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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Fabiano Homobono Paes de Andrade
De São Braz ao Jardim Público - 1887-1931:
Um Ramal da Estrada de Ferro de Bragança em Belém do Pará.
DOUTORADO EM HISTÓRIA
São Paulo
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Fabiano Homobono Paes de Andrade
De São Braz ao Jardim Público - 1887-1931:
Um Ramal da Estrada de Ferro de Bragança em Belém do Pará.
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do
título de Doutor em História Social, sob a
orientação da Profa. Dra. Estefania Knotz C.
Fraga.
São Paulo
2010
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Andrade, Fabiano Homobono Paes de
De São Braz ao Jardim Público - 1887-1931: um Ramal da Estrada de Ferro de
Bragança em Belém do Pará / Fabiano Homobono Paes de Andrade;
orientadora, Estefania Knotz Canguçu Fraga. São Paulo, 2010.
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa
de Pós-Graduação em História . São Paulo, 2010.
1. Ferrovias - História. 2. Pará - História. P I. Fraga, Estefânia Knotz Canguçu.
II. . III. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Pós-
Graduação em História. IV. Título
CDD 22.ed.
385.09
FABIANO HOMOBONO PAES DE ANDRADE
De São Braz ao Jardim Público - 1887-1931:
Um Ramal da Estrada de Ferro de Bragança em Belém do Pará.
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do
título de Doutor em História Social, sob a
orientação da Profa. Dra. Estefania Knotz C.
Fraga.
Banca Examinadora
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____________________________________
À minha mulher Maria de Nazareth pela importância que representa na minha vida.
A todos meus queridos familiares, crianças e adultos, sempre proporcionando exemplos e me
apoiando.
A uma mãe especial, muito querida, Dona Lígia e ao companheiro que se foi junto com meus
pais e meu irmão.
Ao carinho e grande amizade da Vera, Inah, Lídia, Wanda, Liginha, Claúdia e Antonio,
Orlando e Fernando; Nelson, Beth, Leda, Márcia e Ângela.
Aos professores e colegas do doutorado UFPA-PUCSP.
Às bibliotecárias Marina e Nazaré, a estagiária Patrícia, Maria Alice e a professora Maria
Tereza..
A professora Nazaré Sarges (Naná) pela amizade e incentivo.
À professora Estefania pelo jeito de orientar com eficiência.
À UFPA e a PUCSP.
Agradeço, por me ajudarem a chegar a este novo patamar do conhecimento.
“A marca histórica da estrada de ferro consiste no fato de ela
representar o primeiro meio de transporte e sem dúvida também o
último, até as grandes embarcações transatlânticas a vapor que
forma massas de pessoas. A diligência, o automóvel, o avião,
transportam viajantes apenas em pequenos grupos.” Walter
Benjamin, Passagens.
“É como começo que o presente faz sentido e que a duração traz
modificação: enquanto surge sempre um novo presente, o presente
se torna um passado e, assim, toda a continuidade de escoamento
dos passados do ponto precedente vai caindo uniformemente na
profundeza do passado.” Edmund Husserl, Leçons pour une
phénoménologie de la conscience intime du temps. Apud Paul
Ricoeur, A memória, a história, o esquecimento.
Resumo
O Ramal Urbano São Braz Jardim Público da Estrada de Ferro de Bragança reaparece no
encontro das várias memórias originadas das consultas e análises das fontes oficiais e de
outras, como as provenientes do cotidiano dos habitantes e visitantes da cidade de Belém do
Pará que, de alguma maneira, vivenciaram esse espaço urbano no intervalo de tempo focado
pela pesquisa. Memórias de suas lembranças e registros, fatos e evidências as quais, além de
contribuir para comprovar a passagem do trem pelo centro da cidade, concorreram para
esclarecer sobre a criação, existência, desativação e principalmente o esquecimento do antigo
ramal da ferrovia que, penetrando através das vias de Belém, interligava o nascente Bairro de
São Braz na periferia da cidade e o histórico e comercial Bairro da Cidade Velha, entre os
anos de 1889 e 1931, período de tempo em que ele efetivamente funcionou. O Ramal era
definido por duas Estações e por duas paradas.
Palavras-chave: História; Cidade; Memória Urbana; Ferrovia, Belém- PA
Abstract
The Urban Extension São Braz – Jardim Público of the Bragança Railway brought up again in
the meeting of several memories originated from questioning and studies of official and
alternative sources, such as those from daily inhabitants and visitors of the city of Belém do
Pará, who lived in this urban space during the period of time represented by the research.
Reminding of their memories and records, facts and evidences which, in addition to
contributing to prove the route of train at city centre, have managed to enlighten the creation,
existence, disabling and mainly the oblivion of the old extension railway that passed through
the main streets of Belém, connecting the spring District of São Braz and historical and
commercial District of Cidade Velha, between the years of 1889 and 1931, period of time that
its original activity. The extension was defined by two stations and two stops.
Keywords: History; City; Urban Memory; Railway. Belem-PA
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Trecho curvo de via urbana........................................................................13
Figura 2 - Pormenor da “planta da Estrada de Ferro de Bragança..........................25
Figura 3 - Pormenor da “planta da Estrada de Ferro de Bragança e Ramaes..........26
Figura 3 B - Trecho da Estrada de Ferro Príncipe do Grão – Pará ............................27
Figura 4 – Alegoria publicada na edição de 30 de março de 1884 ...........................30
Figura 4-A – Pormenor da gravura de um trem........................................................31
Figura 5 – Implantação das Colônias Agrícolas (1875-1914) ..................................33
Figura 6 – Quadro de crescimento de 5 cidades brasileiras e 4 argentinas ...............34
Figura 7 – Mapa da Região Bragantina e Zona do Salgado......................................35
Figura 8 – Mapa esquemático da densidade ferroviária no Brasil.............................37
Figura 9 – Demonstrativo de receita e despesas.......................................................39
Figura 10 – Tabela quilométrica das Estações.........................................................41
Figura 11 – Tabela de tarifas de carros da 1ª classe.................................................42
Figura 12 – Tabela de tarifas de carros da 2ª classe.................................................42
Figura 13 – Tabela quilométrica dos portos e cidades para a lancha.......................43
Figura 14 – Tabela de tarifas de passagens para a lancha ......................................44
Figura 15 – Saldo e déficit do tráfego da EFB .......................................................61
Figura 16 – Mapa dos terrenos de propriedades privadas...................................... 65
Figura 17 – Mapa da 1ª Légua Patrimonial..............................................................66
Figura 18 – Litografia de 1896 mostrando em PB o Museu Goeldi........................69
Figura 19- Moradia construída em taipa de mão.....................................................71
Figura 20 – Mapa elaborado por Nina Ribeiro ......................................................80
Figura 21 – Mapa elaborado por Nina Ribeiro quatro traçados.............................85
Figura 22 – Estacionamento de carroças no Ver-o-Peso.........................................87
Figura 23 – Carroças e carroceiros aguardando carregamento ..............................88
Figura 24 – Pormenor ampliado da planta da cidade.............................................93
Figura 25 – Espaço urbano do Largo de São Braz.................................................94
Figura 26 – Panorâmica do Edifício da Estação de São Braz.................................95
Figura 27 – Trajeto do Ramal ..............................................................................96
Figura 28 – Acesso para a Rua do Horto.............................................................97
Figura 29 – Parada de Batista Campos................................................................100
Figura 30 – Foto aérea tomada em 1997..............................................................106
Figura 30 -A – Montagem de um reticulado de vias...........................................108
Figura 31 – Único acesso para a Passagem Moura Carvalho...............................110
Figura 32 – Fachada principal do Edifício da Estação Central de Belém............111
Figura 33 – Vista do traçado do Jardim Botânico................................................115
Figura 33-A – Cruzamento da antiga Estrada de São José....................................117
Figura 34 – Estação de Belém localizada à Avenida 16 de Novembro................ 129
Figura 34-A- Início da Avenida 16 de Novembro................................................131
Figura 34 B – Demonstrativo da Extensão de Tráfego........................................132
Figura 34-C – Trecho da Avenida 16 de Novembro ao lado do gradil ...............133
Figura 34-D – Avenida Senador Lemos (antiga Rua dos Cearenses).............. ....134
Figura 34-E – Trecho da Avenida São Jeronymo ..............................................136
Figura 34-F – Trecho do Boulevard da República ..............................................137
Figura 35– Pormenor Mapa da cidade de Belém do Pará....................................143
Figura 35-A– Síntese da Situação dos idosos entrevistados ................................145
Figura 35-B – Condições dos logradouros públicos.............................................146
Figura 36 – Fachada principal do edifício do Orfanato........................................147
Figura 36-A – Trecho da Estrada de São Jerônimo..............................................149
Figura 36-B – Tela do pintor Antonio Parreiras....................................................151
Figura 36-C – Interior da Estação Central de Belém............................................153
Figura 36-D – Estação Central de Belém – pátio de chegada ..............................156
Figura 36-E – Estação de Castanhal da EFB........................................................158
Figura 36-F – Fachada principal do Patronato.................................................... 159
Figura 36-G – Perspectiva da Avenida Alcindo Cacela........................................161
Figura 36-H- Pormenor do Cais do Porto de Belém............................................163
Figura 36-I- Chafariz das Sereias.........................................................................166
Figura 36-J – Estação Central de São Braz .........................................................167
Figura 36-K – Esquina da Avenida Nazaré com Generalíssimo...........................170
Figura 36-L – Praça Batista Campos em 1900.....................................................171
Figura 36-M – Fachada principal do Cinema Olympia .......................................173
LISTA DE SIGLAS
CODEM Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitano
de Belém
DGE Diretoria Geral de Estatística
EFB Estrada de Ferro de Bragança
FGV Fundação Getúlio Vargas
GEP Governo do Estado do Pará
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
PUC Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PROINT Programa Integrado de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão, da UFPA
SPVEA Superintendencia do Plano de Valorização Econômica da Amazônia
UFPA Universidade Federal do Pará
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................13
PARTE I - ESTRADA DE FERRO DE BRAGANÇA, A CIDADE DE BELÉM E OS
PRIMÓRDIOS DO RAMAL URBANO SÃO BRAZ: JARDIM PÚBLICO.................21
1- A ESTRADA DE FERRO DE BRAGANÇA: PLANOS, PROJETOS E EXECUÇÃO..22
2- O TREM ATRAVESSA BELÉM: ENCONTRO COM A PAISAGEM URBANA........63
3- UM RAMAL INACABADO E AS PROPOSTAS DE NOVOS TRAÇADOS...............73
4- O RAMAL SÃO BRAZ - JARDIM PÚBLICO E A POSSÍVEL CHEGADA
AO LITORAL ......................................................................................................................86
PARTE II - ESPAÇOS URBANOS LIMITES E O CAMINHO URBANÍSTICO DO
RAMAL SÃO BRAZ – JARDIM PÚBLICO EM BELÉM...........................................90
1- O LARGO DE SÃO BRAZ : PONTO INICIAL DA FERROVIA E DO RAMAL....91
2- O CAMINHO URBANÍSTICO DO RAMAL................................................................96
3- O JARDIM PÚBLICO DE BELÉM: PONTO FINAL DO RAMAL...........................113
PARTE III - A CIDADE E O TREM: FRAGMENTOS DE IMAGENS E
LEMBRANÇAS CONSTRUINDO RELAÇÔES................................................. .......122
1- RECORTES DO COTIDIANO E MEMÓRIA IMPRESSA E MANUSCRITA EM
EM CARTÕES POSTAIS..................................................................................................123
2- .NARRATIVAS TECENDO OS FIOS DA MEMÒRIA..............................................139
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................176
FONTES E BIBLIOGRAFIA................................................................................ .......180
ANEXOS..........................................................................................................................194
13
Introdução
No centro da cidade de Belém do Pará, sinais e formas específicas do antigo Ramal
Urbano da Estrada de Ferro de Bragança conservaram-se, mas os habitantes que transitam na
cidade não entendem o que significam e nem se questionam em saber as origens.
Figura 1- Trecho curvo de via urbana, de uso da população de Belém, cuja forma e origem se
reportam aos trilhos que faziam parte do Ramal São Braz Jardim Público, da Estrada de
Ferro de Bragança, localizados próximo ao edifício que serviu como Parada de Batista
Campos do trem. Foto tomada do meio da Rua do Horto, em direção à Rua dos Mundurucus,
vendo-se em primeiro plano um estacionamento cujo edifício toma a forma da curva. Hoje o
trecho é denominado de Rua do Horto, devido à localização, neste logradouro, da área onde
funcionava o Horto Municipal de Belém (atual Praça Milton Trindade). Foto do autor, ano
2002.
Podem ser citados como exemplos (Fig.1) dessa semiótica urbanística alguns trechos
curvos no traçado de logradouros públicos (praças, ruas e travessas), onde originalmente
foram assentados os trilhos que serviam aos trens que, levando passageiros e cargas,
circularam durante 42 anos, de 1889 a 1931, quando da existência do Ramal São Braz -
Jardim Público da Estrada de Ferro de Bragança, que percorria a cidade até bem próximo ao
Ver-o-peso, principal local de abastecimento de gêneros alimentícios e trocas comerciais
diversas em Belém do Pará.
Ao tomarmos conhecimento do Ramal São Braz - Jardim Público da EFB, decidimos
torná-lo objeto da nossa pesquisa começando por recolher algumas informações
complementares; contudo nem os especialistas em História da Arquitetura e Urbanismo, nem
14
os professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de outras áreas do saber, todos
com vivência em Belém, tinham lembrança ou conhecimento da existência do prolongamento
da ferrovia que fora até ao centro da cidade. Sabiam da existência da Estrada de Ferro de
Bragança até à Estação de São Braz, mas desconheciam que o trem havia tido um
prolongamento
1
que ia até às proximidades do Ver-o-Peso. Era necessário, portanto, procurar
outras memórias, inclusive com depoimentos, constituir fontes da pesquisa para trabalhar e
tentar compreender o processo de esquecimento desse ramal da EFB que, no período em que
esteve ativo, teve grande importância para a cidade.
O nosso interesse pelo tema veio com a pesquisa “Alternativas para um Roteiro
Turístico Arquitetônico: As obras da Administração Antonio Lemos a partir da Légua
Patrimonial” iniciada em 1998 e por sua continuidade em 2001, com o título “Roteiro
Arquitetônico e Urbanístico a partir da Légua Patrimonial de Belém” para o PROINT
2
,
que trouxeram o conhecimento da existência do Ramal Urbano da EFB no centro da cidade
através do livro do Historiador Ernesto Cruz: A Estrada de Ferro de Bragança – Visão social,
econômica e política. Centrando o estudo em cinco cidades, quatro delas situadas ao longo da
EFB, a pesquisa mostrou a necessidade de se conhecer melhor a história da ferrovia cujo
interesse mais imediato apontava para seu ramal urbano redescoberto, tanto pelo ineditismo
das informações como pela relação entre centro da cidade de Belém e ferrovia, muito
significativa tanto do ponto de vista urbanístico quanto histórico da cidade. Esse interesse foi
cristalizado inicialmente pela constatação de indícios claros no espaço citadino, através de
técnicas da arqueologia urbana
3
, que comprovavam a existência do ramal, complementando a
informação da primeira fonte historiográfica consultada. A partir daí, os desdobramentos de
como abordar o tema para uma tese multiplicaram-se. Durante a pesquisa, várias questões
foram se delineando: informações sobre a arquitetura que tinha sido desenvolvida ao longo do
ramal urbano da EFB; contribuição para a forma e imagem da cidade; esse símbolo da
1
Foi considerado para efeito deste trabalho como Ramal Urbano da Estrada de Ferro de Bragança, somente o
Ramal São Braz Jardim blico (chamado de Prolongamento da Estrada de Ferro de Bragança até o Jardim
Público), por ele encontrar-se integralmente no espaço definido pela 1ª Légua Patrimonial de Belém, assim
como, apenas a velocidade do trem e algumas outras características técnicas como tamanho bitola dos trilhos e
dimensões de raios de curvas.
2
PROINTPrograma Integrado de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão, da UFPA. Participaram da pesquisa:
Fabiano Homobono Paes de Andrade coordenador; José Júlio Ferreira Lima consultor; Maria de Nazaré
Sarges consultora; Maria Beatriz Maneschy Faria pesquisadora; Elna Maria Andersen Trindade
pesquisadora; e os bolsistas Christiane Cordeiro de Leão, Joyce Angélica Silva Lameira, José Maria Sardinha
Junior, Marta de Souza Alves e Sonia Vilhena.
3
Técnicas da arqueologia urbana elaboradas sobre o levantamento aerofotogramétrico de Belém de 1998
Ortofotos – Codem - Companhia de Desenvolvimento Metropolitano de Belém, complementadas por vistoria dos
locais ao longo do trajeto do ramal. Elaboração e vistoria executadas pelo autor em 1998.
15
modernidade (a ferrovia) e a correlação com o trabalho e lazer da população; outras estradas
de ferro urbanas de Belém, ou seja, as concessionárias dos bondes que funcionaram
simultaneamente com o ramal da EFB. Mas, claro que não haveria tempo para tudo isso, o
enfoque deveria ser mais preciso pela impossibilidade de trabalhar todas as questões.
Concomitantemente ao trabalho com as fontes oficiais e impressas, executamos entrevistas
com os idosos que poderiam ter convivido com o ramal, tomando como referência o ano de
nascimento deles no ximo até o ano de 1922. O campo documental da pesquisa foi sendo
ampliado: relatórios dos presidentes da Província; jornais de época; requerimentos; ofícios;
relatórios; fotografias e mapas. Se trabalhar com as diversas memórias de uma cidade é
revivê-la, é compartilhar seus espaços, lugares e lembranças, é também aprender com as
lembranças do outro, é contar uma parte da história de seus habitantes. Assim, decidimos
definir o eixo principal do estudo com enfoque nas diversas memórias da cidade sobre o
Ramal Urbano da EFB.
Na seqüência, levantou-se a bibliografia especifica sobre o período de existência
(1889-1931) do Ramal Urbano São Braz Jardim Público da EFB, onde a cidade de Belém
começa a mostrar suas faces com: (BARATA, 1973), (BORGES, 1983), (BRAGA, 1916),
(CRISPINO: BASTOS & TOLEDO, 2006), (CRUZ, 1973), (DERENJI, 1993),
(MAIA,MAIA & TOCANTINS, 1987), (MENDES,1998), (MORAES, 1989), (PENTEADO,
1968), (SANJAD, 2009), (SANTOS, 1980), (SARGES, 2000), (NUNES & HATOUM,
2006), (TOCANTINS, 1987); (VIANNA, 1902), (VIANNA, 1914). Surgem então os mapas,
as fotografias e os cartões postais: (CACCAVONI, 1899), (MONTENEGRO, 1908), (IMB,
1902), (KOSSOY, 2001), (GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 1998), (ARAÚJO, 1998),
(GEP, 1899), (MUNIZ, 1904), (SONTAG, 2004), (TEIXEIRA, 1995), (CODEM, 2000). O
trem, as ferrovias e a EFB contribuem com informações gerais e específicas: (ALMANACK,
1904), (ALVAREZ, 1962), (ANDRADE, 2002), (BENJAMIN, 2007), (IBGE, 1956),
(JURANDIR, 1960), (KÜHL, 1998), (MEIRA, 1974), (NEVES, 1958), (NINA RIBEIRO,
1895), (PANGBORN, 2003), (PENTEADO, 1968), (ROCHA, 1968), (TOCANTINS, 1978),
(SAES, 2006), (SIGNINI, 1982), (SIOLI, 1961), (WOLF, 1990). A lembrança e a memória
são também instigadas através da História Oral: (BOSI, 1994), (BERGSON, 1946),
(FREITAS, 2006), (HALBWACHS, 2006), (LE GOFF, 2003), (MALUF, 1995),
(SALGADO, 2006), (RICOEUR, 2007), (THOMPSON, 1992). O período estudado atravessa
importantes acontecimentos nacionais, seus desdobramentos no Estado do Pará e também
acontecimentos regionais como o “boom da borracha” na Amazônia, induzindo a flexibilidade
16
no tratamento cronológico da pesquisa, ou seja, ao início e ao fim, sem cair no entanto em
desvirtuamentos anacrônicos.
Mostrar a relação cotidiana do Ramal São Braz Jardim Público da EFB com os
habitantes da cidade de Belém, suas interfaces com o espaço urbano e com a urbanística da
cidade, permite uma compreensão mais fundamentada do assunto que revelará a possível
causa principal ou outras secundárias do esquecimento ao qual o Ramal da EFB foi submetido
até aos dias atuais. Por isso torna-se essencial analisar os acontecimentos associados a esse
fato nas diversas memórias dos habitantes permanentes e temporários da cidade. Essa análise
das lembranças do período de atividade do Ramal complementa a compreensão dos sinais e
formas específicas ainda existentes. Como exemplos foram identificados: a morfologia de
vias (ruas, travessas e passagens); os edifícios (estações e paradas); os espaços e terrenos
reutilizados que pertenceram ao patrimônio da EFB ou foram por ela utilizados ao longo do
traçado do Ramal. Comparando as informações obtidas com as do material encontrado nas
demais fontes, a possibilidade de informações não comprovadas tenderá a zero. Com esta
ação se recupera parte da história social e urbana de Belém não contada pela historiografia
existente, contribuindo ainda em relação à arquitetura e ao urbanismo com dados históricos
para melhor compreensão da cidade, sua morfologia e tendências urbanísticas atuais.
A amplitude do tema proposto inicialmente pela pesquisa foi o que permitiu grande
quantidade de caminhos a seguir, executados com utilização de metodologia convencional,
porém liberando o uso de informações diversificadas e entre elas algumas controvertidas,
como a da utilização da Internet para acesso a fontes, da fotografia e, por extensão, o uso dos
cartões postais. Após análise e críticas feitas ao procedimento inicial foram executados os
ajustes e a reformulação, calculando-se o tempo necessário e viável para executá-la e finalizá-
la. Ao se firmar com a metodologia adotada e agregar a história oral como importante fonte,
assim como os jornais de época, outros procedimentos foram adotados para se obterem novas
informações e/ou aprimorar as coletadas e colecionadas. Se a História como ciência que é,
na prática do dia-a-dia, exige que na coleta de informações, separação, análise e exposição
dos elementos sejamos colecionadores, que assim seja o nosso procedimento. (GAGNEBIN,
2004, pg.9).
Os dados estatísticos utilizados são os coletados a partir de 1872, quando da realização
do primeiro recenseamento populacional no Brasil, pela Diretoria Geral de Estatística – DGE,
17
adotando como referência o resumo de recenseamento da população relativo à Província do
Pará para cada ano de Censo executado até 1940 (SENRA, 2006, pp.417 432). As tabelas
reproduzidas ou reelaboradas tiveram como base de dados: DVD Estatísticas do Século XX
do IBGE
4
lançado no ano de 2007. Foram utilizados também os dados provenientes dos
relatórios oficiais tanto dos presidentes da Província do Grão Pará e dos governadores do
Estado do Pará, como dos secretários de governo e diretores de empresas públicas.
A disponibilidade à consulta pública pela internet de documentação digitalizada, em
alguns casos, de obras raras, foi utilizada como fonte na pesquisa, porém com rigorosa
filtragem da origem dos dados, dos autores e responsáveis pela informação.
Foram lidos e selecionados, no Arquivo Público do Estado do Pará, 465 documentos,
dos quais 433 eram ofícios e requerimentos (petições) do período de 1887 a 1889. Enviados
para o presidente da província, através do seu gabinete, da secretaria de polícia do governo e
da diretoria da Estrada de Ferro de Bragança EFB, essas fontes primárias encontram-se
atualmente guardadas em caixas numeradas. Os documentos relativos à cidade e às pessoas,
como solicitação de aforamentos, demarcações de terras, compra e venda de casas, licenças e
exames médicos, cartas de naturalização, exames gerais e para a Escola Normal, entre outros,
somam 256 documentos. Os relativos a inquéritos policiais, prisões, delitos, pedidos de
licença, nomeações de pessoal e compra de material para a polícia, somam 177 documentos.
Os diretamente relacionados à ferrovia, como vendas de bilhetes, pagamentos de mercadorias
e passagens para imigrantes nordestinos, exame de carta para maquinistas, aquisição de lenha
e dormentes, pagamento de locomotivas perfazem um total de 41.
Os cartões postais representando uma forma importante de comunicação desde 1869
continuam a cruzar os continentes levando e provocando aventuras, sonhos e realidades a toda
parte. A compilação e impressão desses cartões em forma de álbuns (livros) surgiu na década
4
“(...) lançadas originariamente no ano de 2003, em um volume impresso, ilustrado e acompanhado de CD-
ROM, contendo um vasto conjunto de arquivos em Excel com informações estatísticas sobre a realidade
brasileira. Tais informações foram extraídas dos 64 volumes do Anuário Estatístico do Brasil, publicados entre
1916 e 2000 e da publicação Estatísticas Históricas do Brasil: séries econômicas, demográficas e sociais de 1550
a 1988. Esta nova edição em DVD inclui além dos arquivos Excel, arquivos PDF de pias fac-similares das
tabelas dos anuários estatísticos, referentes às estatísticas demográficas, sociais, políticas e culturais, publicadas
apenas em papel até 1994. Desde 1995, as tabelas em formato Excel, bem como o Anuário Estatístico em sua
integralidade, vêm sendo publicadas também em meio digital. (...) Em ambas as edições, as informações
estatísticas estão organizadas em duas partes: uma, com as estatísticas populacionais, sociais, políticas e culturais
e outra, com as estatísticas econômicas, distribuídas em 326 séries históricas.” In DVD Século XX do IBGE.
Manaus: Microservice Tecnologia digital da Amazônia Ltda., 2007. Contracapa.
18
de 1930 em Belém do Pará, como nova maneira de continuar a divulgar e manter na memória
da população, a cidade, seus monumentos, a vida social e os costumes de época. Um hiato de
quase 70 anos ocorreu, até que novo álbum surgisse em 1996, reeditado e ampliado em 1998,
com o título Belém da Saudade A memória da Belém do início do Século em Cartões
Postais. Com grande potencial histórico além da fotografia cuja importância foi reconhecida
pelos estudiosos da História Social, os cartões postais carregam ainda consigo momentos,
opiniões, sentimentos, visões personalizadas ou de grupos, que imprimem significado às
imagens de monumentos, de edifícios e da natureza. Os cartões postais apresentados no
Capítulo III (item 3.2.) foram selecionados pelas mensagens de texto manuscritas em francês
ou inglês, devido à importância das relações comerciais do Estado do Pará com a França,
Bélgica, Inglaterra e Estados Unidos da América do Norte, no período de 1889 a 1908, da
existência do Ramal Urbano da EFB.
As entrevistas feitas com idosos mostraram-se igualmente importantes para enriquecer
a pesquisa em relação aos variados encontros da cidade de Belém com a Estrada de Ferro de
Bragança, pois o idoso, como habitante e participante da vida de uma cidade é, sem sombra de
dúvida, um narrador e um memorialista por excelência. Para isso é fundamental a sua origem,
o nascer e/ou viver naquela determinada cidade, o tempo que morou nela, o convívio com
outros habitantes, o que lhe dá as credenciais e os diferencia em sua narração.
Existia diferença entre as duas entidades onde poderiam acontecer as entrevistas da
pesquisa: o Asilo Dom Macedo Costa (que já havia sido desativado em 2006), entidade
pública, e o Asilo Pão de Santo Antônio, entidade privada. O primeiro fora criado na época
do intendente Antonio Lemos para substituir outro asilo da cidade de Belém, com a finalidade
de retirar os indigentes, idosos ou não, da área central; dependia da atenção dada pelo
Governo Estadual e hoje não mais existe. O segundo, sem fins lucrativos, originou-se do
trabalho de três mulheres em 1930, atendendo inicialmente os mais pobres, e permanece
ainda em atividades.
Em 2007, ano da realização das entrevistas, o Asilo Pão de Santo Antônio tinha então
sob sua responsabilidade 143 internos de diferentes camadas sociais, dos quais 27 foram
selecionados. A diretriz de seleção foi a idade que deveria estar entre 85 e 105 anos, pois a
intenção inicial era saber se os idosos entrevistados presenciaram ou participaram de alguma
19
forma da existência de um dos ramais da Estrada de Ferro Belém-Bragança
5
, situados no
então município de Belém e com isso o que poderiam trazer de contribuição para a pesquisa e
conseqüentemente para a História da cidade.
As questões geradas inicialmente sobre a problemática irão constituir-se em respostas
no decorrer da pesquisa e em cada encontro dessas novas memórias, não para respaldar a
dimensão da coexistência da população de Belém com o Ramal Urbano, mas, efetivamente
esclarecer as razões desse esquecimento ocorrido na memória coletiva. Os resultados da
pesquisa são apresentados em forma de um volume de textos organizados em: Introdução; 3
Capítulos; Considerações finais; Bibliografia; e 4 anexos.
A Parte I trata da Estrada de Ferro de Bragança, do planejamento à sua execução,
funcionamento e manutenção. Da sua relação com o município e a cidade de Belém e suas
respectivas populações. Cidade de Belém e população que “aceitaram” o fato do ramal
urbano ou prolongamento da ferrovia até o Centro comercial ali se acomodar durante 42 anos.
Assim como trata também, de todas as alternativas de projeto apresentadas para o Ramal,
mostradas através do seu traçado ou trajeto, por isso mesmo de uma maneira inédita; duas
delas foram elaboradas por técnicos das companhias construtoras da ferrovia e duas outras por
técnicos da Secretaria de Terras, Viação e Obras Públicas, uma delas por livre iniciativa
daqueles técnicos e a outra por solicitação expressa do Governador Augusto Montenegro.
A Parte II reconhece e analisa os espaços ocupados pelo traçado do Ramal São Braz
Jardim Público, ou seja, redescobre o Largo de São Braz como espaço inicial da Estrada de
Ferro de Bragança e do Ramal, percorre o seu caminho urbanístico até o espaço que abrigava
a Estação Central de Belém; o simbólico e significativo Jardim Público. Mostra também a
relação desse jardim com o Horto Botânico ou Jardim Botânico de Belém.
A Parte III percorre de maneira especial todo o período de existência do Ramal
Urbano São Braz Jardim Público (1887 1931) e foi dividido em três momentos, para
melhor entender a complexidade dos seus benefícios e possíveis malefícios, advindos de sua
5
O Ramal estudado era o que ligava as Estações de São Braz e a Estação Central de Belém da EFB, esta ultima
localizada em um dos bairros do Centro Histórico, conhecido como Cidade Velha, bem próxima ao Ver-o-Peso,
hoje, o principal cartão postal da cidade, aonde ainda funciona ininterruptamente uma grande feira ao ar livre e
aportam embarcações provenientes de vários municípios do interior do Estado do Pará, servidos pelos diversos
rios que cortam o seu território.
20
implantação junto à população da cidade de Belém. Através das várias memórias, o texto vai
complementando e/ou completando as informações, marcando cada novo ponto encontrado,
comparando-o, situando-o em relação ao que havia sido estudado nos capítulos anteriores,
com isso tecendo cada parte da história do Ramal com a da cidade. O primeiro é um momento
que envolve o projeto do Ramal, sua execução e início de atividades (1887 a 1889) até à
conclusão da Estrada de Ferro de Bragança (1889 a 1908). O terceiro estende-se de 1908 a
1931, ano da desativação do Ramal. Cada momento se apropria e se identifica com um grupo
das memórias para ser mostrado e analisado. Com esse intuito foram mais usados nesta Parte
III, as mensagens dos presidentes da Província, ofícios e requerimentos, relatórios técnicos,
cartões postais e depoimentos orais dos idosos do Asilo Pão de Santo Antônio. Os
depoimentos, 27 ao todo, em uma formatação especial de texto, trazem a vida dos idosos até
nós, junto com a Belém do terceiro momento de existência do Ramal. Em alguns casos eles
vão cronologicamente além desse momento, porém suas lembranças quase sempre
representam surpresas interessantes e até extremamente reveladoras para a pesquisa.
21
Parte I
Estrada de Ferro de Bragança, a cidade de Belém e os primórdios do Ramal
Urbano São Braz – Jardim Público
22
1-A Estrada de Ferro de Bragança: Planos, Projetos e Execução.
A Estrada de Ferro de Bragança, cuja primeira denominação foi “Serviços de
Rodagem a Vapor”, teve como previsão de localização e depois foi efetivamente implantada
ao norte da Província do Grão Pará
6
, interligando, através de sua linha principal, as cidades de
Belém e Bragança
7
, por terras firmes não alcançadas pelas marés e enchentes dos rios. Este
privilégio dos níveis das águas em relação às terras a serem ocupadas, foi esclarecido através
de pesquisas limnológicas, feitas em meados do Século XX, concluídas na década de 1960. O
que pode demonstrar também o grau de conhecimento que tinham da região os profissionais
que trabalharam, no Século XIX, tanto na definição da área para implantação das colônias
agrícolas como, alguns anos após, no traçado daquela ferrovia amazônica.
Neste Complexo de terra firme, a linha da Estrada de Ferro estende-
se mais ou menos no divisor d’água entre a costa do Atlântico, no
norte, e o Rio Guamá, no sul, de maneira que dela, os igarapés e
pequenos rios correm ou ao norte, para o Atlântico, ou ao sul, para o
Rio Guamá. Quase toda a terra firme era originariamente coberta por
alta floresta virgem, verdadeiramente amazônica. (...) (SIOLI, 1961,
p.9)
6
Tudo leva a crer que a partir do momento da efetivação da ferrovia, aquela região, denominada Zona
Bragantina ficou também conhecida como Região da Estrada de Ferro de Bragança, onde: “A maior parte (...) é
ocupada por baixa terra firme, quer dizer, por terras não alcançadas pelas enchentes dos rios ou pelas marés do
oceano. Na vizinhança de Belém, a superfície da terra é plana, praticamente por completo, e somente os igarapés
cavaram os seus pequenos vales rasos. Mais ou menos da cidade de João Coelho (antigamente Santa Izabel), em
direção ao leste, ao longo da linha férrea e da estrada de rodagem, e desta linha em direção ao norte, até ao
oceano, a quase absoluta planície transita em terreno longa e raramente ondulado, enquanto em direção ao sul, p.
e. de João Coelho ao Rio Guamá, as ondulações do terreno se tornam mais curtas e mais íngremes, até que a
terra firme cai, relativamente rapidamente, em um ou dois degraus à várzea, ao terreno aluvial recente e
inundável das margens do Rio Guamá.” In
SIOLI, Harald. Pesquisas Limnológicas na Região da Estrada de
Ferro de Bragança, Estado do Pará, Brasil. Boletim cnico do Instituto Agronômico do Norte N
o
37. Belém:
H.Barra, 1961. P. 5-9.
7
Fundada em 1634 com a denominação de Vila Sousa do Caeté, sendo uma das quatro vilas de ocupação da
Amazônia até a primeira metade do Século XVIII, foi renomeada pelo Governador Francisco Xavier de
Mendonça Furtado como Bragança em 1755, política adotada pelo irmão de Pombal para reafirmar a presença
portuguesa adotando ou rebatizando as Vilas e Cidades da Amazônia, com nomes idênticos as de Vilas e
Cidades de Portugal . Bragança
tratou-se de uma refundação, posto que feita na antiga
Vila Sousa de Caeté, que fora estabelecida
no Século XVII, por Álvaro de Sousa, Donatário da Capitania do Caeté,(...), por determinação régia, a
capitania fora passada novamente para a coroa. As opiniões sobre a Vila de Sousa, atestavam a sua
decadência, e o investimento do Governador na sua reconstrução e refundação imprimem à atitude um caráter
especial, de um lado, insere-se na preocupação inicial de Mendonça Furtado instalar convenientemente os
casais de açorianos enviados como povoadores após a sua chegada, por outro, o caminho para o Maranhão
fazia-se com passagem nesta Vila e a sua manutenção, enquanto ponto de contato entre as duas Capitanias era
muito importante.
In
ARAÚJO, Renata M. de. As cidades da Amazônia no Século XVIII Belém, Macae
Mazagão. Porto - PT: Inova Artes Plásticas, 1998. P.117.
23
Desde 1870 por iniciativa do governo da Província, a Estrada de Ferro de Bragança
teve duas tentativas, através de incentivos oficiais, para atrair empresas aptas a executá-la.
Esses incentivos oficiais foram ampliados, mais uma vez, no ano de 1874
8
, através da Lei
809
9
, pois os incentivos que haviam sido ofertados pelas leis
10
anteriores não obtiveram o
êxito esperado. Sancionada pelo então presidente da Província Pedro Vicente de Azevedo, a
nova lei ampliou para 7% os juros anuais a serem pagos sobre o capital empregado, e dilatou
o prazo do contrato de privilégio sobre a ferrovia para 40 anos, cedendo ainda 10 léguas
quadradas de terra ao longo da estrada de Bragança, para estabelecimento de núcleos de
colonização.
8
Benévolo lembra que na “primeira metade do Século XIX as exigências técnicas produzidas pelo
desenvolvimento das infra-estruturas - especialmente das ferrovias, que começam a ser construídas em 1825 e
as dificuldades higiênicas oriundas do crescimento e da concentração dos assentamentos urbanos, obrigam as
administrações publicas a intervir no território cada vez mais decididamente e com maior freqüência.” As
primeiras Leis Urbanísticas foram a Inglesa em 1848 e a Francesa em 1850. BENEVOLO, Leonardo. A cidade e
o Arquiteto. S.Paulo: Perspectiva, 2004. P.34 -35.
9
A íntegra da Lei n. 809 de 6 de abril de 1874.
Artigo 1º - É o presidente da Província autorizado para conceder privilegio por 40 anos a empresa ou companhia
que se propuser a levar a efeito a estrada de ferro, entre esta capital e a cidade de Bragança.
Artigo - É também autorizado o mesmo presidente para garantir a empresa ou companhia privilegiada o juro
de 7%, do capital empregado na dita estrada de ferro.
Artigo - O privilégio do artigo poderá estender-se aos ramais do Pinheiro, Vigia, Cintra, Ourém e o
Miguel, obrigando-se a empresa ou companhia a construí-los, e explora-los, logo que esteja provado que podem
dar 4% do capital necessário, ou que esse premio lhe seja garantido.
Artigo 4º - A estrada de ferro, de que tratam os arts. e , será construída e explorada por secções, sendo a
primeira de quatro léguas, e as seguintes de duas léguas cada uma. Concluída uma secção será aberta ao trafego.
Artigo 5º - A empresa ou companhia, que contratar a estrada de ferro de Bragança, se obrigara a mandar vir e
estabelecer na dita estrada dez mil colonos, em famílias, e na razão de 2500 anualmente, logo que pelo governo
Imperial lhe seja garantido o embolso das respectivas passagens.
Artigo - Com destino a núcleos de colonização, o presidente da Província fica autorizado para ceder a mesma
empresa dez guas quadradas de terras, das que possui na estrada de Bragança sem dispêndio algum para a
empresa e nos termos da concessão.
Parágrafo único As dez léguas quadradas de terras, de que trata o artigo antecedente serão marginais a estrada,
e em territórios de uma légua quadrada cada uma.
Artigo 7º - O capital necessário será ajustado depois dos necessários estudos, e fixado por um contrato adicional,
antes de começarem os trabalhos.
Artigo - A estrada será de bitola estreita e de uma via com os necessários desvios, ficando livre a empresa
ou companhia construir segunda via por sua conta.
Artigo 9º - Revogam-se as disposições em contrario. Ass. Pedro Vicente de Azevedo.
Apud. CRUZ, Ernesto in A Estrada de Ferro de Bragança – Visão social, econômica e política. Belém: SPVEA,
1955. pg. 69.
10
Duas leis, com incentivos para a construção da EFB, já haviam sido promulgadas pela presidência da
Província antes da Lei 809 de 1874. A primeira de n. 658 de 31 de outubro de 1870 que além de isentar o
imposto sobre todo material importado para o serviço, estipulava em 6% o juro anual sobre o capital empregado,
que não poderia exceder novecentos contos de reis, e cujo prazo de contrato duraria 20 anos. A segunda Lei de n.
779 de 9 de setembro de 1873, aumentava o prazo de contrato para 30 anos e ainda autorizava o pagamento de
premio de cinco contos de reis por quilometro de ferrovia construído. CRUZ, Ernesto in A Estrada de Ferro de
Bragança – Visão social, econômica e política. Belém: SPVEA, 1955. pg. 64-65.
24
Decorrente desta forma de licitação, promovida pela presidência da Província, ou seja,
uma arrematação
11
regulada pela Lei 809 através de contrato, aberta a todas as empresas ou
companhias interessadas na construção da ferrovia, apareceram finalmente arrematantes.
Cícero de Pontes e Antonio Gonçalves de Justa Araújo, ambos com formação superior em
engenharia, assinaram o contrato para a construção da EFB com um limite de espera de 30
meses para dar início as obras, expirando em março de 1877. Findo este prazo, nada
aconteceu mais uma vez.
Em 1879 surgiu nova proposta para a construção da ferrovia, apresentada pelo
desembargador Isidro Borges Monteiro e pelo Sr. Francisco de Siqueira Queiroz que,
analisada e aprovada, gerou novo contrato junto à presidência da Província em 21 de maio de
1879. Estes senhores, também totalmente desinteressados, não deram início a nada e no final a
única coisa que fizeram foi a cessão dos seus direitos a terceiros. Com esses problemas de não
cumprimento dos contratos de licitação, o início da construção da Estrada de Ferro de
Bragança aconteceu efetivamente quando um contrato adicional àquele de 21 de maio de
1879 foi assinado pelo construtor Bernardo Caymari
12
em 16 de junho de 1883 (CRUZ, 1955,
p.65-66).
O primeiro traçado ou projeto urbanístico da Estrada de Ferro de Bragança (Fig.2) já
havia sido definido no teor da Lei 658/1870 da Província do Grão Pará. Pelo texto dessa Lei o
traçado iniciaria nas proximidades do Marco da Primeira Légua Patrimonial de Belém
13
, que
era definido pelo Boulevard da Câmara (atual Avenida Dr. Freitas) prosseguindo pelo antigo
11
Regulamento Geral das Obras Públicas – Arrematações e arrematantes, aprovado pela Lei de 10 de Setembro
de 1873 da Presidência da Província. In CRUZ, Ernesto As Obras Públicas no Pará. Belém: Imprensa Oficial,
1969.
12
O Industrial Bernardo Caymari participou ativamente no desenvolvimento industrial de Petrópolis, assim
como do comercio daquela cidade serrana do Rio de Janeiro, durante os anos de 1872 a 1883. Era tido como um
homem dinâmico e com muito boas relações, entre elas a do próprio Conde d'Eu e do republicano Quintino
Bocaiúva. Este cubano natural de Manzanillo, que foi também jornalista e abolicionista, teve entre os seus
empreendimentos realizados, o inicio da construção da Estrada de Ferro de Bragança e conseqüentemente do seu
Ramal S.Braz Jardim Público em Belém do Pará. OLIVEIRA, Paulo R. Martins in primórdios da Companhia
Petropolitana no Quarteirão Westfalia”: http://www.ihp.org.br/colecoes/lib_ihp/docs/prmo20020909.htm ,ver
também CRUZ, Ernesto, op.cit, pg.66.
13
“O patrimônio municipal teve começo com a Carta de doação e Sesmaria de uma légua de terras concedida à
Câmara de Belém, em 1º de Setembro de 1627, por Francisco Coelho de Carvalho, Fidalgo da Casa Real, Senhor
de Ouguela e Comendador de Idanha na Ordem de Cristo, Governador e Capitão-General do Estado do
Maranhão e Grão-Pará, falecido na Vila Viçosa de Santa Cruz de Cametá, em 15 de maio de 1635. (...) A
Câmara tomou posse da Légua Patrimonial no dia 29 de março de 1628.” Foram feitas novas medições em 1703,
em 1861 e em 1881, o engenheiro Manoel Odorico Nina Ribeiro levanta a planta topográfica da cidade e fixa em
4.110 hectares, ou seja, 41.000.000 m2 as terras incluídas na 1ª Légua. In CRUZ, Ernesto. Belém Aspectos Geo-
Sociais do Município. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1945. Pg.91-95. “Légua de sesmaria. Bras.
Medida itinerária antiga, equivalente a 3.000 braças ou 6.600 metros”. In FERREIRA, Aurélio B.H. Novo
Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, s/d. p.826.
25
caminho para São Luis
14
do Maranhão, em direção à Vila de Bragança. Porém não foi este o
traçado seguido por Bernardo Caymari no Contrato Adicional. Ele adotou a solução que
havia sido aprovada no contrato de 21 de maio de 1879, complementada pelas exigências do
Contrato Adicional (Fig.3), entre as quais destacamos a correspondente á letra “i”, expressa
pela fonte consultada, pelo grau de interesse em relação à definição do traçado: Os trabalhos
da estrada deverão começar logo que for designado o lugar para a Estação Central (grifo
nosso), ficando marcado o prazo de 3 meses para a empresa apresentar novo aumento de
depósito de que trata a Lei 3.160, de 4 de novembro de 1883, Art. 3º, sob pena de pagar cem
contos de réis de multa.” (CRUZ, 1955, p. 67.)
Figura 2- Pormenor da “planta da Estrada de Ferro de Bragança e Ramaes, levantada e
delineada na administração do Exmo. snr. Dr. Enéas Martins, Governador, Exmo. snr. Dr.
Raymundo Tavares Vianna, Secretário de obras públicas, terras e viação, Estado do Pará,
1914, utilizado como base para mostrar o traçado da EFB (na cor vermelha) iniciando no
Marco da Légua Patrimonial de Belém (delimitada na cor azul), passando pela Colônia de
Benevides (delimitada também pela cor azul), em acordo com a Lei 658/1870. Fonte do autor
e CRUZ, 1955.p.60.
O que fica claro com esta exigência é que o ponto de partida do traçado da EFB
mudaria de lugar, e como os trabalhos de construção da ferrovia iniciaram no dia 24 de junho
de 1883, com o assentamento dos primeiros trilhos no Largo de São Braz, este então havia
14
Caminho terrestre que teve inicio com Cristóvão da Costa Freire, e possível Estrada aberta em 1770 por
Evaristo Rodrigues para o gado vindo do Maranhão e Piauí. CRUZ, Ernesto in “A Estrada de Ferro de Bragança
– Visão social, econômica e política”. Belém: SPVEA, 1955. pg. 62-63.
26
sido o local escolhido para a primeira Estação Central. Portanto, se para o primeiro traçado da
EFB a referencia era o Boulevard da Câmara como ponto inicial, com o novo ponto escolhido
para a Estação Central, a ferrovia teve o seu trajeto ampliado em 1,5 km, correspondente à
distância percorrida entre o Boulevard da Câmara e o Largo de São Braz em direção ao
Centro da Cidade de Belém. Com o nome Estação Central do Largo de São Braz, a primeira
estação da EFB serviu como cenário para a partida do primeiro trem, quando este começou a
circular em 1885, e ao fazer o trajeto da Cidade de Belém até à Colônia de Benevides em
apenas uma hora e oito minutos, enquanto uma embarcação a vapor utilizada para este mesmo
trajeto levava quase um dia de viagem, teve sua eficiência como meio de transporte
reconhecida pela população.
Figura 3 - Pormenor da “planta da Estrada de Ferro de Bragança e Ramaes, levantada e
delineada na administração do Exmo. snr. Dr. Enéas Martins, Governador, Exmo. snr. Dr.
Raymundo Tavares Vianna, Secretário de obras públicas, terras e viação, Estado do Pará,
1914, utilizado como base para mostrar o traçado da EFB (na cor vermelha) aprovado no
contrato de 21 de maio de 1879, complementado pelo Contrato Adicional de 16 de junho de
1883, assinado pelo industrial e construtor Bernardo Caymari, ligando a Estação de São Braz
a Estação da Colônia de Benevides. Tudo indica que havia um projeto inicial do Ramal
Urbano. A Légua Patrimonial de Belém está delimitada na cor azul, assim com foi feita
também a delimitação da Colônia de Benevides. Fonte do autor e CRUZ, 1955.p.60.
Para os interesses nacionais e internacionais, era senso comum a importância das
ferrovias como transporte moderno e eficiente, propalada para o mundo todo, desde a
inauguração da ferrovia Liverpool- Manchester em 15 de setembro de 1830, através do relato
do reverendo Edward Stanley (HARDMAN, 2005, p.34).
27
Figura 3-B – Trecho da Estrada de Ferro Príncipe do Grão – Pará no Rio de Janeiro, no ano de
1883, quando interligava a Raiz da Serra de Petrópolis ao centro da cidade. O primeiro e
segundo planos mostram as torres metálicas e suas bases em alvenaria de pedra, que davam
sustentação ao viaduto, também metálico onde estavam os trilhos da ferrovia. Foto tomada
por Henrique Kopke em1883. Fontes: Autor, Arquivo Nacional e (SENRA, 2006).
Porém, escrever sobre estradas de ferro no Brasil e citar, mesmo que “en passant” no
corpo do texto, ou chamar atenção em uma nota de de página, o nome de Irineu
Evangelista de Souza, o Barão de Mauá
15
, é uma obrigação. A citação é obrigatória, pois foi
dele a iniciativa de construção da primeira Estrada de Ferro no país. Com a Concessão obtida
para a sua implantação e funcionamento em 1852, a Estrada de Ferro Príncipe do Grão Pará
no Rio de Janeiro (Fig.3-B) foi por Mauá construída e inaugurada, dois anos depois, em 1854.
Numa extensão de aproximadamente 17 quilômetros de via férrea, esta pequena ferrovia
ligava a raiz da Serra de Petrópolis à praia da Estrela, na Província do Rio de Janeiro. A
primeira locomotiva a trafegar no traçado construído, fez aquele percurso em menos de meia
15
Naquele tempo era um arrojo. Mas, dizer, por isto, que foi Mauá quem primeiramente assentou trilhos no solo
do Brasil é trocar a verdade pela retórica, licença que a história não tolera. Pode-se não contestar que tenha ele
ganho, como quer o biógrafo, com o suor de seu rosto, correndo grandes riscos e com perdas reais de fosfato, os
três mil contos de réis que lhe rendeu o negócio da iluminação a gás desta cidade; mas além de espoliados, em
vida, do fruto de suas energias, sejam, agora, mais de setenta anos depois, espoliados também da própria autoria
do trabalho os que penaram nas obras de construção daquela estrada, é demasiado cruel. In REBELLO, Edgardo
de Castro. Mauá e outros estudos.
Rio de Janeiro: Livraria São José, 1975.
28
hora, comparativamente desenvolveu a mesma velocidade da locomotiva da EFB que fez o
percurso inicial e inaugural Belém Benevides, 30 anos depois, em 1884.
Na Amazônia, na Província do Pará, aquela viagem inaugural de trem da cidade de
Belém à colônia de Benevides pela Estrada de Ferro de Bragança, em novembro de 1884,
acabava de comprovar para a população paraense, a importância daquela tecnologia,
especialmente para os envolvidos na luta pela melhoria no transporte do abastecimento da
cidade de Belém e da viabilização das colônias ao longo da região Bragantina. O Presidente
da Província, Dr. Guilherme Francisco Cruz, que era a favor daquelas melhorias, as havia
registrado no seu relatório de transferência de cargo em 1874
16
, onde afirma que:
“Para se tornar uma realidade a colonização das terras marginais à
estrada de Bragança e seus ramais, era indispensável que ficasse
garantido aos produtos agrícolas e industriais, o transporte fácil e
rápido para o mercado da capital, e esse transporte só pode satisfazer
sendo feito por estrada de ferro”.
O ato de instalação da Colônia de Benevides, tomado como ponto inicial desse
processo de implantação das Colônias, foi dirigido pelo próprio Presidente da Província do
Grão-Pará, Francisco Maria Correa e Benevides em 13.06.1874. A Colônia de Benevides
teve, através dos termos do artigo 16 da Lei n
o
314 de 28 de outubro de 1848, uma área de
concessão do Governo Imperial medindo seis Léguas, localizada na Estrada de Bragança
(antiga Estrada para o Maranhão), com lotes concedidos medindo 150 braças de frente x 300
braças de fundo, aproximadamente 330 x 660 metros. (CRUZ, 1955.p.6)
O significado da importância que teve a Estrada de Ferro de Bragança para a Colônia
de Benevides pode ser sentido, na publicação feita alguns meses antes daquela viagem
inaugural do trem, através de uma alegoria (Fig. 4) estampada no periódico A vida Paraense
17
de 30 de março de 1884.
16
In Relatório com que excelentíssimo senhor doutor Guilherme Francisco Cruz, vice-presidente, passou a
administração da Província do Pará ao excelentíssimo senhor doutor Pedro Vicente de Azevedo, em 17 de
janeiro de 1874. P.15.
17
Jornal A vida Paraense, Ano I, n
o
31, Pará, 30 de março de 1884, p. 5. In SALLES, Vicente. O negro no Pará
sob o regime da escravidão. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas/ UFPA, 1971. P.310.
29
Naquela edição do jornal, a alegoria anuncia a libertação de todos os escravos da Vila
de Benevides, e o desenho de um trem (Fig.4-A) daquela ferrovia, puxado pela locomotiva a
vapor é mostrado penetrando na floresta paraense e compartilhando o espaço existente logo
abaixo da Alegoria, com uma significativa mensagem de liberdade (SALLES, 1971, p.310.),
nele inserida: A Amazônia inscreve-se logo em seguida ao Ceará
18
, lançando com a redenção
de Benevides, o compromisso solene de empenhar-se para limpar seu território, sem
perturbação da ordem e do direito, da nódoa aviltante da escravidão.
18
Desde fevereiro de 1883, o 15º Batalhão do Exercito Imperial, sediado em Fortaleza, converteu-se ele próprio
em Sociedade Abolicionista, pois os oficiais do exército reagiam às requisições cada vez mais freqüentes, por
parte dos fazendeiros e presidentes de províncias, de tropas imperiais para a captura de escravos fugidos das
fazendas; essa reação consistia, fundamentalmente em sabotar o desempenho dessa função. (...) Evidentemente,
essa ação abolicionista interna do grupo militar teve uma eficácia política própria: ela provocou a crescente
desagregação do ramo repressivo do aparelho de Estado escravista. Essa ação auxiliou, de dentro do aparelho
de Estado, o movimento antiescravista; permitiu que este chegasse mais rapidamente e com menos derrotas
parciais, a vitória final. In SAES, Décio. A formação do Estado Burguês no Brasil (1888-1891). Rio de
Janeiro: Editora Paz e Terra, 1985. pp.338-339.
30
Figura 4 Alegoria publicada na edição de 30 de março de 1884 no jornal A vida Paraense,
onde no canto inferior esquerdo está representado o trem da Estrada de Ferro de Bragança.
Pormenor no destaque em azul ampliado na Figura 4-A - Fonte: (SALLES, 1971)
31
Figura 4-A Pormenor da gravura de um trem da Estrada de Ferro de Bragança em direção à
colônia de Benevides na alegoria publicada no jornal A vida Paraense de 1884.
Em uma carta cuja autoria é do conselheiro Tito Franco de Almeida dirigida ao
conselheiro Domingos Olímpio, publicada pelo jornal “O Liberal do Pará” que circulou no dia
13 de novembro de 1884, Tito Franco faz referência à inauguração do trecho da Estrada de
Ferro de Bragança, que interligava o Largo de São Braz à Colônia de Benevides, realizada no
dia 9 de novembro de 1884, e faz referência também ao “Clube Amazônia”
19
, ao industrial e
engenheiro Bernardo Caymari que na época para comemorar o fato, concedeu alforria à
alguns escravos
20
na colônia de Benevides. (CRUZ, 1955, P.76).
19
Devido a relativa proximidade e influência que tinham sobre a Província do Pará, é inevitável, voltar a fazer
referência ao que estava acontecendo em províncias do nordeste como Pernambuco e Ceará, a respeito da
libertação de escravos: “ Outras organizações abolicionistas regionais exprimiram, ao lado dos caifazes paulistas,
a disposição revolucionária de parte da classe média: foram organizações que abandonaram a tática
provadamente ineficaz e inviável da emancipação por compra, e se lançaram à tarefa ilegal de organizar fugas
de escravos rurais. Foi o caso do Clube do Cupim, fundado em 1884 na Província de Pernambuco, cuja ação
consistia em promover a evasão de escravos pernambucanos para o Ceará, com o auxílio dos jangadeiros. Estes
tinham desempenhado, sob liderança de Francisco Nascimento, importante papel (veja-se por exemplo, a sua
greve contra o tráfico interprovincial, em 1881) na concretização das fugas coordenadas pelo movimento
abolicionista cearense ( a Sociedade Cearense Libertadora), que levou o movimento antiescravista, nessa
província, a uma vitória antecipada ( a Abolição prévia da escravidão no Ceará, em 1884).” In SAES, Décio, op.
cit., p. 309.
20
Bernardo Caymari, concedeu Cartas de Liberdade para 20 escravos e escravas de nomes: Ana, da Sra. Inês;
Ana, do Sr. João; Casemiro; Desidério; Estefânia; Inês; Isaura; Leocádia; Lina; Luiza; Marcelino; Margarida;
Maria; Maria de Nazaré; Paula; Rita; Vicente; Vitória, da Sra. Luiza; Vitória, do Sr. Januário; e Zeferina. In
CRUZ, Ernesto. Op.cit. p. 76.
32
O sentimento de importância da ferrovia cresce junto à produção agrícola das demais
colônias instaladas (Apeú, Araripe, Marapanim, Castanhal, Benjamim Constant, Santa Rosa,
Inhangapi, Ianetama, Anita Garibaldi
21
, Jambú Açu, Granja América, José de Alencar) após
a de Benevides. No final do século XIX, eram mais de dez colônias (Fig.5) e, com a
Estrada de Ferro de Bragança em atividade, havia sem dúvida uma grande expectativa com
relação à melhoria que essa ferrovia poderia trazer junto aos setores primário e terciário da
produção, em um futuro próximo. Afinal, na Europa e em outros países, as ferrovias estavam
transformando ou ajudando a transformar a economia de várias regiões e enriquecendo
cidades onde foram implantadas. Algumas cidades (Fig.6) de países subdesenvolvidos, em
estágio de crescimento considerado bom, necessitaram de meios de transporte mais eficientes
para dar continuidade ao crescimento e participar dos novos parâmetros da economia
(SANTOS, 1982, P.98/107).
21
Informações sobre as colônias Anita Garibaldi e Ianetama, localizadas na Zona Bragantina e servidas pela
Estrada de Ferro de Bragança, sobre as famílias de agricultores que vieram povoá-las, através da imigração
subsidiadas, assim como informações da imigração italiana na Amazônia, consultar EMMI, Marília F. Italianos
na Amazônia (1870-1950) - Pioneirismo econômico e identidade Belém: Editora Universitária- UFPA, 2008.
33
Figura 5 Implantação das Colônias Agrícolas (1875-1914) e a Estrada de Ferro de Bragança
(1883-1965). Fonte: PENTEADO, 1968.
34
Estima-se que, como exemplo de imigração estrangeira para o Pará, Província e
Estado, a quantidade de imigrantes sírio-libaneses que utilizou o porto de Belém de 1880 a
1914, em acordo com cálculos utilizando inicialmente, as firmas registradas na Junta Comercial
do Pará, é maior que 5.000 pessoas. Desse total um percentual não calculado, utilizou a Estrada
de Ferro de Bragança desde 1883, até a sua inauguração em 1908, para se instalar nas diversas
colônias ao longo da zona Bragantina. (ZAIDAN, 2001).
Figura 6 Quadro de crescimento de 5 cidades brasileiras e 4 argentinas de 1880 a 1905, no
período de implantação da EFB. Belém e São Paulo apresentaram crescimento significativo.
Fonte: (SANTOS, 1982, p.107).
Apesar de depender da boa vontade dos países industrializados para manter o sistema
ferroviário em funcionamento, para o Brasil e outros países da América Latina que o
utilizaram, estava claro que a ferrovia não era só um simples transporte de cargas, mas sim
um importante meio de transporte de passageiros para esses países, tanto que mantiveram o
sistema funcionando, mesmo com sérios problemas de manutenção e de apresentar resultados
deficitários em vários momentos.
35
Figura 7 – Mapa da Região Bragantina e Zona do Salgado, com representação da Estrada de
Ferro de Bragança, principais rodovias, vilas e cidades e cotas altimétricas. Fonte: Penteado,
1968, p. 8.
A Estrada de Ferro de Bragança (Fig.7) foi a primeira ferrovia a ser construída no Pará
e na Amazônia, e diferente de outras ferrovias inacabadas, foi totalmente concluída e entregue
para uso da população. Com seus 299,10 km de extensão total, incluindo os Ramais de São
Braz Jardim Público, Pinheiro, Prata e Benjamin Constant, em funcionamento integral, a
partir do ano de 1908, ano da sua inauguração, era constituída de 12 Estações e 36 Paradas
22
.
A partir do ano de 1931, com a desativação do Ramal São Braz Jardim Público, a ferrovia
perdeu 6,10 km de extensão, uma Estação (Estação Central de Belém) e duas Paradas
(Generalíssimo Deodoro, antiga 2 de Dezembro, e Batista Campos).
O sociólogo e escritor Fernando de Azevedo, ao escrever sobre a Estrada de Ferro
Noroeste, criou em 1949, mesmo não sendo esta a sua intenção, um guia de referência para
todos os que se dedicaram e para aqueles que ainda se dedicam a desvendar as variadas
nuances da História das estradas de ferro construídas em solo brasileiro, Um trem corre para
22
As Estações eram edifícios maiores, em alvenaria de tijolos, ofereciam maior conforto aos usuários possuindo
armazém, plataformas de embarque e desembarque, salas para as diferentes classes de passageiros, despacho de
bagagem, ou seja, a área construída era maior. As paradas eram pequenos edifícios em alvenaria de tijolos ou
madeira ou ainda em estrutura metálica, com uma sala comum para os passageiros e plataforma de embarque e
desembarque. In
36
o Oeste é o título principal do seu livro, que se tornou conhecido, consultado e citado por
todos aqueles que trabalham com o tema ferrovias. Porém em se tratando de informações
sobre as ferrovias então existentes na região norte do Brasil, ou mais especificamente na
Região Amazônica, mostradas no Mapa Esquemático da Densidade Ferroviária do Brasil
(Fig.8), trata-as superficialmente, denominando-as genericamente de estradas de futuro,
quando daquelas três ferrovias aventadas: Estrada de Ferro Madeira Mamoré; Estrada de
Ferro do Tocantins e a Estrada de Ferro de Bragança, esta última, a única totalmente
construída e inaugurada, e que prestou serviços inicialmente a Província do Pará, de 1883 até
1889, e a partir daí, no período republicano, ao Estado do Pará e a população paraense,
por isso, mereceria tratamento mais adequado do que simplesmente estar entre “as do
Pará”.
(...) Se essas redes mais cerradas e de maior importância econômica,
que tem seus pontos de irradiação em regiões tão diversas e distantes,
se acrescentarem algumas estradas de futuro como no Guaporé, ao
noroeste do Brasil, a Madeira–Mamoré, que, com seus 366 km tornou
todo o departamento do Bem tributário do porto do Pará, e as do
Pará, com 377 km, quase nada para a imensa região dos mares
interiores;(...) ( AZEVEDO, 1949,p.50. )
37
Figura 08 Mapa esquemático da densidade ferroviária no Brasil, adaptado para destacar as
três ferrovias existentes na Amazônia Brasileira em 1949. A de número 1 é a Estrada de Ferro
de Bragança; a de número 2 é a Estrada de Ferro do Tocantins ambas no Estado do Pará, e a
de número 3 é a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré no então Território Federal de Rondônia.
Fonte: AZEVEDO, 1949, p. 35.
38
Nos seus primeiros anos de existência, a Estrada de Ferro de Bragança era deficitária,
mas a exportação da borracha arcava com as suas despesas. (Penteado, 1968). No Relatório
23
enviado ao Governador do Estado do Pará, Excelentíssimo Senhor Doutor Lauro Sodré, em
fevereiro de 1895, sobre a exploração da EFB, o engenheiro politécnico Manoel Odorico Nina
Ribeiro então diretor da EFB, explica o seu objeto de análise através do novo regime de
administração, das condições técnicas e dos resultados econômicos da construção e da
exploração. Nina Ribeiro justifica o novo regime administrativo devido:
“A comprehensão verdadeira dos elementos da utilidade das vias
férreas determinou em 1886 a substituição do regimen autorisado
com a concessão construcção e exploração dos primeiros kilometros
d´esta Estrada. A encampação da companhia concessionária tornou-
se uma necessidade pública. O Estado foi chamado a fazer o que a
indústria privada, auxiliada pelo Thesouro não poude realisar. Nas
estradas de trafego insufficiente, cujos lucros industriaes se limitam
as subvenções do Estado, este é o único alvitre; a iniciativa particular
e a livre concorrência não bastam para garantir a prosperidade do
paiz. Com o novo regimen o lucro do estado ainda não se traduz em
receitas; mas o trafego tem augmentado em progressão sempre
crescente e a economia annual que d´elle resulta para o publico se
eleva a avultada quantia de 4.440 contos de reis. Estes resultados
exprimen as tendências econômicas do regimen em vigor que
adquerio assim um valor essencial no desenvolvimento esta
estrada”.(RIBEIRO, 1895, p. 6)
A encampação da Estrada de Ferro de Bragança pelo governo provincial aconteceu
quando foi sancionada a Lei n
o
1.292 de 13 de dezembro de 1886, pelo presidente Joaquim da
Costa Barradas, cujo teor o autorizava a encampá-la. (CRUZ, 1955, p. 83)
Na continuação do relatório, Nina Ribeiro apresenta os trilhos do tipo Vignole que estão
sendo empregados na EFB, pesando 21 kilos por metro, para o uso de 8 toneladas de carga
por eixo, isto sem nenhum inconveniente, permitindo a implementação de wagons com dez
toneladas de carga útil e de locomotivas com força de tração e aderência suficientes. Neste
sentido, informando que todo material rodante que vai se tornando imprestável estava sendo
substituído:
As curvas de raios menores de 100 metros e, sobretudo as
declividades de 3 por cento e a conveniência de trens mais produtivos,
23
Relatório encaminhado em 12 de fevereiro de 1895, ao Exmo.sr.dr. Lauro Sodré, Governador do Estado
Confederado do Pará pelo engenheiro diretor do Escritório da Estrada de Ferro de Bragança, Manoel Odorico
Nina Ribeiro. Relatório sobre a exploração da Estrada de Ferro de Bragança, construcção do ramal para
Salinas e estudos para o prolongamento da Estrada até a cidade de Bragança, no anno de 1894. Pará:
Typographia e encadernação de V. Travessa & Cia. 1895.
39
determinaram a acquisição de locomotivas mais adherentes da
fábrica de Baldwin em Philadelphia da classe 8 21 D, typo Mogul,
que pezam 21.772 kilos sobre todas as rodas matrizes e perfeitamente
se prestam ao serviço dos trens mixtos, como convém as exigências do
tráfego. Três locomotivas d´esta classe com outras tantas da classe 8-
20 D, da mesma fábrica, completamente renovadas nas officinas
d´esta estrada, são por enquanto sufficientes para o movimento do
trafego.” (RIBEIRO, 1895, p. 7).
Novos carros de passageiros de Classe, do Tipo americano, para 52 passageiros,
também fabricados no mesmo estado norte americano, substituíram os antigos. E em breve os
carros de Classe também seriam substituídos, assim como os carros fechados e “wagons”
para transporte de carga. Foram reconstruídas todas as pontes feitas em madeira, algumas
delas substituídas por bueiros abobadados, outras substituídas por alvenaria de pedras, com
argamassa de cimento e areia.
Nina Ribeiro apresenta um Quadro de Receitas e despesas (Fig. 9) e, nas entrelinhas
do Relatório, deixa transparecer a sua satisfação em relação a todas essas melhorias,
elogiando a qualidade do material adquirido e expondo-o, como é o caso dos trilhos e das
locomotivaso que servem de exemplo.
Figura 9 - Demonstrativo de receita e despesas dos anos de 1890, 1891, 1892, 1893 e 1894.
Fonte RIBEIRO, 1895, p. 16.
40
Em 1897, durante a gestão do Governador Paes de Carvalho, a Estrada de Ferro de
Bragança possuía somente 61 km de extensão executados, interligando Belém às colônias de
Benevides, Santa Isabel e Apeú, chegando, até o final daquele governo, a 109 km de Estrada
construída, com término na colônia de Jambuaçu. Foram criadas, ao longo daqueles novos 48
km de trilhos, as colônias de Santa Rosa, Ferreira Pena, José de Alencar, Ianetama, Inhangapi
e ainda os chamados “Burgos Agrícolas”
24
, definidos pela Lei Ordinária n
o
583, de 21 de
junho de 1898 como : Concessões de áreas a pessoas ou empresas para criarem núcleos
agrícolas com a ajuda do Estado à razão de 400 mil réis por família instalada e a seu chefe
200 mil réis, facultado ao concessionário a propriedade de um terço da área para os seus
labores agro- industriais.
Esta zona era predominada por imigrantes espanhóis, enquanto que em Castanhal e
proximidades, o adensamento era formado por colonos paraenses e nordestinos, com
predominância destes últimos, atraídos pelo comércio valorizado da madeira. A continuidade
dessa imigração subvencionada se deu no Governo de Lauro Sodré, onde alcançaram a
população de 14.000 estrangeiros e 8.000 colonos paraenses e nordestinos.
Em 1907, no governo de Augusto Montenegro, este adensamento de núcleos
agrícolas possuía 65.000 habitantes, para uma população do Estado do Pará de 500.000
habitantes e do Brasil de 17.500.000 habitantes.
Sabe-se que durante 16 anos, depois dos mandatos de 15 presidentes da Província e 6
governos republicanos, foram construídos 105 quilômetros da Estrada de Ferro de Bragança,
de um total de 233 quilômetros para a sua conclusão. Essa responsabilidade foi assumida pelo
Governador do Estado, Augusto Montenegro, no seu manifesto aos paraenses ao iniciar o seu
primeiro mandato em 1º de Fevereiro de 1901.
Na Mensagem ao Congresso Legislativo em 7 de setembro de 1904, a Estação
Central de Belém é citada por Augusto Montenegro como precisando de uma reforma geral,
mas principalmente pela
24
Sobre a criação de burgos agrícolas e imigração estrangeira consultar CRUZ, Ernesto. Edifícios Públicos do
Pará. Volume I. Belém: Imprensa Oficial, 1967, pp. 296-307.
41
necessidade de ampliação do armazém de mercadorias e cargas, pois já não era suficiente para
a demanda existente.
25
Em 1904, a Estrada de Ferro de Bragança divulgou, através do Almanack
administrativo, mercantil e industrial do Estado do Pará indicador 1904 -1905
26
, as suas
normas de funcionamento, incluindo suas próprias obrigações, os direitos e deveres dos seus
usuários, assim como as tarifas cobradas para passageiros e cargas e também outras
informações de interesse geral. Havia um total de 14 Estações na Estrada de Ferro de
Bragança em 1905. O exemplo utilizado nas Tabelas vai somente até à Estação de Benevides,
mas havia ainda Santa Izabel, Americano, Apehú, Castanhal, Marapanim, Jambú-Assú,
Igarapé-Assú e 1ª Caripy.
Estrada de Ferro de Bragança – Tabela kilométrica das Estações
Estações São Braz Instituto LS Asylo DMC
Ananindeua Benevides
Belém 5.410 8.480 10.110 19.461 34.301
São Braz 3.070 4.720 14.830 28.891
Instituto LS 1.630 10.981 25.821
Asylo DMC
9.361 24.191
Ananindeua 14.840
Benevides
Figura 10 - Tabela quilométrica das Estações da EFB. Fonte: ALMANACK, 1905.
25
Mensagem ao Congresso Legislativo do Pará em 7 de Setembro de 1904 pelo Dr. Augusto Montenegro
Governador do Estado do Pará. Belém: Imprensa Oficial, 1904. p. 66.
26
Almanack Administrativo, Mercantil e Industrial do Estado do Pará – Indicador 1904 -1905. Obra de
Estatística e de consulta. Belém: F. Cardoso & Cia,1904. P. 243-297.
42
Tarifa n
o
1 - Estrada de Ferro de Bragança – Tabela Tarifária da 1ª Classe
Estações São Braz Instituto LS Asylo DMC
Ananindeua Benevides
Belém 300 500 600 1$000 1$800
São Braz 200 300 800 1$500
Instituto LS 100 600 1$300
Asylo DMC
500 1$300
Ananindeua 800
Benevides
Figura 11 Tabela de Tarifas de passagens para os carros da Classe dos Trens da EFB.
Cobradas à razão de 50 réis por quilômetro nos primeiros 100 km; 30 réis por quilômetro nos
imediatos; e 20 réis por quilômetro excedente. Fonte: ALMANACK, 1905.
Tarifa n
o
2 - Estrada de Ferro de Bragança – Tabela Tarifária da 2ª Classe
Estações São Braz Instituto LS Asylo DMC
Ananindeua Benevides
Belém 200 300 300 500 900
São Braz 100 200 400 800
Instituto LS 100 300 700
Asylo DMC
300 700
Ananindeua 400
Benevides
Figura 12 Tabela de Tarifas de passagens para os carros da Classe dos Trens da EFB,
cobradas à razão de 20 réis por quilômetro nos primeiros 100 km; 15 réis por quilômetro nos
imediatos; e 10 réis por quilômetro excedente. Fonte: ALMANACK, 1905.
As demais Tarifas, que completavam um número total de 19, estipulavam que:
N
o
3- A passagem de ida e volta tinha um abatimento de 25% na viagem redonda sobre a
Tarifa N
o
1.
N
o
4Bagagens e encomendas custariam 10 réis por kilo e por kilometro.
N
o
5– Gêneros de cuidado e condução perigosa custariam 10 réis por 10 kilos e por km.
N
o
6– Gêneros de Importação - 5 réis por 10 kilos e por km.
43
N
o
7– Gêneros de Exportação - 3 réis por 10 kilos e por km. (Algodão, azeite de andiroba e
outros, cacao, ipecacuanha, madeira em obras, mineraes, pelles verdes, seccas ou
salgadas, piassaba, resinas, tabaco e vassouras, etc.
N
o
8– Gêneros Alimentícios Importados -3 réis por 10 kilos e por km.(arroz, açúcar, batatas,
caroços de algodão, doces, feijão, fructas seccas, geléias, goiabada, línguas frescas ou
salgadas, mamona em bagas ou azeite, mel de abelhas, mel de canna, fumo, milho).
N
o
9– Gêneros Alimentícios e cereais produzidos na Zona da Estrada Bragantina. 1 real por 10
kilos e por kilometro.
N
o
9–A – Aguardente fabricada na Zona da Estrada – 4 réis por 10 kilos e por km.
N
o
10 – Objetos de grande volume e pouco peso – 100 réis por 200 kilos ou m3 e por km.
N
o
11- Vigamentos – custo variável.
N
o
12- Veículos de 4 rodas – 230 réis por um e por km.
N
o
13- Veículos de 2 rodas – 150 réis por um e por km.
N
o
14- Animaes de montaria – 100 réis por um e por km.
N
o
15- Bois e vacas – 80 réis por cabeça e por kilometro.
N
o
16- Carneiros, cabras, porcos e cães – 20 réis por cabeça e por kilometro.
N
o
17- Patos, perús e ganços – 5 réis por um e por kilometro.
N
o
18- Galinhas e outros pequenos animaes – 2 réis por um e por kilometro.
N
o
19- Materiais de construção em pequenas quantidades – 90 réis por 1.000 kilos e por km.
Além de gerenciar as tarifas para os seus trens, a Estrada de Ferro de Bragança gerenciava as
tarifas para a lancha Lauro Sodré” , também de sua propriedade, que fazia o percurso fluvial
da cidade de livramento até às cidades de Cintra e Marapanim, num percurso de navegação de
135 kilometros.
Tabela Kilométrica dos portos para a Lancha Lauro Sodré da Estrada de Ferro de
Bragança
Cidades -portos Livramento Porto Seguro Santarém Novo Cintra/Marapanim
Livramento 45.000m 65.000m 100.000m 135.000m
Porto Seguro 20.000m 55.000m 90.000m
Santarém Novo 35.000m 70.000m
Cintra/Marapanim
35.000m
Figura 13 - Tabela quilométrica dos portos e cidades servidos pela lancha “Lauro Sodré” da
EFB. Fonte: ALMANACK, 1905.
44
Tarifa para a Lancha Lauro Sodré da Estrada de Ferro de Bragança – Preço em réis
Cidades -portos Livramento Porto Seguro Santarém Novo Cintra/Marapanim
Livramento 3$600 5$200 8$000 10$800
Porto Seguro 1$600 4$400 7$200
Santarém Novo 2$800 5$600
Cintra/Marapanim
2$800
Figura 14 - Tabela de Tarifas de passagens para as cidades e portos servidos pela lancha
“Lauro Sodré” da EFB. Fonte: ALMANACK, 1905.
Em 1905, passados dez anos do relatório apresentado pelo engenheiro Nina Ribeiro, o
Governador Augusto Montenegro, cujo empenho e prioridade daquele momento era inaugurar
o Ramal Ferroviário para a Vila de Pinheiro (atual Distrito de Icoaraci), em mensagem
enviada ao Congresso Legislativo Estadual, fez um balanço geral da situação em que se
encontrava e seus planos para a Estrada de Ferro de Bragança:
Continuo a realizar na Estrada de Ferro de Bragança o programa
que me tracei para elevar este próprio do Estado à altura das
estradas de ferro da mesma categoria.
Compreendeis quão difícil é romper com abusos inveterados e quanta
energia é preciso empregar para realizar idéias que saem da rotina.
Entretanto tenho fundadas esperanças de conseguir o meu intento
dentro em pouco.
Em primeiro lugar interessa-me sobremaneira o prosseguimento da
estrada de modo a, em breve, ela atingir seu ponto terminal. De 1º de
Julho de 1904 a 2 de junho deste ano foram entregues
provisoriamente 14 quilômetros de linha além do livramento, e sei
que para diante muito trabalho feito, o que permite augurar que
dentro em pouco tempo a estrada atingio Peixe-Boi. Desde que
forem concluídos os trabalhos do Ramal do Pinheiro, pretendo
mandar atacar com mais vigor a linha principal, de modo a satisfazer
o ardente desejo que nutro de levar a Estrada à Bragança, dentro do
corrente período administrativo.
De acordo com o balanço apresentado pelo governador, a ferrovia contava naquele ano
de 1905, com um material rodante bastante significativo constituído de:
12 Locomotivas, 5 carros de passageiros de Classe, 7 carros de
passageiros de Classe, dois carros de Classe mista, 1 carro salão,
45
8 carros fechados para mercadorias, 2 carros de Bagagens, 1 carro
de Inspeção, 1 de Socorro, 2 para a condução de animais, 1 para
inflamáveis, 10 para lenha, 9 carros plataformas, 10 wagonetes, 10
Trucks para carros de passageiros e 60 para carros de mercadorias..
E passaria, em acordo as providencias tomadas, a contar em 1906
com mais 2 locomotivas Magul para passageiros, 1 locomotiva para
lastro, 6 carros de passageiros de Classe, 4 de Classe, 1 carro
salão, 1 para bagagens, 6 Gôndolas de Aço para carvão
encomendados para os fabricantes na América do Norte.
27
Augusto Montenegro não terminou as obras do Ramal do Pinheiro em 1906, como
construiu mais 38 e meio quilômetros de Ramais e concluiu o que faltava da Via Principal da
Estrada de Ferro de Bragança, num total de 166 quilômetros, com pontes, oficinas e vila
operária em Marituba, inaugurando-a em 1908. Para efetivar todos esses benefícios para a
população do Pará e atingir os objetivos prometidos em seu manifesto, Augusto Montenegro
obteve um empréstimo externo de 650.000 Libras esterlinas a juros de 5%, com ajuda do
deputado Bento de Miranda e do ex-governador Paes de Carvalho que se encontrava, durante
o período de negociações, na Europa. (BORGES, 1983, p. 161).
Passados seis anos da inauguração da ferrovia e do empenho do governador Augusto
Montenegro para inaugurá-la, em janeiro de 1914, na sua Mensagem ao Congresso
Legislativo do Estado do Pará
28
, o governador Enéas Martins, ao falar sobre a Estrada de
Ferro de Bragança, dirigida pelo engenheiro Amynthas de Lemos, relata a situação especial
em que estava o Governo, pois o País e o Estado viviam a queda da exportação da borracha
para o mercado internacional e conseqüente queda da arrecadação financeira, devido à
concorrência dos países asiáticos:
O valor deste próprio do Estado que em representado pelo activo de
23.730:337$135 em 31 de Dezembro de 1912, teve no decorrer do
anno de 1913, o acréscimo de 485:581$244, devido em sua quase
totalidade à importação de material rodante e sobressalentes para
locomotivas e carros de passageiros, que se tornaram indispensáveis
à continuação do tráfego de trens. Esta despeza impunha-se sem
delongas e viu-se o Governo na contingência de autorizá-la, apezar
das dificuldades financeiras, para que não periclitassem a vida dos
passageiros e os interesses de uma grande zona.
27
In
CRUZ, Ernesto. Edifícios Públicos do Pará. Volume II. Belém: Imprensa Oficial, 1967. P. 37-38.
