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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAQUARA - UNIARA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO
REGIONAL E MEIO AMBIENTE
A LUTA PELA POSSE DA TERRA NA REGIÃO DE
RIBEIRÃO PRETO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO E
ORGANIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO MÁRIO LAGO
DORIVAL BORELLI FILHO
ARARAQUARA - SP
2009
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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAQUARA - UNIARA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO
REGIONAL E MEIO AMBIENTE
A LUTA PELA POSSE DA TERRA NA REGIÃO DE
RIBEIRÃO PRETO: O PROCESSO DE FORMAÇÃO E
ORGANIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO MÁRIO LAGO
Dissertação apresentada ao Centro Universitário
de Araraquara (UNIARA), como parte das
exigências para a obtenção do título de Mestre em
Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente.
DORIVAL BORELLI FILHO
Orientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia Silveira
Botta Ferrante
ARARAQUARA - SP
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA
Dorival, Borelli Filho.
A Luta pela Posse da Terra na Região de Ribeirão Preto: o processo de formação e
organização do assentamento Mário Lago/ Dorival Borelli Filho. - Araraquara: Centro
Universitário de Araraquara, 2009.
152 p.
Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional
e Meio Ambiente - Centro Universitário de Araraquara.
Área de Concentração: Gestão de Território.
Orientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante.
1. Luta pela Terra. 2. MST. 3. Região de Ribeirão Preto. 4. Assentamento Mário
Lago. 5. Processo de Formação. 6. Organização Social e da Produção. I. Título.
3
4
5
Quando o capital se apropria da terra,
esta se transforma em terra de negócio,
em terra de exploração do trabalho
alheio; quando o trabalhador se apossa
da terra, ela se transforma em terra de
trabalho (José de Souza Martins, 1980).
6
À memória de meu Pai, Dorival
Borelli, que quinze anos nos deixou
e a Minha mãe, Leonor Miguel Borelli,
que, brilhantemente, o substituiu nesses
anos todos, acumulando as funções
maternas e paternas.
7
AGRADECIMENTOS
Se o pensar se faz coletivamente, uma dissertação é povoada de encontros.
Assim, este trabalho é uma obra coletiva, pontuada pelo encontro de diversas pessoas.
Dessa maneira, agradeço:
A Deus pelo dom da vida, saúde, disposição em continuar estudando e por todas as
experiências que passei nessa vida.
À Profa. Dra. Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante pela paciência, orientação, compreensão,
apoio, amizade e por todo o conhecimento compartilhado ao longo desses dois anos,
pessoa essa que de uma maneira toda especial consegue suscitar em seus orientandos o
desejo de esforçar-se por um mundo mais justo.
À minha mãe, pela dedicação, apoio, amor e por ser um símbolo de dignidade e luta.
Ao meu pai que embora não esteja presente, acredito que de algum lugar continua a torcer
mim.
À minha namorada, Malaman, pelo carinho, apoio, disposição em auxiliar-me e
paciência em meus momentos de crise que não foram poucos.
À todas as famílias de trabalhadores rurais do assentamento Mário Lago, especialmente,
aquelas que gentilmente concederam entrevista a este pesquisador.
A todos os professores que integraram as bancas examinadoras dos Seminários de Pesquisa
e Dissertação e, em especial, aos professores Luís Antonio Barone e Luiz Manoel de
Moraes Camargo Almeida, que integraram as bancas examinadoras do Exame Geral de
Qualificação e Defesa desta dissertação, pela atenção, críticas, sugestões, contribuições e
disposição em auxiliar-me no desenvolvimento deste trabalho.
8
A todos os professores do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio
Ambiente do Centro Universitário de Araraquara (UNIARA), pelo convívio e
conhecimentos compartilhados, que de um modo ou de outro também colaboram com o
desenvolvimento deste trabalho.
Às secretárias e amigas, Adriana, Ivani e Silvia, pela disponibilidade e amizade
compartilhada.
A todos os meus colegas de curso, pela amizade e companheirismo, em especial, à pessoa
da jornalista Lívia Nunes, da qual nos tornamos grandes amigos.
A todos que direta ou indiretamente contribuíram com este trabalho.
Certamente não estão todos/as nomeados neste espaço, mas gostaria que se
sentissem incluídos/as todos/as aqueles/as que conviveram comigo nestes anos partilhando
a vida.
9
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
RESUMO...........................................................................................................................
ABSTRACT......................................................................................................................
APRESENTAÇÃO...........................................................................................................
INTRODUÇÃO................................................................................................................
A Construção do Referencial Teórico-Metodológico...................................................
Os Sujeitos da Pesquisa....................................................................................................
Os Procedimentos da Pesquisa.......................................................................................
Os Caminhos da Pesquisa de Campo..............................................................................
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25
25
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29
1. MODALIDADES DE LUTA, ORGANIZAÇÃO SOCIAL E DA PRODUÇÃO
NOS PROJETOS DE ASSENTAMENTOS RURAIS DO MST.................................
1.1. Breve Contextualização Histórica do MST.............................................................
1.2. As Modalidades de Luta Implementadas pelo MST..............................................
1.3. A Organização Social nos Projetos de Assentamentos Rurais do MST...............
1.4. A Organização da Produção nos Projetos de Assentamentos Rurais do MST....
31
31
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46
51
2. O CENÁRIO E OS ATORES: A TERRITORIALIZAÇÃO DO MST NA
REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO.................................................................................
2.1. A Região de Ribeirão Preto......................................................................................
2.2. O Município de Ribeirão Preto................................................................................
2.3. Acampamentos e Assentamentos da Região de Ribeirão Preto............................
2.4. As Estruturas do MST na Região de Ribeirão Preto.............................................
2.4.1. O Centro de Formação Sócio-Agrícola Dom Hélder Câmara............................
56
56
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10
2.4.2. O Assentamento Sepé Tiarajú...............................................................................
2.4.3. O Acampamento Alexandra Kolontai..................................................................
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68
3. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO ASSENTAMENTO MÁRIO LAGO: A
OCUPAÇÃO DA FAZENDA DA BARRA....................................................................
3.1. Caracterização da Antiga Fazenda da Barra.........................................................
3.2. O Processo de Ocupação da Fazenda da Barra......................................................
3.3. As Disputas Judiciais: retrocessos e conquistas......................................................
3.4. Trajetória de Vida e Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa.............................
3.5. O Processo de Assentamento das Famílias Acampadas: conflitos e negociações
3.6. Condições de Subsistência das Famílias Assentadas..............................................
3.7. Demais Modalidades de Luta...................................................................................
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70
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96
102
4. A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E DA PRODUÇÃO DO ASSENTAMENTO
MÁRIO LAGO.................................................................................................................
4.1. A Organização Social das Famílias Assentadas pelo MST....................................
4.1.1. Os Núcleos de Moradia..........................................................................................
4.1.2. A Infra-estrutura Organizacional.........................................................................
4.1.3. O Regimento Interno..............................................................................................
4.1.4. As Relações de Sociabilidade.................................................................................
4.2. A Organização da Produção do Assentamento Mário Lago.................................
4.2.1. A Assistência Técnica.............................................................................................
4.2.2. O Primeiro Crédito Agrícola.................................................................................
4.2.3. A Comercialização dos Produtos..........................................................................
4.3. Complementações de Renda.....................................................................................
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CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................
ANEXOS...........................................................................................................................
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146
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Localização da Microrregião de Ribeirão Preto no Estado de São Paulo
Figura 2 - Localização Município de Ribeirão Preto no Estado de São Paulo
Figura 3 - Foto de Satélite do Município de Ribeirão Preto
Figura 4 - Organograma da Estrutura Regional do MST
Figura 5 - Marcha do MST em 13 de setembro de 2003
Figura 6 - Família Assentada
Figura 7 - Crianças Jogando Futebol
Figura 8 - Condições de Moradia das Famílias Assentadas
Figura 9 - Ocupação da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto
Figura 10 - Ocupação da Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão Preto
Figura 11 - Reunião do Grupo de Jovens
Figura 12 - Secretaria do Assentamento Mário Lago
Figura 13 - Sede do Assentamento
Figura 14 - Estábulo do Assentamento
Figura 15 - Dimensões do Lote Familiar
Figura 16 - Plantação de Arroz
Figura 17 - Plantação de Vagem
Figura 18 - Criação de Suínos
Figura 19 - Criação de Aves
Figura 20 - Bem de Capital
Figura 21 - Futuras Instalações da Feira do Assentamento
12
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - A Luta e a Conquista da Terra no Brasil
Tabela 2 - Estrutura Organizativa do MST
Tabela 3 - Concentração Fundiária na Região de Ribeirão Preto
Tabela 4 - Acampamentos Localizados na Microrregião de Ribeirão Preto
Tabela 5 - Assentamentos Federais Localizados na Microrregião de Ribeirão Preto
Tabela 6 - Assentamentos Estaduais Localizados na Microrregião de Ribeirão Preto
Tabela 7 - Composição da Vegetação da Fazenda da Barra
Tabela 8 - Cronograma do Processo de Luta pela Posse da Fazenda da Barra
Tabela 9 - Prestação de Contas Eleitorais do Prefeito da Administração 2004-2008
13
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - A Luta e a Conquista da Terra no Brasil
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
APP - Área de Preservação Permanente
ARENA - Aliança Renovadora Nacional
CEFAM - Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento
CONTAG - Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
CPA - Cooperativa de Produção Agropecuária
CPFL - Companhia Paulista de Força e Luz
CPT - Comissão Pastoral da Terra
CUT - Central Única dos Trabalhadores
DAEE - Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo
DAERP - Departamento de Água e Esgotos de Ribeirão Preto
DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra
DEM - Democratas
DPRN - Divisão de Proteção de Recursos Naturais
EJA - Educação de Jovens e Adultos
FHC - Fernando Henrique Cardoso
GSI - Gabinete de Segurança Institucional
IBOPE Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IPNRA - I Plano Nacional de Reforma Agrária
ITESP - Instituto de Terras do Estado de São Paulo
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDB - Movimento Democrático Brasileiro
MLST - Movimento de Libertação dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NATRA - Núcleo Agrário Terra e Raiz
NUPPEDOR - Núcleo de Pesquisa e Documentação Rural
ONGs - Organizações Não-Governamentais
15
PA - Projeto de Assentamento
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PDS - Projeto de Desenvolvimento Sustentável
PDT - Partido Democrático Trabalhista
PFL - Partido da Frente Liberal
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PSB - Partido Socialista Brasileiro
PSD - Partido Social Democrático
PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira
PT - Partido dos Trabalhadores
SP - São Paulo
TAC - Termo de Ajustamento de Conduta
TRF - Tribunal Regional Federal
TSE - Tribunal Superior Eleitoral
UDN - União Democrática Nacional
UDR - União Democrata Ruralista
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFSCAR - Universidade Federal de São Carlos
UNB - Universidade de Brasília
UNIARA - Centro Universitário de Araraquara
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RESUMO
O objetivo central desta pesquisa é realizar uma análise do processo de formação do
projeto de assentamento federal Mário Lago, a partir da ação de ocupação da antiga
Fazenda da Barra, sob a liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra e do
conseqüente processo de assentamento das famílias acampadas, bem como, de seu modelo
de organização social interna estabelecido às famílias assentadas que se encontram sob a
liderança do movimento sem-terra e, por fim, de seu incipiente projeto agroecológico de
produção, como a gestação de um possível embrião de desenvolvimento regional
sustentável diferenciado e contestador das estratégias convencionais do modelo de
agronegócio local, caracterizado nesta região pela produção sucroalcooleira. Para a coleta
de dados junto às famílias assentadas, foram empregadas, como ferramentas de pesquisa,
técnicas qualitativas, além de dados quantitativos colhidos junto ao Incra. Como técnicas
qualitativas de pesquisa, foram utilizadas: a observação participativa e entrevistas semi-
estruturadas com as lideranças do assentamento e com 27 famílias assentadas. O
assentamento Mário Lago localiza-se no município de Ribeirão Preto, em uma região
caracterizada como o centro da indústria agrocanavieira do interior do estado de São Paulo.
O assentamento foi criado pelo Incra, em junho de 2007, no modelo PDS (Projeto de
Desenvolvimento Sustentável), objetivando a produção agroecológica, sem a utilização de
agrotóxicos e, conseqüentemente, sem ocasionar prejuízos ao meio ambiente, pois se
encontra sobre uma área de recarga do Sistema Aqüífero Guarani. O processo de ocupação
da Fazenda da Barra iniciou-se em abril de 2003, momento em que, cerca de 500 famílias,
sob a liderança do MST, ocuparam a entrada do Sítio Bragheto (propriedade anexa à
Fazenda da Barra), reivindicando a desapropriação da fazenda para fins de assentamento
de reforma agrária, pois, segundo o movimento sem-terra, os proprietários da área estariam
deixando de cumprir sua função social, a produção, além de ocasionarem uma série de
prejuízos ao meio ambiente. As famílias permaneceram acampadas no sítio Bragheto
durante quatro meses, sendo despejadas por força de uma ação judicial. Em agosto 2003, o
movimento sem-terra ocupa a Fazenda da Barra, obtendo êxito nesta segunda intervenção.
Atualmente, o assentamento é constituído por 264 famílias, que se encontram internamente
organizadas pelo movimento em 20 núcleos de moradia, que, por sua vez, agregam, em
média, de 10 a 20 grupos familiares. Todos esses núcleos foram intitulados com nomes de
personagens que abraçaram causas sociais e políticas, tais como: Dom Hélder Câmara,
Antonio Gramsci, Zumbi dos Palmares, entre outros. Para cada núcleo de moradia, existem
coordenadores gerais de ambos os gêneros. Simultaneamente a esta organização, existem
ainda os coordenadores dos seguintes setores: saúde, formação e gênero, coordenação,
educação, ciranda, segurança, esporte, cultura e lazer eleitos pelos núcleos familiares.
Ainda acerca da organização interna do assentamento, verificou a existência de um
rigoroso regimento constituído por doze regras, cujo propósito principal é disciplinar o
comportamento dos grupos familiares, que se encontram temporariamente assentados em
lotes provisórios denominados Comuna da Terra, que comportam a dimensão de 0,9
hectares, desenvolvendo uma incipiente policultura orgânica, além de produzirem cana-de-
açúcar e polvilho.
Palavras-Chave: Assentamento Mário Lago; Processo de Formação; Organização Social e
da Produção; MST.
17
ABSTRACT
The objective of this research is examine the process of forming the federal settlement
project Mário Lago, from the action of occupying the old Hacienda Bar, under the
leadership of the Workers Movement Landless and the consequent process of settlement of
squatter families, as well as its model of social organization established to internal settler
families who are under the leadership of the landless and, finally, his fledgling project
agroecological production, as the gestation of an embryo can regional development
differential and oppositional strategies conventional model of local agribusiness,
characterized this region for alcohol production. To collect data from the families settled,
were used as research tools, techniques and, in addition to quantitative data collected from
the INCRA. As qualitative research techniques were used: participant observation and
semi-structured interviews with the leaders of the settlement and 27 families settled. The
settlement Mário Lago is located in the municipality of Ribeirao Preto, in a region
characterized as the center of agrocanavieira industry in the state of Sao Paulo. The
settlement created by INCRA, in June 2007, the PDS model (Project Development), aimed
at agro-ecological production without the use of pesticides and, consequently, without
harming the environment, as it is over an area of recharge of the Guarani Aquifer System.
The process of occupation of the Fazenda da Barra began in April 2003, at which about
500 families, under the leadership of the MST, occupied the entrance to the site Bragheto
(property annexed to the Fazenda da Barra), claiming the expropriation of farm for
purposes of agrarian reform settlement, because, according to the landless movement, the
owners of the area would be failing to fulfill its social function, production, and
occasioning a lot of damage to the environment. The families remained camped on the site
Bragheto for four months, being discharged by virtue of a lawsuit. In August 2003, the
landless movement occupied the Fazenda da Barra, achieving success in this second
intervention. Currently, the settlement consists of 264 families, which are organized
internally by the movement in core housing 20, which, in turn, add an average of 10 to 20
groups families. All these nuclei were titled with names of characters who have embraced
social and political causes, such as Dom Helder Camara, Antonio Gramsci, Zumbi dos
Palmares, among others. For each core housing, there are general coordinators of both
genders. Simultaneously with this organization, there are also the coordinators of the
following sectors: health, education and gender, coordination, education, Ciranda, security,
sport, culture and leisure elected by family groups. Still on the internal organization of the
settlement, noted that there was a strict regiment composed of twelve rules, whose main
purpose is to discipline the behavior of family groups, which are temporarily settled in
temporary lots Commune called Earth, involving the dimension of 0, 9 hectares,
developing an incipient organic mixed crop and produce cane sugar and flour.
Key-Words: Settlement Mário Lago; Process Training; Social Organization and
Production; MST.
18
APRESENTAÇÃO
Uma trajetória de pesquisa não caminha à
margem de dimensões conjunturais, das emoções,
das experiências e valores que o pesquisador
acumula ao se defrontar com perspectivas de
transformação da realidade, com projetos que
recolocam questões aparentemente enterradas sem
direito à voz e voto (Vera Lúcia S. Botta Ferrante).
Optar trabalhar com assentamentos rurais, em uma área um pouco distante de
minha atual atuação profissional, a docência, constituiu-se como uma árdua tarefa, como
um verdadeiro desafio, mas, ao mesmo tempo, apaixonante, pois estes não se apresentam
aos nossos sentidos e a nossa razão como instâncias estagnadas, mas sim como realidades
sociais extremamente complexas e em um perene processo de transformação e evolução.
A escolha da temática dessa dissertação encontra-se intimamente relacionada à
minha história familiar, que, como a própria grafia e a sonoridade revelam, é a história de
uma típica família de imigrantes italianos, mais precisamente, provenientes do sul daquele
país, ou seja, de sua região mais pobre, que, ao contrário do norte (cujos imigrantes que
vieram para o Brasil eram mais abastados, geralmente, pequenos proprietários rurais),
passava, na segunda metade do século XIX, por uma séria crise econômica, não
conseguindo absorver o sistema capitalista toda a mão-de-obra existente e, além disso,
gerando miséria por onde adentrava, com pessoas sendo expulsas do campo e,
conseqüentemente, sendo forçadas a residirem na cidade.
Constam dos Arquivos do Memorial do Imigrante (Livro 016, p. 300), que meu
bisavô, Giuseppe Borelli, procedente do Rio de Janeiro, chegou sozinho e solteiro aos 21
anos de idade ao porto de Santos, a bordo do vapor Birmânia, dando entrada na então
Hospedaria dos Imigrantes poucos meses após o fim da escravidão no país e pouco tempo
antes da proclamação da República, mais especificamente, no dia 18 de dezembro.
Logo em seguida, Giuseppe ou Joseppe, que após o processo de naturalização
tornou-se José e cujos pais chamavam-se Antonio Borelli e Genofeva Silvestre, dirigiu-se
até as proximidades do vilarejo de Ribeirãozinho, a atual Taquaritinga, a fim de trabalhar
como lavrador em uma fazenda de café, chamada Fazenda Gramma (propriedade rural esta
que até os dias atuais existe com esse mesmo nome), isto é, meu bisavô veio para o Brasil
19
para trabalhar em substituição à mão-de-obra escrava que, paulatinamente, em razão de
uma forte pressão da Inglaterra, vinha sendo extinta no país, a fim de que o capital
empregado na compra de escravos fosse direcionado para a compra de produtos
industrializados ingleses.
O fato de meu bisavô chegar ao país sozinho e solteiro contraria um pouco a
política de imigração desenvolvida no Brasil na segunda metade do século XIX, que a
preferência do Estado e dos cafeicultores era por famílias constituídas por filhos, pois além
se serem brancas e professarem a religião católica, haja vista a política de
embranquecimento da população, seus filhos constituíam braços a mais na lavoura que não
seriam devidamente remunerados pelo cafeicultor.
Posteriormente, meu bisavô veio a se casar, em data ignorada, com minha bisavó,
Catharina Benvenutelli, ela também de origem italiana, cujos pais chamavam-se Pedro
Benvenutelli e Budeza Philomena. Desse casamento nasceram seis filhos: Argia, Rezinha,
Plimina, Maria e Luiz, meu avô. Quando da morte de meu bisavô em 1912, com 53 anos,
um fato chama a atenção: meu avô tinha somente doze anos de idade. Antonio com 19
anos, Plimina com 15 e Maria com 10 anos também eram menores de idade.
Não obstante, verificando melhor a Certidão de Óbito de meu bisavô e fazendo
uma simples operação matemática, um outro dado chama a atenção, uma confusão de
datas, pois quando de seu falecimento, em 1912, Argia, sua filha mais velha, tinha 25 anos.
Dessa maneira, se retrocedermos 25 anos no tempo, chegaremos ao ano de 1887, mas, de
acordo com a documentação fornecida pelo Memorial do Imigrante, meu bisavô chegou
sozinho e solteiro ao Brasil no ano de 1888.
Consta na Certidão de Nascimento de meu avô Luiz, que ele nasceu no ano de
1900, no dia 19 de junho, mas em uma outra fazenda de café, próxima à cidade de Matão,
chamada Fazenda Onça. A princípio lavrador, com a inserção do capitalismo no campo
brasileiro, principalmente, a partir das décadas de 1950 e 60, ele veio a residir na cidade de
Taquaritinga, tornando-se ferreiro. Uma de suas atividades era consertar rodas de carroça
em sua oficina localizada no centro da cidade, em frente a sua casa.
Por sua vez, minha avó, Helena Fatorelli, nasceu na cidade de São Carlos, no dia
22 de dezembro de 1905. Seus pais chamavam-se Caetano Fatorelli e Eliza Françoso.
Meus avós vieram a se casar no ano de 1921. Meu avô com 21 anos e minha avó com
apenas 16 anos de idade, um fato que não era tão constante como se pensa. Desse
casamento nasceram oito filhos: Eliza, Neuza, Maria, Waldemar, José, Gabriel, Geraldo e
20
Dorival, meu pai. Seus filhos homens o ajudavam em sua profissão, mas posteriormente
vieram a seguir profissões distintas.
Discorrendo um pouco acerca de minha trajetória de vida e atividade profissional,
gostaria de relatar que o meu interesse pela temática da reforma agrária foi suscitado
mais de dez anos atrás, no ano de 1997, no momento em que concluía o Ensino Médio pelo
extinto Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), na cidade de
Taquaritinga.
Envolvido à época com as atividades políticas do Grêmio Estudantil desta
instituição escolar, na formatura do curso, recebi de presente de meu primo Dário um
exemplar da revista científica Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, da qual é
editor assistente até o presente momento, revista esta, que abordava justamente a questão
agrária, realizando um balanço desta problemática a partir da divulgação do I Censo da
Reforma Agrária.
Na época, li e reli diversos artigos da revista, vindo, como é meu costume, a
guardá-la, na estante de meu quarto para, posteriormente, reutilizá-la, dez anos depois, na
elaboração do anteprojeto de pesquisa, que se tornou o primeiro passo na redação desta
dissertação de mestrado.
Em 1999, tomei a difícil decisão de entrar para o Seminário Diocesano “Nossa
Senhora do Carmo”, na cidade de Jaboticabal, para tornar-me sacerdote. Foram quatro
anos de uma exaustiva rotina, mas que, por outro lado, me disciplinou em muito para o
estudo. No segundo ano do curso de Filosofia, a minha turma (éramos cinco seminaristas)
passou a ter contato com o padre José Roberto que, à época, trabalhava na cidade de
Guariba, com a Pastoral do Migrante e com a Pastoral da Terra, dava “assistência
espiritual” e formação política no Assentamento Guarany, localizado no município de
Pradópolis.
Na paróquia de Guariba, seguindo a linha pastoral da Teologia da Libertação, ou
seja, de opção preferencial pelos pobres e excluídos sociais, o padre José Roberto
trabalhava com um outro sacerdote chamado Adelino, um antigo amigo do ex-líder
sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, que o escondia na igreja de São Bernardo, durante a
repressão do Regime Militar.
Convidados pelo sacerdote para conhecermos um pouco melhor o seu trabalho
“espiritual” junto às famílias de trabalhadores rurais assentados, com recursos próprios,
nos dirigimos, em uma manhã de sábado até o assentamento próximo à cidade de
21
Pradópolis, muito embora, a reitoria não concordasse com essa linha pastoral, em razão do
modelo conservador de formação implementado no seminário.
No início do ano de 2003, tomei uma outra difícil decisão em minha vida, sair do
seminário. Passei a cursar graduação em História, em Jaboticabal e a ministrar aulas no
ensino particular e público, em Taquaritinga. Após trabalhar em algumas instituições
escolares, em 2006, prestei um concurso público na Prefeitura de Matão, sendo convocado
a trabalhar em uma Escola do Campo de Ensino Fundamental, localizada no distrito de São
Lourenço do Turvo, uma referência estadual e nacional em termos de ensino público.
Em razão de minha atividade profissional nesta instituição escolar, passei a
freqüentar seminários sobre Escola do Campo no Centro de Formação Dom Hélder
Câmara, próximo a Ribeiro Preto. Foi a partir desses encontros de formação, que surgiu a
idéia de cursar um mestrado abordando a questão da reforma agrária, após assistir uma
palestra sobre Escola do Campo, ministrada pelo geógrafo Bernardo Mançano Fernandes.
Relato essas marcas de minha história pessoal por elas estarem intrinsecamente associadas
à escolha de meu tema de pesquisa.
22
INTRODUÇÃO
O objetivo central desta pesquisa acadêmica é realizar uma análise do processo de
formação do projeto de assentamento federal Mário Lago de Ribeirão Preto (SP), a partir
do processo de ocupação da antiga Fazenda da Barra, sob a liderança do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), iniciada em abril de 2003 e concretizada em
agosto de 2003 e do conseqüente processo de assentamento das famílias acampadas
realizado pelo Incra, bem como, de seu modelo de organização social interna estabelecido
às 264 famílias assentadas que se encontram sob a tutela
1
do movimento sem-terra e, por
fim, de seu incipiente projeto agroecológico de produção, como a gestação de um possível
embrião de desenvolvimento regional sustentável diferenciado e contestador das
estratégias convencionais do modelo de agronegócio local, caracterizado nesta região do
estado de São Paulo pela produção sucroalcooleira.
A política nacional de reforma agrária
2
faz emergir uma nova categoria social, a
dos trabalhadores rurais assentados, propiciando, por sua vez, a formação de mosaicos na
paisagem rural, que podem vir ainda a transformar o espaço das monoculturas. Esta
reconstrução cio-espacial se traduz na reterritorialização do trabalhador, que mediante o
regate de seus hábitos culturais retorna a produzir uma parcela de consumo alimentar
(DUVAL et al., 2008).
Embora, em âmbito nacional, a agricultura familiar possua uma importância
secundária no encaminhamento das políticas blicas agrícolas, esta vem resistindo e,
atualmente, representa um significativo setor da economia nacional. Apesar de o estado de
São Paulo possuir uma agricultura altamente modernizada e industrializada, a agricultura
familiar ainda faz parte da paisagem agrícola e, em inúmeros casos, assume a forma de
assentamentos rurais (SOUZA; BERGAMASCO, 2006).
1
Nesta pesquisa, entende-se pelo termo tutela a ação mediadora exercida pelo movimento sem-
terra entre as famílias assentadas e os organismos estatais responsáveis pela implementação da
reforma agrária no país, relacionamento esse muitas vezes caracterizado por uma condição de
dependência e que, por sua vez, não propicia a emancipação desses núcleos familiares.
2
De acordo com Bergamasco (1997), as discussões em torno da temática da reforma agrária
emergem na sociedade brasileira a partir das décadas de 1950 e 1960, passando a ser compreendida
como um instrumento para a resolução da questão agrária nacional.
23
Possuindo um papel de destaque no cenário de programas de reforma agrária,
atualmente, entre assentamentos estaduais e federais administrados pelo Incra e pela
Fundação Itesp, o estado de São Paulo possui 219 assentamentos, acolhendo 13.095
famílias de trabalhadores rurais em uma área total de 289.239,32 hectares desapropriados
para fins de programas de reforma agrária (INCRA; ITESP, 2008).
Dentre as inúmeras e distintas conceituações existentes na vasta literatura voltada
a assentamentos rurais, optou-se pela perspectiva que define assentamentos rurais como:
(...) novos espaços sociais em construção, onde famílias de diversos lugares
e diferentes culturas começam a se relacionar e criar um novo tecido social.
São constituídos de pequenas áreas em terras que, na maioria das vezes, se
encontravam totalmente ociosas ou com baixa utilização para produção
agrícola e são ocupados por pequenos agricultores familiares que formam a
clientela típica da Reforma Agrária e do INCRA (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária). (...) (SIQUEIRA; BERGANASCO,
2008, p.1).
Ou ainda como:
(...) de forma genérica, os assentamentos rurais podem ser definidos como
a criação de novas unidades de produção agrícola, por meio de políticas
governamentais visando o reordenamento do uso da terra em benefício de
trabalhadores rurais sem terra ou com terra (BERGAMASCO; NORDER,
1996, p. 7).
O projeto de assentamento federal Mário Lago
3
localiza-se na região nordeste do
estado de São Paulo, no município de Ribeirão Preto, mais especificamente, na antiga
Fazenda da Barra, ou seja, em uma região caracterizada como o centro da indústria
agrocanavieira do interior do estado de São Paulo. O assentamento foi criado pelo Incra,
em junho de 2007, no modelo PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável), objetivando
a produção agroecológica, isto é, sem a utilização de agrotóxicos e, conseqüentemente,
3
Durante um longo período de tempo, o compositor e ator Mário Lago (1911-2002) foi militante
do Partido Comunista. Lago bacharelou-se em Direito na década de 30, na então Faculdade de
Direito da Universidade do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde iniciou sua militância política no Centro Acadêmico
Cândido de Oliveira, à época, fortemente influenciado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Durante a década de 1930, a então principal Faculdade de Direito da capital do país era um celeiro
de arte aliada à política, onde estudaram Lago e seus contemporâneos Carlos Lacerda, Jorge
Amado, Lamartine Babo, entre outros.
24
sem ocasionar prejuízos ao meio ambiente, pois se encontra localizado sobre uma área de
recarga de um dos maiores manancial de água subterrânea do mundo, o Sistema Aqüífero
Guarani (ver anexo 1).
As áreas de recarga direta ou de afloramento do Sistema Aqüífero Guarani
têm se mostrado bastante expostas ao risco de degradação, seja por
agrotóxicos, seja por processos erosivos, principalmente pelo avanço das
atividades agrícolas sobre elas, sem muito critério em relação à capacidade
de uso das mesmas. Esse cenário, comum no Brasil, aliado à alta
vulnerabilidade natural das áreas de recarga do aqüífero em questão,
colocam-nas em situação de alta exposição ao risco de contaminação do
lençol freático como também favorece a formação de ravinas e voçorocas,
principalmente como conseqüência de práticas agrícolas inadequadas.
Trabalhos realizados pela Embrapa Meio Ambiente nessas áreas (...),
particularmente na região de Ribeirão Preto/SP, no período compreendido
entre 1994 e 2001 evidenciaram que as atividades agrícolas utilizam uma
carga considerável de produtos químicos potencialmente contaminantes,
destacando-se alguns herbicidas usados intensivamente na cultura de cana-
de-açúcar (GOMES et al, 2006, p. 67).
O assentamento Mário Lago é resultado de um longo processo de luta política,
promovida por um movimento social fortemente organizado, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). O processo de ocupação da Fazenda da Barra
iniciou-se em abril de 2003, o conhecido Abril Vermelho, momento em que, cerca 500
famílias, sob a liderança do MST, ocuparam a entrada do Sítio Bragheto (anexo à Fazenda
da Barra), reivindicando a desapropriação da propriedade para fins de assentamento de
reforma agrária, pois, segundo o movimento sem-terra, os proprietários da área estariam
deixando de cumprir sua função social, a produção
4
, além de ocasionarem uma série de
prejuízos ao meio ambiente.
A imediata ocupação da Fazenda da Barra não poderia ocorrer em razão de duas
Medidas Provisórias herdadas do governo Fernando Henrique Cardoso, que desautorizam
o Incra a realizar vistoria em áreas ocupadas por movimentos sociais durante um período
de dois anos. As famílias permaneceram acampadas no sítio Bragheto durante quatro
meses, sendo despejadas por força de uma ação judicial. Em agosto 2003, o movimento
4
Segundo o Artigo 186 da Constituição Federal, a função social é cumprida quando a propriedade
rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos
seguintes requisitos: I) aproveitamento racional e adequado; II) utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III) observância das disposições que regulam
as relações de trabalho; IV) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores (BRASIL, 1988).
25
sem-terra ocupa Fazenda da Barra, obtendo êxito nesta segunda intervenção e,
conseqüentemente, permanecendo na área até os dias atuais.
Atualmente, o assentamento Mario Lago é constituído por um número de 264
famílias, que se encontram internamente organizadas pelo movimento sem-terra em 20
núcleos de moradia, que, por sua vez, agregam, em média, de 10 a 20 grupos familiares.
Todos esses núcleos foram intitulados com nomes de personagens que abraçaram causas
sociais e políticas, tais como: Dom Hélder Câmara, Antonio Gramsci, Rosa Luxemburgo,
Zumbi dos Palmares, Che Guevara, Dandara, Paulo Freire, Chico Mendes, entre outros.
Para cada núcleo de moradia, existem coordenadores gerais de ambos os gêneros.
Simultaneamente a esta organização, existem ainda os coordenadores dos seguintes
setores: saúde, formação e gênero, coordenação, educação, ciranda, segurança, esporte,
cultura e lazer eleitos pelos núcleos familiares.
O movimento sem-terra entende que a organização é imprescindível para a vida
das famílias assentadas. Por essa razão, existe uma estrutura organizacional para a sua
manutenção, que se altera de acordo com as especificidades e necessidades de cada
assentamento. Ainda acerca da organização interna do assentamento Mário Lago, verificou
mediante a pesquisa de campo a existência de um rigoroso regimento constituído por doze
regras, cujo propósito principal é disciplinar o comportamento das 264 famílias assentadas
que se encontram sob a liderança do MST.
As famílias encontram-se temporariamente assentadas em lotes provisórios
denominados pelo movimento sem-terra como Comuna da Terra que comportam, em
média, a dimensão de 0,9 hectares, desenvolvendo uma pretensa policultura orgânica, além
de produzirem cana-de-açúcar e polvilho. Segundo as principais lideranças do
assentamento Mário Lago, este modelo de produção agrícola visa organizar núcleos de
economia camponesa próximos aos grandes centros urbanos, possibilitando o acesso à terra
a uma população que em seu passado viveu no campo e, em razão da modernização
agrícola, foi obrigada a deslocar-se para outras regiões ou centros urbanos em busca de
melhores condições de vida.
O principal objetivo da coordenadoria regional do movimento sem-terra é
recuperar esta área que foi degradada pela ação predatória do agronegócio local (produção
de cana-de-açúcar), utilizando-a para a agricultura orgânica, pretendendo ainda construir
um cinturão verde, que garanta o fornecimento de produtos orgânicos para a cidade e
região de Ribeirão Preto.
26
A criação de novos assentamentos rurais pelos órgãos estatais responsáveis pela
implementação da reforma agrária no país, em resposta as ações de ocupações de
latifúndios públicos ou privados que estão deixando de cumprir sua função social, sob a
liderança dos movimentos sociais camponeses, como é o caso do assentamento Mário
Lago, podem propiciar: a inserção social de trabalhadores urbanos e rurais sem-terra que
até então viviam marginalizados, especialmente, nas periferias urbanas; uma
desconcentração fundiária, modificando e diversificando a paisagem rural, sugerindo ainda
modelos alternativos de produção sustentável aos implementados pelo agronegócio
brasileiro, tais como: produção de cana-de-açúcar para fabricação de álcool combustível;
plantações de grandes extensões de laranja para exportação e/ou produção de sucos;
produção de soja visando à alimentação do frango e do gado europeu, entre outros.
Frente a assentamentos rurais com mais de vinte anos de existência, o
assentamento Mário Lago é um recém constituído universo empírico de pesquisa, pois,
embora a ocupação das terras da Fazenda da Barra tenha ocorrido em agosto de 2003,
oficialmente, existe desde junho de 2007, com poucos estudos sobre seu processo de
formação, organização interna e produção agroecológica. Pensa-se que um estudo de caso,
que, por sua vez, permitirá um amplo detalhamento desse assentamento de reforma agrária
poderá, futuramente, vir a contribuir com a rica literatura sobre assentamentos rurais, e, em
especial, com os estudos que se desenvolvem na região de Ribeirão Preto.
A análise deste projeto de assentamento poderá também, futuramente, vir a
tornar-se objeto para a formulação e implementação de políticas públicas municipais
voltadas a assentamentos rurais, inserindo-o na agenda política municipal, em continuidade
a um verdadeiro processo de reforma agrária, políticas públicas essas que venham a
proporcionar uma melhor qualidade de vida para trabalhadores rurais assentados, tornando
os assentamentos locais mais dignos para se viver, conviver, desenvolver e produzir, a fim
de que também essas famílias assentadas não venham a se desfazer da terra conquistada
justamente pela ausência condições infra-estruturais básicas e de serviços públicos.
Apresentados os propósitos centrais deste estudo, sua conceituação teórica e sua
relevância acadêmica e social, sugere-se como principal hipótese de desenvolvimento do
projeto de assentamento Mário Lago: iniciativas constatadas no processo de
produção/reprodução social, tais como: a existência de um incipiente projeto de policultura
orgânica e de um processo de beneficiamento da produção de mandioca (polvilho) podem,
futuramente, vir a sinalizar perspectivas alternativas de desenvolvimento regional
27
sustentável diferenciada das estratégias convencionais do modelo de agronegócio, gerando
ganhos econômicos e preservação ambiental.
A Construção do Referencial Teórico-Metodológico
Os Sujeitos da Pesquisa
Os sujeitos que constituem esta pesquisa acadêmica são as famílias de
trabalhadores rurais assentadas provisoriamente no projeto de assentamento federal Mário
Lago de Ribeirão Preto, trabalhadores rurais esses oriundos, em sua grande maioria, das
periferias urbanas da região de Ribeirão Preto (SP), constituindo-se em: antigos
camponeses que perderam o vínculo anterior com a terra transformando-se em proletários
urbanos; ex-trabalhadores rurais assalariados colhedores de laranja e do corte de cana-de-
açúcar e trabalhadores urbanos de distintas profissões sem nenhuma experiência anterior
com a agricultura. A partir da identificação desses grupos familiares, foram estabelecidas
características gerias para a generalidade das famílias assentadas.
