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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - UNIOESTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
NÍVEL DE MESTRADO/PPGE
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIEDADE, ESTADO E EDUCAÇÃO
APRENDER A EMPREENDER: A PEDAGOGIA EMPREENDEDORA DO SEBRAE
Dalessandro de Oliveira Pinheiro
CASCAVEL PR
2010
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - UNIOESTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO NÍVEL
DE MESTRADO/PPGE
APRENDER A EMPREENDER: A PEDAGOGIA EMPREENDEDORA DO SEBRAE
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Strictu Sensu em
Educação, Área de concentração
Sociedade, Estado e Educação, como
requisito à obtenção do título de Mestre
em Educação.
Orientadora: Profª. Dra. Georgia Sobreira
dos Santos Cêa.
CASCAVEL PR
2010
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - UNIOESTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO NÍVEL
DE MESTRADO/PPGE
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
APRENDER A EMPREENDER: A PEDAGOGIA EMPREENDEDORA DO SEBRAE
Autor: Dalessandro de Oliveira Pinheiro
Orientadora: Profª Drª Georgia Sobreira dos Santos Cêa
Este exemplar corresponde à Dissertação de Mestrado defendida por Dalessandro
de Oliveira Pinheiro, aluno do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Data: 31 de maio de 2010
Assinatura: _________________________________
(Orientadora)
____________________________________________
Profª. Drª Lígia Regina Klein
Universidade Federal do Paraná UFPR
____________________________________________
Profª. Drª. Edaguimar Orquizas Viriato
Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE
____________________________________________
Profª. Drª. Ireni Marilene Zago Figueiredo
Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE
4
À classe trabalhadora,
À trabalhadora orientadora, Georgia,
Aos meus pais Moacyr e Maria Neide,
A minha esposa Andryas e
Ao meu filho Lênin.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço à professora Dra. Georgia Sobreira dos Santos Cêa, pelo trabalho, pela
orientação dedicada, paciente e segura, pela compreensão sobre a vida do
trabalhador para além da academia, com palavras e atos de incentivo e conforto nos
momentos de maior dificuldade.
Agradeço à professora Dra. Edaguimar Orquizas Viriato, à professora Dra. Ireni
Marilene Zago Figueiredo e à professora Dra. Lígia Regina Klein, por aceitarem o
convite para compor a banca examinadora, e darem suas valiosas contribuições
para o desenvolvimento deste trabalho.
Meus agradecimentos ao professor Dr. Roberto Antonio Deitos, ao professor Dr.
Paulino José Orso, à professora Dra. Edaguimar Orquizas Viriato, à professora Dra.
Francis Mary Guimarães Nogueira, à professora Dra. Maria Lucia Frizon Rizzoto, à
professora Dra. Ireni Marilene Zago Figueiredo, à professora Dra. Liliam Faria Porto
Borges e à professora Dra. Georgia Sobreira dos Santos Cêa, que compõe o corpo
docente do Mestrado em Educação da UNIOESTE, pelo trabalho nas disciplinas do
curso.
Meus agradecimentos ao SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio a Pequenas e
Médias Empresas) por permitir o acesso às fontes de consulta.
Agradeço aos amigos de classe Artemio, Deliane, Fabiano, Hélio, Iolanda, Karina,
Lilian, Margarete e Vandiana.
Agradeço à Sandra Köerich, da secretaria do Programa do Mestrado, pelo trabalho,
organização e amizade.
Agradeço à Andryas Roberta Braga Pereira Pinheiro, minha companheira e esposa,
pela compreensão.
Agradeço ao meu filho Lênin por tentar compreender o afastamento do pai.
À minha família, pelo apoio aos estudos.
6
A sorrir
Eu pretendo levar a vida
Pois chorando
Eu vi a mocidade
Perdida
Fim da tempestade
O sol nascerá
Finda esta saudade
Hei de ter outro alguém para amar
(Cartola)
Considerando a mocidade como a classe trabalhadora,
A tempestade como o modo de produção capitalista e
Outra forma de amar, como outra forma de trabalhar.
7
RESUMO
Esse estudo tem como objeto de análise o curso “Aprender a Empreender”, do
SEBRAE, um dos instrumentos de difusão das idéias do empreendedorismo no
Brasil. Nos anos 1990, com os efeitos do neoliberalismo sobre o mundo do trabalho,
em especial as altas taxas de desemprego, o capital imprimiu sobre a classe
trabalhadora sucessivos golpes nos direitos e condições de produção da vida
material. De um lado a exigência por “um novo trabalhador”, polivalente, fazendo
uso, não só de sua condição física e técnica, mas todos os seus atributos e
habilidades como ser humano, de suas “competências”. De outro, a exacerbação da
exploração para atender às demandas da competição global por mercados. Então,
calcado no discurso da empregabilidade e do empreendedorismo, o SEBRAE passa
a ser utilizado como instrumento para fortalecer a direção político-ideológica do
capital. Seu curso “Aprender a Empreender” volta-se à classe trabalhadora na
perspectiva de, numa realidade de desemprego estrutural, oferecer aos
trabalhadores a oportunidade de “ser patrão de si mesmo”. Os objetivos propostos
no desenvolvimento da pesquisa são: 1) analisar a questão conceitual e as
condições materiais que possibilitaram o desenvolvimento do ideário empreendedor
no país; 2) analisar a articulação entre a instituição SEBRAE, seu curso “Aprender a
Empreender”, e outros vetores no intento de contribuir com a disseminação da
cultura empreendedora no Brasil; 3) Analisar as características da Pedagogia
Empreendedora do SEBRAE na difusão do lema “Seja o seu Patrão!”; 4) Analisar o
quanto avança o discurso empreendedor em relação ao discurso da qualificação e
da empregabilidade. A investigação foi desenvolvida por meio de análise do material
didático do curso “Aprender a Empreender”, especialmente as vídeo-aulas e o
Manual do Participante, tomados como fontes primárias. Quanto às fontes
secundárias, utilizamos bibliografia relacionada ao empreendedorismo,
particularmente as de caráter liberal e, no contraponto, leituras que se coadunam
com a perspectiva materialista histórica e que abordam criticamente o tema. No
primeiro capítulo apresentamos considerações a respeito do cenário nacional nos
anos 1990 e as condições que possibilitaram a difusão das idéias empreendedoras
no país; no segundo capítulo, tratou-se do SEBRAE e do curso “Aprender a
Empreender”, além de outros vetores, como instrumentos do capital voltados ao
empreendedorismo; no terceiro capítulo, as fontes primárias são exploradas,
destacando-se as principais categorias e características empreendedoras
ressaltadas pelo curso “Aprender a Empreender”; no quarto capítulo, discute-se a
viabilidade da proposta de “Aprender a Empreender” como alternativa para a
geração de emprego e renda e a fragilização da noção de qualificação frente ao
fortalecimento do ideário do empreendedorismo. Desta forma, procuramos encontrar
algumas lacunas do discurso empreendedor para caracterizá-lo como restrito para a
formação humana, e como de extrema precarização para os trabalhadores.
PALAVRAS-CHAVE: Curso Aprender a Empreender; SEBRAE; educação e
empreendedorismo.
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LEARN TO BE UNDERTAKEN: A PEDAGOGY OF
ENTREPRENEURIAL SEBRAE
ABSTRACT
This study is the object of study the course "Learning to undertake," SEBRAE, one of
the tools for the dissemination of ideas of entrepreneurship in Brazil. In the 1990s,
with the effects of neoliberalism on the world of work, especially the high
unemployment rates, capital printed on the working class successive blows to the
rights and conditions of production of material life. On the one hand the demand for a
"new worker", polyvalent, making use not only of their physical and technical, but all
their attributes and abilities as a human being, his "skills". On the other, the
exacerbation of the farm to meet the demands of global competition for markets.
Then, based on the discourse of employability and entrepreneurship, SEBRAE is
now used as a tool to strengthen political and ideological direction of the capital. Its
course "Learning to undertake 'return to the working class in perspective, a reality of
structural unemployment, offer workers the opportunity to" be master of himself. "
The proposed objectives in the development of the research are: 1) examine the
issue conceptual and material conditions that made possible the development of
entrepreneurial ideas in the country, 2) analyze the relationship between the
institution SEBRAE its course "Learning to Engage," and other vectors in an attempt
to contribute to the spread of the entrepreneurial culture in Brazil, 3) analyze the
characteristics of the Entrepreneurial Education SEBRAE in spreading the motto "Be
your Boss!", 4) analyze how the speech goes against the entrepreneurial skills of
speech and employability. The research was developed through analysis of the
teaching material of the course "Learning to undertake," especially the video lessons
and Participant's Manual, taken as primary sources. As for secondary sources, we
use literature related to entrepreneurship, particularly those of a liberal and, in
counterpoint, readings that are inconsistent with the historical materialistic
perspective and addressing the critical issue. The first chapter presents
considerations on the national scene in 1990 and the conditions that allowed the
diffusion of entrepreneurial ideas in the country, in the second chapter, this was
SEBRAE and of course "Learning to undertake" as well as other vectors, such as
capital instruments geared to entrepreneurship, in the third chapter, the primary
sources are explored, highlighting the main categories and entrepreneurial
characteristics highlighted by the course "Learning to undertake" the fourth chapter
discusses the feasibility of the proposed "Learning to Undertake "as an alternative to
generate employment and income and the weakening of the notion of qualification
ahead of strengthening the ideals of entrepreneurship. Thus, we find some gaps in
entrepreneurial discourse to characterize it as restricted to the human, and as of
extreme insecurity for workers.
KEYWORDS: Course Learning to undertake; SEBRAE, education and
entrepreneurship.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 - A DIFUSÃO DO IDEÁRIO EMPREENDEDOR NO BRASIL .......... 15
1.1 Origem e conceituação do empreendedorismo ................................................. 15
1.2 Contextos e motivações do ideário empreendedor no Brasil ............................. 19
CAPÍTULO 2 - APRENDER A EMPREENDER: O SEBRAE E OUTROS
INSTRUMENTOS E VETORES PARA A CONFORMAÇÃO HUMANA ................. 26
2.1 Aprender a Empreender e outros vetores para a conformação humana ........... 34
2.2 O protagonismo do SEBRAE na formação da cultura empreendedora ............. 39
CAPÍTULO 3 - APRENDER A EMPREENDER: OS FUNDAMENTOS DA
PEDAGOGIA EMPREENDEDORA DO SEBRAE ................................................... 45
3.1 A leitura da conjuntura atual presente no Manual do Participante do curso
“Aprender a Empreender” ......................................................................................... 46
3.2 Aprender a Empreender: principais conceitos da mais representativa
apresentação pedagógica do empreendedorismo no Brasil .................................... 58
3.3 Análise dos vídeos do curso “Aprender a Empreender” .................................... 68
CAPÍTULO 4 A GENERALIZAÇÃO DO “APRENDER A EMPREENDER........ 86
4.1 Aprender a Empreender: alternativas de emprego e renda? ............................. 86
4.2 Aprender a Empreender: para além da qualificação e da empregabilidade ...... 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS: SOBRE A FORÇA DO “APRENDER A
EMPREENDER” E SOBRE O QUE HÁ DE NOVO NO FRONT ........................... 104
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 110
10
INTRODUÇÃO
O interesse pelo estudo do “empreendedorismo”, como elemento ideológico
presente nas ações voltadas à formação do trabalhador brasileiro, advém da
participação no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Estado, Sociedade e
Educação (GP-TESE). Entre os anos de 2004 e 2007, foram realizados estudos que
originaram o projeto coletivo de pesquisa intitulado “O estado da arte da formação
do trabalhador no Brasil: pressupostos e ações governamentais a partir dos anos
1990”.
No início deste período, a conclusão do Curso de Especialização em
Fundamentos da Educação, na UNIOESTE, possibilitou a produção monográfica
“Reflexões sobre a formação do trabalhador no Brasil: Da Colônia à Primeira
República”, que buscou apontar ações governamentais voltadas à formação do
trabalhador durante o período colonial e imperial. Este estudo trouxe novas dúvidas
e questões que se tornariam proposições iniciais para o projeto voltado ao Mestrado
em Educação da UNIOESTE.
A proposta inicial de estudo para o mestrado tinha como foco observar as
ações do governo Vargas, no que tange à formação do trabalhador brasileiro,
quando da transição do modelo agrário-exportador-dependente aos rumos urbano-
industriais, especificamente os programas implementados a partir de 1930, e que
seguiam uma sequência das proposições do Estado Brasileiro na adequação das
condições de inserção da força produtiva nacional às características do modo de
regulação fordista, ainda que este não tenha se configurado em essência no país, à
época.
A partir da leitura orientada de “O Ensino de Ofícios Artesanais e
Manufatureiros no Brasil Escravocrata”, “O Ensino de Ofícios Artesanais nos
Primórdios da Industrialização”, “O Ensino Profissional na Irradiação do
Industrialismo”, de Luiz Antônio Cunha, verificou-se que as proposições iniciais
teriam sido bem exploradas e que o estudo, dentro das condições neste instante
possíveis, dificilmente conseguiria contribuir com os estudos existentes sobre o
tema.
O foco na formação do trabalhador permaneceu, e a busca por proposições
atuais sobre a adequação das forças produtivas às condições econômicas
brasileiras após as reformas estruturais do Estado, a partir dos anos 1990, se tornou
11
o novo norte. Tais motivações suscitaram o interesse em observar com cautela
alguns elementos novos acoplados ao corpo teórico das proposições do Estado para
a formação humana. Entre estes, ganha vulto o tema do empreendedorismo, que
individualiza o homem e o coloca como responsável por seus rumos, destacando-se
a luta de cada homem na busca por “seu espaço” no mundo produtivo, por meio da
ampliação de sua qualificação profissional. Sai de cena o caráter coletivo do homem
naquilo que, na sociedade capitalista, se denomina classe social, esta condição é
negada. O pertencimento à classe trabalhadora dá lugar ao indivíduo empreendedor.
Uma das instituições que se organiza para possibilitar a difusão do
empreendedorismo como elemento presente nas proposições voltadas à formação
humana é o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio a Pequenas edias Empresas),
e seu curso “Aprender a Empreender” é um dos instrumentos direcionados a esse
fim. O foco no “Aprender a Empreender” passou a guiar os estudos e os
questionamentos sobre o significado do lema “Seja seu patrão!”, direcionado aos
trabalhadores, ensejou a definição da pedagogia empreendedora do SEBRAE
presente no curso “Aprender a Empreender” como objeto de estudo.
Criado pelo governo federal em 1972 e originariamente denominado Centro
Brasileiro de Assistência Gerencial à Pequena e Média Empresa (CEBRAE), o órgão
nasceu com a finalidade de prestar assistência (técnica, operacional e educativa)
aos médios e pequenos empresários, em todo o território nacional, passando a
incluir os micro empresários a partir da década de 1980. Após ameaças de extinção,
em 1990 o CEBRAE deixa de ser um órgão governamental, altera sua nomenclatura
para Serviço Brasileiro de Apoio a Pequenas e Médias Empresas (a partir de quando
assume a sigla SEBRAE) e torna-se uma entidade privada, de interesse nacional,
que passa a vincular-se ao Sistema S, como um serviço nacional autônomo,
garantindo, desta forma, recursos para a manutenção de sua estrutura e para o
desempenho de suas atividades (MANCUSO, 2002).
A partir desse momento, o SEBRAE reorienta suas ações e incrementa sua
função de entidade estimuladora e de apoio a micro e pequenos empresários. Nesse
percurso, o tema do empreendedorismo foi ganhando força e a oferta de cursos
(presenciais e a distância) passou a se constituir numa importante estratégia. A
partir de 2002, o SEBRAE amplia sua capilaridade social com o curso “Aprender a
Empreender”, ofertado na modalidade a distância, na forma de um telecurso,
12
atingindo também os não empresários, no intuito de torná-los empreendedores,
especialmente a grande massa de desempregados de baixa escolaridade.
No campo das dúvidas que nortearam a pesquisa convinha observar desde
questões básicas e conceituais, até questões mais representativas vinculadas às
ações efetivas do capital, no intento de desenvolver o “espírito empreendedor” nos
trabalhadores brasileiros. Em suma, a questão primordial que orientou este estudo
foi a seguinte: Que sentidos o empreendedorismo assume no contexto atual,
sintetizado no lema “Seja seu patrão!”, que podem ser apreendidos a partir da
análise do curso “Aprender a Empreender”, do SEBRAE?
A orientação teórico-metodológica perseguida buscou basear-se nos
fundamentos do materialismo histórico-dialético. Sem pretensões de um domínio
absoluto sobre tal referencial, o estudo pretendeu identificar, compreender e explorar
simplificações da realidade presentes na dinâmica do curso “Aprender a
Empreender”, assim como contradições presentes em seus fundamentos e
intencionalidades.
Como procedimentos metodológicos, os materiais do curso (Manual do
Participante e as deo-aulas) foram utilizados como fontes primárias, analisadas
com o intuito de identificar os principais fundamentos e categorias sustentadores da
ideia do empreendedorismo subjacente ao curso “Aprender a Empreender”.
Na análise dessas fontes, foram utilizadas as seguintes categorias
identificadas como aquelas que melhor permitem a compreensão do sentido
histórico do curso “Aprender a Empreender”: conjuntura atual, empreendedor,
educação empreendedora e aprender empreendedorismo.
Foram utilizadas publicações acadêmicas (livros e periódicos) e materiais
midiáticos (páginas eletrônicas e mídia impressa) como fontes secundárias. A
seleção destas fontes inclui produções relacionadas ao empreendedorismo,
particularmente as de caráter liberal e, no contraponto, produções que se coadunam
com a perspectiva materialista histórica e que abordam criticamente o tema.
O primeiro capítulo trata da origem do ideário empreendedor, da definição
conceitual de empreendedorismo e das condições históricas e materiais da inserção
do discurso empreendedor no país. Novos questionamentos passam a fazer parte
do estudo, como a busca pela compreensão do contexto em que se encontra o
modo de produção capitalista, para que se desenvolva o discurso/ideário
empreendedor. Quais fios ligam a condição do mundo do trabalho até a difusão em
13
massa do empreendedorismo? Estes questionamentos serão as guias do segundo
capítulo.
A retomada temporal e espacial do período em que cresce a difusão e o
fortalecimento do empreendedorismo no Brasil, quando ocorre a consolidação das
condições econômicas desta inserção e na sua fundamentação dentro da base
econômica nacional, provocou a necessidade de conhecer algumas estruturas,
instrumentos/vetores que corroboraram com o ideário empreendedor no país. Assim,
o capítulo 2 busca evidenciar alguns instrumentos que iniciaram este processo de
inculcação sobre a classe trabalhadora e que desenvolveram vetores diversos e
formas didáticas para facilitar a apreensão sobre o empreendedorismo. O principal
foco do capítulo é o SEBRAE, mas outros instrumentos são trazidos à tona, na
tentativa de demonstrar que a disseminação da cultura empreendedora no Brasil
resulta de um processo articulado, envolvendo órgãos públicos e privados unidos
pela mesma perspectiva empresarial.
No capítulo 3 tem início a aproximação mais efetiva com o objeto de estudo
desta dissertação: a pedagogia empreendedora do SEBRAE presente no curso
“Aprender a Empreender”. Privilegia-se, nesta parte do estudo, a apreensão das
categorias “análise de conjuntura”, empreendedor, educação empreendedora e
aprender empreendedorismo, a partir do detalhamento de ideias presentes no
Manual do Participante, e são analisadas as principais características
empreendedoras destacadas nas deo-aulas. Durante todo o capítulo 3, serão
feitas referências ao livro “O segredo de Luísa”, escrito por Fernando Dolabela, um
dos mais representativos escritores sobre o empreendedorismo e que é
constantemente referenciado pelo SEBRAE.
No quarto e último capítulo, são discutidas, num primeiro momento, questões
como a viabilidade da proposta do “Aprender a Empreender” como alternativa para a
geração de emprego e renda. Em seguida, busca-se mostrar que o discurso da
“qualificação para o emprego” (escasso e precário), a partir das políticas públicas de
formação do trabalhador no Brasil pós 1990, vem sendo suplantado por um discurso
mais profundo e contundente, cujo lema é “Seja seu patrão!”. “Aprender a
Empreender”, então, perde a esterilidade de sua aparência para se constituir num
instrumento do capital voltado para a precarização do trabalho.
14
“Aprender a Empreender” supera a condição de um curso em si e assume
uma dimensão ampla, como uma proposta mais nefasta para a classe trabalhadora
do que aquela presente no discurso da qualificação.
Nas considerações finais, sintetiza-se o movimento que se buscou imprimir ao
estudo e são apresentadas possíveis “novidades” no terreno político que podem
conferir ao “Aprender a Empreender” uma duração histórica de longo prazo no
Brasil.
15
CAPÍTULO 1
A DIFUSÃO DO IDEÁRIO EMPREENDEDOR NO BRASIL
A compreensão acerca do desenvolvimento das idéias do empreendedorismo
no Brasil passa, em primeiro lugar, por uma definição conceitual sobre o termo, em
sua matriz teórica liberal, e, posteriormente, por uma localização espacial e temporal
mediadora das condições materiais que possibilitam sua impregnação como
elemento que se incorpora à formação humana, desde sua origem, até a chegada
desse ideário no Brasil.
1.1 Origem e conceituação do empreendedorismo
No que tange ao conceito, Drucker (1985, p. 11) afirma que “[...]
entrepreneurship [empreendedorismo] não é arte nem ciência, mas sim uma prática
e uma disciplina”, portanto pode ser aprendida e incorporada através de uma
mudança de postura do indivíduo.
Então, desenvolver o “espírito empreendedor” torna-se possível através de
experiências diversas, em especial aquelas relacionadas à consecução de um
negócio próprio. No contexto pretendido por Drucker (1985), o termo “espírito
empreendedor” possui grande conveniência, pois se volta ao indivíduo e a sua ação
comportamental na busca por um espaço no mercado produtivo.
Ao estudar a economia norte-americana, Drucker (1985) levanta algumas
condições que possibilitaram o desenvolvimento de uma economia empreendedora
nos Estados Unidos da América, principal referência do capitalismo no mundo. O
autor aponta que, em um curto período de tempo, a economia americana conseguiu
gerar um grande número de empregos, que o estavam relacionados ao Estado,
nem às grandes empresas com tecnologia de ponta, mas, sobremaneira, aos
pequenos e médios investimentos privados. Discorre também sobre as
possibilidades de consolidação da expansão do modelo econômico calcado no
empreendedorismo, em outros países do mundo:
16
Ainda é prematuro dizer se a economia empreendedora continuará a
ser predominantemente um fenômeno americano, ou se ela surgirá
em outros países desenvolvidos. [...] Se, como é bem provável que
sim, a demografia foi um fator na emergência da economia
empreendedora nos Estados Unidos, poderíamos ter um
desenvolvimento similar na Europa por volta de 1990 ou 1995.
Porém, isto é especulação. Até agora (1985), a economia
empreendedora é puramente um fenômeno americano (DRUCKER,
1985, p.10).
Prenúncio do sistema que se envereda por todas as esferas da vida humana,
em pouco mais de três décadas o empreendedorismo não tardou a se transformar
em estratégia do capitalismo, em sua fase neoliberal, para a conformação humana
às condições de adaptabilidade à dinâmica do modo de produção.
Da mesma forma que o conceito e a localização espacial, faz-se de
fundamental importância endereçar teoricamente o empreendedorismo, pois isso
permite conhecer sua matriz mais representativa. Drucker (1985) localiza esta matriz
em Joseph Schumpeter, pois este abordou o empreendedor e o seu impacto sobre a
economia:
Todo economista sabe que o empreendedor é importante e provoca
impacto. Entretanto, para os economistas, o “empreender” é um
evento “meta-econômico”, algo que influencia profundamente, e,
deveras, molda a economia, sem fazer parte dela. E, assim também
é a tecnologia para os economistas. Economistas, em outras
palavras, não têm nenhuma outra explicação para explicar por que o
espírito empreendedor emerge, como aconteceu no final do culo
XIX, e parece estar emergindo hoje, e nem por que ele se limita a um
determinado país, ou uma cultura. Realmente, os eventos que
explicam porque o empreendimento se torna eficaz, provavelmente,
não são, em si, eventos econômicos. As causas, possivelmente,
estariam nas mudanças em valores, percepção, atitudes, talvez
mudanças demográficas, em instituições (tais como a criação de
bancos empreendedores na Alemanha e nos Estados Unidos por
volta de 1870), e, talvez, em mudanças na educação (DRUCKER,
1985, p. 19).
Se não são eventos econômicos, em si, e, possivelmente, estão vinculados a
“valores, percepções, atitudes”, como pondera Drucker (1985, p. 19), ganha força a
ideia de que se pode, através de instrumentos diversos, especialmente via
educação, transformar uma sociedade, grupo ou pessoa em potenciais
empreendedores, para, a partir da mudança do “espírito empreendedor” de várias
células, construir um organismo social empreendedor; esta é uma das premissas
dos liberais. Enfim, a partir da mudança “ideal”, transformar a realidade material. O
17
exemplo de desenvolvimento capitalista, alcançado pelos EUA, segundo o autor,
serviria de modelo para outras nações globais.
Arruda (2005) vincula o surgimento e o fortalecimento do empreendedorismo
às idéias liberais do american way of life nos Estados Unidos da América, anos
1920. O modo de vida americano que se propagou pelo mundo, contribuiu para a
crise de 1929 e reestruturou-se no pós-guerra com o Welfare State (Estado de Bem-
Estar Social). Arruda assim resume a idéia do desenvolvimento econômico
americano no período:
O exemplo da moderna sociedade ocidental passou a ser o modo de
vida norte-americano, o american way of life (modo de vida
americano): altos edifícios, automóveis, eletrodomésticos. As
diferenças sociais diminuíam: o crédito permitia, muito mais que
antes, comprar carro ou casa. O rádio, o cinema e a indústria do
lazer se desenvolveram. A produção americana crescia depressa
graças ao desenvolvimento técnico, ajudado pelo uso racional da
mão-de-obra e pela concentração industrial, que otimizava o uso de
recursos de infraestrutura. Investimentos maciços também
ampliavam a produção, permitindo a redução de preços. Igualmente
cresciam os investimentos no exterior: 17 bilhões de dólares em
1929, no Canadá, na Europa e na América Latina (ARRUDA, 2005,
p. 346).
No Brasil, a influência do american way of life surge no pós-guerra alinhada
às perspectivas econômicas norte-americanas, que se adensam na “Era JK” e nos
governos militares. Arruda (2005) apresenta características da penetração cultural
norte-americana que tomou conta do país, salientando produtos, serviços, formas de
falar, de vestir, de se alimentar, de se comportar, enfim, elementos que passam a
fazer parte dos costumes nacionais:
Para sermos exatos, a chegada visível de Tio Sam ao Brasil
aconteceu nos anos 1940, em condições e com propósitos muito
bem definidos. Proclamava-se a idéia de uma política de boa
vizinhança entre os Estados Unidos e os demais países americanos.
Essa boa vizinhança significaria convívio harmônico e respeitoso
entre todos os povos do continente. Significaria também uma política
de troca generalizada de mercadorias, valores e bens culturais. Na
prática, a fantástica diferença de recursos de difusão cultural entre os
dois países produziu um caminho de direção quase única, de para
cá. [...] A partir de 1941, o Brasil foi literalmente invadido por missões
norte-americanas, compostas de professores, universitários,
jornalistas, publicitários, artistas, militares, cientistas, diplomatas,
empresários, etc. Todos empenhados em estreitar os ditos laços de
cooperação (ARRUDA, 2005, p. 379).
18
Na verdade, os laços sempre foram de exploração e imposição econômica
imperialista, pois todo o “pacote” veio a reboque das pretensões do capitalismo e em
função do processo de acumulação. O Brasil apresentava-se, na América Latina,
como terreno fértil para o atendimento das pretensões do capital americano. Porém,
estas considerações são insuficientes para localizar elementos significativos do
empreendedorismo no país. Seu caráter ideológico vai ser sentido e adequado às
condições brasileiras no conjunto das ações neoliberais, especificamente no final do
século XX.
Para o tratamento central a ser dado aqui, o do sentido do empreendedorismo
como elemento que se incorpora aos novos sentidos dados às ações voltadas à
formação humana, que se considerar outros aspectos, especialmente aqueles
apontados por Drucker (1985, p. 11), como condição de desenvolvimento econômico
e geração de empregos, ou ainda, mais recentemente, auto-emprego.
O empreendedorismo, como uma prática e uma disciplina (enquanto
comportamento humano), pode ser perfeitamente aprendido e incorporado por
empresas e indivíduos, na perspectiva do autor. Ainda que não seja uma vertente
eminentemente econômica, a lógica da economia capitalista imprime um caráter
marcadamente econômico ao termo. Este caráter não pode ser observado em uma
leitura positivada do termo, que não penetre nas entranhas dos conflitos internos
inerentes ao modo de produção.
Se existe esta marca econômica, há também um caráter extremamente
pedagógico quando se possibilita, através de uma mudança no comportamento
humano, formar o empreendedor: o indivíduo que, independente de todos os outros
determinantes do seu ser social, político e econômico, pode empreender e auferir
“sucesso” no capitalismo. O caráter pedagógico, além de possibilitar “formar
empreendedores”, serve também para escamotear o sentido presente na idéia de
trabalhadores serem seus próprios patrões. Esta premissa está presente em
diversos momentos nas publicações voltadas à difusão do empreendedorismo, bem
como serve de base àqueles que fazem a apologia de uma “sociedade
empreendedora”. Cêa (2007, p. 311) assevera que
[...] o empreendedorismo passa a se constituir num conceito-chave
para a compreensão da atual forma de articulação entre economia e
educação, proposta pelos ideólogos do capital, e incorporada por
inúmeras entidades da sociedade civil identificadas com as causas
dos trabalhadores. Diante da retração do mercado de trabalho
19
formal, as práticas informais e as alternativas de auto-emprego se
intensificam cada vez mais.
Além das publicações que permitem um panorama atualizado sobre este
“dilema/engodo pedagógico” de formar trabalhadores empreendedores, patrões de si
mesmos, que se considerar que todos os espaços midiáticos, como redes de
televisão, rádios difusoras e internet, chegando aos rincões do Brasil, levam esta
mensagem cotidianamente. As duas saídas penosas para o dilema são as
seguintes: o emprego e o auto-emprego.
Então, na aproximação com nosso objeto, a pedagogia empreendedora do
curso “Aprender a Empreender”, do SEBRAE, faz-se necessário retomar temporal e
espacialmente o período em que cresce a difusão e o fortalecimento do
empreendedorismo no Brasil, assim como conhecer algumas estruturas,
instrumentos/vetores que corroboraram a consolidação das condições econômicas
desta inserção e a sua fundamentação dentro da base econômica nacional.
