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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Eliana Ramos Ferreira
GUERRA SEM FIM: MULHERES NA TRILHA DO DIREITO À TERRA
E AO DESTINO DOS FILHOS
(PARÁ - 1835-1860)
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM HISTÓRIA
DOUTORADO EM HISTÓRIA
SÃO PAULO
2010
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1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Eliana Ramos Ferreira
GUERRA SEM FIM: MULHERES NA TRILHA DO DIREITO À TERRA
E AO DESTINO DOS FILHOS
(PARÁ - 1835-1860)
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de DOUTORA
em História Social, sob a orientação
da Profª Drª Maria Izilda Santos de
Matos.
Co-Orientação da Profª Drª Rosa
Elizabeth Acevedo Marin.
DOUTORADO EM HISTÓRIA
SÃO PAULO
2010
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Erratas
Folha Linha Onde se lê Leia-se
6 15 privilegiado
basilar
30 1 Capitulo
Capítulo
30 27 Em 1817 Em 1809
39 20 do poder do estado imperial
42 29 Com base nestes dados, podemos supor que
Estes dados revelam que
44 4 Livre
Sem as limitações impostas
56 16 com os holandeses da Guiana
com a Guiana
58 1 re)criação
(re)criação
60 17 - 18 encentrando
revelando
62 13 cento de setenta cento e setenta
78 28 Festivas
Afetivas
101 17 emigrantes
imigrantes
101 23 perigo
perigoso
107 14 eles também proprietários eles também eram proprietários
113 29 - 30 estiveram
tiveram
143 Nota de rodapé
Latifundion Latifúndios
147 6 prelecionada
determinado
154 6 central tinha condições
central condições
154 6 esse
essa
173 20 esforçar-se,
esforçou-se,
209 24 Henri
Henry
241 30 caminhos
meandros
243 32 fiambres
fímbrias
2
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Profª Drª Maria Izilda Santos de Matos - PUC/SP
(Orientadora)
_______________________________________________
Profª Drª Rosa Elizabeth Acevedo Marin - UFPA
(Co-Orientadora)
_______________________________________________
Profº Drº Fernando Torres Londoño (PUC/SP)
_______________________________________________
Profª Drª Patrícia Maria Melo Sampaio
_______________________________________________
Profª Drª Yvoene Dias Avelino
3
A Maria Júlia (In memorian)
Amada Mãe
A Benedito Ramos
Meu Pai
Para Zezé
Amiga indelével, ser raro
4
AGRADECIMENTOS
Muitas vezes me impus uma reclusão voluntária e
necessária, buscando refletir para desenvolver as minhas
inquietações. Nesses momentos, pensava que o instante mais
esperado e, quiçá, o mais difícil seria o de colocar o ponto
final, encerrando os capítulos pertinentes ao corpo do
trabalho.
Eis que me defronto com uma mais delicada ainda: o espaço
reservado para os agradecimentos. Por mais que escreva
palavras bonitas e elegantes, elas jamais terão conteúdos
suficientes para exprimir os meus sinceros e profundos
agradecimentos a todos que direta e/ou indiretamente
contribuíram para a concretização desse trabalho. Este é muito
mais dessas pessoas que contribuíram decisivamente para a sua
finalização. Pois, durante o período de criação de um trabalho
como esse se constrói uma teia de relações com inúmeras
pessoas que cooperaram para a realização do trabalho. A essas
pessoas, não raro, temos oportunidade de agradecer o auxílio
valioso e decisivo para nós pesquisadores e muitas vezes,
infelizmente, nem lêem o que ajudaram a construir. Para com
elas somos eternos devedores.
Primeiramente, quero agradecer aos meus colegas da Escola
de Aplicação da Universidade Federal do Pará, para mim, eterno
NPI, que solidariamente assumirem minha carga horária, item
crucial para a minha liberação integral das atividades
docentes e para o aprimoramento de meus estudos.
Registro o apoio institucional da UFPA pelo acordo
firmado com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
que germinou o DINTER UFPA/PUC-SP.
À profª Maria de Nazaré, querida Naná, pelo empenho,
solidariedade, atenção e amizade.
5
Aos professores da PUC/SP que se deslocaram à Belém para
ministrarem as disciplinas pertinentes aos módulos do DINTER
UFPA/PUC-SP. Durante o período de curso, mesmo intervalar, a
convivência prazerosa, alegre e enriquecedora, foi fundamental
para o crescimento acadêmico, pois estiveram sempre atentos
para conosco e nossas inquietações, mostraram-se dispostos a
permanente orientação e troca de experiências acadêmicas.
Minha gratidão e agradecimentos também a todos os
funcionários dos Arquivos que “visitei”, permitindo-me livre
acesso aos seus acervos e pela atenção e acolhida sempre
cordial: CMA (Centro de Memória da UFPA), MPEG (Museu Emílio
Goeldi), CDL (Comissão Demarcadora de Limites/PA), CENTUR
(Fundação Tancredo Neves/PA), ITERPA (Instituto de Terras do
Pará), o Centro de Memória de Vigia, o Arquivo Público de São
Paulo; mas o meu lugar privilegiado de pesquisa, sem dúvida, o
Arquivo Público do Estado do Pará, foi o lócus privilegiado,
importante na minha trajetória de pesquisadora da história
regional do Pará. Lamento os momentos difíceis , delicados e
imensa tristeza de vários funcionários-amigos que, pelas
mazelas e desmandos antigos e presentes da política do governo
estadual, foram desligados do Arquivo, amigos/as que
acompanharam minhas angústias e alegrias da descoberta nos
documentos; partilhamos muitas coisas, por isso seria
injustiça mencionar alguém em particular, pois todos são
cúmplices e partícipes dessa pesquisa. A eles meu muito
obrigada.
Mais uma vez, não posso deixar de destacar a contribuição
determinante de Linda, socorrendo-me sempre com paciência e
atenção, na exigente tarefa de transcrição dos documentos
consultados no Arquivo Público do Poder Judiciário; bem como a
querida amiga e grande conhecedora do acervo documental dos
arquivos paraenses, Nazaré Ramos, sempre soberbamente
indicando os filamentos a seguir. A sorridente Andrea
companheira de aventura no Arquivo do Poder Judiciário do
6
Pará, solidária e amiga generosa, dividimos lanches, alegrias
das descobertas e muita poeira saída dos documentos.
Roberto, secretário da UNAMAZ, atendeu-me com zelo e
atenção profissional, responsável pela ficha catalográfica.
É difícil citar nomes quando se é acolhido com respeito e
carinho. Por isso, meu muito obrigado aos funcionários do
Setor de Documentação do ITERPA. Meus cordiais e profundos
agradecimentos. Sem vocês esse trabalho não teria a qualidade
de uma fonte singular para o entendimento de minhas
inquietações.
Meus singelos agradecimentos à profª. Dr.ª Maria Izilda
Santos de Matos, pela confiança no meu trabalho e na minha
capacidade de superação. Orientadora generosa, oferenceu-me
sua experiência acadêmica, sua amizade, seu carinho e
proteção. Acompanhou todos os momentos de construção da tese.
Partilhamos uma relação não apenas de orientadora e
orientanda, mas sim uma amizade pautada no diálogo, franqueza,
respeito e confiança.
À Izilda agradeço, também pela indicação de Gustavo e
Karina, responsáveis pela editoração da tese, pela gentileza e
profissionalismo.
Agradeço aos professores Fernando Londoño e Cida Pascal,
pela leitura atenta do trabalho, manifesta nas críticas
contributivas no momento do exame de qualificação.
Aos colegas de turma pelos momentos alegres, divertidos e
informações partilhadas ao longo de nossa experiência no
DINTER.
Algumas pessoas foram fundamentais na definição do
percurso do presente trabalho. Para essas pessoas, reitero e
mais do nunca, as palavras não alcançam o sentimento de
carinho, respeito, gratidão e admiração.
7
Nilda, contemporânea querida de graduação em História,
amiga e companheira de trabalho no NPI que, junto com sua
família, propiciou-me momentos agradáveis e acolhedores em São
José dos Campos.
Bila Gallo amiga de longa caminhada.
Conceição Almeida. Amiga e companheira de jornada de
trabalho no NPI, do DINTER, dos arquivos e das alegrias das
descobertas, bem como dos caminhos e descaminhos da vida.
Parceira na troca de informações, documentos e inquietações,
com carinho fraternal, ainda encontrou tempo para contribuir
para a realização deste trabalho.
KK pela generosidade, alegria, companheirismo e carinho
em acolher-me no recôncavo de seu lar, ensinando-me a suportar
as saudades de tudo e de todos do Pará. Sampa ganhou outro
colorido em tua companhia. E claro, não poderia esquecer-me de
outras irmãs paraenses-paulistanas como Cláudia e Rosa e as
boas risadas partilhadas na Paulicéia Desvairada.
Júlio, Ruivo querido, conterrâneo, amigo ímpar, teve
participação fundamental para a realização desse trabalho. Meu
muito obrigado. Fernando, outro conterrâneo e amigo querido,
que também segurou minhas saudades, dedicando carinho e
atenção, sempre presente, assim como Júlio, nos momentos
importantes de minha vida acadêmica em Sampa.
Jorge, amigo e parceiro de trilhas etéreas, separados
pela distância, juntos em pensamentos.
D. Marina pela tão rara amizade. Apesar da distância,
digo sempre, obrigada.
Márcia Melo amiga e interlocutora profícua, sempre
disposta a ouvir minhas inquietações. Carinhosamente,
obrigada.
Patrícia Sampaio outra amiga e interlocutora ímpar. Desde
o nosso primeiro contato navegando nas águas da Baía do
Guajará, mostrou-se receptiva ao meu trabalho e generosa em
8
sua amizade, contribuindo com o seu sólido conhecimento da
história regional. É uma honra tê-la como amiga.
Amarildes, amiga ímpar. Sua intervenção foi fundamental
para o sucesso da pesquisa no município de Vigia. Partilhamos
outros caminhos e desafios de trabalho como o do Relatório
técnico - cientifico sobre a Educação no Campo, projeto Escola
Ativa do MEC. Desfrutamos experiências profissionais e a
alegria da descoberta do pesquisador.
Ao Flávio Barros, amigo especial, que conheci no desafio
do trabalho sobre Educação no Campo Escola Ativa -
companheiro de agruras e de alegrias da experiência de
pesquisadores. Á você e sua família, Ceça e Thomas um singelo
abraço.
Nesta vida encontramos pessoas que nos enriquecem
enquanto seres humanos e que eu tive a felicidade de encontrá-
las.
Uma delas, sem dúvida é Rosa Acevedo Marin, insigne
estudiosa da história regional da Amazônia. Interlocutora
profícua, orientadora sensível e sábia, mas, sobretudo Amiga.
As palavras não são suficientes para expressar meu apreço,
admiração, carinho, gratidão e amizade. Acreditou e cuidou de
mim a partir de uma perspectiva holística: corpo e mente. Pois
é, isso também. Obrigada?! Incentivou-me em momentos que eu
não acreditava em mim mesma. Não sei o que te dizer, mas é
isso, partilhamos a aventura dessa história refletida nesta
tese, as nossas lutas e as lutas e vitórias dessas mulheres.
Eliana Teles, (minha Xará) pessoa singular. Guerreira e
amiga de muitas horas, partilhamos muitas incertezas de nossos
trabalhos, trocas de experiências e alegrias de estudos e dos
desafios da vida.
Rísia não apenas pela revisão do texto, mas
principalmente pela amizade expressa num momento o difícil
para nós.
9
Minha irmã, amiga e companheira Rose, pessoa generosa que
cuidou de mim na ausência, forçada pelos caminhos da vida, de
minha Mãe. Eu não teria conseguido sem o seu amor e apoio
incondicionais. Esse trabalho é muito seu também. Aprendi a
amar-te ainda mais. Com carinho: Obrigado!
Jorge cunhado que sempre procurou auxiliar-me nessa minha
caminhada.
Mário, Marcos e Murilo, meus fiéis escudeiros de todas as
horas. Amigos e amados sobrinhos. Praticamente sem vocês, esse
trabalho não teria acontecido. Partilho com vocês humildemente
o resultado. Viva, conseguimos!!!
Aos meus irmãos que confiaram em mim. Particularmente a
Elizete pela solidariedade e empenho em momento tão delicado,
fez a revisão do texto final, mesmo com tantos compromissos
profissionais. Obrigado.
Ao meu pai, Benedito, preocupado com a aventura e o
desafio de enfrentar a cidade de São Paulo, sofreu as
angústias e incertezas do caminho por mim escolhido. Meu
Amigo. Obrigado por estar comigo.
Zezé estás no coração, obrigada por segurar os meus
momentos difíceis e partilhar as alegrias. Sem você, o céu tem
menos estrelas e a noite perde o seu brilho.
Peço desculpas àqueles que por ventura não foram citados
expressamente, contudo, deixo meu humilde e singelo
agradecimento a todos.
Maria Julia, amada mãe, a dor da saudade, o tempo ainda
não amenizou. É difícil suportar a tua ausência. O teu espaço
no meu coração é preenchido apenas por ti! Gostaria de
dedicar-te mais esse trabalho e o meu amor, infelizmente, vivo
somente com as lembranças de nossas vidas! Te amo.
10
RESUMO
A tese GUERRA SEM FIM: MULHERES NA TRILHA DO DIREITO À TERRA E
AO DESTINO DOS FILHOS (PARÁ-1835-1860) analisa as estratégias
e mecanismos com que mulheres decodificaram o direito e as
normas jurídicas no contexto histórico pós-Cabanagem, na
província do Pará. A pesquisa encontra-se apoiada em um corpus
documental diverso (Registros de terras, requerimentos,
ofícios, testamentos, inventários, jornais, assim como
relatórios de presidentes, ministros e diretores de repartição
das terras públicas) coligidos em arquivos regionais e
nacionais. A incursão nesses dados históricos salienta os
domínios do legal, dos conflitos e das estratégias elaboradas
pelas mulheres.
A decretação da Lei de Terras de 1850 e do Decreto de 1854
abriu condições de possibilidade para a “regularização das
posses”. Os mecanismos administrativos e seus meandros
políticos foram examinados nas perspectivas das ações dessas
mulheres. O domínio e o controle da terra pelas mulheres
adquiriram centralidade. Estas, por sua vez, se apropriaram
desses instrumentos em situações de conflitos jurídicos e
encontraram neles o apoio e, em algumas circunstâncias,
respostas aos seus apelos, portanto, uma “visão de direito” e
um sentido de justiça.
A abordagem no campo da história social, com seus instrumentos
teóricos e metodológicos, permitiu abrir esse campo de
discussão sobre ordem, conflito, bem como o desejo e projetos
em relação aos seus filhos e filhas e o lugar das mulheres na
sociedade paraense do século XIX.
Palavras-chave: Mulheres Pará História - Movimentos
Sociais – Cabanagem – Brasil – Direito – Lei.
11
ABSTRACT
The thesis GUERRA SEM FIM: MULHERES NA TRILHA DO DIREITO À
TERRA E AO DESTINO DOS FILHOS (PARÁ-1835-1860) analysis the
strategies and mechanisms, with which groups of women decoded
the right and the juridical rules in the historical context
after- Cabanagem, in the province of Pará. The research finds
support in a diverse documental corpus (land Registers,
requirements, official statements, testaments, inventories,
newspapers, as well as reports of presidents, ministers and
managers of public land distribution) grouped in regional and
national archives. The incursion in these historical data
accentuates the legal domain, the conflicts and the strategies
elaborated by the women. The Land Law Decree of 1850, and the
Decree of 1854, opened possibility conditions for the
“regularization of the ownerships”. The administrative
mechanisms and their political meanders were examined in the
action perspectives of these women. The domain and the land
control by women acquired attention. These, in turn,
appropriated these instruments in situations of juridical
conflicts, and found in them the support, as well as answers
(in some circumstances) to their appeals, therefore, a “vision
of right” and a sense of justice. The approach of the social
history field, with its theoretical and methodological
instruments, allowed the opening of this discussion field
about order, conflict, as well as the desire and projects
regarding to its sons and daughters and the position of the
women in the paraense society of XIX century.
Key-words: Women – Pará – History - Social Movements –
Cabanagem – Brazil – Right - Law.
12
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO....................
....
.........................16
CAPÍTULO I - CABANAGEM E “DESORDEM”, UM NOVO TEMPO?...
....
...29
1.1 A CIDADE ONDE “QUASE TODAS AS RUAS TÊM CASAS
PONTILHADAS DE BALAS...”...............................33
1.2 “SE FALAMOS DESTA PROVÍNCIA, PODEMOS DIZER QUE TUDO
NOS FALTA...”.........................................39
1.3 “PEDIRÃO POR DINHEIRO PAGÁVEL NO BRASIL...”
CABANAGEM, ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS.........63
1.4 UM NOVO TEMPO? O PARÁ PÓS-CABANAGEM....................69
1.5 BELÉM: CIDADE DE MALVADEZAS OU DE MATAR “BICUDOS”?.....72
1.6 “LAVRADORES LABORIOSOS, DIGNOS DE MELHOR SORTE” DIANTE
O CONTROLE DO TRABALHO LIVRE NO PARÁ..................79
CAPÍTULO II – CORPUS JURIDICO, OPERADORES E SUJEITOS DE
DIREITO NAS PRÁTICAS DA LEI DE TERRAS
DE 1850....................................
...
.85
2.1 OS VIGÁRIOS E OS REGISTROS PAROQUIAIS:
TENSÕES BUROCRÁTICAS E POLÍTICAS......................99
2.2 EM CUMPRIMENTO AO EDITAL DO REVERENDO VIGÁRIO.........108
2.3 TRABALHADORES DE PICADA, AGRIMENSORES E TOPÓGRAFOS
PARA DEMARCAR AS TERRAS...............................123
CAPÍTULO III - MULHERES NAS TRILHAS DA TERRA............
..
..130
3.2 SOUBE NA MISSA: MULHERES E O “PERDÃO” DAS MULTAS......146
3.3 AINDA SOBRE O PERDÃO DAS MULTAS: “LUGARES ONDE
PUDESSE TER NOTÍCIAS”.................................152
3.5 MULHERES NOS MEANDROS DA LEI E NAS TRILHAS DA TERRA:
CONFLITO AGRÁRIO NA PROVÍNCIA DO PARÁ.................159
13
CAPÍTULO IV - AS VIÚVAS DA CABANAGEM...................
....
.168
4.1 “... MULHER ASSAZ LABORIOSA”........................182
4.2 “POUCAS LIVRARAM-SE DAS PALMATOADAS”: PERFIS FEMININOS
NA CABANAGEM..........................................184
4.3 “PELO MUITO AMOR QUE CONSAGRO”........................197
4.4 DESTINOS DOS FILHOS: PARA O “INSIGNAR O OFFICIO DE
SUA PROFISSÃO”........................................206
4.5 OUTRO DESTINO: “EDUCAÇÃO REGULAR, E PROVEITOZA PARA SI
E PARA O ESTADO”......................................219
4.6 EDUCAR PARA CASAR: DESTINOS DAS MENINAS...............228
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................
....
..239
FONTES E BIBLIOGRAFIA.................................
....
..248
14
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - PROFISSÕES E ETNIAS DE CABANOS...................41
TABELA 2 - FORÇA PÚBLICA MILITAR EM 1839....................43
TABELA 3 - “RELLAÇÃO DE CAVALARIA QUE FORÃO PRESTADOS P. A
NAÇÃO GRATIS PELOS FAZENDEIROS”..................59
TABELA 4 - CARGOS E REMUNERAÇÃO MENSAL DA REPARTIÇÃO GERAL
DAS TERRAS PÚBLICAS, CONFORME ESTABELECIDO PELO
DECRETO Nº 1.318, DE 30 DE JANEIRO DE 1854.......88
TABELA 5 - “DESPESAS COM AS REPARTIÇÕES ESPECIAIS CREADAS
NAS PROVINCIAS”..................................90
TABELA 6 - COMARCAS COM TERRAS DEVOLUTAS...................121
TABELA 7 - CASADOS MORTOS A BORDO DA CORVETA DEFENSORA.....186
TABELA 8 - “MAPA DO ESTADO ACTUAL DA CAZA DAS EDOCANDAS
DO PARÁ”........................................232
15
LISTA DE FIGURAS E MAPAS
FIGURA 1 - ROASTING FARINHA.................................49
FIGURA 2 - ORGANOGRAMA SOBRE JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIAS
NA APLICAÇÃO DA LEI DE TERRAS DE 1850, CONFORME
A REGULAMENTAÇÃO DE 1854.........................91
FIGURA 3 - BELÉM NO FINAL DO SÉCULO XVIII..................156
MAPA 1 - PORTOS DA CIDADE DE BELÉM – 1904...................34
MAPA 2 - PRINCIPAIS MOCAMBOS DO GRÃO-PARÁ...................57
MAPA 3 - TERRAS PÚBLICAS E TERRAS PARTICULARES
DEMARCADAS NA COMARCA DE BRAGANÇA
(1854-1860). ÁREA DE INTENSOS CONFLITOS
DURANTE A CABANAGEM (1835-1841)...................163
MAPA 4 - MUNICÍPIO DE IGARAPÉ-MIRI/PA......................191
16
APRESENTAÇÃO
17
O Direito pode ser retórico, mas não
necessariamente uma retórica vazia.
Thompson
1
Grupos de mulheres de diferentes condições econômicas e
em posição relativamente semelhante na hierarquia política
realizaram atos individualizados de buscar seus direitos em um
tempo de rearticulação da ordem escravista.
Despertei para esse processo histórico por insistência de
documentos que cobraram sentido, que me inquiriam sobre a
presença ativa das mulheres na sociedade paraense no que se
configurava em formas de apropriação do direito para combater
injustiça.
Em 18 de dezembro de 1850, foi sancionada a Lei de
Terras; quatro anos depois seria regulamentada pelo Decreto
1318. Essa informação chegou às pequenas vilas das comarcas
paraenses pela voz dos párocos, nas missas conventuais. Do
púlpito às vizinhanças espraiaram vozes que realizaram
interpretações da lei, dos direitos e elaboraram um sentido de
justiça. Por circunstâncias não totalmente intencionais, o
corpo documental me apresentava os nomes de Justina, Anna,
Joanna Francisca, Josefa, Maria dos Prazeres, como
protagonistas junto às autoridades constituídas para a
execução dessa Lei e cumprimento de direitos. Não raro, foram
noticiadas as tensões e os conflitos deste momento de
transição.
A historiografia brasileira mais recente focaliza essa
fase de uma legislação agrária no Brasil. Neste momento, o
Estado Nacional justificou essa intervenção para organizar o
“caos” fundiário que se teria constituído durante a vigência
do sistema sesmarial. Esta preencheria o vácuo “jurídico” que
havia permitido o apossamento das terras públicas por
particulares. A institucionalização desse corpus jurídico
ocorreu de forma diferenciada, nas províncias do Império.
1
THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores a origem da lei negra. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987. p.354.
18
No tocante aos sujeitos de direito reflete-se, a partir
da documentação e do debate historiográfico, que houve
interpretações, expectativas, posicionamentos, conflitos e
discursos diferenciados. Nessa disputa, as mulheres entraram e
defenderam, com garra, direitos costumeiros. Também, nos seus
discursos, está explícita a experiência de apreender, captar e
utilizar as brechas abertas com esse corpo jurídico e
burocrático. Muitas dessas intervenções foram criativas diante
do enfrentamento com o arcabouço especializado, na
administração da justiça.
Os discursos sobre violência e desordem na Cabanagem se
constituíram na própria arma para produção de uma ordem
econômica e política. A “pacificação”, o clamor pela
legalidade e da força de lei antecipam o evento da Lei de
Terras na província. Que experiências tiveram as mulheres
nesses contextos?
Esta pesquisa foi muito orientada por esses discursos e
experiências de relacionamento com a Lei, com o Estado. A lei
deve ser entendida como produto de um processo no qual estão
presentes todas as forças sociais que chegam a um texto
consensual, no qual posições diferentes passam a ser
reconhecidas, contestadas, anuladas. Desta forma, devido à
própria natureza da produção do texto legal, tornou-se
passível de muitas leituras e a justiça se transformou em mais
um campo de conflitos sociais, negociações entre os sujeitos e
o Estado, entre os sujeitos e uma burocracia em formação.
Esse Estado interveio na educação dos trabalhadores
livres e “pobres”, criando instituições orfanológicas e
educandários na formação de forças armadas para os corpos de
aprendizes da marinha e exército. As mulheres estabelecem uma
gama de visões e relações com essas instituições, tidas, por
algumas delas, como alternativa de um futuro para os filhos;
para outras mulheres, como uma subtração dos filhos da
família. Neste sentido, poderia se ver essa interação como
19
formas de adaptabilidades das mulheres, que tinham assumido a
chefia e precisavam proteger e proporcionar um “destino
melhor” para os filhos ou o que parecia com seu próprio
interesse.
A discussão dos planos de relação entre Estado, elites e
os “pobres desvalidos” foi mediada pela lei. As elites, para
convencerem os destituídos, também precisam se submeter a esta
lei, mecanismo que permitiria sua adequação no principio da
universalidade e igualdade das formas legais. Assim, os
dominantes ficam submetidos ao domínio da lei.
A presente pesquisa histórica pautou-se nas premissas da
história social, na interface com a “antropologia jurídica”
2
;
interpreta em primeiro plano, a luta dos sujeitos sociais pelo
direito de (re)fazer a vida depois dos conflitos e/ou como
estes se constituíram em sujeitos de direitos,
particularmente, as mulheres.
Durante a Cabanagem, os direitos constitucionais foram
suspensos
3
; qualquer pessoa podia ser presa sem culpas
formadas. Novas estratégias de sobrevivências e de mobilização
nas diminutas margens da sociedade escravista foram elaboradas
pelos cabanos, rebeldes; pelas mulheres e suas famílias.
O Comandante enviado pelo governo regencial, José
Francisco de Souza Soares de Andréa, combateu os rebeldes, não
apenas no campo militar, mas também no jurídico. Ele
manifestou a sua descrença na legislação criminal vigente no
Império e nos agentes responsáveis pela sua aplicação no Pará.
2
THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores - a origem da lei negra. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997.
3
A Lei de 22 de setembro de 1835 suspendeu “algumas das garantias do
artigo 179 da constituição da Província do Pará, e autoriza do Governo a
tomar diversas providências relativas à dita Província”. APEP. Colleção das
Leis do Império do Brasil de 1835. Parte I, Rio de Janeiro: Tipografia
Nacional, 1867. PP. 35-36. Assegurava o “Art. 179. A inviolabilidade dos
Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a
liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela
Constituição do Império”. Cf.: BRASIL. Presidência da República.
Constituicão Politica do Imperio do Brazil. Casa Civil, 25 de março de
1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituiçao24.htm>. Acesso em: 07/03/2010.
20
Esta autoridade exigiu leis mais duras, do contrário haveria o
risco da província passar a “pertencer a Tapuios, e o resto do
Brasil a negros”
4
.
Uma segunda luta desses sujeitos das camadas populares
tinha como objetivo recriar espaços produtivos e de liberdade
de composição étnica plural, como os mocambos, desafiadores da
base produtiva escravista. Amocambados, cabanos e desertores
teceram outros laços e relações de solidariedade num momento
de incertezas.
No Tempo Cabanal, os homens de cor andavam livremente
portando armas, na província do Pará. As garantias individuais
foram suspensas, outras relações de justiça seriam forjadas. O
que aconteceu com a terra? Muitos cabanos ocuparam fazendas,
sítios, engenhos; se apossaram de roças e criações,
contestando a ordem senhorial. Mas tarde, o enquadramento na
instituição do Corpo de Trabalhadores mobilizava uma reação na
busca de autonomia e liberdade.
Uma terceira luta foi protagonizada pelas mulheres, na
condição de viúvas e órfãs, que necessitaram assumir a chefia
e o sustento de seus parentes. Nessa luta, barganharam, se
mobilizaram para permanecer na terra, para garantir a força de
trabalho de seus filhos, inclusive sonharam e concretizaram
novos projetos de família.
Essas mulheres entraram no jogo intricado de construção
da lei, síntese e expressão de concepções e valores
diferentes. Thompson remete a questões centrais para esta
análise, quando escreve
A retórica e a regra de uma sociedade são muito
mais que mera impostura. Simultaneamente podem
modificar em profundidade o comportamento dos
4
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Fundo: Correspondência de Governo com a Corte. Códice: 1039 Ministério da
Justiça. Ofício de 8 de agosto de 1836. Apud: NOGUEIRA, Shirley Maria
Silva. “A soldadesca desenfreada”: politização militar no Grão-Pará da Era
da Independência (1790-1850). Tese (Doutorado em História Social do
Brasil), Salvador, Universidade Federal da Bahia, 2009. p.266.
21
poderosos e mistificar os destituídos de poder.
Podem disfarçar a verdadeira realidade do poder.
Mas ao mesmo tempo refrear esse poder e conter seus
excessos.
5
Nessa direção, a tese analisou as ações das mulheres em
um tempo de desordens e como (re)construíram suas vidas
passado o Tempo da Rebeldia. Elas elaboraram estratégias de
sobrevivência, de reprodução social e de proteção aos filhos.
A legalidade e a força da lei marcaram seus discursos.
A documentação oficial emana dos agentes burocráticos do
governo, espaço eminentemente político e associado
constitutivamente à ação masculina. Também, esta foi obra
derivada da ação dos homens que detinham o domínio do trato
das coisas públicas.
As peças oficiais enquanto expressão de uma determinada
forma de apreensão do real
6
e ao mesmo tempo um monumento à
memória histórica, pois
O documento não é qualquer coisa que fica por conta
do passado, é um produto da sociedade que o
fabricou segundo as relações de forças que
detinham o poder.
7
Ao preservar a memória, o documento permite a tarefa do
cientista social, quer seja de lê-lo enquanto produção
histórica, enquadrado no seu espaço/tempo. Caberia ao
historiador respeitar esse espaço tempo e refletir a
apreensão/representação do real num dado período histórico, a
dinâmica das relações sociais.
Enquanto produto da ação dos sujeitos de uma determinada
época, os documentos constituem-se em um discurso histórico. A
produção histórica documental necessita ser perpassada por
5
THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores - a origem da lei negra. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997. p.336.
6
VIEIRA-PEIXOTO-KHOURY, Maria do Rosário da C.; AUN, Yara Maria. A
pesquisa em História. 2ªed. São Paulo: Ática, 1991.
7
LE GOFF, Jacques. “Documento/monumento”. In: LE GOFF, Jacques. História e
Memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992.
22
uma “localização” contextualizada dos sujeitos, tanto os que o
elaboraram, quanto os que se relacionaram com ele. Neste
sentido, a análise das falas dos atores - sujeitos -
envolvidos pode ser um primeiro passo para uma identificação
das tensões ocorridas no desenrolar do fato. Assim, aprender a
lê-los é um exercício que exige disciplina e discernimento.
Nessa direção, foi construído o corpus documental da
presente pesquisa. Esta foi localizada no Instituto de Terras
do Pará ITERPA -, Fundação Cultural Tancredo Neves CENTUR,
Biblioteca Pública Arthur Vianna nas seções de Obras Raras e
setor de microfilmagem, bem como no Arquivo do Poder
Judiciário, Centro de Memória da Universidade Federal do Pará.
Comissão Demarcadora de Limites Belém, Arquivo Público de
São Paulo, Associação 5 de Agosto Município de Vigia/PA, e
Arquivo Público do Pará.
Nestas instituições coligiu-se um corpus documental
constituído de: Testamentos, Autos de Inventário e Partilhas,
Inventários e Prestações de Contas de Inventários, período de
1835-1860; Abaixo-assinados período de 1842-1859; Ofícios da
Companhia dos Trabalhadores, período de 1840-1860; Ofícios da
Secretaria de Polícia da Província e das Delegacias e
Subdelegacias - 1842-1850; Documentação Notarial/Livro de
Escrituras da Comarca de Bragança, período de 1842,
Requerimentos do período de 1840-1860, Registros de Terras
Paroquiais, período de 1854-1860, jornais.
O olhar predominantemente de criminalização lançado sobre
mulheres e homens, os “pobres e desvalidos” qualificados na
documentação oficial, possibilita vislumbrar meandros e
movimentos desses sujeitos.
Mulheres surgiam nas pistas deixadas por outros
documentos encontrados no Arquivo Público do Pará. Sob um
certo olhar, foi uma operação detetivesca, e cada ato ampliou
o raio de buscas, pois cada fonte conduzia, orientava, para
23
outras
8
. A direção indicada pela bússola do passado foi o
“interior”, mais precisamente o município de Vigia
9
, no
nordeste paraense, distante de Belém cerca de duas horas de
viagem.
A trilha inicia com o Requerimento do procurador de D.
Anna Justina, moradora da lha Bacury, dirigido ao presidente
da província solicitando providências para retirar dois homens
que estavam “invadindo” sua terra, seu sítio, na Ilha Bacury,
localizada no então distrito de São Caetano de Odivelas, termo
de Vigia. No município, consultou-se o acervo da Associação 5
de Agosto, guardiã da documentação do Cartório Rayol, da
família de Antonio Domingos Rayol, o Barão de Guajará
10
,
célebre estudioso dos motins políticos do Grão-Pará sua obra
é referência obrigatória para os que estudam o movimento
cabano. O acervo contém os mais diversos documentos, que ainda
8
THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores a origem da lei negra. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997. p.16.
9
Em fevereiro de 2008, integrei a pesquisa arquivística para municiar o
Relatório Histórico-Antropológico de Identificação de Comunidades
Remanescentes de Quilombos no Município de Irituia Estado do Pará
(Belém/PA - junho de 2008), intitulado Quilombolas de Irituia (Pará) em
luta pelo reconhecimento de direitos territoriais no século XXI, convênio
firmado entre UNAMAZ e o INCRA e coordenado pela profª Drª Rosa Acevedo
Marin. O destino dessa vez foi o município de São Miguel do Guamá e
Irituia. A pesquisa histórica ganhou outra dimensão. A relação passado-
presente materializava-se em cada palavra dos remanescentes de quilombolas
expressando a memória coletiva das comunidades Retiro, Laudicéia e Tauari,
herdeiros e guardiões dos documentos de terra datados de 1870, 1886, 1892,
momento de intenso debate e conflito acerca da questão agrária no Brasil. O
problema refletido nesta Tese filia-se a esse trabalho historiográfico.
Durante o trabalho de campo, foi empregado um tempo para ler e comentar os
documentos de terra em praticamente todos os povoados. Cada um dos seus
possuidores lhe atribui, como de fato tem, importância jurídica. Eles
possuem também relevância sociológica e histórica. Neste sentido, observa-
se que as fontes para a história social e história agrária da Amazônia não
estão exclusivamente apenas nos arquivos, principalmente os oficiais. Foi
um aprendizado para se despertar outras inquietações do presente trabalho,
bem como alentou que as reflexões propostas possibilitam ampliar o
entendimento sobre um trecho da história do Pará, estruturalmente
presente.
10
RAYOL, Domingos Antônio. Motins Políticos - ou História dos Principais
Acontecimentos Políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835.
3 v. Pará: Universidade Federal do Pará, 1970.
24
não foram devidamente tratados, higienizados, muito menos
organizados – caos total
11
.
Os Requerimentos feitos à Presidência da Província
incorporaram-se como uma fonte reveladora e singular para esta
pesquisa, uma vez que os sujeitos enviavam suas queixas,
reivindicações e dúvidas diversas ao presidente, na esperança
de obtenção de justiça e solução para os seus pleitos. Muitas
vezes, isso acontecia depois de tentarem outras instâncias
burocráticas, jurídicas e administrativas da Província. Os
registros paroquiais de terras, as correspondências da
repartição geral das terras públicas, e, claro, a Lei de
Terras de 1850 e o Regulamento de 1854, constituem-se em
fontes basilares na tese.
Quando do estágio em São Paulo, realizou-se pesquisa
sistemática nos acervos do Arquivo Público Estadual de São
Paulo. Neste, foram consultados e coletados documentos
preciosos como os Relatórios Ministeriais do Império,
Ministério dos Negócios do Interior e da Repartição Geral das
Terras Públicas.
12
Na lógica da exposição, esta tese foi construída em
quatro capítulos. No primeiro capítulo Cabanagem e “desordem”,
um novo tempo? foi dimensionado o impacto que teve a Cabanagem
na organização social. As mulheres assumiram as chefias das
unidades domésticas e um quadro de perdas demográficas
predominantemente masculinas. Com base em uma reflexão sobre
a adequação econômica, assim como outros meios de vida
engendrados em função da guerra foi produzida leitura do
projeto de ordem na sociedade escravista paraense. No tempo de
conflitos, em 1837, D. Julha contraiu empréstimo para ampliar
o seu engenho. Em outro lugar, três mulheres foram presas
11
A documentação estava “acondicionada” em sacos de farinha de trigo de 60
kg, guardados numa sala com outros “entulhos”. Agradeço a gentileza dos
funcionários e a acessibilidade permitida.
12
Essa documentação encontra-se também disponível em: CENTER FOR RESEARCH
LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://www.crl.edu/content/brazil/para.
htm>.
25
durante uma farinhada no meio da mata. As questões a
equacionar e as inquietações giraram sobre as mudanças
ocorridas, por exemplo, no eixo da comercialização e das rotas
comerciais, que mercadorias passaram a ser importadas para a
Província e quais as praças de maior interatividade
comercial?.
Corpus Jurídico, Operadores e Sujeitos de Direito das
Práticas da Lei de Terras de 1850 foi o título dado ao segundo
capítulo e, neste, a interpretação insistiu sobre as formas e
sentidos de apropriação elaborados por aqueles que se tornaram
os sujeitos desse direito agrário e em seu nome conclamaram
por justiça. Destaca-se desses discursos a malha de relações
de conflito em que ficaram inseridos.
A lei
13
não pode ser localizada apenas nos aparatos
jurídico e legislativo, mas constitui componente intrínseco ao
conflito pelos diferentes significados atribuídos pelos
sujeitos sociais. A luta contra a propriedade (única forma
reconhecida por lei), revelou outras formas de propriedade, de
sistemas de usufruto e, sobretudo, interpretações diversas da
lei. A investigação desenvolvida na Repartição Especial das
Terras Públicas, no Pará, trazia detalhes sobre as fontes de
tensões políticas e burocráticas, ao mesmo tempo em que
sinalizava a pressão governamental sobre os vigários no Pará
para agilizar os trabalhos de registros das terras
particulares objetivando determinar o estoque de terras
públicas.
O argumento central do capítulo distancia-se de posições
cristalizadas sobre aceitar ou reiterar o “fracasso” da Lei de
Terras de 1850. Mais importante que esse ângulo, precisava-se
compreender o campo de sua aplicação.
13
THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores a origem da lei negra. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997.
26
Com a Lei de Terras foi desencadeado um processo
histórico, com impacto em nível das pequenas localidades, dos
municípios e invólucro de diferentes agentes sociais (pequenos
posseiros, grupos familiares, grandes posseiros), buscando
regularizar as situações de terras que passariam para o
controle particular. A desconfiança grassou em torno da lei de
1850, reforçada pela coerção institucional ditada pelas
autoridades do Império. A desconfiança levou a realizar uma
leitura e adequação à nova orientação jurídica do governo
confrontando-a com o que tem sido consagrado como cultura
jurídica
14
. Nessa linha, tornou-se fundamental para esses
sujeitos históricos demonstrar que havia uma anterioridade
documental à Lei de Terras, que lhes assegurava a posse da
terra.
O terceiro capítulo, Mulheres nas trilhas da terra,
focaliza as mulheres que se defrontaram com o Decreto de 1854,
mais particularmente com o Art. 95 do Decreto que normatizava
as sanções, como a imputação de multas para os que deixassem
de registrar as suas terras nas suas respectivas paróquias. O
Registro Paroquial de Terras na província do Pará seguiu a
experiência traumática da Cabanagem. Milhares de mulheres
haviam ficado sem companheiro, marido, irmãos, filhos e
tiveram que assumir integralmente o trabalho nas roças, a
reprodução da família
15
e aprender a lidar com um arcabouço
jurídico.
O momento de violência, insegurança e expropriação
intensas vivenciadas na Cabanagem, reverberou na memória dos
moradores que nos anos cinquenta experimentavam o medo de
perder a terra, diante o novo instrumento de direito
14
SHIRLEY, Robert Weaver. Antropologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987.
Para Shirley, “quase todas as sociedades têm alguma forma de cultura
política, ou seja, uma opinião sobre o que é uma conduta apropriada e uma
idéia de justiça” (p. 43). É essa premissa de que os sujeitos possuem uma
ideia de justiça que utilizaremos no presente trabalho.
15
Nesta tese, considera-se as famílias chefiadas por mulheres em situação
matrimonial e com pelo menos um filho/filha, bem como as mulheres que
tiveram ruptura conjugal ou por viuvez.
27
fundiário. As estratégias e lutas contra a violência,
expropriação, o uso da lei a seu favor foram desenvolvidos
como objetos do terceiro capítulo.
O “refazer” da existência pelas mulheres viúvas foi vital
para reproduzir a condição social de milhares delas, que
haviam perdido os maridos durante a guerra e necessitaram
assumir integralmente a chefia das famílias. Não se trata de
por em jogo as evidências demográficas, porque parecem
inexistir esses números; igualmente, é difícil traçar as
características étnico-raciais (e aqui não se espera tal
resultado com base em estatísticas). Todavia, nas peças
arquivísticas, surgiram diversos documentos que focalizavam
sobre as falas das viúvas. Não raro, ficaram expostas suas
experiências, vivências sociais, afetividades As viúvas da
Cabanagem são o foco do quarto capítulo. Elas estão sendo
revisitadas nesta pesquisa.
E as viúvas se movimentavam em espaços diferentes,
construídos por situações múltiplas. Elas, no campo e na
cidade; elas reclamando direitos à terra; elas lutando por um
projeto de futuro para suas filhas e filhos, na cidade. Neste
sentido, reflete-se sobre como as mulheres agiram e que
estratégias elaboraram, no período chamado pós-Cabanagem, no
sentido de reorganizarem o seu cotidiano e a sua existência
material.
O clima era de enfrentamento e de negociações
(individuais ou na base de grupos familiares) em uma
aproximação assimétrica com o poder instituído.
O micro mundo social do Pará na metade do século XIX está
repleto de experiências não objetivadas. As agruras da
imposição, da expropriação e da violência não têm apenas
marcas do sofrimento. Elas revelaram as lutas envidadas por
essas mulheres para proteger a família, construir laços de
afetividade, conquistas materiais e legais. O título desta
tese GUERRA SEM FIM: MULHERES NA TRILHA DO DIREITO À TERRA E
28
AO DESTINO DOS FILHOS (PARÁ-1835-1860) - sugere projetos
sucedidos, fracassos, sonhos, aspirações, que têm significado
singular no conhecimento da História da Amazônia.
29
CAPÍTULO I - CABANAGEM E “DESORDEM”, UM NOVO TEMPO?
30
Falta avaliar o impacto humano da era de guerras, e
seus custos humanos.
Eric Hobsbawm
16
As questões historiográficas abordadas neste capitulo
sublinham o contexto político e econômico de um quadro de
guerra interna à Província do Pará, de rupturas de uma
pretensa ordem social, mas para além de uma dicotomia
ordem/desordem esquema interpretativo da historiografia
tradicional
17
e mesmo de trabalhos acadêmicos mais recentes
sobre este período
18
, o que está em debate são as tensões
sociais que poderiam conduzir a um novo tempo” encontrado nas
falas de muitos cabanos, e não apenas dos lideres desse
movimento, falas essas filtradas nas linhas escritas pelos
agentes da legalidade.
As autoridades militares, religiosas e civis, e a elite
se utilizaram copiosamente de expressões sinônimas para
definir essa dimensão: “tempo dos rebeldes”, “tempo dos
revoltosos”, “tempo da rebeldia”. Essas expressões eloqüentes
apontam para a situação de caos social instalada na província
do Pará. Na escrita de uma autoridade militar, encontra-se
ainda o registro do retorno de um “tempo cabanal”
19
ante o
projeto político frustrado dos cabanos, que assim imaginavam
um novo tempo.
A retrospectiva das três primeiras décadas do século XIX
revela um estado permanente de conflitos.
Em 1817, teve-se o acontecimento da invasão ou tomada”
de Caiena, ação pensada por Francisco de Souza Coutinho e
executada com a vinda da família real para o Rio de Janeiro.
16
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos o breve século XX (1914-1991). São
Paulo: Cia. das Letras, 2003. p.55.
17
RAYOL, Domingos Antônio. Motins Políticos - ou História dos Principais
Acontecimentos Políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835.
Vol.2. Pará: Universidade Federal do Pará, 1970.
18
PINHEIRO, Luís Balkar Peixoto. Nos subterrâneos da revolta:
trajetórias, lutas e tensões na Cabanagem. Tese (Doutorado em História
Social), São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1998.
19
Arquivo Público do Pará. Relação Nominal de Rebeldes Presos. Códice 1130.
1836-1840.
31
Essa expedição deslocou “600 voluntários” do chamado “Corpo de
Vanguarda”, os quais, junto com os regimentos de infantaria e
artilharia, somaram 991 homens que partiram em março de 1808
em direção a Caiena, que se rendeu em janeiro de 1809. Novos
deslocamentos de tropas ocorreram e a insatisfação nas
fileiras do Exercito foi o estopim de revoltas para forçar a
volta dos soldados ao Pará
20
.
Em Cametá, muitos militares engrossaram as fileiras da
resistência contra a Junta Governativa, eleita em 15 de agosto
de 1823, pelo ato da Adesão da Província à independência do
nascente império brasileiro. Essa luta tinha como ponto de
convergência a aversão contra os portugueses e europeus, de
maneira geral, e contou com o apoio de índios, “cafuzos”,
“mulatos”, “brancos”, soldados e oficiais de diferentes
hierarquias. Em Monforte, ilha de Marajó, Romualdo Antonio
Cardoso, militar e morador dessa vila, interpretava os anseios
de negros e libertos. Para os primeiros, era a “publicação da
sua liberdade” o fato de serem despedidos dos seus serviços;
os libertos “avançaram mais porque se persuadiram de que tinha
ido abaixo o grande Edifício da Ordem Social, e que não
tinham por isso quem os embaraçasse a satisfazerem seus
brutais e sanguinários apetites. E, desde esse tempo,
principiaram a desenvolver os mais odiosos, e anti-sociais
procedimentos, e a esforçar-se até agora em afirmar anarquia”.
Cardoso esteve às voltas com o levante de escravos e índios no
Marajó, fato que imaginava tratar-se de um complô. O mesmo
escrevia o coronel Nicolau da Gama Lobo, da região de
20
NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. “A soldadesca desenfreada”: politização
militar no Grão-Pará da Era da Independência (1790-1850). Tese (Doutorado
em História Social do Brasil), Salvador, Universidade Federal da Bahia,
2009. p.174-251. A autora destaca as revoltas de soldados envolvidos na
invasão de Caiena e as que se sucederam no horizonte das agitações
políticas, em especial os levantes militares ocorridos em Cametá, Portel,
Oeiras, Melgaço, Baião, Muaná, Conde, Beja, Igarapé Miri, Abaeté e Anapu
na região de Belém, em uma seqüência que vinha desde 15 e 16 de outubro de
1823.
32
Santarém, que informava que os cativos estavam prontos para
fazer ataque nas vilas, com a intenção de “matar os brancos”
21
.
Em 1824, noticiava-se a Revolta da vila de Turiaçu,
fronteira nordeste da Província do Maranhão, cujas ações, em
dado momento foram encabeçadas por escravos e indígenas; estes
últimos mataram dois europeus, donos de fazenda da região,
enquanto os escravos executaram o feitor.
As participações dos militares nas revoltas que o Pará
viveu entre 1825 e 1831, anos nada tranqüilos, tinham o
controle do governo central. Cada revolta militar penetrava
entre nas fimbrias dos segmentos dominados
22
.
Inquietações, desgastes, descontentamentos, desigualdades
possuem a capacidade de se transformar em força acumulada,
prestes a irromper a qualquer momento.
Por força da mobilização de recrutamento de tropas, a
economia paraense não conseguia organizar suas bases, as
mesmas que asseguravam o trabalho na agricultura, no
extrativismo vegetal, na pesca, no transporte da produção.
O discurso da desestruturação econômica - destacado por
agentes diversos, como comerciantes, autoridades consulares e
do fisco, governantes, elite constituiu-se num apelo à ordem
e ao sossego público, também para recompor o que era tratado
como problema central, ou seja, “a queda de braço” face aos
recrutamentos, à falta de alimentos e ao preço dos gêneros,
como a farinha, pela necessidade de homens e mulheres para
lavrar as roças.
Desta forma, o discurso historiográfico sobre o Pará da
primeira metade do século XIX, que destaca a situação de
relativa prosperidade e uma fase de desestruturação econômica,
incide em um esquema interpretativo dualista, que oculta os
21
NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. “A soldadesca desenfreada”: politização
militar no Grão-Pará da Era da Independência (1790-1850). Tese (Doutorado
em História Social do Brasil), Salvador, Universidade Federal da Bahia,
2009. p.213-4.
22
Ibidem.
33
processos políticos e as relações sociais que permearam a
sociedade nos diversos tempos de guerra
23
.
Partindo da premissa de que a guerra é um evento
desorganizador da cotidianidade da vida social, individual,
podemos refletir acerca da conjuntura da Cabanagem enquanto
movimento social denso, evento que desorganizou a
cotidianidade de muitos grupos sociais na cidade, nos
“interiores”, convulsionando profundamente o tecido social da
província do Pará.
1.1 A CIDADE ONDE “QUASE TODAS AS RUAS TÊM CASAS PONTILHADAS
DE BALAS...”
Na madrugada de sete de janeiro de 1835, Belém foi
sacudida pelas fileiras daqueles que foram alcunhados de
“cabanos”. A tomada da cidade vinha sendo arquitetada com
anterioridade. Segundo Raiol, “nos primeiros dias de janeiro
se notava na cidade inúmeras pessoas desconhecidas que pelo
andar e pelos trajes mostravam ser homens do campo
24
. O
exagero do historiador é notável, como para marcar uma ameaça
externa, isto quando em todos os portos da cidade transitavam
diariamente dezenas de homens que vinham para vender suas
produções.
Na narrativa da ocupação da cidade, lê-se que as hostes
cabanas dividiram-se em três colunas. A primeira e maior, sob
o comando de Antonio Vinagre, tomaria o Arsenal de Guerra e os
pontos fortificados do bairro da Campina; a segunda, liderada
por Eduardo Angelim, atacaria o Palácio do Governo; e a
23
DOURADO, Maria Teresa Garritano. Mulheres comuns, senhoras respeitáveis:
a presença feminina na Guerra do Paraguai. Campo Grande: Ed. UFMS, 2005.
CAVALCANTI, Vanessa Ribeiro Simon. “Mulheres em ação: revoluções,
protagonismo e práxis dos séculos XIX e XX”. Projeto História. Revista do
Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. n.30. São Paulo: EDUC,
junho 2005. p.243-64.
24
RAYOL, Domingos Antônio. Motins Políticos ou História dos Principais
Acontecimentos Políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835.
Vol.2. Pará: Universidade Federal do Pará, 1970.
34
terceira fileira, sob a liderança de Geraldo Gavião,
acometeria contra o Arsenal de Marinha e as fortalezas do
bairro da Cidade
25
. Nesta estratégia bastante refletida de
ocupação de Belém, antevê-se que os combates que se desenhavam
seriam empedernidos, sendo cenários prováveis nos períodos de
combates intensos, de ataques, os principais pontos de Belém,
principalmente a frente da cidade.
MAPA 1 - PORTOS DA CIDADE DE BELÉM - 1904
26
No mapa de 1904 estão assinalados os principais portos de
Belém. A despeito de ter sido desenhado sessenta e nove anos
após o início da Cabanagem, eles continuavam sendo os pontos
25
RAYOL, Domingos Antônio. Motins Políticos ou História dos Principais
Acontecimentos Políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835.
Vol.3. Pará: Universidade Federal do Pará, 1970. p.832.
26
LOPES, Siméia de Nazaré. “O ‘reflorescimento’ da economia no pós-
cabanagem”. In: COELHO, Mauro (Org.). Meandros da história: trabalho e
poder no Pa e Maranhão séculos VXIII e XIX. Belém: UNAMAZ, 2005.
p.1201-44.
35
de referência para embarque e desembarque dos produtos na
Cidade.
Nessa época, havia um embate muito grande entre o governo
e os demais segmentos sociais pelo controle e utilização da
frente portuária de Belém. O governo combatia ferozmente o
comércio clandestino, a que denominava de contrabando, mas
esse comércio era largamente realizado nos portos oficialmente
interditados pelos que procediam dos interiores para a capital
da província para comercializar a sua produção, ação que
geralmente acontecia na calada da noite
27
.
As ruas cujas casas tinham sido pontilhadas de balas eram
certamente aquelas onde morava a elite, pois essas não seriam
as marcas que ficariam nos casebres das ruelas, onde os
cabanos encontraram aliados e tiveram trunfos durante alguns
meses.
Em correspondência de setembro de 1835, o enviado pelo
Governo Regencial para assumir a presidência da Província e
combater o movimento cabano, Manuel Jorge Rodrigues, afirmava
que
A Cidade se acha em um aspecto deplorável e medonho
porque não se encontravam senão pretos e tapuios
nas ruas [...]. Que as ruas mais destruídas e em
ruínas eram a da Praia e da Cadeia, as principais
do comércio e que era acima de toda a expressão do
roubo geral [...].
28
27
LOPES, Siméia de Nazaré. “O ‘reflorescimento’ da economia no pós-
cabanagem”. In: COELHO, Mauro (Org.). Meandros da história: trabalho e
poder no Pa e Maranhão séculos VXIII e XIX. Belém: UNAMAZ, 2005.
p.1201-44. Siméia Lopes afirma que “O controle sobre as práticas comerciais
entre pequenos produtores, comerciantes e regatões representou uma
necessidade vital para os cofres provinciais, de forma a auferir os
dividendos desse comércio para custear as reformas que a cidade precisava
concluir, para se adequar a esse quadro de ‘reflorescimento’ comercial.
Nesse caso, o controle das autoridades não passava apenas pelo quantum
transportado pelos pequenos produtores e comerciantes, mas também pelas
formas com que essa produção com freqüência, era negociada e aviada para o
restante da população (p.126).
28
Biblioteca Nacional/RJ. Seção de Manuscritos. Correspondência Militar.
Registro Particular da Correspondência do Presidente Manuel Jorge Rodrigues
com Diversos Ministérios do Império. 1835-1838.
36
A cidade no tempo Cabanal mostrava outro rosto, outra
feição, para descontentamento dos que detinham o poder nas
câmaras municipais, controlavam o comércio e pretendiam
dominar a vida social. Nos retratos da cidade ora ocupada
pelos rebeldes, ora liberada pelas tropas de pacificação
subentendem-se os tempos da Cabanagem e o movimento ordem–
desordem–ordem, pelo qual primavam os agentes da legalidade.
Assim, após a expulsão dos cabanos da cidade de Belém, o
governo provincial, exercido pelo general Soares Andréas,
elabora o discurso de “esforços” direcionados para a
reconstrução da cidade, para refazer os muros destruídos pela
artilharia dos canhões e de outras armas de fogo. Em
correspondência de fevereiro de 1837, o tenente de Obras
Públicas, Albino dos Santos Pereira, comunicou ao presidente
da Província a recuperação da rua do Açougue:
[...] Conserto do cais da rua do Açougue, junto a
Bateria de Santo Antônio, o qual se achava
arruinado em conseqüência do fogo feito do mar para
terra na ocasião da entrada dos rebeldes nesta
Cidade.
29
Tomar o controle da cidade era restituir sua forma
ordeira, disciplinadora, e ainda produzir seu embelezamento
como uma das prioridades do governo. Verbas foram alocadas
“para melhoramento e aformoseamento das estradas”. Obras
públicas, como a edificação e conserto das igrejas, da cadeia
pública, construção de um novo prédio para abrigar a “Casa do
Ver-o-Pezo”, limpeza de valas, plantio de árvores e manutenção
de um Horto Botânico, entre outras obras, estavam sendo
implementadas, refletindo a ação conjunta do governo e da
Câmara Municipal no sentido de higienizar a cidade da presença
dos cabanos
30
, pretendendo, com isso, apagar os vestígios de
sua permanência na cidade e no governo. Era necessário
29
Arquivo Nacional/RJ. Sessão de Manuscritos. Série Interior IG
1
- 10.
fev. 1837.
30
Arquivo Público do Pará. Coleção das Leis Provinciais do Pará. 1838-1840.
37
construir a memória sob a ótica do vencedor e apagar o outro
tempo.
Olhares impertinentes dos viajantes, como o do
missionário Daniel Kidder, perceberam os efeitos desastrosos
da Revolução de 1835, pois
Quase todas as ruas têm casas pontilhadas de balas
ou varadas por projéteis de canhão. Algumas foram
apenas ligeiramente avariadas, outras quase que
completamente destruídas. Dentre estas últimas,
algumas foram restauradas, outras abandonadas. O
Convento de Santo Antônio ficou de tal forma
exposto ao canhoneiro que ainda hoje exibe muitos
sinais de bala pelas paredes.
[...] Muitas são as bem traçadas ruas nas quais
apenas uma exígua vereda serpeia por entre o
matagal que as cobre, e, nos arrabaldes, se
encontram, freqüentemente, propriedade em abandono
e casas de construção magnífica, inteiramente
desocupadas [...].
31
As marcas dos combates plasmadas na cidade de Belém,
portanto, não puderam passar despercebidas para as autoridades
civis e militares, alguns memorialistas e viajantes. Nesta
perspectiva, a cidade precisava ser reconstruída, de acordo
com o relato de Daniel Kidder. Assim, no relato do viajante,
destacam-se as marcas produzidas pelo “canhoneiro” na estética
da cidade, como na expressão: “casas pontilhadas de balas ou
projéteis de canhão”, também visíveis nas propriedades dos
arredores da cidade chamadas de “rocinhas” abandonadas.
Kidder esteve na cidade do Pará por volta de 1839, ou seja,
quando a Cabanagem ainda estava acontecendo pelos interiores
da Amazônia.
Outro viajante que percorreu os rincões da Amazônia foi o
naturalista Bates, que chegou junto com Wallace, em 1848, e
permaneceu até 1859. Direcionou sua percepção não para a
natureza, mas também para o aspecto físico da cidade, bem como
para o cotidiano, observador atento que foi do impacto que a
31
KIDDER, Daniel Parish. Reminiscências de Viagens e Permanências no
Brasil: províncias do Norte. São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1980.
38
Cabanagem causou, principalmente aos portugueses
32
. Essa
atmosfera de violência potencializada gerou um clima de
insegurança, como identificaram os viajantes Bates e Kidder,
que, claro, afetou profundamente a economia do Grão-Pará.
Em 1848, a confiança na ordem e na segurança demorou a
ser restabelecida, sobretudo entre os indivíduos pertencentes
às camadas mais abastadas da sociedade, que foram deslocados
de suas posições de mando pelos rebeldes. A observação sobre a
lentidão deste processo sociológico de recomposição das
hierarquias sociais é bastante perspicaz nas palavras de
Bates, que escreveu:
Embora fizesse doze anos que a situação se mantinha
calma, quando ali chegamos a confiança ainda não
tinha sido totalmente restabelecida, e os
negociantes e mercadores portugueses não se
aventuravam a ir morar nas suas belas chácaras ou
rocinhas, localizadas nos arredores da cidade e no
meio de luxuriantes e ensombrados jardins.
33
Havia desconfiança e medo. A vigilância era permanente
sobre ajuntamentos, reuniões, passeios, e sobre transeuntes,
principalmente noturnos
34
. Em 1839, um princípio de incêndio em
uma casa suscitou a narrativa de João Antonio Miranda,
presidente da Província.
Esta capital tem dado o maior exemplo de ordem,
nela se tem gozado de um sossego verdadeiramente
apreciável. Logo depois de minha posse foi
necessário à noite, tocar a rebate por ocasião de
32
A tensão étnica foi uma das diversas faces da Cabanagem, e os portugueses
simbolizavam a herança de um passado colonial, onde os “bicudos” detinham a
parcela significativa de riqueza e o poder político na Província.
33
BATES, Henry Walter. Um viajante no rio Amazonas. Tradução de Regina
Régis Junqueira. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1979 (Viagem
realizada entre 1848-1859). Bates, assim como seu companheiro Wallace,
também achou que a cidade havia conhecido dias melhores, principalmente
pela grandeza e beleza arquitetônicas dos prédios públicos, como as
igrejas, conventos, os palácios presidencial e episcopal. (p.21-2)
34
Em 1841, houve a Reforma do Código Criminal, que intensificou a
vigilância sobre os habitantes da Província, inclusive a presença mais
ostensiva e novas atribuições dos chamados Inspetores de Quarteirão.
Fundação Cultural “Tancredo Neves” CENTUR. Seção de Obras Raras. Código
do Processo Criminal do Império. 1841.
39
haver aparecido fogo em uma casa. Correram todos
aos seus quartéis, e, apesar de se ignorar logo a
principio, a razão da novidade e me achar a poucos
dias com as redes da administração, a ordem foi tal
que a cidade de Belém não aparecia aquela, que
bem pouco tempo se agitava a qualquer desconhecido
toque.
35
O medo perpassava as condutas, o estado de alerta
constante refletia a posição das autoridades de mobilizar-se
em posição defensiva, de prontidão permanente para garantir a
ordem. Quatro anos tinham transcorrido da tomada da cidade
pela legalidade.
Estes relatos, oriundos de sujeitos em tempos diferentes
- dois viajantes, dois presidentes de província e um
funcionário da repartição de obras públicas da província do
Pará, anos de 1835, 1837, 1839, 1840 e 1848, são, porém,
semelhantes quanto ao conteúdo: falam dos vestígios da
destruição que marcou Belém, devido à comoção social do
movimento cabano e à posição defensiva do poder.
1.2 “SE FALAMOS DESTA PROVÍNCIA, PODEMOS DIZER QUE TUDO NOS
FALTA...”
36
A sociedade paraense foi inexoravelmente abalada ao longo
dos anos de luta. A mortalidade provocada pelos
enfrentamentos, conforme Rayol gerou um número elevado de
vitimas
37
no conflito e pela repressão, notadamente pessoas que
35
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo Exmo. Snr. Dr. João
Antonio de Miranda, prezidente da província do Pará, 15 de agosto de 1840.
Pará, Typographia de Santos e menor, 1840. Cf.: CENTER FOR RESEARCH
LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://www.crl.edu/content/brazil/para.
htm>.
36
PARÁ, Governo da província do. Discurso com que o Presidente da Província
do Pará fez a Abertura da Sessão da Assembleia Provincial, no dia 02 de
Março de 1838. Pará, Typographia Restaurada de Santos e Santos Menor. p.4.
Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://www.crl.
edu/content/brazil/para.htm>.
37
um número de mortos estimado por Domingos Antonio Rayol que vem sendo
reproduzido sistematicamente, o qual seria de aproximadamente 30.000
pessoas que pereceram nos conflitos da Cabanagem. Contudo, ainda é preciso
uma investigação sistemática sobre isso, pois aproximadamente em 1838-1839,
começa um processo de recrutamento vigoroso na província: para o Corpo de
40
estavam em idade economicamente ativa, questão que passou a
ser um tema recorrente nos discursos da ordem.
O decréscimo da população repercutiu sobre a organização
da economia, com impacto nas cidades de Belém, Cametá,
Santarém e Macapá. No interior, as fazendas e os engenhos
estavam praticamente paralisados pela falta de “braços”. No
transcurso deste “tempo de rebeldia”, grande parte da
população masculina mobilizada, tanto pelo movimento cabano
quanto pelas tropas imperiais, abandonou as roças, fazendas,
engenhos e sítios. Além das deserções dos indígenas e tapuios,
aumentou a fuga de escravos. Muitos se retiraram para o
“sertão”, onde se formaram novos mocambos.
Para o descenso demográfico, contribuíram as epidemias e
doenças que se alastraram em toda a província. Beltrão, em
estudo sobre o Cólera no Pará, revelou o quadro potencializado
nesse período.
Mas, no essencial, foi o recrudescimento do controle e
imobilização dos trabalhadores que se impôs como condição de
retomada da vida econômica, reorganização das fazendas,
engenhos para, dessa forma, garantir a produção e a circulação
de mercadorias, sem os empecilhos para a navegação pelos rios
e igarapés da Província.
A Província do Grão-Pará, sacudida pela comoção social da
Cabanagem, passou por sérios reveses na sua economia. E a
organização produtiva sofreu abalos com o desenvolvimento da
guerra, pois esta mobilizou significativo contingente de
homens.
Os chamados cabanos tiveram que largar suas atividades
laborais e o seio de suas famílias para se engajar na luta. A
diversidade de suas ocupações é retratada às avessas na
relação de rebeldes presos na corveta defensora.
Trabalhadores, para a Guarda Nacional, para o Batalhão de Polícia da
Província, para o Arsenal de Marinha e para o Arsenal de Guerra.
41
TABELA 1 - PROFISSÕES E ETNIAS DE CABANOS
38
Cor
Ocupação
Branco
Mameluco
Mulato
Tapuio
Índio
Cafuzo
Pardo
Preto
Crioulo
Mestiço
Escravo
Total
Lavrador 16 19 08 02 14 05 06 - - 01 - 71
Lavr/criador
proprietário
03 - - - - - - - - - - 03
Carpinteiro 01 - 02 01 03 01 - - - - - 08
Carpina 02 01 01 01 - 03 01 - - - 01 10
Alfaiate 02 - 03 - - - 01 - 01 - 01 08
Ourives 02 - - - - 01 - - 01 - - 04
Sapateiro - 01 - - - - - 01 - - - 02
Correeiro - - - - - - - 01 - - - 01
Seringueiro - - 02 - - 01 - - - - - 03
Pedreiro - - - - - 01 - - - - - 01
Prático - - - - 01 - - - - - - 01
Borrador - - - - 01 - - - - - - 01
Sold/militar 04 - 02 - - - - - - - - 06
Vaqueiro - 01 - - - - - - - - - 01
Calafate 01 01 - - - - - - - - - 02
Sem ofício 02 01 - 01 04 02 02 01 - - 01 14
Total 33 24 18 05 23 14 10 03 02 01 03 136
Os cabanos eram majoritariamente lavradores, pescadores,
seringueiros, calafates, vaqueiros, como se pode inferir do
quadro acima. O movimento popular, ao incorporar em suas
fileiras homens do local, ou seja, da província, contribui
sobremaneira para uma desarticulação da mão-de-obra, pois
parte significativa estava em idade produtiva. Eram eles os
diversos sujeitos, social e culturalmente, inseridos na
dinâmica da produção.
38
Arquivo Público do Pará. Rellação dos Rebeldes Presos a Bordo da Corveta
Defensora. Códice 1130. 1838. Esses dados se constituem em uma pequena
amostra do Códice 1130. Existem outras cinco Relações de Rebeldes Presos,
pertencentes ao acervo do Arquivo Público do Pará, que somam
aproximadamente 2.500 presos nos porões da Corveta Defensora. Por outro
lado, existem ainda outras relações que estão no acervo do Arquivo
Nacional.
42
O lavrador
39
, vinculado por sua condição de existência à
terra, ao sair dos seus “torrões”, experimentou a perda dos
seus modos de sobrevivência e de produção de excedente. A
produção de mandioca, arroz, feijão, milho na província
diminuiu, gerando problemas graves de abastecimento. Essa
falta de braços estendia-se à coleta das drogas do sertão,
além do plantio de gêneros agrícolas, nos serviços da fazenda
de criação de gado e nos engenhos”
40
. Para Moreira Neto
41
, essa
situação adquiriu um caráter crônico:
Ainda durante a Cabanagem, o colapso da economia da
Amazônia, tanto em relação aos gêneros comerciais e
de exportação, quanto à produção de alimentos,
havia provocado uma carência crônica dos gêneros de
subsistência.
A chamada “gente de cor” estava inserida nos diversos
espaços de produção, pois era o alicerce de uma economia
natural, com base em uma organização de unidades domésticas
que se engajavam em diversas atividades, em consonância com um
calendário agro-extrativo. A coleta das drogas do sertão, as
roças de subsistência, a fabricação de farinha, a construção
de barcos, a lida com o gado, as pescarias e os trabalhos
artesanais organizavam os diferentes tempos de trabalho.
Soares d’Andrea, em Discurso à Assembléia Provincial em
1838
42
, informou sobre o contingente das forças de repressão do
Estado Imperial, formado por 2.000 soldados, sendo que 1.300
eram de combatentes de fora da província. Com base nestes
dados, podemos supor que o movimento cabano, nos primeiros
39
Repito que estes dados são preliminares. É necessária investigação
sistemática com os instrumentos e metodologia da histórica econômica e
serial.
40
ACEVEDO MARIN, Rosa; CASTRO, Edna. Negros do Trombetas Guardiães de
matas e rios. Belém: CEJUP, 1998. p.67-81.
41
MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. Índios da Amazônia: de Maioria a Minoria
(1750-1850). Petrópolis: Vozes, 1988. p.86.
42
PARÁ, Governo da província do. Discurso de Soares D’Andrea, Presidente da
Província, em 2 de março de 1838. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES -
CRL. Disponível em: <http:// brazil.crl.edu/bsd/bsd/u987/000021.html>.
p.21.
43
momentos, arregimentou muito mais paraenses simpatizantes à
sua causa de mudanças do que o chamado das tropas legais à
repressão do movimento. O general recapitula sobre a força
militar pública em 1839, que foi dividida em sete batalhões e
um esquadrão de cavalaria:
TABELA 2 - FORÇA PÚBLICA MILITAR EM 1839
43
BATALHÃO Nº DE PRAÇAS LOCALIDADES
505 Belém e Freguesias
382 Bujaru
263 Rio Capim
207 Acará
329 Moju
298 Igarapé-Miri
526 Abaetetuba, Beja e Barcarena
Esquadrão de Cavalaria 46
Total 2556
A estratégia dessa autoridade provincial devia
compatibilizar um corpo militar permanente e um corpo de
trabalhadores, para controle e disciplina tanto social quanto
militar. Para isso, o general tomou uma série de decisões
excepcionais, como a suspensão das garantias constitucionais
asseguradas pelo o Art. 179 da Constituição do Império, que
tratava da “inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos
dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a
segurança individual, e a propriedade”, sobretudo os incisos
ao 10º
44
, que tratam mais especificamente da liberdade e da
43
Dados extraídos de: NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. “A soldadesca
desenfreada”: politização militar no Grão-Pará da Era da Independência
(1790-1850). Tese (Doutorado em História Social do Brasil), Salvador,
Universidade Federal da Bahia, 2009. p.293. Em Relatório Provincial de 15
de Agosto de 1840, o presidente João Antonio de Miranda informou à
Assembléia Provincial que a Força Pública era composta pela Força de Mar,
com 640 praças; a Força de Terra, com 1600 Praças, contingente insuficiente
para a manutenção da ordem, e que recebia auxílio da Infantaria Provincial
que contava com 138 Praças. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL.
Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/499/000009.html>.
44
Arquivo Público do Pará. Coleção das Leis do Império. Rio de Janeiro:
Tipografia Nacional, 1864. Os respectivos incisos versam o seguinte: VI.
Qualquer pessoa pode conservar-se, ou sair do Império, como lhe convenha,
44
segurança individual do Cidadão; ou seja, na província do Pará
sob a “pacificação” do general Andreas, a Lei virou “Letra
Morta”.
Livre dos limites impostos pela Lei, Andreas agiu mais
livre e violentamente para reprimir a Cabanagem. Para ele, os
presos deveriam ser julgados sem um processo formado, uma vez
que acreditava que os juízes de paz estivessem envolvidos na
Cabanagem ou fossem analfabetos
45
. Diante dessa situação, para
ele não haveria justiça, pois se os juízes de paz
constituíssem os processos dos acusados de rebeldia, pelos
crimes cometidos na província, ele mesmo poderia ser
pronunciado por esses juízes. Em ofício de agosto de 1836,
destinado ao ministro da justiça, o general enfatizou que, se
algum “chefe rebelde” fosse absolvido, ele não o libertaria;
além disso, expôs a sua descrença na legislação criminal
vigente no Império, ao afirmar:
Não estou exagerando as crises a Vossa Excelência,
ou esses códigos Criminais e do Processo hão de
[melhorar] ou ser substituídos por Leis úteis, em
que todos vejam garantidos as nossas honras, nossas
levando consigo os seus bens, guardados os Regulamentos Policiais, e salvo
o prejuízo de terceiro; VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asilo
inviolável. De noite não se poderá entrar nela, senão por seu
consentimento, ou para defendê-la de incêndio, ou inundação; e de dia
será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei
determina; VIII. Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos
casos declarados na Lei, nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da
entrada na prisão, sendo em Cidades, Vilas ou outras Povoações próximas aos
Lugares da residência do Juiz, e nos lugares remotos dentro de um prazo
razoável, que a Lei marcará, atenta à extensão do território. O Juiz por
uma nota, por ele assinada, fará constar ao u o motivo da prisão, os nome
do seu acusador, e os das testemunhas, havendo-as. IX. Ainda com culpa
formada, ninguém será conduzido à prisão, ou nela conservado estando
preso, se prestar fiança idônea, nos casos que a Lei admite, e em geral nos
crimes que não tiverem maior pena do que a de seis meses de prisão ou
desterro para fora da Comarca, poderá o Réu livrar-se solto. X. À exceção
de flagrante delito, a prisão não pode ser executada, senão por ordem
escrita da Autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o Juiz, que a deu,
e quem tiver requerido serão punidos com as penas que a Lei determinar.
45
NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. “A soldadesca desenfreada”: politização
militar no Grão-Pará da Era da Independência (1790-1850). Tese (Doutorado
em História Social do Brasil), Salvador, Universidade Federal da Bahia,
2009. p.266.
45
vidas e nossos bens; ou esta Província de
pertencer a Tapuios, e o resto do Brasil a negros.
46
Era assustador! Dois anos depois desse ofício, em 1838,
em Discurso à Assembléia Provincial, essa autoridade explanou
sobre a situação geral da província e traçou um balanço das
carências orçamentárias e das necessidades infra-estruturais.
Com base na sua leitura de realidade, definiu como prioridades
as obras públicas necessárias para o soerguimento da cidade,
face ao bombardeio sofrido. Discursava solenemente: “se
falamos desta província, podemos dizer que tudo nos falta”,
referindo-se notadamente à carência de mão-de-obra
especializada, como a de mestres e artistas. Como se vê, a
perspectiva do governo provincial aplicava-se a retomar o
controle das atividades econômicas da Província.
Esta também era a opinião de Francisco Jozé de Souza
Soares de Andréa que, em 1838, ao discursar para os deputados
da Assembléia Provincial, fez um balanço da situação econômica
ao afirmar que
[...] Foram destruídos a maior parte dos Engenhos e
Fazendas, dispersos ou mortos os seus escravos,
consumidos os gados de criação, e extincta até a
sementeira dos gêneros mais precizos ao sustento
ordinário [...].
47
Colapso econômico, um cenário caótico. Nessa mensagem, o
presidente fazia eco às exigências e reclamações dos
proprietários de escravos e das terras que eram convergentes
quanto à situação econômica do Pará provincial. Entretanto, se
46
Arquivo blico do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Fundo: Correspondência de Governo com a Corte. Códice: 1039 Ministério da
Justiça. Ofício de 8 de agosto de 1836. Apud: NOGUEIRA, Shirley Maria
Silva. “A soldadesca desenfreada”: politização militar no Grão-Pará da Era
da Independência (1790-1850). Tese (Doutorado em História Social do
Brasil), Salvador, Universidade Federal da Bahia, 2009. p.266.
47
PARÁ, Governo da província do. Discurso com que o Presidente da Província
do Pará fez a Abertura da Sessão da Assembleia Provincial, no dia 02 de
março de 1838. Pará, Typographia Restaurada de Santos e Santos Menor. p.4.
Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://www.crl.
edu/content/brazil/para.htm>.
46
uma determinada organização produtiva, herdada de um passado
colonial recente
48
, estava sendo atingida em meio ao caos, nem
todas as engrenagens produtivas ficaram paralisadas. Uma
economia em função da guerra foi engendrada, tanto pelo Estado
quanto pelas pessoas comuns.
A economia do cotidiano continuava a ser gerida, mesmo
que em ritmo de desaceleração, devido, entre outras causas, à
saída de “braços” das atividades para as fileiras
conflitantes, pois, grosso modo, por constatação óbvia, as
pessoas precisavam suprir necessidades básicas, sobretudo de
alimentação. Esses movimentos econômicos se imbricavam e,
podemos pensar, geraram em momentos criativos de construção de
novos espaços em meio à “desordem” da província insurreta. A
formação de mocambos entranhados no vale do rio Amazonas e de
seus afluentes representa exemplo dessa reorganização social
em situação de autonomia, pois conseguiam conectar-se com os
moradores das vilas para vender e trocar produtos.
Apesar de a Cabanagem ter produzido uma queda da produção
de alimentos, não ocorreu uma carência crônica dos gêneros de
subsistência
49
, que não deixaram de ser produzidos para esse
fim, o que relativiza a afirmação anterior de Moreira Neto, ao
elaborar uma hipótese absoluta de desestruturação da economia
provincial. Os cultivos de mandioca, por exemplo, rapidamente
se reconstituíram, visando, de imediato, o abastecimento
interno.
48
Na Amazônia portuguesa, não vingou o modelo hegemônico de estrutura
produtiva implantada pela Coroa no nordeste, pautada principalmente na
plantation modelo agroexportador. Aqui pode-se identificar o
“imbricamento das relações sociais envolvendo o estabelecimento do
extrativismo das drogas do sertão, o apresamento de índios e a existência
de uma agropecuária voltada para o mercado, com a conseqüente utilização
do trabalho escravo africano”. BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão negra na
Amazônia (sécs. XVII-XIX). Belém: Paka-Tatu, 2001. p.18.
49
MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. Índios da Amazônia: de Maioria a Minoria
(1750-1850). Petrópolis: Vozes, 1988. p.86.
47
Em 22 de agosto de 1836, o fazendeiro Jozé Francino
Alves, do município de Igarapé-Miri, endereçou uma
correspondência ao presidente da província, Francisco Jozé de
Souza Soares de Andréa, para informar-lhe que a expedição
enviada à cabeceira do rio Meroê, para fazer a varredura nos
bosques e campos, em combate aos cabanos que por ventura
estivessem escondidos, apenas teria encontrado:
[...] algumas mulheres ocupadas em fabricar
pequenas porções de farinha, que segundo conjeturo,
talvez seja para fornecer a alguns malvados, que
por ali ainda vagueem escondidos. Por cujo motivo
julgo conveniente affastallas, ainda mesmo quando
não haja outra prova mais que a mera suspeita,
fundada na desconfiança, de que são susceptíveis
taes mulheres por suas qualidades, e condição.
50
Favorável às tropas imperiais, o fazendeiro Alves
51
,
valendo-se de sua posição social e política, desconfiava
daquelas mulheres “por suas qualidades, e condições”.
Provavelmente tais mulheres eram de cor e obres, estavam
literalmente com “mão na massa”. Os parâmetros e valores do
senhor Jozé Francino Alves o levaram a desqualificar ainda
50
Arquivo Púbico do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Ofícios dos Comandantes Militares. 1836-1837.
51
Arquivo Púbico do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Ofícios dos Comandantes Militares. 1836-1837. Na continuidade do
documento, infere-se quanto à condição social e posicionamento político de
Jozé Francino Alves. Ele afirma que o seu estado definanças não He o mais
prospero, tendo soffrido tantos roubos, e estragos em minha fazenda,
restando-me apenas de todo alguns escravos e o Barco, que com tanto gosto
tenho dedicado ao serviço da tria. E seu posto político-administrativo no
governo do presidente da província Francisco Jozé de Souza Soares d’Andréa
era de Comandante Militar da Freguesia de Igarapé-Miri.
48
mais as mulheres supracitadas, impingindo-lhes, a priori, uma
culpabilidade no processo da Cabanagem, ao identificá-las
como, no mínimo, suspeitas de cumplicidade
52
, motivo pelo qual
despojou-as de sua produção pequenas porções de farinha”,
por mera suspeita, fundada na desconfiança.
A fornada de farinha poderia atender às necessidades de
suas famílias, até mesmo pela quantidade indicada pelo
apreensor, uma vez que os homens talvez estivessem integrando
as fileiras cabanas. Por outro lado, bem poderia ser mesmo
destinada aos cabanos aquartelados na área.
O lugar em questão, a vila de Igarapé-Miri, possuía
vários sítios e engenhos, estes com significativa utilização
da mão-de-obra escrava negra, e teve grande adesão às hostes e
influências cabanas. Essas são hipóteses inquietantes; as
respostas, uma expectativa
53
. Afinal, as mulheres na mata
fazendo farinha não é um compósito estranho à paisagem, uma
vez que a presença da mulher na economia familiar da Amazônia
é histórica. Os fragmentos da experiência social na fabricação
de farinha indicam a participação da mulher nessa atividade,
dentro de uma economia familiar e de subsistência, em que a
cooperação no trabalho reveste-se enquanto prática social, uma
vez que, ali, existe um estreitamento nas relações entre os
sujeitos, bem como troca de experiências e saberes.
52
PINHEIRO, Luís Balkar Peixoto. Nos subterrâneos da revolta:
trajetórias, lutas e tensões na Cabanagem. Tese (Doutorado em História
Social), o Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1998.
p.309. Ver também: MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. Índios da Amazônia: de
Maioria a Minoria (1750-1850). Petrópolis: Vozes, 1988.
53
FERREIRA, Eliana Ramos. Em tempo cabanal: cidade e mulheres no Pará
imperial - Primeira metade do século XIX. Dissertação (Mestrado em
História), São Paulo, Pontifícia Universidade Católica, 1999.
49
FIGURA 1 - ROASTING FARINHA
54
A imagem foi produzida em 1870
55
. Respeitando a distância
temporal, ela nos aproxima do processo de produção da farinha
e das observações de Jozé Francino Alves. Duas mulheres estão
representadas em uma tapera no meio da mata. Ao fundo, no
espaço coberto, uma está com a “mão na massa”, torrando a
farinha no forno
56
; mais abaixo, fora da “casa do forno”, outra
mulher também está trabalhando: recolhendo lenha (madeira
seca) para alimentar o fogo do forno, que precisa de uma
temperatura média constante para uma boa torrefação. Ao canto,
54
SMITH, Herbert H. Brazil, the Amazons and the coast. New York: Charles
Scribner’s Sons, 1879. Disponível em: <www.archive.org/details/brazil
amazonscoa00smit>. Smith foi um naturalista norte-americano que viajou pela
Amazônia na década de 1870, p. 383.
55
BURKE, Peter. Testemunha ocular história e imagem. São Paulo: EDUSC,
2004.
56
Possuir um forno de cobre significava, além da distinção social, possuir
um instrumento indispensável para uma melhor qualidade da farinha e maior
produtividade. Nos testamentos, era um dos bens mais enfatizados.
50
embaixo, pode-se observar um cesto de vime (palha) para o
transporte do produto. E a casa foi retratada no meio da
mata... numa atividade realizada em conjunto.
A fabricação da farinha leva alguns dias, sem contar a
preparação e manutenção da roça. Não é uma tarefa fácil pois
exige conciliação de saberes e domínio de técnicas de
produção, além de força e esforço físico, considerando as
etapas de “arrancar” extrair a raiz da mandioca do solo,
transportar para o local onde ocorrerá o fabrico da farinha
(geralmente chamado de “casa do forno”), descascar a mandioca,
lavar, ralar, espremer a massa no tipiti para extrair o
tucupi, e, finalmente, proceder à torrefação, ou seja, ao ato
de torrar no forno, preferencialmente de cobre, em alta
temperatura. São operações complexas, na maioria das vezes
realizadas em conjunto e não individualmente
57
. Daí a
observação de Jozé Francino Alves de ter encontrado “algumas
mulheres ocupadas em fabricar pequenas porções de farinha”.
Diferentemente da apreciação de Francisco Soares
d’Andréas, que focalizou, principalmente, a desestruturação da
produção das elites, momentaneamente fragilizadas, havia
outros grupos sociais que estavam estruturando outros espaços
de produção, o que pode denotar uma rede de solidariedade,
estratégias e adequações em tempos de incertezas, como os que
estavam vivendo as pessoas naquela época.
58
Entre esses espaços
de produção, estavam os quilombos.
57
Ver também: PINTO, Benedita Celeste de Moraes. Nas Veredas da
sobrevivência: memória, gênero e símbolos de poder feminino em povoados
amazônicos. Belém: Paka-Tatu, 2004. p. 135-65.
58
Thompson, ao refletir sobre os “motins da fome” ocorridos na Inglaterra
durante o século XVIII, afirma ser necessário observar que “estando com
fome [...] o que as pessoas fazem? Como o seu comportamento é modificado
pelo costume, pela cultura e pela razão?” É necessário refletir as gentes
comuns enquanto agente histórico. Para ele, “o motim da fome na Inglaterra
do século XVIII era uma forma altamente complexa de ação popular direta,
disciplinada, e com objetivos claros”. Para esse autor, havia uma motivação
moral e o apenas a do “estômago para os motins, onde as “gentes comuns
criam estarem defendendo direitos e heranças advindas de práticas sociais
“antigas”. Ver THOMPSON, E. P. “A Economia moral da multidão inglesa no
século XVII”. In: THOMPSON, E. P. Costumes em comum estudos sobre a
cultura popular tradicional. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p.150-202.
51
Teriam existido várias formas de quilombos: havia os que
procuravam constituir comunidades independentes, com
atividades camponesas integradas à economia local, existia o
aquilombamento caracterizado pelo protesto reivindicatório dos
escravos em relação a seus senhores, e existiram os pequenos
grupos de fugitivos que se dedicavam a razias e assaltos às
fazendas e povoados próximos.
O quilombo, entendido como espaço físico e histórico,
construiu possibilidades de relações alternativas às
existentes na sociedade escravista, principalmente no tempo em
que a província foi sacudida por uma comoção social.
Os quilombos representaram uma unidade econômica e social
que, na visão de Gomes, “desenvolveriam atividades
socioeconômicas que se integrariam à economia local.”
59
Geralmente, os produtores cultivavam mandioca, por exemplo,
para a subsistência do grupo, produzindo excedentes que
negociavam, mantendo um sistema de trocas mercantis com o
entorno.
Na formação e nas experiências múltiplas dos quilombos na
Amazônia, diversas formas e composições aquilombadas são
identificadas. Havia mocambos de negros e índios que mantinham
contatos regulares e relações comerciais com as vilas
próximas, bem como com as povoações localizadas nas
fronteiras.
Criando espaços sociais, culturais, econômicos e
políticos nas fímbrias da sociedade escravista, os mocambos
atormentavam tanto o Estado Imperial quanto os proprietários
de escravos. A notícia de existência de um nas proximidades
era o suficiente para disseminar a possibilidade da almejada
Essa reflexão de Thompson pode ser instigante para uma outra possibilidade
de estudos do conturbado período da Cabanagem, pois ainda uma carência
de estudos sistematizados da economia do Pará insurrecional. A farinha
tornou-se um produto valiosíssimo, pois, ao se apreender cabanos e armas,
apreendia-se também farinha. Vide o documento supra-analisado.
59
GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e o ntano mocambos, quilombos e
comunidades de fugitivos no Brasil (séculos XVII-XIX). São Paulo: Ed.
UNESP/ Ed. POLIS, 2005. p.33.
52
liberdade, ou uma liberdade reinventada e mediatizada pela
distância dos grilhões do cativeiro. Os mocambos eram
percebidos pelos proprietários e pelo poder blico como foco
de revoltas, insubordinação e convite às fugas de seus
cativos, porém, era também referência para fugitivos e/ou
sujeitos que buscavam outras possibilidades de existência
60
.
Os inúmeros quilombolas que se formaram conseguiram
forjar uma rede de contatos e relações, inclusive fazendo
alianças políticas e econômicas com outros setores da
sociedade circundante.
61
Essas formações produzem uma
alternativa social e política de ocupação das terras e
constituem novas formas de organização social.
Durante a Cabanagem, não foi diferente. As aspirações
dos escravos e dos chamados “de cor” - se dão em meio às
contradições sociais da Amazônia. O engajamento do negro no
Movimento Cabano ocorreu a partir do momento em que ele “[...]
identificou o conceito de liberdade, ou a supressão do senhor,
como decorrência da luta política [...]”
62
. E foram justamente
essas aspirações de liberdade que levaram o negro a se
organizar e a se engajar na Cabanagem.
Em correspondência de 27 de janeiro de 1837, o major
comandante militar do Marajó, João Raimundo Carneiro
Junqueira, informou ao presidente Francisco Jo de Souza
Soares de Andréa o seguinte:
A escolta que mandei a Monsaraes Comandada pelo
Alf
es
Miranda Francisco Augusto distruhio o mocambo
do Iguará Cabiceiras do Jutûba na quele Destricto
no dia 22 do expirante aonde incontrando hum fogo
activo morrerão da parte do inimigo dez, e dois
60
Ver: GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e o Pântano mocambos, quilombos
e comunidades de fugitivos no Brasil (séculos XVII-XIX). São Paulo: Ed.
UNESP/ Ed. POLIS, 2005. p.25-41. Tangencialmente neste trabalho devemos
refletir sobre os mocambos na província do Grão-Pará. A historiografia
sobre a experiência histórica dos quilombos é hoje fecunda com pesquisas e
estudos reveladores de novas problemáticas em terno da escravidão.
61
Ibidem.
62
SALLES, Vicente. O negro no Pará sob o regime da escravidão. Belém:
Secult/ Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”, 1988.
53
feridos gravemente que julgo terão o mesmo fim, e
marcharão no Outro dia, a Outro, q’ ainda não sei o
rezultado, onde dizem porção de Cabanos, e
dezertores.
63
Não para se saber pelo documento a composição do
mocambo referido. Eram diversas as constituições étnica e
social dos mocambos, sendo os mais comuns, na Amazônia, os de
negros e índios
64
. Contudo, pode-se afirmar que, neste caso do
mocambo do Iguará, distrito de Cachoeira, no Marajó, a
organização foi ampliada com a adesão de cabanos e desertores,
tanto o destruído pela expedição enviada, sob o comando do
alferes Alixandre Francisco Augusto, quanto o outro, que foi
alvo da incursão posterior da tropa legal do Estado Imperial.
Desta última incursão, o comandante ainda não sabia o
resultado.
Se a organização social de mocambos na área do Marajó
perturbava os proprietários e o governo provincial antes mesmo
da Cabanagem
65
, durante o movimento, então, o perigo foi
potencializado pelas ações convergentes entre cabanos e
mocambeiros, criando situações-limite de combate às tropas
legais, assaltos às fazendas e engenhos, e trazendo temor aos
proprietários que viam seus patrimônios ameaçados. Isso
aconteceu principalmente quando a Cabanagem ganhou maior
63
Arquivo Público do Pará. Documentação do Governo. Correspondência de
Diversos com o Governo. Códice nº 853. Documento 132. 1827-1837.
64
Essas alianças eram possíveis, bem como o contrário. Havia indígenas que
serviam de guias em expedições para extermínio de mocambos e cabanos. Em
correspondência de 29 de dezembro de 1836, o major comandante do Marajó,
João Raimundo Carneiro Junqueira, informou ao presidente da província,
Francisco de Andréa, a morte de um índio que servia de guia à diligência
que incursionava no distrito de Soure, em combate à “quadrilha de cabanos
unidos a desertores e escravos fugidos”. Arquivo blico do Pará.
Documentação do Governo. Correspondência de Diversos com o Governo. dice
853. 1827-1837. Não como generalizar determinadas relações. Não se
deve querer incorrer no perigo das generalizações.
65
Por volta de 1793, as queixas contra o roubo de gado no Marajó eram
freqüentes e as suspeitas recaíam sobre os ‘pretos fugidos’, gentes dos
mocambos. Por volta de 1797, na região do rio Arari havia notícias sobre o
movimento de escravos fugidos e de roubo de gado. Ver: GOMES, Flávio dos
Santos. A Hidra e o Pântano mocambos, quilombos e comunidades de
fugitivos no Brasil (séculos XVII-XIX). São Paulo: Ed. UNESP/ Ed. POLIS,
2005. p.51-3.
54
intensidade nos interiores da província, após a queda do
governo cabano e a saída de Angelim e dos cabanos que estavam
aquartelados na cidade de Belém.
Em correspondência de janeiro de 1837, o tenente-
comandante da Vila de Soure, responsável pelas forças de
repressão ao movimento nesta área do Marajó, notificava ao
presidente da província, Soares de Andréa, a organização de
mocambos por cabanos e escravos fugidos
66
. Diversas estratégias
de enfrentamentos foram forjadas. Fugas, negociação com os
senhores e engajamento em movimentos sociais e protestos. Nas
relações sociais construídas no bojo da escravidão, os cativos
e fugitivos introjetaram e também criaram visões diferentes do
que consideravam liberdade
67
, bem como o que concebiam como
escravidão. Em momentos de relativa “tranquilidade”, os
mocambos representavam uma ameaça concreta ao mundo da
escravidão. Impulsionados por uma comoção social da magnitude
da Cabanagem, o mundo da desordem ganha nuances de caos para
os senhores e representantes do Estado Imperial. A sonhada
liberdade parecia ficar mais próxima, “liberdade” essa mediada
por uma boa distância colocada entre a cidade, a fazenda, os
senhores os espaços trilhados no cativeiro e o local
escolhido para a construção do mocambo.
66
Arquivo Público do Pará. Documentação do Governo. Correspondência de
Diversos com o Governo. Códice 853. Documento 115. 1827-1837. Esses não
são os únicos indícios da composição de mocambos por escravos fugidos e
cabanos, mas, repito, é preciso um estudo específico sobre essa questão.
67
CHALOUB, Sidney. Visões da liberdade. Uma história das últimas décadas da
escravidão na corte. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.
55
informação de correspondências escritas pelo francês
Jean-Jacques Berthier
68
sobre a existência de um mocambo
distante cerca de 17 dias de viagem a partir de Belém,
liderado por uma negra conhecida como rainha Ngola. Depois de
se navegar por vários dias, desembarca-se e caminha-se por
várias horas na floresta, até que se atinja o povoado
principal do mocambo, já ao final da tarde.
O mocambo era formado por quatro povoações menores, com
cerca de 300 habitantes cada uma, mais o povoamento principal
que teria aproximadamente 700 habitantes. Se tomarmos tais
informações como indícios, o mocambo da rainha Ngola contava
com uma povoação de mais ou menos 1.900 integrantes, na sua
maioria de negros, havendo também indígenas e tapuios,
estimativa significativa para tempos conturbados. Berthier
teria sido informado de que o mocambo começara uns
cinqüenta anos, era governado por mulheres que reinavam
vitaliciamente, mas a transmissão do poder não era
68
FREITAS, Décio. A miserável revolução das classes infames. Rio de
Janeiro: Record, 2005. p.69-75. O autor faz um pontual esclarecimento sobre
como conseguiu “as cartas” do francês Jean-Jacques Berthier, destinadas ao
irmão Guillaume, estabelecido em Nantes, e que tinha comércio de exportação
de manufaturas e importação de produtos tropicais. Elas foram presente de
um amigo espanhol, cuja mulher era catalã e as recebera com uns manuscritos
de um “antepassado remoto de Nantes, do início do século 19 [...] que
relatavam as ‘trapalhadas revolucionárias’ de um contemporâneo da Revolução
Francesa” (p.10). Jean-Jacques Berthier foi embarcado para Caiena em
janeiro de 1797, ainda com 15 anos de idade, na condição de deportado, por
participar da Revolução na França. Décio Freitas explica que, pelo menos
metade de cada carta, versa sobre os arranjos comerciais dos irmãos. Na
outra metade restante, Berthier informa sobre sua vida pessoal e o
cotidiano do lugar em que se encontra. Presencia os acontecimentos da
cabanagem no Painsurreto e, por motivos poucos esclarecidos pelo autor,
porém imagináveis, Berthier escrevia as cartas em bretão arcaico que,
segundo Décio Freitas, era anterior à modernização do século XIX, o que
dificultou sobremaneira a tradução das mesmas. A narrativa do livro do
professor Décio Freitas é quase épica; no entanto, apesar de “apresentar”
as cartas, ele não as mostra ao leitor em momento algum. Ele diz que
completou o relato, às vezes, fragmentado e lacunoso de Berthier, com
outras fontes, mas também não indica quais foram as fontes utilizadas. Não
se está fazendo propriamente uma crítica, mas é uma inquietação
metodológica, pois não se sabe até onde vai a historia e a ficção do
francês Berthier no Pará insurreto.
56
hereditária. A preta Ngola teria sido a terceira rainha do
mocambo.
69
As atividades produtivas para a manutenção do mocambo
eram desenvolvidas principalmente pelos homens, que eram
agricultores, caçadores, pescadores, tecelãos, oleiros,
serralheiros. Além disso, às vezes, praticavam ataques às
embarcações nos rios distantes, para apoderarem-se dos
despojos das vítimas. Conforme a descrição de Berthier, a
economia do mocambo era diversificada e dinâmica, revelando as
relações de comércio, conluio e solidariedade estabelecidos
com o entorno mais próximo. Contudo, a diversidade dos
mocambos é o elemento mais instigante na organização
socioeconômica e cultural.
O autor aponta que os membros do mocambo realizavam a
venda de mandioca e tabaco a “regatões”, coletavam as drogas
do sertão, trocavam gêneros com os holandeses da Guiana, e
praticavam a mineração.
Essas relações comerciais desenvolvidas nessa região de
fronteira foram alvos de interesses e preocupações. Eram,
fronteiras móveis, com linhas divisórias tênues e imbricadas
para os sujeitos que por ela transitavam. Contando com a ajuda
de comerciantes e grupos indígenas, os negros escravos
procuravam a liberdade no lado dos franceses.
No mapa a seguir se pode ter uma idéia das direções
tomadas pelos escravos fugidos e os locais escolhidos para a
fixação dos mocambos ao longo do século XIX
70
.
69
FREITAS, Décio. A miserável revolução das classes infames. Rio de
Janeiro: Record, 2005. p.69-75. Berthier teria ficado cerca de quatro anos
vivendo no mocambo, não revelou, pelo menos nas cartas que chegaram até o
prof. Décio Freitas, o motivo de ter ido para o mocambo, mas estava
fugindo de alguma coisa. Os fugitivos amocambados não eram apenas pretos,
mestiços, tapuios. De com Décio Freitas, ao sair, Berthier não revelou a
localização do mocambo, conforme acordo com a rainha Ngola.
70
Analisando as fronteiras da liberdade na Amazônia Colonial (Portuguesa)
representadas pelos mocambos, Flávio Gomes destaca a existência de inúmeros
mocambos, inclusive constituídos por índios, negros e por índios fugidos.
GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e o Pântano mocambos, quilombos e
comunidades de fugitivos no Brasil (séculos XVII-XIX). São Paulo: Ed.
57
MAPA 2 - PRINCIPAIS MOCAMBOS DO GRÃO-PARÁ
71
Adentrando cada vez a mata, negros, índios, desertores,
fugitivos aglutinaram-se para construir o sonhado espaço da
liberdade, mesmo que mediatizada pela ordem escravista, pelas
suas instituições e corpos de controle e repressão. A
expressão “liberdade por um fio” sugere essa relação liminar
entre cativeiro e liberdade, face à perseguição dos capitães
de mato, a delação do quilombo, a recaptura.
O mato, a mata onde os homens podiam abrir roças, caçar e
as mulheres fabricar a farinha representam o espaço social dos
mocambos enquanto territórios contrapostos ao Estado Imperial.
Desde o mocambo, a vigilância e controle eram desafiados
constantemente, pois, para o quilombola, isso significava a
UNESP/ Ed. POLIS, 2005. p.43-128. Ver também: ACEVEDO MARIN, Rosa; CASTRO,
Edna. Negros do Trombetas – Guardiães de matas e rios. Belém: CEJUP, 1998.
71
SALLES, Vicente. O negro no Pará sob o regime da escravidão. Belém:
Secult/ Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”, 1988. p.219.
58
possibilidade de uma re)criação de espaços de liberdade e
construção de organização de vida sem as rédeas de uma
sociedade escravista. Não raro os quilombos se formaram nas
fimbrias das fazendas, no interior delas.
Em meio à comoção social da Cabanagem, as ditas pessoas
comuns e anônimas procuraram caminhos e trilhas pelas margens,
inserindo-se diretamente no conflito, tramando alianças como
os desertores amocambados pelas “bandas” do Marajó
72
. Pelas
margens e em meio ao conflito, essas pessoas elaboraram
estratégias de sobrevivência.
Por outro lado, da perspectiva das elites, as suas bases
econômicas sofreram sérios abalos com a formação de quilombos,
suscitando constantes queixumes e reclamações de ataques e
roubos às suas propriedades. O comandante das tropas legais e
morador da freguesia de Igarapé-Miri, Jose Francino Alves, em
correspondência de 22 de agosto de 1836, informava que não
poderia suprir as necessidades das tropas sozinho, como lemos
a seguir:
[Meu] estado de finanças não he o mais prospero,
tendo soffrido tantos roubos, e estragos em minha
fazenda, restando-me apenas de todos alguns
escravos e o Barco, que com tanto gosto tenho
dedicado ao serviço da Pátria [...].
73
Fazendeiros teriam colocado seus bens e propriedades a
“serviço da Pátria”, como o morador acima. Eles
disponibilizaram não os barcos como também outros recursos,
como o gado cavalar
74
. Mulheres também posicionaram-se
72
Arquivo Público do Pará. Documentação do Governo. Correspondência de
Diversos com o Governo. Códice nº 853. Documento 132. 1827-1837.
73
Arquivo blico do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Serie Ofícios. Ofícios dos Comandantes Militares. 1836–1837.
74
Sabe-se que o gado cavalar tinha uma importância fundamental para as
tropas militares, fossem elas cabanas ou legais. O esquadrão montado
possuía maior mobilidade e poder de combate. Sobre a temática do
recrutamento militar no PaProvincial, ver: NUNES, Herlon Ricardo Seixas.
A guarda nacional na província paraense: representações de uma milícia para
militar (1831-1840). Dissertação (Mestrado em História Social), São Paulo,
Pontifícia Universidade Católica, 2005. Ver também: KRAAY, Hendrik.
59
politicamente a favor das tropas legais, ou seja, contra os
cabanos, como vemos em destaque na lista de dezembro de 1836.
75
Cinco mulheres aparecem como tendo “prestado” 36 animais. Do
total de 62 acordados, ficaram por marchar 14 cavalos e 3
éguas. Em um tempo de insegurança e necessidade, esse gesto de
auxiliar à Nação revelava politicamente fidelidade e o nível
de riqueza dos fazendeiros.
TABELA 3 - “RELLAÇÃO DE CAVALARIA QUE FORÃO PRESTADOS
P. A NAÇÃO GRATIS PELOS FAZENDEIROS”
76
Nomes dos Fazendeiros da
Sobservição grátis
N.º prestado
N.º dos que
marcharão
N.º dos que
falta de
marchar
Cava-
llos
Egoas
Cava-
llos
Egoas
Cava-
llos
Egoas
D. Catharina de Oliveira e
Souza
5 5 = 3 5 2
D. Lizarda Maria de Oliveira e
Souza
3 3 = 2 3 1
D. Zeferina Maria de Oliveira
e Souza
5 5 4 5 1 =
D. Thomazia Belumia Gemaque 5 5 2 5 3 =
João Austríaco 3 3 1 3 2 =
Antonio de Lacerda de Chermont
5 5 5 5 = =
Manoel José Gemaque de
Albuquerque
5 5 5 5 = =
Somma 31 31 17 28 14 3
“Repensando o recrutamento militar no Brasil Império”. Diálogos. Vol.3.
n.3. DHI/UEM, 1999. p.113-51. Disponível em: <http://www.dhi.uem.br/
publicacoesdhi/dialogos/volume01/vol03_atg3.htm>. Acesso em: 06/02/2009.
75
Mas muitas mulheres também se posicionaram a favor da Cabanagem. Ver
(especialmente o último capítulo): FERREIRA, Eliana Ramos. Em tempo
cabanal: cidade e mulheres no Pará imperial - Primeira metade do século
XIX. Dissertação (Mestrado em História), São Paulo, Pontifícia Universidade
Católica, 1999.
76
Arquivo blico do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Serie: Correspondência de Diversos com o Governo. Códice: 853. Documento
114. 1836–1837. “Na d.
a
occazião que ouver e estiverem promptos farei
remeça de quartorze cavallos e 3 egoas que faltarão para a sobservição que
os proprietarios oferecerão. Quartel do Comm.
o
Militar da Vila de Chaves
31 de Dezembro de 1836.”
60
No meio da comoção social provocada pela Cabanagem, onde
as garantias individuais ficaram momentaneamente suspensas,
aumentavam as incertezas quanto à segurança da propriedade
privada e havia uma crescente demanda de recursos materiais.
Esses agentes econômicos disponibilizavam recursos
fundamentais ligados à rede de transportes, como o barco e os
cavalos, estes últimos extremamente preciosos do ponto de
vista militar, pois o cavalo potencializa a força de ataque.
Nesse ano 1836, multiplicaram-se os atos de cessão de cavalos
e éguas
77
como o registrado no município de Muaná. Tudo indica
que ocorreu o confisco de animais entre os fazendeiros de
Chaves e Muaná, porém, houve aqueles “que se prestarão com
Cavalaria gratuitamente para omancio da Fazenda N. do Arary”
78
.
Ao engajamento dessas fazendeiras/os do Marajó, subjaz o
posicionamento de classe, uma vez que na região havia uma
grande concentração de propriedades/fazendas especializadas na
criação de gado cavalar, vacum e bubalinos, encentrando
significativo lastro de riquezas. Assim, ao disponibilizarem
os recursos materiais e financeiros em favor da ordem
imperial, eles estavam defendendo os seus bens e propriedades
(móveis, imóveis e semoventes) do perigo de um “tempo
cabanal”, onde o afrouxamento das relações sociais e o direito
à propriedade foram questionados. Fornecer meios e recursos às
tropas legais eram também defender os seus interesses
políticos e suas bases materiais.
77
Os animais ficavam na cavalariça da fazenda Nacional Arary. Em documento
de 23 de dezembro de 1836, o tenente-comandante do Quartel Militar da Vila
de Chaves informou ao general Andréas que enviava a “Rellação Nominal dos
Fazendeiros que se prestarão com Cavallos e Egoas para omancio da Fazenda
Nacional Arary, num total de 18 cavalos e 18 éguas”. Arquivo Público do
Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. rie: Correspondência
de Diversos com o Governo. Códice: 853. Documento 109, Anexo 01. 1836–1837.
78
Ofício do Comandante do Quartel do Comando Militar de Villa de Chaves, em
31 de Dezembro de 1836, ao presidente da província Francisco José de Souza
Soares d’Andreas. Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência
da Província. Série: Correspondência de Diversos com o Governo. Códice:
853. Documento 114. 1836–1837.
61
Historiograficamente quase que um consenso de que a
economia foi inexoravelmente atingida, de tal maneira que
ocasionou certa paralisação das atividades econômicas
79
. De
fato, os resultados foram desastrosos, mas as atividades
econômicas não cessaram de todo. Mesmo fragilizada pelos
confrontos e assaltos, não estavam enrijecidas, paralisadas
completamente. Os documentos citados revelam que havia, sim,
atividade produtiva em diferentes pontos da província
paraense.
As atividades econômicas seguiam seu curso, talvez com
menos intensidade. Assim, Jose Francino Alves, morador de
Igarapé-Miri, da comarca da capital, fazendeiro e senhor de
escravo, utilizava os recursos de que dispunha para
pessoalmente reprimir os cabanos. os
fazendeiros/fazendeiras cediam gado cavalar ao Estado
Imperial, com o intuito de fortalecer as tropas que atacavam
os cabanos. Em lugares distantes, as ações tinham propósito
semelhante.
Contudo, em meio a essas ações e aos impactos do
movimento cabano no cotidiano da província, havia aqueles que
procuraram melhorar a sua existência material com a ampliação
dos seus negócios. Em fevereiro de 1837, por exemplo, D. Julha
Martinha de Vilhena contraiu dívida no valor de setecentos mil
réis junto a Vicente Antonio de Miranda, “provenientes de
humas moendas
80
de ferro com todos os seus pertences p
a
o meu
Engenho, e me obrigo a pagar no prazo de hum anno, contando da
79
Ver: MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. Índios da Amazônia: de Maioria a
Minoria (1750-1850). Petrópolis: Vozes, 1988. SANTOS, Roberto. História
econômica da Amazônia 1800-1920. São Paulo: T. A. Queiroz, 1980. RAYOL,
Domingos Antônio. Motins políticos - ou história dos principais
acontecimentos políticos da Província do Pará desde 1821 até 1835. 3 v.
Belém: UFPA, 1970.
80
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil. Belo Horizonte:
Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1982. p.107-14.
Antonil faz uma minuciosa descrição da casa de moer e de uma moenda com
todos os seus pertences de um engenho real, de Sergipe do Conde, na Bahia
do século XVIII. Outro trabalho também interessante sobre a moenda e os
avanços tecnológicos para melhorar a produtividade é: SCHWARTZ, Stuart B.
Segredos Internos engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo:
Cia. das Letras, 1988. p.95-121.
62
data deste [...]”
81
. A moenda de ferro aumentava a capacidade
produtiva de um engenho e ela comprou com os acessórios,
conjunto completo, ou seja, com todos os seus pertences. E os
resultados não demoraram a aparecer. A produção do engenho
melhorou consideravelmente.
Pode-se deduzir, pois, que D. Julha Martinha de Vilhena
continuou investindo na ampliação de sua unidade de produção,
tanto que, em novembro de 1838, adquiriu uma pipa de cachaça
com capacidade para 23 frasqueiras
82
e 4 frascos, além de um
casco para a referida pipa, importando tudo em cento e
quarenta e quatro mil, cento e setenta réis, que somados aos
setecentos mil anteriores totalizavam uma dívida de oitocentos
e quarenta e quatro mil, cento de setenta réis.
Considerando que uma frasqueira equivale a 39,8 litros
(ou a 12 frascos) multiplicados por 23 que era a capacidade da
pipa adquirida por D. Julha, obtém-se o resultado de 915,4
litros de cachaça e o frasco a 3,3 litros. que ela comprou
4 (ou 5 quartilhos), resulta em 13,2 litros. Ou seja, D. Julha
estava fazendo uma ampliação razoável no seu engenho, pois
aumentou a capacidade de armazenamento da cachaça em 928,6
litros. Ela contraiu dívidas relativamente significativas para
equipar seu engenho, buscando o aumento da produção no momento
em que a Cabanagem recrudescia nos interiores da província. E
os indícios dos documentos são de que os resultados foram
satisfatórios.
81
Arquivo blico do Pará. Fundo: Juízo do Comércio da Capital. Série:
Autos de Ação Ordinária. 1857. D. Julha estava sendo cobrada vinte anos
depois, na justiça, do empréstimo que fez em fevereiro de 1837. Os
suplicantes, ou seja, os que moveram a ação contra D. Julha Martinha de
Vilhena, moravam na Freguesia do Rio Capim, Comarca da Capital.
82
SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Espelhos Partidos: etnia, legislação e
desigualdade na Colônia. Sertões do Grão-Pará 1755–1823. Tese (Doutorado
em História), Universidade Federal Fluminense, 2001. Ver também definição
de “frasqueira” em: HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss. Disponível em:
<http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=frasqueira&stype=k>.
“Regionalismo: Amazonas, Pará. Garrafão de 24 litros, usado como medida de
capacidade.”
63
O que se procurou refletir a partir dos indícios deixados
pelo corpus documental, é que membros da camada de fazendeiros
e proprietários de engenhos procuraram investir em suas
unidades produtivas, mesmo em situações fortemente atingidas
pela Cabanagem, quando as atividades econômicas tiveram novos
andamentos.
Tanto a elite quanto os ditos anônimos da história, como
as mulheres na mata fazendo farinha, estavam inseridos numa
dinâmica de conflito social que exigia outras estratégias de
organização de vida das pessoas, que as levavam a construir
caminhos de existência material em meio aos intensos
conflitos.
Houve, sim, uma adequação econômica, assim como outros
meios de vida foram engendrados em função da guerra. O eixo da
comercialização redimensionou as rotas comerciais, as
mercadorias. O governo provincial imperial adquiria gêneros
alimentícios dos Estados Unidos (Boston e Nova Iorque),
enquanto de Europa aguardava-se a entrada de homens para
compor a tropa, e alguns médicos para cuidar as tropas legais.
Reflexão do próximo item.
1.3 “PEDIRÃO POR DINHEIRO PAGÁVEL NO BRASIL...”
CABANAGEM, ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
As notícias dos conflitos atravessaram as fronteiras
internas da Província e do nascente Império Brasileiro,
causando preocupações, tanto internas ao território, quanto
externas.
O comandante militar da vila de Chaves, em
Correspondência
83
do ano de 1836, enviada para o presidente da
Província nomeado pelo governo regencial, sr. Francisco José
Soares d’Ándrea, informa que havia rebeldes passando para o
83
Arquivo blico do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Correspondência de Diversos com o Governo. Códice: 853. Documento
89. 1836.
64
Amapá, onde os franceses
84
estavam fortificados
85
, pois tinha
notícias da existência de muitas roças, bem como de comércio
de peixe e caças, porém era difícil chegar até a área devido
às “grandes correntes e ventanias”. O “lado” dos franceses e
do Suriname eram regiões onde “negros não apenas, mas,
sobretudo fugidos - grupos indígenas e outros personagens
reinventaram constantemente suas próprias fronteiras e também
identidades”
86
. Durante a Cabanagem não foi diferente, havia um
ir e vir, trilhas percorridas em duplo sentido via de mão
dupla.
Para o governo regencial, o lado dos franceses era objeto
de preocupações no sentido (não apenas) Pará Guiana, mas
também em outra direção. Países vizinhos, como a Venezuela,
expressaram inquietação com os acontecimentos que explodiram
do outro lado da fronteira, principalmente pela composição
étnica e social dos sujeitos protagonistas. Em correspondência
de 18 de julho de 1836, o remetente
87
acusa recebimento de
outros documentos relativos “a la revolución em la Prª de Rio
Negro el Brasil”, e que “se los facciones del Brasil intentam
algo contra el Canton del Rio Negro puden hacerlo com toda
84
Tem-se notícia desde os primórdios da presença europeia na região do
“grande rio das Amazonas” que essas fronteiras foram focos de relações
políticas tensionadas e uma grande expectativa comercial, econômica e
religiosa entre as nações. Em 1809, em represália aos acontecimentos da
invasão napoleônica em Portugal, o Império Luso invadiu as Guianas até por
volta de 1817.
O historiador Décio Freitas noticia ter recebido de um amigo, Pablo Ferrer,
cerca de 57 cartas escritas quase inteiramente em idioma bretão de um
indivíduo chamado Jean-Jacques Berthier, que teria fugido de Caiena e
chegado ao Pará por volta de 1820. As cartas de Berthier são endereçadas ao
seu irmão Guillaume, estabelecido em Nantes no comércio de exportação de
manufaturas e importação de produtos tropicais. De acordo com Décio
Freitas, metade das correspondências versa sobre assuntos comerciais.
FREITAS, Décio. A miserável revolução das classes infames. Rio de Janeiro:
Record, 2005. O historiador prometeu doar tais documentos à Universidade
Federal do Pará, mas infelizmente morreu antes de concretizar a ação.
85
Fortificados: vigilância e defesa militar do território.
86
GOMES, Flávio; QUEIROZ, Jonas Marçal. “Em outras margens: escravidão
africana, fronteiras e etnicidade na Amazônia”. In: PRIORE, Mary Del;
GOMES, Flávio dos Santos (Orgs.). Os senhores dos rios: Amazônia, margens e
histórias. Rio de Janeiro: Elsevier, Campus, 2003.
87
MONTEIRO, José Cauby. Rebeldes. Deschapelados & Pés-descalços: os cabanos
no Grão-Pará. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento),
Belém, PLADES/ NAEA, 1994. O remetente não foi devidamente identificado
pelo pesquisador que citou o documento.
65
inipunidad y confianza por el completo abandono em que se
halla aquel território”. Se a problemática das fronteiras está
presente, mais perigoso era quando essas fronteiras imbricam-
se com a “cor” dos envolvidos a servir de motivação para os
habitantes que “casi todas son de aquella misma raza puede
ejercer la influencia que pudera el Gobno”.
A “raza” poderia unir para além das fronteiras. Mas
também havia outras redes tecidas por um movimento social que
o interligariam com outras rotas além das fronteiras do
Império Brasileiro.
A explosão da Cabanagem intensificou as relações do Pará
e do governo regencial no circuito dos negócios da guerra,
ampliando o alcance comercial do movimento. Ele se conectou,
em escala macro, com a economia mundial.
Um dos aspectos é o consumo alto de munições, armas e
homens, além de navios para os combates nos rios da região,
pois, como vimos no documento anterior, as notícias
procedentes da Venezuela informavam que os combates atingiram
até o alto Rio Negro.
Com um exército ainda incipiente e uma milícia
88
pautada
na prática do recrutamento forçado para arregimentar seus
quadros soldadescos, compostos em sua maioria das “gentes de
cor”, a resistência que havia a esta forma de recrutamento
estimulava outro problema - a grande incidência de deserção
dos indivíduos integrantes das hostes das tropas legais, tendo
o governo brasileiro que recorrer à contratação de
“soldados/marinheiros” dispostos a engajarem-se no
exército/marinha do governo imperial.
88
Adilson Brito faz uma instigante reflexão sobre o papel social e a
composição das milícias no Pará do início dos anos vinte do século, no
processo de emancipação do Brasil. BRITO, Adilson. “A desordem na ordem: a
soldadesca e os lugares comuns de convívio das ‘classes perigosas’ na
Independência do Grão-Pará”. In: BEZERRA NETO, JoMaia; GUZMÁN, Décio de
Alencar (Orgs.). Terra Matura – historiografia & história social na
Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2002. p.245-55.
66
Em abril de 1836, o marquês de Barbacena, representante
do governo imperial em Londres, escreve ao presidente da
Província do Pará, brigadeiro Francisco José de Souza Soares
d’Andreas, informando-lhe ter acertado com o sr. Wilcox sobre
o envio de 500 (quinhentos) marinheiros para o “serviço da
Esquadra estacionada nessa Província e dos quaes 150 poderão
reunir-se aos soldados para guarnecer alguns pontos
fortificados”.
89
O marquês esclarece ainda que os outros
soldados das tropas que estão no Pará receberam pelo menos
dois meses de seus soldos, mas “o governo tem direito de
conservar sempre trez mezes em sua mão como garantia contra a
dezerção”.
90
Porém, não era somente o circuito londrino que abastecia
e supria as necessidades de homens para combaterem no Brasil
91
.
Outro “mercado” que também fez remessa de homens para serem
engajados na Armada Brasileira foi a cidade de Hamburgo,
conforme os indícios do documento assinado pelo cônsul do
Império, em julho de 1836, junto às “Cidades Livres Anseáticas
de Bremen, Hamburgo e Lubech”, sr. Marcos Antonio de Araújo,
que teria acertado a “remessa” de 112 marinheiros. Sem dúvida,
a Europa era uma fornecedora de indivíduos que integrariam as
forças armadas do nascente Império Brasileiro.
Deste outro lado, também havia os negociantes brasileiros
civis partícipes e integrantes dessa rede mais ampla de
comércio, ou seja, não eram somente representantes oficiais do
Estado Imperial os responsáveis pelos contatos comerciais na
Europa. Na remessa de homens feita da cidade de Hamburgo,
aparecia compondo a “expedição” o sr. “Heinrich Christoph
Schmidt, cirurgião formado” contratado pela “Caza Santos &
Monteiro” para acompanhar a referida expedição de 112
89
Arquivo blico do Pará. Fundo: Negócios em Países Estrangeiros. Códice
1041. Documento 03. 1836-1840.
90
Arquivo blico do Pará. Fundo: Negócios em Países Estrangeiros. Códice
1041. Documento 03. 1836-1840.
91
Não se pode esquecer que não era apenas o movimento da Cabanagem que
estava acontecendo no Brasil.
67
marinheiros, pois o dito sr. Schmidt pretendia exercer sua
profissão no Brasil.
Se para a aquisição de homens a serem engajados nas
fileiras das tropas imperiais a rede/rota comercial
direcionava para a Europa, o fornecimento de gêneros
alimentícios apontava para os Estados Unidos, pois devido à
dimensão mesmo geográfica do acontecimento e enquanto ônus de
um momento de convulsão social, a Província do Pará vivenciou
uma profunda crise de abastecimento, havendo necessidade de se
elaborar estratégias para suprir a necessidade básica de
alimentação dos indivíduos.
Uma das práticas mais utilizada pelos representantes do
Império foi a apreensão de um gênero básico para a alimentação
dos habitantes da Província: a farinha de mandioca. Em
diligência em abril de 1837, pelas paragens do rio Tapajós, o
comandante militar da Vila de Santarém, tenente Lourenço
Justiniano, informa ao presidente da província, Soares
d’Andréa, que prendeu cerca de nove cabanos que estavam
acompanhados de trinta mulheres e crianças, além de
[...] vinte armas de fogo, e huma grande porção de
farinha, de cuja avia grande falta, por estarem os
rebeldes em huma tal proximidade da Villa, que aos
pescadores não lhes hera permetido./sem grande
risco/ saírem mais longe que ao alcanci da vista da
Villa [...].
92
E continuando sua narrativa ao presidente, afirma que, se
não fosse a farinha apreendida junto aos rebeldes, “como
assima digo, estaria esta Villa sofrendo grande falta desse
gênero[...]”.
93
92
Arquivo blico do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Correspondência de Diversos com o Governo. Códice 888. 1829-1837.
93
Arquivo blico do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Correspondência de Diversos com o Governo. Códice 888. 1829-1837.
São inúmeros os documentos existentes no Arquivo blico do Pará sobre a
questão da farinha.
68
Mas essas estratégias não eram suficientes. Mesmo porque
a cidade de Belém já mantinha contatos desde os tempos
coloniais com outros mercados fornecedores, principalmente de
produtos alimentícios. Porém, no momento de instabilidade
política e social, o governo teve de tomar decisões e medidas
urgentes para abastecer as tropas em combates e a cidade.
Neste sentido, os documentos indicam um significativo e
regular contato com as praças comerciais dos Estados Unidos,
particularmente, de Nova York.
Um dos contatos era o sr. Francisco de Paula Cavalcante
d’Albuquerque. Em correspondência ao presidente do Pará, este
afirma estar à disposição “a quanto V. Exª me requisitasse, em
mantimentos para a Tropa e Marinheiros debaixo do seu
comando”.
94
Em julho de 1836, informa ter remetido, da cidade de “New
York”, os artigos solicitados, e que “a pouco quantidade de
bolaxa que agora vai é devida à falta que della existe em New
Yoirk: o resto que mandei vir de Philadelphia, partirá pelo
segundo navio”.
95
Dentre os artigos/gêneros mais adquiridos, constam carne
salgada (gado vacum), manteiga de porco, feijão branco e
feijão fradinho, bolacha, bacalhau
96
, farinha de trigo (aparece
pouco), medicamentos e torniquetes. E as quantidades
solicitadas eram significativas, chegando a 660 barris de
carne salgada e outros tantos de bolacha. Devido ao
envolvimento de muitos lavradores no movimento cabano e/ou
combatendo a Cabanagem, a produção ficou seriamente
comprometida e isso se refletiu na falta de um produto básico,
como a farinha de mandioca, como afirmamos anteriormente.
Contudo, também havia espaço para as bebidas “espirituosas”,
94
Arquivo blico do Pará. Fundo: Negócios em Países Estrangeiros. Códice
1041. Documento 08. 1836-1840.
95
Arquivo blico do Pará. Fundo: Negócios em Países Estrangeiros. Códice
1041. Documento 08. 1836-1840.
96
O bacalhau também pode abrir outras redes comerciais, pois geralmente,
este é um peixe que procede da Europa. Por outro lado, não é um gênero de
consumo das camadas populares.
69
como a aguardente. O sr. Francisco d’Albuquerque informa que
uma das bebidas existentes “em New York é o country-gin que
é uma aguardente feita de grãos e custa 40/100 de dollar por
galão e tem grande exportação”.
97
Uma de suas “missões” era encomendar, comprar e expedir
“para o Pará duas barcas a Vapor”; contudo, diz ter tido o
cuidado de “reativar” os seus saques, pois era comum nesse
tipo de contrato realizar parte do pagamento aos negociantes
contratados, e que os fabricantes “pedirão por dinheiro
pagável no Brasil”. Além disso, enquanto essa parte do
negócio facilitava a conclusão do acordo entre as partes, e
com vantagem para o Brasil; por outro lado, ele não pôde
“apresentar Carta de Crédito de nosso Banqueiro em Londres”
que provasse ter ele o direito de sacar.
Londres, Nova York, Hamburgo, Philadelphia, Venezuela-
enfim as teias dos negócios envolvendo e/ou ligados à
Cabanagem (para além das batalhas travadas nas ruas da cidade
e das matas e rios da Amazônia) inserem-se numa rede do
comércio, pelo menos nas duas maiores “bolsas” e expressões
financeiras daquele momento.
