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LETÍCIA FERRARINI
FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS:
SUA TUTELA JUDICIAL A PARTIR DA DOUTRINA DOS DEVERES
DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES
ENTRE PARTICULARES
Dissertão apresentada ao Programa de
Pós-Graduação da Faculdade de Direito,
da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, como requisito parcial para
obteão do grau de Mestre em Direito,
área de concentrão: Eficácia e
Efetividade dos Direitos Fundamentais no
Direitoblico e no Direito Privado.
Orientador: Prof. Dr. Eugênio Facchini Neto
Porto Alegre
2009
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LETÍCIA FERRARINI
FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS:
SUA TUTELA JUDICIAL A PARTIR DA DOUTRINA DOS DEVERES
DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES
ENTRE PARTICULARES
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação da Faculdade de Direito,
da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Direito,
área de concentração: Eficácia e
Efetividade dos Direitos Fundamentais no
Direito Público e no Direito Privado.
Aprovada _______, _______________ de 2009, pela Comissão Examinadora.
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Eugênio Facchini Neto - PUCRS
____________________________________________________
Examinador: Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet - PUCRS
____________________________________________________
Examinador: Prof.
Carlos Edison Monteiro do Rêgo Filho – UERJ
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Dedico esta dissertação aos meus
queridos e amados pais.
Pai e Mãe, não fossem vocês, nada disso
estaria acontecendo...
AGRADECIMENTOS
Finalizando o caminho acadêmico percorrido pelos dois últimos anos é
chegada a hora, também, de refletir, crescer e, principalmente, agradecer. Como é
bom “olhar em volta” e perceber que viver vale muito a pena, que os esforços
recompensam e, sobretudo, que vida me presenteia com pessoas maravilhosas, que
além de tornarem os meus dias mais coloridos, fazem-me acreditar que o afeto é o
melhor e mais potente de todos os combustíveis.
Pai e Mãe, Tati e Fabi. Agradeço pelo amor incondicional, pelo cuidado e
dedicação. Obrigada por fazerem nossa família um reduto de afeto, de segurança e
de união. Obrigada por apostarem, sempre, em mim.
Professor Eugênio Facchini, muito mais que um orientador, um grande
exemplo. Agradeço por ter me ensinado a amar a vida acadêmica, pelo constante
estímulo e pela oportunidade de partilhar comigo o seu inestimável conhecimento.
(Como eu sempre disse: “incrível o poder das suas palavras”...)
Minhas queridas amigas do Mestrado, Beti, Bia, Cissa, Deni, Gabi, Lais,
Nathi e Nelise. Nossos momentos juntas me acrescentaram muito. Vocês são o
maior presente que a vida de mestranda me propiciou! Agradeço por dividirem
comigo todas as angústias, as inseguranças e também as conquistas e as alegrias.
Colegas do escritório. Agradeço imensamente o apoio nesse período, em
especial ao Dr. Clóvis, que sempre me compreendeu e ajudou nos momentos mais
difíceis.
Cris. A minha sub-mãe. Agradeço pela tua existência. Não tenho palavras
para expressar minha gratidão pelo amor e cuidado que recebo diariamente de ti. A
vida é generosa comigo, sempre disse ter a melhor mãe do mundo, hoje tenho as
duas melhores!
Mi. Minha confidente, companheira, parceria de todas as horas, enfim, “a
melhor amiga”. Agradeço pelas terapias intensivas, pelos momentos de insanidade,
de tristezas, pelas críticas e, especialmente, pela companhia maravilhosa que fez
(faz e fará) eu viver situações inesquecíveis.
Maria Regina, querida Professora, amiga e conselheira. Agradeço por ter
sempre acreditado em mim e me incentivado a lutar pelos meus sonhos.
Daniel Mitidiero. Agradeço pela força e pelo estímulo que recebi de ti e,
principalmente, pela feliz oportunidade de poder contar com a tua ajuda e o teu
inegável conhecimento. Obrigada pela tua amizade.
Agradeço, enfim, a todos aqueles que dedicaram seu tempo e esforço,
estimulando-me para que chegasse até aqui.
O autocontentamento dogmático é
certamente insuportável, e a autocrítica é
uma excelente coisa”.
