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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
EBER MARIANO TEIXEIRA
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MESTRADO EM HISTÓRIA
SÃO PAULO
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
EBER MARIANO TEIXEIRA
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Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em História Social, sob a
orientação da Profa Dra. Yara Aun Khoury
SÃO PAULO
2010
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BANCA EXAMINADORA
_______________________________
Dr. Paulo Roberto de Almeida – UFU
_______________________________
Dra. Maria do Rosário da Cunha Peixoto – PUC
_______________________________
Dra. Yara Aun Khoury – PUC
(Orientadora)
Aos meus pais Antenor e Eunice
que me ensinaram a jamais desistir dos sonhos
Aos meus irmãos Eder e Wander pela torcida “de que tudo no final dá certo”!
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas contribuíram para que eu pudesse concluir mais essa etapa. A todos
vocês minha gratidão.
A minha orientadora Yara Aun Khoury pela força e, principalmente, pela confiança
expressa na execução deste trabalho. Muito obrigado professora!
Aos meus amigos do mestrado, em especial Cássio, Simone, Tony, Patrícia, Maria José
e Guilherme, pelos momentos de confraternização, discussão e acima de tudo solidariedade.
Aos amigos de orientação Luiz Blume, Leno, Luiza pelas leituras e sugestões numa
das etapas da pesquisa. Não poderia esquecer da Michelle que compartilhou nesses últimos
meses momentos de solidariedade. A Zuleika pelas leituras, viagens, conversas e gentilezas.
Ao Jiani pela leitura atenciosa na disciplina pesquisa histórica, e ao companheirismo
no primeiro ano do curso. Em São Paulo trabalhamos e dividimos muitas situações juntos.
Aos meus professores da Graduação em História pelo Centro Universitário de Jales.
Por meio de vocês, sai de um lugar cômodo de mero expectador, e iniciei os primeiros passos
na investigação histórica. Ao Silvio pelos incentivos e discussões. Em especial ao Vagner José
Moreira que contribuiu muito para minha formação acadêmica.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em História PUC –SP. As
disciplinas ministradas pelas professoras Maria do Rosário, Olga Brites, Estefânia e Maria
Odila, foram fundamentais para escrever o texto.
As professoras Mirna e Maria do Rosário pelas contribuições na banca de qualificação.
Aos professores Dr. Paulo Roberto de Almeida e Dr. Maria do Rosário pelo desafio de
ler a dissertação. Seus apontamentos serão importantes para etapas posteriores da minha
trajetória profissional.
A todos os professores e funcionários da Escola Municipal Adalgisa Araras, local de
trabalho.
A CAPES pela bolsa de pesquisa concedida nesses anos.
A Glória pela árdua correção, mas também, pelos momentos de distração.
Agradeço a minha família por terem me propiciado tudo o que eu sou, e ensinar-me os
significados da vida nos momentos de tristeza e alegria. Essa última sinto agora com este
trabalho realizado. Ao Érick e a Paulinha, obrigado por tudo! Ao Cleverson Rodrigo dos
Santos (Digão), pela nossa amizade.
A todos os cortadores-de-cana que compartilharam comigo suas experiências de vida e
trabalho. Ao Sr. Exupero (In memorian).
Por classe, entendo um fenômeno histórico que unifica uma série de acontecimentos díspares
e aparentemente desconectados, tanto na matéria prima da experiência como na consciência.
Ressalto que é um fenômeno histórico. Não vejo a classe como uma “estrutura”, nem mesmo
como uma categoria, mas algo que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser
demonstrada) nas relações humanas.
E. P. Thompson. “Prefácio”. A formação da classe operária Inglesa. 1987.
RESUMO
A presente pesquisa problematiza as experiências vividas pelos trabalhadores
cortadores-de-cana na cidade de General Salgado, região noroeste do Estado de São Paulo. A
vinda destes trabalhadores cortadores-de-cana do campo e de outras cidades, principalmente
da região nordeste, representou novas situações/tensões, veiculadas pela imprensa
local/regional, expressando e alimentando reações de diferentes grupos da cidade, da região,
diante do impacto causado por essa presença na cidade.
Buscando dar visibilidade às problemáticas vividas por esses trabalhadores, procurei
fazer uma reflexão em co-autoria com eles, recorrendo aos modos como interpretam e relatam
suas experiências. Experiências que se enunciam nos modos de trabalhar, de morar, de
sociabilizar, nas formas próprias de viver, agir e de interpretar a vida, que se toma e se analisa
em dimensões mais amplas do processo histórico. Busquei compreender como estes
trabalhadores enfrentam, no cotidiano, os processos de mudanças nas relações produtivas
frente à mecanização do corte-de-cana, a luta para garantir o sustento da família –, como (re)
constroem convivências, (re) elaboram e internalizam valores, costumes, sem perder de vista
as tensões/contradições sociais que engendram e constituem nos espaços vividos pelos
trabalhadores em suas trajetórias entre o campo e a cidade.
A partir dessas questões postas no presente é que comecei a refletir sobre a presença
significativa dos trabalhadores cortadores-de-cana em General Salgado, disputando lugares e
firmando presença na cidade em busca de melhores condições de vida e trabalho.
Palavras - Chave: campo, cidade, narrativas orais, trabalhadores cortadores-de-cana.
ABSTRACT
The present research aims to quest experiences of life for the workers sugar cane cutter
at the General Salgado city, northwest region of São Paulo. The coming of these workers
sugar cane cutter the field, and of other cities, mainly of the northeast region, represented new
situations/tensions -, propagated for regional the local press/expressing and feeding reactions
of different groups of the city, the region, ahead of the impact caused for this presence in the
city.
Searching to give visibility to the problematic ones lived by these workers, I look for to
make a reflection in co-authorship with them, appealing to the ways as they interpret and they
tell its experiences. Experiences that if they enunciate in the ways to work, to live, to socialize,
in the proper forms of living, acting and interpreting the life, that we take and we analyze in
ampler dimensions of the historical process. I searched to understand as these workers face, in
the daily one, the processes of changes in the productive relations front to the mechanization
of the sugar cane cut, the fight to guarantee the sustenance of the family -, as (re) they
construct the convivial, (re) elaborate and internalize the values, customs, without losing of
sight the tensions/social contradictions that produce and constitute in the spaces lived for the
workers in its trajectories between the field and the city.
From these questions placed in the present I started to reflect on the significant
presence of the workers sugar cane cutter in General Salgado, disputing places and firming
presence in the city in search of better conditions of life and work.
Key-Words: field, city. verbal narratives, workers sugar cane cutter
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
(mapas, figuras e tabelas)
Mapa - A cidade de General Salgado em destaque na região.....................................................13
Figura 1 - Vista aérea da Usina Instalada na Cidade..................................................................51
Figura 2 - A empresa na Cidade de General Salgado.................................................................52
Figura 3 - O Jornal de General Salgado .....................................................................................53
Figura 4 - O Jornal de General Salgado, 15 de setembro de 1982 .............................................54
Figura 5 - Propaganda utilizada pela empresa Generalco ..........................................................55
Figura 6 - Senhor João Dias, em seu local de trabalho ..............................................................64
Figura 7 - Cortador-de-cana Chicão, em sua casa na cidade de General ...................................70
Figura 8 – Sido; trabalhador cortador-de-cana em frente a sua casa .........................................74
Figura 9 - Zezé na varanda de sua casa, na cidade de General Salgado ....................................82
Figura 10 - Mensagem escrita pelo funcionário da empresa .....................................................89
Figura 11 - Capa do boletim informativo da Generalco ............................................................90
Figura 12 - Boletim Informativo da Generalco .........................................................................90
Figura 13 - Logotipo da empresa que se institui como potencia regional .................................90
Figura 14 - Foto-montagem feita pela edição gráfica da Folha .................................................95
Figura 15 - Cortador-de-Cana trabalha em canavial em Charqueada –SP ................................97
Figura 16 - Cortadores voltam cedo para casa e ficam desocupados ....................................... 97
Figura 17 – Layout: Espaço onde os trabalhadores cortam a cana ..........................................100
Figura 18 - Cortadores-de-cana assistindo à peça de teatro em Olímpia ................................108
Figura 19 - Panfleto mostrado por um dos trabalhadores entrevistados .................................118
Figura 20 - O trabalhador Jacildo na hora do almoço .............................................................126
Figura 21 - Capa da Revista Visão Regional...........................................................................135
Mapa – 22: Localização dos Trabalhadores na cidade de General Salgado ............................139
Figura 23: Questionário enviado pela AMA aos prefeitos da região.......................................150
Figura 24: Trabalhadores cortadores-de-cana na Associação da Generalco............................158
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AMA - Associação dos Municípios da Araraquarense
CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
IAA - Instituto do CTPS - Carteira de Trabalho e Previdência Social Açúcar e do Álcool
CEM Centro de Estudos Migratório
CENAL - Comissão Executiva Nacional do álcool
CDHU - Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo
CTN - Centro de Tradições Nordestinas
EPI - Equipamento de Proteção Individual
EDR - Escritórios de Desenvolvimento Rural
FERAESP - Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo
FCAV - Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias
GDC - Grupo Diário de Comunicação
PNPB - Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PDT - Partido Democrático Trabalhista
SPM - Serviço Pastoral dos Migrantes
SUS - Sistema Único de Saúde
ÚNICA - União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo
SUMÁRIO
...PRIMEIRAS PALAVRAS...
12
CAPÍTULO I
A LUTA É ESSA AÍ, TUDO NO TRABALHO!
Trajetórias e vivências entre o campo e a cidade
44
CAPÍTULO II
POIS É MOÇO, CORTE DE CANA PRA AGUENTAR?
O CARA TEM QUE TER NATUREZA!
Desconstruindo imagens e construindo o trabalho
87
CAPÍTULO III
FOI UM TEMPO MUITO DIFICIL, MAS GRAÇAS A DEUS ESTAMOS TODOS
JUNTOS!
(Re) ordenando espaços e (re) construindo convivências
131
FONTES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
164
167
175
12
...PRIMEIRAS PALAVRAS
Enquanto os historiadores estão interessados em
reconstruir o passado, os narradores estão
interessados em projetar uma imagem. Portanto,
enquanto os historiadores muitas vezes se
esforçam por ter uma seqüência linear,
cronológica, os narradores podem estar mais
interessados em buscar e reunir conjuntos de
sentidos, de relacionamentos e de temas, no
transcorrer de sua vida.
“O Momento da Minha Vida”: Funções do
tempo na História Oral – Alessandro Portelli.
Caminhando pela cidade, visualizo homens e mulheres cortadores-de-cana em
diferentes espaços. De tardezinha, quando chegam do trabalho do corte-de-cana, descem do
ônibus rural e seguem rumo as suas casas. É comum em cada rua, quarteirão, nos bairros, a
presença destes trabalhadores e suas famílias e/ou grupo de vários homens reunidos numa
casa. No curso de suas vidas, os trabalhadores atravessam espaços sociais diversos, transitam
entre um lugar e outro como nos bares, na igreja, na escola, no campo de futebol, sentados
na praça ou em rodas de amigos num bate-papo.
É nas falas e nas memórias de homens e mulheres, que lutam em seu cotidiano para
organizar sua sobrevivência e se reconhecem como cortadores-de-cana na cidade de General
Salgado, que busco compreender as experiências vividas; que se enunciam no trabalho, no
morar, no sociabilizar, nas formas próprias de viver e trabalhar.
A cidade de General Salgado
1
está localizada no interior e na região Noroeste do
Estado de São Paulo, adjacente a rodovia Feliciano Sales Cunha, na altura do km 545.
Considerada cidade de pequeno porte, conta atualmente com uma populacão de 11.053
habitantes
2
e, embora sua economia seja baseada na agricultura e pecuária, tem como
principal atividade a agroindústria canavieira.
1
A cidade de General Salgado foi emancipada em 1944, cujo nome foi homenagear o General Júlio Marcondes
Salgado, Comandante da Polícia Militar do Estado de São Paulo, participante na Revolução Paulista de 1930 no
Estado de São Paulo.
2
Estes dados são do último censo do IBGE, feito em 2004, mas pelo número de trabalhadores cortadores-de-
cana na cidade, estima-se, que a cidade possui hoje aproximadamente 13 mil habitantes segundo a prefeitura
Municipal.
13
A minha reflexão está centrada na cidade que recebeu, na década de 1980, um projeto
empresarial: A Usina Generalco
3
, instalada no município em pleno período da Ditadura
Militar por um grupo de acionistas empresários/empreendedores, políticos locais e
fazendeiros da região.
As imagens projetadas na imprensa local sobre a implantação da Usina Generalco,
reforçam e legitimam a constituição da Usina como o ápice e o progresso de uma pequena
cidade que conseguiu se articular politicamente na região e construir, via organizações
empresariais, seu projeto político local/regional - desenvolvimentista.
General Salgado
São Paulo
MAPA
4
: A cidade de General Salgado em destaque na região Noroeste do Estado de São Paulo.
No jornal local do município denominado O Jornal de General Salgado, veiculado na
década de 1980, é interessante perceber as intervenções do grupo de empresários, pecuaristas
3
Quando implantaram a Usina denominava-se Generalco e pertencia á um grupo de acionistas empresários da
cidade e fazendeiros da região. Atualmente a Usina foi comporada por um outro grupo empreendedor da área,
situados na região de Araçatuba: Grupo Aralco.
4
Site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:SaoPaulo_Municip_GeneralSalgado.svg. Acessado em 27 de janeiro
de 2008.
14
e políticos locais que legitimava, via periódico, suas formas de agir, de pensar, instituindo
diferentes projetos nas esferas da vida social, cultural e econômica da cidade.
De tal processo, é possível observar como essa imprensa local foi produzindo uma
memória hegemônica da empresa na cidade. Nas primeiras páginas do jornal, as matérias
colocadas em pauta pelo grupo de empreendedores da cidade foram: O Assunto usina do
álcool ganha corpo em G. Salgado
5
, General Salgado poderá ter uma Usina de Álcool
6
,
torna-se realidade a Destilaria Generalco S.A
7
. Elencou também o lema do BOING (boletim
informativo da Generalco) “Álcool, a incerteza de ontem, realidade de hoje, solução de
amanhã.
8
”.
Considerando que essas conotações foram produzidas na cidade, é possível
acompanhar como a imagem da empresa foi difundida pel’O Jornal de General Salgado e pela
Revista Visão Regional, que veiculou na cidade em 1983. Em suas páginas, ambos
expressaram projetos da administração local que foram implantados na cidade, a partir de
novas demandas por obras públicas, novos circuitos como: casas, hospital, escolas, bairros,
associações de funcionários, bancos etc. Ao buscar instituir a produção de sentidos do passado
desses acontecimentos, a imprensa, “espaço articulador de projetos políticos e formador de
opinião”
9
, por meios de seus representantes políticos e empreendedores da cidade, elegeu a
destilaria como marco oficial e instituiu a idéia de progresso em General Salgado.
A crise mundial do petróleo em 1973 deveu-se aos países produtores do Oriente
Médio, que em retaliação ao apoio do Ocidente ao Estado de Israel resolveram cortar as
exportações, aumentando repentinamente a coação do barril do produto, fazendo com que a
economia mundial entrasse em recessão. O Governo Militar financiou o Pro-álcool
10
e a
cidade de General Salgado foi uma das primeiras a construir uma Usina para a produção de
5
O Jornal de General Salgado, 13 de julho de 1980, número 79, ano II.
6
O Jornal de General Salgado, 06 de julho de 1980, número 78, ano II.
7
O Jornal de General Salgado, 15 de setembro de 1980, número 85, ano II.
8
BOING: boletim informativo da Generalco. Outubro de 1985.
9
Cf. GRUPO MEMÓRIA POPULAR. Memória popular: teoria, política, método. In: FENELON, D. R. et al.
Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Editora Olho d’Água, 2004.
10
O Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), implementado pelo Governo Federal em 1975, a partir do
Decreto 76593, de 14/11/75, desempenhou papel decisivo, desenvolvendo uma política protecionista e
concedendo privilégios para o capital sucro-alcooleiro. Inicialmente o Programa funcionou como uma "saída"
para os usineiros diante da crise do mercado mundial de açúcar e somente depois de 1979 (após o segundo
choque do petróleo), colocou-se como alternativa energética. Os investimentos realizados pelo Estado, através
dos subsídios, isenções, financiamentos, etc., foram diferenciados, promovendo grande concentração (de capital,
de terras, de recursos). O grande poder político dos grupos usineiros paulistas, garantiu para o Estado de São
Paulo maior volume de recursos, concentrando a produção nacional.
15
álcool na região. No inicio da década de 1990, o programa começou a declinar. O presidente
Fernando Collor extinguiu o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), que dirigia o Pró-alcool.
Essa expansão alardeada não se concretizou e a empresa passou por dificuldades para se
manter nesse período. No fim da década, o Governo de Fernando Henrique Cardoso terminou
por deixar o setor pelas ofertas e regras do mercado. Nos últimos anos o boom da vez são as
políticas voltadas para o setor dos biocombustíveis e as políticas de subsídio, visando a
produção de energia limpa e renovável, basta observar as matérias produzidas nos meios de
comunicação que se tornaram tão peculiares ao reportarem as questões relacionadas à
produção de etanol, agroindústria canavieira, trabalhadores cortadores-de-cana etc.
A região
11
vem sofrendo transformações, no campo e na cidade, articuladas por
políticas locais, nacionais e internacionais na medida em que, em muitas empresas, o capital
estrangeiro vem adentrando na agroindústria canavieira do Brasil.
A imprensa local/regional produz conotações que se referem a essa problemática da
produção do etanol, como: processo de mecanização, queimadas de cana, discussão sobre
meio-ambiente e a presença significativa dos trabalhadores cortadores-de-cana na cidade e
região.
A imagem do Brasil como
um “bom modelo de produtor de combustível
alternativo”
12
aparece no Jornal Diário da Região, com expressões de determinados setores,
permitindo compreender as posições políticas de empresários, agroindustriários e outros
segmentos da sociedade na cidade e região. Os assuntos das mais diversas naturezas passam
por releituras no jornal, fazendo com que questões da política-econômica social assumam
formas ensejadas, possibilitando que estes grupos possam usá-las de acordo com seus
diversos interesses.
Em visita recente a região, o Presidente Luis Inácio Lula da Silva deixou um artigo
assinado em seu nome para o Jornal Diário da Região: O combustível do interior
13
.
Estou convencido de que encontramos a resposta. Os biocombustíveis são uma fonte
energética sustentável sob todos os aspectos: econômico, social e ambiental. A dimensão
internacional do mercado para os biocombustíveis assegura uma grande oportunidade
11
Busquei construir nesse texto, um sentido de região, articulado com as matérias produzidas pela imprensa
regional: Jornal Diário da Região. Esse veículo tem como sede a cidade de São Jo do Rio Preto, e vêm
articulando projetos, debates, alimentando reações de diferentes segmentos da sociedade na região. Esse veículo
de comunicação possui uma força social ativa, e legitima suas práticas para todas as pequenas cidades da região,
incluindo General Salgado.
12
Jornal Diário da Região, no dia 25 de maio de 2004. Caderno de Opiniões.
13
Presidente da República, especial para o Diário da Região, São Jodo Rio Preto, 31 de março de 2007, via
Associação Paulista de Jornais (APJ).
16
para o setor agrícola, assim como para o desenvolvimento de novas tecnologias e a
ampliação do nosso parque industrial. Além disso, oferecem condições excepcionais à
geração de emprego e renda no campo e são uma alternativa limpa para o meio-
ambiente.
14
As expectativas da implantação das empresas de biocombustíveis e Usinas na região
vêm crescendo a medida que recebe o incentivo do Governo Federal, cujos objetivos são
pautados na sustentabilidade do setor nas áreas econômica, social e ambiental.
15
O processo vivido pela região e, particularmente, General Salgado, tem sido motivo de
inquietações para diferentes setores da população. Por exemplo, a pedagoga Ana Lucia de
Lima Garcia escreveu um artigo na coluna de opinião, no Jornal Diário da Região, chamando
a atenção para o processo de implantação das agroindústrias canavieiras na região, colocando
em debate diversas questões interessantes. Segundo a matéria de Garcia: “Vamos comer
rapadura”:
O Brasil pode ser um bom modelo de produtor de combustível alternativo, mas precisa
preocupar-se com as conseqüências dessa política de estímulo à produção de cana-de-
açúcar e álcool biocombustível. [...] Os cifrões começam a brilhar nos olhos dos
capitalistas, os quais não lhes permitem enxergar que a queimada para o corte da cana é
também altamente nociva para o aquecimento global. Em nossa região, temos visto
pequenos produtores arrendarem suas terras para o plantio de cana. Alguns têm
enxergado como a única alternativa de sobrevivência, uma vez que não mais conseguem
retirar da sua propriedade os recursos para uma vida simples, porém digna e prazerosa.
[...] Devemos estar atentos para o que está ocorrendo. Qual será o futuro desses
agricultores quando retomarem em suas mãos a terra esgotada e toda a "infra-estrutura"
14
A visita do Presidente Lula deu-se na Usina Bertin Biodiesel do município de Lins, região central do estado de
São Paulo, mas o projeto está inserido na região e outras cidades do interior paulista que aderiram ao Programa
Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), inclusive General Salgado. na cidade expectativas para a
implantação de uma Usina de Biodiesel. Jornal Diário da Região, 25 de maio de 2004.
15
O projeto do Governo Federal atual se difere do programa financiado pelos Militares na década de 1970 e
1980 em torno do progresso e desenvolvimento. As propostas do Governo Federal são amplas e beneficiam
muitos setores, inclusive pequenos agricultores que vem criando expectativas para a chegada do biodiesel, por
meio das plantações de mamonas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou que o país vive um "momento
singular" na agricultura. Na abertura da Bio Brazil Fair 2009, feira de produtos orgânicos e agroecologia, em
São Paulo, ele ainda rebateu críticas à produção de álcool e condenou o envio de lixo tóxico para o Brasil. Lula
também destacou o Plano Safra da Agricultura Familiar 2009/2010, que prevê recursos no valor de R$ 15
milhões. O montante atende às linhas de custeio, investimento e comercialização do PRONAF (Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Lula apontou, em resposta aos críticos da produção de
álcool no Brasil, a adesão de usineiros a um tratado com o objetivo de garantir qualidade de trabalho para os
cortadores. Segundo o presidente, o acordo contou com 303 representantes da indústria, representando 85% das
usinas, e será apresentado durante a conferência sobre o clima em Copenhague, na Dinamarca, em dezembro.
Não há grande conquista, apenas humanização do trabalho na cana", disse Lula. Cf. VIZIA, Bruno de. Lula
destaca "momento singular" na agricultura e critica importação de lixo, Colaboração para a Folha Online:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u599187.shtml. Acesso em 10 de outubro de 2009.
17
desfeita? A situação dos cortadores de cana também é preocupante. [...] Como conciliar
prosperidade com respeito ao próximo e ao meio-ambiente? Ainda não conseguimos
entender que a natureza não é insensível, nem é uma fonte inesgotável. Inesgotável é a
ambição e insensibilidade do ser humano
16
As preocupações desse processo se traduzem em debates que perpassam pelos Centros
Universitários da Região. As questões levantadas pela professora colocam em pauta a
problemática da queimada da cana, o meio-ambiente e, respectivamente, o aquecimento
global e a qualidade de vida dos trabalhadores.
Os agricultores deixam de produzir e arrendam suas terras para as usinas outros
agricultores endividados estão trabalhando no corte-de-cana para a manutenção da casa e da
família. Os trabalhadores cortadores-de-cana que estão nas cidades da região representam
mão-de-obra significativa para os empresários, mas por outro lado aparecem como
invasores”, como problema para a administração pública das cidades etc. A partir das
problemáticas colocadas em pauta pela pedagoga, emergem as críticas ao modelo que vem
sendo implantado pelas empresas na cidade e na região.
O Bispo Dom Demétrio Valentini, responsável pela Diocese regional de Jales,
Presidente do SPM (Serviço Pastoral dos Migrantes) e da Cáritas Brasileira, também enfatiza
sua preocupação com o processo de transformação da região. Em determinado artigo para o
jornal Diário da Região, em 13 de Agosto de 2005, denominado: Cana, ‘fantasma’ regional, o
bispo expressa sua insatisfação com as políticas que vem sendo adotadas pelo setor.
Está se desenhando uma fatalidade para a região compreendida pela Diocese de Jales.
Em poucos anos, a cana vai tomar conta das lavouras. Basta observar o ritmo febril dos
tratores, em diversos lugares, a todo vapor, preparando a terra para o plantio de cana. O
cronograma está conectado com a implantação imediata de dezenas de usinas
programadas, e outras previstas a médio prazo. Dinheiro abundante, fornecido pelo
BNDES, tecnologia comprovada, consumo garantido, comercialização assegurada,
terras facilitadas pela crise da pecuária ou pela desistência de outros cultivos, estímulo
pela busca de energia renovável diante do impasse dos combustíveis fósseis, respaldo
entusiasta do governo aos novos heróis da economia nacional. Parece que o apregoado
"espetáculo do desenvolvimento" se traduz na "miragem de um canavial sem fim!".
17
As transformações que vem ocorrendo na cidade e no campo representam uma
preocupação para a igreja, que, através de sua assessoria, vem alertando os pequenos
agricultores, os trabalhadores cortadores-de-cana, os prefeitos da região, propondo outras
16
Matéria publicada pelo Jornal Diário da Região, no dia 25 de maio de 2004. Opiniões.
17
Jornal Diário da Região em 13 de Agosto de 2005. Caderno de opiniões.
18
intervenções e projetos paralelos aos que estão sendo implantados pelos empresários das
agroindústrias canavieiras na região.
Um exemplo é o projeto "Terras do Sol",
18
que contou com apoio da Diocese de
Jales
19
; inclusive, o projeto foi relacionado na Campanha da Fraternidade de 2005. Alguns
prefeitos da região começaram a se preocupar com o aumento desenfreado da monocultura da
cana e escreveram a carta denominada: Alerta às autoridades Paulistas! O território das
terras do sol pede socorro! Dessa forma, prefeitos, bispos e outros setores da sociedade na
região vêm debatendo sobre o processo de transformação que ocorre na cidade de General
Salgado e na região noroeste do Estado de São Paulo.
Ao se direcionar as indagações nessa perspectiva, senti a necessidade de pesquisar e
ampliar o olhar para as questões que vem sendo assumidas/divulgadas via imprensa regional,
e, respectivamente, matérias pautadas sobre os cortadores-de-cana, que se constituem como
mão-de-obra significativa desse processo.
20
Foi possível acompanhar na imprensa regional os diferentes posicionamentos de
determinados setores e instituições das cidades da região, na interlocução com as políticas
empresariais foi possível, também, visualizar, nos registros dos jornais, algumas preocupações
da comunidade local com o fluxo migratório para a cidade.
As notícias sobre o processo de deslocamento dos trabalhadores para as cidades da
região foram pautadas nas páginas do Jornal Diário da Região, com os respectivos títulos das
matérias: Prefeitos declaram ‘guerra’ aos migrantes; Cortadores voltam cedo para casa e
ficam desocupados, à espera do trabalho; Vamos comer rapadura; São clientes do SUS;
Migrante sobrecarrega serviço público; Cidades admitem sobrecarga; Avanço da cana deixa
a região vulnerável; Cana, ‘fantasma’ regional, dentre outras
21
. Vale ressaltar que esse
segmento se vincula ao Grupo Diário de Comunicação e, pelo título do Jornal, é possível
18
Este projeto se iniciou através de uma reflexão escrita na carta: Alerta as autoridades Paulistas! O território
das terras do sol pede socorro! desenvolvido pela prefeitura de Jales (prefeito Humberto Parinale ressaltar que
as pautas debatidas no projeto contou com a reflexão de outros segmentos da sociedade Jalesense e região:
professores universitários do Unijales, vereadores, prefeitos da região, secretários da administração local, e ainda
contou com o apoio do Bispo Dom Demétrio, (Diocese Regional de Jales). As referencias sobre o projeto é
problematizado no primeiro capítulo.
19
A cidade de General Salgado faz parte da Diocese de Jales.
20
O jornal Diário da Região de São José Rio Preto, é o segmento mais antigo do Grupo Diário de Comunicação
(GDC) na região noroeste do estado de São Paulo, integrado também pela radio FM Diário, pelo portal
Diarioweb e a revista Vida&Arte. A pauta expressada via o Diário da Região estão articuladas na cidade, posto
que seja feito as leituras na Rádio comunitária da cidade, na programação: rádiojornalismo “cidade FM”, além
das vendas por assinaturas. Atualmente, o Diário vende aproximadamente 23 mil exemplares nos dias úteis e 29
mil aos domingos, Circulação: 97 municípios, sendo 89 da região noroeste paulista. Posição no Estado: 3º maior
jornal do interior paulista, auditado pelo IVC.
21
Títulos de matérias do Jornal Diário da Região, entre os anos de 2004 e 2007 aparecem no caderno: Cidades.
19
compreender que esse veículo se arregimenta para além do local que é impresso; busca
ampliar as pautas para toda a região de São José do Rio Preto e, respectivamente, à cidade de
General Salgado.
Os grandes meios de comunicação também se vinculam ao problema vivido na cidade
e região. Essa inquietação permitiu analisar algumas páginas do jornal a Folha de São Paulo,
no Caderno Mais
22
, que publicou várias matérias sobre o processo de expansão do etanol no
interior do Estado de São Paulo e os problemas emergentes vividos pelos cortadores-de-cana
na cidade e no campo.
Ao fazer as leituras na imprensa, comecei a levantar alguns questionamentos: como
compreender em dimensões mais amplas as problemáticas vividas pelos trabalhadores
cortadores-de-cana no tempo presente? Que significados e sentidos têm para o historiador
lidar com um tema tão atual quanto esse que, no dia-a-dia, está em evidência em diversos
meios de comunicação? Como esse processo migratório, que caracteriza formas de trabalhar
no âmbito rural contemporâneo, tem sido tratado pelos meios de comunicação na região
noroeste do Estado de São Paulo? Quais imagens estão produzindo sobre os deslocamentos
para a região e sobre os trabalhadores cortadores-de-cana? Quais interesses (de quem, para
quem, o quê, em que canal e circunstâncias) circunscrevem nesse momento em torno dos
projetos e políticas empresariais pelos biocombustíveis (etanol)? Como entender o processo
de deslocamento destes trabalhadores que foram e vão se constituindo na cidade em busca de
melhores condições de vida e trabalho?
Para muitas tradições historiográficas, voltar-se para o presente significa tomá-lo
como objeto de estudo e, ainda, numa visão linear de tempo, considerá-lo mero
desdobramento do passado no qual já estava, de certa maneira, inscrito.
Quando discuto a questão, a perspectiva torna-se diversa. Seguramente é mais do que
falar sobre um tema atual, como a migração no âmbito rural contemporâneo e as políticas do
biocombustível (etanol). Nesse trabalho proponho a construção de um olhar político, em que o
tempo presente é uma dimensão que nos impulsiona, não importando o tema escolhido ou o
tempo histórico em que situamos a nossa investigação. De acordo com Déa Ribeiro Fenelon, a
convicção de que “o objeto de estudo é a transformação, a mudança, o movimento, o
interesse em saber como e porque as coisas aconteceram, principalmente para descobrir o
22
Folha de São Paulo. Caderno Mais. 24 de Agosto de 2008. Matéria: O submundo cana. Folha de São Paulo.
20
significado e a direção da mudança”.
23
Minha perspectiva é a de intervir no presente e minha
inspiração é a busca pela utopia. Encontrei muitas dificuldades e passei por desafios para
construir o presente texto, ora caminhando para idealismos e abstrações, ora me perdendo no
diálogo com os trabalhadores cortadores-de-cana, mas sempre procurando abertura para (re)
fazer o caminho de volta.
24
Problematizar as imagens sociais construídas em torno dos trabalhadores cortadores-
de-cana pela imprensa requer atenção para com as relações estabelecidas no processo de
construção do texto jornalístico. A leitura de Laura Antunes Maciel é importante para
pensarmos em procedimentos que nos ajudem a entender esse movimento vivo do social,
principalmente quando nos chama à atenção para pensar a imprensa e a memória, não como
espaços pré-fixados, mas como lugares sociais de disputas, tomando-a não...
...como um espelho ou como expressão de realidades passadas e presentes, mas como
uma prática social constituinte da realidade social, que modela formas de pensar e agir,
define papéis sociais, generaliza posições e interpretações que se pretendem
compartilhadas e universais. Como expressão de relações sociais, a imprensa assimila e
projetos de diferentes forças sociais que se opõem em uma dada sociedade e conjuntura,
mas o articula segundo a ótica e a lógica dos interesses de seus proprietários,
financiadores, leitores e grupos sociais que representa.
25
Ao refletir sobre essas proposições que se engendram na cidade, observo a imprensa se
constituindo históricamente, numa correlação de forças opostas em formação e de interesses
que se cruzam. Essas indagações me levam a pensar como, a partir dessa linguagem
jornalística, empreendedores, políticos da cidade, agropecuaristas e editores constroem
alianças, montam estratégias midiáticas, configuram seus projetos e interesses que compõem
fatos e determinam quais memórias e histórias devem predominar para organizar domínios na
cidade.
Ao desvendar o processo migratório sob o prisma dos próprios trabalhadores, torna-se
possível perceber a existência de outros projetos, significações, vivências e compreender a
23
FENELON, D. R. O historiador e a cultura popular: história de classe ou história de povo? Revista História e
Perspectiva. Uberlândia: Edufu, n. 6, 1992, p. 10.
24
A reflexão abordada nessa perspectiva trouxe um grande desafio a reflexão, desconstruindo a trajetória (linear)
que muitas vezes introduzi sem refletir. Cf. FENELON, Déa Ribeiro, et. al (orgs.). Muitas memórias, outras
histórias. São Paulo: Olhos d’água, 2004.
25
MACIEL, Laura Antunes. Produzindo noticias e histórias: algumas questões em torno da relação telégrafo e
imprensa – 1880/1920. In. FENÉLON, Déa Ribeiro, Et. AL (orgs) Muitas memórias, outras histórias. São Paulo:
Olhos d’agua, 2004, p. 15.
21
intervenção que os trabalhadores cortadores-de-cana produzem nesse novo espaço físico-
social da cidade.
Nesse sentido, meu objetivo foi compreender em que direções esta transformação
histórica apontou(a) e o lugar que os trabalhadores cortadores-de-cana ocuparam e ocupam
nesse processo.
Sabe-se que não se trata de produzir outro lado da temática, mas sim de trabalhar a
desconstrução do único e da memória que se quer homogênea, ou seja, evidenciar a
pluralidade e a disputa.
26
Interessante que quando eu estudava no colégio E.E Tonico Barão, sempre ouvia meus
amigos dizerem que seus sonhos de realização profissional inicial era entrar na Usina
Generalco, que é a única empresa de grande porte na cidade. Enquanto a Usina
representa(va) progresso/expectativas e sonho de trabalho para os jovens e para os
trabalhadores que foram se constituindo na cidade, os cortadores-de-cana (sujeitos
constitutivos desse processo) não eram reconhecidos dessa maneira. Essa percepção ficava
evidente na fala das minhas professoras do ensino médio quando diziam: se vocês não
estudarem vão cortar-cana! “vão sofrer igual a eles”! com tons pejorativos, excludentes e
mais do que isso, fomentando uma memória e projetando imagens sobre o trabalhador. Sem
contar que muitos alunos que estavam ali eram filhos de trabalhadores cortadores-de-cana, ou
possuíam alguém da família que exercia o oficio.
Nessa perspectiva foi possível compreender como as mudanças operaram na estrutura
social e econômica da cidade; como as políticas públicas/empresariais foram incidindo sobre
os trabalhadores desde a década de 1980; como estes se articularam, recriando/criando
expectativas e atribuindo significados às experiências vividas nas relações de trabalho no
corte-de-cana e nos modos de viver, organizar a sobrevivência no campo e na cidade.
General Salgado vai se constituindo, colocando-se em movimento a partir das
múltiplas trajetórias dos trabalhadores, que nas suas vivências cotidianas registram visões,
imagens, bem como tecem confrontos e demarcações na cidade e com outros grupos nela. Os
trabalhadores convivem com os moradores da cidade numa relação de comportamentos e
falas. Na voz de uma vizinha ouço: “casa pra alugar aqui em Salgado, não têm mais! “A
culpa é desses nordestinos cortadô de cana que tão invadindo a cidade! Antigos moradores
26
CRUZ, Heloísa Faria. Imprensa popular, memória e comemoração. Texto integrante dos Anais do XIX
Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro
de 2008. Cd Rom
22
reclamam da presença dos cortadores-de-cana na cidade. Por outro lado, os trabalhadores vão
se constituindo em diferentes espaços da cidade, vivendo posturas de aceitação, hostilidade e
preconceitos, pois se deslocam em busca de trabalho e disputam lugares na luta para
sobreviver e ter melhores condições de vida.
Ao iniciar as reflexões sobre a problemática vivida pelos cortadores-de-cana, ainda no
projeto de pesquisa na graduação, comecei a questionar as proposições que vinham sendo
adotadas para problematizar os modos culturais de viver dos trabalhadores. Encontrava
explicações em certos estudos, que faziam denúncias em relação ao processo de estruturação
econômica em torno da agroindústria canavieira, e os trabalhadores eram vistos como vítimas
desse processo; dominados pela lógica do capital. Proposições que reduziam suas
experiências à perspectivas dentro de explicações mecânicas e apenas econômicas.
27
Se caminhássemos nessas proposições, esses trabalhadores apenas estariam
parasitando o universo social de forma letárgica na cena política local (na cidade de General
Salgado), sendo co-responsáveis de sua própria desgraça, fomentando, a partir dessa inércia,
relações de expropriação, espoliação ou vistos como “trabalhadores informais/formais,
superexplorados, escravos etc.
Minha reflexão foi amadurecendo quando iniciei a construção dos diálogos feitos com
os trabalhadores. A partir dessa postura, comecei a focalizar a leitura de sujeitos históricos,
vivendo suas experiências em pressões e limites
28
, de modo único, construídas dentro de um
conjunto mais amplo, no contato com outros trabalhadores e moradores da cidade.
Na historiografia local/regional foi possível identificar alguns trabalhos sobre a
temática dos trabalhadores cortadores-de-cana. Os jornalistas Luciano Duran Pinatto e Tânia
Aparecida de Souza analisam em Gosto da Cana: Um retrato dos impactos doces e amargos
de duas novas usinas de açúcar e álcool nas regiões de Jales e Fernandópolis, no extremo
noroeste paulista”, o processo de implantação das usinas na região e, respectivamente,
escreveram um livro-reportagem sobre os impactos sociais, econômicos e ambientais que as
duas novas usinas de cana-de-açúcar causaram nas regiões de Jales e Fernandópolis.
Segundo os autores “essas cidades foram escolhidas porque o noroeste paulista desponta com
forte tendência para se consolidar como uma das zonas mais respeitadas em agricultura
canavieira”.
27
Cf. GONZALEZ, Emílio. Memórias que narram a cidade. Experiências sociais na constituição de Foz de
Iguaçu. Dissertação de mestrado PUC/SP, 2005. O diálogo com este trabalho fez com que refletisse algumas
proposições que assumi ao longo da pesquisa á medida que fui problematizando minhas evidências.
28
WILLIAMS, R. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar. Editores, 1979, p. 27-42.
23
Interessante observar, no trabalho, que os autores incluem o texto A morte ronda os
canaviais paulista”, da socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva (autora que escreveu
Errantes do fim do século
29
), que é apresentada como uma das intelectuais mais engajadas no
movimento de denunciar o processo de reestruturação produtiva das indústrias canavieiras no
Estado de São Paulo, na imprensa regional, grande imprensa, e com artigos em outros
espaços. Já no prefácio, Dom Demétrio Valentini, escreve um texto apontando as perspectivas
levantadas pelos autores.
A tese de DoutoradoPequenas cidades na região de Catanduva – SP: Papéis
urbanos, reprodução social e reprodução de moradias”, defendida na área de Geografia pela
autora Maria Lucia Falconi da Hora Bernadelli, tem como tema principal a produção de
conjuntos habitacionais nas pequenas cidades da região e sua ocupação com expressiva
parcela de trabalhadores vinculados à agricultura e à agroindústria sucroalcooleira. No
trabalho apresentado pela autora, os trabalhadores são observados pelo olhar institucional,
perdendo de vista suas experiências sociais vividas na cidade.
Embora muitos desses estudos levantem questões importantes, os trabalhadores são
vistos apenas como cifras, como força de trabalho que se transfere passivamente das regiões
menos para as mais desenvolvidas. Tais estudos consideram esta integração ou
marginalização quase sempre incluída nas condições materiais, nas condições econômicas e
sociais deste trabalhador e da cidade que o está recebendo. Passa ao largo desses estudos
reconhecerem esses trabalhadores como sujeitos de suas histórias, capazes de atuar sobre estas
condições e modificá-las ou até reforçá-las.
Ao adotar de forma genérica, como se verifica em parte da produção historiográfica
brasileira, categorias como precarização” e informalidade”, que expressam de certa forma
uma exterioridade, acentuam-se, por vezes, padrões qualitativos e hierárquicos, a partir dos
quais se mensuram as experiências vividas pelos trabalhadores. Confrontados a trajetórias
desses trabalhadores, esses parâmetros/referenciais perdem o sentido, pois suas experiências
são muito mais ricas e complexas do que essas categorias apontam.
30
29
Cf: SILVA, Maria. A . M. Errantes do fim do século. São Paulo: Edunesp, 1999. Nesta obra a autora privilegia
uma visão estruturalista sobre as relações de trabalho na Região de Ribeirão Preto, caminhando pelo viés da
dominação, exclusão, ocorrido com a modernização ou inserção de capital no campo, na década de 1960,
segundo a autora essas políticas provocaram o êxodo rural e a proletarização do camponês.
30
VARUSSA, Rinaldo J. Catadores de papel em Marechal Cândido Rondon, PR. In: Maciel, Laura A. Et AL.
(orgs) Outras histórias, memórias e linguagens. São Paulo: Olho d’água, 2006 p. 112. As reflexões apontadas
neste artigo ampliaram meu olhar para compreender as relações de trabalho e os modos de vida dos
trabalhadores na cidade. O autor construiu o diálogo com os catadores de papel na cidade e interpretaram os
sentidos e significados atribuídos pelos trabalhadores as suas experiências.
24
Grande parte das análises sobre os cortadores-de-cana, para o Estado de São Paulo,
enfatizou as motivações econômicas desse processo. De acordo com essa visão, a situação de
miséria no campo, a concentração fundiária, o avanço do latifúndio sobre as terras dos
pequenos proprietários, as alterações das relações de trabalho, o alto índice de crescimento
demográfico nordestino e as periódicas secas, seriam alguns dos fatores que imporiam a
migração como última saída ao trabalhador rural. Este, por sua vez, atraído pelos empregos e
maiores rendimentos da vida urbana, pela possibilidade de acesso aos direitos sociais e
trabalhistas negados no campo, bem como pela maior oferta de educação e saúde, tornar-se-ia
proletário, preenchendo, dessa forma, a demanda por mão-de-obra do processo de
industrialização.
31
Tornou-se um símbolo no imaginário social brasileiro a figura do trabalhador
cortador-de-cana em textos, imagens escapando da fome, representado como trabalhador
escravo, vivendo na miséria e, periodicamente, das secas, projetando sua saída em busca de
emprego e melhores condições de vida.
32
As interpretações acima congelam a dinâmica da experiência social vivida, esta
assume concretude nos costumes, nos hábitos e valores destes sujeitos históricos. Essas
interpretações reduzem os diferentes significados da vida dos trabalhadores cortadores-de-
cana no campo à compreensão nostálgica de uma realidade distinta ou fadada ao
desaparecimento, cuja demanda central radicaliza-se na necessária conservação, muitas vezes,
teatralizada de algumas de suas dimensões mais expressivas,
33
abstraindo o processo em
reflexões que homogeneízam complexas estruturas de sentimento e práticas
elaboradas/reelaboradas cotidianamente.
Muitas dessas análises das “estruturas”
34
se limitam às próprias estruturas. Aqui
valorizo as experiências de sujeitos históricos refletindo sobre os sentidos e significados que
31
Cf. DURHAM, E. São Paulo, espírito, povo, instituições. São Paulo: Pioneira, 1968. MARTINS, G. D. Depois
do latifúndio. Continuidade e mudança na sociedade rural nordestina. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Brasília:
Editora UNB, 1978.
32
FONTES, P. Migração nordestina e experiências operárias: São Miguel paulista nos anos 1950. In:
BATALHA, C. H. M.; SILVA, F. T.; FORTES, A. (orgs.) Culturas de classe: identidade e diversidade na
formação do operariado. Campinas, SP: UNICAMP, 2004.
33
SANTANA, C. D.Trabalhadores rurais do recôncavo baiano: memórias e linguagens. Revista Projeto História
16. Cultura e Trabalho. São Paulo: EDUC, 1998, p. 193.
34
PATARRA, N. L. Migrações internacionais: teorias, políticas e movimentos sociais. Revista Estudos
avançados da USP. 20, São Paulo, 2006. Para contextualizar o trabalho de pesquisa é necessário ter
conhecimento do processo da migração num termo mais universal, ou “estrutural”.. Neste texto a autora
apresenta subsídios para o debate sobre políticas de migração internacional e se estende para movimentos sociais
de expressivos contingentes documentados e não-documentados nos principais países de destino dos migrantes.
Segundo ela recomendações de organismos internacionais defendem políticas migratórias em termos de direitos
25
são atribuídos as suas experiências sociais vividas, explorando-as e compreendendo-as no
movimento da história como tendências postas no social.
Ao focar esses modos de vida particulares, colocam-se em xeque justamente imagens
estereotipadas ou generalizantes que apresentam os trabalhadores, por um lado, como
“escravos, mendicantes, chaga social na cidade, vida de gado
35
e, por outro lado, como
vitimas de um processo econômico onde a lógica do capital se instaura abstraindo,
imobilizando, vedando as ações e possibilidades de resistências dos trabalhadores conforme
sugerem as vertentes historiográficas distintas.
36
A tentativa de encarar o processo de deslocamento campo/cidade, como um
movimento social mais amplo
37
, inserido dentro de todo um contexto social e histórico, é
visto como fruto de escolhas, opções, sonhos, sentimentos e expectativas de uma vida
diferenciada, configurando-se num esforço de compreender as experiências sociais
constitutivas na vida de alguns trabalhadores cortadores-de-cana, que se movimentam pelo
país trilhando dias melhores para si e para suas famílias, em busca de melhores condições de
vida e trabalho.
A partir dessas questões/situações postas no presente é que comecei a refletir sobre a
presença significativa dos trabalhadores cortadores-de-cana na cidade de General Salgado,
disputando lugar e firmando presença na cidade.
Encontro, nesta perspectiva, respaldo nas reflexões da obra de Antônio Augusto
Arantes de como as lutas por direitos, situados no tempo/espaço da cidade, apontam a
complexidade e pluralidade do conflito e das relações sociais a partir dos próprios elementos
que o compõem no âmbito da cultura. As histórias que se desenrolam indicam as modulações
da vida urbana e suas inflexões, fissuras, tensões, embates e possibilidades que incluem, como
humanos e na supervisão de remessas, consideradas um dos aspectos positivos das migrações e auxílio no
combate à pobreza dos países de origem. O contraponto com formulações teóricas sobre o fenômeno evidencia
incoerências e inviabilidades dessas propostas se não forem articuladas com esforços para o desenvolvimento
econômico e social dos países envolvidos.
35
Estes termos aparecem na imprensa regional (Jornal Diário da Região) projetando imagens que depõe sobre os
trabalhadores cortadores-de-cana.
36
VARUSSA, Rinaldo J. Catadores de papel em Marechal Cândido Rondon, PR. Op. cit., p. 113
37
FAUSTO, B. O deslocamento da população brasileira para as metrópoles. Revista Estudos avançados da USP.
20, São Paulo, 2006. Segundo o autor acelerado processo de urbanização no Brasil, ocorreu como
decorrência das migrações internas, que é um fenômeno relativamente recente e se articula com um conjunto de
mudanças ocorridas na economia, na sociedade e na política brasileira, no século passado, especialmente na sua
segunda metade.
26
diz o autor, “o direito de construir e reordenar as diferenças, identidades e identificações: o
direito a mudar, a rejeitar ou a reinventar tradições.”
38
A partir do contato como morador na cidade e historiador preocupado em refletir sobre
essa problemática do social, fui ampliando meu olhar e compreendendo que as questões em
torno dos “direitos sociais e culturais (vivenciados pelos cortadores-de-cana) buscam não
apenas pluralizar os lugares sociais como, também, atuam no sentido de procurar garantir a
liberdade de criar e modificar fronteiras, alianças e formas estabelecidas (ou tradicionais) de
identificação.”
39
O historiador Charles D’Almeida Santana, ao compreender o processo de migração de
trabalhadores do recôncavo baiano, dá-nos subsídio para pensar a gama complexa que são as
experiências vividas pelos trabalhadores. Segundo o autor:
numerosos estudos do mundo rural, aqueles que se esgotam na análise das relações de
produção, não conseguem perceber o lavrador como agente do processo constituidor de
seus modos de vida. Neles predominam a ótica da passividade os níveis estruturais da
realidade. Simplesmente subjugados pelas “forças produtivas atrasadas”, os
trabalhadores rurais vêem seus desejos, suas intenções e vontades reduzidas a fantasias
não racionais, a deformações do real e, portanto descartáveis em pesquisas sérias. È
exatamente a “seriedade’ de alguns pesquisadores o entrave á consideração da
experiência humana como constituidora e constituinte da história, na conjunção de
diferentes dimensões dos processos culturais.
40
Oposta às abordagens históricas privilegiadoras de processos econômicos explicados
de modos mecânicos, abrimos caminho para perceber a atuação dos trabalhadores,
reconhecendo a historicidade em cada modo particular e distinto pelo quais estes organizam
sua vida material, narram e interpretam sua inserção no trabalho, nos espaços de
sociabilidades entre o campo e a cidade.