28
Idem , CRUZ, Ernesto, op.cit..P. 129-130
46
Apresentado o pedido deste material e a justificação de sua
necessidade em 24 de agosto de 1912, foi ele auctorizado, e em 5de
setembro, 3 de outubro e 5 de novembro passados, entregue á estrada,
na ponte de desembarque do Pinheiro, para a sua respectiva. Os
materiaes importados constam das locomotivas Rio Branco, Anhanga,
Cametá, Capanema, de seis carros para mercadorias, 6 plataformas
de ferro e sobressalentes para locomotivas e carros, tudo no valor de
400:344$755. Deixa de figurar acima a importância relativa a
montagem dos carros e, havendo sido despendida ainda a
importância de 3:790$000 com a adaptação de mercadorias ao
transporte de carnes verdes, fica o título Material Rodante, que figura
no activo anterior com o algarismo de 1.809:227$278, representado
por 2.243:362$033 em 31 de Dezembro de 1913.
As demais despezas que completam a verba levada em conta (...) tudo
no total de 81:446$489. E por conseguinte de 24.215:918$379 a
conta do activo em 31 de Dezembro de 1913. (...) . Penso em ser
auctorisada uma revisão nesta conta, onde alguns tulos parecem
exagerados pela applicação de preços no inventário procedido em
1910 e que não exprimem realmente o custo de serviços e acquisição
de materiaes, afim de ser para o Activo um algarismo mais
approximado do verdadeiro.
(...) O movimento financeiro da Estrada em 1913 foi o seguinte:
Receita 1.661:297$342; Despesa 1.816:327$377; Deficit
155:030$035.
Em relação as verbas da renda arrecadada nesse exercício e as de
1912, a receita diminuiu de 64:184$306, ou 7,64%; a despeza
diminuiu de 336:159$510 ou 15,61%, o déficit decresceu de
41:510$007, ou seja menor 12,12% que o do exercício anterior.
Estamos tomando medidas no sentido de regularizar esse movimento
de despezas e eliminar o déficit.
Ainda sobre a Estrada de Ferro de Bragança, em nova Mensagem ao Congresso
Legislativo do Estado do Pará, apresentada no dia de Agosto de 1916
29
, o governador
Enéas Martins comenta que as condições técnicas daquela ferrovia continuam sendo
insatisfatórias.
Se pelo sério cuidado que temos tido com a conservação da linha e do
material fixo e rodante, conseguimos não torná-las inferiores aquellas
que encontramos o augmento do trafego não permittio chegarmos ao
grão de aperfeiçoamento desejado, pela carência do sufficientemente
necessário, especialmente de trilhos e rodados de impossível
acquisição. estes havia em principio de 1915 apenas 30 pares em
29
Idem , CRUZ, Ernesto, op.cit..P. 138-141
47
bom estado, dos 80 importados em 1912 e de outros 80 importados
em 1913.
(...) de de Janeiro de 1915 até 30 de Junho último, procedeu esta
administração a novas obras inadiáveis na Estação Central (São
Braz) e seus galpões, e na Estação de Belém, etc...devendo ter em
breve a Estação de Belém inteiramente renovada, o mesmo não
sendo possível fazer nos galpões da Central, por ainda não ter sido
possível obter, sem provisão no mercado, os materiaes necessários.
Um momento importante na compra de material rodante da Estrada de Ferro de
Bragança aconteceu durante o governo de Enéas Martins, pois a compra de novos carros para
os comboios existentes, e que foram recebidos em maio de 1916, foi efetivada de um
fabricante brasileiro. Ali estava um importante indicativo, parcialmente a ferrovia começava a
não depender da importação feita dos Estados Unidos da América do Norte e de países da
Europa, o que certamente acarretou uma diminuição de despesas para o Tesouro Estadual.
Em fins de maio ultimo receberam-se da Fabrica Trajano de
Medeiros & Cia, do Rio de Janeiro
30
, oito excelentes carros, sendo
seis para mercadorias e dois para animaes (...) Tal acquisição vem
prestar um grande auxilio ao trafego hoje muito desenvolvido, ficando
assim as respectivas condições muito melhoradas. O antigo material
rodante soffreu reparos (...) o que attenuou o seu mal estado
valorizando-o. De trilhos e rodados e que continuamos mal, sendo de
urgência a sua acquisição.
Sede e capital de um Estado que contava com uma população estimada em 1.020.000
habitantes, no ano de 1916, em acordo com as informações do “Guia do Estado do Pará”
31
, a
cidade de Belém tinha 195.000 habitantes, distribuídos oficialmente por três Bairros, o
Comercial, o da Cidade Velha e o da Campina e a cidade de Bragança, o outro extremo da
Estrada de Ferro, possuía 29.000 habitantes. Entre as duas Estações, Belém e Bragança, havia
30
A oficina denominada “Trajano Medeiros e Cia” funcionou no bairro de Engenho de Dentro, no Rio de
Janeiro a partir de 1907, em uma área de terreno de 440.00m2, ocupando vários edifícios entre os quais um
galpão metálico de 300m de comprimento e 25m de largura, proveniente da Exposição Universal de Paris de
1889, onde fazia parte do Palácio das Indústrias” . O engenheiro civil Trajano Sabóia Viriato de Medeiros,
dono da oficina, havia sido ferroviário e trabalhado na EFCB, a convite de Pereira Passos executou reparação
dos carros e vagões da daquela Estrada. Em 1903 recebeu convite de Alfredo Maia para reconstrução do material
rodante da EFS ( Estrada de Ferro Sorocabana), em 1906 suas então instalações “já não davam conta de todo
trabalho, atendendo tanto a ferrovia, quanto a Light & Power, para a qual fabricava carros de passageiros em
madeira para os bondes a tração animal ( burros) e reboques para os bondes elétricos, não sendo fabricado
apenas o carro motor” , in RODRIGUEZ, Hélio S. A Formação das Estradas de Ferro no Rio de Janeiro: O
Resgate de sua Memória. Rio de Janeiro: Crafts e Hobbies, 2004. P. 26 – 27.
31
BRAGA, Theodoro. Guia do Estado do Pará. Belém: Typographia e Encadernação do Instituto Lauro Sodré,
1916. P 76.
48
17 Estações e 39 paradas. Nas normas e valores adotados na Tabela de Preços daquele ano, a
viagem no carro de passageiros de Classe, somente de ida custava 9$700 réis, ida e volta
custava 14$600. No carro de passageiros de 2ª Classe o preço de ida era 4$400 réis. Quando o
destino eram as Paradas, o preço do bilhete era igual ao cobrado para a Estação seguinte.
Crianças com até três anos de idade nada pagavam, e aquelas acima dessa idade até aos oito
anos, pagavam apenas meia passagem. Quanto ao movimento dos trens durante a semana para
servir a população paraense era muito variado em horários e havia ainda nos finais de semana,
no domingo especificamente, um trem especial de recreio, que ía até Castanhal, partindo às
6:00 horas da manhã e regressando as 18:12 horas da tarde a Belém. O Jornal A Folha do
Norte de 04 de Abril de 1930, ao publicar anúncio sobre viagens de recreio, realizadas pela
Estrada de Ferro de Bragança, nos horários de 6:00 e 7:00 horas da manhã, com destino a
Castanhal e Pinheiro respectivamente, comprova o sucesso dessas viagens realizadas mais
de 14 anos.
Os horários e os trens existentes para Bragança e outras cidades e vilas, mostrado a
seguir, servem como referência para o trabalho executado pela Estrada de Ferro de Bragança
em 1916.
Destino - Dias e horários dos trens – Tipo de trem - tabela de preços.
Bragança Terças, quintas e sábados às 6:00 horas –Passageira - Ida e
volta 14$600 réis ida 9$700 réis.(o comboio que vae aos
sabbados a Bragança só regressa a Belém nas segundas feiras às
15:00 horas.
Bragança Terças e sextas às 6:00 horas –Mixto (Sai da Estação
Central).
Igarapé Assú Domingos às 5:40 horas –Cargas - Facultativo (Sai
da Estação Central).
Ramal de Pinheiro Todos os dias às 10:50 horas e às 17:20 horas
Passageiros Classe $500, ½ passagem $300; Classe $400, ½
passagem $200. Assinatura mensal 20$000.
Domingos e Feriados 7:00 horas, 13:00 horas e 19:00 horas.
Ramal do Curro Todos os dias às 11:15 horas Passageiros
preço = de Pinheiro.
Ramal de Benfica Sai da Estação de Benevides Espera o trem de
passageiros – 1$000.
Ramal do Prata Sai da Estação de Igarapé Assú - Espera o trem de
passageiros – 1$000.
Ramal de Benjamim Constant Sai da Estação de Bragança - Espera o
trem de passageiros, - 1$000.
Castanhal Todos os dias úteis as 16:30 horas. (BRAGA, 1916, p.
76).
49
Com todos os serviços executados pela EFB, esta ferrovia estava desempenhando
muito bem a sua função tecnológica de transporte de passageiros e cargas, contribuindo para o
bem estar dos usuários de seus serviços. No entanto, era o ex-senador Lauro Nina Sodré e
Silva eleito para o quadriênio de 1917 a 1921, governador do Estado do Pará, um dos
incentivadores dessa ferrovia, quem poderia, devido à condição de já haver exercido o mesmo
cargo no final do Século XIX, de 1891 a 1897, ser o mais capaz de gerir o destino da Estrada
de Ferro de Bragança. Através da sua Mensagem ao Congresso Legislativo, em 07 de
Setembro de 1918
32
, tudo indica que ele tinha mesmo um interesse especial pela EFB e que a
considerava de primeira espécie.
A EFB corta toda uma porção de terras em que a agricultura é de dia
em dia mais crescente e próspera.
Coube-me promover o entendimento desta via férrea, que nos annos
de meu primeiro governo tomou grande impulso. Aos que nesse tempo
contra Ella se insurgiam porque em começo de desenvolvimento do
tráfego o podiam ser grandes os lucros auferidos, eu respondi uma
vez em documento official: Existisse ou exista, embora este déficit
numa estrada natureza dessa e eu não vejo aindaq como condenal-a,
bastando para isso lembrar que largas verbas saem do Thesouro para
ocorrer as subvenções das linhas de navegação, que constituem o
mais prompto e mais útil meio de garantir a nossa prosperidade e não
quem cuide ao conceber taes auxílios, senão nos resultados
naturaes que d´ahi hão de vir para a riqueza particular, que é
sommada a riqueza pública. Pois tudo isso dará como resultado a
Estrada de Ferro de Bragança, indo como vae atravez da zona Ferraz
onde é impossível outro meio de communicação.
Outra já é a sua situação agora, realisadas por completo as minhas
previsões.
(...) A Partir desse anno de 1916, pode-se ter como definitivamente
abolido o regimem do déficit, que sempre nela permaneceu desde
1886 (...)
(...) não permittiram as condições financeiras que eu auctorisasse os
estudos encetados no prolongamento dessa estrada em demanda do
rio Guruppy, o que será levar vida a toda uma boa zona agrícola do
Estado, pertencente aos municípiosde Bragança e Vizeu tendo logo
em vista leval-a até fazer a nossa ligação com o visinho Estado do
Maranhão.
As condições gerais em que se encontrava a EFB mostrada até aqui, pelo período que
vai de 1886 a 1921, poderiam ser consideradas satisfatórias, principalmente por ser uma
32
Idem , CRUZ, Ernesto, op.cit..P. 149- 150.
50
ferrovia implantada na Amazônia Oriental e depender para a sua manutenção de materiais
importados da Europa e América do Norte. Satisfatória, apesar do déficit financeiro que a
acompanhou até 1916, situação declarada tanto pelo relato dos Presidentes da Província ou
Governadores do Estado através das suas Mensagens à Assembléia Legislativa, como pelos
seus Diretores através dos Relatórios Técnicos, e que sempre subsidiavam parcialmente
aquelas Mensagens. Satisfatória, pois continuava, apesar das várias dificuldades apontadas,
funcionando e servindo a população de trabalhadores rurais e comerciantes que crescia ao
longo da Zona Bragantina.
O relato feito por um cidadão português através de carta enviada ao jornal da colônia
portuguesa no Pará
33
- denominado Jornal Lusitano - que circulou em 1921, de uma viagem
pela Estrada de Ferro de Bragança naquele mesmo ano, ilustra às condições em que se
encontrava o material rodante e as condições gerais de segurança e conforto daquela ferrovia,
mais de uma década após sua inauguração, acontecida em 1908. Na edição do dia 12.03.1921
do jornal Lusitano, na segunda gina, seção de comunicações com o editor, foi publicado
com o tulo “Cartas de Bragança”, a opinião do cidadão português F. Oliveira a respeito da
viagem de trem de Belém a Bragança. Como iniciou sua viagem na Estação Central de Belém,
pertencente ao Ramal São Braz – Jardim Público da EFB, o seu relato tornou-se muito
importante para esta pesquisa:
“Prezado amigo Godinho,
Escrevo-te esta, depois de fazer uma excellente viagem no trem do
horário, da Estrada de Ferro Belém–Bragança. Francamente te digo
que quando embarquei na Estação de Belém (Estação Central de
Belém no Ramal São Braz - Jardim Público), tive uns certos arrepios
33
Vários foram os jornais publicados para servirem de veículos de comunicação com a colônia portuguesa no
Pará, tanto no Império quanto no período republicano. Deles foram selecionados os periódicos portugueses
impressos a partir do ano de 1883 até o ano de 1931, intervalo de tempo este determinado pela abrangência desta
pesquisa
O primeiro periódico português publicado no Pará foi o “Paraense” em 01 de março de 1822, impresso na
Imprensa Liberal de Daniel Garção de Melo & Cia, localizada na ilharga do Palácio, hoje Dona Tomásia
Perdigão. Os periódicos portugueses selecionados foram: A Colônia Portuguesa- 1885; Portugal 1878;
Tributo da Colônia Portuguesa 1889; O Echo Português 1890; O Protesto 1895; Pará a Portugal– 1902;
Brasil Portugal 1906; O Lusitano 1907; O Pará a Portugal 1906; Echo Lusitano” 1908 - 1910; Pátria
Nova 1909; O Carbonário Português 1911; Talassa Irônico 1912; 5 de outubro 1913; O Heraldo
1913; Portugal Moderno 1915; Gazeta Lusitana 1916; Portugal 1917; O Record 1918; Alma
Portuguesa – 1919; O Lusitano – 1919; O país das quinas– 1920; Jornal Lusitano 1920-1924; A Colônia 1924-
1928 in CARINHAS Teófilo(org.). Álbum da Colônia Portuguesa no Brasil 1929. Rio de Janeiro: Oficinas
Gráficas do Número, 1929.
51
de frio, com medo de ser esmagado por esses carros, que
levianamente dizem ser os piores do universo. Não é tanto assim,
Eu que o sou marinheiro de primeira viagem, pois que tenho
andado em trens (ou comboios como os chamam na nossa terra)
europeus, não vi esse eminente perigo, como se procura fazer crer aos
que pela primeira vez viajam nesta Estrada de Ferro.
É exacto, que se torna aborrecido transpor tão longo percurso,
porem, sem esse receio de desaparecer desta para melhor. Que diabo!
Desastres sempre houve, e muitas vezes nas melhores linhas férreas
do mundo. Mas isso, nós não reparamos por que nos fica muito longe.
A administração da Estrada de Ferro de Bragança, a meu ver, tem ate
feito muito, e devo louvar a sua criteriosa direcção.
Failar-te desta cidade, caro Godinho ficará para a minha segunda
carta. Hoje te digo que ella é linda e que seu comercio e grande e
criterioso. A nossa colônia esta representada na lista das primeiras
casas comerciais, até breve. Do amigo F. Oliveira. 21.02.1921.”
Se mais uma vez a passagem de Lauro Sodré pelo Governo do Estado do Pará foi
benéfica para a Estrada de Ferro de Bragança, mantendo-a em boas condições de
trafegabilidade, daquela vez ainda foi melhor, com um excelente status financeiro, pois não
havia mais déficit desde 1916, como já foi dito anteriormente. O fato é que o Governo Federal
interessou-se por ela, com o propósito de encampá-la como ferrovia federal, o que foi
efetivado pela sua aquisição em 13 de Julho de 1922, através do Decreto N
o
15.563
34
,
assinado pelo então Presidente Epitácio Pessôa e pelo Ministro da Viação e Obras Públicas
José Pires do Rio.
Apresentado pelo Governador do Estado do Pará sucessor de Lauro Sodré, Dr.
Antonino Emiliano de Souza Castro, na sua mensagem ao Congresso Legislativo Paraense em
7 de setembro de 1922, o Decreto N
o
15.563, composto de 40 Cláusulas, traz como
informação adicional para esta pesquisa dimensões características da Estrada de Ferro de
Bragança, expostas na cláusula Primeira, sendo a única aqui transcrita.
Decreto do Governo Federal N
o
15.563 de 13 de Julho de
1922 Resolve adquirir a Estrada de Ferro de Bragança, de
propriedade do Estado do Pará, e dá-la em arrendamento ao
Governo do dito Estado:
34
Idem , CRUZ, Ernesto, op.cit..P. 197-198. Ver também
Mensagem ao Congresso Legislativo do Pará em 7 de
Setembro de 1922 pelo Dr. Antonino Emiliano de Souza Castro Governador do Estado do Pará. Belém:
Typographia do Instituto Lauro Sodré, 1922. P. 44-49.
52
O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil,
usando da autorização constante do artigo 2 n. VII, da lei n
o
4.230 de
31 de Dezembro de 1920, revigorada pelo Artigo 38 da Lei n
o
4.440 de
31 de Dezembro de 1921, resolve adquirir a Estrada de Ferro de
Bragança de propriedade do Estado do Pará, a fim de incorporá-la as
linhas federais e bem assim, dar a dita Estrada em arrendamento ao
Governo do referido Estado, na conformidade das cláusulas que com
este baixem, assignadas pelo ministro da Viação e Obras Públicas.
Rio de Janeiro, 13 de Julho de 1922, 100 da Independência
e 34º da República.
Cláusula I: O Governo Federal adquire a Estrada de Ferro
de Bragança, de propriedade do Estado do Pará, a qual passa ao
pleno domínio da União. A Estrada de Ferro de Bragança é
constituída:
I- Pelas Linhas e Ramaes adeante descritos;
a) Bitola de um metro:
Linha Principal Belém a Bragança..................................233.177,53
m
Belém ao Entroncamento ( duplicada).................................. 9.179,25
m
Desvios, triângulos e linhas auxiliares................................ 10.529,51
m
Ramaes Utinga (Central ao Utinga).................................. 1.307,00
m
Pinheiro (Entroncamento ao Pinheiro)............................... 15.474,20
m
Desvios, triângulos e linhas auxiliares................................. 4.434,75
m
b) Bitola de 65 centímetros:
Ramal de Igarapé-açu ao Prata............................................20.777,00
m
Prolongamento de Bragança a Benjamim Constant.............19.175,32
m
Desvios, triângulos e linhas auxiliares.................................. 465,90
m
c) Bitola de 1m,45:
Ramal de tracção animal de Benevides a Benfica................9.000,00
m
II- Pelos edifícios, dependências, oficinas, material rodante, etc...,
constante de inventário organisado e que, assinado por ambas as
partes, ficará fazendo parte integrante do contrato.
III- Pelos terrenos abaixo mencionados pertencentes à Estrada:
a) 1.580 hectares de terras em Marituba;
b) terrenos desapropriados em Belém, São Braz e Marituba;
c) terrenos em Bragança;
d) terrenos para a nova Estação de Americano.
53
Como o Ramal São Braz (Estação São Braz) Jardim Público (Estação Central de
Belém) da EFB, para ser definitivamente implantado, a partir de 1887 adotou em diversos
momentos a denominação de Prolongamento da EFB, no Decreto Federal 15.563, de 1922,
ele achava-se partícipe da linha Principal, incluído nos 233.177,53 metros de Belém a
Bragança.
A aquisição em 1922 pelo governo federal da Estrada de Ferro de Bragança não agradou a
setores da política paraense, pois o jornal “A Província do Pará”
35
na sua edição de 21 de
fevereiro de 1923, p.1, voltou a atacar a via férrea bragantina, como nos idos de 1883:
“Mais um descarrilamento–uma viagem rápida de Belém a
Bragança em 22 horas.
Da Estação de Belém partiu sabbado último, ás 6 horas precisas, o
trem do horário P.1 com destino á cidade de Bragança, conduzindo
grande número de passageiros alli domiciliados.
A viagem duraria apenas ás 9 horas costumeiras se o péssimo estado
daquella via-férrea não caminhasse célere para a mais completa
imprestabilidade e se os socorros pedidos fossem enviados com a
devida precizão (...)
Apezar das constantes reclamações feitas neste sentido, nenhuma
providência foi tomada por quem de direito, que permanece
indifferente a toda sorte dos sucessivos desastres (...)”
O fato é que não devia haver a manutenção adequada na EFB, pois o Estado do Pará e
a sua capital, Belém, sentiam ainda o efeito da penúria gerada pela perda da liderança no
mercado internacional da exportação da borracha. Em relação a essa crítica à EFB, a natureza
do tráfego não havia modificado, o traçado das linhas também não sofreu mudança, e o
material dos trilhos
36
assim como o rodante da ferrovia eram, como já vimos, de ótima
qualidade. Mesmo com todos esses problemas a EFB continuava prestando serviços à
população de Belém e da Zona Bragantina. Indiretamente através de noticias sociais, naquele
mesmo ano de 1923, o “Jornal Lusitano” noticiava a situação em que se encontrava a EFB,
através de usuários dessa ferrovia, em dois momentos bem movimentados para o comércio e
35
Em 29 de agosto de 1912, após ter tido a sua sede incendiada por opositores ao Lemismo, “A Província do
Pará”, não circulou mais. A volta da circulação desse jornal, com Antonio Lemos morto em 1913, foi somente
em 1922, já como Òrgão do Partido Liberal com Escritório e Typografia no Largo das Mercês n
o
7.
36
“Com os trilhos Vignole empregados nesta Estrada, com o pezo de 21 kilos por metro,a carga por eixo pode
ser sem inconveniente de oito toneladas, e este limite torna possível o emprego de wagons com dez toneladas de
carga útil e de locomotivas com força de tracção e adherencia suficientes” Op. Cit.página 10.
54
para a população da cidade de Belém e de todo o Estado do Pará, o Círio de Nossa Senhora de
Nazareth e as festas do Natal e Ano Novo:
Jornal Lusitano, Belém, 27.10.1923. “Ecos Sociais” – Viajantes.
“No trem de hoje segue para Mirasselvas (E.F.B.), onde é importante
e conceituado comerciante, o nosso respeitável compatriota Sr.
Manoel d’Oliveira Marques, que esteve alguns dias nesta capital,
acompanhado de sua gentilíssima filha, assistindo as festas que se
estão realizando em louvor de Nossa Senhora de Nazareth.
Ontem mesmo os distinctos viajantes nos deram a honra de sua visita,
gentileza que muito agradecemos.”
Jornal Lusitano, Belém, 29.12.1923. “Ecos Sociais” – Viajante.
“Deu-nos o prazer de sua visita ontem, o nosso distincto amigo e
compatriota Sr. Antonio José da Cunha, digno comerciante na E.F.B.
Ao amigo Cunha, que é nosso assignante, agradecemos a sua
gentileza.”
Estes testemunhos contribuem para mostrar que a mais completa imprestabilidade”,
na sinistra visão e previsão do jornal “A Província do Pará” sobre a ferrovia, não aconteceu.
O contrato de compra e venda da Estrada de Ferro de Bragança foi assinado em 31 de
Julho de 1922 no Rio de Janeiro, sendo procurador do Estado do Pará o eminente senador Dr.
Lauro Sodré
37
, que como tudo indica teve grande participação nas diversas rodadas de
negociações. Dois anos e meio depois, 12 de janeiro de 1925, foi lavrada no Décimo Segundo
Oficio de Notas, a escritura de compra e venda, tendo como vendedor o Estado do Pará e
compradora a União Federal
38
:
(...) E pelo outorgante vendedor, o Estado do Pará, por seu
procurador legalmente constituido, conforme o instrumento do
mandato que será nesta transcripto, me foi dito perante as mesmas
testemunhas: - a) que é senhor e possuidor de uma Estrada de Ferro
com trezentos e trinta kilometros e novecentos e dezenove metros
denominada “Estrada de Ferro de Bragança” composta de uma
linha principal e quatro ramaes; dotada de vinte e uma Estações
sendo dezessete na linha principal, uma no Ramal de Pinheiro, duas
no Ramal do Prata e uma no Ramal de Benjamim Constant;
possuindo quarenta paradas de vários typos, três depósitos de
madeiras, officinas geraes em Marituba com as dependências e
mechanismos precisos, Uma Vila Operária e quinze casas de turma
37
Mensagem ao Congresso Legislativo do Pará em 7 de Setembro de 1922 pelo Dr. Antonino Emiliano de
Souza Castro Governador do Estado do Pará. Belém: Typographia do Instituto Lauro Sodré, 1922. P. 49.
38
Idem , CRUZ, Ernesto, op.cit..P. 226-231
55
ao longo da linha. A Estação de Belém ou antiga Estação do Jardim
Público foi instalada em logradouro público abrangendo actualmente
a área comprehendida entre a Estrada de o José e a Rua Ângelo
Custódio, limitada pela direita com as construções, no ângulo da
Travessa Demétrio Ribeiro e ao longo desta até a Ângelo Custódio e
pela esquerda com a Avenida Almirante Tamandaré. Todo o percurso
da Linha da Estação de Belém a de São Braz é feito pelas vias
públicas. A Estação de São Braz foi construída em terrenos do
Patrimônio municipal, à margem do Largo de São Braz, actualmente
Praça Floriano Peixoto, que estavam baldios ao tempo da
construção. De São Braz ao Marco da Légua percorre a Estrada a
antiga Avenida de São Braz, posteriormente Avenida Tito Franco, via
pública municipal, aberta longo do tempo. (...) - b) que a Estrada
de Ferro de Bragança é dotada dos necessários móveis e utensílios,
todos relacionados em trinta de junho de mil novecentos e vinte e um,
pelo engenheiro A.V. Avilla, e dos mechanismos, ferramentas e
diversos materiaes existentes nas officinas e depósitos, também
relacionados pelo mesmo engenheiro em julho do mesmo anno, cujos
inventários e relatórios e seus annexos sobre o movimento financeiro,
planta, schema da Estrada, quadro dos trens e horários, tarifas,
plantas diversas, quadro do material rodante, photographias,
etecetera, ficam fazendo parte integrante da presente; - c) que o
Governo Federal usando da autorisação constante do artigo segundo
número VII da Lei número quatro mil dusentos e trinta, de trinta e um
de Dezembro de mil novecentos e vinte revigorada pelo artigo trinta e
oito da Lei número quatro mil quatrocentos e quarenta e seis de trinta
e um de Dezembro de mil novecentos e vinte e um, resolveu adquirir a
descripta Estrada de Ferro de Bragança, a fim de incorporal-a às
linhas federaes, na confomidade das cláusula baixadas com o citado
Decreto. d) que em virtude do disposto no Decreto número quinze
mil quinhentos e sessenta e três de treze de Julho de mil novecentos e
vinte e dois, ajustou vender à Outorgada Fazenda Federal a Estrada
de Ferro de Bragança, de sua propriedade, para que ella passe ao
pleno domínio da União Federal com todas as linhas, ramaes,
desvios, triângulos, linhas auxiliares, edifícios , dependências,
officinas, material rodante, etecetera, constante do inventário
organizado e que assignado por ambas as partes fica fazendo parte
integrante da presente, bem como os terrenos adiante mencionados
pertencentes a Estrada; mil quinhentos e oitenta hectares de terras em
Marituba; terrenos desapropriados em Belém, São Braz e Marituba;
terrenos em Bragança e terrenos para a nova estação de Americano,
venda esta que segundo o alludido decreto, foi ajustada pela
importância de dezessete mil contos de reis , sendo cinco mil contos
de reis em moeda corrente e os restantes dozemil contos de reis em
doze mil Apólices da Dívida Pública do valor nominal de um conto de
reis cada uma, juros de cinco por cento ao anno.- e) e que o
outorgante, Estado do Pará, representado pelo seu governo, obrigou-
se ao ajustar esta venda a applicar a somma de cinco mil contos de
réis do seguinte modo: Primeiro na acquisição de trilhos e
acessórios, inclusive apparelhos de mudança de via do tipo Vignole e
56
de vinte e cinco kilogramos por metro corrente, para a substituição de
oitenta e sete kilometros e quatro^metros de linha; Segundo – na
acquisição e assentamento de cento e quinze mil dormentes e cem mil
tirefonds ou grampos de linha; Terceiro no assentamento, lastro e
nivelamento de oitenta e sete mil e quatrocentos metros de linha;
Quarto na acquisição de duas locomotivas, oito vagões fechados de
mercadorias, dois para animaes e dez wagões plataformas de vinte ou
mais toneladas de lotação, bem como de dois carros de passageiros
de primeira classe, um de segunda classe e um mixto; Quinto na
acquisição de trinta e oito trucks diversos para carros e wagões e na
de oitenta e quatro pares de rodas com eixo para o mesmo material;
Sexto na acquisição de molas, pinos,etcetera e de artigos mettalicos
diversos necessários à prompta execução de reparos de que precisam
as locomotivas e o material rodante de estrada; Sétimo emgrandes
reparações exigidas por oito locomotivas e Oitavo em reparações
geraes no material fixo e rodante da estrada; - f) que na mesma
occasião o Outorgante Estado do Pará concordou em que a referida
quantia de cinco mil contos de réis ficaria em depósito na Agencia do
Banco do Brasil no Pará que, de accordo com as ordens do
GovernoFederal e os certificados expedidos pela Inspetoria Federal
das Estradas, iráfazendo a entrega ao Governo do Estado das
importâncias requisitadas até aquele limite, a proporção que forem
sendo adquiridos os materiaes e realizadas as obras acima referidas
obrigando-se outrossim, o Governo do Estado do Pará à empregar
precipuamente, por intermédio do Banco do Brasil, no serviço da sua
actual dívida o producto da venda das Apólices.(...)E para constar
onde convier, eu, Ruth Fernandes Soares, arquivista Classe C, nível
11, desta Repartição passei a presente certidão que assino Ruth
Fernandes Soares – Confere.
Na Mensagem enviada em 7 de Dezembro de 1923
39
pelo Governador Antonino
Emiliano, ao Congresso Legislativo, havia a certeza de que os 5.000:000$000, dos
17.000:000$000 recebidos em pagamento pela Estrada de Ferro de Bragança, daria novas
condições de funcionamento para a ferrovia, agora tendo o seu tráfego sob o comando do
Engenheiro Antonio Crespo de Castro. O Edital de concorrência para a reforma da Estrada
sairia no Diário Official daquele mês de Dezembro.
(...) Reparada, o que em breve succederá, na plenitude, portanto, da
sua efficiencia, se constituirá a E. F. de Bragança, dentre em pouco,
um dos mais valiosos elementos econômicos do Estado, como fonte
directa da renda, e principalmente como o incentivo, de que tanto
carece, para o seu desenvolvimento, a vasta região agrícola dos
municípios bragantinos. (...)
39
Idem , CRUZ, Ernesto, op.cit..P. 207 – 209.
57
E na mensagem seguinte, de 7 de Setembro de 1924
40
, o Governador Antonino
Emiliano volta a informar sobre os resultados daquela Concorrência de fornecimento de
materiais e execução das obras e melhoramentos da Estrada de Ferro de Bragança, da qual
foram abertas as propostas em 19 de março de 1924. Depois de julgadas no dia 08 de abril,
em sessão presidida pelo próprio governador, foram divulgados os participantes ganhadores.
(...) Depois de bem discutidas e examinadas todas as propostas, foram
preferidos os concorrentes: Holden & Lemos, para fornecimento de
dormentes, trucks, jogos dos mesmos, rodas ares, eixos, jogos de
molas, materiaes para conserto das cinco locomotivas Apehú, Peixe-
Boi, Caripy, Jambu-assú e Maracanã, idem para a locomotiva
Ananindeua, idem para a Benevides, idem para a Rio Branco, tubos
de cobre, uniões de metal, vergalhões, chapas de cobre, solda
granulada, ferro Guzon, ventilador, cadinhos, machinas com esmeril,
chapas de vidro, asbestos em blocos, óleo de linhaça, verniz, água
raz, seccante, alvaiade, verde em massa, tinta, ocre, crê, roxo-terra,
potassa, cal virgem, vermelhão, sombra, lírio, terra de siem, cartões,
pára-choques, molas de tracção, caldeiras, fornalha, tubos, manilhas,
mangueiras e mão de obra de todas as locomotivas; La Commerciale
Sud Americane, trilhos, talas de juncção, parafusos, tirefondes e
grampos, apparelhos de mudança de guia; A. Victorio da Costa,
assentamento lastro e nivelamento de 87.400 metros, inclusive
substituição de trilhos e administracção; Companhia Brasileira de
Electricidade, jogos de rodas motoras, excêntricos, jogos de estropos,
chapas de aço, vergalhões redondos, cantoneiras, rebites e pára-
choques.
O material adquirido e a execução dos trabalhos contractados
consumirão cerca de 4.200 contos, ficando reservados para eventuaes
800:000$000 dos 5.000:000$000 destinados aos consertos, nos
termos em que foi realizada pelo Governo Federal a encampação da
Estrada de Ferro de Bragança.(...).
A dependência da importação do material rodante e de outros materiais continuava
sendo significativa para o eficaz funcionamento da EFB, era o que aquela concorrência
mostrava com clareza, ao divulgar os seus ganhadores; notada a ausência da Fabrica Trajano
de Medeiros & Cia, do Rio de Janeiro, que já acumulava anos de experiência, era fabricante
nacional, e poderia ter oferecido, naquilo que produzia, preços melhores, contribuindo para a
não importação de parte do material. As dificuldades da EFB, a importação de material e a
liberação da verba federal para a efetivação das compras, fazem parte da mensagem
40
Idem , ibidem. CRUZ, Ernesto, op.cit..P. 213 - 214.
58
governamental enviada ao Congresso Legislativo do Estado, em 7 de setembro de 1925
41
,
pelo sucessor de Antonino Emiliano de Souza Castro o Governador Dr. Dionísio Ausier
Bentes, que iniciou seu mandato em de fevereiro de 1925, com término em 1º de Fevereiro
de 1929. (...) Desde que assumimos o governo não contando senão com os recursos naturaes
do Estado, impondo-se a reconstrucção de Bragança, que não resistiria por mais um
semestre, no seu tráfego, foi nossa preocupação de todas as horas, reclamar do governo da
União o cumprimento da cláusula a que se havia obrigado.
Ao que tudo indica, o Governo Estadual anterior, além de receber os doze mil contos
de réis em apólices do Governo federal em pagamento da EFB, nada empregou desse valor
recebido, do total de 17.000 contos de réis, para o melhoramento daquela ferrovia e ainda
repassou a responsabilidade para o seu sucessor, que teve de usar argumentos especiais como
a urgência nos consertos ou o colapso em 6 meses, para poder receber os 5.000 contos de réis
restantes e poder começar a trabalhar. Até os 800 contos de réis dessa quantia, reservados para
eventuais consertos, já haviam sido predestinados pelo antecessor;
Por intermédio do Banco do Brasil foram remettidos, da
importância de 5.000 contos de réis, 2.000 contos de réis em três
prestações, sendo uma de 1.000 contos e duas de 500 contos.
Com esse dinheiro, já foram feitos pagamentos de parte do material
importado das praças da Europa e América, destinado à
remodelação, como consta do relatório do director dessa Estrada, e
de mappas insertos em annexos.
Para os serviços de reconstrução o meu antecessor havia acceitado a
proposta, sob forma de administração, contractada com o engenheiro
Victorio da Costa. Essa administração contractada, montava à
importante cifra de 800 contos, a qualhavia sido transferida a uma
outra firma estrangeira. Porque não conviesse, no momento, aos
interesses do Estado, o alludido contracto, resolvemos rescindil-o,
sujeitando-nos à penalidade nelle estatuída. E, em seguida,
entregamos essa administração a aprovada competência do actual
diretor, Dr. Crespo de Castro. E porque desejássemos atacar os
serviços, na época em que começavam a rarear as grandes chuvas,
próprias da estação, e não contássemos com os certificados das obras
realizadas, fornecidos pela honrada Fiscalização Federal da
Inspectoria das Estradas de Ferro, resolvemos, por conta do Estado
abrir um crédito de 200 contos , depositados no Banco do Brasil,
para inicio, sem delongas, desses trabalhos.
41
Idem , ibidem. CRUZ, Ernesto, op.cit. P. 220 – 224.
59
Não se enganou a nossa espectativa com a actividade desenvolvida
por quem superintende essa reconstrução, podendo annunciar-vos o
adeantamento progressivo que tem tido o assentamento dos novos
trilhos, a reconstrucção de locomotivas e a construcção sobre trucs
novos de novos carros, para passageiros e cargas. Em nossa última
inspecção, tivemos ensejo de verificar a veracidade do que acima
ficou referido. (...)
Em outro relato de viagem no ano de 1925, feita em um dos trens da Estrada de Ferro
de Bragança, desta vez pelo próprio editor do jornal denominado A Colônia, dirigido
especialmente aos portugueses do Estado do Pará, temos nova opinião quanto às condições
em que se encontrava o material rodante e sistemas gerais de segurança e conforto daquela
ferrovia. Haviam-se passado então três anos da encampação da EFB, tornando-se aquela
propriedade do Governo Federal, sendo arrendada pelo mesmo ao Estado do Pará. Um
primeiro texto elaborado pelo mesmo autor, publicado naquele jornal na edição de Sábado dia
19.09.1925 e que foi muito bem aceito pelos leitores, versava sobre uma viagem de ida e volta
de trem a Bragança, infelizmente extraviado junto com aquela edição do jornal, dos números
daquele periódico utilizados para esta pesquisa. A Colônia publicou o segundo texto assinado
pelo seu editor no Sábado seguinte, dia 26.09.1925, com a chamada: De Trem - De Belém a
Bragança e vice- versa:
.
Hoje influenciado por essas generosas palavras de muita gente que
tem ido a Bragança e ainda tenciona ir. Eu direi que durante o
trajeto, em certo tempo, se ventilou o assunto de não haver conforto
nos carros. E os próprios passageiros que o ventilaram em palavras
enérgicas, mas sem desconsideração a quem quer que seja, em
presença de um distinto deputado, que também viajava- a quem não
tenho a honra de conhecer- Imploravam-lhe que pugnasse em prol
dos passageiros.
Ora, eu sempre tenho ouvido dizer que o exmo. Sr.Dr. Crespo de
Castro, digno Diretor da EFB, se tem esmerado no desempenho do
cargo que exerce.Além disso, conheço-o, de nome, muitos anos, a
quando s.exc. residia em Manáos. Para tal corroboro o que se diz,
mas s.exc precisa viajar até Bragança, para apreciar e depois refletir
nas razões que alegam os passageiros.
Que os trilhos estão maus é um facto, mas isto não desculpa a falta de
uma talha ou outra qualquer coisa, com água, nem desculpa a falta de
um vidro na porta da frente da carruagem..
Aqui, Godinho Ferreira pode ter iniciado significativa influência na carreira técnica
do Sr.Dr. Crespo de Castro.
60
...Assim me expressei no artiguete de sábado. Falta saber se as outras
carruagens também têm falta de vidros, se não tem, tanto melhor, pois
a despesa com um só é insignificante.
Não sei se foi em Peixe-Boi (parece-me que foi) que a máquina entrou
no desvio para deixar ficar duas carruagens de classe. Justamente
a que seguiu o resto da viagem era a que lhe faltava o vidro. Mas a
falta desses dois carros amargou ainda mais a penosa viagem que
então fizemos. Os passageiros, que até enchiam bem a carruagem,
sobejaram. Eu, e muitos outros mais, tivemos que ir em pé. por
isto, S. Exc. O Sr. Dr. Crespo de Castro poderá avaliar nosso
incomodo.
Apareceram comentários de toda natureza. Entre os que me ficaram
na memória ouvi este: um venerando cavalheiro professor e pai de
distintos cidadãos que exercem as profissões de respeitabilidade nesta
capital, que passou da casa dos 70 anos, disse, para quem quis
ouvir “Antes as passagens de 1ª classe, eram mais baratas, e os
passageiros muito menos; agora, elas são mais caras e eles em muito
maior número.”
Terminemos, mas antes é preciso que se diga que os empregados que
viajavam no trem, eram gentis para com os passageiros.
Nem uma pequena queixa ouvimos de quem quer que fosse. Pelo
contrário elogiavam-os, como também elogiavam quatro maquinistas
empregados na locomotiva dos trens horários, dizendo-os
competentíssimos e conhecedores da linha até com os olhos fechados.
Sendo assim, em nome daqueles que viajam na EFB apelo para os
sentimentos nobres e altruísticos do Exmo. Sr. Dr. Crespo de Castro
afim de que nos carros sejam postas umas talhas ou depósitos para
serem cheios de água antes dos trens seguirem o seu destino, e que no
carro em questão seja colocado um vidro para evitar-se a entrada das
centelhas de fogo prejudiciais aos passageiros e mesmo ao próprio
carro.
Se vossa excelência assim proceder, depois de verificar pessoalmente
a razão que nos levou a escrever estas palavras, terá em cada um
passageiro, um admirador e um amigo.
Godinho Ferreira.
indícios que o relato da viagem do cidadão Godinho Ferreira tenha dado novo
impulso ao recém empossado superintendente Dr. Crespo de Castro nas suas ações de
manutenção e segurança ferroviária, pois em 10 de setembro de 1925 havia sido criada a
Superintendência da Viação Férrea do Estado, visando dar unidade entre os trabalhos das duas
ferrovias que a compunham, justamente e sob a direção do engenheiro Crespo de Castro, que
acumularia as funções que vinha desempenhando na EFB como seu diretor e responsável
61
por sua reconstrução, com as de representante e orientador da Estrada de Ferro de Tocantins
42
.
(CRUZ, 1967, p.239).
Passados os cinco anos da gestão do Dr. Dionísio Bentes o novo governo envia na
Mensagem para o Congresso Legislativo do Estado, apresentada em 7 de setembro de 1930,
pelo Governador Eurico Valle, antes de ser retirado do poder pela Revolução de 1930, nela se
encontra um importante resultado financeiro do tráfego da Estrada de Ferro de Bragança cuja
abrangência vai de 1925 até 1929 (Fig. 15). Assim como havia acontecido em 1925, os dois
últimos anos aferidos 1928 e 1929 foram de saldo positivo e em ascensão, para a EFB. A
viabilidade da ferrovia ganhava fôlego e por extensão o Ramal São Braz – Jardim Público.
Resultado do Tráfego no Qüinqüênio 1925 - 1929
1925 1926 1927 1928 1929
Receita
1.436:082$89
8
1.414:940$88
2
1.520:236$48
3
1.554:725$25
3
1.681:338$36
5
Despes
a
1.402:786$43
7
1.501:826$29
2
1.542:875$44
2
1.549:252$26
6
1.552:403$24
4
Saldo-
Déficit
+ 33:296$161 - 86:835$410 - 22:638$950 + 5:472$937 +148:939$121
Figura 15 Saldo e ficit do tráfego da Estrada de Ferro de Bragança nos 5 anos que
antecederam a Revolução de 1930. Fonte: CRUZ, 1967.
Porém é justamente um mês depois, ainda no clima de divulgação do saldo positivo no
tráfego da Estrada de Ferro de Bragança, que a ferrovia e conseqüentemente os seus usuários
sofrem a primeira ação dos revolucionários de 1930. De acordo com a edição do jornal A
Folha do Norte” de 08 de Outubro de 1930
43
:
No início da manhã do dia 6, um pelotão de soldados do 26,
comandado pelo tenente Olympio Pinto Pampolha, único oficial da
Força Pública do Estado que aderiu a Revolução, auxiliado pelo civil
David Schuterchitz ocupou o Largo de São Braz deixando um piquete
guarnecendo um acesso aquela Praça. Em seguida ocuparam o
42
A ferrovia do Tocantins, apesar de ser citada em alguns momentos, não faz parte dos estudos dessa pesquisa.
43
Apud COIMBRA, Creso. A Revolução de 30 no Pará Análise crítica e interpretação da História. Belém:
Conselho Estadual de Cultura, 1981. P.170 -173
62
prédio do Mercado, e partiram para a Estação da Estrada de Ferro
de Bragança, onde chegaram ás 7:00h da manhã. (...)
O tenente Pampolha entrou na Estação de revólver em punho,
prendeu Manoel Pinheiro, telegraphista de serviço, e declarou que de
ordem do comandante dos revoltosos apossava-se do edifício,
alertando a todos que seria inútil qualquer resistência.
O intervalo de tempo de interesse do funcionamento da Estrada de Ferro de Bragança
para esta pesquisa começa com as primeiras leis que determinavam o traçado daquela
ferrovia, e termina na década de 1930, tomando como referencia o mês de Dezembro de 1931,
quando da 1ª noticia de desativação do Ramal São Braz- Jardim Público.
63
2 - O trem atravessa Belém: encontro com a paisagem urbana.
O primeiro encontro da Cidade de Belém com a Estrada de Ferro de Bragança se deu
quando da escolha do ponto de partida daquela ferrovia, resultado do cruzamento da Estrada
de Bragança com a linha limite da Primeira Légua Patrimonial da cidade; o que no entanto
não se efetivou na prática pois, como já observado anteriormente, o edifício da Estação que
determinou o local estipulado como o inicio da EFB foi construído no Largo de São Braz, ou
seja, algumas centenas de metros aquém daquele que seria o primeiro ponto de partida
adotado para a referida ferrovia.
Compreender estas tomadas de decisão em relação à ferrovia e observando o que está
representado na planta topográfica dos limites da Légua Patrimonial da Câmara Municipal
desta cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará (Fig.16), elaborada pelo agrimensor
interino da Câmara, José O’de Almeida
44
, traz algumas informações extra sobre o traçado da
EFB, e do traçado do Ramal São Braz Jardim Público, visto que este levantamento foi
utilizado para auxiliar na demarcação daqueles dois traçados da ferrovia. O mapa apresenta
denominações de logradouros não encontradas posteriormente, por exemplo comparados ao
levantamento feito por Nina Ribeiro em 1883-1886, e que nem são citados na historiografia
existente sobre as ruas de Belém
45
. A Avenida Independência é simplesmente denominada de
Rua da Independência, e o mais interessante é a denominação de Praça da Independência para
o Largo de São Braz. O mapa também se torna incomum ao denominar o Rio Pará ou Baía do
Guajará como Rio Guajará, e denominar o Rio Guamá como Rio Guajarámiry.
Ao fazer referencia sobre o levantamento executado por José O’ de Almeida, o
engenheiro politécnico João de Palma Muniz não contesta as informações ali existentes. Pela
sua formação, seriedade e responsabilidade sobre as questões cartográficas, Palma Muniz
empresta credibilidade ao levantamento do agrimensor. Refere-se também à extensão das
terras compreendidas na demarcação da sesmaria de 1627 e atribui um valor, com base no
cálculo feito sobre o levantamento de 1883- 1886 do engenheiro politécnico Manuel Odorico
44
Designado pela Portaria de 16 de Dezembro de 1861, o agrimensor interino José O´de Almeida, teve a
incumbência de fazer a demarcação das terras constantes da légua Patrimonial de Belém, trabalho resumido
em uma planta, cuja cópia foi reproduzida in: MUNIZ, J. de Palma. Patrimônio dos Conselhos Municipaes do
Estado do Pará. Paris - Lisboa: Aillaud & Cia, 1904. P. 97
45
Ernesto Cruz identificou para a Avenida Independência (atual Avenida Magalhães Barata) mais duas
denominações anteriores; Estrada do Utinga e Cipriano Santos; Assim como para a Praça Floriano Peixoto
uma denominação anterior: Largo de São Braz. In CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém. Belém: Edições CEJUP,
1992. P.79, 103.
64
Nina Ribeiro, que é de 4.110 hectares ou 41.100.000 metros quadrados. Ao comparar este
valor, com o existente no Relatório de 1901, denominado Área Geral da Cidade, de autoria da
gestão do Intendente Antonio Lemos, constata uma diferença de 584.132 metros quadrados,
para menos, em relação ao mesmo cálculo, elaborado sobre o mapa de Nina Ribeiro, pois a
área edificada de Belém, no relatório de Lemos, era de 24.031.972 metros quadrados e a área
pouco edificada de 16.513.896 metros quadrados, perfazendo um total de 40.515.868 metros
quadrados.
É ainda, o próprio João Palma Muniz quem, em 1904, organiza e executa um mapa
dos terrenos de propriedades privadas (Fig. 16), para confirmar que na Zona de abrangência
da 2ª Légua Patrimonial de Belém, concedida à Intendência Municipal da cidade, como
aumento de patrimônio pelo Decreto Lei 766 de 21 de Setembro de 1899, a maioria dos
terrenos era de legitima propriedade particular, outros a serem legitimados, na área
organizada de 6.600 metros paralela ao Bulevar da Câmara Municipal. Palma Muniz
considerou, em 1904, o levantamento de Nina Ribeiro de 1883-1886, como a Planta da
Capital do Estado do Pará
46
, em grau de importância e cronologia, sobre situação geográfica
da cidade. A Planta de Concessão da Légua Patrimonial de José O´de Almeida de 1862
(Fig.17), foi considerada a 2ª Planta da Capital do Estado do Pará, por Palma Muniz,
naquele seu processo de observação e análise. (MUNIZ, 1904, pp.93,98,99).
46
Num total de cinco Plantas referenciadas por Palma Muniz, duas delas, a 2ª e a 5ª, eram referentes a
abastecimento de água de Belém e a saneamento básico, respectivamente. A Primeira Planta da Capital do
Estado do Pará por ele considerada foi a de 1753: Levantada por uma comissão de engenheiros vindos de
Portugal para levantar a Planta da Ilha do Marajó, e conjuntamente com esse trabalho, realizado por ordem do
Capitão Geral e Governador do Estado do PaFrancisco Xavier Mendonça Furtado, foi tirada a vista da
cidade, desenho este que ilustra a primeira página Dos Jesuítas no Grão Pa de João Lúcio de Azevedo.” In:
MUNIZ, J. de Palma.Op.Cit., p.93. Ver também “Planta Geométrica da Cidade de Belém do Gram Pará”.
Tirada por Ordem de S. Ex ca. o Sr. Don Francisco Xavier de Mendonça Furtado Capitão General e
Governador do mesmo Estado, em o Anno 1753”, REIS, Nestor Goulart. Imagens das Vilas e Cidades do
Brasil Colonial. 2000.pp. 269,398.
65
Figura 16 Mapa dos terrenos de propriedades privadas na zona da Légua Patrimonial
da cidade de Belém e suas interfaces com a Estrada de Ferro de Bragança. indicação
também, do Ramal São Braz – Jardim Público, ou Prolongamento dessa mesma ferrovia, no
interior da Légua Patrimonial de Belém, em direção a zona central da cidade. Fonte:
MUNIZ, 1904, p.100.
66
Figura 17 – Mapa da 1ª Légua Patrimonial contendo indicações da Estrada de Nazareth, Largo
do mesmo nome, Rua da Independência, Praça da Independência e da Estrada de Bragança
cruzando com a linha de demarcação da Légua. Executado por José O’ de Almeida em
1862 para a Câmara Municipal. Fonte: MUNIZ, 1904, p.96-97.
O Sr. Leonardo é um trabalhador do interior do Estado do Pará nascido na cidade de
Bragança em 1911 que, quando jovem, como um bom cidadão interiorano, veio conhecer a
Capital antes de se tornar um migrante; para isso utilizou-se dos serviços de transporte da
EFB e conta em depoimento oral
47
momentos daquela curta estadia na Belém de 1928.
47
“A história oral é um procedimento metodológico que busca, pela construção de fontes e documentos,
registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre a História
em suas múltiplas dimensões: factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais. Não é, portanto, um
compartimento da história vivida, mas, sim, o registro de depoimentos sobre essa historia vivida. De acordo
67
O Sr. Leonardo
48
lembra a paisagem que o recebeu nas proximidades da cidade e das
primeiras impressões que teve sobre ela. O trem, ao entrar na grande curva da Castanheira, já
havia permitido desde algumas centenas de metros antes, para os passageiros que quisessem
espiar através das janelas dos carros (vagões) do comboio, tanto nos da primeira classe, como
nos da segunda, que visualizassem o exemplar da Castanheira-do-pará (Bertholletia excelsa),
essa imensa árvore de mais de 30m de altura, que serviu durante muitos anos de marco visual
da chegada por terra à cidade de Belém.
Leonardo Silva - Belém era um pouco atrasada, não era como é hoje,
pelo menos havia, olha até o entroncamento tudo era mato ali. Ali
onde é o Shopping Castanheira, ali tinha uma castanheira, tinha uma
curva fechada, que tempos depois com trânsito de veículos
automotores se davam desastres terríveis. Naquele tempo tinha bonde
até o Souza. Souza que era próximo a Bandeira Branca no Marco,
lá ele fazia a curva e voltava, era o bonde.
O trem da Estrada de Ferro de Bragança continuava o seu trajeto e em seguida vinha a
Estação do Entroncamento à direita; depois, à esquerda, a Parada do Asilo Dom Macedo
Costa e a Parada do Instituto Lauro Sodré. Mais algumas centenas de metros à direita estava o
Bosque “Rodrigues Alves”, e um quilômetro e meio adiante, à esquerda, chegava-se ao
grande Largo de São Braz e à Estação que levava o seu nome.
Fabiano - Aqui, em Belém, o Sr. desceu em que Estação?
Leonardo - Estação de São Braz. Depois eu morava na Vileta, tinha uma prima que
morava na Vileta.
F - E o que é que o Sr. guarda na lembrança, da Estação de São Braz?
L - A estação de São Braz era uma estação até bonita, tinha aqueles passeios bonitos,
ali onde ficavam os trens, tinha o horário, tinha o que era o misto, ali em volta do
mercado de São Braz, ali o trem fazia a curva, a máquina fazia as manobras por trás do
Mercado chamavam lá pra trás “Covão de São Braz”. Aterraram tudo aquilo.
com Meihy (2005), é um procedimento premeditado de produção de conhecimento, que envolve o entrevistador,
o entrevistado e a aparelhagem da gravação” in DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História Oral:
memória, tempo, identidades Belo Horizonte: Autentica Editora, 2006. p.15-16.
48
“Por muito que deva à memória coletiva, é o individuo que recorda. Ele é o memorizador e das camadas do
passado a que tem acesso pode reter objetos que são, para ele, e só para ele, significativos dentro de um tesouro
comum” in Bosi, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. São Paulo: Companhia de Letras, 1994,
p.411.
68
F - O Senhor me falou antes, que chegou a conhecer as Paradas do trem, estou
perguntando dessa viagem a passeio, porque é quando ainda existia o Trecho da EFB
que me interessa no momento. Quais eram as paradas que o Sr. lembra?
L - Depois da Parada do Asilo D. Macedo Costa só tinha a de São Braz.
O que o Sr. Leonardo ainda não sabia era que as Estações e paradas do Ramal São Braz
- Jardim Público da EFB estavam todas situadas em uma grande área que acompanhava os
trilhos dentro dos limites da 1ª Légua Patrimonial de Belém, e que a Estação de São Braz, era
a Parada do trem no sentido bairro centro da cidade. Uma Belém que em 1928 possuía
densidade populacional e quantidade de edifícios residenciais bem significativa,
principalmente nos bairros centrais e isso determinava o caráter eminentemente urbano desse
Ramal.
Ainda no Século XIX, ano de 1889, havia uma concentração de 48 escolas Primárias no
perímetro que ia do Bairro da Cidade (hoje Bairro da Cidade Velha) até São Braz, ou seja, na
área em que havia sido implantado o Ramal São Braz – Jardim Público da EFB, que pode ser
adotado como mais um fator para análise dessa densidade populacional e desse caráter urbano
do Ramal, como mostra o Relatório do Inspetor geral da Instrução Pública
49
, Dr. Américo
Marques Santa Rosa ao presidente da Província.
Sobre a interface com a cidade e o caráter urbano do Ramal São Braz Jardim Público
da Estrada de Ferro de Bragança e da conseqüente comprovação do seu trajeto, outra
referência foi encontrada na Planta do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia e
seus anexos, Horto Botânico e Jardim Zoológico, e dos terrenos visinhos a desapropriar,
datada de 1896. Naquela litografia, de autoria de C. Wiegandt
50
, é mostrado em planta de
49
Relatório apresentado ao Sr. Dr. Antonio Jose Ferreira Braga Presidente da Província em 27 de Agosto de
1889, Pelo Dr. Américo Marques Santa Rosa Director Geral da Instrucção Publica, sobre Instrucção Primaria,
Curso de Pedagogia e criação de Escolas Provisórias. Informação sobre a existência de 43 Escolas no perímetro
até São Braz. Não incluídas quatro escolas do Colégio do Amparo e uma no Instituto de Educandas. Ver Cx.
462, pasta 2, Poder Executivo, Arquivo Público do Pará. Algumas dessas Escolas Primárias dariam origem ao
Grupo Escolar da Capital “Jose Veríssimo” em 1901, nos moldes dos Grupos Escolares franceses, situada nas
proximidades da Parada de Batista Campos do Ramal São Braz – Jardim Público.
50
In:Boletim do Museu Paraense de História Natural e Etnografia.Tomo II.Pará:Tipografia de AlfredoSilva & Cia,
1898. Apud. CRISPINO, Luis Carlos B.(Org.); BASTOS, Vera Burlamaqui; TOLEDO, Peter Mann. As origens
do Museu Paraense Emilio Goeldi. Aspectos Históricos e iconográficos 1860 1921. Belém: Paka-Tatu, 2006.
69
situação o então edifício sede do Museu (atual edifício restaurado, conhecido como A Rocinha
do Museu Paraense Emilio Goeldi ), seu entorno imediato e ainda alguns imóveis
residenciais. Possuindo como limites do terreno, no seu acesso principal a Estrada da
Independência (hoje Avenida Magalhães Barata) e nos fundos a Estrada da Constituição (hoje
Avenida Gentil Bittencourt) uma das principais vias do traçado do Ramal São Braz Jardim
Público da Estrada de Ferro de Bragança. (Fig. 18).
Figura 18 Litografia de 1896 mostrando em planta baixa a sede do Museu Paraense Emílio
Goeldi quando ainda tinha a denominação de Museu Paraense de História Natural e
Ethnographia, e ocupava tão somente uma faixa da quadra que é atualmente o espaço do seu
Parque Zoobotânico. Faixa limitada no extremo Norte pela Estrada da Independência e no
extremo Sul pela Estrada da Constituição, onde se visualiza a representação dos trilhos do
Ramal da Estrada de Ferro de Bragança. Fonte: Boletim do Museu Paraense de História
Natural e Etnografia.Tomo II. 1898
P. 174. Ver também SANJAD, Nelson. Emílio Goeldi (1859-1917) Aventura de um naturalista entre a Europa e
o Brasil.Versão para o francês Janine Houard. Rio de Janeiro: EMC, 2009. P. 45.
70
Ao analisar este traçado do Ramal da Estrada de Ferro de Bragança seguindo em
direção ao centro da cidade de Belém, uma cidade que possuía 267 anos de existência em
1883 e enfatizando que o traçado foi feito sem causar problemas significativos à população,
pode-se afirmar que essa solução para o Ramal São Braz Jardim Público só foi viável pela
grande concentração dos habitantes de Belém nos dois bairros mais antigos, o da Campina e o
da Cidade, e porque o desenvolvimento de novos bairros a partir desses dois primeiros era
lento, permitindo uma convivência no interior do espaço determinado pela Primeira Légua
Patrimonial de uma área urbana bastante consolidada e uma área fronteiriça ou limítrofe
semirural ou urbanorural, ainda em transformação, ou simplesmente parte de um projeto
urbanístico em andamento (Fig.19).
A Estrada da Constituição (hoje Avenida Gentil Bittencourt) fazia parte daquela
paisagem urbana rural apresentando características para ser identificada como tal é o que
confirma o jornal O Liberal do Pará do dia 5-1-1879 ao anunciar o aluguel de uma rocinha
situada naquela Estrada: (...) para morada, boa água, cocheira e magnífico terreno para
plantações de hortaliças e capim. Quem pretender pode dirigir-se a Barros Lira & Cia. À
Rua do Imperador. No periódico Diário do Gram-Pará, do dia 5-1-1881, uma pequena
rocinha é anunciada para a venda, na mesma Estrada da Constituição, descrita como tendo:
uma puchada e varanda, medindo o terreno 4 braças de frente e 25 ditas de fundo,
localizada perto da taberna floresta de Santa Clara. Ao que tudo indica próxima da esquina
da atual Travessa 9 de Janeiro. (SOARES, 1996, pp.181, 149).
Então se em 1901 o percentual da área ainda pouca edificada da cidade era 40,75%, de
acordo com o Relatório Área Geral da Cidade”, chega-se a conclusão que o percentual no
ano de 1887, quatorze anos antes, seria bem menor.
Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha, grande escritor brasileiro, mas antes de tudo
um carioca de Cantagalo, em sua obra À margem da História, III parte: Da Independência à
República, ao se referir ao Barão de Mauá e a Estrada de Ferro Grão-Pará do Rio de Janeiro
como a primeira ferrovia do Brasil, demonstra a sua sensibilidade relativa aos trens ao
escrever: (...) Antes, porém, sem nenhum favor do governo, a iniciativa individual definira-se
na vontade triunfante de Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá; e os 17 km da linha
do Grão-Pará investiam com as encostas da Serra do Mar, nos primeiros passos da
71
conquista majestosa dos planaltos, ouvindo-se o primeiro silvo (grifo nosso) da locomotiva
na América do Sul.
51
Figura 19 Moradia construída em taipa de mão com cobertura em palha, possuindo
características rurais como o cercado executado em madeira, rudimentarmente trabalhado, em
geral, uma solução adotada em cercas para sítios e fazendas. Esta habitação localizava-se na
Travessa 22 de Junho (atual Avenida Alcindo Cacela) próximo a Estrada da Constituição
(atual Avenida Gentil Bittencourt), trecho importante no traçado do Ramal São Braz- Jardim
Público. Estas vias em terra batida onde não havia meio-fio nem calçadas delimitadas,
contribuíam para a paisagem rural-urbana da Belém do final do Século XIX. Foto de autor
desconhecido, tomada em 1897. Fontes: Autor, Acervo Teodoro Braga, Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo e (CRISPINO, 2006).
Certamente tudo leva a crer que em 1904, Euclides da Cunha
52
, ao circular pela cidade
de Belém, no compasso de espera da continuação de sua viagem em direção a Manaus, entrou
51
Apud Cunha, Euclides. A margem da história III parte Da Independência à República. Porto, PT:
Livraria Chardron, 1922. P.274 In AZEVEDO, Fernando de. Um trem corre para o oeste Estudo sobre a
Noroeste e seu papel no sistema de viação nacional. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1949. Nesta sua obra,
Fernando Azevedo chama atenção em nota de rodapé que Euclides da Cunha parece ter se enganado, quando
afirma ter-se ouvido, em 1854, o primeiro silvo da locomotiva na América do Sul. Já, quatro anos antes, o Chile
havia inaugurado, em março de 1850, entre Capiapó e Caldera, a primeira estrada de ferro do continente sul-
americano
52
In TOCANTINS, Leandro
Euclides da Cunha e o Paraíso Perdido. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1978,p.53.
72
em contato auditivo ou visual com a Estrada de Ferro de Bragança, ao trilhar ou conhecer
algumas interfaces da ferrovia com a cidade, caso do Museu Paraense onde manteve
importante conversa, de duas horas de duração, com os cientistas Emílio Goeldi e Jacques
Huber, ou de conhecer logradouros como a Praça Batista Campos, Largo de São Braz,
Avenida Tito Franco, Bosque Rodrigues Alves, outras vias e edifícios religiosos, públicos e
particulares, que contribuíram para o conteúdo da carta enviada ao seu pai, onde expõe sua
impressão sobre a cidade:
Nunca esquecerei a surpresa que me causou aquela cidade. (...)
Nunca São Paulo e o Rio de Janeiro terão as suas avenidas
monumentais, largas de 40 metros e sombreadas de filas sucessivas
de árvores enormes. Não se imagina no resto do Brasil o que é a
cidade de Belém com os seus edifícios desmesurados, as suas praças
incomparáveis e com sua gente de hábitos europeus, cavalheira e
generosa. Foi a maior surpresa de toda a viagem.
53
Depois deste significativo elogio feito por Euclides da Cunha a Belém, uma Influência
interessante e ainda não estudada neste processo de interfaces da cidade com a EFB foi o
acontecido na segunda década do culo XX, em 1916, quando houve, por iniciativa do
diretor da referida ferrovia Aminthas de Lemos, o estudo de um ramal iniciado no quilômetro
212, que visava atingir uma pedreira na Vila de Quatipuru, rica em pedras graníticas. Atingir
esta pedreira significaria autonomia em relação ao fornecimento de paralelepípedos para as
vias da cidade que, além de torná-la mais bela, diminuiria os gastos com esse material, que até
então dependia, quase exclusivamente da importação das pedreiras lusitanas (BORGES, 1983,
p.259).
53
Apud FILHO, Francisco V. Euclides da Cunha a seus amigos in TOCANTINS, Leandro, op.cit. p. 53.
73
3. Um Ramal inacabado e as propostas de novos traçados.
A análise preliminar da expansão do espaço urbano de Belém
54
, a partir de meados do
Século XIX até as primeiras décadas do Século XX, cria condições de se afirmar que, tanto a
Estrada de Ferro de Bragança como as duas concessionárias
55
de bondes de Belém, que nesta
pesquisa foram denominadas genericamente de Caminhos de Ferro
56
, contribuíram para a
expansão dos espaços de habitação, indústria e comércio utilizados pela população da cidade.
Esta influência se deu desde o que as companhias começaram a ser instaladas, e até mesmo
antes de iniciarem suas atividades. O ano básico foi o de 1869 para as concessionárias dos
Bondes e o de 1885 para a Estrada de Ferro de Bragança. Essa contribuição de novos espaços
aconteceu tanto nos subúrbios como nas proximidades do centro urbano de Belém, através da
construção das Linhas
57
das concessionárias dos bondes
58
, e dos Ramais da EFB.
Integrava os ramais que foram implantados até a inauguração da EFB em 1908, o de
São Braz - Jardim Público (1889)
59
. Inicialmente tratado como um prolongamento da via
principal, foi o primeiro Ramal a ser construído e seus trilhos chegavam até ao centro da
cidade, na área do Jardim Público, onde surgiu o edifício da Estação Central de Belém.
54
Para esta análise a base de dados foi constituída por três mapas da cidade de Belém (o de Nina Ribeiro de
1883-1886, o de José Sydrim de 1905 e o de Theodoro Braga de 1916) e por informações dos logradouros
existentes em Belém ( de 1839-1886, de 1886- 1905 e de 1905-1919) provenientes de informações encontradas
em: CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém. Belém: Cejup, 1992. P.16-20; CRUZ, Ernesto. Belém Aspectos Geo-
sociais do município. São Paulo: Livraria José Olympio Editora, 1945. P. 106-107.
55
Essas duas empresas eram denominadas de “Companhia de Bonds Paraense” e “Companhia Urbana de Estrada
de Ferro Paraense”.
56
Terminologia derivada da condição desses meios de transportes públicos, por utilizarem trilhos de ferro para o
deslocamento dos seus “carros” fossem esses transportes puxados por animais ou locomotivas a vapor.
57
Com o abastecimento de água e com a iluminação pública a s em Belém que também eram “caminhos de
ferro” por se tratarem de tubulações executadas com este material, ao que tudo indica, aconteceu fato
semelhante, pois onde houvesse uma torneira publica e/ou postes de iluminação, estavam criadas as condições
mínimas para que em suas proximidades, se iniciasse o desenvolvimento de novos aglomerados humanos.
58
Na pesquisa não serão estudadas com aprofundamento as duas concessionárias dos bondes de Belém, mas
como elas são confundidas em citações, com a Estrada de Ferro de Bragança, acontecerão alguns comentários
elucidativos se necessários. Como exemplo, este trecho incluído em um relatório do presidente da província,
mostra como eram os bondes e a própria constituição da Companhia Urbana da Estrada de Ferro Paraense em
1874: “A via férrea compõe-se de 2 linhas, uma que vai da Praça do Palácio a Nazareth, medindo 3.413 km e
outra deste Bairro ao Boulevard da Câmara Municipal com extensão de 4.119 km. O ramal da Praça do Palácio a
Praça de D. Pedro II, tem 1.610 km, somando ao todo 9.142 km. A segunda linha é subvencionada pelo
Thesouro Provincial, nos termos do contrato celebrado com o Governo e Bueno e Cia., em 5 de novembro de
1870, em virtude do Artigo 22, da Lei n
o
663, de 31 de Outubro do mesmo ano. O material rodante compõe-se de
3 locomotivas, 12 carros de passageiros, 8 de cargas. As caldeiras das locomotivas o verticais e se acham
munidas dos necessários aparelhos de segurança”. In Relatório apresentado a Assembléia Provincial na Primeira
Sessão da 19ª Legislatura, pelo Presidente da Província do Pará excelentíssimo senhor Doutor Pedro Vicente de
Azevedo, em 15 de fevereiro de 1874. Pará: Typographia do Diário do Gram- Pará, 1874.
59
Os outros Ramais da EFB eram: o da Vila de Pinheiro com 21 km de extensão, o da Colônia do Prata ou
Leprosário do Prata com 18 Km de extensão e o Ramal da Colônia Agrícola de Benjamin Constant com 26 Km
de extensão. In CRUZ, Ernesto o. cit. P.10.
74
Alguns acontecimentos levantados pela pesquisa servem como indicadores de que a
construção desse Ramal, que também foi conhecido como “Prolongamento da Estrada de
Ferro de Bragança”, não se deu de modo satisfatório, principalmente para os governantes e
construtores e para os técnicos que a acompanharam e tentaram influir com críticas e contra-
propostas para a sua efetivação, pois a população que vivenciou esse trajeto do trem da EFB e
usufruiu dos seus serviços, ao que tudo indica, não interferiu diretamente no seu traçado. Por
exemplo, na historiografia da construção do Ramal consta como tendo acontecido entre os
anos de 1887 e 1889, o que cai por terra ao analisarem-se as referências existentes onde se
observa que grande parte do assentamento dos trilhos e do trajeto do Ramal identificado pelo
trilho, foi aproveitada de igual trajeto de construção anterior. Na Cláusula Primeira do Termo
do Contrato de 18 de agosto de 1887, assinado pelo comendador Antônio Homem de Loureiro
Siqueira, o fato está bem claro: Obriga-se o Contratante a efetuar o prolongamento da
Estrada de Ferro de Bragança até o Centro da cidade, no lugar que serviu outrora de Jardim
Público, ao lado da Estrada de São José, aproveitando o trecho que se acha executado entre
a Estação de São Braz e a Praça de Batista Campos, ( o grifo é nosso) de acordo com as
plantas e detalhes que se acham organizados e com o seu orçamento, firmado em vinte e três
de Abril último ( sendo eliminado do mesmo a obrigação de fornecer uma balança de
mercadorias e uma caixa água para alimentar as máquinas), pela importância de
duzentos e sessenta contos de réis.” (Cruz, 1955, pg.87).
havia portanto um projeto do Ramal São Braz - Jardim Público ou Prolongamento
da EFB no Contrato Adicional para a construção da EFB de 16 de junho de 1883, assinado
pelo industrial e construtor Bernardo Caymari, e que foi parcialmente executado antes de
1887. Já foi feita uma referência a essa situação no texto base que acompanha a Figura 3 desta
pesquisa.
O traçado do Ramal apresentado pelo comendador Antônio Homem de Loureiro
Siqueira foi muito criticado pela comissão de engenheiros responsáveis pela seção de Obras
Públicas da Província durante o processo de Licitação em 1887. Associando o valor
apresentado na proposta e considerando-o excessivo pela qualidade do que seria feito, os
engenheiros demonstraram, através do conhecimento que tinham de ferrovias, que o traçado
era antieconômico, mal feito e que a construção existente de via férrea que chegava até à
Praça Batista Campos era lastimável, com o agravante de ter sido construída pela mesma
empresa que naquele momento apresentava a proposta, a empresa de Bernardo Caymari.
75
Nomeada em 03 de Maio de 1887 pelo próprio Presidente da Província Conselheiro
Cardoso Júnior, a mesma comissão de engenheiros tinha por objetivo a sustentação do
orçamento feito para a implantação do Ramal São Braz - Jardim Público, estimado em
174:000$000 réis. No dia 16 de setembro de 1887, o Jornal “O Liberal do Pará”, órgão local
do partido Liberal, publicava:
“Ilm. Exm. Sr. A commissão abaixo assignada, nomeada por V. exc.
afim de, examinando o projetado trecho da Estrada de Ferro de
Bragança, da estação de S. Braz para a cidade, e tendo em vista os
respectivos estudos, emmitir parecer sobre a proposta feita pelo
Commendador Antonio Homem de Loureiro Siqueira na qualidade de
procurador de Bernardo Caimary, constructor do dito trecho até à
Praça Baptista Campos, para encampação dos mesmos, nos termos
da autorisação constante da Lei n. 1292, de 13 de Dezembro do anno
passado, vem desligar-se da honrosa incumbência que lhe foi
commetida, pelo modo que passa a expor:
Trabalhos como estes, exm. Sr. São sempre difíceis e espinhosos,
máxime nas condições em que foi por V. Exc. posta a questão.
Trata-se da encampação do trecho de prolongamento da
Estrada de Ferro de Bragança, da Estação do Largo de S. Braz ao
Jardim público, em que existem obras feitas até ao Largo de Baptista
Campos e em projeto d’ahi ao Jardim.
V. Exc. para executar a Lei n. 1292 julgou conveniente ouvir a
respeito a actual commissão. Se tivéssemos de nos restringir
simplesmente ao valor approximativo dos trabalhos, a commissão
seria fácil, pois que consistiria apenas na determinação do valor
dessas obras no estado em que se acham, as quaes se tem pretendido
dar o nome de estrada de ferro, mas não é isso, v. Exc. quer saber a
importância dessas obras e dos estudos feitos para o complemento do
trecho, não sob o ponto de vista technico, como econômico, com as
razões justificativas do nosso modo de pensar, e foi neste sentido que
entendeu a recommendação de V. exc. muito expressamnte feita nos
seguintes termos:
Afim de, examinando o projectado trecho... e tendo em vista os
respectivos estudos, emittir parecer, etc, etc.
A commissão, portanto no intuito de satisfazer essa
recommendação de V. Exc. senão a principal, em todo o caso
importante, e que certamente não seria olvidada por vossa exc. como
militar distincto, e administrador zeloso e circunspecto, que sabe
comprehender a gravíssima responsabilidade que pesa sobre o
funccionário auxiliar que emite falsas informações, seja porque
motivo for, procurou cercar-se de todos os documentos e informações
concernentes ao objecto para melhor aclarar o seu espírito, de modo
que, sem constrangimento algum,tendo por obediência a lei e o cego
cumprimento do dever, o juízo seguro que é por V. Exc. de nós
reclamado(...)
76
A citação feita pela Comissão de engenheiros, do trecho do prolongamento da Estrada de
Ferro de Bragança, que iniciava na Estação do Largo de São Braz e se dirigia ao Jardim
Público, e das obras que estavam sendo executadas para o assentamento dos trilhos do Ramal
até a Praça Batista Campos é comprobatório que o projeto do Ramal já existia antes de 1887.
(...) Foi por essa rasão, que a commissão depois de ter lido a
proposta do peticionário commendador Antonio Homem de Loureiro
Siqueira e os demais papéis referentes ao objecto, e reflectir
pausadamente sobre a grande diferença entre o preço de 310: 093$
800 do orçamento da proposta do referido peticionário e o de 174:
712$ 078 proposto pelo conselho director das obras públicas, não
poude deixar de achar exxagerado o valor de... 51:800$ 000 por
kilometro, que é o d’aquella quantia, não incluindo certas vantagens,
que o tornaram ainda mais exagerado, e requisitou por intermédio de
v. exc. os traçados, perfil e outros documentos, uns que lhe foram
presentes sem a authenticidade das rubricas, pelo que não podem
merecer fé, e outros incompletos como os das obras projectadas no
jardim.
Foi por essa rasão, que a commissão julgou imprescindível
realisar uma série de visitas para inspeccionar minuciosamente todo
o trecho construído de S. Braz a Baptista Campos, e o traçado do que
falta construir desta praça ao Jardim público.
Foi ainda por essa rasão, que a commissão pretendeu organisar
em orçamento minucioso, o que infelizmente não poude realisar,
mesmo que tomasse por base os elementos inauthenticos e os dados
que lhe foram offerecidos, em razão de serem estes defficientes ou não
merecerem fé, por falta dos respectivos despachos de approvação e
não competir à commissão fazer os nivellamentos para verificar e
completar esses dados, o que acarretaria despesas para as quaes não
estamos autorizados.
Não obstante isso a commissão chegou á convicção de poder afirmar
que o preço da propposta, conforme o vallor kilométrico de
50:897$021 é excessivo, que o traçado adotado é uma
monstruosidade anti-economica, e, o que existe feito no trecho
construído é um horror de estrada de ferro.”
Em 17 de setembro de 1887, o mesmo jornal publicava a opinião dos engenheiros que
não admitiam que essa proposta fosse a mais vantajosa entre os estudos até então elaborados e
colocavam-na na verdade entre as piores apresentadas com cinco razões para respaldar sua
opinião. A primeira, referia-se ao Traçado do Ramal, que fazia uma grande volta para chegar
ao ponto terminal; a segunda, reportava-se ao tráfego de veículos, alegando que o Traçado
77
atravancava excessivamente várias das vias transitadas
60
; a terceira tinha como argumento
uma das exigências iniciais desse Ramal que era a de atingir o Litoral da cidade (grifo
nosso), o que não acontecia; a quarta razão era a grande quantidade de aterro que seria
utilizado em alguns trechos; a última referia-se as desapropriações que importariam em um
custo muito alto. A transcrição do parecer no jornal mostrava ao leitor que:
“Bastaria á commissão, para demonstrar a primeira, comparar o
preço kilométrico de 24: 722$582, que serviu de base à encampação
de 50 Kilômetros 250 metros da estrada de ferro de Bragança com a
de 45: 986$743, não incluindo em ambos os casos o valor das
desapropriações, para cada um dos 6 kilômetros 110 metros do
trecho para o prolongamento até o Jardim, conforme a proposta de
310: 098$$800, no qual, não se obras d’arte nem trabalhos
excepcionais, que em proporção muito favorável não estejam
contemplados na tabela de avaliação kilométrica da estrada.
Quando muito bastaria um augmento de 3: 700$000 para a
verba estação por kilometro, porquanto o armazém será o que deixou
de ser construído em S. Braz.
Não aproveitará com razão o dizer-se que a companhia gastou
mais e cedeu por muito menos á Província, para não perder tudo,
desacoroçoada como se achava, por ter perdido todas as esperanças
fagueiras de um futuro grandioso augurado só por phantasias dos
poetas, chegasse ou não a estrada ao litoral, porque isso provará
que o trecho de prolongamento não deve jamais ser feito.
Mas não é só isso, exc. Sr.:
A differença ficará enorme si se atender ainda em primeiro lugar a
que o peticionário conta com a obrigação de serem pela
administração da Estrada de Ferro de Bragança cedidas
gratuitamente as machinas de tracção , carretões, etc. para transporte
dos aterros e de quaesquer outros de que dependa a construcção; e
em segundo lugar com a obrigação de promover o thesouro pelo Sr.
Dr. Procurador fiscal a desapropriação dos terrenos necessários,
quando por outro meio o não consiga.
Calculando o transporte de 32.000metros cúbicos de
materiaes de que precisa o aterro da linha principal e desvios,
segundo a proposta, a 1$5000rs. O metro cúbico, preço pelo qual
ninguém transportará do Largo de S. Braz para a cidade esse volume
de terra, e teremos 48:000$, que sendo feito o transporte pela
província corresponderá á um augmento de igual quantia na
proposta.
60
Vale a pena lembrar que o traçado adotado no Ramal São Braz Jardim Público, até o final da primeira
década de 1900 não atravancava efetivamente vias transitadas, pois elas eram poucas. No seu trajeto o Ramal
determinava uma espécie de fronteira entre a área urbana e uma área Semi-rural, no espaço determinado pela
Légua Patrimonial. No final de sua existência do Ramal talvez este problema tenha se agravado e pode ter sido
isso uma das causas da sua desativação.
78
Acrescente-se agora os outros quaesquer transportes de que a
construcção e diga-se que somos exaggerados se affirmamos a V. Exc.
que o valor kilométrico attingirá a mais de 60:000$000”
A commissão não pode admitir, que nos estudos até agora feitos para
o traçado do prolongamento da estrada de ferro de Bragança seja o
da proposta o mais vantajoso. É até um dos peiores pelas seguintes
razões:
- Fazer o traçado uma circunvolução de meia cidade para chegar ao
ponto terminal;
- Atravancar em excesso muitas ruas e travessas transitadas;
- Não atingir o littoral que era a idéia primitiva;
- Acarretar enormissimo e dispendioso aterro da estrada do Jurunas
por diante e de toda a área do Jardim público (estação central) e
- Exigir grande somma para as desapropriações, mesmo que sejam
judiciárias.
Uma nova proposta desenvolvida pelos próprios engenheiros da comissão da Seção de
Obras Públicas da Província para o Traçado do Ramal, que mudava totalmente o seu itinerário
mantendo apenas o ponto de partida na Estação de São Braz, saiu publicada no “O Liberal do
Pará” do dia 18 de setembro de 1887. Este novo projeto-proposta continha, além do auto-
elogio de “Grandioso”, uma série de opiniões e competências contraditórias:
“A commissão passa agora a dizer a v. exc. que não está convencida
de effectividade da medida preconizada de levar a estrada de ferro em
prolongamento da Estação de S. Braz até a cidade, como meio seguro
de salvá-lo de um desastre eminente, se é que ainda se deva
considerá-lo eminente.