(Luc Ferry)
RESUMO
A presente dissertação tem por meta construir, a partir do pensamento
tópico sistemático, uma nova hermenêutica para as famílias simultâneas, em virtude
do descompasso entre o tratamento marginalizado conferido a essa realidade
sociológica presente na família brasileira e a ratio do sistema jurídico
contemporâneo, insculpida na Constituição Federal de 1988. Desta forma, lastreado
nos pressupostos acerca da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais e
das significativas diferenças entre a família patriarcal do início do século XX e a
família contemporânea, o texto repensa, criticamente, a postura do Estado em face
das relações de família para fomentar as bases de um pensamento principiológico,
trazendo ao Direito de Família uma interpretação consentânea com as concepções
eudemonista, aberta e plural da família constitucionalizada. Procede-se a um
redimensionamento da disciplina, coerente com os valores e princípios da
Constituição, buscando, a partir da contribuão da doutrina dos deveres de proteção
do Estado, demonstrar a possibilidade de apreensão jurídica, pelo sistema aberto,
do fenômeno da simultaneidade familiar.
Palavras-chave: Família Simultânea. Vinculação dos Particulares aos Direitos
Fundamentais. Deveres de Proteção do Estado.
ABSTRACT
The present thesis aims at the development, based on the topic-systematic
conception, of a new hermeneutics for simultaneous families in light of the lag
between the ostracizing treatment conferred upon this social reality that manifests
itself in the Brazilian family and the contemporary legal system’s reasoning carved
into the 1988 Brazilian Federal Constitution. Thus, anchored both on the premises
concerning the boundness of private parties to the fundamental rights and on the
meaningful differences between the turn-of-the-20th-century patriarchic family and
the contemporary family, the text critically rethinks the State’s attitude towards family
relations, in order to provide for the basis of a principled thinking, awarding Family
Law with an interpretation that is compatible with the eudaemonist, open and plural
conceptions of the constitutionalized family. A redetermination of the subject is then
performed, one that is coherent with the Constitution’s values and principles, in the
attempt, based on the contribution of the State’s Duties of Protection doctrine, to
demonstrate the possibility of legal encompassing, by the open system, of the family
simultaneity phenomenon.
Keywords: Simultaneous Family. Boundness of Private Parties to Fundamental
Rights. State’s Duties of Protection.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 11
1 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES ENTRE
PARTICULARES.............................................................................................................. 14
1.1 VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS......... 14
1.2 AS TEORIAS SOBRE A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS
RELAÇÕES PRIVADAS E SUA RECEPÇÃO NO DIREITO COMPARADO....... 17
1.2.1 State Action................................................................................................................ 19
1.2.2 Teoria da eficácia mediata ..................................................................................... 21
1.2.3 Teoria da eficácia direta.......................................................................................... 24
1.2.4 A teoria dos deveres de proteção........................................................................ 28
1.3 A VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: FORMAS E LIMITES DA INCIDÊNCIA
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS........................ 33
1.3.1 A eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas
no direito brasileiro .................................................................................................. 34
1.4 EFICIA IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ENTRE PARTICULA-
RES, DESIGUALDADE FÁTICA E AUTONOMIA PRIVADA..................................... 39
1.5 PONDERAÇÃO DE INTERESSES............................................................................. 46
2 A TRAJETÓRIA DA FAMÍLIA NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA.................... 52
2.1 A FAMÍLIA DOS SÉCULOS XVIII E XIX.................................................................... 52
2.2 DO CÓDIGO CIVIL À CONSTITUIÇÃO..................................................................... 56
2.3 O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 1916 ................................................................. 58
2.4 A ERA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO .................................................................... 61
2.5 REPERSONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA ................................................ 70
2.5.1 Os novos contornos da família............................................................................. 75
2.6 O ESPAÇO DO AFETO COMO VALOR JUDICO NA TRANSFORMAÇÃO DA
