao regime especial de
proteção disposto no Decreto-lei 25/37. Porém, as limitações de alteração da configuração
203
urbana e a impossibilidade de verticalização das edificações estabelecida pelas normas de
preservação somadas às características topográficas da cidade figuram como fatores
problematizadores para a ampliação da malha urbana, dando origem a conflitos entre os
interesses de preservação e de expansão da cidade.
Em parte, esses impasses se estabelecem porque as legislações que vigoram para a proteção
das áreas urbanas e que norteiam o trabalho de fiscalização do IPHAN ainda são,
basicamente, as mesmas empregadas para o tombamento das primeiras cidades, em 1938,
entendidas como obras de arte estáticas, desconsiderando-se sua natureza mutável. Em
Cachoeira, o tombamento não causou o “congelamento” da cidade nem a tornou imune às
pressões por modernização, crescimento da população urbana, demandas por novas áreas de
expansão e aproveitamento do solo urbano, ou seja, como qualquer outra cidade ela está
sujeita a mudanças e alterações espaciais. Diante dessa realidade, cabe aos órgãos de
preservação buscarem mecanismos que permitam conjugar a salvaguarda da materialidade
urbana expressa nas históricas edificações e a continuidade dos processos dinâmicos inerentes
à cidade, evitando a sua “petrificação”.
O Plano Diretor Urbano (PDU) - como instrumento de planejamento e gestão propício para a
integração das políticas de preservação e as políticas urbanas - poderia se constituir em um
desses mecanismos, no entanto , a elaboração do PDU de Cachoeira em 2006 foi permeada
por “embates” entre as proposições do Poder Público local e os equívocos e ameaças ao
patrimônio urbano apontados pela Comissão Pró-Revisão do Plano Diretor, composta por
representantes da sociedade e técnicos do Escritório do IPHAN em Cachoeira. Embora o PDU
tenha sido sancionado, em 2006, após sofrer reformulação com base nas sugestões da
Comissão, a Prefeitura Municipal ainda não o utiliza como instrumento para pautar suas ações
em termos de gestão urbana, bem como continua a desenvolver ações e emitir licenciamento
de obras que vão de encontro às normas de preservação. Das disposições do PDU, umas das
poucas medidas que está sendo efetivada é o incentivo à ocupação dos imóveis ociosos e/ou
arruinados na área central da cidade. Vale ressaltar que tal ação municipal é impulsionada
pela proposta do Programa Monumenta de requalificação da área e demandas apresentadas
pela UFRB para ampliação da sua estrutura física e criação de residências para docentes e
discentes, tendo em vista a carência de áreas passíveis de ocupação no núcleo urbano.
As implicações da prática da preservação no espaço urbano também são perceptíveis na
seletividade espacial da atuação do IPHAN e intervenções realizadas pelos programas de
204
recuperação do patrimônio. Por ser Cachoeira tombada, qualquer construção ou modificação
nas estruturas dos imóveis precisam de aprovação e autorização prévia, porém, o limitado
corpo técnico do Escritório do IPHAN o impossibilita de desempenhar tal controle a contento,
situação agravada por atuar quase isoladamente, posto que essa atribuição não compete ao
IPAC, e a Prefeitura Municipal praticamente se exime dessa responsabilidade que deveria ser
compartilhada. O atrelamento desses fatores resulta numa priorização da atuação do instituto
federal ao chamado centro histórico da cidade, ficando as áreas adjacentes relegadas a
segundo plano.
O mesmo se processa com os programas de recuperação do patrimônio desenvolvidos na
cidade pelo Governo Federal, ocorrendo uma nítida incidência de investimentos na área
central onde estão circunscritos os monumentos e edificações de maior relevo histórico e
arquitetônico. A concentração das intervenções de restauração do patrimônio corrobora para a
afirmação da centralidade intraurbana a partir de critérios culturais e tem o propósito de
formar no centro da cidade um “contíguo conjunto requalificado” que sirva de chamariz
turístico e incite investimentos privados. Entretanto, o privilégio do centro da cidade pelas
políticas de preservação provoca o aumento da especulação imobiliária nessas áreas, o
beneficiamento de espaços pré-selecionados, acentua as disparidades em termos de
infraestruturais entre o centro e os bairros periféricos e, por extensão, promove a melhoria das
condições socioeconômicas apenas de parte da população.