Desde a primeira ocupação da Fazenda da Barra em agosto de 2003, o
assentamento Mário Lago sofreu diversas alterações em sua composição no decorrer do
processo de assentamento. Durante esta trajetória que se estende por cerca de seis anos,
inúmeras famílias acampadas sentiram-se desanimadas frente às dificuldades estruturais
encontradas no local e à ausência de serviços públicos municipais, o que, por sua vez,
levaram-nas a abandonar o assentamento. Atualmente, o assentamento Mário Lago é
constituído por 264 famílias, sendo que, parte destes núcleos familiares, são oriundos de
outras ocupações de terra organizadas pelo MST na região e que, porventura, sofreram
reintegrações de posse concedidas pela justiça.
O número de famílias também sofreu alterações no decorrer do processo de
assentamento, em razão das decisões judiciais, variando de 600 a 80 famílias. Foram
concedidas pela justiça cinco reintegrações de posse, o que, por sua vez, significou o
imediato despejo dessas famílias. Entretanto, todas essas cinco liminares foram derrubadas
em instâncias superiores. Outras razões que levaram as famílias a evadirem-se do local
encontram-se relacionadas à instabilidade com relação à moradia e à educação dos filhos.
A reestruturação dessas famílias vem ocorrendo em razão da intensa formação política
ministrada pelo MST. Em sua grande maioria, oriundas das periferias urbanas, essas
28
famílias sentem a dificuldade em lidar com o sistema de concessão de uso da terra, pois tal
estrutura provoca uma mudança de paradigma. Uma transição de valores individuais para
valores mais cooperativos.
Os Procedimentos da Pesquisa
A estratégia de pesquisa empregada neste trabalho acadêmico é o estudo de caso,
estratégia essa própria das ciências sociais, não sendo encontrada em outras ciências. O
estudo de caso é aplicado a fim de se encontrar respostas para as questões “como” e “por
que”, ao estudo de fenômenos sociais complexos e pouco controláveis, sendo que seus
objetos de estudo são: os indivíduos, as organizações, os grupos sociais, as instituições e
fenômenos políticos, entre outros.
Nesta pesquisa acadêmica, utilizou-se como recorte territorial, para efeito de
análise social, política e econômica regional, a microrregião de Ribeirão Preto, uma das
regiões mais abastadas do estado de São Paulo, e, mais especificamente, como principal
núcleo urbano dessa região, a cidade de Ribeirão Preto, uma referência regional no setor
comercial e de prestação de serviços. O município é também nacionalmente conhecido
como um dos principais centros de pesquisa na área de saúde e como um dos maiores
centros universitários do país, ao todo são sete universidades.
Figura 1 Localização da Microrregião de Ribeirão Preto
Fonte: Wikipédia, 2008.
29
Figura 2 Localização do Município de Ribeirão Preto
Fonte: Wikipédia, 2008.
Após apresentar o recorte territorial desta pesquisa acadêmica, faz-se necessário
salientar que não é pretensão deste trabalho realizar uma minuciosa revisão bibliografia da
ampla literatura voltada ao movimento sem-terra e, em especial, aos seus projetos de
assentamentos rurais, nem muito menos criar, a partir de um estudo de caso, paradigmas
gerais de análise à respeito dos processos de formação, organização social e produção dos
projetos de assentamentos organizados pelo MST.
A principal intenção deste estudo é tão somente contribuir com a vasta literatura
existente sobre assentamentos na região de Ribeirão Preto, podendo auxiliar na formulação
de um referencial analítico, que considere os assentamentos como instâncias em
permanente transformação e evolução nos distintos tempos sociais e trajetórias de vida,
caracterizadas por pressões, conflitos e lutas (FERRANTE et al, 2000). Nesta pesquisa
acadêmica, entende-se que, para a compreensão do universo em que se encontram
inseridos os projetos de assentamentos rurais, faz-se necessário a superação de
determinadas barreiras epistemológicas que integram a relação urbano-rural.
Dessa maneira, procuraremos não observar o espaço rural pelo urbano, mas por
ele mesmo, a fim de não se acentuar determinados preconceitos que figuram sobre o
universo rural brasileiro, como um ambiente atrasado em relação ao urbano, como um
30
empecilho ao desenvolvimento urbano-industrial da sociedade brasileira, embora se pense
que o universo rural deveria desfrutar da mesma infra-estrutura do urbano.
Nossa primeira tarefa é (...) desvelar esses preconceitos. Tais preconceitos
derivam da dominação do rural pelo urbano, a partir da emergência do
capitalismo enquanto sistema econômico que privilegia a industrialização,
engendrando uma ideologia urbano industrial, na qual se cria a figura do
outro aquele que impediria o avanço do industrialismo e como tal
representaria o atraso (WHITAKER, 2002, p. 20).
No decorrer da revisão bibliográfica, além da utilização de obras organizadas
e/ou coordenadas pelo Nupedor, procurou-se também realizar uma pesquisa eletrônica na
rede mundial de computadores (Internet), que com o passar dos anos vem tornando-se um
excelente instrumental para pesquisa acadêmica, com diversos sites de revistas de cunho
científico e sites de busca com ferramentas especializadas em artigos acadêmicos. A
principal intenção dessa pesquisa eletrônica é tornar facilmente acessível ao leitor muito
dos dados presentes nesta dissertação, pois não são todas as pessoas possuem uma rica
biblioteca em sua casa, com títulos referentes ao movimento sem-terra ou aos seus projetos
de assentamentos rurais.
A escolha do assentamento Mário Lago como universo empírico desta pesquisa
está diretamente relacionada à sua localização, a poucos quilômetros do centro da cidade
de Ribeirão Preto, isto é, em um município considerado como o centro do agronegócio do
país. A ocupação das terras da Fazenda da Barra em 2003 e a oficialização do
assentamento, em 2007, constituiu-se em um verdadeiro “tiro no pé” do agrobusiness.
Desta maneira, o assentamento configura-se como de importância sumamente estratégica e
simbólica para o MST, como um modelo alternativo de organização, resistência e
contestação à agroindústria canavieira do interior do estado de São Paulo.
Embora a variável ambiental não seja totalmente priorizada na análise do
assentamento, esta será abordada no decorrer da caracterização do processo de produção
do assentamento, todo voltado para o desenvolvimento sustentável, em um contraponto ao
modelo de degradação ambiental estabelecido pelo agronegócio.
Objetivando a coleta de dados junto às famílias de trabalhadores rurais
assentados, foram utilizadas como ferramentas de pesquisa técnicas qualitativas, além de
dados quantitativos colhidos junto às instituições estatais (INCRA e ITESP) responsáveis
direta ou indiretamente pela administração do assentamento Mário Lago. Como técnicas
qualitativas de pesquisa, foram empregadas: a observação participativa, com redações no
31
diário de campo e entrevistas semi-estruturadas com as lideranças do assentamento e com
as famílias assentadas, a fim de se analisar: sua origem, o processo de formação do
assentamento, sua organização interna e produção.
A fim de atingir os objetivos centrais desta pesquisa, lançamos mão de
conhecimentos produzidos por outras ciências, tais como: a geografia e a história, com o
objetivo de se delimitar espacial e temporalmente o objeto de estudo, o assentamento
Mário Lago; do direito, para melhor compreendermos os processos judiciais que se
seguiram na justiça, em virtude da desapropriação das terras; enfim, da sociologia, da
economia, da ciência política e da antropologia cultural, para uma compreensão do
assentamento, pois este se apresenta aos nossos sentidos e a nossa razão como uma
realidade social, econômica, política, cultural e ambiental extremamente complexa e em
um incessante processo de transformação e evolução, sendo, dessa maneira, imprescindível
um diálogo com essas ciências, pois nenhuma forma de ciência constitui-se como um saber
autônomo e auto-suficiente em si mesmo.
Os Caminhos da Pesquisa de Campo
A fim de conceder início à pesquisa de campo, o contato entre o pesquisador e as
principais lideranças do assentamento Mário Lago, em sua maioria, femininas, foi
estabelecido a partir de uma irmã religiosa, uma antiga conhecida pertencente à
Congregação das Irmãs Franciscana da Penitência que, juntamente, com outras duas irmãs
religiosas que integram a mesma instituição realizam, residindo no assentamento, um
trabalho voluntário de evangelização cristão-católica.
A pesquisa de campo foi realizada no mês de janeiro de 2009. Em virtude de o
assentamento Mário Lago estar atualmente constituído por 264 grupos familiares, foram
selecionadas, a fim de atingir uma amostragem significativa do universo empírico da
pesquisa, o número de 27 famílias (10%), seguindo os critérios de relação anterior com a
terra e tempo de permanência no assentamento.
As entrevistas com as famílias foram gravadas em fitas cassete, das quais, muitos
trechos, os considerados mais significativos pelo pesquisador foram reproduzidos ipse
verbis neste trabalho acadêmico, a fim de melhor fundamentá-lo. A formulação da
entrevista semi-estruturada (ver anexo 2), que se encontra subdividida em quatro blocos de
questões abertas (Trajetória de Vida das Famílias Assentadas, O processo de Ocupação da
32
Fazenda da Barra, A Organização das Famílias no P.A. pelo MST e A Produção do
Assentamento Mário Lago) pautou-se em onze questionários de utilização do Nupedor.
O pesquisador apresentou previamente uma cópia da entrevista semi-estruturada
às principais lideranças do assentamento, a fim de tomarem ciência do teor da pesquisa de
campo, não colocando nenhuma objeção. As visitas às famílias entrevistadas foram
acompanhadas pelas principais lideranças do assentamento, que sempre nos receberam
muito bem, fazendo questão inclusive de nos fornecer alimentação, lideranças essas que
nos apresentaram aos grupos familiares, deixando-nos à vontade.
Os grupos familiares também foram selecionados a partir de cinco distintos
núcleos de moradia, levando-se em consideração a distância entre estes. Dessa maneira,
foram entrevistas seis grupos familiares do núcleo de moradia denominado Dom Hélder
Câmara, seis do núcleo Antonio Gramsci, cinco do Rosa Luxemburgo, cinco do Zumbi dos
Palmares e cinco do Che Guevara.
A presente pesquisa acadêmica encontra-se subdivida em quatro capítulos. No
primeiro capítulo desta dissertação, é apresentada uma breve contextualização histórica do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), discutindo-se a seguir os
conceitos de modalidades de luta implementados pelo movimento camponês a fim de
acelerar o processo de reforma agrária no país, com especial destaque para o conceito de
ocupação, organização social e produção nos projetos de assentamentos rurais do
movimento sem-terra. Faz-se importante esclarecer que não é da pretensão neste capítulo
realizar uma minuciosa revisão história acerca do movimento sem-terra, pois este trabalho
foi realizado por inúmeros autores, além do que demandaria a redação de diversas
dissertações sobre este tema, mas tão somente pontuar alguns momentos que se considera
mais relevantes na história do referido movimento social.
No segundo capítulo da dissertação, é apresentada uma caracterização
socioeconômica da microrregião de Ribeirão Preto, destacando-se a atuação do
agronegócio e a territorialização do movimento sem-terra nesta região do estado de São
Paulo. No terceiro capítulo, realiza-se uma análise do processo de formação do
assentamento Mário Lago, tendo como ponto de partida o processo de mobilização visando
à ocupação da Fazenda da Barra iniciada em abril de 2003 e concretizada em agosto de
2003. Por fim, no quarto capítulo, é analisado o modelo de organização social e da
produção agroecológica do referido projeto de assentamento.
33
1. MODALIDADES DE LUTA, ORGANIZAÇÃO SOCIAL E DA PRODUÇÃO NOS
PROJETOS DE ASSENTAMENTOS RURAIS DO MST
1.1. Breve Contextualização Histórica do MST
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) insere-se em uma
longa trajetória de lutas sociais que permeiam o universo rural brasileiro. A fundação
formal do movimento, em janeiro de 1984, constitui parte dos protestos sociais
(TARROW, 1994 apud GONÇALVES, 2005), que se desenvolveram ao término da
década de 1970 contra o regime antidemocrático, sob tutela militar, que se impôs à
sociedade brasileira entre os anos de 1964 e 1984 (GONÇALVES, 2005).
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, também conhecido
como Movimento dos Sem Terra ou MST, é fruto de uma questão agrária
que é estrutural e histórica no Brasil. Nasceu da articulação das lutas pela
terra, que foram retomadas a partir do final da década de 70, especialmente
na região Centro-Sul do país e, aos poucos, expandiu-se pelo Brasil inteiro.
O MST teve sua gestação no período de 1979 a 1984, e foi criado
formalmente no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra,
que se realizou de 21 a 24 de janeiro de 1984, em Cascavel, no estado do
Paraná (CALDART, 2001, p. 1).
As lutas sociais no campo brasileiro, até a fundação do movimento sem-terra,
encontravam-se ligadas aos sindicatos de trabalhadores rurais articulados em torno da
Contag, sendo que foi mediante os sindicatos e a Contag que uma construção simbólico-
política-identitária de trabalhadores rurais se afirma, impondo-se sobre a diversidade geo-
sócio-cultural do universo rural brasileiro. Ao mesmo tempo em que o movimento carrega
em seu nome essa história, sua nomenclatura acentua um fenômeno que se dissemina no
país pós-década de 1960, a presença de trabalhadores sem-terra que resulta da
modernização conservadora e sua revolução verde. O movimento sem-terra encontra-se
mais próximo das Ligas Camponesas, movimento que não conseguiu sobreviveu à
repressão do Regime Militar, em razão de sua relação mais flexível com a
institucionalidade do Estado brasileiro
5
(GONÇALVES, 2005).
5
Segundo Bergamasco (1997), os movimentos sociais de luta pelo acesso à terra que se
encontravam em ebulição anteriormente ao golpe de 1964 foram duramente reprimidos pelo
Regime Cívico-Militar, sendo também a opção deste a modernização da agricultura, mediante a
34
(...) o MST não é o primeiro movimento de luta pela terra. Na história do
Brasil há vários relatos de revoltas camponesas. Todos os movimentos
anteriores, contudo, permaneceram limitados à região em que surgiram. A
ação das Ligas Camponesas, nos anos 60 concentrou-se no Estado de
Pernambuco e adjacências. O mesmo aconteceu com Canudos, no final do
século XIX, e com o Contestado, no começo do século XX, que ficaram
restritos ao nordeste da Bahia e ao oeste catarinense. Além disso, tanto em
Canudos quanto no Contestado, os revoltosos eram animados por aspectos
messiânicos e místicos, e ansiavam mais por um retorno ao passado do que
por uma transformação do presente (CANDIDO, 1998; CUNHA, 1979;
MARTINS, 1995; MONTEIRO, 1974; QUERIROZ, 1965 e 1977 apud
COMPARATO, 2001, p. 106). Outra característica importante destaca o
MST de todos os movimentos anteriores de luta pela terra: trata-se do
primeiro movimento que identifica como seu principal adversário o
governo federal, e não os grandes proprietários de terras (COMPARATO,
2001, p. 106).
Em meados da década de 1980, com a criação do Partido dos Trabalhadores,
emergiu um espaço na sociedade brasileira que congregou diversos projetos políticos de
distintos segmentos sociais, que até então se encontravam dispersos tanto no campo, como
no universo urbano: a Comissão Pastoral da Terra (CPP), da qual nasceu o MST e a CUT,
embrião político do próprio PT. Esses movimentos políticos, que ainda não se encontravam
institucionalizados, recolocaram na pauta da agenda política do país a problemática da
reforma agrária, acirrando os embates entre trabalhadores rurais sem terra e ruralistas, luta
essa que havia sido silenciada pelo regime autoritário de 1964 (FERNANDES, 2003).
Com a derrocada do Regime Militar de 1964 e o início do processo de
redemocratização do país, os movimentos sociais de trabalhadores rurais de luta pelo
acesso à terra voltam a entrar em ebulição na sociedade brasileira, tanto no universo rural
como também no urbano, verificando-se, em meados da década de 1980, de maneira
gradual e assistemática, a instalação de assentamentos rurais em todos os entes federativos
do país (BERGAMASCO, 1997).
Denominamos o segundo momento da formação de territorialização e
consolidação do MST. Nesse período, o MST se territorializou em todos os
estados das regiões Sudeste e Nordeste. Também realizou suas primeiras
ocupações no Estado de Goiás, na região Centro-Oeste e em Rondônia, na
utilização de insumos químicos e mecânicos, não alterando, dessa maneira, o arcabouço da
concentração fundiária brasileira. O processo de industrialização do campo brasileiro acarretou
como conseqüência: a constituição de uma classe social de trabalhadores rurais com baixo poder
aquisitivo, o desemprego, principalmente, o sazonal, a precariedade das condições de vida e
trabalho e a marginalização social, o que, por sua vez, resultou em um êxodo rural de mais de 28
milhões de pessoas entre as décadas de 1960 e 1980 e no fortalecimento da organização política
desses trabalhadores rurais.
35
Amazônia. Esse período é compreendido pelas lutas que aconteceram nos
anos 1985 a 1990. Nesse tempo, o Movimento também definiu sua
estrutura organizativa e, por estar presente em todas as regiões do país, se
consolidou como movimento social (FERNANDES, 2008, p. 32).
Ainda acerca do processo de redemocratização do país e o retorno ao regime civil
ocorrido em meados da década de 1980, acrescenta David et al. (1997) que este momento
histórico proporcionou uma atmosfera favorável ao renascimento das reivindicações em
torno da reforma agrária, possibilitando ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-
Terra (MST) e à Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) alavancar,
sobremaneira, sua representatividade.
Segundo Brenneisen (2000), os anos de 1995 e 1986 constituíram-se em um
período em que a luta pela posse da terra no país desenvolveu-se de maneira mais intensa.
Em 1985, José Sarney assumiu a presidência da República, anunciando o I Plano Nacional
de Reforma Agrária (I PNRA)
6
, apontando para uma provável resolução da problemática
agrária brasileira, o que, por sua, provocou nas elites agrárias e suas organizações de classe
uma forte reação no sentido de impedir a concretização desse projeto. No entanto, o MST
reagiu, instalando inúmeros acampamentos à margem de rodovias, situados,
estrategicamente, próximos a áreas passíveis de desapropriação para fins de reforma
agrária. Durante este período, o movimento sem-terra instalou 42 acampamentos em 11
estados, envolvendo nestas ações 11.158 famílias de trabalhadores rurais sem-terra.
No decorrer do governo Fernando Collor de Mello (1990-1992), o MST e outros
movimentos sociais sofrem o seu primeiro retrocesso desde o retorno às eleições diretas
para a presidência da República e ao regime democrático. No governo Collor, a Polícia
Federal invade diversas secretarias, encarcerando vários líderes do MST.
Conseqüentemente, o número de ocupações de terras diminui significativamente, assim
como a instalação de novos assentamentos (FERNANDES, 2003).
6
O I Plano Nacional de Reforma Agrária (IPNRA) configurava-se como um ambicioso projeto de
reforma agrária que pretendia assentar 1,4 milhões de famílias trabalhadores rurais sem terra no
transcorrer do governo José Sarney (1985-1990), mediante processos de desapropriações,
principalmente, na região centro-sul do país, mas que efetivamente beneficiou somente 90 mil, ou
seja, menos de 6% do total previsto inicialmente (DAVI et al., 1997).
Segundo Fernandes (2003), o IPNRA não saiu do papel em razão dos ataques da bancada ruralista,
em especial da União Democrata Ruralista (UDR), que aliada ao governo de José Sarney,
conseguiu destituir o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
36
Segundo Brenneisen (2000), a partir do ano de 1994, a luta pela posse da terra no
país entra em uma nova fase. Após o retrocesso verificado no governo Collor, o
movimento sem-terra volta novamente a atuar de uma maneira mais intensa. No estado de
São Paulo, o Pontal do Paranapanema, região de terras devolutas, grilagens e inúmeras
irregularidades, transformou-se em um ponto estratégico na luta pela terra. As ocupações
de terras nesta região paulista, concederam ao MST uma maior visibilidade nacional,
chamando a atenção da mídia para a questão agrária no país. Neste momento, três
dirigentes, membros da executiva nacional do movimento, passam a ocupar espaço na
mídia brasileira: João Pedro Stédile, Gilmar Mauro e José Rainha, que teve contra si,
prisão decretada, sendo que Diolinda, sua esposa, chegou inclusive a ser presa e conduzida
à penitenciária do Carandiru, acusada de formação de quadrilha.
Nas eleições presidenciais de 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso foi eleito
e reeleito presidente. “Quando, após a ditadura militar, surgiu a possibilidade de partidos
chegarem ao poder, o PSDB sabidamente fez alianças antes de eleger Fernando Henrique
Cardoso. Escolheu o PFL, hoje DEM, partido da facção iluminista das oligarquias”
(MARTINS, 2008, p. A2).
A realização, no ano de 1995, do III Congresso Nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), aliado às execuções de trabalhadores rurais que se
registraram na década de 1990, delibera pelas ocupações de latifúndios improdutivos que
estavam deixando de cumprir sua função social, tornando público, novamente, em âmbito
nacional, as discussões em torno da reforma agrária. Para o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), a ordem do dia torna-se “ocupar, resistir e produzir”, alicerce de
uma profunda mobilização nacional, que ganha inclusive notoriedade internacional,
cabendo ao poder estatal encontrar instrumentos jurídico-legais para a desapropriação de
latifúndios improdutivos e a instalação de assentamentos rurais (BERGAMASCO, 1997).
A partir de uma ampla pesquisa em material jornalístico, verifica-se que o
MST conquistou um espaço político importante no quadro público atual, e,
contrariando toda uma suposta tradição de passividade e anomia do povo
brasileiro, consegue se organizar, ter força política e desafiar os poderes
constituídos. Uma análise detalhada do relacionamento entre o MST e o
governo, o Congresso, a imprensa a Igreja e a opinião pública, revelou que
o movimento cresceu e se expandiu durante a presidência de Fernando
Henrique Cardoso, e não pode mais ser ignorado (COMPARATO, 2001, p.
105).
37
Segundo Fernandes (2003), em seu primeiro governo, FHC presenciou os
massacres de Corumbiara, de Eldorado dos Carajás e o aumento das ocupações de
latifúndios, que passaram de 20 mil famílias, em 1994, para 76 mil em 1998. Reeleito,
FHC mudou de tática, ao desenvolver uma política de reforma agrária repressora,
criminalizando os movimentos sociais e mercatilizando o acesso à terra, ou seja, criou o
Banco da Terra, uma política de crédito agrícola para a compra de terras e implantação de
assentamentos. Esta política agrária cresceu em prejuízo das desapropriações. FHC
eliminou também a política de crédito especial para a reforma agrária e a política de
assistência técnica, o que aumentou o empobrecimento de centenas de milhares de famílias
assentadas. A “reforma agrária de mercado” não deve ser assemelhada à reforma agrária,
pois esta é uma política pública de desconcentração fundiária, mediante a desapropriação
de terras improdutivas.
Para se ter uma idéia da força política atingida pelo movimento sem-terra no
decorrer do governo FHC, basta verificar a evolução da atenção que o governo federal
dispensou ao movimento. Em 1994, no governo de Itamar Franco, a Folha de São Paulo
noticiava que o Incra não possuía informações sobre quantas ocupações haviam sido
realizadas nos anos anteriores (Folha de São Paulo, 05/04/94 apud COMPARATO, 2001).
Em 1999, as informações sobre o MST passaram a ser compiladas por um gabinete de
crises, vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, e
instalado no quarto andar do Palácio do Planalto. Em um mapa são periodicamente
registradas as áreas ocupadas, os acampamentos, as escolas de formação de militantes e até
as dissidências do MST (Valor, 09/06/2000 apud COMPARATO, 2001). O autor salienta
que, entre essas duas datas, dois episódios significativos obrigaram o governo a destinar
maior atenção ao MST: o massacre de Eldorado dos Carajás e a Marcha a Brasília,
realizada de fevereiro a abril de 1997 (COMPARATO, 2001).
Em 2002, em uma coligação partidária, o PT conseguiu eleger o ex-líder sindical
Luís Inácio Lula da Silva para a Presidência da República. Com a eleição de Lula, os
movimentos sociais rurais e, em especial, o MST e a CPT, passaram a participar das
indicações aos cargos de segundo escalão de seu governo, indicando inclusive para a
presidência do Incra, o nome do geógrafo Marcelo Resende. A Contag passou também a
ter o seu grau de influência maximizado, indicando pessoas para ocuparem cargos no
MDA. No entanto, os ruralistas reagiram contra essa política agrária do governo Lula,
indicando pessoas para ocuparem cargos no Ministério da Agricultura, não se alterando,
38
dessa maneira, o modelo de desenvolvimento agropecuário estabelecido pelo Regime
Militar. o se contentando, os ruralistas também reagiram contra o aumento das
ocupações de terras e a elevação do número de acampamentos (FERNANDES, 2003).
Com o forte apoio da mídia, os ruralistas mobilizaram-se contra a política
agrária do governo Lula e conseguiram anular a primeira desapropriação
executada no município de São Gabriel, no Estado do Rio Grande do Sul.
Também se organizaram em todo o país, realizando marchas a cavalo ou
carreatas, cercando acampamentos de famílias sem-terra e obstruindo
estradas com o gado. Com a intensificação da reação dos ruralistas,
aumentou o número de trabalhadores sem-terra mortos por pistoleiros
(FERNANDES, 2003, p. 38).
O Incra passou a tratar os conflitos fundiários como uma problemática a ser
solucionada mediante a implantação de uma política de reforma agrária, procurando
resolvê-los através do diálogo, rompendo, dessa maneira, com as medidas repressivas e
criminalizadoras estabelecidas pelo governo de FHC. Essas medidas políticas foram cabais
para o geógrafo Marcelo Resende e sua equipe técnica. Pressionado pela alta cúpula do PT,
o presidente Lula exonerou, em setembro de 2003, o presidente do Incra e toda sua equipe,
substituindo-o por um assessor parlamentar do PT. Com essa atitude política, o PT
sinalizava para a sociedade e, em especial, para o MST e para os ruralistas a sua nítida
intenção em possuir o controle sobre os conflitos agrários no país, ao não concordar com o
modelo de política de reforma agrária conciliadora implantada pelo geógrafo Marcelo
Resende (FERNANDES, 2003).
Segundo Campos et al (2006), objetivando atingir a meta de assentar 400.000
famílias de trabalhadores rurais sem-terra em seu primeiro mandato, expectativa esta
prevista no II Plano Nacional de Reforma Agrária, o governo Lula fez uso de algumas
táticas na elaboração e publicização dos dados referentes à sua política nacional de reforma
agrária. Estavam sendo inseridos nas estatísticas do SIPRA (Sistema de Informações dos
Projetos de Reforma Agrária) dados de famílias assentadas com recursos provenientes do
crédito fundiário e famílias que tiveram suas propriedades simplesmente regularizadas.
Um outro subterfúgio utilizado pelo governo Lula a fim de atingir seus objetivos
foi o seguinte: ao assentar famílias em assentamentos pré-existentes, preenchendo, dessa
maneira, lotes remanescentes, o governo federal lançou o assentamento na listagem de
novos assentamentos. Os autores também constaram que ocorreu o lançamento de
assentamentos como sendo novos em propriedades onde não foram assentadas novas
39
famílias, mas simplesmente realizada alguma espécie de regularização de famílias
residentes nos assentamento (CAMPOS et al, 2006).
Ao processo de assentar famílias em assentamentos existentes
conceituamos como otimização de assentamentos, pois ocorre o
preenchimento das vagas remanescentes para que o assentamento cumpra
sua função, o que consideramos uma prática positiva. Porém, quando os
assentamentos existentes são lançados como novos assentamentos
criados, consideramos uma prática de manipulação dos dados. A esta
prática denominamos clonagem de assentamentos (...) (CAMPOS et al,
2005, p. 3-4).
Utilizando-se da referida estratégia para divulgação dos dados, entre os anos de
2003 a 2005, o governo Lula divulgou ter assentado em terras desapropriadas ou
compradas 244.289 famílias de trabalhadores rurais sem-terra. No entanto, somente 61.087
famílias, 25% do montante divulgado, foram assentadas em novos assentamentos de
reforma agrária (CAMPOS et al, 2006).
Toda a expectativa de que a reforma agrária seria realmente realizada no país com
a chegada do governo Lula ao poder, ultrapassando o campo das palavras, começou a cair
por terra com o aumento dos embates no campo brasileiro, com a elevação do número de
pessoas assassinadas (73 pessoas, em 2003, e 68, em 2004), de famílias de trabalhadores
rurais despejadas e das ações de violência institucionalizada pelo poder judiciário,
mediante ordens de prisão e despejo, maiores do que o número de ocupações de terra. Os
números que se apresentam são os maiores desde que a CPT começou a realizar este
balanço sobre a violência no campo brasileiro no ano de 1985. Não somente aumentaram o
número de famílias acampadas e de ocupações de terras, mas também a violência por parte
dos grandes latifundiários, especialmente, nas regiões de agricultura mais moderna
(GONÇALVES, 2005).
Assevera Martins (2008) que a elevação dos números da violência no campo
brasileiro, que, nos últimos anos, vêm inclusive atingindo religiosos, possui causas que
podem ser explicitadas. Embora esses religiosos pertençam à extensa ala da Igreja Católica
que apóia politicamente o presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores, as alianças
partidárias que o PT fez para chegar ao poder lhe retiram a capacidade para solucionar essa
problemática, tratando-se de um governo dividido e bifronte, que não pode tomar duras
decisões contra os grupos que praticam a violência no campo, pois estes são a base e os
principais beneficiários de sua política.
40
O governo Lula vem tomando o agronegócio como um dos alicerces de sua
administração, assumindo inclusive algumas posições contrárias aos que lutam pela
realização da reforma agrária no país, ao liberar o plantio e a comercialização de produtos
transgênicos. De acordo com os números oficiais do Orçamento Geral da União, em 2004,
também são desproporcionais os recursos destinados aos pequenos proprietários rurais com
relação aos empresários do agronegócio. Esses dados podem sugerir que o governo Lula
acredita na possibilidade de uma harmoniosa convivência entre a reforma agrária e o
agronegócio, hipótese essa que cai por terra ao verificar-se que os conflitos fundiários têm
justamente aumentado nas regiões de agricultura mais moderna e as ações de despejo do
poder judiciário são proporcionalmente maiores que o número de ocupações de terras
(GONÇALVES, 2005).
1.2. As Modalidades de Luta Implementadas pelo MST
Nesta pesquisa acadêmica, optou-se pela utilização do termo ocupação em
oposição ao uso do termo invasão
7
. O termo ocupação é utilizado pelos movimentos
sociais a fim de designar a inserção e acampamento de trabalhadores rurais sem-terra em
uma determinada propriedade agrícola, pois, em princípios, essas áreas dizem respeito à
terras griladas, latifúndios de exploração, propriedades improdutivas ou áreas devolutas.
Neste contexto, o termo ocupação designa o preenchimento de um espaço vazio e a
realização de pressão social coletiva para a aplicação da lei e a desapropriação da área para
fins de reforma agrária. A ocupação é para o movimento sem-terra uma ação que objetiva
construir um espaço de luta e resistência, criando-se uma outra condição para o
enfrentamento, realizando-a os sem-terra conquistam a possibilidade de negociação
(MORISSAWA, 2001).
De acordo com Brenneisen (2000), a estratégia inicial utilizada pelo MST, em
meados da década de 1980, a fim de pressionar o Estado brasileiro a acelerar o processo de
reforma agrária foi o acampamento à margem de rodovia, o que, por sua vez, tornou-se um
fato político significativo, pois tornou visível a luta dos agricultores rurais sem-terra.
Posteriormente, o movimento passou a ocupar latifúndios improdutivos, a promover atos
7
Segundo Morissawa (2001), o termo invasão, amplamente utilizado pela mídia brasileira a fim de
desqualificar politicamente os movimentos sem-terra, designa um ato de força objetivando subtrair
alguma propriedade agrícola pública ou particular em proveito próprio.
41
públicos e, com o apoio da Comissão Pastoral da Terra, a organizar as Romarias da Terra.
No decorrer dos anos, o MST foi criando novas estratégias de pressão política que foram
sendo utilizadas simultaneamente, isto é, as primeiras não foram abandonadas em função
de novas formas de pressão, mas foram e continuam sendo utilizadas concomitantemente.
A ocupação de terras improdutivas públicas ou privadas constituiu atualmente a
principal estratégica dos movimentos sociais que lutam pela implementação da reforma
agrária no país, criando, dessa maneira, um fato político que pressiona os organismos
estatais a negociarem com estes movimentos e a realizarem seu definitivo assentamento,
mediante a concessão de títulos de posse (LAZZARETTI, 2008). De acordo com Carmo
(2005, p. 229), o assentamento rural constitui a forma sui generis que o Estado brasileiro
encontrou para realizar a reforma agrária como saída às pressões dos movimentos sociais
na militância pela posse da terra.
Segundo Costa (2004), a ocupação de uma área improdutiva é uma ação
extremamente complexa e que demanda tempo, organização, conscientização e
mobilização, podendo ser subdividida nas seguintes etapas
8
:
Etapa Preparatória: durante esta fase, é realizada a escolha da área a ser ocupada, que, por
sua vez, concede início ao processo de ocupação. Esta escolha é realizada mediante
informações obtidas em organismos estatais acerca da situação da área (dívidas com o
Estado, descumprimento da função social, área pública). A seguir, o movimento necessita
adquirir apoio político, logístico e financeiro, mediante encontros de suas lideranças com
diversos atores sociais (políticos, sacerdotes, pastorais, sindicatos e associações). No
decorrer desta etapa, o movimento também realiza contatos internos com diversas de suas
lideranças objetivando estabelecerem a maneira como a militância deve atuar.
Etapa de Conscientização: neste momento são realizados trabalhos de base pela militância
com trabalhadores de diversas cidades interessados em participar da ocupação. Este
trabalho de base consiste em reuniões sistemáticas nas comunidades e visitas dos
interessados a alguns acampamentos e assentamentos. Nestas reuniões, as lideranças
8
Os dados apresentados pelo autor decorrem de sua participação em um processo de ocupação de
terras liderado pelo MST no município de Iperó (SP), atual Assentamento Ipanema. No decorrer
do período em que permaneceu acampado em Iperó ou pesquisando acampamentos e
assentamentos da região de Araraquara, assevera que relatos desta natureza repetiam-se
periodicamente.
42
procuram abordar com os trabalhadores os seguintes temas: o que é a luta pela conquista
da terra e pela reforma agrária, os entraves e facilitadores da conquista da terra, o tempo
médio de conquista e a organicidade da vida no acampamento.
Etapa de Mobilização: transcorridas as etapas anteriores, que podem prolongar-se durante
meses, inicia-se a fase de mobilização, momento em que, o local e a data da ocupação são
estabelecidos e mantidos em segredo até o momento da ocupação. O movimento solicita
que os participantes reúnam o mínimo de pertences pessoais, lonas e alimentos para um
período de 20 a 30 dias. Os pertences pessoais e as provisões devem ser embalados e
identificados com o nome e a cidade de origem. O movimento providencia o transporte
para os bens pessoais, comumente, pago com a contribuição de simpatizantes e pelos
próprios participantes.
Etapa da Realização da Ocupação: geralmente, mas não necessariamente, de um único
local, no dia estabelecido, os participantes de diversas cidades partem para a ocupação.
Realizada a ocupação, os participantes começam a organizar suas barracas, tornando
pública a ocupação. Em condições favoráveis, o acampamento poderá ser declarado
assentamento provisório até que transcorra o processo de desapropriação da área, a análise
topográfica, a regularização burocrática até a completa transformação em assentamento.
Transcorridos os processos legais, a área é dividida em lotes, que são sorteados entre as
famílias segundo um processo de seleção, que conta com a presença de membros dos
organismos estatais responsáveis pela reforma agrária e lideranças do movimento.
Etapa de Consolidação da Ocupação: no decorrer desta fase, o sucesso do processo de
ocupação depende de pressão política, do posicionamento do poder judiciário, da
disposição das famílias acampadas e das condições da área. Em uma situação favorável, a
área pode ser declarada assentamento provisório ou outras áreas são estabelecidas e
negociadas até que transcorra o processo de desapropriação. Os próximos passos são os
seguintes: o cadastramento das famílias acampadas, o estudo topográfico da área, a
regularização burocrática até a transformação definitiva em assentamento rural de reforma
agrária. A seguir, a área é dividida em lotes, que, por sua vez, são sorteados entre as
famílias de agricultores sem-terra, segundo um processo de seleção, que conta com a
presença de membros dos organismos estatais responsáveis pela reforma agrária e, em
43
algumas situações, em razão da pressão política exercida pelo movimento sem-terra, com a
presença de membros do movimento.
Segundo Lazzaretti (2008), no decorrer da fase de mobilização e de acampamento
ocorrer uma homogeneização de interesses entre os trabalhadores rurais, momento em que
o papel das lideranças centraliza-se nos questionamentos do modo de produção capitalista
que promove a privatização da terra, não possibilitando que seja partilhada por quem nesta
despende sua força de trabalho. Entretanto, este cenário começa a mudar de figura quando
ocorre a passagem desta fase de mobilização e acampamento, quando os bens são coletivos
e as famílias acampadas nada têm a perder em termos materiais para a etapa em que a
concretização da posse da terra torna-se uma ficção. Durante esta fase, quando o projeto
coletivo do assentamento é negociado, emerge um descompasso entre a realidade material
e a ideologia vislumbrada pelas lideranças.
A problemática decorrer do fato de que as lideranças que atuam como
representantes dos interesses destes trabalhadores, não abrangem a totalidade de suas
demandas, em razão de posicionamentos ideológicos que nem sempre coadunam com a
heterogeneidade das famílias assentadas (KLEBA, 1994 apud LAZZARETTI, 2008).
Pode-se citar, por exemplo, a ideologia de trabalho individualizado do camponês, o seu
modo de trabalhar solitariamente, de não prestar contas a ninguém, de estabelecer seu
próprio horário de trabalho entra em litígio com a proposta de ação coletiva defendida pelo
MST (LAZZARETTI, 2003 apud LAZZARETTI, 2008).
De acordo com Turatti (2005), os “rachas” freqüentemente visualizados nos
acampamentos rurais do movimento sem-terra são motivados pela perda de prestígio das
lideranças frente à promessa de transformar imediatamente a sua base social em
proprietários de terras, lideranças essas que, comumente, trocam favores por votos, ou pela
intolerância das lideranças do movimento em receberem críticas, inclusive sob pena de
expulsão do movimento, questionamentos que se avolumam na medida em que se estende
o processo de assentamento definitivo.