1.2 Aprender a empreender: Contextos e motivações do ideário empreendedor
no Brasil
Feitas as considerações iniciais, onde foram apresentadas de forma sucinta
questões conceituais sobre o empreendedorismo, tendo por base sua matriz teórica
liberal e as condições histórico-materiais de sua propulsão, localizadas na economia
norte-americana, cabe agora buscar o cenário e o momento histórico brasileiro em
que as condições de viabilização do ideário burguês empreendedor no país se
estabeleceram, especialmente aquele voltado à impregnação, na classe
trabalhadora, do lema “Seja o seu patrão!”, presente no “Aprender a Empreender”,
do SEBRAE.
Para a análise aqui pretendida, retornar temporal e espacialmente significa
consubstanciar com determinantes históricos a observação sobre as condições de
inserção da economia de mercado, no Brasil, nos anos 1990. Da mesma forma, se
faz necessário observar as ações do Estado e sobre o Estado que incentivam o
desenvolvimento do empreendedorismo no país.
Nos anos 1990, o Brasil preparava suas bases para a readequação à
economia de mercado. A reforma e modernização do Estado, nos mais diversos
ramos da atividade produtiva se tornara obsessão dos governos. Assim, a
20
diminuição dos postos de trabalho gerados por ação direta do Estado, com
demissões e supressão de direitos trabalhistas, bem como pela introdução nas
grandes empresas de novas tecnologias e estratégias gerenciais, se tornaria um
grande problema a ser gerenciado pelos governos.
Dornelas (2005, p. 26) também localiza os anos 1990 como o período de
maior difusão das idéias do empreendedorismo no Brasil, com a criação da Softex
(Sociedade Brasileira para Exportação de Software) e o redirecionamento do papel
do SEBRAE para um trabalho de apoio àqueles que buscavam informações para
começar um negócio. Segundo o autor, até aquele momento não se falava em
empreendedorismo e em criação de pequenas empresas no país. A conjuntura
político-econômica não era favorável.
A reestruturação econômica do Estado brasileiro, no início do governo de
Fernando Collor de Mello (posteriormente impedido de permanecer no cargo em
função dos atos de corrupção em que seu governo estava envolvido), teve
continuidade na gestão de Itamar Franco, demonstrando que o projeto neoliberal em
curso estava para além dos gestores e governos. A reforma e modernização do
Estado tiveram impacto em setores significativos da economia, e os projetos de
privatização que consubstanciavam sua base foram ampliados e aprofundados
neste período. Porém, as reformas ganharam maior amplitude e voracidade a partir
do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), do governo Fernando
Henrique Cardoso (FHC). A criação de um Ministério da Administração Federal e
Reforma do Estado (MARE), chefiado por Luis Carlos Bresser Pereira, aponta o
intento do projeto que redesenha a função do Estado brasileiro.
O Ministro Bresser Pereira, em artigo ao Jornal Folha de São Paulo (1995),
afirma que,
De fato, o papel do Estado, enquanto produtor de bens e prestador
de serviços está sendo reduzido dada a crise fiscal e à ineficiência da
administração pública burocrática. Em contrapartida, porém, as
organizações públicas não-estatais tendem a crescer. Primeiro,
porque podem ser tão eficientes quanto as empresas privadas.
Segundo, porque são uma forma de propriedade mais adequada
para uma série de atividades, como a educação superior, a pesquisa
científica, a saúde, e a cultura, que envolvem direitos humanos
fundamentais, e produzem amplas economias externas (economias
que extravasam o âmbito da organização que as produzem, não
podendo ser vendidas e transformadas em lucros). Terceiro, porque,
devido ao controle social a que estão submetidas, são mais
21
compatíveis com o regime democrático - um regime que tende
historicamente a universalizar-se (BRESSER PEREIRA, 1995, p. 2).
Este conceito de público não-estatal aponta para os rumos da terceirização
dos serviços e também da precarização na contratação dos trabalhadores. Um outro
aspecto a ser evidenciado é o hall de possibilidades aberto para a criação de novas
micro e pequenas empresas, com a apropriação do discurso da eficiência e do
controle público sobre o fornecimento dos serviços, o que por ora daria respostas à
suposta ineficiência administrativa do Estado. Figueiredo (1995) também discorre
sobre as reformas estruturais dos anos 1990:
A década de 90 marcou um período caracterizado por alterações
essenciais nos padrões de intervenção estatal, produto dos
desdobramentos das relações capitalistas consolidadas pelo
neoliberalismo. Neste sentido, as relações entre o Estado e as
políticas públicas são marcadas na cada de 90 por novos
mecanismos e formas de gestão, sendo que esta relação está
mediada pelo processo de globalização e pelo projeto neoliberal em
curso que questionam o papel do Estado em relação às políticas
sociais que são sintetizadas pela defesa das teses de um Estado
mínimo (FIGUEIREDO, 1995, p. 1).
Este destaque salienta o caráter das políticas públicas adotadas a partir deste
momento. “Os novos mecanismos e formas de gestão” neoliberais visam racionalizar
as contas do governo, atendendo às determinações do capital internacional, para
viabilização de investimentos externos e maior inserção da economia brasileira no
comércio internacional. Ainda no que tange à economia, o processo de privatização
tira vários setores da esfera de responsabilidade estatal, como o das comunicações,
energia, siderurgia, entre outros.
No campo social, este Estado limita suas ações ao assistencialismo e
conclama a sociedade para a resolução dos problemas agravados pelo desemprego,
pela miséria e pela fome. A educação e a saúde são amplamente atingidas com
seguidos cortes em seus orçamentos. Bresser Pereira (1997) mostra como se
viabilizaria a prestação de serviços blicos a partir de organizações sociais não
vinculadas ao Estado:
A estratégia da reforma do Estado se apóia na publicização dos
serviços não-exclusivos do Estado, ou seja, na sua absorção por um
setor público não-estatal, onde, uma vez fomentados pelo Estado,
assumirão a forma de organizações sociais. Essa forma de parceria
entre sociedade e Estado, além de viabilizar a ação pública com mais
agilidade e maior alcance, torna mais fácil e direto o controle social,
22
mediante a participação, nos conselhos de administração, dos
diversos segmentos beneficiários envolvidos. As organizações nesse
setor gozam de uma autonomia administrativa muito maior do que
aquela possível dentro do aparelho do Estado. Em compensação,
seus dirigentes são chamados a assumir uma responsabilidade
maior, em conjunto com a sociedade, na gestão da instituição
(BRESSER PEREIRA, 1997, p. 11).
A redução no papel do Estado o ficou restrita à esfera da prestação de
serviços públicos. A inversão neoliberal do “mínimo no social” se arvorou em
achacar os direitos trabalhistas. Neste sentido, o fim da estabilidade, o programa de
demissão voluntária de funcionários públicos, a redução de concursos públicos, a
terceirização de serviços, entre outras medidas, entram na pauta das discussões,
tanto dos governos, como dos empresários e entidades sindicais. O fato é que o
emprego formal não se estabeleceu como prioridade dos contratantes e a
informalidade cresceu vertiginosamente no Brasil.
Segundo Silva Júnior (2002, p. 45), no governo FHC se intensificaram as
ações para reforçar o Estado como um instrumento reprodutor do capital. Sendo
assim, a entrega de setores diversos para a exploração pela iniciativa privada em
substituição ao governo tornou-se uma estratégia utilizada em larga escala. No
discurso, o Estado, afastado das questões específicas de mercado, poderia dedicar-
se com maior adaptabilidade, competência, eficácia, e eficiência à área social.
Porém, nessa área, o que se viu foi um Estado centralizador, gestor, avaliador e
caritativo, que não deu conta de atenuar os efeitos da crise social dos anos 1990.
Com uma enorme massa de trabalhadores desempregada, sem alternativas
para vender sua mão de obra para manter a subsistência, a precarização da
contratação da força de trabalho se intensifica, assim como o discurso do
empreendedorismo e da empregabilidade. Antunes (2004, p. 21) exemplifica como o
processo se deu no setor bancário e se espalhou por todos os outros setores da
economia:
Como conseqüência das práticas flexíveis de contratação da força de
trabalho nos bancos (através da ampliação significativa da
terceirização, da contratação de trabalhadores por tarefas ou em
tempo parcial), vem ocorrendo uma maior precarização dos
empregos e dos salários, aumentando o processo de
desregulamentação do trabalho e da redução dos direitos sociais
para os empregados em geral e para os terceirizados em particular.
23
O discurso da reforma procurou “conciliar” interesses diversos, para tanto a
inculcação ideológica fazia a mediação entre os interesses do capital e os da classe
trabalhadora. Impregnou-se a idéia de que o público não era funcional, e o
intencional sucateamento dos serviços públicos aparece como caminho “natural”,
bem como assim o era o das privatizações. Bresser Pereira (1997) coloca a
viabilidade das reformas como proposição para agradar liberais e conservadores:
Partirei da premissa de que o Estado é fundamental para promover o
desenvolvimento, como afirmam os pragmáticos de todas as
orientações ideológicas, bem como uma maior justiça social, como
deseja a esquerda, e não apenas necessário para garantir o direito
de propriedade e os contratos - ou seja, a ordem - como quer a nova
direita neoliberal (BRESSER PEREIRA, 1997, p. 2).
O número de trabalhadores desempregados crescente e, em consequência, o
agravamento dos problemas sociais, passaram a ser combatidos, em tese, pelos
projetos que compunham o “Programa Comunidade Solidária” (carro chefe das
políticas sociais da “Era FHC”), encabeçado pela então Primeira Dama, Ruth
Cardoso. As políticas públicas de caráter compensatório entraram em cena para
amainar o conflito de classe e frear o ímpeto dos trabalhadores, resignados com a
condição de miserabilidade a que estavam subjugados. Neste quadro, de economia
globalizada, coube aos governos gerenciar a crise do capital, buscando
responsáveis por tal situação.
Ideologizando a falta de postos de trabalho, os governos buscaram focar na
pouca qualificação dos trabalhadores para ocupar os “novos” empregos gerados na
dita “Era do Conhecimento”. Focaram também na flexibilização e
desregulamentação do trabalho, como forma de ampliar a oferta de emprego em
virtude da redução dos encargos a serem pagos pelos empregadores. O Estado que
se redesenhava traria “flexibilidade” e “capacitação” dos recursos humanos ao
mercado de trabalho. Bresser Pereira (1997) deixa transparecer a “nova facedeste
Estado:
Nossa previsão é a de que o Estado do século vinte-e-um será um
Estado Social-Liberal: social porque continuará a proteger os direitos
sociais e a promover o desenvolvimento econômico; liberal, porque o
fará usando mais os controles de mercado e menos os controles
administrativos, porque realizará seus serviços sociais e científicos
principalmente através de organizações públicas não-estatais
competitivas, porque tornará os mercados de trabalho mais flexíveis,
porque promoverá a capacitação dos seus recursos humanos e de
24
suas empresas para a inovação e a competição internacional
(BRESSER PEREIRA, 1997, p. 21).
Medidas governamentais vinculadas a esta redução do Estado, no campo
social, que atiraram na informalidade e nas formas precarizadas de contratação
contingentes cada vez maiores de trabalhadores, foram sendo introduzidas pela
União, estados e municípios. Porém, para escamotear o sentido das medidas, seria
necessário um discurso que vinculasse o desemprego estrutural à responsabilidade
de cada indivíduo no processo de capacitação pessoal para ser inserido no mercado
de trabalho, ou ainda, na consolidação do auto-emprego. Cêa (2007) evidencia dois
aspectos das proposições para a formação humana: de um lado imprimem a
necessidade do indivíduo buscar por vias outras a sua sobrevivência, e de outro
escusam o Estado de cumprir seu papel, no que tange ao enfrentamento mínimo em
relação ao desemprego estrutural, ficando apenas com seu viés de ente de classe
para amainar o conflito entre trabalhadores e o capital:
Primeiro, o enfrentamento da problemática do desemprego, no atual
contexto das relações capitalistas de produção, requer uma dupla
condição: que os sujeitos busquem, deliberadamente, formas
próprias e autônomas de sobrevivência, e que os mesmos se
proponham a tomar a iniciativa de empresariar suas individualidades.
Segundo, na medida em que a pobreza e a miséria se aprofundam
como elementos estruturais do movimento econômico e político em
curso, é necessário que sejam administradas, papel que cabe ao
Estado, uma vez que o mercado se constitui no espaço, por
excelência, do laissez faire. Em ambos os aspectos, a qualificação
profissional, em especial, e a educação dos sujeitos, em geral,
podem contribuir para o controle da miséria e para a contenção de
conflitos sociais. Eis o fundamento material da noção do
empreendedorismo (CÊA, 2007. p. 313).
Entre tantas outras ações, os governos puseram o foco no discurso da
empregabilidade, visando o emprego, e do empreendedorismo, visando o auto-
emprego, para impulsionar os trabalhadores a buscarem qualificação profissional, se
“desvincularem” do Estado, ou ainda, de seus patrões, na possibilidade de constituir
uma pequena empresa e terem “sucesso” no modo de produção capitalista. Neste
sentido, o SEBRAE ganha destaque, por ser o principal instrumento a serviço do
capital com esse intuito, e por formular parcerias com setores diversos, visando
oportunizar a (con)formação dos trabalhadores na consecução de novos negócios,
dentro da lógica do capital. Cêa (2007, p. 310) aponta em seus estudos que:
25
[...] a noção de empreendedorismo serve de mediação entre a
possibilidade de conseguir emprego ou ocupação e a persistência de
um contexto marcado pela restrição de empregos formais,
regulamentados, fundados em direitos do trabalho. Tal noção, dessa
forma, enraíza e sentido à idéia de empregabilidade, porque
traduz, de fato e mais fielmente, a impossibilidade de reversão do
tímido papel do mercado formal, mantidas as características do
padrão de acumulação predominante do capitalismo mundializado, e
lança aos próprios indivíduos a responsabilidade sobre sua condição
social. “Ter emprego” sucumbe ante a noção de “ser empreendedor”.
Diante das condições de consolidação do ideário neoliberal no Brasil, da
reformulação do papel do Estado, do processo de privatização a ele inerente, das
consequências para o mundo do trabalho, surgem outras formas de organizar a
produção e o consumo, neste emaranhado em que se transformou o modo de
produção capitalista, para superar suas crises e envidar esforços para se perpetuar
como hegemônico, mantendo o status quo que permite à burguesia se locupletar
dos resultados do trabalho humano. Diante disso, e para viabilizar o ideário burguês
empreendedor no país, especialmente aquele voltado à impregnação ideológica da
classe trabalhadora, surge o lema “Seja o seu patrão!”, estruturado em instrumentos
diversos, entre estes o curso “Aprender a Empreender”, do SEBRAE, conforme
veremos no capítulo seguinte.
26
CAPÍTULO 2
APRENDER A EMPREENDER: O SEBRAE E OUTROS
INSTRUMENTOS E VETORES PARA A CONFORMAÇÃO HUMANA
Expostas algumas condições histórico-materiais para a propagação do lema
ideológico “Seja o seu patrão!”, cabe agora evidenciar alguns instrumentos que
iniciam este processo de inculcação sobre a classe trabalhadora e que desenvolvem
vetores diversos e formas didáticas para facilitar a apreensão sobre o
empreendedorismo.
Neste sentido, algumas instituições estarão na linha de frente da propagação
da idéia no país: o SEBRAE, órgãos governamentais nas três esferas de poder, bem
como nos âmbitos municipal, estadual e federal, o Instituto Empreender Endeavor
(que significa esforço, em inglês), a ONG Visão Mundial, a Fundação Roberto
Marinho, a Rede Globo de Televisão (com canais abertos e fechados de TV Futura
e Globo News em toda a programação), enfim, toda mídia de grande alcance, a
serviço do capital, vem sendo utilizada sobremaneira para dar cabo a esta
mensagem.
No decorrer do texto expõe-se a forma de atuação de algumas delas, porém o
foco principal está no SEBRAE, em função de sua história estar vinculada aos
primeiros indícios de uma proposição empreendedora no país com o caráter
exclusivo de (con)formar o trabalhador em empreendedor.
O SEBRAE é uma das instituições que possui grande intento em ampliar o
debate sobre o empreendedorismo como sinal de um “novo tempo”. Para isso utiliza
ferramentas que debatem a inclusão do empreendedorismo como disciplina escolar,
nos cursos e estágios para trabalhadores e estudantes e na formação humana de
uma maneira geral, visando a formação de indivíduos concatenados neste momento
histórico, com o intento impingido pelo capital. Indivíduos capazes de gerar seu
próprio emprego e condições de subsistência, segundo a ótica do modo de
produção. Dornelas (2005. p. 26) assevera que, além do SEBRAE, outro órgão é
precursor das ações no país:
O Sebrae é um dos órgãos mais conhecidos do pequeno empresário
brasileiro, que busca junto a essa entidade todo suporte de que
precisa para iniciar sua empresa, bem como consultorias para
resolver pequenos problemas pontuais do seu negócio. O histórico
27
da entidade Softex pode ser confundido com o histórico do
empreendedorismo no Brasil na década de 1990. A entidade foi
criada com intuito de levar as empresas de Software do país ao
mercado externo, por meio de várias ações que proporcionavam ao
empresário de informática a capacitação em gestão e tecnologia
(DORNELAS, 2005. p. 26).
Entretanto, o SEBRAE é a entidade que se afirma nacionalmente como
referência para a análise do empreendedorismo no país. Ela representa um
instrumento utilizado pelo modo de produção capitalista para desenvolver seus
propósitos no Brasil. Mancuso (2002, p. 9), representante da instituição, aponta a
importância do SEBRAE para o desenvolvimento econômico do país:
Números são importantes, mas insuficientes para dimensionar o
papel do SEBRAE, hoje, na cena brasileira. Atrás das estatísticas
estão pessoas, com crenças e sonhos, qualidades e limitações.
Gente que muitas vezes busca nos pequenos empreendimentos a
única saída possível diante de um mercado de trabalho reduzido e
competitivo. São muitos milhões os brasileiros de maior ou menor
capacidade, preparados ou não, mas dispostos a seguir ou
prosseguir no caminho da auto-realização, do empreendedorismo.
Orientando, capacitando, criando oportunidades e reduzindo riscos,
vem o SEBRAE. Neste sentido, firma-se como instituição nacional.
A penetração do SEBRAE como um dos instrumentos orientadores do
discurso ideológico do empreendedorismo e executor de sua implementação em
várias instâncias pode ser percebida de forma significativa quando se faz um
levantamento de fontes acadêmicas dos periódicos da CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior, instituição ligada ao MEC -
Ministério da Educação), vinculando empreendedorismo e educação. Chega-se ao
resultado de 117 produções (entre teses e dissertações) e, em sua grande maioria, o
SEBRAE encabeça os projetos nesta área. Percebe-se, também, a grande
permeabilidade da instituição no plano nacional, espalhada por todos os estados da
federação, com mais de 600 postos de atendimento e a página na rede mundial de
computadores. Seus vínculos também são propulsores da sua difusão, como aponta
Mancuso (2002, p. 9):
O SEBRAE tornou-se uma instituição nacional porque perseguiu, ao
longo do tempo, de forma coerente e obstinada, finalidades e
objetivos claramente definidos, traduzido no apoio e estímulo às
micro e pequenas empresas. Porque formou a sua própria cultura e
vem promovendo, competentemente, ações eficazes
estrategicamente orientadas para alcançar esses objetivos. Porque
se organiza como um sistema de entidades atuando de forma aberta,
28
autônoma, descentralizada, diversificada. Porque, situando-se nas
interfaces da esfera pública e privada da sociedade, articula em
redes, em torno de seus programas e projetos, uma multiplicidade de
outras entidades, estatais (da União, Estados e Municípios), da
iniciativa empresarial e da comunidade. E porque, finalmente, sua
contribuição tem sido altamente relevante para o desenvolvimento
brasileiro das últimas décadas.
Olhar o SEBRAE hoje com toda a sua estrutura e o trabalho desenvolvido no
campo do empreendedorismo não permite adentrar no curso histórico de sua
existência para evidenciar algumas razões da magnitude de seu trabalho em favor
do capital, como por vezes encontramos no livro alusivo aos 30 anos da instituição
(MANCUSO, 2002). Percorrer alguns caminhos de sua trajetória permite um olhar
mais acurado, para buscar outras evidências importantes para nosso objeto central.
Como por exemplo, o fato do SEBRAE época CEBRAE - Centro Brasileiro de
Assistência Gerencial à Pequena e Média Empresa) ter nascido como empresa
pública vinculada ao Estado, ter sido quase extinto na Era Sarney e ganhar um novo
papel nos anos 1990, tornando-se uma empresa privada sem fins lucrativos.
No início dos anos 1970, o se conferia importância social e econômica aos
pequenos negócios, bem como não havia espaço nas políticas blicas
governamentais para o pequeno empreendedor.
O SEBRAE nasce como suporte de capacitação empresarial a
programa de crédito destinado a média empresa. Cresce ampliando
sua ação nos Estados, incorpora iniciativas pioneiras. Prepara seus
quadros como consultores em ações de assistência técnica pontuais,
inicialmente ligadas à concessão de crédito, e, gradativamente
ampliadas, com ou sem crédito, a pequenas e microempresas, nas
quais logo concentra sua ação (MANCUSO, 2002, p. 9).
Os anos 1980 apresentaram eventos significativos no campo político e
econômico nacional, que combinaram estagnação econômica e mobilização social
1
.
Segundo Mancuso (2002), esse foi um período de redefinição para o SEBRAE,
quando foram alteradas as características originárias da entidade:
1
Alguns episódios podem ser citados para caracterizar o contexto de crise dos anos 1980: o fim do
Regime Militar, com a reorganização política partidária e dos movimentos sociais; a chamada “Nova
República”, com a eleição indireta de Tancredo Neves (falecido antes da assunção ao cargo) para
Presidente, e a posse de José Sarney. No campo econômico, foi uma década de estagnação
econômica, de dívida externa exacerbada e hiperinflação, com empobrecimento dos trabalhadores. A
reconstitucionalização do país, em 1988, e a disputada eleição entre Lula e Collor, com projetos, em
tese, representando os trabalhadores e a burguesia, respectivamente, marcaram o fim da década.
29
Nos conturbados anos 80, de lutas e sacrifícios internamente para
todos, o Sistema SEBRAE soube tirar lições da crise. Abriu-se à
sociedade e a movimentos que reivindicavam uma política
econômica que levasse em conta as necessidades do empresário de
menor porte. Desses “anos de chumbo” nasceram, dialeticamente, as
condições que levaram ao atual modelo institucional do SEBRAE,
pelo que se mobilizaram lideranças empresariais e pequenos
empreendedores, com o apoio da opinião pública e do Congresso
(MANCUSO, 2002, p. 13).
Esta redefinição visa à adequação às novas determinações do capital. Após a
vitória eleitoral, Collor implantou, em 1990, medidas que visavam intensificar a
inserção do país na economia globalizada. Para isso, segundo Dias (2006, p. 66),
resolveu enxugar o volume circulante, congelando as reservas em aplicações,
incluindo as cadernetas de poupança e contas correntes, e modificando contratos
privados. Collor também teve como alvo a estrutura do Estado, e extinguiu órgãos
públicos, exonerando e pondo em disponibilidade milhares de servidores. Com isso,
iniciou um processo que se arrastaria por toda a década, dentro da lógica das
privatizações (DIAS, 2006, p. 66).
Nesta linha, afirma Boito (1999, apud. DIAS, 2006), a ordem geral do governo
Collor era liberalizar a economia, estimular a concorrência internacional e,
sobretudo, privatizar as empresas estatais. Com este viés neoliberal, o governo
Collor promoveu um agravamento da concentração de renda e propriedade, que
passou inicialmente das mãos dos trabalhadores para as empresas e, a seguir, das
pequenas e médias empresas para as grandes, e da empresa nacional para os
grupos estrangeiros.
Nos anos 1990, a economia de mercado impõe às empresas brasileiras uma
necessidade de rápida reestruturação para competir no mercado. A redução de
barreiras alfandegárias facilitou a entrada de empresas estrangeiras, organizadas
segundo os critérios de qualidade e produtividade, trazendo grande pressão aos
setores produtivos nacionais. Mancuso (2002) afirma que, se para as grandes
empresas a adequação era difícil, para as pequenas e dias o desafio era ainda
maior.
Torna-se um objetivo estratégico para o País induzir e acelerar as
transformações necessárias. O que leva o governo a criar o PBQP
Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade. Nesse contexto,
uma estrutura pronta como a do CEBRAE, direcionada à
modernização e promoção dos negócios de menor porte, não pôde
ser ignorada. Porém, a conjugação entre as necessidades do PBQP
30
e as respostas que o CEBRAE tem a oferecer não se de imediato
(MANCUSO, 2002, p. 93).
O Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade (PBQP) foi a forma
encontrada pelo governo para auxiliar as empresas nacionais na realização das
transformações voltadas à adequação às regras da competitividade global, impostas
pelo mercado, dentro da lógica do capital.
Segundo Mancuso (2002), havia, naquele momento histórico, ameaças à
possibilidade de utilização do CEBRAE até então um órgão público para prestar
auxílio no desenvolvimento do PBQP. Isto porque a Medida Provisória 151/90, do
governo Collor, previa a desvinculação de vários órgãos do governo, incluindo o
então CEBRAE.
Dentro do Congresso Nacional, setores ligados ao capital redefiniram seu
papel e fortaleceram o órgão. Na visão de um dirigente, na época,
[...] pela sua capilaridade, pela ação efetiva que sempre exerceu na
ponta, junto à pequena empresa, o CEBRAE sempre teve uma
defesa política muito grande. Nas duas ocasiões (a primeira no
governo Sarney) em que o Executivo tentou acabar com o sistema
CEBRAE, o Legislativo vetou (MANCUSO, 2002, p. 93).
Como resultado desta tensão, o SEBRAE assume uma nova função, sendo
desvinculado da esfera governamental e organizado como serviço social autônomo,
alinhado ao desenvolvimento do capital no país, passando a ser uma entidade de
apoio às micro e pequenas empresas brasileiras. Segundo Mancuso (2002, p. 96), a
reformulação legal foi o caminho que possibilitou estas mudanças. Nestas, os
primeiros passos para a condução do ideário empreendedor no país:
A grande virada Desvinculado do aparelho estatal, o SEBRAE com
”S” conquista meios mais efetivos de promoção dos pequenos
negócios, em sintonia com as estratégias governamentais voltadas
ao processo de desenvolvimento do País. Em 09 de outubro de
1990, o Decreto 99.570 altera a denominação do CEBRAE para
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, o
SEBRAE com “S”. O decreto complementa a Lei 8.029, de 12 de
abril do mesmo ano, que autoriza o antigo CEBRAE a desvincular-se
da administração pública, mediante sua transformação em serviço
social autônomo. [...]
Conforme a Lei 8.154, compete ao SEBRAE: “planejar, coordenar
e orientar programas técnicos, projetos e atividades de apoio às
micro e pequenas empresas, em conformidade com as políticas
nacionais de desenvolvimento, particularmente as relativas às áreas
industrial, comercial e tecnológica” (MANCUSO, 2002, p. 96).
31
Concatenado com as determinações do capital, servindo de instrumento
ideologizante e com ações materializadas, com o intento de retroalimentação do
modo de produção capitalista, o SEBRAE seguiu o caminho das organizações que
prestam serviço blico não-estatal. Neste sentido, aquela perspectiva traçada para
as políticas públicas, visando amenizar o conflito de classe, passou a valer para o
cumprimento do papel do “novo” SEBRAE.
O discurso do órgão defendia alguns pilares liberais burgueses como
democracia, cidadania e solidariedade, no “enfrentamento” dos problemas da
sociedade brasileira. Neste sentido, começou a debater possíveis soluções para
amainar as mazelas sociais geradas pelo núcleo do capitalismo. Mancuso (2002)
reflete a direção do tratamento dado pelo SEBRAE aos impactos econômicos sobre
os problemas sociais:
Fatores estruturais e conjunturais, bastante conhecidos, fazem com
que se agrave o desemprego no País, a partir dos anos 80. No início
de 1994, quase um milhão de pessoas estão desempregadas, nas
áreas metropolitanas; ou 8 milhões, vista a situação de desemprego
de forma mais ampla.
Em conseqüência, aumenta o setor informal da economia, com o
crescimento do trabalho por conta própria e do assalariamento sem
carteira assinada. Essa questão do desemprego, nos anos 90,
comparece seguidamente como uma das maiores preocupações dos
brasileiros nas pesquisas de opinião pública (MANCUSO, 2002, p.
112).
Para conhecer a realidade e consubstanciar os dados sobre geração de
empregos formais e mapear o mercado informal, apontando para as diretrizes da
instituição, em 1996 o SEBRAE faz acordo com o IBASE (Instituto Brasileiro de
Análise Social e Econômica), denotando intento de desenvolver ações voltadas ao
mercado de trabalho. Segundo Mancuso (2002, p. 92), em 1994, estes órgãos,
juntamente com a Associação Brasileira de Imprensa, promoveram o II Seminário
Gerar Empregos Essa é a Saída, com a representação de vários setores sociais e
participação dos candidatos à presidência da república. Na ocasião, o SEBRAE
recebeu o apoio do sociólogo Herbert de Souza Betinho, do IBASE, “[...] à cruzada
de Afif Domingos e de Mauro Durante em favor de um ordenamento legal favorável
ao desenvolvimento dos pequenos negócios” (MANCUSO, 2002, p. 92).
Os projetos de geração de emprego e renda estariam diretamente
relacionados com o Programa Ação da Cidadania, que visava combater a fome e a
miséria no Brasil ou, no plano mais de fundo, amenizar o conflito de classes. O
32
impulso aos pequenos negócios ganhou espaço e passou a ser tomado como
instrumento para a redução do desemprego. Uma das metas era auxiliar no
planejamento e organização administrativos para que os pequenos empreendedores
conseguissem manter suas empresas “vivas”, ou seja, possibilitar condições de
competição com empresas estrangeiras ou de grande porte, ou aquelas com maior
tecnologia.
No cenário globalizado, a partir dos anos 1990, diante do desenvolvimento
tecnológico e das comunicações, o planejamento e a organização administrativa
ganharam importância, dentro da lógica concorrencial do capital. Seguindo esta
lógica, alguém, no Brasil, precisava ensinar a empreender! Se a redução de postos
de trabalho, dentro da mesma lógica, aparentava ser ocasionada pelo uso de novas
tecnologias poupadoras de mão de obra, outro caminho havia de ser trilhado pelo
governo para dar novo combustível ao capital para, desta forma, escamotear a
impossibilidade do modo de produção capitalista de inserir a todos. Por outro lado,
isso tirava do governo e de seus direcionamentos neoliberais a responsabilidade por
não gerenciar políticas públicas voltadas a combater o desemprego.