E diante das alterações de dinâmicas, imposição de normas e estabelecimento de novas
conjunturas propiciadas pela implantação de políticas culturais de preservação e valorização
do patrimônio em Cachoeira, qual é o envolvimento e percepção dos moradores?
No Brasil, até a década de 1980, a condução dos processos de tombamentos se caracterizou
pelo viés centralizador, protagonismo do Estado e ausência da sociedade civil nas tomadas de
decisão, e em Cachoeira não sucedeu de forma diferente. Conforme revelaram os
entrevistados, a maneira unilateral pela qual ocorreu o tombamento do núcleo urbano
implicou numa reduzida valorização do patrimônio pela população local e compreensão da
importância de conservá-lo, mesmo porque muitos não entenderam de imediato o que
significou a elevação da cidade à categoria de Monumento Nacional.
Entre os cachoeiranos ocorrem divergências de interpretações a respeito do tombamento e
sobre o patrimônio histórico cultural. Na concepção de alguns, o tombamento e as legislações
205
de preservação às quais a cidade está submetida figuram como entraves burocráticos para a
modernização e retomada do dinamismo da cidade, suscitando desobediências às normas
impostas e embates, inclusive judiciais, com o IPHAN. Para outros, a salvaguarda das
edificações que compõem o núcleo urbano é relevante, todavia, influenciados pelas incisivas
ações e discurso turístico, defendem a preservação desses bens materiais por serem os
principais atrativos da cidade e não por serem elementos integrantes do seu espaço de
vivência. Apenas uma reduzida parcela dos cachoeiranos concebe o tombamento como
benéfico e credita a integridade do conjunto arquitetônico à atuação do IPHAN, evitando a
sua completa descaracterização como aconteceu em outras cidades coloniais do Recôncavo, a
exemplo de Santo Amaro e Maragogipe que apenas conseguiram manter íntegros os bens
tombados isoladamente.
O distanciamento das instituições de preservação com a comunidade, a carência de canais de
diálogo, a atuação centralizadora e ausência de iniciativas que propiciassem o envolvimento
direto desses agentes sociais na condução das ações de proteção influem, sobremaneira, para a
baixa relação de pertencimento de parte significativa dos cachoeiranos com o patrimônio
edificado e os conflitos estabelecidos com o IPHAN. Outros fatores preponderantes são a
carência de ões educativas e esclarecimentos sobre a relevância e necessidade de zelar pela
integridade das edificações que compõem o acervo da cidade, pois ao contrário do que
concebe a atual direção do Escritório cnico do IPHAN em Cachoeira, mesmo decorridos
quase 40 anos do tombamento, os valores que o circunscrevem ainda não são autoevidentes
ou plenamente compreendidos por toda a população.
A incipiente participação da sociedade no processo de implantação das políticas culturais
direcionadas a cidade intensifica ainda mais essas problemáticas, visto que não há uma
expressiva mobilização dos cachoeiranos no sentido de se engajarem nas discussões, bem
como, da mesma maneira que muitos brasileiros, ainda não despertaram para a relevância da
sua atuação conjunta com o Estado para a formulação de políticas coerentes com as
necessidades locais e não impostas verticalmente, além do seu papel de fiscalização e
cobrança de efetivo cumprimento das ações estipuladas nos projetos e/ou planejamentos
governamentais. Em Cachoeira, apenas um pequeno grupo formado por representantes civis,
agentes culturais, coordenadores de associações, ONGs e projetos de cunho social/cultural,
reivindica a ampliação dos canais de interação entre a sociedade e os Poderes Públicos,
206
participa ativamente das reuniões e conferências referentes à temática cultural e busca
acompanhar e se integrar na realização dos programas e ações.
Direcionando as análises para a implantação do Programa Monumenta, principiado na cidade
em 2002, foi possível constatar que para os moradores locais a iniciativa federal de execução
das intervenções na cidade reacendeu as esperanças de dinamização da economia local e
recuperação do patrimônio urbano que se encontrava em elevado estado de degradação em
decorrência: da interrupção de investimentos governamentais entre meado dos anos 1980 e
2000; continuidade da crise; e precariedade de conservação das edificações por descaso ou
falta de recursos dos proprietários.