Os dados do Banco de Dados da Luta pela Terra demonstram que no país, entre
os anos 2000 a 2006, foram registradas ocupações de terra realizadas por 86 diferentes
movimentos socioterritoriais. As áreas ocupadas são principalmente latifúndios, terras
devolutas e imóveis rurais onde leis ambientais e trabalhistas tenham sido desrespeitadas.
Geralmente, as propriedades ocupadas são as que apresentam indicativos de
44
descumprimento da função social da terra, definida no artigo 186 da Constituição Federal.
Como o Estado não apresenta iniciativa para cumprir a determinação constitucional, os
movimentos socioterritoriais agem para que isso aconteça (DATALUTA, 2006 apud
GIRARDI, 2008).
(...) o MST não é o único movimento de luta pela reforma agrária. Existem
atualmente dezenas de outros movimentos, inspirados no MST ou
dissidências dele, como os próprios nomes sugerem, por exemplo, o MAST
(Movimento dos Agricultores Sem Terra), ligado à Social Democracia
Sindical, o MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra), ligado a
segmentos da esquerda, e o MUST (Movimento Unido dos Sem Terra),
ligado à Força Sindical. Os dados reunidos por Bernardo Mançano
Fernandes (1999) mostram que o MST é responsável por apenas um terço
das ocupações de terras realizadas no Brasil desde 1996, e representa
aproximadamente dois terços das famílias acampadas recenseadas desde
aquele ano. Esses outros movimentos de luta pela terra disputam, portanto,
o mesmo espaço político que o MST. A leitura cotidiana do noticiário
político revela, contudo, que o maior adversário do governo nesse campo é
o MST (COMPARATO, 2001, p.106).
Segundo Girardi (2008), a partir de 1995, primeiro mandado de FHC, ocorreu um
aumento expressivo de famílias de trabalhadores rurais em ocupações e de famílias
assentadas (ver tabela e gráfico a seguir), atingindo seu ápice no ano de 1999, momento em
que, Fernando Henrique assumiu seu segundo mandato. Com o aumento constante do
número de ocupações, no início do seu segundo mandato, FHC publicou a Medida
Provisória 2.027-38 de 4 de maio de 2000, que criminalizava a luta pela terra. A
criminalização ficou mais evidente na MP 2.109-52 de 24 de maio de 2001, que substituiu
a anterior. Com essas Medidas Provisórias o número de famílias em ocupações diminuiu
drasticamente e o número de famílias assentadas acompanhou esta queda. A análise
conjunta deste fato e da evolução das ocupações e assentamentos mostra que as famílias
somente são assentadas devido à pressão realizada pelas ocupações de terra.
De acordo com Gonçalves (2005), a partir da legislação criada no segundo
governo Fernando Henrique Cardoso, proibindo a desapropriação de latifúndios ocupados
pelos movimentos sociais camponeses, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
passou a utilizar-se de uma nova estratégia, a fim de acelerar o processo da reforma agrária
no país, levantado acampamentos à margem de rodovias ou mediante ocupações de
latifúndios anexos à área que objetiva à desapropriação.
45
À respeito da política fundiária de Fernando Henrique Cardoso, acrescenta
Fernandes (2003) que, em seus dois mandatos, FHC jamais possuiu uma política
estruturada de reforma agrária, pois 90% dos assentamentos implantados em seu governo
resultaram de ocupações de terras. A fim de atingir as projeções estabelecidas em sua
propaganda de governo, o MDA tomou para si, como se fossem suas criações,
assentamentos implantados em governos que o antecederam ou que foram implantados
pelos governos dos estados. Procedendo dessa maneira, o governo de FHC criou uma
verdadeira “babel”, de tal maneira que, nem mesmo o Incra conseguia asseverar com total
certeza quantos assentamentos haviam sido, de fato, implantados no ano de 2003.
Embora FHC tenha propagandeado que realizou a maior reforma agrária da
história do Brasil, essa realidade produziu pelo menos dois resultados
lamentáveis: o represamento com o crescimento do número de famílias
acampadas, que em 2003, chegou a cento e vinte mil famílias, e a
precarização dos assentamentos implantados, que foram implantados como
projetos incompletos, que além de não terem infra-estrutura básica, a maior
parte também não recebeu crédito agrícola e de investimento
(FERNANDES, 2003, p. 35).
Com a eleição de Lula à Presidência da República em 2003, ocorre novamente o
crescimento das ocupações de latifúndios e, conseqüentemente, da criação de novos
assentamentos. Isso possivelmente ocorreu pela minimização da aplicação da
criminalização prevista na MP e pela esperança que os movimentos sociais depositavam
em Lula para a realização de uma reforma agrária mais ampla, o que de fato não veio a
ocorrer. Os dados de famílias assentadas mostram que quantitativamente não diferença
entre os governos de FHC e de Lula, pois durante os oito anos de governo de FHC foram
assentadas 457.668 famílias e no primeiro mandato de Lula foram assentadas 252.019. O
total de famílias assentadas no primeiro mandato de Lula contempla 63% das 400 mil
famílias previstas no II PNRA para o período (GIRARDI, 2008).
46
Tabela 1 - A Luta e a Conquista da Terra no Brasil
Gráfico 1 - A Luta e a Conquista da Terra no Brasil
Em maio de 2008, o IBOPE realizou uma pesquisa de opinião acerca da imagem
pública do MST em algumas regiões do país. O Instituto entrevistou 2100 pessoas com
mais de 16 anos, a grande maioria abaixo dos 39 anos, moradores em São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Distrito Federal, Salvador,
47
Fortaleza, Vitória, São Luís, Imperatriz, Belém, Marabá e em algumas regiões do interior
do país (RICCI, 2008).
Os moradores de capitais destacam, além das ocupações, os protestos como
principal arma de atuação deste movimento social. Os protestos incomodariam
sobremaneira as populações mais urbanizadas das capitais, tanto pelo simbolismo da
ocupação dos espaços públicos, quanto pela mudança de rotina e ordem dos grandes
centros urbanos. Os entrevistados do interior do país não destacam esta modalidade de
ação como significativa. A reação dos moradores de Marabá é a mais agressiva e violenta
em caso de ocupação de terra, mas no restante do país, em torno de 60% afirmaram que
negociariam (RICCI, 2008).
De acordo com Navarro (1997), o imaginário social associa o MST às ocupações
de latifúndios improdutivos, muito em razão da atuação dos meios de comunicação de
massa, que se focam essencialmente neste aspecto. Esta formulação amplamente difundida
na sociedade brasileira possui a intenção de desqualificar politicamente o movimento, pois
as ocupações dessas áreas subvertem o denominado “império da lei”, sendo ilegais nos
termos dos parâmetros jurídicos atualmente vigentes, embora não sejam ilegítimas.
Entretanto, as modalidades de luta do MST não se restringem unicamente às
ocupações de latifúndios improdutivos. Muito pelo contrário, suas estratégias de pressão
política abarcam desde ocupações de espaços públicos, até as modalidades mais
convencionais, tais como: prolongadas negociações, marchas, jejuns, atos públicos de
breve duração, abaixo-assinados, etc. O movimento tem desenvolvido ainda intensas ações
em diversos outros setores da sociedade como atividades de comercialização e
industrialização dos bens agrícolas gerados em seus projetos de assentamento, iniciativas
no campo da Educação Infantil e Educação de Jovens e Adultos (EJA), além de singulares
atividades jornalísticas, como atividades em rádio e a criação de seu periódico e de sua
home page (NAVARRO, 1997).
Em diversas regiões, o MST tem conseguido transformar o paradigma político
local, inserindo um novo contingente de eleitores, com o conseqüente enfraquecimento dos
sistemas de dominação política local. Como nenhum outro movimento de extração
popular, o MST tem desenvolvido modalidades de cooperação com instituições e agência
estatais, facilitando, dessa maneira, o entendimento do poder estatal acerca de suas
necessidades e favorecendo a criação de diversos programas, em inúmeras áreas de atuação
governamental (NAVARRO, 1997).
48
Ainda com relação às diversas modalidades de luta implementadas pelo MST a
fim de pressionar a aceleração do processo de reforma agrária no país, faz-se necessário
salientar que estas formas de pressão política, tais como: ocupações de edifícios públicos
sem nenhuma relação com a questão agrária; paralisações de praças de pedágio e,
especialmente, o episódio na Embrapa que resultou na destruição de mudas de eucalipto
vêm auxiliando a mídia e o Estado brasileiro a criar uma percepção pejorativa acerca do
movimento sem-terra, procurando o desqualificar politicamente, sob a alegação que de o
MST estaria perdendo o foco de sua luta, que nada mais seria do que a implantação da
reforma agrária no país.
Em abril de 2001, em reação à ocupação de sua fazenda pelo movimento sem-
terra, o embaixador, Paulo Tarso Flecha de Lima, afirmou que a finalidade da ocupação era
política e, portanto, sem justificativa social e agrária. De maneira análoga, o ministro do
Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, acusou o movimento camponês de atuar
politicamente, recusando-se a recebê-lo (O Estado de S.Paulo, 03/04/2001; Folha de
S.Paulo, 05/04/2001 apud COMPARATO, 2001). As reações de Flecha de Lima e Raul
Jungmann são significativas, pois deixam claro que o governo brasileiro considera o
movimento um grupo que possui uma atuação política. No entanto, por outro lado,
demonstram também a estratégia do governo de periodicamente desqualificá-lo,
dificultando as negociações (COMPARATO, 2001).
1.3. A Organização Social nos Projetos de Assentamentos Rurais do MST
De acordo com Fernandes (2008), a estrutura organizativa do movimento sem-
terra corresponde à etapa de institucionalização do MST. Atualmente, esta estrutura
comporta três dimensões interativas: as instâncias de representação, os setores de
atividades e as organizações vinculadas. As duas primeiras dimensões são fruto de um
amplo processo de reflexão à respeito das modalidades de organização dos movimentos
sociais que lutam pela posse da terra no país, representando a multiplicidade da
organização camponesa, integrando os ambientes de decisões com as atividades
primordiais para o desenvolvimento da luta. A terceira dimensão conserva a forma
tradicional das instituições que se encontram vinculadas ao governo.
49
Tabela 2 - Estrutura Organizativa do MST
Instâncias de Representação
Setores de Atividades
Congresso Nacional
Encontro Nacional
Coordenação Nacional
Direção Nacional
Encontro Estadual
Coordenação Estadual
Direção Estadual
Coordenação Regional
Coordenação de Assentamentos
Coordenação de Acampamentos
Núcleos da Base
Secretaria Nacional
Secretarias Estaduais
Secretarias Regionais
Setor de Frente de Massa
Setor de Formação
Setor de Educação
Setor de Produção
Setor de Cooperação
Setor de Meio Ambiente
Setor de Comunicação
Setor de Finanças
Setor de Projetos
Setor de Direitos Humanos
Coletivo de Relações Internacionais
Setor de Saúde
Setor de Gênero
Coletivo de Cultura
Coletivo da Mística
Organizações Vinculadas
Associação Nacional de Cooperação Agrícola
Confederação das Cooperativas de Reforma
Agrária do Brasil Ltda. (CONCRAB)
Instituto Técnico de capacitação e Pesquisa da
Reforma Agrária (ITERRA)
Escola Nacional Florestan Fernandes
Fonte: Fernandes, 2008.
As instâncias de representação agregam distintos espaços, constituídos por
inúmeras modalidades: núcleos, coordenadores, direções, encontros e o Congresso
Nacional. Os núcleos são constituídos pelos grupos familiares de trabalhadores rurais sem-
terra nos acampamentos e assentamentos rurais, que, por sua vez, elegem seus
coordenadores que escolhem as coordenações regionais que elegem as coordenações das
instâncias superiores e assim sucessivamente. Os coordenadores indicam, entre seus
membros, os componentes da direção nas suas respectivas escalas. Os núcleos, as
coordenações e as direções são os ambientes políticos por excelência do movimento sem-
terra (FERNANDES, 2008).
Conforme Navarro (2002), o movimento sem-terra conseguiu desenvolver
processos de organização e dinâmicas internas de estruturação que justificam sua força
política, sendo significativa a distância entre a base social e a agenda discursiva e as
modalidades de atuação social elegidas pelas lideranças do MST. O sucesso mobilizador
do movimento é explicado por outras razões, distintas da adesão consciente e voluntária de
sua base social. Afirma Martins (2000) que a principal agência mediadora da reforma
agrária no país, o movimento sem-terra, encontra-se envolta pela ideologia das classes
50
médias urbanas que, por sua vez, são portadoras de "visões de mundo estranhas aos
protagonistas do drama agrário" (MARTINS, 2000, p. 40).
O paradigma organizacional postulado pelo movimento sem-terra para os seus
projetos de assentamentos possui como principal referência a obra “Elementos sobre a
teoria da organização no campo(1986), de autoria de Clodomir Santos de Morais, que,
por sua vez, fundamenta-se em uma determinada concepção de socialismo, que encontra
no marxismo-leninista sua maior expressão (BRENNEISEN, 2000).
O MST não é um partido político ou, pelo menos, não se organizou para
constituir-se enquanto tal. No entanto, a partir da adoção de estratégias
leninistas, ou seja, a partir da adoção do centralismo democrático, tornou-
se uma organização, aproximando-se em termos de estrutura muito mais da
formação de um partido político que de um movimento social
(BRENNEISEN, 2000, p. 87).
De acordo com Navarro (2002), ao adotar a perspectiva totalizante dos grandes
esquemas políticos das tradições ortodoxas do marxismo, que desqualificam as diferenças
e alteridades sociais, além de impedir a autonomia das formas organizacionais
microsociais, locais e regionais, pois ameaçariam a existência de sua própria dimensão
nacional, o MST, enquanto uma organização política tem, de fato, atuado mais como freio
à emancipação
9
dos mais pobres do campo, estes últimos servindo, muito mais, aos
propósitos, nem sempre explícitos, do corpo dirigente da organização.
Segundo Martins (2000), o MST reduz o seu discurso acerca da reforma agrária a
um embate ideológico, relegando-a para o campo das disputas entre idéias e projetos
partidários e não políticos mais amplos. A consciência do movimento sem-terra encontra
restrita a uma preocupação quantitativa com relação aos números obtidos com o processo
de reforma agrária, isto é, a quantidade de terras desapropriadas e de trabalhadores rurais
assentados. A política encontra-se delimitada pela ideologia dos partidos políticos, não
estando ligada a uma história movida pelas tensões de um processo contraditório, a história
como é de fato ou como deveria ser compreendida.
9
Zander Navarro entende o conceito de emancipação como “às chances das classes subalternas e
os grupos sociais mais pobres, a partir de diferentes identidades, construírem, de forma autônoma,
suas diversas formas de associação e representação de interesses e, mais relevante, adentrarem o
campo das disputas políticas e exercerem seu direito legítimo de defender reivindicações
próprias e buscar materializar suas demandas, sem o risco de eliminação ou constrangimentos
politicamente ilegítimos materializados por grupos sociais adversários” (NAVARRO, 2002, p. 4).
51
Na disputa ideológica pela reforma agrária, o movimento sem-terra posiciona-se
de maneira contestatória com relação à política fundiária do Estado brasileiro. Para o
movimento camponês, a reforma agrária de maneira alguma significa uma regularização de
terras, observando somente na desapropriação o único e legítimo caminho para sua
efetivação (MARTINS, 2000).
Segundo Navarro (1997), em seus projetos de assentamentos rurais, o movimento
sem-terra possui uma forma de organização demasiadamente influenciada por uma
percepção militarizada da estrutura social, pouco democrática e tolerante aos anseios e
trajetórias familiares dos trabalhadores rurais assentados. Como resultante desta atitude,
esta estrutura está condenada a estabelecer conflitos e dissenções em grande escala. Apesar
desta forma organizacional fundamentalmente centralizada no controle social estar gerando
resultados que, mesmo assim, são melhores do que se não houvesse nenhuma propositura
de organização dos assentamentos sendo muito eficaz em diversos projetos, não aparenta
possuir maiores possibilidades de sucesso.
À respeito das críticas desferidas ao movimento sem-terra por Zander Navarro
(2002), em “Mobilização sem emancipação” - as lutas sociais dos sem-terra no Brasil, e
José de Souza Martins, que procuram desqualificá-lo politicamente, Gonçalves (2005)
chama a atenção para o seguinte fato:
É preciso estar atento para um fato presente nas principais críticas feitas ao
MST, entre as quais se inscrevem as de José de Souza Martins e Zander
Navarro que, independentemente da qualidade intelectual que
demonstraram em outras situações, revelam um forte componente
emocional que, em parte, pode ser explicado pelo fato de por terem sido
assessores do movimento, condição que, por razões diversas, perderam.
Criticar o MST, como fez recentemente José de Souza Martins, por dar o
nome de Florestan Fernandes à sua recém-criada universidade, chega a ser
pueril (GONÇALVES, 2005, p. 11).
Para além da caracterização do movimento sem-terra como um tipo de sociedade
em rede com identidade social de projeto (Carvalho, 2002 apud Gonçalves, 2005, p.11) ou
como aqueles que tentam desqualificá-lo pela mobilização sem emancipação (Navarro,
2002 apud Gonçalves, 2005, p.11) em razão da ideologia dos seus dirigentes que sonham
com a tomada do Palácio de Inverno, o MST vem preservando uma criativa capacidade de
organização nacional das lutas sociais camponesas o que implica, sempre, unificar
temporalidades distintas e, freqüentemente, tensões e contradições vêm à tona.
52
O MST apropriou-se do legado teórico da esquerda, como pode ser facilmente
observado em seus documentos e nos livros de suas principais lideranças. No entanto,
enquanto um movimento social, o MST tem também mantido uma rica e ambígua relação
dialética entre a institucionalidade e a autonomia, entre a reforma e a revolução. Ao invés
de objetivar a tomada do poder, o movimento tem assumido a mundana e contraditória
tarefa de criar espaços de vida própria, de autonomia nas ocupações, nos acampamentos e
nos assentamentos mediante a criação de cooperativas e escolas, recuperando tradições
anarquistas. A evidência empírica demonstra que não estão esperando a tomada do Palácio
de Inverno, mas criando ambientes de vida, embora suas lideranças não deixem de
vislumbrar sonhos mais significativos (GONÇALVES, 2005).
Na organicidade do movimento sem-terra observam-se a presença de diversos
paradigmas clássicos da esquerda tradicional, emergindo a necessidade de uma estrutura
orgânica constituída por dirigentes, coordenadores, comissões, departamentos e núcleos
(GOHN, 1997 apud LAZZARETTI, 2008). Segundo Morissawa (2001), em algumas
regiões do país, o movimento sem-terra vem desenvolvendo em seus acampamentos e
assentamentos uma experiência de núcleos de moradia, que, por sua vez, diferem-se das
chamadas agrovilas
10
, em razão das moradias serem construídas nos lotes familiares.
Nesta forma de organização, o assentamento é dividido em lotes de tal maneira
que facilita a proximidade entre as inúmeras casas. Dessa maneira, em um assentamento
existem diversos núcleos, cuja dimensão varia de acordo com a topografia, hidrografia e
estradas existentes no local. Em média os núcleos comportam 15 grupos familiares. No
interior de cada núcleo, existe um espaço destinado para a construção dos inúmeros
equipamentos da infra-estrutura coletiva (MORISSAWA, 2001).
Nos núcleos de base ou moradia são ainda organizados os principais serviços,
ocorrendo uma divisão de tarefas. Desta maneira, são constituídos os diversos setores
dentro de um acampamento a fim de facilitar o dia a dia das famílias acampadas, tais
como: educação, saúde, alimentação, higiene, religião, produção, finanças, lazer, entre
outros. Para cada um desses setores existe um respectivo coordenador e as equipes de
trabalho, que são responsáveis pelas tarefas e se reúnem periodicamente para avaliar e
planejar as ações. Nos acampamentos ou assentamentos do movimento sem-terra, existe
10
Na organização em agrovilas, as moradias são construídas em um lote destinado para esse
objetivo. Inúmeras regras sociais são estabelecidas entre os assentados a fim de garantirem uma
pretensa harmonia social (MORISSAWA, 2001).
53
ainda uma coordenação geral, eleita pelas famílias acampadas ou assentadas, a qual possui
a incumbência de conceder coesão ao trabalho das inúmeras equipes, tais como
encaminhar lutas, negociar com o governo e se relacionar com a sociedade. A assembléia
geral das famílias acampadas, que se reúne também periodicamente é o órgão máximo de
decisão de um acampamento (CALDART, 2000 apud SOUZA; BERGAMASCO, 2006).
Segundo Turatti (2005), a mística do movimento sem-terra (o conjunto de
práticas simbólicas e rituais permeadas de conteúdos ideológicos) desenvolvida em seus
acampamentos e projetos de assentamentos objetiva-se mais a identificar o trabalhador
sem-terra com o MST, do que propriamente destina-se a uma formação política:
Assim dois los de assimilação da mística como ideologia, bem como
dois objetivos distintos: interessa ao MST que alguns acampados
desenvolvam uma relação maior com o movimento para que os quadros
dirigentes sejam reproduzidos; no entanto, é preciso que a base sinta-se
dependente do MST, não parte dele; é preciso que o líder seja visto como
um messias”, o guia divino na caminhada para a terra prometida
(TURATTI, 2005, p. 109).
Os dirigentes do movimento sem-terra são selecionados entre os melhores
militantes. Partindo este movimento social do pressuposto teórico de que as massas
somente se mobilizam solitariamente em razão de uma causa imediata, não se organizando
politicamente, é de responsabilidade destes dirigentes o direcionamento da luta dessa
massa. Afirma-se inclusive nos documentos do MST que quanto mais esses trabalhadores
rurais, denominados genericamente de massa, identificam-se com os símbolos do
movimento, com suas lideranças e com sua organicidade, mais esses trabalhadores irão se
mobilizar, organizar e lutar (GOHN, 1997 apud LAZZARETTI, 2008).
1.4. A Organização da Produção nos Projetos de Assentamentos Rurais do MST
A fim de garantirem sua permanência na terra, as famílias de trabalhadores rurais
assentados estabelecem estratégias a partir das quais passam a se organizar. Frente a este
fato, as famílias escolhem participar de organizações como associações, cooperativas ou
até mesmo aliando-se a familiares e/ou vizinhos. A fim de que ocorra a organização, é
necessário que exista a mútua confiança e reciprocidade entre os agentes sociais
envolvidos nesse processo, sendo que, a confiança é um dos princípios que compõe o
54
capital social, que não é somente uma propriedade cultural transmitida de geração em
geração (ABRAMOVAY, 1998 apud SOUZA; BERGAMASCO, 2006).
(...) o capital social pode ser criado, por meio de fortes organizações que
indiquem aos indivíduos alternativas às convenções ditadas pela sociedade.
Também não é simplesmente um novo termo para falar da organização de
trabalhadores; é, antes de tudo, o estabelecimento de relações entre pessoas
e grupos sociais cujos interesses comuns nem sempre se evidenciam.
Assim sendo, sua construção exige uma ação voluntária e coordenada
(ABRAMOVAY, 1998 apud SOUZA; BERGAMASCO, 2006, p. 144).
De acordo com Bourdieu (1998), a concepção de capital social resulta de uma
tentativa de tornar explicáveis determinadas propriedades inerentes às redes de relações
sociais
11
entre os agentes e entre as instituições. O conceito de capital social é definido por
Pierre Bourdieu da seguinte maneira:
O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão
ligados à posse de uma rede de relações mais ou menos institucionalizadas
de interconhecimento e inter-reconhecimento, ou, em outros termos, à
vinculação a um grupo como conjunto de agentes que não somente são
dotados de propriedades comuns (...) mas também, são unidos por ligações
permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998, p. 67).
O capital social reflete-se no nível de confiança entre os inúmeros atores sociais,
seu grau de associativismo e aceitação das regras de comportamento cívico,
fundamentando-se nas relações entre os atores que estabelecem obrigações e expectativas
comuns, estimulam a confiabilidade nas relações sociais e agilizam o fluxo de informações
O capital social facilita a funcionalidade de regras e aprovações consentidas, ressaltando os
interesses públicos e coletivos, sendo que, sua construção repercute positivamente na
coesão do núcleo familiar, da comunidade e na sociedade (PUTNAM, 1984 apud
RATTNER, 2003).
A estrutura do capital social seria composta basicamente pelas relações entre os
agentes de um campo, bem como por ligações entre agentes de campos distintos, sendo
que: (...) essas ligações (...) são fundadas em trocas inseparavelmente materiais e
11
Segundo Fukuyama (2000), rede social é o relacionamento moral de confiança de um grupo de
agentes individuais que comportam em comum regras ou valores além dos indispensáveis às
transações de mercado. Os valores e as regras envolvidos nesta conceituação podem ir da simples
norma de reciprocidade entre dois amigos até os complexos sistemas de valores estabelecidos por
religiões organizadas.
55
simbólicas (BOURDIEU, 1998, p. 67). Com relação ao volume do capital social, salienta
o autor que: O volume do capital social que um agente individual possui depende então
da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume de capital (cultural,
econômico ou simbólico) que é posse exclusiva de um daqueles a quem está ligado
(BOURDIEU, 1998, p. 67).
O capital social tenderia a variar em função da mudança de posição dos agentes
em um determinado campo, pois ao se moverem nesse campo tenderiam a estabelecer
novas redes de relações análogas às demais formas de relações, transformando a estrutura
e, em alguns casos, o volume de capital social. Quanto à conversibilidade do capital social
em capital econômico, cultural ou simbólico, apesar de não ser direta e imediatamente
passível de se converter, o capital social possuiria um efeito multiplicador sobre as
propriedades de cada um desses tipos de capital possuído pelo agente detentor de capital
social, em razão da sua ação catalisadora no processo de estabelecimento de redes de
relações necessárias à multiplicação do capital econômico ou cultural investido
(BOURDIEU, 1998).
Por sua vez, a viabilidade econômica dos projetos de assentamentos rurais que se
encontram sob a liderança do MST constitui-se em uma preocupação das lideranças do
movimento sem-terra, sendo que o cooperativismo representa uma resposta a esta
preocupação. Apesar deste paradigma cooperativista tenha sido somente implantado no
início da década de 1990, os seus fundamentos político-ideológicos encontram-se
formulados desde a década de 1980, também no artigo intitulado “Elementos sobre a teoria
da organização no campo”, obra de autoria de Clodomir Santos de Morais
(BRENNEISEN, 2000).
(...) a organização cooperativista do MST, principalmente no modelo
coletivista desenvolvido através das CPAs, cumpririam duas funções:
primeiro desenvolveriam nos camponeses aquilo que a escola da fábrica
havia feito aos operários, a disciplina; em segundo lugar, eliminaria os
vícios pequeno-burgueses enraizados, a saber, o apego à propriedade dos
meios de produção (BRENNEISEN, 2000, p 86).
Embora o movimento sem-terra fomente as mais diversas modalidades de
associativismo em seus projetos de assentamentos rurais, para o MST as cooperativas
agrícolas ainda é o principal modelo de organização econômica, social e política, pois
entende que cooperação é o mesmo que cooperativa, ou se estabelece mediante ela
56
(CONCRAB, 1999 apud SOUZA; BERGAMASCO, 2006). Segundo Ferrante et al, 2006,
no interior do estado de São Paulo, pouca prosperidade, em termos de permanência e
expressão regional, obteve as experiências que postulavam a gestão coletiva da terra e do
conjunto dos meios de produção nos assentamentos. Em muitos casos, organizadas pelo
MST, estas experiências coletivistas sobrevivem em número reduzido. Verifica-se (com
um nível de organização cooperativa) somente as duas Cooperativas de Produção
Agropecuárias no projeto de assentamento Pirituba, no sul de São Paulo.
Turatti (2005) referindo-se à base social do MST afirma que na nese da luta
pelo acesso à terra, encontra-se o anseio pela posse da propriedade privada, que, por sua
vez, transforma-se no próprio combustível da luta dos trabalhadores rurais sem-terra,
decorrendo desse fato a dificuldade por parte das lideranças do movimento na implantação
e manutenção das cooperativas de produção agrícola. A proposta de coletivização do uso
da terra significa “uma alteração marcante com relação à forma tradicional de cultivar a
terra, além de chocar-se com alguns valores tradicionais do patrimônio”. Visto por este
ângulo, o movimento incorpora uma perspectiva conservadora ao deslocar os trabalhadores
sem-terra a um lugar no processo produtivo conjugado com a propriedade privada,
relegando-os à condição de meros consumidores.
De acordo com Morissawa (2001), em seus projetos de assentamentos rurais, o
MST tem estimulado as famílias assentadas que se encontram sob sua tutela à prática da
agroecologia, desenvolvendo um novo paradigma de produção cujo objetivo central é que
não ocasionar prejuízos aos seres humanos e ao meio ambiente, reduzindo ainda os custos
de produção. O movimento tem realizado um grande esforço a fim de produzir sementes
dos alimentos básicos da agricultura, rústicas e mais adaptadas a cada região, que foram
descartadas pelas produtoras de sementes híbridas.
A articulação da dimensão técnica com compromissos sócio-ambientais
computa à agroecologia aportes de diferentes disciplinas na área da
produção agrícola. De fato, a agroecologia conta com a aplicação interativa
de conceitos e princípios da ecologia, agronomia, sociologia, economia,
antropologia e outras áreas do conhecimento para um manejo e redesenho
de agroecossistemas em direção à sustentabilidade do rural ao longo do
tempo (ALTIERI, 2002 apud CARMO, 2005, p. 224). Embora o termo,
entendido como um corpo teórico tenha surgido nos anos 1970, “... a
ciência e a prática da agroecologia têm a idade da própria agricultura
(HECHT, 1989, p. 25 apud CARMO, 2005, p. 224).
57
No campo do combate a pragas, insetos e nutrição dos vegetais, as famílias
assentadas têm buscado utilizar novas e velhas fórmulas de agroecologia. No lugar dos
agrotóxicos, estão utilizando as caldas (um fungicida diluído em água que pode ser
orgânico ou químico), o controle biológico, os inseticidas naturais, substituindo os adubos
químicos pelos biofertilizantes, praticando a cobertura solo, adotando ainda plantas que
recuperam a matéria orgânica do solo (adubos verdes). A fim de evitarem a erosão do solo,
os assentados estão implantado nos assentamentos rurais as chamadas curvas de nível. O
reflorestamento também vem se transformou em uma prática usual entre os assentados,
com a criação de viveiros para a produção de mudas de árvores nativas, frutíferas e até
mesmo exóticas (MORISSAWA, 2001).
Ainda acerca da produção agroecológica implementada nos projetos de
assentamentos rurais, observa Gonçalves e Scopinho (2008), desde a década de 1990,
pesquisadores, governos e movimentos sociais que lutam pela implantação da reforma
agrária no país têm se debruçado sobre as novas dimensões do universo rural brasileiro,
especialmente, sobre as questões provenientes da implantação de projetos baseados na
sustentabilidade agroecológica. Recentes pesquisas apontam que esse processo resulta de
uma nova visão sobre o rural, isto é, uma nova concepção sobre as possibilidades de
desenvolvimento agropecuário nos distintos agroecossistemas do país. No contexto deste
debate, os assentamentos da reforma agrária vêm sendo considerados espaços importantes
para a implantação de projetos de desenvolvimento agropecuários alicerçados nos
princípios da agroecologia.
58
2. O CENÁRIO E OS ATORES: O AGRONEGÓCIO E A TERRITORIALIZAÇÃO
DO MST NA REGIÃO DE RIBEIRÃO PRETO
2.1. A Região de Ribeirão Preto
De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, a microrregião de Ribeirão Preto encontra-se subdividida em dezesseis
municípios
12
, possuindo uma população estimada em torno de 967.890 habitantes e uma
área total de 6.007,036 km² (IBGE, 2003). No entanto, deste total, somente 2.500 hectares
constituem projetos de assentamentos de reforma agrária. Com relação aos indicadores
socioeconômicos, tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,834 (PNUD,
2000), um Produto Interno Bruto (PIB) que gira em torno de R$ 9.484.947.258,00 e um
PIB per capita da ordem de R$ 10.301,91 (IBGE, 2003).
Do ponto de vista tecnológico e econômico, a microrregião de Ribeirão Preto
situa-se entre as regiões mais ricas do estado de São Paulo. Por sua vez, o município de
Ribeirão Preto configura-se como um centro de atração das atividades comerciais e de
prestação de serviços, cuja área de influência ultrapassa os limites da própria região,
estendendo-se para as regiões de Franca, Barretos, São Carlos, São João da Boa Vista e
outras do próprio estado e de outros estados (INCRA, 2005a).
A boa qualidade do solo e do clima possibilitou o desenvolvimento agrícola de
uma das principais regiões do estado de São Paulo e do país, com principal destaque para a
cultura da cana-de-açúcar, da laranja, da soja, do amendoim, da fruticultura em geral, entre
outras, além de possuir um amplo complexo agro-industrial. Embora apresente bons
indicadores econômicos e sociais, a região tornou-se um grande foco de conflitos agrários.
O crescimento do índice de desemprego na região, ocasionado, principalmente, em razão
da crescente mecanização do corte de cana-de-açúcar, do fechamento de usinas de açúcar e
álcool e da presença de movimentos sociais de trabalhadores rurais sem-terra são
elementos que contribuíram sobremaneira para uma maior ocorrência de ocupações de
terra improdutivas e famílias acampadas na região (INCRA, 2005a).
12
A microrregião de Ribeirão Preto é constituída pelos seguintes municípios: Barrinha, Brodowski,
Cravinhos, Dumont, Guatapará, Jardinópolis, Luís Antônio, Pontal, Pradópolis, Ribeirão Preto,
Santa Rita do Passa Quatro, Santa Rosa de Viterbo, São Simão, Serra Azul, Serrana e Sertãozinho
(IBGE, 2003).
59
2.2. O Município de Ribeirão Preto
De acordo com Tonetto (2007), a partir de meados do século XIX, o município de
Ribeirão Preto transforma-se em um significativo produtor de café, assumindo um papel de
destaque entre as exportações brasileiras. Apesar da crise de superprodução de 1929, o
cultivo deste produto persiste em seu território até a década 1960, coexistindo com a
policultura e com a intensificação paulatina do setor comercial e de serviços, sendo
substituído pela monocultura de cana-de-açúcar, que se estrutura, posteriormente, em
agroindústria açucareira.
Embora o município de Ribeirão Preto possua cerca de 1760 hectares
classificados pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e pela Fundação
Itesp como latifúndio improdutivo, a cidade é considerada como centro de uma região onde
o agronegócio
13
encontra sua expressa mais extremada. Segundo Tonetto (2007), o
município configura-se atualmente como um dos centros mais significativos de produção
de úcar, álcool e suco de laranja do país, o que, por sua vez, conduziu ao sucesso as
festas e feiras agropecuárias locais, em especial, a Feapam e Agrishow
14
, que movimentam
economicamente a cidade, principalmente, o setor hoteleiro.
Agroindústria canavieira é o cenário no qual o município evidencia-se,
possibilitando discorrer a respeito da intensificação do capitalismo no campo, com suas
tecnologias e seus impactos na vida do trabalhador rural. Um significativo contingente
desse segmento (temporários, sem-terras, trabalhadores rurais proletarizados) coexiste em
Ribeirão Preto e nas cidades circunvizinhas, entre usinas de cana-de-açúcar e sofisticados
implementos agrícolas. A fertilidade do solo norteia historicamente o desenvolvimento
13
Delgado (2005) observa que o agronegócio, na concepção nacional do termo, é uma agregação
do grande capital agroindustrial com a grande propriedade rural, agregação essa que atingi uma
estratégica econômica de capital financeiro, almejando o lucro e a renda do latifúndio, sob a tutela
de políticas públicas de governo.
14
No município de Ribeirão Preto, a Agrishow (Feira Internacional da Tecnologia Agrícola em
Ação) há uma década e meia, vem movimentando milhões de reais. Em sua última edição em 2008,
a feira registrou um faturamento superior a 800 milhões de reais, frente os R$ 710 milhões de 2007,
superando a meta de negócios prevista pelos organizadores. O Público visitante foi de
aproximadamente 140 mil pessoas, dos quais entre 2,5 mil e três mil eram estrangeiros. Em 2007, o
volume de negócios foi da ordem de R$ 710 milhões, com um crescimento de 42% em relação a
2005 (R$ 500 milhões). No entanto, o recorde de movimentação financeira ocorreu na edição de
2004, com a cifra bilionária de R$ 1,288.
60
local, projeta homens na esfera política, distingue classes sociais, condições e relações de
trabalho (TONETTO, 2007).
De acordo com a Associação Brasileira do Agronegócio da Região de Ribeirão
Preto (ABAGRP), a área de influência de Ribeirão Preto não se restringe à sede do
município, prolonga-se por mais de 30 mil km², atingindo cerca três milhões de pessoas em
85 municípios (ABAGRP, 2004).
Figura 3 - Foto de Satélite do Município de Ribeirão Preto
Fonte: Google Earth, 2004.
Como manifestações concretas do agronegócio na região e no município de
Ribeirão Preto, a Abagrp citava como exemplos mais expressivos a Cooperativa Central
Leite Nilza que reúne sete cooperativas singulares e outras 10 em parceria, agregando 4000
cooperados e com um faturamento que supera a cifra de 330 milhões de dólares. Na
vizinha cidade de Orlândia, localiza-se a Agromen, a maior empresa de sementes do país e
com capital totalmente nacional. A empresa Tatu Marchesan é a maior indústria de
implementos agrícolas da América Latina. Localizada no município de Matão, possui uma
área coberta de 200 mil m² e também conta um capital 100% nacional, gerando 1800
empregos diretos e cerca de 600 indiretos (ABAGRP, 2004).
Com relação ao setor sucroalcooleiro, a região possui 384,758 hectares plantados
em cana-de-açúcar e cerca de 40 usinas produzem 30% do álcool e do açúcar do país
61
(SILVA, 2005). Na cidade de Pradópolis, a Usina São Martinho, tritura mais de seis
milhões de toneladas/ano, produzindo oito milhões e meio de sacas de açúcar de 50 quilos
e quase 267 milhões de litros de etanol (ABAGRP, 2004).
De acordo com Silva (2005), na região de Ribeirão Preto e, em especial, no setor
sucroalcooleiro, observa-se que a utilização de máquinas e de tecnologias altamente
avançadas caminham lado a lado com o aumento da exploração e do agravamento das
condições de trabalho, caracterizadas por baixos salários, perda dos direitos, casos de
escravidão por meio de dívidas, sem mencionar os registros de mortes, ocasionadas pelas
altas exigências de produtividade e usos de entorpecentes estimulantes durante o horário de
trabalho. A permanência da mão-de-obra migrante, falsamente denominada temporária,
constitui o alicerce do modelo lucrativo do agronegócio das usinas canavieiras paulistas.