Sabe-se que uma Estrada de Ferro é uma necessidade que está criada
para os povos cultos e industrializados. Sabe-se também, que fazê-la
onde outros meios promptos de transporte econômico é um erro, e
isso talvez tivesse influído para que a estrada não viesse logo para o
meio da cidade.
Se, porém, s.exc, do que levamos dito e das conclusões a que vamos
chegar, resolver em sua sabedoria prolongar a estrada até o litoral,
como complemento de nossa missão rogamos vs. Tomar em
consideração um Projeto do Traçado que ideamos após as
explorações ligeiras no qual resta hoje de aproveitável, outro ponto
de partida e seu objetivo o litoral. Não é nenhuma fantasia, aventura
ou simples mau gosto de criticar e reprovar o que fizeram os outros
colegas muito mais experientes na prática do que nós outros,
neóphitos, amadores, ou como se nos queira chamar.
Não!
Por que a nossa convicção está assentada sobre a idéia contrária ao
prolongamento.
Seria preciso varrer da memória os factos succedidos na EFB três
annos a essa parte o que é impossível, pois elles estão bem vivos na
imaginação de todos, e dolorosamente comprovado pelas reduções
79
continuadas e sucessivas das viagens de trem a Apehú e a Benevides o
que não tem podido dominar o déficit mensal.
Seria preciso tornarmo-nos insensíveis a frieza e ao
desacoroçoamento profundo, que substituem hoje o entusiasmo
incandescente dos propagadores e cooperadores da idéia grandiosa
de uma Estrada de Ferro desta cidade até Bragança..
Em todo caso cumpre-nos apresentar a vossa exc. O nosso Traçado-
projeto não exeqüível, como mais curto, talvez mais econômico
pondo-se os orçamentos em verdadeiros termos, menos atravancador
de ruas transitáveis, fugindo completamente do transito ao penetrar o
Centro populoso e finalmente chegar ao Litoral.
Não nos dominasse uma certa libieza e descrença formal pelo futuro
negativo da estrada de ferro, desta portentosa província, e
deixaríamos finalmente para dizer que o nosso projecto de traçado é
grandioso, porque sobre as vantagens citadas, concorria largamente
para um importante melhoramento.”
80
Figura 20 Com base no mapa elaborado pelo engenheiro Manoel Odorico Nina Ribeiro nos
anos de 1883-1886, estão representados simultaneamente nesta figura os dois traçados
projetados para o Prolongamento da Estrada de Ferro de Bragança a partir da Estação de São
Braz em direção ao Centro da cidade de Belém. Na cor verde está identificado o Ramal São
Braz Jardim Público cujo projeto de 1887 se construiu, pois foi o que permaneceu a serviço
da população, na sua integra, até a desativação, em 1931. Na cor azul o Ramal São Braz
Doca de Souza Franco, projeto também de 1887 elaborado pela comissão de engenheiros da
Seção de Obras Públicas da Província do Pará. E na cor vermelha o traçado da Estrada de
Ferro de Bragança até o marco da primeira Légua Patrimonial. Fontes: Autor e Muniz, 1904;
O traçado proposto partia de São Braz e seguia em direção à doca de Souza Franco,
implicando em seu melhoramento, pois as docas existentes em Belém “estavam tomadas ou
arruinadas” e ainda possibilitaria a chegada do Ramal ao litoral através dessa mesma doca
onde, no melhor terreno de marinha, a Estação Central de Belém seria construída.
(...) como seja o da abertura ou desobstrução da doka de Souza
Franco, hoje principalmente que todas as dokas estão tomadas ou
arruinadas, visto como o nosso traçado sahe de S. Braz penetrando a
Estrada de S. Jeronymo, atravessa a quadra desocupada que existe
entre as ruas nove de Janeiro e vinte e cinco de Março, pasando em
81
seguida para a estrada de João Balby, por uma curva espaçosa em
rampa nos limites da tolerância, acompanhando a encosta d’um
<<cabeço>> accidentado que existe ente as Travessas de D.
Januária e Souza Franco e seguindo por sobre um dos aterros desta,
chega ao littoral, á direita ou á esquerda d’essa doka, conforme a
conveniência de aproveitar-se o melhor terreno de marinha para a
estação central, e o maior ou menor dos aterros marginaes, em
meio para a estrada e bastante consolidados, podendo-se mesmo
reduzir os dois em um único.
Após a Licitação de 1887, lançada para a construção do Ramal São Braz Jardim
Público, e a proposta de novo Traçado, apresentada pelos engenheiros da Seção de Obras
Públicas da Província, houve também uma consulta feita pelo Presidente da Província à Junta
do Thesouro Provincial conforme atesta “O Liberal do Pará” do dia 22 de setembro de 1887.
Nesta consulta os componentes da Junta receberam e contaram para subsidiar a sua análise e
parecer, os seguintes documentos:
(...) um officio do conselho director de Obras Públicas, de 5 de Março
deste anno, propondo o prolongamento da Estrada de Ferro de
Bragança desde a Estrada de S. Braz até ao terreno do Jardim
Público, com o orçamento respectivo no valor de 174: 712$ 078 réis;
-Petição de A. H. de Loureiro Siqueira, cessionário de B. Caimary,
propondo-se, quer na qualidade de representante d’este e com
poderes ilimmitados para transigir com relação ao trecho
construído entre a estrada de S. Braz e a Praça Baptista Campos, na
qualidade de empreiteiro das obras do governo, a trazer a estrada de
Ferro de Bragança até o dito Jardim Público, aproveitando o dito
trecho executado, tudo pela quantia de 310:098$800, segundo o
orçamento que acompanha a mencionada proposta de 23 de abril;
-Relatório, memórias e planos de um novo traçado de prolongamento
até a Doka de Souza Franco, apresentados pela maioria da Comissão
nomeada por officio da presidência de 3 de Maio, para examinar o
trecho acima referido e dar parecer sobre a proposta de Loureiro
Siqueira.
O Parecer dado pela Junta do Thesouro Provincial em 20 de Julho de 1887 sobre o
Prolongamento da Estrada de Ferro de Bragança foi complementado e veiculado, dois dias
após, no dia 24 de setembro de 1887, pelo mesmo Jornal. Eis o encaminhamento do Parecer,
feito pelo Chefe da Junta João Bandeira ao Presidente da Província, iniciando pela
Encampação do Ramal de São Braz:
Sobre esta questão, para a qual, conforme entenderam os
engenheiros, era necessário a audiência do contencioso provincial,
penso absolutamente com a Junta do Thezouro. Dado o caso de
82
entender a presidência, que deve fazer o prolongamento da estrada
até esta capital, penso que é de rigor encampar o trecho em questão.
Em virtude do contrato de 28 de Agosto de 1884, os proprietários do
trecho têm o privilégio do seu traçado, fora do qual não se pode
passar nenhuma via-férrea, a menos que elles sejão devidamente
indemnisados. Autorisação para encampar o trecho em questão, não
duvida que V. Exc. tenha á vista da Lei 1292 de 13 de Dezembro
de 1886. A questão principal é a do preço, da qual me occuparei
depois.
Sobre o Prolongamento da Estrada de Ferro de Bragança até o centro da cidade:
Tenho ouvido como opinião corrente entre os entendidos, que o
prolongamento em questão será a salvação da Estrada de Ferro de
Bragança.Não discutirei a questão ab-ovo dizendo, que a estrada de
ferro de Bragança não produziu os effectos que promettia, porque
tracta-se de um facto consummado. O certo é que temos agora uma
estrada de ferro que não parte de onde devia partir, nem chega onde
devia chegar, com um déficit de 60:000 $000 anuaes. As autoridades
profissionaes, perante as quaes me inclino, pensam que o
prolongamento da estrada até o Jardim Público que não é bem o
centro commercial da Cidade, pode melhorar as condições da
estrada. V. Exc. engenheiro de reconhecido mérito, tem todos os
elementos para bem julgar a questão.
Ao avaliar os preços adotados para a encampação e construção, a junta definiu como:
Exagerado o valor por unidade kilométrica apresentado pelo
proponente, bem como que pelo apresentado pela secção de obras
públicas não avalia bem a despeza com a encampação do techo
construído.
Attendendo a que o proponente terá de ser indemnisado da
construção do prolongamento até o Jardim Público no material que já
possue no Ramal de S. Braz até Baptista Campos e das despezas que
fizer para pô-lo em estado de ser aceito: attendendo a que o trecho
construído não está em bom estado, como demonstrou perfeitamente a
commissão de engenheiros militares nomeada por V. Exc., e tomando
por base o orçamento e planos feitos pela secção das obras, penso
que V. Exc. poderia achar um meio termo entre o valor kilométrico de
50:897$027 apresentado pelo proponente e o de 28:594$910 proposto
pela referida secção. Isto poder-se-hia realisar por accordo com o
proponente ou por arbitramento, como vossa exc. melhor entendesse.
83
Desapropriações
(...)
A encampação do trecho, construído, medida autorisada por Lei, deve
ser estudada tendo em vista o estado pouco próspero das finanças da
província.
O mesmo direi do prolongamento até o Jardim público , que não sei
se porá a estrada em condições differentes d’aquella em que está
tendo S. Braz por ponto de partida.
Outro traçado para o Ramal São Braz - Jardim Público foi elaborado depois de 18 anos
passados da solução apresentada pelos engenheiros da Secção de Obras Públicas, desta vez na
Gestão do Governador Augusto Montenegro que, em decorrência de uma série de
providências a serem tomadas para a melhoria do existente e da continuidade das obras da
EFB, incluiu o referido Ramal ou Prolongamento citando as condições em que o mesmo se
encontrava no momento, e foi o próprio governador, na mensagem enviada ao Congresso
Legislativo em 07 de setembro de 1905, quem informou o novo caminho a ser seguido pelo
trem, ou seja, a aceitação de um novo traçado.:
“(...) Mandei estudar um novo traçado entre São Braz e Belém
(Estação Central de Belém) em substituição do atual que é um dos
piores da Estrada. O novo, além de ter a mesma extensão, corre por
terrenos e ruas menos edificadas e permitirá dar maior velocidade
aos trens. Ele, partindo de São Braz, procura a Rua Mundurucus,
seguindo por esta até a travessa 22 de Junho, daí por uma linha reta
dirige-se a Rua da Conceição que percorre até a Travessa Carlos de
Carvalho, de onde, se dirige para a Estação de Belém. Como porém,
este serviço não pode estar terminado a tempo de servir para a
inauguração do Ramal do Pinheiro vou mandar reforçar a atual linha
de modo a apresentar todas as condições de segurança para o tráfego
(...)”61.
A nova solução, que nesta pesquisa é considerada como o projeto para o Ramal da
EFB (Fig. 21), cuja característica maior foi a de tentar aumentar a velocidade do trem ao
buscar ruas e terrenos menos edificados, infelizmente não pensou com exatidão na
insegurança que acarretaria aos habitantes desta área da cidade. Acredita-se inclusive ter sido
a baixa velocidade uma das causas para que o tráfego deste veículo tenha sido mantido
durante mais de quarenta anos penetrando no centro comercial da cidade de Belém.
Esta proposta do Governador Augusto Montenegro para o novo trajeto do Ramal não foi
executada, mas o reforço construtivo, por ele mandado executar no trajeto existente, assim
61
CRUZ, Ernesto, op.cit. p.17.
84
como outras medidas adotadas quanto ao material rodante, proporcionaram sobrevida ao
Ramal São Braz – Jardim Público da EFB.
Em 16 de junho de 2007, o jornalista e historiador José Carneiro publicou interessante
artigo no jornal “O Liberal” sobre a ferrovia bragantina. Com o título Estrada de Ferro de
Bragança: história pouco contada, ele identifica alguns estudos existentes sobre a citada
ferrovia e destaca o relatório final dos oito anos de Governo do Estado do Pará do governador
Augusto Montenegro como um dos melhores registros oficiais sobre o referido assunto.
Porém, ao escrever sobre o Ramal São Braz Jardim Público, ao qual se refere como o de
São Braz ao Centro Comercial de Belém, comete erros grosseiros no seu trajeto, o que é
facilmente identificável:
(...) O primeiro governador reeleito do Estado do Pará, Augusto
Montenegro, comandou a inauguração do trecho final da obra, no dia
4 de Maio de 1908. Nesse período de 25 anos que durou a construção
da estrada, vários ramais foram implantados, como o de São Braz ao
centro comercial de Belém, com extensão de seis quilômetros (o trilho
saia de São Braz, percorria a atual Conselheiro Furtado, atravessava
a Batista Campos e chegava pela 16 de Novembro até o canal da
Tamandaré, voltando dali .(...)62
Por não ter a obrigação em um artigo de jornal, de citar a origem das informações
contidas no seu texto, se pode admitir a falha, como desconhecimento do real traçado do
ramal urbano da EFB.
62
Artigo publicado, na seção Poder, página 4, do jornal “O Liberal” do dia 16 de junho de 2007, em Memórias
do Pará, com o título Estrada de Ferro de Bragança: história pouco contada.
85
Figura 21 Com base no mapa elaborado pelo engenheiro Manoel Odorico Nina Ribeiro nos
anos de 1883-1886, estão representados simultaneamente os quatro traçados projetados para o
Prolongamento da Estrada de Ferro de Bragança a partir da Estação de São Braz em direção
ao Centro da cidade de Belém. Na cor verde está identificado o Ramal São Braz Jardim
Público cujo projeto de 1887 foi construído e permaneceu a serviço da população, na sua
integra, até à sua desativação, em 1931. Ainda na cor verde, o Ramal não terminado cujo
projeto é de 1883, e que foi construído de São Braz até à Praça Batista Campos, reaproveitado
pelo projeto e construção do Ramal definitivo licitado em 1887. Na cor azul o Ramal São
Braz Doca de Souza Franco, projeto também de 1887 elaborado pela comissão de
engenheiros da Seção de Obras Públicas da Província do Pará. Na cor amarela a nova solução
de traçado do Ramal São Braz – Jardim Público ( Estação Central de Belém), mandada
executar pelo Governador Augusto Montenegro em 1905. Esses dois últimos projetos não
saíram do papel. E na cor vermelha o traçado da Estrada de Ferro de Bragança até o marco da
Primeira Légua Patrimonial. Fontes: Autor e Muniz, 1904;
86
4- O Ramal São Braz - Jardim Público e a possível chegada ao Litoral
indícios de que, no primeiro traçado do Ramal São Braz Jardim Público ou
Prolongamento da EFB projetado antes de 1887 e parcialmente construído até a Praça Batista
Campos, havia a diretriz de atingir o Litoral. Estes indícios podem ser comprovados através,
do conteúdo da declaração, dos engenheiros da Comissão de Obras Públicas elaborada em
1887, que ao referir-se as cinco razões
63
que tornavam a nova proposta do \trajeto do ramal
uma das piores a ser feita, cita como uma dessas razões a de Não atingir o litoral, idéia
primitiva daquele trajeto (grifo nosso). Em que ponto do Litoral isto deveria acontecer, ainda
não se encontraram indícios. É fato dizer que no trajeto apresentado na licitação específica de
1887, o Ramal tinha o mesmo início do trajeto anterior, que era na Estação de São Braz, e um
término definido, que era o Jardim Público, e que estava situado nas proximidades do Ver-o-
Peso, ou seja, ficava próximo, mas não atingia o Litoral.
Para os comerciantes, a importância desse trajeto do Ramal foi o barateamento do frete
pago com a inclusão da distância Ver-o-Peso (proximidade da Estação Central de Belém) até
à Estação de São Braz, local onde eram feitos o embarque e desembarque das mercadorias
transportadas pelo trem e que para isso tinham que pagar o carreto tanto de ida, como de volta
para o Ver-o-pêso, utilizando o serviço dos carroceiros como aconteceu em várias cidades
portuárias brasileiras. Os carroceiros na cidade em geral fazem mudanças domésticas ou
alguns carretos especiais. No momento que antecedeu a efetiva construção e o funcionamento
do Ramal São Braz Jardim Público, os carroceiros mantinham estacionamentos próximos
ao litoral ou ao longo do próprio litoral, no Ver-o-peso e nos diversos trapiches que atendiam
as companhias comerciais instaladas na cidade (Figs. 22 e 23). De um modo geral a carroça é
de um carroceiro, ou seja, ele é o proprietário da sua ferramenta de trabalho; seu único
meio de vida.
À medida que a cidade se expande e os seus bairros ficam mais densamente ocupados
a utilização das carroças, em particular e do sistema de transporte, em geral, torna-se mais
forte e o fluxo de atividades no setor mantém um ritmo constante de crescimento. (...) o
63
Como já mostrado na página 23 as cinco razões eram:
- Fazer o traçado uma circunvulação de meia cidade para chegar ao ponto terminal;
- Atravancar em excesso muitas ruas e travessas transitadas;
- Não atingir o littoral que era a idéia primitiva;
- Acarretar enormissimo e dispendioso aterro da estrada do Jurunas por diante e de toda a área do
Jardim público (estação central) e
- Exigir grande somma para as desapropriações, mesmo que sejam judiciárias.
87
crescimento da produção e da população (...) amplia o mercado de trabalho para o carroceiro.
necessidade de distribuir para um mercado consumidor crescente na cidade, não as
mercadorias importadas, mas as aqui produzidas. (MOURA, 1988, p.42), especialmente as
ligadas ao setor da construção seja ela religiosa, civil ou militar, como madeiras, pedras, areia,
barro e tijolos, e os alimentos de uma maneira geral.
Figura 22 Estacionamento de carroças na área da Doca do Ver-o-Pêso, localizado no
final da Travessa do Seminário, ao lado do Necrotério Municipal, que é visto em
segundo plano, e em frente aos armazéns do trapiche do Lloyd, cujos telhados aparecem
à esquerda. Ao fundo, também à esquerda destaca-se uma das torres do Mercado de
Ferro. Pormenor ampliado de fotografia tomada do Forte do Castelo no início da
primeira década do Século XX, transformada em cartão postal da cidade. Fonte: Álbum
Belém da Saudade, 1998.
88
Figura 23 - Em primeiro plano, carroças e carroceiros aguardando na Doca do Ver-o-
pêso, a sua vez de efetuar o carregamento de pranchas e tábuas em madeira de lei e
outras mercadorias, provenientes do interior do Estado do Pará, trazidas por diversas
embarcações, que estavam sendo desembarcadas. Em segundo plano a doca
propriamente dita, com a maré cheia, permitindo o acesso e atracação de grande
quantidade de barcos. Ao fundo, à direita, destacam-se: a grande estrutura do telhado em
duas águas pertencente ao Trapiche do Comércio e um pouco mais a frente, em cor azul
claro, com suas arcadas e torres, o Mercado de Ferro, que havia sido inaugurado no dia
1º de Dezembro de 1901; ambos os edifícios faziam parte do espaço urbanístico do Ver-
o-pêso naquele momento; o trapiche foi demolido em conseqüência das obras para o
novo porto de Belém.
Foto tomada, ao que tudo indica, do Pavimento de um dos casarões localizado à
Travessa do Seminário, próximo a Rua da Calçada do Colégio e que, devido à
interferência visual da construção do Edifício da Bolsa de Valores, que não aparece na
foto, não permitiu um ângulo melhor. Foto da primeira década do Século XX,
transformada em cartão postal da cidade de Belém. Fonte: Álbum Belém da Saudade,
1998.
89
Para os carroceiros
64
, como o Ramal São Braz Jardim Público não chegou até o
litoral, mas próximo a ele e a distância da área do Ver-o-pêso até a Estação Central de Belém,
ponto final e inicial da Estrada de Ferro de Bragança era ainda viável para os carretos que,
pela quantidade, devem ter suprido suas necessidades de ganho. Essa pode ter sido a causa por
que não foram encontradas informações, nas variadas fontes consultadas, de que o transporte
de mercadorias, executado pelos trens, especialmente com a implantação do Ramal ou
prolongamento da ferrovia, tenha gerado insatisfação junto aos carroceiros que trabalhavam
no espaço urbano definido pelo Ver-o-pêso (Fig.2 e 3) ou nas suas proximidades, gerando
qualquer tipo de reação ou protesto junto à população de Belém dessa categoria de
trabalhadores. Outra explicação pode estar na própria organização da categoria:
Não tendo patrão que os pressione diretamente, não tendo
concorrência significativa com grupos estrangeiros ou escravos, não
causa surpresa a frouxidão dos lados da categoria, de um baixíssimo
nível de consciência de classe. Pelo contrário, parece que se houvesse
necessidade de união de grupo este extrapolaria a categoria
profissional. que a mão-de-obra livre nacional, predominante no
setor, pertence, pela sua desqualificação, tipo e local de moradia e
índice de alfabetização, ao mesmo universo social do liberto, do
imigrante português e dos escravos de aluguel (MOURA, 1988, p.
45).
Relato muito interessante de uma entrevistada foi o de Dona Júlia, ao falar sobre o
seu pai que era carroceiro, mas já no século XX e no sistema republicano:
Meus pais eram portugueses, eu não tenho sangue de brasileiro, tenho
sangue português, meus tios, avós por parte de pai, tudo português.
Então meu pai tinha uma carroça, trazia as coisas pra Beneficente
Portuguesa, aquelas compras pra vir do armazém, ele trazia as
coisas, chegava pro almoço, almoçava, descansava um pouco e
depois saía de novo e voltava de tardinha. Depois ele ficou sócio de
lá, sócio permanente, ih aquelas freiras eram doidas por ele, agora
não tem mais freiras lá, era freira. Nossa vida era de pobre nunca
fomos ricos, não, mas graças a Deus nunca ninguém passou fome.
64
Os carroceiros (homens possuidores de carroças puxadas por eles mesmos ou através da tração de cavalos ou
burros), sempre foram uma alternativa utilizada pela população de Belém para o transporte de cargas. As
carroças tracionadas por animais tiveram uma maior intensidade de utilização a partir de meados do Século XIX,
com o aumento do comercio em Belém, em decorrência da exportação da Borracha, elas serviam para transportar
os mais diversos materiais, em especial àqueles utilizados na construção civil. O seu uso se fez presente durante
todo o Século XX, e nesta primeira década do Século XXI, os carroceiros ainda persistem no seu trabalho, e são
vistos com certa freqüência desempenhando a sua função nas ruas da capital do Pará.
90
Parte II
Espaços urbanos limites e o caminho urbanístico do Ramal São Braz
Jardim Público em Belém.
91
1-O Largo de São Braz : ponto inicial da ferrovia e do ramal.
Uma das razões para a localização do ponto inicial da Estrada de Ferro de Bragança ter
sido no cruzamento da Avenida Tito Franco com o Boulevard da Câmara, conforme definido
no teor da Lei 658/1870 da Província do Grão Pará, estava no fato de ser esse ponto o extremo
da cidade legal e sua principal porta de entrada. Esta área poderia ter sido o local onde seria
construído o edifício para servir de estação ferroviária, o que não aconteceu, pois ainda em
1883 aquele espaço era muito vazio e nada urbanizado
65
(Fig. 26).
Ainda como exemplo, Walter Benjamin, em Passagens, ao fazer um comentário sobre
as inter-relações das estradas de ferro e os empreendimentos do Barão Haussmann, insere um
memorando de sua própria autoria onde elegia como prioridade, fazer a comunicação entre as
estações ferroviárias e o coração da cidade por largas avenidas, que as estações eram as
principais entradas de Paris. Certamente que tais soluções influenciariam projetistas e
projetos de vias e ferrovias em todo o mundo. Mas se Haussmann
66
desprezava a experiência
histórica (BENJAMIN, 2007, p.166-172), felizmente muitos engenheiros e arquitetos não
abraçaram essa causa, senão seria um verdadeiro caos de demolição dos centros antigos, em
todas as cidades do mundo.
Em 1883 o limite por terra da cidade de Belém, era o Largo de São Braz, espaço que
serviria como ponto inicial da Estrada de Ferro de Bragança e área para a construção da sua
primeira Estação Ferroviária, situação até bastante semelhante ao modelo da ferrovia
construída em Campinas e de em outras cidades brasileiras. Em Belém, a justificativa para o
prolongamento da ferrovia, com a construção do Ramal era possibilitar o escoamento da
65
Ao fazer comparações com outros lugares do Brasil no mesmo período, as condições de urbanização estavam
bem melhores na cidade de Campinas, por exemplo. Em 1872, um projeto de ferrovia se tornara realidade; a
estrada de ferro chegava a um dos extremos de Campinas, no seu acesso principal para quem vinha de São Paulo.
Ali construiu-se o primeiro edifício da Estação Ferroviária de Campinas, em frente de um grande Largo. (LAPA,
2008, p.90).
66
“No tempo de Haussmann, eram necessárias novas vias, mas não necessariamente as novas vias que ele
construiu... Eis o primeiro aspecto que choca em sua obra: o desprezo da experiência histórica. Haussmann faz
de Paris uma cidade projetada e artificial, como no Canadá ou no Faroeste... As vias de Haussmann muitas vezes
não tem utilidade e não possuem nunca beleza. A maior parte são traçados surpreendentes que partem de não
importa onde, para terminar em parte alguma, derrubando tudo em sua passagem, ao passo que bastariam alguns
desvios para conservar lembranças preciosas... Não se deve acusá-lo de ter haussmannizado demais, mas de
menos... Apesar de sua megalomania teórica, em lugar algum, naprática, ele viu com largueza, em lugar algum
previu o futuro. A todas as suas perspectivas falta amplidão, todas as suas vias são estreitas demais. Sua visão foi
grandiosa, mas não grande, nem justa, nem de longo alcance”in BENJAMIN,2007, pp. 172-173 apud Dubech e
D´Espezel, pp. 424-426. “Os traçados de Haussmann eram inteiramente arbitrários; não eram soluções rigorosas
de urbanismo, mas medidas de ordem financeira e militar.”in BENJAMIN,2007, p. 166 apud Le Corbusier,
Urbanisme, Paris, 1925, p. 250.
92
produção agrícola das colônias da Zona Bragantina e também de abastecê-las. Assim pelo
projeto, o ramal ferroviário deveria penetrar no Centro Comercial de Belém e atingir o litoral.
O Largo conhecido hoje como São Braz teve origem em meados do Século XIX em
uma clareira aberta na Estrada do Utinga, a qual recebeu a denominação de Praça da
Independência
67
, alguns anos depois foi transformada e recebeu o nome Avenida
Independência. No Largo de São Braz ficava a Caixa D’Água responsável pelo abastecimento
da cidade e a Estação Ferroviária da Estrada de Ferro de Bragança, além de paradas das linhas
das linhas dos bondes. A origem do nome São Braz deve-se à do povo paraense, devoto
daquele santo protetor das moléstias da garganta, que organizava grandes procissões com
início na Igreja das Mercês finalizando no Largo de Nazaré (CRUZ, 1992. Pág.32). É
interessante assinalar que o dia de São Braz no calendário gregoriano é comemorado no dia 3
de fevereiro, mas a festividade em sua homenagem ocorria do dia 5 ao dia 19 do mês de
novembro. O historiador Ernesto Cruz refere-se à procissão já ocorrendo no Século XIX
68
.
No levantamento urbanístico de Belém executado pelo engenheiro politécnico Manoel
Odorico Nina Ribeiro de 1883 a 1886, o Largo de São Braz é representado por um polígono
retangular (Fig.24), onde se destacam três caminhos de ferro: o primeiro, o do bonde,
representado através de duas linhas contínuas saindo da Avenida Independência; uma
seguindo em direção ao Marco da 1ª Légua e outra em direção ao Cemitério de Santa Isabel; o
segundo caminho de ferro é o da tubulação de água potável, representada através de uma
linha tracejada que sai do reservatório elevado de São Braz, grafado com a palavra Tanque; e
o terceiro é o do Ramal São Braz - Jardim Público, representado por uma linha com traço e
ponto saindo da Estação de São Braz até a Estrada da Constituição (atual Avenida Gentil
Bittencourt), em direção ao então Centro de Belém.
67
Planta Topográfica dos Limites da L´gua Patrimonial da Câmara Municipal de Belém. In MUNIZ, Palma J.
MUNIZ, J. de Palma. Patrimônio dos Conselhos Municipaes do Estado do Pará. Paris - Lisboa: Aillaud & Cia,
1904. P. 97.
68
Encontramos um exemplo no jornal A Província do Pará” do dia 1 de novembro de 1922, que mostra, ainda
neste mesmo ano o cidadão Manoel de Matos Cardoso na função de tesoureiro da diretoria da festa de São Braz,
fazia cobrança das contribuições para o festejo que se realizaria no Largo de Nazaré.
93
Figura 24 Pormenor ampliado da Planta da Cidade, mostrando ao centro o Largo de
São Braz, definido por uma forma retangular, em conseqüência dos quarteirões que
então lhe determinavam os limites. Em um deles, à direita abaixo, pode-se ler Estação
de São Braz. Fonte: Patrimônio do Conselho Municipal de Belém do Estado do Pará,
Planta da cidade de Belém, mandada levantar pela Vereação do Quatriênio de 1883-
1886, pelo engenheiro da Câmara, Manoel Odorico Nina Ribeiro, na escala original de
1/24.000.
Aquele grande espaço, com cerca de 400 metros de largura x 700 metros de
comprimento, era utilizado para manobras e distribuição do tráfego de bondes e do trem
que por ele circulavam. O tráfego interno do Largo de São Braz compunha-se do Ramal
da Estrada de Ferro de Bragança, utilizado pelos comboios para ir e voltar do Centro da
cidade, e pelas linhas dos bondes que iam para outros bairros, como o do Souza e do
Marco da Légua.
94
Figura 25 Espaço urbano do Largo de São Braz, mostrando em primeiro plano três
pedestres, um deles uniformizado, e dois cavaleiros, todos eles se deslocando na direção
a uma grande aglomeração de pessoas e animais, numa comemoração cívica referente a
Independência do Brasil, já que o Largo tinha anteriormente a denominação de Praça da
Independência. No plano de fundo um horizonte formado de uma ainda significativa
vegetação nativa, aonde se destaca a silhueta da Caixa D’Água em ferro, ladeada à
direita por um aglomerado de habitações baixas. Fotografia tomada do Pavimento do
edifício da Estação de São Braz da Estrada de Ferro de Bragança, em 1889. Fonte:
Álbum Paes de Carvalho.
O Largo de São Braz (Fig.25) ocupava uma área urbana de 28 hectares. De
qualquer ponto daquele grande espaço a população tinha uma privilegiada visão da
Caixa D’Água construída em ferro fundido
69
, de origem francesa que, pela singularidade
de sua forma e altura, também permitia que fosse vista de vários pontos da cidade. Era
um marco visual para orientação dos moradores de Belém que queriam deslocar-se na
direção de São Braz onde, a partir de 1885, havia a possibilidade de viajar até a
Colônia de Benevides, utilizando o trem que saía da Estação de São Braz da EFB.
Naquele ano já estava instalada também no Largo, uma feira livre para comercialização
69
Caixa D’Água em ferro fundido e forjado, importada através da Casa de Comercio Tony Dussieux de
Paris, com 25 m de altura e capacidade de 1570m3. Inaugurada em 1884, na gestão do Governador da
Província Lauro Sodré.
95
dos produtos vindos das outras Colônias criadas ao longo da Zona Bragantina e dos
produtos provenientes de outros pontos da Província do Pará, que chegavam através da
doca do Ver-o-peso e eram transportados pelos carroceiros até São Braz, também para
serem comercializados. Inicialmente esta feira livre funcionou em frente à Estação
Ferroviária (Fig.26).
Figura 26 Panorâmica mostrando em primeiro plano à direita o edifício da Estação de São
Braz da EFB, recém-construído, sem nenhuma urbanização executada a não ser o
assentamento dos trilhos, localizado na frente da Estação. Não havia ainda na parte posterior
uma área de embarque e desembarque de passageiros e cargas, mas uma espécie de depósito
para a guarda da locomotiva. Ainda no primeiro plano à esquerda, o início da estrada na
direção do Marco da Légua Patrimonial, que determinava também o caminho do trem
para Bragança. Fotografia tomada da área que abrigaria em futuro próximo a Feira de São
Braz. Fonte Álbum Paes de Carvalho, 1889.
96
2- O Caminho urbanístico do Ramal
Figura 27 - Iniciando na Estação de São Braz (A), o trajeto do Ramal penetrava na
cidade através das retas e curvas dos seus trilhos, com destino à Estação Central de
Belém, que ficava situada na área do Jardim Público, no Bairro da Cidade Velha. A sua
primeira grande curva (B), logo após a saída da Estação, unia os trilhos do Largo de São
Braz com os trilhos da Estrada da Constituição;, a partir daí, seguindo em linha reta até à
Travessa do Príncipe, onde iniciava um “S” (C) que terminava na Rua dos Mundurucus,
seguindo em linha reta até a segunda grande curva (D) que o unia à Travessa Carlos de
Carvalho; nesta, seguia novamente em linha reta até o segundo “S” (E) que terminava
em uma pequena reta que atravessava o rrego da Avenida Tamandaré chegando à
Estação Central de Belém. Fonte: Patrimônio do Conselho Municipal de Belém do
Estado do Pará, Planta da cidade de Belém, mandada levantar pela Vereação do
Quatriênio de 1883-1886, pelo engenheiro da Câmara, Manoel Odorico Nina Ribeiro, na
escala original de 1/24.000.
O traçado
70
do Ramal São Braz - Jardim Público ou também chamado Prolongamento
da Estrada de Ferro de Bragança, apareceu pela primeira vez ainda que não completo nos seus
6,10 km de extensão, no mapa de Belém executado por Nina Ribeiro (Fig.27), com início em
70
Em 1905 o desenhista José Sidrin reproduziu e atualizou algumas informações do mapa de Nina Ribeiro,
inclusive o trecho da chegada do ramal na Estação Central de Belém. Em 1919, apesar de não apresentar
informações tão fidedignas, em questão de escala e forma de alguns logradouros, o mapa elaborado pelo artista
plástico Teodoro Braga, representou o Ramal São Braz - Jardim Público com bastante clareza.
97
1883 e com término em 1886. Isto mostra que o projeto já existia antes de 1887, ano em que o
Ramal foi oficialmente licitado.
Ao estudar o mapa (1883-1886) de Nina Ribeiro, verifica-se que o traçado dos trilhos
segue por vias consolidadas ou em fase de consolidação no desenho da cidade, constituindo
uma linha de fronteira da área urbana de Belém em 1886, o traçado da linha não causou
grande impacto na cidade, interferindo na forma das quadras existentes ou planejadas no
momento de mudanças de direção dos trilhos, em decorrência da necessidade de espaço para
serem construidas curvas, que possuíam aproximadamente 100m de raio, conseqüência das
dimensões das locomotivas e de seus diversos tipos de carros (de passageiros, de carga,
wagons), que constituíam o trem ou comboio. Foram as grandes curvas do traçado do Ramal
que, ao gravarem sua forma na cidade, total ou parcialmente até os dias atuais, adequando-se
às modificações da área urbana, mas conservando as marcas de sua existência, lembradas
pelos antigos moradores.
Figura 28 - Um dos acessos para a Rua do Horto, o que é feito através da Avenida
Conselheiro Furtado, permite que se veja em primeiro plano à direita um edifício comercial
que abriga, alguns anos, uma loja de artigos para a prática do Balé, em seguida a garagem
mostrada em pormenor na figura 1 e a esquerda e no plano de fundo, ao longo da curva da
rua, a Praça Milton Trindade ou Praça do Horto (antiga área do Horto Municipal de Belém).
Foto tomada do cruzamento da Rua do Horto com a Avenida Conselheiro Furtado, pelo autor,
em 2002.
98
Trabalhar no Horto Municipal de Belém, localizado em uma das curvas do Ramal São
Braz Jardim Público da EFB (Fig.28) foi uma experiência muito estimulante na vida do Sr.
Osvaldino Oliveira
71
, paraense nascido na Cidade de Vigia em 1917. Em 1922, veio morar em
Belém, em uma Avenida paralela àquela por onde passava a linha do Trem, e que tinha a
denominação de Avenida Gentil Bittencourt:
Osvaldino Oliveira Eu morava ali na Avenida Conselheiro Furtado quase
esquina com a Avenida Alcindo Cacela (antiga 22 de Junho), eu conheci até o
prefeito Alcindo Cacela.
Fabiano - O senhor trabalhou em quê? O que o senhor começou a fazer em Belém?
O- Eu comecei a trabalhar com meu pai. A gente ia fazendo as mudas e depois
plantando para vingar, era bonito, tinha plantas, rosas, de tudo. Depois ele me
colocou no Horto Municipal para estudar mecânica, para aprender a dirigir,
naquele tempo eu era novo, mas eu era pinduca, como ele chamava, era curioso,
pegava o carro e dirigia.
F- Como o senhor trabalhava na mecânica, onde era a sua oficina?
O- Era dentro do Horto Municipal, no Horto Municipal tinha as plantas, todo
tipo de planta, e espalhava pela cidade, pelos jardins, a podagem das árvores era
feita pelos jardineiros.
F- Quantos anos o senhor trabalhou no Horto Municipal?
O- No Horto eu trabalhei cinco anos só.
Em uma cidade como Belém circulavam veículos de várias marcas e modelos, todos
eles importados é claro, pois no Brasil ainda não se fabricava automóvel. Eles circulavam
junto aos bondes, ao trem e às carroças, na década de 30. Foi nesse ambiente que o precoce
aprendiz de jardineiro, Sr. Osvaldino Oliveira também começou a aprender o oficio de
mecânico de veículos automotores; pelos cálculos ligados ao seu ano de nascimento, 1917,
iniciou antes de completar dez anos, e trabalhando na oficina mecânica do Horto chegou aos
15 anos de idade. Apesar de algumas declarações anacrônicas em seu depoimento, como
quando se refere ao momento da desativação do Ramal São Braz – Jardim Público, ele é uma
testemunha da existência, traçado e funcionamento efetivo desse Ramal da EFB.
71
Foi um dos internos entrevistados no Asilo Pão de Santo Antonio.
99
Fabiano- O senhor lembra isso? (Foto da Parada de Batista Campos)
Osvaldino Oliveira - Lembro, era o escritório deles. (Administração do Horto
Municipal)
F- Isto aqui, pelos meus estudos, pode ter sido uma das paradas do Trem. Ele
passava pela Mundurucus.
O- O trem vinha de São Braz, pela Gentil, quando chegava na Gentil com a Rui
Barbosa, ele entrava para a esquerda e passava em frente ao Horto Municipal.
F- Uma das Paradas, de duas que existiam para o trem, era a da Gentil esquina
com a Avenida Generalíssimo, a outra era a do Horto Municipal. Então esta aqui
(Foto da Parada de Batista Campos), depois tornou-se a administração do Horto
quando o senhor trabalhou lá.
O- O trem passava aqui assim (mostrando na foto), aqui na frente, era tudo dentro
mesmo, acompanhando a margem da rua, o trem parava deixava o pessoal todo,
não era bem na porta era mais adiante um pouquinho.
F- O senhor chegou a andar alguma vez de trem? De onde para onde?
O- Andei muito. Eu andava pro interior, pra Bragança, passeava, ia pra Bragança
passar o fim de semana, Castanhal, o interior.
F- O senhor lembra o preço do trem em relação ao preço do bonde, como um
parâmetro?
O- Naquela época, era 400 reis. O bonde aqui era, depende da linha, era por
seção, pagava um tostão entre São Braz e Souza, pegava o Souza no Ver-o-Peso e
ia até a Casa Natal.
Sua vivência da área permitiu, de imediato, que Seu Osvaldino reconhecesse a foto
(Fig.29) que lhe foi mostrada durante a entrevista. Assim como, conhecia o trajeto do trem e
100
também trajetos e preços das linhas de bondes na década de 1930 e que não tiveram
significativo aumento se comparar-mos àqueles que vimos anteriormante nas tabelas de 1916
e 1905, considerando as distâncias percorridas.
Figura 29 Pequeno edifício que serviu como a Parada de Batista Campos para o trem, no
Ramal São Braz Jardim Público (1887-1931), da Estrada de Ferro de Bragança. Localizado
na grande curva (Atual Rua do Horto), que servia de ligação entre a Estrada da Constituição
(atual Avenida Gentil Bittencourt) e a Rua dos Mundurucus. Durante algumas décadas do
Século XX, serviu para abrigar a administração do Horto Municipal de Belém, área que
mudou de função, transformando-se na atual Praça Milton Trindade. Uma réplica deste
edifício serviu de Parada na esquina da Estrada da Constituição com a Estrada 2 de Dezembro
(atual Avenida Generalíssimo Deodoro), do mesmo Ramal da EFB, servindo posteriormente
como parada de bondes. A réplica foi demolida quando da desativação das linhas dos bondes.
Foto tomada da área interna em direção a Rua do Horto. Fonte: Autor & CRUZ, Ernesto.
Ruas de Belém. Belém: CEJUP, 1992.
Se as grandes curvas dos trilhos e a Parada do trem em Batista Campos ficaram
gravadas na forma física da cidade, e estão para serem vistas, tocadas, observadas, é na
memória do romancista Dalcídio Jurandir
72
(1909-1979), através das suas lembranças de
72
Escritor paraense, nascido em Ponta de Pedras, na Ilha do Marajó. Publicou 11 livros, e pelo conjunto da sua
obra foi agraciado em 1972 com o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras.
101
quando criança, que chega até nós, parte da influência da grande linha reta, dos trilhos do
Ramal São Braz Jardim Publico, situados na Estrada da Constituição (atual Avenida Gentil
Bittencourt) e da Parada da Estrada 2 de Dezembro (atual Avenida Generalíssimo Deodoro ).
Ao ambientar o seu romance documentário Belém do Grão-Pará
73
na década de vinte, mostra
em vários momentos, através de seus personagens, um pouco da relação do trem com os
moradores da cidade
74
, no trajeto São Braz Jardim Público. Três desses momentos foram
destacados como exemplos:
1) Um trem apitou e passou, vagarosamente, arrastando-se,
fazendo a casa, de leve, estremecer. Alfredo arriscou um olhar pela
janela, um trem pela primeira vez. Quase o mesmo apito que ouvia
das lanchas no chalé. Em vez de barcos, da Lobato e da Guilherme,
passavam trens. Vinha, com efeito, morar à margem de outro
rio?”P.97.
2) “Alfredo dava-lhe cem réis (para um mendigo). E ficavam, um
perto do outro, sem conversarem, como meninos, ambos tão inocentes
da vida, feliz um, por principiar a vivê-la, e feliz o outro, por ter
chegado ao fim. A um passo era a Estação dos passageiros, este saco
de bagagem tão sem dono, o molho de foguetes, o trem parando fazia
Alfredo lembrar as lanchas no rio. Trem. Trem de Belém. Fantástico
naquelas primeiras noites o resfolegar da locomotiva, ó bicho!
Pessoas de fábula guiavam aquelas máquinas. Ou eram donas de seu
nariz, do seu fogo,chio, apito e rodar? Dentro dos carros iam
passageiros para sempre desconhecidos. Por que não nos
conhecemos todos? Por ali no trem não ia Lucimar, Joaquim, Alfer,
Blandina, Benedita, Cândida ... o bicho soprava as suas fumaças nas
janelas, telhados, mangueiras, cachos de jasmins, bandeirinha de
açaí, nas rodas das crianças. Uma vez, em cima do jabuti, Valmira
dava adeus, a quem, no trem?”P.143-144.
3) “Alfredo foi ver o lugar do piano e ouviu, como se fosse gravar
para sempre, as vozes da Gentil, lá fora, do toque de corneta ao chiar
da máquina parando na Estação da esquina (grifo nosso). E tudo
dali em diante se sumia, uma cidade se perdendo, aquela cidade a que
73
In JURANDIR, Dalcídio. Belém do Grão-Pará. – Coleção Ciclo do Extremo Norte. Belém: EDUFPA; Rio de
Janeiro: Casa Rui Barbosa, 2004.
74
No livro O trem: crônicas e contos em torno da obra de Thomaz Ianelli existe uma boa amostragem dessa
cumplicidade, romantismo, poesia e experiências marcantes na vida de cada ser humano, através de brasileiros
tão reconhecidos no nosso jornalismo critico, na literatura e nas artes como Thomaz Ianelli, Ruben Braga,
Ignácio de Loyola Brandão, Carlos Heitor Cony, Nélida Pinon, Luiz Ruffato, Lygia Fagundes Telles, Luis
Fernando Veríssimo e Angélica de Moraes. Um pequeno trecho de Ignácio de Loyola serve como referencia: “...
os apitos dos trens que passavam, chegavam, partiam, mostravam a hora de alguma coisa. A vida era
corriqueira, a rotina invariável e se ela fosse alterada, provocava ansiedade, perturbações gástricas, medos.
Alguns acordavam com o trem de passageiros que passava as 5 e meia da manhã em um lugar, 6 no outro, 6h33
numa vila. Acordar, levantar, fazer café, buscar pão na padaria, ir para o trabalho.” P.23.
102
agora mais se apegava, porque era a de seu deslumbramento, do seu
quadro de honra, de seus primeiros espantos e surpresas.”P.318;
A casa em que Alfredo sentiu o estremecimento por causa do peso e trepidar do trem
situava-se na Avenida Gentil Bittencourt (antiga Estrada da Constituição), uma das principais
vias daquele ramal urbano. Viabilizado por desapropriação de propriedades de características
rurais, em plena cidade, este trecho da via, assim como grande parte de sua extensão, abrigava
tanto pequenas plantações, como as conhecidas “vacarias”, em geral pertencentes aos
imigrantes de origem portuguesa, que comercializavam o leite e os seus derivados, ali
ordenhados e fabricados, esta situação repetia-se em vários outros pontos da cidade ainda na
década de 1920. Em 1886, o traçado do Ramal Urbano da EFB serviu como definição de
limites de Bairros como os de Nazaré, São Braz, Cremação e Batista Campos, da cidade de
Belém. Na época, a atual Avenida Gentil Bittencourt era habitada por moradores da classe
média. Contudo a via férrea foi responsável pela valorização imobiliária da região, como se
pode ver em anúncio que começavam a ser publicados nos jornais da cidade. O jornal “O
Liberal do Pará” da quinta-feira, 21 de junho de 1888, anunciava: Vende-se um bonito
terreno todo plantado e cercado sito à Travessa 14 de Abril próximo ao Prolongamento da
Estrada de Ferro de Bragança, medindo 14 braças de frente e 25 de fundos. A tratar com
João Augusto Menezes Sales, à Rua Dr. Malcher n
o
32”.
E no mesmo jornal, no ano seguinte, também numa quinta-feira, 3 de janeiro de 1889:
Vendem-se dois terrenos à Travessa 14 de Abril próximo ao Prolongamento da Estrada de
Ferro de Bragança, medindo 4 braças e ½ de frente e 35 de fundos, ambos cercados e
plantados”
O filósofo e também escritor paraense, Benedito Nunes
75
, referindo-se ao livro de
Dalcidio Jurandir, Belém do Grão-Pará, considera este romance uma leitura das mais
completas sobre a cidade, e coloca-a também entre as melhores
76
. Na apresentação concisa
que fez sobre esta obra, para a edição de 2005, refere-se à Avenida Gentil Bittencourt, via
pública de interesse ao nosso estudo, comparado-a com à Avenida Nazaré, e o que
representavam essas duas vias na década de 20 para a população de Belém:
75
Benedito Jose Viana da Costa Nunes. Professor emérito da UFPA filósofo e escritor. Nasceu em Belém em
1929.
76
NUNES, Benedito; HATOUM, Milton. Crônica de duas cidades: Belém e Manaus. Belém: Secult, 2006. p.
29.
103
“Em Belém do Grão-Pará, lê-se, ao mesmo tempo, a historia dos
Alcântara, uma família de classe média, decaída do alto status social
que tivera no governo do Prefeito Antonio Lemos, durante a alta da
borracha, e a historia da Belém dos anos 20,decadente, mas com a
estampa moderna parisiense que nela imprimira aquele Prefeito. Na
tentativa de recuperar, pelo menos, a aparência da posição perdida,
os Alcântara, sob a inspiração da fútil e gorda filha do casal, muda-se
da obscura rua onde moravam (Era a Avenida Gentil Bittencourt.
Grifo do autor) para a Avenida Nazaré, onde se concentravam os
ricaços, em geral fazendeiros da ilha do Marajó, mas vão ocupar uma
casa em ruínas, devorada pelos cupins. Quando a nova e chique
residência ameaça desabar, a família, com a ajuda dos empregados,
carrega, de noite, os poucos móveis que lhe restam, para a
acolhedora sombra das mangueiras, a beira da calçada.”
O trem, ao sair da reta dos trilhos da Avenida Gentil Bittencourt e após passar pela
curva do Horto Municipal deixando para trás a Parada de Batista Campos, iniciava a 2ª grande
reta que era na Rua dos Mundurucus. Nesse momento o grande espaço da Praça Batista
Campos era visto. As referências à Praça Batista Campos são muitas e variadas,
principalmente através dos postais do início do Século XX, porém não se encontra em
nenhum desses e também em fotos de época, o trem passando por este belo logradouro de
Belém. Neste início da Rua dos Mundurucus morou Dona Brígida
77
, mulher negra, paraense,
que nasceu em Belém em 1902, desde criança e durante muitos anos viveu neste local, bem
próximo à Praça Batista Campos. Ela já havia completado 104 anos quando foi entrevistada.
Tornou-se mais uma testemunha da existência e da convivência com o Ramal São
Braz Jardim Público da EFB. No seu falar, a locomotiva parava em frente à porta da casa
dela. Exagero? Falsa lembrança? Não, e isso é bastante lógico pela dimensão que tem um
comboio, que tem o trem, pois os carros de passageiros deviam estar estacionados junto à
Parada de Batista Campos e a casa de Dona Brígida devia ser bem próxima dessa Parada.
Uma coisa era importante, o trem sempre parava ali.
Fabiano- Dona Brígida, fale um pouco. Então, a senhora disse que morava na
Rua Mundurucus, em frente ao Colégio Progresso Paraense, é isso? A senhora
estudou na sua vida, a senhora fez o primário? Aprendeu a ler e a escrever?
77
Foi uma das internas entrevistadas no Asilo Pão de Santo Antonio.
104
Dona Brígida- Já. Esse Colégio Progresso Paraense.
F- Mas a senhora estudou no Colégio Paraense?
B- Não, a minha madrinha era Ana Barroso Líma e ela era Diretora, e de fato
eu gostava de estudar era em casa. Ela me chamava e todos iam pra lá, então é
assim.
F- E a senhora lembra quando o trem passava lá na frente da sua casa?
B- Ele parava na porta de casa.
F- A senhora chegou a andar de trem, a senhora pegava o trem?
B- Pegava, ia passeando principalmente pegar ali na Rua Mundurucus, e nós
íamos ver a linha até São Braz.
F- Muitas vezes a senhora fez isso? A senhora lembra até que ano a senhora fez
isso? A senhora já era mocinha? Era moça? Quantos anos a senhora tinha?
B- Eh, Se eu me lembro? Sim eu me lembro.
F- Quantos anos a senhora tinha? 20 anos? Quando pegava o trem, 30 anos?
B- Pois é ...
Dona Brígida deixou no ar a resposta e o assunto mudou para o seu estado civil. Ela
foi casada, mas não teve filhos. Orgulhava-se de até aquele momento ter 23 afilhados.
Gostava de ir até à Praça Batista Campos
78
passear e comer frutas, principalmente a manga,
pois no quintal da casa dela tinha sapotilha, abio, abricó e outras frutas do Pará.
F- E a Mundurucus, como era? Era uma rua animada? Tinha São João, tinha
fogueira nessa época?
B- Ah, tinha, tinha, principalmente agora em Junho tinha tudo.
78
O começo do ajardinamento da Praça Batista Campos, foi em 1901, onde devia ser levantado o monumento
comemorativo da assinatura do Laudo Suíço, sobre a região contestada do Amapá. Num Domingo, 14 de
fevereiro de 1904 houve a reabertura do então chamado Parque de Batista Campos “Conjunto a um tempo
mimoso e harmônico de Obras d`arte in CRUZ, Ernesto. Belém Aspectos Geo-sociais do município. Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1945. P.167-169.
105
F- E o trem? O trilho do trem. Em algum momento a senhora tinha medo de ser
atropelada pelo trem, ou não dava esse medo?
B- Eu não tinha medo não.
F- Havia muita criança na sua rua, nesse trecho da Rua Mundurucus que a
senhora morava?
B- Muitas não, mas tinha as dos vizinhos.
Com crianças e adultos a bordo de seus carros de passageiros de e de Classes, o
trem continuava o traçado dos trilhos do Ramal São Braz – Jardim Público, prosseguindo pela
Rua dos Mundurucus, pois a Praça Batista Campos da qual um dos lados fazia limite com esta
rua, já havia ficado para trás, e o que se anunciava após algumas quadras à frente era a grande
curva (Fig.30) que a ligava à e última grande reta do seu traçado que era a Travessa Carlos
de Carvalho (antiga Travessa da Queimada). Esta Travessa é a segunda paralela a contar da
Avenida 16 de Novembro (antiga Estrada de São José), pois a primeira paralela é a Rua
Ângelo Custódio (antiga Rua Longa), confundida em alguns relatos com a Travessa Carlos de
Carvalho.
É na Rua Arcipreste Manoel Teodoro ( antiga Rua Cruz das Almas) esquina com a
Avenida 16 de Novembro, tendo como cenário a Praça Amazonas e o Presídio São José (atual
Pólo Joalheiro e Capela de São José Liberto).que Dona Lourdinha
79
morou na década de
1930. Neste local, algumas quadras mais adiante, seguindo em direção à doca do Ver-o-Peso,
ficava o portão principal de acesso de passageiros da Estação Central de Belém da EFB.
Nascida em Santarém, cidade do oeste do Pará, situada às margens do Rio Tapajós, no ano de
1915, Dona Lourdinha chegou a Belém com 15 anos de idade, morou inicialmente no Largo
da Pólvora (atual Praça da República).
79
Foi uma das internas entrevistadas no Asilo Pão de Santo Antonio.
106
Figura 30 Foto aérea tomada em 1997, com céu limpo e sem nuvens, mostrando o estado
atual, da grande curva do Ramal São Braz Jardim Público da Estrada de Ferro de Bragança,
iniciando à direita na Rua Mundurucus e terminando à esquerda na Travessa Carlos de
Carvalho (antiga Travessa da Queimada). A denominação de Rua da Máquina é homenagem a
locomotiva do trem que por ela passava. A retícula utilizada ( linhas brancas de mínima
espessura) é de um quadrado de 200m de lado, referencia da escala da foto. Fonte: Ortofotos
– Codem – 1998.
Fabiano Dona Lourdinha, agora a gente vai voltar um pouquinho, a senhora
falou que morou na Praça Amazonas um tempo, a senhora lembra-se da Maria
Fumaça, do trem passando perto? Fale como era essa parte que a senhora
morava. A senhora conheceu a Estação do Trem?
Dona Lourdinha - Me lembro, me lembro sim, tinha muita coisa diferente, a
cidade agora está toda diferente. Eu morava logo na entrada da Rua Arcipreste
Manoel Teodoro canto com a Avenida 16 de novembro. Conheci. O senhor que
eu me dava com ele era Diretor do trem, ele viajava pra e pra cá. Ele
107
chamava-se, como é o nome dele meu Deus? Eu conheci muito a filha dele, ele
se dava muito comigo.
F- E a senhora chegou a andar de trem? Na Maria Fumaça a senhora andou
alguma vez?
L- Andei, duas vezes, três vezes, eu ia pra Castanhal, passear com uma senhora
que se dava comigo. Pegava o trem aí em São Braz.
F- A senhora não chegou a pegar o trem lá na Avenida 16 de Novembro?
L- Não. Eu não morava mais lá. Sebastião era o nome dele. Que trabalhava no
Trem.
F- Sebastião, mas não lembra o sobrenome. A sra viu o trem quando a senhora
morava na Praça Amazonas, perto do Presídio São José, a sra viu o trem passar
na Mundurucus? Ele fazia barulho, a sra ouvia o apito?
L- Vi, via o trem passar, via, via. Tinha aquele outro que a gente pagava 200
reis, não era ônibus não. Era o bonde, olha quanto mudou aquilo.
O preço da passagem do trem, no carro de passageiros de segunda classe, com
conforto semelhante ao do bonde, também custava 200 réis, como foi visto anteriormente.
Porém foi o comentário feito por Dona Lourdinha sobre as mudanças na área, naqueles idos
da década de 1930, que chamou mais a atenção e leva a lembrança para o ano de 1887,
quando das discussões iniciais e críticas dos engenheiros do Departamento de Obras Públicas
sobre o traçado do Ramal São Braz - Jardim Público, criticavam o Ramal que estaria
atravessando vias de muito tráfego!!!
108
Figura 30-A Montagem de um reticulado de vias (na cor amarela), em perspectiva, sobre
uma foto aérea tomada de um hidroavião na década de 1930, para melhor identificar as
Avenidas 16 de Novembro (1) e Avenida Tamandaré (3), e as Rua de Óbidos (2) e Travessa
Carlos de Carvalho (4), e para mostrar também (na cor azul) a parte final do traçado do Ramal
São Braz – Jardim Público da Estrada de Ferro de Bragança ao passar pela Travessa Carlos de
Carvalho e iniciar a grande curva em forma de “S”, até a sua chegada à Estação Central de
Belém. Fontes: autor e Jornal Pessoal n
o
392.
Para uma análise do estado e do uso do solo em que se encontrava aquela área da cidade onde
morava Dona Lourdinha, dos logradouros que a constituíam e do tráfego nela existente, é
interessante mencionar comentário do jornalista Lúcio Flávio Pinto publicado em forma de
texto e acompanhado de uma foto, no Jornal Pessoal da quinzena de Maio de 2007, na
seção Memória do Cotidiano. Fotografia (Fig.30-A), tomada de um hidroavião, na década de
1930, que mereceu o seguinte comentário de Lúcio Flávio:
Belém quase rural.
Uma foto raríssima de Belém, batida de um hidroavião, na cada de
30. A cidade ainda é muito acanhada. Pode-se observar a Avenida 16
de Novembro como eixo de expansão do sítio de mais antiga
109
ocupação, concentrado no vértice entre o rio Guamá e a baía do
Guajará. A via chega até a Praça Amazonas, então um centro de
aglutinação em torno do antigo estabelecimento religioso (e futuro
presídio). Dos lados, predomina a vegetação dos alagados (ou
baixadas), entremeada de grandes árvores nativas, nos quais se
multiplicavam os estábulos e vacarias. Em 70 anos, uma mudança
drástica.
80
Ainda na Travessa Carlos de Carvalho, o trem iniciava uma grande curva em forma de
“S” para alcançar a Avenida Tamandaré, cortá-la transversalmente e chegar até à Plataforma
da Estação Central de Belém. O início da curva dos trilhos situava-se na Travessa Carlos de
Carvalho (antiga Travessa da Queimada), atravessava uma quadra inteira e chegava até a Rua
Ângelo Custódio (antiga Rua Longa). Para completar o “S”, atravessava outra quadra
alcançando assim a Avenida Almirante Tamandaré (antiga Estrada do Arsenal).
Como lembra Dona Lourdinha, muitas mudanças ocorreram naquele trajeto e como mudou
tudo aquilo ali! Uma das quadras com novo uso do solo apagou vestígios do início da curva, a
outra quadra bloqueou um dos acessos do que restou da curva e transformou-se em uma Rua
sem Saída, denominada de Passagem Moura Carvalho. (Fig.31).
Dona Nazíra Rufeil
81
foi outra moradora das proximidades do Ramal São Braz
Jardim Público, mais especificamente do local onde ficava a Estação Central de Belém.
Nasceu no Bairro da Cidade Velha em Belém no ano de 1920, e morou durante 52 anos.
Residiu em várias vias daquele Bairro, entre elas as Ruas Cametá, Ângelo Custódio e Dr.
Malcher e a Avenida 16 de Novembro. Trabalhou como costureira e doceira. O fato de ter
morado na Rua Ângelo Custódio, permitiu que acompanhasse o movimento da Estação
Central de Belém e os horários de chegada e partida dos trens. As locomotivas a vapor eram
conhecidas pela população pelos nomes que traziam gravados, de personalidades ou lugares
como: Barão do Marajó; Conselheiro João Alfredo; Siqueira Mendes; Princesa Isabel;
Maguary; Traquateua e Bragança.
80
Jornal Pessoal, a agenda amazônica de Lúcio Flávio Pinto. Maio de 2007, 2ª Quinzena, n
o
392, Ano XX,
p.11.
81
Foi uma das internas entrevistadas no Asilo Pão de Santo Antonio.
110
Figura 31 Único acesso para a Passagem Moura Carvalho, via urbana que teve origem
através da curva em “S”, do último trecho do Ramal São Braz – Jardim Público da EFB, antes
dos trilhos do trem atravessarem a Avenida Tamandaré (antiga Estrada do Arsenal) para
permitir a chegada e partida desse meio de transporte, da Estação Central de Belém. Foto
tomada da Avenida Almirante Tamandaré em direção ao final da curva que saia na Rua
Ângelo Custódio. Fonte: Autor, 2002.
Fabiano -- A Sra. lembra então? Como a Sra. morou muito tempo na Cidade
Velha, a Sra. lembra do trem? Da Maria fumaça por lá?
Dona Nazira Rufeil - Era na Ângelo Custódio, a Estação de Belém não era? Do
trem, eu me lembro de tudo isso. Morava na Rua Ângelo Custodio, ainda.
F- Fale um pouco de lá, da Estação, a Sra. chegou a pegar o trem lá, com seus
pais, com sua mãe?
111
Figura 32 Fachada principal do edifício da Estação Central de Belém, pertencente ao Ramal
São Braz Jardim Público, da Estrada de Ferro de Bragança. Foto tomada em torno de 1898-
1899, aproximadamente 10 anos após a inauguração desse edifício público, pelo fotógrafo
Arthur Caccavoni, posicionado no piso do acesso principal de passageiros, situado ao ar livre,
no interior da área pertencente à referida Estação, cujo portão de acesso externo, estava
situado à Estrada de São José (atual Avenida 16 de Novembro). Existem indícios, na própria
fachada, de que o edifício foi ampliado nesse intervalo de tempo, da inauguração para a
tomada da foto. Fonte: CACCAVONI, Arthur. Álbum Descritivo da Amazônia. Genova: F.
Armanino, 1899.
N- Era com meus pais, era. A Estação de Belém (Fig.32) era ali onde umas
casas, uma vila, se eu não me engano (Tamandaré, esquina com a 16 de
Novembro). Faz tempos que eu não ando para aqueles lados, pois eu estou cheia
de problemas.
F- Eu gostaria que a senhora lembrasse esse tempo de criança e adolescente, se
a senhora conseguir. O que a Sra. lembra ali da Avenida 16 de Novembro? Das
pessoas? A senhora chegou a entrar na Estação?
112
N- Cheguei, cheguei. Andava muito de trem. Eh, eh, eh. Ia pra Benevides, que eu
tinha uns parentes lá. É assim, né? Depois eu fui morar na casa de minha tia, eu
fui com uns dez anos e quando saí de lá já estava com 52 anos.
A leve risada de Dona Nazira chama atenção quando ela diz que viajou muito de trem.
No clima da Amazônia, e na Maria Fumaça não era aconselhado o uso de cortinas nos carros
de passageiros dos trens, mas se o livro Paris en Rose de Benjamin Gastineau tivesse
chegado a suas mãos certamente a encantaria, pois era anunciado da seguinte maneira: La
Vie en Chemin de Fer A Vida em estradas de ferro é um encantador poema em prosa. É a
epopéia da vida moderna, sempre arrebatadora e turbulenta, o panorama de alegria (grifo
nosso) e lágrimas passando como a poeira dos trilhos perto das cortinas do vagão”
82
82
Do livro de GASTINEAU, Benjamin. Paris em Rose. Paris, 1866, p.4. apud. BENJAMIN, Walter.
Passagens.
Belo Horizonte: Editora UFMG; S.Paulo: Imprensa Oficial do Estado de S.Paulo, 2007, p. 147.
113
3- O Jardim Público de Belém: final do Ramal
A Estação Central de Belém foi o edifício de referência como ponto final do Ramal
São Braz - Jardim Público da EFB (trecho desta ferrovia também conhecido como o
Prolongamento da EFB até a área central da cidade de Belém) durante o período que durou a
sua construção. Assim que foi inaugurada, no ano de 1889, assumiu a sua dupla função de
servir, num futuro próximo, ou seja, no ano de 1908, como Ponto inicial e Ponto final da
viagem de trem Belém- Bragança- Belém. Esta Estação Ferroviária foi implantada em área
onde funcionou o Jardim Público, espaço criado para proporcionar descanso, tranqüilidade e
lazer à população de Belém, e cuja origem remonta à criação do Horto Botânico
83
da Província
do Pará. Sem citar a autoria, o poeta e historiador Leandro Tocantins transcreve um pequeno
texto contendo uma descrição de época do espaço ocupado pelo Jardim Botânico de Belém:
Partem renques de plantas domésticas e forasteiras já climatizadas, que se cruzam com
outras, e dentro dos quadriláteros que eles formam existem latas e bosquetes de várias flores,
que em torno adereçavam o espaço interior, e também algumas drogas necessárias ao
homem que prova desmancho na saúde. (MAIA, 1987, p.24)
O Jardim Botânico e o Jardim Público, foram locais que contribuíram muito para o
lazer dos habitantes de Belém e para a forma e expansão da cidade, incluindo o Ramal São
Braz Jardim Público. Este delineamento é respaldado pelo cruzamento das informações
83
O Horto Botânico ou Jardim Botânico, foi estabelecido em 1796, em terras pertencentes a fazenda real em
Belém, próximo ao Convento de São José da Cidade, devido a Carta Regia de 04 de novembro de 1796, do
Capitão General D.Francisco de Souza Coutinho, possuía 50x50 braças (90x90metros) de dimensão de quadra e
era constituído de quatro quadras, formando um quadrado total de aproximadamente 200m de lado. Foi o
primeiro horto botânico do Brasil, chegou a possuir 2.362 espécies de plantas catalogadas. Dirigido inicialmente
por um francês de nome Grenoullier. Relatos de botânicos, jardineiros e leigos, cujos temas são sobre as filhas da
“Palma Mater” espalhadas por todo o Brasil, daquela que foi a primeira palmeira imperial, plantada pelo próprio
imperador D.João VI no inicio do Século XIX, fazem com que a Província do Pará seja considerada a pioneira
no Brasil no trato e distribuição de mudas das mais variadas espécies vegetais, que o seu Horto Botânico
iniciou suas atividades um pouco antes, ou seja, na ultima década do Século XIX. Encerrando suas atividades em
1863, cujo espaço foi utilizado para assentar a Fabrica de Gás de Belém. In Mensagem proferida pelo Presidente
da Província do Pará, excelentíssimo senhor doutor Pedro Vicente de Azevedo, em 15 de Fevereiro de 1874.
Pará: Typographia do Diário do Gram-Pará, 1874. Ver referencia sobre Grenoullier como fugitivo da Guiana
Francesa em SOUBLIN, Jean. Cayenne 1809 La conquête de la Guyane par le portugais du Brésil. Cayenne:
Karthala, 2006. E sobre a Palma Mater” ver LOREDANO, Cássio. O Bonde e a Linha, um perfil de J.Carlos.
S.Paulo: Editora Capivara, 2002.pag.20. Ver ARAÚJO, Renata M. de. As cidades da Amazônia no Século
XVIII Belém, Macapá e Mazagão. Porto - PT: Inova Artes Plásticas, 1998. P.260. Ver também MAIA,
Tom.(org.); MAIA, Thereza R.C; TOCANTINS, Leandro. Grão Pará. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1987.
P.24. Idem, BAENA, Antonio Ladislau M. Compêndio das Eras da Província do PaBelém: Universidade
Federal do Pará; Rio de Janeiro: Companhia Gráfica LUX, 1969, p. 235.
114
contidas na mensagem proferida pelo Presidente Pedro Vicente de Azevedo em 15 de
fevereiro de 1874
84
e na representação cartográfica de Belém com a denominação de Plano do
Pará (Fig. 33), executada por autor desconhecido na terceira década do Século XIX, em lápis
de cor, mas com base no traçado da Carta Topográfica da cidade do Pará, de autoria do
engenheiro Hugo de Fournier. (Araújo, 1998, p. 259.)
A Carta Régia de 4 de novembro de 1796, confia a delineação do traçado do Jardim
Botânico, assim como a sua Direção, ao engenheiro agrário Monsieur Grenoullier, francês
imigrado da Ilha de Cayena. Definido por um grande quadrado de quase 200 metros de lado,
dividido em quatro quadras de 50 braças de lado, o Jardim Botânico era cercado por um
valado com uma cerca viva de limoeiros, para a proteção da propriedade. No centro, um
telhado com forma piramidal, é a cobertura de um poço com parapeito de alvenaria, cuja área
de entorno é pavimentada com ladrilhos vermelhos e nas extremidades, protegidas por bancos
em alvenaria. Desta construção central partem fileiras de plantas domésticas e exóticas
aclimatadas, e dentro do quadrilátero que elas formam, existem latadas cobertas de várias
flores. (BAENA, 1969)
O Jardim Botânico da cidade de Belém (Fig.33- Pormenor A), apesar da sua
simplicidade, tem claramente a influência dos traçados dos jardins barrocos franceses, ou seja,
seguem um rigor geométrico, com simetria, significando que a paisagem natural é dominada
pelo homem. Pode-se associá-lo ao Partido escolhido pelo Mestre Valentin, no final do
Século XVIII, 1783, para o Passeio Público do Rio de Janeiro. (SANTUCCI, 2005).
84
In Relatório apresentado a Assembléia Legislativa Provincial na primeira Sessão da 19ª Legislatura, pelo
Presidente da Província do Pará, excelentíssimo senhor doutor Pedro Vicente de Azevedo, em 15 de fevereiro de
1874. Pará, Typographia do Diário do Gram-Pará, 1874. Consultar site HTTP://brazil.crl.edu/bsd/bsd/544. p.52.
115
Figura 33 Pormenor A Vista do traçado do Jardim Botânico da Cidade de Belém com
forma geométrica de origem francesa. Fontes: Autor e Plano do Pará da década de 1830.
As críticas feitas ao projeto e construção do Jardim Botânico de Belém por Antonio
Ladislau Monteiro Baena, citando botânicos e naturalistas franceses, atuantes nos Séculos
XVII, XVIII e início do XIX, como Joseph Pitton de Tonnefor, Michel Adanson, Antoine
Laurent de Jussieu, Jean Baptiste Christian Fusée Aublet e o botânico português Felix de
Avelar Brotero, para justificá-las, devem ser repensadas, levando-se em conta as condições
locais e financeiras da Província do Pará e Rio Negro, para fazer frente e manter uma obra de
tamanha envergadura na cidade de Belém. Antonio Baena chegou a visitá-lo e fez, a seu
modo, uma espécie de levantamento daquela área, como demonstra a sua descrição na obra:
Compendio das Eras da Província do Pará.
(...) este Jardim Botânico não tem a mais remota analogia com
qualquer estabelecimento do mesmo gênero. Falta-lhe a competente
extensão, uma distribuição methodica, e uma alverca para as plantas
aquáticas, e carece de muitas plantas úteis e interessantes, e as mais
peregrinas, e mesmo algumas das mencionadas por Aublet na sua
História das plantas da Guyana. A maioria das que vegetaõ no
Jardim consta de algumas das terrantezes e das já cultivadas em
Cayena d´onde vieraõ e de outras triviaes das matas do paiz, e de
facílimo cultivo pela proximidade do clima em que nascerão. O dito
Jardim chegou a ter dentro do recinto duas mil trezentas e sessenta e
116
duas plantas. (...) Fora do recinto e perto a elle existem quatro centas
e quarenta e uma plantas. (BAENA, 1969.pp. 235-236)
Este total de 2.803 plantas, estava em acordo com as diretrizes e com a intenção da
Fazenda Real de, com a criação do Jardim Botânico:
(...) aperfeiçoar e ampliar com actividade e inteligência as culturas
existentes, e animar as novas, quaes as da Pimenta, Canella, Arvore
do Paõ, Jalappa, Barbadine, noz moscada, Linho canamo, Teca,
Cravo da India, e outras especiarias, praticando-se primeiro em
pequenas culturas destas plantas, que depois hajaõ de ser diffundidas
por toda a Capitania. (Baena, 1969, p.236).
É provável que uma das conseqüências diretas da produção e estudos de plantas
realizadas no Jardim Botânico (Fig. 33) foi o aparecimento de outro Jardim, denominado
“Rocinha das Canelleras” (Fig. 33-A), que é considerado o Jardim de uma vontade dos
governantes paraenses
85
de criar este tipo de lazer e incentivo ao gosto pela Botânica, para a
população de Belém. Tendo sido implantado na Estrada de São José (atual Avenida 16 de
Novembro) transformou-se alguns anos depois no Jardim Público, ponto final do Ramal.
85
Esta vontade teve inicio em 1796 com a criação do Horto Botânico. A “Rocinha das Canelleras”, com um
terreno em forma de trapézio retangular, foi implantada no inicio do Século XIX na mesma área onde, depois de
modificações no projeto, foi implantado o “Jardim Público”, oficializado em 1864. Localizada na Estrada de São
José a “Rocinha das Canelleras” possuía uma plantação de arvoredos aromáticos originários de Cayenna. Há
indicativos de que pode ter tido influencia no desenvolvimento do projeto, o Diretor do Jardim Botânico,
engenheiro francês Grenoullier. A planta baixa da Rocinha, com suas formas geométricas nos remetem também
aos jardins franceses assim como aconteceu no projeto do Jardim Botânico
117
Figura 33-A - Pormenor de uma Planta da Cidade de Belém do início do Século XIX
(1823), mostrando o cruzamento da antiga Estrada de São José (atual Avenida 16 de
Novembro) com a Estrada do Arsenal ou das Mongubeiras (atual Avenida Almirante
Tamandaré). No círculo maior “A” está o Horto Botânico e no círculo menor “B” a área
que seria definida como Jardim Público, local da implantação, em 1887, da Estação Central
de Belém da Estrada de Ferro de Bragança. Fontes: Plano do Pará in TAVARES, A. de
Lyra. A Engenharia Militar Portuguesa na Construção do Brasil, 1965; Plano de Pará in
ARAÚJO, Renata M. de. As cidades da Amazônia no Século XVIII Belém, Macapá e
Mazagão, 1998. Plano do Pará do original manuscrito da Direção dos Serviços de
Engenharia Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar, Lisboa início do
Século XIX pág.400, in REIS, Nestor Goulart. Imagens das Vilas e Cidades do Brasil
Colonial, 2000.
118
O Jardim Público
86
ou Passeio Público
87
de Belém surgia então como uma forma de
continuidade ao Jardim Botânico ou Horto Botânico, não exatamente com as mesmas funções
experimentais, começando a funcionar em 1864 na mesma área da Rocinha das Canelleras,
que tinha o acesso principal pela Estrada de São José (atual Avenida 16 de novembro), entre a
travessa d’Atalaya (atual Rua Joaquim Távora) e a Rua do Arsenal (atual Avenida
Tamandaré). Com gastos públicos contabilizando, de 1862 a 1872, um montante de
18.800$000 réis, o Jardim Público teve sua origem naquela área que havia sido aterrada,
embelezada e plantada, pois fazia parte do grande alagado do Piri, tornou-se um investimento
em Administração e Custeio dispendioso para a Província do Grão Pará, diante de muitos
outros serviços importantes e que não poderiam ser adiados (CRUZ, 1967, p.55-142).
A própria história do Passeio blico da cidade do Rio de Janeiro é uma situação
semelhante à de Belém em relação a saneamento básico de uma área de cidade em benefício
do lazer de seus habitantes, que, nesse sentido com todas as intervenções que lhe foram
impostas, vem sendo vivenciado desde os idos de 1783 até aos dias atuais. E ao se tentar fazer
comparações com a importância do projeto e a dimensão da área alagada e aterrada,
necessária para dar origem ao Jardim Público da cidade de Belém, que teve a existência de
apenas 10 anos efetivos, devem ser guardadas as devidas proporções. A semelhança aqui
analisada é a de que o espaço ocupado por aquela área de lazer da população carioca foi
também originário da área de um pântano que virou jardim:
Na cidade castigada pelo sol inclemente dos trópicos, havia pouco
abrigo do calor intenso. Ruas tortuosas, esburacadas, sem calçadas,
sem árvores e tomadas pelo comércio de aguadeiros, feirantes e o
movimento de cavalos e carroças. A circulação intensa de
mercadorias era oferecida aos gritos, tornando as ruas ruidosas, ruas
86
O Jardim Público ou Passeio Público foi o quarto dos “jardins”, da vontade dos governantes paraenses de criar
este tipo de lazer e incentivo ao gosto pela Botânica para a população de Belém. Esta vontade teve inicio em
1796 com a criação do Horto Botânico seguido pela “Rocinha das Canelleiras”, área situado na Estrada de São
José com um plantio de arvoredos aromáticos, originários de Cayenna e em terceiro o Jardim do Conde de Villa-
Flor (1817-1820), no Palácio Presidencial. Ver op. Cit. P.33.
87
O Passeio Público do Rio de Janeiro foi o primeiro parque ajardinado do Brasil, sua construção data de 1783,
projetado por Mestre Valentim da Fonseca e Silva, que seguiu as diretrizes de partido nos moldes dos jardins do
Barroco Francês. O Passeio Público se tornou o principal ponto de encontro da população Carioca nos Séculos
XVIII e XIX. Em meados do Século XIX o paisagista francês Auguste Glaziou, a convite de D. Pedro II,
reformulou o Passeio Público para o modelo de Jardim Inglês, reinaugurado em 1862. Tinha como atrações:
esculturas, chafarizes, pirâmides e variadas espécies da flora nacional. Influenciou com o seu exemplo parques e
praças em várias cidades do país, inclusive a de Belém como comprovou o Jardim Público dessa cidade e outras
praças ajardinadas ali construídas. Site Passeio Público. Ver também SANTUCCI, Jane. Os Pavilhões do
Passeio Público Theatro Casino e Casino Beira-Mar. Rio de Janeiro: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro;
Secretaria das Culturas: Editora Casa da Palavra, 2005. P.15-18.
119
essas que pertenciam aos homens e aos escravos. Às mulheres
brancas, sempre reclusas, restavam os olhares furtivos através dos
muxarabiês e o percurso a a Igreja, sempre conduzidas em
pequenos cortejos. Na cidade do Século XVIII, que se expandia, os
poucos espaços aproveitáveis ficavam entre os morros e eram
permeados de charcos e pântanos, e na conquista de novas planícies,
os alagadiços eram secados por valas e aterros. E foi sobre uma
lagoa pantanosa (Lagoa do Boqueirão d´Ajuda) que o vice-rei D. Luis
de Vasconcelos,homem dotado de ideais iluministas,resolveu plantar
um jardim, cobrindo com aterros a lagoa pestilenta que ficava nos
limites da cidade. (SANTUCCI, 2005.)
O Jardim Público da cidade de Belém ficou sob responsabilidade da Província do Pará
até o ano de 1873, quando foi arrendado para o cidadão Manuel da Costa Araripe, um ex-
mestre jardineiro, cuja obrigação de pagamento era tão somente a responsabilidade de mantê-
lo aberto aos Domingos e dias Santos, e de prover o fornecimento de flores nestes mesmos
dias e nas festas nacionais, para o Palácio do Governo Provincial
88
. Ao que tudo indica, o
jardim sob o arrendamento de Manuel da Costa Araripe, dois anos depois foi arrendado a
outro cidadão, Leopoldo O’ de Almeida que, através de uma petição ao Governo da Província
propôs o arrendamento do Jardim Público. A resposta veio através do ofício de 29 de
novembro de 1875, deferindo o pedido. O Contrato rezava uma obrigação de arrendamento
por 5 anos com um pagamento anual de 180$000 réis.
89
. Esse Contrato venceria em
Novembro de 1880 e é dele que temos notícias no ano de 1879. Assim de acordo com um
relatório
90
do Presidente da Província, o Jardim Público estava arrendado ainda por 180$000
réis anuais (hoje uma média de US$ 97,20). As notícias quanto à manutenção, não eram
alvissareiras: um aningal
91
tomou conta do pequeno lago e a flora estava agora representada
apenas por uma ou outra erythrina, mostrando suas flores iridiscentes de luz
88
In Relatório doutor Pedro Vicente de Azevedo, em 15 de fevereiro de 1874, obra cit.
89
Obriga-se o contratante a arrendá-lo por tempo de 5 anos, mediante a quantia anual de 180 mil reis paga em
prestações trimensais adiantadas. Ficando rescindido o contrato deste que deixasse de pagar qualquer prestação
adiantada. Ficava o contratante obrigado a prove-lo de flores e plantas de ornamentação e franquea-lo ao publico
nos domingos e dias santificados. Todas as despesas necessárias com a limpeza e conservação do jardim corriam
por conta do contratante, ficando-lhe o direito de vender as Flores e plantas que, sem prejuízo da elegância e
ornamentação poderiam dali ser colhidas ou retiradas.” Oficio de 29 de novembro de 1875. Deferiu o governo
nesta data a petição em que Leopoldo O’ de Almeida, se propôs a arrendar o Jardim Público in CRUZ, Ernesto.
Edifícios Públicos do Pará. Volume I. Belém: Imprensa Oficial, 1967. P.138.