Essas expectativas geradas em torno do Monumenta foram relativamente alcançadas com: o
início da requalificação da área histórica por meio da melhoria de logradouros; restauração
dos monumentos e prédios públicos de reconhecido valor arquitetônico, buscando atribuir-
lhes uma funcionalidade sustentável; e viabilização da recuperação de algumas propriedades
privadas e incentivo a suas refuncionalizações para atenderem às demandas com o aumento
do fluxo turístico e oferecer os serviços requeridos pelos novos moradores atraídos pela
instalação de um campus da UFRB em Cachoeira.
Dentre os benefícios advindos mediante as intervenções do programa, a implantação da
UFRB é, sem dúvida, o mais relevante, pois, além de proporcionar a recuperação e atribuição
de uma função social a imóveis arruinados, vem contribuindo enfaticamente para reativar o
dinamismo em Cachoeira e criar possibilidades de melhoria dos índices socioeconômicos. Os
impactos propiciados pela UFRB não se restringem somente ao espaço urbano de Cachoeira,
também se ampliam para as cidades circunvizinhas ao facilitar o acesso dos seus munícipes ao
ensino superior público e produzir reflexos econômicos, principalmente, com a locação de
imóveis para docentes e discentes que não conseguiram se estabelecer em Cachoeira por conta
da carência de imóveis disponíveis e/ou elevados valores dos aluguéis.
A execução do Programa Monumenta em Cachoeira apresenta resultados positivos, todavia,
no decorrer desses oito anos, o modelo de intervenção adotado tem apresentado dificuldades
para se realizar conforme o projetado no Perfil de Projeto, à medida que existem discrepâncias
entre o estipulado na matriz de planejamento e as ações concretizadas até o momento. Esses
problemas são evidenciados especialmente no desenvolvimento de ações relativas à
contemplação dos cinco componentes que figuram nas linhas de atuação do programa, tendo
207
em vista a priorização do componente Investimentos Integrados em Área de Projetos
(concernente a recuperação de edificações públicas e privadas) e a reduzida efetivação de
ações atinentes aos demais componentes. O fato desses componentes não se desenvolverem
de forma conjugada representa sérias ameaças para a consecução de uma das propostas
basilares do Monumenta, a sustentabilidade da área de intervenção, e denota fragilidade na
efetivação de estratégias econômicas, institucionais e educativas complementares à
restauração dos bens tombados.
O financiamento para a recuperação de imóveis privados também não transcorreu conforme o
previsto. Das 141 propostas de concessão de empréstimo, selecionadas via edital, 51
desistiram do processo ou foram reprovadas pelo agente financiador e apenas 30 imóveis
privados tiveram os financiamentos liberados e as obras concluídas, um número muito
abaixo do esperado. Conforme revelaram as entrevistas, os altos índices de desistência dos
proprietários dos imóveis selecionados são em decorrência da excessiva burocracia e
exigências requeridas para a concessão de financiamento pela Caixa Econômica Federal.
Entre os proprietários contemplados também ocorrem descontentamentos em relação ao
financiamento através do programa em função: da demora de quase dois anos para a liberação
das primeiras parcelas dos empréstimos, ocasionando na defasagem dos orçamentos
aprovados; restrições dos materiais e serviços que poderiam ser custeados com a verba
liberada; e dificuldade de compreensão das regras operacionais concernentes ao
financiamento e pagamento das parcelas.
Cabe salientar que a insatisfação gerada entre os beneficiados e a falta de informações
precisas sobre os trâmites do financiamento para imóveis privados são resultantes da limitada
participação dos agentes sociais cachoeiranos na formulação e condução do programa. O
Monumenta começou a ser gestado durante o primeiro mandato presidencial de Fernando
Henrique Cardoso e, nesse período, a consulta à sociedade não era um dos requisitos
essenciais para a formulação de políticas públicas. Embora o referido programa tenha sofrido
expressivos redirecionamentos durante as gestões governamentais de Lula, não conseguiu se
adequar completamente às tendências participativas defendidas por esse governo.
Com o encerramento do Programa Monumenta, previsto para o final de 2010, as expectativas
de recuperação do patrimônio e plena reativação da vitalidade socioeconômica recaem agora
sobre a execução do PAC Cidades Históricas. Em Cachoeira, uma das 32 cidades beneficiadas
208
em primeira instância, o Plano de Ação proposto foi aprovado pelos órgãos competentes,
estando prevista para o meado desse ano o início das intervenções com o embutimento
subterrâneo da fiação elétrica, orçado em aproximadamente R$ 6.000.000,00 e tendo na
Petrobras o agente financiador.
