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ESEQUIEL GOMES DA SILVA
“DE PALANQUE”: AS CRÔNICAS DE ARTUR AZEVEDO NO
DIÁRIO DE NOTÍCIAS (1885/1886)
ASSIS
2010
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ESEQUIEL GOMES DA SILVA
“DE PALANQUE”: AS CRÔNICAS DE ARTUR AZEVEDO NO
DIÁRIO DE NOTÍCIAS (1885/1886)
(Volume I)
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e
Letras de Assis UNESP Universidade Estadual
Paulista, como requisito para a obtenção do título de
Mestre em Letras (Área de conhecimento: Literatura
e Vida Social).
Orientadora: Profa. Dra. Silvia Maria Azevedo
ASSIS
2010
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da F.C.L. Assis UNESP
Silva, Esequiel Gomes da
S586d “De Palanque”: as crônicas de Artur Azevedo no Diário de
Notícias (1885/1886) / Esequiel Gomes da Silva. Assis, 2010
282 f. : il. + anexo
Dissertação de Mestrado Faculdade de Ciências e Letras
de Assis Universidade Estadual Paulista.
Orientador: Profª Drª Silvia Maria Azevedo
1. Azevedo, Artur, 1855-1908. 2. Periódicos brasileiros. 3.
Crônicas. 4. Literatura brasileira. I. Título.
CDD 079.81
869.93
À minha mãe, por todas as vezes que me
permitiu ficar ao seu lado, enquanto
costurava, à noite, sob a luz do candeeiro;
pela força com que conduziu sua vida, pela
decisão e coragem de lutar sozinha, após a
morte do meu pai, para educar a mim e a
meus cinco irmãos.
Com todo o meu amor.
AGRADECIMENTOS
Aos professores do Departamento de Letras da Universidade Federal de Viçosa, pela
formação que me ofereceram. Em especial à Dra. Mônica Santos de Souza Melo, que
guiou meus primeiros passos na pesquisa científica na área de lingüística; ao Dr.
Rogério Cordeiro, pela orientação na minha pesquisa de Iniciação Científica em
literatura; e à Dra. Joelma Santana Siqueira, pelas palavras sempre sábias.
À minha orientadora, Profa. Dra. Silvia Maria Azevedo, pela dedicação, pelo respeito
com que sempre me tratou, por saber lidar com minhas limitações e por acreditar que eu
seria capaz de assumir tamanha responsabilidade.
À Profa. Dra. Tânia Regina de Luca e ao Dr. Alvaro Santos Simões Junior, pela leitura
cuidadosa e pelas sugestões no Exame de Qualificação.
À Dra. Orna Messer Levin, da Unicamp, e ao Dr. Álvaro Santos Simões Junior, da
Unesp/Assis, que prontamente aceitaram o convite para participar da banca de defesa.
À Dra. Daniela Mantarro Callipo, pela gentileza de corrigir e traduzir os trechos das
crônicas escritos em língua francesa. Igualmente agradeço aos amigos Bruno Guirado e
Debora Duarte Santos, por corrigirem as partes em italiano e em espanhol,
respectivamente.
A todos os funcionários da seção de Pós-Graduação, pela atenção que sempre me
dispensaram. Especialmente à Iria.
Aos funcionários do Arquivo Edgar Leuenroth, da Unicamp, e do CEDAP, da
UNESP/Assis, pela boa vontade em atender sempre.
À Roseli, do Departamento de Literatura, pela disposição de sempre colaborar para o
desenvolvimento do trabalho.
À minha mãe mulher miuda e aparentemente frágil, mas que concentra em si uma
força imensurável pelo apoio incondicional, mesmo sem entender muito o significado
de um curso de Pós-Graduação.
À minha amiga Silvia Maria Corrêa minha fortaleza nos momentos difíceis por estar
junto a mim durante todos esses anos, por ter acompanhado minha trajetória desde o
colegial até a Pós-Graduação.
À minha amiga Marcella Batista, que mesmo no período mais difícil de sua vida ainda
encontrou disposição para me ajudar.
À amiga Ione Longhini, pela amizade desinteressada.
Aos amigos Davi, Rebeca, Jaison, Meriele, Amable, Carla e Naiara, pelas risadas diante
das minhas interjeições.
À amiga Noemi, por emprestar seu ombro para eu chorar quando precisei.
Ao amigo Rafael Fava Beluzio, pelas interessantes conversas sobre literatura.
Ao meu irmão e às minhas irmãs: homem forte, mulheres fortes, simplesmente por
existirem.
Ao Eduardo, por ter me hospedado em sua casa, em Campinas, durante a pesquisa na
UNICAMP.
À Cátia, pela convivência de dois anos.
À FAPESP, pelo apoio financeiro, imprescindível para a realização desta pesquisa.
A Deus, porque me permitiu chegar.
SILVA, Esequiel Gomes da. “De palanque”: as crônicas de Artur Azevedo no Diário de
Notícias (1885/1886). 2010. 282 f. Dissertação (Mestrado em Letras) Faculdade de
Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,
2010.
RESUMO
Neste trabalho estão transcritas integralmente, com ortografia atualizada, as crônicas
publicadas por Artur Azevedo, sob o pseudônimo de Eloi, o herói, no periódico Diário
de Notícias, do Rio de Janeiro, entre junho de 1885 e junho de 1886. Trata-se de uma
seção intitulada “De palanque”, para a qual o cronista apresentou um programa bastante
genérico, abrangendo os assuntos comuns que agitavam a vida dos habitantes da capital
do império, mas também os relacionados à vida artística. Teatro, literatura, música,
pintura e escultura são temas bastante recorrentes nesses artigos. A Dissertação está
estruturada em três capítulos: no primeiro, fazem-se algumas considerações sobre a
produção intelectual de Artur Azevedo, enfatizando-se, porém, sua atuação enquanto
crítico de jornais; apresenta-se também o perfil do Diário de Notícias e faz-se uma
caracterização geral das crônicas, destacando-se os temas abordados, o processo de
elaboração formal, bem como os recursos de comicidade e riso utilizados pelo autor.
Devido à grande quantidade de textos nos quais o jornalista comentou sobre o teatro, o
segundo capítulo é inteiramente dedicado a essa manifestação artística. Nele, apresenta-
se um breve esboço de parte da história das companhias dramáticas, nacionais e
estrangeiras, que ocupavam as oito principais casas de espetáculo da Corte; fazem-se
algumas observações sobre a relação do cronista maranhense com o teatro amador, e
ainda destacam-se os elementos utilizados em sua crítica teatral. No terceiro capítulo,
estão contempladas a literatura, a música, a pintura e a escultura, de modo que nele se
pode perceber a dinâmica de vários intelectuais, dentre eles o próprio Artur Azevedo,
envolvidos na propagação dessas expressões artísticas. Nos apêndices, há um quadro no
qual se apresenta o dia-a-dia do Sant‟Anna, Pedro II, São Pedro de Alcântara, Príncipe
Imperial, Lucinda, Politeama Fluminense, Recreio Dramático e Fênix Dramática,
principais teatros do Rio de Janeiro. O referido quadro contempla os títulos das peças,
nomes dos autores, tradutores ou adaptadores, companhias responsáveis pelas
encenações, datas das representações, gêneros aos quais as peças se enquadram, e ainda,
os repertórios a que pertencem tais produções dramáticas.
Palavras-chave: Artur Azevedo; Periódicos brasileiros; Crônicas; Literatura brasileira.
ABSTRACT
In this work there are the chronicles with an updated orthography published by Artur
Azevedo under Eloi pseudonym, a hero, at Diario de Noticias periodical, Rio de Janeiro,
between June 1885 and June 1886. It is about a section entitled “De palanque”, to what
the columnist showed a very generic program including ordinary issues that agited the
life of the empire‟s capital inhabitants, and also the issues related to artistic life.
Theatre, literature, music, painting and sculpture are themes very important in these
articles. The dissertation is structured in three chapters: in the first there are important
considerations about Artur Azevedo intellectual production emphasizing his
performance as a newspaper critic. We also show the Diario de Notícias profile and
make a general chronicles characterization, pointing out the mentioned themes, the
process of formal elaboration, and the author comics recourses as well. Due to a big
quantity of texts in which the author talked about the theatre, the second chapter is
totally dedicated to this artistic manifestation. In this chapter there is a sketch of
national and foreign dramatic companies history, that were in the eight main dramatic
Court houses; some observations are done about the relation of the maranhense
columnist with the amateur theatre and we still emphasize the elements used in his
theatrical criticism. The third chapter is about literature, music, painting and sculpture,
in a way that is possible to see the dynamics of several intellectuals involved in
spreading these artistic manifestations. In the appendix there‟s a square where is showed
the daily life of Sant‟Anna, Pedro II, São Pedro de Alcântara, Príncipe Imperial,
Lucinda, Politeama Fluminense, Recreio Dramático and Fênix Dramática, meanings
theatres of Rio de Janeiro. Such square also brings the play‟s titles, authors names,
translators names, the companies responsible for the plays and its dates, and finally the
repertories of these dramatic productions.
Keywords: Artur Azevedo, Brazilian periodicals, chronicles, Brazilian Literature
Sumário
Introdução............................................................................................................ 10
CAPITULO I
1 Artur Azevedo: cronista em potencial......................................................... 17
2 Apresentação do Diário de Notícias.............................................................. 26
3 Artur Azevedo tecendo uma “manta de retalhos”..................................... 35
4 Aspectos formais das crônicas...................................................................... 40
CAPITULO II
1 Movimento teatral do Rio de Janeiro (1885/1886)..................................... 60
1.1 O teatro que (quase) não subiu no palanque...................................... 85
1.2 Aspectos da crítica teatral de Artur Azevedo.................................... 96
CAPITULO III
1 Literatura e outras artes, no “De palanque”.............................................. 109
1.1 Literatura.............................................................................................. 109
1.2 Música.................................................................................................... 114
1.3 Pintura................................................................................................... 123
1.4 Escultura................................................................................................ 127
Considerações finais............................................................................................ 131
Bibliografia........................................................................................................... 135
Apêndices.............................................................................................................. 141
Teatro Sant’Anna................................................................................................ 142
Teatro Pedro II.................................................................................................... 169
Teatro São Pedro de Alcântara.......................................................................... 181
Teatro Príncipe Imperial.................................................................................... 192
Teatro Lucinda.................................................................................................... 204
Teatro Politeama Fluminense............................................................................. 225
Teatro Recreio Dramático.................................................................................. 238
Teatro Fênix Dramática...................................................................................... 262
Ilustrações............................................................................................................ 286
Anexos................................................................................................................... 287
Anexo A................................................................................................................ 288
Anexo B................................................................................................................. 644
10
Introdução
A 29 de janeiro de 1886 a empresa Braga Junior levou à cena, no teatro Lucinda,
no Rio de Janeiro, a revista O Bilontra, que passava em retrospectiva, de modo bastante
satírico, como todas as revistas de ano, os principais fatos do ano precedente. Nas cenas
I, II, III e IV do quadro quatorze dessa revista, os autores Artur Azevedo e Moreira
Sampaio construíram personagens encarregados de contar à platéia o surgimento do
periódico Diário de Notícias, cujos progenitores teriam sido os jornais Brasil e Folha
Nova. Infelizmente, o foi possível encontrarmos o projeto que iria nortear o trabalho
do novo periódico fluminense, visto que, na coleção microfilmada do Arquivo Edgar
Leuenroth, na Unicamp, as duas primeiras páginas do primeiro número, que circulou em
7 de junho de 1885, encontram-se mutiladas. No entanto, conseguimos descobrir através
da revista em questão, de uma nota publicada na “Psicologia da imprensa”, do Jornal do
Comércio, em 8 de junho, e de uma outra publicada pela redação em 25 de julho do
mesmo ano, que as principais características do Diário eram as de ser noticioso e
imparcial.
Juntamente com o novo periódico, o primeiro dos autores citados inaugurou uma
seção intitulada “De palanque”, na qual se propunha a comentar sobre arte, cultura e
assuntos genéricos. O palanque seria um lugar privilegiado para o jornalista, dado que
ele ficava num plano acima dos demais, que o possibilitava olhá-los, ao mesmo tempo
em que era contemplado por todos igualmente, constituindo-se no centro das atenções.
Além disso, esse espaço aberto, à vista de todos, remete à idéia de uma certa
transparência nas coisas que escrevia. Supostamente, não poderia fingir, nem mentir,
nem omitir.
Estar “de palanque”, segundo o dicionário Aurélio significa: presente a
discussão, luta, sem contudo, nelas se envolver. Essas idéias de afastamento e
imparcialidade, ficaram claras numa crônica publicada em 20 de julho de 1885: “o
Centro e a Semana que liquidem a essas contas; eu estou de palanque”. Até mesmo
no seu programa jornalístico ambas as idéias estavam presentes: “orgulhoso propósito
de não deixar desaforo sem resposta, parta de onde partir”, como veremos adiante.
Podemos também pensar em palanque como um espaço democrático, pelo qual
passam muitas representações discursivas. Assim se entende o caráter polifônico das
crônicas. Havia a voz principal do cronista, mas a ela juntavam-se tantas outras: de
11
alguns leitores, de outros jornalistas, dos artistas, da ciência, da polícia, enfim, de todos
que desejassem subir ao palanque.
As crônicas da referida seção eram assinadas com o pseudônimo de Eloi, o
herói. Para explicar o uso do substantivo “herói” posposto ao nome Eloi”, em um
primeiro momento, recorremos ao dicionário Aurélio e encontramos as seguintes
definições: ) homem extraordinário por seus feitos guerreiros, seu valor ou sua
magnanimidade; 2º) pessoa que por qualquer motivo é centro de atenções; 3º)
protagonista de uma obra literária e 4º) semideus. Em seguida, buscamos nas próprias
crônicas elementos que pudessem explicar o uso desse vocábulo. No artigo de 20 de
outubro de 1885, encontramos uma indicação. O cronista havia sido convidado pela
diretoria da Companhia de Navegação de S. João da Barra e Campos para assistir à
experiência do vapor Carangola e resolveu contar sua aventura aos leitores:
Tinham-me dito que a experiência seria feita dentro da barra. Se eu soubesse
que havíamos de ir para da fortaleza de Santa Cruz, não era o filho de meu
pai que assistiria à tal experiência. Confesso que sobre o salso elemento
deixo de ser Herói, e contento-me de ser Eloi sem mais nada, como aquele
Pedro que o Dias Braga acaba de ressuscitar.
Pois, senhores, fomos até além da Ilha Rasa!
Fiz uma triste figura, não dúvida; mas resta-me a consolação de que tive
muitos companheiros, e, entre eles, alguns colegas da imprensa: o João
Chaves, o Villeneuve, o Hudson e o Sena.
Muitos cavalheiros quiseram fazer das tripas coração; mas não tiveram
remédio senão fazer o coração em tripas.
As senhoras portaram-se com mais galhardia, honra lhes seja: o sexo fraco,
nestas ocasiões, dá sempre mostras de fortaleza.
***
Apesar das useas e dos suores frios, ainda uma vez me embeveci na
contemplação do prodigioso e decantado panorama da entrada do Rio de
Janeiro.
[...]
Mal fundeou o navio, com grande contentamento meu e dos meus
companheiros de infortúnio, um opíparo lunch reuniu os convidados à mesa
de bordo. Houve brindes à ufa. Os hurrahs! chegavam de longe aos meus
ouvidos, porque eu, sentado no convés, olhava para a nossa formosíssima
cidade, essa vaidosa rainha americana, tão digna de uma municipalidade
honesta.
De todo o lunch aproveitei a água de Seltz, que combate eficazmente os
efeitos da do oceano.
***
Meia hora depois, uma boa canja, um cálice de vinho do Porto e uma chávena
de magnífico chá preto punham-me em estado de escrever este artigo (DE
PALANQUE, 20/10/1885).
Ao finalizar o texto, ao invés de assinar como de costume, Eloi, o herói, optou
pela forma, “Eloi, sem mais nada”. Sintetizando: Eloi seria a figura que se constituía no
centro das atenções e usando o critério da imparcialidade, comentava assuntos
relacionados à vida cultural e social da capital do Império.
12
Alguns conflitos causados por divergências de idéias levaram-no a deixar o
cargo de cronista no Diário por duas vezes. Sua primeira participação nesse periódico se
estendeu de 7 de junho de 1885 a 3 de junho de 1886, período dentro do qual
delimitamos nosso corpus, que totaliza 315 crônicas. Mas se o ano tem 365 dias, por
que apenas 315 textos? Por algumas razões que vamos explicitar. Na coleção
microfilmada da Biblioteca Nacional e, conseqüentemente, do Arquivo Edgar
Leuenroth, da Unicamp, algumas edições do jornal encontram-se mutiladas. Outras
vezes, por ocasião de feriados, o Diário não circulava. Em alguns casos, o “De
palanque” deixou de aparecer por conta de problemas de saúde do redator e em virtude
da falta de espaço. É que a parte comercial a força motriz do jornal era tão intensa
que acabava por sufocar a parte editorial. Em algumas situações, como informava o
próprio cronista, o mensageiro não chegava à redação em tempo de entregar o texto para
ser publicado. O fato é que todos esses motivos nos subtraíram um cabedal de
aproximadamente 50 textos no período de apenas um ano.
Tão logo chegou ao Rio de Janeiro, Artur Azevedo começou a trabalhar como
revisor, no jornal A Reforma, ao lado do seu conterrâneo Joaquim Serra. Em 1885
havia conquistado um certo espaço no meio intelectual. Era o autor de algumas operetas
e revistas de ano que haviam caído nas graças do público, e também já era um jornalista,
cujo nome era cogitado quando se pensava em compor a equipe de redação de um novo
jornal, como foi o caso do Novidades, em 1887.
A escolha do “De palanque” como objeto de estudo deve-se ao fato de as
crônicas dessa seção constituírem uma importante fonte de pesquisa sobre o Rio de
Janeiro, nos aspectos artístico, cultural, econômico, político e social. Em certa medida,
elas servem como objeto de investigação para a escrita da história do teatro, da
literatura, da música, da pintura e da escultura, visto que revelam minúcias de vários
agentes envolvidos na propagação de todas essas manifestações artísticas. Além disso,
revelam aspectos do funcionamento de alguns segmentos da sociedade fluminense,
como a política e a polícia, para citar ao menos dois. A organização dessas crônicas em
coletânea é importante ainda pelo fato de elas serem inéditas em livro, sendo a coleção
microfilmada a única forma de acesso.
Portanto, reunir esses textos na coletânea que ora propomos é uma forma de
disponibilizar para futuros pesquisadores um conteúdo que, devido à gama de assuntos
contemplados, constitui importante objeto de estudo para as áreas de Letras, História,
Ciências Sociais e Comunicação. Levando-se em consideração que todos os textos
13
estarão em anexo no final desta Dissertação, nosso trabalho pretende ser uma referência
e um ponto de partida para outros estudos.
Além do que acima fica exposto, que se ressaltar que a crítica acadêmica
ressente-se da falta de trabalhos que explorem as qualidades de Artur Azevedo enquanto
cronista de jornais. Foram mais de 30 anos de colaboração em vários periódicos, e até
onde sabemos somente uma pesquisa voltada para a produção jornalística desse
autor, como mostraremos no primeiro capítulo desta Dissertação.
Os textos aqui reunidos serviram de base para a elaboração de um mapa
histórico-sociocultural dos anos de 1885 e 1886 da capital do Império. Ao mesmo
tempo, fizemos uma leitura crítica desse material, observando o processo de elaboração
formal usado pelo cronista; os recursos de comicidade utilizados como procedimento
textual e ainda, o modo pelo qual essas crônicas serviram como meio de intervenção
artística, cultural, política e social.
Estruturamos o trabalho em três capítulos. No primeiro deles, tecemos algumas
considerações sobre os vários gêneros literários aos quais Artur Azevedo se dedicou,
dando ênfase, porém, para a atividade do cronista na imprensa fluminense. No mesmo
capítulo, traçamos o perfil do periódico Diário de Notícias e apresentamos, de modo
geral, as crônicas do “De palanque”, levando em consideração os temas e os aspectos
formais.
O segundo capítulo está subdividido em três partes: a primeira delas foi dedicada
à elaboração do mapa teatral da época para a qual nos voltamos. Nessa parte, temos uma
visão da movimentação dos oito teatros em funcionamento no Rio de Janeiro, bem
como da existência das companhias teatrais brasileiras e da presença das companhias
européias que visitaram a capital do Império, no segundo semestre de 1885 e no
primeiro de 1886. Em seguida, mostramos o espaço que o teatro amador dispunha no
“De palanque”. E por último, vem a análise do corpus, especificamente dos artigos que
tiveram a literatura dramática como tema.
O capítulo terceiro foi dedicado à análise das crônicas nas quais Artur Azevedo
contemplou as outras manifestações artísticas literatura, música, pintura e escultura
como assunto de interesse. Nessa parte da pesquisa, temos uma amostra de vários
agentes envolvidos na criação de uma arte nacional e na divulgação das artes em geral.
A seqüência escolhida, bem como a extensão dos textos acerca de cada
manifestação artística foram determinadas pelo próprio espaço que cada uma dessas
manifestações ocupava no “De palanque”. O teatro foi tema de 148 crônicas. Esse total
14
compreende os textos nos quais o jornalista se dedicou à crítica do repertório em cartaz
nas salas de espetáculos do Rio de Janeiro, mas também outros nos quais o teatro foi
apenas relacionado ao assunto discutido. A título de ilustração, numa crônica em que
comentava um caso de suicídio, citava Romeu e Julieta.
A literatura vem em segundo lugar, com presença em 62 textos, em que foram
publicadas poesias de Olavo Bilac, Raimundo Correa, Alberto de Oliveira, Luiz
Guimarães Junior e Valentim Magalhães, e ainda de muitos aspirantes a poetas que
acabavam por virar motivo de chacota para o cronista.
Em seguida veio a sica, comentada em 58 crônicas. Nessa quantidade,
incluem-se textos nos quais Artur Azevedo se debruçou sobre associações amadoras,
como o clube Beethoven, mas também aqueles que escreveu para divulgar e
incentivar músicos brasileiros: José Lino de Almeida Fleming, Miguel Cardoso, Abdon
Milanez, sendo esses dois últimos, autores de partituras de revistas de ano e operetas.
Um grande impulso para essa parte musical foi dado por uma campanha iniciada por
Artur com o objetivo de angariar fundos para a construção de um mausoléu destinado às
cinzas de Francisco de Sá Noronha, maestro português morto desde 1881. A partir da
iniciativa do cronista, outras vozes se juntaram ao “De palanque”, fosse para esclarecer
possíveis equívocos acerca do local do nascimento do autor de Tagir, para questionar o
paradeiro do espólio artístico do maestro, ou para falar sobre a campanha.
Em quarto lugar está a pintura, presente em 26 crônicas. São textos que o
cronista escrevia após passar em quatro estabelecimentos culturais do Rio de Janeiro. E
por último, a escultura, com 7 subidas ao palanque.
Em função da amplitude de temas que o “De palanque” pretendia contemplar,
Artur Azevedo não dispunha de tempo nem de espaço para fazer apreciação de todas as
peças representadas no Rio de Janeiro. Por essa razão, sempre que foi preciso utilizamos
as informações contidas na seção Foyer” como subsídio para o preenchimento das
lacunas deixadas pelo crítico, e também para elucidação de eventuais pontos obscuros
das crônicas.
Não um capítulo especifico para a análise dos procedimentos formais e dos
recursos de comicidade e riso utilizados pelo cronista. Tais análises encontram-se
diluídas em todos os capítulos, uma vez que elaborar um mapa histórico-sociocultural a
partir de crônicas pressupõe uma leitura do modo de escrever do autor.
15
Dada a quantidade de textos aqui reunidos, não era nossa intenção fazer uma
análise específica para cada crônica , mas apenas apresentar características gerais
presentes nelas.
No decorrer da pesquisa, sentimos necessidade de fazer uma espécie de
indexação do periódico, à qual recorremos, muitas vezes, para entendermos o contexto
em que as crônicas foram escritas. Isso nos fez perceber a relação intertextual do “De
palanque” com a realidade social e com a política de trabalho do Diário. As notícias do
próprio jornal ofereciam matéria para muitos artigos. Alguns outros eram escritos a
partir das ginas comerciais, ou seja, além de anunciarem seus produtos, alguns
clientes ainda se viam contemplados no “De palanque”.
Na execução do mapa teatral que nos propusemos a elaborar tínhamos interesse
de mostrar todo o repertório representado nos oito teatros em funcionamento no Rio de
Janeiro, no segundo semestre de 1885 e no primeiro de 1886, os gêneros teatrais aos
quais as peças se enquadram, os teatros em que foram representadas, as datas das
representações e o repertório ao qual pertencem as produções dramáticas. Era nossa
intenção também deixar registrados os nomes dos autores, adaptadores e tradutores que
contribuíram para a história da dramaturgia brasileira, e que, na maioria das vezes,
foram deixados no esquecimento, visto que seus nomes nem ao menos constam dos
livros de história do teatro. Pensamos que a realização dessa tarefa seria possível de ser
levada a efeito com a ajuda dos anúncios das empresas teatrais nas últimas ginas do
periódico. Mas para nossa surpresa, muitos nomes desses autores e adaptadores não
foram divulgados pelas companhias.
Na verdade, os empresários pagavam por um espaço relativamente pequeno para
tantas informações que desejavam passar. Destacavam-se os atores encarregados dos
papéis principais, enfatizava-se a qualidade dos cenários (geralmente novos e luxuosos),
apresentava-se um resumo dos principais quadros, lembrava-se se haveria ou não banda
de música no jardim, durante os intervalos, mencionava-se a presença da família
imperial no espetáculo, divulgavam-se os preços dos bilhetes e, com tudo isso,
suprimiam-se os nomes dos autores ou adaptadores. Por essa razão, os quadros que
seguem em anexo contêm várias lacunas. Algumas delas também relativamente à
identificação dos gêneros dramáticos e do repertório das peças que, muitas vezes, não
eram mencionados quando da divulgação na imprensa.
Em que pesem os hiatos deixados, esse mapa possibilita várias leituras sobre a
dinâmica teatral da capital do Império. Há o registro da brevidade de algumas empresas,
16
bem como da longa vida de outras. É possível também vermos o ir e vir de algumas
dessas empresas para um e outro teatro. Conseguimos visualizar o tempo em que as
peças permaneciam em cartaz e, conseqüentemente, o espaço que cada gênero teatral
ocupava à época. Na mesma medida, podemos ver o prestígio que a dramaturgia
brasileira dispunha entre empresários e público. O que se constata é que, à exceção das
revistas de ano, peças de autores brasileiros, como Figueiredo Coimbra, França Junior e
Joaquim Manoel de Macedo, na maioria das vezes, subiam à cena em noites de
benefício.
Enfim, além do que fica exposto, interessa-nos ainda dizer que o resgate e o
estudo dessas crônicas nos possibilitam refletir e compreender as atitudes de um
intelectual fortemente empenhado com a divulgação da cultura brasileira, mas que,
devido à posição que ocupava na imprensa, e em virtude da condição de grande
militante da causa teatral, vivia algumas contradições, ou frustrações, como veremos.
17
CAPITULO I
1 Artur Azevedo: cronista em potencial
À vista deste edificante “dize tu, direi eu”, parece-me
de boa justiça não remeter ao Diário Oficial “bate-
boca” da Câmara, sem prévia escala pelo
Conservatório Dramático.
é a segunda vez que nesta sessão metem o boi no
Parlamento: é uma anomalia tolerarem-no na Cadeia
Velha e não o consentirem na Fênix Dramática ou no
Sant’Anna.
ARTUR AZEVEDO, 16 de agosto de 1885.
A história do teatro brasileiro encontra em Artur Azevedo um dos mais férteis
dramaturgos do século XIX. Em meio às discussões sobre uma suposta degeneração do
teatro de sua época, o escritor maranhense deixou um legado de mais de duzentas peças,
incluindo-se nesse cálculo dramas, operetas, comédias e revistas de ano, que escreveu
sozinho ou em parceria com Moreira Sampaio, Lino Assunção, Urbano Duarte e
Aluízio Azevedo, para citar somente alguns colaboradores. A partir da década de
sessenta, começaram a surgir pesquisas voltadas para a produção teatral do dramaturgo
em questão. Dentre esses trabalhos, podemos destacar Joel Pontes (1963), Antonio
Martins (1988), Rubens José de Souza Brito (1989), Fernando Antonio Mencarelli
(1999), e mais recentemente, José Dino Costa Cavalcante (2001 e 2005), Alberto
Ferreira da Rocha Junior (2002), Paulo Sérgio Dias (2004), Simone Aparecida Alves
Lima (2006) e Larissa de Oliveira Neves (2006).
Em relação aos contos do autor, pelo que sabemos, somente dois estudiosos
que se interessaram em estudá-los: o maranhense Josué Montello, em um ensaio de
1956 e, o mais atual, uma Dissertação de Mestrado de autoria de Cibele Cristina
Morasco, defendida em 2008.
O esquecimento na poesia foi total. Até onde nos foi possível averiguar, há uma
coletânea intitulada Rimas de Artur Azevedo (1909), recolhidas de jornais e revistas por
Lindolfo Xavier, mas nenhuma pesquisa sobre esse gênero literário.
Esquecido também ficou em relação à atuação enquanto crítico de jornais.
Segundo o biógrafo Raimundo Magalhães Junior (1966), Artur colaborou na imprensa
carioca desde 1873 época em que chegou ao Rio de Janeiro até 1908, ano de sua
morte. Começou como tradutor de folhetins e como revisor até se tornar o papa da
18
crítica teatral
1
. No entanto, as crônicas diárias que o autor de A capital federal escreveu
na imprensa fluminense, na maioria das vezes, foram citadas de forma fragmentada
em alguns estudos, como no livro O carnaval das letras (1994), no qual o autor
Leonardo Affonso de Miranda Pereira utiliza também trechos de crônicas de vários
outros jornalistas como fonte de pesquisa para a História Social. Até onde sabemos,
somente a professora Larissa de Oliveira Neves (2002) realizou um trabalho focalizando
aspectos da produção jornalística de Artur Azevedo: seu corpus centrou-se nos textos da
seção “O teatro”, contida no periódico A Notícia entre os anos de 1894 e 1908. Isso
significa dizer que uma grande parte da produção intelectual do jornalista continua
inédita.
Eis uma das razões pelas quais dedicamos nosso estudo às crônicas da seção “De
Palanque”, por ele escritas, sob o pseudônimo de “Elói, o herói”, e publicadas
diariamente no periódico Diário de Notícias durante os meses de Junho de 1885 a Junho
de 1886, época em que a cena teatral brasileira era dominada por gêneros ligeiros como
a revista, a opereta e a mágica, como mostram Fernando Antonio Mencarelli (2003) e
João Roberto Faria (2001).
Segundo Leonardo Pereira (1994), até a primeira metade do século XIX, a
imprensa carioca se constituía de pequenos jornais, em geral ligados a grupos políticos,
sem pretensão de atingir um grande público. A mudança de paradigma teria acontecido
em 1875 com a fundação da Gazeta de Notícias, dando início assim ao “novo
jornalismo” que viria dinamizar o processo de “massificação cultural da sociedade
carioca. Com o objetivo de atingir um público cada vez maior, inaugurou-se também o
“sistema de vendas avulsas pela cidade pois até então as folhas eram vendidas apenas
em livrarias e casas de comércio freqüentadas pela pequena parcela da população que
era interessada pelas letras”(PEREIRA, 1994, p. 12). No que concerne ao conteúdo,
passou-se a registrar os mais diversos acontecimentos ligados ao cotidiano, que
constituíam o interesse do grande público, o qual, se não era visto como o leitor ideal
para um país que caminhava para a modernização, ao menos servia para garantir a
permanência de circulação de vários jornais nos mesmos moldes do precursor da nova
imprensa.
Essa foi a receita de um caminho de sucesso seguido prontamente por tantos
outros periódicos, dentre eles, o Diário de Notícias, nosso foco de interesse. Seguindo a
1
Expressão utilizada por Raimundo Magalhães Junior, no livro Artur Azevedo e sua época (1966)
19
lógica do “novo jornalismo”, além de matérias relacionadas à vida política da Corte e do
país e ao mundo artístico, o Diário também privilegiava como objeto de interesse
assuntos da vida comum como assassinatos, suicídios, incêndios, brigas de capoeiras e
epidemias que assolavam o Rio de Janeiro. Com essas “cenas sangrentas” a imprensa
esperava ganhar um tipo de leitor menos escolarizado e sem interesse no mundo das
letras.
Na primeira metade do século, com o surgimento do romantismo teatral, criou-se
também o ofício de crítico teatral, tendo como precursor dessa atividade o acadêmico
Justiniano José da Rocha, como deixou claro João Roberto Faria, em Idéias teatrais
(2001). Tomando por base as observações de Marlise Meyer, essa atividade jornalística
surgiu no culo XIX dentro do folhetim: espaço que, em sua gênese, era destinado aos
mais diversos assuntos, mas que, com o decorrer do tempo, passou a se dedicar a temas
mais específicos, como a crítica a espetáculos que se representavam nos teatros, não
perdendo, porém, seu caráter diversificado, conforme assinala essa estudiosa no ensaio
“Voláteis e versáteis, de fragmentos e folhetins se fez a crônica” (1985). Foi esse o
modelo de crônica que Artur Azevedo escreveu nos vários jornais em que colaborou.
Desde o surgimento do ofício de crítico teatral, os jornais abriram suas portas
para jovens escritores como Martins Pena, na década de 40, e José de Alencar e
Joaquim Manoel de Macedo, nos anos 50 e 60. Porém, naquela época, a imprensa ainda
não havia passado por esse processo de popularização iniciado com o periódico de
Ferreira de Araújo, o que viria acontecer quase que concomitantemente à chegada de
Artur Azevedo à capital do Império. Dadas as características desse novo modelo de
imprensa, ela serviu também para consagrar a imagem dos articulistas junto a um
público cada vez maior e mais heterogêneo.
Ao menos no caso do Diário de Notícias, no fim do século XIX, a crônica havia
saído do rodapé e passado para o corpo do jornal, ocupando, dessa forma, lugar de
matéria de primeira ordem. Raimundo Magalhães Junior (1966) lembra que os jornais
brasileiros, no último quartel do século passado, “tinham um arranjo gráfico sisudo,
uniforme, monótono e maçante. A matéria era apresentada geralmente em colunas
corridas, com títulos discretos, não dando trabalho nem preocupação alguma aos
secretários e paginadores”(MAGALHÃES JUNIOR, 1966, p. 22). Devido a esse espaço
privilegiado que lhe era oferecido, e em função dessa característica do jornal da época,
caberia a cada articulista dar feição própria à sua coluna para atrair cada vez mais a
20
atenção do leitor. Esse objetivo seria alcançado através da habilidade que o cronista
tivesse para introduzir em seus artigos um tom mais jocoso e satírico.
A necessidade de abrandar o tom sisudo do periódico se tornou premente
também porque a imprensa escrita tinha como forte concorrente as folhas ilustradas que
proliferavam no Rio de Janeiro desde o advento da caricatura no Brasil, na década de
30, como assinala Nelson Werneck Sodré, em História da imprensa no Brasil (1999).
Ora, em um país com grande contingente de pessoas com baixa escolaridade,
fatalmente, a imagem teria um poder de sedução maior do que a palavra escrita. Assim
sendo, os intelectuais inseridos nessa imprensa de nova orientação desempenhariam
também a tarefa de formar o leitor. Paralelamente à responsabilidade de formar um
possível leitor que seria seduzido com textos jocosos e de leitura fácil, os cronistas
também se incumbiram da tarefa de requintar o gosto do público.
de se ressaltar que a mentalidade de promover um aprimoramento no gosto
da população não era restrita ao grupo dos cronistas, mas uma idéia comum a toda uma
geração de homens de letras do final do XIX. Para dar ao menos um exemplo, em
matéria anônima publicada na primeira página do Diário, por ocasião de um concerto
realizado pelo clube Beethoven, fazia-se o elogio pelo sucesso dessa associação no que
se referia à educação do povo e ao refinamento do nível de cultivo da música. Quer
dizer, não era suficiente que as pessoas apenas apreciassem música, mas que
desenvolvessem um gosto musical, seguindo como modelo o gosto de uma elite
pensante.
Essa característica está bastante presente nas crônicas escritas por Artur
Azevedo. Foram vários os textos em que ele tentou despertar a atenção dos leitores para
assuntos que considerava imprescindíveis para uma cidade civilizada. Nesse sentido,
suas crônicas tinham um caráter pedagógico. Dentre outras, havia preocupação em
formar leitores, requintar o gosto da população e manter o decoro dos políticos. Eis
alguns exemplos:
Esse indivíduo é a imagem perfeita do público: um por todos.
Não há, realmente, país civilizado em que menos se leia do que o nosso.
No Brasil dá-se este fato extraordinário: escreve-se mais do que se lê.
***
Estas considerações fi-las eu ontem ao folhear um volume, que me foi
entregue, contendo os vinte e seis primeiros números da Semana, o elegante
periódico literário, tão bem dirigido por Valentim Magalhães.
Vinte e seis números! Vinte e seis batalhas contra o Dispenso! do homem do
botequim! Vinte e seis duelos de morte entre uma folha de papel e a
indiferança do público.
Vinte e seis números!
21
Que de esforços representa essa vida de seis meses! que de labutações
inglórias e de amargas decepções! Quanta ilusão perdida nesses dois
trimestres de literatura! quanto desengano! quanto!
***
Mas a Semana vai indo, que para alguma coisa de servir a força de
vontade de três ou quatro rapazes vigorosos e bem intencionados.
Ela abrirá uma picada na mata virgem do bom gosto público, porque tem
bons músculos, e adotou por divisa o quand même dos resolutos.
Debalde os seus inimigos tentarão embargar-lhe a passagem. Gusman ne
connait pas d’obstacles.
Hoje um concurso de poesia, amanhã uma discussão literária, depois isto... e
depois aquilo... e o público se habituará a ler a Semana, e a Semana terá
prestado um serviço comparável ao desses heróicos missionários que se
embrenham nos sertões para catequizar os aborígines.
Continue a Semana a andar pelo mesmo caminho que percorreu vinte e
seis vezes, e brevemente todos a começar pelos seus próprios desafetos
lhe dirão:
- Não dispenso!(Grifo do autor) (DE PALANQUE, 30/07/1885).
Na situação inicial dessa crônica, Artur Azevedo rememora um fato
supostamente acontecido com ele, em 1 de outubro de 1884: em um botequim da rua do
Ouvidor, presenciou uma cena em que “um sujeito gordo, rosado e aparentemente
sadio” repeliu um distribuidor de jornais que tentou entregar-lhe, gratuitamente, o
primeiro número do País. Em seguida, vem o diagnóstico, apresentado com um
argumento de exemplo: o indivíduo que repeliu o entregador de jornais “é a imagem
perfeita do público: um por todos”. Depois, o leitor é informado de que as
considerações do cronista foram feitas em virtude da comemoração dos primeiros seis
meses de existência da revista a Semana, em cujas mãos estaria a esperança de
“salvação”. A preocupação pedagógica fica mais evidente na relação intertextual
estabelecida com o processo de catequização dos índios: “e a Semana terá prestado um
serviço comparável ao desses heróicos missionários que se embrenham nos sertões
para catequizar os aborígines”.
Na crônica de 16 de agosto, através dos bastidores de uma sessão da Câmara
dos deputados, o jornalista demonstra a preocupação com o decoro:
Desisto, pois, de tratar da festa da Glória, e reservo o espaço que me falta
para ocupar-me da Câmara dos Srs. Deputados....
***
... que na sessão de anteontem deu ao país um espetáculo na verdade
tristíssimo.
Tenho diante dos olhos o Diário Oficial, a que às vezes recorro solícito
contra os efeitos excitantes do café. Acabo neste momento de ler os debates
de anteontem, publicados à custa do Estado, e faço inauditos esforços para
convencer-me de que os meus olhos não foram vítimas de algum sortilégio.
Mas não... cá estão os debates... cá estão eles. Fala o Sr. Bezerra Cavalcante:
“O nobre deputado é que traz comigo teiró antigo, depois que entendeu que
eu devia, como outros, dobrar-me às suas paixões desordenadas para votar
contra o Sr. Marcolino Moura e satisfazer assim aos seus desabafos pessoais.
O Sr. Zama: - Não lhe pedi coisa nenhuma.
22
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Pediu a mim e a muitos.
O Sr. Zama: - Não pedi a ninguém, só ao Sr. Aristides Spinola.
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Pediu a muitos.
O Sr. Zama: - Não é verdade.
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Pode negá-lo! Mas, embora pedisse ou não, é
verdade que ficou com teiró comigo por isso.
O Sr. Zama: - E porque não fiquei com os outros?
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Não sei, nem preciso saber; mas comigo ficou e
ficará.
O Sr. Zama: - Talvez por ser o mais bonito?
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Seja pelo que for; ficou e ficará.
O Sr. Zama: - Homem! fique sabendo que não tenho teiró com ninguém”.
***
Isto é o que se chama linguagem parlamentar!
Mas ainda não viram nada: vou dar-lhes a provar melhor pratinho:
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Fora do terreno da justiça me é indiferente,
completamente indiferente, que me estimem, que me respeitem, que me
mordam, que me difamem. Vem agora o nobre deputado e diz: se me quer
insultar chegue-se a mim. o insulto nunca, já o disse à Câmara. Mas se
quisesse tomar qualquer desforço, chegaria bem junto ao nobre deputado.
O Sr. Zama: - Mas chegue-se, quando quiser, não tenho medo de pegar um
touro do Rio Grande do Norte.
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Eis aí! Pois eu declaro ao nobre deputado que
felizmente não tenho pontas.
O Sr. Zama: - Nem eu; não falo nesse sentido”.
***
À vista deste edificante “dize tu, direi eu”, parece-me de boa justiça não
remeter ao Diário Oficial “bate-boca da Câmara, sem prévia escala pelo
Conservatório Dramático.
é a segunda vez que nesta sessão metem o boi no Parlamento: é uma
anomalia tolerarem-no na Cadeia Velha e não o consentirem na Fênix ou no
Sant‟Anna (Grifos do autor) (DE PALANQUE, 16/08/1885).
Logo de início aparece a insatisfação do cronista ao escolher a palavra
“espetáculo” para se referir ao acontecido na Câmara, e qualificá-lo como “tristíssimo”.
Interessante também é a apreciação feita acerca dos debates publicados no Diário
Oficial, aos quais recorre “solícito contra os efeitos excitantes do café”. Ou seja, se o
café excita, tais discursos têm o poder de aplacar os ânimos. Não esquece nem mesmo
de enfatizar que o “espetáculo tristíssimo” é publicado “à custa do Estado”. O riso é
provocado com a reação de Bezerra Cavalcante à seguinte fala de Zama: “não tenho
medo de pegar um touro do Rio Grande do Norte”. Na imaginação fértil daquele, este
estaria chamando-o de corno, mas na verdade, trata-se apenas de uma alusão do
sobrenome do Deputado (Bezerra) ao animal Touro, e do local do nascimento (Rio
Grande do Norte) à braveza dos homens nascidos nessa região do país. Como podemos
ver, não há nada de ofensivo nas palavras do deputado Zama.
E para terminar, um show de deboche: muito mais do que algumas peças de
teatro representadas em duas importantes casas de espetáculo do Rio, o que carecia de
censura eram os debates da Câmara dos deputados.
23
A Ilustríssima” Câmara municipal também foi motivo de observação do
cronista:
Estou perfeitamente convencido de que nenhum deles anuiu à realização
dessa idéia pelo desejo de ser agradável à simpática princesa, ou de perpetuar
na tela um fato, que, sendo, aliás, honroso para o município, não tem tanta
importância, que mereça a manifestação a óleo.
O desejo íntimo de suas senhorias ilustríssimas foi e Deus me perdoe se os
calunio foi que as suas vinte e uma fisionomias passassem à posteridade,
por intermédio da palheta de um pintor... qualquer.
É bom que os nossos netos, e os netos dos nossos netos, travem relações
póstumas com todos os membros de uma Câmara o benemérita e
patriótica; de uma Câmara a que devemos tantos e tão importantes
melhoramentos blicos; de uma mara pichosa, zelosa, caprichosa e
gloriosa, como primeira não houve, nem segunda haverá.
Mas quer me parecer que o quadro teria muito mais valor para o futuro, se,
em vez de reproduzir a cerimônia da distribuição das cartas, representasse
fielmente uma daquelas lebres sessões tumultuosas, que deram em
resultado a suspensão dos atuais vereadores.
estava um assunto etnográfico, digno da mais remota posteridade, que
teria no quadro um traço característico dos nossos costumes, e uma idéia
muito aproximada do respeito que no Brasil de hoje existe entre o povo e as
autoridades constituídas.
E, quando se não fizesse tal quadro, que, bem executado, imortalizaria um
pintor e uma época, seria talvez preferível aplicar à liberdade de novos
escravos o dinheiro com que a Câmara vai satisfazer essa absurda vaidade
(Grifos meus) (DE PALANQUE, 29/08/1885).
O assunto da crônica em questão teve como ponto de partida uma chamada de
propostas, realizada pela Câmara municipal, para a execução de um quadro
“reproduzindo o ato da distribuição de cartas de alforria, efetuada no Paço da Câmara
aos 29de julho, “aniversário natalício da Sereníssima Senhora Condessa d‟Eu” (DE
PALANQUE, 29/08/1885). Embora afirme que a ele não importa que os vereadores
ofereçam uns aos outros o retrato a óleo, não deixa de lembrar que tal oferecimento é
feito “à custa dos magros cofres municipais”. Dessa forma, através de uma ironia
bastante explícita e direta, o cronista representa a dinâmica política municipal para seus
leitores. O modo encontrado para sugerir necessidade de mudanças em tais instâncias
era apontando as mazelas e trazendo-as à tona. Para tanto, o cronista recortava os
discursos do Diário Oficial, de circulação mais restrita, e publicava-os em um periódico
de maior circulação. Desse modo, os leitores de várias camadas sociais teriam acesso a
tais “espetáculos”.
Num período da história do Brasil fortemente marcado pela perseguição às
“casas da tavolagem”, Artur Azevedo assim escrevia sobre o jogo:
Correu ontem a terceira grande loteria da Corte, e isto fez com que reinasse
grande agitação na rua do Ouvidor.
O povo aglomerava-se boquiaberto diante das listas afixadas em vários sítios.
Brilhava em todos os olhos a ambição de um bom prêmio. Muitos indivíduos
24
vinham paupérrimos da rua Direita, com a esperança de chegarem ricos ao
largo de S. Francisco de Paula.
Infelizmente, não me consta que nenhum deles se aproximasse da estátua do
patriarca mais endinheirado que meia hora antes, ao penetrar na “grande
artéria”. Esses esquecidos da fortuna, sentiam-se, pelo contrário, mais pobres,
mais oprimidos que nunca.
Porque há um fato psicológico, que recomendo à observação piedosa do
leitor: o jogador da loteria tem maior e mais nítida consciência de sua
miséria, quando verifica que o seu bilhete está branco, e que o seu rico
dinheirinho vai engrossar o bolo reservado aos outros. Antes de comprar o
bilhete, ou, depois de comprá-lo, enquanto não anda a roda, o pobre diabo
não se lembra da sua pobreza; depois de desenganado, é que são elas! Não
tardam os falsos protestos e os juramentos de ocasião.
Ao leitor, que compra, sistematicamente ou não, o seu vigésimo, sem que
essa despesa lhe faça a menor alteração no orçamento, eu parecerei um pouco
Mr. de La Palisse; mas coloque-se no lugar desses viciosos, que tudo
sacrificam ao jogo da loteria, e compare o ligeiro instante de despeito que lhe
causa o seu vigésimo branco com as horas de azedume por que vão passar
aqueles desgraçados: a minha observação lhe parecerá mais justa.
[...]
A loteria é perniciosa, mesmo para os “felizardos”. Sempre que anda a roda,
a fortuna desengana muitos, engana alguns e não favorece ninguém, porque o
dinheiro que a loteria fatalmente voltará para ela, e raro é o sacristão que
tenha sabido aproveitar os seus bens.
O melhor meio de enriquecer temo-lo todos nesses dois braços com que a
natureza nos dotou; ganhar dinheiro na loteria é adquiri-lo à custa da
desgraça alheia. É preferível ser pobre, e fazer jus aos pirões, escrevendo,
como eu neste momento, desataviados artigos, sob uma temperatura de 33
graus à sombra (DE PALANQUE, 11/12/1885).
Eis uma crítica ao sonho de enriquecimento rápido e fácil. Apesar de apontar
para dois tipos de jogadores, a crônica se direciona para os “desgraçados” que “tudo
sacrificam ao jogo da loteria”. Depois de fazer considerações sobre as conseqüências
dessa forma de diversão, o cronista revela sua concepção burguesa: a ascensão
econômica deveria vir através do trabalho.
Alguns conflitos provocados por divergência de idéias levaram Artur Azevedo a
se retirar do Diário de Notícias com o seu “De Palanque” por duas vezes: a primeira foi
em junho de 1886, retornando em 25 de outubro do mesmo ano. A segunda, em março
de 1887, quando foi para o recém-criado jornal Novidades, onde permaneceu por um
período de um ano e quatro meses, voltando para o Diário em 1 de agosto de 1888.
Esses dados evidenciam o prestígio que o crítico e o “De Palanque” desfrutavam na
imprensa do Rio de Janeiro.
A verdade é que em 1885 Artur Azevedo não era mais apenas o jovem vindo
do Maranhão com as cartas de recomendação oferecidas pelo pai. Muita coisa havia
mudado desde o emprego n‟A Reforma, em 1873, até o momento para o qual nos
voltamos. Era um homem que estava começando a se consagrar como dramaturgo, visto
que havia escrito Uma véspera de Reis (1875), A filha de Maria Angu (1876), A
25
princesa dos cajueiros (1880), A casa de orates (1882), sem falar nas revistas O
mandarim (1883) e Cocota (1884). Era um profissional que se fazia no teatro e na
imprensa.
Vasculhando outros jornais da época, encontramos provas do argumento que ora
desenvolvemos:
Diário de Notícias o novo colega, fez uma aparição brilhante.
Traz novidades, artigos literários, artigos políticos de dois matizes, e
promete, de palanque, dizer todos os dias sobre os acontecimentos de todos
os dias.
Resultado de uma combinação química de dois corpos que não se achavam
positivamente em estado de ebulição, o nosso colega vem muito alegre,
muito lampeiro e muito catita.
Pois venha de esse abraço, e diga ao paginador que não repita a pilhéria de
ontem, dividindo notícias do Foyer, de modo a fazer com que a opereta do
Ricci, D. Inês, entre num processo com o maestro Gounod, obrigando-o a
uma multa, e a esquecer a família, pátria e tudo...
Fora isso e com franqueza: parabéns (GAZETA DE NOTÍCIAS,
08/06/1885).
Esse trecho foi publicado na seção “Entrelinhas”, assinada por Rialto, na Gazeta
de Notícias, no dia imediato à “aparição” da nova folha. Na edição anterior, nas seções
“Crônica semanal”, “Balas de estalo” e nas próprias “Entrelinhas”, todas desse mesmo
periódico de Ferreira de Araújo, fazia-se o necrológio da Folha Nova e do Brasil,
progenitores da nova folha matutina. O Jornal do Comércio, outro periódico de grande
circulação, assim se referiu ao Diário:
Promete-nos o perfeito serviço comercial do pai e o adiantado noticiário da
mãe. Como este nos dará a notícia segura, pronta, minuciosa e como ele a
“notícia imparcial”. Esta notícia imparcial vem preencher uma lacuna que de
há muito se sentia no jornalismo.
Na redação também muita novidade. Vejam: La grande marmiére, de
George Ohnet, romance que está tendo aceitação não inferior ao seu lebre
Maitre de forges”.
O seu repórter de “ir a toda a parte com a atividade de um repórter e a
maliciosa e alegre filosofia do diabo coxo: Montaury e Asmodeu”. Sendo
assim tão fogoso, vai primeiro ao palanque (JORNAL DO COMÉRCIO,
08/06/1885).
O fragmento foi retirado da coluna “Psicologia da imprensa”, assinada por Luiz
de Castro, com o pseudônimo de Escaravelho. O ponto comum que nos interessa
destacar em ambas as notas transcritas é a referência feita ao “De palanque”. Falar dessa
coluna significava falar também de Artur Azevedo, o único responsável pelos artigos
nela publicados. Esse dois exemplos é quanto bastam para reforçarmos nosso
argumento acerca do prestígio do cronista na imprensa fluminense. Prestígio que
também pode ser avaliado com base no fato de ele ter feito sua viagem à Europa, em
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1883, com as passagens de ida e volta custeadas pelo empresário Celestino da Silva,
como lembra Raimundo Magalhães Junior (1966).
Possivelmente, a confiança adquirida ao longo desses primeiros doze anos no
Rio de Janeiro fosse suficiente para que o Diário de Notícias o escolhesse para ocupar o
posto de cronista. Mas não apenas esse periódico pensou no jornalista maranhense para
fazer parte da equipe de redatores:
Quando tratamos da criação desta folha, já pelas relações pessoais que nos
ligam a Artur Azevedo, já pelo muito em que temos o seu belo talento,
franqueamos-lhe as nossas colunas, que desde logo não foram honradas com
a colaboração do distinto escritor, por se achar ele no Diário de Notícias,
cujas páginas de há muito abrilhantava.
Tendo, porém, o nosso amigo, por motivos que lhe são particulares, se
retirado do Diário, convidamo-lo a vir colaborar conosco, ao que ele acedeu
graciosamente.
Transportando, desde amanhã, para as Novidades a sua seção “De palanque”,
não privará o festejado literato de seus apreciados trabalhos o grande número
de leitores que tanto o consideram e estimam.
Quanto a nós, pela nossa parte, só temos que dar-nos os parabéns pela
aquisição que acabamos de fazer (NOVIDADES, 25/03/1887).
A transcrição dessa nota confirma o peso que a presença de um cronista como
Artur Azevedo tinha na redação de um jornal.
2 Apresentação do Diário de Notícias
Decididamente a reportagem fluminense está muito,
mas mesmo muito atrasada.
Se eu neste momento, por desgraça minha, fosse
repórter de algum dos nossos jornais, suicidava-me
deixando em testamento a recomendação expressa de
queimarem o meu cadáver e dispersarem as cinzas ao
vento.
ARTUR AZEVEDO, 02 de julho de 1885.
O Diário de Notícias teve seu primeiro número publicado em 7 de junho de
1885, no Rio de Janeiro. Era de propriedade de Carneiro, Senna & Cia, tendo a
tipografia à rua do Ouvidor 118. Começou a circular com uma tiragem de 20.000
exemplares, passando para 21.000 em 2 de outubro do mesmo ano, e para 22.000 em 5
de janeiro de 1886. Esses dados são importantes, na medida em que revelam a aceitação
de um periódico recente, mas se tornando um forte concorrente para a Gazeta de
Notícias, que havia iniciado seus trabalhos em 1875, chegando em 1886 com uma
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tiragem de 24 mil exemplares. que se ressaltar, porém, que a boa aceitação do jornal
não eliminou as dificuldades que enfrentou para se manter em circulação. No mês de
novembro de 1885 a empresa passou a publicar um “lembrete” em negrito, na primeira
página, nos termos que se seguem:
A empresa do Diário de Notícias roga aos seus assinantes em atraso o
obséquio de solverem seus débitos até o dia 15 de novembro.
Consideraremos como recusa ao prosseguimento de sua coadjuvação, o não
atenderem a este pedido, autorizando-nos assim a suspender a remessa da
folha (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 05/11/1885).
O que mais chama atenção neste trecho é a escolha do verbo “rogar”, que lembra
mesmo uma súplica. Apesar de o prazo estabelecido se esgotar em 15 de novembro, o
recado foi transmitido até dia 20 do mesmo mês, o que nos faz inferir que os assinantes
não estavam cumprindo a obrigação que lhes era devida. Além dessa forma suplicante
de cobrança para os assinantes, o periódico publicava ainda a seguinte nota:
BRINDES AOS ASSINANTES
Na página publicamos a lista dos livros que destinamos às pessoas que
vierem ao nosso escritório até 31 de dezembro satisfazer as suas
ASSINATURAS DE 1886 (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 11/11/1885).
Ao destacar as chamadas inicial e final com letras maiúsculas, a redação do
jornal, inicialmente, ganharia a atenção do leitor com a promessa de um brinde,
levando-o a ler a proposta, para em seguida o fazer perceber que a aquisição do brinde
implicaria no cumprimento de uma obrigação. Na referida lista constavam livros de José
de Alencar, Castro Alves, Luiz Guimarães Junior, Lúcio de Mendonça, Joaquim Manoel
de Macedo, Augusto Emilio Zaluar, Georg Sand, Alexandre Dumas Filho, Xavier de
Montepin, dentre outros. A promessa dos brindes se estendeu até janeiro de 1886.
Decorridos alguns meses da publicação do primeiro número, a direção do Diário
começou a implementar esforços no sentido de melhorar a organização interna do
periódico, o qual, a partir do mês de dezembro, passou a trazer um sumário na primeira
coluna da primeira página. A introdução dessa novidade pode parecer banal, mas, como
sabemos, o sumário enumera as principais divisões do jornal, visando à localização das
partes que mais interessam ao leitor.
Das 4 páginas que compunham a folha matutina, duas delas eram dedicadas aos
anúncios publicitários e as outras duas destinadas aos mais diversos assuntos.
Eventualmente publicavam-se edições especiais com seis ou oito páginas, porém,
permanecendo o valor de 40 réis cobrado por número avulso.
Na parte comercial, encontravam-se anúncios dos mais diversos produtos: leite
condensado, armas de fogo, perfumes, vinagre e até álcool. As lojas de roupas e
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calçados faziam seus reclames, colocando uma longa lista de preços das mercadorias.
Digna de nota é quantidade de propagandas de produtos com promessas de cura das
mais variadas moléstias. Em uma página com vinte anúncios, incluindo as propagandas
das empresas teatrais e dos clubes esportivos, pelo menos sete eram de medicamentos:
óleo de gado de bacalhau, remédios para o tratamento de gota e reumatismo,
vermífugo, pílulas reguladoras e elixires. Ao que tudo indica, esse tipo de produto
medicinal era um mercado promissor, que no fim do século XIX havia toda aquela
preocupação por parte da medicina social de cuidar da saúde da população. Através
dessa parte comercial, na coluna “Avisos marítimos”, os leitores tinham conhecimento
também dos dias em que os paquetes chegariam e sairiam da cidade.
As outras duas páginas, sobre as quais falamos, eram destinadas à parte social e
cultural. Nelas eram publicadas notas de utilidade pública, notícias sobre problemas
sociais, economia, esporte, política, religião, arte e cultura. Detalhando um pouco mais,
na parte superior esquerda havia um espaço denominado “Corte”, onde eram noticiados
fatos ocorridos no paço imperial. Nesse mesmo lugar, eram agendados o dia e a hora
durante os quais o imperador receberia as pessoas para o beija-mão. Também eram
listados os nomes daqueles aproximadamente 70 por semana que haviam
cumprimentado a família imperial na semana antecedente: eram bacharéis em Direito e
em Medicina, deputados, conselheiros, barões, viscondes, tenentes, juizes de direito,
senadores, majores, engenheiros, professores, coronéis, comendadores,
desembargadores, ministros, cônsules, delegados de polícia, brigadeiros, enfim, pessoas
que ocupavam cargos importantes no império ou que possuíam algum título de nobreza,
além, é claro, de muitas senhoras pertencentes ao high life
2
.
Alguns artistas também faziam esse movimento de se dirigirem ao Paço da Boa
Vista para cumprimentarem Suas Majestades e Altezas Imperiais. Por passaram os
empresários Jacinto Heller e Dias Braga, do teatro Sant‟Anna e do Recreio Dramático,
respectivamente; os artistas portugueses Luís Cândido Furtado Coelho e Lucinda
Simões; os empresários italianos César Ciacchi e Ângelo Ferrari, cujas companhias
ofereciam espetáculos na cidade naquela ocasião; e os artistas Eleonora Duse, César
Rossi, Teobaldo Checchi, Herminia Borhi-Mamo e Amélia Stahl. Ainda representando
a classe artística, citam-se o pintor belga Henri Langerock, o pintor brasileiro Victor
Meirelles, o escultor Rodolfo Bernardelli, o escritor Machado de Assis e o ator Martins.
2
Termo utilizado por Artur Azevedo para se referir às pessoas da alta sociedade.
29
A cerimônia do beija-mão era uma tradição trazida de Portugal por d. João VI,
como mostra Lilia Moritz Scwarcz, no livro As barbas do imperador (1998), e mantida
por seus descendentes. O interessante é observar como essa tradição favorecia ainda
mais a prática do paternalismo, pois era nessas ocasiões que as pessoas aproveitavam e
pediam a proteção do imperador.
Visivelmente, à exceção do autor de Dom Casmurro, todas as outras visitas da
classe artística pareciam ser movidas por interesses profissionais. O grupo de artistas
dramáticos desejava que a família imperial honrasse com sua presença os espetáculos
por eles oferecidos. O ator Martins, especificamente, cuja visita ocorreu na segunda
quinzena de setembro, estava organizando uma companhia dramática para representar
peças exclusivamente nacionais, no teatro Lucinda. Numa tentativa de levar o maior
número possível de espectadores para prestigiar os trabalhos de sua empresa artística,
dirigiu-se ao Paço Imperial para pedir o auxílio do imperador. A importância desse
auxílio pode ser mensurada quando se observa nos anúncios das empresas teatrais a
ênfase dada ao comparecimento da família imperial aos espetáculos. Os empresários e
diretores suprimiam com muita facilidade os nomes dos autores, tradutores e
adaptadores das peças em cartaz, mas nunca deixavam de registrar o principal chamariz:
a presença de Suas Majestades e Altezas Imperiais.
O pintor belga, Henri Langerock, se dirigiu ao Paço da Boa Vista na semana
compreendida entre os dias 8 e 14 de junho. Na semana imediata, publicou-se a seguinte
nota: “Sua Majestade o Imperador visitou ontem a Academia das Belas Artes, onde
examinou os trabalhos de pintura do Sr. Langerock, percorrendo em seguida todas as
aulas”(DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 20/06/1885). Observamos ainda que Rodolfo
Bernardelli foi cumprimentá-lo na primeira quinzena de setembro, e em 14 de outubro,
à primeira coluna do jornal, estava estampado o trecho que ora transcrevemos:
Sua Majestade o Imperador visitou ontem o salão da Academia de Belas
Artes na qual estão expostos os trabalhos do professor Rodolfo Bernardelli.
Além do baixo relevo Primeiro martírio de S. Sebastião, estátuas de S.
Estevão e Faceira, em gesso, e da cópia, em mármore, da Vênus Calipígia,
estão uma cópia em mármore da formosíssima Vênus de Medicis e o grupo
original da Mulher adúltera, último trabalho do laborioso e distinto artista.
Sua Majestade, visivelmente satisfeito, conversou largamente com o Sr.
Bernardelli e, ao retirar-se, honrou com o seu autógrafo uma página do álbum
em que estão inscritas todas as pessoas que, desde Roma, têm visitado a sua
oficina.
Depois de terminada a visita imperial o salão foi franqueado aos alunos da
Academia, em cujo nome falou o Sr. Belmiro de Almeida (DIÁRIO DE
NOTÍCIAS, 14/10/1885).
30
Será que se trata de uma simples coincidência, tanto no caso de Langerock
quanto no de Bernardelli? Acreditamos que não.
O beija-mão de Victor Meirelles, pintor que tinha sido condecorado
Cavalheiro da Ordem da Rosa, aconteceu na última semana de setembro; em outubro,
soubemos que o referido artista, em parceria com o já citado pintor belga, iria pintar, em
Paris, o panorama da cidade do Rio de Janeiro. Com a intenção de angariar fundos para
a realização desse projeto, Artur Azevedo chegou a fazer campanha no “De palanque”.
Possivelmente, o pintor brasileiro se dirigiu ao Paço para pedir a proteção de d. Pedro
II. Em 10 de dezembro, foi notificado que:
Sua Majestade o Imperador, para o fim de auxiliar o Sr. comendador Victor
Meirelles na sua idéia de reproduzir a cidade do Rio de Janeiro num
panorama, para ser exposto nas principais cidades da Europa e América,
dignou-se declarar-lhe que também concorreria, sem ter parte nos lucros que
possa dar a empresa (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 10/12/1885).
Em notas esparsas por toda a primeira página do Diário, informava-se também a
agenda de compromissos de d. Pedro: visitas ao Corpo de Bombeiros, à Biblioteca
Nacional, à Academia de Belas Artes, à Imprensa Nacional, à Câmara Municipal, à
Escola Politécnica, ao Arsenal da Marinha, ao Asilo dos Inválidos da Pátria, à
Faculdade de Medicina, ao Asilo Santa Teresa, ao Asilo dos Meninos Desvalidos, à
Escola da Marinha, ao Imperial Colégio d. Pedro II, à Escola Militar, à Casa da Moeda,
à Escola Superior de Farmácia, ao Liceu de Artes e Ofícios, ao quartel de polícia, enfim
a vários e vários lugares. Essas informações são úteis na medida em que, no que se
refere à segurança, educação, cultura, saúde e assistência pública, mostram ao menos
uma parte da estrutura de uma cidade com características curiosas: se por um lado, tinha
sérios problemas de infra-estrutura e mantinha um sistema de trabalho baseado na mão
de obra escrava, ao mesmo tempo em que tentava se modernizar, copiando sempre o
modelo do Velho Mundo; por outro, sustentava uma vida social e cultural bastante
agitada e requintada, como mostraremos no decorrer dessa Dissertação.
As pessoas mais ilustres, ricas ou apenas inseridas nas rodas da sociedade
fluminense, também passaram para a posteridade através da coluna “Parabéns”, onde
eram listados vários nomes de aniversariantes. Em notas bastante lacônicas, também
eram citados todos os casamentos e batizados daqueles que faziam parte do high life.
Em “Festividades e diversões”, aos sábados e domingos, divulgavam-se os
locais das missas, das festas religiosas, das procissões e dos mais diversos bailes, saraus
literários e espetáculos teatrais promovidos por associações amadoras do Rio de Janeiro.
31
A atenção dispensada a este espaço é bastante importante para tomarmos conhecimento
dos vários modos com que a sociedade se organizava para se divertir, bem como das
formas alternativas de convívio social existentes, que representavam concorrência para
o teatro comercial.
Para o esporte havia uma coluna permanente, através da qual o leitor ficava
informado sobre a programação do Jóquei clube, clube Atlético Fluminense, Prado Vila
Isabel e Derby clube. Esse privilégio do esporte em aparecer, invariavelmente, na
primeira página do Diário nos leva a crer que as corridas eram uma forma de diversão
bastante lucrativa, assim como o teatro da época. Além disso, alguns desses clubes
contribuíam para a receita do periódico, divulgando as atrações esportivas em anúncios
que ocupavam um espaço bastante significativo na parte comercial.
A parte lúdica era contemplada com as charadas e os jogos de quebra-cabeça.
Eventualmente, publicavam-se também poesias, algumas anônimas, outras devidamente
assinadas.
As notícias sobre outras cidades do Brasil ou mesmo do mundo eram divulgadas
de acordo com a necessidade e com a importância, de modo que não havia espaço
exclusivo para nenhuma delas. Quando os topônimos Minas Gerais, São Paulo,
Pernambuco, Açores surgiam em epígrafe, sabia-se que as notícias eram relacionadas a
essas localidades. Com a implantação do novo jornalismo, em 1875, surgiu a
necessidade de agilizar a circulação das notícias. Talvez por mera coincidência, nesse
mesmo ano foi inaugurada no Rio a primeira sucursal telegráfica, pela agência Reuter-
Havas, conforme atesta Nelson Werneck Sodré (1999). Certamente, a partir daí, outras
agências se espalharam por várias províncias, que era por telegramas enviados pelos
correspondentes do Diário de Notícias que chegavam à capital do Império as notícias do
interior do país e de outras partes do mundo.
A política, com as notícias sobre o Parlamento, a Câmara dos deputados e a
“Ilustríssima” Câmara dos vereadores, também tinha presença assídua no Diário. Chega
a ser impressionante o número de vezes que as sessões dessas duas Câmaras foram
adiadas por falta de quorum:
CÂMARA MUNICIPAL
MAIS UMA SESSÃO MALOGRADA!
Ainda ontem não foi possível haver sessão, porque apenas compareceram os
Srs. Silva Pinto, Emilio da Fonseca, Meirelles, Santa Cruz e Oliveira Brito.
O Sr. Piragibe estava em casa, porém não veio ocupar a sua cadeira ao toque
do tímpano; o Sr. Chavantes chegou depois de declarar o Sr. Silva Pinto que
não havia sessão.
32
O Sr. M. de Carvalho mandou participar que deixava de comparecer porque
teve denúncia de que alguns indivíduos pretendiam desacatá-lo no Paço
Municipal; o Sr. Pinto Guedes deu parte de doente (DIÁRIO DE NOTÍCIAS,
18/10/1885).
CÂMARA MUNICIPAL
Não houve ontem sessão, apesar de extraordinária e para assuntos relativos à
saúde pública.
Compareceram os Srs. Pereira Lopes, Pinto Aleixo, Piragibe, Rabelo,
Alexandrino do Amaral, Santa Cruz, Nunes de Sousa, João Luiz, Possollo e
Costa Ferraz.
O Sr. Pereira Lopes, alegando não a importância do assunto da
convocação extraordinária, como a urgência e necessidade de negócios
relativos ao matadouro, pediu aos seus colegas que tivessem a bondade de
comparecer amanhã, ao meio-dia.
O Sr. Santa Cruz declara que amanhã não pode comparecer.
O Sr. Pereira Lopes marca então a próxima terça-feira.
O Sr. Costa Ferraz declara que na terça-feira não pode comparecer; é médico,
vive da clínica, precisa ver os seus doentes....
O Sr. Possollo diz que o serviço municipal pretere os mais...
O Sr. Costa Ferraz: Não os meus doentes.
O Sr. Possollo: Então resigne o cargo.
Finalmente, o Sr. Pereira Lopes convidou os Srs. vereadores a reunirem-se
amanhã, ao meio-dia (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 28/03/1886).
O que chama atenção nos fragmentos é a falta de compromisso ou, em outras
palavras, falta de espírito de municipalidade dos vereadores. Vale ressaltar também a
visão que o jornalista tinha a respeito do legislativo municipal. A forma dialogada,
como se fosse um texto de teatro, mostra o episódio como um grande espetáculo. De
fato, a política, era personagem fixo nas revistas de ano.
Levando-se em consideração que 1886 era ano de eleições gerais e provinciais, o
jornal abriu espaço para os três partidos políticos: Republicano, Conservador e Liberal.
Nessas eleições Joaquim Nabuco conseguiu se eleger deputado pelo 5º distrito da
província de Pernambuco, gerando um grande contentamento em Artur Azevedo, que
dedicou um artigo inteiro ao assunto. Nas mesmas eleições concorreram também os
republicanos Quintino Bocaiúva, Ubaldino do Amaral e José do Patrocínio, pelo 1º, e
3º distritos da Corte, respectivamente.
De forma aleatória, por todo o corpo do periódico havia notícias sobre vários
pedidos de exoneração e notas de nomeação de bacharéis para cargos públicos. Na
mesma medida, o periódico mostrava uma gama de concessões de licenças aos
funcionários públicos e professores, o que mostra que o mero de afastamentos do
funcionalismo público brasileiro é uma herança cultural. Até mesmo a Pedro Américo e
a Silvio Romero, este professor de Filosofia do externato Pedro II, e aquele, professor
de história das Belas Artes, estética e arqueologia da Academia de Belas Artes, foram
33
concedidos seis meses de licença, conforme nota publicada em 14 de novembro de 1885
e 27 de março de 1886, respectivamente.
A parte sangrenta era composta por notícias de assassinatos, suicídios, guerras
dos capoeiras, epidemias, prisões efetuadas e arbitrariedades cometidas pela polícia. As
cenas de violência eram ainda apresentadas no “Júri”, seção na qual registravam-se os
julgamentos ocorridos, seguidos de uma súmula de cada caso. Como os outros jornais
da época, o Diário apresentava um caráter um tanto sisudo, que as matérias eram
dispostas em longas colunas, muitas vezes sem cabeçalho; a solução encontrada para
romper com essa característica foi apelar para o humor, tentando dar um cunho mais
jocoso às notícias. Eis alguns exemplos:
Alguns bilhetes de loteria, furtados na rua da Uruguaiana n. 156, abriram
anteontem as portas do xadrez ao Sr. Apolinário Tomás da Silva (DIÁRIO
DE NOTÍCIAS, 06/07/1885).
- Quero suicidar-me! Quero suicidar-me!
Tal era o grito que atroava os ares anteontem, às 8 horas da noite, na praça D.
Pedro II.
Admirando-se o rondante e com razão, pois quem deseja mesmo ir desta para
melhor, não o apregoa, dirigiu-se para o lugar donde partiam os gritos.
Verificou então serem eles soltados por José Nogueira Soares, que fazia
aquele escarcéu por ter sido vítima de dois gatunos que lhe bifaram 224$,
dando-lhe em troco um pacote de fumo.
Compreende-se, pois, que o Sr. Soares estivesse fumando e que de suicida
tivesse só ares (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 07/08/1885).
João Câmara é doido por pássaros que nem macaco por banana.
Ao passar anteontem pela praça das Marinhas, viu uma gaiola cheia deles, e
como a ocasião faz o ladrão João Câmara passou a mão na gaiola e as
estas horas estaria longe, se a polícia não lhe fizesse a ele o que o outro
fizera aos pássaros: metê-lo na gaiola (DIÁRIO DE NOTÍCIAS,
05/10/1885).
Chama-se a atenção da polícia para certos trovadores de esquina, de Niterói,
que alta noite incomodam as pessoas que estão entregue às delícias de
Morfeu.
Os tais trovadores vêm sempre da Corte acompanhados pelas respectivas
Dulcinéias, mas quando se despedem levam consigo galos, galinhas, cortinas
e muchas cositas mais! (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 04/01/1886).
Eles eram três: José Maria Correia, Firmino José da Silva e Manoel Bulhões
Franco; juntaram-se porque a união faz a força, e invadiram a chácara de José
Ferreira Bonito, na rua de Dona Ana Néri, de onde trataram de carregar
tijolos e mais tijolos...
Bonito achou feio isto de lhe invadirem a propriedade e... apitou, sendo
apanhada a trindade com a boca... na olaria e transferida para o forno da
estação, que é o xadrez (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 29/01/1886).
Antonio Luiz Esteves foi preso anteontem pelo simples fato de ser
encontrado conduzindo, às 10 horas da noite, um porco dentro de um cesto,
sem saber explicar a procedência (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 26/03/1886).
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Ontem, ás 2 horas da madrugada, foi preso na rua do Senador Pompeu,
Joaquim Mariano, por ser encontrado conduzindo em dois sacos, 1 galo, 6
galinhas e 2 frangos e não saber explicar a sua procedência.
Saiu-lhe cara a canja projetada! (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 27/03/1886).
BANQUETE...FRUSTRADO
Anteontem foi encontrada abandonada na rua do Passeio uma trouxa
contendo uma garrafa de vinho fino, uma lata com marmelada, dois bolos
ingleses, três maçãs, duas laranjas e lingüiças, que fora desprezada por um
gatuno, que evadiu-se por ter avistado o rondante.
Malvado o tal rondante!
Aquele banquete devia fazer as delícias do honrado cavalheiro que o
encomendara... à sua ligeireza (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 20/05/1886).
O apoio à arte era dado através de três espaços: o “Folhetim” de rodapé, onde se
publicavam traduções de romances em capítulos, aparecia na primeira e na segunda
página com a publicação de dois romances diversos, geralmente de origem francesa. Em
temporada de ópera lírica, suprimia-se o capítulo do romance que vinha à primeira
página, e o espaço era cedido para que Roberto Benjamin, violinista e diretor de
concertos do clube Beethoven, escrevesse a crítica às óperas cantadas. O “Foyer” era
uma espécie de agenda cultural do Diário de Notícias, embora essa cultura se
restringisse ao teatro. Nessa seção divulgava-se a programação diária dos mais
importantes teatros do Rio de Janeiro: São Pedro de Alcântara, Pedro II, Recreio
Dramático, Lucinda, Fênix Dramática, Sant‟Anna, Politeama e Príncipe Imperial. À
lista dos espetáculos em cartaz, seguiam-se comentários bastante lacônicos, não
somente acerca do movimento teatral da capital do Império, como também de outras
cidades do país e até mesmo de várias partes da Europa. Assim como no restante do
Diário, às vezes, nessa seção também apareciam histórias engraçadas e curiosas:
Houve no teatro Her Magesty, de Londres, um escândalo incrível. A
orquestra não quis tocar, porque lhe não pagavam; depois os carpinteiros não
quiseram mudar o cenário pelo mesmo motivo. Como a orquestra afinal se
acomodara, o diretor propôs ao público substituir o resto do espetáculo pelo
hino nacional. O público insurgiu-se e começou a partir as cadeiras. Os
coristas e as bailarinas vieram para a sala declarar que morriam de fome, e
pedir esmolas pelos camarotes. O público atirou para a cena aos maquinistas
moedas de cobre, que eles apanhavam, jogando o murro uns com os outros. O
diretor, entretanto, fugia levando a receita da noite. Esta balburdia, que não
tem precedentes, durou duas horas, sem que aparecesse um polícia
(FOYER, 04/04/1886).
As crônicas da vida artística também eram mostradas no “De palanque”, seção
assinada por Artur Azevedo com o pseudônimo de Eloi, o herói. Ao contrário do
“Foyer”, naquela havia espaço para as manifestações artísticas, em sentido amplo:
literatura, música, pintura, escultura e, principalmente, teatro constituíam o objeto de
35
interesse do cronista, como veremos adiante. Com o passar do tempo, os comentários
feitos nessa última seção se tornaram mais extensos, assumindo características de crítica
teatral, o que representava uma espécie de concorrência interna para Artur Azevedo.
Essa foi apenas uma breve caracterização do Diário de Notícias, mas ao final
dessa Dissertação disponibilizamos algumas ilustrações que oferecem uma visão mais
ampla do que foi esse periódico.
3 Artur Azevedo tecendo uma “manta de retalhos”
Mas a Semana vai indo, que para alguma coisa
de servir a força de vontade de três ou quatro rapazes
vigorosos e bem intencionados.
Ela abrirá uma picada na mata virgem do bom gosto
público, porque tem bons músculos, e adotou por divisa
o quand même dos resolutos.
[...]
Hoje um concurso de poesia, amanhã uma discussão
literária, depois isto... e depois aquilo... e o público se
habituará a ler a Semana, e a Semana terá prestado
um serviço comparável ao desses heróicos
missionários que se embrenham nos sertões para
catequizar os aborígines.
ARTUR AZEVEDO, 30 de julho de 1885.
Comecemos esse tópico com uma espécie de carta-programa publicada por Artur
Azevedo:
Nestas colunas tratarei de tudo, menos do que não entendo, analisando
frivolamente quid deceat, quid non. Apreciação ligeira de um quadro que se
expõe, de uma peça que se representa, de um fato que se produz, de um livro
que se publica; hoje uma frase lisonjeira a este artista; amanhã uma catanada
naquele mau poeta; efêmeras impressões, escritas sem pedantismo nem outra
pretensão que não seja a de conversar com o leitor durante alguns minutos;
orgulhoso propósito de não deixar desaforo sem resposta, parta de onde partir
eis o que sempre foi o Palanque no Diário de Notícias, e o será nas
Novidades (DE PALANQUE, 26/03/1887).
Devido à impossibilidade de transcrevermos o programa jornalístico das próprias
páginas do Diário de Notícias, uma vez que, na coleção microfilmada do Arquivo Edgar
Leuenroth, na Unicamp, a metade do primeiro número desse jornal se encontra
mutilada, retiramos o trecho transcrito do periódico Novidades, para onde o cronista
migrou com sua seção em uma das vezes que deixou de colaborar no jornal em que
36
surgiu o “De palanque”. Com a proposta citada, o papa da crítica teatral evidencia que
seu interesse estava ligado a todos os assuntos que agitavam a sociedade fluminense,
embora, em aproximadamente 70% de todas as crônicas que compõem nosso corpus, o
redator tenha privilegiado o mundo artístico, seja no âmbito do teatro, da literatura, da
música, da pintura e da escultura, o que revela o empenho de um intelectual com a
cultura brasileira.
Tendo em vista a posição de destaque que ocupava na imprensa, e na condição
de formador de opinião, Artur Azevedo utilizava sua coluna diária como veículo de
intervenção política, social, artística e cultural, através do qual expunha seu modo de
pensar, tentando mudar a mentalidade de um povo que ele mesmo classificava como
indiferente, sobretudo em matéria de arte. Não seria exagero afirmar que a coluna sobre
a qual nos debruçamos era uma forma de divulgação da cultura letrada numa sociedade
de iletrados.
O fato de essas crônicas serem escritas diariamente oferecem ao leitor a
possibilidade de acompanhar as minúcias do movimento cultural da capital do Império,
nos anos de 1885 e 1886. Além do repertório teatral da época, é possível conhecermos
um pouco mais sobre os agentes envolvidos nesse contexto, uma vez que o cronista deu
destaque também para aspectos como: a brevidade de algumas empresas teatrais, a
instabilidade profissional dos artistas, a precária condição financeira dessas pessoas e o
esquecimento a que eram entregues na velhice. Nesse sentido, podemos atestar que suas
crônicas tinham a particularidade de mostrar um lado da vida artística que, a priori, o
público não via ou fingia não ver.
Nas crônicas que se referem à crítica teatral, percebemos a intervenção de um
crítico bastante exigente no que se refere à representação, incluindo-se, aí, gestos,
olhares, cenários, figurinos, enfim, todos os elementos considerados pela teoria da
representação como responsáveis pelo sucesso de público de uma produção teatral. E
aqui cumpre destacar o valor da crítica de um intelectual que também desempenhava a
função de autor dramático em constante atividade e, enquanto tal, conhecia a fundo a
matéria a que se propunha comentar. Característica que não se atribuía a seus
contemporâneos, como Filinto de Almeida, Valentim Magalhães, Luiz de Castro, Carlos
de Laet, Oscar Pederneiras, enfim, toda uma geração constituída mais de espectadores
do que de dramaturgos, uma vez que a produção teatral de cada um deles era ínfima, se
comparada à de Artur Azevedo.
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As companhias teatrais, cujo objetivo primeiro era manter-se em funcionamento,
buscando agradar o público e, dessa forma, garantir emprego para uma gama variada de
profissionais e, na mesma medida, obter lucros, também têm suas histórias no “De
Palanque”. Além disso, a cena teatral configurada nos textos dessa seção mostra a
estética do final do século XIX, ou seja, o modo de representação dos artistas, a
encenação, o figurino, enfim, todos os elementos privilegiados por uma crítica que se
pautava mais no espetáculo e menos no texto.
E por último, as crônicas em questão retratam um período fortemente marcado
pela idéia de regeneração do teatro nacional, sendo que a produção desse teatro
envolvia, principalmente, pessoas vindas da Europa, o que o tornava, por assim dizer,
dependente desse continente. Nesse sentido, os textos de Artur Azevedo são um objeto
de reflexão sobre o papel do teatro europeu, em particular, o português (com
empresários e atores), o francês (com os gêneros opereta, mágica e revista de ano) e o
italiano (com cenógrafos) para a formação da dramaturgia brasileira.
Na concepção de muitos artistas anônimos, o “De Palanque” representava uma
oportunidade de projeção no mundo das letras. Através dessa seção, o poeta Olavo Bilac
foi apresentado ao público fluminense, em 12 de dezembro de 1885. Raimundo Corrêa e
Alberto de Oliveira também subiram ao palanque conduzidos por Artur Azevedo. Esse
era o modo encontrado pelo cronista para colocar o leitor em contato com versos bem
escritos, como ele próprio dizia.
Além do exemplo de Bilac, que enviou dois sonetos ao cronista, percebemos
uma gama de cartas nas quais os leitores pediam apreciação sobre poemas, pedidos estes
que o cronista atendia de imediato, criticando formas e sugerindo sempre que a arte
literária requer conhecimentos indispensáveis e muito estudo. Muitas vezes, porém, ele
respondia de modo extremamente satírico, chegando mesmo a ridicularizar a imagem do
aspirante a poeta. Sempre que recebia em mãos uma nova produção literária Artur
Azevedo discorria sobre ela, embora não se considerasse um crítico.
Pensando um pouco mais em sua área de atuação, podemos assinalar que suas
crônicas representam um microcosmo cultural do Brasil nos anos para os quais nos
voltamos. Como dissemos, o crítico se preocupava com a vida artística e cultural em
sentido amplo. Por isso, sempre que passava na Glace Élégante, na galeria Moncada, no
ateliê de Laurent de Wilde e na casa comercial de J. Vieitas trazia para os leitores sua
apreciação sobre quadros expostos nos referidos estabelecimentos culturais. Agindo
dessa maneira, divulgava os trabalhos de pintores ilustres, como os dos brasileiros
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Victor Meirelles, Pedro Américo, Antonio Parreiras e Henrique Bernardelli, e dos
estrangeiros Thomaz Driendl, Benno Treidler e Henri Langerock, mas também os de
alguns aspirantes anônimos nessa arte. Consciente do nível de circulação do jornal para
o qual escrevia, Artur Azevedo utilizava-se do espaço do “De Palanque” para fazer
campanha em prol das Belas Artes e para reclamar um espaço permanente para a pintura
na imprensa. Foi através de sua seção jornalística que o crítico tentou ajudar Victor
Meirelles a angariar fundos para a realização de um projeto de pintura do panorama da
cidade do Rio de Janeiro. Convocando os leitores a colaborar, alegava que era essa a
forma de proteger a arte e ainda contribuir para o engrandecimento do país, visto que o
referido quadro seria pintado em Paris, viajaria pela Europa e pela América a chegar
ao Rio de Janeiro, onde ficaria definitivamente exposto.
Ainda no âmbito das Belas Artes, o crítico dava espaço também para a escultura,
comentando e divulgando trabalhos de artistas como Cândido Caetano de Almeida Reis
e Rodolfo Bernardelli, escultor mexicano naturalizado brasileiro, que mais tarde seria
professor da academia de Belas Artes.
Não se considerava um crítico literário e crítico também não era em assuntos de
música, mas mesmo assim aventurava-se nessa arte e mostrava no “De palanque” os
trabalhos de músicos e maestros como Miguel Cardoso, Abdon Milanez e Cardoso de
Meneses. Outras vezes, cedia a palavra para Fétis, pseudônimo de Joaquim de Almeida,
colaborador da Gazeta Suburbana, e crítico de música.
Se o jornalista maranhense empenhava-se em contribuir para a divulgação da
arte e da cultura, por outro lado não esquecia os problemas da vida comum. Nesse
sentido, o “De Palanque” funcionava como veículo de utilidade pública, tendo em vista
que, através dele, tratava de problemas de infra-estrutura que atingiam diretamente o
povo: a seca, a distribuição de água, as enchentes, a falta de escoamento para a água
da chuva, além de problemas que afetavam a moralidade pública, como a prostituição e
a exposição de mulheres seminuas nos desfiles de carnaval. Contemplando essas duas
esferas a cultural e a social como matéria jornalística, o cronista satisfazia o gosto de
dois tipos de leitores: o primeiro tipo, mais letrado e preocupado com as minúcias da
vida cultural e, o tipo mais comum, com menos escolaridade, mas que também se
identificava com os relatos de Artur Azevedo, uma vez que via os assuntos que faziam
parte de sua realidade comentados no jornal. Enfim, seus relatos revelam vários
problemas de funcionamento de uma sociedade que aspirava à modernização.
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O autor de O Bilontra procurava na realidade em que vivia inserido o assunto
para sua crônica diária. Por isso, esses textos são as várias histórias de uma sociedade
que tentava se modernizar e construir uma identidade própria, porém, sempre com os
olhos voltados para o modelo europeu. O fato de o cronista abranger um leque tão
variado de assuntos torna o De palanque” um material rico em pesquisa não para a
área de Letras, mas também para as Ciências Sociais, a História e a Comunicação. Com
essas crônicas podemos ainda esboçar o perfil psicológico de um intelectual que viveu
as contradições, ou frustrações, de ser um folhetinista que usava a imprensa para
defender a produção de um teatro com valor literário, mas que escreveu dezenove
revistas de ano e várias operetas, gêneros dramáticos considerados por muitos dos seus
contemporâneos como obra de arte de menor valor. Outros homens de letras do século
XIX, como Joaquim Manoel de Macedo e José de Alencar, também tentaram contribuir
com alguns dramas e comédias para a criação do teatro nacional, no entanto, logo
abandonaram o sonho para se dedicar à carreira de romancistas. Até onde sabemos,
Artur Azevedo foi o único intelectual que jamais abandonou o labor incessante de
escrever para o teatro, paralelamente ao exercício da função de jornalista e ainda à
ocupação de um cargo no serviço burocrático.
Em que pesem as contradições ou as acusações, o que vale ressaltar é que seja
no Diário, ou em outro jornal no qual colaborou, Artur Azevedo manteve-se fiel à sua
proposta de levar arte e cultura para seus leitores. E a forma que encontrou para realizar
seu projeto foi através da linguagem satírica, irônica, jocosa e leve de sua crônica. Num
momento em que o Brasil ainda mantinha um sistema econômico baseado no trabalho
escravo o que também era uma inquietação para Artur Azevedo e que mesmo assim
aspirava à modernização, os textos do cronista revelam a preocupação de um intelectual
empenhado em colaborar para a construção de um país civilizado. Na mesma medida,
os textos mostram um brasileiro preocupado com a imagem que o outro tinha a respeito
do Brasil. Arte e cultura eram características essenciais de um povo civilizado, daí a
recorrência de crônicas escritas com essa temática.
40
4 Aspectos formais das crônicas
quem se queixe da falta de assuntos: eu queixo-me
exatamente do contrário.
O meu tinteiro está cheio de assuntos, mas, para que
não ficasse nenhum dentro, seria preciso fazer deste
artigo uma verdadeira manta de retalhos: era isso o
que eu desejava evitar.
ARTUR AZEVEDO, 04 de julho de 1885.
A julgar pelo programa jornalístico de Artur Azevedo transcrito neste
trabalho podemos observar que suas crônicas eram uma verdadeira “manta de
retalhos”, utilizando aqui uma expressão do próprio cronista. Para falar sobre o aspecto
formal dessas crônicas podemos tomar de empréstimo a caracterização de Margarida de
Souza Neves, no ensaio “História da crônica. Crônica da história”, contido no livro
Cronistas do Rio (1994). Para a historiadora, a crônica moderna possui um tom leve
e busca sempre ser acessível a todos os leitores. Sua marca de identidade é a
de ser comentário quase impressionista. A escolha de seus temas é
supostamente arbitrária e a liberdade preside sua construção. Sua forma é,
por definição, caleidoscópica, fragmentária e eminentemente subjetiva
(NEVES, 1994, p. 20).
São essas características que encontramos nos artigos do “De palanque”. Alguns
eram inteiramente dedicados a assuntos específicos, porém, em outros, o jornalista fazia
uma miscelânea de assuntos sem que, muitas vezes, houvesse relação alguma entre eles.
Costumava separá-los apenas por asterisco. Na composição dos textos, o jornalista
utilizou as formas de cartas, recortes de jornal, propagandas, versos, notas de rodapé e
até post-scriptum, como veremos agora alguns exemplos. Além disso, tratou de algumas
questões de forma extremamente debochada, provocando o riso no leitor.
Paralelamente à colaboração no Diário de Notícias, Artur Azevedo trabalhava
como funcionário público e ainda mantinha uma intensa atividade na escrita de contos,
poesias e, claro, várias peças de teatro. Acreditamos que essa agitada rotina profissional,
aliada ao caráter diário da publicação do “De palanque”, exigiu do cronista a
necessidade de criar mecanismos que facilitassem a elaboração dos seus artigos. Por
isso, em algumas crônicas, ao invés de se preocupar em relacionar idéias no mesmo
parágrafo e intercalar frases explicativas, o cronista utilizou notas de rodapé, que
vinham logo após a assinatura do artigo, como ocorre no “De palanque” de 8 de maio de
1886:
41
O chefe desta singular e interessante família de artistas (1) era homem
modesto e ao mesmo tempo incorrigível boêmio; nem a glória jamais
fascinou a este poliglota, que tinha sempre muito espírito, qualquer que fosse
o idioma em que conversasse nem ele almejou posição mais elevada que a de
mestre de dança e músico de teatro, contanto que os braços ou as pernas lhe
dessem para atamancar a vida, e saborear, depois do espetáculo, o infalível
copo de cerveja no Stadt Coblenz (DE PALANQUE, 08/05/1886).
A crônica em questão foi escrita por ocasião da morte de Oscar Bernardelli, pai
de três rapazes honestos e dignos Rodolfo, Henrique e Félix, escultor e pintores,
respectivamente como havia sido explicitado pelo articulista no parágrafo
precedente a este que destacamos. A nota inserida neste excerto refere-se a esta
informação: “Como se sabe, Celestina Bernardelli, que sobrevive a seu esposo, foi no
seu tempo bailarina de primo cartello, e, como tal, apreciada e aplaudida pelos
fluminenses” (DE PALANQUE, 08/05/1886). Com a inserção desta nota, o cronista
justifica a generalização do parágrafo, ao chamar “família de artistas” e traz um dado
novo para o leitor, que, possivelmente, não era conhecimento de todos que Celestina
teve a profissão de bailarina. Esse é apenas um exemplo entre os vários outros por nós
encontrados. Na crônica de 29 de outubro de 1885 o jornalista inseriu 11 notas, e na de
30 de outubro do mesmo ano utilizou uma única nota, porém, contendo 286 palavras.
Outras vezes, recorreu também ao post-scriptum, quando precisou acrescentar
informações que chegavam após a conclusão do artigo.
Trechos com diálogos entre dois interlocutores foram inseridos nos artigos com
bastante freqüência. Difícil dizer até que ponto a redação das crônicas funcionou como
exercício para a atividade do dramaturgo ou esta auxiliou o trabalho do cronista. O fato
é que conseguimos identificar em nosso corpus ao menos uma crônica, cujo conteúdo
em forma de diálogo, migrou para o enredo de uma revista de ano. Em 2 de setembro
de 1885, Artur Azevedo escreveu um artigo no qual comentava uma visita que o
imperador fizera ao corpo de bombeiros. No final da crônica, com o objetivo de
contrapor a excelência desse órgão a uma cidade com vários problemas de infra-
estrutura, o cronista criou uma cena na qual tomavam parte um estrangeiro e um
brasileiro:
- Oh! vocês têm um exército mal organizado! Que marinheiros! que gente!
- Pois sim; mas temos o corpo de bombeiros, que é um dos melhores do
mundo!
- As ruas do Rio de Janeiro são mal calçadas, e não primam pelo asseio.
lugares em que é impossível passar sem tapar o nariz.
- Isso é verdade; mas há de reconhecer que o nosso corpo de bombeiros...
- Os edifícios públicos são uma stima: o Mercado é irrisório, a Câmara dos
Deputados indigna de uma capital civilizada, o Paço da cidade ridículo.
- Entretanto o corpo de bombeiros...
42
- Os jardins públicos são mal tratados; a limpeza das praias é mal feita; o.. a...
- Que tem isso, se o corpo de bombeiros...
- Não um teatro digno desse nome; não literatura, não arte, não
estímulo...
- Mas há o corpo de bombeiros!
- Finalmente, vocês precisam reformar tudo!
- Menos o corpo de bombeiros! (DE PALANQUE, 02/09/1885).
Ao escrever O Homem, revista dos acontecimentos de 1887, o dramaturgo
resgatou o episódio, na cena IX, quadro 5, no ato, causando revolta a um leitor que,
sob o pseudônimo Imparcial, escreveu para a seção “A pedidos” da Gazeta de Notícias
ressentindo-se da atitude do autor da revista:
Isso é imperdoável, meu caro Eloi, o herói!
Por pior que seja esta terra, não merece de sua pena epigramas como os do
segundo ato do Homem.
Não há brasileiro que se não revolte contra tanta injustiça.
Para Artur Azevedo só há no Brasil uma coisa: o corpo de bombeiros!
É preciso que se tome em consideração o seguinte: numa revista, numa
comédia, por mais leve que nos pareça o chiste, e por mais disfarçada que
esteja a verdade, transparece sempre a intenção do autor (Apud GAZETA DE
NOTÍCIAS, 09/01/1888).
A intenção do cronista, ao escrever esse episódio, não teria sido outra senão
cobrir os fluminenses de remoque, assim pensava o Imparcial. A leitura ingênua do
autor da carta não permitiu que ele percebesse a crítica acerba feita pelo jornalista
maranhense ao descaso das autoridades em relação à cidade do Rio de Janeiro. A
reiteração desse diálogo pelo cronista evidenciava que o tempo passava, mas os
problemas da cidade permaneciam.
Embora Artur Azevedo tenha iniciado o texto, cujo fragmento transcrevemos
acima, lembrando que as folhas, de um modo geral, noticiaram a visita surpresa do
imperador ao corpo de bombeiros, seu “De palanque” partiu da extensa nota publicada
no próprio Diário de Notícias, em 1 de setembro. Trata-se de um texto extremamente
tendencioso em enfatizar a rapidez e eficiência desse órgão, bem como em mostrar a
satisfação de d. Pedro II diante do que vê:
Ontem, à meia hora depois do meio-dia, Sua Majestade o Imperador,
acompanhado do seu veador o Sr. Visconde de Nioac, visitou a estação
central do corpo de bombeiros.
Chegando inesperadamente, Sua Majestade ordenou logo ao oficial de estado
que desse sinal de incêndio.
Dois minutos depois achava-se na rua “a prontidão”, constando de duas
bombas a vapor, uma outra manual, dois carros de materiais e seis pipas
d‟água, sob o comando do tenente Benevenuto.
[...]
Em seguida, ordenou Sua Majestade que fossem chamadas todas as estações
dizendo-se-lhes que havia incêndio no quartel.
Daí a 15 minutos chegava a bomba da estação da alfândega, não o fazendo
em menos tempo em conseqüência de estar atravancada a rua em que é
estabelecido o posto, e um minuto depois apresentava-se a bomba da estação
43
do Catete. Sua Majestade, olhando para o Sr. Visconde de Nioac, não pode
ocultar um sorriso de satisfação.
Em seguida, ordenou Sua Majestade que se fizesse a experiência da bomba a
vapor denominada Vanguarda, que fazia parte da prontidão estacionada em
frente ao edifício do quartel, e que funcionou com requinte de sete oitavos,
elevando-se o jato à altura de um segundo andar.
Depois disto Sua Majestade entrou de novo no quartel, onde, achando-se
reunido todo o pessoal, deu este começo a diversos trabalhos: subidas e
descidas por cordas; descida no saco de salvação, da altura de 30 metros,
pulos em ra-quedas simulando serem dados de sobrados de dois andares,
descidas por aparelhos de espiral e por escadas de salvação representando
pessoas mortas.
[...]
Retirando-se ás 2 e 15 da tarde, foi Sua Majestade acompanhado até ao
portão pelo comandante e oficialidade do corpo.
Ao despedir-se declarou Sua Majestade ao Sr. tenente-coronel Neiva que o
nosso corpo de bombeiros estava a rivalizar com o de Boston, que é um dos
primeiros do mundo que Sua Majestade conhece (DIÁRIO DE NOTÍCIAS,
01/09/1885).
Como se vê, a própria folha matutina ofereceu o mote para as críticas de Artur
Azevedo. Em seu artigo, o Rio de Janeiro foi comparado a um indivíduo que se vestia
mal, colocava um “chapéu impossível”, andava com o colarinho sujo, mas usava “um
par de sapatos irrepreensíveis, envernizados à moda”. Termina contestando a última
observação feita pelo imperador:
Que diabo! lá porque sabemos apagar um fogo melhor que os próprios
parisienses, não é bom que nos deixemos cegar por essa virtude a ponto de
não enxergar os nossos defeitos.
É preciso que os saibamos extinguir... como os incêndios (DE PALANQUE,
02/09/1885).
Ao que parece, o Imparcial é o tipo de leitor que dispensava leitura de jornais e
que foi representado na crônica de 30 de julho. Faltou-lhe repertório e espírito crítico
acerca da realidade à sua volta. O interessante da manifestação de desconforto de
leitores como esse é que ela oferece pistas para a recepção crítica das revistas de ano,
através de um outro ponto de vista que não seja o da crítica da imprensa. Nesse caso, o
leitor, também espectador comum dos teatros, vem ao jornal para se posicionar e expor
suas impressões acerca do que viu no teatro.
Os diálogos também aparecem nas crônicas em que o articulista abordava
assuntos que estavam em pauta no Rio de Janeiro. No ano de 1885, estava em discussão
um projeto de lei, que previa o fechamento dos estabelecimentos comerciais após as 14
horas, aos domingos e feriados. O assunto foi discutido no palanque através de uma
conversa entre Eloi e Manoel, um caixeiro português. Com a intrelocução dos dois, o
leitor entrava em contato com a rotina da classe caixeiral, contada com as próprias
palavras de Manoel, diretamente envolvido e interessado no assunto. Artur Azevedo
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tentava dar realismo ao diálogo informando que, em atenção ao leitor, corrigiu e
enfeitou as palavras proferidas pelo caixeirinho. Em alguns diálogos inseridos nas
crônicas, o jornalista chegou até mesmo a utilizar didascálias, o que os aproximava
ainda mais de um texto teatral. Pelos menos nos dois casos citados, o do corpo de
bombeiros e o do caixeiro, os diálogos foram uma forma encontrada pelo articulista para
problematizar e intervir em questões sociais do seu tempo. Com relação à crônica que
trata do fechamento das portas, é interessante notar uma certa duplicidade como
característica do cronista:
Ora, depois de ouvir estas palavras do caixeirinho, palavras que corrigi e
enfeitei em atenção ao leitor, entrei a pensar que o fechamento das portas é
realmente uma medida justa e humanitária.
Mas antes disso perdoe-me, ó Manoel! antes disso horripilava-me a idéia
de receber um belo domingo à tarde uma visita de cerimônia, precisar de
alguma coisa da venda, e a venda estar fechada.
Agora não! agora compreendo que os Srs. caixeiros celebrem ruidosamente
essas oito horas de liberdade, vulgarizem o Corcovado, o belo morro
desmoralizado pela estrada do Sr. Passos, e até impinjam ao vereador Santa
Cruz uma manifestação a óleo, obrigada a copo d‟água; tudo compreendo
agora!
Compreendo também que a empresa da companhia dramática italiana
ofereça à nobre classe caixeiral um espetáculo com o Luiz XI; sim,
porque a nobre classe tem tanta força de imaginação, que é capaz de
achar relação entre o famoso rei da França e o fechamento das portas
(Grifos meus) (DE PALANQUE, 12/07/1885).
Em um primeiro instante, o cronista parece realmente estar sendo solidário à
classe caixeiral. Porém, o leitor é surpreendido com o comentário de que “a nobre classe
tem tanta força de imaginação, que é capaz de achar relação entre o famoso rei da
França e o fechamento das portas”. A nosso ver, não resta dúvida de que se trata de um
grande deboche do cronista. A questão é: quais motivos levaram Artur Azevedo a fazer
um comentário dessa natureza? Seria uma sugestão de que a peça de Casimir Delavigne
exigia um público mais “requintado”? Ele agiu motivado apenas pelo interesse de fazer
divulgação da referida peça? De fato, em 12 de julho, Luiz XI foi levado ao palco do
teatro São Pedro de Alcântara, pela companhia dramática italiana que se achava em
excursão no Rio de Janeiro. Além do mais, era domingo, exatamente o dia destinado ao
descanso dos caixeiros, daí a informação de que o espetáculo era oferecido a eles. De
qualquer forma, conforme nota do Diário, a lei começou a vigorar em 1886:
Começou ontem a vigorar a lei recentemente aprovada pela assembléia
provincial sobre o fechamento das portas.
De meio-dia em diante, à exceção das farmácias, cafés, bilhares, restaurantes
e hotéis, fecham-se todos os estabelecimentos comerciais, incorrendo o
infrator da postura na multa de 30$000 (DIÁRIO DE NOTÍCIAS,
17/05/1886).
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Com a lei em vigor, os teatros puderam contar com mais um grupo de
espectadores nos finais de semana e feriados. Mesmo sem saber se os caixeiros tinham
“espírito” para entender uma peça como Luiz XI, o que importava era o benefício que os
empresários teriam com aumento da receita.
Uma característica que já apontamos quando da apresentação do Diário de
Notícias, e que também encontramos nas crônicas de Artur Azevedo, é a habilidade que
tinha para provocar riso com os assuntos sérios sobre os quais se debruçava. Em 1885,
chegou ao Rio de Janeiro, a bordo do vapor Biela, um sujeito chamado Aquiles
Bargossi: um andarilho que carregava a fama de percorrer quilômetros e mais
quilômetros a pé. A rapidez deu-lhe a alcunha de “homem locomotiva”. Dispunha de tal
prestígio que algumas vezes seu nome foi assunto na primeira página do Diário de
Notícias. Também fora notícia nos principais jornais europeus. Segundo um articulista
do Diário, era a primeira vez que visitava a América, sendo o Rio de Janeiro a cidade
escolhida para estréia. Na capital do Império, passou a se apresentar publicamente em
alguns clubes esportivos, como o Derby Fluminense e o clube Atlético Fluminense.
Como o andarilho estava em pauta na imprensa, Artur Azevedo também o fez
subir ao palanque, na crônica de 31 de julho de 1885, inteiramente a ele dedicada. Aqui
vale a pena abrir um parêntese para elucidar a habilidade do cronista em utilizar as
qualidades do visitante ilustre para problematizar duas questões referentes à estrutura do
país; na primeira delas, Eloi emprega duas idéias de movimento, rapidez e lentidão,
para criticar o atraso do país: “Um homem que tanto corre deve ser, realmente, objeto
de admiração num país que tão lentamente caminha”(DE PALANQUE, 31/07/1885).
Na segunda, aproveita-se dos “músculos de ferro” de Bargossi para criticar o “vício” da
população em andar de bonde e, em seguida, enfatizar o mau funcionamento desse
sistema de transportes:
Enquanto tivermos bonds para todos os sítios, cruzando-se em todos os
sentidos e exigindo um magro tostão para transportar a gente de um ponto a
outro da cidade, não teremos pernas; o bond encarrega-se de lhes afrouxar
os músculos, quando não se incumbe de operação mais sumária: parti-las ao
meio com as suas rodas malditas (DE PALANQUE, 31/07/1885).
Fechando o parêntese, e voltando a falar da característica do cronista enquanto
jornalista que tratava de assuntos sérios, porém, de forma cômica, passado algum
tempo, mais precisamente em 6 de dezembro do mesmo ano, o cronista voltaria a se
ocupar do “célebre andarilho” em sua coluna diária:
No mesmo lugar em que escrevo neste momento, o andarilho Bargossi
gabava-se, pouco tempo, do admirável vigor dos seus músculos e da sua
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prodigiosa saúde. O homem locomotiva aconselhava-me que aprendesse com
ele a percorrer grandes distâncias sem cansar, se quisesse viver os anos que
viveu Matosalém, e os que ele, Bargossi, esperava viver.
Entretanto, a locomotiva acaba de descarrilhar (Grifos do autor) (DE
PALANQUE, 06/12/1885).
Aquiles Bargossi foi vítima de uma febre cerebral que o acometeu durante um
percurso feito a pé, e sob um sol de rachar”, entre as cidades de Buenos Aires e La
Plata. O tom satírico dado à notícia permanece nos comentários subseqüentes, quando o
cronista escreve que o andarilho “foi andando para o outro mundo mais depressa do que
desejava” e, ainda, que a vítima “lembrava-se dos músculos mas esquecia-se dos
miolos”. E por fim, os únicos andarilhos possíveis seriam os camelos. Nesta crônica,
ficam claros os mecanismos utilizados pelo jornalista para dar a um assunto sério, no
caso em questão a morte, um tom mais jocoso.
O procedimento formal da crônica de 25 de agosto é bastante curioso. Nela, o
cronista conta a história de uma visita feita a um suposto amigo que “teve o mau gosto
de aceitar o inglório cargo de suplente de subdelegado de polícia numa freguesia da
Corte (DE PALANQUE, 25/08/1885). É a partir dessa conversa que Eloi lança mão de
“uma coleção de documentos curiosos”, escolhendo aleatoriamente alguns deles para
utilizar como assunto do palanque do dia seguinte. Na verdade, os referidos
“documentos curiosos” nada mais eram do que cartas e ofícios enviados ao
subdelegado. Artur escolhe os escritos de um cabo de esquadra, os de um preso e os de
um inspetor de quarteirão para compor seu artigo. Do ponto de vista do conteúdo, as
cartas não oferecem curiosidade alguma. Porém, do ponto de vista formal, apresentam
sérios problemas de articulação de idéias, de ortografia e de pontuação.
Não temos como afirmar se os fragmentos citados no artigo em questão são
verdadeiros ou são obras da imaginação, que uma imprecisão do cronista sobre a
localidade em que se deu o fato. Apenas sabemos que seu amigo era suplente de
subdelegado de polícia não sei de que distrito de uma das mais importantes freguesias”
do Rio de Janeiro (DE PALANQUE, 25/08/1885). Além do mais, os três fragmentos
escolhidos pelo jornalista estavam assinados com a mesma inicial: F. Com isso, estaria
ele sinalizando para o leitor que os trechos eram fake? Mesmo assim, o nosso
argumento é o de que o cronista opta por esse procedimento para fazer uma crítica um
tanto velada à deficiência escolar das pessoas que ocupavam cargos dentro da força
policial, o que redunda no questionamento da capacidade dessa instituição para cumprir
as obrigações que lhes são devidas. Na mesma medida, incluindo na cnica a suposta
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carta do preso o jornalista evidencia o baixo grau de instrução de uma população que
formaria a massa de mão-de-obra de uma cidade em processo de modernização.
O uso da linguagem exagerada, beirando o sensacionalismo, é bastante
recorrente nos textos de Artur Azevedo. Esse tipo de linguagem usada por ele evidencia
o seguimento a uma tradição que pode encontrar referência em folhetinistas como
Joaquim Manoel de Macedo e Salvador de Mendonça quando se voltavam para João
Caetano. Segundo Décio de Almeida Prado, “o entusiasmo, não encontrando
equivalências racionais para a incandescência do sentimento, não tem outro caminho
senão recorrer à hipérbole, à metáfora e à linguagem poética (PRADO, 1972, p. 106).
Essa particularidade pode ser observada, sobretudo, nas crônicas em que se voltava para
artistas do teatro. Em 2 de julho de 1885, o cronista admirava-se do fato de a atriz
Jeanne Granier, “uma estrela de primeira grandeza” estar “caída entre nós do
firmamento da opereta parisiense” sem que houvesse “repórter bastante abelhudo que
descobrisse por que revolução metereológica esse astro veio parar à praça da
Constituição” (DE PALANQUE, 02/07/1885). Artur utiliza vocábulos pertencentes ao
campo semântico da astrologia (firmamento e astro) para se referir à chegada da atriz.
Ao fazer isso, ele põe o “astro” num plano além do plano terrestre. Neste contexto, a
palavra “revolução” por si encerra um exagero, visto que se trata apenas da visita
de uma atriz famosa a uma determinada cidade brasileira. Porém, para completar o
exagero, o cronista acrescenta ao substantivo destacado o adjetivo “metereológica”;
outra vez uma palavra oriunda de um campo semântico que transcende o terrestre.
Segundo o jornalista, “a viagem da endiabrada e fulgurante atriz encerra um
segredo profundo”, que não lhe é permitido revelar (DE PALANQUE, 02/07/1885). Se
a atriz foi chamada de “astro”, era um astro reluzente, até nenhuma novidade; porém,
o exagero é mantido no instante em que a caracterização parte para o campo do profano:
Jeanne Granier era um “astro” “fulgurante” e “endiabrado”. Possivelmente, o adjetivo
“endiabrada” foi usado de forma alusiva à performance da atriz nos mais variados
papéis que representava nos palcos, pois, como Eloi deixa claro no seu texto, ele a
havia conhecido durante a viagem que fez a Paris em 1883. De qualquer modo, a
escolha desse adjetivo não deixa de ter um cunho de exagero. E por último, o uso de
mais um qualificativo: a palavra “profundo” para o substantivo “segredo”.
A idolatria de Artur Azevedo ficava mais explícita quando se tratava de outras
atrizes européias mais notáveis, como a portuguesa Lucinda Simões, a italiana Eleonora
Duse e a francesa Sarah Bernhardt, que estiveram no Brasil entre 1885 e 1886. Por
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ocasião da festa artística de Duse-Checchi, o cronista dedicou todo um artigo ao
acontecimento. Como havia algumas peças comuns ao repertório de todas as
companhias teatrais, era inevitável o confronto entre a performance dos artistas. O
espetáculo de que tratamos levou à cena o drama A Dama das Camélias, de Alexandre
Dumas Filho, que havia sido representado no Brasil pela primeira vez, em 7 de fevereiro
de 1856, no teatro Ginásio Dramático, conforme assinala João Roberto Faria (1993).
Naquela primeira representação, o papel de Margarida Gautier coube à atriz Gabriela da
Cunha; porém, outras, dentre as quais estavam Emilia das Neves e Lucinda Simões,
como lembra Eloi, o herói, haviam “tossido no palco brasileiro” esse mesmo papel.
“Algumas o fizeram mais teatralmente: nenhuma” ainda o tinha feito “com tanta e tão
pungente verdade” quanto Eleonora Duse (DE PALANQUE, 19/07/1885). O aguçado
ouvido de Artur lhe permitiu até mesmo escutar a tosse que fizera da atriz italiana,
“talvez, uma Margarida Gautier menos tuberculosa do que cardíaca”.
Os exageros do cronista também saltam aos olhos no momento em que descreve
a reação da platéia durante o espetáculo: “Quando, correspondendo ao imperial convite,
ela passou pelos corredores do teatro, as numerosas pessoas que se achavam,
saudaram-na ainda ruidosamente, freneticamente”(DE PALANQUE, 19/07/1885). Dois
advérbios, modificando a maneira dos aplausos. O primeiro deles sugere que os
aplausos foram aparatosos, pomposos, e o segundo, significando, de forma desvairada,
delirante. A “pungente verdade” na interpretação da atriz italiana tinha o poder de
provocar aplausos que estavam no limiar do delírio. Depois do ato, a ovação teria se
tornado “indescritível”. O cronista afirma não ter “expressões para dizer o que se passou
depois do ato”. Mas acaba encontrando uma na linguagem popular que exprimiria
perfeitamente o caso: “– Parecia que vinha o teatro abaixo. À décima chamada, a cena
ficou juncada de chapéus; já não havia flores... Alguns espectadores saltaram ao palco, e
entre eles o Vasques, que se ajoelhou e beijou a mão à Duse, como noutra época fizera à
Ristori (DE PALANQUE, 19/07/1885). Essa passagem ilustra bem o entusiasmo e a
idolatria da crítica e dos espectadores, além, é claro, de mostrar que esse
comportamento vinha de uma espécie de tradição, protagonizada por outras atrizes,
como a também italiana Adelaide Ristori, quando esteve no Rio de Janeiro em 1869.