90
Falla com que o Excellentissimo senhor Doutor José Coelho da Gama e Abreu, Presidente da Província, abriu
a Sessão da 21ª Legislatura da Assembléia Legislativa da Província do Gram- Paem 16 de Junho de 1879.
Pará: Governo Provincial, 1879. P.13.
91
Uma grande quantidade de aningas, denominação de origem Tupi, planta da família das aráceas.Termo
utilizado pela primeira vez em 1654 pelo padre Antonio Vieira em Cartas. In CUNHA, Antonio G. Dicionário
Histórico das palavras portuguesas de origem Tupi. São Paulo: Companhia Melhoramentos; Brasília:
Universidade de Brasília, 1999.p.55.
120
É importante lembrar que, por ser um centro urbano com mais de 270 anos de
existência, a cidade de Belém não apresentava tantas opções de espaços livres principalmente
no seu coração comercial para localização de edifícios públicos ou privados com funções
especiais
92
como era o caso de uma Estação Ferroviária. Por isso a área ocupada pelo Jardim
Público tornou-se uma opção mais que desejável. Descuidada, com problemas de inundação
em tempo de chuvas e sem renovação de arrendamento, sua área foi utilizada para a
implantação da Estação Central de Belém
93
em 1887.
Sobre o local que abrigou o Jardim Público e sobre a flora nele existente, o cidadão
Heliodoro de Brito escreveu para o jornal diário “A Folha do Norte” um texto à guisa de
memória e crítica publicado no dia de Janeiro de 1930 com o titulo “Parques e Jardins de
Belém”. Inicia a escrita com um comentário sobre a esquina da Avenida Tamandaré com a
Avenida 16 de Novembro, na qual estava implantada a Estação Central de Belém da EFB e
em seguida se deixa levar pela memória, com as lembranças de quando ainda menino
94
era
levado pelo irmão mais velho ou por “qualquer outra pessoa de juízo”, para visitar aquele
“lugar de delícias, transpondo o tosco portão que se abria para a então Estrada de São José.
Cristas de galo, perpétuas, girassóis, arbustos de resedá, rainhas da noite, manais e
sabugueiros, arvores frutíferas junto a estatuetas de louça representando Júpiter, Diana e
Bacco, deuses gregos que conviviam com um Coreto onde bandas marciais se
apresentavam.” Em uma nova visita alguns anos depois, no intervalo entre 1873 e 1887,
quando aquele espaço do Jardim Público estava arrendado a terceiros, Heliodoro se
decepciona, observa e critica. As flores não mais existiam, havia buracos no chão, as
92
Alguns anos antes e aqui citados como exemplo já havia dificuldades para se encontrar espaços adequados para
esses edifícios públicos ou privados com características especiais. No ano de 1866 existiam na cidade, em acordo
com a comissão da Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará especificamente constituída para esse fim, apenas
cinco pontos convenientes à construção de uma Casa de Saúde: Largo do Carmo; Praça Pedro II, Largo de
Nazareth; Largo de S.João na Estrada da Olaria e Largo de Santo Antonio. Os demais locais existentes no centro
de Belém eram constituídos de terrenos baixos, sem ventilação adequada, alagados parcialmente e sem água
potável. In VIANNA, Arthur. Historia da Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará. Ampliação do resumo
escrito por Arthur Vianna em 1904 e publicado no Jornal do Commercio. Belém: Livraria Gillet, 1914. p. 89.
93
Em meados da década de 1950, o edifício principal da Estação Central de Belém foi demolido, pois o grande
depósito e outros pequenos edifícios que dela faziam parte haviam sido demolidos anteriormente, logo após a
sua desativação no inicio na década de 30 do Século XX, ou seja, havia passado um quarto de Século da
desativação do Ramal São Braz Jardim Público da EFB. A demolição foi executada para que fosse iniciado,
naquela área pertencente ao governo federal, o processo de construção de residências, ainda unifamiliares de dois
pavimentos, destinadas a oficiais militares do Exército Brasileiro. Hoje o espaço da Estação está ocupado por
Blocos de apartamentos multifamiliares, por um hotel de transito de oficiais (HTO) e pelas antigas residências
dos suboficiais.
94
Estima-se que a idade do Sr. Heliodoro, quando escreveu o artigo, estava em torno de 60 anos, explicado pelo
seu próprio comentário no texto: “...terei completado o quadro que ainda hoje vive em minha imaginação,
apesar de assás diluído por uma farta penca de janeiros...”, e pelo fato do Jardim Público ter sido desativado
em 1873, depois de nove anos de existência, e o artigo ter sido escrito em 1930.
121
estatuetas tinham sumido: De todo o esplendor antigo restava apenas, como dolorosa
reminiscência, espectraes e esgalhados arbustos, emoldurando um pavilhão de madeira onde
se davam bailes públicos a dois mil réis por cabeça.
O Jardim Público, ao que tudo indica, era conhecido também com a denominação
extra-oficial de “Jardim Mytológico”, pois assim foi anunciado no periódico O Liberal do
Pará, que circulou no dia 19-3-1873, a respeito do aluguel de uma rocinha, localizada na
Estrada de São José, de propriedade de Antonio Cardoso da Cunha. (SOARES, 1996, p.177)
As conexões existentes entre os espaços ocupados por trilhos, estações e paradas do
Ramal Urbano da EFB com a cidade e a sua população, apresentados neste capítulo da
pesquisa são ampliadas no próximo, recebendo novos informes de outras memórias que se
incorporam às existentes, contribuindo com mais lembranças da vida na cidade, das suas
imagens e da ferrovia..
122
Parte III- A cidade e o trem: fragmentos de imagens e lembranças
construindo relações.
123
1-Recortes do cotidiano e memória impressa e manuscrita em cartões postais
As informações, coletadas e interpretadas a partir dos pedidos que eram feitos pela
população por meio de ofícios e requerimentos (petições) dirigidos ao Presidente da Província
e que abrangiam os mais diversos assuntos e necessidades de cada habitante da cidade,
comparadas e analisadas com os relatórios e ofícios enviados pelos auxiliares diretos da
presidência, tornaram-se eficientes instrumentos de análise para entender os problemas
urbanos de Belém e de sua população. Incluída aí a situação específica da Estrada de Ferro de
Bragança e do seu ramal urbano ou prolongamento até a área central da cidade.
Era clara, por exemplo, a dependência brasileira da importação de países da Europa e
dos Estados Unidos da América do Norte, do material rodante e das peças de reposição para a
Estrada de Ferro de Bragança, o que é mostrado de maneira simples e burocrática, em abril de
1888, pelo Sr. João Cardoso, funcionário do Tesouro Provincial
95
, ao solicitar ao presidente
da província autorização para a finalização da compra de 36 pares de rodas para o trem,
encomendados à Inglaterra. Outros ofícios encaminhados à presidência endossam a situação,
como foi o pedido de prorrogação de prazo para montagem de locomotivas feito pela empresa
inglesa Kingston & Cia em março de 1889
96
e o realizado em Maio
97
daquele mesmo ano
solicitando pagamento de locomotivas para a Kingston & Cia no valor de 17.750$000 réis.
Em agosto de 1889, foi encaminhado ofício à presidência, contendo um relatório com
informações sobre o material rodante em serviço no Prolongamento da Estrada de Ferro de
Bragança ou Ramal São Braz Jardim Público da EFB. As informações diziam respeito às
locomotivas: Princesa Isabel; Conselheiro João Alfredo; Bragança; Barão do Marajó e
Siqueira Mendes. Completavam aquele material rodante: três carros de primeira classe; dois
carros de segunda classe; três breaks; três carros fechados; cinco meias laranja; três
plataformas; dois carros para gado; quatro wagons para lastro; doze trolys; e mais duas meias
laranja em construção, divulgado como se fosse um novo parâmetro administrativo de
controle, tanto daquela manutenção, pedidos de compra e fiscalização de material rodante,
95
Petição do funcionário João Cardoso do Tesouro Provincial, dirigido ao Presidente pedindo autorização para
finalizar a compra de Rodas para o trem. Cx. 650, 5 de abril de 1888. Poder executivo, Arquivo Público do Pará.
96
Oficio de 23 de Março de 1889 da Estrada de Ferro de Bragança enviado ao Presidente da Província, Cx.No
404, Arquivo Público Estadual.
97
Oficio de 20 de Maio de 1889 da Estrada de Ferro de Bragança enviado ao Presidente da Província, Cx.No
404, Arquivo Público Estadual.
124
como também dos demais serviços prestados pela Estrada de Ferro de Bragança. Naquele
mesmo mês, o jornal “O Liberal do Pará” de Sábado, 31 de agosto de 1889, publicava um Ato
do Presidente da Província:
Actos Officiaes – Dia 30 de Agosto de 1889.
“Por acto de hontem, S. Exc. O Sr. Dr. Presidente da Província
determinou que de de Setembro em diante, os trabalhos de
prolongamento da Estrada de Ferro de Bragança, ficam
exclusivamente sob a direcção e fiscalização do engenheiro director
da mesma estrada, sem vantagens além dos vencimentos que percebe,
devendo ser reduzido a 30 o número de operários que trabalham no
serviço da Estrada, sendo despedidos os demais.”
A redução do número de operários, com a conseqüente exoneração dos excedentes que
trabalhavam no Ramal São Braz Jardim Público, no final de 1889, foi causada
principalmente pelo término da construção desse Ramal da EFB. Mas ao que tudo indica, uma
outra causa foi a contenção de despesas praticada pelo governo provincial, anunciada em
ofício de abril
98
daquele mesmo ano, quando o pagamento para estes trabalhadores não
deveria ultrapassar a diária de 1$800 réis. Contenção que, pelo visto, foi estendida aos
engenheiros e arquitetos da EFB e também à direção da fiscalização, que não receberia
nenhuma vantagem a mais ao assumir a função. Como mostra o Ato oficial publicado no
periódico do dia 30 de agosto, exposto acima.
A petição de transferência de função do engenheiro civil João dos Passos Damasceno
99
- formado pela Universidade de Miami Oxford, Ohio, Estados Unidos da América do Norte -
arquiteto do Departamento “Das Obras Públicas” da Província, para a de engenheiro, serve de
esclarecimento que a transferência do Engenheiro Theodosio Calandrini Chermont para a
Diretoria da Estrada de Ferro de Bragança, foi o que deu origem ao relatório, gerado em
agosto de 1889, sobre o material rodante do Ramal São Braz Jardim Público, entre outros
que devem ter sido executados, como simples e rotineira burocracia, elaborado pelo diretor
anterior para a entrega do seu cargo ao engenheiro Chermont.
98
Oficio de 26 de Abril de 1889 da Estrada de Ferro de Bragança enviado ao Presidente da Província, Cx.No
404, Arquivo Público Estadual.
99
Petição do Engenheiro Civil João dos Passos Damasceno em 8 de novembro de 1889, ao Presidente da
Província com pedido de transferência. Ver Cx. 665, Poder Executivo, Arquivo Público do Pará.
125
Resolvida a situação do material rodante, a Estação Central de Belém, daquele Ramal
da EFB, chamada informalmente de “Estação de São José” por estar situada na Estrada de São
José (via pública que pouco tempo depois trocou a sua denominação para Avenida 16 de
Novembro), mesmo ainda não estando com a sua construção totalmente terminada,
apresentava pequenas perturbações de ordem administrativa e pública. Um fato ocorrido em
abril de 1889, comprova isso. Devido a uma briga havida entre um maquinista e o porteiro da
Estação, fez-se necessária a solicitação para a Diretoria de Polícia da Província de
policiamento
100
de praças, para manter a ordem.
Naquele ano de 1889, a situação das cidades brasileiras durante os meses que
antecederam e sucederam a Proclamação da República, apresentavam inquietações tanto por
parte dos adeptos da monarquia que chegava ao seu final, como daqueles que eram
republicanos e partícipes de um novo modelo de governo. As estações de trens das cidades
capitais, especialmente as estações centrais, comumente locais de aglomeração da massa
seriam propícias para exaltações e discursos.
Na cidade de Belém do Pará não foi diferente; essas inquietações vinham à tona como
em todas as outras capitais de províncias, o que pode ser atestado pelo acontecido em agosto
de 1889. Através de ofício, a Estrada de Ferro de Bragança solicitou ao presidente da
Província policiamento para a Estação do Largo de São Braz
101
, alegando distúrbios nas
saídas e entradas dos trens.
De modo geral, os delitos que ocorriam em Belém eram brigas com lesões corporais.
Havia também as detenções por embriaguez, por atentado à moral pública, e por porte de
armas proibidas. Em um primeiro momento, essas solicitações-extra de policiamento para as
estações de trem da EFB deveriam alterar a eficácia do policiamento da cidade em
conseqüência do efetivo existente, porém de outro ponto de vista, podem ter ajudado na
melhoria do planejamento policial necessário à segurança da cidade.
No período de construção do Ramal São Braz Jardim Público da EFB, a segurança
da cidade de Belém, para ser executada de acordo com os ofícios do Diretor da Policia do
100
Oficio de 24 de Abril de 1889 da Estrada de Ferro de Bragança enviado ao Presidente da Província, Cx.No
404, Arquivo Público Estadual.
101
Oficio S/N, de 09 de Agosto de 1889 da Estrada de Ferro de Bragança enviado ao Presidente da Província,
Cx.No 404, Arquivo Público Estadual.
126
Pará ao Presidente da Província, no ano de 1887, necessitava de doze praças da Infantaria, que
mantinham a guarda das 18:00 h até à meia-noite; daí em diante 10 praças da cavalaria
continuavam a guarda nos distritos
102
até as 6:00 h. Em 1889 o efetivo utilizado para
policiamento da cidade de Belém pelo corpo da polícia militar, já era constituído de cinqüenta
praças de linha, vinte praças de cavalaria e oitenta e seis praças da infantaria distribuídos
pelos cinco distritos existentes: um aumento significativo em apenas dois anos.
A responsabilidade dos policiais na área urbana envolvia outras atividades que
interferiam mais amplamente na vida da população, como a iluminação pública, cujo foco era
o de verificar o funcionamento adequado das luminárias. Essa fiscalização era feita
constantemente e o problema gerado pela falta de manutenção dos combustores pelos
trabalhadores da Companhia de Gás. Isso faz imaginar uma cidade mais escura, mesmo para a
Belém daqueles tempos, onde 21 combustores de suas luminárias estavam apagados, e 50
outros funcionavam com pouca luz.
Antonio José de Lemos, “O Velho Lemos”
103
, nos anos que administrou a Cidade de
Belém, de 1897 a 1911, além de ter o hábito de ler até altas horas da noite, cartas, petições e
documentos que lhe enviavam, lançou mão de outros meios para auxiliar sua gestão, um dos
quais foi o de registrar em um livro que deixava na Intendência, as observações feitas durante
suas andanças pela cidade. O livro ficava exposto para que diariamente todos os chefes o
lessem e resolvessem de imediato todos os problemas ali anotados (SARGES, 2002, p.101).
Certamente aquelas “confissões compulsórias” - cartas e petições enviadas pela população,
pedindo autorização para realizar os mais variados afazeres - tinham grande peso nas
observações, escritas por Lemos, para serem obedecidas por todos os seus auxiliares.
Este modo de gestão do Intendente Antonio Lemos lendo, ouvindo, observando e
agindo sobre a cidade e seus habitantes, ao que tudo indica, ajudou-o a evitar transformações
radicais na urbanística da cidade, pois o Plano de Expansão da cidade de Belém, contido no
levantamento de 1883-1886, delineado pelo mesmo engenheiro politécnico Manoel Odorico
Nina Ribeiro, que no Governo de Lauro Sodré era o Diretor da Estrada de Ferro de Bragança,
foi mantido e executado. O que demonstra que Lemos, deixando questões políticas de lado,
102
Oficio 391, de 3 de junho de 1887 da Policia do Pará enviado ao Presidente da Província, Cx.No 432,
Arquivo Público Estadual.
103
Para saber sobre o intendente Antonio José de Lemos e sobre a sua administração ler SARGES, Maria de
Nazaré. Memórias do Velho Intendente, Antonio Lemos (1869-1973). Belém: Editora Paka-Tatu, 2002.
127
ouvia o bom senso de sua equipe bem como, o do também engenheiro politécnico João de
Palma Muniz
104
, quanto a questões urbanísticas.
O Bulevar da República (antes Rua Nova do Imperador, hoje Bulevar Castilhos
França) derivado do aterro para a modernização do Porto de Belém onde foi construído
também o Mercado de Ferro do Ver-o-Peso, pode servir de exemplo de uma grande mudança,
durante a gestão de Antonio Lemos, porém sem haver deslocamentos da população ou
demolições em áreas residenciais. O que aconteceu em Belém, no entanto, não pode ser
comparável, em escala, com a que fez o prefeito nomeado do Rio de Janeiro, Francisco
Pereira Passos, também conhecido como o Haussmann tupiniquim
105
.
Este período do governo Antonio Lemos é ainda considerado, por alguns
memorialistas, como uma espécie de Renascença
106
na cidade de Belém. Naquela pequena
imitação de Paris da Belle Époque
107
, pequena para que se respeite a relação de sua escala
com a da grande metrópole, havia uma vida bem movimentada e cosmopolita, onde
bulevares foram implantados, praças e bosques ganharam novos projetos e/ou benefícios
executados, a arborização de mangueiras foi adotada com predominância, o sistema de bondes
elétricos entrou em funcionamento e o término da construção da Estrada de Ferro de Bragança
– EFB aconteceu em 1908.
O maranhense Antonio Lemos, se encontrava radicado em Belém e desde 1883,
antes de sua entrada para a política, fazia uma crítica cerrada, através do seu jornal “A
Província do Pará, contra a EFB, e contra a figura do seu executor, o empresário Bernardo
Caymari e sua empresa, expressando os conceitos do jornal a respeito dessa organização e
104
105
Assim como Haussmann em Paris, o prefeito Pereira Passos, no Rio de Janeiro, demoliu edifícios e quadras
para alargar e/ou construir novas avenidas, entre elas uma com quase 2000m de comprimento onde os projetos
dos edifícios em estilo eclético, foram os resultados de concursos públicos realizados entre os escritórios de
arquitetura que atuavam naquela região.
106
“Belém teve a sua Renascença na época de Antonio Lemos, e ainda hoje guarda os sinais de vitalidade da
grande transformação que a colocou, no principio deste século, em predomínio urbanístico sobre o Rio de
Janeiro anterior as reformas de Pereira Passos. Uma pequena Paris, dela diziam os viajantes encantados.”:
TOCANTINS, Leandro. Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Instantes e evocações da cidade. Belo
Horizonte: Editora Itatiaia Limitada, 1987. P.143.
107
“Belle époque”: expressão utilizada para denominar o clima artístico-intelectual do período compreendido,
aproximadamente, da morte de Victor Hugo (1885) até o fim da Primeira Guerra Mundial (1918). Caracteriza-se
por ter Paris como centro exportador de cultura. A Paris dos cafés-concerto, da opereta, da pintura de Toulouse-
Lautrec. Lucia Helena em Modernismo Brasileiro e Vanguarda S.Paulo: Editora Atica, 2005. P.83.
128
noticiando a precipitação das exigências do Sr Caymari quanto às obras da Estrada de Ferro
de Bragança. Em 1885, na quinta-feira, 6 de agosto, na página 2, sai a notícia:
“Nestes últimos dias tem vindo à baila, no Diário de Belém, no
Diário do Gram-Pará, a Ferrovia de Bragança.
Nossa opinião a respeito dessa malfadada empreza é conhecida.
Em mais de uma série de artigos, d´ella nos ocupamos, examinando-a
sob todos os pontos de vista.
temos dito e não cessaremos de repetir, se houve applaudidores da
empreza da Estrada de Ferro de Bragança, nunca estivemos
contemplado nesse número(...).”
O interessante é que a partir desse mesmo ano de 1885
108
, com Lemos já eleito
Deputado Provincial pelo Partido Liberal, o jornal de sua propriedade não se incomodou mais
com a EFB, e especificamente com o Ramal Urbano São Braz Jardim Público, sobre o qual
não havia noticia alguma naquele periódico diário. No ano seguinte, 1886, a EFB foi
encampada pelo governo provincial pela Lei n
o
1.292, o que diminui ainda mais o seu
interesse por aquele assunto. Com a Proclamação da República e a extinção dos Partidos da
monarquia, Lemos filia-se ao Partido Republicano do Pará e a EFB é esquecida por ele.
Em 1894 havia a preocupação por parte dos técnicos e dirigentes da EFB de proporcionar aos
usuários dessa ferrovia bem estar semelhante àquele oferecido pelas outras estradas de ferro,
do Brasil e da América do Sul, então mais desenvolvidas e produtivas. No relatório referente
aos anos de 1890 até 1894, havia notadamente referência à Estação Central de Belém, do
Ramal São Braz Jardim Público (Fig. 34), quanto à importância da sua existência como
terminal de passageiros e cargas mas que, em conseqüência do desenvolvimento de tráfego,
precisava de melhoramentos que facilitassem o embarque e desembarque de passageiros e
mercadorias. (RIBEIRO, 1895).
108
A atuação jornalística de Lemos, sua estreita ligação com o dr. Assis, motivaram no ano de 1885, a sua
exoneração das funções que ocupava no Arsenal e na Capitania dos Portos. Isso porque subira ao poder o
Partido Conservador e Lemos estava no índex. Sem emprego, ficou em situação financeira bastante melindrosa.
Para compensá-lo, o dr. Assis elegeu-o, na legenda do Partido Liberal, deputado provincial, pelos e 5º
distritos eleitorais. Entrava, assim, na política militante, da qual nunca mais se afastaria. (Dr. Joaquim Jode
Assis, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de São Paulo, foi grande fazendeiro no Marajó,
diretor do jornal “O Pelicano” e fundador juntamente com Frutuoso Guimarães, José da Gama Malcher e João
Maria de Morais do Partido Liberal do Pará, em 1857). In
ROCQUE, Carlos. Antônio Lemos e sua Época
História Política do Pa Belém: Editora Cejup, 1996. Pp. 54-55.
129
Figura 34- – Estação Central de Belém da Estrada de Ferro de Bragança, localizada à Avenida
16 de Novembro (Antiga Estrada de São José) esquina com a Avenida Almirante Tamandaré
(Antiga Estrada do Arsenal). Em primeiro plano, a linha de palmeiras imperiais na calçada da
Avenida 16 de Novembro, a pequena mureta e o gradil ao longo da linha limite do terreno da
Estação. Em segundo plano, o grande armazém e ao fundo o edifício de dois pavimentos da
Estação de passageiros e de administração da mesma. Foto tomada da Avenida 16 de
novembro em direção ao Ver-o-Peso, na década de 1890, pelo fotógrafo J. Siza, depois
utilizada como cartão postal pela livraria Clássica de J.B. dos Santos. Fontes: Autor; Álbum
Paes de Carvalho, 1899; Governo do Estado do Pará, 1998.
A Avenida 16 de Novembro
109
(até o ano de 1890 denominada Estrada de São José)
era onde se situava o portão do acesso principal para a Estação Central de Belém, ponto final
do Ramal São Braz Jardim Público da Estrada de Ferro de Bragança e ao mesmo tempo
ponto inicial da linha principal, Belém – Bragança, dessa mesma ferrovia.
A Avenida 16 de Novembro teve sua origem na Doca do Ver-o-peso. Começando
como um estreito caminho em uma das laterais da Doca, alargou-se ao chegar à confluência
da Rua João Alfredo (antiga Rua dos Mercadores), trecho hoje conhecido como parte
integrante da Avenida Portugal. É também deste ponto bem movimentado do Ver-o-peso que,
enriquecido pela presença dos seus mercadores, canoeiros e quantidade de canoas ancoradas,
mostradas no Cartão Postal (Fig.35), que se podia, caminhando sempre em frente, chegar ao
109
Todo paraense tem obrigação de saber que o dia 16 de Novembro de 1889 é a data comemorativa da adesão da
então Província do Pará a Proclamação da República. Ver também in CRUZ, Ernesto Ruas de Belém. Belém:
Edições CEJUP, 1992. P.85.
130
ponto onde estava situado o edifício da Estação Central de Belém, da Estrada de Ferro de
Bragança.
O cartão postal de texto manuscrito em francês por um viajante ou morador
temporário da cidade de Belém, de origem belga ou francesa, ao transmitir seus novos
conhecimentos sobre essa cidade e sobre outros locais significativos, como por exemplo a
feira do Ver-o-pêso e suas proximidades, fazia nova “imagem da cidade”, para as pessoas que
lhes eram queridas, no seu país de origem. O texto expressava o seguinte: O Ver-o-Peso é um
local daqui, onde está situado o necrotério
110
. É onde está também o ponto de partida dos
bondes. Não muito longe está situado o telégrafo. Assinado por Georgenor. A interpretação
do viajante transforma-se em novos pontos de análise e em nova percepção das partes que
fazem o todo da cidade, não na temporalidade daqueles dias, mas na de hoje. O grau de
importância que os habitantes de Belém davam para àquele necrotério localizado na área do
Ver-o-Peso era quase nulo. A grande referência do Ver-o-Peso é a vida, é a feira, os
mercados, os encontros, as essências, a chegada dos barcos, o trabalho de carregá-los e
descarregá-los, e as trocas de mercadorias.
110
O Necrotério Público Municipal inaugurado no ano de 1899, pelo Intendente Antonio Lemos, apesar de ser
um pequeno edifício, teve um grande significado à época, pois em uma região caracterizada pela grande
quantidade de rios e pelo transporte fluvial, havia um acesso, com um pequeno ancoradouro pela Baia do
Guajará, o que permitia receber vários tipos de embarcações.
131
Figura 34-A Início da Avenida 16 de Novembro (Antiga Estrada de São José) ao lado da
Doca do Ver-o-Peso, confluência com o Boulevard da República, em direção à Estação
Central de Belém, do Ramal São Braz – Jardim Público da EFB. O edifício em primeiro plano
à esquerda é o Mercado de Ferro; em segundo plano, também à esquerda, o estabelecimento
comercial A casa do Povo, edifício já demolido; e ao fundo, encoberto pelas árvores o
terminal de bondes. O manuscrito em francês existente no cartão está traduzido livremente no
corpo do texto e expressa o seguinte: Ver-o-pezo est une place ici est situeé la morgue.
C´est aussi le point de partir des bonds. Peu près est situé le télégraphe,. Fontes: Autor e o
GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 1998.
Mas, a partir do Ver-o-Peso caminhar até a Estação Central de Belém da EFB,
acontecia de uma maneira bastante acolhedora, sob a proteção das palmeiras imperiais
existentes em ambas as calçadas da Avenida 16 de novembro a partir do Quartel do Corpo dos
Bombeiros. E foi este o caminho utilizado certamente, pelo pintor de paisagens brasileiro
Antonio Parreiras em 1905 quando, a convite do intendente Antonio Lemos, executou treze
telas de diversos locais da capital paraense, das quais duas representam a Avenida 16 de
Novembro: uma denominada “A antiga Estrada de São José”, revivendo um momento da
existência da Avenida e a outra de nome “Trecho da Avenida 16 de Novembro”, que a retrata
em frente ao portão e ao gradil da Estação Central de Belém da Estrada de Ferro de Bragança.
(CRUZ, 1973, p.452)
132
Para se ter uma idéia da quantidade de pessoas que passava por aquele gradil e entrava
na Estação pelo portão, o quadro (Fig.34A) elaborado pelo escritório da Estrada de Ferro de
Bragança em Belém, datado de 12 de fevereiro de 1895, serve de referência. A esse tempo a
ferrovia oscilava entre 61 e 75 quilômetros, já concluídos, do total da sua extensão.
Figura 34-B - Demonstrativo da Extensão de Tráfego, Número de viajantes embarcados,
Receita dos viajantes, e outras informações referentes aos anos de 1890, 1891, 1892, 1893 e
1894. Fonte RIBEIRO, 1895, p. 29
É na década de 1890 que o viajante escocês MCb, ao visitar a cidade, passeia pela
Avenida 16 de Novembro, observa-a atentamente e expressa no cartão postal (Fig. 34-C) as
lembranças que lhe vem à mente, e faz comparações daquela via pública de Belém com uma
outra existente na sua terra natal, manuscrevendo o seguinte texto, aqui traduzido livremente
do inglês: Ela se assemelha à Avenida Haddo seria, porém uma pobre tentativa de copiá-la.
Eu podia fazer uma simples evocação das limeiras. Gostaria que ela fosse a Avenida Haddo.
133
Figura 34- C Trecho da Avenida 16 de Novembro (Antiga Estrada de São José), em direção
ao Ver-o-Peso, ao lado do gradil da Estação Central de Belém, do Ramal São Braz Jardim
Público da EFB. Parte do manuscrito em inglês existente no cartão é referente à Avenida 16
de Novembro, onde se lê: Not unlike the Haddo Avenue. It would be, but a pour attempt. I
could make mere I try medium evoke the limes. I wish it were the Haddo Avenue. Está
traduzido livremente no corpo do texto. Fontes: Autor e o GOVERNO DO ESTADO DO
PARÁ, 1998.
Da Avenida 16 de Novembro, no centro comercial onde estava situada a Estação
Central de Belém, até à Estação de São Braz havia em acordo com o levantamento feito em
1887, uma distância de 6.110 metros, vista anteriormente, que era percorrida pelo trem,
134
com duas paradas intermediárias. Na primeira cada do Século XX essa pequena distância,
no entanto, fazia diferença para a urbanização e tipologia de habitações no entorno dessas
duas estações da Estrada de Ferro de Bragança.
Figura 34 D Trecho da Avenida Senador Antonio Lemos (atual Avenida Ceará), ainda com
o nome de Rua dos Cearenses, via pública que passava ao lado da Estação de São Braz da
EFB. Foto tirada no final da década de 1890 das proximidades da Estação em direção ao final
da futura Avenida, cujo leito carroçável ainda em terra batida é rebaixado de
aproximadamente 80 cm em relação às suas calçadas, em quase toda a extensão aberta.
Casas em taipa cobertas de palha estão alinhadas em ambos os lados seguindo o declive da
via. As pessoas andam e conversam naturalmente na frente de suas casas e no meio da rua.
Parte do manuscrito em francês existente no cartão está traduzido livremente no corpo do
texto; nele se lê : Il me semble que cette rue est plus belle que la Route de Gilly. Regardes lês
maisons – Cottages? Fontes: do Autor e o GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 1998.
O cartão postal (Fig.34-D), que teve o texto manuscrito por um belga de nome John,
mostra de maneira muito especial, através de uma rua, a situação sócio-econômica,
arquitetônica e urbanística no entorno da Estação de São Braz, do Ramal São Braz Jardim
Público ou também denominado Prolongamento da EFB até a área Central de Belém.
Localizada neste subúrbio e ocupada por imigrantes, essa via urbana denominada Rua dos
135
Cearenses, pela predominância de origem dos seus moradores
111
, por certo tinha importância
nos planos do Intendente Antonio Lemos. É o que fica evidenciado ao aparecer com o
status de Avenida e com o nome do próprio Intendente na Planta da Cidade de Belém de
1905, obra do desenhista municipal José Sydrin. A escolha deste cartão postal em si, já
serviria para esclarecer esses fatos, mas monsieur John vai além, e faz uma observação assaz
interessante: Parece-me que esta rua é mais bela que a Estrada de Gilly. Preste atenção nas
suas casas São casas de campo? Com esta observação, ele desvia a referência e a
preferência pela beleza das construções ecléticas de origem européia na Belém da Belle
Époque, para a beleza local representada por aquela rua e suas construções populares rústicas.
Em 1900, a continuidade natural da Rua dos Cearenses (hoje Avenida Ceará), para
quem estivesse caminhando ao lado da Estação de São Braz da EFB e não fosse utilizar o
trem como transporte até o centro da cidade, mas quisesse deslocar-se até lá, em direção ao
Ver-o-Peso, era a Avenida São Jerônimo (antiga Estrada do Paul D´Água, hoje Avenida
Governador José Malcher) a melhor opção de via a adotar. O ponto final daquela Avenida era,
e ainda é, a Praça da República (antigo Largo da Pólvora e depois Praça D. Pedro II). Em um
determinado trecho da Avenida São Jerônimo, onde a predominância de residências era térrea,
geminadas e/ou com gradis e jardins laterais, havia também à esquerda um largo, ocupado por
pequena Estação de Bondes, vulgo Estaçãozinha, daqueles bondes em que os carros ainda
eram puxados por animais, em geral uma parelha de burros; havia também um coreto. Hoje
aquele local é apenas mais uma via da cidade denominada Travessa Joaquim Nabuco. Foi este
trecho da cidade, mostrado em Cartão Postal (Fig.34-E), que o francês ou belga Leopold
escolheu e enviou para a sua irmã cobrando notícias: Querida irmã. Eu espero que tu tenhas
recebido meu pequeno presente e que ele tenha te agradado; escreve-me depressa, Dois
grandes beijos de teu irmão mais velho, Leopold.
111
A localização desses imigrantes nordestinos próximos à Estação de São Braz deu-se pelo fato da sua relação
familiar ou de trabalho com as colônias localizadas ao longo da zona bragantina. Ofícios e Petições ao presidente
da província enviados através da EFB demonstram a situação de ajuda a esses imigrantes: o de 18 de agosto de
1889, menção a 508$685 réis em passagens, transportes de gêneros alimentícios e mercadorias para os
imigrantes cearenses pelo “Ministério do Império”; o de 28.08.1889 é sobre mercadorias para imigrantes
cearenses; o de14.09.1889 é de pagamento de passagens e mercadorias para imigrantes nordestinos.
136
Figura 34-E – Trecho da Avenida São Jeronymo (antiga Estrada do Paul D´Água, hoje
Avenida Governador José Malcher) em direção a Praça da República (antigo Largo da
Pólvora e depois Praça D. Pedro II e Parque João Coelho). Em primeiro plano à esquerda uma
das saídas da Estaçãozinha dos Bondes, à direita exemplos de residências, e na mesma
calçada mudas de mangueiras recentemente plantadas. Foto tomada ainda na década de 1890,
de fotógrafo desconhecido. O texto manuscrito em francês existente no cartão está traduzido
livremente no corpo do texto, nele se lê: Chère Soeur. espère que tu auras reçu mon petit
cadeau et qu´il t´aura pleu, écris moi vite, Deux gros baisers de ton grand´frère, Leopold
Fontes: do Autor; (GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 1998).
137
Figura 34-F Trecho do Boulevard da República (antiga Rua Nova do Imperador, hoje
Boulevard Castilhos França) em direção ao Ver-o-Peso. Em primeiro plano à esquerda,
edifícios ecléticos (casarões) do final do Século XIX e início do Século XX. Ao fundo, no
centro, os armazéns externos da Alfândega. Foto tomada do cruzamento daquele Boulevard
com a Avenida 15 de Agosto, na década de 1900, pelo fotógrafo Felipe Augusto Fidanza,
fotógrafo oficial da Papelaria Silva. O texto manuscrito em francês existente no cartão está
traduzido livremente no corpo do texto; nele se lê:
Mon vieux Gaby. Croyez-vous que voici 7 jours que nous sommes à Pará sans pouvoir en
démarrer. 2 bateaux nous sont passés sous le nez. Enfin nous partons demain pour arriver
mardi à Maranhão. Nous avons en la chance de descendre chez 2 charmantes Françaises
nous sommes comme chez nous. Notre voyage a éun veritable enchantement. Nous sommes
en bonne santé. J´espère que vous allez bien, ainsi que Vincent. Nous vous envoyont de bons
baisers, Maria. Fontes : do Autor ; (GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 1998).
Ainda na primeira década do Século XX, uma pessoa que estivesse na Praça da
República (antigo Largo da Pólvora, depois Praça D. Pedro II e Parque João Coelho) e
quisesse ir até à “Escadinha” do cais do porto, situada no Boulevard da República, para
assistir a partida de um vapor ligeiro, ou embarcar nestes “paquetes”, teria que seguir pela
138
Avenida 15 de Agosto (hoje Avenida Presidente Vargas). Foi o que deve ter acontecido com
Maria, no dia 17 de Março de 1906, para escolher o Cartão Postal (Fig.34-F), que mostra uma
imagem em perspectiva do Boulevard da República, tomada do cruzamento com a Avenida
15 de Agosto, ou seja, bem próximo do espaço em que se localizava a “Escadinha”, à beira da
Baia do Guajará. Ao escrever ao amigo Gaby
112
, Maria o faz em francês. Maria refere-se à
cidade de Belém, como sendo a cidade do Pará. Era normal isso acontecer, mas mostra que
ela não era paraense. Estava encantada com o que tinha visto até ao momento em que
escrevia, traduzido aqui livremente para o português:
Meu velho amigo Gaby. Acredita você que estamos sete dias no
Pará sem poder partir. Dois Paquetes passaram sob os nossos
narizes. Mas enfim nós partiremos amanhã para chegar segunda-feira
ao Maranhão. Temos a possibilidade de ficar na casa de duas
charmosas francesas onde nos sentimos como em nosso lar. Nossa
viagem tem sido um verdadeiro encanto e estamos bem de saúde.
Espero que você esteja bem assim como Vincent. Beijos, Maria.
Ir do local onde ficava a “Escadinha” até ao Ver-o-Peso era e é uma distância pequena
que podia e pode ser vencida facilmente a pé, e naquele tempo ainda havia alguns atrativos
extras para serem vistos. Do lado direito do Boulevard da República situavam-se os armazéns
externos da Alfândega, que podem ser visualizados ao fundo do Cartão Postal e que foram
demolidos devido à construção do Cais do Porto, em 1909. Do outro lado, em frente àqueles
armazéns ficava o edifício onde funcionava o telégrafo (West Telegraph Company) ao qual o
francês (ou belga) Georgenor se referiu no primeiro Cartão Postal traduzido e mostrado na
Figura 34-A.
112
É de conhecimento público que, em Beirute, no Líbano, se fala francês tão bem quanto o árabe. Por extensão,
sabe-se que os libaneses, de um modo geral, se comunicam bem em francês. Por existir uma família de nome
Gaby em Belém, associou-se em primeiro instante, o nome do amigo de Maria aos libaneses porém, como a data
do manuscrito no cartão postal era 17.03.1906, isto não poderia ter acontecido, pois o nome Gaby é de origem
francesa, entretanto, outros estudiosos que dizem, ser Gaby proveniente do grego Agabio e significa o
“querido” e os primeiros imigrantes libaneses dessa família foram Nicolau, Tuffic e Chucrala, que vieram da
cidade de Tiro, Líbano, (chegaram ao Pará) em 1928. In ZAIDAN, Assaad. Raízes Libanesas no Pará. Belém:
Governo do Estado do Pará – Secult, 2001. P.254.
139
2-Narrativas tecendo os fios da memória.
A definição adotada de atividade plena do Ramal São Braz – Jardim Público da
Estrada de Ferro de Bragança se a partir do momento marcado pela inauguração completa
dessa ferrovia. Naquele momento da inauguração da EFB em 1908, existiu uma espécie de
fusão, ao mesmo tempo fictícia e real do Ramal São Braz Jardim Público, que deixa de ser
apenas um prolongamento e passa a ser a própria via principal, onde existem dois extremos
importantes, o de partidas e o de chegadas pela ferrovia, representados pelas duas cidades e
por duas Estações. De Belém, a partida é pela Estação Central de Belém, em Bragança, a
chegada é pela Estação de Bragança e vice-versa. Esta relação continua até 1931, quando da
desativação do Ramal, com suas duas paradas e a Estação Central de Belém, e com o
crescimento da Estação de São Braz, que assume a função definitiva de Estação Central da
Estrada de Ferro de Bragança, permanecendo assim até 1965, quando também foi extinta.
140
2.1 – Entrevistas, deslocamentos, trabalho e moradia.
Os fios para contar essa história são aqui puxados e tecem as lembranças de 27
pessoas idosas, de um universo de 143 internos
113
do Asilo Pão de Santo Antonio, que
possuem como laço de união a faixa etária e também o fato de estarem na cidade de Belém
naquele intervalo de tempo, que vai de 1908 até 1931 e cujas vidas cruzaram com os
habitantes de Belém, com a própria cidade, com os trilhos, carros, estações e paradas do trem
e guardaram a lembrança desses momentos em suas memórias que, de acordo com os estudos
de Paul Ricoeur em A memória, a história, o esquecimento:
É de fato o esforço da recordação que oferece a melhor ocasião de
fazer “memória do esquecimento”, para falar por antecipação como
Santo Agostinho. A busca da lembrança comprova uma das
finalidades principais do ato de memória, a saber, lutar contra o
esquecimento, arrancar alguns fragmentos de lembrança à
“rapacidade” do tempo (Santo Agostinho dixit), ao “sepultamento”
no esquecimento. Não é somente o caráter penoso do esforço de
memória que à relação sua coloração inquieta, mas o temor de ter
esquecido, de esquecer de novo, de esquecer amanhã de cumprir esta
ou aquela tarefa; porque amanhã será preciso não esquecer... de se
lembrar.(...)
O dever de memória consiste essencialmente em dever de não
esquecer, visto dessa maneira uma boa parte da busca do passado se
encaixa na tarefa de não esquecer (RICOEUR, 2007, p.48).
Ao mesmo tempo em que esses idosos contribuem para o trabalho de constituição de
uma memória do período de existência do Ramal São Braz – Jardim Público, eles, de camadas
sociais distintas, oriundos da cidade de Belém e de várias localidades do Estado do Pará e da
Amazônia, residindo em diversos pontos da capital, narram suas vivências da cidade: do
chegar, morar, olhar, circular, trabalhar e dos espaços de lazer. E juntamente com aquelas
outras pessoas, também habitantes da então cosmopolita Belém, tecem parte da História
Social da cidade, da Estrada de Ferro de Bragança e do seu Ramal urbano.
As entrevistas propiciaram a procura e o aparecimento de novos documentos,
iconográficos e de textos como foi previsto por Paul Thompson
114
na sua obra A Voz do
113
Todas as 27 entrevistas que aconteceram no Asilo Pão de Santo Antônio estão, na íntegra, no Anexo 4.
114
THOMPSON, Paul. A voz do passado – História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. P.25.
141
Passado. Isto quer dizer que fotografias, pinturas e cartões postais não se mostrariam se não
fossem “chamados” pelos idosos entrevistados. Tudo isso para esclarecer, situar e mostrar
juntamente com as lembranças de cada um, as situações vividas, os lugares presenciados e a
cidade de Belém reencontrada por cada um e por todos.
Em concordância com Bosi de que no momento do Tempo de Lembrar a memória irá
cumprir o seu dever de não esquecer, sua função certamente trará esclarecimentos sobre o
mundo social em que se vive:
Um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade que não
conhecemos pode chegar-nos pela memória dos velhos. Momentos
desse mundo perdido podem ser compreendidos por quem não os
viveu e até humanizar o presente. A conversa evocativa de um velho é
sempre uma experiência profunda: repassada de nostalgia, revolta,
resignação pelo desfiguramento das paisagens caras, pela
desaparição de entes amados, é semelhante a uma obra de arte. Para
quem sabe ouvi-la, é desalienadora, pois contrasta a riqueza e a
potencialidade do homem criador de cultura com a mísera figura do
consumidor atual. (BOSI, 1994, p.82.)
O número de pessoas idosas selecionadas, que perfazem 27, representando 18% da
população total de 143 internos do Asilo Pão de Santo Antonio poderia ter sido ampliada, pois
havia mais idosos na faixa etária procurada e por isso teriam sua participação aceita, mas
como o critério de seleção envolveu também as condições de saúde de cada interno, não
foram selecionados para o depoimento oral aqueles que apresentavam audição comprometida,
problemas sérios de memória e lesões causadas por AVC. Vinte e um deles eram mulheres
representando 77% do total e os outros seis eram homens, representando 23% do total de
selecionados. Quanto ao local de nascimento 11 (40,74%) nasceram na capital do Estado do
Pará, a cidade de Belém, 10 (37,03%) nasceram em cidades ou localidades do interior do
Estado do Pará e 6 (22,23%) nasceram em cidades de outros Estados da Federação, do Norte
e do Nordeste, como Amazonas, Acre e Ceará. Quatro dos 27 internos escolhidos eram filhos
de imigrantes portugueses, e um era filho de imigrante barbadiano. Todos os vinte e sete
selecionados viveram na cidade de Belém, durante um determinado momento de suas vidas.
Vinte e três utilizaram o trem e conheceram a Estação de São Braz, somente quatro não a
conheceram e nem utilizaram o trem. Quanto ao conhecimento da existência do Ramal São
142
Braz – Jardim Público da Estrada de Ferro de Bragança, dos 23 que utilizaram o trem, fosse a
trabalho, compromissos pessoais ou para o lazer, 11 (47,82%) conheceram o referido Ramal,
e desses onze, 5 (45,45%) conheceram o edifício da Estação Central de Belém, situado na
Avenida 16 de Novembro ( antiga Estrada de o José) , esquina com a Avenida Almirante
Tamandaré (antiga Estrada do Arsenal).
O termo moradia foi utilizado ao invés do termo casa, porque demonstra ser mais
temporário, mais transitório e menos formal que o termo residência. Apesar deste ser
sinônimo de casa em vários momentos, não o é de casa simplesmente, um edifício residencial
qualquer trazido das terminologias arquitetônicas, mas da casa, de categoria sociológica,
assim como o é a rua também para nós brasileiros, termos que designam acima de tudo:
Entidades morais, esferas de ação social, províncias éticas dotadas de positividade, domínios
culturais institucionalizados e, por causa disso, capazes de despertar emoções, reações, leis,
orações, músicas e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas. (DAMATTA, 1997,
P.15).
143
Figura 35 Pormenor do Mapa da Cidade de Belém do Pará, elaborado por Teodoro Braga
em 1919, aonde foram plotadas as moradias dos 27 idosos selecionados no Asilo Pão de Santo
Antonio, quando esses idosos vivenciaram a área urbana de Belém, a existência do Ramal São
Braz Jardim Público e a própria existência da Estrada de Ferro de Bragança. As moradias
foram identificadas numericamente em relação a cada interno morador: 1- Alzira; 2- Maria
José; 3- Davina; 4- Alcides; 5- Mário Filho; 6-Durval; 7- Francisca; 8- Lourdinha; 9-
Guiomar; 10- Raimunda; 11- Antonia; 12- Júlia; 13- Florinda; 14- Helena; 15- Osvaldino; 16-
Olinda; 17- Isabel Silva; 18- Rosa; 19- Mário; 20- Manoel; 21- Adelina; 22- Ana; 23- Nazira;
24- Brígida; 25- Isabel; 26- Aurora; 27- Juvencilia. Fontes: Autor e o Mapa da Cidade de
Belém do Pará (BRAGA, 1916).
Para um melhor acompanhamento dos deslocamentos no espaço urbano de Belém,
feitos pelos 27 internos selecionados do Asilo Pão de Santo Antonio, tenham sido esses
deslocamentos feitos a pé, de bonde ou de trem, se tornou significativo a localização das suas
moradias (Fig.35), que em alguns casos também são seus locais de trabalho.
144
Para alguns dos idosos selecionados, o local da moradia era o mesmo local do
trabalho, em geral associado a afazeres domésticos, como as profissões de babá e empregada
doméstica, mas que podiam ser também profissões que prestavam serviços externos, como as
de costureiras e doceiras. Tornou-se significativo igualmente a melhor identificação desses
logradouros públicos (ruas, travessas, praças, e avenidas) onde estavam localizadas essas
moradias e suas relações de proximidade com a Estrada de Ferro de Bragança e com o Ramal
São Braz Jardim Público pertencente a essa ferrovia, especialmente enquanto os internos
vivenciaram a cidade de Belém que pertenceu ao intervalo de tempo de interesse desta
pesquisa.
O quadro a seguir (Fig.35-A ) mostra uma síntese, da situação dos 27 entrevistados no
Asilo Pão de Santo Antonio, quanto: ao ano e local de nascimento; cor da pele; se os pais
eram imigrantes; moradia e local de trabalho; e a sua relação com o Ramal São Braz – Jardim
Público, com a Estrada de Ferro de Bragança e com a cidade de Belém.
As condições dos logradouros Públicos da Cidade de Belém no ano 1937,
especialmente as condições de pavimentação das vias, são também apresentados em um
quadro. (Fig.-35-B).
145
Figura 35-A Síntese da situação dos idosos entrevistados no Asilo Pão de Santo Antonio.
Fonte: Autor, 2007.
Idosos ano cidade côr Imig Moradia/via EFB Ramal
Est.
01 Alzira 1903 Belém N Sim São Jerônimo Sim Não Não
02 Maria José 1913 Belém B Não São Jerônimo Sim Sim Sim
03 Davina 1912 I. Açú B Não Nazaré Sim Não Não
04 Alcides 1919 Altamira B Não Independênci Sim Não Não
05 Mário Filho 1923 Belém B Não C. Furtado Sim Sim Não
06 Durval 1923 Soure P Não Campos Sales Sim Não Não
07 Francisca 1918 Manaus P Não Tiradentes Não Não Não
08 Lourdinha 1915 Santarém P Sim Arcipreste Sim Sim Sim
09 Guiomar 1915 Manaus P Não São Jerônimo Sim Sim Não
10 Raimunda 1916 S.Madur. B Não Cidade Velha Sim Sim Não
11 Antonia 1911 Belém B Não Tv. do Curro Sim Não Não
12 Júlia 1913 Belém B Sim Quintino Não Não Não
13 Florinda 1916 Belém B Sim Assis Vasc. Sim Não Não
14 Helena 1922 Belém B Não São Jerônimo Sim S/N S/N
15 Osvaldino 1917 Vigia B Não C.Furtado Sim Sim Sim
16 Olinda 1917 Belém B Não Porto do Sal Sim Não Não
17 Isabel Silva 1919 Soure P Não Vila Teta Não Não Não
18 Rosa 1928 S.A.Tauá P Não PedroACabral Sim Não Não
19 Mario 1910 Fortaleza B Sim R. da Marinha Não Não Não
20 Manoel 1912 Bragança P Não Marambaia Sim Não Não
21 Adelina 1907 C.Arari P Não L. de Nazaré Sim Não Não
22 Ana Farias 1918 Abaeté P Não Mundurucus Sim Sim S/N
23 Nazira 1920 Manaus B Não Cidade Velha Sim Sim Sim
24 Brígida 1903 Belém N Não Mundurucus Sim Sim Sim
25 Isabel 1920 Belém B Não Cremação Sim Não Não
26 Aurora 1923 Belém B Sim P. Eutiquio Sim Sim S/N
27 Juvencília 1922 Castanhal P Não Nazaré Sim Não Não
146
Figura 35-B Condições dos logradouros públicos da Cidade de Belém em 1937
Quantidade de logradouros existente, pavimentação, iluminação e saneamento básico. Fonte:
IBGE, 2007.
147
2.2 – Lembranças de vidas: o cotidiano, o ramal urbano da EFB e a cidade
2.2.1. Fotos e pinturas: lembranças de ruas, casas e uma estação
Figura 36 Fachada principal do edifício do Orfanato “Antonio Lemos” (depois denominado
Colégio, e hoje funcionando como Escola Estadual, mantendo sempre o mesmo nome),
construído nas proximidades da Estrada de Ferro de Bragança, na Vila de Santa Isabel (hoje
cidade de Santa Isabel do Pará). Seu estilo eclético é marcado por monumental escadaria em
mármore no corpo central e pórtico de entrada do edifício, que culmina com três arcos,
contrastando com as demais aberturas e com os pormenores arquitetônicos executados em
ferro. Foto tomada do grande espaço a céu aberto existente em frente ao edifício, em 1998.
Fonte e foto do autor.
Em certo período de suas vidas, algumas das entrevistadas do Asilo Pão de Santo
Antonio: Alzira, Maria José e Helena, moraram na mesma rua, neste caso, uma avenida de
nome São Jerônimo, mas tiveram experiências muito diferentes. Dona Alzira, por exemplo,
com apenas cinco anos de idade em 1908 já se encontrava internada em uma entidade católica
148
denominada “Orfanato Antonio Lemos” (Fig.36). Esta instituição, que recebia somente
meninas órfãs, localizava-se na Vila de Santa Isabel situada no Km 42 da Estrada de Ferro de
Bragança, área que ainda pertencia ao município de Belém. Sua mãe morreu na maternidade
da Santa Casa de Misericórdia na hora do parto, assim que ela nasceu. Entre os imigrantes que
vieram para Belém havia barbadianos; sua mãe era barbadiana. O pai, ela não conheceu e
nunca soube quem foi: Não estou lembrada mais, mas eu sei que eu fui pequenina pro
Orfanato, porque não tive ninguém, né? Mamãe me teve, fiquei na pedra, a senhora que
acompanhou a minha mãe, que me levou; Dona Maria José, nasceu em 1913, cinco anos
depois da inauguração da Estrada de Ferro de Bragança. A casa que morou ficava entre as
Travessas Quintino Bocaiúva e Rui Barbosa. Teve três irmãos. Com muita alegria diz ter tido
uma infância muito feliz. Quando seu pai faleceu tinha apenas dezesseis anos de idade: Nossa
juventude também foi feliz, meu pai era ótimo pai, minha mãe muito carinhosa, muito zelosa
por nós. Tive a infelicidade de perder o meu pai, ele ainda com 52 anos, faleceu, estava com
os meus dezesseis anos, mais ou menos, a nossa vida mudou um pouco, né? Dona Helena,
também nasceu em Belém, em 1922, seu pai tinha uma mercearia. Estudou com a professora
Hilda Vieira e também no Colégio Santa Catarina em Nazaré, terminou o primário com
nove anos. Depois fez um Curso Prático de Farmácia. Trabalhou na Farmácia Áurea durante
14 anos, antes, porém teve experiência em outra farmácia: Olhe, eu nasci na São Jerônimo,
antiga(Fig.36-A), meu pai tinha um botequim pra lá, meu pai era açougueiro, mamãe tomava
conta, lá eu nasci. Aí me criei na São Jerônimo Nós tivemos o Antonio que tinha uma
Farmácia, meu cunhado, Antonio Andrade. A Farmácia não existe mais. A minha mãe
faleceu. Fui morar eu e meu pai.
As memórias, lembranças e fatos na pesquisa científica
contribuem de maneira significativa para o entendimento de
acontecimentos que, poderiam perder-se, caso não pudéssemos contar
com os depoentes. os romances são ficções, mas os estudos que
envolvem as relações entre ficção e história mostram que são
importantes fontes para o historiador: A memória é deveras um
pandemônio, mas está tudo dentro, depois de fuçar um pouco o
dono é capaz de encontrar todas as coisas. Não pode é alguém de fora
se intrometer, como a empregada que remove a papelada para
espanar o escritório. Ou como a filha que pretende dispor minha
memória na ordem dela, cronológica, alfabética, ou por assunto.
(BUARQUE, 2009, p. 41)
149
Figura 36-A Trecho da Estrada de São Jerônimo (hoje Avenida Governador José Malcher).
Em primeiro plano do lado direito da calçada quatro pessoas, um homem e três mulheres,
aguardam a chegada do bonde. Alguns metros adiante um jovem negro, de pé, em pose para o
fotógrafo, no leito da estrada, então pavimentada de paralelepípedos, parece compartilhar da
mesma espera do transporte sobre trilhos, mas ainda puxado por animais. Nesta mesma
calçada, a poucas dezenas de metros vislumbra-se, depois das fachadas do casario, o portão de
entrada no muro baixo que protegia a frente da Capelinha de Lourdes. Foto tomada do
cruzamento da Estrada de São Jerônimo com a Avenida Generalíssimo Deodoro, em direção à
Praça da República, no ano de 1907, editada em cartão postal por E.F. Oliveira Júnior. Fontes:
Autor; (GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 1998), e (CODEM, 2000).
No início do Século XX, o pintor Antonio Parreiras circulou pela cidade de Belém
para constatar a sua beleza, selecionar alguns pontos e representar, através da fidelidade da
150
sua pintura, a paisagem urbana de Belém. O jornalista Antonio Marques de Carvalho através
de texto crítico identifica a relação entre a pintura de Parreiras e a beleza com que a cidade se
apresentava aos seus habitantes e visitantes. Esse texto e outros referentes a pinturas do
mesmo artista foram publicados em uma edição do jornal “A Província do Pará” do mês de
Junho de 1905. A transcrição a seguir refere-se à tela de Parreiras (Fig.36- B) intitulada
Trecho da Avenida São Jerônimo, ao anoitecer:
Quadro chatovant
115
, como diriam os franceses. A sua feitura pode
ser considerada rigorosamente moderna, empatée em lances rápidos,
vigorosos e precisos de espessa pasta. O ponto escolhido pelo pintor
foi um dos mais cobertos pela verde, escura e luxuriante coma da
arborização urbana, entre a qual se destaca um globo de arco
voltaico da iluminação pública. As sombras do anoitecer juntam-se à
da folhagem das mangueiras. De espaço a espaço, contudo, violentas
manchas de luz irrompem por entre os ramos, mordendo o solo, ao
passo que, no último plano, transitam figuras rápidas, quase
liliputianas, mas verdadeiras, ao lado daqueles gigantes vegetais.
(CRUZ, 1973)
Em 1918, Dona Alzira veio morar definitivamente em Belém, mas não usou o trem;
veio de automóvel com os seus patrões. A moradia dela durante grande parte de sua vida foi
situada à Avenida São Jerônimo (antiga Estrada do Paul D Água) a apenas um quarteirão do
Largo de Nazareth e a três quarteirões da Parada do Ramal São Braz Jardim Público da
EFB: Saí de com quase 15 anos; Eu vim com eles, de carro. Não, ele que me trouxe de
carro e a freira; a casa ficava na São Jerônimo, perto da Capelinha de Lourdes. Dona Maria
José, ainda cursando o Ginásio no Colégio “Paes de Carvalho”, empregou-se no Comércio.
Em 1929 iniciou o trabalho em uma das lojas mais tradicionais e conhecidas da cidade, a
Lobrás Lojas Brasileiras - ou apenas 4.400 como era conhecida dos paraenses. Trabalhou
durante 11 anos. Dona Helena queria trabalhar, não gostava de ficar em casa: Na Avenida São
Jerônimo entre Generalíssimo Deodoro e Travessa 14 de Março; eu cismei de me
empregar, meu pai não queria que eu saísse à noite para estudar e foi motivo de uma briga.
Me empreguei primeiro na Beneficente Portuguesa como servente, estava com 13 anos
115
Existe um erro na transcrição feita por Ernesto Cruz, ou então na impressão da sua obra, pois a palavra
“chatovant” não existe em francês; a palavra certa é “chatoyant” cujo significado é: que refletem mudanças sob a
luz.
151
Figura 36-B Tela do pintor Antonio Parreiras intitulada Trecho da Avenida São Jerônimo,
ao anoitecer, representando um trecho dessa avenida, antes conhecida como Estrada do Paul
D´Água e hoje denominada Avenida Governador José Malcher. Trecho situado, ao que tudo
indica, entre as Travessas Quintino Bocaiúva e Rui Barbosa, com perspectiva em direção à
Praça da República. Pintada no ano de 1905 e editada em cartão postal por E. F. Oliveira
Júnior. Fontes: (PARREIRAS, 1999), (FIGUEIREDO, 2007)
Dona Alzira ficou solteira. Helena e Maria José casaram, a primeira teve 2 filhos, a
segunda casou: com 28 anos, mas fui também muito feliz, graças a Deus. passei 10 anos,
casada, meu marido morreu de uma congestão. Com 94 anos de idade, fala de pouca
lembrança. Narra a imagem que tinha da cidade de Belém e de suas praças em 1930, destaca a
152
Praça Batista Campos, onde brincou muito na sua infância e juventude, cita a Praça da
República e a concorrência de freqüentadores que tinha a Praça de Nazaré apesar de sua
simplicidade. Freqüentou muito o Teatro da Paz quando o seu pai ainda era vivo. À feira do
Ver-o-Peso, ela ia pouco; havia de tudo lá, frutas, peixes, frangos, mas fazer compras tinha
alguém que fazia para ela. Durante a Revolução de 30 a bordo do navio Itambé, em viagem
para Fortaleza, Dona Maria José ficou retida no porto da cidade de São Luis durante três dias
sem poder desembarcar, em conseqüência do levante havido em Belém.
As três conheceram o trem, Dona Alzira disse que: nós vínhamos sempre a Belém (de
trem), eu andava com as freiras. Partindo da Estação de Santa Isabel para Belém talvez ela
tenha desembarcado, quando criança junto com as freiras, na Estação Central de Belém da
EFB. Dona Helena também viajou no trem: Cheguei, cheguei a ir pra Ananindeua umas duas
vezes de trem. Utilizou para ir ao trabalho outros meios de transporte como o bonde e: até a
conhecer o Zepelim; Não, era o ônibus Zepelim. Agora as pessoas pegavam pra ir passear,
eu não gostava, eu passava a semana todinha trabalhando, andava de ônibus, chegava o
Domingo eu queria ficar em casa; (sobre a Estação Central de Belém) Não conheci, mas
todas as pessoas falavam, mas é da minha época. Dona Maria José ao contrário das duas
viajou muito de trem, saia da Estação de São Braz: eu viajei muito, fui pra Estrada, Bragança
era uma cidade de grande movimento comercial, depois que tiraram o trem ela perdeu muito
do movimento. (...) Castanhal era passagem, Peixe- Boi era um lugar pequeno, mas era
ótimo, tinha muito leite, muito queijo, eu conheci vários lugares da Estrada de Ferro de
Bragança, assim de passagem, né? E quanto a conhecer a Estação Central de Belém: Uma
vez, somente uma vez. Aliás, fui nesta excursão no Colégio (Paes de Carvalho) ainda. Fomos
conhecer a Estação de Belém (Fig.36-C). Tempo bom aquele.
153
Figura 36-CInterior da Estação Central de Belém da EFB, sugerindo higiene, conforto e a
beleza que poderiam ser proporcionados pelo ambiente e pelos móveis que o decoravam,
neste caso a Sala de Espera dos Passageiros, vista parcialmente. Foto tomada em perspectiva
na direção do jardim frontal da Estação e de um dos terraços laterais, visualizados através das
generosas aberturas de janelas e portas, protegidas por guarda-corpos em ferro trabalhado
(janelas), e por balaustres nos terraços. Estas aberturas eram encimadas por bandeiras fixas,
formadas por caixilhos em madeira, com vazios preenchidos por vidros coloridos que traziam
mais luz ao local. O assoalho executado com réguas de madeiras regionais, acapu e pau-
amarelo, muito utilizado na época nos projetos arquitetônicos em Belém, tanto públicos
quanto privados. Fontes: Autor, (Álbum Paes de Carvalho, 1899),
154
O escritor paraense Dalcídio Jurandir, em outro romance
116
ambientado no final da
década de 1920, traz lembranças da Estação Central de Belém da EFB, da Avenida 16 de
Novembro, onde se localizava a ferroviária, do bonde e dos paquetes, através da memória do
personagem Alfredo, com 16 anos de idade, e cursando a série do Ginásio “Paes de
Carvalho”, portanto um “contemporâneo” de Dona Maria José, no antigo Liceu Paraense, para
o qual, ao contrário de Dona Maria José, o tempo não era nada bom, pois Alfredo vivia os
muitos conflitos de sua adolescência:
(...) Ali na esquina, novamente? Miragem, não, que nunca foi. Mas
quem?
Não era um dia nem dois que via aquela mulher na esquina, o mesmo
traje, ao pé da mangueira, a espiar os alunos entrarem. De longe, não
podia distinguir-lhe o rosto.
No que ele ia se aproximando, sumia-se a mulher 16 de Novembro
adentro desfeita entre as palmeiras, na Estação do Trem, ou fugindo
pela João Diogo para os becos da Cidade Velha. Sim, o mesmo traje,
à espera, ou à espreita, olhando para a porta do Ginásio. Era?
Alfredo vai, abre o jornal, vai indo, num passo vagaroso, encobrindo-
se com a folha aberta na notícia: “está novamente apagada a bóia do
canal de Bragança. Por esse motivo o paquete Campos Sales, que
chegou anteontem, aquele canal, não pôde transpor...”, dobra a
notícia, como? Mas não! Larga o jornal ao da mangueira, a bóia
apagada, pulou no estribo do Jurunas (bonde), roça o joelho nos
sacos e cestos que as açaizeiras e tacacazeiras traziam do Ver-o-
Peso, ninguém, a bóia apagada. (...) (JURANDIR, 2009.)
2.2.2- Cidade Velha e Campina: o olhar de moradoras
Nazira nasceu na Rua Cametá, no Bairro de Cidade Velha no ano de 1920. Mudou-se
duas vezes, mas sempre para ruas próximas à Estação Central de Belém(Fig.36-D). Era na
Ângelo Custódio, a Estação de Belém, não era? Do trem, eu me lembro de tudo isso. Morava
na Rua Ângelo Custodio ainda; A Estação de Belém era ali onde são umas casas, uma vila se
116
In JURANDIR, Dalcídio. Primeira manhã. Dalcídio Jurandir; Josebel Akel Fares (org.). 2ed. Belém: Editora
da Universidade de Pará EDUEPA, 2009. P. 201. Este romance é o “sexto livro do ciclo Extremo Norte e
quinto em que Alfredo aparece como protagonista. Poderia agrupar-se aos três títulos que o sucedem (Ponte do
Galo, 1971, Os habitantes, 1976, Chão de Lobos, 1976) e formar a tetralogia das perambulações de um
ginasiano culpado. (...) Idem, op. cit. P.16.
155
eu não me engano (Tamandaré esquina com a 16 de Novembro). Faz tempos que eu não ando
para aqueles lados, pois eu estou cheia de problemas; Cheguei, cheguei. (a entrar na Estação
de Belém). Andava muito de trem. Eh,eh,eh...Ia pra Benevides, que eu tinha uns parentes lá.
Nazira completou o curso primário no grupo do bairro: eu estudava no Grupo, Grupo
Rui Barbosa. Na Praça de São João, na Cidade Velha, estudei uns três ou quatro anos lá.
Antes disso estudei num colégio particular, depois meu pai adoeceu não pode continuar
pagando e eu fui estudar no Grupo. Olinda nasceu antes, 1917, no mesmo bairro, em uma
área que ela achava muito bonita: o Porto do Sal. Assim como Nazira, Olinda teve problemas
financeiros com a morte do pai: Naquela época, ele era comerciante forte. Ele tinha casa de
comércio, tinha sítio com gado, fazia cachaça, fazia açúcar, fazia a bacaba, mas depois que o
meu pai morreu nada deu mais certo. O gado não deu mais leite e tudo ruiu. nós ficamos
numa situação difícil. Minha mãe costurava, eu também estudava, comecei ajudar minha
mãe na costura, a arrematar. Depois ela adoeceu em Altamira, nós morávamos aqui em
Belém. Ambas pararam de estudar para ajudar as mães. Nazira costurava e fazia doces:
Quando eu estava com uns onze anos, por assim, eu parei de estudar porque minha mãe
costurava muito e eu tive que ajudá-la, parei (de estudar); Trabalhei muito. Depois fui
trabalhar em doces pra fora. Olha, eu trabalhei quase 20 anos, fazendo doces, tanto
encomenda! Depois que a minha tia morreu eu vim morar aqui na Avenida Conselheiro
Furtado. Olinda para ajudar a mãe na costura trabalhou muito : eu costurava, uma dúzia
de camisas, vinha cortada, pra ajudar, né? Meu irmão do Rio mandava uma pensão
para minha mãe pra gente sobreviver, mas aí, quando ela morreu, eu fui para casa desses
parentes: Era na Joaquim Távora perto do Largo do Carmo. A experiência de Dona Olinda
de utilizar o trem foi naquele momento: Eu me lembro, quando a minha mãe morreu, eu
estava muito abatida, eu fui de trem até Mirasselvas, tinha um tio que morava no interior;
Peguei em São Braz, passei em Mirasselvas, saltei, peguei uma canoa, andei mais uns dois
kilometros para chegar na casa do meu tio.
156
Figura 36-D - Estação Central de Belém da Estrada de Ferro de Bragança. Em primeiro plano
o pátio de chegada e saída dos trens, com um comboio, composto por cinco carros, puxado
por uma locomotiva a vapor ( Maria Fumaça) aguardando na plataforma o momento de partir
em direção a Estação de São Braz. No plano intermediário o depósito de cargas e na
continuidade a cobertura metálica da plataforma de embarque. Ao fundo o edifício da estação,
onde predomina a parte central, de dois pavimentos, onde funcionava a administração da
ferrovia. Foto tomada, por fotógrafo desconhecido, na primeira década do Século XX,
posicionado no pátio interno próximo à Avenida Tamandaré, em direção a Rua de Bragança e
Avenida 16 de Novembro onde ficava situado o portão principal para a entrada dos
passageiros. Fontes: Autor; (GEP, 1998).
157
2.2.3- Castanhal e Belém: internato, trabalho e música.
Dona Davina nasceu na localidade de São Luis do Pará, no Município de Igarapé- Açu
em 1912, mas passou boa parte da sua vida na cidade de Castanhal. Dona Jovencília nasceu
na cidade de Castanhal, dez anos depois da sua colega de Asilo em 1922, veio para Belém
com 12 anos, para trabalhar como empregada doméstica, criança ainda tocava vários
instrumentos: Bom aí, eu vou lhe dizer que com dez anos eu estava com um instrumento na
mão, tocando. E até agora eu toco todos os instrumentos. Toco tudinho: toco piano, toco
acordeom, violão, bandolim e tudo que aparece. Eu toco todos os instrumentos; Nessa época
eu vim de trem, depois fiquei viajando de ônibus. Procurava ir de 15 em 15 dias em
Castanhal, não ficava presa não. Dona Davina não tocava nenhum instrumento, veio para
Belém para estudar e ficou interna no Colégio Santa Catarina de Sena sob responsabilidade
das irmãs Adelaide e Josefina. Localizado na Avenida Nazaré próximo à esquina da Avenida
Generalíssimo Deodoro, o colégio permitia fácil acesso à Praça e à Basílica de Nossa Senhora
de Nazaré e conseqüentemente, pela proximidade, também à Parada do Ramal São Braz
Jardim Público da EFB: Várias vezes vim de Castanhal (Fig.36-E) a Belém; Não descemos,
não. A gente saía de Castanhal e vinha pra Belém. não descia não, mas eu conheço Santa
Isabel; Conheço (o Ver-o-Peso). Eu ia, nesse tempo era bonde, né? Eu não me lembro (da
Estação Central de Belém), mas eu sei que eu descia em São Braz. De São Braz eu ia...
Porque Belém a gente conhece né? Conheço a Dr. Assis. Dona Jovencília ia a Basílica
também, mas não gostava de ficar na praça: Da praça (de Nossa Senhora de Nazaré) eu não
gostava, era mais difícil, eu saía direto pra cá. Não tinha por que, eu não enxergava bem; Eu
ia a pé, andava a pé; E tinha uma irmã que eu não queria ficar, porque tinha serviços
diferentes, era pra servir de bábá, bábá eu nunca gostei; Eu tinha uns 15 anos. Eu fazia
muita coisa, não é bom nem eu dizer que o sr. fica aí, a coisa ia cansar muito. Eu ia muito à
Igreja, cantava e em casa trabalhando, fazia todo o serviço, lavava louça depois, por último,
aprendi até a cozinhar. Davina ao sair do internato, passou a morar com parentes em São
Braz, quando vinha a Belém. Ela lembra também com familiaridade da Caixa D´Água de
Ferro, do grande Mercado de São Braz e da casa comercial “A Feiticeira”. E com 18 anos teve
contato com um dos políticos mais destacado no Pará: Me lembro. Eu conheci o General
158
Magalhães Barata; Na primeira impressão a pessoa quando é boa, o espinho quando é bom,
de pequeno traz a ponta. Agora, o General Barata eu me lembro, agora mesmo por causa da
idade das coisas; Eu gostava de fazer tudo. Eu nunca gostei muito de cozinhar, mas de
arrumar as coisas e organizar, era o que eu gostava. Jovencília utilizou o trem da Estrada de
Ferro de Bragança como meio de transporte entre Belém e Castanhal, durante vários anos.
Antonio Lemos se projetou como o político mais expressivo do Pará através da sua
gestão como intendente de Belém, de 1897 a 1911, outro político assumiu a “vaga” de Lemos
nos corações e mentes de grande maioria da população paraense: Magalhães Barata,
participante das revoltas tenentistas de 1922 e 1924, Interventor do Estado do Pará de 1930 a
1935, possuía grande prestígio junto à massa da população. Não foi uma coincidência Dona
Davina conhecê-lo em Castanhal. Uma das maneiras de conservar o seu prestígio e carisma
foi a interiorização do governo, atitude nunca antes tomada pelos governantes que o
antecederam. Ele percorreu o Pará inteiro e para deslocar-se na Zona Bragantina utilizou os
serviços dos trens da EFB. (RODRIGUES, 1979.p.83)
Figura 36-E – Estação de Castanhal da Estrada de Ferro de Bragança, única em que o edifício
permitia a entrada e saída dos trens em linha, sem manobras, funcionando como um túnel de
159
mão dupla. Situava-se ao longo da principal via da cidade de Castanhal, desativada em 1965 e
depois demolida. Foto tomada no ano de 1968, por Antonio Rocha Penteado. Fontes: do
autor; (PENTEADO, 1968, p.88).
2.2.4- Marajó, Outeiro e Altamira: os interioranos de olho no trem.
Figura 36-F - Fachada principal do Patronato da Ilha do Outeiro ou Instituto Orphanológico
do Outeiro, inaugurado no mesmo ano em que começou a funcionar o Ramal da Vila de
Pinheiro (hoje Distrito de Icoaraci) da Estrada de Ferro de Bragança, em 1906. Fontes: Autor;
(GEP, 1998.)
O edifício do Patronato (Fig. 36-F), antes de ser uma instituição para abrigo e escola
de órfãos do sexo masculino, teve uma relação bem próxima com as Colônias da Zona
Bragantina e com a própria Estrada de Ferro de Bragança, pois funcionou durante muitos
anos a Hospedagem dos Imigrantes, onde se fazia a triagem e os imigrantes ficavam em
quarentena antes de seguirem para Belém e depois, pela EFB, para as Colônias instaladas ao
longo dos seus trilhos.
160
Seu Alcides era órfão de pai, quando sua mãe trouxe-o para Belém. Veio para
estudar no Instituto Lauro Sodré. Chegou ao porto de Belém vindo de Altamira, sua terra
natal, com 10 anos de idade, transcorria o ano de 1930, ano da Revolução. Não havia vaga no
Instituto Lauro Sodré, porém como sua mãe já havia falado com o General Magalhães Barata,
Alcides foi matriculado como interno no Patronato do Outeiro (Instituto Orphanológico do
Outeiro) (Fig. 36-F) para fazer o primário. Ao que parece, o General Magalhães Barata atraía
as pessoas através de suas ações de ajuda e comprometimento: O colégio tinha uma lancha, a
gente vinha, ficava no Matadouro (do Maguari) até a hora que acabava a matança. A
carne vinha de trem, ia pro Curro Velho; A gente vinha era no trem até a Estação de São
Braz; Aquela feira (de São Braz) era pra todo mundo, dia de Sábado e Domingo. Ela ficava
ali onde é a Praça do Barata (Memorial ao Ex-Governador Magalhães Barata),
independente do Mercado. O pessoal vinha, todos os colonos faziam a feira ali, todo Sábado
e Domingo. As férias do Patronato eram passadas em Belém; Alcides vinha da Ilha de Outeiro
até o Matadouro do Maguari
117
.Terminado o primário, fez o exame de admissão para
Contabilidade na Escola do Grêmio Literário Português. Seu Durval morava a um quarteirão
do Grêmio, nasceu um ano antes da década de 1920, seis anos mais velho que Alcides e era
do interior também: Eu nasci no interior e vim jovem para Belém, sou de Salvaterra Soure.
Marajoara, que pega touro à unha, como fala o espanhol; Descendo, ía direto para a
Companhia de águas, Faculdade de Engenharia, a Biblioteca, do lado esquerdo no sentido
de quem vai para o Ver-o-Peso; ficava o jornal O Estado do Pará”; Aqui Durval descreve
com mais atenção a vida urbana: em seguida vinha um dos grandes centros comerciais, mas
comercial assim tipo de popular “Café Manduca”, e logo embaixo vinha o “Café Santos”.
Eram os dois estabelecimentos em que a elite do Pará se reunia à tarde para tomar o café,
essa época. A mesa era de mármore, sentavam nas cadeiras e ficavam trocando idéias,
tomando cafezinho. O “Café Santos” é lá, perto da João Alfredo. Com a mesma idade de
Durval, Seu Mário nasceu na cidade de Belém, filho de militar do exército brasileiro morto
em 1925, quando Mário tinha apenas dois anos de idade. Estudou no Grupo situado à Avenida
Generalíssimo Deodoro (antes Avenida 2 de Dezembro) esquina com a Avenida Braz de
Aguiar, a meia quadra da Parada do Ramal São Braz – Jardim Público da EFB, Mário não tem
117
Para compreender o funcionamento do Matadouro do Maguari e de sua relação com a Estrada de Ferro de
Bragança, ler o romance de Cândido Marinho da Rocha. O Defunto Homem Histórias e estórias regionais
Belém: Gráfica UFPA, 1968.
161
lembrança desta Parada
118
do trem. De acordo com ele, as pessoas lembravam-se mais de falar
do bonde do que do trem e não havia ônibus. Parada (da Avenida Gentil Bittencourt com a
Avenida Generalíssimo Deodoro), parada mesmo, eu não me lembro de parada, o trem
trafegava normalmente, só parava em São Braz, ia apanhar carvão lá atrás da Cadeia de São
José e ia embora, não pegava passageiro, não pegava nada; Porque a Gentil Bittencourt
tinha mesmo o caminho de Estrada de Ferro, um covão em baixo, não tinha nada; depois
com o tempo, foi aterrando, até o trem que saía de São Braz ia para o trilho do carvão,
apanhava o combustível deles, voltava e ia embora. Seu Mário morou, até os 18 anos de
idade, na Avenida Conselheiro Furtado via paralela à Avenida Gentil Bittencourt (Fig. 36-G),
apenas um quarteirão da linha do trem do Ramal urbano da EFB e estudou o primário no
Grupo Escolar Barão do Rio Branco”, escola próxima a uma das Paradas do trem do mesmo
Ramal; pontos estratégicos para ter conhecimento daquele Ramal ou Prolongamento da EFB.
Figura 36-G Perspectiva da Avenida Alcindo Cacela (ainda com o nome de 22 de Junho)
próxima à esquina da Avenida Gentil Bittencourt (antiga Estrada da Constituição) em direção
ao forno crematório, no nascente bairro da Cremação. Em primeiro plano o cruzamento dos
118
Quando o Ramal São Braz Jardim Público foi desativado em 1931, Mário tinha então oito anos de idade, a
hipótese primeira é de que Mário não se lembra daquela Parada, a segunda é que o Ramal continuou a funcionar
por mais alguns anos, mas somente com a função do trem de transportar o carvão e a parada teria sido
desativada.
162
trilhos do bonde da Avenida 22 de Junho com os trilhos do trem da Avenida Gentil
Bittencourt pertencente ao Ramal São Braz Jardim Público da EFB. À direita, num plano
intermediário, uma Mercearia típica das esquinas da Belém de outrora seguida do casario, que
se mantém até os dias atuais com algumas alterações de fachadas. Fontes: Autor; (Governo do
Estado, 1998.)
O personagem Alfredo
119
do romance de Dalcídio Jurandir estudou o primário no
Grupo Escolar “Barão do Rio Branco”, onde também estudou Seu Mário Souza. Alfredo é
quem faz mais alguns comentários sobre a Estrada de Ferro de Bragança, sobre a cidade de
Belém e sobre o Grupo Escolar em que ambos estudaram na década de 1920:
(...) as caminhadas para a Dois de Dezembro iam se tornando mais
longas, mais lentas, mais carregadas de seus quinze anos. E
meninos, cada vez mais no Barão. E ele, a enfiar a primeira calça
comprida feita pelo Leônidas em Cachoeira, não podia debater-se na
gaiola. Aulas, o cinza da Diretora, campa, busto do Barão, pesavam-
lhe. Crescia demais. Uma manhã, a ouvir o hino Do Amapá...
Amapaaaá..” não entrou, passava a máquina Timboteua (locomotiva
da EFB), enfiou pela Gentil (antiga Estrada da Constituição); no
trilho do trem, outra máquina escoteira, desta vez a Ananindeua e
logo o trole que parou, ele pediu passagem – que fim levava o Antônio
e o seu Santo Antonio lançado no cesto do passante, e tu, Libânia,
aonde?- parou em São Braz Estação de São Braz), saía o trem do
Pinheiro; em poucas horas entrava no portão da prima Angélica,
casada com um embarcadiço;(...) (JURANDIR, 2009)
Seu Mário começou a utilizar por sua própria conta o bonde, em 1936, ainda na
adolescência, com treze anos de idade, ao começar a trabalhar em uma loja de ferragens, a
partir daí não viu mais o trem: Deixei de vê-lo (o trem do Ramal) depois que eu saí do Grupo
Escolar Barão do Rio Branco (1935); não vi mais. Saía de casa às 6:30h da manhã, voltava
às 11:30h, almoçava, voltava de novo para o Ferreira Gomes, ficava toda a tarde. Seu
Durval não chegou a conhecer a Estação Central de Belém da EFB, para ele a Estação Central
era a de São Braz, e também não tinha lembrança do trem circulando no Centro Comercial em
Belém, como o Seu Mário lembrava, porém tinha a sua opinião formada sobre os meios de
transporte em Belém: O paraense quase não usava trem. Só o paraense do interior, que vinha
de Castanhal, ele andava de trem. Quase não se andava de trem, pouco se andava de trem. Se
andava de barco ou então de bonde; É aqui aonde é a atual Estação Rodoviária (sobre a
119
JURANDIR, Dalcídio, op.cit., p 54.