A historiadora Maria Andréa Angelotti Carmo, pesquisou os modos de vida dos
trabalhadores rurais do sertão da Bahia á lavoura cafeeira do cerrado mineiro. Suas reflexões
me ajudaram a pensar nos processos de deslocamentos, á que estão inseridos os trabalhadores
cortadores-de-cana. De acordo com a autora:
38
Cf: ARANTES, A. A. “Desigualdade e diferença”. Cultura e cidadania em tempos de globalização”. In:
Paisagens paulistanas. São Paulo/Campinas: Imprensa Oficial, p.139.
39
Idem, ibidem, p.139.
40
SANTANA, C. D. Fartura e ventura camponesas: trabalho, cotidiano e migrações. São Paulo: Annablume,
1998, p. 40.
27
Diante dessa dinâmica não se pode afirmar que os grupos que a experimentam estão
compreendidos nesta ou naquela categoria, não podem ser taxados como migrantes
temporários ou trabalhadores sazonais, pois no seu cotidiano, na sua demanda diária,
estes indivíduos são mais que isso, estão construindo e constituindo-se como agentes de
sua própria vida, de sua própria história, tecendo análises, realizando escolhas que se
embasam na relação com os dois momentos na qual se insere. Oberservar e analisar esse
processo de deslocamento temporário implica em ir além da simples referência ao
“trabalhador migrante”, em perceber que os discursos proferidos sobre esse sujeito
poderia não reconhecer indivíduos cuja dinâmica de vida não está voltada para a região
de deslocamento, mas que, o deslocamento é apenas um momento em sua experiência,
cujo valores, hábitos, estão presentes, mas cuja a vida está em sua região de origem e da
qual não se ouviu manifestação de querer deixar definitivamente
.
41
Acompanhar esse grupo de cortadores-de-cana, entre o campo e a cidade, implicou
conhecer a dinâmica vivida por eles. A partir dessas reflexões efetuadas pela autora, foi
possível pensar como eles se reconhecem a partir do trabalho e entre si.
Foi de grande importância a leitura da tese de Doutorado Homens de açúcar: a
experiência de cortadores-de-cana em 2004”, de Ivana Arquejada Faes, apresentada ao
programa de Serviço Social da PUC SP.
42
Neste trabalho a autora constrói um dialogo com
os trabalhadores cortadores de cana de Campo de Goyatazes/RJ. Compreendendo os modos
de vida que instituem na experiência da profissão de cortadores de cana, segundo a autora, os
trabalhadores desconstroem a caracterização de pobres e a identidade atribuída de bóias-
frias” pelo olhar do outro, reafirmando, dessa forma, seu lugar na pobreza, adquirida pela
honra, e se reconhecendo como “caras da luta”, aptos ao trabalho e dispostos pela resistência
física ao enfrentar o corte de cana.
Nas minhas reflexões sobre como os cortadores-de-cana vivem e interpretam as
relações de trabalho vividas no campo-cidade, considero essencial a contribuição do
historiador E. P. Thompson
43
, tendo como premissa a ampliação dos referenciais das
categorias relacionadas ás questões do trabalho. Ao fazer a critica às explicações e
perspectivas reducionistas abstratas, superando as armadilhas das análises predefinidas do
mundo do trabalho, a leitura de Thompson elucida outra ótica, na qual a própria concepção de
41
CARMO, Maria A. A. Entre safras e sonhos: trabalhadores rurais do sertão da Bahia á lavoura cafeeira no
cerrado mineiro. Tese de Doutorado em História Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009,
em especial, p. 272-273.
42
FAES, Ivana Arquejada. Homens de úcar: a experiência de cortadores-de-cana. Tese de Doutorado em
Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2004, em especial, p. 9-10.
43
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, vol. I. p. 9.
28
história é pensada como um processo contínuo, o fazer-se
44
construído por todos os homens e
mulheres.
Nessa direção este autor me auxilia a pensar a experiência social e a cultura
intimamente imbricada, ao afirmar que
[...] as pessoas experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esses
sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e
reciprocidades, como valores ou (através de formas elaboradas) na arte ou nas
convicções religiosas. Essa metade da cultura (e é uma metade completa) pode ser
descrita como consciência afetiva e moral.
45
A partir das reflexões de Thompson foi possível repensar o dialogo com os
trabalhadores cortadores-de-cana na cidade. Refletir sobre seus modos culturais de viver e de
trabalhar exige considerá-los dentro do conjunto das relações sociais em convívio e em
confronto no campo e na cidade, por meio da qual a mesma e o trabalho se fazem.
Nessa perspectiva penso a cidade de General Salgado como o lugar da
[...] diversidade, da pluralidade, da heterogeneidade, ou da multiplicidade cultural como
características do social, isto é, culturas como sendo atividades, realizações dos homens
em suas relações com a natureza, sempre reconhecidas nestas diferenças e
complexidades.”
46
Falar dos cortadores-de-cana é tornar visíveis e audíveis sujeitos excluídos e
dissidentes, não os reduzindo às categorias abstratas ou à meras estatísticas, mas considerando
que, em condições adversas e mesmo dominados, são sujeitos de sua própria história, vivem e
pensam sua própria existência, resistindo, improvisando papéis, produzindo saberes, portanto
44
Devemos atentar para a experiência social dos trabalhadores em todos os seus ângulos de existência e de vida,
para além de apenas examinar seu movimento e organizações ou associações políticas. Nessa perspectiva isto
significa querer examinar todo o seu modo de vida no campo das transformações e mudanças que,
cotidianamente, experimentam em todos os aspectos do viver a dominação á que se submetem. Não apenas as
condições e padrões de existência material na moradia, na empresa, no lazer, na religiosidade, mas também no
campo dos sentimentos e dos valores que são expropriados no dia-a-dia da dominação, a resistência oferecida
neste processo e a necessidade de reconstruir e reinventar a cultura a partir de sentimentos de perda de padrões
antes estabelecidos. Cf. FENELON, Déa Ribeiro. “O historiador e a cultura popular: história de classe ou
história do povo?”. História e Perspectivas. Uberlândia, n. 6, Jan./Jun. 1992.
45
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981, p. 189
46
FENELON, Déa Ribeiro. “Construindo Políticas Públicas: Cultura e Patrimônio Cultural”. Texto apresentado
na Conferência Municipal de Cultura de Fortaleza, CE, em 2005, mimeo, p.2 Apud. MACIEL, Laura A. O
direito ao passado: memória e cidadania. Texto apresentado ao IX Cidade Revelada: encontro sobre patrimônio
cultural. I fórum nacional de conselhos de patrimônio cultural. Itajaí, Santa Catarina, Brasil, 2006.
29
produzindo cultura.
47
O foco dessa pesquisa está na cultura popular que se expressa nas
palavras e nas práticas dos cortadores-de-cana, daqueles que às vezes não se submetem ao
formalismo e à tirania dos padrões instituídos.
48
Ao pensar as experiências vividas pelos trabalhadores cortadores-de-cana, compartilho
minhas reflexões com Thompson ao dizer que:
Homens e mulheres retornam como sujeitos dentro deste termo não como sujeitos
autônomos, ‘indivíduos livres’, mas como pessoas que experimentam suas situações e
relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos,
e em seguida ‘tratam’ essa experiência em sua consciência e cultura das mais complexas
maneiras.
49
Essa visão se apresentou elucidativa no momento de construção do texto, pois ampliou
as possibilidades de diálogo com as evidências, no sentido de observar as muitas maneiras
pelas quais as expectativas e visões dos trabalhadores sobre a cidade e o trabalho, e as
perspectivas de presente e futuro foram se configurando.
A leitura de Costumes em Comum de Thompson, estudo no qual o autor busca
compreender o processo vivido pelos trabalhadores ingleses (no século XVIII) frente às
transformações operadas pela revolução capitalista naquele período, auxiliou-me a refletir
históricamente a situação enfrentada pelos cortadores-de-cana, a partir da década de 1980 em
General Salgado.
Segundo o autor:
[...] o processo do capitalismo e a conduta não econômica baseada nos costumes estão
em conflito, um conflito consciente e ativo, como que numa resistência aos novos padrões
de consumo (“necessidades”), ás inovações técnicas ou á racionalização do trabalho que
ameaçam desintegrar os costumes e, algumas vezes, também a organização familiar dos
papéis produtivos.
50
A construção da Usina Generalco surge como estratégia de políticas governamental-
empresariais no momento em que o projeto “Proálcool” é implementado na cidade para
alavancar o desenvolvimento da agroindústria canavieira frente à crise do petróleo, em 1973.
47
Idem, ibidem.p. 157.
48
PEIXOTO, Maria, R. C. E as palavras m segredo: literatura, utopia e linguagem na escrita de Ana Maria
Machado. In: Maciel, Laura A. Et AL. (orgs) Outras histórias, memórias e linguagens. São Paulo: Olho d’água,
2006 p. 157.
49
Idem, ibidem, p. 182
50
THOMPSON, E. P. Introdução: Costume e cultura. In: Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular
tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 21.
30
Nesse processo de transformação, muitos trabalhadores migraram para a cidade em
meados da década de 1980, em busca de trabalho, alimentando novos projetos de vida. De
acordo com o trabalhador Sr. Exupero
51
: “eu sai do campo, da roça e vim pra cidade, tava
abrindo a Usina [...] eu vi que era minha chance de conseguir algo melhor pra mim e minha
família como cortadô-de-cana aqui.” Nesse processo o trabalhador se reconhece como
“cortador-de-cana”, compartilha vivências e constrói suas experiências como tantos outros no
trabalho entre a cidade e o campo em General Salgado.
Compreender os cortadores-de-cana, como portadores de experiências, significa
dialogar com os sujeitos históricos na realidade concreta e garimpar restos nas suas
experiências fragmentadas e, às vezes, silenciadas nos múltiplos espaços da cidade-campo.
Sensível aos modos como os trabalhadores compartilham experiências e referencias
identitárias, é possível compreender os significados de suas trajetórias de vida, constituindo-se
como sujeitos históricos, improvisando e organizando a luta pela sobrevivência no cotidiano.
Eles incorporam novos elementos e descartam outros, ocorre a reapropriação e
ressignificação do que é dado pela própria tradição que não é imóvel, mas, como diz
Raymond Williams
52
,“é seletiva, residual, ou emergente”.
As leituras dos livros “Muitas Memórias, Outras Histórias” e o recente “Outras
Histórias: memórias e linguagens” trouxeram ponderações e colocaram em diálogo a forma
de trabalhar criticamente novos temas, novas abordagens, linguagens, incorporando questões
e, ainda, concebendo o movimento critico da operação histórica,“sempre colocando em causa
as relações entre memória e história” .
53
Ressalto a importância dos textos e suas abordagens
ao privilegiar a pesquisa histórica como vitalidade critica das problemáticas sociais.
Os apontamentos indicados por esse grupo de historiadores diferenciam daquele que
a história como uma ciência que investiga o passado. Ela é concebida como uma prática
social que busca as relações e os nexos com as experiências sociais de sujeitos históricos. A
história é pensada não apenas retrospectivamente, ou como mera erudição do passado, mas
colocada no campo da luta política, em suas diferentes formas de intervenções prospectivas,
51
Entrevista realizada com o Sr. Exupero. General Salgado. 16/08/2006 (in memorian). Utilizei algumas
entrevistas do problematizadas no projeto de pesquisa da graduação: Memórias e Histórias de Trabalhadores
Nordestinos em General Salgado, 1960 – 2006.
52
WILLIAMS, R. Op. Cit. p. 118.
53
FENELON, D. R. et al. Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Editora Olho d’Água, 2004. E também
o recente produzido pelo grupo: Maciel, Laura A. Et AL. (orgs) Outras histórias, memórias e linguagens. São
Paulo: Olho d’água, 2006. Fruto de reflexões efetuadas pelo grupo de historiadores que compõem o projeto
PROCAD/CAPES.
31
em que o próprio historiador, como sujeito dessa dinâmica, busca construir o texto
entrecruzando diálogos.
As reflexões do grupo colocaram em pauta o questionamento incessante, procurando o
esclarecimento dos processos pelos quais as memórias, quase sempre registradas como
dominantes, pretendem-se una e homogênea, pois estas se constituem por meio de uma
dinâmica na qual ora se mostram, ora se escondem aos olhos do pesquisador. Também não é
fácil “recortarprocessos, projetos ou sujeitos com os quais nos identificamos, sem fazer
escolhas e tomar decisões.
Exercer o ofício
54
permite procurar indícios e evidências que possibilita eleger
determinados processos e não outros, que esclareçam processos significativos e/ou
representativos da experiência social dos trabalhadores, buscando desvendar os significados
das tensões e das acomodações existentes entre eles.
Com as leituras e os questionamentos levantados, ficou claro, desde o inicio das
reflexões, que trabalhar com fontes orais seria propício para a consecução da pesquisa.
Buscando compreender as experiências desses trabalhadores na trama das relações sociais
vividas, entrecruzei o dialogo com outras evidências como: imprensa, fotografias, dados do
IBGE, mapas e projetos de lei da cidade.
Observando-as como linguagens, as evidências me auxiliam a compreendê-las como
atividade prática e constitutiva do social, e a pensar o processo histórico. Nas palavras de
Williams, “o que temos é, antes, uma compreensão dessa realidade através da linguagem que,
como consciência prática, está saturada por toda atividade social e a satura, inclusive a
atividade produtiva”.
55
Ao produzir algumas fotografias dos trabalhadores, procurei refletir sobre os espaços
que estes se apresentaram e os significados que eles atribuíram antes e depois da produção.
Para o trabalhador Jacildo
56
, foi importante registrar o momento. Em suas palavras tira a
foto, que depois eu vou guardar. Vou mostrar que um dia fui cortado, né?!”. O cortado-de-
cana tem consciência das ameaças futuras no trabalho manual, frente à chegada das máquinas.
Produzi fotos de alguns trabalhadores em suas moradias e na lavoura canavieira. O trabalho
54
As reflexões apontadas por estes autores foram cruciais para problematizar a complexidade dos trabalhadores
cortadores-de-cana na cidade de General Salgado.
55
Cf. Essas referencias encontram-se em WILLIAMS, Raymond. Cap I. “conceitos sicos”, dentre eles
“Cultura” e Lingua”. In Marxismo e literatura, Rio de Janeiro, Zahar, 1979, p. 15-59.
56
Entrevista realizada com o cortador-de-cana Jacildo: General Salgado. 22/07/2008. Acervo do pesquisador
32
com as fotografias
57
sugeriu pensar na construção de uma memória que começa a se forjar,
através das articulações entre textos escritos e imagens. O exercício da pesquisa apontou para
uma prática ligada à produção/reprodução, impressão e divulgação de imagens que instituem
memórias projetadas sobre os trabalhadores cortadores-de-cana.
Assinalar a imprensa como pratica constitutiva
58
, a partir de narrativas fotográficas,
fez-me pensar nas reflexões sugeridas por Robert Darnton, de que ela é uma “rede de
comunicação composta por artérias, veias e capilares e que leva em conta todos os estágios do
processo de produção e distribuição”.
59
A reflexão de Martin-Barbero também alerta para a necessidade de ampliar os
questionamentos sobre o modo com que o poder dos meios de comunicação é construído,
exercendo hegemonias. Ao compreender as sugestões do autor em fazer as mediações e que,
em pesquisas com a imprensa, procuremos recuperar o seu movimento de constituição,
atentando para os lugares sociais em que ela se institui, identificando os distintos processos
sociais e momentos no interior dos quais ela se forja, para reconstituir a intensa disputa entre
diferentes usos e sentidos sociais que o fazer imprensa comporta na cidade e na região.
60
57
CARVALHO, T. C. Fotografia e cidade: São Paulo na década de 1930. Dissertação (Mestrado em História)
Pontifícia Universidade Católica. São Paulo, 1999. A produção de fotografias se tornou muito importante para a
reflexão sobre os sujeitos e a cidade, sendo parte analítica do objeto de estudo, permitindo compreender
expressões e lugares demarcados pelos trabalhadores. Isso não significa estar preso ao tempo e enquadramento
da foto, mas em tê-la como uma fonte de investigação, pois a fotografia corresponde a uma realidade
decodificada pelo nosso olhar e processada pelo nosso intelecto, sendo eferente ao real, mas não a realidade
recriada, será sempre um artefato parcial de percebermos a realidade. (CARVALHO, 1999).
58
A participação na ANPUH regional e o debate sobre imprensa com as professoras Maria do Rosário, Heloisa
Faria Cruz, Laura Antunes Maciel e Marta Emisia foram representativos à medida que avançamos na
problematização e reflexão da imprensa local e regional. Seguindo a problematização formulada por Heloisa de
Faria Cruz sobre o “movimento de expansão/transformação do espaço da imprensa periódica” e de como ele se
espalhou socialmente, penetrando “ambientes mais populares”, foi possível pensar na articulação da imprensa
local e regional, renovando os grupos produtores, o público leitor e redefinindo as relações entre eles. É preciso
considerar, como indica Cruz, que a consolidação dessa imprensa acontecendo no interior, e em tensão com, do
amplo movimento de constituição da imprensa com a renovação de públicos leitores, das linguagens e temas,
mas, também, dos modos de narrar e dos grupos produtores. Ver: CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e
tinta: periodismo e vida urbana- 1980-1915. São Paulo, EDUC; FAPESP; Arquivo do Estado de São Paulo;
Imprensa Oficial SP, 2000, pp. 20-24
59
Ver DARNTON, Robert. Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
60
MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro,
Editora UFRJ, 2003, pp. 11-21.
33
As narrativas orais colhidas a partir da metodologia da história oral me possibilitaram
perceber os sujeitos da pesquisa ao narrarem suas memórias
61
, descreverem seus sonhos e
projetos idealizados para o presente e para o passado.
Ao privilegiar as entrevistas orais para uma aproximação do modo como os
trabalhadores interpretam a realidade que vivem e seu lugar nela, articulei a concepção de
linguagem como consciência prática, ou seja, o trabalho da consciência de cada cortador-de-
cana interpretando, situando-se, internalizando valores, trazendo dimensões da tradição e da
memória, entretecendo o viver nas relações sociais em convívio ou em confronto no trabalho
entre o campo e a cidade.
As entrevistas trazem grandes contribuições para a reflexão histórica, proporcionam a
investigação do diverso, de experiências de vida, de sentimentos criados, pois “cada entrevista
é importante, por ser diferente de todas as outras”,
62
possibilitando, assim, ir além da história
economicista, cronológica e objetiva.
No contexto o “imaginar” invade a memória destes trabalhadores e se insere nas
entrevistas, permitindo desvelar os sentimentos que as pessoas trazem arraigados às suas
trajetórias. Nesse sentido, rompe-se com o silêncio que a objetividade constrói e mostram
como, subjetivamente, as esperanças e os desejos destes sujeitos é que delineiam a criação de
suas lembranças e projetam perspectivas de futuro.
61
Evito o termo “memória coletiva”. Embora estejamos trabalhando com o intuito de registrar lembranças que
possam ser coletivamente compartilhadas e aproveitadas, devemos ser cautelosos ao situa-lás fora do individuo.
Dentre algumas perspectivas historiográficas se fundamenta na existência de uma “memória coletiva” para
analisar o fenômeno de construção das memórias sociais. O autor que formulou tal proposição inicialmente no
campo da sociologia foi Maurice Halbawchs, para quem não haveria possibilidade de existência de memórias
individuais”, que todas as memórias, em última análise, seriam fragmentárias de uma memória geral,
apresentando resquícios ou elementos que as amarrava em torno de uma única, qual seja, a “memória coletiva”.
Essa posição foi mais tarde revista no campo da historiografia por autores como SAMUEL (1997) Alessandro
PORTELLI (1996), (Grupo de Memória Popular, 2004) apresentam proposições bastante interessantes,
apontando até mesmo que a existência dessas memórias deve ser pensada como fenômenos socialmente
construídos e, sobretudo, reelaborados a partir das relações sociais de classe, ideológicas e históricas que se
apresentam no momento de sua emergência.
62
PORTELLI, A. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre ética na história Oral. In: Revista
Projeto História 15: Ética e História Oral. São Paulo: EDUC, 1997, p. 17
34
***
“Vai panela! Vai panelinha!” É assim que meu ex-treinador, conhecido popularmente
como Tatú, e meus amigos, do time do São Luiz Esporte Clube, chamavam-me, incentivando
a partir pra cima dos zagueiros adversários, que minha posição era de meia-direita na
equipe. O apelido era devido ao meu pai ter uma fábrica artesanal de alumínio fundido e
conseqüentemente fabricar panelas no pequeno distrito pertencente à cidade. O que eles têm
em comum com minha história de vida na cidade? Tatú, Renato, Preto, Sido e outros
trabalhadores da equipe de Futebol cortavam cana. Após chegarem do serviço, à tarde, muitas
vezes cansados, íamos treinar para nos finais de semana jogar a partida marcada em alguma
cidade da região.
Acredito que ao trabalhar a fonte oral como um processo em construção, numa relação
entre narrador/entrevistador, institui-se múltiplas interpretações que se encontram e
entrecruzam no trabalho da consciência de cada cortador-de-cana. Uma das dificuldades que
tive com as narrativas é que, diferentemente das outras linguagens, o trabalho da fala está em
movimento como expressão das relações sociais vividas. Quando se lida com narrativas de
sujeitos nas múltiplas formas da existência social, procura-se apreendê-las na, e pela,
historicidade em que forjam memórias e histórias de suas vivências, e não na perspectiva de
dar voz que, na verdade, excluem-nas de qualquer perspectiva de mudança. Muito mais do
que enxergar os testemunhos em condições e lugares sociais definidos, considerei as
narrativas como expressões das relações sociais vividas em confronto e convívio, ou seja
nessa perspectiva não as considero nem como o terreno exclusivo da dominação nem o da
soberana autonomia.
Entrevistas orais são textos dialógicos, de múltiplas vozes e múltiplas interpretações:
as interpretações dos entrevistados, nossas interpretações e as interpretações de nossos
leitores.
63
Os trabalhadores não estão cedendo sua voz para o outro, nem falando de si
mesmos, mas interpretando suas relações sociais vividas, colocadas em pauta, a partir das
problemáticas que o pesquisador quer discutir. Por meio das narrativas dos cortadores-de-cana
é possível compreender os processos que vão permeando o diálogo, elucidando, assim,
experiências sociais compartilhadas e socialmente construídas na atividade de ser cortador-de-
cana e viver deste trabalho na cidade de General Salgado.
63
Idem, ibidem, p. 16.
35
Desses amigos do time do futebol, consegui entrevistar Sidalino Cruz Barbosa, 39
anos, casado, pai de seis filhos, conhecido no bairro Jardim das Flores e pelos amigos como
Sido. Foi o primeiro cortador-de-cana com quem estabeleci contato. Interessante que, quando
cheguei em sua casa, (re)lembramos os momentos que passamos jogando futebol, as
brincadeiras entre amigos, as experiências que vivemos no pequeno distrito de São Luiz de
Japiúba.
Apresentei-me posteriormente para Sido como professor de história, e que gostaria de
apreender sobre os modos de vida dos cortadores-de-cana. Sido me faz várias perguntas,
dentre as quais o que eu queria com esse trabalho. As indagações do trabalhador me fizeram
repensar sobre o papel do pesquisador diante dos sujeitos que entrevistamos. Aprendi a
primeira lição, que a todo momento nossos entrevistados estão observando-nos e, por mais
que existisse uma amizade, ali se tratava de uma conversa acerca de seu próprio viver. Pediu-
me para voltar outro dia, mas que estava disposto a falar sim, e disse: “preciso contar as
histórias dos cortadô sim, porque vai acabá, vai acabá.[...] Com a mecanização que tá vindo
ai, os nossos filhos precisam sabê nos livros que existiu os cortadô”!
64
Ao narrar sua inserção na atividade e as perspectivas de presente frente ao trabalho no
corte-de-cana, Sido enunciou como vem lutando em seu cotidiano ao dizer que: amanhã,
amanhã é outro dia. Amanhã acontece que pega uma cana melhor, um precinho melhor,
então a pessoa trabalha ganhando um pouquinho a mais e esquece daquilo de hoje. Porque
ele ganhou um pouquinho a mais, começa aquela alegria de novo, e ai vai tocando, vai
tocando o barco pra frente, é desse jeito”.
65
Escolhi a expressão do trabalhador para compor
o titulo dessa dissertação. Nesse sentido, busquei aproximar e construir um diálogo de co-
autoria com estes trabalhadores que vivem e sustentam suas famílias a partir do trabalho no
corte-de-cana.
Ao narrar que Amanhã é outro dia”, Sido me faz pensar numa experiência social
vivida e compartilhada por ele e tantos outros que vivem deste trabalho. São trabalhadores
que se posicionam frente ao processo de mecanização, reivindicam políticas de incentivo ao
trabalho no campo, conhecem as pautas debatidas sobre o meio-ambiente, aquecimento global
e as relações impostas no trabalho no corte-de-cana. Dentre esses homens e mulheres
cortadores-de-cana, temos pequenos agricultores que deixaram suas plantações no campo e
vieram para a cidade exercer o trabalho no corte-de-cana, outros, em sua maioria, são
64
Entrevista realizada com Sido. 14/07/2008. Acervo do pesquisador.
65
Idem.
36
trabalhadores que se deslocaram dos estados do nordeste. Alguns trouxeram a família para
morar e trabalhar na cidade e são (re)conhecidos como os daqui”, outros somente trabalham
no período da safra e voltam para a terra natal, estes são conhecidos pela população local
como “os de fora”.
A cidade e o campo estão em movimento e os trabalhadores seguem lutando,
buscando, a partir do trabalho, dias melhores. A todo o momento estão internalizando valores,
(re) elaborando outros; possuem sonhos, esperanças, perspectivas de presente e,
principalmente, de futuro, pois “amanhã é outro dia”.
A partir desse contato com Sido, o trabalhador me levou à casa de outros cortadores de
cana na cidade, como ele disse: vou arrumar uns cortadô bom pra você entrevistar, eles
falam mesmo a realidade!” Através de Sido conheci outros trabalhadores.
66
Adão Francisco dos Santos, 36 anos, natural de Iuiu na Bahia. Desde cedo trabalhou
nas lavouras de café e algodão. Iniciou o trabalho no corte de cana com 23 anos de idade. O
trabalhador é conhecido entre os amigos da roça e no bairro da cidade como Chicão.
O trabalhador Chicão é casado com Maria José dos Santos, 40 anos, conhecida como
Zezé. Mãe de três filhos com o primeiro marido, Zezé também trabalha no corte-de-cana
alguns anos, além de cuidar dos filhos, do marido e do lar. Zezé nasceu em General Salgado,
mas se deslocou ainda muito cedo por várias cidades da região com seus pais, trabalhando na
roça e como empregada doméstica na própria cidade. A trajetória da trabalhadora é de uma
vida sofrida, de luta e itinerância com a família e os filhos.
Entrevistei também Euberli Ferreira Lopes, 31 anos, solteiro, nasceu na capital em
São Paulo. Ainda na infância, voltou para Iuiu na Bahia com os pais para fabricar portões.
Recentemente, com a perda do pai, Euberli iniciou sua experiência como cortador-de-cana em
2005, no Estado do Mato Grosso. Em General Salgado é a primeira vez que corta cana na
Usina Generalco, veio recentemente, no começo de 2008, juntamente com outros
trabalhadores.
Ao voltar de uma entrevista com Sido numa tarde, encontrei Jacildo Pessoa da Silva,
29 anos, natural de Buíque, Pernambuco. O trabalhador estava próximo de minha casa,
consertando a corrente da bicicleta que tinha escapado. Ao ajudá-lo a voltar a corrente da
bicicleta no lugar, tornamo-nos amigos e estabelecemos os primeiros contatos para a primeira
66
As entrevistas realizadas com Chicão, Euberli e Zezé foram realizadas coletivamente. Todos eles sentados na
varanda da casa em que moram , se sentiam á vontade em falar em grupo. Debatiam entre si, divergiam em
algumas questões, mas também compartilhavam momentos de solidariedade e de luta de cada um.
37
entrevista. O trabalhador deixou a esposa e a filha na terra natal em Pernambuco e está na
cidade alguns anos. Jacildo trabalha no período entre-safra e mora no Conjunto
Habitacional da cidade, com amigos e parentes. No término da safra o trabalhador volta para
Buíque, Pernambuco, onde fica com a família.
Entrevistei uma das primeiras levas de trabalhadores que foram se constituindo na
cidade entre meados da década de 1980. Dentre esses trabalhadores que migraram do campo
para a cidade de General Salgado, encontrei o Sr. Exupero Sabino de Oliveira, com 84 anos,
nasceu em Paramirim na Bahia, veio primeiramente para as plantações de lavouras de café e
algodão nas fazendas da região e, posteriormente, para a cidade e, no início da década de
1980, com toda a família. Exupero trabalhou como cortador-de-cana na primeira turma da
Usina Generalco.
O Sr. João Dias, 77 anos de idade, mora no Bairro Jardim das Flores, chegou à
cidade no final da década de 1970. Com sua esposa, Dona Adelina, criou os sete filhos,
trabalhando como agricultor em terras arrendadas nas mediações da cidade. As dificuldades
para a manutenção da casa e as dividas adquiridas como agricultor, fez com que o trabalhador
iniciasse a atividade no corte-de-cana na velhice.
O trabalhador cortador-de-cana Nelson Manoel dos Santos foi meu vizinho durante
alguns anos na Cohab Orlando Gabriel. Tem 44 anos de idade, é casado, pai de dois filhos e
mora no bairro Jardim Santo Antônio. A vinda para a cidade representou expectativas e
possibilidades de ganhos. Nelson nasceu aqui em General Salgado, trabalhou desde muito
cedo nas lavouras de algodão e em outras culturas no campo.
Uma peculiaridade interessante nessa pesquisa surgiu quando entrevistei o trabalhador
Nelson em sua casa. Sua esposa Marlene Nogueira Lopes, 34 anos, mãe de Camila e
Guilherme, procurou a todo o momento participar da entrevista. Ela sabia que o interesse da
pesquisa era discutir com seu marido os modos de vida dos cortadores-de-cana na cidade.
Marlene buscou, desde o começo da entrevista, sua inserção neste diálogo, mesmo não sendo
cortadora-de-cana, ela diz, mas trabalho na bituca,” reconhecendo sua representatividade
como trabalhadora neste processo de expansão da Usina na cidade.
Nesse contato prévio que estabeleci com os trabalhadores de antemão buscava uma
igualdade que não existia. Acreditava que por ser conhecido ali no bairro, e por ter um pouco
de amizade com alguns, eles iriam se prontificar abertamente. Como diz Alessandro Portelli:
A entrevista de campo, por conseguinte, não poderia criar uma igualdade que não existe,
mas ela pede por isto. A entrevista levanta em ambas as partes uma consciência da
38
necessidade por mais igualdade a fim de alcançar maior abertura nas comunicações. Do
mesmo modo que a hierarquia desigual de poder na sociedade cria barreiras entre
pesquisadores e o conhecimento que buscam, o poder será uma questão central
levantada, implícita ou explicitamente, em cada encontro entre o pesquisador e o
informante. Acabar com o poder abertamente transforma a entrevista de campo em um
experimento em igualdade.
67
Na busca de compreender as experiências vividas e os sentidos e significados
atribuídos pelos cortadores-de-cana, as entrevistas nos chamam a atenção para observarmos o
lugar de onde as pessoas falam e se colocam ao reelaborarem suas trajetórias, porque isto é
determinante para a análise da visão de mundo, dos valores, dos viveres e fazeres e os
sentidos políticos de ser trabalhador no corte-de-cana. As entrevistas possibilitam ao
historiador perceber, não o que se passou, mas, sim, a elaboração do passado à luz do presente
que se vive. Entendemos que muitos dos destaques ou reflexões sugeridas nesse olhar do
passado é, em grande parte, o buscar respostas para como se chegou ao que se vive hoje.
Seguindo as proposições colocadas por Portelli, quando diz que
Quando o encontro tem lugar á luz da igualdade, não somente o observador mas também
o ‘observado’ podem ser estimulados a pensarem diferente sobre os mesmos. Isto joga
nova luz sobre o velho problema: a interferência do observador na realidade observada
(...) o trabalho político é o trabalho da mudança e todas estas mudanças são altamente
políticas (...) o fato de que nossas presenças possam facilitar mudança significativa na
autoconsciência das pessoas que encontramos ainda é talvez uma forma útil, de ação
política.
68
Acredito que, ao adotar essa perspectiva, compartilhei de forma mútua um diálogo
recíproco na diferença, mas buscando a igualdade com meus amigos cortadores-de-cana
Renato, Preto, Sido, Nelson e tantos outros que lutam por melhores condições de vida e
trabalho entre a cidade e o campo. Entendo que os modos culturais de viver dos trabalhadores
cortadores-de-cana devem ser problematizados como o lugar das experiências sociais.
Ao trabalhar as narrativas como expressões/linguagens, evidencia-se compreender as
experiências dos cortadores-de-cana entrelaçadas na vida social, carregadas de mediações na
relação presente-passado-presente, que se materializa num processo ativo de criação de
significação. A utilidade especifica das fontes orais para o historiador repousa não tanto em
suas habilidades de preservar o passado, mas nas muitas mudanças forjadas pela memória.
67
PORTELLI, A. Forma e significado na história oral. A pesquisa como um experimento em igualdade. In:
Revista Projeto História 14: Cultura e Representação. São Paulo: EDUC, 1997, p. 10.
68
Idem, ibidem p. 11.
39
Estas modificações revelam o esforço dos trabalhadores em buscar os sentidos no passado e a
colocar a entrevista e a narração em seu contexto histórico a partir do tempo presente, que
este é o que nos impulsiona.
69
Cabe lembrar que as entrevistas revelam expressões de sujeitos inseridos num grupo
que expressa a memória social, que compartilha experiências vividas, visualizadas nas
lembranças e nos esquecimentos dos entrevistados. Por meio de fragmentos
70
da fala, é
possível problematizar momentos de lutas pela sobrevivência, resistências, tensões,
indignações e resignações vivenciadas pelos trabalhadores cortadores-de-cana na cidade e no
campo.
Ao dialogar com os cortadores-de-cana em General Salgado, suas narrativas ajudam a
compreender suas experiências sociais por meio de seus modos de viver, trabalhar e se
constituírem como sujeitos históricos; não apenas com o facão na mão no corte-de-cana, em
meio às plantações no campo, mas em todas as dimensões e complexidades de seu próprio
viver; enquanto trabalhador na cidade, no campo e também em outros espaços/lugares que
freqüentam.
Trabalhar com fontes orais permite analisar a historicidade das narrativas e as imagens
produzidas pelas memórias, abrindo oportunidades múltiplas de interpretação dos mundos
possíveis, criados nas lembranças dos trabalhadores. No momento em que se propõe o uso
dessa linguagem, deve-se estar aberto às reelaborações que os entrevistados produzem e não,
simplesmente, entendê-las como uma documentação em que se contam fatos. Assim, as fontes
orais contam-nos não apenas o que os trabalhadores fizeram, mas o que queriam fazer, o que
acreditava estar fazendo e o que agora pensa que faz, atribuindo significado ao que Portelli
chamou de “lançar nova luz sobre áreas inexploradas da vida diária das classes não
hegemônicas”
71
.
Desse modo, passo a perceber que o trato com as fontes orais exigia certo cuidado e
respeito às memórias construídas pelos entrevistados, pois estas trazem anseios, sofrimentos e
69
Idem, ibidem, p. 27
70
Quando falo em fragmentos, vale ressaltar que fazemos escolhas para construir um texto. Devemos discutir as
condições históricas das linguagens que tomamos como fontes, assim é possível desvelar as relações sociais que
elas ajudam a construir. Reconhecer a possibilidade do direito a fala e registro da experiência narrados por
homens e mulheres trabalhadores cortadores de cana, é contribuir com a afirmação de sua presença histórica,
nem sempre considerada representativa nas análises da História. Reconhecer o direito de como se inscrevem na
vida social a partir do trabalho, é o que sentido nessa investigação que buscamos explica-la e compreende-la
nos processos sociais histórico sempre em movimento.
71
PORTELLI, A. Forma e significado na história oral. A pesquisa como um experimento em igualdade. Op.cit.
p. 31.
40
conquistas particulares, cabendo ao historiador fazer a sua leitura, e, portanto, o sujeito desse
processo, que irá remontar seus objetivos e expectativas, “recria sua identidade e sua própria
história e constantemente apresenta a sua interpretação sobre os fatos”
72
.
Problematizar as experiências e a pluralidade de modos de viver dos trabalhadores nos
tem levado a reafirmar a história como um campo de possibilidades, a memória como versões
do passado, como um campo de disputas. Como diz Portelli, a "memória pode existir em
elaborações socialmente estruturadas, mas apenas os seres humanos são capazes de guardar
lembranças”.
73
Se considerarmos a memória um processo - e não um depósito de dados,
poderemos constatar que ela é social. A negação do direito à memória vem sempre
acompanhada de implicações políticas, como um exercício do poder político e de domínio
sobre os trabalhadores no presente e no passado.
Como afirma Yara Aun Khoury:
Ao lidarmos com a memória como campo de disputas e instrumentos de poder, ao
explorarmos modos como a memória e a história se cruzam e interagem na problemática
sociais sobre as quais nos debruçamos, vamos observando como memórias se instituem e
circulam, como são apropriadas e se transformam na experiência social vivida. No
exercício da investigação por meio do diálogo com pessoas comuns, observamos, de
maneira especial, modos como lidam com o passado e como este continua a interpelar o
presente enquanto valores e referências.
74
É preciso recuperar a dimensão política de nosso trabalho, de nossas escolhas, das
concepções que adotamos e das seleções que realizamos. Ao refletirmos sobre nossa
perspectiva historiográfica é preciso dar-nos conta do papel que a memória e a história
desempenham no interior dos mecanismos de poder. É pertinente colocar em causa as
relações entre memória e história, repensando análises que opõem um termo a outro, como
campos separados e cristalizados, levando-nos a refletir sobre as mútuas relações entre ambas,
no sentido de pensarmos a memória como um processo socialmente ativo de criação de fatos e
significados que modela nossa consciência do ontem e do hoje. Afirmar e compreender as
tendências, as possibilidades postas no social, é perceber para onde os trabalhadores
cortadores-de-cana estão caminhando no movimento da história.
72
PORTELLI, A. A filosofia e os fatos. Narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais.
In: Revista Tempo. Rio de Janeiro: vol. 1, nº. 2, 1996, p. 60
73
PORTELLI, A. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre ética na história Oral. Op. cit. p.
16.
74
KHOURY, Y. Muitas memórias, outras histórias: cultura e o sujeito na história. In: FENELON, D. R. et al.
Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Editora Olho d’Água, 2004, p. 132-133.
41
Se atentarmos para as proposições assumidas nas formas de trabalho
75
contemporâneo;
a idéia e o desafio estão no esforço de compreender como estes trabalhadores se apropriam e
usam o passado, no campo complexo das disputas dentro das quais se constituem. Na
compreensão dos processos sociais de construção de memórias, está presente a tarefa de
produzir um inventário das diferenças e perceber as tendências que tencionam a dinâmica
social,
bem como se vislumbra a relação intrínseca entre história e memória que interagem
nas problemáticas sociais sobre as quais nos debruçamos.
76
De acordo com Alistair Thomson: “o que acreditamos que somos no momento
presente de nossas vidas e o que queremos ser afetam o que julgamos ter sido no
passado.”
77
As reminiscências se constituem no passado e são rememoradas pelos
trabalhadores da cidade para dar sentido mais satisfatório a sua vida, à medida que o tempo
passa, e para que exista maior consonância entre identidades ou valores presentes e passados.
É o que o autor chama de “história pública que os sujeitos históricos elaboram para dar
significação a sua vida presente.”
78
Ao construir um diálogo no qual se cruzam discussões sobre a cultura, o trabalho, a
experiência, a memória, a cidade e o campo, vamos enfrentando essa problemática abordada
no campo da história e refletindo em dimensões mais amplas do processo histórico.
75
A disciplina Cultura e Trabalho, ministrada pela professora Dr. Olga Brites, foi importante para a pesquisa.
A área temática da pesquisa refere-se a essa disciplina e as reflexões se deram em torno da categoria
trabalhadores e suas respectivas relações de trabalho. As discussões enfatizadas levaram-me a
compreender/ampliar outras possibilidades ao visualizar mudanças e permanências nos modos de viver e
trabalhar. A luta cotidiana pela sobrevivência dos trabalhadores permitiu-me pensar em sujeitos históricos que,
por longo tempo, não foram objeto de reflexão de historiadores e cientistas políticos. Entre esses sujeitos, nas
leituras e reflexões, destacamos homens nacionais pobres: vendedores ambulantes; trabalho feminino como o das
quituteiras, lavadeiras; trabalho infantil; migrantes etc. Um exemplo dessa reflexão foi a leitura do texto de Éder
Sader - “Quando novos personagens entraram em cena”: experiências, falas e lutas, mostrando como os novos
sujeitos se situaram nos movimentos sociais ou no “cotidiano popular”, em novos lugares para o exercício da
política. Segundo Sader: “Que são as migalhas das pequenas vitórias das pequenas lutas? São as experiências
que os excluídos adquirem de sua presença no campo social e político, de interesses e vontades, de direitos e
práticas que vão formando uma história, pois seu conjunto lhes dá a dignidade de um acontecimento histórico”.
O autor nos apresenta como as migrações são fenômenos associados às condições de trabalho e nada é pejorativo
neste sentido; o desafio que se instala é como os migrantes se assentam nos novos espaçamentos sociais. Estar
em desvantagem, na relação de poder, não significa entender o popular como idiota; é preciso, antes de fazer
colagens interpretativas, empenhar-se na tentativa de ouvi-los sobre as aparentes contradições e máscaras que
possam eventualmente portar, ou seja: os “manipulados” também “manipulam”.[...] Através da absorção de
padrões dominantes eles expressam algo de suas vontades e seus sonhos e é exatamente isso que é necessário
saber ouvir”.
76
KHOURY, Yara Aun. Muitas memórias, outras histórias: A cultura e o sujeito na história. Op. cit. p. 132.
77
THOMSON, A. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a história oral e as memórias. Revista
Projeto História 15. Ética e história oral. São Paulo: Educ, 1997, p. 57
78
Idem, ibidem p. 79
42
Dessa forma, vamos tentando aprender um pouquinho
79
, nas narrativas, o trabalho de
recompor, de forma singular, trajetórias vivenciadas em um espaço produzido social e
historicamente na multiplicidade de sujeitos e experiências que os constituem e, por isso
mesmo, um espaço em constante processo de disputa.
Partindo das propostas de análises apresentadas, organizei a dissertação em três
capítulos
.
No primeiro capitulo, intitulado A LUTA É ESSA AÍ, TUDO NO TRABALHO!
Trajetórias e vivências entre o campo e a cidade”, busco analisar as experiências vividas por
esses trabalhadores apreendendo e incorporando com legitimidade os sentidos e significados
atribuídos por eles entre o campo e a cidade, nos modos de trabalhar, de morar, de pertencer e
se organizar na luta do cotidiano. Problematizei o papel da imprensa local ao se posicionar
frente a essa realidade do etanol e dos trabalhadores na cidade e região. Analisei documentos
produzidos junto aos órgãos públicos, entrecruzando os diferentes olhares e projetos para e na
cidade. A partir dessas proposições, problematizei os modos como foram construindo-se as
imagens sobre os trabalhadores e sobre a idéia de progresso na cidade a partir da Destilaria
Generalco.
O segundo capítulo, “POIS É MOÇO, CORTE DE CANA PRA AGUENTAR? O CARA
TEM QUE TER NATUREZA! Desconstruindo imagens e construindo o trabalho”, é dedicado
às relações sociais vividas no trabalho. Importa compreender, através das entrevistas, como
eles organizam o trabalho, como vivem e narram o saber-fazer, o saber-cortar-cana na
atividade. Procurei compreender como vão enfrentando a modernização e reestruturação do
setor canavieiro com a entrada de novos equipamentos, cursos para aperfeiçoar as técnicas no
corte e quais são suas perspectivas de futuro frente ao processo de mecanização que vêm
sendo implantado no setor nos últimos anos. Fazendo uso de jornais, coloco em pautas os
embates que se evidenciam com a presença desses trabalhadores na cidade. As fotografias
estampadas na imprensa elucidam as maneiras como estes são vistos por determinados grupos
da sociedade. Nesse sentido busco desconstruir essas imagens e dar visibilidade às múltiplas
vivências construídas a partir do trabalho exercido por eles.
O terceiro capítulo, denominado FOI UM TEMPO MUITO DIFICIL, MAS GRAÇAS
A DEUS ESTAMOS TODOS JUNTOS! (Re) ordenando espaços e (re) construindo
convivências”, problematiza a presença desses trabalhadores na cidade. Estes
79
PORTELLI, A. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre ética na história Oral. Op. cit. 15.
43
redimensionaram espaços e firmaram presença em vários circuitos da cidade, como: escolas,
bares, campos de futebol, igrejas e centros de lazer. Compreendo as práticas nas quais muitos
trabalhadores inserem-se, fazem modificar diversos espaços. Criam-se, a partir delas, relações
de conflito; de interação; de solidariedade; de desafios; de convívio e confronto, entre eles e
os moradores da cidade. Procurei compreender os embates, e as tensões que, se expressaram
nas páginas do Jornal Diário da Região; (re)alimentando reações de diferentes setores da
sociedade na cidade e região.
____________________________________________________CAPÍTULO I
A LUTA É ESSA AÍ, TUDO NO TRABALHO!
Trajetórias e vivências entre o campo e a cidade
Tem que correr atrás pra caçar mióra. Nóis
trabalha aqui esse ano, se o ano que vem chegar
uma pessoa e me falar: “Eu trabalhei em tal
usina e é melhor lá, onde vocês tavam”, eu
volto pra aquela Usina, correndo, caçando
mióra, pra arrumar jeito de sobreviver, por que
senão, acorda cedo, a lagartixa vai de baixo da
canela da gente! de brincadeira! (risadas)
(Trabalhador cortador-de-cana, Chicão)
Sem fazer muita festa, mas com o coração
aberto de alegria, por podermos comemorar o
43º aniversário de emancipação política de
nossa cidade, [...] esperamos ainda, que Deus
nos ilumine para não tudo que ela precisa, mas
pelo menos o necessário, para que ela alcance
um lugar de destaque dentro de nosso cenário
político regional. (Gabinete da prefeitura
municipal, 15 de setembro de 1980, Jornal de
General Salgado)
Até hoje eu consegui a casinha da Cohab que
você viu. Consegui essa aqui, né?! Aí, consegui
um lote e saí da casa da Cohab. Você lembra,
né?! Você era pequenininho... Comprei um lote
que é essa casa que tô morando aqui, não é
pequeninha não, é bem grandinha, né?! Depois
do lote comprei esse fiatinho véio, aí. A luta é
essa aí, tudo no trabalho, mas agora, no fim da
história, pra conseguir tudo isso, não é fácil
mais não, hein! (Nelson, trabalhador Cortador
– de –cana)
45
A história da cidade é tecida a partir das narrativas dos trabalhadores que apontam
para uma memória que não se pretende una, mas produzida na co-relação de forças com
outros grupos que se constituem nela. Para compreender a presença desses trabalhadores
cortadores-de-cana em General Salgado, refletiu-se sobre as experiências vividas no campo e
na cidade, apreendendo como estes organizaram (e organizam) a luta pela sobrevivência no
cotidiano, as mudanças e permanências nos modos de viver e trabalhar.
As transformações na cidade e no campo, ocorridas no período de 1980 a 2008,
gravitaram em torno de relações políticas; econômicas e sociais, tanto para os modos culturais
de viver quanto trabalhar, quando muitos deixaram a vida no campo ou na cidade de origem e
vieram para a cidade de General Salgado para o trabalho no corte-de-cana.
80
Na história escrita e produzida sobre a cidade, pecuaristas, fazendeiros, empresários e
seus representantes políticos são colocados acima das tensões e escolhas que engendram o
espaço urbano, e as configurações atuais da cidade.
A Usina Generalco,
81
instituiu a empresa como elemento simbólico da cidade,
representando o progresso de uma pequena cidade que conseguiu se articular politicamente na
região e construir vias organizações empresariais seu projeto político local/regional -
desenvolvimentista.
Na busca de compreender a cidade de General Salgado como uma produção histórica,
permeada por relações de poder, de dominação; de resistência e de manifestações reveladas
nas heterogêneas e contraditórias expressões vividas pelos trabalhadores em seu cotidiano, o
desafio é refletir sobre essa cidade como o lugar onde “acumula-se uma grande soma de
experiências históricas” e compreender tais proposições inter-cruzando diálogos.
82
A história veiculada, no site atual da empresa Generalco, ressoa uma memória
hegemônica na cidade, reafirmando memórias de setores empresariais e políticos locais, ao
80
Cf. WILLIAMS, R. Campo e cidade: na história e na literatura. São Paulo: Cia das Letras, 1990. p. 387.
Segundo o autor, “O contraste entre campo e cidade é, de modo claro, uma das principais maneiras de
adquirirmos consciência, de uma parte central de nossa experiência e das crises de nossa sociedade. Isto, porém,
origem à tentação de reduzir a variedade histórica de formas de interpretação aos chamados símbolos e
arquétipos [...]. Muitas vezes tal redução acontece, quando constatamos que certas formas, imagens e idéias
importantes persistem durante períodos de grandes transformações. Mas se percebermos que a persistência
depende das formas, imagens e idéias em mudança [...] podemos ver também que a persistência indica alguma
necessidade permanente, que se reflete nas diferentes interpretações”, e compreender o campo e a cidade em
suas realidades históricas em transformações tanto em si próprias quanto em suas inter-relações.
81
Quando implantaram a Usina denominava-se Generalco e pertencia a um grupo de acionistas empresários da
cidade e fazendeiros da região. Atualmente a Usina foi comprada por um outro grupo empreendedor da área,
situado na região de Araçatuba: Grupo Aralco.
82
RONCAYOLO, Marcel. Cidade. Região. Enciclopédia Einaudi. Imprensa Nacional/Casa da Moeda; Lisboa,
vol. 08, 1986, p. 396-497.