Conforme o estipulado no acordo firmado entre a União e Poder Público municipal,
Cachoeira receberá ao longo de quatro anos o valor correspondente a R$ 130.000.000,00 para
o desenvolvimento de 53 ações, entre as quais: restauração de monumentos públicos na
cidade e localidades rurais; continuidade do financiamento aos imóveis privados;
requalificação de ruínas para implantação de uma escola profissionalizante com cursos
voltados para área de restauro, bem como implantação de um hotel escola; adequação de
edificações para abrigar docentes e discentes da UFRB; e criação de consócio intermunicipal
para preservação do patrimônio cultural envolvendo Cachoeira, São Félix, Maragogipe, Santo
Amaro e São Francisco do Conde.
Os desafios que circundam a preservação do patrimônio material urbano em Cachoeira na
atualidade são inúmeros e perpassam pela necessidade de: incorporar os munícipes na
condução das políticas culturais de preservação, tornando-os agentes ativos nesse processo;
aproximar os órgãos de preservação da comunidade; implantar uma gestão integrada do
patrimônio envolvendo as três esferas governamentais; promover amplamente a Educação
Patrimonial; disseminar os benefícios advindos com a execução de programas de
requalificação do patrimônio, evitando a priorização das áreas centrais e a exclusão dos
bairros periféricos que abrigam bens que não apresentam caráter monumental, mas possuem
grande simbolismo para a população local; e fazer com que os cachoeiranos compreendam o
tombamento e a necessidade de salvaguardar o patrimônio edificado não como entraves para o
desenvolvimento mas, sim, como viabilidades para a melhoria dos índices socioeconômicos e
condições de vida como ocorre, a título de exemplificação, nas cidades de Ouro Preto e
Tiradentes em Minas Gerais.
A complexidade das relações engendradas em Cachoeira em decorrência do tombamento
federal do perímetro urbano, articulada ao processamento de políticas em atenção ao
patrimônio material não se encerram nas considerações tecidas na presente pesquisa, ao
contrário, várias outras vertentes e interfaces ainda precisam ser analisadas, especialmente
porque Cachoeira carece de estudos que visem investigar as possíveis implicações
provenientes das políticas culturais materializadas em seu espaço urbano.
209
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218
ANEXOS
218
ANEXO A - RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS
Entrevistado Cargo/Ocupação Data da entrevista
Aníbal Garrido
Arquiteto e atual Chefe do Escritório
Técnico do IPHAN em Cachoeira
20/05/2010
Cleonice dos Santos
Aposentada, integrante do Samba de
Roda Suerdieck e moradora do bairro
do Rosarinho
01/04/2010
Eduardo Fucs Engenheiro da UEP responsável pela
execução do Programa Monumenta em
Cachoeira
Não presencial
Entrevistado A Aposentado, morador do bairro do
Rosarinho
29/03/2009
Entrevistada B
Comerciante, beneficiada com o
financiamento para imóveis privados
através do Programa Monumenta
25/03/2010
Entrevistada C
Aposentada, moradora do bairro do
Rosarinho.