2.3. Acampamentos e Assentamentos da Região de Ribeirão Preto
De acordo com Instituto de Colonização e Reforma Agrária (2005a), no país a
desigualdade do acesso à terra é ainda maior do que a desigualdade da distribuição de
renda. Segundo o Índice de Gini
15
, a concentração de terras no país é muito elevada,
calculada em 0,843. No estado de São Paulo, o Índice de Gini é de 0,763, ocupando a 13ª
posição no ranking de concentração fundiária nacional.
Ainda de acordo com o Incra (2005a), cerca de aproximadamente 84% do
território paulista possui condições para atividades agropecuárias, no entanto, estima-se
que um quarto da área ocupada com este objetivo seja de grandes propriedades agrícolas
improdutivas, terras com potencial para produzir, mas que se encontram ociosas. Conforme
Olivette e Camargo (2009), na microrregião de Ribeirão Preto, em razão da incorporação
de grandes somas de terras para a produção de cana-de-açúcar, entre os anos de 2006 a
2008, o Índice de Gini teve um leve aumento, mantendo-se nos níveis de forte a muito
forte, verificando-se uma elevação em áreas de 500 a 1.000 hectares.
15
O Índice de Gini mensura o grau de desigualdade social existente na distribuição de bens sociais,
sendo muito utilizado para medir a distribuição da terra e da renda. O resultado do cálculo varia de
0 a 1. Quanto mais se aproxima de 1 maior é a concentração e, conseqüentemente, menos
indivíduos possuem uma quantidade maior de determinado bem social (INCRA, 2005).
62
Tabela 3 - Concentração Fundiária na Região de Ribeirão Preto
Área em hectares
1995/96
2007/08
(0 a 20)
8,97
9,17
(20 a 50)
32,23
31,95
(50 a 200)
102, 56
99,79
(200 a 500)
318, 58
318,38
(500 a 1.000)
694,31
702,16
(1.000 a 5.000)
1.882,53
1.844,35
Acima de 5.000
9.101,27
9.038,80
Total
107,10
91,27
Índice de Gini
0,78
0,78
Fonte: Olivette e Camargo, 2009.
Comportando também um alto índice de desemprego ocasionado pela
mecanização da agricultura e com uma enorme concentração fundiária, com cerca de 7%
de proprietários detendo a posse de, aproximadamente, 70% de suas terras, a região de
Ribeirão Preto, configura-se, atualmente, como uma região extremamente tensa, como
verdadeiro “barril de pólvora” preste a eclodir no interior do estado de São Paulo
(GRAZIANO, 2004).
Motivados pelas tensões sociais num campo de disputas e conflitos,
norteados por ações de acomodação e resistência, a relação patrões x
empregados ou usineiros x bóias-frias mostras de que o barril de
pólvora foi acesso na conhecida revolta de Guariba SP, ocorrida em maio
de 1984, com a greve dos bóias-frias como retaliação à proposta dos
usineiros de aumentar o número de ruas no corte da cana com intuito de
“elevar” a produtividade do trabalho sem nenhum ganho real para estes
trabalhadores, ou seja, cristalizando a intensificação e exploração do
trabalho. Este fato foi apenas a ponta do iceberg de um intenso contexto
social caracterizado por rupturas, explorações, expulsões e principalmente,
sem qualquer perspectiva de futuro para estes trabalhadores (as) rurais
(BARONE, 1996 apud CAMPOI; FERRANTE, 2006).
De acordo com dados oficiais divulgados pelo Incra, no ano de 2007, existiam na
microrregião de Ribeirão Preto seis acampamentos: o Horto Guarani, na cidade de
Pradópolis, com 53 famílias acampadas; a Fazenda Santa Maria, no município de São
63
Simão, com 164 famílias; dentro dos limites do município de Ribeirão Preto, havia o Terra
Sem Males, com 109 famílias, o Santo Dias, com 150 núcleos familiares, o Índio Galdino,
com 49 famílias. Destacando-se entre esses acampamentos, encontrava-se o atual
assentamento Mário Lago, com um número bem superior de famílias com relação aos
demais acampamentos, pois do total de 823 famílias acampadas na região, 298
encontravam-se provisoriamente instaladas na Fazenda Barra (INCRA, 2007).
No entanto, o que a frieza desses números divulgados pelo Incra não revelava
era a difícil situação de sobrevivência em que se encontravam essas famílias de
trabalhadores rurais, com relação a algumas garantias e direitos fundamentais previstos na
legislação federal. Acampados provisoriamente em propriedades rurais improdutivas que
reivindicavam sua desapropriação para fins de reforma agrária ou às margens de rodovias,
estavam sujeitos a toda espécie de intempérie que pudesse ser ocasionada pela natureza e
sem nenhum auxílio por parte do poder público local.
Ainda segundo os números oficiais do Incra, no ano de 2008, na região de
Ribeirão Preto, existiam dois assentamentos federais administrados por esse órgão estatal:
como projeto de assentamento, a Fazenda da Barra (Mário Lago), em Ribeirão Preto, e,
como projeto de desenvolvimento sustentável, o Sepé Tiarajú, no município de Serrana,
perfazendo um total de 2.346, 23 hectares desapropriados para fins de reforma agrária e
467 famílias beneficiadas com lotes individuais de terra (INCRA, 2008).
Por sua vez, de acordo com o Incra, o Instituto de Terras do Estado de o Paulo
“José Gomes da Silva” (ITESP) administrava, no ano de 2008, três assentamentos
estaduais na região de Ribeirão Preto: o Córrego Rico, em Jaboticabal; o Ibitiuva, em
Pitangueiras e o Guarany, em Pradópolis, com um total de 5.383, 23 de hectares
desapropriados e com 334 famílias beneficiadas (INCRA, 2008).
Embora a implantação desses assentamentos esteja contabilizada entre os
números oficiais divulgados pelo Incra, como realizações da política nacional de reforma
agrária do governo Lula, estes assentamentos o nasceram de uma política estruturada de
reforma agrária encabeçada pelo Estado, mas de ocupações de terras lideradas por
movimentos sociais de acesso a terra, promovidas, em grande parte, pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Dessa maneira, coloca-se a seguinte problemática social: circundados por grandes
latifúndios pertencentes ao agronegócio, estes assentamentos encontram-se isolados de
outros assentamentos, o que, por sua vez, dificulta em muito sua organização conjunta com
64
outros movimentos, a resistência, o enfrentamento e a criação de redes de cooperação entre
esses assentamentos.
Em tese controversa, que necessita ser relativizada, afirma Fernandes (2003) que
a reforma agrária não deve ser compreendida como uma política compensatória, mas como
uma política de desenvolvimento territorial, o que, por sua vez, implica em uma
desconcentração fundiária, fato este que nunca ocorreu na história do país, pois todos os
governos que se sucederam no poder a entenderam justamente como uma política
compensatória e, dessa maneira, a grande maioria dos assentamentos que se estabeleceram
por todo o país foram implantados em razão das ocupações e fortes pressões dos
movimentos sociais de luta pelo acesso a terra.
Esse paradigma de reforma agrária terá também que suplantar a separação
existente entre políticas públicas para assentamentos e para pequenos agricultores, pois
ambos encontram-se em uma difícil situação de sobrevivência e, dessa maneira, políticas
públicas conjuntas são de fundamental importância. Atingidas essas perspectivas, os
embates fundiários tenderão a diminuir em todo o país e a luta dos movimentos sociais
passará a ser pela apropriação dos bens produzidos pela agricultura familiar
(FERNANDES, 2003).
A implantação de uma política agrária de caráter compensatório ocasionou, por
sua vez, uma distribuição geográfica generalizada de assentamentos por todo o país,
assentamentos esses, circundados de todos os lados por latifúndios, o que traz à tona a o
existência de uma política pública estruturada de reforma agrária por parte do Estado, pois
estes latifúndios constituíram-se a partir de ocupações promovidas pelos movimentos
camponeses. Compreendida como uma política de desenvolvimento territorial, a reforma
agrária, necessariamente, deverá estabelecer áreas para o rearranjo fundiário e anexação de
diversos assentamentos, pois, isoladamente, comportam grandes dificuldades de
estruturação, inclusão, enfrentamento e oposição ao mercado (FERNANDES, 2003).
65
Tabela 4 Acampamentos Localizados na Microrregião de Ribeirão Preto
Município
Acampamento
Famílias
Pradópolis
Horto Guarani
53
São Simão
Fazenda Santa Maria
164
Ribeirão Preto
Terra Sem Males
109
Mário Lago
298
Santo Dias
150
Índio Galdino
49
Total Geral
06 acampamentos
823
Fonte: INCRA Divisão de Ordenamento da Estrutura Fundiária 30 maio 2007
Tabela 5 - Assentamentos Federais Localizados na Microrregião de Ribeirão Preto
Município
Assentamento
Data de
Criação
Área (hec.)
Famílias
Ribeirão
Preto
PA Fazenda da
Barra
20/06/2007
1.548,48
388
Serrana
PDS Sepé Tiarajú
20/09/2004
797,75
79
Total Geral
02 assentamentos
2.346,23
467
Fonte: INCRA Divisão de Desenvolvimento de Projetos 16 abr. 2008
Tabela 6 - Assentamentos Estaduais Localizados na Microrregião de Ribeirão Preto
Município
Assentamento
Data de
Criação
Área (hec.)
Famílias
Jaboticabal
PE Córrego Rico
04/10/2001
468
44
Pitangueiras
PE Ibitiuva
27/12/2000
725,01
38
Pradópolis
PE Guarany
27/12/2000
4.190,22
252
Total Geral
03 assentamentos
5.383,23
334
Fonte: INCRA Divisão de Desenvolvimento de Projetos 16 abr. 2008
66
2.4. As Estruturas do MST na Região de Ribeirão Preto
Segundo Fernandes et al (2003), existem evidências incontestáveis de que, nos
últimos anos, o MST tem se territorializado
16
por todas as regiões do país, especialmente,
por intermédio da luta pela posse da terra e, conseqüentemente, tem pressionado a
implementação de políticas públicas compensatórias, mediante a criação de projetos de
assentamentos rurais. De acordo com a Coordenação Nacional do Movimento Sem-Terra,
em todo o país, em vinte cinco anos de formação, o MST realizou 2190 ocupações de
latifúndios improdutivos, possuindo atualmente 1800 assentamentos, com cerca de 300 mil
famílias assentadas e ainda, aproximadamente, 150 mil famílias acampadas (MST, 2009).
No momento em que o MST chegou à região de Ribeirão Preto, em meados da
década de 1990, o movimento foi prontamente auxiliado pela Comissão Pastoral da Terra
(CPP), através de seu assessor Francisco Vannerom, mais conhecido como Padre Chico,
um missionário de origem belga. O movimento não possui um local próprio para seus
membros instalarem-se e, por intermédio de um amigo, o sacerdote conseguiu uma
residência localizada na Avenida Saudade para hospedar as lideranças e os primeiros
integrantes do movimento, que se encontravam abrigados no Sindicato dos Correios. Esta
residência transforma-se na sede do secretariado local do movimento e, atualmente, abriga
uma loja do MST (TONETTO, 2007).
Aos poucos, o movimento começa a expandir-se encontrando inclusive apoio em
membros do Ministério Público. As lideranças do MST passam a realizar periódicas visitas
na periferia urbana de Ribeirão Preto, até conseguirem atingir um grande número de
cadastramentos organizado dentro dos Correios (TONETTO, 2007). Em vinte e cinco anos
de formação, dez deles na região de Ribeirão Preto, o movimento sem-terra tem investido
demasiadamente na formação política e educacional de seus quadros.
Em síntese, a atuação do MST na região de Ribeirão Preto pode ser resumida da
seguinte maneira: em 1998, o movimento realizou sua primeira mobilização em
Araraquara; em abril do ano 2000, o Abril Vermelho, ocupou a Fazenda Santa Clara em
Serrana, atual assentamento Sepé Tiarajú. Em 2003, cerca de 500 famílias ocuparam sob
16
O geógrafo Bernardo Mançano Fernandes não entende o conceito de território meramente como
espaço geográfico, mas também, em alguns casos, como espaço político: “É importante esclarecer
que território é espaço geográfico, mas nem todo espaço geográfico é território, outros tipos
como lugar e região. Também é importante lembrar que território não é apenas espaço geográfico,
também pode ser espaço político. Os espaços políticos, necessariamente, não possuem área, mas
somente dimensões” (FERNANDES, 2005, p. 4).
67
sua liderança a Fazenda da Barra (atual assentamento Mário Lago), localizada em Ribeirão
Preto e, por fim, em 2008, um grupo aproximado de 60 famílias adentrou a Fazenda
Martinópolis, em Serrana, mas foram despejadas por força de ação judicial (MST, 2009).
Atualmente, na região de Ribeirão Preto, além do assentamento Mário Lago, o
MST possui três outras estruturas nessa microrregião do estado de São Paulo: o Centro de
Formação Sócio-Agrícola Dom Hélder Câmara, o Assentamento Sepé Tiarajú e o
Acampamento Alexandra Kolontai localizado entre os municípios de Serrana e Serra Azul.
Figura 4 - Organograma da Estrutura Regional do MST
Fonte: Elaboração Própria
Coordenadoria
Regional do MST
Assentamento
Mário Lago
(Ribeirão Preto)
Centro de
Formação Dom
Hélder Câmara
(Ribeirão Preto)
Acampamento
Alexandra Kolontai
(Serrana/Serra Azul)
Abrangência
1700 hectares
Composição
264 famílias
Composição
Constituído por cerca
de 60 famílias de
trabalhadores rurais
sem-terra
Organização
As famílias estão
divididas em 20
núcleos de
moradia.
Assentamento Sepé
Tiarajú
(Serrana/Serra Azul)
Abrangência
797 hectares
Composição
79 famílias
assentadas.
Funcionalidade
Funciona como um
centro de formação
política e assistência
técnica
Organização
As famílias são
organizadas em 4
núcleos de moradia
68
2.4.1. O Centro de Formação Sócio-Agrícola Dom Hélder Câmara
O Centro de Formação Sócio-Agrícola Dom Hélder Câmara, localizado no Sítio
Pau D‟Alho, é uma das mais significativas conquistas do Movimento dos Sem-Terra e da
Comissão Pastoral da Terra na região de Ribeirão Preto. O local foi doado à Arquidiocese,
sediando, durante vinte e nove anos, um trabalho preventivo com crianças e adolescentes
em situação de risco, realizado pela Congregação dos Irmãos Maristas. Esta ação pastoral
funcionava com um sistema de internato, semi-internato e recepção dessas crianças e
adolescente. No entanto, almejando um projeto maior, a Congregação devolve este espaço
à Igreja Católica, a fim de que fosse utilizado com um outro propósito (TONETTO, 2007).
Frente a este acontecimento, que ocorreu por volta do ano 2000, o Arcebispo
Dom Arnaldo Ribeiro solicita ao Padre Chico (Coordenador Geral das Pastorais Sociais)
que encontrasse uma outra finalidade para o Sítio Pau D‟Alho. O sacerdote redige uma
proposta e a entrega a Dom Arnaldo que concorda. O problema agora era convencer o
clero a respeito de sua proposta: transformar o Sítio em um local aonde o MST pudesse
realizar suas reuniões e, ao mesmo tempo, dar continuidade ao trabalho que ali vinha sendo
realizado, simultaneamente, ao trabalho dos Irmãos Maristas (TONETTO, 2007).
Nos finais de semana, o espaço era utilizado pelas Comunidades Eclesiais de
Base para encontros de formação, estudos, retiros, piqueniques e confraternizações. Com a
argumentação de Padre Chico e de Dom Arnaldo e este utilizando ainda de sua autoridade,
o Conselho de Presbíteros aprova a proposta do sacerdote, dando início a uma nova
história no Sítio Pau D‟Alho, que se transforma, a partir de então, em um dos maiores
símbolos da ligação entre a Igreja Católica em Ribeirão Preto e a causa do trabalhador
rural (TONETTO, 2007). Atualmente, o Centro de Formação funciona como uma escola
do MST para a formação política de seus quadros e militantes, mediante a realização de
encontros, simpósios e seminários, além de ministrar técnicas de cultivo da terra, que
objetivam um aumento da produtividade em seus assentamentos.
69
2.4.2. O Assentamento Sepé Tiarajú
O assentamento Sepé Tiarajú
17
localiza-se entre os municípios de Serrana e Serra
Azul (SP), onde estão localizadas a maior parte de suas terras, distando à cerca de 20
quilômetros da cidade de Ribeirão Preto. Enquanto acampamento, esta comunidade de
assentados existe desde 2004. Agregando 80 famílias de trabalhadores rurais, o que, por
sua vez, totaliza um número aproximado de 180 pessoas, este projeto de assentamento
federal possui por volta de 700 hectares. Entre outras culturas, essas famílias estão
produzindo mandioca, milho e quiabo. As famílias que auxiliaram na organização do
assentamento e que não conseguiram ser contempladas com o assentamento foram
deslocadas pelo MST até o assentamento Mário Lago.
De acordo com Novaes e Ribeiro (2008), as terras que constituem esse
assentamento rural é resultado de uma dívida fiscal contraída pela então usina proprietária
e o poder estatal, de modo que essa propriedade foi entregue à União como forma de
pagamento dessa dívida. Tratando-se de terras pertencentes ao Estado e sem serem
utilizadas adequadamente, iniciou-se o processo de ocupação e resistência dos
trabalhadores rurais sem-terra. Foram necessários seis anos desde a primeira ocupação até
a definitiva regulamentação do assentamento e mapeamento das famílias. No decorrer
desse período, ocorreram inúmeras controversas judiciais.
Os embates somente terminaram no momento em que as terras foram colocadas
em leilão, sendo adquiridas pelo Incra. A propriedade possui uma área total de 1001
hectares. Deste montante, 300 hectares foram destinados à construção de uma penitenciária
federal. As 80 famílias assentadas no PA são organizadas pelo MST em quatro núcleos de
moradia intitulados Dandara
18
, Zumbi, Paulo Freire e Chico Mendes. Para cada núcleo de
17
Segundo Novaes e Ribeiro (2008, p. 84), “Sepé Tiarajú é o nome de um índio que morreu em
nome da luta pelas terras indígenas no Rio Grande do Sul, no período das grandes invasões
coloniais”.
18
Dandara foi a esposa guerreira de Zumbi dos Palmares com quem teve três filhos, representando
para famílias assentadas uma liderança feminina negra que lutou contra o sistema escravista do
século XVII. Provavelmente, nasceu no Brasil e estabeleceu-se no Quilombo dos Palmares ainda
criança. Liderou as falanges femininas do exército negro palmarino. Na condição de líder, chegou a
questionar os termos do tratado de paz assinado com o governo português. Foi assassinada, com
outros quilombolas, em 6 de fevereiro de 1694, após a destruição da Cerca Real dos Macacos, que
fazia parte do Quilombo de Palmares.
70
moradia, existe um coordenador geral, que, por sua vez, está subordinado a um
coordenador regional do movimento (NOVAES; RIBEIRO, 2008).
Administrado em uma parceria INCRA-MST, o projeto de assentamento federal
Sepé Tiarajú configura-se como um modelo alternativo de produção ao paradigma de
degradação ambiental implementado pela ação predatória do agronegócio na região,
apresentando em produtividade o excelente desempenho do Projeto de Desenvolvimento
Sustentável (PDS), desenvolvido pelo referido organismo estatal, além de desenvolverem o
“berçário” de mudas e o Banco de Sementes (Dias et al, s/d).
2.4.3. O Acampamento Alexandra Kollontai
Na região de Ribeirão Preto, além de latifundios improdutivos, o MST vem
também disputando áreas públicas, arrendadas ao agronegócio local
19
. Em dezembro de
2008, entre os municípios de Serrana e Serra Azul, cerca de 60 famílias lideradas pelo
movimento sem-terra ocuparam uma área de aproximadamente 1000 hectares, próxima ao
assentamento Sepé Tiarajú, às margens da rodovia Abrão Assed, conhecida como Fazenda
Martinópolis, instalando o acampamento Alexandra Kollontai
20
.
Segundo as lideranças locais do movimento, a área seria de propriedade do
governo do estado de São Paulo, uma vez que foi penhorada em 1986, e estaria sendo
utilizadas de forma irregular para o plantio de cana-de-açúcar, estaria arrendada à duas
usina da região de Ribeirão Preto, a Nova União e a São Martinho. A expectativa do
movimento sem-terra é assentar no local cerca de 350 famílias. Policiais militares
estiveram no local por ocasião do processo de ocupação, realizando rondas em diversos
momentos, mas, não houveram conflitos entre os agentes do Estado e as famílias.
As famílias permaneceram acampadas no local da ocupação por cerca de quinze
dias, quando a justiça do município de Serrana determinou a reintegração de posse. Na
ação, participaram cerca de 120 policiais militares, no entanto, não houve resistência por
parte dos trabalhadores rurais acampados, que desmontaram o acampamento, deixando a
19
Segundo Girardi (2009), além de combaterem o latifúndio, os movimentos sem-terra lutam
contra a territorialização do agronegócio em suas formas mais intensas e por essa razão as
ocupações têm ocorrido em áreas de produção de soja transgênica, cana-de-açúcar e plantações de
eucalipto.
20
Alexandra Mikhaylovna Kollontai (1872-1952) foi uma líder revolucionária russa e teórica do
marxismo, membra da facção bolchevique e militante ativa durante a Revolução Russa de 1917.
71
área pacificamente. As famílias foram deslocadas pelo movimento até o assentamento Sepé
Tiarajú e continuam reivindicando a área para fins de assentamento de reforma agrária.
72
3. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO ASSENTAMENTO MÁRIO LAGO: A
OCUPAÇÃO DA FAZENDA DA BARRA
3.1. Caracterização da Antiga Fazenda da Barra
A Fazenda da Barra é classificada como uma grande propriedade agrícola que
comporta uma gigantesca extensão de terras, possuindo cerca de 1700 hectares e atingindo
distâncias internas de até sete quilômetros. Situada na região nordeste do estado de São
Paulo, possui uma localização privilegiada, a poucos minutos do centro da cidade de
Ribeirão Preto (a aproximadamente 14 quilômetros), mais especificamente, às margens da
Rodovia Anhanguera, próxima à rotatória que acesso ao Aeroporto Leite Lopes (zona
leste da cidade). Esta propriedade agrícola era, até então, o maior latifúndio improdutivo da
região, auxiliando a desmistificar a idéia que vigorava até então que a região de Ribeirão
Preto não possuía terras improdutivas.
A existência dessa propriedade degradada ecologicamente e que também estava
deixando de cumprir sua função social, a produção, contribuiu sobremaneira para derrubar
um questionamento que vinha sendo formulado pelo agronegócio local contra a não
necessidade do processo de reforma agrária na região e, conseqüentemente, contra a
própria existência do MST, enquanto estrutura organizacional e orgânica.
Em razão de constituir-se em uma área de recarga e afloramento do Aqüífero
Guarani, pois este se encontra muito próximo à superfície terrestre, esta é uma região
ecologicamente muito sensível e, portanto inadequada para a prática do que atualmente
denomina-se agronegócio, caracterizado nessa região pela monocultura canavieira, pois a
utilização de agrotóxicos e fertilizantes químicos nas lavouras de cana-de-açúcar pode
acarretar a contaminação deste que é o maior manancial subterrâneo de água doce potável
do mundo. O Rio Pardo margeia os fundos da propriedade em cerca de seis quilômetros,
que também se encontra cercada por conjuntos habitacionais.
Em 1993, o então arrendatário da Fazenda da Barra, sem prévia autorização,
decidiu derrubar uma parte da reserva legal, estabelecida por lei em 20% da área total. Um
riacho que passa pela propriedade encontra-se contaminado por efluentes de indústrias
locais, sendo sua água inadequada para consumo humano. Uma área próxima à Fazenda da
Barra também havia sido degradada por seus proprietários, em razão da retirada ilegal de
terras por empresas da construção civil que operavam na cidade de Ribeirão Preto. Laudos
73
do Ministério Público apontam um passivo ambiental (atuações que podem vir a
transformar-se em multas) que ultrapassa a ordem de 7 bilhões de reais.
Entre os prejuízos ambientais ocasionados na Fazenda da Barra pela antiga
empresa proprietária, a Fundação Sinhá Junqueira, as famílias nos relataram o aterramento
de minas de água e Áreas de Preservação Permanente (APP) para a plantação de cana-de-
açúcar. O centro de uma das Reservas Legais encontrava-se totalmente desmatado, visando
também o plantio de cana-de-açúcar no local. Ilusoriamente, visto pelo lado de fora, o
maciço florestal aparentava estar preservado, mas, quando observado por cima ou
adentrando-se o seu interior, visualizava-se, nitidamente, o prejuízo ambiental.
Ainda acerca dos prejuízos ambientais ocasionadas na área ocupada pelo
movimento sem-terra, acrescenta uma assentada rural:
“(...) quando a gente viemos pra cá, não existia passarinhos, né, (...) era
difícil, era raro você ver um passarinho vuando no meio da cana, era raro
você ver um coelho, um preá correndo no meio da cana (...) na realidade,
quando a gente veio pra cá, a única coisa que a gente via aqui era cobra (...)
isso também poquíssimo, raríssimo (...)” (assentada rural).
Entretanto, apesar de toda a degradação ambiental pela qual passou a Fazenda da
Barra, esta propriedade ainda possui uma rica biodiversidade. A vegetação da Fazenda é
caracterizada por fragmentos florestais de Mata Atlântica e Cerrado. Parte da propriedade
agrícola (174,4 hectares) é de Floresta Estacional Semidecidual, na qual, durante o período
de estiagem, parte das árvores perde totalmente a sua folhagem. Existe ainda um fragmento
de mata de Floresta Decidual, com área de 10,82 hectares. Por fim, a Fazenda da Barra
ainda possui ambientes de rzea junto ao rio Pardo, que também são de grande
importância para a fauna e as aves aquáticas. No total, as oito áreas de Mata Atlântica
totalizam 308,8 hectares e as matas de Várzea 130 hectares.
Tabela 7 - Composição da Vegetação da Fazenda da Barra
Espécie de Vegetação
Área
Floresta Estacional Semidecidual
174,4 hectares
Floresta Estacional Decidual
10,82 hectares
Matas de Várzea
130,00 hectares
Total da Área de Preservação:
315,22 hectares
Fonte: DPRN, 2005.
74
Com relação à fauna desta propriedade agrícola, existe a ocorrência de capivaras
(Hydrochoerus hydrochaeris), tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), graxaim
(Cerdocyon thous), gato-do-mato (Leopardus tigrinus), lobo-guará (Chrysocyon
brachyurus), seriema (Cariama cristata), lagarto-teiú (Tubimambis merianae), anu-preto
(Crotophaga ani), pombo-do-ar (Columba picazuro), pica-pau-de-cabeça-amarela (Celeus
flavescens), pica-pau-do-campo (Colaptes campestres), joão-de-barro (Furnarius rufus),
garça-branca (Casmerodius albus), entre outras espécies típicas dos ambientes de Mata
Atlântica, Cerradão, Várzeas e Matas Ciliares.
No ano de 2000, o MST indicou esta propriedade ao Incra a fim de ser vistoriada,
o qual detectou sua improdutividade, dando início ao processo de desapropriação da área.
Neste momento, o movimento contava com, aproximadamente, 5000 famílias cadastradas
pelos Correios e periodicamente realizava atos públicos e assembléias reivindicando a
desapropriação desta área para fins de reforma agrária.
No decorrer do processo de desapropriação, o movimento sem-terra obteve a
informação de que a Fazenda da Barra estava sendo negociada por seus proprietários a um
grande grupo empresarial, que possuía a intenção de implementar no local um
empreendimento imobiliário, o que também, por sua vez, poderia vir a ocasionar uma
possível contaminação do Aqüífero Guarani. Transformada em loteamento, a propriedade
teria valor de mercado em torno de 100 milhões de reais. A Fazenda da Barra foi vendida
pela Fundação Sinhá Junqueira a um empresário da cidade de Sertãozinho.
Essa informação motivou a imediata instalação de um acampamento provisório às
margens da propriedade, a fim de demonstrarem seu interesse pela propriedade e acelerar o
processo de desapropriação, além de denunciarem as intenções de seus proprietários de
impedirem o processo desapropriatório.
3.2. O Processo de Ocupação da Fazenda da Barra
As 264 famílias que atualmente encontram-se provisoriamente assentadas no PA
Mário Lago tomaram contato com o movimento sem-terra de distintas maneiras: através de
estruturas do movimento existentes na região de Ribeirão Preto (acampamentos,
assentamentos, centro de formação), mediante o contato com lideranças do MST,
instituições escolares que realizavam um trabalho de divulgação do movimento, vizinhos,
familiares, amigos e assentados rurais que os convidaram a ingressar no movimento social.
75
“(...) Foi quando o seu Mauro, né, do Sepé, ele foi na nossa casa, chego
por acaso, né, ele apareceu lá, ele tava procurando na verdade um salão
onde cortava cabelo e, como o meu marido corta cabelo, e ai foi corta
cabelo e na conversa ele falo ali que ele era do MST, até então nós
conhecia o MST pela televisão, né, e têm muitas coisas que a televisão não
mostra, a realidade mesmo não mostra (...) e conhecendo ele ai eu vi que
era tudo diferente, que ele era uma pessoa boa, educada, me convido pra i
na casa dele, conheceu o acampamento i os filhos dele começaram a i na
minha casa, conversa, falaram muito do movimento, ai eu fui entende (...)”
(assentada rural).
No entanto, para ingressarem no movimento social, os dirigentes locais do MST
solicitaram às famílias atestados de antecedentes criminais estaduais e federais, regra essa
também prevista no regimento interno do movimento sem-terra, assim como nos relata um
assentado rural:
“(...) tem que faze sim, quando se caminha pro acampamento, ai você
tem que tirá atestado criminal, é (...) como qui é, atestado estadual, federal,
então, se tem que tá limpo, se você tivé qualqué divida na justiça, não entra
aqui também, qui essa parte fais parte desse regimento qui a gente têm,
porque no regimento também é a mesma coisa, porque se você tivé qualqué
problema lá fora, aqui você não enquadra (...)” (assentado rural).
Indagadas sobre os motivos que as levam a fazer parte do movimento sem-terra,
justificam as famílias pesquisadas que buscavam uma melhor condição de vida, a
realização de um antigo sonho, de voltarem a viver no campo, em busca de tranqüilidade e
segurança, fugindo da violência vivenciada nas periferias dos centros urbanos ou ainda
desejavam lutar por igualdade social.
A estrutura organizativa do movimento sem-terra também chamou a atenção de
algumas famílias. O movimento realizou a cooptação das famílias nas periferias dos
centros urbanos da região de Ribeirão Preto mediante a realização de reuniões, intituladas
pelo MST como trabalho de base. Ao que tudo indica, esse trabalho de base, a formação
política inicial, demorou poucas semanas, conseguido o movimento arregimentar um
grande número de famílias em curto espaço de tempo. Como logística, visando o transporte
das famílias até o assentamento Sepé Tiarajú e, posteriormente, até o local da ocupação o
movimento sem-terra utilizou ônibus alugados e veículos particulares.
“(...) Deu uma reunião na casa de meu pai (...), ó, tava trabalhando eu e
meu marido, meu pai falou „nóis vai ocupa‟, nóis era meio animado, vão
bora. Aí fizeram reunião, falaram que a fazenda que nóis ia tenta conquista
76
seria a Fazenda da Barra (...). As reuniões lá em Franca foi só duas
semanas e logo concretizou (...), nós viemos em dois ônibus, mas nóis
não veio de ônibus, nóis conseguimos pra completar os ônibus, nóis veio
de carro (...)” (assentada rural).
O processo concreto de ocupação da Fazenda da Barra iniciou-se em abril de
2003, momento em que cerca de 250 famílias, provenientes do município de Ribeirão
Preto e de cidades vizinhas da região, entre elas, 64 crianças, ocuparam, sob a liderança do
MST, a entrada do Sítio Bragheto, propriedade agrícola esta anexa à referida fazenda, pois
a imediata ocupação da Fazenda da Barra retardaria em dois anos o processo de
desapropriação e de assentamento junto ao Incra, em razão de duas medidas provisória
advinda do governo Fernando Henrique Cardoso
21
.
Na madrugada anterior à ocupação, o movimento sem-terra deslocou as 250
famílias até o assentamento Sepé Tiarajú, localizado entre os municípios de Serrana e Serra
Azul, a cerca de 20 km do local da área a ser ocupada, que nesta estrutura regional do MST
dormiram. A ocupação do Sítio Bragheto ocorreu por volta das seis horas da manhã. A
instalação deste acampamento provisório marcou a primeira ocupação de terras promovida
pelo MST no município de Ribeirão Preto.
No dia seguinte à ocupação, o acampamento ganhou o reforço de mais 15
famílias de trabalhadores rurais. Essas 265 famílias chegaram até o local utilizando-se de
automóveis particulares e ônibus alugados, trazendo consigo poucos pertences pessoais,
suprimentos alimentícios e ferramentas a fim de instalarem suas barracas. Após a ocupação
do Sítio Bragheto, os acampados instalaram uma portaria no local, não permitindo a
entrada de automóveis. As lideranças locais do MST inclusive tentaram impedir a entrada
de policiais militares na área ocupada (que nem sequer sabia de quem era a propriedade).
No entanto, após uma breve negociação, a entrada dos policiais foi permitida e a
portaria substituída por uma guarita. Com o passar do tempo, os ânimos foram acalmados e
a presença da PM não se fazia mais necessária. Apesar desse breve conflito, a ocupação da
área ocorreu de uma forma muito tranqüila, sem tumulto dos sem-terra, que contou com a
21
De acordo com Fernandes (2003), em seu segundo mandado, FHC desenvolveu uma política de
reforma agrária altamente repressora, criminalizando os movimentos sociais camponeses e
mercatilizando o acesso à terra. Para viabilizar essa política, FHC editou duas medidas provisórias:
a primeira determinava o não assentamento de famílias de trabalhadores rurais que tivessem
participado de ocupações de terras e a segunda, dizia respeito à não vistoria das terras pelo período
de dois anos quando ocupadas uma vez e por quatro anos, quando ocupadas mais de uma vez.
77
presença de alguns parlamentares locais, os vereadores: José Antônio Corrêa Lages (PDT),
Leopoldo Paulino (PSB) e Beto Cangussú (PT).
Neste acampamento provisório
22
, não havia água potável, pois o riacho da
propriedade encontrava-se contaminado e muito menos sem condições de plantio de
qualquer tipo de legumes ou hortaliça, de maneira que esses trabalhadores rurais
dependiam da provisão de alimentos que estes mesmos haviam levado para o local, de
outros fornecidos pelo MST e do fornecimento de água pelo Daerp. A prefeitura enviava
caminhões-pipa para os acampados, que consumiam por volta de 10 mil litros de água por
dia. À época, o prefeito de Ribeirão Preto era Gilberto Maggioni do Partido dos
Trabalhadores (PT), que estava substituindo Antônio Palocci (PT) à frente ao poder
público local, pois este havia sido convidado a integrar a equipe econômica do governo
Lula, ocupando o cargo de Ministro da Economia.
Após a ocupação, a coordenadoria local do MST começou a organizar a proposta
da “Ciranda Infantil”
23
, movimentando-se também no sentido de encontrar vagas
disponíveis nas unidades escolares próximas ao acampamento provisório para as 64
crianças em idade escolar, que, no local, encontravam-se no momento da ocupação, a fim
de evitarem a presença do Conselho Tutelar e possíveis complicações judiciais.
22
A fase de acampamento é extremamente significativa, pois é no decorrer desta etapa que ocorre
uma maior participação das famílias, uma vez que todas possuem o mesmo propósito, isto é, o
acesso à terra. Dessa maneira, participar do processo de acampamento advém de decisões adotadas
a partir de anseios e de interesses, com o objetivo de modificar a realidade (FERNANDES, 2000
apud SOUZA; BERGAMASCO, 2006).
Turatti (2005) destaca dois aspectos essenciais para o entendimento dos acampamentos do MST: a
liminaridade e a sociabilidade revestida de tensões e carências, afirmando que é neste cenário de
enfrentamento com as estruturas estabelecidas, o somente em um sentido de resistência, mas
também como ação transformadora, a transição para uma nova realidade social. Dessa maneira,
devemos compreender a fase de acampamento, enquanto situação liminar, como um universo
desconexo de seu ambiente social anterior, caracterizado pela condição de alienação e passividade,
na qual se encontravam os trabalhadores (situação preliminar), cumprindo as regras rituais
(caracterizada pela provisoriedade e precariedade da condição liminar) que os qualificam para uma
agregação social futura, o acesso à terra que envolve benefícios econômicos e sociais que
caracterizam uma nova condição, a pós-liminar.
23
Segundo Toneto (2007), em todo o país, o movimento sem-terra possui 1,8 mil unidades
escolares em acampamentos provisórios e em seus projetos de assentamentos, coordenando a
educação de aproximadamente 160 mil crianças nas regiões onde têm se territorializado. Desse
montante, pelo menos 10% são crianças na faixa etária entre 0 e 6 anos, atendidas nas chamadas
Cirandas, que são espaços destinados à educação e à convivência, implantados em unidades
escolares, barracões de madeira e até mesmo em barracas de lona instaladas nas margens de
rodovias. O termo Ciranda Infantil surgiu de uma consulta nacional realizada em 1996, a fim de se
substituir a concepção de creches e implantar a idéia de ambientes lúdicos comunitários.
78
As lideranças locais do movimento mobilizavam-se também no sentido de pedir
auxílio moral e material à sociedade ribeirãopretana, solicitando doações em alimentos,
lonas para a instalação das barracas e inclusive ajuda financeira, mediante depósito em
conta corrente. Nos meios de comunicação, especialmente, através de artigos publicados na
Internet, o MST identificava a sua luta pela reforma agrária como única forma de
preservação dos recursos naturais da Fazenda da Barra.
As famílias permaneceram neste local, que funcionava como um núcleo, durante
quatro meses, sendo transferidas pelo movimento sem-terra para o centro da cidade de
Ribeirão Preto, para o Centro Administrativo Maurílio Biagi e, posteriormente, para uma
outra área pertencente ao município conhecida como Flamboyants. A primeira ocupação da
área pertencente à Fundação Sinhá Junqueira ocorreu em 3 de agosto de 2003. No entanto,
as famílias permaneceram somente vinte e oito dias no local, momento em que sofreram a
primeira reintegração de posse. Em razão do processo de despejo, as famílias foram
novamente deslocadas pelo movimento para um sítio pertencente a um advogado
simpatizante do MST, uma propriedade anexa a Fazenda da Barra.