No Brasil, as “novas tecnologias” ganharam espaço na produção, na
circulação e no consumo. A intensidade dessa inserção ampliou-se sobremaneira
com a invasão de produtos importados. Da mesma forma, a “administração
empreendedora” veio associada às idéias de inovação, de competição por
mercados, de mudança de comportamento empresarial, de capacitação da força de
trabalho visando aumento de produtividade e, consequentemente, das taxas de
lucro.
As formas gerenciais que ampliaram sobremaneira a exploração sobre o
trabalhador, a exemplo daquelas utilizadas nas empresas dos países do centro do
capitalismo, passaram a fazer parte do cotidiano nacional. Elas representam, para
Drucker (1985), no caso americano, muito mais do que as “novas tecnologias”:
A Administração é a nova tecnologia (e não apenas uma nova
ciência ou invenção qualquer) que está fazendo da economia
americana uma economia empreendedora. Está também a ponto de
fazer da América uma sociedade empreendedora. Realmente, pode
haver maiores perspectivas nos Estados Unidos, e nas sociedades
desenvolvidas em geral, para inovação social em educação,
assistência médica, governo e política do que em negócios e na
economia. E, repetindo, o empreendimento na sociedade,
absolutamente necessário, requer, sobretudo, a aplicação dos
conceitos básicos, a techné básica, da Administração para
33
problemas novos e oportunidades novas. Isto quer dizer que agora é
o momento para fazer pelo empreendimento e inovação o que
primeiro fizemos pela administração em geral cerca de trinta anos
atrás: estabelecer os princípios, a prática e a disciplina (DRUCKER,
1985, p. 24).
Enfim, a “administração empreendedora” citada por Drucker ganhou espaço
no modo de produção capitalista. No Brasil, o SEBRAE é um dos instrumentos de
irradiação de seus preceitos. Para que o empreendedorismo se alastre no intento de
atender aos anseios do capital, ele precisa penetrar e se arraigar no seio da classe
trabalhadora.
Uma das facetas ideológicas de maior força do ideário socializado pelo
SEBRAE é “Seja o seu patrão!”. Ela inverte a lógica de classe própria da ordem
capitalista. Que trabalhador nunca sonhou em ser patrão de si mesmo? Este debate
será feito adiante, no texto.
Pesquisas do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) apontam o alto grau de
empreendedorismo do “povo brasileiro”, porém ressaltam o fato de que, em grande
medida, o empreendedor daqui se faz por “necessidade” e não por “oportunidade”,
quadro que se modifica nos últimos anos, e pode ser verificado na página da internet
do GEM e do próprio SEBRAE
2
.
A compreensão desta diferenciação é de suma importância, pois transformar
o trabalhador brasileiro em empreendedor por oportunidade, “aquele baseado no
planejamento e na estratégia”, hoje é um dos principais focos do SEBRAE. A
mudança deste comportamento, para tornar-se empreendedor por “oportunidade”,
faz-se a partir da educação. Esta crença é um pilar dos propósitos do SEBRAE,
observável sobremaneira no curso “Aprender a Empreender”, objeto central de
nossa análise, e que também começa a nortear as ações governamentais.
Estes passos da história do SEBRAE, grande parte contados a partir da
própria versão da instituição, no livro comemorativo dos seus trinta anos
(MANCUSO, 2002), representam momentos significativos, mas o essencial para o
trabalho aqui pretendido é que resumem a idéia de que o SEBRAE, quase extinto
nos governos de José Sarney e Fernando Collor, passa a cumprir um outro papel no
Brasil, para atender aos interesses do capital. De órgão governamental focado no
crédito para empresas médias, passa a executar a função de apoio às micro e
pequenas empresas, com o objetivo de fomentar o planejamento, a organização,
34
facilitar meios de formalização legal, enfim, estimular o surgimento e auxiliar as
novas empresas a permanecerem no mercado. Mas o SEBRAE não está sozinho
nessa empreitada, como veremos a seguir.
2.1 Aprender a Empreender e outros vetores para a conformação humana
em curso, desde os anos 1990, uma estratégia e uma prática do capital
voltada à constante adequação do Brasil aos ditames do neoliberalismo. Juntamente
com a redução do papel do Estado estão outras ações, entre elas a que por ora se
analisa: a difusão da noção de empreendedorismo presente no curso “Aprender a
Empreender”, direcionado à classe trabalhadora como alternativa de emprego e
renda, com o intuito de inculcar ideológica e politicamente nos trabalhadores a
noção “Seja seu patrão!”. A análise permite trazer alguns elementos significativos
desta prática. Tentar compreender algumas faces da incorporação destas idéias
possibilita aos trabalhadores uma postura mais segura em relação aos intentos do
capital neste momento histórico.
No que tange ao empreendedorismo, o SEBRAE não está só, muito pelo
contrário, toda uma rede gerenciada e influenciada pela burguesia para
disseminar a idéia. E não nas empresas privadas, organizações o
governamentais ou intentos isolados.
Além do SEBRAE, outros vetores menores também estão presentes no
cotidiano da classe trabalhadora, servindo de instrumentos de propagação do ideário
empreendedor: o Portal do Empreendedor, o Instituto Empreender Endeavor, a ONG
Visão Mundial, o movimento Bota Pra fazer, as Revistas Você S/A e Meu Próprio
Negócio. Enfim, são incontáveis os instrumentos federais, estaduais e municipais,
públicos e privados que difundem direta ou indiretamente as idéias empreendedoras
no Brasil. Estas ações hoje são vistas até nos órgãos de classe, sindicatos e
movimentos sociais.
No âmbito governamental, a preocupação com a criação e a manutenção de
micro e pequenas empresas está presente em diversas iniciativas ligadas às
políticas do Estado. Nesse sentido, algumas medidas dos últimos governos podem
ser destacadas e, junto a elas, a participação efetiva do SEBRAE.
2
Consultar: <http://www.gembrasil.org.br/home/>; <http://www.sebrae.com.br/>.
35
Sob o manto de uma perspectiva que conclamava o trabalhador a
empreender e constituir seu próprio negócio, o Programa Brasil Empreendedor,
criado em 1999 pelo governo FHC, representava, no campo econômico, uma política
pública de renegociação de dívidas, de auxílio e crédito às pequenas empresas e,
no campo pedagógico, uma política de “capacitação” de empresários e
empreendedores. Segundo Mancuso (2002, p. 162),
O Brasil Empreendedor é anunciado, no dia 05 de outubro de 1999,
pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, ocasião em que
também sanciona o Novo Estatuto da Pequena Empresa.
Paralelamente, o governo federal abre a possibilidade de que micro e
pequenos empresários com débitos tributários e previdenciários
refinanciem suas dívidas participando do Programa de Recuperação
Fiscal (REFIS). Renegociando os débitos, em condições vantajosas,
a empresa devedora passa a ter direito à Certidão Negativa de
Débitos e à baixa de sua inscrição no CADIN Cadastro de
Inadimplentes, possibilitando sua participação no Brasil
Empreendedor. [...] O desafio da capacitação em massa, exigido pelo
Brasil Empreendedor, leva o SEBRAE a disponibilizar, via Internet, o
curso “Iniciando um Pequeno Negócio”, e a veicular programa de
capacitação no Canal Futura, em parceria com a Fundação Roberto
Marinho.
O Programa Brasil Empreendedor vai ser “carro chefe” de muitas outras
experiências públicas e privadas que se constituíram como instrumentos de
fortalecimento do empreendedorismo no Brasil. Os representantes do grande capital
e dos meios de comunicação encaminharam uma empreitada, via Estado, de
expansão do empreendedorismo, como alternativa de geração de emprego e renda.
Relembrando alguns condicionantes históricos do SEBRAE apresentados,
retomamos Mancuso (2002, p. 162):
No efervescente processo interno de redirecionamento e de
reestruturação, os técnicos do Sistema SEBRAE enfrentam, ao
mesmo tempo, outro desafio sem precedentes: operacionalizar o
programa Brasil Empreendedor. Em onze meses, o programa leva
conhecimento empresarial a 1,4 milhão de pessoas, com o
envolvimento de todas as unidades do SEBRAE e de 5 mil agentes
empresariais, e gera nos bancos oficiais financiamentos para
pequenas empresas num montante superior a 10 bilhões. O
programa é visto por todos como verdadeira “prova de fogo” para o
Sistema em transformação. Afinal, o Brasil Empreendedor congrega
características com as quais o novo SEBRAE se identifica, a
começar pela extensão dos seus benefícios, rompendo a barreira do
milhão, passando pela mobilização de um sem número de parceiros
estratégicos.
36
No governo Lula, em 2006, foi criado o “Simples Nacional, conhecido
também como “Super Simples”, um regime de arrecadação que facilita a
formalização das micro e pequenas empresas com um sistema de impostos
simplificado; em 2009 foi aprovada a Lei Complementar 128/2008, que criou a figura
do Microempreendedor Individual, de forma que qualquer trabalhador autônomo
pode se tornar um empreendedor individual (um empresário de si mesmo),
bastando, para isso, inscrever-se no Portal do Empreendedor
3
. Novamente,
iniciativas governamentais vão contribuir para a afirmação do SEBRAE como a
grande entidade nacional propagadora do ideário e da prática empreendedora.
Essas medidas estimulam e dão sentido a ações de outras entidades privadas
que se voltam para a disseminação da cultura empreendedora no país.
Em entrevista à Revista Meu Próprio Negócio (MPN) Empreender na Prática
(2009, p. 20), Rodrigo Teles, diretor presidente do Instituto Empreender Endeavor
fala sobre a consecução de novos negócios, a missão da instituição e a propagação
do empreendedorismo no país. No Brasil, desde 2000, o Instituto Empreender
Endeavor é uma entidade sem fins lucrativos que atua com o objetivo de incentivar o
empreendedorismo em todo o território nacional, e o faz pedagogicamente,
apresentando “excelentes exemplos de gestão”.
O trabalho é feito por empresários de sucesso, voluntários, coaching
(tutores), que podem ensinar os primeiros passos àqueles que desejam abrir o
próprio negócio. O Instituto propõe valorizar o empreendedorismo de oportunidade,
calcado no planejamento e na estratégia, seleciona empresas para serem auxiliadas
e seu trabalho também visa propagar e viabilizar a idéia no ensino básico e superior.
Na percepção do Instituto Empreender Endeavor, em menos de 20 anos
houve avanço significativo na incorporação da ideia do empreendedorismo no Brasil.
Segundo Rodrigo Teles,
Levando em consideração a cultura empreendedora, o
amadurecimento da mentalidade do brasileiro é o fato percebido com
maior clareza. Hoje cresce o número de pessoas abrindo o próprio
negócio, porque um mercado a ser explorado. Diferente de dez
anos atrás, quando era mais comum investir, devido à falta de opção
(MEU PRÓPRIO NEGÓCIO, 2009, p. 21).
3
Conferir em: < http://www.portaldoempreendedor.gov.br/>.
37
O Instituto afirma haver uma melhoria significativa na qualidade dos
empreendedores, indicando que, em 2009, diferentemente de uma década atrás, o
empreendedor de oportunidade” que pesquisa, planeja e analisa, antes de
constituir-se enquanto pequeno empresário cresce em relação ao empreendedor
por “necessidade”, motivado pela perda do emprego e pela falta de perspectiva
profissional. O Instituto ainda aponta aspectos da melhoria desta qualidade:
Existem alguns indicadores confiáveis. O SEBRAE aponta a redução
do número de firmas falindo anualmente. Além dele, o Global
Entrepreneurship Monitor (GEM) pesquisa e analisa o nível de
empreendedorismo em mais de 40 países. O estudo desse órgão
separa claramente a oportunidade da necessidade. O Brasil está
entre os dez países mais empreendedores do mundo e a quantidade
de companhias abertas por oportunidade cresce a cada ano. Os
dados revelam a maturidade e o avanço do setor (MEU PRÓPRIO
NEGÓCIO, 2009, p. 21).
Os planos do Instituto Endeavor coadunam-se com as perspectivas de
difusão do empreendedorismo no país. Tais planos implicam em organizar nas
escolas, de forma interdisciplinar, atividades diversas onde possam ser aplicados os
conhecimentos da administração empreendedora, mas a proposta desta inserção
está presente em um conjunto maior de ações. Dolabela (1999) o indicativo da
ampliação do projeto, onde assevera ser imprescindível a união das forças sociais, e
sugere
Propagar o ensino de empreendedorismo para todos os veis
educacionais. A universidade é ponto de partida, porque ela é uma
forte formadora de opinião e multiplicadora do saber. Mas é preciso
disseminar a cultura empreendedora desde o primeiro degrau do
sistema educacional, pois só assim iremos criar o que chamamos de
“incubadora social” em que toda a sociedade estará envolvida por
uma cultura que sinalize positivamente para valores empreendedores
que priorizam a geração e distribuição de riquezas, a inovação, a
cidadania, a ética, a liberdade em todos os níveis, o respeito ao
homem e ao meio ambiente (DOLABELA, 1999, p. 62).
Nesta sugestão há uma inversão clara de que a cultura empreendedora será
o suporte do desenvolvimento econômico, sendo que este não se faz a não ser pelo
trabalho humano. A segunda inversão exposta relaciona-se ao envolvimento da
sociedade e a valores que indicam geração e distribuição de riqueza, como se estes
também estivessem vinculados a “valores”, e não à essência da sociedade do
capital, calcada no lucro.
38
Dolabela (1999), em uma segunda sugestão, fala da necessidade do estímulo
à pesquisa na área do empreendedorismo:
Anualmente a Anprotec [ANPROTEC Associação Nacional das
Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores] promove a
mais importante conferência na área o Seminário Nacional de
Parques Tecnológicos e Incubadoras de Empresas, em sua nona
edição, no qual são apresentados trabalhos técnicos e científicos.
Mas é importante que seja criado um Congresso Brasileiro de
Empreendedorismo, que estimule a pesquisa na área e seja ponto de
encontro de todos os envolvidos com o empreendedorismo a
comunidade acadêmica, praticantes, empreendedores, sistemas de
suporte e que promova um permanente intercâmbio com
pesquisadores de todo o mundo. Para se inserir no cenário mundial
de pesquisa na área de empreendedorismo, é imperativo que o Brasil
tenha um capítulo atuante do ICSB Internacional Council for Small
Business (DOLABELA, 1999, p. 63).
No campo da produção de conhecimento sobre o empreendedorismo, as
pesquisas estão a “pleno vapor”, como pode ser confirmado pela seleção de
resumos de teses e dissertações acessados no banco de teses da CAPES, com o
tema empreendedorismo e educação, conforme citado anteriormente. Diversos
projetos, especialmente no campo da administração e engenharia, são evidenciados
na busca pelo portal da entidade. Deve-se ressaltar, entretanto, que os estudos não
se restringem aos campos citados, mas difundem-se sobremaneira para outras
áreas, evidenciando o intuito de pôr em prática as condições que propiciem a
estruturação de uma sociedade empreendedora. Contudo, não é muito grande a
incidência de estudos que analisem contextual e criticamente o tema do
empreendedorismo.
No mercado editorial, uma obra em especial tornou-se uma referência para os
difusores do empreendedorismo no país, pois possui uma forma de ensinar
empreendedorismo muito própria, que busca trazer as informações necessárias ao
futuro empreendedor, dentro de narrativas com personagens diversos, semelhante
ao cotidiano dos trabalhadores. Trata-se do livro “O segredo de Luísa”, de autoria de
Fernando Dolabela, que virou uma publicação esgotada nas livrarias. Publicado pela
primeira vez em 1999, em 2006 o livro alcançou a 30ª edição. A “Pedagogia
Empreendedora” sintetizada no livro redundou em outras publicações, voltadas para
públicos diversos, como é o caso de “A Ponte Mágica”, com a mensagem do
empreendedorismo para crianças.
39
Muitas das ideias apresentadas por Fernando Dolabela em “O segredo de
Luísa”, que serão exploradas no capítulo seguinte, coadunam-se com a perspectiva
do curso Aprender a Empreender, do SEBRAE.
Como foi dito, o SEBRAE não está sozinho nesta empreitada do capital. Mas,
apesar de existirem inúmeras entidades empenhadas na disseminação da ideia do
empreendedorismo e na formação de empreendedores, o SEBRAE é a entidade
com a maior capilaridade, no Brasil, para desenvolver estas ações. Combinando
ações formativas presenciais e a distância, sua influência se amplia sobremaneira,
como veremos a seguir.
2.2 O protagonismo do SEBRAE na formação da cultura empreendedora.
O curso “Iniciando o Primeiro Negócio” vai ser a primeira peça de uma
arquitetura mais ampla a ser utilizada pelo SEBRAE para instrumentalizar
pedagogicamente os micro e pequenos empresários na consecução do próprio
negócio. Nele estará também a “base genética” do “Aprender a Empreender”.
O SEBRAE é um dos principais agentes do caráter pedagógico da difusão em
massa das ideias do empreendedorismo, via sistema educacional, que cada vez
mais ganha corpo no Brasil.
No Plano Integrado para Implementação das Prioridades do SEBRAE
(MANCUSO, 2002, p. 154), a difusão da idéia de uma educação empreendedora
para milhões pode ser traduzida na continuidade de ações formativas, tanto
presenciais como a distância.
O objetivo apontado pelo SEBRAE, neste Plano Integrado, visa “elevar o
capital social do país” (SEBRAE, 2002, p. 154), trabalhando conceitos/práticas como
cooperação, organização e participação junto a 8 milhões de alunos de ensino
médio da rede oficial, em parceria com o Ministério da Educação. Alguns projetos
estão consolidados: Programa Técnico Empreendedor, Iniciando um Pequeno
Negócio, A Gente Sabe A Gente Faz, Coleção Empreendedor, Como Vender Mais e
Melhor, Desafio SEBRAE, Prefeito Empreendedor, Prêmio Mário Covas e o
Aprender a Empreender.
Ricca (2004, p. 72) acredita que as ações do SEBRAE vislumbram mais do
que apoiar pequenos empresários, ele crê em um novo projeto para uma nova
sociedade, e afirma:
40
Estamos criando um novo modelo, assim como o que foi criado no
século XIX. E uma de suas bases é justamente o
empreendedorismo, o trabalho por conta própria, a capacidade de
gerar o próprio negócio, os próprios recursos e contribuir para a
sociedade de forma mais pessoal.
O desenvolvimento do comportamento empreendedor passa,
necessariamente, pela valorização e pela capacitação para o
associativismo. A associação, a rede social, o terceiro setor, a vida
da forma como se vê hoje e tendo como perspectiva a preocupação
com a sobrevivência no planeta, com a ecologia, a indignação com a
miséria; toda essa dinâmica está gerando novas oportunidades de
trabalho e de renda que serão, inclusive, vetores de oportunidades
para o trabalho no futuro.
Acoplando toda essa questão a uma visão de longo prazo e
iniciando a construção do futuro a partir de agora, temos de
considerar o empreendedorismo como uma oportunidade a mais.
Os limites do empreendedorismo alinham-se com os do modo de produção
capitalista, o que não constitui uma nova sociedade, mas promove uma
readequação constante do capital para superar suas crises.
Ricca (2004) aponta a “positividade” do intento do SEBRAE no processo de
adequação ao neoliberalismo e não crê que o empreendedorismo esteja vinculado à
precarização do trabalho, mas à oportunidade de auto-emprego.
O Sebrae atua nesse quadro com o objetivo de transformar as
MPEs [micro e pequenas empresas] e o empreendedorismo numa
oportunidade digna de trabalho. Precisamos encarar esse turbilhão
que estamos vivendo como traumas da mudança. Não podemos
concordar e eu particularmente nunca concordei com a teoria de
que devemos precarizar o mercado de trabalho e flexibilizar os
direitos do trabalhador. O que se deve fazer, na realidade, é voltar a
atenção para o futuro. O modelo do desenvolvimento industrial não
vai se repetir e o “novo trabalho” será diferente daquele vivenciado
na era industrial, com novos conceitos e melhor perspectiva de
qualidade de vida (RICCA, 2004, p. 72).
Sendo assim, o SEBRAE desenvolve sua pedagogia empreendedora, visando
auxiliar na consecução dos empreendimentos, por meio de diferentes iniciativas
educacionais.
Segundo Mancuso (2002, p. 116):
Além da capacidade que adquire de influir nas políticas públicas, em
favor de sua clientela, o novo SEBRAE atua estrategicamente na
promoção dos pequenos negócios, mediante: [...] educação
empreendedora com os programas EMPRETEC e Ideal, destinados
a aumentar o potencial de empreendedorismo e de liderança nos
pequenos negócios.
41
O Empretec
4
e o Ideal são exemplos de iniciativas formativas presenciais,
realizadas em forma de parceria com as seções regionais do SEBRAE. São voltadas
para pessoas que desenvolvem atividades empresariais e que devem pagar por
esses cursos.
O Empretec visa estimular e desenvolver as características individuais do
empreendedor, de forma a propiciar sua competitividade no mercado. Segundo o
folheto de divulgação, entre outras coisas o curso busca auxiliar o aluno a “Conhecer
seu potencial empresarial e pessoal, seus pontos fortes e fracos, a desenvolver
estratégias de negócios efetivas e a entender seu próprio comportamento ao
assumir riscos calculados”. O curso possui 40 horas, com custo para os
participantes.
O Ideal é um curso que objetiva Identificar e desenvolver nos participantes
sua capacidade natural de liderança, preparando-os para participar das entidades
que os representam, ampliando a presença da pequena empresa nos organismos de
classe”. Com uma carga horária de 80 horas, o público-alvo é composto de
“Empresários com atuação na vida pública, dirigentes e integrantes de entidades de
representação de setores”
5
.
Outra significativa iniciativa do SEBRAE é o Programa de Formação de
Jovens Empreendedores, que tem a pretensão de disseminar a ideia do
empreendedorismo junto a crianças e jovens matriculados em escolas públicas. O
curso inicial previsto no programa (denominado Jovens Empreendedores
Primeiros Passos), é voltado para professores da educação sica da rede pública,
que são capacitados por facilitadores do SEBRAE, podendo o curso “[...] ser incluído
no currículo regular das próprias escolas onde esses professores trabalham (RICCA,
2004, p. 74).
Dias (2006), fazendo uma análise do Programa de Formação de Jovens
Empreendedores para caracterizar a Pedagogia Empreendedora do SEBRAE,
4
Segundo informações disponíveis na página eletrônica do SEBRAE, “O EMPRETEC é um seminário
que tem por objetivo desenvolver, nos participantes, características de comportamentos
empreendedores. O programa foi desenvolvido pela ONU - Organização das Nações Unidas visando
o fortalecimento destas características empreendedoras. O participante deverá primeiro identificar
seu potencial empreendedor e verificar quais são seus pontos fortes e fracos. Verificar em: <
http://www.pa.sebrae.com.br/sessoes/educacao/empretec/default.asp>.
5
Informações retiradas da página eletrônica do SEBRAE que apresenta o curso Ideal
(<http://www.sebraesp.com.br/melhorando_empresa/educacao/ideal>).
42
assevera que uma convergência entre as noções de competência e
empregabilidade:
Observamos claras referências à concepção de competência
ressaltando aspectos psicológicos, fazendo menção à subjetividade
e à experiência, como sendo base para a constituição do espírito
empreendedor. Ressalta inclusive a importância de algumas
competências, como a criatividade, autonomia, criticidade, resolução
de problemas, comunicação, inovação, entre outras (DIAS, 2006, p.
104).
Dias (2006) compreende que a pedagogia das competências, presente no
curso de Formação de Jovens Empreendedores, serve de base para a pedagogia
empreendedora e está voltada para a adaptação dos trabalhadores às
determinações do capital.
Nesta concepção, o capitalismo é encarado como o único modo de
produção possível cabendo às pessoas inserirem-se de modo
adaptativo às demandas impostas pelo mercado. O seu discurso do
empreendedorismo assevera, com tonicidade, o consenso na
medida em que enseja nas pessoas a possibilidade de se tornarem
patrões ao invés de empregados ou desempregados. Neste sentido,
não seria necessária uma transformação radical da sociedade, pois
ser empreendedor seria a saída para resolver, individualmente, os
problemas econômicos e sociais postos pelo próprio capitalismo.
Camufla-se desta forma, que ser empreendedor, ao contrário,
insere-se na precarização das condições de trabalho e existência na
qual o indivíduo não possui qualquer segurança ou perspectiva
futura (DIAS, 2006, p. 114).
Os liberais, calcados nas idéias de que a educação deve vislumbrar uma
sociedade empreendedora, diferente daquela organizada sob os padrões das
relações de trabalho vigentes até os anos 1980, no Brasil, apontam para a
necessidade de se preparar o trabalhador para uma nova realidade: a da
desregulamentação e precarização do trabalho. A escassez do emprego formal,
calcado em direitos sociais, é a marca histórica designada por eles como “Nova
Economia” (MANCUSO, 2002, p. 14), com exigências diferenciadas no que tange à
produção e ao consumo. Trabalhar por conta própria, na informalidade, é a saída
para milhões de trabalhadores brasileiros.
Além dos cursos presenciais, alguns exemplificados nos parágrafos acima, o
SEBRAE investe atualmente na oferta de 9 (nove) cursos a distância, realizados na
página eletrônica da entidade (desde a inscrição até a impressão do certificado de
participação). Os cursos podem se voltar para empresários, trabalhadores
43
envolvidos com a gestão empresarial e mesmo para interessados em iniciarem uma
atividade de auto-emprego. Cinco desses cursos são gratuitos: Aprender a
Empreender, Análise e Planejamento Financeiro, Como Vender Mais e Melhor, D-
Olho na Qualidade e Gestão de Cooperativas de Crédito. O SEBRAE orienta aos
interessados que comecem fazendo o curso “Aprender a Empreender”
6
.
Os programas do SEBRAE de educação a distância servem ao intento de
difusão do empreendedorismo. O espaço de veiculação é a mídia de grande alcance
e o formato e o conteúdo do curso “Aprender a Empreeender” possuem alto grau de
permeabilidade para chegar a todos os trabalhadores.
O primeiro ano do curso “Aprender a Empreender” (AE) foi 2002, e teve
197.000 (cento e noventa e sete mil) inscritos. Nos anos subsequentes houve uma
redução no número de participantes. Segundo o SEBRAE nacional, mais 400.000
(quatrocentos mil) alunos passaram pelo curso “Aprender a Empreender”.
Juntamente com os outros cursos, o número chega a mais de 1,2 milhão de
participantes. Todos os cursos estão disponíveis na página do SEBRAE, na Internet,
e grande parte deles não possui cobrança de valores monetários para
microempresários. A tabela 1 foi remetida pelo SEBRAE nacional, setor de ensino a
distância após solicitação para esta pesquisa. Ela representa o número de
participantes dos cursos pela Internet, do SEBRAE, e serve para comprovar sua
capilaridade:
Tabela 1
Participantes de cursos do SEBRAE pela Internet 2003/2009
Curso
7
/ Ano
2003
2004
2005
2007
2008
2009
Total / Cursos
AC
8.416
8.416
AE*
16.200
38.600
51.000
30.051
60.737
55.791
240.892
APF*
31.200
63.000
27.661
65.171
55.641
234.411
BPSA
1.630
1.630
CVMM*
8.800
38.800
44.200
19.079
46.795
46.984
196.320
D-Olho*
400
18.928
42.925
42.217
83.747
GCC*
5.616
5.616
6
Ver página eletrônica do SEBRAE que informa sobre os cursos a distância oferecidos pela entidade:
< http://www.ead.sebrae.com.br/hotSite/cursos.asp>.
7
Significado das siglas: Atendimento ao Cliente (AC); Aprender a Empreender (AE); Análise e
Planejamento Financeiro (APF); Boas práticas nos serviços de alimentação: gestão da segurança
(BPSA); Como Vender Mais e Melhor (CVMM); D-Olho na Qualidade: 5S para os pequenos negócios
(D-Olho); Gestão de Cooperativas de Crédito (GCC); Iniciando um Pequeno e Grande Negócio
(IPGN); Empreendedor Individual (EI).
44
IPGN
59.000
44.200
28.642
60.171
35.885
214.318
EI
31.754
31.754
Total / Ano
25.000
167.600
202.800
124.361
275.799
283.934
1.253.622
Fonte: SEBRAE / Setor de Ensino a Distância, 2010.
Obs: Não informado; * Cursos gratuitos.
Para entender o sentido do curso “Aprender a Empreender”, aquele que mais
tem formado “empreendedores” entre os demais cursos a distância do SEBRAE, é
que serão destacadas suas principais características e fundamentos no capítulo a
seguir.
45
CAPÍTULO 3
APRENDER A EMPREENDER: OS FUNDAMENTOS DA PEDAGOGIA
EMPREENDEDORA DO SEBRAE
Após a apresentação do contexto histórico e das abordagens feitas sobre a
conceituação e a difusão das idéias empreendedoras no Brasil, bem como dos
diferentes vetores difusores de práticas empreendedoras, entre os quais o SEBRAE
é o protagonista, cabe agora tratar mais de perto do curso “Aprender a Empreender”,
destacando, inicialmente, a compreensão do momento atual que norteia as ações
desta iniciativa formativa do SEBRAE e as principais categorias afirmadas nos
referenciais e práticas do curso: conjuntura atual, empreendedor, educação
empreendedora e aprender empreendedorismo.
Conforme foi apresentado, o SEBRAE transformou-se em instrumento
político-ideológico da propagação do lema “Seja o seu patrão!”, dirigido à classe
trabalhadora de forma simples, mas contundente. E o curso “Aprender a
Empreender” vem servindo de importante ferramenta para esse intento.
Organizado em forma de vídeo-aulas e acompanhado de um Manual do
Participante, o curso é realizado na modalidade a distância e implementado na
página eletrônica do próprio SEBRAE, podendo ser também realizado como
parceria, de acordo com o exemplo a seguir:
Aprender a Empreender O primeiro telecurso do SEBRAE, em
parceria com a Fundação Roberto Marinho, veiculado na Rede Globo
e no Canal Futura, superou as expectativas. Dele participaram 197
mil inscritos, 37 mil a mais que a meta fixada. O curso atraiu pessoas
interessadas em desenvolver negócios, que receberam material de
orientação (Kit com manual, fita de vídeo e ficha de avaliação)
(MANCUSO, 2002, p. 156).