Dez dias antes de escrever esse artigo tão laudatório, Artur Azevedo recebeu
uma carta anônima, na qual o autor censurava a “„exageração encomiástica‟ a respeito
da eminente atriz italiana”(DE PALANQUE, 09/07/1885). A acusação foi rebatida com
o argumento de que até o dramaturgo francês Alexandre Dumas Filho teria se rendido
49
ao talento de Eleonora Duse, chegando a lhe escrever duas cartas, que Eloi transcreve,
em língua original, no palanque.
Para mostrar ao seu “anônimo censor” o prestígio que desfrutava diante de
Eleonora Duse e, possivelmente, para se engrandecer diante dos leitores e dos colegas
da imprensa, em 28 de julho de 1885, o cronista maranhense publicou uma carta a ele
dirigida por essa atriz. Na verdade, uma carta em cujo assunto principal estava o nome
do jornalista. A atriz o colocou na mais alta consideração: um homem de voz
autorizada, cujas palavras eram a expressão do que sentia. Além do mais, elevou-o à
posição de porta-voz dos agradecimentos que queria fazer ao povo fluminense.
Resumindo: ele estava acima dos simples mortais. Achamos curioso o fato de ter
transcrito a carta em língua italiana, sem se preocupar com uma tradução para a língua
materna, que foi realizada no dia seguinte pelo articulista do “Foyer”, nessa seção.
Em relação à primeira carta, de Dumas para Duse, nem sequer houve tradução para a
língua portuguesa. Ao optar por este método de fazer o “De palanque”, Artur Azevedo
sinalizava exatamente para qual tipo de leitor estava escrevendo. Numa terra com
grande número de pessoas com baixo nível de escolaridade, a circulação de cartas em
língua estrangeira ficaria restrita a um círculo bem pequeno de pessoas.
Toda essa “exageração encomiástica” foi feita também para a atriz francesa
Sarah Bernhardt, quando esteve pela primeira vez no Brasil, em 1886. Na verdade, em
relação a essa questão das atrizes, algumas vezes, a postura do cronista foi interpretada
como volúvel. Em 1885, Eleonora Duse era a mais perfeita intérprete de Margarida
Gautier; em 1886, essa qualidade era transferida para a atriz francesa. A súbita mudança
de opinião lhe custou o posto de cronista do Diário de Notícias, como atesta seu
biógrafo, Raimundo Magalhães Junior, no livro Artur Azevedo e sua época (1966).
“1º de junho de 1886: estréia com a Fédora, de Victorien Sardou, no teatro de S.
Pedro de Alcântara, do Rio de Janeiro, a célebre atriz francesa Sarah Bernhardt”. Assim
inicia Artur Azevedo o seu “De palanque” de 3 de junho, dedicado exclusivamente a
esse acontecimento. Coincidentemente, o evento que seria lido “nas futuras eferides
da nossa história artística” ocorreu no mesmo teatro e com a mesma peça com a qual a
companhia dramática de Eleonora Duse iniciara seus trabalhos no ano antecedente, mas,
ao contrário da noite de estréia dessa atriz, na primeira representação da atriz francesa, o
cronista registrou sucesso de público. A julgar pelo tom com que começou o artigo,
tentando dar à estréia uma pompa de grande acontecimento que ficaria para a história,
podemos imaginar o cunho hiperbólico do folhetim em questão. Para esse tópico, no
50
entanto, o que nos interessa é o artigo no qual Artur Azevedo tirou o “troféu” de
intérprete perfeita das mãos de Eleonora Duse e passou-o a Sarah Bernhardt.
Excetuando-se toda a exageração, o artigo não continha nada demais. Artur
apenas fazia uma retratação da opinião emitida anteriormente: ao invés de Eleonora
Duse, Sarah Bernhardt era o ideal das Margaridas”. Como lembra Magalhães Junior
(1966), um dos argumentos utilizados por Oscar Pederneiras, na época redator-chefe do
Diário de Notícias, era a de que a última atriz que representasse o papel da heroína de
Dumas Filho seria sempre melhor que as antecessoras. Talvez fosse um equívoco da
parte de Pederneiras. Como lembra Flora Süssekind, no ensaio “Crítica a vapor” (1992),
o cronista acreditava “numa especialização no terreno da interpretação teatral”. Em
virtude dessa crença, era bastante comum, nas crônicas do “De palanque”, uma tentativa
de se traçar a “índole artística” dos atores, ou seja, em quais tipos de papéis eles
apresentavam melhor desempenho. Em 1885, quando Lucinda Simões representou o
papel de Suzane d‟Ange, no Demi-monde, o cronista consagrou-a como a melhor
intérprete desse papel:
Furtado Coelho e Lucinda Simões despediram-se anteontem do público
fluminense.
Representaram o Demi-Monde: ele foi ainda uma vez Olivier de Jalin, ela
Suzana d‟Ange.
A Duse-Checchi havia ultimamente assistido, no Lucinda, a uma
representação da obra prima de Dumas Filho.
Findo o espetáculo, a eminente atriz foi abraçar no camarim a sua
graciosíssima colega e dizer-lhe:
- O Demi-Monde faz parte do meu repertório, porém de hoje em diante
jamais representarei o papel de Suzana d‟Ange em lugar onde a senhora o
tenha feito.
Uma ia que Sua Majestade o Imperador encomendasse ao Farani e
remetesse à Lucinda não lhe seria tão agradável certamente como essa frase,
impregnada de justiça e de amabilidade.
Foi mais que um elogio: foi uma consagração.
Realmente Lucinda é adorável no Demi-Monde; não se pode ser mais distinta
nem mais maliciosa. Não se compreende aquele formoso monstro a
Baronesa d‟Ange com outro olhar, outras inlfexões e outros gestos senão
aqueles.
E não é dizer que tal cena seja mais bem representada do que outra; que o
talento da artista esmoreça aqui para levantar-se mais longe: não; o trabalho é
igual, é completo, sem falhas nem excrescências. Menos ou mais, seria
inadmissível (DE PALANQUE, 21/07/1885).
Nesse trecho, a voz de Artur Azevedo é também autorizada por Eleonora Duse.
Meses depois, apesar da declaração feita de que jamais representaria o papel da
baronesa d‟Ange onde Lucinda o tivesse feito, a atriz italiana sobe ao palco do São
Pedro de Alcântara com a incumbência de representá-lo. Vejamos a crônica em que
Artur se voltou para esse espetáculo:
51
A Duse-Checchi não quis representar no Rio de Janeiro o papel de Suzana
d‟Ange, do Demi-monde, enquanto a Lucinda aqui esteve.
Reconheci anteontem que eram fundados os escrúpulos da eminente atriz
italiana.
Aquele papel é dos que se não amoldam à sua índole artística, visivelmente
talhada para os papéis de vítima. Ninguém será capaz de representar como
ela a Denise, a Fernanda, a Odete e a Dama das Camélias. As peças em que
a Duse é verdadeiramente notável formam uma série que poderia ter por
título coletivo As vítimas do amor.
Mas desde o momento em que a grande atriz se transforma em Teodora,
Margarida Larocque, Clara de Beaulieu, Suzana d‟Ange, ou quaisquer outras
heroínas tirânicas, autoritárias, maliciosas, cínicas ou hipócritas desmerece
naturalmente o seu trabalho artístico.
Com franqueza, a representação de anteontem foi um triunfo... para a
Lucinda. E o público honra lhe seja! não confirmou o ditado: Longe da
vista, longe do coração.
Lembravam-se todos os espectadores do modo magistral com que a talentosa
atriz portuguesa reproduz toda a elegância, toda a dissimulação, toda a
hipocrisia da maquiavélica baronesa. No Demi-monde a Lucinda não tem
uma cena incorreta, uma inflexão falsa, um gesto mal estudado; não
representa: vive. O seu trabalho é completo.
A Duse, que, aliás, é inexcedível em duas situações da comédia: naquela
saída do ato, levando no rosto uma expressão mesclada de escárnio e de
desdém, e naquele Siete un miserabile da cena final, nas outras deixa
muito que desejar, e fica muito aquém da sua talentosa colega (Grifos do
autor) (DE PALANQUE, 13/09/1885).
Como vemos, apesar de toda a admiração dispensada a Eleonora Duse, Lucinda
continuava a ser a intérprete ideal para a referida personagem. Assim cai por terra o
argumento de que a última atriz a representar o papel seria sempre a melhor, utilizado
por Oscar Pederneiras. Em maio de 1886, quando o casal de atores portugueses estava
de volta ao Rio de Janeiro, o crítico reiterou as impressões do ano anterior:
O público fluminense matou anteontem a saudade da Lucinda, do Furtado
Coelho e do Demi monde.
A baronesa d‟Ange sempre a mesma: a única diferença que lhe notei
anteontem foi nas toilettes, que só por si merecem as honras de uma crônica.
A Lucinda representa o seu papel com a correção, a sobriedade, o talento e a
refinada elegância com que sempre o representou. O seu trabalho é perfeito;
compreendo que entusiasmasse os madrilenos a ponto de os levar a ouvir
com satisfação a baronesa d‟Ange em português e os demais personagens em
espanhol.
Quando a Lucinda desaparecer deste mundo ou desaparecer do palco, não
haverá baronesas d‟Ange possíveis em Portugal nem no Brasil; a festejada
atriz levará consigo o segredo daquele desempenho admirável, segredo que
ela a ninguém revelou, nem ninguém lhe surpreenderá.
Ainda está na memória de todos o triunfo que a Lucinda obteve, quando a
Duse-Checchi uma das grandes atrizes deste século representou no ano
passado o papel da astuta baronesa. Esse triunfo se reproduzirá sempre que
outra qualquer Suzana d‟Ange pretender medir-se com esta, tão nossa e tão
querida (DE PALANQUE, 14/05/1886).
Passados dez meses, a opinião acerca da performance da atriz portuguesa
permanecia, mesmo depois de ter visto sua “adorada Duse” representar o mesmo papel,
ou seja, não se trata de volubilidade crítica, mas de reconhecimento da “índole artística”
52
de uma e de outra atriz. Aliás, reconhecimento por parte de um profissional detentor do
discurso de autoridade no assunto, que, além de cronista era um dramaturgo
renomado. E é claro que Pederneiras tinha conhecimento desse fato, mas talvez sua
atitude tenha sido motivada por uma velha indisposição entre ele e Artur. Como lembra
Raimundo Magalhães Junior:
Tempos antes, recebera aquele, em péssima hora, no Diário de Notícias, a
incumbência de fazer a crítica da estréia, no teatro, do secretário da redação.
Oscar surgia como revistógrafo, com a peça Caipora. Artur compareceu
ao teatro animado de boa vontade. E escreveu uma nota tão cheia de
restrições para com o espetáculo quanto de amabilidades para com o chefe.
Disse o que julgava ser uma revista, para afirmar que Caipora nada tinha
de semelhante ao modelo apresentado. Era uma série de quadros desconexos,
sem um fio de enredo, sem uma idéia central, sem qualquer ligação entre um
número e outro, nem mesmo por simples referência dos compères
(MAGALHÃES JUNIOR, 1966, p. 97).
A julgar pelas observações de Magalhães Junior, o diretor do jornal poderia
ainda estar ressentido com o colega e aproveitou a oportunidade para se vingar. No
entanto, há que se chamar atenção para o seguinte ponto: parece haver uma confusão de
datas na biografia escrita por Magalhães Junior. Ao que parece, a mencionada
indisposição entre os jornalistas não teve como palco o Diário de Notícias, mas um
outro periódico no qual Artur colaborava. Como se sabe, essa folha matutina começou a
circular em junho de 1885 e em momento algum esse assunto foi matéria de artigo. Se o
desentendimento tivesse mesmo acontecido durante a colaboração de ambos no Diário,
como aponta Magalhães Junior, Escaravelho, Rialto e Carlos de Laet não teriam
deixado passar despercebido, dado que as relações entre esses três e o cronista
maranhense eram bastante tensas. Durante o tempo compreendido por essa pesquisa
(junho de 1885 a junho de 1886) não houve menção alguma sobre tal assunto. Assim
também como não houve divulgação de revista alguma com o nome de Caipora,
escrita por Oscar Pederneiras. Ao longo desse período, encontramos pele menos nove
referências acerca da produção artística de Pederneiras. Dentre elas, havia somente uma
revista, mas se intitulava 1885...de palanque, escrita por esse autor em parceria com
Ernesto Sena, conforme a seção “Foyer” de 11 de janeiro de 1886.
Em que pese a imprecisão de dados fornecidos pelo biógrafo de Artur Azevedo,
havia mesmo um clima de animosidade entre o autor de Caipora e o redator do “De
palanque”. Disso daria provas o próprio Artur, nas páginas de um outro periódico,
53
quando foi acusado por Oscar Pederneiras de ter plagiado o ato de Mercúrio, revista
dos acontecimentos de 1886
3
.
Por enquanto, o que importa mostrar é que a recusa do artigo no qual retratava
sua opinião acerca de Eleonora Duse, por parte do diretor do Diário de Notícias,
provocou a saída de Artur Azevedo do jornal. Em 7 de junho, ele conseguiu publicá-lo
na Gazeta de Notícias. É um texto extremamente laudatório e cheio de exclamações, no
qual o cronista coloca Sarah Bernhardt num plano metafísico, algo semelhante ao que
fizera com a atriz Jeanne Granier, no ano de 1885:
De assombro em assombro, o espectador inteligente acaba por se convencer
de que tem diante de si um ente sobrenatural, anjo ou demônio, que o fascina,
que o arrebata, que o empolga, deixando-lhes apenas a faculdade de admirar
e aplaudir!
Há, na realidade, qualquer divina intervenção naquele surpreendente e
inexplicável trabalho artístico! Não foi das aulas do Conservatório, nem dos
conselhos de um ensaiador, nem das próprias páginas juvenis de Dumas
Filho, que Sarah Bernhardt arrancou aquela estranha personalidade. certo
misticismo na singular interpretação do papel; ela estudou em sonhos, nos
estos da nevrose de que se acusou na carta que dias publiquei. Aquele
trabalho é o resultado de uma revelação divina, que ela própria não poderá
explicar. Sarah Bernhardt seria uma Teresa de Jesus, se, felizmente para o
mundo, não fosse uma Sarah Bernhardt (DE PALANQUE, 07/06/1886).
Como vemos, Deus escolheu Sarah Bernhardt para torná-la “um modelo
intangível de toda a perfeição artística!”. Três parágrafos abaixo, achando insuficiente a
comparação que fizera da atriz com Teresa de Jesus, o cronista a eleva ainda a outro
plano. “E quem poderá crer que não esteja fora das tristes condições da raça humana,
quem desse modo triunfa nestes tempos de pessimismo funesto e de perverso egoísmo?
Não! não! decididamente Sarah Bernhardt não é uma mulher: é um mito”(DE
PALANQUE, 07/06/1886). Com os trechos aqui destacados, apenas queremos apontar
os exageros nos elogios feitos à performance dessas atrizes. Não se trata de questionar a
habilidade artística de nenhuma delas, mas apenas mostrar uma característica marcante
no fazer jornalístico de Artur Azevedo.
O que nos faz perceber o exagero é o confronto feito entre esses textos que
citamos e outros, nos quais o jornalista se voltou para a crítica a espetáculos em que
atrizes brasileiras, ou pelo menos residentes no Brasil, ocupavam papel de
protagonistas. Não encontramos nenhum texto em que haja uma apreciação tão
lisonjeira como as que aqui mostramos. Tentamos imaginar que todo esse entusiasmo
do cronista residia no fato de ser a primeira vez que ambas as atrizes vinham ao Brasil,
3
Além da imprecisão de dados concernentes ao episódio da revista caipora, no mesmo livro de
Magalhães Junior, encontramos outras, relativamente às datas das saídas e voltas de Artur Azevedo para o
Diário de Notícias. Todas elas serão investigadas e esclarecidas em nossa pesquisa de Doutorado.
54
no entanto, em relação à atriz portuguesa Lucinda Simões, que esteve no Rio em 1885 e
1886, e cujas visitas aconteciam com mais freqüência, o comportamento do folhetinista
era muito semelhante. Ao nos voltarmos para os textos em que comentou os espetáculos
em que essa atriz tomava parte, a impressão que se tem é que ela era a única integrante
da companhia. Os nomes dos outros artistas da companhia, à exceção de Furtado
Coelho, quase não eram mencionados. Tanto mais que na temporada de 1886 tais
artistas foram contratados entre os residentes na Corte.
Mudando um pouco o rumo, Artur Azevedo era exímio na arte de ludibriar o
leitor mais desavisado. Com o seu modo peculiar de escrever, conseguia construir um
discurso persuasivo que levava esse leitor a criar expectativa em relação a um juízo de
valor que estava sendo criado, mas que era desfeito na frase seguinte. Ao final,
percebemos que o suposto elogio não passava de um grande deboche do cronista. A
crônica publicada em 25 de junho de 1885, ocasião da estréia da gica o Gênio do
fogo, é bastante ilustrativa dessa característica:
A PEÇA É original do Primo da Costa. Extraordinária, diz o cartaz:
extraordinária, repito eu. Tem, como todas as mágicas, um diabo, um rei, um
príncipe, uma princesa, um escudeiro, dois gigantes e algumas fadas.
Prodigiosa exibição de todos os animais da arca de Noé. De vez em quando, a
largos intervalos, o espectador julga ouvir um dito de espírito, e murmura:
Seja muito aparecido! Uma singularidade: os artistas pouco têm que fazer
no palco; todos eles andam constantemente no ar, suspensos por grossos
arames, ou encarapitados no urdimento das montanhas e das apoteoses. Para
encurtar razões: não me parece que no Gênio do fogo haja o fogo do gênio
(DE PALANQUE, 25/06/1885).
Essa primeira afirmação leva o leitor a acreditar nas palavras do cronista,
principalmente, quando ele reitera o elogio constante no cartaz. Porém, em seguida, vem
uma informação que conduz à idéia de que o autor da mágica não saiu do lugar-comum:
os personagens postos em cena são os mesmos tipos existentes em “todas as mágicas”.
Onde estaria a novidade? O deboche e o exagero são marcados no trecho em que o
folhetinista menciona a exibição em palco de “todos os animais da arca de Noé”. A
crítica ao texto vem na frase subseqüente: a mágica é destituída de ditos espirituosos, os
quais o espectador só julga ouvir “a largos intervalos”. Quando o jornalista se propõe a
apresentar “uma singularidade”, imagina-se que se trata de algo novo, inusitado,
diferente; no entanto, percebe-se a ironia, tão logo ele desenvolva a idéia. Na verdade, o
que ele vai apontar é um dado corriqueiro nas gicas: é um gênero cujas
características estão nos cenários exuberantes, no luxo em detrimento do texto, de forma
que os artistas poucas chances têm de desenvolver suas habilidades profissionais. E no
último trecho, a conclusão: a falta de genialidade no Gênio do fogo.
55
O texto é inteiramente permeado por esse jogo que ora leva o leitor para um
lado, ora o conduz a outro. A duplicidade ficou marcada até mesmo nas observações
feitas acerca dos atores que tomaram lugar na mágica.
Sobre a encenação, considerada “luxuosíssima”, o cronista conclui: “Houve
desperdícios no tocante aos vestuários, aos acessórios, e sobretudo aos cenários de
Gaetano Carrancini, o verdadeiro, o único herói da noite”(DE PALANQUE,
25/06/1885). Ao fazer essa observação sobre a parte cenográfica, Eloi acaba por
desmerecer o trabalho de todos os outros sujeitos envolvidos nessa situação.
O último parágrafo, no qual menciona a transformação ocorrida do nono para o
décimo quadro, também é bastante interessante. Nessa cena, uma colina verdejante se
transforma em medonha careta de fogo:
É o „monstro das fauces de fogo‟, diz o cartaz e eu acredito. O monstro
escancara as goelas, e nessa hedionda e luminosa passagem entram o gênio
do fogo, o príncipe, as fadas, as bruxas, o escudeiro, a Fanny, o Primo da
Costa, a orquestra, a paciência do público, o bom senso artístico, e eu! (DE
PALANQUE, 25/06/1885).
Além de ser um primor de deboche e ironia, a crônica revela bem as habilidades
do cronista no jogo com a linguagem. Por outro lado, deixa clara sua opinião acerca
desse gênero teatral, mas que, devido à posição de folhetinista dramático cumpre o
papel que lhe é devido.
A idéia de um jornal que dá permissão para que um colaborador faça uma crítica
tão provocativa sobre um espetáculo realizado pela empresa de um dos seus anunciantes
pode parecer um tanto contraditória. Mas, curiosamente, poucos dias após essa
provocação feita pelo redator do “De palanque”, foi publicada no “Foyer” uma pequena
nota, cujo conteúdo divergia sobremaneira das observações do dramaturgo maranhense.
Vale a pena um confronto desses dois textos:
A empresa da atriz Fanny não podia escolher melhor „bilhete de
apresentação‟ do que o Gênio do fogo, que é, sem contestação, a peça de
maior movimento e de maior luxo que em nossos teatros tem aparecido
nestes últimos tempos.
A música de Cardoso de Meneses, brilhante e original a emoldurar aquela
série de cenas espirituosas e quadros deslumbrantes vai dia em dia
patenteando as belezas que encerra, e que escapam a uma única audição; os
maquinismos perfeitos, os vestuários cuidados e o cenário luxuoso, são certas
garantias para prolongar por meses o êxito alcançado pela peça.
E, no nosso entender, a empresa não quer outra coisa... (FOYER,
02/07/1885).
O confronto das observações dos dois articulistas nos leva a crer que a existência
de duas opiniões tão divergentes acerca de um mesmo espetáculo e dentro de um
mesmo periódico caracteriza uma estratégia de marketing do Diário de Notícias. De
56
fato, as polêmicas, que tinham início com a divergência de opinião, eram bastante
alimentadas, mas entre cronistas de periódicos diferentes. O próprio Artur Azevedo
alimentou algumas delas com Valentim Magalhães, da Semana, e Carlos de Laet e Luiz
de Castro, ambos do Jornal do Comércio, mas no caso em questão, parece tratar-se de
um jogo, no qual os articulistas representavam uma espécie de títere nas mãos da
direção do Diário. Com relação a Artur, especificamente, lhe era conferida uma suposta
liberdade, porém, até o momento em que fosse conveniente aos interesses pecuniários
do jornal para o qual escrevia. Ao tentar usar sua liberdade de expressão para comentar
assuntos que, supostamente, iam de encontro à política de trabalho do Diário, perdeu o
cargo que ocupava, como vimos. O redator do “De palanque” assistiu à representação
apenas uma vez, emitindo em seguida, suas impressões sobre o espetáculo. Levando-se
em consideração esse fato, no trecho que ora destacamos do Foyer” parece haver uma
espécie de provocação do jornalista, ao sugerir que as belezas da mágica escapam a uma
“única audição”.
Em várias outras situações, havia provocações mais diretas de um para outro
folhetinista:
A Gazeta da Tarde publicou anteontem o seguinte entre os Comunicados,
que constituem uma das seções editoriais daquela folha:
O herói do palanque terá também oferecido os direitos de autor do „Pisca-
Pisca‟, indecente plágio da cena cômica portuguesa „O Meu Olho‟?
“Ora, assim eu também sou
Filantropo” (DE PALANQUE, 14/05/1886).
Além da acusação de plágio, há também uma provocação feita ao autor de O
Bilontra. Dois dias antes, os leitores eram informados de que “Artur Azevedo cedeu em
favor da S. P. dos Artistas Dramáticos, da qual é sócio, os direitos de todas as suas
cenas cômicas escritas e que escrever”(FOYER, 12/05/1886). No mês anterior, havia
saído uma nota, segundo a qual A Donzela Teodora, derradeira produção teatral do
nosso colega Artur Azevedo, vai ser editada em favor da Associação Tipográfica
Fluminense, pelo estimado diretor técnico do Diário de Notícias, Sr. Gaspar de
Sousa”(FOYER, 02/04/1886). Somente assim se entende a escolha dos termos
“também” e “direitos de autor” e o por que de o “acusador” assinar a nota com nome de
“Filantropo”. Artur se defende utilizando o argumento de que os acusadores são
anônimos e falsos como Judas”. Chega mesmo a questionar se a mencionada cena
cômica Meu olho não seria uma invenção da Gazeta da Tarde. Assim encerra sua
defesa:
57
Considero o gatuno literário tão desprezível como outro qualquer gatuno. Até
hoje, em que pese aos comunicantes da Gazeta do Sr. Patrocínio, não me i
a consciência de me haver apropriado de objeto alheio contra a vontade nem
mesmo pela vontade do dono. Digo-o alto e bom som. Todos os meus
desafeiçoados poderão fazer o mesmo? (Grifo do autor) (DE PALANQUE,
14/05/1886).
O que ele não imaginava era que estava oferecendo assunto para que
Escaravelho também pudesse participar da história. Dois dias depois, assim começa o
“De Palanque”:
Eu (Lá vai o maldito pronome com que tanto embirra Escaravelho!) eu disse
anteontem que nunca me apropriei de objeto alheio contra ou pela vontade
de seu dono; Escaravelho disse ontem: “A primeira parte, contra a vontade,
era escusada para mim que nunca o julguei capaz de tal (Muito obrigado),
mas a segunda veio muito a propósito para meu governo. Tinha eu tenção
firme de mandar-lhe meia dúzia de mangas da Bahia a primeira vez que ele
trepasse ao palanque sem falar de si; abstenho-me disso agora que sei que ele
não aceita nada por mais de coração que lhe seja oferecido o mimo, nem
mesmo em noite de seu beneficio” (DE PALANQUE, 16/05/1886).
Está claro que as mangas da Bahia que seriam oferecidas a Artur é uma
brincadeira relacionada ao fato de o cronista ser de origem nordestina, o que,
certamente, provocou o riso nos leitores. As saudades de casa seriam compensadas com
o sabor das tais mangas. Mas o interessante de tudo isso é apontar os elementos nos
quais se apóiam para provocar uns aos outros. Pelo que foi possível perceber a partir do
“De palanque”, esse tipo de comportamento por parte dos cronistas era bastante comum
na imprensa do XIX. Durante o primeiro ano de colaboração do cronista no Diário de
Notícias, conseguimos identificar aproximadamente quarenta e sete situações não
exatamente de polêmicas, mas de provocações, algumas das quais poderiam fornecer
elementos para discussões mais sérias e mais longas. Na crônica de 27 de janeiro de
1886, ele abre espaço para a publicação de uma carta de seu amigo Fétis, em que o
crítico expõe os recursos aos quais recorrem para sustentar uma polêmica:
É muito trivial entre nós o azedume em questões as mais das vezes fúteis e
pueris, e para sustentá-las, mesmo a despeito do público sensato, e pela
ambição de aplausos da galeria, vemos muitas vezes os contendores lançarem
mão de meios pouco corteses, ora apontando-se reciprocamente defeitos
físicos, a toilette, os costumes, os vícios, e muitas vezes até a idade!
Ora, eu tenho para mim, que o pior meio de convencer é exatamente a
descompostura, e quem assim procede é porque lhe falta a razão e a justiça de
sua causa (Apud DE PALANQUE, 27/01/1886).
Joaquim de Almeida confessa uma faceta da crítica do final XIX, que foi
observada por Flora Süssekind, em ensaio já citado nesse trabalho:
58
Forma de discussão privilegiada no Brasil da virada do século, a polêmica
funcionava então como um meio de angariar prestígio, de, com pequenos
debates gramaticais e querelas sobre detalhes de pouca monta, exibir cultura,
além de realçar os contornos do próprio perfil intelectual no mesmo
movimento com que se procuravam desqualificar os mais diversos oponentes
(SÜSSEKIND, 1992, p. 357).
A pesquisadora se refere ao perfil dos intelectuais de outro momento, a última
década do século XIX e os primeiros anos do XX, mas isso estava presente em 1885
e 1886. Pendengas com essas características, Artur Azevedo sustentou com Valentim
Magalhães, na época, redator-chefe da revista A Semana, Carlos de Laet e Luiz de
Castro, que assinavam as colunas “Microcosmo” e “Psicologia da Imprensa”,
respectivamente, no Jornal do Comércio, voltamos a lembrar.
Retomando o fio da meada, bastante comum também era a inserção de cartas
que recebia dos leitores, ou fragmentos de reportagens coladas de outros periódicos no
“De palanque”. Aparentemente, isso seria uma forma de democratizar a seção, afinal,
uma das propostas da carta-programa, citada, era a de conversar com o leitor por
alguns instantes. No entanto, o texto publicado em 16 de novembro de 1885, ocasião em
que a companhia Martins levou à cena a comédia Venenos que curam, dos autores
Aluízio Azevedo e Emilio Rouède, nos leva o pensamento em outra direção. Em função
dos laços de parentesco com Aluízio Azevedo, o cronista se esquivou de emitir juízos
de valor acerca da comédia. Todavia, estrategicamente, na crônica de 20 de novembro,
ele decide publicar uma crítica feita à peça por um certo jornalista chamado José
Avelino, para quem:
A segunda representação fez-nos destacar belezas no entrecho, no diálogo e
no estilo, que numa primeira audição escapam.
Como nas músicas dos grandes mestres, o estilo, o sentimento, a harmonia e
o gosto vão se salientando de repetição em repetição, até que o amador, o
mestre e o ouvinte se familiarizam com as belezas, as destacam e as
classificam segundo o valor e o gênero artístico a que pertencem.
Com a comédia Venenos que curam aconteceu-nos isso.
A peça tem realmente mérito literário superior, e cenas traçadas com muita
firmeza e colorido (Apud DE PALANQUE, 20/11/1885).
Artur Azevedo não poderia ser mais estratégico. Quer em relação à forma ou ao
conteúdo, em todo o texto de Avelino não havia sequer um parágrafo que
desqualificasse o mérito literário da comédia. O trabalho dos autores chega a ser
comparado ao dos escritores Alexandre Dumas, Emilio Augier e Victorien Sardou, três
referências da dramaturgia francesa, que gozavam de grande prestígio entre os
folhetinistas do Rio de Janeiro. Os dois primeiros tinham suas peças encenadas na
capital do Império, quer em ngua original, quer em traduções, desde a época do teatro
59
Ginásio Dramático. O último autor citado era o virtuose da literatura dramática do final
do século na França. Suas peças foram vertidas para o italiano e representadas pela
companhia dramática da qual era empresário César Ciacchi, que estivera no Brasil
durante os meses de junho e setembro de 1885. Ainda segundo o texto citado por Artur
Azevedo, a falta de atores com “índole artística apropriada” ao enredo teria
comprometido o êxito completo da comédia. Ou seja, se a peça não foi um sucesso de
bilheteria, a culpa não deveria ser imputada aos autores.
O nosso argumento é o de que essa atitude “democrática” de Artur Azevedo
estava revestida de uma grande intenção de dar relevo às qualidades de escritor
dramático de seu irmão Aluízio Azevedo. Claro está que o autor de O mulato tinha se
lançado no mundo das letras, porém, como romancista. Agora seria a vez de se tornar
notável como dramaturgo.
Com essas observações encerramos esse primeiro capítulo deste trabalho. Nosso
interesse aqui era apenas chamar atenção para o fazer jornalístico do cronista
maranhense, bem como apresentar, de um modo geral, os temas abordados por ele e
mostrar também como tais temas eram trabalhados nos textos do “De palanque”.
60
CAPITULO II
1 Movimento teatral do Rio de Janeiro (1885/1886)
No Recreio Dramático se representam peças
estafadas, porque o teatro acha-se atravancado pela
Quermesse do Clube Thalia, e não vale a pena, diz a
empresa, dar coisa nova ao público, porque o público
não vai pela representação. por favor especial, e
muito especial, foi a Mariquinhas dos Apitos
representada duas vezes.
ARTUR AZEVEDO, 20 de setembro de 1885.
O objetivo deste capítulo é resgatar, de forma breve, alguns momentos da
história do teatro no Rio de Janeiro, no período que compreende o corpus de nossa
pesquisa. Para tanto, partimos das informações contidas no “De palanque”, que essa
seção é o nosso principal objeto de investigação, mas como subsídio recorremos às
informações da coluna “Foyer”, aos folhetins de ópera rica, assinados por Roberto
Benjamin, e às próprias notícias do Diário.
Na segunda metade de 1885, o Rio de Janeiro recebeu a visita de três
companhias européias: a companhia dramática italiana Rossi-Duse-Checchi, da qual
fazia parte a atriz Eleonora Duse; a companhia de ópera-cômica francesa Sebastiani e a
companhia de ópera lírica Ferrari. João Roberto Faria (2001) lembra que no período em
questão havia uma “presença maciça de companhias estrangeiras no Rio de Janeiro e em
outras cidades do país, fenômeno que se intensificou nos dois últimos decênios do
culo XIX”(FARIA, 2001, p 179-80). Para entender a visita das companhias
estrangeiras, “é preciso ter em mente que as temporadas nas capitais européias
começavam geralmente no final de setembro ou começo de outubro e se estendiam até o
final de maio, meados de junho”(FARIA, 2001, p 180). O restante do tempo,
aproximadamente três meses, vinham fazer representações não no Rio de Janeiro,
mas também em São Paulo, Buenos Aires e Montevidéu. Se por um lado, a presea
dessas companhias representava uma oportunidade para que os fluminenses pudessem
apreciar trabalhos de artistas do Velho Mundo, por outro, fazia as “empresas indígenas”
tremerem, assustadas pela concorrência. Desse modo, a única opção para as empresas
teatrais da capital do Império era procurar abrigo em outras cidades do país.
Eloi, o herói, em sua seção, defendia a idéia de “que as companhias forasteiras
pagassem às permanentes um imposto pecuniário, que de alguma forma compensasse o
61
medonho sacrifício a que são estas obrigadas”(DE PALANQUE, 23/06/1885). A título
de curiosidade, de uma certa forma, essa idéia de imposto havia sido defendida por
Machado de Assis, em meados do século, quando no ensaio “O Passado, o Presente e o
Futuro da Literatura” lamentava a situação da arte dramática no Brasil. No entanto, o
imposto do qual falava o futuro autor de Dom Casmurro deveria ser cobrado sobre as
traduções da peças estrangeiras que se representavam à época. O que se percebe, é que a
presença estrangeira sempre causou um desconforto aos homens de letras do país, já que
era vista como um entrave ao desenvolvimento de uma produção dramática nacional.
Em 15 de setembro de 1888, Artur Azevedo inicia o “De palanque” com a notícia de
que na sessão de 12 do corrente, dezesseis deputados remeteram à mesa na Câmara um
aditivo que pretendia criar um imposto de 200 réis sobre cada bilhete de espetáculo de
companhia estrangeira. Além do fato de estar relacionado ao teatro, o assunto despertou
o interesse do cronista porque a receita do mencionado imposto não tinha como objetivo
angariar fundos que fossem revertidos em beneficio das empresas dramáticas nacionais,
mas “para ocorrer às despesas com a fundação dos Institutos de Assistência pública e à
manutenção dos atuais que não estiverem a cargo de corporações religiosas ou de
associações particulares”(Apud DE PALANQUE, 15/09/1888). Ciente de que a criação
do imposto tinha como finalidade suavizar a miséria de alguns indivíduos, o articulista
propõe que a soma arrecadada deveria ser aplicada em um asilo, onde os artistas
dramáticos pudessem encontrar comida e abrigo para dormirem, na velhice.
Voltando ao ano de 1885, a companhia dirigida por César Rossi estreou em 25
de junho, no teatro São Pedro de Alcântara, com o drama Fédora, do dramaturgo
francês Victorien Sardou. Permaneceu neste teatro até 16 de setembro do mesmo ano,
quando se despediu com a representação do drama As leoas pobres, de Emilio Augier.
No elenco, além de Eleonora Duse e Flávio Andó, a companhia contava ainda com as
atrizes Aliotti e Zangheri e com os atores César Rossi, Teobaldo Checchi (marido de
Eleonora), Napoleone Masi, Arnaldo Cottim e Arturo Diotti. Por uma fatalidade,
conforme nota publicada em 1 de julho, este último ator faleceu no Rio de Janeiro
apenas cinco dias após a estréia da companhia, abalando, de certa forma, o ânimo dos
colegas.
Segundo o redator da seção “Foyer”, o contrato da companhia dramática italiana
constava da representação de doze peças, entre dramas e comédias. No entanto, as
próprias informações dessa seção, as crônicas de Artur Azevedo e os anúncios da
empresa na última gina do Diário, revelam que do repertório constavam 19 peças,
62
quase todas do repertório francês. Eram produções de Victorien Sardou, Alexandre
Dumas Filho, George Ohnet, Meilhac e Halevy, Emilio Augier e Octave Feuillet.
Apenas três autores italianos tiveram suas peças inclusas no repertório da companhia:
Paulo Ferrari, Giovani Giordano e Carlo Goldoni.
A crônica de 27 de junho foi inteiramente dedicada à estréia da companhia. O
teatro São Pedro de Alcântara havia passado por uma reforma e estava sendo
reinaugurado; além disso, representava-se um “drama aplaudido”, com uma “atriz
célebre” no papel principal; mesmo com esses três atrativos, Eloi ressente-se do fato de
haver algumas cadeiras, nas últimas fileiras, e também alguns camarotes vazios. Onde
estaria a explicação para este fato? Pergunta o cronista. Podemos arriscar uma resposta
para esse questionamento: na noite de estréia, a companhia italiana disputava a atenção
do público com três concorrentes: no teatro Fênix Dramática, representava-se A
Princesa das canárias; no Sant‟Anna, Cocota e, no Politeama, a mágica o Gênio do
fogo. Três gêneros teatrais cujos espetáculos estão muito mais pautados no cenário do
que no texto propriamente dito, e portanto, mais fáceis de seduzir as platéias ávidas por
divertimento. Com relação a este último, a estréia havia sido prorrogada, devido à
necessidade de a gica subir à cena com todo luxo e esplendor requerido pelo gênero.
De um modo geral, de acordo com os relatos de Artur Azevedo, os espetáculos da
companhia italiana não foram muito prestigiados pelo público, o qual preferia ficar em
casa jogando a bisca em família, ou optava por assistir o Gênio do fogo, “enquanto a
Duse honrava o palco do S. Pedro com aquele assombroso e inenarrável trabalho da
Denise”(DE PALANQUE, 11/07/1885). Mas foi no espetáculo do dia 17 de julho, festa
artística de Eleonora Duse, que o cronista registrou uma enchente real” no teatro para
assistir à performance da companhia em A dama das Camélias. Segundo ele, não havia
um lugar vazio no teatro, estando presente a elite da sociedade fluminense. o galã da
companhia, o ator Flavio Andó, não teve a mesma sorte que Duse; em sua festa artística
Eloi registrou a presença de apenas “meia casa”. Vazante houve também em 29 de
junho, quando se representou Divorciemo-nos, e em 3 de setembro, quando subiu à cena
a comédia Rabagas, ambas de Victorien Sardou. Para explicar essas vazantes, o redator
do “Foyer” parte de um ponto de vista diferente de Artur Azevedo:
Foi com certeza escolha a noite de São Pedro para a 3ª récita de
assinatura, e a essa escolha atribuímos em parte o pequeno número de
espectadores. Dizemos em parte, porque a nosso ver a pouca concorrência
aos espetáculos da companhia Rossi-Duse, explica-se principalmente pela
pouca vulgarização que a língua italiana tem no Rio de Janeiro, onde se
encontra bastante gente que pode ler talvez um livro italiano, mas pouco
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quem conheça bastante tão rico idioma para compreendê-lo, ouvindo-o,
sem perder uma frase. Temos, é verdade, que são conhecidos do público
todos, ou quase todos os dramas e comédias que compõem o repertório da
companhia, e isso, reunido à expressão que sabem dar a seus papéis Duse e
Andó, auxilia, e muito, os espectadores. Ainda assim, destes muitos perdem
a ocasião de apreciar a maestria com que são ditas algumas frases, e
julgar da propriedade do gesto que as acompanha. Mas por pouco
numerosos que relativamente sejam os habitantes de nossa capital, mais ou
menos familiarizados com a língua italiana, eles são ainda assim em muito
maior número do que se pode presumir, atendendo aos poucos que vão
atualmente ao teatro S. Pedro de Alcântara. Pena é que assim seja.
Realmente contrista ver faltar animação por parte do público a uma empresa
que nos apresenta artistas notáveis como a Sra. Duse, e de não vulgar
merecimento como o Sr. Andó (Grifos meus) (FOYER, 01/07/1885).
O interessante desse ponto de vista é que ele também pode servir como
justificativa para a opção do público em ficar jogando a bisca em família. Na verdade, o
jornalista acaba por sinalizar que as “vazantes” no teatro não estavam necessariamente
relacionadas ao “mau gosto” do público, como pensava Artur Azevedo.
A estada da companhia de ópera-cômica Sebastiani na capital do Império foi
possível de ser recuperada a partir das informações da seção Foyer”, pois,
curiosamente, Artur Azevedo simplesmente ignorou os espetáculos oferecidos por essa
empresa. Diferentemente da companhia dramática italiana, que se demorou cerca de 80
dias no Rio de Janeiro, a companhia de operetas teve presença meteórica: algo em torno
de vinte dias. Classificamos a postura do cronista como curiosa, levando em conta a
crônica publicada em 23 de junho, na qual ele oferecia aos leitores o panorama do teatro
da Corte no corrente mês. Uma das novidades era a de que “No Pedro II o Guarani
cederá o passo à companhia de ópera-cômica francesa de que faz parte a Vaillant-
Couturier, uma adorável criatura que representa bem, canta melhor e encanta que é um
gosto”(DE PALANQUE, 23/06/1885). Não conhecia os demais artistas da companhia
Sebastiani, mas estava convicto de que a mencionada atriz-cantora era quanto bastava
para “levar todo o Rio de Janeiro à Velha Guarda”. Apesar de todo esse entusiasmo,
Artur Azevedo não se mostrou interessado em contribuir com os trabalhos dos artistas
franceses.
A inauguração da temporada dessa companhia aconteceu na noite de 3 de julho
de 1885, no teatro Pedro II, com a ópera-cômica Les dragons de Villars. Como de
praxe, esperava-se que dois dias depois o cronista fizesse a apreciação sobre a estréia,
mas ao contrário disso, o que ele fez foi apenas lamentar que a companhia francesa
tivesse feito sua estréia exatamente no mesmo dia da festa artística da atriz Lucinda
Simões. O resto da crônica é dedicado à representação da comédia O casamento do
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Fígaro, de Beaumarchais, na qual a atriz portuguesa desempenhou o papel principal.
Em um primeiro momento, podemos pensar que o silêncio em relação ao espetáculo da
companhia Sebastiani deve-se ao apreço que o redator do “De palanque” tinha por
Lucinda. Podemos também imaginar que o dramaturgo maranhense agiu motivado por
interesse pessoal, que ele foi o responsável pela tradução da referida comédia, tanto
mais que no artigo de 6 de julho, redige uma carta, pedindo para que Eloi faça o reclame
da tradução. Porém, ao confrontarmos as datas dos outros espetáculos oferecidos por
essa companhia, com os assuntos abordados no palanque, percebemos que o cronista
ignorou mesmo a presença da empresa Sebastiani no Rio. A outra referência feita por
ele acerca dessa companhia aconteceu em 25 de julho, no texto em que reclamava de
uma onda azar sobre os teatros da cidade:
A Sebastiani deu também em droga.
muito tempo reinava entre os artistas a maior desarmonia, e desta davam
uma idéia muito aproximada os respectivos coros e a orquestra. Uma
orquestra capitão-Voyer.
As coisas chegaram ontem a tal ponto, que foi preciso lançar mão daquela
medida com que o Poder Moderador costuma a resolver as questões políticas
de maior gravidade: a dissolução.
Estamos, por conseguinte, privados dos garganteios da Vaillant-Couturier e
da Jane Caylus.
É pena (DE PALANQUE, 25/07/1885).
Neste excerto, a primeira coisa que salta aos olhos é a falta de coesão entre o
grupo. No entanto, nesse momento, o que nos interessa é ver que o relato de Artur,
apesar de sucinto, aponta para o fim que teve a companhia francesa. De fato, desde a
primeira representação, ocorrida em 3 de julho, a companhia enfrentou vários
problemas. O articulista do “Foyer” considerou que a performance dos artistas não
estava à altura da de outros artistas parisienses que haviam cantado a ópera Les
Dragons de Villars em Paris. “E depois aquele vasto „céu aberto‟ do Imperial teatro,
pedra de toque para gargantas di cartello, é capaz de comprometer artistas que, talvez
em outra sala menos vasta pudessem melhor aproveitar os seus recursos”(FOYER,
05/07/1885). Por ocasião da representação da ópera Carmen, de Bizet, a empresa
recebeu a seguinte apreciação:
Os coros fracos, a orquestra por vezes rebelde à batuta do Sr. Gravenstein
que, de passagem, fez quanto pode para „afiná-la‟, cenário pobre,
contribuíram para que a Carmen não lograsse as simpatias da platéia.
Não dizemos que foi um „fiasco‟, foi apenas um „intervalo‟ aos triunfos da
companhia que tão a contento tem representado outras peças modernas e na
altura das suas forças (FOYER, 18/07/1885).
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Tanto os comentários de Artur Azevedo quanto os feitos sob a rubrica “Foyer”
apontam para problemas na estrutura da companhia: repertório inadequado, artistas com
fracos recursos vocais, coros mal ensaiados e a baixa qualidade do cenário.
Mas nem de fracassos é a história dessa empresa de opereta. Em meio às
críticas negativas, houve também alguns momentos felizes. O redator anônimo lembrou
que o teatro Pedro II era impróprio para a Sebastiani, cujos cantores tinham recursos
vocais fracos. A solução encontrada foi a mudança feita, em 20 de julho, desse teatro
para o Recreio Dramático. Soubemos que nessa nova sala, onde a companhia estreou
com a ópera-cômica Le jour et la nuit, de Lecocq,
O desempenho foi bastante satisfatório, mesmo porque os artistas mais
senhores de si, como se costuma dizer, e mais à vontade nos papéis que lhes
foram confiados souberam tirar deles todo o partido, conquistando assim as
boas graças do público traduzidas nos aplausos que a todos dispensou
(FOYER, 23/07/1885).
Apesar dos elogios, o autor do texto não esqueceu de salientar a revolta da
orquestra contra o maestro Gravenstein. Ao que tudo indica, essa orquestra era o
calcanhar de Aquiles da companhia, pois na representação da ópera-cômica Babolin,
“esteve em uma das suas noites verdadeiramente infelizes e comprometedora para os
cantores, e até forçou a Sra. Couturier a regê-la, o que deu em resultado ser uma outra
vez desconhecida a batuta e marcharem cantora e orquestra chacun de son cotê(Grifos
do autor) (FOYER, 25/07/1885). Os relatos da trajetória dessa companhia apontam para
duas direções: a primeira: tratava-se de uma empresa de segunda categoria que vinha
vender seus espetáculos no Rio de Janeiro, onde certamente imaginava encontrar um
público ávido por artistas do Velho Mundo; a segunda, apesar de a opereta estar na
preferência da população, a escolha de um repertório com esse gênero não era condição
essencial para se obter sucesso. Após esses fracassos, fomos informados de que a
companhia ainda estreou em Montevidéu e Buenos Aires. No ano seguinte, mais
precisamente em 16 de abril, quando a empresa de Braga Junior levou à cena, no teatro
Lucinda, essa mesma opereta, Artur Azevedo rememorou o fracasso da empresa
francesa: “Que noite aquela! a orquestra embarafustava pela rua do Senado, e os
cantores desciam pela do Espírito Santo (DE PALANQUE, 16/04/1886).
Em 19 de julho de 1885 chegava a bordo do vapor Orenoque a companhia de
ópera lírica, empresa de Ângelo Ferrari. A estréia ocorreu em 22, no teatro Pedro II,
com a ópera Os puritanos, de Vincenzo Bellini. Desde essa data até 10 de setembro,
noite de despedida da companhia, com Os huguenotes, de Jakob Meyerbeer, foram
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cantadas treze óperas do repertório italiano, alemão e francês. Em aproximadamente 48
dias, a empresa ofereceu ao publico fluminense um total de 24 espetáculos. O elenco era
formado pelos atores: Marconi, Tamberlini, Tamagno, Broggi, Visconti, Limonta,
Ambrosi e Dufriche; as atrizes eram: Herminia Borghi-Mamo, Amélia Stahl,
Henriqueta Stahl, Repetto, Colonesi e Adini. O regente da orquestra era Nicolau Bassi.
Artur Azevedo também lamentava a ausência de público nas óperas cantadas por essa
empresa, mas nesse caso, as possíveis “vazantes” pareciam ser conseqüência dos preços
cobrados pelo empresário, como veremos.
Em 24 de abril de 1886, estreavam as companhias lírica e coreográfica, de
Ângelo Ferrari, o empresário eclético do qual falava Artur Azevedo. A noite de
inauguração ocorreu no teatro Pedro II no qual ambas as companhias trabalhavam
juntas com a ópera-bufa Le donne curiose, de Usiglio, e o bailado Brahma, música de
Dall‟Argine. Em crônica de 19 de maio, modestamente, o folhetinista faz o seguinte
comunicado aos leitores do Diário de Notícias:
O empresário Ferrari está resolvido a pôr em cena, no Politeama Fluminense,
a Donzela Teodora, de Abdon Milanez.
Para esse fim está aberta uma assinatura especial de quatro récitas com os
seguintes preços: camarotes 16$000, cadeiras de 1ª classe 3$000 e de 2ª 2$.
A peça, que está sendo traduzida pelo meu colega Dr. J. Fogliani, da Itália,
será exibida com todo o luxo, havendo no ato um grande bailado, que o
jovem compositor acaba de escrever.
Se se não realizar a assinatura, adeus representação! Desta vez apelo para
os brasileiros. Convém animar um compatriota, que estreou sob tão bons
auspícios. Não nos deixemos vencer por nossos irmãos, os portugueses, que
acudiram como um homem quando se tratou de abrir assinatura para as
representações do Eurico, de Miguel Ângelo (DE PALANQUE, 19/05/1886).
Apesar de ser o autor do libreto da referida ópera-cômica, e certamente estar
cheio de orgulho, o cronista não colocou seu nome ao lado do de Milanez. Estaria ele
querendo evitar as fustigadas de Escaravelho? Nas crônicas dos dias 21 e 23, o
jornalista voltaria a lembrar e divulgar o espetáculo. Entre os dias 19 e 29 do mesmo
mês, encontramos pelo menos oito notas a respeito desse assunto: Está definitivamente
resolvido que vamos ouvir a Donzela Teodora em italiano. Ontem ficou isso decidido
com a empresa Ferrari. Parabéns ao maestro Abdon Milanez, parabéns ao nosso colega
Artur Azevedo” (Grifos do autor) (FOYER, 26/05/1886). As notas mostravam uma
certa adesão à idéia, por parte dos estudantes da Escola Politécnica, da Escola Militar e
da Escola de Medicina. Mas parece que apesar do incentivo de Artur Azevedo e do
redator da seção “Foyer”, a idéia não vingou. Após um período de um mês no Rio de
Janeiro, Ferrari separou as empresas: a de ópera-bufa estreou, em 27 de maio, no
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Politeama Fluminense, com Papá Martin, música de Cagnoni, e a de baile permaneceu
no Pedro II. Esta se despediu do público em 14 de junho, e aquela, em 16. Pelo que nos
foi possível averiguar, não se realizaram as récitas e não se tocou mais no assunto. Qual
o motivo do esquecimento? Não se sabe, mas podemos arriscar uma hipótese: não
estariam os olhos dos espectadores de teatros todos voltados para a iminente estréia de
Sarah Bernhardt, marcada para 1 de junho, no São Pedro de Alcântara?
Segundo João Roberto Faria (2001), a atriz Sarah Bernhardt esteve três vezes no
Brasil: em 1886, 1893 e 1906. Na primeira vez, período que compreende o corpus deste
estudo, a atriz veio em companhia dramática cujo empresário era o italiano César
Ciacchi, o mesmo que no ano anterior havido trazido Eleonora Duse, e os diretores eram
Henri Abbey e Mauricio Grau. De janeiro a junho de 1886 foram publicadas 15 notas
cujo assunto era a atriz francesa. Na verdade, algumas dessas notícias eram
especulações sobre o salário, a vida pessoal e o estado de saúde da atriz. Outras, como a
que destacamos a seguir, eram anedotas de sua vida artística:
tempos fez Sarah Bernhardt uma excursão à Escócia, contratada por um
empresário que, em atenção ao dinheiro que lhe custava a célebre atriz, se viu
obrigado a fazê-la representar num circo, que comportava 4.000 a 5.000
pessoas.
A voz da artista perdia-se completamente nesse imenso casarão. Os dois
primeiros atos da Dama das camélias não produziram o mínimo efeito no
público.
Sarah Bernhardt entrou furiosa no camarim, e, dando largas à cólera, cobriu
de impropérios o público e o empresário, a quem atribuía a culpa do fiasco.
- isto não é arte exclamava a atriz numa das suas expansões de furor isto
não tem nome!
- Palavra que não percebo, disse-lhe o empresário, com o mais amável dos
sorrisos; nem a senhora nem eu nos lembramos da arte quando resolvemos
levar a efeito esta excursão. Tratamos de fazer um negócio e nada mais. O
seu talento e a sua pessoa são as iscas que eu exploro o mais caro possível,
porque também a senhora m‟as vende por uma conta calada. Desengane-se,
minha senhora: a arte nada tem que ver com os nossos negócios (FOYER,
31/03/1886).
Como era uma das maiores atrizes da França, e que se tratava de sua primeira
viagem ao Brasil, era natural que se tornasse sensação na imprensa fluminense. Se as
notas publicadas dizem bem ou dizem mal da atriz, isso não é o mais interessante. Na
verdade, todo esse alarde em torno da figura da artista revela bem a importância dessa
visita para os fluminenses. Eis uma outra história:
Como o leitor sabe, Sarah Bernhardt fez um fiasco na Ofélia de Hamlet, nova
adoção dos Srs. Cressonois e Samnou, que subiu à cena no Porte Saint
Martin. Sarcey, Montheut, Derosne e outros críticos parisienses, consideram
esse desempenho um verdadeiro four, e não se prendem com inúteis
cerimônias para dizê-lo à atriz no seu belo francês incisivo e frisante.
„Ofélia é a natureza, escreve Leon Derosne, e Sarah Bernhardt deu-nos a
caricatura da natureza. A pequena alma de Ofélia abre-se à vida com a
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inconsciência de uma flor, e, se todos os seus instintos são delicados e
nobres, não é menos certo que ela não tem senão instintos.
Sarah Bernhardt não compreendendo ou não querendo compreender, parecia
apostada em falsear a coerência do personagem. Nunca o que de restrito,
de convencional e de faustosamente artificial no talento de Sarah Bernhardt,
nos apareceu com uma tão deplorável nitidez”.
O personagem de Ofélia, vago, indefinido e sublime é um terrível escolho de
que até hoje conseguiu triunfar a grande e singular artista, que se chama
Fidés Devriés.
Sarah Bernhardt, ardendo em cólera, atirou à cara de Derosne com o seguinte
amável poulet:
“Senhor A sua crítica revela fé. Assim, pois, o senhor é um homem
indigno, com o duplo aspecto de um imbecil Sarah Bernhardt (Grifo do
autor) (FOYER, 22/04/1886).
O interessante dessas notas é que elas traçam um perfil pouco idealizado da
atriz, diferente do que possivelmente estaria no imaginário dos brasileiros e do que
Artur Azevedo vai tentar passar no seu “De palanque”. Mas além da grande especulação
da imprensa, a visita de Sarah Bernhardt também foi marcada pelo oportunismo dos
comerciantes, que usavam o nome da atriz em letras de destaque em suas propagandas:
SARAH BERNHARDT
Esta rainha do palco promete deixar visitar-se por todo o moço chic que
mande fazer sua roupa na alfaiataria das Três Estrelas.
56 Rua de Uruguaiana 56
CASA DO AZEVEDO (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 06/06/1886)
Este anúncio encontrava-se à segunda gina do jornal, mas nas seguintes
achavam-se outros do mesmo estabelecimento, com pequenas diferenças de conteúdo,
porém mantendo o nome da atriz como chamariz:
SARAH BERNHARDT
Depois da chegada desta celebrada artista, ninguém fala noutra coisa a não
ser na importantíssima liquidação que está fazendo a
CASA DO CRUZ
Como nos anos anteriores, este grande e bem conhecido estabelecimento faz
a sua liquidação de semestre, a qual durará até o fim do corrente mês; sendo
esta uma excelente ocasião de comprarem fazendas, modas e armarinho por
muito menos do seu valor.
APROVEITEM!
[....]
39A Rua de Uruguaiana 39A
(Antigo Alcazar)
Cruz & Viana (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 06/06/1886).
Este também foi publicado em 6 de junho, à página 7, e pertencia a um
estabelecimento mais ambicioso. Ocupava praticamente uma página inteira do Diário
de Notícias. Na parte por nós suprimida, havia uma longa lista dos produtos em oferta.
Em 18 de junho, à página 4, vemos:
SARAH BERNHARDT
e o café puro e garantido da Fábrica Central a vapor da rua da Carioca n.100
têm recebido das pessoas deste Império os maiores elogios (DIÁRIO DE
NOTÍCIAS, 18/06/1886).
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Especulações e oportunismo à parte, a atriz chegou ao Rio de Janeiro, a bordo do
Cotopaxi, em 26 de maio de 1886, como conta Artur Azevedo no “De palanque” do dia
seguinte. A estréia aconteceu em 1 de junho, no teatro São Pedro de Alcântara:
“1º de junho de 1886: estréia com a dora, de V. Sardou, no teatro de S.
Pedro de Alcântara, do Rio de Janeiro, a célebre atriz francesa Sarah
Bernhardt”. Eis o que mais tarde se de ler nas futuras efeméridas da nossa
história artística. A noite de anteontem ficou sendo uma data (DE
PALANQUE, 03/06/1886).
Ao contrário do que ocorreu na estréia de Eleonora Duse, quando o cronista se
ressentia da falta de blico, dessa vez, houve “enchente real” no teatro. A segunda
récita da empresa aconteceu em 2 de junho, com A dama das Camélias, quando se deu o
episódio que culminou com a saída de Artur Azevedo do Diário de Notícias, como
vimos há algumas páginas. A companhia permaneceu na Corte até 10 de julho, partindo
com destino ao Rio da Prata. Durante esses quarenta dias, ainda foi a São Paulo, cidade
para a qual foi vendida uma assinatura de 4 récitas do repertório de Sarah Bernhardt.
No início de janeiro 1886 era esperado no Rio de Janeiro o cenógrafo Cláudio
Rossi, que durante sua estada na capital do Império, daria explicações para a montagem
de parte do cenário da revista O Bilontra, vindo da Itália. Mas o italiano também vinha
na condição de empresário de uma companhia lírica que começaria os trabalhos na
cidade de São Paulo, passando, posteriormente, a oferecer uma série de espetáculos na
Corte. A estréia naquela cidade aconteceria na segunda quinzena de abril, mas em
janeiro eram constantes os informes sobre a tão esperada temporada de ópera. Os temas
de tais informes eram os nomes que compunham o elenco da companhia, o repertório
escolhido, o preço dos bilhetes e os dias de embarque e desembarque do empresário e
dos artistas. Do início de janeiro até 25 de junho, data da estréia da companhia no Rio
de Janeiro, saíram, no Diário de Notícias, pelo menos 22 notas a respeito dessa
empresa.
Em São Paulo, a inauguração dos trabalhos se deu em 17 de abril com Aida.
Cerca de dois meses depois, a empresa estreava no Rio de Janeiro, com a mesma ópera
de Verdi. Nessa cidade, permaneceu até início de agosto, oferecendo espetáculos no
teatro Pedro II. O repertório incluía óperas italianas, na sua maioria, francesas, alemãs e
uma brasileira, de Carlos Gomes. A inclusão da ópera do maestro brasileiro passa a
fazer mais sentindo quando se lê a seguinte nota:
O Sr. Caio Prado, deputado à assembléia provincial de S. Paulo, apresentou
um projeto autorizando o governo da província a despender anualmente a
quantia de 20:000$ com a subvenção de uma companhia de primeira ordem,
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que se proponha a fazer a estação lírica em S. Paulo. O projeto impõe que no
repertório da companhia entre pelo menos uma ópera de Carlos Gomes
(Grifos meus) (FOYER, 28/03/1886).
Confrontando a data da notícia com a estada da companhia lírica de Cláudio
Rossi, em São Paulo e depois no Rio de Janeiro, imaginamos ter sido essa a empresa de
“primeira ordem” que se propôs a “fazer a estação lírica em S. Paulo”. Se num primeiro
momento pensamos que o nome do maestro brasileiro entrou no repertório da
companhia devido ao caráter impositivo do projeto de Caio Prado, posteriormente,
quando a empresa se apresentou no Rio de Janeiro e incluiu Salvador Rosa na
assinatura vendida para a Corte, pensamos no reconhecimento das qualidades artísticas
de Carlos Gomes, pois, de acordo com o texto, a imposição se restringia à cidade de São
Paulo.
Na crônica publicada em 6 de agosto de 1885, há o seguinte diálogo:
Durante outro intervalo encontro, no corredor das frisas, o Braga Junior a
conversar animadamente com o Celestino da Silva:
- Dois empresários juntos...Hum...ali há coisa.
Feita esta reflexão, aproximo-me dos dois “furões”, e pergunto-lhes:
- Que há de novo? Arranja-se uma empresa teatral?
- Adivinhou.
- Contem-me isso!
O BRAGA Contratamos o Furtado e a Lucinda para uma excursão de sete
meses.
O CELESTINO Mas o contrato pode ser prorrogado por mais tempo, se
isso convier a ambas as partes.
EU Mas onde vão vocês?
O BRAGA A Bahia, a Pernambuco, ao Maranhão, ao Pará.
EU Bravo! Fazem muito bem, porque a Lucinda nunca por lá se perdeu.
CELESTINO E o Furtado há vinte anos seguros que lá não vai.
Esse diálogo pode ser completado pelas seguintes indicações constantes de
um misterioso e anônimo bilhetinho, que ontem recebi pelo correio:
“A excursão será estendida até a província de S. Paulo, findando talvez nesta
corte. A companhia será toda organizada aqui, pelo empresário Braga Junior,
entre os nossos melhores artistas dramáticos, compondo-se de 12 a 14 peças
o repertório, com a obrigação de serem 4 ou 5 completamente novas.
Os artistas Furtado e Lucinda, para a realização do contrato, obrigam-se a
estar nesta corte até o dia 9 de Maio do ano futuro.
Enquanto durar essa excursão pelas províncias do Norte, os mesmos
empresários terão outra companhia importante, vinda da Europa, que,
encetando nesta capital os seus trabalhos, visite as províncias de S. Paulo e
Rio Grande do Sul, seguindo até ao Rio da Prata, se isso convier” (DE
PALANQUE, 06/08/1885).
A concretização da historinha contada pelo cronista começou a acontecer em
30 de abril de 1886, quando o casal de artistas portugueses desembarcou no Rio de
Janeiro. A empresa, com a denominação de Braga Junior & Cia, sob a direção de
Furtado Coelho, estreou em 12 de maio, no teatro Lucinda, com Demi-monde. O
espetáculo de despedida aconteceu em 8 de junho, com o mesmo drama de estréia. Dez
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dias depois, a companhia estreava em Pernambuco, com o drama Fédora. No ano
anterior, os dois artistas também estiveram no Rio oferecendo uma série de espetáculos
nesse mesmo teatro.
Nesse mesmo ano os espectadores ainda tiveram a oportunidade de assistir às
representações da companhia dramática do teatro D. Maria II, que recebeu licença régia
para permanecer no Rio de Janeiro até os primeiros dias de outubro. A estréia ocorreu
em 26 de junho, no teatro Recreio Dramático, onde foi representada a peça A
Estrangeira, de Alexandre Dumas. A visita dessa companhia foi mencionada no “De
palanque” de 3 de abril de 1886, mas na ocasião da estréia, Artur Azevedo já não estava
mais no Diário de Notícias.
Mudando o gênero de espetáculos, em 16 de julho, estreou no teatro São Pedro
de Alcântara a companhia francesa de operetas e ópera-cômica, empresa de César
Ciacchi e direção de Mauricio Grau. A opereta escolhida para a inauguração foi
Madame Boniface, de Paul Lacome. A assinatura constava de 20 récitas. Os libretos de
algumas operetas do repertório eram colocados à venda, na bilheteria no teatro, em
língua inglesa e francesa.
E por fim, no Príncipe Imperial, a 29 de julho, estreou a companhia dramática
portuguesa do teatro Príncipe Real, de Lisboa. Nessa noite, representou-se a peça A
morte civil, de Paulo Giacometti. Como vemos, durante esse período aqui retratado, os
fluminenses tiveram uma vida cultural bastante intensa com a presença dessas várias
empresas européias em solo brasileiro.
Um mapeamento do repertório teatral da época para a qual nos voltamos nos
fornece informações que põem em dúvida a idéia de hegemonia dos gêneros ligeiros em
detrimento do teatro com valor literário. Não dúvida de que a opereta, a mágica e a
revista de ano eram gêneros que dispunham de um certo prestígio diante do público;
prova desse prestígio é a criação de companhias especializadas em tais gêneros. No
segundo semestre de 1885, havia a empresa portuguesa de ópera-cômica, dirigida pela
atriz Irene Manzoni, cujos espetáculos eram oferecidos, em um primeiro instante, no
teatro Fênix Dramática, passando posteriormente, para o teatro Lucinda. Essa empresa
obteve um sucesso bastante significativo com a ópera-bufa A princesa das canárias,
alcançando a margem de mais de trinta representações consecutivas. Mesmo com essa
aceitação por parte do público, a empresa dissolveu-se em setembro do mesmo ano.
Resistindo à invasão estrangeira, também estava a atriz Fanny, cuja empresa
trabalhava no teatro Politeama Fluminense. No final de junho, estreou a mágica o Gênio
72
do fogo, de Primo da Costa, com música de Cardoso de Meneses. Semelhantemente à
empresa Manzoni, a de Fanny teve vida breve.
Explorando o mesmo gênero, havia a empresa do ator português Jacinto Heller,
que segundo J. Galante de Sousa (1960), foi uma das mais duradouras companhias
teatrais do século XIX: de 1870 a 1893. Ocupava o teatro Sant‟Anna, mas
eventualmente oferecia espetáculos em outras salas, como a do São Pedro de Alcântara
e a do Pedro II, por exemplo. Durante a permanência das companhias forasteiras no
Rio de Janeiro, o empresário buscou refúgio em São Paulo, estendendo a excursão por
Santos e Campinas. Antes de seguir viagem, porém, realizou uma jogada de mestre,
valendo-se de dois ingredientes para levar uma “enchente” ao Sant‟Anna: em 26 de
julho, fez subir ao palco o Boccacio, uma opereta de sucesso, em homenagem à atriz
Eleonora Duse, que assistiu à representação acompanhada por Teobaldo Checchi e
César Ciacchi, marido e empresário, respectivamente. Não resta dúvida de que foi uma
grande jogada que o ajudou a arrecadar fundos para concorrer com as despesas da
viagem. Como lembra Mencarelli (2003), os empresários dessa época viviam numa
“gangorra financeira” devido às dúvidas em relação ao sucesso ou insucesso das peças
que levavam à cena. Uma viagem para São Paulo demandava muitas despesas. Ainda
segundo o historiador, em geral, os empresários acumulavam uma longa lista de
processos pelo não pagamento de dívidas. Quando o empresário do Sant‟Anna estava de
malas prontas para seguir viagem, na seção “A pedidos”, do Diário de Notícias,
publicava-se:
Teatro
Pergunta-se a um empresário que vai para fora, o motivo pelo qual não paga
aos pobres carpinteiros os seus ordenados atrasados. se espera para volta,
estes pobres hão de pagar as suas dívidas quando ele voltar, ou morrer à
fome?
Deste que vai construir um chalé (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 30/07/1885).
Levando-se em conta as observações de Mencarelli e o contexto em que se
insere a nota, acreditamos que a cobrança é dirigida a Jacinto Heller, o único empresário
que estava de viagem marcada.
De qualquer forma, a companhia seguiu viagem, e após uma temporada de quase
dois meses por essas três cidades, voltou ao Rio de Janeiro no início de outubro,
reinaugurando seus trabalhos com a Mascote. Aquele era também o momento de pensar
em uma revista de ano para ser representada no começo do ano seguinte. Em 29 de
outubro os leitores eram informados de que Valentim Magalhães e Filinto de Almeida
escreveriam a revista para o teatro Sant‟Anna. Em 6 de novembro, Jacinto Heller
73
tinha em mãos o prólogo da Mulher-homem, assim se chamava a revista; em 16 do
mesmo mês, recebeu o primeiro ato, e já em 4 de dezembro, a revista entrou em ensaios.
De tudo isso o que importa salientar é a rapidez com que se escrevia uma peça desse
gênero: no caso em questão, algo em torno de 36 dias. A revista tinha 106 personagens.
A música era de Chiquinha Gonzaga, Miguel Cardoso e Henrique de Magalhães. Da
parte cenográfica se encarregaram Orestes Colliva, Gaetano Carrancini e Frederico de
Barros.
Em 13 de janeiro de 1886, o empresário português a levou à cena com grande
sucesso de público, embora a crítica a tenha recebido com algumas restrições. De certo
modo, o prestígio desse gênero dramático era percebido pelo espaço que dispunha na
imprensa. Mesmo antes da primeira récita da Mulher-homem, já se publicavam algumas
coplas, evidenciando-se sempre o nome do autor das partituras. No período subseqüente
à estréia, abria-se espaço para os comentários acerca do prólogo, colocando em
evidência os principais papéis e seus respectivos intérpretes, os cenógrafos e os
músicos. Digna de observação também é a corrida da imprensa para oferecer ao público
a primeira apreciação sobre a revista. Era de praxe que os folhetins acerca de uma peça
em cartaz fossem publicados dois dias após a estréia. No caso da Mulher-homem, as
críticas eram esperadas para o dia 15 de janeiro, mas, astuciosamente, dia 14, Artur
Azevedo saiu à frente e publicou seu “De palanque” com base no que viu durante o
ensaio geral da revista. No dia seguinte, publicou uma espécie de crônica complementar
acerca da revista de Valentim de Magalhães e Filinto de Almeida.
O sucesso de público e de crítica favorecia/interferia no trabalho de criação dos
autores. Devido à boa aceitação dessa revista, os autores escreveram um novo quadro
intitulado “Maxixe da Cidade Nova”, que foi à cena em 13 de fevereiro, ou seja, um
mês após o primeiro espetáculo. A verdade é que se criava uma grande expectativa em
torno do sucesso das revistas. No caso da Mulher-homem, chegavam a contabilizar a
quantidade de espectadores que haviam se dirigido ao teatro para assisti-la. Segundo o
“Foyer”, até 25 de fevereiro o número de pessoas chegava a 45.506 e a expectativa
do empresário Jacinto Heller era a de que alcançasse 200.000. É pouco provável que
essa margem tenha sido alcançada, pois em 13 de março era anunciada a substituição
da revista pela opereta A donzela Teodora, libreto de Artur Azevedo e partitura de
Abdon Milanez. No entanto, devido ao estado de saúde do ator Foito, que tinha papel na
opereta, mas que fora atacado pela febre amarela, a estréia ocorreu em 19 de março.
No dia anterior, o Diário publicava nota sobre a morte do ator, para quem o empresário
74
Jacinto Heller e o ator Gama mandaram celebrar uma missa. O sucesso da nova opereta
pode ser mensurado a partir dos vários artigos publicados nos dias subseqüentes ao da
primeira representação. Lacônicas ou extensas, essas notas são sintomas da aceitação da
revista junto ao público.
Mais ousado do que Jacinto Heller, foi o empresário Braga Junior, que decidiu
excursionar com sua companhia de operetas por algumas regiões do Norte e Nordeste.
As notícias sobre o itinerário dessa empresa chegavam à redação do Diário de Noticias
através de telegrama e eram passadas aos leitores na seção “Foyer”. A companhia teria
estreado seu repertório, em 17 de junho de 1885, na Bahia, percorrendo, em seguida, os
estados de Pernambuco, Maranhão e Pará. Após seis meses de excursão, chegou à
capital do Império, em 22 de dezembro, e fez sua estréia no teatro Lucinda, com a
revista de ano O mandarim, de Artur Azevedo. Enquanto a empresa excursionava, Artur
Azevedo e Moreira Sampaio escreviam O Bilontra, outra revista dos acontecimentos de
1885, que seria posta em cena pelo empresário, no início de 1886. O alarde acerca dessa
revista era ainda maior do que o que se fazia sobre a do Sant‟Anna. Isso acontecia até
mesmo pelo fato de o empresário investir maior soma de dinheiro no espetáculo. Para se
ter uma idéia, parte do cenário foi pintada no Rio de Janeiro por Orestes Coliva,
Gaetano Carrancini e Frederico de Barros, e parte na Itália. Entre outubro de 1885,
quando foi noticiado que os autores estavam escrevendo a revista dos acontecimentos
daquele ano, e janeiro de 1886 encontramos ao menos 18 notas na seção “Foyer” acerca
dessa revista. Havia uma grande expectativa sobre o aparecimento de uma peça assinada
por Artur Azevedo, o que sinaliza para o prestígio por ele adquirido no meio intelectual.
Mas sobre o que versavam tais notas? Falava-se sobre a prosa, a chegada de Gomes
Cardim para organizar a música, a confecção dos cerios, a contratação de bailarinos
em Madri, o teatro onde seria representada, a possível data da chegada do cenário que
vinha da Itália, a exposição do figurino dos principais personagens em lugar ainda a ser
divulgado, os preparativos para os ensaios, especulações sobre a data de estréia e a
descrição dos quadros da revista. Não resistimos à tentação de transcrever dois trechos:
O correspondente desta Corte, para o Diário Mercantil, de S. Paulo, escreveu
o seguinte sobre a nova Revista do ano, do nosso colega Artur Azevedo e do
Dr. Moreira Sampaio:
O Bilontra tem a seu favor a recomendação de duas penas já experimentadas
no Mandarim e na Cocota, além de se achar confiado ao desempenho da
companhia Braga Junior, que incontestavelmente conta bons elementos para
o mais feliz êxito, quer quanto ao aparato cênico, quer quanto a exibição
dramática” (Apud FOYER, 29/12/1885).
75
O distinto cenógrafo Cláudio Rossi que deve chegar da Europa depois de
amanhã, aproveitará a sua estada aqui para dar as explicações necessárias,
como fim de serem montadas no teatro Lucinda as belíssimas cenas vindas da
Itália para o Bilontra. Sabemos que uma das cenas representa o reino do jogo,
alusiva à febre de loterias existentes nesta Corte, e outra é uma soberba
apoteose a Victor Hugo, isto é, o grande poeta na imortalidade. No Bilontra
foi aproveitado o maravilhoso bailado das horas, da Gioconda. outros
bailados interessantíssimos, o dos arlequins e o das loterias. Para esse fim
contratou Braga Junior algumas bailarinas que serão coadjuvadas pelas
coristas. Os trechos mais notáveis da música da Gioconda, a ópera favorita
do público, na última temporada lírica, da companhia Ferrari, foram
escolhidos para o Bilontra. De outras partituras novas e velhas, das mais
importantes, foi tirada o resto da música, além dos números originais,
composição do distinto maestro Cardim, que fazem honra ao seu talento.
alguns tangos e lundus que certamente se tornarão logo populares, e que hão
de ser sempre bisados. O lundu do Recreio da Cidade Nova, cantado pelo
próprio ator Felipe, que esteve dirigindo aquele teatro, é de uma grande
originalidade. Enfim, a nova Revista do nosso colega Artur Azevedo e
Moreira Sampaio deve fazer um sucesso extraordinário (Grifo do autor)
(FOYER, 08/01/1886).
Esses dois trechos são bem ilustrativos do prestígio dos autores, da expectativa
em torno da estréia e do empenho da empresa de Braga Junior para fazer subir ao palco
uma peça com todo o aparato cênico. Artur Azevedo não se pronunciou a respeito da
representação de estréia, que ficou a cargo da seção “Foyer”:
Não causará espanto se dissermos que o Lucinda apresentava anteontem um
aspecto de deslumbramento festivo; camarotes, varandas, cadeiras estavam
literalmente cheios do que de melhor encerra a sociedade fluminense; não
no jardim, mas nos corredores do teatro, havia uma massa compacta de povo,
que se aglomerava numa promiscuidade original, ansioso, sôfrego por ver o
Bilontra, a segunda revista de 1885, escrita pelo nosso colega Artur Azevedo
e pelo Dr. Moreira Sampaio, os iniciadores, entre nós, deste gênero de peças,
que parecem fadadas a grande popularidade, para regalo do público e
felicidade dos empresários (FOYER, 31/01/1886).
Após a primeira representação, a empresa adotou o sistema de divulgar a
recepção crítica de jornais como o Mequetrefe, Distração e Gazeta de Notícias, colada
nos próprios anúncios da revista. Concomitantemente às representações, os quadros da
revista eram publicados em uma espécie de folhetim, na parte central da segunda página
do Diário.
Enquanto Jacinto Heller buscava refúgio em São Paulo e Braga Junior viajava
pelo Norte e Nordeste, a empresa do ator Dias Braga permanecia no Rio de Janeiro,
porém, explorando outro gênero teatral. Sua empresa trabalhava no Recreio Dramático e
o repertório se pautava em dramas, comédias e melodramas. Apesar de explorar
reprises, “esses trapos quentes do teatro”, como dizia Artur Azevedo, o empresário
conseguiu se manter no Rio de Janeiro mesmo no momento em que tinha a companhia
dramática italiana e companhia lírica como fortes concorrentes.
76
Dias Braga usava a fórmula empregada por João Caetano havia mais de 20
anos: a encenação de vários melodramas. O uso dessa fórmula, bem como sua aceitação
em 1885, apontam para o prestígio desse gênero dramático no gosto das platéias.
Certamente, o empresário utilizou o gênero teatral explorado pelo primeiro ator
brasileiro, mas, no que se refere à performance, adequou-a às novidades de
representação cênica, ou seja, a naturalidade no palco. Essa estratégia garantiu a
manutenção da companhia no Rio de Janeiro, mesmo no momento em que disputava a
atenção do público com as companhias estrangeiras e com as companhias especializadas
em gêneros alegres.
Embora o cronista do “De palanque” apontasse que o empresário do Recreio
Dramático guardava o drama No seio da morte, do dramaturgo espanhol Jose
Echegaray, para um momento mais oportuno, a grande cartada do empresário português
foi levar à cena, em 22 de outubro, O conde de Monte Cristo, arranjado por Azeredo
Coutinho e pelo ator Muniz, a partir do romance homônimo de Alexandre Dumas. O
sucesso foi tamanho que o drama ultrapassou a margem de 50 representações
consecutivas em 1885, e outras esparsas, em 1886. O sucesso alcançado por esse drama
serve como atenuante à idéia de perversão do gosto, criada pelos folhetinistas em
relação às escolhas dos espectadores pelos gêneros alegres. Serve também como ponto
de reflexão: o sucesso de público de uma determinada peça não estaria muito mais
atrelado às qualidades literárias do texto levado à cena do que ao gênero dramático em
si?
Seguindo os mesmos gêneros teatrais explorados por Dias Braga, o ator Simões
organizou uma companhia dramática, cujo objetivo era fazer excursão pelo Rio Grande
do Sul. Antes, porém, de seguir viagem, a empresa daria alguns espetáculos no teatro
Sant‟Anna, para que pudesse organizar o repertório. Nesse período, Heller estava em
excursão por São Paulo. A estréia da empresa do ator português ocorreu em agosto com
o drama O palhaço e a despedida do público fluminense deu-se no mês subseqüente,
com Um drama no alto mar.
Na crônica de 20 de setembro, em que trata da “pasmaceira teatral” no Rio de
Janeiro, Artur Azevedo mencionou a idéia de organização de uma companhia
“destinada a representar exclusivamente dramas e comédias nacionais”(DE
PALANQUE, 20/09/1885) como uma das novidades que mudariam a situação. O que
era apenas uma idéia apareceu como realidade, na crônica de 1 de outubro: o ator
Martins havia conseguido montar a companhia dramática de que tratara o cronista. A
77
nova empresa trabalharia no teatro Lucinda e estrearia com Luxo e vaidade, de Joaquim
Manoel de Macedo. Além do desafio de representar dramas e comédias nacionais, o
empresário tencionava
[...] instituir prêmios destinados não só aos autores cujos trabalhos forem bem
recebidos pelo público, como aos discípulos que mais se distinguirem nos
espetáculos particulares da Escola dramática para ambos os sexos.
Essa escola funcionará numa das salas do Conservatório de Música, e terá
duas aulas, uma de reta pronuncia e outra de declamação teórica e prática. O
professor será o próprio Martins (DE PALANQUE, 01/10/1885).
Em 15 de outubro, data de estréia da referida companhia, Artur Azevedo volta a
se ocupar sobre o assunto. Conclama o povo a dar apoio à nova companhia, assistindo
aos espetáculos. O texto acaba assumindo um caráter de memórias do teatro: não era a
primeira vez que Martins tentava fazer alguma coisa em prol do teatro nacional; anos
atrás, havia organizado outra companhia, em cuja estréia se representaram os Mineiros
da desgraça, de Quintino Bocaiúva, exibindo em seguida Os miseráveis, de Agrário de
Meneses, e mais algumas comédias de Martins Pena; mas a empresa foi por água
abaixo, assim como iria essa segunda tentativa. Em 31 de outubro, subiu à cena o
drama Os escravocratas ou a lei de 28 de setembro, de Fernando Pinto de Almeida.
Depois desse drama, a intenção era representar as peças: Mãe, de José de Alencar, A
festa na roça, de Martins Pena, e Ninhada do meu sogro, de A. de Castro. Baldada
tentativa: o drama de Fernando Pinto de Almeida saiu de cartaz por falta de
concorrência:
Não sei se o Martins tenciona abrir loja de alfaiate. O caso não é para menos.
Apesar do tiroteio de adjetivos encomiásticos com que a imprensa recebeu a
primeira representação da Lei de 28 de Setembro; apesar da excelência do
drama e do correto desempenho que lhe deram os artistas do Lucinda, a
queda foi desastrada, irremediável, desanimadora.
O Martins está resolvido a mudar de gênero, se os Venenos que curam, de
Aluizio Azevedo e Emílio Rouède, não conseguirem curá-lo dos efeitos da
indiferença do público, desse veneno que entoxica as melhores intenções do
mundo.
Se a comédia não levar público à rua do Espírito Santo, o que não será para
admirar, pois tem graça e é bem escrita, o empresário recorrerá
imediatamente à opereta e à mágica (DE PALANQUE, 06/11/1885).
Na verdade, antes mesmo produção de Aluízio Azevedo e Emilio Rouède subir
ao palco, o empresário apelou para números de ilusionismo. Em 11 do mesmo mês o
artista brasileiro Ávila apresentou-se no teatro da rua Espírito Santo, sendo bastante
elogiado por Artur Azevedo. A comédia foi representada, mas ao que tudo indica, não
obteve o sucesso esperado e o tombo foi inevitável. A empresa em que estaria o sonho
de regeneração do teatro nacional teve vida bastante efêmera, cerca de dois meses. Em
crônica de 18 de dezembro, ao tomar como tema a peça Asas de Ícaro, do mesmo autor
78
de Os escravocratas ou a lei de 28 de setembro, o jornalista mencionou a dissolução da
companhia. Em 1886, por ironia do destino, o homem que sonhava em “regenerar” o
teatro nacional foi trabalhar com Braga Junior, numa empresa que explorava exatamente
o “cupim do drama
4
”.
Dessa dinâmica teatral participou também como empresário o ator português
Montedonio, organizando uma companhia dramática que estreou, em 17 de outubro, no
teatro Fênix Dramática, com Os fidalgos da casa mourisca, extraído por Carlos Borges,
do romance homônimo de Julio Diniz. Em 24 de outubro, a companhia mudou-se para
o teatro Príncipe Imperial, no Rocio. Em 25 de novembro, transferiu-se para o teatro
Lucinda onde representou a comédia Cenas burguesas, de Moura Cabral. Com a volta
da companhia Braga Junior, que estava em excursão pelo Norte Nordeste, e que iria
ocupar o teatro Lucinda, Montedonio transfere sua companhia para o Politeama, onde
representa Guerra da Itália, em 27 de dezembro. Nessa mesma noite, ocorreu um fato
curioso. Alguém, talvez o proprietário do teatro, interessado em encher a algibeira,
resolver expor e abrir à visitação pública, das 9 às 17 horas, desde que pagassem o valor
estipulado, um peixe de 10 metros, que ficou exposto durante três dias:
O que a ninguém agradou foram as exalações de um enorme peixe putrefato,
que estava exposto no jardim.
Que desastrada lembrança a dessa pouco interessante exibição!
Muita gente se retirou do teatro por não poder suportar o cheirete; quanto a
mim, confesso que não sacrifiquei a delicadeza do meu olfato aos deveres de
cronista.
A junta sanitária acudiu trop tard, como os famosos carabineiros de
Offenbach; mas conto que a estas horas o imundo peixe tenha sido
transportado para a ilha de Sapucaia, e o público possa assistir à
representação da Guerra da Itália sem receio de ter náuseas.
Os aplausos de anteontem seriam mais numerosos e estridentes se os
espectadores não precisassem da mão direita para tapar as ventas.
Imaginem uma platéia inteira de indivíduos com a mão no nariz! (DE
PALANQUE, 29/12/1885).
Ao que parece, no dia em que ocorreu esse episódio, encerrava o prazo de
exposição, mas não foram tomadas as providências necessárias para a remoção do
peixe. Na crônica de 30 de dezembro, Artur Azevedo publica trechos de uma carta a ele
dirigida, por Dermeval da Fonseca, fiscal da junta sanitária, tentando corrigir os
equívocos contidos na crônica do dia anterior. Na verdade, o fiscal foi informado da
situação, por volta das 9 ou 10 horas da noite de 27 de dezembro.
No dia 12 de dezembro, no teatro Fênix Dramática, estreava uma nova
companhia teatral dirigida pelo ator Primo da Costa, autor de o Gênio do fogo, como
4
Expressão utilizada pelo redator da seção “Foyer”, em 12 de junho de 1886, para se referir à opereta.
79
vimos. A nova empresa trazia uma novidade que Artur Azevedo classificou como
“luminosa idéia”: reduziu os preços dos ingressos à metade. A peça com que a empresa
inaugurou seus trabalhos foi Fogo do céu, do repertório espanhol.
Em 10 de dezembro, pela seção “Foyer”, foi anunciada a estréia da companhia
lírica dirigida pelo tenor Pedro Setragni, no teatro São Pedro de Alcântara, com O
trovador, de Giuseppe Verdi. Nessa noite, foi registrado público suficiente para encher
apenas “meia casa”. A justificativa era o calor ou a tempestade que ameaçava desabar
sobre o Rio de Janeiro. Ao que parece, a empresa foi levada pela enxurrada, pois após
essa primeira apreciação feita pelo “Foyer”, não se falou mais nela. Nem mesmo Artur
Azevedo, grande diletante do teatro lírico, fez comentário algum a respeito.
Em 1 de janeiro de 1886 estreou no teatro Príncipe Imperial uma companhia de
ópera-cômica, tendo a atriz Pepa Ruiz como empresária e Sousa Bastos como diretor
cênico. A peça escolhida para a récita de inauguração foi Cavalheiro mignon, traduzida
do francês pelo diretor da companhia. Também essa empresa tentou encher a algibeira
com a produção de uma revista de ano. Em novembro de 1885, Sousa Bastos
encomendou uma a Azeredo Coutinho e Múcio Teixeira. A revista foi escrita, chamava-
se O coroado, mas em virtude de uma “desinteligência” entre os autores não foi
representada.
No entanto, aproveitando o sucesso das revistas Mulher-homem, posta em cena
pelo empresário do teatro Sant‟Anna e O Bilontra, que estava em cartaz no teatro
Lucinda, o próprio Sousa Bastos escreveu O casamento da Mulher-homem com o
Bilontra, cuja primeira representação foi na noite de 26 de fevereiro de 1886. Artur
Azevedo não fez apreciação alguma sobre essa peça, mas segundo o redator do “Foyer”,
a revista possuía todos os elementos necessários para garantir sucesso. Após 3 meses de
trabalho no Rio de Janeiro, a empresa seguiu em excursão por algumas cidades do Sul
do país.
Em 2 de janeiro de 1886 aconteceu a inauguração de mais uma casa de
espetáculo no Rio de Janeiro: o teatro Apolo, na rua dos Inválidos, 120. A empresa que
iria explorar o novo teatro era dirigida pelo artista Sales Guimarães e na noite de
abertura dos trabalhos ofereceu um repertório variado: as comédias As más informações
e A casa do Diabo e a cançoneta Mané corisco. Após algumas noites de trabalho, os
anúncios do referido teatro desapareceram da gina comercial do Diário de Notícias e
também da seção “Foyer”. Somente em 13 de fevereiro anuncia-se a reabertura:
80
Vai reabrir-se o teatro Apolo. Depois de algumas récitas de amadores
italianos, que fizeram parte da extinta empresa Tartini, começará a trabalhar
uma grande companhia de autômatos, que chegaram competentemente
encaixotados dos Estados Unidos (Grifos do autor) (FOYER, 13/02/1886).
Está explicado o sumiço. Companhia que não anunciava não aparecia no
“Foyer”. Aliás, a existência dessa seção estava atrelada aos anúncios das empresas. Se
as companhias dramáticas não anunciavam, o “Foyer” não aparecia. Assim aconteceu
em 24 de setembro de 1885.
Em fevereiro de 1886, a falida empresária Fanny resolveu se aventurar outra vez
montando nova companhia dramática. Estreou no Politeama Fluminense, com Amor por
anexins, de Artur Azevedo, mas após nove anúncios no Diário, a empresa desapareceu
sem deixar rastros.
Em 22 de maio, no Príncipe Imperial, que a partir de então passaria a se chamar
Éden Fluminense, estreou uma empresa dirigida pelo ator Flávio Wandeck. Não
conseguimos informações sobre o gênero por ela explorado, que nos anúncios apenas
se mencionava “espetáculo variado”.
Participando da disputa de bilheteria com as companhias citadas estavam
também no Rio de Janeiro algumas empresas que ofereciam espetáculos de gênero
diverso ao que tinha como função educar as platéias. Eram companhias circenses que
deslumbravam os espectadores colocando em cena animais diversos e acrobatas. Uma
dessas companhias foi trazida pelo empresário César Ciacchi, o mesmo que trouxera
para a Corte Ernesto Rossi e Adelaide Tessero e, concomitantemente à companhia
zoológica, trazia Flavio Andó e Eleonora Duse, conforme salienta Artur Azevedo, em
11 de julho. Vale lembrar que o cronista não se voltou para esse assunto com a intenção
de fazer a crítica elogiosa à companhia, mas para se ressentir da falta de concorrência
aos espetáculos da companhia dramática italiana, cuja estréia tinha ocorrido em 25 de
junho, como vimos. Ciente do “mau gosto‟ do público, ele fazia uma espécie de
profecia acerca da representação do drama a Mulher de Cláudio, que subiria à cena
naquela noite, no teatro São Pedro de Alcântara. Segundo ele, “os macacos hão de atrair
todas as noites esse público estapafúrdio, que prefere o Gênio do fogo à Denise”(DE
PALANQUE, 11/07/1885), ou seja, preferia a mágica, um gênero “inferior”, ao drama,
um gênero “elevado”.
Voltando a falar sobre a macacada, em 16 de julho, estreava no teatro Príncipe
Imperial a grande companhia Great Attraction, dirigida por Felipe Salvini, tendo no
elenco alguns macacos, orangotangos, mandrilhos, cachorros, cabritos e cavalinhos
81
liliputinenses. Contrariando nossas expectativas, o cronista do “De palanque” não fez
crítica a espetáculo algum representado nas duas noites anteriores. Esse silêncio revela
o seu descontentamento com o sucesso que a bicharada fazia entre os fluminenses. A
outra notícia sobre a companhia veio no artigo publicado em 25 de julho, no qual o
articulista ressentiu-se de uma onda de azar que se estendia sobre os teatros da Corte:
Até a companhia de macacos do Príncipe Imperial tem tido os seus revezes:
alguns desses interessantes quadrúmanos, que representam forçoso é
confessar com mais habilidade que certos e determinados artistas muito
conhecidos do público fluminense, não resistiram ao nosso clima ou à nossa
banana. Morreram alguns, e o pai nobre está bastante enfermo. Deus o
preserve de morte macaca (DE PALANQUE, 25/07/1885).
Apesar de saltar aos olhos a comparação de mau gosto e desrespeito feita entre
os animais e os artistas dramáticos, para nós o que importa destacar nesse fragmento é o
registro satírico dos percalços por que passou a empresa no Rio de Janeiro. O
interessante é que enquanto Artur falava dos revezes da troupe Salvini, o redator do
“Foyer” falava em “mar de rosas”:
O empresário Salvini nada verdadeiramente em um mar de rosas!
Anteontem muitas pessoas ficaram a ver... a estátua eqüestre, porque não
havia bilhetes para vender, a casa estava completamente cheia!
Os bicharocos trabalharam no meio de ruidosos aplausos; até houve uma
atriz, bastante conhecida, que foi ao palco oferecer-lhes a homenagem do seu
entusiasmo... em biscoitos. Não sabemos se os macacos agradeceram, mas o
caso é que eles apreciaram bastante os rebuçados.
A banana brasileira faz-lhes mal! (FOYER, 27/07/1885).
Com os dois trechos transcritos não é nosso interesse julgar se Artur Azevedo
falou ou não a verdade acerca da morte do “pessoal” de Salvini, mas apenas chamar
atenção para o modo tão diferente como ambos os jornalistas apresentam essa empresa
para os leitores.
A verdade é que a empresa conseguiu agradar bastante durante sua estada.
Através de uma leitura do “Foyer” nos foi possível acompanhar o sucesso por ela
alcançado. A estréia foi auspiciosa. Como havia imaginado Artur Azevedo, os macacos
levaram deveras grande número de pessoas ao Príncipe Imperial:
Com grande concorrência estreou anteontem, no Príncipe Imperial, a
companhia zoológica dirigida pelo Sr. Tomás Salvini
5
.
Embora não seja, no gênero, uma completa novidade entre nós, a companhia
Salvini apresentou bons trabalhos, sobressaindo o das cabras adestradas, o
dos cavalinhos liliputianos e um entremez por cães e macacos, verdadeira
chave de gargalhadas que fechou a função da estréia.
5
De acordo com os anúncios, o diretor da empresa chama-se Felipe Salvini. Nesse caso, houve a troca de
um pré-nome. Em outros, um mesmo nome, principalmente quando estrangeiro, é escrito de várias
formas, o que nos leva a uma dificuldade de saber a verdadeira grafia.
82
Auguramos ao Sr. Salvini muitas boas noites a julgar pelo acolhimento
simpático que teve anteontem e nos aplausos que receberam seus artistas
(Grifos do autor) (FOYER, 18/07/1885).
Nesse primeiro momento, a companhia de macacos ofereceu espetáculos até 16
de agosto; dia 19, estreou na Fênix Niteroiense, com verdadeiro sucesso; reapareceu no
Príncipe Imperial, em 12 de setembro, ficando até dia 20. O sucesso era tamanho que a
empresa chegou a oferecer espetáculos em duas sessões nos fins de semana. A casa,
completamente cheia, fazia com que alguns espectadores ficassem sem ingresso.
Na crônica de 14 de agosto, Artur Azevedo fazia as honras da casa à companhia
eqüestre Irmãos Carlo que estreara dois dias antes, levando uma “enchente real” ao
Politeama. O cronista ressentia-se que a empresa não tinha reformado o elenco e
apontava mais defeitos do que qualidades nessa estréia:
1ª parte: Grande manobra a cavalo, por vários artistas. Manobra de um
interesse medíocre. As cavalhadas do S. Gonçalo são muito mais curiosas.
O Sr. Frederico Carlo apresenta „em liberdade‟ o cavalinho Rocko, bonito
animal que dança a valsa que nem um adido da embaixada. O clown emprega
esforços hercúleos para fazer rir. Acho mais graça no Rocko.
Bonitas sortes de Tomy e Kunhe Taro, contorcionistas japoneses.
Inquestionavelmente um deles trabalha melhor que o outro; mas qual? Tomy
ou Taro? Mistério.
Um dos Srs. Casali umas voltas a cavalo, e o clown Ozon continua a
empregar esforços inauditos para ter graça.
Os meninos Harry e Hattie Carlo dançam um passo característico. São
aplaudidos em atenção à sua pouca idade. Pelo mesmo motivo não são
pateados. Mas é bom não insistir (DE PALANQUE, 14/08/1885).
O articulista do “Foyer” informava aos leitores que o colega da seção “De
palanque” iria se ocupar exclusivamente do espetáculo, mas o que o leitor encontrou foi
uma avaliação cheia de ironia e sarcasmo, na qual procurou ressaltar sempre os aspectos
negativos da performance. Parece mesmo que há má vontade do cronista em reconhecer
as qualidades das atrações apresentadas. A conclusão a que ele chegou era a de que:
O público pouco se divertiu. Ninguém perdoa aos irmãos Carlo trazerem do
estrangeiro uma companhia anunciada com tanto ra-ta-plan, e apresentarem
artistas por demais conhecidos, e entre eles, para não ir mais longe, essa
famosa e indefectível família Casali, vista e revista em todos os circos
suburbanos da Cidade Nova (DE PALANQUE, 14/08/1885).
Na condição de homem da imprensa, o jornalista usava o veículo de que
dispunha para fazer um juízo de avaliação que poderia ter peso significativo no número
de espectadores presentes nas próximas representações da companhia. No entanto,
apesar da vontade, e em que pesem os aspectos negativos por ele apontados, a
companhia não sofreu prejuízo de natureza alguma. Sua estada na capital do Império se
estendeu até início de dezembro. Nem mesmo o incêndio ocorrido no teatro, na noite de
83
31 de agosto, atrapalhou o sucesso da bicharada. A receptividade por parte do público
era tamanha que, a exemplo a companhia zoológica dirigida por Felipe Salvini, os
empresários ofereceram espetáculos à tarde e à noite, aos domingos. Se Artur Azevedo
ressentia-se da mesmice das atrações da companhia dos Irmãos Carlo, no “Foyer”
chamava-se a atenção quando a empresa apresentava um número mais ousado:
A companhia Carlo, no louvável intuito de variar os seus espetáculos, fez
ultimamente exibição de dois leões e um tigre domesticados pelo domador
indiano Sureesh Biswach.
A terrível impressão que se apoderou de boa parte do público apesar da
coragem e sangue frio do domador de Bosco diante da feroz atitude daqueles
animais, é bastante para que a empresa, que tantos outros elementos possui
para agradar o poupe a semelhantes espetáculos, que se nada têm de úteis,
muito menos podem ter de agradáveis (FOYER, 26/08/1885).
Anteontem reapareceram os leões e o tigre no Politeama.
Apesar de se terem as feras mostrado dóceis ao mando de seu domador, nós
continuamos a recomendar à empresa muita cautela em exibições de
semelhante natureza.
Sim, porque em uma hora... (FOYER, 30/08/1885).
Não se sabe se esse era o ideal de atração para Artur Azevedo, pois somente em
20 de setembro ele voltaria a falar sobre os trabalhos dessa empresa:
No tocante a espetáculos, temos agora os irmãos Carlo com os seus tigres,
leões, cachorros e cavalos, um dos quais tem o bom gosto de se chamar
Pinto, e o signor Salvini, que todos os dias anuncia o seu pessoal, composto
de cães e macacos mais ou menos sábios.
Numa das noites passadas entrei no circo da rua do Lavradio justamente na
ocasião em que um acrobata, chamado Ozor, fazia prodígios de equilíbrio no
trapézio volante.
O artista foi mediocremente aplaudido; mas declaro alto e bom som que ele
me encheu as medidas.
Se eu tivesse um ideal em ginástica, encontrá-lo-ia talvez nele, no
formidoloso, no impávido Ozor, que ajoelha no trapézio e com as mãos soltas
no ar imprime-lhe aos poucos um movimento de rotação (Grifos do autor)
(DE PALANQUE, 20/09/1885).
Trata-se de um artigo no qual o cronista apresentava um quadro da situação dos
teatros no Rio de Janeiro. Com o término dos contratos das companhias européias, com
a ida da empresa dirigida pelo ator Simões para o Rio Grande do Sul, e com a
dissolução da companhia de operetas da atriz Irene Manzoni, restava como divertimento
os espetáculos das empresas Irmãos Carlo e Felipe Salvini, além da quermesse do clube
Talia, realizada no teatro Recreio Dramático, durante a qual o empresário Dias Braga
levava à cena algumas peças estafadas”. O interessante é que enquanto Artur lembrava
de um artista que foi “mediocremente aplaudido”, possivelmente porque não tinha
agradado, os textos do “Foyer” apontam para outro tipo de recepção por parte dos
espectadores:
O Politeama abre hoje suas portas às 4 ½ da tarde e às 8 ½ da noite.
84
É domingo, tanto importa dizer que o bilheteiro não terá mãos a medir para
atender a todas as pessoas que quiserem apreciar o sangue frio do domador
indiano, as proezas do Bosco, e as pilhérias de Frank Brown (FOYER,
06/09/1885).
A empresa Carlo, no intuito sempre louvável de atrair concorrência aos seus
espetáculos, dando-lhes maiores elementos para agradar, tenciona apresentar
brevemente a aparatosa pantomina Cendrilon, cujos ensaios já começaram.
Além disto, os novos trabalhos ginásticos apresentados pela mudança de
programa, a endiabrada cafeteira mágica do Frank Brown, tão excelente
clown como bom ginástico, as terríveis feras e o pachorrento Bosco, hão de
proporcionar sempre boas enchentes ao Politeama e agradáveis noites aos
seus freqüentadores (FOYER, 16/09/1885).
A companhia dos irmãos Carlo, aumentada como foi ultimamente, tem
levado grande concorrência ao Politeama.
Os novos artistas, que o público já conhece por tê-los visto trabalhar na
companhia transatlântica de G. Leopold, no Recreio, são, ainda assim, dignos
de nota... e de aplausos pela firmeza e habilidade com que executam
arriscadíssimos trabalhos.
A menina Luiza Krauss, as duas Geraldinas e o Sr. Lamonte foram excelentes
aquisições para a empresa Carlo, à qual não faltará animação e concorrência.
Além disso, Frank Brown, o espirituoso clown, está para desafiar a
hilaridade e vencê-la em reptos de jocosidade e bom-humor. Bosco, os leões,
o tigre e os cães sábios oferecem também o seu contingente na variedade dos
programas dos espetáculos.
Querer mais, é exigir muito, tanto mais quando o sistema da empresa é o da
homeopatia: dar por doses pequenas para produzir maior efeito.
E já não é pouco! (FOYER, 20/09/1885).
Continuam a ser muito concorridos os espetáculos da companhia Carlo, no
Politeama.
A menina Luiza Krauss, um prodígio de destreza e agilidade, tem conseguido
captar gerais simpatias e aplausos pela perfeição e limpeza com que executa
o arriscadíssimo trabalho no trapézio volante.
Muito aplaudidas também tem sido as duas Geraldinas, duas artistas de
mérito, e o Sr. Lamonte, um excêntrico com as suas canções americanas
obrigadas a banjo e as esgares impagáveis, quando não se atira a grandes
cenas de elasticidade e contorcionismo.
Acrescente-se o humorismo franco de Frank Brown, um repertório vivo de
jocosidades e... saltos mortais, as diabruras de Ozon, os trabalhos de Carlito e
Casali, os cães sábios, as feras e Bosco e ter-se idéia do pot-pourri
interessante e variado que a empresa Carlo soe apresentar aos freqüentadores
do Politeama.
E estas não falham! (FOYER, 26/09/1885).
Ao contrário do que pensava o redator do “De palanque”, os espetáculos da
empresa agradaram bastante, sendo prestigiados até mesmo pela família imperial, na
noite de 25 de setembro. Se no primeiro espetáculo a companhia apresentou artistas “já
por demais conhecidos”, os trechos acima mostram uma outra característica da empresa:
a de variar sempre para “atrair concorrência aos seus espetáculos”. E a fórmula
funcionava, tanto que a empresa permaneceu no Rio de Janeiro até dezembro.
Apesar dos defeitos apontados pelo crítico quando da estréia da referida
companhia, ele aponta essa empresa e a empresa de Jacinto Heller como
85
monopolizadores do público fluminense na noite de 17 de outubro de 1885. É que nesta
mesma noite acontecia a estréia da companhia dramática, empresa do ator português
Montedonio, no teatro Fênix Dramática, com a representação de um drama adaptado do
romance Os fidalgos da casa mourisca, de Julio Diniz. Eis a observação do jornalista:
“A sala da Fênix apresentava um aspecto triste. Muitas cadeiras e alguns camarotes
vazios. As galerias e o galinheiro mal guarnecidos. Completa ausência de público
pagante” (DE PALANQUE, 19/10/1885).
1.1 O teatro que (quase) não subiu no palanque
O teatrinho estava anteontem cheio; o high life não se
fez representar, oh! mas que platéia popular! que
animação! que bom humor! que singeleza disposição
para o riso!
ARTUR AZEVEDO, 10 DE MAIO DE 1886
Paralelamente à dinâmica do teatro comercial que apresentamos, em vários
bairros do Rio de Janeiro, havia algumas sociedades dramáticas que se organizavam e
ofereciam récitas mensalmente. Observando “Festividades e diversões”, no Diário de
Notícias, espaço destinado à divulgação de atividades religiosas, esportivas e culturais,
percebemos que as mencionadas sociedades eram em número bastante significativo para
uma cidade do porte do Rio de Janeiro. Conseguimos descobrir a existência de pelo
menos 15 associações de amadores: Sociedade Dramática Aurora Fluminense, Ateneu
Dramático Ester de Carvalho, Sociedade Dramática União Familiar da Gávea,
Sociedade Dramática do Engenho de Dentro, Grêmio Dramático S. João Batista, Clube
Dramático da Tijuca, Ginásio Dramático Inhaumense, Sociedade Dramática Filhos de
Talma, Clube Dramático Gonçalves Leite, Sociedade Dramática Musical do Engenho de
Dentro, Congresso Dramático João Caetano, Grêmio Dramático Cavaleiros de
Caravelas, Sociedade Teatral Riachuelense, Sociedade Recreio dos Artistas e Sociedade
Dramática Dez de Agosto.
Em sua Tese de Doutorado, na qual se volta para o teatro musical do século XIX
como características do que viria a ser a futura indústria cultural, o pesquisador
86
Fernando Antonio Mencarelli (2003) comenta o surgimento das atividades amadoras e
chega a mostrar o número e a data do decreto em que foram aprovados os estatutos de
algumas dessas associações. Algumas delas, como a Sociedade Dramática União
Familiar da Gávea e a Sociedade Dramática Musical do Engenho de Dentro, possuíam
teatro próprio, o que mostra o quão bem estruturado era o amadorismo que, para esse
historiador, “iria se transformar no final do século 19 em uma das forças do teatro
realizado no Rio de Janeiro”(MENCARELLI, 2003, p 26). O número de associações
por nós detectadas faz perceber a força sobre a qual Mencarelli se refere. De fato, havia
um intenso trabalho por parte dos artistas amadores. Apesar de as récitas de cada
associação serem mensais, a quantidade de grupos era suficiente para que todos os fins
de semana, aos sábados mais especificamente, houvesse ao menos dois espetáculos
amadores diferentes.
A despeito de toda essa intensa atividade, as associações de artistas amadores
quase não foram objeto de observação de Artur Azevedo. E para não apresentar o
cronista como um vilão, cumpre notar que também o articulista do “Foyer” quase não
voltou os olhos para esse tipo de espetáculo. A posição de cronistas de um jornal
comercial o(s) impedia de dar apoio ao amadorismo? Nas crônicas que compõem nosso
corpus encontramos três alusões ao trabalho desses artistas. Seguindo a ordem de
surgimento, na crônica publicada em 8 de outubro, o cronista se debruça sobre a
Morgadinha de Valflor, representada no teatro Recreio da Cidade Nova:
Pobre Morgadinha de Val flor!
Quem diria que o drama de Pinheiro Chagas, depois de representado por
todas as formas e em todos os teatros da Cidade Velha, daria fundo na Cidade
Nova!
Ele está, fazendo as delícias dos habitantes da rua do General Caldwell e
adjacentes.
O tenor Felipe, diretor da companhia, tem dedo para escolher peças: o
teatrinho enche-se a deitar fora. É verdade que os lugares mais caros custam
apenas dez tostões; mas o dobro que custassem! quem não daria dois mil réis
para apreciar essa milésima edição da Morgadinha?
Um cavalheiro que assistiu à primeira representação, disse-me que o público
ria-se a perder durante as situações dramáticas, ao passo que os episódios
cômicos entenebreciam-lhe o rosto.
Felizmente para os espectadores, na peça de Pinheiro Chagas a parte
dramática subjuga a parte cômica; do ato em diante houve risota de
princípio a fim.
Que fábrica de gargalhas se tornaria na Cidade Nova a lenda trágica No seio
da morte (que, entre parênteses, sobe hoje à cena do Recreio em benefício
dos tradutores)! Que de lágrimas provocaria ali uma representação das Três
mulheres para um marido!
E quem será tão inimigo das antíteses teatrais, que não compre por mil réis a
curiosa sensação de chorar com um drama e rir com uma comédia? (DE
PALANQUE, 08/10/1885).
87
Além de se referir ao drama de Manoel Joaquim Pinheiro Chagas como algo já
saturado, representado “por todas as formas e em todos os teatros da Cidade Velha”, o
que chama atenção no texto é observação feita a respeito do tipo curioso de espectador
que “ria-se a perder durante as situações dramáticas e ficavam com o rosto
“entenebrecidos” com as cenas cômicas, ou seja, um público que não tinha espírito para
entender a peça. O mais interessante é que o cronista não esteve na Cidade Nova para
assistir ao espetáculo; o texto tem um tom de “ouvi falar”, pois ele escreve a partir do
que lhe disse um cavalheiro que assistiu à primeira representação.
De qualquer forma, o que importa nesse momento é mostrar que o espetáculo foi
contemplado no “De palanque” sem que até essa data, 8 de outubro, o teatrinho da rua
General Caldwell aparecesse como anunciante do Diário de Notícias. Será que isso
derruba nosso argumento de que a crítica teatral desse jornal era condicionada às
propagandas das empresas? Claro que não, pois a partir do dia 11 do mesmo mês,
começaram a surgir as chamadas junto aos anúncios dos outros teatros do Rio de
Janeiro:
Quem hoje quiser ver a Morgadinha de Valflor quase de graça e
razoavelmente representada, ao teatro Recreio da Cidade Nova, à rua do
General Caldwell. Os lugares mais caros custam apenas 1$000; os mais
baratos, menos de pataca (Grifos meus) (FOYER, 11/10/1885).
Aqui chamamos atenção para a clara concepção de superioridade do teatro
profissional sobre o amador. Depois desse dia encontramos mais sete anúncios de
espetáculos nesse mesmo teatro.
Na crônica de 3 de maio de 1886, Artur Azevedo comentou sobre um espetáculo
que assistiu no teatrinho da Gávea, oferecido por uma dessas sociedades amadoras. Mas
para nossa surpresa, na mesma noite representou-se Uma spera de Reis, comédia em
um ato, de autoria do próprio Artur Azevedo, que não deixou de lembrar aos leitores do
“De palanque” que foi chamado à cena ao final do espetáculo. Poucos dias depois desse
episódio, mais precisamente em 19 de maio, encontramos um pequeno anúncio, o qual
transcrevemos:
GÁVEA
A récita terá lugar sábado, 22. Os cios encontrarão seus cartões na rua do
Ouvidor n. 52 C. Teles (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 19/05/1886).
Um anúncio simples, direto, lacônico, que mais se assemelha à forma de um
telegrama. Acreditamos que se trata da Sociedade Dramática União Familiar da Gávea,
uma das associações que possuía teatro próprio, e, certamente, no qual Artur Azevedo
88
assistiu ao espetáculo mencionado no “De palanque” de 3 de maio. Foi possível
averiguar que anúncios dessa associação aconteceram em outras edições do Diário, a
exemplo dos dias 25 de abril, 1 e 14 de maio, para citar ao menos três datas. Assim
sendo, a escolha desse espetáculo como assunto para seu artigo não era gratuita: Artur
Azevedo continuava a legitimar uma prática comum da empresa para a qual trabalhava,
qual seja, fazer apreciação da companhia teatral dos seus anunciantes. Além disso,
partilhamos da idéia de que o cronista agiu, premeditadamente, talvez muito mais
motivado pelo interesse de engrandecer a si mesmo do que de divulgar o trabalho dos
amadores. Afinal de contas, nessa mesma época, entre abril e maio, outras sociedades,
como o Ateneu Dramático Ester de Carvalho, Congresso Dramático João Caetano,
Retiro Literário Português, Clube do Engenho Novo e Congresso Ginástico Português,
também divulgavam pequenas notas, anunciando suas récitas e convocando os sócios
para reuniões. Além do mais, mesmo nos períodos em que comentou sobre a
“pasmaceira teatral”, o cronista não privilegiou a produção amadora como assunto de
seus artigos.
O “De palanque” de 10 de maio começa como uma crônica de memória do
mencionado Recreio da Cidade Nova:
três anos, pouco mais ou menos, inaugurou-se na rua do General
Caldwell, na casa outrora ocupada pelo maestro Henrique de Mesquita, um
teatrinho de bonecos, o Filomena Borges, onde tive ocasião de assistir à
extraordinária representação dos Salteadores da floresta negra, uma obra-
prima do gênero.
Poucos meses depois, desaparecia o Filomena Borges e os atores de pau eram
substituídos, e mal substituídos, [ ], por atores de carne e osso. O teatrinho,
convenientemente alargado, passou então a denominar-se Recreio da Cidade
Nova.
O empresário era o Felipe, o mesmo que no Bilontra representa com tanta
naturalidade o seu próprio papel.
Ainda estou por saber os motivos que levaram a empresa a dar em vaza
barris; [...]
Fosse porque fosse, o Recreio da Cidade Nova fechou as portas, e anteontem
reabriu-as um grupo de artistas dirigido pelo Magioli.