Estes são alguns traços de uma província que, sacudida
por um movimento social como a Cabanagem, contraria a dinâmica
histórica num cenário consagrado por uma historiografia de
destruição do Pará, principalmente das estruturas produtivas.
Outras estratégias foram produzidas e articuladas às
estruturas produtivas em função do momento de perigo e
incertezas vividos por seus habitantes.
1.4 UM NOVO TEMPO? O PARÁ PÓS-CABANAGEM
A memória da Cabanagem, revelação de conflitos sociais
profundamente arraigados na sociedade paraense oitocentista, é
97
Arquivo blico do Pará. Fundo: Negócios em Países Estrangeiros. Códice
1041. Documento 14. 1836-1840.
70
objeto deste capítulo como leitura de um novo tempo. O sentido
de novo tempo procede de refletir as possibilidades de mudança
que esta comoção provocou nas relações sociais e políticas.
Não se duvida que a Cabanagem marcou profundamente a
economia e a memória coletiva da província do Pará. Os
combates dizimaram muitas vidas, desestruturando o trabalho.
As redes econômicas foram desmontadas e outras se construíram
no interior das soluções ao conflito. Mas também esses atos de
guerra mexeriam nas subjetividades
98
dos sujeitos.
Pedro Fernandes branco, lavrador, solteiro, 21 anos,
preso pela legalidade em 12/09/1836
99
é a primeira “fala”
100
aqui retida sobre a memória de um cabano. Ele “dizia ter muita
gente nas matas e que se houvesse outra cabanagem seria pior
que a primeira”
101
. Interpreta-se desta frase que homens e
mulheres, como Pedro Fernandes, envolvidos nas lutas estavam
ainda atentos e esperançosos de mudanças sociais, isto mesmo
com a forte repressão ao movimento em todos os cantos da
Província do Pará.
O clima político da Província parecia não ter saída e as
pessoas comuns não cessavam de “pregar q. ainda o tempo
98
A premissa de subjetividade usada no presente trabalho é que a
subjetividade é “essencialmente social, cultural, assumida e vivida por
indivíduos em suas experiências particulares. O processo de subjetivação
não é visto como destino inexorável de serialização de indivíduos, porque
comporta simultaneamente a possibilidade de reapropriação, subentendendo
que os sujeitos são agentes, aos quais se permitem escolhas”. Escolhas como
a reconquista da autonomia criativa. Ver: MATOS, Maria Izilda Santos de.
Âncora de emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru, SP:
EDUSC, 2005. p.17-41.
99
Arquivo Público do Pará. Relação Nominal de Rebeldes Presos. Códice 1130.
1836-1840. Pedro Fernandes foi acusado de ser malvado influente que
acompanhou todas as escoltas perseguindo as famílias dos legais; depois de
apresentado indo ao engenho Bom-Intento, mostra-se muito apaixonado de
Eduardo”.
100
A “fala” é registrada pelo agente do governo legal e nesse sentido, é
preciso todo cuidado. Este pode ter sido um depoimento falseado buscando
imputar a culpa aos rebeldes. Significa que por conta dos valores e postura
política do agente este procedeu dessa maneira. Outra interpretação
possível é que “o cabano” preso tenha feito essa narrativa ao agente.
101
Arquivo Público do Pará. Relação Nominal de Rebeldes Presos. Códice
1130. 1836-1840.
71
cabanal hade tornar e então será vingado”
102
. Foi essa a
expressão dita por um pai ao ver seus filhos presos pelas
tropas legais.
Visibilizar as experiências que marcaram profundamente os
sujeitos, mesclaram-se diversidade e diferenças étnicas,
sociais, políticas, econômicas, e de gênero, que se
defrontaram, se aliaram, se dispersaram, como num amálgama
complexo de relações tecidas entre diversas “gentes de cor”, é
fundamental para se tentar palmilhar a dinâmica desse
movimento de retomada das atividades produtivas e de alguns
aspectos da cotidianidade das pessoas que tiveram de
reestruturar suas vidas após os duros conflitos entre cabanos
e forças legais.
Contrariamente, os olhares dessas autoridades estavam
marcados pelo dever cumprido de ter trazido à ordem os grupos
revoltosos, que buscavam romper com a subordinação. O
Presidente da província Francisco Soares de Andréas comunicava
à Assembléia Provincial: “esta Província está restituída à
Ordem depois de três annos de continuados exforços e fadigas
[...]”
103
, e retratava os seus ares de “pacificada”. As
posições sociais ditavam essas observações sobre o quadro
político.
O discurso do Estado Imperial insistia no
(re)estabelecimento da ordem,retomada de forma lenta, nos
primeiros anos após o movimento cabano. Fazia-se mister pensar
o soerguimento da província: reconstruir a base material
destruída durante os confrontos, combates e dinamizar as
atividades produtivas. Para reaver a ordem pretendida pelo
governo imperial fazia-se necessário a retomada da cidade de
Belém, percebida como espaço que abrigava as instituições
102
Arquivo Público do Pará. Relação Nominal dos Rebeldes Presos. Códice
1130. 1836-1840.
103
PARÁ, Governo da Província do. Discurso do Presidente da Província do
Pará Francisco José de Souza Soares D’Andrea na Assembléia Provincial.
Março de 1838. Cf.: THE UNIVERSITY OF CHICAGO. Disponível em:
<www.uchicago.edu/content//para.htm>.
72
políticas e religiosas como o palácio do governo, igrejas e
conventos de diversas ordens religiosas; mas fundamentalmente
constituía o centro das trocas comerciais, da navegação, do
fisco, e, fundamentalmente, a partir dela, organizar a
agricultura, o extrativismo e o criatório.
1.5 BELÉM: CIDADE DE MALVADEZAS OU DE MATAR “BICUDOS”?
Belém abrigava os principais portos, necessários ao
recebimento e escoamento da produção vinda do interior da
província, e entrada de produtos de fora, tanto de outras
províncias do império quanto de outros países
104
. A função
econômica da cidade não pode se perder de vista. Desde os
portos se tinha controle das trocas, dos trabalhadores, dos
revoltosos e as idéias que por eles circulavam.
No momento do ato de tomada, pela força, da cidade,
durante os combates travados entre cabanos e forças legais, a
cidade foi utilizada também como uma possibilidade de
estratégia político-militar.
As perdas sucessivas dêstes ataques não arrefeceram
o ardor de Eduardo Angelim. [...] Pelos postigos e
frestas das janelas espiavam a gente que os
perseguia, e faziam fogo quando marcavam a
vítima que tinham de imolar. Não era possível assim
destroçá-los. Desapareciam no maior calor das
refregas, e reunindo-se mais adiante, no mesmo
quarteirão ou no imediato, punham de novo em
execução o seu costumado sistema de combate.
A cidade tinha então imensas cêrcas de madeiras,
que lhes serviram de trincheiras.
105
104
LOPES, Siméia de Nazaré. “O ‘reflorescimento’ da economia no pós-
cabanagem”. In: COELHO, Mauro (Org.). Meandros da história: trabalho e
poder no Pará e Maranhão séculos VXIII e XIX. Belém: UNAMAZ, 2005.
p.1201-44.
105
RAYOL, Domingos Antônio. Motins Políticos ou História dos Principais
Acontecimentos Políticos da Província do Pará desde o Ano de 1821 até 1835.
Belém: UFPA, 1970. p.852.
73
A cidade tornou-se um campo de batalha. Os embates
aconteceram em diversos pontos da cidade, levando os
combatentes que palmilhavam as suas ruas, esquinas,
quarteirões e postigos a potencializar e explorar as
possibilidades de estratégias militares. Os lugares
mencionados por Rayol e contidos nos documentos oficiais
faziam parte da área urbana de Belém. Por estes lugares
transitavam cotidianamente as “gentes de cor”.
Uma mudança na percepção e relação social desses sujeitos
que vagueavam e trabalhavam na cidade estará sendo expressa.
Esses trabalhadores eram perigosos. Os cabanos andavam não
mais carregando cestos, potes de água, tabuleiros ou roupas,
mas as lazarinas, riúnas
106
e facões. O sentimento de
pertencimento, familiaridade e identidade com a rua foi
interrompido com as proibições de realizar reuniões, conversar
e circular livremente.
Não mais percorriam as ruas da cidade como indivíduos
submetidos às diversas formas de trabalho compulsório. Nesse
movimento eles se engajaram materializando uma pluralidade de
ações de rebeldia.
Durante os anos 1835-1836 esses atores passaram a ocupar
os espaços, antes interditos, como casas situadas em algumas
ruas, prédios oficiais. O trânsito por esses espaços cidade de
homens e mulheres, sem o controle do estado ou dos seus
proprietários, inspirava horror pelo espetáculo de “cores”
107
.
Tratava-se de uma disputa aberta dos lugares de
subordinação/submissão sociais na sociedade escravista
paraense.
A cidade não sofreu apenas o bombardeio dos tiros das
armas de fogo, havia um panorama de abandono. Soares D’Ándreas
expôs que
106
Trata-se de armas utilizadas pelo exército no período.
107
Interpretamos que esta expressão “cores” estaria marcando o fenótipo de
indígenas, negros, mulatos e as diversas derivações fenotípicas no Pará do
século XIX.
74
Logo que entrei nesta cidade forão encontradas
muitas casas abertas contendo ainda alguma mobília
em bom estado, e para evitar o roubo, e a
destruição mandei recolher a hum Depozito.
108
O cenário de abandono e destruição não é aleatório. As
principais ruas da cidade mais destruídas era a da Praia e da
Cadeia. Manoel Jorge Rodrigues revela que a tomada da cidade
não foi “intempestiva” e que houve planejamento de estratégia.
A destruição partiu dos navios de guerra ancorados na baía de
Guajará com a ordem de submeter os chamados rebeldes. A cidade
insurreta havia sido alvo dos “canhoeiros”.
A época a Rua da Praia
109
situava-se frontal à Baía de
Guajará, ou seja, a primeira rua de frente para o que chamavam
de Praia. Ponto seminal para qualquer projeto beligerante:
abrigava o porto e descortinava-se amplamente a frente de
entrada e saída da cidade pela baía de Guajará, portal de
entrada e saída dos que transitavam na cidade.
A mudança na relação dos sujeitos de “cor” com a cidade,
no sentido de pertencimento e de autonomia de deslocamento e
usufruto dos espaços urbanos, experiência construída durante a
permanência dos cabanos na cidade, foi um dos produtos
imediatos da Cabanagem. O governo provincial não mediu
esforços para fazer a cidade retornar à ordem imperial,
condenava a “cidade da malvadeza”, cidade dos rebeldes, dos
facinorosos, que experienciou o governo cabano.
O projeto do governo imperial era evitar que prevalecesse
a cidade de matar “bicudos”, de matar portugueses. Esta
108
PARÁ, Governo da província do. Espozição do estado (Presidente Soares
D’Andreas) e andamento dos negócios da província do Pará. Exmº Marechal
Francisco Joze de Souza Soares D’ Andrea, 8 de Abril de 1839. Cf.: CENTER
FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/
bsd/u989/000001.html>.
109 A rua da Praia ainda hoje existe, paralela ao rio, é conhecida como 15
de Novembro. A rua frontal à baia de Guajará hodiernamente é o Boulevard
Castilho França, construído no período das reformas urbanas da belle
époque. CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém significado histórico de suas
denominações. Pará: Edições CEJUP, 1992.
75
deveria e foi sufocada por meio de violenta repressão aos que
permaneceram na urbe paraense.
Assim, a cidade “ordeira” pretendida pelo governo
provincial, tornou-se perigosa para os pertencentes às camadas
ditas populares, principalmente os que vinham do interior, que
podiam ser presos e/ou arregimentados. O senhor Rafael
Archangelo, afirmou ser morador do distrito de Itapicuru,
casado, com numerosa família e em correspondência
110
solicitou
a baixa de seu único filho, de nome Manoel Pedro que foi
recrutado
111
para o Arsenal de Marinha como aprendiz. Este fato
ocorreu ainda dentro da canoa em que estava ao vir para a
cidade, na madrugada do dia 10 de fevereiro de 1858. A
segurança individual estava comprometida, pois o principio de
liberdade de locomoção praticamente não mais existia.
A cidade retornou, gradativamente à sua cotidianidade
112
.
O “Tempo da Malvadeza”
113
deveria ser deixado para trás
114
.
110
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 485. 1858. O requerimento foi dirigido ao
presidente da província, João da Silva Carrão.
111
Os recrutamentos foram amplamente usado pelo estado imperial para
arregimentar mão-de-obra livre. No Pará a disputa era feroz e muita
acirrada, pois havia o recrutamento para o corpo dos trabalhadores, para a
guarda nacional, arsenal de marinha, arsenal de guerra.
112
Segundo Maria Izilda de Matos, “a história do cotidiano não é um terreno
relegado apenas aos hábitos e rotinas obscuras. As abordagens que
incorporam a análise do cotidiano têm revelado todo um universo de tensões
e movimento com uma potencialidade de confrontos, deixando entrever um
mundo onde se multiplicam formas peculiares de resistência/luta,
integração/diferenciação, permanência/mudança, onde a mudança não está
excluída, mas sim vivenciada de diferentes formas”. É nesta perspectiva que
entendemos as dimensões” do cotidiano no presente trabalho. MATOS, Maria
Izilda S. de. Cotidiano e cultura história, cidade e trabalho. Bauru, SP:
EDUSC, 2002. p.26.
113
Esta expressão é freqüente nos documentos: Relatórios dos Presidentes de
Província, Partes Policiais, Secretaria do Governo, Jornais, Testamentos.
114
Fato que parece deixado para trás, até mesmo pela historiografia
regional que investiga o processo de urbanização da segunda metade do
século XIX no Pará, particularmente em Belém. Essa cidade nesse período
era uma urbe em profunda mutação, que a economia gumífera propiciou o
ambiente para a efetivação do discurso modernizador. Assim, uma cidade do
progresso começa a emergir com melhoramentos dos serviços de saneamento e
higienização (desobstrução de esgotos e lugares determinados para o
depósito de lixo), alargamento de ruas, iluminação, construção de
residências confortáveis e de um magnífico teatro - o Teatro da Paz. Belém
deveria ser uma cidade sem problemas urbanísticos. uma produção
historiográfica regional significativa, porém, esses estudos não vislumbram
uma cidade que teve um passado recente de comoções sociais como a
76
Coevamente elaborou-se o discurso de que os habitantes da
Província eram pessoas “pacíficas” e ordeiras, em
contraposição à “péssima índole de rebelde”, do qualificado
como “malvado”. Com isto elegeu-se uma possibilidade de
memória do movimento.
Contudo, a memória dos conflitos e suas motivações não se
apagaram e os confrontos inter-pessoais, entre os sujeitos
sociais reiteradamente seriam apontadas, que marcas foram
plasmadas nos sujeitos diversos da cidade e em diferentes
perspectivas. Veja-se a atuação do soldado da Companhia,
Manoel Jozé, numa noite de embriaguez, após agredir ao
Inspetor de quarteirão e ao delegado de polícia, este último
tanto fisicamente e com termos insultuosos
115
de “bicudo filho
da puta e corno”, saiu propalando rua afora o seu plano para
aquela noite, 24 de março de 1849, quando ele com mais outros
vintes homens, à meia noite iriam matar alguns “bicudos, e dar
um saque na Cidade”
116
.
De acordo com o documento, o soldado Manoel Jozé era
cafuzo e estava embriagado, mas pode-se inferir das suas
entrelinhas
117
que mesmo após nove anos, havia espaço para
atitudes que invocavam a memória de um passado recente de
conflitos, perpassados também pela alcunha de “bicudos”. Sabe-
se que assim era como os cabanos alcunhavam os portugueses.
Cabanagem. Talvez por não se preocuparem com esta questão. A cidade de
Belém vislumbrada é a do embelezamento e processo modernizador/civilizador
europeu, mas, a “cidade insurreta” não aparece nas produções
historiográficas. Geralmente, afirma-se que a cidade (re) construída era a
de aspecto colonial. Ver o trabalho de: SARGES, Maria de Nazaré. Riquezas
Produzindo a Belle Époque Belém do Pará (1870–1912). Belém: Paka-
TatuRecife, 2000.
115
Sobre termos insultuosos, ver: ALMEIDA, Conceição Maria Rocha de. O
Termo Insultuoso: ofensas verbais, história e sensibilidades na Belém do
Grão-Pará (1850-1900). Dissertação (Mestrado em História Social da
Amazônia), Belém, Universidade Federal do Pará, 2006.
116
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Ofícios. Caixa 127. 1849.
117
O episódio gerou mais três correspondências: uma de autoria do Delegado,
outra do Inspector e a terceira a cópia encaminhada para o presidente da
província.
77
Essa cidade também presenciou a morte na madrugada de 7
de janeiro de 1835 do presidente da província, Lobo de Souza,
pelos cabanos. A exposição e ritualização dessa morte
significava a tomada da cidade, a tomada do poder político por
meio da ocupação do Palácio de governo e a partir destes atos
o exercício do poder durante nove meses pelos cabanos
118
.
A cidade insurreta comportou mudanças nas relações de
pertencimento dos sujeitos que inseridos no espaço urbano,
deambulavam pela cidade, construindo sua cotidianidade. Como
imaginar um porto sem seus carregadores, vendedores de
pequenos objetos, mendigos!
Geralmente eles estavam inseridos nas atividades de
prestação de serviços; eram as “gentes de cor” e que naquele
evento compuseram o grosso das tropas cabanas. Eles conheciam
muito bem o esquadrinhamento urbano, percorriam cotidianamente
suas ruas, praças, largos, travessas e becos, procurando
extrair das brechas vislumbradas a sua existência material.
Essa “gente de cor” construía seus espaços sociais e
circulavam nos espaços “públicos” por motivos de trabalho,
lazer, vida social. Nos poços públicos, lavadouros, praia,
porto teceram e desenvolveram uma rede de relações tensionada,
conflituosa, de cumplicidade, multiplicando oportunidades de
improvisações de papéis sociais informais.
Cabe destacar que eles “descolavam” uma existência
relativamente autônoma, sinuosa que se inscrevia na cidade, de
difícil controle e normatização, criavam estratégias de
sobrevivência. Formavam o grosso dos trabalhadores que
movimentavam não a economia da Província como o mais ínfimo
detalhe do cotidiano
118
RICCI, Magda. “Um morto, muitas mortes: a imolação de Lobo de Souza e as
narrativas da eclosão cabana”. In: NEVES, Fernando Arthur de Freitas; LIMA,
Roseane Pinto (Orgs.). Faces da História da Amazônia. Belém: Paka-Tatu,
2006. p.519-44. Apresenta elementos dessa ritualização.
78
Eram homens e mulheres. Elas também demarcavam seu lugar
no espaço público; a figura feminina estava circunscrita no
espaço urbano, imersa e imbricada nas tensões sociais e
urdidura da trama do cotidiano. Tecendo os fios da rede de
estratégias e organização diárias de sua subsistência
Havia a figura feminina da “mulata” paraense, presente
nas mais diversas atividades, seja no espaço privado
desenvolvendo seus ofícios como doméstica, cozinheira,
costureira, engomadeira, ama-seca ou criada, liberta ou
escrava; ou na esfera pública, nas ruas como vendedoras de
tacacá, amassadeira e vendedoras de açaí, de peixe frito, nos
poços públicos como lavadeiras, prostitutas, curandeiras,
conselheiras
119
.
O conflito tinha alterado o “equilíbrio dos sexos”. As
vítimas nos combates, na grande maioria, foram os homens,
tanto do lado dos cabanos, como das tropas oficiais
120
. As
mulheres assumiram a economia doméstica como cabeça de casal e
isto teria profundas conseqüências no seu papel social que,
necessariamente, devia passar para o primeiro plano, apesar de
manter-se as estruturas de dominação masculina. Por esse
motivo, de forma notória, elas entram no mundo dos negócios e
das relações políticas.
Difícil separar um “mundo urbano” deste universo do
rural. Precisamente não era apenas pela diferença de ofícios,
pois estes estavam imbricados. E alguém vendia açaí, aves,
animais silvestre que trazia do seu sitio ou deixava em
consignação para uma família, ou amigo, comerciante do porto.
As relações de troca, familiares, festivas eram intensas e
delas dependiam a sobrevivência de ambos os segmentos, a
solidariedade social e as resistências diante da ordem social
119
FERREIRA, Eliana Ramos. Em tempo cabanal: cidade e mulheres na província
do Pará primeira metade do século XIX. Dissertação (Mestrado em História
Social), São Paulo, Pontifícia Universidade Católica, 1999.
120
As listas do chamados rebeldes pelo governo imperial, vítimas da
Cabanagem, foram tratadas em: Ibidem.
79
e política que os subjugava na freguesia da Sé, da Campina ou
alhures.
1.6 “LAVRADORES LABORIOSOS, DIGNOS DE MELHOR SORTE” DIANTE O
CONTROLE DO TRABALHO LIVRE NO PARÁ
O abaixo assinado recebido, em 1842 pela Secretaria da
Presidência da Província expõe uma situação social
generalizada no Pará. Neste lê-se:
Muitos são os vexames e prepotências que a pacifica
gente de ambos os sexos, e de todas as idades,
cazados e solteiros, moradores deste município de
Oeiras tem soffrido, e estão soffrendo por effeito
das arbitrariedades e prepotências praticadas por
duas autoridades militares. O comandante militar
capitão José Leocadio de Lima e Capitão de
trabalhadores Jose Joaquim Alves Picanço.
Os habitantes deste município ainda que na maior
parte pobres, são lavradores laboriosos, e deste
caráter resultava n’outros tempos para elles
saudosos (e) grande progresso na agricultura
coadjuvados com a fertilidade do pais [...].
Em 1842 está em plena organização o Corpo de
Trabalhadores, instituição que teve como objetivo reorganizar
o trabalho. A revolta perpassou os momentos de tensão do
conflito em relação com o problema da questão da mão-de-obra,
de controle do trabalho livre do chamado homem pobre no século
XIX.
Passados os momentos de maior tensão do conflito armado e
quando o poder instituído imperial considerava o movimento
cabano pacificado, aflorou ainda mais o acirramento pelo
controle da mão-de-obra livre, levando o governo a buscar
estratégias que lhe permitisse ter acesso aos “braços”
desmobilizados do arrefecimento da luta cabana.
O discurso oficial era de destruição das estruturas
produtivas. O presidente Francisco José de Souza Soares
d’Andrea discursou sobre esse assunto durante a abertura da
80
sessão da Assembléia Legislativa da Província, no dia 2 de
março de 1838, quando afirmava que
À excepsão da Villa Cametá, Freguezia de Abaité,
Praça de Macapá, e das Villas e pequenas Povoações
do Rio Xing´, não me consta que alguma outra parte
desta Província escapasse ao furor dos malvados,
assim forão destruídos a maior parte dos Engenhos e
Fazendas, dispersos ou mortos os seus escravos,
consumidos os gados de criação, e extincta até a
sementeira dos gêneros mais precizos ao sustento
ordinário: e destrictos aonde não deixarão vivo
nem hum homem branco, e por toda a parte se
sente a falta da população de todas as Classes.
121
Este trecho do discurso de Soares d’Andrea é
relativamente conhecido aos estudiosos da Cabanagem e instigou
diversas interpretações. A clássica é a da destruição das
estruturas produtivas tanto as vinculadas à agricultura quanto
a criatória e extrativa. Além da ênfase no problema de mão-de-
obra. Para ele a Cabanagem é a explicação óbvia da situação
caótica da província, passível de ser observada empiricamente,
pois, os integrantes da assembléia também eram “vítimas” do
movimento.
A decadência da província será então apresentada pela
carência e “faltas” para ele “se falarmos desta Província,
podemos dizer que tudo nos falta”. No item “Obras Públicas”,
Andreas indica as “faltas” que obstaculizavam o
desenvolvimento da província: “falta” de recursos financeiros,
de infra-estrutura como a construção de um cais aparelhado
para melhor fiscalizar e melhorar a “arrecadação dos direitos
públicos”; alfândega que atuando junto ao cais, contribuiria
para a arrecadação de rendas aos cofres públicos e
incrementaria a comunicação entre a província e o seu
hinterland, com outras províncias e com outros países, bem
121
PARÁ, Governo da província do. Relatório do Presidente da Província do
Gram Pará, Exmo. Sr. Soares D’ Andrea, na abertura da sessão da
Assemblea Provincial no dia 2 de Março de 1838. Pará: Typographia
Restaurada de Santos e Santos menor. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES -
CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u987/index.html>.
81
como melhoraria a circulação de mercadorias tanto interna
quanto externamente; “falta” de mão-de-obra especializada,
escolas/educação
122
.
No presente trabalho, argumenta-se que o presidente falou
de um determinado lugar e posição política e social, o de
defensor da ordem imperial e senhorial, o que por inerência do
cargo, expressa a visão da elite e do poder imperial.
O discurso de bancarrota e decadência, visibiliza a
(des)organização da produção voltada para a mercantilização da
economia. Assim, engenhos e fazendas teriam sofrido perdas
irreparáveis, pois os proprietários perderam não somente as
bases físicas e materiais da produção, mas também a força de
trabalho necessária para movimentá-las os escravos. Os que
não morreram no desenrolar dos conflitos, se dispersaram nas
matas e sertões da província
123
.
O estado de caos exigia a reparação das bases materiais
das unidades produtivas das camadas proprietárias. Consertos
de equipamentos danificados, arrebanhamento do gado disperso
nos campos, isso os que não foram roubados, contrabandeados ou
dizimados, representava problemas profundos para uma elite
eminentemente rural e constantemente desprovida de capital.
122
PARÁ, Governo da província do. Relatório do Presidente da Província do
Gram Pará, Exmo. Sr. Soares D’ Andrea, na abertura da sessão da
Assemblea Provincial no dia 2 de Março de 1838. Pará: Typographia
Restaurada de Santos e Santos menor. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES -
CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u987/index.html>. p.27-
8. Ao analisar a decadência da agricultura no Maranhão, Alfredo Wagner nos
sugere uam análise profícua de como a decadência é construída nos
relatórios oficiais também a a partir das ausências “[...] as ausências é
que conferem sentido à decadência. Ela é lida pelo que carece de possuir”.
Concorda-se com tal possibilidade analítica. Ver: ALMEIDA, Alfredo Wagner
B. de. A ideologia da decadência: leitura antropológica a uma história de
agricultura do Maranhão. Rio de Janeiro: Ed. Casa 8/ Fundação Universidade
do Amazonas, 2008. p.73-92.
123
uma profícua historiografia sobre a escravidão na Amazônia que indica
um aumento significativo de quilombos/mocambos neste período. Incomodo e
ameaça à ordem senhorial da província. Ver: GOMES, Flávio dos Santos. A
Hidra e o Pântano mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos n Brasil
(séculos XVII-XIX). São Paulo: Ed. UNESP, Ed. POLIS, 2005. Ver também:
ACEVEDO MARIN, Rosa; CASTRO, Edna. Negros do Trombetas Guardiães de Matas
e rios. Belém: CEJUP, 1998. p.67-81. SALLES, Vicente. O negro no Pará sob
o regime da escravidão. Belém: Secult/ Fundação Cultural do Pará “Tancredo
Neves”, 1988.
82
Contudo, a isso se juntava gravemente o ultimo ponto: o grave
problema da escassez de mão-de-obra
124
. Para a elite,
representada pelo governo provincial instituído,
Neste sentido, e objetivando disciplinar e controlar
esses sujeitos que gradativamente, com o avanço da repressão
ao movimento cabano, iam ficando “desmobilizados” temendo a
concretização de outro movimento semelhante ao que estava
sendo militarmente derrotado nos campos de batalha o então
presidente da Província, Francisco José de Souza Soares
d’Andrea enviou a Lei 2, de 25 de abril de 1838, para ser
apreciada pela Assembléia Legislativa, através da qual criava
a Instituição dos Corpos de Trabalhadores, em abril de 1838
125
.
Os Corpos de Trabalhadores eram divididos em Companhias
ligadas às diversas localidades (vilas e cidades do Pará),
para os serviços da lavoura, comércio e obras públicas, servia
aos interesses tanto público quanto privado, sendo compostos
por mestiços, índios e pretos que não fossem escravos e não
tivessem propriedades e estabelecimentos a que se dedicassem
constantemente. Esta Instituição arregimentaria notadamente a
mão-de-obra masculina
126
.
124
WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência -
1850-1920. São Paulo: HUCITEC, Ed. da Universidade de São Paulo, 1993.
p.53-88.
125
Ver: Arquivo Público do Pará. Colleção de Leis Provincaes do Pará
promulgadas na primeira secção que teve princípio no dia 2 de março, e
findou no dia 15 de maio de 1383. Pará: Typ. Restaurada, 1838. Sobre os
corpos dos trabalhadores, ver: FULLER, Cláudia. “Os Corpos dos
Trabalhadores: política de controle social no Grão-Pará”. Fascículos LH -
Laboratório de História CFCH/UFPA. nº1. Belém, 1999. Ver também: FULLER,
Cláudia. “V. Sª não manda em casa alheia”: disputas em torno da implantação
dos Corpos de Trabalhadores na Província do Pará - 1838-1844. Belém, no
prelo. O Corpo de Trabalhadores foi uma criação masculina, pensada para
disciplinar e normatizar o trabalho e comportamento dos homens além de que
a natureza desse corpus documental também é produto masculino.
126
O Corpo de Trabalhadores tinha legislação que normatizava suas ões,
funções, atribuições e organização. Uma das normas instituída tocava
diretamente na liberdade de ir e vir do indivíduo. Os habitantes-alvos do
recrutamento teriam que apresentar uma Guia, pois Art. 5º. Todos os homens
de cor que aparecerem de novo em algum districto, sem guia ou motivo
conhecido, serão logo prezos, e enviados ao Governo, para lhes dar destino,
quando a sua culpa não seja outra”. PARÁ, Governo da província do. “Falla
do Presidente da Província do Pará Francisco José de Souza Soares D’Andrea
na Assembléia Provincial”. Cf.: THE UNIVERSITY OF CHICAGO. Maio de 1838.
Disponível em: <www.uchicago.edu/content//para.htm>.
83
Este contingente era recrutado, notadamente, entre os
habitantes do campo/interior
127
de toda a província do Pará,
muitos deles eram homens que possuíam suas roças, pelo menos é
que se pode inferir da gama de documentos consultados, como o
“abaixo assinado” que abre este capítulo e analisar-se-á em
detalhes, a seguir
As queixas contra os comandantes militares e da Companhia
de Trabalhadores
128
seriam expostas em contraposição às
atividades das famílias, dando pistas sobre modos de organizar
a produção e estratégias sociais dos “lavradores laboriosos”.
Assim escreveram:
[...] Cada família e cada pessoa emancipada tinha
seu citio bem arranjado, suas roças de mandioca, de
que extrahião grande quantidade de farinha d’agua,
farinha seca, tipioca, carima, criação, porcos,
galinhas, patos, pirouz, tinhão seus algudoaes,
cacoaes, cafezaes, e tabacaez; e nos momentos vagos
á lavoura empregavão-se assiduam
te
e com
reciprocidade coadjudando-se na factura de azeite
de andiroba, amarramento de tabaco, pescarias,
factura de canoas, tiramento de madeiraz e em
outras cousas maiz com que fazia feliz sua
subsistência, e faziao grande augmento ao mercado
dessa Cidade, e dahi tãobem resultava grandes
rendimentos á Fazenda Publica.
129
Pode-se perceber que além da tensão e conflito entre os
cidadãos e a esfera pública perpassando a sua escrita, revela
indícios das estratégias de sobrevivência elaboradas pelas
famílias. A conciliação entre as produções das atividades
provenientes da agricultura com extrativismo e marcenaria/
artesanato; inclusive permitindo vislumbrar a base alimentícia
127
É preciso refletir sobre a categoria campo na historiografia paraense,
pois na documentação a agora consultada esse termo não tem aparecido. A
relação campo/cidade deve ser investigada com outros parâmetros. No
presente trabalho dialoga-se com Raymond Williams, para quem a “vida rural
tem diversos significados”. WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na
história e na literatura. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. p.13.
128
A organização do Corpo de Trabalhadores tinha uma estrutura
militarizada, ficando os postos de comando aos “cidadãos de bem”.
129
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Abaixo-assinado. Caixa 02. 1842-1849.
84
desses moradores de Oeiras roça de mandioca que
possibilitava a produção de diversos tipos de farinha
130
. Em
meio a essa organização de produção da vida material as
mulheres tinham alguma participação.
130
A farinha é produzida e largamente consumida pelos paraenses, pois é
parte constitutiva de sua cultura gastronômica.
85
CAPÍTULO II - CORPUS JURIDICO, OPERADORES E SUJEITOS DE
DIREITO NAS PRÁTICAS DA LEI DE TERRAS DE 1850
86
De facto, os produtores de leis, de regras e de
regulamentos devem contar sempre com as reacções e,
por vezes, com as resistências, de toda a
corporação jurídica.
Bourdieu
131
Os efeitos da decretação de uma lei na sociedade seguem
percursos diferentes, geralmente, imprevistos aos operadores
do direito e aos seus autores. A partir de sua aprovação, do
seu registro segue um caminho não raramente tortuoso - de
sua aplicação, observância, vigilância por parte do Estado e
dos sujeitos da lei. Em especial, o que é objeto de
interpretação, neste capítulo, são as formas e sentidos de
apropriação elaborados por aqueles que se tornaram os sujeitos
desse direito e em seu nome conclamam por justiça, além das
relações de conflito em que ficaram inseridos
132
.
Segundo Fortes, o elemento central da abordagem de
Thompson é a distinção de três aspectos diferenciados na lei:
a instituição (e aqueles que a exercem, a ideologia e o código
com lógica e procedimentos próprios (a lei enquanto lei). E
continua
A lei não pode ser localizada apenas nos aparatos
jurídico e legislativo, mas aprece como componente
intrínseco ao conflito que se caracteriza não como
uma luta contra a propriedade a lei que a
mantém), mas entre definições distintas de
propriedade (e, portanto, dentro lei até onde
possível e recorrendo a uma noção legitimadora da
política quanto estas possibilidades se esgotam),
portanto, não se localizam em uma distante
superestrutura, mas perpassa as próprias relações
de produção como norma endossada pela comunidade.
Por outro lado, ao invés de mecanismo de consenso,
constituia-se no próprio campo onde o conflito se
desenvolva.
133
131
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 9ªed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2006. p.217.
132
Proposição inspirada na obra de: THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores
a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
133
FORTES, Alexandre. O Direito na obra de E. P. Thompson”. Hitória
Social. Revista dos pós-graduandos em História da Unicamp. n.2. Campinas
SP, 1995. Disponível em: <http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/historia
social/article/viewFile/191/168>.
87
Estudar a Lei de Terras de 1850 inicia com a estrutura
administrativa criada, atribuições, funcionamento,
financiamento. Aqui se entende que esse conhecimento faculta
compreender o campo de relações sociais entre operadores da
lei e os sujeitos da lei (posseiros). Essa relação atribui
ao(s) operador(es) uma posição dominante.
A Lei 601 de 18 de Setembro de 1850, mais conhecida
como a Lei de Terras de 1850, aprovada depois de longo debate
no parlamento do Império, foi regulamentada pelo Decreto 1.318
de 30 de janeiro de 1854
134
que buscava normalizar a aplicação
da Lei, bem como atender às diversas situações existentes
quanto à forma de acesso a terra.
Um dos primeiros passos do referido Decreto foi definir a
montagem dos mecanismos necessários para a sua execução. Isso
implicou no aparelhamento de uma estrutura burocrático-
administrativa prevista na Lei n° 601 de 18 de Setembro de
1850, que servisse como instrumento de viabilização das
orientações jurídicas contidas no Decreto 1.318, de 30 de
janeiro de 1854.
Neste sentido, todo o Capítulo I (com seus nove artigos)
do Decreto é voltado para a definição das atribuições e
competências da Repartição Geral de Terras Públicas e seu
funcionamento, órgão pensado para conduzir o processo de
medição e separação das terras devolutas e públicas, das
terras privadas, ou seja, que estivessem em mãos de
particulares.
134
Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Cf.: BRASIL. Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento. SISLEGIS Sistema de Legislação
Agrícola Federal. Disponível em: <http://extranet.agricultura.gov.br/
sislegis-consulta/consultarLegislacao.do?operacao=visualizar&id=10515>. Os
debates foram intensos e conflituosos, o projeto foi apresentado ao senado
em outubro de 1843 e aprovado somente em 1850, durante o gabinete
conservador, que ficou no governo durante o período de 1848 a 1852.
CARVALHO, Jose Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial
- Teatro de sombras: a política imperial. 2ªed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ,
Relume-dumará, 1996. p.303-25. Ver também: MOTTA, rcia Menendes. Nas
fronteiras do poder - conflito e direito à terra no Brasil do século XIX.
Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo Público do Rio de Janeiro, 1998.
SILVA, Ligia Osório da. Terras devolutas e latifúndio Efeitos da Lei de
1850. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1996.
88
A Repartição Geral das Terras Públicas ficou subordinada
diretamente ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Império, no Rio de Janeiro, adotava assim uma estrutura
centralizada e dependente, reflexo da importância que assumia
a regularização fundiária para a nova Nação.
A Repartição estava composta por um oficial maior, dois
oficiais, quatro amanuenses, um porteiro e um contínuo, os
quais seriam “nomeados por Decreto Imperial, excepto os
Amanuenses, Porteiro, e Continuo, que o serão por Portaria do
Ministro e Secretario de Estado dos Negócios do Império; e
terão os vencimentos seguintes”:
TABELA 4 - CARGOS E REMUNERAÇÃO MENSAL DA REPARTIÇÃO
GERAL DAS TERRAS PÚBLICAS, CONFORME ESTABELECIDO
PELO DECRETO Nº 1.318, DE 30 DE JANEIRO DE 1854
135
Diretor Geral Quatro contos de réis 4.000$000
Fiscal Dois contos e quatrocentos mil réis 2.400$000
Oficial Maior Três contos e duzentos mil réis 3.200$000
Oficiais (cada um) Dois contos e quatrocentos mil réis 2.400$000
Amanuenses (cada um) Um conto e duzentos mil réis 1.200$000
Porteiro Um conto de réis 1.000$000
Contínuo Seiscentos mil réis 600$000
As remunerações estipuladas a esses funcionários eram
relativamente significativas em comparação, por exemplo, ao
preço de escravos em idade produtiva na cidade de Belém, onde
os preços variavam em 150$000 a 250$000 mil réis.
De acordo com o Art. 6º, haveria “nas Províncias huma
Repartição Especial das Terras Publicas nellas existentes”.
Esta Repartição estava subordinada aos Presidentes das
Províncias, e dirigida por:
135
Fonte: Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Capítulo I, Art. 2º.
Cf.: BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. SISLEGIS
Sistema de Legislação Agrícola Federal. Disponível em: <http://extranet.
agricultura.gov.br/sislegis-consulta/consultarLegislacao.do?operacao=
visualizar&id=10515>.
89
[...] hum Delegado do Director Geral das Terras
Publicas, hum Fiscal, que será o mesmo da
Thesouraria; os Officiaes e Amanuenses, que forem
necessários, segunda a affluencia do trabalho, hum
Porteiro servindo de Archivista.
136
O Delegado e os oficiais seriam nomeados por Decreto
Imperial, enquanto que os amanuenses e o porteiro por portaria
do ministro e secretário de estado dos negócios do império. A
montagem dessa organização burocrática exigiu uma mobilização
de recursos do estado.
Em relatório do ano de 1855, o ministro dos negócios do
império, Luiz Pedreira do Coutto Ferraz, apresentou um cômputo
das “Despesas com as Repartições Especiais creadas nas
províncias” e que foram 13 (treze), totalizando 81.660$000
(oitenta e um conto, seiscentos e sessenta mil réis) e destes
5.520$000 (cinco contos, quinhentos e vinte mil réis), foram
consumidos no estabelecimento da Repartição Especial das
Terras Públicas da Província do Pará
137
. Desta forma, os dados
financeiros oficiais destinados ao projeto de estruturação da
Repartição Geral das Terras Públicas revelam a envergadura da
intencionalidade do Estado em efetivar o Decreto de janeiro de
1854
138
.
No montante dos recursos alocados para o Pará, estavam
incluídas as despesas com o vencimento do delegado da
repartição, a gratificação do fiscal, vencimento do oficial,
do amanuense, do porteiro, além do aluguel da casa que
abrigava a repartição e outras despesas consideradas miúdas, e
136
Decreto 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Capítulo I, Art. . Cf.:
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. SISLEGIS
Sistema de Legislação Agrícola Federal. Disponível em: <http://extranet.
agricultura.gov.br/sislegis-consulta/consultarLegislacao.do?operacao=
visualizar&id=10515>.
137
BRASIL. Ministério do Império. Relatório do Anno de 1855, apresentado na
Assemblea Geral Legislativa, na Sessão da Legislatura. 1856. Cf.:
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.
edu/bsd/bsd/u1728/000168.html>.
138
O outro lado dessa moeda, eram os projetos de colonização que teve a
previsão orçamentária de 306.926$482. Ibidem.
90
que, portanto, não foram especificadas, conforme disposição da
tabela a seguir:
TABELA 5 - “DESPESAS COM AS REPARTIÇÕES
ESPECIAIS CREADAS NAS PROVINCIAS”
139
Cargo Tipo de remuneração
Valor ($ Réis)
Delegado Vencimento 1.600$000
Fiscal Gratificação 300$000
Official Vencimento 1.200$000
Amanuense Idem 600$000
Porteiro Idem 800$000
Total Parcial **************** 4.500$000
Aluguel de casa
600$000
Expediente 300$000
Despezas miúdas
120$000
Total 5.520$000
Estes cargos das repartições especiais das terras
públicas seriam ocupados por pessoas nomeadas pelo presidente
das respectivas províncias. Tratava-se de cargos de confiança,
revelando laços políticos.
Os nexos hierárquicos entre esses cargos e seus vínculos
políticos identificam-se a partir do organograma apresentado
na página seguinte.
Conforme esse organograma o presidente da Província e a
Repartição Geral das Terras constituíam duas instâncias
paralelas. A primeira como instância de decisão e informação
composta pelos juízes (de direito, municipal, de paz) que
remeteriam informações sobre os termos de posse e sesmarias a
serem legitimadas. A segunda como instância de execução de
medições e com colaboração de uma instância religiosa.
139
BRASIL. Ministério do Império. Relatório do Anno de 1855, apresentado na
Assemblea Geral Legislativa, na Sessão da Legislatura. 1856. Cf.:
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.
edu/bsd/bsd/u1728/000168.html>.
91
No presente trabalho, entende-se que estes se constituem
tanto em esferas administrativas quanto de poder. A questão
central é reconhecer as instâncias de poder e sua hierarquia.
FIGURA 2 - ORGANOGRAMA SOBRE JURISDIÇÃO E
COMPETÊNCIAS NA APLICAÇÃO DA LEI DE TERRAS DE
1850, CONFORME A REGULAMENTAÇÃO DE 1854
140
Ligia Osório refere-se que são os três braços do
regulamento de 1854: o provincial, o central e o registro do
vigário. Neste organograma
141
, depreende-se que havia três
140
SILVA, Ligia Osório da. Terras devolutas e latifúndio Efeitos da Lei
de 1850. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1996. p.178-9.
141
Para o organograma administrativo responsável pela política indígena
ver: SAMPAIO, Patrícia Melo. “‘Vossa Excelência mandará o que for
servido...’: políticas indígenas e indigenistas na Amazônia Portuguesa do
92
vertentes de articulações administrativas e políticas
142
: a
central, o Ministério dos Negócios do Império, centro
administrativo que ficava no Rio de Janeiro, representado pela
Repartição das Terras Públicas, vinculada a ele e cujos
funcionários seriam nomeados por decreto imperial. A
provincial, representada pelos presidentes das províncias, com
grande penetrabilidade político regional, teria influência na
otimização dos trabalhos de mapeamento fundiário do país; era
encarregada pelas nomeações dos agentes executores das
diretrizes do Decreto de 1854, tanto dos responsáveis pelos
aspectos jurídico e policial, como os juízes e delegados;
quanto dos agentes de campo, como os agrimensores e
desenhadores responsáveis pelos trabalhos de medição e
demarcação das terras públicas e privadas. Estes últimos
cargos, os de agrimensores e desenhadores exigiam critérios
técnicos pertinentes à sua formação.
A terceira vertente é a dos Vigários, responsáveis pelos
registros das terras ocupadas em suas paróquias. Essa
instância com atuação mais local, mais direta com os
paroquianos, possui uma interioridade de poder e, por outro
lado, em tese não responderiam aos presidentes de províncias e
nem às assembleias legislativas provinciais mas estavam
inseridos no corpo burocrático e administrativo do império via
o padroado – todavia, como veremos mais adiante, muitos
vigários foram colocados em xeque administrativamente pelos
presidentes provinciais por meio de ofícios e até mesmo da
imprensa.
Essa mobilização de recursos humanos e financeiros feito
pelo estado imperial, mencionadas anteriormente, pode denotar
uma possível expectativa de agilização dos serviços da
repartição geral das terras públicas para solucionar os
final do século XVIII”. Tempo. Vol.12. n.23. 2007. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-77042007000200004&script=sci_
abstract&tlng=pt>.
142
SILVA, Ligia Osório da. Terras devolutas e latifúndio Efeitos da Lei
de 1850. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1996. p.178-9.
93
problemas fundiários do país. Contudo, para isso, era
necessário que as repartições especiais das terras públicas
funcionassem de forma célere, para promoverem, o quanto antes,
o levantamento e separação das terras públicas das privadas.
Entretanto, vários foram os obstáculos enfrentados, conforme
depreende-se da visão oficial dos relatórios das autoridades
provinciais e do Ministro, Secretario dos Negócios do Império.
Os primeiros estiveram ligados ao reduzido corpo
burocrático designado para conduzir os trabalhos da
Repartição. Mesmo com salários tentadores, uma das
dificuldades que se apresentaram coevamente à implementação do
órgão responsável em dirigir a medição, demarcação, venda,
distribuição e conservação das terras públicas além da
discriminação das terras públicas das particulares, do
registro dos terrenos possuídos e colonizados foi a carência
de pessoal habilitado para desempenhar as referidas funções da
recém criada Repartição.
Em relatório do ano de 1855, da Repartição Geral das
Terras Públicas apresentado ao ministro Luiz Pedreira do
Coutto Ferraz e que compôs o relatório anual ministerial do
mesmo ano, o Diretor Manuel Felizardo de Souza e Mello iniciou
informando as mudanças ocorridas no corpo administrativo
devido às nomeações de funcionários para outros cargos, logo
na primeira linha afirmou que “O pequeno pessoal d’esta
Repartição soffreu alteração [...]”
143
, número reduzido de
colaboradores e assoberbado de serviço. Mesmo os amanuenses
adquirindo experiência nas novas funções no transcurso de um
ano,”ainda assim preciso se tornará augmentar o seu numero”
144
.
As tarefas de instituição da Lei e a sua aplicabilidade
eram de grande envergadura, sem dúvida, pelo balanço feito no
referido relatório, releva-se que o aparelhamento de recursos
143
BRASIL. Ministério do Império. Relatório do Anno de 1855, apresentado na
Assemblea Geral Legislativa, na Sessão da Legislatura. 1856. Cf.:
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.
edu/bsd/bsd/u1728>.
144
Ibidem. p.2-3.
94
humanos era insipiente para o senhor Manuel Felizardo de Souza
Mello, que inicia por enumerar as atividades inerentes aos
funcionários da Repartição, assim listados:
A correspondência para a Europa, as multiplicadas
informações e Avisos sobre propostas de
Colonisação, organisação de instrucções para
colônias militares, expedientes com ellas, com as
Presidências das Províncias, Delegados e
Inspectores Geraes, vão tornando extremamente
pesado o serviço e em pouco tempo o pessoal com que
a Secretaria foi creada não será sufficiente.
145
Em Relatório Ministerial de 1856, o diretor da Repartição
Geral das Terras Públicas, Manuel Felizardo de Souza Mello,
expõe o cotidiano de seus subordinados destacando o volume de
trabalho e as diversidades de encaminhamentos burocráticos que
teriam de fazer diariamente com os diversos agentes e
instituições do governo, revelando o alcance da nati-rede
burocrática e as relações políticas advindas dos trâmites por
ele enfatizados, como as ligações internacionais com a Europa,
destacando entre outros negócios, particularmente o objetivo
do projeto governamental de colonização.
Esta Repartição foi pensada, para desempenhar um papel
importante na estrutura organizacional política do Estado
imperial por ser imbuída da responsabilidade de conduzir o
processo político da problemática da terra no país, todavia
contava com um parco contingente humano. Essa ausência de
funcionários representaria uma estratégia para se deixar a
situação agrária sem solução?
Os burocratas formavam (e formam ainda hoje) uma
adaptação às mudanças e por outro lado, eram detentores de um
poder que se fundamentava no domínio da escrita, no poder da
145
BRASIL. Ministério do Império. Relatório do Anno de 1855, apresentado na
Assemblea Geral Legislativa, na Sessão da Legislatura. 1856. Cf.:
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.
edu/bsd/bsd/u1728>. p.2-3.
95
pena que lhes conferia lugar social no aparelho burocrático do
Estado
146
.
A deficiência de pessoal, especializado ou não, persistiu
durante o período de instituição e aplicabilidade do Decreto
nº 1318, de 30 de janeiro de 1854.
A segunda ordem de dificuldade identificada no processo
de organização da estrutura da Repartição das Terras Públicas
foi a demora na implementação desses órgãos. Eles foram
instalados de forma gradual, em ritmos diferenciados nas
províncias, em prazo de até um ano ou mais, após a aprovação
do Decreto de criação e neste lapso de tempo, deveriam
concluir a organização e proceder a instalação. A dinâmica de
instituição desses órgãos nas províncias revelava que a
situação fundiária representava uma questão extremamente
delicada e que contaria não apenas com a obstrução política
dos fazendeiros para o “possível fracasso” da lei de 1850
147
.
Nas Províncias ao Norte do Império, pode-se constatar a
dissonância na organização da repartição especial das terras
públicas. Em exposição feita ao seu vice-presidente, Manoel
Gomes Correa de Miranda, o presidente do Amazonas, conselheiro
Herculano Ferreira Penna, informa que
Logo que recebi o Regulamento 1318 de 30 de
Janeiro de 1854, expedido pelo Ministério do
Império para execução da Lei 601 de 18 de
Setembro de 1850 fiz dar-lhe toda a publicidade
possível, e em 29 de Maio transmitti-o com uma
ordem circular às competentes Autoridades,
recommendando a sua fiel observancia, e exigindo
das indicadas no Art. 28 que me enviassem até o fim
146
RAMA, Angel. A cidade das letras. São Paulo: Brasiliense, 1985.
147
A tese do fracasso da lei de terras de 1850 é defendida por parte da
historiografia que se debruça sobre o estudo da história fundiária do país.
Entre esses temos: CARVALHO, Jose Murilo de. A construção da ordem: a elite
política imperial - Teatro de sombras: a política imperial. 2ªed. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, Relume-dumará, 1996. p.303-25. Ver também: MOTTA, Márcia
Menendes. Nas fronteiras do poder - conflito e direito à terra no Brasil do
século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo Público do Rio de
Janeiro, 1998. SILVA, Ligia Osório da. Terras devolutas e latifúndio
efeitos da Lei de 1850. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1996.
96
de Dezembro as informações de que trata o
mencionado Artigo.
148
O Art. 28 do Decreto 1.318 de 30 de Janeiro de 1854
mencionado por Ferreira Penna, instruía sobre como os
presidentes de província precisariam proceder para a execução
da referida Lei. Deveriam exigir dos juízes de direito, dos
juízes municipais, delegados, subdelegados e juízes de paz
informações circunstanciadas sobre a existência ou não em suas
comarcas, termos e distritos, de posse sujeitas à legitimação
e de sesmarias
149
ou outras concessões do governo geral ou
provincial sujeitas de revalidação. Nesse sentido, é possível
deduzir que a aplicação da lei tinha como pré-condição a
qualidade da informação. A intencionalidade da lei é uma
coisa, outra, é a sua operacionalidade.
A despeito dos esforços aparentemente envidados, a
Repartição Especial das Terras Públicas não havia sido
instituída efetivamente em todas as províncias do império.
O vice-presidente da província do Maranhão, senhor Jose
Joaquim Teixeira Vieira Berford, em relatório de 21 de
dezembro de 1855, informa ao presidente da província,
comendador Antonio Candido da Cruz Machado, que “Acha-se
definitivamente montada esta repartição, graças aos esforços e
à dedicação de seu chefe, o doutor João Pedro Dias Vieira”
150
.
148
AMAZONAS, Governo da província do. Exposição feita ao Exmº vice-
presidente da província do Amazonas o Dr. Manoel Gomes Corrêa de Miranda,
pelo Presidente, o Conselheiro Herculano Ferreira Penna, por occasiaõ de
passar-lhe a administração da mesma província. Cidade da Barra, Typographia
de Manoel da Silva Ramos, 11 de Março de 1855. p.14. Cf.: CENTER FOR
RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://www.crl.edu/content/
provopen.htm>.
149
As sesmarias, por exemplo, eram objeto de dois registros: as concedidas
e confirmadas. Este registro era realizado junto à Corte. No Pará as
sesmarias encontram-se no Livro das Sesmarias. João de Palma Muniz
elaborou o Catalogo de Sesmarias. Sobre essas informações existem questões
sobre justaposição em áreas de competências de duas províncias.
150
MARANHÃO, Governo da província do. Relatorio com que o vice presidente
Jose Joaquim Texeira Vieira Berford, entregou a presidência da Província do
Maranhão. O Illm. E Exmº Snr. Commendador Antonio Candido da Cruz Machado.
Maranhão, Typ. Const. de I. J. Ferreira. Cf.: CENTER FOR RESEARCH
LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u325/index.
html>. O senhor João Pedro Dias Vieira foi, imediatamente à implantação da
97
Enquanto isso, na província do Grão-Pará, o presidente
Sebastião do Rego Barros, informava em exposição de 14 de maio
de 1855 que
A execução da [...] Lei e Regulamento das Terras
Publicas começa a effeictuar-se nesta extensíssima
Província. [...]. A Repartição não se acha ainda
completamente montada na Capital, e não tem podido
por ora funccionar, visto como isso suppoem a
confecção de trabalhos preliminares [...]. Nestas
circunstancias prover desde todos os lugares
d’aquella Repartição que se achão creados, seria
sobrecarregar o Estado com uma despeza inútil.
151
Os trabalhos preliminares, a que se refere o presidente,
seriam as medições dos terrenos que deveriam ser feitas pelos
agrimensores. Por outro lado, estas atividades também estavam
atrasadas devido, a outros motivos, “de não haverem
agrimensores suficientes”
152
. E dos dois agrimensores
existentes, um foi demitido e o outro adoeceu,
impossibilitando-o de dar continuidade aos trabalhos
153
. Outro
argumento apresentado pelo presidente Rego Barros, para
justificar o atraso nos trabalhos de medição e demarcação
estava ligado às condições climáticas, ou seja, ao rigoroso
período de inverno no Pará. Se por um lado, no seu discurso,
demonstra aparentemente zelo extremado pelas finanças da
província, por outro, concorre para o retardamento do processo
de demarcação das terras públicas e particulares na província,
contrariando as orientações de brevidade emanada da Corte.
repartição especial das terras públicas no Maranhão, nomeado pelo imperador
para presidir a província do Amazonas.
151
PARÁ, Governo da província do. Presidente (Rego Barros). Exposição de 14
de maio de 1855. p.21. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL.
Disponível em: Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u999/000023.
html>.
152
PARÁ, Governo da província do. Exposição apresentada pelo exmo. senr.
conselheiro Sebastião do Rego Barros, presidente da provincia do Gram-Pará,
ao exm.o senr tenente coronel d'engenheiros Henrique de Beaurepaire Rohan,
no dia 29 de maio de 1856, por occasião de passar-lhe a administração da
mesma provincia. Typ. de Santos e filhos, 1856. p.24-5. Cf.: CENTER FOR
RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: Disponível em: <http://brazil.
crl.edu/bsd/bsd/517/000024.html>.
153
Ibidem.
98
Em Aviso de 26 de fevereiro de 1855
154
, Luiz Pedreira do
Coutto Ferraz, ministro dos Negócios do Império, escreveu ao
presidente do Pará, conselheiro Sebastião do Rego Barros
cobrando o fato de não ter sido enviado, apesar da solicitação
feita pelo governo imperial, em fevereiro de 1854, as
informações acerca da existência de sesmarias ou outras
concessões e posses dos governos geral e provincial, que
estivessem em circunstâncias de serem revalidadas. Isto
significa que, exatamente um ano depois, o governo imperial
desejava saber os primeiros resultados dos trabalhos das
repartições especiais das terras públicas no Pará.
Mas de acordo com a exposição de 14 de maio de 1855 do
presidente Rego Barros à assembléia legislativa do Pará, ainda
não havia sido instalada a referida Repartição.
A inferência imediata é uma desorganização entre essas
duas esferas administrativas do estado (imperial e
provincial), responsáveis pela condução dos trabalhos de
organização da situação de anomia fundiária. Entretanto, se o
governo provincial ainda não havia executado integralmente as
orientações de implantação da repartição especial das terras
públicas, o executivo paraense não estava de todo parado, pois
tal atitude representaria uma afronta explícita ao governo
imperial.
Os vigários haviam começado a fazer os registros
paroquiais em suas freguesias, ou como também ficou conhecido,
o “registro do vigário”. Como apontamos antes, esta era uma
das três vertentes político-administrativas do regulamento de
1854, as outras duas seriam a provincial e a central
155
. É fato
que os registros paroquiais desempenharam papel fundamental
para a execução do decreto e da lei de 1850.
154
Arquivo Público do Pará. Fundo: Repartição de Obras Públicas. Serie:
Ofícios (Avisos) da Repartição Geral das Terras Públicas. Vol.6. 1855-1857.
155
SILVA, Ligia Osório da. Terras devolutas e latifúndio efeitos da Lei
de 1850. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1996. p.167-86.
99
Se havia um descompasso entre as esferas imperial e a
provincial, com a presença dos clérigos identifica-se uma rede
de conflitos administrativos e (des)caminhos burocráticos que
se cruzavam tanto vertical quanto horizontalmente, envolvendo
diversos sujeitos: presidentes de província, vigários,
fregueses, funcionários da repartição das terras públicas.
Esses conflitos acabaram dificultando a otimização dos
trabalhos, refletindo na organização da burocracia encarregada
de implementar a lei de 1854. As razões são diversas uma das
mais indicadas é a atuação dos vigários.
2.1 OS VIGÁRIOS E OS REGISTROS PAROQUIAIS: TENSÕES BUROCRÁTICAS
E POLÍTICAS
O Decreto Imperial de 1.318 de 30 de janeiro de 1854 foi
o instrumento jurídico que regulamentou a Lei de Terras de
1850 pretendo dotar-lhe dos mecanismos necessários à sua
execução. Um desses mecanismos foi o Registro Paroquial de
Terras que a rigor não conferia o título de propriedade aos
que fizessem a declaração de suas posses. Um dos objetivos era
o de contribuir para a reorganização da estrutura fundiária
mediante a discriminação das terras públicas das terras
privadas no território nacional.
No entanto, se tinha pouco efeito prático, constituiu-se
num instrumento de poder “na decisão acerca do domínio sobre
as terras em cada localidade”
156
.
O ministro Luiz Pedreira do Coutto Ferraz em relatório do
ano de 1856, afirmava junto à assembleia geral legislativa na
1ª sessão, no Rio de Janeiro que
O registro das terras possuídas se faz com extrema
morosidade na maioria das Províncias do Império
[...] Também se encaminhará mais aceleradamente
156
MOTTA, Márcia Menendes. Nas fronteiras do poder - conflito e direito à
terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo
Público do Rio de Janeiro, 1998. p.167.
100
para seu resultado, à medida que as explicações
[...] forem sendo bem comprehendidas pelos vigários
e pelos possuídos.
157
O comentário do ministro Luiz Coutto é revelador de um
dos pontos de tensão no desenvolvimento dos trabalhos de
registros de terras possuídas no país. O papel dos vigários e
o seu desempenho nesta tarefa estiveram permeados de conflitos
e embates entre a organização administrativa laica do estado
imperial e a compreensão que alguns vigários tinham de que sua
missão religiosa “os inibia na realização desta tarefa”
158
.
Também é revelador, no sentido de que dentro da engrenagem
executiva do estado imperial, havia divergências rias, pois
um dos braços
159
mais longo do Decreto de 1854, uma parcela dos
vigários, segundo opinava o ministro Coutto Ferraz, não estava
de todo convencido da importância e necessidade da própria
lei, fazendo coro às desconfianças do segmento alvo: os
possuidores de terras.
Quanto à morosidade dos registros de terras nas
províncias, Motta aponta nos relatórios presidenciais do Rio
de Janeiro a permanência de reclamações quanto ao ritmo desse
trabalho. Neste mesmo ano, 1856, o presidente do Pará, senhor
Sebastião do Rego Barros, também expunha a demora das medições
de terras na província, relacionando-a à política de imigração
proposta pelo governo central. A oferta de terras públicas
para imigrantes dependia do reconhecimento de áreas
disponíveis. Dessa forma, a lentidão nos trabalhos de
157
BRASIL. Ministério do Império. Relatorio de 1856 apresentado á Assembléa
Geral Legislativa na primeira sessão da décima legislatura pelo ministro e
secretario d’estado dos negócios do império Luiz Pedreira do Coutto Ferraz.
Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1857. p.12. Cf.: CENTER FOR RESEARCH
LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u325/index.
html>.
158
Ver: CARVALHO, Jose Murilo de. A construção da ordem: a elite política
imperial - Teatro de sombras: a política imperial. 2ªed. Rio de Janeiro:
Ed. UFRJ, Relume-dumará, 1996. p.303-25. MOTTA, Márcia Menendes. Nas
fronteiras do poder - conflito e direito à terra no Brasil do século XIX.
Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo Público do Rio de Janeiro, 1998.
p.159-87.
159
SILVA, Ligia Osório da. Terras devolutas e latifúndio efeitos da Lei
de 1850. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1996. p.167-86.
101
demarcação das terras dificultava a vinda dos colonos para a
província.
É muito difícil separar a Lei de Terras do problema da
imigração e escravidão. Trata-se de posicionamentos e decisões
políticas conexas que integravam o projeto macro do governo
imperial para tentar solucionar um dos problemas basilares
que era a substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho
livre, quer dizer da própria organização do trabalho, o qual
rascunhava um quadro de mudanças estruturais que se
apresentava na organização da produção bem como em outros
níveis da estrutura social no império. Por esse motivo, exigia
medidas e decisões políticas objetivando uma solução
compatível. Neste sentido, uma das vias defendida por
significativa parcela do Estado Imperial, afinadas com as
ideias liberais, foi o desenvolvimento de uma política
abolicionista imigrantista, com o estímulo a projetos de
colonização visando à entrada massiva de emigrantes,
preferencialmente europeu. Para a execução dessas diretrizes
era necessária a disponibilização de terras aos colonos e o
Estado Imperial precisava mapear as terras que possuía para
semelhante fim. Apesar do nexo existente entre abolição do
tráfico negreiro, imigração/colonização e a Lei de Terras,
resulta perigo limitá-la apenas a essas questões, pois a
problemática da terra, impõe-se desde o passado colonial
recente do Império
160
.