O agravamento da crise econômica mundial, no final do ano de 2008, com
efeitos vorazes no mundo, especialmente nos países do centro do sistema, trouxe à
tona elementos que a economia de mercado e a especulação financeira não
previam, ou negligenciavam. O capital financeiro sem lastro produtivo resultou em
quebradeira, mais uma crise de superprodução do capitalismo. Em meio à crise
internacional e às novas levas de desempregados, o discurso empreendedor foi
reforçado e com ele o lema “Seja o seu patrão!”. Esta tentadora chamada
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publicitária, também apresentada na revista Meu Próprio Negócio (2009, p. 37),
resume a idéia presente no discurso empreendedor:
Como é possível saber se você possui as características necessárias
para ser um empresário de sucesso? E se não possuir? É possível
desenvolvê-las? Ser dono do próprio negócio é o sonho da maioria
dos brasileiros, mas é fato, nem todos possuem perfil empreendedor.
Para iniciar uma empresa é preciso mais do que vontade. O
candidato a patrão deve reunir uma série de características para
auxiliar na jornada rumo ao sucesso empresarial. Criatividade,
organização, perseverança, capacidade de solucionar problemas de
maneira rápida e efetiva, liderança e disponibilidade para dedicação
em tempo integral são alguns dos aspectos relevantes a serem
considerados antes de optar pela inversão de papéis no mundo dos
negócios. Em síntese: a primeira regra é nunca empreender
amparado pela necessidade. É preciso capacitar-se como
empreendedor e avistar uma oportunidade.
Esta chamada vem ocorrendo em grande medida desde o início dos anos
1990 e sendo reforçada por uma sequência de governos (Collor, Itamar Franco,
Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva). Desde então, busca-se adequar a
economia brasileira, através de sucessivas reformas, aos passos neoliberais. Dentre
eles, encontra-se a necessidade do país se encaminhar para o desenvolvimento da
cultura empreendedora. É nesse contexto que o curso “Aprender a Empreender”
deve ser compreendido.
As ações do curso, embora priorizem a indicação de atitudes que
caracterizam o sujeito empreendedor, fundamentam-se numa determinada análise
da realidade que condiz com a leitura hegemônica neoliberal do momento histórico
atual. É essa análise que será apresentada na parte seguinte.
3.1 A leitura da conjuntura atual presente no Manual do Participante do curso
“Aprender a Empreender”
O curso “Aprender a Empreender” é implementado pelo SEBRAE, com apoio
de vários setores econômicos, e baseia-se, em linhas gerais, numa análise de
conjuntura que busca salientar, na ótica liberal, uma compreensão da forma como se
organiza a sociedade capitalista.
A organização didático-metodológica do curso tem a seguinte estrutura:
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A composição do curso A metodologia utilizada para facilitar sua
aprendizagem envolve o estudo dos 10 capítulos do Manual do
Participante e assistência aos 10 Programas de Vídeo. As duas
atividades são complementares. Você pode assistir ao vídeo e, no
mesmo dia, no momento mais adequado, ler o capítulo
correspondente, ou, caso você achar mais conveniente, ler o capítulo
antes de assistir ao vídeo. Os capítulos: 01 O Empreendedor; 02
Mercado, O Mapa da Mina; 03 A Empresa e o Mercado; 04 Os
Números da Empresa; 05 O Ponto de Equilíbrio; 06 O Resultado da
Empresa; 07 O Resultado Com Vários Produtos; 08 Capital de Giro e
Fluxo de Caixa; 09 Problemas e Soluções; Plano de Empresa
(SEBRAE, 2002, p. 4).
Ao longo dos capítulos do Manual do Participante, verifica-se que o curso
“Aprender a Empreender” traz uma análise de conjuntura, uma leitura própria da
realidade e possui o enfoque voltado a dar respostas liberais a questões presentes,
relacionadas à geração de emprego e renda e ao desenvolvimento das micro e
pequenas empresas no cenário nacional. A análise da conjuntura econômica
nacional presente no Manual do Participante do curso permite perceber a lógica de
atendimento aos anseios do capital. Isso pode ser observado no texto sobre a
conjuntura internacional e a viabilidade da pequena empresa neste cenário:
Uma Nova Ordem Mundial Até 1980, ninguém dava muita
importância para empresas com menos de 100 funcionários. nas
duas últimas décadas do século XX, quando as grandes empresas
começaram a diminuir seus custos e o número de empregos, é que
as micro e pequenas empresas começaram a crescer, fornecendo
diversos produtos e serviços para as grandes. Era o processo de
terceirização, que se espalhou por todo o mundo, aumentando a
importância dos pequenos negócios para a economia dos países
(SEBRAE, 2002, p. 16 -17).
Vista sob outro prisma, a “nova ordem mundial” significa a reestruturação do
modo de produção capitalista, e a terceirização a forma de ampliar lucros ante a
intensificação da concorrência internacional. O meio para isso é ampliar a
produtividade e a qualidade. O fim, o extremo da exploração sobre o trabalho e a
sua desregulamentação. No Brasil, a terceirização chegou a todos os setores, como
assevera Antunes (2008, p. 107):
Os serviços públicos, como saúde, energia, educação,
telecomunicações, previdência etc. também sofreram, como não
poderia deixar de ser, um significativo processo de reestruturação,
subordinando-se à máxima da mercadorização, que vem afetando
fortemente os trabalhadores do setor estatal e público. O resultado
parece evidente: intensificam-se as formas de extração de trabalho,
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ampliam-se as terceirizações, as noções de tempo e de espaço
também são metamorfoseadas e tudo isso muda muito o modo do
capital produzir mercadorias, sejam elas materiais ou imateriais,
corpóreas ou simbólicas.
No que tange ao crescimento das pequenas empresas, a lógica do capital vai
imprimir um caráter de racionalização de meios materiais e pessoais que redundam
sobremaneira em um aumento exacerbado de desemprego no mundo. Antunes
(2008, p. 107) permite uma visão mais acurada sobre o aumento significativo do
número de pequenas empresas:
Uma empresa concentrada pode ser substituída por várias pequenas
unidades interligadas pela rede, com número muito mais reduzido de
trabalhadores e produzindo muitas vezes mais. As repercussões no
plano organizativo, valorativo, subjetivo e ideo-político são por
demais evidentes.
Os termos utilizados no Manual do Participante do curso “Aprender a
Empreender” parecem estéreis, parecem descolados da realidade de acirramento
dos preceitos liberais. O texto segue trazendo os “benefícios” do mundo globalizado,
simplificando e retirando o caráter da implantação das ações voltadas à adequação
às determinações do capital. Não aborda, por exemplo, que a mundialização
ampliou o desemprego, a miséria e a fome e que, apesar de existir uma livre
circulação de mercadorias, uma “grande barreira” que dificulta trabalhadores dos
países periféricos de vender sua força de trabalho nos países centrais. O Manual do
Participante assim sintetiza o sentido da globalização:
No mesmo período, a evolução tecnológica encurtou as distâncias e
facilitou o acesso à informação. Hoje, em poucos segundos, uma
empresa da Tailândia, que fabrica rádios de pilha para a Índia, pode
fazer um pedido de parafusos para uma empresa, no interior do
Brasil. Este processo de diminuição de distâncias e quebra de
barreiras comerciais entre nações é chamado de globalização.
Globalizados, o comércio, a indústria e os serviços vêm mudando em
todo o mundo beneficiando alguns setores e exigindo profundas
reformulações de outros (SEBRAE, 2002, p. 16-17).
Frigotto (1998, p. 44) afirma que a forma com que o capital resolve suas
crises de maximização das taxas de lucro, assim como aquela utilizada para falsear
o ideário do capital humano na redução das desigualdades, escamoteia os seus
reais motivos. Neste sentido, o processo de globalização responde ao processo de
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ampliação dos lucros do capital e esse movimento traz mudanças no mundo do
trabalho:
Uma vez mais afirma-se que a inserção e o ajuste dos países “não
desenvolvidos” ou “em desenvolvimento” ao processo de
globalização e na reestruturação produtiva, sob uma nova base
científica e tecnológica, dependem da educação básica, de formação
profissional, qualificação e requalificação. Todavia, não é de qualquer
educação e formação. Que educação e formação são essas, então?
Trata-se de uma educação e formação que desenvolvam habilidades
básicas no plano do conhecimento, das atitudes e dos valores,
produzindo competências para gestão da qualidade, para a
produtividade e competitividade e, conseqüentemente, para a
“empregabilidade”. Todos estes parâmetros devem ser definidos no
mundo produtivo, e portanto, os intelectuais coletivos confiáveis
deste novo conformismo são os organismos internacionais (Banco
Mundial, OIT) e os organismos vinculados ao mundo produtivo de
cada país (FRIGOTTO, 1998, p. 44-45).
Na análise da conjuntura econômica nacional presente no processo das
reformas neoliberais, o texto do Manual do Participante do curso “Aprender a
Empreender” aponta para o potencial desenvolvimento das micro e pequenas
empresas no país e seu conjunto de possibilidades. Conclama também o indivíduo
empreendedor a construir o próprio futuro. Numa abordagem simples trata da
abertura econômica, da importância da entrada de produtos importados no país para
o crescimento econômico, da necessidade de modernização das empresas
nacionais e das ações governamentais:
O governo deu início a uma série de reformas reduzindo sua
interferência na economia. Com o controle da inflação e o ajuste
econômico, em poucos anos o País ganhou estabilidade,
planejamento e respeito. A economia começou a crescer. no ano
2000, surgiram quase um milhão de novos postos de trabalho.
Investidores de outros países voltaram a aplicar seu dinheiro no
Brasil e as exportações aumentaram. Ano a ano, as micro e
pequenas empresas ganham mais espaço e importância na
economia. Hoje, de cada 100 empresas brasileiras, 98 são micro ou
pequenas empresas. Juntas, elas empregam quase 40 milhões de
trabalhadores, mais da metade de toda a mão-de-obra do País. Os
números são grandes, mas o espaço para crescimento é ainda
maior. O futuro é promissor e cabe, a cada um de nós, fazer dele
uma realidade. É hora de se preparar! (SEBRAE, 2002, p. 16-17).
Os efeitos das inúmeras reformas ocorridas no Brasil nas últimas décadas,
citados acima, ao contrário do que se afirma, trouxeram ainda mais desemprego,
miséria e fome. O capital investido no país, que não ficou no mercado financeiro,
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correndo e mudando o “paradeiro” a cada crise econômica ocorrida em um país
“emergente”, aquele investido na produção, veio em busca de facilidades tributárias,
de concessões governamentais de impostos e espaço (a chamada “guerra fiscal”
entre os estados da federação), de maneiras fáceis de burlar a legislação trabalhista
e ambiental. Enfim, este capital produtivo veio para ampliar seus lucros e se tornar
mais competitivo, mas a cada crise, não da “noite para o dia” como aquele aplicado
no mercado financeiro, os lucros buscavam novos territórios. Como mostra Antunes
(2008, p. 106):
Durante nossa década de desertificação neoliberal, nos anos 1990,
pudemos presenciar, simultaneamente, tanto a pragmática
desenhada pelo Consenso de Washington (com suas
desregulamentações nas mais distintas esferas do mundo do
trabalho e da produção), quanto uma significativa reestruturação
produtiva em praticamente todo universo industrial e de serviços,
conseqüência da nova divisão internacional do trabalho que exigiu
mutações tanto no plano da organização sócio-técnica da produção
quanto nos processos de reterritorialização e desterritorialização da
produção, dentre tantas outras conseqüências. Se, no passado
recente, marginalmente nossa classe trabalhadora presenciava
níveis de informalidade, desde a década de 1990 esses níveis se
ampliaram muito, especialmente quando se concebe a informalidade
em sentido amplo, isto é, desprovida de direitos e sem carteira de
trabalho assinada.
No que tange ao quantitativo empresarial, trazido pelo Manual do Participante,
especialmente das pequenas empresas, não se dispõe de dados para contraditar,
nem se colocam os números em debate, porém o que se discute são as razões que
levaram ao crescimento vertiginoso de pequenas empresas, pois estas
correspondem ao que ocorre em todo o mundo, e isso se tornou uma estratégia do
capital. Ou seja, omite-se o fato de que ao crescimento das micro e pequenas
empresas tem correspondido uma concentração vertiginosa de grandes capitais sob
o domínio de poucas empresas, que monopolizam o mercado, como se pode
verificar no caso das fusões de poderosos conglomerados empresariais.
A realidade brasileira, coadunando com as prescrições neoliberais, agrega
ainda, um “quê” de cultura nacional voltada ao empreendedorismo. Isso se verifica
no Manual do Participante do curso “Aprender a Empreender”, quando este traz a
idéia da constituição de uma pequena empresa, exaltando no indivíduo
empreendedor as características comportamentais e culturais do “ser brasileiro”,
como aquele lema “Sou brasileiro, não desisto nunca!”, muito comum nas
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propagandas voltadas aos trabalhadores, que se arraigaram no imaginário popular.
Assim, volta-se ao debate da necessidade de transformar o empreendedor por
necessidade em empreendedor por oportunidade, pela via da formação. A revista
Exame também categoriza o brasileiro como empreendedor:
Um país de empreendedores O brasileiro é empreendedor, mas
tem de se preparar melhor. Uma pesquisa internacional sobre
empreendedorismo, que entrevistou 43.000 pessoas em 21 países,
durante o ano de 2000, chegou à conclusão de que o Brasil é o país
que apresenta a maior porcentagem de empreendedores. Eis o
resultado: para cada oito brasileiros em idade adulta, um está
abrindo ou pensando em abrir um negócio. Nos Estados Unidos (2º),
a proporção é de 10 para um. Na Austrália (3º), são 12 para um
(EXAME, 2001, p. 18).
Mais recentemente, a revista Época (2009, p. 80), em matéria sobre a
resistência do Brasil à crise internacional de 2008/2009, também ressalta esta
característica do “brasileiro empreendedor” e, no decorrer da última década,
percebe-se que os primeiros passos do “Brasil Empreendedor” redundaram na
reformulação contínua dos programas voltados a esse fim, o que será abordado à
frente, quando se tratar das ações recentes no campo governamental. Por ora, cabe
destacar que o panorama se modificou muito do ano 2000 para 2009 e isto se deve
ao trabalho feito pelo SEBRAE, na transformação de empreendedores por
“necessidade” em empreendedores por “oportunidade”. O intento do SEBRAE vai se
consolidando, como aponta publicação recente da revista Época (2009, p. 80):
O Brasil empreendedor as histórias inspiradoras de gente que
abriu um negócio próprio, mudou de vida e está construindo um
novo país. O sucesso do Brasil em atravessar com poucos danos a
atual crise mundial tem sido creditado sobretudo a três fatores: a
estabilidade econômica, conquistada a partir do fim da inflação, na
década de 1990; o respeito a um sistema de regras que deu
segurança para investidores e um mercado interno crescente,
fortalecido por políticas assistencialistas como o Bolsa Família e, a
partir de certo momento, pelo próprio enriquecimento do país que
levou milhões de pessoas a ascender socialmente. Pouca gente
presta atenção, porém, a um quarto fator que se desenvolve sem
alarde, de forma independente das ações do governo. Trata-se do
espírito empreendedor. Ele é beneficiado tanto pelos programas
assistencialistas (que aumentam a capacidade de consumo dos
brasileiros) como pelos investimentos externos (que criam uma
economia mais complexa, com mais necessidades). Mas repousa
principalmente na força de vontade das pessoas que decidiram
trilhar novos caminhos na vida.
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Como no Programa Brasil Empreendedor, o SEBRAE afirma que menos da
metade das empresas criadas no país não sobreviviam aos três primeiros anos no
mercado e a falta de preparo dos empresários era o maior empecilho ao sucesso
destas empresas. Obviamente, não se desvelaria que o sentido da não efetivação
destas empresas estaria vinculado às determinações da base econômica, pois o
foco permanece na culpabilização do indivíduo:
Em outro estudo o SEBRAE constatou que:
De cada 100 empresas abertas no País, 35 não chegam ao final do
primeiro ano de vida; 46 não sobrevivem ao segundo; e, 56
desaparecem no terceiro ano de vida. (Pesquisa do SEBRAE - SP)
Pouca informação eis o problema. Esta pesquisa mostrou também
que, ao contrário do que muita gente pensa, o que leva uma empresa
ao fechamento não são os impostos ou a necessidade de crédito,
mas principalmente a falta de preparo, informação, planejamento e
conhecimento específico sobre o negócio (SEBRAE, 2002, p. 13).
As pesquisas também apontam para um grande valor econômico e social das
pequenas empresas como grandes propulsoras da geração de emprego e renda.
Porém, as proposições do capital visam comprovar o estabelecimento de novas
relações de trabalho, diferentes das estabelecidas no conjunto das ações do modo
de produção capitalista. Ser “patrão” vai suplantar a idéia de buscar um emprego ou
amparos sociais via Estado. Mancuso (2002, p. 11) afirma que
Mais de sessenta milhões de brasileiros hoje dependem diretamente
dos pequenos empreendimentos existentes no País. As mudanças
ocorridas a partir dos anos 90 tornaram os pequenos negócios a
grande força empregadora, geradora e distribuidora de riquezas no
Brasil. O mundo globalizou-se, aumentou a concorrência. O novo
ambiente econômico exige mais das micro e pequenas empresas, na
busca de competitividade. Mas a capacidade de luta dos pequenos
negócios não depende apenas da modernização de técnicas de
produção, de gestão e comercialização, necessita igualmente de
uma infra-estrutura econômica e social adequada e de condições
macroeconômicas.
Outro discurso presente no Manual do Participante do curso “Aprender a
Empreender”, que serve para escamotear as relações entre capital e trabalho,
refere-se à transferência de responsabilidade pelas altas taxas de desemprego, da
organização estrutural do sistema capitalista, para o desenvolvimento tecnológico,
que significa o saber humano construído por meio do trabalho. Antunes (2008)
permite observar a questão sob outro prisma:
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No mundo do trabalho contemporâneo, o saber científico e o saber
laborativo mesclam-se ainda mais diretamente. As máquinas
inteligentes podem substituir em grande parte o trabalho vivo, mas
não podem extingui-lo e eliminá-lo definitivamente. Ao contrário, sua
introdução utiliza-se do trabalho intelectual dos/as trabalhadores/as
que, ao atuar junto à máquina informatizada, transferem parte de
seus novos atributos intelectuais à nova maquina que resulta deste
processo, dando novas conformações à teoria do valor (ANTUNES,
2008, p. 121).
Além de tirar o foco das razões que levam ao “desemprego estrutural”, as
ideias presentes no Manual do Participante invertem também a lógica sobre o
significado do emprego, afirmando que o desenvolvimento tecnológico também é
responsável pelo aumento da exploração sobre os trabalhadores.
Mancuso (2002) reafirma a necessidade de organização de uma cultura
empreendedora tendo como pilar o lema “Seja o seu patrão!”. Dentro da perspectiva
do autor, formar empreendedores significa adequar os trabalhadores ao “novo perfil”
exigido pelo mundo do trabalho:
As inovações, sobretudo no campo da tecnologia, influíram nas
relações entre capital e trabalho, modificando o tradicional conceito
de emprego. Nesse novo mundo do trabalho, as chances de
realização são maiores para os profissionais de perfil pró-ativo,
cooperativo e solidário, que compartilham uma visão empreendedora
das oportunidades que agora se oferecem. Empreender tornou-se
uma alternativa diante do aumento do desemprego, fazendo parte da
aspiração coletiva do povo brasileiro. É mais do que oportuno elevar
o nosso capital social nessa direção. Todo esse novo ambiente pede
a articulação de políticas públicas mais encorajadoras para os
pequenos negócios. Requer a disseminação de uma cultura
empreendedora, em todos os níveis da sociedade, com ênfase na
formação de empreendedores. Exige, para isso, a multiplicação de
parcerias com a sociedade, assim como a prática da cooperação
entre micro e pequenos empresários, como meio de multiplicar
resultados. A superação desses desafios proporcionará um grande
salto no desenvolvimento dos pequenos negócios, com maiores
oportunidades para todos (MANCUSO, 2002, p. 11).
A propugnada sociedade calcada no empreendedorismo se faz a partir de
uma formação humana com esse viés. Essa é uma premissa do SEBRAE.
Multiplicam-se as instituições difusoras do ideário da sociedade empreendedora,
impregna-se tal idéia nos governos, em todas as esferas, avançam cotidianamente
as proposições neste sentido nos meios de comunicação de massa, nos cursos
voltados aos trabalhadores, nos sistemas escolares. A “praga empreendedora” que
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precariza os trabalhadores e os joga às conveniências do mercado vem forjando
uma sociedade não de empreendedores, mas de desamparados.
Transferindo para os indivíduos a responsabilidade por sua condição social, o
capital organiza suas ações, entre elas, o curso “Aprender a Empreender” do
SEBRAE, que propõe “uma educação empreendedora para milhões”, através da
permeabilidade das instituições a seu serviço. Seguindo esta lógica de penetração
está a forma como se estrutura o curso “Aprender a Empreender”.
A organização didático-pedagógica do curso trava um diálogo direto com o
candidato a empreendedor, ao abordar, de maneira simples, a organização dos
passos a serem dados por ele o futuro empreendedor no intuito de ser dono do
seu próprio negócio. No texto do Manual direcionado ao trabalhador encontra-se a
afirmativa de que a “vida dele” será outra a partir da definição pessoal de seus
passos:
A partir de agora você está começando uma nova etapa em sua vida.
O curso que estamos apresentando é resultado de muito estudo,
muita pesquisa e foi criado para facilitar a sua vida como
empreendedor. Se você ainda não tem um empreendimento,
aprenderá a planejá-lo; se está funcionando, vai descobrir como
melhorar os resultados, contornar e evitar problemas e também a
desenvolver suas características como empreendedor. Aprender a
Empreender não traz receitas prontas de sucesso. Mas, com as
informações adquiridas e aproveitando sua insubstituível experiência,
você poderá traçar seu próprio caminho em direção ao tão
ambicionado sucesso (SEBRAE, 2002, p. 90).
O desenvolvimento do curso está focado na mudança comportamental do
indivíduo por meio de textos do Manual do Participante e vídeo-aulas estruturadas
em modelos muito semelhantes ao formato das telenovelas brasileiras, uma das
grandes “manias nacionais”. Isso traz para os materiais uma grande acessibilidade
da linguagem falada e escrita. São mostrados exemplos diversos, de trabalhadores
que conseguem empreender e ter sucesso, mas aponta-se também um caso de
insucesso, para dele se tirar as falhas e, novamente, culpar o indivíduo, que não se
modernizou e fracassou no seu empreendimento.
Um dos focos essenciais do curso diz respeito ao comportamento
empreendedor, o qual o é “um dom que nasce com a pessoa”, o “empreendedor
não nasce feito (SEBRAE, 2002, p. 150), o que faz lembrar a perspectiva trazida
por Drucker (1985, p. 11): entrepreneurship não é arte, nem ciência, mas sim uma
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prática e uma disciplina”. Ou seja, os comportamentos que definem um
empreendedor podem ser aprendidos e a atitude do indivíduo é o que determina o
sucesso ou fracasso de um empreendimento.
São também elencadas as características essenciais a um empreendedor
(SEBRAE, 2002, p. 157), e, no diálogo com o participante do curso, aponta-se o que
deve ser feito por ele para que se desenvolva como tal. Entre as características que
devem ser desenvolvidas estão: estabelecimento de metas; busca de oportunidade
e iniciativa; correr riscos calculados; busca de informações; planejamento e
monitoramento sistemático; exigência de qualidade e eficiência; persistência;
comprometimento; persuasão e redes de contatos e independência e autoconfiança.
O trabalhador deve então formar-se empreendedor.
No ensejo das possibilidades de construção de uma sociedade
empreendedora, o Manual do Participante ressalta a responsabilidade do
empreendedor frente ao sucesso nos negócios. O curso expõe algumas
características comportamentais, como a persistência e objetividade, necessárias ao
empreendedor para que o negócio prospere:
Transformar uma idéia em um negócio é muito mais difícil. É preciso
saber: aonde se quer chegar e como chegar lá. Se você está
planejando abrir um negócio, esse é o momento certo de pensar em
tudo isso. Se você abriu sua empresa e está em dificuldades,
tenha persistência e aja com objetividade, pois sempre existe algum
jeito de sair do sufoco!
Aprender nunca é demais. É assim que quem não sabe descobre
como se faz. Tinha tudo para dar certo: os ingredientes, a receita, o
tempo disponível, a dedicação e, ainda assim, seu empreendimento
foi um fracasso completo. E você se pergunta: por que será que
isso aconteceu? Onde foi que eu errei? (SEBRAE, 2002, p. 13).
O foco pedagógico do curso “Aprender a Empreender” está calcado no
seguinte conceito: “Aprender é reunir o conhecimento, a habilidade e a atitude para
fazer alguma coisa”. Da mesma forma que um livro de receitas não pode garantir um
bom almoço, não existe uma fórmula que possa garantir o sucesso de um
empreendedor (SEBRAE, 2002, p. 15). Esta visão está presente no conjunto de
habilidades e competências que deve reunir o trabalhador para ser inserido na
realidade do mundo do trabalho. Dias (2006, p. 100) salienta a adaptabilidade
imposta ao trabalhador:
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O que fica expresso no discurso apologético do SEBRAE é que a
saída é individual, cabendo às pessoas se adequarem ao mercado,
aprimorando seus talentos, enquanto saída única para resolver o
problema do desemprego. É adquirindo competências que o
indivíduo poderá dotar-se de empregabilidade como forma de tornar-
se empregado ou adquirir competências que impliquem na
oportunidade de “empresariar a si mesmo”, no formato do
empreendedorismo. Assim, as noções de empregabilidade e
empreendedorismo são destacadas como modo de contrapor ao
drama do desemprego, dado como inelutável.
Procura-se, com isso, camuflar a possibilidade de contraposição
coletiva da classe trabalhadora na perspectiva de transformação
social.
Esse discurso é ratificado por Drucker (1985) quando o autor trata da
possibilidade de constituição de uma sociedade empreendedora, na qual os
indivíduos têm a necessidade de aprender, por vezes, na vida adulta, para uma
constante readequação ao sistema. Drucker afirma que, em cinco ou dez anos,
todos os conhecimentos precisarão ser substituídos ou renovados, como uma
constante demanda por novos aprendizados e habilidades:
Uma implicação que decorre daí é que os indivíduos cada vez mais
terão que assumir responsabilidades pelo seu próprio aprendizado e
reaprendizados continuados, pelo seu autodesenvolvimento e por
suas próprias carreiras. Eles não podem mais presumir que aquilo
que aprenderam quando crianças e jovens será o “alicerce” para o
resto de suas vidas. Será a plataforma de lançamento”, o lugar de
decolagem, e não o lugar para construir e descansar. Eles não
podem mais presumir que “entram para uma carreira”, a qual, a partir
daí, prossegue por uma trajetória predeterminada, bem mapeada, e
bem iluminada, até um destino conhecido aquilo que os militares
americanos chamam de progressing in grade (progredindo de
posto). A suposição a partir de agora tem que ser a de que indivíduos
por sua própria conta precisarão encontrar, determinar e desenvolver
um certo número de “carreiras” durante suas vidas de trabalho. E
quanto mais os indivíduos avançarem em seus estudos, mais
empreendedoras serão suas carreiras e mais exigentes os seus
desafios para o aprendizado (DRUCKER, 1985, p. 362).
Esta dinâmica impressa pelo modo de produção capitalista metamorfoseou o
mundo do trabalho ao constante produzir, preparar, reproduzir, estudar, num infinito
processo de servir ao capital. Tal modo de produção impossibilita ao trabalhador
outra forma de coexistência humana com os seus e com o planeta de um modo
geral, ou outro modo de produção da vida material, não calcado na produção do
lucro através da extração de mais valia. Agora, o capital restringe a vida dos
trabalhadores ao que estes podem produzir de riqueza e reduz ainda mais os
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amparos legais no âmbito da sociedade capitalista, visando apenas ampliar os
lucros. Como nos mostra Antunes (2008, p. 107):
Se, no passado recente, marginalmente nossa classe
trabalhadora presenciava níveis de informalidade, desde a década de
1990 esses níveis se ampliaram muito, especialmente quando se
concebe a informalidade em sentido amplo, isto é, desprovida de
direitos e sem carteira de trabalho. Desemprego ampliado,
precarização exacerbada, rebaixamento salarial acentuado, perda
crescente de direitos, esse é o desenho mais freqüente da nossa
classe trabalhadora. Resultante do processo de liofilização
organizacional (Castilho, 1996) que permeia o mundo empresarial,
em que as substâncias vivas são eliminadas, como o trabalho vivo,
sendo substituídas pelo maquinário tecno-informacional presente no
trabalho morto. E nessa empresa liofilizada, é necessário um “novo
tipo de trabalho”, que os capitais denominam, de modo mistificado,
de “colaborador”.
Esta forma de trabalho que não possui uma carreira que funcione como
“plataforma de lançamento”, onde não se constrói, nem se estabiliza ou se
descansa, é o resultado da flexibilização proposta para o mundo do trabalho
neoliberal. As características exigidas para o trabalhador no modo de produção
capitalista guinaram do modelo taylorista e fordista para o modelo toyotista. Antunes
(2008, p. 107) aponta as características essenciais exigidas pelo capital:
Quais são os contornos desse “novo tipo de trabalho?” Ele deve ser
mais polivalente”, “multifuncional”, diferente do realizado pelo
trabalhador que se desenvolveu na empresa taylorista e fordista. O
trabalho que cada vez mais as empresas buscam não é mais aquele
fundamentado na especialização taylorista e fordista, mas o que se
gestou na fase da “desespecialização multifuncional”, do “trabalho
multifuncional, que em verdade expressa a enorme intensificação
dos ritmos, tempos e processos de trabalho (Bernardo, 2004). E isso
ocorre tanto no mundo industrial como nos serviços, para não falar
do agro-negócio.
Na perspectiva levantada pelo curso “Aprender a Empreender”, aprender
significa adquirir conhecimento sobre o negócio, ter habilidade para montar, manter
e desenvolver um empreendimento.
A análise dos textos que constam do Manual do Participante do curso
“Aprender a Empreender” apresenta as noções geradas no interior do mesmo, para
neutralizar o sentido dos imperativos do capital de formar empreendedores. As
demais noções apresentadas no texto referem-se à parte “matemática” do curso, os
números da empresa, que muito provavelmente podem materializar que o “Seja o
58
seu patrão!” possui dificuldades materiais imensas, mas que são insuficientes para
apresentar o sentido do discurso presente nesta proposta em curso.
A análise do Manual do Participante permite também a apreensão de três
categorias que assumem centralidade nas argumentações utilizadas. São elas:
empreendedor, educação empreendedora e aprender empreendedorismo, as quais
serão desenvolvidas a seguir.