05/04/2010
Entrevistado D
Comerciante, beneficiado com o
financiamento para imóveis privados
através do Programa Monumenta
25/03/2010
Entrevistada E Dona de casa, beneficiada com o
financiamento para imóveis privados
através do Programa Monumenta
26/03/2010
Heraldo Cachoeira
Ex-marinheiro e advogado aposentado 26/03/2010
Jomar Lima Administrador, graduando em
Museologia pela UFRB, fotógrafo,
fundador da ONG Instituto Preservar e
ex-administrador do Conjunto do
Carmo de Cachoeira
28/03/2010
Lourival Trindade Secretário de Cultura e Turismo do
município de Cachoeira e Gestor do
FUNPATRI
05/04/2010
Luiz Claudio Nascimento
Professor, Historiador e mestre em
Estudos Étnicos e Africanos com
07/10/2009
219
ênfase em antropologia
Marcelino Gomes Diretor da Fundação Casa Paulo Dias
Adorno e ex-funcionário do Escritório
Regional do IPAC em Cachoeira
23/03/2010
Nila da Silva
Trabalhadora autônoma, beneficiada
com o financiamento para imóveis
privados através do Programa
Monumenta
25/03/2010
Raimundo Cerqueira
Professor e presidente da Sociedade
Cultural Orféica Lyra Ceciliana
08/10/2009
Rita Santana
Funcionária pública, formada em
Secretariado e fundadora do Centro de
Estudos Raízes do Recôncavo
24/03/2010
Pedro Borges dos Anjos Professor, editor-fundador do Jornal O
Guarany e selecionado pelo Programa
Monumenta para receber o
financiamento para imóveis privados
25/03/2010
Pedro Erivaldo
Presidente da ONG A cidadã e
graduando do Curso de Museologia
pela UFRB
05/04/2010
Rubens Rocha Aposentado, licenciado em História e
Chefe do Escritório Técnico do
IPHAN em Cachoeira entre os anos de
1978 a 1994
22/05/2010
Whashington Luiz da Silva Ex-secretário de Cultura e Turismo do
município de Cachoeira
03/07/2009
Xavier Vatin
Diretor do campus da UFRB em
Cachoeira
05/04/2010
220
ANEXO B – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS MORADORES
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V
MESTRADO EM CULTURA, MEMÓRIA E DESENVOLVIMENTO REGIONAL
PESQUISA SOBRE AS IMPLICAÇÕES DAS POLÍTICAS CULTURAIS IMPLANTADAS
EM CACHOEIRA
PESQUISADORA: MARIA DA PAZ RODRIGUES
Observação: Os dados obtidos através desse questionário serão utilizados apenas com
finalidade acadêmica e são essenciais para o desenvolvimento da pesquisa de mestrado que
tem por objetivo analisar os impactos provocados pelas políticas culturais na cidade de
Cachoeira-BA. Vale ressaltar, que não serão mencionados na pesquisa os nomes dos
proprietários ou os seus dados de forma individual.
QUESTIONÁRIO
Endereço do imóvel:
___________________________________________________________________________
I – Dados do entrevistado
1. Sua faixa etária está entre:
( ) até 20 anos
( ) 21 e 30 anos
( ) 31 e 40 anos
( ) 41 e 50 anos
( ) 51 e 60 anos
( ) acima de 60 anos
2.Qual o seu nível de escolaridade?
( ) Fundamental incompleto
( ) Fundamental completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Ensino Médio completo
( ) Superior incompleto
( ) Superior completo
( ) Pós- graduado
3. Sua renda mensal é em média:
( ) menos de 1 salário mínimo
( ) um salário mínimo
( ) entre 1 e 3 salários mínimos
( ) entre 3 e 5 salários mínimos
( ) entre 5 e 10 salários mínimos
( ) acima de 10 salários mínimos
4. Você é natural de:
( ) Cachoeira
( ) Outras localidades. Especificar:_____________________________________
(colocar o nome da sua cidade/país de origem)
II – Dados dos demais moradores do imóvel
5. Quantas pessoas residem no imóvel?_______
6. Escolaridade dos moradores do imóvel (especificar quantos se enquadram nos veis
abaixo):
( ) Não alfabetizado
( ) Ensino Fundamental incompleto
( ) Ensino Fundamental completo
( ) Ensino Médio incompleto
( ) Superior incompleto
( ) Superior completo
( ) Pós-graduado
( ) Ensino Médio completo
7. A renda familiar mensal é em torno de:
( ) 1 salário mínino
( ) 2 salários míninos
( ) entre 3 a 5 salários míninos
( ) entre 5 a 7 salários míninos
( ) até 10 salários míninos
( ) acima de 10 salários míninos
III – Dados do imóvel
8.Data de origem do seu imóvel(ano de construção):_________________
9. O atual estado de preservação do seu imóvel é:
( ) Muito bom
( ) Bom
( ) Razoável
( ) Ruim
( )Péssimo
10. Em sua opinião o imóvel é adequado as necessidades da família ou do comércio?
( ) Sim
( ) Não
( ) Razoavelmente
11. O imóvel em que residem é:
( ) Alugado
( ) Próprio
( ) Outras situações. Especificar: ________________
Caso o imóvel seja alugado, responder a questão 12 e depois passar para a questão 15. Se o
imóvel for próprio responder a partir da 13ª questão.