163
localização da Estação Central); O transporte da população era barco ou então o bonde.
Mário confunde os deslocamentos mais longos com os feitos na cidade. Para Soure se ia de
barco, pro interior ia-se de barco, existia até hoje, está lá, escadinha, paravam os
rebocadores e os navios Gaiolas, faziam linha pro interior e até Manaus. A viagem durava
15, 16 dias, sempre saía da Escadinha (Fig.36-H). Chamavam o Armazém, hoje é o armazém
três, o resto dos armazéns era para embarque de barco, de cargueiros, naquele tempo com
aqueles guindastes, construção inglesa, tudo ali é construção inglesa. Seu Mário, em 1941,
prestou serviços à Panair do Brasil que foi à falência em 1965, coincidentemente no mesmo
ano da desativação da Estrada de Ferro de Bragança; duas empresas importantes ao
desenvolvimento social e econômico do Pará e da Amazônia desapareciam.
Figura 36-H – Pormenor do Cais do Porto de Belém, mostrando a popular “Escadinha”
utilizada para desembarque de navios gaiolas e vapores, localizada no início da Avenida 15 de
Agosto (atual Avenida Presidente Vargas), no cruzamento com a Boulevard da República
(antiga Rua Nova do Imperador atual Boulevard Castilhos França). Ao fundo, à esquerda, um
vapor, Paquete, embarcando cargas e passageiros e à direita um dos Armazéns do “Port of
Pará” Foto de Autor desconhecido, tomada de barco ancorado em armazém em frente (hoje
164
um dos armazéns do complexo turístico “Estação das Docas”) ao que está sendo visualizado
na foto. Fontes: Autor; (GEP, 1998.)
2.2.5- Manaus e Santarém: caminhos para Belém e suas praças
Dona Francisca, nasceu em 1918 na cidade de Manaus. É o exemplo de pessoa que
utilizou embarcação, um vapor, para chegar à cidade de Belém, conforme se referiu o Seu
Durval anteriormente: Eu cheguei...minha mãe morreu lá, Manaus. o pai achou de vir pra
e ir trabalhar no Yabona, nesses navios gaiolas. quando ela morreu, eu fiquei lá,
meu padrinho chamou ele, que viesse me buscar. Ele estava aqui casado, tinha três
meninos, quando eu cheguei aqui, já foi pro lado dele. Dona Francisca aqui emite sua opinião
sobre separações e aceitações: vivendo com madrasta; convivendo com a minha mãe,
nunca fui ruim pra minha mãe, quanto mais pros outros, tratava-a bem, tudo, quando foi
tempo eu tinha vinte anos, quando ele me disse, ah, agora você tem vinte anos, se
procura um serviço que eu tenho pouco. Realmente era pouco mesmo. Aportou em Belém
com 15 anos de idade, órfã de mãe. Seu pai morava em Belém, era casado e tinha mulher e
três filhos. Dona Francisca chegou de navio gaiola, na Escadinha do Cais do Porto: Vim de
Navio; Aida Carmem, Aqui, na Escadinha (Fig.36-H) na Presidente Vargas (antiga Avenida
15 de Agosto). Era que encostavam todos os naviozinhos que vinham de Manaus. Ai ele
(pai) foi me buscar, nesse navio Aida Carmem. O único lazer de Dona Francisca no ano de
1933, quando morava na casa do pai, era ir ao Colégio Católico Dom Bosco, localizado bem
próximo a sua casa. Dona Guiomar também nasceu em Manaus em 1915 e como Dona
Francisca, era muito pobre, foi criada sem pai, pela mãe e pela avó também viúva, veio para
Belém criança. Estudou até o segundo ano primário: Eu morei em Icoaraci. Eu me criei em
Icoaraci. Eu morava com a minha avó, meus pais eram separados; quando eu era pequenina
a minha mãe ficou gestante do outro meu irmão e eles se separaram. Ele ficou lá pra Manaus
e nós ficamos aqui em Icoaraci, eu fui criada em Icoaraci. Nesse tempo ainda era Pinheiro,
ainda não era Icoaraci.
165
Dona Francisca Mesmo sem ter estudos, em 1938, conseguiu trabalho na Fábrica de
Guaraná Soberano, na Rua Siqueira Mendes no bairro da Cidade Velha: morava alí na
Tiradentes, entre Piedade e Benjamin; saí um dia, eu disse, eu vou procurar trabalho. Tu não
és doida, meu pai disse. Vou, foi direto, uma senhora me disse, olha você vai lá, na
Soberano, que lá na Soberano precisam de moça assim como você. Como você é tão
engraçada, pode, vai que você vai ficar lá. Ai fui. Para ir para o trabalho Dona Francisca
pegava um outro tipo de transporte: Eu corria para pegar o Zepelim. Ia saltar lá no Largo (do
Carmo). Era assim o meu dia. Dona Lourdinha, veio para Belém com 15 anos de idade,
nasceu na cidade de Santarém em 1915. Logo que aqui chegou morou no Largo da Pólvora
(Fig. 36-I) próximo ao edifício do Instituto de Educação do Pará IEP ou simplesmente
Escola Normal (que funcionava no antigo edifício do Jornal A Província do Pará): Ave-
Maria. Eu passeava de pra cá, ia pra Mosqueiro, ia pra Pinheiro, tinha namorado, era
passeio de Bonde, ia de navio também pra lá, agora não tem mais, né. Não tem mais nem
trapiche, né? Eu estudei em Santarém até a quinta série. No Grupo de Santarém, ficava perto
da serraria, da fortaleza. Dona Lourdinha utilizou a Estação de São Braz: Andei, duas vezes,
três vezes (na Maria Fumaça), eu ia pra Castanhal, passear com uma senhora que se dava
comigo. Pegava o trem em São Braz; Tinha aquele outro que a gente pagava 200 reis, não
era ônibus não, o bonde. Dona Francisca não conheceu o trem, Dona Guiomar sim: Nesse
tempo era ainda o trem, não tinha essa Estrada de ônibus ainda. Era na Estação, vinha até a
Estação de São Braz (Fig. 36-J). Eu saltava em São Braz, mas ele ia pra 2 de dezembro, coisa
assim, ele passava aqui pela Gentil; Eu era mocinha já, quando foi inaugurada (a estrada de
ônibus), é que ele vinha pela Base (Base Aérea de Val-de-Cans local do aeroporto de
Belém) ainda, o ônibus. Dona Lourdinha depois de ter morado no Largo da Pólvora, mudou-
se para a Praça Amazonas, para uma casa na Rua Arcipreste Manoel Teodoro (antiga Estrada
da Cruz das Almas) e defronte da Cadeia de São José: Eu morei ali perto do Largo da
Pólvora com uma senhora, que depois foi embora daqui foi pros Estados Unidos e eu fiquei
na casa da mesma senhora que o marido dela era da Palmeira, agora não tem mais
Palmeira. A casa dele era no Largo da Pólvora.
166
Figura 36-I A delicadeza do “Chafariz das Sereias”. Monumento implantado num trecho da
Praça da República (antigo Largo da Pólvora) em 1904. É ainda referência de Belém pela
proximidade a edifícios que foram palco de acontecimentos políticos, sociais, educacionais e
culturais. Como exemplos: o edifício do jornal “A Província do Pará”, de propriedade do
167
Intendente Antonio Lemos, incendiado em 1912 e recuperado para nele funcionar a Escola
Normal a partir de 1928; o cinema Olympia inaugurado em 1912, originário da reforma de
uma residência; e o edifício da Rotiserrie Suíça. Foto tomada em direção a Rua Arcipreste
Manoel Teodoro, pelo fotógrafo Felipe Augusto Fidanza, transformada em Cartão Postal pela
Papelaria Silva. Fontes: autor; (Governo do Estado do Pará, 1998); (CRUZ, 1992);
(ROCQUE, 1996).
2.2.5- A Estação de São Braz: na lembrança dos idosos
Conhecida e utilizada pela maioria dos idosos entrevistados no Asilo Pão de Santo
Antônio, a Estação Central de São Braz da EFB foi sem dúvida o edifício mais marcante
daquela ferrovia e do Ramal São Braz Jardim Público. Derivado do projeto do primeiro
edifício (1883), na primeira década do Século XX, a Estação Central se apresentava como
quando foi demolida na década de 1960. O projeto atribuído a Gustave Varin teve adaptações
pelo aproveitamento da Estação de Passageiros que já existia. (Fig. 36-J).
Figura 36-J Em primeiro plano a Estação Central de São Braz da EFB (1965), localizada no
Largo de mesmo nome (atual Praça Floriano Peixoto), cuja ampliação e mutação se deu a
partir do edifício primitivo (1884-1885), identificado por possuir dois pavimentos e estar
ocupando a área central do extenso bloco térreo composto por salas de espera, lojas, depósitos
168
e administração. Em segundo plano a grande cobertura da plataforma de embarque, em
estrutura metálica, projeto atribuído ao arquiteto francês Gustave Varin. Foto tomada por
fotógrafo não identificado no início da década de 1960. Fontes: Autor; (CRUZ, 1967);
(FABRIS 1987).
Dona Raimunda nasceu em 1916, em Sena Madureira, alto do rio Purus, no Território
Federal do Acre, sua família foi morar em Capanema, no Estado do Pará, quando ela tinha
sete anos, era filha única, seu pai morreu em Capanema quando ela tinha 20 anos. Morou na
Rua Joaquim Távora, na Cidade Velha: A partir de 1923, veio várias vezes a Belém: Eu usei o
trem (a Maria Fumaça), aí foi quando terminou, né?; Era lá na Estação Ferroviária (Fig. 37-
K), era ali onde é a Estação Rodoviária. De São Braz apanhava um táxi e vinha embora
quando eu ia pra casa da minha madrinha, né? Ainda ficaram os trilhos, depois é que
começaram a tirar. Ela não conheceu a Estação Central de Belém, mas lembrava da
desativação do Ramal: tinha terminado o negócio do trem da cidade, o trem não passava
mais, não tinha mais o trem. Era daqui pra Bragança e de Bragança pra cá. Parando nas
cidades, o almoço era em Igarapé- Açu. Quando a gente vinha de Capanema almoçava lá.
Ele parava quarenta minutos, a gente almoçava e continuava. Dona Rosa conheceu muito
bem a Estação de São Braz. Nasceu em Santo Antonio do Tauá, em 1928, próximo a cidade
de Santa Isabel. Morou sempre onde nasceu.: Na Estação, era o trem, a gente vinha de pau-
de-arara de Santo Antonio do Tauá até Santa Isabel, de Santa Isabel pegava o trem,
ficava na Estação, ali em São Braz, de pegava um bonde. Onde é a Rodoviária hoje era
a Estação de Trem; (A viagem de trem era confortável?) Era, era um passeio. Também
utilizou o trem por questões de saúde: A gente vinha às vezes quando estava doente, vinha
para ir pro hospital com o médico. Depois que eu me casei, vinha sempre trazer um filho meu
para o pavilhão das crianças, do Hospital da Beneficente Portuguesa. Seu Manoel Nasceu
na cidade de Bragança em 1912 veio para Belém com 16 anos de idade. Seu pai era alfaiate,
trabalhava com costuras e sua mãe também. Não completou o primário. Usou o trem da
Estrada de Ferro de Bragança, mas não conheceu a Estação Central de Belém, quando vinha
de Bragança descia: Na Estação de São Braz. E utilizou o bonde: Eu usei o bonde. Dona
Raimunda também os utilizou: Eu me lembro dos Bondes elétricos (em Belém), tinha o
Circular, tinha o outro que eu não me lembro agora, a gente andava nesses bondes, bonde
169
elétrico. O lazer da mocinha Raimunda era comedido: Na casa dos meus padrinhos eles eram
pessoas antigas né, então ia ao Cinema, tinha uma família, família Tuma, que tinha umas
moças, mocinhas como eu, aí a gente ia, pro Guarani, era o Guarani e o Universal
120
, parece
que era (em frente ao Guarani), eu não me lembro bem.
2.2.6- Arraial de Nazaré: o Largo e a juventude lembrada
Nascida em Cachoeira do Arari na Ilha do Marajó em 1907. Dona Adelina veio para
Belém com 25 anos de idade, em 1932. Morou na Vila de Pinheiro (atual Distrito de Icoaraci).
Em Belém, morou em frente ao Largo de Nazaré (Fig. 36-K), perto da Basílica. completou
100 anos de idade. Esteve em outro Asilo antes de vir para o Asilo Pão de Santo Antonio
onde estava abrigada apenas 6 meses, quando foi entrevistada. Veio de Cachoeira de Arari
de barco para Belém: Vim procurar emprego aqui em Belém. Primeiro achei um em Icoaraci
numa loja de fazenda. Numa casa, mesmo na Vila, trabalhei com uma senhora, ela não está
mais viva, morreu. Tive de viver com ela trabalhando de cozinheira. Depois eu não quis
mais. Andou de trem e de bonde, achava barato as passagens: Sim, eu cheguei a andar no
trem; Foi, nesse tempo tinha trem, agora mais o que tem é ônibus; Ia pro Ver-o-Peso, fazia
compras lá, na feira, no mercado de carne, de peixe. Naquele tempo não era dinheiro, era
assim, um vintém, era moeda. O trilho do trem ia até em São Braz; Tinha bonde, né? Tudo
ali. Passava o trem com o pessoal que ia no Ver-o-Peso fazer compras, né? Morou em uma
casa de dois pavimentos no Largo de Nazaré: Eu morei num...fui me empregar numa casa, ela
era fazendeira, numa casa assim, não era chic, uma casa alta assim em frente do cinema
Iracema. Ainda tem esse cinema, né? Ele é um pouco pra da Igreja; A primeira casa, se
não me engano o nome da patroa era Juliana, ela era fazendeira. Dona Ana Farias gostava
de ir ao Largo também, era do interior nasceu em 1918, na cidade de Abaetetuba. Morou na
Rua Mundurucus, onde trabalhou para uma família durante muitos anos, mas não conheceu a
Estação Central de Belém, o trem, mas nunca o utilizou como meio de transporte. o
bonde: Eu ía no Largo (Fig. 36-K). Não, cinema não, eu nunca gostei de cinemas; Não.
Nunca andei de trem; O apito eu ouvia; Na hora que ele ia sair; Conheci (a Estação de São
Braz); (bonde) Tinha. Passava ali na Dr. Assis, quando ia pra Cidade Velha. O Beco do
Cardoso. Dona Brígida nasceu em Belém no ano de 1902, morou grande parte da sua vida na
120
Ainda existem vestígios dos dois cinemas, é possível encontrar suas localizações. A fachada do Universal,
com nova composição, fica de frente para a pracinha da Igreja de São João. E o Guarani foi revitalizado
abrigando um auditório do Ministério Publico do Estado do Pará. Essas informações poderão ser facilmente
detectadas em uma visita feita ao local.
170
Rua dos Mundurucus, uma das vias integrantes do Ramal São Braz Jardim Público da
Estrada de Ferro de Bragança. Conheceu o trem, que parava praticamente em frente a sua
casa: Ele parava na porta de casa (Rua dos Mundurucus); Pegava, ia passeando
principalmente pegar ali na Rua dos Mundurucus e nós íamos ver a linha de São Braz; Eu
não tinha medo não.(que o trem a atropelasse. Gostava de ir ao Cinema Olímpia e à Praça de
Nazaré.
Figura 36-K Esquina da Avenida Nazaré com Generalíssimo Deodoro. No primeiro plano,
os trilhos dos bondes que ainda eram puxados por parelhas de burros. No segundo, dois
bondes aguardando o momento de sair, pois os passageiros já haviam embarcado na parada. À
direita o Largo da festa de Nazaré, cujo centro era ocupado pelo pavilhão de Flora. A
proximidade do Largo em relação à Parada do trem do Ramal São Braz- Jardim Público era
de apenas um quarteirão ou uma quadra. Foto tomada por Tavares Cardoso na primeira
década do Século XX, utilizada em cartão postal. Fontes Autor; (GEP, 1998).
Quando o conheci, o quadrilátero da praça, com barraquinhas de
comida, sortes e divertimentos vários, além de brinquedos mecânicos,
como um carrossel e uma ola giratória, tinha sido remodelado: em
cada canto um coreto para retretas, no meio o pavilhão de Flora, de
colunatas circulares, para recitativos e música e, na calçada fronteira
171
ao templo, um relógio de mostrador redondo, encimado por uma
ornamentação floral a ferro, traço do Art Noveau. Em torno da
quadra, prosperavam casas de espetáculo, cinema e teatrinhos. Tudo
isso desapareceu, tragado por uma austera e ascética concepção da
festa, que vingou a partir de 1970; sumiram os coretos, o relógio, o
pavilhão. Na praça, agora toda cercada por um gradil, prolongou-se
o santuário. No entanto, era no arraial que estava o juvenil assomo de
vida, a impulsividade dionisíaca, transbordante, ainda hoje, do Círio,
como vigorosa forma de devoção popular (NUNES & HATOUM,
2006).
A Rua dos Mundurucus era da intimidade, tanto da Dona Brígida, como da do Seu
Osvaldino, a primeira morou e o segundo trabalhou em locais situados nessa via. Foi assim
que aconteceram os contatos de ambos, pela proximidade com o trem da EFB, com o Ramal
Urbano e com a Praça Batista Campos (Fig.36-L).
Figura 36- L Praça Batista Campos em 1900, antes da grande reforma feita pelo Intendente
Antonio Lemos. No primeiro plano aparece a Rua dos Tamoios. No segundo, o chafariz que
ocupava o centro da praça, depois seria o local ocupado pelo Pavilhão da Música, coreto pré-
fabricado na Alemanha. No terceiro plano, uma linha azul, sobreposta à fotografia indica o
caminho do trem, da esquerda para a direita pela Rua dos Mundurucus em direção à grande
172
curva para prosseguir pela Rua Carlos de Carvalho; naquele trecho a via pública já se achava
ocupada por grandes residências. Foto tomada por fotógrafo desconhecido, da janela do
pavimento do Grupo Escolar da Capital, inaugurado em 1901, depois denominado José
Veríssimo. Fontes: Autor; (GEP, 1998); (CRUZ, 1992)
2.2.7- Mundurucus e Batista Campos: Rua, Praça e cinemas.
Do interior do Município de Vigia, Seu Osvaldino nasceu no ano de 1917. Chegou a
Belém com 5 anos de idade. Foi morar no Bairro de São Braz. Seu avô era Turco, seu pai
nasceu na cidade de Barcarena e sua mãe na cidade de Macapá. Seu Osvaldino não estudou
para ser mecânico de carros, foi um prático. Conheceu a Estação Central de Belém e o Ramal
São Braz Jardim Público da EFB: Eu ia até o Ver-o-peso, era 200 Reis a passagem de São
Braz até a Avenida 16 de novembro. O trem vinha cheio de manhã. A gente saltava e ia até à
Praça do Relógio, que foi posta ali em 1932. Reconheceu o edifício da Parada de Batista
Campos, mostrado em foto, como o escritório do Horto: O trem passava aqui assim
(mostrando na foto), aqui na frente, era tudo dentro mesmo, acompanhando a margem da
rua; o trem parava, deixava o pessoal todo, não era bem na porta era mais adiante um
pouquinho; Era mais ou menos isto. O senhor disse que o trem deixou de passar ali em 1931,
mas o trem não deixou de passar não, quem foi que disse isso? Na lembrança de seu
Osvaldino o Ramal tinha parado em 1938, mas não havia convicção nisso e também no
trajeto dito como correto: O trem seguia até à Avenida Gentil Bittencourt, ele ia direto até
à Travessa Rui Barbosa. parando e tal, a primeira parada que ele fazia era aqui na Travessa
14 de março; não tem uma espécie de igarapé ali, o trem parava lá, depois parava mais
adiante, na Alcindo Cacela (antiga 22 de Junho), se não me engano. Seu Osvaldino
continuava: depois parava no Horto Municipal; não, ele parava na Gentil, antes da Rui
Barbosa. Na Rua dos Mundurucus, ele seguia direto para a Estação embaixo (Estação
Central de Belém), quer dizer ainda tinha algumas paradas ali perto do Jurunas, onde é a
Avenida Roberto Camelier. Utilizou o bonde e sabia preço e trajeto: Pegava no Ver-o-Peso o
bonde para o Souza, pagava um tostão até São Braz, e de São Braz pagava outro tostão até o
final da linha. Um tostão era 100 Reis. Cada tostão tinha 5 vinténs, cada vintém representava
vinte centavos. Com esse tostão a mãe da gente mandava ir na taberna, comprava manteiga,
173
um pão, pimenta-cominho, alho, estas coisas. Dona Aurora, morou próximo a Praça Batista
Campos, em conseqüência, próximo a Rua dos Mundurucus. Nasceu em Belém no ano de
1923, seus pais eram portugueses. Morava em uma vacaria que seu pai tomava conta, situada
na Travessa São Matheus (atual Travessa Padre Eutíquio). Estudou até o segundo ano
primário na escola Perpétuo Socorro, ao lado do Cemitério da Soledade, na Avenida
Serzedelo Correa: Ah!, O trem? Conheci. Quando a gente ia ali pro lado da cadeia, por onde
ele passava, por ali; Não, nunca, não tinha esse negócio de andar de trem; (sobre a Parada
do trem em Batista Campos) Não lembro direito. Aonde era não lembro, não. Se era pro lado
da São Matheus. E ele parava ali próximo à Praça Batista Campos. Quando eu ia pro
colégio, eu via; Ah! a Maria Fumaça. Sobre lazer e divertimentos fala sobre a origem dos
pais: Meus pais eram portugueses. (não deixavam a gente fazer nada). Era grande ali, tinha
muitos quartos, muitos cômodos que meu pai subalugava. Era do Moreira Gomes; Ali na
Travessa Padre Eutíquio, tinha tudo ali, Ali que moravam os Barões, os coisas” de Belém,
os grandões, né? E a minha mãe fazia muita criação em casa, pra poder vender pra eles,
aquelas casas todas da São Matheus compravam da minha mãe. Sobre cinema, não ia ao
Olympia (Fig.36-M) como Dona Brígida, mas havia os cinemas do Largo de São João:
Cinema a gente ia, quando era A vida de Cristo” a minha mãe deixava, mas o resto, não.
Era o cinema Iracema em Nazaré e um que tinha no largo de São João, o Guarani. Mas o
Guarani, que era mais perto, eu ia com meu irmão mais velho. Ia porque eram poucos
cinemas. Eu tinha 11 ou 12 anos.
174
Figura 36- M - Fachada principal do Cinema Olympia, iluminada na noite de sua inauguração
em 24 de Março de 1912, localizado na Praça da República (antigo Largo da Pólvora), com
presença de grande público. Fotógrafo não identificado, da empresa construtora do cidadão de
origem portuguesa Salvador Mesquita, senão pelo próprio. Fontes: Autor; (VERIANO, 1999);
(TRINDADE; CAIEIRO, 2000).
No início da segunda década do Século XX, Belém tinha 12 cinemas
funcionando. E não eram mais teatros alugados, como no caso do
Chalet. Os novos comerciantes do ramo aprenderam que cinema
podia ser um lençol branco esticado, alguns bancos corridos e um
projetor de qualquer marca. O pioneirismo implicava em salas de
bairros como o “Beco do Carmo”, e projeções “volantes”, como as
que aconteciam em outubro no Arraial de Nazaré, o apêndice profano
da Festa do Círio.
Foi justamente em 1912 que dois empresários locais inauguraram o
Cinema Olympia, primeira casa “de luxo”, edificada para o ramo de
atividades visto com as lentes do preconceito.
Antonio Martins e Carlos Augusto Teixeira eram proprietários de
dois pontos turísticos e culturais: o Grande Hotel, feito no auge da
borracha até como uma celebração do fausto que embalava a cidade,
e o Palace Theatre, lugar de artes cênicas com brecha para o futuro,
ou seja, o aparelho de fotografias animadas. (VERIANO, 1999, p.17)
2.2.8- Caminhos à pé e de carro: Reduto e Telégrafo Sem Fio.
Elas nasceram em Belém e não conheceram o Ramal São Braz- Jardim Público, mas
duas utilizaram o trem da EFB. Dona Florinda, freqüentava o Cinema Olimpia, andava de
automóvel e ia ao Teatro da Paz. Dona Antônia nasceu em 1911, no Bairro do Telégrafo;
morava e trabalhava com uma família na Travessa do Curro (Curro Velho – antigo matadouro
de Belém), estava então com 12 anos de idade. Trabalhou a partir de 1929 em confecções de
sapatos. Só utilizou o trem depois de casada. Dona Júlia nasceu em 1913, na Travessa
Quintino Bocaiúva, entre as Ruas Boaventura da Silva e Tiradentes. Começou a estudar com
sete anos de idade, foi à primeira festa aos 18 anos de idade. Os deslocamentos diários eram a
pé. De bonde, em momentos especiais: Não, não. A gente andava mais a pé, do que de
bonde. Minha mãe lavava a roupa pros portugueses que trabalhavam em frente ao Mercado
de Peixe. Então, dia de sábado, eram dois portugueses que andavam bem vestidos, minha
mãe lavava roupa pra eles. Eu e meu irmão, que até morreu acidentado, coitado, nós
175
tínhamos que levar a roupa. Não conheceu o trem da EFB. Dona Florinda, a mais nova das
três, Nasceu em Belém em 1916, no Bairro do Reduto. Seu pai era de origem européia,
português de Celorico de Basto, é um condomínio, foi tombado, agora é do governo
português. Dona Florinda estudou no antigo Convento de Santo Antonio, referência histórica
da cidade de Belém, transformado em Colégio; estudou também no Instituto Travassos, na
Escola Normal e no Ginásio Paes de Carvalho. Pegou malária ou impaludismo, ainda criança:
Nós andamos de Bonde. Mas, no princípio de nossas vidas, nós andávamos de carro. Não
era propriamente um carro, eu não sei o nome, era uma “casa de carros” que ficava perto de
casa. Não nhamos telefone naquela ocasião. Meu rapaz, a família do seu Bastos quer um
carro para agora e vinha o carro pra nós, tal a situação boa que nós nhamos(...). Dona
Antonia não pegava nenhum tipo de transporte para ir ao trabalho, ia sempre a pé: Quando
trabalhava na casas dos outros, eu morava, não andava assim. A gente não podia andar
assim muito na rua, tava menina ainda, quase, né? Eu ficava morando na casa. Estava com
dezoito anos. Eu trabalhava na fábrica do Chamié, ia pro trabalho, era perto, eu morava
no telégrafo (Bairro do Telégrafo). A gente ia a e vinha a pé. Dona Florinda andou de
trem: Andei de trem, a Maria fumaça, né? Bom, era a Maria Fumaça, eu fui pra Ananindeua,
se não me engano. Na Maria fumaça, não me lembro onde, acho que foi na Estação de São
Braz. Dona Antonia também: De trem? Andei, fui direto pra Americano na casa da minha
irmã; em São Braz e saltava em Americano, mas eu ia sempre com o meu marido e as
minhas enteadas, eu quase não andava só.
2.2.9- O Ramal: desconhecimento e ausência.
Dona Izabel Gadelha nasceu em Belém no ano de 1920, mas criancinha foi para Porto
Velho, no então Território Federal de Rondônia. Perdeu o pai quando tinha 14 anos e voltou
para Belém com 28 anos de idade, em 1948. Conheceu o trem da EFB, após o Ramal São
Braz- Jardim Público já ter sido desativado: Andei muito, fui pra Bragança, fiquei lá uns dias,
passei uns dias em Bragança. Gostei muito de Bragança; Estação de São Braz, era muito
bom andar de trem, gostei muito; O sr. sabe que do preço eu não me lembro mais, mas era
barato; Se não me engano, eram dois cruzeiros. Não me lembro bem, mas parece que era.
Dona Isabel Silva Nasceu em Salvaterra, na Ilha do Marajó, em 1919. Veio para Belém com
13 anos, para trabalhar no Hospital da Beneficente Portuguesa, trabalhou como empregada
doméstica mais alguns anos e depois casou e foi morar na fronteira entre o Amapá e a Guiana
Francesa. Não andou, e nem conheceu o trem da EFB. Ih, passei uma porção de anos (no
176
Oiapoque) Graças a Deus eu me casei com um rapaz bom, gostava da minha família,
procurou conhecer a minha família, quando eu me casei ele não conhecia ninguém, era
brasileiro, morava lá, falava francês por que ele trabalhava lá. Ele falava francês, falava
Patuá que falam também francês. Era uma língua misturada do Oiapoque. Seu Mário Lopes
nasceu em Fortaleza, no dia 18.11.1910, foi criança pra Manaus e veio pra Belém em
1992, com 82 anos. Desconhecendo a existência da ferrovia de Bragança e seu Ramal Urbano,
sua experiência foi vivida no Estado do Amazonas, com ênfase para as cidades de Manaus e
Maués.
Considerações Finais.
Na Amazônia a ferrovia precisaria ser o elo entre terra e água, floresta e rios. Assim,
ela participaria, sem agredir, ou destruir ao prestar serviços à população. A Estrada de Ferro
de Bragança possuía todos esses pressupostos por isso, apesar dos obstáculos, foi construída,
concluída e teve existência (1883-1965) por 82 anos. A desativação e extinção da ferrovia
estão associadas à concorrência e prioridade perdidas em relação ao apoio econômico e
político dado à indústria automobilística através da construção de rodovias em todo o país e
consequente instalação das montadoras de veículos automotores. Assim a ferrovia paraense
parou de funcionar por interesses políticoeconômicos e há indícios de ter também contribuído
para sua desativação a demonstração de prestígio e poder pessoal do Ministro dos Transportes
do primeiro governo do regime militar, marechal Juarez Távora, associado à prática de
protecionismo, em relação à fábrica de cimento instalada em seu estado de origem, o Ceará, e
à ferrovia nordestina.
O Ramal São Braz Jardim Público, parte integrante da EFB durante os anos de 1889
a 1931, objeto de estudo desta pesquisa, foi analisado com vistas a evitar o apagar-se da
memória pública a existência desse prolongamento [da Estrada de Ferro de Bragança], por
quase oito décadas.
A historiografia consultada, as centenas de manuscritos lidos e analisados e que
demandaram grande trabalho durante os meses em que permanecemos no secular Arquivo
Público do Estado do Pará mostraram-se de grande auxílio, além das muitas visitas e
permanência no também secular edifício do Grêmio Literário Português onde, livros,
177
almanacks, relatórios e jornais, tão deteriorados que às vezes se desfaziam em nossas mãos
pelas súbitas rajadas de vento vindas dos vãos das imensas janelas da biblioteca, induzem a
ter mais cuidado com nossas fontes. Na Biblioteca Pública do Estado, a sala fechada com ar
condicionado disponibiliza apenas uma de três máquinas visualizadoras de documentos
microfilmados: espera e tempo perdidos. Entretanto as fontes estão lá; certeza de encontrar
informações. No considerado hoje perigoso centro do Rio de Janeiro, a biblioteca do Real
Gabinete Português, inspira tranquilidade, mas as fontes que faltavam não foram
encontradas, apenas poucas informações. Internet, iconografia, cartões postais e entrevistas
com idosos, recomeço e fontes novas, enfim, a pesquisa ganha vida.
A primeira constatação foi que, por ser um Ramal Urbano, o prolongamento da EFB
até o centro da cidade apresentou problemas de implantação no seu traçado, com
características diferentes das enfrentadas pela construção da maior parte da ferrovia, pois
enquanto o traçado da EFB a partir do Largo de São Braz em direção à Cidade de Bragança
era feito com a derrubada da floresta virgem, que ainda não tinha defensores, no sentido
inverso, o Ramal iniciado na Estação de São Braz em direção ao Ver-o-Peso, encontrou uma
cidade fundada (1616) há mais de duzentos e setenta anos, em pleno crescimento devido à
exportação da borracha para o mercado internacional que precisava ser respeitada. O traçado
dos trilhos devia adequar-se à situação, para que o Ramal da ferrovia, ao penetrar na cidade,
não causasse prejuízos à população. Uma conseqüência direta da escolha adequada ao traçado
do Ramal foi a análise, crítica e alternativa de projeto apresentada pelos engenheiros da Seção
de Obras Públicas da Província do Pará, em 1887, em relação ao que havia vencido a
concorrência para ser construído. Esforço sem sucesso dos técnicos, pois o Ramal São Braz -
Jardim Público ou Prolongamento
121
da Estrada de Ferro de Bragança até ao Jardim Público
de Belém, foi construído de acordo com o traçado vencedor, inaugurado em 1889 e utilizado
pela população paraense durante 42 anos.
A constatação seguinte foi a de que as críticas dirigidas ao traçado
do Ramal quase
sempre foram de caráter técnico ou econômico. Até mesmo a crítica feita pelo Governador
Augusto Montenegro em 1905 não teve caráter político, mas sim uma preocupação técnica
121
A palavra portuguesa prolongamento que é sinônimo de Ramal, no idioma francês é traduzida por
prolongement.
178
com a segurança e melhoria do transporte ferroviário para a população de Belém e demais
usuários daquele serviço público.
Em nenhum momento se constatou uma divisão social da cidade feita pelos trilhos da
ferrovia. No caso específico do Ramal São Braz Jardim Público, esse serviu como uma
espécie de fronteira, enquanto existiu, entre a paisagem rural e a urbana, ainda coexistentes
em Belém e jamais para uma situação de segregação social.
Com o passar dos anos, os caminhos utilizados pelos trilhos contribuíram até mesmo
para a urbanística da cidade na consolidação e definição de vias estruturais em limites de
bairros e morfologia urbana. Os seus habitantes deslocavam-se a ou de bonde. O trem na
cidade começou a circular e a iniciar uma concorrência mínima com os bondes, junto à
população, a partir de 1889. Apesar de a Estação Central de Belém estar localizada no Centro
Comercial, o trem era apenas uma linha a mais do sistema de transportes, pois os bondes
ofereciam outras opções e deixavam o passageiro mais próximo ao local de moradia ou do
trabalho. Não havia significativa diferença de preços entre os dois tipos de transportes para
trajeto semelhante. O trem, de maneira geral, era utilizado pelos que precisavam ir ou vir
para ou da zona bragantina tratar de interesses particulares ou comerciais. Portanto, quem
teria interesse pelo trem como meio de transporte em Belém, se os bondes, com essa mesma
finalidade, - deslocar os habitantes para os diversos cantos da cidade - chegaram primeiro, em
1869? Daí uma outra causa do ostracismo que sofreu o ramal ferroviário pelos belenenses.
Mário Souza e Durval Mendonça, idosos entrevistados no Asilo o de Santo
Antônio, colocaram questões que fornecem indícios sobre que tipo de transporte era
preferido pelos cidadãos de Belém. Quando indagado se seu pai lhe falou alguma vez sobre o
trem, Seu Mário respondeu que, pelo que lhe vinha à lembrança, nunca seu pai tinha falado
sobre o trem, que ele não se preocupava com isso e que ninguém se preocupava com isso. Na
realidade, frisou e foi enfático: ninguém. Como Seu Mário, Seu Durval, nos deu resposta e
interesses semelhantes, quando lhe perguntamos se, se lembrava de conversas sobre o trem
em Belém, naquela época utilizado como meio de transporte pelos habitantes:
O transporte? Existiam bondes, era a Paraelétrica, era uma
Companhia Inglesa, então eram eles que faziam o trajeto ao centro da
cidade. O bonde que ia nessa época mais longe, chamava-se Campo
do Souza, chegava ao Souza (Bairro). Souza é ali, onde é hoje a Tuna
179
(Tuna Luso Brasileira – um dos três times de futebol de grande
torcida em Belém). Fazia a curva e voltava, era o mais longe que se
podia ir de condução, não tinha ônibus, automóvel muito pouco, o
trânsito era de bondes.(...)O paraense quase o usava trem. o
paraense do interior, que vinha de Castanhal (e das outras vilas e
cidades ao longo da Estrada de Ferro de Bragança), ele andava de
trem. Quase não se andava de trem, pouco se andava. Andava-se de
barco ou então de Bonde. O transporte da população era barco ou
então o Bonde. Para Soure se ia de barco, pro interior ia de barco,
existia uma, até hoje está lá, escadinha, paravam os rebocadores e os
Gaiolas, faziam linha pro interior e até Manaus. A viagem durava 15,
16 dias, sempre saía da escadinha. Chamavam o Armazém, hoje é o
três, o resto dos armazéns era para embarque de barco, de
cargueiros, naquele tempo com aqueles guindastes, construção
inglesa, tudo ali é construção inglesa.
Com o comércio internacional vieram os viajantes, os interessados pela cidade e pelo
exotismo da região do qual Belém era notável representante. Nas memórias não oficiais,
como a representada pelos escritos nos cartões postais, podemos considerar que os viajantes
tinham tanto para conhecer, eram tantos os interesses daquela exótica cidade no final do
Século XIX e início do Século XX, que um ramal de Estrada de Ferro, suas linhas, estações e
paradas com os quais a maioria convivia em seus próprios países, não mereciam nenhuma
atenção especial ou sequer deveriam ser registradas, a não ser pela utilidade prática de
transporte, segurança e conforto nos deslocamentos, dentro e fora da cidade. Havia exceções,
é certo, o italiano Arthur Caccavoni foi uma delas e o português J. Siza outra, ambos
fotografaram a Estação Central de Belém da EFB.
As transformações ocorridas nas vias situadas ao longo do trajeto do Ramal,
principalmente as de maior densidade de residências como as avenidas Gentil Bittencourt e
Mundurucus, a partir de 1905 já sentiam necessidade de transferência dos trilhos do trem
para outro trajeto. Apesar da baixa velocidade desenvolvida pelos trens não inspirar grandes
temores de acidentes, havia outros incômodos, como as vibrações sentidas no interior das
moradias, as centelhas produzidas pelas locomotivas a vapor (ainda Maria fumaças) e a
proximidade proporcionada pela largura dessas vias com as calçadas, situação que tenderia a
agravar-se se a velocidade aumentasse. O Governador Augusto Montenegro, na mensagem
enviada ao Congresso Legislativo em 07 de setembro de 1905, foi quem informou o novo
caminho do Ramal e expõe a situação: O novo, além de ter a mesma extensão, corre por
terrenos e ruas menos edificadas e permitirá dar maior velocidade aos trens. Pela não
execução da obra, os moradores daquela vias ainda viveram a situação, com alguns
180
atenuantes, durante mais de 25 anos, pois o antigo trajeto foi reforçado por Montenegro. Mas
foi durante a Interventoria de Magalhães Barata no Governo do Estado do Pará, em
novembro de 1931, que o jornal “Folha do Nortenoticiou que o trem da EFB deixaria de
circular na cidade a partir de de Dezembro daquele mesmo ano. indícios, como vimos
nas declarações de alguns idosos, que essa data limite pode ter sido estendida apenas para
cargas, não para passageiros, por mais alguns anos.
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Antonino Emiliano de Souza Castro Governador do Estado do Pará. Belém: Typographia do
Instituto Lauro Sodré, 1922. 73 p.Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Pará
na sessão de 07/09/1904 pelo Dr. Augusto Montenegro Governador do Estado do Pará.
Belém: Imprensa Oficial, 1904. 130 p. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do
Pará na sessão de 07/09/1908 pelo Dr. Augusto Montenegro Governador do Estado do Pará.
Belém: Imprensa Oficial, 1908.
Relatórios:
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1872.
181
Relatório de Manoel Odorico Nina Ribeiro sobre a exploração da Estrada de Ferro de
Bragança, construcção do ramal para Salinas e estudos para o prolongamento da estrada até a
cidade de Bragança, no anno de 1894. Belém, Typ. E Enc. De V. Travessa & c. 1895.
Almanaque:
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Obra de Estatística e de consulta. Belém: F.Cardoso & Cia. 1904.Entrevistas:
Belém, Associação da Pia União do Pão de Santo Antônio (Asilo Pão de Santo Antônio),
2007 (Junho a Agosto). Entrevistados: Maria Jose M. da Rocha (09.02.1913), Guiomar
Macedo Porto Ferreira (17.08.1915), Nazira Ruffeil (11.05.1920), Jovencilia Andrade Bonfim
(28.06.1922), Antonia Andrade Galvão (05.02.1911), Aurora Guiomar de Jesus Antunes
(15.10.1923), Julia Ferreira Chaves (12.12.1913), Florinda Bastos da Cunha (04.05.1916),
Raimunda Farias Correa (06.10.1916), Izabel Gadelha Souza (06.05.1920), Maria de Lourdes
Montenegro de Souza (29.07.1915), Rosa Nogueira da Costa Teixeira (12.01.1920), Ana
Farias Sodré (18.10.1918), Adelina Costa ( 30.05.1907), Davina Godot Porpino da Silva
(22.09.1912), Manoel Martins dos Reis (08.07.1912), Mario Lopes da Silva Matos
(18.11.1910), Oswaldino Ferreira de Oliveira (23.01.1917), Mario Nazareth de Souza
(18.02.1923), Isabel Ferreira da Silva (19.10.1919), Brígida Pereira de Souza (08.10.1902),
Olinda Castello Pereira (15.04.1917), Alcides Pereira do Nascimento (21.04.1919), Francisca
G. Patriarca (18.05.1918), Durval Mendonça (26.10.1923), Helena Quatorze (13.08.1922),
Alzira das Candeias Santos (02.02.1903).
Outros:
CODEM . CD - Cadastro Técnico multifinalitário do município de Belém - Ortofotos para
simples visualização e navegação. Belém: CODEM, 2000CODEM . CD - Cadastro Técnico
multifinalitário do município de Belém – Evolução Urbana de Belém 1972, 1977, 1998 e Foto
índice de 1955. Belém: CODEM, 2002.IBGE, DVD Estatísticas do Século XX. Manaus:
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ANEXOS
Anexo 1
Falas por uma cidade: Asilo, um lugar para ouvir.
Entrevistas com idosos de 85 até 105 anos em Belém do Pará.
Tales for a city: Asylum, a place for listening.
Interviewing men 85 to 105 years old from Belém.
Fabiano Homobono Paes de Andrade: Professor Adjunto FAU-UFPA; Doutorando PUCSP/
UFPA.
Estefânia Klotz Canguçu Fraga: Professora Dra. em História Social - PUCSP; Orientadora.
Resumo
189
Método adotado para entrevistar idosos em um dos Asilos existentes na cidade de Belém do
Pará, com intuito de fortalecer as informações sobre a cidade e seus habitantes, subsidiando
uma tese de doutorado sobre história, arquitetura e a Estrada de Ferro Belém-Bragança.
Abstract
The adopted method to interview old men in the existents Asylums in the city of Belém of the
Pará state, with intention of to fortify information about the city and yours inhabitants for
subsidize a PhD. Thesis about history, architecture and the Belém-Bragança railway.
Palavras Chave: História Oral; Cidades; Arquitetura; Memória; Estrada de Ferro.
Words key: Oral History; Cities; Architecture; Memory; Railway.
Agradecimentos
A Associação da Pia União do Pão de Santo Antônio, a sua Diretora Marilda Scaff, a
Assistente Social Valéria Costa e a todos os idosos pelo apoio recebido.
Introdução
O que resta da influência portuguesa e indígena na língua da população amazônica que
ainda não foi atingida pela uniformização registrada pelos grandes canais da televisão
brasileira, que representam grande percentual da mídia atual com penetração em todas as
camadas sociais, permite ainda o uso de palavras no dia a dia da comunicação oral e escrita e
que traduzem com maior significado o que se quer transmitir. No caso da nuança da língua
portuguesa (Portugal) ainda falada na cidade de Belém do Pará, a conjugação do verbo falar
no sentido de narrar, trouxe contribuição importante para a formulação deste texto. A base
foram as entrevistas realizadas com idosos, em um asilo da cidade, para contribuir através da
História Oral com a historiografia adotada para a elaboração de uma tese de doutorado. A
contribuição se explicita da seguinte maneira: se apenas Tu falas por uma cidade, isto pode
representar muito pouco para a defesa de qualquer argumento ou tese levantada, mas se a
190
população fala junto a ti, através de representantes autênticos, estas várias falas podem
traduzir, com ilibada credibilidade, novas e variadas informações sobre um fato social
acontecido.
O narrador é um ente sagrado? (BOSI, 1994.p.91) Nas cidades da Amazônia, sejam
elas pequenas e localizadas à margem de rios
122
, ou médias e banhadas por dois rios como é o
caso de Marabá, no sul do Pará, e mesmo naquelas com mais de um milhão de habitantes e
com a insegurança urbana rondando a todos, como acontece em qualquer cidade do Brasil,
Belém do Pará é exemplo, em pleno Século XXI, em mostrar que em quase todos os bairros
ainda sobrevivem as conversas de famílias e dos amigos nas calçadas públicas em frente a
suas casas. Reuniões onde todos participam das atividades, ou seja, expressam suas opiniões,
contam histórias e dão asas à imaginação sobre o futuro de todos e de cada um.
Somente pelo prazer de narrar e encontrar os adultos, amigos, pais, tios, avôs e bisavôs, além
da fala sobre o que se está passando no Brasil e no mundo, sobre a vizinhança e sobre
novelas, ainda se apegam com as histórias fantásticas e oriundas da cultura local. Estes
fenômenos, crenças, mitos e lendas como a da Boiúna, da pororoca, do macaco guariba, das
visagens
123
, que de vez em quando aparecem nas conversas do dia-a-dia, ainda encantam e
metem medo em crianças, e até nos adolescentes.
Com esta tradição de narrar o que poderá ser feito? Se ela chega, até nossos dias,
fadada em futuro próximo, a desaparecer pelo simples fato das casas estarem também ruindo e
as ruas transformadas pelos arranha-céus residenciais ou outros tipos de intervenções
urbanísticas retirando este lazer das calçadas que ao menos serve para recortar a
materialidade arquitetônico-urbanística dos espaços conferindo-lhes o significado que os
torna sociais (SANTOS, 1985, p.149) e lembrar saudosamente uma Belém antiga.
Esta cultura do narrar, que ainda é praticada em muitas cidades da Amazônia, mostra-nos
caminhos que podem ser trilhados em futuro próximo, como propostas para soluções cada vez
mais dignas aos problemas enfrentados pelos idosos.
A busca de espaços ideais à convivência social dos seres humanos tem sido o grande
desafio de arquitetos e urbanistas ao longo da nossa história social e da história da arquitetura
122
Na Amazônia quase sempre as cidades estão localizadas a margem de rios, sejam elas oriundas de antigas
aldeias indígenas que receberam nomes portugueses ou permaneceram com as suas denominações originais,
sejam aquelas que começaram com fortalezas para a defesa do território.
123
Cobra grande, sucuri, sucurijú ou cobra Norato como era conhecida a Boiúna e que estaria escondida, ou
vivendo embaixo de uma Igreja de Santarém; a pororoca que trazia consigo a fortuna dos frutos que recolhe das
árvores das margens dos rios e na sua mansidão final entregava para os ribeirinhos; da guariba (espécie de
macaco que habita a Amazônia) que passava saliva nos ferimentos a bala feito pelos caçadores e não morria; e
assombrações de outros mundos, fantasmas ou visagens.
191
e do urbanismo em geral. Na especificidade de espaços trabalhados para os idosos uma
grande contribuição mundial no que diz respeito ao deslocamento e conforto físico destes,
como pertencentes ao Grupo das Pessoas com Necessidades Especiais, sendo estas
necessidades já amparadas na maioria das nações pela legislação existente e por normas
específicas. Com estes cuidados permite-se que os idosos, assim como todos os outros
componentes do Grupo PNE, possam participar de todas as atividades sociais que lhes são
pertinentes, sem barreiras físicas, como deve ser a garantia adotada para todo cidadão em
qualquer cidade do mundo.
A garantia de o livre circular dos idosos pela cidade e pelos edifícios não significa,
porém, que todos os seus problemas tenham sido resolvidos; esta pseudo independência que
lhes é dada pela sociedade, parece trazer acoplada um “dar menos trabalho”, ou um “eles
podem se virar sozinhos” ou um “assim eles não precisam de ajuda”, ou ainda um “agora não
preciso me incomodar com eles”, e daí para o descaso há um simples passo. Por isso, o direito
dos idosos assim como todos os participantes do Grupo PNE, não se esgota só com o
atendimento da retirada das barreiras arquitetônicas e urbanísticas das cidades, mas em novos
projetos visando também o bem estar total dessa categoria social.
Instituições, idade, origem e vivência.
A metodologia utilizada na elaboração de uma tese de doutorado passa por diversas
mudanças ao longo do tempo previsto para sua execução. Assim mesmo na previsão mais
otimista do número de alternativas a serem seguidas, a escolha de uma delas pode significar a
perda de informações importantes. Se isto, de um ponto de vista prático pode atrapalhar a
condução da pesquisa, por outro, felizmente, pode trazer novas luzes para se obter estas
mesmas informações e/ou outras que poderão contribuir de uma maneira mais rica para o
escopo da tese. Se a História repousa na práxis da coleta de informações, de separação e
exposição dos elementos, sejamos colecionadores. (GAGNEBIN, 2004, pg.9)
Com a desativação recente do Asilo D. Macedo Costa (
124
), a busca de informações
sobre as mudanças ocorridas no ir e vir da população da cidade de Belém do Pará, como
efetiva contribuição para as discussões sobre o comportamento humano e memória, dois
124
Instituição Publica Estadual que abrigava idosos desde o inicio de seu funcionamento que coincide com a
inauguração do seu edifício-sede (1902), localizado no Bairro do Marco, que hoje (2007) foi revitalizado para
abrigar a Escola de Governo do Estado do Pará.
192
temas palpitantes na Tese denominada A Cidade de Belém do Pará: Urbanismo e Arquitetura
- Memória e Imagens da Cidade; Implicações da implantação de um ramal da Estrada de
Ferro Belém Bragança: 1887-1931, direcionou-se a outra Instituição com as mesmas
condições do previsto pela pesquisa, ou seja, lidar com idosos que pudessem contribuir
através dos seus falares para a História Oral da cidade de Belém.
Localizada no Bairro do Guamá, também na cidade de Belém, a Instituição escolhida
fundada no ano de 1930, é reconhecida como de utilidade pública pelos Governos Federal,
Estadual e Municipal. Denominada Pão de Santo Antônio, abriga ainda hoje, homens e
mulheres com idade a partir dos 55 anos.
A possibilidade de escolha de outra entidade, prevista na metodologia adotada, não
foi aplicada como se mostrou de um melhor aproveitamento das entrevistas, devido aos
desdobramentos das informações coletadas.
A escolha da entidade e dos participantes para as entrevistas teve como critérios
básicos a idade e a conseqüente representatividade para falar sobre a cidade de Belém e com
isso contribuir com as informações vividas e/ou narradas por eles, a serem comparadas com as
encontradas na historiografia e iconografia existente permitindo questionar, com este
procedimento, acontecimentos e momentos da história da cidade e de seus cidadãos. O idoso
como habitante e participante da vida de uma cidade é sem sombra de dúvida um narrador e
um memorialista por excelência. Para isso é fundamental a sua origem, bem como o nascer
e/ou viver na cidade determinada, o tempo em que morou nela, o convívio com outros
habitantes é o que lhe dá as credenciais e os diferencia em sua narração.
Havia acentuada diferença entre as duas entidades participantes da pesquisa. O Asilo
Don Macedo Costa, entidade pública, foi criado na época do intendente Antonio Lemos, no
início do Século XX, para substituir outro asilo existente na cidade, que se encontrava em
precárias condições de funcionamento. A finalidade primeira do novo asilo era retirar os
indigentes idosos ou não do centro da cidade. Ele teve os seus momentos áureos e conseguiu
sobreviver heroicamente até os nossos dias cumprindo a sua função social de abrigar os
idosos necessitados. Para isso dependeu várias vezes da melhor ou pior atenção que lhe era
dada pelo Governo Estadual e só recentemente foi desativado (2007). Portanto o universo dos
potenciais entrevistados no Dom Macedo Costa seria o dos idosos indigentes, que
proporcionariam somente informações com o olhar através de uma determinada camada da
193
população, mas que, de acordo com o local do seu nascimento, os acontecimentos de sua
existência e o intervalo de idade previsto na pesquisa, poderiam ser também portadores de boa
contribuição a este trabalho.
O Pão de Santo Antônio é uma entidade privada sem fins lucrativos, nascida do
trabalho de três mulheres e uma promessa de saúde em 1930, atendendo inicialmente os
mais pobres. Passados estes 78 anos, é possuidor de boa estrutura de atendimento para idosos
oriundos de várias camadas sociais sem deixar, no entanto, de atender os mais pobres e
necessitados, em acordo com a sua disponibilidade de vagas de forma gratuita. Esta variedade
de atendimentos proporcionou uma visão dos acontecimentos através de várias camadas da
população, enriquecendo as narrações.
O Pão de Santo Antônio tem atualmente sob sua responsabilidade 143 internos de
diferentes classes sociais, dos quais 27 foram selecionados para as entrevistas. A diretriz da
seleção foi definida pela idade dos internos, que deveria estar entre 85 e 105 anos
125
,
incluindo esses dois extremos balizadores, pois a intenção inicial era saber se os idosos
entrevistados presenciaram ou participaram de alguma forma, da existência de um dos ramais
da Estrada de Ferro Belém-Bragança
126
, situados no então município de Belém, e com isso
descobrir o que poderiam trazer de contribuição para a pesquisa e conseqüentemente para a
História de Belém.
Dos 27 selecionados, correspondendo a 21 mulheres e 6 homens, 12 nasceram em
Belém, 11 em outras cidades do Estado do Pará e 4 em outras cidades da Amazônia, mas
todos passaram alguns anos de sua vida convivendo com o que havia de bom e com os
problemas apresentados pela cidade de Belém naquele momento.
A importância e a riqueza das informações prestadas tanto por aqueles que nasceram,
como daqueles que não haviam nascido no município de Belém, dava-se quando do relato de
suas experiências de como tinham chegado até à cidade sede, que tipo de transporte haviam
utilizado, que idade tinham e quanto tempo vivenciaram a cidade, em que bairro se
125
Havia mais idosos, além dos 27 selecionados, que pela faixa etária, poderiam participar, mas pela sua
condição de saúde (audição comprometida, problemas sérios de memória e lesões causadas por AVCS.) não
foram selecionados para a entrevista.
126
O Ramal estudado era o que ligava as Estações de S. Braz e Central, esta ultima localizada em um dos bairros
do Centro Histórico, conhecido como Cidade Velha, bem próxima ao Ver-o-Peso, hoje o principal cartão postal
da cidade, aonde ainda funciona ininterruptamente uma grande feira ao ar livre e aportam embarcações vindas de
vários municípios do Estado.
194
instalaram, tipo de moradia, quais as escolas por onde passaram, que tipo de profissão
exerceram, se casaram, se tiveram filhos, que tipos de lazer eram os preferidos. Estas
informações tornaram-se potenciais produtoras de novos dados sobre a cidade e sua
população e seus afazeres, assim como geradoras de mapeamento dos serviços existentes no
período pesquisado. A atividade religiosa praticada por todos era a Católica Apostólica
Romana, pois o Pão de Santo Antônio é uma entidade de origem católica, como já foi
explicado anteriormente. Possui inclusive em seu edifício central uma capela dedicada ao
santo padroeiro que, além dos ofícios normais, como a missa dominical e a trezena de Santo
Antônio, auxilia também a manutenção do Asilo através do seu aluguel para outras
cerimônias religiosas, em especial casamentos para os quais é muito procurada.
Espaços, custos, necessidades, participação.
O espaço ideal para o idoso é, de maneira geral, aquele que ele conquistou, que dividiu
com os seus amigos e familiares; é a sua casa, seu lar, seu abrigo, o espaço que lhe traz boas
recordações, onde viveu e foi feliz. Por isso devemos sempre lutar para que os idosos
convivam com seus familiares, usufruam da cidade na companhia deles e possam sentir-se
úteis e participativos, circulando sem ajuda, enquanto o vigor físico permitir e assim
desejarem. Ao escrever sobre a degradação dos velhos, Ecléa Bosi alerta que ela teve início na
própria degradação do trabalhador pela sociedade industrial e que atinge a todos sejam eles
operários, professores, médicos, atores, jornalistas, etc. (BOSI, 1994, p.80).
Para os idosos, os Asilos, abrigos, albergues são alternativas, mas somente para
aqueles que estão necessitados, para os solitários, abandonados, rejeitados, nunca como regra
geral. O que é importante é como os asilos se multiplicaram como se tornaram realidade dos
novos tempos; e que eles, através de seus espaços e profissionais habilitados, com o apoio da
sociedade, consigam alcançar seu objetivo principal o de proporcionar uma velhice plena de
alegria e felicidade para os que ali vivem
195
O que traz a sensação de um espaço seguro, confortável e acolhedor? Será a tradução
elaborada pelo arquiteto (quando a atuação deste profissional) dos nossos gostos, sonhos,
cores e fantasias? Ou a lembrança da nossa infância e dos ambientes nela contidos? (BOSI,
1994, p.74). A multiplicidade de vivências possíveis no interior de um espaço arquitetônico
que vai abrigar idosos é de vital importância para trazê-los de volta na medida do possível, a
uma vida sem o sofrimento sentido tanto pela separação, muitas vezes forçada, do convívio
com os seus como pela ruptura, que tem o significado de muitos anos e momentos
importantes de sua existência.
O espaço arquitetônico interno do Asilo Pão de Santo Antônio apesar de ter
arrumações tradicionais, é bastante amplo e bem variado; sua origem vem das intervenções
pelas quais o edifício tem passado durante a sua longa existência - 77 anos de atendimento
a idosos da cidade de Belém, de outras cidades do Estado do Pará e de cidades da Amazônia,
como foi constatado nas entrevistas.
A solução para a moradia e distinção social entre grupos de idosos no edifício do Asilo
está representada simbolicamente neste trabalho pelos ambientes de dormir e descansar os
dormitórios, divididos em coletivos e individuais. Têm valores estipulados pela “Associação
da Pia União do Pão de Santo Antônio” e aplicados pelos seus dirigentes para servir de
maneira adequada às condições financeiras de cada idoso que procura a entidade, esteja ele
arcando com os custos do seu internamento, usufruindo dos benefícios com auxílio de
parentes ou de pessoas amigas.
Existem quatro tipos de espaços utilizados como dormitórios: os coletivos, que
possuem uma quantidade de leitos condizente com as suas dimensões e respectivo mobiliário,
porém não sendo um hospital, essas espécies de enfermarias não permitem a mínima
privacidade principalmente a de idosos; os dormitórios individuais (quartos) que utilizam
banheiros coletivos localizados nas circulações imediatas dos mesmos; os apartamentos
(pequena sala, dormitório, copa e banheiro) localizados em blocos com escadas e circulações,
constituem soluções adequadas; e os chalés, pela sua independência, como uma rua de
pequenas casas e com a mesma infra-estrutura dos apartamentos, constituem a melhor solução
de moradia do Asilo, mas também a mais cara, se o próprio idoso é quem arca com todas as
despesas.
Talvez o espaço ideal para os nossos asilos sejam edifícios, como os dos países com
alto índice de qualidade de vida (IDH), respeitando evidentemente nossa cultura e arquitetura,
196
que tenham em seu interior ruas com calçadas generosas e chalés que se tornam pontos de
encontro para os amigos e a família diários ou semanais. Que se abra esta nova rua do saber
para a comunidade. Que as crianças venham ouvir histórias dos idosos, histórias de vida, da
cidade, lendas da região e se encontrem de outra maneira com a sua cultura e aprendam a
respeitar esses cidadãos e ainda mais os seus velhos. Que venham as escolas também, que se
programem visitas com os idosos, que a saúde e a disposição virão. Que o asilo seja também
um espaço, consagrado pelos seus narradores.
Grupo, individualidade, comportamento e saúde.
Pesquisadores e professores, entre outros, aplicaram em algum momento da sua vida
profissional - muitas vezes sem se darem conta disso técnicas e procedimentos da História
Oral. Na sala de aula da graduação, nas especializações, no mestrado e nas teses de doutorado
esta utilização torna-se cada vez mais conhecida e divulgada.
As entrevistas feitas pelo jornal “O Pasquim” nas décadas do regime militar utilizavam
quase sempre um grupo de jornalistas entrevistadores para um entrevistado, que seria pessoa
de destaque na época em qualquer área do conhecimento e não necessariamente uma
personalidade. A busca de opiniões e comportamentos inovadores originados em todos os
segmentos sociais predominava para indicar saídas possíveis para os duros momentos que o
país passava. O “Pasquim” foi inovador e em geral os entrevistados eram jovens e adultos. É
claro que idosos também foram entrevistados, pois não havia no jornal espaço para esse ou
qualquer outro tipo de discriminação.
Adotar metodologia nova para produzir História Oral fazia parte do projeto inicial na
atuação junto aos idosos do Pão de Santo Antonio, em Belém do Pará.
Sônia Maria de Freitas (FREITAS, 2006, P.19) quando explicita a História Oral Temática
127
,
escreve que a entrevista tem esse caráter e que é realizada com um grupo de pessoas sobre
assunto especifico, porém não informa se pode ser realizada simultaneamente ou não, com
mais de uma pessoa do grupo, especialmente de idosos.
127
Em seu livro “A História Oral Possibilidades e Procedimentos” Sônia Maria de Freitas apresenta uma divisão
da História Oral em três gêneros: tradição oral história de vida e história temática. Conceitos que foram adotados
nesta pesquisa.
197
Como formar estes grupos? A velhice tem fases? Como a dividiremos, pelo trabalho?
Pela decadência física, perda dos movimentos e dificuldades com os sentidos? Qual será a
escala de velhice entre 70 e 110 anos, de cinco em cinco anos ou isso não existe? O que fará a
diferença entre os relatos desses idosos? Como algumas dessas perguntas haviam sido
respondidas no momento dos ajustes na seleção geral, a ida ao campo se faria sem adotar uma
escala de velhice e com o intuito de entrevistar três idosos simultaneamente.
A idéia da participação simultânea de três idosos em cada entrevista manifestou-se
desde o início da primeira reunião para a seleção geral. A escolha recairia sempre sobre cada
grupo de três internos que tivessem bom convívio entre si, tomando como base a observação
feita pelo profissional do serviço social do asilo, quanto ao comportamento diário dos internos
em suas atividades normais, mas o ponto principal dessa experiência era o de que cada um dos
entrevistados poderia ajudar o outro através das suas lembranças e estimulá-lo a endossar a
veracidade de determinados fatos vistos e sentidos, dos pontos diversos da participação de
cada um sobre o tema abordado. O estímulo resultante da entrevista com grupo de três idosos
foi discutido também naquele momento, e se aventou que teria um caráter terapêutico, que
induziria “o puxar pela memória” e a “ajuda mútua” tão necessária para maiores
desprendimentos e a participação mais efetiva de cada um individualmente.
Elaborou-se um roteiro para as entrevistas e estas aconteceram a partir do final do mês
de junho (27.06.2007) estendendo-se até meados do mês de agosto (dia 16.08.2007).
Aconteciam sempre de manhã, às quartas e quintas-feiras, iniciando às 9:00h e não
extrapolando 11:00h, respeitando assim os horários de refeição e higiene pessoal de todos os
entrevistados. Apesar do barulho das conversas paralelas em determinados ambientes e do
tráfego de veículos às proximidades do Asilo pois, a entrada principal do edifício fica voltada
para uma avenida movimentada, as gravações alcançaram nível satisfatório e até mesmo
agradável.
O método experimental foi posto em execução com os três primeiros grupos de
entrevistados, mas diferente do que se pensava, ou seja, que haveria participação e
interferência e que cada um poderia ajudar o outro a lembrar o passado em comum, tal não
aconteceu; cada um falou por si e em nenhum momento houve intervenção sobre a fala do
outro. Uma entrevista foi feita em ambiente aberto e amplo, com um grupo de três idosos
sentados em cadeiras espreguiçadeiras, próximos uns dos outros e com o entrevistador em
198
frente com o gravador, e as outras duas também em grupo ocorreram em ambientes semi-
abertos, com os entrevistados sentados não tão convencionalmente, pois um deles estava em
cadeira de rodas, em volta de uma mesa.
Como o método não funcionou conforme previsto inicialmente, a partir daquele
momento as entrevistas seriam realizadas individualmente. Aconteceram em ambientes semi-
abertos, ou mais fechados, como nos próprios Quartos e Chalés que os entrevistados
ocupavam. Desde o início, inclusive nas entrevistas dos Grupos de três, foi feita uma foto
individual de cada entrevistado, com prévia autorização de todos para que assim se
procedesse, e aconteceu sem nenhum constrangimento.
As entrevistas iniciavam-se sempre com a ratificação do nome e data e local de
nascimento do entrevistado, prosseguindo com o falar sobre a infância e juventude passada na
cidade de Belém. Depois com o falar sobre educação e lazer e outras experiências na cidade
onde o tema do transporte era sempre abordado e o conhecimento da Estrada de Ferro Belém-
Bragança e o Ramal que ligava São Braz ao centro de cidade tornava-se o assunto principal.
Duas fotos eram sempre mostradas no momento em que um dos entrevistados falava que
conhecia as Estações e Paradas do Ramal: a primeira do edifício da Estação Central de Belém
há muito tempo demolido, e a segunda da parada de Batista Campos, situada na Praça
Senador Milton Trindade (Antigo espaço do Horto Municipal).
Referências Bibliográficas:
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Cia de Letras, 1994.
FREITAS, Sonia Maria de. História Oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo:
Editorial Humanitas, 2006.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e narração em Walter Benjamin. São Paulo:
Perspectiva S.A., 2004.
SANTOS, Carlos Nelson (coord.). Quando a rua vira casa: a apropriação de espaços de uso
coletivo em um centro de Bairro. São Paulo: Projeto, 1985.
199
Anexo - 2
O velho e a cidade – Um ensaio
Fabiano Homobono Paes de Andrade*(Co-autor)
Estefania Knotz Canguçu Fraga. **(Co-autor)
Le vieillard et la ville
Résumé
Essai avec intention de récupération de partie de l´histoire récent de la ville de Belém et de sa
population, utilisée comme sources basiques: le depoiment oral d´un travailleur de l´intérieur
de l´État du Pará, en 1911, dans la ville de Bragança, montré à travers de son régard sur
l´aspect urbain de ce capital, et de son vivre comme un citoyen du intérieur migrant, á partir
de 1928; une lettre envoyé à un journal local par un citoyen portugais relatant son voyage de
train Belém-Bragança, réalisé en 1921.
Resumo
Ensaio com intuito de recuperação de parte da história recente da cidade de Belém e de sua
população, utilizando como fontes básicas: o depoimento oral
128
de um trabalhador do interior
(*) Professor Universidade Federal do Pará. Doutorando PUCSP.
(**) Professora Dra PUCSP - Orientadora
200
do Estado do Pará, nascido em 1911, na cidade de Bragança, mostrado através do seu olhar
sobre o aspecto urbano dessa capital, e de sua vivência como um cidadão interiorano
migrante, a partir de 1928; uma carta enviada a um jornal local por um cidadão português
relatando a sua viagem de trem de Belém para Bragança, realizada em 1921.
Palavras-chave: Amazônia; cidades; memória; forêt, Villes; mémoire.
Introdução
A alusão ao mundialmente famoso “O Velho e o Mar” de Ernest Hemingway, no título
deste ensaio não é gratuita, pois em 2006 sentia-me como um pescador, não na busca de um
peixe especial, como no romance, mas na busca por novas e inéditas fontes de informações
sobre o primeiro Ramal urbano da Estrada de Ferro de Bragança (1887-1931) e logicamente
de sua relação com a população e com a cidade de Belém do Pará. Decorrente da minha
formação de arquiteto, a urbanística vinha sempre como força natural trazendo consigo os
logradouros, sua arquitetura e seus monumentos, a vida dos habitantes ia se impondo e se
incorporando e as pessoas aparecendo nos relatos.
A fonte principal deste ensaio é representada pelo Sr. Leonardo da Silva**, que se
prepara para completar 98 anos. Quando deu este depoimento, em 2006, pareceu-me muito
bem de saúde e muito lúcido em tudo o que relatou. Eu o vi pela primeira vez no momento em
que me recebeu em seu lar, uma residência no Bairro do Reduto
129
, em Belém do Pará, junto
com a sua mulher. Cheguei à sua casa através da lembrança de uma amiga minha que sabia do
meu interesse, por ser ele uma pessoa que havia nascido no início do Século XX. A outra
fonte utilizada é um jornal local encontrado na Biblioteca do Grêmio Literário Português. Ali,
todos os números publicados desse jornal estão arquivados e encadernados, com notícias e
anúncios sobre a cidade. O enfoque especial era para a colônia dos portugueses radicados no
Pará. Em um dos números consultados havia a publicação da carta enviada pelo Sr. F.
128
“A história oral é um procedimento metodológico que busca pela construção de fontes e documentos
registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre a História
em suas múltiplas dimensões: factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais. Não é, portanto, um
compartimento da história vivida, e sim, o registro de depoimentos sobre essa historia vivida. De acordo com
Meihy (2005), é um procedimento premeditado de produção de conhecimento, que envolve o entrevistador, o
entrevistado e a aparelhagem da gravação in DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História Oral:
memória, tempo, identidades Belo Horizonte: Autentica Editora, 2006. p.15-16.
(**) Nome fictício criado para preservar a verdadeira identidade do depoente.
129
Denominação derivada de uma pequena praça de guerra, próxima ao convento de Santo Antonio, cuja
muralha foi demolida em 1832, para que fossem construídos logradouros públicos (ruas e praça). Ver CRUZ,
Ernesto. Ruas de Belém Belém: Cejup, 1992.p.29. Ver também CRUZ, Ernesto. Belém aspectos geo-sociais do
município Belém: Livraria José Olympio Editora, 1945. P 245.
201
Oliveira. O Jornal começou a circular em 13.08.1920, com a denominação de “Jornal
Lusitano”, mas mudou para “A Colônia” em 01.12.1924. Essa nova publicação conservou a
linha editorial da anterior. E como complemento histórico-arquitetônico dessas duas fontes,
foram integradas duas Fotografias
130
, uma de época e outra atual. Para a análise de resultados,
a fonte oral servirá como uma espécie de depoimento piloto, de um total de 28 depoimentos
de idosos tomados até o momento. No caso da fonte escrita, o jornal de época é um dos seus
representantes. Ambas as fontes foram consultadas para subsidiar a minha Tese de doutorado,
cujo tema está intimamente ligado à cidade de Belém através de um Ramal Ferroviário, parte
integrante da Estrada de Ferro de Bragança.
Este ensaio visa então recuperar alguns aspectos da história social recente da cidade,
contando com o conhecimento e experiência deste trabalhador, um torneiro mecânico, nascido
na cidade de Bragança em 1911 que, chegando a Belém de trem, para uma pida visita, logo
depois voltou para arranjar emprego, constituiu família e adotou a cidade como sua. E com
a ajuda de outro trabalhador, um comerciante português também morador de Belém, que
resolveu viajar de trem para Bragança, pela dificuldade que tinha de crer, em tantos riscos que
os passageiros teriam que enfrentar nessa viagem, que partia da Estação Central de Belém até
àquela cidade.
Um Cronograma de fontes e conhecimentos:
1920-1928 – Belém, a EFB e um jornal Lusitano aos Sábados;
A colonização do Pará foi portuguesa por isso, na década de 20, um “jornal lusitano”
seria bem aceito pela sociedade paraense. Na edição do dia 12.03.1921 desse jornal, na
segunda gina, seção de comunicações com o editor, foi publicado com o título “Cartas de
Bragança”, a opinião do cidadão português F. Oliveira a respeito da viagem de trem de Belém
para Bragança. E como ele iniciou sua viagem na Estação Central de Belém, pertencente ao
130
“Uma fotografia original é, assim, um objeto-imagem: um artefato no qual se podem detectar em sua
estrutura as características técnicas típicas da época em que foi produzido. Um original fotográfico é uma fonte
primária. em uma reprodução (que, por definição, pressupõe-se integral), seja ela fotográfica, impressa etc.,
realizada em períodos posteriores, serão detectadas, obviamente, outras características que diferem, na sua
estrutura, do artefato original de época. Uma reprodução fotográfica qualquer que seja o seu conteúdo
remete a um objeto-imagem de segunda geração, mesmo que sejam empregados em sua confecção
procedimentos tecnológicos análogos aos da época em que a foto foi tomada. Uma reprodução é, pois, uma
fonte secundária” in KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. P 41-42.
202
Ramal São Braz Jardim Público da EFB, o seu relato tornou-se muito importante para este
Ensaio.
“Prezado amigo Godinho,
Escrevo-te esta, depois de fazer uma excellente viagem no trem do horário, da Estrada
de Ferro Belém–Bragança. Francamente te digo que quando embarquei na Estação de
Belém, tive uns certos arrepios de frio, com medo de ser esmagado por esses carros,
que levianamente dizem ser os piores do universo. Não é tanto assim,
Eu que não sou marinheiro de primeira viagem, pois que tenho andado em trens (ou
comboios como os chamam na nossa terra) europeus, não vi esse iminente perigo, como
se procura fazer crer aos que pela primeira vez viajam nesta Estrada de Ferro.
É exacto, que se torna aborrecido transpor tão longo percurso, porem, sem esse receio
de desaparecer desta para melhor. Que diabo! Desastres sempre houve, e muitas vezes
nas melhores linhas férreas do mundo. Mas isso, nós não reparamos por que nos fica
muito longe. A administração da E. de F. de Bragança, a meu ver, tem ate feito muito, e
devo louvar a sua criteriosa Direcção.
Failar-te desta cidade, caro Godinho ficará para a minha segunda carta. Hoje te
digo que ella é linda e que seu comercio e grande e criterioso. A nossa colônia esta
representada na lista das primeiras casas comerciais, até breve.
Do amigo F. Oliveira. 21.02.1921.”
A Estrada de Ferro de Bragança (EFB) foi a primeira ferrovia a ser construída no Pará e
na Amazônia e, diferente de outras ferrovias inacabadas, foi totalmente concluída e entregue
para uso da população. Com seus 299,10 km de extensão, em funcionamento integral, a partir
do ano de 1908, ano da sua inauguração, era constituída de 12 Estações e 36 Paradas. A partir
do ano de 1931, com a desativação do Ramal São Braz Jardim Público, a ferrovia perdeu
6,10 km de extensão, uma estação (Estação Central de Belém) e duas Paradas (Generalíssimo
Deodoro, antiga 2 de Dezembro, e Batista Campos
1928 - A Castanheira, as boas vindas de Belém e o Ramal da EFB;
203
Daquela curta estadia na Belém de 1928, o Sr. Leonardo
131
lembra a paisagem que o
recebeu nas proximidades da cidade e das primeiras impressões que teve sobre ela. O trem, ao
entrar na grande curva da Castanheira, já havia permitido a algumas centenas de metros antes,
para os passageiros que quisessem espiar através das janelas dos Carros (Vagões), tanto
naqueles da primeira classe, como nos de segunda, que visualizassem o exemplar da
Castanheira-do-Pará (Bertholletia Excelsa), essa imensa árvore que serviu durante muitos
anos de marco visual da chegada por terra à cidade de Belém.
Leonardo Silva - Belém era um pouco atrasada, não era como é hoje, pelo menos havia,
olha até o entroncamento tudo era mato ali. Ali onde é o (Shopping) Castanheira, ali
tinha uma castanheira, tinha uma curva fechada, que tempos depois com trânsito de
veículos automotores se davam desastres terríveis. Naquele tempo tinha bonde até o
Souza que era próximo à Bandeira Branca no Marco, ele fazia a curva e voltava, era
o bonde.
O trem da Estrada de Ferro de Bragança continuava o seu trajeto e em seguida vinha a
Estação do Entroncamento à direita, e depois à esquerda a Parada do Asilo D. Macedo Costa.
Mais algumas centenas de metros à direita estava o Bosque “Rodrigues Alves”, e um
kilometro e meio adiante, à esquerda se chegava ao grande Largo de São Braz e à Estação que
levava o seu nome.
Fabiano - Aqui, em Belém, o Sr. desceu em que Estação?
Leonardo - Estação de São Braz. Depois eu morava na Vileta, tinha uma prima que
morava na Vileta.
F - E o que e que o Sr. guarda na lembrança, da Estação de São Braz?
L - A estação de São Braz era uma estação até bonita, tinha aqueles passeios bonitos,
ali onde ficavam os trens, tinha o horário, tinha o que era o misto, ali em volta do
mercado de São Braz, ali o trem fazia a curva, a máquina fazia as manobras por trás do
Mercado chamavam lá pra trás “Covão de São Braz”. Aterraram tudo aquilo.
F - O Senhor me falou antes, que chegou a conhecer as Paradas do trem, estou
perguntando dessa viagem a passeio, porque é quando ainda existia o Trecho da EFB
que me interessa no momento. Quais eram as paradas que o Sr. lembra?
L - Depois da Parada do Asilo D.Macedo Costa só tinha a de São Braz.
131
“Por muito que deva à memória coletiva, é o individuo que recorda. Ele é o memorizador e das camadas do
passado a que tem acesso pode reter objetos que são, para ele, e só para ele, significativos dentro de um tesouro
comum” in Bosi, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. São Paulo: Companhia de Letras, 1994,
p.411.
204
1928-1931 – Topografia e Trabalho na cidade de Belém;
O que o Sr. Leonardo ainda não sabia era que as Estações e paradas do Ramal São Braz
- Jardim Público da EFB estavam todas situadas em uma grande área, que acompanhava os
trilhos, dentro dos limites da 1ª Légua Patrimonial de Belém, e que a Estação de São Braz, era
a Parada do trem no sentido bairro centro da cidade. Uma Belém que, em 1928, possuía
uma densidade populacional e uma quantidade de edifícios residenciais bem significativas,
principalmente nos bairros centrais, e isso determinava o caráter eminentemente urbano desse
Ramal. Ao retornar para Bragança, o Sr. Leonardo trabalhou na sua cidade natal apenas um
ano e veio de volta para Belém fixar moradia e emprego.
Fabiano - O Sr. trabalhava aonde?
Leonardo - Comecei a trabalhar lá (Bragança) um ano, comecei a aprender, né?
Depois quando eu vim pra cá, trabalhei numa panificadora, um ano, e depois voltei
para a profissão, trabalhei nas duas oficinas do Farah, aquele que era dono daquela
oficina, onde era o “alto do bode”, onde é a Vila Farah.
Ao falar do seu primeiro emprego em Belém, o Sr. Leonardo traz junto com ele a
imagem das padarias e mercearias da cidade. Esse tipo de empreendimento, que era
encontrado em uma grande quantidade de esquinas espalhadas por todos os bairros, teve sua
origem ligada aos comerciantes portugueses e espanhóis que durante muitos anos,
mantiveram o seu monopólio. Muitos edifícios utilizados ainda resistem ao tempo, ainda
podem ser encontrados com freqüência nos bairros centrais; poucos ainda conservam a
mesma função, mas quase todos possuem o ano de sua inauguração gravado na sua
platibanda. É através dessa informação gravada que pode ser detectado que o seu auge foi na
primeira década do Século XX.
Vale ressaltar que alguns aspectos da topografia da área urbana de Belém foram
mascarados ou modificaram-se totalmente com a chegada da verticalização habitacional dos
anos 80 do Século XX. Nesse caso o Sr. Leonardo, experiente e com vivência da cidade de
Belém, faz referência a um aspecto parcial do Bairro de São Braz muito interessante: é sobre a
área conhecida popularmente como o “alto do bode”, situada na Travessa Castelo Branco
esquina com a Avenida Governador José Malcher. Esta área desapareceu da paisagem urbana
com a construção de um edifício alto de apartamentos. Alguns anos antes, uma Vila de Casas
205
denominada de “Vila Farah”, com unidades geminadas de dois pavimentos, havia iniciado
esse processo de mascaramento e desaparecimento.
Quando ele revela esse lado da topografia da cidade, na verdade fala do seu local de
trabalho, do seu segundo trabalho em Belém, mas este para o exercício da sua profissão: uma
oficina mecânica que o levou a trabalhar, com o mesmo patrão, em uma usina de borracha
durante 29 anos. E revela também que havia outras quatro usinas semelhantes na cidade, e
que fecharam todas no final da década de 50.
Leonardo- Exatamente. O patrão me encontrou na oficina e disse “eu preciso de você lá
pra trabalhar comigo na minha Usina. Ele levou um mês atrás de mim, e parece que
não parava torneiro na oficina dele, e eu fui pra trabalhar, disse que ia fazer uma
experiência. Experiência essa, eu trabalhei 29 anos e dez meses. Sai de quando
fechou as Usinas de Borracha, elas cerraram as portas, Bitar, Chamié e as outras,
eram no total cinco Usinas de Borracha. Quando eu encerrei tinha a idade de me
aposentar e me aposentei, ainda procurei outras oficinas por aí, passava nos testes, mas
quando eu mostrava os documentos não me davam o lugar por causa da idade.
Leonardo, então com 50 anos, não conseguindo mais emprego na cidade de Belém,
aposentou-se e começou a trabalhar em sua própria casa, como acontecia com um grande
número de trabalhadores, isto até serem acometidos de doenças.
Leonardo- eu comprei um torninho, e montei uma oficina em casa e comecei a
trabalhar, só serviços leves, com ventilador etc. Quando um tempo ai, tive problema de
coração,aí eu passei 8 dias na Ordem Terceira, baixei hospital, ? O médico
perguntou se eu trabalhava ainda, eu disse que sim, eu estou aposentado, mas ainda
trabalho. Se você quiser viver ainda um bocado pare de trabalhar. eu parei, vendi o
torno e deixei de trabalhar, e estou aqui até hoje ainda, vivendo.