Após seis meses, o movimento sem-terra voltou novamente a ocupar a
propriedade permanecendo até os dias atuais. Nesta segunda ocupação da Fazenda da
Barra, o movimento sem-terra conseguiu instalar um acampamento provisório, iniciando o
processo de organização das famílias em núcleos de base e em setores sociais
24
. Em um
primeiro momento, as famílias foram abastecidas com cesta básicas enviadas pelo Incra,
mas logo começaram a produzir neste local: “(...) quando a gente acampado, a gente
tenta sobrevive, você não vai depende só da cesta básica do Incra (...)” (assentada rural).
Um acampamento é a genuína cidade de barracos de lona, sendo um modo
de luta amplamente difundido pelo MST combinando três objetivos, que
são educar e manter mobilizada a base sem terra; comover a opinião
pública para a causa da luta pela terra e, por último, pressionar as
autoridades responsáveis pela realização da Reforma Agrária. Mesmo
acampados, os sem-terra praticam outras ações combinadas de luta, como
audiências, atos públicos, caminhadas, breves acampamentos em locais
públicos nas cidades (CALDART, 2000 apud SOUZA; BERGAMASCO,
2006).
24
A organização interna de um acampamento de trabalhadores rurais sem-terras inicia-se com a
criação dos núcleos de base, expressão esta herdada das ações da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), que são, comumente, constituídos por cerca de dez a trinta famílias, agrupadas de acordo
com o critério de proximidade, isto é, segundo a procedência do mesmo município (SOUZA;
BERGAMASCO, 2006).
79
A ocupação da Fazenda da Barra contou com o apoio de diversos segmentos da
sociedade
25
, os chamados “amigos do movimento”, nos dizeres das famílias assentadas:
simpatizantes do MST, destacando-se o envolvimento um advogado proprietário de um
sítio anexo à área ocupada; membros de entidades ambientes como, por exemplo, a “Pau
Brasil”, uma Organização Não-Governamental (ONG) que se destaca, principalmente, pela
luta em preservação do Aqüífero Guarani; a Comissão Pastoral da Terra (CPP) da
Arquidiocese de Ribeirão Preto, sob a coordenação do Pe. Chico
26
; a Central Única dos
Trabalhadores (CUT), parlamentares locais, sendo decisivo o posicionamento do
Ministério Público no processo de ocupação, através da atuação do promotor Marcelo
Pedroso Goulart:
“(...) A gente fala assim, nós fala os amigos do movimento (...) o Promotor!
O Promotor toda vez que nós no meio, ele junto e ajuda até hoje no
processo, porque nós temos muitas reuniões no Mistério Público, o
Promotor tá junto (...)” (assentada rural).
Em setembro de 2003, em comemoração a primeira ocupação de terras no
município Ribeirão Preto e também em retribuição ao apoio concedido pela Igreja
Católica, acampados e simpatizantes do MST realizaram uma grande marcha que partiu
das proximidades da Fazenda da Barra, terminando na Catedral Metropolitana. O principal
objetivo desta marcha foi chamar a atenção da população ribeirãopretana para a
necessidade de efetivamente a reforma agrária ser implantada na região, tendo em vista a
possível existência de demais latifúndios improdutivos.
25
No decorrer da fase de acampamento, além do movimento sem-terra torna-se possível observar a
presença de organizações e instituições, que segundo seu grau de envolvimento no processo são
consideradas pelas famílias acampadas significantes ou não no percurso deste período (SOUZA;
BERGAMASCO, 2006).
26
Segundo Delgado (2005), em âmbito nacional, mediante a omissão da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) e das Pastorais Sociais, a Igreja Católica perdeu seu histórico papel de
destaque na luta pela implementação da reforma agrária no país, em razão de um possível fascínio
propiciado pelo progresso tecnológico do agronegócio, reafirmando, dessa maneira, seu discurso.
80
Figura 5 - Marcha do MST
Fonte: MST, 2003.
No decorrer do processo de ocupação, surgiram denúncias de que as famílias
acampadas estariam realizando a derrubada de matas para a construção dos barracos. No
entanto, essas denúncias não foram, à época, comprovadas por técnicos do Ibama, que
somente constataram a retirada de cana-de-açúcar para a instalação do acampamento
provisório e plantio de alimentos. Aliás, através dos dados colhidos mediante a pesquisa de
campo, foi possível constatar que as famílias possuem uma forte consciência ecológica,
especialmente, com relação à preservação dos recursos hídricos do Aqüífero Guarani.
“(...) A água no dia de amanhã vai ser ouro. Porque a riqueza maior nossa é
a água, sem força você vive, mas sem a água não tem nem como (...) Olha,
onde nós entramos que tem mais árvores foi aqui, no sitinho. Até quando
nós entramos na Fazenda nós não desmata, nós é contra isso (...) sempre
preservando a natureza e outra, se alguém desmatasse ou cortasse alguma
árvore, era punido no nosso movimento, no nosso regimento interno nós
não aceira isso, uma árvore seca pra quebra, tem que pedi” (assentada
rural).
As famílias passaram por cinco reintegrações de posse concedidas pela justiça,
que foram todas conduzidas de maneira pacífica pelo movimento sem-terra, mediante
negociações com a Polícia Militar. Em uma das ações de reintegrações, os próprios
proprietários da Fazenda da Barra chegaram inclusive a disponibilizar veículos para o
transporte das famílias acampadas.
81
No decorrer do processo de desapropriação da Fazenda da Barra e organização do
assentamento, surgiram divergências internas e outros movimentos sociais que lutam pela
implementação reforma agrária no país passaram a disputar a organização política das
famílias com o MST. Em 2004, ocorreu uma grande divisão no movimento sem-terra e
conseqüentemente na própria estrutura do assentamento Mário Lago, motivada, segundo
relatos orais, pela rigidez das regras estabelecidas pelo MST no assentamento e em razão
da recusa de algumas de participarem da organização coletiva do assentamento. Esta
divisão fez com que surgisse um segundo assentamento dentro da própria Fazenda da
Barra, denominado Santo Dias, agora sob a liderança do MLST
27
.
Nesse segundo assentamento, ocorreu também uma segunda divisão, fazendo
surgir um terceiro assentamento na Fazenda da Barra, o Índio Galdino, que auto denomina-
se independente, ou seja, não se encontra vinculado a nenhum movimento social.
Delimitando este assentamento do Mário Lago e do Santo Dias é possível se observar na
propriedade a existência de bandeiras brancas. O assentamento foi fundado em 2005, por
famílias que estavam descontentes com a atuação das lideranças do MST e do MLST na
Fazenda da Barra. O assentamento, que começou pequeno, atualmente, conta com 40
famílias, cerca de 200 pessoas, dentre essas, 40 crianças.
“(...) a gente aqui tem um regimento interno (...) então, várias pessoas que
fez essa divisão na época foi não concordando com o regimento interno
daqui de dentro né, é às vezes famílias que tinha pessoas qui eram
envolvidas com drogas, então a saúde pelejo várias vezes pra qui essas
famílias si tratassem mesmo com essa questão de drogas, outros qui tinham
problemas assim de roubo e tal (...) essas famílias, na realidade, elas não se
adaptaram dentro desse processo di acampamento na época (...) por às
vezes ter ocorrido várias brigas, discussões dentro desse processo com
essas famílias, então, elas teve essa divisão em si pra i pra otro movimento,
então, o otro movimento, na realidade, qui é o MLST, qui aqui do nosso
lado, já teve até morte no acampamento deles aqui vizinho de nós e tal, por
justamente não terem um regimento (...)” (liderança assentada).
27
Em agosto de 1997, em Luiziânia (GO), antigos militantes da esquerda revolucionária das
décadas de 1960 e 70, juntamente com dissidentes do MST constituíram o MLST, formando uma
cúpula com uma rígida hierarquia, que possui uma proposta extremamente radical sobre a
implantação da reforma agrária no país, com um discurso em defesa da revolução socialista. Assim
como o MST, o MLST caracteriza-se pelo seu personalismo. Entretanto, ao contrário do MST,
onde as decisões são descentralizadas (participando as lideranças do movimento das ocupações ou
tomando conhecimento delas somente depois que ocorreram, característica esta garantida pelo
próprio processo de formação do movimento, pois emergiu nas e das bases populares), no MLST, é
uma cúpula que decide e é a base que realiza as ocupações de latifúndios improdutivos
(MITIDIERO, 2002).
82
“(...) Eles não concordava, eles não concordava assim: de fazer uma
guarda, de participa de um setor, de participa de uma reunião de setores,
participa da geral e nóis explicando (...) então eles mesmo fez aquela
revolução, porque o MLST, eles são liberalista, tanto é que lá tem até robo,
a polícia já entro lá, teve robo de carro, tem vez que eles entra aqui a gente
até assusta. Qual é o problema? Robo de carro, então é lá, pode vorta pra
trás porque é (...) Quando teve essa repartição, foi duída, foi
companheiros nosso, nós sofremos, mas que eles não se encaixava em
nós, hoje todos se arrepende, mas a amizade nossa continua (...)”
(assentada rural).
Neste ponto da pesquisa torna-se oportuno resgatar a pesquisa de extensão
universitária militante
28
realizada pelo Natra junto às famílias acampadas. Neste trabalho
acadêmico, as pesquisadoras constataram que as crianças identificam o assentamento como
um espaço de liberdade, como um local onde podem, tranqüilamente, se divertirem: jogar
futebol, brincar de pega-pega, correr, subir e pular de árvores, nadar no riacho,
participarem conjuntamente de jogos e das diversas brincadeiras organizadas pelo setor de
ciranda infantil do MST. Até mesmo as meninas, que, em razão das questões relacionadas
às relações de gênero, são mais controladas pelos pais, identificam o local onde moram
como um espaço de liberdade.
Em contraposição a esta visão de liberdade e de segurança, as crianças
identificam os espaços onde residiram anteriormente ao assentamento, em sua grande
maioria, as periferias urbanas, como espaços de violência, de uso de entorpecentes, sem
segurança e entretenimento. Comparando os dois espaços, afirmam que sua preferência é
residir no assentamento.
O desemprego e a precariedade financeira vivenciadas por sua família enquanto
moradores da cidade eram percebidas pelas crianças. Em razão de sua convivência com
seus pais, algumas de suas preocupações são peculiares ao universo adulto, tais como a
violência e a precariedade das condições de vida em razão do desemprego, ainda mais se
tratando de uma região caracterizada pela agroindústria canavieira, que ocasiona a
sazonalidade do trabalho e o baixo rendimento financeiro, agravados quando a pessoa
possui mais de 45 anos de idade. Em razão da superestrutura ideologia implantada pelo
MST mediante o seu modelo de educação marxista, principalmente através das atividades
28
Entre os anos de 2004 a 2006, o Núcleo Agrário Terra e Raiz (NATRA) da UNESP - Campus de
Franca - realizou uma pesquisa de campo junto às famílias acampadas acerca de suas
representações sobre a vida no acampamento, identificando o assentamento como foco da luta pela
terra na região de Ribeirão Preto e como resultado dos conflitos da relação capital versus trabalho.
83
educacionais realizadas nos encontros da ciranda infantil aos sábados à tarde, as crianças
entendem a posse da terra como fonte de produção, alimentação, partilha e como um bem
que será por elas herdado futuramente.
As mães dessas crianças afirmaram às pesquisadoras que apesar de toda a
precariedade vivenciada no assentamento, em razão das ausências infra-estruturais básicas
e de políticas públicas não realizadas pelo poder público local, a saúde de seus filhos havia
melhorado consideravelmente. O intenso contato no assentamento com a natureza e a
ampliação do espaço de vida propiciou, por sua vez, uma melhoria na qualidade de vida
dessa comunidade de assentados, em termos de saúde física e metal. Em diversos
depoimentos, os assentados chegaram inclusive a afirmar que desapareceram sintomas de
depressão, livrando-se ainda de doenças cardíacas e vasculares.
A qualidade de vida nos assentamentos, em que pese a sua precariedade, é
percebida pelos assentados como tendo melhorado em relação à que
usufruíam anteriormente. Pode-se supor que o patamar anterior de
qualidade de vida era muito baixo; era o patamar em que se encontrava e
em que ainda hoje se encontra a maioria dos brasileiros pobres que habitam
o ambiente agrário. A própria constituição do assentamento apresenta-se
como uma estratégia de inserção social por parte dessa população excluída.
Assim, mesmo com todas as dificuldades, o assentamento é uma alternativa
consistente (LEITE, 1998 apud ALBUQUERQUE et al, 2004 p. 82-83).
Com relação aos depoimentos dos jovens, adultos e idosos residentes no
assentamento, as pesquisadoras constataram que o trabalho constitui-se como eixo
estruturador de suas vidas no assentamento, ou seja, suas vidas organizam-se mediante o
mundo do trabalho.
Em julho de 2007, o movimento sem-terra realizou a ocupação de uma área anexa
à Fazenda da Barra conhecida como Fazenda da Barra II ou Fazenda São João, constituída
por cerca de 500 hectares, instalando o acampamento Antonio Gramsci. Liderada pelo
MST a ocupação contou com um grupo de cerca de 200 trabalhadores rurais sem-terra que
se encontravam temporariamente acampados no assentamento Mário Lago e também com
a participação de um grupo de vinte seminaristas da Igreja Católica, que faziam estágio de
vivência na região. Alegava também o movimento que parte das famílias que participaram
da ação era formada por desempregados residentes em bairros periféricos do município de
Ribeirão Preto (Jardim Progresso, Salgado Filho e Simioni).
84
Em menos de duas horas de ocupação, os sem-terra cortaram com dois tratores
munidos de arados cerca de dois hectares de cana-de-açúcar para a instalação do
acampamento. No momento da ação, a área, de propriedade de um empresário do ramo de
construção civil, encontrava-se arrendada à Usina da Pedra, contra a qual existe inquérito
judicial com relação à prática de queimadas e ação predatória ambiental. Acionados pelos
proprietários da Usina da Pedra, quatro policias militares chegaram ao local da ocupação,
sendo intimidados pelos acampados que empunhavam facões. No entanto, esta ação do
MST não obteve sucesso. As famílias foram despejadas por força de ação judicial,
deixando pacificamente o local da ocupação (MST, 24 jul. 2007).
Além do processo de ocupação da Fazenda da Barra, o movimento sem-terra tem
realizado, juntamente com as famílias assentadas, uma série de manifestações, a serem
tratadas a seguir, as chamadas “atividades”, nos dizeres dos sujeitos pesquisados, tais
como: artigos publicados na Internet; ocupações de edifícios públicos, tais como: da
Prefeitura de Ribeirão Preto, da Secretaria de Educação de Ribeirão Preto, do escritório do
Incra localizado em Araraquara; paralisações de rodovias, no caso, da Rodovia
Anhangüera, passeatas, atos públicos, a fim de conseguirem a regularização e melhorias no
transporte escolar, acesso à água e energia elétrica.
“(...) é tudo social, né, a gente precisa de água, luiz, a gente precisa di
escola, então a gente vai atrás (...), porque tudo depende de luta (...),
porque tudo isso a gente têm que faze manifestação e exigi nossos diretos
(...) o sem-terra ele é taxado como vagabundo, né, qui nem, a gente fez
muita manifestação e muita gente que não entende o processo grita „ai vai
trabalha‟, porque eles acha que a gente robando alguma coisa (...) a
gente não robando nada de ninguém, a gente ta exigindo nossos direitos
(...) é pra isso que a gente briga, pá igualdade social (...)” (assentada rural).
Os sujeitos investigados têm também integrado manifestações de outros
acampamentos, assentamentos pertencentes ao movimento sem-terra e movimentos sociais
“(...) outras manifestações, outras ocupações? Várias ocupações! Viu, isso nós sempre
participa, de outras atividades, de outras manifestação, qui nem, não nossa, também
nóis contribui com outros movimentos, quando foi o problema do Bush, chamaram nóis,
nóis foi pra São Paulo, agora esse dia mesmo nóis teve otra, então, nóis não faz as
nossas manifestação, nóis participa de outra, nóis contribui com eles, porque eles quando
nóis precisa, eles contribui com nóis (...)” (assentada rural).
85
3.3. As Disputas Judiciais: retrocessos e conquistas
A empresa proprietária da Fazenda da Barra, a Robeca Participações Ltda., de
propriedade de um empresário do município de Sertãozinho, procurou em diversas
ocasiões recorrer ao poder judiciário a fim de reverter o processo de ocupação de sua
propriedade. Em um primeiro momento, moveu uma ação na Justiça de Ribeirão Preto,
solicitando ao poder judiciário que proibisse a ocupação de sua propriedade. No entanto, a
ação teve resultado favorável ao Incra em setembro de 2004.
Utilizando o argumento de que a propriedade estava deixando de cumprir sua
função e acrescentados os prejuízos ecológicos ocasionados por seus proprietários ao meio
ambiente, levaram o juiz José Durval Feltrin a não condenar a ocupação e,
conseqüentemente, a não garantir proteção ao direito de posse à Robeca Participações
Ltda. De acordo com a sentença divulgada em 23 de setembro de 2004, a Fazenda da Barra
apresentava Grau de Utilização da Terra de 98% e Grau de Eficiência na exploração de
62%, abaixo, portanto, do limite estabelecido para uma propriedade produtiva, não
merecendo, dessa maneira, a proteção jurídica do Estado.
Os requisitos para que ocorra o aproveitamento racional e adequado da
propriedade rural encontram-se estabelecidos no art. da Lei nº. 8.629, de 25 de fevereiro
de 1993:
Art. Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada
econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização
da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão
federal competente.
§ O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá
ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação
percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do
imóvel.
§ 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou
superior a 100% (cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte
sistemática:
I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada
produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão
competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;
II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades
Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão
competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;
III - a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo,
dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem),
determina o grau de eficiência na exploração.
86
O Incra havia vencido a primeira batalha na disputa judicial pela posse da
Fazenda da Barra. Entre os réus do processo estavam dois trabalhadores rurais que, no
entanto, foram absolvidos. Após a ocupação das terras, o grupo Robeca solicitou a justiça à
manutenção da posse sendo atendido. No entanto, logo em seguida, o Ministério Público
interveio em favor dos acampados, por intermédio do Promotor de Justiça do Meio
Ambiente e de Conflitos Fundiários Marcelo Pedroso Goulart. O Ministério Público
apresentou um laudo produzido por sua assistência técnica que demonstrava severa
degradação ambiental e inadequação do uso da terra.
Em artigo publicado nos jornais O Estado de São Paulo e O Globo sob o
título de Barril de Pólvoraem dezembro de 2004, o ex-presidente do Incra (1995), ex-
secretário da Agricultura do estado de São Paulo (1996-1998) e atual secretário do Meio
Ambiente do mesmo estado, Francisco Graziano Neto
29
acusou o promotor Marcelo
Goulart de ter incitado as famílias e conduzido juntamente com o MST o processo de
ocupação das improdutivas terras Fazenda da Barra:
A maior das barbaridades é um escândalo jurídico. Quem, de fato,
comanda o movimento, é o Promotor público de Ribeirão Preto. Isso
mesmo, o homem pago para fazer valer a lei é quem incita ao crime do
esbulho. “Podem invadir, que o Lula vai assinar o decreto logo”, declara
solenemente, para júbilo dos incautos. Uma temeridade. Até os maiores
radicais do PT sabem que, por força de MP, terra invadida não pode ser
desapropriada. Lutam para derrubar a norma que freia, corretamente, o
processo de invasão. O Promotor desconhece. Ou se finge de bobo. O que
se verifica na terra do Ministro Palocci não tem paralelo na história dos
conflitos agrários. O clima de impunidade que acomete o campo, a Nação
assistindo a Constituição sendo rasgada por bandidos sociais, está se
agravando. O promotor ergue a Robespierre, um barril de pólvora.
Parece castigo para o impoluto Ministério Público. Um terror para a
democracia (GRAZIANO, 2004).
O processo administrativo do assentamento Mário Lago junto ao Incra encontra-
se concluído, finalizado pelo Decreto Presidencial (ver anexo 2), que opinou pela
29
Francisco Graziano deixou a presidência do Incra no final do ano de 1995, em razão do episódio
denominado “Grampo Sivan”. Nesta época, foram decretadas as prisões de Diolinda Alves de
Souza, Márcio Barreto e José Rainha Júnior, todos ligados ao MST. Diolinda, acusada de
“formação de quadrilha”, foi presa e encaminhada ao pavilhão 2 da Penitenciária Feminina do
Carandiru. Márcio também foi encarcerado. José Rainha tornou-se um foragido da justiça. Elevava-
se a tensão no Pontal do Paranapanema e a questão agrária voltava a ser encarada como caso de
polícia (CARVALHO FILHO, 1997).
87
desapropriação da área para fins sociais de reforma agrária, em 29 de dezembro de 2004.
Nesse mesmo mês de 2004, o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal
(STF), recebeu uma petição impetrada pelos advogados da empresa proprietária da
Fazenda da Barra, requerendo uma notificação judicial a fim de que o presidente Lula se
recusasse a assinar o decreto de desapropriação da área para fins de reforma agrária, no
entanto, esta solicitação foi arquivada pelo ministro.
Neste mesmo Decreto Presidencial foram ainda declaradas pelo governo Lula de
interesse social para fins de reforma agrária outras duas propriedades rurais: a Fazenda
Coru-Mirim, com área agrícola de 708 hectares, 7 ares e 78 centiares, localizada no
Município de Tremembé, próximo à cidade de Taubaté - SP e a Fazenda Pendengo
constituída por 4344 hectares, 29 ares e 66 centiares, situada no Município de Castilho,
pertencente à jurisdição de Andradina, localizada também no interior do estado de São
Paulo (BRASIL, 2004).
Ficaram excluídos das decorrências deste Decreto Presidencial os semoventes, os
maquinários, os implementos agrícolas e as benfeitorias realizadas nestas propriedades
agrícolas, pertencentes às pessoas que seriam beneficiadas com a sua destinação. Pelo
mesmo documento estatal, o Incra ficou autorizado a realizar as desapropriações desses
imóveis e a conservar as áreas de Reserva Legal e Preservação Permanente, de preferência,
em uma única área, a fim de harmonizar o assentamento com a preservação do meio
ambiente (BRASIL, 2004). No entanto, a publicação do decreto não significou um ponto
final na longa disputa judicial pela posse definitiva da Fazenda da Barra.
Após a edição deste Decreto Presidencial, reiniciou-se uma verdadeira batalha
jurídica entre o Incra e a empresa proprietária da Fazenda da Barra, a Robeca Participações
Ltda., que interpôs um recurso na Justiça Federal, mediante uma declaração de
produtividade da propriedade, a fim de impedir a emissão do tulo de posse. No entanto,
na capital paulista, em uma decisão por unanimidade, os três desembargadores da Segunda
Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da Terceira Região julgaram improcedente, em
22 de março de 2007, o recurso da Robeca Participações Ltda., reafirmando a decisão
deferida em primeira instância na Comarca de Ribeirão Preto e reconhecendo ao Incra o
direito ao assentamento.
De acordo com Fernandes (2003), com a promulgação da Constituição de 1988, a
reforma agrária sofreu uma derrota dos ruralistas, pois, embora regulamentada pela
Constituição Federal, necessitava de uma lei complementar que regularizasse as
88
desapropriações de terras improdutivas, o que somente veio a ocorreu em 1993, com a Lei
8.629/93. Entretanto, mesmo com a existência dessa lei complementar, os ruralistas
conseguiram barrar desapropriações na justiça, prolongando os processos administrativos e
revertendo inclusive decisões presidenciais.
No entanto, na contramão desse processo, a unânime decisão dos
desembargadores foi, sumamente, progressista, podendo inclusive influenciar demais
julgamentos pelo restante do país, pois não tratou da questão a partir do Direto Civil, mas
no âmbito do Direto Agrário autônomo. A tomada de decisão dos magistrados foi
fundamentada na nova ordem constitucional, que proclamou a função social da
propriedade como direito público subjetivo do cidadão, asseverando que a reforma agrária,
além de ser um dever do Estado brasileiro, constitui-se como um imperativo dos princípios
de igualdade, justiça e dignidade da pessoa humana, princípios estes proclamados como
objetivos do Estado Democrático de Direito.
Na Justiça Federal, o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
adquiriu a posse definitiva da Fazenda da Barra em 22 de maio de 2007. Em agosto de
2005, o instituto havia depositado em juízo os valores referentes à indenização das
benfeitorias, 23 milhões de reais, sendo que, a maior parte deste montante, foi depositada
em Títulos da Dívida Agrária (TDA)
30
. No entanto, para uma desapropriação amigável da
fazenda, os proprietários desejavam 90 milhões de reais.
Em 2006, o Incra obteve a imissão de posse, mas, em setembro do mesmo ano,
advogados dos proprietários conseguiram uma liminar suspendendo esse direito de posse.
Após a desapropriação da Fazenda da Barra, um membro da família Junqueira, uma
família quatrocentona, tradicionalmente abastada, possuidora de grandes propriedades,
passou a seguir, intimidar e inclusive ameaçar de morte lideranças locais do movimento
sem-terra.
Em comemoração à unanime decisão do TRF, que reafirmou a imissão de posse
da Fazenda da Barra ao Incra, representando, de fato, o início do assentamento, a
coordenadoria regional do MST organizou, na sede do assentamento Mário Lago, uma
série de atividades pelo período da manhã, da tarde e noite, destacando-se uma missa
30
A indenização da propriedade agrícola mediante o depósito em Títulos da Dívida Agrária (TDA)
constitui uma forma de punir o infrator pelo descumprimento da função social da propriedade, pois
estes títulos não podem ser resgatados à vista. Porém, as benfeitorias realizadas no imóvel, tais
como: casas, poços, estufas, são pagas à vista, pois são consideradas investimentos, fruto do
trabalho empregado na propriedade (INCRA, 2005a). tos
89
celebrada pelo arcebispo de Ribeirão Preto, Dom Joviano de Lima Junior; um ato político
seguido por um almoço comunitário; uma série de atividades culturais pelo período da
tarde, finalizando com a realização da Festa Junina.
O assentamento Mário Lago é o décimo Projeto de Desenvolvimento Sustentável
(PDS) implantado pelo Incra no estado de São Paulo. Em termos gerais, este projeto de
assentamento objetiva garantir o manejo ecológico e sustentável da terra, configurando-se
como uma alternativa ao paradigma tradicional de agricultura e, em especial, ao modelo de
degradação ecológica implementado pelo agronegócio, com uma proposta que leva muito
em consideração a recuperação do meio ambiente.
3.4. Trajetória de Vida e Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa
As 264 famílias assentadas no projeto de assentamento federal Mário Lago (o
que, por sua vez, totaliza um número aproximado de 1000 pessoas sob a responsabilidade
do MST) comportam, em média, quatro pessoas. Não obstante, no decorrer da pesquisa de
campo, foram verificados grupos familiares constituídos de dois até onze pessoas (genitor,
genitora e nove filhos), que, por ocasião da entrevista concedida pelos pais ao pesquisador,
encontravam-se jogando futebol em frente ao barraco da família.
Figura 6 - Família Assentada Figura 7 - Crianças Jogando Futebol
Fonte: Arquivo Pessoal, 2009.
Os grupos familiares são provenientes de diversos estados, especialmente, São
Paulo e Minas Gerais, neste último caso, famílias migrantes que se encontravam residindo
na cidade de Franca e Serrana. O MST realizou um intensivo trabalho de base nestes dois
90
municípios. Em sua grande maioria, os grupos familiares eram antigos moradores das
periferias urbanas da região de Ribeirão Preto: desempregados, com baixa instrução
escolar, não possuíam casa própria (alugada ou financiada), encontrando-se ainda
endividadas, constituindo-se, dessa maneira, na clientela pica a ser cooptada pelo
movimento sem-terra: despossuídos sociais, que não passavam de meros números nas
estatísticas de exclusão social.
“(...) A gente moro na cidade maioria mesmo do tempo foi pagando
aluguel (...) a gente tento, né, te a nossa casa, mas a gente não conseguiu,
porque tinha que paga a prestação do terreno compra material pra construí
a casa, mesmo meu marido sendo pedrero e sabe construí a casa a gente
tinha dificuldade, porque não dava conta e ai a gente dexo de paga as
prestação pra construí os dois cômodos, pra gente morá, quando a gente
termino de construí os dois cômodos as prestação do terreno tava muito
alta, juro era muito, né, a gente não conseguia mais paga e quando teve que
vende, tirá que a gente tinha, fez um acordo e a gente volto novamente
pro aluguel (...) Paga aluguel é difícil, é ruim, mas o pior de tudo é você
morá de aluguel e não pode paga o aluguel, era o que acontecia (...)
(assentada rural) (...) o dia de nóis para o aluguel nóis não fazia despesa, é
difícil (...) (assentado rural).
A partir dos dados acolhidos através da pesquisa de campo, tornou-se possível
identificar quatro grupos de famílias assentadas com relação ao tempo de permanência no
assentamento Mário Lago. O primeiro grupo denominado pelo pesquisador como
originário, pois estas famílias participaram de todo o processo de mobilização e ocupação
da Fazenda da Barra sob a liderança do MST, encontra-se instalado no assentamento desde
o mês de agosto de 2003.
Os demais grupos familiares são todos provenientes de tentativas frustradas de
ocupações de terra lideradas pelo movimento nas regiões de Ribeirão Preto, Franca e
Campinas e que, despejados por força de ação judicial, foram deslocados e acolhidos pelo
movimento no assentamento Mário Lago para não permanecerem à margem de alguma
rodovia. Esses três grupos são oriundos do acampamento Salete Strozake (Batatais), do
acampamento Terra Sem-Males, localizado em Campinas e da ocupação da Fazenda da
Barra II (Ribeirão Preto), denominada acampamento Antonio Gramsci.
Essas famílias conseguiram ser assentadas no projeto em razão da desistência de
muitas famílias, que não suportaram a demora do processo de assentamento conduzido
pelo Incra, idealizavam que teriam um acesso imediato à terra ao ingressarem no
91
movimento sem-terra. Desta maneira, o assentamento Mário Lago comporta famílias
assentadas há seis anos (Grupo Originário, o menor grupo), três anos (Acampamento
Salete Strozake, com 15 a 20 famílias), dois anos (Acampamento Terra Sem-Males, com
30 famílias) e um ano e seis meses (Acampamento Antonio Gramsci). No entanto, com o
passar do tempo, muitas dessas famílias, provenientes dessas três tentativas frustradas de
ocupação lideradas pelo MST também se evadiram do assentamento, abandonando a luta
pela terra.
“(...) Muitas famílias foram embora pelo seguinte, por causa do processo
de luta mesmo, né, porque na hora em que você vai fazer um trabalho de
base na cidade, as famílias pensa que esse processo vai sair de um dia para
o outro, então a terra vai sair de um dia pro outro, né, na realidade não é
isso é um processo de luta que você vem construindo junto com essas
famílias e ai o que acontece, muitas famílias desistem naquele momento,
porque o sonho delas era, como se diz, imediato, então, na realidade, com o
processo de luta, elas desistem e voltam pra cidade (...)” (liderança
assentada)
Ainda acerca da trajetória de vida desses grupos familiares, faz-se importante
relatar que as famílias provenientes dos acampamentos Terra Sem-Males e Salete Strozake
passaram por um violento processo nas ações de reintegração de posse, sofrendo inclusive
violência física por parte da Polícia Militar.
No caso do acampamento Salete Strozake, o movimento realizou uma ocupação
em uma antiga unidade da Febem, atual Fundação CASA, que se encontrava desativada a
cerca de dezessete anos. Na ação de reintegração de posse, as famílias foram presas pela
Policia Militar em uma estrutura existente na própria unidade. Os agentes do Estado
indagavam as famílias acerca de quem seria o líder ou líderes da ocupação. Posteriormente,
estas famílias foram conduzidas pela Polícia Militar até um ginásio de esporte, local onde
permaneceram presas durante cerca de uma semana sem poderem sair da quadra do ginásio
de esporte.
“(...) A gente veio do Salete Strozake pra (...) a gente foi despejado
mesmo da área (...) a ação de despejo foi muito bruta assim, porque a
polícia já chego dando um prazo di minutos pra gente sai dali, (...) a
gente tinha criança, eu tava, né, com o Vitor ali, ele era recém nascido, ele
tinha dias, ele não tinha meses, qué dize, uma situação muito difícil aquela
hora ali, sem saber pra onde você vai (...), seis horas da manhã que a gente
acordo com a polícia na portaria, que era pra se despejada as famílias,
monte de polícia lá, dava duas polícia pra cada pessoa (...) uma
companheira na frente do filho dela, Cida era o nome dela (...) xingando a
92
mãe de todo nome baxo mesmo e a criança chorava e dizia não fala isso
pra minha mãe (...) com o seu Baltazar, chego a faze ele deitar no chão,
aponto a arma na cabeça dele, xingo ele, aljemo, foi muito bruta mesmo
(...) ficamo no Marinherão (ginásio de esportes), horrível também (...) e
a polícia fora, se você saia de dentro pra i na padaria a polícia seguia,
se você ia no mercado, a polícia seguia, tudo o que você ia faze lá a polícia
seguia (...) do Marinherão a gente foi despejado também, como se a gente
quisesse fica lá, a gente não queria fica (...) a gente saiu de lá, deu um
prazo de duas horas pra gente saí de e a gente foi despejado novamente
di e ai jogo a gente num lixão pro lado de baixo do Marinherão, onde
tinha capim e entulho mesmo i di a gente veio pro Mário Lago (...)”
(assentada rural)
Mediante a realização do trabalho de campo junto às famílias assentadas, tornou-
se possível também identificar três grupos de família, no que tange ao vínculo anterior com
a terra: antigos camponeses que perderam o vínculo com a terra ao deslocarem-se para os
centros urbanos e que vieram a se transformar em pedreiros, auxiliares de serviços gerais,
motoristas, sapateiros, catadores de sucata, faxineiras, entre outros; trabalhadores rurais
assalariados, em especial, antigos colhedores de laranja e ex-cortadores de cana-de-açúcar
das usinas da região de Ribeirão Preto
31
.
Tentar definir os assentados em bloco, como uma categoria social
homogênea, enfrenta dificuldades conceituais não pequenas, sobretudo no
confronto quase que cotidiano com dados da realidade empírica dessas
experiências. Sua inserção econômica, periférica e estranha à estrutura
econômica dominante (...), não permite decalcarmos uma identidade de
classe definitiva, razão pela qual a própria existência empírica desses
sujeitos sociais foi muitas vezes negada ou incompreendida (FERRANTE
et al., 2004, p. 25).
Os sem-terras são (...) dilemáticos, plurais, híbridos capazes, contudo,
talvez, de se reproduzirem produtos e produtores de uma extensa
superposição de experiências, os sem-terra são hoje, até para si mesmos,
ainda, uma grande interrogação (RAPCHAN apud TURATTI, 2005, p.
76).
31
“(...) a demanda pela terra, no presente, (comporta) um perfil ímpar, aglutinando trabalhadores
rurais e urbanos. Suas ligações com problemas de desemprego, de habitação, de revigoramento de
estratégias patronais, de fortalecimento de organizações empresariais, dão-lhe a configuração de
uma alternativa buscada para suprimento das necessidades de reprodução social” (FERRANTE,
1994, p.129). Com relação aos bóias-frias, observa ainda Ferrante (1992) que o processo de
proletarização vivenciado não significou, necessariamente, uma ruptura dos possíveis vínculos com
a terra, no sentido de “desenraizamento”, fato que, por sua vez, remete à exigência de
“remodelagens das interpretações usualmente dadas ao processo de modernização/expropriação e
proletarização rural”.
93
O terceiro grupo de famílias, cerca de 50%, é constituído por trabalhadores
urbanos sem nenhuma experiência anterior com a agricultura, que, por sua vez, sentiram
uma enorme dificuldade no processo de adaptação do meio urbano para o rural,
especialmente, no que diz respeito ao manejo da terra e com a convivência com outras
famílias a partir das normas internas impostas pelo movimento sem-terra para a
generalidade do assentamento: “(...) quando a gente (...) sai da cidade pra vim pra terra,
pra essa família também se adaptá também na terra, porque (...), hoje, por exemplo, o
processo de reforma inclui muitas pessoas urbanas, né, acustumadas na cidade (...) têm
seus vícios, seus defeitos e quando a gente chega a vir pro acampamento, a gente traça um
regimento pra gente convive ali (...)” (liderança assentada).
3.5. O Processo de Assentamento das Famílias Acampadas: conflitos e negociações
As negociações entre o MST e o Incra objetivando o assentamento das famílias
no projeto de assentamento Mário Lago iniciaram-se logo após a publicação do Decreto
Presidencial que declarou a Fazenda da Barra de interesse social para fins de reforma
agrária em dezembro de 2004, autorizando o referido órgão estatal a realizar a
desapropriação do imóvel.
Neste momento, as famílias encontravam-se acampadas no Sítio Bragheto. A
proposta inicial do MST era assentar no local 400 famílias em lotes de 5 hectares (50.000
m²), argumentando que o movimento havia promovido a primeira ocupação da
propriedade. As famílias pertencentes ao MLST deveriam ser assentadas em uma outra
fazenda localizada no estado de Minas Gerais. Entretanto, o Incra não aceitou este acordo
proposto movimento, assentando, na propriedade mineira, outras famílias “(...) dessa
maneira, o Incra apertou o processo (...)” (assentada rural).
Em agosto de 2007, o clima na Fazenda da Barra era dos mais tensos, pois Incra
havia somente cadastrado as famílias pertencentes aos acampamentos Mário Lago e Santo
Dias. As famílias do acampamento Índio Galdino não haviam sido cadastradas, o que
significava que não iriam participar do processo de seleção, que iria se iniciar nas próximas
semanas. Frente a este acontecimento, o arcebispo metropolitano de Ribeirão Preto, Dom
Joviano de Lima Júnior, interveio no processo de assentamento, enviando uma carta à
94
superintendência estadual do Incra, solicitando um urgente posicionamento do órgão
estatal acerca da situação das famílias acampadas
32
.
Em setembro de 2007, a superintendência estadual do Incra tornou público os
números oficiais do cadastramento das famílias acampadas na Fazenda da Barra: no
acampamento Mário Lago, o Instituto cadastrou 280 famílias; no Santo Dias, foram
cadastradas 190 famílias e, por fim, no Índio Galdino, 46 famílias, o que, por sua vez,
totalizou 516 famílias canditadas a um lote familiar. Finalizada a etapa de cadastramento, o
orgão estatal iniciou o processo de assinatura do compromisso ambiental.