46
trazer à tona os eventos e projetos deste grupo, imbricando na mensagem as relações
presente/passado na história e na memória da gênese da empresa. Segundo o site:
Na década de 1970 iniciou-se no país um movimento intitulado Proálcool, um trabalho
em busca de alternativas para o combustível tendo em vista a ameaça dos países
produtores de Petróleo acenando e impondo preços altos no produto. Nossa região
sentiu o problema e logo atinou-se com a possibilidade de produzir álcool hidratado com
base na cana de açúcar, tomou corpo e povoou a mente dos agropecuaristas que
procuravam alinhar seus interesses tendo em vista sua própria estrutura que se
identificava, pois possuíam terras férteis, portanto se prestavam para produzir cana-de-
açúcar. Por outro lado estava a agricultura e pecuária em situação não muito viável,
pois passavam por uma crise, falta de chuvas e mercado de trabalho que influenciam
decisivamente na população da cidade provocando o esvaziamento da população que
procuravam trabalho em outras cidades.
83
Os elementos escolhidos pela Usina Generalco, na composição de sua história,
estabelecem formas de integrar os trabalhadores à imagem necessária do desenvolvimento na
cidade e região. A empresa compõe e divulga narrativas que legitimam a presença de
determinados personagens da cidade, reconhecidos por trazer o desenvolvimento e o
progresso para e na cidade.
As construções dos sentidos e interpretações, por meio das diferentes linguagens,
inserem conotações de diversas forças hegemônicas, como agropecuaristas e políticos da
cidade que, por meio da imprensa local, foram produzindo histórias e memórias, buscando
“suas conexões com instituições dominantes e fazendo o jogo para obter consenso e construir
alianças nos processos de políticas formais”,
84
da Usina no município.
A história da empresa enuncia os feitos e as articulações das políticas
locais/empresariais frente a crise que o Brasil passava, entre as décadas de 1970 e 1980, e
seus esforços para obter novas fontes alternativas de petróleo.
Diversas reuniões foram feitas no sentido de fundar uma destilaria, pois pequenas
cidades da região haviam conseguido. O tempo corria e era 1980, ano em que os políticos
da cidade continuavam as buscas de lideranças para conseguir a fundação da destilaria.
O enredo histórico produzido pelo site da empresa faz com que se compreenda as
articulações e interesses de grupos hegemônicos da cidade, ao sugerir que:
83
Fonte: site da empresa: www.generalco.com.br. Acesso em 2 de setembro de 2007.
84
GRUPO MEMÓRIA POPULAR. “Memória popular: teoria, política, método”. Op. cit., 2004, p. 282-295. As
questões sugeridas por este texto auxiliaram-me a compreender como os processos de dominação operam no
campo histórico, enunciando as tensões e disputas no social.
47
As forças vivas de General Salgado a exemplo de Araçatuba sentiram o problema e
iniciaram através de reuniões e palestras avocar a movimento em prol de soluções
concernente as dificuldades que sentiam em face a suas próprias necessidades de
participarem em eventos de alta significância, pois envolviam os problemas de
sobrevivência Nacional. [...] O interesse despertou os ânimos de proprietários rurais e
do senhor Prefeito Municipal, que apresentado pelo vice prefeito senhor Anísio
Constantino procurou o senhor Orlindo Tedeschi em Araçatuba, que na época estava
compromissado na presidência da COBRAC cuja cooperativa foi obra da fundação. O
assunto mereceu sua especial atenção, que procurou no ano em curso (1980) deixar de
parrticipar na disputa de novas eleições e assim desligou-se da COBRAC para tentar a
fundação da Destilaria cujos interesses estavam ligado a sua propriedade. Foram feitos
alguns contatos com o Prefeito Norival Cabrera Rodero que também ingressasse na
campanha para a possível concretização da idéia de fundar a Destilaria. E assim foram
realizadas reuniões preparativas até formação de uma comissão constituída de seis
Agropecuaristas interessados no Evento, cujos nomes foram: Orlindo Tedeschi, Vicenzo
Ráo, Nelson Thomé Seraphim, Cristovão Modena Bueno, Leomar Sirotto e Norival
Cabrera Rodero. [...] Esta comissão pôs-se a campo para cumprir sua missão que fora
delineada pela Assembléia que a constituiu com autonomia para inscrever os
interessados em subscrever as cotas-partes e promover os estudos e elaborar os
Estatutos para a primeira Assembléia que constituiria a primeira Diretoria e
conseqüentemente a Fundação marcada para o dia 20 de setembro de 1980. O Evento
ocorreu na data aprasada e concretizou-se a idéia que fundou a DESTILARIA
GENERALCO, cuja primeira Diretoria foi eleita a Comissão que dirigiu os trabalhos de
constituição da Generalco. Subscreveram as cotas-partes no total de 2200, cujo
parâmetro foram 2200 alqueires de cana, distribuídos em cotas partes de conformidade
com a participação de cada acionista cujo número foi de 67 subscritores ao preço de
CR$ 1.000,00 (um mil cruzeiros) por alqueire, valor este que na época era atribuído por
alqueire na terra na região.
85
A imagem da destilaria assumiu, neste período, dimensões para além do município e
se revelou um problema nacional, tornando-se naquela época, uma preocupação política do
Governo Militar, cujo interesse era expandir as alternativas de energia no país. O Proálcool,
Programa Nacional do Álcool, emergiu numa tentativa do governo brasileiro de encontrar
uma solução para se desenvolver fontes alternativas de energia líquida. Este programa federal,
administrado pelo Ministério da Indústria e Comércio através da CENAL Comissão
Executiva Nacional do álcool tinha por objetivo o aumento da produção de safras
agroenergéticas e da capacidade industrial de transformação, visando a obtenção de álcool
para substituir o petróleo e seus derivados, em especial a gasolina
86
.
As matérias da imprensa local, na década de 1980 - veiculadas a partir do Jornal de
General Salgado, dão mostras de como esse grupo de empreendedores modificou a
85
Fonte: http://www.udop.com.br/associadas/generalco.php Acesso em 2 de setembro de 2007.
86
SOUSA, Maria da Conceição Sampaio de. A avaliação econômica de Programa Nacional do álcool
(Proalcool): uma analise de equilíbrio geral. IPEA Pesquisa de planejamento econômico, vol. 17, 2, agosto de
1987. Disponível em
http://ppe. Ipea.gov.br/index.phd/ppe/article/view:1002. Acesso em 8 de junho de 2007, p
404:405.
48
configuração da cidade. O grupo definiu papéis e construiu argumentos para que a inusitada
cidade de pequeno porte se firmavasse no cenário local com a implantação da Usina e, assim,
tornar-se potência regional no interior do Estado de São Paulo.
No dia 13 de julho de 1980, o Jornal de General Salgado estampou como manchete:
Reunião pró- usina aconteceu domingo último em General Salgado”. O texto elencou as
intervenções produzidas pelo grupo de empreendedores da cidade:
Um grupo bastante numeroso de grandes e médios proprietários rurais esteve reunido
domingo último na cantina do papai (ambientes certos para essas atividades sociais)
cujas finalidades foi traçar planos para a real implantação de uma Usina de Álcool no
município de General Salgado a exemplo do que vem acontecendo no município de Sud
Mennucci. Durante o conclave foram discutidos os passos normais pelo quais o projeto
terá de passar, afim de conseguir o financiamento para a construção da mesma, assim
como discutiu o montante de áreas a serem plantadas como canteiros iniciais para o
posterior replantio da cana. Juntamente com outros cotistas lideram o movimento os Srs:
Orlindo Tedeschi (Araçatuba) e proprietário do município, o prefeito municipal (interino)
Anisio Constantino, Dr. Nelson Thomé Seraphim, Leomar Siroto, Vicente Ráo e Milton
Cassiano, estes contam com o total apoio dos demais futuros cotistas da grande empresa
que sem dúvida nenhuma, se implantada ira mudar em muito a infra-estrutura econômica
de General Salgado, e significará mais uma grande vitória de gente salgadense
posicionando a cidade em um lugar de destaque no contexto sócio-econômico-politico da
região.
87
O proprietário dessa imprensa local era o prefeito da cidade, um dos empreendedores
que, em meados da década de 1980, tornou-se acionista majoritário da Usina. A força desse
veículo na cidade inventariou diferentes conjunturas e projetos. Na matéria do jornal, grandes
e médios proprietários rurais planejaram a implantação da Usina na cidade. A preocupação
desse grupo de empreendedores e agropecuaristas era de legitimar seus projetos empresariais.
Iniciou-se, através das formas de financiamento, a discussão sobre o montante de áreas a
serem plantadas em canteiros iniciais, posicionando a cidade em um lugar de destaque na
região.
Nota-se que este debate para implantação da empresa na cidade contou com uma
liderança e movimento que pretendia instituir diferentes projetos. Apontando-se para a
abrangência do campo de atuação e ação dessa elite local é possível visualizar, nessa matéria
do jornal, os feitos desse grupo. Ao delinear a força de suas intervenções, nas diferentes
esferas da vida social; política e cultural da cidade, o grupo enunciou que se a empresa fosse
implantada iria mudar em muito a infra-estrutura econômica de General Salgado, e
87
O Jornal de General Salgado: 13 de julho de 1980.
49
significando mais uma grande vitória de gente salgadense posicionando a cidade em um lugar
de destaque no contexto sócio-econômico-politico da região”.
88
A imprensa local, como força
social, atuou na produção de hegemonia e, a todo tempo, propôs diagnósticos; elencou temas;
disseminou suas idéias e valores, produziu referências homogêneas, cristalizando uma
memória social dos projetos desse grupo de empreendedores na cidade.
A matéria do jornal, cujo titulo era Assunto usina de álcool ganha corpo em General
Salgado”; veiculada em 1981, trouxe os debates formulados pelo grupo.
O encontro
Norival Cabrera abriu os trabalhos recordando, os movimentos anteriores relacionados a
idéia de implantação de uma usina de álcool carburante no município salgadense. <<
Aqui esteve em 1976 o Dr. Eliseo Gomes de Carvalho>>, recordou o prefeito <<porém o
assunto não ganhou adesão necessária. Depois tivemos alguns encontros em 1978 e no
ano passado também sem qualquer objetividade, obrigando eu prometer a mim mesmo
não mexer mais nesse assunto até que surgisse alguém que em reais qualidades para
liderar essa causa. E parece que enfim encontramos a pessoa certa na pessoa do
comendador Orlindo Tedeschi, o qual aqui esta e nos vai dizer sobre seu ponto de vista a
respeito>>. Conclui Norival Cabreira ao anunciar o ilustre pecuarista e empresário.
<< todos nós sabemos que é necessário uma enorme diversificação no meio produtor>>,
iniciou a conferência o comendador Tedeschi, << o município de General Salgado possui
áreas de cultivo de café, milho, algodão, arroz, desenvolvendo paralelo a isso a pecuária,
mas a cana de açúcar hoje, é o melhor negócio e acredito que General Salgado tem
amplas condições de ter a sua destilaria, atendendo o espírito patriótico e em atenção ao
apelo do Governo Federal >> finalizou o agropecuarista.
89
Os viveres e fazeres entre o campo e a cidade, antes pautados pela agricultura familiar
de subsistência (lavouras de arroz, feijão, café, milho), exauriram-se à medida que esses
agropecuaristas difundiram a implantação da cultura canavieira que, para eles, era essencial
naquele momento. Se, num primeiro enfoque, os impasses e as incertezas marcaram as
reuniões do grupo, num segundo, foram ganhando força e construindo novas alianças a partir
da entrada do agropecuarista Orlindo Tedeschi, o qual impulsionou a construção do projeto
empresarial na cidade. Frente às pressões e crises energéticas que o país enfrentava naquele
período, a elite local forjava suas expectativas, articulando-as ao momento de patriotismo e
nacionalismo da cidade, que deveria atender “ao apelo do Governo Federal” e aos projetos de
âmbito nacional.
A implantação da empresa na cidade teve sua exposição na primeira página do Jornal
em 15 de setembro de 1982. A circulação do Jornal, na cidade e região, sintetizou os
88
O Jornal de General Salgado: 13 de julho de 1980.
89
O Jornal de General Salgado: Assunto Usina de Álcool Ganha corpo em General Salgado, 12 de julho de
1981.
50
pressupostos formulados pelo grupo de empreendedores da cidade com a matéria Aos 45
anos o Grande Sonho torna-se realidade”.
A grande realidade para a população salgadense é sem duvida nenhuma a Grande
Destilaria Generalco S/A que segundo previsões de seus mais altos diretores entrará em
funcionamento no máximo no próximo ano. Assim, podemos comemorar o 45º aniversário
de General Salgado quando então o povo terá sua grande indústria. [...] a Destilaria
Generalco surgiu nos ideais sadios de uma plêiade de homens que desejaram ver a cidade
a frente das demais que avizinham.
90
Foi com esses ideais e projetos construídos pelo empresariado e políticos locais que a
cidade foi se constituindo no cenário regional frente a outras pequenas cidades circunvizinhas
da região.
Na cidade, as articulações deste grupo de agropecuaristas, empresários e políticos se
enunciam e ressoam instituindo uma memória hegemônica que se realimenta, (re)cria-se,
(re)faz-se no tempo. A cidade enaltece esse feito, elegendo os representantes políticos e
agropecuaristas da região; estabelecendo quais histórias e quais memórias devem ser
lembradas e contadas sobre os feitos deste grupo na cidade. Essa memória da empresa
também ressoou (a) entre os trabalhadores, representando perspectivas de futuro para muitos
deles que se estabeleceram(em) em busca de trabalho e melhores condições de vida. Atento à
reelaboração dessa memória, percebe-se que essas perspectivas de progresso enaltecidas por
essa elite local, a partir da Usina de Álcool, continuam exercendo influências sobre a cidade.
Em 2007, a Revista Exame publicou uma matéria denominada: O fenômeno do
interior paulista, mostrando a força da empresa, por meio de seu crescimento, faturamento e
expansão na cidade:
Nos últimos anos, em razão do crescente interesse pelo etanol, o setor de açúcar e álcool
despontou como um dos mais exuberantes da economia brasileira. Graças a esse
cenário, 55 empresas de açúcar e álcool figuram hoje no ranking das 500 maiores do
ANUARIO EXAME DE AGRONEGOCIO, é o setor com maior número de representantes
na publicação. Entre as empresas dessa área, a usina Generalco, em General Salgado,
no interior de São Paulo, chama a atenção pela velocidade de crescimento. Mesmo não
sendo uma das maiores do setor. Seu faturamento de 122 milhões de reais corresponde a
8% da receita obtida no mesmo período pela líder Cosan, a Generalco exibe indicadores
de causar inveja a qualquer uma das gigantes do açúcar e do álcool. Teve uma taxa de
rentabilidade do patrimônio de 54,6% a segunda empresa mais rentável entre as 500
maiores do anuário, atrás apenas da Cervejaria Miranda Correa, que alcançou 77%
nesse quesito), e sua receita cresceu 60% no ano passado em relação a 2005 (a segunda
melhor taxa do setor). Além disso, tem o quarto melhor índice de reposição da
90
O Jornal de General Salgado: 15 de setembro de 1982.
51
capacidade produtiva no setor, o que mostra seu fôlego para renovar a planta industrial.
A Generalco pertence ao grupo Aralco, fundado pela família Villela no final dos anos 70
em General Salgado. Até hoje o clã continua à frente das operações. Um dos pioneiros
na produção de álcool carburante no noroeste paulista, o grupo tem mais duas usinas no
estado -- uma em Santo Antônio de Aracanguá e outra em Araçatuba. Nenhuma delas,
porém, exibe a mesma performance da Generalco. "Desde que incorporamos a
Generalco ao grupo Aralco, em 1999, a empresa cresceu. A proximidade geográfica
entre as unidades do grupo, que é, em média, de 70 quilômetros, e a administração
centralizada permitem que tenhamos uma excelente otimização de recursos e integração
logística", afirma João Arantes, gerente-geral da usina. Na safra 2005-2006, ela moeu 1
milhão de toneladas de cana-de-açúcar e produziu mais de 80 milhões de litros de
álcool.
91
Essas narrativas evidenciam a preocupação em enfatizar marcos, com nomes de
famílias e de grupos que, em sua atuação, foram delimitando espaços, demarcando temas,
mobilizando opiniões, constituindo adesões e consensos ao situar a idéia de progresso na
cidade construída e instituída a partir da empresa Generalco.
Figura 1: Vista aérea da Usina Instalada nas proximidades da Cidade de General Salgado
Figura 2: A empresa, na Cidade de General Salgado, possui aproximadamente 2 mil
funcionários.(Site da empresa)
91
http://portalexame.abril.com.br/static/aberto/anuarioagronegocio/edicoes_0895/m0131035.html. acesso em 23
de janeiro 2008.
52
Figura 3: O Jornal de General Salgado, veiculado na cidade na década de 1980, sintetizou os
pressupostos de grupo hegemônicos na cidade, elencando temas, disseminando projetos,
idéias e valores.
53
Figura 4: O Jornal de General Salgado, 15 de setembro de 1982. Em suas páginas nota-se a
articulação entre a implantação da Usina, com o aniversário da cidade.
54
Figura 5: Propaganda utilizada pela empresa Generalco, veiculada pel’O Jornal de General
Salgado em 20 de novembro de 1988.
55
Os aspectos acima descriminados apontam para a abrangência do campo de ação da
imprensa e suas intervenções nos diferentes projetos e esferas da vida social da cidade de
General Salgado.
92
A edição especial d’O Jornal de General Salgado, na figura 4, trouxe em
sua capa a manchete sobre o lançamento do hino do município, concomitante a inauguração
da Usina Generalco. O caderno especial enfatizou a edição comemorativa e configurou suas
seções sobre esse evento em outras partes do jornal, como nota-se na figura 5. A matéria
enunciou as instalações da empresa e enalteceu os políticos locais, como o prefeito Norival
Cabrera.
A figura 5 elucida como O Jornal de General Salgado serviu como espaço
privilegiado de poder e mobilização da opinião pública. Essa imprensa local atuou sob normas
e condições determinadas pela correlação de forças políticas (públicas e empresariais) com as
quais interagiu de forma ativa, como mostra essa propaganda enunciada na agenda pública da
cidade de General Salgado. A propaganda combata a poluição use carro a álcool” mostra
uma caveira simbolizando o efeito do s carbono, principal poluidor das cidades. A interação
texto-imagem instituiu o uso do álcool combustível como uma fonte vantajosa e necessária
naquele momento. Segundo o anuncio: “O álcool é o combustível renovável e ecológico, que o
mundo inteiro está procurando. Sem chumbo venoso. Enxofre e fuligem ou substancias que
provocam câncer. No Brasil já existem mais de 3 milhões de carros a álcool rodando,
ajudando a despoluir o ar das cidades. A escolha dessa propaganda, produzida pelo Governo
Militar, deixa explícita as propostas de projetar e divulgar os posicionamentos do
empresariado local na cidade de General Salgado, na década de 1980.
Na busca de compreender a dinâmica vivida pelos trabalhadores que foram se
constituindo/instituindo na cidade em movimento, foi possível levantar algumas questões que
se tornaram incômodas quando deparadas com as problemáticas vividas pelos cortadores-de-
cana: Quem são estes trabalhadores? Quais motivos o levaram a se deslocar do campo para a
cidade? Como vivem o trabalho no campo e na cidade? Que visões possuem de suas vivências
e que significados são atribuídos por eles? O que significa e representa para estes
trabalhadores viver na cidade General Salgado neste momento de suas vidas?
Das narrativas, problematizadas como evidências de um complexo processo histórico,
emergiram perspectivas possíveis do viver, do morar e do trabalhar na cidade de General
92
CRUZ, Heloisa Faria e PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador: conversas sobre
história e imprensa. In: Projeto história, São Paulo, n. 35 dez, 2007. p. 253-270.
56
Salgado. Tal movimento pode ser evidenciado no trabalho da fala, que traz, em si, o esforço
do significado “ser trabalhador” entre o campo e a cidade.
Dentre estes trabalhadores, que vieram para a cidade no inicio da década de 1980, está
o Sr. Exupero Sabino de Oliveira, que se deslocou da cidade de Paramirim (Bahia) para as
plantações de café e algodão nas fazendas da região e, posteriormente, para a cidade de
General de Salgado. Segundo o trabalhador:
Eu já tinha passado da idade de aposentar, mas eu trabalhei. Quando veio meu
tutuzinho, eu tava no meio do corte-de-cana, cortando cana. Tive notícia no meio do
corte de cana que eu tinha que vim aqui em Salgado pra arrumar os papel. Seis anos
cortando cana. Quando abriu a Usina, já nos primeiro anos, chegava eu lá pra cortá
cana. Cortei muita cana. Agora, dentro da Usina mesmo, eu nunca trabalhei, era
cortando cana (...). A mulher também cortava cana junto comigo. [...] Cheguei aqui em
Salgado já pra cortar cana no primeiro ano.
93
Viver e trabalhar, no campo ou na cidade, constituiu-se um exercício de constante luta
por parte do trabalhador que almejava melhores condições de vida e trabalho. A cidade de
General Salgado surge, nesse contexto, como horizonte de possibilidades e perspectivas de
um futuro melhor para viver com sua família; trazendo, em sua bagagem, desejos, sonhos,
esperanças e expectativas criadas a partir do trabalho no corte-de-cana.
O Sr. Exupero reitera os direitos que foram conquistados por estar na cidade e
trabalhando no corte de cana. Quando veio a notícia de sua aposentadoria, ele estava morando
em General Salgado e trabalhando como cortador-de-cana na Usina Generalco. A conquista
desse direito foi narrada pelo Sr. Exupero com ritmo lento, talvez pretendesse mostrar a
importância da conquista. Com um tom de narrativa pausado, selecionou as memórias que
projetassem, de uma maneira melhor, a experiência do evento. O Sr. Exupero possuía 66 anos
quando trabalhava no corte de cana e, segundo ele, “já tinha passado a idade de aposentar e
continuava trabalhando”. Em meados da década 1980, quando a Usina começou a funcionar,
o trabalhador cortou cana na primeira safra. Foi uma conquista muito grande para ele e sua
família, pois conseguiu aposentar-se “aqui na cidade”, graças ao trabalho no corte-de-cana.
Ao trazer à tona, em suas memórias, dimensões dos modos de vida e do trabalho, o Sr.
Exupero atribui diferentes significados do viver na cidade, dessa forma é possível reconhecer,
93
Entrevista realizada com Sr. Exupero. General Salgado. 16/08/2006. Acervo do pesquisador.
57
naquilo que nos parece estranho, elementos de sua cultura, com profundo significados nos
seus modos diários de ser, de pensar e de fazer.
94
Questionado sobre como se deu a saída do campo para a cidade, o Sr. Exupero
explicitou algumas tensões e embates entre ele e o proprietário do sítio e as razões que o
motivaram a mudar:
Uai, porque o sítio rapaz, o sitio não é da gente, né?! O patrão mesmo nunca mandou eu
vim embora, saí por causa que eu era velho no sitio. Se ele mandasse eu vim embora,
ele tinha que comprar uma casa pra mim. Fui aguentando a mão na Barra Larga,
morando numa casinha de barro, de sapê. [...] Eu vim pra Salgado foi prá morar
mesmo, pra morá! Trabalhar, eu não quis trabalhar muito não. Trabalho eu sabia que
não ia acha mesmo. Eu vim morar numa casa de tijolo aqui. Esses anos tudo[campo] eu
nunca morei em casa de bloco de tijolo, nunca morei. Ganhava pouquinho, mas deu pra
mim possuir essa casa[cidade].
95
Ao dizer que o tio em que morava não era seu, o Sr. Exupero enuncia os fatores
decisivos que o levou a sair do campo. As relações de trabalho
96
que possuía com o patrão
eram de parceiro. A luta para se manter no campo foi travada com o patrão até o momento em
que não suportou as pressões. O trabalhador reivindicou o direito de possuir um pedaço de
terra para plantar ou uma casa para morar” na cidade, como direito dos anos trabalhados no
sitio.
O trabalhador enuncia sua luta em torno do direito de possuir uma casa na cidade
devido aos anos trabalhados nas terras do patrão. Resistiu até os últimos momentos quando,
em sua fala, deixa explicitado que o patrão não dava mais um pedaço de terra para plantar,
o patrão não “falava muito não”. No conjunto da narrativa de Exupero, fica evidente que o
patrão pressionou de várias formas o trabalhador a sair do sítio em que morava. As práticas
sociais, pela qual o trabalhador foi submetido, “punham a ambigüidade do conformismo ao
resistir e também a da resistência ao se conformar.”
97
O Sr. Exupero tem consciência das
poucas chances que teve no campo, mas “foi teimando” e “teimando” no sítio até conseguir
um lote na cidade e construir um “comodozinho” para morar em General Salgado.
94
KHOURY, Y. A. Narrativas Orais na Investigação da História Social. Projeto História - História e Oralidade,
n.22. São Paulo: EDUC, 2001, p.98
95
Entrevista realizada com Sr. Exupero. General Salgado. 16/08/2006. Acervo do pesquisador
96
Uma abordagem interessante sobre a legislação trabalhista rural os modos de vida de trabalhadores ias-
frias, se encontra na dissertação de Maria Andréa Angelotti Carmo. Trabalhadores Bóias-Frias: experiências
rurais e urbanas em Araguari/MG, 1980-2000. Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2001, em especial, p. 18-19.
97
CHAUÍ, Marilena Maria. Conformismo e Resistência. Aspectos da Cultura Popular no Brasil. São Paulo:
Brasiliense,1999, p.122.
58
O trabalhador depositou na cidade a expectativa de possuir uma casa própria, pois,
como o entrevistado enfatiza: “nunca morei em casa de bloco”, mas vim morar em casa de
tijolo aqui”. A reelaboração, que esse trabalhador faz das perdas e ausências em sua trajetória
de trabalho e de vida, acaba por traduzir a moradia como conforto, um direito, o primeiro
passo para se viver melhor. O Sr. Exupero relembra que no campo “morava numa casinha
de barro e de sapê”, a qual não lhe pertencia. A moradia na cidade significava a estabilidade
procurada.
Nota-se nos relatos do trabalhador que, quando ele buscou a cidade, almejou alcançar
um viver que lhe trouxesse melhores condições de vida e trabalho. À medida que carregava
em sua trajetória a vivência de diversas privações, lutas e embates no campo, não as queria
nessa nova etapa. O trabalhador deixa claro o lugar de pertencimento que a cidade significou
para ele. O encanto
98
e a busca para a construção de uma vida melhor, a partir do trabalho no
corte-de-cana na cidade, fizeram com que o trabalhador visualizasse a cidade e a Usina
Generalco como um padrão, uma oportunidade de melhorar de vida em relação àquela vivida
no campo.
É interessante perceber como as conotações da empresa na cidade atraíram
trabalhadores do campo e trabalhadores de outras regiões por meio de empreiteiras. Os da
região nordeste, em sua maioria, vieram através de parentes, amigos, trabalhadores de cidades
vizinhas etc. Nesse ponto, a Usina representou perspectivas de presente-futuro na luta por
melhores condições de vida e trabalho, para aqueles que foram se constituindo na cidade.
Esse foi um processo vivido por muitos trabalhadores rurais, conforme se verifica no
quadro
99
abaixo. É possível visualizar as transformações no campo e na cidade,
principalmente, entre as décadas de 1970 e 1980 com a implantação da Usina na cidade.
98
Cf. ALMEIDA, P. R. de. “Encantos e desencantos da cidade: trajetórias, cultura e memória de trabalhadores
pobres em Uberlândia, 1970-2000”. In: FENELON, Déa Ribeiro, et. al (orgs.). Muitas memórias, outras
histórias. São Paulo: Olhos d’água, 2004. p. 139. Neste trabalho o autor discute as trajetórias de vida de
trabalhadores na cidade de Uberlândia. Recompondo as trajetórias, as memórias, a imagem e as expectativas dos
trabalhadores sobre a cidade a partir das experiências e de suas vivências, o historiador problematiza como
reelaboraram suas visões sobre o morar na cidade até concluírem em um movimento de desencanto que também
lhes foi tirado o direito à cidade, optando pelo retorno a suas “origens”, isto é, em busca do direito ao campo.
99
Disponível em: www.cnm.or.br/demografia/mu_dem_pop_urbana.asp.
59
Fonte: IBGE. Censo demográfico (ano de referência 2000).
Entre as décadas de 1980 e 1990 é possível constatar que houve um aumento
acentuado da população na cidade, que passou de 4.568 habitantes para 9.572 habitantes.
Houve um decréscimo demográfico na população rural, a partir da década de 1980,
coincidindo com a implantação da Usina e, no mesmo período, foram vinculados vários
projetos municipais com objetivos de construir casas populares na cidade.
A mensagem proferida pelo prefeito Norival Cabrera Rodero, no projeto de lei
42/82
100
, procurou salientar que o projeto visava “à construção de casas populares nesta
cidade, para atender a crescente necessidade de casas, no caso popular”. A partir desse
projeto do executivo, encaminhado ao poder legislativo da cidade, é possível acompanharmos
o aumento populacional e a demanda por novas casas que foram construídas no município. A
construção de vários Conjuntos Habitacionais na cidade, no final da década de 1980, faz
constatar-se o aumento significativo dos trabalhadores do campo que vieram para o corte-de-
cana na cidade e, também, em outros postos de trabalho.
A entrevista realizada com os trabalhadores cortadores-de-cana, Nelson Manoel dos
Santos e sua esposa Marlene Nogueira Lopes, assumiu atitudes positivas no âmbito social e
efetivou suas falas nas relações sociais em torno do trabalho e da família. O casal oferece, por
meio das narrativas, um terreno rico para apreendermos os padrões sociais e as
transformações que viveram na cidade e no campo, em meados da década de 1980 e 1990. De
acordo com a entrevista:
100
PROJETO DE LEI . 42/82: “autoriza a Prefeitura Municipal assumir obrigações em contratos de
financiamentos para construção de unidades habitacionais populares no Município, perante o Banco Nacional de
Habitação, a Caixa Econômica Federal e/ou outros órgãos de financiadores autorizados a operar no sistema
Financeiro de Habitação, e a firmar convênios e termos que objetivem a execução das construções com a
companhia regional de Habitações e interesse Social CRHIS, órgão integrante dos sistemas financeiro da
Habitação, na qualidade de agente financeiro ao qual foi votado e aprovado constava e/ou agente promotor e/ou
agente para atividades complementares.” O projetado foi votado e virou Lei.
Demografia - População de General Salgado
1970
1980
1991 2000
População Rural 13.121
6.948
3.839 2.075
PopulaçãoUrbana
3.470
4.568
9.572 8.749
Total 16.591
11.516
13.411 10.824
60
Eber: sempre trabalhou aqui Nelson? Eu vim pra trabalhar por dia, ?! Fazer bico,
mas foi ficando ruim, foi acabando o café. Antes eu era lavrador, carpia algodão,
foram plantando cana. [...]Tem 17 anos, desde 91, sempre trabalhei na mesma Usina.
101
Marlene: É mais ou menos isso mesmo que eu vim pra cá. Quando a Camila nasceu, eu
morava aqui em Salgado, faz 18 anos que eu moro aqui em Salgado. Mas antes eu
morava no sitio. [...] que eu nunca cortei cana, na bituca tem oito anos, né?! Mas
eu sempre ajudei meu pai, sempre ajudei ele. No café, nós tocávamos roça, [...] os
fazendeiros foi acabando o café por causa da cana. Nós mesmos, nós morava numa
fazenda lá, e era assim umas seis, sete família, depois arrancou o café e foi plantando
cana, cana, cana [...] e como é do fazendeiro, então eles arrenda, né?! a Usina arrendou
aquelas terras, então nós veio embora procurar outra coisa pra fazer.
Eber: o que vocês vieram procurar pra fazer Marlene? Que nem nós mesmo, meu pai
tinha quatro menina mulher era difícil, porque era nois né?! Então se nós
trabalhássemos tinha dinheiro senão, não. Meu pai era meio doente também, mas ele
dava conta de trabalhar, com café, essas coisa ele dava conta, mas uma pessoa doente
aqui em Salgado? Salgado não, qualquer cidade pra pegar serviço é difícil. Ai eu fiquei
eu e a Silvana, ficamos como doméstica na cidade e a minha irmã a Vandinha foi direto
pra Aralco, mas eu não queria ir pra Aralco. Eu não porque eu tava grávida da Camila
eu não podia trabalhar, mas ai eu trabalhava de empregada. Sempre trabalhei, mas
prefiro roça hoje, do que doméstica. Aqui em salgado, eu prefiro, porque doméstica você
pensando bem, os horários de serviço é igual uma diária no sol, a diferença é a
sombra. Aqui na cidade, o salário é menos, e chegar tarde por chegar tarde, a gente opta
pelo serviço que ganha mais né?!
102
Nelson trabalha há, aproximadamente, dezessete anos na Usina Generalco como
cortador-de-cana, mas trabalhou nas lavouras de café e algodão na região, atribuindo o
saber-fazer em outras culturas e formas de trabalho. Segundo o entrevistado veio para a
cidade fazer bicos, trabalhar como diarista: “servente de pedreiro, capinar”, mas a plantação
da monocultura da cana foi expandindo-se na região e se consolidando na cidade como
principal atividade de trabalho.
No intento de mostrar sua potencialidade na história e na memória, Marlene, que
trabalha como bituqueira na roça (trabalhadoras que recolhem as bitucas, ou pedaços da cana
que, não recolhidos pelas garras da máquina, ficam para trás), busca ser reconhecida nesse
processo de trabalho ao salientar que “nunca cortei cana, mas sempre...” O “sempre” indica
o posicionamento da trabalhadora frente ao processo de transformação no campo e na cidade,
imbricado aos seus modos de morar, de trabalhar e de cuidar da família.
A trabalhadora vai tecendo, em suas narrativas, observações sobre os transtornos
vividos ao deslocar-se para a cidade na década 1990. Com seu pai doente e grávida da
101
Entrevista realizada com Nelson. General Salgado. 16/07/2008. Acervo do pesquisador.
102
Entrevista realizada com Marlene. General Salgado. 16/07/2008. Acervo do pesquisador.
61
primeira filha, trabalhou como doméstica no começo de sua vida na cidade. O trabalho duro e
pesado no campo e as dificuldades de manter a família contribuíram, e muito, para se
vislumbrar a cidade como aquela que poderia preencher as lacunas provocadas pela ausência
de outras oportunidades de trabalho. Marlene, que já teve ensejos de trabalhar como
doméstica na cidade, diz preferir o trabalho na roça, pois o salário é menor e chegar tarde
por chegar tarde”, a trabalhadora “opta pelo serviço que ganha mais”.
Ainda, segundo Marlene:
[...] Aqui não tem mais serviço, não tem serviço mais que o corte de cana, já não tem
outro serviço de roça, Eber: de roça, não tem ? não! a cana, cana, não tem um
café, não tem um algodão mais, cana. A única coisa que tirando a cana que tem é a
laranja, mas é pouco, é muito pouco, agora a cana, safra de cana aqui é em primeiro
lugar né. [...] Araçatuba, de Rio Preto pra cá, também já tem várias Usinas. Tem mais
uma ou duas que inaugurou esse ano, tem mais uma ou duas pra inaugurar, daqui uns
dois anos só vai ter cana. Então a opção de serviço sobre cana tem bastante.
103
Marlene vai pautando as constantes mudanças no curso de sua vida nos modos de
viver e trabalhar. É possível visualizar essas intersecções apontadas pela trabalhadora nas
transformações que o campo, a região e a cidade de General Salgado vêm sofrendo ao longo
dos anos com a invasão da cultura canavieira.
A expansão da monocultura da cana de açúcar e da produção do álcool, pelas
agroindústrias canavieiras na região, vem se consolidando desde a década de 1980. Se, em
outras regiões do Estado de São Paulo
104
, essa expansão é uma realidade, nesta região vem
tendo um crescimento vertiginoso nos últimos anos, dado o crescente interesse por essa
produção no mercado nacional e internacional, fazendo com que ocorram mudanças na
economia da região.
A queda na diversidade agrícola dos municípios amplia a vulnerabilidade econômica
dessas localidades. A pesquisa do geógrafo José Gilberto de Souza, professor da Faculdade de
Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), da Unesp de Jaboticabal, ganhou espaço no Jornal
Dário da Região ao dizer que: mais da metade dos municípios paulistas possui baixa
103
Entrevista realizada com Marlene. General Salgado. 16/07/2008. Acervo do pesquisador.
104
A Região de Ribeirão Preto possui uma expansão maior dentro desse complexo Agroindustrial. a região
Noroeste do Estado de São Paulo, vem sofrendo essas transformações recentemente com a implantação desse
complexos e da cultura da cana.
62
diversidade de produção agrícola”.
105
Segundo o pesquisador, “monoculturas como a da
cana deixam as cidades em seu entorno em posição de fragilidade diante de qualquer
mudança econômica e afetam a trajetória do seu crescimento”
106
. Esses problemas foram
apontados pelos pesquisadores Souza e Joelson de Carvalho no Jornal Diário da Região:
Onde prevalece a agricultura familiar e maior diversidade das culturas, como em Jales e
General Salgado, segundo o geógrafo possuem um risco menor de crises econômicas.
Souza adverte que, quando queda no preço do açúcar ou do álcool no exterior, o
desemprego tende a aumentar nos municípios. “Como o perfil da mão-de-obra nesse tipo
de produção é itinerante e sazonal, principalmente onde corte manual de cana, essa
cultura cria poucos empregos diretos e estáveis”, destaca. Para o economista Joelson de
Carvalho, professor da Unirp, além da maior diversidade regional, a agricultura familiar
consegue manter a população no campo, ao contrário do que ocorre na monocultura, ao
gerar mais empregos permanentes. “A expansão da cana tem como princípio a atual
política do agronegócio, baseado na monocultura, no latifúndio e mecanização”.
107
A pesquisa realizada por Souza, com base em dados levantados nos quarenta
Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDR) paulista, mostra a preocupação desses
pesquisadores com a expansão da monocultura canavieira na região. A diversificação de
culturas no noroeste do estado, nas cidades de Jales e General Salgado, podem modificar-se
nos próximos anos com o aumento do setor sucroalcooleiro.
Essas questões vêm sendo debatidas e assumidas por diferentes grupos e segmentos da
cidade e da região. Jornalistas, professores, empresários, Bispo, diretores de empresas,
lideranças de associações, sindicatos, prefeitos, e tantos outros grupos e setores da sociedade
na região, colocam em pauta perspectivas e problemas decorrentes da expansão da
agroindústria canavieira e da presença dos trabalhadores cortadores-de-cana nas cidades.
Alguns prefeitos da região começaram a se preocupar com o aumento desenfreado da
monocultura da cana e publicaram
uma carta denominada “Alerta às autoridades Paulistas! O
território das terras do sol pede socorro!”, colocando em pauta as questões que envolvem a
problemática da cultura da cana na região. Uma das tensões abordadas nesse projeto se refere
ao:
O forte apelo econômico, vem trazendo para a Região a avassaladora cultura da cana de
açúcar. Cultura que historicamente demonstrou o oposto da realidade regional, ou
seja, a concentração de terras, e agora também a concentração de rendas.
105
Jornal Diário da Região: Avanço da cana deixa a região vulnerável São Jodo Rio Preto, 21 de novembro
de 2007.
106
Idem, ibidem.
107
Idem, ibidem.
63
Procurada por oferecer condições climáticas favoráveis, a um maior rendimento da
cultura em termos de produção e também em termos de composição de sólidos solúveis
proporcionando um maior rendimento industrial, a região vem sendo invadida sem
piedade, sem consulta, sem estudo, sem análise de impactos a realidade regional.
Com a omissão do Poder Público Estadual, o número de Destilarias aumenta em todo o
Estado de São Paulo, sendo protagonistas dos noticiários de jornais e programas de
rádio e televisão, ora com matérias suspeitas elevando a atividade como excelente fonte
de geração de emprego e renda, ora por matérias que denunciam a degradação
ambiental: desmatamentos, poluição de leitos d’águas, lençol freático, e outros danos.
O arrendamento das áreas de cultivos de culturas tradicionais, para o plantio da cana de
açúcar, vem sem sombra de dúvidas iniciando novamente, um processo de concentração
de terras, pois quem arrenda as terras dificilmente terá condições financeiras e
psicológicas para retornar a atividade anterior depois do fim do contrato. Assim, a
tendência é de que os usineiros comprem essas áreas, por um preço, bem abaixo do
mercado, contrapondo ao que os noticiários informam, ou seja, de que a cana tem
trazido uma supervalorização das terras. Isso ocorre hoje, e é até de interesse dos
investidores, mas até um determinado momento; até que os interesses forem atingidos.
Além do que é relatado aqui, temos mais alguns agravantes: é fato que nos municípios
circundados pelas culturas canavieiras, as doenças respiratórias aumentaram nos
últimos anos; é fato de que as áreas de preservação ambiental também diminuíram; é
fato de que a geração de empregos nas áreas rurais também diminuiu com a forte
mecanização da cultura; é fato de que ocorreu uma migração interna de mão de obra dos
Estados do Nordeste do Brasil para trabalhar nas lavouras.
108
Apesar da predominância de pequenas propriedades (86% das propriedades rurais
possuem até 50 hectares), os micro-produtores, que vivem na região, são dependentes da
produção agrícola familiar voltada para pequenas plantações. Tal cenário, entretanto,
contrasta com o avanço desenfreado da cultura de cana-de-açúcar, que ameaça a estrutura
social da região. Esse descontrole acerca da expansão da monocultura canavieira ocasiona a
degradação ambiental: desmatamentos, poluição de leitos d’águas, queimadas. Na medida
em que isso ocorre se desperta a preocupação
109
em colocar na agenda pública da cidade e
região reivindicações de luta pelo meio-ambiente.
A transformação nas relações produtivas interfere nos modos de trabalhar de pequenos
agricultores da cidade e do campo. Ao sofrerem diretamente essas interposições, alguns
produtores estão deixando a agricultura familiar e migrando para a atividade do corte-de-cana.
O Sr. João Dias, 77 anos de idade, mora no Bairro Jardim das Flores. Em General
Salgado criou seus sete filhos e continua trabalhando como agricultor em terras arrendadas
nas mediações da cidade. Esta fotografia foi tirada na propriedade do Senhor João Dias, onde
108
Carta: Alerta as autoridades Paulistas! O território das terras do sol pede socorro! Projeto feito pela
prefeitura de Jales, porém a área total de atuação do Projeto Terras do Sol englobará quatro Regiões de
Governo, a saber: Fernandópolis, Jales, Andradina e General Salgado.
109
Há uma preocupação com as pequenas propriedades e com a agricultura familiar. Com essa expansão
desenfreada do etanol, alguns prefeitos temem que a monocultura domine a prática agrícola diversificada como
as plantações de uva, milho, feijão etc.
64
possui um barracão com todos seus instrumentos de trabalho, desde enxada à colhedeira de
milho. O local também é usado para guardar as sacas das plantações de milho, mamona e
outras culturas.
A foto abaixo ilustra João Dias em cima do seu trator. A máquina é usada na roça para
tombar, gradear a terra e colher as diversas plantações na redondeza do município. O
trabalhador cultivou há alguns anos a plantação de mamona. A dificuldade do pequeno
agricultor, enfrentada no seu cotidiano, fez com que o Sr. João Dias ingressasse no trabalho
como cortador-de-cana na Usina Generalco.
Figura 6: Na foto o Senhor João Dias, em seu local de trabalho. Acervo do autor
A perda que o trabalhador teve com a plantação de mamona fez com que buscasse
outro posto de trabalho. O Sr. João Dias foi trabalhar como cortador-de-cana para pagar a
dívida dos insumos que obteve na plantação da mamona.
65
Eu fiz uma roça de mamona, não deu pra pagá. Fui cortá cana. Tô com quase 77 ano, eu
fui cortá cana por causa que não vendi a mamona não tem como vender, você vê como
que é a situação!
110
Em seu galpão possui seis mil quilos de mamona, porém o preço que ofereceram por
ela não pagava o custo do plantio. Com a situação difícil e algumas dívidas para cessar, o
pequeno agricultor foi obrigado a trabalhar na safra do corte-de-cana. A idade avançada o
permitiu esse trabalho por muito tempo, segundo o trabalhador: é muito cansativo devido ao
sol quente.
Ao ser perguntado pelo motivo que o levou a plantar a mamona, o Sr. João Dias disse
que foi influenciado devido a uma reportagem que viu na televisão. Segundo ele:
Passava no repórter toda noite. O Lula falando, falando que é pra prantá mamona,
girassol e um tal de pinhão manso. É pra prantá é pra prantá bastante, porque que é pra
fazer pra r no diesel, fazer essas coisas ai. Ai eu fui prantá mamona. Eu tenho 6
tonelada de mamona, 6 mil quilo. Eber: e não vende? João Dias: Não! Eber: o preço tá
ruim? João Dias: Não tem preço não! O preço de 30 centavos eu não posso vender que
não paga nada, deu um prejuízo medonho. Eu tenho as coisas pra fazê aí, e eu não
fazendo nada. Tô tratando de trabaiá pra modo de se manter aqui.
111
O trabalhador projeta uma suposta imagem do Presidente Lula falando na televisão
que é para todos os trabalhadores plantarem mamona, girassol e pinhão manso. Sobre os
meios de comunicações e as relações nas culturas dos trabalhadores, Stuart Hall “insiste que o
essencial em uma definição de cultura popular são as relações que a colocam em uma tensão
contínua (de relacionamento, influência e antagonismo) com a cultura dominante”
112
·. A
imagem que o trabalhador projetou da suposta fala do Presidente, a partir do meio de
comunicação, visou justificar o problema enfrentado em seu cotidiano.
O governo e a iniciativa privada passaram a investir em pesquisas e projetos de
biodiesel produzidos a partir da biomassa (qualquer matéria de origem vegetal usada como
fonte de energia), sobretudo da soja, que atualmente é o único óleo que atende à demanda
industrial com milhões de hectares plantados nas regiões Sul e Centro-Oeste do país.
O óleo de soja tem um custo de produção mais competitivo, mas esbarra em um
componente social pouco atraente para um programa de caráter nacional: o alto índice de
mecanização das lavouras que limita a abertura de novos postos de trabalho. Devido a isso,
110
Entrevista realizada com o Sr. João Alvino Dias, 28/10/2006. Acervo do pesquisador
111
Entrevista realizada com o Sr. João Alvino Dias, 28/10/2006. Acervo do pesquisador.
112
HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do popular. In. Da diáspora: identidades e mediações culturais.
Belo Horizonte: UFMG/UNESCO, 2003. p 265.
66
em algumas regiões do país, principalmente no semi-árido nordestino, a mamona vem
ganhando espaço e abrindo novas perspectivas de renda para milhares de trabalhadores rurais,
com a vantagem de permitir o plantio consorciado com outras lavouras como feijão, arroz e
milho, por exemplo.
O projeto de produção de mamona para a fabricação de biodiesel é uma nova
alternativa para a produção de combustível. Há na cidade de General Salgado um projeto para
a futura instalação de uma usina de biodiesel. A fala do Sr. João Dias representa expectativa
para o pequeno produtor e tantos outros que veem a possibilidade de iniciar um novo projeto
de vida e trabalho.
113
A partir da agricultura familiar essa produção poderá servir de modelo
para o fortalecimento do biodiesel no Brasil.
114
O agricultor foi questionado sobre a possibilidade de arrendar terra na região para
plantar mamona. De acordo com o trabalhador:
Tem muita gente aí que indo comprá sítio, compra carro novo. O álcool tem valor e é
de gente grande, é dos grandes é seu fulano. Eu vamo se pôr, hoje se eu achasse uma
terra pra mim plantá uma cana eu ia! Mas como é que eu vou faze? Eu tenho esse
tratorzinho aqui ó,mas tem muitos que não tem nada. O dono da terra não vai arrendar
pra mim. Vamo se pôr, O Paschoal arrenda 500 alqueire de terra, 200 alqueire de terra,
o Vicente Ráo arrenda 200, 300 alqueire de terra para a Usina. O que aparecer a
Usina pega, então pra nóis não tem boca, nóis tamo vivendo aí assim ó no banho
maria.
115
Com dificuldades para sanar as dividas e na luta para organizar a sobrevivência, o Sr.
João Dias trabalhou algumas safras na Usina como cortador-de-cana, quando as dificuldades
para mantê-lo na lavoura vieram à tona. Ele ressalta que os agricultores que arrendam terras
para a Usina Generalco para o plantio de cana estão “comprando sítio, carro novo” e reitera
que o álcool tem valor e é de gente grande”. É possível compreender a expansão da
política do etanol na cidade a partir de alianças entre comerciantes do município, fazendeiros
da região e a própria Usina como um projeto hegemônico, que acaba expropriando e criando
dificuldades para os pequenos agricultores como o Sr João Dias, que não possui propriedade,
113
Há na região uma expectativa com relação à instalação de uma indústria de processamento do biodiesel, como
foi instalada na região central do Estado, na cidade de Lins.
114
O sucesso do projeto pode abrir novos rumos para o desenvolvimento socioeconômico da região, gerando
renda, trabalho e cidadania. Responsável pela retomada do Programa Nacional de Biodiesel, praticamente
abandonado pelo governo anterior, a ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, está otimista com o novo
modelo de parceria: “Queremos que o programa certo, para que possamos extrair petróleo verde das terras do
Nordeste”, disse a ministra. Cf. Plantio de mamona para biodiesel é opção para desenvolver semi-árido
nordestino. 27 / 03 / 2004. http://noticias.ambientebrasil.com.br/noticia/?id=14144. Acesso em 24/10/2009.
115
Entrevista realizada com o Sr. João Alvino Dias, 28/10/2006. Acervo do pesquisador
67
mas sempre arrendou alguns alqueires para o plantio de produtos agrícolas, como feijão,
milho e mamona.
Os trabalhadores que marcaram sua presença na cidade em meadas das décadas de
1980 e 1990, como Sr Exupero, Sr João Dias, Marlene e Nelson, fixaram-se na cidade
alguns anos e estes vivem juntos com a família. Por outro lado, o processo de deslocamento
de trabalhadores de diferentes estados e regiões do Brasil continua significativo na cidade.