1931 – A cidade e um Ramal da EFB na 1ª Légua Patrimonial;
Então a conversa voltou para o Ramal da EFB (1887-1831), que ia até o Centro da
Cidade próximo ao Ver-o-Peso, quando o Sr. Leonardo relatou mais alguns acontecimentos
vividos por ele até 1931, ano da desativação daquele Ramal. Iniciou referindo-se às Paradas
do trem.
Leonardo - Batista Campos e Tamandaré.
206
Fabiano- Pelas referências que tenho, a primeira Parada depois da Estação de São
Braz era a da Estrada da Constituição (hoje Av. Gentil Bittencourt) com a Avenida 2 de
Dezembro (hoje Av. Generalíssimo Deodoro). A segunda Parada seria em Batista
Campos como o sr. falou e a Tamandaré seria a Estação Central de Belém.O sr.
chegou a usar o trem nesse trajeto?
L- Usei, sim.
F- O sr. falou que desceu em Batista Campos?
L- Foi, desci em Batista Campos.
Fabiano- E o sr. lembra bem que a parada de Batista Campos não era na praça de
mesmo nome, era antes? (mostrando uma foto que associa como sendo a da Parada)
Leonardo - Sim, era antes, e poderia ser a da foto (Fig.1).
Fabiano - E depois o sr. nunca mais foi ao Centro, nunca visitou a Estação Central?
L- A Estação de Belém era pequena. Ficava ali perto do Grizolia.
Figura 1 Pequeno edifício que serviu como a Parada de Batista Campos para o trem, no
Ramal São Braz Jardim Público (1887-1931), da Estrada de Ferro de Bragança. Localizado
na grande curva (Atual Rua do Horto) que servia de ligação entre a Estrada da Constituição
(atual Avenida Gentil Bittencourt) e a Rua dos Mundurucus. Durante algumas décadas do
207
Século XX, serviu para abrigar a administração do Horto Municipal de Belém, área que
mudou de função, transformando-se na atual Praça Milton Trindade. Uma réplica deste
edifício serviu como Parada na esquina da Estrada da Constituição com a Estrada 2 de
Dezembro (atual Avenida Generalíssimo Deodoro), do mesmo Ramal da EFB, servindo
posteriormente como parada de bondes. A réplica foi demolida quando da desativação das
linhas dos bondes. Foto tomada da área interna em direção à Rua do Horto. Fontes: Autor &
CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém. Belém: CEJUP, 1992.
F- Então, o sr chegou a ir pegar o trem lá, a visitar?
L- Não, eu cheguei a passar por lá.
Figura 2 Fachada principal do edifício da Estação Central de Belém, pertencente ao Ramal
São Braz Jardim Público, da Estrada de Ferro de Bragança. Foto tomada em torno de 1898-
1899, aproximadamente 10 anos após a inauguração desse edifício público, pelo fotógrafo
Arthur Caccavoni, posicionado no piso do acesso principal de passageiros, situado ao ar livre,
208
no interior da área pertencente à referida Estação, cujo portão de acesso externo estava situado
à Estrada de São José (atual Avenida 16 de Novembro). Existem indícios, na própria fachada,
de que o edifício foi ampliado nesse intervalo de tempo, da inauguração para a tomada da
foto. Fonte: CACCAVONI, Arthur. Álbum Descritivo da Amazônia. Gênova: F. Armanino,
1899.
1931 – Belém, as Estações, as Paradas e o Círio de N.S. de Nazareth.
Fabiano- É, essa Estação não seria tão grande quanto a de São Braz, mas ela era de
muita utilidade para os comerciantes e para as pessoas que iam para o Centro.
Inclusive agora eu estou tentando fazer uma relação de como as pessoas iam para o
Círio, porque com o trem como vinha do Interior era muito mais fácil as pessoas
descerem lá na Estação Central de Belém (Fig.2) do que em São Braz.
Leonardo - Mas a maioria descia em São Braz, porque ficava mais próximo de Nazaré,
ia a pé por ali assim.
F- E as pessoas, para chegar até a Catedral da Sé, para a saída do Círio? Nessa
parada de Batista Campos, o que tinha nela?
L- Era uma parada muito simples, era pequena. Essa aqui tá parecida (olhando para a
fotografia) com uma Guarita que tinha, que dava passagem pros ônibus, pros Bondes,
na Gentil. Quando chegava na 2 de Dezembro era uma descida muito funda ali, de lá
ate o cemitério da Soledad, era uma baixa, só tinha uma linha. Dava o sinal, tinha uma
bandeirinha lá.
F- O que pode ter acontecido é que ela se transformou em uma parada de Bondes, no
mesmo lugar. O Sr. lembra dela como parada de Bondes na esquina da Gentil com a 2
de dezembro? O Sr. lembra como se fosse uma guarita parecida com esta? (mostrando
a foto).
L- Sim, exatamente.
O Sr. Leonardo voltou algumas vezes a Bragança de trem, mas saindo da Estação de São
Braz. Sobre reclamações, só se referiu as faíscas da “Maria Fumaça”.
Fabiano - Nessa viagem que o Sr. fez, ainda tinha o pessoal que reclamava do barulho
do trem, tinha aquilo das faíscas queimarem as roupas?
209
Leonardo - Reclamava da Maria Fumaça, no carro de primeira nem tanto, no carro
de segunda era mais próximo da máquina e aí era pior.
Considerações finais
A pouca informação que se tem até o presente momento do significado e importância da
existência do Ramal São Braz - Jardim Público da EFB (1887 1931) para a população de
Belém faz com que este tipo de ensaio e seu desmembramento se transformem em mais uma
ferramenta que, com o auxílio da fonte oral, ajuda a revelar novos fragmentos da nossa história
recente.
Referências Bibliográficas
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças dos Velhos São Paulo: Companhia de Letras,
1994.
CACCAVONI, Arthur. Álbum Descritivo da Amazônia. Genova: F. Armanino, 1899.
CRUZ, Ernesto. A Estrada de Ferro de Bragança Visão Social, Econômica e Política.
Belém: SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia), 1955.
_____________ Ruas de Belém. Belém: CEJUP, 1992.
_____________ Belém Aspectos Geo- Sociais do Município. Rio de Janeiro: Livraria Jose
Olympio Editora, 1945.
DELGADO, Lucilia de A. Historia Oral Memória, tempo, identidades. Belo Horizonte:
Autentica, 2006.
210
KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
Jornais
“Jornal Lusitano” Edição de 12 de março de 1921, p.2 Belém, 1921.
Anexo - 3
O Jardim Público e uma Rocinha perdida em Belém – Um Ensaio.
Fabiano Homobono Paes de Andrade*(Co-autor)
132
Estefania Knotz Canguçu Fraga. **(Co-autor)
Resumo
Ensaio com a intenção de recuperar parte da História da Cidade de Belém durante o Século
XIX, dos seus edifícios públicos e do lazer da sua população, através da localização exata do
Jardim denominado “Rocinha das Canelleras” que, de acordo com um Relatório da
Presidência da Província de 1874, citava a Estrada de São José (atual Avenida 16 de
Novembro), mas sem precisão.
132
(*) Professor Universidade Federal do Pará. Doutorando PUCSP.
(**) Professora Dra PUCSP - Orientadora
211
Un Jardin Public et une « Rocinha » perdue à Belém – Un Essai.
Résumé
Essai avec intention de récupération de partie de l´histoire de la ville de Belém au cours du
XIXe siècle, ses bâtiments publics et de loisirs de sa population, par le biais de l'emplacement
exact de Rocinha du jardin appelé "Canelleras", qui, selon un rapport de la présidence de la
province de 1874, devis l'avenue actuel Estrada de São José (16 de novembro), mais sans
précision.
Palavras-chave: Amazônia; cidades; memória; jardins- Forêt, villes; mémoire, jardins.
Introdução
A História da cidade de Belém do Pará, nos Séculos XIX e XX, mostra que, em várias
situações do uso do solo urbano, um significativo número de edifícios, quer fossem eles
públicos ou privados, se adaptaram as novas funções a que foram solicitados, simplesmente
através de reformas. Essas reformas variavam, das mais simples, com um pequeno aumento
da área construída, e mudanças na cobertura e nas paredes, até as mais complexas, com um
grande aumento de área construída, com a ampliação do número de pavimentos, e adaptação
feita para as novas fachadas em acordo com o “style soigné” do momento da solução
proposta. Dificilmente um edifício era totalmente demolido, havia o máximo de
aproveitamento possível, do existente, na construção “do novo”. Este tipo de abordagem, em
relação ao aproveitamento de edifícios, foi utilizado, em uma pesquisa enviada a reunião da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada na cidade de Florianópolis, em
Julho de 2006.
133
133
58ª Reunião da SBPC, Pesquisa intitulada “Projetos Arquitetônicos na construção da Cidade de Belém:
Edifícios, Mutações, Metodologia de busca e estudo das representações da imagem.”, apresentado em forma de
Pôster, Florianópolis, 2006.
212
No decorrer da pesquisa para o doutorado intitulada: “De São Braz ao Jardim Público
(1887-1931) – Um Ramal da Estrada de Ferro de Bragança em Belém do Pará”, novos
exemplos de edifícios foram registrados, inclusive o da nova utilização de um edifício que,
servia como Parada daquele Ramal ferroviário urbano e foi transformado, de local de
embarque e desembarque de passageiros do trem, para escritório da diretoria administrativa,
do então Horto Municipal de Belém.
Assim como sucedeu àqueles projetos arquitetônicos, houve também a reutilização de
espaços mais relacionados aos projetos de urbanismo e paisagismo, como o que funcionava o
Jardim Botânico, reaproveitado que foi para a instalação do Gasômetro da Cidade de Belém.
Certamente vários profissionais concorreram para isso, entre eles arquitetos, engenheiros
mecânicos e químicos, resultando na transformação do espaço ocupado pelo Jardim Botânico,
em um espaço industrial, com a função de produzir gás para a população, a denominada
concessionária de serviços urbanos de gás.
Contribuindo para a mudança da Paisagem Urbana, essas transformações ou mutações
dos edifícios na cidade, ocorreram também em jardins, ou seja, de um Jardim transformado
em outro Jardim, como foi o acontecido com Objeto de Estudo adotado para este ensaio, que
envolve diretamente dois Jardins, a “Rocinha das Canelleras” e o “Jardim Público”. O alerta
inicial deste ensaio aconteceu ao decifrar-se o sentido daquilo que estava escrito, com a
linguagem da paisagem urbana
134
, da cidade de Belém do Pará, na segunda década do Século
XIX (Figs.1 e 2). A representação da cidade, elaborada como desenho, é vista do alto, como
um vôo de pássaro, a morfologia, que se apresentava através da representação cartográfica,
olhada não estaticamente, dava a entender que, havia ali um objeto perdido, que começava a
se mostrar, a querer apresentar novas provas de sua existência. E é através deste fio,
proveniente da cartografia, puxado com ajuda de outras memórias que, no cruzamento dessas
memórias com o tempo-espaço envolvido, se pôde recuperar informações, nele contidas,
como um exercício de arqueologia urbana e social da cidade. (Matos, 2002, p.36).
134
(...) Cidade-Documento: A paisagem urbana vai-se impondo como um documento a ser lido, como um texto a
ser decifrado. Cabe ao investigador entender esse emaranhado de tempos-espaços e memórias, recuperar as
várias camadas e as relações entre elas decifrando seus enigmas, como uma arqueologia social da cidade. Os
estudos urbanos reconhecem a pesquisa empírica, como elemento indispensável para detectar a constituição das
cidades e de suas tensões, analisando as transformações por que passaram e como se construíram. Novos corpos
documentais vêm sendo valorizados e através dos olhos dos seus contemporâneos ajudam a desvendar as cidades
que já não existem mais.(...). In MATOS, Maria Izilda S. de. Cotidiano e Cultura: História, Cidade e Trabalho.
Bauru, São Paulo: Editora da Universidade do Sagrado Coração – EDUSC, 2002. P. 36.
213
1 - Um Jardim denominado “Rocinha das canelleras”
214
Figura 1 - Pormenor de uma Planta da Cidade de Belém do início do Século XIX. No
círculo “A” está o Horto Botânico; no círculo “B” o Jardim das Canelleras. Em azul, no
círculo “C”, o Convento de São José da Cidade e a linha “D”, a Estrada de São José.
Fontes: Plano do Pará in TAVARES, A. de Lyra. A Engenharia Militar Portuguesa na
Construção do Brasil, 1965; Plano de Pará in ARAÚJO, Renata M. de. As cidades da
Amazônia no Século XVIII Belém, Macapá e Mazagão, 1998. Plano do Pará do original
manuscrito da Direção dos Serviços de Engenharia Gabinete de Estudos Arqueológicos
da Engenharia Militar, Lisboa início do Século XIX pág.400, in REIS, Nestor Goulart.
Imagens das Vilas e Cidades do Brasil Colonial. 2000.
Tudo indica que, logo após o grande aterro do alagado do Piri, concluído na segunda
década do Século XIX, houve a definição, como traçado de via urbana, da Estrada de São José
(atual Avenida 16 de Novembro). Esta Estrada foi assim denominada, pois interligou o Ver-o-
Peso, principal centro e feira de comércio de Belém, ao Convento de São José da Cidade.
Convento este que existia desde 1749, quando foi iniciada a sua construção pelos
Religiosos da Piedade
135
de Gurupá.
A Estrada de São José (Fig. 01) facilitou o acesso ao Horto Botânico de Belém, e
permitiu o desenvolvimento de várias Rocinhas ao longo do seu trajeto, entre elas, a “Rocinha
das Canelleras”, aquela que foi a primeira Rocinha ali instalada e pode ser considerada como
o nascedouro do “Jardim Público” de Belém.
O Jardim “Rocinha das Canelleras” é considerado o Jardim, nascido da vontade dos
governantes paraenses de criar este tipo de lazer e incentivo ao gosto pela Botânica na
população de Belém. Esta vontade teve início ainda Século XVIII, no ano de 1796, com a
criação do Horto Botânico
136
. Com um terreno em forma retangular inicialmente, depois
ocupando uma área em forma de trapézio retangular (Fig. 02), a “Rocinha das Canelleras”, foi
implantada no início do Século XIX localizada na Estrada de São José, esta Rocinha possuía
135
Em 1758 esses religiosos missionários retiraram-se para Portugal, pois o Aviso de 5 de fevereiro deste
mesmo ano, quebrou a sua existência na Capitania do Maranhão, Grão Pa e Rio Negro, por mal
comportamento como sacerdotes . Em 1761 ordena o Governador que a Olaria, que elle mandara estabelecer em
São José, entre este incompleto Convento e o igarapé para ministrar telha, cal, ladrilho à construção do Palácio,
continue no mesmo trabalho para que os referidos artefatos sejaõ sujeitos a compra individual dos moradores em
benefício da Real Fazenda. In BAENA, Antonio Ladislau M. Compêndio das Eras da Província do Pará
Belém: Universidade Federal do Pará; Rio de Janeiro: Companhia Gráfica LUX, 1969, pp.156, 172, 186.
136
O Horto Botânico ou Jardim Botânico em Belém, localizado próximo ao Convento de São José da Cidade,
foi estabelecido em 1796, em terras pertencentes a fazenda real, devido a Carta Regia de 04 de novembro de
1796, do Capitão General Don Francisco de Souza Coutinho, possuía 50x50 braças (90x90metros) de dimensão
de quadra e era constituído de quatro quadras, formando um quadrado total de aproximadamente 200m de lado.
In Mensagem proferida pelo Presidente da Província do Pará, excelentíssimo senhor doutor Pedro Vicente de
Azevedo, em 15 de Fevereiro de 1874. Pará: Typographia do Diário do Gram-Pará, 1874.
215
uma plantação de arvoredos aromáticos, originários de Cayenna, com indicativos, que podem
ter tido a influência de projeto do Diretor do Jardim Botânico, o francês Grenoullier.
Na mesma área onde funcionou a “Rocinha das Canelleras”, depois de modificações
no projeto, ou seguindo as diretrizes de um novo projeto, foi implantado o “Jardim Público”,
oficializado em 1864, e considerado o Jardim, daquela vontade dos governantes paraenses
iniciada em 1796.
Figura 2 Pormenor da área da “Rocinha das Canelleras”, onde se identifica o trapézio
retangular do terreno e duas fileiras de “canelleras” quase adultas.
2 – As Rocinhas em Belém do Pará.
216
somam alguns anos que, partindo da classe dos arquitetos, existe o interesse pelo
estudo das “Rocinhas”, esses edifícios habitacionais de características Rurais, com tipologia
especial e encontrada, quase com exclusividade na cidade de Belém, a partir do final do
Século XVIII e que teve bastante representatividade no Século XIX. Existindo hoje
pouquíssimos exemplares, entre eles, a Rocinha localizada no interior da área do Parque
Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi.(Fig.03).
Figura 03 Entrada Principal da Rocinha do Museu Paraense Emílio Goeldi. Foto tomada
pelo fotógrafo Felipe Augusto Fidanza em 1902, reproduzida em cartão postal, na temática
217
Pará Pitoresco, pela Papelaria Silva, de Alfredo Augusto Silva. Fontes: do Autor; (Governo
do Estado do Pará, 1998); (SANJAD, 2009).
O importante trabalho científico do arquiteto e professor universitário Roberto de La
Rocque Soares
137
e sua equipe, sobre as referências feitas às Rocinhas, coletado em periódicos
paraenses, do período de 1840 a 1892, abrangendo seis títulos de jornais do Século XIX:
“Treze de Maio”; “Gazeta Oficial”; “Jornal do Amazonas”; “Jornal do Pará”; “O Liberal do
Pará”; “Diário do Gram-Pará”, num total de 13.006 exemplares, contribuiu de maneira
especial para este ensaio. Foram 398 referências encontradas com a utilização da palavra
“Rocinha”, destas, 13 se referiam a aluguel ou venda (por meio de leilões) de “Rocinhas”,
localizadas na Estrada de São José; e mais quatro referencias sobre fuga de escravos de
rocinhas localizadas nesta mesma Estrada. (SOARES, 1996, p.186, 187.). Neste trabalho do
professor La Rocque, a denominação geral Vivenda Rural, foi utilizada para identificar
“Rocinhas”, e também identificar “Chácaras” e “Sítios”, que eram edifícios com tipologias
caracteristicamente diferentes daquelas que identificavam as “Rocinhas”.
Nenhuma citação, porém na pesquisa do professor La Rocque, referenciava a Rocinha
das Canelleras. O que pode significar que ela deixou de ser um “Jardim para o lazer público”,
tendo sido desativada até o final da década de 1820, coincidindo com a informação de sua
existência, trazida através da imagem aérea da Planta da Cidade de Belém, do início do
Século XIX (Fig.01). Aquela opção de lazer público oferecida pela Rocinha das Canelleras
foi então transferida, ou conviveu conjuntamente, durante três anos, com o Jardim do Conde
de Villa-Flor, que é considerado o Jardim a existir em Belém, e que funcionou no Palácio
do Presidente da Província de 1817 até 1820, em acordo com a informação contida na
Mensagem do Presidente da Província, Pedro Vicente de Azevedo em 1874.
O Jardim Público ou Passeio Público foi indiretamente citado, em 23-04-1872, no
periódico Liberal do Pará, em anuncio de aluguel de uma Rocinha, de propriedade do Sr.
Joaquim Luiz de Paiva, situada na Estrada de São José: “defronte ao Jardim Público, tratar no
escriptorio de Barata e Paiva”
138
. Outro anúncio, desta vez, inserido no periódico Diário do
Gram-Pará, que circulou em 10-11-1881, traz mais informação da vizinhança do Jardim
137
In SOARES, La Rocque. Vivendas Rurais do Pará: Rocinhas e Outras (do Século XIX ao XX);
levantamentos arquitetônicos e busca bibliográfica. Belém, Fundação Cultural do Município de Belém, 1996.
138
SOARES, La Rocque. Op.cit.p.174.
218
Público, se refere ao leilão de uma propriedade denominada “Rocinha das Laranjeiras”,
localizada na Estrada de São José e Rua das Caneleiras
139
, o que nos leva a afirmar que estava
situada defronte do Jardim Público, e é correspondente a mesma propriedade do Sr. Joaquim
Paiva. Em 7-2-1866, no mesmo Diário do Gram-Pará, é anunciado: “a perda de um escravo
de nome Nympha, tendo sido a cabeça raspada a navalha a pouco tempo”, na mesma
“Rocinha das Laranjeiras”. Mas é o Jornal do Amazonas que, no dia 26-3-1862, traz o
anuncio mais esclarecedor a respeito daquela propriedade, através de uma Declaração
Pública:
“O Sítio..., foi doado por Manoel da Rocha Varja, em julho de 1844 à sua comadre
Izabel Francisca da Conceição, viúva então do primeiro marido Manoel da Silva,
que falecera pela cabanada e nada tem, por conseguinte os filhos delle, nem o dito
Silva, no referido sítio doado.” (SOARES, 1996, p.115).
Com essas evidencias de localização da área ocupada pela “Rocinha das Laranjeiras”,
pode-se afirmar que ela está também representada na Planta da Cidade de Belém do início do
Século XIX (Fig.1), situada em frente a Rocinha das Canelleras ambas situadas na Estrada
de São José.
Considerações Finais
Os diversos caminhos deste ensaio mostram que, o primeiro sinal tomado como
referencia para a localização e pormenores do Jardim “Rocinha das Canelleras” foi a
cartografia, mas não simplesmente a representação estática da cidade de Belém e partes dela,
porém a execução de uma análise dinâmica, no tempo e no espaço, com a ajuda de todas as
fontes consultadas antes e depois daquele primeiro sinal de alerta. Com foco na utilização
efetiva deste Jardim, dito de uso público, indagando qual a função desta área urbana para a
população, e os acontecimentos específicos nela vivido e evidenciados pelo público e pelo
privado.
139
Esta palavra esta com a grafia errada na obra de La Rocque, Lê-se “cameleira” . SOARES, La Rocque. Idem,
p. 150.
219
Referências Bibliográficas
ARAÚJO, Renata M. de. As cidades da Amazônia no Século XVIII Belém, Macapá e
Mazagão. Porto - PT: Inova Artes Plásticas, 1998.
BAENA, Antonio Ladislau M. Compêndio das Eras da Província do Pará Belém:
Universidade Federal do Pará; Rio de Janeiro: Companhia Gráfica LUX, 1969.
MATOS, Maria Izilda S. de. Cotidiano e Cultura: História, Cidade e Trabalho. Bauru, São
Paulo: Editora da Universidade do Sagrado Coração – EDUSC, 2002.
MUNIZ, J. de Palma. Patrimônio dos Conselhos Municipaes do Estado do Pará. Paris -
Lisboa: Aillaud & Cia, 1904.
REIS, Nestor Goulart (org.); BUENO, Beatriz P.S; BRUNA, Paulo Júlio. Imagens de Vilas e
Cidades do Brasil Colonial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo;
Imprensa Oficial do Estado, 2001.
SANTUCCI, Jane. Os Pavilhões do Passeio blico Theatro Casino e Casino Beira-Mar.
Rio de Janeiro: Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro; Secretaria das Culturas:
Editora Casa da Palavra, 2005.
SOARES, La Rocque. Vivendas Rurais do Pará: Rocinhas e Outras (do Século XIX ao
XX); levantamentos arquitetônicos e busca bibliográfica. Belém, Fundação
Cultural do Município de Belém, 1996.
Mensagem proferida pelo Presidente da Província do Pará, excelentíssimo senhor doutor
Pedro Vicente de Azevedo, em 15 de Fevereiro de 1874. Pará: Typographia do Diário do
Gram-Pará, 1874.
220
Periódicos referenciados:
Jornal do Amazonas, de 26-3-1862
O Liberal do Pará, de 23-04-1872.
Diário do Gram-Pará, de 10-11-1881.
Anexo 4
Roteiro para entrevistas com os internos dos diversos setores da Associação da Pia
União do Pão de Santo Antonio (Local: Salão Cor de Rosa):
Dia 27.06.2007 – Maria Jose M. da Rocha . 09.02.1913
Guiomar Macedo Porto Ferreira 17.08.1915
Nazira Ruffeil 11.05.1920
Dia 04.07.2007 – Jovencilia Andrade Bonfim 28.06.1922
Antonia Andrade Galvão 05.02.1911
Aurora Guiomar de Jesus Antunes 15.10.1923
Dia 05.07.2007 – Julia Ferreira Chaves 12.12.1913
Dia 11.07.2007 – Florinda Bastos da Cunha 04.05.1916
Raimunda Farias Correa 06.10.1916
Dia 12.07.2007 – Izabel Gadelha de Souza 06.05.1920
Maria de Lourdes Montenegro de Souza 29.07.1915
Rosa Nogueira da Costa Teixeira 12.01.1920
Dia 18.07.2007 – Ana Farias Sodré 18.10.1918
Dia 19.07.2007 – Adelina Costa 30.05.1907
Davina Godot Porpino da Silva 22.09.1912
221
Dia 25.07.2007 – Manoel Martins dos Reis 08.07.1912
Mario Lopes da Silva Matos 18.11.1910
Oswaldino Ferreira de Oliveira 23.01.1917
Dia 01.08.2007 – Mario Nazareth de Souza 18.02.1923
Isabel Ferreira da Silva 19.10.1919
Brígida Pereira de Souza 08.10.1902
Dia 08.08.2007 – Olinda Castello Pereira 15.04.1917
Alcides Pereira do Nascimento 21.04.1919
Francisca Guedes Patriarca 18.05.1918
Dia 09.08.2007 – Durval Mendonça 26.10.1923
Helena Quatorze 13.08.1922
Dia 10.08.2007 – Alzira das Candeias Santos 02.02.1903
Perfis – Um pequeno comentário sobre cada entrevistado
.
1.6. Os olhares dos moradores: 1902 – 2008.
Mudanças na cidade, lugares que se transformaram, terrenos onde funcionavam vacarias hoje
abrigam um grande shopping, o leite tirado com a ordenha das vacas para ser vendido a
população está no mesmo lugar, mas enlatado, em um edifício modernoso que lembra cidade
não o Campo, não o rural. Trabalhava-se muito, mas o trem estava lá, para ser visto, passava
longe, da praça ficava perto para vê-lo, para pega-lo.
Jovencilia: 28.06.1922 Trabalhou muito, não enxergava direito, veio para Belém com 12 anos,
nasceu em Castanhal, toca vários instrumentos, andou de trem.
Aurora: 15.10.1923 Nasceu em Belém, de pais portugueses, educação rígida, o pai trabalhava
em serraria no Una, conheceu o trem (Maria Fumaça). Morou na Rua Padre Eutiquio, terrenos
que deram origem a Mesbla (Shopping Iguatemi). Andou pela Praça Batista Campos, pelo
Ver-o-peso e Cemitério da Soledad.
Julia: 12.12.1913 Pais portugueses. Nasceu em Belém, morou na Quintino entre Boaventura e
Tiradentes, estudou no Barão do Rio Branco, escola para pobres na Braz de Aguiar. Viveu 18
anos com um homem, Vila Sossego no Guama. Rua Manoel Barata, Fogão Butano, Salvaterra
222
Praia, Bonde para ir ao Bosque, Tome–Açu Guerra, Mercado de Peixe, Ver-o-Peso,
Beneficente Portuguesa, Trem no Rio de Janeiro, Fabrica Palmeira, Yamada. “A gente andava
mais a pé do que de bonde”.
Antonia: 05.02.1911 Nasceu em Belém, no Telegrafo. Com 12 anos trabalhava, Travessa
do Curro, operaria de fabrica de sapatos. Chamie - Farah, Municipalidade. Igreja do Marco,
Sagrado Coração de Jesus (já desativada). Icoaraci. Trem para Americano, Estação de S.Braz.
Nazira: 11.05.1920 Nasceu em Belém, Cidade Velha – Rua Cametá , Ângelo Custodio,
Demetrio Ribeiro e Dr. Malcher. Conheceu a Estação Central de Belém e o Trem. Benevides.
16 de Novembro, Conselheiro Furtado. Doces.
Guiomar: 17.08.1915 Nasceu em Manaus, mas veio pequeninha para Icoaraci, a irmã morava
na Mundurucus. Marapanim, Marudá. Conheceu o trem vinha da Estação Pinheiro para a
Estação de São Braz.
Maria de Lourdes: 29.07.1915 Nasceu em Santarém, veio para Belém com 15 anos. Foi
domestica em casa no Largo da Pólvora, perto do IEP. Fabrica Palmeira. Morou na Praça
Amazonas próximo ao Presídio S. José. Conheceu um Diretor do Trem, foi de trem de S.Braz
para Castanhal. Morou na Rua Conselheiro Furtado, com 3 de Maio.
Rosa: 12.01.1920 Nasceu em Santo Antonio do Tauá, veio para Belém na década de 1980,
Conheceu a Estação de trem de Santa Isabel, morou na Sacramenta e também na Rua Pedro
Álvares Cabral.
Isabel06.05.1920:Nasceu em Salvaterra no Marajo, veio para Belém com 13 anos, trabalhou a
partir daí na Beneficente Portuguesa, aonde também morou. Foi para o Oiapoque, casada,
morou na Ponta dos Índios.
Durval: 26.10.1923 Nasceu em Soure, veio jovem para Belém. Morou na Campos Sales entre
Manuel Barata e Ode Almeida. Bondes. Pará Elétrica. O transporte da população era o
barco ou o bonde, quem vinha de Castanhal é que vinha de trem. Jogava futebol na Praça
da Bandeira. Morou e se criou lá. Estudou no Floriano Peixoto e no Colégio do Carmo.
Alzira: 02.02.1903 Nasceu em Belém na Santa Casa, no Umarizal. Mãe Barbadiana morreu
no parto. Foi criada no Orfanato Antonio Lemos, em Santa Isabel. Com 15 anos veio para ser
domestica em Belém na casa dos Casanova (Parentes de Magalhães Barata), moravam em
Nazaré, Avenida S. Jerônimo próximo a Capela de Lourdes. Ia ao Teatro da Paz.
Helena: 13.08.1922 Nasceu em Belém, na Avenida S.Jerônimo entre Generalíssimo e 14 de
Março, Aluna da Professora Hilda Vieira, escola particular até a serie primaria. Santa
Catarina (Nazaré).Fez curso pratico de farmácia de dois anos. Casou com 35 anos teve 2
223
filhos, ficou casada 17 anos, marido morreu de enfarto. Começou a trabalhar com 16 anos,
servente da Beneficente, com 17 entrou para a Farmácia Áurea na Manuel Barata com Praça
Felipe Patroni, onde ficou 14 anos. Depois na Farmácia Andrade na José Bonifácio próximo a
Cosanpa. Fabrica de Doces S.Vicente na Rua Gaspar Viana, onde morou em frente a fabrica.
Conheceu o trem, foi duas vezes para Ananindeua via S.Braz. Andou de Zepelim e nos
bondes Cremação e S.Jerônimo.
Ana Farias: 18.10.1918 Nasceu em Abaeté, morou na Rua dos Mundurucus com a Avenida
Roberto Camelier. Ouvia o apito do trem quando ia sair da Estação. Morou também na Dr.
Assis, no Beco do Cardoso na Cidade Velha.Utilizou o bonde e ônibus como transporte.
Trabalhou com a família Cardoso.
Davina: 22.09.1912 Nasceu em S.Luis do Para em Igarapé Açu, filha de paraibano. Foi
interna no Colégio Santa Catarina no tempo das irmãs Adelaide e Josefina. Andou de Bonde e
viajou de trem de Castanhal para a Estação S.Braz em Belém. Mercado de S.Braz, A feiticeira
e a Caixa D’ Água.
Adelina: 30.05.1907 Nasceu em Cachoeira do Arari, veio para Belém de Canoa em 1932, com
25 anos, trabalhou em Icoaraci em loja de fazendas, foi cozinheira, foi bábá e domestica.
Conheceu o Mercado de Carne, o de peixe e o Ver-o-peso. Morou em Nazaré, trabalhou na
casa de uma fazendeira (Juliana) em frente ao Cinema Iracema, depois trabalhou com o
radialista Edgard Proença, Antonio Barreto com a Generalíssimo, que fazia “crônicas ao
meio-dia de Domingo.” Conheceu o trem em viagem para Icoaraci.
Mario: 18.11.1910 Nasceu no Ceará, foi para Manaus e veio para Belém, passou por Maués e
pelo porto de Parintins. Morou na Rua da Marinha 72. Não andou de trem.
Manoel: 08.07.1912 Nasceu em Bragança, veio para Belém com 16 anos, viajou de trem.
Quase não estudou, foi jardineiro e morou na Marambaia.
Oswaldino: 23.01.1917 nasceu no interior de Vigia, veio para Belém com 5 anos, pai
jardineiro que trabalhou no Boulevar Castilhos Franca, morou na Conselheiro quase esquina
da Alcindo Cacela. Foi um dos inventores do Ônibus Zepelim, foi mecânico.
Florinda: 04.05.1916 Nasceu em Belém no Bairro do Reduto, Travessa Assis de Vasconcelos.
Pai português, casou com 22 anos, teve 2 filhos, ficou casada 44 anos. Estudou no Colégio
Santo Antonio, no Instituto Travassos e na escola Normal, com 12 anos, aonde não concluiu o
curso por causa de Impaludismo. 3 anos de Paes de Carvalho e na Escola Pratica de
Comercio, aonde com 18 anos concluiu Guarda Livros” hoje peritos contadores”. Viajou
de trem para Ananindeua, “fazia muita fumaça mesmo”. Lazer no Teatro da Paz, Sociedade
224
Portuguesa, Sociedade Italiana e na Maçonaria. Passou 56 anos no Rio de Janeiro, Ramos,
Meyer e Botafogo. Cinema Olímpia, Casa Feiticeira, Íris. Morou em Pinheiro. O marido
trabalhou na construção do aeroporto de Val-de-cans. “Temos o aeroporto graças aos
americanos”, “O Pará, a sala de visitas da América do Sul”.
Raimunda: 06.10.1916 Nasceu no Acre, cidade de Sena Madureira no alto Purus, veio para
Capanema e ficou dos 7 ate aos 30 anos. Passou 6 anos no Rio de Janeiro. Morou na Cidade
Velha, na Cremação, em S.Braz (IAPI), em Nazaré, na Gentil (Farmácia Belém). Usou o trem
para vir de Capanema até Belém, ele parava 40’ para o almoço em Igarapé Açu. Usou depois
o Pau de Arara e a Kombi. Cine Universal e Cinema Guarani.
Alcides: 21.04.1919 Nasceu em Altamira, veio para Belém em 1930 com 10 anos. Estudou no
Colégio dos Órfãos Patronato” no Outeiro, “Manuel Barata” e “Lauro Sodré” em Belém,
Contabilidade no Grêmio Literário Português. Linotipista primeiro emprego “Folha do
Norte”. Convocado para o exercito 1940, Itália forca expedicionária, 1945. Trabalhou 20 anos
no Loide Brasileiro, Praça XV, Rio de Janeiro. Vinha de trem do Curro do Maguari para
Belém.
Olinda: 15.04.1917 Nasceu em Belém, no Porto do sal, Dr.Assis, muito bonito. O pai morreu
em Altamira quando ela tinha 12 anos. Morou na Joaquim Távora, no Largo do Carmo.
Morou em Santos e no Rio de Janeiro durante 10 anos. Viajou para Miraselvas de trem
através da estação de S.Braz.
Francisca: 18.05.1919 Nasceu na Áustria, chegou a Belém na Revolução de 30, com 18anos,
no Navio Aida Carmem, vindo de Manaus. Morou na Rua Tiradentes, casou, morou na Bernal
do Couto e na Passagem N.S. das Graças, perto da Igreja, na Terra Firme. Trabalhou em uma
Clinica, no Guaraná Soberano (Cerveja vinha de Portugal), na Fábrica de Tecidos. Estudou
ate o 2º ano Primário. Não experimentou o trem.
Isabel: 19.10.1919 Nasceu em Belém, foi pequenina para o Acre e voltou para Belém com 28
anos, no navio Tenente Portela. Morou na Travessa 3 de Maio e na Rua Antonio Barreto. Foi
para Bragança de Trem.
Maria José: 09.02.1913 Nasceu em Belém, no Bairro de Nazaré, na Avenida S.Jerônimo.
Estudou no Floriano Peixoto e no Paes de Carvalho. Trabalhou na 4400, na Gonçalves Rocha
& Cia na Padre Eutiquio. Freqüentou as Igrejas de Nazaré e dos Capuchinhos. Foi uma vez a
Estação Central de Belém. Viajou para Bragança e Peixe-Boi. Viajou de Navio para Soure,
Mosqueiro, Icoaraci e para Fortaleza (Itambé).
Mario Nazareth: 18.02.1923 Nasceu em Belém, na Conselheiro Furtado, pai militar
pernambucano. Estudou na Escola Barão do Marajo na Conselheiro, no Barão do Rio Branco,
225
Colégio da Bahia, vestibular no Rio de Janeiro e em Kansas City, Missouri
Telecomunicações. Trabalhou desde os 13 anos, primeiro no Ferreira Gomes Ferragista,
depois na A.S. Dias, na Buick, na Panair do Brasil(1942). Casou em Cametá, filhos gêmeos
mortos, 59 anos casados. Conheceu o deposito de Carvão da Estrada de Ferro por trás do
Presídio S.Jose, Trilho do Carvão. Andou muito de Bonde.
Brígida: 08.10.1902 Nasceu em Belém, na Rua dos Mundurucus em frente ao Colégio
Progresso Paraense, “o trem passava na porta da minha casa”, não tinha medo de ser
atropelada pelo trem, não.
Maria José M. da Rocha. Belém - PA 09.02.1913
Homobono- Dona Maria José, fale um pouco da sua família quando a senhora era
criança. Fale do seu pai, o que ele fazia? E da sua mãe também,
Maria José- Eu, graças a Deus, tive uma infância e juventude muito felizes. Meu pai
era despachante da Alfândega, minha mãe era dona da casa, éramos uma família feliz. Era eu
e mais 3 irmãos, duas irmãs e um irmão, nós fomos criados em união, em paz, meus irmãos
também foram felizes. Nossa juventude também foi feliz, meu pai era ótimo pai, minha mãe,
muito carinhosa, muito zelosa por nós. Tive a infelicidade de perder o meu pai, ele ainda com
52 anos, ele faleceu eu estava com os meus dezeseis anos, mais ou menos, a nossa vida
mudou um pouco, né? Com a falta dele nessa ocasião não havia Instituto, não havia nada, era
só o que trabalhava né? Então nós, com o estudo que tínhamos, enfrentamos a vida.
H- A senhora estudou onde? Em que colégio?
M- Eu estudei no Grupo Floriano Peixoto, o primário, depois passei para o Ginásio, no
Paes de Carvalho. Minha irmã mais velha era formada, era dentista, a segunda, ela bordava,
pintava, costurava e eu ainda estava saindo do ginásio. Me empreguei no comércio.
H- Em que loja do comércio?
M- Fui uma das primeiras funcionárias da 4400, a Lobrás, fui muito feliz, eu trabalhei
onze anos, ótimos patrões, colegas, vivia muito bem; saí de lá para um escritório de
226
representações, Gonçalves Rocha e Cia, na Padre Eutiquio, entre 13 de Maio e Manoel
Barata. Lá eu trabalhei 13 anos, sai de lá pra casar,
H- A senhora casou com quantos anos?
M- Eu casei com 28 anos, mas fui também muito feliz, graças a Deus. passei 10
anos casada, meu marido morreu de uma congestão.
H- Como se chamava o seu marido? A senhora teve filhos?
M- Rubem Gonçalves Rocha. Não. continuei a trabalhar, ainda trabalhei uns anos
até que me aposentei. E ainda na empresa, eu me aposentei, mas fui pra casa, trabalhava,
bordava pra fora, fazia pintura e graças a Deus fui vencendo a vida, né?
H- E a senhora morava onde? Qual era o seu bairro? Qual a Rua?
M- Nazaré, São Jerônimo, antiga S.Jerônimo, hoje Governador José Malcher, entre
Quintino e Rui Barbosa e depois de casada morei na Domingos Marreiros, não me lembro das
travessas, mas fui muito feliz, sempre tive bons vizinhos, bons amigos, graças a Deus. Estou
com 94 anos.
H- A senhora, pela sua idade nasceu em 1913. A minha mãe morreu com 92 anos,
perdi minha mãe com 92 anos. E vendo a senhora bem acho que a senhora possa viver bem
mais. Então a senhora chegou a andar de trem aqui na cidade?
M- Andei de trem, de bonde.
H- A senhora pegou o trem em São Braz e foi para o centro da cidade?
M- Tinha uma Estação, Estação de Belém, era na 16 de Novembro. O trem saía de lá e
ia pra São Braz, mas eu já peguei em São Braz, né?
H- E a senhora pegava em São Braz, não chegou a pegar lá na Avenida 16 de
Novembro? Eu tenho até uma foto, o trem parava em vários lugares, certo? Às vezes a pedido,
mas as paradas oficiais eram: uma situada na Avenida Generalíssimo Deodoro esquina com a
Avenida Gentil; outra próxima à Praça Batista Campos. É essa aqui (mostrando a foto); fica
dentro da área do Horto Municipal, deveria ter uma parecida ou igual, na esquina da
Generalíssimo com a Gentil, a senhora chega a lembrar disso?
M- Pouco me lembro, tenho pouca lembrança, mas me lembro.
H- Sim, agora ela está com outra cor, foi pintada, está diferente. E aqui (mostrando
outra foto) a senhora tem a antiga Estação da Avenida 16, a senhora lembra-se dela? A
senhora chegou a entrar na Estação?
M- Uma vez, somente uma vez. Aliás fui nesta excursão no Colégio ainda. Fomos
conhecer a Estação de Belém. Tempo bom aquele.
227
H- Era próxima ao Colégio Paes de Carvalho.
M- Depois, na Estação de S.Braz, eu viajei muito, eu fui pra Estrada, Bragança,
Bragança era uma cidade de grande movimento comercial, depois que tiraram o trem, ela
perdeu muito o movimento comercial. Mas Bragança foi uma ótima cidade de negócios,
H- Para vocês, para a senhora que lidava com o comércio.
M- Castanhal era passagem, Peixe-boi era um lugar pequeno, mas era ótimo, tinha
muito leite, muito queijo, eu conheci vários lugares da Estrada, assim de passagem, né?
H- A serviço ou a passeio?
M- Não, já passeando na companhia do meu marido.
H- A senhora com o seu marido faziam lazer em Belém? Qual era o lazer?
M- Ele passeava, ele trabalhava muito, sábados e domingos era para a família, nos
saíamos, íamos passar o fim de semana em Bragança ou em Salinas, no Mosqueiro. Ia ao
Cinema em Belém, eu tinha essa vida. Ia à missa aos domingos,
H- Qual era a Igreja que a senhora freqüentava, a Basílica de Nazaré?
M- Em Nazaré e S.Francisco de Assis. A Igreja de S.Francisco de Assis, aqui na
Castelo Branco.
H- Sim, a Igreja dos capuchinhos.
M- Graças a Deus eu fui muito feliz. Apesar dos embates da vida, mas isto é natural.
H- Todos nós temos, mais ou menos, esses embates.
M- Feliz de quem sabe encarar.
H- Leva em frente, essa é a vida. Agora, gostaria que a senhora falasse um pouco
sobre como via a cidade. Na década de 1930, as praças eram bem cuidadas?
M- Mais ou menos, a Praça Batista Campos sempre foi uma praça aqui em Belém
muito destacada, mesmo na minha juventude; na minha infância, eu brincava muito na Praça
Batista Campos. Temos a Praça da República, antes era Largo da Pólvora, A Praça de Nazaré
também era simples, mas era muito concorrida,
H- A senhora chegou a ir a teatros durante a festa de Nazaré?
M- Não, freqüentei muito o Teatro da Paz, no tempo do meu pai. Tinha aquelas
empresas, aquelas companhias do Rio, aonde vinha o..., oh! Meu Deus ele era muito
conhecido, Vicente Celestino, as pecas do Vicente Celestino, nós não perdíamos. Depois do
falecimento do meu pai, não podíamos ir nestas partes, né? Depois de casada, poucas
companhias vieram para o Teatro da Paz, então as festas eram no Largo de Nazaré, com
trapinho, cinemas, brinquedos, artesanatos e freqüentava com o meu marido.
228
H- E o Ver-o-Peso? As compras para casa era a senhora que fazia? Como é que era?
M- No Ver-o-Peso eu ia, sempre foi um lugar concorrido aqui em Belém, tínha de
tudo, tinha frutas, peixe, frangos, tinha tudo. Mas eu pouco ia fazer compras lá, tinha quem
fizesse no meu lugar, nera?
H- A senhora chegou a passear de navio, a pegar um navio?
M- De Belém pro Mosqueiro, Icoaraci, ia de navio. Depois de casada, fui uma vez e
não gostei da viagem. Fui a Soure.
H- A viagem para lá é um pouco mais longa do que para o Mosqueiro.
M- Muito ruim, o navio jogava muito, eu disse eu não queria mais voltar lá, não. Mas
pro Mosqueiro ia muito, mesmo no tempo dos meus pais como, depois de casada, eu ia muito
pro Mosqueiro.
H- E como foi pra senhora esse período da Revolução de 30? Não sei como ela a
atingiu, mas..., 1930 até 1938?
M- Nessa ocasião, eu viajava de Belém à Fortaleza, quando houve o levante aqui em
Belém; nós ficamos presos em São Luis, passamos três dias à bordo, porque ninguém nem
saltava, ah, ah,ah. Tinha ordem do governo pra ninguém saltar. Passamos três dias no Porto de
São Luis. Mas voltamos todos em paz.
H- Qual que era o navio? A senhora lembra? O navio que fazia essa viagem para
Fortaleza?
M- Não me lembro, era da companhia, era Itambé.
H- Isso foi na Revolução de 30, quando chegou na guerra de 45, onde a senhora
estava?
M- Eu estava aqui em Belém, passamos algumas privações de alimento, mas íamos
vencendo, né? Pra comprar açúcar, um pão, não era fácil. Tinha que entrar em fila. Minha
irmã estava casada, a segunda morava no Rio, às vezes ela mandava coisas, porque o meu
cunhado era do exército e aí facilitava, encomenda de açúcar, de biscoitos,
H- Que bom que vocês tiveram esse apoio. Tá certo então, obrigado pela entrevista.
229
Jovencilia Andrade Bonfim Castanhal – PA 28.06.1922
Jovencília - Eu fazia muitos tipos de serviços, apesar de não enxergar eu trabalhava
muito; olhe, primeiro eu lavava roupa em casa, arrumava as gavetas, varria, eu subia, eu subia
at´´e pra fazer limpeza, eu subia numa escada daquela altura de lá, eu subi pra lavar uma caixa
que tinha na cozinha, eu tinha uns 15 anos, quando eu fui lavar essa caixa. Eu fazia muita
coisa, muita coisa, não é bom nem eu dizer que o sr. fica aí, é coisa de cansar muito. Eu ia
muito à Igreja, cantava, e em casa, trabalhando. Fazia todo o serviço de casa, lavava louca,
depois por último já aprendi ate a cozinhar, a minha madrasta saía e ela chegando em casa dez
e meia, o arroz já estava pronto. Eu disse assim: eu vou fazer esse arroz hoje. E eu fui fazer o
arroz, e acertei, é um pouco difícil porque pra botar água e ele ficar assim durinho igualzinho
né, não é pra ficar papa ficar igualzinho, eu fiz o arroz direitinho. Eu fazia muita coisa, com
pouca visão eu fui trabalhadora.
Homobono- No domingo o que a senhora fazia, saía?
J- O quê? Domingo?
H- Sim, Sábado e Domingo, no final da semana?
J- Ia pra Igreja.
H- A senhora não ia para algum outro programa?
J- Ia fazer uma visita, passar o dia com a minha irmã, né? Passava o dia com o
sobrinho. Não parava, a minha vida era de trabalhadora mesmo. Não sei ficar parada, não.
H- A senhora viveu aqui em Belém? Morou sempre aqui em Belém? A sua vida, a
senhora passou aqui em Belém?
J- Em Castanhal, morava lá, nasci lá, vim pra cá coisa de 12 anos, vim morar em
Belém.
H- A senhora tinha 12 anos?
J- Mais ou menos 12 anos, vim morar em Belém. Porque morava com a madrasta e ela
vendeu a casa, a casa era do meu pai, minha e dele, mas ela vendeu e botou a gente na casa
dos irmãos. Tinha uma irmã que eu não queria ficar, porque tinha serviços diferentes, era pra
230
servir de babá, babá eu nunca gostei. Nunca gostei de babá, gostava de trabalhar. Era uma
cega que enxergava, procurava de enxergar. Pronto por aí o sr. tira, né?
H- A senhora se divertia em algum momento?
J- E muito, muito. o. Bom eu...vou lhe dizer que com dez anos eu estava com
instrumento na mão, tocando. E até agora eu toco todos os instrumentos, toco tudinho, toco
piano, toco acordeom, violão, bandolim, e tudo que aparece, eu toco todos os instrumentos.
H- E fora a igreja a senhora se apresentava em algum outro lugar? Tocava para
alguém?
J- Tocava na igreja, era na igreja. Olhe, não faltou divertimento pra mim, viu?!
H- Como a senhora ia para a igreja? Ia a pé ou de ônibus?
J- Eu ia a pé, andava a pé.
H- E onde era a sua igreja?
J- Aqui em Belém freqüentei várias igrejas, né? Trindade, Rosário, Nazaré, de Nazaré
eu vim pra cá, mas continuei saindo pra ir pra igreja, freqüentava muito as igrejas,
H - Afora freqüentar a igreja a senhora ia para a Praça de Nazaré?
J- De praça eu não gostava, era mais difícil, eu saía direto pra cá. Não tinha por que,
eu não enxergava bem. Se dissessem assim: vamos sentar aqui, vamos tocar. Ia com as
pessoas, eu me sentava lá e tocava, mas sair da igreja, ia logo me embora, ia embora pra casa.
H- A senhora se apresentou em algum teatro aqui em Belém?
J- Teatro? Teatro eu me apresentei quando eu tinha 12 anos. No Teatro do Cantuária lá
em Castanhal. Depois eu não fui mais ao teatro, não. Tinha a filha dele que morava na
Marajoara (Rádio Marajoara), E eu que vivo medonha com vontade de conversar com ela, a
Tacimar, a filha do Cantuária. Então eu fazia teatro, no dele, lá em Castanhal.
H- Como a senhora veio para Belém? De trem, caminhão ou ônibus?
J- Nessa época eu vim de trem, depois fiquei viajando de ônibus. Procurava ir de 15
em 15 dias em Castanhal, não ficava presa, não.
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Aurora Guiomar de Jesus Antunes Belém – PA 15.10.1923
H- A senhora sempre morou em Belém?
A - Sempre morei em Belém.
H- E qual era o Bairro que a senhora morava?
A - Quando nós nascemos, onde era a Mesbla, na Travessa Padre Eutiquio (São
Matheus), era um terreno que tinha daquele Moreira Gomes, e meu pai subalugava tudo. O
que eu fazia quando me entendi mesmo era cuidar dos meus irmãos mais novos. Que a minha
mãe tinha...meu pai tinha vacaria, meu pai era de lá do Una, daquela serraria Una, ele
trabalhava pra lá, e a gente, nós morávamos ali. Com 8 anos, ainda não tinha oito anos, sete
anos, quando eles chegavam em casa ainda ia fazer comida, quando eu chegava do Colégio,
era o Perpétuo Socorro que eu estudava,
H- E a senhora fazia o quê, como eu perguntei para ela (Dona Jovencília), para o
lazer? A senhora ia para uma praça, para o Cinema, existia isso?
A- Meus pais eram portugueses (não deixavam fazer nada). Era grande ali, tinha
muitos quartos, muitos cômodos que meu pai subalugava, era do Moreira Gomes.
H- Como era que vocês passeavam, a senhora conheceu o trem?
A- Ah!, O trem conheci quando a gente ía ali pro lado da cadeia (Presídio São José),
por onde ele passava, por ali.
H- E a senhora chegou a usar o trem? Chegou a ir à Estação?
A- Não, nunca, não tinha esse negócio de andar de trem.
H- Como a senhora morava ali na São Matheus, chegou a conhecer em Batista
Campos a Parada do trem?
A- Ah! Do Maria Fumaça.
H- Como é que era a parada? A senhora lembra?
A- Não lembro direito. Onde era não lembro, não. Se era pro lado da São Matheus, ele
parava ali próximo à Praça Batista Campos. Quando ía pro colégio eu o via.
H- Que outros lugares a senhora freqüentava para lazer?
A- Nada, não tinha isso não, nessa época a gente vivia só pro serviço, minha mãe
também. Porque meu pai era vigia do Una, serraria grande que tinha por e minha mãe
ficava pra tomar conta, tinha a vacaria...
232
H- Fale-me um pouco mais da senhora e depois dessa área da Travessa São Matheus,
como ela era? Era uma via iluminada, tinha água?
A- Ali era, na Travessa Padre Eutiquio, tinha tudo ali, Ali que moravam os Barões,
“os coisas” de Belém, os grandões né? E minha mãe tinha muita criação em casa pra poder
vender pra eles, aquelas casas todas da São Matheus compravam da minha mãe.
H- Quando a senhora casou? As suas irmãs também casaram?
A- Eu não casei, a minha mãe morreu quando eu ia fazer 14 anos. uma irmã casou,
ela ainda está viva. Casou e teve quatro filhos. Ela, sempre no emprego dela, eu, no meu, não
teve nada desse negócio de ficar juntas. Por isso que eu sou assim toda arredia.
H- A senhora nunca foi a um teatro, cinema etc...Muita gente ia ao Cinema?
A- Cinema a gente ia quando era “A vida de Cristo”, a minha mãe deixava, mas o
resto, não. Era o cinema Iracema, em Nazaré e um que tinha no largo de São João, O
Guarani. Mas o Guarani que era o mais perto ia com meu irmão mais velho. Ia porque eram
poucos cinemas. Eu tinha 11 ou 12 anos.
H- E depois, quando a senhora começou a ir ao cinema com o seu dinheiro?
A- Não, eu só fazia quando a minha mãe queria, era só o que ela mandava.
H- E a senhora não saía para as praças, para ter algum divertimento?
A- O que a gente se divertia era um pedacinho de noite, lá naquele portão velho, que a
gente brincava de roda quando menina, acabou-se ali; minha mãe dava um grito lá de dentro e
a gente tinha que ir logo.
H- Alguma coisa que a senhora gosta de lembrar, que deixa a senhora alegre?
A- Tinha muito leite, eh, eh, eh, eh, era vacaria, isso era, quando tinha, que as vacas
davam pra servir, tinha três vacarias, naquele terreno, onde foi a Mesbla, a gente vivia, a gente
nem adoecia, era um ar livre. tive ali uma coisa, muito depois, impaludismo, malária, pois
é isso ai, eu tive quase dois anos, eu ia pro Colégio Perpétuo Socorro, mas chegava não
agüentava.
H- E a senhora estudou até que ano? Fez o curso primário?
A- Segundo ano primário e aí foi quando a minha mãe faleceu. A escola foi a Perpétuo
Socorro, foi essa, era ali do lado do Cemitério da Soledade, naquele terreno onde tinha os
guardas vadiando por ali. Era na Serzedelo Correa.
H- Lembre outra coisa que a senhora gostava de fazer, alegre. Carnaval, época de São
João como agora.
A- Carnaval, nada. Alí tinha muita fogueira.
H- A senhora chegou a ir ao Ver-o-Peso? A senhora ia com seu pai, ía de carroça?
233
A- Ver-o-Peso eu ia todo dia, levar a Lourdes por alí. Não, eu ia sozinha. Eu com meu
irmão mais velho 2 anos, ia a pé; saia dali da Almirante Tamandaré entrava pela Padre
Eutíquio, saía na Praça da Bandeira, entrava na sete e estava dentro do Mercado de Carne, lá a
gente deixava o leite, lá vendiam café. A gente trabalhava e quando chegava de lá ainda ia pro
colégio, ainda pela manhã. Aquela hora, 7:30h 8:00h, chegava ia pro Colégio Perpétuo
Socorro, quando chegava do colégio ainda ia dar banho nos meus irmãos mais novos, porque
a minha mãe ficava lá na vacaria.
H- A senhora sempre morou na Travessa Padre Eutíquio? Viu a Mesbla crescer, viu a
Mesbla desaparecer, viu o Shopping aparecer e sempre morou lá?
A- Sempre morei alí na Travessa Padre Eutíquio.
H- A senhora já foi ao Shopping Center alguma vez?
A- Não, nunca.
H- Pois é, o Shopping Center fica exatamente onde estiveram as vacarias do seu pai. A
senhora falou do Ferreira Gomes, ele tinha também as lojas, que eram armazéns, na 28 de
Setembro. E pro lado do Reduto, no Igarapé das armas (ou almas), a senhora foi alguma
vez? E à Praça da Bandeira, como a senhora lembra dela? Ali perto do “Paes de Carvalho”.
A- No Reduto sempre ouvia falar, mas longe assim a minha mãe não deixava. A Praça
era boa de andar melhor de se andar era ali, naquele pedaço.
H- A senhora chegou a andar de Bonde?
A- Bonde? Os dem-dem. O meu irmão mais novo é que chamava dem-dem, por causa
da campainha, ele ia com meu irmão mais velho, Joaquim. O Joaquim não ficava na
vacaria, ele trabalhava em mercearia, com onze anos ele tinha serviço lá pro Jurunas, tinha um
senhor lá que tinha uma mercearia e era muito amigo do meu pai.
H- O seu pai veio para Belém em que época, a senhora lembra? Foi Século XIX, ou
no Século XX? Quantos anos ele tinha?
A- Eu sou de 1923 e ele tinha uns 30 anos. Ele veio rapazinho pra Belém. Ele e minha
mãe, foi em navio, que eles se conheceram, era aquele tempo que vinha sempre português pra
trabalhar, agora...Acho que ele veio na década de XX.
Júlia Ferreira Chaves Belem – PA 12.12.1913
Homobono- Dona Júlia, fale com que a senhora se divertia quando era jovem?
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J- Naquele tempo não tinha diversão, o sr. sabe que a primeira festa que eu fui tinha 18
anos(1931), porque menor o pai não deixava, e tinha que ficar chorando. Meu pai era muito
rígido, pai e mãe com os olhos em cima da gente, não podia conversar com ninguém, Pra
namorar tinha que ser com quem eles quisessem, naquele tempo. Também pouco tempo a
gente tinha, tinha que levantar de manhã as seis horas, meu pai chamava, “olha o café”, eu ia
naquela Padaria Silveira que tinha na S.Jerônimo, ia buscar o pão, de pegava a carne,
vinha pra casa tomar café, tinha que arrumar a louça do café toda, para depois me vestir e sair
correndo pra Escola. Era uma escola na Braz de Aguiar que era pra pobre, eu estudei até o
4 ano primário. Mas era assim, a gente não tinha tempo pra nada, dentro de casa tinha que
aprender a fazer de tudo, quando casasse tinha que saber fazer de tudo. Hoje em dia não se
arruma nem uma cama.
H- E a sua casa era na Quintino aonde, entre quê? Então a senhora teve ali por perto
uma vivência de Nazaré. A senhora ia pra Praça de Nazaré? E na Praça da República?
J- Mais próximo da Rua Boaventura, entre Boaventura e Tiradentes. Que nada!
Costumava até ir com as minhas amigas pra ver casamentos, que eram 2, 3 na porta da igreja,
agora não tem. Ih! Ah,ah,ah. Ia não, era trabalhar e estudar. Comecei a estudar com 7 anos.
Tirei o meu certificado, estudei quatro anos sem repetir nada. Depois tinha que passar dois
anos no Grupo e depois ir para a Escola Normal. E era assim, chegava da Escola ia arrumar a
mesa para o almoço, esperar a hora que meu pai chegasse, que ele tinha que almoçar,
ninguém comia antes dele chegar. o meu irmão mais velho que tinha que voltar pro
trabalho, que a minha mãe pegava o almoço dele. Aos Domingos era a mesma coisa, ia à
missa com as freiras, na missa de Nazaré. As freiras que levavam a gente numa filazinha pra
lá, ou quando tinha que confessar ou comungar, elas que levavam e quando voltavam cada um
ia para a sua casa, chegava em casa, ia cuidar.
H- E a senhora casou?
J- Vivi com um homem dezoito anos. Ele era casado, deixado da mulher, ele era
japonês, meu pai trabalhava com ele, tinha coisa de açougue, era açougueiro. Ele trabalhava
na Vila Sossego, tinha um terreno e uma barraquinha onde nós morávamos, tinha uma horta
logo quando chegou, depois adoeceu devido à água, à tarde ele tinha que molhar aquelas
plantas todas, com aquelas botas que enchiam de água, ele ficou ruim das pernas, ficaram
inchadas e o médico disse que ele tinha que acabar com aquilo, não podia mais trabalhar, não.
Levou um ano dentro de casa sem fazer nada e eu trabalhando, trabalhava na feira, eu tinha
um tabuleiro de verduras na feira do Ver-o-Peso, logo perto ali do mercado. Graças a Deus,
um ano depois, esses japoneses, ninguém conhece eles como eu conheço, o mais velho tinha
235
mais ou menos uns quatorze anos ou quinze, eles moravam no interior e tinham uma
canoazinha com verduras, ele e o irmão menor, os pais dele compraram uma lojinha daquele
sr. do fogão Butano, na Manoel Barata, então ali ele era um bom freguês me convidou pra
trabalhar com ele, um salãozinho pra vender legumes, mas depois aquilo foi acabando.
Butano, outras marcas, o sócio morreu, acabou aquilo. Eu fui trabalhar num foto com um
judeu que até já morreu, seu Mailton, aquilo que era um bom homem, credo!
Eu e a Samer, a enteada que eu tenho. Criei três, eram filhos dele, viviam em Salvaterra com
os avós, o avô era cego e a avó era doente com hérnia, eles viviam numa praia com aqueles
pescadores, viviam ali e um sr. que era dono de uma geleira aqui, conhecia ele, uma vez disse
pra ele que tirasse as filhas de lá, que iam acabar se perdendo, que elas passavam o dia inteiro
com aqueles pescadores, sabe como é homem safado...a irmã, vou buscar, a mais velha tinha
13 anos, a outra 12 e o menino 7 anos, ficaram morando comigo até casar, sou avó. A
mais velha que me ajuda aqui quando eu quero ir pro médico, a outra é uma pessoa doente,
problema de coração, não enxerga bem porque tem diabetes, ela não pode sair. E essa mais
velha, graças a Deus, Deus muita saúde pra ela pra que me ajude, porque eu não posso sair
sozinha, eu não posso pegar mais ônibus, não posso levantar a perna assim.
H- Era uma pergunta que eu iria lhe fazer. Nessa época quando a senhora tinha 10, 15
anos, quando saía com seu pai, como era que vocês andavam, andavam de bonde, como é que
era?
J- Nós morávamos na Quintino, canto com a Boaventura, quando a gente ía em uma
festa, em Nazaré a gente ía a pé. Meu pai e a minha mãe.
H- Mas a senhora andou alguma vez, lembra de ter andado de Ônibus para ir para o
Bosque?
J- Lembro, isso depois de grandinha, ainda fui ao Bosque e levei meus sobrinhos. Pro
Bosque a gente ia de Bonde, na hora de voltar o Bonde deu o prego, dava prego naquele
tempo, aí nós dissemos que ia demorar muito, meu pai dizia que seis horas devíamos estar em
casa, meu pai era isso, de noite 9 horas tinha acabado de jantar, minha mãe vinha conversar
um pouquinho com a vizinha que era comadre e eu com as crianças brincávamos ali; quando
davam 9 horas, a mamãe mandava, anda! 9 horas todo mundo pra dentro. Se você vai namorar
e não estiver 9 horas aqui dentro, você dorme fora, meu pai era assim. Necessidade, graças a
Deus, nunca ninguém passou.
H- Como era o nome do japonês que a senhora viveu aos dezoito anos? O seu
namorado.
236
J- É, foi um namoro assim ligeiro, no interior de Tomé-Açu. Não, meu irmão
trabalhava nessa lancha que vai pra lá, leva as coisas, vem pra cá, traz as coisas. Lá, como ele
não era casado, acabou levando a mulher do dono da casinha, e justamente onde esse meu
marido fazia refeições, e ele passava na frente, porque meu irmão estava de olho, todo mundo
de olho em cima da gente, naquele tempo era: vou dar uma andada pouco acima, hoje em dia
anda, anda à vontade atrás de festa, anda à vontade.
H- A senhora lembra do trem? É uma coisa que eu tenho interesse, a senhora chegou
a andar de trem, aqui em Belém?
J- Trem? Nós fomos, eu com meu sobrinho e meu irmão, nós fomos pro Rio de
Janeiro, nos fomos ver aquelas imagens de fotos, nós fomos de ônibus, mas pra voltar estava
cheio e não tinha mais lugar, voltamos de trem, mas foi bom à beça, só essa vez.
H- E com o seu marido, não andaram de trem?
J- Não, não. A gente andava mais a pé, do que de bonde. Minha mãe lavava a roupa
pros portugueses que trabalhavam em frente ao Mercado de Peixe. Nós morávamos na
Quintino com a Boaventura. Então dia de sábado, eram dois portugueses que andavam bem
vestidos, minha mãe lavava roupa pra eles, eu e meu irmão, que até morreu acidentado
coitado, nós tínhamos que levar a roupa; quando era segunda feira a gente ia buscar roupa, a
pé, trouxinha de roupa na cabeça.
H- E o seu irmão fazia o quê? Qual era a profissão dele?
J- Meu irmão, começou a trabalhar porque morou um japonês em frente a nossa casa
na Quintino, que arranjou um emprego pra ele, negócio de compra e venda, compra e venda,
Em Tome- Açu, com arroz, com feijão. Convidaram ele pra trabalhar pra lá, e a mulher dele
tinha uma criança recém nascida, e eu fui pra lá com ela.
H- E o seu pai? A senhora falou logo no início, mas como é que era o trabalho do seu
pai?
J- Meus pais eram portugueses, eu não tenho sangue de brasileiro, tenho sangue
português, meus tios, avós por parte de pai, tudo português. Então meu pai tinha uma carroça,
trazia as coisas pra Beneficente Portuguesa, aquelas compras pra vir do armazém, trazia as
coisas, chegava em casa pro almoço, almoçava, descansava um pouco e depois saía de novo e
voltava de tardinha. Depois ele ficou sócio de lá, sócio permanente; ih aquelas freiras eram
doidas por ele, agora o tem mais freiras lá, era freira. Nossa vida era de pobre nunca
fomos ricos, não, mas graças a Deus nunca ninguém passou fome.
H- Mas fale alguma coisa assim, que a senhora lembra, da primeira festa que a senhora
foi, cinema a senhora nunca foi?
237
J- Pra festa só quando eu completei dezoito anos, quando o meu pai deixou, na
sociedade Portuguesa que tem na São Jerônimo, com meu pai e meu avô, próximo a Bolonha,
ele ia mas levava uma irmã que já era moça, eu não podia ir. Não sabia dançar, ia so pra olhar.
Eu trabalhava com uma japonesa, que eu era babá da menina dela, ela morava na cidade
velha, ali atrás da igreja de S.João. próximo àquele cinema chamado Guarani, parece. Ela
morava em cima e em baixo morava uma judia que tinha três filhos, 5 filhos, dois rapazes e
três moças. Então eu saía escondida com elas para as festas de Carnaval. As festas eram em
qualquer lugar, aquelas festinhas que faziam, aqueles shows, aquelas coisas, elas convidavam
e eu agarrava com elas.
H- E como era a Cidade Velha nessa parte, eu falo assim, era fácil para andar tinhas as
coisas, ali a avenida Tamandaré, era bom de se andar?
J- Quando eu trabalhava com a japonesa? Morava ali perto da igreja de S.João, então
de tarde nós saía e ia pra Fábrica Palmeira, tinha um namoradinho que era padeiro, e eu
levava essa menina com uma amiga minha e nós íamos sentar lá naquela praça zinha (Largo
de Santana em frente à igreja do mesmo nome). Ela com uma boneca no colo. Ia e voltava a
pé. Ela com uma boneca no colo e eu com ela no colo, o sr.já viu?
H- A senhora lembra a família dela, da japonesa, era dessas famílias conhecidas?
J- Não, era uma pessoa que veio do Japão. Depois foi aquela briga com estrangeiros,
que botaram todo mundo pra fora, o sr. lembra?(1945) Essa senhora morava na João Balbi, eu
vi, quando as pessoas invadiam as casas e começavam a jogar as coisas pelas janelas, aqueles
móveis, era uma coisa horrível, eles foram pra pra Tomé-Açu, porque todo estrangeiro
tinha que ir embora, não podia ficar ninguém em Belém. Então ela ficou lá uns tempos depois,
quando nos voltamos, a coitada morreu de tuberculose, ela era magrinha. Naquele tempo era
bom, a gente saia de um emprego e já tinha outro.
H- A senhora trabalhava como doméstica, como babá? De balconista, a senhora
trabalhou onde?
J- Trabalhava de balconista, de todo jeito. Trabalhei com este senhor, eu era a mais
velha, depois quando fechou fui trabalhar com esse judeu, com loja de contrabando, e outras
coisas. Era o Mayer Obadia, era uma beleza aquele homem, morreu.
H- O Mayer Obadia tinha uma loja na Presidente Vargas e outra na João Alfredo, a
senhora trabalhou de balconista com ele?
J- Nós trabalhamos um tempo com ele, ele tinha um irmão que era muito safado,
namorador, cobrador, ele tinha ganho muito dinheiro e acabou vendendo a loja pro irmão.
O irmão acabou com a loja, foi gastar com mulherada, acabou deixando a loja. eu saí, fui
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pra minha casa. Graças a esse médico de vista Dr. Aracy Barreto, ele morava na S.Jerônimo,
na Manuel Barata ele tinha consultório. Depois eu fui pros Yamadas, ele era meu freguês de
verdura, não tinham nada os coitados, eu era mocinha, trabalhei com eles uns dois anos.
Aquela Loja Grande que tem na Manuel Barata era uma casinha velha de porta e janela,
primeira loja deles; eu trabalhei com eles dois anos, o seu Hiroshi era rapazinho, esta loja
tinha três compartimentos, um salãozinho na frente que tinha negócio de rádio, essas coisas,
tinha outro onde se fazia embalagens, aquelas caixas de louças, e eu com seu Hiroshi
arrumava aquelas que tinha louças quebradas, e atrás tinha pra vender discos e peças de rádio.
Esse irmão que eu disse que morava no Rio de Janeiro adoeceu e pediu que eu fosse pra lá,
que ele tinha que ir pro hospital, pra tomar conta do apartamento dele que ele tinha dois
cachorros, então eu fui pra lá, passei mais ou menos um mês e poucoo e voltei. Quando eu
voltei tinha outra pessoa no meu lugar, mas ele me botou ali pra Santo Antônio, fiquei
trabalhando dois anos lá depois me aposentei e acabei ficando velha e não tinha mais
emprego. Trabalhei, trabalhei muito. Em casa a gente trabalhava desde que podia andar. E
minha mãe não dava sopa não, coitada, ela fazia tudo porque os filhos eram todos pequenos,
lavava roupa, engomava, cuidava da comida, essas coisas, depois eu é que fui tomar conta da
comida, já estava estudando e tudo.
Florinda Bastos da Cunha Belem - PA 04.05.1916.
Homobono- D. Florinda, fale um pouco sobre a sua infância e juventude, a sra. viveu
aqui em Belém?
239
Florinda - Bom, a minha infância foi maravilhosa, uma família boa, unida, aonde nós
morávamos pai, mãe, filhos, vó. Uma coisa interessante no bairro do Reduto, mas a família
toda morando perto. Nasci no Bairro do Reduto, onde tem o Quartel, saiu de lá, o
Quartel, entre a 28 de setembro e esqueço o nome da Rua. Eu morava na Assis de
Vasconcelos, praticamente criada lá, fui pra lá meu pai tinha mudado, eu ainda não tinha nove
anos. Então eu nasci na, esqueço o nome da Rua em que eu nasci.
H- Então a senhora morou na Assis de Vasconcelos entre a Manuel Barata e O’ de
Almeida, ou entre a Manuel Barata e a...
F- Não, entre a Vinte e Oito de Setembro e a Gaspar Viana, rua onde nasci. Bom, a
minha infância foi uma infância boa de muita união, e a nossa casa era muito grande. E nós
temos muitos parentes espalhados aqui no Pará, no interior, essas coisas todas, e os filhos iam
para lá, para a nossa casa, para estudarem, e ficavam conosco. A vovó tomava conta de todos,
tem gente de posição, tem gente pobre, enfim tem muita coisa, né. Uma família normal. tive
uma mocidade muito boa, estudei, me formei.
H- A Sra. estudou em que Escolas? Onde elas estavam localizadas?
F- Eu estudei no Colégio Santo Antônio, que era defronte da nossa casa. Mas depois
fui para o Instituto Travassos, não sei se o sr. ouviu falar, era um grande instituto, ficava na,
nós íamos direto, ficava na...esqueço agora. Era perto de casa. Eu fiz o primário todo lá, e saí
para a Escola Normal, mas não pude concluir, não fiz nem um exame. Não fiz nada porque
tive um impaludismo, impaludismo ruim, então perdi, eu fiz todinho.
H- A Sra. lembra quantos anos a Sra.tinha quando pegou a malária?
F- Onze anos, 12 anos, mas eu fiquei completamente curada, graças a Deus. Estou
com 91 anos, por se vê, mas perdi muita coisa da minha vida, depois fiz três anos no
Ginásio Paes de Carvalho, junto com uma outra irmã, eu sou a mais velha da família, nós
éramos oito e agora somos três. Eu sou a mais velha de todos, de três homens e cinco
mulheres.
H- A minha família é parecida com a da sra. Nós somos também oito, cinco homens e
três mulheres, e o meu pai ainda criou mais uma mulher; na verdade éramos cinco homens e
quatro mulheres, um homem morreu, mas continue, então a Sra. fez, cursou o Paes de
Carvalho?
F- Não, eu fiz até o terceiro ano. A minha irmã passou e eu fiquei, na mesma série,
então eu tinha uma recuperação, enfim eu não quis, ela também não quis, saímos,
estudamos em professores particulares, para não ficarmos sem estudo nenhum. Eu ainda
estava muito fraca, , essas coisas todas, e com 3 anos, com 18 anos, eu fui para a Escola
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Prática do Comércio, chama-se assim a Escola Prática do Comércio, nos chamavam Guarda-
livros, e agora somos peritos contadores, né? Então eu me formei, mas devido aos meus
estudos eu entrei sem fazer exame nenhum.
H- A Escola Prática do Comércio, era na esquina da Presidente Vargas com a rua
Santo Antônio, era isso?
F- Isso mesmo, lá que eu fiz. Mas depois mudou para coisa maior, mas depois voltou,
houve muita mudança, né, mas aconteceu o seguinte, os negócios do meu pai que iam de
vento em popa, caíram um pouco, meu pai tinha a concessão do ouro do Gurupi, e tinha o
comercio dele, né? De castanha, de aves e peles. Ele vinha e ficava aqui em Belém mesmo.
Nós tínhamos uma vida muito boa, simples, mas muito, muito boa, nossa vida nunca mudou a
respeito da nossa casa, sempre foi farta, e naquele tempo tudo era barato. Tinha o Igarapé das
Armas, que o povo dizia Almas, mas é Igarapé das Armas. Então a vovó tinha... dois rapazes
e duas mocas, também estavam conosco, eram nossos irmãos de criação, e eles faziam certos
serviços, iam, mãezinha tem muita fruta no igarapé das armas, das almas, a vovó dizia vai,
e a mamãe vai com o carrinho e traz o que tiver lá, eles iam e traziam tudo.
H- O que vocês faziam de lazer? A sra ia para a Praça da República?
F- Nós íamos, nós passeávamos, íamos na Praça da República, íamos no Teatro da
Paz, enfim nós íamos, meu pai era maçom, nós íamos na maçonaria, íamos na Sociedade
Italiana, no Grêmio Português.
H- O seu pai era brasileiro? De que cidade?
F- Não, era português Celorico de Basto, é um Condomínio, foi tombado agora, agora
é do governo português, foi tombado.E os descendentes e os tios que estão lá, foram todos por
Porto lá e cidades próximas, porque tinham condições.
H- E onde fica em Portugal, próximo a que cidade? Porto, Lisboa?
F- Não é muito próximo mas é muito bom.
H- A sra. chegou a viajar para Portugal?
F- Não, infelizmente quando eu ia, meu marido morreu, e não deu. Eu viajei muito
no Brasil todo, com o meu marido, e íamos para essa viagem, mas ele morreu, eu tive que
cancelar.Diziam, não a sra pode ir, não, não era com ele que eu ia, agora não quero mais.
H- A senhora viveu com ele quantos anos? Com quantos anos a sra. casou? A sra tem
netos?
F- Eu tenho um filho, está com 54 anos, 44 anos. Eu casei com 22 para 23 anos, tive
meu filho com 23 anos. Tinha dois filhos, perdi um com 5 aninhos. Não, ele é solteiro, ele não
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casou. Ele noivou duas vezes, não deu certo, porque ele trabalha assim viajando, então não
deu certo, ele disse não, mamãe, não quero casar, enquanto a sra for viva, eu não caso. Não
faça isso por mim não, você precisa da sua vida. Ele não quer ninguém, tem idade mas é forte,
é um homem bom, trabalhador.
H- Uma coisa de que eu gostaria que a senhora falasse um pouco, porque é o interesse
também do meu trabalho é sobre transporte. Gostaria de saber como a senhora se deslocava
em Belém? A sra pegava o Bonde? A senhora usava muito o Bonde?
F- Nós andamos de Bonde. Mas, no princípio de nossas vidas, nós andávamos de
carro. Não, não era propriamente um carro, eu não sei o nome, era uma casa de carros que
ficava perto de casa, muito amigo do papai, então tudo o que nós precisávamos, (era uma
espécie de carro de aluguel), era, mas meu pai no fim do mês pagava. Não tínhamos telefone
naquela ocasião, meu rapaz, mas se a família do seu Bastos quer um carro para agora, vinha o
carro pra nós, tal a situação boa que nós tínhamos, mas meu pai nunca quis guiar, nós éramos
pequenos nunca nos interessamos para ter um carro, mas era o mesmo que ter, você a
qualquer hora da noite ou a qualquer hora do dia, nós tínhamos a nossa disposição.
H- A senhora chegou a andar de trem em Belém?
F- Andei de trem, a Maria fumaça, né?
H- E mesmo depois no outro tipo de trem, no trem a diesel? Na Maria fumaça, fale um
pouco dela. A senhora pegou o trem onde? Pela sua idade, a senhora poderia ter pegado no
Centro de Belém, porque tinha a Estação no Centro de Belém.
F- Bom, a Maria Fumaça era, eu fui pra Ananindeua se não me engano. A Maria
fumaça, não me lembro onde. Acho que foi na Estação de S.Braz,
H- A senhora lembra-se das pessoas falarem do trem? O que elas falavam?
F- Falavam da Maria Fumaça e tudo, e ela soltava muita fumaça, mesmo. Agora eu me
casei, meu marido muito inteligente, foi de uma família, o avô dele foi o primeiro juiz da
capital, no Governo do Antonio Lemos, né? Eles também tinham condições, perderam tudo
depois com a política. Perderam até Cartório, perderam também. A casa deles foi incendiada,
perderam muita coisa, mas tinham muitas jóias, o que puderam salvar, salvaram.
H- Como ele se chamava?
F- Olha eu sei que ele chamava Barros. Mas não sei o nome dele, o avô do meu
marido. Com o tempo a gente vai perdendo. E Graças a Deus meu marido estudou, não
chegou a se formar em engenheiro, mas era muito inteligente, desde menino, falado por toda a
família, o que ele pegava ele resolvia. Meu pai, que era também muito conhecido, fez muitos
benefícios aqui em Belém, arrumou muita gente. Miguel Gonçalves Bastos era seu nome.
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H- O que ele fazia, a profissão dele. A senhora falou mais ou menos da família, que
ele tinha essa concessão do ouro.
F- Ele tinha um Galpão, era um quarteirão, pegou fogo, (lá no Gurupi?) não, aqui em
Belém, Era na rua do comércio, por ali, pegou fogo porque, um homem bebeu, eles iam fazer
uma encomenda para a América do Norte, de castanha e de pele de bichos, e o guarda-livros,
não escreveu direito, o botou em condições. Então quando teve esse incêndio, por causa
desse homem que bebeu e tudo queimou, um desses que trabalhavam carregando, morreu,
quase meu pai foi, quase que meu pai morre também.
H - A senhora lembra onde ficava no Comércio? Se era na João Alfredo. Se era na XV
de Novembro? Quantos anos a senhora tinha?
F- Não, não era na João Alfredo. Eu não sei muito bem o endereço, mas sei que era.
Mas isso passou, nós continuamos a nossa vida, meu pai. Eu tinha nove anos de idade (a
senhora tem uma boa memória, para lembrar coisas com 9 anos). Eu tenho uma memória boa,
tinha, eu sei de tudo do Pará desde os meus 4 anos de idade, eu conheço o Pará de ponta a
ponta desde 4 anos de idade.
H- E a senhora fazia o quê? A senhora foi dona-de-casa? A senhora cozinhava?