Na ação de desapropriação, ajuizada pelo Incra em agosto de 2005, constava que
a Fazenda da Barra possuiria 1.548,48 hectares. Entretanto, as lideranças locais do MST,
alegavam que a dimensão da área seria de 1.790 hectares. Tanto os números apresentados
pelo Incra, como pelo movimento sem-terra aludiam a uma realidade que os dirigentes dos
três movimentos sociais evitam abordar: a de que dezenas de famílias, talvez centenas,
seriam obrigadas a deixar o local após mais de três anos de ocupação.
O assentamento Mario Lago, a exemplo do assentamento Sepé Tiaraju, estava
sendo criado no modelo Projeto de Desenvolviemnto Sustentável (PDS) em razão de estar
situado em uma área de afloramento e recarga do Aqüífero Guarani. Por essa razão, a
Promotoria do Meio Ambiente firmou com a superintendência estadual do Incra um Termo
de Ajustamento de Conduta (TAC), prevendo a destinação de 35% (e não os 20% previstos
em lei) da área para Reserva Legal. No caso da Fazenda da Barra, mesmo que possuisse os
1.790 hectares imaginados pelo MST, os 35% representavam 626 hectares, restanto para as
famílias acampadas 1.165 hectares. Caso se reproduzisse o modelo do Sepé Tiaraju na
Fazenda da Barra, de lotes familiares de 3,6 hectares (36 mil m²) e mais 3 hectares de área
coletiva por família, totalizando 6,6 hectares por grupo familiar, seriam assentadas na área
somente 176 famílias, sendo que, 340 famílias, o dobro, teriam que deixar o local.
32
Em agosto de 2007, os dirigentes locais do MST, co-organizadores da Romaria Estadual da
Terra (um evento ecumênico organizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) cujo principal
objetivo é sensibilizar a sociedade acerca da questão agrária brasileira) vetaram a participação das
200 famílias pertencentes ao MLST e as 48 do assentamento Índio Galdino no evento que contou
com a participação dos bispos Dom Maurício Grotto de Camargo, da CPT, e Dom Joviano de Lima
Júnior, arcebispo de Ribeirão Preto. As famílias foram excluídas do trajeto final da romaria, que
ocorreu dentro do assentamento Mário Lago. As lideranças locais do MST alegaram à época que a
proibição foi uma medida de cautela, a fim de se evitar possíveis agressões entre os três
movimentos sociais.
95
As negociações entre o movimento sem-terra e o órgão estatal foram somente
parcialmente finalizadas no final de 2008, momento em que o assentamento Mário Lago
comportava cerca de 300 núcleos familiares, ficando estabelecido entre o Incra e os três
movimentos sociais que do MST seriam assentadas 264 famílias, em lotes familiares de
3,14 hectares (31.400 m²), do MLST
33
(assentamento Santo Dias) 160 famílias em lotes de
1,14 hectares e do assentamento Índio Galdino, não vinculado a nenhum movimento
social, 40 famílias, o que, por sua vez, totaliza um número de 464 núcleos familiares, cerca
de 1.850 pessoas residindo na antiga Fazenda da Barra.
(...) Não, fecho com as 264 famílias, hoje, na Fazenda da Barra, em si,
no todo, é, estamos aqui com o MST com 264, o ML com 160 e o Índio
Galdino com 40, então são 464 famílias dentro da Fazenda da Barra, aonde
que tem 1500 e poucos hectares, então, que são, como se diz um
ninhozinho para que essas famílias se organizem (...) (liderança assentada).
As famílias não concordaram com esse modelo de assentamento colocado pelo
Incra, mas acabaram aceitando. O processo não foi conduzido de uma forma muito clara
por parte do Incra. No decorrer das negociações, as famílias chegaram a entender que o
tamanho do lote estipulado em 3,14 hectares incluiria somente o lote familiar e o lote
coletivo. No entanto, a proposta do Incra incluiu nas dimensões deste lote o lote familiar, o
coletivo, áreas de preservação e o reflorestamento. O lote familiar ficou com as dimensões
de 1,58 hectares para a produção individual.
“(...) eu, sinceramente, sendo assentada, sei que como diz o ditado é
difícil pra qualquer um, sendo assentada aqui, mas os sonhos das
famílias de 2003, que entraram nessa fazenda, ele foi se perdendo. Na
realidade, as famílias, hoje, elas tão lutando por esse pedaço, tão
33
Em abril de 2008, foram finalizadas as negociações entre o MLST e o Incra, conseguindo o
movimento assentar na Fazenda da Barra 160 famílias, que receberam um lote individual de 11.400
destinado à moradia e mais 20.000 na área coletiva. As famílias que o movimento não
conseguiu assentar no local, cerca de 30, foram deslocadas para assentamentos localizados em
Uberlândia e Veríssimo (MG) e ainda continuam vinculadas a este movimento social. Parte dessas
famílias desejava desenvolver a pecuária no local e outras ansiavam serem assentadas próximas ao
riacho, a fim de cultivarem pimenta-do-reino, o que não havia mais possibilidade em ambos os
casos e concordaram deslocar-se até Uberlândia, onde o assentamento justamente surgiu em uma
área de pastagem e Veríssimo, onde o assentamento encontra-se localizado às margens do rio da
Prata. Apesar da posse coletiva da terra, as famílias possuem a liberdade de produzirem
individualmente em seus lotes. Com uma área equivalente a duas quadras, é pequena a perspectiva
que as famílias se dediquem ao cultivo de hortaliças e pomares, além de cultivos de subsistência. O
movimento ocupou uma área de 450 hectares do total de 1700 hectares da Fazenda da Barra.
96
concordando com esse pedaço porque cansaram de lutar na questão de
cinco anos, de quase seis anos dentro dessa luta e ver os seus sonhos cada
dia mais se perdendo, então elas estão aceitando, mas as próprias famílias
colocam que não tem como sobreviver em um pedaço de chão, pra si
alimentar e pra sobreviver mesmo da terra. O sonho, como diz do sem-
terra, é sobreviver da onde que está não simplesmente fazer uma chacrinha
aqui e ir pra cidade trabalhar, que é o que mais acontece nessa situação
(...). Eu lutei cinco anos , eu lutei seis anos, agora eu vou sair daqui, eu
não posso sair daqui, eu tenho que aceitar a reforma que vindo (...)”
(assentada rural).
A seleção das 264 famílias que foram assentadas não foi realizada pelo Incra, mas
pelo próprio MST, que utilizou como critério o tempo de luta pela terra, de inserção e
permanência no movimento sem-terra ou, nos próprios dizeres das famílias, “quem mais
queimou os miolos debaixo da lona preta” (liderança assentada).
O processo de assentamento definitivo das famílias caminha a passos lentos.
Estas se encontram em uma fase de transição do modelo de acampamento para o de
assentamento. Em agosto de 2008, o Incra iniciou a divisão do terreno, mas ainda não
terminou de demarcar todos os lotes, de “cortar” o terreno, nos dizeres das lideranças do
assentamento. Para tanto, as famílias foram organizadas em quatro áreas. Até o mês de
janeiro de 2009, o Instituto havia demarcado somente duas áreas, mas as famílias não
podem se deslocar até seus lotes, pois não sabem aonde se localizam e o acesso aos lotes é
praticamente intransitável.
Algumas famílias estão assentadas em lotes provisórios e, em alguns casos, em
futuras áreas de preservação ambiental. O modelo é denominado Comuna da Terra, uma
nova proposta de pensar o processo de reforma agrária próximo aos grandes centros
urbanos. A proposta é ter o autoconsumo, fornecendo alimentos orgânicos para os centros
consumidores através de cooperativas que integrem as famílias dos assentados, envolvendo
todos na produção.
O Ministério Público da Comarca de Ribeirão Preto continua a intermediar o
processo de assentamento definitivo das famílias, mediante a realização de reuniões, a fim
de estabelecer um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) entre os trabalhadores rurais
e o Incra. Neste TAC, as famílias estão comprometendo-se a somente produzirem produtos
orgânicos e a reflorestarem a área degradada pela Fundação Sinhá Junqueira em meio à
produção agrícola. O acordo com o Ministério Público prevê ainda que a área de
preservação ambiental do assentamento Mário Lago seja de 35%, 15% acima do previsto
no Código Florestal de 1965 para a região sudeste.
97
Em razão da região de Ribeirão Preto constituir-se em uma área na qual existe
uma grande disputa por terras visando o plantio de cana-de-açúcar pelo setor
sucroalcooleiro, tornando-se os assentamentos alvos deste processo, como ocorrido na
microrregião de Araraquara
34
, pelo acordo firmado com a promotoria, as famílias
comprometeram-se também a não arrendar os lotes familiares e a não transferidos
individualmente sem consentimento da comunidade.
Tabela 8 Cronograma do Processo de Luta pela Posse da Fazenda da Barra
Mês Ano
Principais Acontecimentos
-----/2000
O MST indica a Fazenda da Barra ao Incra para ser vistoriada, o qual
detecta sua improdutividade, dando início ao processo de desapropriação.
Abr./2003
O movimento sem-terra realiza a ocupação da entrada do Sítio Bragheto,
permanecendo neste local durante quatro meses.
Jul./2003
O MST transfere as famílias para o centro de Ribeirão Preto, para o Centro
Administrativo Maurílio Biagi e, posteriormente, para uma outra área
pertencente ao município conhecida como Flamboyants.
Ago./2003
O MST realiza a ocupação da Fazenda da Barra, permanecendo vinte e
oito dias no local, momento em que sofreram a primeira reintegração de
posse.
Set./2003
O movimento sem-terra desloca novamente as famílias para um sítio
próximo à Fazenda da Barra, pertencente a um advogado simpatizante do
MST.
Mar./2004
Após seis meses, o movimento sem-terra volta novamente a ocupar a
Fazenda da Barra, permanecendo até os dias atuais.
34
Segundo Ferrante et al. (2006), a produção de cana-de-açúcar nos projetos de assentamentos da
microrregião de Araraquara, por intermédio do arrendamento dos lotes para as usinas, constitui,
sem sombra de dúvida, a alternativa mais arriscada em termos da gestão familiar do trabalho e do
território, pois, além dos prováveis prejuízos ambientais que esta prática pode vir a ocasionar ao
meio ambiente, essa forma de produção, ao que tudo indica, parece seguir à lógica da agricultura
patronal, podendo resultar em uma perda de rentabilidade econômica e autonomia das famílias
assentadas, pois, em muitos casos, com o passar do tempo, todo o processo produtivo passa a ser
feito pela usina, especialmente, o corte que é realizado por empresas de mão-de-obra rural.
Os trabalhadores rurais assentados nos projetos de assentamento rurais da região de Araraquara
buscaram também outras alternativas diferenciadas de direcionamento da produção. Parcerias com
outros produtores rurais o assentados para o plantio de grãos e com outras agroindústrias como,
por exemplo, o plantio de mandioca para farinheiras industriais foram verificadas nesses projetos
de assentamentos. Nesta experiência, embora o financiamento da produção dependa de agentes
externos que possuem grande vantagem na distribuição da renda produzida pela lavoura, a forma
de gestão do trabalho é familiar. Essas modalidades de parcerias o legalmente proibidas, no
entanto, são mais aceitas do que a parceria com as usinas, pois o fato de empregar a mão-de-obra
assentada é visto como fator positivo (FERRANTE et al, 2006).
98
Set./2004
O Poder Judiciário da Comarca não concede a reintegração de posse aos
proprietários da Fazenda da Barra.
-----/2004
Divisão no MST e na estrutura do assentamento Mário Lago, com
surgimento do assentamento Santo Dias, sob a liderança do MLST.
Dez./2004
O ministro Joaquim Barbosa arquiva a petição impetrada pelos advogados
da empresa proprietária da Fazenda da Barra, que requeriam uma
notificação judicial para que o presidente Lula não assinasse o decreto de
desapropriação.
Dez./2004
Publicação do Decreto Presidencial que opinou pela desapropriação da
Fazenda da Barra para fins de reforma agrária e início das negociações
entre o MST e o Incra objetivando o assentamento das famílias.
Ago./2005
O Incra ajuiza a ação de desapropriação da Fazenda da Barra, depositando
em juízo os valores referentes à indenização da área.
-----/2005
Divisão no assentamento Santo Dias, criação do assentamento Índio
Galdino.
-----/2006
O Incra obtem a imissão de posse da Fazenda da Barra.
Mar./2007
O Tribunal Regional Federal reconhece ao Incra o direito ao assentamento.
Maio/2007
O Incra adquiriu a posse definitiva da Fazenda da Barra.
Jul./2007
O MST realiza a ocupação da Fazenda da Barra II, instalando o
acampamento Antonio Gramsci.
Ago./2007
O Incra realiza o processo de cadastramento das famílias acampadas.
Set./2007
A superintendência estadual do Incra torna público os números oficiais do
cadastramento das famílias acampadas na Fazenda da Barra.
Ago./2008
O Incra inicia a divisão do terreno, o “corte” dos lotes familiares.
Dez./2008
Finalização parcial das negociações entre o MST e o Incra sobre o
assentamento das famílias.
Jan./2009
O Incra havia demarcado somente duas áreas.
Fonte: Elaboração Própria
3.6. Condições de Subsistência das Famílias Assentadas
A precariedade das condições de vida nos assentamento evidencia-se quando
estes projetos passam a ser observados sob o ponto de vista da infra-estrutura básica que
deveriam conter, considerando-se elementos tais como: assistência médica, educação,
transportes, comunicação, indústria, comércio e serviços (ANDRIETTA, 2004). Em sua
estrutura atual, o assentamento Mário Lago ainda não pode ser considerado de fato um
projeto de assentamento rural consolidado, embora seja contabilizado pelo Incra com tal. O
crédito moradia, estipulado em cerca de sete mil reais, ainda não foi liberado pelo Incra
para essas famílias, até porque as famílias não se encontram definitivamente assentadas
(...) nós recebemos o fomento só, moradia nada ainda (...) (assentado rural).
99
Dessa maneira, um grupo considerável de famílias encontra-se desde o ano de
2003 residindo em barracos construídos por um simples contra piso, lonas plásticas,
pedaços de madeira, barras de ferro e folhas de amianto, materiais esses que foram doados
e/ou encontrados em aterros sanitários, que as famílias consideram como produtos
reutilizáveis, o que, por sua vez, torna evidente as precárias condições de moradia
vivenciadas no assentamento.
“(...) A minha casa é lona por fora, nós conseguimos madeira, cercamos ela
de madeira por dentro porque eu tinha plano de arruma uma criança (...)
porque eu tive meu filho aqui no acampamento, passei resguarda aqui e
nóis tá aqui e ele gosta daqui (...) então, pra te ela a gente foi arrumando
mais ou mesmo, conseguiu por teia, foi ajeitando até fica no conforto (...)”
(assentada rural).
As moradias não dispõem ainda de rede de água encanada ou esgoto, que corre a
“céu aberto”, o que, por sua vez, pode vir a ocasionar uma possível contaminação de minas
de água existentes no local ou mesmo do próprio Aqüífero Guarani. Para fazerem suas
necessidades fisiológicas, utilizam fossas, localizadas, em sua grande maioria, na parte
externa dos barracos. O sistema de chuveiro funciona da seguinte maneira: como as
improvisadas caixas de água encontram-se localizadas na parte superior das residências, no
período do verão, em razão do aquecimento da água, as famílias conseguem tomar banho
com água quente.
Figura 8 - Condições de Moradia das Famílias Assentadas
Fonte: Arquivo Pessoal, 2009.
100
Ainda com relação às condições de moradia, torna-se importante relatar que, no
projeto de assentamento Santo Dias, que está sob a responsabilidade do MSLT, o Incra
iniciou a construção em regime de mutirão das casas de alvenaria, apesar deste projeto ter
sido criado após o assentamento Mário Lago
35
.
O atendimento médico das famílias assentadas é realizado no posto de saúde do
Bairro Ribeirão Verde, o que, por sua vez, acarreta uma sobrecarga nesta unidade básica de
saúde, dificultando e, muitas vezes, impedindo o acesso a esse atendimento público. Além
desse fato, os assentados possuem uma demanda de casos de pessoas com problemas
oftalmológicos, que necessitam de óculos, para poderem se alfabetizar no programa de
EJA (Educação de Jovens e Adultos) ministrado no assentamento.
O principal acesso das famílias que residem no assentamento encontra-se
praticamente intransitável. As vias internas do assentamento são todas de terra e consistem
em antigos e acidentados carreadores de cana-de-açúcar. Dessa maneira, a locomoção dos
assentados encontra-se bastante prejudicada, em razão das más condições destas vias.
Ainda a respeito do transporte dos assentados, cabe ressaltar que a antiga Fazenda da Barra
possui cerca de 1700 hectares, atingindo distâncias internas de até 7 km. Apesar desse fato,
existe somente um ponto de ônibus próximo ao assentamento, sendo que a maioria das
famílias necessita percorrer toda a distância interna para poderem utilizar esse serviço
público.
Embora a rede de energia elétrica da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL)
passe sobre o assentamento Mário Lago, as famílias também não dispõem deste serviço
público. No assentamento, a energia elétrica é obtida pelas famílias através de baterias de
carro e/ou geradores movidos a óleo diesel, em razão de seu baixo custo, geradores esses
que foram adquiridos com o dinheiro do primeiro fomento, tornando-se, dessa maneira,
possível ouvirem aparelhos de rádio e assistirem televisão.
35
Em dezembro de 2008, o Incra liberou um milhão e cento de vinte mil reais em materiais de
construção para as 160 famílias do assentamento Santo Dias. O kit construção era composto de
3.100 tijolos, 130 canaletas de concreto, tanque, pia, vaso sanitário, telhas de amianto, laje e 10
barras de ferro. Individualmente, as famílias receberam sete mil reais para a construção de sua
moradia, que possuem 42 m² de construção, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro. As
construções, em regime de mutirão, estão sendo acompanhadas por mestres de obra, engenheiros e
pedreiros.
101
Aliás, as famílias também procuraram deixar claro ao pesquisador que não se
tratam de pessoas alienadas, desconectadas da realidade social, mas pessoas bem
informadas. Os assentados utilizam como estrutura social de comunicação celulares pré-
pagos. A fim de conservarem carnes, os núcleos familiares utilizam como método uma
receita secular, a conserva em banha ou gordura.
Os sujeitos investigados possuem poucos bens de consumo duráveis (móveis,
automóveis, eletrodomésticos), dos quais, muitos se encontram em um avançado estado de
deteriorização, evidenciando-se, dessa maneira, uma decadência material com relação a
sua vida anterior, decadência material essa que as famílias procuram, em seus relatos orais,
encobrir e justificar.
A fim de ingressarem no movimento sem-terra e, conseqüentemente, participarem
do processo de ocupação da Fazenda da Barra, as famílias foram obrigadas a se desfazer
dos bens domésticos que possuíam e ainda não os conseguiram recuperar, o que, por sua
vez, representaria um maior conforto para as famílias. No processo de ocupação da
propriedade, as famílias levaram consigo poucos pertences pessoais, que foram embalados
e identificados em sacos plásticos: “(...) a gente veio pra cá, a gente vendeu tudo o que
tinha, a gente acabo com tudo que tinha fora pra vim pra cá, tanto que a gente tem é do
lixão, é coisa ganhada (...)” (assentada rural).
“(...) aqui a única coisa que eu tenho é uma televisãozinha de 12 volts, que
ela é usada na bateria do carro (...) tanto é que a instalação do meu barraco
é luzinha de carro olha minha varanda pra você (...) antes de eu vir para
o assentamento minha casa era completa (...) mas quando você tem um
objetivo você não dá bola, você sabe que vai ter que abrir mão de tudo, abri
mão daquilo, mas ganhei coisa melhor (...)” (assentada rural).
A única infra-estrutura implantada pelo Incra no assentamento foi a construção de
um posto artesiano perfurado em 2005, que, no entanto, beneficia somente dois grupos de
famílias que se encontram assentadas mais próximas a esta estrutura, mas que, contudo,
ainda têm que se deslocarem até o local para captarem água. Frente às dificuldades
estruturais vivenciadas pelos sujeitos investigados, estes não consideram o rio Lago
como um projeto de assentamento rural, mas como um mero acampamento.
(...) então tem muita divergência ainda nessa questão, o Incra fala que o
Mário Lago hoje é um assentamento, que a Fazenda da Barra é um
assentamento, estamos em processo de assentamento, mas é um processo
102
assim muito lento, um processo muito difícil ainda de entende, portanto,
vocês que estão visitando aqui vocês pode reparar que é um processo de
acampamento ainda, (...) da forma que aqui foi a forma que nós
organizamos desde o primeiro momento, então, fica difícil distingui qual é
mesmo o conceito de assentamento do Incra, com o conceito da vivência
das pessoas que estão aqui hoje (...) (liderança assentada).
“(...) desde 2005, quando saiu a posse da fazenda em si pru Incra é que eles
coloca que a gente já tá assentado, né, mas como é que é mesmo esse modo
de assentamento que eles dão? Não é um modo de assentamento correto,
um modo de assentamento que, como diz que não tem nenhuma estrutura,
né, que pelo contrário, né, hoje, a única estrutura concreta que tem aqui, né,
que a gente vê, como diz o ditado, que a gente possa olhá e que tem
uma estrutura concreta do Incra aqui é um posto artesiano, aonde qui isso
não distribui pra família inteira, si distribui simplesmente pra dois grupos
que tão ali mais próximos, né, qui, como diz o ditado, qui abastece, né,
porque não tem modo de distribuição, então, as famílias em si, si elas
querem água desse posto, elas mesmo vão lá, como vocês viram, di
burrinho, di carrocinha e tal e tudo, coloca essas águas e leva até as suas
casas pra si mante, né, então, dentro desse processo, a estrutura mesmo do
Incra em si aqui dentro da Fazenda da Barra, principalmente, aqui, na
questão do Mário Lago, que é, como diz, a vivência é hoje aqui, não tem
estrutura (...)” (liderança assentada).
Torna-se importante afirmar que essas famílias estão utilizando de forma
irregular este posto, pois a sua perfuração não foi autorizada pelo Departamento de Águas
e Energia Elétrica de São Paulo (DAEE), colocando em risco o Aqüífero Guarani, que
pode ser contaminado pela utilização inadequada do poço. Pelo ato infracional, o Incra
pode ser autuado pelo Daee em penalidades que variam desde uma simples advertência,
com prazo de 30 dias para regularização, até multa.
O assentamento rio Lago situa-se na zona leste da cidade, que se constitui em
uma área de recarga do Sistema Aqüífero Guarani
36
. Como a perfuração do posto não
seguiu critérios técnicos e a captação de água não tem acompanhamento, existe a
possibilidade de contaminação do manancial. De acordo com a legislação em vigor, nesta
região do município, localizada para além dos anéis viários da cidade, é permitida a
36
De acordo com Gomes et al (2006), a área de recarga do Aqüífero Guarani no Estado de São
Paulo abrange cerca de 16.000 km2, ocupando uma faixa de norte a sul do estado localizada na
porção Centro-Oeste, inserido nas coordenadas 21º e 23º de latitude sul e 47º e 50º de longitude
oeste. Os autores localizam Ribeirão Preto em uma faixa de recarga denominada Centro-Norte,
que ainda inclui os seguintes municípios: Franca, Batatais, Brodósqui, Altinópolis, Cajuru, Serrana,
Cravinhos, São Simão e Luís Antônio.
103
perfuração de poços artesianos por particulares, mas, para isso, deve ser concedida
autorização do Daee, que é o caso do local onde está o assentamento, nas proximidades do
Bairro Ribeirão Verde.
Declaram ainda as lideranças do assentamento que o Incra não possui um projeto
concreto para a distribuição de água para a totalidade do assentamento, que ainda é
abastecido por caminhões-pipa enviados pelo Daerp (Departamento de Água e Esgotos de
Ribeirão Preto). As famílias utilizam desta água fornecida pelo órgão municipal para
beberem e para o preparo de sua alimentação. Percorrendo o assentamento é possível se
observar em frente aos barracos cisternas improvisadas, latas e caixas de água também para
a captação da água da chuva.
Além da distribuição de água potável, o poder blico municipal tem realizado o
transporte escolar, pois o assentamento não possui uma unidade escolar, ou melhor, uma
Escola do Campo. Os estudantes entre crianças e adolescentes estudam em seis escolas da
cidade, sendo uma estadual e cinco municipais. A prefeitura vem também realizando a
coleta dos resíduos sólidos domésticos. As famílias vêm se organizando no sentido de
realizarem a coleta seletiva dos resíduos sólidos domésticos, entretanto o dispõe de
estrutura adequada para a destinação do lixo reciclável produzido no assentamento.
Estes são os únicos serviços públicos realizados pelo executivo municipal no
assentamento. O serviço de transporte escolar vem sofrendo críticas por parte das famílias
assentadas. Em 2005, momento em que, o acampamento possuía, aproximadamente, 250
crianças, o poder público municipal havia se recusado a entrar na propriedade para realizar
o transporte escolar, alegando que estaria cometendo um grave crime (invasão de
propriedade) ao adentrar uma propriedade particular sem o consentimento de seus
proprietários. Existe inclusive um inquérito civil aberto no Ministério blico Estadual a
fim de se averiguar as inúmeras irregularidades que colocam em risco a vida das crianças e
adolescentes em idade escolar. Além disso, existem crianças em idade pré-escolar que
estão fora da escola por falta de atendimento público.
“(...) um problema que a gente vem assim enfrentando, porque as nossas
crianças estudam na cidade i os ônibus qui vem, vem uns ônibus numa
situação muito irregular, não tinha condições mesmo di tá levando as
crianças mesmo (...) banco estragado, caindo os bancos, ponta de ferro sem
coberto, tudo estragado, vidro, sem condições mesmo, irregular, porque
foi feita, foi chamada pra faze uma vistoria nus ônibus qui tava vindo i
constato qui não podia mesmo trabalhá, né, com a criança, i a gente foi
104
atrás i a gente ai, vai quanto vezes for preciso (...) os ônibus eram uma
sucata mesmo (...)” (assentada rural).
Apesar das precárias condições de moradia em que sobrevivem, as famílias
justificam sua inserção e permanência no assentamento, considerando-o como um lugar
isento de alguns encargos sociais provenientes da residência no meio urbano, tais como:
alugueis, taxas de água, energia elétrica, entre outros, isto é, consideram o assentamento
como um lugar aonde existe um baixo custo de vida.
“(...) a cidade é aquele negócio: o que você ganha vai embora, si fo
compará o da cidade em ganho, em termo di dinhero, é lógico, ganhava
muito mais na cidade (...) se lá na cidade você usa, vamo dize, mil reais pra
passa por meis, hoje você vive com quinhentos, quatrocentos, você
sobrevive tranqüilo (...) muito menos (...)” (assentado rural).
Os sujeitos investigados justificam ainda sua inserção e permanência no projeto
de assentamento federal Mário lago considerando-o como um lugar ambientalmente
saudável, seguro e tranqüilo para viverem, ou seja, sem a ocorrência de crimes por eles
vivenciados nas periferias urbanas, tais como: tráfico de drogas, assassinatos, latrocínios
roubos ou furtos, em razão do regimento interno imposto pelo MST: “(...) aqui você pode
sair, deixar a porta aberta, um vizinho olha o do otro (...)” (assentado rural).
A Polícia Militar não está autorizada pelo movimento a entrar no assentamento,
como nos relatou uma assentada rural. A segurança do assentamento é realizada pelas
próprias famílias. No caso de algum assentado praticar algum dos crimes citados ou outros
previstos no regimento interno do MST, a pessoa é imediatamente expulsa do
assentamento: “(...) você sabe que polícia não pode entra aqui dentro, porque polícia
entra aqui se a gente tira um bandido pô ali na gurita e chama eles (...)” (assentada rural).
3.7. Demais Modalidades de Luta: famílias assentadas versus poder público e Incra
As ações do Incra englobam não somente vistorias, desapropriações, obtenção de
terras, a criação de novos assentamentos e a recuperação de antigos assentamentos. Além
da liberação de créditos e assistência técnica a todas as famílias assentadas reconhecidas, o
Incra é o órgão estatal responsável por realizar investimentos em infra-estrutura básica e
implantação de políticas públicas em seus projetos de assentamentos (INCRA, 2005a). O
processo de descentralização política iniciado com a promulgação da Constituição Federal
105
de 1988, vem transformando o município em um espaço privilegiado para a tomada de
decisões e de responsabilidade administrativa (NAVARRO, 1997).
Embora a criação dos assentamentos esteja vinculada a organismos estaduais e
federais, logo após a sua imediata instalação, o poder público local
37
(as prefeituras) possui
um papel significativo no desenvolvimento destes projetos, pois é neste território que se
encontram instalados, sendo inevitável que suas demandas atinjam a esfera municipal, o
que, por sua vez, permite que o poder local transforme-se em um significativo ator social
na consolidação dos assentamentos (LIRA; BARONE, 2006). As relações de poder entre o
poder local e os assentamentos rurais constituem um campo de embates no qual as tensões
expressam-se mediante possíveis conflitos, acomodações e resistências (BARONE et al.,
2004 apud SANTOS; BARONE, 2006).
O discurso que passou a ser desenvolvido a partir do segundo mandato de
Fernando Henrique Cardoso com relação à uma maior participação do poder público
municipal no desenvolvimento e na consolidação dos projetos de assentamentos rurais não
se aplica muito bem à realidade do assentamento Mário Lago, pois desde a instalação do
primeiro acampamento, em abril de 2003, poucos investimentos municipais foram
realizados no assentamento nas de saneamento básico, principalmente, no que refere ao
fornecimento de água, coleta e destinação de resíduos sólidos domésticos, transporte
público, saúde e educação, o que, por sua vez dificulta em muita a permanência das
famílias na terra conquistada.
Mais especificamente, entre as principais demandas dos assentados está a
regularização da distribuição de água, pois a destinação de dois caminhões-pipa por dia
pelo poder público municipal para a totalidade do assentamento não é o suficiente para as
37
Segundo Ferrante e Barone (2003), até o primeiro governo FHC, o poder público local possuía
pouca participação no encaminhamento dos projetos de assentamentos rurais, dependendo a
complementaridade em ações infra-estruturais através de convênios firmados com órgãos estatais.
Eram tão somente de responsabilidades do poder local iniciativas com relação ao setor educacional,
que se restringia ao transporte escolar e atendimento médico primário. Esta condição começou a
alterar-se a partir das orientações implementadas no segundo mandato de FHC, mediante a
publicação do documento intitulado “Novo Mundo Rural”, fundamento das iniciativas do governo
federal com relação à problemática da agricultura familiar como um todo e, especialmente, aos
assentamentos, pois logo em sua apresentação aponta uma reformulação da política nacional de
reforma agrária. Com a edição deste documento em 1999, a importância do poder público local
cresce significativamente no que tange à formulação e implementação de políticas públicas para
assentamentos rurais. Em âmbito federal, desde o início dos anos 90, a problemática da
descentralização das experiências de projetos de assentamentos vem sendo debatida. A partir dessa
perspectiva, a questão do desenvolvimento local começa a ganhar importância na criação das
políticas públicas nos organismos estatais responsáveis pelos assentamentos rurais.
106
264 famílias assentadas consumirem em alimentação e higiene. Com relação ao setor
educacional, reivindicam a construção de uma escola do campo no assentamento e
melhorias no sistema de transporte público dos assentados em idade escolar.
Mediante pesquisa no site do Tribunal Superior Eleitoral, verificou-se que, em
sua prestação de contas junto ao TSE, o prefeito da administração 2004-2008 declarou
como receitas de sua campanha eleitoral por ocasião das eleições municipais de 2004 um
total de R$ 893.140,85, sendo que, desse montante R$330 mil reais foram doações de nove
usinas locais (TSE, 2006a), o que, por sua vez, indica uma estreita relação entre o poder
púbico local e o agrobusiness, caracterizado nessa região pela agroindústria açucareira.
Tabela 9 - Prestação de Contas Eleitorais do Prefeito da Administração 2004-2008 ao
Tribunal Superior Eleitoral
CNPJ
Nome
Data
Valor
Tipo
Recibo
71304687000105
Irmãos Biagi S.A. Açúcar e
Álcool.
21/07/04
75.000
cheque
000193341
05242560000176
Usina Vertente Ltda.
24/08/04
20.000
cheque
000193352
55109474000168
Açucareira Bortolo Carolo
S/A
24/08/04
5.000
cheque
000193354
54470679000101
Usina Batatais S/A -
Açúcar e Álcool
24/08/04
15.000
cheque
000193358
54470679000101
Usina Batatais S/A Açúcar
e Álcool
13/09/04
15.000
cheque
000193369
52990991000109
CIA. Açucareira Vale do
Rosário
14/09/04
20.000
cheque
000193370
54470679000101
Usina Batatais S/A Açúcar
e Álcool
22/09/04
15.000
cheque
000193377
45765914000181
Central Energética Moreno
Açúcar e Álcool Ltda.
27/09/04
5.000
dinheiro
000193379
50403385000106
Usina de Açúcar e Álcool
MB
06/10/04
20.000
cheque
000193384
52990991000109
Ltda. e Cia. Açucareira
Vale do Rosário
06/10/04
30.000
cheque
000193383
54470679000101
Usina Batatais S/A Açúcar
e Álcool
13/10/04
20.000
cheque
000193387
48663421000129
Usina São Martinho S/A
15/10/04
40.000
cheque
000193388
71304687000105
Irmãos Biagi S.A. Açúcar e
Álcool
20/10/04
50.000
cheque
000193392
Fonte: TSE, 2006.
107
No entanto, o chefe do executivo local não foi o único candidato a receber
doações do agronegócio local. Em sua prestação de contas a Justiça Eleitoral, o seu
principal adversário político na eleição municipal de 2003, um deputado estadual filiado ao
PMDB, declarou com receitas de sua campanha um montante de R$ 711.250,00. Desse
total arrecadado, R$ 65.300 declarou ter recebido de duas usinas locais: Irmãos Biagi S.A.
Açúcar e Álcool (R$ 25.300) e Usina São Martinho S.A., que ao candidato doou 40 mil
reais (TSE, 2006b).
Mediante a realização da pesquisa de campo, verificou que a ausência de infra-
estrutura básica e de políticas públicas municipais no assentamento, nas áreas de
saneamento básico, saúde, educação, coleta de lixo e transporte público vêm gerando
permanentes e intensos conflitos entre as famílias assentadas com o poder público local e
com o Incra. Em setembro de 2007, um grupo de cerca de 80 assentados ocupou a
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, com a intenção de entregar uma pauta de
reivindicações ao prefeito da administração 2004-2008, o qual não se encontrava na
cidade. O grupo foi recebido pelo seu Secretário de Governo, deixando o local por volta
das 12h30, mas ameaçaram realizar outra manifestação caso as promessas não forem, de
fato, cumpridas pelo poder público municipal (MST, 11 set. 2007).
Figura 9 - Ocupação da Prefeitura Municipal
Fonte: Jornal A Cidade, 2007.
108
Dentre as principais reivindicações desse grupo de trabalhadores rurais junto à
administração pública local, estava em pauta a regularização da distribuição de água para o
assentamento, pois o envio de dois caminhões-pipa por dia não eram suficiente. Ao
término da reunião com o Secretário de Governo, ficou acordado entre as partes que a
instituição pública passaria a enviar mais dois caminhões por dia para o assentamento. O
Incra também se comprometeu em auxiliar na distribuição de água para a comunidade
(MST, 11 set. 2007).
Ao final da reunião, também ficou acertado entre as partes que o agente público
regularizaria o transporte público escolar que o assentamento não possui uma escola do
campo com todos os níveis de ensino e, dessa maneira, as crianças e adolescentes, em
idade escolar, necessitam deslocar-se até as unidades escolares mais próximas para
garantirem o seu direito constitucional de acesso à educação, o que de fato não se
concretizou até fevereiro de 2008, motivando mais uma ação política dessa comunidade de
assentados, que ocorreu logo no início do ano escolar de 2008 (MST, 2008).
Em fevereiro de 2008, cerca de 100 adultos e 150 crianças fecharam uma rodovia
que acesso ao Bairro Ribeirão Verde, localizado próximo ao assentamento,
reivindicando segurança no transporte escolar, pois além dos problemas mecânicos e de
documentação, existia também um problema de superlotação do ônibus, que transporta
todos os dias cerca de 90 educandos até os bairros mais próximos (MST, 21 fev. 2008).
No dia 17 de abril de 2008, um grupo de cerca de 150 integrantes do movimento
sem-terra ocupou a sede da Secretaria Municipal da Educação de Ribeirão Preto,
reivindicando a instalação de uma Escola do Campo no assentamento Mário Lago. Este
enfrentamento local integrava-se a Jornada Nacional de Lutas do MST, que rememora o
Massacre de Carajás ocorrido no ano de 1996, assim como a impunidade de seus
infratores. No dia anterior, um outro grupo de integrantes do MST havia ocupado a sede da
prefeitura de Serra Azul, reivindicando da administração local a instalação no
assentamento Sepé Tiarajú de uma unidade básica de saúde, de uma Escola do Campo,
além de rede de esgoto e água encanada (PITON, 2008).
109
Figura 10 Ocupação da Secretaria Municipal de Educação
Fonte: Jornal A Cidade, 2008.
Em julho de 2008, os sujeitos pesquisados participaram de uma manifestação
liderada pelo movimento sem-terra, ocupando, pacificamente, pelo período da manhã, o
escritório regional do Incra localizado em Araraquara. Integraram também esta
manifestação famílias do assentamento Sepé Tiarajú, totalizando cerca de cem
manifestantes envolvidos nesta ocupação, que integrava a Jornada Nacional de Lutas do
movimento a fim de pressionar o governo federal e os governos estaduais a acelerar o
processo reforma agrária no país (DIAS, 2008).
A ocupação também ocorreu para marcar a Semana do Dia do Trabalhador Rural.
Nesta mesma semana, o movimento sem-terra liderou ocupações em sete estados. O portão
do escritório foi aberto e os integrantes passaram o dia cantando e esperando respostas do
Incra para a pauta de reivindicações, que incluíam melhorias no abastecimento de água e
estradas para os assentamentos Mário Lago e Sepé Tiarajú. Para o acampamento localizado
em Serrana, o movimento reivindicava a transformação da área em assentamento de
reforma agrária, a fim de iniciarem a produção. Os manifestantes chegaram a almoçaram
no local, aonde não havia nenhum funcionário do Incra trabalhando (DIAS, 2008).