3.2 Aprender a Empreender: principais conceitos da mais representativa
apresentação pedagógica do empreendedorismo no Brasil
O curso “Aprender a Empreender” elenca uma série de conceitos,
identificados na análise do material didático do curso, que denotam o intento do
SEBRAE na organização de uma sociedade empreendedora. Alguns conceitos
serão destacados nesta parte do estudo e sua fundamentação contará com o auxílio
da sistematização feita por Fernando Dolabela no livro “O segredo de Luísa”.
Os conceitos de empreendedor, educação empreendedora e aprender
empreendedorismo serão aqui identificados como categorias, visto que assumem a
condição de potencializadores do curso e, portanto, são elaborados e reafirmados
em função da dinâmica assumida até então pela cultura empreendedora que vem
sendo difundida e se encaminham para elementos dessa dinâmica que devem ser
reforçados e/ou modificados.
O primeiro conceito a ser trabalhado aqui é o que norteia toda a pesquisa,
portanto, entender o significado de “empreendedor” em diferentes perspectivas se
faz de fundamental importância na observação dos princípios fundamentais do
empreendedorismo.
No Manual do Participante do curso “Aprender a Empreender” (SEBRAE,
2002), metaforicamente, o “empreendedor” aparece como o indivíduo que
desenvolve um comportamento que visa realizar e executar ações voltadas à
constituição de uma empresa.
Ser um empreendedor é muito mais que ter a vontade de chegar ao
topo de uma montanha; é conhecer a montanha e o tamanho do
desafio; planejar cada detalhe da subida, saber o que você precisa
levar e que ferramentas utilizar; encontrar a melhor trilha, estar
comprometido com o resultado, ser persistente, calcular os riscos,
59
preparar-se fisicamente; acreditar na sua própria capacidade e
começar a escalada (SEBRAE, 2002, p. 4).
Dolabela (2008) afirma que hoje o empreendedor representa o “motor da
economia”, um agente de mudanças. E, calcado no economista austríaco
Schumpeter, associa o empreendedor ao desenvolvimento econômico, à inovação e
ao aproveitamento de oportunidades em negócios. Dolabela (2008, p. 23) aprofunda
o conceito: “Um empreendedor é uma pessoa que imagina, desenvolve e realiza
visões”. Ainda nesta perspectiva ideal, Dolabela (2008) relaciona empreendedorismo
e desenvolvimento social como extensão do desenvolvimento econômico, o
empreendedor então aparece como “[...] alguém que sonha e busca transformar seu
sonho em realidade” (DOLABELA, 2008, p. 23).
Tecendo considerações sobre o perfil do empreendedor, Dolabela (2008, p.
23) assevera que “[...] o empreendedor é um ser social, produto do meio em que
vive (época e lugar)”. Se uma pessoa vive em um ambiente em que ser
empreendedor é visto como algo positivo, te motivação para criar seu próprio
negócio. É um fenômeno local, ou seja, existem cidades, regiões, países mais ou
menos empreendedores do que outros. O perfil do empreendedor (fatores do
comportamento e atitudes que contribuem para o sucesso) pode variar de um lugar
para o outro (DOLABELA, 2008, p. 23).
Para o autor, diferentemente dos objetivos da educação escolar, que tem o
conhecimento científico como foco, formar o empreendedor o implica ter como
objetivo central de estudo o conhecimento, mas a mudança de atitudes e
comportamentos. Isso sugere um desafio muito maior do que as possibilidades da
escola tal como a conhecemos atualmente. Dolabela (2008) ainda acrescenta que a
prosperidade do sistema capitalista ganha vitalidade na iniciativa do jovem cidadão
de empresariar suas individualidades.
Neste aprendizado de mudança de comportamento, talhado por diferentes
estratégias, uma ganha destaque. Segundo Dolabela (2008), as “pregações” se
revelam ineficazes, sendo que o confronto do aluno com narrativas reais é mais
eficaz. O formato de “novela de ficção” é uma estratégia utilizada tanto no curso
“Aprender a Empreender”, como no livro “O segredo de Luísa”, com mais de 150 mil
exemplares vendidos. Por este caminho, Dolabela propagou seus escritos a mais de
4 mil professores universitários e 10 mil professores da educação infantil no Brasil,
60
considerados pelo autor como difusores do empreendedorismo, por meio da
educação empreendedora. Este é o segundo conceito essencial a ser trabalhado.
Dolabela (2008) considera o empreendedorismo um instrumento de
desenvolvimento social (não de crescimento econômico) e utiliza a educação
empreendedora como meio de disseminação para que se possa produzir mudança
cultural. Em 1992, Dolabela criou a “Oficina do Empreendedor”, desenvolvida em
mais de 400 instituições de ensino superior no Brasil e na América do Sul. Porém, o
ponto central para um país que deseja buscar o desenvolvimento, segundo o autor,
é o foco no ensino básico e, dentro dele, a educação empreendedora para crianças
a partir de quatro anos, até a adolescência. Segundo o mesmo autor, isso não
significa formar empresários nas escolas, mas, numa visão ampliada de
empreendedorismo, que campeia as atividades humanas, na pesquisa, nos
governos, nas artes, em qualquer lugar. Para Dolabela (2008), O empreendedor é
definido pela forma de ser, e não pela maneira de fazer. A meta é que todos se
preparem para empreender na vida”. Esse é o sentido maior atribuído a uma
educação empreendedora.
Esta dimensão cultural do “empreendedorismo” é compartilhada por Souza
(2005) que destaca a forma abrangente como vem sendo utilizado o termo,
referindo-se a “[...] ações inovadoras e dinâmicas em busca de resultados concretos
em empresas, em geral, e em outras organizações, tanto governamentais como não
governamentais”. Para a autora, é de fundamental importância compreender “as
razões que determinam, incentivam ou limitam a ação empreendedora”. No caso
brasileiro, de forma especial, tal ação pode ser potencializada com a consolidação
de um processo de desenvolvimento econômico e social sustentável em uma
ambiência de globalização (SOUZA, 2005, p. 15).
Segundo Dolabela (2008), está na natureza humana ser empreendedor,
nascemos empreendedores, a espécie humana é empreendedora, e com base neste
preceito, assevera que o empreendedorismo não é um tema novo ou modismo:
existe desde sempre, desde a primeira ação humana inovadora, com o objetivo de
melhorar as relações do homem com os outros e com a natureza. Não é um
fenômeno apenas econômico, mas sim social. O empreendedor está em qualquer
área e não se resume ao sujeito que abre uma empresa.
61
Empreendedorismo é uma das manifestações da liberdade humana.
Não é um fenômeno individual, não é um dom que poucos têm. É
coletivo, comunitário. A comunidade tem o empreendedor que
merece, porque cabe a ela criar o ambiente propício. A tese de que
o empreendedor é fruto de herança genética não encontra mais
seguidores. O ambiente favorável ao desenvolvimento
empreendedor (em comunidades ou empresas) não pode prescindir
de elevadas doses de democracia (e não de autocracia),
cooperação (e não somente de competição) e relações estruturadas
em rede (e não hierarquizadas) (DOLABELA, 2008, p. 24).
O calço do empreendedorismo está nos pilares do modo de produção
capitalista e isto pode ser percebido quando Dolabela (2008, p. 24) exalta seu
fundamento, a cidadania. Segundo o autor, o empreendedorismo “[...] visa a
construção do bem-estar coletivo, do espírito comunitário, da cooperação. Antes de
ser aluno, o estudante deve ser considerado um cidadão”. Para o autor, está,
também, a importância do empreendedor como responsável pelo crescimento
econômico e pelo desenvolvimento social que, por meio da inovação, dinamiza a
economia.
Esta premissa referenda a idéia central do curso “Aprender a Empreender” de
que a alternativa do século 21 para a resolução dos problemas relacionados ao
desemprego está na possibilidade do cidadão gerenciar suas individualidades e
responsabilizar-se por seu sucesso no mercado de trabalho. Para Dolabela (2008, p.
24), “[...] o empreendedorismo é a melhor arma contra o desemprego”. Em tempos
de precarização extrema da contratação da mão-de-obra, esse discurso e essa
prática são determinantes para a retro-alimentação do modo de produção capitalista.
Neste sentido, o SEBRAE tem um papel fundamental. Segundo Souza (2005,
p. 15), a base dos projetos da entidade, neste momento, está vinculada ao
empreendedorismo, à educação empreendedora e ao desenvolvimento sustentável.
Além do “Aprender a Empreender”, outros cursos são ofertados pelo SEBRAE, com
o objetivo de desenvolver uma cultura empreendedora no Brasil, e a instituição é
precursora deste movimento.
De acordo com Dolabela (2008, p. 25), para a sociedade, “[...] o
empreendedorismo é uma revolução silenciosa, que será para o século 21 mais do
que a revolução industrial foi para o século 20”. Para o indivíduo, Dolabela (2008)
afirma que o empreendedorismo representa geração de autonomia, auto-realização,
busca do sonho, condições indispensáveis em qualquer tipo de atividade
profissional:
62
É uma livre tradução que se faz da palavra entrepreneurship, que
contém as idéias de iniciativa e inovação. É um termo que implica
uma forma de ser, uma concepção de mundo, uma forma de se
relacionar. O empreendedor é um insatisfeito que transforma seu
inconformismo em descobertas e propostas positivas para si mesmo
e para os outros. É alguém que prefere seguir caminhos não
percorridos, que define a partir do indefinido, acredita que seus atos
podem gerar conseqüências. Em suma, alguém que acredita que
pode alterar o mundo. É protagonista e autor de si mesmo e,
principalmente, da comunidade em que vive. Abrir empresas, ou
empreendedorismo empresarial, é uma das infindáveis formas de
empreender. Podem ser empreendedores também o pesquisador, o
funcionário público, o empregado de empresas. Podem e devem ser
empreendedores os políticos e governantes. As ONGs e o terceiro
setor estão repletos de empreendedores. É empreendedor o artista,
o escritor, o poeta que publica os seus versos, porque é necessário
compartilhar os resultados de seu trabalho (DOLABELA, 2008, p.
24).
Seguindo a lógica presente no material didático do curso “Aprender a
Empreender”, assim como os caminhos desenvolvidos por Dolabela na obra “O
segredo de Luísa”, os conceitos e definições traçados até aqui (empreendedor e
educação empreendedora) desenvolvem a tese da possibilidade de formar o
empreendedor. Articulados, esses conceitos devem servir como estratégia de
desenvolvimento do potencial empreendedor em cada indivíduo. Por isso o estudo
do perfil de empreendedor tem sido de grande valia para a educação na área.
Segundo Dolabela (2008), o empreendedorismo é um fenômeno cultural, ou
seja, empreendedores nascem por influência do meio em que vivem e têm sempre
um modelo, alguém que os influencia. Baseado nesta crença o autor elenca alguns
questionamentos: Como alguém se torna empreendedor? O empreendedor nasce
pronto? É fruto de herança genética? É possível ensinar alguém a se tornar
empreendedor, a ser empreendedor?
Ponderando sobre a questão da relação ensino/aprendizagem, Dolabela
afirma que não é possível transferir conhecimentos empreendedores como em
disciplinas escolares porque o empreendedorismo não é um conteúdo cognitivo
convencional. O autor indica a impossibilidade de se ensinar empreendedorismo,
mas releva a possibilidade de aprender a ser empreendedor, desde que por meio de
um sistema bastante diferente do ensino tradicional.
Ao afirmar que o empreendedorismo é “um tema universal, e não específico
ou acessório”, Dolabela defende que tal disciplina deve estar incluída na educação
63
básica e ser oferecida para todos os alunos. Esse intuito de constituir uma
pedagogia empreendedora em escolas da educação básica ganhou corpo a partir de
2003, e em menos de dois anos alcançou redes públicas municipais de 126 cidades,
totalizando cerca de 10 mil professores, 300 mil alunos e centenas de escolas que,
até este período, haviam levado a metodologia para a sala de aula (DOLABELA,
2008, p. 13).
As narrativas feitas durante as palestras, frutos de experiências diversas
acumuladas por Dolabela, e que possibilitaram a publicação de “O segredo de
Luísa”, trazem um tom de simplicidade ao tratar dos conceitos vinculados ao
empreendedorismo. Isso se deve à necessidade de seu conteúdo ser o mais
acessível possível para ampliar suas possibilidades de abrangência, quer seja por
faixa etária ou grau de escolaridade. A obra de Dolabela, “O segredo de Luísa”, bem
como o curso “Aprender a Empreender”, trazem, de maneira simples, o que se
considera de mais avançado no mundo, na área de empreendedorismo, num
formato de uma “[...] pequena novela sobre a criação de uma empresa, baseada na
crença de que prazer e emoção constituem temperos imprescindíveis ao ato de
aprender” (DOLABELA, 2008, p. 14).
Encontra-se aqui outro conceito chave, utilizado em larga escala na difusão
do empreendedorismo: o “aprender”. A noção presente no Manual do Participante do
curso “Aprender a Empreender” revela que, para o empreendedor, “aprender”
significa adquirir conhecimento, habilidade e atitude: aprender é reunir o
conhecimento, a habilidade e a atitude para fazer alguma coisa. Da mesma forma
que um livro de receitas não pode garantir um bom almoço, não existe uma fórmula
que possa garantir o sucesso de um empreendedor (SEBRAE, 2002, p. 14).
A metodologia, por contraditório que seja, busca ensinar a ser empreendedor,
ou pelo menos, no caso específico do livro “O segredo de Luísae dos materiais do
curso “Aprender a Empreender”, ensina a elaborar um Plano de Negócios que tem
como objetivo tentar diminuir a alta taxa de “mortalidade infantil” das iniciativas
empresariais. As estatísticas do SEBRAE indicam que 60% das 500 mil pequenas e
microempresas que são abertas todos os anos no Brasil fecham as portas antes de
completar cinco anos (DOLABELA, 2008, p.15). Mas este quadro tem mudado.
A obra de Dolabela, bem como a história desenvolvida nos vídeos do curso
“Aprender a Empreender”, tentam dramatizar o processo de criação de uma
empresa. Nesses materiais o assunto é abordado contextualmente; ou seja, é o
64
problema que constitui a motivação para o aprendizado, porque é assim que,
segundo Dolabela (2008), o empreendedor realmente aprende: primeiro,
estabelecendo aonde quer chegar; depois, buscando os conhecimentos e os meios
necessários para alcançar os objetivos traçados.
A educação empreendedora deve estimular a capacidade de aprender a
empreender de uma forma específica, diferenciando-se metodologicamente da
educação escolar e do tradicional "estudo de caso", largamente utilizado no ensino
de administração de empresas. No livro “O segredo de Luísa”, como afirma Dolabela
(2008, p. 15) “[...] o assunto é tratado por meio de uma história narrada em tom
coloquial, muito perto da realidade vivenciada por centenas de alunos dos cursos de
empreendedorismo”. O centro das preocupações é a pessoa, e não a técnica, a
ferramenta. Ele assevera que na atividade empreendedora [...] o conhecimento é
volátil, mutante, nervoso, emocional. O ser é mais importante do que o saber, razão
pela qual o empreendedor precisa ser alguém preparado para aprender a
empreender” (DOLABELA, 2008, p. 15).
Dolabela (2008, p. 15), afirma que, de uma maneira geral, na administração,
procura-se um instrumento que resolva todos os problemas, esquecendo de investir
na formação do ser criativo, capaz de definir a partir do indefinido, de conceber e
gerar sistemas, e não somente de operá-los. Para isso, além da educação básica, o
ensino de empreendedorismo deve ser disseminado em universidades pelo país
afora.
Esse objetivo está sendo alcançado, principalmente em função do
CNPq, cujos projetos são um divisor de águas na educação
empreendedora no país. Assim, por meio de programas promovidos
por organismos como CNI-IEL [Confederação Nacional da Índústria
Instituto Euvaldo Lodi], Sebrae, Softex e centenas de instituições
de ensino superior de todo o Brasil, minha metodologia Oficina do
Empreendedor, como foi dito, começa a romper as fronteiras do
país depois de espalhar-se pelas escolas superiores. Isso
representa uma importante alternativa à tendência centenária das
nossas universidades de formar empregados (DOLABELA, 2008,
p. 15, grifo nosso).
“O segredo de Luísa” ocupa um vão existente na carência de uma
metodologia para o ensino de criação de empresas. Sendo assim, o Plano de
Negócios existente no livro corresponde ao objetivo do curso “Aprender a
Empreender”, que elabora um minucioso esquema para ensinar os passos para a
criação de uma empresa, o desenvolvimento de conceitos básicos, os exemplos
65
práticos, o exercício de simulação, a organização de planilhas, entre outras ações
que facilitam o desenvolvimento do aprendizado aos postulantes a empreender um
pequeno negócio. Ser seu patrão ganha um ar de viabilidade ao mais singelo
trabalhador.
Segundo Dolabela (2008, p. 18),
O que faz um empreendedor é um conjunto de atitudes e
comportamentos que o predispõem a ser criativo, a identificar a
oportunidade, a saber agarrá-la. E a encontrar e gerenciar os
recursos necessários para transformar a oportunidade em um
negócio lucrativo. O conhecimento que interessa ao empreendedor
é aquele que possa ser aplicado na sua empresa. E o principal
conhecimento do empreendedor não está nos livros, mas à sua
volta, nas pessoas, no mercado, no mundo. A leitura e a
interpretação que o empreendedor faz do ambiente é que irão
conduzi-lo ou não ao sucesso. Assim, estar preparado para adquirir
conhecimentos significa: saber identificar aquilo de que se precisa
no momento próprio e na intensidade adequada; saber assimilá-lo e,
o mais importante, saber aplicá-lo. Desse modo, preocupamo-nos
em preparar pessoas que aprendam a aprender, para que saibam
buscar sozinhas o conhecimento necessário ao sucesso de sua
empresa [Grifo nosso].
É disso que Dolabela trata no livro “O segredo de Luísa”. É um romance que
envolve a vida sentimental da personagem principal, junto com a concretização da
sua idéia de ter o seu próprio negócio. Em síntese, o livro trata da realização do
sonho de abrir uma empresa. Esse referencial foi assimilado pelo curso “Aprender a
Empreender”, do SEBRAE, que desenvolve igual metodologia, com personagens
envolvidos desde a concepção da idéia até a realização da abertura da empresa.
Tanto no curso como no livro, apesar de enfrentarem dificuldades e obstáculos, as
personagens que seguem os passos do Plano de Negócios conseguem auferir
sucesso. No caso de Luísa, personagem central do livro, em flashback ela aparece
no início do texto recebendo um prêmio de “Melhor Empreendedor Global do Estado
de Minas Gerais”, na Federação das Indústrias do Estado.
Assim como no livro, o foco no comportamento também é uma das premissas
do curso “Aprender a Empreender”. O foco é o comportamento, sob o ponto de vista
da atitude, da forma de agir e de se comportar daqueles que pretendem abrir um
negócio ou mesmo daqueles que possuem um pequeno negócio e não desejam
engrossar as estatísticas nacionais de quebra de empresas em curto período de
66
tempo. O Manual do Participante do curso indica que o maior motivo para a quebra
das empresas é a falta de informação e planejamento (SEBRAE, 2002, p. 11).
Se “[...] o futuro do modo de produção capitalista depende das micro e
pequenas empresas”, como descreve o Manual do Participante (SEBRAE, 2002, p.
15), em função da globalização econômica e dos empregos reduzidos em grande
medida após os anos 1990, cresce ainda mais a importância das micro e pequenas
empresas (SEBRAE, 2002, p. 16). Esta é a lógica do mercado. Para entendê-la sob
esta perspectiva, o curso delineia o conhecimento sobre consumidores,
fornecedores e concorrentes na oferta de produtos e serviços (SEBRAE, 2002, p.
21).
O ensino sobre o mercado segue ainda alguns passos como: estar atento às
oportunidades; conhecer os valores e as necessidades do mercado consumidor;
organizar-se para atender o mercado consumidor; identificar o mercado concorrente;
conhecer o seu mercado consumidor; identificar características gerais, atividades,
interesses e opiniões, o que leva essas pessoas a comprar e onde está o seu
mercado.
Uma das principais características do comportamento empreendedor
relaciona-se à busca de oportunidade e iniciativa. Sendo assim, o empreendedor,
segundo o Manual do Participante (SEBRAE, 2002, p. 37), precisa estar atento e
usar todos os recursos ao seu alcance para acompanhar o movimento da empresa e
do mercado. Esta relação entre mercado e pequeno empreendedor escraviza o
indivíduo às determinações do modo de produção; passa a ser uma relação de
sobrevivência, precarizando a existência de vínculos trabalhistas e gerando uma
pesada carga tributária. O pequeno empreendedor “respira” o seu negócio, com
carga de trabalho demasiada e poucos amparos no que tange aos direitos. Muitas
vezes, tais empreendedores vêem-se endividados pelo “crédito da oportunidade”
dos grandes bancos.
Em entrevista à Revista de Negócios (2004, p. 128), Fernando Dolabela
sintetiza as pretensões da Pedagogia Empreendedora:
Essa metodologia é voltada para o desenvolvimento social,
redefinindo uma proposta empreendedora para o Brasil. Ela vê o
empreendedorismo como um instrumento muito forte não só de
desenvolvimento de geração de riqueza, mas também como um
fenômeno social e cultural. Na Pedagogia Empreendedora, vemos o
problema econômico como conseqüência de soluções ideológicas,
67
sociais e culturais. Eu a vejo como um instrumento de combate à
miséria. A Pedagogia Empreendedora e o empreendedorismo que
eu defendo, que eu pratico, é aquele que pode provocar a mudança
cultural. Estamos falando de mudança, e não de transferência de um
conteúdo cognitivo convencional. Estamos falando de uma nova
forma de relacionamento entre as pessoas porque é esse
relacionamento que estimula ou inibe a capacidade empreendedora.
Um relacionamento fortemente hierarquizado, autocrático, tende a
destruir a capacidade empreendedora. um relacionamento
democrático, em rede, onde todos têm a mesma autonomia, têm o
poder de influenciar seu próprio futuro e o de sua comunidade;
tende a disseminar o empreendedorismo (REVISTA DE
NEGÓCIOS, 2004, p. 128).
Ainda na mesma entrevista, Dolabela explica o funcionamento desta
Pedagogia Empreendedora como algo mais amplo do que a formação de
microempresários, e exalta a figura do indivíduo para um protagonismo dentro deste
modelo de sociedade:
Sinteticamente, eu diria que não se pode dar uma direção ao aluno
para que ele seja um empreendedor empresarial, mas para que seja
empreendedor em sua forma de ser. Abrir uma empresa pode ser
uma opção do aluno. Porém, ele pode ser empreendedor em
qualquer atividade. Ele pode ser empreendedor sendo músico,
poeta, funcionário público, político, etc. Então, dentro da Pedagogia
Empreendedora, a atividade empreendedora torna-se universal. A
empresa passou a ser uma das múltiplas formas de ser
empreendedor. Este conceito está descrito no livro Pedagogia
Empreendedora que também apresenta os procedimentos
metodológicos com foco na comunidade, e não no indivíduo. Porém,
trabalha-se o indivíduo porque, dentro da Pedagogia
Empreendedora, o empreendedor é um indivíduo que gera utilidade
para os outros, que gera valor positivo para sua comunidade. Assim,
procura-se desenvolver as comunidades através das pessoas
(REVISTA DE NEGÓCIOS, 2004, p. 124).
Os conceitos traçados por Dolabela no livro “O segredo de Luísa” são
alinhados com aqueles presentes no curso “Aprender a Empreender”. Aqui
mereceram destaque os conceitos de empreendedor, educação empreendedora e
aprender. Conceitos por vezes maquiados e exaltados de forma extremamente
positivada. A apologia ao empreendedorismo e à modificação de comportamentos
como forma de “romper” com a cultura pedagógica de “formar empregados” aparece
como a solução para o desemprego estrutural. “Aprender a Empreender”, então,
suscita a possibilidade do indivíduo ser seu próprio patrão, independentemente de
sua escolaridade, faixa etária, etnia, ou designações outras. Ser empreendedor, ter
68
iniciativa e aproveitar oportunidades do mercado está além de todos os
condicionantes sociais, econômicos ou outros diversos.
Esta abstração da condição histórica e social dos sujeitos especialmente os
desempregados de baixa escolaridade, que são aqueles que vêm sofrendo mais
fortemente os efeitos do contexto capitalista é uma constante nos materiais do
curso “Aprender a Empreender”, inclusive nos vídeos utilizados nas aulas, como se
verá a seguir.
3.3 Análise dos vídeos do curso “Aprender a Empreender”
Neste momento do capítulo 3 a análise recai sobre os vídeos do curso,
estruturados por uma história fictícia e entrelaçados por histórias reais de
empreendedores: pessoas que, com dificuldades diversas, empreenderam e
tornaram-se seus próprios patrões! Os exemplos são muito fortes e a idéia presente
é “se estes conseguiram, por que eu (todos os indivíduos se acham especiais) o
conseguiria?”. Segundo a proposta do curso “Aprender a Empreender”, direcionada
para o futuro empreendedor:
O Vídeo As histórias narradas no vídeo apresentam simulações de
situações reais para que você possa observar as formas de agir de
cada pessoa e quais as alternativas de solução encontradas em cada
circunstância. Os exemplos apresentados ajudam a compreender os
conteúdos mais complexos dos capítulos. O enredo dos vídeos A
história está ambientada em um mercadinho, de uma cidade do
Brasil. Você irá conhecer os donos Mário e sua mulher Ana Lúcia e
todos os personagens que passam por ali. Observe como eles se
comportam, como enfrentam as dificuldades do dia-a-dia e resolvem
seus problemas (SEBRAE, 2002, p. 5).
Os diálogos contidos nos vídeos do curso “Aprender a Empreender”
representam “a fórmula” para formar empreendedores, ou para possibilitar que o
trabalhador: “Seja o seu patrão!”. Com chavões muito comuns usados no cotidiano
da mídia nacional, os diálogos representam a popularização da ideologia burguesa
neste momento histórico. Os relatos referem-se ao dia a dia de algumas famílias que
possuem comportamentos diversos na organização do negócio próprio. Famílias que
desenvolvem o chamado “espírito empreendedor” e conseguem sucesso pessoal e
profissional, e famílias que degringolam por não desenvolver as características
empreendedoras.
69
Apresentar parte dos trechos dos diálogos que envolvem as personagens do
curso “Aprender a Empreender” pode desvelar as características principais do
discurso ideológico presente no mesmo. Sendo assim, agora a observação principal
foca-se nos vídeos do telecurso do SEBRAE.
Cada capítulo, nos vídeos, vem acompanhado de histórias reais de
empreendedores que narram suas experiências de sucesso, os percalços vividos e
como estes auxiliaram nos acertos que fizeram a empresa prosperar. Esta é a forma
de apresentação para o ensino do empreendedorismo com maiores possibilidades
de êxito, segundo Dolabela (2008), pois, para ele, o confronto do aluno com
narrativas reais é mais eficaz do que as pregações teóricas em sala de aula. O
formato de “novela de ficção” é uma estratégia utilizada pelo curso “Aprender a
Empreender”, para sua mensagem chegar aos trabalhadores de forma singela e
objetiva.
Acompanhar o desenvolvimento dos vídeos possibilita aos alunos do curso
aprender noções essenciais na consecução do negócio próprio. No Capítulo 1, o
centro da história tem como cenário o “Mercado Boa Esperança”. Seu Mário,
proprietário do mercadinho, é o protagonista, e possui “espírito empreendedor” bem
desenvolvido. Ele, juntamente com a esposa (Dona cia) e dois filhos (Rafaela e
Fábio), trabalham no empreendimento.
A história de Mário é como a da maioria dos brasileiros, com muitas
dificuldades no passado; quando ainda era adolescente, precisou largar os estudos
para ajudar seus pais e auxiliar no sustento da casa. Em conversa inicial com seu
filho fala da necessidade deste levar os estudos a sério, ao que o filho responde que
mesmo o pai não estudando, conseguiu o que queria: “Ter o próprio negócio!”. Seu
Mário fala das dificuldades que teve ao longo da vida para chegar ao mercadinho,
iniciando com a venda de verdura de porta em porta. Ele chama a atenção do filho
que quer jogar bola ao invés de estudar, e afirma: “– Seu futuro também este
esperando e é você que define de que jeito que você quer chegar lá!”.
A lógica do “Seja o seu patrão!” avança em relação às proposições outras que
sustentavam que, para se ter sucesso na sociedade capitalista era necessário
ampliar a escolaridade e que a escola era a oportunidade de ascensão social, ou
seja, que a vontade e a persistência, características essenciais dos
empreendedores, passam a representar mais do que o “funil” e a certificação do
70
sistema escolar na escalada do “sucesso”. Aparece então, de forma mais clara, um
desvínculo entre trabalho e educação.
Na cena seguinte, ainda no Capítulo 1, a filha Rafaela, que é estudante de
administração, encontra o irmão Fábio e afirma estar fazendo uma pesquisa para
avaliar o grau de empreendedorismo das pessoas, e o entrevista: “Voestabelece
metas e objetivos que são desafiantes e têm um significado pessoal? Você aproveita
as oportunidades fora do comum para iniciar um negócio? Você é fiel às promessas
que faz? Você gosta de desafios e novas oportunidades? Você leva em conta os
problemas que podem se apresentar, e antecipa as soluções? Você faz as coisas
que devem ser feitas sem que os outros tenham que pedir?”
Seguindo a lógica liberal, o indivíduo é responsável por todos os caminhos
próprios, definições sobre suas ações, forma de se comportar diante do imprevisível,
pressionado pelo desafio constante, adaptabilidade e instabilidade como
oportunidade, planejamento em função de metas e tudo isso vinculado à produção
de mais valia. Neste emaranhado, desaparecem as condições do “ser” pertencente a
uma classe e o indivíduo é tido como empresa de si mesmo, Você S/A, trazendo
um estranhamento da mercadoria que produz e de si mesmo. Segundo Antunes
(2008, p. 137):
Parece uma obviedade que, na sociedade regida pelo capital, ocorre
a desidentidade entre indivíduo e gênero humano especialmente
quando o olhar se volta para o mundo do trabalho. Marx referiu-se a
essa dimensão aguda, complexa e contraditória, nos Grundrisse: “O
grau e a universalidade do desenvolvimento das faculdades, que
torna possível esta individualidade [os indivíduos universalmente
desenvolvidos] supõe precisamente a produção baseada sobre o
valor de troca, que cria, pela primeira vez, ao mesmo tempo, a
universalidade do estranhamento frente a si mesmo e aos demais e a
universalidade e a multilateralidade de suas relações e habilidades.
Em estágios de desenvolvimento anteriores, o indivíduo se apresenta
com maior plenitude precisamente porque não havia ainda a
plenitude de suas relações e não as pôs, frente a ele, como
potências e relações sociais autônomas”.