FAMÍLIA............................................................................................................................ 78
3 LIMITES E POSSIBILIDADES DA EFICÁCIA JURÍDICA DA SIMULTANEI-
DADE FAMILIAR............................................................................................................... 83
3.1 CONTEXTUALIZANDO A SIMULTANEIDADE FAMILIAR..................................... 84
3.1.1 Simultaneidade familiar na perspectiva da conjugalidade ........................... 86
3.2 PROBLEMATIZAÇÃO JURÍDICA DA SIMULTANEIDADE FAMILIAR................. 89
3.2.1 Breves ponderações sobre a monogamia......................................................... 90
3.2.2 O Estado Social Democrático de Direito e a proteção dos direitos
fundamentais nas relações da família eudemonista...................................... 94
3.2.3 Pluralismo familiar: da unidade à pluralidade constitucional (leitura a
partir do artigo 226 da Constituição Federal de 1988)................................. 100
3.3 ELEMENTOS MÍNIMOS A CONFERIR O STATUS DE ENTIDADE FAMILIAR
A DETERMINADA SITUAÇÃO DE SIMULTANEIDADE FUNDADA EM
CONJUGALIDADES CONCOMITANTES: NECESSÁRIA DISTINÇÃO ENTRE
AS RELAÇÕES ADULTERINAS EVENTUAIS E AS RELAÇÕES PARALELAS
MERECEDORAS DE CHANCELA JURÍDICA ........................................................ 106
3.3.1 Boa, afetividade, coexistência, estabilidade e ostentabilidade plena....... 107
3.4 LIMITES DA AÇÃO/OMISSÃO DO ESTADO DIANTE DA SIMULTANEIDADE
FAMILIAR: CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA DOS DEVERES DE PROTEÇÃO
NA CHANCELA JURÍDICA DAS FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS............................... 115
3.4.1 Breve retomada em torno da teoria dos deveres de proteção................... 116
3.4.1.1 O trilhar da função protetiva - a Constituição e o Poder Legislativo ............. 118
3.4.2 Aplicação da teoria dos deveres de proteção na busca da chancela
jurídica das famílias simultâneas ...................................................................... 121
3.4.3 Concretização: a efetiva tutela da família simultânea pelo juiz
constitucional........................................................................................................... 127
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 133
REFERÊNCIAS.......................................................................................................137
11
INTRODUÇÃO
A partir dos novos contornos do Direito Privado trazidos pela
Constituição de 1988, o Direito de Família, na concepção tópico-sistemática do
Direito, está alicerçado sobre os pilares da afetividade.
A incidência dos novos valores que informam a família
constitucionalizada e suas implicações na ordem jurídica pátria é o alvo de
estudo crítico do presente trabalho. Objetiva-se analisar a concepção aberta e
plural da família eudemonista, erigida na Constituição Federal, em contraposição
à perspectiva clássica do Direito Civil oitocentista.
Esta a meta a ser alcançada, realinhando-se o Direito de Família a
propostas que contemplem o ingresso, por meio da porosidade do sistema
jurídico aberto, de arranjos afetivos que, a par de não serem reconhecidos
expressamente como entidades familiares, encontram-se à margem da proteção
jurídica estatal.
A reflexão é fruto de preocupação da pesquisa em fundamentar
caminhos que permitam ao Estado efetivar os direitos fundamentais inseridos na
Constituição, especialmente o de “especial proteção à família” constante do
artigo 226 da Lei Maior. Reporta-se a uma família eudemonista libertadora, que
ingressa no jurídico sob o influxo de uma interpretação principiológica e
consentânea com o Estado Constitucional.
12
Inicia-se o estudo trabalhando com a temática da vinculação dos
particulares aos direitos fundamentais. Serão apresentadas as principais teorias
sobre a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas e a
respectiva aceitação que obtiveram na ordem constitucional pátria. Aqui surge o
primeiro desafio que o presente trabalho busca enfrentar.
Diante das significativas e contundentes divergências acerca da tese
que se revela constitucionalmente adequada às formas e limites de vinculação
dos particulares aos direitos fundamentais e tendo em vista a valiosa construção
doutrinária em prol de uma eficácia direta prima facie no cenário brasileiro, o
estudo afasta a idéia de exclusão entre as teorias para trabalhar com a
concepção de complementariedade.
No segundo capítulo estuda-se a trajetória da instituição familiar na
ordem jurídica brasileira. Pretende-se analisar as transformações no conceito,
valores, estrutura e relações de poder ocorridas na família desde o Brasil
Colônia até a contemporaneidade.
Em virtude disso, aborda-se a travessia da família desde o Código Civil
de 1916, influenciado pelo Código de Napoleão, até o advento da Constituição
Federal de 1988, quando tem início a repersonalização das relações familiares,
fenômeno consequente da constitucionalização do Direito de Família. Nesse
passo, apontam-se os novos contornos das estruturas familiares delineados sob
o prisma afetivo, cujo resultado é a assim denominada “família eudemonista”.