F- Fui dona de casa, nós temos conforto, papai e mamãe achavam qua a gente devia
saber tudo o que era de casa: então eu bordava, costurava, eu não costurava, só fazia coisas de
mão, muito bem feito. Cozinhava, mas não gostava muito, eu gostava mais da limpeza da
casa. De forma que, quando foi para eu me casar, meu pai disse, “olhe, minha sogra, ela vai se
casar e eu quero que a senhora ensine de tudo para ela, o trivial simples para ela”, e a vovó
disse “pois não”. Mas quando chegou para matar o frango, ela pediu dois frangos do quintal,
quando ela fez um, eu me apavorei, quando ela começou a fazer o segundo, eu não tive
condições, quando eu peguei na faca, que explodiu o sangue, eu disse: não quero, não quero,
não quero. Então eu sei minha filha, você nunca vai ser uma boa cozinheira. O pouco que
eu fazia, eu fazia bem. Nunca meu filho e meu marido passaram fome por isso, nem comeram
mal por isso.
H- A senhora morou sempre na Assis de Vasconcelos?
F- Não, eu morei muito tempo na Assis de Vasconcelos, mas de lá eu fui para o Rio de
Janeiro.
H- A senhora morou quanto tempo no Rio?
F- Eu tinha 7 anos de idade. Eu morei no Rio, eu morei mais, porque ele morreu,
mas eu fiquei com o meu filho no Rio ainda, 56, 55 anos. Eu vinha sempre em Belém passear,
né, e passeei no Brasil todo. Em vários estados.
243
H- E no Rio, a senhora morava onde? Qual era o bairro do Rio?
F- No Rio, eu morei em Ramos, e morei no norte por causa dos negócios do meu
marido. Morei no Méier, conheço tudo o que tem no Brasil. Morei na cidade poucos meses,
na cidade, na zona sul, Botafogo, porque a minha irmã tinha apartamento e eu fui morar num,
aluguei um, junto do dela, não gostei, meu marido chegava mais tarde, então eu quis voltar
para o Méier novamente, mas aí saí do Méier para vir para cá para Belém.
H- Então, ainda voltando um pouco para a sua infância, juventude aqui em Belém,
antes de ir pro Rio, a senhora lembra se foi ao Largo de Nazaré? A senhora ia ao cinema?
F- Andei tudo isso, íamos ao cinema, Cinema Olímpia, cinema do bairro, era o
Cinema Íris, ainda fomos muito ao cinema, íamos a tudo o que se passava, agora está tendo
uma grande ópera, que vem para cá, então nós íamos muito, que era perto de casa, matinés
quando tinha, Teatro da Paz. Enfim, passeamos muito, Graças a Deus.
H- O Largo de S.Braz a senhora lembra-se dele?
F- Meu pai teve negócio aqui em S.Braz, duas irmãs minhas nasceram aqui em S.Braz,
mas eu não tenho muita idéia que perto, era a Feiticeira, a primeira Feiticeira era na 28 de
Setembro, no Bairro do Reduto e a segunda Feiticeira era aqui em S. Braz. Lá vendia comida,
bebidas, jogo do bicho, jogo não sei o quê, uma mistura. Naquele tempo era tudo aberto, né?
O Getúlio veio, acabou tudo.
H- A senhora chegou a ir a Pinheiro? Icoaraci? Porque Pinheiro tinha uma linha de
trem, também para Pinheiro.
F- Ah, fui várias vezes, porque foi que meu marido nasceu. A gente ia de carro,
depois de casada mesmo eu fui. Meu marido foi um dos homens que meu pai arrumou
emprego, foi no advento do avião, então ele preparou o aeroporto, foi um dos que trabalhou
lá, muito novo, com apenas 26 anos. Quarenta homens sob o mando dele. Nós temos esse
aeroporto por interesse dos americanos, os americanos que fizeram, o Pará que era
conhecido como a Sala de Visitas da América do Sul ficou conhecido no mundo inteiro como
a Sala de Visitas da América do Sul. Um orgulho para nós paraenses.
H- Pois é, D.Florinda, obrigado pela sua entrevista, se a senhora lembrar-se de mais
alguma coisa me avise.
F- Quando eu estou me lembrando, mas Graças a Deus tive uma infância boa, uma
mocidade ótima, e uma vida de casada muito boa também, em certas circunstâncias. Como o
sr. sabe, o homem quando ele vence ele coisas mais, então meu marido quis gozar a vida
dele, tínhamos negócios, e era um bom marido cumpridor com seus deveres comigo e com
meu filho, eu era dona da casa, eu era a esposa casada no civil e no católico, não saía daqui
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para lugar algum que o me levasse, mas existia aquela segurança assim dele já. Paciência
né, mas eu não deixei de ser feliz. Filho, eu tenho um filho maravilhoso.
H- Obrigado mais uma vez.
Raimunda Farias Correa Sena Madureira – AC 06.10.1916.
Homobono- D. Raimunda, fale um pouco do que a senhora gostava de fazer quando
era criança e adolescente. A Senhora morava onde?
Raimunda - Quando eu era criança, eu gostava de brincar de boneca, eu era filha
única, não tinha... minha mãe não deixava eu brincar em casa de vizinho que isto não dava
certo, então eu brincava só, não tinha crianças, eu era única. Já depois de grande, eu morava, o
primeiro lugar que eu fui morar, eu vim do Acre, eu sou acreana, viemos do Acre, eu tinha
sete anos. Moramos oito anos, saí de eu ainda não tinha quinze. E era aquele negócio
de estar na prisão, brincar de boneca sozinha, as amigas me davam, meus pais compravam
brinquedo pra mim, mas não deixavam sair.
H- No Acre, qual era a cidade? Rio Branco?
R- Sena Madureira, Purus, alto Purus. eu fui crescendo, crescendo e fui deixando
esse negócio de boneca, queria estudar e depois comecei a estudar, fazer o primário, foi
quando nós saímos de lá, pra Capanema; em Capanema passamos 30 anos. De Capanema,
eu tenho família no Rio. Quando o papai morreu, a irmã da minha mãe disse que dava pra
ficar comigo, ela foi a Capanema pra me buscar, a mamãe disse eu vou pensar ainda, não
estou querendo ir pro Rio, de ela escrevia se resolvesse, até que a mamãe aceitou ir
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comigo, isso foi em 1968, fomos pro Rio e passamos seis anos, porque a mamãe não se
acostumava. Nessa época meu pai já tinha morrido.
H- Ele morreu em Belém ou no Acre? Mas ele, o seu pai fazia o quê? E a senhora
tinha quantos anos quando ele morreu?
R- Em Capanema. Ele trabalhava na Prefeitura, era fiscal da Prefeitura mesmo. Eu
era moça, já tinha os meus 20 anos, por aí assim.
H- E nesse meio tempo em Capanema, a senhora visitou Belém?
R- Vinha sempre, eu vim pra cá, eu tinha a minha madrinha, família Cumaru, não sei
se vocês conheceram.
H- E onde ela morava?
R- Na Cidade Velha, na Joaquim Távora, aí queria que eu viesse estudar, como eu não
gostava de estar na casa dos outros, por insistência da minha madrinha eu vim pra estudar,
eu fui fazer o ginásio, eu tinha feito o primário, eu fui estudar, eu disse então sendo assim
vou estudar, porque eu sei que não vou ficar aqui muito tempo. fui estudar português e
matemática, fiquei estudando durante muito tempo, português e matemática com aquela
professora Antonia Paes, era uma professora de português muito boa, do Ginásio Paes de
Carvalho, e ela ensinava muito bem e o Colégio dela era bem em frente da casa da minha
madrinha.
H- Como era o nome do Colégio dela, a senhora lembra? Bem, a senhora estudou num
Grupo, chegou a terminar o primário?
R- Sabe que eu não me lembro, agora? O Primário eu fiz em Capanema, né? eu
não pude, a professora morreu, era uma professora muito boa, muito boa mesmo, ela tinha um
Colégio particular, eu estudava com ela e fiz o primário. Aí ela morreu, e eu não pude
continuar, acabei pensando numa coisa, que ia ficar nisso mesmo. a mamãe disse “tu
devias ir pra casa da tua madrinha estudar”, aí a minha madrinha, eu vinha passar o Círio, ela
conversava comigo, “já resolveste a ficar, olha é tão bom tu te formar, ter emprego, eu disse
“eu sei que é muito bom, mas eu não disse pra ela, mas eu não gosto, não gostava da casa
de ninguém, morando sozinha com ninguém.
H- A senhora então na verdade ficou em Capanema até que ano?
R- Não, em Capanema eu fiquei, eu estudava em Belém, até que ano, você diz o ano
que eu morei? Fiquei até 1968, em 68 fomos pro Rio, passamos 6 anos. Era pra ficar
morando, voltamos em 1974 pra Belém, voltamos pra cá.
H- Então vamos falar um pouquinho antes de 68. Quando a senhora ainda morava em
Capanema.
246
R- Eu trabalhava, porque o pessoal naquele tempo aceitava pessoas de primário pra
trabalhar, hoje em dia não querem mais, tem que ter ao menos segundo grau. Ai eu fui pra
uma escola, que era uma escola doméstica, era só de artesanato, bordado, essas coisas e eu era
a professora de bordados, fui e escolhi que eu queria bordar, que eu gosto muito, fiquei
trabalhando, foi no tempo que a minha tia veio nos convidar pra ir pro Rio de Janeiro. Nós
fomos pro Rio de Janeiro, mas minha mãe não se deu, ela vivia bem de saúde lá em
Capanema, o clima é bom fica ali perto de Salinas, são duas horas, e nos viemos de volta, a
minha mãe dizia, não, eu não quero ficar. Não, mas por quê? A minha tia ficou preocupada.
Nós tínhamos vendido a casa. nós não nhamos mais a casa, viemos. Mesmo assim a
gente tinha uma amiga, muito amiga, morava aqui sozinha, ela disse assim, “diz pra tua mãe
vir morar comigo, vivo sozinha vocês me fazem companhia, é tão bom”. Então fomos por
uma temporada. Ela morava na Cremação,
H- Qual era a Rua, a senhora lembra?
R- A Rua era. Cremação é, antigamente era não sei o quê de Junho, Alcindo Cacela,
22 de Junho, essa era a Cremação.
H- A senhora morava perto do forno crematório?
R- Perto daquela delegacia, o senhor sabe onde é? ficamos morando lá, depois
ela queria ir morar em Mosqueiro, eu digo, eu costurava muito, né? Não dava para eu ir pro
Mosqueiro já tinha toda a minha freguesia aqui, né? os fregueses aqui em Belém, não dava, eu
disse que não dava, procurei sair, aluguei nos fundos de uma casa ali, como é, aquele conjunto
do IAPI, em S.Braz, não tem aquele Bloco, pois é, fui morar com a mamãe, ficava perto
pra mim, comecei a pegar freguesia lá, freguesas com costura.
H- Que ano foi? A senhora lembra em que ano mudou pra ? O IAPI é um Conjunto
relativamente novo, de 1951, quando começou a funcionar o Conjunto Habitacional.
R- Hoje é o INPS. E aí nós ficamos lá e depois teve uma amiga que disse assim, “olha,
eu tenho uma casa desocupada lá na Gentil”, era a dona da farmácia Belém, Maricelli
Centeno, ela era dona, hoje ela alugou para a Big-Ben, fizeram contato com ela, é a Big-Ben
agora lá. Aí fomos morar lá nessa casa, depois ela disse “era bom que vocês viessem aqui para
o prédio”, o prédio é dela, tem três andares, olha vocês não vão pagar nada; nós éramos
amigas, muito amigas, “vocês ficam morando e não pagam nada, é melhor porque a
Raimunda trabalha, ganha, mas ainda vai tirar do dinheiro dela para aluguel, e assim não”, e
assim fomos morar lá. Aí ficamos, esse tempo foi o que a mamãe morreu, morreu lá mesmo.
H- Agora vamos falar também um pouquinho da sua vida em Capanema vindo para
Belém. A senhora usou o trem? A Maria fumaça?
247
R- Eu usei o trem, foi quando terminaram, né? eu vinha em Pau de Arara,
caminhão, aquele tempo era isso, não tinha outra coisa, depois de muitos anos tinha lá um
português, comprou uma Kombi pra trazer passageiros de Capanema pra e daqui pra lá.
Ficou assim até nós virmos pro Rio. Quando nós viemos para viajar pro Rio nós viemosde
Kombi de lá.
H- Nesse tempo, agora eu estou tentando ver pela cidade quando a senhora veio de
Capanema pra cá no trem. Onde a senhora desceu? Em queue Estação?
R- Era na Estação Ferroviária, era ali onde é a Estação Rodoviária de S.Braz,
apanhava um táxi e vinha embora quando eu ía pra casa da minha madrinha, né?
H- Pelo ano que a senhora veio, era isso? A senhora não lembra se na sua idade,
nasceu em 1916, teria sete anos seria 1923, de 1923 até trinta e pouco ainda funcionava uma
Estação no Centro de Belém, próximo ao Ver-o-Peso.
R- eu já não conheci mais, já tinha terminado. Ainda ficaram os trilhos, depois que
começaram a tirar.
H- A senhora ia à Cidade Velha, a senhora lembra-se do trem passando ali pelo
Centro? A senhora chegou a andar de Bonde?
R- Não, não lembro não. Eu lembro os Bondes elétricos, tinha o Circular, tinha o outro
que eu não me lembro agora, a gente andava nesses bondes, bonde elétrico. Já tinha terminado
o negócio do trem da cidade, o trem não passava mais, não tinha mais. Era daqui pra
Bragança e de Bragança pra cá. Parando nas cidades, o almoço era em Igarapé- Açu. Quando
a gente vinha de Capanema almoçava lá. Ele parava quarenta minutos, a gente almoçava e
continuava.
H- A senhora chegou a ir para Icoaraci, Pinheiro? Em que ano?
R- Eu morei um ano lá com a mamãe, eu já era moça, eu costurava.
H- A senhora chegou a ir para Icoaraci de trem?
R- Não, ia de Ônibus.
H- Porque o trem para Icoaraci, a linha foi desativada, pela informação que eu
tenho, em 1965. A linha ainda passou um bom tempo na ativa, esse ramal até Icoaraci. E de
Belém, o que a senhora fazia de lazer? A senhora ia à praça, nos domingos? Era só ir à missa?
R- Não. Na casa dos meus padrinhos, eles eram pessoas antigas, né? então ia ao
cinema, tinha uma família, família Tuma, que tinha umas moças, mocinhas como eu, a
gente ia, pro Guarani, era o Guarani e o Universal (em frente ao Guarani), parece que era, eu
não me lembro bem.
248
H- Os dois existem, dá para a gente saber onde é a localização; o Universal eu não me
lembro bem se ele sempre se chamou de Universal, mas o Guarani ainda esta lá, é hoje onde é
o Ministério Público do Estado, eles fizeram um auditório, mas a fachada ainda existe. E as
praças, como a senhora via Belém em relação a Capanema? A senhora andava muito a pé?
R- Eu andava mais de bonde, nesses bondes. eu comecei, eu estudava português e
matemática e também fui fazer um curso de corte e costura, lá na Generalíssimo, a professora
se chamava Maria Luisa Ferreira. Ela estava sempre pro Rio, trazendo novidades, era ali,
canto com a Oliveira Belo. A casa era um prédio alto assim sabe, era duas moradias, dois
prédios parecidos, não o iguais, e fiz o curso de corte e costura, e comecei a costurar e a
trabalhar aqui mesmo em Belém. A minha madrinha também costurava, depois, acho que
estudei um ou dois anos português, não quis mais ficar. Eu fui passar umas férias em
Capanema, escrevi pra minha madrinha e disse que não ia mais voltar.
H- E depois, quando a senhora voltou do Rio, morou aqui em Belém, e onde a senhora
morava em Belém antes de vir aqui para o Pão de Santo Antônio?
R- Aqui eu morava com uma amiga. Ela me disse assim, “como está passando a tua
mãe?” eu disse “ela não está muito bem”, ela disse “vem comigo, moro na Gentil ali junto da
farmácia Belém”, depois minha mãe morreu e fui com essa amiga morar em frente ao Gentil.
Izabel Gadelha de Souza Belém-PA 06.05.1920
H- Dona Isabel, fale um pouco da sua infância e se a Sra. viveu em Belém.
I- Eu nasci aqui em Belém, mas muito pequenininha eu fui me embora pra Porto
Velho, eu fui criada lá em Porto Velho. Não, eu não morei nunca com os meus pais, porque os
meus pais se separaram quando eu era meninazinha. Pequena ele ficou comigo e ela ficou
com os outros. Quem me criou foi uma prima minha e madrinha de criação, madrinha de
batismo e foi minha mãe de criação. Ela era moça, solteira ainda nesse tempo, depois ela
casou, e ela que me criou. eu tinha mãe, mas meu pai eu sabia que tinha morrido, morreu
sem minha presença, não morreu perto de mim, em Porto Velho mesmo, tem que não foi
no mesmo lugar. Eu estava num lugar, ele num outro.
H- Quantos anos a senhora tinha?
249
I- Tinha 14 anos quando ele morreu. eu fiquei sempre com a minha madrinha, ela
que me criou. Aí, quando eu tinha 17 anos, eu saí de casa porque não me dava com o marido
dela, eu fui pra mão do Juiz de Menores.
H- Foi em Porto Velho.
I- Foi em Porto Velho tudo isso, fiquei na mão do juiz, ele me colocou na casa de uma
família, onde eu passei sete anos. sai de de novo quando eu fiz maior idade. Fui para
outra casa, depois de lá, de muito tempo já, quando eu tinha uns 28 anos, não tinha casado
ainda, apareceu minha mãe aqui em Belém, ela veio do seringal, eu não sabia nem se eu tinha
mãe.
H- A sua mãe nasceu onde?
I- A minha mãe nasceu no Amazonas, ela estava muito longe, num lugar pra
dentro do mato mesmo, ela veio pra pra Belém, sem saber notícias minhas e nem eu dela.
Pra mim ela não existia mais, eu me considerava sem pai e mãe. Quando foi um dia, ela
encontrou um senhor aqui em Belém que era de Porto Velho e ela falando com ele, perguntou
se ele queria levar uma carta pra uma família, disse o nome da minha madrinha, que o pai dela
chamava Pedro Alves. ele disse que conhecia. Então, o Sr. leva uma carta pra mim, ele
disse “levo”. Ela tinha casado com um senhor de nome Petronílio Trindade. Perguntou se
ele conhecia o Petronilio, ele disse que conhecia. Pois esse senhor é casado com a minha
sobrinha, justamente essa sobrinha foi que me criou. Ela foi dar a carta, ele trouxe e entregou
na mão da minha madrinha. Nesse tempo eu não morava mais lá, mas ela mandou me chamar
e entregou a carta. Era dizendo que eu tinha mãe, quando eu falo nessas coisas me logo
vontade de chorar.
H- E aí a senhora veio para Belém?
I- Vim pra Belém já com 28 anos e aqui eu fiquei até agora.
H- Quando a senhora veio pra Belém, a senhora veio de navio? Lembra do nome do
navio?
I- Vim de navio. Tenente Portela. Aqui fui pra casa da minha mãe, fiquei com ela
até ela morrer, eu me casei. Eu me casei, fiquei morando com ele, tive um filho, mas
morreu com três meses, não tive mais. Depois que ele morreu, depois de uns dez anos, eu
resolvi vir pra cá, para o Asilo Pão de Santo Antônio.
H- E a senhora morou aqui em Belém em que bairro?
I- Na Travessa 3 de Maio entre Rua Caripunas e Rua Conceição. É no Bairro da
Cremação.
250
H- Quando a senhora chegou aqui com 28 anos, como era a Cremação, ali na Rua
Caripunas?
I- Mas eu não fui logo morar pra lá, eu morava na Domingos Marreiros, ficava por ali
assim. Era Bairro do Umarizal.
H- Como era que a senhora se deslocava na cidade, a senhora saía, ia passear?
I- eu me empreguei numa fábrica de doces, que era doce e castanha, quando não
tinha doce a gente ficava na castanha. Fábrica São Vicente. Não existe mais também. Passei
muitos anos, foi lá que eu arrumei esse senhor e me casei, era viúvo.
H- Onde ficava a fábrica São Vicente?
I- Ficava no Umarizal também.
H- Aí a senhora conheceu essa pessoa e casou?
I- Eu vivi uns anos com ele, depois casamos, casamos no civil. Mas ele tinha cinco
filhos, e eu nunca fui morar com os filhos dele, morei separado, ele alugou uma casa.
Primeiro eu vivi com ele, depois ele casou comigo. Ainda tinha minha mãe, minha mãe
morava com uma irmã que eu tinha, ela morreu também e a minha mãe ficou comigo, até
que ela morreu também. Ficou nos dois. Os filhos dele moravam separados, depois os
filhos dele foram casando, se separam todos, né? E eu vivia com ele, até quando ele saiu da
fábrica, porque eu ficava em casa fazendo serviço de casa com ele. Ele era sapateiro, fazia
sapato e consertava também, tinha uma oficinazinha dele.
H- Como ele se chamava?
I- Murilo Luis de Souza. Bem, aí foi o tempo que ele adoeceu do coração, ele tinha um
filho que era perturbado, que era não, ainda existe esse filho dele. Já está velhinho, mas ainda
não morreu, mora com uma irmã dele, que é casada, que está melhor de vida, ela que toma
conta dele. Ele morreu, eu fiquei lá, chamei um enteado, meu enteado, filho dele pra morar
lá. Fez uma casa atrás da minha, na Tv. 3 de Maio, ele ainda mora aí. Foi, mas ele tinha
filhos, eles passaram pra dormir lá em casa comigo, disque pra me fazer companhia, mas não
adiantava, eles eram muito bagunceiros, chegavam tarde da noite, e eu não suportei mais e
disse que queria vir embora pra cá, pro Pão de Santo Antonio, aí eu vim pra cá.
H- Agora vamos falar de um pouquinho antes. Quando a senhora chegou, já com 28
anos, quando a senhora vinha pra pra Belém, o que a senhora fazia pro seu divertimento?
De lazer eu falo, ia pra praça, chegou a ir ao Bosque?
I- Não era como é agora, tinha menos coisa, tinha cinema, praça.
H- E a senhora chegou a ir ao cinema?
251
I- Tinha praia também, eu ia sempre no Cinema. Nesse tempo tinha o cinema Popular,
tinha o cinema Moderno, o Iracema. Eu sempre ia variando, no Olímpia eu também ia.
Gostava de sentar naquela Praça, tudo isso pra mim era divertimento.
H- A senhora chegou a andar de bonde?
I- Não, quando eu cheguei aqui não tinha mais bonde. Eu cheguei aqui parece em
1948.
H- Então de trem a senhora andou?
I- Andei muito, fui pra Bragança, fiquei uns dias, passei uns dias em Bragança.
Gostei muito de Bragança. Fui em Soure, Mosqueiro, por aí tudo eu andei.
H- Sim, e aí a senhora pegou, gico, o trem em São Braz, ia de São Braz pra
Bragança.
I- Estação de São Braz, era muito bom andar de trem, gostei muito.
H- E o preço, era um preço bom?
I- O sr. sabe que do preço eu não me lembro mais, mas era barato.
H- Era uma coisa que dava para se deslocar?
I- Se não me engano, era dois cruzeiros. Não me lembro bem, mas parece que era.
H- E qual era o tipo de filme que a senhora gostava?
I- Muitos filmes, eu não me lembro mais, me lembro de um que era “A Princesa das
Selvas”, esse eu me lembro bem que eu vi muitas e muitas vezes. Gostei muito.
H- E ali daquela área onde a senhora morou, Cremação.
I- Ali era um caminhozinho, agora asfaltaram, uma rua larga agora. Tudo
asfaltadinho.
H- Isso foi em 1948?
I- Quando eu cheguei era um caminhozinho, eu quando cheguei não morei logo lá,
quando eu fui pra lá já era asfaltada.
H- Era quando a senhora morava na Antonio Barreto?
I- Quando eu cheguei aqui eu morei na Antonio Barreto, depois morei na Caripunas
também. Tinha uma tia que morava lá. De parente, eu ainda tenho uma prima e dois
sobrinhos, mas eles vivem tudo separado.
H- Obrigado, então.
252
Brígida Pereira de Souza nascida em Belém – PA no dia 08.10.1902
Homobono Dona Brígida, fale um pouco então, a senhora disse que morava na Rua
dos Mundurucus em frente ao Colégio Progresso Paraense, é isso? A senhora estudou na sua
vida, a senhora fez primário? Aprendeu a ler e a escrever?
Brígida - Já. Esse Colégio Progresso Paraense.
H- Mas a senhora estudou no Colégio Progresso Paraense?
B- Não, a minha madrinha era Ana Barroso Lima e ela era Diretora, e de fato eu
gostava de estudar era em casa. Ela me chamava e todos iam pra lá, então é assim.
H- A senhora lembra de quando o trem passava lá na frente da sua casa?
B- Ele parava na porta de casa.
H- A senhora chegou a andar de trem, a senhora pegava o trem?
B- Pegava, ia passeando principalmente pegar ali na Rua dos Mundurucus e nós íamos
ver a linha de São Braz.
H- Muitas vezes a senhora fez isso? A senhora lembra até que ano a senhora fez isso?
A senhora já era mocinha? Era moça? A senhora tinha quantos anos?
B- Eh, se eu me lembro? Sim eu me lembro.
H- A senhora tinha quantos anos? 20, 30 anos? Quando pegava o trem?
B- Pois é ...
H- A senhora casou?
253
B- Eu era casada. Fiquei casada depois, porque eu não era, né?
H- A senhora teve muitos filhos?
B- Não tive nenhum.
H- Criar filhos dos outros. A senhora cuidava muito de filhos dos outros?
B- Até hoje. Olhe, eu tinha 23 afilhados.
H- E a senhora ia à Praça Batista Campos passear, brincar?
B- Pegava manga, a frutinha, ali na praça tinha a mangueira, né? E quando eu tinha
vontade assim, eu pegava naquele pavilhão, contanto que eu parava, pra me abaixar pra pegar
a manga. Tinha feira ali que não tinha manga.
H- A senhora ia passear na Praça, brincar, afora pegar manga? Fale um pouco mais do
que a senhora gostava de fazer na sua época de criança e adolescente.
B- Nós em casa tínhamos muitas frutas, tinha sapotilha, abiu, abricó.
H- Tinha um quintal grande na sua casa?
B- Tinha.
H- E a Rua dos Mundurucus, como era? Era uma rua animada, tinha São João,
fogueira, nessa época?
B- Ah, tinha, tinha, principalmente agora em junho, tinha tudo.
H- E o trem? O trilho do trem. Em algum momento a senhora teve medo de ser
atropelada pelo trem ou não tinha esse medo?
B- Eu não tinha medo, não.
H- Tinha muita criança na sua rua? Nesse trecho da Rua dos Mundurucus?
B- Muitas não, mas tinha as dos vizinhos.
H- E o que vocês faziam? Com que vocês brincavam? Com as meninas, brincava de
que?
B- Não tinha muitas meninas.
H- Eram mais meninos?
B- Tinha, mas não era tanto assim.
H- E a senhora fazia o quê em casa? O que a senhora gostava de fazer na sua casa?
B- Eu não fazia nada.
H- A senhora não gostava de fazer costura? Um trabalho que a senhora gostava, além
de tomar conta dos filhos dos outros?
B- Eu gostava de passear, pular corda, de criança.
H- A senhora era babá? A senhora era uma empregada doméstica? Qual era o seu
trabalho? O que era? Quando a senhora trabalhava com a casa dos outros?
254
B- Não era na casa dos outros, não, era na casa da minha madrinha.
H- Então a senhora na verdade, não era empregada doméstica.
B- Não era não. Nunca fui empregada.
H- A senhora estudou até que ano? Quando a senhora morava na casa da sua
madrinha?
B- Ana Barroso Lima.
H- Ana Barroso Lima era sua madrinha, ela tinha filhos, era casada?
B- Não, ela nunca teve filhos.
H- Ela era a diretora do grupo?
B- É, do Grupo.
H- Colégio Progresso Paraense. É isso Dona Brígida, obrigada pelas suas palavrinhas
que vão me ajudar um pouco, tá bom? Ou muito, porque a senhora...
B- Ela era pianista, tocava piano, eu comecei a aprender piano, fazia que não me
lembrava.
H- Por quê? A senhora não gostava de tocar piano?
B- Não, eu gostava, mas o negócio é que achava que ficava prá depois, vai ficar, ia
melhorando.
H- E aí, por que a senhora não resolveu aprender outro instrumento? Violão. A
senhora gostava só de piano?
B- Piano, porque ela era pianista.
H- E a senhora ajudava-a nas tarefas da escola? A senhora saía com ela? A senhora
passeava com ela? Aonde vocês iam?
B- A gente passeava, também tinha ali na praça, até me esqueci o nome da casa, que
até hoje ainda tem e assistia tudo.
H- O que era, Teatro? A senhora ia pro Teatro?
B- O... ali no Olímpia, Cinema Olímpia.
H- A senhora ia ao Cinema? A senhora gostava de ir ao Cinema?
B- Gostava.
H- A senhora tomava um sorvete depois, quando saía do cinema?
B- Era, tomava.
H- Que mais a senhora gostava de fazer?
B- Não me lembro.
255
H- A senhora pegava o Bonde pra ir à praça? Ou vocês iam a da Rua Mundurucus
até o Largo da Pólvora? A senhora ia com a sua madrinha a ou a senhora pegava um
bonde?
B- Ela dizia “vumbora em Nazaré”?
H- E pra Nazaré a senhora pegava um bonde?
B- Era.
H- A senhora lembra-se da festa de Nazaré?
B- Ah, imagina. Eu ia, sim.
Antonia Andrade Galvão Nascida em Belém – PA no dia 05.02.1911
Homobono- Dona Antonia, gostaria de saber alguma coisa da sua infância e
adolescência. A senhora nasceu em Belém?
Antonia - Nasci em Belém, lá no Telégrafo.
H- A senhora estudou?
A- Estudei pouco, porque fiquei sem minha avó, sem minha e, com doze anos já
estava na casa dos outros trabalhando. Eh, Eh, Eh...Com doze anos, eu já trabalhava.
H- E a senhora trabalhava onde?
A- Na casa de uma senhora que faleceu que morava na Travessa do Curro. Era uma
família que morava lá, eu fui pra lá com doze anos, já fui pra trabalhar.
H- E a senhora lembra como era o nome dessa família?
A- O nome do Sr. era Olímpio Alves de Araújo, ele era comerciante, tinha uma casa
de comércio e a senhora dele, era Neomizia Carvalho de Araújo. Ah, Ah, Ah, Ah....Tive com
eles muito tempo, depois, uma senhora que era amiga dela precisava de gente também na
casa dela e aí me pediu e fui morar lá com esta senhora e fui indo assim, trabalhando. Ah, Ah,
Ah, Ah....
H- A senhora falou que estudou um pouco, qual foi a escola que a senhora estudou?
A- Eu estudei numa escola que tinha na Estrada do Una, estudei um ano, depois não
pude mais estudar porque minha avó faleceu, minha mãe, meu pai. Aí nós ficamos pelas casas
dos outros.
H- Era uma Escola Pública?
256
A- Era uma escola particular, tinha que pagar. E eu não pude mais estudar porque
não tinha Grupo ainda e a minha avó adoeceu, ela que fazia tudo pela gente, eu não pude
estudar mais. Estudei muito pouco.
H- A senhora lembra o nome da sua professora?
A- Eu me lembro que era Secondina e a filha dela era Severina. Ah, Ah, Ah,
Ah....Eram só elas duas que moravam na casa, eram professoras e ensinavam todos ali do
Bairro, só tinha essa escola lá. Ainda não tinha Grupo, não tinha nada, ainda. Muito pobre e lá
eu estudei um ano, eu estava com sete anos, me lembro, estudei e depois não estudei mais.
Comecei a trabalhar pelas casas dos outros, a trabalhar na fábrica. Trabalhei muito tempo na
fábrica do Chamié, era fábrica de Castanha e Sapato. Eu trabalhava no sapato, fazia sapato,
sapato esporte. Ficava na Municipalidade, a do Farah. Primeiro eu trabalhei na do Farah que
era de sapatos, depois nos mudamos pro Chamié, canto da Quintino com a 28, ali eu me
lembro estava já com meus dezessete, dezoito anos, me lembro dos trabalhos, onde eu
trabalhei.
H- Como é que a senhora ia da sua casa para o trabalho? A senhora pegava algum
transporte?
A- Eu, quando trabalhava na casas dos outros, eu morava, não andava assim, a gente
não podia andar assim muito na rua, tava menina ainda quase, né? Eu ficava morando na casa.
Estava com dezoito anos. Eu já trabalhava na Chamié, ia pro trabalho, era perto, eu morava no
Telégrafo, a gente ia a e vinha a pé. Tudo era sapato, trabalhei com sapatos. A fábrica do
Farah ficava na Municipalidade entre Manoel Evaristo e Soares Carneiro.
H- A senhora ia ao Ver-o-Peso de vez em quando?
A- Ah, ia. Depois me empreguei em casa de família, trabalhando, fazendo compras,
né? E fui indo. Ah, Ah, Ah, Ah....
H- A senhora casou? Em que ano?
A- Casei. Eu me casei com 37 anos, em 1950, a minha certidão está aí, na mão do
pessoal, do casamento.
H- A senhora teve filhos? Netos?
A- tive uma filha, faleceu. Enteados eu tenho, meus enteados. Eu casei, ele era
viúvo e tinha três filhos, mas estão todos casados, todos nas casas deles, estão bem.
H- Seu marido era paraense?
A- Meu marido trabalhava na rua, era negócios de vendas, ele trabalhava no Mercado.
Eu me casei já estava com 38 anos, casei no civil e católico.
H- Que igreja a senhora casou?
257
A- Eu casei na igreja do Marco, Sagrado Coração de Jesus, até desmancharam
essa igreja,
H- O que a senhora fazia de lazer no sábado e domingo? A senhora passeava? A
senhora ia para alguma praça? A senhora fazia o quê?
A- Saía, passeava, ia passear no Bosque, me dei bem no casamento, eu, minhas
enteadas, elas todas sabem ler, escrever, uma mora em Icoaraci, a outra no Satélite, todas tem
casas, estão casadas, elas. Eu morava em Icoaraci, depois que o meu marido faleceu, pra não
ficar só, eu fui morar com a minha enteada, lá em Icoaraci.
H- A senhora vinha de vez em quando a Belém? Como vinha para Belém? Pegava
ônibus, pegava o trem?
A- Eu pegava o bonde, mas faz tempo. A gente quase não saía de casa, quando eu saía
era mais pra missa, na Igreja da Nossa Senhora da Conceição; eu morava na Estrada Nova,
com meu marido e minhas enteadas.
H- A senhora chegou a andar de trem? Na Maria Fumaça? A senhora chegou a utilizá-
la?
A- De trem? Andei que eu fui direto pra Americano, na casa da minha irmã.
H- A senhora pegava o trem onde?
A- Lá em São Braz e saltava em Americano, mas eu ia sempre com o meu marido e as
minhas enteadas, eu quase não andava só. Ah, Ah, Ah, Ah....
H- Era bom lugar, a Vila de Americano?
A- Estava ainda muito atrasada Americano, não tinha quase carne, não tinha peixe.
H- O que se fazia em Americano? Os seus parentes tinham lavoura lá, plantavam?
A- Nada, eu ia passear só, na casa da minha irmã. Não tinham. E depois, estava em
Icoaraci com a minha enteada, ela mora num conjunto. Pedi pra ela que eu queria vir pra cá, a
casa estava muito pequena, ela ainda está morando lá, agora é que ela mandou aumentar a
casa, né? Ela mora lá desde que fizeram o Conjunto. Ela mora lá em Icoaraci, ela vem sempre
aqui, mas está de idade, 70 anos e ficou um pouco doente, mas ela vem; são duas, uma
mora no Satélite e a outra lá.
H- A senhora foi feliz? A senhora se acha uma pessoa feliz?
A- Eu, por enquanto estou, porque eu não tenho pensamentos de nada, Graças a Deus,
eu estou bem, eu só tenho uma leseira nas pernas e pra cá, estou bem.
H- Obrigado, Dona Antonia.
258
Nazira Ruffeil nascida em Belém – PA no dia 11.05.1920
Homobono- Dona Nazira, eu gostaria de saber um pouco da sua infância e juventude.
Para iniciar, a senhora nasceu em Belém, mesmo?
Nazira - Eu nasci em Belém, na Cidade Velha, na rua ou travessa de Cametá. Depois o
meu pai não parava..., a gente passava um tempo aqui outro tempo acolá, a gente não tinha
lugar certo. Passei 3 anos na Cametá depois fui para a Ângelo Custódio, depois na Demétrio
Ribeiro. eu estudava no Grupo, Grupo Rui Barbosa. Na Praça de São João, na Cidade
Velha, estudei uns três ou quatro anos lá. Antes disso eu estudei num colégio particular,
depois meu pai adoeceu não pode continuar pagando e eu fui estudar no Grupo. Quando eu
estava com uns onze anos, por assim, eu parei de estudar porque minha mãe costurava
muito e eu tive que ajudá-la; parei. Quando eu tinha dez anos fui morar na casa de uma tia
minha, meu pai adoeceu, meu pai morreu tuberculoso, adoeceu, não podia mais trabalhar.
Aí eu morei na casa da minha tia muitos anos, quando ela morreu, eu já estava com 52 anos.
H- E onde era esse endereço?
N- Na Rua Dr. Malcher.
H- Como a sra morou muito tempo na Cidade Velha, a sra lembra do trem, da Maria
fumaça por lá?
N- Era na Ângelo Custódio, a Estação de Belém não era? Do trem, eu me lembro de
tudo isso. Morava na Rua Ângelo Custódio, ainda.
259
H- Fale um pouco de lá, da Estação, a sra chegou a pegar o trem lá, com seus pais,
com sua mãe?
N- Era com meus pais, era. A Estação de Belém era ali onde são umas casas, uma vila
se eu não me engano (Tamandaré esquina com a 16 de Novembro). Faz tempo que eu não
ando para aqueles lados, pois eu estou cheia de problemas.
H- Eu gostaria que a senhora lembrasse esse tempo de criança e adolescente, se a
senhora conseguir. O que lembra ali da 16 de Novembro? Das pessoas, a senhora chegou a
entrar na Estação?
N- Cheguei, cheguei. Andava muito de trem. Eh,eh,eh...Ia pra Benevides, que eu tinha
uns parentes lá. E assim né? Depois eu fui morar na casa de minha tia, fui com uns dez anos,
quando eu saí de estava com 52 anos. Eu cuidei de minha tia, ela era muito idosa. Eu
cuidei dela, quando ela ia para o hospital, eu me internava com ela, era com todo amor e
carinho. Ela não queria ninguém perto dela, ela só queria eu. Eu fazia toda a vontade,
conversava com ela com carinho, ela dizia para mim: ah, minha filha, eu peço a Deus,
quando você ficar velha que voencontre uma pessoa que faça pra você o que você está
fazendo por mim. Minha tia morreu com 104 anos, nunca usou óculos, nunca se operou de
nada e morreu porque teve derrame.. O marido da minha prima dizia é melhor você trabalhar,
porque assim... eu fiquei muito abatida. Trabalhei muito. Depois eu fui trabalhar fazendo
doces pra fora. Olha, eu trabalhei quase 20 anos fazendo doces, tanta encomenda, depois que
a minha tia morreu eu vim morar aqui na Avenida Conselheiro, venderam a casa, depois eu
tinha uma parte, né? compraram. Olha eu morei com amor 64 anos, desde a idade de 18
anos. Já vai fazer 4 anos que ela morreu. Foi em novembro. Trabalhávamos em doces pra
fora, era dia e noite, era muita encomenda, tinha quinze ajudantes. Mas depois de quase
dezoito anos de trabalho, o médico cardiologista disse que “se a senhora não parar de
trabalhar a senhora vai cair morta de repente, a sua pressão não tem mais jeito”. E as
minhas filhas acharam que eu devia vender a casa, sair, comprar um apartamento. E assim nós
fizemos, era eu e a filha que iria morar comigo. Depois nós moramos na Avenida 16 de
Novembro, naquele edifício Amazonas.
260
Guiomar Macedo Porto Ferreira Nascida em Manaus–AM no dia 17.08.1915
Homobono - Dona Guiomar, como a sra me falou poucos minutos, antes de
começar a gravar, a senhora disse-me que nasceu em Manaus e veio bem pequenina aqui pra
Belém. Fale dessa sua infância e juventude aqui em Belém. Onde a senhora morou, com quem
a sra morava?
Guiomar - Eu morei em Icoaraci. Eu me criei em Icoaraci. Morava com a minha
avó, meus pais eram separados; quando eu era pequenina a minha mãe ficou gestante do outro
meu irmão, e eles se separaram, ele ficou pra Manaus e nós ficamos aqui em Icoaraci, eu
fui criada em Icoaraci. Nesse tempo ainda era Pinheiro, ainda não era Icoaraci.
H- E a sra vinha pra Belém, às vezes?
G- Vinha às vezes, depois que minha irmã casou, sim, ela morava na Rua dos
Mundurucus, eu vinha passar dias com ela. Eu me casei e fui pro interior. Marapanim e
Marudá. O primeiro marido, eu me casei com dezessete anos, e com 9 anos de casada, ele me
deixou por causa de outra, eu vim me embora para a casa da minha irmã. Ela morava na
Avenida São Jerônimo nesse tempo, próximo à Avenida José Bonifácio.
H- Fale um pouco de quando a sra morava em Pinheiro. A senhora usou a Maria
Fumaça, o trem da EFB, pra vir para Belém?
G- Nesse tempo era ainda, não tinha essa Estrada de ônibus ainda, era mocinha
quando foi inaugurada, é que vinha só pela Base ainda o ônibus.
H- E de trem? Conte alguma coisa que eu estou interessado em saber como era que
funcionava lá o trem. A sra pegava o trem na Estação de Pinheiro? E vinha até onde?
261
G- Era na Estação, vinha até à Estação de São Braz. Eu saltava em São Braz, mas ele
ia pra 2 de Dezembro, coisa assim, ele passava aqui pela Gentil.
H- A sra não chegou a ir até à Estação Central de Belém? Até ao final do Ramal?
Então, a sra descia em São Braz e ia pra casa da sua irmã que era na Avenida São Jerônimo. A
senhora estudou?
- Só estudei até o segundo ano primário. Nós éramos muito pobres, fomos criados sem
pai, a minha avó também ficou viúva ela, bem, ela não era minha avó, porque ela foi mãe de
criação, ela era tia da minha mãe, minha mãe era filha da irmã dela. Então a minha avó que eu
chamava avó, ela nunca teve filhos, como eu também, também nunca tive, tive um aborto
logo que eu me casei, de lá não engravidei mais.
H- Então a senhora não estudou? A senhora lembra-se de ter ido a algum Grupo
Escolar?
G- Fui num Grupo que tinha lá em Icoaraci, que ainda tem agora.
H- Agora fale daqui de Belém, a senhora mocinha, adolescente, antes de casar, o
que a senhora fazia para se divertir, qual era o seu lazer?
G- Não tinha. Não tive mocidade, nada. Pouco ia a festa, que a minha avó não
deixava, naquele tempo era pouco as festas que tinha, não tinha esse negócio de som, nada.
Era só aquele negócio de flauta, violão, essas coisas.
H- Mas tinha na sua casa isso, faziam isso na sua casa? Uma festa com som.
G- Não, nós morávamos numa barraca. Na Segunda Rua, já Ponta Grossa.
H- Mas e aqui em Belém, quando a senhora veio morar para cá. A senhora mudou ou
sempre morou em Icoaraci?
G- Eu passei nove anos no interior; quando eu me casei, com o primeiro, né? Com o
segundo, não cheguei a me casar, mas nós vivemos 54 anos, deixamo-nos porque ele morreu.
Vai fazer sete anos. É, 54 anos. Nós morávamos em Icoaraci na Travessa Souza Franco.
Depois da morte dele eu passei 5 anos e cinco meses só, na minha casa, eu e o meu cachorro.
E não estava dando pra ficar sozinha e tive que vender a minha casinha e vim para cá,
para casa da minha irmã, aqui na Rua dos Mundurucus, mas fazia muito barulho, é que fica
em frente ao Universo, Colégio Universo. Eu vinha de ônibus e fazia muito barulho e por trás
tem outro Colégio, N.S. das Graças, faz frente pra Castelo, perto ali dos Capuchinhos. Então a
minha sobrinha como tem, ela tem um apartamento e ela se mudou para o apartamento, fui
pra lá, eu, ela e a minha irmã, mãe dela. Mas eu não gosto de apartamento, é no sexto
andar, a gente parece que está presa ali, eu estava doente.
H- Aqui, a senhora está bem? Está contente aqui?
262
G- Aqui estou feliz. Porque aqui eu faço exercício, fisioterapia, essas coisas. Ela
sempre nos levava pros passeios, ia à missa. Uma vez ou outra até Nazaré. E a gente sempre
ia à missa ali nos Capuchinhos, porque fica perto. Doenças, ela estava sempre levando no
médico, estava sem empregada, também. A empregada foi embora e hoje em dia é difícil, né?
Ela arrumou outra, mas não deu certo.
H- E a gente volta um pouquinho pro tempo em Icoaraci, vocês iam à praia, iam
passear? Ele fazia o quê, o seu marido?
G- Não, não ia. Ficava muito em casa. Ele que saía pra dar umas voltas. Ele
trabalhava, trabalhou desde cedo, teve um emprego que foi no Curtume Guará, em
Icoaraci, do Pires Guerreiro, mas depois que ele vendeu porque o filho dele foi estudar lá pros
Estados Unidos, e quando veio formado, era pra ele entregar pro filho a brica, que ele
estava idoso, mas ele foi pra uma festa em Icoaraci, pelo Carnaval, no Pinheirense, de
madrugada quando ele veio, ele sofreu um acidente de carro e morreu, não morreu na hora,
passado uns dias ele morreu, o velho desgostou, depois vendeu a Fábrica. Ele deu uma
indenizaçãozinha qualquer pra cada um. Ele disse que se ele quisesse ficar trabalhando lá com
o outro, mas ele saiu. ele não ficou pagando o Instituto, né? Depois que saiu porque era
descontado lá, né? Ele se descuidou, não pagou e não teve direito nessa aposentadoria, ele
aposentou-se já por idade. Por isso que eu não recebo nada dele, só recebo a minha mesmo.
H- A senhora recebe pelo INSS?
G- É o que ajuda a pagar aqui, porque não dá. Aí eu pago salário e meio aqui, não dá.
H- Obrigado, Dona Guiomar.
263
Maria de Lourdes Montenegro de Souza Santarém – PA dia 29.07.1915
H- Dona Lurdinha, a sra. poderia falar um pouco da sua infância e adolescência? A
senhora nasceu aqui em Belém?
L- Nasci em Santarém, em 1915, na cidade de Santarém. Eu vim para cá com 15 anos.
H- Então a sra veio em 1930. Quando a senhora chegou aqui em Belém, onde a sra foi
morar?
L- Eu morei ali perto do Largo da Pólvora com uma senhora que depois foi embora
daqui, foi pro Estados Unidos e eu fiquei na casa dessa mesma senhora, que o marido dela era
da Palmeira, agora não tem mais Palmeira. A casa dele era no Largo da Pólvora.
H- Sim, a Palmeira, fábrica de doces, que ficava na Manuel Barata. No Largo da
Pólvora, a senhora lembra o nome da rua? Era no próprio Largo?
L- Perto daquela escola de professoras do Estado. Depois eu saí de lá, mudei pra Praça
Amazonas, que tinha... aonde botavam os presos, Presídio São José. Lá que eu morava numa
casa defronte. eu fiquei namorando um homem que desapareceu, me botou uma filha,
depois eu deixei ele porque ele não prestava. Ficava perto da Arcipreste Manoel Teodoro, lá
que morava a peça, ele chamava-se Vicente, ele era, não era médico, era, trabalhava nos
Correios, eu tinha uma filha com ele, no Hospital da Beneficente Portuguesa, que nasceu a
minha primeira filha. Essa primeira filha eu comecei a criar na casa dos outros, muito tempo
eu estive na casa de uma senhora, trabalhando com ela, criando a minha filha. era na casa
de uma senhora que morreu, na 3 de Maio com Conselheiro Furtado, Maria de Nazaré.
Depois fui pra casa de uma senhora que se dava comigo, a minha filha tinha 15 anos. Eu
comecei a estudar, sai de lá e fui morar com uma senhora que morava perto da Castelo. Morei
25 anos, trabalhando, trabalhando, sempre trabalho doméstico; depois ela disse, quando eu
quis me aposentar, ela o quis assinar a carteira, uma senhora disse assim pra mim: não te
incomoda, Lurdinha, que eu vou fazer tudo isso pra ti. Eu entrei para receber o dinheiro pelo
INPS, ela me botou lá, de recebo um dinheirinho, até hoje recebo de . Mas eu estava
cega de uma vista, ela me pôs como invalidez, porque eu não enxergava de uma vista e até
264
hoje eu não enxergo dessa vista, dessa aqui. A Dra. Sara Lemos que já morreu ela me operou
e me botou na Sociedade São Braz, sou de mais de 50 anos, era pra eu não pagar
nada.
H- Dona Lurdinha, agora a gente vai voltar um pouquinho, a senhora falou que morou
na Praça Amazonas, um tempo. Lembra da Maria Fumaça? Do trem passando perto? Fale
como era lá na parte em que a senhora morava. A senhora conheceu a Estação do Trem?
L- Me lembro, me lembro sim, tinha muita coisa diferente, a cidade agora está toda
diferente. Eu morava logo na entrada da Arcipreste Manoel Teodoro canto com a Avenida 16
de novembro. Conheci um senhor, eu me dava com ele, era diretor do trem, ele viajava pra lá
e pra cá. Ele chamava-se, como é o nome dele, meu Deus? Eu conheci muito a filha dele, se
dava muito comigo, era Sebastião.
H- E a senhora chegou a andar de trem? Na Maria Fumaça, a senhora andou alguma
vez?
L- Andei, duas vezes, três vezes, eu ia pra Castanhal, passear com uma senhora que se
dava comigo. Pegava o trem aí em São Braz.
H- A senhora não chegou a pegar o trem lá na Estação da Avenida 16 de Novembro?
L- Não. Eu não morava mais lá. Sebastião, era o nome dele. Que trabalhava no trem.
H- Sebastião, mas não lembra o sobrenome. A sra viu o trem quando a senhora
morava na Praça Amazonas, perto do Presídio; a sra viu o trem passar na Mundurucus? Ele
fazia barulho, a sra ouvia o apito?
L- Vi, via o trem passar, via, via. Tinha aquele outro que a gente pagava 200 reis, não
era ônibus não, o bonde, olha quanto mudou aquilo!
H- E na sua vida, a senhora teve nessa época, a senhora conheceu algum estrangeiro?
Uma pessoa de fora, alemão, francês, português?
L- Não. Eu era filha de um português de Santarém, quando eu nasci, né? Maria de
Lurdes Montenegro, mas ele morreu também, eu estava aqui quando tive a notícia que ele
morreu.
H- E depois a sra teve uma filha, depois a senhora teve mais filhos? A senhora teve
netos?
L- Não, só tive mais uma filha. Com essa filha que eu fui me empregar nessa casa na 3
de Maio canto com a Conselheiro Furtado. Eu agora tenho, tenho 7 bisnetos, ainda tenho meu
genro, ele mora em Brasília, casou com a outra minha filha que eu tive, ela foi pra
265
trabalhar, ele se enamorou dela, arranjou emprego pra ela, se formou, casou com ela; eu
tenho dois netos que nasceram lá. Eles vêm sempre me visitar aqui.
H- E a senhora quando era jovem assim catorze, quinze anos, a senhora passeava
muito? E a escola? A senhora estudou?
L- Ave-Maria. Eu passeava de pra cá, ia pra Mosqueiro, ia pra Pinheiro, tinha
namorado, era passeio de Bonde, ia de navio também pra lá, agora não tem mais, né? Não tem
mais nem trapiche, né? Eu estudei em Santarém até à quinta série. No Grupo de Santarém,
ficava perto da serraria, da fortaleza.
H- Está certo! Muito obrigado, D. Lurdinha
266
Ana Farias Sodré Abaetetuba – PA dia 18.10.1918
H- Pode falar sobre o trem como nós conversamos, D. Ana Farias?
A- Eu conheci.
H- Onde a senhora morava em Belém?
A- Na Mundurucus, entre a Roberto Camelier e a ...
H- A senhora viu o trem passar. Quantos anos a senhora tinha?
A- Olha, eu era garota ainda.
H- Da sua casa, a senhora via o trem?
A- Não.
H- Mas a senhora chegou a andar de trem?
A- Não. Nunca andei.
H- Fale um pouco do seu pai e da sua mãe.
A- Meu pai era...
H- O que ele falava? O trem fazia barulho, a senhora ouvia o trem de longe, da sua
casa?
A- Não, nem de longe.
H- Tente lembrar, assim, dele, a senhora ouviu o apito do trem?
A- O apito, eu ouvia.
H- Que horas normalmente?
A- Na hora que ele ia sair.
H- Ele saia da Parada perto da sua casa?
A- Não, longe.
H- Que mais que a senhora lembra? A senhora chegou a ir em São Braz?
A- Cheguei.
H- A senhora conheceu a Estação de São Braz do trem?
A- Conheci.
H- E assim de passeio para onde a senhora ia?
A- Eu ia para o interior, eu conheço Soure, conheço S. Paulo, Rio, Brasília.
267
H- Mas vamos dizer assim, aqui em Belém, fora Abaeté onde a senhora nasceu, a
senhora voltou em Abaeté?
A- Eu sempre ia para a festa da Nossa Senhora da Conceição.
H- Como é que a senhora lembra lá de Abaeté?
A- É grande Abaeté. A gente ia pra lá por causa do Círio de Nossa Senhora da
Conceição.
H- Ah, a senhora ia participar do Círio. Em que mês? A senhora lembra qual é o mês
do Círio?
A- O mês...O dia 8 de ...
H- O Círio, a senhora acompanhava lá em Abaeté? A partir de quantos anos?
A- Acompanhava. Todo ano tem.
H- Com dezoito anos a senhora ia pra lá, acompanhar?
A- Ia.
H- E aqui em Belém, o Círio de Nazaré, a senhora acompanhava?
A- Acompanhava.
H- E depois? Acompanhava a festa de Nazaré? Ia para o Largo? A senhora ia aos
cinemas?
A- Ia no Largo. Não, cinema não, eu nunca gostei de cinemas.
H- A senhora tinha irmãos? Quantos irmãos?
A- Tinha, já morreram todos. Não sei quantos irmãos.
H- E eles saíam com a senhora?
A- Não. A gente não saía quase.
H- Mas a senhora ia à noite para a igreja? Depois ia para a festa?
A- Ia pra casa.
H- E como a senhora ia? Ia de bonde, ia de ônibus, ia a pé?
A- Ia de ônibus.
H- Era boa a viagem? E a senhora chegou a andar de Bonde?
A- Bonde? Andei.
H- Era legal, a senhora gostava? Era melhor do que ônibus?
A- Não, ônibus era melhor.
H- Quando a senhora andou ainda tinha Bonde de primeira e Bonde de segunda?
A- Era. Passava ali na Dr. Assis, quando ia pra Cidade Velha. O Beco do Cardoso.
H- E Icoaraci, a senhora chegou a ir à Icoaraci?
A- Conheço Icoaraci.
268
H- Mas nessa época de criança, era quando a senhora saía com seu pai?
A- Não, eu não saía com meu pai.
H- Não? Com quem a senhora morava na Mundurucus? Era sua família?
A- Era com uma família que eu morava.
H- A senhora lembra o nome da família? A senhora trabalhou com eles, foi isso?
Trabalhou muitos anos?
A- Família Cardoso. Foi. Muitos anos!
H- A senhora casou? Teve filhos? E seu marido?
A- Casei. Não. Morreu.
H- Ele chegou a viver muito tempo com a senhora?
A- Uns 10 anos.
Adelina Costa Cachoeira do Arari – PA dia 30.05.1907
269
H- D. Adelina, eu vou perguntar para a senhora se sempre morou em Belém?
A- Eu morei no interior.
H- Morou em que cidade do interior?
A- No Marajó. Cachoeira do Arari.
H- A senhora nasceu em Cachoeira do Arari?
A- Foi. Trabalhei muito na roça.
H- Trabalhou na roça durante quanto tempo? A senhora lembra nos seus 100 anos?
A- Me lembro, 30 de maio.
H- Quantos anos a senhora tinha quando veio para Belém? A senhora era mocinha?
Era menina? Quando a senhora veio para Belém?
A- 1907, que eu nasci. Eu tinha, parece, uns 25 anos.
H- Com 25 anos a senhora veio para em 1932, foi isso? Pelas contas seria isso. E
como a senhora chegou aqui em Belém, da sua terra, de Cachoeira do Arari? A senhora
veio de barco?
A- De canoa. Vim procurar emprego aqui em Belém. Primeiro, achei um em Icoaraci,
numa loja de fazenda. Numa casa mesmo na Vila, trabalhei com uma senhora, ela não está
mais, morreu. Tive de viver com ela trabalhando, assim de cozinheira. Depois eu não quis
mais.
H- A senhora morava lá em Icoaraci, chamavam Pinheiro nessa época?
A- Agora é Icoaraci. Tinha um trapiche onde as canoas ficavam atracadas perto da
Vila, na praia do ...
H- Não se preocupe com detalhes assim. Quando a senhora morou em Icoaraci quanto
tempo a senhora ficou nesses empregos?
A- Ah, não me lembro.
H- Não lembra. Agora a senhora lembra que o trem ia até Icoaraci?
A- Eu cheguei a andar no trem.
H- A senhora pegou o trem lá em Icoaraci?
A- Foi, nesse tempo tinha trem, agora o mais que tem é ônibus.
H- Mas a senhora viajou algumas vezes de trem? Lá de Pinheiro, a senhora vinha pra
Belém. E quanto custava...
A- Era. Ia pro Ver-o-Peso, fazia compras lá, na feira, no mercado de carne, de peixe.
Naquele tempo não era dinheiro, era assim, um vintém, era moeda. O Gerôncio fazia a safra
ali na Presidente Vargas, o sr. sabe onde é, né? O trilho do trem ia até em São Braz.
270
H- Eu vou lhe mostrar uma foto, para ver se a senhora lembra alguma coisa dela. Era
aonde o trem parava. A senhora lembra disso? Dê uma olhadinha. Essa era a Estação do Trem
lá perto do Ver-o-Peso. O trem parava aí; veja se a senhora veio algum dia e chegou a ir até o
Ver-o-Peso, de trem. Porque, pelo que a senhora fala, se a senhora veio em 1932 para Belém,
esta Estação já não funcionava mais. Entendeu? Funcionava em São Braz. A senhora pode ter
descido do trem em São Braz e depois ter pegado um ônibus para o Ver-o-Peso.
A- Não tinha carro como agora tem, né? É isso.
H- Essa é mais antiga. Apesar da senhora ter 100 anos, quando a senhora chegou em
Belém a Estação estava desativada, se estiver certo o tempo que a senhora contou, 25 anos,
que a senhora lembra que veio para Belém.
A- Então 1925, né?
H- Não, 1907 foi quando a senhora nasceu, com mais 25 quando a senhora veio para
Belém, seria o ano de 1932, o trem existia muito tempo, mas em 1932 a Estação não
funcionava mais, a Estação lá do Centro, perto do Ver-o-Peso. A de São Braz funcionava, foi
onde a senhora desceu. A senhora veio de Pinheiro para São Braz, certo? depois de São
Braz a senhora pegava um bonde ou um ônibus. Tinha bonde ou ônibus que ia até o Ver-o-
Peso.
A- Tinha bonde, né? Tudo ali passava, o trem com o pessoal que ia no Ver-o-Peso
fazer compras, né?
H- Agora fale da senhora depois de Pinheiro, de Icoaraci, onde a senhora morou? A
senhora veio para Belém? Qual foi o Bairro de Belém?
A- Eu morei num...fui me empregar numa casa, ela era fazendeira, numa casa assim,
não era chique, uma casa alta assim em frente do cinema Iracema. Ainda tem esse cinema, né?
Ele é um pouco pra cá da Igreja.
H- Taí, então era no Largo de Nazaré. Tem, ainda existe, ele não funciona mais como
cinema. A casa que a senhora trabalhou foi do outro lado.
A- A primeira casa, se não me engano o nome da patroa era Juliana, ela era fazendeira.
H- Juliana, a senhora não se lembra do sobrenome dela?
A- E só isso, sobrenome não, acho que ela nem existe mais.
H- Sim, deve ter morrido, ou então estão os netos dela. Então a senhora morou em
Nazaré? Ia muito ali pra praça de Nazaré?
A- Foi. Ia passear. Ia no cinema Iracema, ia nos cinemas por ali em Nazaré, com as
amigas. Eu me lembro bem, ainda tem, né?
H- Ainda tem, mas não funciona mais, vai ser uma loja lá, vão transformar.
271
A- Era perto da Igreja?
H- Ali perto da Igreja de Nazaré havia três cinemas. Tinha até mais, na época em que
a senhora ainda era moça. Mas atualmente restaram Iracema e Nazaré. Eles foram vendidos
também. Já não existe mais nenhum deles.
A- Não existe, né? Já é outra coisa.
H- A senhora lembra-se da D. Juliana, ela tinha filhos? A senhora tomava conta deles?
A- Tinha umas filhas, bonitinhas. Tomava.
H- A senhora fazia o seu trabalho. Era uma espécie de babá e fazia as coisas de casa?
A- Isso. Serviço de servente, né? Era uma casa, ajudava com os filhos dela. Fiquei
um ano, dois anos. Depois eu fui embora pro Marajó.
H- Depois a senhora voltou para o Marajó? A senhora não ficou em Belém? A senhora
lembra até que ano ficou em Belém?
A- 25 anos.
H- Hoje são 75 anos passados, é isso o que eu estou lhe perguntando. Depois,
quando a senhora deixou Pinheiro (Icoaraci), a senhora veio pra Belém e depois a senhora
voltou lá para o Marajó? E continuou a sua vida lá em Cachoeira do Arari?
A- Foi. Não, depois eu vim para cá (Belém) de novo.
H- E a senhora trabalhou onde?
A- Nessa casa da Juliana.
H- E depois da casa da D. Juliana?
A- achei uma casa, encontrei com essa senhora. A senhora não está precisando na
sua casa, eu sou do Marajó, nasci e me criei lá. Ah, minha sobrinha está precisando. Foi ali
numa casa na Antonio Barreto; tinha uma loja, chamada Casa Sagica. Ela morava numa vila.
Então foi ela quem me indicou o emprego. A minha sobrinha está precisando, mas eu não sei
onde é.
H- A senhora fazia o quê na Casa Sagica?
A- Não, eu..., eu parei lá, eu falei com a senhora e ela me informou que a sobrinha
queria me empregar, então vamos lá em casa. Eu vou dizer para ela vir te buscar. Ela mandou,
quer dizer, falou com a sobrinha dela, que mandou a empregada me apanhar na casa dela. Da
família Proença, conheceu seu Edgard Proença?
H- Conheci. Edgard Proença, Edir Proença. Sei, eu conheci os filhos dele. Conheci-os
também.
A- Já morreu, o Dr. Edir Proença,
272
H- morreu, mas os dois filhos dele, o Edgar e o Edir são vivos. Aparecem às vezes na
televisão.
A- mandou a empregada me apanhar. A sobrinha da senhora morreu, D. Diura.
Eu fui, ela morava com a sogra, a esposa do Dr. Edgard Proença. Um senhor baixinho (cabelo
bem branco). Ele era dono, até hoje ainda tem, o Teatro da Paz, né? Ele (trabalhava no teatro
da Paz), sim senhor. Domingo ele fazia aquelas crônicas, meio-dia, ainda me lembro.
H- E a senhora trabalhou na casa dele?
A- Trabalhei com a nora dele.
H- Ela morava onde? Lá na Antonio Barreto, era isso, perto da Sagica?
A- Não, ela morava ali na casa baixa, na Rua Dr. Moraes,
H- Dr. Moraes, perto da Vila Bolonha, ou perto do Cemitério?
A- Passava pelo Cemitério que ainda tem hoje. Ela morava mais pra trás, tinha um
prédio lá. Trabalhei lá com ela.
H- Depois disso, de ter trabalhado com eles, a senhora foi trabalhar em algum outro
local?
A- Eu criei todos os filhos deles, cinco filhos.
H- A senhora criou os cinco filhos?
A- Edgar Augusto, Edir Augusto, Celina Claudia, Ana Carolina, Edir Proença. O Dr.
Edir tinha esses cinco.
H- Esses são os filhos do Edir. Então a senhora trabalhou naquele edifício ali da
esquina da Riachuelo, a senhora morou no edifício com eles?
A- Não, na Dr. Moraes. Perto daquele cemitério que é antigo.
H- Soledade, Cemitério da Soledade.
A- Eu morei 40 anos com eles. Ana Carolina, eu já disse?
H- Já disse Ana Carolina, Edgard Augusto, Edir, Celina Cláudia e eu não sei qual foi o
quinto...Edir Proença. Esses eram os filhos do Edir. E depois da casa deles a senhora
trabalhou? A senhora falou que trabalhou muito tempo lá, 40 anos, a senhora os criou, né?
Depois disso a senhora já veio pra cá?
A- Desde pequenos. Assisti todos os casamentos deles. Me levavam.
H- Como era o nome da mulher do Edir Proença?
A- Ela ainda é viva, Celeste Proença. Uma boa professora. onde eu criei eles, eu
disse que queria sair de lá, me sentia cansada, reumatismo, tudo isso. ela...podia arranjar
uma casa, no outro dia. Noutro Asilo, foi ali no Asilo S.Vicente de Paula, fica aqui na Mauriti
com a Everdosa, na Pedreira. Junto de uma Escola Donatila.
273
H- Escola Estadual Donatila Lopes. Agora fale um pouco, como é que a senhora se
divertia aqui em Belém?
A- Desde mocinha que eu não gosto de divertimento, nada. Só trabalhava.
H- A senhora chegou a estudar um pouquinho?
A- Só o segundo livro. Tinha uma professora lá na roça. Depois que o meu pai
morreu, eu fui trabalhar numa fazenda e ela me ensinava. Foi, nem sei se ela ainda existe, né?
A Ana Carolina que me tirou do Asilo SãoVicente, estou aqui há seis meses.
H- A senhora está gostando?
A- Estou.
H- Obrigado, então.
Davina Godot da Silva São Luis - Igarapé-Açu - PA 22.09.1912
H- D. Davina fale um pouco da sua vinda para Belém.
D- Eu me esqueço. Eu vim pro Santa Catarina no tempo da irmã Adelaide e da irmã
Josefina. Eu fui interna lá. E aí eu passei o que eu pude passar e aí eu voltei lá pra Castanhal.
H- A senhora voltou pra Castanhal? Mas o Colégio Santa Catarina era internato.
274
D- Interna no tempo da irmã Adelaide e irmã Josefina. Agora eu não me lembro bem
de dizer as coisas, mas a minha família tem tudo.
H- A senhora ia ali pro Largo de Nazaré, passear com as freiras, com as irmãs, ia pra
missa na Basílica.
D- Eu fui interna no Colégio Santa Catarina e só fazia o que elas queriam.
H- Até que ano a senhora estudou?
D- Eu passei só um ano lá, eu fiz o primário.
H- Fez o Primário inteiro, a senhora fez até o quinto ano?
D- Eu não me lembro, mas eu sei que fiz. Eu estudei no Santa Catarina assim: me
trouxeram, eu não sou rica, não sou nada, mas muitas amizades nesse tempo os Porpino
tinham.
H- Mas amizade é riqueza também, sabia?
D- Agora eu... só tenho sobrinhos, não tenho mais ninguém.
H- Então fale agora de Castanhal. Um dos interesses é se a senhora veio de
Castanhal para Belém de Trem alguma vez? Veio várias vezes?
D- Várias vezes.
H- Fale um pouco do trem, onde a senhora descia?
D- Não descemos, não. A gente saía de Castanhal e vinha pra Belém. não descia não, mas
eu conheço Santa Isabel.
H- Eu queria que a senhora falasse um pouco sobre a Estação de São Braz, era onde
a senhora descia?
D- Lá na Estação de São Braz.
H- A senhora chegou a descer alguma vez na Estação Central de Belém, ali por perto
da Tamandaré?
D- Eu não me lembro, mas eu sei que eu desci em São Braz. De São Braz eu
ia...porque Belém a gente conhece, né? Conheço a Dr. Assis. Ali em São Braz na esquina era
“A Feiticeira”, o Mercado de São Braz e a Caixa d’Água.
H- Quando a senhora chegava em São Braz a senhora ia passear também? No
Largo?
D- Quando eu chegava de Castanhal. Eu passeava sim, essa época com a minha
família em São Braz.
H- Onde vocês moravam em Belém? A senhora era interna no Santa Catarina, mas
tinha algum parente seu aqui em Belém?
275
D- Eu não estou bem lembrada, eu sei é que eu vim por intermédio de parentes
pro Santa Catarina.
H- Pois é. A senhora falou que o seu pai era de João Pessoa. Veio pra de navio,
aí casou com a sua mãe.
D- Não, era no tempo que encostava o navio, não era avião, ele namorou uma
paraense. Paraibano e a minha mãe é paraense.
H- Como se chama a sua mãe? E o nome do seu pai?
D- Ângela Godot Porpino. Antonio Porpino da Silva, é assim eu me esqueço. Mas
ela tem tudinho, a Norma. Aí a minha família, porque eu me esqueço.
H- É normal, todo nós esquecemos um pouco.
D- Não, mas eu misturo.
H- A senhora chegou a ir à área do Ver-o-Peso. A senhora conhece o Ver-o-Peso?
Como é que a senhora ia lá?
D- Conheço. Eu ia, nesse tempo era bonde, né?
H- Bonde. A senhora pegava o bonde, ia sozinha?
D- Não, nunca saí sozinha.
H- Era porque quando a senhora estava aqui, era ainda uma garota?
D- Eu não me lembro, eu sei que eu vim de Castanhal para o Santa Catarina por causa
das amizades que a minha família tinha. Daí eu vim pro Santa Catarina. eu não me lembro
bem, sabe, como é que foi.
H- Aí quando a senhora terminou o Santa Catarina, a senhora foi pra Castanhal?
D- Não, antes de terminar fui levada. Eu não me lembro bem, mas eu nasci em São
Luis do Pará, em Igarapé-Açu, eu só fiz nascer lá.
H- Agora fale um pouquinho da senhora mocinha, moça com 15 anos, nas festas de
Castanhal? Fale um pouco dos seus namorados.
D- Eu lá me lembro.
H- Não lembra. Então o que a senhora fazia em Castanhal, em casa? A senhora
trabalhava, era uma dona de casa? O que a senhora gostava de fazer? Dê um exemplo.
D- Eu gostava de fazer tudo. Eu nunca gostei muito de cozinhar, mas de arrumar as
coisas e organizar, era o que eu gostava.
H- E a senhora voltou pra Belém nessa idade, quando cuidava da casa? Aos 18
anos, 20 anos? Quando a senhora voltou? A senhora lembra de Belém quando a senhora vinha
276
de Castanhal, passear? Como a senhora via Belém nessa época? 1930, a senhora conheceu o
Barata?
D- Me lembro. Eu conheci o General Magalhães Barata.
H- A senhora conheceu pessoalmente?
D- Pessoalmente. O Barata se dava com todo mundo. Ele fazia amizades no interior,
na capital, tudinho, era gente boa.
H- A senhora achava ele uma pessoa boa?
D- Eu achava. Na primeira impressão a pessoa quando é boa, o espinho quando é bom
de pequeno traz a ponta. Agora, o General Barata eu me lembro, agora mesmo por causa da
idade das coisas, viu? Me perdoe, mas eu sou de São Luis, nasci em São Luis do Pará. Agora,
por que? Porque o papai andava muito.
H- O seu pai trabalhava em que?
D- Sempre em comércio.
H- Ele era um comerciante, vendia e comprava coisas.
D- É Antonio Porpino, os Porpinos só davam pra comprar e vender.
H- Eles compravam e vendiam?
D- Os Porpinos, ainda hoje tem gente assim. Lá em Castanhal mesmo, em Natal, tudo
tem Porpino.
H- Em Natal e João Pessoa ainda tem Porpino? Ou lá em João Pessoa é Godot?
D- Tanto faz ser Godot como Porpino. Ainda tem sim. Olhe, há uns dois meses
chegou prima minha de segundo grau. Filha de prima legítima minha de João Pessoa, que não
sabe nem andar aqui em Belém.
H- E nessa época, vamos tentar lembrar essas coisas de 1930. A senhora se divertia em
Castanhal como? Ia pra festa, tinha carnaval? A senhora ia pra esses locais se divertir, com
seus pais?
D- Com papai.
H- A senhora casou? A senhora teve filhos?
D- Casei. Fui casada com José Antonio. Eu não criei nenhum. Não me lembro, não foi
filho, foi só aborto.
H- O que a senhora criou, a senhora criou quantos assim, eu falo não de seus filhos,
mas a senhora criou algum sobrinho?
277
D- Eu tive sobrinhas, até hoje as sobrinhas são boas para mim. Maria Eugenia do Dr.
Helio é minha prima em segundo grau. A Conceição é minha sobrinha. vendo? Sobrinha
mesmo, filha de Eliza Porpino e Antonio Porpino.
H- Então a senhora vinha de vez em quando aqui em Belém, quando estava em
Castanhal?
D- E só vinha com ele, mas eu morei aqui em Belém.
H- Quanto tempo?
D- Não estou dizendo que eu estudei no Santa Catarina?
H- Mas a senhora passou uns 4 anos estudando ainda garota.
D- Garota não, eu passei moça.
H- Moça? Então a senhora estudou mais que o Primário, a senhora chegou a fazer o
Ginásio. Obrigado, D. Davina.
Manoel Martins dos Reis Bragança - PA 08.07.1912
H- Seu Manoel, o Sr. nasceu em Belém? O Sr. nasceu onde?
MM- Não Sr. Nas terras, no interior.
H- Em que interior, Castanhal, Igarapé-Açu ...?
MM- Bragança.
H- O Sr. veio pra Belém criança, jovem, adulto, quando o Sr. veio para Belém?
MM- Pra Belém eu vim já quase me governando,
H- 20 anos, 18 anos?
MM- Não, 16 anos.
H- Os seus pais moraram sempre em Bragança? Seus pais eram Bragantinos? Seus
pais nasceram em Bragança? O que os seus pais faziam?
MM- Meu pai trabalhava justamente na costura, né? Cuidando de roupa, ela
trabalhava junto com meu pai.
H- O Sr. veio para Belém de trem, na Maria Fumaça? Como foi que o Sr. veio para
Belém? O Sr. veio de caminhão?
278
MM- Não Sr. Vim junto com a ...num Jipe. De Jipe, sim.
H- O Sr. andava muito de trem de Bragança para Belém?
MM- Não Sr., pouco.
H- Quando o Sr. chegou aqui em Belém, lembra onde o Sr. desceu, qual foi a Estação
de Trem? O bairro que o Sr. desceu. O Sr. desceu no Comércio? Desceu em São Braz? Qual
foi a Estação que o Sr. desceu aqui em Belém?
MM- Pra continuar a vida, né?
H- O Sr. saiu de trem de Bragança. Quando chegou aqui em Belém onde é que o trem
parou?
MM- Na Estação de São Braz.
H- Que ano foi isso, o Sr. lembra? O Sr. nasceu em 1910, então o Sr. tinha 16 anos,
seria 1926, 1927. Que ano era, o Sr. lembra? Pode lembrar livre, não se preocupe, deixe a sua
memória falar pelo Sr., não precisa forçar entendeu? Se o Sr. lembrar, fala.
E o Sr. trabalhava em quê, qual era a sua profissão? O que o Sr. fazia em Bragança antes de
vir para Belém? O Sr. estudou? Até que ano? O Sr. fez primário? O Sr. terminou o primário?
MM- Não completei.
H- O Sr. lembra até que ano o Sr. fez? Ou não cursou, não estudou?
MM- Quase não estudei.
H- E depois em Belém, o que o Sr. fazia? Qual foi o seu trabalho?
MM- ...plantando a terra, plantava...
H- O Sr. era uma espécie de jardineiro? O Sr. plantava, mexia com terra? Era isso?
MM- Sim, pouco, fazia, mas não era assim.
H- E o Sr. trabalhou em algum lugar especial aqui em Belém? Eu falo assim algum
lugar público? O Sr. falou que trabalhava com terra, trabalhou em uma praça? Trabalhou no
horto municipal? Trabalhou em algum local que mexia com terra aqui em Belém?
MM- Tive.
H- Onde o Sr. trabalhou? Conte um pouco do seu trabalho, independente do que eu
estiver perguntando. Fale sobre o seu trabalho. O Sr. morou em que bairro aqui em Belém?
MM- Tive alguns dias trabalhando como marítimo. Morei na Marambaia.
H- Fale um pouco como o Sr. se deslocava aqui em Belém. Chegou a usar o bonde?
MM- Eu usei o bonde.
H- O Sr. chegou a ir à festa de Nazaré de bonde, pro Largo de Nazaré? O Sr. chegou a
ir à Praça de Nazaré? Ia para as festas de Nazaré? O Sr. tem irmãos? Tem irmãos, irmãs?
Quantos vocês eram?
279
MM- Cheguei. Tinha vezes que eu ia. Tenho. Parentes chegados.
Mario Lopes da Silva Matos Fortaleza- CE 18.11.1910
H- Nascido no Ceará, foi cedo para Manaus e veio pra Belém em 1992. Bem, Sr.
Mario fale da sua vida em Manaus.
M- Mecânico.
H- O que o Sr. fazia em Manaus, era mecânico desde os 18 anos?
M- Na cidade de Maués quando o marido dela descobriu que ela estava amasiada
comigo, fizeram um bolo e me disseram: Mário, eu vou matar esse gavião, vou botar ele na
linha assim, assim. Eu moro na Rua da Marinha, 71 anos eu moro.
H- O senhor chegou a estudar em Manaus? O que o Sr. estudou?
M- Não, eu consertava motor.
H- Mas, o Sr. frequentou escola?
M- Fechei a casa, de Maués eu peguei um navio até o porto de Parintins, comprei uma
passagem para o porto de Belém. Cheguei... a Rua da Marinha número 72. Tu acreditas que
eu não errei a casa?
H- O Sr. fez o primário, estudou, foi à um Grupo Escolar? O Sr. lembra o nome do seu
Grupo?
M- Estudei tudo. Quarto ou quinto ano.
H- E depois o senhor começou a trabalhar como mecânico?
M- A forasteira era filha de Maués, quando a gente chegou aqui, a família dela, o
marido dela ficou com a goela cheia. De Maués pra Parintins das 24 horas, eu paguei uns
noventa e poucos reais, vim à Parintins, peguei o avião, peguei o navio da linha como ela ia
dizendo, assim, assim, assim. Saltei na Rua da Marinha 971, parece que a coisa foi feita por
Deus. Pronto.
H- O Sr. foi alguma vez ao Teatro Amazonas?
280
M- Deixei os filhos, lá em Maués, tudo, tudo...
H- Com que o Sr. se divertia em Manaus?
M- O Sr. acredita que ...por quatro anos...esse rapaz, Marcelo tinha 4 anos de idade,
esse rapaz atualmente é vice prefeito de Itacoatiara.
H- Qual era o carro que o Sr. gostava de pegar como mecânico? Um ford, um
chevrolet, qual era o melhor carro?
M- Eu consertava o motor de explosão marítimo, né?
H- Ah, o Sr. era um mecânico também de embarcação?
M- Isso, eu tinha tudo. Perdi tudo por causa dessa mulher. Acontece. Você acredita
como são as coisas, quem planta colhe. Na situação que eu estava, os filhos dela ficaram tudo,
e o marido dela ia levava a coitada verificava todinho. Mas eu tinha dinheiro, passavam às
minhas custas.
H- E os seus pais, seu pai e sua mãe, o quê eles faziam? Eles foram pra Manaus,
Amazonas fazer o quê? Mas eles moravam onde?
M- Pai e mãe foram com tudo. Manaus.
H- E eram cearenses os dois?
M- É...Eu vou lhe explicar, agora que vai se dar a coisa, tirei minha certidão como
cearense, nascido em 1910...para tirar a carteira do ministério do trabalho, Cheguei aqui me
apresentei, não disseram se era cearense ou não...que quando ela pegou, “credo! Cearense!”
H- Em determinado momento os cearenses, foram muito queridos porque eles eram os
seringueiros. É estranho.
M- “O Sr. é cearense? Sou”. Tratava como se fosse um leproso.
H- Em Manaus, o que o Sr. fazia no seu dia a dia quando era jovem? Quando tinha 20
anos.
M- Acontece que com essa profissão de mecânico de motor a explosão, qualquer
espécie de motor eu tratava.
H- O Sr. viajava pro interior do Amazonas? Quais eram os municípios?
M- ...Na certidão de nascimento eu era filho de Maués. Eu não vou mais pra Manaus.
Eu estou morando na Rua da Marinha, 971, por causa do motor de linha da SNAP...
H- O Sr. chegou a andar de bonde? O Sr. andou de bonde em Manaus? O Sr. circulou
em Manaus, de Bonde?
M- Primeiro é que os filhos tinham virado tudo adulto...deixei um filho com 4 anos
de idade, hoje é prefeito em Itacoatiara...