O teatrinho passou agora por novas transformações, e crismou-se ainda uma
vez: chama-se hoje Santa Isabel. Sacrificou à velha mania de dar nomes de
santos a estabelecimentos onde a religião não pode entrar, nem mesmo como
Pilatos no Credo. Está limpo, é confortável e quase elegante, apesar da
pobreza franciscana da construção e da decoração. O palco é pequeno; não
excede em dimensões ao do teatrinho da Gávea. Um ator da estatura do Xisto
Bahia seria talvez obrigado a curvar-se, para não chegar às bambolinas. Não
tem camarotes: apenas duas espécies de gaiolas, construídas em cada lado da
orquestra, destinando-se uma às autoridades policiais e outra à empresa. A
platéia é dividida em duas ordens: superior e geral. O bilhete mais caro custa
apenas dez tostões, e por metade desse preço vai o espectador para a geral.
Não pode haver nada mais barato.
A representação no Santa Isabel corre desperturbada e tranqüila, ao invés do
que sucede no Sant‟Anna, no Lucinda, no Recreio e na Fênix, onde os
espectadores são incomodados pelo zum-zum dos jardins, e pelo estoirar das
89
rolhas. Apenas de vez em quando, ouve-se o ladrar dos cães, que os em
abundância no bairro, e o silvo da locomotiva que passa em S. Diogo.
O teatrinho estava anteontem cheio; o high-life não se fez representar, oh!
não! mas que platéia popular! que animação! que bom humor! que singela
disposição para o riso! (Grifos meus) (Grifos do autor) (DE PALANQUE,
10/05/1886).
O trecho destacado é bastante longo e, por isso mesmo, cheio de informações
úteis. Em primeiro lugar, ajuda a entender o sumiço desse teatro após os sete anúncios
mencionados anteriormente: havia sido desativado. Além disso, mostrando ao leitor
sobre a estrutura física do teatro, indiretamente, o cronista acaba chamando atenção para
as condições precárias em que algumas dessas empresas amadoras trabalhavam. Parece
que sabia que mais de cem anos depois de escritos esses textos, surgiriam pesquisadores
“abelhudos
6
interessados em seu espólio jornalístico, por isso registrou também os
preços cobrados por bilhetes, arrematando com uma expressão que, em qualquer época,
idéia da modicidade do valor: “não pode haver nada mais barato”. O interessante é
que apesar dessa estrutura tão precária, Artur Azevedo não deixa de mostrar a vantagem
do teatrinho em relação a quatro importantes teatros da capital do Império.
que estamos falando em valores de bilhetes, façamos uma pequena digressão
e retomemos um outro texto para estabelecermos um confronto entre os preços do teatro
amador e do profissional:
Assinatura que lhe custou 700$, se tomou um camarote de 1ª ordem, 600$, se
de 2ª, 140$ se uma varanda, e 70$ se uma reles cadeira de 2ª classe.
***
Se o leitor quiser levar a prole a ver os Puritanos em camarote de 1ª ordem,
tem que puxar por 65$, e com essa quantia fornece-se pão a uma família
durante três ou quatro meses.
Se a vaidade do leitor fizer uma pequenina concessão, contentando-se de um
camarote de 2ª ordem, ainda assim a despesa será de 55$; e com esse
dinheiro gozam-se, durante trinta dias, os serviços de um ótimo
cozinheiro.
Se o leitor, expondo-se às conseqüências do desespero da senhora e das
meninas, resolver ir sozinho ao teatro, para aplaudir o Tamagno do fundo de
uma cadeira de 1ª classe, tem que escarrar para ali 13$, isto é, o preço de um
belo par de botinas que lhe duram dois meses, ou mais.
Por menos de 6$500 não meio de ver a Borghi-Mamo da platéia dos
pobres, e com 6$500 um pai de família faz a despesa de um dia, e ainda
lhe sobram alguns níqueis para o bond.
***
Não! decididamente o Rio de Janeiro não pode sustentar ópera lírica por
semelhantes preços!
O Hernani a 13$ por cabeça é mais do que uma coisa cara: é uma coisa
impossível!
Na nossa terra não fortunas que resistam a camarotes que custam 700$ por
12 récitas; sim, que todos sabem que no teatro lírico o que mais barato custa é
justamente o camarote. Adicionem a esses 700$, as toilettes, o carro, o
6
Expressão usada pelo cronista para se referir a si próprio.
90
cabeleireiro, as luvas de uma infinidade de botões, etc, etc, e vejam onde vai
parar o orçamento! (Grifos meus) (DE PALANQUE, 07/07/1885).
Como no caso precedente, o cronista foi bem cuidadoso ao registrar os preços
cobrados pela companhia de Ângelo Ferrari, comparando-os com as despesas feitas por
um pai de família. Ao que tudo indica, os preços cobrados pelo empresário eram
exorbitantes mesmo, pois, em crônica de 25 de julho do mesmo ano, o jornalista
retomou o assunto. Em 1 de maio de 1886, quando o mesmo empresário trouxe uma
companhia de ópera-bufa e outra coreográfica: o povo achou o “divertimento salgado”,
os preços estavam “pela hora da morte”, assim se referiu o cronista.
Os preços das companhias dramáticas brasileiras também foram objeto de
observação de Artur Azevedo:
A companhia, que atualmente funciona na Fênix Dramática, respondeu, sem
querer, àquelas interrogações. Estão descobertos os motivos do afastamento
do público.
Essa companhia teve uma luminosa idéia, que até hoje não havia acudido a
nenhum cérebro de empresário: reduziu à metade o preço das entradas. Pôs
os camarotes a 6$000, as cadeiras de classe a 1$000, e as entradas gerais a
500 réis.
A redução dos preços era o ovo de Colombo.
A Fênix tem realizado enchentes sobre enchentes, com uma zarzuela sem
música, e mais o Sr. Domingos fora do sério e os Trinta botões.
Pelos preços antigos a lotação do teatro representa 1:500$, pelos atuais, 750$.
Mas, com os preços antigos, o Fogo do céu, que hoje leva à rua da Ajuda
600$ e 700$ por espetáculo, não daria sequer para a diária de uma noite.
***
Está, pois, descoberto o xarope do bosque; resta aos nossos empresários
(dramáticos, bem entendido), acompanhar, pelo menos nos dias úteis, o
exemplo dos artistas da Fênix, reduzindo à metade o preço dos bilhetes.
Hão de convir que por 2$ é muito caro ver castigar o vício e premiar a
virtude. No teatro, como em tudo mais, o público procura sempre o bom e o
barato; e não consta que a hoje nenhum espectador voltasse da Fênix
repetindo o famoso anexim: o barato sai caro (DE PALANQUE,
18/12/1885).
O cronista iniciou esse artigo com uma indagação do por que os dramas postos
em cartaz caíam uns atrás dos outros. A resposta foi dada pela companhia dirigida pelo
ator Primo da Costa, que oferecia espetáculos na Fênix Dramática. Infelizmente, o
folhetinista não seguiu seu método de comparação, mas o que se sabe é que após a
redução dos preços, tinham acontecido “enchentes sobre enchentes” no teatro da rua da
Ajuda.
Voltando à idéia desenvolvida anteriormente, gostaríamos de salientar que foi a
primeira vez que Artur contemplou o amadorismo como assunto sem que a empresa
tivesse feito anúncio algum no Diário de Notícias. Teria ele tomado consciência da
força do teatro amador, como lembrou Mencarelli (2003)? Teria necessitado de um
91
tempo para adquirir mais prestígio no jornal no qual colaborava, e assim poder
incentivar o amadorismo? Teria começado uma mudança de postura que seria mais
verificada nas crônicas da seção “O teatro”, cujos textos foram reunidos por Larissa de
Oliveira Neves (2009)? Segundo a pesquisadora, nessa seção, por ele assinada de 1894
a 1908, o cronista reservou, em diversas ocasiões, grande espaço para comentar e
aconselhar os amadores. É inevitável o confronto entre os textos do “De palanque” e os
de “O teatro”:
Não me parece que se deva facilmente descrer do futuro do teatro num país
onde se encontram simples amadores que representam na mesma noite a
ópera, a comédia e a pantomina. Bem sei que o nosso palco não pode
absolutamente contar com as senhoras e os cavalheiros que se exibiram no
Cassino, mas o grande caso é que não faltam vocações dessa natureza em
todas as classes da nossa sociedade, vocações que, em havendo um teatro
sério, podem ser utilizadas com muito proveito para a arte (Apud NEVES,
2009, p. 92).
Seria para lastimar que sob o pretexto das obras da capela do Sagrado
Coração de Jesus, ou outro qualquer, continuassem tais espetáculos, e que os
nossos literatos, que mais tarde serão necessariamente reclamados pelo
Teatro Municipal, se fossem exercitando na composição de pequeninas
comédias, que os amadores do Cassino Fluminense representariam, cuido,
com muita satisfação. [...]
Que delicada fantasia mica escreveria Olavo Bilac, se quisesse, e como
Olavo Bilac quantos poderiam ter a honra de ser interpretados por senhoras e
cavalheiros de tão boa sociedade! Figueiredo Coimbra, Valentim Magalhães,
Lúcio de Mendonça, Filinto de Almeida, Coelho Neto, o próprio Luiz de
Castro; ensaiador, e quantos, quantos! Ferreira de Araújo, que tanto gostava
de escrever para o teatro e que tantos reclames faz ao Coração de Jesus, por
que não arranja uma comediazinha para os amadores do Cassino? (Apud
NEVES, 2009, p. 93).
A compensação do trabalho do amador não é ser chamado à cena oito ou dez
vezes, nem cinqüenta, mas ter a consciência de haver contribuído para educar
o gosto dos seus concidadãos.
Fazer com que estes aplaudam o mau teatro é abusar da inconsciência e da
sua ingenuidade; é pervertê-los ainda mais; é arrancar-lhes do cérebro as
últimas noções, que porventura se conservem, do que seja literatura
dramática.
O Elite deve ser uma casa de ensinamento e, empreguemos o termo, de
sacrifício, o que aliás não o impedirá de ser, antes de tudo, um lugar onde a
gente se divirta (Apud NEVES, 2009, p. 94).
A diferença entre as crônicas de 1885 e 1886 e as da última década do século
XIX é substancial. Não se trata apenas de mostrar que na seção de A Notícia o cronista
abriu mais espaço para o teatro amador, mas perceber como essa questão foi abordada.
No extinto “De palanque”, a ênfase estava mais no efeito que a peça tinha exercido
sobre os espectadores as antíteses teatrais , nos preços dos bilhetes, nas condições
físicas dos teatros e nas vantagens que tais casas de espetáculos levavam sobre outras
mais consagradas. em “O teatro”, a ênfase recai mesmo sobre a força e a importância
92
do teatro amador para regeneração da arte dramática nacional e sobre o papel de “educar
o gosto” das platéias. A mesma função que foi atribuída ao teatro realista entre 1855 e
1865. Retomando as palavras de Larissa Neves, “o teatro amador era visto, portanto,
como um oásis de literatura em meio à indústria teatral” (NEVES, 2009, p. 95).
Ainda em 1885, na crônica de 20 de setembro, o cronista apresentou um resumo
do movimento teatral fluminense: a companhia dramática e a companhia lírica italiana
haviam ido embora, a companhia dirigida pelo ator Simões partira em excursão para o
Rio Grande do Sul, a companhia Manzoni dissolvera-se e Jacinto Heller ainda
mantinha-se em São Paulo, explorando seu repertório de operetas. Restava na capital do
Império somente a companhia dramática do ator Dias Braga, levando à cena algumas
“peças estafadas” porque o teatro achava-se atravancado pela quermesse do clube Talia.
O cronista assim arremata: “No tocante a espetáculos, temos agora os irmãos Carlo
com os seus tigres, leões, cachorros e cavalos, um dos quais tem o bom gosto de se
chamar Pinto, e o signor Salvini, que todos os dias anuncia o seu pessoal, composto de
cães e macacos mais ou menos sábios”(Grifos do autor) (DE PALANQUE,
20/09/1885).
O nosso interesse é enfatizar que a chamada “pasmaceira” não atingiu o teatro
amador da cidade. Prova disso, é que em 10 de setembro, saiu a seguinte nota
encabeçada pelo título de “Clube da Tijuca”, na primeira página do Diário de Notícias:
A partida que o Clube da Tijuca deu nos seus salões, no dia 6 do corrente,
esteve muito concorrida e animadíssima. Houve tômbola de belas e ricas
prendas, que foram vendidas pelos cios e graciosas senhoras. O espetáculo
consistiu na representação da comédia Viúva das Camélias e do Fiel, poesia
de G. Junqueiro, recitada pelo Sr. A. Lopes. Interpretada como foi a comédia,
basta citar os nomes dos amadores: Pinto de Abreu e a Sra. Idalina Veloso,
para dizer-se que foram muito aplaudidos. Às 4 ½ horas da manhã os
convidados saíram satisfeitos pelo cavalheirismo e delicadeza com que foram
tratados pela atual diretoria (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 10/09/1885).
Além desse espetáculo, no período compreendido entre 17 de setembro e 10 de
outubro, houve outros no teatro da Gávea, no Grêmio Dramático Familiar S. João
Batista, no Grêmio Dramático Cavaleiros de Caravelas, no Congresso Dramático João
Caetano, na Sociedade União Familiar da Gávea e no Ginásio Dramático Inhaumense.
Olhando à distância, vemos que essa lacuna deixada pelo teatro comercial poderia ser
preenchida na forma de apoio ao amadorismo, mas isso não aconteceu.
Em 8 de outubro, como vimos, Artur Azevedo iniciou o texto comentando,
pela primeira vez, o espetáculo de uma companhia cujo diretor era o tenor Felipe e
trabalhava no Recreio da Cidade Nova. A peça em cena era o drama Morgadinha de
93
Valflor, de Pinheiro Chagas. A julgar pelos comentários econômicos acerca do
espetáculo (a preços bastante módicos, o drama de Pinheiro Chagas estava “fazendo as
delícias dos habitantes da rua do General Caldwell e adjacências”(DE PALANQUE,
08/10/1885)), a impressão que temos é a de que o cronista começou o seu artigo com
esse assunto apenas como pretexto para os comentários que faria na segunda parte do
texto, na qual comenta uma crítica de André Nux-Vômica, cronista da Gazeta Lusitana,
a respeito de um espetáculo, com o mesmo drama, oferecido pela S. D. P. Filhos de
Talma, no teatro São Pedro de Alcântara. Acusa o jornalista de ter como missão
“verberar com o ridículo, com o riso e não elogiar”, no entanto, incorre no mesmo erro
do acusado, na medida em que o ridiculariza no “De palanque”. Disso tudo, o que
importa salientar é que havia uma sociedade amadora representando um drama
conhecido do público fluminense, num teatro notável, mas Artur Azevedo não se
interessou por comentar o espetáculo. Ao invés de se voltar para o trabalho dos artistas
amadores, preferiu provocar o riso, expondo aos leitores os problemas textuais
encontrados no artigo de Nux-Vômica.
Também no mês de outubro, o Grêmio Dramático Familiar S. João Batista
começa os ensaios do drama O grande industrial
7
, de Coriolano de Oliveira, redator da
Gazeta Suburbana. Em 15 de novembro, anunciou-se a representação do drama O dono
da fundição, do mesmo autor que o antecedente, mas em nenhum momento Artur
Azevedo pronunciou palavra alguma a respeito desses espetáculos. Esse silêncio acerca
dos espetáculos dessas associações, bem como a atitude em relação à S. D. P Filhos de
Talma, nos levam a crer que o “De palanque”, inserido em um periódico que se
caracterizava pelo caráter comercial, também produziu uma crítica com esse caráter. Ao
redator dessa seção interessava, ou era permitido, fazer apreciações acerca dos
espetáculos cujos empresários contribuíam, através dos anúncios de suas companhias,
para a manutenção da circulação do jornal.
Assim sendo, na condição de grande divulgador e incentivador da arte e da
cultura no Brasil, Artur Azevedo mostrou-se impotente (ou incoerente?) no seu papel ao
deixar o amadorismo mais à margem. O crítico deixou de incentivar uma produção
teatral que também poderia estar contribuindo para a “regeneração” do teatro nacional,
assunto tão comentado por ele e seus contemporâneos. Como vemos, havia um sistema
7
Raimundo Magalhães Junior faz referência a uma tradução de O mestre de forjas, de Georges Ohnet,
que foi representado no Rio de Janeiro, com o título de O grande industrial. No Diário de Notícias, não
encontramos informação alguma que possa esclarecer se se trata do mesmo drama.
94
que incluía artistas, autores dramáticos, obras, ensaiadores, cenógrafos e público que
fizeram uma outra parte da história no Rio de Janeiro do final do século XIX, mas que
poucas vezes teve oportunidade de se ver no palanque. Era esse mesmo grupo esquecido
que, por preços módicos, fazia concorrência ao teatro comercial tão difundido na
imprensa em geral, e no Diário de Notícias em particular. Talvez esteja um dos
motivos para o número reduzido de público que tantas vezes foi motivo de
ressentimento de Artur Azevedo. A população dividia-se entre os teatros que
apresentavam repertório baseado em traduções, ou mesmo em língua estrangeira, e os
teatros amadores cujos artistas falavam a língua materna, o que facilitava o
entendimento da peça representada. Além disso, é preciso levar em consideração a
existência de outras opções de divertimento no Rio de Janeiro, como os bailes
oferecidos pelos clubes dos Progressistas, Democráticos, Fenianos, Tenentes do Diabo,
dentre outros, sobretudo nos finais de semana.
A nota transcrita abaixo nos indícios de que, na concepção dos homens de
letras, as vazantesnos teatros, em parte, eram conseqüências da falta de transportes
que conduzissem os espectadores às suas casas após os espetáculos:
Ontem, à meia hora da noite, partiu da estação central para a dos subúrbios o
primeiro trem da nova reforma do serviço. Tinha havido ópera lírica italiana
e ópera cômica francesa e outros teatros tinham trabalhado; era pois de
esperar que a estréia do novo serviço, tão reclamado anos e tão aplaudido,
desde que o Sr. Ewbank o conseguiu, movesse os povos suburbanos a virem
concorrer com seus níqueis para a apoteose da idéia.
O trem que estava na plataforma imediata à agência, constava da locomotiva
com o seu nder, três carros de primeira, três de segunda e um de bagagens,
e conduziu da Corte 13 passageiros de e 2 de segunda! O nosso repórter
ficou banzado, ele que esperava, pelo menos música e foguetes!
Quando o trem chegou ao Engenho Novo, apearam-se os últimos três
arrojados viajantes; outros tinham ficado em Riachuelo, que assim provou
ser digno de subir à dignidade de capital da província.
Enfim, ontem na estação do Campo à meia-noite, havia mais empregados da
estrada do que passageiros; mas em toda a parte as coisas são assim, as
facilidades de comunicação é que criam o movimento.
Esperemos! (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 24/07/1885).
Além da ironia e do deboche nas palavras do articulista, o que fica claro é a
existência de um grupo que reivindicava reformas no sistema de transportes, visando a
levar mais espectadores aos teatros. Por duas razões, pensamos que o jornalista
responsável por esta nota tenha se precipitado em suas conclusões: a primeira delas é
que o fato exposto na notícia tenha acontecido em plena quarta-fera; e a segunda, é que
era apenas a noite de estréia dos novos horários de trens. Talvez os moradores dos
subúrbios não tivessem sido informados da novidade. Ou, ao invés de conclusões,
podemos fazer uma indagação: será que os moradores desses subúrbios mencionados
95
na notícia eram o tipo de espectador interessado em “ópera lírica italiana” e ópera
cômica francesa”, dois gêneros cantados em língua estrangeira? Afinal, nas crônicas de
Artur Azevedo uma constante referência à “melhor sociedade” presente nas
representações dramáticas, como veremos adiante.
Ainda sobre essa questão de “vazante” ou “enchente” nos teatros, importa
ressaltar que, quando o cronista reclamava da suposta falta de público nos espetáculos,
talvez ele o fizesse com os olhos voltados para a realidade européia. Pelos telegramas
que chegavam ao Diário de Notícias, tomamos conhecimento de que o drama Teodora,
de Victorien Sardou, havia pouco representado pela companhia dramática italiana,
estava em cena no Porte Saint-Martin, em Paris, e alcançou uma margem de 200
representações consecutivas. Esse número de espetáculos também foi alcançado pela
ópera Gasparone, de Karl Millöcker, em cartaz no teatro Frederico, em Berlim.
Possivelmente, era essa a margem idealizada pelo crítico maranhense para o teatro
fluminense. Mas será que no Rio de Janeiro havia público suficiente para se revezar nos
teatros de modo a garantir a permanência de uma peça em cartaz por tanto tempo?
Para falar de um gênero ligeiro, a opereta Mascote, em cartaz no teatro Menus-
Plaisirs, em Paris, e que em breve subiria à cena no teatro Sant‟Anna pela empresa de
Jacinto Heller, no mês de outubro de 1885 contava com 900 representações, e
segundo informou o “Foyer”, a idéia da empresa era deixar a peça em cartaz até
dezembro daquele ano, com o intuito de completar 1000 espetáculos. Se pensarmos
bem, guardadas as devidas proporções no que se refere ao contingente populacional e às
características dos habitantes, a situação do teatro no circuito europeu, e mais
particularmente no França, era a mesma do Rio de Janeiro. Estaria o teatro europeu
também degenerado?
96
1.2 Aspectos da crítica teatral de Artur Azevedo
Um amigo a quem estranhei que executassem daquele
modo tão belo trecho da ópera de Meyerbeer, observou-
me que os coristas “estavam com pressa, pois tinham
ainda que fazer as malas para se acharem todos no dia
seguinte, às 7 horas da manhã, a bordo do Gironde”.
O motivo não me pareceu óbvio, mas fiquei de
sobreaviso contra coristas em véspera de viagem.
ARTUR AZEVEDO, 12 DE SETEMBRO DE 1885
Em estudo citado neste trabalho, o historiador Fernando Antonio Mencarelli
(2003) chama atenção para a “indústria da cena”, no final do século XIX, que fazia as
empresas trabalharem sempre na perspectiva de obter grandes lucros. Dessa forma, a
quantidade de pessoas que compareciam aos teatros era a condição sine qua non para a
permanência dessas empresas em atividade, garantindo, por outro lado, o emprego de
um número significativo de pessoas. A nossa hipótese é a de que a qualidade dos
freqüentadores era considerada fator relevante na medida em que servia para atrair
mais espectadores ao teatro, e assim, engrossar a fila de pagantes. Por essa razão,
empresários como Dias Braga e Jacinto Heller, e atores como Lucinda Simões e Furtado
Coelho se dirigiam ao paço da Boa Vista, nos dias estipulados para o beija-mão, com a
finalidade de cumprimentar a família imperial e, conseqüentemente, pedir que o
imperador honrasse os espetáculos com sua presença. Afinal, “todos sabem que o high
life vai aonde vai a família imperial”(DE PALANQUE, 26/08/1885), afirmava Artur
Azevedo nessa crônica em que lamentava a falta de concorrência à festa artística do
tenor italiano Marconi.
Nas crônicas em que se propôs a fazer a crítica aos espetáculos teatrais, o
público era um dos elementos abordados por Artur Azevedo. O primeiro ponto a
destacar sobre os freqüentadores de teatro é que havia um tipo de espectador ideal para
o cronista. Em suas apreciações, além da quantidade, a qualidade do público também
recebeu bastante destaque. Ao se referir à primeira representação de o Rei dos
Selvagens, nero que se encaixa no teatro musicado, Eloi volta-se para o aspecto
medíocre da sala, uma vez que não houve “enchente real”, e ressente-se também das
“poucas toilettes vistosas”.
No beneficio do ator Furtado Coelho, no teatro Lucinda, a ênfase também recai
sobre a boa sociedade: “Bonita sala, palavra de honra! Convidados escolhidos a dedo. A
97
alta sociedade perfeitamente representada”(DE PALANQUE, 17/06/1885). Alguns
parágrafos à frente, percebemos que essa boa sociedade era representada por homens
como Machado de Assis, Valentim Magalhães, Gaspar da Silva, Dr. Félix da Costa, Dr.
Neto Machado, Filinto de Almeida, Dantas Junior, Dr. Sayão Lobato, Dr. Figueiredo de
Magalhães e outros, que “apostavam madrigais e adjetivos” no camarim da atriz
portuguesa, quando findou o espetáculo. Esse tipo de espectador aparecia
metonimicamente na estréia da atriz italiana Eleonora Duse, no teatro São Pedro de
Alcântara, em 25 de junho de 1885: “[...] não tivemos ainda este ano uma sala tão
bonita: letras, artes, comércio, política, funcionalismo achavam-se ali brilhantemente,
profusamente representados”(DE PALANQUE, 27/06/1885). O aspecto requintado da
sala era composto também pelas “mais interessantes senhoras da sociedade fluminense”,
ostentando “brilhantes toilettes, que sobressaiam no fundo vermelho dos camarotes
largos e cômodos”(DE PALANQUE, 27/06/1885). No meio de tantas pessoas ilustres,
encontrava-se a família imperial, que quis honrar a inauguração dos trabalhos da
companhia européia, mas cuja presença não foi atrativo suficiente para levar “enchente”
ao teatro.
Até mesmo na estréia de o Gênio do fogo, pertencente ao gênero dramático
considerado inferior
8
e, portanto, destinado também a um tipo de espectador oriundo
das classes sociais mais baixas, o crítico se volta para a apreciação do público ideal: “A
SALA Completamente cheia. Aspecto solene e pitoresco a um tempo. Muito boa
sociedade. Toda a imprensa a postos. Presentes os imperantes, que se retiraram antes do
fim”(DE PALANQUE, 25/06/1885). Além de mostrar a ênfase à qualidade dos
espectadores, este trecho é importante para vermos que a presença da “boa sociedade”
nesse tipo de representação confirma o gosto dessa platéia ilustre pelo tão mal afamado
“gênero inferior”. Isso significa dizer que as pessoas inseridas nas altas rodas da
sociedade fluminense também estavam em busca de diversão que provocasse o riso
fácil. Até mesmo os espetáculos de “companhias zoológicas”, como os da empresa
Irmãos Carlo, que foi execrada por Artur Azevedo, foram assistidos por membros da
família imperial, como já mostramos.
Na crônica de 11 de julho, o crítico ressente-se da falta de público nos
espetáculos da companhia dramática italiana, mas esse público a que ele se refere é o
8
Termo comum à época, usado para se referir à revista de ano, à mágica e à opereta. Sua utilização pode
ser vista na transcrição de um folhetim de Francisque de Sarcey, por Artur Azevedo, na crônica de 15 de
janeiro de 1886.
98
que jogava estupidamente a bisca em família, enquanto a Duse honrava o palco do S.
Pedro de Alcântara com aquele assombroso e inenarrável trabalho da Denise”(DE
PALANQUE, 11/07/1885); é um público estapafúrdio “que prefere o Gênio do fogo à
Denise”(DE PALANQUE, 11/07/1885), ou seja, o cronista está lamentando o mau
gosto e ausência da boa sociedade nos espetáculos que ele considera superiores à
mágica e aos espetáculos circenses levados ao Rio de Janeiro pela companhia Salvini,
cuja estréia ocorreria também nesse mesmo mês. Apesar de haver, na imprensa, um
grupo de homens que tomavam para si a tarefa de prescrever o que era bom ou ruim, a
sociedade procurava formas alternativas de diversão, como jogar a bisca em casa, e
também se arrogava ao direito de escolher os gêneros dramáticos que lhe apeteciam,
lotando a sala do Politeama para prestigiar as representações da empresa da atriz Fanny,
com o Gênio do fogo, por exemplo.
Em algumas crônicas, o articulista usa as designações “público” e “sociedade”
para se referir aos espectadores dos teatros; o “público” seria a metonímia, ou seja, a
totalidade dentro da qual se inseria a “sociedade”, a parte que mais lhe interessava dar
destaque: “Estavam presentes todas as pessoas para as quais a imprensa inventou o
famoso clichê de elite da sociedade fluminense. Não havia um lugar vazio. A Duse, que
tinha as suas razões de queixa contra o público, ficou anteontem reconciliada com
ele”(Grifo do autor) (DE PALANQUE, 19/07/1885). Nessa crônica, Artur Azevedo faz
referência à festa artística da atriz Eleonora Duse, ocorrida dois dias antes, com a
representação de A Dama das Camélias. Não satisfeito em caracterizar o tipo de
espectador presente no teatro, o cronista faz uma lista dos ofertantes com seus
respectivos brindes oferecidos à atriz italiana. Com isso, evidencia também o círculo
social do qual participava.
Na crônica em que se debruçou sobre a festa artística de Amélia Stahl, integrante
da companhia lírica italiana, o jornalista mostra uma rápida diferença na classe social do
público presente:
Não havia no Pedro II um lugar vazio. estava a família imperial, o
corpo diplomático, a imprensa, o ministério, os novos delegados, o
Conservatório Dramático, e o público, um público alegre, satisfeito,
entusiasmado, feliz.
Custosas toilettes se ostentavam em todos os pontos do teatro. Belas espáduas
nuas se destacavam no fundo dos camarotes.
............................................................................................................................
A casaca do high life cruzava-se com o modesto paletó do low life (DE
PALANQUE, 06/09/1885).
99
Levando-se em consideração o tipo de espetáculo ao qual se refere o cronista,
qual seja, o teatro lírico, com os preços exorbitantes cobrados por Ferrari, como vimos,
acreditamos que o público mencionado no texto não é exatamente composto por
pessoas da população pobre, mas por aquelas que, mesmo sem fazer parte da elite
econômica, participam da vida social da corte, freqüentando bailes e teatros. Além
disso, no parágrafo seguinte o cronista chama atenção para as “custosas toilettes
ostentadas “em todos os pontos do teatro”. Logo mais abaixo, evidencia dois extremos
em classes de espectadores: high life e low life. Acreditamos que essa última seria
composta por estudantes aspirantes ao diploma de bacharel e por caixeiros. De qualquer
modo, a nossa hipótese é a de que a “arraia-miúda” não freqüentava esse tipo de teatro.
Enchente real também houve na estréia da companhia dos irmãos Carlo, no
teatro Politeama, em 12 de agosto de 1885. O interessante é que no espetáculo em
questão, o cronista assinala para a “arraia-miúda brilhantemente representada nas
galerias”, mas antes de fazê-lo chama atenção para “ausência completa do high life”(DE
PALANQUE, 14/08/1885). Nessa crônica, além do tipo de espectador, o que salta aos
olhos, é o fato de Artur Azevedo, um homem exigente em matéria de diversão, se
debruçar sobre um gênero de espetáculo circense. No artigo de 11 de julho, ele havia
evidenciado seu desconforto com esse tipo de divertimento, que acaba por se tornar um
concorrente para os teatros, no caso em questão, um concorrente forte para a companhia
dramática italiana em que trabalha a idolatrada Eleonora Duse. Porém, mesmo se
sentindo desconfortável com a presença e, na mesma medida, com o sucesso das
companhias de circo, Eloi abre espaço para que elas subam ao palanque. No entanto,
abrir espaço, não significa necessariamente fazer crítica elogiosa ao espetáculo. Como
vimos páginas atrás, a respeito dessa companhia, o crítico escreveu coisas bem
desagradáveis.
Mas o público não servia como referência apenas para destacar a qualidade das
salas dos teatros. Mesmo sendo escasso e frio” e por vezes, indiferente, sobretudo em
matéria de arte, como afirmava o cronista, ele servia como parâmetro para as críticas.
No ensaio “Crítica a vapor” (1992), Flora Süssekind analisa algumas características da
crônica teatral no final do XIX, chamando atenção para os elementos nos quais se apóia
Artur Azevedo no momento de escrever suas crônicas:
Antes de mais nada, na reação do público. Segunda questão: observar o
texto, ver se a peça é “bem feita” ou não. Em seguida, avaliar o desempenho
dos atores, a eficiência dos cenários. E por fim, dizer se o empresário foi feliz
na realização do espetáculo e na escolha da peça. Felicidade esta ligada
100
sobretudo à afluência de espectadores (Grifos da autora) (SÜSSEKIND,
1992, p. 367-8).
Essas observações foram feitas com base nas características encontradas nos
folhetins de “O teatro”, em A Notícia, jornal no qual Artur Azevedo colaborou de 1894
a 1908, mas o que importa salientar é que os elementos nos quais o cronista se apoiava
nos artigos da virada do século, vinham sendo desenvolvidos desde o “De palanque”.
No entanto, além desses elencados por Flora Süssekind, percebemos que o jornalista
estendia suas críticas à música, à orquestra e aos coros. No que se refere ao trabalho dos
atores, além de avaliar o desempenho, fazer intervenções e tentar definir especialidades
no campo da representação, costumava fazer confronto entre artistas que tinham, em
algum momento, representado o mesmo personagem. Com relação ao texto, era bastante
comum a elaboração de um pequeno resumo do enredo.Vejamos como esses elementos
eram analisados nessa seção.
Na crônica de 27 de junho de 1885, o folhetinista contempla como único assunto
a estréia da companhia dramática italiana, com o drama Fédora. A observação feita é de
que “este primeiro ato, apesar de bem representado, não deixa uma impressão profunda
no auditório”(DE PALANQUE, 27/06/1885). No segundo ato, “vem o pano abaixo ao
som de uma salva de palmas convencionais e discretas”. No terceiro, “a frieza da platéia
converte-se em entusiasmo e o entusiasmo em delírio”. É claro que em todos esses atos,
o cronista fez elogios aos artistas Eleonora Duse, Teobaldo Checchi e Flávio Andó,
respectivamente, porém, mensura o avanço da performance com base na reação do
espectador. Seu comentário, portanto, não é fruto somente de sua impressão pessoal.
Sua voz é autorizada pela fisionomia e reação de uma gama de pessoas que demonstram
a impressão do que viram em cena. Nesse caso, a crítica encontra respaldo na reação do
público.
Mas nem sempre esse público era visto com habilidade suficiente para julgar o
mérito de uma representação. Dias antes, por ocasião do benefício de Furtado Coelho,
na qual tomava parte Lucinda Simões, o cronista coloca o trabalho de criação artística
da intérprete acima do trabalho de criação do dramaturgo Sardou: “Entretanto, mais
admirável que o do Sardou é o trabalho da Lucinda, que aliás não foi aplaudida como
devia ser”(DE PALANQUE, 17/06/1885). Nesse caso, é o jornalista que faz sua
apreciação sobre o desempenho da atriz e ressente-se da pouca ovação de que ela foi
alvo. Assim, os espectadores assumem sua característica de “injusto”, “indiferente” e
“estapafúrdio”.
101
É claro que Artur Azevedo não usa esses adjetivos nesse caso especificamente,
mas assim se refere em outros casos. A crônica de 11 de julho ilustra bem o que vimos
tentando mostrar. Nela, o cronista lamenta a baixa freqüência de espectadores nos
espetáculos da companhia dramática italiana que se achava em excursão no Rio de
Janeiro, apresentando-se no teatro São Pedro de Alcântara. Agora, o público é
caracterizado como “estúpido” por preferir jogar a bisca em família enquanto Eleonora
Duse representava a Denise no palco do São Pedro de Alcântara; é caracterizado
também como “estapafúrdio” por preferir assistir ao Gênio do fogo em detrimento do
drama de Alexandre Dumas Filho. Em virtude do “mau gosto” o espectador deixa de ser
o parâmetro usado para avaliar o sucesso dos artistas e passa a ser o alvo das críticas.
Mas além do público, os artistas eram também avaliados por Artur Azevedo. O
modo de interpretação dessas pessoas era constantemente passado pelo crivo de um
cronista bastante exigente quanto aos rumos que elas davam aos papéis que lhes eram
confiados. Com base na leitura das crônicas, notamos que a apreciação feita ao
desempenho dos artistas pode se encaixar em duas classificações: comedida e
descomedida. Aquela era utilizada quando se tratava de espetáculos representados por
artistas nacionais; esta era bastante comum quando o jornalista se debruçava sobre a
performance de artistas europeus. Essa questão foi brevemente discutida quando
tratamos da linguagem exagerada com a qual Artur se referia a Eleonora Duse. Como
vimos, até mesmo os leitores percebiam essa característica do cronista. Nesse ano de
1885, a censura recebida foi por conta da “exageração encomiástica” feita à atriz
italiana. Mas os encômios não cabiam somente a ela. Em 1888, foi a vez do citado
Imparcial censurá-lo por sua postura em relação ao ator português Emanuel, integrante
da companhia do teatro D. Maria II, de Lisboa. Segundo censor, o ator era a menina dos
olhos e a dona dos sonhos de Artur Azevedo.
Mas voltemos à crônica de 17 de junho de 1885, na qual o articulista escreveu:
Aquele ato colocou o papel de Suzana a par das melhores criações da
distinta atriz portuguesa. muito tempo eu não via representar com tanto
talento, com tanta graça, com tanta consciência. Nada se perde ali; o menor
gesto, o mais insignificante olhar é o resultado de um estudo inteligente e
acurado. Houve, disseram-me, oito ensaios gerais... Mas que riqueza de
inflexões! Que mobilidade de fisionomia!(DE PALANQUE, 17/06/1885).
Apesar de se tratar do beneficio do ator Furtado Coelho, os maiores elogios
couberam à sua esposa, a atriz Lucinda Simões. A julgar pelo trecho destacado, a
intérprete personifica a “perfeição artística”, usando aqui a mesma expressão que o
crítico utilizou, em outra circunstância, para se referir ao trabalho de Sarah Bernhardt.
102
No espetáculo em que o casal Furtado Coelho se despediu do blico
fluminense, Artur Azevedo assinalou:
E não é dizer que tal cena seja mais bem representada do que outra; que o
talento da artista esmoreça aqui para levantar-se mais longe: não; o trabalho é
igual, é completo, sem falhas nem excrescências. Menos ou mais, seria
inadmissível (DE PALANQUE, 21/07/1885).
A peça representada foi Demi-Monde, de Alexandre Dumas, na qual Lucinda se
encarregou do papel da protagonista Suzana d‟Ange. O cronista não faz intervenção
alguma na maneira de interpretação da atriz portuguesa. Ela era o modelo. Não havia
dúvida. Nem mesmo Eleonora Duse, outra virtuose artística européia, conseguiu superá-
la no papel em questão. Mas esse aspecto dos confrontos entre as performances de
diferentes artistas será visto adiante.
E por falar em Eleonora Duse,
Nalgumas cenas (do drama Teodora) a eminente artista encontra
naturalmente ensejo para arrebatar e comover a platéia; mas o seu papel é tão
desigual, tão mal sustentado pelo autor, tão „ingrato‟, enfim, que, apesar de
perfeitamente interpretado, não idéia segura dos admiráveis recursos da
intérprete (DE PALANQUE, 06/08/1885).
O cronista não encontra motivos para intervir no trabalho da intérprete da
imperatriz Teodora porque ao autor, Victorien Sardou, e somente ao autor, que
sustentou mal o papel, deveria ser imputada a culpa pelo fato de a atriz não poder
mostrar seus admiráveis recursos de intérprete. A nossa hipótese é a de que
responsabilizar o dramaturgo pelo papel mal sustentado é apenas uma estratégia para
continuar a enaltecer a figura de Eleonora Duse, mesmo diante de uma possível
disparidade entre esta e as outras interpretações feitas pela atriz. 37 dias após a
publicação desse artigo, sai um outro, no qual o cronista caracteriza o perfil artístico
dessa atriz. O argumento utilizado é o de que Duse-Checchi possui índole artística
[...] visivelmente talhada para os papéis de vítima. Ninguém será capaz de
representar como ela a Denise, a Fernanda, a Odete e a Dama das Camélias.
As peças em que a Duse é verdadeiramente notável formam uma série que
poderia ter por título coletivo As vítimas do amor.
Mas desde o momento em que a grande atriz se transforma em Teodora,
Margarida Larocque, Clara de Beaulieu, Suzana d‟Ange, ou quaisquer outras
heroínas tirânicas, autoritárias, maliciosas, cínicas ou hipócritas desmerece
naturalmente o seu trabalho artístico (Grifos do autor) (DE PALANQUE,
13/09/1885).
O confronto entre os dois fragmentos aponta para dois questionamentos acerca
da índole profissional de Artur Azevedo: o primeiro diz respeito à sua volubilidade de
opinião: um jornalista, formador de opinião, que diz e desdiz as coisas. O segundo é
acerca dos argumentos capaz de utilizar quando está em jogo o interesse de exaltar o
103
trabalho de um profissional. Nesse caso, a estratégia utilizada foi apontar falhas na
composição dramática de um escritor de mérito, somente levado pelo desejo de
engrandecer a performance de Duse-Checchi e, ao mesmo tempo, sustentar sua opinião
a respeito do mérito profissional da atriz. Porém, é preciso levar em consideração que o
cronista estava deslumbrado diante da atriz italiana, visto que era a primeira vez que ela
vinha ao Brasil. A segunda ocorreria em 1907, como lembra João Roberto Faria
(2001).
Como dissemos, a crítica que classificamos como comedida foi largamente
utilizada para os artistas nacionais. É, na verdade, um modo de apreciação bastante
econômico e, fatalmente, breve, como no trecho que ora destacamos:
A representação da Mascote correu anteontem sem incidente algum digno de
nota.
Os atores portaram-se com a galhardia habitual.
Vasques provocou, de princípio a fim, uníssonas gargalhadas, e no ato
improvisou umas quadras que infelizmente não me ficaram de memória. O
Guilherme foi o mesmo hilariante Simão XL que o público já aplaudiu
duzentas vezes. A Henry, a Delsol, a Delmary, o Matos e os demais
intérpretes da Mascote porfiaram em oferecer aos seus apreciadores uma
representação digna destes (DE PALANQUE, 12/10/1885).
Essa crônica foi escrita por ocasião da representação da opereta Mascote, pela
companhia de Jacinto Heller, que acabara de voltar de uma excursão por São Paulo,
Santos e Campinas. Na crônica de 9 de outubro, o cronista mostrou-se bastante eufórico
com o reaparecimento dessa companhia; tanto assim que chegou a parabenizar os
freqüentadores do Sant‟Anna pela reabertura do teatro, e a afirmar que o empresário
estava preparando “um milhão de novidades”. Esperava-se, portanto, que o articulista
se mostrasse mais entusiasmado no texto em que se volta para a Mascote. Porém, ao
invés disso, apresentou ao leitor esse esboço de crítica: um texto pouco informativo.
Haveria dois pesos e duas medidas para o procedimento crítico de Artur Azevedo? Ou,
em outras palavras, o gênero teatral era determinante para que o jornalista se
empenhasse na produção de uma apreciação mais ou menos completa? A princípio,
pensamos que sim. Todavia, logo nossa hipótese foi negada quando lemos a crônica de
24 de outubro de 1885, cujo assunto era a representação do drama o Conde de Monte
Cristo, adaptado do romance homônimo de Alexandre Dumas, por Azeredo Coutinho e
pelo ator Muniz, e exibido no teatro Recreio Dramático pela companhia Dias Braga:
Antes de entrar em qualquer apreciação, direi que o Conde de Monte Cristo
agradou muito, e foi bastante aplaudido. É de supor que os artistas do Recreio
tenham agora peça para dar e levar. O drama é interessante, o desempenho
muito regular, e os cenários magníficos, principalmente o do quadro um
104
salão oriental, muito bem pintado pelo Sr. Orestes Coliva (DE PALANQUE,
24/10/1885)
Por se tratar de um drama, nero dramático considerado elevado, era de se
esperar que os comentários do cronista fossem mais precisos. No entanto, a crítica foi
ainda mais lacônica do que no caso precedente. No texto em questão, os atores
principais nem ao menos têm seus nomes destacados. Todos são colocados no mesmo
nível, com o “desempenho muito regular”.
a representação do drama Os escravocratas ou a lei de 28 de setembro, de
Fernando Pinto de Almeida, posto em cena pela empresa do ator Martins, teve
“desempenho muito satisfatório por parte de todos os artistas, exceção feita da Adelaide
Amaral que, além de não saber o seu papel, disse-o todo na mesma antiga melopéia dos
tempos da Moça Rica”(DE PALANQUE, 02/11/1885). Apesar de uma observação
muito generalizante, essa crítica avança em relação à anterior quando o cronista faz
ressalvas ao trabalho da intérprete Adelaide Amaral.
Intervenções também foram feitas nas interpretações dos artistas da companhia
do ator Montedonio, quando da representação de Os fidalgos da casa mourisca, extraída
por Carlos Borges, do romance homônimo de Julio Diniz:
A Júlia de Lima, uma atriz que tem mãos e olhos bonitos, foi uma baronesa
de Santo Real, que não desmereceu do noivo, o exuberante e esperançoso
Sepúlveda, ex-gênio do fogo. A Júlia deve ser menos... mais... como direi?...
menos espevitada; exprimir-se com menos afetação. Se o conseguir terá os
meus parabéns.
Como o Belido foi o único brasileiro que tomou parte na representação de
anteontem, naturalmente não afinou com os seus irmãos de arte e de além-
mar. Entretanto disse com inteligência o seu papel de Jorge. Um conselho:
varie os seus gestos de desespero, Belido. Aquilo de estar a passar
continuadamente a mão pela cabeça poderá ser muito bom para alisar os
cabelos, mas é ineficaz como expressão de sentimentos. Liberte-se daquela
detestável melopéia na recitação. É um defeito muito comum nos nossos
atores; nenhum outro defeito, porém, é mais insuportável. Aprenda a dizer as
„falas‟ com seu sogro, que é mestre na naturalidade da dicção (Grifos do
autor) (DE PALANQUE, 19/10/1885).
As intervenções feitas na performance dos atores nos direcionam para o
pensamento estético do cronista. Os anos de 1855 e 1865 foram o marco cronológico de
um período do teatro brasileiro que se convencionou chamar de realismo teatral, como
assinala João Roberto Faria (1993). Essa estética foi introduzida no Brasil através dos
espetáculos oferecidos no Teatro Ginásio Dramático, inaugurado em abril de 1855 pelo
empresário Joaquim Heleodoro Gomes dos Santos. Além de peças com conteúdo
moralizante, a nova escola introduziu mudanças também nos modos de representação
dos artistas, os quais deveriam conter gestos, tom de voz, enfim, dar relevo aos seus
105
papéis do modo mais natural possível; que, ainda de acordo com esse estudioso, “a
naturalidade tornou-se a pedra de toque do estilo de interpretação realista”.
Se, em 1885, a presença de peças do repertório realista era praticamente
inexistente nos palcos do Rio de Janeiro, ao menos o modo de representação estava
presente no pensamento de Artur Azevedo. Na condição de herdeiro intelectual de uma
geração de folhetinistas que receberam com entusiasmo as idéias realistas vindas da
França, ele não deixaria de privilegiar também a parte complementar do realismo
cênico: os figurinos e o cenário propriamente dito. Para o folhetinista, era
incompreensível que “uma senhora, embora fidalga, se vestisse de cetim em S. João de
Paquequer, no princípio do século XVII. Tanto mais, que o marido lhe pergunta no
quadro: Quereis que D. Diogo passe toda a sua vida agarrado ao vosso avental e à
vossa roca?” (DE PALANQUE, 19/06/1885). O texto revela a observação de um
cronista atento ao texto e ao espaço dramático criado, para apontar a discrepância no
modo de vestir da personagem.
O cenário também exercia função fundamental para o sucesso de público de uma
peça, mormente quando ela se filiava à mágica, à opereta e à revista de ano. Os
empresários gastavam avultadas somas em dinheiro na confecção de cenários
mirabolantes que pudessem exercer fascínio sobre os espectadores e, em certa medida,
sobre os folhetinistas. Para esse gênero de espetáculo, o mais importante era o luxo, a
riqueza e a surpresas que os cenógrafos preparavam para os espectadores.
para os chamados gêneros “sérios”, mais do que o luxo importava a
conformidade do cenário com o espaço ficcional. Foi com o advento do realismo teatral
que os ensaiadores viram a necessidade de realizar mudanças na mise en scène para que
o efeito realista fosse mais completo. Por essa razão, passaram a substituir os cenários
pintados por móveis e acessórios de verdade. Começaram a ser colocadas no palco
mesas, cadeiras, enfim, todos os elementos que pudessem tornar plena a
verossimilhança cênica. Nas crônicas do “De palanque” alguns trechos que, apesar
de breves, comprovam que o realismo no palco ainda estava em voga, mesmo 25 anos
após o marco cronológico do final dessa estética na dramaturgia: Eu quisera que o Sr.
Tomaz, protagonista da comédia, tivesse na sala seis cadeiras encouradas em vez
daquela medonha mobília de vime, nova, sim, mas muito imprópria do clima de Madri”
(DE PALANQUE, 05/10/1885).
106
O pendor realista era tão acentuado que o cronista observava até mesmo a
conformidade existente entre a trilha sonora e o tempo representado ficcionalmente,
como vemos a seguir:
Na bonita cena capital do ato é preferível que Berta execute na arpa outra
música que não seja aquele fragmento da Aida. A ópera de Verdi
provavelmente não havia chegado ainda à casa Mourisca na época em que a
desventurada Beatriz dedilhava o instrumento do profeta numa alcova
perdida do velho solar minhoto (DE PALANQUE, 19/10/1885).
Apesar de estar cronologicamente inserido num momento em que os gêneros
ligeiros dispunham de um grande prestígio entre a população do Rio de Janeiro, o
pensamento estético de Artur Azevedo ainda estava ligado ao tempo do Ginásio
Dramático. Essa preferência talvez encontre justificativa no projeto da literatura
dramática que envolvia as peças do realismo teatral, que, como mostra João Roberto
Faria (1993), visava à discussão de problemas sociais no palco e, na mesma medida, à
moralização da sociedade.
É interessante lembrar que essa suposta função moralizadora, da qual se
incumbiram os dramaturgos dos anos 50 e 60 do século XIX, foi transferida para os
escritores naturalistas que produziram literatura em prosa no final desse século para o
qual nos voltamos. Essa questão foi discutida por Marcelo Bulhões, no livro Leituras do
desejo (2003), no qual o autor aborda, como elemento central, a representação do
erotismo no romance naturalista brasileiro. Há de se ressaltar que esse estudioso não faz
referência alguma ao projeto moralizador ou disciplinador do teatro, mas sim ao papel
de reformadores sociais de que se investiram alguns escritores do realismo-naturalismo,
e ao fato desses intelectuais usarem a literatura como veículo de divulgação das idéias
cientificistas do final do XIX.
Além dos elementos apontados no ensaio de Flora Süssekind e expostos até o
momento, no que se refere ao desempenho dos atores, o confronto entre um e outro
intérprete foi bastante utilizado por Artur Azevedo:
O meu colega do Foyer faz hoje a crítica da representação dos Sinos de
Corneville, sem estabelecer paralelo entre o Gama e o Guilherme de Aguiar.
Entretanto, o confronto é inevitável.
Todos sabem que aquele papel de Gaspar é um dos melhores do Guilherme,
ator privilegiado, que tem o singular condão de não errar, ou de errar
parecendo que acerta, pelo que se torna ainda mais admirável.
Não é pelo papel de Gaspar que aufiro o merecimento artístico do Guilherme:
qualquer ator de habilidade, dispondo de uma cabeleira que se errice no
momento oportuno, de uns bons olhos que se abram desmesuradamente, e
sabendo modular meia dúzia de gritos e gesticular suficientemente nunca
fará triste figura neste papel.
Ao passo que eu desafio o mais pintado a que nos um Rodin, do Judeu
errante, um vigário do Abel Helena, um rei da Loteria do diabo, um Simão
107
XL da Mascote, um morgado da Casadinha de fresco, um Grifardin da Gilete
de Narbone, como o Guilherme de Aguiar.
[...]
O Gama é um ator de prestígio, que aqui chegou bastante recomendado pelas
platéias portuguesas. Não mentia a fama, e a representação de anteontem
seria uma prova disso, se em outras peças não houvesse ele firmado os
seus créditos no Rio de Janeiro.
A cena final do ato dos Sinos de Corneville, a tal que eletriza o público,
teve uma interpretação que não me pareceu inferior à do Guilherme, que,
entretanto, me satisfaz melhor no desenho geral do papel. O Guilherme é um
Gaspar alquebrado; o Gama é um Gaspar vigoroso; apesar das valentias do
velho rendeiro, que fala em correr a pau mais de um personagem, o
alquebrado do Guilherme tem, quanto a mim, muito mais efeito dramático
que o vigoroso do Gama (DE PALANQUE, 09/01/1886).
O trecho em questão foi publicado por ocasião da representação de Os sinos de
corneville, pela empresa de Braga Junior, no teatro Lucinda, em 7 de janeiro. Logo no
princípio, o jornalista evidencia que o confronto é uma característica da época. Na
verdade, não se trata de um método crítico utilizado apenas por Artur Azevedo, mas por
outros jornalistas, inclusive no próprio Diário de Notícias. Esse confronto tornava-se
inevitável porque o repertório da época era comum a várias empresas. Para se ter uma
idéia, a opereta D. Juanita foi representada pelas empresas de Jacinto Heller, Irene
Manzoni, Braga Junior e Sousa Bastos. Os sinos de corneville subiram ao palco pelas
empresas de Jacinto Heller, Braga Junior e Sousa Bastos.
Às vezes, uma mesma opereta era levada à cena, numa mesma noite, por duas
empresas diferentes. Foi o caso dessa opereta de Planquette, traduzida por Eduardo
Garrido, que em 24 de janeiro foi cantada no Lucinda (companhia Braga Junior) e no
Príncipe Imperial (companhia dirigida por Sousa Bastos). Em 8 de maio, a disputa de
bilheteria foi entre Braga Junior e Jacinto Heller, que levaram à cena o Boccacio.
Situações desse tipo davam ainda mais forças para que os folhetinistas partissem para a
comparação de performances.
No caso que ora destacamos, o interessante é o modo pelo o qual o cronista tenta
estabelecer um paralelo sem desmerecer as qualidades artísticas dos dois atores
envolvidos. E assim a crítica fica um tanto inconsistente, na medida em que ele toma o
papel de Gaspar como ponto de partida para o inevitável confronto, mas admite que não
é por esse papel que aufere o “merecimento artístico de Guilherme” e que o Gama
havia firmado seus créditos no Rio de Janeiro em outros papéis que representou. Além
disso, qualquer ator de habilidade, dispondo de uma cabeleira que se errice no
momento oportuno, de uns bons olhos que se abram desmesuradamente, e sabendo
modular meia dúzia de gritos e gesticular suficientemente nunca fará triste figura
108
neste papel. Sendo assim, para que serve o confronto? Ao menos para mostrar duas
possibilidades tão dispares de representação de um mesmo personagem: o alquebrado e
o vigoroso, sendo que o primeiro tem mais efeito dramático que o segundo, na opinião
do cronista.
Eis o trecho de uma crítica que difere de todas as outras abordadas até o
momento:
tem o que é a peça, escrita em versos livres. os ali de todos os metros
conhecidos... e desconhecidos, desde o monossílabo até o alexandrino, para
não dizer alexandre... o grande.
Não em toda a comédia um bom dito, um verso que fique no ouvido do
espectador inteligente, um conceito que agrade, um paradoxo que faça sorrir.
É um trabalho feito a trochemoche, sem plano, sem espontaneidade, sem
intuição artística, sem naturalidade, sem graça, sem entrecho, sem um dos
elementos indispensáveis a uma comédia.
***
Os artistas, que diable allaient ils faire dans cette galére?... não tiveram
ensejo de mostrar a sua habilidade.
O papel da mulata, desempenhado pela Balbina, seria um papelão (deixem
passar), se o autor tivesse a ciência do teatro.
A Lívia e o Castro nada têm que fazer senão despejar meia dúzia de
baboseiras.
O Bernardo Lisboa, ator cômico de merecimento, que tem a desgraça de
andar sempre metido na pele de uns galãs impossíveis, arranjou um bom tipo.
Mal empregado! (Grifo do autor) (DE PALANQUE, 30/08/1885).
A ironia e o deboche são os dois traços presentes nessa crítica. Trata-se da
comédia Mariquinhas dos apitos, uma produção nacional, escrita por Anastácio
Bonsucesso. Com esse tipo de comentário, Artur Azevedo estava oferecendo mais
assunto para as investidas de Escaravelho. Foi exatamente isso que aconteceu nos
próximos dias, quando passaram a trocar acusações, cada um no seu posto. Mas a
oportunidade de fazer crítica a uma peça desse autor, parece ter também um gostinho de
vingança para o cronista. Como lembrou o redator da “Psicologia da imprensa”, três
anos antes, o autor da Mariquinhas havia publicado um soneto, cujo conteúdo era pouco
lisonjeiro para alguns escritores nacionais, dentre eles um certo Azevedo. Seria Aluízio
ou Álvares de Azevedo?
Enfim, esses foram alguns aspectos que nhamos interesse em apontar
relativamente ao fazer crítico de Artur Azevedo. Ao longo ao capítulo, além de um
breve momento da história do teatro do Rio de Janeiro, foi possível percebermos a
relação do dramaturgo com o teatro amador. Nesse momento especificamente, o
amadorismo quase não teve espaço na seção diária do cronista.
109
CAPITULO III
1 Literatura e outras artes, no “De palanque”
Como assinalamos, em aproximadamente 70% dos textos da seção “De
palanque” o teatro, a literatura, a música, a pintura e a escultura eram temas escolhidos
por Artur Azevedo. Dedicamos um capítulo especial ao teatro, pelo fato de a literatura
dramática aparecer com maior freqüência nas crônicas. De ora em diante, trabalharemos
com os artigos nos quais as outras manifestações artísticas, citadas acima, constituíram
objeto de interesse do jornalista maranhense. Desse modo, esta parte do nosso trabalho
constitui uma tentativa de traçarmos um panorama do movimento artístico da capital do
Império no período para o qual nos voltamos e, ao mesmo tempo, mostrarmos o perfil
intelectual dos homens de letras e suas contradições.
1.1 Literatura
O leitor, tomando uma assinatura, não presta um
serviço à literatura deste país sem literatura, como
concorre para a subsistência de uma família honesta,
cujo chefe, morrendo, lhe legou um nome ilustre e
uma ruma de tiras de papel escrito.
ARTUR AZEVEDO, 08 de julho de 1885.
Artur Azevedo iniciou seu trabalho na imprensa em 1873, época em que chegou
ao Rio de Janeiro, e em 1885 dispunha de um certo prestígio entre os homens de
letras. Na condição de homem da imprensa, recebia várias cartas de aspirantes a poetas,
com pedidos de apreciação e publicação de poesias. Além dos poetas anônimos,
escritores que ficariam na tradição literária brasileira tiveram seus textos publicados
pelo cronista maranhense em sua seção no Diário de Notícias, dentre eles, Olavo Bilac,
Raimundo Correa e Alberto de Oliveira, para citar somente os mais notáveis. Através do
“De palanque” o primeiro dos poetas citados foi apresentado ao público fluminense, em
12 de dezembro de 1885. 23 anos depois, por ocasião da morte do cronista, Bilac
prestou-lhe homenagem, publicando na Gazeta de Notícias uma crônica na qual
lembrava o episódio e evidenciava as qualidades do dramaturgo. A crônica em questão
110
constitui uma espécie de testemunho do poeta parnasiano sobre as dificuldades
encontradas no início da carreira de escritor, bem como acerca da importância do pai da
Filha de Maria Angu para os que aspiravam ascender no mundo literário. Segundo ele,
quando ainda era um poeta obscuro, paupérrimo e desamparado, querendo abrir
caminho na vida com os próprios cotovelos fracos em que se puía o pano do seu único
paletó, Artur Azevedo era o príncipe da crônica. Resolveu então, mandar-lhe dois
sonetos que foram estampados no dia seguinte nas páginas do Diário. Eis o momento
relembrado pelo poeta: “O nome de Olavo Bilac bem cedo fulgurará entre os melhores
da nossa literatura. O leitor não conhece talvez esse poeta, que raramente aparece na
Semana ou na Estação. Vou ter a honra de apresentá-lo, por intermédio de dois
magníficos sonetos”(DE PALANQUE, 15/12/1885). Depois de transcritas as poesias No
limiar da morte e Passeio matinal, o dramaturgo maranhense finaliza a crônica: “Vêem,
pois, que não é preciso ser profeta para assegurar a Olavo Bilac um brilhante futuro nas
letras brasileiras”(DE PALANQUE, 15/12/1885). Para Bilac, o autor de A capital
federal era o jornalista que dava o amparo da sua popularidade, o prestígio do seu nome
e a proteção da sua bondade generosa aos escritores novatos.
Em 23 de setembro de 1885 foi a vez de Raimundo Corrêa ter seus versos
expostos no palanque: “Reservei para o fim uma agradável surpresa: versos de
Raimundo Corrêa são sempre bem recebidos, e é com o maior prazer que honro estas
colunas com a publicação dos seguintes, intitulados: JOB”(DE PALANQUE,
23/09/1885). A transcrição da poesia foi feita sem mais comentários.
Na crônica publicada em 6 de novembro de 1885, o agraciado foi Alberto de
Oliveira, que Artur de Azevedo assim apresentou:
[...] o aplaudido poeta das Canções Românticas e das Meridionais, tem a sair
dos prelos um novo livro: Sonetos e poemas.
Vou dar aos leitores as primícias de três magníficos sonetos que se acham
reunidos no novo escrínio sob um título genérico. Essa transcrição não é feita
para recomendar o poeta, que por si de muito se recomenda; mas
simplesmente para proporcionar aos leitores do Diário de Notícias o raro
prazer de apreciarem quarenta e dois versos bem feitos”(DE PALANQUE,
06/11/1885).
Assim como Alberto de Oliveira “por si de muito se recomenda”, parece ocorrer o
mesmo com Syrinx, o conjunto de sonetos sobre o qual escreve o cronista. Afinal de
contas, como no exemplo precedente, comentário algum é feito pra mostrar ao leitor em
que medida os versos do poeta são bem feitos. Essa crítica tão econômica nos faz pensar
que o “De palanque” tinha que se adaptar à agilidade da circulação do jornal. Do mesmo
modo que o periódico, as crônicas eram diárias e, além disso, o cronista dispunha de um
111
espaço relativamente curto para publicar seus artigos. Algumas vezes, lembrava das
reclamações do paginador do Diário acerca da extensão dos textos; era preciso reduzi-
los. Outras vezes, em função da gama de anúncios comerciais, a crônica deixava de ser
publicada. Ao menos, era essa a informação passada por Artur Azevedo aos seus
leitores. Isso tudo tornava premente a necessidade de se fazerem comentários lacônicos
como, “verso fluente”, “vocabulário pronto” e “rima fácil”. O interessante desse tipo de
observação do crítico, acerca da poesia, é que a apreciação parece se dirigir a um tipo de
leitor afeito à leitura desse gênero literário e, portanto, detentor de certo conhecimento
sobre forma poética.
O artigo de 4 de dezembro de 1885 é inteiramente dedicado a Alberto de Oliveira.
Segundo o cronista, o Diário de Notícias o havia encarregado de fazer as honras da casa
ao “novo e formoso” livro do poeta parnasiano: Sonetos e poemas. Diferentemente dos
casos citados, em que o jornalista faz apontamentos econômicos sobre a poesia a ser
publicada, desta vez ele se aventura a dissertar sobre as qualidades artísticas de Alberto
de Oliveira. Inicia de uma forma um tanto exagerada, pedindo aos leitores permissão
para deitar luminárias no palanque, e fazer subir aos ares todas as girândolas do seu
entusiasmo, todos os foguetes da sua admiração.
Mais à frente, sinaliza para as condições de trabalho do jornalista, que, no seu
caso, especificamente, dispõe de um tempo curto para realizar as atividades de escrever
para a imprensa, além de produzir peças de teatro e contos. Admite que a tarefa de se
penetrar em duzentas e sessenta páginas, analisar os primores e apontar as imperfeições
do livro em questão, não pode ser realizada à ligeira. No entanto, mesmo sem ter lido o
livro em sua totalidade, consegue assinalar qualidades no que viu:
É um verdadeiro poeta, creiam, este demônio do Alberto; a sua lira, por mais
uso que lhe dê, tem sempre melodias novas, harmoniosas surpresas,
desconhecidos acordes. Ele sabe revolver os inesgotáveis tesouros da língua
portuguesa, e aproveitá-los discretamente. Com um velho adjetivo e um
substantivo decrépito, ele arranja uma frase moça e petulante. Possui no mais
elevado grau a dificílima arte de aproximar dois vocábulos. Está convencido,
como o deveriam estar quantos escrevem, de que nos idiomas não
sinônimos: cada palavra tem a sua significação exclusiva, e de modo algum
deve ser substituída (DE PALANQUE, 04/12/1885).
O que ele faz é um resumo geral das habilidades artísticas do poeta, sem, no
entanto, apontar as qualidades que julga ver em alguma poesia do livro. No final,
simplesmente oferece aos leitores a poesia intitulada Única. Interessante também nesse
trecho, é o tom de conversa com a leitora, já que, segundo ele, “os poetas inventaram-se
para as mulheres” e, portanto, deveriam ser lidos por elas.
112
Nos textos que escrevia, Artur Azevedo comentava, de modo irônico, que no
Brasil não faltavam bacharéis nem poetas. Ocorre que muitos indivíduos, a despeito
de já terem o diploma de bacharel, aspiravam ainda a um lugar no Parnaso; isso os fazia,
a exemplo de Olavo Bilac, escrever para o cronista, pedindo apreciação e publicação de
poesias. Alguns poetas mais ousados e de melhor poder aquisitivo mandavam imprimir
suas produções poéticas, sobre as quais o jornalista comentava que “na maior parte dos
casos, tais livros estão mesmo a pedir cesta de papéis inúteis, quando os não queiram
conservar como curiosos espécimes de „asnidade humana‟”(DE PALANQUE,
23/07/1885). Na carta-programa, como vimos, Artur Azevedo prometia frases
lisonjeiras a um artista e catanada ao mau poeta. Os encômios couberam a Olavo Bilac,
Alberto de Oliveira e Raimundo Corrêa, citados. A repreensão estava destinada aos
poetas anônimos que viam o palanque como uma oportunidade de projeção no mundo
das letras.
Em crônica de 4 de outubro de 1885, o cronista aborda o caso de um certo
comerciante que cometeu suicídio. Por ser contra essa prática, faz recriminações à
atitude do indivíduo. No mesmo artigo, publica a carta de um bacharel, com o seguinte
conteúdo:
Caro redator com máxima timidez e vacilância empenho a minha frágil e
inábil pena, para cumprimentá-lo e solicitar de V. S. a publicação das
sextilhas, que incluso esta lhe remeto, porém peço-lhe toda a benevolência,
pois sou um neófito da literatura. Sem mais etc Dr. José David Eloi
(Apud DE PALANQUE, 04/10/1885).
Eis o exemplo de um bacharel que aspirava à fama e que escolhera Artur como
paraninfo. A resposta fulminante do “padrinho” vem prontamente: “Não transcrevo as
tais sextilhas, porque tendo pregado contra o suicídio, não quero levar o leitor a esse ato
de desespero. Pela carta podem ajuizar o resto”(DE PALANQUE, 04/10/1885). Além
do desdém com que trata a poesia do “neófito da literatura” ao se referir a ela como as
“tais sextilhas”, aqui o cronista evidencia sua capacidade de relacionar dois assuntos de
natureza tão díspares, provocando assim, o riso no leitor.
Em 17 de janeiro de 1886, começa o “De palanque” com a transcrição da seguinte
carta:
Tenho a honra de remeter a V.V., solicitando sua ilustrada e criteriosa
apreciação, as duas inclusas produções poéticas, que farão parte de um
volume que, sob o título Gemidos poéticos, pretendo brevemente mandar
publicar nesta Corte.
As judiciosas análises que, sob a rubrica De palanque (Cá recebi, não havia
pressa...), tenho constantemente lido sobre outras produções poéticas, me
113
animaram a solicitar essa honra de V.V., pela qual me confessarei
agradecido, se dignarem-se conceder-ma.
O meu obscuro trabalho foi escrito aos 17 anos, no isolamento em que vivo
nesta província, residindo na cidade de Jaguarão por ordem do Governo
Imperial, como médico militar.
Sou o primeiro a confessar que o meu trabalho não tem mérito: é um ensaio
apenas.
Dignem-se V.V. dar suas ordens a quem se confessa com distinta
consideração e apreço etc. Dr. *** (Apud DE PALANQUE, 17/01/1886).
Antes da transcrição da carta, o cronista adianta que vai suprimir o nome do poeta
para não comprometer o médico. Assim deixa a sugestão de que os versos não
possuem valor artístico algum. Segundo ele, à referida carta acompanhavam duas
poesias, das quais resolveu transcrever a “menos ruim”, com o título: Não posso fugir-
te. Sem entrar no mérito de enfatizar em quais aspectos as poesias são ruins, o crítico
inicia seu comentário satiríco: “Parece-me que o melhor serviço que poderei prestar a
este doutor, é dar-lhe a mão para ajudá-lo a descer do Parnaso”(DE PALANQUE,
17/01/1886). Ao invés de “mandar imprimir os tais Gemidos poéticosconsidera mais
prudente que o aspirante a poeta empregue seu “rico dinheirinho na compra de livros de
medicina”, uma vez que a ciência sempre “faz progressos que devem ser estudados por
todo o médico digno desse título”. Para completar a sátira, sugere que a poesia escrita
pelo Dr.*** caracteriza-se por um tipo que não deve ficar manuscrita apenas os nove
anos “recomendados por mestre Horácio, mas toda eternidade”. publicara os versos
para provar a lealdade e a justiça de sua crítica. Assim finaliza sua observação: “Versos
desses, quando o autor não os publica aos 17 anos, o faz quando completa essa
idade... pela quarta vez”(DE PALANQUE, 17/01/1886). Apesar da gentileza usada no
tratamento com o cronista, o médico teve sua figura ridicularizada e tornou-se uma
criatura risível diante dos leitores de Artur Azevedo.
Assim como havia o bom poeta e o mau poeta, pelos artigos do cronista
identifica-se também o médio poeta: aquele em cujas produções artísticas o jornalista
assinalava os defeitos, mas também algumas qualidades e se dispunha a fazer
observações no sentido de incentivar a “vítima” a estudar mais. Um exemplo desse tipo
é o poeta João Ribeiro, em cujo livro de estréia, Avena e cítara, Artur salienta que os
versos certos abundam mais que os errados. Se tiver um pouco de “paciência” e de
“ouvido” o poeta poderá “apresentar obra asseada” e assim, se absolver dos pecados que
cometera. A sua opinião era a de que o poeta em questão possuía imaginação, “e essa é
a condição fundamental do perigoso oficio de fazer versos”(DE PALANQUE,
114
23/07/1885). Ao menos esse poeta abrigava algumas qualidades que o livraram da
crítica mordaz e satírica do autor de O Bilontra.
Com essas observações não temos o objetivo de realizar um estudo profundo
sobre a crítica feita por Artur Azevedo, mas somente fazer algumas considerações sobre
o tratamento dado pelo cronista aos poetas que lhe pediam proteção. O que se pode
perceber é que, na condição de homem da imprensa, o cronista maranhense dava
oportunidade para que todos subissem ao palanque. A crítica, apesar de impressionista,
mostra que o jornalista conhecia a matéria sobre a qual se debruçava; prova disso é o
caso da trindade parnasiana, cuja poesia ficou para a posteridade e hoje, ainda tem ao
menos seus nomes inclusos nos livros de história da literatura brasileira, ao passo que os
outros poetas, os que foram motivo de zombaria, permaneceram no anonimato.
1.2 Música
A segunda parte é exclusivamente preenchida pela
sinfonia n. 3, de Beethoven. Por mais esforços que eu
empregue, não me é dado ouvir, como quisera, a
inimitável marcha fúnebre intercalada nessa esplêndida
composição, tal é o rumor causado pelas pessoas
levadas apenas pelo desejo de se exibirem.
ARTUR AZEVEDO, 03 de setembro de 1885.
Ao contrário do teatro, o movimento musical do Rio de Janeiro no “De
palanque” apresentava-se em duas categorias: a amadora e a profissional. Como já
dissemos, semanalmente, em “Festividades e diversões”, divulgavam-se os eventos
socioculturais e religiosos da cidade. Aos sábados havia, invariavelmente, música no
Passeio Público e, com menor freqüência, no Parque da Aclamação. Algumas
associações musicais amadoras e alguns clubes clube do Botafogo, clube Talia, clube
dos Progressistas da Cidade Nova, clube do Engenho Velho, clube de São Cristóvão,
clube Weber, dentre vários outros ofereciam concertos e bailes regulares aos seus
associados. No entanto, de todos eles, o clube Beethoven era o que mais destaque
recebia, através de grandes notas publicadas na primeira página do Diário e no “De
palanque” de Artur Azevedo. A título de esclarecimento, o referido clube utilizava um
115
espaço bastante significativo para divulgar a programação dos concertos promovidos.
Sua sede ficava no bairro da Glória, onde os amadores intelectuais se reuniam para
ouvir música do seu orago. Em tais encontros, era vetada a entrada de pessoas do sexo
feminino, mas, quinzenalmente, ofereciam-se concertos, nos salões do Cassino
Fluminense, nos quais se achava presente a fina flor da sociedade fluminense,
inclusive o “belo sexo”, como dizia Artur Azevedo.
No Diário de Notícias de 3 de setembro de 1885, um articulista anônimo
escreveu um grande artigo encomiástico sobre essa associação. De acordo com o artigo,
graças à direção hábil e inteligente, em pouco tempo, o clube teria se tornado o centro
dos homens de boa sociedade. Havia sido fundado apenas quatro anos e estava
destinado a exercer bastante influência na sociedade. Na sua pequena existência tinha
realizado obra significativa, transformando e educando o gosto e elevando o nível do
cultivo musical. A influência do clube teria causado um aumento no número dos
apreciadores da música clássica. Pelas palavras do articulista já se percebe que a
mentalidade dos jornalistas no que se refere à posição de reformadores do gosto da
população também se estendia ao campo musical.
Além da tarefa de “educar” musicalmente a população, o Beethoven demonstrou
interesse também em dar apoio à música dos artistas brasileiros. Na programação do 73º
concerto, além da estréia de pianista francês Alfonso Tibaud, discípulo do
Conservatório de Paris, constava também a execução de uma peça do mineiro José Lino
Fleming, que na ocasião estudava em Milão. Segundo a nota publicada no Diário de 23
de julho de 1885, ao apresentar a composição desse músico, o clube Beethoven estaria
prestando mais um serviço à arte musical e com isso animaria os compositores
nacionais, que poucas chances tinham de ouvir suas produções bem executadas. Mas
dessa vez, a tentativa de enaltecer o patrício foi malograda: a peça de Almeida Fleming,
não pôde ser executada, sendo substituída pelo quarteto n. 42 do compositor austríaco
Haydn. No “De palanque” de 9 de fevereiro de 1886, Artur Azevedo se ocupou do
músico mineiro, escrevendo-lhe uma mini-biografia, através da qual informou que
algumas de suas composições haviam sido, deveras, executadas e aplaudidas pelo
referido clube. Desde de 1881, Fleming estava na Itália, “graças à generosidade do
Imperador e à do Sr. Anardino Borges de Almeida, irmão do artista”(DE PALANQUE,
09/02/1886).
116
Acerca das qualidades artísticas do músico mineiro, vale a pena resgatar uma
matéria publicada na revista literária Vida Moderna, assinada pelo crítico de música
Joaquim de Almeida, com o pseudônimo de Fétis, em 6 de novembro de 1886:
Eu lamento que os amigos e protetores do Sr. Fleming em cujo número se
acha o nome de S. M. o Imperador, fazendo-o transportar ao país das artes,
julgando torná-lo um artista que honrasse a sua pátria e fosse o orgulho dos
seus conterrâneos, apenas conseguissem obter mais um concorrente aos
Capengas que não formam, Carecas que não vão à missa, ou ao Diabo com
saias!
Realmente, para escrever polcas, valsas, mazurcas e galopes daquele quilate,
não havia necessidade de ir a Milão; aqui mesmo, ou no mais recôndito
sertão de Minas, poderia o Sr. Fleming beber essas grandiosas inspirações a
longos tragos, e o capital consumido tão inutilmente poderia ter sido melhor
aproveitado, por quem pudesse ser mais útil (VIDA MODERNA,
06/11/1886).
Para amenizar o azedume das observações, o articulista afirma ser “possível” e
“provável” que o artista tenha outras composições de mérito. Seria a baixa qualidade de
algumas peças o motivo para a recusa do clube Beethoven em executá-las? Ao defender
a causa de Lino Fleming no “De palanque”, Artur Azevedo realmente conhecia o mérito
artístico do compositor ou ele agiu motivado pelo simples desejo de incentivar a
produção musical no Rio de Janeiro? Essas são apenas algumas questões sobres as quais
é importante refletir para que se possa compreender melhor a índole profissional do
cronista.
Voltando ao Beethoven, o clube parecia de fato estar destinado a trilhar um
caminho próspero, pois além de amparar as composições de autores nacionais, fundou
uma academia de música, tendo Roberto Benjamim, diretor de concertos da instituição,
como idealizador do projeto. As aulas da nova escola tiveram início em 1 de maio de
1886. Inicialmente eram 122 alunos matriculados, sendo 98 brasileiros, 6 portugueses,
5 franceses, 4 espanhóis, 4 italianos, 3 alemães, 1 oriental e 1 holandês. Os professores
ficaram assim distribuídos: solfejo, J. R. Cortes, J. Cerrone, M. Cardoso e M. Faulhaber;
piano, A. Napoleão, A. Bevilacqua, L. Lambert, J. Queiroz, A. Arnaud, P. Faulhaber, A.
Nepomuceno, J. Cerrone e M. Faulhaber; violino, Otto Beck e Félix Bernardelli; viola,
Luiz Gravenstein; violoncelo, J. do Nascimento e J. Cerrone; contrabaixo, J. Martini;
flauta, Augusto Duque Estrada Meyer; clarineta e fagote, Domingos Miguel e Augusto
Duarte; pistão e trompa, J. R. Cortes; harmonia e contraponto, V. Cernichiaro, L.
Miguez e P. Falhauber; canto, Gustavo Moretti; quarteto e ensemble, Otto Beck.
117
Outras associações congêneres ao clube Beethoven, como a Sociedade de
Concertos Clássicos e a Sociedade de Quarteto do Rio de Janeiro, surgiram em 1886,
como mostrou o já citado crítico de música, Fétis, na revista Vida Moderna.
Em algumas crônicas, Artur Azevedo contemplou como assunto os concertos
desse clube situado na Glória, que reunia a “fina flor da sociedade fluminense.
Demonstrava um certo conhecimento de teoria musical, mas sua crítica era muito
econômica. Baseava-se sempre em um resumo da programação, seguido de
comentários, às vezes satírico, irônico ou debochado, acerca da performance dos
amadores. Na verdade, além de Roberto Benjamin, que se ocupava da crítica às óperas
cantadas em temporada de teatro lírico, a autoridade em crítica musical era Joaquim de
Almeida, do qual Artur Azevedo foi companheiro de redação na revista literária
mencionada anteriormente.
Os amadores cantavam e executavam músicas de Beethoven, Mendelsohn,
Gounod, Reinecke, Bendel, Denza, Niels W. Gade, Liszt, Salvayre, Bèriot, Weber,
Schumann, Saint Saens e Ponchielli, dentre vários outros. Gosto requintado, não havia
dúvida. Porém, paralelamente a esse bom gosto, o cronista mostrava também os maus
hábitos de uma parte apática da sociedade que estava mais preocupada em se exibir nas
altas rodas do que em apreciar música de qualidade, que “nas proximidades do salão,
era tal a vozeria, que não deixava dar aos instrumentos e às vozes a atenção que
mereciam”(DE PALANQUE, 03/09/1885).
Não bastasse essa algazarra durante o concerto, “na vestiaria os chapéus,
sobretudos, bengalas e guarda-chuvas eram conquistados a força de murros e
empurrões no meio de uma gritaria infernal”(DE PALANQUE, 03/09/1885). Uma vez
que Artur Azevedo era tão preocupado com a imagem feita pelo estrangeiro em relação
ao Brasil, nessa ocasião ele tinha razões de sobra para ficar receoso, pois nessa época a
companhia lírica italiana estava oferecendo espetáculos no Rio de Janeiro e alguns
artistas como a atriz-cantora Amélia Stahl e o maestro Bassi participaram desse
concerto.
No mesmo ano de 1885, devido à necessidade de se criar um ponto de reunião
para as famílias do bairro das Laranjeiras, um grupo de cavalheiros fundou um clube
homônimo. Seguindo a mesma rotina do clube Beethoven, a então criada associação
oferecia concertos periódicos aos seus associados, que pertenciam todos à melhor
sociedade”, como lembra o redator do “De palanque”, na crônica de 30 de novembro.
Nesses concertos misturavam-se a classe amadora e a classe profissional, representada
118
por músicos como Artur Napoleão, José White, Alfredo Bevilacqua, Jerônimo Queiroz,
Alberto Nepomucemo e Cardoso de Meneses, executando os clássicos da boa música.
Regularmente, esses profissionais viajavam para outras cidades como Juiz de Fora e
Petrópolis, para oferecerem concertos.
Mas uma das maiores movimentações no âmbito musical, para os brasileiros e os
portugueses, foi uma campanha feita, a partir de uma idéia de Artur Azevedo, no “De
palanque” de 5 de novembro, para angariar fundos destinados à construção de um
mausoléu, onde seriam depositadas as cinzas do maestro português Francisco de
Noronha, que havia composto músicas para as peças Os noivos, O califa da rua do
sabão, A princesa dos cajueiros, todas de autoria de Artur Azevedo. Foi um momento
de mobilização da classe artística, amadora e profissional, em prol de uma causa
comum, acompanhado dia após dia pelo “De palanque”. Na primeira página do Diário
de Notícias costumava-se mostrar o montante arrecadado, bem como os nomes dos
respectivos colaboradores.
Por iniciativa do jornalista Coriolano de Oliveira, redator da Gazeta Suburbana,
tendo Joaquim de Almeida como organizador, realizou-se um concerto na noite de 23 de
novembro no teatro São Pedro de Alcântara. No programa, perfeitamente organizado,
figuravam Beethoven, Schubert, Chopin, Popper, Gounod e outros afamados
compositores”(DE PALANQUE, 25/11/1885). Curiosamente, do referido programa não
constava nenhuma composição do homenageado. É bastante curiosa a atitude desses
homens de letras tão imbuídos de um espírito de nacionalidade, mas sempre valorizando
a cultura do outro em detrimento da cultura local. O cronista tentou justificar essa falha,
informando que “circunstâncias independentes da vontade do Sr. Joaquim de Almeida
privaram-no de incluir no programa o nome de Noronha”(DE PALANQUE,
25/11/1885). Ora, em um evento dessa natureza, em que vários artistas participaram
sem nada receber, que circunstâncias poderiam impedir que o organizador incluísse o
nome do maestro homenageado no programa? Uma programação plena de “afamados
compositores” seria uma estratégia para garantir “enchente” no teatro? A preocupação
com a receita não deveria estar em primeiro lugar, visto que as despesas haviam sido
minimizadas com a colaboração dos artistas. Como prêmio de consolação, foram
distribuídos exemplares do fac-símile da última composição de Noronha. Na mesma
crônica em que o Artur Azevedo lança a idéia de construção do túmulo, ela deixa pistas
que nos levam a crer na existência de uma certa prevenção em relação ao maestro: “Não
o julguem pelos tangos, aliás felicíssimos, da Princesa dos cajueiros, mas pelos
119
ruidosos triunfos por ele alcançado nas cenas líricas do Porto e de Lisboa, e pelos
concertos de violino, que tanto o engrandeceram e consagraram (DE PALANQUE,
05/11/1885).
Em 1886, através do De palanque”, Fétis se pronuncia a respeito de uns
comentários em um folhetim escrito por Carlos de Laet:
A começar exatamente pela Princesa dos Cajueiros, teve ainda assim
Noronha o grande mérito de ser o criador da opereta entre nós, acrescendo
ainda que um trecho desse spartito rendeu ao seu editor a insignificante
soma de oito contos de réis!
Os Noivos e outras composições talvez de somenos importância conseguem
ainda levar aos nossos teatros enchentes consecutivas.
Antes disso, porém, já Sá Noronha tinha escrito O Arco de Sant’Ana e
Beatriz de Portugal, e, para vermos o que valem essas duas partituras, é
bastante reportarmo-nos aos jornais da época em que elas foram cantadas em
S. Carlos.
Como concertista, foi ainda Noronha, no seu tempo, um artista muitíssimo
aplaudido, tanto entre nós, como em Portugal, como nos Estados Unidos.
Sem ter uma escola definida, Noronha dedicou-se mais ao gênero
imitativo, o que lhe mereceu talvez severa reprovação, que ainda hoje reflete
sobre a sua memória.
Entretanto, coisa notável, quando se criticava em Portugal o estilo de
Noronha, Sivori, o grande Sivori levantava as platéias de Paris, imitando no
seu violino o trinar dos passarinhos, o cantar das cigarras, e, finalmente, a
natureza inteira!(Apud DE PALANQUE, 12/01/1886).
Com base no conteúdo desses fragmentos, podemos arriscar uma resposta para
essa exclusão: a nossa hipótese é a de que os entusiastas desse movimento queriam dar
uma feição mais requintada ao evento. Embora Sá Noronha fosse conhecido como
compositor de óperas, sua índole artística estava muito mais associada à imagem de um
músico popular, que compunha lundus, modinhas, polcas e quadrilhas e, mais
recentemente, no começo da década de 80, dedicou-se à composição das partituras das
peças Os noivos, O califa da rua do sabão, A princesa dos cajueiros, todas de nero
popular. O fato é que em 17 de janeiro, realizou-se um outro espetáculo com o mesmo
fim de construir um mausoléu para as cinzas do maestro. que dessa vez organizaram
uma matinée, ou seja, uma festa realizada à tarde, e portanto, sem o glamour de um
concerto. As mudanças também se notam no repertório: é verdade que havia duas
composições eruditas, mas as outras eram músicas de Noronha, além de uma
cançoneta e uma cena cômica:
Na ocasião em que eu cheguei ao teatro, Ragusa, o distinto pianista italiano,
que pouco tempo se acha no Rio de Janeiro, interpretava magistralmente
um dificílimo capricho de Talberg sobre motivos do D. João, de Mozart.
Mme. Delmary, do Sant‟Anna, cantou perfeitamente a linda valsa inédita Il
desio, de Noronha, acompanhada ao piano pelo Sr. Joaquim de Almeida,
estimado cavalheiro que tanto e tão eficazmente tem contribuído para erguer-
se o mausoléu destinado às cinzas do ilustre compositor português.
120
Pereira da Costa, o grande Pereira da Costa, executou no seu mágico violino
uma arrebatadora fantasia de Leonard: Souvenir de Donizetti.
A Exma. esposa do Sr. Joaquim de Almeida cantou com muita expressão a
belíssima romança Tu e Dio, de Noronha.
Polero, o simpático barítono do Sant‟Anna, fez-nos ainda uma vez ouvir a
“canção do aventureiro” do imortal Guarani.
Matos e Helena Cavalier representaram o hilariante Ditoso fado, cujas coplas
finais foram “trisadas”, como sempre.
Terminou o espetáculo pela cançoneta mica Do outro lado, cantada com
muita graça pelo nosso Vasques. Tenho pena de não haver retido na memória
uma interessante e delicada estrofe alusiva a Sá Noronha, que o grande artista
improvisou no meio de gerais aplausos.
Na primeira parte, a que eu não assisti, Frederico do Nascimento arrebatara o
auditório com os sons divinos do seu violoncelo, e o Foito provocara muitas
gargalhas com a representação da sua cena mica O chocolate de Matias
Lopes.
A orquestra portou-se irrepreensivelmente sob a direção do maestro Gomes
de Carvalho, e durante os intervalos, a excelente banda de música do Corpo
de Polícia executou (lá vai chapa!) algumas das melhores peças do seu vasto
repertório (DE PALANQUE, 19/01/1886).
Também os teatros nos quais se realizaram os eventos nos leva a crer que havia
uma intenção de separar estilos. O concerto de que acima falamos realizou-se no São
Pedro de Alcântara, um dos mais importantes do Rio de Janeiro, que costumava abrigar
as companhias dramáticas de que faziam parte grandes atrizes européias, como Eleonora
Duse e Sarah Bernhardt; a matinée, ocorreu no Recreio Dramático, um teatro mais
popular onde trabalhava a empresa Dias Braga que abria as portas para o Clube
Talia com sua quermesse beneficente, e que também alternava as apresentações de sua
empresa com as de companhias circenses, a exemplo da Transatlântica, dirigida por
Georg Leopold, que esteve no Rio em 1885. Ao que tudo indica, apesar de Sá Noronha
ser o autor das óperas O Arco de Sant’Anna, Beatriz de Portugal e Tagir, alguns dos
organizadores dos espetáculos acharam mais prudente que seu nome não aparecesse ao
lado dos “afamados compositores”. Isso não significa dizer que Artur Azevedo,
Joaquim de Almeida e outros envolvidos na organização dos eventos não apreciassem
deveras as qualidades artísticas do maestro português. Estamos apenas chamando
atenção para a dinâmica desses homens diante de estilos musicais diferentes. Pelo
menos no caso de Artur Azevedo, as crônicas nas quais lamentou a “pobre modinha
brasileira, tão original, tão nossa e tão desprezada (DE PALANQUE, 24/05/1886), “tão
engraçada, tão cheia de ingênua e doce poesia”, porém “suplantada pela romança de
exportação” (DE PALANQUE, 09/12/1885), absolvem-no de alguma acusação.
Deixemos agora Noronha e falemos de outros músicos. Como dissemos,
Artur Azevedo era um excelente estrategista quando o assunto era defender alguns
interesses, sobretudo se lhes eram convenientes. Gostava de sentir o ego inflado, e
121
também sabia como fazer um artista se sentir envaidecido. Porém, esperava o momento
certo para isso acontecer. Para os músicos Abdon Milanez, Gomes Cardim e Miguel
Cardoso o momento certo foi o primeiro semestre de 1886, quando cada um deles teve
uma espécie de biografia escrita pelo cronista e levada à sua seção.
Em 29 de janeiro de 1886 tinha subido à cena, no teatro Lucinda, a revista de
ano O Bilontra; em 19 de março, a opereta A donzela Teodora, teve sua primeira
representação no Sant‟Anna. Ambas as peças eram de autoria de Artur Azevedo. A
primeira, tinha esses três músicos como compositores; a partitura da segunda coube,
exclusivamente, a Milanez. Não é mais novidade que Eloi, o herói, e Escaravelho,
redator do Jornal do Comércio, trocavam insultos pela imprensa. A plica no “De
palanque” era bastante comum. No artigo de 4 de janeiro de 1886, o cronista
maranhense defendia-se da acusação de agradar aos outros para ser agradável a si
mesmo. A nosso ver, as acusações feitas por Luiz de Castro tinham um certo
fundamento. Foi exatamente no momento em que O Bilontra e A donzela Teodora se
tornaram sucesso de público, que os autores das músicas também foram postos em
evidência. Falar de Abdon Milanez, Miguel Cardoso e Gomes Cardim era falar de si
mesmo. Sob essa perspectiva, o redator da “Psicologia da imprensa” tinha uma certa
razão. Mas se não fosse o desejo de fazer provocações, ele poderia ter dado ao
acontecimento uma interpretação diferente: Artur Azevedo aproveitou um momento em
que o grande comentário na imprensa eram suas peças para dar relevo aos três
compositores citados.
Claro está que as acusações feitas por Escaravelho, e eventualmente, por outros
folhetinistas, não diminuem o mérito dos serviços que Artur Azevedo prestou à classe
artística. Ele também soube reconhecer o talento de outros artistas e lhes oferecer apoio
sem esperar nenhuma recompensa por isso. Assim foi o caso de José Lino de Almeida
Fleming, músico mineiro, que desde 1881 estudava no Conservatório de Milão, como
dissemos anteriormente.
Independentemente de o cronista fazer reclame ou não para esses compositores,
o período em que os chamados gêneros ligeiros permaneciam em cartaz era de grande
importância tanto para os músicos quanto para o incipiente mercado editorial da época.
Do dia 29 de janeiro a 10 de maio de 1886 conseguimos identificar a edição de pelo
menos sete composições populares: A revista de ano Mulher-homem, de Valentim
Magalhães e Filinto de Almeida, subiu ao palco do teatro Sant‟Anna em 13 de janeiro
122
de 1886; em 29 do mesmo mês, na parte de publicações, divulgou-se que Buschmann &
Guimarães editaram a polca Mulher-homem, de Chiquinha Gonzaga.
Em 4 de março, a notícia era a de que o jongo do ato de O Bilontra, original
de Gomes Cardim, havia sido editado por D. Machado & Cia. A revista teve sua noite
de estréia em 29 de janeiro, no teatro Lucinda, pela empresa Braga Junior. Ainda no
mês de março, foram editados o Jongo dos sexagenários, de Henrique de Magalhães, da
revista Mulher-homem e uma quadrilha sobre motivos de O casamento do Bilontra com
a Mulher-homem, revista de Sousa Bastos, música de Quirino Vieira, por D. Machado
& Cia e Buschmann & Guimarães, respectivamente.
Em 15 de abril soubemos da publicação de uma Gramática musical, de Miguel
Cardoso, um dos autores das partituras da revista em cartaz no Lucinda. Também no
mês de abril, mais precisamente no dia 22, os leitores foram informados da impressão
da marcha da Donzela Teodora, de Abdon Milanez, pelos editores Narciso & Artur
Napoleão. A opereta para a qual Milanez compôs essa partitura tinha subido à cena do
Sant‟Anna em 19 de março. Dia 14 de abril, o empresário Braga Junior fez representar
pela primeira vez a ópera-cômica Babolin; em 10 de maio, noticiou-se que Quirino
Vieira havia arranjado uma quadrilha sobre motivos dessa peça, sendo Narciso & Artur
Napoleão os editores. Esses dados não deixam dúvidas de que os gêneros ligeiros
cumpriam um importante papel na divulgação das músicas populares, e ainda
funcionavam como mola propulsora de projeção artística para os compositores.
123
1.3 Pintura
O Panorama do Rio de Janeiro pintado por dois pinceis
ilustres, trará ao nosso país mais do que todas as
legações imperiais havidas e por haver, a inestimável
vantagem de torná-lo conhecido em terras, cujos
habitantes supõem que o Brasil não é digno de figurar
entre as nações civilizadas.
ARTUR AZEVEDO, 01 de outubro de 1885.
Artur Azevedo mostrava bastante interesse também pelas artes plásticas. Não
foram poucas as vezes em que a pintura foi assunto da crônica do “De palanque”. No
afã de promover a produção artística brasileira, ele procurava argumentos favoráveis à
sua idéia, até mesmo no regulamento da academia de Belas Artes. Ao pegar o texto que
regia o funcionamento dessa instituição, ele ressentia-se da falta de cumprimento de
alguns artigos, dentre eles, o de número 74, segundo o qual “de três em três anos, deve
ser enviado à Europa um pensionista, que ali ficará seis anos, sendo pintor histórico,
escultor ou arquiteto, e quatro, sendo gravador ou pensionista” (DE PALANQUE,
20/03/1886). Lilia Moritz Schwarcz (1998), em estudo citado neste trabalho, faz
algumas observações sobre a prática do mecenato exercida por d. Pedro II junto à
Academia de Belas Artes. Por meio dessa instituição, ou às próprias expensas, o
Imperador custeou os estudos de 24 felizardos na Europa. Dentre eles citam-se os
nomes de Pedro Américo, Victor Meirelles, Almeida Junior, Castagneto e Rodolfo
Bernardelli. De acordo com as notas explicativas de Tadeu Chiarelli para o livro A arte
brasileira (1888), de Luiz Gonzaga Duque Estrada, também foram para a Europa, ou
como bolsistas ou como ganhadores do prêmio de viagem, Aurélio de Figueiredo (irmão
de Pedro de Américo), Décio Vilares, Antonio Parreiras, Henrique Bernardelli, Belmiro
de Almeida, Zeferino da Costa, Vasquez e Caron. O ressentimento do cronista talvez
resida no fato de considerar insuficiente o número dos pensionistas enviados à Europa.
Nas páginas do Diário conseguimos identificar notícia sobre ao menos um pintor
que era mantido em Paris às expensas da Academia: “O pensionista da academia de
Belas Artes, Rodolfo Amoedo, atualmente em Paris, vai dar começo a um quadro que
tem por assunto Jesus Cristo em Cafarnaum, para a mesma academia”(DIÁRIO DE
NOTÍCIAS, 17/06/1885). Na condição de bolsista, o pintor brasileiro enviava ao Brasil
telas pintadas dentro do estilo e dos temas ditados pela Academia de Belas Artes. A
124
pintura de inspiração bíblica era um dos temas. A observação que podemos fazer sobre
isso é que os artistas tinham a liberdade criadora tolhida pelas imposições a que eram
submetidos. Difícil ter certeza se a periodicidade exigida pelos estatutos para a
subvenção de estudos era de fato respeitada, todavia, o que podemos atestar, através de
uma leitura atenta dos artigos escritos sob a rubrica “De palanque” é a existência de um
grupo pequeno, porém coeso, empenhado em contribuir para a produção e a divulgação
da arte pictórica no Rio de Janeiro.
Havia pelo menos quatros locais nos quais as artes plásticas, em especial a
pintura, podiam ser expostas e apreciadas pelos amadores: a Galeria Moncada, a Glace
Élégante, uma sala na casa de Laurent de Wilde, à rua Sete de setembro, e outra no
estabelecimento comercial de J. Vieitas, situado à rua da Quitanda. Era a partir das
peregrinações feitas por esses locais que Artur Azevedo levava suas impressões para o
palanque.
Suas crônicas, ao mesmo tempo em que revelam seu pensamento estético,
mostram também as histórias de vários indivíduos que, se não ficaram para a
posteridade, ao menos estavam inseridos em um grupo empenhado em criar uma
tradição nacional nas artes plásticas: Aurélio de Figueiredo, Antonio Firmino Monteiro,
Pedro José Pinto Peres, Augusto Petit, Oscar da Silva, Rosalbino Santoro, Décio
Vilares, Pedro Américo, Estevam da Silva, Victor Meirelles, Francisco Joaquim Gomes
Ribeiro, Domingos Garcia y Vasquez, Hipólito Boaventura Caron, Castro, Teixeira da
Rocha, Henrique Bernardelli, Augusto Duarte, Irineu de Sousa, Bandeira, Giovanni
Castagneto, Belmiro de Almeida, Zeferino da Costa, além de Antonio Parreiras e França
Junior, foram alguns dos que subiram ao palanque.
Tinha uma percepção negativa, segundo a qual: “no meio em que vivemos o
há vocação de artista que se aproveite, nem estímulo que preste, nem talento que
medre”(DE PALANQUE, 30/08/1885). Para ele, além da falta de incentivo das
autoridades imperiais, havia também o indiferentismo do público, que enxotava os
artistas de sua terra natal. A única saída era migrarem para fora do país e pedir proteção
a outros povos. Assim fizeram Aurélio de Figueiredo, Pedro Américo e Décio Vilares.
Quando o primeiro desses três artistas “julgava-se livre de qualquer despesa de
transporte, exigiram despacho de exportação para os seus quadros, sem o que não
poderiam passar do cais dos mineiros”(DE PALANQUE, 15/09/1885). Utilizando as
palavras do próprio cronista, o pintor teve de comprar por 75$ o direito de ir vender no
estrangeiro os produtos do seu talento.
125
O movimento inverso também era passível de acontecer. Estaria Artur Azevedo
exagerando na sua visão negativa sobre o Rio de Janeiro ou o Velho Mundo era um
ambiente igualmente hostil para com os brasileiros? A verdade é que Vasquez e Caron,
discípulos de Jorge Grimm, estavam em Paris desde julho de 1885, e remetiam quadros
para serem expostos na casa De Wilde. O dinheiro arrecadado com a venda dos quadros
concorreria para a manutenção dos dois rapazes na Europa. A leitura do texto publicado
em 13 de fevereiro de 1885 revela a prática do paternalismo como mecanismo que regia
as relações sociais, como observou Roberto Schwarz, no ensaio “As idéias fora do
lugar”. Vejamos como a citação de Artur Azevedo dialoga com as observações do
crítico literário:
O Ribeiro é um dos três discípulos do Grimm, foi o companheiro inseparável
do Caron e do Vasquez, que estão em Paris tratando de aperfeiçoar-se no
atelier de Haneteau. Porque desmantelou essa interessante e esperançosa
trindade artística? A generosidade dos que protegem o Vasquez e o Caron,
porque não se estendeu ao Ribeiro? Por acaso este valia menos que os
outros?”(DE PALANQUE, 13/02/1886).
Aos que não tinham a fortuna de serem pensionistas da academia de Belas Artes,
nem podiam custear os estudos com recursos próprios, restaria contar com a
benevolência de um protetor. Pelo que percebemos, ao pintor Ribeiro faltou essas três
possibilidades para ajudá-lo a aperfeiçoar a arte na Europa: não foi pensionista, não
tinha vintém e nem protetores. A única solução para artistas nessa condição era o
contato com pintores consagrados do Velho Mundo, como Henri Langerock, Thomaz
Driendl, Benno Treidler e Jorge Grimmm, que certamente causariam influência no
gosto estético dos brasileiros. Este último chegou a ocupar o cargo de professor da
academia de Belas Artes, tendo como discípulos Antonio Parreiras e França Junior, para
citar ao menos os mais conhecidos.
O protecionismo acontecia também no interior da própria classe artística. À
medida que um artista adquiria uma certa notoriedade e um certo prestígio junto aos
jornalistas, ele passava para a condição de protetor. Foi essa mobilidade que possibilitou
ao poeta Alberto de Oliveira escrever a Artur Azevedo, em 15 de setembro de 1885,
solicitando que o cronista divulgasse um quadro de Antonio Parreiras, que deveria ser
exposto na Glace Élégante por aqueles dias.
O instinto de civilidade de Artur Azevedo e a preocupação com a imagem
negativa que o estrangeiro poderia construir a respeito do Brasil foram expostos na
crônica de 1 de outubro de 1885, quando mencionou as iniciativas de Victor Meirelles e
Langerock em pintar o panorama da cidade do Rio de Janeiro. O trabalho seria realizado
126
em Paris, ficando ali exposto por algum tempo e depois viajaria pelas principais cidades
européias e americanas, terminando no Rio de Janeiro, onde ficaria definitivamente
exposto. No entanto, para que o projeto se concretizasse era preciso que fosse aberta
uma subscrição. Nessa ocasião, o mesmo público, que era classificado como indiferente,
foi convidado a contribuir para a pintura do panorama. O argumento utilizado pelo
cronista era o de que essa pintura traria “ao nosso país mais do que todas as legações
imperiais havidas e por haver, a inestimável vantagem de torná-lo conhecido em terras,
cujos habitantes supõem que o Brasil não é digno de figurar entre as nações
civilizadas”(DE PALANQUE, 01/10,1885).
Embora não fosse um crítico de arte, o autor de O Bilontra levava suas
impressões ao palanque. Comentava os planos, a perspectiva e a habilidade do artista
para trabalhar com as cores. Para ele, a pintura seria mais apreciável quanto mais se
aproximasse da realidade, daí os elogios feitos aos quadros enviados de Paris por
Vasquez e Caron, artistas que haviam conseguido reproduzir com fidelidade e
naturalidade a natureza européia. A crônica do “De palanque”, como salientamos
anteriormente, muitas vezes era feita com cartas recebidas de leitores ilustres que
dispunham de alguma bagagem cultural para fazer críticas. É possível que Artur
Azevedo tivesse consciência de suas limitações em algumas áreas, cedendo, por essa
razão, o espaço a um crítico com discurso de autoridade. Foi isso que ocorreu no artigo
de 14 de setembro de 1885, quando publicou uma extensa carta de Luiz Gonzaga Duque
Estrada, crítico de arte que viria a publicar o livro A arte brasileira, em 1888.
Contextualizando um pouco, na crônica de 11 de setembro, Artur participou aos
leitores a visita que fizera à galeria Moncada para apreciar uma cópia do retrato de
Beethoven, que deveria ser colocado no clube Beethoven, associação amadora de
música. O fato curioso era que na referida instituição havia dois retratos, um deles
pintado por Décio Vilares e outro, por Oscar da Silva; o terceiro foi pintado por
Augusto Petit. O cronista aconselhou que, antes de expor o quadro ao público, o pintor
deveria corrigir/substituir a pena esquerda do retratado. Na carta transcrita por ele na
crônica de 14 de setembro, o trabalho de Petit foi simplesmente execrado por Duque
Estrada, classificando-o, no final da carta, como “bota”, que na gíria dos pintores
significa “pintura de péssima qualidade”. A estratégia utilizada pelo redator apresenta
três vantagens: democratiza o espaço de que dispõe na imprensa, apresenta ao leitor
uma crítica minuciosa do retrato e ainda desdiz a apreciação feita pelo País e pela
127
Gazeta de Notícias, dois fortes concorrentes do Diário de Notícias, que haviam
elogiado a referida pintura de Petit.
1.4 Escultura
Meu querido artista, nunca mais caia na asneira de
fazer estátuas sem primeiramente por o preto no
branco. Quando lhe encomendarem a Justiça,
personagem abstrato que nesta terra dará um ótimo
pendant ao Progresso, não vá para a oficina sem escala
pelo cartório de um tabelião qualquer.
ARTUR AZEVEDO, 19 de fevereiro de 1886.
Ao contrário da pintura, a escultura apresentava um desenvolvimento mais
acanhado no Rio de Janeiro. Não conseguimos identificar a formação de um grupo de
escultores ativos como o dos pintores. Nas crônicas que compõem nosso corpus
somente aparece o nome de Rodolfo Bernardelli e, mais raramente, os de Cândido
Caetano de Almeida Reis e Ludovico Berna.
Almeida Reis foi o autor de uma estátua de gesso posta no teatro São Pedro de
Alcântara, em homenagem a Antonio José da Silva, poeta perseguido e morto pela
Inquisição no século XVIII. Para citar ao menos mais uma obra desse escultor, ele
também foi autor do busto de Tiradentes, inaugurado em sessão comemorativa no teatro
Recreio Dramático, em 21 de abril de 1886, conforme nota do Diário de Notícias.
Ludovico Berna, arquiteto e marmorista, era aluno da Academia de Belas Artes,
e foi o responsável pelo desenho do túmulo construído, no cemitério São Francisco
Xavier, em homenagem aos flautistas brasileiros, Callado e Viriato. Foi a partir da
crônica publicada em 5 de novembro de 1885, na qual revela essas informações, que
Artur Azevedo lançou sua idéia de abrir uma subscrição para a construção de um
mausoléu para Francisco de Noronha. O túmulo do compositor também ficou sob
responsabilidade de Ludovico Berna, sendo inaugurado na primeira semana de
dezembro de 1886, segundo informações do próprio cronista, na revista Vida Moderna.
Bernardelli era mexicano naturalizado brasileiro, pertencente a uma família de
artistas. O pai, Oscar Bernardelli, era músico de teatro. A mãe, Celestina Bernardelli, foi
128
bailarina. Os dois irmãos mais novos, Henrique e Félix, eram pintores. Artista de
grande mérito, recebeu do governo um prêmio no valor de 2:000$00 por seus
importantes trabalhos de estatuária, conforme nota publicada no Diário de Notícias
em 20 de outubro de 1885. Nesse mesmo ano, assumiu o cargo de professor da
Academia de Belas Artes, tendo prestado juramento em 24 de outubro. A solenidade foi
acompanhada por uma orquestra composta por alunos da Academia e do Conservatório
de Música. Paralelamente a esses acontecimentos, o escultor expunha o grupo Cristo e a
Adúltera no salão da instituição em que acabava de ser nomeado professor. Sobre essa
exposição, Artur Azevedo escreveu um artigo bastante encomiástico no “De palanque”
de 17 de outubro. Considerando-se a ênfase dada pela imprensa, Rodolfo Bernardelli era
o virtuose da escultura. Freqüentemente, no Diário, publicavam-se pequenas notas nas
quais se divulgavam o número de pessoas que haviam se dirigido à Academia para
apreciar os trabalhos do escultor. No dia 30 de outubro, a exposição recebeu 1138
pessoas; entre os dias 11 e 13 de novembro, contavam-se 1978 visitantes; números
bastante significativos para uma cidade cujos habitantes não protegiam seus artistas,
como costumava dizer Artur Azevedo. Além dessa crônica, o assunto havia sido
tratado por Ferreira de Araújo e França Junior, em outros periódicos. Em 28 de outubro,
foi a vez de Valentim Magalhães dar sua contribuição para a glória de Bernardelli;
ocupou uma coluna inteira, na primeira página do Diário, com os elogios ao autor de A
Faceira.
O “De palanque” de 14 de novembro de 1885 também é bem ilustrativo do
prestígio dispensado ao escultor pela elite cultural do Rio de Janeiro, bem como dos
esforços desses intelectuais para a propagação das Belas Artes. No entanto, com esse
texto, o que queremos é apontar uma outra característica dos homens de letras. Um
grupo composto por quatorze artistas resolveu prestar homenagem a Rodolfo
Bernardelli. Além do homenageado, estavam presentes Ferreira de Araújo, França
Junior, Félix Bernardelli, Belmiro da Silva
9
, Valentim Magalhães, André de Oliveira,
Ângelo Agostini, Zeferino da Costa, Medeiros, Peres, Duarte, Cernichiaro, Décio
Vilares, e claro, Artur Azevedo.
Durante o jantar, os convivas decidiram fundar um Círculo Artístico com o
objetivo de promover a exposição permanente dos trabalhos dos pintores brasileiros.
Outras associações congêneres já haviam tentado criar, mas a idéia não se realizava. Em
9
Levando-se em conta o contexto no qual esse cidadão está inserido, acreditamos que se trata do pintor
Belmiro de Almeida.
129
certa medida, isso explicita a fragilidade das forças desses homens de letras diante das
dificuldades.
Mas além das observações apontadas, o que mais chama atenção no artigo em
questão é o caráter bajulatório e, por que não dizer? pedante dos intelectuais
envolvidos com a homenagem, e do cronista em particular, no momento em que
resolveu transcrever em seu artigo, e em ngua francesa, o cardápio do referido jantar.
Vale a pena a reprodução do texto:
POTAGE Purée de crevettes à La R. Bernardelli.
ENTRÉES Bouchées d’hûitres à l’Académie des Beaux-Arts (será
epigrama?) Poisson au gratin à la Cernichiaro, Perdrix au Madére à la
Zeferino. Filet aux champignons à l’Avenir des Beaux-Arts.
RÔTIS Dindon, jambon, légumes, choux-fleurs (tout çá à la... ce que vous
voudrez).
Dessert et glacês.
VINS Madére, grèves, Lacombre, Champagne, Liquers, Café, etc (DE
PALANQUE, 14/11/1885).
Se uma das idéias da seção “De palanque” era conversar com os leitores por
alguns instantes, conforme consta do projeto jornalístico do cronista, a que tipo de leitor
se dirigia essa crônica? A nosso ver, a iniciativa de se criar uma associação artística
certamente seria bem aceita no meio intelectual, mas a exposição das iguarias servidas
no jantar era perfeitamente dispensável, sobretudo, em língua estrangeira. A atitude
desses homens parece-nos um tanto incoerente uma vez que propagam a necessidade de
criação e desenvolvimento de uma arte nacional, porém estão sempre com os olhos
voltados para a Europa. A prova da valorização de uma cultura estranha em detrimento
da cultura local está na escolha do idioma utilizado na elaboração do cardápio. Não
no texto, nem no contexto elemento algum que justifique a opção por esse idioma.
Partilhamos da idéia de que a única motivação para essa atitude foi a vontade de se
exibir diante dos leitores.
Mas o interessante é que essa mania de exibição parecia ser uma característica
inerente aos homens da época. Em fevereiro de 1886, por ocasião da comemoração do
4º aniversário do clube Beethoven, noticiou-se sobre um jantar oferecido no hotel
Globo, por alguns sócios do referido clube. Houve discursos de Roberto Benjamin e
Machado de Assis, para citar ao menos os mais conhecidos. Mas sobre esse
acontecimento o que importa lembrar é que, tal qual no jantar de Rodolfo Bernardelli, o
cardápio foi publicado em língua francesa, e dessa vez a iniciativa não partiu de Artur,
que nem estava presente no jantar.
Potages Purée de faisan à la Glüch; Consomê à la Schubert.
Hors D‟oeuvre Rissoles à la Haydn.
130
Relevés Badejo bouilli à la Cherubini ; Filet de boeuf à la Mozart.
Entrées Salmis de gibier à la Rubinstein ; Aspic de foie-gras à la
Schumann.
Ponch Club Beethoven.
Rotis Dinde farcie à la Weber ; jambon à la Apohr.
Entremets Asperges à la sauce Handeis ; Gelée de fraise à la Mendelsohn ;
Noufat à la Bach ; Grosse glace à la Spontini.
Vins Xèrés sec, Rhin frappé, Chateau Rauzan, Chambertin, Rhum,
Champagne frappé, Porto vieux e Liqueurs (DIÁRIO DE NOTÍCIAS,
06/02/1886).
Confrontando ambos os fragmentos, o que podemos pensar é que atitudes com
essas, olhadas à distância e vistas como pedantismo, na época pareciam ser comuns para
os agentes envolvidos. Para citar mais um exemplo, em 20 de março, transcreveram-se
as iguarias de um jantar oferecido ao poeta Luiz Guimarães Junior. Isso é sintomático
do fascínio que, não apenas o teatro e a cultura, mas até mesmo a língua francesa
exercia sobre os brasileiros.
Voltando à crônica de Artur Azevedo, levando em conta que toda ação leva a
uma reação, a mania de grandeza teve um preço: o cronista virou objeto de riso na pena
de Escaravelho, colaborador do Jornal do Comércio:
Diário de Notícias o herói tem um gostinho particular em dizer-nos onde
jantou na véspera, principalmente se o jantar foi bom. Ficamos sabendo que
jantou com o Bernardelli e qual foi o rol dos guisados. Eram todos a este e
àquele, mas, quando chegou ao dindon, não sei porque suprimiu à Artur
Azevedo (JORNAL DO COMÉRCIO, 15/11/1885).
A ridicularização não poderia ser melhor; enquanto o cronista tentava dar um
cunho requintado ao jantar, utilizando palavras francesas para designar os pratos
servidos, seu opositor nivela tudo com a palavra “guisado”, que nada mais é do que um
simples cozido. Porém, o que mais o irritou foi a comparação com o “peru” (dindon em
francês). A resposta foi imediata: “o dindon pareceu-me epigrama e epigrama injusto,
porque o meu melhor amigo não tem nada de dindon, na acepção que está. Pelo
mesmo motivo suprimi também as huitres à Luiz de Castro”(DE PALANQUE,
16/11/1885). Como salientamos, foram várias as crônicas nas quais esses dois
jornalistas trocaram insultos. Sem dúvida, o “bate-boca” entre os cronistas era uma boa
estratégia para instigar o leitor a comprar jornais todos os dias, sempre esperando a
réplica.