O trabalhador Euberli Ferreira Lopes, 31 anos, está na cidade pela primeira vez, veio
recentemente no começo de 2008, juntamente com outros trabalhadores. Narrou sua trajetória
de vida até chegar à cidade de General Salgado para trabalhar no corte-de-cana. A partir
dessas experiências vividas por Euberli, ao longo de sua jornada, é possível delinear os
sentidos e significados do migrar
116
para o trabalhador.
Eber: você morou em São Paulo até quando?
Eu morei tem o que, uns dez anos, daí eu fui pra Bahia. Eu morava com meu pai e
minha mãe, nós fomos pra Bahia que meu pai e minha mãe eram da Bahia . Eber:
vocês foram pra onde lá? Nós fomos pra uma cidade chamada Iuiu na Bahia, eu ia
em São Paulo, nas casa dos parentes assim, mas pra morá mesmo eu nunca mais não fui
lá mas não, só nasci lá, me criei na Bahia na cidade de Iuiu.
Eber: e vocês trabalhavam em que lá? Na Bahia nós trabalhava mais na roça né, na
roça, tem lavoura de algodão, pro lado de Barreira, nós fomos capiná algodão lá,
mas é tempo curto negócio de um mês, dois mês. Meu pai mais era soldador em São
Paulo, mas na Bahia ele também mexia com negócio de fazer portão, essas portas de
enrolar, nós ajudava ele. [...] Mas ele faleceu, nós paramos de mexer com isso. Tem o
que, tem um ano, um ano e meio mais ou menos que ele morreu. Aí apareceu a
oportunidade de eu ir pro Mato Grosso né, a primeira vez foi em 2005, que eu fui cortar
cana, fui cortar cana no Mato Grosso em 2005. Foi na época que ele adoeceu que ele
tinha problema de diabete, precisou cortar a perna dele e nesse dia pra ele nunca
mais foi a mesma pessoa. trouxe aqui pra São Paulo, minha irmã, meu pai ficou uns
trinta e poucos dias, e ele morreu aí em São Paulo, aí levou o corpo dele pra Bahia.
Eber: você sempre morou na Bahia e em 2005 resolveu vir pro Mato Grosso?
Vim pro corte-de-cana no Mato Grosso, numa cidade chamada de Navirai, o nome da
cidade, uma cidadinha assim, acho que mais pequena que aqui Salgado, foi a primeira
vez. Pegamos o seguro, eu peguei o seguro, quando foi em 2006 eu vim pra Palmares
Paulista, que trabalhei três meses, fui pra Uberlândia, num lugar chamado
Passiguara, trabalhar na sementeira lá. Trabalhei uns quarenta e cinco dias lá na
116
Alguns intelectuais se preocupam em analisar o ato de migrar exclusivamente conforme o mercado de
trabalho, na complexidade da relação entre estrutura produtiva e ocupação demográfica. Suas interpretações,
baseadas em dados estatísticos, destacam as estruturas econômicas e as políticas governamentais para a
compreensão da dinâmica demográfica brasileira. Algumas abordagens sobre a temática “migração” reduzem a
experiência social dos trabalhadores. Ver: ANTICO, Cláudia. Por que migrar? In: PATARRA, Neide;
BAENINGER, Rosana et al. (Org.). Migração, condições de vida e dinâmica urbana. São Paulo 1980/1993.
Campinas-SP: Unicamp/IE, 1997. p. 97-113; MONTALI, Lilia. Família, trabalho e migração. In: _______.
Migração, condições de vida e dinâmica urbana. São Paulo 1980/1993. Campinas-SP: Unicamp/IE, 1997. p. 261-
318.
68
sementeira em Uberlândia, depois voltei pra Bahia de novo e da Bahia eu vim pra
aqui.
117
Euberli traz demandas do meio rural e urbano, apresentando valores, saberes,
conquistas e perdas nesse processo de deslocar em busca de trabalho. A vida na roça, na
lavoura, nas plantações de algodão, o trabalho com o pai fazendo portão na Bahia, as
primeiras experiências fora de casa, em 2005, no corte de cana no Mato Grosso do Sul,
expressam as relações sociais vividas pelo trabalhador em suas trajetórias de vida. O fato de
receber e viver com o seguro-desemprego em Palmares Paulista e, posteriormente, trabalhar
na braquiária na região de Uberlândia, configurou experiências significativas nos modos de
ser e de viver (do trabalho e pelo trabalho) para Euberli.
A vida de Euberli tem se caracterizado por peregrinações em diferentes lugares e
cidades do Brasil em busca de trabalho. A partir das relações sociais, expressas nos modos
culturais de viver na cidade e trabalhar no campo, Euberli evidencia, em suas lutas diárias,
uma forma singular de manutenção de sua vida como cortador de cana em General Salgado.
O trabalhador luta para garantir a manutenção da casa em que reside juntamente com
os amigos de trabalho na cidade. Ele narrou suas experiências, e da família no Estado de São
Paulo, ao compartilhar
118
interesses, memórias e experiências com outrem. Desenvolveu
valores em comum e sentimentos profundos de identificação com o lugar e com os moradores
da cidade de General Salgado, como trabalhador cortador-de-cana. A partir dessa questão
minuciosa, foi possível perceber elementos que foram incorporados/apropriados por estes
trabalhadores que se inscreveram na vida social da cidade, no momento em que buscaram
estruturar-se a partir de princípios de inclusão
119
no universo de direitos e na definição de
responsabilidades sociais.
117
Entrevista realizada com Euberli. General Salgado. 23/08/2008. Acervo do pesquisador.
118
ARANTES, Antonio Augusto. Paisagens paulistanas, transformação do espaço publico. Campinas:
Unicamp/São Paulo, Imesp, 2000, p. 132. As leituras e as reflexões sobre “sentimento de pertencimento” e
“diversidade” social na construção da cidadania foram fundamentais para compreender as problemáticas vividas
pelos trabalhadores em General Salgado. Pois, a cidade vai se constituindo num conjunto de práticas sociais e de
significados atribuídos por diferentes sujeitos no qual o direito a cidade esta a inserir referencias culturais não
reconhecidas oficialmente, mas que em dialogo com as “oficiais”, são construídas em torno das experiências
vividas por eles nos bairros, e outros espaços da cidade. Em funções desta reflexão é possível visualizar os
circuitos percorridos pelos trabalhadores cortadores-de-cana na cidade e o modo como criam expectativas e
mecanismos de sobrevivência no espaço em que vivem.
119
MORAIS, Sérgio Paulo. Empobrecimento e Inclusão social: vida urbana e pobreza na cidade de Uberlândia,
MG, 1980-2004. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007. Neste trabalho o
autor problematiza as discussões sobre a pobreza e as políticas de inclusão feitas por ordenações institucionais na
cidade de Uberlândia, e como os trabalhadores pobres na cidade de atribuem significados ao viver e trabalhar na
cidade.
69
Adão Francisco dos Santos, conhecido entre os amigos da roça e no bairro como
Chicão, narrou suas relações sociais vividas na Bahia, pronunciando suas experiências em
diferentes postos de trabalho e as passagens por vários lugares e cidades. Chicão elucidou os
motivos que o levaram a se deslocar por outras cidades até chegar à General Salgado.
Eber: e você é de qual lugar da Bahia? Sou de um lugar chamado Iuiu, sempre fui de lá.
Eber: Fale-me sobre o trabalho que você fazia lá? era Lavoura, carpia algodão o
que tivesse de serviço. chegava e falava quer trabalhar vamos, mas como é por dia,
então gente pegava empreita, nós trabalhava mais com negócio de empreita, empreitada
lá. [...] mas era o seguinte nós pegava o serviço, o gato pegava o serviço, ai nós já
pegava na mão do gato. Mas só que os gatos pega o serviço nas mãos de um empreiteiro
lá, que já pega na mão do fazendeiro, o gato já vai já pega na mão do gerente, e quem tá
no inferno somos nós e no fim não sobra nada, tudo na mão do empreiteiro. [...] A gente
vem aqui mesmo pra arrumar um dinheiro por causa do acerto, porque o dinheiro que a
gente ganha aquí mesmo, aquí fica, a gente vaí mesmo por causa do acerto se não fosse o
acerto, vinha e tínha que ficar mesmo [...] Fuí pro Mato Grosso, e a primeira vez que
eu fui naquele Mato Grosso dava vontade de chorar, eu pensava que não ía voltar na
Bahia mais nunca, falei já era Bahia ó, thau, Adeus mamãe, não eu mais nunca, lugar
feio, sofri demais a primeira vez. Um lugar chamado, esqueci, era um lugar danado
ficava no meio do mato, ficava na roça no meio do mato lá moço, Eber: O lugar era feio
por quê? É ficava no meio do mato o alojamento, não vinha na cidade não, tinha
um orelhão lá, pra ligar um dia de domingo, mais de 500 peão no do orelhão e como
é que ligava? Eber: você ficou quanto tempo nesse lugar? Dois meses, graças a Deus
fizeram uma greve e falaram some, some e falei graças a Deus. Eber: O que levou
vocês fazerem a greve lá? Por que ganhava pouco demais, a gente trabalhava até com
frio, de pra fui atrás de café em Minas, em Tupassiguara mexer com capim,
quatro anos, baqueara, de pra não parei mais não [...] pra Salgado trabalhei em
2002 e vim agora, o ano passado eu tava em São Francisco, perto de Fernandópolis.
Eber: Jales? Isso o ano passado trabalhei lá, fiquei lá oito meses e quinze dias.
120
Falando sobre o passado a lida na roça, nas lavouras de algodão e no trabalho com
empreitas na Bahia –, Chicão traz à tona o processo de exploração e de opressões que estes
trabalhadores vivem em seu cotidiano. Observa-se, na força do diálogo deste trabalhador, o
corpo de situações que enfrentou no trabalho com os “gatos”, as empreiteiras e os fazendeiros,
demonstrando que, no interior dos processos e mecanismos de dominação, a luta de classes
vai se forjando e ora os trabalhadores resistem, ora se submetem, ora negociam, mas ele tem
consciência dos processos e hierarquias a que estava submetido, pois, segundo o mesmo,
quem tá no inferno somos nós e no fim não sobra nada.
Chicão nos dimensão dos modos como os trabalhadores reestruturam, à sua
maneira, as relações vividas, contando com a família, os amigos e os laços de solidariedade
que o ajudaram a se mudar e a permanecer no lugar. Morando na cidade de General Salgado e
120
Entrevista realizada com Chicão. General Salgado. 21/08/2008. Acervo do pesquisador.
70
trabalhando na safra do corte-de-cana, ele enuncia que as mudanças foram em busca de
serviço, acompanhando outros colegas trabalhadores de sua terra natal por várias cidades e
estados do país.
Chicão chegou a pensar num certo momento de sua vida que “não ia voltar na Bahia
mais nunca.” Da Bahia para Minas Gerais, Mato Grosso e São Paulo, o trabalhador vai
enunciando sua trajetória e trazendo marcas que vão constituindo sua experiência e cultura,
como a participação numa greve, as dificuldades e sofrimentos que passou para sobreviver em
outras cidades e trabalhos nas lavouras de café e braquiária.
No interior da organização capitalista, a conduta voltada para a expansão dos negócios
e obtenção de lucros tem desestruturado” as relações de trabalho na medida em que o
capital investe em determinadas regiões principalmente as localizadas ao Sul do país –,
“mantendo” as outras como fornecedoras de força de trabalho disponível para a exploração
capitalista
121
.
O viver desses trabalhadores, Chicão e Euberli, nos espaços para onde se deslocam,
são sempre permeados de tensões, embates e exploração. Eles fazem leituras, ensaios de
resistências, mas se submetem, muitas vezes, porque precisam do trabalho para sobreviver.
Figura 7: Na foto o cortador-de-cana Chicão, em sua casa alugada na cidade de General.
Visualiza-se na sala, que possui algumas cadeiras, o fogão com as panelas. Acervo do autor.
121
PÓVOA NETO, Helion. A produção de um estigma: nordeste e nordestinos no Brasil. Travessia - Revista do
Migrante. São Paulo, CEM (Centro de Estudos Migratórios), ano VII, n. 19, p. 20-22, mai./ago. 1994.
71
A trajetória de itinerâncias em busca de melhores condições de trabalho levou Chicão,
a se deslocar por várias cidades do Brasil. Em General Salgado, onde vive atualmente com a
família, ele reafirma sua perspectiva e disposição de lutar por essas condições:
Eber: cada ano vocês vão para uma cidade? Tem que correr atrás pra caçar mióra. Nóis
trabalha aquí esse ano, se o ano que vem chegar uma pessoa e me falar: “Eu trabalhei
em tal usina e é melhor lá, onde vocês tavam”, eu já volto pra aquela Usina, correndo,
caçando mióra, pra arrumar jeito de sobreviver, por que senão, acorda cedo, a lagartixa
vai de baixo da canela da gente! Tá de brincadeira! (risadas).
122
O trabalhador fixou residência na cidade com sua esposa Zezé e o amigo Euberli e vê
na cidade região a possibilidade de continuar trabalhando no corte-de-cana e melhorar sua
remuneração. Com o processo de implantação de muitas Usinas na região, aumentou a
demanda por mão-de-obra e algumas empresas ofereceram melhores benefícios, contrataram e
buscaram trabalhadores em outras cidades, pagando um preço melhor pelo metro da cana etc.
As experiências de Chicão e sua família são constituídas na itinerância por passagens
em diferentes regiões, práticas de trabalho, de ganhos, de perdas, e acena para a necessidade
constante da reorganização da vida. Reorganização que tangencia importantes táticas dos
trabalhadores em suas labutas diárias pelo sustento. Questões em que, num processo maior,
evidenciam-se vestígios do cotidiano de homens e mulheres comuns/pobres que adquirem um
ofício em constante processo de deslocamento entre o campo e a cidade no permanente
redimensionamento na busca de trabalho.
Procurando melhorar de vida em seu cotidiano, os trabalhadores lutam e se organizam
na resolução de muitos problemas no dia-a-dia, tais como; sobrevivência, trabalho, saúde,
educação e outros. Caçar mióra” “correr atrás”, “arrumar jeito”, “sobreviver” são as
palavras que expressam os sentidos e significados que Chicão atribui as suas experiências de
deslocamento. Em busca de trabalho por diferentes cidades, ele tem como horizontes e sonhos
a perspectiva de um futuro melhor para se viver com a família.
O trabalhador Sido, que mora no bairro Jardim das Flores, enuncia a luta de como foi
constituindo-se na cidade e no trabalho do corte-de-cana. As memórias da terra natal, na
Bahia, são lembradas, apresentando a cidade de origem como lugar de dificuldades que o
trabalhador vivenciou com sua família. Em sua narrativa:
122
Entrevista realizada com Chicão. General Salgado. 21/08/2008. Acervo do pesquisador.
72
eu morava em Pindaí, na Bahia, depois as coisas foi ficando difícil, porque nóis
mexia com roça também, né?! era roça, plantava milho, feijão esses tipos de coisa
nós plantava na época. Trabalhar, trabalhava demais, e o mantimento na época a
gente quase não colhia por causa da chuva, porque chovia pouco, então o mantimento
não produzia bem, a gente fazia as roças na época, plantava as roças e ficava belezinha.
Gente falava: eita, agora vai dar muito mantimento mesmo e a gente vai rachá esse ano,
na época certinho que (nóis plantava em outubro quando é novembro, dezembro a
florada tava todo belezinha), aí vinha o sol quente e acabava com tudo, então a gente foi
desanimando, foi desanimando, desanimando foi na época que fez eu saí de e vim pra
pro corte-de-cana. [...] É difícil também olha, porque tínha que ir muito longe e
pegava aqueles feixes de lenha assim e colocava na costa, se tivesse pelos menos um
carro pra modo o cara falar não vou pegar água, vou pegar lenha e levar de carro, mas
nós levava na cabeça, nas costas e o sofrimento pra mulher lavar roupa também, viajava
cinco, seis quilômetros fazia aquelas trouxona de roupa assim e ia lavar. [...] até hora
que juntava roupa dois quatro dia, oito dia e juntava aquelas trouxa de roupa e levava
pra lavar, ficava na beira do rio lavando essas roupas era muito sofrimento demais.
[...] Energia elétrica na época não tínha, gente luminava com lampião, falava
lamparina né, aí eles luminava com aquilo lá, era um sofrimento demais moço, aí eu falei
eu vou, Deus vai me abençoar e eu vou sair daquí. [...] Eu vim pra pra ficar 60 dias,
mas olha quanto anos já tá ó, porque? Porque a maioria vem só faz a safra oito mês e
vai embora, eu não, eu vim, fiquei três meses mandei o dinheiro pra mulher vim, depois
aí em 96, quando foi em 98 eu voltei lá, daí pra cá nós não foi mais pra lá.
123
Sido explicita às relações sociais estabelecidas no processo de deslocamento entre os
Estados da Bahia, São Paulo, e as respectivas cidades Pindaí e General Salgado. É o processo
de deslocar-se que, compartilhado por outros trabalhadores num processo mais amplo, traduz-
se em dificuldades, desafios, expectativas e incertezas. As relações sociais vividas por Sido,
na terra natal, giravam em torno do clima do lugar. A falta de chuva, o sol de “rachá”, a falta
de energia elétrica, o ato de pegar lenha e água longe do local em que moravam, as
dificuldades da esposa para lavar roupa, configuravam-se como problemas que foram
desanimando o trabalhador e fizeram com que projetasse a busca de novas alternativas em seu
cotidiano.
Ao enfrentar os problemas na Bahia, o trabalhador coloca em evidencia as direções, os
caminhos, as projeções no âmbito familiar e enuncia como foi tomando as decisões de sair em
busca de trabalho, de voltar para buscar a família, de ficar na cidade de General Salgado e
entrar no corte-de-cana etc.
O trabalhador elabora e projeta imagens para o passado, imprimindo a vida que tem
hoje na cidade de General Salgado. A falta de tantos recursos na Bahia, na cidade de Pindaí, é
marcada e transposta por um momento de ruptura. Hoje, na cidade, o trabalhador se conta
123
Entrevista realizada com Sido. General Salgado. 14/07/2008. Acervo do pesquisador.
73
dos serviços públicos, como a importância da energia elétrica, e aspira a aquisição de um
carro: “se tivesse pelos menos um carro”.
Lidar com esses processos de visão vividos pelo trabalhador nos faz entender que a
luta em seu cotidiano perpassa por uma ampliação da noção de direitos na busca de objetivos
para viver e ter uma vida melhor no campo ou na cidade. Vida que é de persistência e de luta,
pois, quando muitos trabalhadores voltam para seus lugares e cidades de origem, Sidalino
reforça sua identificação com a cidade de General Salgado dando indícios das conquistas que
obteve com o trabalho no corte-de-cana.
Sido narrou como se deu a constituição e inserção dele e sua família na cidade. Falou
também, sobre as conquistas que obteve na cidade, a partir do trabalho, como cortador-de-
cana.
Eber: o Sido então as coisas que você conquistou então foi aqui? O que eu tenho hoje
eu conquistei aqui, porque de eu não trouxe nada, eu falo pra modos outros, eu
trouxe a mulher e os filhos, a mulher e os filhos, o que eu tenho aqui foi conquistado
aqui: a casa, o carro, o que eu tenho foi conquistado aqui, de lá eu não conquistei nada,
pra falar a verdade, nenhum rádio, nenhum rádio eu não trouxe de lá, tudo o que eu
tenho aqui foi conquistado.
124
A velocidade da fala de Sidalino é carregada de significados e sentidos que estão
presentes em cada palavra pronunciada. O trabalhador estava com uma caneta na mão e, a
cada pronuncia e pontuação, batia-a na mesa, demarcando com intensidade, ao falar, cada
item que conquistou na cidade. Os momentos difíceis, passados na terra natal, marcaram as
relações sociais que Sidalino viveu com a família. O olhar nostálgico que o trabalhador lança
para seu passado no campo acaba por suscitar as decepções e dificuldades vivenciadas. Ele
deixa claro que a escolha pela cidade foi uma tentativa de reestruturar sua vida e a da família.
A partir do momento em que se findaram suas expectativas em Pindaí, na Bahia, a cidade de
General Salgado se tornou parte do seu novo projeto de vida.
Por outro lado, o trabalhador reafirma em sua trajetória os ganhos que obteve na
cidade de General Salgado ao ressaltar que
Conquistei tudo aqui na cidade, tudo aqui nessa cidade, porque primeiro igual eu
contei, primeiro eu vim pra São Luiz. que em São Luiz eu não conquistei nada, eu
fiquei três anos, mas em São Luiz eu não conquistei nada, porque eu trabalhava.
A mulher não trabalhava porque tinha que cuidar das crianças, depois que nós mudou
124
Idem.
74
pra em 99, que nós mudou mesmo pra Salgado, porque eu vim da Bahia em 96, fiquei
em São Luiz uns três anos e 99 mudei pra cá, ela começou a trabalhar tanto aqui na
cidade como na Usina aí, a gente conquistou alguma coisa, foi o que ajudou mais,
trabalho em família.
125
Na busca do redimensionamento social da atividade, o trabalhador pontua neste
diálogo a força e o esforço no serviço do corte-de-cana da Usina Generalco. A produção de
argumentos de Sido buscou forjar sua inserção social na cidade como cortador-de-cana,
revelando suas experiências concretas ligadas à atividade e às aquisições. O trabalhador foi
constituindo-se na cidade, sua trajetória, no distrito de São Luiz da Japiúba, é marcada pelas
relações sociais em família. foi possível aumentar a renda da família quando sua esposa,
que antes cuidava da casa e dos filhos, começou a trabalhar como doméstica e,
posteriormente, como bituqueira na Usina.
Figura 8: Na foto, Sidalino, trabalhador cortador-de-cana em frente a sua casa no Bairro
Jardim das flores. Acervo do autor.
125
Idem.
75
Na fotografia acima o trabalhador Sido está em frente a sua casa. No momento em que
a foto foi registrada, Sido fez uma ressalva: não vai tirar foto de mim com roupa da cana
não, vou tomar um banho, colocar minha camisa ai você tira”. Essa atitude demonstra a
preocupação do trabalhador em revelar outros aspectos do seu cotidiano, como as vestimentas
e os bens conquistados na cidade.
Se num primeiro enfoque a cidade representou perspectiva de uma vida melhor pra se
viver e morar, as dificuldades no presente são apresentadas e sentidas de maneira mais intensa
pelos trabalhadores cortadores-de-cana. Dessa forma, se temos a cidade como terreno comum
de experiências,
126
nem por isso podemos dizer que as expectativas sejam as mesmas para os
que nela vivem ou para aqueles que a olharam, um dia, como solução de seus problemas.
Sido enuncia esses dilemas no seu cotidiano:
É na época que eu cheguei foi difícil, porque eu não tinha prática, mas que, pra mim
foi muito bom. Não tinha prática na época, mas só que agora eu já pratiquei, pra mim foi
bom demais, porque eu trabalhei e soube dar valor no meu serviço. Hoje eu tenho minhas
coisas porque eu dei valor no meu serviço. Porque hoje eu vou falar uma coisa, hoje na
época de hoje, não da mais pra fazer o que a gente fez cinco, seis anos atrás, por quê?
Porque a gente ganhava mais, hoje não ganha, hoje eu vou falar uma coisa pro cê, hoje
ganha mesmo pra nós comer, porque falar assim: “eu vou conquistar mesmo”,
uma pessoa sozinha trabalhando pra manter a casa e falar eu quero conquistar carro,
casa, é difícil, hoje fica difícil. Eber: mas porque Sido você acredita que as coisas tão
mais difíceis hoje? A coisa ficou difícil porque as Usinas não pagando bem igual
pagava de primeiro. Antes pagava melhor, a gente ganhava mais, hoje não. Ó 5 anos
atrás o mesmo dinheiro que eu ganho hoje, eu ganhava a cinco anos atrás e, pra você ver
a 5 anos atrás eu lembro um botijão de gás mesmo custava 10 reais e hoje tá 30 e poucos
reais, e, eu ganho salário que eu ganhava 5 seis anos atrás, eu to ganhando hoje. As
coisas aumentou e o salário da gente parou, entendeu? Então é por isso que eu falo que
hoje a gente não conquista. Hoje pra conquistar as coisas que eu, de vez em quando eu
converso com minha mulher aqui ó. Hoje pra nós conquistar que nós tem hoje, se nós
começasse hoje eu vou falar uma coisa pro cê, (não pra Deus! pra Deus tudo é fácil, mas
pra nós é difícil, na época de hoje eu sei que a pessoa tendo em Deus consegue as
coisa fácil, mas falar assim eu vou trabalhar no corte-de-cana hoje pra conquistar o que
eu conquistei, é difícil [...] no ano passado eu achei oitenta mil nessas duas casas; onde
eu vou ganhar oitenta mil hoje cortando cana? Hoje no corte de cana pra ganhar isso,
600, 700, 800 reais por mês, quantos anos não vai isso pra ganhar 80 mil? Quantos anos
não vai isso aí? Com uma casa dessa que vale 80 mil numa época dessa, então fica
difíci,l por isso que eu falo que hoje tá mais difícil.
127
126
ALMEIDA, P. R. de. “Encantos e desencantos da cidade: trajetórias, cultura e memória de trabalhadores
pobres em Uberlândia, 1970-2000”. In: FENELON, Déa Ribeiro, et. al (orgs.). Muitas memórias, outras
histórias. São Paulo: Olhos d’água, 2004. p. 139.
127
Entrevista realizada com Sido. General Salgado. 14/07/2008. Acervo do pesquisador.
76
A leitura desse processo revela a prática no trabalho e o saber-fazer adquirido por Sido
aos poucos. Para conseguir o carro, a casa e os bens que possui na cidade, o trabalhador
enfatiza que soube dar valor no serviço”, valorizando seu emprego como cortador-de-cana.
Se num determinado período de sua vida foi possível realizar o sonho com a prosperidade no
trabalho, as expectativas no presente vão esbarrando nas dificuldades e condições
depreciativas no próprio trabalho do corte de cana na Usina Generalco. Para Sido,
aumentaram os preços dos utensílios domésticos e o salário não acompanhou esse aumento.
Nas memórias do trabalhador se entrecruzam momentos de (re) afirmações e êxitos como
cortador-de-cana em General Salgado, pois tudo que conseguiu foi morando e trabalhando na
cidade. Dessa maneira, as circunstâncias apontadas no presente indicam e acentuam as
dificuldades vividas por Sido e sua família.
O destaque às diferenças sociais, regionais e, também, pessoais que marcaram as
experiências desses trabalhadores cortadores-de-cana, significou a compreensão da trajetória
pelo qual os trabalhadores do campo se constituíram em trabalhadores urbanos.
128
As
migrações apontam para o fato de o deslocamento social ser uma constante na experiência de
vida das populações pobres no Brasil, dada as condições de desigualdade e de exploração às
quais os trabalhadores do campo têm sido submetidos.
O trabalhador Jacildo Pessoa da Silva, 29 anos, natural de Buíque, Pernambuco,
também está na cidade para o período da safra no corte de cana. Morou no pequeno distrito de
Nova Palmira em alojamentos e chácaras arregimentadas pelos “gatos”, atualmente vive na
cidade, no Conjunto Habitacional Milton Renda (Cohab). Na casa alugada, Jacildo mora com
seus irmãos, parentes e amigos do trabalho.
O que chama a atenção na narrativa de Jacildo é a maneira que ele compõe suas
histórias e memórias traumáticas sofridas desde a infância e adolescência no trabalho. O
jovem trabalhador narra sobre sua vida e trabalho na cidade de Arco Verde em Pernambuco:
não era bom não, você quer que eu comece de onde? Do comecinho? Vichi, não é
muita coisa boa não, porque as coisas eram muito difíceis, chegamos lá numa fazenda
que a mulher era ruim demais, a mulher fazia uma comida, (pra falar o que, de
tudo?) Eita, bom a mulher, a patroa era muito ruim, botava a comida num prato
assim, e chutava com o pé, em Buique, Eber: mas isso você tinha quantos anos? Seu pai
trabalhava na fazenda? Eu tínha uns dez anos, quando nóís completava oitos anos ele
mandava nós pras fazendas, pra ter vaga pra fazer mais! Era mesmo, nóis fomo, na
128
FILHO, Aureliano JoFerreira. Os velhos Curtumeiros da cidade de Franca SP: trabalho e experiência
1940 – 1980. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007, p. 25.
77
fazenda lá, era sofrimento, uma seca, rapaz! Passava o dia todinho pra panhar uma lata
de água, mas essa mulher, essa mulher também morrendo aos poucos, os dela,
todo cheio de calombeira, assim, cada feridona. Mais tem que morrer aos pouquinho
mesmo, ruindade o que ela fez com a gente, a mulher era ruim moço, ela mesmo diz com
a boca dela mesmo, que é pra paga o que fez. [...] eu comecei a trabalhar lá, vender
picolé, o povo ficava me humilhando e falando rapaz tu vai morrer de fome, vendendo
picolé, isso não é serviço de homem não rapaz, isso é serviço de moleque, não quer fazer
nada, tu vai morrer de fome, tua mulher vai morrer de fome com isso aí, eu disse tá bom,
eu calado. Calado nada! Eu reclamava, que nada vende picolé ganha mais dinheiro
do que muitos que trabalha assim de servente! Isso por que o picolé é o derradeiro de
serviço! Eu vendia picolé e bala em Arco Verde, inclusive uns irmão na igreja me
arrumaram uma banquinha pra mim lá, mas quando eu começava a me equilibrar os
cabra vinha e roubava, toda vez, uns trombadinha me roubava, até que mataram o
chefe! eu parei também, eu pensei, to muito manjado, teve um dia que eu levei uma
caixa vendí tudo, pegaram e me roubaram, eu falei to muito manjado de ficar aqui
[...] vou fazer outra coisa, vou pro corte-de-cana.
129
A representatividade de Jacildo e suas memórias revelam o cotidiano de uma vida
muito sofrida no trabalho. Jacildo compõe suas experiências e vivências na cidade de origem,
(re)lembrando, em sua infância, as primeiras lidas com o trabalho na roça, situada na fazenda
da região de Buique e Arco Verde, no Estado do Pernambuco.
Associando e organizando o enredo no tempo e no espaço, Jacildo vai compondo os
problemas enfrentados por ele e sua família, tendo como centro da argumentação a imagem da
patroa “mulher ruim” , dos trombadinhas” que roubavam seu “picolé e balas..., até que
mataram o chefe”. Essas histórias de assalto, banditismo e de luta para sobreviver em
Pernambuco são contadas com as expressões do corpo, dos gestos e com o tom da voz
alternando, fazendo-se, refazendo, buscando explicar ao pesquisador e tornar público os
sentidos e significados de sua presença na cidade como trabalhador cortador-de-cana.
Para Jacildo, a cidade de General Salgado representou a busca de novas oportunidades
quando decidiu deslocar-se da cidade de Buique – Pernambuco –, para o trabalho no corte-de-
cana. Sobre sua vida na cidade, o trabalhador narrou:
Vou falar a verdade, resolví vim pra cá, porque aqui foi o melhor lugar de eu ter
oportunidade de conseguir as coisas Eber: o que você conseguiu aqui Jacildo? Eu
consegui uns trocados bom, que dava até pra mim comprar uma casa, comprar um
terreno, mas fui inventar de juntar mais, fui viajar pra juntar mais e ai, não juntei nada,
mas ainda tem uns troquinho lá[...] Então, eu cheguei, graças a Deus a primeira vez foi
bom, né, foi o melhor lugar que eu gostei. Eber: porque foi o melhor lugar? Ah, o
pessoal aqui sabe tratar as pessoas direito, primeiro dia que nós chegamos, um doutor
chegou assim e falou com nós todinho, nisso aí, vimos a diferença, se fosse lá?
129
Entrevista realizada com Jacildo. General Salgado. 22/07/2008. Acervo do pesquisador.
78
Doutor passava por cima da gente, passava por cima e fazia de conta que não era
ninguém. No posto aqui também, sabe atender a gente direito, carona o povo aqui
carona, a pessoa sem nem conhecer, nas lojas eles atende bem as pessoa, eu gostei
mesmo, primeiro lugar, em todo canto aí ó o povo é bom, mas aqui a gente tá em casa.
130
A vida na cidade vai se materializando a partir dos modos de morar, relacionar, de
comprar, de se divertir, dos usos dos serviços e dos espaços públicos. A cidade ganha
contornos especiais a partir dos laços e redes de sociabilidades vivenciadas por Jacildo.
O trabalhador, que freqüentava a igreja evangélica em sua terra natal no Pernambuco,
procurou, na cidade, a Igreja Evangélica Assembléia de Deus. Ele passou a freqüentar os
cultos de quinta-feira, sábado e domingo, criando laços afetivos com os membros, amigos de
vizinhança, e outros moradores da cidade. Questões que vão sendo traduzidas por
expectativas e acolhimento na cidade. Nesse aspecto, General Salgado surge como lugar de
direitos sociais que vão sendo conquistados e apropriados pelo trabalhador, como o
tratamento odontológico no posto de saúde, a carona como forma de solidariedade e a
recepção diferenciada de atendimento no comércio e no consultório médico. Essas
experiências vividas por Jacildo tiveram um poder incorporador para justificar como a cidade
lhe ofereceu oportunidades que foram enunciadas e compartilhadas também por outros
cortadores-de-cana que estão vivendo na cidade de General Salgado.
As experiências vividas na cidade enunciam uma forma de trabalho rural
contemporâneo em que os trabalhadores, na luta para sustentar a casa, deixam sua família na
terra natal e, por um período determinado pela Usina, deslocam-se para a cidade em busca de
trabalho afim de “ganhar a vida” e ter melhores condições para ajudar a família, comprar
uma casa, adquirir bens.
Esse trabalhador, que transitou por vários lugares e cidades do Brasil, não deve ficar
na cidade depois da safra, pois “tem vontade de juntar dinheiro pra comprar uma casa lá” na
cidade de Arco Verde, Pernambuco.
A vida entre a cidade e o campo faz com que cada trabalhador desenvolva
experiências diferenciadas em relação ao viver e morar, sempre buscando novas
oportunidades que nem sempre são encontradas. É interessante notar que, ao recompor as
experiências de vida na cidade, os trabalhadores selecionam, em suas memórias, diferentes
razões de suas vindas para General Salgado, formulando, assim, uma consciência da realidade
em que vivem e viviam.
130
Idem.
79
O Sr. Exupero, após ser atendido na Santa Casa, dá-se conta, hoje, dessa carência em
relação à saúde na zona rural onde vivia:
A primeira vez que passei pelo doutor aqui na Santa Casa aqui, ele falou pra mim que eu
tínha que usar sempre um comprimido, o remédio pra pressão, que eu tínha a pressão
muito alta, eu nem sabia que eu tínha isso, e que a pressão de vinte pra frente era muito
alta, mas pra mim eu nem sabia.
131
Ele morava e trabalhava nas fazendas da região, veio para a cidade na cada de 1980
para trabalhar na Usina como cortador-de-cana. Ter atendimento médico para si e para a
família é uma das vantagens da cidade. O Sr. Exupero, que nunca tinha passado por um
médico e medido sua pressão, imprimiu os significados que o fazer-se da cidade e o trabalho
na Usina como cortador-de-cana lhe proporcionou.
O trabalhador Nelson também relata as conquistas na cidade a partir de seu trabalho no
corte de cana:
Até hoje eu consegui a casinha da Cohab que você viu, ai consegui essa aqui,que você
viu né, ai consegui um lote, sai da casa da Cohab, [..]Comprei um lote que essa casa que
to morando aqui, não é pequeninha na;o é bem grandinha né, e dessa aqui comprei um
lote, e depois do lote comprei esse fiatinho véio ai, ai a luta é essa ai, tudo no trabalho,
mas agora no fim da história pra conseguir tudo isso ai não é fácil mas não hein!!
O trabalho no corte-de-cana esses anos todos representou a oportunidade de conquistar
uma casa, um lote, e um carro na cidade de General Salgado. Nelson morou muitos anos na
casa da Cohab e foi guardando o dinheiro do trabalho no corte de cana. Com a renda comprou
um terreno nas mediações do centro da cidade e foi construindo, aos poucos, a casa em que
mora hoje com sua esposa Marlene, os filhos e a neta. O trabalhador fala com orgulho sobre
suas conquistas na cidade e expressa que trabalho e conquista, é luta. Assinala, no entanto,
que está cada vez mais difícil conseguir “tudo isso” hoje pelo trabalho.
Para as mulheres, o trabalho no corte-de-cana, tem significado ajudar no orçamento
familiar e nas despesas da casa. Por outro lado, possuem outras tarefas como cuidar dos
filhos, da família, da casa e fazer o trabalho doméstico, atividades que se inserem dentro de
um modo de vida que gostam.
131
Entrevista realiza com Sr. Exupero. General Salgado. 16/08/2006. Acervo do pesquisador.
80
Maria José dos Santos, conhecida como Zezé, esposa de Chicão também trabalha no
corte-de-cana, além de cuidar dos filhos, do marido e do lar. A trajetória da trabalhadora é de
uma vida sofrida, de muitas lutas para obter melhores condições de vida para si e sua família.
Sua entrada na Usina significou ter carteira assinada, o que correspondia, para ela, ter maior
segurança:
Eber: você começou quando no corte-de-cana? Eu comecei em 95, foi a primeira vez
que eu trabalhei registrada assim, foi em 95, antes eu trabalhava era na roça, algodão
café, eu trabalhei em cana antes de 95, mas não era que nem agora registrado, gente não
tínha aquelas seguranças, aquelas coisas a gente não tinha. Eber: porque você deixou a
roça, e foi para o corte-de- cana Zezé, o que te levou a ir pro corte? Porque na época o
primeiro ano em 95, foi que eu comecei a trabalhar no corte de cana. Eu já tínha
separado do meu marido, eu tinha os três filhos e morava com meu pai e minha
mãe. foi uma época que a gente morava em Aparecida de Oeste. a gente saiu da
fazenda e veio morar na cidade né, foi uma época que tava muito difícil, assim, não tínha
serviço né?! E eu pensava, eu com três filhos dentro da casa do meu pai, meu pai meio de
idade já também, era eu que trabalhava, tínha a irmã caçula, mas ela quase não
trabalhava, ela era doente então só quem trabalhava era eu, [...] e logo meu irmão
resolveu sair de casa só ficou eu e meu pai aí. Antes eu arrumei um serviço de
empregada, mas eu não gostava, aliás, não gosto de trabalhar de empregada assim, na
casa do outro, eu gosto mais assim, acostumada com o serviço na roça. Fui criada na
roça praticamente, e na roça a gente era mais acostumada. Como eu tinha três filhos né,
e meu pai já trabalhava no corte-de-cana, meu pai conversou com o gato que ele
trabalhava e ele arrumou o serviço pra mim. Eber: você não gostava de trabalhar como
empregada doméstica? Não eu não gostava, por que a gente era costume de roça, e a
gente ganhava mais também, trabalhei, mas não me adaptei e era pouco que eu ganhava,
e com três filhos pra mim criar, era pouco pra ajudar dentro de casa, meu pai e tudo
pra mim era pouco, então eu peguei e sai e fui pro corte-de-cana.
132
Mesmo preferindo o “trabalho na roça”, Zezé enfrentou outras oportunidades de
trabalho para dar conta de criar seus filhos. As experiências na roça são elementos que
compõem e constituem o saber-fazer de Zezé enquanto trabalhadora. Os modos de viver e de
trabalhar no campo, nas lavouras de café, algodão fazem parte da cultura destes trabalhadores
cortadores-de-cana na cidade. Vida e trabalho vão se tornando elementos indissociáveis no
cotidiano da trabalhadora. De acordo com a trajetória de trabalho de Zezé:
[...] Eu trabalhei em 95, em 96 tinha terminado o corte- de-cana, eu fui pro Rio, eu
trabalhei cinco meses no Rio de Janeiro, de empregada também. Porque naquela época
minha irmã tinha ido, mas aí ela tava grávida ela tínha que voltar, peguei resolvi e fui
né?! Porque eu pensava nos meus filhos, eu falava preciso trabalhar porque eu tenho
132
Entrevista realizada com Zezé. General Salgado. 23/08/2008. Acervo do pesquisador
81
meus filhos pra tratar, pra cuidar, então eu tenho que trabalhar. eu peguei e fui pro
Rio, fique 5 meses, mas não me acostumei aí eu voltei de novo, e, quando eu voltei fui pro
corte-de-cana novamente e trabalhei em 95, em 96, 97 e 98 em Aparecida do Oeste,
no final de 98 eu vim pra cá, pra Salgado.
133
A trabalhadora salienta as dificuldades que passou com a família, o divórcio com o
primeiro marido, deixando-a com três filhos na casa do pai; e com uma irmã doente para
cuidar. Dessa maneira, Zezé vai compondo, em suas memórias, uma vida de luta e de tensões,
mas que, apesar das dificuldades, continuou em frente no trabalho como cortadora de cana.
Zezé, ao longo de suas experiências no trabalho, sempre preferiu as atividades no
campo, pois o ganho a mais no fim do mês, no corte-de-cana, ajudava mais no orçamento
familiar do que trabalhar na cidade como empregada doméstica. No centro do argumento de
Zezé estão os cuidados com os filhos e o conforto pretendido, é nessa proposição que o
trabalho no corte-de-cana representou a perspectiva de um futuro e uma vida melhor para a
trabalhadora e sua família.
Divide seu tempo entre o corte-de-cana e os cuidados do lar, mas também conta com a
ajuda, em casa, dos filhos e dos outros trabalhadores para certas tarefas:
É assim: eu faço a comida, limpo a casa, agora que nem a roupa deles, são eles que
lavam né?! que eu cozinho pra mim Chicão, Berli e esse rapazinho aí, agora a roupa
deles eles que lavam, agora a casa, a comida é a gente que faz.
134
Zezé continua, cuidando da casa e preparando tudo para levantar para o trabalho no
outro dia, enquanto os homens da casa, Chicão e Euberli, chegam do trabalho e vão descansar,
como diz Euberli: “a gente chega, vai prosear, fazer um servicinho na casa, ou sai um pouco
na casa de algum conhecido”.
133
Idem,
134
Idem. ibidem.
82
Figura 9: Zezé na varanda de sua casa, na cidade de General Salgado.A trabalhadora tinha
acabado de chegar do trabalho no corte-de-cana. Acevo do autor
A fotografia acima foi produzida após um dia inteiro de trabalho no corte-de-cana.
Zezé sempre se mostrou disposta a falar sobre a lida no canavial, os filhos, a família e a
perspectivas de futuro frente às mudanças que vem ocorrendo no setor canavieiro.
No diálogo coletivo com Euberli, Chicão e Zezé, a vida na cidade como cortadores-de-
cana vai sendo enunciada como uma realidade do capitalismo. É uma forma de trabalho
contemporâneo que se engendra e se constitui a partir dos processos de deslocamentos que
ocorrem em determinadas regiões, como em General Salgado. As propagandas sobre a
expansão da agroindústria canavieira nos meios de comunicação e outras forças hegemônicas
ressoam e representam perspectivas de trabalho para muitos que vieram para a cidade. Mas a
casa, a família, a terra, os móveis, enfim a vida destes trabalhadores está ligada às suas
vivências nas cidades onde nasceram e cresceram. Segundo o depoimento dos entrevistados
Eber: vocês conseguiram alguma coisa aqui Chicão, morando aqui ou lá? Chicão:
moço eu vou falar a verdade, o que eu tenho eu não sou de esconder. De quando eu
corto cana, em 2002 eu trabalhei aqui, eu comprei um barraquinho lá, comprei uma
casinha lá, o que eu tenho é isso. Eber: comprou uma casinha lá? em Iuiu,
83
trabalhei aqui em 2002, ganhei um dinheiro aqui e comprei, não vou mentir né?!
Falar que não comprei, trabalhei e ganhei aqui, não sou de esconder. foi ganhado
aqui esse dinheiro que comprei minha casa, eu arrumei minha mulher aqui, logo eu
fui embora pra Bahia ela foi mais eu pra lá e gente comprou a casa. [...] tem minha
irmã que cuida da casa lá, mas ta bom, já tem um lugar pra gente ficar, pra morar.
Eber: E aqui Zezé vocês não trazem nada de lá, moveis e outras coisas? Zezé: Não,
sei lá né, a gente só traz mesmo roupa é assim, panela, a gente traz que aí não precisa
da gente comprar, agora tem que comprar umas coisinhas que nem a televisão, a
gente comprou aqui, então lá na Bahia a gente tem, mas aqui a gente tava sem. Então
a gente comprou uma aqui. Então, alguma coisa gente sempre compra, pra gente
levar, tem muita gente que compra som, televisão, móveis, assim dependendo tem
muita gente que leva, (compre e leva), mas é um pouco difícil pra levar móveis, é meio
difícil pra levar pra lá, porque os ônibus que gente vai é apertado, e, vai chegando
final do ano e você sabe é muita gente que vem pra pro Estado de São Paulo,
então na hora de voltar é muita gente, então não tem como a gente levar muita coisa.
Eber: e você tem a casinha? Tem, a gente tem a nossa casa lá, minha cunhada
que toma conta lá, ela olha, ela vai lá e limpa a casa.
Eber: então vocês pretendem ganhar dinheiro e investir lá? Euberli: eu mesmo,
pelos menos eu não troco minha cidade por lugar nenhum no mundo, que eu gosto de
demais, eu mesmo não troco não, porque tem gente que sai da terra dele, chega
aqui e fica desfazendo da terra dele. [...] a terra natal da gente, a gente nunca pode
desprezar né?! Aonde gente mora, vive tudo. A cidade ta pegando quase 15 mil
habitante.
135
As experiências destes trabalhadores no lugar de origem na Bahia não se cumprem,
mas se anunciam. Para Chicão, os ganhos no trabalho com corte-de-cana foram empregados
na compra recente de uma casa na cidade de origem, Iuiu na Bahia. As falas de Euberli
expressam/configuram-se laços de pertencimento, tanto na cidade, como já apontou em suas
experiências e vivências entre ele e os moradores do local, como no lugar de origem, o que
implica no “direito reconhecido de desempenhar as atribuições próprias de uma determinada
posição, num sistema de relações sociais que permite e impede”,
136
ou seja: são os
trabalhadores que definem e situam seus projetos e escolhas no direito de ir e vir. Na luta para
(sobre) viver, circulam por diferentes cidades e regiões, buscando melhores condições de vida
e de trabalho.
137
135
Entrevista coletiva realizada com Chicão, Zezé e Euberli. General Salgado. 25/08/2008. Acervo do
pesquisador.
136
ARANTES, Antonio Augusto. Paisagens paulistanas, transformação do espaço público. Op.cit. p.133
137
Cf: NASSER, Sérgio Daniel. “Eu vou entrar no mundo”: Experiências de trabalhadores migrantes na região
de Ribeirão Preto. 1980 -2007. Dissertação (mestrado) Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-
graduação em História. 2008. O autor refletiu como grupos hegemônicos na região de Ribeirão Preto buscaram
frear o fluxo migratório para essa região, muitas vezes criminalizando os migrantes através da imprensa e até
excluindo-os dos serviços públicos culpabilizando-os pela saturação do mercado de trabalho e ineficácia dos
poderes públicos em atender a população.
84
Zezé indica o sentido de pertencimento à cultura de trabalhado ligado a vida na roça a
partir do momento em que não possui expectativas de adquirir bens e imóveis na cidade de
General Salgado. A permanência na cidade é entreposta e mediada por exigências e embates
que se dão entre ela e o marido Chicão. A narrativa de Zezé elucida esses embates ao dizer
que:
É que já me acostumei com a Bahia lá né, também eu me acostumei lá, já vai fazer 6 anos
que eu já fui pra então eu me acostumei. Pra mim em certo ponto assim, de serviço a
gente fica mais tranqüilo pra viver. Que nem a gente fala, essa semana eu não vou
trabalhar, então a gente não trabalha! não passa o aperto igual a gente passa aqui.
Porque aqui se gente ficar dois dias, três dias parado, complica. Aqui não pode, que a
gente paga aluguel, água e luz, é difícil.
Eber: Mas Chicão tava comentando que quando vocês chegam o ano que vem, as
vezes fala que não vem pra cá, mas ai todos os companheiros lá, arrumando as
coisas e ai? Zezé: é que nem esse ano mesmo, ele falou que não ia sair, ele falava pra
mim: “nega eu não vou pro corte-de-cana, eu vou parar com esse negócio de corte-de -
cana”. Eu falei assim: acho melhor mesmo pro cê, gente fica por aqui, pelo menos a
gente dentro de casa, não precisa saí da sua casa, ficar pagando aluguel, as coisas
são cara pra fora do que a gente paga aqui. Mas ele não guenta, quando ele vê, vai
chegando assim, o mês de março, abril, o pessoal começa a sair né, o pessoal começa
vim, e os amigos dele começa vim. Ai falei: ah! Chicão você não vai, você não vai!
Porque esse ano mesmo ele falou que não vinha, não vou sair, vou ficar aqui mesmo.
foi um primo dele e começou a chamar ele, vamo Chicão, vamos, vamos com a gente,
ele resolveu e veio. Às vezes eu brigo com ele, falo você não vai sair pra cortar cana, mas
chegando no final das contas, ele pega e sai e vai [...] eu falo mas onde você for eu
também, vou eu não fico de jeito nenhum, ele fala: não você não vai eu vou sozinho”,
falei: “não ficar aqui eu não fico, eu quero ir, eu vou junto também, ai ele veio na
primeira vez, depois eu venho. Na outra safra foi a mesma coisa, ele veio na frente
depois de 3 meses que eu vim. Eu não fico lá, eu já falo pra ele que eu não fico. As vezes
que ele foi pro Mato Grosso ai fiquei, porque levava homem mesmo, era
alojamento, era homem ele foi sozinho, eu fiquei, mas eu falo pra ele eu não fico
mas de jeito nenhum. Ele fica implicando comigo: é tem que descansar! descansar não,
eu não quero descansar, descansar eu espero chegar as férias que eu tenho e vou
descansar, mas enquanto eu tiver trabalhando eu vou trabalhando.