160
TRINDADE, Maria Beatriz Rocha. “Refluxos culturais da emigração
portuguesa para o Brasil”. Análise Social. Vol.XXII. n.90. 1986. p.139-56.
Disponível em: <http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223483165U1cML5
by5Tp76UD3.pdf>.
160
Sobre essa questão ver: MOTTA, Márcia Menendes. Direito à terra no
Brasil a gestação do conflito (1795–1824). São Paulo: Alameda, 2009.
MOTTA, Márcia Menendes. Nas fronteiras do poder conflito e direito à
terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998. Ver também: ACEVEDO MARIN, R.;
CASTRO, Edna. Negros do Trombetas - Guardiães de Matas e Rios. 2ªed. Belém:
CEJUP, 1998.
102
A pressão governamental sobre os vigários no Pará para
agilizar os trabalhos de registros das terras particulares,
pode ser palmilhada notadamente, em documentos como os
requerimentos enviados ao presidente da província e à
imprensa.
Durante todo o ano de 1856, no jornal Treze de Maio,
encontra-se, geralmente na sessão Expediente do Governo, a
publicação de avisos gerais dirigidos aos vigários de diversas
freguesias. Ao vigário de Benfica apelava-se para que fosse
“quanto antes concluído o registro das terras d’aquella
Freguesia, remetendo o respectivo livro ao Delegado do
Director Geral das Terras Públicas nesta Capital”
161
.
Contudo, essa relação hierárquica nem sempre era
harmoniosa; tensões existiam e se manifestavam entre
representantes dessas duas esferas: governo provincial e
eclesiástico (vigários); também emergiam nas páginas do
referido periódico, contrapondo hierarquias, autoridades e
poder.
O ofício publicado no mesmo jornal, destinado ao vigário
de Alenquer era categórico quanto à obediência as ordens,
[...] dizendo-lhe, em resposta ao seu officio de 18
de Dezembro findo, que não lhe compete conhecer dos
motivos que teve a presidência para exigir a
remessa do Livro ao Delegado da Repartição das
Terras Públicas logo que elle estiver acabado.
162
No Treze de Maio, não se encontrou o ofício mencionado do
vigário de Alenquer, mas no contrapelo do teor da resposta do
presidente ao ofício mencionado, revela-se o choque entre o
161
JORNAL TREZE DE MAIO. n.631. Belém, 8 de janeiro de 1856. p.2. Acervo da
Fundação Cultural Tancredo Neves CENTUR. Neste jornal foram encontradas
diversas noticias com teor semelhante referentes à Alenquer, Prainha, São
Miguel de Beja, Santa Thereza de Curuçá, Bragança. Palma Muniz noticia que
havia na Secretaria de Obras Públicas Terras e Viação, cerca de 78 volumes
manuscritos. Hoje esses registros paroquiais encontram-se no Instituto de
Terras do Pará – ITERPA.
162
JORNAL TREZE DE MAIO. n.631. Belém, 8 de janeiro de 1856. p.2 (grifo
nosso). Acervo da Fundação Cultural Tancredo Neves – CENTUR.
103
dirigente da província e os agentes burocráticos fundamentais
pelo registro das terras dos particulares.
Pelas entrelinhas do ofício publicado, apreende-se que o
presidente achou que a sua autoridade foi colocada em cheque e
a hierarquia político-administrativa questionada pelo vigário,
que na resposta veiculada na imprensa enfatizou que não
competia ao vigário conhecer os motivos que levou a
presidência da província a exigir o envio do Livro do
Delegado. Este era o objeto da distensão entre ambos, pois,
continha informações que deviam ficar centralizadas,
organizadas dentro de um padrão, o que supostamente evitaria
irregularidades, adulterações do seu conteúdo. E certamente
evitar situações de conflitos entre os interessados, ou
amostra do exercício de autoridade excessiva por parte dos
vigários.
Mas as cobranças sobre os vigários, para que agilizassem
o processo de registro das terras em suas paróquias,
aconteceram praticamente em toda a província. Notadamente após
Circular do dia de setembro de 1855, oriunda do Ministério
dos Negócios do Império para o presidente da província,
orientando o governo para que exigisse dos vigários às
informações devidas acerca do andamento do registro das terras
possuídas para que fossem remetidas à Repartição Geral das
Terras Públicas
163
.
Tal circular foi encaminhada pelo presidente à todos os
vigários no dia 6 de outubro de 1855. As tensões políticas
entre as três vertentes (central, provincial e os vigários) se
intensificaram depois desse fato. Pressão política do governo
central no Rio de Janeiro sobre os presidentes de províncias e
destes sobre os vigários, num efeito cascata, motivou o
crescimento considerável da coerção política por parte do
governo provincial sobre os vigários, a qual pode ser
163
Arquivo Público do Pará. Fundo: Repartição de Obras Públicas. Séries:
Ofícios (Avisos) da Repartição Geral das Terras Públicas. Vol.9. 1855–1857.
104
rastreada por meio do cruzamento de fontes, num jogo de
espelhos, pois se encontrou vestígios tanto nas notícias
veiculadas no jornal Treze de Maio quanto em ofícios da
diretoria geral das terras públicas revelando uma geografia
das tensões entre esses dois poderes.
No dia 14 de janeiro de 1856, foi publicado, no Jornal
Treze de Maio, o aviso destinado ao vigário de Santa Thereza
de Curuçá, em Cametá, que devia
Dar as necessárias providencias para que [fosse]
feito quanto antes o registros das terras d’aquella
Freguesia, remettendo, depois de concluído, o
respectivo livro ao Delegado do Director Geral
nesta Capital, e à presidência á relação d’aquelles
que deixarem de fazer as suas declarações dentro do
primeiro praso, a fim de lhes ser imposta a multa a
que estão sujeitos na forma do Regulamento 1.318
de 30 de Janeiro de 1854.
164
No dia 31 de janeiro de 1856, o mesmo jornal publicou
aviso, desta vez, para o vigário da Freguesia das Salinas
alertando-o também para
Que com toda a brevidade trate de completar o
registro das Terras da sua Freguesia, e remetta o
respectivo livro ao Delegado do Director Geral das
Terras Públicas, segundo lhe foi recommendado pela
presidência.
165
Em 07 de fevereiro de 1856, o mesmo jornal noticiou outro
aviso, mas dessa vez o alvo era o vigário da freguesia de
Soure, município da região do Marajó, solicitando que
[...] se esforce para que com toda a brevidade seja
concluído, o respectivo Registro das Terras
d’aquella Freguesia, remettendo,depois de
concluído, o respectivo livro ao Delegado do
164
JORNAL TREZE DE MAIO. n.636. Belém, 14 de janeiro de 1856. p.2. Acervo
da Fundação Cultural Tancredo Neves – CENTUR.
165
JORNAL TREZE DE MAIO. n.651. Belém, 31 de janeiro de 1856. p.2. Acervo
da Fundação Cultural Tancredo Neves – CENTUR.
105
Director d’aquella Repartição, na forma das ordens
que anteriormente lhe forão expedidas.
166
A tensão aumentava entre os agentes civis do governo e os
vigários quando os trabalhos de registrar as terras possuídas
enfrentavam reveses contribuindo ainda mais para a denominada
morosidade nos registros paroquiais. Um desses reveses
relacionava-se com o aspecto formal dos Registros Paroquiais,
expresso no Art. 100 do Decreto 1.318, que explicitava os
dados que as declarações das terras possuídas deviam conter:
“o nome do possuidor, a designação da Freguezia, em que estão
situadas: o nome particular da situação, se o tiver: sua
extensão, se for conhecida: e seus limites”
167
.
Os vigários teriam que destinar um livro para esta
finalidade, devidamente numerado rubricado, aberto e por eles
encerrado, nos quais deveriam considerar as declarações
apresentadas pelos paroquianos. Esses aspectos formais
deveriam ser observados, pois eram os dados que interessavam
ao governo imperial, principalmente a extensão, o limite e a
forma de acesso a terra. No entanto, alguns vigários
desconsideravam essa norma. A motivação da desconsideração
fica em aberto, poderia ser somente engano, como saber?
O Aviso publicado em 9 de janeiro de 1856, no periódico
Treze de Maio, destinado ao vigário do Acará, comunicava-lhe
que o Livro do Registro das Terras, que remeteu ao Delegado da
Repartição, seria devolvido
Por quanto o que se exigio foi que o dito Livro
fosse remettido com registro feito, e não da
maneira por que o fez, muito principalmente
166
JORNAL TREZE DE MAIO. n.656. Belém, 7 de fevereiro de 1856. p.2. Acervo
da Fundação Cultural Tancredo Neves CENTUR. Foram localizados no mesmo
jornal Treze de Maio, outros avisos com teor semelhante dirigidos aos
vigários das freguesias de Beja, Prainha, Bragança, Benfica, Igarapé-Miri e
Abaeté.
167
Decreto 1.318, de 30 de Janeiro de 1854. Cf.: BRASIL. Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento. SISLEGIS Sistema de Legislação
Agrícola Federal. Disponível em: <http://extranet.agricultura.gov.br/
sislegis-consulta/consultarLegislacao.do?operacao=visualizar&id=10515>.
106
deixando de vir acompanhado da respectiva relação,
devendo por tanto tratar de concluil-o quanto antes
e enviar à Presidência logo que esteja prompto.
Officiou se ao Delegado da Repartição das Terras
para devolver-lhe o sobre-dito Livro.
168
As orientações para o seu preenchimento estavam dadas e
deveriam ser seguidas e não podiam ser ignoradas ou desviadas
pelos agentes clericais sob o risco de concorrer para a
lentidão do processo. Pelo menos, este era o entendimento da
ordem imperial que procurou disciplinar essa incumbência dos
párocos ao estabelecer, no Art. 105 do Decreto 1.318, a multa
de cinquenta a duzentos mil réis se “extraviarem alguma das
declarações, não fizerem o registro ou nelle commetterem
erros”
169
. Insistia-se na conclusão do registro o mais breve
possível e o reenvio do livro para a presidência da
província
170
.
Em Ofício de agosto de 1858, o Vigário de Melgaço
informava à secretaria do governo que os livros de registros
paroquiais solicitados haviam sido enviados pelo Vigário de
Breves, pois nesse tempo Melgaço havia passado de Vila à
Capela Filial sujeita a Breves, e formava então uma
Paróquia. Diz ser tudo o que podia informar.
Outra frente de tensão entre as esferas central e
paroquial era pertinente ao envio das relações dos multados.
Para o ministro Sergio Teixeira de Macedo, havia “grande
relutância por parte dos vigários em fornecer as relações dos
multados por falta de registro, tendo apenas 12 feito este
dever”. Também destacava a falta de uniformidade e até
“irregularidades encontradas nos livros”
171
.
168
JORNAL TREZE DE MAIO. n.632. Belém, 9 de janeiro de 1856. p.1. Acervo da
Fundação Cultural Tancredo Neves – CENTUR.
169
Decreto 1.318, de 30 de Janeiro de 1854. Cf.: BRASIL. Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento. SISLEGIS Sistema de Legislação
Agrícola Federal. Disponível em: <http://extranet.agricultura.gov.br/
sislegis-consulta/consultarLegislacao.do?operacao=visualizar&id=10515>.
170
Arquivo Público do Pará. Fundo: Obras Públicas. Série: Diretoria Geral
das Terras Públicas. n.20. 1858.
171
BRASIL. Ministério do Império. Ministro Sergio Teixeira de Macedo.
Relatório do Anno de 1858 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na
107
Ora, a uniformidade e padronização das informações era
uma necessidade do estado, tanto que o ministro Sergio
Teixeira de Macedo pretendia “formular um modelo que servisse
de norma para as novas informações [...] e uniformizando-as
com aquellas que forem sendo ministradas à vista do referido
modelo, classificadas por comarcas, municípios e
freguezias”
172
.
Essas idas e vindas do trâmite burocrático revelam as
dificuldades e as tensões políticas para a implantação do
Decreto 1318.
A posição dos vigários era geralmente ambígua
173
, pois
sendo membro da burocracia profissional do estado, também
representava um agente eclesiástico responsável pela saúde
espiritual dos fiéis e, em casos não raros, eles também
proprietários de terras. Esses três planos de atuação dos
vigários e desde os quais agiram instiga a investigação
histórica, a propósito de conflituosidade na trajetória de
aplicação da lei, dos seus logros, morosidade, atraso,
inoperância.
Aqui, argumenta-se que antes de aceitar ou reiterar o
“fracasso”
174
da lei de terras de 1850, é necessário
compreender o campo de sua aplicação, das diversas
Sessão da 10ª Legislatura. Publicado em 1959. Cf.: CENTER FOR RESEARCH
LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1731/
000001.html>.
172
Ibidem. p.13.
173
Ver: CARVALHO, Jose Murilo de. A construção da ordem: a elite política
imperial - Teatro de sombras: a política imperial. 2ªed. Rio de Janeiro:
Ed. UFRJ, Relume-dumará, 1996. p.155-80.
174
Alfredo W. Berno de Almeida propõe a reflexão sobre a também consagrada
decadência da lavoura na província do Maranhão como um padrão de
explicação”, para ele “As interpretações da chamada decadência da lavoura,
enquanto um lugar estratégico nas versões oficiais, parecem apontar, da
ótica do pesquisador, tanto para uma categoria fundamental ao discurso
captado, quanto para um padrão de explicação. Suscitam uma determinada
modalidade de pensar a situação da província cristalizada não na
produção erudita, mas também no pensamento político oficial”. ALMEIDA,
Alfredo Wagner Berno de. A ideologia da decadência: uma leitura
antropológica a uma história da agricultura do Maranhão. Rio de Janeiro:
Ed. Casa 8/ Fundação Universidade do Amazonas, 2008. p.65-66. Acredito que
essa premissa auxilia também na reflexão do chamado fracasso da lei de
terras de 1850.
108
intervenções e agentes envolvidos, entre eles a atuação dos
vigários, em pelo menos 57
175
das 64 freguesias existentes na
província do Pará no ano de 1859. A partir desta base
documental, descortinaram-se situações, possivelmente, comuns
a outras unidades político-administrativas do império.
O percurso tortuoso, na perspectiva do trâmite
burocrático, dos livros de registros exemplificado com os
vigários de Acará e Soure, que fizeram o Livro dos Registros
Paroquiais fora do padrão exigido pela Repartição Geral das
Terras Públicas e o de Alenquer que teria questionado a ordem
de envio do dito Livro de Registro ao Presidente da Província,
foram censurados publicamente pela imprensa, revelando as
dificuldades surgidas de quando a aplicação de normas que
também eram recentes e, por conseguinte poderiam ocasionar
alguns embaraços e/ou dar margem para as ações contestatórias
engendradas nas fímbrias do processo. Esses registros revelam
momentos do desempenho dos vigários enquanto agentes
burocráticos da ordem imperial e as tensões políticas e
burocráticas vividas pelos sujeitos e que perpassaram a
viabilização dos registros de terras na província do Pará.
2.2 EM CUMPRIMENTO AO EDITAL DO REVERENDO VIGÁRIO
O presidente Frias e Vasconcelos em sua Falla dirigida a
Assembleia Provincial, em outubro de 1859, informava um total
de 19.000 declarações de terras, distribuídas pelas 57
freguesias. Em cinco anos 1854 a 1859 - havia sido
registrado um número importante, a despeito do discurso de
dificuldades de diversas ordens.
175
PARÁ, Governo da província do. Falla dirigida á Assembléa Legislativa da
provincia do Pará na segunda sessão da XI legislatura pelo exmo. sr.
tenente coronel Manoel de Frias e Vasconcellos, presidente da mesma
provincia, em 1 de outubro de 1859. Pará, Typ. Commercial de A.J.R.
Guimarães, 1859. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em:
<http://www.crl.edu/content/provopen.htm>.
109
No relatório do ministério da agricultura de 1860, no
anexo da Repartição Geral das Terras Públicas, o diretor
conselheiro Manoel Felizardo de Souza e Mello reiterou o
problema do não envio dos registros paroquiais de terras por
parte dos vigários. Mas enfatizava que no Pará “as posses
registradas elevão-se ao numero de 19.320 nos três prazos”
176
.
Isso em 66 freguesias, dado que revela o crescimento da ação
dos vigários, pois em relatório ministerial de 1858, a
Repartição Especial das Terras Públicas do Pará havia recebido
somente os Livros de Registros Paroquiais de 54 freguesias e
faltavam ainda 7 das quais os vigários foram instigados
177
a
enviarem os referidos Livros. Apenas cinco províncias
prestaram informações deste quesito à Repartição Geral das
Terras Públicas e a do Pará, entretanto, constava ser a
Província possuídora do maior número de posses registradas.
Palma Muniz noticia a existência de 22.611 declarações de
posse produzidas durante a execução do Decreto 1.318, que ele
compilou dos livros de registro encaminhados pelos vigários e
arquivados na Inspectoria de Terras e Obras Públicas. O
trabalho de Palma Muniz é de 1907
178
.
Nesta pesquisa, ressalta-se que foi desencadeado um
processo histórico com a lei de terras de 1850 e o Decreto de
1854 com impacto em nível das pequenas localidades, dos
municípios e invólucro de diferentes agentes sociais (pequenos
posseiros, grupos familiares, grandes posseiros) buscando
regularizar as situações de terras que passariam para o
controle particular. Talvez seja o primeiro movimento de
176
BRASIL. Ministério da Agricultura. Ministro Manoel Felizardo de Souza e
Mello. Relatório do Anno de 1860 apresentado a Assembléa Geral Legislativa
na Sessão da 11ª Legislatura. Publicado em 1861. Cf.:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1733/>.
177
Ibidem.
178
Ibidem. Ver também: MUNIZ, João de Palma. Índice Geral dos Registros de
Terras. Belém: Imprensa Oficial, 1907.
110
mercado de terras
179
provocado pela intervenção do Estado, e
que significou uma grande transformação nas relações sociais.
Desta forma, consagrar que a lei foi um “fracasso”
absoluto, sem atingir os objetivos, é desconsiderar a dinâmica
da história, afirmando que no “fracasso”, nada se cria de
novo. Contrariamente esta lei visualizou os conflitos e
diversas realidades etnográficas e históricas.
Para alguns, a Lei de Terras representou uma oportunidade
de assegurar as suas porções de terras mediante o registro
paroquial
180
.
A implementação da lei motivou situações novas, com a
obrigatoriedade da declaração das terras revelou a pertinência
de tentativa de normatização de uma prática social de acesso a
terra, via a posse. Entre 1822, data término do sistema
sesmarial, até 1850, o império ficou sem um corpus lex que
normatizasse a problemática da terra. O corpus que era
utilizado era o Código Filipino, o qual, mesmo com a lei de
179
Entende-se por mercado de terra a efetiva mercantilização da terra. Ver:
POLANYI, Karl. A grande Transformação: as origens de nossa época. Rio de
Janeiro: Campus, 2000. CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Ao sul da história.
São Paulo: Brasiliense, 1987.
180
Estudos recentes mostram a importância da lei para grupos socialmente
constituídos e que se reconhecem como quilombolas. Na pesquisa cartorial no
município de o Miguel do Guamá, foi levantada uma serie de registros
feitos no período de intensificação dos Registros Paroquiais por Raimundo
Araújo Xavier. Estes documentos embasam a luta dos Quilombolas do município
de Irituia em Luta pelo Reconhecimento de Direitos Territoriais hoje. Para
esta comunidade esses documentos “dos antigos”,de seus antepassados estava
impresso, para além do direito costumeiro, atestavam direitos à terra para
as famílias daquele território. Na ilha de Marajó, no município de
Cachoeira do Arari encontrou-se a documentação em nome de Luis Antonio, de
1854, referente ao território hoje chamado “Terra Gurupá” expressão
utilizada pelos quilombolas do rio Arari e rio Gurupá para legitimar o
reconhecimento de seus direitos à referida terra. Esses documentos nas mãos
de herdeiros, ciosamente guardados por significarem a fala dos mortos que
fala pelos vivos” expressão manifesta do senhor Manoel Camilo, Dias dos
Santos, 74 anos, quilombola de “Terra Gurupá”, revelam que os antigos”, no
seu tempo, interpretaram o direito à área ocupada que lhes era garantido
no corpo da Lei de Terras de 1850 e legislação posterior. Significa que
eles procederam a interpretar as normas legais e os direitos de propriedade
em seu tempo. Ver: “Quilombolas de Irituia (Pará) em Luta pelo
Reconhecimento de Direitos Territoriais no Século XXI. Relatório Histórico-
Antropológico de Identificação de Comunidades Remanescentes de Quilombos no
Município de Irituia Estado do Pará (Belém-Pará, junho/2008. Convênio
INCRA/UNAMZ, Sob a coordenação da profª Drª Rosa Elizabeth Acevedo Marin
UFPA/UNAMZ.
111
terras de 1850, continuou sendo acessado nas disputas e
pendências jurídicas envolvendo terras.
Dado revelador de outro aspecto do impacto da lei nos
sujeitos que possuíam algum interesse e/ou nculo com a
questão fundiária é a desconfiança em relação à referida Lei
de Terras, pois para alguns, havia o perigo de perderem as
terras. Esse entendimento mereceu registro nas páginas de
relatório ministerial, que apesar da tentativa de minimizar a
importância não deixou de mencionar como um dos fatores
contributivo para a morosidade dos trabalhos de registro das
terras possuídas.
Em relatório de 1855 o ministro Luiz Pedreira do Coutto
Ferraz no item Registro das Terras Possuídas salientou que
O registro das terras possuídas tem marchado com
pouca actividade; porem raramente, em uma ou
outra localidade insignificante, tem apparecido
reluctancia no cumprimento d’este dever, por
entenderem erradamente alguns indivíduos nimiamente
ignorantes, que podem perder as suas terras
levando-as ao registro.
181
A inquietação a ter resposta é: como se era tão ínfimo o
número de indivíduos (em tom depreciativo mencionando-os como
“indivíduos nimiamente ignorantes”) que achavam que podiam
perder as suas terras, esse fato mereceu atenção especial no
relatório ministerial? E isso logo no ano seguinte ao Decreto
1.318 de 30 de janeiro de 1854, ou seja, um
estranhamento por parte dos possuídores de terras em relação à
nova Lei. As informações, mesmo precariamente, chegavam e
inquietavam mesmo no ápice do desenvolvimento dos trabalhos da
Repartição das Terras Públicas.
181
BRASIL. Ministério do Império. Relatorio do Anno de 1855 apresentado á
Assembléa Geral Legislativa na quarta sessão da nona legislatura pelo
ministro e secretario d’estado dos negócios do império Luiz Pedreira do
Coutto Ferraz. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856. Cf.: CENTER FOR
RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/
u1728/>.
112
Tratava-se apenas de “uma ou outra localidade”, uma
dessas em que as pessoas manifestaram seu estranhamento e
desconfiança em relação à Lei foi a Vila de Cintra, na
província do Pará. Em requerimento
182
do ano de 1857, dirigido
ao presidente da província, a senhora
Maria dos Prazeres, viúva de Germano
Garcia,moradora no Rhio Caripi Districto da de
Cintra, tendo sido multada por não apprezentar
dentro do primeiro prazo a declaração das Terras em
q habita, a Supp
e
não apprezentou a sua declaração
não saber como havia formular a declaração
q’ suponha que devia apprezentar o Titulo das
terras e como Ella não tem, nem sabe como as terras
foram concedidas a seos Avós, sabe q’ a mais de
cincoenta ou sesenta annos, que seos Avós e Pais
ali moravão, e agora a Supª isso vem rogar a
Exª Se Digne Dispensa-la da multa, que não so p
e
ignorância em que vivia, como pela como pela sua
pobreza p q’ pouco chega a sua sustentação e
vestuário a que seos filhos trabalhão do q’ Arrogo
de Maria dos Prazeres
Custodio Carlos da Silva
D. Maria requereu o perdão da multa a ela imputada por
não ter feito o registro de suas terras no primeiro prazo
estipulado pelo governo, argumentando que não sabia por
desconhecimento mesmo como fazer a declaração das terras em
que morava. A Lei e suas disposições eram uma nova realidade
jurídica para a maioria e o medo ante a possibilidade de
perder a terra se fazia presente, contrariando a afirmação do
ministro Coutto Ferraz.
No referido requerimento, D. Maria expressa que além de
não saber formular a declaração, acreditava que teria de
apresentar o título das terras e “como Ella não tem, nem sabe
como as terras foram concedidas a seos Avós, sabe q’ a mais
de cincoenta ou sesenta annos, que seos Avós e Pais ali
182
O requerimento é assinado a rogo por Custodio Carlos da Silva, talvez
ele tenha construído a argumentação de dona Maria dos Prazeres, mas por
opção de escrita, imputamos a ela por ser a interessada direta. Arquivo
Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província. Série:
Requerimentos. Caixa 484. 1857.
113
moravão”, optou por não registrar suas terras no Livro
Paroquial do vigário.
Talvez as terras de dona Maria dos Prazeres respondiam
pela situação jurídica de posse e que, portanto, não tinha o
título pertinente e se utilizou do fato de que ignorava como
tinha sido a concessão, ou seja, não sabia como seus pais e
avós por se fixaram, como adquiriram a terra se por posse,
compra, doação ou sesmaria. O fato de se reconhecer ignorante
no trâmite de registrar as terras possuídas pode ter sido uma
estratégia de D. Maria para burlar a obrigatoriedade do
registro. Mas precisamente, ela invocava um direito costumeiro
ao afirmar que se não sabia a forma de concessão, D. Maria
sabia que seus pais e avós moravam mais de cinquenta ou
sessenta anos. A outra possibilidade seria ela ter feito o
registro nos prazos posteriores, que solicitou o perdão da
multa. Os argumentos utilizados no requerimento por D. Maria
dos Prazeres acerca do pedido de perdão desencadeou uma rede
de interpretações sobre a validade da Lei de 1850.
Mas a tensão em relação a esse pedido de perdão, teve
desdobramentos que por meio de uma fresta nos revelam, um
ângulo das tensões e dos conflitos experienciados pelos
sujeitos no complexo processo de instituição da Lei de 1850 e
as dificuldades gestadas no percurso. O despacho dado ao
requerimento foi de que não havia lugar. O pedido de D. Maria
dos Prazeres foi encaminhado pela secretaria do governo no dia
17 de junho de 1857 ao vigário da Vila de Cintra para as
devidas informações.
A manifestação do vigário coloca em xeque o alcance da
Lei e o entendimento que alguns dos nimiamente ignorantes
estiveram na Vila de Cintra. O vigário Thomaz d’Aquino
Carreira afirmou que a argumentação de ignorância alegada por
D. Maria dos Prazeres era falsa e se ela não fez o registro
das terras era por
114
Não querer ou por fazer pouco caso dos avizos que
para isso teve, ou então por dar ouvidos a pessoas
malévolas e intrigantes que não tendo meios para me
desacreditarem com os meus parochianos, lhes tem
dito que a Lei de Terras não é valiosa em parte
alguma, e que eu nesta Freguezia é que lhe quero
dar valor e força, mas com o fim de comer o
dinheiro dos pobres moradores desta Freguezia.
Destas zisanias espalhadas aos moradores d’esta
Freguezia V. Exª deve estar lembrado que no anno
passado eu participei a V. Exª.
[...]
183
O discurso do vigário expunha várias situações
constrangedoras que partiam de ocorrências negativas aos
“pobres moradorescomo falcatruas, calhordices e enganos, dos
que davam “ouvidos a pessoas malévolas e intrigantes”, que os
atingia duramente. Diante de tais experiências, o conhecimento
da lei seguia percursos não imaginados e atingia um ritmo
inesperado. Assim, não querer ou fazer pouco caso dos avisos,
constituiu um posicionamento político, quem sabe até mesmo
movido pela desconfiança, que também havia as suposições de
um agente imperial. Por outro lado, percebe-se uma
circularidade das informações produzidas e como foram
interpretadas, contribuindo para uma criticidade dos sujeitos
contemplados na nova Lei.
A desconfiança que grassou em torno da lei era reforçada
pela coerção institucional ditada pelas autoridades do
Império. As adjetivações expressadas pelo vigário pessoas
“malévolas e intrigantes” revelam a marginalização
184
183
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência. Série:
Requerimentos. Caixa 484. 1857 (grifo nosso).
184
Ao analisar a Lei Negra, E. P. Thompson reflete acerca da categoria
“quadrilhamuitas vezes utilizada por historiadores atemporalmente, pois a
categoria pode ser desumanizadora se for refletida descontextualizadamente
e aqueles que se contrapõe a uma normatização podem ser vistos como uma
ameaça à autoridade, à propriedade e à ordem. Sobre a Lei Negra, ele diz
que “precisamos explicar não uma emergência, mas uma emergência que agia
sobre a sensibilidade desses homens”, para quem a propriedade e o status
privilegiado dos proprietários vinham assumindo, a cada ano, um maior peso
nas escalas da justiça, até que a própria justiça não passava, aos seus
olhos, das fortificações e defesas da propriedade e seu concomitante
status. THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores a origem da lei negra. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p.245-96.
115
daquelas pessoas vistas como discordantes do registro de
terras. Para o estado imperial elas representavam um perigo à
Lei. E esta, para os discordantes também era entendida como
perigosa, uma ameaça a conservação de suas posses, de suas
terras.
Olhando ainda pela fresta do documento, infere-se que o
referido vigário um ano antes, havia notificado ao presidente
acerca das atitudes e gestos de incredulidade de alguns
moradores da Vila de Cintra acerca da Lei. Segundo esta
autoridade religiosa e política para os moradores, a Lei de
Terras não é valiosa em parte alguma”. No exemplo, de D. Maria
dos Prazeres seguiu as opiniões de pessoas “malévolas e
intrigantes” que partilhavam dessa opinião.
Destaca-se uma circularidade política dos conflitos e as
teias tecidas pelos sujeitos diretamente envolvidos no
processo de identificação das situações fundiárias no Brasil.
A resposta do vigário espelha uma rede de relações políticas
cotidianas que levaram algumas pessoas a tomarem a decisão de
não registrarem as suas posses, contrariando frontalmente a
perspectiva do governo imperial. Contudo, a multa prevista
representava uma arma coercitiva à disposição do governo, pois
quer se trate de uma sociedade simples ou uma complexa, a lei
pode ser definida como autoridade escudada na força de
sanções negativas
185
.
Os “pequenos e nimiamente ignorantes” fizeram uma leitura
possível da lei de acordo com o seu lugar social. Assim não
fazer o registro das terras possuídas, recorrer ao presidente
da província pedindo o perdão da multa, informar ao presidente
de que havia pessoas se recusando ou simplesmente ignorando os
avisos e a normatização do estado, são pontos da rede de
conflitos gestados no cerne da implantação da Lei de Terras na
província do Pará.
185
SHIRLEY, Robert W. O fim de uma tradição. Cultura e desenvolvimento no
município de Cunha. São Paulo: Perspectiva, 1977.
116
A historiografia geralmente entende que um dos pontos
mais obscuros no processo de registros das terras era (e ainda
é) a forma de aquisição, que o declarante não era obrigado
a informar de que maneira adquiriu a terra declarada. Essa
brecha da lei permitia aos fazendeiros e lavradores que
registrassem as suas terras não se comprometerem em revelar no
ato da declaração a forma de aquisição
186
. Mas, devido à
desconfiança em torno da Lei de 1850, em alguns municípios do
Pará encontramos situações diferentes.
As pessoas que se dirigiram ao pároco da freguesia de São
Miguel do Guamá para registrar as suas posses informavam
alguns dos dados solicitados. A obrigatoriedade de registrar a
parcela de terra não vinha acompanhada da necessidade da
comprovação documental ou testemunhal em relação à área
efetivamente ocupada
187
. Entretanto, como o “declarante não era
obrigado a informar de que maneira adquiriu a terra [...] é
bastante comum a ausência desta informação nos registros
paroquiais”
188
em Paraíba do Sul, na província do Rio de
Janeiro. Porém, para os fregueses de São Miguel demonstrar
documentalmente a forma de acesso a terra (por compra, doação,
posse, sesmaria) era fundamental para confrontar uma cultura
jurídica com o Estado e a sua nova lei agrária, assim ao longo
de sua narrativa enfatizavam possuir documentos longevos que
comprovavam a forma de acesso a terra declarada, objetivando
esclarecer e reafirmar o seu direito sobre ela. Ao fazer o
registro de suas terras em setembro de 1854
Engracia Maria moradora no Igarapé Curiu no Rio
Guamá Freguezia de Sam Miguel, em cumprimento ao
Edital afixado pelo Reverendissimo Vigario da
mesma, declara que possue no dito Rio um quarto de
terras principiando dos marcos do Capitão Ignacio
Feliz Guerreiro, rio acima lado esquerdo ate onde
186
MOTTA, Márcia Menendes. Nas fronteiras do poder conflito e direito à
terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998. p.168-9.
187
Ibidem. p.166-7.
188
Ibidem. p.168-9.
117
finalizar o dito quarto, cujas terras forão
compradas por seu fallecido marido Marcos Joze de
Campos a Dona Antonia Maria das Mercez em seis de
Junho de mil oitocentos quarenta e dois como mostra
pelas Escripturas publicas, que existem em seu
poder, e cujas terras tem por nome = Curiu = por
não saber ler nem escrever pedi ao abaixo assignado
que este e igual traslado pr ella fizesse, e
assignasse. Sam Miguel do Guamá desesete de
Setembro de mil oitocentos cincoenta e quatro.
Joaquim de Jezus e Castro.
189
Para alguns declarantes seria fundamental, primeiro
cumprir a nova orientação do estado imperial de proceder a
declarar as terras possuídas. Em São Miguel do Guamá foi
conhecido mediante o Edital afixado pelo Reverendo Vigário. O
Art. 99 do Decreto 1.318 explicitava que as instruções
seriam dadas nas Missas Conventuais e “publicadas por todos os
meios, que parecerem necessários para o conhecimento dos
respectivos freguezes”
190
. O Edital era um desses meios e foi
afixado pelo respectivo Vigário da Freguesia de São Miguel do
Guamá e se infere que o vigário afixou-o em lugar visível na
própria igreja.
Segundo, a desconfiança em relação à nova lei fundiária
levava que muitos fizessem a leitura da nova orientação
jurídica do governo confrontando-a com uma cultura jurídica
191
,
onde o importante era demonstrar que havia uma anterioridade
documental à Lei de Terras que lhes assegurava a posse da
terra, ou seja, era fundamental convencer o governo de que as
terras ali declaradas eram de origens legítima e juridicamente
confirmadas pelos documentos em poder dos declarantes e que
189
PARÁ, Governo do Estado do. Instituto de Terras do Pará Iterpa.
Divisão de Documentação e Informação. Livro de Registro Paroquial de
Terras. Freguesia da Vila São Miguel do Guamá, 189.
Decreto 1.318, de 30 de Janeiro de 1854. Cf.: BRASIL. Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento. SISLEGIS Sistema de Legislação
Agrícola Federal. Disponível em: <http://extranet.agricultura.gov.br/
sislegis-consulta/consultarLegislacao.do?operacao=visualizar&id=10515>.
191
SHIRLEY, Robert Weaver. Antropologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987.
Para Shirley, “quase todas as sociedades têm alguma forma de cultura
política, ou seja, uma opinião sobre o que é uma conduta apropriada e uma
idéia de justiça”. (p.43) É essa premissa de que os sujeitos possuem uma
idéia de justiça que utilizaremos no presente trabalho.
118
não poderia ser alterado por uma nova legislação. Por isso, a
ênfase das autoridades em informações uniformizadas para
efeito de comprovação documental à semelhança de “como mostra
pelas Escripturas públicas, que existem em seu poder”,
reafirmadas pelo tempo da existência do documento ser anterior
à lei, bem como pelo tempo de permanência na terra. Dona
Engracia Maria acentuou que o seu falecido marido Marcos Joze
de Campos, comprou as terras a Dona Antonia Maria das Mercez
em seis de setembro de mil oitocentos e quarenta e dois
(1842).
Este argumento com base em documentos não parece
raridade. Em 22 registros coletados feitos por mulheres, 19
declarações enunciavam a existência de documentos em poder das
declarantes. Tempo e documentação eram duas armas poderosas
habilmente utilizadas pelos fregueses de São Miguel do Guamá.
Entretanto, na falta de documentação comprobatória do
acesso a terra, o recurso adotado era o da comprovação moral,
havendo o confronto entre uma prática jurídica e o aspecto
formal da lei de terras e as suas proposições, percebido nos
fiambres de códigos e valores morais de um direito costumeiro.
O costume entendido enquanto legítimo e, portanto, com
aceitação jurídica e força de lei, respaldava as pessoas que
em situações limites perderam os documentos comprobatórios de
acesso a terra e que argumentavam poder provar o seu direito e
garantir o domínio por meio do testemunho de outrem.
Neste contexto, a testemunha deveria possuir idoneidade
moral reconhecida publicamente, que o seu depoimento tinha
a aceitação e validade de prova; pois na aceitação subjaziam
critérios de valores como honestidade e comportamento
socialmente esperados, instituídos e submetidos às regras e
padrões do meado do século XIX.
Foi assim com D. Custodia Maria, em setembro de 1854 que
ao declarar a sua “sorte de terras no Sitio denominado
Rosário, no Igarapé denominado do Tijuco”, afirmou que não
119
poderia comprovar a herança recebida por parte de seu pai, por
“não [existir] em seu poder titulo algum por ter sido
consumido dos bixos com o decurso do tempo, pelo que protesta
a declarante a tudo o tempo provar com testemunhas ser a
supracitada sorte de terras suas [...]”.
192
Fazer a declaração
em obediência ao Edital do Reverendo Vigário não significava
aceitação inconteste do Registro, a desconfiança era
subjacente ao ato de registrar e se não se podia provar a
forma de acesso e posse da terra com documentos escritos e
juridicamente reconhecidos, utilizava-se práticas costumeiras,
mas que não se creditasse aos registros o poder de questionar
e/ou de determinar o sagrado direito sobre a terra.
Havia em torno dos Registros Paroquiais de Terra uma rede
de tensões e interesses político-administrativos, pois o
próprio ato de registrar a terra era imbuído de disposição e
ação política efetiva do declarante em fazer ou não o
registro.
As dificuldades eram muitas, conforme salientava o
ministro da Repartição dos Negócios da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas em relatório do ano de 1860, apresentado à
Assembleia Geral Legislativa, no Rio de Janeiro. Uma das
dificuldades enfatizada foi o fato de poucas províncias terem
enviado o mapa solicitado pelo respectivo ministério nos quais
as informações deveriam ser “classificadas por comarcas,
municípios e freguezias”, contudo, “poucas forão as províncias
d’onde vierão taes mappas, e alguns incompletos”
193
.Outra
dificuldade destacada foi a “notavel reluctancia, em que se
têm conservado differentes vigários, não remettendo os livros
de registros de suas parochias”.
192
PARÁ, Governo do Estado do. Instituto de Terras do Pará Iterpa.
Divisão de Documentação e Informação. Livro de Registro Paroquial de
Terras. Freguesia da Vila São Miguel do Guamá.
193
BRASIL. Ministério da Agricultura. Ministro Manoel Felizardo de Souza e
Mello. Relatório do Anno de 1860 apresentado a Assembléa Geral Legislativa
na Sessão da 11ª Legislatura. Publicado em 1861. Cf.: CENTER FOR
RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/
u1945/000001.gif>.
120
Das entrelinhas dessas observações, infere-se que a
existência de tensões burocrático-administrativas entre as
três esferas responsáveis pela condução do processo de
separação das terras públicas das privadas: central Rio de
Janeiro, a provincial Repartição Especial das Terras
Públicas e os presidentes das províncias; e a local atuação
dos vigários nas suas freguesias.
Para o ministro Manoel Felizardo de Souza e Mello, a
exceção foi o relatório apresentado pela Delegacia das Terras
do Pará, que mereceu “especial menção” por “conter informações
circumstanciadas e satisfactorias, [...] em um primeiro
trabalho desta natureza”
194
.
Para Márcia Motta os relatórios se contentavam em
registrar o total das terras efetivamente declaradas, se havia
ou não terrenos devolutos nos municípios, mas não procuravam
descobrir as razões pelas quais os fazendeiros e lavradores se
negavam a seguir a determinação legal.
195
Todavia, em muitos
relatórios essa preocupação aparece como um grande empecilho
ao avanço dos trabalhos pertinentes à Repartição Geral das
Terras Públicas. Por outro lado, o governo pretendia acumular
a maior quantidade possível de informações sobre a situação
agrária do país pelo menos no discurso... e para isso o
estado imperial precisava produzir os dados e os relatórios
ministeriais constituem esse produto, mas para isto precisavam
que as Repartições Especiais das Terras Públicas e os governos
provinciais alimentassem-no, fornecendo os dados coletados nos
diversos municípios do Império.
194
BRASIL. Ministério da Agricultura. Ministro Manoel Felizardo de Souza e
Mello. Relatório do Anno de 1860 apresentado a Assembléa Geral Legislativa
na Sessão da 11ª Legislatura. Publicado em 1861. Cf.: CENTER FOR
RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/
u1945/000001.gif>. p.15.
195
MOTTA, Márcia Menendes. Nas fronteiras do poder conflito e direito à
terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998.
121
Se durante os dois primeiros anos não se obteve grandes
resultados nos primeiros relatórios ministeriais e
provinciais, ao final dos anos 50 dos oitocentos, se
estruturava um quadro com alguns dados, mesmo que incipientes
e que escondiam os grandes problemas relacionados a terra na
Província do Pará.
No relatório do ano de 1859 foram levantadas terras
devolutas na Província do Pará nas comarcas de:
TABELA 6 - COMARCAS COM TERRAS DEVOLUTAS
196
COMARCAS MUNICÍPIOS
Capital
Vila de Igarapé-Miri, cidade da Vigia, vila de Curuçá e vila
de Cintra
Bragança e
município
Marajó Vilas de Cachoeira, de Monsarás e de Chaves
Cametá Cametá e das vilas de Oeiras, de Breves e de Portel
Gurupá Municípios do mesmo nome e de Porto de Moz
Santarém
Macapá, da vila de Mazagão, da cidade de Santarém, das vilas
de Monte Alegre, de Alenquer, da Vila Franca, da cidade de
Óbidos e da vila de Faro
No relatório de 1860, aparecem registradas 19.320 posses
em 66 freguesias. Mas somente 26 posses foram legitimadas,
sendo que 11 não foram “reformadas por ordem da presidência
por causa de irregularidades cometidas no processo e os
funcionários foram condenados a restituir os emolumentos que
nele intervieram”
197
. A corrupção foi um dos grandes problemas
que perpassou os trabalhos da Repartição das Terras Públicas.
Partindo desses dados, mesmo que oficiais, seria
arriscado afirmar que
196
Fonte: BRASIL. Ministério do Império. Ministro João de Almeida Pereira
Filho. Relatório do anno de 1859 apresentado a Assembleia Geral legislativa
na sessão da 10ª Legislatura. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL.
Disponível em: <HTTP://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1732/000001.html>.
197
BRASIL. Ministério do Império. Ministro João de Almeida Pereira Filho.
Relatório do anno de 1860 apresentado a Assembléia Geral Legislativa. Cf.:
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.
edu/bsd/bsd/u1945/000101.html>.
122
Os resultados imediatos da Lei de Terras, no
tocante à discriminação das terras estatais e sua
venda, foram pouco expressivo.
198
Pareceria apologia de um pretenso sucesso da Lei de
Terras, entretanto, é complicado se desconsiderar que o estado
obteve, mesmo que de forma embrionária e até pouco confiável,
informações dos possuidores de terra, a sonegação e/ou
imprecisão de informações por parte dos fazendeiros, a não
delimitação e discriminação das terras públicas e privadas.
Nenhuma dessas variáveis é questionada, mas a partir dos
registros pode-se afirmar que se configurou um painel
fundiário do país e o Estado buscou conferir as extensões
existentes de terras devolutas no país, mesmo que
precariamente. Neste sentido, se os Registros Paroquiais de
Terras, não possuíam uma função cadastral, “nem por isso
deixava de ter sensível importância como órgão de informação e
de estatística”
199
.
Ainda no relatório supramencionado o ministro afirmou que
Não obstante, de quanto se tem exposto nos
relatórios da repartição geral das terras publicas
e do que passo a referi, ficara fora de duvida que
muito errônea era a opinião, de que se havia
formado a principio, de que no Brasil poucas terras
devolutas poderião ser destinas à colonisação, por
se acharem occupadas ou invadidas todas as que são
mais vantajosamente situadas e offerecem melhores
condições para o mencionado fim.
200
Essa constatação de que “errônea era a opinião, de que se
havia formado a principio, de que no Brasil poucas terras
devolutas poderião ser destinas” para colonização é
198
SMITH, Roberto. Propriedade da terra e transição estudo da formação da
propriedade privada da terra e a transição para o capitalismo no Brasil.
São Paulo: Brasiliense, 1990. p.337.
199
LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e
terras devolutas. São Paulo: Secretaria de Estado de Cultura, 1990. p.70.
200
BRASIL. Ministério da Agricultura. Ministro Manoel Felizardo de Souza e
Mello. Relatório do Anno de 1860 apresentado a Assembléia Geral
Legislativa. grifo nosso. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL.
Disponível em: <http://www.crl.edu/content/provopen.htm>.
123
inquietante, e parece que foi ignorada pela historiografia.
Com base nesse expediente e apesar dos inúmeros obstáculos, a
presente pesquisa revelou que dados primários foram coletados
pela repartição das terras públicas e com todos os problemas
presentes no cerne desses dados, eles permitiram a constatação
de que o problema de terras no Brasil era muito mais complexo.
2.3 TRABALHADORES DE PICADA, AGRIMENSORES E TOPÓGRAFOS PARA
DEMARCAR AS TERRAS
O registro da terra era a primeira etapa que deveria ser
seguida da identificação, medição, demarcação, tarefas que
exigiam especialistas e operários para seu desenvolvimento. Os
agrimensores são os profissionais da colonização
Outro fator identificado no desenvolvimento dos trabalhos
da repartição geral de terras, sem dúvida foi a carência de
recursos humanos para a tarefa de tamanha monta, mesmo com os
“vencimentos” eram poucos funcionários, para os
encaminhamentos burocráticos.
Cada repartição especial das terras públicas criada nas
províncias, a do Pará contava com um delegado da diretoria
geral, um oficial, um amanuense e um porteiro arquivista. No
Pará, havia também a inspetoria geral de medições, sita em
Bragança, que era composta por um inspetor geral, quatro
agrimensores, seis escriturários e quatro guardas.
Para efetivar os trabalhos de campo de medição e
demarcação das terras havia necessidade de contar com
equipamentos técnicos como os teodolitos
201
, que o governo
imperial importou alguns da Europa. O manuseio desses
equipamentos requeria preparo técnico e, portanto,
profissionais especializados: os agrimensores. Durante o
processo de agrimensar as terras, houve uma carência quase
201
Instrumento óptico para medir com precisão ângulos horizontais e ângulos
verticais, muito usados em trabalhos topográficos e geodésicos.
124
crônica desses profissionais, motivando a busca de
alternativas como a possibilidade de uma pretensa facilidade
de se contratar agrimensores europeus
202
.
Com a dimensão da Província do Pará, quatro (4)
agrimensores para realizar as medições e demarcações na
província do Pará seria humanamente impossível dar conta das
solicitações. O presidente Manoel de Frias e Vasconcellos
frisou
203
que “[...] havia carência de pessoal especializado,
eram poucos os agrimensores e engenheiros”
204
aptos às
atividades de campo, sem esquecer que teriam os
encaminhamentos burocráticos dos resultados de seus trabalhos.
Ainda em torno da dificuldade de recursos humanos,
contribuindo para a morosidade dos trabalhos nas medições e
demarcações das terras, refere-se aos trabalhadores de campo,
os “operários” que compunham a equipe de medição e demarcação,
que junto com o agrimensor entravam na “mata a dentro”, no
hinterland da província, para a demarcação das terras
devolutas bem como das particulares.
O presidente provincial Ambrósio Leitão da Cunha, em
ofício
205
de novembro de 1858, ao diretor geral das terras
públicas, Marcos Pereira, compromete-se ordenar ao comandante
do Corpo de Trabalhadores, para que haja de coadjuvar a
inspetoria com o fornecimento da “gente” de que a mesma
precisa. O argumento é de que o atraso dos resultados das
atividades de medição e demarcação é devido à falta de
202
BRASIL. Ministério do Império. Ministro Luiz Pedreira do Coutto Ferraz.
Relatório do Anno de 1855 Apresentado a Assemblea Geral Legislativa na
Sessão da Legislatura. Publicado em 1856. Cf.: CENTER FOR RESEARCH
LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1728/>.
203
PARÁ, Governo da província do. Falla dirigida á Assembléa Legislativa da
provincia do Pará na segunda sessão da XI legislatura pelo exmo. sr.
tenente coronel Manoel de Frias e Vasconcellos, presidente da mesma
provincia, em 1 de outubro de 1859. Pará, Typ. Commercial de A.J.R.
Guimarães, 1859. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em:
<http://www.crl.edu/content/provopen.htm>.
204
Ver também: CARVALHO, Jose Murilo de. A construção da ordem: a elite
política imperial - Teatro de sombras: a política imperial. 2ªed. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ, Relume-dumará, 1996. p.303-25.
205
Arquivo Público do Pará. Fundo: Obras Públicas. Série: Diretoria Geral
das Terras Públicas. n.20. 1858.
125
trabalhadores. Mas esse problema é apresentado coevamente à
instalação dos trabalhos da Repartição das Terras Públicas nas
correspondências ministeriais e dos diretores das Repartições
Especiais; em ofício de 1855, dirigido ao presidente da
província, o ministro dos Negócios do Império solicita auxílio
ao Inspetor das Medições das Terras Públicas para que os
serviços não parassem por qualquer motivo, seja por falta de
trabalhadores seja por escassez de mantimentos. O
encaminhamento da secretaria da presidência foi enviar aos
comandantes dos Corpos de Trabalhadores, o qual era o grande
celeiro de recrutamento mão-de-obra livre utilizada de forma
compulsória nas diversas atividades produtivas, foi criado
através de lei discutida e aprovada pela Assembleia
Legislativa e sancionada pelo presidente da Província,
Marechal José Francisco de Sousa Soares d’Andréa, em abril de
1838
206
, divididos em Companhias ligadas às diversas
localidades, deviam ser formados a partir do recrutamento de
índios, mestiços e pretos que não fossem escravos, e não
tivessem propriedades ou estabelecimentos a que se aplicassem
constantemente. A mão-de-obra obtida através desses
alistamentos compulsórios seria destinada ao trabalho nas
obras públicas e nos serviços de particulares e nesse caso,
regia a lei que houvesse um contrato firmado entre o
contratante e o recrutado, perante o Juiz de Paz
207
.
O recorte étnico e de ocupação são os parâmetros de
balizamento de controle social pretendido na província do
Grão-Pará. O recrutamento dos sujeitos supramencionados para
os serviços públicos visava evitar a existência e proliferação
de homens vagabundos e ociosos (no epicentro do conflito da
Cabanagem, foram considerados criminosos e rebeldes, como eram
206
Arquivo Público do Pará. Colleção das Leis Provinciaes do Pará
promulgadas na Primeira Secção que teve princípio no dia 2 de março, e
findou no dia 13 de maio de 1838. Pará, Typ. Restaurada, 1838.
207
FULLER, Cláudia. “Os Corpos dos Trabalhadores: política de controle
social no Grão-Pará”. Fascículos LH - Laboratório de História CFCH/UFPA.
nº1. Belém, 1999.
126
alcunhados os que questionavam a ordem imperial). uma
preocupação preventiva e de repressão em torno do movimento
rebelde. Porém, vai além, “também [preocupação] de uma
delimitação e conceituação do ‘mundo da desordem’”
208
.
Os trabalhadores que adentravam o hinterland da mata, os
chamados “trabalhadores de picadas, de corda, e outros”, como
o piloto de corda que era o responsável pela medição da
terra eram importantíssimos para o desenvolvimento para a
instituição da Lei de Terras. Segundo o ministro Sergio
Teixeira de Macedo, em relatório de 1858, afirmou que havia
difficuldade de obtê-los [...] porque esquivão-se a
esses serviços, ou pela própria repugnancia, ou por
insinuações e suggestões das pessoas dos lugares,
que olhão de vontade para as medições das terras
devolutas, e as considerão como sérios obstáculos à
continuação de sua abusiva invasão.
209
Eram esses trabalhadores de picada que penetravam os
terrenos e as matas delimitando as terras e demarcando o que
seriam terras públicas e terras particulares. Pode-se inferir
que esses trabalhadores, geralmente da localidade, faziam a
sua própria leitura da lei. Os rumores acerca de sua eficácia
e objetivos circularam pelo império
210
.
208
FULLER, Cláudia. “Os Corpos dos Trabalhadores: política de controle
social no Grão-Pará”. Fascículos LH - Laboratório de História CFCH/UFPA.
nº1. Belém, 1999. p.11.
209
BRASIL. Ministério do Império. Ministro Sergio Teixeira de Macedo.
Relatório do Anno de 1858 apresentado a Assemblea Geral Legislativa na
Sessão da 10ª Legislatura. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL.
Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1731/000001.html>.
210
As relações pessoais tecidas em nível local muitas vezes influenciavam o
processo de demarcação. Ao refletir sobre a decisão de demarcar as suas
terras, de alguns fazendeiros ligados ao café de Paraíba do Sul, Márcia
Motta localizou o processo do barão de Entre Rios, Antonio Barroso Pereira,
contra Antonio Bernardes de Oliveira, que havia trabalhado como ajudante de
piloto de corda na demarcação das terras do referido barão. O ajudante
sustentava que uma parte das terras não pertencia ao barão, ou seja, o
ajudante de piloto aproveitava-se de seu trabalho para, segundo Márcia
Motta, tentar se apropriar de terrenos na região onde havia auxiliado
enquanto trabalhador especializado. MOTTA, Márcia Menendes. Nas fronteiras
do poder conflito e direito à terra no Brasil do século XIX. Rio de
Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro,
1998. p.173.
127
O deputado Ângelo Custódio Correia, do Pará, nos debates
travados na assembleia legislativa sobre projeto da Lei de
Terras, argumentou que a falta de geômetras seria um empecilho
à sua execução. Outras dificuldades apontadas por ele foram o
elevado pagamento dos pilotos e a possível corrupção adviria
do processo, envolvendo o judiciário
211
.
A fim de suprir carência desses trabalhadores tão
necessários para o andamento dos serviços, uma das soluções
encontradas, claro foi o oferecimento de uma remuneração acima
do inicialmente estipulado. O referido ministro Sergio
Teixeira de Macedo informou no supracitado relatório que:
[...] se porem aquelles indiviudos se dispõem a
acompanhar os encarregados das medições pedem
salários elevados. Uma tal exigência, unida à
carestia dos gêneros alimentícios, que se vai
sentindo em todo o paiz, não pouco tem concorrido
para o acréscimo de despeza.
Os trabalhadores negociavam nas fímbrias das relações de
poder que moviam as engrenagens do processo de medição das
terras buscando melhor remuneração pelos trabalhos prestados,
que muitos eram moradores dos lugares, fato que poderia ser
aproveitado pelos encarregados das atividades de medição e
demarcação das terras públicas e particulares. Em relatório
enviado ao diretor geral das terras públicas, conselheiro
Manoel Felizardo de Souza e Mello, que exercia sua função no
Rio de Janeiro, João Martins da Silva Coutinho, o inspetor
geral das medições das terras públicas do Pará, expõe que
Os Índios estavão então impacientes:
approximava-se o Natal, e como V. Exª sabe, a gente
da roça prefere antes perder uma grande somma do
que a missa do gallo. Alguns mesmo achavão-se
adoentados, outros trabalhavão com pouca
vontade.
211
SMITH, Roberto. Propriedade da terra e transição estudo da formação da
propriedade privada da terra e transição para o capitalismo no Brasil. São
Paulo: Brasiliense, 1990. p.316.
128
Tendo-me feito ver isso o agrimensor Ripoll, e
vendo eu que mais alguns dias adiante ficava sem
gente, concedi licença aos trabalhadores para irem
a festa, com a condição de voltarem logo que esta
acabasse. Assim, ficarão ellles contentes e
obrigados, tornando depois de boa vontade para o
serviço. De d’outra sorte procedesse o resultado
seria máo. Para levar-se bem esta gente é preciso
não contraria-los em certos desejos. Fallo somente
dos verdadeiros Indios.
212
Ficar sem trabalhadores era uma complicação ao andamento
dos trabalhos e as reclamações da carência de mão-de-obra eram
uma constante nos relatórios provinciais e ministeriais, assim
negociar ante uma religiosidade poderia parecer como uma
concessão para os técnicos da Repartição e para os
trabalhadores “os verdadeiros índios [sic]” a permanência
deles durante as festividades “natalinas” significava uma
subtração aos seus costumes antigos, havia um código não
escrito subjacente às relações tecidas pelos indígenas com os
outros. O que para uns eram concessões para outros eram
direitos costumeiros antigos
213
.
Somado à carência de braços, coexistiam as relações de
poder e disputa de interesses, ligados às estratégias de
negociação e de resistência, por parte dos trabalhadores, para
com os agrimensores que estavam em contato direto e diário no
cotidiano das empreitadas de demarcação, para preservarem seus
direitos a determinadas práticas conexas a cultura e
religiosidade. São tensões cotidianas que perpassaram, de
forma mais horizontais, a implementação dos trabalhos
pertinentes às Repartições Especiais das Terras Públicas.
212
Arquivo Público de São Paulo. Relatório Imperial. RIMP. 1858. Anexo
Relatório da Repartição Geral das Terras Públicas.
213
Ver: THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores a origem da lei negra. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p.348-61. Ver também: SAMPAIO, Patrícia
Melo. “Viver em aldeamentos encontros e confrontos nas povoações da
Amazônia Portuguesa, século VXIII”. In: LARA, Silvia; MENDONÇA, Joseli
Nunes (Orgs.). Direitos e Justiças no Brasi: ensaios de História Social.
Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 2006. p.23-57. Ela reflete sobre os caminhos
percorridos pelos índios aldeados em busca de justiça e como as populações
indígenas forjaram suas próprias percepções relativas aos seus direitos,
objetos de suas reivindicações no conjunto da administração portuguesa
colonial.
129
Outro aspecto pouco considerado pela historiografia eram
os riscos às doenças, pois numa região como o Pará imperial
propícia às epidemias sazonais situado na hoje Amazônia
adentrar nos terrenos, muitas vezes inóspitos, era também se
expor às doenças e às epidemias que grassavam na província,
principalmente, durante o rigoroso inverno equatorial que é
marcado por fortes chuvas.
Esses trabalhadores que atuavam na outra ponta do
processo de demarcação das terras não mereceram ainda um olhar
mais acurado da historiografia.
130
CAPÍTULO III - MULHERES NAS TRILHAS DA TERRA
131
A lei também pode ser vista como ideologia ou
regras e sanções específicas que mantêm uma relação
ativa e definida (muitas vezes um campo de
conflito) com as normas sociais; e, por fim, pode
ser vista simplesmente em termos de sua lógica,
regras e procedimentos próprios isto é,
simplesmente enquanto lei. E não é possível
conceber nenhuma sociedade complexa sem lei.
Thompson
214
Neste capítulo, pretende-se refletir sobre como algumas
mulheres se defrontaram com o Decreto de 1854, mais
particularmente com o Registro Paroquial de Terras na
província do Pará. Milhares de mulheres ficaram sem
companheiro, maridos, irmãos, filhos e tiveram que assumir
integralmente o trabalho nas roças, a reprodução da família.
Desta forma não se estranha que elas tenham incorporado uma
posição ativa em muitos casos, face ao direito. O encontro com
a documentação foi reveladora dessa forma de presença deste
sujeito na história.
Recentemente, a historiografia, no Brasil, apresenta uma
ampliação nos debates e estudos sobre o processo de
apropriação territorial, o direito à terra, as formas de
acesso e os mecanismos legais e/ou costumeiros que os sujeitos
buscaram para legitimar a ocupação de um torrão
215
.
Ao tratar das discussões em torno da legislação agrária,
um marco jurídico na história da questão de terra no Brasil
foi a Lei de Terras de 1850 e o seu respectivo regulamento de
1854. Entretanto, esse fato jurídico não informa sobre os
processos políticos e sociais pelo que refletir acerca da
214
THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores a origem da lei negra. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
215
Estes debates estão contextualizados politicamente. Na década de
sessenta foram provocados pelas reivindicações por reforma agrária. Mais
recentemente, os pesquisadores retomam a questão dos diversos sistemas de
propriedade e mecanismos de acesso à terra em tese e livros, inclusive em
uma perspectiva de antropologia histórica. CASTRO, S. A questão social no
novo milênio. Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra,
Universidade de Coimbra, set. 2004. Disponível em: <http://www.ces.uc.
pt/lab2004/inscricao/pdfs/painel11/SueliCastro.pdf>. MOTTA, rcia Menendes
e ZARTH, Paulo (Orgs.). Formas de resistência camponesa: visibilidade e
diversidade de conflitos ao longo da história. Vol.I. São Paulo: Ed. UNESP,
2008.
132
conexão entre os estudos sobre o direito agrário no século XIX
e os debates relacionados ao Estado Imperial constituiu-se em
um desafio. Para entendimento desta relação, é importante,
mesmo que de forma breve, estabelecer um diálogo com os
principais estudiosos que refletiram sobre a Lei de Terras de
1850.
O consagrado jurista Ruy Cirne Lima constitui-se
referência e leitura obrigatória para os que se debruçam sobre
os estudos na perspectiva jurídica. De acordo com este
advogado, a Lei de Terras consistia em uma “errata com relação
ao regime das sesmarias, [...] ao mesmo tempo, uma ratificação
formal do regime das posses”
216
, uma vez que procedeu ao
reconhecimento incondicional da propriedade do posseiro,
sobre o terreno ocupado com cultura efetiva”, que conforme o
Art. 5º da referida Lei estabelecia:
Serão legitimadas as posses mansas e pacificas,
adquiridas por occupação primaria, ou havidas do
primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou
com principio de cultura, e morada, habitual do
respectivo posseiro, ou de quem o represente
[...].
217
Assim a ênfase é dada à condição de “posses mansas e
pacificas”, o que nos remete ao princípio das posses
adquiridas ou acessadas sem contestação de outrem ou em
comisso. Por outro lado, a consagração do princípio da
morada habitual e cultura efetiva, ou seja, o cultivo enquanto
elemento legitimador das posses se cristaliza fortemente
marcado pelo costume social.