281
H- Agora, pra terminar, pra o Sr. lembrar: o quê fazia o seu pai? Eu perguntei
inicialmente, o seu pai e a sua mãe eram cearenses?
M- Meu pai português e mãe cearense.
H- Obrigado seu Mario.
Rosa Nogueira da Costa Teixeira Santo Antonio de Tauá - PA
12.01.1928
H- D. Rosa fale um pouco da sua infância e juventude. Quando a senhora veio para
Belém? E onde a Sra. nasceu? Quantos anos tinha quando veio pra Belém?
R- Nasci em Santo Antonio do Tauá. Uns cinqüenta e poucos anos. Eu morava aqui
em Belém de oitenta pra cá.
H- Então vamos lembrar um pouco antes. Em 1928 quando a senhora era criança e
seus pais moravam em Santo Antonio de Tauá, a senhora e eles vinham à Belém de vez em
quando? Como era que vocês vinham pra Belém?
R- Era de trem.
H- A senhora lembra como era? A senhora chegava aqui em Belém e descia onde?
Qual Estação?
R- Na Estação, era o trem. A gente vinha de pau-de-arara lá de Santo Antonio de Tauá
até Santa Isabel, aí de Santa Isabel pegava o trem, ficava na Estação, ali em São Braz, aí de
pegava um bonde. Onde é a Rodoviária hoje era a Estação de Trem.
H- A Sra. não chegou a ir no trem pro Centro? Como tem esse erro, que é de 1928,
então a Sra. era bem mais nova. Tem uma diferença de oito anos na sua idade. Vamos falar
então um pouco de Santo Antonio de Tauá e Santa Isabel, que a senhora passou muito tempo
lá.
R- Santa Isabel eu quase não conheço, conheci a Estação de trem.
H- Era confortável a viagem de trem para Belém? A senhora vinha sempre com seus
pais? E vocês vinham fazer o que em Belém?
R- Era. Era um passeio. A gente vinha às vezes quando estava doente, vinha para ir
pro hospital com o médico. Depois que eu me casei vinha sempre trazer um filho meu no
pavilhão das crianças.
282
H- A senhora vinha pro Círio de Nazaré?
R- Vinha, sempre. Não todo ano, mas sempre vinha. Depois de Santo Antonio a gente
foi pra Colônia, uma área de terra pra João Coelho, fica entre Castanhal e São Caetano, uma
colônia, agora passa carro lá. De foi que eu me casei com um rapaz de Santarém Novo e
fui morar pra lá, Santarém Novo. Tive filhos, netos, bisnetos. De lá foi quando eu vim,
quando eu voltei de lá, vim morar com uma filha aqui, que era casada aqui em Belém,
passei uns tempos com ela, na Sacramenta. Depois minha irmã adoeceu, esteve muito doente,
ela morava na Pedro Álvares Cabral e eu fiquei com ela até ela morrer. Já eu não tinha
marido, ele já tinha morrido.
H- E estudar, a senhora estudou? A senhora fez o primário?
R- Pouco, pouco. Não, a primeira série, fui alfabetizada. Nesse tempo Santo
Antonio era muito pequena, o único Grupo que tinha era uma casa do meu pai, que ele
alugou para o governo, era só, era muito pequeno, agora tá grande, cheio de grupos, colégio.
H- E qual era o divertimento para as crianças e os adolescentes lá, na época?
R- no Santo Antonio? O que eu conheci, era uma festa de Santo Antonio de ano a
ano, em junho.
H- Obrigado pela entrevista.
283
Isabel Ferreira da Silva Salvaterra - PA 19.10.1919
H- D. Isabel fale alguma coisa sobre a sua infância e adolescência e onde a senhora
nasceu.
I- Em Salvaterra, no Marajó.
H- A senhora veio para Belém com quantos anos?
I- Com 13 anos, para trabalhar na Beneficente Portuguesa. Trabalhei 3 anos.
Trabalhava na distribuição de comida, de alimentos.
H- E a senhora morava onde D. Isabel?
I- Eu morava no Hospital, uma senhora que era amiga nossa me arrumou emprego lá.
Eu queria me empregar, e me empreguei, passei 3 anos lá. Conheci os médicos, as irmãs. Eu
trabalhava com uma moça, que ainda não era casada, Inês era filha de português.
H- E a senhora estudou?
I- Eu só cheguei ao 3º ano primário em Salvaterra, na escola.
H-E depois da Beneficente a senhora foi morar em outro lugar?
I- Depois eu saí, me empreguei na casa do Dr. Clóvis Maranhão (que lecionava na
Escola Normal), trabalhei uns 2 anos, e depois fui trabalhar na casa do Dr. Cláudio Chaves,
trabalhei 3 anos com a família Chaves, era babá. Nós morávamos numa vila que tem quase
defronte do Museu, Vila Teta, depois ele fez a casa dele, era uma casa mais adiante, numa
outra rua.
H- E o que a senhora fazia nos finais de semana, sábado, domingo, saía para passear?
I- Não, não, não. Saía de manhã com o menino menor, passeava, ia ao Museu passear
com ele, tinha mais uma menina menor. Eles tinham dois meninos, foi da primeira esposa, da
D. Laura.
H- A senhora lembra quantos anos a senhora tinha?
284
I- O ano que eu nasci eu sei. Depois (os Chaves) foram embora para o Rio, eles
queriam que eu fosse, mas meu pai e minha mãe (que ainda moravam em Salvaterra) não
deixaram. Não, que o Rio era muito perigoso, eu ia, tinha coragem para ir, mas eles não
deixaram. Depois eu saí de lá e vim pra Salvaterra de novo.
H- A senhora não lembra quantos anos tinha? Bem, isso não é importante no
momento. Quando a senhora estava aqui em Belém, na casa deles na Vila Teta ou na 14 de
março, como era que a senhora se deslocava dentro de Belém? Falo assim, era de ônibus, de
bonde?
I- De ônibus, quando nos íamos... a senhora que criava os dois meninos dele, sabe,
sem mãe, a gente ia buscar a família... Depois foi quando eu me casei, eu estava
trabalhando no Oiapoque, no município de Oiapoque no Amapá, na Ponta dos Índios, como
chamavam, o lado francês ficava de um lado e o brasileiro do outro. Eu fui do lado francês, eu
fui, mas não em Caiena, quem ia em Caiena era o meu marido.
H- Quantos anos a senhora tinha quando casou, a senhora lembra? Não faz mal se não
lembrar. A senhora teve filhos?
I- Deixa eu ver se me lembro, taí uma coisa que me esqueci, eu sou muito esquecida,
tomo remédio...Tive um, mas nasceu morto, dois dias depois que eu tive ataque eclâmpsia. A
criança não resistiu, eu vim para Salvaterra, eu me tratei com a Dra. Guiomar Aragão, ela
disse olha Isabel”, dessas amigas mesmo, “vou cuidar de ti, mas a criança eu não garanto.
Tu estás muito sofrida nesta doença”.
H- Quanto tempo a senhora passou no Oiapoque com o seu marido?
I- Ih, passei uma porção de anos. Graças à Deus eu me casei com um rapaz bom,
gostava da minha família, procurou conhecer a minha família, quando eu me casei ele não
conhecia ninguém, era brasileiro, morava lá, falava francês porque ele trabalhava lá. Ele
falava francês, falava Patauá, que falam também francês. Era uma língua misturada do
Oiapoque. Eu não aprendi nadinha, que podia ter aprendido, ele não me levou pra pra
Caiena, porque eu não sabia falar nada de francês, eu compreendia algumas palavras, tinha
outras que eu não compreendia.
H- E o trabalho dele era o que, o que ele fazia?
I- Tomava conta de uma Companhia que o senhor deve conhecer, Enéas Barbosa e
Antonio Martins, ele recebia o gado em fazendas no Marajó e ia entregar em Caiena, e em
outros lugares da Guiana Francesa, com os outros empregados do Barco, ele foi pra Ilha do
285
Diabo, aquelas ilhas por ali, ele conhecia tudo. Ele trabalhava com gado e com mercadorias.
Teve até um negócio que queriam prender o pessoal que trabalhava para lá.
H- Tá certo então, obrigado dona Isabel.
Olinda Castello Pereira Belém - PA 15.04.1917
H- A Sra. nasceu em Altamira?
O- Não, eu nasci aqui em Belém, no Porto do Sal. Ainda tem a casa que eu nasci, meu
pai tinha casa de comércio embaixo, a residência era em cima.
H- E a Sra. lembra do Porto do Sal? O que a Senhora fala daquela área?
O- Me lembro. Aquela área era muito bonita, mas da ultima vez quando eu cheguei
aqui, achei abandonada, mas a casa aonde eu nasci ainda existe.
H- Ela fica próxima a que, qual é a rua, a senhora lembra?
O- Tem a Dr. Assis, sai da Dr. Assis, é uma quadra logo que vai pro Porto do Sal.
Virou, tem uma casa de esquina, é a do lado.
H- É a que sai em frente ao Mercado? A senhora nasceu lá, então? No Porto do Sal.
O- É a que sai em frente ao Mercado. Nasci. Aí, depois convidaram meu pai, que era
comerciante, pra ir pra Altamira, na época da borracha.
H- Com quantos anos a senhora estava?
O- Ah, eu não me lembro. Não guardo muito as datas.
H- Ele não lhe disse assim: “tu tinhas 4 anos quando nós fomos para Altamira”.
O- Eu não me lembro. Eu lembro que quando o meu pai morreu, eu tinha 12 anos. Ele
estava em Altamira, morreu no naufrágio da cachoeira. Ele era comerciante, vendia fiado,
quando chegava a época da borracha e da castanha ele ia buscar. Quando ele veio, a lancha
bateu numa pedra, na cachoeira, o tripulante se jogou na água para amarrar a lancha, ele que
nadava também se jogou, mas não teve sorte, veio o redemoinho e levou ele. Naquela época,
ele era comerciante forte. Ele tinha casa de comércio, tinha sítio com gado, fazia cachaça,
fazia açúcar, fazia a bacaba, mas depois que o meu pai morreu nada deu mais certo. O gado
não deu mais leite, e tudo ruiu. Aí nós ficamos numa situação difícil. Aí minha mãe costurava,
eu também estudava, aí comecei ajudar minha mãe na costura, a arrematar. Depois ela
286
adoeceu em Altamira, nós morávamos aqui em Belém. Era na Joaquim Távora perto do
Largo do Carmo.
H- Então, a senhora veio de Altamira para Belém. E a senhora morava onde?
O- Na Joaquim Távora, ali perto do Largo do Carmo. Aí minha mãe já estava doente.
O Dr. Cândido Pereira era o nosso médico. Ele ficava, ele estava no Colégio ainda (o irmão),
não, aí ele já trabalhava na Folha do Norte.
H- Ele falou que entrou para a Folha com 14 anos, a senhora então tinha 16.
O- eu costurava, uma dúzia de camisas era 3 reais, já vinha cortada, pra ajudar,
né? Meu irmão do Rio mandava uma pensão para minha mãe pra gente sobreviver, mas
quando ela morreu, eu fui para casa desses parentes. A minha mãe tinha pedido que eu ficasse
de favor aqui, que a nossa família estava pequena, né? E o meu tio... a senhora dele, eu me dei
tão bem com ela, como uma filha, só sei dizer que quando eles terminaram o dia deles, eu que
tomava conta deles, ele com 97 anos, um ano depois ela morreu com oitenta e sete.
H- Isso lá perto do Largo do Carmo?
O- Não, isso já no Rio. Nós moramos em Santos também, 10 anos, eu costurava,
dava ordem em corte, costuras, uma boa freguesia.
H- Santos é uma cidade interessante, tem muito paraense, fazem até Círio. Dizem
que o Círio de Santos é o segundo depois de Belém.
O- Eu sei dizer que eu tinha boas amizades lá. De gente da sociedade que
aprendia corte, corte e costura. depois que ele aposentou, ele ficava com frio, aí meu tio
não estava bem com a minha tia, eu...nós tínhamos um apartamento alugado, ficou
alugado, aí eu voltei, vamos voltar. Aí, eu já cuidei deles, ele teve um derrame, não comia, eu
é que levava sempre na boca. E a senhora dele muito minha amiga, ela me dizia, pois é, você
é mais que minha filha, minhas filhas todas casaram e você é que nos esta fazendo
companhia. depois, nós resolvemos vir pra . ele gostava, frio ele ficava aqui, e eu ia
com eles.
H- Vir pra cá, a senhora se refere para Belém? Vocês voltaram para Belém. Que
ano foi?
O- Eu não me lembro bem, tem 18 anos (em 88 então). Tinha uma casa no fundo
do “Benjamim Sodré” para vender. Mas eu vou ser egoísta, eu morro de repente, ele fica na
casa dos outros, pelo menos ele fica na casa dele. Ele comprou essa casa, reformamos, mas
agora com a nossa idade, todos viviam preocupados, a comunidade de da Igreja que nos
estávamos. Até hoje elas vem aqui nos visitar, achavam que a gente estava correndo perigo,
né? Pela segurança, uma amiga que é funcionária daqui, a mãe dela também falou pra ela,
287
olha nós estamos preocupados, que já tem muito assalto. Ele veio ver o chalé, né? Ia
desocupar, não desocupou o chalé menor. Depois a funcionária falou da nossa situação, que
eram dois irmãos, e a presidente disse para ela, então a primeira vaga é deles. deu a
vaga e nós viemos pra cá.
H- Eu queria agora voltar um pouco, porque esse já é o momento atual de vocês
aqui no Pão de Santo Antônio, eu queria voltar para essa época que a senhora estava na
Cidade Velha, na Ângelo Custodio, na Joaquim Távora próximo ao Largo do Carmo. A
senhora lembra do trem próximo, da Estação do Trem?
O- Eu me lembro, quando a minha mãe morreu, logo, eu estava muito abatida, eu
fui de trem até Mirasselvas, eu tinha um tio que morava lá no interior.
H- E a senhora pegou o trem? Pegou ali na Cidade Velha mesmo?
O- Não, peguei aqui em São Braz.
H- Então já é um pouquinho depois.
O- Peguei em São Braz, passei em Mirasselvas, saltei, peguei uma canoa, andei
mais uns dois quilômetros para chegar na casa do meu tio. eu fiquei um mês ou dois
para recuperação. Eu era muito agarrada com a minha mãe. depois eu vim, fiquei na casa,
para não ficarmos sozinhos, na casa de outro irmão que também era da Marinha, ai nós
ficamos com o vizinho, morando com o vizinho até resolver vir para o Rio.
H- O que era que a senhora fazia de...a senhora ia pro Largo do Carmo? Estou
falando de passeio no sábado?
O- Não, eu não passeava, eu só costurava.
H- Mas, uma hora de lazer, sua?
O- Não, o tinha porque a minha mãe era doente, eu não tinha coragem de
deixar ela sozinha. Ela ficava em casa.
H- Então não namorou, queria ser freira?
O- Eu queria ser freira.
H- Não foi também por causa da assistência?
O- Da assistência, eu não ia deixar a minha mãe doente. Ela foi o seguinte: em
Altamira quando ela teve a malária, o médico falava isso no tempo da malária, chegou, deu
uma injeção 914 na minha mãe, daí ela só urinava sangue. Tinha época que a gente chamava a
pessoa para tirar a urina dela, que coagulava o sangue. Mas depois encontramos o Padre
Emilio que conhecia a mamãe desde solteira, ela estava internada na Santa Casa, e ele disse
“o que tu estás fazendo”? Eu disse: mamãe está internada, ele foi lá e disse “tira ela daqui e
leva pra casa”. Aí, ele começou a homeopatia, mandava comprar umas compressas, chá da
288
urtiga, da raiz da urtiga, ela ficou boa, né? Mas aí, depois com o tempo ela ficou doente,
pegou uma tuberculose pulmonar, naquela época era perigoso, meu tio, irmão dela, queria
interná-la, mas nós não deixamos, negativo. Mas ela tinha todo cuidado, tudo dela era
separado. O Dr. Cândido Pereira era nosso vizinho, era o médico dela, eu sei dizer que ela
faleceu dia do Círio. Dia 9 de outubro.
Alcides Pereira do Nascimento Belém – PA 21. 04.1919
H- Seu Alcides, fale um pouco da sua adolescência aqui em Belém.
A- Eu vim de Altamira com 10 anos, em 1930. Morava lá, meu pai era comerciante
em Altamira, eu vim, minha mãe veio antes aqui com o Barata. Agora não tem mais
colégio pra órfão, que antigamente tinha, o Patronato no Outeiro e Lauro Sodré em Belém.
Então ela veio falar com o Barata. Como não tinha vaga no Lauro Sodré eu fui interno no
289
Outeiro, no Patronato Manuel Barata, lá eu passei. Fiz o curso primário, o secundário, naquele
tempo tinha até o secundário, depois de pra cá, a gente tinha que fazer o exame de
admissão pra outras coisas. Eu sou formado em letras, contabilidade.
H- O Sr. fez exame de admissão pra que escola?
A- Foi no...Oh meu Deus do céu, Grêmio Literário Português, era na Manoel Barata lá
em cima, era uma escola de contabilidade, meu primeiro emprego foi na Folha do Norte,
comecei a trabalhar na Folha do Norte com 14 anos. fui aprender linotipia, mas isso tudo
passou, depois eu fui pro comércio, e fui convocado para ir para a Itália em 1940. Fui pro
exército, pra força expedicionária (o Sr. voltou em que ano pro Brasil? veio pra Belém?) Foi
em outubro de 1945, acabou a guerra em maio, ate lá eu dei baixa, sou pensionista do
exército. Eu fui pro Lloyd brasileiro, trabalhei 20 anos pro Lloyd Brasileiro.
H- O Lloyd Brasileiro tinha uma sede ali na Gaspar Viana, é isso? Esquina com a
Presidente Vargas.
A- O Lloyd Brasileiro aqui,..No Rio era lá na Praça XV, uma sede grande.
H- Ah, nesse tempo o Sr. trabalhava no Rio? O Sr. ficou aqui em Belém quando
voltou da Itália?
A- Quando eu vim da Itália eu fiquei aqui (Rio de Janeiro?). eu fui pro Lloyd
Brasileiro e passei 20 anos.
H- Então nesses 20 anos que o Sr. trabalhou no Lloyd o Sr. morava onde?
A- Em Belém e no Rio de Janeiro.
H- Quantos anos o Sr. tinha quando iniciou o trabalho lá? O Sr. lembra?
A- Acho que uns 25 anos de idade
H- Foi logo depois da Guerra?
A- Foi logo depois da Guerra.
H- Agora eu gostaria de ouvir mais sobre esta parte de Belém, de antes do Sr. ir para a
Guerra. O Sr. falou que veio para o Orfanato do Outeiro, Patronato, não? E o que o Sr. fazia
nesse tempo do Patronato? Como é que o Sr. vinha para Belém?
A- No Colégio as férias eram normais, julho, depois as férias de dezembro.
H- O Sr. vinha para a casa da sua família? Já tinha família aqui em Belém?
A- A família era do meu tio, da família Castelo Branco,
H- Castelo Branco, que foi da FEIJ?
A- Parente do Castelo Branco, mas no meu nome não tem Castelo Branco, no da
minha irmã tem. Pra mim deixar pensão para ela, teve que constar na certidão de nascimento
minha e dela o sobrenome Castelo Branco.
290
H- É complicado, o dela poderia ser do marido, mas não, vocês são Castelo Branco.
A- O que acontece, é que meu pai, os filhos homens, estão com o sobrenome dele,
Pereira do Nascimento, as mulheres estão com Castelo Branco Pereira.
H- Então fale um pouco de Belém de quando o Sr. vinha passar as férias aqui? O Sr. ia
a feira de São Braz, ali na Praça? Onde ela ficava?
A- Aquela feira era pra todo mundo, dia de sábado e domingo. Ela ficava ali onde é a
Praça do Barata (Monumento), independente do Mercado, o pessoal vinha, todos os colonos,
faziam a feira ali todo sábado e domingo.
H- Isso que ano era, o Sr. lembra? O Sr. falou no tempo do Juarez Távora, 1964, 1965
por aí. Já é no inicio do Regime Militar.
A- É 1964. Essa feira era muito antes da Revolução.
H- Sim, a feira existia. E eu estou falando que o Sr. falou do Juarez Távora, é
justamente em 64, 65 que ele desativou a Belém – Bragança.
Como que o Sr. circulava em Belém? O Sr. falou que foi atropelado inclusive por um
bonde. E mais, o Sr. devia estar no colo, possivelmente, da sua mãe,
A- Eu tinha um ano e seis meses. Não, eu estava só, a babá, o colega dela trabalhava
em frente da casa da família Acatauassu Nunes, uma casa grande que tem, então ela correu
pra lá, e eu corri atrás, o bonde vinha e pei, ai veio os bombeiros, pra suspender o bonde,
meteram o macaco para poder...
H- E como é que o Sr. vinha lá do Outeiro? do Colégio?
A- do Colégio? Quando a gente estava de férias, a gente vinha para o Matadouro
do Maguari. O colégio tinha uma lancha, a gente vinha e ficava no Matadouro até a hora
que acabava a matança. A carne vinha de trem, ia pro Curro Velho e de madrugada era
distribuída a carne, nos bondes, pelos bairros.
H- Sim, mas o Sr. vinha de trem lá do Matadouro do Maguari até São Braz?
A- A gente vinha era no trem até São Braz.
H- O que mais? E o que Sr. fazia afora isso quando ia pra São Luis, o Sr. ia a
cinemas, Praças? Qual era o seu divertimento? Mesmo de garoto?
A- Antigamente eu gostava de ir ao cinema Independência, que era um cinema ali
do lado, em frente ao Hospital, tinha o cinema Independência, do lado da sacada da família
Acatauassu, você se lembra? Era o cinema que eu ia quando estava de férias.
H- Quais eram os filmes que o Sr. assistia na época?
A- Eram filmes de Tom Mix, Buck Jones, esses artistas assim.
H- De faroeste.
291
A- De faroeste, ou então filme revistas, tinha aqueles filmes da Ester Williams e
outros, né?
H- O Sr. chegou a ir para o Largo de Nazaré, e para a festa do rio assistir algum
teatro?
A- Sempre ia, tinha o Largo que não era cercado, né? no Largo o pessoal todo
ficava circulando ali em volta, casais de namorados, e aquelas barracas todas com
comida, hoje não tem, aquela grade, né? E tinha Teatro numa área ali por trás, ali,
aquele hospital que tem lá (Clinica dos acidentados), tinha uma área grande, não, que
tem bem ali ao lado do Cinema Nazaré, nos fundos é um terreno ali, às vezes ficava,
vinha o Circo Nelino, tinha uns teatros, mas circulava isso, no tempo da festa de
Nazaré.
H- O Sr. assistiu alguma tourada aqui em Belém? Nunca foi, nunca viu uma tourada?
O Sr. estava no aqui no tempo da tourada na Praça Kennedy?
A- Não, não me lembro. Tourada eu vi na Espanha.
H- Tourada na Espanha é normal, agora em Belém é que é um pouco diferente. Mas, o
Sr. esteve na Espanha quando?
A- Passei 20 anos no Lloyd, viajei bastante. Eu tenho benção do Papa, eu conheço
Nazareth, conheço Canaã, conheço onde Cristo foi crucificado, a sepultura dele.
H- Certo, obrigado, então, Seu Alcides.
Francisca Guedes Patriarca Manaus - AM 18.05.1918
H- Dona Francisca, eu queria que a senhora falasse de quando a senhora chegou aqui
em Belém.
F- Cheguei aqui em Belém no resto daquela guerra primeira, 1930. Quando eu cheguei
aqui estava no final daquela guerra. Eu estava com os meus dezoito anos, quinze anos pra
dezoito.
H- A senhora chegou por onde?
F- Eu cheguei...minha mãe morreu lá, Manaus. o pai achou de vir pra e ir
trabalhar no Yabona, nesses navios gaiolas. Aí quando ela morreu, eu fiquei lá, aí meu
292
padrinho chamou ele, que viesse me buscar. Ele estava aqui casado, tinha três meninos.
Quando eu cheguei aqui foi pro lado dele, vivendo com madrasta. Convivendo com a
minha mãe, nunca fui ruim pra minha mãe, quanto mais pros outros, tratava-a bem, tudo,
quando foi tempo já, eu tinha vinte anos, quando ele me disse, ah, agora você já tem vinte
anos, vê se procura um serviço que eu tenho pouco. Realmente era pouco mesmo.
H- Onde vocês moravam? Na Tiradentes, entre que, a senhora sabe as ruas?
F- Ali na Tiradentes, entre Piedade e Benjamin.
H- A senhora então veio direto de Manaus. E a senhora chegou como, de navio?
F- Vim de Navio.
H- A senhora lembra o nome do navio? Ele chegou aqui em que porto?
F- Aida Carmem. Aqui, na Escadinha. Na Presidente Vargas (15 de Agosto). Era aí
que encostavam todos os naviozinhos que vinham de Manaus. ele foi me buscar, nesse
navio Aida Carmem, que agora ela viaja pra Mosqueiro.
H- A senhora, então com 20 anos, morava na Tiradentes? A senhora foi procurar
trabalho, foi isso?
F- Foi, foi. Ele tinha muito pouco, transfere umas 3 filhas dele e eu quatro. Ainda o
tinha mulher, eu digo bem... Eu tinha uma irmã, era muito mole, né? Eu digo essa eu vou
procurar por ela, saí um dia, eu disse, eu vou procurar trabalho. Tu não és doida, meu pai
disse. Vou, foi direto, uma senhora me disse, olha vovai na Soberano, que na
Soberano precisam de moça assim como você. Como você é tão engraçada, pode, vai que
você fica lá. eu fui, cheguei lá, dito e feito, a senhora dele, seu Hilário, que morreu
tudo, seu Hilário, a mulher dele, tudo.
H- Onde era? Na Cidade Velha?
F- Na Cidade Velha, na Siqueira Mendes. Aí eu fiquei. Sério está escrito tudo, amanhã
você vem, é seu o lugar. eu fui, comecei, fui trabalhar, isso foi em... assim umas 30 pra
50, comecei a trabalhar. Quando comecei a trabalhar, achou de darem uma pane lá no negócio
deles, ela virou, acabou, virou bagunça, ele também morreu, e acabou tudo, Guaraná
Soberano.
H- A senhora lembra em que ano foi isso?
F- Foi em 1942, por aí. eu fiquei, digo, eu não vou ficar sem trabalho, pois saí pra
procurar.
H- Quanto tempo a senhora ficou lá no Guaraná Soberano, trabalhando?
F- Eu fiquei 4 anos. Quatro anos lá, eu virei o Soberano todo, só fui parar na clínica.
H- Onde é a clinica?
293
F- mesmo no Soberano, porque era embaixo, em cima. eu fiquei lá, quando as
máquinas paravam, era que eu saía de lá, porque ele não deixava que ninguém entrasse ali por
causa da bebida, sabe? O pessoal da máquina bebia, ficava tonto, então ele não queria, me
botou pra vigiar. Eu vigiava o dia todo, depois a máquina parava de 8 horas em diante.
Então eu saía de tarde, quando chegava aí, Tiradentes com o Largo da Pólvora, que eu
descia a Tiradentes. Um dia eu descia a Tiradentes, devia ser umas 9 horas, dois caras assim,
vão me atacar, o que vale naquele tempo ainda tinha ali a Base, a Base Aérea, eu corri pra
Base, me ajudem aqui, o rapaz da porta veio. O que foi? Tem dois caras que querem me
atacar, e eles estavam lá no Largo da Pólvora. Se eu viesse por ali, me agarravam mesmo.
H- A senhora associa isso a que? A senhora acha que era por causa do Guaraná
Soberano?
F- Não, eu acho que era por causa de que eu vinha tarde, sozinha, e eu saltei ali
sozinha, naquele tempo a gente não via gente. Nunca mais eu vim, aí deixei de ir.
H- A senhora podia...como é que a senhora andava em Belém? A senhora ia a da
Tiradentes até o Guaraná Soberano?
F- É, ia a pé. Quando eu não pegava o Bonde, tinha bonde mesmo. O senhor conheceu
o Zepelim?
H- Sim, cheguei a conhecer.
F- Eu corria para pegar o zepelim. Ia saltar lá no Largo. Era assim meu dia.
H- Em que ano? Esse que a senhora corria para pegar o Zepelim?
F- Tem 40 anos (1958). Quando eu me empreguei de novo.
H- E a senhora, depois de lá conseguiu emprego onde?
F- Ali na Quintino, numa fábrica de tecidos, Fábrica de Tecidos Soberano, não, não é
Soberano, era um nome esquisito. Fábrica de Tecidos de Rolamentos. Na Quintino com
Manuel Barata, fica lá pra banda do Rio, ali na Doca de Souza Franco. eu fiquei lá, me
botaram pra fazer costura. Fui costurar, costurar, e costurar. Depois quando foi um dia, deu
um tempo lá, que derrubou tudo, molhou tudo a casa do homem, estragou tudo, rolamentos da
casa do homem todinhos, aí acabou. Aí eu fiquei de novo sem nada.
H- E quantos anos a senhora trabalhou lá? A senhora casou-se?
F- Trabalhei 3 anos somente. Foi onde eu encontrei o meu marido, que trabalhava
neste negócio de rolamentos. A essa época eu me casei, em 1951.
H- A senhora teve filhos?
F- Eu não tive filho que viesse ao mundo, teve um aborto, porque foi um aborto
esperado. Eu tinha um pato, e quando fui buscar o pato que estava pendurado, quando eu vi
294
tinha um cachorro assim, eu não enxergava e pisei na pata do cachorro, o cachorro fez
encostar a boca na minha , todo mundo gritou, tu vais ficar doida, tu vais ficar doida. Eu
disse tá doida, esse cachorro não é doido. Nessa doidice quem estava ficando doida era eu.
eu comecei, duas horas, quando foi cinco horas para as seis, não me levantava mais tremia
que vara verde. Ora, eu estava grávida e não sabia, quando vem a criança, eu ia tudo, e
mandei chamar, nós morávamos na Bernal do Couto, eu e ele, eu mandei chamar...
H- Bernal do Couto próximo de onde? D. Romualdo de Seixas?
F- Próximo ali à Santa Casa. Entre a D. Romualdo de Seixas e aquela rua que vai
direto. eu mandei chamar na Santa Casa, veio uma senhora, Dra. Ela disse, ah minha
filha, podes crer, tu estás, vai abortar, não tem pra onde. Esse frio que está é um aborto, a
criança morreu. Minha nossa senhora, que coisa! pronto, quando ele chegou, danou pra
procurar o cachorro que sumiu. Parece que sumiram com o cachorro. Não quiseram que
matasse o cachorro, ele queria matar o cachorro. pronto, eu tomei os remédios que ela deu,
mandou que eu tomasse uma garrafada, não tomei nada. Somente os remédios que o médico
passou. Pronto não tomei mais nada e estou aqui. Graças a Deus, boa.
H- Há quanto tempo o seu marido morreu, a senhora separou? Como é que foi?
F- Ele vai fazer agora esse ano 20 anos. Ele morreu dia 13 de Maio de 1987.
H- Dia de Nossa Senhora de Fátima.
F- Bonito a morte dele, teve uma boa morte. Morreu de enfarte.
H- Agora D. Francisca vamos falar da senhora, na época que a senhora chegou aqui
em Belém, quando a senhora morava na Tiradentes. O que a senhora fazia de divertimento?
De lazer, sábado e domingo. A senhora saía, a senhora ia à um cinema? Pra onde a senhora
ia?
F- Eu ia para o D. Bosco. A minha brincadeira era no D. Bosco, com as freiras. Aliás,
a gente chegava com as freiras, era brincando, tudo que as freiras faziam naquelas
brincadeiras de freiras, às vezes eu passava a tarde lá no D. Bosco. Estudo que eu tenho
pouco, os dois anos e o segui mais. O Sr. sabe, com madrasta, quando ela impinima com
uma coisa. E eu não queria aborrecer, eu não queria.
H- A senhora sentiu falta disso no trabalho, por não ter estudado. No trabalho, a
senhora trabalhava com o quê?
F- O que eu tinha Deus me ajudava. No Soberano eu passei lá, eu fazia aquela
entrada e saída de cerveja, que vinha de fora, Portugal, e saía aquelas garrafas secas, eu fazia
tudo aquilo, tomava nota daquilo tudo, marcava, quando chegava tomava nota tudo de novo.
H- A senhora sabia ler e escrever?
295
F- Era o que eu fazia. Depois não me passou assim serviços pesados.
H- Então a senhora não ia à festa, não ia à praça?
F- Não, não. Eu não ia não. Às vezes...
H- Lazer, a senhora não tinha um lazer preferido em Belém? O que a senhora gostava
de fazer além de ir para o D. Bosco?
F- Agora, depois de lazer, eu fiz depois de me casar.
H- Sim, em outro momento. O que a senhora fez?
F- depois de me casar que eu fui aprender fazer flor, fazer isto, fazer aquilo,
costura, fazia tudo que necessitava, tudo que era bom. Mas, uma minha professora, ela era
americana, entrou, nós estávamos morando ali na Terra Firme.
H- Então a senhora mudou pra Terra Firme? Da Bernal do Couto para a Terra Firme.
F- sim, e nos tínhamos uma casa que entrava assim na... Era na Passagem Nossa
Senhora das Graças, bem perto da Igreja. Aí, a gente fazia tudo. tudo, tudo ela ensinava,
até fazia casa ela conhecia.
H- Ela veio através da Igreja, essa americana?
F- É da Igreja São Domingo. a gente fazia tudo o que ela ensinava. eu fui até
aprender massa do fantoche, o Sr. sabe o que é o fantoche? Aquele bichinho que fala na TV, a
gente pensa que é ele que está falando, mas não, é a gente. A gente fazia a massa daquilo para
fazer aquelas caretas, aquelas roupas tudo. Ela recebeu uma carta chamando ela na América.
Ela disse não posso dar a carta pra vocês, mas eu vou deixar na Presidente Vargas, assim
que ela... era a senhora na primeira linha amassando aquelas massas de fantoche.
296
Osvaldino Ferreira de Oliveira Vigia – PA 23.01.1917
H-Como sempre, a primeira pergunta é se o Sr. nasceu em Belém e se morou sempre
em Belém. E em que Bairro de Belém o Sr. morava?
O- Eu sou do interior, do município da Vigia. Naquele tempo se chamava Comarca.
Eram aqueles vilarejos do interior, tupinambá, maracajó, colares, fazenda, tabocal.
H-O senhor estudou? O que o senhor fazia na Vigia quando criança e adolescente? Os
seus pais eram paraenses? Eram brasileiros?
O-Não fiz curso nenhum, nunca me sentei em bancos escolares. A gente fazia muita
coisa. Meu pai era da Ilha do Marajó, Barcarena, minha mãe era de Macapá, o pai dela era
turco de nascimento, mas veio para o Brasil com 15-16 anos, novo ainda. E se realizou em
Macapá, muitas terras naquela época ele adquiriu.
H-O senhor veio para Belém quando? Garoto, adolescente? Quantos anos o senhor
tinha?
O- Eu vim cedo para Belém, tinha 5 anos.
H-O senhor lembra onde o senhor foi morar? Em que bairro foi morar?
O- Eu morava ali na Conselheiro Furtado, esquina com a Alcindo Cacela, quase
esquina com a Alcindo Cacela (ex- 22 de junho), eu conheci até o prefeito Alcindo Cacela.
H- O senhor trabalhou em quê? O que o senhor começou a fazer em Belém?
O- Eu comecei a trabalhar com meu pai. A gente ia fazendo as mudas, e depois
plantando para vingar. Era bonito, tinha plantas, rosas, de tudo. Depois ele me colocou no
297
Horto Municipal para estudar mecânica, para aprender a dirigir, naquele tempo eu era novo,
mas eu era pinduca como ele chamava, era curioso, pegava o carro e dirigia.
H- Mesmo sem ter estudado. Até hoje o senhor é analfabeto? O senhor estudou? O
senhor estudou mecânica? Fez algum curso?
O- Não, não tenho curso, prática, prática boa. Consertava bastante carros, chegava
lá: Titan, Chevrolet CD, Ford, chevrolet gigante, carros da época, internacional, carros
grandes. Só quem tinha aqui em Belém era o ...Buick, Chrisler, Simca. E no Horto mesmo
eu aprendi, como eu comecei a mexer nestes carros cedo, eu era adiantado.
H- Como o senhor trabalhava na mecânica, onde era a sua oficina?
O- Era dentro do Horto Municipal. Lá no Horto Municipal tinham as plantas, todo tipo
de planta e espalhava pela cidade, pelos jardins, a poda das árvores era feita pelos jardineiros.
H- Quantos anos o senhor trabalhou no Horto Municipal?
O- No Horto eu trabalhei cinco anos só.
H- O senhor lembra isso?
O- Lembro, era o escritório deles.
H- Isto aqui, pelos meus estudos, pode ter sido uma das paradas do Trem. Ele passava
pela Mundurucus,
O- O trem vinha de São Braz, pela Gentil, quando chegava na Gentil com a Rui
Barbosa, ele entrava para a esquerda e passava em frente ao Horto Municipal.
H- Uma das Paradas, de duas que existiam para o trem, era na Gentil esquina com a
Generalíssimo, e a outra era a do Horto Municipal. Então esta aqui, depois se tornou a
administração do Horto quando o senhor trabalhou lá.
O- O trem passava aqui assim (mostrando na foto), aqui na frente, era tudo dentro
mesmo, acompanhando a margem da rua. O trem parava deixava o pessoal todo, não era bem
na porta era mais adiante um pouquinho.
H- O senhor chegou a andar alguma vez de trem? De onde para aonde?
O- Andei muito. Eu andava pro interior, pra Bragança, passeava, ia pra Bragança
passar o fim de semana. Castanhal, o interior.
H- O senhor lembra o preço do trem em relação ao preço do bonde, como um
parâmetro.
O- Naquela época era 400 réis. O bonde aqui era, dependia da linha, era por seção,
pagava um tostão entre São Braz e Souza, pegava o Souza no Ver-o-Peso e ia até a Casa
Natal.
298
H- Certo. Se o senhor nasceu em 1917, e o trem deixou de passar em 1931 pelo Horto,
então o senhor deve ter visto o trem quando o senhor tinha 14 anos.
O- Era mais ou menos isto. Mas o trem deixou de passar ali, não foi nessa data que o
senhor falou. O senhor disse que o trem deixou de passar ali em 1931, mas o trem não deixou
de passar não, quem foi que disse isso?
H- Deixou, ele continuou indo até São Braz. E em 1931 foi extinto esse trecho de o
Braz até o Centro de Belém. Pelo menos os registros estão dessa maneira. Por que? O senhor
viu o trem depois de 1931? Até quando o senhor viu?
O- Até... o trem pra mim existiu até 1938. O Juarez Távora ministro de Viação e
Obras Públicas, um dos primeiros atos dele foi terminar com o trem e com os bondes em
Belém.
H- Mas o Juarez Távora foi depois. Pelo que está nos registros, a extinção foi em
dezembro de 1931.
O- Eu ia até o Ver-o-Peso, era 200 réis a passagem de São Braz até a 16 de Novembro.
O trem vinha cheio de manhã. A gente saltava e ia até a Praça do Relógio, que foi posta ali em
1932, Padre Leandro Pinheiro era prefeito, era muito amigo do Barata, aquele relógio dava
para se ouvir na cidade toda, ele tinha uma sirene muito forte, agora abandonado, tinha um
pêndulo lá em cima,
H- Então o senhor foi muitas vezes à Estação. É onde está o Hotel de Trânsito do
Exército e tem uma Vila Militar? O senhor não lembra a sua idade? Isso é importante, o
senhor andou nesse trecho até quantos anos?
O- Até essa época, 1938 que eu falei. Aquele tempo em São Braz onde tem o Mercado
agora, era chamado o covão de São Braz, todo lixo da cidade ia para ali, está entendendo,
então o trem passava por cima. (...) no Lar de Maria, aquilo tudo era um buraco só, se não me
engano dali é que saiu pedra, granito para as ruas e calçadas. O trem seguia até a Gentil, aí ele
ia direto até a Travessa Rui Barbosa, parando e tal. A primeira parada que ele fazia era aqui
na Travessa 14 de março, não tem uma espécie de igarapé ali, o trem parava lá, depois parava
mais adiante na Alcindo Cacela (antiga 22 de Junho), se não me engano, depois parava
no Horto Municipal, não, ele parava na Gentil, antes da Rui Barbosa, na Rua dos
Mundurucus, ele seguia direto para a Estação embaixo, quer dizer ainda tinham algumas
paradas ali perto do Jurunas, onde é a Roberto Camelier, eu até conheci o Roberto Camelier,
foi o que montou a primeira rádio aqui, a Rádio Clube. Tinha vagão de primeira e segunda. O
preço de 200 réis, o trem de primeira não ia até lá. O pessoal que trabalhava no comércio ia de
trem de manhã, tinha o bonde também. Por isso chamavam o trem- bonde. Pegava no Ver-o-
299
Peso o bonde para o Souza, pagava um tostão até São Braz, e de São Braz pagava outro tostão
até o final da linha. Um tostão era 100 réis. Cada tostão tinha 5 vinténs, cada vintém
representava vinte centavos. Com esse tostão a mãe da gente mandava ir na taberna,
comprava manteiga, um pão, pimenta, cominho, alho estas coisas.
H- Depois de sair do Horto Municipal, qual era a sua oficina?
O- Eu fui trabalhar por minha conta, como motorista, tirei minha carteira de motorista,
como chofer de praça, trabalhei muitos anos. Meu ponto era no Largo da Pólvora, chamava
Comando dos Motoristas, ali trabalhava motorista de categoria. Aquele pessoal,
desembargadores, políticos, se davam muito com a gente, andavam tudo de paletó, era assim.
Trabalhei ali uns dez anos, depois um tio meu, morreu esse tio, comprou um ônibus,
comprou um chassi, mandou encarroçar, naquele tempo um chassi custava 8 contos de réis,
e uma carroceria custava também oito contos. Então ele mandou encarroçar, a carroceria
podia ser a prazo, agora o chassi não, eles facilitavam às vezes, vamos supor a prazo era três
meses, dois meses, saía quase tudo à vista o chassi. Ele me chamou para eu trabalhar de meia
com ele, eu fui trabalhar.
300
Mario Nazareth de Souza Belém - PA 18.02.1923
H- Fale um pouco sobre a sua infância, dos seus pais e o que eles faziam.
M- Coisa comum como qualquer outro garoto, não tem nada de relevante, cinco anos.
H- Sim, mas o que era que o seu pai fazia, qual era a profissão?
M- Era militar.
H- Da Aeronáutica, do Exército?
M- Do Exército.
H- E ele trabalhava em Belém mesmo?
M- Era. Era pernambucano transferido pra pra Belém, trabalhava aqui. Servia no
Batalhão de Caçadores.
H- Certo. Onde é o segundo BIS hoje. E a sua mãe era dona de casa?
M- Não tinha mãe, fui criado pela esposa do meu pai de criação, meu pai verdadeiro
perdi com dois anos de idade em 1925. Minha mãe eu perdi em 1938. Ela ensimesmou e foi
morar com meus pais de criação que eram minha mãe de criação era tia dela, seria minha tia
em segundo grau, irmã da avó dela, ela entregou-se a uma depressão tremenda.
H- E o senhor, qual foi a primeira escola que o Sr. lembra? Que Grupo Escolar o Sr.
estudava?
M- Barão do Rio Branco, primeiro Barão do Marajó até o terceiro ano.
H- Onde era o Barão do Marajó?
M- Na Conselheiro Furtado, entre 9 de Janeiro e Alcindo Cacela antiga 22 de Junho.
Ali perto do Líder, onde tem o supermercado Líder. Ali era uma vacaria, aliás.
H- E depois?
M- 4º e 5º ano eu fiz no Barão do Rio Branco, na Generalíssimo Deodoro.
H- Então, como estudou no Barão do Rio Branco, o Sr. lembra da parada do trem que
ficava na esquina da Generalíssimo com a Gentil Bittencourt?
M- Eu lembrava do trem até do trilho do Carvão, atrás da cadeia de São José.
301
H- Como o Sr. estudou no Barão do Rio Branco, o Sr. lembra da parada quando ele
parava do trem na esquina? Porque ali, não sei se o Sr. foi recente lá, tem um posto de
gasolina, e o Autogil do outro lado, onde ficava a parada do trem?
M- Parada, parada mesmo, eu não me lembro de parada, o trem trafegava
normalmente, parava em São Braz, ia apanhar carvão atrás da Cadeia de São José, e ia
embora, não pegava passageiro, não pegava nada.
H- Sim, o senhor não pegou...o Sr. conheceu a Estação Central?
M- Porque a Gentil Bittencourt tinha mesmo o caminho de Estrada de Ferro, um
covão lá em baixo, ...não tinha nada, depois com o tempo, foi aterrando, até o trem que saía de
São Braz ia para o trilho do carvão, apanhava lá o combustível deles, e voltava e ia embora.
H- O Sr. está falando o trilho do carvão atrás da cadeia de São José.
M- Chamavam de Trilho do Carvão. Entreposto de Carvão, depósito da Estrada de
Ferro.
H- Então, aí tinha a Estação Central, o Sr. chegou a conhecer?
M- Era em São Braz.
H- Não. Porque a Estação Central era justamente próxima à Tamandaré com a 16 de
Novembro.
M- Não, não me lembro disso.
H- O Sr. não lembra disso. Então é uma coisa importante o Sr. ter falado no
Depósito do Carvão. E o seu pai lhe falou alguma vez sobre o trem?
M- Que eu me recorde, nunca, ele não se preocupava com isso. Ninguém se
preocupava com isso na realidade, ninguém.
H- Era só o trem passar, um veículo.
M- O pessoal se lembra mais de transporte, o bonde, não havia ônibus.
H- E o bonde, o Sr. utilizava o bonde normalmente? Quando o Sr. era criança?
M- O bonde a gente utilizava normalmente. Não.
H- Quando o Sr. começou a utilizar o bonde?
M- Utilizar sozinho, eu tinha treze anos, eu fui trabalhar no Ferreira Gomes, de
ferragista, ali na 28 de Setembro, perto da Praça Magalhães, tinha a Phebo, e tinha o Ferreira
Gomes, ferragista. eu trabalhei até 1939, depois da guerra, logo depois da explosão da
guerra, fui trabalhar numa outra empresa. AS Dias, uma empresa de ferragens que ficava na
15 de Novembro. Da 15 de Novembro fui trabalhar, sempre subindo um pouquinho o salário
né, fui trabalhar no meio com a BAN Mastwisck, ali no Boulevard Castilhos França,
exportador de couro.
302
H- Como é que chama, o Sr. pode soletrar?
M- Ban Mastwisck.
H- E depois?
M- eu fui trabalhar na Panair do Brasil, porque um amigo, meu pai era espírita,
um amigo dele o Agrichel Alfaiab, tinha uma alfaiataria ali na Santo Antônio, ele então pediu,
se arranjava um emprego lá na Panair. Ele me arrumou, eu entrei na Panair do Brasil em 08 de
Maio de 1941, como apontador, era eu, Januário Victor Lopes, que era o chefe, era técnico do
Paysandu, técnico de futebol, e porque eu jogava também uma bolinha naquela época, fui
aproveitado para entrar no time da Panair do Brasil, então jogávamos lá, também era de
brincadeira.
H- E a Panair onde ficava?
M- No fim da Marechal Hermes, ali no cais do Porto, lá depois do último armazém, ali
era Base Marítima.
H- Existia alguma loja?
M- Não, não tinha nada, só tinha os Galpões do porto, até uma certa altura...
H- Existia algum escritório da Panair no centro?
M- Era o Hangar, estação dos aviões da Panair do Brasil. era o escritório também.
Eram aviões marítimos, hidroaviões, não tinha outros aviões. Ali ficava também a estação de
rádio, mexendo com a ZAR, pessoal de rádio, né? Acabaram me ensinando o código Morse.
Aprendi o Código Morse nas horas vagas, durante quatro anos, à tarde eu ficava com eles.
Fazia um café, fazia uma coisa, um agradozinho, aprendi rádio telegrafia.
H- E o Sr. ficou na Panair até quando?
M- Até a falência.
H- Em que ano?
M- 1965. Mas eu fui apadrinhado por dois rádios operadores, amigos meus, um até
se tornou compadre meu depois, e eu fiz concurso do DCT pra rádio telegrafia de primeira
classe, consegui logo.
H- O Sr. casou quando?
M- Calma. E aí, nisso eu fui para o Amapá, Estação de Rádio no Amapá. A Panair me
transferiu pra lá, logo minha carteira de telegrafista, foi logo para rádio telegrafista. Na Base
Aérea do Amapá, não é Macapá não, em cima no Oiapoque. Base Americana. De lá fui
para Cametá, aí casei em Cametá.
H- Sim, casou em Cametá, o Sr. teve filhos?
M- Em 1946, dois gêmeos, morreram logo em seguida.
303
H- Então na verdade o Sr. casou e a sua mulher, a sua esposa, morreu quando?
M- Morreu agora, faz três meses, aliás três anos.
H- Vocês viveram esse tempo inteiro juntos?
M- 59 anos.
H- Agora vamos voltar a falar do meu interesse direto, o trem. O Sr. lembra em
1935 do trem nesse trecho da Generalíssimo? Até quando o Sr. lembra de ter visto o trem São
Braz – Estação do Carvão?
M- Deixei de vê-lo depois que eu saí do Barão do Rio Branco, não vi mais. Saía de
casa 6:30 da manhã, voltava 11:30 almoçava, voltava de novo pro Ferreira Gomes, ficava
toda a tarde.
H- E o Sr. morava onde?
M- Na Conselheiro Furtado entre 9 de Janeiro e 3 de Maio. É onde hoje tem uma
Capela de Nossa Senhora das Graças.
H- Eu moro ali do lado, é bem perto. Num prédio ali próximo.
M- Tem uma clínica hoje, uma Clinica Neurológica, né?
H- Do Benjamim Ohana, eu sei, foi meu colega.
M- Ali era tudo barraquinha.
H- E lazer, o que era que o Sr. fazia? Lazer, fora o futebol que o Sr. era um bom
jogador.
M- Era um jogador medíocre, sempre fui devotado ao estudo, porque eu tinha uma
pobreza mesmo, meu pai não tinha condição de sustentar 5 pessoas, logo que eu fiz o
primário, terminei o Barão do Rio Branco, ele tentou me colocar no Ginásio Paraense, que é o
Paes de Carvalho hoje em dia, e tinha cadeira cativa ainda, médicos, advogados, aquele
colégio, né, então pobre não entrava e ele não conseguiu me colocar e eu fui trabalhar
então.
H- Sim, aí o Sr. recomeçou a estudar quando? Pro senhor ter o curso de Direito?
M- Ah, eu estudei a minha vida toda.
H- E Direito?
M- Direito eu comecei em 1964, mas antes disso eu tinha...
H- Lá no Rio?
M- No Rio de Janeiro, eu estava transferido para lá, mas antes disso eu tinha uma
porção de estágios.
H- É isso que eu gostaria de saber, a escola depois do Barão do Rio Branco?
304
M- Então vamos por etapas, na Panair do Brasil, fui pro Colégio, pro Ferreira Gomes,
AS Dias, BAN Mastwisck, Panair do Brasil, a minha vida toda, oficialmente em 64, quando
entrei para a faculdade,
H- O Barão do Rio Branco era um Grupo Escolar, como o sr. fez o Ginásio?
M- Eu não fiz Ginásio. Deixe eu discorrer, se a memória ajudar. Depois da Panair do
Brasil, depois do Rádio telegrafista, eu estudava com quem sabia, não sei se recordou nessa
Sessão Espírita, nós tínhamos um amigo Moisés Redinger, não sei por onde ele anda agora,
pois bem, era estudante de advogado, advocacia, o Orlando Bitar, ouviu falar nele? Era
estudante de Direito, Otávio Mendonça, também era estudante de direito, todos nós, o Moisés
me levava, estudava lá também. Me levava, eu não conhecia nada, então eu sempre gostei
daqueles que sabiam mais, fui adquirindo conhecimento, tinha sede de conhecimento, sempre
quis aprender as coisas. Então Orlando Bitar, Moises Redinger, o Otavio Meira, o Mendonça,
tinha um outro Mendonça também, meu pai era notável também e eles falavam de todas as
matérias, estudando todo dia eu ia aprendendo. Então tive varias transferências, então jamais
pude encetar assim os estudos, foi em Barreiras, quando eu fui pra la em Barreiras, 1956, eu
fui...
H- O que tinha em Barreiras?
M- Barreiras é Bahia, a Base. Base Aérea em cima no Aeroporto. Na Serra da
Bandeira. Bom...de eu consegui fazer um Curso de Ginásio por correspondência, eu fui
transferido para Salvador. Em Salvador eu entrei no colégio da Bahia, primeiro fiz exame e
tal, então eu estava capacitado pra entrar no artigo 91. Tinha 91 e tinha 99, fiz 91, fiz o
Ginásio, como já tinha muito conhecimento, quase tudo, escutando sempre particular, amigos.
Fiz o Artigo 91, e fiz o outro Artigo, fiz o Ginásio e o Clássico. Tava bem, ia fazer o
vestibular em Salvador, fui transferido para o Rio de janeiro, na Panair, né?me matriculei,
fiz o vestibular, no colégio pra Faculdade Nacional de Direito, e fiz aquela do Catete, na,
antes de chegar no Largo do Machado, como é o nome daquela rua? Rua principal, paralela a
Praia do Flamengo, conhece o Rio?
H- Conheço, mas não estou lembrado do nome da Rua.
M- Bem, onde tinha o Palácio do Governo, Rua do Catete. Pois bem, fiz vestibular pra
aquela, passei em 13º lugar, da Faculdade de Direito da Nacional, passei em 33º lugar, mas eu
preferi a Nacional, primeiro porque diziam que era a melhor Faculdade, depois era perto de
casa, que eu morava no Flamengo, aliás morava na S.Francisco Xavier, na Tijuca. Então
era mais fácil. E quando estava no segundo ano, veio a falência da Panair, mas eu já tinha
conhecimento demais, que eu pulei uma fase. Eu fui para os Estados Unidos, houve um
305
Concurso que foi feito dentro da Panair do Brasil, para me especializar em telecomunicações,
foi em 1945, 1947, 1948, praticamente na Central Radio Television Discourse, me lembro
bem na rua Wydote 8, Kansas City Missouri. Então me aprofundei, fiz todo o Curso, tudo,
tudo. Foi isso que me valeu passar para o Quadro da OACI Organização Aeronáutica Civil
Internacional. Daí quando veio a falência, nós fomos aproveitados, recebemos orientações,
fomos aproveitados pelo Ministério da Aeronáutica, que absorveu o departamento de
comunicações, massa falida Panair do Brasil. O Departamento de Comunicações foi para a
Aeronáutica, então começamos a nossa Odisséia Internacional. Conhecemos a Europa várias
vezes, toda a América do Sul, tinha conferência da ICAL, uma organização que de dois em
dois anos, eles costumam fazer reuniões pra tratar de mudanças. Então eu senti a necessidade,
jamais gostei de ser dependente, então nestas conferencias nos tínhamos, já designavam
advogados para direito internacional publico, para nos assessorar, e línguas também, então já
sabia inglês, aprendi francês, aprendi Italiano, aprendi alemão, espanhol, não precisava de
intérprete pra coisa nenhuma, meu grupo de trabalho eu me virava, sem dependência qualquer
que fosse, e Direito tirei também por causa disso. me especializei em Direito Internacional
Público, que era o que nos usávamos, convenções, os internacionais, país, todos tinham de
estar de acordo, para que a navegação aérea internacional sobrevoasse vários territórios
estrangeiros.
H- Então o Sr. se formou em direito nessa especialidade.
M- Formei em Direito, nessa especialização, depois de direito já me especializei nisso
em 68.
Durval Mendonça Soure – PA 26.10.1923
H- Seu Durval gostaria que falasse um pouco sobre sua infância e adolescência em
Belém. Onde o sr. nasceu?
D- Eu nasci no interior e vim jovem para Belém, sou de Salvaterra Soure.
Marajoara, que pega touro à unha, como fala o espanhol. Vim pra Belém, fiquei aqui na
minha infância (e adolescência). Descendo, ia direto para a Companhia de Águas, Faculdade
de Engenharia, a Biblioteca, do lado esquerdo no sentido de quem vai para o Ver-o-Peso,
ficava o jornal “O Estado do Pará”, em seguida vinha um dos grandes centros comerciais,
mas comercial assim tipo popular “Café Manduca”, e logo embaixo vinha o “Café Santos”.
Eram os dois estabelecimentos em que a elite do Pará se reunia à tarde para tomar o café, essa
306
época. A mesa era de mármore, sentavam nas cadeiras e ficavam trocando idéias, tomando
cafezinho. O “Café Santos” é lá, perto da João Alfredo.
H- O que o senhor lembra, dessa época das conversas sobre o trem em Belém como
meio de transporte?
D- O transporte... Existiam bondes, era a Paraelétrica, era uma Companhia Inglesa,
então eles que faziam o trajeto do Centro da Cidade, o bonde ia nessa época mais longe que
era chama-se Campo de Souza, chegavam ao Souza, é ali onde é hoje a Tuna, fazia a curva e
voltava, era o mais longe que se podia ir de condução, não tinha ônibus, automóvel muito
pouco, o trânsito era de bondes.
H- Fale um pouco do trem, o que é que o Sr. tem na sua memória sobre o trem? O Sr.
chegou a conhecer a Estação de Trem que era ali no Centro de Belém?
D- É aqui aonde é a atual Estação Rodoviária.
H- Bem...aí era a Estação de São Braz, sempre foi, mas um pouco antes existiu a
Estação Central de Belém, que era na Tamandaesquina com a 16 de Novembro. O Sr.
lembra do trem não na parte de São Braz, mas nesse trecho do Centro de Belém?
D- Quase não ... o paraense quase não... do interior que vinha de Castanhal, ele
andava de trem, quase não se andava de trem, pouco se andava de trem. De barco ou então de
Bonde. O transporte da população era barco ou então o Bonde. Para Soure se ia de barco, pro
interior ia de barco, existia uma, até hoje está lá, escadinha, paravam os rebocadores e os
Gaiolas, faziam pro interior e até Manaus. A viagem durava 15, 16 dias, sempre saía da
escadinha. Chamavam o Armazém, hoje é o três, o resto era para embarque de barco, de
cargueiros, naquele tempo com aqueles guindastes, construção inglesa, tudo ali é construção
inglesa.
H- Até quando o Sr. ficou em Belém?
D- 45, em 45 peguei um Ita e fui para o Rio, chamado, né?
H- O que o Sr. fazia de lazer? Onde o Sr. jogava?
D- O lazer? Era futebol. Aqui nos campos. Em Batista Campos, tinha um clube que
chamava...Legionário, não Legionário era de corrida, outro esporte corrida, corrida. E o
futebol, jogava muito futebol na Praça da Bandeira, fui criado ali na Praça da Bandeira. Eu me
lembro lado direito morava família judaica, até a Sete de Setembro. Benzecry, Azulay, nos
em criança brincávamos com eles, nos dávamos muito com eles, além do futebol, que
jogávamos futebol na Praça da Bandeira, tinha bicicletas, quando alugávamos bicicletas, e a
diversão embaixo nos fundos tinha um pedaço de arco e logo depois ficava o Paes de
Carvalho.
307
H- Por falar em Paes de Carvalho, onde o Sr. estudou?
D- Salesiano Nossa Senhora do Carmo, Grupo Floriano Peixoto no Largo da Pólvora,
era antigamente, quando terminei a noite fui estudar, trabalhava e estudava no Carmo, à noite
porque de dia era pago. Estudo no Pará era o seguinte: Nazaré, pago, Colégio Especial, Paes
de Carvalho homens, Instituto de Educação, as famosas normalistas, que era na Praça, hoje
é Instituto.
H- Era a Província, aquele edifício era a sede inicial do jornal “A Província do Pará”.
Ali foi onde a população incendiou o edifício, que ficou fechado até 1928. É por isso que é
anterior ao que o Sr. viveu.
D- O que de jornal eu tinha era “A Folha do Norte”, Paulo Maranhão, assisti moleque
a invasão dos estivadores, atacaram né, politicagem ali a gente sabia. Como os bilheteiros que
eram vendedores de bilhete, tinha a Loteria Federal e a Loteria Estadual, Loteria Federal
quando era sábado é que corria, e a Loteria Estadual era de segunda-feira, ali mesmo ali
próximo. Então a gente visitava muito esses dois bares, o Café Manduca (Campos Sales
esquina com 13 de Maio) e o Café Santos (Campos Sales entre João Alfredo e 15 de
Novembro), Rua dos Bancos, a Rua dos Estivadores. (falha na gravação). Tinha o 26º BC,
que ficava na Praça da Bandeira, eu era moleque ali, um pouquinho mais adiante tinha o
corpo de Bombeiros, aí se ia pra Cidade Velha.
H- Esse percurso o Sr. fazia muito a pé?
D- Sim muito, eu fui moleque ali, a Polícia chegava, nós tínhamos que... a diversão
era bola de gude, peteca, era pião, e papagaio, e a bola era principal. Jogava bola ali na Praça
mesmo...então quando eu via a polícia, a polícia naquela época usava botas (Coturno), e eles
quando pegavam a gente...a gente tinha oito fugas, atrás do 26ºBC era um matagal onde nós
fazíamos cerol para linha.
H- Então ali ainda não era o Quartel General, era o 26º BC?
D- existia esse, o 26º BC era ali na Praça da Bandeira, depois então na época da
Guerra, eles convocaram 1ª.2ª e categorias, 12 prenderam, e então criaram o 32º BC em
Nazaré, pra fazer a triagem para quem ia para a Guerra, nós sabíamos pouco da Guerra,
aqui nóssabíamos os navios que eram torpedeados, nós sabíamos pelo rádio, ou então pelo
“O Estado do Pará” que eu sempre ia, que eles tinham um canhão bum, que eles faziam numa
lousa, nessas lousas usadas na escola, e botava o acontecimento, chegava tomava nota e
trazia para casa. “A Folha do Norte” geralmente dava, mas nós moleques não tínhamos o
hábito da leitura da “A Folha do Norte”, com maior possibilidade do que o “Estado do Pará”,
mais completo, e só a classe média para cima que usava, nós da classe baixa, só sabíamos ...
308
H- O Sr. sempre morou no mesmo lugar na Campos Sales, e eu gostaria que o Sr.
lembrasse um pouco dessa parte, vamos dizer assim da infância e da juventude que o Sr. ia ao
cinema, a festa de Nazaré. Como era o Sr. ia com seus pais à pé, o Sr. ia de bonde, o Sr.
ia...como era?
D- O negócio é o seguinte, nesse tipo, nós tínhamos o regime patriarcal então não se
adotava muito dentro da nossa roda ladrões, o povo, então as casas eram contíguas, e os
amigos: como vai, esse é filho do Seu fulano, era o regime patriarcal, sicrano. Então nós
moleques tínhamos o regime, o regime patriarcal era o seguinte quando tinha visita em casa,
os moleques vinham e não entravam pela sala, davam a volta porque não tinham que...a
conversa era para adultos. A mãe dizia era seu fulano conversando com o seu pai, e o
problema ali era que mãe batia e pai também batia, nós tínhamos respeito aos vizinhos,
quebrava de vez em quando. O regime era o seguinte: moças e rapazes, moças ficavam
sempre em casa, iam para a escola e quando chegavam ficavam em casa, quando era domingo
iam para a praça, o namoro era na praça, os rapazes iam pra praça, da Bandeira, e pro Largo
da Pólvora que era o mais próximo e a gente andava pelo carnaval e tudo era feito ali naquele
passeio, tinha o Cinema Olímpia, o Grande Hotel. O primeiro prédio que saiu aqui foi o dos
Correios, depois veio o Grande Hotel. O Grande Hotel sempre foi ali, na Guerra a gente
vendia bilhete para americano ali. O cinema Moderno em Nazaré e tinha o Independência,
chamava de Poeira, os bancos eram de madeira, mais barato e a turma da ralé que ia, a
turma de brincadeira, tinha um seriado que era muito bom, A mão que aperta” toda quinta-
feira, a pé. Era às 19:00h.
H- Tá certo Seu Durval, muito obrigado.
309
Helena Quatorze Belém - PA 13.08.1922
Homobono - Dona Helena, fale um pouco da sua vida, onde a senhora nasceu, onde a
senhora passou a infância e juventude?
Helena Quatorze - Olhe, eu nasci na São Jerônimo, antiga, meu pai tinha um botequim
pra lá, meu pai era açougueiro, mamãe tomava conta, lá eu nasci. Aí me criei na São
Jerônimo, de lá, depois de grande eu vim morar pra cá. Depois que eu me casei, fui trabalhar,
trabalhei muitos anos numa farmácia.
H- Na São Jerônimo entre o quê, qual era o perímetro?
HQ- Entre Generalíssimo e Quatorze de Março. Eu vou lhe dizer pelo antigo porque:
eu nasci, me criei, estudei o primário. o meu pai comprou uma mercearia do outro
lado, eu morava lá.
H- A senhora estudou o primário onde? Qual foi a escola?
HQ- Primário, num colégio particular. Dra. Hilda Vieira. Lembra da Dra. Hilda
Vieira?
310
H- Eu conheço a professora Hilda por ser nome de escola.
HQ- Foi na Escola dela que eu estudei. Até a quinta série primaria. Porque
antigamente era assim. fui pro Colégio Santa Catarina, aqui em Nazaré, eu terminei. Eu
estava com nove anos, tirei o primário com nove anos. Aí eu cismei de me empregar, meu pai
não queria que eu saísse a noite para estudar e foi motivo de uma briga. Me empreguei,
primeiro me empreguei na Beneficente como servente, estava com 13 anos. Eu ficava em
casa, mas aquilo me dava... não gostava de ficar. com dezesseis anos me formei e com
dezessete fui trabalhar na Farmácia Áurea, sabe onde é? Manoel Barata com a Praça Felipe
Patroni. Lá eu trabalhei 14 anos, de lá eu me casei.
H- A senhora casou com quantos anos?
HQ- 35 anos, bem velhona, mas assim mesmo Deus ainda me deu dois filhos. Aí,
fiquei dezessete anos casada, meu marido morreu de infarto.
H- E a senhora morou sempre na São Jerônimo? Quando a senhora casou onde a
senhora morava?
HQ- Morava, minha irmã e eu, na Cosanpa (Avenida José Bonifácio). Nós tivemos o
Antonio que tinha uma Farmácia, meu cunhado, Antonio Andrade. A Farmácia não existe
mais. A minha mãe faleceu. Fui morar eu e meu pai. A minha irmã tinha filhos. Me Casei
com 35 anos, aí fui morar pra, o senhor sabe onde era a Fábrica de Doces São Vicente? Na
Gaspar Viana, Reduto? Eu morava bem em frente. eu tive dois filhos, são esses dois filhos
que eu tenho. o meu marido comprou uma casinha aqui, casinha que antigamente não era
apartamento, uma casa simples, né? E nós viemos morar aqui. eles se criaram,
estudando, um é formado em Economia em Belo Horizonte, o irmão está aqui em Belém, ele
é formado em História, professor de História, vem quase todo dia aqui comigo. eu me vi
sozinha, e um casou. Eu fui com ele, depois, um dia falando com a minha irmã ela disse:
Helena, vai ai pro Pão, tú estas tão sozinha, porque o Carlos estava intencionando casar
também e eu não quero morar com filho. Aí a minha irmã veio aqui, pra mim morar aqui, aqui
era o João XXIII. Ex-pracinha e aqui eu já estou à 12 anos, não são 12 dias, não.
H- Eu queria que a senhora falasse um pouco sobre o trem. A senhora chegou a
conhecer o trem? A Maria Fumaça.
HQ- Cheguei, cheguei a ir pra Ananindeua umas duas vezes de trem.
H- A senhora lembra? A senhora chegou a conhecer uma Estação perto do Ver-o-
Peso? A Estação de Trem, a antiga?
HQ- Eu conheci que eu visse não. Mas todas as pessoas falavam, mas é da minha
época.
311
H- A senhora deveria ter pelos meus cálculos uns 9 anos de idade.
HQ- O trem eu conheci, eu viajei nele, umas duas vezes, agora a estação do trem acho
que não.
H- O seu pai e a sua mãe viajavam de trem?
HQ- Não.
H- E o bonde?
HQ- Bonde, cheguei até a conhecer o Zepelim,
H- O Zepelim é famoso porque tem uma pessoa aqui, que eu entrevistei, que ele diz
que fez um modelo do Zepelim. Um senhor, aqui do Pão de Santo Antonio. Me mostrou até
umas fotos. A senhora andou muito de Zepelim? Em que ano?
HQ- Muito não, porque eu trabalhava, né? Eu só saía aos domingos.
H- O Zepelim que a senhora fala, era um ônibus? Não era o Zepelim mesmo.
HQ- Não, era o ônibus Zepelim. As pessoas pegavam pra ir passear, eu não gostava,
eu passava a semana todinha trabalhando, andava de ônibus, chegava domingo, eu queria
ficar em casa. Já estava namorando.
H- De bonde a senhora chegou a andar muito?
HQ- Meu Deus do Céu! Das 7 da manhã à uma da tarde.
H- Qual era o bonde que a senhora pegava?
HQ- Eu pegava o Cremação, eu pegava o São Jerônimo.
H- Onde era o seu trabalho?
HQ- Na Farmácia Áurea. Lá trabalhei 14 anos.
H- Depois de lá quando a senhora saiu, a senhora foi para outro lugar?
HQ- Não. Ele afirmava: você não vai mais trabalhar. Você vai ficar dona da sua
casa, aí eu fui ser empregada da minha casa, entende? Que foi a pior coisa. Que me trouxe até
esse problema de coluna, eu tinha né? Mas se acentuou mais, no trabalho caseiro. O senhor
sabe como é dona de casa, né? Eu gostava de tudo, bem mais ...
H- Dona Helena então fale alguma coisa de lazer, como era que a senhora fazia? A
senhora ia para alguma Praça?
HQ- Nunca fui de sair, nem andei em casa de ninguém, tinha uma colega minha, uma
moça que era minha colega, que ela trabalhava em consultório médico, ela morava pra cá, nos
íamos juntas no bonde, né? Era bonde ainda e essa menina não casou, o rapaz a enganou, ela
mora lá pra, nem sei mais pra onde, ela regula a minha idade, mas ela não casou. Às vezes ela
pergunta por mim, eu pergunto por ela, por outras pessoas, mas eu não saio mais. Primeiro,
que a minha coluna já não me deixa e eu enxergo pouco, esta vista aqui eu já perdi.
312
H- A senhora estudou até que ano no Colégio Santa Catarina?
HQ- Terminei o primário, era até a quinta série né, não fiz o Ginásio. fiz um curso
de Farmácia, curso prático de Farmácia.
H- Por trabalhar na Farmácia?
HQ- Eram dois anos, não tinha faculdade ainda e o Curso era Prático, eu tinha
diploma, não sei nem por onde anda, podia ser responsável pela própria farmácia, se eu
estivesse, mas não cheguei a ir. Eu bem que dizia, quando eu sair da Farmácia, eu não entro
mais nem pra comprar um pacote de algodão. Hoje seria serviço escravo.
H- Ali, naquela localização, então.
HQ- Olhe, eu entrava 7 horas da manhã ia até meia hora, chegava em casa uma hora,
tinha tempo de tomar um banho na carreira, comer alguma coisinha e voltava. Ficava até
19:30h ou 20:00h. Não tinha esse negócio de horário de trabalho, porque a gente assinava,
mas era só eu de moça.
H- Quem era o dono da Farmácia Áurea?
HQ- Era muito conhecido, Edmundo Augusto Ferreira, ele era dono da farmácia
Áurea e da Farmácia Chermont, em Nazaré. Mas eu trabalhava na Áurea. Ai eu fiquei
tão saturada daquela vida que eu tinha, minha mãe era uma pessoa doente, me virava pra dar
um conforto pra minha mãe, meu pai era pobre. Ah! meu senhor, a vida tem sido uma novela.
H- Obrigado Dona Helena.
313
Alzira das Candeias Santos Belém – PA 02.02.1903
H- A senhora nasceu no dia de carnaval. Dona Alzira fale um pouco da sua infância. A
senhora nasceu na Santa Casa, e como a senhora falou, a sua mãe morreu. O que a senhora
lembra quando criança? O que a senhora gostava de fazer?
A- Brincar de bonecas e costurar, fazer roupa de boneca. Eu fazia muito, eu era louca
por costura e essas coisas.
H- A senhora morava nessa época onde?
A- Eu morava no Colégio, Orfanato Antonio Lemos, eu fui pequenina porque eu não
tinha ninguém, me botaram lá.
H- No Orfanato Antonio Lemos?
A- Foi as freiras, eu estudei lá, trabalhei lá, serviços pesados, tudo eu fiz lá.
H- Quantos anos a senhora esteve internada?
A- Não estou lembrada mais, mas eu sei que eu fui pequenina pro Orfanato, porque
não tive ninguém, né? Mamãe me teve, fiquei na pedra. A senhora que acompanhou a minha
mãe foi que me levou.
H- A senhora vinha pra Belém? A senhora pôde vir quando já era moça?
A- Nós vínhamos, eu andava com as freiras, sai de lá com quase 15. 15 anos.
H- 15 anos?
314
A- É.
H- Como foi que a senhora veio de lá para Belém? Conte para nós?
A- Aquele senhor, o Casanova, era parente do Barata (General Magalhães Barata),
esse Casanova foi lá no Colégio, eu já estava moça. Ele foi pedir uma moça pra trabalhar lá na
casa dele, ele gostava das pessoas de Colégio que são gente direita, trabalhadora, aí a
superiora pegou e disse: olha eu tenho uma aqui que me deram. Me deram pra superiora.
eu estava brincando no recreio. Alzira... a benção, eu vou apanhar? Ia pra cima né? ai ela
disse não, vem aqui. Olha Alzira, tem um senhor aí, Casanova, não dizer que a senhora
não quer ir. Ah, meu Deus vou sair daqui, não dá. Não, vai lá. Quando cheguei lá. Tome a
benção. Fiquei sentada. Você gosta daqui? Gosto muito daqui. Ele disse assim: você quer
trabalhar? Já estou trabalhando aqui no Colégio. Ele disse: não, na minha casa. Ah, não vou,
porque eu não gosto de gente branca, chamam a gente de preto e eu não gosto, quando a gente
faz uma coisa vai logo ofendendo a gente. o, eu não vou fazer isso com a senhora. as
freiras disseram. Não, ela é muito fina, ela é assim triste porque ela nunca teve mãe, é porque
ela é triste, não pode estar falando assim. Tá bom! Aí eu fui.
H- A senhora veio para Belém, como? De carro? De trem?
A- Eu vim com eles, de carro. Não, ele que me trouxe de carro e a irmã.
H- E onde ele morava em Belém?
A- Na São Jerônimo, a casa ficava.
H- São Jerônimo com quê?
A- Perto da Capelinha de Lourdes.
H- Próximo à Avenida Generalíssimo Deodoro?
A- Eu ia ficar e tem uma coisa prá tomar cuidado. Não isto não tem problema,
isto ele não vai fazer. Você quer Alzira? Se me tratarem bem eu vou. Eu vou lhe tratar bem
(ele disse).
H- E ele lhe tratou bem?
A- Muito bem, me deu até uma casa. Foi contratou e me deu.
H- Morou sempre com eles na São Jerônimo? Quando a senhora saiu de lá?
A- Ah, não tenho certeza. Sai já grande, senhora, já com meus cabelos brancos.
H- Foi bastante tempo que a senhora ficou. E o que a senhora fazia na casa,
trabalhava, fazia serviços domésticos?
A- Trabalhava, fazia serviços domésticos, tudo eu fazia Graças à Deus, Aprendi tudo,
no caso lá.
H- Bem, se a senhora fazia tudo isso e ele gostava da senhora, a senhora saía?
315
A- Quando eu estava doente ele chamava médico.
H- A senhora ia pra Praça de Nazaré?
A- Ia pra Praça, ia pro Teatro da Paz, pra conhecer o Teatro. Tudo isso, ele foi
muito bom comigo.
H-A senhora estudou?
A- Eu estudei e não quis por causa do trabalho, não acabei de estudar. Fazia
encomendas, trabalho.
H- Em casa o que era que a senhora gostava mais de fazer?
A- Ih, eu passava, arrumava, colocava uma casa bonita, gostava tudo arrumadinho.
H- Eu reparei que a senhora se preocupa com o que está em volta?
A- É, adoro arrumar casa, limpar tudo.
H- Fale alguma coisa que a senhora gostava de fazer?
A- Me sentava pra costurar, fazer roupa pra mim, pros meus, ... eu fazia.
H- E depois da São Jerônimo, a senhora foi morar onde? Quando a senhora saiu da
casa do Casanova?
A- Ah, já fui pra minha casa.
H- Onde era a sua casa?
A- Era na São Jerônimo. Agora não é mais minha, não tenho mais casa. É a Dea que
faz essa caridade pra mim.
H- E a Dea? Conte como a senhora conheceu a Dea.
A- Conheci ela mocinha, ela era bonita, a Dea, foi muito boa comigo, muito. Ela tinha
como me dar coisas.
H- Como a senhora conheceu a Dea? Foi na casa do Casanova?
A- Foi na casa do Casanova, foi. Uma moça, uma senhora muito paciente, muito boa,
caridosa, eu gostava muito dela. Ainda gosto, ela vem sempre me procurar aqui. Foi muito
boa comigo.
H- Ela visita, conversa com a senhora. E a senhora gostou de alguém? Não apareceu
ninguém na sua vida amorosa?
A- Eu lá gostei, botava prá fora. Não apareceu porque eu era muito enjoada.
H- A senhora era muito exigente na verdade, não era? Obrigado, dona Alzira.
316
Os dados Estatísticos da Província e do Estado do Pará são aqueles correspondentes aos
anos em que ocorreram os recenseamentos de 1872- 1890- 1900- 1910- 1930- 1940.
Província do Pará – Total de Habitantes
Síntese dos resultados apresentados pela DGE entre os anos de 1875-1876
Habitantes Livres
Homens Mulheres
Escravos
Homens Mulheres
275.237
247.779
128.589 119.190
27.458
13.908
13.550
Solteiros (as) 94.848
12.468
Casados (as) 28.935
760
Viúvos (as) 4.806
322
Raças
Brancos (as) 49.663
42.971
Pardos (as) 46.899
46.828
5.747
5.837
Pretos (as) 9.200
7.629
8.161
7.713
Caboclos (as) 22.827
21.762
Religião
Católicos (as) 128.396
119.169
13.908
13.550
Acatólicos (as) 196
21
Instrução
Maior 16 anos 66.572
64.443
Sabem ler 39.718
20.677
6 a 15 anos 31.521
28.461
Estão na Escola 5.768
3.441
Não freqüentam 25.753
25.020
Nacionalidade
Brasileiros 123.365
118.437
(*)
13.606
13.300
Estrangeiros 5.224
753
302
250
317
Casas
Habitadas 38.978
Desabitadas 2.077
Fogos 39.521
(*) Para os escravos nascidos no Império foi usada a palavra “Brasileiros”, e para os que não
nasceram no Império a palavra usada foi “Estrangeiros”
Figura 2 Tabela montada a partir do resumo do recenseamento da população da Província
do Pará,
apresentado pela DGE em 1876. Fontes: Autor e (SENRA, 2006)
Ao enviar, para o Ministério do Império, o Relatório sobre o recenseamento
140
feito na
Província do Pará em 1º de Agosto de 1872, a Diretoria Geral da Repartição Estatística
anexou um Mapa, onde aparece à população estimada como sendo de 259.821 habitantes, dos
quais 232.622 são Livres e 27.199 são Escravos. Estes números não são coincidentes com os
que foram apresentados na Tabela de Resumo da DGE, pois correções e ajustes tiveram que
ser reenviados, em acordo, com o que expressa o mesmo Relatório do Presidente Francisco
Benevides, de 15 de fevereiro de 1876, enviado a Assembléia Legislativa Provincial:
Posteriormente reconhecendo-se deficientes os dados obtidos pela apuração do
mesmo recenseamento, sobretudo em relação ao grande número de municípios,
cuja população se acredita superior a que foi encontrada, fazendo suppor não ser
completo aqulle serviço, determinou o governo imperial, em aviso expedido por
aquelle ministério em 26 de Abril do anno passado, que as comissões censitárias
completassem os respectivos trabalhos.
N´este sentido expedi as necessárias ordens.
Muitas das referidas comissões remetteram os dados que poderam colher, os
quaes foram logo por mim enviados à mencionada directoria: outras responderam-
me que nada tinham a accrescentar e de algumas ainda não tive resposta.
Em um paiz novo como o nosso, onde tudo, por assim dizer, acha-se ainda em via
de organização, luta-se com mil difficuldades para a realisação de semelhantes
trabalhos, os quaes, por mais esforços que se empregue, não deixam de ser, como
sabeis, baseados em hypotheses.
140
In Relatório do Exc. Sr. Dr. Francisco Maria Correa de e Benevides, Presidente da Província do Pará,
enviado a Assembléia Legislativa Provincial, na sua Sessão Solene de instalação da 2Legislatura, no dia 15 de
fevereiro de 1876. Consultar site HTTP://brazil.crl.edu/bsd/bsd/544. p.52.
318
Figura 2-A - Tabela apresentada pela DGE referente às populações das Províncias ou Estados
do Brasil entre os anos de 1872 e 1910, sendo selecionados somente os atuais Estados do
Amazonas e do Pará.
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