138
Zezé enunciou as dificuldades travadas no âmbito familiar para deixar sua casa, na
Bahia, e deslocarem-se para o corte-de-cana. As imagens sobre os processos de
deslocamentos dos trabalhadores são vistas por algumas tradições historiográficas como um
movimento desordenado, “irracional”, feito às pressas, e essa visão não corresponde à
experiência da maior parte dos trabalhadores cortadores-de-cana que estão na cidade. A
mudança decisiva para a vida dos envolvidos é, na maior parte das vezes, meticulosamente
pensada e preparada tanto no âmbito familiar quanto na comunidade ou individualmente.
138
Entrevista coletiva realizada com Chicão e Zezé. General Salgado. 25/08/2008. Acervo do pesquisador.
85
São nas pressões e limites
139
da vida cotidiana, que Zezé relata as tensões com seu
marido para migrar para o trabalho no corte-de-cana. Na experiência singular deste processo,
as experiências trazidas à tona no depoimento colhido da trabalhadora demonstram que se
uma "tendência geral", via explicação homogeneizadora, não se efetua nas relações sociais
vividas por essa e outras famílias inseridas neste processo. Pelo contrário, são experiências
sociais diferenciadas e múltiplas. Chicão foi para o Mato Grosso e deixou Zezé e as crianças
ficarem sós por determinado tempo na Bahia. Essa possibilidade já se esgotou para Zezé, pois
“agora eu acompanho ele sempre, vamos em família”. Essas questões vividas por esses
trabalhadores correspondem às lutas travadas todos os anos em família, pois, se colocam em
movimento, trilhando caminhos diversos esquadrinhados como peças num tabuleiro de xadrez
para a manutenção da casa e os projetos de vida.
Chicão enuncia com êxito as perspectivas de presente-passado e presente-futuro na
vida dos trabalhadores cortadores-de-cana na conformação da cidade.
Eber: e alguém de vocês pensa em ir embora? Pra Bahia? Demais, demais, sonha a
noite todinha voltando, tem minha família, parente tudo lá, a gente pensa mesmo em
voltá, nem que o ano que vem a gente volta pra cá trabalhar de novo.
140
As experiências destes trabalhadores, entre o campo e a cidade, vislumbram um
universo de disputas e táticas, de modos de viver, de trabalho e moradia. A partir das relações
sociais vividas, os trabalhadores atribuem diferentes significados às transformações no campo
e na cidade e se eles consideram, ou não, que fazem parte desses territórios. Desta forma,
estes trabalhadores vêem a cidade como uma construção itinerante que toma feições
diferentes a cada novo espaço ocupado, seja nas atividades que transformam ou incorporam,
seja sofrendo ações de seus moradores que, em contrapartida, respondem de forma desigual às
necessidades e ao usufruto de seus espaços. Desse modo, procuramos não apenas ver esses
trabalhadores cortadores-de-cana na cidade, mas entendê-los como parte constitutiva dela,
firmando presença e disputando lugares.
De posse dessas perspectivas, o viver e fazer-se, nas trajetórias de vida destes
trabalhadores cortadores-de-cana entre a cidade e o campo, abre-se como um espaço
privilegiado para a percepção da construção da experiência social na complexidade da cultura.
139
WILLIAMS, Raymond. op. cit. p. 27-49
140
Entrevista realizada com Chicão. General Salgado. 21/08/2008. Acervo do pesquisador.
86
Alguns vieram na década de 1980, como Sr Exupero e João Dias. Nelson e Marlene
sempre moraram na região, saíram do campo e se instalaram na cidade para o trabalho no
corte-de-cana e outros serviços. Sidalino, conhecido como Sido, estabeleceu-se na cidade em
meados década de 1990 com a família. Outros continuam vindo e marcando presença na
cidade como Chicão, Zezé, Euberli e Jacildo.
Recuperar as diferentes experiências destes cortadores-de-cana significa deixar claro
que não existe apenas uma história e uma memória destes trabalhadores na conformação da
cidade. Estamos lidando com sujeitos históricos que, a partir de suas próprias trajetórias,
estabelecem marcos diferenciados de memórias, e assim, imprimem outros significados,
trazem outras histórias, completamente distintas e, por vezes, até mesmo contrastantes em
relação àqueles estabelecidos por meio de campos de memórias hegemônicas no que se
refere ao trabalho no campo e na cidade na contemporaneidade.
____________________________________________CAPÍTULO II
POIS É MOÇO, CORTE DE CANA PRA AGUENTAR?
O CARA TEM QUE TER NATUREZA!
Desconstruindo imagens e construindo o trabalho
Pois é moço você pega peso o dia todinho
cortando cana, é do dia todinho trabalhando e
pegando peso, o dia todinho. [...] pra agüentar,
enfrentar esse serviço de cana, corte de cana pra
agüentar? não é pra todo mundo não, não
agüenta não, o cara tem que ter natureza!
Chicão: trabalhador cortador-de-cana)
Temos 1 milhão de trabalhadores na cultura da
cana. Do total da área, 60% é mecanizável, ou
seja, 600 mil trabalhadores sem qualificação,
analfabetos, perderão o emprego com a colheita
mecânica e irão agravar a favelização das
cidades”. A conclusão da socióloga é um
presságio assustador: “Podem começar a instalar
alarmes em casas e carros, contratar seguranças,
fazer seguro contra roubos e arrombamentos e
comprar coletes a prova de bala. Essa horda de
desempregados vai para o salve-se-quem-puder
contra qualquer pessoa que tiver algum bem ou
alguma comida.” (Jornal Diário da Região, 7 de
abril de 2002)
88
Compreender os modos de vida de homens e mulheres que se (re) conhecem como
cortadores-de-cana, no contexto produtivo da agroindústria canavieira, configura-se como
eixo norteador deste segundo capítulo. No intercâmbio entre o trabalho e a vida está a
construção da identidade dessa categoria, que se constituem como trabalhadores cortadores-
de-cana. Na estrutura do que eles consideram trabalho o corte da cana apresentam uma
organização interna como práticas, estratégias, saber-fazer/saber-cortar e gestos específicos no
desenvolvimento da atividade laborativa.
141
Ao reconhecer e respeitar estes trabalhadores a partir dos modos como se inscrevem
na vida social, buscou-se incorporar com legitimidade suas formas de comunicação e
expressão, compreendendo os sentidos e significados atribuídos em seus modos de viver e
trabalhar como cortadores-de-cana. Ao analisar as experiências destes trabalhadores,
procurou-se compreender seus modos de viver e de lutar, elementos próprios de suas culturas,
que são expressas pelas narrativas orais como constitutivas da realidade social vivida por
eles.
142
Ainda neste segundo capítulo, entrecruza-se o diálogo com as imagens que vem sendo
projetadas sobre os trabalhadores cortadores-de-cana na região. O BOING, Boletim
informativo da Generalco, buscou, ao longo da década de 1980, destacar a força da empresa
na cidade; trouxe matérias com os funcionários internos da empresa, tomou o moderno apenas
por seu símbolo externo (agroindustrialização e urbanização), evidenciando apenas o grupo de
empreendedores e representantes políticos da cidade. No Jornal Dário da Região, configuram-
se embates de todas ordens ao enunciar, na agenda pública, matérias relacionadas à presença
dos cortadores-de-cana nas cidades da região. Debates sobre a mecanização, projetos de leis,
pautas e reuniões sobre essa problemática vem tornando-se uma constante nos últimos anos.
Essas questões foram assumidas nas páginas d’O Jornal Diário da Região e tem conotações
para além da cidade de General Salgado, pois se vincula dentro de uma conjuntura mais
ampla: regional e nacional, alguns desses exemplos são as matérias destacadas/publicadas
pela Folha de São Paulo sobre os trabalhadores cortadores-de-cana.
141
FAES, Ivana Arquejada. Op.Cit. p. 9-12.
142
KHOURY, Yara Aun. O historiador, as fontes orais e a escrita da história. IN: Maciel, Laura Antunes.
Almeida, et.al. Outras Histórias: Memórias e Linguagens. São Paulo Olho D’agua, 2006. As abordagens
privilegiadas pela historiadora nesse texto, serviram como inspiração para compreendermos as culturas destes
trabalhadores cortadores-de-cana entre a cidade e o campo, em dimensões mais amplas do processo histórico,
que circunscreve no chão social, produzida nas relações sociais vividas.
89
Portanto, como compreender, adequadamente, elementos da cultura desses
trabalhadores cortadores-de-cana no contexto atual da expansão da agroindústria canavieira?
Quais perspectivas de presente-futuro estes trabalhadores possuem frente às mudanças
operadas no próprio trabalho? Como lidar com essas questões tentando analisar o que é
central na identificação desse grupo de homens e mulheres de diferentes procedências, que
compartilham elementos comuns como cortadores-de-cana?
Ao debruçar-se frente a esses processos e mecanismos impregnados de tensões,
contradições e ambigüidade, tentou-se percorrer os caminhos que eram árduos, mas que se
enunciavam como expectativas. Ao colocar essas questões, foi possível acompanhar
elementos constitutivos da cultura e da experiência social de homens e mulheres que lutam e
organizam seus viveres e fazeres no campo e na cidade.
A cidade passou por transformações
143
, como foi pontuado no primeiro capítulo, com
a implantação da Usina Generalco em 1982. Com a empresa em funcionamento nesse
período, a divulgação das relações de trabalho, as normatizações, e outras arregimentações
sobre o trabalho no corte-de-cana ganharam contornos nas páginas do boletim informativo da
Generalco (BOING). Na editoração deste boletim, a responsabilidade era do Departamento de
Assistência Social da empresa. O redator do boletim, João Carlos Lopes conhecido como
“Careca” –, foi funcionário interno da empresa desde sua implantação na cidade, e contou
com a ajuda do professor de Português Wanderley Pacheco na revisão dos textos. As matérias
também poderiam vir de colaboradores como a escrita por Miltinho, chefe do Departamento
de Contabilidade da empresa, que segue abaixo,:
Figura 10: Mensagem escrita
pelo funcionário da empresa.
143
As transformações e a (re) ordenação dos espaços na cidade foram se constituindo também com a presença
dos trabalhadores cortadores-de-cana, e, são problematizados no terceiro capítulo.
90
Nas páginas do boletim informativo da Generalco a exaltação do trabalho, a
propagação das normatizações e hierarquias patrão empregado foram estabelecidas na
agenda pública da empresa e na cidade. Fazia parte dessa nova tradição afirmar, de forma
ostensiva, que a cidade de General Salgado se firmava como uma potência no cenário
regional, com a Usina Generalco.
FIGURA 11: Capa do boletim informativo da Generalco. Nota-se o tema que elencavam
como projeto da empresa na cidade.
FIGURA 12: Boletim Informativo
da Generalco: Visita a Indústria
(Outubro, 1985).
FIGURA 13: logotipo da empresa que se institui
como potencia regional (Outubro, 1985).
91
É possível encontrar vestígios dos trabalhadores cortadores-de-cana nas ginas deste
boletim pelo grande número de visitantes às dependências da Destilaria Generalco, logo nos
primeiros anos de seu funcionamento. A empresa tornou-se um cartão de visita para os
moradores/trabalhadores da cidade e da região. Os ônibus rurais que na semana levavam os
trabalhadores cortadores-de-cana para o canavial, aos sábados, faziam o trajeto
cidade/indústria para a população conhecer a empresa e o processo de industrialização do
álcool. Porém, nas poucas publicações do boletim veiculadas na empresa e na cidade,
nenhuma matéria enuncia os trabalhadores cortadores-de-cana como integrantes da empresa
na cidade.
Os trabalhadores cortadores-de-cana não são reconhecidos como constituintes desse
processo produtivo, à medida que não aparecem e não são relacionados em nenhuma citação
desse impresso que circulava na cidade e na região. Nas edições veiculadas deste boletim,
apenas os funcionários internos, chefes, gerentes, gestores, e outros departamentos são
destacados e assumem as conotações da construção da memória da empresa na cidade. Ao
difundir seu progresso, é interessante notarmos como a Usina elencou temas construindo seu
projeto sobre o álcool, interpondo a relação passado-presente-futuro com o lema: ALCOOL, a
incerteza de ontem, realidade de hoje, solução de amanhã. Tema alardeado na cidade na
década de 1980.
Pelos elementos das falas, visando a uma aproximação com os trabalhadores
cortadores-de-cana, foi possível compreender, no primeiro capítulo, como foram se
estabelecendo e se constituindo na cidade em seus modos de viver, morar, e o fazer-se dos
trabalhadores e suas trajetórias entre o campo e a cidade.
Compreender as relações de trabalho, as práticas, o saber-fazer e as perspectivas de
presente e de futuro, são frutos dessas reflexões postas numa interlocução com estes
trabalhadores em General Salgado. As mudanças e ameaças que eles vêm enfrentando no
trabalho abrangem um universo amplo de tensões, contradições e elementos constitutivos da
cultura de homens e mulheres que vivem pelo trabalho no corte-de-cana.
O diálogo com Euberli representou uma oportunidade de avaliar como, na luta para
sobreviver, o trabalhador foi se forjando e aprendendo as práticas do trabalho no corte de
cana. Chicão participou da entrevista feita na varanda da casa dos trabalhadores,
compartilhando experiências e construindo enredos que entretecem referencias identitárias de
homens e mulheres que lidam com o corte de cana. Questionados sobre os motivos que os
92
levaram a trabalhar como cortadores-de-cana, os trabalhadores enunciaram como se deu a
inserção de ambos na atividade:
Euberli: É que muita gente ia né?! Falavam assim: “ah o corte de cana é bom” eu
falei, eu vou lá experimentar esse trêm, vou lá. Só que no primeiro dia, no começo só não
voltei embora porque não tinha dinheiro pra voltar, é que o primeiro dia é ruim pra
quem nunca cortou. É ruim, mais eu falava a muita gente ficava e tentava eu vou tentar
também.[...] foi em 2005 eu fui mais ele pro Mato Grosso cortar cana, foi eu, o Chicão,
nós fomo num monte, foi num quarenta não foi? Nunca tínha ido, foi a primeira vez que
fui mais ele, e ele tinha o que 4 ou 5 safra, mas eu fui enfrentar pela primeira vez..
Eber: e chegou lá? A cheguei o primeiro dia que eu fui trabalhar peguei 3 dias de
gancho, nunca tínha cortado.
Chicão: ele pegava a cana, carregava assim, cortava e colocava tudo num monte só,
pensando que pieira era num monte só, ele falava rapaz cortei um monte, mas deve
uns 10 metro, botava num monte (sic)! (risadas) fazia um monte só; ai eu falava:
“não é assim não moço,” então como é que é? Aí eu falava faz a distância de 1 metro, 2
metro, um monte aqui outro lá, aí ele foi fazendo.
Euberli: eu pensava que media era altura, eu fazia o serviço errado. Mas o fiscal
mandava voltar no monte. Era uma cana brava, tava no chão, tão caída que ela era
difícil de cortar. Mas eu fazia tudo errado, não sabia de nada, aí eu fui pegando, fiquei lá
foi 6 meses e 15 dia não foi?
144
A prática, o saber-fazer, o saber-cortar-cana não é uma tarefa fácil, mesmo para
aqueles que estão acostumados a trabalhar nas lavouras e possuem familiaridade com a lida na
roça/campo. A experiência vivida por Euberli, leva a refletir sobre a luta cotidiana de muitos
trabalhadores que vêem no trabalho uma saída para lutar por melhores condições de vida. Ao
valorizar as experiências sociais desse trabalhador no curso de suas trajetórias, atenta-se para
as necessidades, interesses, antagonismos, sentimentos, normas e obrigações que foram
realizadas na lida cotidiana no canavial. Enfrentar o corte-de-cana não foi uma simples tarefa
para Euberli. O trabalhador encontrou o apoio fundamental no companheiro de trabalho
Chicão, que tinha uma experiência de cinco safras no corte-de-cana e lhe indicava
posicionamentos, maneiras de pegar o facão, jeito de bater e formas de empilhar a cana,
requisitos fundamentais para Euberli melhorar sua prática e inserir-se na atividade. Nessas
horas, que a ajuda mútua e as reciprocidades entre os trabalhadores se configuram como
referencias identitárias do grupo, materializam-se redes de sociabilidades e se cria laços de
solidariedade que se inserem nos modos de vida destes trabalhadores em diferentes lugares,
cidades, espaços e trabalho.
144
Entrevista coletiva realizada com Chicão, Zezé e Euberli. General Salgado. 25/08/2008. Acervo do
pesquisador.
93
Na interlocução com o cortador-de-cana Chicão, o trabalhador explica mais
diretamente como foi dando-se sua vinculação com a atividade de ser cortador de cana e
morar na cidade de General Salgado no atual momento de sua vida:
Eber: vocês levantam que horas Chico pra trabalhar? Eu mesmo cinco e mei, tem hora
que não vontade nem de levantar, vontade de ficar deitado; [...] eu mesmo fui
tomar uma injeção ali pra se melhora a coluna, coluna esbagaçada, o pó, pra
agachar, meus Deus! Mas tem que ir mesmo, vai perder o dia? Você não pode perder
o dia, porque se você perder um dia você perde folga, você perde feriado, perde o
domingo perde tudo, eles descontam! Nesse intervalo que o cara perdeu um dia, o cara
perde mais de cem reais. [...] minha mulher levanta o que, quatro e vinte, quatro e
quarenta pra mexer na bóia, a comida nós que leva, ajeita as coisas, ai ônibus passa ai
no postinho quinze pras seis, [...] nós trabalha com Lazinho, nós pega o ônibus pra ir
[...] A turma nossa tem umas quarenta pessoa, nós chega depende o lugar, tem
lugar mais perto, tem lugar mais longe, que nem hoje nós chegou lá o que, umas sete
horas. Aí o pessoal solta, gente vai trabalhar, 11 para, 12 horas pega, a hora que o sol tá
mais frio (risadas) ora que o sol frio, para três e vinte. Eu era mais para parar as
doze e pegar as uma, porque nós pega o sol das meio dia quente, e agora em agosto
quem vai agüentar essa vida, chega o sol ta tremendo quem agüenta isso? Eber: ai
que horas termina? Aqui, eles tem um horário, dizem que é três e vinte, mas tem dia que
a gente trabalha até as quatro horas morrendo com o sol. Sábado a gente ficou até
quatro horas da tarde lá, tem que acabar, acabar e acabar, pra que isso? Podia deixar
assim: “ó gente quem manda é vocês”, pra que botar esse horário, esse horário tem que
cumprir, se é três e vinte, é três e vinte, e deixa a cana pra vamos embora, mas não
adianta nada. [...] moço, onde eu trabalhei o ano passado era melhor, era o seguinte se
você pegasse sete horas, oito horas tinha que parar dez minutos, quando era dez horas
parava meia hora, quando era uma hora parava de novo, quando era duas horas parava
mais dez minutos e quando era três horas a gente tava tudo no ônibus pra ir embora,
tinha de ir. Picava o cartão quero ver se o cara não vai até lá, você ganhava pouco e
ganhava muito, aqui gente tá ganhando pouco e trabalhando muito.
145
São cinco horas da manhã, os trabalhadores cortadores-de-cana estão de para
mais um dia no trabalho. Nas engrenagens desse processo produtivo, esses trabalhadores
arrumam a “bóia”, que haviam deixado pronta no dia anterior, conferem os equipamentos e
colocam as vestimentas especiais sobre o corpo. Para protegerem a pele e a cabeça contra o
sol ou chuva usam: camisas longas, calças compridas, panos amarrados e adornados com um
boné ou chapéu. A penumbra noturna ainda obscurece a visão quando saem de suas casas para
fazer o percurso até o ponto de ônibus. Dessa forma, esperam o transporte a fim de levá-los
até o campo para suas inserções na atividade, o corte-de-cana.
145
Idem.
94
Trabalho árduo, penoso, e difícil, são muitos os sinônimos que poderiam ser usados
parar explicitar as duras condições de trabalho aos quais os cortadores-de-cana são
submetidos nesse processo produtivo. Nessas trajetórias de lutas por direitos, os trabalhadores
chamam atenção para suas argumentações frente ao processo de exploração no corte-de-cana,
passando a reivindicar melhores condições de trabalho nos espaços dos canaviais. Mesmo
diante das inúmeras dificuldades no trabalho, Chicão tem consciência da organização do
trabalho na cidade e em outras Usinas da região. Ao narrar sobre sua inserção na atividade do
corte de cana no dia-a-dia, o trabalhador evidencia como foi configurando-se em diferentes
empresas da região. Ele o processo em que está inserido, questionando os horários dos
intervalos com ironia, indicando o que poderia ser suscitado pela empresa, apontando outros
lugares e experiências de trabalho, buscando firmar-se a todo o momento como cortador-de-
cana através da luta pela (re) organização em seu modo de trabalhar, de suas formas próprias
de viver e garantir a sobrevivência e sustento da família pelo trabalho no corte-de-cana.
As condições de trabalho dos cortadores-de-cana são expostas frequentemente na
mídia nacional (televisão e grande imprensa). Não são raras as denúncias que o Ministério
Público do Trabalho recebe sobre a situação de penúria a que muitos trabalhadores são
submetidos nos canaviais do Brasil afora.
146
A publicação no “Caderno Mais”, da Folha de São Paulo no dia 24 de agosto de 2008,
teve como titulo o submundo da cana”.
147
As reportagens ganharam várias páginas do
caderno especial de domingo e mostraram a precarização no corte da cana, representada por
uma grande intensificação no ritmo de trabalho e significativo aumento na ocorrência de
doenças relacionadas a tal atividade.
Os jornalistas Mario Magalhães e Joel Silva foram denominados como enviados
especiais ao interior de São Paulo para fazer as reportagens. Em uma das etapas de apuração
da reportagem, viajaram por 15 dias, percorrendo 3.810 quilômetros de carro, em diferentes
cidades do Estado, dentre elas Limeira, Guariba, Ribeirão Preto e outras. Vale ressaltar que,
na região noroeste do Estado de São Paulo, não efetuaram presença.
146
A cultura de cana-de-açúcar se destaca como um dos importantes setores da economia no Brasil. Ela é
responsável pelo maior valor de produção do Estado de São Paulo, segundo informações do Instituto de
Economia Agrícola do Estado de São Paulo (IEA). Sua importância econômica é ainda mais ressaltada quando
comparada com valor ao do segundo produto na escala de produtividade do estado, a carne bovina. Perfil dos
Cortadores de Cana da Região de Ribeirão Preto Qui, 26 de fevereiro de 2009 08:04. Leandro Amorim Rosa.
http://www.pastoraldomigrante.com.br/ acesso em 26/02/2009.
95
FIGURA 14: A foto-montagem, feita pela edição gráfica da Folha, estampou o perfil do
trabalhador cortador-de-cana que vive desse trabalho nas diferentes regiões e cidades do
Brasil.
Com o titulo interrogativo: Quem são os cortadores de cana”, a imagem-texto
elucida formas de vestir-se e de usar equipamentos que são utilizados pelos trabalhadores no
canavial. Na matéria, reportam em negrito que a maioria das famílias ganham até 2 salários
mínimos, que grande percentual de acidentes e mortes ocorre no setor sucroalcooleiro no
Brasil”.
148
O caráter hiperbólico e trágico da notícia constrói uma memória em torno das
situações de pobreza e miséria que esses trabalhadores vivem no corte de cana.
Ainda no Caderno Mais, da Folha de São Paulo, os autores trouxeram uma reportagem
com subtítulo Riqueza e Senzala”, comparando o trabalho no corte de cana atualmente, com
o período da escravidão.
DOS ENVIADOS AO INTERIOR DE SP
Quando os fiscais do Ministério do Trabalho e os procuradores do Ministério Público do
Trabalho partem para diligências nos canaviais, as chances de encontrarem
148
Jornal Folha de São Paulo. Caderno mais. 24 de agosto de 2008.
96
irregularidades equivalem às dos clientes dos serviços de "pesque-pague" disseminados
pelo interior paulista fisgarem tilápias sem dificuldades: nos lagos, há profusão de
cardumes; no campo, as condições de trabalho dos cortadores estão longe de cumprir
plenamente a lei. Mesmo sem os instrumentos legais de investigação à disposição dos
servidores públicos, os repórteres não passaram por lavoura onde não houvesse
infrações. Fiscais e procuradores se transformaram em uma espécie de caçadores de
escravos ao contrário - não para confiná-los, mas para livrá-los da desgraça. Em São
Paulo, é comum eles exigirem que empresas paguem a viagem de volta de migrantes
contratados em seus Estados para o corte de cana. [...] O procurador do Trabalho Luís
Henrique Rafael destacou em ação civil pública o que considera abismo entre os
componentes contemporâneos e arcaicos do negócio da cana e seus derivados: "A
tecnologia de ponta que se observa nas usinas contrasta com as "senzalas" nos
canaviais, explicitando bem o verdadeiro apartheid, fruto da inescrupulosa equação de
distribuição das rendas geradas pelo tal "petróleo verde'". [...] A Organização
Internacional do Trabalho mantém no Brasil o Projeto de Combate ao Trabalho Escravo.
O procurador Mário Antônio Gomes coordena "inquérito-mãe" sobre o que chama de
degradação do trabalho nos canaviais de São Paulo. Para ele, "o nível de educação mais
baixo [dos cortadores] facilita a exploração”.
149
A reportagem da Folha de São Paulo enuncia como os trabalhadores vêm sendo
submetidos ao processo de exploração em algumas Usinas no Estado de São Paulo. As
matérias revelam não somente a precarização das relações de trabalho, como, também,
apontam registros de superexploração, no que tange à situação vivida por alguns trabalhadores
no corte-de-cana.
Ainda na edição especial da Folha de São Paulo, outra matéria relacionada aos
trabalhadores cortadores-de-cana:
Crack, cachaça e maconha mascaram esforço e dor
DOS ENVIADOS AO INTERIOR DE SP
O primeiro fumava maconha na colheita da cana porque "ficava com o corpo mais leve.
Dava vontade de trabalhar". O segundo escondia cachaça em sua mochila. "Quanto mais
eu bebia, mais tinha energia. Eu me sentia forte." O terceiro "ia embora" com maconha
ou crack, subproduto barato da cocaína ainda mais destrutivo e capaz de criar
dependência. "Quando usava, ninguém me segurava. Cortei 21 toneladas em um dia."
O primeiro trocou a maconha pelo crack. "Na roça, vinha a sensação de ser perseguido,
eu ficava com medo, via revólver, dava vontade de atirar em mim mesmo. Não
trabalhava. Comecei a perder o serviço." O segundo foi do fermentado de cana-de-
açúcar para o crack. Se fumava a droga, misturada com fumo, faltava ao trabalho. "No
crack, o fim é o cemitério, uma cadeira de rodas ou a cadeia." O terceiro "ficava louco e
continuava trabalhando. Viajava no serviço. Gritava e zoava a cabeça dos meninos.
Cantava reggae". Seu plano para quando sair: cortar cana. Na largada, elas parecem
ajudar. Depois, debilitam.
150
149
Jornal Folha de São Paulo: dia 24 de agosto de 2008.
150
Idem;
97
A narrativa produzida pelo texto acima assinala um dos problemas encontrados nos
canaviais do interior de São Paulo. Não se conhecem estatísticas de consumo de drogas
ilícitas nos canaviais ou o índice específico de internação de cortadores. O fato novo é a
disseminação, no interior de São Paulo, de clínicas de recuperação para as quais estão sendo
encaminhados muitos cortadores-de-cana. Os depoimentos dos lavradores associam o
consumo de drogas à impressão inicial de superação dos limites físicos.
A composição das páginas do Jornal e a interação texto fotografia assume apelos e
conotações. A exposição a que os trabalhadores aparecem submetidos enfatiza apenas suas
faces de uma vida miserável,
151
sem escolhas, sem perspectivas de presente-futuro, interesses
e posições frente aos processos que estão inseridos no trabalho e na sociedade.
FIGURA 15: fotografia tirada por Joel Silva/Folha de São Paulo: Imagem Cortador de Cana
trabalha em canavial em Charqueada –SP.
FIGURA 16: Cortadores voltam cedo para casa e
ficam desocupados, à espera do trabalho. (Jornal
Diário da Região)
152
151
BARBOSA, Marta Emísia J. Entre a palavra e a imagem: o sertão da fome. In: Famintos do Ceará – imprensa
e fotografia entre o final do século XIX e o início do século XX. 2004. Tese (Doutorado)-Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004. p. 133-245.
152
Jornal Diário da Região: Emprego Insatisfeitos, cortadores deixam os canaviais São Jodo Rio Preto, 30 de
agosto de 2007. Procurei colocar o título ao lado da imagem da mesma forma que estava estampado no Jornal.
Percebe-se a construção da memória na imprensa sobre os trabalhadores.
98
As fotografias acima lembram as idéias sugeridas pelos títulos escritos ao lado das
imagens nos respectivos Jornais. As projeções dessas imagens organizam os temas abordados
segundo intenções, interesses de fotógrafos, de grupos e de empresas etc. A figura 16 enuncia
que os trabalhadores cortadores-de-cana na região ficam ociosos no período da tarde, após o
trabalho. Ao pensar a fotografia constituindo-se históricamente, tais imagens constroem novas
realidades, recortam, redefinem planos e modos de ver lugares e os trabalhadores.
Na contramão de uma memória única, Sido faz com que se reflita as relações sociais
vividas na atividade no corte-de-cana. Questionado se ele tinha ouvido falar que o trabalho
que exerce foi comparado ao período da escravidão no passado, enunciou a seguinte
proposição:
Gente eu igual eu falo, nós que acostumado com ele,[trabalho] não acha assim
muito como um escravo, mas tem gente que vem de fora e fala assim: esse serviço aqui é
serviço de escravo. Eber: Eles falam? Por quê? Porque eles vêm, e nunca fez, então é
sofrimento, é sofrimento pra nóis, mas como acabei de dizer, nóis tamo acostumado,
eles que não tão acostumado fala gente, até eles costuma eles fala que é serviço de
escravo, eu vejo essa palavra na roça, eu vejo no meio do povo. Acontece que a cana
igual, eu te falei, a cana hoje um preço, mas amanhã tá outro preço, todo dia tem um
preço diferente, então se hoje tem um preço mais barato, o pessoal fala: a gente
trabalhando aqui de graça. Por que ontem foi um preço e hoje é outro? Desse jeito nóis
virou escravo, referente aos escravos de primeiro. Então o povo fala muito isso aí, o
povo fala, porque é pesado, é um serviço que hoje é poucos que conseguem fazer. Bom
tem muita gente que faz, porque tem que trabalhar pra sobreviver, mas uma pessoa que
tem um alguma coisa ele não vai fazer aquele serviço lá, porque o serviço é ele só mesmo
pra quem, fazer mal do outro, quem é acostumado. Quem não é costumado chega até
ele acostuma ele fala que é serviço de escravo. Esses dias um pessoal fala assim eu
acabei de crê, eu muita gente falando assim; o escravo sofria muito eu acho que o
escravo de antigamente fazia pior do que nóis faz hoje, eles explica isso aí, a gente ouve
tudo isso aí. Fala que os escravos de primeiro: “é eu acho que eles trabalhavam muito
mais do que nós trabalha hoje”. Nóis acha que isso aqui é escravo! Mas imagina os
escravos mesmo, uma época atrás que como não era os serviços deles! Aí eles vê
passando sempre na televisão, passa os escravos trabalhando e apanhando naquílo
(sic) assim eles falam, e como acabei de te dizer sobre o preço de cana, as vezes hoje é
um preço, [...] porque hoje é um taião caído, a cana é caída, a cana é feia, tem tudo
isso aí. [...] eles pagam mais, mas se hoje ou amanhã a cana for em pé, tudo em
pezinho ai então o preço é mais barato, porque nós vamos cortar mais, é uma cana mais
fácil pra cortar, entendeu? Então é uma cana em pé ela vai render mais no corte e a cana
caída quase não rende. Então o dia que a pessoa trabalha o dia inteiro, mesmo na cana
que ele não consegue muita coisa, porque ele não consegue no dia ele não consegue sair
muito bem, por causa do preço que é mais fraco, eles fala assim a gente ta
trabalhando aqui de graça, tá igual os escravos, eles começa a falar mesmo!
Pelos argumentos de Sido, pode-se visualizar as disputas por lugares no trabalho entre
eles. Ao narrar em terceira pessoa, “nós”, o trabalhador acentua a diferença entre a leva de
cortadores-de-cana que vieram constituindo-se na cidade e fixando moradia com a família em
99
General Salgado em medos da década de 1990 e os que continuam vindo, mas que não fixam
residência na cidade. Estes trabalhadores, como Sido, estão acostumados com o trabalho no
corte-de-cana, posto que exercem a atividade várias safras. Para Sido são “os de fora,
os trabalhadores sazonais, que vão e voltam para a cidade de origem que não agüentam o
trabalho. Percebe-se que Sido, se reconhece como trabalhador da cidade, como “os do lugar”,
mesmo sendo um dos que vieram da Bahia, poucos anos atrás com a família. Para o
trabalhador são os de fora” que, encontram as dificuldades e as penúrias do trabalho, como
cana caída e preço baixo, remetendo à insatisfação no corte-de-cana.
Seguindo a narrativa de Sido:
É que nem eu falo ás vezes hoje um fica bravo, as vezes irritado por causa disso, mas
amanhã, mas amanhã, amanhã é outro dia, amanhã acontece que pega uma cana
melhor, um precinho melhor, então a pessoa trabalha ganhando um pouquinho a mais e
esquece daquilo de hoje, esquece daquilo que ele falou hoje. Ele ganhou um pouquinho a
mais, começa aquela alegria de novo, e ai vai tocando, vai tocando o barco pra frente é
desse jeito. Então esquece, às vezes ficou irritado hoje, porque às vezes o serviço era
pesado e ganhou pouquinho, mas talvez amanhã ganha um pouco a mais, então pra você
vê como o sujeito fica alegre. Fala ontem foi ruim, mas aquele dia de ontem deixa pra lá,
foi, vamo de hoje pra frente, esquece, passa e esquece. E aconteceu isso com
nóis, até com nóis, inclusive aconteceu até comigo mesmo, foi comigo que aconteceu, por
quê? Nóis trabalhou numa cana e nóis trabalhou o dia inteiro dia inteirinho na cana pra
tirar a diária, cana feia o preço foi barato demais, não caiu num dia bom, faze o que
né?!
153
O trabalhador reitera suas perspectivas de presente-futuro situando-se, internalizando
valores, e apontando caminhos vividos no e pelo trabalho do corte-de-cana. Nota-se que Sido
fala em nome do grupo de trabalhadores, desconstruindo imagens, memórias e colocando-os
como sujeitos históricos que interpretam e atribuem sentidos e significados as suas mais
complexas experiências de vida e de trabalho. Mesmo diante dos percalços e das dificuldades
encontradas no trabalho, a todo o momento, estão ressignificando e reelaborando projetos de
vida, pois possuem esperanças e perspectiva de um futuro melhor: “amanhã é outro dia”. A
luta pela sobrevivência segue na vida de homens e mulheres que enfrentam o trabalho no
corte-de-cana na cidade de General Salgado e outras cidades e regiões do Brasil.
No campo, o espaço de trabalho dos cortadores de cana é o canavial. Um canavial é
dividido em talhões e cada talhão é composto por várias linhas de canas plantadas paralelas.
Talhão é, portanto, a designação dada a uma área cultivada; não tem uma medida específica,
153
Entrevista realizada com Jacildo. General Salgado. 22/07/2008. Acervo do pesquisador.
100
tanto pode medir 2 como 20 hectares. O espaçamento entre as linhas, formando as ruas, varia
conforme a topografia, a área, o tipo de solo, a variedade de cana etc, mas, em geral, mantém-
se uniforme em cada talhão. Estas linhas são agrupadas formando os eitos. Em geral, os eitos
são compostos por 5 linhas de cana, mas podem existir eitos de 6, 7 ou 8 ruas. A extensão de
cada eito também varia. Os talhões são cercados por ruas mais largas, os carreadores, onde
circulam os tratores e caminhões que transportam a cana cortada para a usina. Acero é a divisa
entre o talhão e a estrada principal.
FIGURA 17: Layout do canavial: desenho representando o espaço onde os trabalhadores
cortam a cana.
Talhão, eito, carreador, leira, cana caída, cana rolo, metrão e metrinho, pirulito... Não
adianta recorrer ao dicionário para entender o significado destes termos que, no entanto, são
tão familiares aos cortadores-de-cana. São palavras cujo sentido é bem particular, mas que
possui sua especificidade em cada região ligada à atividade do corte-de-cana no Brasil.
Interessante que, com as idas e vindas dos trabalhadores de lugares diferentes e passagens por
várias regiões, torna-se corriqueiro apropriar-se de um termo daqui, outro termo dali”.
Novas formas e apropriações são elaboradas e (re) elaboradas, inserindo-as na dinâmica desse
processo do trabalho no corte-de-cana.
154
154
FERREIRA, Leda Leal, (Et al). Análise coletiva do trabalho dos cortadores de cana da região de Araraquara,
São Paulo / Leda Leal Ferreira – 2. ed. – São Paulo : FUNDACENTRO, 2008. p. 33.
101
O trabalhador Euberli enuncia as práticas, ou seja, o conhecimento que os
trabalhadores vão adquirindo dentro desse sistema de trabalho. Ele fala sobre os diferentes
tipos de cana e os modos de saber-cortar para o aumento da produção no final do dia.
Tem que ter, as práticas e as manhas , têm que ter, porque a cana também muitos
falam que a cana não é de esforço, a cana o cara tem que ter força, pra corta ela, se não
tiver força não vai não, e tem que ter a experiência também da cana né, porque cana se
você pega um mote de cana você não pode dar mais de três podãozada nela, tem que ser
duas, de uma ou duas. Senão pode dar três, quatro no mote de cana, se começar errar
golpe, às vezes, se for um parceiro ele tá perto de mim, se eu errar golpe e ele acertar um
dois golpe e eu errar ele vai embora e eu fico pra trás porque na cana é isso, se um
passar na frente o outro não acompanha mais não, é difícil acompanhar [...] O melhor
mesmo pra cortar é quando é canal, que é a cana em pé, quando tá deitado tem vez que
nós vamo até três hora, agora quando é em pé tem vez que onze hora, meio dia, uma hora
o máximo nos tamo aqui. Agora quando é cana caída tem vez que é o dia todinho.
Eber: eles pagam um pouco a mais? Quando é cana-caida? É pouco né, da diferença
pra cana em pé, aqui é pouco.
155
As práticas e as manhas se enunciam como experiências do saber-fazer nas operações
básicas de cortar e amontoar a cana, exigindo constante adaptação dos cortadores às
modificações das situações de trabalho que lhe o apresentadas: variações na cana, nos tipos
de talhão e a exigência da força física. Para a seleção dos trabalhadores no sistema de corte
manual, priorizam-se os critérios de habilidade, destreza, força e resistência física, pois são
critérios imprescindíveis para assegurar o aumento da produtividade nesse sistema de corte
que supõe a intensificação do ritmo de trabalho.
No sistema de corte manual o houve substituição do instrumento de trabalho, o
facão continua sendo o principal aparato dos trabalhadores. As inovações se limitam a
melhorias na lâmina e no cabo. Para os trabalhadores as práticas, a força física e outras
exigências são reconhecidas como aptidão ao trabalho. São homens e mulheres que se
reconhecem pela força e pela luta constante que o trabalho exige na labuta diária.
O cortador de cana Sido explicita como ele se inseriu na atividade, e traz à tona
comparações com os outros trabalhadores cortadores-de-cana que estão na cidade:
Porque o corte de cana não é tanto o fôlego, mas o cara tem que ter prática, o corte de
cana a pessoa tem que bater bem firme, você não pode às vezes, eu falo assim: eu vou
apavorar aqui! Bater muito rápido aqui que eu vou render meu serviço, isso é bobagem.
Se eu tentar correr é bobagem, porque ele corre aqui, alí na frente ele cansa, eu vou
devagarzinho eu passo ele, porque ele chega na frente ele vai sentar lá, da câimbra,
155
Entrevista realizada com Euberli. General Salgado. 23/08/2008. Acervo do pesquisador
102
ele fica sentado lá, e eu vou devargazinho eu passo. Então eu tenho um jeito de cortar
cana, que do jeito que eu começo a safra eu vou até o fim, do jeito que eu começo cedo
no dia, eu vou até a tarde, é aquele batidão constante, aquele batido constante pra não
parar, não esforço demais porque se eu esforçar, vou cansar, então eu pego aquele
batidão alí e vou até o final do dia, até o final da safra.
156
Para este trabalhador a aprendizagem do oficio cortador-de-cana significou um
longo caminhar das lavouras de algodão e sua itinerância por rios postos de trabalho em
Pindaí, na Bahia, até o saber-fazer como cortador-de-cana na cidade de General Salgado. Sido
reitera alguns elementos que enaltecem sua disposição de continuar na luta frente a esse
processo. Para ele não adianta força, pressa, apavorar, mas sim o jeito” que se aprende na
prática, no dia-a-dia ao cortar cana. Para Sido, o batidão constante difere dos elementos
apresentados por Euberli quando diz que a força assegura uma maior produção no corte.
Muitos trabalhadores que chegam à cidade, para iniciar a safra, não ficam por muito
tempo no trabalho. Questões que foram apontadas nas falas de Chicão, Euberli e Zezé;
Chicão: tem uns que fica, tem outros que não agüenta ficar um mês aqui e já vai embora.
Nós veio em nove pra cá, nós era em nove, mas ficou nós quatro aqui, o resto foi tudo
embora, eles não gostou do serviço. Não tava dando dinheiro, cana barata, ganhando
pouco, foram embora, voltaram pra lá.
Eber: então não são todos que ficam?
Euberli: Não é todos que ficam. Não são todos que agüentam o baque desse serviço não.
Zezé: é que nem eu falo, a gente te que ter opinião, se agente não tiver opinião a gente
não trabalha num serviço desse aqui. Mas como que agüenta? Você é mulher, os
maranhenses mesmos falam pra mim, eles falam: “eu admiro muito a sua coragem
porque uma mulher pra enfrentar uma coisa dessa, homem que homem tem dia que
acha que é difícil imagina pra uma mulher cortar cana que nem tem muitas que cortam
a cana”. Eber: tem bastante Zezé? Tem, tem bastante mulher que corta cana, é que
agora mesmo diminuindo mais né! Porque tem muitas Usinas que eles não querem
pegar mais mulher pra trabalhar. [...] porque tem cana mesmo, que é muito alta, pesada
demais, e fica difícil a gente pegar, se não tiver força, gente não aguenta, não da conta
de pegar por exemplo três cana, senão tiver aquela resistência. Gente pega uma, duas
cana só, dependendo a cana, aí a gente trabalha jogando no monte. [...] porque cada vez
as usinas assim, eles preferem mais homem pra trabalhar por causa que homem mesmo
as vezes não atingindo a tonelada que eles quer. Então eu acho geralmente eles não quer
pegar mulher por isso, porque tem muita mulher que não atinge a produção que não dá a
tonelada, porque tem Usina que é 10, 14 tonelada por dia, então, eles pegam de 10
tonelada pra cima, se não atingir esse saldo eles não pegam.
157
156
Entrevista realizada com Sido. General Salgado.14/07/2008. Acervo do pesquisador.
157
Entrevista coletiva realizada com Chicão, Zezé e Euberli. General Salgado. 25/08/2008. Acervo do
pesquisador.
103
Zezé aponta a luta das “mulheres” cortadoras-de-cana frente a esse processo e aos
modos como enfrentam o trabalho. Ter opinião” significa reconhecer que, mesmo diante dos
percalços e das dificuldades encontradas na atividade, organizam-se e lutam para encontrar
maneiras de sobre(viverem) pelo trabalho. As mulheres que estão na atividade vêm
encontrando dificuldades para ingressar no corte-de-cana nas Usinas.
As particularidades do corte manual em um contexto de modernização e intensificação
da produção implicaram, contudo, a introdução de novas formas de controle do trabalho no
corte da cana, dentre elas destaca-se o ganho pela produção, pela metragem e pesagem da
cana cortada. Somando-se a esses critérios o tipo da cana cortada, tem-se a referência para
calcular o salário. Para as mulheres que cortam cana as exigências intensivas do setor nos
últimos anos impedem que elas atinjam a meta de produção estabelecida, pois a lógica da
eficiência do corte manual é determinada pelo lema: “Quanto mais se corta, mais se ganha.”.
Além da expansão das áreas de cultivo de cana, presencia-se mudanças no processo
produtivo deste setor que têm resultado em um significativo aumento de produtividade,
competitividade e melhoria na qualidade dos produtos. Demonstra-se com facilidade o
aumento da produção ao verificar, por exemplo, que a quantidade de cana produzida por
hectare passou de 50 toneladas para mais de 80, entre as décadas de 1960 e 1980.
158
Para serem selecionados pela usina, os candidatos devem cortar no mínimo dez
toneladas de cana/dia. Caso contrário, eles são demitidos.
Ao enfrentar todos esses processos e ser selecionada para trabalhar como cortadora de
cana na Usina Generalco, o trabalho exercido por Zezé é reconhecido por outros trabalhadores
que admiram a coragem, a resistência e força física na atividade.
As experiências dos trabalhadores cortadores-de-cana permitem compreender as
complexidades enfrentadas nas relações de trabalho vividas no cotidiano conflituoso. Eles
disputam espaços e constroem situações frente a muitas pressões, adversidades e
circunstâncias vividas no trabalho como cortadores-de-cana. Eles possuem metas a serem
cumpridas e os resultados devem aparecer ao final de cada dia. O pagamento por produção
158
ALVES, F. Modernização da agricultura e sindicalismo: as lutas dos trabalhadores assalariados rurais na
região canavieira de Ribeirão Preto. Tese de doutorado. Instituto de Economia da Universidade Estadual de
Campinas. Campinas, - SP.1991. Cf: ALVES, F. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade, v.
15, n. 3, p. 90-98, 2006. ALVES, F.J.C. Migração de trabalhadores rurais do Maranhão e Piauí: será esse um
fenômeno casual ou recorrente da estratégia empresarial do complexo agroindustrial canavieiro? In: NOVAES,
J.R.; ALVES, F.J.C. (Org.) Migrantes: trabalho e trabalhadores no complexo agroindustrial canavieiro (os heróis
do agronegócio brasileiro). São Carlos, SP: EdUFSCar, 2007.
104
constitui-se em uma das estratégias mais utilizadas por empresas na atual organização do
mundo do trabalho. O indivíduo passa, ele próprio, a se disciplinar e a se vigiar, e não o seu
patrão.
159
Ao elucidarem que não são todos que ficam para enfrentar o corte-de-cana no período
entre-safra, os trabalhadores se reconhecem como aptos a exercer essa atividade no trabalho
de corte-de-cana em General Salgado.
Ao procurar salientar os liames de significações engendrados na luta e no trabalho,
Chicão e Zezé compartilharam algumas experiências nesse processo do corte-de-cana:
Chicão: Se não trabalhar eu vou falar a verdade, senão trabalhar não tem jeito não! tem
que trabalhar mesmo! O moço, eu vou falar a verdade pro cê, tem dia que eu tô
trabalhando na roça assim, no corte-de-cana, vontade de jogar facão pra lá, jogar
sapatão assim, tirar caneleira falar toma aqui, toma que eu vou me embora. Tem dia que
da vontade disso, eu vou falar a verdade, tem dia que dá vontade mesmo de jogar toma aí
seus materiais aí ó, seus óculos, vamos, vamos, vamos, embora, dá vontade de ir embora.
Cana? Se o coração for desse tamanho se tem que botar desse tamanho, se não você
passa raiva. [...] eu mesmo vou falar a verdade eu só penso em parar, só penso em parar
de cortar cana, porque o sofrimento é demais, todo dia tem que tá aí, tem que tá no pé do
eito todo dia.
Zezé: É um serviço que acaba com a gente, acaba com o corpo da gente, que nem esses
da cana, acaba com o pulmão da gente, né?! É uma coisa difícil que nem o rapaz
esses dias tava falando, ele não fuma, ele nunca fumou na vida dele, ele foi fazer o exame
e falaram que o pumão dele tava todo preto, perguntou pra ele: você fuma? Ele falou,
nunca fumei na minha vida, a única coisa que eu faço é no corte-da-cana, é isso é o
da cana.
Chicão: eu pensei, agora então embananou eu fumo e corto cana, como deve ta esse
troço aqui! Deve da cor dessa calça aí! (Risadas), pois é moço você pega peso o dia
todinho cortando cana, dia todinho trabalhando e pegando peso, o dia todinho.[...] pra
159
As leituras destas dissertações me auxiliaram a pensar nas problemáticas apontadas nas relações sociais
vividas pelos trabalhadores em General Salgado. Cf: MEDEIROS, Euclides Antunes de. Trabalhadores e viveres
urbanos: trajetórias e disputas na composição da cidade Uberlândia 1970-2000. 2002. Dissertação (Mestrado
em História Social)-Instituto de História, Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal
de Uberlândia, Uberlândia, 2002. MORAIS, Sérgio P. Trabalho e cidade: trajetórias e vivências de carroceiros
na cidade de Uberlândia 1970-2000. 2002. Dissertação (Mestrado em História Social)-Instituto de História,
Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002.
PETUBA, Rosângela M. S. Pelo direito a cidade: experiência e luta dos trabalhadores ocupantes de terra do
bairro Dom Almir Uberlândia 1990-2000. 2001. Dissertação (Mestrado em História)-Instituto de História,
Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001. VARUSSA,
Rinaldo José. “Trabalhadores e Memórias: Disputas, Conquistas e perdas na cidade”. In: Muitas Memórias,
outras Histórias. ALMEIDA, Paulo R; FENELON, Déa R.; KHOURY, Yara Aun; MACIEL, Laura Antunes
(org.). In: São Paulo: Ed. Olho d’Água, 2004, pp. 208-224, pp.214- -215.
105
agüentar, enfrentar esse serviço de cana, corte de cana pra agüentar? Não é pra todo
mundo não, não agüenta não, o cara tem que ter natureza!