12. Se o imóvel for alugado informar a quantos anos/meses:________
13. A propriedade do imóvel foi:
( ) Herdada
( ) Comprada
( ) Outras situações. Especificar: ______________________________________________
14. Caso o imóvel tenha sido comprado, informar a quantos anos/meses: ______
15. Desenvolve alguma atividade econômica no imóvel?
( ) Sim Especificar a atividade que desenvolve___________________________________
( ) Não
16. A renda da família ou a sua maior parcela esrelacionada a utilização do imóvel nessa
atividade econômica?
( ) Sim
( ) Não
IV – Relação com as políticas de patrimônio
17. Você recebe orientações do IPHAN, do IPAC ou da Prefeitura para
conservação/preservação do seu imóvel?
( ) Sim
( ) Não
18. Se recebe orientação para conservação/preservação do seu imóvel, qual órgão é o
responsável por essa orientação?
( ) IPHAN
( ) IPAC
( ) Prefeitura
( ) Os três realizam as orientações para conservação
19. Já realizou alguma reforma significativa no imóvel?
( ) Sim
( ) Não
20. Caso tenha realizado a reforma, qual foi a forma de custeio das despesas?
( ) Recursos próprios
( ) Financiamento através do Programa Monumenta
( ) Outras situações
21. O seu imóvel participou da seleção do Programa Monumenta para financiamento de
reformas?
( ) Sim e foi selecionado
( ) Sim, mas não foi selecionado
( ) Não
22. Você recebeu orientação dos órgãos de preservação (IPHAN ou IPAC) para a elaboração
do projeto de financiamento da reforma do imóvel?
( ) Sim
( ) Não
23. Você concorda com essa forma de selecionar os imóveis contemplados com o
financiamento?
( ) Sim
( ) Não
Caso o seu imóvel não tenha sido beneficiado com o financiamento através do Programa
Monumenta, passar para a questão 32.
24. Em qual mês/ano recebeu a 1ª parcela do financiamento? _________
25. As parcelas do financiamento foram liberadas no devido prazo?
( ) Sim
( ) Não
26. Recebeu orientação para utilização do financiamento e realização das reformas?
( ) Sim (Especificar o órgão que realizou a orientação)_______________________
( ) Não
27. Com o financiamento foi possível:
( ) Reformar fachada e telhado
( ) Realizar a estabilização da estrutura do imóvel
( ) Melhorar as instalações elétricas
( ) Melhorar a ventilação e instalações sanitárias
( ) Adequar o imóvel para a geração de renda
28. As obras em seu imóvel já foram concluídas?
( ) Sim Informar o mês/ano do encerramento das obras: __________
( ) Não
29. Já iniciou o pagamento das parcelas do financiamento?
( ) Sim
( ) Não
30. Após a reforma, passou a desenvolver alguma atividade comercial no imóvel?
( ) Sim
( ) Não
( ) Já desenvolvia antes da reforma
31. Após a conclusão da reforma, recebeu alguma proposta de compra/aluguel do imóvel?
( ) Sim
( ) Não
32. Em sua opinião, a preservação dos patrimônios de Cachoeira é:
( ) Muito importante
( ) Razoavelmente importante
( ) Pouco importante
( ) Indiferente
33. Para você qual o monumento mais importante ou que melhor representa a cidade de
Cachoeira?
34. Quem deve ser o responsável pela preservação dos imóveis e monumentos tombados?
( ) Os proprietários
( ) Os Poderes Públicos (Municipal, Estadual e Federal)
( ) Os proprietários e os Poderes Públicos
35. Você aprova as fiscalizações realizadas pelos órgãos de preservação em Cachoeira?
( ) Sim
( ) Não
36. Além do Programa Monumenta, você conhece ou existem outros programas/ações de
assistência para preservação do patrimônio cultural em Cachoeira?
( ) Sim Especificar os programas/ações:________________________________________
( ) Não
37. Você aprova a maneira como os programas de preservação dos patrimônios são
conduzidos em Cachoeira?
( ) Sim
( ) Não
Se quiser, justifique sua resposta:________________________________________________
38. Gosta dos resultados produzidos pelas ações do Programa Monumenta na cidade?
( ) Sim
( ) Não
Se quiser, justifique sua resposta:________________________________________________
39. Em sua opinião, as reformas/restaurações promovidas pelo Programa Monumenta
estimulou o aumento do turismo em Cachoeira?