131
Considerações finais
Com o projeto proposto para essa Dissertação demos o ponto de partida para
futuros pesquisadores que queiram se debruçar sobre a vasta produção jornalística de
Artur Azevedo. O maior legado da presente pesquisa são os 315 textos transcritos em
ortografia atualizada, que seguem anexos. Se por um lado, poupamos os novos
pesquisadores de um trabalho “braçal” e cansativo, que demanda muito tempo,
dedicação e paciência, por outro, os privamos das gostosas surpresas e descobertas
feitas a cada página do periódico, aquelas informações em letra miúda e quase ilegível,
que aparentemente não têm relevância alguma, mas que enriquecem um trabalho de
fonte.
No início da coleta de dados, ingenuamente, pensávamos que estudar o “De
palanque” significava recortá-lo da primeira página do Diário de Notícias, como se ele
fosse uma seção publicada à revelia da política de trabalho do periódico no qual estava
inserido. A angústia em relação à contribuição que os resultados da pesquisa pudessem
trazer para o âmbito acadêmico, bem como uma certa curiosidade de saber quais
informações veiculavam através daquelas letrinhas miúdas, nos levaram a dedicar um
considerável tempo da pesquisa à leitura de outras partes da folha matutina. Foi a partir
dessa leitura que descobrimos a seção “Foyer”, os folhetins de Roberto Benjamin, as
várias notas sobre o Clube Beethoven, além de conhecer melhor o funcionamento da
sociedade fluminense da época para a qual nos voltamos, nos mais diversos aspectos:
econômico, político, social, religioso e cultural. Foi assim que percebemos também a
relação intertextual do “De palanque” com o Diário de Notícias. Mesmo que essa
relação acontecesse através da negação.
Lançando mão desse “manancial”, vimos as mais diversas mazelas de uma
sociedade preocupada em disciplinar e controlar para se modernizar. Era uma sociedade
preocupada em contabilizar: publicavam-se o número de receitas aviadas em
determinada farmácia, de freqüentadores da Biblioteca Nacional, de doentes tratados no
hospital militar da Corte, de vacas e porcos abatidos para consumo, de imigrantes que
chegavam à cidade e de presos enviados à casa de detenção para assinar termo de bom
viver. o esqueciam nem mesmo do custo mensal da iluminação da cidade, nem da
renda das estradas de ferro; enfim, números e mais números.
132
Percebemos também o Rio de Janeiro como uma cidade que apresentava índices
significativos de violência nas ruas, o que constituía uma preocupação da imprensa em
cobrar providências da polícia, instituição desacreditada pela população da época.
Havia cenas de violência doméstica e infantil muito atuais: se o filho que espanca a
mãe e a irmã, há também a mãe que vende a honra da filha de onze anos.
Era nesse ambiente que Artur Azevedo estava inserido e procurava assunto para
seus artigos. Era um polígrafo, mas sua pena tinha um pendor para assuntos
relacionados à arte e à cultura. O conjunto de suas crônicas mostra um pouco da índole
profissional do jornalista. Ao mesmo tempo, viveu a frustração e a contradição de ser
um grande batalhador pela suposta regeneração do teatro nacional, mas produzir revistas
de ano e operetas gêneros considerados inferiores e quase não dar apoio ao teatro
amador, visto que era colaborador em um jornal comercial. Pelo menos essa é nossa
hipótese para o silêncio que verificamos ao longo desse primeiro ano de existência do
“De palanque”.
Uma investigação feita a partir das crônicas em que se propôs comentar os
espetáculos teatrais nos fez pensar que podemos relativizar a visão da história do teatro
brasileiro, segundo a qual havia um predomínio dos “gêneros inferiores” em detrimento
do drama e da comédia. Entendemos que a existência desse predomínio estaria
diretamente ligada ao tempo de permanência das revistas de ano, das operetas e das
mágicas em cartaz. Contudo, tanto os “gêneros inferiores” quanto o drama e a comédia
eram substituídos com a mesma rapidez. Nenhuma peça do gênero musicado, como A
princesa das canárias, A mulher-homem, O bilontra e A donzela Teodora, excedeu o
drama O conde de Monte Cristo em número de representações. Se as empresas
especializadas naqueles gêneros ofereciam, aos domingos, espetáculos em dois horários,
assim também faziam as empresas especializadas em dramas e comédias. Desse modo,
o que se pode afirmar é que havia uma oferta variada de espetáculos para gostos
heterogêneos.
Adentrar os anúncios das empresas dramáticas, encontrados no Diário de
Notícias, também foi importante para questionarmos o método utilizado pela história do
teatro nacional para apontar as centenas de representações consecutivas dos gêneros
ligeiros. Explicando melhor, em 8 de julho de 1885, anunciava-se a 94ª representação da
opereta D. Juanita, pela empresa de Jacinto Heller. Em 11 do mesmo mês, iria à cena o
drama fantástico Fausto, também pela empresa Heller, pela 258ª vez, e no dia seguinte,
pela 259ª vez. Se seguirmos apenas os dados fornecidos pelo anúncio, podemos pensar
133
que em ambos os casos se tratam de representações consecutivas. No entanto, voltando
ao marco inicial da nossa pesquisa (7 de junho, ou seja um mês antes), e seguindo dia
após dia os anúncios publicados pela companhia do Sant‟Ana, percebemos que, no caso
da opereta de Suppé, havia acontecido apenas uma representação, em 29 de junho. Em
relação ao Fausto, do dia 7 de junho até a data de 11 de julho, não houve representação
alguma. Isso nos leva a crer que o critério utilizado pela empresa para contabilizar o
número de vezes que levava suas peças à cena não era o de representações consecutivas.
Porém, com essa forma de contagem, acabavam por fornecer pistas enganosas para os
pesquisadores que se contentassem com os primeiros números encontrados nos jornais.
Para citar apenas um exemplo, em História concisa do teatro brasileiro (2003), no
capítulo dedicado ao teatro musicado, Décio de Almeida Prado atesta que, em 1868, o
Orfeu na roça teve 500 representações consecutivas. Não cabe aqui discutir se a
paródia de Vasques alcançou, de fato, essa margem de encenações, mas sim, com base
nos dados colhidos no Diário de Notícias, questionar o critério usado para essa
contagem. Será que no período apontado pelo estudioso haveria público o suficiente, no
Rio de Janeiro, para sustentar uma peça em cartaz por 500 dias seguidos? A verdade é
que as peças ficavam semanas sem subirem ao palco e quando voltavam a ser
representadas, apenas prosseguia a contagem de onde havia parado. Assim se entende o
caso do Fausto, mencionado pouco. Não poderíamos pensar que isso também se
aplica às 500 representações do Orfeu na roça?
Vimos que, ao fazer apreciação dos espetáculos teatrais, o crítico acaba
apontando que o teatro musicado e até mesmo as atrações circenses, formas de diversão
supostamente popular, também eram freqüentadas pela “melhor sociedade” e pela
família imperial, inclusive, que era exatamente o tipo de espectador que recebia
destaque nas crônicas.
Ao longo de um ano de análise, o Rio de Janeiro abrigou cerca de dez
companhias teatrais européias. Apesar do constante ressentimento do jornalista em
relação ao público, que não freqüentava os espetáculos, a vinda para o Brasil era um
negócio lucrativo, como sugeriu João Roberto Faria. Tanto assim, que havia
empresários, como César Ciacchi e Ângelo Ferrari, que trouxeram companhias de
gêneros diferentes, nos anos de 1885 e 1886. Mesmo com os altos preços cobrados por
esse último, a “boa sociedade” afluía aos espetáculos.
De muitas das crônicas de Artur Azevedo, o que se pode perceber é que apesar
do humor, da ironia e do deboche com que tratava de algumas questões, havia sempre
134
uma preocupação pedagógica. Assim, utilizava o espaço que dispunha no jornal para
expor as mazelas do funcionalismo público, da polícia, bem como a precariedade do
sistema de transporte e os vários problemas de infra-estrutura da cidade. Suas
inquietações giravam ainda em torno da defesa da moral pública e da necessidade de se
construir uma imagem civilizada acerca do Brasil e dos seus habitantes. Nesse sentido,
pode-se dizer que o “De palanque” era um veículo de divulgação das idéias científicas
da época no que se refere à premência de “criar” cidadãos moral, intelectual e
fisicamente fortes para uma cidade que começava a se modernizar e industrializar.
E por fim, resta dizer que dada a quantidade de questões abordadas ao longo do
trabalho, quais sejam, as polêmicas, a comicidade dos textos, a linguagem utilizada para
seduzir o leitor, o caráter pedagógico das crônicas, o perfil intelectual de Artur
Azevedo, o apoio à literatura, à música, à pintura, à escultura, a recepção crítica do
teatro musicado e do teatro lírico, abrem-se brechas para novas pesquisas.
135
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MACEDO, J. M. de. Memórias da rua do Ouvidor. Brasília: Ed Unb, 1988.
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WHITE, H. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: Edusp,
1994.
141
Apêndices
142
TEATRO
SANT’ANNA
143
PEÇA
AUTOR
COMPANHIA
RESPONSAVEL
DATA DA
REPRESENTAÇÃO
GENERO
REPERTÓRIO
Estudiantina
Fígaro
08 de junho de
1885
Atração musical
As mil e uma
noites
Jacques
Offenbach,
Charles Lecocq
e Robert
Planquete
Jacinto Heller
14 de junho de
1885
Lenda fantástica
Francês
Estudiantina
Fígaro
15 de junho de
1885
Atração musical
Estudiantina
Fígaro
16 de junho de
1885
Atração musical
Ave do paraiso
Chivot e Duru
Jacinto Heller
18 de junho de
1885
Ligeiro
Francês
Estudiantina
Fígaro
19 de junho de
1885
Atração Musical
Estudiantina
Fígaro
20 de junho de
1885
Atração musical
Estudiantina
Fígaro
21 de junho de
1885
Atração musical
Estudiantina
Fígaro
22 de junho de
1885
Atração musical
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
23 de junho de
1885
Opereta
Francês
Estudiantina
Fígaro
24 de junho de
1885
Atração musical
Cocota
Artur Azevedo e
Jacinto Heller
25 de junho de
Revista
Brasileiro
144
Moreira
Sampaio
1885
Estudiantina
Fígaro
26 de junho de
1885
Atração musical
Estudiantina
Figaro
27 de junho de
1885
Atração musical
Estudiantina
Fígaro
28 de junho de
1885
Atração musical
D. Juanita
Franz Suppé
Jacinto Heller
29 de junho de
1885
Ópera-cômica
Alemão
A mascote
Chivot, Duru,
Audran
Jacinto Heller
30 de junho de
1885
Opereta
Francês
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
01 de julho de
1885
Opereta
Francês
Ave do paraiso
Chivot e Duru
Jacinto Heller
02 de julho de
1885
Ligeiro
Francês
Loteria do diabo
Eduardo
Garrido, música
de H. A. de
Mesquita
Jacinto Heller
04 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
Loteria do diabo
Eduardo
Garrido, música
de Henrique A.
de Mesquita
Jacinto Heller
05 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
D. Juanita
Franz Suppé
Jacinto Heller
08 de julho de
1885
Ópera-cômica
Alemão
Ave do paraíso
Chivot e Duru
Jacinto Heller
09 de julho de
1885
Ligeiro
Francês
Fausto
Jacinto Heller
11 de julho de
1885
Drama
fantástico
145
Fausto
Jacinto Heller
12 de julho de
1885
Drama
fantástico
D. Juanita
Franz Suppé
Jacinto Heller
13 de julho de
1885
Ópera-cômica
Alemão
A mascote
Chivot, Duru e
Audran
Jacinto Heller
14 de julho de
1885
Opereta
Francês
A princesa dos
cajueiros
Artur Azevedo,
música de Sá
Noronha
Jacinto Heller
15 de julho de
1885
Opereta
Brasileiro
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
16 de julho de
1885
Opereta
Francês
O viveiro de frei
Anselmo
Música do
português
Casemiro
Jacinto Heller
17 de julho de
1885
Vaudeville
O Casamento
singular
Jacinto Heller
17 de julho de
1885
Comédia
A gata
borralheira
Jacinto Heller
18 de julho de
1885
Ligeiro
A gata
borralheira
Jacinto Heller
19 de julho de
1885
Ligeiro
O casamento
singular
Jacinto Heller
20 de julho de
1885
Comédia
Não tem título
Jacinto Heller
20 de julho de
1885
Comédia
Príncipe Topázio
K. Milloecker
Jacinto Heller
21 de julho de
1885
Ópera
Alemão
Príncipe Topázio
K. Milloecker
Jacinto Heller
23 de julho de
1885
Ópera
Alemão
Ali Babá
Jacinto Heller
25 de julho de
1885
Peça fantástica
146
Ali Babá
Jacinto Heller
26 de julho de
1885
Peça fantástica
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
27 de julho de
1885
Opereta
Alemão
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
28 de julho de
1885
Opereta
Alemão
O palhaço
Adolf Dennery
Simões & Cia
08 de agosto de
1885
Drama
Francês
O palhaço
Adolf Dennery
Simões & Cia
09 de agosto de
1885
Drama
Francês
O Palhaço
Adolf Dennery
Simões & Cia
10 de agosto de
1885
Drama
Francês
Os filhos do
capitão Grant
Julio Verne
Simões & Cia
14 de agosto de
1885
Drama
Francês
Os filhos do
capitão Grant
Julio Verne
Simões & Cia
15 de agosto de
1885
Drama
Francês
Os filhos do
capitão Grant
Julio Verne
Simões & Cia
16 de agosto de
1885
Drama
Francês
Noites da India
Simões & Cia
22 de agosto de
1885
Drama
Noites da India
Simões & Cia
23 de agosto de
1885
Drama
Os
estranguladores
de Paris
Simões & Cia
27 de agosto de
1885
Drama
O Palhaço
Adolf Dennery
Simões & Cia
29 de agosto de
1885
Drama
Francês
Os
estranguladores
de Paris
Simões & Cia
30 de agosto de
1885
Drama
147
Sogra nem
pintada!
Bayard
Simões & Cia
31 de agosto de
1885
Comédia
Ao calçar das
luvas
Rangel Lima
Simões & Cia
31 de agosto de
1885
Comédia
Português
Uma família
americana
Victorien Sardou
Simões & Cia
05 de setembro de
1885
Comédia
Francês
A polícia negra
Simões & Cia
12 de setembro de
1885
Drama
Um drama em
alto mar
Simões & Cia
13 de setembro de
1885
As duas idades
Fernando Pinto
Abreu
Beneficio de
Emilia Pestana
27 de setembro de
1885
A mascote
Chivot, Duru
Jacinto Heller
10 de outubro de
1885
Opereta
Francês
A mascote
Chivot, Duru
Jacinto Heller
11 de outubro de
1885
Opereta
Francês
Príncipe Topázio
F. Zell, Richard
Genef, música
de K. Milloecker
Jacinto Heller
13 de outubro de
1885
Óprea
Alemão
O dia e a noite
Vanloo,
Leterrier,
Charles Lecocq
Jacinto Heller
14 de outubro de
1885
Ligeiro
Francês
A princesa dos
cajueiros
Artur Azevedo,
música de Sá
Noronha
Jacinto Heller
15 de outubro de
1885
Opereta
Brasileiro
A princesa dos
cajueiros
Artur Azevedo,
música de Sá
Noronha
Jacinto Heller
16 de outubro de
1885
Opereta
Brasileiro
Ave do paraíso
Chivot, Duru
Jacinto Heller
19 de outubro de
1885
Ligeiro
Francês
148
Liceu Policarpo
Alexandre
Bisson
Jacinto Heller
20 de outubro de
1885
Ligeiro
Francês
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
21 de outubro de
1885
Opereta
Alemão
O barba azul
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
22 de outubro de
1885
Opereta
Francês
A gata
borralheira
Jacinto Heller
24 de outubro de
1885
Ligeiro
A gata
borralheira
Jacinto Heller
25 de outubro de
1885
Ligeiro
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Jacinto Heller
27 de outubro de
1885
Ópera-cômica
Francês
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
29 de outubro de
1885
Opereta
Alemão
Loteria do diabo
Jacinto Heller
31 de outubro de
1885
Mágica
Brasileiro
Loteria do diabo
Jacinto Heller
01 de novembro
de 1885
Mágica
Brasileiro
D. Juanita
Franz Suppé
Jacinto Heller
03 de novembro
de 1885
Ópera-cômica
Alemão
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
05 de novembro
de 1885
Opereta
Alemão
Liceu Policarpo
Alexandre
Bisson
Jacinto Heller
06 de novembro
de 1885
Ligeiro
Francês
As mil e uma
noites
Jacques
Offenbach,
Charles Lecocq
e Robert
Planquette
Jacinto Heller
07 de novembro
de 1885
Lenda fantástica
Francês
As mil e uma
Jacques
Jacinto Heller
08 de novembro
Lenda fantástica
Francês
149
noites
Offenbach,
Charles Lecocq
e Robert
Planquette
de 1885
Ave do paraíso
Chivot, Duru
Jacinto Heller
10 de novembro
de 1885
Ligeiro
Francês
D. Juanita
Franz Suppé
Jacinto Heller
12 de novembro
de 1885
Ópera-cômica
Alemão
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Jacinto Heller
18 de novembro
de 1885
Ópera-cômica
Francês
D. Juanita
Franz Suppé
Jacinto Heller
19 de novembro
de 1885
Ópera-cômica
Alemão
Fausto
Jacinto Heller
21 de novembro
de 1885
Drama
fantástico
Fausto
Jacinto Heller
22 de novembro
de 1885
Drama
fantástico
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
24 de novembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
25 de novembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
26 de novembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Jacinto Heller
27 de novembro
de 1885
Ópera-cômica
Francês
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
28 de novembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
29 de novembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
02 de dezembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
150
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
03 de dezembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
05 de dezembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
06 de dezembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
07 de dezembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
08 de dezembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Ave do paraíso
Chivot, Duru
Jacinto Heller
09 de dezembro
de 1885
Ligeiro
Francês
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
10 de dezembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Ave do paraíso
Chivot, Duru
Jacinto Heller
11 de dezembro
de 1885
Ligeiro
Francês
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
12 de dezembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
13 de dezembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
15 de dezembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Jacinto Heller
16 de dezembro
de 1885
Ópera-cômica
Francês
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
17 de dezembro
de 1885
Zarzuela
Espanhol
Loteria do diabo
Jacinto Heller
18 de dezembro
de 1885
Mágica
Brasileiro
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
19 de dezembro
de 1885
Opereta
Alemão
151
Loteria do diabo
Jacinto Heller
20 de dezembro
de 1885
Mágica
Brasileiro
Ave do paraíso
Chivot, Duru
Jacinto Heller
22 de dezembro
de 1885
Ligeiro
Francês
Ali Babá
Jacinto Heller
24 de dezembro
de 1885
Ligeiro
Ali Babá
Jacinto Heller
25 de dezembro
de 1885
Ligeiro
Ave do paraíso
Chivot, Duru
Jacinto Heller
26 de dezembro
de 1885
Ligeiro
Francês
Ali Babá
Jacinto Heller
27 de dezembro
de 1885
Ligeiro
D. Juanita
Franz Suppé
Jacinto Heller
31 de dezembro
de 1885
Ópera-cômica
Alemão
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
01 de janeiro de
1886
Opereta
Alemão
A gata
borralheira
Jacinto Heller
02 de janeiro de
1886
Ligeiro
A gata
borralheira
Jacinto Heller
03 de janeiro de
1886
Ligeiro
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
05 de janeiro de
1886
Zarzuela
Espanhol
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
06 de janeiro de
1886
Opereta
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Jacinto Heller
09 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Alemão
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
10 de janeiro de
1886
Opereta
Alemão
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Jacinto Heller
13 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
152
Filinto de
Almeida
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
14 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
15 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
16 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
17 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
18 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
19 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
20 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
153
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
21 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
22 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
23 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
24 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
25 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
26 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
27 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Jacinto Heller
28 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
154
Filinto de
Almeida
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
30 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
31 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
01 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
02 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Amar sem
conhecer
Barbieri e
Gaztambide
Jacinto Heller
03 de fevereiro de
1886
Zarzuela
Espanhol
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
04 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
06 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Jacinto Heller
07 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
155
Filinto de
Almeida
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
09 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
A mascote
Chivot, Duru
Jacinto Heller
10 de fevereiro de
1886
Opereta
Francês
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
13 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
14 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
15 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
16 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Príncipe Topázio
F. Zell, Richard
Genef, música
de K. Milloecker
Jacinto Heller
17 de fevereiro de
1885
Ópera
Alemão
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Jacinto Heller
18 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
156
Almeida
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
20 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
21 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
23 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
24 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
25 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
27 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
28 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Jacinto Heller
02 de março de
Revista
Brasileiro
157
Magalhães e
Filinto de
Almeida
1886
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
03 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
04 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
06 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Ali Babá
Jacinto Heller
14 de março de
1886
Ligeiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
16 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
17 de março de
1886
Revista
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
19 de março de
1886
Opereta
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Jacinto Heller
20 de março de
1886
Opereta
Brasileiro
158
Abdon Milanez
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
21 de março de
1886
Opereta
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
23 de março de
1886
Opereta
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
24 de março de
1886
Opereta
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
25 de março de
1886
Opereta
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
27 de março de
1886
Opereta
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
28 de março de
1886
Opereta
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
30 de março de
1886
Opereta
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
31 de março de
1886
Opereta
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
03 de abril de
1886
Opereta
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Jacinto Heller
04 de abril de
1886
Opereta
Brasileiro
159
Abdon Milanez
O caboclo
Aluízio Azevedo
e Emilio Rouède
Jacinto Heller
06 de abril de
1886
Drama
Brasileiro
O caboclo
Aluízio Azevedo
e Emilio Rouède
Jacinto Heller
07 de abril de
1886
Drama
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
08 de abril de
1886
Opereta
Brasileiro
Viveiro do fr.
Anselmo
Múisica do
português
Casemiro
Jacinto Heller
08 de abril de
1885
Vaudeville
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
09 de abril de
1886
Opereta
Brasileiro
O caboclo
Aluízio Azevedo
e Emilio Rouède
Jacinto Heller
10 de abril de
1886
Drama
Brasileiro
Ditoso fado
Jacinto Heller
10 de abril de
1886
Comédia
O caboclo
Aluízio Azevedo
e Emilio Rouède
Jacinto Heller
11 de abril de
1886
Drama
Brasileiro
Ditoso fado
Jacinto Heller
11 de abril de
1886
Comédia
O caboclo
Aluízio Azevedo
e Emilio Rouède
Jacinto Heller
13 de abril de
1886
Drama
Brasileiro
Ditoso fado
Jacinto Heller
13 de abril de
1886
Comédia
O caboclo
Aluízio Azevedo
e Emilio Rouède
Jacinto Heller
14 de abril de
1886
Drama
Brasileiro
Ditoso fado
Jacinto Heller
14 de abril de
1886
Comédia
160
O caboclo
Aluízio Azevedo
e Emilio Rouède
Jacinto Heller
15 de abril de
1886
Drama
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
16 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
Niniche
Hennequim e
Brouillard
Jacinto Heller
17 de abril de
1886
Vaudeville
Francês
Niniche
Hennequim e
Brouillard
Jacinto Heller
18 de abril de
1886
Vaudeville
Francês
Ditoso fado
Jacinto Heller
18 de abril de
1886
Comédia
Ali Babá
Jacinto Heller
19 de abril de
1886
Ligeiro
Niniche
Hennequim e
Brouillard
Jacinto Heller
20 de abril de
1886
Vaudeville
Francês
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
24 de abril de
1886
Opereta
Brasileiro
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
25 de abril de
1886
Opereta
Brasileiro
Niniche
Hennequim e
Brouillard
Jacinto Heller
27 de abril de
1886
Vaudeville
Francês
Niniche
Hennequim e
Brouillard
Jacinto Heller
28 de abril de
1886
Vaudeville
Francês
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
29 de abril de
1886
Opereta
Brasileiro
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
01 de maio de
Opereta
Alemão
161
1886
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
02 de maio de
1886
Opereta
Alemão
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
04 de maio de
1886
Opereta
Alemão
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
05 de maio de
1886
Opereta
Brasileiro
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
06 de maio de
1886
Opereta
Alemão
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
07 de maio de
1886
Opereta
Brasileiro
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
08 de maio de
1886
Opereta
Alemão
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
09 de maio de
1886
Opereta
Alemão
Niniche
Hennequim e
Brouillard
Jacinto Heller
13 de maio de
1886
Vaudeville
Francês
Os mosqueteiros
no convento
Varney
Jacinto Heller
14 de maio de
1886
Ópera-cômica
Francês
Os mosqueteiros
no convento
Varney
Jacinto Heller
15 de maio de
1886
Ópera-cômica
Francês
Os mosqueteiros
no convento
Varney
Jacinto Heller
16 de maio de
1886
Ópera-cômica
Francês
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
18 de maio de
1886
Opereta
Alemão
Os mosqueteiros
no convento
Varney
Jacinto Heller
19 de maio de
1886
Ópera-cômica
Francês
A donzela
Artur Azevedo,
Jacinto Heller
20 de maio de
Opereta
Brasileiro
162
Teodora
música de
Abdon Milanez
1886
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
21 de maio de
1886
Opereta
Brasileiro
Niniche
Hennequim e
Brouillard
Jacinto Heller
22 de maio de
1886
Vaudeville
Francês
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
23 de maio de
1886
Opereta
Alemão
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
25 de maio de
1886
Ópera-cômica
Francês
Niniche
Hennequim e
Brouillard
Jacinto Heller
25 de maio de
1886
Vaudeville
Francês
As mil e uma
noites
Jacques
Offenbach,
Cherles Lecocq
e Robert
Planquette
Jacinto Heller
26 de maio de
1886
Lenda fantástica
Francês
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
27 de maio de
1886
Ópera-cômica
Francês
Os mosqueteiros
no convento
Varney
Jacinto Heller
27 de maio de
1886
Ópera-cômica
Francês
163
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
28 de maio de
1886
Ópera-cômica
Francês
O caboclo
Aluízio Azevedo
e Emilio Rouède
Jacinto Heller
28 de maio de
1886
Drama
Brasileiro
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
29 de maio de
1886
Ópera-cômica
Francês
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
29 de maio de
1886
Opereta
Brasileiro
As mil e uma
noites
Jacques
Offenbach,
Charles Lecocq
e Robert
Planquette
Jacinto Heller
30 de maio de
1886
Lenda fantástica
Francês
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
31 de maio de
1886
Ópera-cômica
Francês
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
31 de maio de
1886
Opereta
Alemão
164
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
02 de junho de
1886
Ópera-cômica
Francês
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
02 de junho de
1886
Opereta
Brasileiro
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
03 de junho de
1886
Ópera-cômica
Francês
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
03 de junho de
1886
Opereta
Brasileiro
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
05 de junho de
1886
Ópera-cômica
Francês
Os mosqueteiros
no convento
Varney
Jacinto Heller
05 de junho de
1886
Ópera-cômica
Francês
As mil e uma
noites
Jacques
Offenbach,
Charles Lecocq
e Robert
Jacinto Heller
06 de junho de
1886
Lenda fantástica
Francês
165
Planquette
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
08 de junho de
1886
Ópera-cômica
Francês
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
08 de junho de
1886
Opereta
Brasileiro
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
09 de maio de
1886
Opereta
Alemão
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
10 de junho de
1886
Ópera-cômica
Francês
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
10 de junho de
1886
Opereta
Brasileiro
O caboclo
Aluízio Azevedo
e Emilio Rouède
Jacinto Heller
11 de junho de
1886
Drama
Brasileiro
Viveiro do frei
Anselmo
Jacinto Heller
11 de junho de
1886
Vaudeville
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
12 de junho de
1886
Revista
Brasileiro
Mulher-homem
Valentim
Jacinto Heller
13 de junho de
Revista
Brasileiro
166
Magalhães e
Filinto de
Almeida
1886
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
15 de junho de
1886
Ópera-cômica
Francês
A donzela
Teodora
Artur Azevedo,
música de
Abdon Milanez
Jacinto Heller
15 de junho de
1886
Opereta
Brasileiro
O caboclo
Aluízio Azevedo
e Emilio Rouède
Jacinto Heller
16 de junho de
1886
Drama
Brasileiro
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
16 de junho de
1886
Ópera-cômica
Francês
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
17 de junho de
1886
Opereta
Alemão
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
18 de junho de
1886
Ópera-cômica
Francês
Os mosqueteiros
no convento
Varney
Jacinto Heller
18 de junho de
1886
Ópera-cômica
Francês
167
Violeta e seu
boneco
Leão Battu,
música de A.
Adam
Jacinto Heller
19 de junho de
1886
Opereta
Niniche
Hennequim e
Brouillard
Jacinto Heller
19 de junho de
1886
Vaudeville
Francês
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
20 de junho de
1886
Revista
Brasileiro
Violeta e seu
boneco
Leão Battu,
música de A.
Adam
Jacinto Heller
20 de junho de
1886
Opereta
Violeta e seu
boneco
Leão Battu,
música de A.
Adam
Jacinto Heller
22 de junho de
1886
Opereta
Os mosqueteiros
no convento
Varney
Jacinto Heller
22 de junho de
1886
Ópera-cômica
Francês
Boccacio
Franz Suppé
Jacinto Heller
23 de junho de
1886
Opereta
Alemão
Canção de
fortúnio
Hector
Cremieux,
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Jacinto Heller
24 de junho de
1886
Ópera-cômica
Francês
Niniche
Hennequim e
Brouillard
Jacinto Heller
24 de junho de
1886
Vaudeville
Francês
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Jacinto Heller
26 de junho de
1886
Revista
Brasileiro
168
Almeida
Mulher-homem
Valentim
Magalhães e
Filinto de
Almeida
Jacinto Heller
27 de junho de
1886
Revista
Brasileiro
169
TEATRO PEDRO II
170
PEÇA
AUTOR
TRADUTOR/ADAPTADOR
COMPANHIA
RESPONSAVEL
DATA DA
REPRESENTAÇÃO
GENERO
REPERTÓRIO
O rei dos
selvagens
Muniz
Apolônia
06 de junho de
1885
Drama-baile
Francês
O rei dos
selvagens
Muniz
Apolônia
07 de junho de
1885
Drama-baile
Francês
O rei dos
selvagens
Muniz
Apolônia
08 de junho de
1885
Drama-baile
Francês
O Guarani
José de Alencar
Visconti Coaraci e
Corina Coaraci
Jacinto Heller
17 de junho de
1885
Ópera
Brasileiro
O Guarani
José de Alencar
Visconti Coaraci e
Corina Coaraci
Jacinto Heller
20 de junho de
1885
Ópera
Brasileiro
O Guarani
José de Alencar
Visconti Coaraci e
Corina Coaraci
Jacinto Heller
21 de junho de
1885
Ópera
Brasileiro
O Guarani
José de Alencar
Visconti Coaraci e
Corina Coaraci
Jacinto Heller
24 de junho de
1885
Ópera
Brasileiro
O Guarani
José de Alencar
Visconti Coaraci e
Corina Coaraci
Jacinto Heller
27 de junho de
1885
Ópera
Brasileiro
O Guarani
José de Alencar
Visconti Coaraci e
Corina Coaraci
Jacinto Heller
28 de junho de
1885
Ópera
Brasileiro
Les Dragons de
Villars
Maillard
Companhia
francesa de
ópera-cômica
Sebastiani
03 de julho de
1885
Opereta
Francês
Les Dragons de
Villars
Maillard
Companhia
francesa de
ópera-cômica
Sebastiani
04 de julho de
1885
Opereta
Francês
Madame
Boniface
Paul Lacome
Companhia
francesa de
06 de julho de
1885
Opereta
Francês
171
ópera-cômica
Sebastiani
Le coeur et la
main
Charles Lecocq
Companhia
francesa de
ópera-cômica
Sebastiani
07 de julho de
1885
Opereta
Francês
Le coeur et la
main
Charles Lecocq
Companhia
francesa de
ópera-cômica
Sebastiani
09 de julho de
1885
Opereta
Francês
Le petit duc
Charles Lecocq
Companhia
francesa de
ópera-cômica
Sebastiani
10 de julho de
1885
Opereta
Francês
La mascote
Edmond Audran
Companhia
francesa de
ópera-cômica
Sebastiani
12 de julho de
1885
Opereta
Francês
Carmen
Georges Bizet
Companhia
francesa de
ópera-cômica
Sebastiani
16 de julho de
1885
Ópera-cômica
Francês
Madame
Boniface
Paul Lacome
Companhia
francesa de
ópera-cômica
Sebastiani
17 de julho de
1885
Opereta
Francês
Carmen
Georges Bizet
Companhia
francesa de
ópera-cômica
Sebastiani
18 de julho de
1885
Ópera-cômica
Francês
172
Os Puritanos
Vincenzo Bellini
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
22 de julho de
1885
Ópera
Italiano
Ainda
Giuseppe Verdi
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
24 de julho de
1885
Ópera
Italiano
Mefistófeles
Arrigo Boito
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
27 de julho de
1885
Ópera
Italiano
Os huguenotes
Jacob Meyerbeer
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
29 de julho de
1885
Ópera
Alemão
A Favorita
Gaetano
Donizetti
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
31 de julho de
1885
Ópera
Italiano
Os huguenotes
Jacob Meyerbeer
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
01 de agosto de
1885
Ópera
Alemão
Mefistófeles
Arrigo Boito
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
03 de agosto de
1885
Ópera
Italiano
O profeta
Jacob Meyerbeer
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
05 de agosto de
1885
Ópera
Alemão
Rigoleto
Giuseppe Verdi
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
07 de agosto de
1885
Ópera
Italiano
Gioconda
Amilcare
Ponchielli
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
10 de agosto de
1885
Ópera
Italiano
173
Gioconda
Amilcare
Ponchielli
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
12 de agosto de
1885
Ópera
Italiano
Gioconda
Amilcare
Ponchielli
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
14 de agosto de
1885
Ópera
Italiano
Gioconda
Amilcare
Ponchielli
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
17 de agosto de
1885
Ópera
Italiano
Ainda
Giuseppe Verdi
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
19 de agosto de
1885
Ópera
Italiano
Fausto
Charles François
Gounod
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
21 de agosto de
1885
Ópera
Francês
A africana
Jakob Meyerbeer
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
24 de agosto de
1885
Ópera
Alemão
Gioconda
Amilcare
Ponchielli
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
26 de agosto de
1885
Ópera
Italiano
A Favorita
Gaetano
Donizetti
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
28 de agosto de
1885
Ópera
Italiano
Lucrecia Borgia
Gaetano
Donizetti
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
31 de agosto de
1885
Ópera
Italiano
Marta
Friedrich Von
Flotow
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
02 de setembro de
1885
Ópera
Alemão
174
Gioconda
Amilcare
Ponchielli
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
04 de setembro de
1885
Ópera
Italiano
Gioconda
Amilcare
Ponchielli
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
07 de setembro de
1885
Ópera
Italiano
A força do
destino
Giuseppe Verdi
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
09 de setembro de
1885
Ópera
Italiano
Os huguenotes
Jacob Meyerbeer
Companhia de
ópera italiana
(Ângelo Ferrari)
10 de setembro de
1885
Ópera
Alemão
Le donne curiose
Usiglio
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
24 de abril de
1886
Ópera-bufa
Francês
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
24 de abril de
1886
Bailado
Le donne curiose
Usiglio
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
27 de abril de
1886
Ópera-bufa
Francês
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
27 de abril de
1886
Bailado
Dom Pasquale
Donizetti
Companhias
italianas lírica e
29 de abril de
1885
Ópera-bufa
Italiano
175
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
29 de abril de
1886
Bailado
Dom Pasquale
Donizetti
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
01 de maio de
1885
Ópera-bufa
Italiano
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
01 de maio de
1886
Bailado
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
02 de maio de
1886
Bailado
Dom Pasquale
Donizetti
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
03 de maio de
1885
Ópera-bufa
Italiano
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
03 de maio de
1886
Bailado
Le precauzioni
Petrella
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
06 de maio de
1886
Ópera-bufa
Italiano
176
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
06 de maio de
1886
Bailado
Le precauzioni
Petrella
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
08 de maio de
1886
Ópera-bufa
Italiano
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
08 de maio de
1886
Bailado
Dom Pasquale
Donizetti
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
09 de maio de
1885
Ópera-bufa
Italiano
Le donne curiose
Usiglio
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
09 de maio de
1886
Ópera-bufa
Francês
Brahma
Múisca de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
09 de maio de
1886
Bailado
Fra Diavolo
Auber
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
11 de maio de
1886
Ópera
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
11 de maio de
1886
Bailado
177
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
Fra Diavolo
Auber
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
13 de maio de
1886
Ópera
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
13 de maio de
1886
Bailado
Fra Diavolo
Auber
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
15 de maio de
1886
Ópera
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
15 de maio de
1886
Bailado
A filha do
regimento
Donizetti
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
17 de maio de
1886
Ópera
Italiano
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
17 de maio de
1886
Bailado
Fra Diavolo
Auber
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
19 de maio de
1886
Ópera
178
A filha do
regimento
Donizetti
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
20 de maio de
1886
Ópera
Italiano
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
20 de maio de
1886
Bailado
Le precauzioni
Petrella
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
22 de maio de
1886
Ópera-bufa
Italiano
Brahma
Música de
Dall‟Argine
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
22 de maio de
1886
Bailado
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
25 de maio de
1886
Bailado
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
26 de maio de
1886
Bailado
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
28 de maio de
1886
Bailado
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Companhias
italianas lírica e
29 de maio de
1886
Bailado
179
Romualdo
Marenco
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
31 de maio de
1886
Bailado
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
03 de junho de
1886
Bailado
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
04 de junho de
1886
Bailado
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
05 de junho de
1886
Bailado
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
06 de junho de
1886
Bailado
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
08 de junho de
1886
Bailado
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
10 de junho de
1886
Bailado
180
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
12 de junho de
1886
Bailado
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
13 de junho de
1886
Bailado
Excelsior
Luiz Manzotti,
música de
Romualdo
Marenco
Companhias
italianas lírica e
coreográfica
(Ângelo Ferrari)
14 de junho de
1886
Bailado
Aida
Giuseppe Verdi
Companhia lírica
(Cláudio Rossi)
25 de junho de
1886
Ópera
Italiana
A estrangeira
Alexandre
Dumas
Companhia
dramática
portuguesa D.
Maria II
27 de junho de
1886
Drama
Francês
Fausto
Charles François
Gounod
Companhia lírica
(Cláudio Rossi)
28 de junho de
1886
Ópera
Francês
181
TEATRO SÃO
PEDRO DE
ALCÂNTARA
182
PEÇA
AUTOR
TRADUTOR/ADAPTADOR
COMPANHIA
RESPONSÉVEL
DATA DA
REPRESENTAÇÃO
GÊNERO
REPERTÓRIO
Fédora
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
25 de junho de
185
Drama
Francês
Denise
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
27 de junho de
1885
Drama
Francês
Fédora
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
28 de junho de
185
Drama
Francês
Divorciemo-nos
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
29 de junho de
1885
Drama
Francês
Um criado em
disponibilidade
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
29 de junho de
1885
Pitipieza
O mestre de
forjas
George Ohnet
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
02 de julho de
1885
Drama
Francês
Odete
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
04 de julho de
1885
Drama
Francês
183
Um curioso
acidente
Carlo Goldoni
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
06 de julho de
1885
Drama
Italiano
Fernanda
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
07 de julho de
1885
Drama
Francês
Denise
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
08 de julho de
1885
Drama
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
10 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A mulher de
Claudio
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
11 de julho de
1885
Drama
Francês
Luiz XI
Casimir
Delavigne
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
12 de julho de
1885
Drama trágico
Francês
Romance de um
moço pobre
Octave Feuillet
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
13 de julho de
1885
Drama
Francês
Fernanda
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
15 de julho de
1885
Drama
Francês
184
Italiana (César
Ciacchi)
A dama das
camélias
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
17 de julho de
1885
Drama
Francês
Frroufrou
Henri Meilhac e
Ludovic Halévy
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
20 de julho de
1885
Drama
Francês
Fernanda
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
21 de julho de
1885
Drama
Francês
Fernanda
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
23 de julho de
1885
Drama
Francês
A dama das
camélias
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
28 de julho de
1885
Drama
Francês
Fédora
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
30 de julho de
1885
Drama
Francês
Fernanda
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
01 de agosto de
1885
Drama
Francês
185
Teodora
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
04 de agosto de
1885
Drama
Francês
Teodora
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
06 de agosto de
1885
Drama
Francês
Divorciemo-nos
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
08 de agosto de
1885
Drama
Francês
A dama das
camélias
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
11 de agosto de
1885
Drama
Francês
Les demoiselles
de la fourchette
E. Labiche
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
13 de agosto de
1885
Comédia
Francês
Une visite de
noce
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
13 de agosto de
1885
Comédia
Francês
L‟etourdi
A. Bayard
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
13 de agosto de
1885
Comédia
Teodora
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
16 de agosto de
1885
Drama
Francês
186
Italiana (César
Ciacchi)
Fraqueza e
severidade
Giovani
Giordano
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
18 de agosto de
1885
Comédia
Italiano
Allá cuccia
T. Checchi
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
18 de agosto de
1885
Pitipieza
Italiano
Frroufrou
Henri Meilhac e
Ludovic Halévy
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
20 de agosto de
1885
Drama
Francês
O mestre de
forjas
George Ohnet
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
22 de agosto de
1885
Drama
Francês
Odete
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
27 de agosto de
1885
Drama
Francês
Monsiuer
Alfonse
Alexandre
Dumas Filho
Em benefício da
Sociedade
Italiana de
Beneficência
29 de agosto de
1885
Drama
Francês
Telêmaco il
disordinata
Em benefício da
Sociedade
Italiana de
Beneficência
29 de agosto de
1885
Comédia
Italiano
187
A dama das
camélias
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
01 de setembro de
1885
Drama
Francês
Rabagas
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
03 de setembro de
1885
Comédia
Francês
A dama das
camélias
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
05 de setembro de
1885
Drama
Francês
Rabagas
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
06 de setembro de
1885
Comédia
Francês
Pátria
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
08 de setembro de
1885
Francês
Demi-monde
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
11 de setembro de
1885
Drama
Francês
Fernanda
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
12 de setembro de
1885
Drama
Francês
Duelo
Paulo Ferrari
Companhia
Dramática
14 de setembro de
1885
Drama
Italiano
188
Italiana (César
Ciacchi)
As leoas pobres
Emile Augier
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
16 de setembro de
1885
Drama
Francês
Il mio dente
canino
A. Lemoyne
Companhia
Dramática
Italiana (César
Ciacchi)
16 de setembro de
1885
Comédia
O guarani
José de Alencar
Visconti Coaraci e
Corina Coaraci
Jacinto Heller
17 de outubro de
1885
Ópera
Brasileiro
O guarani
José de Alencar
Visconti Coaraci e
Corina Coaraci
Jacinto Heller
18 de outubro de
1885
Ópera
Brasileiro
O guarani
José de Alencar
Visconti Coaraci e
Corina Coaraci
Jacinto Heller
30 de outubro de
1885
Ópera
Brasileiro
Morgadinha de
Valflor
Manoel Joaquim
Pinheiro Chagas
Dias Braga
02 de dezembro
de 1885
Drama
Português
O Fantasma
branco
Joaquim Manoel
de Macedo
Benefício dos
artistas Barbosa e
Pereira
06 de dezembro
de 1885
Comédia
Brasileiro
O trovador
Giuseppe Verdi
Associação Lírica
Italiana (Pedro
Setragni)
10 de dezembro
de 1885
Ópera
Italiano
O trovador
Giuseppe Verdi
Associação Lírica
Italiana (Pedro
Setragni)
12 de dezembro
de 1885
Ópera
Italiano
O fantasma
branco
Joaquim Manoel
de Macedo
Benefício dos
artistas Barbosa e
Pereira
13 de dezembro
de 1885
Comédia
Brasileiro
189
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Beneficio da
Associação dos
empregados no
Comércio
04 de maio de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Beneficio da
Associação dos
empregados no
Comércio
06 de maio de
1886
Revista
Brasileiro
Boccacio
Franz Suppé
Eduardo Garrido
Beneficio da
Associação de
Beneficência dos
Despachantes de
Alfandega do Rio
de Janeiro
12 de maio de
1886
Opereta
Alemão
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
16 de maio de
1886
Revista
Brasileiro
Fédora
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
01 de junho de
1886
Drama
Francês
A dama das
camélias
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
02 de junho de
1886
Drama
Francês
Fédora
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
03 de junho de
1886
Drama
Francês
Fédora
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
04 de junho de
1886
Drama
Francês
190
Francesa (César
Ciacchi)
A dama das
camélias
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
05 de junho de
1886
Drama
Francês
Fédora
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
07 de junho de
1886
Drama
Francês
Froufrou
Henri Meilhac e
Ludovic Halévy
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
09 de junho de
1886
Drama
Francês
Adriana
Lecouvreur
Scribe e Legouvé
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
11 de junho de
1886
Drama
Francês
A dama das
camélias
Alexandre
Dumas Filho
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
12 de junho de
1886
Drama
Francês
Froufrou
Henri Meilhac e
Ludovic Halévy
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
14 de junho de
1886
Drama
Francês
Adriana
Lecouvreur
Scribe e Legouvé
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
16 de junho de
1886
Drama
Francês
191
Froufrou
Henri Meilhac e
Ludovic Halévy
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
18 de junho de
1886
Drama
Francês
Fedra
Racine
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
21 de junho de
1886
Tragédia
Francês
Adriana
Lecouvreur
Scribe e Legouvé
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
22 de junho de
1886
Drama
Francês
Fedra
Racine
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
24 de junho de
1886
Tragédia
Francês
O mestre de
forjas
George Ohnet
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
08 de julho de
1886
Drama
Francês
Teodora
Victorien Sardou
Companhia
Dramática
Francesa (César
Ciacchi)
09 de julho de
1886
Drama
Francês
192
TEATRO PRÍNCIPE
IMPERIAL
193
PEÇA
AUTOR
TRADUTOR/ADAPTADOR
COMPANHIA
RESPONSÁVEL
DATA DA
REPRESENTAÇÃO
GENERO
REPERTÓRIO
Great attraction
(Felipe Salvini)
16 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
17 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
18 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
19 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
20 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
21 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
22 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
23 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
24 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
25 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
26 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
27 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
28 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
29 de julho de
1885
Atração circense
194
Great attraction
(Felipe Salvini)
30 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
31 de julho de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
01 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
02 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
03 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
04 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
05 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
06 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
07 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
08 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
09 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
10 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
11 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
12 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
13 de agosto de
1885
Atração circense
195
Great attraction
(Felipe Salvini)
14 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
15 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
16 de agosto de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
11 de setembro de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
12 de setembro de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
13 de setembro de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
14 de setembro de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
15 de setembro de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
17 de setembro de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
19 de setembro de
1885
Atração circense
Great attraction
(Felipe Salvini)
20 de setembro de
1885
Atração circense
As almas de
outro mundo
Atriz Pepa,
auxiliada pela
companhia de
Dias Braga
17 de outubro de
1885
Comédia
Espanhol
Carta anônima
Figueiredo
Coimbra
Atriz Pepa,
auxiliada pela
companhia de
Dias Braga
17 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
196
A senhora está
deitada
Atriz Pepa,
auxiliada pela
companhia de
Dias Braga
17 de outubro de
1885
Comédia
As almas de
outro mundo
Atriz Pepa,
auxiliada pela
companhia de
Dias Braga
18 de outubro de
1885
Comédia
Espanhol
Carta anônima
Figueiredo
Coimbra
Atriz Pepa,
auxiliada pela
companhia de
Dias Braga
18 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
A senhora está
deitada
Atriz Pepa,
auxiliada pela
companhia de
Dias Braga
18 de outubro de
1885
Comédia
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Atriz Pepa,
auxiliada pela
companhia de
Dias Braga
18 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Os fidalgos da
casa mourisca
Julio Diniz
Carlos Borges
Montedonio
24 de outubro de
1885
Drama
Português
Os fidalgos da
casa mourisca
Julio Diniz
Carlos Borges
Montedonio
25 de outubro de
1885
Drama
Português
Os fidalgos da
casa mourisca
Julio Diniz
Carlos Borges
Montedonio
28 de outubro de
1885
Drama
Português
Intrigas no
bairro
Luiz de Araujo
01 de novembro
de 1885
Ópera-cômica
Português
Cada um no seu
lugar
01 de novembro
de 1885
Comédia
197
Amor e veneno
01 de novembro
de 1885
Comédia
Cada um no seu
lugar
Montedonio
01 de dezembro
de 1885
Comédia
Amor e veneno
Montedonio
01 de dezembro
de 1885
Comédia
Cavalheiro
Mignon
Leopoldo
Wentzel
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
01 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Cavalheiro
Mignon
Leopoldo
Wentzel
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
02 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Cavalheiro
Mignon
Leopoldo
Wentzel
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
03 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Cavalheiro
Mignon
Leopoldo
Wentzel
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
05 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Cavalheiro
Mignon
Leopoldo
Wentzel
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
06 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Cavalheiro
Mignon
Leopoldo
Wentzel
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
09 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Fúrias de amor
Guiomar
Torresão
Pepa Ruiz
09 de janeiro de
1886
Opereta
Português
Cavalheiro
Mignon
Leopoldo
Wentzel
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
10 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Fúrias de amor
Guiomar
Torresão
Pepa Ruiz
10 de janeiro de
1886
Opereta
Português
Mlle Nitouche
Henri Meilhac,
Alberto Millaud,
música de Hervé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
14 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
Mlle Nitouche
Henri Meilhac,
Alberto Millaud,
música de Hervé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
15 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
198
Mlle Nitouche
Henri Meilhac,
Alberto Millaud,
música de Hervé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
16 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
Mlle Nitouche
Henri Meilhac,
Alberto Millaud,
música de Hervé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
17 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
O periquito
Música de
Alvarenga
Costa Braga e Sousa
Bastos
Pepa Ruiz
18 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Mlle Nitouche
Henri Meilhac,
Alberto Millaud,
música de Hervé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
19 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
Um cavaleiro
particular
Artur Azevedo
Pepa Ruiz
19 de janeiro de
1886
Brasileiro
O periquito
Música de
Alvarenga
Costa Braga e Sousa
Bastos
Pepa Ruiz
20 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Mlle Nitouche
Henri Meilhac,
Alberto Millaud,
música de Hervé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
21 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
Uma troca de
ligas
Artur Azevedo
Pepa Ruiz
21 de janeiro de
1886
Comédia
Brasileiro
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Eduardo Garrido
Pepa Ruiz
23 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Eduardo Garrido
Pepa Ruiz
24 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Uma troca de
ligas
Artur Azevedo
Pepa Ruiz
24 de janeiro de
1886
Comédia
Brasileiro
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Eduardo Garrido
Pepa Ruiz
27 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Uma troca de
ligas
Artur Azevedo
Pepa Ruiz
27 de janeiro de
1886
Comédia
Brasileiro
199
D. Juanita
Franz Suppé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
30 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
31 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
01 de fevereiro de
1886
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
02 de fevereiro de
1886
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
05 de fevereiro de
1886
Ópera-cômica
Alemão
Amor e veneno
Montedonio
Pepa Ruiz
05 de fevereiro de
1886
Comédia
D. Juanita
Franz Suppé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
10 de fevereiro de
1886
Ópera-cômica
Alemão
Amor e veneno
Montedonio
Pepa Ruiz
10 de fevereiro de
1886
Comédia
As três rocas de
cristal
Aristides
Abranches,
música de
Francisco Gomes
de Carvalho
Pepa Ruiz
13 de fevereiro de
1886
Peça fantástica
As três rocas de
cristal
Aristides
Abranches,
música de
Francisco Gomes
de Carvalho
Pepa Ruiz
14 de fevereiro de
1886
Peça fantástica
As três rocas de
cristal
Aristides
Abranches,
música de
Francisco Gomes
Pepa Ruiz
16 de fevereiro de
1886
Peça fantástica
200
de Carvalho
As três rocas de
cristal
Aristides
Abranches,
música de
Francisco Gomes
de Carvalho
Pepa Ruiz
18 de fevereiro de
1886
Peça fantástica
As três rocas de
cristal
Aristides
Abranches,
música de
Francisco Gomes
de Carvalho
Pepa Ruiz
20 de fevereiro de
1886
Peça fantástica
As três rocas de
cristal
Aristides
Abranches,
música de
Francisco Gomes
de Carvalho
Pepa Ruiz
21 de fevereiro de
1886
Peça fantástica
Mlle Nitouche
Henri Meilhac,
Alberto Millaud,
música de Hervé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
24 de fevereiro de
1886
Opereta
Francês
Amor e veneno
Montedonio
Pepa Ruiz
24 de fevereiro de
1886
Comédia
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
27 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
As três rocas de
cristal
Aristides
Abranches,
música de
Francisco Gomes
de Carvalho
Pepa Ruiz
28 de fevereiro de
1886
Peça fantástica
O casamento do
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
28 de fevereiro de
Revista
Brasileiro
201
Bilontra com a
mulher-homem
1886
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
01 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Cada um no seu
lugar
Pepa Ruiz
01 de março de
1886
Comédia
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
02 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Uma troca de
ligas
Artur Azevedo
Pepa Ruiz
02 de março de
1886
Comédia
Brasileiro
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
03 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
04 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Mlle Nitouche
Henri Meilhac,
Alberto Millaud,
música de Hervé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
04 de março de
1886
Opereta
Francês
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
05 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Boas Noites, Dr.
Simão!
Música de
Oudrid
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
05 de março de
1886
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
13 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Mlle Nitouche
Henri Meilhac,
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
13 de março de
Opereta
Francês
202
Alberto Millaud,
música de Hervé
1886
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
14 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Cada um no seu
lugar
Pepa Ruiz
14 de março de
1886
Comédia
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
14 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Mlle Nitouche
Henri Meilhac,
Alberto Millaud,
música de Hervé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
14 de março de
1886
Opereta
Francês
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
15 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Mlle Nitouche
Henri Meilhac,
Alberto Millaud,
música de Hervé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
15 de março de
1886
Opereta
Francês
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
19 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Cavalheiro
Mignon
Leopoldo
Wentzel
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
19 de março de
1886
Ópera-cômica
Francês
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
20 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Cavalheiro
Mignon
Leopoldo
Wentzel
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
20 de março de
1886
Ópera-cômica
Francês
O casamento do
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
21 de março de
Revista
Brasileiro
203
Bilontra com a
mulher-homem
1886
O casamento do
Bilontra com a
mulher-homem
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
28 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Mlle Nitouche
Henri Meilhac,
Alberto Millaud,
música de Hervé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
28 de março de
1886
Opereta
Francês
Luís de Camões
Burgain
02 de maio de
1886
Drama
Brasileiro
Espetáculo
variado
Estréia de uma
companhia
dirigida por
Flavio Wandeck
10
22 de maio de
1886
Espetáculo
variado
Companhia
dirigida por
Flavio Wandeck
23 de maio de
1886
Espetáculo
variado
Companhia
dirigida por
Flavio Wandeck
24 de maio de
1886
Espetáculo
variado
Companhia
dirigida por
Flavio Wandeck
26 de maio de
1886
10
De acordo com nota publicada na seção “Foyer”, esse teatro passaria a se chamar Éden Fluminense. Não encontramos detalhes sobre o repertório dessa nova empresa.
204
TEATRO LUCINDA
205
PEÇA
AUTOR
TRADUTOR/ADAPTADOR
COMPANHIA
RESPONSAVEL
DATA DA
REPRESENTAÇÃO
GENERO
REPERTÓRIO
Por causa de
uma carta
Victorien Sardou
Celestino da Silva
15 de junho de
1885
Comédia
Francês
Casamento do
Fígaro
Beaumarchais
Artur Azevedo
Celestino da Silva
03 de julho de
1885
Comédia
Francês
Demi-monde
Alexandre
Dumas
Celestino da Silva
19 de julho de
1885
Drama
Francês
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
25 de julho de
1885
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
26 de julho de
1885
Ópera-cômica
Alemão
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
27 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
28 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
29 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
30 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
206
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
31 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
01 de agosto de
1885
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
02 de agosto de
1885
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
04 de agosto de
1885
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
05 de agosto de
1885
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
06 de agosto de
1885
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
08 de agosto de
1885
Ópera-cômica
Alemão
207
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
09 de agosto de
1885
Ópera-bufa
Francês
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
09 de agosto de
1885
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
11 de agosto de
1885
Ópera-cômica
Alemão
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
13 de agosto de
1885
Ópera-bufa
Francês
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
15 de agosto de
1885
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Fr5anz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
16 de agosto de
1885
Ópera-cômica
Alemão
A Perichole
Henri Meilhac e
Ludovic Halévy,
música de
Jacques
Offenbach
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
18 de agosto de
1885
Opereta
Francês
A Perichole
Henri Meilhac e
Companhia
19 de agosto de
Opereta
Francês
208
Ludovic Halévy,
música de
Jacques
Offenbach
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
1885
A Perichole
Henri Meilhac e
Ludovic Halévy,
música de
Jacques
Offenbach
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
20 de agosto de
1885
Opereta
Francês
A Perichole
Henri Meilhac e
Ludovic Halévy,
música de
Jacques
Offenbach
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
21 de agosto de
1885
Opereta
Francês
A Perichole
Henri Meilhac e
Ludovic Halévy,
música de
Jacques
Offenbach
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
22 de agosto de
1885
Opereta
Francês
A Perichole
Henri Meilhac e
Ludovic Halévy,
música de
Jacques
Offenbach
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
23 de agosto de
1885
Opereta
Francês
Otelo
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
24 de agosto de
1885
Paródia
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
27 de agosto de
1885
Ópera-bufa
Francês
209
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
29 de agosto de
1885
Ópera-cômica
Alemão
Otelo
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
30 de agosto de
1885
Paródia
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
30 de agosto de
1885
Ópera-cômica
Alemão
A filha da Sra.
Angot
Clairville,
Siraudin e
Koning
Artur Azevedo
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
01 de setembro de
1885
Opereta
Francês
A filha da Sra.
Angot
Clairville,
Siraudin e
Koning
Artur Azevedo
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
02 de setembro de
1885
Opereta
Francês
A filha da Sra.
Angot
Clairville,
Siraudin e
Koning
Artur Azevedo
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
03 de setembro de
1885
Opereta
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
05 de setembro de
1885
Ópera-bufa
Francês
210
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
06 de setembro de
1885
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
07 de setembro de
1885
Ópera-cômica
Alemão
A Perichole
Henri Meilhac e
Ludovic Halevy,
música de
Jacques
Offenbach
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
08 de setembro de
1885
Opereta
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
10 de setembro de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
11 de setembro de
1885
Ópera-bufa
Francês
Otelo
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
11 de setembro de
1885
Paródia
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
12 de setembro de
1885
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
13 de setembro de
Ópera-cômica
Alemão
211
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
1885
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
15 de setembro de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
18 de setembro de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Benefício do ator
Wanmeil
22 de setembro de
1885
Ópera-bufa
Francês
Luxo e vaidade
Joaquim Manoel
de Macedo
Companhia do
ator Martins
15 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Luxo e vaidade
Joaquim Manoel
de Macedo
Companhia do
ator Martins
17 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Luxo e vaidade
Joaquim Manoel
de Macedo
Companhia do
ator Martins
18 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Luxo e vaidade
Joaquim Manoel
de Macedo
Companhia do
ator Martins
19 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Luxo e vaidade
Joaquim Manoel
de Macedo
Companhia do
ator Martins
23 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Luxo e vaidade
Joaquim Manoel
de Macedo
Companhia do
ator Martins
25 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Luxo e vaidade
Joaquim Manoel
de Macedo
Companhia do
ator Martins
26 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Os escravocratas
ou a lei de 28 de
setembro
Fernando Pinto
de Almeida
Companhia do
ator Martins
31 de outubro de
1885
Drama
Brasileiro
212
Os escravocratas
ou a lei de 28 de
setembro
Fernando Pinto
de Almeida
Companhia do
ator Martins
01 de novembro
de 1885
Drama
Brasileiro
Os escravocratas
ou a lei de 28 de
setembro
Fernando Pinto
de Almeida
Companhia do
ator Martins
03 de novembro
de 1885
Drama
Brasileiro
Os escravocratas
ou a lei de 28 de
setembro
Fernando Pinto
de Almeida
Companhia do
ator Martins
07 de novembro
de 1885
Drama
Brasileiro
Ávila
11 de novembro
de 1885
Prestidigitação
Venenos que
curam
Aluízio Azevedo
e Emilio Rouède
Companhia do
ator Martins
15 de novembro
de 1885
Comédia
Brasileiro
Venenos que
curam
Aluízio Azevedo
e Emilio Rouède
Companhia do
ator Martins
23 de novembro
de 1885
Comédia
Brasileiro
Cenas burguesas
Moura Cabral
Montedonio,
direção do ator
Martins
25 de novembro
de 1885
Comédia
Português
Minha Amália
Montedonio,
direção do ator
Martins
25 de novembro
de 1885
Comédia
Festa na roça
Martins Pena
Companhia do
ator Martins
26 de novembro
de 1885
Comédia
Brasileiro
Goldschimidt
26 de novembro
de 1885
Prestidigitação
Cenas burguesas
Moura Cabral
Montedonio,
direção do ator
Martins
27 de novembro
de 1885
Comédia
Português
Minha Amália
Montedonio,
direção do ator
27 de novembro
de 1885
Comédia
213
Martins
Cenas burguesas
Moura Cabral
Montedonio,
direção do ator
Martins
28 de novembro
de 1885
Comédia
Português
Minha Amália
Montedonio,
direção do ator
Martins
28 de novembro
de 1885
Comédia
Português
Cenas burguesas
Moura Cabral
Montedonio,
direção do ator
Martins
29 de novembro
de 1885
Comédia
Português
Minha Amália
Montedonio,
direção do ator
Martins
29 de novembro
de 1885
Comédia
Português
Intrigas no bairro
Luiz de Araújo
Montedonio,
direção do ator
Martins
29 de novembro
de 1885
Comédia
Português
Crime de
Marselha
Aniceto
Bourgeois e
Fernando Dugné
Eduardo da Borja Reis
Montedonio
05 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
Crime de
Marselha
Aniceto
Bourgeois e
Fernando Dugné
Eduardo da Borja Reis
Montedonio
06 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
Crime de
Marselha
Aniceto
Bourgeois e
Fernando Dugné
Eduardo da Borja Reis
Montedonio
07 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
Crime de
Marselha
Aniceto
Bourgeois e
Fernando Dugné
Eduardo da Borja Reis
Montedonio
08 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
Crime de
Marselha
Aniceto
Bourgeois e
Eduardo da Borja Reis
Montedonio
09 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
214
Fernando Dugné
Crime de
Marselha
Aniceto
Bourgeois e
Fernando Dugné
Eduardo da Borja Reis
Montedonio
10 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
Crime de
Marselha
Aniceto
Bourgeois e
Fernando Dugné
Eduardo da Borja Reis
Montedonio
13 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
Crime de
Marselha
Aniceto
Bourgeois e
Fernando Dugné
Eduardo da Borja Reis
Montedonio
14 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
Crime de
Marselha
Aniceto
Bourgeois e
Fernando Dugné
Eduardo da Borja Reis
Montedonio
19 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
Crime de
Marselha
Aniceto
Bourgeois e
Fernando Dugné
Eduardo da Borja Reis
Montedonio
20 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O mandarim
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
26 de dezembro
de 1885
Revista
Brasileiro
O mandarim
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
27 de dezembro
de 1885
Revista
Brasileiro
O mandarim
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
28 de dezembro
de 1885
Revista
Brasileiro
O mandarim
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
29 de dezembro
de 1885
Revista
Brasileiro
O mandarim
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
30 de dezembro
de 1885
Revista
Brasileiro
Fausto Junior
Hervé
Eduardo Garrido e
Aristides Abranches
Braga Junior
31 de dezembro
de 1885
Opereta
Francês
Fausto Junior
Hervé
Eduardo Garrido e
Aristides Abranches
Braga Junior
01 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
215
Fausto Junior
Hervé
Eduardo Garrido e
Aristides Abranches
Braga Junior
02 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
Fausto Junior
Hervé
Eduardo Garrido e
Aristides Abranches
Braga Junior
03 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
Fausto Junior
Hervé
Eduardo Garrido e
Aristides Abranches
Braga Junior
04 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
O mandarim
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
05 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
O mandarim
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
06 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
Os sinos de
corneville
Planquette
Eduardo Garrido
Braga Junior
07 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Eduardo Garrido
Braga Junior
08 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Eduardo Garrido
Braga Junior
09 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Eduardo Garrido
Braga Junior
10 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
A filha de Maria
Angu
Clairville,
Siraudin e
Koning
Artur Azevedo
Braga junior
11 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
A filha de Maria
Angu
Clairville,
Siraudin e
Koning
Artur Azevedo
Braga junior
12 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
Fausto Junior
Hervé
Eduardo Garrido e
Aristides Abranches
Braga Junior
13 de janeiro de
1886
Opereta
Francês
O mandarim
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
14 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
O sino do
eremitério
Alvarenga
Braga Junior
16 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
216
O sino do
eremitério
Alvarenga
Braga Junior
17 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
D. Juanita
Franz Suppé
Sousa Bastos
Braga Junior
19 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Sousa Bastos
Braga Junior
20 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Sousa Bastos
Braga Junior
23 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Alemão
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Eduardo Garrido
Braga Junior
24 de janeiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
O mandarim
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
24 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
29 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
30 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
31 de janeiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
01 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
02 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
03 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
04 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
05 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
06 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
217
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
07 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
08 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
09 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
10 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Os sinos de
corneville
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Eduardo Garrido
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11 de fevereiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
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12 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
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13 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
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14 de fevereiro de
1886
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Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
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15 de fevereiro de
1886
Revista
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Os sinos de
corneville
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Eduardo Garrido
Braga Junior
16 de fevereiro de
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Ópera-cômica
Francês
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
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17 de fevereiro de
1886
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O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
18 de fevereiro de
1886
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Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
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19 de fevereiro de
1886
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O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
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20 de fevereiro de
1886
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O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
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21 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
218
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
22 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Eduardo Garrido
Braga Junior
23 de fevereiro de
1886
Ópera-cômica
Francês
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
24 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
26 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
27 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
28 de fevereiro de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
01 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
02 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
03 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
05 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
06 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
11 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
12 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
13 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
14 de março de
1886
Revista
Brasileiro
219
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
15 de março de
1886
Revista
Brasileiro
Fausto Junior
Hervé
Eduardo Garrido e
Aristides Abranches
Braga Junior
16 de março de
1886
Opereta
Francês
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
18 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
19 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
20 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
21 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
22 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
24 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
25 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O mandarim
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
26 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
27 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
28 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
29 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
31 de março de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
02 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
220
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
03 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
04 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
Os sinos de
corneville
Robert
Planquette
Eduardo Garrido
Braga Junior
05 de abril de
1886
Ópera-cômica
Francês
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
08 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
09 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
10 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
11 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
12 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
O mandarim
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
13 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
Babolin
Paul Ferrier,
música de
Varney
Eduardo Garrido
Braga Junior
14 de abril de
1886
Ópera-cômica
Francês
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
15 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
Babolin
Paul Ferrier,
música de
Varney
Eduardo Garrido
Braga Junior
16 de abril de
1886
Ópera-cômica
Francês
Babolin
Paul Ferrier,
música de
Varney
Eduardo Garrido
Braga Junior
17 de abril de
1886
Ópera-cômica
Francês
O Bilontra
Artur Azevedo e
Braga Junior
18 de abril de
Revista
Brasileiro
221
Moreira Sampaio
1886
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
19 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
20 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
21 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
24 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
O mandarim
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
25 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
25 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
Meus olhos!
Meu nariz!
minha boca!
Chivot e Duru,
música de F.
Colás
Braga Junior
27 de abril de
1886
Opereta
Francês
Meus olhos!
Meu nariz!
minha boca!
Chivot e Duru,
música de F.
Colás
Braga Junior
28 de abril de
1886
Opereta
Francês
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
29 de abril de
1886
Revista
Brasileiro
Meus olhos!
Meu nariz!
minha boca!
Chivot e Duru,
música de F.
Colás
Braga Junior
30 de abril de
1886
Opereta
Francês
Babolin
Paul Ferrier,
música de
Varney
Eduardo Garrido
Braga Junior
30 de abril de
1886
Ópera-cômica
Francês
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
01 de maio de
1886
Revista
Brasileiro
O Bilontra
Artur Azevedo e
Braga Junior
02 de maio de
Revista
Brasileiro
222
Moreira Sampaio
1886
O Bilontra
Artur Azevedo e
Moreira Sampaio
Braga Junior
07 de maio de
1886
Revista
Brasileiro
Boccacio
Franz Suppé
Braga Junior
08 de maio de
1886
Opereta
Alemão
Boccacio
Franz Suppé
Braga Junior
09 de maio de
1886
Opereta
Alemão
Demi-monde
Alexandre
Dumas Filho
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
12 de maio de
1886
Drama
Francês
Demi-monde
Alexandre
Dumas Filho
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
13 de maio de
1886
Drama
Francês
Romance de um
moço pobre
Octave Feuillet
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
14 de maio de
1886
Drama
Francês
Romance de um
moço pobre
Octave Feuillet
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
15 de maio de
1886
Drama
Francês
Romance de um
moço pobre
Octave Feuillet
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
16 de maio de
1886
Drama
Francês
Demi-monde
Alexandre
Dumas Filho
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
18 de maio de
1886
Drama
Francês
Dalila
Octave Feuillet
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
19 de maio de
1886
Drama
Francês
Fédora
Victorien Sardou
Braga Junior &
Cia, direção de
22 de maio de
1886
Drama
Francês
223
Furtado Coelho
Fédora
Victorien Sardou
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
23 de maio de
1886
Drama
Francês
Fédora
Victorien Sardou
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
24 de maio de
1886
Drama
Francês
Fédora
Victorien Sardou
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
26 de maio de
1886
Drama
Francês
O mestre de
forjas
George Ohnet
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
28 de maio de
1886
Drama
Francês
O mestre de
forjas
George Ohnet
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
29 de maio de
1886
Drama
Francês
O mestre de
forjas
George Ohnet
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
30 de maio de
1886
Drama
Francês
Demi-monde
Alexandre
Dumas Filho
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
01 de junho de
1886
Drama
Francês
Divorciemo-nos
Victorien Sardou
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
03 de junho de
1886
Drama
Francês
Lenço branco
A. Musset
Imitação de Eusébio
Blasco
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
05 de junho de
1886
Comédia
Francês
Menina dos
meus olhos
Braga Junior &
Cia, direção de
05 de junho de
1886
Comédia
224
Furtado Coelho
Lenço branco
A. Musset
Imitação de Eusébio
Blasco
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
06 de junho de
1886
Comédia
Francês
Menina dos
meus olhos
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
06 de junho de
1886
Comédia
Lenço branco
A. Musset
Imitação de Eusébio
Blasco
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
07 de junho de
1886
Comédia
Francês
Divorciemo-nos
Victorien Sardou
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
07 de junho de
1886
Drama
Francês
Demi-monde
Alexandre
Dumas Filho
Braga Junior &
Cia, direção de
Furtado Coelho
08 de junho de
1886
Drama
Francês
Maria Joana,
mulher do povo
Adolf Dennery
Dias Braga
26 de junho de
1886
Drama
Francês
225
TEATRO
POLITEAMA
FLUMINENSE
226
PEÇA
AUTOR
TRADUTOR/ADAPTADOR
COMPANHIA
RESPONSÁVEL
DATA DA
REPRESENTAÇÃO
GÊNERO
REPERTÓRIO
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
23 de junho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
24 de junho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
25 de junho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
28 de junho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
29 de junho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
30 de junho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
01 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
02 de julho de
1885
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Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
04 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
05 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
06 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
08 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
09 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
11 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
227
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
12 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
15 de julho de
1885
Mágica
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O gênio do fogo
Primo da Costa
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16 de julho de
1885
Mágica
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O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
18 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
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19 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
O gênio do fogo
Primo da Costa
Fanny
25 de julho de
1885
Mágica
Brasileiro
Irmãos Carlo
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Irmãos Carlo
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Irmãos Carlo
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231
Irmãos Carlo
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Atração circense
Irmãos Carlo
18 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
19 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
20 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
21 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
22 de outubro de
1885
Atração circense
232
Irmãos Carlo
23 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
24 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
25 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
26 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
27 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
28 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
29 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
30 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
31 de outubro de
1885
Atração circense
Irmãos Carlo
01 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
04 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
05 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
06 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
07 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
08 de novembro
de 1885
Atração circense
233
Irmãos Carlo
09 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
10 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
11 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
12 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
13 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
14 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
15 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
16 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
17 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
18 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
19 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
20 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
21 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
22 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
23 de novembro
de 1885
Atração circense
234
Irmãos Carlo
24 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
25 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
26 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
27 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
28 de novembro
de 1885
Atração circense
Irmãos Carlo
29 de novembro
de 1885
Atração circense
29 ou a honra e a
glória
José Romano
Espetáculo
amador
20 de dezembro
de 1885
Drama
Guerra da Itália
Montedonio
27 de dezembro
de 1885
Drama
Guerra da Itália
Montedonio
28 de dezembro
de 1885
Drama
Guerra da Itália
Montedonio
29 de dezembro
de 1885
Drama
Guerra da Itália
Montedonio
31 de dezembro
de 1885
Drama
Guerra da Itália
Montedonio
01 de janeiro de
1886
Drama
Guerra da Itália
Montedonio
02 de janeiro de
1886
Drama
Cenas burguesas
Moura Cabral
Montedonio
04 de janeiro de
1886
Comédia
Português
Amor e veneno
Montedonio
04 de janeiro de
1886
Comédia
235
Amor por
anexins
Artur Azevedo
Fanny & Cia
21 de fevereiro de
1886
Comédia
Brasileiro
Trinta botões
Eduardo Garrido
Fanny & Cia
21 de fevereiro de
1886
Comédia
Fogo do céu
Fanny & Cia
21 de fevereiro de
1886
Drama
Fogo do céu
Fanny & Cia
22 de fevereiro de
1886
Drama
As campainhas
Fanny & Cia
23 de fevereiro de
1886
Comédia
Timidez de
Cornélio Guerra
Fanny & Cia
23 de fevereiro de
1886
Comédia
A espadelada
Fanny & Cia
23 de fevereiro de
1886
Comédia
Português
Trinta botões
Eduardo Garrido
Fanny & Cia
24 de fevereiro de
1886
Comédia
Amor por
anexins
Artur Azevedo
Fanny & Cia
24 de fevereiro de
1886
Comédia
Brasileiro
Ditoso fado
Matinée em
benefício do
Liceu de Artes e
Ofícios
14 de março de
1886
Comédia
Uma véspera de
Reis
Artur Azevedo
Matinée em
benefício do
Liceu de Artes e
Ofícios
14 de março de
1886
Comédia
Brasileiro
Uma troca de
ligas
Artur Azevedo
Pepa Ruiz
17 de março de
1886
Brasileiro
Cada um no seu
lugar
Pepa Ruiz
17 de março de
1886
236
Uma troca de
ligas
Artur Azevedo
Pepa Ruiz
25 de março de
1886
Brasileiro
D. Juanita
Franz Suppé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
25 de março de
1886
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Sousa Bastos
Pepa Ruiz
30 de março de
1886
Ópera-cômica
Alemão
Papá Martin
Cagnoni
Companhia de
ópera-bufa
(Ângelo Ferrari)
27 de maio de
1886
Ópera-bufa
Papá Martin
Cagnoni
Companhia de
ópera-bufa
(Ângelo Ferrari)
30 de maio de
1886
Ópera-bufa
A filha do
regimento
Donizetti
Companhia de
ópera-bufa
(Ângelo Ferrari)
01 de junho de
1886
Italiano
Le donne curiose
Usiglio
Companhia de
ópera-bufa
(Ângelo Ferrari)
05 de junho de
1886
Ópera-bufa
Crispino e la
comare
Irmãos Ricci
Companhia de
ópera-bufa
(Ângelo Ferrari)
07 de junho de
1886
Fra Diavolo
Auber
Companhia de
ópera-bufa
(Ângelo Ferrari)
09 de junho de
1886
Fra Diavolo
Auber
Companhia de
ópera-bufa
(Ângelo Ferrari)
11 de junho de
1886
Fra Diavolo
Auber
Companhia de
ópera-bufa
(Ângelo Ferrari)
14 de junho de
1886
237
Fra Diavolo
Auber
Companhia de
ópera-bufa
(Ângelo Ferrari)
15 de junho de
1886
Crispino e la
comare
Irmãos Ricci
Companhia de
ópera-bufa
(Ângelo Ferrari)
16 de junho de
1886
238
TEATRO RECREIO
DRAMÁTICO
239
PEÇA
AUTOR
TRADUTOR/ADAPTADOR
COMPANHIA
RESPONSAVEL
DATA DA
REPRESENTAÇÃO
GÊNERO
REPERTÓRIO
Os dois sargentos
Aubigny
Dias Braga
09 de junho de
1885
Drama
Francês
Os dois sargentos
Aubigny
Dias Braga
13 de junho de
1885
Drama
Francês
Os dois sargentos
Aubigny
Dias Braga
14 de junho de
1885
Drama
Francês
Carta anônima
Figueiredo
Coimbra
Dias Braga
15 de junho de
1885
Comédia
Brasileiro
Maria Rosa, a
doida de
Montmayour
Aniceto
Bourgeois e
Michel Masson
Dias Braga
20 de junho de
1885
Drama
Francês
Maria Rosa, a
doida de
Montmayour
Aniceto
Bourgeois e
Michel Masson
Dias Braga
21 de junho de
1885
Drama
Francês
Os dois sargentos
Aubigny
Dias Braga
21 de junho de
1885
Drama
Francês
A carta anônima
Figueiredo
Coimbra
Dias Braga
21 de junho de
1886
Comédia
Brasileiro
Maria Rosa, a
doida de
Montmayour
Aniceto
Bourgeois e
Michel Masson
Dias Braga
24 de junho de
1885
Drama
Francês
As ruínas do
castelo negro
Adolf Dennery
Dias Braga
27 de junho de
1885
Drama
Francês
O anjo da meia
noite
Dias Braga
28 de junho de
1885
Drama
Os dois sargentos
Aubigny
Dias Braga
28 de junho de
1885
Drama
Francês
As duas órfãs
Adolf Dennery
Dias Braga
29 de junho de
Drama
Francês
240
1886
A estátua de
carne
Teobaldo Cicone
Dias Braga
04 de julho de
1885
Drama
Italiano
Morgadinha de
Valflor
Manoel Joaquim
Pinheiro Chagas
Dias Braga
05 de julho de
1885
Drama
Português
Maria Rosa, a
doida de
Montmayour
Aniceto
Bourgeois e
Michel Masson
Dias Braga
09 de julho de
1885
Drama
Francês
A voz do tumulo
Xavier de
Montepin
M. Zagalo
Dias Braga
12 de julho de
1885
Drama
Francês
A estátua de
carne
Teobaldo Cicone
Dias Braga
12 de julho de
1885
Drama
Italiano
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Dias Braga
14 de julho de
1885
Lenda trágica
Espanhol
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Dias Braga
16 de julho de
1885
Lenda trágica
Espanhol
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Dias Braga
17 de julho de
1885
Lenda trágica
Espanhol
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Dias Braga
18 de julho de
1885
Lenda trágica
Espanhol
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Dias Braga
19 de julho de
1885
Lenda trágica
Espanhol
Le jour et la nuit
Charles Lecocq
Companhia
francesa de
ópera-cômica
Sebastiani
20 de julho de
1885
Ópera-cômica
Francês
Le coeur et la
main
Charles Lecocq
Companhia
francesa de
ópera-cômica
Sebastiani
21 de julho de
1885
Opereta
Francês
241
Babolin
Varney
Companhia
francesa de
ópera-cômica
Sebastiani
23 de julho de
1885
Ópera-cômica
Francês
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Dias Braga
25 de julho de
1885
Lenda trágica
Espanhol
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Dias Braga
26 de julho de
1885
Lenda trágica
Espanhol
Três mulheres
para um marido
E. Grenet
Dancourt
Dias Braga
29 de julho de
1885
Comédia
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Dias Braga
30 de julho de
1885
Lenda trágica
Espanhol
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Dias Braga
01 de agosto de
1885
Lenda trágica
Espanhol
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Dias Braga
02 de agosto de
1885
Lenda trágica
Espanhol
Companhia
transatlântica de
novidades
(George Leopold)
03 de agosto de
1885
Atração circense
Companhia
transatlântica de
novidades
(George Leopold)
04 de agosto de
1885
Atração circense
Companhia
transatlântica de
novidades
(George Leopold)
05 de agosto de
1885
Atração circense
Companhia
transatlântica de
07 de agosto de
1885
Atração circense
242
novidades
(George Leopold)
Companhia
transatlântica de
novidades
(George Leopold)
08 de agosto de
1885
Atração circense
Companhia
transatlântica de
novidades
(George Leopold)
09 de agosto de
1885
Atração circense
Companhia
transatlântica de
novidades
(George Leopold)
10 de agosto de
1885
Atração circense
Companhia
transatlântica de
novidades
(George Leopold)
11 de agosto de
1885
Atração circense
As meninas
godin
Mauricio
Ordonneau
José do Patrocínio
Dias Braga
13 de agosto de
1885
Comédia
Francês
A carta anônima
Figueiredo
Coimbra
Dias Braga
13 de agosto de
1886
Comédia
Brasileiro
Companhia
transatlântica de
novidades
(George Leopold)
14 de agosto de
1885
Atração circense
Morgadinha de
Valflor
Manoel Joaquim
Pinheiro Chagas
Dias Braga
15 de agosto de
1885
Drama
Português
As duas órfãs
Adolf Dennery
Dias Braga
16 de agosto de
1886
Drama
Francês
243
Três mulheres
para um marido
E. Grenet
Dancourt
Dias Braga
17 de agosto de
1885
Comédia
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Dias Braga
22 de agosto de
1885
Lenda trágica
Espanhol
O castelo do
diabo
Alfonso Arnault
e Luiz Judicis
Dias Braga
23 de agosto de
1885
Drama
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
28 de agosto de
1885
Comédia
Brasileiro
Dalila
Octave Feuillet
Dias Braga
28 de agosto de
1885
Drama
Francês
O castelo do
diabo
Alfonso Arnault
e Luiz Judicis
Dias Braga
29 de agosto de
1885
Drama
As almas do
outro mundo
Dias Braga
31 de agosto de
1885
Comédia
Espanhol
As meninas
godin
Mauricio
Ordonneau
José do Patrocínio
Dias Braga
01 de setembro de
1885
Comédia
Francês
Três mulheres
para um marido
E. Grenet
Dancourt
Dias Braga
02 de setembro de
1885
Comédia
Um marido à
porta
Dias Braga
03 de setembro de
1885
Comédia
Os dois sargentos
Aubigny
Dias Braga
04 de setembro de
1885
Drama
Francês
A estátua de
carne
Teobaldo Cicone
Dias Braga
05 de setembro de
1885
Drama
Italiano
As almas do
outro mundo
Dias Braga
06 de setembro de
1885
Comédia
Espanhol
Um marido à
porta
Dias Braga
06 de setembro de
1885
Comédia
Dalila
Octave Feuillet
Dias Braga
07 de setembro de
1885
Drama
Francês
244
Os enjeitados
Antonio Ennes
Dias Braga
08 de setembro de
1885
Drama
Português
O guia da
montanha
Bouchardy
Dias Braga
09 de setembro de
1885
Drama
A cruz da morta
E. Souvestre
Dias Braga
10 de setembro de
1885
Drama
Português
Três mulheres
para um marido
E. Grenet
Dancourt
Dias Braga
11 de setembro de
1885
Comédia
Morgadinha de
Valflor
Manoel Joaquim
Pinheiro Chagas
Dias Braga
12 de setembro de
1885
Drama
Português
As meninas
godin
Mauricio
Ordonneau
José do Patrocínio
Dias Braga
13 de setembro de
1885
Comédia
Francês
Dalila
Octave Feuillet
Dias Braga
14 de setembro de
1885
Drama
Francês
As almas do
outro mundo
Dias Braga
15 de setembro de
1885
Comédia
Espanhol
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
15 de setembro de
1885
Comédia
Brasileiro
Grangaleoto
Jose Echegaray
Filinto de Almeida e
Valentim Magalhães
Dias Braga
15 de setembro de
1885
Drama
Espanhol
A estátua de
carne
Teobaldo Cicone
Dias Braga
16 de setembro de
1885
Drama
Italiano
Os dois sargentos
Aubigny
Dias Braga
17 de setembro de
1885
Drama
Francês
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
17 de setembro de
1885
Comédia
Brasileiro
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
18 de setembro de
1885
Comédia
Brasileiro
Dalila
Octave Feuillet
Dias Braga
19 de setembro de
1885
Drama
Francês
245
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
20 de setembro de
1885
Comédia
Brasileiro
As almas do
outro mundo
Dias Braga
20 de setembro de
1885
Comédia
Espanhol
A estátua de
carne
Teobaldo Cicone
Dias Braga
21 de setembro de
1885
Drama
Italiano
Três mulheres
para um marido
E. Grenet
Dancourt
Dias Braga
23 de setembro de
1885
Comédia
Aimée ou o
assassino por
amor
Dias Braga
26 de setembro de
1885
Drama
Francês
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
26 de setembro de
1885
Comédia
Brasileiro
Aimée ou o
assassino por
amor
Dias Braga
27 de setembro de
1885
Drama
Francês
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
27 de setembro de
1885
Comédia
Brasileiro
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Beneficio da
Sociedade
Musical Recreio
de S. Cristóvão
30 de setembro de
1885
Lenda trágica
Espanhol
Carta anônima
Figueiredo
Coimbra
Beneficio da
Sociedade
Musical Recreio
de S. Cristóvão
30 de setembro de
1885
Comédia
Brasileiro
Grangaleoto
Jose Echegaray
Filinto de Almeida e
Valentim Magalhães
Dias Braga
01 de outubro de
1885
Drama
Espanhol
Trastes velhos e
parentes
Eusébio Blasco
Dias Braga
03 de outubro de
1885
Comédia
Espanhol
246
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
03 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Trastes velhos e
parentes
Eusébio Blasco
Dias Braga
04 de outubro de
1885
Comédia
Espanhol
Aimée ou o
assassino por
amor
Dias Braga
04 de outubro de
1885
Drama
Francês
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
04 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
As meninas
godin
Mauricio
Ordonneau
José do Patrocínio
Benefício do
pianista Serqueira
05 de outubro de
1885
Comédia
Francês
Três mulheres
para um marido
E. Grenet
Dancourt
Dias Braga
06 de outubro de
1885
Comédia
Trastes velhos e
parentes
Eusébio Blasco
Dias Braga
07 de outubro de
1885
Comédia
Espanhol
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
07 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Dias Braga
08 de outubro de
1885
Lenda trágica
Espanhol
Carta anônima
Figueiredo
Coimbra
Dias Braga
08 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Trastes velhos e
parentes
Eusébio Blasco
Dias Braga
09 de outubro de
1885
Comédia
Espanhol
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
09 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Trastes velhos e
parentes
Eusébio Blasco
Dias Braga
10 de outubro de
1885
Comédia
Espanhol
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
10 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Remorso vivo
Dias Braga
11 de outubro de
Drama
247
1885
Trastes velhos e
parentes
Eusébio Blasco
Dias Braga
11 de outubro de
1885
Comédia
Espanhol
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
11 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Trastes velhos e
parentes
Eusébio Blasco
Dias Braga
13 de outubro de
1885
Comédia
Espanhol
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
13 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
No seio da morte
Jose Echegaray
Valentim Magalhães e
Filinto de Almeida
Benefício da
Sociedade
Musical Recreio
de São Cristóvão
14 de outubro de
1885
Lenda trágica
Espanhol
Carta anônima
Figueiredo
Coimbra
Benefício da
Sociedade
Musical Recreio
de São Cristóvão
14 de outubro de
1885
Comédia
Brasileiro
Pedro
José da Silva
Mendes Leal
Junior
Dias Braga
17 de outubro de
1885
Drama
Português
Pedro
José da Silva
Mendes Leal
Junior
Dias Braga
18 de outubro de
1885
Drama
Português
Pedro
José da Silva
Mendes Leal
Junior
Dias Braga
19 de outubro de
1885
Drama
Português
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
22 de outubro de
1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
23 de outubro de
1885
Drama
Francês
248
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
24 de outubro de
1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
25 de outubro de
1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
26 de outubro de
1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
27 de outubro de
1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
28 de outubro de
1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
29 de outubro de
1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
30 de outubro de
1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
01 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
03 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
04 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
05 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
06 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
07 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
08 de novembro
de 1885
Drama
Francês
As meninas
godin
Mauricio
Ordonneau
José do Patrocínio
Dias Braga
09 de novembro
de 1885
Comédia
Francês
249
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
10 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
11 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
12 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
13 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
14 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
15 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
16 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
17 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
18 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
20 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
21 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
22 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
24 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
25 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
26 de novembro
de 1885
Drama
Francês
250
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
28 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
29 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
30 de novembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
01 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
Morgadinha de
Valflor
Manoel Joaquim
Pinheiro Chagas
Dias Braga
02 de dezembro
de 1885
Drama
Português
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
03 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
04 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
05 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
06 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
07 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
08 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
09 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
10 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
11 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
12 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
251
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
13 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
14 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
15 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
16 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
17 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
19 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
20 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
Três mulheres
para um marido
E. Grenet
Dancourt
Dias Braga
21 de dezembro
de 1885
Comédia
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
23 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
24 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
25 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
26 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
27 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
Três mulheres
para um marido
E. Grenet
Dancourt
Dias Braga
28 de dezembro
de 1885
Comédia
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
28 de dezembro
de 1885
Comédia
Brasileiro
252
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
29 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
Morgadinha de
Valflor
Manoel Joaquim
Pinheiro Chagas
Dias Braga
30 de dezembro
de 1885
Drama
Português
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
31 de dezembro
de 1885
Drama
Francês
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
01 de janeiro de
1886
Drama
Francês
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
02 de janeiro de
1886
Drama
Francês
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
03 de janeiro de
1886
Drama
Francês
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
05 de janeiro de
1886
Drama
Francês
Remorso vivo
Dias Braga
06 de janeiro de
1886
Drama
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
07 de janeiro de
1886
Drama
Francês
A estátua de
carne
Teoblado Cicone
Dias Braga
08 de janeiro de
1886
Drama
Italiano
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
09 de janeiro de
1886
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
10 de janeiro de
1886
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
11 de janeiro de
1886
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
12 de janeiro de
1886
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
13 de janeiro de
1886
Drama
Francês
253
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
16 de janeiro de
1886
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
17 de janeiro de
1886
Drama
Francês
Remorso vivo
Dias Braga
20 de janeiro de
1886
Drama
As vizinhas
Hipólito
Raymond e Julio
de Gastines
Figueiredo Coimbra
Dias Braga
22 de janeiro de
1886
Comédia
Francês
As vizinhas
Hipólito
Raymond e Julio
de Gastines
Figueiredo Coimbra
Dias Braga
23 de janeiro de
1886
Comédia
Francês
As vizinhas
Hipólito
Raymond e Julio
de Gastines
Figueiredo Coimbra
Dias Braga
24 de janeiro de
1886
Comédia
Francês
As vizinhas
Hipólito
Raymond e Julio
de Gastines
Figueiredo Coimbra
Dias Braga
25 de janeiro de
1886
Comédia
Francês
As vizinhas
Hipólito
Raymond e Julio
de Gastines
Figueiredo Coimbra
Dias Braga
26 de janeiro de
1886
Comédia
Francês
Carta anônima
Figueiredo
Coimbra
Dias Braga
26 de janeiro de
1886
Comédia
Brasileiro
Aimée ou o
assassino por
amor
Dias Braga
27 de janeiro de
1886
Drama
Francês
Mariquinhas dos
apitos
Anastácio
Bonsucesso
Dias Braga
27 de janeiro de
1886
Comédia
Brasileiro
Três mulheres
para um marido
E. Grenet
Dancourt
Benefício de
Suzana da
29 de janeiro de
1886
Comédia
254
Castera
Nho-quim
Benefício de
Suzana de
Castera
29 de janeiro de
1886
Comédia
As vizinhas
Hipólito
Raymond e Julio
de Gastines
Figueiredo Coimbra
Dias Braga
30 de janeiro de
1886
Comédia
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
31 de janeiro de
1886
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
02 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
As vizinhas
Hipólito
Raymond e Julio
de Gastines
Figueiredo Coimbra
Dias Braga
04 de fevereiro de
1886
Comédia
Francês
Carta anônima
Figueiredo
Coimbra
Dias Braga
04 de fevereiro de
1886
Comédia
Brasileiro
O castelo do
diabo
Alfonso Arnault
e Luiz Judicis
Dias Braga
06 de fevereiro de
1886
Drama
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
07 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
O castelo do
diabo
Alfonso Arnault
e Luiz Judicis
Dias Braga
07 de fevereiro de
1886
Drama
Fé, esperança e
caridade
M. Rosier
Dias Braga
12 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
Fé, esperança e
caridade
M. Rosier
Dias Braga
13 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
Fé, esperança e
caridade
M. Rosier
Dias Braga
14 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
Fé, esperança e
caridade
M. Rosier
Dias Braga
15 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
255
Pedro
José da Silva
Mendes Leal
Junior
Espetáculo em
benefício da
Socidade União
Beneficente D.
Pedro II
16 de fevereiro de
1886
Drama
Português
Fé, esperança e
caridade
M. Rosier
Dias Braga
17 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
Fé, esperança e
caridade
M. Rosier
Dias Braga
20 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
Fé, esperança e
caridade
M. Rosier
Dias Braga
21 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
Fé, esperança e
caridade
M. Rosier
Dias Braga
22 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
26 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
27 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
28 de fevereiro de
1886
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
02 de março de
1886
Drama
Francês
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Benefício da
Sociedade
Beneficente
Comercial
Artística e
Industrial
04 de março de
1886
Drama
Francês
Fé, esperança e
caridade
M. Rosier
Dias Braga
05 de março de
1886
Drama
Francês
A estátua de
Teoblado Cicone
Dias Braga
08 de março de
Drama
Italiano
256
carne
1886
Fé, esperança e
caridade
M. Rosier
Dias Braga
11 de março de
1886
Drama
Francês
A senhora está
deitada
Dias Braga
11 de março de
1886
Comédia
Morgadinha de
Valflor
Manoel Joaquim
Pinheiro Chagas
Dias Braga
13 de março de
1886
Drama
Português
As duas órfãs
Adolf Dennery
Dias Braga
14 de março de
1886
Drama
Francês
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
17 de março de
1886
Drama
Francês
As ruínas do
castelo negro
Adolf Dennery
Dias Braga
20 de março de
1886
Drama
Francês
As ruínas do
castelo negro
Adolf Dennery
Dias Braga
21 de março de
1886
Drama
Francês
O domador de
feras
Adolf Dennery
Azeredo Coutinho e
Moreira Sampaio
Dias Braga
21 de março de
1886
Drama
Francês
Pedro
José da Silva
Mendes Leal
Junior
Dias Braga
24 de março de
1886
Drama
Português
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
25 de março de
1886
Drama
Francês
Pedro
José da Silva
Mendes Leal
Junior
Dias Braga
25 de março de
1886
Drama
Português
Príncipe Zilah
Julio Claretie
Luiz de Castro Junior
Dias Braga
27 de março de
1886
Drama
Francês
Príncipe Zilah
Julio Claretie
Luiz de Castro Junior
Dias Braga
28 de março de
1886
Drama
Francês
Príncipe Zilah
Julio Claretie
Luiz de Castro Junior
Dias Braga
29 de março de
Drama
Francês
257
1886
Príncipe Zilah
Julio Claretie
Luiz de Castro Junior
Dias Braga
30 de março de
1886
Drama
Francês
José do telhado, o
célebre salteador
das estradas do
Douro e do
Minho
Dias Braga
03 de abril de
1886
Drama
Português
José do telhado, o
célebre salteador
das estradas do
Douro e do
Minho
Dias Braga
04 de abril de
1886
Drama
Português
José do telhado, o
célebre salteador
das estradas do
Douro e do
Minho
Dias Braga
05 de abril de
1886
Drama
Português
José do telhado, o
célebre salteador
das estradas do
Douro e do
Minho
Dias Braga
06 de abril de
1886
Drama
Português
José do telhado, o
célebre salteador
das estradas do
Douro e do
Minho
Dias Braga
07 de abril de
1886
Drama
Português
Príncipe Zilah
Julio Claretie
Luiz de Castro Junior
Dias Braga
09 de abril de
1886
Drama
Francês
258
José do telhado, o
célebre salteador
das estradas do
Douro e do
Minho
Dias Braga
10 de abril de
1886
Drama
Português
Ver para crer
E. Labiche e A.
Delacourt
Moreira Sampaio
Dias Braga
10 de abril de
1886
Comédia
Francês
José do telhado, o
célebre salteador
das estradas do
Douro e do
Minho
Dias Braga
11 de abril de
1886
Drama
Português
Ver para crer
E. Labiche e A.
Delacourt
Moreira Sampaio
Dias Braga
11 de abril de
1886
Comédia
Francês
As meninas
godin
Mauricio
Ordonneau
José do Patrocínio
Dias Braga
17 de abril de
1886
Comédia
Francês
Morgadinha de
Valflor
Manoel Joaquim
Pinheiro Chagas
Dias Braga
18 de abril de
1886
Drama
Português
José do telhado, o
célebre salteador
das estradas do
Douro e do
Minho
Dias Braga
18 de abril de
1886
Drama
Português
Os seis degraus
do crime
Dias Braga
30 de abril de
1886
Drama
Os seis degraus
do crime
Dias Braga
01 de maio de
1886
Drama
Os seis degraus
do crime
Dias Braga
02 de maio de
1886
Drama
Os seis degraus
Dias Braga
04 de maio de
Drama
259
do crime
1886
Os seis degraus
do crime
Dias Braga
05 de maio de
1886
Drama
Os seis degraus
do crime
Dias Braga
08 de maio de
1886
Drama
Os seis degraus
do crime
Dias Braga
09 de maio de
1886
Drama
Os seis degraus
do crime
Dias Braga
13 de maio de
1886
Drama
Os seis degraus
do crime
Dias Braga
15 de maio de
1886
Drama
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
16 de maioo de
1886
Drama
Francês
Os seis degraus
do crime
Dias Braga
16 de maio de
1886
Drama
Dalila
Octave Feuillet
Dias Braga
17 de maio de
1886
Drama
Francês
A filha do mar
Dias Braga
22 de maio de
1886
Drama
A filha do mar
Dias Braga
23 de maio de
1886
Drama
A filha do mar
Dias Braga
24 de maio de
1886
Drama
As meninas
godin
Mauricio
Ordonneau
José do Patrocínio
Dias Braga
25 de maio de
1886
Comédia
Francês
A filha do mar
Dias Braga
26 de maio de
1886
Drama
A filha do mar
Dias Braga
27 de maio de
1886
Drama
Os seis degraus
Dias Braga
28 de maio de
Drama
260
do crime
1886
A filha do mar
Dias Braga
29 de maio de
1886
Drama
A filha do mar
Dias Braga
30 de maio de
1886
Drama
A filha do mar
Dias Braga
31 de maio de
1886
Drama
A filha do mar
Dias Braga
02 de junho de
1886
Drama
A filha do mar
Dias Braga
03 de junho de
1886
Drama
O conde de
Monte Cristo
Alexandre
Dumas
Azeredo Coutinho e
Muniz
Dias Braga
04 de junho de
1886
Drama
Francês
A filha do mar
Dias Braga
05 de junho de
1886
Drama
A filha do mar
Dias Braga
06 de junho de
1886
Drama
A filha do mar
Dias Braga
07 de junho de
1886
Drama
A filha do mar
Dias Braga
12 de junho de
1886
Drama
A filha do mar
Dias Braga
13 de junho de
1886
Drama
Maria Joana,
mulher do povo
Adolf Dennery
Dias Braga
15 de junho de
1886
Drama
Francês
Maria Joana,
mulher do povo
Adolf Dennery
Dias Braga
16 de junho de
1886
Drama
Francês
Maria Joana,
mulher do povo
Adolf Dennery
Dias Braga
18 de junho de
1886
Drama
Francês
Maria Joana,
Adolf Dennery
Dias Braga
19 de junho de
Drama
Francês
261
mulher do povo
1886
Maria Joana,
mulher do povo
Adolf Dennery
Dias Braga
20 de junho de
1886
Drama
Francês
Maria Joana,
mulher do povo
Adolf Dennery
Dias Braga
21 de junho de
1886
Drama
Francês
A estátua de
carne
Teobaldo Cicone
Dias Braga
22 de junho de
1886
Drama
Italiano
A filha do mar
Dias Braga
24 de junho de
1886
Drama
A estrangeira
Alexandre
Dumas
Companhia
dramática
portuguesa D.
Maria II
26 de junho de
1886
Drama
Francês
A filha do mar
Dias Braga
27 de junho de
1886
Drama
A estátua de
carne
Teobaldo Cicone
Dias Braga
28 de junho de
1886
Drama
Italiano
A estrangeira
Alexandre
Dumas
Companhia
dramática
portuguesa D.
Maria II
30 de junho de
1886
Drama
Francês
262
TEATRO FÊNIX
DRAMÁTICA
263
PEÇA
AUTOR
TRADUTOR/ADAPTADOR
COMPANHIA
RESPONSÁVEL
DATA DA
REPRESENTAÇÃO
GÊNERO
REPERTÓRIO
A filha da Sra.
Angot
Clairville,
Siraudin e
Koning
Artur Azevedo
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
07 de junho de
1885
Opereta
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
14 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
15 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
16 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
17 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
18 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
19 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
264
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
20 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
21 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
23 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
24 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
25 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
27 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
28 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
29 de junho de
1885
Ópera-bufa
Francês
265
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
02 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
04 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
05 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
07 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
09 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
11 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
12 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
266
A filha da Sra.
Angot
Clairville,
Siraudin e
Koning
Artur Azevedo
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
13 de julho de
1885
Opereta
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
15 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
18 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
19 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
Tio Brás
Mendes Leal
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
20 de julho de
1885
Opereta
Português
A princesa das
canárias
Chivot e Duru
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
20 de julho de
1885
Ópera-bufa
Francês
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
22 de julho de
1885
Ópera-cômica
Alemão
D. Juanita
Franz Suppé
Azeredo Coutinho
Companhia
portuense de
23 de julho de
1885
Ópera-cômica
Alemão
267
ópera-cômica
(Irene Manzoni)
Os fidalgos da
casa mourisca
Julio Diniz
Carlos Borges
Montedonio
17 de outubro de
1885
Drama
Português
Os fidalgos da
casa mourisca
Julio Diniz
Carlos Borges
Montedonio
18 de outubro de
1885
Drama
Português
Fogo do céu
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
12 de dezembro
de 1885
Drama
Espanhol
A espadelada
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
12 de dezembro
de 1885
Comédia
Português
Fogo do céu
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
13 de dezembro
de 1885
Drama
Espanhol
A espadelada
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
13 de dezembro
de 1885
Comédia
Português
Fogo do céu
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
14 de dezembro
de 1885
Drama
Espanhol
A espadelada
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
14 de dezembro
de 1885
Comédia
Português
Fogo do céu
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
16 de dezembro
de 1885
Drama
Espanhol
Trinta botões
Eduardo Garrido
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
16 de dezembro
de 1885
Comédia
268
A boceta de
Pandora
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
19 de dezembro
de 1885
Comédia
Francês
Trinta botões
Eduardo Garrido
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
19 de dezembro
de 1885
Comédia
A boceta de
Pandora
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
20 de dezembro
de 1885
Comédia
Francês
Trinta botões
Eduardo Garrido
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
20 de dezembro
de 1885
Comédia
A espadelada
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
20 de dezembro
de 1885
Comédia
Português
Pirata negro
Primo da Costa
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
24 de dezembro
de 1885
Drama
Pirata negro
Primo da Costa
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
25 de dezembro
de 1885
Drama
A espadelada
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
25 de dezembro
de 1885
Comédia
Português
Pirata negro
Primo da Costa
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
26 de dezembro
de 1885
Drama
Pirata negro
Primo da Costa
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
27 de dezembro
de 1885
Drama
269
A boceta de
Pandora
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
28 de dezembro
de 1885
Comédia
Francês
Trinta botões
Eduardo Garrido
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
28 de dezembro
de 1885
Comédia
A espadelada
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
28 de dezembro
de 1885
Comédia
Português
Pirata negro
Primo da Costa
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
31 de dezembro
de 1885
Drama
A espadelada
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
31 de dezembro
de 1885
Comédia
Português
Fogo do céu
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
01 de janeiro de
1886
Drama
Espanhol
A boceta de
Pandora
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
01 de janeiro de
1886
Comédia
Francês
Pirata negro
Primo da Costa
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
01 de janeiro de
1886
Drama
A espadelada
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
01 de janeiro de
1886
Comédia
Português
Inês de Castro
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
03 de janeiro de
1886
Tragédia
Português
270
A espadelada
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
03 de janeiro de
1886
Comédia
Português
Ditoso fado
Manuel
Roussado
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
03 de janeiro de
1886
Comédia
Trinta botões
Eduardo Garrido
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
03 de janeiro de
1886
Comédia
Fogo do céu
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
05 de janeiro de
1886
Drama
Espanhol
A boceta de
Pandora
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
05 de janeiro de
1886
Comédia
Francês
Inês de Castro
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
06 de janeiro de
1886
Tragédia
Português
A espadelada
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
06 de janeiro de
1886
Comédia
Português
A timidez de
Cornélio Guerra
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
06 de janeiro de
1886
Comédia
Ditoso fado
Manuel
Roussado
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
06 de janeiro de
1886
Comédia
Amor por anexins
Artur Azevedo
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
06 de janeiro de
1886
Comédia
Brasileiro
271
Inês de Castro
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
09 de janeiro de
1886
Tragédia
Português
Trinta botões
Eduardo Garrido
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
09 de janeiro de
1886
Comédia
Inês de Castro
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
10 de janeiro de
1886
Tragédia
Português
Vingança de
mulher
Rangel Lima
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
10 de janeiro de
1886
Comédia
Recrutamento na
aldeia
Companhia
dirigida por
Primo da Costa
10 de janeiro de
1886
Comédia
Recrutamento na
aldeia
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
14 de janeiro de
1886
Comédia
Trinta botões
Eduardo Garrido
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
14 de janeiro de
1886
Comédia
A espadelada
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
14 de janeiro de
1886
Comédia
Português
O homem da
máscara negra
José da Silva
Mendes Leal
Junior
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
16 de janeiro de
1886
Drama
Português
O homem da
máscara negra
José da Silva
Mendes Leal
Junior
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
17 de janeiro de
1886
Drama
Português
272
Fogo do céu
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
18 de janeiro de
1886
Drama
Espanhol
Trinta botões
Eduardo Garrido
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
18 de janeiro de
1886
Comédia
O homem da
máscara negra
José da Silva
Mendes Leal
Junior
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
20 de janeiro de
1886
Drama
Português
Recrutamento na
aldeia
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
20 de janeiro de
1886
Comédia
Inês de Castro
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
24 de janeiro de
1886
Tragédia
Português
Recrutamento na
aldeia
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
24 de janeiro de
1886
Comédia
Vingança de
mulher
Rangel Lima
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
25 de janeiro de
1886
Comédia
As campainhas
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
25 de janeiro de
1886
Comédia
Como se fazia um
deputado
França Junior
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
27 de janeiro de
1886
Comédia
Brasileiro
As campainhas
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
27 de janeiro de
1886
Comédia
273
Como se fazia um
deputado
França Junior
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
31 de janeiro de
1886
Comédia
Brasileiro
A espadelada
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
31 de janeiro de
1886
Comédia
Português
Inês de Castro
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
01 de fevereiro de
1886
Tragédia
Português
Recrutamento na
aldeia
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
01 de fevereiro de
1886
Comédia
O homem da
máscara negra
José da Silva
Mendes Leal
Junior
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
02 de fevereiro de
1886
Drama
Português
Recrutamento na
aldeia
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
02 de fevereiro de
1886
Comédia
As campainhas
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
02 de fevereiro de
1886
Comédia
Álvaro da Cunha
ou a partida de d.
Sebastião para a
África
João Ferreira da
Cruz
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
07 de fevereiro de
1886
Drama
Português
Recrutamento na
aldeia
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
07 de fevereiro de
1886
Comédia
Mulher...homem...
Labiche
D. José Mínimo
Companhia
dirigida pelo ator
07 de fevereiro de
1886
Comédia
Francês
274
Galvão
Mulher...homem...
Labiche
D. José Mínimo
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
08 de fevereiro de
1886
Comédia
Francês
Como se fazia um
deputado
França Junior
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
08 de fevereiro de
1886
Comédia
Brasileiro
Álvaro da Cunha
ou a partida de d.
Sebastião para a
África
João Ferreira da
Cruz
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
13 de fevereiro de
1886
Drama
Português
Mulher...homem...
Labiche
D. José Mínimo
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
13 de fevereiro de
1886
Comédia
Francês
Álvaro da Cunha
ou a partida de d.
Sebastião para a
África
João Ferreira da
Cruz
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
14 de fevereiro de
1886
Drama
Português
Fogo do céu
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
15 de fevereiro de
1886
Drama
Espanhol
Mulher...homem...
Labiche
D. José Mínimo
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
15 de fevereiro de
1886
Comédia
Francês
A espadelada
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
15 de fevereiro de
1886
Comédia
Português
Álvaro da Cunha
ou a partida de d.
Sebastião para a
João Ferreira da
Cruz
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
16 de fevereiro de
1886
Drama
Português
275
África
Álvaro da Cunha
ou a partida de d.
Sebastião para a
África
João Ferreira da
Cruz
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
21 de fevereiro de
1886
Drama
Português
29 ou a honra e a
glória
José Romano
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
27 de fevereiro de
1886
Drama
O diabo atrás da
porta
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
27 de fevereiro de
1886
Comédia
29 ou a honra e a
glória
José Romano
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
28 de fevereiro de
1886
Drama
O diabo atrás da
porta
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
28 de fevereiro de
1886
Comédia
Pedro Sem
L. A. Burgain
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
13 de março de
1886
Drama
Brasileiro
Pedro Sem
L. A. Burgain
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
14 de março de
1886
Drama
Brasileiro
Pedro Sem
L. A. Burgain
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
15 de março de
1886
Drama
Brasileiro
Pedro Sem
L. A. Burgain
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
20 de março de
1886
Drama
Brasileiro
Pedro Sem
L. A. Burgain
Companhia
21 de março de
Drama
Brasileiro
276
dirigida pelo ator
Galvão
1886
29 ou a honra e a
glória
José Romano
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
25 de março de
1886
Drama
O diabo atrás da
porta
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
25 de março de
1886
Comédia
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
27 de março de
1886
Drama
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
28 de março de
1886
Drama
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
29 de março de
1886
Drama
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
02 de abril de
1886
Drama
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
03 de abril de
1886
Drama
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
04 de abril de
1886
Drama
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
05 de abril de
1886
Drama
Os milagres de
J. M. Brás
Companhia
06 de abril de
Drama
277
santo Antonio
Martins
dirigida pelo ator
Galvão
1886
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
08 de abril de
1886
Drama
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
10 de abril de
1886
Drama
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
11 de abril de
1886
Drama
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
14 de abril de
1886
Drama
O diabo atrás da
porta
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
14 de abril de
1886
Comédia
Dois proscritos ou
a restauração de
Portugal
Cardoso de
Carvalho
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
17 de abril de
1886
Drama
Português
Dois proscritos ou
a restauração de
Portugal
Cardoso de
Carvalho
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
18 de abril de
1886
Drama
Português
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
18 de abril de
1886
Drama
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
19 de abril de
1886
Drama
O diabo atrás da
Companhia
19 de abril de
Comédia
278
porta
dirigida pelo ator
Galvão
1886
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
24 de abril de
1886
Drama
Dois proscritos ou
a restauração de
Portugal
Cardoso de
Carvalho
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
25 de abril de
1886
Drama
Português
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
25 de abril de
1886
Drama
Dois proscritos ou
a restauração de
Portugal
Cardoso de
Carvalho
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
02 de maio de
1886
Drama
Português
Rocambole
Ponson du
Terrail
Adolfo de Faria
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
03 de maio de
1886
Drama
Francês
Médico a pau
Molière
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
04 de maio de
1886
Comédia
Francês
Dr. Grama
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
04 de maio de
1886
Comédia
Rocambole
Ponson du
Terrail
Adolfo de Faria
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
05 de maio de
1886
Drama
Francês
Rocambole
Ponson du
Terrail
Adolfo de Faria
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
08 de maio de
1886
Drama
Francês
Rocambole
Ponson du
Adolfo de Faria
Companhia
09 de maio de
Drama
Francês
279
Terrail
dirigida pelo ator
Galvão
1886
29 ou a honra e a
glória
José Romano
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
10 de maio de
1886
Drama
Portugal e
Espanha ou a
união ibérica
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
10 de maio de
1886
Comédia
Rocambole
Ponson du
Terrail
Adolfo de Faria
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
15 de maio de
1886
Drama
Francês
Rocambole
Ponson du
Terrail
Adolfo de Faria
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
16 de maio de
1886
Drama
Francês
Rocambole
Ponson du
Terrail
Adolfo de Faria
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
17 de maio de
1886
Drama
Francês
Rocambole
Ponson du
Terrail
Adolfo de Faria
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
20 de maio de
1886
Drama
Francês
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
22 de maio de
1886
Drama
Trinta botões
Eduardo Garrido
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
22 de maio de
1886
Comédia
Dois proscritos ou
a restauração de
Portugal
Cardoso de
Carvalho
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
23 de maio de
1886
Drama
Português
Os milagres de
J. M. Brás
Companhia
23 de maio de
Drama
280
santo Antonio
Martins
dirigida pelo ator
Galvão
1886
Honra de um
taverneiro
Francisco Correa
Vasques
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
29 de maio de
1886
Drama
Brasileiro
Curar por
informações
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
29 de maio de
1886
Comédia
Honra de um
taverneiro
Francisco Correa
Vasques
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
30 de maio de
1886
Drama
Brasileiro
Curar por
informações
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
30 de maio de
1886
Comédia
Rocambole
Ponson du
Terrail
Adolfo de Faria
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
02 de junho de
1886
Drama
Francês
Honra de um
taverneiro
Francisco Correa
Vasques
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
03 de junho de
1886
Drama
Brasileiro
Curar por
informações
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
03 de junho de
1886
Comédia
Rocambole
Ponson du
Terrail
Adolfo de Faria
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
05 de junho de
1886
Drama
Francês
Pedro Sem
L. A. Burgain
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
06 de junho de
1886
Drama
Brasileiro
Os dois renegados
José da Silva
Companhia
12 de junho de
Drama
Português
281
Mendes Leal
dirigida pelo ator
Galvão
1886
Os dois renegados
José da Silva
Mendes Leal
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
13 de junho de
1886
Drama
Português
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
13 de junho de
1886
Drama
Os dois renegados
José da Silva
Mendes Leal
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
14 de junho de
1886
Drama
Português
Os dois renegados
José da Silva
Mendes Leal
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
19 de junho de
1886
Drama
Português
Os dois renegados
José da Silva
Mendes Leal
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
20 de junho de
1886
Drama
Português
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
21 de junho de
1886
Drama
Os dois renegados
José da Silva
Mendes Leal
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
22 de junho de
1886
Drama
Português
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
23 de junho de
1886
Drama
Curar por
informações
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
23 de junho de
1886
Comédia
Dois proscritos ou
Cardoso de
Companhia
24 de junho de
Drama
Português
282
a restauração de
Portugal
Carvalho
dirigida pelo ator
Galvão
1886
Os milagres de
santo Antonio
J. M. Brás
Martins
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
27 de junho de
1886
Drama
Honra de um
taverneiro
Francisco Correa
Vasques
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
27 de junho de
1886
Drama
Brasileiro
Os dois renegados
José da Silva
Mendes Leal
Companhia
dirigida pelo ator
Galvão
27 de junho de
1886
Drama
Português
ESEQUIEL GOMES DA SILVA
“DE PALANQUE”: AS CRÔNICAS DE ARTUR AZEVEDO NO
DIÁRIO DE NOTÍCIAS (1885/1886)
(Volume II)
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e
Letras de Assis UNESP Universidade Estadual
Paulista para a obtenção do título de Mestre em
Letras (Área de conhecimento: Literatura e Vida
Social).