216
LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e
terras devolutas. São Paulo: Secretaria de Estado de Cultura, 1991. p.65.
217
Lei 601, DE 18 DE SETEMBRO DE 1850. BRASIL. Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento. SISLEGIS Sistema de Legislação
Agrícola Federal. Disponível em: <http://extranet.agricultura.gov.br/
sislegis-consulta>.
133
Outro aspecto destacado por Cirne Lima é o mérito que ele
atribuiu ao “legislador de 1850” por realçar a tênue linha
divisória entre “as terras do domínio do Estado e as do
particular”
218
. No seu entendimento este traçou uma definição
do que seriam terras devolutas e terras particulares. Assim,
desde um ponto de vista jurídico, na sistemática vigente até a
Lei de Terras, não havia uma distinção clara entre posse e
propriedade. O artigo da Lei de Terras definiu como terras
devolutas aquelas que:
● Não se achassem aplicadas a algum uso público;
As que não estivessem no domínio particular por qualquer
título legítimo;
Nem as que tivessem sido havidas por sesmarias ou outras
concessões do governo, sem que houvessem caído em comisso;
As havidas por sesmaria que, havendo caído em comisso,
tivessem sido revalidadas pela referida Lei n° 601;
As que estivessem ocupadas por simples posse e também
legitimadas pelos termos da Lei n° 601.
Para Cirne Lima, no entanto, “a Lei de 1850 não surtiu o
efeito desejado”
219
.
Warren Dean é outro estudioso que comunga do fracasso da
Lei de Terras devido as autoridades não terem condições de
controlar e impedir a ocupação das terras devolutas,
notadamente na região de ocupação de São Carlos, província de
São Paulo, onde a expansão dos cafezais impunha a abertura de
novas áreas para o aumento da plantação. Na prática, era a
continuação do apossamento das terras públicas
220
.
218
LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e
terras devolutas. São Paulo: Secretaria de Estado de Cultura, 1991. p.70.
219
Ibidem.
220
DEAN, Warren. “Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura (1820-
1920)”. Tradução Waldívia Portinho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
Apud: BENATTI, José Heder. Direito de Propriedade e Proteção Ambiental no
Brasil: apropriação e o uso dos recursos naturais no imóvel rural. Tese
134
Outro jurista que refletiu sobre a Lei de Terras foi José
Heder Benatti que também partilha a idéia “d’O malogro da lei
de terra como instrumento jurídico para modernizar a
propriedade privada”
221
no Brasil. Para ele, o fracasso da Lei,
da perspectiva jurídica, foi motivado pela “leitura que os
juristas daquela época fizeram de determinados mandamentos
legais, que praticamente revogaram o artigo primeiro da Lei
601/1850”, o qual instituía que
Art. Ficam prohibidas as acquisições de terras
devolutas por outro titulo que não seja o de
compra.
Exceptuam-se as terras situadas nos limites do
Imperio com paizes estrangeiros em uma zona de 10
leguas, as quaes poderão ser concedidas
gratuitamente.
222
Em outras palavras, segundo Benatti, para os juristas,
não havia a obrigatoriedade para que os posseiros
regularizassem sua situação fundiária, que o princípio da
morada habitual e cultura efetiva bastavam para assegurar a
manutenção da posse do terreno que “occuparem com effetiva
cultura, havendo-se por devoluto o que se achar inculto”.
Assim a própria lei deixava brechas para outros tipos de
acesso à terra além da aquisição por meio da compra. Um dos
pontos polêmicos era discernir o que estava sendo considerado
efetivamente cultivado.
O jurista paraense continua sua reflexão de que um dos
objetivos que se tentou alcançar com a Lei de Terra foi o de
por fim ao regime de posse e instalar o marco da primeira
legislação fundiária brasileira.
(Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido), Belém,
Universidade Federal do Pará, NAEA, 2003. p.83.
221
BENATTI, José Heder. Direito de Propriedade e Proteção Ambiental no
Brasil: apropriação e o uso dos recursos naturais no imóvel rural. Tese
(Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido), Belém,
Universidade Federal do Pará, NAEA, 2003. p.83.
222
Lei 601, DE 18 DE SETEMBRO DE 1850. BRASIL. Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento. SISLEGIS Sistema de Legislação
Agrícola Federal. Disponível em: <http://extranet.agricultura.gov.br/
sislegis-consulta>.
135
A separação entre o domínio garantido pelo título e a
posse foi outro ponto fundante da Lei de Terras de 1850. O
título da terra sobrepujou à posse efetiva. Assim, aquele que
tinha efetivamente a posse da terra estava destituído do
direito sobre ela. E garantiu, portanto, àquele que sendo
portador do título da terra, mesmo sem nunca tê-la ocupado de
fato, sem ter o domínio sobre a mesma, ou seja, o direito de
propriedade privada da terra.
Alberto Passos Guimarães
223
, trabalhando a partir do
pressuposto da existência de um latifúndio colonial e feudal
no Brasil e o seu semelhante que era o sistema escravista de
plantação, defende que a Lei de Terras foi um “objeto dos
latifundiários” para garantir a perpetuação da grande
propriedade em um momento de transição do trabalho escravo
para o livre. Entretanto, para ele, a posse constituiu uma
“arma estratégica de maior alcance e maior eficácia na batalha
secular contra o monopólio da terra”
224
. No processo de
confrontação ao “todo-poderoso sistema latifundiário”, a posse
e a figura do posseiro ou intruso foram as figuras singulares
na formação da pequena propriedade.
para Roberto Smith
225
, a Lei de Terras é um marco
histórico no processo de transição para o capitalismo no
Brasil, conexa com os interesses das elites políticas em um
período de transformação da divisão internacional do trabalho,
o que se coadunava com a lógica do Estado centralizador aqui
no Brasil sob a hegemonia do capital mercantil. O autor
enfatiza esse imbricamento do crescimento do capital externo,
notadamente o industrial inglês, e a conjunção de interesses
mercantis e da produção agrária de exportação, que, no
entanto, não modificou alterações na estrutura de poder. Nesse
223
GUIMARÃES, Alberto Passos. “Formação da pequena propriedade: intrusos e
posseiros”. In: WELCH, Clifford A. et al (Orgs.). Camponeses brasileiros.
Vol.1. São Paulo: Ed. UNESP, 2009.
224
Ibidem. p.51
225
SMITH, Roberto. Propriedade da terra e transição - estudo da formação da
propriedade privada da terra e transição para o capitalismo no Brasil. São
Paulo: Brasiliense, 1990.
136
sentido, considerar somente os interesses das oligarquias
cafeeiras significaria na sua interpretação desconsiderar e
marginalizar os interesses do capital mercantil
226
.
Ainda é destacado que em meio à expansão do capitalismo
houve um movimento macro na América Latina com a gestação e
aprovação em vários países de leis agrárias
227
.
Smith argumenta, complementarmente, que:
A Lei de Terras deve ser entendida como uma
necessidade do próprio Estado em recobrar o
controle sobre as terras devolutas [...] cujo
estoque deveria ser objeto de um controle social,
vinculado ao interesse tanto da sua utilização
produtiva, quanto da substituição de escravos por
trabalhadores livres.
228
Para Smith os resultados imediatos da Lei de Terras, no
tocante à discriminação das terras estatais e sua venda, foram
pouco expressivos, sem que isso tenha contribuído para
desestimular a imigração européia no último quartel do século
XIX.
Emília Viotti da Costa
229
interpreta que a Lei de Terras
foi fruto dos interesses dos setores da elite interessados na
construção de uma concepção mais moderna para a propriedade.
Para ela as transformações na economia mundial provocaram uma
226
SMITH, Roberto. Propriedade da terra e transição - estudo da formação da
propriedade privada da terra e transição para o capitalismo no Brasil. São
Paulo: Brasiliense, 1990. p.334-7.
227
Cristiane Checchia reflete sobre as mudanças relacionadas às reformas na
legislação agrária de Nova Granada Colômbia ocorrida no mesmo período
que a Lei de Terras do Brasil, concluindo que aconteceram rias mudanças e
apareceu legislação agrária em outros países latino-americanos da partir da
segunda metade do século XIX, levando-lhe à confirmação de que a
concomitância das datas da legislação agrária brasileira e colombiana não
era fortuita. Ambas estavam inseridas e eram conexas ao movimento de
mudanças da expansão do capitalismo industrial e às ondas das reformas
liberais que varreram a América Latina em meados do século XIX.
Particularmente interessante, o terceiro capítulo reflete sobre os chamados
terrenos baldios e a tensão em torno do processo de distribuição, de venda
e do apossamento desses terrenos, bem como a polêmica dos resguardos I
indígenas. CHECCHIA, Cristiane. Terra e capitalismo: a questão agrária na
Colômbia – 1848–1853. São Paulo: Alameda, 2007.
228
SMITH, op. cit., p.336.
229
COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à Republica: momentos decisivos.
3ªed. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.139-61.
137
reavaliação da política da terra, e em diferentes países foram
decretadas leis em torno desta questão. No século XIX, a terra
passou a ser incorporada à economia comercial, mudando a
relação do proprietário com este bem.
A terra, nessa nova perspectiva, deveria transformar-se
em uma “valiosa mercadoria”, capaz de gerar lucro, tanto por
seu caráter específico quanto por sua capacidade de gerar
outros bens. Procurava-se atribuir à terra um caráter mais
comercial e não apenas um status social, como era
característico da economia dos engenhos do Brasil colonial.
Viotti da Costa também concorda com o atrelamento da Lei
de Terras à extinção do tráfico negreiro, para ela, não foi
por acaso que a Lei de Terras de 1850 foi decretada no mesmo
ano da lei que aboliu o comércio de escravos
230
. Nesse sentido,
argumenta o que explicita a Lei que
[...] os produtos da venda das terras públicas e
das taxas de registro das propriedades seriam
empregados exclusivamente para a demarcação das
terras públicas e para a “importação de colonos
livres”.
231
Para a historiadora, a situação confusa da propriedade
rural e os problemas da força de trabalho motivaram
significativa parcela da elite brasileira a reavaliar as
políticas de terra e do trabalho. Nesta perspectiva, a Lei de
230
COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à Republica: momentos decisivos.
3ªed. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.159. Viotti compara também o modelo
de colonização e política agrária norte-americano e o adotado no Brasil.
argumenta que tanto nos E.U.A quanto no Brasil a política rural estava
ligada a uma determinada concepção de trabalho, diferindo-se a do no
tocante de que a daqui dificultava a obtenção de terras pelo trabalhador
livre, e o “Homestead Act, de 1862, doava terras a todos os que desejasse
nela se instalar”. Outro aspecto enfatizado pela autora é a influência das
teorias de Wakefield no projeto de lei formulado pelo Conselho de Estado em
1842 e encaminhado à Câmara de Deputados em 1843, baseado na teoria de que
numa região onde o acesso à terra era fácil, seria impossível obter pessoas
para trabalhar nad fazendas, a não ser que elas fossem coagidas pela
escravidão. Assim para se obter trabalho livre, deveria obstaculizar o
acesso à propriedade rural, de modo que o trabalhador livre fosse impedido
de adquirir terras fosse trabalhar nas fazendas.
231
Ibidem. p.141.
138
Terras de 1850 revestiu-se (OU REVERTIU-SE) na tentativa de
regularizar a propriedade rural e o fornecimento de trabalho.
Murilo de Carvalho admite esta interpretação, mas critica
a idéia de que esta legislação teria conseguido realizar-se na
prática e criar a propriedade privada. Para ele, a Lei “foi
vetada pelos barões”
232
.
Na sua leitura, a Lei continha dispositivos que
contrariavam os interesses dos proprietários rurais como o da
limitação do tamanho das posses. Voz corrente também do
fracasso da referida Lei de Terras, Murilo de Carvalho expõe
pontualmente o conjunto dos obstáculos à execução da Lei, no
que tange à terra, a saber: os pontos foram o registro
paroquial, a separação e medição das terras públicas, a
revalidação de sesmarias e a legitimação de posses com as
respectivas medição e demarcação. Este conjunto de estratégias
tinha como principal finalidade de viabilizar a colonização
com a vinda de imigrantes europeus.
Em sua análise o problema da terra não se colocou de
forma tão intensa quanto o da extinção do tráfico negreiro ou
o da abolição da escravidão, essas duas questões acirraram as
posições das elites brasileiras. A problemática da terra teve
maior visibilidade por sua vinculação à necessidade de mão-de-
obra e o iminente fim do tráfico africano. O historiador
afirma conclusivamente que a Lei de Terras, na realidade,
serviu para mostrar:
[...] a incapacidade do governo central em aprovar
ou implementar medidas contrárias aos interesses
dos proprietários na ausência de pressões
extraordinárias, como sejam a ameaça externa ou a
pressão do Poder Moderador.
233
232
CARVALHO, Jo Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política
imperial e o Teatro das Sombras. São Paulo: Relume–dumará, 1996. p.303-25.
233
Ibidem. p.322.
139
O trabalho de pesquisa de Maria Ligia Osório
234
é outro
estudo que marcou recentemente as interpretações sobre a
problemática do latifúndio e das terras devolutas. Para a
autora, a Lei foi produto de uma conjuntura complexa e, por
isso, comporta em seu âmago dispositivos contraditórios. Estes
dispositivos e outras brechas abertas pelo Regulamento de
1854, segundo a autora, demonstravam a “incapacidade da Coroa”
em diferenciar as terras públicas das particulares. Ela
ressaltou na sua argumentação que os “analistas atuais ou
contemporâneos acordam-se para afirmar que o mal não estava
propriamente na lei, mas na sua aplicação prática”
235
. Contudo
ela concorda que os efeitos práticos da Lei de Terra foram
poucos, uma vez que os aspectos mais importantes da lei, não
foram realizados, isto é, a lei não estancou a posse; não
organizou um cadastro de terras, nem particulares nem
devolutas; não disseminou a pequena propriedade familiar;
permitiu adentrar mais fortemente a problemática prática da
grilagem advinda da falta de clareza sobre a definição do que
era terra devoluta, e não alterou a prática de apropriação que
existia desde tempos coloniais: grandes latifúndios e limites
fluidos entre propriedades.
Politicamente, a Lei de 1850 teria sido uma “estratégia
Saquarema”, que estava operando no centro da transição de uma
forma de propriedade e de relações de trabalho escravista para
outra, contratual e de trabalho livre. A essência da transição
certifica-se, a partir do controle e da direção do Estado
central, na qual parte significativa das classes dominantes
pudesse adaptar-se, sem perdas ou ameaças significativas,
diante a inevitável abolição do trabalho escravo.
234
SILVIA, Ligia Osório. Terras devolutas e latifúndion - efeitos da Lei de
Terras de 1850. Campinas, SP: UNICAMP, 1996.
235
Ibidem. p.180.
140
Portanto, na sua raiz, encontra-se a necessidade de
reforçar os fundamentos legais e de legitimidade do Estado de
regularizar a propriedade da terra, viabilizando a transição
lenta do trabalho escravo para o trabalho livre.
Recentemente, a Lei de Terras foi relida por
historiadores que ao pesquisar seus meandros recuperaram outra
dimensão da lei: a do conflito. James Holston argumenta que o
“sistema jurídico não objetiva resolver os conflitos, se é um
meio de perpetuar e obscurecer as disputas em vez de resolvê-
las?”
236
. Para ele, o sistema jurídico brasileiro possui um
poder desestabilizador, pois não tem por princípio a resolução
dos conflitos de terras, “nem decidir sobre seus ritos
legais através de procedimentos judiciais”.
Ao refletir sobre a Lei de Terras afirma que esta é “tão
confusa, indecisa e disfuncional”. Com essas características,
ela tem por mérito fomentar situações de difícil solução
jurídica, argumenta que
nos conflitos de terra, procedimentos e confusão
irresolúveis; que essa irresolução jurídico-
burocrática às vezes início a soluções
extrajudiciais; e que essas imposições políticas,
inevitavelmente, terminam por legalizar algum tipo
de usurpação.
237
A premissa de Holston é de que a Lei de Terras no Brasil
é um “instrumento de manipulação, complicação, estratagema e
violência”, campo onde as partes opositoras envolvidas buscam
impor os seus interesses. Nesse sentido, a lei é uma arena de
conflito uma arena de conflito na qual as distinções entre o
legal e o ilegal são temporárias e sua relação é instável”.
236
HOLSTON, James. Legalizando o ilegal: propriedades e usurpação no
Brasil. Disponível em <http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_
00_21/rbcs21_07.htm>. Acesso: em 10/2/2009.
237
Ibidem.
141
Demonstra essa tênue separação entre legal e ilegal, ao
analisar a situação de trabalhadores no distrito de São Miguel
Paulista, na periferia do extremo nordeste da cidade de São
Paulo, bairro que surgiu no ano de 1969.
Para a Lei de Terras ao reconhecer a posse e criar
mecanismos para a sua proteção, admitiu a aquisição do domínio
pelo transcurso do tempo, assim ela “legalizava o ilegal”
238
.
Outra estudiosa do problema fundiário, a partir da
premissa da Lei, enquanto campo de conflito, é Márcia Motta
239
,
que se movimenta nas fímbrias de uma sociedade senhorial,
procurou entendê-la mediante seus vários projetos sociais no
entorno do processo de apropriação da terra. Inspirada na obra
de E. P. Thompson sobre o significado da Lei Negra na
Inglaterra no século XVIII, a historiadora mergulha nas
diversas histórias e trajetórias de sujeitos múltiplos que
vivenciaram suas indeterminações pela disputa da terra.
Com uma ciosa análise histórica e ancorada numa sólida
pesquisa empírica, investiga a tensa e longeva trajetória de
luta pela terra dos homens livres por meio da prática da
cultura efetiva do solo, herdada de um passado colonial, e/ou
da posse prolongada de pequenas porções de terra, no vale do
Paraíba do Sul. A investigação busca visibilizar como os
pequenos posseiros enfrentaram ao longo do século XIX, o poder
dos “senhores e possuidores de terras” expressão a qual,
geralmente, recorriam para se autodenominar.
238
Holston analisa o caso de fraude de terra na formação da periferia de
São Paulo. [...]. Invadindo ou comprando a terra, a maioria das pessoas
parece entender o paradoxo central de sua situação: a ilegalidade de seus
lotes faz com que a terra seja acessível àqueles que o têm como pagar
pelos preços mais altos, de aluguel ou venda, das residências legais. [...]
A moradia ilegal é uma maneira comum e segura através da qual a classe
trabalhadora pode ganhar o acesso legal à terra e à moradia, acesso esse
que, de outro modo, não seria possível. Assim, uma relação fundamental
entre usurpação e legalização caracteriza o desenvolvimento da periferia: a
usurpação inicia o povoamento e desencadeia o processo de legalização da
propriedade da terra”. HOLSTON, James. Legalizando o ilegal: propriedades e
usurpação no Brasil. Disponível em <http://www.anpocs.org.br/portal/
publicacoes/rbcs_00_21/rbcs21_07.htm>. Acesso: em 10/2/2009.
239
MOTTA, Márcia Menezes. Nas fronteiras do poder - conflitos e direito a
terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vicio de leitura, 1998.
142
Os conflitos de terras são também disputas acerca do
sentido da história, objetando-se percepções e interpretações
em torno do direito à terra. Desta maneira, os conflitos entre
fazendeiros, pequenos posseiros, arrendatários, lavradores,
teciam relações conflituosas e/ou de favores na ânsia de
resguardarem seus direitos à terra.
Enquanto sujeitos históricos, os posseiros,
arrendatários, lavradores, pobres livres também fizeram suas
leituras da legislação agrária, para defenderem seus direitos.
Na pesquisa de Motta, esses sujeitos aparecem com seus nomes e
suas lutas contra a expropriação de seus bens e propriedades;
eles não ficaram subsumidos nas análises dos artigos e
parágrafos da Lei de Terra.
Entretanto, esta autora termina compartilhando o
argumento do “fracasso da lei”, pois não atingiu o motivo
primordial de organização do “caos fundiário” instalado no
Brasil.
Nesta tese, defendo a idéia de que não se pode ignorar
este corpus lexis ter deslanchado no interior da sociedade
brasileira um processo social e histórico. A lei comportava
um corpo jurídico para pensar o problema do Brasil agrário.
Assim mesmo, comungando com a premissa de que a Lei de
Terras foi um fracasso ao não atingir o seu objetivo seminal:
a organização do “caos fundiário” reinante no império é dentro
dessa perspectiva que se pretende neste estudo visibilizar
como as mulheres se defrontaram com a Lei de Terras de 1850 e
o Decreto que a regulamentou em 1854, mais particularmente com
o Art.º 95 do Decreto, que normatizava as sanções, como a
imputação de multas para os que deixassem de registrar as suas
terras nas suas respectivas paróquias, na província do Pará,
após a experiência traumática de um movimento como a
Cabanagem. Foco do item a seguir.
143
3.2 SOUBE NA MISSA: MULHERES E O “PERDÃO” DAS MULTAS
Os Registros Paroquiais de Terras eram os instrumentos
burocráticos que primeiro acionariam a engrenagem do trâmite
burocrático para encaminhamento formal de processos de medição
e demarcação das terras possuídas. Em tese, “todos os
possuidores de terras, qualquer que seja o título de sua
propriedade, ou possessão são obrigados a fazer registrar as
terras”.
240
Os Registros Paroquiais de Terra foram feitos por
determinação da Repartição Geral de Terras blicas, criada
pela Lei de Terras de 1850 e regulamentada pelo Decreto
1.318, de 30 de janeiro de 1854
241
, e estava subordinada ao
ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império.
Assim, para poder encaminhar o processo de medição, divisão e
descrição das terras devolutas, foi criado um órgão
repartição responsável pela organização da propriedade
agrária no país.
Precedendo a esta exigência, contudo, estava a tomada de
iniciativa política dos possuidores de terras em se dirigir à
paróquia e fornecer as informações solicitadas pelo Estado.
Estava na mão dos proprietários a iniciativa primeira, e isso
era uma decisão também política, que desencadearia o processo
de demarcação das terras, que então se encontravam em poder
dos particulares
242
. Os “proprietários” detinham um poder de
decisão importante para a efetivação do processo de medição e
demarcação das terras privadas e públicas do país.
240
Arquivo Público do Pará. Capítulo IX, Art. 91 do Decreto 1.318, de 30 de
Janeiro de 1854. Colleção das Leis do Império no Brasil de 1854. Tomo XV,
Parte I. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1854.
241
Arquivo Público do Pará. Capítulo IX, Art. 91 do Decreto 1.318, de 30 de
Janeiro de 1854. Colleção das Leis do Império no Brasil de 1854. Tomo XV,
Parte I. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1854.
242
SILVIA, Ligia Osório. Terras devolutas e latifúndion - efeitos da Lei de
Terras de 1850. Campinas, SP: UNICAMP, 1996.
144
De acordo com estas instruções, o passo seguinte era o
declarante procurar o vigário para fazer o registro da terra.
Aqueles que não obedecessem seriam multados, importando a
multa, de acordo com o estabelecido no Art. 95 do Decreto
1.318, em vinte e cinco mil réis findo o primeiro prazo
243
,
cinqüenta para quem perdesse o segundo e cem mil réis após o
término do terceiro.
Ora, lendo essas orientações prescritas pela supracitada
Lei, D. Joanna Francisca, moradora na Freguesia da Vila de
Cintra, viúva desde 1857
244
, enfrentou problemas por ter
perdido os dois primeiros prazos, pois em requerimento enviado
ao presidente da província em março de 1858 solicitou dispensa
da multa de cinquenta mil réis por não ter, o seu marido,
feito o dito registro das terras em que possuía morada
habitual.
[...] E acontecendo, que indo Ella a Missa
Parochial no mez de Septembro, ouvio do Parocho que
seu marido estava na relação dos multados, não
no primeiro prazo, como também no segundo, e que
visto elle ter finado, Ella deveria, a fim de
livrar-se da terceira multa, mandar formular sua
declaração [...].
245
Ela ficou sabendo que o nome do seu marido constava na
relação dos multados, quando foi à missa paroquial no mês de
setembro de 1858. Igualmente ficou ciente que tinha perdido
os dois primeiros prazos, ou seja, havia se passado quase
quatro anos da implantação do Decreto 1.318 de janeiro de
1854. Surgem algumas inquietações deste caso: o marido de D.
Joanna Francisca não quis fazer o registro, não sabia se era
para fazer e/ou não teve conhecimento ou instruções sobre como
243
Os prazos estavam estabelecidos no Art. 92. Os prazos serão 1°, 2º e 3º:
o de dois annos, o de hum anno, e o de seis mezes. Arquivo Público
do Pará. Colleção das Leis do Império no Brasil de 1854. Tomo XV, Parte I.
Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1854.
244
Arquivo Público do Pará. Secretaria da Presidência da Província. Série
Requerimentos. Caixa 485. 1858.
245
Arquivo Público do Pará. Secretaria da Presidência da Província. Série
Requerimentos. Caixa 485. 1858.
145
fazer? Ele não o fez, porque não tinha dinheiro para pagar o
registro?
De acordo com as alegações de sua consorte, “seu finado
marido não se importava de comprir tal dever”. Teria ele
objeções à Lei e à obrigatoriedade de registrar as terras
possuídas? Portanto, são diversas as possibilidades que o
teriam levado a não registrar a terra em que moravam. A
responsabilidade ficou para a viúva, D. Joanna Francisca.
Ela vai construindo razões em pelo menos três argumentos
para não pagar a multa arbitrada. Um deles é de que o seu
finado marido não atendeu ao chamado para fazer o Registro
Paroquial das terras onde eles tinham morada habitual e que se
constituía um fogo. Entende-se aqui que a atribuição de
registrar a terra seria do marido, fazendo valer o lugar
social de “chefe de família” e responsável perante às
instituições públicas. A mulher, em tese, deveria ocupar-se da
esfera privada. Contudo, mesmo na esfera privada, as funções
masculinas destacavam-se: os homens representavam e governavam
as famílias dentro e fora de casa, e delegavam às mulheres a
gestão do cotidiano.
246
Mas sabe-se que na urdidura do cotidiano, o público e o
privado imbricavam-se, revelando fronteiras móveis, fugidias,
prenhes de desdobramentos, circunscrevendo, delimitando e
esquadrinhando espaços e comportamentos sexuados.
247
Contudo,
essa premissa não deve ser entendida de maneira rígida, pois a
linha divisória é extremamente tênue
248
. Dificilmente, podem-se
universalizar e enrijecer os processos históricos, deixando
que as categorias, que auxiliam no seu entendimento, respondam
pela sua construção. Nesta leitura, procurar-se-á compreender
os sentidos atribuídos para determinadas situações e ações
246
PERROT, Michele. Mulheres Públicas. São Paulo: Ed. UNESP, 1998. p.10.
247
Ibidem. p.38.
248
Ibidem. Ver também: DIAS, M. O. L. da Silva. Quotidiano e Poder em São
Paulo no século XIX. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. HIGONNET, Anne.
“Mulheres e Imagens. Representações”. In: DUBY, G.; PERROT, M. (Orgs.).
História das Mulheres no Ocidente o século XIX. Vol.4. Porto: Edições
Afrontamento; São Paulo: EBRADIL, 1991.
146
pelos sujeitos, notadamente a mulher, por volta do século XIX,
situando os possíveis limites entre público e privado que
ganharão uma maior definição, mas deve-se atentar para essas
mudanças, pois elas não são dadas a priori, e são resultados
de processos históricos distintos
249
.
D. Joana Fernandes soube da situação em que se encontrava
na missa, quando o Vigário mencionou estar o seu nome na
relação de multados. A taberna e a missa podem ser entendidas
enquanto espaços de sociabilidades, pois na aldeia de
Montaillou, “o ato cultual representa o momento central na
realização da crença”.
250
D. Joanna Francisca dirigiu-se à
Igreja, talvez, nesta perspectiva que indicada, buscando a
assistência espiritual. Todavia, a missa, respeitando as
devidas distâncias históricas, foi também, em meados do século
XIX, um núcleo de sociabilidade global.
A missa é uma das grandes ocasiões de interação e de
sociabilização dos sujeitos. Na igreja e durante a missa,
reunia-se a maior parte dos moradores das Vilas e das
Freguesias, muitas vezes provenientes de lugares remotos. As
pessoas de ambos sexos, de diversos grupo etário e até de
diferentes camadas sociais
251
realizavam trocas e estabeleciam
laços sociais. O espaço onde acontece a missa é, para além das
funções do sagrado, um ponto de encontro, servindo para se
informar dos acontecimentos da província, da saúde de um
vizinho, para se fechar negócios, iniciar namoros ou mesmo
para tramar sedições. Dominical, a missa não deixa de ser um
249
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e
trabalho. Bauru, SP: EDUSC, 2002. p.37-40. Ver também: FARIA, Sheila de
Castro. A Colônia em Movimento fortuna e família no cotidiano colonial.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. A autora, sobre o “publico” e o
“privado” na Colônia, pondera que “não havia separação entre o lugar de
dormir e o de trabalhar. A redação dos testamentos, o encomendar dos mortos
e os velórios eram sempre feitos nas moradias. [...] Todos sabiam muito de
todos”. (p.386)
250
LADURIE, Le Roy Emmanuel. Montaillou: povoado occitânico 1294-1324.
São Paulo: Cia. das Letras, 1997. p.332.
251
Ibidem. p.333.
147
lugar privilegiado de comunicação, com o mundo exterior e
entre si
252
.
A missa, enquanto espaço privilegiado de comunicação,
mesmo que refletido para outra realidade diferente da estudada
por Le Roy Ladurie, como foi a do Estado Imperial Brasileiro,
adquiriu centralidade quando ficou prelecionada no Art. 99 do
Regulamento de 1854, que
Estas instrucções [sobre os dados que deveriam
constar nos registros] serão dadas nas Missas
conventuaes, publicadas por todos os meios, que
parecerem necessários para o conhecimento dos
respectivos freguezes.
253
A missa conventual formava parte do quotidiano dos
párocos e também da chamada “comunidade”, geralmente
ministrada nos domingos e dias santificados. Por um lado,
nesta reunia-se e dava-se resposta à devoção dos “fregueses” e
pari passu exigia-se a obrigação de assistir às missas, quem
sabe, pelo menos uma ao mês. Supostamente, os fiéis se fariam
presentes nesse tempo e lugar em maior número e, portanto,
constituía momento propício para a divulgação das
“instrucções”, que seriam mais amplamente “ouvidas” e
repassadas com maior alcance e reverberação entre os
paroquianos. Isto era o pretendido.
Na segunda metade do XIX, a Igreja católica, pela relação
do padroado, estava vinculada à estrutura organizacional do
Estado imperial
254
. Os membros eclesiásticos, como os padres,
252
LADURIE, Le Roy Emmanuel. Montaillou: povoado occitânico 1294-1324.
São Paulo: Cia. das Letras, 1997. p.333.
253
Arquivo Público do Pará. Colleção das Leis do Império no Brasil de 1854.
Tomo XV, Parte I. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1854.
254
Não é objetivo deste trabalho refletir sobre o padroado, ou seja, a
relação entre igreja e estado, suas contribuições, acordos, convergências,
tensões e conflitos. Entende-se que a relação do padroado permitia ao
Estado Imperial o poder para administrar a Igreja no Brasil, com toda a
repercussão pastoral que pudesse decorrer. Porém, não era de sua
competência arbitrar sobre as questões de ou à disciplina eclesiástica.
Ver: AZZI, Riolando. O altar unido ao trono projeto conservador. o
Paulo: Paulinas, 1992. Ver também: CARVALHO, José Murilo de. A construção
148
integravam a malha burocrática estatal enquanto funcionários
públicos, uma vez que o Estado considerava a católica
essencial para manter a unidade do império. Essa relação
possibilitava a este utilizar os membros eclesiásticos como
seus agentes, se bem que, segundo José Murilo de Carvalho,
“embora se igualassem em termos de salário, um pároco
certamente não poderia ser colocado no mesmo nível de um
servente”
255
.
Na condição de ramo da burocracia imperial
profissionalizada, o clero tinha uma situação ambígua, pois
pela relação do padroado, ou seja, a união Igreja-Estado, o
padre desempenhava um papel de funcionário público, recebendo
vencimentos salariais
256
; por outro lado, também pertencia à
outra organização burocrática: a da Igreja
257
.
De acordo com a divisão eclesiástica, a Província do Pará
em 1855
258
compreendia 63 freguesias. Em sua missão
catequizadora, a igreja internou-se nos mais recônditos
rincões da província do Pará, nesse processo de interiorização
fincava a cruz e enraizava múltiplas relações. Existiam
localidades povoados, lugarejos que poderia não contar com
um agente civil do estado, mas, geralmente, a igreja enquanto
da ordem: a elite política imperial I - Teatro de sombras: a política
imperial II. Rio de Janeiro: UFRJ/ Relume-Dumará, 1996.
255
CARVALHO, op. cit., p.130.
256
De acordo com as informações prestadas pelo Vice-presidente Pinto
Guimarães, em Relatório de outubro de 1855, o Cura Manoel Rodrigues Bicho,
os rocos Sebastião Borges de Castilho e Manoel Vasques da Cunha e Pinho
recebiam como ordenado 420$000 (quatrocentos e vinte mil réis), os demais
párocos 400$000 (quatrocentos mil), os coadjutores 300$000 (trezentos mil
réis) e os missionários 500$000 (quinhentos mil réis). Os missionários eram
três, sendo que um estava em missão nas Terras do Cabo Norte, outro na
cabeceira do rio Tapajós e o terceiro na cabeceira do rio Tocantins. PARÁ,
Governo da Província do. Relatório da Presidência da Província do Pará. 15
de outubro de 1855. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível
em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1001/000041.html>.
257
CARVALHO, op. cit.,p.129-180. José Murilo de Carvalho distingue os três
ramos da estrutura burocrática do Estado Imperial, por ele denominadas de
burocracias profissionalizadas: a militar, a judiciária e a eclesiástica.
258
PARÁ, Governo da Província do. Relatório da Presidência da Província do
Pará. 15 de outubro de 1855. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL.
Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1001/000041.html>.
149
instituição estava presente permanente ou temporalmente
259
.
Então, não é de se estranhar que D. Joanna Francisca na igreja
da Vila de Cintra tivesse sabido durante a celebração da missa
que o nome de seu marido estava na relação dos multados
260
.
Depois de ficar viúva, D. Joanna Francisca teve que se
defrontar com os meandros das disposições do Decreto 1.318,
pois foi penalizada a pagar a multa. De imediato,
Ella deveria, a fim de livrar-se da terceira multa,
mandar formular sua declaração, Convencida que
fosse de tal dever, rogou a uma alma Caridoza que
pelo amor de Deos, pois é pobre, que lhe fizesse a
tal declaração, como em effeito lha fez e a
presentou-a ao Vigário; porem Ex
mo
Senr já dentro do
terceiro prazo, vendo-se assim sem culpa alguma, no
rol dos multados, em vinte e cinco, e em
cincoenta mil reis, quantia esta que lhe é
impossível pagar attenta sua pobreza, e sem ter um
filho, que ajude a Supp
e
a obter a parca
subsistência para Ella e suas filhas
celibatas[...].
261
D. Joanna Francisca reconheceu o dever da obrigatoriedade
de ter que registrar a terra. Do reconhecimento à ação, “rogou
a uma alma caridoza”, para que lhe fizesse a declaração
solicitada, apresentando-a ao Vigário o mais rápido possível e
o mais importante a ser destacado é que “já dentro do terceiro
prazo, vendo-se assim sem culpa alguma, no rol dos multados”.
Os termos utilizados pelo escrevente que assina a rogo de D.
Joanna Francisca, Manoel Joaquim de S
ta
. Anna, visa atingir os
sentimentos de comiseração e piedade do presidente da
Província. Neste sentido, retratá-la num “compulgentes
259
Porém, havia uma carência de recursos humanos também na Igreja, pois
havia sim paróquias que não tinham um roco, o que também contribui para
as dificuldades de encaminhamentos e cumprimentos da Lei de Terras. Veremos
isso em outro item.
260
Não é objetivo discutir sobre a prática e religiosidade dos sujeitos e
sua assiduidade às obrigações ritualísticas; pensamos as possibilidades
do não cumprimento das orientações e obrigatoriedade de registrar as terras
por parte do marido de D. Joanna Francisca, contudo, fica a reflexão acerca
da frequência com que a família ia à missa, pois os dois primeiros prazos
implicavam em, pelo menos, três anos.
261
Arquivo Público do Pará. Secretaria da Presidência da Província. Série
Requerimentos. Caixa 485. 1858.
150
lagrimas no miserável estado de viuvez e pobreça suspirar aos
Ceos socorro [...]”. Nesse discurso, reiterava-se a
impossibilidade financeira para o pagamento da multa. A
estrutura de um discurso moral contendo o uso de exclamações
piedosas. Agora, dois objetivos impunham-se à viúva: registrar
a terra e não pagar a multa.
A suplicante, ao submeter-se às normas estabelecidas no
Decreto 1.318 de 1854, em seu Art. 92, acerca dos prazos
reivindicava que o presidente da Província agisse com justiça
para com ela. Cumpriu o estabelecido na Lei, cumprindo com o
seu dever agora de ser “cabeça de casal”, e ainda assim,
continuava na relação de multados. Portanto, duplamente
responsabilizada
D. Joanna Francisca, ao se ver viúva e publicamente
enredada nas malhas da Lei, realizou a leitura possível dos
preceitos jurídicos e hierárquicos vigentes sobre a Terra bem
como da estrutura de poder provincial.
O argumento sobre sua “sua miserável pobreza”, e a
condição de mantenedora de suas filhas celibatas, apontava
para a ausência da égide masculina, com isto marcando uma
reiteração da situação (e percepção) social, esperada ou
idealizada. Na falta de um homem, as dificuldades se
potencializavam. Ela havia passado a aumentar o grupo de
famílias formadas só por mulheres do Pará na pós-Cabanagem.
O presidente, dando vazão ao percurso do trâmite
burocrático do requerimento e também procurando “apurar” até
onde os argumentos e justificativas apresentados por D. Joanna
Francisca eram, ou não, aceitáveis e/ou verídicos, enviou-o,
no mês de março de 1858, ao pároco da Vila de Cintra, P
e
. João
de Thomaz D’Aquino Carrera, para informar. A resposta do
reverendo, em abril do mesmo ano, foi favorável ao pleito de
D. Joanna Francisca, afirmando ser “verdade todo o exposto
pela suplicante, pois assim aconteceo”. E o despacho final, em
151
abril de 1858, do presidente da província foi dado em termos
favoráveis (na forma requerida) à suplicante.
A viuvez, a chefia de família empurrou a D. Joana
Francisca para outra experiência no âmbito do jurídico, desta
vez para penetrar e decifrar as fímbrias da Lei de 1854 sobre
os registros de terras. Para solucionar os problemas teve que
tomar determinadas decisões como buscar esclarecimentos quanto
à forma da declaração que deveria apresentar ao pároco,
revelando outra necessidade: a de procurar “uma alma caridoza”
para fazer o referido documento. Os sujeitos atentam e se
apropriam da lei
262
, como eles entenderam o Art. 95 da Lei de
Terra. Como D. Joana Francisca muitos outros, mulheres e
homens atentaram para o significado de prazos e foram
compelidos a penetrar no conteúdo do Decreto de 1.318. Ora, se
a Lei determinava três diferentes prazos para o registro,
havia uma flexibilidade. E ela usou isso a seu favor!
Argumentou registrou a terra no segundo prazo, portanto,
dentro do estabelecido em Lei.
Esta aprendizagem pela sanção (penalidades previstas para
os indivíduos flagrados nas suas malhas) constitui privilégio
do poder do estado para forçar a obediência e realizar a
disciplina.
Esses atos de disciplina que se consagravam em um lugar,
a igreja, e durante as missas estava sendo expressa uma
circularidade em que se exerceria o poder e ao qual deviam se
submeter os sujeitos que estavam sendo constituídos pela lei
de terras
263
.
262
Thompson, ao analisar a Lei Negra, afirma que “O que muitas vezes estava
em questão não era a propriedade defendida pela lei contra a não
propriedade; eram as outras definições dos direitos de propriedade: para o
proprietário de terras, o fechamento das terras comunais; para o
trabalhador rural, os direitos comunais; para os funcionários das
florestas, terrenos reservados para os cervos; para os habitantes da
floresta, o direito de apanhar torrões de grama”. THOMPSON, E. P. Senhores
e Caçadores a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
p.348-61.
263
Estas praticas se aproximariam do que Foucault expõe como sendo "o
poder transita pelos indivíduos, não se aplica a eles [...] o poder
152
3.3 AINDA SOBRE O PERDÃO DAS MULTAS: “LUGARES ONDE PUDESSE TER
NOTÍCIAS”
Entende-se que sanção é uma forma disciplinar no sentido
de mediar a obediência às normas, geralmente de cunho
coercitivo, como medida punitiva. Entretanto, na leitura da
Lei pouca atenção foi dada pelos autores ao sistema de
sanções, por esse motivo as multas para uma determinada
corrente historiográfica “não constituíam sanção adequada,
pois os proprietários simplesmente não as pagavam e não tinha
o governo condições de cobrá-las”
264
.
Diversos documentos coligidos ao longo da pesquisa
revelam que os lavradores foram atingidos por essa penalidade
e que reagiram divergindo desta imposição do governo imperial.
A autoridade precisa funcionar através de um sistema de
recompensa e punições para levar as pessoas a obedecer. Dessa
maneira, a autoridade coerciva é auxiliada pela ameaça das
sanções negativas de desobediência.
265
Dentro desse princípio,
o estado imperial elaborou mecanismos para execução da norma.
Se os proprietários simplesmente não pagaram ou não se
enredaram no supracitado artigo, posto que dispunham de
condições de pagar os emolumentos pertinentes à legalização de
sua terra, não se pode deixar de considerar o impacto que o
artigo 95 do Decreto de 1854 causou no segmento social dos
pequenos posseiros. Assim, as multas revelam outro ponto
nevrálgico de tensão no âmago desse Decreto.
A recusa em não pagar o montante da multa, mesmo tendo
condições denota uma ação política de divergência, de
contestação. Mas para o grupo que não possuía recursos
transita pelo indivíduo que ele constituiu". FOUCAULT, Michel. Em defesa da
sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.35.
264
CARVALHO, Jo Murilo de. A construção da ordem: a elite política
imperial I - Teatro de sombras: a política imperial II. Rio de Janeiro:
UFRJ/ Relume-Dumará, 1996. p.314. Uma dos objetivos das multas seria o
financiamento da colonização, amortizando o ônus para o governo imperial.
265
SHIRLEY, Robert W. O fim de uma tradição. Cultura e desenvolvimento
no município de Cunha. São Paulo: Perspectiva, 1977. p.97.
153
materiais ou financeiros para cumprir com a determinação da
Lei não se tratava de recusa ou divergência, e expunha sua
situação social. Muitos deles recorreram ao perdão da dívida
por “pobreza” e esta ação foi conduzida, maiormente por
mulheres.
Contrariamente à posição de que as multas constituíram um
mecanismo inócuo, nesta pesquisa, analisa-se que elas geraram
muita tensão no cerne do Decreto de 1854, o que culminou em
inúmeras reclamações provenientes de várias partes do império.
Esta ocorrência deduz-se pelo menos das linhas da Circular de
40 emanada do Ministério dos Negócios do Império em nome do
Imperador, de 4 de setembro de 1856, dirigida aos presidentes
das províncias autorizando-os a ponderar e agir com justiça e
equidade nas várias e volumosas reclamações feitas por motivos
diversos contra as multas impostas pelos vigários em virtude
do supracitado artigo do Decreto de 30 de janeiro de 1854
266
A
leitura não deixa duvidas da reação provocada:
[...]
Tendo sido presentes a S. M. O Imperador varias
reclamações que por motivos diversos tem sido
feitas contra as multas impostas pelos Vigários em
virtude do artº 95 do Regulamento de 30 de janeiro
de 1854; Houve o Mesmo Augusto Senhor por bem
authorizar os Presidentes de Província e conhecendo
taes reclamações dentro do seu respectivo
território, resolvendo segundo os princípios da
justiça e equidade mas obrigando em todo o caso os
possuidores, que por qualquer rasão tiverem deixado
de registrar as suas terras no praso a fazerem
dentro do 2º, sob pena de soffrerem a multa em que
já houverem incorrido.
[...]
Desta maneira, considerar que as multas tiveram pouca
importância no período dos registros paroquiais é desconhecer,
266
Arquivo Público do Pará. Série: Ofícios (Avisos) da Repartição Geral das
Terras Públicas. Vol.6. 1855–1857. Como foi exposto no item 3.1, era no
Art. 95 que estavam estipulados os valores das multas para os que o
realizassem as declarações devidas de suas terras: ao término do primeiro
prazo a multa era de vinte e cinco mil réis, findo o segundo era de
cinqüenta mil réis, e passado o terceiro prazo em cem mil réis.
154
negligenciar a manifestação dos possuidores atingidos pela
imposição da Lei.
Essa Circular do Ministério foi recebida por todos os
presidentes de províncias do império, portanto. Houve uma
serie de reclamações de abrangência nacional. E não tendo o
governo central tinha condições de cobrá-las, delegou esse
atribuição para a esfera provincial, ou seja, o problema da
inadimplência das multas passou a ser resolvido nas
localidades, onde muitas vezes as relações inter-pessoais,
inter-grupos interferiram. Como realizar a cobrança de multas
daqueles que ocupavam posições políticas de mando? Com que
peso e medida as autoridades cobraram as multas para os
inimigos pessoais ou políticos? Como se produzia a injustiça
contra os pequenos posseiros, provocando ameaças aos seus
direitos costumeiros, infringindo danos morais e materiais?
Se os grandes possuidores
267
simplesmente não pagavam as
multas ou podiam pagar por possuírem condições materiais
sólidas para esse fim, havia, por outro lado, os pequenos
possuidores que nem sempre dispunham de recursos pecuniários.
Esses recorriam às instâncias competentes para se livrarem, ou
seja, para serem perdoados da obrigação que impunha a Lei: o
não pagamento da multa.
267
Holston faz uma análise instigante sobre as determinações dos Tribunais
Coloniais de que os direitos dos invasores sobre as terras cultivadas
podiam ser concretizados se seus pedidos fossem registrados e os impostos e
taxas pagos dentro de um período especificado. A essência dessa decisão
era converter a posse numa sesmaria ou num aforamento. Todavia, para muitos
invasores, tais despesas eram proibitivas, ocorria então que os
procedimentos favoráveis frenquentamente tinham efeitos perversos: os
invasores eram expulsos das terras ou, no mínimo, viam-se definitivamente
na ilegalidade. Era por isso que os invasores mais modestos dificilmente
almejavam a legalização de suas posses. As elites latifundiárias, por sua
vez, não encontravam dificuldades em bancar a conversão, o que, numa
estratégia efetiva para aumentar suas propriedades, as encorajava a invadir
mais terras públicas. HOLSTON, James. Legalizando o ilegal: propriedades e
usurpação no Brasil. Disponível em <http://www.anpocs.org.br/portal/
publicacoes/rbcs_00_21/rbcs21_07.htm>. Acesso: em 10/2/2009. Premissa
válida para a reflexão sobre os prazos e as multas previstas no Decreto de
1854 no presente trabalho.
155
Sobre as multas na província do Pará os registros
encerrados nos documentos são reveladores ao descortinarem a
ação de inúmeras pessoas, e a maioria mulheres, que se
dirigiram ao presidente da província solicitando o perdão da
sanção pelo fato de não terem cumprido o que normatizava a Lei
no artigo 95, e terem sido multadas por não registrar suas
posses. Foi o que ocorreu com D. Tereza Maria Caetana Martins
de acordo com o exposto no documento de 1861
Proprietária de terras no rio Acará nas partes
pertencentes a Freguezia da implora a V. Ex
ça
a
graça de a despencar das multas em que tem
incorrido, por não ter dado a registro as sobred
as
terras dentro dos prazos marcados. A Supp
e
. Ex
mo
Senr he huma viúva, que não obstante ter hum filho
pelo qual podesse via ao conhecimento das ordens
sobre o registramento das terras esse permanece por
muitos tempos fora desta Cidade, e nas poucas vezes
que a Ella vem o freqüenta lugares onde pudesse
ter noticia da obrigação em que estava, que para
tanto necessitava de avizos, por quanto os dos
periódicos custosamente chegão aos lavradores, por
isso pede a V. Ex
ça
haja de attendella com a
benignidade que costuma.
[...]
268
Pela narrativa D. Tereza Martins não se recusou a
registrar a sua terra, o seu argumento foi de desconhecimento
da “obrigação em que estava” de fazê-lo, ou seja, enfatiza a
posição de submissão à Lei. Outro ponto destacado no
requerimento foi a sua pouca vinda à Cidade e quando vinha
“Ella [..] não freqüenta lugares onde pudesse ter noticia da
obrigação em que estava”.
268
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 497. 1861. O requerimento é um tipo de
documento ainda pouco explorado pelos historiadores do Pará, mas de uma
potencialidade significativa pois contem manifestações de natureza diversas
(solicitações, queixas), de pessoas distintas e de toda a província
permitindo um mosaico dos problemas da província. O referido requerimento
de d. Tereza Martins é assinado pelo seu filho e considerar-se-á o
interesse de dela.
156
FIGURA 3 - BELÉM NO FINAL DO SÉCULO XVIII
269
Que lugares seriam esses? Belém possuía (e ainda possui)
muitas igrejas localizadas na chamada frente da Cidade. Na
figura acima pode-se identificar, pelas torres com as
respectivas cruzes, símbolo católico, duas das principais
igrejas da cidade: a da e a dos Mercedários, talvez ela não
frequentasse as igrejas da Cidade. Os caminhos percorridos por
D. Tereza Martins quando estava na Cidade são incertos, mas
como vinha do rio Acará, o porto era um dos espaços
obrigatórios pelo qual ela transitava, pois havia somente o
transporte por via fluvial do Acará para se chegar à Cidade,
nesse sentido, teria que desembarcar em um dos vários portos
de Belém.
Para ampliar a divulgação das notícias, o governo lançou
mão da veiculação de informações por meio de Editais e
periódicos, que o art. 99º do Decreto de 1854 enfatizava
que o Estado Imperial usaria de “todos os meios, que parecerem
269
"Prospectiva da CIDADE DE STA. MARIA DE BELEM do Grão Para". Autor:
Ignácio Antonio da Silva. Fonte: Original manuscrito do Serviço Geográfico
do Exército, Rio de Janeiro. Cf.: REIS, Nestor Goulart. Imagens de Vila e
Cidades do Brasil Colonial. São Paulo: EDUSP/ Imprensa Oficial, 2001.
157
necessários para o conhecimento dos respectivos freguezes,
que, no entanto”, numa província com a dimensão territorial
como a do Pará, imaginam-se as dificuldades e a demora para a
circulação das informações. O que serviu de base para o outro
argumento de D. Tereza Martins, que “periódicos custosamente
chegão aos lavradores”, o que contribuiria para o seu
desconhecimento. Esse pode ter sido uma ilação, mas também não
foi esse o único documento encontrado com semelhante
argumentação acerca da demora de notícias via periódicos.
Outra inferência é que os pertencentes às “camadas dos pobres
livres” seriam alijados socialmente, também das informações
pertinentes a tão importante fato que era a legitimação das
terras.
Havia incerteza sobre o que eram as terras da nação e as
dos particulares. A princípio, pode-se dizer que a
desorganização era mais do governo que não sabia a extensão do
seu patrimônio, pois do lado do apossamento privado os
proprietários procuraram assegurar os seus direitos sobre a
terra. Por isso, desde a segunda metade do século XIX,
preferiu-se trabalhar com a concepção jurídica da exclusão
para determinar qual era o patrimônio público, ou seja, era
terra pública aquela não legitimamente transferida para o
domínio privado
270
.
D. Tereza Martins estava preocupada em não pagar a multa,
fixada em duzentos mil réis
271
o valor correspondente ao
terceiro prazo o qual perdeu, mas procurou seguir as
orientações legais e assegurar a sua terra. De acordo com esta
orientação, procedeu ao registro diretamente na Repartição das
270
MOTTA, Márcia Menendes. Nas fronteiras do poder conflito e direito à
terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998. CARVALHO, Jose Murilo de. A
construção da ordem: a elite política imperial - Teatro de sombras: a
política imperial. 2ªed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Relume-dumará, 1996.
p.303-25. SILVIA, Ligia Osório. Terras devolutas e latifúndion - efeitos da
Lei de Terras de 1850. Campinas, SP: UNICAMP, 1996.
271
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 497. 1861.
158
Terras Públicas conforme atestou o despacho do diretor da
referida Repartição:
Satisfeito a exigência da Lei, fasendo registrar
nesta Repartição as ditas terras, acho que que por
equidade pode V. Exª releva-la da multa em que
incorreu visto achar-se pelo Avizo Circular do
Ministério do Império de 4 de dezembro de 1856.
272
As situações apresentadas ao presidente sobre os fatores
que levaram à perda dos prazos para a realização dos registros
são diversas. Como anteriormente explanado, a atitude de
registrar as terras era uma decisão e um ato político por
parte do paroquiano.
Na trajetória da pesquisa, encontrou-se um número
significativo de mulheres que eram viúvas e que pediram perdão
da multa. Em uma lista não exaustiva constam os nomes de D.
Tereza Martins, da viúva Maria da Conceição de Lara
273
. Esta
última havia sido multada em cento e cinquenta mil réis, por
não ter registrado meia légua de terras que possuía no rio
Acará, no igarapé Catanhaduba.
A viúva Maria da Conceição de Lara, por não ter
feito apresentar para o registro na Freguesia do
Acará a declaração de meia legoas de terras que ali
possue no igarapé Catanhanduba e dentro do primeiro
anno, foi imposta a multa de 150:000 réis, havendo-
o com tudo feito, dentro do segundo, na Repartição
Especial das Terras Publicas.
A mesma viúva, Exmº Senr, não pode pagar essa multa
à vista de seo estado precário, como V. Exª não
de ignorar pelos papeis qui transitaram por sua
secretaria, e que isto prova por este motivo,
submissa e humildemente vem requerer a V. exª que
por sua bondade e justiça se digne de mandal-a
absolver da referida multa, e assim.
272
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 497. 1861. O diretor refere-se ao Aviso
Circular nº 40 anteriormente mencionado.
273
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Serie: Requerimentos. Caixa 497. 1861.
159
Pará, 9 de abril de 1861.
Maria da Conceição de Lara
274
Ela solicitava perdão por não tê-lo feito no primeiro
prazo, mas argumentava que havia obedecido à Lei ao fazê-lo no
segundo, diretamente na Repartição Geral das Terras Públicas,
e também porque não possuía condições de pagar devido ao seu
estado precário. O despacho foi favorável e a viúva Maria da
Conceição de Lara tendo cumprido a Lei, também desejava as
benesses da justiça, assim como D. Joanna Francisca. Essas
mulheres tiveram que pelo menos, buscar esclarecimento sobre
as exigências da Lei e como deveriam proceder, mesmo que para
isso contratassem um profissional, solicitassem o favor de
alguém que entendesse do arcabouço jurídico ou elas mesmas
tentassem resolver a situação de infratoras da Lei, e assim
conseguiram, anular a penalidade sofrida.
Umas pediram perdão das multas por não terem feito o
registro dentro dos primeiros prazos concedidos, mas outras
foram além e pleitearam os títulos de suas terras.
3.4 QUE SE MANDE PASSAR OS COMPETENTES TÍTULOS
Mas assim como mulheres pediram o perdão das multas,
outras solicitaram ao presidente a emissão do título de
propriedade, fato evidenciado na pesquisa arquivística (APEP).
O título definitivo só poderia ser emitido depois de todo
o trâmite burocrático e demarcatório cumprido, ou seja, o
possuidor teria que ter feito o registro com o vigário de sua
paróquia, os dados encaminhados à Repartição Especial das
Terras Públicas, depois disso procedida à demarcação, na
condição de não se apresentar contestação da parte de algum
confrontante quanto aos limites. Cumprido este requisito a
terra seria legitimada e aí o título expedido.
274
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 497. 1861.
160
D. Raimunda Cecília do Nascimento Ribeiro cumpriu esses
trâmites, ou pelo menos a parte no tocante ao de fazer o
registro de suas terras na paróquia da freguesia em que
morava, em cumprimento da Lei. É o que se encontra no seu
registro de número 55, da página 1600 do Livro de Registro
Paroquial da Freguesia de Bragança, ano de 1854 e 1889.
Declaração Dona Raymunda Cecília do Nascimento
Ribeiro a baixo assignada possue nesta Freguesia um
sitio denominado Bom Intento com cafezal na margem
Direita do rio Quatipuru, tendo por vizinhos pela
parte do Norte o posseiro Francisco Jozé dos
Navegantes em distancia de oito centas braças,
occupando com roças de plantação; para a parte de
Leste trezentas braças de terreno de frente, com
mil quinhentas pouco mais ou menos de fundos,
correndo para o Sul. Em cumprimento da Lei faz a
presente declaração. Bragança dez de Março de mil
oito centos cinqüenta e cinco. Raymunda Cecília do
Nascimento Ribeiro.
275
O sítio Bom Intento, de D. Raymunda Cecília possuía uma
extensão com “mil e quinhentas braças pouco mais ou menos de
fundo”, onde cultivava cafezal e roças de plantação. Esse
tamanho era pouco frequente. Pela fronteira Norte, ela
reconhece o posseiro Francisco dos Navegantes como seu
confrontante. Para efeitos da Lei, era fundamental ser
reconhecido como confrontante de outrem, que os limites
territoriais fossem reconhecidos entre si pelos possuidores de
terras. O posseiro Francisco aparece como o único confrontante
citado, as outras fronteiras são delimitadas por acidentes
naturais, principalmente o rio Quatipurú. Mesmo com uma fresta
de desconfiança, em cumprimento a Lei”, ela registrou as
terras no primeiro prazo estabelecido pelo governo cumprindo a
determinação legal.
275
PARÁ, Governo do Estado do. Instituto de Terras do Pará ITERPA.
Registro Paroquial da Freguesia de Bragança. 1854-1889.
161
Registrar era o primeiro passo para ter a terra
legitimada e/ou revalidada por terceiros, deste que esses
também procedessem ao registro das suas terras e os
reconhecessem como confrontantes. Os Registros Paroquiais
poderiam ser utilizados como um instrumento eficiente para dar
legitimidade pública a determinadas práticas de acesso à
terra, bem como de manutenção ou imposição de domínio sobre as
suas terras ou na de outrem
276
.
De acordo com o Relatório de 20 de janeiro de 1858, do
Inspetor Geral da Medição das Terras Públicas do Pará, o
senhor João Martins da Silva Coutinho, o rio Quatipuru era
Navegável [...] em grande parte do anno, de Janeiro
a Outubro [...].
Muito piscoso; de suas margens destendem-se grandes
campos, que posto não se prestem hoje mui bem à
criação, comtudo, tornar-se-hão importantíssimo
mais para diante. [...] Da estrada aos terrenos
medidos terá quando muito 500 braças. É, portanto,
fácil também a communicação com Bragança, centro do
commercio da comarca.
277
De acordo com essas referências sobre o rio Quatipuru, a
propriedade de D. Raymunda Cecília tinha uma localização
privilegiada, uma vez que tinha o escoamento da produção
assegurado pelas condições de navegabilidade do rio
praticamente o ano inteiro. Outro ponto extremamente positivo
e favorável a sua piscosidade, que assegurava o abastecimento
de peixe aos moradores do sítio Bom Intento. A proprietária do
referido sítio tinha motivos consistentes para proceder ao
registro de tão promissora terra para legitimar o seu domínio
particular (ver mapa 3, p.163).
276
Ver: MOTTA, Márcia Menendes. Nas fronteiras do poder conflito e
direito à terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura,
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998.
277
Arquivo Público de o Paulo. Relatório Imperial. RIMP. Ano: 1858. Anexo
B. Relatório da Repartição Geral da Terras Públicas.
162
Atendido à imposição do Decreto de 1854, a proprietária
do sítio Quatipurú, demarcado no ano de 1855, conforme o
registro paroquial, nos campos do rio do mesmo nome, esperou
pelo título definitivo. Contudo, passados cinco anos e como
ainda não havia recebido a documentação almejada, requereu ao
presidente a emissão do competente título de propriedade pela
Repartição Especial das Terras Públicas.
D. Raimunda Cecília do Nascimento Ribeiro,
proprietária da Fazenda Quati-purú que foi
demarcada pelo Tenente Luis Eduardo de Carvalho,
nos campos do rio Quati-purú vai rogar a V. Ex
ça
se
mandar que pela Repartição Especial das Terras
Públicas, se lhe passe o competente título, por
cuja graça.
Bragança, 10 de maio de 1860.
Por minha Mai a Senhora D. Raimunda Cecília do
Nascimto Ribro.
Manoel Ribro
278
O documento não tem o despacho final, contudo, o que
interessa é visibilizar a ação de mulheres que se defrontaram
com um arcabouço jurídico novo que normatizava o bem que lhes
era sagrado para a reprodução social de sua existência: a
terra. Como lidar com isso? Decididamente não foi fácil. D.
Raymunda Cecília do Nascimento Ribeiro
279
, enfrentou os
trâmites burocráticos, cumpriu as orientações jurídicas e
buscou a titulação de suas terras, o que não foi possível
saber o desfecho, porque se perdeu o seu rastro na
documentação.
278
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 493. 1860.
279
Foi possível palmilhar essa breve trajetória na sua luta árdua de
legitimação e titulação de sua propriedade, devido ao cruzamento de fontes
como os Registros Paroquiais de Terras, os Requerimentos e Relatórios da
Inspetoria das Terras Públicas.
163
MAPA 3 - TERRAS PÚBLICAS E TERRAS PARTICULARES DEMARCADAS NA
COMARCA DE BRAGANÇA (1854-1860). ÁREA DE INTENSOS CONFLITOS
DURANTE A CABANAGEM (1835-1841)
280
280
Mapa da Costa do Pará, com os Rios Guamá, Acará, Capim e Gurupy. 1900.
Mapa 39x32 cm (s. escala). Museu Emilio Goeldi. n.123. Pará Mapa Físico.
164
A província do Pará reconstruía a teia das relações de
dominação seguindo as rupturas que representou a Cabanagem.
Essa reconstrução (nas palavras do general Francisco Soares d’
Andréia, de pacificação) foi produto de uma forte repressão,
que, de um lado, marcou militarmente a derrota do movimento;
de outro, colocou em xeque o que seria ordem/desordem,
deixando alguns traumas locais no hinterland da província.
Em uma sociedade marcadamente agrária os lavradores
tiveram participação significativa na agitação social do Pará
provincial. Nela, a terra foi um dos ingredientes do
caldeirão que explodiu no mês de janeiro de 1835.