( ) Sim
( ) Não
40. Para você, as ações do Monumenta auxiliaram na valorização dos imóveis na cidade?
( ) Sim
( ) Não
41. Você ou algum membro da família participou das reuniões para a elaboração do projeto
do Programa Monumenta para Cachoeira?
( ) Sim
( ) Não
42. Você ou algum membro da família participou das reuniões para a elaboração do Plano
Diretor da cidade de Cachoeira?
( ) Sim
( ) Não
43. Você ou algum membro da família participou da Conferência Municipal de Cultura
realizada em outubro de 2009?
( ) Sim
( ) Não
44. Você ou algum membro da família participou da Conferência da Cidade de Cachoeira
ocorrida em janeiro de 2010?
( ) Sim
( ) Não
Utilize esse espaço para realizar qualquer observação e/ou comentário que julgar necessário.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Muito obrigada pela sua colaboração.
ANEXO C – DECRETO DO TOMBAMENTO DE CACHOEIRA-BA
DECRETO Nº 68.045 – DE 13 DE JANEIRO DE 1971
Converte em Monumento Nacional a cidade baiana de Cachoeira, e dá outras providências
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 81, item III, tendo
em vista o disposto no artigo 180, ambos da Constituição, e
Considerando a necessidade urgente de ser assegurada proteção especial ao acervo
arquitetônico e natural da tricentenária cidade de Cachoeira, no Estado da Bahia;
Considerando, outrossim, que nessa salvaguarda atende às tradições cívicas da Cidade, capital
da província, durante as lutas pela Independência da Pátria, ali iniciadas a 25 de junho de
1822, e que culminaram a 2 de julho de 1823, com a entrada triunfante do Exército Patriótico
Libertador na Bahia, decreta:
Art. - Fica erigida em Monumento Nacional a cidade de Cachoeira, Estado da Bahia, cuja
área urbana, sítio da antiga Vila de Nossa Senhora do Rosário e lugares históricos adjacentes
serão inscritos nos livros de Tombo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. - Na área do Monumento Nacional da Cachoeira, aplicar-se-á regime especial de
proteção, nos termos do Tombamento determinado no artigo 1º deste Decreto.
Art. 3º - O Ministério da Educação e Cultura, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, promoverá com o concurso dos órgãos competentes e Fundações do
Estado da Bahia e do Município interessado, adoção do plano urbanístico adequado à
preservação do acervo arquitetônico e natural dos sítios históricos da Cachoeira, quanto ao
desenvolvimento e à valorização da cidade e territórios adjacentes.
Parágrafo Único Para atender às necessidades prementes do planejamento e execução dos
serviços de conservação das edificações e logradouros integrantes do Bairro Histórico, e bem
assim, do estabelecimento e urbanização dos bairros novos e estâncias diversas de Cachoeira,
como também para orientação e assistência aos empreendimentos privados na área da cidade,
poderá ser instituída uma Fundação ou organizada uma Sociedade civil com personalidade
jurídica.
Art. - Os Ministérios do Planejamento e Coordenação Geral, do Interior, das Minas e
Energia e dos Transportes, na esfera de suas atribuições, orientarão a elaboração dos projetos,
visando ao desenvolvimento e à valorização da cidade e do município, prestando-lhe o
concurso e a assistência a que fizeram jus.
Art. - O Ministério da Indústria e do Comércio, pelo Conselho Nacional de Turismo e pela
EMBRATUR, elaborará, em colaboração com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional e os órgãos competentes do Estado e do Município, um plano adequado para
incrementar o turismo, em benefício do Monumento Nacional da Cachoeira.
Art. - O Ministério da Educação e Cultura, pelo Conselho Federal de Cultura, incluirá no
programa nacional de cultura, as medidas complementares de assistência e incentivos
decorrentes da salvaguarda, valorização e difusão dos bens contidos no núcleo histórico de
Cachoeira.
Art.7º - Nas propostas orçamentárias para os futuros exercícios, serão incluídas, de acordo
com os critérios adotados nos planejamentos das despesas da administração federal, as
dotações que devam atender ao custeio das medidas indicadas neste Decreto, inclusive com
obras de restauração previstas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art.8º - O presente Decreto, entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Emílio G. Médici – Presidente da República
Mário David Andreazza
Jarbas G. Passarinho
Macus Vinicius Pratini de Moraes
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