O terceiro capítulo enfrenta a realidade sociológica das famílias
simultâneas. Para garantir alguma sistematização ao estudo, serão abordadas
questões elementares à compreensão de tal arranjo afetivo na perspectiva da
conjugalidade.
13
Contextualizado o fenômeno no âmbito do Estado Social Democrático
de Direito que, a partir da cláusula da dignidade da pessoa humana, fez-se
reconhecedor da família eudemonista, trabalhar-se-á com a concepção do
pluralismo familiar assente na ordem constitucional pátria.
O modo como vai se operar a proteção de situações de simultaneidade
familiar no sistema jurídico, bem como o papel a ser desempenhado pelo
Estado, é o tema deste terceiro capítulo, revelando-se, com base na necessária
distinção entre as relações adulterinas eventuais e as relações paralelas
merecedoras de chancela jurídica, novas perspectivas para interpretar, a partir
da leitura constitucional, as possibilidades e eventuais limites de seu ingresso no
sistema jurídico.
O balizamento da concepção eudemonista de família com os direitos
fundamentais envolve, inexoravelmente, o reconhecimento da eficácia desses
direitos na seara familiar. Pretende-se demonstrar a contribuição da doutrina dos
deveres de proteção do Estado na busca da tutela do direito das famílias
simultâneas. Relevante se faz uma análise da postura estatal, revelando-se os
desafios entre os Poderes Legislativo e Judiciário - agora sujeitos à dignidade da
pessoa humana - na concretização dos direitos fundamentais.
Nessa dimensão, o desafio do estudo esem demonstrar o dever de o
Estado-juiz, diante da omissão do Estado-Legislador, reconhecer a existência da
família simultânea como um arranjo familiar compatível com a proteção
constitucional, disto extraindo-se a sua tutela e respectivos efeitos.
Convida-se à reflexão em torno da função protetiva do Estado
Constitucional diante dessa realidade sociológica que é a família simultânea, de
forma a contribuir na construção de uma postura estatal justa e igualitária,
superando-se os dogmatismos conceituais e, também, as hipocrisias.
14
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância do trabalho surgiu da expectativa de encontrar
instrumentos que possibilitem formas constitucionalmente adequadas de gerir
determinados conflitos familiares que deságuam no Poder Judiciário, deixando
de lado os dogmatismos conceituais em torno das relações afetivas.
Em matéria de família, tal postura reflete uma consequência direta: o
respeito à pluralidade de formas de constituição de entidade familiar. Isso
porque, além daquelas expressamente reconhecidas pela Constituição de 1988,
outros arranjos afetivos constituem família, sendo, como tal, titulares da especial
proteção do Estado.
Nessa seara de pluralidade, revelou-se o espaço de investigação
percorrido ao longo do estudo. A família institucional, transpessoal,
hierarquizada e matrimonializada alterou-se em sua estrutura e substância,
diante dos avanços sociais e da nova disciplina de suas relações no âmbito do
sistema jurídico constitucionalizado, impondo uma modificação para o
paradigma eudemonista, pelo qual os membros de um grupo familiar buscam
sua felicidade e realização.
Decorre da feição da família aberta e plural uma mutabilidade
inexorável, não sendo compatível com os valores que a informam a pretensão
de inalterabilidade conceitual. A abertura sistemática implica renúncia à
pretensão de aprisionar os arranjos familiares a modelos fechados, abstratos e
excludentes.
Para a análise do Direito de Família atual, portanto, é necessário que se
atente à constitucionalização e à repersonalização das relações familiares. O
15
sistema jurídico se afastou dos valores burgueses, liberais, centrados no
patrimônio, para voltar-se à dignidade da pessoa humana.
No Direito de Família atual a ação do Estado como coação legítima
somente deve se dar com vista a evitar ofensa a direitos fundamentais ou a
promover sua eficácia. Não deve, todavia, apresentar-se de modo a dirigir
comportamentos e aniquilar, a priori, morais individuais.
Não se pode desvincular, nesta perspectiva de mudanças, o papel do
Estado que, superando a pretensa neutralidade do liberalismo, começa a intervir
de modo direto nas relações privadas, assumindo uma postura ativa na tutela e
na promoção dos direitos fundamentais.
Para concretizar os direitos fundamentais da pessoa humana, na busca
de felicidade, e em consonância axiológica com os princípios constitucionais,
sistematicamente analisados, assume importância, portanto, o reconhecimento
das formas e limites da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.