Os conflitos em torno do problema fundiário já aconteciam
notadamente numa das regiões de grande intensidade dos
enfrentamentos: os vales do rio Acará
281
- onde ficavam
localizadas as terras de d. Tereza Maria Caetana Martins e de
D. Maria da Conceição de Lara.
No mapa 3 é produzido um exercício de aproximação de
tempos e de representação cartográfica para uma visualização.
O objetivo é uma reflexão sobre os acontecimentos de 1835-1841
e o processo de registro e demarcação de terras na província
do Pará entre 1854-1860.
No momento em que o Estado Republicano estava procedendo
a um novo levantamento de terras públicas e particulares
possuídas foi elaborado este mapa, datado de 1900,
representando a Costa do Pará e sua hidrografia no qual se
destacaram os rios Acará, Guamá, Capim e Gurupy.
Nesse mapa, foram sobrepostas as marcas que assinalaram
as regiões de intensos conflitos acontecidos durante a
Cabanagem. Notadamente, ao longo desses quatro grandes rios,
muitos possuidores de terras tiveram suas propriedades tomadas
pelas forças cabanas e/ou pelos representantes da legalidade,
281
Cf.: LIMA, Ana Renata de Rosário. Revoltas Camponesas no Vale do Acará -
PA (1822-1840). Dissertação (Mestrado em História), Belém, Universidade
Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, 2002.
165
pois durante o movimento os direitos individuais ficaram
suspensos.
O medo tomou conta das autoridades, pois o Acará foi
duramente marcado pelos combates empedernidos e pela
expropriação de posseiros ocorrida
282
. Nesse sentido, não seria
absurdo os vestígios escondidos na memória
283
dos moradores, da
violência vivenciada e o temor de se perder a terra durante os
anos 30. Por isso fazer o registro de suas posses representava
assegurar-se legalmente perante a nova medida do governo Lei
de Terras. Significava, pois atender uma determinação oficial,
para preservar o que consideravam legitimamente seus e pelo
qual tinham travados batalhas para defender a terra durante a
Cabanagem.
O segundo exercício no mapa foi visualizar a Inspetoria
das Terras Públicas, a única instalada no Pará, localizada na
Comarca de Bragança, procurando refletir a importância dessa
repartição e a questão da terra, frisando que essa região
também experimentou com intensidade a Cabanagem.
Em destaque, o lugar de Tentugal escolhido para
viabilização do projeto de Colonização, situado às margens do
rio Caeté, que corta a Cidade de Bragança. De acordo com o
Relatório de 20 de janeiro de 1858, do Inspetor Geral da
Medição das Terras Públicas do Pará, o senhor João Martins da
Silva Coutinho, a área do Tentugal
Pode ir-se à capital em cinco dias, em Ourém, e a
Bragança também. [...] O terreno é fertilíssimo
[...]. A vegetação [...] é nesses lugares tão
grandiosa como por toda parte. A mandioca, o café,
282
O líder cabano Felix Clemente Malcher se tornou titular de sesmarias
em 1832, assim como muitos proprietário (médios e pequenos) viram suas
terras ocupadas.
283
Sobre memória ver: NORA, Pierre. “Entre memória e História: a
problemática dos lugares”. Tradução de Yara Aun Koury. Projeto História.
Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento
de História da PUC/SP. o Paulo, EDUC, 1981. POLLAK, Michael. Memória,
esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos. Vol.2. n.3. Rio de Janeiro:
Edições Vértice, 1989. p.3-15.
166
e algodão principalmente, crescem com muita força
nos lugares altos.
284
Assim, o mapa facilita reconhecer a importância
estratégica de localização dessa repartição e a questão da
terra.
A Cabanagem atingiu a província do Pará em toda a sua
dimensão, atravessou os rios, baias, igarapés, furos,
atracando em suas margens. O controle sobre a terra esteve no
centro das disputas e os engenhos e fazendas teriam sido alvo
da destruição
285
.
Em toda a província, encontravam-se as marcas e as falas
sobre a expropriação, o que aconteceu de ambos os lados
beligerantes. D. Tereza Maria Caetana Martins e D. Maria da
Conceição de Lara que moravam na zona Guajarina, como também
ocorreu com os moradores de Santarém, Oeste do Pará,
experimentaram o dissabor da violência e de perdas de bens
durante a Cabanagem. Segundo o comandante militar de Santarém,
por seu mandado:
[...] foi igualm
e
batido pello comm
de
da Força
d’Alenquer o ponto do Curicaca, o qual dispersado
os malvados d’aquelle lugar, o tomou com toda a
bagage que os m
mos
tinhão sendo ella grande porção
de trastes roubados a diferentes pessoas, e de
diversas partes [...] apresentando-se lhe
igualmente 4 homens, algumas mulheres, e 9 escravos
os quais tenho ordenado sejão entregues a seos
senhores quando estes pertenção a Legalide [...]
284
Arquivo Público de o Paulo. Relatório Imperial. RIMP. Ano: 1858. Anexo
B. Relatório da Repartição Geral da Terras Públicas.
285
Francisco Soares de Andréia abriu a primeira sessão da Assembléia
Provincial em 2 de marco de 1938 e traça as dimensões da “destruição”. “Á
exceção da vila de Cametá, freguesia de Abaeté, praça de Macapá, e das
vilas e pequenas povoações do rio Xingu, não me consta que alguma outra
parte desta vasta província escapasse ao furor dos malvados. Assim foram
destruídos em sua maioria os engenhos e fazendas, dispersos ou mortos seus
escravos, consumidos os gados de criação, extinta até a sementeira dos
gêneros mais precisos ao sustento ordinário. distritos onde não
deixaram vivo nem um homem branco; por toda a parte sente-se a falta de
população em todas as classes.” PARÁ, Governo da província do. “Falla do
Presidente da Província do Pará Francisco Jode Souza Soares D’Andrea na
Assembléia Provincial”. P.3-4. Cf.: THE UNIVERSITY OF CHICAGO. Maio de
1838. Disponível em: <www.uchicago.edu/content//para.htm>.
167
aqui estou tenho dito a fortuna de fazer expulsar
os rebeldes para fora das proximidades, e
comerciais desta Villa, com o q’ tem os abitantes
da m
ma
podido retirar os seos cacaos, e outros
generos q’ pellas suas cituaçoens tinhão, o que
athé então o não tenhão podido conseguir por
estarem os rebeldes de posse de tudo conseguindo
igualm
e
a abundancia, e fartura de generos
comistiveis de que presentemente abunda esta villa,
vendo-se os seos habitantes livres da penuria, em
q’ se achavam a dois mezes pouco mais ou menos.
[...]
Deos Guarde a V. Exª Quartel do Comm
do
Militar
Santarém 14 de Maio de 1837.
286
As peças documentais revelam que de fato a terra e os
produtos dela oriundos foram os alvos privilegiados na
situação de guerra. Os cabanos foram despojados de toda a
bagagem, incluindo instrumentos de trabalho, animais que
possuíam, pois na visão das autoridades seria fruto de roubos.
Os moradores que haviam perdido as suas posses para os
rebeldes, após a chegada da tropa legal, ficaram desimpedidos
para colherem os “seos cacaos”.
O documento acima, datado de 1837, momento em que a
Cabanagem ganhou intensidade nos interiores paraenses. Este
clarifica as disputas, perdas, recuperação de bens,
acontecimentos que interferiram na reorganização das comarcas.
Quase vinte anos depois, estes moradores defrontaram-se
com uma legislação diretamente vinculada ao acesso à terra,
onde obtinham seus meios de subsistência. Como agir diante de
suas determinações ou mesmo a possibilidade de garantir o
direito a terra?
Analisa-se a seguir, pela simetria de ações, a posição
tomada por D. Raimunda Cecília do Nascimento Ribeiro que tinha
sua propriedade em Bragança, município em que foi instalada a
Inspetoria das Terras Púbicas, a única zona destinada à
286
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Códice: 888. 1829-1837.
168
colonização
287
na província do Pará, com as decisões de D.
Tereza Caetana Martins e D. Maria da Conceição de Lara, ambas
moradoras do Acará, donas de sítios, requerentes de perdão de
multas e que registraram suas terras. As três mulheres
obedeceram os preceitos legais, registraram as suas terras
respectivamente, mesmo com desconfiança, pois o importante,
nesse tempo de incertezas era assegurar os seus torrões.
A Província do Pará ressalta no conjunto do império,
pois efetivou o maior número de posses registradas
288
, pois de
conformidade com os dados oficiais de registros realizados
pela Repartição Geral das Terras Públicas chegou a ter 19.000
registros de posses.
O momento de violência, insegurança e expropriação
intensas vivenciadas na Cabanagem, reverberou na memória dos
moradores que nos anos cinquenta experimentavam o medo de
perder a terra, diante o novo instrumento de direito
fundiário.
3.5 MULHERES NOS MEANDROS DA LEI E NAS TRILHAS DA TERRA:
CONFLITO AGRÁRIO NA PROVÍNCIA DO PARÁ
As relações de gênero, construídas culturalmente,
designam a esfera do poder político e do conflito como
apanágios dos homens. Para Michelle Perrot, “A idéia de gênero
[é a] de uma diferença dos sexos baseada na cultura e
produzida pela história”
289
. Neste raciocínio, as práticas
sociais são instituídas, as ações e os comportamentos
experienciados, o que abriga e revela múltiplos significados.
Com esta orientação, pretende-se refletir, neste item,
sobre a presença das mulheres na Província do Pará, em meados
do século XIX, após os conflitos da Cabanagem, mais
287
A localidade de Tentugal foi demarcada para receber colonos,
principalmente portugueses. É uma área marcada pela pequena propriedade.
288
Ver o capítulo 2 do presente trabalho.
289
PERROT, Michelle. Mulheres públicas. São Paulo: Ed. UNESP, 1998.
169
particularmente, a relação delas com o direito à terra, com a
Justiça e seus apanágios jurídicos, como a Lei de Terras de
1850, o Decreto 1.318, de janeiro de 1854. Ressaltam-se ainda
os conflitos advindos com sua execução.
Sabe-se que esta Lei objetivava dar solução às diversas
situações referentes à terra, em uma tentativa de o Estado
Imperial promover um ordenamento jurídico da propriedade da
terra, uma vez que, desde o período da América Portuguesa, a
situação era, no mínimo, confusa.
290
Praticamente, é consenso entre os historiadores que uma
das vias possíveis da origem dos conflitos sociais no campo é
a histórica distribuição desigual da propriedade de terras,
contudo, se é difícil mencionar estudos sobre conflitos de
terras no século XIX, pois ainda temos poucas pesquisas isso
no Brasil –, o cenário fica mais delicado, ainda, quando se
pensa o sujeito histórico mulher como partícipe desse processo
e suas experiências no campo na Província do Pará. Como as
mulheres lidaram com esta tentativa do Estado Imperial em
organizar e disciplinar a propriedade agrária no Brasil?
Os “pobres” aprenderam a lidar com o emaranhado das leis,
e eles estavam enquadrados em situações categorias: pequenos
posseiros, agregados, arrendatários, foreiros. A defesa
jurídica do direito à terra ocupada
291
seria reforçada. Também
as mulheres viúvas, solteiras, casadas, abandonadas pelos
maridos necessitaram penetrar nos meandros da lei com seus
inúmeros embaraços e armadilhas.
Dentro desse emaranhado de leis do corpus jurídico do
século XIX, as mulheres não eram consideradas cidadãs. E, no
entanto, também estavam sendo atingidas pela legislação em
vigor, ao se enquadrarem de diversas formas e situações
290
SILVA, Ligia Osório da. Terras devolutas e latifúndio efeitos da Lei
de 1850. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1996. MOTTA, Márcia Menendes. Nas
fronteiras do poder - conflito e direito à terra no Brasil do século XIX.
Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo Público do Rio de Janeiro, 1998.
291
MOTTA, op. cit. Ver também: THOMPSON, E. P. “Patrícios e plebeus”. In:
THOMPSON, E. P. Costumes em comum estudos sobre a cultura popular
tradicional. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p.25-85.
170
sociais enquanto posseiras, herdeiras, arrendatárias, senhoras
e possuidoras. Como reagiram diante a situação nova? Com igual
dificuldade aos homens elas tiveram que aprender a interpretar
as normas vigentes, sem estar imunes aos conflitos em torno
das terras no Brasil. Para a pesquisa histórica é central
reconhecer as ações e as estratégias que grupos de mulheres
elaboraram para preservar e defender suas posses de tentativas
de usurpação.
Em 1857, a Sr
a.
Anna Justina
292
, moradora na Ilha Bacury,
Igarapé Pererú, distrito de São Caetano, Termo de Vigia
pertencente à Comarca da Capital
293
, em requerimento enviado ao
presidente da província do Pará, expôs o fato de que dois
homens teriam “invadido” a sua terra, e que havia reclamado
com o subdelegado da localidade, que não tomou providências;
nada fez, para o seu desapontamento:
A srª Anna Justina, moradora na Ilha Bacury,
Igarapé Pererú, districto de S. Caetano, vem cheia
de confiança na rectidão e inteireza de V. Exª
pedir justiça, que não tem podido obtel-a das
autoridades perante as quaes atem reclamado.
294
Sem ter seu pleito atendido, ela lançaria mão de um
recurso extraordinário: escrever para o presidente da
província, solicitando providências.
292
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 484. 1857. Os Requerimentos constituem-se em
uma fonte de significativa potencialidade, por fluírem de todos os pontos
da Província e enviados pelos diversos habitantes, versando sobre os mais
variados assuntos possibilitando ao pesquisador um panorama dos problemas
de diversas ordens: político, administrativo, social, educacional,
econômicos e não raro ecológicos, por ventilar questões sobre a destruição
de recursos naturais.
293
A Província do Pará estava dividida em 26 municípios, sendo que a
divisão eclesiástica era de 63 Paróquias. PARÁ, Governo da província do.
Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Provincial do Pará no dia 15
de agosto de 1856, por occasião da abertura da primeira sessão da 10.a
legislatura da mesma Assembléa, pelo presidente, Henrique de Beaurepaire
Rohan. Typ. de Santos & filhos, 1856. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES -
CRL. Disponível em: <http://www.crl.edu/content/brazil/para.htm>.
294
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 484. 1857.
171
O documento em questão desperta inquietações: será que D.
Anna Justina conhecia a Lei de Terras 1850 e o Regulamento de
1854
295
? Que concepção tinha de propriedade? Ela conhecia
(senão o seu representante, o senhor Manoel de Vera Cruz, com
certeza) a hierarquia e a organização político-administrativa
da Província do Pará, que, por meio de seu procurador,
dirigiu-se diretamente ao presidente. Seu ato consistiu em
dirigir-se ao juiz e o subdelegado da vila, representantes da
justiça e da polícia, instituições responsáveis pela aplicação
e zelo pelas leis. Mas foi obrigada a passar por alto das
autoridades locais que ignoraram o seu apelo. Com esta
estratégia, D. Ana Justina procedeu à interpretação das
barreiras e hiatos da organização político-administrativa da
Província; realizava a leitura atenciosa das estruturas
hierarquizadas de poder provincial, com vistas a assegurar o
seu direito de propriedade. Por meio de seu representante
expôs
296
:
Sem respeito às boas Leis e as garantias da
propriedade do cidadão se introduzirão [os
“invasores”] nas ditas terras da supp
e
edificando e
roçando sem prévio cosentimento seu [...].
297
Nenhum acordo prévio existia entre as partes e muito
menos o "consentimento" da requerente para que os dois
acusados, Manoel GLZ do Rego e Manoel Ramos, fizessem qualquer
construção ou plantação. Ao procederem, conforme denunciava no
295
Essa inquietação será alvo de reflexão, pois devido a extensão da
Província as notícias o chegavam tão rapidamente. Por outro lado, muitos
entendiam o Edital do Regulamento de 1854 como sendo “a Lei do Reverendo”,
notadamente na Vila de Cintra.
296
Márcia Motta reflete sobre a importância da escolha de um advogado para
defender os interesses do contratante em um processo judicial, uma vez que
o profissional escolhido significa ser a opção pela pessoa que melhor
traduza e defenda, no terreno jurídico, seus interesses visando recuperar e
fazer valer o que acreditavam serem os seus direitos. MOTTA, Márcia
Menendes. Nas fronteiras do poder - conflito e direito à terra no Brasil do
século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo Público do Rio de
Janeiro, 1998. p.97-117.
297
Arquivo Público do Pará. Secretaria da Presidência da Província. Série:
Requerimentos. Caixa 484. 1857.
172
requerimento, eles violaram com seus atos as "boas leis" do
Império.
Na sua alegação, os acusava de estarem “entrando nas suas
terras” porque sabiam ser ela uma mulher sozinha. D. Anna
Justina identificava a sua condição de mulher “sozinha”, sem a
presença masculina, na Província do Pará, em meados do século
XIX. Refazia-se nesta circunstância o lugar social e de gênero
hierarquizado. O discurso de acusação apoiava nessa condição
social, para reivindicar o cumprimento da lei e a retirada dos
dois indivíduos de suas terras. Ela não aceitou passivamente o
papel de vítima, soube, mostrar que estava sendo privada de
direitos pela ação de dois [homens] que identifica como
violadores de seus direitos
298
. Nesse ato, argumentou que o
fato de estar sozinha com seus filhos e netos, não significava
que ela pudesse ser despojada e expropriada de sua terra.
Impotente, mas não incapaz, de fazer frente àqueles que
tentaram usurpar o seu "sagrado" direito de propriedade,
recorreu ao presidente da Província, por meio do assinante do
seu requerimento.
Na sequência do Requerimento, encontram-se indícios do
labor de D. Anna Justina para garantir a sua existência e de
“sua numerosa família”,
Ex
mo
Snr, a mais de 60 annos que reside com sua
numerosa família na mencionada Ilha, cujas terras
lhe pertencerão por falecimento de seu marido
Thomaz João d’Aquino, cultivando constantemente as
ditas terras e nellas fazendo roçados, para assim
poder tirar algum meio de subsistência para si,
para seus filhos e netos. [...]
299
298
Arquivo Público do Pará. Secretaria da Presidência da Província. Série:
Requerimentos. Caixa 484. 1857.
299
Arquivo Público do Pará. Secretaria da Presidência da Província. Série:
Requerimentos. Caixa 484. 1857. Para Sheila de Castro Faria, uma família
numerosa era importante para a manutenção de uma unidade agrária, assim
filhos e, quem sabe, netos também em idade produtiva eram misteres enquanto
mão-de-obra. FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento fortuna e
família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
173
A viúva de Thomaz d’Aquino assumiu o papel social de
provedora e mantenedora daqueles que viviam sob seu teto,
responsável em “tirar algum meio de subsistência para si, seus
filhos e netos”, ou seja, de “sua numerosa família” apesar
de não quantificar precisamente o quanto era de fato numerosa,
“cultivando constantemente as ditas terras e nellas fazendo
roçado”.
O ato possessório, como plantar e edificar casa, assim
como o cultivo com efetiva exploração da terra e morada
habitual eram condição necessária para confirmar uma posse.
A Lei de Terra de 1850 consagrou o cultivo como elemento
legitimador da posse. Este processo constitui-se enquanto
prática de ocupação da terra, remontando ao período de
implantação do instituto jurídico do sistema sesmarial no
Brasil, que foi sendo revalidado, a despeito dos problemas
sociais gerados quanto ao direito de propriedade, pela Coroa
por meio de alvarás, decretos, resoluções e cartas régias.
Decorre dele o costume da posse que passou a ter
aceitação jurídica para assegurar a ocupação da terra àquele
que efetivamente a cultivava
300
. D. Anna Justina esforçar-se,
junto ao governo provincial, para justificar o porq
utilizava a terra para o desenvolvimento de uma atividade
agrícola visando atender às necessidades familiares. O fato de
enfatizar que “cultivava a terra constantemente fazendo
roçado” reforçava o argumento de perenidade e regularidade de
sua família na posse. Não era casual. Havia uma cultura
efetiva e morada habitual, costume juridicamente aceito.
D. Anna Justina revelava nas fímbrias do documento outros
argumentos jurídicos: a sua condição de herdeira da terra na
qual residia a mais de sessenta anos. Revelava com isto a
forma pela qual teve acesso a terra, que pertencera a seu
300
MOTTA, Márcia Menendes. Nas fronteiras do poder - conflito e direito à
terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo
Público do Rio de Janeiro, 1998. Ver também: SILVA, Ligia Osório da. Terras
devolutas e latifúndio efeitos da Lei de 1850. Campinas, SP: Ed. UNICAMP,
1996.
174
marido e herdou-as após falecimento do dito. D. Anna Justina,
além de sua dupla condição social de herdeira e viúva
enfatizava a ancianidade da ocupação da terra, residia nela a
mais de sessenta anos
301
. Portanto, além do ato possessório, o
pleito foi justificado pelo tempo de ocupação, elemento
importante para defender a permanência.
A aceitação pelos confrontantes
302
vinha ser outro
critério importante de reconhecimento do direito legítimo
sobre um determinado pedaço de terra. D. Anna Justina contava
com vizinhos que a reconheceram como possuidora de fato e de
direito da terra em questão.
Não raro, neste jogo de reconhecimento se estabelecia uma
correlação de forças, assim como se abriam disputas políticas.
D. Anna Justina moveu-se no quadro de relações pessoais
entretecidas com os diversos segmentos sociais para conseguir
que as pessoas consideradas “ilustres” da Vila de São Caetano
lhe declarassem seu apoio, a reconhecendo como herdeira
efetiva de seu marido Thomaz d’Aquino e, por conseguinte
admitirem seu direito de proteger sua propriedade, recebida em
herança.
Outra manifestação desse reconhecimento expressou-se no
ato dessas mesmas pessoas manifestarem suas objeções à atitude
dos dois suplicados “invasores” que se intrusaram nas terras
de D. Anna Justina.
301
Esse dado confrontado com outro indício presente no mesmo documento
permite refletir sobre a idade aproximada com que se casou D. Anna Justina
com o seu marido, Thomas d’Aquino, pois no momento deste requerimento,
objetivando que lhe faça justiça. Nada mais do que justiça e justiça, Exmo
Snr~, é o que reclama esta infeliz viúva que no ultimo quartel de sua
existência, pois que Ella conta mais de 70 anos de idade. Se ela residia a
mais de sessenta anos e coevamente ao requerimento possuía setenta anos,
deve ter casado com pouco mais de dez anos de idade. Esta inquietação sobre
as relações de afetividade na Província do Pará em meados do século XIX
pretende-se refletir em um capítulo. Nas fontes depreende-se haver uma
variação quanto ao tempo de idade cronológica para o casamento e
constituição de família. Sobre essa inquietação é instigante o trabalho de:
HAREVEN, Tâmara K. “Tempo de família e tempo histórico”. Revista História:
Questões & Debates. Curitiba, UFPR, jun. 1984. p.3-26.
302
MOTTA, Márcia Menendes. Nas fronteiras do poder - conflito e direito à
terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo
Público do Rio de Janeiro, 1998. p.171.
175
O representante de D. Anna Justina utilizou-se da
estratégia de desqualificar ainda mais os dois homens que se
invadiram as terras da suplicante. Primeiro, ao traçar os seus
perfis de violadores da lei e de desrespeitarem o sagrado
direito de propriedade. Ainda mais que o senhor “Manoel
Gonçalves do Rego é homem abastado de bens da fortuna e a supp
e
é m
to
pobre, viúva, de uma idade muito avançada e quazi cega e
por isso sem meios de poder ir ao encontro das violações que
se lhe tem feito e sem proteção alguma!!!”
303
Para lutar contra
a violência sofrida. Demonstrar que um dos “invasores”
empregava seu poder econômico para usurpar uma mulher pobre,
viúva e que mesmo assim chegava a fazer frente às investidas
do senhor “abastado”
304
. Segundo, ao demonstrar que os
suplicados eram personae non grata na comunidade do igarapé
Pererú, lugar da Ilha de Bacury, distrito de São Caetano. No
dossiê enviado ao presidente da Província estavam anexadas
várias declarações de moradores que, supostamente, sabiam que
um dos suplicados, Manoel Ramos, andava cometendo
arrombamento, roubos e agressões.
Sobre este caso, o Inspetor de Quarteirão
305
senhor João
Francisco afirmou em declaração que
303
Arquivo Público do Pará. Secretaria da Presidência da Província. Série:
Requerimentos. Caixa 484. 1857.
304
Michelle Perrot reflete sobre uma escrita da história marcada pelo viés
masculino com a instituição de imagens e modelos de mulheres que deveriam
ter comportamentos socialmente prescritos, aceitos e esperados. Talvez por
esses indícios de como poderiam ser pensadas e vividas as relações de
gênero em meados do século XIX no Pará é que o senhor Manoel Ramos
enfatizasse tanto a imagem D. Anna Justina como uma mulher pobre, viúva,
quase cega, potencializando essas adjetivações, para apresentá-la como uma
mulher frágil e desamparada da égide masculina e por conseguinte
necessitada da proteção da justiça. Explorando um arcabouço de práticas,
valores e normas morais e sociais aceitas para um determinado lugar social
da mulher esperando conseguir sensibilizar o presidente da Província, o
senhor Henrique de Beaurepaire Rohan, em favor de sua representada. PERROT,
Michelle. Os excluídos da história operários mulheres e prisioneiros. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
305
A Lei de 29 de novembro de 1832, que promulgou o Código do Processo
Criminal de Primeira Instância com disposição Provisória acerca da
administração da Justiça Civil, na Seção 3ª, estabelecia as atribuições dos
“Inspectores de Quarteirões”. O Art. 16 dispunha que em cada Quarteirão
haverá um Inspector, nomeado também pela Camara Municipal sobre proposta do
Juiz de Paz d’entre as pessoas bem conceituadas do Quarteirão, e que sejam
176
Attesto em como odito Manoel Ramos heomem
intrigante dando pancada emfilhos do moradoris sem
cauza Rombador de cazas dos Vizinhos Atacandoos
odito Jozé Raim
do
de Armas eterçado Robador de roças
a Alheia He o que poço attestar pois como He
verdade. [...] Sitiu no Igarapé Bacuri, Inspector
Manoel da Paixão, 28 de abril de 1854.
306
Essas manifestações são importantes para analisar a
situação de conflito, de mandonismo e a violência contra
aqueles que lavravam a terra. O antagonismo entre lavradores e
homens abastados estava sendo descrita sem fendas. Um dos
violadores era abastado, o outro integrante da dupla foi
classificado como mal feitor, de índole, que havia
cometido crimes armado, provavelmente com arma de fogo, e
com terçado, como ressalta o inspetor Manoel da Paixão. Tal
sujeito atentava contra a segurança e integridade física dos
membros da comunidade. Ele havia dado pancadas nos filhos da
vizinhança; bem como atentava contra a propriedade ao arrombar
as casas e roubar as roças dos vizinhos. A estratégia do
representante da suplicante foi demonstrar que as ações dos
implicados de quererem se apossar de terras de outrem partia
maiores de vinte e um annos. O Art. 18 versava sobre as atribuições que
seriam, basicamente, Vigiar sobre a prevenção dos crimes, admoestando aos
comprehendidos no art. 12 § para que se corrijam; e, quando o não façam,
dar disso parte circunstanciada aos Juízes de Paz respectivos. Os
compreendidos no Art. 12 § 2º eram os vadios, mendigos, bêbados por hábito,
que perturbam o socego publico, os turbulentos, que por palavras, ou ações
ofendem os bons costumes, a tranqüilidade pública, e a paz das famílias.
Ainda dentro de suas atribuições podiam fazer prender os criminosos em
flagrnante delicto, os pronunciados não afiançados, ou os condenados à
prisão. Fundação Cultural Tancredo Neves CENTUR. Sessão de Obras Raras.
Colleção das Leis do Império do Brazil de 1832 Parte Primeira. Código do
Processo Criminal de Primeira Instância. Ano de 1832. p.186, 189 e 190. Rio
de Janeiro, Typographia Nacional, 1874. De acordo com o que previa esta
Lei, um dos critérios para ser um Inspetor de Quarteirão era ser uma pessoa
bem conceituada, ou seja, deveria ter minimamente a credibilidade ante os
moradores; credenciando o seu parecer sobre os envolvidos de relevância
impar e favorável para a Suplicante, que recorre ao juízo de valor que fez
o Inspector Manoel da Paixão. Que critérios norteariam para se definir o
que seria uma pessoa bem conceituada, a Lei não esclarece. Grifos nossos.
306
Fundação Cultural Tancredo Neves CENTUR. Sessão de Obras Raras.
Colleção das Leis do Império do Brazil de 1832 Parte Primeira. Código do
Processo Criminal de Primeira Instância. Ano de 1832. p.186, 189 e 190. Rio
de Janeiro, Typographia Nacional, 1874. Este não foi o único documento,
existem vários documentos, além desde do inspetor de quarteirão, de
moradores e proprietários, vigário, todas com conteúdos e opiniões
semelhantes quanto ao caráter e índole do acusado Manoel Ramos.
177
de indivíduos criminosos, de reputação e desrespeitosos da
lei e do convívio social.
Esses fatos aconteceram em abril e maio de 1854, e o
requerimento de D. Anna Justina é de setembro de 1857.
Contudo, essa não tinha sido a primeira tentativa de Manoel
Gonçalves do Rego de invadir as terras de D. Anna Justina. No
ano de 1853, ela havia recorrido à Câmara Municipal de
Vigia
307
. De acordo com o argumento de seu representante,
O Art° 21 da Lei Provincial, 242 de 30 de
setembro de 1853, apesar de ser privativo à supp
e
tem sido lettra morta para com a Camara Municipal
de Vigia, por que ate hoje não lhe tem dado o
devido cumprimento e a supp
e
continua a viver sob o
pezo das arbitrariedades e despotismos, de que tem
sido vitima.
308
A referida Lei determinou em seu capítulo 3°, Art. 21,
que
A Camara Municipal de Vigia restituirá a Anna
Justina o terreno de que Ella sempre esteve de
posse; e nullificará o aforamento, que do mesmo
terreno havia feito a Manoel Gonçalves do Rego.
309
D. Anna Justina algum tempo vinha travando uma luta
contra as tentativas de se apossar das terras da parte do
senhor Manoel Gonçalves do Rego. Luta travada dentro das
instâncias político-administrativas e jurídicas do Estado
Imperial, buscando proteger a sua propriedade, mas também
tentando defender in loco suas terras.
307
O Termo de Vigia pertencia à Comarca da Capital e era composta pelas
Freguesias de Vigia, Colares e São Caetano, distante aproximadamente 16
léguas da Capital. Arquivo Público de São Paulo. Relatório do Presidente da
Província do Pará, senhor Conselheiro Sebastião do Rego Barros, maio de
1856. 1856-1857.
308
Arquivo Público do Pará. Secretaria da Presidência da Província. Série:
Requerimentos. Caixa 484. 1857.
309
Arquivo Público do Pará. Colleção das Leis da Província do Pará. Lei
242 de 30 de setembro de 1853. Tomo XV, Parte 1ª. Typ. de Santos & Filhos,
1853 (grifo nosso).
178
O senhor Manoel do Rego tinha sido atendido num primeiro
momento em seu pleito de aforamento. Com essa concessão,
passou a ter o pleno gozo do direito à terra mediante
pagamento de foro, posteriormente anulada por lei provincial.
A argumentação feita por D. Anna Justina com base na
leitura e interpretação da supracitada Lei 242 indicou que
estava atenta aos meandros do jogo político e das normas
jurídicas. Desta forma, no conhecimento de que havia outra
pessoa dizendo-se dono da terra que ela considerava sua,
quando nela vivia a mais de sessenta anos, respaldou o
documento legal de aforamento expedido pela Câmara Municipal
de Vigia. Um dos caminhos necessariamente era o institucional,
ou seja, da Justiça foi acionado com sucesso.
Contudo, se D. Anna Justina teve o triunfo de ter
reconhecida juridicamente a legitimação de livre posse das
terras que habitava ante a Câmara Municipal de Vigia, e por
meio de uma Lei Provincial, o senhor Manoel Gonçalves do Rego
não acatou tal decisão passivamente. Ele recorreu à utilização
da violência contra Anna Justina. Com o intuito de amedrontar
e vencer sobre a viúva o fez se aliar ao senhor Manoel Ramos,
autor de crimes diversos. Ambos tentaram coagir pela força,
utilizando meios violentos, aquela que ousava se opor e
resistir às manifestações de brutalidade, pois, como frisava o
autor do requerimento, ela:
[...] até tem tentado contra a existência de
pessoas pertencentes à família da supp
e
[...] a
supp
e
continua a viver sob o pezo das
arbitrariedades e despotismos, de que tem sido
vitima.
310
Nos casos relatados estamos utilizando os registros
existentes das denominadas fontes oficiais submetidas ao
310
Arquivo Público do Pará. Secretaria da Presidência da Província. Série:
Requerimentos. Caixa 484. 1857.
179
exercício de crítica
311
assim como proceder a uma leitura
atenta, parcimoniosa de forma a compreender os silêncios e os
não ditos. D. Anna Justina não teve trégua, mas também não
ficou passiva, pelo contrário, procurou a égide do Estado
Imperial, recorrendo em outubro de 1855, ao juiz municipal de
Vigia, solicitando expedição de um mandado de despejo contra
os dois violadores e ainda que parassem de “contendar com a
suppe”.
O pleito foi atendido pelo Doutor Gratuliano Jozé da
Silva Portoz, juiz municipal de Órfãos e Delegado de Polícia
dos Termos Reunidos da Cidade de Nazareth da Vigia e Vila de
Cintra
312
, que expediu o mandado de despejo contra Manoel do
Rego e Manoel Ramos, determinando enfaticamente que ambos
fossem intimados “para que de huma vez Abrão e fassão despejo
das terras em que se achão, ou se querem apossar, visto que
lhes não pertencem, e sim a requerente [...]”
313
. Porém, mais
uma determinação da Justiça que, parece, também ter sido
ignorada pelos intimados.
Entretanto, não ficou esclarecido o desfecho final do
conflito, pois o documento localizado era apenas um
requerimento destinado ao Presidente da Província, engenheiro
Henrique de Beaurepaire Rohan, assinado pelo senhor Manoel de
Vera Cruz, procurador de D. Anna Justina. Revelando habilidade
jurídica fundamentou-o da melhor maneira possível, anexando os
documentos pertinentes e necessários à defesa de sua
“cliente”, a suplicada.
A breve descrição do conflito pela legitimação da posse
da terra em questão, vislumbra as estratégias jurídicas de
cada um dos contendores e, principalmente, como eles lidaram e
311
O exercício da crítica ao documento é obrigação de qualquer historiador.
Para Emmanuel Le Roy Ladurie “Todo trabalho histórico deve ou deveria
começar por uma crítica das fontes”. LADURIE, Emmanuel Le Roy. Montaillou
povoado occitânico – 1294-1324. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. p.12.
312
Integra o Termo de Vigia bem como o município de São Caetano, lugar em
que estava localizada a terra alvo do conflito.
313
Arquivo Público do Pará. Secretaria da Presidência da Província. Série:
Requerimentos. Caixa 484. 1857.
180
interpretaram a lei, inclusive, para não acatá-la como
fizeram os dois homens.
O senhor Manoel Gonçalves Rego quando teve revogado
aforamento das terras que pleiteara junto à Câmara Municipal
de Vigia, e que deveria saber pertencer à D. Anna Justina,
ignorou solenemente todas as outras determinações e
deliberações da Justiça, principalmente a Lei Provincial
242 de 1853. Afinal, o que poderia uma senhora, ao que parece,
considerando a imagem construída pelo seu representante, sem
posses materiais e/ou influências políticas fazer ante o poder
econômico de um “homem de bens de fortunas”?
Os sujeitos envolvidos no conflito, procederam a um
exercício de interpretação de códigos legais e jurídicos da
Legislação do Império Brasileiro de meados do século XIX
acerca de seus direitos de propriedade.
D. Anna Justina travou vários embates. Mas o principal,
para a presente reflexão, foi o da esfera do Direito, o
instrumento utilizado para o reconhecimento e legitimação do
domínio de sua posse. Recapitulando: ela recorreu ao auxílio
de um representante para com base nos recursos jurídicos
disponíveis defender a sua “livre posse da terra em que
habitava”. Ela dirigiu-se às primeiras instâncias de poder
local por meio das autoridades da Vila de São Caetano, à
Câmara de Vigia em 1853, 1855, 1856 e ao presidente da
província em 1857, revelando tramas e relações tecidas em um
campo de disputa e conflitos perpassados por múltiplos
interesses tanto políticos, econômicos como também de gênero.
Mas quando tudo parecia mais ou menos esclarecido para
a historiadora, uma ausência é percebida a não utilização no
desenrolar do conflito das disposições jurídicas da Lei de
Terras de 1850 e do Decreto número 1.318, de 30 de janeiro de
1854.
181
Em nenhum momento o representante de D. Anna Justina faz
referência a esta legislação que objetivava exatamente tentar
regularizar a estrutura fundiária do país
314
. Por que não
recorrer à nova Lei de Terras, a primeira do Império, para
tentar solucionar os problemas enfrentados pela viúva e
herdeira? Talvez o caso não requeresse o recurso de sua
utilização, pois os documentos em mãos de D. Anna eram
suficientes para comprovar ante o Governo da Província do Pará
sua condição de legítima proprietária da terra? A suplicante e
o requerente utilizaram-se da Lei Provincial de 242 que
amparava, reconhecia juridicamente como proprietária.
A leitura do conflito e as ações de D. Anna Justina põem
de relevo o direito e a lei como instituições socialmente
construídas pelos agentes sociais, a despeito dos objetivos e
finalidades atribuídos pelos próprios operadores do direito.
314
MOTTA, Márcia Menendes. Nas fronteiras do poder - conflito e direito à
terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, Arquivo
Público do Rio de Janeiro, 1998. Ver também: SILVA, Ligia Osório da. Terras
devolutas e latifúndio efeitos da Lei de 1850. Campinas, SP: Ed. UNICAMP,
1996.
182
CAPÍTULO IV - AS VIÚVAS DA CABANAGEM...
183
Quantas vidas humanas se perderam durante esses
acontecimentos.
Daniel P. Kidder
315
Neste capítulo, reconstrói-se a vida das mulheres
viúvas, condição social de milhares delas que haviam perdido
os maridos durante a guerra e necessitaram assumir
integralmente a chefia das famílias. Neste estudo faltam
evidências demográficas sobre esse número e igualmente é
difícil traçar as características étnico-raciais com base em
estatísticas.
Nas peças arquivísticas surgiram diversos documentos nos
quais elas são faladas, expostas suas experiências e vivências
sociais. As viúvas da Cabanagem estão sendo revisitadas nesta
pesquisa.
Estes documentos impuseram relacionar as viúvas com
situações múltiplas, isto é, elas no campo e na cidade; elas
reclamando direitos à terra; elas lutando por um projeto de
futuro para suas filhas e filhos na cidade.
Nesta sessão, pretende-se refletir como as mulheres
agiram e quais estratégias elaboraram no período chamado pós-
cabanagem, com o sentido de reorganização do seu cotidiano
316
e
da sua existência material.
315
Daniel P. Kidder, 1840. Apud: KIDDER, Daniel Parish. Reminiscências de
Viagens e Permanências no Brasil: províncias do Norte. São Paulo:
Itatiaia/EDUSP, 1980.
316
As abordagens que incorporam a análise do cotidiano têm revelado todo um
universo de tensões e movimento com uma potencialidade de confrontos,
deixando entrever um mundo onde se multiplicam formas peculiares de
resistência/luta, integração/diferenciação, permanências/transformação,
onde a mudança não está excluída, mas sim vivenciada de diferentes formas.
Entende-se o cotidiano como espaço de resistência ao processo de dominação.
Ver: MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura história, cidade
e trabalho. São Paulo: EDUSC, 2002. p.26.
184
4.1 “... MULHER ASSAZ LABORIOSA”
Na guerra, o que interessa é matar
317
. Na Cabanagem não
foi diferente. Sabe-se que um dos resultados de uma guerra é
um quadro desolador de mortos, de vidas ceifadas bruscamente.
O presidente da província Francisco José de Sousa Soares
d’Andréa, assina uma “Relação dos Prezos Rebeldes Fallecidos a
Bordo da Corveta Defençora desde 4 D’Agosto de 1837 thé 31 de
Dezembro de 1838”
318
, que enviou ao ministro e secretário de
estado dos negócios da justiça do império, senhor Bernardo
Pereira de Vasconcellos, dando conta de que havia morrido 229
cabanos nos porões do navio. Desses, 87 eram casados, ou seja,
38% dos prisioneiros.
Ainda, em correspondência de 27 de outubro de 1835,
Soares d’Andréa informa ao ministro que
O contágio das bexigas, os fluxos de ventre, e o
escrubuto tem feito morrer 139 dos prezos, dos que
existião na Curveta Defensora Presiganga, e que
existem actualamente 150 prezos.
319
Em novembro do mesmo ano, foram computados mais 163
mortos na Defensora. De um confronto ocorrido em abril de
1836, na vila de Curuçá, o comandante João Antonio Martins
informou ao presidente Soares d’Andrea que além dos 25
cadáveres cabanos que ele e a sua tropa deram sepultamento,
Encontraram mais cabanos mortos, cujos cadáveres,
cahidos pelas mattas e caminhos, eram denunciados
pelos urubus que os devoravam [...].
320
317
CANETTI, Elias. Massa e poder. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. p.67-
74.
318
MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. Índios da Amazônia: de maioria a minoria
(1750-1850). Petrópolis: Vozes, 1988. p.281-314.
319
HURLEY, Jorge. Traços cabanos. Belém: Instituto Lauro Sodré, 1936.
p.174-5.
320
Ibidem. p.110-1.
185
Na “guerra, [...] jamais é realmente guerra se não visa
primeiramente um amontoado de inimigos mortos”
321
. À repressão,
a Cabanagem estava impregnada dessa premissa, as tropas
legais, sob a espada do presidente Soares d’Andrea,
empreenderam uma caçada aniquiladora aos cabanos. A guerra do
que o poder imperial conveniou chamar de pacificação,
conduzida a ferro e fogo, não tinha regras.
Por outro lado, além dos combates empedernidos entre
cabanos e legais, as epidemias e a fome faziam também as suas
vitimas. Foram diversas as frentes de batalhas enfrentadas.
Nos estudos sobre a Cabanagem convencionou-se admitir que
os embates dizimaram cerca de 30.000
322
vidas, ocasionando
forte decréscimo demográfico na província. Isso num exercício
de aproximação quantitativa. O fato é que a província pagou
uma conta de elevado descenso demográfico, atingindo duramente
as famílias constituídas.
No Arquivo Público do Pará existem outras Relações de
Rebeldes Presos a Bordo da Corveta Defensora, no período de
1836-1840
323
, que totalizam aproximadamente 2.429 presos, entre
“vivos” e “mortos”, concentrados num único ponto de
encarceramento, fora os presos espalhados nas localidades do
interior da província, para os quais ainda carece de pesquisa
para aglutinar os dados. Desses, 556 eram casados, sendo que
160 faleceram a bordo, nos hospitais ou em seus sítios. Pelo
menos, 160 esposas, implícitas sob a categoria classificatória
dos homens casados, nas Relações de Rebeldes, ficaram viúvas,
conforme quadro abaixo.
321
CANETTI, Elias. Massa e poder. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. p.67.
322
Cf.: RAYOL, Antonio Domingos. Motins políticos - ou história dos
principais acontecimentos políticos da província do Pará desde o anno de
1821 até 1835. Belém: UFPA, 1970. p.806.
323
Arquivo Público do Pará. Relação de Rebeldes Presos. Códices: 973, 974,
1130, 1131 e 1132. 1836-1840.
186
TABELA 7 - CASADOS MORTOS A BORDO DA CORVETA DEFENSORA
324
Códices
Total
Bordo
Defensora
Casados
Casados
/Falecidos
% Casados
A bordo
da
Defensora
%Casados
/Falecidos
% de
Falecidos
entre os
Casados
973 798 179 99 22.43 12.40 55.30
974 145 12 -- 8.27 -- --
1130 467 175 21 37.47 4.49 12
1131 887 136 39 15,67 4,39 28,67
1132 133 54 -- 40.60 -- --
TOTAL 2430 556 159 22,88 6,54 28,59
A grande inquietação é no sentido de refletir como as
mulheres deram continuidade as suas vidas.
O governo imperial, através do presidente da província,
Francisco José Soares d’Andréas, orientou os comandantes dos
Corpos de Trabalhadores no sentido de fazer um
Alistamento geral de todas as famílias existentes
dentro dos districtos de seu comando, com todas as
clarezas precizas para se conhecer quem são, e de
que vivem, e que pessoas tem aggregadas ás suas
cazas, para que se aluguem e tomem hum gênero de
vida útil.
325
A família constituiu-se no núcleo seminal para a
sobrevivência do grupo. As ligações que viabilizavam essa
sobrevivência perpassavam as relações de parentesco, trabalho,
amizade, amor e também troca de favores. As mulheres ocuparam
papel fundamental na iniciativa de retomada do cotidiano da
província, fossem solteiras, viúvas, com ou sem filhos,
possuidoras de escravos, além dos agregados.
324
Nos códices 974 e 1132 não foi encontrada a categoria mortos e
falecidos, atribui-se ao escrivão, pois são os códices que apresentam
muitas lacunas nos preenchimentos dos dados. Arquivo Público do Pará.
Códices: 973, 974, 1130, 1131 e 1132.
325
Expozição do Estado e andamento dos Negócios da Província do Pará no
Acto da Entrega que fez da Prezidencia o Exmo Marechal Francisco de Joze de
Souza Soares D’Andrea ao EXmo Doutor Bernardo de Souza Franco, no dia 8 de
abril de 1839. Pará, Typographia de Santos e menor, 1839. Cf.: THE
UNIVERSITY OF CHICAGO. Disponível em: <www.uchicago.edu/content//para.htm>.
187
A família também se tornou o celeiro fornecedor de mão-
de-obra masculina para as mais diversas atividades de
soerguimento e policiamento da província, tanto para as obras
públicas quanto para os empreendimentos particulares
326
.
As mulheres compulsoriamente abandonadas devido a
operacionalização dos recrutamentos efetivados pelas
instituições como o Corpos de Trabalhadores
327
, onde os
comandantes que os dirigiam, deveriam fazer remessas regulares
de homens para a Cidade; de Belém, eles eram redistribuídos
para os destinos predeterminados. Outra instituição que também
drenou número significativo de homens foi a Guarda Nacional,
bem como o Arsenal de Marinha e o de Guerra. A disputa pela
mão-de-obra masculina era acirrada.
Elas eram as mulheres abandonadas compulsoriamente pelos
recrutamentos. Também se tornaram mulheres abandonadas pela
morte dos seus pares na guerra cabana! Em meio ao caos, muitas
sentiram e sofreram a perda por morte de seus pares
masculinos, emergindo o recorte conjugal das viúvas da
Cabanagem.
A consulta a alguns autos de inventários, testamentos,
inventário e prestações de contas, revelou que na grande
maioria desses documentos, os escrivães nem sempre registravam
a causa mortis. Entretanto, o escrivão Francisco Pereira
Gomes, registrou nos autos do
Inventário dos Bens de Joze Mathias de Vilhena,
assassinado pelos Rebeldes em 1835, em Igarapé-
Miri sem testamento. O falescido foi cazado com
Ângela Maria Morais, de cujo matrimonio lhe ficou
huma única filha de nome Francisca, Idade dez annos
e que falecera no anno de mil oito centos e trinta
e cinco, em Igarapé-Miri, asacinado pellos rebeldes
[...].
328
326
Ver capítulo I.
327
Ver capítulo I.
328
Arquivo Público do Pará. Fundo: Juízo de Órfãos da Capital. Autos de
Inventário e Partilhas. 1840.
188
D. Ângela Maria Morais, agora, viúva e com uma filha de
dez anos, filha única e herdeira do pai, legalmente casada e
“de cujo matrimonio” revela ter o casal contraído núpcias
dentro dos códigos social e provavelmente religioso da
sociedade paraense da primeira metade do século XIX.
A viúva teria agora a incumbência de zelar pela
manutenção dela e de sua filha, Francisca, o que implicaria
estratégias econômicas (trabalho e sustento), sociais (vida
social, ajuste as regras sociais, inclusive quando se tratava
de segundas núpcias). Portanto, enfrentar a responsabilidade
de assumir a chefia da casa significava elaborar estratégias.
A viúva devia tomar conhecimento dos bens que possuíam. O
novo estado conjugal, de viúva, significaria mais
independência conforme determinada interpretação
historiográfica
329
. Para D. Ângela
330
, em estado de viuvez se
personifica como mulher à frente de sua família enquanto
mantenedora. No entanto, havia a dúvida coeva sobre a
capacidade feminina de gerir os próprios bens e os que por
ventura herdasse; uma espécie de expectativa negativa quanto à
eficiência da mulher no comando de atividades produtivas Foi o
que aconteceu com d. Ângela Morais.
Através do Auto de Inventário deduzem-se as posses do
casal; posses essas que seriam administradas pelo senhor
Manoel Raymundo da Pureza, nomeado pelo falecido como tutor e
tenedor dos bens do casal. Devido a essa determinação do
falecido, foi também o inventariante.
329
Miriam Moreira Leite “afirma que as viúvas sempre tiveram uma autonomia
legal e efetiva maior que as mulheres solteiras e casadas”. LEITE, Miriam
Moreira. “Mulheres e famílias”. Revista Brasileira de História. São Paulo,
ANPHU/ Marco Zero, 1989. p.143-178. Ver também: CASTRO, Sheila de Castro. A
Colônia em Movimento fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
330
TEIXEIRA, Paulo Eduardo. O outro lado da família brasileira. Campinas:
Ed. UNICAMP, 2004. p.162.
189
Em relação aos bens do casal, de acordo com os autos
E logo pelo dito Inventariante foi dado a descrever
oprezente Inventario, trez braças de chãos citas no
Arraial da Freguezia do Igarapé Meri
331
, [...] que
sendo vista e avaliadas pelos ditos Avaliadores
apreço de quatro mil réis, cada huma braça e todas
perfazem a quantia de doze mil réis.
Dis mais o dito Inventariante a descrever no
prezente Inventario, hum preto de nome Domingos,
Crioulo, de idade trinta annos pouco mais ou menos
que sendo visto e avaliado pelos ditos Avaliadores
na quantia de trezentos mil réis, [...]
[...] a descrever no prezente Inventario huma
Igarité em bom uso, que sendo vista e avaliada
pelos ditos Avaliadores na quantia de dez mil réis
[...]
[...] metade de um Balcão em bom uso [...] na
quantia de quatro mil réis.
A terra era de pequenas proporções, apenas três braças,
avaliadas em doze mil réis, seriam suficientes para garantir a
sobrevivência de d. Ângela e sua filha? Contudo, havia também
um preto de nome Domingos, de 30 anos aproximadamente, valendo
cerca de trezentos mil réis, o mais valioso dos bens, e que
dentre outros se encontrava ainda uma igarité em “bom uzo”
estimada em dez mil réis.
331
A região de Igarapé-Miri foi uma das áreas de maior intensidade da
Cabanagem. Geograficamente fica próximo ao Acará e Moju, pontos de luta
intensa e extrema violência. Concentrava grandes fazendas e engenhos, além
de pequenos posseiros, arrendatários e agregados. Ver mais: LIMA, Ana
Renata do Rosário. “O ‘Campo negro’ dos Cabanos no Acará” In: COELHO, Mauro
(Org.). Meandros da história: trabalho e poder no Pae Maranhão séculos
VXIII e XIX. Belém: UNAMAZ, 2005. p.107-19. Ver também: LIMA, Ana Renata do
Rosário. Revoltas Camponesas no Vale do Acará - PA (1822-1840). Dissertação
(Mestrado em História), Belém, Universidade Federal do Pará, Núcleo de
Altos Estudos Amazônicos, 2002.
190
Dentre os bens avaliados, o escravo foi o de maior valor,
afinal de contas, escravos eram sim, um dos bens mais valiosos
nesse período, superando em muito, o valor de mercado de
algumas “braças de chãos e de uma igarité em bom uso”. A
explicação consiste em que o valor do escravo residia na
possibilidade de produção e rendimentos que podia propiciar a
quem o possuísse; principalmente se tivesse algum ofício, pois
significava que era um escravo especializado.
Todavia, a igarité também era um bem de significativa
importância para o deslocamento da família e transporte de
algum produto, pois era uma espécie de embarcação, de pequeno
porte, mais modesta é verdade do que um batelão, mas
fundamental para quem morava numa região encravada em meio aos
rios como era (e ainda hoje é) Igarapé-Miri. Por isso a sua
avaliação é próxima da terra, e teve o preço fixado em dez mil
réis.
Pelo mapa apresentado a seguir, pode-se ter uma noção da
importância desse bem para uma família, que Igarapé-Miri é
cortado em todas as direções por rios, igarapés e furos. A
pesca e o extrativismo vegetal eram atividades fundamentais
para essas famílias e para transportar os produtos pelos
igarapés, uma igarité tem um desempenho bastante razoável, por
ser relativamente pequena e ágil, permitindo a navegação
também pelos inúmeros furos presentes na localidade, como se
pode depreender da leitura do mapa 4.
191
MAPA 4 - MUNICÍPIO DE IGARAPÉ-MIRI/PA
332
Morar numa “braça de chão” implica em atividades
econômicas ligadas à agricultura. Mesmo com um tenedor, D.
Ângela teria o desafio de chefiar os trabalhos das três
“braças”. O preto Domingos, de 30 anos mais ou menos era
escravo fugido! Qual seria a contribuição do senhor Manoel,
testamenteiro e tutor? São algumas inquietações acerca de como
as mulheres que perderam seus maridos, ao longo do conflito,
que assolou a província e tiveram que enfrentar outras
condições de existência.
As mulheres indígenas tiveram que percorrer trajetórias
mais duras, que inseridas numa sociedade escravista, seu
lugar social era de submissão pelo gênero e pela etnia. Nessa
332
Biblioteca da Comissão Demarcadora de Limites. Coleções de Mapas
Municipais. Série III. Pará - Municípios do Pará: Zona do Guamá. Belém,
1949.
192
perspectiva, na disputa pela mão-de-obra masculina entre
particulares e estado imperial, as mulheres foram enquadradas
para as mais diversas atividades, prestando serviços,
inclusive na reconstrução física de vilas nos interiores da
Província do Pará, trabalho que exige significativo esforço
físico e ocasiona grande desgaste do corpo, conforme se denota
no documento referente à freguesia de Moju, no Baixo
Tocantins, próximo a Belém, o qual evidencia a falta de
“braços” na Província:
Ill
mo
e Ex
mo
Snr
o
Não se pôde lançar os alicerces desta Igreja, como
tive a honra de communicar a V. Exª o mez proximo
passado, por falta de gente; por que sendo o numero
das pessoas, que trabalhão fallivel hum dia por
outro em todos os mezes, o mez passado foi cada vez
a menos, de mmodo q’ o serviço deste mez não se
acha mais, do que sette mulheres, e oito homens do
corpo de trabalhadores, dos quaes passo a
despidir metade, q’ trabalhão aqui desde junho
passado, por me estar exforçando para adquirir
maior numero, o q’ não me tem sido possivel, e
assim precisa-se o sustento de onze pessoas, q’
hão de trabalhar nesta obra este corrente mez, seis
arrobas de mantimento, digne-se portanto V. Exª
mandar prestar este mantimento nos Armasens da
Nação. Fregª do Mojú 3 de Septembro de 1839.
Pe Sebastião Borges de Castilho
Vigário Interino da Freguesia do Mojú
333
Essas sete mulheres utilizadas no soerguimento da igreja
da vila de Moju, provavelmente deveriam ser índias/tapuias,
mas o documento não deixa isso claro, apenas nos indícios,
uma vez que, gênero e etnia são categorias que,
obrigatoriamente, se imbricaram no Pará oitocentista.
Outra frente de participação das mulheres, que foram
submetidas compulsoriamente ao trabalho, foi no roçado
333
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Ofícios de Autoridades Eclesiásticas. Série: Ofícios. Caixa 53. 1839.
193
nacional de Maicá, bem como para a fábrica nacional de
madeiras no Igarapé Jambu-assú
334
.
Além de prestarem serviços para a Igreja, ainda tinham
que se defrontar com a expropriação de autoridades legais
designadas para a administração das Vilas e lugares nos
interiores da província. O Corpo dos Trabalhadores permitiu o
abuso de autoridade, inclusive com indícios de enriquecimento
ilícito dos seus comandantes militares. Saídos de uma
experiência traumática como a Cabanagem enfrentar os desmandos
de autoridades, era expor a situação de desconfiança e
incerteza que pairavam nos moradores da província.
Afinal, em quem confiar? Os Corpos de Trabalhadores eram
uma instituição nova, que mostrava a sua face de exclusão
social ao pretender a disciplinarização compulsória da força
de trabalho masculino pobre e de cor -, tirando o princípio
básico da liberdade de locomoção, por exemplo.
As ações de resistência não demoraram a aparecer. Na Vila
de Oeiras, em julho de 1842, os moradores enviaram um abaixo-
assinado ao presidente da província, queixando-se e pedindo a
saída do comandante do Corpo de Trabalhadores da Vila,
alegando que tanto os trabalhadores quanto os
Guardas policiaes, [...] de facto estão sendo mais
escravizados do que são os escravos da gleba [...]
e que o povo pacifico digno de melhor sorte, e não
prejudicado em sua liberdade, mas até em sua
reputação, poiz que para maior vexame callunniarão
o Povo de sedicioso e rebelde.
335
Ser associado aos cabanos era motivo de suspeição da
idoneidade e que poderia ser motivo para levar à prisão,
principalmente dois anos após o término oficial da Cabanagem.
o contraponto entre povo pacífico e Povo sedicioso e
rebelde.
334
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Ofícios dos Comandantes Militares. Caixa 55. 1840.
335
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Abaixo Assinados. Caixa 2, pasta 1. 1842-1849.
194
De acordo com essa premissa, as mulheres também não
ficaram excluídas dessas ações dos agentes da legalidade, e
mesmo com a dificuldade de rastreamento, encontraram-se
registros de algumas que perderam terras e criações
domésticas, num violento processo de expropriação, imbricado
com a problemática de etnia.
A Índia Josefa da Gaia viuva de Eugenio da [?
336
mulher assaz laboriosa, com seu citio denominado
Caxoeira em o rio [?] Pruaná [?
337
] onde allem de
roça de maniva, e cafezal, tirava grande rendimento
de creação de galinha, patos e pirunz, foi forçada
a abandonar seus estabelecimentos e seus bens, e
conduzida pelo mesmo Commandante com seus filhos
[...] como se escravos fossem a essa cidade.
338
Esse registro é quase uma excepcionalidade de violência e
expropriação imputada a mulheres. Josefa, índia, viúva, era
cabeça de família, livre, responsável pela manutenção dos
filhos e, assim como as outras sete mulheres, encontrava-se
numa posição de submissão social, mas isso não constituía
elemento estranho à dinâmica de relações sociais e étnicas
tecidas na província.
“Mulher assaz laboriosa”, d. Josefa Gaia possuía um sítio
com uma rentabilidade razoável para a sua existência e de sua
família, cultivando uma roça com plantações de maniva e
cafezal, além da criação de animais domésticos como galinha,
patos e perus, ou seja, a unidade produtiva apresentava uma
rentabilidade significativa, e quiçá, por isso, cobiçada pelo
comandante militar do Corpo de Trabalhadores da Vila de
Oeiras. Presa, foi remetida a ferros para a Cidade, condição
atribuída aos criminosos de alta periculosidade, bem como os
filhos; todos conduzidos como se fossem escravos.
336
Documento oxidado.
337
Documento de difícil leitura, devido ao seu precário estado de
preservação.
338
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Abaixo-Assinados. Caixa 2, pasta 1. 1842-1849.
195
A produção advinda do sítio de dona Josefa era
devidamente dividida para o atendimento das necessidades dos
moradores e outra parte destinada à circulação no mercado,
geralmente era transportada para a Cidade de Belém, conforme
registrado no abaixo-assinado dos moradores da Vila de Oeiras
enviado ao presidente
[...] Cada família e cada pessoa emancipada tinha
seu citio bem arranjado, suas roças de mandioca, de
que extrahião grande quantidade de farinha d’agua,
farinha seca, tipioca, carima, criação, porcos,
galinhas, patos, pirouz, tinhão seus algudoaes,
cacoaes, cafezaes, e tabacaez; e nos momentos vagos
á lavoura empregavão-se assiduamte e com
reciprocidade coadjudando-se na factura de azeite
de andiroba, amarramento de tabaco, pescarias,
factura de canoas, tiramento de madeiraz e em
outras cousas maiz com que fazia feliz sua
subsistência, e faziao grande augmento ao mercado
dessa Cidade, e dahi tãobem resultava grandes
rendimentos á Fazenda Publica.
339
Mesmo que quase subsumidas nas linhas da documentação,
foi possível palmilhar, por meio de uma minuciosa pesquisa
arquivística e sorte do encontrar, as marcas das lutas
deixadas por mulheres das camadas menos favorecidas do Pará
provincial, para defender e preservar as suas terras e bens da
ação violenta de expropriadores que ocupavam cargos dentro do
governo.
Nessa linha existem outros registros de mulheres que
foram expropriadas de suas terras e bens e que procuraram
defendê-los como D. Josefa. Outra mulher a ter destaque nesta
história é D. Maria da Conceição que se auto-representou como
Pessoa miserável do Districto de Benfica, esbulhada
de sua casa pelo subdelegado respectivo que
arrogando atribuições civis, a mandou sair daquelle
Destricto por seos despachos transcriptos na
certidão junta, não podendo por sua pobreza
perseguir o author desse crime recorreo ao Exmo
339
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Abaixo-assinado. Caixa 02. 1842-1849.
196
Antecessor de V. Eque mandando tudo ao Dr Chefe
de Policia a 16 de Maio do corre anno para proceder
como fosse de Direito, transmitio elle ao Juízo de
Direito da primra Vara para a formação de culpa e
ouvido o delinqe mandou notificar testemunhas a 20
de Septembro, como consta da mesma certidão. Mas
como a Suppe não tendo meios para pagar custas
nisso ficam tudo não obste a disposição do Art. 73
do Cod. do Proc. Cra, e intretanto se acha privada
de sua caza única couza que possue.
Despacho: Use dos meios necessários.
Pará, 7 de Novembro de 1853
340
O documento revela a determinação de d. Maria da
Conceição, para que fosse feito justiça pela violência
praticada contra ela pelo subdelegado
341
. Para contrapor aos
desmandos da autoridade, ela teve de perscrutar a estrutura
jurídica e de poder provincial, no sentido de reverter a ação
violenta da autoridade policial.
O exercício de uma etnografia do documento propiciou
algumas frestas do caminho percorrido pela requerente. Denota-
se que não era a primeira vez que ela se dirigia ao mandatário
do poder executivo da província ao enfatizar que não podendo
por sua pobreza perseguir o author desse crime recorreo ao
Exmo Antecessor
342
de V. Exa
343
.