Orientadora: Profa. Dra. Silvia Maria Azevedo
ASSIS
2010
Sumário
Introdução............................................................................................................ 10
CAPITULO I
1 Artur Azevedo: cronista em potencial......................................................... 17
2 Apresentação do Diário de Notícias.............................................................. 26
3 Artur Azevedo tecendo uma “manta de retalhos”..................................... 35
4 Aspectos formais das crônicas...................................................................... 40
CAPITULO II
1 Movimento teatral do Rio de Janeiro (1885/1886)..................................... 60
1.3 O teatro que (quase) não subiu no palanque...................................... 85
1.4 Aspectos da crítica teatral de Artur Azevedo.................................... 96
CAPITULO III
1 Literatura e outras artes, no “De palanque”.............................................. 109
1.5 Literatura.............................................................................................. 109
1.6 Música.................................................................................................... 114
1.7 Pintura................................................................................................... 123
1.8 Escultura................................................................................................ 127
Considerações finais............................................................................................ 131
Bibliografia........................................................................................................... 135
Apêndices.............................................................................................................. 141
Teatro Sant’Anna................................................................................................ 142
Teatro Pedro II.................................................................................................... 169
Teatro São Pedro de Alcântara.......................................................................... 181
Teatro Príncipe Imperial.................................................................................... 192
Teatro Lucinda.................................................................................................... 204
Teatro Politeama Fluminense............................................................................. 225
Teatro Recreio Dramático.................................................................................. 238
Teatro Fênix Dramática...................................................................................... 262
Ilustrações............................................................................................................ 286
Anexos................................................................................................................... 287
Anexo A................................................................................................................ 288
Anexo B................................................................................................................. 644
Ilustrações
287
Anexos
288
Anexo A
289
NORMAS DE ATUALIZAÇÃO ORTOGRÁFICA
1 Mantivemos algumas formas que, na grafia do tempo, ora aparecem juntas, ora
aparecem separadas: por ventura, sobre tudo, de mais.
2 Separamos o pronome nas formas que a grafia da época o unia à raiz: partil-as
(31/07/1885); leval-os (29/01/1886)
3 Em relação à grafia dos ditongos, atualizamos:
3.1 eo para eu: correo (12/10/1885); céo (04/02/1886)
3.2 ao para au: degrao (17/10/1885; Manaos (03/12/1885)
3.3 ae para ai: nacionaes (23/02/1886); vae (22/02/1886); cae (08/04/1886)
3.4 ai para ae: mãi (09/09/1885)
3.5 io para iu: incumbio (19/09/1885); prohibio (01/12/1885)
3.6 oe para oi: heróe (24/08/1885)
3.7 am para ão: orgam (01/12/1885)
3.8 ou para oi: dous (15/06/1885); cousa (20/08/1885)
3.9 oi para ou: estoirar (06/01/1886); doirado (03/12/1885)
4 Ditongamos os grupos vocálicos em ea: idéas (18/09/1885); assembléa (30/11/1885)
5 Dissolvemos os ditongos que se encontram hoje simplificados: peior (10/10/1885)
6 Eliminamos o apóstrofo das formas em que não se indicam hoje a elisão e a crase:
n‟esta (16/09/1885); d‟onde (20/10/1885); n‟aquellas (20/10/1885); d‟esse (15/11/1885);
d‟aqui (19/11/1885), n‟um (24/06/1885)
7 Atualizamos para:
7.1 s as palavras grafadas com z: brazileira (16/09/1885); quizer (05/02/1886)
7.2 z as palavras grafadas com s: monopolisaram (19/10/1885); comesinha (30/01/1886)
7.3 s as palavras grafadas com c ou ç: anciosos (15/01/1886); despretenciosas
(15/01/1886); cançar (06/12/1885)
7.4 ss as palavras grafadas com c: socegue (23/01/1886)
7.5 ss as palavras grafadas com s: resuscite (29/01/1886); resente-se (15/01/1886)
7.6 c ou ç as palavras grafadas com s: dansas (30/11/1885)
7.7 c ou ç as palavras grafadas com ss: Pão de Assucar (30/01/1886); assahy
(12/09/1885)
7.8 j as palavras grafadas com g: geito (08/04/1886); Larangeiras (30/11/1885)
7.9 x as palavras grafadas com ch: repuchos (04/02/1886)
7.10 ch as palavras grafadas com x: flexa (03/12/1885)
7.11 n as palavras grafadas com m: comtudo (04/11/1885); emfim (09/03/1886);
emquanto (05/02/1886)
A partir das normas elaboradas pelo professor Antonio Martins para a Coleção Clássicos do Teatro
Brasileiro. Teatro de Artur Azevedo. Tomo I, 1983. Essa atualização ainda não contempla o Acordo
Ortográfico.
290
8 Retiramos o h das palavras em que não se usa: extrahida (19/10/1885);exhibição
(08/04/1886); ahi (08/04/1886)
9 Atualizamos para:
9.1 u as palavras grafadas com o: logar (05/11/1885); comprimentos (03/02/1886)
9.2 o as palavras grafadas com u: concurrência (26/02/1886); tribu (04/12/1885)
9.3 e as palavras grafadas com i: siquer (04/12/1885); quasi (26/08/1885)
9.4 i as palavras grafadas com e: egual (30/11/1885); edade (04/12/1885); quaes
(19/08/1885)
10 Dissolvemos as dobradas:
10.1 cc: despreoccupada (07/02/1886); accusação (22/02/1886)
10.2 dd: addidos (20/08/1885)
10.3 ff: difficilmente (05/02/1886); effeito (15/01/1886)
10.4 ll: aquella (16/04/1886); pelle (26/021886)
10.5 mm: encommendar (05/02/1886); grammática (15/01/1886)
10.6 nn: annos (14/02/1886); penna (22/08/1885)
10.7 pp: appello (28/03/1886); supportar (09/03/1886)
10.8 tt: litterário (23/02/1886); attrahente (17/03/1886)
12 Retiramos as consoantes etimológicas, que já não se grafam: assumpto (07/02/1886);
victima (29/04/1886); escriptor (23/02/1886); scena (08/04/1886); assignada (17/03/1886);
solemnidade (16/03/1886)
13 Dissolvemos os dígrafos helenizantes:
13.1 ph: asphyxiado (29/04/1886); phósphoro (22/02/1886)
13.2 th: hypotheca (28/03/1886); theatro (08/04/1886)
13.3 ch: patriarcha (27/01/1886); orchestra (03/02/1886)
14 Mantivemos a grafia do termo porque de acordo com o uso da época.
15 Todas as notas explicativas desse anexo são de autoria de Artur Azevedo.
16 Eventuais expressões latinas (sic), bem como alguns pontos de interrogação entre
parênteses (?) foram inseridos nas crônicas pelo próprio jornalista.
17 Os colchetes [ ], por nós inseridos, indicam trechos ilegíveis.
18 Mantivemos a grafia de algumas palavras que ora aparecem escritas em português, ora
ora em língua estrangeira: Bond, reporter, club, grève.
291
08 de junho de 1885
Anteontem, primeira do Rei dos selvagens, no Pedro II.
A julgar pelo cartaz, o teatro havia sido reformado e melhorado.
Ao que parece, a reforma foi toda exterior; a frente do edifício faz lembrar agora
uma destas secretarias antigas, cheias de escaninhos e gavetas.
***
O aspecto da sala, medíocre. Não havia o que se chama uma enchente. Contudo,
os espectadores eram bastantes para encher quatro Príncipes Imperiais. Poucas toilettes
vistosas. Notava-se no público certa ansiedade por ouvir este Rei tão anunciado como o
Seio da morte, do Sr. Dias Braga, e o Gênio do fogo, da Sra. Fanny.
A Apolônia ardia em desejos de dar o Guarani: todos se lembram do sucesso que a
distinta atriz obteve quando aqui se representou aquele drama. Mas o Coaraci extraiu nova
peça do romance de Alencar, e ofereceu-a ao Heller: este pô-la imediatamente em ensaios,
e foi buscar ao Príncipe Imperial o Galvão, que é o único Peri possível.
Tanto o Coaraci, como o Heller, como o Galvão, foram muito amigos da
Apolônia; mas infelizmente as amizades duram pouco, e quem vê caras não vê corações.
Outro amigo, e este sincero o Muniz, tomou sobre os ombros a difícil tarefa de
vingar Ceci. Pegou num dramalhão francês, e, com a habilidade e o talento que todos lhe
reconhecem, arranjou o Rei dos selvagens.
O indivíduo mais hóspede em coisas de teatro logo que o Muniz que aliás não
assinou o seu trabalho teve a preocupação de fazer concorrência ao Guarani; inventou
também um Peri e uma Ceci, um quarto ato coreográfico, e transformou a tradicional
palmeira do romance num altivo coqueiro americano. O futuro dirá quem venceu neste
duelo entre o coco e o palmito.
***
Falemos dos artistas:
Apolônia É a mulher do Sr. Porto, o rei dos selvagens. Tem o rosto de uma cor e
os braços de outra. Questão de raça, talvez. Imprime certa vida ao papel, que aliás está
aquém de suas forças.
Jacinta de Freitas Mocinha branca, como lhe chama o Peri. Branca até de mais,
digo eu. Razoável.
Adelaide Pereira Bonita e graciosa até o ato. Daí para o desenlace um
espanador ambulante.
Ferreira É o Terror dos Bosques. Muito feliz em algumas cenas. Mas que
vestuário!
Porto É o Peri, que, como o seu homônimo brasileiro, sente uma força indômita.
Infelizmente o artista não a pode exprimere a contento da crítica.
Haja [ ] diálogo de amor do 2º ato, em que desejáramos o Peri patético.
Simões O visconde do Rio Branco metido em calças pardas. Bom tipo. Papel
secundário.
Correia Professor de dança e tocador de flautim; filautim, como ele diz, creio que
para fazer rir. Engraçado.
Muniz Representa com discrição o papel de um francês que vem à América em
busca da árvore das patacas.
Mendes Braga Um colecionador de coleópteros que sofre dos calos e tem medo
de uma coruja morta. O papel mais tolo da peça. Por isso mesmo faz rir.
292
Aristea Pezzi É a bailarina. Não conseguiu fazer esquecer a Bessoni. Entretanto,
antes esta que a Fuoco.
O Sr. Cardoso da Mota faz um selvagem e a Sra. Anita faz um menino. Que
desembaraço! dir-se-ia que esta senhora não tem feito outra coisa em toda sua vida.
***
Bons cenários anônimos. Música de Marengo, extraída do grande bailado Sieba, que
fez furor no Éden-Théâtre, de Paris. Nada fica a dever à do Excelsior. Marchas e bailados
habilmente compostos e ensaiados pelo Sr. Pogiolesi, que os dirigia do bastidor do
plano, à esquerda.
***
À saída do teatro:
O Galvão, que, apesar dos pesares, tem ferro por não ter feito este novo Peri, dizia,
referindo-se ao colega que o substituíu:
- Aquilo não é o Porto: é o Schumann.
Eloi, o herói
293
09 de junho de 1885
Estou hoje contente que nem um rato, como se diz em Portugal.
Não sei porque, pois não me parece que os ratos sejam felizes.
Em todo caso
Estou contente,
Muito contente,
Muitíssimo contente
Como cantava o nosso Guilherme de Aguiar no Dia e a noite.
***
- Mas qual é o motivo de tanto contentamento? perguntará o leitor admirado.
- Ainda não correu a loteria do Ipiranga, acrescentará S. S., atribuindo
precipitadamente ao vil metal a causa da minha alacridade.
Engana-se redondamente, meu amigo: o dinheiro foge de mim como o diabo da
cruz, e eu perdi a esperança de fazer a minha independência com o Ipiranga. Não
Pedro I que me valha.
***
O que neste momento me rejubila e entusiasma é a notícia da eleição de Joaquim
Nabuco pelo 5º distrito da sua bela província.
Também no terreno da política pode ter aplicação o velho ditado: o que tem de ser
tem muita força.
O ilustre moço apresentou-se pela capital de Pernambuco; fez conferências,
convocou meetings, escreveu artigos, angariou simpatias e convenceu o eleitorado.
No dia da eleição foi aquilo que se viu: rolo, ferimentos e mortes.
O pobre major Bodé voou para os intermúndios ideais, onde a estas horas o seu
espírito desperturbado reflete nas vantagens e desvantagens de andar neste mundo um filho
de Deus a servir de escada para ambições alheias.
Nunca vi tão ensangüentado o inocente cabo submarino que nos liga à terra de
Nunes Machado.
Para encurtar razões: Joaquim Nabuco, justa ou injustamente, teve que deixar o
lugar ao Sr. Joaquim Portela.
Mas hoje, graças à abnegação de um candidato sui generis um candidato cujo
altruísmo teria forças talvez para apagar a lanterna de Diógenes é eleito num distrito
longínquo, mas eleito sem conferências, sem meetings, sem artigos, sem Bodés, sem
chinfrim, sem barulho, sem mais dares nem tomares.
Quem me dissesse aqui tempos que tanto Portela como Nabuco seriam ambos
augustos e digníssimos nesta mesma legislatura, passaria por doido aos meus olhos
incrédulos e positivos.
Ainda bem! porque o jovem deputado (Cautela, que vai chapa!) vai assumir uma
atitude brilhante na tribuna parlamentar. A briosa província que o elegeu não terá que se
arrepender de o ter feito.
***
Resta agora saber se as juntas verificadoras....
Já ontem, em plena rua do Ouvidor, surpreendi uma palavra de mau agouro.
- Então o Nabuco eleito, hein? dizia Joaquim Serra ao Sr. Lourenço de
Albuquerque.
E o Sr. Lourenço teve um sorriso amarelo e respondeu:
- Veremos!
294
Deselegê-lo-ão?
Eloi, o herói.
295
14 de junho de 1885
A Semana acaba de fazer uma revelação importante: ainda existe o Centro
Positivista.
Eu julgava-o morto e bem morto, enterrado com o Sr. Miguel Lemos na Biblioteca
Nacional e com o Sr. Teixeira Mendes na Secretaria da Agricultura.
- Ainda bem! havia eu dito aos meus botões, por uma razão muito simples:
antipatizo solenemente com a sinagoga da travessa do Ouvidor.
Eu bem sei que o Sr. Mendes é um espírito superior, que o Sr. Lemos é um moço
muito ilustrado, e que em geral todos os positivistas brasileiros são pessoas dignas de
consideração e respeito.
Mas não lhes perdôo o crime que cometeram, roubando quatro nomes às letras
nacionais: Teixeira de Souza, Mariano de Oliveira, Aníbal Falcão e Generino dos Santos.
Teixeira de Souza, poeta [ ] e sonoroso, escreveu e publicou versos que eram
projetos de epopéias. Haja vista a sua belíssima ode à Espanha.
Mariano de Oliveira imprimiu, sob o pseudônimo de Mário, um livro de versos,
enganadoras primícias de gloriosa carreira literária.
Aníbal Falcão e Generino dos Santos escreviam ambos, no Diabo a quatro, de
Pernambuco, brilhantes artigos de crítica social. O primeiro publicou um drama, que
prometia muitos dramas: o Doutor Alberto; e o segundo compôs uma longa série de
magníficos sonetos. Assinava-os Juvenal, e esse pseudônimo filaucioso nunca envergonhou
o grande poeta latino.
Pois bem: todos esses trabalhos foram condenados pelo Centro Positivista, que
também tem um index, como também tem um Papa.
- Quereis entrar no tabernáculo? perguntou-lhes o Sr. Lemos. Sacudi fora o
das sandálias... deixai na rua toda essa farandulagem literária... Os carroceiros da Gari se
incumbirão de removê-la para os depósitos de lixo.
E todos obedeceram: entraram para o tabernáculo como se entrassem para o
convento dos Trapistas; divorciaram-se das letras, que precisavam deles, e abandonaram os
seus tesouros, e desprezaram os seus talentos.
Ainda assim, alguém pensará, talvez, que não havia razão de queixa, porque no
Brasil os poetas, por via de regra, o são até certa idade, e é possível que aqueles quatro
cavalheiros, quando não se houvessem filiado às doutrinas de Comte, sacrificassem as suas
aptidões literárias a conveniências de outra ordem, menos positivistas, embora mais
positivas.
Hoje, porém, muda o negócio de figura: até agora alguém havia que, por fazer parte
do Centro Positivista, perdera o uso do talento; mas, pelo mesmo motivo, um pobre rapaz
acaba de perder o uso da razão, e isto é mais sério.
Fale por mim o meu ilustrado da Semana, Dr. Valentim Magalhães:
“Um moço, pertencente a uma distinta família desta Corte e cunhado de um dos
nossos companheiros de trabalho, apresenta, desde alguns dias, iniludíveis sintomas de
alienação mental. Esse moço, que é empregado público, filiara-se há algum tempo ao
Centro Positivista.
.................................................................................................................................
“O distinto moço distinto pelas suas qualidades pessoais e bondade de coração
entrou a emagrecer, a melancolizar-se, a tornar-se pálido, a enfraquecer sensivelmente.
.................................................................................................................................
296
.... a tal ponto levou as suas idealizações de „amor espiritual‟, por tal forma refinou
o seu fervor religioso, que, um dia, com imenso e doloroso espanto da família, que o ama
extremamente, manifestou-se doido.
.................................................................................................................................
Um dia destes, à tarde, conseguindo iludir a vigilância da família, fugiu pela rua, em
ceroulas, gritando; sendo, enfim, detido na rua dos Ourives por ordem de seu pai, que lhe
corria no encalço”.
E o distinto escritor conta-nos a engraçada história de certo casamento espiritual,
filho do regimen religioso do pobre moço, e a de um acesso de ternura que lhe causou a
presença do Sr. Teixeira Mendes, quando este o foi visitar.
Ora, francamente: se os diretores do positivismo brasileiro, empanturrados das sete
ciências de Comte, têm espírito e calças para não sair em ceroulas, reflitam que nem todos
resistem ao seu sistema filosófico, e tenham pena dos pobres rapazes.
Primeiramente ensinem, depois catequizem: que diabo lucrarão suas senhorias com
meia dúzia de prosélitos sem miolo, ou com ele, quando possam dizer como Voltaire:
Notre credulité fait toute leur science?
Eloi, o herói
N. B. Ao Escaravelho e ao público: Escapou-me ontem um erro na décima oitava
linha do meu De palanque: onde está heterogeneidade leia-se homogeneidade.
Eu podia dizer que foi engano da tipografia; mas a mentira seria muito calva; prefiro
confessar, contra todas as regras estabelecidas, que quem se enganou fui eu. E, o h
297
15 de junho de 1885
Aos Dois Sargentos, o velho e estafado melodrama anteontem exibido no Recreio
Dramático, prende-se uma recordação jocosa de minha infância.
Conhecem o enredo da peça? O sargento Guilherme tem que ser fuzilado, e o
sargento Roberto oferece-se para ficar em seu lugar enquanto o condenado vai despedir-se
da família
Imaginem que a família mora em S. Domingos, e que o sargento Guilherme, que
nada como Leandro, tendo perdido a barca... e a cabeça, atira-se ao mar, e chega ao quartel
do Moura antes da hora do fuzilamento.
***
Pois bem: era num teatrinho particular. O furioso, que desempenhava o papel de
Guilherme, entrou previamente numa tina de água fria, e molhou-se todo, para que o efeito
dramático fosse mais natural e mais seguro no final da peça.
Para evitar uma constipação, mais certa ainda que o tal efeito, o pobre amador teve a
infeliz idéia de ingerir aguardente bastante para embriagar-se. Em vez de apanhar uma
constipação, apanhou uma camoeca, e que camoeca!.
Adivinha-se o resto. Quando o marechal conde de Alta Vila se dirigiu ao sargento
ensopado, este, que fora aplaudido à entrada, porque os espectadores atribuíram
ingenuamente os efeitos da cachaça ao talento do encachaçado, respondeu com meia dúzia
de palavras que escandalizaram as famílias presentes.
Calculem o efeito deste desenlace inédito e imprevisto.
Desde então os Dois sargentos, um drama escrito, aliás, por mão de mestre,
produzem sempre no meu espírito um efeito cômico, de que nem o próprio Ernesto Rossi,
com o seu descomunal talento, conseguiu libertá-lo.
***
Não tenho senão elogios para os artistas que, diante de um público escasso e frio, se
encarregaram da exumação deste fóssil, que fez as delícias do meu avô e promete fazer as
do meu neto.
O Magioli, um bom carcereiro de braço ao peito e sem braço; a Leolinda, que eu
muito tempo não via representar; o Lisboa, o Maia, o Castro e a Balbina, cantaram
perfeitamente os coros que acompanham a grande ária do sargento Guilherme.
Já tenho visto este papel desempenhado por muita gente.
O Dias Braga não é o melhor dos meus sargentos Guilhermes; o pior é sem dúvida o
furioso de que acima falei.
Eloi, o herói
298
16 de junho de 1885
O País publicou, sábado passado, um projeto anônimo de lei sobre o elemento
servil, formulado, diz ele, por “um ilustrado cavalheiro, espírito prático e versado em
estudos políticos e administrativos.”
Ora, o Sr. deputado Leopoldo Bulhões, que é também um cavalheiro ilustrado, que é
também um espírito prático e também versado em estudos políticos e administrativos, já em
sessão de 03 de setembro de 1883, apresentara à Câmara o mesmo projeto, com
insignificantes alterações... para melhor.
Examinemos ambos os projetos.
Diz o do ilustrado amigo do País:
Art. 1º- Da data da publicação da presente lei fica abolida para sempre a escravidão
no Império do Brasil, observando-se as disposições seguintes:
§ 1º- Proceder-se-á em todo o Império à matricula de todos os libertos pela presente
lei, na qual se arrolarão por seus nomes, sexos, idades e profissões.
§ 2º- Os libertos ficam obrigados a prestar aos seus antigos senhores seus serviços
até fim de 1890, tendo, porém, direito a remir estes serviços em dinheiro, por meio de
arbitramento.
§ 3º- Os serviços dos libertos são intransferíveis, sob qualquer pretexto, e só
poderão passar a terceiros por herança de ascendentes ou descendentes; e, se não houverem
herdeiros forçados, cessa a prestação dos serviços.
§ 4º- Os libertos, durante o prazo marcado no §2º, serão sustentados, vestidos e
tratados por seus antigos senhores, como até o presente faziam os escravos”.
Diz o projeto Bulhões:
“Art. - Da data da presente lei em diante ficam livres todos os escravos existentes
no Império.
Art. 2º- Os libertos por virtude desta disposição ficam obrigados à prestação de
serviços aos seus ex-senhores pelo prazo de seis anos.
Desta obrigação excetuam-se:
§ 1º- Os que remirem-se dela por pagamento em dinheiro; não podendo, neste caso,
os serviços pela totalidade do prazo ser estimados em quantia maior de 800$00.
§ - Os maiores de 50 anos, e os que, no decurso do prazo acima dito, forem
atingindo a essa idade, que dará direito ao gozo imediato da liberdade.
A idade para este efeito será determinada pela matrícula; se admitindo prova em
contrário quando esta for a favor da liberdade.
§ 3º- Aqueles, cujos ex-senhores faleceram na constância do prazo, sem herdeiros
forçados descendentes, aos quais tão somente passará o direito aos serviços por título
hereditário”.
Como se vê, é a mesma coisa por outras palavras, sendo que o projeto Bulhões
aproveita a velha matrícula, para evitar escândalos prováveis.
Continuemos. Diz o projeto País:
“Art. - Os libertos pela presente lei que fugirem ou se recusarem a prestar os seus
serviços, serão arrolados por distritos, em companhias de jornaleiros, sob a curatela dos
juizes de órfãos e imediata direção dos subdelegados de seus distritos.
§ 1º- Os jornais dos libertos arrolados em companhias serão metade para os donos
de seus serviços e outra metade para seu sustento e vestuário.
299
§ 2º- Os mesmos libertos arrolados serão sujeitos a castigos correcionais, quando se
apartarem dos seus deveres; os que, porém, continuarem a servir seus antigos senhores, não
serão passíveis dos castigos que se aplicavam aos escravos.
Art. 3º- Os libertos que não forem dados à matrícula por seus antigos senhores
ficam livres de pleno direito e não serão obrigados a prestar seus serviços até fim de 1890.
Art. 4º- A soma proveniente do atual fundo de emancipação será aplicada à
remissão dos serviços dos libertos pela presente lei, procedendo-se ao arbitramento
recomendado no §2º do art. 1º, tendo-se em atenção nesse arbitramento a idade e estado
físico do indivíduo que se remir, mas nunca excedendo do valor de 500$00.
Art. 5º- Pela matrícula dos libertos não se cobrará imposição alguma, e nem
tampouco pelo processo de arbitramento para a remissão dos serviços.
Art. 6º - O governo organizará o regulamento para execução da presente lei, no qual
determinará as penas ou castigos que poderão ser aplicados aos libertos”.
Ouçam agora o Sr. Bulhões:
“Art. - A obrigação de prestar os serviços de que trata o artigo antecedente é
transferível por atos inter vivos, por simples escrito particular.
Art. 4º- Os contratos de prestação de serviços, feitos em virtude da legislação
anterior, continuam a ser por ela regulados.
Art. 5º- No regulamento que se expedir para a execução desta lei, o governo
determinará as obrigações dos ex-senhores para com os novos libertos relativamente à
manutenção e tratamento dos mesmos, bem como tomará as precisas providências para que
seja fielmente cumprida a obrigação de serviços, imposta aos libertos pelo art. 20.
O autor do projeto anônimo publicado no País declara que todos os brasileiros têm
o direito incontestável de externar suas opiniões sobre a questão capital da atualidade.
Isso é verdade, mas me parece que ninguém tem o direito de externar as opiniões
alheias, embora revestidas de nova forma.
Tomei este assunto para o meu De palanque de hoje, a fim de dar a César o que é de
César. Mesmo porque o Sr. Leopoldo Bulhões, que está vivo, talvez não queira que o seu
projeto fique per omnia esquecido nos anais do parlamento, e pretenda aproveitá-lo num
momento dado.
Eloi, o herói
300
17 de junho de 1885
Realizou-se anteontem, no Lucinda, a festa artística do grande e valoroso Furtado
Coelho.
Singularidade inaudita: o teatro não estava cheio a deitar fora! Todavia, o Celestino
afirmava, depois do espetáculo, na Maison Moderne, que a “venda da porta” excedera de
1:400$, e o beneficiado distribuíra por seus amigos, todos os camarotes e grande número
de cadeiras.
***
Bonita sala, palavra de honra! Convidados escolhidos a dedo. A alta sociedade
perfeitamente representada. Suas Majestades no seu camarote, acompanhados dos
respectivos semanários, do médico do paço e da indefectível dama de honor. Sua
Majestade a Imperatriz, de preto, segundo o seu singelo costume. De vez em quando o
espírito de Sardou lhe entreabria os lábios naquele angélico e tradicional sorriso
bourboniano, que tão simpática lhe torna a fisionomia serena.
***
A comédia Por causa de uma carta não é nova para os fluminenses: muitos
anos foi aqui representada, no defunto Ginásio, com o título de Garatujas,
inquestionavelmente melhor.
É admirável o talento com que Sardou escreveu sem assunto esta adorável comédia.
Nas Pattes de mouche havia, quando muito, matéria para uma anedota. Não se defende ali
uma tese, nem se castiga um vício, nem se premeia uma virtude, nem se recorre sequer a
esses qüiproquós extravagantes, que hoje constituem o fundo e a essência de todas as
comédias francesas. Mas a ação desenvolve-se com naturalidade, os incidentes cômicos
sucedem-se com tanta lógica, o diálogo é tão vivo, tão cintilante, em uma palavra: tão
parisiense, que o espectador, longe de achar que haja muita parra e pouca uva, lastima
deveras que a comédia só tenha três atos.
***
Entretanto, mais admirável que o do Sardou é o trabalho da Lucinda, que aliás não
foi aplaudida como devia ser. Aquele ato colocou o papel de Suzana a par das melhores
criações da distinta atriz portuguesa. muito tempo eu não via representar com tanto
talento, com tanta graça, com tanta consciência. Nada se perde ali; o menor gesto, o mais
insignificante olhar é o resultado de um estudo inteligente e acurado. Houve, disseram-me,
oito ensaios gerais... Mas que riqueza de inflexões! que mobilidade de fisionomia!
O Furtado portou-se, como sempre, briosamente, galhardamente, mas, terminado o
2º ato, dir-se-ia que se tratava do beneficio da Lucinda. Se nestas palavras desgosto para
o artista, que aliás foi muito obsequiado, também muita satisfação para o esposo; fique
uma coisa pela outra, e perdoe-me o Furtado.
Terminado o ato, ia eu dizendo, o camarim da Lucinda foi invadido por um troço
valente da legião dos seus admiradores.
O primeiro que entrou foi o velho Simões, que a abraçou e beijou na sua tríplice
condição de pai, mestre e colega. Logo em seguida apareceram Machado de Assis,
Valentim Magalhães, Gaspar da Silva, o simpático redator do Diário Mercantil de S. Paulo,
de passagem na corte, Dr. Félix da Costa, Dr. Neto Machado, Filinto de Almeida, Dantas
Junior, Dr. Sayão Lobato, Dr. Figueiredo de Magalhães... e outros... e outros.
Enquanto eu, transportado, beijava a mão da festejada atriz e dava-lhe sorrindo
estudados “pêsames” pelo seu “horroroso fiasco”, os demais cavalheiros apostavam
madrigais e adjetivos. Era um rasgar sedas sem fim!
301
Alguém observou:
- Decididamente a senhora é feliz com as Suzanas: a Suzana das Pattes de mouche
vale bem a do Demi-monde.
E a Lucinda respondeu:
- Ainda bem, porque o meu último papel é ainda uma Suzana.
Efetivamente a Lucinda vai desempenhar em 02 de julho próximo, o papel criado
por Maria Antonieta no Casamento de Fígaro.
Eloi, o herói
302
18 de junho de 1885
De vez em quando o Sr. De Wilde convida-nos para assistirmos a uma exposição
artística em sua casa, na rua Sete de Setembro.
Ultimamente se fizeram algumas exposições interessantes, como fossem a dos
trabalhos de Firmino Monteiro, dos quadros oferecidos em benefício das vítimas dos
terremotos de Espanha, e, finalmente, do magnífico retrato do Sr. Ferreira Viana,
magistralmente pintado por Tomaz Driendl.
Atualmente acham-se expostos no salão De Wilde nada menos que vinte e uma telas
do conhecido e reputado paisagista Grimm.
O espaço de que disponho nestas colunas não me permite ser extenso na apreciação
de todos esses trabalhos, alguns dos quais me pareceram dignos de menção.
O quadro n. 6, que representa a praia da Piedade, é admirável de colorido. Boa
distribuição de luz e desenho, muito desenho.
O de n. 7, reproduzindo a nunca assaz pintada praia de Icaraí, seria um primor, sem
aquele céu de um azul escandaloso e bulhão.
O de n. 14 é talvez o melhor da exposição. O “Dedo de Deus”, essa gravíssima
saliência, que majestosamente domina as nossas belas cordilheiras, não tinha sido ainda tão
bem copiada.
O quadro n. 21 é bom, muito bom; ótimo diríamos, se não fosse a desproporção
daquele maldito navio, que não sei o que veio ali fazer.
Não podemos deixar de lastimar que o Sr. Grimm incluísse na exposição dos seus
trabalhos aquela inqualificável Ilha dos Amores, em que, aliás prodígios de colorido.
Mas aquela frota microscópica! aquelas ninfas cor de telha! aquele palácio perdido no
morro com as suas escadinhas burguesas, que parecem mandadas construir por um
comendador de mau gosto! Oh! Tudo aquilo fez um mal horrível aos nervos!
O Sr. Grimm é verdadeiramente notável quando copia uma paisagem d’après
nature. A palheta não tem segredos para este pintor, que não duvidaremos colocar na
primeira plana ... do nosso meio artístico, entenda-se.
Mas o Sr. Grimm devia deixar tranqüilo o mar e a figura humana. A onda é
pérfida... mesmo para os pintores. O mar do Sr. Grimm não tem nível, e as suas figuras não
têm movimento.
O Sr. Grimm é de um realismo atroz. É dos tais que pensam que a natureza não se
corrige. Um montículo que afastasse um palmo da linha natural, uma árvore que plantasse,
com a independência do artista, num lugar em que não houvesse árvores, seriam para o Sr.
Grimm motivo para desgostos e insônias. Por isso, os seus quadros acusam muito talento,
muito savoir faire, mas não revelam uma individualidade.
O Sr. Grimm é um grande mestre, pois tem produzido discípulos que, como Caron
Vasquez, ameaçam excedê-lo. Porque? Porque esses discípulos aprendem a maneira do
seu mestre, familiarizam os olhos com as paisagens, mas naturalmente insurgem-se contra
esse parti-pris de verdade nua e crua, e fazem concessões ao sentimento estético. Nos
quadros de Caron, Vasquez e Ribeiro, sempre alguma coisa deles, alguma coisa que
sentiram sem ver, mas não pintaram sem sentir.
Que diabo, Sr. Grimm: nem todas as verdades se pintam! O Sr. é o Epaminondas da
paisagem!
Eloi, o herói
303
19 de junho de 1885
Quatro contos e seiscentos mil réis: tal foi a respeitável soma arrecadada anteontem
pelo bilheteiro do Teatro Pedro II.
Pudera! representava-se o Guarani, um drama que no demolido e saudoso
Provisório apanhara um sucesso sem precedentes nos nossos teatros, e há onze anos dormia
injustamente o sono dos alfarrábios inúteis.
Todos se lembram dos escândalos que em 1874 precederam à exibição do Guarani;
o próprio José de Alencar, considerando-se ofendido nos seus direitos literários e
pecuniários, encarregara-se de promover indiretamente uma réclame inaudita.
A grande voga da peça influiu para a enchente real com que anteontem se lambeu o
Heller.
Entretanto, o Guarani de 1874, extraído do romance de Alencar por Visconte
Coaraci e Pereira da Silva, não é precisamente o Guarani de 1885, arranjado pelo primeiro
daqueles dois distintos escritores, e por sua Exma. esposa, a ilustrada e espirituosa D.
Corina Coaraci.
***
Às oito e meia já não havia no teatro um lugar desocupado. Público do Lírico... série
B. No camarote imperial Suas Majestades e Sua Alteza a Sr. D. Isabel. No n. 11 da
ordem, à direita, a viúva de José de Alencar. Em frente, a autora e o autor da peça. Muita
gente conhecida.
A orquestra do Sant‟Anna, consideravelmente aumentada e regida pelo Cavalier,
executa a sinfonia de Carlos Gomes. Aplaudem, não sei bem se a sinfonia, se a orquestra.
Creio que a sinfonia, porque o Cavalier não se levantou para agradecer.
***
Quadro I Terreiro. Cena bem pintada. D. Antonio de Mariz oferece uma
espingarda a Perí, e Perí esquece-se de a levar consigo, quando pretende voltar para o mato.
A Dolores representa o papel de Ceci e a Delmary canta-o.
Quadro II Reduto da casa de D. Antonio de Mariz. Bravos aos cenógrafos! Canta-
se a Ave Maria.
Ave Maria!
Quadro III Dependências da casa de D. Antonio. O verde daquele arvoredo nunca
foi brasileiro, mesmo atendendo aos efeitos do luar.
Quadro IV Mata, penhascos, rio. Magnífica cena. Faz muito efeito a construção
instantânea de uma ponte, que desaba em seguida ao peso de um caboclo.
Quadros V e VI Nada têm de notáveis. Mal feita a mutação para o quadro VII, a
alcova de Cecília. Durante alguns minutos a cena apresenta o singular efeito de uma parede
única de casa rica, erguida no meio de uma esplanada. É a primeira vez que o maquinista
do Heller tem um cochilo. Homero também os teve. E era quem era!
Quadro VIII Belo cenário, que faz esquecer o desastre do quinto quadro. O campo
dos Aimorés. Bonito bailado do Sr. Pogiolesi. Marchas e evoluções perfeitamente
ensaiadas. Muita gente em cena. Deslumbrante efeito.
Quadro IX A mesma cena do segundo. Duas vezes falha a pistola de D. Antonio
de Mariz; mas o paiol da pólvora toma a resolução, espontânea e louvável de se inflamar
sem fogo.
Quadro X O Paraíba, “marulhando em enchente”. Um aperto de mão ao
cenógrafo Huascar de Vergara. Esplêndido quadro!
***
304
Peri Galvão. O estimado ator onze anos suspirava pela noite de anteontem.
Agora posso morrer satisfeito, dizia ele, acabado o espetáculo. Recitou bem o seu papel;
mas encolhia-se constantemente, como se sentisse frio. Porque?
D. Antonio de Mariz Lisboa. Desempenhou o seu importante papel com o mesmo
talento com que o fizera em 1874.
Loredano Arêas. Na nova peça não o prólogo da antiga, e oferecia este
ingrato papel margem para que o provecto artista exibisse a sua habilidade.
Aires Gomes Matos. Discreto e consciencioso.
O cacique Pinto. Perfeitamente caracterizado.
D. Lauriana Herminia. Razoável. Uma bela cabeça. Não se compreende que uma
senhora, embora fidalga, se vestisse de cetim em S. João de Paquequer, no princípio do
século XVII. Tanto mais, que o marido lhe pergunta no quadro: Quereis que D. Diogo
passe toda a sua vida agarrado ao vosso avental e à vossa roca?
Cecília Dolores, graciosa estreante, que só merece elogios.
Os demais papeis são tão insignificantes, que não vale a pena mencioná-los.
***
Acabada a função, quando o público se retirava, ouviu-se um grande tiro, disparado
na caixa do teatro, provavelmente pelo contraregra.
- É o tiro de honra, observou um malicioso.
Eloi, o herói
305
20 de junho de 1885
Num impresso distribuído em 25 de S. Paulo de 97, isto é, cinco dias, afirma o
ilustrado diretor do Centro Positivista que não foram as idéias de Augusto Comte que
transtornaram o miolo ao pobre rapaz que andou em ceroulas pelo meio da rua.
O Centro e a Semana que liquidem essas contas: eu cá estou de palanque.
Diz o Sr. Lemos:
“Este moço, que se apaixonara por uma moça, alimentando esta afeição por algum
tempo e acreditando-se até correspondido, se bem que sem fundamento, descobriu de
repente que o objeto de seu afeto estava comprometido, e que o futuro marido era nada
menos (Este nada menos é adorável!) do que outro confrade nosso. Parece que esta dupla
revelação o impressionou de um modo terrível, porque é daí que datam os primeiros
sintomas de uma crise que foi pouco e pouco agravando-se até afetar seriamente a saúde
cerebral”.
O trecho que se acabou de ler pertence a uma carta dirigida pelo Sr. Lemos ao
proprietário da casa de saúde a que foi recolhido o infeliz namorado.
Ficamos, por conseguinte, cientes de que não foi o positivismo mas o famoso deus
Cupido o causador de tão lamentável desgraça.
Entretanto, peço a atenção do leitor para as seguintes palavras do post-scriptum da
carta:
“Sendo talvez útil esclarecer a boa fé do público sobre este doloroso incidente,
resolvi fazer imprimir e distribuir esta carta, em avulso, forma habitual das nossas
publicações, visto não nos ser lícito, pelos preceitos de nossa doutrina, recorrer à indústria
jornalística”.
Ao que parece, os preceitos da doutrina positivista têm uma ação transitória, porque
não muito tempo que o Centro dispunha de umas tantas colunas da Gazeta de Notícias,
e não me consta que a Revista Ocidental, de Paris, tenha cessado a sua publicação.
Demais, para o fim de produzir a sua defesa, não recorre o Centro Positivista à
indústria tipográfica, e ao papel, à pena e à tinta, que são outras tantas indústrias?
Ora viva!
***
Ontem, estava eu no Carceller, e pedia aos meus botões um assunto para estas
linhas, quando vi passar o enterro do conselheiro Tomaz Serqueira.
É provável que não o conhecessem: o prestimoso cidadão exercera em melhores
tempos vários cargos de alta confiança administrativa, mas ultimamente refugiara-se numa
bela vivenda de Paquetá, e lá esperava, tranqüilo e resignado, a tremenda visita da morte.
Apesar dos seus oitenta anos, não parecia que tão cedo esta lhe abrisse a porta.
Ainda ultimamente tive ensejo de ser muito obsequiado em sua casa, em Paquetá.
Por essa ocasião o conselheiro Serqueira mostrou-me um opulento e frondoso mangueiral,
plantado na sua chácara, e observou-me que esses [ ] representavam também a sua
descendência:
- Como assim?
- Sempre que me nascia um filho ou um neto, eu plantava uma mangueira... Olhe, cá
está o meu José.
Pobre velho! Não mais terá ocasião de ver crescer e frutificar essas verdes e
risonhas companheiras do seu amor paternal!
***
306
Tenha santa paciência o homem da Psicologia da imprensa: desta vez o erro foi
tipográfico. Eu escrevi graciosíssima e compuseram gravíssima. Não fiz errata, porque
confesso nunca supus que o Escaravelho fosse tão mal intencionado. O azul escandaloso
e bulhão é meu; é meu, e não me retrato. A frase é nova; não podia agradar ao psicólogo,
que é velho. Velho e escandaloso. Escandaloso e bulhão. Tal qual o meu azul.
Eloi, o herói
307
23 de junho de 1885
Vai um rebuliço extraordinário pelos nossos teatros.
Despontam no horizonte vinte mil novidades, e as empresas indígenas tremem,
assustadas pela aproximação da concorrência.
Pobres empresas! lutam metade do ano com o calor e a outra metade com a invasão
estrangeira.
Seria justo que as companhias forasteiras pagassem às permanentes um imposto
pecuniário, que de alguma forma compensasse o medonho sacrifício a que são estas
obrigadas.
O público despreza os artistas que o divertem todo o ano, desde o momento em que
lhe apareçam os outros os que só o divertem quando faz frio.
Por isso o Heller não quer saber de mais nada: está arranjando atabalhoadamente as
malas, e, exibida que seja a Cruz de Alcaide, irá pedir a S. Paulo um refúgio contra a
invasão.
A Apolônia, coitada! Fechou o S. Luiz antes que os outros teatros se abrissem às
multidões ávidas de garganteios e cabriolas, de rouxinóis e macacos.
O Dias Braga anda a explorar umas réprises , esses trapos quentes do teatro, porque
naturalmente reserva o drama de Echegaray, que já tem pronto, para maior de espadas.
O Celestino da Silva não renovará o contrato que celebrou com os seus artistas; o
Casamento de Fígaro será a chave de ouro dos trabalhos da sua empresa.
Entretanto, duas senhoras oferecem ao sexo forte o exemplo da resistência e da
coragem: a Manzoni e a Fanny. Esta hoje nos dá o Gênio do fogo, em pleno período de
efervescência teatral; aquela, longe de pretender procurar noutras plagas a brisa da
felicidade, prepara ativamente o Grão Mogol, a última produção da tríplice e ditosa aliança
Chivot, Duru e Audran.
A série das novidades foi inaugurada pela Estudiantina Fígaro, que tem feito um
verdadeiro sucesso. A família imperial, assistindo aos seus concertos, -lhes a nota
mondaine. Que lindas salas tem tido o Sant‟Anna!
por essas ruas é visto o radiante Ciachi, aquele mesmo Ciachi, empresário
eclético que nos trouxe o Rossi e o Beli, a Tessero e a Preciosi, e ainda um dia nos de
trazer o Paulus e a Sarah Bernhardt, a Judie e a Patti.
Dizem-nos maravilhas da Duse-Checchi e do César Rossi, as duas principais
estrelas da constelação Ciachi. Efetivamente tenho visto a fotografia desses dois artistas em
muitas caixas de fósforos de cera, e lá, na pátria do ideal, quando o retrato de um indivíduo
entra no domínio da indústria fosfórica, é porque esse indivíduo vale muito. Na Itália, toda
a moderna geração artística, literária e política está fotografada nas caixinhas de papelão de
Trofarello, di Torino.
No Pedro II o Guarani cederá o passo à companhia de ópera-cômica francesa de
que faz parte a Vaillant-Couturier, uma adorável criatura que representa bem, canta melhor
e encanta que é um gosto. Não conheço os demais artistas da Companhia Sebastiani: mas a
Couturier é quanto basta para levar todo o Rio de Janeiro à Guarda Velha.
Acrescente-se a tudo isto, para desespero dos nossos empresários, a notícia de que
não tarda il signor Ferrari, com Tamagno, Marconi , Borghi-Mamo, Adini, Broggi, o
diabo!...
O Samuel esfrega as mãos de contente.
Ao prego, minhas senhoras e meus senhores, ao prego!...
Eloi, o herói
308
24 de junho de 1885
Hoje, passando o autor destas linhas pela rua da Carioca perdão! pela rua de S.
Francisco de Assis olhou maquinalmente para o interior de uma casa de ferros velhos, e
deu com o respectivo belchior muito ocupado a limpar a moldura de um velho quadro.
Supondo que se tratava de algum objeto de arte, aproximei-me e entrei. Que
decepção! Era um cromo, detestável como todos os cromos.
- Que é isso? perguntei interessado.
- É um S. João, respondeu o belchior, sem levantar a vista.
- Um S. João?!
- Os São-Joães têm tido muita procura este ano. tenho enjeitado uns cinco ou seis
fregueses. Mas de repente lembrei-me de que há três anos tinha este calunga ali num canto.
Hei de impingi-lo.
Que o “calunga” não escandalize a piedade do leitor: o belchior era judeu.
Palavras não eram ditas, e entrava na loja uma velha, justamente à procura de um S.
João. Escusado é dizer que foi servida, mediante dez regateados e suspirados tostões.
depois de sair a devota, levando religiosamente aquela estampa, de que eu,
embora pago, jamais seria dono, é que o belchior prestou atenção à minha pessoa.
E o homem entrou a fazer umas considerações, gratuitas e filosóficas, a propósito da
véspera de S. João.
Apesar de estrangeiro, conhecia a Corte como as palmas de suas mãos, e, ao que
parece, os nossos costumes populares haviam sido para ele objeto de estudo, e estudo
sério.
- O S. João de hoje, dizia-me o judeu, é um S. João degenerado! Já lá se vai o tempo
da batata assada, e do Mata horas aborrecidas. Noutro tempo, na noite de hoje, faziam-se
compadres; hoje fazem-se indigestões. À cana e ao aipim sucederam as empadinhas do
Castelões, mães legítimas de todas as dispepsias havidas e por haver. Aos buscapés do
Campos Fogueteiro sucederam as Serpentes de Faraó do Rei dos Mágicos. Vão lá perguntar
se por aí moça bonita que deite hoje uma clara de ovo num copo d‟água, e o deixe ao
relento, para amanhã conhecer o seu destino! Dantes havia fogueiras; hoje o fogo de
salão... o “vossa excelência”... o “high life”... o chá com torradas, e a mania dos pratos da
Índia, que tem dado bons cobres ali ao meu colega, irmão do Vasques.
E o belchior acrescentou meio triste:
- Creia, meu caro senhor, o brasileiro vai a pouco e pouco e por gosto, perdendo o
seu caráter nacional. A véspera de S. João vive apenas na memória dos velhos... a festa da
Glória é uma sombra do que foi... Se ainda temos a romaria da Penha é porque...
- É porque?
- É porque a romaria da Penha não é brasileira, ora aí tem!
E o grande caso é que tinha razão o diabo do judeu; ainda agora levantei-me e
aproximei-me da janela, procurando nas estrelas um remate para este artigo. Olhei e não vi
entre elas uma só máquina, um só desses flutuantes pontos luminosos, que são como que os
mensageiros, que vão pedir no Céu ao percussor do Messias as bênçãos para as crianças.
Eloi, o herói
309
25 de junho de 1885
Post tantos tantosque labores, subiu afinal, à cena o Gênio do Fogo.
Do fogo, leram bem? Não podia haver um título mais ao pintar para a noite de S.
João. Efetivamente há na peça muito fogo, e até um aerostato.
Viva S. João!
A SALA Completamente cheia. Aspecto solene e pitoresco a um tempo. Muito
boa sociedade. Toda a imprensa a postos. Presentes os imperantes, que se retiraram antes
do fim.
A PEÇA É original do Primo da Costa. Extraordinária, diz o cartaz:
extraordinária, repito eu. Tem, como todas as mágicas, um diabo, um rei, um príncipe, uma
princesa, um escudeiro, dois gigantes e algumas fadas. Prodigiosa exibição de todos os
animais da arca de Noé. De vez em quando, a largos intervalos, o espectador julga ouvir um
dito de espírito, e murmura: Seja muito bem aparecido! Uma singularidade: os artistas
pouco têm que fazer no palco: todos eles andam constantemente no ar, suspensos por
grossos arames, ou encarapitados no urdimento das montanhas e das apoteoses. Para
encurtar razões: não me parece que no Gênio do Fogo haja o fogo do gênio.
A MÚSICA Composta pelo Cardoso de Meneses e instrumentada por
Cernicchiaro, Miguel Cardoso e Lombarde. É fresca, alegre e saltitante, cheia de melodias
felizes e de bonitos efeitos. A orquestra, dirigida pelo André Graveinsten, um dos nossos
melhores regentes, tratou-a nas palminhas. A parte vocal não esteve na altura da
instrumental.
O DESEMPENHO O gênio do fogo, protagonista da mágica, Sepulveda. o se
saiu mal. Fazia lembrar um destes bonecos que há na vitrine de certos armarinhos,
representando moleques muito retintos, que oferecem numa bandeja botões de madrepérola
e outras bugigangas. O escudeiro é o exuberante Machado, o melhor discípulo do
Vasques. Em o diabo do homem aparecendo, não espectador que tenha licença para
estar sério. O Flávio, um dos bons atores nacionais, e o mais feio, tem momentos felizes no
papel do rei. O mesmo pode-se dizer da Clélia, a pobre Clélia, que apresentou um par de
bigodes capaz de causar inveja ao Dr. Ladislau Neto. A empresária reservou
modestamente para si um insignificante papel de fada. A Clementina, atriz dramática de
bastante mérito, enverga o manto da princesa, e casa-se com o príncipe Monclar, que tem
um físico para a circunstância. Surpreendeu-me a exímia pianista Luisa Leonardo numa
coleção de papeizinhos episódicos. Parece que esta graciosa trânsfuga do piano tem
habilidade para a cena; mas com franqueza! gosto mais dela interpretando Chopin do que
interpretando o Primo da Costa. Muito interessante a Clairville, que fala o português
como Fernão Mendes Pinto.
ENCENAÇÃO Luxuosíssima. Poucas vezes tenho visto tanto esplendor nos
nossos teatros. Não se olhou as despesas. Houve desperdícios no tocante aos vestuários, aos
acessórios, e sobretudo aos cenários de Gaetano Carrancini, o verdadeiro, o único herói da
noite.
Vale realmente a pena ir ao Politeama, quando mais não seja, para assistir à
interessante e originalíssima transformação do nono para o décimo quadro. Uma bela colina
verdejante, admirável de luz e de perspectiva, tranforma-se por encanto em medonha careta
de fogo, que toma a largura e toda a altura da cena. É o “monstro das fauces de fogo”, diz o
cartaz, e eu acredito. O monstro escancara as goelas, e nessa hedionda e luminosa passagem
entram o gênio do fogo, o príncipe, as fadas, as bruxas, o escudeiro, a Fanny, o Primo da
Costa, a orquestra, a paciência do público, o bom senso artístico, e eu!
310
Eloi, o herói
311
26 de junho de 1885
O Sr. Lúcio de Mendonça enviou à Semana um artigo, em que se referia ao Sr.
Múcio Teixeira. A Semana substituiu o nome deste Sr. pelas clássicas três estrelinhas, e
chamou a atenção do leitor para a seguinte nota:
“Não se escreve aqui o nome do poeta, porque esta folha fez protesto de nunca
macular-se com ele”.
O Sr. Múcio sentiu a mostarda subir-lhe ao nariz, e mandou desafiar para um duelo
o Sr. Dr. Valentim Magalhães, proprietário e diretor da Semana, escolhendo para seus
padrinhos os Srs. Gaspar da Silva e Fontoura Xavier.
***
Tenho que o duelo é um absurdo, porque na maior parte os casos dão muita
aplicação ao célebre ditado: virou-se o feitiço contra o feiticeiro. Mas acho também que é
um absurdo necessário.
Longe de mim o pensamento de ridicularizar o duelo, mesmo porque estou pronto a
lançar mão desse recurso, desde que a isso me obriguem as imprudências da minha pena,
ou que me considere gravemente ofendido por algum dos meus colegas. Em qualquer
terreno estarei sempre às ordens de suas excelências.
***
Mas o duelo de que se trata de si vem coberto de tal camada de ridículo, que é
difícil, senão impossível, tomá-lo a sério.
Nos países adiantados, onde há jornalistas que se batem uns com os outros, a
primeira coisa que se faz, quando se trata de um duelo, é procurar, por todos os meios e
modos possíveis, fazer com que não transpire a notícia do encontro, para evitar obstáculos
de qualquer natureza.
Ora, o Sr. Múcio mandou provocar o Sr. Dr. Valentim Magalhães, e entrou a
comunicar a quanto bicho careta encontrava a heróica resolução que havia tomado.
Mais de dois amigos me transmitiram a notícia do duelo, e tinham-na ouvido dos
próprios lábios do autor dos Novos ideais.
O Diário Português, desta Corte, e o Diário Mercantil, de S. Paulo, publicaram-na,
aquele como este sem reservas.
Quem foi o causador de tanta publicidade? O próprio cavalheiro que com tanta
galhardia atirara a luva.
Isto na França, em se tratando de um duelo, chama-se pura e simplesmente la botte
du commissaire. É provável que o Sr. Dr. Carijó, sobressaltado pela notícia, desde o
primeiro momento se fartasse de saber tudo, e expedisse as respectivas providências... se é
que tomou a coisa ao sério.
***
À vista disto, e da coincidência de ser proposto o duelo em tempo de S. João, é
possível que o Sr. Múcio quisesse bater-se com pistolas... da loja da Tulipa, e ainda assim
perguntasse, como aquele célebre general:
- Que cheiro tem o sangue?
Eloi, o herói
312
27 de junho de 1885
Acreditam que o S. Pedro de Alcântara não se enchesse anteontem? Que houvesse
alguns claros poucos, é verdade nas últimas filas de cadeiras, e alguns camarotes
vazios?
Como se explica isto? Inaugura-se um teatro; representa-se a Fédora, ou antes a
Fedóra, como dizem os italianos, ou antes a Fedorá, como dizem os franceses; estréia a
Duse-Chechi, e não há enchente real?!
Um teatro reformado, um drama aplaudido, uma atriz célebre...!
Como se explica isto?
***
Entretanto, direi, sem receio de errar, que não tivemos ainda este ano uma sala tão
bonita: letras, artes, comércio, política, funcionalismo achavam-se ali brilhantemente,
profusamente representados. As mais interessantes senhoras da sociedade fluminense
ostentavam brilhantes toilettes, que sobrassaiam no fundo vermelho dos camarotes largos e
cômodos. A família imperial quis também honrar com a sua presença a inauguração dos
trabalhos da companhia Ciachi. Bonita sala, repito!
***
Pouco direi do teatro.
As condições acústicas são as mesmíssimas que dantes eram.
A ornamentação do camarote imperial não prima pelo bom gosto.
O teto, apesar de pintado por um grande artista, não produz o desejado efeito.
A cortina do pano de boca, primorosamente tratada pelo Rossi, bem dispensava
aquela guarnição de Cupidos de ouro.
Mas o que não me tolera a paciência é a mania da imitação, que se tem aclimado
escandalosamente no Rio de Janeiro. No S. Pedro, tanto a pintura dos corredores dos
camarotes, como a da parte externa do edifício e a do salão, ou, à moderna, do foyer du
public, imitam o mármore. Que idéia! Eu preferia uma cor só, que não imitasse coisa
alguma.
Mas não é tudo: a pintura interna dos camarotes imita... parece incrível!... imita o
papel de forrar salas de cabeleireiro, um destestável papel, façam-me o favor: cruzes de
ouro disseminadas simetricamente num fundo vermelho!... Cruzes?! Cruzes!
Em compensação, a luz é bem distribuída em todo o teatro, e o espectador, esteja
onde estiver, está a vontade.
Na platéia, muitos levavam constantemente a mão à perna e disfarçavam... para
coçá-la. Já o leitor advinha o que produzia tal movimento. Eram tantas! Mas é provável que
as levássemos todos para nossa casa. Vão ver que hoje ninguém se coçará com tanta
insistência.
Recomendo ao Ciacchi os célebres pós da Pérsia. Da Pérsia e do Jornal do
Comércio.
***
Encontrei no salão o Antonio José, de Almeida Reis. Vejam que no Antonio José
uma vírgula. Não vão agora pensar que se trata de um indivíduo chamado Antonio José de
Almeida Reis.
Um respeitável negociante passava em frente à estátua, dando o braço à senhora.
ELA, apontando para o Antonio José. Quem é este sujeito?
ELE, grave, sério, impertubável. É um poeta cômico.
***
313
As cocotes, para reparar a falta de um jardim, procuravam o terraço, e é que
lançavam o anzol dos olhos à pelintrada ociosa. Mas, ao que parece, o negócio andou mal.
Decididamente Sant‟Anna é mais milagrosa que S. Pedro.
***
Depois que a orquestra, regida por um maestro desconhecido, provavelmente
trazido pelo Ciacchi, executou uma escolhida sinfonia” (velho estilo) subiu o pano em
meio de geral ansiedade.
ATO Bom cenário. Bom e velho. Depois do inútil e estopante diálogo entre
Desiré e Tekileff (o famoso diálogo com que principiam todas as peças de Sardou), a Duse-
Chechi faz a sua aparição.
É uma mulher vespa, franzina, elegante, muito elegante, extremamente simpática.
Olhos, olhos e mais olhos. Tem o tipo ideal das italianas de Capri, que os pintores de todos
os países tanto gostam de reproduzir na tela. Veste com apurado gosto. É chic, é pschutt, é
v’lan, é ah! assentam-lhe todos esses vocábulos (?) que a fantasia parisiense tem
inventado para exprimir a elegância suprema e refinada.
Este primeiro ato, apesar de bem representado, não deixa uma impressão profunda
no auditório.
ATO Cenário velho. Velho, mas muito bom. O espectador trava conhecimento
com o Sr. Checchi, que apenas entreviu no ato. Este ator tem muita falta de distinção,
mas faz lembrar um homem distinto, o Sr. Antonio Pinto. (Tiens! ça rime!) deputado pelo
Ceará. Aparece o Sr. Andó, que se encarregou do dificílimo papel de Loris Ipanoff. É
muito frio, dizem todos, apesar de uma declaração de amor, magistralmente dita. Outro
ator, o Sr. Aquilini (Boleslau Lasinski) faz rir sem dizer palavra. A condessa Olga (Sra.
Aleotti) agrada muito... principalmente aos olhos. Vem o pano abaixo ao som de uma
salva de palmas convencionais e discretas.
ATO Bom e velho cenário. Um gabinete ornado com duas estátuas de jardim.
Vá lá!
Duse-Checchi e Andó transmudam-se! A frieza da platéia converte-se em
entusiasmo, e o entusiasmo em delírio.
ATO Velho e bom cenário. Andó, que não foi anunciado em letras grandes,
levanta-se a uma altura vertiginosa, e fico eu a fazer votos para que não desabe dessa
eminência. Berton, o Ipanoff do Vaudeville, de Paris, pode aprender com ele a representar o
quarto ato da Fédora. De resto, Andó nem sempre é italiano: nota-se na sua maneira de
representar um pendor muito pronunciado para a escola francesa. A leitura da carta o
ponto culminante da peça é um trabalho digno da melhor platéia do mundo.
A Checchi (A xexi, dizia certo repórter...) é na realidade uma grande atriz. Mas se o
declaro aqui, desassombradamente, é menos pelo que a vi fazer na Fédora, do que pelo que
adivinhei que de fazer em outros papéis, e, aliás, de maior responsabilidade. O seu
temperamento não se amolda em absoluto ao caráter da vingativa princesa. Por isso,
reservo-me para dizer as minhas impressões definitivas depois que a ouvir nesses papéis,
eu sei quais são. Mas fique bem assentado que, a despeito de tudo, a minha opinião é a
seguinte: É uma grande atriz.
Eloi, o herói
314
28 de junho de 1885
Curioso livro faria quem quisesse ou pudesse escrever os Mistérios da imprensa
fluminense.
entre nós uns periódicos desconhecidos, que jamais são encontrados à venda,
que não figuram nos ganchos da sala de redação de nenhum colega, nem na coleção dos
gabinetes, dos clubes ou das sociedades de qualquer natureza que sejam.
Esses periódicos obscuros destinam-se quase exclusivamente a explorar os
lavradores, cujos instintos literários com pouco se satisfazem, com muito pouco se
acomodam.
Um indivíduo da Corte, se vai à roça, encontra invarialvelmente na fazenda do
lavrador que o hospeda um ou mais números de uma folha que ele nunca viu, e entretanto
publica-se (Uma suposição...) há dez anos, e tem escritório na rua tal número tantos.
Por via de regra as folhas dessa natureza são redigidas por indivíduos sem
habilitações, que cortam dos outros jornais, a torto e a direito, o que lhes parece poder
interessar aos seus condescendentes e ludibriados assinantes. Para esses sevandijas da
imprensa o instrumento cortante com que se armam cabeleireiros, alfaiates... e jornalistas,
deixa de ser uma tesoura; muda de sexo: é um tesouro.
Neste momento chega-me às mãos, de torna-viagem, um exemplar de certa circular
impressa, dirigida a um fazendeiro pelo Sr. M. C. Pinheiro, redator do Progresso, que
muito tempo se publica, sem que ninguém desse por isso, nesta Corte, à rua de S. Pedro n.
164.
Vou transcrever ipsis verbis a circular, para que o leitor julgue por si do talento que
preside a imprensa misteriosa da Corte:
Ei-la:
“Rio de Janeiro, 1 de junho de 1883
A Redação do Jornal O PROGRESSO Órgão do Comércio, Lavoura, Ciências e
Artes, e muito especialmente aquelas pessoas dignas como V.S. que sempre soube prestar-
se aos auxílios das Imprensas, sendo estas o Órgão da fidelidade do povo, temos a subida
honra de saudá-lo.
“O auxilio de V. S. para com sua valiosa assinatura é mais uma prova de gratidão,
que arquivaremos como bons êxitos e prosperidades que V. S. almeja para o nosso jornal.
Pondo às disposições de V. S. as colunas do mesmo para o que lhe seja útil.
“Os anúncios, publicações e artigos durante um ano é grátis.
“Desde lhe agradecemos e temos a honra de ser De V. S. Criados e
Respeitadores M. C. Pinheiro Redação, rua S. Pedro 164”.
Depois disto não devo dizer mais nada.
Ah! que se eu tivesse certeza de que todo o Progresso é escrito assim, iria
também levar os meus magros níqueis à rua de S. Pedro.
Há muito tempo não via escrito que tanto me divertisse.
Eloi, o herói
315
29 de junho de 1885
“Denise-Duse-Checchi” e “matinée Beethoven”: dois assuntos. Entre les deux mon
coeur balance.
Escolho a matinée, porque tenho muito tempo para falar da Duse, que anteontem
confirmou plenamente o que havia dito.
É uma grande atriz, não é?
***
Ontem, à 1 hora em ponto, o Cassino Fluminense teve a felicidade de reunir a fina
flor da nossa sociedade. Grande concorrência. Lindas toilettes de passeio, entre as quais
sobressaia-se a da interessante Mlle. T. L., que decididamente resolveu ficar solteira, e não
dividir com algum feliz mortal a bonita fortuna que dizem possuir.
Contavam-se os cavalheiros que vestiam à corte. Donde provém semelhante
antipatia pela casaca?
Certo secretario de legação, bonito rapaz, muito alto, muito loiro e muito original,
deu nas vistas por exibir um terno escandaloso de casemira flor de alecrim.
Uma chibante comissão de sócios recebia amavelmente as senhoras, distribuindo a
cada uma de suas excelências um elegante menu musical, impresso em seda.
***
O concerto principiou por uma bonita peça de Salvayre, que passou despercebida,
morrendo injustamente no meio de um silêncio de túmulo.
Seguiu-se o Sr. Max Krutisch, barítono amador, infalível em todos os concertos do
Beethoven. Cantou um romance alemão, muito alemão, e desafinou que foi um gosto. “Que
foi” é um modo de dizer.
Depois do andante e do rondó do concerto em sol maior, de Bériot, primorosamente
executado, com acompanhamento de orquestra, por... pelo Roberto Benjamin, que nunca
ouvi tocar com tanta correção, seguiu-se um esplêndido romance de Gounod, Sia benedetto
il di, sofrivelmente cantado pelo tenor Dr. P. M. Costa Lima.
Finalizou a primeira parte pela berceuse de Faulhaber e pizzicato de Morley,
satisfatoriamente executados pela orquestra de instrumentos de corda.
***
Um tanto longo o intervalo. Houve não sei que desmancho no magnífico Erard do
Beethoven, e foi preciso, séance tenante, consertar o instrumento.
Durante este conserto no concerto, o Sr. ministro da Espanha demorou-se muito
tempo a conversar sucessivamente com Suas Majestades e Alteza. D. Pedro II, mal se
apanhou livre do diplomata, levou o Sr. Taunay para o vão de uma porta e, conversou com
ele, durante alguns minutos, animadamente, sobre a Sociedade Central da Imigração. Em
seguida o Sr. ministro da guerra apresentou ao monarca a sua Exma. e numerosa família, e
D. Isabel, sempre a sorrir, dizia muitas coisas amáveis a Artur Napoleão e José White.
***
Os espectadores não perderam por esperar. As variações, escritas por Saint-Saens
sobre um tema de Beethoven, e executadas em dois pianos pelo grande Artur Napoleão e
Alfredo Bevilacqua, enlevaram, deliciaram, extasiaram o auditório. Os aplausos foram
vibrantes e uníssonos.
Outro excelente pianista, Jerônimo Queiroz, foi entusiasticamente aplaudido pelo
modo magistral por que interpretou o Concert-Stuck, de Weber, com acompanhamento de
orquestra.
316
Antes disso o mancionado tenor-doutor havia cantado um romance de
Niedermeyer.
***
Infelizmente fui obrigado a retirar-me antes do fim: perdi a grande ária sobre a
quarta corda, de Back, para oito violinos e orquestra, e o Trombeta Septuor, de Saint-Saens:
duas peças admiráveis, que devem ter produzido grande efeito.
***
O Club Beethoven, graças à excelente direção que tem tido até hoje, e à exata
observância de seus estatutos uns estatutos de que as senhoras têm muita raiva, é
atualmente a sociedade mais próspera e mais...
***
Leitor feliz, o paginador do Diário de Notícias vem dizer-me que já basta.
Eloi, o herói
317
01 de julho de 1885
Bem sei que há quem estranhe a minha preferência pelos assuntos de teatro, quando
no primeiro número desta folha, apresentei um programa tão largo e tão genérico. Mas que
quer o leitor? Temos ultimamente atravessado um período de efervescência teatral. As
primeiras representações sucedem-se, e num país onde a cultura da arte dramática é ainda
incipiente, parece-me que uma primeira representação é sempre um acontecimento digno
do apreço de um cronista de boa fé.
O teatro é espelho fiel da civilização de um povo; criticá-lo, analisá-lo, animá-lo, é a
obrigação de todo aquele que, como eu, desejaria vê-lo erguido à devida altura.
Uma grande atriz, a Duse-Checchi impõe-se neste momento à minha atenção, à
minha admiração; que outro, senão ela, deve ser hoje o objeto destas mal traçadas regras?
Não me lembra ter visto nunca, em teatro algum, atriz que tanto me impressionasse e
comovesse. Questão de simpatia? Talvez. Estarei iludido? Pode ser. Erro? Quem sabe?
Todos os dotes imprescindíveis a uma atriz deram rendez-vous na interessante
pessoa da Duse-Checchi. Entretanto, é bela sem ser bonita e elegante sem ser escultural.
Mas que lampejos no olhar, que mobilidade na fisionomia, que propriedade no gesto, que
música na voz, e, sobre tudo, que mocidade! que seiva! que exuberância!
Não se pode representar melhor a Denise nem o Divorçons.
Na peça de Dumas, aquela narração dolorosa de uma desgraça, dita... digo mal:
soluçada com tanto talento, com tanta intuição artística bastaria para colocar a Duse-
Checchi na vanguarda do batalhão das atrizes do mundo inteiro. O público se convenceu de
que o pranto é também contagioso, como o riso. Até agora eu repelia, com todas as energias
do meu caráter, aquele conde de Bardannes que entre o almoço e o jantar resolve um
casamento quase absurdo. Depois de ver Denise-Duse, compreendo que o amor do fidalgo
se submetesse facilmente às três unidades de Aristóteles.
No Divorçons não se pode ser mais graciosa, mais leviana, mais estonteada, mais
adorável! Com que graça, com que talento foi representado todo aquele segundo ato!
Decididamente o papel de Cipriana de Prunelles é feliz no Rio de Janeiro! Tessero,
Lucinda e Duse-Checchi o interpretaram cada qual a seu modo, mas todas três com muita
habilidade. Tessero foi uma matrona, Lucinda uma senhora e Duse-Checchi uma criança.
Quer me parecer que foi esta quem mais acertou, porque desde o momento em que a
petulante heroína de Sardou e Najac não tenha umas tantas infantilidades românticas, que
atenuem a responsabilidade de certas inconseqüências, o papel torna-se de alguma forma
odioso, e o espectador tem repugnância em aceitar a engenhosa filosofia de Des Prunelles.
Parece-me que os autores pretenderam realmente fazer de Cipriana uma “cabecinha louca”
desde o momento em que a fizeram contar ao marido com tanta franqueza e tanta
ingenuidade os perigos a que andou exposto o cabeça do casal.
Andó é também um belo artista, e deve estar satisfeito pela maneira simpática por
que todas as noites é recebido pelo público. Para mais tarde reservamos o nosso juízo
definitivo sobre César Rossi.
***
Vai terminar este artigo uma indiscrição.
Anteontem, durante o espetáculo, encontrei num dos corredores do teatro S. Pedro
os seguintes versos, escritos a lápis nas costas de um programa. Não tinham título nem
assinatura.
Fui ver a Duse, que é tão bela
318
A interpretar a tal Denisa
Que eu lá no fundo de uma frisa
Doido fiquei de amor por ela.
Com que legitimo talento
D‟alma ao recôndito me fala!
Ir ao S. Pedro, vê-la e amá-la,
Tudo foi obra de um momento.
Mas não receie o senhor Checchi,
Da grande atriz feliz espero
Que por ser menos respeitoso
Meu sentimento acaso peque.
Eu sou dois homens: um artista,
E o cidadão mais timorato
Um bom burguês, frio e pacato,
Porém metido a fantasista.
O que eu cá sinto pela Duse,
Que me extasia e me comove,
Não há moral que m‟o reprove,
Nem promotor há que o acuse,
Se faço versos à Denisa,
Tanta pureza neles guardo...
(Suspendo a frase, e de Abelardo
O nome escrevo, e o de Heloisa)
Meu coração que não me inquiete...
Meu coração que não me engane!
Mas eu compreendo o De Bardannes,
E não admito o de Thauzette.
E que tal?
Eloi, o herói
319
02 de julho de 1885
Decididamente a reportagem fluminense está muito, mas mesmo muito atrasada.
Se eu neste momento, por desgraça minha, fosse repórter de algum dos nossos
jornais, suicidava-me, deixando em testamento a recomendação expressa de queimarem o
meu cadáver e dispersarem as cinzas ao vento.
Faz domingo oito dias oito! que se acha nesta corte uma celebridade artística,
um nome universalmente conhecido, e até hoje não houve duas linhas de prosa dando
notícia do fato!...
oito dias oito! que come os bifes de Santa Cruz uma estrela de primeira
grandeza, caída entre nós do firmamento da opereta parisiense, e ainda não houve repórter
bastante abelhudo que descobrisse por que revolução metereológica esse astro veio parar à
praça da Constituição.
***
Foi ontem que descobri a presença da diva num camarote do Sant‟Anna. Eu
conhecia-a de Paris, e, mal que a vi, murmurei:
- Gentes! não pode ser outra! Não há dois olhos como os olhos dela!
Daí a cinco minutos eu tinha plena certeza de me não haver enganado: era ela! era
ela!...
***
- Ela quem? perguntará sôfrego e ansioso o compassivo leitor.
- Ela, ela, a Jeane Granier!...
- A Jeane Granier?!
-Sim, senhor!
- A Jeane Granier, do Renaissance?
- Sim, senhor!
- A Jeane Granier do Petit Duc?
- Sim, senhor: a Jeane Granier do Petit Duc, de Madame Diable, de Fanfreluche...de
cem papéis, de cem triunfos!
- Ora esta!
- Ora esta, sim; foi o que eu disse...
- Mas que vem esse demônio fazer ao Brasil?
- Não; nesse ponto de ter santa paciência leitorzinho de minha alma; a viagem
transatlântica da endiabrada e fulgurante atriz encerra um segredo profundo, que não me é
dado revelar.
- Mas, que diabo! Nem um ligeiro lamiré?
- Nem isso: a coisa tem um caráter íntimo, muito íntimo, e seria inconveniente
arriscar um monossílabo que fosse.
- Ora adeus! quando se trata de uma individualidade como a Jeane Granier, não
indiscrições possíveis.
- Está bem, está bem; uma vez que é o leitor quem o exige, cherchez...Phomme. E
não lhe digo mais nada.
Eloi, o herói
320
4 de julho de 1885
Há quem se queixe da falta de assunto: eu queixo-me exatamente do contrário.
O meu tinteiro está cheio de assuntos; mas, para que não ficasse nenhum dentro,
seria preciso fazer deste artigo uma verdadeira manta de retalhos: era isso o que eu desejava
evitar.
O primeiro assunto, e o que mais se impõe, é necessariamente a estréia de Joaquim
Nabuco, que tomou ontem assento na Câmara dos Deputados, e ontem mesmo, com ou sem
razão, fulminou o projeto Saraiva num brilhante discurso, que provavelmente é o percursor
de outras saraivadas, mais ou menos violentas.
O ilustre moço pernambucano insiste na idéia de que representa dois distritos de sua
província. Não digo o contrário; julgo apenas que representar dois distritos pelo mesmo
preço por que os outros deputados representam um só, é ato de abnegação digno de figurar
ao lado do desinteresse do célebre spartano Ermirio Alves.
Não gostei do ponto em que Joaquim Nabuco, escandalizado por lhe ter o Sr.
Felicio dos Santos chamado sentimentalista, exclamou indignado:
- Se eu sou sentimentalista, V. Ex. é cínico.
Parece-me que o jovem deputado enganou-se no troco, como geralmente sucede aos
condutores de bonds.
Saúdo com efusão o primeiro número de La France, periódico hebdomadário que
acaba de aparecer nesta Corte sob a direção do Sr. P. Labarrière, advogado francês, que
alguns anos reside no Brasil.
O programa resume-se nestas palavras que traduzo:
“O francês, sempre que deixa os seus interesses privados, para ocupar-se da coisa
pública, só pode aspirar a um fim legítimo: a prosperidade da Pátria.
“É esse o nosso. Esforçar-no-emos por consegui-lo, propagando em França o
conhecimento dos imensos recursos do Brasil, e combatendo aqui pelos interesses
franceses”.
La France publica em francês O Mulato, de Aluizio Azevedo, e faz preceder o
primeiro folhetim de algumas observações literárias de muito peso.
Um bom artigo sobre pintura, assinado por Cabrion, parece escrito por quem sabe
do riscado.
A esse propósito tenho uma observação que fazer: parece-me chegado o momento
em que nossa imprensa deve consagrar à pintura uma atenção permanente.
De tempos a esta parte nota-se que na nossa terra vai começando a se fazer sentir o
gosto por esse ramo o mais difícil talvez das belas artes. A última exposição da nossa
academia é prova irrefutável dessa verdade.
Rara é a semana em que, aqui ou ali, não seja exposto algum novo trabalho à nossa
atenção.
Ainda dias o público era convidado para admirar cinco ou seis telas de
Langerock, o distinto pintor belga que se acha nesta Corte. Um belo homem de 50 anos
para mais, habitué anual dos salons de Paris e Bruxelas, e orientalista até a ponta dos
cabelos; a sua presença pode ser favorável aos progressos da pintura nacional. Os quadros
de Langerock são dignos de ser examinados.
Ainda a propósito da pintura: O outro dia, passando eu pela casa do nosso Goupil,
como lhe chama Cabrion, o estimável De Wilde, convidou-me ele para subir ao seu petit
salon.
- Tem lá alguma coisa nova?
321
- Tenho algumas aquarelas, V. vai ficar espantado!
E o De Wilde repetiu com um sorriso malicioso:
- Vai ficar espantado!
Pois deu-se exatamente o contrário: quem se espantou não fui eu; foram as
aquarelas, assinadas pelo Sr. Hans Borhdt.
Do desenho não que dizer; mas que tintas! O “escandaloso e bulhão” viria a
propósito, se eu não tivesse receio de escandalizar o Escaravelho, e de bulir com ele. Creio
piamente que, enquanto viver, nunca mais terei ocasião de enfrentar com meia dúzia de
aquarelas mais espantadas. Ainda me dói a vista!
Uma bonita paisagem de Aurélio de Figueiredo, colocada num dos cantos do salon
De Wilde, compensou o trabalho, que eu tivera, de subir as escadas. Um belo quadrinho,
não há dúvida.
E o que me dizem do França Junior? Pois o diabo do homem, que era magistrado,
comediográfico, jornalista, poeta, e que ainda é tudo isso, não se lembra um belo dia de ser
pintor, e não é que o é? O leitor, à casa do Vieitas, da rua da Quitanda, e peça que lhe
mostrem uma paisagem do autor do Direito por linhas tortas. Afianço-lhe que o distinto
escritor, que até hoje só pintava os nossos costumes, está pintando também as nossas
montanhas e o nosso arvoredo com todas as regras de desenho e colorido, e com a alma e
a paixão de um verdadeiro artista. Não me admirará se amanhã o Ferrari anunciar uma
ópera do maestro França Junior. Olhem, ouvido sei eu que ele tem.
O Correio Fluminense, falando do beneficio do bilheteiro do Sant‟Anna, remata a
sua notícia pelas três linhas seguintes:
“O espetáculo foi presidido pelo digno suplente do subdelegado, o Sr. José Antonio
dos Santos Cardoso”.
É a primeira vez que nos nossos jornais alguém se lembra de dizer o nome da
autoridade que preside aos rolos da bilontragem do Sant‟Anna. Bem o Correio diz que vem
preencher uma lacuna.
Eloi, o herói
322
05 de julho de 1885
A companhia Sebastiani foi pouco amável para com a Lucinda. Bem podia ter
estreado ontem, uma vez que para onteontem se anunciara a festa artística da festejada atriz
portuguesa.
Muitas pessoas, que desejavam assistir a ambos os espetáculos, ficaram
naturalmente privados de um dos dois. Outras, dividiram a noite entre o Pedro II e o
Lucinda. Mas os habitués das primeiras do Furtado Coelho, em cujo número folgo de ver a
família imperial, tiveram a delicadeza de não abalar para a Guarda Velha.
***
Uma sala muito curiosa. Alguns espectadores tinham vergonha de dar gargalhadas,
porque a peça é clássica. Outros abanavam a cabeça com ar de riso, deixando perceber que
já conheciam tudo quanto diziam os atores. Outros confessavam-se francamente maçados, e
diziam: Estas peças já não são para hoje , como se o Casamento de Fígaro não fosse de
todos os tempos. Talvez que os tataranetos desses modernos tenham opinião bem diversa
dos tataravôs.
***
Entre as pessoas, que assistiam ao espetáculo, notei a Duse-Checchi. Todos os
binóculos se dirigiam para o camarote que ela ocupava, em companhia de seus colegas
Rossi e Andó. A eminente atriz italiana quis dar com a sua presença significativa prova de
consideração à graciosíssima noiva de mestre Fígaro.
***
seis anos que a Lucinda, apaixonada, como é, pelo teatro clássico francês, ardia
em desejos de fazer o papel de Suzana, do Casamento de Fígaro. Longa série de
circunstâncias imprevistas contrariaram sempre esse desejo, e ainda hoje a famosa comédia
não teria sido representada no Rio de Janeiro, se a baronesa d‟Ange não metesse os pés à
parede, como é costume dizer.
O que vale a comédia todos o sabem. cem anos que o dizem os críticos do
mundo inteiro, e não seria agora ocasião de o repetir.
O Casamento de Fígaro pertence à história não literária como política de
França. Fora presunção injusta dos conhecimentos do leitor lembrar-lhe a influência que
esse livro exerceu na sociedade moderna.
***
O Fígaro do Lucinda foi um tanto mutilado, não pelo Conservatório Dramático,
mas também pelas conveniências da encenação. Alguns bons ditos e muitas frases
conceituosas desapareceram; mas deixaram ficar, felizmente, tudo quanto a peça tem de
cintilante e indispensável.
É verdade que por vezes Beaumarchais é um tanto livre; mas ora adeus! as suas
liberdades são tão... como direi?... tão literárias, que eu compreendo mas não aplaudo o
Conservatório.
Rara é semana em que na Comédia Francesa não se representa Le Mariage de
Fígaro, e pelo amor de Deus não me digam que a sociedade da rua Richelieu seja menos
escrupulosa que a da rua do Espírito-Santo!
***
O desempenho foi muito regular, sobressaindo Lucinda (Suzana), Furtado (Alma-
Viva ), Sara (Querubim), Martins (D. Gusmão ) e Teixeira (Antonio). Em seguida pode-se
mencionar Margarida Lopes (Marcelina), Heitor (Bartolo) e Luiza Lopes (Rosina). O
Batista Machado, que representou com muito talento o papel do protagonista, apanharia um
323
dos três primeiros lugares nesta classificação, se não fosse o bi... Não! eu prometi não falar:
não falarei.
***
Vestuários riquíssimos. Bom cenário. O último ato, representando os famosos
castanheiros, é um dos melhores panos do Frederico de Barros. A música do romance,
cantado com muita graça, no ato, pelo petulante querubim, é de José Simões. A marcha
do 4º ato foi extraída das Nozze de Fígaro, de Mozart. Chapeau bas, seu Eloi!
Eloi, o herói
324
06 de julho de 1885
Do meu maior amigo, o simpático e estimável escritor Artur Azevedo, acabo de
receber a seguinte carta, que me apresso em publicar.
“Querido Eloi, o herói como te considero o meu maior amigo, é a ti, e a ti que
me dirijo, chamando a tua atenção sobre um fato que me é bastante penoso.
Não ignoras que a empresa dramática do Lucinda teve a infeliz idéia de me
encarregar da tradução do Casamento de Fígaro, que acaba de ser representado naquele
teatro.
Essa tradução deu-me, confesso, algum trabalho, trabalho que foi logo
recompensado por palavras de animação, proferidas por pessoas competentes como Furtado
Coelho, Machado de Assis, Moreira Sampaio, etc... e melhor ainda o está sendo... pelo
empresário. E é quanto me basta.
Mas, tratando-se de uma obra de arte como o Casamento de Fígaro, menos difícil
de traduzir que de interpretar, sempre esperei que a imprensa dissesse alguma coisa do meu
trabalho, em bem ou em mal. A Gazeta de Notícias e o País limitaram-se a declarar que a
tradução é minha, e já é um favor, que lhes agradeço, não a atribuírem a outro. O Jornal do
Comércio nem isso: de minimis non curat pretor, diria eu, se repetidas vezes não tivesse
tido a honra de ser citado na gazetilha do grande órgão.
Peço-te, pois, meu bom Eloi, que, como coisa tua, dês no De Palanque, um lamiré,
para ver se os teus respeitáveis colegas reconhecem ou não reconhecem na minha pessoa
capacidade suficiente para traduzir autores clássicos.
Teu maior amigo Artur Azevedo”.
Limito-me a publicar a carta do meu maior amigo, porque, se eu tratasse do assunto
como coisa minha, haviam de dizer por que era elogio mútuo , e não quero graças,
principalmente com o Escaravelho, que cada vez está mais rabugento e picante.
Eloi, o herói
325
07 de julho de 1885
Leram o anúncio da companhia lírica de ópera italiana?
Um magnífico elenco, palavra!
Vem a Borghi Mamo, a Adini, a Trisolini, o Tamagno, o Marconi, o Brogi, o
Tamberlini, o Visconti, o Bassi, etc, etc, etc, um elenco de arregalar o olho!
A estação é de doze espetáculos, e o repertório consta de oito óperas, uma das quais
“é nova para esta Corte”: La Gioconda.
Prosterne-se o público, e agradeça fervorosamente ao empresário a esmola dessa
novidade, que há três anos lhe está prometida.
três anos que o Ferrari, fazendo festinhas a esse grande bebê, que todo o mundo
embeleca, lhe diz no tom mais carinhoso que lhe é possível:
- Se o menino tiver muito juizinho, prometo dar-lhe a Gioconda...
E o menino não teve juizinho o ano passado; não quis dar um conto e um canudo
para ver a Teodorini; por isso não se lambeu com a Gioconda. Toma! bem feito! hein!
Mas este ano, ao que parece, o Pu-Pu comportou-se bem; correu pressuroso aos
Castelões.
Muita gente supôs que ele fosse comprar balas. Não, senhor; foi tomar uma
assinatura para a companhia lírica.
Assinatura que lhe custou 700$, se tomou um camarote de ordem, 600$, se de 2ª,
140$ se uma varanda, e 70$ se uma reles cadeira de 2ª classe.
***
Se o leitor quiser levar a prole a ver os Puritanos em camarote de 1ª ordem, tem que
puxar por 65$, e com essa quantia fornece-se pão a uma família durante três ou quatro
meses.
Se a vaidade do leitor fizer uma pequenina concessão, contentando-se de um
camarote de ordem, ainda assim a despesa será de 55$; e com esse dinheiro gozam-se,
durante trinta dias, os serviços de um ótimo cozinheiro.
Se o leitor, expondo-se às conseqüências do desespero da senhora e das meninas,
resolver ir sozinho ao teatro, para aplaudir o Tamagno do fundo de uma cadeira de
classe, tem que escarrar para ali 13$, isto é, o preço de um belo par de botinas que lhe
duram dois meses, ou mais.
Por menos de 6$500 não meio de ver a Borghi-Mamo da platéia dos pobres, e
com 6$500 um pai de família faz a despesa de um dia, e ainda lhe sobram alguns níqueis
para o bond.
***
Não! decididamente o Rio de Janeiro não pode sustentar ópera lírica por
semelhantes preços!
O Hernani a 13$ por cabeça é mais do que uma coisa cara: é uma coisa impossível!
Na nossa terra não fortunas que resistam a camarotes que custam 700$ por 12
récitas; sim, que todos sabem que no teatro lírico o que mais barato custa é justamente o
camarote. Adicionem a esses 700$, as toilettes, o carro, o cabeleireiro, as luvas de uma
infinidade de botões, etc, etc, e vejam onde vai parar o orçamento!
Os borradores dos armarinhos entumescem-se por via da lista dos fiados, as casas
de prego não têm mãos a medir, os usurários fazem negócios da China, e as “leoas pobres”
acrescentam muitos catulos a esse romance cômico, e muitas vezes ignóbil, que se pode
intitular A conquista de um vestido novo.
Eloi, o herói (Morador no Saco do Alferes)
326
8 de julho de 1885
Um dos brasileiros mais ilustrados que eu tenho conhecido não era bacharel.
Chamava-se José Pedro Xavier Pinheiro. Morreu, cerca de três anos, em pleno vigor da
inteligência e da idade. Acumulava os lugares de chefe de seção na Secretaria da
Agricultura e de taquígrafo no Senado.
Como empregado público, era proverbial a sua assiduidade, e admirável a lucidez
dos pareceres com que instruía a papelada da seção.
Como taquígrafo... Um mau taquígrafo, diziam os colegas. Mas o grande caso é que
os velhotes da Sibéria nunca se queixaram dele: tinha a rara habilidade de lhes por em
vernáculo a duvidosa sintaxe. Estenografava... o sentido do discurso, e arranjava estilo de
casa. Um precioso taquígrafo!
De resto, Xavier Pinheiro era um puritano da língua. Quem o quisesse ver arreliado,
metesse-lhe à cara um galicismo, embora dos mais tolerados. Um pronome mal posto
tirava-lhe o apetite. O mais ligeiro pecadinho gramatical produzia-lhe insônias e
perturbações do estômago.
Em sua casa, os livros clássicos estavam sempre à mão; no velador, à cabeceira da
cama, um Frei Luiz de Souza; perto da preguiceira, onde o letrado todas as tardes se
refastelava para fazer o quilo, os sermões do padre Vieira; num lugar escuso, um João de
Barros, que era lido e meditado durante o desempenho de certas funções materiais; no
jardim, debaixo do caramanchão, a Nova Floresta do padre Manoel Bernardes; aqui um
Camões, ali um Lucena, acolá um Fernão Mendes; deste lado um Amador Arraes, daquele
um Damião de Góes, mais adiante um Heitor Pinto, etc.
Entretanto, Xavier Pinheiro acompanhava dia a dia o progresso literário e científico;
comprava livros modernos e assinava um grande número de revistas estrangeiras.
***
muitos anos, logo que chegou da Bahia, sua província natal, fez representar no
S. Pedro de Alcantara um drama original, cujo título não me recorda. O principal papel foi
desempenhado por João Caetano.
Mais tarde, desenganado da imprensa política, escreveu o Epítome da história do
Brasil, que tem tido mais de uma edição na casa Laemmert.
Compôs muitas poesias, que andam esparsas, e ainda para o teatro escreveu A
emancipação das mulheres, que foi representada no Cassino (hoje Sant‟Anna), e um
drama, ainda inédito, O novo tartufo.
Infelizmente Xavier Pinheiro nem sempre era o modelo da afabilidade; os colegas
da Secretaria queixavam-se amargamente do seu caráter irascível. Não admitia, por
exemplo, que o chamassem senão pelos dois nomes: Xavier Pinheiro; quem, desprevenido
dissesse: Sr. Pinheiro ou: Sr. Xavier , tinha que ouvir! Insultava-se quando o chamavam
doutor ou conselheiro. Irritava-se quando lhe diziam: O Sr. está pálido , ou lhe
perguntavam se estava doente.
Certa vez, um Ministro da Agricultura, visitando a Secretaria para despedir-se dos
empregados, visto que se retirava do gabinete, aproximou-se de Xavier Pinheiro, e,
apertando-lhe a mão disse-lhe:
- Oh, Sr. Pinheiro! acho o abatido: tem estado doente?
O chefe de seção deu dois passos para trás, e, inclinando-se, redargüiu com um
sorriso amarelo:
- Oh! oh! Sr. conselheiro! admira que um homem ilustre como V. Ex. faça uma
pergunta dessas!
327
***
Ora, há dez anos, Machado de Assis, que também era e ainda hoje o é, da secretaria
da agricultura, inseriu no Globo, que acabava de aparecer, a tradução isolada de um canto
da Divina Comédia.
Xavier Pinheiro leu-a, entusiasmou-se, deu os parabéns ao seu colega, e traduziu o
canto imediato.
No dia seguinte o autor das Falenas, cumprimentando-o pelo seu trabalho,
perguntou-lhe por que não traduzia o poema inteiro.
A pergunta calou no ânimo do poeta. Daí por diante todos os momentos que lhe
sobravam da secretaria e do senado, consagrou-os ele à tradução integral do assombroso
livro. Vivia do Dante, pelo Dante e para o Dante! As visões dos justos e dos répobros
fugiam daquelas páginas sublimes e vinham povoar-lhe os sonhos e as cismas. O primeiro
raio do sol encontrava-o sentado à secretária, às voltas com a tradução. Punha nesse
trabalho tanta urgência e tanto ardor, que parecia adivinhar o seu próximo fim. A morte
estava realmente à espera que o poeta concluísse a sua obra, para levá-lo. O fim da tradução
coincidiu com o fim do tradutor.
***
A Divina Comédia está, pois, nacionalizada, em tercetos rimados, admiráveis de
forma, pois entre eles não há um verso agudo, o que não sucede ao poema original.
Quanto à fidelidade da versão, muito que esperar da competência de Xavier
Pinheiro, que leu e estudou tudo ou quase tudo quanto se tem escrito sobre o Dante e a sua
obra, e consultou muitas traduções com a paciência de um beneditino e a volúpia de um
bibliófilo.
Admirável trabalho, admirável ainda mais pelo que teve de material que pelo que
tem de literário. Xavier Pinheiro sabia perfeitamente que à porta dos editores brasileiros
acharia o célebre letreiro que o seu grandíloquo poeta pusera à porta do inferno, e que, a
respeito de leitores, o Rio de Janeiro é mesmo uma città dolente.
Mas, ainda assim, não se lhe arrefeceu o nobre entusiasmo, e, não contente de haver
traduzido a Divina Comédia, anotou-a largamente, e escreveu longo prefácio, que por si
forma um volume, vazando aí prodigamente toda a sua vasta erudição, e notável sentimento
estético.
***
Pois bem: a tradução da Divina Comédia está sendo publicada em fascículos, nas
oficinas Leuzinger, pela família do tradutor. O leitor, tomando uma assinatura, não
presta um serviço à literatura deste país sem literatura, como concorre para a subsistência
de uma família honesta, cujo chefe, morrendo, lhe legou um nome ilustre e uma ruma de
tiras de papel escrito.
Eloi, o herói
328
09 de julho de 1885
Numa carta anônima, que há dias recebi pelo correio, alguém, que escreve certo mas
não consegue ter graça, censura a minha “exageração encomiástica” a respeito da eminente
atriz italiana que neste momento temos a ventura de hospedar.
Ora, já em 1882, quando a Sra. Duse-Checchi representou no teatro Vale, de Roma,
a Princesa de Bagdá e a Mulher de Cláudio, a jovem e notabilíssima atriz recebeu de
Alexandre Dumas a seguinte carta, cujo original tenho defronte de mim:
“Mademoiselle Je viens de recevoir à la campagne je suis encore, la dépêche
de Mr. Rossi et la vôtre. Je suis on ne peut plus heureux du succès que vous m‟annoncez,
seulement, celui de deux qui doit être reconnaissant à l‟autre, c‟est moi et non pas vous.
C‟est vous qui avez eu le courage d‟affronter le public dans deux pièces auxquelles il s‟était
montré jusqu‟alors hostile et c‟est vous qui les lui avez fait comprendre.
“Mademoiselle Croizette avait fini par triompher à Paris de la résistance du public
parisien, dans le rôle de Lionette, mais mademoiselle Desclée, malgré son immense talent
n‟avait pu imposer celui de Césarine.
“Je ne crois même pas que cette pièce puisse jamais être reprise chez nous, puisque
vous n‟êtes pas française.
“Je le regrette beaucoup, mais ne le dites pas; cela me brouillerait avec les actrices
de mon pays et avec le public du vôtre.
“Si jamais vous, venez à Paris, j‟espère que vous voudrez bien me le faire savoir,
pour que je puisse vous porter moi-même l‟expression d‟une reconnaissance que je ne puis
encore vous témoigner que de loin.
A. DUMAS”
Tendo a grande atriz comunicado ao célebre dramaturgo a impressão que lhe
causara a leitura da Denise, Alexandre Dumas escreveu-lhe ainda, em 9 de dezembro
último, as seguintes linhas, e não creio que honra maior lhe pudesse fazer:
“Madame Je suis on ne peut plus heureux de l‟impression que vous a causée
Denise.
“Je ne puis vous dire qu‟une chose: c‟est que j‟ai pensé à vous tout le temps que j‟ai
écrit cette pièce. Quand je l‟ai racontée à T*** (1), il m‟a dit, et j‟eus étais déja convaincu,
que personne ne comprendrait et ne jouerait mieux que vous cette pièce.
“Je vous serre bien affectueusement la main.
A. DUMAS
Ambas essas cartas, que são hoje publicadas pela primeira vez, me foram a custo
confiadas por sua graciosa destinatária, cuja modéstia dificilmente venci.
Elas, e o triunfo que anteontem a Sra. Checchi obteve na Fernanda, são a melhor
resposta que eu poderia dar ao meu anônimo censor, a quem agradeço o ensejo, que me
ofereceu, de honrar o De palanque com Alexandre Dumas, e inédito.
Eloi, o herói
____________________
(1) Não pude decifrar esse nome. Que letra!
329
10 de julho de 1885
O jornal As novidades, de Lisboa, deu-me ontem uma grande novidade:
Camilo Castelo Branco está visconde!
- Visconde de quê?
- Adivinhem se são capazes! Dou-lhes um doce! Então? não vai?
- Visconde de Castelo-Branco?
- Não!
- Visconde de S. Miguel de Seide?
- Nada!
Escusam de parafusar: não adivinham.
O estilista português está Visconde de Correia Botelho.
***
É de deixar um homem de boca aberta! Visconde o Camilo, e de Correia Botelho de
mais a mais!
Será troça das Novidades? isca perversamente lançada à irritabilidade do escritor,
irritabilidade a que devemos tantas e tão boas páginas?
Sim, que o diabo do homem tem uma bílis tão literária, que a imprensa portuguesa
deve provocar-lha... por patriotismo.
***
Isto me faz lembrar um dito daquele pobre Artur Barreiros, que o Visconde de
Correia Botelho tanto injuriou a propósito de uma crítica feita ao Cancioneiro alegre:
- Por Deus! vale a pena ser insultado com tanto estilo e em tão bom português!
O meu saudoso amigo considerar-se-ia hoje vingado, se lesse a notícia deste título
nobiliário.
***
Camilo visconde! Camilo, que se compraz em trazer à coleção as cabras que
guardou em criança; Camilo, que mete constantemente a ridículo fidalgos e fidalguias;
Camilo, que tem levado a via enfronhado em alfarrábios, a estudar as raízes de velhas
árvores genealógicas, para provar ao mundo que só há uma nobreza, a do sangue!
E, depois de sexagenário, o grande homem troca por um título burlesco, por um
título que parece trazer subscrito para a rua do Sabão, aquele glorioso nome que assinou
cem livros!
Oh!...
***
Enfim, não há remédio: toque lá estes ossos, seu Botelho.
Eloi, o herói
330
11 de julho de 1885
Tranqüiliza-te, ó público fluminense: o Salvini que vem com uma grande
companhia de macacos, orangotangos, mandarilhos, cachorros, cabritos, cavalinhos e
outros artistas não é aquele mesmo Salvini da Morte civil e do Otelo.
Se, contrariado pela suposta visita de um grande ator, estavas preparado para
deixar às moscas o teatro do Príncipe Imperial, apronta os cobres, meu velho, areja-os e,
desenferruja as mandíbulas. Vais divertir-te, maganão!
Ai, os macacos!...
***
O empresário desta companhia zoológica é o Ciacchi, o mesmo que nos trouxe
Ernesto Rossi e depois Adelaide Tessero, e agora nos proporciona ensejo de admirar e
aplaudir essa maravilhosa criatura a Duse-Checchi , e os seus notáveis companheiros
Flávio Andó e César Rossi.
Mas os macacos...
***
Vão ver que ainda hoje a Mulher de Cláudio, primorosamente representada pela
companhia dramática mais completa, mais afinada que jamais tivemos, não dará uma
enchente ao S. Pedro.
Em compensação, os macacos hão de atrair todas as noites esse público
estapafúrdio, que prefere o Gênio do fogo à Denise.
Pois... aos macacos!...
***
Ainda anteontem que pena tive de ti, ó publicozinho de minh‟alma, por ver... por
ver, não; por adivinhar que jogavas estupidamente a bisca em família, enquanto a Duse
honrava o palco do S. Pedro com aquele assombroso e inenarrável trabalho da Denise.
Oh, que mulher!... Como aquela fisionomia se transforma, aqueles olhos se
intumescem, e arfa aquele seio! No ato, a Duse não é artista, nem gênio, nem fenômeno:
é mãe.
Nunca vi organização artística mais irrefragável.
Entretanto... os macacos!
***
Depois da prova real, tirada agora pelo Ciacchi, do teu bom gosto, ó público é
provável que o ativo e simpático empresário, apesar de haver adotado por divisa o Audaces
fortuna juvat, não mais nos queira trazer notabilidades.
tempos esteve ele em trato com Sarah Bernhardt para uma digressão à América
do Sul; estou convencido porém, de que hoje deseja poupar à célebre atriz o dissabor de
representar para os bancos sem alusão ao do Brasil, proprietário do S. Pedro.
É isso, infelizmente, o que sucede à Duse, que, no meu fraco entender, vale alguma
coisa mais que a própria Sarah.
O seu nome não é certamente conhecido como o da outra, que, à força de rufar, tem
rasgado as peles de todos os tambores da réclame; mas dentro em pouco tempo verão que a
fama do seu talento se tornará universal.
Sabem o que lhe falta? Falta-lhe a consagração de Paris. E nada mais.
Mas se os macacos...
***
Vem cá, ouve, ó publicozinho, ouve: os macacos ainda não estrearam; enquanto
esperas, que diabo! vai hoje ver a Mulher de Cláudio!
331
Sim?...
Olha: se os espetáculos da Duse continuarem a ser tão pouco concorridos, que diabo
hão de dizer de nós os artistas?
Que somos uns...
Macacos me mordam se sei o que dirão.
Eloi, o herói
P. S. Acabo de receber uma amável cartinha, na qual me recomendam, a propósito
do meu artigo de ontem, que procure no romance de Camilo, Amor de perdição, a causa do
título de Visconde de Correia Botelho, com que foi agraciado o ilustre escritor. A falia
Correia Botelho, acrescenta o meu informante (que se esqueceu de assinar a carta) “é de
uma das mais antigas e mais nobres, bem como das mais dignas famílias de Portugal, da
qual C. C. Branco descende por bastardia” – E, o h
332
12 de julho de 1885
O caixeirinho da venda, que todas as manhãs me traz o Jornal do Comércio, é de
um natural melancólico, muito melancólico. Saudades? nostalgia?... talvez, porque a
pobre criança tem, quando muito, doze anos, e a sorte pôs duas mil léguas entre ele e a
maman.
O grande caso é que o conheço há um ano já, e ontem pela primeira vez o vi alegre.
Quando o Manoel é o seu nome me entregou o Jornal, notei que alguma coisa
extraordinária lhe sucedera; o seu semblante, de ordinário sombrio e carrancudo, estava
desanuviado e risonho.
- Que tens tu? viste passarinho verde?
Ele não percebeu esta metáfora nacional, e pediu-me com os olhos que lhe falasse
mais claro.
- Porque estás assim contente?
- Pudera! pois não sabe?
- O que?
- A câmara decretou o fechamento das portas aos domingos e dias santos depois das
2 horas da tarde!
- Como soubeste disso?
- Foi o patrão que o leu no Jornal e o repetiu em voz alta. Está fulo de raiva!
- E tu, contente porque tens agora as tardes para passear, hein?
- Não é por isso; mas porque as tenho para descansar. Passear? Boas! Oh! o senhor
não calcula o que é a vida do caixeiro de venda, sem uma hora de descanso durante o dia!
Desde madrugada até as 10 horas da noite é um contínuo vai-vem em volta do balcão e pelo
alto das prateleiras. E agora é um feixe de lenha que se leva ao n. 12, e daqui a bocado um
saco de carvão ao n. 35, e logo mais o Jornal ao n. 50. Se não fregueses, areia-se a
balança, ou engarrafa-se o virgem, ou catam-se as cebolas, ou assam-se as castanhas,
ou corre-se a via sacra, em tamancos, perguntando em todas as portas: Precisa-se de
alguma coisa? E às 10 horas da noite, depois de fechada a venda, o caixeiro transforma-se
em criado de servir, empregado pelo patrão nos mais ignóbeis misteres. E ainda bem
quando é só criado de servir...
***
Ora, depois de ouvir estas palavras do caixeirinho, palavras que corrigi e enfeitei em
atenção ao leitor, entrei a pensar que o fechamento das portas é realmente uma medida justa
e humanitária.
Mas antes disso perdoe-me, ó Manoel! antes disso horripilava-me a idéia de
receber um belo domingo à tarde uma visita de cerimônia, precisar de alguma coisa da
venda, e a venda estar fechada.
Agora não! agora compreendo que os Srs. caixeiros celebrem ruidosamente essas
oito horas de liberdade, vulgarizem o Corcovado, o belo morro desmoralizado pela estrada
do Sr. Passos, e até impinjam ao vereador Santa Cruz uma manifestação a óleo, obrigada a
copo d‟água; – tudo compreendo agora!
Compreendo também que a empresa da companhia dramática italiana ofereça à
nobre classe caixeiral um espetáculo com o Luiz XI; sim, porque a nobre classe tem tanta
força de imaginação, que é capaz de achar relação entre o famoso rei da França e o
fechamento das portas.
Eloi, o herói
333
13 de julho de 1885
O poeta J. Campos Porto, que foi daqui remetido para o museu do Amazonas, e a
estas horas deve estar classificado pelo Barbosa Rodrigues, mandou para a Gazeta da
Tarde umas impressões de viagem, que desejo [ ] pelo menos na parte em que com tão
vontade se refere à minha terra: ao Maranhão.
***
“Embarcando no porto do Ceará às 5 ½ da tarde passa-se a noite no mar, o dia
seguinte, vê-se ao longe a capital, do Maranhão”.
Nesse período o poeta limita-se a ofender a gramática, mas depois de exclamar:
Uma bonita perspectiva! continua assim:
“A cidade ao longe é lindíssima como a Bahia. De perto é exatamente o contrário.
S. Luis é a terra dos tubarões”.
A terra dos tubarões, é boa!
O escritor que dirá do Amazonas, onde o jacaré sai d‟água para atacar o homem na
praia?
“Contam sobre estes animais (os tubarões), histórias terríveis, Indivíduo que cai
n‟água é imediatamente papado por esses monstros”.
E o Sr. Campos teve a ingenuidade de acreditar que os tubarões adivinham em que
lugar tem de cair gente. Essa parece-se com a do outro, que pretendia que o corpo de
bombeiros se aquartelasse perto dos incêndios.
“Alguns banhistas que se aventuram aos banhos na costa, saem d‟água sem pernas,
sem braços, etc.
“Não me disseram que alguém saísse sem cabeça”.
Ora, eis aí um acidente de que está livre o Sr. Porto.
***
“Desembarcando dirigi-me ao palácio da presidência, onde deixei o presidente
ultimamente nomeado, Dr. Tiburcio Figueira”.
A momentosa declaração de ter deixado o presidente em palácio revela da parte do
autor desta importante missiva um singular espírito de observação.
Vale, realmente, a pena encher quatro linhas de uma gazeta, para dizer que o Sr.
Tiburcio ficou em palácio.
***
“Em seguida deslizei por umas ruas sujas, tristíssimas, cheias de altos e baixos”.
O poeta devia ter grande dificuldade em deslizar por altos e baixos; mas tais fossem
os patins...
***
“Uma cidade de aspecto religioso...”
Todas as cidades do Brasil, principalmente aquelas em que maior vestígio deixou a
passagem dos jesuítas, têm isso a que o Sr. Campos chama “aspecto religioso”. S. Luis não
é uma exceção. Demais, são justamente os monumentos católicos, igrejas e conventos, a
maior curiosidade que tais cidades oferecem aos forasteiros. Visitou o Sr. Porto o convento
de Nossa Senhora do Carmo, em cujo templo ressoou o verbo inspirado e sublime do padre
Antonio Vieira? Qual! Pois creia que perdeu.
“Parece que em cada homem vê-se um padre e em cada moça uma freira”.
Esta ilusão de ótica abona mediocremente a seriedade do escritor; se eu o não
tivesse em conta de rapaz sóbrio, educado e de bons costumes, diria que, antes de ir a
palácio, fizera escala por algum botequim da rua do Trapiche.
334
“As moças olham para a gente com medo...
Conforme a gente, que diabo!
“.... o que é uma calamidade, principalmente para mim”.
Não entendo.
***
“Nos Remédios vi a estátua de Gonçalves Dias”.
Ora, está uma honra... para Gonçalves Dias, com a qual bem pouco se hão de
importar os leitores da Gazeta da Tarde.
***
“Estive em casa de uma família, e aí uma senhora distintíssima...”
Ora, viva Deus! mais de pressa se apanha um autor de missivas do que um coxo!
O Sr. Campos passa algumas horas em S. Luis, todas as moças lhe parecem freiras,
acha que elas olham para a gente com medo, e, apesar de tudo, encontra uma senhora
distintíssima!
Estou vingado!
Mas vejamos o que fez esta senhora:
“Ao saber do concurso para o lugar de primeiro poeta brasileiro, perguntou-me
maliciosamente:
- Há quem tenha deixado de votar em Gonçalves Dias?”
“Não sei até que ponto foi maliciosa a pergunta”.
Nem eu...
Nem ninguém...
Sim, porque a pergunta nada tem de maliciosa. Mesmo nada.
O caso mudaria de figura, se a tal senhora pergutasse:
- Há quem tenha deixado de votar no Sr. Campos Porto?
Aí, sim, haveria malícia, porque o Sr. Campos Porto não é o primeiro poeta
brasileiro.
Oh! não!...
***
“A cidade de S. Luis nada tem que ver”.
Não tem, mas teve... enquanto S. S. lá se demorou.
“Edifícios todos velhos”.
Fique entendido que só os edifícios novos são dignos de ser vistos. Se o leitor algum
dia for a Paris, vá ver a Ópera, que é nova, mas não olhe para o Louvre, que é velho.
“Somente o desembarque é bom”.
O desembarque e o arroz de cuchá. O poeta esqueceu-se do precioso prato
maranhense.
***
“Do Maranhão emigram muitas famílias para o Pará e Amazonas. Tipos em geral
franzinos e pouco desenvolvidos”.
Quem impingiria ao Sr. Compos essa balela da emigração das famílias magras?
***
Decididamente o Sr. Porto viu com maus olhos a minha terra. Se algum dia o museu
do Amazonas privar de sua pessoa a respectiva coleção, e o poeta, de volta ao Rio de
Janeiro, quiser de novo passar por S. Luis, faça justiça ao menos às senhoras de espírito,
que ali não são menos abundantes que os tubarões.
Eloi, o herói
335
15 de julho de 1885
Diz muita gente que eles lá em Buenos Aires estão mais adiantados que nós aqui no
Rio de Janeiro.
A publicação de um novo periódico porteño vem corroborar essa asserção, um tanto
absoluta.
***
Intitula-se o periódico Ecos Matrimoniales, e a luz naquela capital , 227, calle
San Martin, 227. Destina-se exclusivamente à inserção de anúncios de casamento, inserção
feita sob diversas condições, dentre as quais transcrevo as duas seguintes:
“8 Al efectuar la primera presentación personal, cada uno de los interesados (Os
noivos) tendrá que abonar 5 ps. m/n y si fuese por escrito dicha presentación, abonarían 2
ps. m/n.
En caso de no covenirse, subsiguientes presentaciones se harán gratis.
9 Si resultase matrimonio, habría que pagar una comisión de 5% sobre un capital
de 1,000 ps. m/n o menor cantidad.
Por capital de 1,000 a 10,000 se pagará el 2 ½%.
Por todo capital que exceda de 10,000 se pagará el 1%.
Esta suma sepagada del capital de cada uno de los contrayentes, un mes después
de la boda”.
***
Entre os anúncios encontrei alguns bastante curiosos, e não resisto ao desejo de
oferecê-los ao bom humor de quem me lê.
Por exemplo:
“Una señorita que vive en el campo y desea estabelecerse en la ciudad, desea
encontrar un marido que la hiciera feliz, aunque no tenga fortuna.
Ella posee algunos bienes, y espera hallar un compañero capaz de manejarlos con
provecho.
El editor tiene una fotografía de ella, pues aunque no es hermosa bastan sus ojos
para mostrar la bondad de su alma”.
Ou este:
“Un caballero que se ve obligado a ausentarse de este país, por negocios de
importancia, y no teniendo personas de suficiente confianza para dejar en compañía a sus
dos hijas, desea encontrar dos buenos caballeros para desposarlas, a los cuales podrá hacer
ventajosas propuestas”.
***
Mas esse pai que quer viajar sem trambolhos, nada fica a dever ao de Teresa e
Sofia. Ora vejam o que diz este, depois de fazer a enumeração dos dotes físicos e morais
das aludidas senhoras:
“Los aspirantes a la mano de estas niñas, deben ser caballeros cuyo carácter sea
su mejor garantia. Fortuna no es indispensable pero si la tuvieran seria preferible.
Ellas poseen una casa, una Estancia y una renta anual que constituye su dote.
Siendo el padre muy acostumbrado a los usos europeos, a pesar de residir en este
país muchos años, prefiere usar de este medio para proveer la necesidad de establecer sus
niñas, antes que verlas expuestas a las consecuencias de toda clase de tentaciones en su
ausencia”.
***
336
Passo por alto uma Lídia, “joven delgada y esbelta, que puede satisfacer el gusto
más exigente”, um francês que procura uma boa senhora “pour la faire re de ses deux
filles”, – e copio integralmente o seguinte anúncio:
“Soy hermosa, joven y graciosa, verdaderamente atractiva, así al menos lo dicen mis
amigos. Si encontrase un joven buen mozo que quisiera casarse conmigo, yo haría lo
posible para ser la más cumplida esposa.
Tengo un pequeño capital, y espero que en mi futuro no carezca de buena posición.
Pueden comunicarse conmigo los que desean procurarse un hogar feliz. Me llamo
Rosita”.