No caso específico das famílias simultâneas, a par do reconhecimento
do pluralismo familiar pela ordem jurídica, um descompasso entre as
garantias constantes da Constituição e o desdobramento de situações concretas
que, em virtude de relevância social, repercutem no jurídico com expectativa de
uma resposta que promova efetivamente a dignidade coexistencial de cada
pessoa.
Daí que a família simultânea, justamente pelo fato não se enquadrar nas
possibilidades expressas na Constituição, tem de ser analisada topicamente.
Presentes os elementos caracterizadores, a relação simultânea ingressa no
jurídico por meio da porosidade do sistema aberto, passando, portanto, a gozar
do status de família, sendo merecedora, como tal, da especial proteção do
Estado.
16
Para se afigurar como tal, porém, características comuns e
essenciais, sem as quais não haverá o reconhecimento da proteção
constitucional. A boa-fé objetiva, a afetividade, a coexistência, a estabilidade e a
ostentabilidade plena constituem elementos indispensáveis a comprovar a
comunhão de vida e o comprometimento recíproco, que são comuns a qualquer
entidade familiar merecedora da tutela estatal.
Nesse passo, superado o momento inicial de verificação dos elementos
essenciais a caracterizar a relação conjugal simultânea como entidade familiar,
incumbe ao Estado Constitucional, que se quer democrático e onde a dignidade
da pessoa humana é erigida à condição de fundamento da República, promover
a tutela dessas entidades familiares não reconhecidas socialmente,
estigmatizadas e carentes de efetiva proteção estatal. Aquilo que constituir
família em uma perspectiva sociológica também assim de ser reputado
perante o Direito.
No cenário atual, a doutrina se mostra incipiente em atribuir às famílias
simultâneas a chancela jurídica de entidade familiar, alegando aparente lacuna
ou a falta de permissão legal para tutelar tais relações afetivas. Na mesma linha,
o Legislativo relegou ao Judiciário a árdua tarefa de concretizar a sua proteção,
eis que de forma excludente e omissa, silenciou a respeito do tema. Mantendo a
superada concepção de família, deixou de realizar os anseios por uma efetiva
igualdade de tratamento entre os diversos arranjos familiares.
A par dessa omissão do legislador infraconstitucional que, numa postura
de violação à proibição de medidas insuficientes, não outorgou expressa tutela
às famílias simultâneas, o caminho para sua efetiva proteção está em exigir-se
do Estado-juiz semelhante providência.
17
Diante do dever de proteção do Estado, não é conferida a possibilidade
de o Estado-juiz simplesmente ignorar os direitos que decorrem da família
simultânea, pois inexiste mandamento legal que a equipare a um caso de
bigamia ou a qualquer outra situação que proíba o reconhecimento dos seus
efeitos, ainda que isso implique “repartir” direitos entre ambas as famílias e seus
componentes.
Havendo família, haverá tutela constitucional, com idêntica atribuição de
dignidade. A chancela de seus efeitos, pelo Estado-juiz, opera-se por meio da
construção concreta da norma: vale dizer, é em concreto que será possível
verificar se óbice ou não à incidência de dada eficácia sobre determinada
situação consoante suas peculiaridades.
Nesse contexto que se constata a contribuição da doutrina dos deveres
de proteção, na medida em que impõe ao Estado, em todas as suas
articulações, o dever de proteger e promover os direitos fundamentais no âmbito
das relações entre particulares. Depreende-se daí um dever do Estado-juiz no
sentido de reconhecer a existência das famílias simultâneas como um arranjo
familiar compatível com a proteção constitucional, disto extraindo-se os
respectivos efeitos.
Enfatiza-se, por derradeiro, que o propósito da análise da contribuição
dos deveres de proteção é uma tentativa de tornar mais factível a proteção
concreta de uma situação de fato tal como é a hipótese da família simultânea.
Renuncia-se, pois, á idéia de exclusão entre as teorias que tratam da vinculação
dos particulares aos direitos fundamentais.
Assim como aos aplicadores do Direito deve interessar primordialmente
o conteúdo das normas jurídicas em detrimento da forma, o discurso das teorias
deve ser apreendido em caráter de complementariedade, assumindo-se como
proveitosas as contribuições que viabilizem a concretização, de forma realista,
18
dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, sobretudo no cenário
brasileiro, marcado por contrastes sociais, econômicos e culturais.
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