Ela fez uma leitura possível da hierarquia do poder
institucional da província, que o presidente como
representante máximo do governo, poderia resolver a sua
difícil situação. Outra fresta vislumbrada foi o contato
travado com a estrutura administrativa e burocrática ao
acompanhar o trâmite do seu requerimento e informar que o
presidente antecessor, senhor José Joaquim da Cunha, havia
enviado tudo ao Dr. Chefe de Polícia para que tomasse os
procedimentos cabíveis.
340
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 475. 1850-1853.
341
Utilizou-se o procedimento do cruzamento de fontes, mas mesmo assim não
foi possível identificar o nome do subdelegado.
342
O presidente em 1853 era o senhor José Joaquim da Cunha e o de 1854 era
Sebastião do Rego Barros.
343
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 475. 1850-1853.
197
Atenta ao encaminhamento do requerimento, pois buscava a
solução para o seu problema, seguiu o percurso do seu pedido
que foi enviado para o Juízo de Direito da Vara para
formação da culpa e ouvido o “delinqe”. Formado o processo,
inclusive com a notificação de testemunhas, D. Maria da
Conceição não teve condições financeiras de arcar com à custa,
ficou à “disposição do Art. 73
344
do Cod. do Proc. Cra , e se
achava privada de sua caza única couza que possue”. O despacho
foi para que use dos meios necessários.
Um movimento social recém reprimido e os vencedores
comprometidos com a ordem imperial, responsáveis pela
manutenção da situação de dominação política e organização
social, usaram de suas prerrogativas para expropriar pessoas
como d. Josefa e d. Maria da Conceição. A violência física e,
principalmente simbólica exercida durante a Cabanagem
estendia-se para além do Tempo Cabanal.
4.2 “POUCAS LIVRARAM-SE DAS PALMATOADAS”: PERFIS FEMININOS NA
CABANAGEM
A guerra é evento desorganizador da vida cotidiana, de
uma suposta ordem marcada pelo tempo de trabalho, do descanso,
da reza, do namoro, da festa. Tais tempos sucumbem aos atos
violentos, de medo, de busca de segurança e proteção da vida.
A partir destas premissas, refletem-se outras conjunturas da
Cabanagem, enquanto movimento social denso, convulsionador do
tecido social da província do Pará e cujo termômetro marca o
aumento da brutalização.
344
O Art. 73 determinava que “Dentro de cinco dias, contados da
interposição do recurso, deverá o recorrente ajuntar à sua petição todos os
ditos traslados e razões; e se dentro desse prazo o recorrido pedir vista,
ser-lhe-ha concedida por cinco dias, contados daquelle em que findarem os
do recorrente, e ser-lhe-ha permittido ajuntar as, razões e traslados que
quizer. Cf.: BRASIL. Senado Federal. SICON Sistema de Informações do
Congresso Nacional. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/sicon/
PaginaDocumentos.action>.
198
Combatentes e não engajados, cabanos ou tropas da
legalidade, tiveram o seu dia-a-dia profundamente alterado
diante das ações violentas de ambos os lados. Em graus
diferentes, todos estavam sofrendo com as invasões e
depredações das vilas, dos incêndios às residências e
comércios, dos raptos e estupros das mulheres, dos saques, e a
dificuldade de se conseguir gêneros alimentícios para prover
esta necessidade básica do ser humano, devia mostrá-la na sua
liminariedade. Os combates diretos, empedernidos deixavam
mortos e feridos, além de órfãos e viúvas, da noite para o
dia.
A descrição nos diversos documentos tem sido
significativa, embora os horrores de guerras resultem
indescritíveis e os relatórios dos comandantes militares
produzam a censura sobre seus atos, insistindo na
“brutalidade” e barbárie dos rebeldes em nome da pacificação e
civilização da província
345
.
Por meio dos indícios deixados, conhece-se essa série de
atos e de ações dos sujeitos, no momento da Cabanagem, um
deles foi a chegada das tropas. Em maio de 1837, Lourenço
Justiniano da Serra Freira, Tenente
e Comandante Militar de
Santarém, informou ao presidente e Comandante d’Armas da
Província do Pará, Francisco José de Souza Soares de Andréa,
que
Hontem chegou a esta Villa a expedição que fiz sair
para o Lago [...] composta de 50 praças bem armadas
[...] e conduzidas em 4 Igarites comboiadas estas
por hum Hyate armado, que aqui tenho, e o resultado
final da mesma foi serem batidos, e disperçados
totalmente os malvados d’aquelle lugar com perda de
4 mortos, e 4 prezioneiros, 24 mulheres, e
crianças, 6 armas di fogo, e 20 e tantas cabeças de
gado tomadas aos mesmos, não sendo possivel a
captura ou morte de maior numero delles pella
345
A obra de Domingos Antônio Rayol está permeada por este tipo de
interpretação do processo social. RAYOL, Domingos Antônio. Motins Políticos
ou História dos Principais Acontecimentos Políticos da Província do Pará
desde o Ano de 1821 até 1835. Belém: UFPA, 1970.
199
rapidez com que se pozerão logo em fuga [...]. Por
meo mandado foi igualm
e
batido pello comm
de
da Força
d’Alenquer o ponto do Curicaca, o qual dispersado
os malvados d’aquelle lugar, o tomou com toda a
bagage que os m
mos
tinhão sendo ella grande porção
de trastes roubados a diferentes pessoas, e de
diversas partes [...] apresentando-se lhe
igualmente 4 homens, algumas mulheres, e 9 escravos
os quais tenho ordenado sejão entregues a seos
senhores quando estes pertenção a Legalid
e
[...]
aqui estou tenho dito a fortuna de fazer expulsar
os rebeldes para fora das proximidades, e
comerciais desta Villa, com o q’ tem os abitantes
da m
ma
podido retirar os seos cacaos, e outros
generos q’ pellas suas cituaçoens tinhão, o que
athé então o não tenhão podido conseguir por
estarem os rebeldes de posse de tudo conseguindo
igualm
e
a abundancia, e fartura de generos
comistiveis de que presentemente abunda esta villa,
vendo-se os seos habitantes livres da penuria, em
q’ se achavam a dois mezes pouco mais ou menos.
[...]
Deos Guarde a V. Exª Quartel do Comm
do
Militar
Santarém 14 de Maio de 1837.
346
O documento é longo, porém com frestas para se entender
uma possível cena do momento de instabilidade vivida no Pará
Provincial, e a conseqüente empreitada, contra os chamados
rebeldes, além de o uso da violência potencializada por parte
das autoridades imperiais, para as quais, pelo menos uma parte
delas; o aniquilamento físico, e a morte dos rebeldes
constituiam-se em meta para se retornar à ordem escravista.
Por estas frestas pinçam-se as atividades produtivas que
os moradores de Santarém desenvolviam para a sua existência
material, tais como a conjugação de atividades comerciais com
o manejo dos recursos da mata/floresta
347
, isto é a coleta do
cacau, fruto e de outros “generos comistiveis de que
346
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Códice: 888. 1829-1837.
347
Thompson ao analisar a Lei Negra na Inglaterra, no século XVIII,
identifica os conflitos que se estabeleceram entre os povos da floresta e
os monarcas, pela disputa de acessibilidade e usufruto dos recursos das
florestas. THOMPSON, E. P. Senhores caçadores a origem da lei negra. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
200
presentemente abunda esta villa”
348
, e que sofreram impacto de
desarticulação devido as ações beligerantes.
Outra fresta é que a ocupação do território dos
interiores do Pará transformou-se em poderosa arma por
permitir o domínio dos recursos naturais começando por fontes
de água e peixes, floresta com sua diversidade de produtos
extrativos, garantindo significativa vantagem no desenrolar da
guerra.
Na estratégia de guerra, um ponto fundamental para se
conseguir vantagem é o controle sobre a produção e o
abastecimento de gêneros alimentícios. O controle das
plantações das roças de mandioca era primordial. Tais fatores
conjugados contribuíram para uma grande carência de gêneros
alimentícios na província, conforme destaca o comandante da
Vila Militar de Santarém: “os [...] habitantes [..] estavam
livres da penuria, em q’ se achavam a dois mezes pouco mais ou
menos”. A disputa pelo controle dos recursos levava, via de
regra, à expropriação.
349
Teoricamente, a guerra é um lócus essencialmente
masculino e trágico com o predomínio da armas, combates
diretos, fome, mortes. Todavia, as mulheres na prática
plasmaram sua presença e participaram ativamente da Cabanagem.
Elas formaram um segmento relevante, não apenas na retaguarda,
como mães, esposas, companheiras ou não, prisioneiras,
escravas, fugitivas, com suas pertencias étnicas.
Em meio aos combates, famílias inteiras foram arrastadas
e muitas mulheres acompanharam seus pares em fuga para as
entranhas das matas e rios. Ali, atuaram nas mais diversas
frentes de trabalho e de luta direta. Elas experimentaram,
juntas aos homens, os horrores e incertezas que a guerra
impõe.
348
THOMPSON, E. P. Senhores caçadores a origem da lei negra. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997.
349
Ver capítulo 3.
201
É nesse documento que o número de mulheres presas, nada
menos que 24 e algumas crianças, que não se pode
quantificar
350
, constituem um fato da violência que se destaca
para o leitor/historiador.
A Cabanagem obteve momentos de refluxo em algumas
localidades. Essa desaceleração levou alguns combatentes a
procuraram os representantes da legalidade, que o governo
estava acenando com a proposta de anistia. Foi o que ocorreu
em 2 de dezembro de 1838, na vila de Chaves, na região do
Marajó,
A prezentou-se orebelde Manoel Antunes que foi
tambor mor do Regimento de Melicias de Macapá com
sua familia, que consta de Mulher e seis filhos
menores de ambos os sexos.
351
A anistia não representava o direito e a esperança para
um individuo, de um rebelde, mas atingia toda a família -
crianças e mulheres - as quais deveriam também ser anistiadas.
Eles tinham sobrevivido ao terror e desejam voltar ao seu
povoado.
Houve mulheres que não acompanharam seus pares -
chamassem estes de marido, irmão, sobrinho, tio, pai ou filho
- ficariam fora do teatro dos combates. visto que nem todos se
engajaram em um ou outro lado armado. Havia a possibilidade
política de não se alinharem em uma das facções, e tentar
manter-se à margem das disputas.
A ação de fugir passou a ser uma possibilidade de
sobrevivência. Outros preferiram ficar no lugar em que
moravam, enfrentando as incertezas do desenrolar dos
acontecimentos, em meio às pelejas da guerra. Muitas idas e
despedidas. Reencontros mediados por testamentos em que
350
Sobre a participação das mulheres na Cabanagem, ver: FERREIRA, Eliana
Ramos. Em Tempo Cabanal: cidade e mulheres na Província do Pará.
Dissertação (Mestrado em História Social), São Paulo, Pontifícia
Universidade Católica, 1999.
351
Arquivo Pública do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Ofícios dos Comandantes Militares. 1838-1839.
202
afloraram situações de relações partidas pelo medo
352
causado
pela Cabanagem.
As vidas cruzadas, as rupturas de laços afetivos e de
cumplicidade pululam na história. Isto se apreende da vivência
do senhor Joaquim Jose Pinho. Assim, no dia 27 de outubro de
1880, ele foi intimado para comparecer no prazo de três dias
para prestar juramento de inventariante dos bens deixados pela
sua mulher Alexandrina da Conceição Pinho. O inventariante
nomeado ressaltou que prestaria juramento desde que fizesse a
declaração seguinte sobre os bens do casal.
[...] uma sorte de terras pertencentes ao casal,
assim como algumas deterioradas ferramentas de
lavoura, de longo annos (desde as com muções
políticas de 1835) havião saído de seo poder e
posse até o presente, extando no dos filhos
adulterinos, que teve a referida mulher do supp
te
p
r
ocasião de ter este sahido da casa conjugal,
fugindo à morte de que fora ameaçado pelos
cabanos.
353
Em 1835, ante a ameaça da chegada dos cabanos pelas
bandas do município do Moju, e das ameaças sofridas, o senhor
Joaquim Jose Pinho preferiu preparar a sua retirada e de sua
família, pois segundo ele, não queria ser vítima dos
cabanos
354
.
Contudo, a sua mulher Alexandrina Gonçalves Pinho, se
recusou a acompanhá-lo, preferindo ficar nas terras em que
moravam. Talvez por não querer abandonar o que haviam
conseguido. De acordo com o testamento de d. Alexandrina
Pinho, aberto em 1880, ela possuía uma posse de terra e
algumas ferramentas de lavoura, usadas, deterioradas desde
o tempo da Cabanagem.
352
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente (1300–1800). São Paulo:
Cia. das Letras, 1989.
353
Arquivo Público do Pará. Fundo: Juízo de Órfãos da Capital. Inventário.
1880. O inventário foi aberto em 1880, e foi por meio dele que foi revelada
a escolha de d. Alexandrina Pinho.
354
Arquivo Público do Pará. Fundo: Juízo de Órfãos da Capital. Inventário.
1880.
203
Ela declarou ao senhor Joaquim Pinho (seu testamenteiro)
e, ao executar o inventário, soube haver herdado não os
bens mencionados como também filhos.
Nada fora do comum, mas neste caso, o herdeiro recusava
aceitar, pois os filhos eram a “comprovação pública da
infidelidade” de d. Alexandrina Pinho. O senhor Joaquim Pinho
manifestou sua recusa de criar os filhos de outro homem.
Enfrentar uma revolta sem a companhia de um homem em um
povoado que corria o risco de tomada pelos rebeldes foi a
opção de D. Alexandrina, seguindo caminho diferente de seu
marido, em meio a com muções Políticas. Preferiu ficar e
cuidar de sua lavoura, construir outra possibilidade de vida,
sem se privar enquanto mulher, de sua sexualidade. Os filhos
seriam a materialização dessa escolha.
Em sua declaração para que o processo do inventário
tivesse prosseguimento, o senhor Joaquim Jose Pinho afirmou
que ao sair da “casa conjugal”, as ferramentas que tinham
ficaram em poder dos “filhos adulterinos” e que nada possuía
que fosse do casal, para ser incorporado e avaliado ao
inventário. Queria evitar que os bens adquiridos
posteriormente passassem aos filhos adulterinos.
Dona Alexandrina teve de refazer a sua vida longe do
marido, teve filhos e cuidou da manutenção de sua família
trabalhando a terra em que ficou com as ferramentas
deterioradas que ficaram após a sua morte com seus filhos. São
desafios enfrentados em meio a momentos de incertezas.
Contudo, algumas mulheres não tiveram muitas escolhas
quanto ao seu corpo e sexualidade. Muitas sofreram não as
agruras da desorganização de seu cotidiano devido ao medo e a
insegurança que faziam parte da situação trágica de guerra
como foram alvo de ações violentas como o rapto. Pelo menos é
o que informa o comandante militar da vila de Chaves,
Francisco Joaquim Ferreira de Carvalho ao presidente da
província Francisco Soares d’Andreas que
204
No dia 17 pelas 8hs da manhã quatro rebeldes forão
ao Lugar Aracu districto desta Vila e roubarão duas
raparigas filhas famílias: logo ordenei ao comm.
e
do Ponto do Rio Cajúna para os seguir, e como foi
no dia 19 encontrado por hum dos legais e
perceguidos.
355
Se o rapto de “duas raparigas filhas de famílias”
despertava uma caçada mata a dentro, vasculhando os rios e
igarapés, às proximidades do lugar Aracú, o ato de violência
sexual contra mulheres era, dentre os delitos cometidos pelos
cabanos, um dos de maior severidade na punição. Em
correspondência de junho de 1837, o presidente Soares
d’Andréa, objetivando a seleção de presos para serem
recrutados, informou ao Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios da Justiça que havia recebido ordens para recrutar
presos de culpas menos graves.
Tendo eu dado ordem aos Juizes de Paz para
procederem aos sumarios sobre o crime geral da
Rebelião para se não perder d’elle a lembrança, ou
virem a faltar testemunhas com o correr dos tempos
em quanto se não decideo o modo porq.
e
deve ser
julgado este crime, espero receber as declarações
de quáes são os crimes dos que se achão prezos,
para então poder fazer a escolha, mas desde
decláro que deve produzir muito pouca gente, por
que eu não recebo prezo algum semlhe saber dos
crimes, e recomendo a prizão de matadores,
incendiarios, dos que tem feito violencia a
mulheres honestas, e dos ladrões conhecidos por
taés; e estes não devem ser soldados.
356
Alguns quesitos dos crimes selecionados, que não eram
considerados menos graves, são bastante significativos: dois
implicam na integridade física e moral das vítimas (matadores
e os que cometeram violência a mulheres “honestas”), enquanto
os outros dois referidos são pertinentes à propriedade
355
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Correspondência de Diversos com o Governo. Códice 854.
356
Arquivo Nacional/RJ. Códice da Série Interior Ij1 787. Denota-se do
documento a preocupação dos agentes da legalidade, em não deixar esvair-se
da memória dos indivíduos as marcas deixadas pela Cabanagem, amesmo para
executar as punições.
205
(incendiários e ladrões). Por outro lado, a violência cometida
contra a mulher era reforçada com o adjetivo de honesta, ou
seja, a restrição e punição não eram extensivas aos
violentadores de qualquer mulher; mas àqueles que atacaram as
mulheres honestas (seriam apenas as “brancas”?) que
correspondiam aos ideais de comportamento normatizado pela
sociedade paraense da primeira metade do século XIX
357
.
As tropas legais também recorriam aos mais diversos graus
de violência contra as mulheres, tanto psicológica como
física. Neste caso, a violência sexual campeava nos crimes de
estupro, manifestação do ato de violação da honra. Por meio do
seu uso ostensivo forçavam a delação, pronúncia da
cumplicidade através da revelação do paradeiro de seus
parentes, vizinhos. Sobre as atrocidades e violências que
norteavam as ações de repressão das tropas legais,
principalmente as das chamadas expedições o documento a
seguir, mostra-se impar:
Nem as mulheres deixavam de sofrer! Encontradas em
seus sítios ou em quaisquer outros lugares, eram
prêsas e interrogadas com ameaças sôbre os seus
pais, maridos e parentes varões com quem moravam, e
poucas livraram-se das palmatoadas e castigos com
que as amedrontavam para obterem declarações!
Algumas foram até violentadas na sua honestidade
pela soldadesca desmoralizada!
358
357
Rayol informa que o incêndio e a violência às mulheres, aos menores, aos
velhos e aos prisioneiros eram crimes punidos com todo o rigor da lei,
contudo, foi elevado o número de cabanos mortos a bordo da Corveta
Defensora por falta de cuidados médicos, de higiene, além dos maltratos
físicos sofridos. RAYOL, Domingos Antônio. Motins Políticos ou História
dos Principais Acontecimentos Políticos da Província do Pará desde o Ano de
1821 até 1835. Belém: UFPA, 1970. p.987. O presidente da legalidade,
Francisco Soares d’Andréa, solicitou uma relação de rebeldes presos
falecidos a bordo da corveta defensora no período de agosto de 1837 a
dezembro de 1838, resultando numa lista de 229 presos falecidos a bordo da
corveta. MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. Índios da Amazônia de maioria a
minoria (1750-1850). Petrópolis: Vozes, 1988. p.281-314.
358
RAYOL, op. cit., p.1000. Encontrou-se outros documentos no acervo do
Arquivo Público do Pará com esse teor, inclusive mulheres que sofreram
ameaças de ter a casa incendiada se não delatasse os seus pares.
206
A historiografia da guerra da Cabanagem aos poucos vai
permitindo uma maior visibilidade das mulheres enquanto
agentes e sujeitos ativos da história, e não apenas enquanto
coitadas, vitimizadas, desconstituídas de subjetividade.
4.3 “PELO MUITO AMOR QUE CONSAGRO”
As mulheres tiveram perdas materiais, emocionais e também
afetivas Em meio a perdas e dores ainda é possível encontrar
outro amor. Pelo menos é o indício que nos deixa D. Catarina
de Christo ao querer deixar registrado em seu testamento, os
sentimentos cultivados e devotados ao seu segundo marido, o
senhor João Candido de Gusmão Christo.
Declaro que [...] fui viúva de Antonio Joze Pastana
e qual foi asassinado pelos Rebeldes quando
ivadirão o Rio Acarameri de cujo matrimonio tive
quatro filhos dois murrerão antes fallecimento de
seu Pay, [...] ficando-me somente um menino [...] =
Declaro que prezintimente sou cazada com João
Candido de Gusmão Christo de cujo matrimonio me
acho gravida, e como mieira dos bens existentes,
[...] podendo dispor livremente da terça da metade
que pertence a deixo ao ditto meu João Candido de
Gusmão Christo pelo muito amor que consagro e elle
igualmente me tem [...].
359
O primeiro marido, senhor Antonio Joze Pastana, pereceu
nas contendas do movimento cabano quando os “Rebeldes ivadirão
o Rio Acarameri”
360
mas não teve uma linha de expressão de
maior ou menor afeto, e sim, mais uma família partida em meio
aos combates.
Sabemos que os testamentos têm uma estrutura, inclusive
redacional de uma linguagem jurídica, porém, o de D. Catarina
Christo apresenta a necessidade de ela querer deixar
359
Centro de Memória da UFPA. Fundo do Poder Judiciário. Série:
Inventários. 11ª Vara Civil ano de 1850-1851. Mandado Citatório ao
testamenteiro de D. Catarina Christo. 1851
360
Centro de Memória da UFPA. Fundo do Poder Judiciário. Série:
Inventários. 11ª Vara Civil ano de 1850-1851. Mandado Citatório ao
testamenteiro de D. Catarina Christo. 1851.
207
registrado o apreço e sentimentos pelo segundo marido, pode-se
refletir que, para além das demonstrações cotidianas de afeto
que sentia, desejava deixar para a posteridade
361
e a todos que
quisessem saber e/ou que tivessem acesso ao testamento, o amor
que tinha por ele. Ela estava grávida!
Esse testamento apresenta singularidade, pois ainda, na
historiografia da Cabanagem não um olhar sensível para a
dor e os sentimentos das pessoas (o sujeito não é destituído
de sua subjetividade). Ela perdeu o marido para “os cabanos”,
mas encontrou o amor em um segundo casamento! É possível amar
em meio a um conflito tão denso e complexo como a Cabanagem.
Muitas interrogações estão postas, não estou tomando o
documento como registro de uma verdade inconteste, mas como
possibilidade de se vislumbrar outra história que não seja
a das balas cruzando os rincões da província do Pará.
Destroçadas pelo recrutamento compulsório para as
diversas instituições do Estado Imperial de seus pares
masculinos, bem como pelos combates travados, as mulheres
tiveram que gerir a família e elaboraram estratégias,
inclusive matrimoniais. É o que refletiremos no item a seguir.
As mulheres não se posicionaram politicamente ante o
conflito, mas também sofreram, amaram e buscaram outros
caminhos para as suas vidas. Procurar ser feliz também faz
parte da história. Portanto, refazer a família, reconstruir os
laços de parentesco dentro das regras, surgia como estratégia
de reprodução social.
Para o representante do estado Imperial, comandante da
repressão à Cabanagem, o general Soares d’Andrea, após tomar a
cidade de Belém, considerou a Província “pacificada”. Tal
entendimento advém da compreensão de que a cidade é o lócus da
ação política e social dos sujeitos, alcançado o intento da
reinstalação do governo legal na cidade. Após a expulsão dos
361
Não podemos deixar de considerar que um testamento é a expressão da
vontade de um morto, portanto, é um registro para a posteridade.
208
cabanos, os enviados do Regente P
e
. Feijó consideraram a
Cabanagem “pacificada”. O extermínio do movimento pelos
interiores era uma questão de tempo. A cidade retornou
gradativamente à sua cotidianidade.
Nessa retomada do cotidiano citadino, a mulher teve
participação singular, circulando pelos espaços públicos
(feiras, mercados, ruas, portos, igrejas, praças). A figura
feminina estava circunscrita,imersa e imbricada nas tensões
sociais e urdidura da trama, antes da guerra, agora da ordem.
A maioria destas figuras com seu trabalho e inserção social
tecia fios das estratégias de organização diária de sua
subsistência.
Mulheres enfrentavam no dia-a-dia diversas situações
marcadas pelas desigualdades sociais, improvisando no
repetitivo do cotidiano, nas fímbrias das relações de
dominação e de exclusão social a que estavam relegadas. Agindo
numa sociedade escravocrata, encontrariam estratégias de
sobrevivência.
A luta das mulheres pobres, particularmente, pela
sobrevivência desenvolvia-se na margem de tolerância destinada
aos desclassificados sociais
362
. Essas mulheres moviam-se
agilmente na cidade, traçavam os esquadros de sociabilidade,
assim nos poços públicos, nas ruas, nas praças, nos mercados,
nos portos, nos igarapés se sobrepunham múltiplas realidades
com distintas interseções.
Na urdidura do cotidiano, o público e o privado
imbricavam-se, revelando fronteiras móveis, fugidias, prenhes
de desdobramentos, circunscrevendo, delimitando e
esquadrinhando espaços sexuados.
As mulheres pobres circulavam mais livremente, firmando
sua presença
363
. Assim, muitas das atividades desenvolvidas
pelas mulheres nas ruas, ou seja, fora de casa, é como se
362
DIAS, M. O. L. da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX.
São Paulo: Brasiliense, 1995.
363
PERROT, Michele. Mulheres Públicas. São Paulo: Ed. UNESP, 1998. p.38.
209
fosse uma extensão, um desdobramento contínuo do espaço
doméstico, do privado.
364
.
Na imprensa da Província do Grão-Pará do século XIX foi
lugar-comum, anúncio de venda e/ou aluguel de escravas que
possuíam habilidades domésticas e de vendedoras.
No jornal paraense “Treze de Maio”, de Agosto de 1844,
publicado o anúncio de venda:
João Victorino Lafon, defronte do Trem
365
, tem para
vender huma preta que sabe lavar e emgomar
perfeitamente, de idade de 22 a 25 annos quem a
pertender comprar dirija-se ao annunciante para
tratar do ajuste.
366
A atividade de transportar água ou lavar roupa nos poços
públicos implicava no fato de que algumas mulheres escravas
(ou não) trabalhassem fora do âmbito do espaço doméstico,
estavam imprimindo sua marca e presença na rua, na esfera
pública. O ato de ter de se dirigir para o local onde ficavam
os poços públicos, levava a efeito, a construção de trilhas
pela cidade, ao percorrerem os mesmos espaços, ruas,
travessas, praças, em determinados dias da semana, em horário
predeterminado.
O viajante Henri Bates, registrou quando de um de seus
passeios nos arredores da cidade de Belém, um flagrante do
cotidiano dessas negras escravas lavadeiras.
[...] Mais adiante as terras vão novamente em
declive até se tornarem pantanosas, e é que
ficam situados os poços públicos. Nesse local é
lavada toda a roupa da cidade, trabalho esse que é
364
PERROT, Michele. Mulheres Públicas. São Paulo: Ed. UNESP, 1998. p.38.
Ver também: DIAS, M. O. L. da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no
século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1995. HIGONNET, Anne. “Mulheres e
Imagens. Representações”. In: DUBY, G.; PERROT, M. (Org.). História das
Mulheres no Ocidente o século XIX. Vol.4. Porto: Edições Afrontamento;
São Paulo: EBRADIL, 1991.
365
O Trem mencionado no jornal, pelo anunciante, é o Trem de Guerra que
ficava localizado na rua da Praia, prédio da Alfândega, instalada no
conjunto do Convento dos Mercedários.
366
JORNAL TREZE DE MAIO. Seção de Avisos. Belém, Agosto de 1844. p.4.
Acervo do Arquivo do Público do Pará. Série Autos. 1841-1845.
210
feito por um bando de tagarelas escravas negras
[...].
367
Acontecia, nesses lugares, o encontro com outras
lavadeiras, aguadeiros, quituteiras, donos de tabernas e
outros, possibilitava a troca de impressões, idéias, fofocas,
boatos, rumores, namoros, ou seja, lugares de encontros e
desencontros, chegadas e partidas. As palavras circulavam
velozmente, gestos iam com o vento. Práticas, relações e
segredos pertinentes à esfera privada realizavam-se no espaço
público.
Seguindo a trilha da mulher no espaço urbano através do
“mundo do trabalho”, encontram-se filamentos de um outro
itinerário que está, também, imbricado com as atividades
executadas no interior do domicílio consideradas adequadas
para as mulheres: é a combinação da domesticidade e comércio
de confecções.
No primeiro semestre do ano de 1838, o administrador da
Recebedoria de Rendas Provinciais do Pará, Marcos Antônio,
enviou ofício ao presidente da Província, general Francisco
José Soares de Andréa, solicitando apreciação sobre o caso de
um estabelecimento de propriedade de Estevão Amaro, situado
primeiramente no Largo do Palácio, mudando-se depois para a
rua de Santo Antônio, que foi considerado, para efetivação de
cobrança de impostos, como loja “Modista”, por vender objetos
de modas.
Ill
mo
e Ex
mo
Senrº
Tendo mandado chamar a Estevão Amaro, com loja de
Modista, por isso que é publico que tem em seu
367
BATES, Henry Walter. Um viajante no rio Amazonas. Tradução de Regina
Régis Junqueira. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1979. p.14. É
válido ressaltar que o presente estudo não versa especificamente sobre a
mulher negra escrava na cidade de Belém, apesar do destaque dado no
momento. O interesse do trabalho é identificar a presença das mulheres no
espaço urbano de Belém, sejam elas brancas, negras, índias, livres ou
escravas, trabalhando ou se divertindo. Sobre o trabalho da mulher escrava,
ver: ACEVEDO MARIN, Rosa E. “Trabalho Escravo e Trabalho Feminino no Pará”.
Cadernos do Centro de Filosofia e Ciências Humanas. n.12. Belém: UFPA,
1987.
211
estabelecimento todos os objectos de Modas, e sua
Mulher sobre o Balcão a fazer vestidos e mais
objectos de Modas, afim de que pagasse o Imposto
sobre taes cazas; foi-me por elle respondido que
não pagava, porque não reputava a sua caza como
tal; em consequencia mandei lavrar o Termo que à V.
Exª remeto, e peço a V. Exª o que devo obrar
[...].
368
O ofício de costurar era considerado inerente à
“natureza” feminina. A mulher decente e prendada devia saber,
entre outras tarefas do lar, coser. Uma atribuição incorporada
ao cotidiano da mulher e um dos símbolos do recôncavo privado,
revestia-se em uma possibilidade de ganhos financeiros para a
família. O estabelecimento comercial de confecções e outros
“mimos” de moda tem caráter eminentemente público de
realizações comerciais, no entanto, a presença da esposa e
seus afazeres de costura/confecção de objetos de moda, imprime
o reverso do privado.
Outro ofício do referido administrador da Recebedoria de
Rendas Provinciais do Pará, com teor semelhante, mas
envolvendo o senhor Cordulo Candido de Gusmão Borralho, o qual
enalteceu as habilidades de sua esposa, conforme se depreende
da narrativa do Administrador Marcos Antônio ao presidente
Soares de Andréa.
Manda V. Exº que eu informe sobre a Representação
de Cordulo Candido de gusmão Borralho que pertende
não pagar o Imposto sobre Cazas de Modas
confessando que sua Senhôra as tem feito e elle as
tem vendido na sua loja, mas isto tudo com palavras
diversas, por exemplo: que sua Senrª não é modista
mas he huma Senrª Brasileira bem prendada e que os
enfeites que faz elle os depozita na sua Loja,
allegando que as não vende à Janella, nem está
368
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série “Ofícios”. Caixa 46. 1838-1839. São documentos da recebedoria de
Rendas Provinciais do Pará. O documento denota a tensão instalada entre
comerciantes e o fisco do Estado. E este o foi o único caso, pois, foram
localizados documentos que se referiam a outras lojas em situação
semelhante como a do trecho do documento transcrito. Cada casa reputada
como de moda teria que pagar, em 1839, conforme Lei n.º 43, Título, Art.
23, §16º,a quantia de sessenta mil is. Arquivo Público do Pará. Colleção
das Leis Provinciaes do Pará.
212
sobre o Balcão; [...] tendo a acrescentar que
quando se tratou da questão de C. Hanard que também
se queria eximir do pagamento deste Direito me
fizerão menção elle, e Diniz Crowm desta Caza que
julgavão no mesmo caso, e eu não podia fazer
excepções [...].
369
Para a sociedade do século XIX, a mulher foi criada para
a família e tudo relacionado com a pertinência doméstica.
Contudo, ela singrava o espaço material da esfera pública,
através de suas deambulações mundanas e domésticas. O produto
de seu trabalho de corte e costura, tido como atividade
“inerente à sua natureza de mulher”, ganhava a rua através do
comércio, das casas de modas da cidade de Belém
370
. Nada mais
público para uma realização do âmbito do privado
371
, através do
“mundo do trabalho”.
Do documento do comerciante Cordulo Borralho, denota-se
uma outra premissa em torno da mulher: sua representação.
A mulher de seu Cordulo Borralho era “bem prendada”,
provavelmente, dada às tarefas domésticas e de boa conduta
moral aos olhos da época. Dentro de suas “boas prendas”
estavam por serem consideradas pertinências femininas as
qualidades e habilidades de cozinhar bem (talvez fosse
excelente quituteira); bordar e costurar divinamente para um
exigente e seletivo público feminino, uma vez que as mulheres
pobres, dificilmente possuiriam condições materiais para
adquirir os bordados, mimos e costuras expostas nas casas de
confecções e armazéns. Possuía outra virtude ou prenda: manter
a casa e o comércio do senhor Cordulo em impecável estética de
arrumação.
369
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série Ofícios. Ofícios da Recebedoria de Rendas Provinciais do Pará. Caixa
46. 1838-1839.
370
O comércio de modas em Belém na primeira metade do culo XIX, pelos
indícios dos documentos, era bastante dinâmico e promissor. Quando o
governo legal retomou a cidade, após sangrentos combates, o comércio de
Belém, mesmo timidamente, mostrava sinais de recuperação.
371
PERROT, Michele. Mulheres Públicas. São Paulo: Ed. UNESP, 1998. p.10.
213
Assim, mulheres brancas, índias, negras escravas ou
forras definiam as ocupações de mulheres praticando a
instituição histórica e cultural do gênero e da representação
feminina vinculada ao lar.
Em contraposição a essa imagem de mulher previsível,
seguidora dos princípios normatizadores da sociedade do século
XIX, havia as mulheres como Maria Roza.
Remetto a dispozição de V. M
e
Maria Roza, que foi
preza por huma patrulha rondante por estar
embriagada fazendo motim e ser notorio que esta
Mulher he huma das Vadias
372
da Rua da Madragua e
que se faz insuportavel pelas continuadas
bebedeiras e dezordem que faz quaze todos os
dias.
373
O documento é assinado pelo presidente da Província do
Pará, General Soares de Andréa
374
, destinado ao juiz de Paz do
Distrito da Cidade, padre Maciel Vasques da Cunha. Maria
Roza perambulava por outras trilhas do espaço urbano, da
desordem, contrariando algumas normas de conduta esperada das
mulheres. Na (má) conduta, no caso de Maria Roza, perpassava a
372
O conceito de vadiagem e/ou ociosidade construído ao longo do século
XIX, foi no sentido da criminalização (tanto homens quanto mulheres, estas
geralmente vinculadas à prostituição). O vadio/a e o ocioso/a são
associados ao perigo, vistos como uma ameaça à ordem. Na Província do Grão-
Pará, durante e após a Cabanagem, foi implantado projeto de
disciplinarização, controle, prevenção e repressão àqueles que se
envolveram (ou considerados suspeitos) na comoção social geral da
Província, através da criação do Corpo dos Trabalhadores, em maio de 1838.
373
Arquivo Público do Pará. Correspondência dos Presidentes com Diversos.
Códice 1083. 1838.
374
Michele Perrot alerta para a problemática das fontes para se escrever
uma história das mulheres, pois, grande parte dos materiais foram escritos
pelos homens. Principalmente os documentos de cunho administrativo, no caso
particular do presente trabalho, da primeira metade do culo XIX, deixaram
poucos registros acerca das mulheres. “Quando um comissário de polícia
relata uma manifestação de mulheres e diz que elas vociferam, gritam, o que
é que ele vê? Ele vê realmente mulheres que gritam ou será que ele é preso
à idéia de que as mulheres sempre gritam?”. Depoimento de M. Perrot, em
entrevista concedida a Hermetes Reis de Araújo. Cf.: Projeto História.
Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento
de História da PUC/SP. n.10. São Paulo: EDUC, 1993. Contudo, e apesar da
escrita masculina, o registro deixa escapar uma relativa visibilidade da
presença da mulher e, por outro lado, o murmúrio da mulher pobre incomoda.
E o comportamento de Maria Roza era extremamente inquietante e perigoso.
214
contraposição da representação de comportamento e moral
idealizado para a mulher da sociedade paraense.
Roza foi qualificada de mulher perigosa para a família,
uma vez que esta constituía elemento civilizador: vadia,
desordeira e gostava de se embriagar todos os dias. Com
certeza não era o comportamento normativo exigido e esperado
de uma mulher
375
, na primeira metade do século XIX, ano de
1838.
Ser vadia era não ter ocupação (notadamente doméstica?)
ou ser prostituta? E desordeira? Maria Roza perturbaria a
ordem pública? Como? Embriagando-se todos os dias nas tabernas
e botecos da cidade? Qual a bebida que Maria Roza ingeria?
Como tinha acesso à bebida? Por outro lado, a ingestão de
bebidas não era um gesto, muito menos comportamento digno de
mulheres “decentes”.
Nos momentos de lazer, também se percebe a exclusão
social esquadrinhada nos espaços urbanos. A rua da Madragôa
376
,
local onde Maria Roza foi presa, parece ter sido referência
para a diversão das camadas populares, localizada no
Distrito, ou seja, freguesia da Trindade, conhecido como
“arredores” de Belém. Essa rua abrigava tabernas freqüentadas
por populares e também prostitutas. Era alvo de rondas diárias
por ser uma área urbana, onde, geralmente aconteciam
desordens, contrariando as normatizações dos poderes públicos.
Essas desordens protagonizadas por ações femininas seriam
o contraponto, uma transgressão de comportamento imputado aos
375
A representação idealizada de mulher decente era pautada num modelo de
comportamento cordato, recatado. A mulher deveria ser “bem prendada”, como
a mulher de seu Cordulo, ou seja, cozinhar, bordar, costurar, o andar
fora de hora pelas ruas, principalmente à noite, eram critérios
qualitativos do ser uma mulher decente. Além de que, sua individualidade,
enquanto sujeito, era vinculada à presença masculina, seja do pai, marido
ou do filho. Durante o recrutamento compulsório, várias mães pobres,
entraram com requerimento solicitando a dispensa do filho. Geralmente a
argumentação era no sentido de ele ser filho único e, por conseguinte ser o
chefe da família, responsável pela sobrevivência de todos os seus
integrantes, principalmente da mãe.
376
Hoje Rua Aristides Lobo.
215
homens. Em Outubro de 1839
377
, o presidente da Província,
Bernardo de Souza Franco, enviou ao juiz de Paz do distrito
a parte policial sobre briga envolvendo um calafate e mestre
do brigue Dois de Março.
A agressão mútua aconteceu na dita rua da Madragôa, ou
seja, na periferia que abrigava como moradores, geralmente, os
sujeitos provenientes das camadas populares, zona que
apresentava um significativo número de conflitos e
transgressões à ordem pública: agressão física, bebedeiras,
ofensas à moral pública e injúrias.
O espaço urbano é a entrada para esquadrinhar o mundo de
relações sociais e de práticas de sociabilidade; nele é
possível assinalar os lugares permissíveis aos sujeitos. A
mulher pobre tinha que extrair sua existência material na
margem de tolerância destinada aos desclassificados sociais.
As chamadas mulheres decentes não freqüentavam os espaços
considerados perniciosos e de péssima reputação como a rua da
Madragôa, famosa por abrigar tavernas e botequins. Este era o
espaço da contravenção, das condutas recriminadas e não
toleradas.
Nessa retomada do cotidiano, da “normalidade” a mulher
teve participação singular, circulando pelos espaços públicos
ou, quando não circunscrita ao recôncavo do lar. O fato é que
as mulheres estavam presentes também neste outro momento da
história da província: o soerguimento do Pará pós-cabanagem.
Mas, esta sociedade, manteria a maioria delas sob o poder
feito masculino com suas intrincadas regras, controle,
disciplina e vigilância necessárias também ao controle das
hierarquias sociais.
377
Arquivo Público do Pará. Correspondência dos Presidentes com Diversos.
Códice 1083. 1839.
216
4.4 DESTINOS DOS FILHOS: PARA O “INSIGNAR O OFFICIO DE SUA
PROFISSÃO”
A ocupação pode ser também vista como um indicador
de classe social.
José Murilo de Carvalho
378
Algumas mulheres herdaram bens, casaram novamente,
constituíram outras famílias. Outras buscaram estratégias de
sobrevivência, para si e os seus, ou seja, das pessoas que
ficaram sob a sua égide, principalmente os seus filhos.
Exploraram condições pensadas como favoráveis para assegurar a
existência de suas famílias.
A mobilidade de alguns membros pautados numa prática
social como a “transferência de crianças”
379
implicava numa
passagem, temporária ou não, de criança de uma unidade
familiar para outra, foi uma possibilidade encontrada.
Uma dessas estratégias foi a distribuição da prole,
geralmente, sob a responsabilidade de um mestre que se
comprometia a instruir-lhe um ofício.
No dia 6 de maio de 1843, na povoação de Vizeu, comarca
de Bragança, na província do Pará, a srª Anna Florippa, por
meio de um Termo de Entrega, deixou o seu filho Januario
Antonio, por um período de cinco anos, ao mestre do ofício de
sapateiro, Jozé do Rozario Santoz, para ensinar-lhe o
respectivo ofício.
378
CARVALHO, Jose Murilo de. A construção da ordem: a elite política
imperial - Teatro de sombras: a política imperial. 2ªed. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, Relume-dumará, 1996. p.83.
379
GODOI, Emilia Pietrafesa de. “Reciprocidade e circulação de crianças
entre camponeses do sertão”. In: GODOI, Emilia Pietrafesa de; MENEZES,
Marilda Aparecida de; ACEVEDO MARIN, Rosa. Diversidade do campesinato:
expressões e categorias. Vol.2 Estratégias de reprodução social. São
Paulo: UNESP; Brasilia, DF: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento
Rural, 2009. p.289-302. A autora reflete sobre a mobilidade de atores
sociais nos contextos rurais, focando, sobretudo a “circulação de crianças
entre camponeses do sertão”, identifica a diferença, do ponto de vista dos
camponeses, entre “filhos de criação” e “adoção”, esta remete a
transferência definitiva da criança a outra unidade familiar. Tal premissa
inspira um outro olhar sobre a situação de crianças consideradas pobres e
desvalidas no Pará provincial.
217
Aos seis dias de Maio de mil oito sentos quarenta e
trez annos nesta Povoação de Vizêu Com marca de
Bragança, província do Pará na Caza de Rezidencia
[...] Guimaraenz Juiz de Paz [...] Anna Florippa
com o Filho dito de nome Janoario Antonio [...]
entregar este dito filho [...] o Mestre de
sapateiro Jozé do Rozario Santoz [...] pelo tempo
de cinco annos para o insignar o Officio de sua
profissão com as condições seguintes [...] ficando
o Mestre obrigado de dar lhe o sustento de Roupas
[...].
380
As lacunas existentes são devidas ao estado precário de
conservação, decorrente da oxidação do documento. No entanto,
o cerne das informações está preservada, e essas informações
permitem algumas fendas para uma possível identificação das
estratégias utilizadas pelos atores sociais para cuidar da
família. Esse não foi o único documento encontrado de a
criança ser entregue a um Mestre para ser iniciada num ofício,
o que deixa entrever uma prática de “circulação de
crianças”
381
.
Essa categoria permite entender a prática costumeira
entre os segmentos das camadas sociais, identificados como
pobres e desvalidos do Brasil Império. Visto sob essa
perspectiva, a mobilidade de menores
382
de uma família para
outra, desloca o tratamento do tema, pois o fato de se
entregar uma criança para outra pessoa ou família
necessariamente, não configura um “problema social”possível
se pensar em um “processo social”, ou seja, a circulação das
380
Arquivo Público do Pará. Documentação Notarial. Livro de Escrituras.
Comarca de Bragança. 1842.
381
Circulação de crianças, segundo Godoi é uma expressão dos estudos
etnográficos para designar todas as práticas por meio das quais se a
transferência de responsabilidade sobre uma criança de um adulto para outro
e que implica a mobilidade infantil. GODOI, Emilia Pietrafesa de.
“Reciprocidade e circulação de crianças entre camponeses do sertão”. In:
GODOI, Emilia Pietrafesa de; MENEZES, Marilda Aparecida de; ACEVEDO MARIN,
Rosa. Diversidade do campesinato: expressões e categorias. Vol.2
Estratégias de reprodução social. São Paulo: UNESP; Brasilia, DF: Núcleo de
Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2009. p.289-302.
382
No século XIX a definição de criança ou jovem é delicado, pois o que se
entende por criança hoje, no império era juridicamente a figura do menor,
órfão ou enjeitado. LEITE, Miriam Moreira. “A infância no culo XIX
segundo memórias e livros de viagem”. In: FREITAS, Marcos Cesar de.
História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. p.19-52.
218
crianças não é vista apenas como um colapso de valores e/ou
motivado por razões econômicas; mas essa prática é parte dos
valores desses sujeitos. Assim entregar os filhos não
significa uma separação radical. Confiar um filho para que
aprendesse um ofício por um período de cinco anos, pode também
corporificar o apreço e zelo dos genitores por essa criança,
seria vislumbrar uma possibilidade de que ela fosse
instrumentalizada com uma profissão, numa sociedade organizada
nas relações sociais escravistas.
D. Anna Florippa dirigiu-se à residência do Juiz de Paz
da Povoação de Vizeu para, perante o magistrado oficializar a
entrega de seu filho ao Mestre Jozé do Rozario. Assim selava
um compromisso jurídico, entre ela e o Mestre, para que seu
filho fosse iniciado no ofício do senhor Jozé Rozario.
O ato de dona Anna Florippa pode ser entendido nessa
perspectiva, ao entregar o seu filho Janoario Antonio, ao
Mestre de sapateiro Jozé do Rozario Santoz. por outro lado,
diminuiria uma “boca” no consumo interno da família. Ele teria
um aprendizado e em contrapartida ajudaria o Mestre nos
afazeres. Este tinha a responsabilidade de “insignar o Officio
de sua profissão com as condições seguintes [...] ficando o
Mestre obrigado de dar lhe o sustento de Roupas [...]”
383
.
Passado o tempo estabelecido para a aprendizagem, que o
de Janoario foi de cinco anos, o aprendiz teria condições de
oferecer um retorno ao empenho feito pela sua genitora na
forma de uma melhoria na situação material de sua família.
Essa era uma entre outras, possibilidades que algumas
mulheres buscavam nas margens da sociedade, para propiciar
melhores condições materiais para seus filhos e filhas.
Contudo, que destinos essas mulheres, mães, viúvas e avós
poderiam construir para os seus filhos? E quais estratégias as
mulheres buscaram, que outras alternativas encontraram para
383
Arquivo Público do Pará. Documentação Notarial. Livro de Escrituras.
Comarca de Bragança. 1842.
219
propiciar melhores oportunidades de sobrevivência aos seus
filhos?
Para os meninos, as opções seriam um pouco mais variadas,
pois havia a Companhia dos Educandos instalada pela Lei
Provincial 97 de 3 de julho de 1841 e foi fechada por volta
de 1852, a companhia de Aprendizes de Marinheiros, o Arsenal
de Marinha e o Arsenal de Guerra. E para as meninas A Casa das
Educandas, mais tarde o Colégio Nossa Senhora do Amparo
384
.
Essa abordagem não tem objetivo profícuo de investigar a
educação na província do Pará, embora esta clareza da
importância do tema, as sendas seguidas, acompanharam as
pistas e possibilidades da documentação coligida sobre
projetos, estratégias, ação das mulheres que buscaram outros
destinos possíveis para os seus menores, tanto meninos quanto
meninas, pobres e desvalidos.
4.5 OUTRO DESTINO: “EDUCAÇÃO REGULAR, E PROVEITOZA PARA SI E
PARA O ESTADO”
Algumas frestas ferrenhamente disputadas para cavar esse
projeto e dar um “destino” aos filhos estiveram constituídas
nas instituições educacionais, disponibilizadas pelo Estado à
assistência de menores pobres e desvalidos que ofereciam uma
educação preparatória para o trabalho. De acordo com o
Dicionário da Língua Brasileira de 1832, “Desvalido é que
perdeu ou não tem valimento. Que não tem quem lhe valha”
385
,
assim geralmente, aplicados aos pobres.
384
Outras instituições foram criadas mais tarde, como o Liceu Paraense. A
educação foi um fator importante na coesão do Estado Nacional e a hegemonia
política dos fazendeiros e cafeicultores, segundo Murilo de Carvalho “a
elite era uma ilha de letrados num mar de analfabetos”. CARVALHO, Jose
Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial - Teatro de
sombras: a política imperial. 2ªed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Relume-
dumará, 1996. p.56-82. Contudo, respeitar-se-á o recorte temporal da
presente pesquisa: 1840- 1860.
385
PINTO, Luiz Maria da Silva. Diccionario da Lingua Brasileira.
Typographia de Silva, 1832. Disponível em: <http://www.brasiliana.usp.br/
dicionario/3/desvalimento>. Acesso em: 15/08/2009.
220
O desvalimento era um dos argumentos mais usados pelas
viúvas, mães e avós ao solicitar vaga nessas instituições. D.
Maria do Carmo Cardozo, natural e residente na Cidade de
Belém, afirmou que
Possue hum filho de nome Antonio Róis de
Almeida,idade de 7 8 annos, e adiantado nos
rendimentos de primeiras letras: a Supp
te
pobre e
vive unicamente da sua Costura, e engomados de
roupa e por conseqüência está o dito seu filho na
Classe dos desvalidos, e p
r
isso em estado desser
acolhido pela benignidade de V. Exª em o mandar
admittir na Companhia dos Educandos Artífices, a
fim de receber huma educação regular, e proveitoza
para si e para o Estado.
Hé esta a graça q a Supp
te
Caiva de V. Exª como mãe.
Despacho: Está completo o número das vagas =
Palácio [...] 16 de Maio de 1849.
386
Provavelmente D. Maria do Carmo era viúva. Identifica–se
porque vivia dos ofícios de “Costura e engomados de roupa”, ou
seja, tinha uma renda incerta, proveniente de duas ocupações,
convencionalmente “próprias do sexo feminino”, contando com
ajuda dos filhos. Talvez, era parte das responsabilidades do
pequeno Antonio, acompanhar ou ajudar a mãe nas entregas das
roupas engomadas nas casas dos clientes. A mãe expressou a
preocupação com a formação e profissão do filho. Ela almejava
que ao aprender um ofício, seu desejo expresso é que ele fosse
“útil para si e para o Estado”.
Devido a falta de manutenção, o prédio em que funcionava
o estabelecimento dos educandos do Pará encontrava-se em
estado lastimozo
387
, o telhado arruinado a ponto de chover em
quase toda a parte, as paredes estavam precárias em alguns
lugares. Em 1850, o diretor interino escreveu ao Presidente da
386
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 474. 1848-1849.
387
PARÁ, Governo da província do. Falla dirigida pelo exm.o sñr conselheiro
Jeronimo Francisco Coelho, prezidente da provincia do Gram Pará á Assembléa
Legislativa Provincial na abertura da segunda sessão ordinaria da sexta
legislatura no dia 1.o de outubro de 1849. Pará, Typ. de Santos & filhos,
1849. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://
brazil.crl.edu/bsd/bsd/508/000041.html>.
221
Província, da necessidade de se fazer os reparos precisos
388
para melhorar a situação do edifício. Os documentos deixam
entrever as dificuldades enfrentadas pelos educandos com longa
jornada de trabalho, os castigos e a alimentação precária.
Muitas vezes, grupos de educandos reagiram organizando a fuga,
uma das ações mais comuns
389
.
No relatório de 1849, o conselheiro Jerônimo Francisco
Coelho, presidente da Província do Pará informou à Assembléia
Legislativa Provincial que havia Companhia dos Educandos 2
alfaiates, 22 carpinteiros, 5 corrieiros, 2 calafates, 2
ferreiros, 3 funileiros, 2 mareineiros, 4 polieiros, 4
pedreiros, 5 serralheiros, 1 torneiro e 2 sem ofício.
Esse estabelecimento de ensino profissionalizante era do
tipo asilar, ou seja, baseava-se no internato restringindo o
contato do educando com o lado externo extramuros e com a
família. A instituição organizou um rigoroso controle e
instaurou esquemas de vigilância em torno dos internos,
critério que, possivelmente, constituía-se em atrativo às mães
e avós, que
não pode com mágoa no seu coração ver seu filho na
adolescência
390
sem princípio algum, assim recorre a
Proteção de V. Exª que pelo documento junto
conhecerá que Ella é pobre [...] se digne mandar
admittir o filho da Supp
e
na Companhia de
Artífices.
391
388
Ofício do Diretor da Casa de Educandos Artífices do Pará ao Presidente
da Província, 11/1/1850. Cf.: RIZZINI, Irma. O cidadão polido e o selvagem
bruto: a educação dos meninos desvalidos na Amazônia Imperial. Rio de
Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGHIS, 2004.
389
Ibidem.
390
Segundo Miriam Moreira Leite, “No século XIX, criança, por definição,
era uma derivação das que eram criadas pelos que lhe deram origem. Eram o
que se chamava “crias” da casa, de responsabilidades (nem sempre assumida
inteira ou parcialmente) da família consangüínea ou da vizinhança. Ver:
LEITE, Miriam Moreira. “A infância no século XIX segundo memórias e livros
de viagem”. In: FREITAS, Marcos Cezer de. História Social da Infância no
Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. p.19-52.
391
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 474. 1848-1849.
222
A possibilidade de ver um filho “sem princípio algum” era
o medo de D. Joana do Rosario, moradora da Cidade Belém
fomentava a esperança de uma vida melhor pela remissão do
trabalho. A análise da documentação revela que o envio dos
filhos às instituições educacionais, muitas vezes, poderia
significar um gesto de preocupação e zelo familiar, que
vislumbravam uma alternativa de aprendizado profissional aos
menores desvalidos
392
. Convergente com os interesses do Estado,
que o trabalho estava intrincado com a visão da pobreza e à
desvalia, a Casa dos Educandos representa a instituição
disciplinadora desses sujeitos. O Governo justificava e
legitimava suas finalidades:
Um rapaz, de que nada tinha á esperar a Sociedade,
apresenta-lhe bi seio della, depois de três ou
quatro annos, sabendo assignar o seo nome, fazer a
conta do que ganha pelos seos jornaes, e com um
officio, que lhe manterá a subsistência. [...]
393
O discurso da benignidade e da concessão para com os
grupos subalternos estava presente em vários relatórios
provinciais. Subjacente estava o projeto de morigeração e de
controle dos menores desvalidos. Esse foi um mecanismo útil
para arregimentar a força de trabalho nesse momento existente
na província. Desta forma, o Estado e os particulares estavam
ávidos por “braços” para os mais diversos setores da produção.
Para os adultos, havia o Corpo de Trabalhadores que recrutava
homens a partir dos 15 anos de idade
394
; para as “crianças”
criou-se a Casa dos Educandos.
392
VENÂNCIO, Renato Pinto. “Os aprendizes da guerra”. In: DEL PRIORE, Mary.
História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. p.192-209.
393
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo exm. snr. doutor
João Antonio de Miranda, prezidente da provincia do Pará na abertura da
Assemblea Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1840. Pará, Typ. de
Santos & menor, 1840. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível
em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/499/000040.html>.
394
Para Miriam Moreira Leite: A infância não é uma faze biológica da
vida, mas uma construção cultural e histórica, compreende-se que as
abstrações numéricas não podem dar conta de sua variabilidade. Dos 8 aos
12 anos, os meninos são considerados adultos-aprendizes e vestem-se (de
223
Mas havia as outras possibilidades, como a Companhia de
Aprendizes da Marinha. A do Pará foi criada pelo
Decreto 1.517 - de 4 de janeiro de 1855, Crêa
huma Companhia de Aprendizes Marinheiros na
Provincia do Pará, e manda observar o Regulamento
respectivo.
395
A Companhia de Aprendizes Marinheiros do Pará surgiu
paralelamente a atos de fundação de outras Companhias pela
Corte e teve execução em dezessete províncias do Império,
durante o período de 1840 a 1875. A criação dessas companhias
colocava, na ordem do dia, uma instituição blica voltada
para os menores que não pudessem permanecer na égide de suas
famílias.
A motivação para a criação dessas instituições foi formar
quadros qualificados de marinheiros para servir à nação, em
substituição ao recrutamento forçado que se constituía quase
que, exclusivamente, na única fonte de pessoal para os
serviços das Armadas.
No momento das lutas nas guerras da independência, o
nascente império enfrentou graves problemas como a necessidade
de um exército e marinha com o objetivo de combater e reprimir
os diversos conflitos internos durante o processo de ruptura
com Portugal. A solução encontrada foi a utilização de
serviços militares de mercenários. Mesmo depois da
independência, as dificuldades continuavam tal como durante a
Cabanagem. Sob esta pressão, o Império teve de recorrer mais
uma vez aos serviços de mercenários para compor a força tarefa
de repressão ao movimento. Nesse sentido, foi prioritário
acordo com a camada social) como tais.” LEITE, Miriam Moreira. “A infância
no século XIX segundo memórias e livros de viagem”. In: FREITAS, Marcos
Cezer de. História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009.
p.19-52. Ver também: BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. O Trabalho de Crianças e
Jovens no Brasil Imperial: Minas Gerais, 1831-1832”. História: Questões &
Debates. n.39. Curitiba: Ed. UFPR, 2003. p.191-220.
395
Cf.: BRASIL. Senado Federal. SICON Sistema de Informações do Congresso
Nacional. Disponível em <http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisa
Legislacao.action>.
224
formar as Forças Armadas de Mar e Terra da Nação, ou seja,
Marinha e Exército.
O recrutamento assumiu caráter compulsório. Alguns
estudiosos defendem a brutalidade e a imposição do estado
imperial acerca do recrutamento
396
. Contudo, estudos recentes
sugerem outro olhar para esse problema
O recrutamento foi um sistema no qual contribuíram
o Estado, a classe de senhores de terras e escravos
e boa parte dos pobres livres, e da qual cada
participante tirou benefícios significativos.
397
Essa premissa permite um possível entendimento para a
inserção dos menores pobres paraenses. Sabe-se que uma das
diretrizes era que as Companhias de Aprendizes deveriam
fornecer um número adequado de soldados a custo mínimo, sem,
contudo obstar as relações de produção da sociedade.
Os militares promovem o ensino de ofícios com o objetivo
prioritário de preparar os artífices necessários à sua
manutenção, como se evidencia pelo tipo de trabalho
desenvolvido no Arsenal de Guerra. Mas fazem mais do que isso,
ao configurar o ensino de ofícios como um projeto de
disciplinarização da população livre pobre tida como
ameaçadora à ordem social pelas elites imperiais
398
396
PEREGALLI, Enrique. Recrutamento militar no Brasil colonial. Campinas:
Ed. da Unicamp, 1986.
397
KRAAY, Hendrik. “Repensando o recrutamento militar no Brasil Império”.
Diálogos. Vol.3. n.3. DHI/UEM, 1999. p.113-51. Disponível em: <http://www.
dhi.uem.br/publicacoesdhi/dialogos/volume01/vol03_atg3.htm>. Acesso em:
06/02/2009.
Houve recentemente uma ampliação nos estudos sobre o recrutamento, que
revelam outras perspectivas para esse problema, enfatizando as tensões,
imposições do recrutamento, mas também as relações tecidas entre os
sujeitos e o Estado. Ver também: RIBEIRO, José Iran. Dê-lhe Laço Como
Sargento de Escolta”: A Violência os Recrutamentos Militares. Disponível
em: <http://www.ufpel.tche.br/ich/ndh/downloads/historia_em_revista_jose_
iran.pdf>. Acesso em: 20/01/2010. NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. “A
soldadesca desenfreada”: politização militar no Grão-Pará da Era da
Independência (1790-1850). Tese (Doutorado em História Social do Brasil),
Salvador, Universidade Federal da Bahia, 2009.
398
VENÂNCIO, Renato Pinto. “Os aprendizes da guerra”. In: DEL PRIORE, Mary.
História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. p.192-209.
225
Havia os critérios estabelecidos para ingresso Decreto nº
1.517 - de 4 de janeiro de 1855, que no seu Art. normativa
que
Para ser admittido na Companhia como Aprendiz
Marinheiro he necessario:
1º Ser Cidadão Brasileiro.
2º Ter a idade de 10 á 17 annos.
Ser de constituição robusta, e própria para a
vida do mar.
399
Tratava-se de uma instituição destinada às crianças
pobres, mas àquelas que atendiam ao perfil desejado para o
serviço da Armada, portanto, ser pobre, não era um critério
que garantisse o acesso a essa escola. O aprendiz precisava
apresentar uma constituição física promissora e ter saúde, era
preciso estar nas condições favoráveis de servir para o
trabalho da Marinha, para isso, previu-se, antes do
assentamento, que o menor passasse por uma inspeção médica
para avaliar as suas condições físicas e se teria aprovada ou
não a sua entrada. E vários desligamentos foram feitos, após o
assentamento, por apresentarem os candidatos a aprendiz algum
problema de saúde que comprometeria a vida de marinheiro. A
compleição física era, portanto valorizada, sobrepondo-se
talvez a idade.
Diz Maria de Nazareth, que tendo seu filho de nome
João Diogo de Lima alistado na Companhia de
Aprendizes Menores do Arsenal de Guerra e sofrendo
constantemente de moléstia do peito requer a V. Exª
se digne mandalo inspencionalo de que
Pará, 30 de Novembro de 1860
Arrogo de Maria de Nazareth
Francisco Rodrigues de Araújo.
399
Decreto de 4 janeiro de 1855. Crêa huma Companhia de Aprendizes
Marinheiros na Província do Pará. Cf.:
BRASIL. Senado Federal. SICON – Sistema de Informações do Congresso
Nacional. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/Lista
Publicacoes.action?id=76659>. Acesso em: 23/08/2009.
226
O despacho é conflitivo, pois o comandante afirma que o
menor tem robustez para continuar na Companhia, ou seja, houve
tensão instalada entre a genitora e a instituição pelo menor
João Diogo. Ela disputando o direito de ter o filho de volta
ao seio da família e o Estado não querendo abrir mão de futuro
servidor da Marinha.