160
Os trabalhadores apresentam suas experiências no campo, mostram o saber-fazer com
uma cultura com a qual se identificam e sabem lidar. Por outro lado, a rotina e a disciplina
exigida no trabalho impõem ritmos árduos ao ofício na atividade do corte-de-cana. As batidas
com o facão na cana exigem força, e, com o passar dos anos, os problemas relacionadas à
saúde começam a permear a preocupação desses trabalhadores que sentem, nas duras
condições de trabalho, uma grande exigência física do corpo.
Verificamos um aumento exponencial da quantidade de cana cortada por dia de
serviço. Enquanto na década de 1950 cada trabalhador cortava, em média, 3 toneladas de
cana/dia. Nos últimos vinte anos intensificou-se a quantidade diária de toneladas de cana-de-
açúcar cortadas pelo trabalhador rural. Com o salário atrelado à produtividade,
161
na década
de 1980, era exigido em média do cortador-de-cana o corte de 5 a 8 toneladas por dia. Na
década de 1990, a média diária passou de 8 para 9 toneladas. Atualmente e média é de 12 a 15
toneladas de cana cortada diariamente.
162
Tal intensificação do trabalho provém, principalmente, do pagamento por produção e
da queda dos preços da tonelada de cana cortada. Percebe-se claramente, ao comparar 1980 a
2005, que o valor da tonelada paga ao trabalhador caiu, em média, de R$ 9,00 para R$
2,50/tonelada. Como resultado do esforço excessivo necessário para desempenhar o trabalho
no corte da cana-de-açúcar, verifica-se o alto índice de doenças relacionadas a essa atividade
entre os cortadores e até casos de mortes entre eles.
163
Além dos salários serem
predominantemente baixos e pagos por produtividade, muitos trabalhadores são submetidos a
péssimas condições de trabalho.
160
Entrevista coletiva realizada com Chicão e Zezé. General Salgado. 25/08/2008. Acervo do pesquisador
161
Com efeito, na década de 90 e nos anos 2000, a realidade do trabalho nos canaviais mudou muito. Devido às
boas perspectivas do mercado internacional do álcool, como alternativa de energia renovável e menos poluidora
que o petróleo, aceleram-se a modernização da lavoura canavieira e a expansão das atividades da agroindústria
canavieira. Além disso, o mercado internacional do açúcar, nos últimos anos, também atravessa uma conjuntura
favorável. As restrições aos subsídios para a exportação do produto, impostas aos produtores europeus pelo
Mercado Comum Europeu, e a competitividade da produção brasileira no mercado internacional têm atraído
investimentos de grupos internacionais para essa agroindústria no Brasil. Por um lado, temos as vantagens para o
mercado, por outro, os trabalhadores vem enfrentando os problemas nas relações sociais vividas. NOVAES, José
Roberto Pereira. Campeões de produtividade: dores e febres nos canaviais paulistas. Estudos Avançados 2121
(59), 2007, p. 169-170.
162
SILVA, Maria Aparecida Moraes. O lado oculto da Agrishow. I: Laborshow. Guariba. Informativo especial
da Pastoral do Migrante. 05/2005.
163
NOVAES, José Roberto Pereira. Campeões de produtividade: dores e febres nos canaviais paulistas. Estudos
Avançados 2121 (59), 2007, p. 169-170
.
106
O processo de reorganização na estrutura interna do trabalho no corte-de-cana vem se
transformando continuamente. Nas páginas do Jornal Dário da Região é suscetível
compreender estes processos de mudanças técnicas e atividades que vêm sendo implantados
na agroindústria canavieira da região.
A matéria pautada no dia 15 de setembro de 2005, pelo Jornal Diário da Região:
Teatro ensina segurança a cortadores de cana, emerge como as empresas vêm atuando no
setor utilizando diferentes ferramentas, linguagens para aumentar a produtividade e delinear
especificações técnicas na atividade do corte-de-cana.
Nesta quinta-feira, cerca de 1,2 mil cortadores de cana assistiram à uma peça teatral em
Olímpia, na empresa Açúcar Guarani. O espetáculo foi encenado com a participação de
funcionários, filhos de funcionários e atores amadores da Companhia Teatral
Caricatura, de Olímpia. O evento integra a Semana Interna de Prevenção de Acidentes
de Trabalho Rural (Sipatr 2005), que será realizada até amanhã na empresa. O
espetáculo mostrou situações rotineiras de trabalho e ressaltou a auto-proteção e a
importância do uso dos equipamentos de segurança (EPIs). A comédia deu o tom da
peça.
164
As estratégias utilizadas pelas Usinas nas diferentes cidades da região, visam a um
aperfeiçoamento técnico que está associado a racionalização da produção para servir o
mercado.
165
As mudanças acentuadas no setor potencializa a exploração de novos recursos no
processo de trabalho. Ao reduzirem os custos e aumentarem os ganhos, atendem aos
interesses de quem detém o poder político e econômico na cidade.
O aumento da produção de cana passou também a ser decorrência da incorporação de
novas variedades, de novas técnicas de cultivo e da mecanização da lavoura. Com essas
mudanças uma nova racionalidade produtiva vem sendo implantada no setor fazendo com que
o território de muitas usinas deixasse de ser o espaço exclusivamente produtor dos derivados
da cana. Outras atividades passaram a compartilhar esse espaço: reflorestamento, fruticultura,
piscicultura, pecuária etc. Por outro lado, as usinas diversificaram a produção e começaram a
produzir, além do açúcar tradicional e do álcool, ração, energia, adubo, outros tipos de
açúcares etc.
164
Jornal Diário da Região, 15 de setembro de 2005.
165
MASSEI, Roberto Massei. A construção da Usina Hidrelétrica Barra Bonita e a relação homem-natureza:
vozes dissonantes, interesses contraditórios 1940 1970. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, 2007. p. 224.
107
FIGURA 18: Pelo menos 1,2 mil
cortadores de cana assistiram à peça de
teatro em Olímpia. (Jornal Diário da
Região).
Esse processo mudou o perfil dos empresários do setor e da cidade. O usineiro
pulverizou seus investimentos para outras atividades (turismo, comércio, indústria,
especulação com terra), como também empresários que acumularam riqueza em outros
setores da economia passaram a investir na compra de usinas e terra para a plantação de
cana.
166
Recentemente mais um projeto foi enaltecido nas páginas do Jornal Diário da Região,
na seção sobre segurança. Estes projetos se consolidam na imprensa regional e assumem
conotações/correspondentes a interesses de grupos de empreendedores, agrocanavieiros,
enaltecendo suas obrigações trabalhistas com os cortadores-de-cana. Com o titulo: Cana
Limpa inicia etapa de treinamento, intercalam-se forças e procedimentos hegemônicos cujo
interesse é mostrar que o setor respeita as normas e as regulamentações impostas pela
legislação trabalhista. De acordo com o texto do Jornal:
Começou a funcionar ontem mais uma etapa do projeto Cana Limpa, que tem o objetivo
de levar aos trabalhadores do corte de cana novas técnicas e métodos de trabalho,
aumentando sua produtividade e fazendo com que executem sua função de forma mais
segura, inclusive, obedecendo às instruções da Norma Regulamentadora 31 (NR 31),
que trata da Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária Silvicultura,
Exploração Florestal e Aqüicultura, tornando-os assim, profissionais do corte de cana. O
programa é fruto de parceria entre Sindicato Rural Patronal de Catanduva e Usina São
Domingos Açúcar e Álcool, que treinou seus trabalhadores em anos anteriores. Este
ano, participarão 30 turmas de cortadores de cana da Usina São Domingos, totalizando
1,2 mil trabalhadores rurais a serem treinados.
167
166
Relatório: Jovens migrantes e canavieiros: entre a enxada e o facão (2008).
167
São José do Rio Preto, 7 de março de 2006 .
108
Frente às mudanças instituídas e as quais se vêem submetidos, os trabalhadores
cortadores-de-cana atribuem significados peculiares á profissão que exercem como alternativa
de enfrentamento as pressões no campo de forças e processos que são apresentados para
eles.
168
As narrativas de Zezé e Chicão mostram como os trabalhadores vêm enfrentando esse
processo de reestruturação produtiva no setor. Os trabalhadores que passaram por várias
Usinas na região ressaltam os procedimentos e projetos que lhes foram ofertados pelas
empresas:
Zezé: o ano passado onde gente trabalhou lá tínha vários cursos e pra gente fazer. Tínha
curso maquinário, pra sair do trabalho do corte-de-cana e ir pro serviço melhor né!
Tínha vários tipo de curso lá, mas pra nós fazer lá, era difícil. Porque o lugar que a
gente fiava lá na cidadezinha [Arabá] era longe. E a gente chega vai lavar roupa, vai
fazer janta, então pra gente era difícil. [...] A gente foi um dia numa palestra lá e eles
falava com a gente: Eber: palestra do que Zezé? Palestra mais sobre cana limpa um
projeto que eles tínha né! Eles falavam como que nós tínha que fazer o serviço, como
tinha que trabalhar, eles explicavam.
Chicão: tudo a favor deles!
Zezé: mas muita coisa foi a favor da gente também, como negócio da gente usar o
material certo, da gente trabalhar, que nem a caneleira que eles davam, o sapatão, o
óculos pra gente não se machucar, então eles explicavam tudinho, era tudo isso.
Chicão: mas tínha que cortar cana na palha bem limpinha, um ponteiro bem tiradinho
era pro álcool da bom, o álcool de primeira, porque se o álcool desse de primeira[...] Ah
se o álcool der de primeira? eu aumento o preço da cana prô cêis! Aonde rapaz? Eles
falaram que nós ia receber diploma! Qual o diploma que nós recebeu? Não vi não, aonde
rapaz? Diz eles que o álcool ia sair de primeira, porque se o álcool saísse de primeira,
ele íam aumentar o preço da cana. [...] não aumentava não, alí era só mesmo pra tapear
a gente, pra cortar certo, rente ao chão, ponteiro bem tirado.
Eber: e os cortadores faziam isso depois?
Chicão: muitos faziam, muitos não, eu mesmo trabaiava do meu estilo de sempre, a
mesma coisinha.
169
Os trabalhadores destacam que o projeto “cana limpa” tem dimensões/projeção para
ser implantado nas diferentes Usinas de álcool da região. As experiências sociais postas nesse
processo de trabalho são colocadas em pauta por Zezé e Chicão mostrando embates, tensões e
168
FAES, Ivana Arquejada. Op.Cit. p. 42
169
Entrevista coletiva realizada com Chicão e Zezé. General Salgado. 25/08/2008. Acervo do pesquisador
109
a complexidade da relação técnica/saber-fazer, saber-cortar –, elementos que foram
aprendendo na lida cotidiana no trabalho.
Zezé reitera as mudanças que estão sendo operadas no setor e vê nos cursos e palestras
oferecidas, a possibilidade de aprender um novo ofício e melhorar de vida a partir de um novo
posto de trabalho. Alguns trabalhadores veem as especificidades técnicas sugeridas pelas
Usinas como forma de se aprender a lidar melhor com os instrumentos de trabalho. Para
Chicão, estes projetos implantados nas Usinas de Álcool visam apenas disciplinarizar os
trabalhadores para aumentar a produção.
As empresas nos últimos anos têm exigido a padronização da forma de cortar cana.
Vale ressaltar que ao cortar cana do estilo de sempre, o trabalhador impõe uma forma de
resistência e se posiciona frente a esse processo de racionalização e mudanças técnicas que o
setor produtivo vem exigindo e operando nos últimos anos. As experiências de Chicão são de
lutas e de enfrentamento a esse processo a que se submetido. O saber-cortar foram modos
de trabalhar compartilhado com outros trabalhadores. De pai para filho, e com mais
freqüência de amigo para amigos aprenderam na lida no canavial, as práticas, o jeito, a
posição e todo conhecimento que possuem com o facão na mão na lida do corte-de-cana.
A cada dia o setor vem exigindo o aumento da produtividade por parte dos cortadores-
de-cana e selecionando os melhores homens e mulheres para o trabalho. Por outro lado, estes
vêm utilizando diversas táticas no cotidiano da roça/canavial e vão forjando seus modos de
trabalhar e de lutar pela sobrevivência. O cortador-de-cana Jacildo nos pista de como os
trabalhadores em suas diversas maneiras lutam e resistem frente a essa operacionalização e de
tantas outras forças e mudanças impostas no trabalho. Segundo Jacildo:
Eu vou ficar, mas não eu vou me preocupar muito mais não oche! aperrei, mas não
vou me matar mais no serviço mais não, já ví tanta gente morrendo em cima de cana, vou
fazer o que eu posso, não é não? [...] porque cana o cabra ganha muito, mas muito
arriscado. Tanta gente que morre com cana, querendo ganhar muito, querendo enricar,
porque o cabra que ganha mil e duzentos por mês, quer ganhá mais, quer enricar de uma
vez.
170
O trabalhador possui conhecimento do processo e situações adversas nas duras
condições de trabalho no corte-de-cana. Mas ao mesmo tempo alguns buscam preservar a
170
Entrevista realizada com Jacildo. General Salgado. 22/07/2008. Acervo do pesquisador.
110
liberdade de poder ditar o ritmo, controlar o tempo e o corpo, nas realizações da tarefa no
corte, imprimindo á atividade um ritmo que lhe são próprios. Os trabalhadores impõem
resistências mesmo sabendo que, a cada dia, as empresas procuram os melhores cortadores-
de-cana, exigindo aumento da produtividade por parte desses homens e mulheres.
Nesse sentido Euberli, Zezé e Chicão narrou suas experiências na atividade e como lhe
são peculiares às formas próprias de saber-cortar e lidar com estas manobras no trabalho.
Euberli: é porque tem Usina que quer cara bom mesmo! Cara bom, o cabra fraco eles
manda embora, é dois mês, três mês manda embora já. [...] se for um cara que sabe
fazer alguma malandragem, ele vai cobrindo por riba do fiscal, que o cara tem que
usar mais a experiência dele né?! A cana caída, o cara tem que usar mais a
experiência dele, se ele for na raça, na vontade, ele rebenta e não faz nada.
Eber: e quem têm essa experiência faz o que?
Zezé: ele corta e vai jogando por cima, não fica pegando cana por cana pra fazer o
monte, a maioria faz é assim, Eber: vai cortando e não joga no monte? O monte a gente
faz, mas que nem eles faz a terceira rua [...] muitos fazem certinho, mas outros não
cortam a terceira rua e deixa lá e vai jogando as outras por cima,
EuberLi: mas o fiscal não pode ver, se gancho, que eles chamam isso de gaiola,
joga por cima de outras que não são cortadas.
Chico: em 96 ou em 97 eu trabalhei em Catanduva, eu já tava no ônibus o fiscal chegou
foi tirar a média lá, e foi tirar bem no meu eito, eu já tava no ônibus. O fiscal chegou, eu
tínha tomado banho, me lavado tudo, ele falou ô seu Chicão! Eu falei o que é
irmão? Vai repassar seu serviço lá! Eu falei eu não vou não! Ele falou não vai perde!
Perde todinho ou perde ou gancho né! falei gancho de três dias, parado nossa sou
obrigado a ir, um falou vamô bora moço, vamô bora que eu te ajudo, aí cheguei lá um
surco com uma valeta dessa fundura ó, você ficar andando pra e pra cá, não tem
perna que agüenta. Fui lá e joguei uma por cima da outra e ó... por isso que eu falo tem
hora que você passa raiva demais com cana, tem hora que você faz um monte aqui, eles
quer com 4 metro, se não da de fazer faz com dois, ele fala não quero com 4 você
fica pipi, que nem um gancho pipi, você tem que desmanchar pra jogar no monte, e os
malandro fica lá enchendo, olha lá! olha lá! o guinchão, o guinchão da Aralco. É
sofrido, é sofrido, não é mole não.
171
As experiências postas no diálogo com Chicão, Zezé e Euberli, são vistas por eles
como uma constante luta no trabalho. Ter experiência” é saber-fazer manobras para
assegurar maior produtividade no final do dia quando cortam uma cana rente ao chão –, cana
caída. São formas de execução do trabalho que garantem melhor remuneração e uma tentativa
171
Entrevista coletiva realizada com Chicão, Zezé e Euberli. General Salgado. 25/08/2008. Acervo do
pesquisador.
111
de fuga das condições adversas da atividade. As situações de trabalho impostas pela Usina,
passam pelo fiscal, o preço baixo pelo metro da cana caída –, e encontram no saber-fazer, no
saber-cortar, maneiras de forjarem as tarefas ao apontar elementos/corpos de situações e
contradições que se evidenciam na luta no trabalho. As Usinas vêm selecionando a cada safra
os melhores cortadores-de-cana para ficarem alojamento para exercerem o trabalho na cidade.
Percebe-se que os trabalhadores precisam ter resistência para continuarem na atividade do
corte-de-cana.
Vale ressaltar que muitas propostas estão sendo debatidas por diferentes instituições,
grupos, projetos, em prol da mudança na organização produtiva do trabalho no corte-de-cana.
A matéria expressa na página do Jornal Diário da Região recentemente trouxe o deputado
federal da região de Rio Preto, Dado de Carvalho (PDT), que protocolou o projeto de lei na
Câmara Federal, em Brasília, proibindo os cortadores de cana-de-açúcar de receber salário por
produção. O parlamentar defende que a atividade, além de penosa, é insalubre e não pode ser
remunerada com base em produção. Segundo a matéria:
O pedetista sabe que iniciou uma queda-de-braço com os usineiros. “Vamos provocar o
debate independente do projeto ser ou não aprovado. O objetivo é proteger o
trabalhador e os seus direitos”, afirmou Dado ontem. O projeto foi elaborado com base
em estudo promovido na região de Ribeirão Preto, onde o trabalhador recebe, em média,
R$ 2,40 por tonelada de cana cortada. Um cortador chegar a corta até 12 toneladas de
cana por dia. A proposta prevê ao cortador intervalo de dez minutos para repouso a
cada 90 minutos trabalhados. A multa para o descumprimento da legislação é de dez
vezes o salário mínimo - atualmente de R$ 350. “Grande parte desses trabalhadores
aposenta de maneira precoce. Na região, a tendência é a instalação de novas áreas de
plantio, o que deverá agravar os problemas sociais”, afirmou. O projeto prevê ainda a
utilização de equipamentos de segurança, o pagamento de adicional quando o
trabalhador for submetido a condição insalubre e jornada de trabalho de seis horas
diárias, totalizando 36 horas semanais. O pagamento por produção é uma das principais
causas de mortes registradas nos canaviais do Estado de São Paulo.
172
A intervenção vem sendo proposta e debatida em varias frentes e projetos na atividade
de cortar-cana no Brasil. As medidas adotadas por representantes políticos e outros segmentos
da sociedade colocam em pauta uma constante fiscalização no setor, melhorias na
remuneração, novos equipamentos de segurança, projetos que visam melhorar as condições de
trabalho exercido pelos cortadores-de-cana.
172
Diário da Região: Projeto prevê fim de salário por produção nos canaviais. São José do Rio Preto, 6 de março
de 2007.
112
A conquista recentemente neste campo, foi um termo de compromisso nacional
assinado
173
entre os Governos Federais e Usineiros para aperfeiçoar as condições de trabalho
nas destilarias. O objetivo desse acordo firmou a cooperação entre os entes privados e
públicos para viabilizar conjunto de ações destinadas a aperfeiçoar as condições de trabalho
no cultivo manual da cana-de-açúcar, disseminando práticas empresariais exemplares.
As medidas que foram tomadas visam uma atuação e fiscalização do Governo no
setor. Neste compromisso ficou definido que se deve:
a) contratar diretamente os seus trabalhadores para as atividades manuais de plantio
e corte da cana-de-açúcar, com registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social
CTPS;
b) utilizar a cláusula de experiência no contrato de trabalho somente uma única vez,
em relação à mesma empresa e ao mesmo empregado, na contratação de trabalhadores
para as atividades manuais do cultivo da cana-de-açúcar; e
c) eliminar a vinculação da remuneração dos serviços de transporte de trabalhadores,
administração e fiscalização, executados pelas próprias empresas ou por terceiros, à
remuneração dos trabalhadores no corte manual da cana-de-açúcar, respeitadas as
normas constantes de convenções coletivas ou acordos coletivos de trabalho que
disciplinem a matéria.
II - Contratação de Trabalhador Migrante
a) utilizar a intermediação do Sistema Público de Emprego quando for necessária a
contratação de trabalhadores migrantes em outras localidades que fiquem
impossibilitados de retornar ao seu município de origem após a jornada de trabalho. Na
localidade na qual não exista o Sistema Público de Emprego ou o número de
trabalhadores não for suficiente, contratar diretamente;
b) protocolar, junto às unidades do Ministério do Trabalho e Emprego, Certidão
Declaratória, que comprove a contratação regular dos trabalhadores e as condições de
seu retorno à localidade de origem ao final da safra, para os trabalhadores migrantes
contratados em outras localidades e que fiquem impossibilitados de retornarem ao seu
município de origem após a jornada de trabalho;
c) assegurar alojamentos de boa qualidade e de acordo com os requisitos da Norma
Regulamentadora 31, para os trabalhadores migrantes contratados em outras
localidades e que fiquem impossibilitados de retornarem ao seu município de origem
após a jornada de trabalho; e
d) proporcionar o acesso dos trabalhadores contratados em outras localidades a
meios de comunicação nos alojamentos, para facilitar o contato com seus familiares.
173
De um lado a Secretaria-Geral da Presidência da República; a Casa Civil da Presidência da República, neste
ato representada por (qualificação); o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteciemento, o Ministério do
Trabalho e Emprego; o Ministério da Educação, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Ministério do
Desenvolviemento Social, e, de outro lado, o Fórum Nacional Sucroenergético, a União da Agroindústria
Canavieira do Estado de São Paulo - UNICA, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura -
CONTAG, e a Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo – FERAESP.
113
As propostas sugeridas reforçam o compromisso do empregador a cumprir as cláusulas
estabelecidas no contrato de trabalho com o empregado. Uma das determinações deste
compromisso é a eliminação dos “gatos”
174
, que em grande parte do setor exercem uma
vinculação estreita com os trabalhadores cortadores-de-cana. As cidades que recebem as levas
de trabalhadores devem assegurar alojamentos de boa qualidade e proporcionar o acesso dos
trabalhadores contratados em outros espaços. Devem ter acesso a meios de comunicação nos
alojamentos, para facilitar o contato com seus familiares.
Dentre as propostas debatidas, está à reivindicação de tantos trabalhadores a
transparência na aferição da produção. Informar o preço antecipadamente aos empregados e
utilizar, para medição da cana-de-açúcar cortada, compasso com ponta de ferro, na presença
dos trabalhadores, respeitadas as normas constantes de convenções coletivas ou acordos
coletivos de trabalho que disciplinem a matéria, qualquer que seja o sistema utilizado para
pagamento dos trabalhadores - metro, tonelada ou outros.
175
As preocupações com a saúde e segurança dos trabalhadores, ganharam destaque nessa
clausulas estabelecida:
a) adotar melhores práticas de gestão em saúde e segurança, e valorizar a Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes no Trabalho Rural – CIPATR;
b) fornecer gratuitamente Equipamento de Proteção Individual - EPI de boa qualidade
com Certificado de Aprovação – CA;
c) realizar esforço, em conjunto com trabalhadores, para adequação e melhoria de
EPI ao trabalho rural;
d) realizar esforço, em conjunto com trabalhadores, para conscientizar os
trabalhadores sobre a importância do uso de EPI;
e) garantir a realização de duas pausas coletivas por dia, sendo uma no período da
manhã e outra à tarde;
f) ter rigor no exame admissional, lançando mão de exames complementares sempre
que o médico responsável entender necessário;
174
Já existem órgãos encarregados de fiscalizar o cumprimento da lei pelos empresários. Então, por exemplo, vai
acabar a terceirização de mão-de-obra. Aquele chamado gato, uma pessoa que contratava os trabalhadores e
levava para trabalhar nas empresas. Agora, as empresas vão contratar diretamente, com carteira assinada, com
todos os direitos. Ou, então, as empresas contratarão através do Sine (Sistema Público de Emprego).
175
Compromisso Nacional Para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar. O acordo foi
assinado pelas entidades sindicais de trabalhadores, pelo governo federal e pela representação patronal nacional,
em cerimônia no Palácio Buriti, Brasília, a partir no dia 25 de junho de 2009.
114
g) promover campanhas informativas aos seus trabalhadores no corte manual da
cana-de-açúcar sobre a importância da reidratação durantes os serviços de campo,
fornecendo gratuitamente o soro hidrante a critério do médico da empresa;
h) adotar, orientar e difundir a prática de ginástica laboral nas atividades manuais de
plantio e corte da cana-de-açúcar; e
i) melhorar as condições de atendimento médico aos trabalhadores do cultivo manual
da cana-de-açúcar em situações de emergência.
Nos últimos anos a quantidade de denúncias sobre irregularidades no setor estampou as
páginas dos principais jornais e meios de comunicação do país. As duras condições de
trabalho, de moradia, a que alguns trabalhadores são submetidos, foram alvos de investigação
do Ministério Público contra muitas irregularidades encontradas no setor. Ainda não se pode
avaliar se as empresas já estão se mobilizando para efetivar este acordo –, as proposições
consolidadas neste projeto entre Governo Federal e empresário, para alguns críticos servem
para justificar e escamotear as mazelas produzidas no interior das empresas que não cumprem
as obrigações trabalhistas e as relações de trabalho no cotidiano na lida no canavial.
A condição para fornecer alimentação e transporte gratuito para os trabalhadores
recebeu um parágrafo em especial de acordo com o compromisso.
V - Transporte
a) fornecer transporte seguro e gratuito aos trabalhadores para as frentes de trabalho
no campo;
b) manter, para o transporte de trabalhadores, sistema de controle de acordo com a
NR31 e as normas legais de trânsito, e que contemple:
1. condição material dos ônibus ou veículos adaptados;
2. registro e licenças dos veículos;
3. documentos e habilitação dos condutores;
4. inspeção periódica dos veículos, uma sendo feita necessariamente antes do início da
safra;
5. boas práticas na utilização dos veículos;
6. gestão de sistema de transporte; e
c) adotar Plano de Auxílio Mútuo em Emergência, com pactuação e integração
local/regional de serviços privados e públicos.
VI - Alimentação
a) fornecer gratuitamente recipiente térmico - “marmita” - que garanta condições de
higiene e manutenção de temperatura; e
b) assegurar, nas frentes de trabalho, mesas e bancos para a realização de refeições.
Os ônibus que levam os trabalhadores para o campo, em sua maioria apresentam
péssimas condições de uso. Não são raros, acidentes nas rodovias da região envolvendo os
115
trabalhadores cortadores-de-cana que dependem do transporte para fazer o percurso casa
trabalho e vice-versa. Assegurar condições de higiene e manutenção de temperatura para
“bóia” que os trabalhadores trazem de casa não “esfriar” é uma das reivindicações
estabelecidas no compromisso.
A participação da organização sindical nas negociações coletivas também foi reiterada
neste projeto visando estabelecer, em conjunto com entidades de trabalhadores, negociação
coletiva de trabalho, as possibilidades de acordo, e o zelo pelo cumprimento das condições
pactuadas. Assim, as Usinas devem assegurar acesso aos locais de trabalho de dirigentes de
sindicato, federação ou confederação da respectiva base territorial, desde que esteja
previamente credenciado e seja a empresa comunicada de maneira simplificada e com
antecedência, para verificar eventuais problemas e buscar soluções junto aos representantes da
empresa; e orientar os líderes de equipe sobre a importância do respeito às atividades
sindicais.
A responsabilidade no desenvolvimento da comunidade tem como princípios:
a) divulgar e apoiar ões relativas à educação, saúde, cultura, esporte e lazer nas
comunidades em que os trabalhadores estão inseridos.
IX - Divulgação de Boas Práticas
a) divulgar e orientar seus fornecedores de cana-de-açúcar sobre os termos deste
instrumento e as boas práticas empresariais adotadas pela empresa.
O Governo Federal apoiará e incentivará ações destinadas ás políticas públicas. Neste
plano pretendem ampliar progressivamente os serviços oferecidos pelo Sistema Público de
Emprego na intermediação da contratação de trabalhadores para o cultivo manual da cana-de-
açúcar –, promover a alfabetização e elevação da escolaridade dos trabalhadores do cultivo
manual da cana-de-açúcar –, promover a qualificação e requalificação dos trabalhadores do
cultivo manual da cana-de-açúcar, com vistas a sua reinserção produtiva –, fortalecer ações e
serviços sociais em regiões de emigração de trabalhadores para atividades sazonais do cultivo
manual da cana-de-açúcar.
O trabalhador Jacildo, falou como ele essas mudanças que estão ocorrendo nas
relações de trabalho entre empregado – empregador nas Usinas.
Eber: então, Jacildo, você ouviu falar alguma coisa sobre as mudanças que o
Governo está fazer para os trabalhadores? Nós ouvimos falar lá. Nóis tava comentando
com os cabra na roça, sobre a mudança que o Governo fazendo para os cortadô,
116
né. [...] vamos ver se vai mesmo acabá, parece que eles quer acabar mesmo é com os
gatos, [...] porque eles ganham em cima de nóis, arruma cada lugar ruim pra ficar aqui
na cidade, agora ainda miorou um pouco, mas pegamos cada um! [...] vamos se
vai melhorar as coisas pra nós, né. [...] Promete, promete que muda e no final pouca
coisa muda. [...] mas agora gente é funcionário da Usina né, acaba com os gatos, isso é
bom.
176
Jacildo e outros trabalhadores da mesma turma têm consciência das mudanças que
vem sendo operadas no setor. Uma das preocupações do trabalhador é com o fim da
arregimentação do trabalho feita por terceiros. Tradicionalmente, as usinas sempre
trabalharam com empreiteiros de mão-de-obra ou os chamados "gatos", que são os
intermediários entre os patrões e os trabalhadores – se responsabilizam diretamente pelo
trabalho e pelos trabalhadores, bem como retirando as obrigações sociais trabalhistas das
empresas.
alguns anos a figura do "gato" tem sido substituída pela do "agenciador de mão-de
obra” (funcionário assalariado da Usina). O acordo firmado entre o Governo e os Usineiros
inibe a contratação dos trabalhadores por meio de "gatos". Jacildo morou em alojamento
precário arregimentado pelos “gatos”, os quais também são responsáveis pelo transporte, que,
na maioria das vezes, estão em péssimas condições de uso e situações de irregularidades.
Dessa forma, as Usinas são responsáveis pelo acompanhamento da produtividade e
pelas questões trabalhistas, como o acordo coletivo; a assinatura da carteira de trabalho; os
recursos para a alimentação, transporte, alojamentos, passagens, etc. O que antes era da
responsabilidade dos "gatos", agora é dos agenciadores pelo gerenciamento de todas estas
atividades.
O processo de implantação e monitoramento deste compromisso será fiscalizado pela
“Comissão Nacional de Diálogo e Avaliação do Compromisso Nacional”, cujas atribuições
serão as seguintes:
I - estabelecer critérios e procedimentos para implementar, acompanhar e avaliar os
resultados do Compromisso Nacional, inclusive com a possibilidade de autorizar
auditoria independente para exercício das atividades de monitoramento do cumprimento
das práticas empresariais;
II - divulgar este Compromisso Nacional e estimular a adesão das empresas da
atividade sucroalcooleira;
176
Entrevista realizada com Jacildo. General Salgado. 22/07/2008. Acervo do pesquisador
117
III - propor e definir mecanismos para eventuais ajustes na adesão e permanência de
empresas aos termos deste Compromisso Nacional;
IV - deliberar sobre o estabelecimento e divulgação de mecanismo de reconhecimento
das empresas que aderirem e cumprirem as práticas empresariais estabelecidas neste
Compromisso Nacional; e
V - propor e debater a revisão deste Compromisso Nacional.
Para muitos segmentos da sociedade, este compromisso nacional representou um
avanço nas políticas adotadas pelo Governo Federal, que se compromete a fiscalizar e voltar o
olhar para os trabalhadores cortadores-de-cana nas lavouras do país. Para outros, esse
compromisso visa apenas a escamotear as irregularidades do setor e a sua exploração sobre os
trabalhadores. Entende-se também que o projeto nacional de desenvolvimento de uma nova
matriz energética, baseada no biodiesel, gerou pressão internacional pelas mudanças. A
assinatura do Compromisso, porém, não garante integralmente as mudanças. As empresas que
atuam no setor terão de ser permanentemente pressionadas, cobradas e fiscalizadas pelo poder
público e pela sociedade. As Usinas procuraram se adequar às exigências do Ministério do
Trabalho.
Um dos desafios a serem enfrentados, na atualidade, pelos cortadores-de-cana se refere
à chegada das máquinas de cortar cana. O Estado de São Paulo, maior produtor de cana de
açúcar do país, tem aproximadamente 40 % do corte de cana mecanizado. A tendência de
substituição de mão de obra traz à tona a questão polêmica do desemprego e capacitação dos
trabalhadores do corte manual. Cada colheitadeira substitui aproximadamente 80
trabalhadores cortadores-de-cana e levanta a questão do que vai acontecer com o excedente de
mão de obra nas cidades que tem como principal atividade o setor agrocanavieiro.
Para os trabalhadores que vivem na cidade de General Salgado este processo m
sendo discutido entre eles no trabalho e com a família. Os cortadores-de-cana estão atentos
aos movimentos e alardes em torno da mecanização que vêm sendo implantado no setor.
Sido na primeira entrevista apresentou, em suas mãos, o panfleto de um curso técnico
em produção de açúcar e álcool promovido por uma escola de idiomas na cidade. Pode ser
que Sido tenha pensado nas questões que poderiam emergir no diálogo entrevistado-
entrevistador. O trabalhador, de antemão, organizava-se para colocar em pauta os problemas
vividos no seu dia-a-dia e as situações que enfrentava no corte-de-cana.
118
FIGURA 19: Panfleto que o trabalhador apresentou no momento da entrevista.
Com o panfleto na mão, o trabalhador foi logo explicando sobre o processo de
mecanização que vem sendo implantado na Usina Generalco e outras Usinas no Estado de
São Paulo. De acordo com a narrativa de Sido:
É aqui na época era um curso que eles tavam dando aí, tava tendo naquela época, eles
falavam: “não vocês tem que fazer isso aqui, vocês tem que fazer esses tipo de coisa”,
operador de máquina, tem que praticar isso, deu isso aí pra gente. O máximo vai ser mais
uns dois três anos e vai acabar tudo esse negócio de cortar cana manual, vai ser
maquinário. [...] Eu creio nisso que vai acontecer mesmo, porque esse ano aqui
119
cortou umas cinco seis turmas, o ano que vem mais umas cinco, seis, eles falou que até
2012 mais ou menos vai ser só maquinário em todas as Usinas no estado de São Paulo.
177
Os cortadores-de-cana estão preocupados com o processo de mecanização que vem
sendo implantado no setor. Há poucos anos atrás, Sido pensava que iria demorar muito para a
máquina chegar à Usina da cidade e da região. Recentemente, o trabalhador, foi avisado por
funcionários de empresas por onde passou que seria inevitável a implantação do processo de
mecanização.
Sido olhava para o panfleto acima, e enunciava como funciona todo o processo com a
chegada das maquinas de cortar-cana:
Aqui é tudo um processo, a máquina vai cortando e vai um caminhão de lado [...] porque
que hoje tá trazendo todo o maquinário pra cá? Tão trazendo o maquinário por causa que
aqui ó, duas pessoas corta-cana e leva na Usina, duas pessoas, por isso que tá tirando
o serviço mais dos cortadô de cana, do pessoal. Porque pra cortá cana, pra levar pra
Usina é muita gente tem que cortá de facão, têm tratorista, têm esses maquinistas, têm
muita gente pra levar lá e aqui não; é duas pessoas só, vai o que, o maquinista aqui e o
caminhoneiro aqui, então a máquina vai cortando a cana e jogando aqui em cima, então
duas pessoas sozinho corta cana e leva na Usina, então se não fosse para os cortado
cortar seria muita gente, têm que cortá a cana, depois, vêm os guincheiros panhá, põe
em cima desse caminhão, tem o caminhoneiro que dirige esse caminhão, tínha os
tratoristas, tinha o fiscal pra medir cana, tinha as muié pra pegar a bituca, então é tudo
isso aí, então eles tão caçando as coisas mais fácil pra eles, pra ficar mais fácil, porque
duas pessoas só leva, corta cana e leva lá na Usina.
178
O trabalhador explicou as operações e as especificidades técnicas da máquina que
corta os ponteiros da cana rente ao chão e carrega imediatamente para o caminhão. Sido tem
consciência de que este processo de implantação da mecanização no setor vai reduzir o
número de trabalhadores no canavial. Toda essa expansão exige a incorporação de tecnologias
e novos arranjos produtivos. Formas tradicionais de gestão vêm sendo substituídas por uma
nova estrutura gerencial e administrativa, atendendo as particularidades tecnológicas de cada
setor das empresas.
Para o corte da cana, as empresas passaram a exigir maior produtividade, eficiência e
disciplina no trabalho. Conforme números divulgados na grande imprensa, é bastante
significativa a expansão das atividades dessa agroindústria: “Nos próximos cinco anos serão
implantadas 90 novas usinas no Brasil, incorporando uma área plantada de cana de 7 milhões
177
Entrevista realizada com Sido. General Salgado. 14/07/2008. Acervo do pesquisador.
178
Entrevista realizada com Sido. General Salgado. 14/07/2008. Acervo do pesquisador.
120
de hectares aos 6 milhões de hectares ocupados pela lavoura no país. Com essa
incorporação a produção deverá saltar dos 45 milhões de toneladas projetadas para a safra
2006/07 para 550 milhões de toneladas em (2010). Durante esse período a capacidade de
produção será ampliada em São Paulo com a construção de 9 novas usinas e modernização
das unidades já existentes”.
179
O trabalhador enuncia as mudanças que vêm sendo operadas no setor, pois na fala de
Sido eles tão caçando as coisas mais fácil pra elese o trabalhador sabe das dificuldades
que enfrentará nos próximos anos.
Sido narrou sobre a chegada da máquina na Usina Generalco e como ele vê a
implantação da mecanização no corte-de-cana:
A primeira vez que eu vi, eu vi na televisão, falei; ah! Mas achegar aqui isso nós
morreu, até chegar aqui nós já morreu, aqui não tínha ainda. Mas aí nós fomos na
Pioneiro, trabalhar na Pioneiro, um cara falou, vai ter as máquinas e vai chegar logo.
o ano passado nós veio na Usina aqui na usina eu vi elas. Eu vi, trabalhei de junto
delas, elas cortando, trabalhando num taião, eu de um lado e ela cortando do outro. E essa
máquina aqui mesmo ó, essa aqui ela tira certinho, ela corta embaixo e corta os ponteiros
em cima, essa peça aqui cortando os ponteiros dela, cortando os ponteiros. [...] O
que eu sei fazer, o que eu ganho mais ou menos é nisso aqui, no corte. Então pra mim as
máquinas tá chegando aí (pausa) pra mim não é bom por causa que eu não sei até quando
eu vou cortar cana, se é daqui um ano dois anos, não sei, e outra têm um pessoal que as
vez não tem estudo, não tem condições de fazer alguma coisa, então vai tirar o serviço
deles, o trabalho deles, porque a máquina chegando elas corta mesmo não tem boca.
Chagando não! Já ta aí.
180
A pausa na fala do trabalhador, ao narrar sobre a chegada das máquinas, remete a um
momento de incertezas em relação ao seu trabalho no futuro. Sido, que corta cana
aproximadamente treze anos, sabe das dificuldades que os trabalhadores encontrarão para
encontrar outro posto de serviço. A preocupação do trabalhador se materializa com outros
colegas de trabalho, uma vez que ele chama a atenção para a grande parte dos trabalhadores
que não concluiu o ensino fundamental. A partir desses elementos destacados por Sido, é
possível pensarmos no processo de identificação que esses trabalhadores compartilham entre
si no dia-a-dia nas lavouras de cana.
179
Jornal: Folha de São Paulo. 19 de fevereiro de 2006.
180
Entrevista realizada com Sido. General Salgado. 14/07/2008. Acervo do pesquisador.
121
Para o casal trabalhador, as discussões sobre a mecanização são debatidas em família.
Questionados se tinham ouvido falar sobre a mecanização e como estavam vendo esse
processo na Usina da cidade, ambos narrou:
Nelson: Acho que daqui, seis anos por aí, a maior parte das Usinas aí, 80% vai ser tudo
máquina.
Marlene: acabou os serviço dos peão!
Nelson: não acabou tudo não! Acabou um pouco.
Marlene: é não acabou, mas também não contrata! Que hoje aqui nessa Usina, tem o que
2 mil tudo?
Nelson: tem 20 turma de cortadô!
Marlene: 20 turma de cortadô dá quanto?Nelson eu falo assim, tem umas duas mil
pessoas, por exemplo, trabalhando hoje. Daqui uns dois, três, quatro anos, vai vir pra
oitocentas pessoas, mil, porque a máquina faz serviço pra muito homem. Você viu a
máquina? Porque a máquina ela já corta e já joga dentro do caminhão, então não precisa
dos cortadô cortar, por que ela já joga dentro do caminhão, não precisa de bituqueira
atrás porque não sobra nada, a máquina cata tudo, que é o serviço nosso.
181
Marlene e Nelson revelam a preocupação dos trabalhadores para se manterem no corte
de cana nos próximos anos. A necessidade de reorganizarem as possíveis dificuldades que
virão após a implantação da mecanização, faz com que os trabalhadores procurem estratégias
para continuarem lutando e sobrevivendo na cidade. A usina, que emprega aproximadamente
dois mil trabalhadores entre o campo e a cidade, estuda reduzir os funcionários com a chegada
das máquinas. No âmbito das relações familiares e em grupo, os trabalhadores vão (re)
organizando seus modos de trabalhar, pois as pressões exercidas sobre eles são evidentes no
presente.
Chicão e Euberli reportam como os trabalhadores enfrentam esta questão em seu
cotidiano:
Euberli: eles falam que daqui alguns tempos, não vai ter mais serviço braçal pra cortadô
de cana por causa disso, que eles inventam a máquina que cortando até a cana caída,
já. Por isso que eles falam que daqui dez anos, nove anos, não vai ter mais os cortadô,
por causa disso, que é os maquinário que tomando o serviço. [...] Esses dias tava
passando na televisão que essas máquinas nova, ela cortando normal, que ela corta por
90 homens, normal, agora a capacidade dela todinha no dizer deles vai cortá pra 100
homens! Essas que estão saindo agora nova. O negocio é esse, por isso que eles falam.
daqui nove anos, dez anos não vai ter serviço mais braçal, pra cortado de cana, é os
maquinário que tem demais, por isso que eles falam isso.
181
Entrevista realizada com Marlene e Nelson. General Salgado. 16/07/2008. Acervo do pesquisador.
122
Chicão: para mesmo, aquelas máquina para mesmo, se quebrar ou se chover, se
chover muito elas para porque não tem como rodar, mais se tiver quente aí é dia e noite,
rodando direto.
Euberli: dia e noite sem parar!
182
Os trabalhadores estão atentos às proposições que acabam sendo veiculadas nos meios
de comunicação e às conversas que vem sendo debatidas e implantadas pelas empresas. Dia
e noite sem parar” resume bem a noção que estes trabalhadores têm deste processo que vem
sendo implantado na usina da cidade e região.
Mesmo diante de tantas inovações e tecnologias implantado no setor, Chicão sabe que
se “chover e quebrar” as máquinas não conseguem manter a regularidade no processo de
produção e corte. Esse posicionamento do trabalhador reitera suas perspectivas de futuro e as
possibilidades de continuar exercendo a profissão de cortador-de-cana.
Euberli expressa a luta dos trabalhadores para se manter na atividade do corte-de-cana
na cidade. Mesmo com a chegada das máquinas, o trabalhador reitera que elas só corta cana
em pé, cana caída ela não corta não, corta as em pé, naquelas curvas de nível ela não
corta, ela já deixa, no carreador, corta só no reto, só plano”.
183
O argumento do trabalhador expressa sua luta para continuar exercendo no campo a
atividade de “ser cortador de cana”.
A proporção de utilização de um ou outro sistema varia de acordo com as estratégias
de investimento de cada empresa, que leva em conta a topografia de suas unidades de
produção para decidir entre colheitadeiras mecânicas e trabalho manual.
O trabalhador tem conhecimento das condições naturais que impedem a introdução
das máquinas na usina. Diferenças topográficas da região também contribuem para que a
expansão do corte mecanizado não se faça em um processo progressivo e linear. De fato, as
colheitadeiras exigem certas condições técnicas e operacionais que nem sempre estão
disponíveis nos canaviais. Apesar de todos os investimentos tecnológicos no setor, as
limitações de parte dos terrenos, onde se planta cana, acaba resultando na convivência entre
dois sistemas de cortes – o mecânico e o manual.
182
Entrevista coletiva realizada com Chicão e Euberli. General Salgado. 25/08/2008. Acervo do pesquisador
183
Idem.
123
O Jornal Diário da Região vem debatendo essa questão e colocando em pauta
diferentes interesses de grupos diversos. A socióloga Laura Maria Regina Tetti, especialista
em meio ambiente, participou da palestra mais aplaudida no Seminário Agroindustrial de
Catanduva. A pesquisadora está indignada com as medidas do Governo do Estado proibindo a
queima da cana-de-açúcar o que, a seu ver, induz a uma aceleração na mecanização do corte.
De acordo com a matéria no Diário da Região:
“A cana é uma atividade onde 95% dos trabalhadores têm registro em carteira. Vão
todos para a rua com a mecanização”, prevê Laura Tetti. “Cada máquina que entra
numa lavoura, expulsa oitenta trabalhadores”, afirma ela. A socióloga, que dirigiu a
Cetesb de 1987 a 92, faz as contas: “Temos 1 milhão de trabalhadores na cultura da
cana. Do total da área, 60% é mecanizável, ou seja, 600 mil trabalhadores sem
qualificação, analfabetos, perderão o emprego com a colheita mecânica e irão agravar a
favelização das cidades”. A conclusão da socióloga é um presságio assustador: “Podem
começar a instalar alarmes em casas e carros, contratar seguranças, fazer seguro contra
roubos e arrombamentos e comprar coletes a prova de bala. Essa horda de
desempregados vai para o salve-se-quem-puder contra qualquer pessoa que tiver algum
bem ou alguma comida.”. [...] Laura concluiu sua palestra afirmando: “A evolução
tecnológica é inexorável, mas, se formos sensatos, cada máquina que entrar num
canavial deverá nos levar às lágrimas”.
184
Em decorrência desse raciocínio, Laura Tetti define como inoportuna a atitude dos
técnicos que pretendem proibir a queima da cana na colheita. O argumento dos técnicos,
segundo a socióloga, é a defesa do meio ambiente. Com essa preocupação, inicia-se uma
rápida corrida no Estado de São Paulo para a implantação da mecanização no corte-de-cana.
Estes são os elementos em jogo quando se fala em utilização do corte manual e se
aposta na incorporação do corte mecanizado em todas as unidades produtoras de cana-de-
açúcar. A proibição da queimada reduziria diretamente a produtividade do corte manual.
Acontece que o Decreto Estadual 4.056, de 6/18/1997, que previa a extinção da queima em 8
anos para o corte mecanizado e em 15 anos para o corte manual, não entrou em vigor. Os
usineiros pressionaram os deputados e estes flexibilizaram os prazos e as metas para a
eliminação da queimada nos canaviais. A Lei 11.244 estende o prazo até 2021 para o sistema
mecanizado e até 2031 para o sistema manual. Recentemente o governo paulista reduziu este
prazo para 2017.
185
184
Safra da cana II Mecanização na lavoura canavieira recebe crítica. Jornal Diário da Região. São José do Rio
Preto, 7 de abril de 2002
.
185
Essas questões foram enunciadas e debatidas no Jornal Dário da Região. 7/02/ 2002.
124
Os trabalhadores estão atentos as questões ambientais que são debatidas entre eles e os
funcionários da Usina e nos meios de comunicação. Sido expressa um conhecimento sobre a
problemática da queimada da cana e, respectivamente, do meio-ambiente. Ponderando sobre
essas proposições, ele falou:
Sido: Outra coisa que estão falando também é sobre o meio-ambiente, eles não quer
queima a cana, por causa do meio ambiente, a fumaça, essa poluição tá estragando muito
o meio-ambiente, então eles não quer que queima a cana, então essa máquina aqui ela
corta a cana crua ela não precisa de queimar a cana.
Eber: Há uma preocupação com o meio-ambiente?
Sido: É com o meio ambiente, então essa maquina aqui corta a cana sem queimar, porque
que eles estão falando que vai tirar os filhos dos cortadô, do corte-de-cana. Porque os
cortador-de-cana, pra modo ele cortá cana tem que ser queimada pra empresa e aqui,
não! Éssa máquina ela corta cana sem queimar, não precisa queimar a cana. Então vai
miorar muito esse assunto ai ó. Então o meio ambiente e o Ministério do Trabalho não
quer que queima cana de jeito nenhum. queimando agora a noite, pode queimar
agora das 8 da noite até as 6 da manhã. Se queimar cana durante o dia, foi avisado com
dois mês que eles avisou, que é rastreado pelo satélite isso aí, se eles vê que foi queimado
durante o dia, hum 150 mil a multa e, qual é delas [Usina] quer levar essa multa de 150
mil? Não pode queimar de jeito nenhum durante o dia, porque sabe que é a umidade do
ar tá muito baixa, tá muito baixa, então não pode queimar de jeito nenhum.
186
O cortador-de-cana Sido tem conhecimentos das preocupações em torno do meio-
ambiente. A cana queimada facilita o corte manual dos trabalhadores. Antes de ser cortada, a
cana é queimada, o que é feito, em geral, à noite na véspera do dia do corte, por outros
trabalhadores da Usina. Em algumas situações, como nas proximidades às zonas urbanas, os
cortadores devem cortar a cana crua ou “na palha”. Sido diz, olhando para o panfleto, que as
máquinas que cortam a cana crua, na “palha” não precisam ser queimadas.