110
4. A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E DA PRODUÇÃO DO ASSENTAMENTO
MÁRIO LAGO
4.1. A Organização Social das Famílias Assentadas pelo MST
O projeto de assentamento federal Mário lago é resultado de um longo processo
de luta política, promovida por um movimento social fortemente organizado, o MST.
Mediante os relatos orais dos sujeitos pesquisados, tornou-se possível detectar que o
assentamento possui um elevado grau de organização moral e estrutural, desempenhadas
pelo MST, movimento social este que possui objetivos políticos que medeiam às relações
das famílias assentadas com a terra, tornando-se importante asseverar que as famílias
assentadas destinam uma grande quantidade de seu tempo à participação na organização
coletiva do assentamento, especialmente, nas reuniões gerais e setoriais.
4.1.1. Os Núcleos de Moradia
As 264 famílias assentadas, o que, por sua vez, totaliza um número aproximado
de cerca de 1000 pessoas residentes no assentamento Mário Lago são internamente
organizadas pelo MST em vinte núcleos de moradia, que agregam de 10 a 20 famílias. Um
dos propósitos desse modelo de organização estabelecido pelo movimento é estabelecer
laços de solidariedade entre as famílias envolvidas neste processo: a pessoa não possui
mais simplesmente três ou quatro familiares, mas cerca de sessenta ou oitenta familiares.
(...) Eu entrei no movimento pela organização, que eu achei que era uma
organização muito séria, sabe, porque (...) a gente aqui tem todos os
grupos, não sei se você acompanhou aqui, por exemplo, aqui nós temos um
núcleo, ali é outro núcleo, aqui tem vinte núcleos aqui e esses vinte núcleos
têm as organizações, a gente organiza, por exemplo, uma reunião (...)
(assentado rural).
Os núcleos de moradia são intitulados com nomes de personalidades que se
envolveram em questões sociais e políticas, como, por exemplo, Dom Hélder Câmara,
Antonio Gramsci, Rosa Luxemburgo, Zumbi dos Palmares, Che Guevara, Dandara, Paulo
Freire, Chico Mendes, entre outros. Para cada um desses núcleos de moradia, existe um
111
coordenador e uma coordenadora geral, eleitos pelos membros dos núcleos e que se
encontram subordinados aos coordenadores locais do MST. Nos núcleos de moradia,
existem ainda os chamados coordenadores de setor, que são: produção, saúde, educação,
gênero, ciranda, direitos humanos, segurança, secretaria e grupo de jovens.
Quando a gente tá acampado, você tem guarda pra faze, os setores pra
serem cumpridos (..) essa organização de si organiza dentro do
assentamento é o que faz você ser mais forte pra si organiza lá fora, pra
suas atividades (...). Vamo supo, aqui é 22 família, cada um tem o seu
setor, eu sou do setor da segurança, então a minha obrigação é participar
das reuniões trazer o informe da segurança pro meu núcleo, entendeu, tem
o da saúde, porque aqui funciona o da saúde, cada um com a sua
responsabilidade pra traze pra comunidade (assentada rural).
O Setor de Segurança: Os coordenadores do setor de segurança são responsáveis em
organizar os turnos, escalando as pessoas que poderão permanecer nas guaritas durante os
períodos da manhã, da tarde, da noite e da madrugada, que, por sua vez, possuem a função
de controlar a entrada e a saída de pessoas do assentamento, a fim de garantir a segurança
dos que permanecem no assentamento.
O Setor de Saúde: Os coordenadores do setor da saúde são responsáveis em atender, com
os medicamentos que os mesmos produzem em sua horta medicinal, as pessoas que
porventura sofreram algum ferimento leve ou que estão passando por uma enfermidade
corriqueira. Os casos mais graves, que não podem ser sanados pelos medicamentos
produzidos no assentamento, são conduzidos às unidades básicas de saúde, ou ao pronto
atendimento mais próximos. Nestes casos, os assentados contam igualmente nas situações
que envolvem enfermidades ou ferimentos mais graves, os assentamos contam também
com a solidariedade de outros assentados, que possuem a liberdade de conduzi-los
prontamente até o atendimento médico-hospitalar mais próximo, sem necessariamente
terem que comunicar ou pedir autorização aos coordenadores da saúde.
O Setor de Educação: Os coordenadores do setor da educação possuem a incumbência de
realizar um levantamento das crianças, adolescentes e adultos que estão em idade escolar,
ou que, por algum motivo, evadiram-se da escola, buscando vagas nas unidades escolares
do município, a fim de serem matriculados para a conclusão do ensino formal. Esses
112
coordenadores também são responsáveis por solicitar ao pode público local o transporte
escolar. Com auxílio de voluntários, os coordenadores instalaram no assentamento um
programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), a fim de atender ao déficit educacional
dos assentados que se evadiram da escola e que não podem deixar o assentamento para
estudar. A implementação da pré-escola mostra-se também necessária, pois o pode público
local não vem se responsabilizando pelo transporte escolar de crianças de até sete anos.
O Setor da Ciranda Infantil: O setor da ciranda infantil comporta uma organização um
pouco distinta dos demais setores. Possuindo uma coordenadora geral e 20 educadores
entre homens e mulheres dos demais núcleos, são de sua responsabilidade reunir as
crianças de 1 a 6 anos aos sábados à tarde, a partir das 14 h, organizando brincadeiras com
as crianças, que possuem como principal objetivo a construção de uma identidade destas
crianças com o universo rural.
O Setor de Esporte, Cultura e Lazer: Os coordenadores do setor de esporte, cultura e lazer
são responsáveis por organizar atividades culturais realizadas aos sábados à noite, além de
espaços de socialização entre os assentados. Esses coordenadores também estão
organizando um espaço que contará com quadras de vôlei e um campo para a prática do
futebol. O setor ou grupo de jovens encontra-se integrado aos setores de esporte cultura e
lazer e ciranda infantil, possuindo a responsabilidade de colaborar com esses dois setores.
O Setor de Secretaria: os coordenadores desse setor são responsáveis por organizar, em um
local próprio, localizado na entrada do assentamento, toda a documentação das famílias
assentadas.
O Setor de Produção: Finalizando a descrição da estrutura organizacional do
assentamento, temos o setor de produção, cuja incumbência é discutir coletivamente as
bases do modo de produção, ou seja, como e o que plantar, procurando incentivar a
produção coletiva, orgânica e agroflorestal.
113
De acordo com os sujeitos pesquisados, os coordenadores não são impostos pelos
dirigentes do movimento sem-terra, a eleição dos coordenadores gerais e de setores ocorre
de uma maneira democrática, pública e mediante o voto aberto, por um processo de
indicação e por um consentimento da maioria envolvida no processo eleitoral, assim como
nos relata uma assentada rural
38
:
“(...) vamo supo, nóis somos vinte e duas família, nós resolve, vamos para
o barracão de reunião, que é ali na frente, ai nóis fala: „gente nós temos que
elege os coordenadores‟, porque se eu te aponta, você pode me aponta,
entendeu, daí fica aquele silêncio, ai vamo supo, eu me aponto e ai se a
maioria não tivé outra pessoa, um aponta o outro ai fica ai faz a votação ou
escreve num papelzinho, quem qué fulano? Todo mundo levanta a mão,
quem qué sicrano? e assim vai, e um si ajudando o outro no seu setor (...)
(assentada rural).
As reuniões dos coordenadores gerais e dos núcleos de moradia são realizadas
semanalmente. Às segundas-feiras ocorrem as reuniões dos coordenadores gerais de
núcleo, nas quais, também participam técnicos do Incra. Os coordenadores gerais possuem
a incumbência de transmitir aos núcleos que são responsáveis o resultado dos assuntos
discutidos nessas reuniões e elevar as reivindicações dos núcleos aos demais
coordenadores e técnicos do Incra. Nos demais dias da semana, ocorrem as reuniões dos
coordenadores de setores com os núcleos de moradia: às terças-feiras, são realizadas as
reuniões dos setores de educação, segurança e ciranda, às quartas-feiras, esporte cultura, e
lazer, quintas-feiras, produção. Aos sábados são realizados encontros com a Pastoral da
Criança. A pesagem das crianças é realizada todo segundo sábado do mês.
38
Segundo Turatti (2005), nos acampamentos e projetos de assentamentos rurais do MST é
possível se observar a existência de uma estrutura que possibilita a participação democrática,
envolvendo as seguintes ações: eleições das lideranças, reuniões periódicas, assembléias como
instâncias máximas de decisões, resoluções da cúpula do movimento discutidas com a sua base
social por intermédio dos coordenadores de grupo, instâncias políticas essas que se encontram
transpassadas por práticas autoritárias e clientelistas.
114
Figura 11 - Reunião do Grupo de Jovens
Fonte: Arquivo Pessoal, 2009.
Nestas reuniões, além do coordenador um relator, que possui a função de
redigir a ata da reunião. Nas reuniões, todos têm o dever de ouvir, mas também o direito de
se posicionar. Em uma das visitas ao assentamento, o pesquisador chegou a presenciar uma
reunião do grupo de jovens, dialogando alguns minutos com os participantes, que o
ouviram acerca dos propósitos de sua pesquisa de uma maneira muito atenciosa e
respeitosa. Os coordenadores tanto gerais, como setoriais não possuem um mandado
vitalício, muito pelo contrário, podem ser destituídos de seus cargos a qualquer momento,
caso não trabalhem para atingir os propósitos estabelecidos coletivamente.
“(...) funciona assim, vamo supo, você é coordenado, se a maioria não se
bem com você, eles mesmo que te nomeo, eles mesmo pode ti tirá i
nomeá outra pessoa (...) e não adianta você assim emburrá, porque é que
sempre nóis fala aqui no nosso núcleo: „é com os erros que a gente
aprende‟, se me tiraram, algum erro tem, então, eu tentá mi melhorá,
quem sabe na próxima eu só de novo (...) eu fui da secretaria e na
segurança até hoje, ainda não mudei (...)” (assentada rural).
Esta forma de organização das famílias estabelecida pelo movimento sem-terra
em núcleos de moradia e em setores decorrer desde a fase de acampamento, com algumas
variações no setor de segurança, em razão das dimensões da propriedade ocupada, ou seja,
a não existência de uma guarda volante. Este modelo de organização é utilizada pelo
115
movimento sem-terra inclusive contra a própria atuação dos técnicos Incra no processo de
assentamento definitivo das famílias.
“(...) nós vem se organizando desde quando é acampado, porque a
gente vem com aquele trabalho dentro da comunidade: setores, que nem
trabalho de gênero porque tem homem que não aceita que uma mulher vai
numa reunião, que uma mulher vá numa atividade (...) se organizando
dentro do acampamento porque quando chegasse dentro do assentamento
nós já tava organizado tanto é que os setores continua, as reuniões
continua, as atividades também continua, porque se eles não organiza
desde de quando nós começo pra organiza hoje com esse tanto de gente
seria mais difícil, porque vamo supo se o Incra chegasse aqui e não fosse
organizado ia se do jeito que o Incra quiria, não tem se do jeito que a gente
qué (...)” (assentada rural).
O principal objetivo desta estrutura de organização implementada pelo MST, que
pode alterar-se de acordo com as especificidades e necessidades de cada assentamento, é
fortalecer a comunidade visando à resistência para o enfrentamento, na ausência de
políticas públicas estatais nos setores de saúde, educação, esporte, segurança, cultura, lazer
e apoio técnico à produção.
Esta é uma forma de organização que emerge da base para o topo e se reflete na
escolha dos coordenadores que, por sua vez, possuem a incumbência de organizar o todo
da comunidade, não significando uma relação hierárquica de poder ou de status, mas de
serviço por parte dos coordenadores com relação à comunidade, pois a qualquer momento
podem ser destituídos e substituídos dos cargos que temporariamente ocupam, caso suas
ações não estejam de acordo com o que foi estabelecido pelo cleo de moradia que
representam ou pelo conjunto da comunidade.
4.1.2. A Infra-estrutura Organizacional
Com relação à infra-estrutura organizacional do assentamento Mário Lago, as
famílias utilizam-se quase que exclusivamente das remanescentes estruturas físicas da
antiga Fazenda da Barra. Embora de maneira precária, o assentamento conta com uma
secretaria localizada em sua entrada, na qual se encontra toda a documentação das 264
famílias assentada. Na ocasião da pesquisa de campo, realizada no mês de janeiro de 2008,
a secretaria encontrava-se completamente destelhada, em razão das fortes chuvas.
116
Figura 12 - Secretaria do Assentamento Mário Lago
Fonte: Arquivo Pessoal, 2009.
As diversas festividades realizadas no assentamento, tais como: Folia de Reis;
Festa Junina; Festival do Milho; Encontro de Violeiros, bem como as reuniões dos
coordenadores gerais, dos núcleos de moradia e dos setores são realizadas na antiga sede
da Fazenda da Barra ou mesmo no próprio estábulo, adaptado para este objetivo coletivo.
Figura 13 - Sede do Assentamento Figura 14 - Estábulo do Assentamento
Fonte: Arquivo Pessoal, 2009.
117
Na sede do assentamento, para os assentados (jovens, adultos e idosos) que não
foram alfabetizados pelo sistema escolar, o assentamento dispõe de um curso de Educação
de Jovens e Adultos (EJA), ministrado pelas próprias famílias assentadas e que se
encontram alfabetizadas: “(...) igual eu mesmo não sei lê, não sei escreve i aqui a gente vai
aprendendo né, aprendendo a faze as coisas diferente (...) as pessoas aqui ajuda a gente,
um companheiro ajuda, as pessoas que mora aqui (...)” (assentada rural).
4.1.3. O Regimento Interno
No que se referem às regras morais, éticas e comportamentais existentes no
assentamento, as famílias fazem muita questão de indicar um rigoroso corpo de normas
obrigatórias entre os assentados, desejando deixar claro ao pesquisador que no local existe
uma “organicidade
39
, termo usualmente utilizado pelas famílias assentadas. No entanto,
muitas dessas regras são determinadas pelo próprio movimento sem-terra e aplicadas à
totalidade dos assentados que se encontram sob sua liderança, o que, por sua vez, não
garante uma construção plenamente participativa da coletividade. Evidencia-se uma forte
preocupação com o controle social como forma de garantir a coesão social no
assentamento e o sucesso das reivindicações sociais pretendidas pelos assentados.
“(...) eu fui criado nessa criação que o regimento é, porque (...) meu pai
sempre ensino nóis a educa, a educação, di sabe conversa com os outro,
conversa poco, mas o certo, em vez de conversa coisa errada, conversa
poco, mas o certo (...) nóis até hoje não têm uma falta ainda até agora de
coordenação, de reunião, de atividade nóis não têm uma falta (...) nóis
sendo o espelho do acampamento (...) nóis nunca deu problema aqui na
escola, no acampamento (...)” (assentado rural).
Composto por doze itens, o regimento interno do assentamento Mário Lago foi
logo estabelecido na fase de acampamento em 2003. Dentre as regras existentes no
assentamento, podem ser citadas: a proibição ao uso de drogas, do adultério, do abandono
do lar, da prostituição, de assédio sexual, de qualquer espécie de agressão, de estupro,
roubo tanto dentro do assentamento, como fora, todas as pessoas que adentram ao
assentamento devem ser identificadas, proibição da comercialização individual dentro do
39
Entre os simpatizantes do movimento sem-terra é comum se ouvir o termo “organicidade”, cujo
significado é a relação que deve ter uma área de atuação do movimento com outras, isto porque
um movimento social, nos moldes do MST, é muito complexo e sua construção atinge várias
dimensões da vida humana” (BOGO, 1999, p. 131 apud SOUZA; BERGAMASCO, 2006, p. 146).
118
assentamento, de arrecadação individual, mas sim coletiva, do alcoolismo, entre outras. A
intenção do movimento sem-terra é não reproduzir no assentamento todos esses problemas
vivenciados na sociedade.
“(...) Ninguém de nóis pensa iguais, né, mas temos um regimento, aonde
todos nóis temos que caminhar iguais, por exemplo, dentro desse
regimento, seria a forma quando essas famílias tiraram, porque foram as
primeiras famílias que vieram, pra essa ocupação, pra não repiti o processo
que tava vivendo na cidade, porque aqui a gente não queria em momento
nenhum é (pausa) não pode dormi, como se diz, sonegado né, como diz o
ditado, ter as suas criação e não se robado (...)” (assentada rural).
(...) aqui se a pessoa anda errado ele é expulso, ele não pode fica na
fazenda, crime não pode também, prostituição não pode, então se agente
for analisar aqui é muito mais melhor do que na cidade, porque a nossa lei
aqui, a lei que a gente mesmo faz, ela tem que ser cumprida, que é um
regimento que a gente têm, então, quando a gente vem pra cá, tem um
regimento, você tem que cumpri esse regimento, você tem que assina ele
cumprindo aquelas normas lá, se você não cumpri, você vai embora
mesmo, não fica, então (...) ai se que é um jeito diferente, que é muito
mais melhor, porque as pessoas aqui não pode anda errado, lá na cidade
não tem como, porque nem a justiça consegue encaminha as pessoas,
não tem comparação (...) (assentado rural).
Caso ocorra a violação de alguma das regras, a pessoa é levada à uma discussão
coletiva, bem como à discussão entre os coordenadores para uma possível resolução do
problema. A penalidade mais grave para as infrações é a expulsão da pessoa do
assentamento, a um processo que denominam auto-exclusão, isto é, a pessoa quebrando as
regras existentes estaria se auto-excluindo da comunidade.
4.1.4. As Relações de Sociabilidade
A partir da pesquisa de campo, verificou-se com relação aos laços de
solidariedade existente entre as famílias que, aparentemente, entre os trabalhadores rurais
existe uma mútua cooperação, observada através da troca de materiais, serviços (dias de
trabalho) e alimentos. Embora a produção seja realizada individualmente nos lotes
familiares, o excedente, quando não comercializado individualmente ou repassado à
Conab, é cedido ou trocado entre os núcleos familiares. Verificou-se também que as
famílias também procuram zelar pela segurança dos filhos de outras famílias assentadas,
quando seus pais necessitam se ausentar do assentamento por alguma razão.
119
(...) pode olha que meu milho nascendo, agora que crescendo, vamo
supo, a Gláucia tem milho e eu peço Gláucia me arruma um saco de milho,
que na hora que o meu tive bom, você vai e pega, não tudo bem, ai nós
troca, se ela não tivé um olho e eu tive, pode leva, quando você tivé me dá,
então é uma troca entre a gente mesmo, até quando a gente sai pra
atividade, se ela vai e deixa os filhos, nós, que já estamos bem unidos,
fazemos o favor de olhá o filho dela, corrigi, mas não bate (assentada
rural).
Contudo, pensa-se assim como Turatti (2005) que a demora no processo de
assentamento pode vir a afetar esses laços de sociabilidade entre as famílias assentadas,
caracterizada pela fragilidade dos laços de solidariedade.
As pessoas ajudam umas às outras como podem no momento de escassez
(...). No entanto, se a escassez revela-se prolongada e severa, a estrutura de
solidariedade pode ser incapaz de suportar a pressão: na crise final, o grupo
doméstico acentua seus interesses próprios e pessoas que tinham
compartilhado comida nas primeiras fases do desastre apresentam agora
indiferença para com a situação dos outros, se não apressam a queda mútua
com barganha, chicana e roubo (TURATTI, 2005, p. 95).
A partir do contato do pesquisador com as famílias assentadas, observou-se
também uma forte preocupação entre as famílias de uma organização interna do
assentamento pautada em princípios de mútua cooperação e solidariedade, não somente no
que tange às regras de trabalho, mas também quanto no que refere à formação moral e
social dos indivíduos, representando, dessa maneira, uma preocupação com os
companheiros e familiares, como também, com as futuras gerações do assentamento.
Através da pesquisa de campo constatou-se também a existência de diversas
festividades realizadas no assentamento, nas quais, todos os assentados são convidados a
participar e a colaborar de alguma maneira, dentre estas, pode-se destacar: Folia de Reis,
com almoço comunitário e baile no período da noite; Festa Junina; Festival do Milho;
Encontro de Violeiros, entre outras. As famílias possuem também o hábito de convidarem
familiares não assentados e simpatizantes do movimento sem-terra para participarem das
festividades realizadas no assentamento.
“(...) ai você deveria ter vindo sábado, foi a entrega da bandera (Folia de
Reis) (...) as festas nóis se organiza entre si (...) sempre na sede, no
barracão que tem lá, nóis organiza, nóis ornamenta, faz mística
40
(...) e
40
De acordo com Morissawa (2001), desde suas primeira ocupações, o movimento sem-terra vem
desenvolvendo inúmeros símbolos que possuem a função de representar a sua luta pelo acesso à
terra, que podem ser circunstanciais, como a cruz da encruzilhada natalina, ou permanentes, tais
120
convidamo quem qué participá gente, então, os que vem participa,
vem participa da festa (..)” (assentada rural).
Em fevereiro de 2007, a comunidade realizou o seu Festival do Milho Verde e
da Mandioca. A programação contou com apresentações de Folia de Reis, declamações de
poesias e moda de viola caipira. Ocorreu também a realização de um bingo e barracas de
comidas picas, com alimentos produzidos no próprio assentamento (MST, 9 fev. 2007).
Ainda acerca da sociabilidade existente no assentamento, os dados da pesquisa de campo
sugerem que os vizinhos possuem um relacionamento amigável. No caso, por exemplo, de
algum assentado necessitar ausentar-se do assentamento por motivo de viagem, visitar
algum familiar ou enfermidade, os vizinhos assentados mais próximos ao seu lote
procuram cuidar de sua residência, filhos, plantações e criações:
(...) nóis tem um aqui que deu câncer de próstata, ele se interno domingo,
antes disso, ele fico seis mêis sem vim e ele tem o setor dele, da saúde,
então nóis foi agüentando ali, nóis limpava o lote dele, nóis olhava não
robá, cuidava dos animal dele, ai ele veio, ai ele ficou aqui, volto e ficou
aqui, agora ele teve que se interná pra coloca o intestino pra dentro: “pode
ir seu Antônio, vai com Deus”, entendeu, se não é unido, vamo supo, na
hora que ele sai-se, ia falar assim “ele não serve pro núcleo”, entendeu,
não, não é assim, não é que fica doente que você tem que joga fora,
primeiro a saúde para depois você vir cuidar da terra, porque ninguém
trabalha doente (...) (assentada rural).
(...) Ai é mais unido (...) a família do meu marido é de Pedregulho, se eu
preciso viaja, o vizinho daqui olha o meu, o de olha, tem que trata dos
meus bichos, tem quem agua a minha hortinha, então, eu vo, se alguém
precisa sai, e eu tivé, retribui do mesmo jeito, pode ser lá na outra parte, eu
sei que é minha obrigação, na hora que eu precisei, eles me serviu, então eu
sei que eles foi viaja, eu sei que eu tenho que servi eles nesse momento,
então, é uma troca, se eles saem, a gente olha, se eu saio, eles olha, é mais
unido do que lá fora (assentada rural).
No que tange à relação das famílias assentadas com os dirigentes locais do
movimento sem-terra, constatou-se, uma segunda tentativa de divisão na estrutura de
organização política do assentamento Mário Lago. A partir de relatos orais, verificou-se
que um grupo considerável de famílias, provenientes das tentativas frustradas de ocupação,
como, a bandeira e o hino do movimento, signos esses que constituem a unidade em torno de uma
ideologia, formando a mística do MST. Neste contexto, o termo mística significa um ato cultural,
onde suas lutas e esperanças são representadas.
121
sob a liderança do MST, pretendeu os substituir pelas lideranças do assentamento Santo
Dias, dirigido pelo MLST.
(...) Eles não são rígidos, na medida do possível, porque eles escutam
muito o povo, entendeu, nossos dirigentes, eles é até hoje, nós nunca mudo
eles, tanto é que essa turminha de cinqüenta e duas famílias queriam que
mudasse eles, então, já queria que mudasse eles pra encaixa os de lá
(referindo aos dirigentes do MLST) pra cá, nóis não deixou, nóis que vêm
desde a época que abriu o acampamento, porque nóis somos minoria perto
da maioria que é novato, nós conseguimos não deixa, porque nós trabalho
assim: se tira eles e coloca outro, ninguém sabe da nossa história de quando
a gente entro aqui na Barra, da nossa história não da Barra, do Mário Lago
(...) (assentada rural).
No entanto, esses grupos familiares foram impedidos por um grupo menor de
famílias, pelo grupo originário que participou de todo o processo de mobilização e
ocupação da Fazenda da Barra, alegando estas famílias que os futuros dirigentes do MLST
desconheceriam a sua história pessoal de luta pelo acesso e permanência no assentamento.
4.2. A Organização da Produção do Assentamento Mário Lago
O assentamento Mário Lago constitui um importante foco de resistência pela
posse da terra no interior do estado de São Paulo, sendo de importância, sumamente,
estratégica e simbólica para o movimento sem-terra, pois se encontra instalado muito
próximo a um município que é considerado centro de uma região, onde a predominância da
agroindústria canavieira, com alto padrão tecnológico é praticamente absoluta. Dessa
maneira, o MST pretende apresentá-lo à sociedade como um modelo alternativo de
produção ao implementado pelo agronegócio local, isto é, como uma alternativa de
desenvolvimento local sustentável.
Embora não exista ainda um consenso ou uma definição muito clara em torno do
conceito de desenvolvimento sustentável, pois este ainda apresenta-se como uma
concepção em constante transformação e evolução, adotou-se para efeito de conceituação
desta pesquisa a seguinte formulação apresentada pelo filósofo, teólogo e ambientalista
Leonardo Boff em sua obra “Saber Cuidar: a ética do humano”:
Sustentável é a sociedade (...) que produz o suficiente para si e para os
seres dos ecossistemas onde ela se situa; que toma da natureza somente o
que ela pode repor; que mostra um sentido de solidariedade generacional,
122
ao preservar para as sociedades futuras os recursos naturais de que elas
precisarão. Na prática a sociedade deve mostrar-se capaz de assumir novos
hábitos e de projetar um tipo de desenvolvimento que cultive o cuidado
com os equilíbrios ecológicos e funcione dentro dos limites impostos pela
natureza. Não significa voltar ao passado, mas oferecer um novo enfoque
para o futuro comum. Não se trata simplesmente de não consumir, mas de
consumir responsavelmente (BOFF, 2000, p. 14-15).
Ou ainda como:
O desenvolvimento regional sustentável é o processo de mudança social e
elevação das oportunidades da sociedade, compatibilizando, no tempo e no
espaço, o crescimento e a eficiência econômicos, a conservação ambiental,
a qualidade de vida e a equidade social, partindo de um claro compromisso
com o futuro e a solidariedade entre gerações (BUARQUE, 2008, p. 67).
O principal objetivo da coordenadoria regional do MST é recuperar esta área
devastada pela ão predatória do agronegócio, utilizando-a para a agricultura orgânica ou
agroecológica, ou seja, sem a utilização de agrotóxicos, pretendendo construir um cinturão
verde, que garanta o fornecimento de produtos orgânicos para Ribeirão Preto. Apesar da
degradação por que passou, a Fazenda da Barra possui ainda oito maciços florestais que
totalizam 308 hectares e uma Área de Preservação Permanente (APP) margeando o Rio
Pardo que totaliza 130 hectares. O assentamento possui um “banco de sementes”, cujo
principal objetivo é assegurar a qualidade da produção no assentamento, além de auxiliar
os demais acampamentos e assentamentos da região de Ribeirão Preto.
Com o investimento empregado pelo governo federal mediante recursos advindos
do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) da ordem de 23 milhões de reais para o
processo de desapropriação da Fazenda da Barra, quantificando quatro pessoas por família
assentada, foram gerados somente no assentamento Mário Lago cerca de 1.000 empregos
diretos. Dados governamentais apontam que, para cada família assentada, geram-se pelo
menos três empregos indiretos.
O objeto empírico pesquisado, estruturalmente, apresenta-se como um universo
social que mantém suas propostas de organização política centradas nos princípios do
movimento social do qual se originou, o MST. A organização da produção apresenta-se
comprometida com o atendimento ao que foi postulado em seu Projeto de
123
Desenvolvimento Sustentável
41
, o que significa usufruir dos recursos naturais sem agredir
o meio ambiente, uma proposta de assentamento postulada pelo próprio MST e assimilada
pelo Incra. Decorre deste modelo de produção agroecológica a sigla utilizada para a
nomenclatura oficial do assentamento: PDS Mário Lago. Em princípio, este modelo de
produção sustentável, foi criado para os seringueiros do Acre.
A titulação da terra foi estabelecida pelo movimento sem-terra. A posse da
propriedade não é individual, mas coletiva, de modo que o seu titular permanece limitado
pelo compromisso que assumiu perante toda a comunidade. Este fator impede a
possibilidade de venda ou arrendamento do lote familiar, objetivando fortalecer a visão
coletiva da produção e permanência na terra conquistada.
“(...) Foi colocado que a posse da fazenda seria uma posse coletiva, não
seria uma posse individual, seria uma posse de usos e frutos, por exemplo,
eu hoje assentada, se amanhã eu morrer, vai passar isso para os meus
filhos, então vai ser de usos e frutos, não tem mais aquela posse é (pausa)
individual, aonde eu mesma possa pegar e vender isso, como diz o ditado,
eu tenho a posse de usos e frutos, então não tem mais como eu fazer esse
processo hoje” (assentada rural).
Ao que tudo indica o assentamento provisório das famílias não ocorreu de acordo
com as afinidades de produção pretendidas por cada assentado. Aparentemente, para a
distribuição dos lotes individuais, foi utilizado o critério parentesco, as famílias agregaram-
se próximas aos seus familiares: “(...) e nóis conseguiu gente da família, porque ela é
mulher de meu tio, minha tia mora de lá, minha mãe mora ali (entrevistada apontando os
lotes) (...)” (assentada rural).
Os 264 grupos familiares que constituem atualmente o assentamento encontram-
se, temporariamente, assentados em lotes provisórios, denominados Comunas da Terra.
A Comuna da Terra tem a sua centralidade num público diferenciado do campesinato
tradicional. Ela procura entender a dinâmica urbano-rural e incluir a população excluída
das cidades (CONCRAB, 2004, p.17). Por sua vez, a agroecologia apresenta-se como um
dos alicerces da Comuna da Terra, o que, por sua vez significa almejar um novo padrão
produtivo e tecnológico, fundamentado na sustentabilidade ecológica.
41
De acordo com Girardi (2009), entre os anos de 1988 e 2006 foram criados 84 assentamentos no
modelo Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), sendo assentadas 24.765 famílias de
trabalhadores rurais sem-terra em uma área total de 2.945,086 hectares.
124
Os lotes familiares não possuem a mesma dimensão, comportando, em média, o
tamanho de 0,9 hectares (9.000 ou 30 metros de largura por 300 metros de
comprimento), sendo que algumas famílias possuem mais de um lote que, por sua vez,
encontram-se destinados à produção coletivamente do assentamento. Os lotes não são
delimitados por cercas, conseqüentemente, não é possível se identificar onde se iniciam
e/ou onde terminam.
“(...) O lote provisório que a gente pego (...), que a gente chama Comuna
da Terra (...) é um lote que tem 30 de largura por 300 de fundo, esse é que
a gente nele quatro anos (...) é o lote que você pega pra você si
istruturá ali, enquanto você não tem certeza do lote difinitivo, né, você
pega ele, você produz, né, você não recebe recurso nenhum, porque ainda
não é assentado, né, não tem créditos nenhum, você vai luta pra você te a
sua roça, você criá as suas coisas (...) mas pra você i sustentando ali
(assentada rural).
“(...) Hoje eu tô nesse lote 60x300, o meu lote provisório (...) o meu vai
na rua, sai na rua (...) 60 de frente e 300 de fundo, quando nóis entro pra
se provisório é 30x300, como aqui é uma quadra que cabe só quatro
família, nóis que chego aqui nóis pois 60, porque ia usa como posto,
secretaria, barracão de reunião, porque a secretaria tá dentro do meu lote, tá
na metade do meu lote (...) aqui vai se, vamo resumi 1,7 hectare (...)”
(assentada rural).
As dimensões deste lote familiar tornam somente possíveis a realização de
pequenas plantações e a criação de animais de pequeno porte. Esse tamanho de lote é o
menor dentre os projetos de assentamentos rurais do país, que chegam a comportar vinte
hectares por grupo familiar. As principais lideranças do assentamento chegaram inclusive a
questionar, indagando ao pesquisador que o Incra não dispõe de um módulo ou padrão
mínimo de assentamento a ser utilizado em todo o país e que, conseqüentemente, os lotes
diferem em muito com relação ao seu tamanho.
125
Figura 15 - Dimensões do Lote Familiar
Fonte: Arquivo Pessoal, 2009.
Contudo, as dimensões do lote familiar não somente estabelecem atualmente
barreiras ao processo produtivo, verificando-se também com uma baixa produção, como
também causa preocupação com relação ao futuro das gerações que se sucederam no
assentamento, ou seja, com um possível aumento do núcleo familiar em razão de futuros
nascimentos e casamentos. Verificou-se ainda que muitas famílias encontram-se
temporariamente assentadas em áreas que futuramente serão destinadas à preservação
ambiental no assentamento, estando cientes que serão obrigadas a se deslocarem para
outros lotes.
“(...) Quem tina área de preservação ou que vai monta ou permanente é
obrigatório muda, tem qui muda, nóis vêm trabalhando com isso (...),
quando precisa nos vamos planta (...) então a metade do meu núcleo vai
muda, parte de baixo, porque aqui numa área de preservação (...) o
acampamento inteiro, a comunidade, porque aqui é 20 comunidade, é por
núcleos, né, o pessoal já tá ciente (...) já estão a par (...)” (assentada rural).
Os sujeitos investigados praticam a denominada agricultura tradicional, estando
proibidos pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que assinaram, em acordo com o
Ministério Público local e com o Incra, de não fazem uso de quaisquer tipos agrotóxicos.
Como técnicas de plantio, os assentados utilizam, por exemplo, a semente de mucuna-preta
126
(mucuna aterrima), uma leguminosa anual muito utilizada pelos assentados nas plantações
de milho, como uma espécie de adubo orgânico, em razão de ser uma grande fixadora de
nitrogênio e muito rica em nutrientes, não sento tão exigente quanto à fertilidade do solo,
entretanto, não tolera os solos de baixa drenagem. Utilizam ainda garrafas plásticas
cortadas a fim de proteger as mudas pequenas da ação de formigas.
“(...) É tudo orgânico, vamo supo, meu milho na hora que tivé no ponto de
eu colhe, ai vem a máquina (...), tem gente que tem essa coisa de colhe,
colhe, nói vai e roça, o mato que tem que fica ali, na hora que ele aprodrece
nói vai e ara, então é tudo orgânico. Tem a semente mucuna, se planta no
meio do milho, ele é adubo orgânico, então, na hora que a gente colhe o
milho, a gente planta ele, na hora que ele nasce, a gente roça é adubo
orgânico, então, têm muitas alternativas (...)” (assentada rural).
A produção é realizada individualmente nos lotes familiares, embora em alguns
núcleos de moradia existam áreas de produção coletiva. O movimento sem-terra não obriga
todas as famílias a produzirem coletivamente no assentamento. A produção coletiva é uma
escolha individual. No caso, por exemplo, de uma família evadir-se do o assentamento e
não havendo outro grupo familiar a ser assento em seu lugar, este lote não permanece
improdutivo, é destinado à produção coletiva no assentamento.
(...) é tudo no coletivo, se vai plantá, qui nem, eu tenho o meu lote, plantei,
se no nosso núcleo tem um lote vazio, nós monta um coletivo e vai plantá
aquele lote, nunca deixa nenhum lote sem plantá, se planta o seu, eu planto
o meu, depois nós vamos reuni e plantá os lote que faltam, mas no coletivo,
porque a colheita é no coletivo e a divisão é no coletivo (...) é tudo
conversado, eu acho assim, se senta e conversa, nunca tem problema
(assentada rural).
Neste sistema coletivo de produção, o plantio, a manutenção, a colheita e a
divisão dos bens produtos ocorrem coletivamente. A produção de polvilho, de cana-de-
açúcar e a horta também são produzidas coletivamente. No entanto, no decorrer da
pesquisa de campo, verificaram-se problemas na divisão dos bens produzidos
coletivamente: “(...) têm uns que concorda, têm uns que não concorda, né, da vez têm uns
que trabaia muito e uns não (...)” (assentada rural).
As famílias têm desenvolvido no assentamento Mário Lago uma incipiente
policultura orgânica, produzido uma grande diversidade de gêneros alimentícios, tais
como: milho, feijão de corda, feijão carioca, arroz, abóbora, mandioca, quiabo, banana,
127
vagem cuja base é a utilização da semente crioula, que, ao contrário da semente híbrida,
não possui alterações genéticas. Em sua primeira safra colhida em 2005, os assentados
produziram cerca de 30 toneladas de milho, 15 toneladas de feijão e 20 toneladas de
mandioca.
Figura 16 - Plantação de Arroz Figura 17 - Plantação de Vagem
Fonte: Arquivo Pessoal, 2009.
Os assentados produzem ainda na horta comunitária legumes, verduras, criam
pequenos animais confinados, tais como: aves, caprinos e suínos. A criação de animais de
grande porte, como, por exemplo, gado torna-se praticamente impossível em razão das
dimensões do lote, assim como nos relata um assentado rural: “(...) oia, pra sobrevive
muito apertado, mais é pequeno. Eu tenho animal ai, se eu for tirar um pedacinho pra
coloca esses animal não tem como (...) não dá pra cria não (...)” (assentado rural).
Figura 18 - Criação de Suínos Figura 19 - Criação de Aves
Fonte: Arquivo Pessoal, 2009.
128
O assentamento Mário Lago não dispõe de nenhum sistema de irrigação
42
,
dependendo as famílias assentadas da água que captam da chuva mediante cisternas
improvisadas, pequenos poços cavados manualmente e riachos existentes na propriedade.
Por esta razão, o sistema produtivo do assentamento encontra-se totalmente subordinado às
estações da natureza.
As famílias realizam o plantio dos gêneros alimentícios nos meses que antecedem
o período do verão (entre o final do mês outubro e o início do mês de novembro), em razão
da grande incidência de precipitação pluviométrica neste período do ano. No decorrer do
ano, as famílias não realizam nenhum tipo de plantio. Os gêneros alimentícios também são
plantados pelos grupos familiares de acordo com a sua época.