Desconfio que o “pequeño capital” a que se refere a anunciante nada tem de comum
com o capital de que fala Dumas Filho.
***
Deixei para o fim um anuncio em português, que o tal periódico publica-o em
todas as línguas, ao gosto dos interessados.
“Em português”, é um modo de dizer; os leitores vão ver como nos Ecos
matriomoniales é tratada a língua de Camões:
“Uma senhora d, nacionalidade brasileira nativa do Rio-Grande do Sul é da cidade
de Jaguarau, viúva de trinta y um ano d, idade con singular educação dese-lha-se casar com
um home que lha fhasa fheliz, prefirindo um filho do país.
E la ten venes o que lhe permite se casar com un home que, mais que seia sin bems
pero que decente y honrado lo se-ia.
Os que tivesen interes poden se dirigir à administração deste Jornal à u nome da
„Viuva Brasileira‟”.
***
E toda a gente achava impossível aquele famoso Piperlan, que garantia mulheres no
Recreio Dramático!
Decididamente os nossos vizinhos do Rio da Prata estão mais, muito mais
adiantados que nós, uns ingênuos, que pasmamos sempre diante do célebre “senhor viúvo
que de vez em quando procura, pelo Jornal do Comércio, uma “senhora séria” para fazer-
lhe companhia.
***
Felizmente aqui não há quem se case por anúncios; melhor seria procurar mulher no
jardim do Sant‟Anna ou marido em certas casas perseguidas pela polícia.
Eloi, o herói
337
16 de julho de 1885
Conhecem o Luiz Murat, um rapagão elegante, com uns olhos e bigodes pretos, que
seriam o enlevo das moças bonitas, se ele não tivesse o defeito, o grande defeito de não ser
solteiro?
Não o têm visto passar na rua do Ouvidor, o chapéu desabado a ensombrar-lhe o
rosto, o passo largo e medido, e sempre um sorriso a ameaçar-lhe os lábios, entreabertos
por um cigarro?
Ainda agora o vi sair do escritório da Semana, em cujas páginas empunha
vigorosamente a palmatória da crítica.
Vi-o, e lembrei-me de que lhe devo algumas linhas.
***
O Murat teve a obsequiosa lembrança de me oferecer um exemplar dos Quatro
poemas que acaba de reunir num pequeno volume de setenta páginas.
Esses quatro poemas são: Cavalheiros mortos, que eu já havia lido no Diário
Mercantil de S. Paulo, Templo vazio, Sonhando e Flecha de Meiamun.
***
O poeta, um dos mais estimados da geração atual, oferece o seu livrinho à crítica
dos doutos, e esse oferecimento me assusta.
Esta seção e que fique isto assentado de uma vez por todas não se destina à
crítica. Não entro em seara alheia. Sei perfeitamente até onde chega a minha competência, e
de modo algum desejo que me tenham na conta do sapateiro de Apeles.
Descubram outros os defeitos que necessariamente devem ter esses quatro poemas.
(Não nada perfeito neste mundo); eu limito-me a transmitir ao público a boa impressão
que me causaram.
***
O Murat tem o verso fluente, o vocábulo pronto e a rima fácil.
Destas quatro bonitas composições, aquela em que mais transparece a sua índole,
aquela em que mais profundo ficou o sulco de sua individualidade, é, no meu fraco
entender, a terceira: Sonhando.
Nas outras sente-se talvez melhor o artista; nesta advinha-se o homem.
Ao próprio poeta não será (desconfio) agradável a minha preferência: a julgar pelo
prefácio do livro, ele considera a Flecha de Meiamun a melhor parte do livro.
Mas, pelo amor de Deus!
Essa composição exala, é verdade, um perfume do Oriente; mas por desgraça esse
perfume foi engarrafado em Paris, por Teófílo Gautier, que está para a literatura francesa
como Piver para a indústria.
O Murat esqueceu-se até de tirar ao Meiamun a marca da fábrica: dois pontos sobre
o “u”: – Meiamün.
Mas convém dizer que o Murat é o primeiro a confessar que o seu trabalho é meio
de importação.
Sonhando é, entretanto, uma poesia cheia de originalidade, e eu gostosamente
transcreveria algumas estrofes, se o fosse o receio de tirar alguma coisa a tão pequeno
volume.
Receba o Luiz Murat um valente aperto de mão de quem faz votos para que
continue a benemerecer das letras pátrias.
***
338
Mas, para outra vez, quando houver de publicar alguma coisa, procure melhor
tipografia que não a do Sr. Lobão da rua Hospício.
Ler bons versos destetavelmente impressos num livrinho torto e mal amanhado, é o
mesmo que beber Madeira velho em xícaras de louça.
Eloi, o herói
339
17 de julho de 1885
Realizou-se anteontem, no Sant‟Anna, o benefício do Arêas, e eu não quero perder
esta ocasião de comprimentar o distinto e provecto ator luso-brasileiro.
***
Ninguém sabe ao certo a idade que tem este grande tipo: o Vasques sustenta que
oitenta anos, o Heller não lhe mais que setenta; mas quem diga que o Arêas fez
sessenta anos quando se representava no Recreio Dramático o Testamento Azul.
O que eu sei é que em 1841 ele representava um importante papel na tragédia
Aristodemus, ao lado de João Caetano, no teatro de S. Francisco, ontem Ginásio Dramático
e hoje Clube dos Fenianos.
***
poucos dias eu tomei chá com o Arêas, depois de um espetáculo, no hotel
Continental, e aproveitei a ocasião para falar-lhe do Aristodemus.
O velho artista, para o fim de provar que nunca o traiu a memória, entrou a recitar
em cima da fivela o papel que desempenhou há quarenta e quatro anos um papel pesado,
massudo, em verso branco.
Ao passo que ele despejava dos lábios aquela caudal de endecassílabos, eu pasmava
da retentiva do homem, e dizia aos meus botões atônitos.
- Não é um homem: é um fonógrafo.
Pois, o satisfeito com essa eloqüente manifestação de sua integridade cerebral, o
Arêas recitou nessa memorável noite alguns trechos mais do seu velho repertório artístico, e
entre eles o monólogo da primeira cena da comédia em que estreou, e cujo título e isto foi
há poucos dias já me não lembra. Mas creio que era o Pai da atriz.
***
O Arêas é um repositório vivo de velhas anedotas esquecidas, em que figuram
artistas que tiveram os aplausos das platéias do Rio de Janeiro, e cujo nome já hoje
ninguém invoca.
Ninguém melhor do que ele forneceria subsídios para a história do teatro de S.
Pedro de Alcântara, que há dias escapou milagrosamente ao quarto incêndio.
Que interessantes coisas escreveria quem pretendesse consultar a memória do Arêas
uma espécie de dicionário, em que se encontra minuciosa notícia de tudo quanto diz
respeito ao teatro fluminense durante meio século!
Seria muito curiosa a simples relação das peças em que ele tem figurado. É um
topa tudo . dozes anos, que o conheço, tenho-o visto no drama de capa e espada,
íntimo ou fantástico, na alta e na baixa comédia, na mágica, na opereta, na farsa, na
revista de ano, na cena cômica, na cançoneta, num tudo e por tudo. Com os oitenta anos
que lhe o Vasques, ou os setenta que lhe o Heller, é ainda moço e lépido quando o
quer ser. Conserva um bom órgão, vibrante, sonoro, teatral, e tem esperanças de fazer ainda
uns vinte benefícios proveitosos como o de anteontem, que permitiu ao artista reunir mais
dois contos aos cinqüenta que tem depositados no Banco do Brasil.
***
É hoje a festa artística da Duse-Checchi. Uma noite memorável, asseguro-lhes.
Representa-se a Dama das Camélias. Imaginem que Margarida! Imaginem que
Armando!
Sei que os Srs. Dr. Ferreira de Araújo, Adriano de Castro, irmãos Cresta e outros
cavalheiros, admiradores da grande atriz, vão lhe oferecer uma estrela de brilhantes de
340
primeira água, e que, para o mesmo fim, Sua Majestade o Imperador encomendou ao
Farani uma riquíssima jóia.
A Semana distribuirá um número especial, colaborado por vários escritores e
artistas, entre estes Lucinda, Furtado Coelho, Vasques e Eugênio de Magalhães.
O Diário de Notícias cumprimenta-la por intermédio de um... modestíssimo
bouquet.
Mas o clou das ovações será.
Não! não digo, que é segredo.
***
A imprensa é unânime em tecer à Duse-Checchi os mais entusiasmados elogios.
A própria Gazeta da Tarde, que o outro dia, a propósito do Sr. Campos do Museu,
classificou-a de atriz de arribação, ontem afirmou que “todas as demonstrações que o
público fluminense possa dar à gloriosa artista, por mais entusiásticas que elas sejam, nunca
transcenderão o nível de tamanho merecimento”.
Quer isto dizer que a Gazeta da Tarde também arribou...
Ora ainda bem!
Eloi, o herói
341
18 de julho de 1885
poucos dias noticiavam os jornais do Rio da Prata que Sua Majestade o
Imperador tinha sido atacado de hidropsia na vias urinárias.
Agora é a Nación que publica uma carta de Assunção, em que se diz que entre o
Brasil, o Uruguai e o Paraguai está assinada uma aliança ofensiva e defensiva contra a
Confederação Argentina, e se espera a volta do Sr. José S. Decoud, ministro da fazenda
no Paraguai e atualmente em missão em Londres, para fazer-se ostentação do ato.
A Pátria, folha brasileira que a luz em Montevídéu, desmente categoricamente a
notícia.
***
Custa realmente a conceber uma imprensa tão leviana, que se compraz em espalhar
falsos boatos políticos de tanta responsabilidade.
Se a notícia dessa aliança absurda trouxesse algum benefício aos nossos amáveis
vizinhos; se abrisse os seus portos ao comércio e os seus campos à imigração
compreende-se, porque, enfim, os argentinos pensam, como os jesuítas, que todos os meios
são bons para conseguir os fins que se desejam.
Compreendo que eles mandem dizer na Europa que o Brasil é um foco de podridões
e os brasileiros as podridões de um foco; que descarreguem sobre nós quanta patranha lhes
nasça na imaginação escaldada, e atraiam para si os colonos que projetem estabelecer-se no
Brasil.
Mas não percebo porque a imprensa argentina mente por quantas colunas tem, pelo
simples gosto, creio, de nos ser desagradável.
***
Buenos Aires é, mal comparado, uma dessas vizinhas impertinentes, que, de vez em
quando, mandam-nos perguntar pelo moleque se não passou uma galinha do seu para o
nosso quintal.
Ora, isto, uma vez, passa; duas, passa; três, passa; mas vinte, trinta, quinhentas oh!
é muito! Acaba-se por puxar as orelhas ao moleque.
Tranquilize-se a República Argentina: a galinha não pulou para cá.
O canard, esse sim.
Eloi, o herói
342
19 de julho de 1885
A festa artística da Duse-Checchi ficará eternamente gravada na memória de
quantos tiveram a felicidade de se achar anteontem no teatro de S. Pedro de Alcântara.
Estavam presentes todas as pessoas para as quais a imprensa inventou o famoso
cliché da elite da sociedade fluminense”. Não havia um lugar vazio. A Duse, que tinha as
suas razões de queixa contra o público, ficou anteontem reconciliada com ele. O leão
dormia: despertou anteontem. Raras vezes temos assistido a uma ovação tão espontânea,
tão entusiástica.
***
Na competente seção desta folha, outro dirá que espécie de Margarida Gautier se
encarnou anteontem no corpo da eminente atriz, e como as honras da representação lhe
foram brilhantemente disputadas, no final do ato, por Flávio Andó. Outro transmitirá ao
leitor a dolorosa impressão que lhe produziu a morte de Margarida.
Esta senhora tem morrido um sem número de vezes no Rio de Janeiro. Entre Emília
das Neves e Lucinda Furtado Coelho, cinqüenta damas das camélias têm tossido no palco
brasileiro o seu interessante papel. Das que eu tenho visto morrer, algumas o fizeram mais
teatralmente: nenhuma o fez ainda com tanta e tão pungente verdade.
A Duse, que é, talvez, uma Margarida Gautier menos tuberculosa do que cardíaca,
teve o bom senso de desprezar as ficelles convencionais do seu papel, e aproximá-lo da
verdade o mais que lhe foi possível.
Na cena do ato, quando Armando lhe diz que a ama, no grande diálogo com o
velho Duval no ato, em todo o ato e na leitura da carta, no 5º, a grande artista
encontrou efeitos novos, pequeninas coisas que escaparam às suas predecessoras. Ainda no
último ato, quando a criada lhe vem anunciar a inesperada visita de Armando, o flamejar
daqueles olhos, aquele desejo de viver, aquela reanimação fictícia do seu espírito, como
tudo isso foi feito debaixo de todas as regras da verdadeira arte de representar!
***
A ovação começou depois do 3º ato.
Nessa ocasião os Srs. Pederneiras (pelo Jornal do Comércio), Pereira da Silva (pelo
País), e Jacinto Heller, invadindo o camarote do Conservatório Dramático, ofereceram à
Duse três belos e custosos ramilhetes.
A beneficiada foi repetidas vezes chamada ao proscênio, e entusiástica e
unanimemente aclamada pelo público. Alguns pombinhos voaram de uma frisa e foram
cair no palco. Há muito tempo que esses inocentes bichinhos não tomavam parte nas
ovações teatrais.
***
No intervalo do para o 4º ato Sua Majestade o Imperador mandou chamar a Duse
ao seu camarote. Quando, correspondendo ao imperial convite, ela passou pelos corredores
do teatro, as numerosas pessoas que aí se achavam, saudaram-na ainda ruidosamente,
freneticamente. O monarca, depois de conversar algum tempo com ela, brindou-a com um
riquíssimo bracelete de ouro e brilhantes.
***
Depois do 4º ato a ovação tornou-se indescritível.
O meu bom amigo Artur Azevedo, depois de oferecer à heroína da noite um
modesto bouquet, em nome da redação desta folha, entregou-lhe também uma camélia,
acompanhada por estes oito versos infelizes:
343
Descamba aquele astro esplêndido
Ristori, o assombro, o portento,
E surges no firmamento
Formosa estrela de amor!
Entusiasmada, frenética
Agita-se a alma do povo...
Em seu nome, ao astro novo
Venho trazer esta flor.
Sirva de atenuado ao poeta ter sido a oitava escrita sobre o joelho, no camarim do
Andó, poucos momentos antes de ser recitada.
Em seguida Valentim Magalhães recitou igualmente o seguinte envoi do número
especial da Semana, impresso em seda e ricamente encadernado em uma pasta de peluche
bleu foncé:
Senhora. Permiti que aos vossos pés levemos,
Nesta noite de glória e de vivos fulgores,
Já que as jóias do Oriente ofertar não podemos,
Um punhado de flores.
Nesta parte feliz do continente novo,
Onde o sol mais escalda e colora a paisagem,
Não é raro sentir estremecer o povo
Numa ardente homenagem.
A Ristori, o Salvini, o que há de mais severo
Na grande Arte onde agora o vosso gênio avança
A Paladini, o Rossi, a Pezzana, a Tessero,
Gema a grande criança.
Todos que a Itália, o ninho da Arte, solta, e errantes
Aves de plumas de ouro e luz, que o imenso oceano
Cortam, têm visto aqui os estes deslumbrantes
Do aplauso americano.
É hoje o vosso dia, e consenti, senhora,
Que, no meio da glória e dos vivos fulgores,
A Semana engrinalde a vossa fronte, e agora
Cubra o solo de flores!
Esses versos foram escritos por Filinto de Almeida.
De todos os lados do teatro partiam palmas e bravos uníssonos e vibrantes; as
senhoras, de pé, nos camarotes, agitavam os lenços. Um delírio! E a Duse, comovidissima,
chorava... chorava muito.
***
- En êtes vous content? perguntou-lhe ontem alguém.
- J’eu suis encore malade, respondeu ela.
***
344
Não tenho expressões para dizer o que se passou depois do ato. Em linguagem
popular uma frase que exprime perfeitamente o caso: Parecia que vinha o teatro
abaixo. À décima chamada, a cena ficou juncada de chapéus: já não havia flores... Alguns
espectadores saltaram ao palco, e entre eles o Vasques, que se ajoelhou e beijou a mão à
Duse, como noutra época fizera à Ristori.
***
Eis a relação completa dos brindes:
De Sua Majestade o Imperador: um bracelete com muitos brilhantes.
Dos Srs. Dr. Ferreira de Araújo, G. Gianelli, E. Foglia, S. Pedemonte, Dr. Salvi,
Artur Braga, Adriano de Castro, Julio Glech, Dr. Aulicini e C. Cresta: uma estrela com
brilhantes.
Dos Srs. Augusto da Fonseca e outros: um broche com brilhantes e esmeraldas.
Do Sr. comendador Aguiar e sua senhora: um indispensável de ouro e prata.
Do empresário Ciacchi: uma grande estrela de flores artificiais e ouro, e um alfinete
para cabelo, de ouro e brilhantes.
Dos Srs. Barão de Paranaíba, Dr. Rodrigo Silva, Dr. Martinho Prado e comendador
Pereira: um enorme ramo de camélias, vindo expressamente de S. Paulo.
Do casal Furtado Coelho: uma grande corbeille e os retratos dos dois distintos
artistas.
De Mlle. Rose Méryss: uma palma de veludo e ouro, uma aquarela pintada pela
ofertante, e a sua fotografia, representando-a no Boccacio, quando vem vestida de pastor,
com a seguinte dedicatória:
“Lorsque le soir à l‟horizon
Phoebus s‟endort sous un long voile,
Au zenith apparait étoile
Qui la haut doit porter ton nom”
assinada por Un pauvre petit pâtre.
Do Jornal do Comércio, Diário de Notícias, D. Isabel Mora de Aguiar, Dr. Félix da
Costa, C. Pedroso, Baldomero Carqueja, Dr. Bernardo Ferreira de Carvalho, Castelo,
Jacinto Heller, Vasques, e um anônimo: flores naturais.
Da Gazeta de Notícias, D. Manuel Piera, Baldomero Carqueja e um anônimo: flores
artificiais.
Do País: um leque de penas.
Da Voce del Popolo: um acróstico.
Da Revista Teatral: um autógrafo.
Da Semana: o número especial de que acima falei.
Do Sr. J. C. David: uma aquarela.
Do ator Arêas: o seu retrato.
Do Sr. Matos Faro e sua senhora: um E, formado de camélias.
E mais uns sessenta ramilhetes anônimos.
Uf!
Eloi, o herói
345
20 de julho de 1885
Eu estava resolvido a ir ontem assistir ao nosso great event, ao grand-prix de S.
Francisco Xavier.
O aspecto da arquibancada, as corridas, o jogo, a alegria dos que ganhassem, a
decepção dos que perdessem, forneceriam assunto para uma crônica impressionista, capaz
de satisfazer ao próprio Escaravelho se fosse isto possível.
Infelizmente não será ainda desta vez que cairei nas boas graças do psicólogo da rua
do Ouvidor n. 61; circunstâncias houve que me impediram de sair de casa durante o dia.
***
Às 8 horas da noite, eu apalpava voluptuosamente na algibeira os cobres que
destinara à compra de algumas poules do Taillefer, e procurava nas nuvens um assunto para
este artigo.
me haviam dito que o famoso pursang fora vencido por Damieta; eu agradecia a
Deus o não ter lá ido, visto achar-me com o dinheiro, embora sem o assunto.
O leitor que me perdoe essa nuga de egoísmo, e a confissão franca e irrefletida dos
meus instintos de comprador de poules.
Ainda bem que aqui tenho o cobre; vou com ele fornecer o meu galinheiro. Poules
por poules, prefiro-as em Português.
***
Pouco depois ofereciam-me um assunto: a notícia que ontem, sob o título Escândalo
diplomático, a Gazeta transcreveu de uma folha lisbonense.
Segundo essa notícia, o nosso ministro em Roma foi expulso de um club, por ter
sido apanhado a fazer trapaça ao jogo.
O Imparcial, de Madri, teve ciência do escândalo por um despacho telegráfico,
expedido daquela cidade.
***
A coisa é muito grave, e presta-se a três colunas de considerações.
Mas não se assuste o leitor; não as farei, porque a notícia não é oficial, e, nestes
casos, o melhor é estar calado (sem calembourg).
***
Calado também devia estar o Comércio, jornal anunciador, comercial, noticiário e
literário, que, desde o dia 18 do corrente, tem a infelicidade de ser impresso e distribuido
nesta Corte.
Diz o novo órgão no seu artigo programa:
“Auxilie-nos o comércio, que é de quem mendigamos proteção, como o pobre
mendiga o pão pelo amor de Deus”.
A que estado chegaram as letras brasileiras! Uma folha precisa de anúncios como de
pão para a boca, e pede-os pelo amor de Deus!
Terá o Comércio o seu escritório de redação no Asilo do Mangue da Cidade Nova?
Os seus redatores desfiarão estopa, em vez de desfiar idéias?
***
Enfim, o truc é novo e pode dar resultado, principalmente se os colegas arranjarem
um realejo, como o da velhinha da esquina do hotel Consolo.
O meu maior desejo é que o comércio não lhe responda:
- Deus o favoreça, irmão.
Eloi, o herói
346
21 de julho de 1885
Furtado Coelho e Lucinda Simões despediram-se anteontem do público fluminense.
Representaram o Demi-Monde: ele foi ainda uma vez Olivier de Jalin, ela Suzana
d‟Ange.
***
A Duse-Checchi havia ultimamente assistido, no Lucinda, a uma representação da
obra prima de Dumas Filho.
Findo o espetáculo, a eminente atriz foi abraçar no camarim a sua graciosíssima
colega e dizer-lhe:
- O Demi-Monde faz parte do meu repertório; porém de hoje em diante jamais
representarei o papel de Suzana d‟Ange em lugar onde a senhora o tenha feito.
Uma jóia que Sua Majestade o Imperador encomendasse ao Farani e remetesse à
Lucinda não lhe seria tão agradável certamente como essa frase, impregnada de justiça e de
amabilidade.
Foi mais que um elogio: foi uma consagração.
***
Realmente Lucinda é adorável no Demi-Monde; não se pode ser mais distinta nem
mais maliciosa. Não se compreende aquele formoso monstro a Baronesa d‟Ange com
outro olhar, outras inlfexões e outros gestos senão aqueles.
E não é dizer que tal cena seja mais bem representada do que outra; que o talento da
artista esmoreça aqui para levantar-se mais longe: não; o trabalho é igual, é completo, sem
falhas nem excrescências. Menos ou mais, seria inadmissível.
***
Dizem que o casal Furtado Coelho, que tantas e tão belas noites nos tem
proporcionado, declarou que nunca mais representaria nesta corte. Nem sei nem quero
saber que circunstâncias motivaram tal protesto; mas cá fico eu a fazer votos para que ele se
não realize, e voltem ainda os bons tempos do e da Lucinda.
***
A falar em volta: está na terra o Sr. Júlio Cesar Ribeiro de Souza, o mesmo que
três anos empinou na Praia Vermelha o balão Vitória.
Os leitores lembram-se da nomeada que adquiriu este nosso compatriota? Fez-se o
bazar Júlio Cesar, abriram-se subscrições Júlio Cesar, e a Chapelaria Aristocrática pôs à
venda os chapéus à Júlio Cesar. Este nome era repetido em toda a parte, e o entusiasmo, um
tanto precipitado, do público, levou às nuvens o famoso paraense, antes que o próprio balão
se encarregasse disso.
***
Hoje o aereostato já se não chama Vitória, como a legendária vaquinha; crismou-se:
chama-se Santa Maria de Belém. É menos pretensioso e mais católico.
Mede 51 metros de comprimento e 10 de diâmetro, tendo 3.000 metros cúbicos de
capacidade. É todo de seda dobrada.
A barquinha tem 10 metros de comprimento por 1,10 de largura; as asas 12 po 8
cada uma, e a cauda 7, em triângulo.
***
O Sr. Júlio Cesar pretende fazer, no próximo domingo, uma conferência sobre a
direção do aereostato.
347
quando obtiver, por meio de donativos, dinheiro suficiente para as despesas de
pintura e aquisição de vários acessórios que lhe faltam, é que fará algumas experiências
públicas.
***
Entretanto, essas experiências dependem ainda de uma dificuldade.
O serviço do balão exige duas pessoas; uma será o autor; mas a outra?
Tudo agora depende, pois, do Sr. Júlio Cesar encontrar quem consigo leve dentro da
barquinha.
No Rio de Janeiro, onde há rapazes de tanta coragem, talvez não lhe seja isso difícil.
Eloi, o herói
348
22 de julho de 1885
Fontoura Xavier acaba de ser nomeado cônsul privativo do Brasil em Baltimore.
O festejado poeta das Opalas tem todos os requisitos necessários para o
desempenho de semelhante cargo. É um rapaz ilustrado, simpático, insinuante, sabe valsar
como o Tinoco, conhece, como Fígaro, o fundo da ngua inglesa, e é republicano
platônico.
***
Consta-me que o Sr. Martim Francisco falará hoje na Câmara dos Deputados sobre
o republicanismo do novo cônsul. S. Ex., que muito tempo traz o poeta atravessado na
garganta, vai naturalmente estranhar que se mande um republicano para um consulado da
América. O contrário é que seria para admirar.
Demais, não me parece que o caráter de republicano seja incompatível com o de
cônsul.
Este, afinal de contas, não passa de uma espécie de agente comercial.
***
muito tempo que ouço dizer mal dos correligionários do Sr. Hudson, quando
aceitam tais cargos; no meu entender não importa isso quebra da dignidade política desses
cavalheiros.
Mas mesmo quando assim fosse, que diabo! o Sr. Martim Francisco nunca se
lembrou de discutir a nomeação de Salvador de Mendonça, que era muito mais republicano
que Fontoura Xavier.
Ainda dias seguiu para o Chile, na importante condição de árbitro de guerra, um
dos mais ilustres brasileiros, deputado, ministro, senador, conselheiro de Estado, e
brevemente visconde, apesar de ter sido um dos signatários do famoso manifesto
republicano de 1870.
E não consta que o Sr. Martim Francisco opusesse nunca o dique de sua eloqüência
a esse Amazonas de altos cargos de confiança.
***
pouco tempo um republicano, tendo sido chamado aos conselhos da coroa,
explicava essa inexplicável cabriola por uma frase que fez época:
- Sonhos da mocidade.
Pois bem; Fontoura Xavier, que não deixará de ser moço durante os vinte anos mais
próximos, poderia dizer:
- Sonhos da meninice , se fosse incoerente um republicano ser cônsul do seu país.
***
Não! não digo mal de Fontoura Xavier, assim como nunca disse de Salvador de
Mendonça, o primeiro consulado de Baltimore.
O que ardentemente desejo é que o poeta não nos deixe in albis a propósito de
versos; entre dois passaportes, procure sempre ensejo para fazer um soneto.
Eloi, o herói
349
23 de julho de 1885
No Brasil tudo pode faltar, menos os poetas.
Raro é o mês... o mês? que digo eu?... rara é a semana em que um novo livro de
versos não venha quebrar a monotonia da prosa nacional.
É triste, mas não há remédio senão confessar que, na maior parte dos casos, tais
livros estão mesmo a pedir cesta de papéis inúteis, quando os não queiram conservar como
curiosos espécimens de “asnidade humana”.
Sucede, entretanto, que nem sempre os novos poetas são assistidos pela musa
inspiradora do defunto Barreto Bastos.
***
O Sr. João Ribeiro tem, felizmente, o direito de preencher um claro de biblioteca.
O seu livro de estréia prometia muito, e se nas sessenta páginas que, sob o título
Avena e cítara, neste momento recebo ainda úmidas do prelo, não se realizam tais
promessas, pelo menos são estas plenamente confirmadas.
***
O Sr. João Ribeiro tem muitos pecados de que se absolver, porque no seu livrinho
os versos certos abundam mais que os errados. Quer isto dizer que, com um pouco mais de
paciência...e de ouvido, o poeta poderia apresentar obra asseada. Quem erra, sabe que erra,
e não emenda o erro, dificilmente alcançará desculpa.
Como se compreende que se escreva:
“Cai sossegada a sombra e cai aos poucos”
e logo em seguida: Do covil estreito, umbroso e solapado coisa que nunca foi
verso, e por isso mesmo escrevo como prosa?
Como explicar que o mesmo poeta escreva este verso delicioso:
“Foram saindo trêmulos os seios,”
e queira dar a isto:
“Amo-te! amo-te...e tu não dizes nada”
as honras de hendecassílabo?
***
Entretanto, não se pode negar que o Sr. João Ribeiro tenha imaginação, e essa é a
condição fundamental do perigoso ofício de fazer versos.
A poesia Em marcha é tão delicada, que não resisto ao desejo de transcrever três
estrofes: a primeira:
“Oh almas – velhas centelhas
Matemos as nossas dores
Busquemos como as abelhas
A medicina das flores”
a terceira:
350
“O que não curam doutores
Hão de curar-nos as rosas;
Eu tenho mais fé nas flores
Do que no resto das coisas”.
E a sétima, que é adorável:
“E numa estrofe nervosa
Invoco a musa que eu amo;
A rima é como uma rosa
Na extremidade de um ramo”.
Com esta diferença, meu jovem poeta: o ramo, em cuja extremidade estiver a rima,
deve ter certa e determinada extensão. O senhor conseguirá esse milagre de botânica por
meio de um enxerto da planta amarga da paciência.
A pachorra já alguém o disse é meio gênio. Muna-se de uma porção dessa quase
virtude, e afianço-lhe que não nunca mais publicará versos errados, como saberá aturar-
me a mim, que não critico, repito, e apenas desejo socorrê-lo menos com a ciência, que não
tenho, do que com a experiência, que devo ter.
***
O livrinho de que me ocupo é muito bem impresso na oficina do Sr. Hildebrandt, o
simpático editor da Distração.
Eloi, o herói
351
24 de julho de 1885
Ah! Molière! Molière! como eu me tenho lembrado de ti ao ler a interessante
pendenga travada entre o Dr. Pedro Paulo e o Dr. Abel Parente.
Desde o primeiro artigo que perdi a tramontana com essa pouco edificante questão
de ginecologia; mas depois que o primeiro, e inquestionavelmente o mais armado dos dois
contendores, falou em Winckel (Patologie der Weiblichen Sexualy Organne) e mais em
Fritsch, Schatz, Sänger, Backelmann, Haidler, Tauffer, Schöreder, Holfmeir, etc, nomes
que sou obrigado a copiar letra por letra então é que fiquei completamente às aranhas.
***
Entretanto, o que parece provado é que o Dr. Abel Parente ofendeu gravemente a
dignidade ciêntifica do Dr. Pedro Paulo um moço distintíssimo, que, desde estudante, tem
feito bonita figura.
Sem que possa dar juízo seguro sobre o que diz um alemão de nome arrevesado na
obra traukheilen der Weiblichen Geschlechtsorgane (Irribus!); sem que possa experimentar
no meu próprio organismo a perícia dos dois ginecólogos; sem que possa apreciar
conscienciosamente até que ponto chegam as habilitações do Dr. Pedro Paulo, estou pronto
a jurar que este ilustre especialista não se socorreu de um colega para fazer a prova oral do
concurso à cadeira de partos, como afirma o seu contendor. Vou na dos padrinhos, mas
vou.
Tive ocasião de ver o Dr. Pedro Paulo no exercício de sua dupla profissão de
professor e de clínico, e de admirar, até onde me foi possível, a lucidez do mestre e a
perícia do operador.
Não hesito um momento em fazer-lhe este reclamo oficioso e gratuito. Assim ele
obrigasse o infatigável animal do seu tilburi a correr diariamente alguns quilômetros a mais.
***
Quem trouxe a nota cômica para a pendenga foi o capitão José Tozzi, que ontem,
pelo Jornal do Comércio tosou o Dr. Pedro Paulo por ter chamado calabrês ao Dr. Abel
Parente.
“O Dr. Parente, diz o capitão, não é calabrês, antes o fosse: é da Lucania.
“Calabrês, puro-sangue, sou eu, Sr. Dr. Pedro Paulo, e disso me glorio!”
E assim termina:
“Na Calabria tem nascido muitas celebridades médicas, que o mundo hoje admira,
exemplo: um D. Bruno Amantea, um Manfredi, um Monterosso, etc, etc. Oh! quanto se
ufanaria V. S., estou certo, se tivesse a reputação científica destes calabreses!”
***
Entretanto, o Sr. Parente, da Lucania, também ontem, e pelo mesmo órgão,
incumbe-se de explicar ao mundo o que quer dizer calabrês:
“Chama-me o meu antagonista de calabrês, isto é, de salteador de estrada ou
roubador dos dinheiros alheios. Repilo a injúria energicamente. Não um fato da
minha vida que possa provar essa asserção”.
Veremos amanhã o que diz o Sr. Tozzi desta definição, tão pouco lisonjeira à sua
condição de puro sangue da Calabria.
***
Mas não se escame o exaltado capitão; o Dr. Pedro Paulo chamou calabrês ao Dr.
Parente pela mesma razão absurda porque os franceses chamam cretinos aos estúpidos e
gregos aos indivíduos que fazem trapaça ao jogo. Em compensação, nós chamamos
franceses os fingidos, toda gente chama beócios aos ignorantes, etc.
352
Meu caro Sr. capitão, eu sou maranhense não puro sangue, mas enfim... Pois bem,
se eu fosse a desembainhar a “virginal farrucha”, de que falou Escaravelho, todas as vezes
que aqui no Rio de Janeiro vejo transformar a palavra maranhense de adjetivo honesto em
substantivo infame, andava sempre de espada em punho.
***
Contenha-se, capitão... calma... vamos... entao que é isso?
Eloi, o herói
353
25 de julho de 1885
Deu o trangolamango nos teatros.
Estão interrompidos os espetáculos do S. Pedro de Alcântara.
Adoeceu a Duse-Checchi.
A eminente atriz italiana tem também estômago e é também como eu e o leitor
sujeita a indigestões. Dispepsia e glória. Louro e Macela. Bolas!
***
Quando poderá Margarida Gautier expectorar de novo o seu amor profundo?
Quando Teodora terá ensejo de apoquentar, em plena praça da Constituição, o imperador
Justiniano? Quando?
***
Na Fênix as coisas não andam também lá para que digamos.
A excelente companhia dirigida pela Manzoni tencionava transportar-se ontem para
o Lucinda.
Quando tratava de passar para rua do Espírito Santo toda a bagagem da sempiterna
Dona Juanita, apareceu um embargo, requerido pelo proprietário da Fênix, e foi obrigada a
transferir o espetáculo.
O bonito é que a empresa não deve nada ao tal proprietário, que, apesar de tudo,
arranjou o embargo pelo simples fato de que outra empresa, que nada tem de comum com a
atual, lhe ficara a dever uma parte dos aluguéis do teatro.
O leitor percebeu?... Não?... Pois olhe, console-se comigo.
***
A companhia que exibe no Politeama o Gênio do Fogo... do fogo e do Primo da
Costa... teve a habilidade de despedir a empresária!
Mas como em teatro não pode haver corpo sem cabeça, nem cabeça sem miolo, a
companhia revolucionária dissolver-se-á depois de amanhã.
Os dois últimos espetáculos se realizarão em benefício de todos os artistas.
***
A Sebastiani deu também em droga.
muito tempo reinava entre os artistas a maior desarmonia, e desta davam uma
idéia muito aproximada os respectivos coros e a orquestra. Uma orquestra capitão-Voyer.
As coisas chegaram ontem a tal ponto, que foi preciso lançar mão daquela medida
com que o Poder Moderador costuma a resolver as questões políticas de maior gravidade: a
dissolução.
Estamos, por conseguinte, privados dos garganteios da Vaillant-Couturier e da Jane
Caylus.
É pena.
***
Até a companhia de macacos do Príncipe Imperial tem tido os seus revezes: alguns
desses interessantes quadrúmanos, que representam forçoso é confessar com mais
habilidade que certos e determinados artistas muito conhecidos do público fluminense, não
resistiram ao nosso clima ou à nossa banana. Morreram alguns, e o pai nobre está bastante
enfermo. Deus o preserve de morte macaca.
***
A companhia Heller não escapou também ao azar que tem perseguido os teatros.
Como se sabe, os artistas do Sant‟Anna estão preparando ativamente as malas para a
sua digressão a S. Paulo, onde estrearão, em 1º do mês vindouro com, a Mascote.
354
Como precursor da companhia, devia partir hoje para aquela cidade o Sr. Geraldo
Correa, um cavalheiro estimável e estimado, espécie de fac-totum do Heller, e cujas
funções no teatro não estavam bem definidas.
Quer dizer, era o Geraldo quem a maior parte das vezes carimbava os bilhetes,
“preparava a lotação”, distribuía as encomendas, e, em noites de enchente, isto é, quase
todas as noites, ia ajudar o bilheteiro na faina de acudir ao público.
Era o Geraldo quem escolhia e comprava fazenda para “vestir as peças”,
combinando e discutindo as cores de cada vestuário; e era ainda ele quem se incumbia de
harmonizar as coisas, quando surgia qualquer embaraço na direção do teatro.
Há dez anos que eu o conhecia prestando àquela empresa os mais valiosos e
desinteressados serviços, tomando prontamente as dores pelo mal que pretendessem fazer
ao teatro, e tornando-se amigo dos amigos dele.
***
Pois bem: esse precioso e honestíssimo empregado, único talvez no seu gênero,
quando ontem de madrugada tomava a mala para sair em direção da estrada de ferro, foi
acometido de uma congestão cerebral, e às 5 horas da tarde exalava o último suspiro, no
meio da consternação de quantos o conheciam.
O Heller, que perde imenso com a morte deste bom e devotado amigo, teve que
enviar outro emissário para S. Paulo.
***
O único empresário que atualmente não tem razões de queixa contra a macaca é o
Ferrari, apesar da exorbitância dos preços que pede pelos bilhetes no Pedro II.
Não será para admirar que, na próxima estação lírica, exija mais alguma coisa, e em
ouro, como a Gás Company.
E lá irão todos os... habitués de Panurgio.
Eloi, o herói
355
27 de julho de 1885
O meu amigo José de Mello, representante da casa editora do Sr. David Corazzi, de
Lisboa, acaba de me obsequiar, enviando-me o primeiro fascículo da História de Gil Braz
de Santilhana, de Lesage, traduzida por Júlio Cesar Machado.
***
um quarto de hora que tenho a pena suspensa sobre o papel, procurando em vão
um adjetivo para qualificar este mimo.
Nós os escritores de um dia sim e outro também habituamo-nos, a propósito de
tudo, a fazer um estardalhaço de encômios e de zumbaias, de modo que, no momento
oportuno, todos os vocábulos estão gastos, e são insuficientes para exprimir o que sentimos.
Estou desprovido, como a cigarra da fábula. Bem feito; cantei? pois é dançar!
***
Entretanto, como tudo nesta vida se remedeia, mesmo, e em que pese ao ditado, o
que não tem remédio, pelo período precedente deve ter o leitor compreendido que a
História de Gil Braz de Santilhana é simplesmente um primor de impressão.
Da obra não falarei; o famoso romance espanhol está hoje acima de qualquer
discussão. É um desses livros universalmente consagrados, que todo o indivíduo que se
preza tem obrigação de haver lido... ou de dizer que o leu, embora o não tenha feito.
casos em que a mentira é desculpável. Esse é um deles.
***
Passando por alto a primeira capa, a mesma que naturalmente de servir para os
subseqüentes fascículos, direi que o frontespício da obra predispõe o leitor para as bonitas
coisas que tem de encontrar lá dentro. É impresso em muitas cores inclusive a do ouro. A
estátua de Gil Braz ergue-se à esquerda num pedestal formado pelas armas de Leão, de
Castela e de Toledo. No alto dois medalhões representam Felipe III e Felipe IV. Os
numerosos arabescos que completam o desenho têm todos o estilo do século XVII; dir-se-
iam as iluminaturas de um missal flamengo.
Além das finíssimas gravuras intercaladas no texto, acompanha este fascículo uma
linda oleografia, executada com a mesma perfeição daquelas que as ilustrações inglesas
costumam a distribuir pelo Natal.
No prospecto prometem-se, durante o curso da publicação, trinta dessas oleografias
e quatrocentas gravuras.
O tipo da impressão é elzeveriano e muito elegante. O papel é digno do tipo.
Finalmente, uma edição artística, digna de figurar no gabinete das pessoas de bom
gosto, e especialmente recomendável às senhoras, que, pela delicadeza do seu espírito,
tanto se comprazem com essas produções inteligentes da arte moderna.
De resto, o Gil Braz está ao alcance de todas as bolsas. É um ovo por um real. Eu
acrescentaria de boa vontade que cada fascículo custa menos de duas patacas, se não
receasse dar ao meu artigo as aparências de um anúncio.
***
Recebi mais dois volumes de poesias: Boemias, do Sr. Artur Duarte, e Matinais, do
Sr. Alberto Silva. Brevemente me ocuparei de ambos... se me der licença o Escaravelho.
***
A propósito de Escaravelho:
está um homem que me faz ditoso: 1º, porque diariamente dá prova pública de
que lê todos os meus artigos, e já é alguma coisa ter a gente certeza de que pode contar com
um leitor efetivo e então um leitor de alto bordo; 2º, porque, para desafogar a vontade
356
que tem contra mim, o Escaravelho pega-se a coisas tão insignificantes, que a sua sátira
redunda em louvor.
Ainda ontem gratificou-me ele com as seguintes amabilidades:
“Fino observador o herói do palanque. Falando da doença da Checchi exclama:
„Quando poderá Margarida Gautier expectorar de novo o seu amor profundo?‟
“Nem sequer viu que Checchi é uma Margarida que se afasta de todas as outras até
mesmo em não tossir. O homem tinha na cabeça a Margarida típica dos ensaiadores”.
O “ensaiadoresé pilhéria sutil... sutil de mais. Chega-se a não perceber. Passo-a
por alto.
O autor destes artigos não é um fino observador, mas foi o único jornalista que
notou ter-nos a Duse-Checchi dado uma dama das camélias menos tuberculosa que
cardíaca.
O próprio Escaravelho talvez se valesse, para a confecção daquele hemorroidário
lembrete, da minha própria observação. Eu mesmo lhe forneci a arma.
Eloi, o herói
357
28 de julho de 1885
O meu melhor amigo (já sabem que me refiro a Artur Azevedo) está que não cabe
na pele.
O felizardo foi ontem agradavelmente surpreendido por uma carta da Duse-Checchi,
e, sem mais tir-te nem guar-te, mandou pedir-lhe licença para publicá-la integralmente
nesta seção.
Alcançou-a, mas sob a condição de suprimir o trecho que vai substituído por uma
linha de reticências.
A eminente atriz referia-se nesse trecho à sua filhinha uma encantadora criança
que ficou em Roma e, no entanto, a todos os instantes se acha presente ao coração ralado
e saudoso de sua mãe.
- Não! não publique esse trecho, dizia ela ontem ao meu melhor amigo; o público
naturalmente se interessa pela artista, mas que lhe importa a e? Ao fazer aquela carta,
senti-me tão impressionada, tão comovida, tão alheiada de todas as convenções sociais,
que, sem querer, escrevi coisas que realmente vieram ali muito fora de propósito. É que eu
associo a lembrança de minha filha a todos os meus prazeres, a todas as minhas mágoas.
Nas horas de triunfo, quando o público me aclama e me enobrece, a minha satisfação seria
incompleta, se a imagem daquela criança me não acompanhasse como um anjo que
baixasse do céu expressamente para tomar parte na festa.
E os olhos da Duse encheram-se de lágrimas.
Compreendo agora porque ela nos deu uma Odete e uma Denise assombrosas. Esses
papéis podem ser interpretados por grandes atrizes, que saibam o que é ser mãe. Ela
sabe-o.
***
Eis a carta:
Rio, 25 Luglio 85
“Lo crederete? É dal giorno appresso di quella sera che non scorderò mai... mai più,
che ho bisogno di scrivere, di... che desidero ringraziarvi e più che ringraziare: parlare con
voi.
“Siete voi che quella sera avete parlato a me; la vostra voce era auterevole; la vostra
parola era il concetto de ciò che sentivate... Quelle vostre parole in quella forma pubblica
d‟omaggio... e tutto l‟entusiasmo del pubblico... me facevano così bene... e così male!
“Mene ricordo... vi fu un momento che vi strinsi le due mani forte... forte e non fu
debolezza se ho pianto. Vedermi in mezzo quella folla, ritrovava il mio paese, il mio
paese... così lontano, lontano... lo retrovavo nella affetuosità... nella dimostrazione cortese
ed espansiva di tutta quella folla... ed in quel momento, quel senso roditor di nostalgia, che
vince sempre i lontani dalla patria, la sgomento della lontananza, la privazione di non
essere, preso coloro che amamo, poiché tutti noi abbiamo qualcuno in Italia che ne aspetta e
ci ama.
“Ebbene, tutto questo complesso di pensieri tristi e buoni, di sensazioni vere ed
anche alterate dall‟emozione, scomparve in quel momento, mentre voi parlavate dal palco...
mi son riveduta, come per incauto, giovanissima, quando recitavo, completamente ignorata
da tutti (e da me)... mi son reiveduta, come diciamo noi „povera figliola‟, quando dall‟arte
non speravo nulla, quando pel mio lavoro della sera io non ne ricavavo nessuna
soddisfazione dell‟anima ma solamente il guadagno per la vita...
358
“Oh! che tristi giorni erano quelli... voi... voi parlavate dal palco, mentre io
ricordavo tutto questo... Tutto quel pubblico... ascoltava voi... e guardava me... e allora non
ho più visto non ho più capito.
“Solo mi ricordo, che en solo pensiero vinse lo sgomento, la meraviglia, la
soggezione e la felicitá di quella festa... e sapete quale fu?......................................................
...................................................................................................................................................
“Nen so se ho fatto male... nen so se ho fatto bene a dire questo; ma sentivo il
bisogno di ringraziarvi; poiché lettere formali di ringraziamento io non so scrivere, ho
preferito dirvi... così quello che ho sentito.
“Siate cortese ancora d‟accettare queste momento di confidenza, poiché la
gratitudine sola non basterebbe a compensarvi della bontà che avete per me.
“Voi che lo potete, ringraziate per me il pubblico, e dite che da quella sera in questo
paese bello e lontano... ho ritrovato il paese mio... bello...e lontano!
“Credete mio riconoscente
E. DUSE-CHECCHI”
***
O Artur Azevedo cumpre as ordens da ilustre e gentilíssima artista, agradecendo em
seu nome ao ilustrado e magnânimo público fluminense.
Eloi, o herói
359
29 de julho de 1885
Os distritos policiais andam acéfalos.
As galinhas tremem de assustadas, e os gatunos bimpam de contentes.
Os subdelegados fizeram grève.
Foi esta a última notícia que me chegou aos ouvidos.
Mas que motivo presidiu a essa resolução desesperada e suprema?
Por que razão esses honestos zeladores da segurança pública lançaram para longe os
indignados fitões?
Que força maior os obrigou a semelhante grève?
Eu lhes digo:
***
É costume designar um subdelegado para presidir a cada um dos espetáculos que se
realizam nesta Corte: o Sr. Fulano vai para o Sant‟Anna, o Sr. Beltrano para o Recreio
Dramático, o Sr. Sicrano para o Filomena Borges, etc.
Como a autoridade é obrigada a assistir a todo o espetáculo, o desempenho desse
dever torna-se uma verdadeira caceteação. Imaginem um pobre diabo obrigado a assistir
cem vezes à representação de uma peça de que não gosta!
***
Eu conheci um subdelegado que conhecia os Sinos de Corneville de cabo a rabo.
Durante cinqüenta ou sessenta noites o infeliz ouviu o Sr. Felipe cantar:
Três vezes dei a volta ao mundo
E o p‟rigo, juro, é o meu prazer, etc.
Outro qualquer teria perdido o uso da razão.
Mas esse heróico funcionário resistiu a tudo; e, quando o alijaram da polícia, ouvi-o
dizer pesaroso e lacrimejante:
- Que lucrei eu com a tal subdelegacia? Criar cabelos brancos, deitar-me fora de
horas, arranjar meia dúzia de inimigos, e aprender de cor os Sinos de Corneville...
Entretanto, esse mesmo tipo agarrará, estou certo, com as mãos ambas o auriverde
fitão, se amanhã lhe acenarem com ele na rua do Lavradio.
***
Oh! o ideal de todo o brasileiro é ter dez réis de autoridade sobre os seus
concidadãos. É uma coisa que está na massa do nosso sangue, e de que dificilmente nos
poderemos isentar.
Nunca me hei de esquecer de um indivíduo, que me tratava com certo respeito e
consideração, mas que um dia, sabendo que eu morava na rua tal número tantos,
impertigou-se todo, meteu os polegares nos sovacos do colete, e, sorrindo com a metade
esquerda do lábio superior, como se fosse mostra de fraqueza sorrir com o lábio inteiro,
perguntou-me com voz pausada e tom dogmático:
- A...h! com que então o amigo é “meu inspecionado?”
Depois abanou a cabeça nuns movimentos rápidos e nervosos, durante alguns
segundos.
Daí por diante foi outro homem: deixou de me tratar com o respeito e a
consideração de que acima falei.
***
Era o inspetor do meu quarteirão!
360
***
Algum tempo depois, quando mudei de residência, esse pedaço d‟asno começou a
tratar-me de novo como dantes: eu já não era “seu inspecionado”.
Burro!
***
Mas, afinal, o motivo da grève?
Lá vai e não é sem tempo:
Não há subdelegado que não queira presidir aos espetáculos do Pedro II. Suas
senhorias preferem o Tamagno a todos os tenores da rua do Espírito Santo, e o repertório
do Ferrari ao repertório dos empresários da terra.
Ora, como cada espetáculo exige apenas um subdelegado, segue-se daí que todas as
noites há só um satisfeito e nada menos que oitenta descontentes.
Isto naturalmente produziu certa dissensão no seio da polícia, e o resultado dessa
dissensão foi a grève que deu assunto a este artigo.
***
Entretanto, não me parece que seja preciso encomendar nenhum Salomão para
decidir essa ridícula pendenga.
Basta que o Sr. chefe de polícia reúna numa urna tantos papeizinhos quantos forem
os cidadãos investidos daquele cargo. Cada um desses papeizinhos terá o nome de um
subdelegado. O mais inocente deles o Sr. Rebelo, por exemplo meterá a mão na urna e
tirará à sorte o nome do melômano feliz.
A menos que o Sr. Ferrari ponha mais camarotes e alguns rosários de balas à
disposição de suas senhorias, ou o Sr. ministro da justiça mande adaptar aos camarotes, que
os demais empresários reservam à polícia, outros tantos aparelhos telefônicos, a fim de que
os Srs. Subdelegados ouçam ao mesmo tempo o Vasques ou a Helena Cavalier e o
Tamberlini ou a Borghi-Mamo.
Eloi, o herói
361
30 de julho de 1885
Lembra-me como se fossem ontem.
Era o dia 1 de outubro do ano passado.
Eu estava num botequim da rua do Ouvidor, e, defronte de mim, um sujeito gordo,
rosado e aparentemente sadio, saboreava uma xícara de café, resfolegando nos intervalos
dos goles.
Um súcio, que andava a distribuir gratuitamente o primeiro número do País, entrou
no botequim, entregou-me uma folha, e dispunha-se a fazer o mesmo ao meu vizinho,
quando este levantou o braço e espalmou a mão, gesto que significava muito claramente:
Não se aproxime!
- Aqui tem, murmurou desconcertado o distribuidor... é um jornal novo... o País...
- Dispenso, respondeu secamente o outro.
- É de graça...
- Dispenso, repetiu ele, erguendo a voz, e já num tom de escamado.
E como eu naturalmente sorrisse, julgou talvez que o fizesse em sinal de aprovação,
porque me disse:
- Não me faltava mais nada senão ler jornais!
O distribuidor já ia longe.
***
Esse indivíduo é a imagem perfeita do público: um por todos.
Não há, realmente, país civilizado em que menos se leia do que o nosso.
No Brasil dá-se este fato extraordinário: escreve-se mais do que se lê.
***
Estas considerações fi-las eu ontem ao folhear um volume, que me foi entregue,
contendo os vinte e seis primeiros números da Semana, o elegante periódico literário, tão
bem dirigido por Valentim Magalhães.
Vinte e seis números! Vinte e seis batalhas contra o Dispenso! do homem do
botequim! Vinte e seis duelos de morte entre uma folha de papel e a indiferança do público.
Vinte e seis números!
Que de esforços representa essa vida de seis meses! que de labutações inglórias e de
amargas decepções! Quanta ilusão perdida nesses dois trimestres de literatura! quanto
desengano! quanto!
***
Mas a Semana vai indo, que para alguma coisa de servir a força de vontade de
três ou quatro rapazes vigorosos e bem intencionados.
Ela abrirá uma picada na mata virgem do bom gosto público, porque tem bons
músculos, e adotou por divisa o quand même dos resolutos.
Debalde os seus inimigos tentarão embargar-lhe a passagem. Gusman ne connait
pas d’obstacles.
Hoje um concurso de poesia, amanhã uma discussão literária, depois isto... e depois
aquilo... e o público se habituará a ler a Semana, e a Semana terá prestado um serviço
comparável ao desses heróicos missionários que se embrenham nos sertões para catequizar
os aborígines.
Continue a Semana a andar pelo mesmo caminho que percorreu vinte e seis
vezes, e brevemente todos a começar pelos seus próprios desafetos lhe dirão:
- Não dispenso!
Eloi, o herói
362
31 de julho de 1885
Apresentaram-me ontem o andarilho dos andarilhos, o grande Bargossi, o homem
locomotiva, o Bargossi-express.
Ontem mesmo chegou de Lisboa, muito pesaroso por ter estado tantos dias a bordo
do Biela.
Se houvesse terra firme entre o novo e o velho mundo, o famoso andarilho teria
economizado o dinheiro da passagem.
Infelizmente, apesar de todos os prodígios de que Bargossi é capaz, não tem o
extraordinário condão daquele
Ulisses, que, ardendo em brasas,
[ ] o mar das Trapizondas,
Andava por sobre as ondas
Como vós por vossas casas.
***
É um magnífico tipo da forte raça humania, alegre, vivo, inteligente, sadio.
Gesticula como um ator de província e fala pelas tripas de Judas...
Tem andado pedibus calcante por toda a Europa, e não será para admirar que um
dia faça deveras o mesmo que o Vasques tantas vezes tem feito por troça: a viagem à volta
do mundo a pé.
Finalmente, um Judeu Errante... de 36 anos.
***
(O Diário de Notícias, por erro de revisão, deu-lhe ontem dez anos de menos; mas
deve estar consolado, porque a Gazeta da Tarde, naturalmente pelo mesmo motivo, fez a
mesmíssima coisa.)
***
Auguro o maior êxito ao célebre andarilho, que pela primeira vez se apresentará ao
público depois de amanhã, no Derby Fluminense.
Um homem que tanto corre deve ser, realmente, objeto de admiração num país que
tão lentamente caminha.
***
As pernas de Bargossi têm músculos de ferro.
Numa exposição de gâmbias ele ganharia aqui, naturalmente, o primeiro prêmio.
Enquanto tivermos bonds para todos os sítios, cruzando-se em todos os sentidos e
exigindo um magro tostão para transportar a gente de um ponto a outro da cidade, não
teremos pernas; o bond encarrega-se de lhes afrouxar os músculos, quando não se
incumbe de operação mais sumária: parti-las ao meio com as suas rodas malditas.
***
As do Bargossi, sim! aquilo é que são pernas! E tem nelas tanta presunção o diabo
do homem, que está sempre a mostrá-las e a pedir que lhas apalpem. Parece que tem o rei
na bariga... das pernas.
***
Dizem-me que com o auxílio delas Bargossi tem feito uma fortuna rápida... a correr.
está um homem que não tem o direito de perguntar: Pernas, para que vos
quero?
***
363
Entretanto, apesar de rico, Bargossi é extraordinariamente modesto no seu modo de
vida. Até hoje não consta que comprasse carro ou animais.
Tendo que ir ontem ao Derby Fluminense, que está situado perto da ponte do
Maracanã, tomou o bond para não deixar a amável companhia de alguns cavalheiros que o
não podiam acompanhar a pé; mas ao chegar em frente ao Gás, impacientou-se, apeou-se...
e por aqui é o caminho!
O bond gastou meia hora para percorrer o caminho que o Bargossi andou.
***
A falar em andou; e eu que me ia esquecendo da festa artística do Andó?! Tenham
paciência, meus senhores; até amanhã...
Eloi, o herói
364
01 de agosto de 1885
Sempre esperei que houvesse maior concorrência à festa artística de Flávio Andó.
O notável galã conquistou as boas graças do público fluminense, que o aplaude
sempre com certo entusiasmo. Portanto, não sei a que atribuir a “meia casa” de onteontem.
Ainda assim, não lhe faltaram presentes, que, até certo ponto, compensaram a
ingratidão dos ausentes.
Um dos nossos mais distintos jornalistas bem conhecido pela gentileza com que
sempre distingue os artistas de talento mimoseou-o com um lindo alfinete de brilhantes;
outros amigos lhe mandaram jóias, e um grupo de rapazes lhe ofereceu um álbum com
excelentes autógrafos, mas não faltaram, cela va sans dire, nem as famosas flores que tanto
exasperavam o grande augur da Bela Helena, nem os clássicos charutos de Hamburgo, com
rótulos de Havana.
***
Flávio Andó, apesar de enfermo, representou anteontem primorosamente.
Não dúvida que, no 3º e atos da Fédora, ele ergue-se à altura de sua gloriosa
colega.
Um dos dos cavalheiros que colaboraram no álbum de que acima falei, escreveu
que, ao lado de um astro como a Duse-Checchi, podem brilhar estrelas de primeira
grandeza.
Realmente o Andó está para a Duse como Sírio está para Vênus.
Bem! fi-la bonita, vai o Escaravelho dizer que apliquei a regra de três à
astronomia.
***
A propósito de estrelas:
Estréia hoje em S. Paulo a companhia do Heller, que as tem e às dúzias.
Dentro em poucas horas o Vasques e a Henry cantarão no S. José o famoso dueto
dos perus e Guilherme-Simão-Quarenta narrará ao público daquelas bandas as inauditas
pirraças da real “macaca.
Os paulistas farão à Mascote o mesmo acolhimento que todos os povos têm
dispensado à irresistível opereta. Pelo menos assim o espera o empresário, que conta
igualmente festejar em S. Paulo o centenário de Dona Juanita, o Trovador das operetas.
***
Causou-me lástima passar ontem, à noite, pelo Sant‟Anna, e ver fechadas aquelas
portas por onde tem passado, em fluxo e refluxo, toda a população do Rio de Janeiro.
Entristeceu-me a gambiarra apagada, e a ausência dos gárrulos cambistas,
inofensivos comerciantes odiados pela gazetilha do Jornal do Comércio e pelo público,
mas, em compensação, simpatizados por empresários e autores.
Dizem-me, no entanto, que a mudez tumular do pobre teatrinho é mais transitória do
que se pensa, e que em breve o público será convidado a ir apreciar ali uma famosa
novidade.
Ainda bem, porque eu não compreendo o Rio de Janeiro sem todos os seus teatros a
funcionar.
***
Não compreendo também como nós, fluminenses, não tenhamos notícia da
existência de um “pássaro de quatro pés”, descoberto ultimamente no Amazonas.
Segundo o Grafic, de 13 de junho último, a Opistheema Cristata, ou cigana, como
lhe chamam os naturais do país, vive nas margens do rio Anabiju (?), na ilha de Marajó, e
365
faz o seu ninho nos canaviais, com aninga, planta de folhas largas, semi-aquática, que
cresce em abundância nas charnecas.
Acrescenta o Grafic que esse pássaro, parecendo-se extraordinariamente com o
faisão, tem quatro pernas, enquanto é pequenino, porque as duas de sobressalente a seu
tempo transformam-se em asas.
***
O Grafic é um periódico sério, e, como tal, universalmente conhecido; mas essa
história do pássaro de quatro pernas quer me parecer que corre parelhas com a do Canard à
trois becs.
Eloi, o herói
366
04 de agosto de 1885
(ARTIGO QUE DEVIA TER SAIDO ONTEM)
Dizem-me que a existência do Derby Club é em grande parte devida à força de
vontade de um só homem: o Dr. Paulo de Frontin. Se assim é, parabéns a este cavalheiro. A
festa de inauguração foi brilhantíssima; tudo faz crer que o futuro reserva muita
prosperidade ao novo club.
muito tempo não se reunia tanta e tão boa gente no Rio de Janeiro. Durante oito
horas estiveram congregadas dez mil pessoas, e a polícia não foi seriamente incomodada
pelo mais leve distúrbio. Ainda uma vez pode ser aplicada a chapa da “índole pacífica e
ordeira da nossa população”.
***
À hora e meia da tarde apontou ao longe uma sege da Casa Imperial. Ao mesmo
tempo a banda de música executou o hino, e um piquete de cavaleiros, sócios do Derby
Club, foi ao encontro do carro e escoltou-o até a entrada da elegante tribuna reservada a
Suas Majestades.
Imaginem que decepção! As pessoas que vinham na tal sege eram os semanários do
Paço, que pela primeira vez na sua vida se lamberam com as honras do hino nacional.
***
Só mais tarde chegaram Suas Majestades, que se retiraram cedo.
Foram vistos na tribuna imperial os jovens príncipes D. Augusto e D. Pedro de
Saxe, dois simpáticos e elegantes rapazes, perfeitamente educados.
***
A diretoria do club tinha mandado servir um delicado lunch: Suas Majestades não
tocaram nele; mas uma velha dama da Imperatriz tornou-se objeto de geral admiração. Belo
apetite!
***
Por baixo da tribuna estava preparado um bufete provisório. Os convidados
devoraram num ápice um mundo de guloseimas, que regaram copiosamente com um
Amazonas de vinhos finos e deliciosos licores. Havia uma fartura digna de Baltazar ou de
Camacho.
Entretanto, um indivíduo que ninguém conhece, simulacro de reporter, tolerado por
uma folha diária, queixava-se a sério de que a diretoria do club havia convidado a
“imprensa” quando do lunch já muito pouco restava.
- Este cavalheiro faz parte da imprensa? perguntou um dos diretores ao A. de S., da
Semana.
- Sim senhor.
- Na qualidade de que?
- Na qualidade de tipo.
***
Houve nove páreos.
O primeiro foi ganho por Aimoré, que correu, pode-se dizer, sem competidor.
Ganhar assim é ir a Roma e não ver o Papa. A pule naturalmente não rendeu nada.
Frinea venceu o páreo, e esperavam todos que Lúcifer ganhasse o 3º. Quem
disse? De nada lhe valeu o diabólico nome que tem. Foi Regalia que venceu.
Sibila ganhou o 4º páreo, que foi bem disputado por Druid.
Atalanta foi a heroína do 5º. O próprio Barão da Vista Alegre, feliz proprietário
deste famoso animal, não contava com semelhante vitória e foi o primeiro a aconselhar aos
367
seus amigos que não apostassem em Atalanta. Por isso ficou bastante contrariado depois da
corrida. Mas o nome do respeitável e distinto sportman está acima de qualquer suspeita.
De resto, Atalanta venceu ainda o páreo. Decididamente firmou de novo os seus
créditos, um tanto abalados. Bonita pule deve dar de hoje em diante o páreo em que
Atalanta for vencida.
A vitória do 6º páreo coube ainda a Aimoré, que dessa vez viu o Papa... e deu pule.
Foi Bóreas o herói do 7º páreo, com desespero dos numerosos apostadores de
Talismã. A vitória daquele animal foi em parte devida à queda de Silvia II. Em corrida de
cavalos raramente o macho passa adiante da fêmea. Questão de... cavalheirismo.
Com franqueza: o páreo não se devia ter realizado. Era noite fechada, e à noite
todos os jóckeis são pardos. Mas não houve novidade: ganhou quem devia ganhar: Eucaris.
Muita gente exigiu que se anulassem a corrida, e, se a vitória coubesse a outro qualquer
animal, com certeza o teriam feito.
***
O Bargossi, num dos intervalos dos páreos, andou meia légua em menos de um
quarto de hora. Ao que parece, o público achou que isso nada teve de extraordinário,
porque não aplaudiu o célebre andarilho. Aí foi, portanto, o público quem não andou bem.
Eloi, o herói
368
05 de agosto de 1885
A rua do Ouvidor, habitualmente alegre e prazenteira, foi ontem o teatro de uma
cena tristíssima.
Uma florista de 17 anos, empregada na casa das Parasitas das Parasitas e de Mme.
Rosenwald atirou-se da sacada do andar. Não morreu, mas naturalmente ficou bastante
maltratada.
Contínuas desavenças, havidas entre a infeliz moça e sua patroa, deram causa ao
que se convencionou chamar um “ato de desespero”, e não passa, afinal de contas, de uma
tremendíssima asneira.
Por fas ou por nefas, o suicida é sempre ou um doido, ou um tolo, ou um caloteiro, e
muitas vezes as três coisas juntas.
***
Ao que parece, Maria Ramos esse o nome da interessante florista) gostava muito
de certo vizinho, que lhe pagava na mesma moeda. A dona da casa via com maus olhos
esse namoro. Daí as tais desavenças.
***
Ignoro quais fossem as intenções do Ele, e a que grau de intensidade chegava o
sentimento da Ela.
Mas eu, no caso de Maria Ramos, uma vez que encontrasse obstáculos à minha
felicidade e então obstáculos tão fáceis de remover teria, antes de mais nada, pedido ao
meu noivo que recorresse à justiça.
O Código protege os namorados. É um Fígaro em forma de livro; nãoD. Bartolo
nem Mme. Rosenwald que lhe resistam.
Quem ama e é amado não tem desculpa quando recorre ao salto mortal ou ao verde-
paris.
Para o desespero do amor, o melhor e o mais infalível dos suicídios é ainda o
casamento.
As Julietas de 1885, em vez de se atirarem da janela abaixo, devem descer pela
clássica escada de seda ou de corda, que é mais barata embora menos shakespeariana
fornecida pelos solícitos Romeus. A tal Mme. das Parasitas não era com certeza mais
rigorosa e inflexível do que os Montecchi e Capuletti da tragédia inglesa.
***
Rigorosa foi a polícia que, por uma simples criançada, anteontem prendeu um
pequeno vendedor da Gazeta da Tarde, com o mesmo estardalhaço com que prenderia o
Russinho.
***
Ainda assim, e em boa hora o diga, os nossos vendedores de jornais não têm a
desgraça de ser policiados por um D. Raimundo Fernandez Villaverde Garcia, atual
governador de Madri, que em 21 de junho último expediu o seguinte edital:
“Hasta nueva resolución queda prohibido anunciar de viva voz la venta de
periódicos, advirtiendo a los infractores de esta orden que les será impuesta, por
desobediência, la multa de 25 a 100 pesetas, o el arresto subsidiario com arreglo al artículo
22 de la ley provincial vigente”.
***
Mas os vendedores dos jornais madrilenhos sofismaram el bando, apregoando “la
vara de papel a cinco cêntimos” ou “diez mil letras por un perrochico”. Um deles cantava:
369
“Lo que acaba de salir,
Aqui lo llevo en la mano...
Y no lo puedo decir!”
***
Falei da Gazeta da Tarde.
Os meus amáveis ex-companheiros de trabalho, sempre que se referem à minha
pessoa, referem-se também à minha barriga que, afinal de contas, não é tão grande, nem
pertence a tal sumidade, que mereça a fama da de Lutero.
Eu poderia lembrar aos meus colegas que os Adonias e os Narcisos podem
impunemente atirar pedras nos defeitos físicos dos vizinhos.
Mas a coisa não é comigo, é com a minha barriga. Ela que lhes responda, e de viva
voz, quando estiver disposta.
Eloi, o herói
370
06 de agosto de 1885
Que bom libreto de ópera daria o dramalhão de Sardou, exibido ontem pela
companhia dramática italiana!
Que belo Andréa seria o Tamagno, e que belíssima Teodora a Borghi-Mamo!
Que bem faria o ilustre dramaturgo, se pusesse em verso a sua prosa boulevardiére,
e confiasse a Gounod o cuidado de a pôr em música.
***
É preciso realmente que o espectador esteja enlevado pelo talento assombroso da
Duse-Checchi, para acompanhar, sem tra lá, até de madrugada, as inauditas proezas da
imperatriz Teodora.
Nalgumas cenas a eminente artista encontra naturalmente ensejo para arrebatar e
comover a platéia; mas o seu papel é tão desigual, tão mal sustentado pelo autor, tão
“ingrato”, enfim, que, apesar de perfeitamente interpretado, não idéia segura dos
admiráveis recursos da intérprete.
***
Entretanto, a encenação é deslumbrante, e não será para admirar que a Teodora,
graças aos alfaiates e aos cenógrafos, alcance um certo êxito.
***
Dizem que a verdade histórica foi escrupulosamente respeitada nesta brilhante
exibição de coisas antigas: apreciem outros sob esse ponto de vista a representação de
ontem. Eu não sou arqueólogo, creiam.
***
A cena da morte de Marcelo causou profunda impressão.
O infeliz patriota dirige-se ao palácio imperial com o intuito de assassinar
Justiniano, e é apanhado pelos guardas, que o algemam.
O imperador intima-o, sob pena de o mandar torturar, a que declare o nome do seu
cúmplice que é nada mais nada menos que o amante da imperatriz.
Esta, receando que Marcelo com a ngua nos dentes, propõe ao marido tudo
arranjar por meios brandos e suassórios; mas para isso precisa ficar com o prisioneiro.
Justiniano afasta-se, e Teodora debruça-se sobre o corpo de Marcelo.
Este, receiando a tortura que o espera, e não tendo confiança no próprio estoicismo,
pede a Teodora que o mate, como se lhe pedisse a coisa mais natural deste mundo.
A imperatriz fica irresoluta, pudera! Hesita entre a repugnância de matar a sangue
frio um homem e o desejo de salvar outro; mas, entre a vida do amante e a morte de um
estranho, decide-se por esta.
- Não há dúvida: faço-te a vontade; mato-te; mas não tenho uma arma!
- E esse estilete que prende os teus cabelos? lembra-lhe Marcelo.
Efetivamente, naquele tempo usavam-se os grampos de cabelo, que atualmente
estão em moda e são encontrados em todos os armarinhos. Teodora obedece, e traspassa
com esse objeto de toilette o coração de Marcelo, que morre, dizendo-lhe: muito
obrigado.
Não há de que.
Quando Justiniano se aproxima, e vê o cadáver, vai ao arame.
- Que fizeste, desgraçada?
- Insultou-me: assassinei-o!
***
371
A situação é nova; pode-se dizer que Marcelo é “suicidado”, ou antes, “assassinado
voluntariamente”.
***
No penúltimo quadro, graças à desmedida extensão do proscênio, o pau do pano de
boca ia dando cabo de Andréa, que aliás estava sentenciado por Justiniano. Um
movimento rápido do artista fez com que a coisa não fosse além do susto.
***
No saguão, durante um intervalo:
- Ó Barbosa, você algum dia ouviu falar deste Justiniano?
- Não; Justiniano só conheço o Castro Madureira.
***
Durante outro intervalo encontro, no corredor das frisas, o Braga Junior a conversar
animadamente com o Celestino da Silva:
- Dois empresários juntos...Hum...ali há coisa.
Feita esta reflexão, aproximo-me dos dois “furões”, e pergunto-lhes:
- Que há de novo? Arranja-se uma empresa teatral?
- Adivinhou.
- Contem-me isso!
O BRAGA Contratamos o Furtado e a Lucinda para uma excursão de sete meses.
O CELESTINO Mas o contrato pode ser prorrogado por mais tempo, se isso
convier a ambas as partes.
EU Mas onde vão vocês?
O BRAGA A Bahia, a Pernambuco, ao Maranhão, ao Pará.
EU Bravo! Fazem muito bem, porque a Lucinda nunca por lá se perdeu.
CELESTINO E o Furtado há vinte anos seguros que lá não vai.
Esse diálogo pode ser completado pelas seguintes indicações, constantes de um
misterioso e anônimo bilhetinho, que ontem recebi pelo correio:
“A excursão será estendida até a província de S. Paulo, findando talvez nesta corte.
A companhia será toda organizada aqui, pelo empresário Braga Junior, entre os nossos
melhores artistas dramáticos, compondo-se de 12 a 14 peças o repertório, com a obrigação
de serem 4 ou 5 completamente novas.
Os artistas Furtado e Lucinda, para a realização do contrato, obrigam-se a estar
nesta corte até o dia 9 de Maio do ano futuro.
Enquanto durar essa excursão pelas províncias do Norte, os mesmos empresários
terão outra companhia importante, vinda da Europa, que, encetando nesta capital os seus
trabalhos, visite as províncias de S. Paulo e Rio Grande do Sul, seguindo até ao Rio da
Prata, se isso convier”.
***
A Gazeta da Tarde enfureceu-se contra mim: não lhe cheirou o final do meu artigo
de ontem. Teve graça a resposta, mas, ora! ora! eu, pelo menos, fui mais... estrepitoso.
Eloi, o herói
372
07 de agosto de 1885
Os nossos escritores queixam-se de que não há quem edite, os nossos editores dizem
que não há quem leia, e os nossos leitores afirmam que não há quem escreva.
Um círculo vicioso!
Escritores, editores e leitores bradam à uma:
- Ah! se estivéssemos em Paris...
OS ESCRITORES ... teríamos editores!
OS EDITORES ... teríamos leitores!
OS LEITORES ... teríamos escritores!
***
Pois bem, meus caros amigos, façam favor de ler o seguinte anúncio, que transcrevo
integralmente do Petit Journal:
AUTER Joué av. succés, rédact‟ d‟um gd jal de
Paris, lit, juge, corrige, écrit romano, etc, sans signer. Us. pos. rest.
bur. 74, Paris”.
Entenderam todas aquelas abreviaturas?
“Um autor de peças representadas com êxito, redator de um grande jornal
parisiense, lê, julga, corrige, escreve romances, etc, sem assinar”.
***
Mirem-se naquele exemplo!
Quando em Paris um literato aplaudido precisa, para viver, de trabalhar em nome do
primeiro burguês que lhe apareça e lhe pague, não é muito que entre nós o Dr. Moreira
Pinto pretenda imprimir o seu dicionário por meio de uma subscrição popular, e o Sr. M. R.
assine a prosa do R. M., comendadores ambos, tanto o M. R. como o R. M.
***
Aqui, onde todos escrevem, onde todos se julgam com o direito de encher as
condescendentes colunas que a nossa imprensa reserva ao escoamento da bílis pública, faria
rápida fortuna o escritor bastante modesto que pusesse a sua pena ao serviço de quantos
desejassem dizer alguma coisa em letra de forma.
Modesto, disse eu, mas entendamo-nos, porque esse literato seria publicamente
apontado como autor de quanto artigo bem feito aparecesse na imprensa anônima; e quando
algum energúmeno dinheiroso publicasse duas linhas com forma literária, imediatamente,
lhas atribuiriam.
Aproveite a idéia qualquer dos meus colegas, menos do que eu resignado com a
sorte precária da nossa literatura; dou-lha de graça. Abra a loja, ponha preço à fazenda, e
conte com a freguesia.
***
Se dois anos estivesse entre nós estabelecida uma agência dessa natureza, eu
levaria o bom desejo de lhe ser útil ao ponto de inculcá-la a um indivíduo que em 1883
recorreu aos meus préstimos literários.
***
ELE O Sr. Fulano?
EU Um seu criado. Que deseja?
373
ELE Vinha pedir-lhe um favor.
EU Qual?
ELE Que me fizesse um soneto.
EU Um soneto?!
ELE Sim senhor: fui convidado para colaborar numa poliantéia que tem de ser
publicada por certo “grêmio literário”... e como não sei fazer versos.
EU Bem. Qual deve ser o assunto do soneto?
ELE A caridade.
EU Bom. Quando sai o jornal?
ELE Em tal dia?
EU Pois venha buscar o soneto no dia tal.
ELE Muito obrigado, e desculpe a maçada.
EU Não de que. (Ele vai saindo) Olhe! (Ele volta) Traga os trinta mil réis,
hein?
ELE, dando um salto Os trinta mil réis?!
EU, naturalmente É o preço.
ELE, atônito O preço?!
EU, sem pestanejar Preço fixo e dinheiro à vista.
ELE Mas, senhor... isto paga-se?
EU Ora esta! Então o senhor vem encomendar trabalho de graça a um homem que
vive do seu trabalho?
ELE Mas um soneto é.... é... é trabalho?
EU E olhe que eu sou dos poetas mais barateiros. O Luiz Delfino não lhe faz um
soneto por menos de sessenta mil réis. O Valentim quer quarenta, e adiantados. O Alberto
de Oliveira já os tem feito a trinta, mas diz ele que vai levantar o preço.
ELE, cada vez mais admirado Ora esta!
ELE Entretanto, quero ser leal... O senhor por ai... especule... poetas que
fazem sonetos por muito menos dinheiro; mas que sonetos! obra feita, que aplicam às
circunstâncias. O Múcio fa-los a dez mil réis, e freguês que leve dois mil e quinhentos a um
tal Azevedo Coimbra, não sai sem fazenda...
ELE Bom, bom... vou ver... Desculpe...
E saiu apressado.
***
Nunca mais o vi... felizmente.
Eloi, o herói
374
08 de agosto de 1885
Ninguém se esqueceu ainda do famoso processo Pontes Visgueiro, qua há doze anos
causou em todo Brasil profunda e dolorosa impressão.
O desembargador Visgueiro era no Maranhão amigo íntimo, compadre e protetor
declarado de um pobre e honrado ourives, que lhe devia favores, desses que se não pagam
nem se olvidam. Mais de uma vez tivera ocasião de patentear-lhe o seu afeto; mais de uma
vez o erguera dos braços da miséria; mais de uma vez armara à gratidão eterna desse
homem, que o estremecia e respeitava como se fosse seu filho.
***
Ora, um dia, o protegido galgou a escada do protetor, e, conforme o seu costume,
penetrou no interior da casa sem se fazer anunciar.
Um espetáculo horrível se apresentou aos seus olhos!
Ele, o seu protetor, o seu maior amigo, o padrinho de seus filhos, tinha acabado de
assassinar Maria da Conceição, e, auxiliado por um facínora, procurado expressamente para
esse fim nos sertões de outra província, tratava de soldar o caixão em que estava metido
o cadáver mutilado da desgraçada moça.
***
Os assassinos debalde tentavam soldar hermeticamente o caixão; de todos os lados
escorria sangue... O grande crime seria forçosamente descoberto, desde que, sem exalar
mau cheiro, não pudesse o volume ser transportado para muito longe.
***
Tudo adivinhou o recém-chegado, que, desde o inexplicável desaparecimento de
Maria da Conceição, receava estivesse o seu protetor envolvido no trama de uma tragédia
medonha.
Ao vê-lo, o desembargador caiu prostrado a seus pés, confessou o hediondo crime
que perpetrara, e, juntando as mãos desonradas, suplicou-lhe que o não denunciasse... Mais
ainda: que o salvasse, encarregando-se de soldar o caixão, trabalho que nem ele nem o seu
cúmplice jamais levariam a cabo, ao passo que o compadre, como ourives que era, mui
facilmente o faria...
***
Leitor, coloca-te por um momento na situação desesperada daquele pobre diabo:
deste lado o seu protetor, o seu pai, um velho juiz do tribunal supremo da província, rojado
a seus pés, implorando a sua piedade; daquele uma pobre criança, atraída à casa desse
respeitável juiz e cidadão conspícuo, para ser barbaramente, covadermente assassinada por
ele.
Imagina a luta que se feriu naquela alma; imagina os tormentos por que passou o
mísero pai de família, inopinadamente lançado, pelo mais funesto destino, entre aquele
carrasco de setenta anos e o cadáver daquela pobre criança esquartejada!...
...........................................................................................................................
Há casos em que é impossível resolver friamente... e de longe.
Ninguém o condene por ter soldado o ignominoso caixão; ninguém tão pouco o
absolva.
Sabes lá o que farias, leitor de carne e osso... sabes lá!
***
Rezou-se ontem na igreja de S. Francisco de Paula, a missa de sétimo dia por alma
dessa desgraçada vítima de um sentimento raro a gratidão.
375
A justiça de Deus não lhe pedirá certamente contas do... do... crime de não haver
denunciado o seu protetor; a dos homens obrigou-o a cumprir sentença na cadeia pública do
Maranhão.
E o caso é que a justiça fez o seu dever: dura lex, sed lex .
Eloi, o herói
376
09 de agosto de 1885
O Club Atlético Fluminense, ultimamente inaugurado na rua do Conde de Bonfim,
realiza hoje umas “corridas extraordinárias”, em que tomam parte Bargossi e sua esposa.
O famoso andarilho vai correr nada menos que dezenove mil e oitocentos metros,
apostado com dois cavalheiros intrépidos, que se revezarão, correndo dez mil metros um e
o resto o outro... se correrem.
Mme. Bargossi correrá três mil metros em dezessete minutos.
***
Se esta senhora tem filha casadeira, aconselho aos meus leitores celibatários que não
lha peçam em casamento. Deus os livre de uma sogra que percorre três mil metros no
mesmo espaço de tempo que o genro mais senhor das próprias pernas gastaria em
atravessar a rua do Ouvidor.
Ignoro se Mme. Bargossi tem filha para casar; se a tiver, e for sogra à moda da
Gazeta de Notícias, infeliz noivo o de Mlle. Bargossi!
Nanja eu!
Imaginem o “herói do palanque” nos seus momentos de misantropia, fugindo ao
comércio dos homens, e perseguido pela sogra na própria solidão a que o levasse o bond ou
o trem de ferro.
***
Não! não acho prudente que um pobre diabo pretenda ser genro de semelhante
sogra, antes de resolvido o problema da navegação aérea.
o Sr. Júlio César, que ainda hoje realiza uma conferência no Recreio Dramático,
poderá oferecer, no seu balão, asilo seguro contra as perseguições de uma sogra-
locomotiva.
***
O aeronauta paraense está furioso! Pois não! Da outra vez que aqui esteve, era um
“Santo Antoninho onde te porei?”. Até houve chapéus à Júlio César, bengalas à Júlio César,
gravatas à Júlio César: só não houve balão à Júlio César... e isso é que foi o diabo.
Hoje, que as coisas estão encaminhadas, pois o Sr. César trouxe do norte o balão
Santa Maria de Belém, e precisa, para fazê-lo subir, mais um poucochinho daquilo com
que se compram os balões... quero dizer: os melões, é o nosso ilustre compatriota recebido
com lamentável indiferentismo.
É caso para qualquer aeronauta ir às nuvens... sem ir.
***
A coqueluche do público é atualmente o sport. A menos que organize uma corrida
de balões, deixe o Sr. Júlio César passar esta febre de corridas a e a cavalo, e todas as
atenções se voltarão de novo para o seu aeróstato.
Ainda hoje, além das corridas do Jockey Club, e das do Club Atlético Fluminense,
de que acima falei, estão anunciadas para o dia 14 “grandes corridas a pé e em velocípede”,
no adro da igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro.
O espaço é limitado, e o dia impróprio, precisamente por ser véspera da grande festa
popular; mas, em questões de sport, já vejo que as pernas não se regulam pelas cabeças.
***
A propósito de corridas e de cabeças:
Uma gazeta de Copenhague notícia de um interessante sport, que está agora
muito em moda em toda a Dinamarca.
377
Consiste no seguinte: Duas pessoas, num momento dado, medem o comprimento de
seus cabelos; oito dias depois, um árbitro mede-os de novo. O feliz possuidor dos que mais
houverem crescido é proclamado vencedor.
fica a notícia: estou certo de que pegará entre nós a moda desse divertimento,
que está ao alcance de todas as bolsas e de todas as inteligências.
Não digo: de todas as cabeças, para não parecer que faço troça aos carecas.
***
Vá lá hoje um mot de la fin, à francesa.
Um boêmio, depois da leitura da fábula de La Fontaine Dafnis e Alcimadura,
magistralmente vertida e publicada no Jornal do Comércio pelo Sr. barão de
Paranapiacaba:
- o sei, mas parece-me que o presidente do Conservatório Dramático deveria
traduzir as fábulas que tivessem moralidade...
Eloi, o herói
378
10 de agosto de 1885
Xavier de Montepin acharia o gérmen de uma novela pantafaçuda no fato
extraordinário que acaba de suceder na aprazível e morigerada Niterói.
Ora ouçam:
***
O Sr. Bernardino do Amaral Souza casou, ano e meio, com D. Guilhermina
Carolina Monteiro, que hoje conta apenas quatorze primaveras.
Por conseguinte, na época do seu consórcio não tinha ainda a idade em que as
inglesas, segundo afirma a Pall Mall Gazette, podem perder aquilo que o amor renovou em
Marion Delorme.
Os noivos foram para a companhia da mãe da noiva, a qual vivia casada ou não (é
o que não diz a história) com um indivíduo que se intitulava pai de D. Guilhermina.
***
Oito dias depois do casamento, esse indivíduo tentou enforcar a pobre menina,
servindo-se, para esse fim, de uma toalha. Tê-lo-ia feito se não fosse a mãe.
Daí por diante começou a maltratá-la, seviciando-a constantemente e de uma vez a
chicote! Obrigou-a a fazer diariamente todos os serviços, ainda os mais repugnantes;
proibiu-lhe que chegasse à janela, e, finalmente horresco referens! separou-a do
marido, não consentindo que se aproximasse dele nem de dia nem à noite, e acabou por
expulsá-lo de casa.
***
O marido de D. Guilhermina, que me parece um pax vobis de se lhe tirar o chapéu,
suportou durante muito tempo coisas incríveis deste sogro, que excedia em despotismo a
todas as sogras havidas e por haver. Ele obrigava-o a lavar, engomar e coser! Não consta
que lhe fizesse cantar com voz de soprano, como o Sr. Cantalamessa no Recreio Dramático;
mas mandava-o todas as noites à bica buscar água para os gastos da casa.
De uma feita o pretenso sogro passou a cobres uma tantas apólices que pertenciam
ao Sr. Bernardino, e negou-se a prestar contas.
E para cúmulo de tantos tormentos, o pobre rapaz, uma vez posto no olho da rua,
não conseguiu, por mais esforços que tentasse, dar dois dedos de conversa à sua legítima
esposa.
Mas, afinal de contas, tomou uma resolução: queixou-se à polícia.
***
Desta vez pode-se dizer que não foram les carabiniers mas les particuliers que
chegaram trop tard.
Metia o estado em que a polícia de Niterói encontrou a mísera menina: descalça
e andrajosa.
Hoje, felizmente, acha-se bem vestida e bem calçada, em companhia do maridinho,
naturalmente disposto, como o Petit duc, a rattraper les temps perdu.
Estão ambos em casa de uma excelente e compassiva senhora, que os acolheu de
muito boa vontade.
***
Dizem horrores do tal sujeito que se intitula pai de D. Guilhermina.
Tudo quanto sei a seu respeito é o seguinte: mora na rua do Souza, em Icaraí.
A própria imprensa de Niterói, que me forneceu todos os dados para o presente
artigo, não lhe publica o nome.
379
Recusou-se terminantemente a declará-lo o respectivo subdelegado, Sr. Siqueira,
apesar do instante e delicado pedido de um dos reporters do Diário de Notícias.
***
Dar-secaso que o homem seja um desses potentados, diante dos quais a polícia da
nossa terra se enche de escrúpulos e treme de assustada?
Ou terá o Sr. subdelegado do distrito de Niterói receio de que ele o mande
também buscar água à bica?
Enfim, o Sr. chefe de polícia ordenou que se abrisse inquérito e se procedesse a
corpo de delito.
***
O fato não pode ficar impune, e eu espero que, para honra da autoridade, se
esclareça o mistério em que ainda está envolvido.
Tornem-se bem públicos os motivos que levaram o suposto pai de D. Guilhermina a
maltratá-la com tanta crueldade.
Eloi, o herói
380
11 de agosto de 1885
A redação do Diário de Notícias foi ontem procurada pelo Sr. Estevam Ribeiro dos
Santos Monteiro, tenente reformado do exército, e ouviu deste senhor as seguintes
declarações:
É pai de D. Guilhermina Carolina Monteiro de Souza, a senhora de quem me ocupei
no De palanque de ontem;
Vive há quinze anos em companhia de uma senhora honesta, filha do Rio Grande do
Sul, com quem tem tido nada menos que oito filhos, inclusive a citada D. Guilhermina;
A sua casa (46 D, rua do Souza, Icaraí) foi cercada na manhã do dia 7 do corrente, e
invadida por oficiais de justiça, soldados de polícia, inspetores de quarteirão e pessoas do
povo;
Toda essa gente, mandada pelo Sr. Antonio Gonçalves de Siqueira, subdelegado do
distrito de Niterói, ia ali buscar D. Guilhermina, por ter seu marido, Bernardino de
Souza, dado queixa à dita autoridade, de que ela, D. Guilhermina, achava-se em cárcere
privado;
O respectivo interrogatório foi feito em segredo de justiça;
Finalmente, a viúva Campos Mello, em casa da qual se acham os dois esposos, é
inimiga fidagal do declarante.
O Sr. tenente Monteiro mostrou à mesma redação um recibo da quantia de
9:573$020, produto da venda de 9 apólices, que pertenciam a seu genro. Essa transação foi
feita a pedido de Bernardino, que assinou o recibo por cima de uma estampilha de 1$000.
***
Comparadas as declarações do Sr. tenente Monteiro com o meu artigo de ontem,
publicado à vista de informações prestadas pela própria polícia à imprensa de Niterói,
parece que esse senhor está até certo ponto justificado das acusações que sobre ele pesam.
Pelo menos, fiquei eu sabendo que não se trata de um larápio; o recibo desmente as
afirmações que nesse sentido fizera Bernardino.
Entretanto, perduram ainda acusações de outra ordem, e dessas se poderá
justificar o Sr. tenente Monteiro durante o processo que se acha instaurado.
Se ficar provado que S. S. não inflingiu à sua filha os maus tratos ontem
minuciosamente relatados nesta seção, farei amende honorable; se o contrário suceder,
serei o primeiro a apontá-lo ao desprezo dos seus concidadãos.
Eu cá sou assim.
Eloi, o herói
381
12 de agosto de 1885
Sim, senhor; lavre lá dois tentos, signor Ferrari.
A Gioconda...
***
Descanse o meu amigo Roberto Benjamin: não vou entrar na sua seara.
***
A Gioconda só por si vale uma temporada lírica.
Se os tempos não andassem tão bicudos, eu de bom grado daria 13$000 para ouvir
de novo a bela ópera de Ponchielli.
Bem empregado dinheiro, vão ver:
A romanza da cega................................................................. $500
A marinesca do 2º ato............................................................ 2$000
A romanza do tenor................................................................ 1$000
O dueto (bisado) entre soprano e contralto............................ 2$000
O bailado das Horas............................................................... 2$000
O concertante do fim do 3º ato............................................... 2$000
Todo o 4º ato.......................................................................... 2$500
O esplêndido cenário de Claudio Rossi................................. 1$000
13$000
S. E. ou O.
***
Um sucesso!
O público aplaudiu a... A rompre les gants, ia eu dizer; mas entre nós é singular!
só aplaudem os que não usam luva.
***
Dizem que havia tal ou qual acinte na ovação de que foi alvo o Marconi: os habitués
do Lírico tinham certas continhas que ajustar com o Tamagno.
Não entro na apreciação desse fato, que me parece pouco interessante; mas acho
esquisito o sistema de aplaudir um artista para fazer figas a outro.
O Marconi é bastante distinto para não servir de gato morto. Haviam de ter notado
que as aclamações de onteontem, apesar de entusiasmadas, não lhe fizeram mossa.
Naturalmente!
***
E o trambolhão que ia levando ou que levou Enzo Grimaldo, a bordo do seu
belo bergantim?
Também que lembrança a de querer cantar sentado aquela esplêndida romanza, em
que andam escandalosamente aos beijos o horizonte e a onda
L’orrizzonte bacia l’onda,
L’onda bacia l’orrizzonte!
Daí é que provém, talvez, o nome de horizontais, com que hoje é moda classificar
as senhoras que têm o beijo fácil.
***
382
A Borghi-Mamo pareceu-me bonita no ato... em que aparece mascarada. E mais
bonita havia de ficar, se a máscara lhe cobrisse inteiramente o nariz, tão indigno de sua
dona.
A Stahl, essa é que é sempre linda, com ou sem máscara. Que olhos! que olhos! que
olhos!... Não fossem italianos os perversos!
Entretanto, a Stahl é uma artista. Uma artista na acepção da palavra.
É muito, que diabo!
Sim, porque ela canta e representa com tanta arte, que realmente não precisava ser
tão bonita.
Vejam a Borghi! não é precisamente uma Vênus de Milo... com braços. Mas quem
se lembra disso? Tem talento; é bela.
***
Bonita sala!
A receita orçou por quatorze contos.
Estavam presentes parte da família imperial, parte da imprensa, parte do ministério,
a diplomacia, a polícia, o Conservatório Dramático, as calças brancas do Jornal do
Comércio, etc, etc.
De um camarote do proscênio, à direita, assomavam de vez em quando os olhos
lânguidos e profundos da Duse-Checchi. (Não fossem italianos!) e os olhos travessos e
inquietos da Lucinda (Não fossem portugueses!); as duas artistas são inseparáveis no
Lírico.
Ao meu lado, um professor conhecido, assinante de uma cadeira de primeira classe,
dormiu a sono solto durante todo o quarto ato, o melhor da ópera. É provável que ontem,
em conversa com os amigos, dissesse maravilhas da representação.
***
No saguão:
Num dos intervalos vejo de longe o Marconi, encostado tranqüilamente a uma
coluna.
- Oh! digo eu aos meus botões espantados; como diabo o Marconi, que entra na
peça...?
Aproximo-me; é o Sr. Dr. Henrique Alves de Carvalho!
Mas como se parecem!
***
Nas cadeiras:
- Quem é aquela mulher muito gorda, muito velha, muito apertada e muito pintada,
que está na primeira varanda, a começar do palco?
- Pois não a conheces? É a C. P.
- Que?! Pois ainda?!...Tinham-me dito que ela ia entrar em obras!
***
Na caixa:
Ainda os olhos de alguém...
Meio escândalo: mão irreverente e anônima escreveu, a lápis, na porta do camarim
da S.:
“Esses teus olhos que rolam,
Esses teus olhos que eu amo,
São eles que me consolam
383
Do nariz da B.M”.
Por coisa nenhuma desta vida eu serei capaz de revelar o segredo daquelas iniciais.
Eloi, o herói
384
13 de agosto de 1885
“Tamagno, és meu salvador! és digno de uma estátua!” tais foram as memoráveis
palavras proferidas o ano passado, em Buenos Aires, pelo Sr. Ferrari, e ontem lembradas
pelo célebre tenor, em artigo publicado no Jornal do Comércio.
***
Nesse artigo faz o Tamagno duas importantes declarações:
1º, que não deixou de fazer parte da companhia Ferrari por questões de dinheiro;
2º, que deixou de fazer parte da companhia Ferrari porque o empresário não lhe
pagou o que lhe devia.
***
Que lhe devia o empresário? Dinheiro? Não, porque o Tamagno não faz caso do vil
metal sonante. (Declaração número n.1).
O Ferrari devia-lhe pura e simplesmente... uma estátua.
Prometeu erigir uma estátua ao seu salvador, e não cumpriu a promessa. O
prometido é devido, Sr. Ferrari.
***
De hoje em diante, quando o famoso artista for de novo escriturado por esse ingrato
e pérfido Ferrari, recomende ao tabelião que torne bem clara a condição que obrigue o
empresário a erguer-lhe uma estátua em qualquer praça pública, se assim o permitir a
ilustríssima Câmara Municipal. No caso contrário, o monumento poderá ser levantado no
próprio saguão do teatro.
Voltaire, antes de ter a estátua ultimamente inaugurada no cais Malaquais, em Paris,
esteve, e continua a estar, esculpido em bronze no saguão do Teatro Francês. O Tamagno
não é melhor que Voltaire.
***
O diabo é se a moda pega; se os demais artistas, à imitação do Tamagno, vão de
hoje em diante exigir dos empresários essa pública manifestação do seu reconhecimento.
É verdade que assim o Almeida Reis terá que fazer. Mas que sensaboria ver os
jardins dos nossos teatros atravancados por uma coleção de bonecos de todos os feitios!
***
Tínhamos até agora a “manifestação a óleo”; talvez tenhamos de hoje em diante a
manifestação a bronze... ou a mármore... ou a gesso. Sim, porque deve haver distinções,
que diabo! A estátua do Tamagno não pode ser feita da mesma matéria que a do Felipe.
***
Contudo, tenho um dedinho que me diz que o Tamagno, apesar de manifestar, com
tanta clareza, a vontade, que o persegue, de figurar sobre um pedestal, talvez com as vestes
do Profeta, que tão bem lhe assentam, prefere um bom maço de bilhetes ao portador e todos
eles de 500$, que são os “dós de peito” das nossas notas de banco.
Mas se o homem o se satisfizer com a bagalhuça, aconselho ao Ferrari que faça
negócio com o proprietário da casa Ao Profeta, da rua do Ouvidor, e impinja ao seu
salvador desinteressado a exuberante figura da tabuleta.
***
Já que falei de uma celebridade, falarei de outra:
A Sarah Bernhardt vem ou não vem ao Rio de Janeiro?
Diz o Gil Blas, de Paris, que virá em Maio, tendo por empresários uns tais Srs.
Abbey e Schopfol.
385
Outro jornal parisiense afiança que o Maurício Grau escriturou-a para umas tantas
representações na América do Sul.
O Ciacchi assegurou-me que tem contrato firmado com ela em Paris, e recorrerá aos
tribunais se houver corda roída.
Por último, diz o Telégrafo Marítimo, de Montevidéu:
“La promesa que el empresario Massenet se apresuró a hacer así que regresó de
Paris, está a punto de ser cumplida, según los diários que nos llegan de Europa. En Paris se
hablaba en la prensa, a cuyo domínio pertenece a la eminente artista, del viaje de la
incomparable Sarah Bernhardt, em Mayo de 1886, a la América del Sur.
“La excurción empezará por Madrid, pasando de allá a Lisboa, donde tomaría el
vapor para Rio de Janeiro. En la capital fluminense dará diez representaciones, sobre todo
sus grandes papeles, como Hermione, Doña Sol, Fedora, Frou-Frou y Odete.
“A nosostros nos corresponderán seis representaciones, después de haber dado tres
en San Paulo, la província brasileña donde el diletantismo artístico hace calaveradas a los
ricos estancieros de los alrededores.
“En seguida ira a Buenos Aires la gran trágica cuya reputación llena el mundo
entero y bastan sus excentricidades que son tema de largas controversias periodísticas. Allá
dará diez representaciones como en Rio de Janeiro, repitiendo sus grandes papeles.
“La tournée será de 30 representaciones distribuídas como lo dejamos consignado.
“Un nuevo dato: en cada una de las capitales, la eminente artista regalará a una
Sociedad de Caridad el importe de su cachet, es decir, diez mil francos oro, suma que gana
por representación.
“Este ultimo lo ponemos en cuarentena”
***
Pues yo lo pongo todo!
Quem nos de dizer a verdade é o Mariano Pina, que, segundo declarou à
Gazeta de Notícias, tem que interview a grande trágica francesa. Esperemos o resultado
dessa alta reportagem transatlântica.
Eloi, o herói
386
14 de agosto de 1885
Estreou anteontem, no Politeama Fluminense, a companhia eestre dos irmãos
Carlo.
Uma enchente real.
Horizontais de todos os feitios e de todas as nacionalidades.
Poucas crianças.
Ausência completa de high life.
A arraia miúda brilhantemente representada nas galerias. Havia espectadores
encarapitados nas traves do teto, verdadeiros ginastas que dispunham o público para o
gênero de espetáculo a que ia assistir.
Ansiedade geral!
***
Amarga decepção...
Os irmãos Carlo, que já aqui estiveram o ano passado, não reformaram o seu elenco.
Novidades, nos apresentaram duas: o Sr. Mori, um elegante acrobata que faz prodígios
na barra fixa, e o elefante Bosco, perfeitamente ensinado pelo Sr. Sureesh Biswach, que
pelo nome não perca.
O diabo do bicho equilibra-se, deita-se, senta-se, come, bebe, toca realejo, e é de
uma docilidade admirável. Feio é ele, feio como a necessidade; mas não foi isso razão
para que não encontrasse anteontem muitas simpatias na rua do Lavradio. Todo Rio de
Janeiro irá vê-lo, mesmo porque a atual geração fluminense até hoje tem conhecido um
elefante: o do Ali Babá, formado por quatro comparsas, alguns sarrafos e não sei quantos
metros de pano sarapintado.
***
O espetáculo foi dividido pela seguinte forma:
parte: Grande manobra a cavalo, por vários artistas. Manobra de um interesse
medíocre. As cavalhadas de S. Gonçalo são muito mais curiosas.
O Sr. Frederico Carlo apresenta “em liberdade” o cavalinho Rocko, bonito animal
que dança a valsa que nem um adido da embaixada. O clown Ozon emprega esforços
hercúleos para fazer rir. Acho mais graça no Rocko.
Bonitas sortes de Tomy e Kunhe Taro, contorcionistas japoneses.
Inquestionavelmente um deles trabalha melhor que o outro; mas qual? Tomy ou Taro?
Mistério.
Um dos Srs. Casali umas voltas a cavalo, e o clown Ozon continua a empregar
esforços inauditos para ter graça.
Os meninos Harry e Hattie Carlo dançam um passo característico. São aplaudidos
em atenção à sua pouca idade. Pelo mesmo motivo não são pateados. Mas é bom não
insistir.
O menino Ventura conhece todos os segredos do trapézio; não os revele a ninguém.
Termina a primeira parte por uma exibição de cães ensinados, feita pelo famoso e
hilariante Frank Brown, que aliás não estava anteontem nos seus bons dias. O belo galgo
Honn Shonck merece particular atenção.
***
Intervalo, durante o qual as pessoas que, à vista da grande aglomeração de povo, são
obrigados a ficar em seus lugares, lastimam tacitamente o espírito econômico da empresa,
que manda dar meia força ao gás. Não há nada mais lúgubre que o Politeama às escuras.
***
387
parte. O trampolim inglês. Frank Brown uns admiráveis saltos mortais. O
público aplaude-o delirantemente.
Passo por alto a “aposta húngara” e a égua Maldito, apresentada por Mlle. Amelie.
Marieta Boreli, também mademoiselle, monta a cavalo, atravessa elegantemente os
clássicos arcos de papel, e tantas faz que leva um trambolhão... aplaudido.
Segue-se uma cena cômica de Frank Brown, que decididamente não estava nos seus
bons dias; e dão fim ao espetáculo o acrobata Mori e o elefante Bosco, dos quais acima
falei.
***
O público pouco se divertiu. Ninguém perdoa aos irmãos Carlo trazerem do
estrangeiro uma companhia anunciada com tanto ra-ta-plan, e apresentarem artistas por
demais conhecidos, e entre eles, para não ir mais longe, essa famosa e indefectível família
Casali, vista e revista em todos os circos suburbanos da Cidade Nova.
O público o cavaco por este gênero de espetáculos, e paga bem, agradando. Os
Srs. Carlo, que sabem disso por experiência própria, deviam trazer coisa melhor, ou, pelo
menos, mais nova. Não quiseram.... Sua alma, sua palma.
Eloi, o herói
388
16 de agosto de 1885
Eu tencionava escrever hoje sobre a festa da Glória; mas o Valentim Magalhães já o
fez, e, depois dele, seria temeridade de minha parte tratar do assunto.
Acresce que eu me acharia bastante embaraçado sem saber por onde começar nem
como terminar o meu artigo. É muito difícil dizer alguma coisa nova sobre uma coisa velha.
Trata-se de uma festa que se realiza todos os anos, e que todos os anos faz com que
renasçam nos noticiários os mesmos adjetivos blasés.
***
Se a vida fluminense fosse menos monótona, as crônicas do ramerrão passariam
despercebidas quando, volvidos 365 dias, nós, os cronistas, as impingíssemos de novo,
mutatis mutandis. Assim não acontece, infelizmente, e, a menos que se faça como o
Valentim, que, a propósito da festa da Glória, entrou numas divagações semi-filosóficas,
não meio de escrever sobre semelhante assunto sem cair no Realizou-se ontem dos
noticiários.
Os cronistas não devem, como os fotógrafos, “conservar as chapas para
reproduções”.
Desisto, pois, de tratar da festa da Glória, e reservo o espaço que me falta para
ocupar-me da Câmara dos Srs. Deputados....
***
... que na sessão de anteontem deu ao país um espetáculo na verdade tristíssimo.
Tenho diante dos olhos o Diário Oficial, a que às vezes recorro solícito contra os
efeitos excitantes do café. Acabo neste momento de ler os debates de anteontem,
publicados à custa do Estado, e faço inauditos esforços para convencer-me de que os
meus olhos não foram vítimas de algum sortilégio.
Mas não... cá estão os debates... cá estão eles. Fala o Sr. Bezerra Cavalcante:
“O nobre deputado é que traz comigo teiró antigo, depois que entendeu que eu
devia, como outros, dobrar-me às suas paixões desordenadas para votar contra o Sr.
Marcolino Moura e satisfazer assim aos seus desabafos pessoais.
O Sr. Zama: - Não lhe pedi coisa nenhuma.
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Pediu a mim e a muitos.
O Sr. Zama: - Não pedi a ninguém, só ao Sr. Aristides Spinola.
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Pediu a muitos.
O Sr. Zama: - Não é verdade.
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Pode negá-lo! Mas, embora pedisse ou não, é verdade
que ficou com teiró comigo por isso.
O Sr. Zama: - E porque não fiquei com os outros?
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Não sei, nem preciso saber; mas comigo ficou e ficará.
O Sr. Zama: - Talvez por ser o mais bonito?
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Seja pelo que for; ficou e ficará.
O Sr. Zama: - Homem! fique sabendo que não tenho teiró com ninguém”.
***
Isto é o que se chama linguagem parlamentar!
Mas ainda não viram nada; vou dar-lhes a provar melhor pratinho:
O Sr. Bezerra Cavalcante: Fora do terreno da justiça me é indiferente,
completamente indiferente, que me estimem, que me respeitem, que me mordam, que me
difamem. Vem agora o nobre deputado e diz: se me quer insultar chegue-se a mim. Não
389
insulto nunca, o disse à Câmara. Mas se quisesse tomar qualquer desforço, chegaria bem
junto ao nobre deputado.
O Sr. Zama: - Mas chegue-se, quando quiser, não tenho medo de pegar um touro do
Rio Grande do Norte.
O Sr. Bezerra Cavalcante: - Eis aí! Pois eu declaro ao nobre deputado que
felizmente não tenho pontas.
O Sr. Zama: - Nem eu; não falo nesse sentido”.
***
À vista deste edificante dize tu, direi eu”, parece-me de boa justiça não remeter ao
Diário Oficial “bate-boca” da Câmara, sem prévia escala pelo Conservatório Dramático.
é a segunda vez que nesta sessão metem o boi no Parlamento: é uma anomalia
tolerarem-no na Cadeia Velha e não o consentirem na Fênix ou no Sant‟Ana.
Eloi, o herói
PS: À última hora dizem-me que a festa da Glória esteve de um brilhantismo sem
precedentes desde 1864.
390
17 de agosto de 1885
Recebi há dias a seguinte carta, que transcrevo quase integralmente:
“O autor destas toscas linhas, simpatizando imenso com V. (Oh, senhor! muito
agradecido!), e admirando-o (Oh!...) pelo seu característico de escritor e cronista de teatros
(Muito obrigado pelo meu característico), dirige-se a V. (Não faça cerimônia),
convidando-o ao seguinte:
“V., que entre nós representa, em matéria de teatro, o que em Lisboa é Julio César
Machado (acha?), porque, a exemplo deste escritor, não escreve um ou mais livros sobre
teatros e atores? (Vid. a resposta in fine).
A nosso ver, não lhe faltam requisitos para um tal cometimento. (Bondade sua,
cavalheiro) Espírito observador (Meu Deus!), humorista distinto (Jesus!) pela maneira
cavalheirosa e delicada (Isso sim!) com que aponta os ridículos e descaídas, criterioso e
sensato (Morde-te, Escaravelho!) ao pôr em relevo os senões do mundo artístico, assim
como é elogiando os artistas de real merecimento, conhecedor dos segredos da arte
dramática (O que aqui vai!), que acompanha e sabe amar, V. prestaria um grande serviço às
letras pátrias se, acedendo ao nosso convite, nos desse a obra de que é capaz e que tanto nos
deslumbraria (Poupe-me, cavalheiro!).
“Não nos faça, a nós que o admiramos e respeitamos (Nossa Senhora!), a injustiça
de ver neste alvitre a menor sombra de ridículo (Hein!); somos sinceros ao lembrar-lho
(Ah!), e sentiremos verdadeira mágoa se for mal interpretada a natureza de nossas intenções
(Descanse).
“Assim não aontece(Já o senhor...) porque em si mesmo estará a consciência
(Isso não!) de que é competente para executar, melhor do que ninguém entre nós (Que
ilusão!), o que lhe lembramos.
“.....................................................................................................................................
.
“Sabemos, é verdade, que os editores de nossa terra são de uma timidez
desanimadora (A quem o diz!), e que nenhum livro editam sem que prevejam grandes
resultados pecuniários (Não lhes quero mal por isso); mas também não ignoramos que,
quando qualquer manuscrito lhes é apresentado por escritores de reconhecido mérito, eles
disputam preferências (Vid. a resposta mais abaixo).
“Assim pois, ficamos esperançados de que será bem recebido o alvitre de seu
admirador (Ainda!): M. S”.
***
Agradecendo tantas expresões lisonjeiras, filhas de uma opinião sincera, creio, mas,
em todo caso, isolada, muito isolada, direi que, se eu algum dia pensasse realmente em
escrever tal livro ou tais livros , com certeza esbarrava diante das dificuldades que me
deparariam, não insuficiência das minhas forças, como esses mesmos editores que M. S.
acha tão acessíveis.
Ora não querem ver o B. L. Garnier aos murros com os seus colegas, por causa de
um manuscrito da minha lavra!... e o generoso, o magnânimo, o magnífico Serafim
abandonar todos os seus autógrafos inéditos, didáticos ou obscenos, aprovados pelo
Conselho de Instrução Pública ou proibidos pela Polícia, para editar um livro meu, e um
livro sobre teatros e atores!
***
391
E, por falar em atores: não conta M. S. com a suscetibilidade destes meus amigos,
cada um dos quais (salvo, se vê, honrosas exceções...) se julga mais do que é, mais do
que nunca há de ser!
Ainda ultimamente se deu comigo um fato, que pode servir de exemplo.
***
Fui ao Politeama assistir à representação de uma peça, escrita por um ator, e como
este folgo de dizê-lo era um rapaz inteligente, e de habilidade experimentada noutras
peças, mas de gênero diverso, não fiquei surpreendido dos disparates que constituíam o
fundo e a forma do seu trabalho, como me julguei à vontade para lhe dizer isso mesmo.
Disse-o, com efeito, e o mais delicadamnte que me foi possível.
Pois bem: o ator-autor escamou-se deveras e deixou de me cumprimentar.
Isto, com franqueza, não me tirou o sono nem o apetite, mas também, para que
negá-lo? não me deu prazer. Eu não preciso da amizade desse senhor, que por seu turno
dispensa perfeitamente a minha (e depois de publicado este artigo, não naturalmente
hipótese de reatarmos as nossas relações, porque poderia parecer que neste momento estou
provocando uma reconciliação); mas que diabo! eu preferia que o meu ex-amigo viesse
pedir-me uma satisfação. Quando ele me dissesse:
- Então, V., dando-se comigo, foi escrever aquilo contra a minha peça?
Eu lhe responderia:
- Eu escrevi o artigo, mas V. escreveu a peça. Tenho mais razão para estar zangado
com V. do que V. comigo.
E tudo acabaria em paz.
***
Mas assim não aconteceu. O ator-autor andou dizendo por que eu tinha muita
inveja dele, e, a primeira vez que nos encontramos depois de publicado o meu artigo,
passou por mim como cão por vinha vindimada.
Paciência.
***
E assim são todos, Sr. M. S.
Por isso, em resposta à sua amável cartinha, proponho-lhe o seguinte:
Traga-me um “nós abaixo assinados” dos nossos atores, que realmente mereçam
esse nome, no qual se obriguem a não se ofender com a verdade proferida em termos, e a
declaração de um editor qualquer, comprometendo-se a imprimir um livro sobre os nossos
teatros, mediante razoável indenização, que eu juro escrevê-lo no prazo de dois meses,
cedendo o produto do meu trabalho à Sociedade Protetora dos Artistas Dramáticos.
M. S. ficará com a certeza de que eu realmente desejo escrever esse livro, e eu com
a certeza de que nunca realizarei tal desejo.
Eloi, o herói
392
19 de agosto de 1885
(ARTIGO QUE DEVIA TER SAIDO ONTEM)
A crise! eis o assunto de todas as conversas, eis o tema de todas as palestras.
À hora em que escrevo, multidão sôfrega e inquieta percorre de um a outro extremo
a rua do Ouvidor em busca de novidades políticas.
Em frente aos escritórios das redações dos jornais formam-se grupos compactos,
que discutem ruidosamente os acontecimentos do dia.
Os boletins afixados à porta dos jornais são lidos com mais avidez que as
Entrelinhas, de Rialto, e a própria Psicologia da imprensa, de mestre Escaravelho.
***
Duas terças partes desses curiosos mediocrimente se interessam pela política; bem
pouco se lhes que caia este partido e suba aquele. Fingem, porém, tomar a questão a
peito, de modo que quem os ouve falar e gesticular, naturalmente jura aos seus deuses
que tais senhores são muito capazes de arrancar o país da beira do clássico abismo, de que,
desde que me entendo, ouço falar.
Daí a um quarto de hora, recolhidos à casa, sentados diante do bife cotidiano, se
não lembram da crise.
Mal ponham de novo na rua, os seus olhos tomam expressões adequadas à
circunstância, e desenferrujam a língua, que entra a moer disparates pródiga e
vertiginosamente.
***
Na realidade, que brasileiro degenerado seria capaz de passar pela rua do Ouvidor
em dia de crise, sem se intrometer nas discussões que topasse desde a rua do Ouvidor até o
largo do S. Francisco?
Ontem organizaram-se, entre Quitanda e Gonçalves Dias, mais de cinqüenta
ministérios, alguns dos quais muito possíveis, porque figuravam neles uns tantos ilustres
desconhecidos, desses que, graças às dificuldades de costume, entram no Poder para
completar o número preciso. Nesses pode ser perfeitamente aplicada a interessante
classificação de [ ] de encher.
Aí está uma honra a que não deve aspirar nenhum homem político, que se preze: ser
ministro à falta de homens.
Trate, para isso, de se tornar notável...
***
... e de evitar a pasta da marinha.