Além do risco de incêndio e de explosões que podem atingir os trabalhadores no
ambiente de trabalho, as queimadas da cana representam um risco ambiental de grandes
proporções. A fuligem espalha-se pelas cidades causando incomodo às populações através da
sujeira deixada nas residências. As partículas respiráveis da fuligem em muito contribuem
para aumentar a incidência de doenças respiratórias que atingem, principalmente, as crianças
e os idosos durante o período da safra. A fauna que habita os canaviais também é prejudicada
pelas queimadas. Depois que o fogo se apaga, é possível observar as aves de rapina, os
pequenos roedores, cobras e outros animais peçonhentos que a queimada dizimou.
186
Entrevista realizada com Sido. General Salgado. 14/07/2008. Acervo do pesquisador.
125
A preocupação com o futuro dos filhos também é efetivada na fala do trabalhador,
pois eles estão falando que vai tirar os filhos dos cortadô, do corte de cana”. O sonho de
Sido é dar estudos para os filhos, pois almeja que eles consigam outro trabalho. Ele também
se preocupa com a preservação do meio-ambiente, pois acredita que as medidas que vem
sendo adotadas vão “miorar muito esse assunto ai ó...do meio- ambiente”.
Jacildo narrou as suas perspectivas de presente e futuro em relação ao trabalho no
corte-de-cana. O trabalhador assinalou seus planos e projetos em busca de melhores condições
de vida e trabalho. Ressaltou como esse processo de mecanização e apontou a saída para
continuar lutando pela sobrevivência na cidade.
Eber: eles tão falando sobre mecanização, chegada das máquinas, o que você ouviu
falar sobre isso? Já ouviu alguma coisa?
Jacildo: É agora assim, não sei se por aqui apareceu as máquina que agora ta
cortando, tem umas máquina que planta, outras que corta cana[..] rapaz eu penso
assim, depois que apareceu essas maquina, vai ficar difícil, pra quem ta nessa profissão
de cortar cana, vai ficar difícil, vai ficar sem serviço, até pra capinar mato agora tem
o veneno né, tem o veneno pra matar o mato, por isso que eu to pensando em ter que
estudar, estudo porque, to vendo ai tem que estudar na escola, fazer alguma coisa,
porque o cabra sem profissão agora ta difícil! ![...]Eles falam que é pra poteger o meio-
ambiente, mas eu quero ver se eles vão parar de jogar veneno nas lavouras, porque
isso também é ruim paras as plantações, né!.
A possibilidade de modificar uma situação de dificuldade vivida na cidade faz com
que Jacildo viabilize determinadas estratégias para continuar lutando e organizando a vida
material, seja na usina, ou em outra atividade.
Jacildo questiona essa política, do Governo e Usineiros, de acabar com as queimadas
no corte-de-cana e introduzir a mecanização. O trabalhador chama a atenção para outra
questão ambiental, como o uso indevido de agrotóxicos nas lavouras de cana que é prejudicial
para o meio-ambiente, causa doenças respiratórias e é um problema que está em evidência nos
meios de comunicação etc.
A poluição do solo, da água, da vegetação nativa no entorno dos canaviais e a extinção
da respectiva fauna é um fato muito importante e que deve ser considerado nesta expansão. O
uso intensivo de herbicidas no cultivo da cana como maturador, da forma que vem sendo
utilizada, uniformiza a colheita na lavoura, além de ser um fator que pode agravar o risco de
contaminação ambiental. O uso de adubos solúveis, notadamente os nitrogenados, também
são fontes difusas de contaminação do solo e do lençol freático e deveria ser monitorado.
126
FIGURA 20: O trabalhador Jacildo em e seus amigos de turma na hora do almoço.
Acervo do autor.
O desejo do trabalhador é buscar outras oportunidades de trabalho e, para isso, ele
pensa em dar continuidade aos seus estudos. Jacildo quer aproveitar o período da safra e
voltar para escola, pois tem consciência das ameaças futuras na atividade do corte-de-cana.
A fotografia foi produzida a pedido de Jacildo: “tira uma foto minha na roça, que vou
mandar pra minha familia”. O trabalhador tem incertezas quanto ao seu futuro na cidade e no
trabalho. O trabalhador iria enviar, por carta, a fotografia á família em Pernambuco. O retrato
expressa lugares de memórias,
187
de trabalho e de luta vivida entre o campo e a cidade em
General Salgado.
Os trabalhadores demonstram o saber-fazer que faz parte da cultura que adquiriram no
meio rural. Sido narra da seguinte maneira:
A gente aprendeu á mexer com negócio de cana, mas como as máquina chegou e
chegando cada dia a mais. Mas como eu falo, a gente entende de roça, de plantação
de milho, de algodão, de feijão essas colheitas, essas coisas, a gente entende. Então a
187
Nora, Pierre. “Entre memória e história. A problemática dos lugares”. In: Projeto história, São Paulo, nº 10, p.
59-72, dez. 1993, p. 13
127
gente tem prática disso daí, se falar assim; não vai ter mais serviço de corte manual
no corte-de-cana e, falar assim; vai voltar a plantar feijão, milho, algodão, a gente sabe-
fazer a mesma coisa o serviço, sabe-fazer. Que nem aqui essa máquina corta, mas ela
não planta, mas que eu creio assim que não vai acabar de uma vez o serviço de
corte-de-cana, por quê? Porque aqui ela corta, mas sempre vai ter que cortar manual
pra plantá, porque se eles for corta, só corta, e nunca corta pra plantar então ai vai
chegar um tempo que vai acabar. Então esse tempo a gente tem que cortá manual pra
poder plantar e a gente sabe fazer, sabe como é que toca, sabe tudo certinho, a gente
sabe-fazer, se causo falar assim, parou o plantio não vai mas cortar a cana, mais de
facão, a agente sabe mexer com outros tipos de serviço.
188
Todos os trabalhadores entrevistados tiveram suas primeiras experiências de trabalho
no campo. Para Sido, o corte manual pode acabar, mas o processo que se inicia na plantação
da cana até o corte possibilita perspectiva de trabalho para muitos deles. No diálogo com o
trabalhador, ele dizia que: “eu entendo do plantio até o corte, chegar lá”, demonstrando
que pode efetuar outras funções e postos de trabalho na usina. O trabalhador reitera que sabe
fazer outros tipos de serviços no campo, “entende de roça, de plantação de milho, de algodão,
de feijão essas colheitas, essas coisas, a gente tem prática disso”. Sido busca construir suas
falas em terceira pessoa. Ao adotar esse modo de narrar, o trabalhador compartilha suas
vivencias e experiências de trabalho com tantos outros que sabem lidar com a cultura do
campo nas lavouras, nas mais diferentes plantações.
O trabalhador tem consciência da expansão da monocultura da cana na cidade, na
região e no Brasil. Sido cobra dos Governos a diversidade, e as alternativas” de plantios
para continuarem exercendo o trabalho que sabem lidar. Em sua fala:
Tem que partir pra outra coisa, sei lá a gente sabe-fazer mexer em roça de algodão, feijão
essas coisas aí. Mas, assim, o Governo tem que voltar, tem que pensar uma outra
alternativa pra gente ter outro negócio de plantio aí, porque senão como vai fazer.
Porque eles mesmo que o tirando o serviço do pessoal, porque esse negócio de cana
emprega muita gente né?! Muita gente numa época dessa, então se falar hoje não tem
mais aí, tem que ter outras coisas pra fazer, e tendo dessas coisas que a gente sabe fazer,
tendo plantio de algodão, de feijão, de milho porque a gente sabe, a gente é acostumado
fazer isso ai, a gente faz, gente entende muito bem fazer isso aí.
189
As roças de algodão, de feijão e de milho fazem parte do saber-fazer desses
cortadores-de-cana que sobrevivem e trabalham na cidade de General Salgado. O trabalhador
188
Entrevista realizada com Sido. General Salgado.14/07/2008. Acervo do pesquisador.
189
Idem.
128
se predispõe ao trabalho rural, pois possui certo domínio, um saber, um conhecimento da
atividade, construído ao longo de suas experiências.
Diante dessas questões, os trabalhadores vão se (re) organizando nas pressões e limites
da vida cotidiana e nas maneiras de permanecerem no trabalho e na cidade.
O trabalhador Chicão narrou às perspectivas de futuro dele e de sua família:
Daquí algum tempo é parar e ficar mesmo. Chegar na Bahia e falar ó não vou sair
mais, sossegar por alí mesmo, tanta máquina hoje que daqui uns dias não tem, nós não
corta cana mais, daqui alguns anos aí. Chegar na Bahia e dizer ó vou quietá aqui, e não
saí mais, fica por mesmo, arrumá um serviço lá viver e ficar por mesmo. [...] Cana
caída podia vir do jeito que for pra nós, mas essas máquina nova que tem elas pegam
assim ó, arranca tudo. Tem um lugar chamado no Arabá, parece, umas máquina por
acabou a safra logo, logo. Acabou no dia 5 agora de dezembro lá (inaudível) as máquinas
bagaçou tudo, falaram acaba dia 15 de dezembro,[...], dia 5 de dezembo as máquina lá
bagaçou tudo. [...] Nós vamos ter que ir embora pra Bahia!
190
Os trabalhadores sazonais, como Chicão e sua família, que vêm para os canaviais
paulistas no período da safra, já veem a possibilidade de ficar na cidade de Iuiu na Bahia. Com
a mecanização do corte, Chicão pretende trabalhar nas lavouras e nos plantios da cidade de
origem, na Bahia. O trabalhador lutou todos esses anos no corte-de-cana para construir sua
casa e adquirir alguns bens para a família: “comprei geladeira, sofá, cama nova, ta tudo lá”.
As discussões sobre o futuro são travadas entre ele e a esposa Zezé no âmbito das
relações familiares. A narrativa dos trabalhadores:
Chicão: tem hora que eu falo, gente tem que ficar quieto no canto da gente e falar o não
vou saí mais não, que não tá compensando mais não! .
Eber Mas já teve tempo bom já?
Chicão: Olha antigamente, quando eu tínha uns dezoito anos, quando eu saa pra cana, o
povo falava é bom e bom demais, mas de quando eu comecei sair já tava ruim, já não tava
igual era de primeiro. Ó eu trabalhei em 2002 aqui, eu cortei cana vamo bota de 15
centavos, nos tamo em 2008 eu cortando cana de 15 centavos, a mesma coisa, não
aumentou nada a cana não aumentou, que tínha que aumentar muito, aumentar o dobro e,
não aumento nada.
Zezé: o resto tudo aumentou, agora o preço da cana mesmo, as vezes eu falo com ele:
“moço, vamos largar mão de ficar andando pro mundo no corte de cana, porque e
sofrimento”, não é como era antigamente, que antigamente a gente cortava cana a gente
ganhava dinheiro e hoje não é mais assim, a gente ganha, mas não é o suficiente do que
era de primeiro. Porque a gente trabalha, trabalha, trabalha e como diz fica aqui.
190
Entrevista realizada com Chicão. General Salgado. 21/08/2008. Acervo do pesquisador
129
Porque aqui é um lugar caro, têm água, têm luz, têm o mercado, tudo é caro, que nem eu
falo pra ele; moço larga mão vamos ficar andando pro mundo, vamos ficar aqui
mesmo[Bahia] ninguém morre de fome, porque tem muita família lá mesmo, que têm a
casa cheio e filho não tão pra fora [...] trabalham por mesmo e vive, e ali da pra
gente viver, eu falo direto pra ele, mas ele acha que é implicância minha. [...] Não é
implicância minha, porque aqui a gente sofre, eu sei que é sofrimento, pra gente viver no
mundo assim trabalhando igual a gente trabalha, assim, é sofrido não e fácil não! é
sofrido, ainda mais como a gente vive tem que pagar aluguel, água e luz, e pra comer, e
quando precisa de um remédio? Então e difícil, então eu falo pra ele direto, a mãe dele
também falava com ele, mas ele acha que é implicância da mãe dele, implicância minha,
mas eu falo com ele direto. Eu falo com ele que é melhor gente ficar na casa da gente no
lugar da gente, é melhor.
191
Os trabalhadores acompanham as mudanças que ocorrem na produção, sentem que as
vagas de trabalho vão diminuir gradativamente com o passar dos anos. Reconhecem que as
novas tecnologias do setor visam a diminuir os custos com a mão-de-obra do cortadores-de-
cana.
O tempo de antigamente”, quando iniciou a atividade como cortador de cana, leva
Chicão a elaborar, em suas memórias, uma vertente de rompimento que se situa em um
perímetro subjetivo de temporalidade. Neste, o passado, tido como bom, impõe parâmetros
para compreender o sentido das perdas vividas no presente.
Este passado está situado no momento em que os trabalhadores conseguiram trabalhar
no corte de cana e adquirir alguns bens para a casa que construíram na cidade de Iuiu, Bahia.
Este passado, elaborado como um tempo bom, interroga o presente através do retorno às
lembranças vividas ou idealizadas. O fato de estarem passando por dificuldades na cidade;
pagando aluguel, água, luz, as despesas na farmácia e no mercado, impede, na concepção de
Chicão e Zezé, o acesso a melhores condições de vida no atual momento na cidade.
Ao reconhecerem isso, no entanto, não particularizariam as circunstâncias do exceder a
um fracasso pessoal. As discussões são travadas no âmbito das relações familiares. Zezé quer
lutar para, nos anos seguintes, ficarem na Bahia, trabalhando nas lavouras de algodão, feijão e
outras culturas que lhes aparecerem na região. A trabalhadora reafirma que as condições que
vivem hoje, no corte-de-cana, não são favoráveis para ela e sua família.
Diante dessas problemáticas, vê-se que os trabalhadores têm consciência das ameaças
futuras no trabalho. Algumas questões, porém, devem ser feitas nesse momento: O que
acontecerá com eles no corte-de-cana? Estarão nos próximos anos na cidade de General
191
Entrevista coletiva realizada com Chicão e Zezé. General Salgado. 25/08/2008. Acervo do pesquisador
130
Salgado? Em que lugares e cidades ele trilharão em busca de melhores condições de vida e
trabalho? Para aqueles que vivem na cidade quais as perspectivas de presente e futuro em
relação ao trabalho na cidade e no campo?
As incertezas quanto ao futuro faz com que os trabalhadores reafirmem suas
experiências nas mais diversas condições sociais vividas pelo e para o trabalho, entre o campo
e a cidade.
___________________________________________CAPÍTULO III
FOI UM TEMPO MUITO DIFICIL, MAS GRAÇAS A DEUS ESTAMOS
TODOS JUNTOS!
(Re) ordenando espaços e (re) construindo convivências
Aqui é bom demais, eu não tenho o que falar
daqui o, aqui pra mim lugar bom. Trabalhei
aqui, tenho amigo aqui, fiz amizade com todo
mundo, aqui pra mim é bom. [...] “Era um
sofrimento deixar a esposa para trás e as
crianças. Ficava aqui com a cabeça voltada para
a família. Foi um tempo muito difícil, mas graças
a Deus estamos todos juntos”, (entrevista com o
cortador-de-cana, Chicão).
132
A presença desses cortadores-de-cana, em General Salgado, redimensionou(a) alguns
espaços da cidade, como: igrejas, centros de lazer, bares, comércio, escola, campos de
futebol e complexos das associações da empresa Generalco etc.
O que esses trabalhadores esperam da cidade? Como suas experiências interferem no
modo de viver deles? E, principalmente, qual a ligação entre a trajetória de vida que possuem
e o modo como vivem e constroem valores, ações e práticas no local?
Dessa forma, propõe-se que as ações e intervenções desses diferentes trabalhadores
devam ser entendidas como atitudes geradas na luta entre classes sociais distintas. Nesta
perspectiva a cidade surge como palco central e, principalmente, como objeto dessa disputa.
A historiadora Déa Ribeiro Fenelon aponta para a importância do estudo da “cidade” a partir
da percepção de práticas levadas a cabo por sujeitos sociais em conflito, disputando espaços e
registrando suas memórias e sua presença nela. Para a autora:
Se compreendermos a cidade como o lugar onde as transformações instituem-se ao longo
do tempo histórico com características marcantes, queremos lidar com essas
problemáticas como a história de constantes diálogos entre os vários segmentos sociais,
para fazer surgir das múltiplas contradições estabelecidas no urbano, tanto o cotidiano, a
experiência social, como a luta cultural para configurar valores, hábitos, atitudes,
comportamentos e crenças. Com isso, reafirmamos a idéia de que a cidade nunca deve
surgir apenas como um conceito urbanístico ou político, mas sempre encarada como o
lugar da pluralidade e da diferença, e por isso representa e constitui muito mais que o
simples espaço de manipulação do poder. E ainda mais importante, é valorizar a
memória, que não está apenas nas lembranças das pessoas, mas tanto quanto no
resultado e nas marcas que a história deixou ao longo do tempo em seus monumentos,
ruas e avenidas ou nos seus espaços de convivência ou no que resta de planos e políticas
oficiais sempre justificadas como o necessário caminho do progresso e da
modernidade.
192
As práticas, nas quais muitos trabalhadores inserem-se, fazem modificar diversos
espaços existentes no interior da cidade. Criam-se, a partir delas, relações de conflito, de
interação, de solidariedade e de desafios. Trabalhar nessa perspectiva tem significado
trabalhar com o que chamamos de muitas memórias, portadoras de outras histórias, por que
são reveladoras de significados e sentidos que pontuam os espaços da cidade e os territórios
dos trabalhadores que impregnam e constituem seus viveres e fazeres entre o campo e a
cidade.
192
FENELON, Dea Ribeiro. “Introdução”. In: Cidades: Pesquisa em História. Programa de Estudos Pós
Graduados em História da PUC / SP, coletânea. São Paulo: EDUC, 2000, p. 07.
133
O espaço da cidade é construído, social e historicamente, numa relação de convívio e
confronto. Alguns trabalhadores foram constituindo-se na cidade em meados da década de
1980 e 1990 e, alguns anos, moram em General Salgado. Estes são reconhecidos como
“os daqui”. A cidade continua recebendo muitos trabalhadores que vem para o período da
safra no corte de cana, e são (re)conhecidos pelos moradores do local como “os de fora”, em
sua maioria trabalhadores do nordeste que vem e vão embora.
No entanto estes trabalhadores cortadores-de-cana, que estão na cidade de General
Salgado. Resistem e enfrentam as adversidades para fazer valer suas histórias contra a
destruição de suas práticas, fazendo valer o direito de ir e vir na luta pela sobrevivência.
O pequeno agricultor Sr. João Dias deslocou-se do campo para trabalhar na cidade.
Fez parte da primeira turma que iniciou o trabalho no corte-de-cana no início de 1980. Ao
narrar sobre suas trajetórias de vida no trabalho, ora como agricultor, ora como cortador-de-
cana, compreende-se as transformações no entorno da cidade e no campo:
Óia aqui já foi um tempo bom mesmo, aqui já foi um São Paulo, santo mesmo. Hoje não
bom mas não. mas naquele tempo era uma benção, chegava assim era terra boa, não
tínha esse negócio de adubo através de veneno. Eu vim pra cá, pra cidade, foi pra
trabaiá, crescer na vida, conquistar alguma coisa, e conseguí minha casinha. No sitio
também não tínha as coisas da cidade né, hospital, essas coisas aí, escola para os filhos
ficava difícil lá [...] A cidade aqui mudou muito de uns anos pra né?! [...] Aqui era
mato, um matagal aí ó, foi fazendo casa, construindo tudo isso aí ó, [...] a Usina também
veio pra cidade, muita gente do sitio, muita gente veio trabaiá aí, veio pro corte-de-
cana. Eu mesmo vim trabaiá na primeira safra aqui na Usina quando abriu, mas sempre
mexi com roça.
193
Os processos de recordações elaborados pelo trabalhador sobre o Estado de São
Paulo
194
foram engendrados num clima de insatisfação com relação ao trabalho na roça. As
imagens projetadas sobre o Estado de São Paulo significaram, para o trabalhador, um lugar
bom de morar e viver. “São Paulo santo”, “naquele tempo era uma benção”, “terra boa”
são as imagens e qualidades que o entrevistado expõe como releitura do presente. O Sr. João
Dias, mesmo trabalhando alguns anos como cortador-de-cana, anuncia sua vida e trabalho
como pequeno agricultor. Para cada trabalhador as pressões se apresentam de forma
específica, mas é possível identificar nestas experiências uma convergência: as
193
Entrevista realizada com o Sr. João Dias. General Salgado. 17/08/2008. Acervo do pesquisador.
194
Fundamentei minhas reflexões sobre a elaboração/reelaboração de imagens não dicotômicas em relação ao
campo e cidade a partir da obra de WILLIAMS, R. O campo e a cidade: na historia e na literatura. São Paulo:
Companhia das letras. 1990.
134
transformações na agricultura brasileira foram, com o capitalismo no campo durante as
décadas de 1950-70, assumindo formas definidas nas experiências de cada trabalhador.
195
O Sr. João Dias viveu com sua família a experiência do deslocamento em busca de
uma melhora de vida. É possível compreender como trabalhador depositou seus sonhos e
expectativas ao buscar oportunidades de trabalho na cidade, nos primeiros anos da safra do
corte-de-cana. Naquele momento, a cidade passava por transformações em diferentes
circuitos e espaços, com construções de várias obras blicas, além da instalação da própria
Usina no município.
Hoje, o Sr. João Dias se conta das pressões que ele e sua família viveram no
campo. O trabalhador almejava usufruir dos serviços públicos oferecidos pela cidade, como:
o hospital, a escola para os filhos e os bancos, esses foram fatores decisivos para o
trabalhador migrar do campo para a cidade e trabalhar como cortador de cana na Usina
Generalco nas primeiras safras.
Em sua fala:
Aqui, em Salgado foi mudando de uns tempo pra cá, faz o que uns 20 anos por aí. [...]
foram construindo hospital, as escola, os bancos tudo isso que você vê hoje na
cidade. [...] Porque abriu a Usina teve que fazer mais tudo isso aí, porque pro vê,
aumentou os morador da cidade né, veio os trabaiadô pra Usina, que até hoje
vêm, tá cheio aí na cidade desse pessoal que vêm de fora corta cana aqui na cidade.
196
A cidade representou perspectivas de trabalho para o Sr. João Dias. È possível
compreender como a cidade foi constituindo-se com a presença dos trabalhadores que
migravam do campo para a cidade; ocupando diferentes bairros em General Salgado. O
espaço foi transformando-se e os modos de vida sendo, aos poucos, modificados. A procura
por melhoria nas condições de vida no sentido de beneficiar-se de serviços não disponíveis
no meio rural –, está presente em suas memórias sobre as transformações que ocorreu na
cidade em meados da década de 1980.
Os projetos de cidade, visualizados na imprensa local, foram pensados e colocados
em prática de acordo com os interesses do grupo de empresários, usineiros e políticos locais.
195
Cf. MOREIRA, V. J. Campo e cidade: experiências de luta pela terra. Universitas, Fernandópolis, v. 1, 2005,
p. 81-91. Ao analisar as experiências dos trabalhadores sem-terra de Sumaré/SP, na luta pela reforma agrária, o
autor busca os significados do fazer-se dos sujeitos como sem-terra em suas trajetórias de migração e vivências
entre o campo e a cidade.
196
Entrevista realizada com o Sr. João Dias. General Salgado. 17/08/2008. Acervo do pesquisador.
135
FIGURA 21: Capa da Revista Visão Regional, veiculada na cidade no final da década de
1980.
136
Essa visão sobre a cidade de General Salgado como potência regional”, a partir da
Usina Generalco, foi complementada com a construção de novos circuitos na cidade, como
conjuntos habitacionais, hospital, escolas, bairros, creches, associações, bancos etc.
A Revista Visão regional veiculou na cidade em 1983. No editorial da revista é
possível acompanhar as construções das obras públicas implantadas na cidade pelo então
prefeito Norival Cabrera. As transformações da cidade foram propagandeadas pela
administração municipal, no sentido de afirmar e legitimar que a cidade apresentava
melhores condições de vida para seus moradores trabalhadores diante as cidades
circunvizinhas.
Nota-se, na imagem acima, que a publicação da RevistaVisão Regional contou com a
tecnologia pioneira de produção e impressão colorida. Ao indagar sobre as formas de
produção e distribuição da revista na cidade, percebe-se que, em suas páginas, mostrou as
obras/construções públicas utilizando-se de fotografias coloridas. Essas opções de
produção/reprodução não foi uma construção meramente técnica, pois a revista foi impressa
e distribuída gratuitamente para os moradores da cidade. Isso leva a pensar a
intencionalidade do grupo produtor, dos redatores e colaboradores enquanto força social na
cidade. Articulados com a administração local, o periódico procurou mostrar as principais
obras públicas construídas em General Salgado.
O projeto político da revista enaltece as conquistas da modernidade” ao dar
visibilidade às principais obras e serviços públicos da cidade. A revista procurou legitimar a
construção de uma cidade que se queria naquele momento “moderna”, e, com isso, apagar o
seu passado rural. Na capa da revista é possível visualizar: Os 3 trevos de acesso da SP 310
à General Salgado, prédios das agencias da caixa econômica federal e Estadual, bancos do
Brasil e do estado, o casal Ivani e Norival Cabrera Rodero, trevo da Praça Irene Costa, Paço
Municipal, biblioteca, Fonte luminosa e a Igreja Nossa Senhora das Dores e E.E.P.G de
General Salgado.
O editorial da revista trouxe à tona a mensagem proferida pelo então prefeito da
cidade Norival Cabrera. Em suas palavras:
Enfocar numa revista tudo o que realizamos durante 6 anos, corresponde a 2.190 dias
ou 52.560 horas como prefeito de GENERAL SALGADO, seria utopia. No entanto,
resumidamente, por uma questão pessoal, obrigação particular acima de tudo, desejo
fazer uma prestação de contas da minha administração ao nosso povo, embora
sucintamente, transmitir algumas informações do que realizamos em beneficio dessa
137
querida comunidade, c/a qual divido todas as vitórias alcançadas como chefe do poder
executivo Salgadense.
197
A construção da cidade e seus diversos circuitos deram-se pela necessidade do poder
público e do empresariado local, de formular seus projetos e legitimá-los com suas práticas,
de acordo com seus interesses de classe.
Essa proposta expressava novas práticas de produção, de comércio e de consumo
para a cidade. As construções de serviços públicos e infra-estrutura colocaram em disputa o
processo de constituição da paisagem urbana e gerou uma contínua tensão nos modos de
vida da população local.
De acordo com o editorial da Revista Visão Regional:
Regularizar a situação da Santa Casa de Misericórdia Nossa Senhora das Dores,
implantar, expandir, duplicar e até triplicar as redes de água, esgoto, guias, sarjetas,
asfalto, energia elétrica, iluminação publica, conservação das estradas municipais,
abertura de novas vias públicas, melhoramentos de novas construções de prédios
públicos, permanente incentivo ao programas de Assistência Social no sentido de
proporcionar mais conforto as famílias pobres da sede do município e das Vilas rurais
de General Salgado, também estavam na minha agenda como plataforma de obras
prioritárias
.
198
A matéria escrita pelo então prefeito Norival Cabrera revela os projetos de reformas
e melhoramento urbano. A preocupação central era atender as novas necessidades de infra-
estrutura da cidade de General Salgado. Como vimos em momentos anteriores, houve
demanda crescente dos trabalhadores que se instalaram na cidade entre meados da década de
1980 e 1990. A cidade apresentava problemas oriundos de infra-estrutura, e estes problemas
deveriam ser resolvidos pela administração local, a fim de melhorar a aparência do
município em pleno processo de mudanças.
A cidade vista no plural revela muitas vezes uma tentativa do poder público, aliado
aos interesses de grupos dominantes, de segregar espaços, carregados de experiências dos
trabalhadores. Esses foram e vão se constituindo em novos bairros, criando circuitos e (re)
ordenando os espaços. uma intervenção direta nos modos de ser e viver destes sujeitos
que são avaliados pelo poder público, que legitimam discursos e práticas excludentes.
199
197
Revista Visão Regional. General Salgado, 1ª edição. 1983.
198
Idem.
199
Os prefeitos não vêem com bons olhos estes trabalhadores e atribuem todo o “caos social” na saúde, na
educação á presença destes trabalhadores nas respectivas cidades da região.
138
O mapa a seguir traz a divisão da cidade em bairros e, diante da construção desses
espaços, é possível visualizar o lugar de moradia do trabalhadores. Apesar do discurso sobre
as possibilidades da cidade receber novos trabalhadores, ela guarda em seu bojo a
segregação; os enclaves e os focos de pobreza, silenciando e explicitando as tensões que a
definem. Ao ocuparem e circularem entre um lugar e outro, estes cortadores-de-cana
redefinem seus usos e lugar de pertencimento em General Salgado. Essa prerrogativa aponta
questionamentos sobre a natureza de interdições de certas práticas sociais, bem como
explicita as tensões que marcam as relações sociais.
200
200
FREITAS, Sheile Soares. Por falar em culturas; histórias que marcam a cidade. Uberlândia MG. Tese de
Doutorado. Universidade Federal de Uberlândia 2009, pg. 56.
134
1
2
3
4
5
6
Entrevistados
Sr. João Dias
Nelson e Marlene
Chicão, Zezé e Euberli
Sr. Exupero Sabino
Jacildo
Sidalino (Sido)
5
2
3
4
6
1
FIGURA 22
Localização dos Trabalhadores
na cidade de General Salgado
140
O Sr. João Dias (1) é um dos primeiros moradores do bairro Jardim das flores.
Quando se deslocou para a cidade, o bairro não oferecia boas condições de infra-estrutura
que possui hoje. No mesmo bairro, Sido reside com sua família (6). Chicão, Zezé e Euberli
residem na Vila Guimarães (2). Estes três trabalhadores alugaram uma casa na cidade, com
valor aproximadamente de R$ 350, 00. A demanda por casas na cidade faz com o preço do
aluguel inflacione. O Sr. Exupero mora nas mediações do centro, na Vila Maron (4). Esse
trabalhador construiu sua casa nos primeiros anos que chegou à cidade. Jacildo (5) convive
com amigos e parentes no Conjunto Habitacional Milton Renda. Na pequena casa, com dois
quartos, uma cozinha, uma sala e um banheiro, o trabalhador divide os espaços com mais sete
trabalhadores que estão na cidade para o corte-de-cana.
Ao olhar para os lugares que cada trabalhador ocupa na casa e no bairro, é possível
perceber as interfaces e contradições do espaço constituído pelos trabalhadores na cidade. A
questão do espaço público é visualizada, levando em conta o conceito de territorialidade de
Raquel Rolnick, em que o sujeito constitui espaços e é constituído por eles.
201
As (re)ordenações desses espaços na cidade de General Salgado e a disputa por
lugares no trabalho é vista pelo trabalhador Nelson da seguinte maneira:
É que nem eu falo, veio a Usina pra cidade, todo mundo saiu das fazendas, dos sitio
na época e veio pra cidade, pra trabalhar na Usina. lotou aqui Salgado, construiu
essas Cohab aí, vim morar na Cohab invadida, que a cidade só tem Cohab né?! [...] E aí
veio os trabalhadores de fora, continua chegando aqui, todo ano vem mais! [...] então
assim, a Usina foi bom, por um lado, não posso reclamar, mas por outro, ficou ruim se
pensar, porque fizeram outro loteamento na cidade, crescendo, demora pra
atender no postinho de saúde, vai lá pra você ver! Então eu penso assim, vindo
muita gente de fora pra cá!
202
O viver no campo desencantou e transpareceu inseguranças e incertezas aos olhos do
trabalhador. A cidade tornou-se um centro atrativo com a implantação da Usina Generalco e
nasceu, para esse trabalhador, como aquela que lhe ofereceria muitas oportunidades. Esse
trabalhador iniciou sua vida na em General Salgado, a partir da luta para conseguir um lugar
para morar com sua família. No inicio da década de 1990, Nelson e outros moradores da
cidade ocuparam a Cohab Orlando Gabriel. As casas foram construídas pela Companhia de
201
ROLNIK, Raquel. “História Urbana: história na cidade?” In: FERNANDES, Ana e GOMES, Marco Aurélio
A.F.(orgs.). Cidade e História - modernização das cidades brasileiras nos séculos XIX e XX. Salvador,
UFBA/Faculdade de Arquitetura, ANPUR, 1992, p. 27-29.
202
Entrevista realizada com Nelson. General Salgado. 16/07/2008. Acervo do pesquisador.
141
Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU). Os impasses e
a demora para o sorteio das casas –, fizeram com que muitas famílias de trabalhadores
ocupassem o Conjunto Habitacional que estava pronto para morar. Nelson aponta a demanda
crescente de população do campo e de outras regiões que se constituíram na cidade. Essa
demanda de trabalhadores, que vem para o corte-de-cana, exige maior infra-estrutura dos
serviços públicos oferecidos na cidade, tanto para “os daqui”, quanto para os de fora”.
Nelson está na cidade muitos anos. Tanto ele e sua esposa; como o Sr. João Dias, Sido e
Exupero se reconhecem como “os daqui”.
203
É possível notar uma intransigência em
comportamentos e falas com os trabalhadores “de fora”, que se beneficiam dos mesmos
serviços oferecidos pela cidade. Esses continuam vindo de outros lugares, ocupando
diferentes espaços da cidade.
Zezé nasceu em General Salgado, mas possui casa em Iuiu na Bahia. Casada com
Chicão, a trabalhadora se identifica como os de fora”. Ao chegar do corte-de-cana tem que
cuidar da casa, fazer comida, lavar roupa, enfim cuidar do lar e da família. Tal afirmação leva
a considerar a complexidade da relação entre homens e mulheres no que se refere à
diversidade de suas experiências no trabalho.
204
Mesmo diante de tantos percalços vividos no
cotidiano da cidade, Zezé expressa a felicidade de morar na cidade, neste momento, e ter uma
casa, um lugar almejado por tantos outros trabalhadores que, sem condições de pagar aluguel,
acabam morando no alojamento da empresa. Zezé falou sobre essa questão:
Eber: o pessoal não gosta de ficar em alojamento, né? É que alojamento assim, mais é
pra homem né. Eber: nem em vilinhas assim, em São Luiz, Nova Palmira? É que
203
Cf. SALVATICI, Silvia. “Relatando a memória. Identidades individuais e coletivas no Kosovo de pós-guerra.
Os arquivos da memória”, In: Revista Projeto História 27:. Nomadismo, memórias, fronteiras São Paulo: EDUC,
2003, p. 33. A historiadora italiana Silvia Salvatici, ao desenvolver um trabalho com depoimentos de refugiados
do Kosovo, levantou questões sobre os processos de lembranças traumáticas na guerra, ou seja, a autora lida com
o sofrimento/trauma como problemática de estudo. Mas atento as intersecções apontadas em sua pesquisa,
quando analisa as narrativas de diferentes grupos, dentre eles sérvios, albaneses, ciganos; é possível observar
numa das questões que a autora problematiza, a presença de novos moradores, trazidos pela guerra,
representando tensões na cidade. Exemplo, Pristina, cidade que recebeu logo depois da guerra muitos migrantes
do campo. Nas palavras da autora: Os efeitos sobre as migrações em grande escala eram mais evidentes na
capital, Pristina. As migrações ocorriam da mesma forma: os ex-aldeões eram hospedados por um período de
tempo inicial, por parentes que moravam na cidade; depois, os que tinham mais sorte conseguiam encontrar
uma moradia e um emprego mais ou menos estável. Uma vez nas cidades, porém, tornava-se mais difícil para os
migrantes mais recentes se recuperarem do sofrimento e da angústia, dado o contexto sociocultural o
profundamente diferente de suas experiências anteriores. A partir das proposições analisadas pela autora é
possível pensar as experiências vividas pelos trabalhadores cortadores-de-cana, que ao se deslocarem, de suas
cidades de origem; do campo, reconstróem territórios e identidades, reinventam tradições e práticas culturais.
204
FERREIRA, Jorgetânia da Silva. Trabalho em domicilio. Quotidiano de trabalhadoras domésticas e donas de
casa no Triangulo Mineiro (1950-2005). Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
2006, p. 30.
142
nem eles [Euberli e Chicão]estavam no sitio do Lazinho em nova Palmira, mas eles não
quiseram ficar lá, porque quiseram vir pra cá pra Salgado, porque aqui em salgado
tem tudo; tem banco e na Palmira não têm, porque quando a gente precisa de um
banco, ou de um médico, de uma farmácia tem que vir aqui, então pra ir pra lá ficava
mais difícil. Toda vez que a gente precisa de comprar um remédio, ou resolver um
problema no banco, ou alguma coisa a gente tem que vir aqui, então já ficava mais difícil
pra gente, então buscamos arrumar uma casa aqui. Pra essas coisas a cidade é
melhor, tem hora que a gente precisa de um médico tá aqui mesmo, mexer alguma
coisa no banco, aqui mesmo, então aqui melhor, essas coisa pra gente é melhor.
Agora que nem eu falei, na Palmira mesmo não tem nada porque o Lazinho mesmo, essa
semana, pediu pra mim pagar um talão de água pra ele pra mim pagar aqui. Então é
ruim, chega no final do mês a gente recebe precisa pagar uma conta na farmácia, uma
conta de água e de luz tem que ser tudo aqui então lá pra nós já ficava difícil.
205
Percebe-se que a trabalhadora mostra-se interessada em permanecer na cidade, para
além dos meses de trabalho. Zezé ressalta o valor de viver em uma cidade hospitaleira, que
emprega e fornece recursos para a moradia e para o viver. Para ela, morar nos distritos que
ficam próximos do município é mais difícil, posto que não existam os mesmos serviços
públicos e privados que a cidade oferece.
A cortadora-de-cana reconhece seu direito à cidade, ao enunciar o acesso aos serviços
que o município lhe oferece como: bancos, médicos, hospital, farmácia, supermercados etc.
Para Zezé e outros trabalhadores que estão na cidade, emaranham-se a reivindicações por
melhorias nos programas de saúde, e floresce a vontade de serem vistos como pertencentes ao
local, buscando dar continuidade às lutas por melhores condições futuras de trabalho.
Percebe-se, com isso, que esse caminhar do alojamento e dos distritos à cidade, e vice-
versa, encobria muitas tramas que se entrelaçavam no viver dos trabalhadores na cidade, pois
buscavam construir um viver melhor em detrimento daquele que levavam nos entornos
próximos à cidade.
Esses trabalhadores de fora” foram se constituindo justamente num momento em que
a cidade ganhava feições e contornos definitivos, crescendo em direção à novas áreas de
pequena densidade populacional. Essa percepção é transparecida por Euberli quando diz que:
“tá aumentando os bairros ai na cidade né?! Vai abrir um loteamento novo, eu ouvi falar,
porque os trabalhadores estão chegando, então precisa de mais casa, de mais lugar na
cidade”. Isso significa dizer que esses movimentos populares de cortadores-de-cana
205
Entrevista realizada com Zezé. General Salgado. 23/08/2008. Acervo do pesquisador.
143
arquitetaram parte importante dessa cidade, participando ativamente de sua construção e da
definição de novos espaços sociais de uso, reivindicação e sobrevivência.
206
O viver na cidade é o resultado das relações que se dão entre estes trabalhadores “de
fora” e “os daqui, demonstrando as tensões, contradições e a diversidade de interesses e
valores que eles possuem, afirmando, assim, que são relações complexas e não um mero
transitar de indivíduos.
Pensar na construção destes trabalhadores na conformação entre o campo e a cidade é
pensar num movimento em que presente, passado e futuro se cruzam e se relacionam com a
forma com que cada trabalhador se apresenta diante da vida, diante dos outros, diante do
mundo.
A riqueza da narrativa destes trabalhadores não está nos dados que eles trazem, mas
nas formas como foram produzindo suas memórias a partir de suas relações sociais vividas
no campo e na cidade e de seus posicionamentos perante os processos de transformações em
inter-relações –, e como vão reelaborando suas experiências sociais vividas de acordo com
suas visões de mundo.
Para os cortadores-de-cana que vem de “fora”, no período de safra, as dificuldades na
conformação da cidade aumentam. Esses trabalhadores não possuem casa própria e precisam
pagar aluguel, água, luz e outras despesas etc. A demanda crescente por casa e trabalho na
cidade vem aumentando nos últimos anos, gerando tensão entre trabalhadores e moradores da
cidade.
Ao chegar à cidade de General Salgado, Euberli enunciou as dificuldades que
encontrou nos primeiros meses.
Eber: você está aqui desde quando? Ah! vai fazer uns cinco meses que tamô aqui,
nós saímos dia 4 de maio. Eber: é a primeira vez que você vem pra cá? È, pelo menos
aqui em Salgado é a primeira vez, agora eles veio, Eber: e a cidade aqui? A cidade
é boa, a cidade não é ruim não, o que mata aqui mesmo é sobre aluguel né?! Aluguel
aqui é muito caro, a gente paga aqui nessa casa 250 reais, e água e energia aqui vem
muito caro!
207
206
SOUZA, João Carlos de. Na luta por habitação: a construção de novos valores. (Mestrado em História).
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1995, p. 55. O trabalho desse autor foi de extrema
importância para percebermos que os moradores/trabalhadores possuem seus projetos de vida quando almejam á
cidade. De acordo com o autor: sair de casa para ir para o trabalho, fazer compra de medicamento numa
farmácia, ou ainda visitar conhecidos parentes, são a rigor momentos na vida dos moradores (...) para alguns
tornam-se marcos significativos em suas vidas.
207
Entrevista realizada com Euberli. General Salgado. 23/08/2008. Acervo do pesquisador.
144
Se a cidade e o trabalho no corte-de-cana representaram, por certo momento,
expectativas e certezas para viver e morar bem na cidade, o desencanto e a insegurança
começaram a delinear as experiências destes trabalhadores em General Salgado. Euberli mora
numa casa de três cômodos com mais quatro trabalhadores, dentre eles Chicão, Zezé e sua
filha. Esse grupo de trabalhadores mora junto e divide os gastos. No entanto, o custo para
pagar aluguel e manter as despesas da casa não equivale ao salário que ganham no trabalho.
Chicão coloca em pauta as dificuldades enfrentadas por ele e sua família na cidade. O
trabalhador vivencia essas experiências com tensões e sacrifícios, no cotidiano da cidade, no
período de safra no trabalho.
As coisas aqui, as coisas não é aqui em Salgado, tudo eu andei no Estado de São
Paulo, eu não sei se é na safra ou se eles querem explorar nós que vêm de fora, mas as
coisas aqui, é bem mais cara do que lá pra nós, bem mais cara. Lá eu faço uma feira de
200 conto, 250, 300 conto fora a mistura eu passo o mês sucegado, sucegado e sobra as
coisas. Aqui eu e a muié, nos dois aqui é 400 e pouco, nois dois, nós três aqui
pode perguntar a ele! É 600 e pouco só a comida, agora vêm o aluguel, vêm água vêm
luz vai longe. O mês passado o talão tá aí, nos pagou 175 real de luz, moço você vai no
açougue e fala eu vou quere 100 real de carne eu pego assim na palma da mão, eu boto
na sacolinha e trago aqui no dedinho caro, caro as coisas aqui é caro. [...] Mas no meu
pensar, eu penso que essa carestia é mais no tempo do corte, na hora que a turma vêm
de fora. Eu penso que eles quer é explorar, eu penso que a carestia nesses mercadinho
mais é por nós vim de fora: vêm piauense, maranhense, vêm mineiro, vêm alagoano,
esses povo cearense é pernambucano a turma chegando então vamos aumentar o
preço! Aluguel? têm um tempo que tá pagando um preço quando chega, mas um alarme
igual agora aí! É difícil. Porque muita gente chega e não tem casa e fica caçando
casa, aqueles que têm alguma pra alugar é 500 conto, 400 conto, 300 conto né, o cara
no meio da rua, tem de alugar, não é fácil gasta muito.
208
As mesmas problemáticas vividas na cidade foram apontadas por Zezé:
Eber: e na hora de alugar casa? É na hora de alugar a casa, assim é um pouco meio
difícil né, nessa época agora de corte de cana, pra achar casa aqui é difícil, e quando
acha o aluguel é um absurdo. Eber: o aluguel subiu? Sobe né, porque assim, tem muita
gente de fora né?! é gente da Bahia, que nem agora do Maranhão, Piauí, de Minas,
então vem muita gente e fica difícil pra arrumar uma casa, difícil. Esta daqui mesmo
deu trabalho porque quando eles vieram aqui mesmo, eles ficaram num sitio alugado,
mas teve que esperar no sitio, então depois eles queriam vir pra cá, foi difícil de
achar essa casa aqui.
209
208
Entrevista realizada com Chicão. General Salgado. 21/08/2008. Acervo do pesquisador
209
Entrevista realizada com Zezé. General Salgado. 23/08/2008. Acervo do pesquisador
1
45
Zezé apontou as dificuldades para encontrar uma casa na cidade. Ela e sua família
tiveram que esperar no sítio, em Nova Palmira distrito que pertence ao município –, e andar
por varias lugares da cidade para encontrar a casa em que moram. A partir das experiências
vividas entre o campo e a cidade, Zezé mostrou sua vida de luta no trabalho, ora na roça ora
como empregada doméstica, e agora no corte-de-cana em General Salgado.
Novas configurações no campo rural são percebidas através do constante
deslocamento de homens e mulheres por diferentes lugares. Essas práticas fazem com que se
inter-relacionem, entrecruzem-se, apontando através de relações afetivas, sociais, culturais e
econômicas –, modos de vida inseridos em um não-lugar
210
, mas que vão sendo construídas a
partir das relações sociais vividas por eles, em busca de trabalho.
A perspectiva e a imagem que estes cortadores-de-cana possuíam, era que a cidade
comportaria as pessoas independentemente de sua condição, aliás, seria a oportunidade de se
fazer alguma condição. No entanto, as dificuldades apontadas por Chicão, não somente em
General Salgado- mas por outras cidades e regiões do Brasil como trabalhador cortador-de-
cana –, materializa-se como algo muito distante e uma realidade totalmente diferente e
projetada pelo trabalhador e sua família. Era essa a diferença que representava as várias
possibilidades de se fazer uma vida diferente, fato que no campo, no trabalho com algodão,
café, e outras culturas não foi possível, pois todas as possibilidades já estavam esgotadas.
Chicão tem em sua fala uma forma una e singular de posicionamento crítico, e uma
ampla visão política de suas experiências e vivências ao longo de sua trajetória. A narrativa
do trabalhador é muita rica em detalhes e mostra a realidade e os problemas enfrentados em
sua vida no presente. Ao pontuar sobre a exploração que os que vêm de fora” sofrem na
cidade com o aumento do aluguel, das despesas no mercado, água e energia, o trabalhador
elucida que essa “carestia” se deve ao fato de um grande contingente de trabalhadores estar
disputando espaço e trabalho na cidade. Para ele, aumentou as demandas por serviços e
consumos, pois são: piauiense, maranhense, vem mineiro, vem alagoano, cearense, é
pernambucano, a turma tá chegando, vamos aumentar o preço”.
As expectativas de uma vida melhor e digna, para estes trabalhadores considerados
“de fora,” depara-se com as decepções e desilusão. Diante do que foi exposto na fala de
ambos, é possível evidenciar como estes acabam (des)construindo as suas visões e
210
ARANTES, Antonio A. Paisagens paulistanas: transformações do Espaço Público. Op. cit. p. 132-134.
146
expectativas sobre a cidade, através de algumas experiências e vivências que marcam uma
trajetória de muitas lutas, esforços, privações e necessidades que se enunciam.
As relações sociais não são fixas, estáticas e mudas, pelo contrário, elas surgem de um
diálogo e ganham força nas expressões desses trabalhadores cortadores-de-cana na cidade.
Em suas maneiras de falar, de vestir é possível perceber suas atuações e intervenções nos
diferentes espaços da cidade. Suas memórias surgem enquanto expressões de opções de vida
individuais, bem como experiências inseridas e constituídas dentro de um quadro social mais
amplo e complexo de suas culturas.
Essa relação de confronto evidencia-se nas falas de Nelson, ao trazer à tona essa
questão:
È porque vem esse cortadô de fora, é maranhense, piauiense, todos esses aí, as coisas
aumenta aqui na cidade pra nós que somos daqui.[...] o preço do tomate no mercado vai
ver? Aumenta tudo! É aluguel, é as coisas no mercado, é por causa desses que vêm de
fora. Eber: mas por que são chamados como “os de fora” Nelson? É porque eles não
moram aqui, eles não têm casa fixa aqui, mora de aluguel, mora em basntante. Pra você
ver, eles vêm aluga uma casa que seja 500 reais, mas mora 10, 20 pessoa numa casa só,
divide os gastos, então fica pouco pra cada um. [...] mas acaba a safra e eles vão
embora, e o dono da casa quer continuar alugando a casa pelo mesmo preço pros daqui,
então você como é que é? Agora a gente que mora aqui, e tem muitos que vieram,
trouxe a família e ficou por aqui, mas a maioria vêm pra trabalha, ganha dinheiro,
porque não tem muita despesa e vão embora, viu, como é complicado.
211
A preocupação de Nelson se refere ao aumento dos produtos consumidos pela sua
família na cidade. Sob a ótica da lei da oferta e da procura, o trabalhador aponta a relação
conflituosa entre os cortadores-de-cana que moram na cidade, com residência fixa, e os
trabalhadores que vem para o período da safra e vão embora. A coexistência de culturas
distintas parece ser marcada por estas disputas de “desqualificação” do outro, como uma
ação que pode tanto separar grupos diferentes quanto unificar aqueles, que, em algum aspecto,
identificam-se, consideram-se como iguais.
Parece que a intolerância daqueles “do lugar” é uma forma de autodefesa, de procurar
deixar o outro à distância, para que os de foranão venham lhe ocupar o espaço, seja no
corte de cana, ou mesmo no supermercado com o aumento dos preços dos alimentos, o preço
do aluguel e outros serviços e atividades na cidade”.
212
A distinção entre “os daqui e os de fora” se inicia pela constituição física,
marcadas pela especificidade do tom da pele, estatura, características dos cabelos, sotaques,
211
Entrevista realizada com Nelson. General Salgado. 16/07/2008. Acervo do pesquisador.