Aprender a Empreender é o recado mais forte do capital na exaltação da
figura do indivíduo para o mundo do trabalho, hoje. Toda a articulação da classe
trabalhadora no histórico embate com a burguesia, em seus diversos momentos
em especial aqueles que representavam a luta contra a exploração exposta, quando
a organização produtiva tinha bases tayloristas/fordistas, assim como todas as
demandas que viraram direitos trabalhistas, frutos de conquistas e/ou concessões,
71
mas de uma forma geral acabaram por constituir movimentos sociais organizados,
sindicatos, instrumentos dos trabalhadores no cenário de conflito , hoje está
severamente ameaçada.
Esta realidade é vista até nos países centrais, onde a luta dos trabalhadores
fortaleceu a noção de classe e impingiu à burguesia, pela construção de
possibilidades outras de organização do modo de produção, uma referência em
termos de presença do Estado, de classe, e a serviço da burguesia: Welfare State.
Se couber a pergunta sobre a existência de diferença entre o trabalho formal,
ou informal para a relação capital/trabalho, se poderia refletir que os direitos, por
vezes amenizam o conflito entre trabalhadores e burgueses e prorrogam a
derrocada da ordem capitalista. Porém, como lutar? Como organizar a classe
trabalhadora? Como reverter revolucionariamente a ordem vigente? Como buscar a
consciência de classe dentro do modo de produção capitalista, que aflora o indivíduo
dono de seus destinos? Segundo Antunes (2008, p. 138):
Se o indivíduo é expressão da singularidade e o gênero humano é
uma dimensão da universalidade, a classe é a mediação que
particulariza os seres sociais que vivenciam condições de similitude
em sua existência concreta no mundo da produção e reprodução
social. A consciência de uma classe é, pois, a articulação complexa,
comportando identidades e heterogeneidades, entre singularidades
que vivem uma situação particular. Essa consciência do ser que
trabalha é, portanto, uma processualidade, algo em movimento em
seu ir-sendo.
uma diferença enorme entre ser trabalhador formal ou informal. Ser
empreendedor é ser extremamente precarizado. Como afirma Antunes (2008, p.
114), ser informal é ser desefetivado, desrealizado e brutalizado. No discurso do
“Seja o seu patrão!”, não aparece esta face do empreendedorismo. A exploração de
“si” por “si” é ainda maior, pois o “si” por “si” o está para além do mercado. Por
mais informal ou empreendedor que seja o trabalhador, ele, direta ou indiretamente,
está sujeito às regras de mercado. Pior ainda: sem amparos e direitos!
Na sequência do capítulo, num diálogo entre Rafaela e Dona Lúcia (mãe), a
filha expõe as possibilidades do mercadinho com a utilização da rede mundial de
computadores (Internet). Seu Mário acrescenta que as possibilidades ampliam-se
com a globalização, especialmente no comércio e serviço.
Da mesma forma que no texto do Manual do Participante (SEBRAE, 2002), o
processo de globalização é visto como algo estéril, vinculado especificamente ao
72
desenvolvimento das comunicações e da informática, como se estas não fossem
resultado em última instância do trabalho humano. Milton Santos (1995), em
entrevista à Folha Online, contradita este sentido de globalização presente no curso:
A globalização é o estágio supremo da internacionalização. O
processo de intercâmbio entre países, que marcou o
desenvolvimento do capitalismo desde o período mercantil dos
séculos 17 e 18, expande-se com a industrialização, ganha novas
bases com a grande indústria, nos fins do século 19, e, agora,
adquire mais intensidade, mais amplitude e novas feições. O mundo
inteiro torna-se envolvido em todo tipo de troca: técnica, comercial,
financeira, cultural. Vivemos um novo período na história da
humanidade. A base dessa verdadeira revolução é o progresso
técnico, obtido em razão do desenvolvimento científico e baseado
na importância obtida pela tecnologia, a chamada ciência da
produção. Todo o planeta é praticamente coberto por um único
sistema técnico, tornado indispensável à produção e ao intercâmbio
e fundamento do consumo, em suas novas formas (SANTOS, 1995,
p. 2).
O processo de globalização resulta em superexploração global sobre o
trabalho e ameaça os direitos dos trabalhadores pelo mundo. Isso se evidencia
observando que nações como a China produzem em larga escala, espalham seus
produtos pelo mundo e ao mesmo tempo acelera-se o ritmo de opressão sobre os
trabalhadores, de subtração de mais-valia, que beira a condições sub-humanas. A
China é só um exemplo recente do que ocorre pelo mundo.
Numa nova cena do vídeo do curso, aparece uma cliente empreendedora que
se beneficiou do processo de globalização. Ela exporta seus produtos e, depois de
duas tentativas frustradas, conseguiu empreender com sucesso, exaltando o “lado
benéfico” da globalização.
No mercadinho, durante uma conversa entre os familiares, a cliente chega ao
estabelecimento. Seu nome é Dorinha, e ela montou uma empresa de confecção e
por duas vezes tentou caminhos no ramo: primeiro com vestidos de noiva e depois,
no período da abertura aos mercados, com camisolas, mas pelas condições de
mercado não prosperou. Agora, com a experiência das suas duas outras tentativas
frustradas e o desenvolvimento do seu potencial empreendedor, ela sentia-se
fortalecida para empreender novamente. Naquele momento ela estava preparando
uma coleção de biquínis para exportar para a Europa, melhorou sua condição de
competitividade e prosperou, sem sair do Brasil. Recebe um elogio de seu Mário,
dono do mercadinho, pela persistência e inovação com modelos diferenciados.
73
Dorinha possuía duas características empreendedoras, destacadas pelo
curso: persistência e inovação. Tais características acabam por referendar que é o
mercado quem dita e define o sucesso ou o insucesso, mas que o indivíduo
empreendedor deve estar atento a todo tempo às novas oportunidades. Em função
disso, ainda que um trabalhador empreenda um negócio próprio e que este não
prospere, ele terá sempre a oportunidade de aprender com as derrotas, retomar o
caminho e voltar ao mercado, diferentemente daquele trabalhador formal que após
estar vários anos em uma empresa, depois de demitido, fica sem perspectiva de
reinserção produtiva; no ditado popular, “fora do mercado de trabalho”. que se
perceber o grau de perenidade do discurso empreendedor.
Dias (2006, p. 46) assevera que, para Schumpeter, a capacidade de inovação
é um atributo fundamental ao empreendedor, e este procura constantemente dar
originalidade aos negócios, pois, do contrário, ao cair em ações rotineiras, suas
atividades não poderiam mais ser consideradas empreendedoras.
Em uma nova cena, Ronaldo, conhecido dos donos do mercado, chega ao
estabelecimento e conta que foi demitido em função das reformulações no
supermercado onde trabalhava. Foram realizadas mudanças nas formas gerenciais
e introduzidas caixas com tecnologia digital, levando à grandes demissões nos
supermercados, bem como à redução de pessoal, com acumulação da função de
caixa e empacotador. A polivalência é uma característica muito cobrada dos
trabalhadores. Desempregado, Ronaldo retorna à cidade natal para tentar trabalhar
perto de sua família.
Sobre essa situação, que se torna cada vez mais comum, Antunes (2008. p.
185) afirma que
[...] a classe trabalhadora fragmentou-se, heterogeneizou-se e
complexificou-se ainda mais [...]. Criou-se, de um lado, em escala
minoritária, o trabalhador “polivalente e multifuncional” da era
informacional, capaz de operar máquinas com controle numérico e
de, por sua vez, exercitar com mais intensidade sua dimensão mais
intelectual. E de outro lado, uma massa de trabalhadores
precarizados, sem qualificação, que hoje está presenciando as
formas de part-time, emprego temporário, parcial, ou então
vivenciando o desemprego estrutural.
Num outro cenário, uma loja de material de construção, “O Mestre da
Construção”, aparece um personagem que representaria o papel de comerciante
antigo, preso a características administrativas e gerenciais ultrapassadas, ou seja,
74
um pequeno empresário que não é empreendedor: Senhor Ademar. Apreensivo com
as contas da loja, atolado em dívidas com fornecedores, Ademar fala ao filho Danilo
que está quebrado. O filho responde que quem está quebrada é a loja, e aconselha
ao pai observar onde errou e corrigir os erros. O pai não aceita ter errado no
planejamento e culpa a concorrência pelo insucesso.
Um dos principais sintomas da precarização do trabalho é a crença do
trabalhador empreendedor que se dedicou ao extremo ao seu negócio, confundir-se
com o empreendimento. Esta cena com “Seu Ademar”, o falido dono da loja de
material de construção, é típica. O empreendedor crê ser somente o que produz,
mercadoria de si mesmo. Daí a expressão “Estou quebrado!”.
O filho de seu Ademar, Danilo, e o funcionário da loja de material de
construção aparecem como exemplos de empreendedores. O primeiro segue o
roteiro do curso “Aprender a Empreender” e o segundo, formado em administração,
adquire a empresa do ex-patrão. Danilo namora Rafaela, e pensa em abrir um
negócio no ramo da alimentação. A moça explica que há uma grande diferença entre
ser empresário e ser empreendedor, para o que é preciso gostar do negócio e ter
iniciativa.
O insucesso de “Seu Ademar” tem um único responsável: ele mesmo. As
cenas em que ele aparece gerenciando seu negócio procuram reafirmar isso a todo
instante. A culpa não é da concorrência, mas do empreendedor que falhou em
partes do processo, no negócio. Quando o trabalhador com emprego formal é
demitido, a culpa pode ser dele, mas também pode ser do patrão, da empresa, do
mercado... No caso do empreendedor, a culpa pela derrota é sempre dele! É o
extremo precarizado!
Dias (2006, p. 22) salienta a perspectiva da precarização presente no curso
Programa de Formação de Jovens Empreendedores, do SEBRAE:
O que se observa no discurso do empreendedorismo é a
precarização do trabalho, que compreendemos com Irene Galeazzi
(2002) como sendo uma diversidade de situações laborais que se
afastam do padrão de emprego assalariado, regido por leis e
condições de trabalho determinadas.
Ser empreendedor é ser precarizado, pois na perspectiva do “auto-
emprego”, ele não usufrui nenhum dos diretos assegurados para o
trabalhador assalariado, como as férias, remuneração nos períodos
de parada de trabalho por enfermidade, descanso remunerado,
seguro desemprego, aposentadoria, etc. Todo e qualquer benefício,
nesta linha, deverá ser financiado pelo próprio trabalhador, que,
75
geralmente, não ganha rendimentos que lhe permitam custear parte
destes benefícios similares à de um trabalhador assalariado.
Em outra cena no mercado, um vizinho avisa que vendeu um terreno para a
construção de um supermercado e que seu Mário teria dificuldades para manter o
seu negócio, tendo em vista a difícil concorrência com uma empresa maior. Até a
conclusão da construção do “rival”, ele teria um ano para se adequar à nova
realidade do mercado. Mudanças seriam necessárias para Mário manter o negócio.
Na adaptabilidade ele busca crédito, reforma a loja e introduz novos produtos e
novos serviços, com o apoio da esposa. “Como fazer? Vou conseguir! Para o Mário
a chegada do supermercado não é um problema, mas um desafio em que ele
redefine suas metas para enfrentar a concorrência”.
Como foi visto em Drucker (1985), a readequação é uma premissa para os
empreendedores. O negócio próprio é a plataforma de lançamento. A dinâmica é
determinada pelo mercado e pela concorrência. Em um curso sobre
empreendedorismo, os que erram têm novas oportunidades, mas na realidade
existem levas de trabalhadores que tentaram ser seus próprios patrões e que hoje
padecem como desamparados, endividados, envergonhados e excluídos até
juridicamente pelos instrumentos do capital.
Fechando o capítulo, aparece a história real de um confeiteiro que constrói,
com muita dificuldade, a maior empresa de sobremesas de São Paulo. Nas suas
palavras, o comportamento empreendedor é caracterizado pela força de vontade e
do trabalho árduo, servindo de exemplo para a classe trabalhadora.
O primeiro capítulo do telecurso do SEBRAE apresenta os principais
personagens, o contexto da história e algumas características empreendedoras
necessárias ao trabalhador que vai empreender em algum ramo. Os capítulos
seguintes são mais específicos e apontam para os conhecimentos necessários para
planejar, iniciar, reformular o negócio na busca por competitividade e sucesso no
mercado. Deles convém destacar características essenciais do empreendedor,
elementos presentes no curso “Aprender a Empreender”, que maquiam a conjuntura
e os condicionantes do modo de produção capitalista.
O segundo capítulo traz o conhecimento sobre o mercado e a busca de
oportunidades e iniciativas. O enredo da história continua com Ronaldo, ex-gerente
de um supermercado, desempregado e buscando uma oportunidade no mercadinho
76
do Seu Mário. Ronaldo afirma ter algumas idéias que pretende pôr em prática no
“Mercado Boa Esperança”.
No mercadinho, toda a família ajuda. Danilo, o filho, atendendo uma cliente,
ouve a solicitação por biscoitos amanteigados, e ele tem a idéia de produzir este
produto que não tem no mercado, mas a sua namorada lhe fala para fazer uma
pesquisa para levantar se existiria demanda para o produto. Desta forma cotidiana,
as oportunidades aparecem, o empreendedor tem a idéia e começa a planejar o seu
negócio, para ser seu próprio patrão. Cabe ao empreendedor enxergar as demandas
da comunidade onde vive, para, a partir dela, mobilizar recursos pessoais e
materiais e empreender. Em todo lugar demandas. Vive-se na sociedade do
consumo.
Em qualquer lugar deste país, em especial nas grandes cidades,
trabalhadores desempregados se envolvem em atividades diversas, na prestação de
serviço, fazendo manutenções, consertando, etc.; no comércio, vendendo
mercadorias de todas as ordens, servindo de colaborador de empresas, vendendo
seus produtos, construindo, pintando, trabalhando. Enfim, em todos os ramos, em
todos os lugares as pessoas desta sociedade precisam de mercadorias. Assim, o
trabalhador empreendedor, observando o local onde vive vai encontrar espaço. Se
não achar, não é empreendedor.
Em uma nova cena do seu Mário com Ronaldo, os dois buscam os
diferenciais para concorrer com o novo supermercado. Ronaldo fala que o
tratamento aos clientes é muito importante. Mario fala de diversas coisas: entrega de
produtos a domicílio, novos investimentos, bons fornecedores, pesquisa para os
clientes, além de outras ideias. Mário promove uma reunião com toda a família para
levantar ideias e sugestões para gerenciar o mercadinho.
A burguesia aprendeu muito sobre a origem do conhecimento vinculada ao
trabalho e hoje parece haver um grande “democratismo” nas empresas, muito
diferente da organização taylorista/fordista, onde o trabalhador produzia mercadorias
em um ritmo alucinante, com tarefas sucessivas, ininterruptas, como historicamente
foi retratado no filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin.
Este democratismo não usa o saber físico ou técnico do trabalhador.
Utiliza também aspectos emocionais, psicológicos, características de caráter e de
personalidade moldadas durante toda vida, os conhecimentos em campos diversos,
as habilidades no campo do fazer, do gerenciar, das relações pessoais, e outras.
77
Hoje se usa o trabalhador como um todo, para um fim único, cerne do modo
de produção capitalista: o lucro. É por este motivo que o capital premia, certifica,
enaltece, massageia o ego, compensa financeiramente, com um bônus aquém do
resultado do trabalho em si, mas do resultado que ele causa em cascata sobre os
colegas de trabalho.
Seu Mário utiliza a família, não nada de nefasto neste caso, porém na
produção de mercadorias, nos trabalhos manuais simples, ou até complexos e de
risco. Sem se dar conta, pais exploram filhos para manter a sobrevivência da família,
da mesma forma que ocorre nas bricas de tijolos, nos fornos, nos canaviais, nos
sinais, nos lixões, onde quer que seja. Quantas crianças no Brasil trabalham
informalmente no campo ou na cidade, em atividades desta natureza? Quando
poderiam, como as crianças da burguesia, brincar, estudar, simplesmente ser
criança.
A cotidianidade no modo de produção capitalista imprime, desde os mais
tenros tempos de sua nefasta existência, uma aparência de naturalidade em tudo
isso. Estas crianças trabalhadoras, ou a utilização da família no entorno das
atividades, representa a multiplicação das atividades informais sem amparos e a
multiplicação de produtos. Assim, empreendedores vinculam a produção sem
amparo, mais força de trabalho, e por menos que possa parecer, o fim último é a
produção para empresas ou para o mercado. O empreendedor não está para além
das regras de mercado, ele está inserido nela. Ele é o extremo precário!
Voltando à reunião onde a família decide sobre os passos para conseguir
sobreviver à concorrência que virá, surge uma idéia muito em voga no mercado de
uma forma geral: “fidelizar clientes”. Para isso, decidem levantar promoções/sorteios
voltados aos clientes, para cadastrar, atrair, premiar, pesquisar sobre aceitação dos
produtos, a fim de criar vínculos e conhecer melhor os “passos” do mercadinho na
dinâmica empreendedora.
Na loja de materiais de construção, “Seu Ademar” aparece com problemas
diversos, nas contas, nos relacionamentos com clientes, numa discussão com o
funcionário, de quem não aceita sugestões, repreendendo-o por dever saber o “seu
lugar” como empregado. Neste momento uma cena que parece desmerecer a
“figura do empregado”. Assim, “ser seu próprio patrão”, dentro da lógica do
empreendedorismo, significa superar esta condição de empregado, ou de
dependente do Estado. Nos autores que defendem a construção de uma “sociedade
78
empreendedora” e no discurso do próprio SEBRAE há uma clara noção de construir,
dentro das escolas e universidades, um país de empreendedores e não de
empregados.
No meio da discussão entre “Seu Ademar” e o funcionário, este segundo
mencionou possuir algumas reservas financeiras em uma conta poupança e propôs
sociedade ao chefe, para tirar a loja do buraco e implementar medidas
empreendedoras que poderiam fazer o negócio prosperar, mas foi rechaçado pelo
chefe. Novas cenas de cobranças de dívidas se sucedem.
Fechando o segundo capítulo, uma trabalhadora que passava roupas para
confecções elabora um colchonete com material especial para forrar as mesas de
passar que facilitava o trabalho e trazia mais agilidade ao processo. Um exemplo de
saber laborativo transformado em saber científico. A trabalhadora encontra o
material ideal e inicia uma produção com espaço no mercado. É a ilustração da
oportunidade observada no trabalho, e de uma empreendedora de sucesso.
O terceiro capítulo trata sobre “A empresa e o mercado Exigência de
qualidade e eficiência”. De uma forma geral, a implementação das práticas
gerenciais no Brasil com o lema da “Qualidade Total” penetrou no mercado nacional
em todos os setores, ocupando empresas públicas e privadas. Nos órgãos
governamentais, isso veio associado ao discurso da redução de quadros funcionais,
da burocracia, da corrupção, do “cabide de empregos” e do mau gerenciamento dos
recursos públicos, propalado ao extremo em função dos discursos privatistas.
Ficou claro que no setor público a idéia de “enxugamento da máquina” estava
associada à política de privatização. Neste sentido, aquelas empresas e setores que
conseguissem realizar suas atividades, adequadas às exigências de qualidade e
eficiência, estariam em consonância com os preceitos liberais dos governos
brasileiros pós 1990. Outras que fossem do interesse do grande capital, depois do
sucateamento, intencionalmente foram saneadas e privatizadas. A regra para as
empresas privadas era simples: ou se adequavam ou iriam à falência. “Seu Mário”,
como bom empreendedor, estava se preparando para a concorrência.
No vídeo do curso “Aprender a Empreender”, “Seu Mario”, a esposa Ana
Lucia e Ronaldo (Dinho), reunidos, lêem as opiniões dos clientes, deixadas em uma
urna, para auxiliar a pensar nas mudanças e adequá-las às necessidades dos
clientes. No mercadinho buscam inovações, especificidades nos produtos e
serviços, de acordo com as necessidades, investimentos em um balcão frigorífico e
79
discutem o novo nome: “Mercado Conveniência Boa Esperança”. A disposição dos
produtos também foi planejada. A filha Rafaela chega com folhetos dos produtos e
serviços, contatos para entregas e sites para pedidos pela Internet. Criam também
um lema (slogan) para fidelizar os clientes: “Aqui, a minha família serve a sua!”.
O discurso da “Qualidade Total” trouxe formas gerenciais novas para as
empresas. Para os trabalhadores, mudanças de comportamento, exigências
produtivas, metas de produção, formas de desempenhar funções, redução de
convivência com os seus, cronômetros, tempos, racionalização de pessoal e
material, visando otimizar o conjunto geral da produção. Trouxe, enfim, a ampliação
da exploração sobre os trabalhadores, ritmos alucinantes de trabalho, redução de
empregados, forçando os que permanecem na empresa a fazer o trabalho daqueles
que foram demitidos. Esta lógica pressionou e subjugou trabalhadores e achatou
salários. No curso, entretanto, “Qualidade Total” aparece como “oportunidades de
melhoria”.
Fechando o terceiro capítulo, uma empresa criada no ramo de manutenção
de câmeras foi iniciada pela percepção da carência de produtos no mercado. O
proprietário afirma que funcionários preparados são remanejados quando
necessário. Outra característica é a qualidade no serviço construída dentro da noção
da “Qualidade Total”. O empreendedor afirma ter produtos adequados e clientes
exigentes, o que amplia a responsabilidade da empresa. Para a empresa,
“eficiência” significa planejamento, organização, treinamento e remanejamento de
pessoal.
O quarto capítulo Os números da empresa Planejamento e
monitoramento sistemático trata sobre custo fixo, custo variável e preço de venda.
Aqui estão embutidas as noções essenciais sobre a mercadoria, valor de uso, valor
de troca, além de orientações sobre como o empreendedor deve colocar o preço
final no seu produto.
Cena no mercadinho: “Dona Ana Lucia” faz o cálculo para formar o preço final
ao consumidor das verduras que chegaram e avaliar se a quantidade é suficiente
para atender à demanda da semana. Rafaela, namorada de Danilo, ensina a ele o
significado de custo fixo, custo variável e preço de venda. Na loja de materiais de
construção, “Seu Ademar” se equivoca nos cálculos e faz uma promoção que acaba
por dar prejuízo. O pequeno empresário erra no preço do produto. “Seu Ademar”,
80
não soube se adequar ao mercado, brigou com o funcionário, não foi competitivo e
os seguidos processos levaram à falência e fechamento do negócio, que foi a leilão.
O mesmo mercado que levou “Seu Ademar”, não empreendedor, à falência,
levou Dorinha, que desenvolveu seu “espírito empreendedor”, e graças à
globalização, à necessidade de ampliar a produção para exportar para a Espanha,
de onde recebe uma encomenda enorme. Diante da proposta, Dorinha resolve
procurar auxílio para uma produção com qualidade e preço competitivo. Para isso
elabora uma planilha de custos, e fica em dúvida se deve terceirizar o serviço ou
fazer um pedido a uma cooperativa para confeccionar parte da produção. Depois de
conversar com Ronaldo (Dinho), eles assistem a uma palestra sobre o
cooperativismo, para observar critérios que os auxiliassem na definição de quem
faria parte do trabalho.
Na palestra, assistida por vários trabalhadores, o lema é “A união faz a
força!”. O especialista fala sobre o que é uma cooperativa “uma empresa” dos
cooperados, comenta o surgimento do cooperativismo na Inglaterra em 1844,
conceituando-o como “uma associação de pessoas físicas, unidas por vontade
própria para uma atividade econômica”. Dorinha e Ronaldo (Dinho) debatem sobre
as vantagens de uma cooperativa e pensam seriamente sobre organizar uma.
O trabalho estável torna-se então, informalizado e por vezes dada a
contingencialidade, quase virtual. Estamos vivenciando, portanto, a
erosão do trabalho contratado e regulamentado, dominante no século
XX, e assistindo a sua substituição pelas diversas formas de
“empreendedorismo”, “cooperativismo”, trabalho voluntário”,
“trabalho atípico” (ANTUNES, 2008. p. 108).
Durante muito tempo o cooperativismo pode ter representado, para muitos
setores ditos progressistas ou de “esquerda”, uma forma de organizar a produção
que significasse um grau menor de exploração dos trabalhadores ou alternativa ao
modo de produção capitalista. Muitas cooperativas de trabalhadores, visando à
sobrevivência na concorrência com grandes empresas, foram formadas para unificar
produção, buscar preços melhores para compra e venda e ter acesso ao crédito.
Hoje elas são incentivadas pelo capital, assim como as pequenas empresas, com
número menor de trabalhadores, com uma produção maior.
Nas cooperativas, o trabalho informal ganha fôlego, a exploração é ampliada
e as metas definem a quantidade de tempo a ser utilizado pelos trabalhadores.
Segundo Antunes (2008, p. 108),
81
O exemplo das cooperativas talvez seja ainda mais eloqüente, uma
vez que, em sua origem elas nasceram como instrumentos de luta
operária contra o desemprego e o despotismo do trabalho. Hoje,
contrariamente, os capitais vêm criando falsas cooperativas, como
forma de precarizar ainda mais os direitos do trabalho. As
“cooperativas” patronais têm sentido contrário ao projeto original das
cooperativas de trabalhadores, pois são verdadeiros
empreendimentos para destruir direitos e aumentar ainda mais as
condições de precarização da classe trabalhadora. São similares os
casos do “empreendedorismo” e do “trabalho voluntário” (de fato
obrigatório), que se configuram como formas ocultas e dissimuladas
de trabalho permitindo a proliferação, nesse cenário aberto pelo
neoliberalismo e pela reestruturação produtiva, de distintas formas de
precarização do trabalho, frequentemente sob o manto da
“flexibilização”, seja salarial, de horário, funcional ou organizativa.
As cooperativas estão inseridas na lógica do capital, “A união faz a força!”.
Hoje, faz a força de exploração do trabalho. Cooperados, por exemplo, de uma usina
de lixo reciclável, catadores, hoje chamados de “agentes ecológicos” (um nome mais
“digno”, na base do politicamente correto), trabalham em meio aos lixões, coletando
de porta em porta, caminhando muitos quilômetros por dia, sem nenhuma proteção
individual, como máscaras, luvas, protetores, ou quaisquer outros equipamentos de
segurança.
Sem nenhum amparo, em termos de direitos sociais e trabalhistas, sem
alternativas, são milhares espalhados pelo país. Mesmo eles, que vivem do que a
sociedade rejeita, não podem mais dizer-se alheios às leis de mercado. Suas
cooperativas pagam migalhas pelo material entregue, pois elas também recebem
pouco, porque para as empresas que necessitam da matéria prima a economia é
enorme, além de fazer o marketing da responsabilidade social e ambiental, sem
pagar salários e direitos.
Nos exemplos reais, para fechar o capítulo, o empreendedor de uma empresa
de linhas e aviamentos aposta no trabalho em equipe. Dentro da firma, organizam
várias células de controle de produção, com premiação em dinheiro para quem
consegue alcançar a meta. Para este empreendedor, a determinação de preços é
fundamental, assim como planejamento e monitoramento (medir/mudar/corrigir
rotas/custos detalhados/margem de contribuição).
O quinto capítulo “O ponto de equilíbrio do negócio” – fala sobre uma
característica fundamental ao futuro “patrão de si mesmo”: o comprometimento. Seu
Mário analisa as contas do mercado para decidir se adquire novos equipamentos
82
(balcão frigorífico) para o mercado. Ele precisa verificar se as aquisições afetam o
ponto de equilíbrio do mercado. Danilo conversa com Rafaela sobre as
responsabilidades de abrir uma empresa de alimentação: ele fala sobre a
documentação necessária à empresa para não ter nenhum tipo de problema com a
fiscalização. Os passos sugeridos nesta conversa são: Primeiro, ir à Receita
Federal e fazer a inscrição no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas).
Depois, passar na Secretaria da Fazenda para fazer a inscrição estadual, depois
passar na prefeitura para fazer Cadastro do Contribuinte Imobiliário”. Atualmente, a
Lei do Microempreendedor Individual simplifica tudo isso, conforme veremos
adiante.
Em um diálogo entre Ronaldo (Dinho) e Ana cia, ela calcula o “ponto de
equilíbrio”, e explica ser o faturamento necessário para cumprir as despesas do
mercado sem ter lucro ou prejuízo. Afirma também que “o importante é se manter
sempre acima do ponto!” Na loja de material de construção, “Seu Ademar” trata mal
os clientes, não recebe diversas formas de pagamento, recebe ligação com
ameaças de duplicatas a protesto na justiça.
O funcionário das entregas do mercadinho sofre um acidente de moto, se
machuca, e não vai fazer as entregas. Seu Mário, pessoalmente, o substitui, pois ele
nunca deixa seu cliente na mão. Um empreendedor cumpre sua palavra e não foge
das responsabilidades, porque tem um compromisso com seu negócio.
Esta passagem simboliza o comprometimento com o empreendimento, que,
na perspectiva do curso, deve ser o guia das ações: a vida gira em torno do negócio
e acaba por reduzir-se a ele.
Atualmente, o governo Lula tem viabilizado ações para garantir o controle do
Estado sobre os trabalhadores informais. As metas são ambiciosas, pois o montante
que pode ser arrecadado, com a quantidade de trabalhadores que hoje não
contribuem de forma direta com impostos, é muito grande. Duas maneiras de
formalizar os informais e micro-empreendedores estão na pauta do dia: a criação do
Super Simples, em 2009, e a Lei do Microempreendedor Individual (MEI), em 2010.
No rmino do capítulo aparece um empreendedor de sucesso afirmando que
o comprometimento é mesmo essencial, e que comprometer-se significa “fazer bem
feito aquilo que se propõe”. Este homem de sucesso assevera que “o cliente está
em primeiro lugar e a empresa depende dele”. Para isso, ele faz treinamento sobre
fidelização com os funcionários, cujos salários são variáveis em função da
83
produtividade de cada um. “Os funcionários se comprometem mais e a busca de
melhorar esta produtividade”.
O sexto capítulo O resultado da empresa aborda outra competência a ser
desenvolvida: a persistência. Danilo explica para o pai, “Seu Ademar”, dono da falida
loja de materiais de construção, que ele não poderia misturar as finanças da
empresa com as contas pessoais. O microempreendedor deve ter um pro labore,
uma retirada financeira periódica, como um salário. “Seu Ademar” deveria ter
incluído seu salário no custo fixo da empresa. Segundo Danilo, o pro labore
remunera o patrão e o LUCRO remunera a empresa. “Seja o seu patrão!”, ou ser
“empregado de si mesmo”, acaba por ganhar a mesma conotação: ser explorador de
si mesmo para, na ponta da linha, ser refém do mercado.