“(...) A água é da chuva mesmo e da Daerp agora pra bebe e tem um
corguinho pa toma banho (...) se desce lá e lava ropa (...)” (assentado rural)
“(...) enche os tambor, né, da chuva faiz tudo de momento ali, ta chuvendo
se usando, acabo a chuva, acabo a água (...)” (assentada rural). “(...)
plantação só no tempo da época mesmo, só no tempo da chuva mesmo, fim
de otubro, né, ai colheu, esperou o verão de novo, quando a chuva vim,
espera a época da planta, não é uma planta cultivada cabo uma planta
outra, porque não tem água (...)” (assentado rural).
Desde a fase de acampamento, as famílias têm produziram esses mesmos gêneros
alimentícios, utilizando para tanto as mesmas técnicas de plantio, considerando ainda esse
modelo de produção agroecológica como uma alternativa viável ao sistema produtivo do
agronegócio local (produção de cana-de-açúcar), sistema esse entendido pelos sujeitos
pesquisa como pura degradação do meio ambiente e exploração do trabalho humano. No
entanto, os cuidados com o meio ambiente no assentamento Mário Lago são muito mais
percebidos no plano do discurso do que em ações concretas.
“(...) Eu vejo exploração, né, exploração, porque é o seguinte: é se tem qui
pica o cartão mesmo, se não pico o cartão viu, o dia que você não fo,
você pede três, quatro dias, ainda perde o décimo tercero, ainda perde nas
férias, então, i se atrasa cinco minuto como falta (...)” (assentado
rural).
42
Nas experiências de policultura, o acesso aos recursos hídricos ou a implementação de sistemas
de irrigação constituem pré-requisitos para essa experiência de produção. A utilização das poucas
áreas férteis junto aos rios e o assentamento de pessoas com vasta experiência anterior no manejo
da terra são os elementos mais significativos que explicam essa interessante diversidade na
produção destes assentamentos (FERRANTE et al., 2006).
129
Embora ainda seja possível observar a presença muita cana-de-açúcar no
assentamento, esta produção coletiva vem declinando. No decorrer do processo de
ocupação da Fazenda da Barra e assentamento provisório das famílias acampadas, nem
todos os pés de cana existentes na propriedade foram arrancados para a construção dos
barracos ou substituídos pela produção de alimentos para o acampamento provisório. Na
sede do assentamento, existe um espaço destinado à produção de caldo de cana e rapadura
A produção de rapadura e de caldo de cana transformou uma alternativa fora da ótica do
Incra para as famílias assentadas que comercializavam esses produtos dentro e fora do
assentamento, além de servir como complemento para a alimentação de animais.
No entanto, verificou-se através dos depoimentos orais que atualmente os sujeitos
pesquisados, em razão da formação política desenvolvida pelo movimento sem-terra,
totalmente contrária à monocultura da cana-de-açúcar, não possuem grandes pretensões
com relação a esta produção. Indagados a respeito desta produção, o questionamento
parece soar como uma ofensa às famílias. “(...) nóis acabando com as cana, têm que
acabá pra não te nem raiz dela (...) é fejão, é comida na mesa, o açúcar nóis precisa, mas
nóis compra lá fora (...)” (assentado rural). A principal intenção do movimento sem-terra e
das famílias assentadas era e é eliminar os pés de cana existentes ainda no local, o que
parece ser um equívoco.
A produção de cana-de-açúcar, remanescente da antiga Fazenda da Barra, poderia
ser transformada em uma mini-usina para a produção de álcool combustível, agregando-se,
dessa maneira, valor ao produto e gerando renda para as famílias assentadas. No entanto,
essa idéia mostra ser impensável para o movimento sem-terra, em razão de seu projeto
ideológico de somente produzirem alimentos. O movimento social não consegue perceber
que não é a planta em si que gera a exploração do trabalhado humano, mas as relações de
trabalho que se estabelecer a partir dessa produção. Contudo, recentemente, as famílias
iniciaram a manufatura da produção de mandioca, produção de polvilho.
Embora de propriedade particular e encontrando-se em um avançado estado de
deteriorização, os bens de capital, tais como: tratores, arados, colheitadeiras são utilizados
coletivamente pelos assentados. (...) pra compra um trator é muito caro pra nóis,
entendeu, então o jeito é trabalha no coletivo, seja nenhum coletivo de cinco, seis família,
coletivo do núcleo inteiro, pode dividi em dois, três (..) agora qui nem, o meu tio tem um
trator, um coletivo com a família e com fora da família, nós conseguimos o trator com o
coletivo da outra parte do núcleo, é tudo no coletivo (...) (assentada rural).
130
Figura 20 - Bem de Capital
Fonte: Arquivo Pessoal, 2009.
Em razão das famílias estarem assentadas em lotes provisórios e em futuras áreas
de preservação ambiental, ainda não iniciaram o plantio da Reserva Legal e o resgate do
passivo ambiental, estipulado em 7 bilhões de reais. O assentamento Mário Lago também
não tem recebido nenhum apoio de organismos externos governamentais ou não-
governamentais (ONGs) para a realização de projeto que objetivem a preservação de matas
ou águas superficiais existentes no local.
4.2.1. A Assistência Técnica
No que tange à relação das lideranças do assentamento e dos sujeitos pesquisados
com os técnicos do Incra, constatou-se mediante a realização da pesquisa de campo que
possuem uma relação amigável, embora esses mesmos técnicos também sejam vistos com
certa desconfiança pelas famílias assentadas, assim como nos relata dois assentados rurais:
“(...) A relação com o pessoal do Incra é boa, porque, como se diz,
ninguém chuto eles pra fora (...)” (assentada rural). Ou ainda: “(...) O Incra
não é amigo de ninguém, eles não têm bandeira né, você tem que ficar
muito esperto com o Incra, porque o Incra é igual prefeito, fala na boa,
mas pra garanti mesmo, não pode confia muito no papo deles não (...)”
(assentado rural).
131
O Incra em conjunto com o movimento sem-terra têm oferecido assistência
técnica aos assentados. A qualificação técnica dos jovens do assentamento é realizada pelo
movimento sem-terra no Centro de Formação Dom Hélder Câmara, que, por sua vez, conta
com um curso técnico agroecológico, ministrado por docentes da Unicamp, até mesmo
porque cerca de 50% das famílias assentadas nesse local não possuía qualquer vínculo
anterior com a agricultura. O curso é realizado em etapas que duram setenta e cinco dias,
com turmas de sessenta alunos, recebendo inclusive trabalhadores rurais de diversos
estados. Esse espaço conta ainda com um curso superior de Pedagogia da Terra em
parceria com a UFSCar, além de oficinas de viola.
A formação política das famílias que se inicia nas reuniões de base em que são
convidadas a ingressar no movimento estende-se também no referido centro de formação.
Além da formação política e qualificação técnica, esta estrutura centraliza a alfabetização e
a promoção da cultura popular, difundindo ainda idéias de cooperativismo e
associativismo. As técnicas transmitidas no curso agroecológico permitem recuperação do
terreno sem prejuízos ao meio ambiente. As famílias queixam-se ao pesquisador de que a
terra encontrava-se exaurida em razão das sucessivas plantações de cana-de-açúcar no
assentamento.
4.2.2. O Primeiro Crédito Agrícola
No final de 2008, as famílias receberam o primeiro fomento destinado à
alimentação, produção e compra de utensílios agrícolas básicos (enxadas, rastelos,
martelos, entre outros) na ordem de R$ 2.400,00, o que totalizou R$ 633.600,00 em
investimentos federais para o assentamento, que, por sua vez, foram muito bem recebidos
pelas famílias
43
. Esse primeiro fomento foi recebido pelas famílias em três parcelas. No
entanto, como as famílias encontram-se assentadas em lotes provisório, estas investiram
esse primeiro fomento em uma propriedade que futuramente pode não lhes pertencer.
Nesse programa que o Incra vem trazendo, hoje, a conversa deles, primeira
conversa que eles teve dos créditos mesmo pra dentro do assentamento, das
43
O Crédito Instalação Modalidade Fomento, no montante de R$ 2.400,00 por grupo familiar,
objetiva consolidar a segurança alimentar das famílias e gerar renda, fortalecendo especialmente as
atividades produtivas no entorno das habitações e experiências de microcrédito associativo
(INCRA, 2005b).
132
políticas públicas, eles colocaram essas políticas públicas para as pessoas
que ainda não estavam dentro dos seus lotes, então as pessoas gasto,
poderia servi no seu lote como um de meia pra amanhã ou depois
contribuindo pra pagando o Pronaf e tal e tudo, eles coloca pra essas
famílias da forma que hoje e essas famílias gastaram esse dinheiro, né,
como diz, aplicaram nos lotes onde estão hoje, mas com consciência e
sabendo também as famílias que iria é mudando pra outros lotes amanhã
ou depois, né, então, foi assim, no meu ponto de vista, é, foi o primeiro
crédito, da forma que ele veio, ele foi desperdiçado, né, não, em sentido
assim, que as famílias não soube usa, mas em sentido de ser desperdiçado
por não no local é próprio das famílias pra tá usando esses créditos (...)
(liderança assentada)
Com a liberação desse primeiro crédito agrícola pelo Incra, emerge um novo
conflito no assentamento Mário Lago, pois um grupo de famílias desejava utilizar parte dos
recursos financeiros para a aquisição de eletrodomésticos e móveis para suas residências,
no entanto, essas famílias foram impedidas pelos técnicos do Incra. Com o assentamento
provisório das famílias, o Incra deixou de distribuir cestas básicas às famílias pré-
assentadas. No primeiro fomento, os grupos familiares utilizaram a primeira parcela de
setecentos reais para a compra de alimentos. Em 2008, o início das chuvas atrasou,
dificultando dessa maneira o processo produtivo. Em virtude deste fato, as famílias
assinaram um abaixo assinado, solicitando ao Incra que, no recebimento do segundo
fomento, quinhentos reais sejam destinados a compra de alimentos.
Em sua grande maioria, as famílias consideram como razoáveis suas atuais
condições de trabalho. A renda familiar mensal para os núcleos familiares que não
possuem uma complementação de renda fica em torno de trezentos a quatrocentos reais. A
mão-de-obra utilizada no assentamento é a familiar, com a esposa e os filhos, em alguns
casos, menores de idade, participando no processo produtivo: “(...) os meninos trabalha
duas horas aqui no serviço durante a semana, duas horas, das oito as dez i as dez e meia
onze horas vai tomar pra i pra escola, cinco hora da tarde chega e vai joga bola, brinca,
no outro dia, torna trabaiá mais duas hora, então, o serviço não pára, nem judia com eles
e nem para também, sempre tem um serviço feio aqui e fora eu também cuido, eu
trabalho um poco lá fora e eles trabalha aqui dentro (...)” (assentado rural).
4.2.3. A Comercialização dos Produtos
O projeto de assentamento Mário Lago encontra-se localizado em uma região
caracterizada pela monocultura de exportação (cana-de-açúcar), circundado por grandes
133
latifúndios e isolado de outros projetos de assentamentos rurais, o que, por sua vez,
dificulta em muito o estabelecimento de redes de cooperação e a comercialização de seus
produtos. Os produtos produzidos no assentamento são comercializados de distintas
maneiras. Embora, em sua grande maioria, a produção seja realizada individualmente nos
lotes familiares, o repasse dos produtos à Conab (Companhia Nacional de Abastecimento)
é realizado coletivamente
44
. A adesão ao programa demonstra a importância da
organização associativa, incentivando os assentados a elevarem sua produção, além de
estimular as famílias associadas a procurarem outros projetos e estratégias de
desenvolvimento para o assentamento.
No entanto, torna-se importante esclarecer que não são todos os assentados que
possuem este convênio com a Conab. Dessa maneira, as famílias têm também
comercializado individualmente seus produtos em Feiras do Produto realizadas aos
sábados em frente a um supermercado localizado no Bairro Ribeirão Verde. Moradores
residentes neste referido bairro também têm se deslocado até o assentamento para
adquirirem os produtos. As lideranças possuem um projeto de construir uma espécie de
galpão na entrada do assentamento, que funcionará como uma feira para a venda dos
produtos produzidos no assentamento.
Figura 21 - Futuras Instalações da Feira do Assentamento
Fonte: Arquivo Pessoal, 2009.
44
A Conab é um projeto do governo federal que objetiva comprar a preços significativos (acima
dos praticados no mercado) a produção de pequenos agricultores, repassando esses produtos às
entidades assistencialistas
44
(Asilos, Creches, Apaes, entre outras).
134
Objetivando reverter à pejorativa concepção que vigora sobre o movimento sem-
terra em parte da sociedade brasileira
45
, criada especialmente pela mídia tanto escrita,
como falada, que o intitula como uma organização criminosa, como um movimento de
baderneiros, invasores de terras e desestabilizadores do Estado de Direto Democrático e,
em especial, na região de Ribeirão Preto, acerca da inviabilidade de um processo mais
consistente de reforma agrária frente à supremacia do agronegócio, dentre outras ações, as
famílias têm realizado mensalmente a distribuição dos alimentos orgânicos produzidos no
assentamento no centro da cidade de Ribeirão Preto.
Os dados colhidos mediante a realização da pesquisa de campo sugerem que os
grupos familiares estão conseguindo sobreviver precariamente com o desenvolvimento da
incipiente policultura orgânica no assentamento, permanecendo em uma condição de mera
subsistência. Verificou-se que os sujeitos pesquisados utilizam parte dessa produção
orgânica para o autoconsumo
46
, sendo que o excedente de produção é utilizado como
moeda de troca com outras famílias ou comercializado individual ou coletivamente.
À exceção da produção de cana-de-açúcar (rapadura e caldo de cana) e do
polvilho, produzidos coletivamente, os demais produtos orgânicos não passam por um
processo de beneficiamento, não se agregando dessa maneira valor em sua cadeia
produtiva. Comercializados individualmente, esses produtos são vendidos a preços
irrisórios. Com os ganhos adquiridos mediante a comercialização individual e coletiva
(repasse à Conab), as famílias adquirem fora do assentamento, pois não é permitido pelo
45
De acordo com a pesquisa Ibope realizada em maio de 2008, sobre a imagem pública do MST,
quando os entrevistados foram questionados sobre o grau de confiança em algumas instituições,
Igreja, Forças Armadas e Meios de Comunicação foram os que apresentaram maior credibilidade
(entre 60% e 80%). MST, Congresso Nacional e políticos apareceram com credibilidade inferior a
30% dos pesquisados. Ministério Público e sindicatos ficaram pouco acima dessas três instituições,
com médias ao redor de 45%. No total de pesquisados, 46% são favoráveis ao MST (com exceção
de Belém e Vitória, cujos índices são muito mais baixos). Quando são inquiridos sobre as palavras
que mais destacariam o movimento dos sem terra. As duas palavras mais destacadas foram:
violência e coragem. Violência é mais destacada em Belém, Imperatriz e interior de Minas Gerais
(acima de 50%). Coragem é mais destacada no interior de Minas Gerais, Dourados e Vale do
Ribeira (SP), ao redor de 30%. Vitória destaca “autoritarismo”, “ilegalidade e “radicalismo”.
Interior de Minas Gerais destaca “justiça” (com 30%) (RICCI, 2008).
46
De acordo com Duval e Ferrante (2006), nos projetos de assentamentos da região de Araraquara,
a produção de autoconsumo, além de possibilitar a subsistência das famílias assentadas, de
comportar valores sociais, tais como solidariedade e preservação ambiental, oferece possibilidades
de integração dos produtores rurais na economia regional mediante feiras e programas municipais,
gerando parte da renda dos núcleos familiares.
135
movimento sem-terra qualquer tipo de comércio individual no assentamento, os demais
produtos utilizados em sua alimentação. Dessa maneira, parte da riqueza produzida não
permanece no próprio assentamento.
4.3. Complementações de Renda
Do decorrer da pesquisa de campo, foram encontrados casos de famílias que
complementam a sua renda mensal com o recebimento de benefícios de seguridade social
(aposentadoria), alugueis ou mesmo realizando serviços temporários na cidade, os
populares “bicos”, pois não podem possuir um vínculo empregatício (carteira assinada).
Foram verificados muitos casos de faxineiras, pedreiros e auxiliares de pedreiro que
realizam os chamados serviços de empreita na cidade.
Após realizarem o plantio da safra a ser colhida no ano seguinte, os assentados
dispõem de um considerável tempo ocioso para desempenharem tais atividades na cidade,
complementando, dessa maneira, sua renda familiar. Entretanto, no período da colheita, as
famílias permanecem quase que em tempo integral no assentamento.
“(...) Eu era pedrero, trabaiava como pedrero (...) di pedrero, conhecei em
oitenta e dois (...) aqui a gente não têm renda de nada (...) faço algum
biquinho, não é direto não, isso a gente fais o serviço na cidade quando
não tem nada, igual, por exemplo, a minha roça tudo plantada, qué dize,
não tem serviço nenhum aqui, qué dize, pra não ficar parado, eu e
trabalho lá, quando na época da colheita, eu volto pra di novo (...)”
(assentado rural).
Em 2007, surgiu uma tese na mídia brasileira afirmando que o Programa Bolsa
Família do Governo Federal
47
, aliado a uma maior identificação dos movimentos sociais
que lutam pela implementação da reforma agrária no país com a pessoa do presidente da
República e um aumento da subvenção destas organizações, estariam servindo como um
fator de desmobilização destes mesmos movimentos sociais, esvaziando-os. As famílias
prefeririam permanecer acomodadas nas periferias urbanas recebendo este benefício social
47
Segundo Martins (2008), o governo Lula comprometeu-se intensamente com os ruralistas, deu as
costas à corrupção e loteou o Estado, entregando-o aos inimigos das reformas sociais. Implantou
uma política assistencialista, optando pelo mínimo e não pelo essencial, não podendo ainda tomar
decisões políticas que venham a contrariar os interesses de seus aliados, pois do contrário, não
consegue governar.
136
a ingressarem nos referidos movimentos sociais e que, dessa maneira, o MST estaria
impedindo as famílias que estão sob sua tutela de receberem este benefício social.
“(...) quem saiu com essa matéria, mentiu, no assentamento, não, nem
quando nóis era acampado (...) assim que eu tive meu menino, eu fui atrás
e dentro da coordenação já passaram que aqueles que fossem procurá sabe
o negócio da Bolsa Família tinha que passa até o endereço, pra pessoas i
procurá sabe se tinha direito, então, o movimento não é contra (...)”
(assentada rural).
“(...) A maioria das pessoas que têm aqui, realmente, elas têm Bolsa
Escola, porque é direito do aluno e é direito da família, enfim. Desde que o
governo, como diz o ditado, é, oferece isso, é direito do ser humano. Então,
na realidade, não tem em momento nenhum, não tem essa proibição, pelo
contrário, né, se tem uma coisa que o MST faz, deixa bem claro é correr
através de seus direitos. O que nós achamos estranho é nessa questão da
Bolsa Escola é qui, essa Bolsa Família ou Bolsa Escola, que seja como diz
uma esmola, vamos colocar assim uma esmola do governo, então, caba,
como diz o ditado, tirando o direito das famílias, principalmente, das
famílias que estão na cidade, tirando o direito de luta pelos seus outros
direitos, que seria pra te uma casa, pra te um pedaço de chão pra plantá,
então, né, acaba se acomodando como diz com aquele tiquinho, com aquela
esmola, na realidade, do governo, né, então temos essa dificuldade e ai
caba tirando o direito, quando o Lula bate no peito e diz que Fome Zero
hoje, por exemplo, uma Bolsa Família que seja ela de 150 reais, mais
dentro da cidade você tem que pagar alugar, você tem que pagar água, você
tem que pagar luz, comprar gás e tem que dar remédio para as crianças,
tem qui visti as crianças (...), então, na realidade, pra nós, na nossa visão,
nunca proibimos, em momento nenhum, isso é direito do ser humano, mais
que corra atrás de seus outros direitos que tem pra sobreviver (...)”
(liderança assentada).
No decorrer da pesquisa de campo, o foram encontrados elementos suficientes
para corroborar a afirmação de que o MST estaria proibindo as famílias que estão sob sua
responsabilidade de receberem o Programa Bolsa Família. Aliás, frente às dificuldades
estruturais e até mesmo de subsistência enfrentados pelos sujeitos pesquisados seria uma
verdadeira insanidade por parte de o movimento sem-terra impedir o recebimento deste
benefício social, o que, por sua vez, poderia gerar ainda mais conflitos e divisões na
estrutura social do assentamento Mário Lago, pois, assim como nos relatou uma assentada
rural: “(...) um real aqui é dinheiro (...)”.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término desta pesquisa acadêmica, pode-se concluir a partir dos dados
coletados mediante a realização da pesquisa de campo e alicerçados na literatura
concernente aos aspectos estudados no projeto de assentamento federal Mário Lago de
Ribeirão que os grupos familiares assentados que atualmente o constitui encontram-se em
uma situação emergencial, caracterizada, sobretudo, pelas ausências infra-estruturas
verificadas no local (criando essas famílias formas de adaptação e sobrevivência), em um
momento instável, uma fase de transição entre o assentamento provisório, a chamada
Comuna da Terra, e o assentamento definitivo, isto é, encontram-se em uma etapa de
consolidação do assentamento, ou ainda, em um período de passagem entre o assentamento
legal e o real. Embora seja contabilizado pelo Incra como um assentamento, em sua
configuração atual, o Mário Lago caracteriza-se mais como um acampamento provisório
ou um pré-assentamento, pois não dispõe ainda de uma infra-estrutura de assentamento
rural oriundo de um processo de reforma agrária.
Mediante a realização da pesquisa de campo, verificou-se que famílias assentadas
procuram a todo custo transmitir uma imagem positiva do local, apesar de todos os
problemas infra-estruturais por elas vivenciados. Encontrando-se em condição de
entrevistados, as famílias parecem procurar construir um discurso permeado por
concepções ideológicas, objetivando justificar seus propósitos políticos e sociais. As
famílias não abandonam a divulgação de idéias que justifiquem sua inserção e permanência
no movimento sem-terra e no assentamento. Como pano de fundo do discurso, existe uma
intenção latente, peculariedade própria do discurso ideológico, inerente às lutas sociais.
Muito mais do que vítimas de um processo histórico, tornou-se possível perceber que
existe uma umbilical relação de cumplicidade entre as famílias entrevistadas e os dirigentes
locais do movimento sem-terra.
A partir do contato com as famílias, tornou-se possível verificar que estas
possuem uma linguagem muito similar, com a utilização dos mesmos termos, tais como:
“luta de classes, organicidade, amigos do movimento, companheiros, atividades entendida
como manifestações”, entre outros. Pensa-se que tal fato decorre da formação política
desenvolvida pelo MST no Centro de Formação Dom Hélder Câmara e no próprio
assentamento, trabalho esse que se estende mesmo após a fase de arregimentação, o
138
trabalho de base, de ocupação e acampamento. As lideranças assentadas procuraram deixar
bem claro ao pesquisador que não se tratam de pessoas desconectadas da realidade, mas
pessoas muito bem informadas e politizadas.
Acerca do processo de mobilização e ocupação da Fazenda da Barra, sob a
liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), os dados da
pesquisa sugerem que o sucesso da ação que resultou no assentamento provisório das
famílias encontra-se relacionado: à forte pressão política exercida pelo movimento social;
ao engajamento do Ministério Público Local, que ainda hoje vem intermediando entre o
movimento social e o Incra o processo de assentamento definitivo das famílias; ao
posicionamento do Poder Judiciário, ou seja, a unânime decisão do Tribunal Regional
Federal (TRF) que concedeu ao Incra o direito ao assentamento; à disposição das famílias
acampadas, especialmente, do grupo originário que se encontra no local a cerca de seis
anos e que ao todo passaram por cinco reintegrações de posse, que significaram o imediato
despejo da área e, por fim, à situação da área ocupada, isto é, descumprimento de sua
função social com prejuízos ambientais ocasionados ao meio ambiente.
Quanto ao processo de mobilização realizado pelo movimento sem-terra nas
periferias urbanas da região de Ribeirão Preto, verificou-se que o MST não dispõe de
muitos critérios a fim de selecionar as famílias que se engajaram no movimento,
cooptando, em sua grande maioria, grupos familiares sem nenhum vínculo anterior com a
terra, emergindo desse fato a necessidade de uma qualificação técnica, a fim de que ocorra
a re-inserção sócio-territorial dessas famílias.
Além dos processos de mobilização e ocupação de latifúndios privados ou
públicos na região de Ribeirão Preto, verificou que o movimento camponês vem
desenvolvendo diversas modalidades de luta a fim de acelerar a implementação da reforma
agrária nesta região do Estado de São Paulo, tais como: marchas, distribuição de alimentos,
atos públicos, artigos publicados na Internet, mas, especialmente, a ocupação de edifícios
públicos de propriedade do poder público local e do Incra, em razão das ausências infra-
estruturais e de políticas públicas municipais verificadas no assentamento.
À respeito do modelo de organização social interna estabelecido pelo movimento
sem-terra as famílias que se encontram sob sua liderança na antiga Fazenda da Barra,
especialmente, no que se refere ao rigoroso conjunto de regras estabelecido ao conjunto da
comunidade, que, por sua vez, mostrou-se pouco tolerante às trajetórias de vida e anseios
pessoais verificou que este paradigma gerou divisões na estrutura do assentamento Mário
139
Lago, mas, por outro lado, vem também produzindo coesão social para o enfrentado das
dificuldades infra-estruturais.
Observou-se que este modelo de organização social em núcleos de moradia e
setores é um paradigma típico aplicado a um acampamento ou pré-assentamento.
Estabelecido de cima para baixo, ou seja, da cúpula do movimento à sua base social, às
famílias de trabalhadores rurais sem-terra, este modelo de controle social que não propicia
a emancipação dos núcleos familiares, justifica-se até um determinado ponto, ou seja, até o
assentamento definitivo das famílias, pois a tendência é gerar ainda mais divisões na
estrutura do assentamento Mário Lago ou o seu completo esvaziamento, assim que as
famílias conseguirem se fixarem definitivamente na terra.
Quanto ao processo de assentamento das famílias, pensa-se que este processo
esteja ocorrendo de uma maneira extremamente complexa do que simplesmente aparenta
ser. As discussões acerca da demarcação dos lotes familiares, bem como, a divisão das
áreas de preservação ambiental estão sendo realizadas de maneira isolada. Embora o
princípio da produção agroecológica esteja preservado para os três assentamentos, cada um
dos três movimentos sociais presentes nesse território vem discutindo um projeto próprio
de assentamento. Dessa maneira, a Fazenda da Barra constitui um lócus sui generis que
agrega três movimentos sociais: um movimento social originário, o MST, uma dissidência
deste e uma dissidência da dissidência, descortinando em um espaço local a fragmentação
dos movimentos sociais camponeses em âmbito nacional.
Ao que tudo indica o Incra não possui um projeto muito claro sobre a
implantação do PDS no estado de São Paulo e, em especial, neste projeto de assentamento.
Importado do estado do Acre, continuando a ser uma interrogação, seu lançamento foi
muito mais retórico do que efetivo. Além da morosidade habitual no processo de
assentamento, que se arrasta por seis anos, verificou-se que aparentemente as discussões
entre o Incra e o movimento sem-terra têm emperrado ainda mais o processo de
assentamento definitivo das famílias. Para o Incra, a Fazenda da Barra não se constitui
propriamente em um projeto de assentamento rural, mas em um processo de regularização
fundiária, concepção esta que não é aceita pelas lideranças do movimento sem-terra, que
entendem que este é um subterfúgio utilizado pelo órgão estatal a fim de facilitar o
processo de alocação das famílias, reduzindo custos operacionais.
A questão que tem gerado maiores divergências entre o movimento, o Incra e o
Ministério Público relaciona-se a dimensão das áreas de preservação ambiental (Reserva
140
Legal e APPs), em relação às áreas de produção agrícola. O Ministério Público entende
que o critério ambiental deve se sobrepor sobre o critério econômico, ou seja, as áreas de
preservação ambiental, estabelecidas em 35% na Fazenda da Barra, não devem ser
diminuídas. Para o Incra mesmo lotes de dimensões reduzidas podem tornar-se
economicamente viável para as famílias assentadas. Por sua vez, o movimento sem-terra
possui consciência da importância da preservação ambiental neste local, uma área de
afloramento e recarga do Sistema Aqüífero Guarani, mas por outro lado também defende a
tese de que a questão ambiental não pode inviabilizar o desenvolvimento econômico dos
grupos familiares.
Pensa-se que um dos principais dilemas vivenciado pelas famílias assentadas
relaciona-se às futuras dimensões do lote familiar definitivo, pois, após anos de luta pelo
acesso à terra e sem outras alternativas de reprodução social, passarão a ser detentoras de
diminutas parcelas de terra, minifúndios que comportarão a dimensão de 1,58 hectares para
a produção individual e mais uma área para a produção coletiva, que, por sua vez, podem
ser insuficientes para sua sobrevivência econômica.
Com relação às iniciativas constatadas no processo de produção/reprodução
social do assentamento Mário Lago, verificou-se que a policultura orgânica desenvolvida
pelas famílias assentadas caracteriza-se muito mais como um projeto, como uma intenção
futura, do que propriamente uma realidade presente. Em seu estágio atual, esta produção
apresenta-se muito mais como uma agricultura de subsistência, em razão de sua
sazonalidade.
Ainda com relação à produção do assentamento constatou-se que, em razão da
política de minifúndios (lotes familiares que comportam a dimensão de 0,9 hectares)
desenvolvida neste projeto pelo Incra e também em virtude dos grupos familiares não
agregarem valor na cadeia produtiva, as famílias não estão atingindo ganhos econômicos
significativos, permanecendo em uma condição de mera subsistência e dependentes dos
organismos estatais.
Dessa maneira, as famílias necessitam complementar a sua renda familiar mensal
mediante a realização de serviços temporários no município, através do recebimento de
benefícios sociais, tais como, aposentadorias e o Programa Bolsa Família do governo
federal, cujo recebimento não vem sendo proibido pelo movimento sem-terra, o que
poderia sinalizar uma desmobilização do mesmo nesta região e que também vem
demonstrando ser essencial para a sobrevivência das famílias assentadas.
141
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148
ANEXOS
149
ANEXO 1
Fonte: Leoni, 2008.
150
ANEXO 2 - Roteiro da Entrevista Semi-Estruturada Aplicada às Famílias dos
Trabalhadores Rurais Assentados no P. A. Mário Lago
1º. Bloco de Perguntas - Trajetória de Vida
1) Em quantos vocês são em sua família?
2) De que estado vocês são/vieram?
3) Qual era a ocupação da família antes de vir para o assentamento?
4) Vocês participaram de outras ocupações, acampamentos, assentamentos, movimentos?
5) Com o que vocês já trabalharam em sua vida?
6) Trabalhavam com a terra?
7) Onde vocês moravam (cidade/campo)?
8) Tinham casa própria ou pagavam aluguel?
9) Como é a moradia da família (alvenaria, madeira, lona, mista)?
10) Recebeu recursos de programa governamental para moradia?
11) Como eram as condições de vida da sua família antes de virem para o assentamento?
2º. Bloco de Perguntas - A Ocupação da Fazenda da Barra
1) Quando e como vocês tomaram contato com o MST (fase de mobilização)?
2) O que levou vocês a fazerem parte do movimento sem-terra?
3) Como o MST os preparou para a ocupação?
4) Houve reuniões? Quanto tempo levou a preparação para a ocupação?
5) Como ocorreu o processo de ocupação da Fazenda da Barra?
6) Como vocês chegaram até o local (logística)?
7) Houve problemas no processo de ocupação?
8) Outras pessoas/instituições auxiliaram na ocupação da Fazenda da Barra (Ministério
Público, CPT, Políticos Locais)?
9) Vocês precisaram derrubar mata para a construção dos barracos?
10) Como era a vida da família na fase de acampamento?
11) Vocês foram retirados alguma vez do local? (ações de despejo)
12) Como ocorreram essas ações? Como a Polícia Militar os tratou?
13) Por que ocorreu uma divisão no movimento 2004? Vocês participaram dessa divisão?
14) De que maneira ocorreu o assentamento das famílias?
151
15) A família participou do processo de assentamento?
16) A família está no assentamento desde o início?
15) Vocês concordaram com esse tipo de assentamento?
16) Além da ocupação vocês têm realizado outras formas de manifestação?
3º. Bloco de Perguntas - A Organização das Famílias no P.A. pelo MST
1) De que maneira ocorre a organização das famílias no assentamento pelo MST?
2) Existe solidariedade entre as famílias?
3) As famílias trocam materiais, alimentos, serviços?
4) Essa forma de organização auxilia as famílias a permanecerem na terra?
5) Vocês concordam com esse modelo de organização do MST? Existem conflitos?
6) De quanto em quanto tempo e como ocorrem as reuniões?
7) Os assentados se dão bem com os coordenadores de núcleos de moradia e gerais?
8) Como é realizada a eleição dos coordenadores?
9) Como é a relação da família com os dirigentes do MST?
10) Vocês fazem festas no assentamento, cultos religiosos, almoços comunitários, festa de
batizados, casamentos, espaços comunitários (sociabilidade)?
11) Vocês têm parentes no assentamento?
12) Como é a relação com os vizinhos?
4º. Bloco de Perguntas - A Produção do Assentamento Mário Lago
1) Qual é o tamanho do lote?
2) O lote está localizado em alguma área de preservação (APP; Reserva Legal)?
3) De que maneira vocês têm plantado? Utilizam agrotóxicos? Quais técnicas utilizam?
(agricultura convencional, tradicional, plantio direto, misto).
4) Possuem trator, depósito, estufa, poço, sistema de irrigação (bens de capital)?
5) Esses bens são próprios (individuais), coletivos, financiados?
6) O que têm produzido? Criam animais?
7) Como conseguem água para a produção?
8) Vocês sempre produziram da mesma maneira e os mesmos produtos?
9) Esse tipo de produção (agroecológica) é uma alternativa à produção das usinas?
10) Como vocês vêm às usinas da região?
152
11) Existem cuidados com o meio ambiente? Quais?
12) Existem áreas de preservação no assentamento?
13) Recebem algum apoio de projeto para a preservação de matas ou águas superficiais?
14) De que maneira vocês têm comercializado os produtos? (feira do produtor,
cooperativa, vende para a prefeitura).
15) Vocês participam de algum programa municipal de aquisição de alimentos?
16) Vocês concordam com a produção coletiva do assentamento?
17) Todos os assentados produzem coletivamente?
18) Há problemas na divisão dos bens produzidos?
19) Como vocês acham que deveria ser a produção no assentamento?
20) Os assentados têm recebido assistência técnica? (Incra/MST)
21) Como é a relação das famílias com o Incra?
22) A prefeitura tem realizado serviços públicos no assentamento? (escola, PSF, posto de
saúde, coleta de lixo, poços artesianos, rede de água e esgoto, telefone público).
23) Receberam dinheiro (crédito agrícola) para produzirem? (PRONAF, FEAP, BB).
24) Vocês têm plantado cana-de-açúcar no assentamento?
25) De que maneira é realizada essa produção? Todos os assentados participam?
26) A cana transformou-se em uma alternativa para vocês?
27) Vocês têm eletrodomésticos, carro, motocicleta (bens de consumo duráveis)?
28) Já possuíam ou compravam após virem para o assentamento?
39) A vida (material) da família melhorou com relação à anterior?
30) Atualmente, as suas condições de trabalho são boas?
31) Quem trabalha na produção?
32) Qual é a renda mensal da família?
33) Com essa renda a família consegue sobreviver?
34) Quanto do consumo de alimentos da família é coberto pela produção própria? Vocês
consomem somente os bens produzidos no assentamento ou necessitam compram
(subsistência e autoconsumo)?
35) Vocês possuem outras rendas? (precisam trabalhar fora do assentamento (salários),
recebem benefícios de seguridade social: aposentadoria, bolsa família). O MST tem
proibido vocês de receberem a bolsa família?
153
ANEXO 3 Decreto Presidencial de Desapropriação da Fazenda da Barra
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO DE 29 DE DEZEMBRO DE 2004.
Declara de interesse social, para fins de reforma
agrária, os imóveis rurais que menciona, e dá
outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe conferem os arts. 84,
inciso IV, e 184 da Constituição, e nos termos dos arts. 2
o
da Lei Complementar n
o
76, de 6 de
julho de 1993, 18 e 20 da Lei n
o
4.504, de 30 de novembro de 1964, e 2
o
da Lei n
o
8.629, de 25 de
fevereiro de 1993,
DECRETA:
Art. 1
o
Ficam declarados de interesse social, para fins de reforma agrária, nos termos dos art.
18, letras "a", "b", "c" e "d", e 20, inciso VI, da Lei n
o
4.504, de 30 de novembro de 1964, e 2
o
da
Lei n
o
8.629, de 25 de fevereiro de 1993, os seguintes imóveis rurais:
I - "Fazenda Coru-Mirim", com área de setecentos e oito hectares, setenta ares e setenta e
oito centiares, situado no Município de Tremembé, objeto da Matrícula n
o
92.888, Ficha 01, Livro
2, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Taubaté, Estado de São Paulo (Processo
INCRA/SR-08/n
o
54190.000644/2003-98);
II - "Fazenda Pendengo", com área de quatro mil, trezentos e quarenta e três hectares, vinte
e nove ares e sessenta e seis centiares, situado no Município de Castilho, objeto do Registro n
o
R-
1-17.883, Ficha 01, Livro 2, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Andradina, Estado
de São Paulo (Processo INCRA/SR-08/n
o
54190.001139/2002-80); e
III - "Fazenda da Barra", com área de mil, setecentos e noventa hectares, situado no
Município de Ribeirão Preto, objeto da Matrícula n
o
37.120, Fichas 01/02, Livro 2, do Cartório de
Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo (Processo INCRA/SR-
08/n
o
54190.001948/00-68).
Art. 2
o
Excluem-se dos efeitos deste Decreto os semoventes, as máquinas e os implementos
agrícolas, bem como as benfeitorias existentes nos imóveis referidos no art. 1
o
e pertencentes aos
que serão beneficiados com a sua destinação.
Art. 3
o
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA fica autorizado a
promover as desapropriações dos imóveis rurais de que trata este Decreto, na forma prevista na
Lei Complementar n
o
76, de 6 de julho de 1993, e a manter as áreas de Reserva Legal e
preservação permanente previstas na Lei n
o
4.771, de 15 de setembro de 1965, preferencialmente
em gleba única, de forma a conciliar o assentamento com a preservação do meio ambiente.
Art. 4
o
Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 29 de dezembro de 2004; 183
o
da Independência e 116
o
da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Miguel Soldatelli Rousseto
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 30.12.2004
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