147
pronuncias e formas de expressão diferenciadas que os distinguem entre si e dos moradores
locais.
213
Tomar como referência os problemas sociais atuais, entendendo-os como parte
constitutiva desse processo desenfreado da implantação de Usinas na região, leva a
suscitar
que estes trabalhadores cortadores-de-cana vêm em busca de trabalho no período de entre-
safra das pequenas cidades do noroeste do Estado de São Paulo. Eles representam novas
demandas ao poder público. Os postos de saúde recebem maior número de trabalhadores
fazendo consultas, as escolas recebem novos alunos matriculados, o comércio e a economia
local são aquecidos com contingente maior de trabalhadores consumindo nas cidades. Essas
questões têm configurado embates entre os trabalhadores cortadores-de-cana nas cidades, os
moradores, o poder local, os empresários e a administração pública.
Quando se tratou deste problema nas cidades do interior do Estado de São Paulo,
tensões, projetos e embates se enunciaram e se configuraram nas páginas do Jornal Diário da
Região, nos últimos anos, com muita expressividade.
A matéria publicada no dia 9 de janeiro de 2007, no jornal Diário da Região,
expressou incômodos causados pelo afluxo de trabalhadores nas cidades do noroeste paulista.
Com o titulo: Prefeitos declaram ‘guerra’ aos migrantes”, o jornal é porta voz de problemas
enfrentados pela administração pública:
Prefeitos da região de Rio Preto declararam guerra aos migrantes que vêm para as
cidades produtoras de cana-de-açúcar em busca de emprego no período da safra. A
principal reclamação dos prefeitos é que essa população flutuante sobrecarrega os
serviços públicos, principalmente os da Saúde. Para evitar o colapso no atendimento e o
endividamento dos municípios, a Associação dos Municípios da Araraquarense (AMA)
está promovendo um levantamento entre as 120 cidades filiadas para traçar o perfil e a
população dos migrantes. O objetivo será cobrar, tanto do governo estadual como dos
usineiros, a conta dos serviços prestados aos trabalhadores itinerantes. Em algumas
cidades, a população migrante que busca serviço na cana ultrapassa cinco mil pessoas
no período de safra. Impossibilitados de colocar “porteiras” nos municípios e impedir a
entrada dos trabalhadores, os prefeitos querem mais verbas para resolver o problema.
214
Os trabalhadores cortadores-de-cana, que integram esse processo desenfreado da
agroindústria canavieira, não disputam lugares com os moradores no trabalho e na cidade,
213
CARMO, Maria A. A. Entre safras e sonhos: trabalhadores rurais do sertão da Bahia á lavoura cafeeira no
cerrado mineiro. Op. cit.p. 50-52.
214
Jornal Diário da Região, 9 de janeiro de 2007.
148
como representam novas demandas à administração pública quanto a saúde, educação,
moradia, abastecimento, transporte etc.
No referido noticiário, os prefeitos da região (incluindo a cidade de General Salgado)
declararam “guerra” aos trabalhadores cortadores-de-cana. Segundo eles, os trabalhadores
denominados como os “de fora” sobrecarregam o serviço público dirigido à população local e
aos trabalhadores que se constituíram alguns anos na cidade, com a família, os quais se
reconhecem como “os daqui”, sentindo-se privilegiados com os benefícios e serviços
públicos. Nesta perspectiva, os trabalhadores cortadores-de-cana sazonais são vistos como
“invasores” nos municípios da região.
De acordo com o editorial do jornal publicado no dia 8 de fevereiro de 2007, é:
Oportuna a atitude da Associação dos Municípios da Araraquarense (AMA) de elaborar
um censo para medir e traçar um perfil dos migrantes que chegam às cidades da região
durante o período de safra da cana-de-açúcar. Trata-se de planejamento urbano. O
crescimento populacional chega a 18% em alguns municípios na época de corte da cana.
A vinda dos migrantes aumenta, conseqüentemente, os gastos das prefeituras com
Educação, Saúde e Habitação. É uma questão matemática. Torna-se não necessário
mas obrigatório um levantamento detalhado do impacto desta população flutuante nos
serviços municipais, sobretudo na área da saúde, para evitar que os municípios menores
sofram um colapso no atendimento.[...] A responsabilidade envolve municípios, Estado,
União e usinas para que o impacto causado pela vinda dos migrantes não se transforme
numa guerra absurda e politiqueira que vai contribuir para brecar o desenvolvimento
econômico e social da região.
215
Os editores do jornal Diário da Região explicitaram que é importante e oportuna a
atitude dos prefeitos da região, conjuntamente com a Associação dos Municípios da
Araraquarense, de
traçar um perfil dos migrantes que chegam às cidades da região durante
o período de safra da cana-de-açúcar”, pois, como dizem, “trata-se de planejamento
urbano”. Agindo dessa forma, é possível delinear a preocupação dos representantes políticos
com seus projetos de governo nas respectivas cidades.
É interessante notar que as pequenas cidades da região veem a necessidade de
planejamento urbano, e priorizam a atuação de gestores e técnicos que, tidos como seus
construtores, são colocados acima das tensões e disputas que as engendram e as constituem
como espaço vivido.
216
215
Jornal Diário da Região, 8 de fevereiro de 2007.
216
MACIEL, Laura Antunes. “Introdução”. Outras histórias: memórias e linguagens, São Paulo: Olho D`agua,
2006, p. 14
149
A representatividade editorial do Jornal Diário da Região cobertura a AMA
(Associação dos Municípios da Araraquarense), esta associação, por sua vez, elabora em
primeiro plano o desenvolvimento econômico da região, responsabilizando Estado, União,
Usinas e os próprios municípios para colocarem em pauta ações de cooperação. Para o jornal,
resolver os problemas com os trabalhadores que chegam à cidade para o trabalho no corte-de-
cana, é uma questão de matemática”, que deve ser apresentada e resolvida em números, com
pesquisas e levantamento de dados. O próprio jornal tem servido de instrumento para expor
algumas pesquisas que vem sendo feitas sobre os trabalhadores cortadores-de-cana na região.
uma preocupação muito grande dos prefeitos da região com orçamento dos
municípios. Essa questão é difundida pelo Jornal Diário da Região ao expressar que esperam
que o impacto causado pelas suas vindas,(trabalhadores) não se transformem numa guerra
absurda e politiqueira que vai contribuir para brecar o desenvolvimento econômico e
social da região”. Essas explicações naturalizam as relações sociais e contradições no espaço
urbano. O Diário da Região produz explicações que não permitem identificar e explicar os
problemas de perspectiva social das cidades. Pelo contrário, esse olhar pautado pelo editorial
da imprensa regional constrói imagens que estigmatizam a presença dos trabalhadores
cortadores-de-cana nas cidades da região; como se eles fossem o principal problema que as
administrações públicas enfrentam em cada município.
Não fazem parte dos projetos difundidos nas páginas do Jornal Diário da Região
reconhecer os trabalhadores cortadores-de-cana como sujeitos constitutivos desse processo no
trabalho e nas cidades. Articulados aos interesses econômicos e de desenvolvimento da
região, publicaram no Jornal o questionário enviado pela associação dos municípios
araraquarense aos prefeitos da região.
150
FIGURA 23: questionário enviado pela AMA (Associação dos Municípios da Araraquarense)
aos prefeitos da região, incluindo a cidade de General Salgado. (Jornal Diário da Região, 8
de fevereiro de 2007).
Esta associação AMA Associação dos Municípios da Araraquarense tem se
colocado ao lado dos representantes políticos da região, sendo um canal de pesquisa, de
formulação de projetos, de levantamentos de dados e organização de debates. Percebe os
novos problemas trazidos pela produção canavieira, e se desafiada a enfrentar os mesmos.
Interpela os diferentes setores da sociedade a encarar os problemas emergentes na área da
saúde, educação, planejamento, pois a presença dos trabalhadores representa demanda
crescente de moradia, escola e atendimento médico, que ultrapassam a capacidade e infra-
estrutura das cidades, inclusive em General Salgado.
Os projetos da associação vêm sendo contestados por outros grupos e associações. O
presidente do Centro de Tradições Nordestinas (CTN) de Rio Preto, Ailton Neri Lima, taxou
o estudo elaborado pela AMA como “discriminação aos nordestinos”. Disse que, “o direito
151
de ir e vir é previsto na Constituição Federal e os prefeitos não podem impedir a entrada de
migrantes”.
217
A União da Agroindústria Canavieira (Unica) afirmou que vai aguardar os resultados
do levantamento encabeçados pela AMA para emitir a sua posição sobre o assunto. Segundo a
assessoria da entidade,
no Estado cerca de 40% dos 160 mil cortadores de cana são
migrantes contratados de outras partes do país. Não existe uma estimativa de quantos
trabalham nas cidades da região de Rio Preto”.
218
O objetivo da AMA, segundo ela, é promover a união dos municípios e incentivar o
desenvolvimento sustentável da Região Noroeste de São Paulo, onde se localizam os 120
municípios filiados.
Respeitando a vocação e as potencialidades dos municípios filiados, a
AMA subdividiu sua área de abrangência em 12 microrregiões: Araraquara, Catanduva,
General Salgado, Jales, José Bonifácio, Nhandeara, Nova Granada, Novo Horizonte,
Olímpia, São José do rio Preto, Santa do Sul e Votuporanga.
219
Um dos problemas que se
apresentam para a associação, nos últimos anos, é a presença crescente de trabalhadores
cortadores-de-cana nas diferentes cidades da região, que, em busca de trabalho, instalam-se no
local, alguns temporariamente na entre-safra, outros trazem a família e fixam residência na
cidade.
A mesma matéria do dia 9 de janeiro de 2007
220
apresenta os trabalhadores cortadores-
de-cana como clientes do SUS”, dando margem a compreendermos os diferentes olhares,
comentando os problemas emergentes nas cidades:
O prefeito de Nova Granada, padre Aparecido Donizete Marteli (PT), afirmou que os
recursos públicos destinados ao município “são para os seus habitantes”. Por isso, o
petista também reivindica mais verbas para manter os cerca de dois mil moradores
temporários que recebe durante o período da safra. “Existe falta de moradias e os
trabalhadores têm de morar até em barracões”, disse. A prefeita de Catiguá, Vera Lúcia
Azevedo Vallejo (PPS), afirmou que não possui arrecadação suficiente para manter essa
população flutuante. “A cada ano a população cresce, uma vez que migrantes decidem
permanecer por aqui e trazem sua família de outro Estado”, diz. O prefeito de Tabapuã,
Jamil Seron (PSDB), afirmou que a cidade receberá cerca de 3 mil pessoas - entre
cortadores de cana e seus familiares - para a próxima safra. “Fizemos uma estatística
que mostra a realização de 6 mil a 7 mil consultas médicas ao mês. Quando os migrantes
estão aqui as consultas sobem para cerca de 12 mil. Temos crescimento da distribuição
217
Jornal Diário da Região, 8 de fevereiro de 2007
218
Jornal Diário da Região, 8 de fevereiro de 2007
219
Site da AMA – Associação dos Municípios da Araraquarense. Link: objetivos da associação na região
noroeste. Acesso em 03/08/2008.
220
Jornal Diário da Região: “Prefeito declaram guerra aos migrantes”. 9 de janeiro de 2007.
152
de medicamentos e de cesta básica.” “Eles (migrantes) gastam apenas para comer e
levam o dinheiro embora”, disse Seron. “Existe um descontrole na vinda dos migrantes
para região. São ‘clientes’ do SUS”, afirma o prefeito de Paulo de Faria, Luís Desidério
Borges (PSDB).
221
As pequenas cidades que possuem uma Usina sucroalcooleira vêm enfrentando esses
problemas. As empresas necessitam dessa mão-de-obra, e as administrações públicas das
cidades padecem com essa situação, pois novas demandas urbanas levam à reivindicação de
mais verbas perante o Estado, a União e as próprias Usinas para manter os trabalhadores
migrantes nas cidades.
Os diferentes olhares explicitam as tensões que tem suscitado na região noroeste do
Estado de São Paulo. A preocupação dos prefeitos de algumas cidades “é com os seus
habitantes” e com a reivindicação de mais verbas para investir na saúde e educação.
Percebe-se, nas narrativas apontadas pelos prefeitos, a existência de uma recusa
intransigente em aceitar que as cidades pequenas e aparentemente harmônicas” da região
produzem pobreza e exclusão e que, por conseguinte, gera, em alguns momentos, resistência e
contestação por parte dos trabalhadores vindos de “fora”. Justificam os males urbanos como
causados pelos migrantes, elementos vindos de fora, trazendo com eles o caos social. É
interessante notarmos como estes administradores negam as práticas dos trabalhadores,
tratando-as como atrasadas, inadequadas ou obstáculos ao progresso e ao desenvolvimento
econômico das cidades.
O jornal Diário da Região
222
trouxe, em suas páginas, mais uma matéria relacionada às
problemáticas, vividas na região, com os trabalhadores de fora”, em sua maioria dos estados
do nordeste. De acordo com a matéria:
Desempregado vira mendigo
O aumento da demanda de mão-de-obra nos canaviais tem agravado a chaga social dos
migrantes nordestinos na região de Rio Preto. A péssima condição de moradia desses
trabalhadores é problema antigo. Mas, em Monte Aprazível, um detalhe tem chamado a
atenção do Sindicato do Trabalhadores Rurais: rejeitados pelas usinas e cooperativas e
sem ter onde ficar, migrantes se tornam moradores de rua muitos perambulam pelas
pequenas cidades da região em busca de comida e dinheiro para conseguir retornar ao
Nordeste. Só no último mês, o sindicato atendeu dez cortadores nessa situação, de
acordo com o presidente da entidade, Gilmar Cândido Inácio. “Eles vêm tentar a sorte
aqui, mas muitas vezes não encontram trabalho e ficam sem dinheiro para voltar. A
saída é a rua”, diz. A coordenadora regional da Pastoral do Migrante, Inês Faccioli, se
221
Idem.
222
Jornal Diário da Região: seção: Nordestinos. Migrante sobrecarrega serviço público. São José do Rio Preto,
23 de maio de 2004.
153
diz surpresa com a situação. “É a primeira vez que ouço falar de cortador que virou
mendigo de rua no noroeste paulista”, afirma.
223
Se por um lado, essa “explosão” demográfica esteve dentro dos planejamentos
projetados pelos usineiros da região, que, afinal, precisavam contar com a mão-de-obra dessa
“massa” de trabalhadores para realizarem as atividades no corte-de-cana, por outro, a
presença de grupos tão variados e, em certo sentido independentes, passou a ameaçar a ordem
social até então estabelecida das cidades “aparentemente” harmônicas da região.
Essa pode ser a principal razão pela qual esses trabalhadores “de fora” vem sendo
alvo dos constantes planejamentos e ações empreendidas pelo poder público e empresarial.
Essas questões podem ser notadas por diferentes segmentos da sociedade que procuram
estabelecer limites ou formas “adequadas” para gerir esse crescimento demográfico de
trabalhadores. Entre esses projetos, figuram estudos e ações assistencialistas, seja para custear
as despesas para a terra natal, seja para mantê-los na cidade em que trabalham.
No Jornal Diário da Região:
O impacto social em face do despreparo das localidades em absorver esta mão-de-obra é
o maior desafio. Pelo menos 5 mil do total de cortadores são migrantes nordestinos, um
contigente maior do que muitas das cidades situadas no entorno catanduvense. As cenas
de imóveis sem nenhuma infra-estrutura abarrotadas de cortadores de cana ainda são
comuns. Mas a diretora social da Cerradinho, Silmara Fernandes Dias, acredita ser
possível alterar este quadro. O primeiro passo, segundo ela, é dado quando se investe na
família do trabalhador. “Nós aqui estamos tentando dar nossa contribuição e abrindo
possibilidades”, disse.
224
A questão, portanto, é perceber que os trabalhadores “de fora”, em sua maioria da
região nordeste, vêm sendo apontados pela imprensa regional, empresariado e até mesmo pelo
poder público como causadores da maior parte dos problemas sociais existentes nas cidades.
Ao mesmo tempo em que interessa aos usineiros criarem esse exército
225
de reserva de mão-
de-obra, esse mesmo grupo de empresariados, conjuntamente com as administrações locais,
ressente a perda do controle desse processo social, razão pela qual buscam paralelamente criar
mecanismos de disciplina, ordenamento, repressão e controle dessa população.
223
Idem.
224
Idem, ibidem.
225
GONZALEZ, Emílio. Memórias que narram a cidade. Experiências sociais na constituição de Foz de Iguaçu.
Dissertação de mestrado PUC/SP, 2005. p. 172.
154
uma preocupação das administrações públicas com os trabalhadores “de fora”,
que vem todo ano para as safras no corte de cana na região. O Jornal Diário da Região vem
tratando desse assunto em suas páginas.
Cidades não têm infra-estrutura para receber 5 mil nordestinos: Falta de infra-estrutura
agrava crise social. A migração motivada pela safra canavieira tem conseqüências
diretas sobre as cidades da região. Nas lavouras, 13 mil trabalhadores são mobilizados.
Destes, pelo menos 5 mil são migrantes nordestinos que compõem uma população
flutuante que movimenta as pequenas cidades da região. O problema é a falta de infra-
estrutura para absorver essa mão-de-obra temporária, dependente dos serviços
públicos.
226
As medidas e os mecanismos adotados para “ordenar” os cortadores-de-cana se
evidenciam nas ações tomadas pelos diferentes órgãos públicos e segmentos da região.
No dia 28 de março de 2007, em São José do Rio Preto, ocorreu um fórum para
discutir e debater sobre a presença desses trabalhadores nas cidades. Em suas páginas, o
Diário da Região enunciou o impacto na área da saúde:
O impacto causado pela população de cortadores de cana-de-açúcar na rede municipal
de saúde será discutido pelo Fórum dos Conselhos Municipais de Saúde na próxima
sexta-feira, em Rio Preto. Durante o I Seminário de Políticas de Saúde e População
Flutuante serão apresentadas e discutidas demandas sociais que surgem com a
implantação de novas usinas na região, além de buscar soluções para desafios
decorrentes dessa realidade.
227
O diretor do Escritório Regional de Planejamento (Erplan), Olímpio Severino da
Silva, levou ao Chefe da Casa Civil de São Paulo, Aloysio Nunes, a proposta de que o
governo do Estado repasse 1% da arrecadação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias
e Serviços (ICMS) aos municípios da região que possuem plantio de cana, inclusive General
Salgado.
A proposta foi apresentada durante esse Seminário de Políticas de Saúde e População
Flutuante, realizado na Câmara Municipal de São José do Rio Preto. De acordo com os
debates levantados nesse fórum, percebe-se que as administrações locais direcionaram suas
226
Jornal Diário da Região: Avanço da cana deixa a região vulnerável. São José do Rio Preto, 21 de novembro
de 2007.
227
Jornal Diário da Região. Fórum discute impactos na rede pública de saúde. São José do Rio Preto, 28 de
março de 2007.
155
forças diante do Estado e da União para ambos viabilizarem recursos para que os municípios
possam investir em saúde, assistência social, segurança e planejamento na época de safra.
A força das alianças de interesses, a evidência da disputa de classes, e as diferentes
estratégias que se tramam, procuram transformar as relações sociais vividas por esses
trabalhadores cortadores-de-cana numa certa dominação, que ultrapassam os limites do
planejamento das cidades. Essa questão ficou evidente nas propostas do Seminário,
organizado pela Associação dos Municípios da Araraquarense (AMA) e pelo Fórum dos
Conselhos de Saúde da Micro-Região de Rio Preto, pois apontaram que o impacto social
ocasionado nas cidades ocorre pela migração dos cortadores de cana vindos “de fora”.
Ainda, de acordo com o Jornal Diário da Região:
Todos os anos 40 mil trabalhadores deixam o Nordeste e norte de Minas para se
arriscar nos canaviais da região. O problema, segundo Inácio, é que esse número tem
aumentado 5% a cada ano, em média. “É um crescimento proporcional à expansão da
cana-de-açúcar”, diz. em Monte Aprazível, chega pelo menos um ônibus com
migrantes todos os dias desde o início de fevereiro. Diante da demanda, o preço do
aluguel na cidade aumentou 10% em média. “É a lei da oferta e da procura”, diz o
prefeito Wanderley Sant’anna (PTB). A região tem hoje cerca de 7,2 mil hectares de
cana plantada, segundo a Secretaria de Estado da Agricultura. Mas a pujança
econômica do setor sucroalcooleiro camufla condições de moradia pouco dignas.
Enquanto as usinas se defendem (leia mais nesta página), o Ministério Público do
Trabalho promete novas blitze nas condições de moradia e trabalho dos cortadores na
região ainda neste ano.
228
Segundo o presidente da AMA e o prefeito de Bady Bassitt, Airton da Silva Rego, “o
crescimento populacional nas cidades da região é de 43% e 57%,”, respectivamente, na
época de safra.
A proposição efetuada por esse grupo de prefeitos sugere a necessidade de uma
mudança no pacto federativo para fortalecer as responsabilidades entre os entes federativos.
Na fala do presidente da AMA: “Antigamente o crescimento populacional era sazonal.
Agora, o migrante vem para a cidade com a família, o que aumenta também a demanda na
área de educação”.
229
228
Jornal Diário da Região: Avanço da cana deixa a região vulnerável. São José do Rio Preto, 21 de novembro
de 2007.
229
Jornal Diário da Região. Fórum discute impactos na rede pública de saúde. São José do Rio Preto, 28 de
março de 2007.
156
As reivindicações desse grupo de prefeitos da região, a partir do seminário, fez com
que protocolassem o documento na Casa Civil do Estado, na União, na Bancada
Municipalista, no Congresso Nacional, na Associação das Usinas do Setor Sucroalcooleiro,
além de levar a reivindicação para a Marcha dos Prefeitos, em Brasília.
Estes trabalhadores cortadores-de-cana continuam vindo para as cidades da região;
disputam lugares e firmam sua presença nas cidades, em busca de melhores condições de vida
e trabalho.
230
Na tensão que permeia a mudança, ou permanência de modos de viver, esse
movimentar dos trabalhadores cortadores-de-cana pela cidade prossegue. Diante disso,
destaca-se o crescente número de trabalhadores que se destinam às práticas de comércio nas
ruas, nos espaços de sociabilidades como na escola, no forró, nas associações da empresa etc.
Euberli narrou essa relação de convívio e confronto entre ele e os moradores do local
nos espaços de sociabilidade que ele freqüenta.
Eu vou de vez em quando ali no forró, no salão do clube dançar, diverti um pouco,
porque trabaiar não da, né?!. Como que é dentro do salão? Com os moradores
daqui? Então, os daqui eles ficam olhando pra gente, fica com cara feia, pensa que
gente vai namora as meninas daqui né, [...] As moças daqui não dança com a gente, é
muito difícil, muito difícil mesmo! Eles ficam meio assim, que a gente vem de fora, e a
alí na rua do centro você vê, que tem poucos da nossa turma, o pessoal fica mais em
butequinho assim, vai num forró de música assim [...] alí no buteco do “baiano” lota
vai lá pra você ver? Então é assim!
231
Um contato mais estreito com esses trabalhadores na cidade começa a revelar a
existência de múltiplas formas de diversão, entretenimento, e encontros através dos quais
desfrutam o tempo livre: festas de casamento, almoços com colegas de trabalho,
comemorações de aniversários, bailes, torneios e festivais de futebol de várzea, festas da
igreja, quermesses etc. Euberli freqüenta o bar do “baiano”, demonstrando que compartilham
determinadas referencias identitárias entre eles.
Essa constatação também indica que correlação de forças desiguais nas relações de
convivências na cidade. Elementos se associam à proposição de retirá-los, estendendo e
legitimando a intervenção e interdição nas festas, no forró e dentre outros espaços
No baile, o trabalhador “de fora”, é logo (re)conhecido pela população local. Numa
relação em comportamentos e falas, Euberli é identificado por sua maneira de falar, de se
vestir, de dançar etc.
230
LAVERDI, Robson. Sentidos políticos de ser pescador no Lago de Itaipu. In: Maciel, Laura A. Et AL. (orgs)
Outras histórias, memórias e linguagens. São Paulo: Olho d’água, 2006 p. 139.
231
Entrevista realizada com Euberli. General Salgado. 23/08/2008. Acervo do pesquisador.
157
Em General Salgado, é notável a segregação dos espaços na cidade. Essa dinâmica
envolve disputas contínuas por territórios. Uma cartografia em construção que não é limitada
aos conceitos supostamente definidores do viver a/na cidade, que são propalados em leis,
códigos de postura, planejamentos de associação, fórum de saúde, de educação construções de
novos circuitos, demandas por serviços públicos etc. Os conflitos para que essa determinação
de limpeza e hostilidade”
232
contra os “de foraocorra, são constantes, assim como as
alternativas criadas pelos que vivem essas pressões multiplicam-se.
233
Estes trabalhadores vão constituindo-se na cidade e a cidade vai constituindo-se a
partir de suas práticas. Euberli, Jacildo, Chicão e outros cortadores-de-cana, após chegarem
do trabalho, freqüentam o centro de lazer da Associação dos Funcionários da Generalco e
Agroindústria Canavieira. As tardes no clube deixam a calmaria de lado para se
transformarem em palco de muita animação. Os trabalhadores organizam o Torneio de
Futebol mais conhecido da região Inter-Destilarias –, promovido pelo Sindicato do Álcool
de Araçatuba, entre as usinas da região. Várias equipes participam do torneio que acontece
todo ano em determinada cidade da região.
Euberli narrou sobre esse espaço no clube e confraternização que os trabalhadores têm
entre eles.
Muitos cortadô gosta de jogar uma bolinha né, é maranhense, piauiense, paulista os
daqui também vêm jogar com a gente, contra a gente, é todo mundo. Na hora de se
divertir não tem rinha não, é todo mundo aqui! Depois gente fica alí no bar tomando uma
cerveja, conversando, a vida da gente é essa aí. Porque, que nem eu te falei, trabalhar
não dá, tem que ter esses momentos, assim ó, de conversar com os amigos, rever um aqui
outro ali, é bom, deixa a gente mais animado, gente leva uma vida tão sofrida nesse
corte aí, [...] Eber: então, esses são os lugares que vocês se divertem aqui na cidade? É,
nóis fica aqui, batendo uma bolinha e resenhando! (risadas).
234
O futebol, o passeio com a família e o encontro com os amigos são as atividades mais
populares entre eles. As manifestações sobre o futebol foram apaixonadas. O futebol, além de
ser popular, é parte integrante da paisagem da cidade. É só observar nos bairros os inúmeros
campos de futebol improvisados. Ponto de encontro entre jovens e adultos cortadores-de-cana,
232
FREITAS, Sheile Soares. Por falar em culturas; histórias que marcam a cidade. Uberlândia MG. Op.cit. pg.
23-24.
233
CALDEIRA, Tereza P. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed.
34/EDUSP, 2000. Sua análise, A autora problematiza o planejamento urbano, apontando a exclusão social e a
segregação no espaço urbano. Destaca tensões na produção da cidade de São Paulo, em especial com a
proliferação do que denominou “enclaves fortificados”, condomínios que são propostos para reorganizar relações
e convívios na cidade entre desiguais.
234
Entrevista realizada com Euberli. General Salgado. 23/08/2008. Acervo do pesquisador.
158
o futebol é uma prática cultural compartilhada socialmente. Euberli narrou que aprendeu a
jogar bola na infância, e não consegue imaginar a vida sem praticar esse esporte. Para esses
cortadores-de-cana, o enfrentamento de situações problemáticas vividas no trabalho, na
família, entre eles e com os “do lugar”, desaparecem quando se inicia o jogo. De um modo
geral, é possível compreender que o jogo, os espaços de conversas nos bares após a partids,
além de ser uma distração, favorece o convívio com os amigos da turma do corte-de-cana, com
os da cidade, e os outros de diferentes estados e regiões. Para melhor apreensão dos
significados apresentados por Euberli, compreende-se que procura categorizar seus lazeres,
favorecendo a classificação por convergências, proximidades e identificações entre eles.
Percebe-se que essa prática esportiva expressa relações sociais de convívios e confraternização
estabelecidas na cidade de General Salgado.
A fotografia abaixo mostra os trabalhadores reunidos na Associação dos Funcionários
da Generalco, para o sorteio dos grupos do torneio Inter-Destilarias.
FIGURA 24: Trabalhadores cortadores-de-cana na Associação dos funcionários da
Generalco: sorteio dos grupos de futebol; Inter-Destilarias. Acervo do autor
As equipes são formadas por trabalhadores que gostam de jogar e têm certa
disponibilidade de tempo após chegarem do corte. O convite para participar do campeonato
159
costuma envaidecer o convidado, que representa a valorização de suas habilidades. No
entanto, o jogador (trabalhador) sabe que vai precisar "suar a camisa para merecê-la"
235
, e
representar a equipe é, para eles, encarar o "desafio"
236
. Essa palavra é repetida
continuamente nas entrevistas e significa levar o jogo a sério. A atividade é cercada de
brincadeira e espontaneidade, mas o gol é necessário, e é esse o principal desafio. Todos têm
a consciência de que o sucesso do jogo depende do desempenho eficiente da equipe.
O adversário deve ser um time competitivo, pelo menos com o mesmo vel técnico
de uma outra usina da região para o torneio. Não existe o treinamento prévio ou o preparo
físico dos jogadores. Cada participante sabe qual a função que melhor desempenha, devido
ao reconhecimento do grupo, visto que os que estão em melhores condições são escalados
por eles mesmos. A crítica é elaborada antes no trabalho nas lavouras, durante e após cada
partida de futebol. O banco, ou ficar como jogador reserva, é visto com desconfiança, mas
também entendido como outro desafio a ser vencido, principalmente quando o público
comparece nas arquibancadas. Num gesto de comportamentos e falas é possível visualizar as
disputas por lugares também no futebol, pois: os maranhenses da usina aqui de Salgado são
briguento, se deixar eles mete a faca, mas a maioria deles aí jogam bem”.
237
Sido enuncia suas mudanças de valores ao chegar à cidade, no final da década de
1990, ao se converter em fiel da Igreja Universal do Reino de Deus. Em suas falas:
Eu comecei ir na igreja em 97, minha mulher foi primeiro, ela foi uns três meses, ela
falou pra mim quer era muito, a igreja que ela tava indo muito era bom. eu falei eu
vou lá. Óia e serve como meu testemunho, eu vou falar a verdade, porque na época que
eu vim de lá eu bebia, então a gente não conquistava nada porque muitas coisas tava em
bebiba, também. minha mulher tava na igreja e comecei ir com ela também. Óia eu
não ou falar que miorou 100% por cento, por causa que a gente tem vontade de
conquistar mais coisas, mas óia em vista do que eu vim da Bahia! Eu falo que uns 70 %
miorou, na minha vida, na minha família, depois que eu comecei ir pra igreja. Foi depois
que eu comecei a ir pra igreja. Porque não adiantava nada eu trabalhando no corte-
de-cana, me matando e não praticar as coisas de Deus, se eu tivesse do mesmo jeito da
época que eu vim de lá, bebendo, eu tenho certeza que eu não tinha conquistado o que eu
tenho hoje.
238
235
Entrevista realizada com Jacildo. General Salgado. 22/07/2008. Acervo do pesquisador.
236
Idem.
237
Fala de Jacildo
238
Entrevista realizada com Sido. General Salgado.14/07/2008. Acervo do pesquisador.
160
Na cidade os trabalhadores se movimentam e disputam o processo de constituição da
paisagem e lugares, formulando seus territórios, procurando legitimá-los com suas práticas.
A igreja Universal do Reino de Deus localiza-se na avenida principal da cidade. Para Sido as
experiências religiosas e o processo de mudança de religião não ocorreram num limbo
existencial. O trabalhador fez escolhas, ressignificou suas condutas, valores e expectativas de
luta pela sobrevivência material, que foi possível, também, com a espiritual. Modos de
crer, de viver e trabalhar foram valores que Sido incorporou no momento em que passou a
freqüentar a Igreja Universal do Reino de Deus, com sua esposa e os filhos. Para o cortador-
de-cana, as mudanças e as conquistas foram possíveis a partir do momento de sua
conversão.
Estes processos vividos por Sido são representativos de tantos outros trabalhadores
cortadores-de-cana na cidade. Pode-se refletir que estes trabalhadores estão articulados em
movimentos mais amplos de reelaboração, difusão, e vivencias de valores, como o
individualismo, o utilitarismo e a busca de bem-estar pessoal, tão caros e imprescindíveis na
sociedade capitalista contemporânea.
239
Em meio às expectativas e carências vividas na terra natal, Sido enuncia o que
conquistou a partir das mudanças de valores ao chegar a General Salgado e começar a
freqüentar a igreja no final da década de 1990.
Depois que eu comecei ir prá igreja com quatro anos, óia eu não sei o que é comprar
um quilo de arroz fiado. Toda compra que eu faço, eu pago na hora, não é porque eu não
tenho crédito, mas de primeiro eu comprava fiado, mas eu falei vou parar assim de
comprar fiado e vou comprar no dinheiro, tudo á vista. Graças a Deus. Por isso que
eu falo, eu vim de lá sem saber de nada, peguei firme comecei a trabalhar, fui pra igreja,
dei ouvido a palavra de Deus. Então hoje eu tenho minhas coisas. [...] negócio de saúde
a gente não tem doença, todo mundo com saúde, então coisas que eu nunca achava que
ia consegui na Bahia, eu consegui aqui. Eu creio assim que eu vim de pra cá, sem
ter nada, mas vim no pensamento de conquistar as coisas. Mas eu creio assim; se eu não
tivesse ido pra igreja, eu não tinha nada hoje. Eu podia trabalhar do jeito que eu
quisesse trabalhar, mas eu acho que eu não tinha. Não adianta a gente trabalhar demais
e não dar valor pra palavra de Deus, não consegue nada. Tem muita gente aqui que
nasceu e criou aqui e não têm nada, eu cheguei aqui pode dizer ontem e tenho minhas
coisas, tenho minha casa, não pago aluguel, tenho outra alugada, tenho meu carro.
240
239
FRANCISCO, Adilson José. Vivência e ressignificações do neopentecostalismo em Rondonópolis –MT.
(1993-2006) Tese de Doutorado em História Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007. pg.
18-22.
240
Entrevista realizada com Sido. General Salgado.14/07/2008. Acervo do pesquisador.
161
A situação de dispersão, de isolamento, de fragilização, pela qual o trabalhador diz ter
passado, está diretamente associada às dificuldades que teve para adquirir bens na cidade de
origem, na Bahia. Tais sentimentos e o desejo de superá-los foram possíveis a partir do
momento que se converteu na IURD. No momento em que começou a freqüentar a igreja, em
General Salgado, foi enunciando que conquistou a casa, o carro, e que tem uma vida
diferenciada dos demais colegas cortadores-de-cana que vivem na cidade.
As práticas e as relações sociais vividas na cidade vão se transformando, acumulando-
se com outras, de acordo com a dinâmica das necessidades, conflitos e interesses que os
incitem. Práticas que se estendem nos laços de afetividade e na partilha da sobrevivência,
como morar, trabalhar, ir à igreja, ao banco, ao médico, estudar e circular por tantos outros
espaços, ou seja: esses trabalhadores vão produzindo seus lugares na cidade a partir do que
compõe suas culturas.
241
Euberli se matriculou na Escola Estadual nico Barão para terminar o ensino
fundamental. O trabalhador narrou como vem lutando para conseguir terminar os estudos e
realizar seus sonhos:
É, tem que estudár né? tentando terminar o supletivo, aproveitar que aqui na
cidade e terminar. [...] Arrumar um serviço melhor, é que a gente não sabe se vai ficar
nesse serviço muito tempo né, então têm que estudar. Eber: é você Euberli que
estudando? Da sua turma que veio pra cá? Não, tem mais outros lá, pessoal mais novo,
mas tem outros estudando também! Hoje com essa carestia de serviço aí, o cabra tem
que estudar, tem que estudar, é bom né?! a gente aprende muitas coisas, assinar
direitinho o nome, é sempre bom estudar né?! [...] As vezes chega meio tarde do corte,
não da pra ir na escola, mas eu procuro não faltar não, [...] esse ano vou ver se termino
a 5ª e a 6ª série aí na escola.
242
Para Euberli, a experiência de freqüentar a escola para aprender ler e escrever se
enuncia com o olhar no futuro, pois almeja ter condições de arranjar um melhor emprego”
e ganhar um pouco mais para poder comprar o que quer”. Muitos desses trabalhadores,
que estão na cidade, freqüentam o supletivo na escola Estadual Tônico Barão. Muitos não
sabem ler, nem escrever. Verifica-se a necessidade do trabalhador para enfrentar as
mudanças do mundo em processo, sobretudo aquelas relacionadas com o trabalho.
A escola é vista por esse trabalhador como um espaço de sociabilidade e, também,
como um lugar produtivo com vista às oportunidades futuras de trabalho e à qualidade de
241
FREITAS, Sheile Soares. Por falar em culturas; histórias que marcam a cidade. Uberlândia MG. Op.cit.
p.20.
242
Entrevista realizada com Euberli. General Salgado. 23/08/2008. Acervo do pesquisador.
162
vida. As concepções de melhorar de vida e a qualidade do trabalho estão associadas ao
salário e a obtenção de bens materiais, pois segundo Euberli ter um bom salário”, gente
tem mais disposição para trabalhar” ou então ajeitar a casa, ter tudo de bom para a
família”.
243
O fato de não ter escolaridade desejada aumenta sua ansiedade e sua insegurança de
romper com os vínculos estabelecidos, por isso as suas noções de melhoria e qualidade de
vida apoiadas na suas condições concretas de vida e nos benefícios da sua família e
colegas de trabalho –, atrelam-se consideravelmente ao trabalho no corte-de-cana. Mas pode
modificar-se a qualquer momento. É necessário também reconhecer que nem a
alfabetização/escolarização ou a qualificação profissional são os responsáveis exclusivos
pelas demandas da produção ou pelas oportunidades e possibilidades de trabalho. Nesse
sentido, para Euberli, através da educação/freqüencia escolar, o jovem trabalhador tende a
adquirir condições de ampliar e melhorar as suas condições de vida e as condições do seu
entorno social, pois: “não é melhorar de trabalho, mas gente conhece muitas pessoas
né?!”.
No contexto das mudanças e das inovações tecnológicas, o ato de ler e escrever
passou a ser uma condição de liberdade, um requisito para a sobrevivência almejada por
Euberli, Jacildo
244
e tantos outros. Essa necessidade, articulada à condição de trabalho,
adquire a dimensão de necessidade humana básica. Freqüentar o espaço escolar propicia
condições de modificar as situações que eles enfrentam no próprio corte-de-cana. Esses
trabalhadores vêem a educação e o trabalho de forma indissociadas, fatores que ampliam suas
possibilidades e liberdade de almejar novos postos de trabalho na cidade e realizarem seus
sonhos.
Dessa forma, a cidade de General Salgado oferece um campo de oportunidades para
esses trabalhadores continuarem lutando para se enraizarem ou não no local.
As falas de Chicão finalizam muito bem essa luta, que é constante na vida de homens
e mulheres que trabalham no corte-de-cana para a manutenção da casa, do lar e da familia:
243
Idem.
244
Como enfatizei no segundo capitulo, esse trabalhador tem o desejo de freqüentar a escola. Com o processo de
mecanização, os trabalhadores m consciência dessa ameaça futura e vão forjando suas lutas no cotidiano para
enfrentar as adversidades presentes.
163
Era um sofrimento deixar a esposa para trás e as crianças. Ficava aqui com a cabeça
voltada para a família. Foi um tempo muito difícil, mas graças a Deus estamos todos
juntos”, hoje em qualquer cidade que a gente vai, estamos juntos.[...] e outra, penso
assim, se nós estamos aqui, gente tem que aproveitar as coisas aqui, a vida aqui. Sair
com os amigos, ir na casa de um, de outro, gente tem que viver o agora, o que vai vir
depois só Deus sabe.
245
Sendo assim, a presença desses cortadores-de-cana em General Salgado marcaram
uma importante resistência, quebrando os ideais de cidade insípida e incolor. Esses
trabalhadores disputaram lugares, marcaram presença, registraram suas histórias e memórias.
245
Entrevista realizada com Chicão. General Salgado. 21/08/2008. Acervo do pesquisador.
164
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sair na história aí, isso aí é bom demais, vichi rapaz
do céu, [...] porque os outros que podiam? que
contavam, que conta as história deles, porque que
não pode contar a nossa? Às vezes as deles não é
história sofrida, a nossa é! Nós podemos contar sim,
é muito bom é muito importante isso aí. (Sido,
cortador-de-cana).
A epígrafe acima assinala a última entrevista que fiz com Sido na varanda de sua casa.
Ainda, com o gravador ligado, agradecia a colaboração do trabalhador, e me despedia das
conversas quando ele, de forma espontânea, proferiu essas palavras. Sido fez-me pensar na
representatividade de homens e mulheres que lutam no trabalho de corte-de-cana na cidade de
General Salgado, na região e tantos outros lugares pelo Brasil afora.
Na pesquisa, procurei mostrar diferentes modos de vida dos trabalhadores que se
constituíram na cidade, no campo e no trabalho. O Sr. João Dias e o Sr. Exupero representaram
as primeiras gerações de cortadores-de-cana que se deslocaram do campo e vieram para a
cidade nas primeiras safras da usina. Assim como Nelson e Marlene, ambos nasceram em
General Salgado, se (re)conhecem como pertencentes ao local, como “os daqui”. Para esses
trabalhadores, as duras condições de vida nas fazendas, nas lavouras de café, algodão, e outras
culturas no entorno da cidade fizeram com que vislumbrassem o município como o lugar das
oportunidades a partir da implantação da usina Generalco. Suas vidas na cidade foram marcadas
ora por conquistas, ora por perdas, mas seguiram lutando, trilhando sonhos e esperanças por
melhores condições de vida e trabalho.
Essa relação de convívio e confronto ficou marcada entre “os daqui” e “os de fora”.
Sido veio recentemente, na década de 1990, e se identifica como “daqui” da cidade. Euberli,
Jacildo, Chicão e Zezé se reconhecem como “os de fora”, imprimindo ritmos e escolhas, foram
se constituindo na cidade em diversos espaços e lugares vivendo relações de convívio e
conflitos entre eles e “os do lugar”.
Com esse trabalho, apontei às implicâncias políticas enfatizando inclusive que a luta em
torno da apropriação dos espaços na cidade entre os “de fora” e os “do lugar” não pode ser
entendida de forma tão esquemática. Essas áreas e as cidades apontadas como “harmônicas”
165
pela imprensa regional, foram apropriadas por esses trabalhadores através de disputas por
lugares e trabalhos.
Ao problematizar as matérias veiculadas pel’O Jornal de General Salgado, foi possível
perceber a natureza da constituição histórica recente dessa cidade, entendendo que os resultados
dessa produção local não produziram apenas “explicações” sobre sua história, mas, sobretudo,
forneceu justificativas para instituir uma memória e legitimar projetos dominantes e as relações
políticas ali constituídas, seja da administração local ou seja do empresariado, a partir da
implantação da Usina Generalco na cidade.
Portanto, ao me inscrever nesse debate, tinha a consciência de que deveria compreender
essas relações sociais em disputas para além da cidade de General Salgado. As tensões, os
diferentes projetos sobre a expansão do álcool, dos biocombustíveis, das transformações no
campo e na cidade e a presença dos trabalhadores cortadores-de-cana, foram alvos e ganharam
destaques nas páginas do Diário da Região. Esse Jornal expressou e (re)alimentou (a) reações
de diferentes segmentos da sociedade na região.
Não foi uma tarefa fácil ampliar o olhar para dimensões mais amplas desse processo
histórico vivido pelos trabalhadores sem perder de vista a cidade, o campo, as relações de
trabalho e outras noções que foram problematizadas ao longo do texto. Foi possível
compreender um campo marcado por disputas em torno de hegemonias e produção de
memórias sobre a presença dos trabalhadores cortadores-de-cana na cidade e região. Busquei
analisar esse processo histórico em transformação na cidade e no campo e o lugar que esses
trabalhadores ocuparam e ocupam nele.
Por fim, a experiência de trabalhar com fontes orais, de fato, não foi tarefa fácil. Porém,
aprendi que a transformação, a mudança, a restituição (a troca) iniciava a cada convite de Zezé
para sentar no chão de sua humilde casa e tomar um copo de refrigerante, ou de Sido para
mostrar a casa que conquistou como trabalhador no corte-de-cana etc. Foi a partir do diálogo,
que construí com os trabalhadores esse texto de co-autoria.
Nas palavras de Déa Fenelon:
Queremos pois fazer História com o compromisso social de dar visibilidade a outros
sujeitos até aqui excluídos, para que possam recuperar seu lugar, de onde foram
excluídos, reavivando suas lembranças e narrativas, por exemplo, consciente de que isto
representa uma posição clara e assumida de concretizar uma maneira de fazer História,
pois, assim podemos reescrever outras histórias em que pessoas se reconheçam, uma
História que lhes diga algo ou com a qual possa se identificar. [...] está, pois, o nosso
166
campo de atuação, como historiadores comprometidos no social, não apenas interessados
em narrar e descobrir o acontecido no passado, mas buscar a transformação no presente
e a construção de um futuro diferente do que temos hoje.
246
As experiências sociais vividas por esses cortadores-de-cana enunciaram as lutas para
garantirem a sobrevivência entre o campo e a cidade. E quanto ao futuro desses trabalhadores
no corte-de-cana? Finalizo com as palavras de Sido que permeou as discussões ao longo do
texto: “amanhã é outro dia”. Compreendendo que a expressão (fala) é construída nas relações
sociais vividas, coloca-se, a história em movimento, em perspectiva de luta no presente, na
busca de construir um futuro melhor para viver e trabalhar.
246
FENELON, Déa Ribeiro. História Social, Pesquisa Histórica e a Formação do Profissional de História. In:
Seminário d Pesquisa CEDOC. Livros de Resumos. Ilhéus: Editus, 2003. p. 25.
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Entrevistados
Adão Francisco dos Santos, 36 anos, natural de Iuiu na Bahia. Desde cedo trabalhou nas
lavouras de café e algodão. Iniciou o trabalho no corte de cana com 23 anos de idade. O
trabalhador é conhecido entre os amigos da roça e no bairro da cidade como Chicão.
Entrevista realizada com Chicão. General Salgado. 21/08/2008. Entrevista coletiva realizada
com Chicão, Zezé e Euberli. General Salgado. 25/08/2008. Acervo do pesquisador
Maria José dos Santos, 40 anos, conhecida como Zezé. Mãe de três filhos com o primeiro
marido, Zezé também trabalha no corte-de-cana alguns anos, além de cuidar dos filhos, do
marido e do lar. É casada com Chicão. Entrevista coletiva realizada com Chicão, Zezé e
Euberli. General Salgado. 25/08/2008. Acervo do pesquisador. Entrevista realizada com Zezé.
General Salgado. 23/08/2008. Acervo do pesquisador
168
Euberli Ferreira Lopes, 31 anos, solteiro, nasceu na capital em São Paulo. Ainda na infância,
voltou para Iuiu na Bahia com os pais para fabricar portões. É a primeira vez que está na
cidade de General Salgado para o corte-de-cana. Entrevista coletiva realizada com Chicão,
Zezé e Euberli. General Salgado. 25/08/2008. Acervo do pesquisador. Entrevista realizada
com Euberli. General Salgado. 23/08/2008. Acervo do pesquisador
Jacildo Pessoa da Silva, 29 anos, natural de Buíque, Pernambuco. Ele trabalha no período
entre-safra e mora no Conjunto Habitacional da cidade, com amigos e parentes. No término da
safra o trabalhador volta para Buíque, Pernambuco, onde fica com a família. Entrevista
realizada com Jacildo. General Salgado. 22/07/2008. Acervo do pesquisador.
Sr. Exupero Sabino de Oliveira, com 84 anos, nasceu em Paramirim na Bahia, veio
primeiramente para as plantações de lavouras de café e algodão nas fazendas da região e,
posteriormente, para a cidade e, no início da década de 1980, com toda a família. Exupero
trabalhou como cortador-de-cana na primeira turma da Usina Generalco. (In memorian).
Entrevista realiza com Sr. Exupero. General Salgado. 16/08/2006. Acervo do pesquisador
O Sr. João Dias, 77 anos de idade, mora no Bairro Jardim das Flores, chegou à cidade no final
da década de 1970. Com sua esposa, Dona Adelina, criou os sete filhos, trabalhando como
agricultor em terras arrendadas nas mediações da cidade. As dificuldades para a manutenção
da casa e as dividas adquiridas como agricultor fez com que o trabalhador iniciasse a atividade
no corte-de-cana na velhice. Entrevista realizada com o Sr. João Alvino Dias, 28/10/2006.
Acervo do pesquisador
Nelson Manoel dos Santos foi meu vizinho durante alguns anos na Cohab Orlando Gabriel.
Tem 44 anos de idade, é casado, pai de dois filhos e mora no bairro Jardim Santo Antônio. A
vinda para a cidade representou expectativas e possibilidades de ganhos. Nelson nasceu aqui
em General Salgado, trabalhou desde muito cedo nas lavouras de algodão e em outras culturas
no campo. Entrevista realizada com Nelson. General Salgado. 16/07/2008. Acervo do
pesquisador.
Marlene Nogueira Lopes, 34 anos, mãe de Camila e Guilherme, procurou a todo o momento
participar da entrevista. Ela sabia que o interesse da pesquisa era discutir com seu marido os
modos de vida dos cortadores-de-cana na cidade. Marlene buscou, desde o começo da
entrevista, sua inserção neste diálogo. Entrevista realizada com Marlene. General Salgado.
16/07/2008. Acervo do pesquisador.
Sidalino Cruz Barbosa, 39 anos, casado, pai de seis filhos, conhecido no bairro Jardim das
Flores e pelos amigos como Sido. Nasceu em Pindái, na Bahia. Foi o primeiro cortador-de-
cana com quem estabeleci contato. Entrevista realizada com Sido. General
Salgado.14/07/2008. Acervo do pesquisador.
169
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