Os vários exemplos de empreendedores que refizeram suas vidas depois de
derrotas estão presentes no curso “Aprender a Empreender”. “Seu Mario”, “Dorinha”
e alguns exemplos das histórias reais são usados para reforçar a ideia da
persistência. Se não deu certo de uma vez, você, trabalhador, tem toda a vida para
empreender, só depende de você! Desenvolva seu “espírito empreendedor”.
Nas histórias reais, uma trabalhadora, que empreendeu com sucesso no ramo
de organização de festas, afirmou ter ido à falência com uma empresa de ônibus da
família e ter recomeçado tudo. Para ela, o essencial é muita força de vontade, pois
não conhecia nada sobre a área que empreendeu, mas a persistência levou a
família ao sucesso no negócio.
No timo capitulo, “O resultado com vários produtos correr riscos
calculados”, e no oitavo capítulo, “Capital de giro e fluxo de caixa busca de
informações”, o foco das discussões está sobre a tomada de decisões importantes,
como a de obter um empréstimo, fazer um investimento, e a importância de correr
riscos calculados, pois os erros do empreendedor trazem danos que afetam a ele
diretamente, podendo ser fatais para a empresa. Outra questão significativa diz
respeito à atualização constante para acompanhar a dinâmica do mercado. Neste
sentido, há um outro ramo de negócio que oferece consultoria e atualização
constante. O SEBRAE é uma das instituições que faz este papel de apoio e
consultoria às micro e pequenas empresas no Brasil.
Fechando o capítulo, uma empresária do ramo farmacêutico afirma ter feito
pesquisa pessoal, com concorrentes, onde observou formas de trabalhar das outras
empresas (benchmarking), desde atendimento, agilidade, participação na feira de
84
negócios, visita à classe médica e farmacêutica. Ela afirma ser imprescindível
conhecer o mercado.
O nono capítulo, “Fluxo de caixa diário Persuasão e rede de contatos”,
aborda a característica empreendedora da “persuasão”, pois ela, segundo o curso
“Aprender a Empreender”, é fundamental para a formação de uma rede de contatos
que envolve fornecedores, clientes, propaganda, auxílio e consultoria. Para o
empreendedor, é necessário formar esta rede para manter-se no mercado, pois ela
pode facilitar os caminhos da empresa e fortalecer a credibilidade.
O vídeo corrobora a característica da persuasão com a história real de um
empreendedor de biscoitos artesanais, em Maragogi-AL, que fez contato com um
turista que gostou dos produtos e passou a vendê-los na capital e em outras
cidades. Outro exemplo é o de um portador de necessidades especiais, que ficou
cego em função de um glaucoma, e supostamente estaria excluído do mercado, mas
sua força de vontade para trabalhar o transformou em empreendedor, e investiu em
uma fábrica de vassouras, rodos e escovas industriais, em Americana-SP.
Diversificando seu mix de produtos, passou a distribuir também produtos de limpeza.
Na sua empresa trabalham outros portadores de necessidades especiais. Este
exemplo de superação finaliza o curso e pretende demonstrar que diante de
dificuldades múltiplas, o empreendedor pode se superar e obter sucesso, como
patrão.
O décimo e último capítulo, “Plano de Negócios Independência e auto-
confiança”, elenca características a serem desenvolvidas pelo empreendedor
voltadas ao planejamento do negócio. O foco principal do curso “Aprender a
Empreender” é formar empreendedores por oportunidades, preparados, planejados
e com possibilidades de sobreviver no mercado. O Plano de Negócios também é o
ponto principal de Dolabela (2008) no livro “O segredo de Luísa” e a forma de
ensinar empreendedorismo possui o mesmo viés, sem o rebuscamento dos manuais
de administração e sem a dispersão fragmentária das apostilas, utilizando-se de
histórias envolventes, como nas telenovelas brasileiras, tão ao gosto da população,
em sua maioria, mas com um conteúdo realmente nocivo aos trabalhadores.
No vídeo, assim como nas telenovelas, aparecem finais felizes com
empreendedores fazendo sucesso e não empreendedores tendo novas
oportunidades.
85
No “Mercado e Conveniência Boa Esperança”, a família se reúne para ir à
inauguração do supermercado concorrente, e se lembram das atitudes que tomaram
quando souberam da construção do supermercado. Eles possuem a dinâmica de se
adaptar aos problemas, buscando soluções. A adaptabilidade é ressaltada como
característica empreendedora. Fizeram mudanças do mercadinho e promoveram
ações para enfrentar desafios e rever metas.
Na casa de materiais de construção, o ex-funcionário participou do leilão
judicial e assumiu o negócio e, depois de ter vivido anos como empregado, passou a
ser seu próprio patrão.
Júlio reformou a loja e recebeu os cumprimentos de Danilo pela inovação,
pela iniciativa de buscar conhecer a necessidade dos clientes, de fazer a análise da
concorrência. Júlio desenvolveu seu comportamento empreendedor. Independente e
autoconfiante, ele tem certeza que tudo vai dar certo.
Na mensagem final, a certificação: “Com o Plano de Negócios, você também
pode fazer parte da história dos empreendedores brasileiros. Boa sorte”!
Trazer os capítulos narrados nos vídeos e as histórias de empreendedores de
sucesso é uma estratégia do curso “Aprender a Empreender”. Cada capítulo do
Manual do Participante se relaciona a histórias, fictícias ou reais, que direcionam o
empreendedor a organizar-se para o sucesso do empreendimento. Esta é a forma
de apresentação para o ensino do empreendedorismo com maiores possibilidades
de êxito, segundo Dolabela (2008), pois, para ele, o confronto do aluno com
narrativas reais é mais eficaz conforme mencionamos. O formato de “novela de
ficção” é uma estratégia utilizada pelo curso “Aprender a Empreender”.
O que de realmente essencial no intento do SEBRAE, com o curso, é o
fortalecimento do empreendedorismo por oportunidade, e o fim último: fortalecer o
discurso que tem como base inculcar no trabalhador a idéia de “ser seu próprio
patrão”! O que na realidade significa ser extremo precarizado! Se o discurso da
qualificação possui seus limites no desenvolvimento econômico e na geração de
emprego e renda, o discurso empreendedor não os tem, pois o limite está no
indivíduo, responsável único por seu sucesso, no modo de produção capitalista. São
algumas tensões entre qualificar e formar o empreendedor que serão abordadas no
capítulo seguinte.
86
Capítulo 4
A GENERALIZAÇÃO DO “APRENDER A EMPRENDER”
4.1 Aprender a empreender: alternativas de emprego e renda?
Neste momento histórico, onde a sociedade é induzida a clamar por
qualificação profissional, se faz necessário tecer algumas considerações acerca da
compreensão da prática social educacional empreendedora voltada à formação
humana no Brasil. É preciso avaliar a necessidade de cuidados específicos para não
referendar e reforçar a lógica do modo de produção capitalista que está embutida
nas relações praticadas no modo empreendedor de gerar renda.
Sob pena de não comprometer alguns pilares da análise metodológica
materialista histórica, é preciso compreender as diferentes configurações do trabalho
e do Estado no modo de produção capitalista, considerando, ao máximo, as
mediações presentes no conjunto das relações estabelecidas entre elas.
Para cumprir de maneira sintética este caminho, é necessário transitar entre
categorias fundamentais e imprescindíveis, como trabalho, Estado, educação e
ideologia, sem as quais as políticas voltadas à formação humana acabam por ser
percebidas isoladamente, e sua “razão de ser” torna-se, eminentemente, a
reprodução do sistema capitalista, dissipando o conflito existente entre suas classes.
Ter o trabalho como fundamento da diferenciação humana em relação aos
outros animais é um princípio essencial na compreensão de que é a partir dele que o
homem se relaciona com a natureza, transformando-a e produzindo, nesta relação,
as condições de produção e reprodução da sua vida material. A apropriação do
trabalho humano no capitalismo será o cerne da exploração do homem pelo homem,
bem como será, também, instrumento gerador da propriedade privada e das
condições de sua realização. Frigotto (1998, p. 29-30) explica que
Dentro da tradição marxista, a perspectiva do conflito deriva não de
uma escolha da vontade, mas da própria materialidade das relações
sociais ordenadas por uma estrutura classista. Estas relações que
tipificam, para Marx, a pré-história da humanidade, cindem e
esgarçam o ser humano, limitando o seu devenir. Nesta perspectiva
uma grande mediação de primeira ordem, constituída pelo
pressuposto da centralidade do trabalho como criador da condição
humana, que recebe, historicamente, mediações de segunda ordem,
que transformam o trabalho criador em alienação, mercadoria e força
87
de trabalho. Enquanto mediação de primeira ordem “o trabalho, na
sua essência e generalidade, não é atividade laborativa ou emprego
que o homem desempenha e que, de retorno, exerce uma influência
sobre a sua psique, o seu habitus e o seu pensamento, isto é, sobre
esferas parciais do ser humano” (Kosik, 1996).
Sendo assim, considera-se aqui o trabalho para além da perspectiva do
emprego, ou da relação da venda da o-de-obra em troca do salário, algo que
venha “descortinar” o estranhamento e a alienação presentes neste tipo de trabalho,
retificado e encorpado por “subjetividades inautênticas e heterodeterminadas”
(ANTUNES, 2005, p. 66). Que se distancie da visão burguesa sobre o trabalho, e
que se aproxime, insistentemente, da compreensão necessária à classe
trabalhadora, sintetizada no estudo de Frigotto (1998, p. 29):
O trabalho é um processo que permeia todo o ser do homem e
constitui a sua especificidade (Kosik, 1986).
Nesta compreensão, independentemente da forma histórica que
assume, trabalho e relações materiais de produção social da
existência são fundantes da especificidade humana à medida que é
pelo trabalho que a espécie humana se produz (Marx, 1964, 1975, e
1978; Lukács, 1970). O ser humano se contrapõe e se afirma como
sujeito num movimento e ação teleológica sobre a realidade objetiva.
Modificando a realidade que o circunda, modifica-se a si mesmo.
Produz objetos e paralelamente, altera sua própria maneira de estar
na realidade objetiva e de percebê-la. E o que é fundamental faz
a sua própria história. Toda a chamada história mundial assegura
Marx - “não é senão a produção do homem pelo trabalho humano”.
É dentro desta compreensão que o sujeito humano em Marx (1964),
e posteriormente de forma ainda mais desenvolvida em Gramsci, é
entendido não como sujeito individual, mas resultado de um processo
histórico de relações sociais concretas. Nesta perspectiva a questão
não é o que é o homem, o sujeito esta é uma concepção
escolástica e metafísica -, mas como se produz o ser humano e o
sujeito social histórico.
Com base em Antunes (2005), neste momento histórico, onde o capital perfaz
um sistema global, o mundo do trabalho ainda não o é, ou seja, se as mercadorias
podem, legalmente, atravessar barreiras entre os países, isso não ocorre de igual
maneira com a mão de obra. Para o autor,
Se a mundialização do capital e de sua cadeia produtiva é fato
evidente, o mesmo não ocorre no mundo do trabalho, que ainda se
mantém predominantemente nacional, o que é um limite enorme
para a ação dos trabalhadores (ANTUNES, 2005, p. 61).
A razão parece inversa: o trabalho cresce em precarização e informalidade, o
desemprego estrutural é uma verdade do nosso tempo e a confrontação social é
88
adensada, apesar de escamoteada pelo processo ideológico. As formas
diversificadas e parciais de trabalho, conforme afirmado, ocuparam o lugar de uma
propugnada estabilidade em direitos sociais e trabalhistas, acometidos pela
avalanche neoliberal, que no Brasil toma corpo a partir dos anos 1990.
A busca pelo aumento da produtividade e a falta de uma alternativa que se
contraponha ao capitalismo arvoraram os detentores do capital à intensificação de
suas ações voltadas ao cerne do sistema: o lucro máximo. Com isso, as formas de
extração do “sobretrabalho” tornaram-se mais diversas e amplas. E, se é pelo
trabalho que se constrói a base material da sociedade, ele também resulta no
desenvolvimento do conhecimento humano.
A mescla entre saber laborativo e científico (ANTUNES, 2005, p. 62) trouxe o
avanço tecnológico, substituto de trabalho vivo, porém, ao invés de significar
liberdade ao homem, o desenvolvimento apropriado privadamente trouxe maiores
laços de exploração, referendando o sistema e sua lógica, o que se espraiou por
todos os setores econômicos.
A figura do Estado é, em parte, a representação da garantia burguesa de
“igualdade e liberdade” e é também o elemento de garantia do “bem comum”.
Durante muito tempo a ideologia burguesa valeu-se destes e de outros significados
do Estado para escamotear seu sentido real. O Estado é um ente de classe, surgiu e
existe para garantir o domínio classista.
Saes (2001, p. 49) afirma que o Estado
[...] desempenha, nessa medida, a função-limite de frustrar, mediante
o exercício da força, a revolução social anticapitalista. Essa função-
limite é desempenhada pelos Estados capitalistas de um modo
regular e contínuo, e não apenas em situações revolucionárias; a
força, quando deixa de ser aplicada por tais Estados, é pelo menos
ostentada e exibida, produzindo desse modo efeitos intimidatórios
sobre as forças potencialmente revolucionárias.
No conjunto e no movimento das transformações econômico-políticas do
sistema, o Estado estará a serviço da classe dominante. No Brasil, o caráter
classista do Estado impregna ações diversas, deixando claro o seu papel.
Conforme afirmado, os anos 1990 foram significativos na readequação das
forças produtivas no Brasil. O espasmo neoliberal que dominou o mundo fortaleceu
a empreitada do modo de produção capitalista para novas áreas de atuação. A
redução da esfera de ação do Estado, calcada na auto-regulação do mercado, foi a
89
tônica do período subsequente. Atreladas às mudanças ocorridas no sistema,
passam a fazer parte deste cenário novas relações de trabalho.
Silva nior (2002) afirma que o desenho das reformas ocorridas no Brasil
nos anos 1990 possui as marcas determinadas pelos organismos multilaterais,
especialmente o Banco Mundial:
As reformas do Estado no atual estágio do capitalismo mundial
tendem para um desmonte do Estado intervencionista na economia e
nos setores sociais. A universalização do capitalismo e a divisão
planetária em megablocos econômicos impõem uma reforma dos
estados que propicie a expansão do mercado e de sua lógica, sob o
discurso da auto-regulação, bem como possibilitam, como acentua
Coraggio, a introjeção da racionalidade mercantil na esfera pública,
como pode-se desprender das propostas da reforma administrativa
preconizada por Fernando Henrique Cardoso. Desta forma, na
transição do fordismo para o presente momento histórico do
capitalismo mundial, o Estado de bem-estar social lugar a um
Estado gestor, que carrega em si a racionalidade empresarial das
empresas capitalistas transnacionais, tornando-se as teorias
organizacionais, antes restritas aos muros das fábricas, as
verdadeiras teorias políticas do Estado moderno. A inserção do Brasil
nesse processo provoca também uma transformação no aparelho do
Estado, que de interventor e estruturador da economia em favor do
capital nacional e internacional desde a década de 1930, passa, na
década de 1990, a um Estado modernizado, a um Estado gestor
(SILVA JÚNIOR, 2002, p. 62).
Durante o período histórico em que existia um contraponto ao capitalismo,
mais precisamente as proposições de base econômica planificada, era desenhado
um papel para o Estado nos países de centro: ele tinha a incumbência de ser
“amenizador” do conflito de classe e “garantidor” de condições mínimas para a
reprodução do capital. Estava na sua missão a garantia dos direitos sociais e
trabalhistas, o que permitia ao sistema aparentar sua face “menos exploradora”, e
servia de modelo a ser seguido pelas nações do mundo. O primeiro papel ele
manteve, mas a garantia dos direitos foi ultrajada.
Após a perda do referencial socialista soviético e dos países que tinham suas
economias planificadas, o capitalismo iniciou um processo de reestruturação, acirrou
o caráter liberal de sua proposição, como foi explorado no primeiro capítulo deste
texto. Aflorou a figura do indivíduo e da sua busca por espaço na produção.
Se antes o trabalho era amparado por direitos, a partir deste momento um
enorme esforço do capital (também via Estado) para suprimi-los. O desemprego
estrutural moldou o comportamento da classe trabalhadora, de suas entidades
90
representativas e silenciou os sindicatos. O “corpo” completo da reestruturação
produtiva demorou a ser compreendido pela classe trabalhadora.
Sucessivos golpes foram descerrados contra os direitos trabalhistas:
programas de demissão voluntária, alta rotatividade nos postos de trabalho, fim da
estabilidade, entre outros. O resultado não tardou a revelar o caráter desta
empreitada: desemprego, miséria, fome e o agravamento sem precedentes dos
problemas sociais.
Destacam-se aqui algumas faces do processo ideológico que transforma a
realidade material em uma realidade aparente: lutar por direitos trabalhistas e por
qualificação profissional dentro do universo do capital e distante do trabalho livre.
Segundo Chauí (2008, p. 104), Marx descreve o surgimento do trabalhador “livre”
necessário ao capital: o homem que, tendo apenas a posse do seu corpo, que,
estando despojado (“liberado”) dos meios e instrumentos do trabalho, tem o “livre”
direito ao uso de seu corpo, vendendo-o no mercado da compra e venda da força de
trabalho. Neste sentido, a ideologia concebida enquanto categoria de análise leva a
inobservância da materialidade das relações sociais de produção. Segundo Chauí
algumas determinações constituem o fenômeno da ideologia:
A ideologia é resultado da divisão social do trabalho e, em particular,
da separação entre trabalho material/manual e trabalho
espiritual/intelectual. [...]
Por ser instrumento encarregado de ocultar as divisões sociais, a
ideologia deve transformar as idéias particulares da classe
dominante em idéias universais, válidas igualmente para toda
sociedade; A universalidade dessas idéias é abstrata, pois no
concreto existem idéias particulares de cada classe. Por ser uma
abstração, a ideologia constrói uma rede imaginária de idéias e de
valores que possuem base real (a divisão social), mas de tal modo
que essa base seja reconstruída de modo invertido e imaginário
(CHAUÍ, 2008, p. 96).
O discurso ideológico trouxe para o indivíduo a responsabilidade pelo
desemprego estrutural e a busca por qualificação se tornou “menina dos olhos” do
sistema, no Brasil. Ganhou força a idéia de que existem postos de trabalho para
aqueles que possuem qualificação. Os que não se adequassem às “novas” regras
sistêmicas estariam fadados ao desemprego e à exclusão. Ou ainda, poderiam
desenvolver um comportamento empreendedor. Restava o viés de “ser seu próprio
patrão”.
91
Neste invólucro, a educação aparece em sua perspectiva “salvacionista”, sob
o lema “Educação é tudo!” Coloca-se, desta forma, sobre os ombros da educação, a
responsabilidade de organizar a sociedade com base em parâmetros readequados
às definições do modo de produção capitalista. O viés liberal propugnado para a
educação no Brasil ganhou contornos mais nítidos na “Era FHC”. A forma de
organizar a produção e, portanto, o mundo do trabalho, ganharam contornos
diferentes. O governo recebeu a incumbência de canalizador dos anseios burgueses
para o setor, através das reformas. O pacote neoliberal incluía redistribuição
orçamentária, descentralização das ações, centralização da supervisão e do
controle. Silva Júnior (2002, p. 61) destaca que:
1) a universalização do capitalismo, particularmente por meio do
capital produtivo macrogerido pelo financeiro impôs profundas
mudanças no metabolismo social do mundo todo (MEZÁROS, 2002,
p. 133); 2) a profunda mudança no metabolismo social impôs um
novo processo de reprodução social que, por sua vez, implicou
alterações intensas nas estruturas sociais; e 3) Isso pôs em
movimento reformas institucionais em várias áreas da atividade
humana neste modo de produção, mas principalmente na esfera
educacional [...]. Portanto, o movimento reformista em geral,
especialmente para a educação, não é um movimento que deva ser
estudado destacado das mudanças apontadas no item 1; menos
ainda, ser pensado como um fato de um único país, pois trata-se de
um movimento mundial, com as especificidades históricas de cada
um, que mantém traços de identidade em todos eles segundo a
racionalidade da transição do metabolismo social capitalista.
A esta altura, estava montada parte da arquitetura ideológica que vinculava,
para atender aos interesses burgueses, trabalho, Estado, sociedade, educação e
empreendedorismo. Obviamente, esta estrutura é o pilar do modo de produção
capitalista, mas um processo de readequação às “especificidades brasileiras”.
Um dos reflexos que atraem a atenção por vincular toda esta estrutura, é a
propagação do discurso empreendedor, que se faz presente nas políticas públicas
de formação do trabalhador brasileiro e, como foi apontado, se tornou uma
estratégia e uma prática do capital.
A formação humana nos sistemas econômicos vincula trabalho e educação. A
partir dos anos 1970, no Brasil, a Teoria do Capital Humano referendou a
subordinação do campo educativo ao capital semeando a idéia de que o
desenvolvimento econômico dos países periféricos estaria especificamente
92
vinculado ao desenvolvimento educacional. Duas décadas depois, a estratégia será
outra. Frigotto enfatiza o caráter do desenvolvimento da teoria no Brasil:
O corpus conceptual da teoria do capital humano é produzido para
explicar, em última análise, exatamente a não efetiva generalização
do fordismo, quando este atingiu seu ápice. Por que o modelo de
desenvolvimento capitalista de produção e consumo de massa não
se generalizou? Como justificar os profundos desníveis em termos do
crescimento do PIB, as abismais diferenças de renda per capita entre
nações, particularmente entre o Hemisfério Norte e o Hemisfério Sul,
entre diferentes grupos sociais e entre os indivíduos? O investimento
em “capital humano” passou a construir-se na chave de ouro para
resolver o enigma do subdesenvolvimento e das igualdades
internacionais, regionais e individuais. Trata-se de um corpo teórico
mais sofisticado do que a perspectiva psicologista da teoria da
modernização, embora sua base parta desta. A teoria do capital
humano passou por um intenso debate interno, particularmente na
década de 60 e 70, e, ao mesmo tempo, teve um amplo uso político
e ideológico na definição de macropolíticas educacionais orientadas
pelos organismos internacionais e regionais (FRIGOTTO, 1998, p.
37-38).
Nos anos 1990, as demandas pela formação flexível foram a tônica no
processo de preparação do trabalhador. Se, anteriormente a este período, os
salários eram pagos igualmente por categorias profissionais, neste período
neoliberal prega-se o ganho por produtividade, segregando a classe trabalhadora.
Ao “conclamar” o indivíduo portador de direitos e deveres na sociedade
capitalista, cuja liberdade e igualdade o referências e puxam o discurso da
oportunidade, da empregabilidade e do empreendedorismo, acirra-se uma
competição entre trabalhadores para vender sua força de trabalho. A busca pela
qualificação profissional tornou-se uma obsessão; a certificação, um instrumento
necessário para competir por postos de trabalho e o empreendedorismo, uma
alternativa de auto-emprego.
O risco presente na área trabalho e educação” é de se confundir as
dificuldades objetivas da abordagem marxista para explicar
problemas que se configuram complexos, com a superação da
própria teoria. Os obstáculos reais para visualizar e apreender as
relações de classe, fundamentais em decorrência das mutações do
conteúdo, forma e tempo do trabalho assalariado e do deslocamento
do trabalho do setor primário e secundário para o terciário, não
permitem sem mudança de perspectiva teórica e ético-política
deduzir o “fim” das classes ou que esta categoria não nos ajuda a
entender a realidade atual. Esta postura, querendo ou não, pode
levar-nos a duas conseqüências: a compreensão das classes sociais,
de uma relação social, relação de violência e alienação determinada
pela extração da mais-valia, sendo reduzida a um dado reificado. O
93
capital e a classe que vive do trabalho assalariado (Antunes, 1995)
são o resultado histórico de forças sociais em movimento. Sem a
superação da mais-valia, portanto, as classes fundamentais não são
dissolvidas. Por outro lado, passa-se, queira-se ou não, em última
análise, à concepção que fundamenta a própria ideologia liberal e
neoliberal A sociedade como um contínuo de estratos sociais que
se explica por escolhas, esforço, risco, vontade, dedicação e
competência de indivíduos isolados ou de estratos sociais
(FRIGOTTO, 1998, p. 30-31).
Trabalhadores que, por longos períodos, foram alijados no processo de
educação escolar, levam ainda nos “ombros” o peso pela ausência de formação nos
moldes exigidos pelo capital. A construída dualidade sistêmica e educacional forjou
historicamente uma formação voltada às elites dirigentes e outra voltada para a
classe trabalhadora. A formação desta classe, que produz a riqueza material pelo
trabalho, historicamente foi negligenciada em função das determinações
econômicas. Até os anos 1930 houve um descaso muito grande com a preparação
da mão de obra, em função das demandas produtivas da base material calcada no
latifúndio, na monocultura voltada para exportação e na escravidão dos homens.
Depois deste período, foram promovidas ações para a adequação da força de
trabalho em transição, pois o modelo agrário-exportador-dependente dava sinais de
esgotamento e, apesar de tardiamente, o modelo urbano industrial ganhava alguma
densidade.
O conjunto das determinações históricas trouxe alguns passos que
mobilizavam ações estatais, através das políticas públicas, voltadas à formação dos
trabalhadores. Isso pode ser claramente exemplificado pelas ações do governo
Vargas, direcionadas a esse fim, quando o empresariado era convocado, quando foi
criado o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), estruturando um
sistema paralelo de educação, atrelado ao trabalho. Este vínculo entre Estado e
empresários se fortaleceu ainda mais nos governos militares, adensado pelo
atendimento aos ditames do capital internacional, em especial do norte-americano.
No Brasil, durante o período da ditadura militar, como mostra Saviani
(1988), duas reformas universitária de 1968 e do e graus em
1971 estruturam o sistema de ensino dentro dos parâmetros
tecnicistas e economicistas, inspirados nesta formulação teórico-
ideológica (FRIGOTTO, 1998, p. 38).
Para atender ao corpo completo das mudanças dos anos 1990 e às
peculiaridades trazidas pelo liberalismo neste momento (em especial uma brusca
94
redução nos postos de trabalho), o governo FHC organizou as reformas
educacionais sob a orientação dos organismos multilaterais. Para a adequação da
força de trabalho, elaborou o PLANFOR (Plano Nacional de Qualificação do
Trabalhador), que utilizava, em parte, recursos dos próprios trabalhadores para o
financiamento da qualificação profissional. O viés empreendedor estava presente em
grande monta nos cursos oferecidos pelo PLANFOR.
Na busca de enfrentar a crise e os problemas apresentados pelo PLANFOR,
o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) anunciou a necessidade de reformulação
da política pública de qualificação profissional e elaborou o PNQ (Plano Nacional de
Qualificação), durante o governo Lula, cujo principal objetivo é coordenar o
desenvolvimento de ações de qualificação social, ocupacional e profissional dos
trabalhadores, com ênfase na eficiência, eficácia, efetividade social e articulação
com as ações de intermediação, geração de emprego e renda, certificação e
orientação ocupacional.
Para o trabalhador, indica-se que a adequação às novas regras de
comportamento impostas pela base econômica é a alternativa ao desemprego. O
“empreender”, ou formar-se empreendedor, além de possível, passa a ser o rumo do
trabalhador, na informalidade, independente do Estado, ou do “patrão”.
A que sentido histórico e a que necessidades respondem as
concepções e políticas de educação básica e formação profissional
centrada na visão das habilidades básicas, competências para a
produtividade, qualidade total e competitividade? Qual o sentido da
idéia de educação e formação para a empregabilidade, requalificação
e reconversão profissional, dentro de uma realidade endêmica de
desemprego estrutural, trabalho supérfluo em massa e das
evidências empíricas que mostram que hoje, mediante a
incorporação de tecnologia, aumento de produtividade, crescimento
econômico sem aumento do nível de emprego? Estas concepções e
políticas não estariam formando os cidadãos passivos, não mais
trabalhadores, mas colaboradores, déspotas de si mesmos em nome
da produtividade e competitividade, empregabilidade, reconversão,
etc.? Em última análise, não esconderiam estas concepções e
políticas uma profunda violência ideológica que passa a idéia de que
o Estado burguês, e os “homens de negócio” e os seus intelectuais
coletivos cumpriram seu dever oferecendo escola de qualidade total?
Aqueles que não encontram emprego ou são expulsos do mercado
assim o são por incompetência ou por não terem acertado as
escolhas. Ou seja, as vítimas do sistema excludente viram os
algozes de si mesmos (FRIGOTTO, 1998, p. 46).
As respostas às questões levantadas por Frigotto, sobre um ensino que se
volta ao desenvolvimento de competências, de uma formação humana focada na
95
empregabilidade e no empreendedorismo, moldam os projetos em curso voltados a
esse fim. Seria o “aprender a aprender” a chave do modo de produção capitalista
para moldar os homens segundo seus anseios, seguindo os mesmos preceitos?
“Aprender a Empreender”, em uma perspectiva única de trabalho e educação, não
sintetiza o intento do capital?
Segundo Dias (2006, p. 113),
[...] na medida em que a noção de competência adquire
materialidade na pedagogia empreendedora do SEBRAE ela
também comunga da mesma concepção de homem natural-
funcionalista que deságua numa concepção subjetivo-relativista de
conhecimento. Pela concepção de homem o assevera a adaptação
aos ditames impostos pelo mercado ao mesmo passo que satisfaz o
consenso necessário à manutenção do sistema capitalista, pois na
visão apologética, não há alternativa.
A pedagogia das competências, voltada a adequar os homens para este
momento histórico do capitalismo, é a base em que se ampara o discurso da
empregabilidade, voltada ao emprego, e o do empreendedorismo, voltado ao auto-
emprego. Desenvolver a capacidade de ser empreendedor significa libertar-se do
Estado e do patrão. Mais ainda: significa “ser patrão de si mesmo”. Esta temeridade
ideológica avança sobre o discurso da qualificação e da empregabilidade. Ser
empreendedor vai além!
4.2 Aprender a Empreender: para além da qualificação e da empregabilidade
Diante das noções de trabalho e de Estado desenvolvidas, das novas ações
para formação humana, calcadas na pedagogia das competências e da conjuntura
neoliberal expostas, cabe agora uma análise mais específica sobre as principais
características das ações voltadas à adequação dos trabalhadores às exigências do
capital, para, a partir delas, caracterizar a pedagogia empreendedora como uma
postura que exacerba a precarização do trabalhador. Sendo assim, abordaremos o
“Aprender a Empreender” o o curso em si, mas a dimensão mais ampla que a
proposição representa como uma proposta mais nefasta para a classe
trabalhadora do que aquela presente no discurso da qualificação.