Eloi, o herói
393
20 de agosto de 1885
Ardendo em raiva,
J. A. Saraiva,
Todo repleto
De oposição,
Ao imperante
Vai, n‟um rompante,
Pedir Decreto
De demissão.
--
- “Pois participe
Ao Cotegipe
- Velha Raposa
Que o quero aqui,
E de caminho,
Sem borborinho,
A mesma coisa
Diga ao Fleury.”
--
O conselheiro
Cumpre ligeiro
Os dois mandatos
Imperiais.
Tais circunstâncias
Provocam ânsias
Nos candidatos
Tais, tais e tais.
--
O N. N.
Passa solene
Como se fosse
Ministro já...
Pobre aduela!
Pobre, que aquela
Ilusão doce
Não durará!...
--
Para a Justiça
Já se derriça
A flor, o beijo
Dos bacharéis;
Já ali promove
Majores nove...
Já faz despejo
De coronéis.
--
Diz outro, a sério:
394
- “Se apanho o Império,
Tudo endireito,
Tudo! hão de ver!
Meus afilhados
Condecorados
Com fita ao peito
Vão todos ser”.
--
- “Eu, lá na Guerra
- Um tipo berra
Dos mais bulhentos
Do grupo Zé
Faço façanhas
Tais, e tamanhas,
Que os regimentos
Ponho em bom pé!”
--
- “Ó companheiros,
Sou “Estrangeiros”?
Não! ninguém ousa
Dizer que não!
Meus protegidos,
Serão adidos,
Ou qualquer coisa
De legação”.
--
“A mim me basta
Que eu tenha a pasta
Da agricultura
Pensa um ratão
Nem por empenhos
Concedo engenhos!
Oh, que fartura
De imigração!”.
--
“Nossa marinha,
Diz um, definha:
Não façam caso,
Que a salvarei!
O Riachuelo
Já n‟um chinelo
Com melhor vaso
Eu meterei!”
--
Que espalhafato!
Salta o boato
De que há mudança
395
De situação!
Já uns exultam
E outros se ocultam!
Quanta esperança!
Que decepção!
--
O boato salta
E já não falta
Quem o engrosse
(Que isto distrai)
Ei-lo que corre...
Tudo percorre...
Como o Bargossi
Lá vai... lá vai!
--
Vejo altaneiras
Duas bandeiras
Ambas as cores
Dos arraiais;
Ambos ao lados
Esperançados;
Conservadores
E liberais.
--
A fina essência
Da dissidência
Já se arrepende
Da oposição;
Sobre a vermelha
Cadeia Velha
Irosa pende
Dissolução.
--
Vendo um beldroega
Que já não pega
Nem mais pataca
Dos liberais,
Oh, que imprudente!
Que inconseqüente!
Vira casaca,
Sem mais nem mais!
--
Mas o boato
Depressa em fato
Foi convertido
Pelo Senhor...
Chorai, marrecos!
396
Chorai, tarecos!
Viva o partido
Conservador!
Eloi, o herói
397
22 de agosto de 1885
Enquanto o público é todo política ocupemo-nos de pintura, leitor amigo.
o braço: quero levar-te à casa do De Wilde, o nosso Goupil, como já lhe chamou alguém.
Não te descrevo o interessante atelier da rua Sete; o fiz algures; outros o
fizeram; seria levar muito longe o réclame.
Além do curioso troféu de armas antigas, dos velhos pratos, quadros, estatuetas,
bronzes, móveis e mais objetos de arte, que são o adorno permanente do atelier De Wilde,
acham-se ali presentemente expostos os trabalhos de dois artistas estrangeiros, que
passaram desta para melhor sem ter dito ao que vieram.
Um deles, Generoso Frate, era pouco mais que uma criança e tinha um belo futuro
diante de si, como dizem os velhos. O outro, Gustavo James, morreu de marasmo senil, aos
oitenta anos de idade.
Este pobre James, francês de origem, ocupava-se na sua terra em desenhar padrões
para uma fábrica de chitas. Veio vinte anos para o Rio de Janeiro, e empregou-se em
casa do Giron, que lha dava cinco mil réis por dia em troco de uns desenhos para
ornamentação de portais e corredores.
Um dia, organizou-se nesta Corte uma exposição de belas artes: o James, que tinha
um olho e se considerava em terra de cegos, concorreu com uma croûte capaz de fazer
arrepiar os cabelos a Mr. Petit.
O pobre diabo apanhou o hábito da Rosa, tal era o bom senso artístico de quem
naquele tempo governava o barco público. A tetéia foi a sua desgraça. Daí por diante
julgou-se um grande homem. Escusado é dizer que nunca mais desceu a fazer pintura
ornamental, e sabe Deus com que mágoa, alguns anos depois, fez ao estômago a concessão
degradante de borrar um pano de boca para o teatro D. Pedro II. Lembram-se de um Pedro
Álvares Cabral a descobrir o Brasil e um novo sistema de braços, uns braços que nunca
mais acabavam? Tudo isso foi perpetrado pelo James.
Entretanto, manda a verdade que se diga: os seus pincéis tinham momentos lúcidos.
no atelier De Wilde uma marinha do James, que qualquer bom artista assinaria com
ambas as mãos. Noutra marinha, de gênero diverso, há uma onda encapelada, perfeitamente
reproduzida. Nalgumas paisagens de vez em quando pequenas belezas de colorido e boa
distribuição de luz. Mas o desenho é geralmente tão mal, que a gente não consegue tomar a
sério nada daquilo, por maior que seja o piedoso desejo de dizer bem de um morto.
O que deveras comove nesta exposição não é o talento, mas a miséria do pintor,
que, não tendo dinheiro para comprar as telas, pintava em pedaços de madeira e fundos de
caixa de papelão.
Pobres pintores! Com 10$000 para uma garrafa de tinta, uma pena e uma resma de
papel, escreve-se a Divina Comédia ou os Huguenotes; quanto é preciso para pintar as
Bodas de Canaã?
***
O espólio artístico de Generoso Frate é muito mais precioso, se bem que o jovem
pintor não tivesse tempo de deixar um trabalho sério e completo. Tinha a mania de
desenhar em louça, fixando o desenho por meio de um curioso processo não sei se de sua
invenção. Entre tudo quanto ele deixou, prefiro um magnífico retrato do Sr. Fachinetti,
retrato que não está concluído, se é que não houve certo propósito de deixá-lo assim mesmo
por fazer. Dizem que hoje é chic deixar a pintura em meio, e o que aos profanos, como eu,
parece por acabar, está pronto e mais que pronto. Como estamos longe do tempo em que
398
não sei que velho pintor flamengo, cujo nome não me lembra agora, assinava os seus
quadros com a seguinte frase: Fulano principiou!
***
Leitor, deixemos o atelier De Wilde e vamos até a Glace Élégante.
Ao passar pela Notre Dame, demoremo-nos alguns instantes em frente a duas
pequeninas pinturas sobre biscuit, representando uns assuntos inocentes e primitivos.
Graciosos, não achas? Assina-as Cobère. Quem é Cobère? Prometes ser discreto? É uma
senhora, não te digo mais nada.
***
Entremos na Glace Élégante.
Todos estes quadrinhos são do Perez, um pintor brasileiro que tem talento quanto
baste para que a gente possa dizer-lho sem ter remorsos no dia seguinte.
Que delicado aquele grupo de duas amigas, não te parece? Como o sol bate de
chofre naquelas folhas tão verdes, tão fluminenses, tão nossas!
-se que o Perez pensa como o Grimm: o verdadeiro atelier de pintura é no
campo, ao ar livre, frente a frente com a natura mater. Pois continue, que há de ir longe.
***
Aquela moça que o País, sorrindo aos Tópicos do dia, é pintada pelo Oscar da
Silva, o mesmo que ofereceu ao Club Beethoven um belo e fantasioso retrato do genial
autor das Ruínas de Atenas.
tempos ouvi dizer que este prodigioso menino ia ser mandado para a Europa,
com o fim de completar seus estudos. o se realizará tão agradável boato? Não por
uma alma compassiva que o ponha longe, bem longe da travessa das belas artes?
***
Que vejo?!
Langerock, o distintíssimo pintor belga, que trouxe de Smirna o segredo do colorido
quente, Langerock, um mestre! expõe na Glace Élégante duas paisagens esplêndidas, dois
Corcovados soberbos, servindo de fundo a umas fotografias cobertas a óleo?!...
Pois é isto possível?!
***
Langerock, mestre, faz à tua cara o mesmo que fizeste àquelas fotografias cobre-a,
meu artista, cobre-a.
Eloi, o herói
399
23 de agosto de 1885
“Tenho diante de mim algumas tiras de papel e não sei como enchê-las”.
Eis como principiaria o seu artigo o cronista que vinte anos se achasse na
penosa situação em que me vejo neste momento solene.
Bom tempo, o tempo d‟outr‟ra, como dizia frei Antão...
Em 1865, não ter assunto era o melhor dos assuntos! A coisa agora é outra, e muito
diversa. Desde o momento em que eu, sem assunto, divague pelos vastos intermúndios da
fantasia, o leitor passa adiante, e vai procurar mais longe desforrar os dois vinténs que deu
pelo Diário de Notícias.
***
Entretanto... (tomo o céu por testemunha! o céu e as pessoas que me viram
anteontem no Pedro II)... entretanto, fui assistir à representação do Fausto, na esperança de
reunir no teatro os elementos para o meu artigo de hoje.
Baldada esperança!
Na representação nada vi de extraordinário, a não ser o enxerto de dois instrumentos
novos, não cogitados por Gounod quando compôs a sua imortal partitura.
Refiro-me à tradicional roda de fiar, que gruniu durante toda a execução balada do
rei de Tule, e ao refletor da luz elétrica, que chiou durante o dueto ao luar de Fausto e
Margarida.
Recomendo ao benemérito Ferrari que, se houver repetição da ópera, mande azeitar
a roda e suprimir a lua, caso não ache meio de lhe impor silêncio.
***
Nos intervalos não me foi possível apanhar a opinião de ninguém sobre o
desempenho da peça.
No saguão se falava em política. Faziam-se nomeações e demissões de todos os
calibres.
Três ou quatro nomes ouvi eu, de cavalheiros indigitados para o cargo de chefe de
polícia da Corte: entre esses nomes, o do barão de S. Domingos.
Num grupo, afiançava certo indivíduo ruivo (mas de bom pelo) que o José Avelino
seria nomeado diretor do Diário Oficial. E eu disse comigo mesmo que o ilustrado colega
do Correio Fluminense é digno de melhor sorte que a de manipulador de soporíferos.
***
Sobre o Tamberlini, que foi, inquestionavelmente, um dos mais diabólicos
Mefistófeles de quantos se têm visto na Guarda Velha, não se dizia nada, absolutamente
nada; e eu faço a mesma coisa, porque, a respeito de uns tantos artistas, gosto, confesso, de
ouvir a opinião dos outros antes de externar a minha.
A Repeto, coitadinha! a não ser nalguns compassos da famosa ária das jóias, não
tem no Fausto ocasião de exibir aqueles garganteios em que é exímia, e que tanto nos
agradam.
Esta cantora sai de seu elemento quando se encarrega ou a encarregam de papéis
dramáticos. Anteontem, nos dois últimos atos, Margarida fez-me saudades da sua graciosa
homônima dos Huguenotes, e daquela deliciosíssima Dinorah, que qualquer dia reaparecerá
na casa do Bartolomeu.
***
A julgar pelos aplausos, cresce de dia para dia a popularidade do simpático
Marconi.
400
Realiza-se hoje a sua festa artística vulgo benefício. Que recepção lhe fará Dom
Publico?
Canta-se a Africana ; auguro um sucesso ao novo Vasco de Gama.
Eloi, o herói
401
24 de agosto de 1885
Esteve ontem um belo dia, quente, é verdade (Este quente será português, seu
Escaravelho?), mas porisso mesmo convidando aos prazeres do campo.
Dou sinceros pêsames aos meus concidadãos, moradores da cidade velha, que se
deixaram ficar em casa, jogando a bisca em família.
Assim não fez a maioria deles; os bonds passavam repletos, e o Corcovado recebeu
a visita de centenares de touristes de bom gosto.
***
A companhia do S. Cristóvão, que estabeleceu bonds especiais para o Club Atlético
da rua do Conde do Bonfim, teve o prazer de ver que não foi má a sua idéia.
Parece-me que este club, inaugurado há tão pouco tempo, dispõe de todos os
elementos de prosperidade.
Não é isso para admirar, porque decididamente o nosso público o cavaquinho
pelas corridas, a ou a cavalo, contanto que o deixem jogar, apostando por este indivíduo
ou por aquele animal.
Dos males o menor: jogar por jogar, antes o façam ali que nos tripots da rua de S.
Jorge e outras.
***
Entretanto, as corridas do Jockey Club tiveram ontem muito pouca gente. Foi isso
devido sem dúvida ao programa, em que não figuravam muitos dos animais prediletos do
público. Sim, que entre esses ilustres quadrúpedes também estrelas e simples utilidades,
como nos teatros.
***
Icaria que, afinal de contas, ninguém sabe se é brasileira ou estrangeira tal qual
como a atriz Ismênia , não achou competidor, naturalmente pela grande razão filosófica de
que o seguro morreu de velho.
Decidam os nossos sportman sobre a validade da certidão de batismo da famosa
égua; com certeza o Rio Grande do Sul não quebrará lanças para provar ter sido o berço da
Icaria, como sete cidades da Grécia o fizeram pelo grande Homero.
***
Por equívoco, anunciei para ontem o benefício do Marconi, que hoje se realizará
no Pedro II, com a primeira representação da Africana.
Compraz-me retificar o engano, porque ao mesmo tempo faço nova réclame ao
simpático tenor.
***
O Jornal do Comércio disse ontem o seguinte na seção Psicologia da imprensa:
“O Herói transformou o seu palanque em atelier. O vocábulo francês tem
infinitamente mais saber artístico do que o português. O que não sei é em que língua está o
colorido quente e o sol que bate de chofre nas folhas”.
***
O Jornal do Comércio disse ontem o seguinte na seção Gazetilha:
“Estão expostos, no estabelecimento Glace Élégante, os retratos a óleo do Barão e
Baronesa de Ipiaba. Este trabalho artístico, em que se nota muita suavidade de modulação e
um colorido fresco e vigoroso, etc”.
***
Uma vez que o meu colorido quente não é português, o colorido fresco do Jornal do
Comércio não o é também, que diabo!
402
Eloi, o herói
403
25 de agosto de 1885
O meu amigo ***, liberal dos quatro costados, teve o mau gosto de aceitar o
inglório cargo de suplente de subdelegado de polícia não sei de que distrito de uma das
mais importantes freguesias desta Corte.
Fui ontem visitar esse amigo, que esteve ultimamente “com a vara”, e encontrei-o
muito ocupado em ordenar vários papéis relativos à sua repartição, para entregá-los ao
adversário político que tem de substitui-lo.
Quando me despedi, o meu amigo *** instou comigo para que me demorasse mais
tempo.
- Não posso; tenho que ir ao Diário de Notícias.
- Fazer o quê?
- Escrever o De palanque de amanhã.
- Lá por isso não seja a dúvida: fica, e eu forneço-te um artigo.
- Como assim?
- Vês este maço de papéis?
- Vejo.
- É uma coleção de documentos muito curiosos. Tira daí ao acaso um, dois ou três
desses papeluchos, e tens o artigo feito.
- Deveras?
- Experimenta.
Tirei ao acaso um papel da coleção.
- Isso que é? perguntou-me ***, tomando-me o documento. Ah! é uma carta do
cabo de esquadra da força destacada na estação policial. Lê...
E eu li o seguinte, que transcrevo ipsis verbis:
“Ilmo. Sr. Subdelegado Participo mais a V. S. que com muito custo fiz a preta
dizer quem era o Senhor dela, e o lugar aonde morava. Por isso pesso a V. S. se consemte
que eu trate de fazer com que o Senhor dela venha a sua presença, e provas como ela é
escrava. Que tal vez aja alguma gratificação; por isso lhe pesso a sua proteção, que V. S.
bem sabe no estado em que eu tenho andado, que é a primeira vez que chego a este ponto.
Sou de V. S. Súdito respeitador. F.”
- Esse pobre diabo, que se diz meu súdito, não é mau; mal outro papel... hás de
encontrar coisa mais interessante. Olha, aqui tens a carta que me escreveu um preso. Puro
estilo de capadócio. Lê...
E eu li:
“Ilmo. Sr. Dr. Subdelegado. A primeiro que tudo lanço mão a esta pena para
escrever esta carta á, fim de vim merecer um favor de V, S, pelo que espero ser á tendido.
Sr. venho prosta-me aos Pés, de V, S, para que mande passar o meo Alvará de Sultura
Pesso pelo amor de Vossa Quirida Mãe que vos trouçe nove meses em seu Divino Ventre e
pesso pelo leite q V, S, obeteu do Sagrados Peitos de vossa amada Mãe pesso pelo amor
que VS, tem o seo quirido filinho para que não me falte com este pidido. Sr., eu em dia de
minha vida nunca roubei nada contra a vontade de Seu dono isto foi uma falcidade q, me
levantaro. Sr. Dr. Nosso Senhor Juzus Cristo foi Cursificado numa Cruz em Justamente
quanto mais nois homem q de um falço ninguém si livra espero merce. F”
- Bem, essa carta é bem boa, mas se encontras aí algum ofício do inspetor do 14º
quarteirão do meu distrito.
- Cá está um, se me não engano.
- Lê e pasma!
404
“Digno Subdelegado do... Distrito da Freguesia d... Hoje mandando eu chamar A. P.
da S., para este dar-me algumas explicações sobre esta Rapariga q‟ mando apresentar a Vª.
S. por este me ter dado dica dela, porém em ocasião q‟ eu não me achava en Casa mas
sim teve o Recado; e ele manda-me um recado dizendo q‟ se achava doente, en vista desta
resposta, eu fui ver qual a moléstia de A. Pedro e este levantando-se com atrevimentos a
pontos d‟ dizer-me se eu em minha Casa não tinha espelho, e q‟ eu era em capaz d‟ obriga-
lo a fazer este mudar-se da Casa onde vive, em motivo d‟eu lhe dizer q‟ era melhor q‟ ele se
mudasse da Casa ou d‟ gênio por ele vir com uma pequena troxa nas mãos, e este ameaça-
me como quem queria talvez me bater; Assim em vista disto tomei logo 2 testemunhas para
melhor lhe emformar. J. B. e T. A. L., testemunhas d‟Vista. Deus Guarde a V. S., etc.. O
inspetor, F”.
- E aí tens pronto o teu De palanque. Portanto, podes demorar-te.
- Mas parece-te que isto interesse aos meus leitores?
- Com toda certeza.
- Ora, Deus queira que eles sejam de tua opinião.
Eloi, o herói
405
26 de agosto de 1885
Oh, versatilidade do público fluminense!
Desde que o absoluto Tamagno declarou ao Ferrari que pas d’argent, pas de tenor,
e fez em seguida como o “seu Pereira de Morais” da célebre modinha, o Marconi ficou
sendo o “ai Jesus!”, o “meu santo Antoninho” dos freqüentadores do teatro Pedro II.
- Vai-te, cantor ingrato e filaucioso; vai-te, e nunca mais nos apareça! bradaram eles
em coro. Que nos importa a tua ausência, se outro virá de honrada fama e consigo trará um
novo e completo sortimento de dós de peito e sis naturais? Ah! pérfido, tens uma voz tão
poderosa que nem pela da razão, nem pela da verdade te deixaste, nem pela do sangue te
deixarias vencer? Pois bem, o Marconi é também um grande artista, e quem não tem cão
caça com gato!
À vista deste uníssono, de bom agouro para o simpático artista, sempre julguei que
estivesse reservada uma enchente real ao espetáculo realizado anteontem em seu benefício,
com a primeira representação da Africana.
***
A récita era extraordinária, e muitos assinantes tiveram o mau gosto de deixar os
seus lugares vazios, dando assim uma prova de grosseira economia, tão contrária aos
hábitos de todo o high life que se preze.
Ressentiu-se o beneficiado do inexplicável retraimento dos seus numerosos
admiradores: no fim do primeiro ato não quis vir à cena, por mais que o solicitassem os
espectadores do galinheiro, únicos fieis às suas primeiras impressões.
no quarto ato, depois do imortal dueto entre Vasco e Selika, o Marconi tomou
algum calor, e, mal caiu o pano, dignou-se vir ao proscênio receber os aplausos que, dessa
vez, partiam de todos os pontos do teatro.
A representação correu friamente: público e artistas pareciam indispostos. As
extraordinárias aventuras daquele Gama, que nada tem de comum com o glorioso herói dos
Lusíadas, desenrodilharam-se diante de uma assembléia indiferente e quase adormecida.
Durante o quinto ato, os espectadores pareciam intoxicados pelas emanações soporíferas da
famosa mancenilha; e quando a africana caiu morta... todos se ergueram, mortos também...
de sono.
***
Decididamente a condição fundamental do êxito de um espetáculo qualquer é a
grande concorrência. No mais alegre teatro a ausência das senhoras dá aos camarotes
desguarnecidos o lúgubre aspecto de catacumbas vazias.
***
Dizem-me que dois motivos houve para a falta de concorrência à festa artística do
Marconi. Sabia-se:
, que Suas Majestades e Altezas não iam ao teatro, pesarosos, como estavam, por
haver falecido o velho veador Travassos; e todos sabem que o high life vai onde vai a
família imperial;
2º, que o benefício era simulado, tal qual os exercícios de Campo Grande, não
resultando, portanto, da falta de concorrência prejuízo material para o Marconi.
***
Num dos intervalos dei um pulo ao Sant‟Anna, que estava especialmente preparado
para um grande espetáculo comemorativo do aniversário de falecimento de João Caetano, o
grande ator fluminense.
406
Na ocasião em que eu entrava ao teatro, a distinta atriz Clementina dizia em verso o
seguinte:
1º, que havia no rosto de João Caetano um quê das lendas do Reno, contadas por
espanhóis!
2º, que o verbo do ilustre artista tinha os tons misteriosos da garganta de um tenor,
e, em o escutando,
Como que a gente sentia
Ouvir segredos de amor!...
3º, que os gestos selvagens de João Caetano eram gentis como os dos príncipes
belos
Pelos salões dos castelos
Nas recepções imperiais!
4º, que o mesmo João Caetano era embaixador do sublime junto às cortes do
proscênio, mas não sabia o que era a arte!
5º, que, no Otelo, o vulto gigante do grande artista crescia inchado de dor!
6º, que, quando ele chorava, a turba sentia que chorava sem sentir!
- De quem é isto? perguntei, quando a Clementina acabou de recitar.
Disseram-me o nome do autor. É um sujeito que, há poucos dias, num grupo, à porta
da livraria Faro, me classificou de burro . Ssatisfeito, e convencido de que ele ainda é
mais burro do que eu.
***
O Escaravelho censurou ontem que eu empregasse vocábulos franceses no meu
artigo de anteontem. Nunca imaginei que ele o fizesse; tinham-me dito que, de todas as
línguas vivas, a francesa é a mais apreciada pelo famoso herói da psicologia.
Eloi, o herói
407
29 de agosto de 1885
Os nossos edis resolveram mandar pintar um quadro, reproduzindo o ato da
distribuição de cartas de alforria, efetuado no Paço da Câmara aos 29 do mês próximo
findo, aniversário natalício da Sereníssima Senhora Condessa d‟Eu.
Estou perfeitamente convencido de que nenhum deles anuiu à realização dessa idéia
pelo desejo de ser agradável à simpática princesa, ou de perpetuar na tela um fato, que,
sendo, aliás, honroso para o município, não tem tanta importância, que “mereça a
manifestação a óleo”.
O desejo íntimo de suas senhorias ilustríssimas foi e Deus me perdoe se os calunio
foi que as sua vinte e uma fisionomias passassem à posteridade, por intermédio da palheta
de um pintor... qualquer.
É bom que os nossos netos, e os netos dos nossos netos, travem relações póstumas
com todos os membros de uma Câmara tão benemérita e patriótica; de uma Câmara a que
devemos tantos e tão importantes melhoramentos públicos; de uma Câmara pichosa, zelosa,
caprichosa e gloriosa, como primeira não houve, nem segunda haverá.
Mas quer me parecer que o quadro teria muito mais valor para o futuro, se, em vez
de reproduzir a cerimônia da distribuição das cartas, representasse fielmente uma daquelas
célebres sessões tumultuosas, que deram em resultado a suspensão dos atuais vereadores.
estava um assunto etnográfico, digno da mais remota posteridade, que teria no
quadro um traço característico dos nossos costumes, e uma idéia muito aproximada do
respeito que no Brasil de hoje existe entre o povo e as autoridades constituídas.
E, quando se não fizesse tal quadro, que, bem executado, imortalizaria um pintor e
uma época, seria talvez preferível aplicar à liberdade de novos escravos o dinheiro com que
a Câmara vai satisfazer essa absurda vaidade.
***
Mas não é disso que venho tratar; bem me importa a mim que os Srs. Vereadores, à
custa dos magros cofres municipais, ofereçam uns aos outros o retrato a óleo, e ainda sem o
precalço do respectivo “copo d‟água”!
O que não sofre a minha paciência é haver a Ilustríssima chamado propostas para a
execução do quadro, como se se tratasse de pintar a grade do portão ou o muro do quintal.
Os vinte e um dirigiram-se por oficio a todos os pintores nacionais e estrangeiros
residentes nesta Corte, recomendando-lhes que apresentassem propostas para um quadro
de três metros de comprimento sobre dois de largura, com quarenta caras conhecidas,
declarando os proponentes o preço da obra e o tempo em que poderiam dá-la pronta.
Alguns pintores acederam ao convite, apesar de extravagante, e a Câmara
naturalmente escolheu a proposta mais barata.
Por felicidade, essa escolha recaiu num artista de esperanças: o Peres. Quer isso
dizer que os outros fariam o quadro por mais dinheiro, e que um discípulo, por uma
diferença de alguns mil réis, poderia preterir um mestre.
***
É ocioso insistir sobre os inconvenientes de um tal sistema de encomendar obras de
arte.
Se algum dia a Ilustríssima Câmara pretender mandar pintar de novo as suas vinte e
uma cabeças, e ao mesmo tempo quiser proteger a arte nacional, aceite o meu conselho:
Abra um concurso e institua três prêmios de importância diversa e gradativa,
destinados aos melhores croquis apresentados pelos pintores nacionais ou estrangeiros
408
que tenham residência efetiva entre nós, e tiverem sido premiados ou distinguidos nas
exposições da Academia de Belas Artes.
Um júri, composto de pessoas competentes, decidirá qual seja o melhor croquis.
Será esse o escolhido, e dos restantes os dois melhores serão igualmente premiados.
Desse modo a Câmara não comprará nabos em saco (o que esteve arriscada a fazer
agora), o artista escolhido adquirirá mais nobremente o direito de pintar um quadro, e os
dois que se lhe seguirem em ordem de mérito terão pelo menos alguma coisa que os
estimule, não os obrigando a descer de queixo caído as escadas do paço municipal.
E reserve a Câmara o regimen das propostas em carta fechada para quando tiver
por acaso... de mandar calçar alguma rua.
Eloi, o herói
409
30 de agosto de 1885
Louvada seja a associação empresária do Recreio Dramático! Todas as vezes que
pode dar-nos uma peça nacional, é contar com a sua boa vontade, não desmentida até hoje.
Ainda anteontem foi a imprensa convidada para assistir à primeira representação
da comédia em 1 ato, em verso, Mariquinhas dos Apitos, original de “um distinto escritor
brasileiro”.
Lá fui.
***
A Mariquinha dos Apitos (Lívia Magioli) é uma viúva, que mora numa loja da praça
da Constituição, em companhia da mulata Luiza (Balbina).
Essa viúva, que tem pelo apito a mesma predileção que entre nós geralmente as
pessoas do seu sexo tem pelo piano, possui uma única virtude: o amor filial. Os retratos de
seus falecidos pais estão pendurados na sala, olhando um para o outro. Do meu camarote
se via o pai, que por sinal era o defunto Garfield. Ignoravam todos que o infeliz presidente
dos Estados Unidos tivesse uma filha no Rocio.
Ao que parece, a viúva não guarda o mesmo respeito pela memória do esposo: é
simultaneamente requestada por dois bilontras: João Corte-Real (Bernardo Lisboa) e
Antonio Cá-te-espero (Castro).
O primeiro, para provar a intensidade do seu amor, dá cem mil reis à Mariquinhas; o
segundo dobra a parada: oferece-lhe duzentos.
Ela, apanhando-se com o cobre e desejando ver-se livre dos dois namorados,
Pega no apito,
Põe-se a apitar...
Aparecem dois urbanos (Marques e Abreu) de chanfalho em punho e um deles
pergunta:
“Qual foi a voz humana
Que o socorro pediu da guarda urbana?”
E o público, estupefato por ouvir chamar voz humana ao som do apito, aplaude
delirantemente uma das cenas do 2º ato da paródia da Madame Angot.
Os desmoralizados agentes da força pública, conquanto não consigam prender
nenhum dos dois tipos, pedem uns nicolaus à viúva.
Esta, depois de dizer ainda umas coisas filosóficas aos namorados, que reaparecem
à rótula, guarda os trezentos bagarotes e vai tomar uma canja, preparada pela mulata.
***
tem o que é a peça, escrita em versos livres. os ali de todos os metros
conhecidos... e desconhecidos, desde o monossílabo até o alexandrino, para não dizer
alexandre... o grande.
Não em toda a comédia um bom dito, um verso que fique no ouvido do
espectador inteligente, um conceito que agrade, um paradoxo que faça sorrir. É um trabalho
feito a trochemoche, sem plano, sem espontaneidade, sem intuição artística, sem
naturalidade, sem graça, sem entrecho, sem um dos elementos indispensáveis a uma
comédia.
***
Os artistas... que diable allaient ils faire dans cette galére?... não tiveram ensejo de
mostrar a sua habilidade.
O papel da mulata, desempenhado pela Balbina, seria um papelão (deixem passar),
se o autor tivesse a ciência do teatro.
410
A Lívia e o Castro nada têm que fazer senão despejar meia dúzia de baboseiras.
O Bernardo Lisboa, ator cômico de merecimento, que tem a desgraça de andar
sempre metido na pele de uns galãs impossíveis, arranjou um bom tipo. Mal empregado!
***
Acabada a peça, este ator aproximou-se do proscênio, e disse, provalvelmente
mandado pelo autor:
“A comédia que esta noite
No Recreio teve ingresso
É original do doutor
Anastácio Bom-Sucesso”
Caiu-me a alma aos pés!... Que!... O Dr. Anastácio do Bom-Sucesso! o mesmo que,
em Janeiro de 1882, no seu livrinho Fotografias escreveu o seguinte soneto (?) sob o
pseudônimo de Cinasio Lucio! - :
“O Magalhães, o Pena,
Valem bem pouca coisa;
Qualquer Manuel de Souza
Põe uma peça em cena.
Alencar e Macedo
São velhos estribilhos,
Quem fama têm e brilhos
Garrido, e Azevedo.
Imitações, tolices
Paródias, truanices
Tem palmas, ovações.
E a arte dramática,
Doente, marasmática,
Caminha aos trambolhões!”
À vista desses versos, tanto Garrido como Azevedo tinham o direito de esperar que
o autor da Mariquinhas dos Apitos fizesse coisa que não se parecesse com as truanices que
tanto o indignavam há três anos e meio.
É triste, é muito triste ver um homem distinto estrear no teatro, aos cinqüenta anos
de idade, com os apitos da Mariquinhas...
Oh, Pena! oh, Macedo!
Eloi, o herói
411
31 de agosto de 1885
Decididamente há tantos Luizes XI como Rossis.
Depois que o grande Ernesto representou nesta Corte a famosa tragédia de Casimiro
Delavigne, supunham todos que ninguém mais se animasse a “pegar no papel”, como se diz
em gíria de bastidores.
Engano: pouco tempo o comendador César Rossi reproduziu, com muita
felicidade, no palco de S. Pedro de Alcântara, a figura sinistra do famigerado rei de França.
E agora outro artista italiano, também chamado Rossi, acaba de representar em
Campos a referida peça, traduzida para o português.
***
Pelo que dizem dois colegas da terra da goiabada e da luz elétrica, o Sexto distrito e
a Evolução, este novo Rossi é perfeitamente digno do seu glorioso homônimo.
Vejam como se exprime o Sexto distrito:
“O desempenho da peça excedeu a nossa expectativa. Confessamos: não
esperávamos tanto, principalmente do eminente artista C. Rossi; não porque não lhe
conheçamos talento de sobra para desempenhar o dificílimo personagem de que se
encarregou, mas por ter de jogá-lo em uma língua para si estrangeira.
“Em todas as cenas foi sublime. Desde a primeira do ato, em que maltrata um
empregado do fisco para adular o povo ali representado por alguns burgueses, até a difícil e
horrível morte, no 5º ato.
“Quando no ato se confessa a Francisco de Paula, com admirável maestria deixa
cair a máscara hipócrita e apresenta com vivas cores as úlceras de sua alma manchada por
tantos crimes. Na cena seguinte, quando Nemours quer assassiná-lo e até ao final do ato,
que imensa e bem representada cena de cobardia!
“Todo o quinto ato sublime de verdade e horrível de ver-se.
“O artista C. Rossi pode ufanar-se de ser um excelente artista, e damos os parabéns
pela resolução que tomou de representar em nossa língua as sublimes criações dramáticas
destinadas aos grandes talentos e que nos tem sido unicamente permitido admirar em
língua estrangeira”.
***
A Evolução emprega também um arsenal de adjetivos; leiam:
“O ator Colantoni Rossi ia jogar uma cartada formidável nessa noite, e pela nossa
parte confessamos que não contávamos com o que vimos.
“O papel de Luiz XI é eminentemente trágico. Naquele corpo alquebrado pelos
anos, pela fadiga e pela moléstia; naquele espírito aniquilado pelo receio da morte,
torturado pela visão sinistra dos passados crimes, mas, não obstante, altivo, dominador,
sagaz e ambicioso simplesmente a individualização de todos os bons e de todos os
maus estímulos, de muita nobreza e de muita pusilanimidade.
“Imagine-se que força assombrosa de adaptação é precisa para caracterizar um
indivíduo assim e compreender-se o esforço incalculável do ator Rossi para representar um
personagem enigmático e móbil como a árvore das paixões excitadas pelos ventos das
adversidades e das últimas esperanças utópicas que bruxuleiam no cérebro de um
moribundo.
“Rossi do 2º ao 5º ato foi de uma verdade tão intensamente comovedora, que
parecia-nos ter diante de nós o próprio Luiz XI, ressurgindo do túmulo e novamente
sentado no teatro de França.
412
“Rossi não desmentiu o seu homônimo. Desde a caracterização da fisionomia até o
tremor senil que lhe fazia dançar as mãos; desde as largas explosões do caráter indomável
até os balbuciamentos da alma crivada de flechas pelo pavor da morte, tudo era o mais
perfeito que se pode desejar.
“Rossi não é um nômade nem um Ahasverus da arte, como modestamente se
qualificou.
“Rossi é um rei no palco, é um artista na rigorosa e larga acepção da palavra, é uma
majestade que será sempre aplaudida e respeitada onde quer que apareça e onde quer que
haja uma inteligência que o saiba compreender.
“As cenas do 4º ato bastam para dar ao Sr. Rossi a reputação de um artista
consumado e para fazê-lo aplaudido em qualquer platéia.
“A cena da confissão, nesse 4º ato, em que o monarca rememora os passados
crimes, é coisa inenarrável. Não se analisam tais lances teatrais, fica-se mudo diante deles.
“A cena da morte, no último ato, é também de uma interpretação de tal ordem, que o
artista Rossi, em nosso conceito, não devia estar vivo hoje; devia estar morto e bem morto.
Só morre assim quem realmente está morrendo”.
***
Depois de ver a imprensa de Campos tão extasiada diante do Rossi n. 3, os leitores
naturalmente vão perguntar ou não vão quais são os companheiros deste sublime artista.
Vou satisfazer-lhes a curiosidade... se curiosidade houver.
O papel do duque de Nemours foi interpretado pelo ator Lessa. “Este ator, diz a
Evolução, tem decidida vocação para o palco e será pena estragar o seu talento,
encarregando-se de papeizinhos de comédias e outras quejandas coisas”.
O ator Namura encarregou-se do papel de S. Francisco de Paula. O Sexto distrito
afirma que “foi sublime na cena da confissão”.
Os demais papéis foram confiados às atrizes G. Curti e Ludgaria e ao ator Ataíde.
“Procuraram manter-se nas proximidades do protagonista, acrescenta a Evolução; mas o
brilho que desse ator partia era tão vivo, que os demais artistas da companhia ficaram na
penumbra”.
A peça foi traduzida pelo próprio Rossi n. 3, e ainda é a Evolução quem diz que,
graças a esse trabalho, o sublime ator “enriqueceu a panoplia dos nossos combatentes
literários”.
***
E tu não cais das nuvens, leitor indiferente e mole? Revelam-te a existência de um
Rossi dos Goitacases, e de um Namura, de um Lessa, de um Ataíde, de uma Dona
Ludgaria, e não te inflamas, e não gritas Eureka! e não deitas a correr pelas ruas do Rio de
Janeiro, como o outro pelas de Siracusa?!
tenho o meu plano feito: no primeiro vapor embarco para Campos. Vou comprar
um fato de viagem e pedir algumas cartas de apresentação ao Sr. Malvino.
Ah! não é debalde que Campos é a única cidade do Brasil iluminada a luz elétrica.
***
Que coincidência!
Estava pronto o meu artigo, quando a redação do Diário de Notícias recebeu uma
carta do Sr. Colantoni Rossi, pedindo a transcrição dos artigos do Sexto distrito e da
Evolução.
“É um pobre artista quem pede, diz o Sr. Rossi, e eu não altero uma vírgula, um
artista que depois de ter tido o prazer de pisar os primeiros teatros da Europa, e ter recebido
413
grandes sucesos (Todos os grifos são meus) no Rio da Prata, veio no Brasil a passar mal
por três longos anos, não sabendo falar o português: Hoje está no caso, e com a companhia
em que se acha, tenciona de vir a representar nessa Corte, em português, o Luiz XI, o
Otelo, o Hamlet, o Don Luiz e outras peças importantes nunca representadas no belo
idioma que se fala na sua Pátria gigante.
“Muitos detratores voluntários tive nesta terra, principalmente nas fileiras artísticas;
nos bastedores, onde, como diz Dumas, “não há amigos, há rivais que fazem todo o
possível para impedir que o talento se levante de um só ponto.
“Confio na luminosa e gloriosa falange dos atletas da imprensa nessa capital, para
que se dignem honrar-me de um juízo tranqüilo a respeito do meu longo sofrer e trabalho,
para alcançar, sem meios a traduzir e representarpeças tão importantes”.
À vista desta carta, escrita pelo tradutor de Delavigne, não incomodo o Sr. Malvino:
deixo de ir a Campos, e ponho de quarentena todos os adjetivos dos meus colegas daquela
iluminada cidade!
Eloi, o herói
414
01 de setembro de 1885
Enquanto o Rialto das Entrelinhas da Gazeta de Notícias empregou todos os meios
e modos para provar aos seus trinta mil leitores a minha insuficiência literária, o que lhe
não seria sem dúvida mais difícil que apregoar as virtudes da Petrolectrina de Coral &
Cardoso, calei-me, porque Rialto exercia o seu direito de crítica.
Mas esse escritor teve ontem a infelicidade de me emprestar um sentimento ignóbil;
há de permitir que eu não deixe passar sem protesto a sua malevolência.
***
Segundo Rialto, eu disse mal da Mariquinhas dos Apitos, do Dr. Anastácio do Bom-
Sucesso, porque sou “oficial do mesmo ofício”.
Quer isto dizer que, como também faço comédias, o meu desejo era inutilizar um
concorrente.
Com franqueza: Rialto julga-me realmente um indivíduo tão pulha, que diga mal do
que lhe pareceu bom, que minta à sua consciência, pelo receio de que lhe façam sombra?
***
Escaravelho, que não perde ocasião de me ser particularmente desagradável (o que
bem pouco me importa) é mais generoso: acredita que a Mariquinhas seja uma obra prima;
não tem confiança na minha apreciação.
Eu folgaria de reconhecer que errei, e de voltar atrás, concordando com todos os
colegas, que louvaram o trabalho do Dr. Bom-Sucesso. Infelizmente não posso fazê-lo. Na
minha opinião, e em que pese a todos quantos afirmarem o contrário, a Mariquinhas dos
Apitos é, para me servir da expressão do próprio Escaravelho, “um chorrilho de bernardices
sem graça”.
***
Da gratuita insinuação de Rialto defende-me o pronto que tenho sido em louvar
todas as peças de teatro escritas por autores nacionais, desde que nelas encontre o que não
achei na tal Mariquinhas.
Quando, naquele mesmo Recreio Dramático, se representou Como se fazia um
deputado, de França Junior, eu, que me achava no teatro, tive a idéia de convidar os
jornalistas presentes a irmos todos cumprimentar, em cena aberta, o festejado
comediógrafo.
Anuíram todos, ou quase todos, inclusive o Quintino Bocaiúva, que nesse tempo
redigia o Globo.
Nunca se fizera no Rio de Janeiro e creio que em parte alguma uma
manifestação desse gênero.
Dois dias depois, tendo aparecido na Gazetinha, que eu então redigia, um artigo
laudatório sobre a nova comédia, França Junior enviou-me um bilhete de visita, que ainda
conservo, com as seguintes palavras:
“Vejo que o nosso melhor amigo é o oficial do nosso ofício”.
E Rialto há de convir que França Junior era um concorrente muito mais temível que
o Dr. Anastácio.
***
Ultimamente, ainda o Recreio Dramático deu a Carta anônima, um ato em verso de
Figueiredo Coimbra.
Não notícia de que houvesse nunca em nossos teatros mais auspiciosa estréia; o
entrecho da Carta anônima é engenhoso, as redondilhas têm o número de sílabas exigido
415
pela arte, o verso é fluente, o diálogo é gracioso e as situações sucedem-se com tanta
naturalidade, que, lendo esse trabalho, ninguém acreditará na inexperiência do autor.
Mas como na comédia não entravam urbanos de chanfalho em punho, nem se falava
em bilontras e caras duras, o público fez-lhe um acolhimento muito reservado, e, resultado
disso, a imprensa passou por ela como gato por brasas.
Eu, que me desfiz em elogios a essa esperançosa produção de um moço de vinte
anos, quer no Diário Mercantil de S. Paulo, quer na Pacotilha, do Maranhão, quer no
Mequetrefe e, se bem me lembro, na Estação, desta Corte, teria agora ciúmes de um literato
serôdio, que, depois de andar meio século por este vale de lágrimas, impinge ao público a
Mariquinhas dos Apitos?!
***
Ela por ela: Rialto, que é doutor, autoriza-me a julgar que, se defende a comédia do
Dr. Anastácio, que é dico (e médico distinto, dizem), é movido apenas pelo interesse de
ver o comediógrafo arredado de sua verdadeira profissão.
***
E eu peço desculpa ao leitor, por ter enchido cento e tantas linhas do Diário de
Notícias com um fato pessoal.
Eloi, o herói
416
02 de setembro de 1885
Noticiaram as folhas que anteontem estava o quartel do corpo de bombeiros posto
em sossego, naquele engano d‟alma ledo e cego, que o excesso de fuligem nas chaminés
não deixa durar muito, quando foi surpreendido pela visita de Sua Majestade o Imperador.
O monarca, desejoso sempre de conhecer de visu as nossas repartições públicas,
ordenou que desse o sinal de incêndio, e chamassem ao quartel os contingentes de todos os
postos e estações.
Dentro de um quarto de hora estava reunido na praça da Aclamação todo o pessoal e
material do corpo.
Elevada a cem libras a pressão do vapor nas caldeiras de quatro bombas,
começaram os exercícios de aparelhos de salvação.
Era para ver um jato d‟água, que se elevava muito além dos prédios mais altos da
vizinhança.
Acenderam grandes fogueiras, que foram imediatamente apagadas por uma bomba
química.
Sua Majestade, satisfeito do que viu, elogiou o serviço, e conversou com o diretor
do corpo sobre a aquisição de mais alguns aparelhos, a cujas experiências assistiu, quando
percorreu as sete partidas do mundo.
***
O público pensa como Sua Majestade: é voz geral que o corpo de bombeiros faz
honra à capital do Império.
Como vão longe os tempos em que o burguês curioso, ao erguer-se pela manhã,
fazia diariamente aos seus botões esta pergunta malévola:
- Onde será hoje o incêndio?
E no dia seguinte era infalível um grande oficio do tenente-coronel Carvalho das
Bombas, declarando ao ministro da agricultura que, graças ao seu sistema de circunscrição,
tal incêndio se limitara a quatro ou cinco prédios... apenas.
O dedo anônimo do populacho apontava os negociantes que haviam recorrido ao
fogo logo que viram mal parado o respectivo negócio. Muitos desses desalmados, com a
casa e o juízo a arder, envolveram nas chamas algumas vítimas dos seus transtornos
comerciais e dos seus instintos perversos.
***
Quando o coronel Niemeyer tomou conta do comando do corpo de bombeiros, e
reformou tudo, pessoal e material, os incêndios rarearam, rarearam, e hoje pode-se dizer
que já não há disso no Rio de Janeiro.
Logo que o benerito cidadão foi substituído pelo coronel Neiva, continuador de
sua glória, o governo imperial pendurou-lhe ao peito a comenda da Rosa, e as companhias
de seguro ofereceram-lhe um elegante chalet em Botafogo.
O ser comendador e proprietário sonho dourado de todo o bom brasileiro não
pagou certamente os nobres e humanitários serviços do coronel Niemeyer salva-vidas e
propriedades.
***
Entretanto, como há bens que vêm para o mal, a perfeição a que atingiu o serviço da
extinção dos incêndios é até certo ponto perniciosa.
O Rio de Janeiro é como um indivíduo que se vestisse mal, pusesse um chapéu
impossível, andasse com o colarinho sujo, mas usasse um par de sapatos irrepreensíveis,
envernizados, à moda.
417
E que atravessasse as ruas muito convencido de que todos lhe olhassem para os pés
e não para a cabeça, e que dissesse aos seus botões mal pregados:
- Que me importa andar de chapéu velho e roupa suja, se tenho um rico par de
sapatos?
***
Diálogo entre um estrangeiro e um filho do país:
- Oh! vocês têm um exercito mal organizado! E que marinha! que marinheiros! que
gente!
- Pois sim; mas temos o corpo de bombeiros, que é um dos melhores do mundo!
- As ruas do Rio de Janeiro são mal calçadas, e não primam pelo asseio. lugares
em que é impossível passar sem tapar o nariz.
- Isso é verdade; mas há de reconhecer que o nosso corpo de bombeiros...
- Os edifícios públicos são uma lástima: o Mercado é irrisório, a Câmara dos
Deputados indigna de uma capital civilizada, o Paço da cidade ridículo.
- Entretanto o corpo de bombeiros...
- Os jardins públicos são mal tratados; a limpeza das praias é mal feita; o... a...
- Que tem isso, se o corpo de bombeiros...
- Não há um teatro digno desse nome; não há literatura, não há arte, não
estímulo...
- Mas há o corpo de bombeiros!
- Finalmente, vocês precisam reformar tudo!
- Menos o corpo de bombeiros!
***
E sempre a mesma cantiga!
Que diabo! porque sabemos apagar um fogo melhor que os próprios parisienses,
não é bom que nos deixemos cegar por essa virtude a ponto de não enxergar os nossos
defeitos.
É preciso que os saibamos extinguir... como os incêndios.
Eloi, o herói
418
03 de setembro de 1885
Como as senhoras se vingam!
Tanto em qualidade como em quantidade, o belo sexo estava dignamente
representado no grande concerto sinfônico do Club Beethoven, realizado anteontem, nos
salões do Cassino Fluminense. Houve quem contasse duas mil pessoas.
Francamente: seria preferível que a festa fosse menos concorrida. Perdoem-me as
senhoras o egoísmo. Os convidados dificilmente podiam mover-se de um lado para outro, e,
nas proximidades do salão, era tal a vozeria, que não deixava dar aos instrumentos e às
vozes a atenção que mereciam.
A culpada não foi, certamente, a diretoria do club: aconselhada pela experiência dos
anos anteriores, mandara pregar por toda a parte grandes cartazes do teor seguinte: Pede-se
o maior silêncio durante a execução das peças.
Se houvessem pedido o contrário, não obteriam tanta bulha!
***
O programa consta de três partes, na primeira das quais figuram Beethoven,
Mendelsohn, Gounod, Reinecke, Bendel e Denza, estes últimos com dois romances,
primorosamente cantados pela Stahl.
Num concerto de Mendelsohn, para piano, com acompanhamento de orquestra, o
grande Artur Napoleão obtem um retumbante sucesso. O mesmo o posso dizer da
orquestra, apesar de dirigida pelo Bassi.
***
A segunda parte é exclusivamente preenchida pela sinfonia n. 3, de Beethoven. Por
mais esforços que eu empregue, não me é dado ouvir, como quisera, a inimitável marcha
fúnebre intercalada nessa esplêndida composição, tal é o rumor causado pelas pessoas
levadas apenas pelo desejo de se exibirem.
***
Niels W. Gade, Meyerbeer, Liszt e Ponchielli eis os compositores que figuram na
terceira parte.
Stahl é mais uma vez delirantemente aplaudida na cavatina do pajem dos
Huguenotes.
***
(Já que por duas vezes me referi a essa interessante e festejada cantora, lembrarei ao
leitor o benefício dela, o qual se realizará amanhã, no Pedro II, com a Gioconda.
Quando a ópera não fosse o que é, e o desempenho não estivesse na altura da ópera,
bastariam, para chamar o público, os dois olhos mais belos que nunca brilharam no teatro
da Guarda Velha).
***
Termina o concerto pela famosa Rapsódia húngara, de Liszt; mas, logo aos
primeiros compassos, começam todos a debandar, arrastando os pés e as cadeiras.
***
Na vestiaria os chapéus, sobretudos, bengalas e guarda-chuvas, são conquistados a
força de murros e empurrões, no meio de uma gritaria infernal. Um cavalheiro fica sem
uma das abas da casaca.
Parece-me que a administração do Cassino devia reservar maior espaço para tal
serviço, e a diretoria do Club aumentar, nestas ocasiões excepcionais, o número dos
respectivos empregados.
***
419
Também o bufete deixa muito que desejar: às dez horas não um copo de
cerveja, e os sorvetes são servidos sem as necessárias colherinhas, o que faz com que muita
gente as arranje de papel, rasgando, para isso, um dos cantos do programa. O ditado é
invertido: quem tem pressa faz colheres. Ora adeus! a necessidade é mãe da indústria.
***
Querem ver uma beleza do nosso high life? Leiam o seguinte:
DIÁLOGO ENTRE O BARÃO DE CERTOSANTO E UM MOÇO DO BUFETE.
- -me um cálice de vinho do Porto.
- Pronto!
- Quanto é?
- Trezentos réis.
- Aqui tem quinhentos; dê cá o troco.
- Não tenho troco.
- Nem eu: como há de ser isto?
- Não sei... o senhor passe logo mais, para receber os duzentos réis.
- Nada! nesse caso cá! os cinco tostões... Eu é que lhos virei daqui a pouco,
quando você tiver troco.
Irresolução do moço.
O BARÃO Ah! uma idéia! (Espanto geral). Dê cá outro cálice de vinho, e
estamos quites.
O MOÇO Nesse caso, falta ainda um tostão...
O BARÃO Pois não encha o cálice!
Ai! que cócegas eu tive de dar o níquel ao barão de Certosanto!
***
Eu quisera, a propósito do concerto do Beethoven, pronunciar-me contra o grosseiro
e generalizado costume de fumar em lugares onde se acham senhoras; mas nem estou agora
para pregar no deserto, nem quero estender o meu artigo, porque...
***
...tenho que dizer alguma coisa ao herói da psicologia.
“O herói do palanque, disse ele ontem, acoima o Escaravelho de não perder ocasião
“de lhe ser particularmente desagradável”. Tive de consultar autores franceses para atinar
com o sentido de semelhante frase. Desta mania de escrever francês com palavras
portuguesas concluo que o herói será algum literato da escola moderna; é a única
particularidade que conheço dele. Fique-se, pois, com o seu particularmente para gasto
próprio”.
Se um pedido meu tivesse algum valor, eu rogaria a Escaravelho não consentisse
pessoas estranhas na redação da Psicologia. Com certeza não foi o provecto jornalista, a
quem toda gente atribui a autoria daquela seção gaiata, quem se lembrou de dizer que o
advérbio particularmente não é português.
Eis o que diz o dicionário que tenho mais à mão:
“PARTICULARMENTE, adv. De modo particular; especialmente: Os caracteres
cristalográficos racionais convidavam particularmente o espírito de Monteiro. (Lat.
Coelhe)”.
Queira Deus que eu sempre erre com Latino Coelho...
Quanto à Mariquinhas dos Apitos, que Escaravelho considera superior ao Como se
fazia um deputado e à Carta anônima, vejo que a empresa do Recreio Dramático é menos
420
de sua opinião que da minha: a tal Mariquinhas teve uma representação, e isso apesar
dos anúncios que lhe temos feito, Escaravelho e eu.
Eloi, o herói
421
04 de setembro de 1885
Estou intrigado pela seguinte notícia, que li anteontem na Gazeta da Tarde:
“Tivemos ocasião de ver um rico álbum de cromos, trabalho paciente do Exma. Sra.
D.***.
“Parece-nos que nesse delicado livro um intuito, que revela da parte da gentil
senhora espírito muito bem preparado para a crítica elevada das nossas coisa políticas.
“Há na primeira página do álbum uma coroa imperial, circulada de crianças a
brincar, e na extremidade do ramo de fumo e do rei café a figura de um velho gamenho a
observar o movimento das crianças que a sustentam, através de um monóculo.
“A figura é realmente bem aplicada ao nosso mundo político.
“Os nossos parabéns à distinta senhora”.
***
Intrigado, disse eu, e acrescentarei que tanto pela forma como pelo fundo da notícia.
Que viu a Gazeta da Tarde na primeira página do álbum em questão?
Uma coroa imperial, circulada de crianças, e na extremidade dos ramos de fumo e
café, observando tais crianças, um velho gamenho, cuja figura era sustentada por elas,
crianças, através de um monóculo.
Quero crer que a notícia esteja mal redigida, pecado que facilmente se perdoa a
qualquer folha diária. O que a Gazeta da Tarde viu em tão interessante álbum foi,
naturalmente, o seguinte:
Uma coroa imperial, sustentada por um grupo de crianças. Na extremidade dos
ramos de café e fumo um velho gamenho, que, de monóculo no olho, observava o
movimento dos pequenos.
***
O que não posso é atinar com a intenção que a Gazeta da Tarde descobriu nessa
brincadeira, a ponto de dizer que a sua autora “revela espírito muito bem preparado para a
crítica elevada das nossas coisas políticas”.
Que alegoria política há nesse bando de crianças que sustentam a coroa imperial?
Que individualidade representa o velho de monóculo?
O fumo e o café têm alguma significação oculta?
Não sei, e muito desejo que a Gazeta da Tarde me oriente quanto à aplicação, que
fez, daquela combinação de cromos ao nosso mundo político.
Como eu, muita gente anda intrigada, mas cala-se, porque poucos têm a minha
franqueza e o meu espírito abelhudo.
Ponha a Gazeta da Tarde em pratos limpos o seu pensamento sutil, para descanso
meu e de mais alguém.
Sim?
***
Encontrei ontem o Sr. coronel Niemeyer, que, depois de me agradecer (não havia de
que) as referências que fiz à sua ilustre pessoa no artigo que anteontem publiquei a respeito
do corpo de bombeiros, argüiu-me de injusto, por não ter citado o nome do Sr. conselheiro
Tomaz Coelho.
- Se consegui prestar bons serviços, acrescentou o coronel Niemeyer, a ele o devo, a
ele, que me nomeou quando ministro da agricultura, a ele, que depositou em mim uma
confiança sem limites, dando-me carta branca para fazer o que me parecesse. Se não fosse o
Tomaz Coelho, o serviço de extinção de incêncdios seria ainda o que era há dez anos.
422
Pareceu-me que o melhor meio de emendar a mão, seria repetir as palavras do
benemérito ex-diretor do corpo de bombeiros.
É o que eu faço.
***
Sobre o citado artigo eis o que ontem disse Escaravelho:
“Conta-nos a história do corpo de bombeiros desde os tempos do tenente-coronel
Carvalho até hoje, que ele até possui „bombas químicas‟”.
Ora, o Jornal do Comércio, tratando da visita feita por S. M. o Imperador ao quartel
do corpo de bombeiros, publicou o seguinte na gazetilha de terça-feira passada:
“Passou-se depois à experiência com um extintor (bomba química) etc”.
Dá cá um abraço, Escaravelho!
Eloi, o herói
423
05 de setembro de 1885
Não tiveram ocasião de se arrepender os poucos espectadores que anteontem
assistiram, no S. Pedro de Alcântara, à representação de Rabagas, panfleto político em 5
atos e algumas carapuças, perfeitamente talhadas.
Até o ato, a peça tem, realmente, uns laivos aristofanescos, mas daí por diante o
poeta grego cede o passo a Mr. Scribe.
Francisque Sarcey, que é um evangelizador do teatro moderno, acha que Rabagas é
composição medíocre. Eu curvo-me diante dessa opinião ilustre, mas confesso que o
espetáculo de anteontem me divertiu bastante.
Não discuto a procedência de toda aquela charge; estou bem convencido de que os
republicanos franceses não se parecem nada com os daquele Mônaco de fantasia. Mas o
que não padece dúvida é que só Victoriano Sardou poderia caluniá-los com tanta graça.
Ninguém se riu tanto da burlesca apostasia de Rabagas como S. M. o Imperador,
que no seu longo reinado tantos Rabagases tem conhecido por dentro e por fora.
Os ditos de espírito cruzam-se com tanta abundância durante os primeiros atos, que
Sua Alteza a Sra D. Isabel, de instante a instante tinha que repeti-los ao ouvido de seu
augusto esposo, que é surdo; e sucedia que mal acabava a princesa de repetir uma frase, já
o Sr. Conde d‟Eu, intrigado pelo riso ou pelos aplausos do público, vergava-se para ouvir
outra.
***
O talentoso Rossi desempenhou o papel de Rabagas de modo que se tornou digno
de calorosos aplausos. Nalgumas cenas portou-se com muita consciência e teve, em todo o
papel, uma variedade de inflexões verdadeiramente notável.
É pena que o Rossi tenha o costume de gesticular ora com um braço, ora com o
outro, jamais com ambos, e que no diálogo dê constantemente as costas ao interlocutor, o
que não é natural. São defeitos que se não perdoam num artista de tanto mérito... e tão
anunciado.
Não simpatizo também com a sua grande coleção de cabeleiras e barbas postiças, e
esta antipatia data da primeira representação da Odete...
O Rossi, que se caracteriza detestavelmente, não tem necessidade alguma de fazer
tanta despesa com tintas e postiços. Um ator de verdadeiro talento dispensa perfeitamente a
casa do Batista.
Andó, que ultimamente nos deu um magnífico Mr. Alfonse, foi anteontem um
príncipe correto, elegante e digno.
Ninguém reconheceria na figura imunda e sinistra do redator em chefe, da
Carmagnola, o pichoso e apurado Checchi distinto homem de letras, arvorado em artista
dramático por circunstâncias especiais que não vêm a pelo.
***
Entre parêntesis: Checchi, nos três meses de residência que tem do Rio de Janeiro,
entregou-se com tanta resolução ao estudo de nossa língua, que a e traduz
admiravelmente.
***
Os demais intérpretes de Rabagas deram boa conta do recado; mas é de justiça fazer
especial menção da Aleoti que desempenhou discretamente o papel de miss Eva, um papel
digno da Duse.
Esta fez anteontem sinalefa, e isso explica talvez a falta de concorrência.
***
424
A Escaravelho, em resposta à Psicologia de ontem, direi que sim senhor, que
percebi, afinal, a de anteontem: e se assim não fosse, mereceria o pobre “herói do
palanque” ser considerado “dos menos ruins da grei”?
Mas não é muito que eu não tivesse percebido, quando a explicação de Escaravelho,
que de ordinário é tão sóbrio, encheu nada menos que trinta linhas de composição
tipográfica em corpo 7.
Eloi, o herói
425
06 de setembro de 1885
Leitor, estiveste anteontem na festa artística da Stahl?
Não?..
Pois, olha, tem paciência: recebe os meus sinceros pêsames; não sabes o que
perdeste.
Que belo espetáculo!
Não havia no Pedro II um lugar vazio. estava a família imperial, o corpo
diplomático, a imprensa, o ministério, os novos delegados, o Conservatório Dramático, e o
público, um público alegre, satisfeito, entusiasmado, feliz.
Custosas toilettes se ostentavam em todos os pontos do teatro. Belas espáduas nuas
se destacavam no fundo escuro dos camarotes.
No saguão, uma charanga encarregava-se, durante os intervalos, de destruir no
órgão auditivo dos espectadores a última impressão deixada pela opulenta orquestra do
Bassi.
A casaca do high-life cruzava-se com o modesto paletó do low-life.
As horizontais circulavam aos cardumes, e os comendadores passavam por elas
impertubavelmente sérios, como se não as conhecessem.
***
A representação da Gioconda correu às mil maravilhas.
No ato a beneficiada foi recebida com uma grande salva de palmas, uníssona e
vibrante.
O público das galerias não deixava passar a frase do dueto do 2º ato:
L’amo come il fulgor del creato,
sem um condimento de Bravos!
E o público da platéia não deixava passar esses Bravos! sem um acompanhamento
de Psius!
De modo que a frase musical, os Bravos! das galerias e os Psius! da platéia
formavam uma nova melodia, menos agradável certamente que a de Ponchielli.
Singular sistema de aplaudir, estragando o que se aplaude!
***
No fim desse dueto, que foi bisado, bem como o romance
Ciclo e mare! l’etereo velo
Splendido come un santo altare,
corretamente cantado pelo Marconi, os aplausos tomaram proporções de ovação, e o
palco ficou inteiramente juncado de ramilhetes.
Não faltaram, já se sabe, os eternos pombinhos, dos mesmos que eram atirados à
Candiani há coisa de quarenta anos. A Stahl deve ter tido hoje um bom almoço.
Um desses pombinhos trazia ao pescoço uma fita branca com a seguinte inscrição
em letras de ouro:
L’amo come il fulgor del creato
Deviam ter acrescentado: com arroz.
426
***
No intervalo do 2º para o 3º ato a beneficiada cantou uma ária da Favorita. No fim é
que foram elas! Teve que vir à cena uma dúzia de vezes. O palco, iluminado a luz elétrica,
ficou de novo alcatifado de flores, e novos pombinhos foram atirados à cena. O corpo de
baile, preparado para o ato, incumbiu-se de trazer à beneficiada os mimos que lhe
foram oferecidos, entre os quais notaram-se alguns de subido valor. O Club Beethoven
enviou-lhe um rico bracelete com brilhantes.
Quatro espectadores, vendo esgotada a sua profusão de ramilhetes, atiraram à cena
os seus chapéus.
No fundo da copa de um desses chapéus achava-se, presa a um alfinete, uma
pequenina folha de papel velino, contendo o seguinte soneto, que me foi obsequiosamente
comunicado:
Quando, apanhando o meu chapéu na cena,
Para o teu camarim vaidosa fores,
Entre flores, e flores, e mais flores
Como o célebre augur da Belle Helena,
Nos versos meus, austríaca morena,
A confissão verás dos meus amores
Nascidos nesses olhos sedutores...
Mas tu não sabes português... que pena!
É natural que o meu chapéu (não rias!)
Mais cuidados agora me mereça
Porque passou por essas mãos macias
Por mais estranho que isto te pareça,
Tanto ele como tu, todos os dias,
Trarei por fora e dentro da cabeça.
***
Ciacchi, o simpático e ativo empresário italiano, que tantas noites agradáveis tem
proporcionado ao público fluminense, acaba de receber uma carta escrita pelo próprio
punho de Sarah Bernhardt, em resposta a uma explicação que lhe pedira.
Tenho diante dos olhos essa carta, que é do teor seguinte:
“Cher monsieur
“Vous avez parfaitement raison de ne pas ajouter foi à ce que dit Mr. Massenet, qui
certainement a voulu plaisanter.
“J‟ai signé avec Mr. Grau et je dois me rendre en Amérique avec lui. Je suis très
heureuse de jouer dans votre théátre, et ferai tout mon possible pour vous étre agréable.
“Veuillez, je vous prie démentir hardiment ce que dit Mr. Massenet.
“Mlle amitiés
SARAH BERNHARDT
“Je vous écris à Buenos Aires et à Montevidéu pour étre re que vous recevez ma
lettre. S. B”.
À vista desta carta, posso afiançar aos meus leitores, que a grande atriz francesa virá
ao Rio de Janeiro, trazida pelo Ciacchi diretamente dos Estados Unidos.
427
Entretanto, souvent femme varie, e bien fol será o Ciacchi se...
Não! não façamos conjeturas tristes, e preparemo-nos todos para admirar e aplaudir
Dona Sol.
Eloi, o herói
428
10 de setembro de 1885
Se o leitor nunca viu e tem curiosidade de ver um homem acabrunhado pelo
remorso, faça favor de vir ao escritório da redação do Diário de Notícias, das 4 às 6 horas
da tarde, e procurar por este seu criado.
Se eu advinhasse que, ao voltar da roça, onde fui passar dois dias felizes e
despreocupados, longe do verde e amarelo das festas da Independência, encontraria a carta
que encontrei, mais tempo me demoraria sub tegmine... das mangueiras.
***
Lembram-se de que, dias, a propósito do ator italiano Colantoni Rossi, que neste
momento faz, em língua portuguesa, as delícias das platéias de Campos, eu tive ocasião de
transcrever alguns trechos laudatórios de dois periódicos daquela cidade?
Havia nesses escritos uma profusão tal de adjetivos encomiásticos, que eu, curioso
sempre de tudo quanto diz respeito a coisas de arte, resolvi partir para Campos, com o fim
exclusivo de apreciar de perto o sublime Colantoni.
Nos tais artigos afirmava-se que o próprio artista traduzira corretamente o Luiz XI,
de Delavigne, e eu imaginava-o de longe um ator genial, enxertado num escritor elegante.
Mas uma carta, dirigida por ele, Colantoni, à redação do Diário de Notícias, veio
deitar água na fervura do meu entusiasmo.
Como essa carta estava escrita numa geringonça quase indecifrável, eu pensei, e não
me arrependo de o ter feito, que um indivíduo que, sem saber português, se metia a traduzir
uma peça literária para o nosso belo idioma, era bem capaz de desempenhar o papel de Luiz
XI sem ter competência para tão arriscado cometimento artístico.
Quanto aos elogios da imprensa, ora adeus! não me deixei levar por eles, porque
bem sei que os meus colegas da província têm sempre munição de candongueiros
vocábulos à disposição de qualquer mediocridade. Não muitos meses que os jornais do
Norte apostavam entre si qual deles escreveria maior número de vezes a seguinte frase:
“Boldrini é um gênio!”. Ora, como nunca me passou pela cabeça que o pobre Boldrini fosse
um gênio, ri-me a valer da inexplicável condescendência dos jornais do Norte.
***
Quem desta vez recebeu carta de Colantoni não foi o Diário de Notícias: fui eu.
Leiam-na, e digam-me se isto não é para fazer tirar o apetite a um frade de S. Bento
em dia de Páscoa:
“Ilmo, Sr. Eloi, o Herói Em honra da verdade, queira dignar-se corrigir-me a
respeito da tradução do Luiz XI; não quize dizer ser completamente minha; faltou-me o
infinito do verbo fazer, na frase: “alcanzar sem meios a fazer traduzir, etc”.
“Não declino por isto o meu pequeno merecimento na tradução em colaboração com
o distinto advocado de aqui: José Manoel Carlos de Gusmão, assinante do acreditadíssimo
Diário, que se honra do seu brilhante talento”
Obrigado, Colantoni: vê-se que a imprensa louvaminheira de Campos tem feito
escola.
“Desta maneira traduzi também o Otelo, de Shakespeare, traduzido por mim em
Português errado, e depois corrigido por pessoas que conhecem o idioma Português”.
Pobres pessoas! antes um De Palanque todos os dias!
“Eis como me acho de ter parte na tradução do Otelo e Luiz XI, este representado só
por mim até hoje em Português; no Otelo também nesta Cidade tive o ano passado muito
sucesso perante um público Ilustrado que se lembrava de Rossi, Salvini e João Caetano.
429
“Diga-se o que se quer a meu respeito, responderei: deixai-me representar uma peça
completa do repertório imortal que estudei em Italiano e que estou agora estudando em
Portugueses, pedi aos Impressários dessa Capital se querem fazer este ensaio a minha custa,
vinde a ver-me, e depois falai, escrevei até que quiserdes.
“Não pude ainda ter este prazer na Corte; representei com amadores Italianos
alguns atos de algumas peças, e tomei parte em alguns benefícios segundários, declamando
algumas Poesias em Português: Só no Politeama achei-me um dia a declamar perante um
público numeroso: foi muito, mas muito aplaudido, a sombra dos excelentíssimos artistas
Vasques e Bahia, que também declamavam naquela festa.
“Meu indignado Eloi, estimo muito a dignitosa corte dessa luminosa Imprensa, por
isso não imaginavo nunca que o Sr. pudesse publicar uma carta que umildemente dirigi a
redação dessa folha, pedindo proteção, não o redícolo”.
Porque não, Colantoni? sempre que um escritor dirige uma carta a qualquer folha,
outro desejo não tem se não ver-se em letra redonda.
“Aqui estão zangados com o Sr. e com razão...”
Que estejam zangados, creio, mas não acredito tenham razão: que diabo lhes fiz eu?
“o público campista é ilustrado...”
Certamente; mas não é uma razão para estar zangado comigo.
“...conhece e viu representar em seus Teatros tudo quanto de bom e ruin na arte
de sua Pátria hospitaleira, que de minha parte gosto sinceramente, ainda que passei nela
uma vida de desgostos e trabalho sem lucros”.
Também eu, e era de casa.
“O Sr. não me conhece, não sabe dos meus sentimentos e da verdade a meu
respeito; não lhe tenho rancor neum ...”
Oh! Colantoni! não era preciso dizer-mo!
“Em meu peito existe uma paixão infinita em que se perdem todas as outras: a
paixão da arte, que eu estudo mais no meu quarto que no palco, sem desejo de aplausos ou
glória.
Seu indiferente ator Colantoni Rossi
***
E aqui está como se arranja um remorso!
Eu embarcaria imediatamente para Campos, no firme propósito de lançar-me aos
pés de Rossi-Colantoni, se não estivessem zangados comigo, e eu não receasse alguma
tunda de pau.
Se o magnífico ator ainda desta vez se magoar, sem motivo, pela publicação da sua
carta, lembro-lhe um meio para evitar essas indiscrições de minha parte: sempre que me
escrever, mande corrigir o seu “português errado” pelo Dr. Gusmão.
Eloi, o herói
430
11 de setembro de 1885
Ultimamente dizia o South American Journal, que em Londres, no drawing room da
rainha Vitória, tinham causado sensação as encantadoras filhas do Sr. Don Amaro Carve,
enviado extraordinário e ministro plenipotenciário da república do Uruguai na Grã-
Bretanha.
Logo que, por uma folha de ontem, tive a notícia de que o Sr. Carve estava de
passagem no Rio de Janeiro, onde só se demoraria quarenta e oito horas, enquanto o
Gironde estivesse ancorado no nosse porto, pus-me em campo para ver, não sua excelência,
mas as lindas moças de quem o South American Journal falou com tanto entusiasmo.
A gente não deve perder ocasião de ver uma mulher bonita, e neste caso não se
tratava de uma, mas de duas.
Não imaginam o meu desapontamento, quando me disseram que as Exmas. filhas do
Sr. Carve ficaram na escura Londres. Eu estava já preparado para uma descrição minuciosa
e patética de dois verdadeiros tipos de beleza. Paciência.
***
Às 3 horas cheguei à janela para ver quem passava; talvez que o torvelinho humano
da rua do Ouvidor me sugerisse algum assunto. A primeira pessoa com quem se
encontraram meus olhos foi Mme. Durocher. Isto para quem tencionava enfrentar com dois
verdadeiros tipos de beleza...
***
Fiquei de mau humor; pus o chapéu e fui à Glace Élégante, à procura de algum
quadro novo.
Encontrei duas botas em frente uma da outra, lastimando-se reciprocamente.
Ah! minha senhora Dona C. F. F., cem anos que eu viva, nunca lhe perdoarei
aqueles índios, aqueles guarás, aquelas canoas, aquelas águas, aqueles peixes, aquele
quadro, enfim!
Mas console-se com seu vizinho, o Sr. Rosalbino Santoro...
Rosalbino! que belo nome para um pintor de talento!
***
Da Glace Élégante à galeria Moncada são dois passos.
Fui ver o retrato de Beethoven, pintado pelo Petit para o club do cais da Glória, que,
me parece, deseja fazer coleção de retratos a óleo do seu glorioso orago. estão dois:
um pintado pelo Décio Vilares e outro pelo Oscar da Silva. Sou capaz de aconselhar ao
club que não meta o terceiro, antes que o Petit substitua a perna esquerda do autor de
Fidelio. Capenga não forma.
***
Os jornais do Rio da Prata noticiam que está a partir para o Rio de Janeiro a
companhia dramática francesa, dirigida por Mr. Massenet, irmão do conhecido compositor.
Vem essa companhia substituir a italiana, que está aqui está a deixar-nos.
O espetáculo de hoje, que é oferecido ao Ciacchi, consta do Demi-Monde, com a
Duse no papel da barosa d‟Ange, e de uma cena cômica Quem é César Rossi?
Vamos, afinal, saber quem ele é: já não é sem tempo.
***
Eu quisera dizer aqui muitas coisas amáveis ao Ciacchi; não o faço por dois
motivos: primo, porque o intrépido empresário italiano dispensa réclames com o espetáculo
que nos hoje; secundo, porque Escaravelho me arvorou em secretário dele, e são
mesmo capazes de supor que...
431
Nada!
Eloi, o herói
432
12 de setembro de 1885
O famoso poeta Antonio José Nunes Garcia é membro da Sociedade Comemorativa
da Independência do Império.
Como tal, invocou o socorro das nove filhas de Apolo, para a confecção de uma
poesia que foi publicada em avulso e profusamente distribuída durante os respectivos
festejos.
Graças à obsequiosidade de certo amigo, consegui um exemplar dessa poesia para a
minha coleção de preciosidades literárias. Mas, antes de arquivá-la, devidamente
classificada, não resisto ao desejo de oferecê-la aos meus leitores. Saboreem-na como se
estivessem no Pará, diante de uma cuia daquele inefável açaí, que se bebe aos goles para
não acabar de pressa.
Diz o poeta:
“Dois quartos de séculos são passados
Que dormiam no Brasil jubilosos dias!
Parece que quer vir despertar altos feitos
Deste recordo que nos deu um nome!”
Depois deste brilhante exórdio, pergunta Nunes Garcia:
“Porque se acha alegre o Brasil inteiro,
Deste primeiro ato de nossa história?”
A resposta vem logo em seguida:
“É por tantos títulos, por tanta glória
Que à nossa Pátrialegou PEDRO PRIMEIRO!”
E continua assim:
“Saudai digno Povo a este dia festivo
Que é o primeiro entre vós jucundo,
Ele inglório não é, é sim oriundo,
Neste Brasil que não lhe é esquivo.
Saudai com ardor a este ato nobre
Que glorifica um dom venturoso,
Ele é tão grande, tão portentoso
Que per si seu timbre se descobre”.
Compreenderam bem o que seja aquele timbre, que se descobre por si? Se não
compreenderam, aí têm a explicação:
“Seu timbre é a – VERDEJANTE PALMA!
Que não se eclipsa nesta brilhante Era!
É tua honra e da nação à esfera!
O Pendão d‟oiro! do BRASIL sua alma”.
433
Na seguinte estrofe observa o poeta que D. Pedro I se fez quito. Antes de Nunes
Garcia, ninguém havia dado por isso:
“Saudai oh! Gênios ao Rei Primeiro
Que magnânimo se tornou um TITO!
Nos seus atos nobres, ele se fez quito
Com ações tantas ao Brasil inteiro”.
Citarei ainda a seguinte quadra, que por si só vale um tratado de antropologia:
“Saudai Caciques do Brasilio bosque
Chegai afoitos vinde oh! CAMACANS!
PURIS! CARIRIS! CARIOCAS PENHANS!
SAPUCAS! e MURUS! erguei vosso toque”.
***
Não se me dava de transcrever também (e seria essa a minha vingança) as chufas
que ontem, a propósito do Conservatório Dramático, me dirigiu o anagramático Somel, da
Gazeta da Tarde. Mas receio que, depois da poesia de Nunes Garcia, a prosa de Somel
interesse mediocrimente aos meus leitores.
Acresce que não lhe quero mal: ele me ofende menos para me desagradar a mim que
para agradar ao patrão; ora, comigo não sucede, felizmente, o mesmo, e espero em Deus
jamais servir de instrumento a alheios ódios.
***
Esqueci-me ontem, quando dei conta da visita que fiz à galeria Moncada, de
mencionar duas pequenas e delicadas telas, pintadas por um artista excessivamente
modesto: o Estevam da Silva.
Representam essas telas algumas frutas, como sejam mangas, bananas, ameixas, etc,
reproduzidas com muita felicidade.
Não tenho grande predileção por sobremesas pintadas; mas reconheço que o
Estevam não encontra no Rio de Janeiro quem o exceda no gênero. As suas frutas são
realmente... deliciosas.
***
Para que a companhia lírica não se fosse embora sem lhe eu dizer adeus, dirige-me
anteontem ao Pedro II. Entrei na sala do espetáculo justamente na ocasião em que os coros
entoavam, ou antes, desentoavam não sei que música bárbara, um tanto parecida com a da
“contenda”, do 3º ato dos Huguenotes.
Pessoas fidedignas me afiançaram que era isso mesmo; entretanto, me convenci
pelo seguimento da peça.
Um amigo a quem estranhei que executassem daquele modo tão belo trecho da
ópera de Meyerbeer, observou-me que os coristas “estavam com pressa, pois tinham ainda
que fazer as malas para se acharem todos no dia seguinte, às 7 horas da manhã, a bordo do
Gironde.
O motivo não me pareceu óbvio, mas fiquei de sobreaviso contra coristas em
véspera de viagem.
***
434
O espetáculo correu animadamente; por seu gosto, o público das torrinhas ainda a
estas horas continuaria a chamar ao proscênio os principais intérpretes dos Huguenotes.
Para o ano mataremos as saudades da Stahl e do Marconi, que farão ambos parte de
uma companhia lírica, especialmente destinada ao Brasil.
Não o Rio de Janeiro, mas S. Paulo terá as primícias dessa companhia, que será
subvencionada com cento e cinqüenta contos...
Pelo governo?!
Boas! por três briosos capitalistas daquela província.
Em 1886 veremos, pois a Corte em S. Paulo.
Parabéns à terra dos Andradas.
Eloi, o herói
435
13 de setembro de 1885
A Duse-Checchi não quis representar no Rio de Janeiro o papel de Suzana d‟Ange,
do Demi-monde, enquanto a Lucinda aqui esteve.
Reconheci anteontem que eram fundados os escrúpulos da eminente atriz italiana.
Aquele papel é dos que se não amoldam à sua índole artística, visivelmente talhada
para os papéis de vítima. Ninguém será capaz de representar como ela a Denise, a
Fernanda, a Odete e a Dama das Camélias. As peças em que a Duse é verdadeiramente
notável formam uma série que poderia ter por título coletivo As vítimas do amor.
Mas desde o momento em que a grande atriz se transforma em Teodora, Margarida
Larocque, Clara de Beaulieu, Suzana d‟Ange, ou quaisquer outras heroínas tirânicas,
autoritárias, maliciosas, cínicas ou hipócritas desmerece naturalmente o seu trabalho
artístico.
***
Com franqueza: a representação de anteontem foi um triunfo... para a Lucinda. E o
público honra lhe seja! não confirmou o ditado: Longe da vista, longe do coração.
Lembravam-se todos os espectadores do modo magistral com que a talentosa atriz
portuguesa reproduz toda a elegância, toda a dissimulação, toda a hipocrisia da
maquiavélica baronesa. No Demi-monde a Lucinda não tem uma cena incorreta, uma
inflexão falsa, um gesto mal estudado; não representa: vive. O seu trabalho é completo.
A Duse, que, aliás, é inexcedível em duas situações da comédia: naquela saída do
ato, levando no rosto uma expressão mesclada de escárnio e de desdém, e naquele Siete
un miserabile da cena final, nas outras deixa muito que desejar, e fica muito aquém da
sua talentosa colega.
***
Bem sei que péssimo é o sistema de fazer confrontos entre o trabalho deste e
daquele ou desta e daquela artista, mas no caso presente o confronto é inevitável, porque
não foi evitado.
Ninguém mais do que eu admira a Duse-Checchi; ninguém mais do que eu
reconhece e respeita o seu formoso talento, e disso tenho dado públicas e sobejas provas.
Mas por isso mesmo que se trata de uma atriz excepcional, sinto-me disposto a
proclamar bem alto o que se me afigura a expressão nítida e solene da verdade.
Se se tratasse de uma mediocridade artística, de um desses cogumelos teatrais a
quem tudo ofende, eu procuraria uma evasiva para dizer o que sentisse, ou (o que seria mais
prudente) não diria nada.
Mas com a Duse, que é para mim a mais perfeita encarnação da arte dramática, com
a Duse, que considero a primeira atriz de quantas tenho visto e ouvido, não há que
empregar rodeios nem indiretas.
Eu estimo-a tanto, tanto, que sacrificaria alguma coisa para que ela não
representasse anteontem o papel de baronesa d‟Ange.
***
Olivier-Andó não se parece nada com Olivier-Furtado; o primeiro é talvez mais
insinuante, mas, em compensação, é mais pedante que o segundo. O segundo é talvez mais
discreto, mas com certeza é mais pesado que o primeiro. São ambos distintos e fidalgos.
Qualquer deles vale bem o outro.
Os demais papéis, exceção feita do de Marcela, não foram desempenhados.
***
436
No intervalo do para o ato, o César Rossi representou a cena cômica
anunciada: Quem é César Rossi?
Pois, senhores, ainda desta vez ficaram todos sem saber quem ele é.
Todos, menos certo malicioso, que com uma única palavra respondeu à pergunta
contida naquele título:
- Cacete.
***
O espetáculo era em benefício do Ciacchi... perdão; do cavalheiro Ciacchi. O
simpático empresário foi muito obsequiado por seus amigos. Entre os numerosos presentes
que recebeu, avultava um riquíssimo alfinete para gravata, acompanhado por um cartão em
que se lia: A frisa número... Não levo a indiscrição ao ponto de escrever o algarismo.
***
Acabo de receber uma carta de meu amigo Gonzaga Duque-Estrada, a propósito do
retrato de Beethoven pintado pelo Petit e exposto na galeria Moncada. Publica-la-ei
amanhã; mas desde já chamo para ela a atenção dos meus leitores.
Eloi, o herói
437
14 de setembro de 1885
Cedo a palavra a L. Gonzaga Duque-Estrada:
“Meu bom amigo Confiado na tua bondade, espero a publicação destas linhas no
conceituado jornal em que escreves.
dois ou três dias acha-se exposto na Casa Moncada uma cópia do retrato de
Beethoven, de Junter, feita pelo Sr. Augusto Petit.
Julguei, e com toda a razão, que esse trabalho defeituoso e mal, copiado por um
curioso que não possui a mais leve noção do desenho, passasse despercebido ou, quando
muito, desse duas horas de alegria aos sócios do Club Beethoven, cujos sentimentos
artísticos tinham no meu conceito distinto lugar.
Qual não foi a minha admiração ao ler no País, do dia 10, uma notícia de vinte
linhas em que se colhe este seráfico período:
“Se ali defeitos de desenho e de composição (*), são estes todavia resgatados
pela tonalidade geral do quadro, que é assaz agradável”.
!!!
Ainda mais este: „A cabeça do autor das Sonatas, com a majestade olímpica que a
distinguia, foi perfeitamente compreendida pelo Sr. Petit, e está pintada com certo vigor‟.
Afirmo-te, meu bom amigo, que fiquei mudo, boquiaberto, diante dessas linhas
angélicas na essência e sedutoras na forma. Li e reli, trêmulo de curiosidade e lívido de
pasmo, essas preciosas linhas; pretendia encontrar nelas a alegria da troça, porém encontrei
a gravidade dos julgamentos; quis compreendê-las como fino sarcasmo de um escritor
delicado, porém verifiquei que elas eram pançudas, nédias, luzidias, e que, unicamente,
podiam ser encaradas pelo lado do elogio.
Mais longe foi a minha admiração, ao ler na Gazeta de Notícias, do dia 12, uma
outra remessa de encômios, e dessa vez chamavam ao Sr. Petit distinto pintor francês, e
diziam que a figura de Beethoven está bem posta e naturalmente sentada!
Um horror!
Os acessórios do quadro foram tratados com igual esmero escreve o noticiarista
; as músicas, os violinos, a mesa, o tinteiro, a parede que forma o fundo, a janela com o
vaso de plantas, tudo nos parece merecer palavras de louvor ao talentoso artista”.
Quanta blasfêmia!
Se a obra de Junter foi condenada pela crítica européia por falta de desenho, a cópia
do Sr. Petit, cópia feita por uma pequena gravura, mais defeituosa se tornou por ter o artista
que lutar contra as exigências do desenho para aumentar a figura. A perna de Beethoven,
que está pousada sobre a banqueta do cravo, traça duas linhas desiguais, tão acentuadas,
que, para tomar tal posição, necessário fora estar a perna deslocada do corpo. O braço
esquerdo, que apóia a mão no teclado, está torto, mal desenhado, e, por conseqüência, feio;
o dedo polegar desarticulado.
A figura é, toda ela, forçada; a roupagem está detestavelmente pintada faltam-lhe
meias tintas nas rugas do pano e conhecimento de tons nas partes lisas e iluminadas.
Quanto aos acessórios, repare-se, com a devida atenção, nos dois planos que a mesa
apresenta e que nos faz supor ter aquela mesa dois pés mais altos do que os outros dois que
se apóiam no primeiro plano. Na tela não há espaço, isto é, falta planeometria e falta
perspectiva aérea. Todos os objetos as músicas, o vaso de flores, a cortina de uma janela,
os violinos têm o mesmo peso, o mesmo tom áspero, feito sem talento, sem cuidado. O
Sr. Petit desconhece, totalmente, o jogo dos tons, o contraste das cores, os efeitos e a
distribuição da luz. Nesta enorme tela não se sabe de onde vem a luz, qual a causa por que
438
tem o cravo um traço luminoso na tampa com a mesma intensidade que têm os bojos dos
violinos que estão ao canto do quadro, onde um largo planejamento que devia sombrear
todo o primeiro plano da esquerda, desde que todos os objetos, que estão em linha superior,
se acham iluminados em igual intensidade de luz.
Os golpes iluminados são sempre os mesmos uma linha branca, reta, conseguida
pelo blanc d’argent e por um pouco de jaune brilhante. Os tons não variam, não
nuances em todo o quadro. A cortina de uma janela e as músicas que estão sobre o cravo, a
cabeleira do Beethoven e os objetos que se acham em cima da mesa, guardam, entre si, o
mesmo tom, são da mesma espessura e do mesmo volume.
Não se encontra um traço, um traço, em que se reconheça, não direi talento,
habilidade do copista.
É, em suma, e ninguém o pode negar, uma dessas obras que, na gíria de atelier, se
chama BOTA
Eis aí, meu caro amigo a verdade. Eu desafio a quem quer que seja que afirme
existir na cópia do curioso Augusto Petit um só traço feito com arte e, ainda mais, feito com
habilidade.
Bem sei que, perante o conceito de pessoas bem instruídas em belas-artes, aquele
quadro nada vale; mas é preciso que a imprensa, longe de iludir o público, por causa de
pedidos particulares de meia dúzia de amigos, seja franca, seja leal, e deixe de elevar
mediocridades, quando aqueles que muito trabalham e muito talento possuem não
conseguem mais do que duas linhas escorreitas, nas últimas colunas dos diários, para
chamar atenção do público sobre os seus quadros,
Chacun à sa place
L. Gonzaga Duque Estrada
Está conforme
Eloi, o herói
PS Rialto julgou conveniente registrar nas Entrelinhas, da Gazeta de Notícias, o
grande sucesso que a Véspera de Reis tem alcançado na Cidade Nova. que o público da
Cidade Nova é tão condescendente, porque não lhe impinge Rialto aquele famoso Padeiro
de Sorocaba? E, o h
______________
(*) Sem calembourg nota do Eloi.
439
15 de setembro de 1885
O Aurélio de Figueiredo parte amanhã para Montevidéu, levando na bagagem vinte
quadros que pintou e que pretende vender naquela cidade.
Em breves dias Pedro Américo e Décio Vilares emigrarão também, enxotados de
sua terra pelo cruel indiferentismo do público.
Reconheceram que não lhes é possível viver no Brasil, a menos que se prestem a
fazer retratos a tanto a dúzia, ou a pintar tabuletas.
No Rio de Janeiro não se vendem quadros; quem, como eu, os deseja possuir, não
pode comprá-los, e quem os pode comprar não os quer nem de graça.
***
Quando, ultimamente, o Aurélio expôs alguns quadros em casa do De Wilde,
encontrou na rua um titular muito conhecido pelos seus teres e haveres, e pediu-lhe o
especial obséquio de ir ver os seus trabalhos.
O fidalgo não se fez de rogado: acompanhou o artista ao atelier da rua Sete.
Durante meia hora examinou todos os trabalhos com a mais escrupulosa atenção,
e, acabado o exame, voltou-se para o Aurélio, e disse-lhe com um ar de suficiência e um
sorriso de proteção:
- Não é mal... não é mal... Mas diga-me uma coisa: o senhor tem visto bons
quadros?
- Oh! imagine V. Ex. que eu percorri os melhores museus da Europa!
- Não importa: apareça lá por casa, Sr. Aurélio... quero mostrar-lhe o que lá tenho.
- Oh! Exmo.! com todo o prazer! Quando?
- Quando quiser. Eu janto às três horas.
O Aurélio inclinou-se para agradecer o jantar. O titular acrescentou:
- Apareça às quatro; depois do jantar não tenho que fazer, e posso mostrar-lhe tudo.
***
Escusado é dizer que, no dia seguinte, o Aurélio foi pontual. Apareceu-lhe o fidalgo
de rodaque branco, gorro de veludo bordado a ouro e chinelas de tapete. Palitava os dentes
e preparava-se para saborear um havana.
- Ora viva o Sr. Aurélio! Venha, venha ver os meus quadros. Conto que aprenda
neles alguma coisa.
Dizendo isto, abriu a sala de visitas e apontou para oito ou nove telas, penduradas
simetricamente nas paredes. Fê-lo com o mesmo gesto largo e solene com que D. Rui
Gomez de Silva mostra a Carlos V, no 2º ato do Hernani, os retratos dos seus antepassados.
Imagine o leitor a cara que fez o Aurélio, quando descobriu uma coleção infeliz de
oleografias e cromos, desses que o leitor, se é homem de bom gosto, não consentiria em sua
casa, nem mesmo que lhe pagassem direitos de armazenagem.
Nem o Aurélio me disse nem eu lhe perguntei o modo porque terminou o híbrido
colóquio.
***
Parece-me que não será necessário recorrer a grandes argumentos, para convencer o
leitor de que o Aurélio de Figueiredo não tem vintém.
A viagem que ele empreende a Montevidéu representa uma série incalculável de
sacrifícios e decepções.
Pois bem, ontem, na Alfândega, quando o distinto pintor brasileiro se julgava
livre de toda e qualquer despesa de transporte, exigiram despacho de exportação para os
seus quadros, sem o que não poderiam passar do cais dos Mineiros.
440
O artista resignou-se.
Era preciso declarar o valor dos quadros: ele o declarou.
O conferente Bernardino Coelho, mal pôs os olhos no despacho, deu-lhes uma
expressão terrível de indignação e espanto:
- Um conto de réis?! Pois o senhor declara aqui que os seus vinte quadros valem um
conto de réis?!
Pois então!
- Cinqüenta mil réis cada um?!
- Sim, senhor.
- Tire o cavalo da chuva!
- Não tiro, não, senhor. Os meus quadros estiveram expostos à venda durante muito
tempo; ninguém os quis; sinal é de que não valem nada. Esse conto de réis representa o
valor das telas e molduras.
O conferente não esteve pelos autos, e continuou a dizer ao Aurélio que tirasse o
cavalo da chuva.
***
Para encurtar razões: depois de cinco horas de idas e vindas, subidas e descidas,
entradas e saídas, o Aurélio, que não estava preparado para a despesa, teve de comprar por
75$, isto é, 5% sobre 1:500$, o direito de ir vender no estrangeiro os produtos do seu
notável talento.
Ninguém é profeta em sua terra. Conto que os orientais não darão ao Aurélio o
ensejo de lastimar os 75$ que pagou.
***
Recebo neste momento um bilhete do teor seguinte:
“Amigo,
Deve ser hoje exposto na Glace Élégante um quadro do jovem pintor Antonio
Parreiras.
Verás que é uma bela paisagem.
Se desses do quadro e do pintor uma noticiazinha no De Palanque?
Vamos, meu Eloi, o herói, faze-o sem escrúpulos, porque Parreiras tem na realidade
muito talento.
Do teu, Alberto de Oliveira
Um elogio assinado pelo ilustre poeta das Meridionais vale certamente mais que
tudo quanto poderia dizer.
Eloi, o herói
441
16 de setembro de 1885
Um dos literatos brasileiros da velha guarda, cujo nome é sempre invocado com o
maior respeito e consideração, é aquele monsenhor Pinto de Campos, que um dia
exclamou: - Ingrata pátria, não possuirás os meus ossos! , e foi dá-los a roer aos
portugueses.
Pobres portugueses! que mal fariam eles a Deus?
Sua Revma. é autor de muitas obras, entre as quais avultam alguns discursos
parlamentares, a biografia do duque de Caxias, se me não engano uma tradução do Dante...
E ao fundo Jerusalém.
Todos esses trabalhos foram recebidos pela crítica brasileira com música de
pancadaria e girândolas de foguetes.... Sabe Deus com que receio me atrevo a dar um
inocente beliscão no tonsurado poeta!
***
Embora! Quem tem medo compra um cãozinho! Vou transcrever do Almanaque
luso-brasileiro o seguinte soneto, datado deste ano de 1885, e assinado por monsenhor
Pinto de Campos:
A LUIZ DE CAMÕES, POR OCASIÃO DE LER PELA QUINTA VEZ O SEU
ADMIRÁVEL POEMA OS LUSÍADAS.
Oferecido ao meu sábio amigo o Sr. conselheiro Antonio José Viale.
O esplendor que precede a tua fama,
As sombras rareando do futuro,
É, ó grande Camões, penhor seguro
Do nome eterno do Cantor do Gama.
O louro, que do Dante a fronte enrama
(Louro, que conquistou no Inferno escuro)
No Elíseo cinge a tua, eu conjeturo,
Segundo a estrela, que o meu estro inflama.
Grande, qual tu foste entre os coevos
(Não estremes de negra ingratidão!)
Serás inda maior lá junto aos evos.
“Camões é imortal!” – Eis o pregão,
Que repercute até entre os suevos,
E na Índia, e na China, e no Indostão!
***
Apenas acrescentarei um ligeiro comentário:
A transcrição vem muito a propósito nesta época em que os nossos velhos homens
de letras falam com tanto desprezo da geração nova, da nova escola, dos modernos
literários e da sociedade do elogio mútuo.
Se algum rapaz de 20 anos tivesse a infelicidade de escrever e publicar no Rio de
Janeiro aquele nono verso, e aqueles coevos, evos e suevos, estava bem arranjadinho, não
há dúvida!
442
Mas, como se trata do monsenhor Pinto de Campos, o soneto, que ele compôs
(Parece incrível!) depois da quinta leitura dos Lusíadas, contribuirá naturalmente para
maior exaltação de sua fama.
Nas letras, como em tudo mais, não há no Rio de Janeiro como ser medalhão.
***
As pessoas que se dirigiram anteontem ao S. Pedro de Alcântara para assistir à
terceira e última representação da Odete, perderam o tempo e o latim. A Duse adoeceu, e
não pode tomar parte no espetáculo. A peça de Sardou foi substituída pelo Duelo, de Paulo
Ferrari, que passa por ser atualmente o melhor dramaturgo da Itália.
Não assisti à representação, mas dizem-me que os poucos espectadores que se
resignaram com a transferência não se arrependeram de haver aceitado o Duelo.
Nos nossos teatros foi talvez um fato virgem este da primeira e única representação
de um drama não anunciado.
***
A Duse despede-se hoje do público fluminense.
O seu desejo era fazê-lo com a Dama das Camélias, por ser esta a peça em que foi
aqui mais aplaudida e festejada. Mas o seu estado de saúde não lhe permite arcar com o
fatigante papel de Margarida Gauthier.
Portanto, será nas Leoas pobres, de Emilio Augier, que a eminente atriz se
apresentará pela última vez (este ano, folgo de o supor) ao nosso público, que nada perde
com a troca.
Consta-me que lhe preparam grandes manifestações de apreço.
***
A companhia Rossi Duse Checchi deixa no Rio de Janeiro imperecíveis saudades.
Jamais havíamos sido visitados por uma companhia tão regular, tão afinada, como se diz
em gíria de teatro.
Sem falar da Duse e do Andó, que se não discutem, e sobre os quais nada mais
tenho que dizer; sem falar de Rossi, a quem uma enfermidade rebelde e depois a respectiva
convalescença não permitiram mostrar para quanto vale. O elenco era composto de artistas
discretos e conscienciosos, com alguns dos quais por vezes o público dividiu gostosamente
os aplausos reservados à Duse e ao Andó.
Bem avisado andará o Ciacchi sempre que nos trouxer artistas dramáticos de
primeira ordem, que nos divirtam, nos comovam e nos entusiasmem.
***
Rialto, depois de ler o meu lembrete sobre o Padeiro de Sorocaba, coçou a testa,
endireitou a luneta, alisou o bigode, sacudiu a perna, contou as tábuas do teto, três vezes
mergulhou irresoluta pena no bojo de improdutivo tinteiro, e nada... Mas de repente uma
idéia lhe atravessou o espírito. Eureka! O homem das Entrelinhas correu para a mesa de
trabalho e, pressuroso, febricitante e rápido, escreveu o seguinte:
“Pergunta o colega por que motivo ainda não foi à cena do teatro da Cidade Nova o
famoso famoso, gosto Padeiro de Sorocaba.
“É que naturalmente a empresa daquele teatrinho ainda não conhece pelo nome
todas as borracheiras do gênio comédia”.
Ora! hão de convir que isto, para quem está todos os dias a bradar que Escaravelho
não tem graça...
Eloi, o herói
443
17 de setembro de 1885
A Ilustríssima Câmara Municipal tinha por seu advogado, no terceiro distrito
judicial, o Dr. Alberto Lopes da Costa. Mas, de repente, sem lhe dar o menor cavaco,
resolveu há dias substitui-lo pelo Sr. Antonio Ferreira Viana Filho.
Ora, toda a gente que viu isto, entrou logo, como aliás era muito natural, a fazer
mau juízo do Dr. Lopes da Costa. Uns supuseram que S. S. não tivesse habilitações para o
cargo que exerceu; julgaram outros que S. S. não cumprisse regularmente os seus deveres;
outros, finalmente, lembrando-se de que os advogados da Câmara recebem uma pequena
consignação mensal para ocorrer às despesas dos processos que lhe são confiados, recearam
talvez que S. S. fizesse contas de grão capitão.
***
Por uma publicação que o Dr. Lopes da Costa ontem inseriu no Jornal do
Comércio, evidencia-se, felizmente para esse senhor, que nenhum dos três motivos atuou
para a iníqua substituição.
O procurador da Câmara declara que “perdeu, com a falta do ilustrado e honrado
colega, um dos seus mais ativos e laboriosos auxiliares, colocando-a sempre a par de todos
os negócios que se achavam a seu cargo (sic), liquidando em benefício da Câmara o maior
número de processos, prestando suas contas no tempo próprio e com a maior fidelidade, e
enviando os seus mapas bem claros e circunstanciados”.
***
Nesse caso, como se justifica a substituição do Dr. Lopes da Costa? S. S. é
ilustrado, honesto e zeloso: porque cargas d‟água foi substituído?
Essa pergunta, faço-a eu, fiado unicamente na palavra do procurador da Câmara:
não conheço o advogado substituído, nunca o vi mais gordo, não sei quem ele é.
Apesar dos pesares... não me parece que a rara e tríplice virtude da probidade, da
inteligência e do zelo iniba qualquer cidadão de ser empregado no serviço da
Municipalidade.
Ao menos por esta vez, os nossos edis deviam perdoar ao Dr. Lopes da Costa
possuir tantas e tão boas qualidades.
***
É sina minha ter sempre uma carta para publicar nesta seção. Cabe hoje a vez ao
Ciacchi:
“Mio caro Giacché lo spirituoso Escaravelho, del Jornal do Comércio, te ha
nominato mio segretario particolare, lascia che io te confermi la nomina, almeno per un
giorno solo, mas sem ordenado nem ajuda de custo, e per oggi ti preghio di esser interprete
per ringraziare tutti i tuoi colleghi della stampa e tutta intera la populazione di questa bella
Rio, per le accoglienze fatte alla compagnia Rossi Duse-Checchi.
“Uma stretta di mano dal tuo Cesare Ciacchi”.
***
Os senhores compositores e revisores do Diário de Notícias fizeram, no meu artigo
de ontem, dois períodos de um período só. O leitor inteligente deve ter dado pela coisa.
Na transcrição de algumas linhas de Rialto saiu gênio comédia em vez de gênero comédia.
Não aumentemos a aflição ao aflito.
Eloi, o herói
444
18 de setembro de 1885
O Sr. comendador Malvino da Silva Reis, em artigo ontem publicado em todas as
folhas diárias desta cidade, pede aos eleitores de Campos e S. João da Barra que não
comprometam os seus votos, sem primeiro lerem a circular em que o mesmo Sr.
comendador tenciona expor com lealdade o seu programa econômico e político.
Por enquanto, o ilustre candidato limita-se a declarar que é:
Campista;
Liberal sincero, mas moderado;
Respeitador das crenças alheias;
Homem do povo;
Vinculado à lavoura;
Partidário da navegação e indústria nacionais;
... que será:
Um verdadeiro procurador das classes industriais e de tudo que possa interessar ao
Brasil em geral e a Campos em particular;
... que tem:
Idéias assentadas sobre diversos melhoramentos de que tanto necessita a nossa
pátria;
... que não tem:
Pretensões;
... que está:
Disposto a dizer o que sente e advogar as verdadeiras idéias populares.
***
“É esta a primeira vez, diz o Sr. comendador, que me apresento a meus conterâneos,
solicitando seus sufrágios, e quem solicita a primeira vez não é de certo impertinente”.
Wenceslau Policarpo Banana diria a mesma coisa, mas vamos adiante.
***
O futuro parlamentar observa que não são os privilegiados de nascimento que
têm o direito de ser consultados no regimen social”; os homens de bom senso, honestos,
trabalhadores e patriotas, os filhos do lavrador pobre, do mercador e do operário, que lutam
pela vida, e palmo a palmo adquirem alguma posição social, têm igualmente esse direito
sagrado; ninguém, como eles, conhece as necessidades dos povos, porque já as sentiram de
perto e por experiência própria.
***
Mas pelo amor de Deus, comendador! não consta que até hoje ninguém fosse
excluído das urnas por ser filho de lavrador, negociante ou operário, ou mesmo por não ser
filho de ninguém.
Diga-se que a terra não é redonda e não ratos na Alfândega; mas não se negue
que o espírito do eleitorado brasileiro seja nimiamente democrático. Não haveria deputados
ou muito poucos haveria desde o momento em que ninguém votasse no filho do
negociante, do lavrador ou do operário.
***
O que o honrado campista pretendeu foi dar uma bicada nos bacharéis; não quis ser
muito explícito, naturalmente para não ofender a respectiva população.
Pois olhe, não devia ter papas na língua; o Sr. Malvino, se tem o defeito de ser
comendador, possui a rara virtude de não ser bacharel, e será esse talvez o título de
simpatia que mais o imponha ao sufrágio dos seus patrícios.
445
***
O que não perdôo a S. S., por maior que seja o desejo de lhe ser agradável, é ter
inventado mais uma classe de poetas, raça dolosa que por pululava em número talvez
não inferior ao dos bacharéis formados.
tínhamos o poeta heróico, o poeta erótico, o poeta lírico, o poeta satírico, o poeta
satânico, o poeta de água doce, etc: o Sr. Malvino inventou o “poeta político”, isto é, o
poeta “que se emaranha nos excessos da filosofia especulativa”.
Ah, meu comendador, se os eleitores de Campos e S. João da Barra tomarem ao
da letra o desprezo a que V. S. condena as “galas de retórica”, há de V. S. ser deputado
quando eu for bispo.
Eloi, o herói
446
19 de setembro de 1885
O Diário de Notícias recebeu anteontem dos Srs. Teixeira & Irmãos, residentes em
S. Paulo, um exemplar da Velhice do Padre Eterno, a nova obra de Guerra Junqueiro, e
incumbiu-me de dizer alguma coisa sobre ela.
A missão é difícil; não se em duas horas um livro de duzentas páginas, não se
analisa à ligeira uma obra há dez anos anunciada e ansiosamente esperada.
***
Vejo que a Velhice do Padre Eterno não é, como se julgava, um poema, como a
Morte de D. João, mas uma série de cinqüenta composições satíricas, apenas ligadas entre
si pela idéia: cinqüenta balas, diz o poeta, que, partindo de diversos pontos vão todas bater
no mesmo alvo.
Este volume é o predecessor de outro, que já está na imprensa.
“No primeiro predomina a sátira, no segundo a epopéia. Os dois completam-se. A
crítica, só reunidos, os poderá julgar inteiramente”.
Estas últimas palavras me desarmariam, se eu me não sentisse desarmado pela
incompetência.
***
Menos pela leitura do livro, que apenas folheei, do que por algumas transcrições,
feitas pelo Diário Mercantil, de S. Paulo, me parece que Guerra Junqueiro com as suas
cinqüenta balas fuzilou um morto.
Toda aquela impiedade, todo aquele voltairismo tinham muita razão de ser nos bons
tempos da Enciclopédia, quando os padres eram tomados a sério. A sua época passou; hoje
em dia muito dificilmente conseguem levar água... de Lourdes ao seu moinho.
***
Mal empregados o talento e a inspiração que resumbram nessas páginas alegres e
violentas.
O poeta naturalmente reproduz-se, pois, por mais talento que se tenha, não é
possível plantar uma floresta numa capoeira. O padre de 1885 está mais explorado pela
poesia do que a própria religião pelo padre.
***
Quando Guerra Junqueiro ensarilha as armas de livre pensador, e concede pequenos
armistícios aos seus tonsurados inimigos, é caso para a gente levantar as mãos para o céu e
dar graças... a Apolo.
no livro uma ladainha infeliz, que de ser a vingança do primeiro padre
inteligente que lhe ponha a vista em cima, às escondidas do bispo.
Mas, em compensação, quanta beleza nestes e noutros magníficos e truculentos
versos:
Minha mãe! minha mãe! ai que saudade imensa
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti!
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebreu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a lua branca, além, por entre as oliveiras
Como a alma de um justo, ia em triunfo ao céu...
447
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo a Deus, que está no azul do firmamento,
Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridão.
***
Como Guerra Junqueiro é imenso quando não ensopa a sua pena em fel falsificado!
como é realmente um grande poeta quando faz vibrar a corda mais forte, mais harmoniosa e
infelizmente mais desprezada da sua lira: o amor!
A sátira de Guerra Junqueiro não destrói: faz troça; mas o seu lirismo arrebata,
extasia, leva o leitor de assombro em assombro, a ponto de lhe fazer crer, por vezes, que o
velho Hugo escreveu na língua de Camões.
***
Vou consagrar esta noite à leitura da Velhice do Padre Eterno.
Já sei que não prego o olho.
Eloi, o herói
448
20 de setembro de 1885
Dia de fartura é véspera de necessidade.
Estamos em plena pasmaceira teatral.
Foi-se a companhia Ferrari...
Foi-se a companhia Rossi-Duse-Checchi...
Foi-se a companhia Simões...
Foi-se a companhia Manzoni...
O Heller conserva-se ainda em S. Paulo, explorando o seu rico e variado repertório.
No Recreio Dramático se representam peças estafadas, porque o teatro acha-se
atravancado pela quermesse do club Talia, e não vale a pena, diz a empresa, dar coisa nova
ao público, porque o blico não vai pela representação. por favor especial, e muito
especial, foi a Mariquinhas dos apitos representada duas vezes.
***
E o grande caso é que a gente se diverte na tal quermesse, ora aceitando um bilhete
impingido por uma moça bonita, ora comprando um cartucho de batatas fritas à vista do
comprador, ou arriscando um tostão nos cavalinhos de chumbo.
***
Pobres cavalinhos de chumbo! Saiu-lhes o trunfo às avessas nas barraquinhas do
Campo. A polícia mandou-os recolher às respectivas cocheiras.
Eu, por mim, confesso que dava o cavaquinho por um passeio até as barraquinhas
do Jock rio-grandense (sic), do Pobre também veve e da Cocota no seu regresso.
***
No tocante a espetáculos, temos agora os irmãos Carlo com os seus tigres, leões,
cachorros e cavalos, um dos quais tem o bom gosto de se chamar Pinto, e o signor Salvini,
que todos os dias anuncia o seu pessoal, composto de cães e macacos mais ou menos
sábios.
***
Numa das noites passadas entrei no circo da rua do Lavradio justamente na ocasião
em que um acrobata, chamado Ozor, fazia prodígios de equilíbrio no trapézio volante.
O artista foi mediocremente aplaudido; mas declaro alto e bom som que ele me
encheu as medidas.
Se eu tivesse um ideal em ginástica, encontrá-lo-ia talvez nele, no formidoloso, no
impávido Ozor, que ajoelha no trapézio e, com as mãos soltas no ar, imprime-lhe aos
poucos um movimento de rotação.
***
Felizmente já três notícias tranqüilizadoras me chegaram aos ouvidos.
, a próxima chegada de uma companhia dramática francesa, que se acha no Rio
da Prata, e da qual é diretor Mr. Massenet, irmão do autor do Rei de Lahore... o que, aliás
não é nenhuma garantia...
, a organização de uma companhia de comédia que funcionará no Lucinda sob a
direção do ator Montedônio, aproveitando a nata do pessoal da Manzoni...
3ª , a organização de outra companhia, destinada a representar exclusivamente
dramas e comédias nacionais...
A idéia é do Martins o Martins dos bons tempos do Ginásio e dos maus tempos do
Cassino. Ele espera angariar grande número de assinaturas.
É de crer que o público fluminense corresponda nobremente a uma idéia tão
louvável e faça converter em realidade o que muita gente considera utopia.
449
Eloi, o herói
21 de setembro de 1885
Desde que no Brasil jornais e periódicos, os respectivos leitores regalam-se, sob
o título, que é sempre o mesmo, de Cenas da escravidão, com suculentas notícias das
coisas mais extraordinárias do mundo.
Mas hão de convir que, em geral, as circunstâncias pouco variam: é outro o lugar da
ação, os personagens são outros; mas, no fundo, é sempre o mesmo drama pantafaçudo e
sombrio.
O ódio do escravo contra o senhor ainda fornecerá e por muito tempo,
infelizmente assunto para os noticiários e gazetilhas.
Mas o caso que acaba de suceder em Jundiaí, podendo entrar na série indefectível
das Cenas da escravidão, é o mais original que dar se pode.
Fala o Correio de Campinas:
“Joaquim Afonso de Oliveira e Benedito Afonso de Oliveira, de Jundiaí, possuíam
um escravo que lhes pertencia em partes iguais. O preto João, que assim se chamava o
escravo, fora criado na mesma casa que seus senhores e parece que até aleitado pela mesma
mãe, de modo que era estimado pelos seus senhores como se fora irmão.
“Necessidades da vida, porém, levaram os donos do escravo a venderem-no ao Sr.
Camilo Pires, de Itatiba. Joaquim Afonso de Oliveira foi, pois, a Itatiba, a fim de passar a
escritura de venda e pernoitar em casa de Augusto Pinto, na mesma cidade.
“Ao amanhecer do dia seguinte, Joaquim Afonso tinha desaparecido, e, sendo
procurado por toda a parte, foi encontrado na cidade de Jundiaí, completamente louco!...
“Atribui-se a loucura ao fato de ver-se obrigado a vender João, que tanto estimava.
A escritura de venda não chegou a ser efetuada”.
***
Joaquim Afonso enlouqueceu porque foi obrigado a vender o seu irmão de leite?
Duvido, porque, se lhe tivesse tanta amizade, Joaquim Afonso não seria senhor do seu
amigo. Não compreendo que um homem seja amigo de outro a ponto de enlouquecer por
seu respeito, e conserve o direito de o chamar seu escravo.
É muito comum dizer-se no Brasil: Oh! Fulano é muito amigo dos seus escravos!
ou ainda mais: Beltrano para os seus escravos não é um senhor: é um pai! Não
nada mais... mais... como direi?... mais sacrílego! Sim, que é sacrilégio fazer semelhante
emprego desses dois vocábulos: amigo e pai.
Procurem outra causa para justificar a demência de Joaquim Afonso; tudo menos
essa ternura absurda pelo miserável escravo que vendeu.
***
Para suavizar o tom carregado deste artigo, tratarei de terminá-lo jocosamente.
Chegou ontem de Barbacena, no expresso, o Sr. Mariano José Leite, importante
fazendeiro.
Ontem mesmo apresentaram-no ao Marcondes com estas palavras:
- O Sr. Leite, de Minas.
***
Confesso que não acho muita graça no calembourg (será calembourg?): mas o
Marcondes, que é um rapaz de espírito, riu-se tanto à custa desse leite de Minas, que pode
muito bem ser que ao leitor suceda o mesmo.
***
450
Acho mais graça, palavra! no seguinte soneto, que furtei ontem da pasta de um
poeta obscuro.
Afianço que é inédito:
Mandei um dia a Brígida ao mercado,
E ela um súcio encontrou na rua, e logo
Sentiu por ele arder o peito em fogo,
E com ele azulou de braço dado.
Soube que haviam Parabéns! casado
E sustentavam casa em Botafogo:
Da loteria no acoimado jogo
Muitos contos de réis tinham tirado.
Ele abriu espelunca de agiota,
E há quem diga e sustente que o patife
De moeda falsa os mundos abarrota.