Contudo, mulheres pediram o ingresso de seus filhos nessa
instituição, como D. Maria Engracia da Cunha, que
Perante V. Exª vem requerer Maria Engracia da Cunha
que tendo três filhos, sem meios de os educar
implora o bem fazejo coração de V. Exª para que se
digne mandar aceitar na Companhia dos Aprendizes do
Arsenal de Guerra o seu filho Jerônimo Theodoro de
Moraes, de oito annos completos, isto, depois que
se concluão os commodos que se estão fazendo para
elles.
P á V Exª Senr Presidente da Província seja servido
assim o mandar.
Pará, 14 de Fevereiro de 1849.
Pela Supp
e
Fernando Antonio Coelho.
Despacho: Esperando para quando houverem
commodos.
400
Do Requerimento pode abstrair que poderia haver uma
“lista de espera”, pois D. Maria Engracia estava aguardando
cômodos para o seu filho Jerônimo, ou seja, as vagas estavam
todas preenchidas naquele momento. Por outro lado, apreende-se
também que havia uma expectativa e observação por parte de D.
Maria Engracia que afirmou não ter condições de educá-lo, mas
estava atenta às informações que circulavam sobre a ampliação
das vagas e a construção dos cômodos para abrigar os
pretendentes a uma oportunidade na Companhia de Aprendizes do
Arsenal de Guerra.
Contudo, o historiador não deve ficar limitado a uma
análise de mão única. Até aqui parece que as instituições eram
uma promessa paradisíaca. É certo que a procura e disputa por
uma vaga nessas instituições educacionais podia ter sido
400
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 474. 1848-1849.
227
grande, porém, grande também geraram-se diversos conflitos
entre as responsáveis pelos menores e o Estado, ávido por
novos recrutas.
Diversos “pedidos de baixa” foram introduzidos pelas mães
para que os filhos fossem dispensados do serviço. E os
argumentos se repetiram: a pobreza, desvalimento e o risco da
mendicidade. Mas o fato de ser o menor arrimo de sua família
pesou bastante, e estes dois últimos foram os argumentos
usados por D. Maria Silvana de Souza no requerimento que
enviou diretamente ao palácio imperial solicitando a Graça de
ter o seu filho José Torquato de volta. A solicitante
apresenta os argumentos a seguir:
Perante Vossa Magestade Imperial vai Maria Silvana
de Souza supplicar uma Graça: tem a Supp
e
um filho
de nome Joze Torquato, o qual estava aprendendo o
officio de alfaiate: encarregado o Corpo de Policia
de aprehender alguns Menores para a Companhia
d’Aprendizes Marinheiros, foi o filho da supp
e
incluído numero, deixando por isso de continuar no
seu officio, de que tirava algum proveito, que o
applicava em beneficio da Supp
e
, mulher pobre, e
sem outro arrimo, como provão os documentos juntos:
Requer por tanto A’Vossa Mag
e
Imp. Haja por bem
mandar dar baixa ao dito seu filho para não ficar
inteiramente reduzida á Mendicidade.
P. a Vossa Mag
e
. Imp
Esta Graça, que receberá por esmolla e = M
ce
.
Belém do Pará, 26 de Maio de 1860.
A rogo de Maria Silvana de S
za
José Antonio de Medeiros
401
Esse documento constitui um dos poucos requerimentos
encontrados, enviado diretamente ao Imperador. Qual foi o
motivo para D. Maria Silvana se dirigir ao governo central no
Rio de Janeiro? Destacam-se como argumentos mais apelativos:
Dificuldades em reaver seu filho. Segundo, a mãe enviou o
401
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 493. 1860. Este não foi o único documento
encontrado durante o percurso da pesquisa documental, ao contrário, a
incidência de solicitações de baixas é significativa, pois não eram pedidas
dispensas somente da Companhia de Aprendizes do Arsenal de Guerra, mas
também da Casa dos Educandos, da Guarda Nacional, do Corpo Provincial,
Corpo Policial e, majoritariamente, do Corpo dos Trabalhadores.
228
filho para aprender um ofício com um Mestre de Alfaiataria,
que afirmou que estava “aprendendo o officio de alfaiate” e
que, ao ir para a Companhia de aprendizes teve de interromper
o referido aprendizado do qual conseguia tirar “algum
proveito” e de onde contribuía para a manutenção da família. O
argumento de ser o menor Joze Torquato, arrimo de família, ou
seja, se para algumas mulheres essas instituições educacionais
representavam uma possibilidade de melhoria de vida e não ver
um filho “sem princípio algum”, para outras o destino dos
filhos necessariamente não estava atrelados aos caminhos
oferecidos pelo governo imperial.
4.6 EDUCAR PARA CASAR: DESTINOS DAS MENINAS
O Recolhimento das Educandas foi fundado pelo bispo D.
Manoel de Almeida Carvalho, em 1804, quando em viagem pelas
cabeceiras do Rio Negro retornou com cerca de 15 Meninas
“Gentias e recolhendo-se com estas à Capital as depositou no
andar de cima do Hospital da Caridade”
402
. Objetivava educar na
moral cristã, as meninas indígenas destribalizadas de suas
famílias. Oficialmente, foi instalado em uma casa alugada
situada à rua do Açougue, distrito da Campina. Sua manutenção
era viabilizada por meio de esmolas. No desenvolvimento de
suas atividades, ampliou-se o recolhimento, disponibilizando-
se vagas para as menores pobres, desvalidas, órfãs e
pensionistas. Segundo D. Romualdo Coelho, bispo do Pará, em
1825, das “Mininas Gentias [..] hoje não existe huma só,
morrendo humas, e cazando-se outras”
403
.
Durante a Cabanagem o Recolhimento abrigou órfãos da
guerra. Crianças que perderam suas famílias, pai, mãe, maioria
das vezes, ficando com irmãos. Em 22 de Abril de 1837, o Cura
da e administrador da Casa de Recolhimento, senhor
402
Arquivo Nacional/RJ. Série: Interior – Ijj9 – 110 – Doc. 17/18.
403
Biblioteca Nacional/RJ. Seção de Manuscritos. Correspondências de D.
Romualdo – Bispo do Pará.
229
Francisco Pinto Moreira, informou ao presidente da província
Soares d’Andreas que
Ill
mo
e Ex
mo
Snrº
Tendo ouvido a Regente do Recolhimento, e amesma
Edocanda Agostinha Pulcheira que recusa prestar o
seu consentimento ao pertendido consorcio, tenho a
honra informar V. Exª, que esta Menina hé orfã do
falecido João Manoel Affonço Negociante desta Praça
assasinado pelos Rebeldes; que perdendo igualmente
sua May em Tatuoca se acolhera com seus trez irmãos
innocentes ao abrigo de huma mulher parda cazada;
luta aque mereceu da Paternal Beneficencia de V.
Exª ser admittida aonumero das Edocandas no
Recolhimento desta cidade; e não tendo ainda ali
passado seis meses, não pode ter adquirido aquela
intelligencia e conhecimentos indispensaveis para
tomar sobre si o governo, e administração de huma
caza; e nem mesmo a sua consistencia fisica lhe
permite ainda a Cazarse: Tendo por fortuna a
Proteção de V. Exª ella pode com o andar do tempo
não conseguir a sua boa educação, como firmar
milhor a sua sorte, e influir na de seus Irmãos
innocentes. He o que posso informar a v. Exª que
mandará o que for servido. Freguezia da do Pará,
22 de abril de 1837.
De V.Exª
Humilde e fiel subdito
Francisco Pinto Moreira
404
Percorrendo, cuidadosamente, pelas linhas do documento,
nele identifica-se uma situação produzida pela Cabanagem:
esfacelamento das famílias, quando não houve destruição. Na
trajetória que levou a educanda Agostinha e seus irmãos ao
Recolhimento examinamos uma destas situações limites. Eles
viram a família se despedaçar aos poucos. Primeiro, ficaram
órfãos de pai, o senhor João Manoel Affonço, negociante da
Praça de Belém, fora morto pelos Rebeldes. Depois se pode
traçar a rota de fuga deles com a mãe para a Ilha de Tatuoca,
onde ela veio falecer.
404
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Correspondência de Diversos com o Governo. Códice 854.
230
Esta Ilha possui uma localização geográfica privilegiada
em relação a Belém, pois permite a vigilância de entrada e
saída da Cidade pela ótima visualização da Baía do Marajó, do
Rio Pará e da Baía do Guajará. Estes dois últimos margeiam a
Capital. Devido a esta vantagem geográfica, o enviado do
governo regencial proveniente do Rio de Janeiro, Francisco
José Soares de Andreas, estacionou as suas tropas e
transformou a Ilha em sua base militar, a partir da qual
procurou controlar e vigiar as embarcações que se dirigiam
para a Cidade. Muitos dos que abandonaram Belém em meio às
agitações, refugiaram-se na Ilha de Tatuoca. O caráter de
refúgio foi perdido por abrigar as tropas responsáveis pela
ordem interna.
Antes de chegarem ao Recolhimento, os irmãos ficaram
abrigados na casa de “huma mulher parda cazada”
405
. A
existência dessas instituições de acolhimentos aos desvalidos
não impediu que a maioria das crianças fosse parar em casas de
família, que por meio da “criação”, utilizavam-se de sua força
de trabalho em diversas atividades, instituindo uma prática
bastante difundida na sociedade brasileiro
406
. Assim os irmãos
vivenciaram mais essa violência.
405
Os estudos sobre a criança e a infância ganharam impulso significativo
nos últimos anos. As abordagens procuraram entender a criança enquanto
sujeito de um processo, nessa perspectiva trabalho marcante é o de: ÁRIES,
Philip. História Social da Criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar,
1978. No Brasil temos trabalhos significativos como: MARCÍLIO, Maria
Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998.
FREITAS, Marcos Cezar de. História Social da Infância no Brasil. São Paulo:
Cortez, 2009. DEL PRIORE, Mary (Org.). História das Crianças no Brasil. São
Paulo: Contexto, 2000. Além de teses e dissertações. Nestes trabalhos, um
tema destacado é a criança e o mundo do trabalho.
406
MARCÍLIO, op.cit., p.144.
231
Para o administrador da Casa a chegada deles ao
Recolhimento foi resultado da “luta dos irmãos” ou uma
trajetória de Agostinha e seus irmãos face à violência durante
a Cabanagem e as estratégias elaboradas para sobreviver em
meio às incertezas. Agostinha foi pedida em casamento podendo
trazer consigo seus irmãos menores. Essa possibilidade se
apresentou em apenas seis meses, um tempo não suficiente.
Segundo o senhor Francisco Pinto Moreira, para que a educanda
Agostinha adquirisse “intelligencia e conhecimento
indispensáveis para tomar sobre si o governo e administração
de uma caza; nem mesmo a sua consistenca física lhe premite
ainda a Cazarse”
407
. Quantos anos teria Agostinha? Tinha ela
maturidade física ou era púbere, portanto, não estaria pronta
para casar?
A preparação (educação institucional ou cotidiana) da
mulher para o casamento e as atividades domésticas
consideradas próprias da natureza feminina perpassavam
verticalmente as camadas sociais, assim costurar, lavar,
engomar, cozinhar e cuidar dos filhos eram consideradas
“prendas” domésticas.
Por volta de 1837 contava a Casa das Educandas com 25
internas. Comparando o tempo das estadas com a idade, a
maioria havia ingressado com idade entre 7 e 11 anos. Exceção
de uma adolescente de 16 anos que tinha um ano na instituição.
407
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Correspondência de Diversos com o Governo. Códice 854.
232
TABELA 8 - “MAPA DO ESTADO ACTUAL DA
CAZA DAS EDOCANDAS DO PARÁ”
408
NOMES IDADES
ESTADAS
CONDIÇÕES
ADIANTAMENTOS
Maria da Annunciação 20 9 Tem meios
Prompta
Theodora Maria 18 9 Dito Dito
Joanna Evangelista 15 9 Dito Ordinario
Gregoria Caetana 16 1 Pobre Dito
Maria Dionizia 15 8 Tem meios
Prompta
Maria Francisca 11 3 Camera Ordinario
Maria Thereza 13 3 Dita Dito
Maria da Assumpção 10 3 Dita Dito
Barbara Maria 19 8 Pobre Prompta
Joaquina Roza 17 6 Dita Dito
Maria do Carmo 12 3 Dita Ordinario
Bernarda do Rozario 13 5 Tem meios
Dito
Anna Francisca 10 3 Pobre Dito
Victoria Maria 10 2 Dita Dito
Gertrudes Maria 8 1 1/2 Dita Principiante
Maria Romualda 8 3 Dita Ordinario
Maria Emilia 11 3 mezes
Dita Principiante
Maria Francisca 11 10 Tem meios
Ordinario
Rita Parachedes 11 3 Pobre Dito
Francisca da Conceição
12 2 Dita Principiante
Luiza Marcellina 11 1 Dita Ordinario
Elena Maria 12 1 Dita Dito
Justina Luzia 8 1 mez Tem meios
Principiante
Jezuina da Purificação
7 Dito Dito Dito
Libania Maria 16 4 Pobre Ordinario
Total 25
A composição do grupo desvela-se das categorias de
classificação: pensionistas, meninas sustentadas pela Câmara e
as desvalidas. Segundo o quadro havia 8 meninas com meios, ou
seja, as também chamadas pensionistas mantidas pelas suas
famílias, o que denota a ampliação do Acolhimento para também
cooptar recursos para a sua manutenção; três eram mantidas
408
Arquivo Nacional/RJ. Série: Interior Ijj9 110. Fonte: Francisco
Pinto Moreira.
233
pela mara e a maioria, 14, era pobre e de faixa etária 8 e
13 anos, que havia apenas uma com 19 anos, uma com 17 e
outra com 16. Nesse momento, ano de 1837, o governo imperial
considerava a cidade e a província “pacificadas”.
Mais tarde, a Casa das Educandas, passou a chamar-se
Colégio Nossa Senhora do Amparo, com idêntica organização e
objetivos. Em relatório provincial de 2 de março de 1838,
Soares D’Andrea expressava que se as educandas tivessem
Mestras e Mestres hábeis de tudo quando pode convir
saber a huma senhora decente, e a huma boa Mai de
família, teremos hum colégio de grandíssima
utilidade, não para amparo e educação de Meninas
desvalidas, como para instrução e recolhimento de
muitas, cujos Pais possão pagar a despesa do seu
sustento diário; e finalmente para instrução
gratuita das meninas que desejem aproveitar as
lições desta casa.
409
No discurso presidencial perpassa o projeto de mulher que
ele achava ser o ideal para a sociedade. Notadamente após a
Cabanagem, disciplinar as mulheres para poder constituir
famílias ordeiras e zeladoras de suas casas, contribuindo para
a manutenção da ordem imperial.
Para Andrés, era necessário que o Recolhimento se
afastasse de “todo o jeito, ou aparência de convento de
Freiras; ou de Recolhimento de mulheres arrependidas à força
[...]”
410
. No soerguimento da província, o projeto do Estado
era o de assumir as diretrizes para reafirmar a ordem imperial
e recompor o contingente demográfico da província. Que elas
fossem “úteis a si e a sociedade a quem não devem servir de
pezo, ou de vergonha, mas ao contrário de apoio, e gloria”
411
.
409
PARÁ, Governo da província do. Discurso com que o Presidente da
Província do Pará, Soares D’Andrea, fez a Abertura da Sessão da
Assembleia Provincial no dia 02 de Março de 1838. Pará, Typographia
Restaurada de Santos e Santos Menor, 1938 Cf.: CENTER FOR RESEARCH
LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u987/000036.
html>. Acesso em: 9/08/2008.
410
Ibidem.
411
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo exm. snr. doutor
João Antonio de Miranda, prezidente da provincia do Pará na abertura da
234
A noção de utilidade das pessoas para a sociedade perpassava o
discurso governamental. O sujeito pobre e desvalido deveria
servir à Nação mediante a oferta de sua força de trabalho, e
isso se tornou ainda mais marcante, devido o descenso
demográfico ocasionado pelas vidas perdidas nos conflitos.
Nessa perspectiva, essa educação estava voltada para as
necessidades políticas e de recomposição da base produtiva do
Pará, também para a formação de boas esposas e “boa Mai de
família”. Assim, a Casa das Educandas constituiu uma espécie
de “celeiro de esposas”, prendadas, disciplinadas, ordeiras,
peças para constituir as famílias regidas pelos princípios da
moral cristã e do processo civilizatório
412
.
Havia interesse do governo em possíveis consórcios,
projetando casamentos, entre os aprendizes da Casa dos
Educandos e as internas da Casa das Educandas. É o que se pode
denotar do relatório presidencial de 1840, que defendia que
este seria o mais seguro meio de offerecer á sociedade
famílias trabalhadoras e morigeradas, de que tanto necessita a
Província”
413
.
Não é de estranhar que muitos homens foram procurar
esposas entre as Educandas do Recolhimento, depois Colégio
Nossa Senhora do Amparo, em 1851. No ano de 1852 casaram cinco
educandas desvalidas
414
.
Assemblea Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1840. Pará, Typ. de
Santos & menor, 1840. CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/499/000128.html>. Acesso em: 02/03/2010.
412
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Vol.1. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1993.
413
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo exm. snr. doutor
João Antonio de Miranda, prezidente da provincia do Pará na abertura da
Assemblea Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1840. Pará, Typ. de
Santos & menor, 1840. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível
em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/499/000042.html>. Acesso em: 02/03/2010.
414
PARÁ, Governo da província do. Falla que o exm.o snr. dr. José Joaquim
da Cunha, presidente desta provincia, dirigio a Assembléa Legislativa
Provincial na abertura da mesma Assembléa no dia 15 de agosto de 1853.
Pará, Typ. de Santos & filhos, 1853. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES -
CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/514/000016.html>. Acesso
em: 02/03/2010.
235
Para serem futuras “boas Mai”, as meninas pobres e
desvalidas estavam submetidas a férreo controle e
disciplinaridade do seu corpo e de sua mente. Submetidas a
rigorosa observância de preceitos, por meio do Regulamento de
1840
415
, que lhes prescrevia as atividades do amanhecer ao
anoitecer.
O Art. determinava o horário que as internas deveriam
acordar: às 5 horas da manhã; O Art. Logo ao acordarem
deveriam lavar o rosto, vestir-se e encaminharem-se para a
Capela para rezar; ao término da oração, o Art. normatizava
que deveriam varrer os seus quartos, e depois iriam para o
jardim para “recrearem-se com suas flores, até as sete horas
da manhã”. Depois deveriam fazer os seus deveres, aprender
corte, costura e bordão, afazeres domésticos, atividades
consideradas relevantes para a formação de uma mulher
responsável e prendada para dirigir uma casa, cuidar dos
filhos.
Dos Artigos 22 a 25 eram pertinentes aos castigos e a
punição mais radical - a expulsão da educanda -, prevista no §
do Art. 24, porém, constituía prerrogativa do presidente da
província. Era preciso incuti-lhes o “hábito do trabalho e
elevada educação moral”.
Essa premissa atravessou as paredes da Casa, pois muitos
pretendentes iam acordar casamentos com educandas do Colégio
Nossa Senhora do Amparo.
Luis Bernardes Perdigão Rosa, natural d’esta
Província estabelecido com casa de Drogaria na rua
das Flores, pretende casar com a Educanda desvalida
Maria do Carmo Neves Junqueira e para o fazer pede
respeitosamente a V. Exª lhe conceda a devida
licença pelo que
E. R. M
ce
.
415
Consta o Regulamento de 29 Artigos. PARÁ, Governo da província do.
Discurso recitado pelo exm. snr. doutor João Antonio de Miranda, prezidente
da provincia do Pará na abertura da Assemblea Legislativa Provincial no dia
15 de agosto de 1840. Pará, Typ. de Santos & menor, 1840. Cf.: CENTER FOR
RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/
499/000130.html>. Acesso em: 02/03/2010.
236
Pará, 10 de Fevereiro de 1857.
Luis Bernardes Perdigão Rosa
Despacho: Informando a presente Petiçam sou a (?) q
o Supp
e
está nos termos de ser attendido.
Pará, 13 de Fevereiro de 1857
Bento José da Silva
Adm
or
“Estabelecido com casa de Drogaria” indicava uma boa
situação financeira e senhor Luis ressalta que a nubente
pretendida era desvalida
416
. Havia critérios para os casamentos
das desvalidas. Um deles era que a menina estivesse “pronta”
para casar, fosse maior e o pretendente fosse “homem de bem”.
Critérios esses plenamente alcançados pelo senhor Luis
Perdigão e a Educanda Maria do Carmo.
Contudo, nem sempre era dada permissão para a contração
das núpcias. Havia a avaliação e aprovação do administrador do
Colégio de Nossa Senhora do Amparo.
Em 18 de dezembro de 1860, o José de Jesus Macedo e
Almeida, desejando realizar o seu consórcio com a educanda D.
Anália, filha de D. Clara Leonor do Prado, recolhida ao
Colégio do Amparo, requereu licença para realizar o consórcio
que era também da vontade da educanda. Contudo o despacho foi
desfavorável por ter a educanda apenas 13 anos portanto, o
“seu estado físico é incompleto bem como a sua educação”,
portanto, não está “habilitada para passar ao estado de
casada”
417
.
416
Havia um dote para a educanda desvalida que casasse. Não se alcançou se
era esse o motivo do senhor Luis Perdigão, e também não é objetivo desse
trabalho investigar o dote. Na Falla o do presidente João Antonio de
Miranda, em agosto de 1853 ele informou que 5 educandas desvalidas casaram
e “4 foram dotadas por esse numero Maximo annual marco nos estatudos”.
Havia nesse ano 55 desvalidas, por conta da Câmara 10 e 21 Pensionistas, ou
seja, no total eram 86 educandas.
PARÁ, Governo da província do. Falla que o exm.o snr. dr. José Joaquim da
Cunha, presidente desta provincia, dirigio a Assembléa Legislativa
Provincial na abertura da mesma Assembléa no dia 15 de agosto de 1853.
Pará, Typ. de Santos & filhos, 1853. Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES -
CRL. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/514/000016.html>. Acesso
em: 02/03/2010
417
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 495. 1860.
237
As meninas deveriam ter a idade mínima de 7 a 12 anos
para pleitear uma vaga no Colégio Nossa Senhora do Amparo. A
procura por vagas no Educandário era grande, tanto as mães
quando os pais solicitavam vagas para as suas filhas. Eles
almejavam educação e um futuro melhor e de acordo com um dos
critérios primordiais para aceitação no Educandário eram
pobres e desvalidos.
No ano de 1858, D. Gregoria Maria do Espírito Santo
418
,
“mulher pobre e sem arrimo”, requereu vaga para suas 2 filhas,
uma de 9 anos e outra de 10 anos, para que recebessem
educação, uma vez que o que “ganha com o seu trabalho, de
lavar e engomar roupa, mal chegava para o sustento e
vestuário”; tendo que recorrer á proteção de pessoas caridosas
em casos de enfermidades. No requerimento foram anexados
outros documentos comprobatórios do estado de pobreza de D.
Gregoria e suas filhas.
Muitas mulheres buscaram outros caminhos para proteger e
prover a família. As instituições educacionais eram uma opção,
mas se sabe que o número de vagas ofertadas eram inferiores à
demanda.
Entretanto, as mães (e os pais também) buscaram com
determinação, um acolhimento para seus filhos/as. Estas
instituições não davam conta das solicitações que partiam da
cidade e das vilas da Província. A maioria de crianças e
adolescentes constituía a força de trabalho das famílias e
sociabilizavam-se no trabalho nas roças.
A educação dos menores desvalidos visava à preparação
para o trabalho e a morigeração dos pobres, impregnada pela
mentalidade e interesses político-sociais da época.
Os conflitos entre essas instituições e as mães foram
observados mais na Casa dos Educandos, pois o menino era
referência e arrimo de família (força de trabalho para as
418
Arquivo Público do Pará. Fundo: Secretaria da Presidência da Província.
Série: Requerimentos. Caixa 486. 1858.
238
unidades domésticas) - pelo menos esse era o argumento mais
usado pelas mães, geralmente, viúvas e/ou as responsáveis pelo
educando - enquanto que, para as meninas, o Colégio do Amparo,
poderia significar uma oportunidade de construir casamento e,
quiçá, melhorar de vida. A longa permanência confirma essa
diferença. O destino das meninas se correspondia com
princípios morais que também vinham reforçar a sua posição na
hierarquia social.
As mulheres responsáveis por esses menores, tanto meninos
quanto meninas, buscaram brechas também nas fimbrias de uma
sociedade escravista e suas instituições oficiais bem como nas
ruas, feiras, mercados, portos, nas roças e sítios, para
reestruturarem suas vidas e a de seus filhos e filhas. Lutaram
com as armas que dispunham numa sociedade saída de um conflito
como a Cabanagem, se permitiram sonhar, amar e refazer
singularmente suas vidas.
239
CONSIDERAÇÕES FINAIS
240
Os conflitos de terras são também, explicitamente,
disputas sobre o sentido da história, porque opõem
interpretações divergentes a respeito da origem dos
direitos de propriedade.
James Holston
419
As narrativas circunstanciadas nesta investigação
histórica conduzem a vários pontos de reflexão. O inicial é a
presença da mulher no contexto da e pós-Cabanagem. Este estudo
sobrepujou a escassez relativa de fatos a propósito da vida de
mulheres indígenas, negras, brancas, livres, escravas,
lavradoras, fazendeiras, donas de engenho - as categoriais que
emanaram com mais força na documentação - para escrever
algumas páginas sobre uma história social das mulheres, pouco
antes revelada na escrita desse movimento.
Refletiu-se sobre as estratégias de mulheres provenientes
de camadas sociais diferenciadas, defrontadas com situações de
conflitos diversos. Esse tema aproxima-se dos estudos de
gênero e guerra, os quais se têm feito na interface com a
antropologia cultural.
Nessa linha foram investigadas as ações das mulheres em
meio a um conflito armado, com a amplidão da Cabanagem e a
transformação dos papéis. Neste os posicionamentos políticos
foram diferenciados. Mulheres fazendeiras, donas de engenho
reagiram em defesa do patrimônio e status familiar. Elas
travaram relações políticas e econômicas de apoio ao governo
imperial, ao disponibilizarem recursos fulcrais durante o
desenrolar dos combates como gado vacum e cavalar. Outras,
contrariando a premissa de que as estruturas econômicas
ficaram paralisadas devido ao caos e as devastações
ocasionadas pelos combates, investiram nas suas propriedades,
mesmo por meio de empréstimos, para otimizar a produção de um
engenho, uma fazenda. As opções políticas das mulheres foram
feitas a partir de suas interpretações. Assim, elas se
419
HOLSTON, James. HOLSTON, James. Legalizando o ilegal: propriedades e
usurpação no Brasil. Disponível em: <http://www.anpocs.org.br/portal/
publicacoes/rbcs_00_21/rbcs21_07.htm>. Acesso em: 03/06/2009 1993.
241
engajaram de acordo com as suas afinidades políticas,
afetivas, crenças no movimento cabano ou combatendo-o com as
armas e os recursos materiais e simbólicos dos quais
dispunham.
As dinâmicas sociais da guerra enquanto fenômeno
desorganizador esfacelam o cotidiano dos sujeitos sociais. No
longo período de revoltas que antecedem à Cabanagem e na sua
seqüência, inúmeras famílias foram desestruturadas,
deslocadas, separadas. Muitas vidas ceifadas. Essas situações
estiveram profundamente embaralhadas com pontos de tensão
prementes que estiveram no cerne do conflito devido à questão
da terra. Aqui sobressaiu a linha de conduta das mulheres do
“povo” no domínio da justiça, do direito.
Escrever uma história das mulheres e do direito coetâneo
à epígrafe representa mapear as diversas interpretações
produzidas no âmago da disputa, da guerra em relação aos
recursos, especialmente, a terra. No tempo da revolta, terras
foram tomadas, propriedades saqueadas, “terras de liberdade”
conquistadas, como os mocambos formados por escravos
fugitivos, desertores, cabanos e índios. Muitas fazendas,
engenhos, sítios foram expropriados.
Na historiografia surgiram diversas interpretações em
disputa acerca do direito sobre a terra. A vertente que
sublinhou o fracasso, a inocuidade da lei produziu uma leitura
mecânica; outra perspectiva surgiu apontando a dinâmica dos
processos de construção de direitos.
Tratam-se de diferentes interpretações que também revelam
o lugar social dos sujeitos que converteram os códigos das
instruções e normas de um corpus Lex, muitas vezes a seu
favor. Nesse caminho, penetraram nos inextricáveis caminhos da
lei, para defenderem juridicamente seus direitos à terra,
conformando um campo de lutas daqueles que procederam às
ocupações, segundo as interpretações emanadas das normas
legais. Esse é o sentido da luta pelo direito à terra ocupada,
242
pela manutenção da posse, pelos documentos da terra. Para
outro grupo social significou a luta para expulsar os sujeitos
que adentraram as terras particulares.
Nessas disputas afloraram os conflitos e as lutas
diversas confrontadas nas interpretações jurídicas e
históricas. Referidas a um lugar social, as mulheres
construíram relações diversas. Tiveram que aprender a lidar
com a estrutura burocrática, descobrir o seu trâmite ou
procurar agentes letrados que conhecessem os procedimentos
necessários para, por exemplo, impetrar um requerimento
reivindicando dispensa de multas por não terem registrado as
suas posses dentro do prazo estipulado pelo governo.
As mulheres foram aqui situadas nos seus atos e
estratégias de negociação, de enfrentamento nas lutas travadas
nas esferas local, provincial e nacional. Elas mantiveram
contatos com agentes da esfera jurídica do Estado e com o
executivo provincial. No interior do campo labiríntico do
direito e da justiça as mulheres penetraram no espaço público.
Nesta pesquisa priorizou-se a interpretação da Lei de
Terra de 1850 e do Decreto de 1854. Estes formaram um Corpus
Lex marco da transição política e social no Brasil, vista como
mecanismo para a consolidação do modelo liberal e moderno de
propriedade privada no Brasil, sob sua forma jurídica e
individual. Ainda, a lei de Terras é interpretada como
exigência econômica da absolutização e mercantilização da
terra no contexto das relações capitalistas de produção.
Nessa linha situam-se análises macro que conduziram à hipótese
de esse ordenamento não ter atingido o objetivo primaz, qual
seja, o equacionamento dos problemas agrários do Império
Brasileiro.
Todavia, aqui considera-se que essa normatização
desencadeou um processo histórico complexo e incompleto.
Neste sustentou-se a necessidade de se realizar um mapeamento
da propriedade/posses. Os primeiros resultados, mesmo que
243
questionáveis, a propósito da situação agrária do Brasil foram
reconhecidos. Longe de resolver os conflitos, contribuíram
para o acirramento das disputas pela terra, fruto de um
processo no qual estiveram presentes forças sociais
constituídas desde o período colonial. Estas refletiram
tensões, divergências, posto que várias concepções sobre a
terra se fizeram vivamente presentes. A lei reflete as
disputas e negociações em curso. Um dos problemas seria a
distinção, identificação e separação do que seriam as terras
públicas e as terras particulares o que tem permanência no
cenário agrário brasileiro.
Os Registros Paroquiais de Terras suscitaram muitas
controvérsias e resistências, motivaram tensões políticas e
administrativas entre os agentes responsáveis pela sua
aplicação vigários, diretores das repartições especiais das
terras públicas, presidente provincial, bem como entre estes e
os sujeitos diversos “alvos”, ou seja, os agentes burocráticos
e os possuidores de terras. Enquanto possuidoras de terras, as
mulheres lidaram com essa nova legislação agrária
sistematizada no império. Elas procederam ao registro de suas
terras, apresentaram documentos que justificavam o acesso e,
mais, na interpretação de justiça, asseguraram permanências e,
em especial, o direito ao torrão declarado.
Na ausência de documentos perdidos devido à ação do tempo
ou mesmo ao furor cabano, as mulheres recorreram às relações
pessoais e de vizinhança tecidas no cotidiano, como D.
Custodia Maria, que teve a documentação comprobatória do
acesso à terra situada na Freguesia de São Miguel do Guamá
destruída pelos bichos. Ela teve de recorrer ao recurso da
comprovação moral, havendo o confronto entre uma prática
jurídica e o aspecto formal da lei de terras e suas
proposições. Dessa maneira, foi percebido nos fiambres dos
códigos e de valores morais de um direito costumeiro.
244
O costume entendido enquanto legítimo e, portanto, com
aceitação jurídica e força de lei respaldava as pessoas que em
situações limites perderam os documentos comprobatórios de
acesso à terra e que argumentavam poder provar o seu direito e
garantir o domínio por meio do testemunho de outrem. E o
testemunho constitui um problema delicado que se impõe ao
historiador ao longo de seu trabalho.
A relação passado-presente destaca-se como desafio para o
historiador. De maneira especial, exige dele reflexões e
coloca armadilhas. Contudo, pode-se afirmar que na trajetória
da presente pesquisa essa relação configurou-se cada vez mais
densa. E, muitas vezes, o passado insistiu em adentrar o
presente, plasmando sua marca e possibilitando soluções para
problemas de conflitos relacionados à posse da terra na
contemporaneidade.
Essa reflexão foi suscitada por três situações que dizem
respeito no presente ao intenso debate acerca dos direitos
étnicos e territoriais e à questão agrária no Brasil. A
primeira é pertinente à luta dos remanescentes de quilombolas
das comunidades Retiro, Laudicéia e Tauari, herdeiros e
guardiões dos documentos de terra datados de 1870, 1886 e
1892.
Durante o trabalho de campo foi empregado um tempo para
ler e comentar os documentos de terra em praticamente todos os
povoados. Cada um dos seus possuidores lhes atribuiu, como de
fato têm, importância jurídica. Eles possuem também relevância
sociológica e histórica.
Os sujeitos sociais, enquanto vozes do presente,
indicaram pistas fundamentais para o levantamento em cartório
de São Miguel do Guamá, que, em meio à destruição de livros,
permitiu encontrar pistas para apoiar seus direitos
territoriais, como documentado no estudo antes citado.
245
Nesse sentido, observa-se que as fontes para a história
social e história agrária da Amazônia não estão exclusivamente
nos arquivos, principalmente os oficiais. Este trabalho foi um
aprendizado para se despertar outras inquietações do presente
trabalho, bem como alentou que as reflexões propostas
possibilitam ampliar o entendimento sobre um trecho da
história do Pará estruturalmente presente.
A outra situação relaciona-se a trajetória de um
documento. Tratava-se de um título de legitimação de terras,
expedido pelo ITERPA Instituto de Terras do Pará em favor
dos herdeiros de d. Alexandrina Antonia, possuidora de
duzentas braças em quadro, em São Miguel da Vila de Cintra,
que, até o ano de 1856, nunca havia sido medido. A área foi
legitimada em 27/09/1963 e o Título de Legitimação foi
expedido no período de 1954 a 1966.
O documento que fundamentou a emissão foi o Livro de
919 de Registro Paroquial de Terras da Freguesia da Vila de
Cintra, ano de 1854, que repousa no acervo do respectivo órgão
do governo do Estado do Pará, que guarda ainda em seus
arquivos os demais livros de Registros Paroquiais de Terras
produzidos durante a implementação da Lei de Terras via o
Decreto de 1854.
Sabe-se que esse acervo totalizava 78 livros abrangendo
as freguesias da Província do Pará. Esse acervo antes estava
sob a guarda do Arquivo Público do Pará, porém, ante a
situação explosiva do problema agrário no Estado, está sob a
guarda do Instituto de Terras do Pará e ainda é largamente
consultado para estudos de situação fundiária, mas, do ponto
de vista legal, apóia reclamações de títulos, regularização e
solução de conflitos fundiários. E aqui perpassa a noção de
que papel velho encerra a verdade histórica.
246
Os Registros produzidos, grosso modo, no período de 1854–
1860 hoje são entendidos como espelho de transparência, pois
os “vivos” do presente não podem alterar o que está registrado
nos Livros Paroquiais de Terras.
A terceira é concernente ao fato de que, em maio de 2008,
ao assumir o cargo de Ministro da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência, o senhor Roberto Mangabeira
Unger, ao comentar sobre o desenvolvimento sustentável da
Amazônia, declarou ser “fundamental a propriedade da terra.
Temos que esclarecer a titulação e a posse da terra”
420
.
Na história do país, particularmente no Pará, o problema
da posse da terra revela a permanência de estruturas de
apropriação privada dos recursos sociais, de continuidade e
exacerbação da violência e de conflitos pela negação de
direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais.
A Lei de Terras de 1850 contemplou a preocupação de
legalização das posses, enquanto prática social de acesso à
terra, notadamente depois do vácuo legal que ficou com a
abolição do sistema sesmarial após o processo de independência
do nascente império brasileiro. Nesse documento legal
registra-se o espaço para formas de apropriação coletiva da
terra, ao normatizar, no seu Art. 5º, § 4º, que:
Os campos de uso commum dos moradores de uma ou
mais freguezias, municipios ou comarcas serão
conservados em toda a extensão de suas divisas, e
continuarão a prestar o mesmo uso, conforme a
pratica actual, emquanto por Lei não se dispuzer o
contrario.
O passado está cada vez mais vivo na história agrária do
Brasil. O problema refletido nesta tese filia-se a esse
trabalho historiográfico.
420
Cf.: INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS - INESC. Disponível em:
<http://www. inesc.org.br/noticias/noticias-gerais/2008/maio>. Acesso em:
11/11/2009.
247
A presente pesquisa não pretendeu ser um estudo
conclusivo; antes se constituiu numa tentativa de suscitar e
sugerir reflexões pertinentes à participação das mulheres em
movimentos sociais, bem como de refletir sobre a relação
gênero–direito e terra na história do Pará, que precisa
urgentemente de estudos históricos.
Neste estudo frisaram-se papéis e ações das mulheres;
precisou-se o grau de envolvimento, a participação, as
práticas e as estratégias políticas em meio ao conflito da
Cabanagem. Revisitaram-se as narrativas sobre múltiplas
experiências de mulheres para refazer a vida e gerir a família
após os conflitos, as suas atitudes ante o desafio de defender
a sua terra, o destino de seus filhos, organizar seus espaços
de liberdade, gerir sua vontade, enfim, lutar pelos seus
projetos.
Refletir sobre a mulher para a reconstrução da sociedade
amazônica pós-Cabanagem propõe outra história. Nesta tese me
propus a essa outra escrita.
248
FONTES E BIBLIOGRAFIA
249
FONTES
ARQUIVO NACIONAL/RJ
Série Interior: IJJ
9
– 110
IJJ
9
– 110 A
Ij
1
- 787
BIBLIOTECA NACIONAL/RJ
a) Sessão de Manuscritos
Correspondência de D. Romualdo, Bispo do Pará. Códice: 5
31,30-30.
ARQUIVO PÚBLICO DO PARÁ
FUNDO: SECRETARIA DA PRESIDÊNCIA DA PROVÍNCIA
Série: Ofícios
Comando Geral da Guarda Policial
Ano: 1838-1839 Nº 10 Volume 01/Atual 1012
Série: Ofícios
Ano: 1839 Caixa: 53
Doc.: Ofícios de Autoridades Eclesiásticas
Ofícios do Ministério dos Negócios da Justiça ao Presidente da
Província
Ano: 1854 N°1255
Série: Ofícios
Doc.: Ofícios da Companhia dos Trabalhadores
Caixa Ano
63 1840-1843
95 1844-1845
122 1848-1849
138 1850-1852
176 1853-1854
196 1855-1856
211 1857-1860
Série: Ofícios
Ano: 1855 – 1856 Caixa: 199
Doc: Autoridades Judiciárias
Série: Ofícios
Ano: 1850 – 1859 Caixa: 146
Doc: Ministério Dos Negócios Da Justiça
250
Série: Ofícios do Ministério dos Negócios do Império
Ano: 1858 - 1859 N° 1300
Doc: Repartição Geral das Terras Públicas
Série: Ofícios
Ano: 1854 – 1855 Caixa: 188
Doc: Repartição de Obras Públicas do Pará
Série: Ofícios
Ano: 1869 Caixa: 299
Documentos: Arsenal de Marinha de Guerra do Pará
Série: Ofícios
Ano: 1842-1844
Doc.: Delegacias e Subdelegacias
Série: Ofícios dos Comandantes Militares.
Ano: 1836-1837.
Série: Ofícios
Ano: 1849 Caixa: 127
Série: Abaixo-Assinado
Ano: 1842-1849 Caixa: 02 Pasta: 01
Série: Abaixo-Assinado
Ano: 1851-1859 Caixa: 02 Pasta: 03
Série: Correspondência de Governo com a Corte.
Códice: 1039
Série: Requerimentos
Caixa Ano:
474 1848-1849
475 1850-1853
480 1856
481 1856
482 1857
483 1857
484 1857
485 1858
486 1858
487 1858
488 1858
493 1860
494 1860
495 1860
497 1861
251
Correspondência de Diversos com o Governo
Ano: 1827–1837 Códice 853
Correspondência de Diversos com o Governo
Códice 854
Série Correspondência de Diversos com o Governo
Período 1829 – 1837 Códice 888
Série Ofícios. Ofícios da Recebedoria de Rendas Provinciais do
Pará.
Ano: 1838-1839 Caixa 46
Relações de Rebeldes Presos a Bordo da Corveta Defensora.
Códices: 973, 974, 1130, 1131, 1132. (1836-1840)
Ministério dos Negócios Estrangeiros, Justiça e Guerra.
Ano: 1830-1839 Caixa 40
FUNDO: INSPETORIA GERAL DE MEDIÇÕES DE TERRAS PÚBLICAS
Série: Ofícios da Inspetoria Em Bragança Ao Diretor Geral Das
Terras Públicas
Ano: 1855 Volume: 4ª
FUNDO: SECRETARIA GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA DA PROVÍNCIA
Série: Ofícios
Ano: 1850 - 1856
FUNDO: DIRETORIA GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA
Série: Ofícios
Ano: 1840
Série: Ofícios
Ano: 1859
FUNDO: REPARTIÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS
Série: Ofícios da Repartição Geral das Terras Públicas
Ano: 1855 - 1857 Volume: 6
Séries: Ofícios da Repartição Geral das Terras Públicas
Ano: 1855 – 1857 Volume 9
FUNDO: OBRAS PÚBLICAS
Repartição de Obras Públicas
Série: Ofícios de Diversos Ao Diretor de Obras Públicas
Ano: 1855 - 1856
Série: Repartição de Terras Públicas
Documentos: Férias e Contas de Diversas Obras
Ano: 1855 – 1859 Volume: 07
252
Série: Diretoria Geral das Terras Públicas
Documentos: Registros E Ofícios
Ano: 1858 N°20
FUNDO: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA
Série: Abaixo-Assinados
Anos: 1851 - 1854 -1858 – 1859
DOCUMENTAÇÃO NOTARIAL
Livro De Escrituras
Comarca De Bragança 1842
Fundo: Juízo do Comércio da Capital
Série: Autos De Embargo
Ano: 1856
Fundo: Juízo do Comércio da Capital.
Série: Autos de Ação Ordinária.
Ano: 1857.
Fundo: Juízo Municipal da Capital
Série: Autos Civis de Embargo de Obra Nova.
Ano: 1870
Fundo: Diversos (Avulsos)
Ano: 1843-1849 Caixa: 91
Fundo: Juízo de Órfãos Da Capital
Série: Autos de Inventário E Partilhas
Ano: 1862
Fundo: Juízo de Órfãos Da Capital
Série: Autos de Inventário E Partilhas
Ano: 1838-1840
Fundo: Juiz Municipal
Cartório Perdigão
Livro De Notas
Ano: 1846-1849
Fundo: Juízo de Paz da Capital
Série: Auto-Crimes
Ano: 1835, 1837, 1839 Nº 01
Fundo: Negócios em Países Estrangeiros (1836-1840)
Códice 1041
253
INSTITUTO DE TERRAS DO PARÁ – ITERPA
Governo do Estado do Pará
Instituto de Terras do Pará - ITERPA
Divisão de Documentação e Informação
Livro de Registro Paroquial de Terras
Freguesia da Vila de Cintra
Livro N°1, Ano 1854
N° Do Livro: 919
Livro de Registro Paroquial de Terras
Freguesia de Bragança
Ano 1854 - 1889
N° Do Livro: 01
Livro de Registro Paroquial de Terras
Freguesia Da Sé
Livro Único 1854 - 1888
N° Do Livro: 814
Livro de Registro Paroquial de Terras
Freguesia de S. Miguel da Cachoeira – 1854 - 1860
CENTRO DE MEMÓRIA DA UFPA - CMA
Fundo: Poder Judiciário
11° Vara Cívil
Cartório: Fabiliano Lobato
Série: Testamento
Ano: 1855 - 1856
Caixa: 10
Fundo: Poder Judiciário 11° Vara Cívil
Grupo: Tabelião Paulo Maria Perdigão
Série: Testamento
Ano: 1830 – 1838
Caixa: 04
Fundo: Poder Judiciário 11° Vara Cívil
Grupo: Tabelião João Corrêa Da Cunha Junior
Série: Testamento
Fundo: Poder Judiciário: 14° Vara Cívil
Série: Demarcação
Ano: 1874, 1876, 1898, 1903, 1925, 1957.
Escrivão: Sarmento
254
Fundo: Poder Judiciário: Cartório: Fabiliano Lobato
Ação: Testamento
Ano: 1840-1845 Caixa:05
Fundo: Poder Judiciário
11° Vara Cívil
Cartório: Fabiliano Lobato
Série: Testamento
Ano: 1855 – 1856 Caixa: 10
FUNDAÇÃO CULTURAL TANCREDO NEVES - CENTUR
Jornal “Treze de Maio”:
Nº 633, 10 de Janeiro de 1856.
Nº 636, 14 de Janeiro de 1856.
Nº 637, 15 de Janeiro de 1856.
Nº 641, 19 de Janeiro de 1856.
Nº 642, 21 de Janeiro de 1856.
Nº 642, 21 de Janeiro de 1856.
Nº 643, 22 de Janeiro de 1856.
Nº 650, 30 de Janeiro de 1856.
Nº 651, 31 de Janeiro de 1856.
Nº 655, 06 de Fevereiro de 1856.
Nº 655, 06 de Fevereiro de 1856.
Nº 656, 07 de Fevereiro de 1856.
Nº 659, 11 de Fevereiro de 1856.
Nº 661, 13 de Fevereiro de 1856.
Colleção das Leis do Império do Brazil de 1832 Parte
Primeira. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1874. Acervo
Seção de Obras Raras.
COMISSÃO DEMARCADORA DE LIMITES – BELÉM
MUNIZ, João de Palma. Patrimônios dos Conselhos Municipais do
Estado do Pará. Paris: Aillaud & Cia, 1904.
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Belém: Imprensa Oficial, 1907.
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Municipais. Série III. Belém, 1949.
ASSOCIAÇÃO 5 DE AGOSTO - MUNICÍPIO DE VIGIA
Sumário de Culpas de Desobediência e danificação de marcos
1857.
255
LEGISLAÇÃO
Arquivo Público do Pará
Coleção das Leis do Império.
Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1864
Coleção das Leis do Império do Brasil de 1850
Tomo Xi Parte I
Rio De Janeiro: na Typographia Nacional - 1851
Leis e Decisões do Governo 1850
Colleção de Leis Provinciaes do Pará promulgadas na primeira
secção que teve princípio no dia 2 de março, e findou no dia
15 de maio de 1838. Pará: Typ. Restaurada, 1838.
Colleção das leis da província do Gram-Pará, Tomo XV 1853
Parte 1º, TYP. de Santos e Filho.
Lei Nº 242 de 30 de dezembro de 1853.
Colleção das leis da província do Gram-Pará, Tomo XVI 1854
Parte 1º, TYP. De Santos e Filho.
Lei Nº 272 de 20 de outubro de 1854
CONSULTA ELETRÔNICA – SISLEGIS
(BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
SISLEGIS – Sistema de Legislação Agrícola Federal)
DECRETO Nº 1.318, DE 30 DE JANEIRO DE 1854.
Manda executar a Lei Nº 601 de 18 de Setembro de 1850.
<http://extranet.agricultura.gov.br/sislegis-consulta/
consultarLegislacao.do?operacao=visualizar&id=10515>.
DECRETO Nº 1.517 – DE 4 DE JANEIRO DE 1855.
Crêa Huma Companhia de Aprendizes Marinheiros na Provincia do
Pará, e manda observar o Regulamento respectivo.
<http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaBasica.action>
RELATÓRIO DE PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS: PARÁ
(Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em:
<http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/par%C3%A1>)
PARÁ, Governo da província do. Relatório do Presidente da
Província do Gram Pará, Exmo, Sr, Soares D’ Andrea, na
abertura da sessão da Assemblea Provincial no dia 2 de
Março de 1838. Pará: Typographia Restaurada de Santos, e
Santos menor.
256
PARÁ, Governo da província do. Índice ou repertório geral das
leis da assembléia legislativa provincial do Gram Pará (1838-
1853), André Cubcino Bejamin. Pará: Typ. commercial de Antonio
Joze, 1854.
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo Exmº.
Snr. Doutor Bernado de Souza Franco, Prezidente da Provincia.
Pará quando abrio a Assemblea Legislativa Provincial no dia 15
de Agosto de 1839. Pará: Typographia de santos & menor, 1839.
PARÁ, Governo da província do. Espozição do estado e andamento
dos negócios da província do Pará. Exmº Marechal Francisco
Joze de Souza Soares D’ Andrea, 8 de Abril de 1839. Pará:
Typographia de Santos, e menor.
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo Exmº Snr
Dr. João Antonio de Miranda, 4 de novembro de 1840. Pará:
Typographia de Santos e menor.
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo Exmº Snr
Dr. João Antonio de Miranda, prezidente da província do Pará,
15 de agosto de 1840. Pará: typographia de Santos e menor.
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo Exmº Snr
Dr. Bernado de Souza Franco, Vice prezidente da província do
Pará, 14 de Abril de 1841. Pará: Typographia de Santos e
menor.
PARÁ, Governo da província do. Discurso, Pará (província)
presidente (Silva Pontes), 15 nov. 1842.
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo Exmº Dr.
Bernado de Souza Franco, Vice-prezidente da província do Pará,
14 de Abril de 1842. Pará: Typographia Santos e menor.
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo Exmº Snr
Coronel Joze Thomaz Henrique, prezidente da província do Pará,
15 de agosto de 1843. Pará Typographia Santos e menor.
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo exm.o
snr. desembargador Manoel Paranhos da Silva Vellozo,
presidente da provincia do Pará, na abertura da primeira
sessão da quarta legislatura da Assembléa Provincial no dia 15
de agosto de 1844. Pará, Typ. de Santos & menores, 1844.
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo exm.o
sñr doutor João Maria de Moraes, vice-prezidente da provincia
do Pará na abertura da segunda sessão da quarta legislatura da
Assembléa Provincial no dia 15 de agosto de 1845. Pará, Typ.
de Santos & filhos, 1845.
257
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo exm.o
snr. doutor João Maria de Moraes, vice-prezidente da provincia
do Pará na abertura da primeira sessão da quinta legislatura
da Assembléa Provincial, no dia 15 de agosto de 1846. Pará,
Typ. de Santos & filhos, 1846.
PARÁ, Governo da província do. Discurso recitado pelo exm.o
snr. doutor João Maria de Moraes, vice-presidente da provincia
do Pará na abertura da segunda sessão da quinta legislatura da
Assembléa Provincial no dia 15 de agosto de 1847. Pará, Typ.
de Santos & filhos, 1847.
PARÁ, Governo da província do. Falla dirigida pelo exm.o snr.
conselheiro Jeronimo Francisco Coelho, presidente da provincia
do Gram-Pará, á Assembléa Legislativa Provincial na abertura
da sessão ordinaria da sexta legislatura no dia 1.o de outubro
de 1848. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1848.
PARÁ, Governo da província do. Falla dirigida pelo exm.o sñr
conselheiro Jeronimo Francisco Coelho, prezidente da provincia
do Gram Pará á Assembléa Legislativa Provincial na abertura da
segunda sessão ordinaria da sexta legislatura no dia 1.o de
outubro de 1849. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1849.
PARÁ, Governo da província do. Falla dirigida pelo exm.o sñr
dr. Fausto Augusto d'Aguiar, presidente da provincia do Pará,
á Assembléa Legislativa Provincial na abertura da primeira
sessão ordinaria da setima legislatura no dia 1.o de outubro
de 1850. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1850.
PARÁ, Governo da província do.Relatório feito pelo Exmº Snr
Dr. Angelo Custodio Correa, vice prezidende desta
província, e entregue ao prezidente em exercício, o Exmº Srn
Dr. Fausto Augusto de Aguiar, no dia 13 de semtembro de 1850.
Typographia de Santos & Filho.
PARÁ, Governo da província do. Relatorio feito pelo exm.o sñr.
conselheiro Jeronimo Francisco Coelho, presidente desta
provincia, e entregue ao 1.o vice presidente em exercicio, o
exm.o snr. dr. Angelo Custodio Corrêa, no dia 1.o de agosto de
1850. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1850.
PARÁ, Governo da província do. Relatorio do presidente da
provincia do Gram Pará, o exmo sñr dr. Fausto Augusto
d'Aguiar, na abertura da segunda sessão ordinaria da setima
legislatura da Assemblea Provincial no dia 15 de agosto de
1851. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1851.
PARÁ, Governo da província do. Falla que o exm.o snr. dr. José
Joaquim de Cunha, presidente desta provincia, dirigio a
Assembléa Legislativa Provincial, na abertura da mesma
258
Assembléa, no dia 10 de setembro de 1852. Pará, Typ. de Santos
& filhos, 1852.
PARÁ, Governo da província do. Relatorio apresentado ao exm.o
snr. dr. José Joaquim da Cunha, presidente da provincia do
Gram Pará, pelo commendador Fausto Augusto d'Aguiar por
occasião de entregar-lhe a administração da provincia no dia
20 de agosto de 1852. Pará, Typ. de Santos & filhos, 1852.
PARÁ, Governo da província do. Falla que o exm.o snr. dr. José
Joaquim da Cunha, presidente desta provincia, dirigio a
Assembléa Legislativa Provincial na abertura da mesma
Assembléa no dia 15 de agosto de 1853. Pará, Typ. de Santos &
filhos, 1853.
PARÁ, Governo da província do.Relatorio feito pelo Exmº Snr
Dr. Angelo Custodio Correa, vice presidente desta
província, por occasiaõ de dar posse da administração da mesma
ao Exmº Snr. Conselheiro Sebastião do Rego Barros, 16 de
novembro de 1853. Pará: Typographia Santos e Filho.1853.
PARÁ, Governo da província do. Falla que o exm. snr.
conselheiro Sebastião do Rego Barros, prezidente desta
provincia, dirigiu á Assemblea Legislativa provincial na
abertura da mesma Assemblea no dia 15 de agosto de 1854. Pará,
Typ. da Aurora Paraense, 1854.
PARÁ, Governo da província do. Falla dirigida á Assembléa
Legislativa Provincial pelo exm.o senr. conselheiro Sebastião
do Rego Barros, dignissimo presidente desta provincia, no dia
26 de outubro de 1855, por occasião d'abertura da segunda
sessão ordinaria da nona Legislatura da mesma Assembléa.
[n.p.], Typ. de Santos & filhos, 1855.
PARÁ, Governo da província do. Relatório, Vice-presidente
Pinto Guimarães, 15 de Outubro de 1855.
PARÁ, Governo da província do. Exposição apresentada pelo
exm.o senr. conselheiro Sebastião do Rego Barros, presidente
da provincia do Gram-Pará, ao exm.o senr tenente coronel
d'engenheiros Henrique de Beaurepaire Rohan, no dia 29 de maio
de 1856, por occasião de passar-lhe a administração da mesma
provincia. [n.p.], Typ. de Santos e filhos, 1856.
PARÁ, Governo da província do. Relatorio apresentado á
Assembléa Legislativa Provincial do Pará no dia 15 de agosto
de 1856, por occasião da abertura da primeira sessão da 10.a
legislatura da mesma Assembléa, pelo presidente, Henrique de
Beaurepaire Rohan. [n.p.] Typ. de Santos & filhos, 1856.
259
PARÁ, Governo da província do. Relatorio apresentado á
Assemblea Legislativa Provincial do Pará no dia 15 de agosto
de 1857, por occasião da abertura da segunda sessão da 10.a
legislatura da mesma Assemblea, pelo presidente, Henrique de
Beaurepaire Rohan. [n.p.], Typ. de Santos & filhos, 1857.
PARÁ, Governo da província do. Relatorio apresentado ao Illmº
e Exmº Snr. Dr. Joaão da Silva Garrão no acto de ser empossado
da presidência da província do Pará por Henrique de
Beaurepiare Rochan. Pará:Typ. Santos e Filho.
PARÁ, Governo da província do.Discurso da Abertura da sessão
extraordinária da Assemblea Legislativa Provincial do Pará, em
7 de abril de 1858. Pelo presidente Dr. João da Silva
Carrão.Pará Typ. de Diario do Commercio.
PARÁ, Governo da província do. Relatorio lido pelo ex.mo s.r
vice-presidente da provincia, d.r Ambrosio Leitão da Cunha, na
abertura da primeira sessão ordinaria da XI. legislatura da
Assemblea Legislativa Provincial no dia 15 de agosto de 1858.
Pará, Typ. Commercial de Antonio José Rabello Guimarães, 1858.
PARÁ, Governo da província do. Falla dirigida á Assembléa
Legislativa da provincia do Pará na segunda sessão da XI
legislatura pelo exm.o sr. tenente coronel Manoel de Frias e
Vasconcellos, presidente da mesma provincia, em 1 de outubro
de 1859. Pará, Typ. Commercial de A.J.R. Guimarães.
PARÁ, Governo da província do. Relatorio que o ex.mo s.r d.r
Antonio Coelho de e Albuquerque, presidente da provincia do
Pará, apresentou ao exm.o sr. vice-presidente, dr. Fabio
Alexandrino de Carvalho Reis, ao passar-lhe a administração da
mesma provincia em 12 de maio de 1860. Pará, Typ. Commercial
de A.J. Rabello Guimarães, [1860]
PARÁ, Governo da província do. Relatorio dirigido á Assembléa
Legislativa da provincia do Pa na segunda sessão da XII
legislatura pelo exm. sr. dr. Francisco Carlos de Araujo
Brusque, presidente da mesma provincia, em 17 de agosto de
1861. Pará, Typ. do Diario do Gram-Pará
RELATÓRIO DE PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS: AMAZONAS
(Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em:
<http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/amazonas>)
AMAZONAS, Governo da província do. Exposição feita ao Exmº
vice-presidente da província do Amazonas o Dr. Manoel Gomes
Corrêa de Miranda, pelo Presidente, o Conselheiro Herculano
Ferreira Penna, por occasiaõ de passar-lhe a administração da
260
mesma província. Em 11 de Março de 1855. Cidade da Barra,
Typographia de Manoel da Silva Ramos.
AMAZONAS, Governo da província do. Falla dirigida a Assembléa
Legislativa Provincial do Amazonas, no dia 3 de maio de 1855,
em que se abrio a sua 4.a sessão ordinaria pelo vice-
presidente da provincia, o doutor Manoel Gomes Correa de
Miranda. Cidade da Barra, Typ. de Manoel da Silva Ramos, 1855.
AMAZONAS, Governo da província do. Relatorio do presidente da
provincia do Maranhão, o doutor Eduardo Olimpio Machado, na
abertura da Assembléa Legislativa Provincial no dia 3 de maio
de 1855, accompanhado do orçamento da receita e despesa para o
anno de 1856, e mais documentos. Marannão [sic], Typ. Const.
de I.J. Ferreira, 1855
RELATÓRIO DE PRESIDENTES DE PROVÍNCIAS: MARANHÃO
(Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em:
<http://www.crl.edu/pt-br/brazil/provincial/maranh%C3%A3o>)
MARANHÃO, Governo da província do. Relatorio com que o vice
presidente Jose Joaquim Texeira Vieira Berford, entregou a
presidência da Província do Maranhão. O Illm. E Exmº Snr.
Commendador Antonio Candido da Cruz Machado. Maranhão Typ.
Const. De I. J. Ferreira.
RELATÓRIOS MINISTERIAIS IMPÉRIO
(Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em:
<http://www.crl.edu/pt-br/brazil/ministerial/imperio>)
Relatorio apresentado á assembléa geral legislativa na
terceira sessão da nova lagislatura pelo ministro e secretario
de estado dos negócios do império Luiz Pedreira do Coutto
Ferraz. Rio de Janeiro, Typographia Universal de Laemmert,
1855.
Relatorio do Anno de 1855 apresentado á Assembléa Geral
Legislativa na quarta sessão da nona legislatura pelo ministro
e secretario d’estado dos negócios do império Luiz Pedreira do
Coutto Ferraz. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1856.
Relatório do anno de 1956 apresentado á Assembléa Geral
Legislativa na primeira sessão da décima legislatura pelo
ministro e secretario d’estado dos negócios do império Luiz
Pedreira do Coutto Ferraz. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1857.
261
Relatorio apresentado à Assembléa Geral Legislativa na segunda
sessão da décima legislatura pelo Ministrio e secretario
d’estado dos negócios do império Marque de Olinda. Rio de
Janeiro: Typographia Universal de Laemmert. 1958
Relatorio apresentado à Assembléa Geral Legislativa na teceira
sessão da décima legislatura pelo Ministrio e secretario
d’estado dos negócios do império Sergio Texeira de Macedo. Rio
de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert.1859
Relatorio do anno de 1959 apresentado à Assembléa Geral
Legislativa na quarta sessão da décima legislatura pelo
Ministrio e secretario d’estado dos negócios do império João
de Almeida Pereira Filho. Rio de Janeiro: Typographia
Universal de Laemmert.
Relatorio apresentado à Assembléa Geral Legislativa na
primeira sessão da décima primeira legislatura pelo Ministrio
e secretario d’estado dos negócios do império Jose Antonio
Saraiva. Rio de Janeiro: Pypographia Nacional. 1861
Relatorio apresentado à Assembléa Geral Legislativa na segunda
sessão da cima primeira legislatura pelo Ministrio e
secretario d’estado dos negócios do império Jose Ildefonso de
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RELATÓRIOS MINISTERIAIS DA AGRICULTURA
(Cf.: CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES - CRL. Disponível em:
<http://www.crl.edu/pt-br/brazil/ministerial/agricultura>)
Relatorio da Repartição dos Negócios da Agricultura Commercio
e Obras Públicas apresentado à Assembléa Geral Legislativa na
primeira sessão da décima primeira legislativa pelo respectivo
ministro e secretario de estado Manoel Felizardo de Souza e
Mello.Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert. 1864.
Relatorio da Repartição dos Negócios da Agricultura Commercio
e Obras Públicas apresentado à Assembléa Geral Legislativa na
segunda sessão da décima primeira legislativa pelo respectivo
ministro e secretario de estado Manoel Felizardo de Souza
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