Expor algumas brechas da utilização do discurso da qualificação para
justificar a impossibilidade do pleno emprego no modo de produção capitalista é tão
96
significativo quanto denunciar alguns limites do empreendedorismo e de seu lema
”Seja seu patrão!”
Nos anos 1990, os rumos neoliberais e o desenvolvimento científico-
tecnológico, em todos os setores econômicos, vão trazer uma brusca redução nos
postos de trabalho em todo mundo. No Brasil, as ações governamentais voltadas à
inserção nacional, de maneira mais vigorosa na economia de mercado, trouxeram
resultados danosos. Os altos índices de desemprego e a exclusão social de uma
grande massa de trabalhadores, em consequência da redução de postos de
trabalho, foram a tônica do processo de inserção do país na dita economia
globalizada.
Para Peixoto (2008, p. 27), o aprofundamento do processo de globalização
produtiva e financeira chega ao Brasil na década de 1990, devido à crescente
liquidez internacional e ao arrefecimento do nível de atividade econômica dos países
desenvolvidos, que promoveram a entrada das economias periféricas na
financeirização global. As orientações do “Consenso de Washington” e a utilização
de grande volume de recursos disponíveis às economias periféricas proporcionaram
a estabilização monetária e a transformação do mercado de trabalho.
As crises internacionais, a competitividade e a entrada de produtos externos
levaram à grande quebradeira de empresas nacionais. Associado a isso, a redução
dos efetivos nas três esferas governamentais intensificou os processos vinculados
ao desemprego e à informalidade, sendo a desregulamentação do trabalho uma
vertente extremamente utilizada pelos empregadores na ambição do lucro e na luta
contra a concorrência.
Pochmann (2006, apud PEIXOTO, 2008, p. 29) afirma que neste período se
iniciou uma ampla reforma do Estado, cuja aprovação da reforma administrativa
facilitou a privatização e a demissão de pessoal das empresas estatais, além da
ampliação da terceirização de atividades no interior do Estado. A aprovação da Lei
Camata, por exemplo, limitou os gastos com contratação de funcionários públicos, o
que por sua vez estimulou ainda mais a subcontratação de pessoal por meio de
empresas terceirizadas.
Neste momento histórico, onde o discurso do capital leva os trabalhadores a
acreditarem que a razão de seu desemprego é a falta de qualificação de sua mão de
obra, esta qualificação vira objeto dos mesmos na busca por inserção produtiva e
emprego. Então, se faz necessário aqui, pontuar de forma breve, o desenvolvimento
97
de algumas ações governamentais voltadas à qualificação profissional neste
período, para perceber os limites da (con)formação humana presente nestas ações
e o quão além destas está a proposta do curso “Aprender a Empreender”.
As políticas públicas ensejadas no âmbito do governo federal durante os
governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Luís Ignácio Lula da Silva (Lula)
valeram-se do discurso da qualificação (ou desqualificação), para pôr em prática
projetos destinados a possibilitar teoricamente melhores condições de inserção no
mercado de trabalho de uma grande parcela dos trabalhadores brasileiros, e ainda,
para referendar a lógica de que o cenário não era o de desemprego estrutural,
arraigado nos pilares do modo de produção capitalista, mas que o que havia, de
fato, era uma desqualificação da mão de obra dos trabalhadores que os impedia de
assumir espaço no mercado de trabalho.
Souza (2005, p. 481) afirma que a proposta de governo de FHC para chegar
ao poder era calcada em três condições básicas:
1) refazer o esquema de financiamento do desenvolvimento; 2)
eleger a criação de empregos como forma mais efetiva e duradoura
de distribuição de renda; 3) reorganizar o Estado, fortalecendo o
poder público decisório para a realização eficiente de projetos
compensatórios e para a defesa dos interesses nacionais em plano
internacional.
Para a educação, a proposta consistia em avançar na reforma do sistema e
estimular o desenvolvimento de ciência e tecnologia para que estes servissem de
instrumentos de competitividade e produtividade no mundo globalizado.
A orientação da política educacional na proposta de governo, segundo Souza
(2005, p. 483), voltava-se, então, ao princípio da “empregabilidade”, fundamentando-
se no “Aprender a aprender”, na “Empresa competitiva, cidadão competente”, no
“Repensar da educação”, no “Foco no mercado” e na “Articulação entre emprego,
trabalho e educação profissional”, cabendo à Secretaria de Formação e
Desenvolvimento Profissional (SEFOR), vinculada ao Ministério do Trabalho, a
operacionalização das ações destinadas à formação do trabalhador.
Seguindo esta lógica, o governo FHC, através da SEFOR, implantou o
PLANFOR que, segundo o documento do próprio Ministério do Trabalho, era um dos
mecanismos da Política blica de Trabalho e Renda (PPTR), financiado pelo FAT
(Fundo de Amparo ao Trabalhador), que investia em políticas “ativas” e “passivas”
de trabalho, isto é, em ações destinadas a gerar trabalho e renda, melhorar as
98
condições de acesso ou permanência no mercado de trabalho e proteger a pessoa
desempregada.
Assim, segundo Azeredo (1998, p. 191-192), o FAT financia mecanismos
como o seguro-desemprego, a intermediação de mão-de-obra, o pagamento de
abonos salariais, os investimentos produtivos, o crédito popular, as informações
sobre o mercado de trabalho e a qualificação profissional. O PLANFOR foi também
orientado pelas diretrizes do governo federal que, no período 1995/98, priorizou o
Programa Mãos à Obra e, nos anos 1999/2002, o Avança Brasil. Por isso, o
PLANFOR foi projeto prioritário do governo (FHC), inserido no Plano Plurianual de
Investimentos (PPI) 2000/2003 (MTE).
Segundo Cêa (2003, p. 94), além de operar ruptura entre qualificação para o
trabalho e elevação dos níveis de escolaridade,
O Planfor, na realidade, reflete uma tendência mundial de
crescimento da importância da formação profissional como
parte das políticas relacionadas ao emprego, de modo que tais
políticas acabam por caracterizarem-se como ações
específicas, pontuais e direcionadas para o mercado de
trabalho, as quais se delegam importante papel na
reconstituição das relações sociais via estabilização dos níveis
de emprego e/ou criação de formas de geração de renda.
Souza (2005, p. 487) assevera que
A engenharia inaugurada pelo Planfor instaura um dos
mecanismos mais eficientes de mediação do conflito de classe
da burguesia. Em nenhum outro tem ocorrido tanta eficácia na
conquista do consenso em torno da concepção burguesa de
produção e reprodução social da vida material. Por meio do
Planfor, a burguesia conseguiu conquistar o consentimento
ativo dos trabalhadores em torno de suas políticas públicas
de trabalho e renda. Assim, o projeto educativo do
empresariado tem se tornado cada vez mais hegemônico, em
detrimento do projeto de unificação entre educação e trabalho
historicamente construído na luta dos trabalhadores contra o
capital [grifo nosso].
As razões da “desqualificação” da classe trabalhadora para enfrentar os
desafios de uma economia de mercado globalizada encontram-se, em parte, na
dinâmica de um processo histórico que fez do Brasil um país periférico a serviço do
capital internacional. A base econômica brasileira até os anos 1930, latifundiária,
monocultora e agrário-exportadora, prescindia de mão de obra qualificada para se
99
desenvolver. No processo de industrialização tardia, pós 1930, desenvolveram-se
ações um pouco mais vigorosas para preparar a força de trabalho.
Porém, a lentidão das ações governamentais e a forma arraigada em que
estavam calcadas as ações voltadas a desenvolver, no âmbito do modo de produção
capitalista, a formação do trabalhador, impediram que estas acompanhassem os
passos do capitalismo nos países centrais, mesmo porque o “desenvolvimento do
centro” tinha íntima relação com o “subdesenvolvimento da periferia” do sistema.
A “desqualificação” dos trabalhadores brasileiros possui um lastro na base
econômica forjada durante séculos, quer seja no período colonial, imperial, ou
mesmo no republicano.
Estas condições foram aprofundadas, e no período compreendido entre 1950
e 1980, conforme assinala Pochmann (apud PEIXOTO, 2008), o cenário do país foi
marcado pelo rápido e atribulado período de avanço da urbanização nacional em
que a formação do mercado de trabalho brasileiro ocorreu por meio da constituição
de um grande excedente de força de trabalho, que foi estimulada fortemente pela
elevada migração interna do campo para cidade. Em razão disso, uma importante
parcela da mão de obra brasileira foi excluída dos frutos do crescimento econômico.
Considerando isso como uma premissa do modo de produção capitalista, leva-se
ainda em conta que a estruturação do mercado de trabalho tenha ocorrido de forma
incompleta.
A relação do crescimento do trabalho assalariado ante o enorme número de
trabalhadores excluídos do processo produtivo, à margem da sociedade, configurou
a sociedade brasileira. Estes trabalhadores ocuparam funções e condições diversas
na garantia da sobrevivência. Assim, para Pochmann (2006, apud PEIXOTO, 2008,
p. 24), a distinção entre os trabalhadores formais e informais constitui a mais simples
identificação da desregulamentação, que a ampla presença de baixos salários e o
grande número de trabalhadores autônomos (não-assalariados) faz parte do padrão
de sociedade salarial, cujos elementos do “subdesenvolvimento” marcam o mercado
de trabalho no Brasil.
Esta grande massa de trabalhadores excluídos se tornou alvo para a
aplicação político-ideológica do discurso da falta de qualificação para justificar a
incapacidade do modo de produção capitalista em possibilitar ocupação profissional
formal para todos, onde os direitos trabalhistas são assegurados. E ainda mais,
estes trabalhadores tornaram-se objetos das políticas públicas estatais que visam a
100
retro-alimentação do sistema. Azeredo (1998, p. 191-192) indica o direcionamento
das políticas de qualificação profissional geridas na “Era FHC”, em especial o
PLANFOR:
O público alvo é composto por desempregados, trabalhadores
dos mercados formal e informal, micro e pequenos empresários
e produtores, dos mercados urbanos e rural, jovens em
situação de risco social, mulheres chefes de famílias,
portadores de deficiência etc... A implementação do Plano se
de forma descentralizada, por meio de planos estaduais de
qualificação, coordenados pelas secretarias estaduais de
trabalho. Tais planos estaduais são submetidos às comissões
estaduais de emprego para aprovação. então são
encaminhados a Secretaria de Formação e Desenvolvimento
profissional do Ministério do Trabalho para análise técnica e
elaboração de convênio, instrumento que garante o repasse de
recursos para sua execução. Os recursos são provenientes do
FAT.
O público alvo para a implementação das políticas voltadas a qualificar a força
de trabalho permanece o mesmo no governo Lula. Por entre as lacunas deixadas
pelo PLANFOR e as condições gerais de adequação do país às determinações
neoliberais arquitetadas durante a “Era FHC”, em uma fase mais avançada e aguda
em relação à desregulamentação do trabalho, o governo Lula lança em 2003 o
Plano Nacional de Qualificação Profissional (2003-2007) que integra o Plano
Plurianual PPA (2004-2007), baseado em um modelo de desenvolvimento de
longo prazo.
O caráter estrutural do PLANFOR serve de base para a concepção do Plano
Nacional de Qualificação (PNQ) no governo Lula.
O governo recém eleito, encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores em
aliança com diversos setores da sociedade brasileira, diversificava, em alguma
medida, suas propostas em relação àquelas adotadas por FHC, particularmente no
que diz respeito às ações que visavam amainar os efeitos do neoliberalismo sobre a
classe trabalhadora.
O governo fazia menção à necessidade de se promover profundas
transformações estruturais na sociedade brasileira, a começar pelo re-fortalecimento
do Estado, via política pública, em diversos setores. Uma das prioridades, em
termos de política pública, voltados à qualificação profissional e geração de emprego
e renda foi a criação do PNQ. Segundo Peixoto (2008), esse programa se configurou
em uma ação política do governo federal em conceber a qualificação profissional
101
como direito, como espaço de negociação coletiva e como elemento constitutivo do
desenvolvimento sustentável.
Peixoto (2008, p. 76) afirma ainda que o PNQ foi criado para articular
diretrizes, procedimentos e ações de qualificação social e profissional, colocando-se
como uma estratégia de integração das políticas de emprego, trabalho, renda,
educação e desenvolvimento. O PNQ estruturou-se segundo o desafio de propiciar o
empoderamento dos espaços públicos de gestão participativa e de controle social, a
partir do fortalecimento do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (CODEFAT) e das comissões estaduais e municipais de trabalho e
emprego. Nessa perspectiva, o PNQ tem buscado superar a condição de política
compensatória e assim ajustar-se às diretrizes das políticas nacional, regional,
estadual e local, como uma forma de construção social do Plano, por meio da
democratização das relações de trabalho, na construção de um modelo de
desenvolvimento baseado no caráter social e participativo.
Tanto o PLANFOR, como o PNQ, findando praticamente duas gestões dos
governos FHC e Lula, forjaram ações, supostamente para melhorar a condição de
empregabilidade dos trabalhadores brasileiros, ou para escamotear a
impossibilidade do modo de produção capitalista de inserir no mercado de trabalho
grande parcela dos trabalhadores no país, “qualificados” ou “desqualificados”, dentro
da perspectiva do capital.
Neste espaço não cabe o debate aprofundado sobre as questões relativas ao
êxito das políticas públicas de qualificação profissional nos últimos 15 anos e duas
gestões no espaço da democracia burguesa. que se levar em conta, em primeira
instância, que quanto mais se “qualifica”, mais se “desqualifica”, pois o atendimento
a esta lógica do capital leva, inevitavelmente, a uma hiper-exploração dos
trabalhadores, ao constante afastamento de uma construção humana omnilateral e à
ampliação do fetiche presente na mercadoria. Dentro desta lógica do capital,
“qualificar” apresenta um “ar de positividade”, pois a busca incessante por
acompanhar os ditames do mercado, força o trabalhador à adaptabilidade
ininterrupta.
Vale pontuar, aqui, algumas questões que permitam identificar que, no
sucesso ou fracasso do discurso da “desqualificação”, há uma lacuna a ser
preenchida por um discurso mais profundo: o do empreendedorismo, não obstante
os preceitos neoliberais, o “encolhimento” das ações do Estado classista na
102
garantia da retro-alimentação do modo de produção e a conformação ativa dos
trabalhadores. Agora, exime-se o Estado da responsabilidade de garantir direitos
trabalhistas e de preparar a força de trabalho nacional, responsabilizando-a pelo
caminho a ser percorrido individualmente por cada trabalhador.
Peixoto (2008) afirma que, de um modo geral, as mudanças nas políticas de
qualificação resultaram na compreensão do educativo, do formativo e da
qualificação, separados da dimensão ontológica do trabalho e da produção,
reduzindo-se ao economicismo do emprego e, agora, da empregabilidade. Hoje, a
educação formal e a qualificação situam-se como elementos da competitividade, da
reestruturação produtiva e da empregabilidade. É nesse cenário que surgem, no
Brasil, as políticas de formação profissional, formuladas pelo Ministério do Trabalho
em articulação com empresários e entidades sindicais.
Com base em Boito (1999, apud. DIAS, 2006), a autora afirma que as
propostas de desregulamentação e de flexibilização das relações de trabalho, o uso
de novas tecnologias e a globalização, como formas de garantir a acumulação do
capital, sustentam-se no neoliberalismo, que reinaugura a prevalência do
individualismo e da meritocracia. Assim, tal responsabilidade transfere-se para os
indivíduos, na livre “concorrência”, de reunir os elementos necessários para torná-los
competitivos. Para o Estado, na perspectiva neoliberal, é desnecessário manter
políticas públicas de alto custo para estes indivíduos, uma vez que estes recursos
devem ser mais bem utilizados, isto é, investidos na indústria, no crescimento e na
competitividade dos países.
Peixoto (2008, p. 124) assevera que a qualificação deve ser compreendida
[...] como uma estratégia de competitividade entre os trabalhadores,
uma vez que o mercado é posto como um espaço restrito e
restritivo, em que apenas os mais aptos conseguem oportunidade.
Logo, ao contrário de criar oportunidades, essa tende a afunilar
muito mais o acesso ao mercado, já que o conhecimento apresenta-
se como uma vantagem comparativa e não como um instrumento de
chances redistributivas. Ademais, quanto mais houver
disponibilidade de pessoas bem preparadas, o mercado usufrui da
lógica do exército de reserva que se estende desde trabalhadores
simples para os trabalhadores qualificados , com isso barateia-se o
estoque crescente de trabalhadores qualificados.
O discurso da qualificação voltado à condição de empregabilidade vem sendo
utilizado para inculcar a idéia de que “estar desempregado” é uma condição
temporária e que depois de “qualificados” os trabalhadores teriam maiores chances
103
de ser inseridos no mercado. Este discurso vai perdendo força na medida em que,
cada vez mais, os “trabalhadores qualificados” permanecem à margem do processo
produtivo, servindo de pressão sobre aqueles que maximizam sua produção, sendo
explorados e precarizados. De acordo com Cêa (2006, p. 240), em estudo voltado às
políticas públicas de formação dos trabalhadores,
[...] entre a desresponsabilização do Estado e o descompromisso do
capital com a oportunização e a geração de novos postos de
trabalho, estão a crença na individualização da problemática do
desemprego e a promessa da qualificação profissional como uma
forma de ampliar a capacidade do trabalhador de ser gerador de
trabalho, gestor de sua empregabilidade, gerente de si mesmo; em
quaisquer circunstâncias, cabe ao indivíduo a iniciativa e a
responsabilidade sobre a sua condição social. Tais idéias
reproduzem no nível da formação da força de trabalho e, portanto,
de sua reprodução subjetiva o fetiche exposto por Marx (1985):
supõe-se que autonomamente a própria mercadoria força de
trabalho é quem põe em movimento as relações sociais de
exploração do trabalho pelo capital e, por adesão, dos trabalhadores
pelos capitalistas; em suma, o próprio sistema do capital.
Se o discurso da qualificação voltava-se aos grupos “vulneráveis” do mercado
de trabalho, o do empreendedorismo tem maior profundidade, pois se refere ao
trabalhador por inteiro, em seus aspectos mais subjetivos de sua formação humana,
e não se prende apenas aos aspectos técnicos ou físicos. O “Aprender a
Empreender” chega a todos e possui uma perenidade aparente. Mais que um mero
curso, torna-se uma conduta a ser exigida de todos os envolvidos no atual ciclo do
capital, independentemente de sua condição de classe.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS: SOBRE A FORÇA DO “APRENDER A
EMPREENDER” E SOBRE O QUE HÁ DE NOVO NO FRONT
No estudo aqui apresentado, partiu-se do curso “Aprender a Empreender”, do
SEBRAE, e voltou-se a ele, não na condição de uma ação específica e pontual, mas
na condição de uma ampla proposta de formação humana, calcada no espírito
empreendedor, que deve suplantar a ideia de qualificação profissional, baseada na
meta da empregabilidade. Muda-se o foco: ao invés de tornar o trabalhador
empregável, busca-se estimular iniciativas de auto-emprego. Agudiza-se, assim, a
individualização da responsabilidade sobre a própria existência. Os capítulos
tratados nesta dissertação buscaram apresentar a dinâmica desse movimento.
Desde sua introdução no Brasil, o ideário do empreendedorismo e as
condições de materialização desse discurso, ou seja, a efetivação das ações dos
vários agentes do capital voltadas para esse intento, vêm ampliando seu alcance,
conforme se percebe na ampliação dos quantitativos atingidos pela cultura
empreendedora. Se observarmos os números apresentados anteriormente na tabela
1, perceberemos que o trabalho do SEBRAE tem tido fôlego e êxito no que tange à
transformação de “trabalhadores” em “empreendedores”. Em relação a isso,
diríamos que são seus próprios “algozes”.
Na égide do capital e de suas proposições, os números são expressivos e o
intento vem sendo conseguido. Da mesma forma, quando observamos a ação do
Estado de classe quando da implementação de suas políticas voltadas para a
formação de trabalhadores, cabe levantar algumas “novidades” no que diz respeito
ao empreendedorismo, para apontar uma continuidade e ampliação da intenção do
capital em aumentar a exploração sobre o trabalho.
Sendo assim, se poderia trabalhar aqui a noção implícita na Campanha da
Fraternidade 2010, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com o
tema “Economia e Vida”, que visa fortalecer ações de economia solidária,
cooperativismo e empreendedorismo, para “tirar da miséria” milhões de pessoas no
país. Não vamos trazer o tema à baila, mas sem superar as bases do modo de
produção capitalista, considera-se que as ações terão o intento de escamotear as
razões materiais da “pobreza e injustiça”, que a Igreja “pretende combater”, e
retroalimentar o sistema. É salutar afirmar também que isso não se fará utilizando os
105
instrumentos do capital como o empreendedorismo e o cooperativismo, que estão
inseridos em sua lógica, mas trouxemos o exemplo da Campanha da Fraternidade
somente para ilustrar a ampliação do discurso empreendedor.
Outras ações mais específicas, no campo do Estado, preocupam
sobremaneira e devem ser expostas, que podem alimentar novas pesquisas. O
que há de “novo” no front são algumas ações do governo Lula, como a aprovação do
Simples Nacional, para fortalecimento das pequenas empresas, que constitui
atualmente uma das principais ações do capital para ampliar a exploração sobre o
trabalho.
O Simples Nacional é um regime tributário diferenciado, simplificado
e favorecido previsto na Lei Complementar 123, de 14.12.2006,
aplicável às Microempresas e às Empresas de Pequeno Porte, a
partir de 01.07.2007. A Lei Complementar 123, de 14.12.2006
estabelece normas gerais relativas às Microempresas [ME] e às
Empresas de Pequeno Porte [EPP] no âmbito dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
abrangendo, não o regime tributário diferenciado (Simples
Nacional), como também aspectos relativos às licitações públicas,
às relações de trabalho, ao estímulo ao crédito, à capitalização e à
inovação, ao acesso à justiça, dentre outros. Considera-se ME, para
efeito do Simples Nacional, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela
equiparada, que aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual
ou inferior a R$ 240.000,00. Considera-se EPP, para efeito do
Simples Nacional, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela
equiparada, que aufira, em cada ano-calendário, receita bruta
superior a R$ 240.000,00 e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00
(BRASIL, 2008).
Novamente, para apontar ações governamentais voltadas ao fortalecimento
das pequenas empresas, temos o corpo da lei em si, mas esta ainda não é a
discussão fundamental, ou seja, o Simples Nacional ainda não é o foco principal a
ser observado. O que se pretende expor o dois instrumentos conjugados,
debatidos por vários anos, mas que se corporificam com um recorte mais impactante
em 2009/2010.
Dentre as novas ações do capital, salienta-se a criação da segunda geração
do Portal do Empreendedor e a aprovação da Lei do Microempreendedor Individual,
Longe de representar garantias trabalhistas, conquistas e formalização do trabalho,
a regulamentação do microempreendedor expõe o fato de que, ao fazer isso, o
capital não avança para além das leis de mercado e do lucro. Na forma da Lei:
106
A Lei Complementar 128/2008 cria a figura do Empreendedor
Individual EI, com vigência a partir de 01.07.2009. Considera-se EI
o empresário individual a que se refere o art. 966 da Lei 10.406,
de 10 de janeiro de 2002 (adiante reproduzido) Código Civil, que
tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$
36.000,00 (trinta e seis mil reais), optante pelo Simples Nacional:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de
bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário
quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou
artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores,
salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. No
caso de início de atividades, o limite de receita será de R$ 3.000,00
(três mil reais) multiplicados pelo número de meses compreendido
entre o início da atividade e o final do respectivo ano-calendário,
consideradas as frações de meses como um mês inteiro (BRASIL,
2008).
A legislação está sendo flexibilizada para ampliar a formalização das micro e
pequenas empresas. Com isso o governo volta a gerenciar aqueles que
contribuíam com o sistema tributário indiretamente, como consumidores. Quem
estava no mercado informal não era controlado e reduzia as receitas do governo. Os
números são auspiciosos, o governo visa registrar 11 milhões de empreendedores
no Brasil até 2012. Com as facilidades para fazer o registro via Internet, esta tarefa
não será difícil de ser alcançada:
Para se registrar como EI, o empreendedor deve procurar um
contador e fornecer o número da sua carteira de identidade e do
CPF e o seu endereço residencial. Deve informar, ainda, o endereço
do local onde trabalha ou pretende trabalhar e a atividade que vai
exercer.
O Empreendedor Individual EI poderá optar pelo recolhimento dos
impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em
valores fixos mensais, independentemente da receita bruta por ele
auferida no mês. O Empreendedor Individual recolherá, na forma
regulamentada pelo Comitê Gestor, valor fixo mensal
correspondente à soma das seguintes parcelas: a) R$ 45,65
(quarenta e cinco reais e sessenta e cinco centavos), a tulo da
Contribuição para a Seguridade Social, relativa à pessoa do
empresário, na qualidade de contribuinte individual. b) R$ 1,00 (um
real), a título de ICM, caso seja contribuinte deste imposto; e c) R$
5,00 (cinco reais), a título do ISS, caso seja contribuinte deste
imposto. O Empreendedor Individual não estará sujeito à incidência
do IRPJ, do IPI, da CSLL, da COFINS, do PIS, e do INSS patronal.
[...] Poderá se enquadrar como EI o empresário individual que
possua um único empregado que receba exclusivamente 1 (um)
salário mínimo ou o piso salarial da categoria profissional
8
.
8
Informações disponíveis no Portal do Empreendedor Individual
(<www.portaldoempreendedor.gov.br>).
107
A lógica do “Aprender a Empreender”, e do “Seja seu patrão” se consolida a
cada instante. As ações do capital, como vemos, estão a “pleno vapor”. A Lei do
Empreendedor Individual regula o que a Pedagogia Empreendedora do SEBRAE
vem ensinando nas duas últimas décadas. A revista Época (2009) ratifica a idéia
presente no curso “Aprender a Empreender” e assevera que entre as razões para o
país ter saído rapidamente da crise internacional de 2009, está, entre outros fatores,
a ação dos microempreendedores.
A citada revista apresenta alguns dados significativos:
15 milhões de empresas foram abertas nos últimos dois anos.
Grande parte desses novos empreendimentos está nas classes C e
D. São cidadãos que vivem em lares cuja renda total vai de R$
570,00 a 1.320,00 (quase dois terços da população). Eles estão
transformando sua vida e nesse processo, ajudando a mudar a cara
do país. Indivíduos que abrem seus próprios negócios são a base da
economia capitalista (ÉPOCA, 2009, p. 82).
Ainda segundo a revista,
O Brasil tem hoje quatro milhões de microempreendedores com até
cinco funcionários e outros dezoito milhões que trabalham sozinhos.
É um número mais de duas vezes maior que os dez milhões de
2003, último ano em que o IBGE fez uma pesquisa completa
(ÉPOCA, 2009, p. 83).
A apresentação destes dados mais atualizados serve para consubstanciar
que o empreendedorismo tornou-se a principal estratégia do capital para dispor de
um discurso que descaracterize o desemprego estrutural do modo de produção
capitalista. As novas ações legais e governamentais referendam o intuito de difundir
o empreendedorismo, de precarizar o trabalho. Então, o que há de novo no front são
ações de grande impacto que farão, dentro da lógica do capital, o desenvolvimento
econômico nacional. Obviamente que, diante do quadro, quem irá contestar os
números do governo? Quem conseguirá, dentro da lógica do capital, observar
lacunas no discurso empreendedor? Como afirmar erros neste processo, que,
aparentemente para milhões de trabalhadores, acaba na sua realidade cotidiana por
se transformar na subsistência para os seus? Assim, é possível que o curso
“Aprender a Empreender” prossiga como uma empreendedora estratégia.
108
A compreensão teórica e a percepção das práticas embutidas na difusão do
empreendedorismo, seja em escolas, universidades ou nas políticas públicas de
formação dos trabalhadores, são de suma importância para a classe trabalhadora.
No cenário atual, onde são arraigados os pilares de uma sociedade
empreendedora, cabem reflexões e ações contrárias, quer referentes às políticas
públicas voltadas à formação humana, quer referentes às ações liberais de uma
educação com esse viés. A denúncia e a apresentação das lacunas existentes nos
discursos e nas práticas empreendedoras são fundamentais no enfrentamento entre
trabalhadores e burgueses, para que sejam construídas novas relações sociais,
humanizadas de fato. A análise do sentido histórico do curso “Apreender a
Empreender” do SEBRAE, aqui apresentada, vai nessa direção.
No ensejo da reestruturação produtiva, a burguesia se levanta para fazer a
apologia à idéia do empreendedorismo. Diante da redução drástica dos postos de
trabalho, da redução das vagas nas grandes empresas e nos governos
ocasionada pela reestruturação do sistema capitalista, onde a desregulamentação
do trabalho e flexibilização dos direitos trabalhistas é uma máxima deste tempo
surge, ou ganha novo corpo, a idéia do empreendedorismo no Brasil, que ocupa
espaços e se propõe como a alternativa política, econômica e social ao desemprego.
Na crítica ao emprego formal e às “novas condições” do mercado de trabalho,
o empreendedorismo ganha adeptos para sua inserção como “cultura desta Nova
Era”, a ser ensinada nas escolas desde as mais tenras idades e adensadas nos
níveis médio e superior como disciplina possível em todas as áreas. O SEBRAE está
entre as instituições que mais ênfase ao ensino do empreendedorismo. Seu
curso “Aprender a Empreender” propõe ao indivíduo trabalhador a idéia de ter
sucesso em um negócio próprio, uma alternativa de auto-emprego, de não
dependência do Estado, ou do patrão, ou ainda ser seu próprio patrão.
O combate ao enredo que se desenvolve com maestria pelas estruturas do
capital é uma necessidade premente. Expor os limites desta leitura liberal da
construção de uma sociedade empreendedora, com base na mudança de
comportamento através da formação humana, é uma bandeira a ser empunhada
pela classe trabalhadora, para minar os reflexos destas práticas tão presentes neste
momento histórico.
Mas esta luta de observação e combate ao empreendedorismo não pode ser
feita dentro da lógica do capital. Faz-se necessário demonstrar porque, apesar de
109
aparentar solução individual para a questão do desemprego, esse discurso aponta
para uma maior exploração sobre os trabalhadores. “Aprender a Empreender” está
disponível na gina do SEBRAE na rede mundial de computadores e orienta para
que os novos empreendedores não pereçam ante o mercado. Na lógica do capital, o
trabalho do SEBRAE beira a perfeição.
Seus cursos chegaram, na última década, a mais de um milhão de brasileiros
e as perspectivas são de ampliação dos mesmos na tentativa de consolidar ações
empreendedoras no Brasil. Num discurso forte e materializável, o
empreendedorismo penetra cotidianamente, tomando corações e mentes dos
trabalhadores na consolidação de sua face mais singela e brutal.
110
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