Ela, que outr‟ora me batia o bife
Hoje é senhora baronesa, e arrota
Que é convidada aos bailes do igue-life.
Eloi, o herói
451
22 de setembro de 1885
Eu quisera que neste momento de pasmaceira teatral chegasse ao Rio algum
estrangeiro que houvesse lido e conservasse na memória as seguintes linhas, publicadas no
folheto distribuído pela comissão brasileira durante a recente exposição de Antuérpia:
“Il y a à Rio de Janeiro 11 théatres l‟on représente les grands opéras italiens, le
drame, la comédie, l‟opéra comique, l‟opérette. On y joue fréquemment en français et
plusieurs troupes dramatiques espagnoles et anglaises y ont été de passage. Les cirques
équestres y donnent aussi des représentations ; les concerts, soit pour le chant, soit pour le
instruments divers, sont tres suivis. Les Brésiliens sont grands appréciateurs de musique et
beaucoup d‟entre eux ont acquis en cet art une reputation méritée.
Il existe à Rio de Janeiro un conservatoire dramatique chargé de l‟inspection des
théatres et de l‟examen des piéces que l‟on veut représenter.
Plusieurs hommes de lettres brésiliens cultivent avec goût la littérature dramatique
et le repertoire des compositions originales, dejá trés étendu, en contient un grand nombre
d‟un mérite reconnu‟.
***
Esse folheto também notícia da Gazeta da Noite, provavelmente porque a viu
citada na Psicologia de Escaravelho, e revela aos visitantes da exposição belga a
existência, nesta corte, de uma Sociedade Velosiana, e de outra, dos Literatos, savantes
ambas.
***
Creio que, efetivamente, o Dr. Ladislau Neto pretendeu fundar, ou fundou, uma
associação científica sob a invocação de Fr. Conceição Veloso, o nosso grande botânico;
mas há um bom par de anos que não se ouve falar de semelhante coisa.
Quanto à Sociedade dos Literatos (gens de lettres), outra não é, provavelmente,
senão aquela famosa Lira de Apolo, que deu com os... literatos n‟água, e havia sido fundada
por ocasião de um festival literário celebrado em homenagem a Quesada Pai e Quesada
Filho, que ninguém conhecia.
Mas a Lira de Apolo muito que perdeu as cordas, e jaz abandonada a um canto,
coberta pelo pó do esquecimento.
***
Falei da pasmaceira teatral...
Vejo que há quem pretenda chamar concorrência aos espetáculos por meio da
loteria. Sempre a loteria! O circo Anglo-Brasileiro anunciou o outro dia o prêmio de
100$000 em oitocentos números, distribuídos pelos espectadores, e durante o espetáculo,
que brevemente se realizará em beneficio da menina Emilia Pestana, também será extraída
uma loteria.
Dantes a polícia proibia tais espetáculos, e desse modo cumpria nobremente o seu
dever; mas, como agora estamos em maré de jogatina, não que estranhar a tolerância da
autoridade.
***
Os empresários podem ir mais longe: abram casas de poules, anexas aos teatros. O
público apostará de bom grado pelo trabalho dos artistas. Haverá juizes competentes, que se
prestarão a classificá-lo.
***
Eu explico a minha idéia... e dou-a de graça:
452
peça nova no Sant‟Anna. Trata-se de saber a quem caberão as honras da noite.
Naturalmente muitos palpitam no Vasques, mas grande parte carrega no Guilherme de
Aguiar, e alguns vão na Henry. Faz-se a corrida, isto é, representa-se a peça, e os juízes
decidem que o André, num pequenino papel de tabelião, que apenas teve uma ligeira cena
no ato, foi o que deu melhor conta do recado. Venderam-se apenas duas ou três poules
do André! Que bom negócio para quem as comprou!
Entretanto, para evitar que possa vencer o ator que apenas se exibir numa ou duas
cenas, estabeleçam tantas vendas de poules quantos forem os atos ou quadros da peça que
se representar.
Desse modo reaparecerão os velhos e intermináveis melodramas da escola antiga,
porque o público afluirá em maior número ao teatro em que mais jogo houver, e o Heller,
em vez de anunciar uma mágica em três atos e vinte quadros, anunciará uma corrida em
três atos e vinte pareos.
E ganhará muito dinheiro!
Eloi, o herói
453
23 de setembro de 1885
Ora a Itália!
“Sette esposto per molto tempo alla Glace Élégante un quadro del giovane nostro
connazionale Rosalbino Santoro. Il País ne dice mirobilia. Il Diário de Notícias
ottimamente.
“.....................................................................................................................................
“Noi facciamo ecco al País e al Diário; però, con quella franchezza Che ci
distingue, rimarcheremo qualche neo che abbiamo trovato in quel lavoro....” etc
Não duvido que o País dissesse maravilhas do quadro do Sr. Rosalbino Santoro;
tenho visto coisas mais extraordinárias.
O Diário de Notícias, por intermédio do abaixo-assinado, chamou-lhe bota: se é
isso o que os colegas da Itália acham que seja elogio, estou calado.
“Quel lavoro merita d‟esser preso in considerazione”, dizem os colegas. O Sr.
Rosalbino merecia também ser preso, pois não se deve expor impunemente uma
borracheira daquelas.
***
Tive há poucos dias ocasião de dirigir algumas palavras de louvor ao Estevam Silva
pelas frutas que pintou, e expôs na Galeria Moncada.
Sinto não poder fazer o mesmo a propósito dos dois retratos seus, atualmente em
exposição na referida casa.
Representam esses retratos um velho cavalheiro e sua jovem esposa.
O marido ganhou ultimamente cem contos de réis na loteria da Corte; mas essa
circunstância, que justifica plenamente um retrato a óleo, não me parece razão para um
nariz tão rubro! Que nariz! Ao fazê-lo, o Estevam não desmentiu a sua especialidade de
pintor de frutas: fez um caju vermelho... sem castanha.
***
Um colega do pintor que examinava esses trabalhos na mesma ocasião que eu, dizia
a um amigo: O colorido é muito sujo.
Não sei se o colorido é sujo, mas com certeza não me pareceu limpo. pouca
mobilidade naquelas fisionomias. Dir-se-iam, não dois retratos, mas duas figuras
imaginárias, pintadas sem modelos.
Prefiro o Estevam na sua especialidade, e faço votos para que o seu talento continue
a dar bons frutos.
***
Reservei para o fim uma agradável supresa ao leitor: versos de Raimundo Correa
o sempre bem recebidos, e é com o maior prazer que honro estas colunas com a
publicação dos seguintes, intitulados:
JOB
Quem vai passando, sinta
Nojo embora, ali pára. Ao princípio era um só:
Depois dez, vinte, trinta
Mulheres e homens... tudo a contemplar o Job
Qual fixa-o boquiaberto;
Qual a distância o vê; qual se aproxima, altivo,
Para olhar mais de perto
454
Esse pântano humano, esse monturo vivo.
Grande turba o rodeia...
E o que mais horroriza é vê-lo a mendigar,
E ninguém ter a idéia
De um só vintém às mãos roídas lhe atirar;
Não é ver que a indigência
Transforma-o em pasto já de vermes; e lhe impera
Na imunda florescência
Do corpo, a podridão em plena primavera;
Nem ver sobre ele, em bando,
Os moscardos cruéis de ríspidos ferrões,
Incômodos, cantando
A música feral das decomposições;
Nem ver que entre os destroços
De seus membros a Morte, em blasfêmias e pragas,
Descarnando-lhe os ossos,
Os dentes mostra a rir, pelas bocas das chagas;
Nem ver que só o escasso
Reto andrajo, que a lepra horrível, que lhe prui
Mal encobre, e o pedaço
Da telha com que a raspa o misero possui;
Nem de vento às rajadas
Ver-lhe os farrapos vis da roupa flutuante,
Voando- desfraldadas
Bandeiras da miséria imensa e triunfante;
Nem ver... Job agoniza,
Embora; isso não é o que horroriza mais;
O que mais horroriza
São a falsa piedade, os fementidos ais;
São os consolos fúteis
Da turba que o rodeia, e as palavras fingidas,
Mais baixas, mais inúteis
De que a língua dos cães, que lambem-lhe as feridas.
Da turba que se, odienta,
Com a pata brutal do seu orgulho vão
Não nos magoa, inventa
Para nos magoar a sua compaixão!
455
Se há entre a luz e a treva
Um termo médio e em tudo há um ponto mediano,
É triste que não deva
Haver isso também no coração humano!
Porque, n‟alma, não há de
Um meio termo haver, dessa gente também,
Entre a inveja e a piedade?
Pois tem piedade só, quando inveja não tem!
Mais três linhas de prosa chata, para que o meu nome não fique por baixo de tão
belos versos.
Eloi, o herói
456
24 de setembro de 1885
Um dia estúpido o de ontem. Até as três horas da tarde esteve chove não chove...
Daí por diante choveu. Uma chuva miudinha, impertinente, destas a que o povo chama
“resinga de mulher”, o que não deixa de ser injustiça contra o belo sexo.
Estes dias de chuva são o desespero dos cronistas; os assuntos são raros, como os
tilburís, e a gente é logo atacada pela moléstia nacional. Já se sabe que me refiro à preguiça.
***
Falou-se muito no encalho, encalhe, encalhamento ou encalhação (Escolham, que a
língua é rica) do cruzador Almirante Barroso.
Mas esse fato não me fornece meia dúzia de linhas alegres, e eu não quero repetir
aqui o que diz toda a gente no tocante à luminosa lembrança de meter o navio entre calhaus,
quando há na nossa decantada baía lugar para abrigar todas as esquadras do mundo.
***
Provavelmente o leitor saboreou a interessante notícia do sinistro dada pelo País.
Viram que os aparelhos do Almirante Barroso funcionavam com todo o vigor...
“dos seus músculos”, quando “uma pancada que do fundo do navio repercutiu “em todas as
fibras” do robusto cruzador fez oscilar pela base tudo que se achava de pé nas duas
cobertas, arremessando, sem distinção de classes, homens contra homens, e
instantaneamente detendo pelos pés a garça, que com vôo feito veloz se queria escapar por
sobre as águas”.
A garça é o navio, sabem? Por isso é que tem músculos e fibras...
***
E a sutileza com que o colega procura explicar aquela pancada democrática,
niveladora de classes?
“Se, como a humanidade, diz ele, a matéria fosse sujeita às paixões pequenas, dir-
se-ia que o ocorrido ontem foi desforço das façanhas desse mesmo navio na experiência
última, durante a qual o Almirante Barroso, comandado pelo mesmo oficial que hoje o
comanda, fez das pedras que agora o tolheram marco infinito por onde oito vezes passou
zombeteando em corridas sucessivas, com 11 milhas de velocidade em cada corrida”.
Não tenha dúvida, colega: aquilo com certeza foi um desforço. Para a outra vez, o
Almirante Barroso que seja menos façanhudo, porque, diga o que quiser o País, não
nada tão sujeito a paixões como a matéria.
***
Boa idéia tive eu de me queixar da falta de assunto ao Rouède.
- Ora essa! eu andava justamente à tua procura para dar-te um assunto!
- Nesse caso, venha de lá um abraço: cais-me do céu!
- Vai à casa do Vietas.
- Há alguma novidade?
- Um quadro novo.
- Do França?
- Como sabes?
- Naturalmente... o França ainda nada expôs esta semana. E com ele são favas
contadas: de oito em oito dias expõe um quadro e escreve um folhetim.
- Mas olha que ele desta vez saiu-se! Vais ver um bom trabalho, bom na extensão da
palavra. Desenho, colorido, luz.... nada lhe falta. Na minha opinião, o França já excedeu ao
mestre.
- Ao Grimm?!
457
- É minha convicção.
- Que diabo! tu podes dizer essas coisas?
- Anch’io sono pittore...
- Por isso mesmo; mas eu, que sou profano, jamais me atreverei a repeti-las.
- Pois não as repita; mas vai ver o quadro, e, se pensares como eu, dize-o com
franqueza... nunca se perde por se dizer o que se sente.
- Estás enganado; se tu fosses jornalista, ver-te-ias constantemente obrigado a não
seres... de tua opinião. Mas tu aguçaste-me a curiosidade: vou ver o quadro, adeus!
***
Cá estou defronte do quadro..
Não me enganava o Rouède: o desenho é correto, o colorido perfeito, e
perspectiva, muita perspectiva. O primeiro plano é sombreado pela extremidade do morro,
sobre o qual a vegetação é tão leve, tão bem contornada, que parece crescer à vista do
espectador. No segundo plano o caminho, que se estende para o fundo, é cortado por uns
rastos de luz, naturalmente cortada pelo arvoredo que não se vê, mas se advinha. O fundo
do quadro apresenta um bonito efeito dessas graciosas montanhas fluminenses, de um verde
azulado pela intensidade da luz. Eu desejaria ao céu daquela paisagem um pouco mais de
fulguração.
O público, que um ror de anos está habituado a aplaudir os escritos de França
Junior, e de vê-lo encarapitado no lugar de curador de órfãs, há de custar a acreditar que ele
é um pintor “de verdade”. Nesta terra não se admite que uma pessoa tenha duas
habilidades, quando qualquer filho de Deus é capaz de ter meia dúzia delas.
***
Vão ver o quadro do França, e digam-me depois se temos ou não temos um artista a
mais.
Eloi, o herói
458
25 de setembro de 1885
muito tempo que José Maria do Amaral se achava gravemente enfermo em
Niterói.
Ultimamente ninguém o visitava. tinha licença para perturbar o seu retiro um
velho fâmulo que lhe levava o alimento, e todos os jornais, periódicos e revistas que se
publicam nesta cidade.
Lia-os todos, um por um, e, terminada a leitura, meditava profundamente, como
para coordená-la no espírito, consubistanciando-a toda numa idéia nova. O resultado desse
esforço mental era um expressivo movimento de ombros, um sinal de indiferença e
desânimo.
Mas no dia seguinte vinham novos jornais. Recomeçava a leitura e o desespero...
E o pobre velho morreu sem realizar o seu ideal: encontrar uma idéia nova num
artigo de fundo.
***
O ex-ministro plenipotenciário isolara-se no antigo palacete da Soledade, que
domina a esplêndida baía de São Lourenço.
Foi que ele se refugiou contra a ingratidão dos que tão mal o apreciaram; foi
que trancou o seu brilhante passado literário; foi que ontem o colheu a morte, cuja visita
era o seu derradeiro anelo.
muito tempo ninguém o via por essas ruas passar, como dantes, alto, muito alto,
ligeiramente curvado, e a longa e finíssima cabeleira, branca de neve, a flutuar-lhe nos
ombros.
Era, confesse-se, uma figura imponente e original; havia no seu tipo alguma coisa
de sacerdote inglês e alguma coisa do sábio alemão; mas nem ele se parecia com pessoa
alguma, nem ninguém se parecia com ele.
***
Toda a gente o cumprimentava, mesmo sem o conhecer, instintivamente,
maquinalmente.
Adivinhava-se nele o filósofo e o poeta, que se comprazia na solidão e no silêncio.
Ninguém diria, ao vê-lo: Ali vai um homem vulgar.
***
E efetivamente não o era. Que o digam os olvidados artigos do Nacional. Que o
digam os raros e ditosos, que um instante viveram na intimidade do poeta, e
surpreenderam-lhe os versos.
Versos, fazia-os ele todos os dias, e bons. Imaginem o que vai de inéditos no
morro de S. Lourenço.
Queira Deus que se não percam.
***
José Maria do Amaral era um homem infeliz, extremamente infeliz. Um
desgraçado, dizia ele.
Um justo, digo eu, que no seu caminho o que mais encontrou foram perversos.
A esses principalmente devemos que o cemitério de Maruí recebesse ontem um
cadáver de algumas horas, mas um morto de muitos anos.
Um morto, sim, mas não um putrefato.
***
poucos meses, pedindo alguém ao venerando mestre a sua colaboração não sei
para que poliantéia comemorativa:
459
- Foi mal inspirado, meu amigo, respondeu ele; hoje o meu nome na imprensa faz o
efeito de uma alma do outro mundo.
Eloi, o herói
460
26 de setembro de 1885
Afinal de contas o prejuízo causado pelo encalhe do Almirante Barroso não foi tão
grande como se dizia.
Falou-se em quinhentos contos: acrescentaram outros tantos pontos. Trata-se de
uma gota no oceano da rua do Sacramento.
É bom que para o futuro tenham mais tento na bóia, uma vez que foi a má colocação
da bóia que ia dando cabo da infeliz corveta.
***
A esse respeito correm por aí uns boatos terríveis: dizem que a bóia foi bem
colocada pela repartição hidrográfica, mas que, ao projetar-se a experiência, houve um mal
intencionado que a desviou do seu lugar.
Com que fim? pergunto eu. De esbandalhar o Almirante Barroso? ...de inutilizá-lo?
Mas que mal havia feito o pobre navio?
O caso há de ser tirado a limpo: os brios da repartição hidrográfica acham-se
empenhados nesta questão da bóia.
***
A Etoile du Sud, jornal franco-brasileiro que há dias encetou a sua publicação nesta
Corte, não gosta de mim. Porque? Sei lá! eu estava para o colega como o Almirante
Barroso para o indivíduo que desviou a bóia.
O colega ontem chamou-me estúpido... em termos hábeis. “Eloi uma coisa não
pôde conseguir, disse ele: foi descobrir a pólvora!...”
Dizem-me que o autor desse gracejo foi o espirituoso e ilustrado abolicionista
Manoel Ernesto Campos Porto.
Se na realidade assim é, está o Sr. Porto convidado a tomar comigo um copo de
cerveja na confeitaria Deroche, hoje, às 3 horas da tarde. Durante a nossa entrevista tratarei
de provar-lhe que descobri a pólvora obrigando-me, se o não fizer, a pagar-lhe a quantia de
300$00... da minha gaveta.
Fico à sua espera.
***
Um anúncio cortado da Gazeta de Notícias:
“Um homem sério, bem educado e honesto, não muito moço, deseja conhecer uma
senhora solteira ou viúva, branca ou de cor, nas mesmas condições e sem compromissos, a
quem possa entregar sua roupa para lavar, etc; carta no escritório desta folha, para ser
procurada, com as iniciais P. A.”
Um etc, um simples etc diz muitas vezes mais do que um volume.
Eloi, o herói
461
27 de setembro de 1885
O artista não tem pátria, diz um velho cliché muito usado nas noites de benefício.
Tinha-a o pianista Frederico Gusmão: era chileno.
quatro para cinco anos estava ele perfeitamente estabelecido na capital do Peru.
Tinhas muitos discípulos. Dava lições de piano.
Um belo dia, durante uma lição, foi surpreendido por um decreto do governo
peruano, que dizia pouco mais ou menos isto... em linguagem oficial: “os senhores chilenos
ponham-se no olho da rua dentro de vinte e quatro horas”.
Gusmão arregalou vinte e quatro vezes os olhos, e perguntou muito naturalmente:
- Porque?
- Porque “usted es chileno!” responderam-lhe
- Ser chileno é crime?
- No Peru, com certeza!
- Porque?
- Então não sabe da guerra?
Talvez não o soubesse. Um artista é sempre um boêmio, e os boêmios têm mais em
que se ocupar. Vejam a roda viva em que andavam os do saudoso Murger.
Gusmão não proferiu uma queixa. Vendeu os móveis por dez réis de mel coado,
arrumou tranquilamente as malas e tomou passagem a bordo de um vapor com sua mulher,
sua cunhada e dois sobrinhos.
Acompanharam-no a bordo muitos peruanos. O inimigo deixara em Lima
numerosos amigos, e, entre eles, o próprio singatário do decreto que o bania.
***
- Para onde vamos? perguntaram-lhe as senhoras; para o Chile?
- Não. Seriam capazes de nos expulsarem também de lá, por termos deixado amigos
no Peru. Filhas, ninguém é profeta na sua terra, e, em Valparaíso, nas atuais condições,
mais fácil é ser profeta que mestre de piano. Nada! Vamos para o Rio de Janeiro, que é
um grande país para os artistas...
E vieram.
***
Antes de se estabelecer no Peru, percorrera Gusmão a Europa e os Estados Unidos;
por toda parte recebeu calorosos aplausos, não como concertista de subido mérito, mas
também como compositor correto e original. Os seus trabalhos correm mundo, editados, na
maior parte, pelos Chondeus, de Paris.
***
Ninguém assistiu ao primeiro concerto que ele aqui deu, no salão Bevilacqua, e os
que se seguiram não tiveram, apesar dos elogios da imprensa, o poder de atrair muitos
ouvintes.
Mandou anúncios para todos os jornais diários, propondo-se a lecionar piano.
Ninguém lhe apareceu. Sabiam lá quem era!
À vista do sucesso que na Fênix alcançavam as operetas, lembrou-se de pedir a
alguém um libretto para por em música. Esse alguém não se fez rogado e Gusmão escreveu
uma partitura muito graciosa, que Leccoq assinaria com as mãos ambas.
O empresário, depois de ouvir a música do pobre chileno, teve a rude franqueza de
lhe dizer à queima roupa:
- Não gosto.
Estas duas palavras atiraram com Frederico Gusmão a duas mil léguas de distância.
462
Há poucos meses escreveu-me ele de Paris. A sua vida marchava às mil maravilhas.
Vivia na capital do mundo, tinha afinal, um editor e muitos discípulos: que mais poderia
desejar?
Nada mais, não é assim? Pois bem, o pobre artista, em pleno vigor da mocidade e do
talento, acaba de ser abatido pela morte.
Levou para o outro mundo a certeza de que o Brasil não é tal um grande país para os
artistas...
Daqui envio à sua memória a expressão da minha saudade, filha da simpatia que
sempre me inspiraram o seu talento e o seu caráter.
Eloi, o herói
463
28 de setembro de 1885
Mais vale tarde que nunca. Distribuíram-se ontem os prêmios conferidos na
Exposição Continental de Buenos Aires aos expositores do Brasil.
O Ferreira de Mello, “inventor do sublime sistema americano”, estava radiante.
Para maior solenidade, o ex-redator da Gazetinha Águia de Ouro jornal que, aliás,
não era feito a tesoura exibiu, desta vez no corpo, a própria casaca premiada pelos
argentinos.
Na realidade, ninguém diria que era uma casaca manufaturada na rua do Hospício.
Sim, porque, digam que disserem, a rua do Hospício não é capaz de encadernar
decentemente um janota. Cada roca com seu fuso.
Por isso é que o Ferreira de Mello se transportou com armas e bagagens para a rua
do Ouvidor, e espera que ainda algum dia os nossos elegantes digam: Eu visto-me na
Águia de Ouro , com a mesma prosápia com que hoje dizem que se vestem no Raunier...
embora sejam fregueses do Balisa ou da Estrela do Brasil. O anúncio sempre fica, e é isso o
que mais deseja o Ferreira de Mello.
***
Eu não sou precisamente um janota; por via de regra, noto que as calças deste feitio
ou os coletes de tal fazenda estão na moda justamente na ocasião em que a moda acaba.
Mas, quando quero roupa nova, não atravesso o beco do Fisco; escolho a rua dos
Ourives, que, no tocante a alfaiates, me parece o mediador plástico entre a do Hospício e a
do Ouvidor.
Sempre embirrei com aqueles caixeirinhos postados à porta das lojas, para dizerem
a quem passa:
- Seu freguês, vai um terno de casimira?
E os demônios estão sempre a lembrar aos transeuntes que a camisa está no fio ou o
casaco a pedir outro:
- Seu doutor, temos aí um contra-mestre francês, especialista em fraques!
Ou:
- Uma dúzia de camisas de linho por 25$000. É de graça, seu freguês!
E me informaram que, quando estes ativos e insuportáveis agentes da fortuna
alheia não desempenham com todos os ff e rr as singulares funções de chamariz, são
rudemente castigados pelos respectivos patrões. Se passa por eles um indivíduo mal
ajambrado em roupa velha, e eles, impassíveis, deixam-no ir adiante com os seus andrajos e
a sua miséria, podem contar com um bom puxão de orelhas.
***
Um misantropo que nesta Corte saísse um dia de casa com as seguintes disposições:
percorrer as ruas sem dirigir a palavra a ninguém e evitando que os outros lha dirigissem a
ele ver-se-ia muito embaraçado no cumprimento de semelhante programa.
Irremediavelmente teria que ouvir as seguintes frases, ou idênticas:
- Engraixate signore.
(Embora tivesse as botas como um espelho).
- Faz favor do seu fogo?
(Muitos indivíduos, que fumam cigarros uns atrás dos outros, resistem à despesa de
uma caixa de fósforos).
- É o último! Anda a roda amanhã!
(Os vendedores de bilhetes de loteria perseguem a gente por todos os modos
possíveis, e, na maior parte dos casos, vencem pela impertinência).
464
- Quer bala, freguês?
(Detestável comércio com que muitas famílias conseguem meios de subsistência e
modos de estragar o estômago público).
- Uma esmolinha para a sua pobre!
(O Asilo dos Mendigos não nos livrou da praga dos pedintes, que formam uma
como associação mútua, com certas regras de solidariedade, pois que os mendigos dividem-
se por quarteirões e respeitam uns aos outros os respectivos devotos).
- Aceita um bilhete para o meu beneficio?
(Imposto indireto lançado sobre o público pelos empresários caloteiros ou pela
estrela dos artistas. entre nós atores e atrizes que nunca representam (creio mesmo que
alguns que nunca representaram), e vivem de um beneficio anual, a que eles
vulgarmente chamam festa artística ).
Omito os vendedores de jornais, os indivíduos que nos perguntam onde é a rua Tal
ou onde mora o Sr. Fulano dos Anzóis, os que se esqueceram dos nicolaus em casa e
pedem-nos dois tostões para o bond, e, em certas ruas, certas tipas que nos oferecem certas
coisas.
***
Não! decididamente o tal misantropo arrepiava carreira, e ia cuspir no poço, como
Alceste.
Eloi, o herói
465
29 de setembro de 1885
Proximamente se efetuará, no teatro S. Pedro de Alcântara, uma representação
extraordinária em benefício dos artistas Barbosa e Pereira, “ex-contratados, diz o cartaz, da
empresa dramática nacional João Caetano dos Santos, de saudosa recordação para o público
desta capital”.
***
O cartaz a que me refiro tem coisas muito curiosas. Leiam:
“Após longo interregno, aparecerá em cena a exibição da mui desejada e aplaudida
comédia-drama, toda ornada de música, original brasileiro do Exm. Sr. Manoel Joaquim de
Macedo, em 3 grandes atos, e representada em diversas épocas em todo o Império, com
geral aceitação; intitulada O fantasma branco.
Pobre Macedo! Chama-te de Manoel Joaquim em vez de Joaquim Manoel, e dizem
que o teu velho e hilariante Fantasma é uma comédia-drama. Perdoe-lhes, capitão Tibério.
Dona Galatéa, não faça caso.
Mas vejamos os “episódios cênicos”; eles lá vêm discriminados no cartaz:
1º ato Aparição do fantasma! Horrorosa fuga dos expedicionários! Terror geral do
povo!... ato Os irmãos rivais e o duelo, à morte! O Tigre e a Hiena! Aventuras do
Fantasma! ato A pescaria. Primo e Prima. Supresa e prisão! O Anjo da paz! A Pira do
Himineu!”
E não haver polícia para estas coisas! E ter “qualquer um” o direito de desfigurar
com aquelas baboseiras a intenção singela de uma comédia digna de respeito! Um tigre e
uma hiena no Fantasma branco! A concorrência aos irmãos Carlo à custa do pranteado
autor da Moreninha!
Na impossibilidade de transcrever, para regalo dos leitores, o cartaz inteiro, chamo-
lhes a atenção para as seguintes linhas:
“Os artistas Barbosa e Pereira nesta sua festa artística e no palco, que ainda lhe é
viva recordação desses gloriosos triunfos da Arte Nacional, esperam que o ilustrado público
fluminense se não esquecesse daqueles que também concorreram com seu fraco concurso
(sic) para essas noites de tantas saudades e glórias artísticas”.
***
Eu sou amigo dos dois beneficiados, principalmente do Pereira, com quem sempre
simpatizei imenso, e bem desejava que este artigo tivesse o poder de levar gente à festa
artística. Receio, porém, que o respeitável público torça o nariz ao ver a distribuição da
peça.
O papel do primo Juca foi confiado ao ator Eugênio Amaral, nome que pela
primeira vez figura num programa de teatro. Não são mais conhecidos os artistas D. Maria
Moura, D. Antonia e Sr. Gil. Os beneficiados, dois atores dramáticos ao pintar para o belo
dramalhão em 5 atos e uma infinidade de quadros, estarão naturalmente deslocados nos
papéis de Tibério e de Basílio, e a Jesuina Montani francamente não está na idade de
fazer a Mariquinhas.
Entretanto, pode ser que a própria disparidade que se nota na distribuição do
Fantasma branco chame o público ao S. Pedro: é esse, como já disse, o meu desejo.
***
Ora que a gente, para saber o que se passa em S. Cristóvão, tenha que ir a Roma!
Vou traduzir-lhes o que desta Corte escreveram para o interessante jornal Fanfulla, que se
publica na cidade eterna:
466
“Três dias depois que a companhia (Rossi-Duse-Cecchi) chegou ao Rio de Janeiro,
o Imperador, tendo feito saber que desejava conhecer a Duse e o Rossi, recebeu-os no dia
seguinte em audiência especial.
“Foram acolhidos com extraordinária amabilidade por D. Pedro, que é muito amante
da Itália e das coisas italianas. Sua Majestade leu em voz alta uma carta de Adelaide Ristori
contendo muitos elogios à Duse e ao Rossi, o que demonstra que a eminente artista, que se
acha acima do vulgar espírito de rivalidade, deseja que o nome italiano e a arte italiana
sejam sempre honrados no estrangeiro.
“Encaminhada, pois, a conversação, na qual D. Pedro, que fala perfeitamente o
italiano, discorreu familiarmente sobre assuntos interessantes a artistas dramáticos,
perguntou o Imperador qual era o repertório da companhia; e ouvindo que, na maior parte,
pertencia ele ao teatro francês, mostrou-se quase pesaroso, e disse:
“Representem-me Goldoni! representem-me Goldoni!
Depois, citou uma longa série de títulos de comédias goldonianas, e falou do
Burbero benéfico, da Locandiera, do Curioso accidente, dos Innamorati, da Serva
amorosa, discorrendo como quem estudou a matéria de todo o teatro italiano.
“Naturalmente o Rossi respondeu que no repertório havia alguma coisa de Goldoni,
e o Imperador prometeu assistir às representações de todas as comédias do grande
veneziano.
“Terminada a audiência, Sua Majestade apresentou os dois artistas à Imperatriz, que
foi toda cortesia e amabilidade”.
Entretanto, a companhia dramática italiana, que tantas saudades deixou, anunciou
uma única peça de Goldoni: o Curioso accidente.
Anunciou-a... mas não a representou. Até hoje não pude saber porque.
Eloi, o herói
467
30 de setembro de 1885
Eu tinha concluído já um artigo alegre, destinado talvez a despertar o bom humor de
quem o lesse, e dispunha-me a ir para casa saborear a leitura do último folhetim de Sarcey,
quando recebi a notícia do falecimento do meu ilustre mestre e amigo, Dr. Antonio
Henriques Leal.
Alguns minutos antes, um jornal francês me havia dito que morrera Chevreuil, o
glorioso velho de cem anos, diretor do Jardim das Plantas, de Paris; o meu espírito já estava
até certo ponto preparado para uma impressão dolorosa.
***
Chevreuil era um desses homens que a gente estima sem conhecer, unicamente por
essa intuição natural, que nos ensina a amar e respeitar os que, pelo trabalho ou pelo estudo,
se colocam acima da maioria dos outros indivíduos.
Ainda ultimamente, lendo a descrição da festa que lhe fizeram os estudantes
parisienses, quando ele entrou no seu centésimo aniversário, senti uma lágrima de
entusiasmo correr-me pela face, lágrima que mentalmente associei àquela brilhante e
comovedora manifestação.
Felizes daqueles para quem o túmulo é apenas o pórtico da imortalidade.
Chevreuil durará muitos centenários na memória dos homens.
***
Eu conhecia o Dr. Leal desde os mais verdes anos.
Aquele velho entanguido e paralítico, que ainda três dias o leitor poderia ver
passar por essas ruas, arrimado a uma bengala, suportando uma existência insuportável, era,
não muitos anos, porque eu sou moço e me lembro disso, era um bonito rapaz, elegante,
expansivo, apressado sempre, a visitar os seus doentes.
Quando eu o via passar nas ruas de nossa terra, parava para acompanhá-lo com os
olhos, lembrava-me do último artigo que ele publicara no Semanário maranhense, e,
ruminando aqui dentro umas idéias invejosas, dizia aos meus botões:
- Quem me dera ser ele!
***
Mas um dia o Dr. Leal caiu prostrado por uma congestão cerebral, e foi para a
Europa.
Quando o tornei a ver, sete anos, nesta Corte, debalde tentei associar no meu
espírito a figura do moço do Maranhão à do velho do Rio de Janeiro.
Mas reli as suas obras, e a minha admiração, filha agora de melhor raciocínio, era
sem dúvida mais sincera que a do outro tempo.
O que, sobretudo, me prendia a esse homem era a pureza com que ele escrevia a
língua que nós falamos. O Dr. Leal era um verdadeiro puritano em questões de gramática e
de estilo [ ] virtudes quanto mais raras mais apreciadas devem ser.
***
[ ] natural que o meu artigo se ressinta [ ] que neste intante experimento. O leitor
não veja nele mais do [ ] vontade de dizer saudoso adeus [ ] dos mais ilustres entre os
meus [ ].
[ ], sim, que, se algum dia [ ] país literário, o seu nome [ ] de Letes da
indiferença.
[ ] eu que uma lágrima seria [ ] final do meu artigo.
Eloi, o herói
468
01 de outubro de 1885
Há pouco mais de dois anos, achando-se o autor destas linhas em Paris, teve ocasião
de maravilhar-se diante do panorama da batalha de Chantilly, primorosamente excutado
por dois eminentes pintores militares: Detaille e o malogrado Neuville.
Quem nunca viu um panorama, não pode fazer a menor idéia do que aquilo é. O
observador que entra no respectivo edifício, depois de atravessar um espaço escuro,
preparando, desse modo, o órgão visual para receber o efeito da pintura, é tão
completamente iludido, que supõe achar-se realmente no mesmo ponto de vista donde o
pintor copiou a paisagem.
Os primeiros planos são engenhosamente arranjados com objetos naturais; o
espectador abaixa-se e apanha um punhado de terra; entretanto, por mais esforços que
empregue, não descobre onde acaba o palpável e principia o pintado, tal é a ilusão ótica
produzida por uns tantos efeitos de luz, admiravelmente combinados.
No panorama da batalha de Chantilly (para citar alguma coisa) uma carroça
natural a que se acha atrelado um jumento visto de costas. Por mais que mo explicassem,
custou-me a compreender o engenhoso processo pelo qual chegou o artista a tão
maravilhoso resultado.
A primeira suposição de quem sobe à rotunda onde o espectador se coloca, é que
puseram ali uma enorme lente circular, que aumenta as proporções da pintura.
Poderia haver desilusão, se o zênite estivesse à vista do espectador; mas a rotunda é
coberta por uma espécie de guarda-sol; o céu desaparece por trás dessa cobertura
justamente quando vai tomando a forma côncava.
***
Victor Meirelles e Langerock, dois artistas de raça, que dispensam os meus elogios,
resolveram pintar um panorama desse gênero, representando a cidade do Rio de Janeiro,
vista do morro de Santo Antonio.
O panorama será pintado em Paris, ali exposto e depois viajará pelas principais
cidades européias e americanas, terminando nesta Corte, onde ficará definitivamente
estabelecido.
Para isso, os dois distintos artistas tratam neste momento de organizar uma
campanha, e têm, felizmente, encontrado muita adesão e simpatia.
Se eu tivesse dinheiro, não se me dava de embarcar algum nessa empresa, que
fatalmente dará bons frutos. Ainda ontem Victor Meirelles que em Paris havia
conversado comigo sobre a sua idéia disse-me lastimar não poder realizá-la
exclusivamente com os seus próprios recursos.
O panorama do Rio de Janeiro, pintado por dois pinceis ilustres, trará ao nosso país,
mais do que todas as legações imperiais havidas e por haver, a inestimável vantagem de
torná-lo conhecido em terras, cujos habitantes supõem que o Brasil não é digno de figurar
entre as nações civilizadas.
Acredito que o panorama do Rio de Janeiro seum agente eficaz de imigração
espontânea.
Puxem pelos cordéis à bolsa os meus leitores dinheirosos, e metam três proveitos
num saco: aumentar a sua fazenda, proteger a arte e concorrer para o engrandecimento do
país.
***
Outra empresa artística.
469
O Martins conseguiu, afinal, organizar a companhia dramática de que falei dias,
e que se destina principalmente à representação de peças nacionais.
Já contratou o seguinte pessoal:
Atrizes: Ismenia, tanto tempo retirada da cena fluminense; Jesuína Montani e
Adelaide Amaral, que em boa hora renunciam às ingênuas e talvez mesmo às damas-
galãs; Fanny, a inolvidável Rosinha do Deputado de França Júnior; Elisa, a “dama
caricata” mais brasileira que o céu cobre; Jacinta de Freitas, graciosa ingênua, e Henriqueta,
que é o que em teatro se chama uma boa “utilidade”.
Atores: Eugênio de Magalhães, Paiva, Monclar, Teixeira Leão, Sepúlveda, Peixoto,
Silva e Moreira, não falando do empresário.
Teatro: Lucinda.
Peça de estréia: Luxo e vaidade, de Joaquim Manoel de Macedo.
O empresário vai instituir prêmios destinados não aos autores cujos trabalhos
forem bem recebidos pelo público, como aos discípulos que mais se distinguirem nos
espetáculos particulares da Escola dramática para ambos os sexos.
Essa escola funcionará numa das salas do Conservatório de Música, e terá duas
aulas, uma de reta pronúncia e outra de declamação teórica e prática. O professor será o
próprio Martins.
Sua Majestade o Imperador, que prometeu assistir aos espetáculos, dirigiu-se ao
empresário nos seguintes termos:
- A sua idéia é muito louvável, e eu bem desejava ver a arte dramática levantada do
nível em que se acha entre nós.
Esse imperial desejo, até hoje bem pouco justificado, é, folgo de acreditar, o desejo
de toda a gente.
Chegou a ocasião em que o público pode mostrar claramente se quer ou não quer
um teatro. O novo empresário do Lucinda vai abrir, por preços exíguos, uma assinatura,
“que não será paga adiantadamente”. Se desta vez a coisa não for por diante, melhor será
cuidar de outra vida, que a morte é certa.
Eloi, o herói
470
02 de outubro de 1885
Quando, dias, falei, por incidente, do Fantasma branco, lembrei-me bastante do
ator Martinho, que nos seus tempos foi um capitão Tibério de se lhe tirar o chapéu.
Encontrei-o ontem andando a passo de carga; levava debaixo do braço um protocolo
ou coisa que o valha, e no queixo uma bela pêra grisalha, à Saldanha Marinho.
***
Ele, o Batatudo do Vinte e nove, o Leonardo dos Milagres de Santo Antonio, o
Pedrinho da Graça de Deus; ele, o Martinho, a encarnação da graçola do tempo da
Marmota Fluminense, o Martinho de pêra!
E o público? ... onde está o público fluminense, que não vê isto?
Pois te não lembras, público ingrato e desagradecido, pois te não lembras do
teu bolieiro, do teu mascate italiano, do teu Martinho?... daquele que bastava por fora do
bastidor a ponta do pé, para desatares numa gargalhada homérica, vibrante, maior, muito
maior que o teu reconhecimento?
***
Pobre ator Martinho!
Outrora, era anunciar-se o seu benefício, e a polícia tomava imediatamente medidas
preventivas contra a conquista dos bilhetes! Havia sempre ferimentos... Mortes não consta
que as houvesse nunca...
Nos espetáculos comuns, não podia, por um motivo qualquer, ser exibida a farsa
anunciada.
João Caetano vinha ao proscênio, e dizia:
- Respeitável público, não podendo, por motivos independentes da minha vontade,
ser hoje representada a farsa Tal, o ator Martinho...
Não se ouvia o resto! Que gargalhada! que salva de palmas!...
Bastava ouvir esse nome, “Martinho”, para aquele público eletrizar-se.
***
Digo aquele, porque com certeza já não és o mesmo, ingratatão de uma figa!
Dás o cavaco pelos bons artistas enquanto eles não têm cinqüenta anos. Não és o
público francês, que guarda até à última pena os velhos espanadores da sua hipocondria.
***
O Martinho queixa-se da má fé dos empresários, a quem chama travessos. Vocábulo
velho com aplicação novíssima.
- Não me queixo do público, disse-me ele; não foi o público que se esqueceu de
mim; fui eu que o deixei, e demais a mais à francesa.
E acrescentou:
- Empresários é que os não quero mais. Enquanto vivi do teatro, vivi na
desconfiança; por isso fiz-me cobrador da Companhia de Seguros Confiança.
Cobrador, ele! Ele, que nunca precisou “cobrar benefícios”!
***
O Martinho de outra feita havia deixado o palco para empregar-se na Alfândega.
Mas um belo dia acordou com mais disposição para os papéis de teatro que para os da
secretaria, e voltou aos bastidores.
O anúncio do Fantasma branco e a notícia da futura companhia Martins não lhe
fizeram saudades? não lhe fizeram cócegas?
471
Todos notam a falta de bons atores nos nossos teatros. Uma vez que o Martinho não
tem razão de queixa contra o público, por que não monta de novo o sendeiro do capitão
Tibério?
***
Mas, diga o que disser o velho artista fluminense, os brasileiros têm um grave
defeito: esquecem com muita facilidade.
Não se trata de teatro: ainda agora, a propósito da lei de 28 de setembro n. 1, que
tem apenas 14 anos, tenho visto muita gente, na imprensa e em conversações particulares,
tirar a uns para dar a outros.
Não será para admirar que daqui a alguns anos haja quem sustente ter sido o Sr.
Dantas o Encelado de 1871 e Paranhos o Icaro de 1885.
***
Pois, meus senhores, a César o que é de César.
O gabinete 7 de Março compunha-se, em 28 de Setembro de 1871, dos seguintes
ministros: Visconde do Rio Branco (Fazenda), João Alfredo (Império), Sao Lobato
(Justiça), Teodoro Machado (Agricultura), Junqueira (Guerra), Correia (Estrangeiros) e
Duarte de Azevedo (Marinha).
A Lei foi redigida na casa n. 107 da praça da Aclamação; o trabalho era dividido
entre três homens, que pertencem ao número dos mortos: Visconde do Rio Branco, João
Evangelista de Negreiros Sayão Lobato, depois Visconde de Niterói e José Feliciano de
Castilho.
***
Se a história quiser algum dia aproveitar o que aí fez exposto, não faça cerimônias.
Eloi, o herói
472
03 de outubro de 1885
Eu, a respeito de iluminações, tinha já perdido a esperança de ver coisa mais
extraordinária que a luz elétrica de Campos, uma cidadezinha de província, que se deu a um
luxo diante do qual têm recuado as principais cidades do mundo.
Mas esta folha deu-me ontem uma novidade, que deixa Campos a perder de vista.
Foi a seguinte:
“Numa recente sessão da Academia de Medicina de Paris, foi apresentado um novo
aparelho que permite iluminar o interior do corpo humano e apreciar de visu qualquer lesão
interna das vísceras”.
***
Isto de iluminar os intestinos da gente é uma invenção maravilhosa, tão maravilhosa
como a do vapor, da fotografia e do telégrafo elétrico.
Não é debalde que te chamam o “século das luzes”, ó século XIX!
Essa é a última palavra da ciência, que de hoje em diante não andará às apalpadelas
quando houver de curar as dispepsias do próximo.
Tanta gente por aí que se queixa de sofrer do coração, en aura le coeur net.
Outros, que atribuem a fenômenos nervosos uma lesão cardíaca morrerão mais
depressa talvez, mas ao menos saberão de que morrem.
***
Não há dúvida! foi uma luminosa idéia esta de iluminar o interior do corpo humano.
De ora avante será fácil saber se qualquer indivíduo tem ou não tem maus bofes.
Ninguém poderá fazer das tripas coração, sem se arriscar a divulgar essa
transformação mesentérica.
Mas o que de ser mais curioso é a aplicação do aparelho nalguém que tenha a
barriga a dar horas.
E quando se tratar da nomeação de um patriota qualquer para algum cargo do
Montepio dos Servidores do Estado, ou de outra qualquer repartição onde haja dinheiro à
mão de semear, o novo aparelho indicará claramente se o estômago do patriota em questão
tem proporções anormais.
O mesmo se poderá fazer relativamente ao coração.
O noivo, antes de dar o sim definitivo, examinará, por preço módico, se a noiva não
tem um coração tão grande, que se possa definir indefinidamente, ou tão pequeno, que não
chegue para o uso doméstico.
***
Finalmente a coisa é boa deveras e promete grandes resultados.
Qualquer dia espero encontrar à venda no Grande Mágico ou no Colosso de Rodes
alguns modelos de tão estranho refletor. Comprarei imediatamente um, e aplica-lo-ei nos
meus amigos e parentes, para ver se eles têm o coração bem formado.
***
Para rematar estas frivolidades, vou copiar uns versos inéditos do mesmo poeta
satírico, de cujo talento dias apresentei uma amostra. o me pareceram piores que os
primeiros.
É um soneto, ei-lo:
CONSELHO
Quando algum desses escrevinhadores
Que pululam na imprensa, infelizmente,
473
Na honra acaso te ferrar o dente,
Ou de ti ou dos teus dizendo horrores,
Errado vais se porventura fores
Chamar a juízo o ignóbil maldizente,
Porque um “testa de ferrro” incontinenti
Comprado tomará por ele as dores.
-lhe, dá-lhe a valer!!... fa-lo num trapo!
Por cada embuste arranca-lhe três urros!
Mata o ladrão como se mata um sapo!
Convence-te, leitor: para estes burros
Argumento não há como um sopapo,
Nem resposta melhor que um par de murros.
Eloi, o herói
474
04 de outubro de 1885
voltam os suicídios. E agora é contar com meia dúzia deles de enfiada. O mal é
epidêmico.
Infelizmente não retórica bastante para convencer os tolos de que o sucídio não
remedeia nada, e que mais vale arcar com as dificuldades, por maiores que elas sejam, do
que legá-las aos que cá ficam.
A filosofia das nações afiança que tristezas não pagam dívidas. Ora, se as tristezas
não se dão a esse trabalho, que dirá o suicídio?
O homem que se esquiva à solução dos seus compromissos é sempre um caloteiro,
ou fuja para os Estados Unidos, ou fuja para o Caju. Se no primeiro caso o credor fica a ver
navios, no segundo fica a ver os sapatos do defunto, o que é mais triste... para ambas as
partes.
***
O negociante que anteontem se estrangulou, e que estava ainda em idade de fazer
pela vida, deixou um comovente escrito, declarando escolher a forca, pelo receio, que tinha,
de não morrer, e sofrer muito, se recorresse a outro gênero de suicídio.
Eu se estivesse nas mesmas fúnebres disposições de espírito em que anteontem se
achava esse infeliz, teria receio, não de sofrer, mas de tornar-me ridículo.
Sim, que não há nada mais ridículo do que escapar do suicídio.
***
Há uma anedota que vou reproduzir aqui, para edificação dos que pretendem alistar-
se no regimento negro dos voluntários da morte.
Um indivíduo resolveu matar-se, mas também receiava, como o suicida de
anteontem, que lhe saísse o trunfo às avessas.
Que fez ele?
Tomou uma dose de veneno, e resolveu enforcar-se numa janela que dava para o
mar. Na ocasião de apertar o baraço, dispararia na cabeça um tiro de revólver. Se a corda
arrebentasse cairia ao mar e morreria afogado. Se tudo isso falhasse, estava dentro o
veneno para produzir os devidos efeitos.
Pois bem: O nosso homem meteu a cabeça no baraço, pendurou-se, disparou o
revolver e caiu no mar.
Mas a corda não lhe apertou o pescoço, a bala do revolver cortou a corda, e a água
salgada, que o desgraçado bebeu, fê-lo expelir o veneno na praia, aonde o levou são e salvo
um pescador que passava.
Conhecem alguém mais ridículo que esse homem?
***
Leitor, se algum dia te constar que eu fiz saltar os próprios miolos, acredita que eles
não estavam lá muito para que digamos.
***
De S. Carlos dirigiram a seguinte carta à redação do Diário de Notícias:
“Caro Redator Com máxima timidez e vacilância empenho a minha frágil e inábil
pena, para cumprimentá-lo e solicitar de V. S. a publicação das sextilhas, que incluso esta
lhe remeto, porém peço-lhe toda a benevolência, pois sou um neófito da literatura. Sem
mais etc. Dr. José David Eloi”
Não transcrevo as tais sextilhas, porque, tendo pregado contra o suicídio, não quero
levar o leitor a esse ato de desespero. Pela carta podem ajuizar o resto.
475
Custa a crer que um sujeito que é doutor, e que se chama Eloi, seja tão... tão... Não
acho um termo poético bastante.
***
Pobre hospital da Misericórdia!
Leram ontem a Gazetilha do Jornal do Comércio uma notícia que termina assim? :
“o alferes Antunes comandante da estação, mandou-o recolher ao hospital da
Misericórida, cujo estado é muito grave”.
Quem diria!
Eloi, o herói
476
05 de outubro de 1885
O Recreio Dramático resolveu, afinal, dar-nos alguma coisa nova.
Não era sem tempo.
***
O título da nova peça, Trastes velhos e parentes, é um provébrio que se completa do
seguinte modo: ...muito poucos e ausentes.
Quanto aos parentes, vá; mas quanto aos trastes velhos, não tem razão o ditado. E
muita gente pensa como eu penso. Que o digam os belchiores, que não têm mãos a medir.
Eu quisera que o Sr. Tomaz, protagonista da comédia, tivesse
Na sala seis cadeiras encouradas,
em vez daquela medonha mobília de vime, nova, sim, mas muito imprópria do clima de
Madri.
Demais, o título não está bastante justificado. O Sr. Tomaz tem uns parentes, ou
antes, uns aderentes sui generis: o sogro é um trapalhão estúpido, e a sogra, uma sogra à
Lulu Senior, é uma megera a quem qualquer um de nós (o leitor e eu) fecharíamos a nossa
porta.
Se se estabelece a desarmonia no lar doméstido do Sr. Tomaz, é porque o Sr. Tomaz
é um pulha, que namora as fâmulas de sua mulher, e consente que um amigo tenha uma
entrevista de amor em sua própria casa, a dois passos da alcova conjugal, com uma reles
criada de servir. Eu não conheço indivíduo menos escrupuloso que o tal Sr. Tomaz.
***
Os parentes entram na peça como Pilatos no Credo. De trastes velhos nem se fala.
O autor chama-se Eusébio Blasco, e é um dos mais espirituosos escritores de
Espanha. Não é certamente este o seu melhor trabalho, mas eu estou convencido de que não
é o pior.
***
O tipo mais saliente da peça é o do sogro, que o Maggioli representou com talento, e
melhor representaria se soubesse o papel. Trata-se de um velho que tem mania de arranjar
tudo, e tudo põe de pernas para o ar. O gênero é muito explorado em teatro, mas faz sempre
efeito.
O tipo da sogra é calcado em todos os tipos de sogra, havidos e por haver. A Elisa,
para dar mais relevo ao personagem, apresentou-o hidrópico, ou, como diz o vulgo, de
“barriga d‟agua”, – o que fez rir a bandeiras despregadas.
Os demais papéis pouco trabalho deviam ter dado à Lívia, à Balbina, ao Maia, ao
Lisboa e ao Domingos Braga.
Todos se saíram bem; mas é de justiça mencionar especialmente a Balbina, e uma
cena do ato, representada com muita vivacidade pelos dois artistas que citei em último
lugar. É justamente a cena em que o Sr. Tomaz cede ao amigo a sua sala para um colóquio
brejeiro.
***
O público riu como quem muito tempo não ri, e aplaudiu como quem muito
tempo não aplaude.
Entretanto, a concorrência não era numerosa, o que se explica pela chuva essa
inimiga implacável dos nossos teatros.
Eloi, o herói
477
06 de outubro de 1885
O Sr. Bispo Diocesano mandou publicar no Apóstolo uma pastoral, datada de 3 do
corrente, na qual S. Ex. Reverendíssima, com mais unção que gramática, transmite às suas
ovelhas as últimas ordens do Vaticano.
Manda Sua Santidade “que do 1º de Outubro a 2 de Novembro, em todas as
matrizes e capelas ou oratórios públicos ou em outras a arbítrio do Ordinario (o grifo é da
pastoral! haverá ironia no Ordinario?) se recitem (agora o grifo é meu) todos os dias o terço
de Nossa Senhora, isto é, cinco décadas (ou mistérios, como vulgarmente se chamam) do
Rosário com as Ladaínhas de Nossa Senhora”.
Perceberam? Nem eu.
Fique bem entendido que “se isto (o isto é da Pastoral) que se isto se fizer de manhã,
terá lugar a Missa enquanto se rezar o terço; se tiver lugar depois do meio-dia (o que? a
Missa ou a Ladaínha?), então se exporá o Santíssimo Sacramento, e depois a Bênçao com o
mesmo”.
Os párocos hão de se ver abarbados para expor a bênção, e então a bênção com o
mesmo!
***
Vejamos as indulgências: diz o Sr. Bispo:
“O Santo Padre renova todas as indulgências concedidas em favor de todos os que
assistirem à recitação pública do Terço e orarem segundo a intenção de Sua Santidade”.
O sentido desse período escapa à minha inteligência. Se os devotos ainda não
fizeram jus às indulgências, como é que o Papa as renova? Dar-se caso que Sua
Santidade queira pagar adiantado?
“E os (o Sr. Bispo queria dizer aos) que por legítimo impedimento o fizerem
privadamente, o Santo Padre concede por cada vez uma indulgência de 7 anos e 7
quarentenas”.
Não será muita coisa? Sete anos, vá; mas, além de sete anos, sete quarentenas!
***
A todo o sujeitinho que no dia da festa do Rosário se confessar, comungar e rezar à
Santíssima Virgem, concede o Sr. Leão XIII indulgência plenária, isto é, remissão das
culpas e penas que lhe pesarem no cachaço.
Quer isto dizer: o devoto que na véspera da festa tiver a gubre fantasia de
assassinar ou roubar, no dia seguinte terá a alminha tão imaculada, tão cândida como a da
própria Mãe Santíssima, se for ter ali à igreja do Rosário, confessar-se ao primeiro padre
que encontrar, engolir uma hóstia e rezar a Ave Maria.
***
Felizmente a Polícia nada tem que ver com as indulgências do Vaticano; mas, se
assim não fosse, adeus minhas encomendas! os Srs. assassinos, em vez de esperar pela
eloqüência de seus advogados, esperariam pelo dia da Festa de Nossa Senhora do Rosário.
***
Não acham extraordinário que o sucessor de S. Pedro absolva de antemão todos os
indivíduos que se confessem, como se outro, que não fosse o padre confessor, pudesse em
boa consciência fazê-lo? Pois se o homem já está absolvido pela Pastoral do Sr. D. Lacerda,
para que precisa confessar-se?
***
- Padre mestre, eu tenho um grave pecado na consciência: assassinei ontem um pai
de família para roubar-lhe mil e duzentos.
478
- Oh, filho! cometeste na verdade um pecado hediondo, e eu não te absolveria se
não estivesses absolvido por decreto de Sua Santidade. Vai na paz do Senhor, mas para a
outra vez não continues, que isso é feio!
***
Esta e outras é que fizeram com que o Guerra Junqueiro dissesse que o Padre Eterno
está velho.
Eloi, o herói
479
07 de outubro de 1885
Entretenhamos hoje o leitor com a narração, fiel e desataviada, de uma aventura
amorosa.
A coisa passou-se num dos mais aristocráticos bairros desta Corte.
O mordomo de certa casa bem posta levou a sua ousadia ao ponto de apaixonar-se
pela vizinha de defronte.
Ousadia, escrevi eu, porque a vizinha de defronte não é nenhuma mordoma.
Pertence ao high-life, canta modinhas de Tosti, fala francês pelos dois sistemas conhecidos,
toca piano, vai ao dentista duas vezes por semana, freqüenta o Godinho, não perde teatro
lírico, e não consta que usasse três vezes a mesma toilette.
Apesar de tudo isso Improbus amor...! o coração da moça não resistiu aos ternos
olhares do mordomo. Estabeleceu-se entre ambos um desses namoros escandalosos, que
fazem as delícias da vizinhança bisbilhoteira e taralhôa (Ou taralhona: decida
Escaravelho).
***
Ao pai da bela, que é ginja honrado, como aquele de que fala o poeta, o fez bom
cabelo o namoro. Vendo que as suas admoestações, brandas a princípio e depois violentas,
não conseguiam apagar no coração da filha o fogo ateado pelo deus Cupido, antes o
excitava mais, recorreu o pobre pai (Ninguém pode ser pai com tais mordomos!) a certo
delegado.
Este, que é da última fornada, e foi com muita sede ao pote da autoridade, chama à
sua augusta presença o pálido Romeu, e
C‟um tom de voz lhe fala, horrendo e grosso:
- Então você anda bulindo com a filha do Sr. Fulano?
- Foi ela quem primeiro buliu comigo, Sr. doutor... vê-la e amá-la foi obra de um
momento.
- E está disposto a continuar a amá-la?
- Certamente; não posso impor silêncio ao meu coração apaixonado.
- Pois bem, ou você se muda imediatamente da casa em que mora, ou eu o deporto
para Fernando de Noronha!
- Mas, Sr. doutor...
- Não me replique! Suma-se!
***
Estão as coisas neste . O mordomo apaixonado na expectativa de uma viagem
de recreio, a pobre moça umedecendo a todos os instantes o seu travesseiro de rendas de
Alençon com as lágrimas do desespero, e o pai aplaudindo interiormente a acertada e
enérgica resolução do estóico delegué.
***
Até hoje deportavam-se os cáftens, isto é, os que vivem do amor alheio; hoje
pretende-se deportar quem ama por conta própria.
Ora viva!
O tal delegado é rato que se lambuzou no mel que não havia provado ainda.
Sua Senhoria melhor fará em aprender as leis do seu país, em vez de andar a meter o
filaucioso bedelho em coisas que não são de sua competência.
480
O vigário da freguesia que tome a peito a questão; mas, antes de tudo, lembre-se de
que o amor é o maior e mais eficaz agente de nivelamento das classes sociais.
Eloi, o herói
481
08 de outubro de 1885
Pobre Morgadinha de Val flor!
Quem diria que o drama de Pinheiro Chagas, depois de representado por todas as
formas e em todos os teatros da Cidade Velha, daria fundo na Cidade Nova!
Ele está, fazendo as delícias dos habitantes da rua do General Caldwell e
adjacentes.
O tenor Felipe, diretor da companhia, tem dedo para escolher peças: o teatrinho
enche-se a deitar fora. É verdade que os lugares mais caros custam apenas dez tostões; mas
o dobro que custassem! quem não daria dois mil réis para apreciar essa milésima edição da
Morgadinha?
Um cavalheiro que assistiu à primeira representação, disse-me que o público ria-se a
perder durante as situações dramáticas, ao passo que os episódios cômicos entenebreciam-
lhe o rosto.
Felizmente para os espectadores, na peça de Pinheiro Chagas a parte dramática
subjuga a parte cômica; do 3º ato em diante houve risota de princípio a fim.
Que fábrica de gargalhas se tornaria na Cidade Nova a lenda trágica No seio da
morte (que, entre parênteses, sobe hoje à cena do Recreio em benefício dos tradutores)!
Que de lágrimas provocaria ali uma representação das Três mulheres para um marido!
E quem será tão inimigo das antíteses teatrais, que não compre por mil réis a curiosa
sensação de chorar com um drama e rir com uma comédia?
***
Ainda a propósito da Morgadinha:
O artigo publicado pelo Sr. André Nux-Vomica na Seção crítica do último número
da Gazeta Lusitana, fez-me crescer água na boca.
Aquele colega foi assistir, no S. Pedro de Alcântara, a uma representação do drama
português pelos curiosos da S. D. P. Filhos de Talma.
A missão de Nux-Vomica é não julguem que é curar moléstias do estômago é
“verberar com o ridículo, com o riso e não elogiar”. Mas à vista do triunfo alcançado pelos
“Filhos de Talma”, Nux-Vomica abre uma exceção à regra. Uma vez é a primeira.
“Vimos logo em princípio, diz ele, pelos caracteres dos personagens, pela
naturalidade, pelo todo, que estávamos em presença de amadores de primeira plana, e que
atores distintos não iriam melhor”.
A atriz Olimpia Ribeiro desempenhou magistralmente o papel da protagonista.
“Por vezes, afirma Nux-Vomica, chegou a causar-nos admiração o modo por que
ela vencia todas as dificuldades daquele difícil papel, parecendo até que as desconhecia”.
Eis uma observação sutil, mas muito exata: o melhor meio para vencer
dificuldades é desconhecê-las.
Continua o crítico:
“O Sr. José Andrade, no papel de Luiz Fernandes, tocou por vezes às raias do
sublime”.
Mordam-se de inveja Furtado Coelho, Eugênio, Dias Braga e outros que naquele
papel nunca deram raias.
O Sr. Antonio Andrade (provavelmente irmão do Sr. José) “esteve tão possuído do
seu papel, que com um olhar só provocava o riso.
Entendama-nos: Andrade com um olhar só provocava o riso, ou provocava o riso
com um olhar?
482
Neste caso a ordem dos fatores altera o produto; mas como quer que seja, Andrade é
um dos melhores atores cômicos do mundo, ou lhe baste para provocar o riso, um simples
olhar ou com os olhos não provoque outra coisa senão o riso... e a admiração de Nux-
Vomica.
“Não pensem que estes elogios, acrescenta o colega, sejam feitos de encomenda,
porque é fazenda que aqui não tem despacho.”
E assim termina:
“Dizemos, pois, aos Filhos de Talma: Continuai a estudar, levai à cena mais peças
como esta e o público que despreocupadamente vos julgue. Não receieis a sua opinião. Nós
damo-nos por recompensados (Ai!) pelo que vimos, da noite de sono que perdemos, pois
que o espetáculo acabou tão tarde que o Castelões não tinha empadas, os botequins
tinham feito das mesas depósito de xícaras e nós estávamos com o “corpinho”
(diminutivo de corpo, e não objeto que para senhoras substitui o colete) feito armazém de
sono”.
Tem tanta graça o Sr. Nux-Vômica, que até faz crer que sob aquele pseudônimo de
farmacopéia anda escondido o curioso Andrade.
***
Disse ontem Escaravelho:
Põe-se o herói a dissertar de palanque sobre uma pastoral do Bispo ao mesmo tempo
que declara nada pescar da matéria. no tempo do bom Tolentino (não o que deitou
abaixo a fachada das Belas-Artes) havia muitos destes que
Prontos altercam, prontos contendem,
Prontos decidem do que nada entendem”
Não sei que sejam necessários conhecimentos especiais de teologia ou liturgia para
dissertar sobre uma pastoral em que o bispo recomenda às suas ovelhas que rezem o terço
de Nossa Senhora do Rosário.
E para isto aldrabou Escaravelho um verso de Tolentino, de modo tal que nem o Sr.
Múcio Teixeira o assinaria.
O que o poeta escreveu, foi:
Altercam mil questões; prontos contendem,
Prontos decidem do que nada entendem.
Eloi, o herói
483
09 de outubro de 1885
Está o Vasques na terra!... está na terra o Guilherme de Aguiar!
Vão abrir-se de par em par as portas do Sant‟Anna, há tantos dias fechadas.
Reaparece hoje a eterna, a hilariante Mascote, e
Todos, cristãos ou mouros,
Se inteligentes são,
correrão pressurosos à rua do Espírito-Santo, para apanhar um bom camarote, ou uma
cadeira sofrível.
***
Vieram todos mais gordos, inclusive o Heller, o magro por excelência. Gordos e
bem dispostos. Deram-se perfeitamente com as águas da Cantareira e as brisas do Ipiranga.
A Henry, a Delmary e a Isabel apostaram entre si, em S. Paulo, qual delas
engordaria mais.
A Hermínia e a Delsol, esta apesar do desgosto por que passou quando lhe
surrupiaram as jóias, não quiseram deixar-se vencer pelas colegas, e engordaram também,
que foi um Deus nos acuda.
O Arêas remoçou; o Matos arranjou boas cores rubicundas, o Lisboa, o Polero e o
Pinto sentiram que o abdomem lhes crescia tanto, tanto que cederam algumas banhas ao
Santos Silva e ao André!
As coristas ganharam também com a viagem, algumas voltaram belas e a
sedutoras.
Tenho esperança de que os côros percam agora o acento circunflexo com que alguns
espectadores malignos haviam substituido o acento agudo do o.
Resta-me, por conseguinte, dar os parabéns aos freqüentadores do Sant‟Ana, e, ao
mesmo tempo, afirmar-lhes que o Heller prepara um milhão de novidades, cada qual mais
nova.
***
Chegou também o Sousa Bastos, disposto a formar uma grande companhia de
opereta, que funcionará no Príncipe Imperial.
Eu vi as coisas tão mal paradas, que estava convencido de que o teatrinho do
Rócio nunca mais abriria as suas portas.
Até já tinha cantado entre dentes a conhecida balada:
Era uma vez um príncipe...
Felizmente os meus receios eram infundados. O Sousa Bastos está para reanimar
o cadáver. Já neste momento trata-se ativamente de fazer desaparecer os vestígios,
desagradáveis ao olfato, dos artistas do Sr. Salvini.
***
E se o Príncipe desaparecesse, daria o público por isso?
O velho Ginásio, cofre de tantas tradições artísticas, lá está convertido em sociedade
carnavalesca, e não houve pena que traçasse um necrológio nem lira que soluçasse uma
nenia.
484
Agora é o S. Luiz que desaba ao som da picareta do pedreiro; dentro em poucos
dias, ninguém se lembrará do Furtado Coelho, da Emília Adelaide, do Vale e, de tantos
outros que por ali passaram.
***
Em compensação, consta-me de fonte limpa, que alguém pretende edificar um
teatro-jardim com frente para o largo de S. Francisco de Paula, teatro que se chamará Eden.
***
E já que o meu artigo foi todo teatral, terminarei pela transcrição da seguinte
quadrinha, que me remeteram de S. Paulo:
Entra uma dama p‟r‟o teatro,
Futura Sarah Bernhardt;
Encarregam-se: o Vasques de ensiná-la
E o Guilherme de a guiar.
Tenho visto piores.
Eloi, o herói
485
10 de outubro de 1885
O Apóstolo cascou-me ontem uma reverendíssima descompostura. Eu contava
com ela. Meti-me a criticar uma pastoral do Bispo: não podia esperar do tonsurado colega
palavras de benevolência e amor.
O sistema de ensinar xingando é talvez o pior, e a Igreja não o aprovará sem ofender
ao Deus de quem todos somos filhos. Mas o Apóstolo talvez assim não pense... e quem
sabe? o padre que me descompôs talvez não estivesse muito cristão...
***
Vou tratar de me defender como puder, sem insultar ninguém.
***
O próprio Bispo foi quem me deu a significação do que é indulgência, ou por outra,
quem me induziu em erro.
A pastoral, depois de falar em “indulgência plenária”, acrescenta: “E esta
pleníssima remissão das culpas e penas é concedida também a todos que no dia da Festa do
Rosário ou em qualquer dentro do seu Oitavário, receberem os dois Sacramentos
mencionados, e em alguma Capela orarem à Santíssima Mãe de Deus, segundo a intenção
do Papa”.
E eu escrevi:
“A todo o sujeitinho que no dia da festa do Rosário se confessar, comungar e rezar à
Santíssima Virgem, concede o Sr. Leão XIII indulgência plenária, isto é, remissão das
culpas e penas que lhe pesarem no cachaço”.
Já vêem, pois, que não fiz mais do que repetir, mutatis mutandis, a prosa episcopal.
***
O que o Apóstolo não quis, foi defender os conhecimentos gramaticais do Sr. D.
Pedro de Lacerda. Não se me dava que Sua Exa. engazopasse o povo com todas essas
promessas de beatitude, se o fizesse em bom português. E se assim fosse, a própria religião
de sacristia aproveitava com isso. Quando o padre Antonio Vieira, escrevendo ao marquês
de Gouvêa, a entender que os cometas são indícios irrefragáveis da cólera divina, fa-lo
em tão boa e elegante linguagem portuguesa, que a gente deixa-se levar pelo disparate.
***
Maior serviço que uma pastoral do Bispo prestará à nossa religião o mármore que
por estes dias será exposto, esculpido pelo nosso ilustre compatriota Rodolfo Bernardelli.
Ainda não vi esse trabalho, mas tenho já as melhores informações sobre ele.
O grupo representa o Cristo no momento em que defende a mulher adúltera,
atirando às turbas aquela sublime apóstrofe: Quem se julgar sem pecado que lhe atire a
primeira pedra!
Dizem que a figura do Cristo, agasalhando no manto a desgraçada, é um ideal de
poesia e ternura.
O autor da Faceira é um grande artista!
***
Encontrei ontem o França Júnior; disse-me maravilhas de um paisagista alemão que
se acha presentemente nesta Corte.
Chama-se Treidler, e expõe, a principiar de hoje, alguns quadros na galeria De
Wilde.
Lá irei, e lá espero encontrar os meus leitores de bom gosto.
Eloi, o herói
486
11 de outubro de 1885
Se o leitor, acedendo ao meu convite, foi à casa do De Wilde apreciar os quadros do
Treidler, acredite que travou relações com um excelente pintor.
O Treidler copia a natureza com tanta verdade e uma certeza tal, que deixa a perder
de vista o seu patrício Grimm, que eu já chamei um dia o Epaminondas da pintura.
O Treidler é tão impressionista, tão p a p a Santa Justa que, perguntando-lhe
alguém, referindo-se não sei a que trecho de passagem que não parecia bem claro:
- Que é isto?
- Não sei, respondeu ele: eu vi assim.
Entretanto, o artista, apesar de fazer as maiores concessões à sua escola, não deixou
de comunicar um pouco de sua alma àquelas esplêndidas paisagens da Alemanha, da Itália
e da Polônia.
***
É admirável como este pintor em tão pouco tempo soube identificar-se com a nossa
natureza; além de três belos quadros representando a praia da Copacabana, vista do morro
do Leme, a praia do Flamengo e a rua Paisandu, expõe duas pequenas aquarelas: a Gávea e
o nunca assaz pintado Corcovado. Este último trabalho é um primor de colorido.
Nos quadros do Treidler é notável a perspectiva aérea; num deles as nuvens
resolvem-se com uma delicadeza surpreendente.
o me cansarei de repetir aos meus leitores que roubem um quarto de hora às suas
ocupações, e procurem certificar-se da justiça dos meus elogios.
***
Ao sair da casa do De Wilde, lobriguei, numa vidraça, ricamente emoldurado, o
retrato a óleo do Sr. Frederico Glete.
Logo à primeira vista reconhece-se o pincel do Driendl.
Magnífica pintura!
Dir-se-ia que há sangue debaixo daquelas tintas!
***
O retrato foi oferecido ao Sr. Glete pelos operários da sua fábrica de fiação e
tecidos.
Esses homens rudes acabam de dar uma lição de mestre aos promotores de
“manifestações a óleo”. Desejando oferecer o retrato ao seu digno patrão, recorreram a um
grande artista, não se deixaram levar por esses pinta-monos que pululam, e se rendem
por dez réis de mel coado.
Para receber um retrato assim, vale a pena ser vítima de uma “manifestação a
óleo”.
***
Vítimas de outro gênero estão sendo os nossos melhores amigos.
Até hoje não era raro ver na rua um cão vadio estrebuchando nas vascas de uma
agonia cruel, causada pela stricnina municipal.
Ontem, no largo de S. Franscico de Paula, no coração da cidade, o veneno foi
substituído pelo ferro.
Os permanentes matavam os pobres animais com os seus chanfalhos virgens, e a
carnificina era dirigida em pessoa por um dos fiscais da Ilustríssima Câmara.
É inacreditável que numa terra, que se preza de civilizada, tais atos se cometam à
luz meridiana.
***
487
Infeliz chanfalho! quando, no fim da vida, o permanente reformado pendurar-te na
parede, ao lado da barretina e do apito, como um troféu glorioso do passado, dirá aos
netinhos, apontando para a tua lâmina enferrujada:
- Aquele que ali vêem já matou sete cães!
Ora gaitas!
Eloi, o herói
488
12 de outubro de 1885
O Heller deve estar satisfeitíssimo com a recepção que o público fez anteontem à
sua companhia.
O teatro estava cheio a deitar fora; muitos espectadores contentavam-se de ouvir
sem ver, e outros de ver sem ouvir.
A sociedade era escolhida. Estavam presentes todos os velhos freqüentadores do
Sant‟Anna, os fiéis, como diz o empresário.
A imprensa achava-se bem representada.
As horizontais...
***
(Entre parênteses: elas em Paris não se chamam horizontais. Pierre Véron
arranjou-lhes outra classificação, que “pegou”, porque não deixa de ser pica: classificou-
as de momentâneas. Aí fica o vocábulo à disposição dos colegas).
***
As momentâneas cruzavam-se no jardim do teatro, durante os intervalos.
Entre elas era notada a celebérrima S., que todos julgavam morta e sepultada, ou,
pelo menos, ausente. A sua ausência foi também momentânea. Ressuscitou anteontem,
coberta de brilhantes de todos os quilates. Desconfia-se que esta francesa andou viajando
pela República dos Tolos. É provável que qualquer dia faça “festa artística” em qualquer
teatro, segundo o seu velho costume. E de ter mais concorrência do que teve no seu
benefício a infeliz viúva de Joaquim Manoel de Macedo. Cá estamos à coca.
***
A representação da Mascote correu anteontem sem incidente algum digno de nota.
Os atores portaram-se com a galhardia habitual.
Vasques provocou, de princípio a fim, uníssonas gargalhadas, e no ato
improvisou umas quadras que infelizmente não me ficaram de memória. O Guilherme foi o
mesmo hilariante Simão XL que o público já aplaudiu duzentas vezes. A Henry, a Delsol, a
Delmary, o Matos e os demais intérpretes da Mascote porfiaram em oferecer aos seus
apreciadores uma representação digna destes.
O que, aliás, não era para admirar, porque o público, diga-se a verdade, animou-os
que foi um regalo. Até os coros os detestáveis coros do Heller, que estão a pedir acento
circunflexo e reforma foram recebidos com aplausos. Quando o Vasques e o Guilherme
se apresentaram em cena, foi tal o entusiasmo que, por pouco mais, eu teria que registrar
uma ovação.
***
O proprietário do Sant‟Anna bem podia ter aproveitado a viajata da companhia para
substituir os incômodos assentos da platéia. Infelizmente não teve essa idéia humanitária.
O teatro não passou por melhoramento algum. Não ali nada de mais nem de
menos. Não! Minto! de menos o telefone no proscênio e o Cavalier na orquestra,
regida agora pelo Chico de Carvalho, que era o primeiro violino do Mesquita nos bons
tempos da rua da Ajuda. On revient toujours...
***
A propósito: Que fim levou o Mesquita? Onde se escondeu, que faz esse adorável e
insigne preguiçoso?
Eloi, o herói
489
13 de outubro de 1885
Chega-nos de Belém do Pará uma extraordinária notícia teatral:
Estava a linda Inês posta em sossego, do seu trabalho gozando o doce fruto na
companhia Braga Junior, quando a Rosa Villiot fez a seguinte declaração à empresa:
- Ou ela... ou eu!
Ora, como no nosso pequeno mundo teatral abundam as Ineses e escasseiam as
Rosas, a empresa não hesitou um segundo, e vociferou:
- Ela!
E a linda Inês, coitadinha! que nunca há de ser rainha, nem mesmo depois de morta,
foi obrigada a bater a linda plumagem, e a declarar pela imprensa que não estava resolvida
a servir de peteca.
“Na Bahia, disse a Inês pelo Diário de Notícias, do Pará, não podendo mais sofrer
os debiques dessa senhora, de que era constantemente vítima até mesmo em cena, onde não
lhe podia responder, avisei-a que não continuasse; respondeu-me que continuava, porque
ela queria, acompanhando isto de que era infame, ordinária e galega (por ser portuguesa), e
outras coisas mais que a decência não permite dizer”.
Pela redação desse período, parece que a Rosa se chamava a si própria infame,
ordinária e galega; mas, à vista do complemento circunstancial por ser portuguesa , a
ofendida é realmente a Inês, que, como se vê, trouxe a questão para o terreno da
nacionalidade.
Isso lá na terra do açaí fará talvez muito efeito se aqui já o fez! e é provável que
o benefício da vítima, benefício que naturalmente sucedeu ao desaguisado, fosse muito
concorrido pela colônia portuguesa.
***
Entretanto, antes de apelar para esse benefício, apelara a Inês para... Não! ouçamo-
la, que é melhor:
“Se apelo para a consciência dessa senhora (se é que ela a tem), que diga
publicamente se algum dia lhe fiz mal ou a prejudiquei em alguma coisa, a ela ou a alguém
da companhia de que fiz parte quase dois anos, muito antes dessa senhora entrar”.
Logo que a Rosa entrou, começou a Inês a reconhecer a verdade do antigo rifão que
diz não haver rosa sem espinhos; picou-se, e, em vez de fazer o que aconselha outro rifão,
foi para a imprensa mostrar que não é nenhuma Inês d‟Horta.
O Lopes Cardoso, ao ler o artigo da mísera e mesquinha, exclamou:
- Que Inês... plosiva!
Ui!
***
De Belém a Taubaté o pulo não é pequeno; mas eu preciso ir à cidade celebrizada
por frei Caetano de Messina.
A Gazeta de Taubaté, falando da Velhice do Padre Eterno, que considera símbolo
da demência do autor de tantas sandices, disse que eu dei a entender que não é geral a
simpatia pelo novo poema de Guerra Junqueiro.
Com certeza assim deve ser: os padres, por exemplo, não podem ver com bons
olhos aqueles alexandrinos satânicos e audazes.
Mas nem por sombras eu fiz semelhante insinuação; protesto contra o colega que,
para dizer mal do livro, sob o ponto de vista ortodoxo, socorre-se de uma opinião apócrifa.
O que eu disse, e sustento, em que pese ao Valentim Magalhães, foi que o poeta
fuzilou um morto.
490
Ora aí está!
***
Para terminar, vou transcrever um documento bastante curioso, e integralmente,
para que ninguém diga que foi inventado por mim:
Em falta do Ilm Sñr. Subdelegado do 1º Distrito do E. Novo Eu o Inspetor;
Concedo licença ao Sñr. Antonio morador a Rua do Engenho d‟Dentro 11 para se
adevertirem em dançar o Fado hoje e amanhã 30 do corrente; Ficando Desde já prevenido o
Dito Sñr. Antonio d‟ q‟ qualquer novidade q haja a Responsabilidade é sua O Inspetor
Ignacio Pereira Guimarães”.
! Quebra, seu Antonio!
Eloi, o herói
491
14 de outubro de 1885
O meu amigo Dr. Claudio Rebourgeon, diretor da Escola de Veterinária e de
Agricultura Prática, de Pelotas, convidou-me para jantar ontem com ele no hotel do Globo.
À hora aprazada encontrei-o em companhia de três cavalheiros a quem fui
graciosamente apresentado pelo meu ilustre Anfitrião.
Eram eles o Dr. Domingos Freire e seus dois discípulos, empregados na comissão
de estudos sobre a febre amarela, os simpáticos sextanistas Joaquim Caminhoá e Luiz
Chapot-Prévost.
O jantar, que foi magnificamente servido, correu alegre e animado; o Dr.
Rebourgeon teve espírito por quatro, o Dr. Freire, apesar de sua impertubabilidade, não lhe
ficou atrás, e os dois rapazes estiveram deliciosos de verve.
O primeiro brinde que os houve foi levantado pelo Dr. Rebourgeon; e se não
fosse esse brinde, o presente artigo não teria razão de ser.
O Dr. Rebourgeon, lamentando que a teoria microbiana do Dr. Freire encontrasse no
Brasil tantos inimigos incompetentes e gratuitos, lembrou que o ano passado, achando-se
em Paris, teve o prazer de apresentar pessoalmente ao seu amigo, o célebre Bouley, os
resultados dos estudos, feitos pelo eminente médico brasileiro, sobre a febre amarela.
Bouley é o presidente da Academia de Ciências de Paris, o discípulo mais querido
de Pasteur, e o propagador mais autorizado da doutriana pasteuriana.
Acrescentou o Dr. Rebourgeon que Bouley imediatamente comunicou a Pasteur os
trabalhos do Dr. Freire, e que o ilustre sábio desfez-se em merecidos elogios ao nosso
compatriota. Por essa ocasião declarou Pasteur que a análise do vírus brasileiro mais lhe
acendia o desejo de visitar o nosso país, desejo que nutria desde que fora convidado pelo
Imperador para empreender a viagem. Infelizmente o mau estado de sua saúde não lhe tem
permitido aceder ao imperial convite.
O Dr. Freire, por seu turno, brindou o Dr. Rebourgeon, e agradeceu-lhe vivamente o
muito que fez para que o seu nome se tornasse tão conhecido na Europa, onde tem sido
citado por toda a imprensa.
Acabou o jantar no meio dos votos entusiasmados, que todos nós fizemos pelo
progresso da ciência no Brasil.
Eu, como profano, estava naturalmente vendido entre esses ilustres profissionais;
mas não me pareceu que isso fosse motivo para não tornar pública uma circunstância que,
enchendo de glória um compatriota, nos honra a todos nós, brasileiros.
Eloi, o herói
492
15 de outubro de 1885
Inaugura hoje os seus trabalhos, no teatro Lucinda, a companhia dramática
organizada pelo ator Martins, destinada a representar comédias nacionais de preferência a
estrangeiras.
Subirá à cena o Luxo e vaidade, de Joaquim Manoel de Macedo.
Essa comédia, que muitos anos não é representada, vai felizmente dar alguns
direitos de autor à viúva do ilustre escritor brasileiro, e ao menos durante alguns dias prover
a sua subsistência.
***
No meio do esfacelamento em que se acha o teatro no Rio de Janeiro, é de
alguma sorte bem merecer do público procurar levantá-lo, embora não seja à altura que lhe
compete.
Infelizmente, antes mesmo que a nova empresa começasse a funcionar, apareceram
as inevitáveis mofinas anônimas, que se atravessam no caminho de todos que trabalham,
de todos que lutam por uma idéia qualquer.
Eu bem sei que o pessoal da companhia Martins não se pode chamar seleto, e é isso
naturalmente devido às dificuldades em que se viu colocado o empresário pela falta de bons
artistas que pudesse contratar.
Mas Roma não se fez num dia. Quem nos diz a nós que o Martins não conseguirá
amanhã o que ontem não pode alcançar? Os nossos teatros são, a respeito de atores e de
atrizes, uns verdadeiros caleidoscópios, que estão sempre a variar de aspecto. Pode ser que
amanhã as coisas mudem de figura, e, graças às circunstâncias, possa, afinal, o Martins
reunir um grupo de bons artistas, consagrados pelos aplausos do público.
Tudo depende deste: se os espetáculos do Lucinda forem concorridos, se houver, da
parte do público, a necessária animação, a companhia se organizará, adquirindo os
elementos que ora lhe faltam.
***
Muitos que não têm confiaa no empresário: lembram-se apenas do diretor do
Cassino Franco-Brasileiro, a roer as unhas no Nhô-Quim e no Capadócio; mas esquecem-se
do Martins dos bons tempos do Ginásio, e, entre outros, do seu esplêndido papel de
Benoiton.
Ainda ultimamente, nesse mesmo Lucinda, o Martins, chamado à ordem pelo
Furtado Coelho, mostrou sobejamente que a opereta, a paródia, e, sobretudo, as
atribulações inauditas de empresário, não lhe tiraram tudo.
***
Não é a primeira vez que ele tenta fazer alguma coisa em prol do teatro nacional:
poucos anos organizou uma companhia, que estreou com os Mineiros da desgraça, de
Quintinho Bocaiúva, e exibiu depois Os miseráveis, de Agrário de Meneses, algumas
comédias de Pena, e não sei que mais. A empresa foi por água abaixo; mas por isso mesmo
me parece louvável a persistência do artista.
***
Creiam todos os cultores dessa moderna literatura indígena, inventada pelo Jornal
do Comércio, e que consiste numa resenha malévola do que dizem os colegas, que eu não
tenho interesse em defender o Martins, a quem não devo favores de espécie alguma.
Defendo, sim, a idéia, que ele teve, de fazer do nosso teatro coisa decente; outro que fosse o
empresário, a minha linguagem seria a mesma, lisonjeira talvez porém sincera.
493
Não exijo muito. Peço apenas que auxiliem um artista que me parece bem
intencionado. Se eu estiver iludido, o tempo a todos no-lo mostrará, e, nesse caso, farei
coro, não com os mofineiros, mas com os descontentes.
Demos tempo ao tempo.
***
A Gazeta da Tarde passou-me ontem duas descomposturas: uma impressa e outra
declamada à porta do Castelões.
Na impossibilidade de transcrever ambas elas, vai a impressa; sem fazer o menor
comentário, chamo para ela toda a atenção dos meus leitores:
“O gordo Eloi, ainda espalitando os dentes, participou hoje aos leitores do Diário de
Notícias que jantou bem, muito bem mesmo, que comeu à tripa forra em companhia de dois
médicos distintos e de dois sextanistas idem, conservando-se porém na mesa, entre uma
taça de champagne e um croquette, vendido por ser profano na ciência o micróbio
elogiado por Pasteur e por Bouley.
E com as mãos espalmadas, afagando o largo abdomem, com ares de quem faz o
quilo, chama o pagante de Anfitrião.
“O que vale é que, como pendant à descrição do banquete, vem mesmo ao lado uma
notícia em que o redator mostra a sua predileção pelo porco... assado.
“Ficamos, pois, todos sabendo que o volumoso Eloi conheceu quem é o Dr.
Domingos Freire, admirado por Pasteur e outros, depois que lhe pagaram um jantar”.
Seguem-se ainda dez linhas que não me dizem respeito.
Eloi, o herói
494
17 de outubro de 1885
Fui ontem ver o grupo do Bernardelli.
É estupendo, mas não me surpreendeu. Os primeiros trabalhos do nosso ilustre
compatriota foram menos uma promessa que uma realidade. Bernardelli galgou de um salto
o pedestal em que se acha; não subiu degrau por degrau, não descansou em caminho.
Qualquer descrição daquele mármore me saíria pálida e fria; vão -lo, vão admirá-
lo, vão extasiar-se diante daquele Cristo e comover-se diante daquela pecadora.
A luz da sala está mal disposta: é muito alta, não faz sobressair todas as belezas
daquele esplêndido trabalho. Mas ainda assim, devemos dar graças a Deus, por não terem
metido o grupo nalguma tenebrosa cafua, onde só entrássemos às apalpadelas.
O artista caprichou em amontoar dificuldades, para provar que as sabe vencer, por
maiores que elas sejam. No grupo umas tantas concavidades onde só penetraria um
escopro paciente e genial. A abertura das mangas da larga túnica de Cristo, deixando ver
interiormente os braços, perfeitamente contornados, devia ter dado ao artista um trabalho
insano, incalculável. Toda a figura da mulher adúltera, figura admirável de beleza e de
expressão, está cheia desses recôncavos estreitos que são o desespero dos mais ilustres
cinzéis.
Se me perguntarem qual das duas figuras eu prefiro, se a do Cristo, se a da
pecadora, hesitarei muito tempo antes de responder. Pode ser que depois de mais algumas
visitas à Academia de Belas Artes, eu me decida por uma ou por outra.
A cabeça do Cristo é realmente admirável, sem a pieguice tradicional dos velhos
Cristos de convenção. Alguém me disse que o quisera mais magro, mais macerado.
Porque?! Cristo era um homem sadio, que se o o fosse, não poderia desenvolver tanta
atividade, e andar tanto de um lado para outro na faina do evangelho. Agrada-me, aquele
homem másculo, forte e rosado rosado sim, porque na brancura daquele mármore sublime
adivinham-se as cores purpúreas da saúde!
O dorso da mulher adúltera trouxe-me à lembrança o da Vênus de Milo, esse
assombro de pedra diante do qual passei horas e horas esquecidas.
E as vestimentas? Quando algum dia foi o mármore mais leve, quando flutuou em
dobras mais artísticas?
O grupo de Bernardelli é uma obra-prima, quer no tocante à concepção, quer no
tocante à execução.
***
Um sujeito apresentou-se ontem na exposição de chapéu na cabeça, ao passo que
todas as outras pessoas presentes estavam descobertas. Alguém lhe observou essa falta de
delicadeza, e ele saiu-se com esta:
- A imagem não está benta, foi por isso que não me descobri.
Antes desse outro visitante havia lamentado que o Cristo não tivesse resplendor;
mas qualquer deles levou as lampas a um energúmeno que, dando os parabéns a Rodolfo
Bernardelli, disse-lhe:
- É muito bonito o seu grupo, mas faria muito mais efeito se fosse colorido.
***
O mau estado de minha saúde não me permitiu assistir anteontem à representação
do Luxo e vaidade; por isso os meus leitores não encontrarão neste artigo o compte-rendu
anunciado ontem pela Gazeta da Tarde.
495
Se os meus amáveis colegas da folha vespertina quiserem dar-se ao trabalho de
anunciar todos os dias, de véspera, os assuntos dos meus artigos, muito lhes agradecerei o
obséquio, prestando-me de boa vontade a mandar-lhes quotidianamente a respectiva nota.
Estou mesmo convencido de que a empresa do Diário de Notícias, se os colegas
forem razoáveis, não se furtará ao pagamento do anúncio, que talvez seja lido por muita
gente.
***
Lulu Senior tinha ontem um assunto ao pintar para a sua “bala de estalo”: os tais
Srs. vereadores que nos negócios do Matadouro andavam, como os bois, a tanto por cabeça.
Ninguém melhor do que o terror das sogras analisaria o formidável escândalo diante do
qual ontem pasmou boquiaberta a população desta cidade.
Em vez disso, Lulu Senior escreveu muitas linhas de prosa para fazer crer que eu
não conhecia o Dr. Domingos Freire.
Não creias, público da minha alma, não creias; eu, como tu, há muito tempo
conhecia o Dr. Freire. Apenas não ligava o nome à pessoa.
Há conhecer e conhecer.
Eloi, o herói
496
18 de outubro de 1885
Realiza-se hoje a festa de Nossa Senhora da Penha, a saturnal católica dos
carroceiros e das lavadeiras.
Neste “dia grande”, a bebedeira é considera função natural e decorosa.
Nada mais pitoresco do que as ruas desta cidade, quando voltam da romaria cheios
de devoção e vinho virgem, grupos e grupos de festeiros, trazendo todos ao pescoço, ou a
tiracolo, grandes rosários de roscas.
Não sei qual seja a intenção ortodoxa da rosca na popularíssima festa; só sei que
esse produto barato de padaria é o ornamento indefectível e tradicional dos devotos da
Senhora da Penha.
Provavelmente o uso imigrou do velho Portugal, e a sua origem perde-se na noite do
tempo dos Afonsinhos.
Esmerilhem outros, mais curiosos e menos ocupados que eu, a interessante
influência da farinha de trigo no espírito beatífico do povo.
***
quem diga cobras e lagartos contra a romaria da Penha. Eu não. Acho-lhe um
sabor ingênuo e primitivo.
Se houvesse festas da Penha de oito em oito dias, eu seria o primeiro a serrazinar
contra elas.
Mas aqueles pobres homens honrados, que levam todo o ano entregues ao trabalho
braçal, têm este dia de verdadeira independência, de regabofe absoluto, de tripa forra,
enfim.
Embriagam-se, é verdade, mas fazem-no uma vez por ano, e a rezar. É uma
camoeca pode-se dizer tomada na pia da água benta.
Quando algum sério conflito se durante a festa, o carroceiro está sempre isento
de culpa e pena.
O sanguinário romeiro da Penha, tempos escandalosamente absolvido pelo
Tribunal do Júri, não era um carroceiro, mas “um rico homem”. Carroceiro era o
assassinado. A festa da Penha é talvez para nós o que a micarême é para os franceses;
leguemo-la aos nossos filhos tão ingênua, tão grotesca, tão absurda como a recebemos de
nossos pais.
O povo hoje diverte-se: as instituições não correm perigo.
Nem mesmo a Ilma. Câmara Municipal.
***
Muita gente que não conhece a singela ermida de Nossa Senhora da Penha,
pitorescamente edificada sobre uma pedra gigantesca.
É uma magnífica obra de arte a imensa escadaria aberta nesse rochedo, do alto do
qual o romeiro, seja qual for o lado para que se volte, contempla extasiado um panorama
esplêndido.
Infelizmente os romeiros da Penha são quase todos por demais positivos para se
impressionarem com os encantos da natureza, que lá em cima os rodeiam.
Mas se algum dia um poeta lembrar-se de ir à Penha coisa que até hoje não consta
houvesse acontecido é muito natural que venha fazer propaganda cá para a rua do
Ouvidor.
assim se poderá estabelecer tal ou qual variedade na população devota da
milagrosa Senhora. É só o que lhe falta.
497
Resolvam-se os poetas e dêem um passeio à Penha, enquanto alguém não se lembra
de despoetizá-la com uma estrada de ferro, como fizeram ao Corcovado. Digam-me depois
se os engano.
Um bom cavalo, e coragem!
A escadaria é acessível, mesmo aos que sofram do coração. anos, vi subir, de
joelhos, um pobre diabo, muito magro e amarelo, que desse modo cumpria piedosamente
uma “promessa” feita à Virgem da Penha.
Coitado!
Eloi, o herói
498
19 de outubro de 1885
Anteontem o Rio de Janeiro estava todo no S. Pedro de Alcantara e no Politeama
Fluminense. Os caboclos do Heller, os leões nubianos do Herr Nordsieck e as cambalhotas
do Brown monopolizaram o público.
***
Nem mesmo a graciosa Pepa, que reaparecia depois de longa ausência, conseguiu
levar uma enchente ao Príncipe Imperial. Entretanto, ninguém poderá negar que a Pepa é
uma atriz estimadíssima, e que andava por muita gente, inclusive este seu criado, com
saudades dela e das suas cançonetas.
Ainda assim, não lhe faltaram aplausos e ramilhetes.
***
A sala da Fênix apresentava um aspecto triste. Muitas cadeiras e alguns camarotes
vazios. As galerias e o galinheiro mal guarnecidos. Completa ausência de público pagante.
Pois perdeu quem lá não foi.
Estreava a companhia Montedonio com a representação do drama ou antes da
comédia em 6 atos Os fidalgos da Casa Mourisca, extraída pelo Sr. Carlos Borges do
famoso romance de Julio Diniz.
A peça não é mal arranjada: as principais situações do romance foram
engenhosamente aproveitadas, e o autor, diga-se a verdade, respeitou o mais que lhe foi
possível a brilhante prosa do malogrado romancista português.
Está dito e redito que é extremamente difícil extrair um drama de um romance, dois
gêneros de literatura completamente diversos; mas não negar que o Sr. Borges dotou o
teatro do seu país com uma peça que há de ser sempre ouvida com prazer.
***
O romance é por demais conhecido para que eu me ao trabalho de dizer agora o
que ele é. A própria peça aqui foi anos representada no Recreio Dramático; por sinal
que o Cesar de Lima desempenhava admiravelmente o interessante papel de Fr. Januário.
Esse Fr. Januário meteu-se anteontem na pele do Pestana, que é bastante aceitável
para quem não viu o Cesar de Lima. Eu vi-o.
O Gama, que até hoje só tinha sido apreciado, e muito apreciado, nos mais burlescos
papéis de três ou quatro operetas, foi um D. Luiz de Villar dos Corvos que bem pouco
deixou que desejar. Nobreza, sobriedade de gestos, soberbo tipo de fidalgo de velha rocha,
(pintura um tanto carregada, talvez, para um teatro pequeno): nada lhe falta. É pena que de
vez em quando lhe falhem as inflexões, e destoe alguma coisa da caracterização geral do
seu papel.
A Júlia de Lima, uma atriz que tem mãos e olhos bonitos, foi uma baronesa de
Santo Real, que não desmereceu do noivo, o exuberante e esperançoso Sepulveda, ex-gênio
do fogo. A Júlia deve ser menos... mais... como direi?... menos espevitada; exprimir-se com
menos afetação. Se o conseguir, terá os meus parabéns.
Como o Belido foi o único brasileiro que tomou parte na representação de
anteontem, naturalmente não afinou com os seus irmãos de arte e de além-mar. Entretanto
disse com inteligência o seu papel de Jorge. Um conselho: varie os seus gestos de
desespero, Belido. Aquilo de estar a passar continuadamente a mão pela cabeça podeser
muito bom para alisar os cabelos, mas é ineficaz como expressão de sentimentos. Liberte-se
daquela detestável melopéia na recitação. É um defeito muito comum nos nossos atores;
nenhum outro defeito, porém, é mais insuportável. Aprenda a dizer as “falas” com seu
sogro, que é mestre na naturalidade da dicção.
499
A Adelina e a Amélia, ambas de Belido, o Teixeira Leão e o Peixoto contribuíram
para o bom êxito da representação.
***
Muito de propósito deixei para o fim o empresário Montedonio, que deu um
desempenho notável ao papel de Tomé da Póvoa. Creio que representar assim é
aproximar-se da perfeição. O distinto ator deu-nos o tipo completo de um lavrador do
Minho. A voz, o gesto, o olhar, o modo de vestir e de andar tudo, tudo foi perfeitamente
estudado. O Montedonio anteontem não representou: viveu. O diálogo do ato, entre ele e
Jorge, lhe valeria uma torrente de aplausos se tivesse alguém no teatro.
***
É para lamentar que assim não fosse. Pois que mais querem, meus senhores? Boa
peça, bem ensaiada (e ainda sobre este ponto devo cumprimentos muito especiais ao
ensaiador), bem “sabida” bem desempenhada, e bem posta em cena, com cenários novos e
bem pintados.
***
Os poucos espectadores de anteontem saíram plenamente satisfeitos; e mais
satisfeitos sairiam, se o espetáculo houvesse terminado mais cedo.
Para obviar a esse incoveniente, basta que o pano suba a tempo e a horas, e que se
restrinja alguma coisa do 1º ato, que é muito longo.
Na bonita cena capital do 4º ato é preferível que Berta execute na arpa outra música
que não seja aquele fragmento da Aida. A ópera de Verdi provavelmente não havia chegado
ainda à casa Mourisca na época em que a desventurada Beatriz dedilhava o instrumento do
profeta numa alcova perdida do velho solar minhoto.
Eloi, o herói
500
20 de outubro de 1885
Obsequiosamente convidado pela diretoria da Companhia de Navegação de S. João
da Barra e Campos, para assistir à experiência oficial do vapor Carangola, achei-me ontem,
às 10 ½ horas da manhã, na ponte Ferry, donde uma barca me transportou, em companhia
dos demais convidados, para bordo do aludido vapor.
O Carangola, que tem uma marcha de 12 ½ a 13 milhas, é um dos maiores navios
construídos no Brasil, em estaleiros particulares: mede 210 pés de comprimento, e tem
acomodações para 32 passageiros de classe. Foi planeado e construído pelo Sr. Dr.
Carlos Moreaux, proprietário dos importantes estaleiros da Ponta d‟Areia.
***
Tinham-me dito que a experiência seria feita dentro da barra. Se eu soubesse que
havíamos de ir para lá da fortaleza de Santa Cruz, não era o filho de meu pai que assistiria à
tal experiência. Confesso que sobre o salso elemento deixo de ser Herói, e contento-me de
ser Eloi sem mais nada, como aquele Pedro que o Dias Braga acaba de ressuscitar.
Pois, senhores, fomos até além da Ilha Rasa!
Fiz uma triste figura, não dúvida; mas resta-me a consolação de que tive muitos
companheiros, e, entre eles, alguns colegas da imprensa: o João Chaves, o Villeneuve, o
Hudson e o Sena.
Muitos cavalheiros quiseram fazer das tripas coração; mas não tiveram remédio
senão fazer o coração em tripas.
As senhoras portaram-se com mais galhardia, honra lhes seja: o sexo fraco, nestas
ocasiões, dá sempre mostras de fortaleza.
***
Apesar das náuseas e dos suores frios, ainda uma vez me embeveci na contemplação
do prodigioso e decantado panorama da entrada do Rio de Janeiro.
Lá estava o
Gigante orgulhoso de fero semblante,
de que fala o poeta.
Convenhamos que é necessária uma forte dose de imaginação para descobrir
naquelas formosas cordilheiras a figura de um gigante deitado; mas convenhamos também
que não pode haver nada mais grandioso nem mais pitoresco.
Entretanto, demos graças a Deus, porque, ao que me consta, nenhum viajante
estrangeiro enxergou ainda nesse gigante deitado uma sátira ao nosso Brasil.
***
Na volta, ao enfrentarmos de novo com Santa Cruz, a artilharia da fortaleza
começou a salvar. Alguém supôs que a pólvora do Estado cumprimentasse o Carangola,
como um belo produto, que é, da nossa indústria naval. Ingenuidade: o canhão reboava
porque ontem era dia de S. Pedro de Alcantara, orago do Imperador.
***
Mal fundeou o navio, com grande contentamento meu e dos meus companheiros de
infortúnio, um opíparo lunch reuniu os convidados à mesa de bordo. Houve brindes à ufa.
Os hurrahs! chegavam de longe aos meus ouvidos, porque eu, sentado no convés, olhava
para a nossa formosíssima cidade, essa vaidosa rainha americana, tão digna de uma
municipalidade honesta.
501
De todo o lunch aproveitei a água de Seltz, que combate eficazmente os efeitos
da do oceano.
***
Meia hora depois, uma boa canja, um cálice de vinho do Porto e uma chávena de
magnífico chá preto punham-me em estado de escrever este artigo.
Mas juro e rejuro que com a experiência do Carangola ganhou muito a minha
experiência.
Nunca mais!
Eloi, sem mais nada
502
21 de outubro de 1885
Quando o Exm. Sr. conselheiro Martim Francisco propôs, uns anos, ao
Parlamento, que no Brasil, como na antiga Sparta, se lançasse um imposto sobre os
celibatários, a imbecilidade nacional expandiu-se num riso escarninho e alvar. Não houve
sátira que não atirassem contra o venerando deputado, e os doutos Licurgos da Cadeia
Velha nem ao menos concederam ao projeto as honras da discussão.
Pois bem: num dos últimos números do Figaro, jornal que raro toma a sério
qualquer idéia, Alberto Millaud, o mesmo escritor alegre da Niniche e de Madame
l’Archiduc, discute o imposto dos celibatários com a gravidade digna do assunto.
Trata-se neste momento em França de inventar novos impostos, para fazer
desaparecer o déficit que nos primeiros oitos meses do corrente ano se elevava a 17
milhões de francos sobre o exercício precedente.
“Parece-me, diz Alberto Millaud, que chegou a ocasião de trazer de novo à baila um
projeto timidamente proposto alguns anos me não lembra por quem. Esse projeto não
é outra coisa senão o imposto sobre os celibatários”.
Agora peço toda a atenção para os argumentos produzidos pelo distinto jornalista.
Vou traduzi-los, para edificação dos meus leitores:
“Não me parece que possa alguém opor-se a uma taxa que atingirá diretamente uma
classe refratária da sociedade, e ao mesmo tempo representará o resgate dos inimigos do
casamento. A sociedade baseia-se efetivamente sobre este poderoso princípio que se chama
a família. Para constituir um Estado civilizado, o casamento regular, a paternidade legítima,
a hereditariedade, a moral são elementos absolutamente indispensáveis. Todo indivíduo
do sexo masculino, chegando à idade de 25 anos, deve consagrar à sua pátria as forças viris
e a aptidão para a família. Tem a obrigação natural e moral de procurar mulher, de produzir
filhos e de criar um fogo. É a reunião dos fogos que constitui a sociedade.
“Ora, o celibatário naturalmente subtrai a todo o dever para com a sociedade.
Indivíduo inútil sob o ponto de vista da reprodução da espécie, nenhuma vantagem oferece
ao país em que vive. Isola-se voluntariamente do comércio de seus concidadãos. Em nada
participa das necessidades de seus semelhantes. É inútil, ineficaz e perigoso.
“Direi mais: é culpado. O celibatário é fatalmente o elemento principal da
libertinagem, da corrupção e do vício. Sujeito, como os outros homens, aos apetites do
sexo, é obrigado a satisfazê-los. Para isso tem dois meios: recorrer à prostituição ou ao
adultério. Dir-me-ão que há homens casados que se dão perfeitamente com estes dois
recursos, estranhos ambos ao seu lar doméstico. É possível; mas os esposos infiéis são
coagidos ao mistério. pecam às furtadelas, com infinitas precauções. Afrontam a polícia
correcional, o divórcio, o escândalo. Esperam a menor falta com transes contínuos e
sobressaltos constantes. Lamentemo-los; não os castiguemos.
“Mas o celibatário faz o que quer, às escancaras. Salvo a questão secundária do
duelo, afora algum processo escandaloso que, aliás, lhe lisonjeia a vaidade, o celibatário
seduz a mulher do próximo com delícia, com ostentação, com glória.
“ ..................................................
“Acrescentai ainda ao passivo dos celibatários o fato de deixarem em França mais
de três milhões de mulheres absolutamente improdutivas. Uma mulher que não casa é um
ente nulo. Se se prostitui, é um perigo, uma nódoa, uma peste. Só podem produzir filhos
ilegítimos, sem nome ou com um nome manchado. Que será deles? Não é entre esses
filhos, que não pediram que os pusessem no mundo, que devemos procurar a maior parte
dos revolucionários a todo transe e dos criminosos do direito comum? Todos, ou quase
503
todos são frutos de celibatários. O celibatário, que os procriou, está mesmo protegido contra
eles pela lei civil. O filho não pode procurar o pai que o tornou desgraçado, que o
abandonou....
“Evidentemente, não podereis obrigar um homem a casar. Antes de tudo o livre
arbítrio. o podeis impor a um homem que ame, e é preciso admitir que o casamento se
baseie sobre inclinação afetuosa entre um homem e uma mulher. Nem sempre assim é; mas
o legislador deve supor o amor no casamento: assim o exige a moralidade desta instituição
desacreditada.
“Podereis, porém, dizer ao celibatário o que outrora dizieis ao conscrito, e o que
hoje dizeis ao voluntário de um ano.
- Se não queres casar, resgata-te.
“O imposto da paternidade e da família não é menos sagrado que o imposto do
sangue. Libertais um soldado por 1,500 francos, pagos de uma vez; bem podeis exigir do
celibatário um tributo equivalente”.
Depois de encarar a questão pelo lado financeiro (e não é essa a parte menos
interessante do artigo a que me refiro), conclui deste modo o meu eminente confrade:
“Permitam-me agora uma confissão, para dar mais força, mais peso a esta crônica,
que nada tem de paradoxal. O indivíduo que escreve estas linhas é solteiro e conta ficar
solteiro toda a sua vida. É uma vocação. Não dissimula as culpas em que tem incorrido
contra a sociedade, e é justamente para de algum modo livrar-se das censuras, e evitar
remorsos a si e aos seus congêneres, que propõe ao país um tributo que lembra o das cem
donzelas. Se os celibatários não contribuem para povoar o país, sirvam ao menos para
restaurar as finanças”.
Ofereço, pois, este artigo ao Sr. conselheiro Martim Francisco, e rogo à Sua Ex.
que, na próxima reunião do Poder Legislativo, insista de novo pela adoção de uma medida
de tanto alcance político e social.
Não esmoreça diante do muito riso e do pouco sizo dos seus compatriotas.
Eloi, o herói
504
22 de outubro de 1885
Disse ontem Escaravelho que anda há muito tempo “à procura de descobrir” alguma
coisa de que eu não entenda. Pois não procure mais. Vou dar as mãos à palmatória: não
entendo disto de telefones. Tenho, por muias vezes, feito os maiores esforços para
conversar de longe, por meio desse interessante instrumento do progresso. Jamais o
consegui.
Quando aplico o fono ao ouvido, depois do clássico Hullo! (Leia-se Alô), e nas três
pancadinhas de estilo na caixa da pilha, não consigo ouvir mais que um zum-zum
imperceptível e maçante.
Sempre que preciso falar com alguém pelo telefone, peço a algum amigo habilitado
que o faça por mim. Confesso a minha inépcia e exponho-me a todas as censuras
imagináveis. Eu cá sou assim.
***
Ora, ontem, achando-me eu na Tijuca, em casa de uma família que “se permite” um
telefone, afrontei a minha inépcia, tal era a necessidade, e pedi licença para falar ao Diário
de Notícias.
O dono da casa fez uma cara muito contrariada, mastigou em seco, e disse-me:
- Não posso consentir.
- Ora essa! Porque?
- Leia, acrescentou ele, e deu-me um pedacinho de papel azul.
Era um aviso da Companhia Telefônica, concebido nos seguintes termos:
“Os senhores assinantes não devem deixar pessoas estranhas falarem pelos seus
aparelhos, etc”. O resto não vem ao caso.
Pondo de parte a sintaxe, porque a Companhia tem tanto direito de não saber
gramática, como eu de não entender de telefones, sempre queria que me dissessem se um
médico poderá falar pelo aparelho de um seu cliente para o boticário, cujos serviços
profissionais são urgentemente reclamados pelo mau estado do enfermo.
Julgo que tanto o doutor como o boticário são, no espírito da letra do tal aviso,
pessoas estranhas ao assinante.
***
Como aquela, poderia eu formular muitas hipóteses.
É preciso, pois, que a companhia explique claramente quais o as “pessoas
estranhas aos assinantes”, e não os coaja a grosserias, como aconteceu ao meu amigo da
Tijuca.
Se por “pessoas estranhas” se entende “pessoas desconhecidas”, os assinantes, sem
que a Companhia os aconselhe, terão naturalmente o cuidado de por no olho da rua
qualquer tipo que se lhes apresente em casa com o olho no telefone.
Mas não devemos considerar estranhas as pessoas que nos visitam. Tinha graça, se a
Companhia do Gás, que é soberana mais absoluta que a Telefônica, se lembrasse também
de nos proibir que alumiemos os amigos. Tinha graça.
Nada! a Companhia, que tem exigências na realidade mais estranhas ainda que as
tais pessoas a quem ela se refere, e que eu não sei quais são, está convidada a por os pontos
nos is.
Alô!
***
Quando apresentei ontem ao leitor a tradução de alguns trechos do artigo de Alberto
Millaud sobre o imposto dos celibatários (Antes que me esqueça: na 79ª linha, em vez de
505
esperam, leia-se expiam), não tinha lido ainda a correspondência de Nova Iorque, publicada
a 19 pelo Jornal do Comércio.
Vejo que o parlamento da Georgia está discutindo um projeto de lei que impõe uma
taxa anual a todos os homens solteiros de mais de 25 anos.
E no Brasil, um país que tanto precisa de população e de dinheiro, não se tomou a
sério o projeto so Sr. conselheiro Martim Francisco.
Em compensação, os brasileiros tomam a sério as coisas mais cômicas do mundo.
***
Entre as menos cômicas, não posso deixar de classificar uma dúzia de versos que
encontrei na parte editorial do Correio de Santos, datados de Santos e assinado por S.
Santos.
Transcreverei apenas quatro; os do centro.
“Esses dois filhos, que por seus feitos
Mostraram ser mui destemíveis,
São hoje o alvo dos maiores respeitos
Brito Capelo e Roberto Ivens”
Valham-me todos os santos da corte do céu!
Eloi, o herói
506
23 de outubro de 1885
Parece que Victor Meirelles realizará, felizmente, a sua idéia do panorama do Rio
de Janeiro.
Na lista dos subscritores figuram os mais notáveis cavalheiros da nossa
sociedade.
Em pouco tempo terá o ilustre artista brasileiro conseguido reunir o capital
necessário para levar ao cabo o seu patriótico empreendimento.
Este resultado será para o artista não pequena vitória, atentos os tempos que
atravessamos, em que cada um trata de guardar a sete chaves o que tem de seu.
A vitória será devida, não à grande atividade do autor da Primeira missa, mas
também, e principalmente, à simpatia, ao nome honroso que soube conquistar na sua pátria.
***
Suas Altezas os Condes d‟Eu manifestaram o louvável desejo de contribuir para a
execução do panorama; mas, como a sua posição principesca naturalmente lhes veda
figurar como acionistas de empresas industriais, deliberaram ceder, como prêmio, ao aluno
que em cada ano escolar mais se distinguir na aula de pintura histórica, da Academia de
Belas Artes, os lucros anuais de um conto de réis, que está à disposição de Victor Meirelles.
À vista de tão delicado incentivo, não faltarão, entre os referidos alunos, alguns que
com o maior empenho disputem o prêmio, e a honra de o adquirir.
No avultado número dos subscritores, acha-se também o nome da Baronesa de
Guararema. Essa respeitável Senhora, dando destarte um belo exemplo de seu amor à
pátria, e mostrando o desejo de contribuir para que no estrangeiro sejam, ao menos em
parte, destruídas as falsas idéias que a nosso respeito ainda se fazem, rompe as peias
impostas ao sexo feminino, que não tem entre nós liberdade de ação, ainda quando se trata
dos mais dignos cometimentos.
***
Entretanto, já o panorama valeu ao nosso Victor a desagradável visita de um gatuno,
que lhe penetrou em casa, para alapardar duzentos mil réis em dinheiro e alguns pequenos
objetos de ouro.
Provavelmente o larápio ouviu dizer que o artista andava a reunir capitais, e visitou-
o no intuito de lá encontrar em casa alguns à mão de semear.
Em todo caso não mostrou bom gosto: deixou ficar os objetos de arte, que não
faltam em casa do Victor.
O artista teve a rara e primitiva ingenuidade de se queixar à polícia.
***
A propósito do imposto sobre os celibatários:
Acabo de receber três cartas defendendo os homens solteiros. As duas primeiras
estão muito mal escritas: vou rasgá-las. Com o Sr. J. M., que assina a terceira carta,
conversarei um destes dias mais próximos, em havendo espaço.
Eloi, o herói
507
24 de outubro de 1885
muito tempo o Recreio não apanhava uma enchente como a de anteontem. Não
havia no teatro um lugar desocupado. Platéia, camarotes e galerias regorgitavam de
público. Nos intervalos não se podia circular no jardim. Tal era a concorrência.
Uma bonita sala, quer pela quantidade quer pela qualidade. Muita gente, e boa
gente.
***
Antes de entrar em qualquer apreciação, direi que o Conde de Monte Cristo agradou
muito, e foi bastante aplaudido. É de supor que os artistas do Recreio tenham agora peça
para dar e levar. O drama é interessante, o desempenho muito regular, e os cenários
magníficos, principalmente o do quadro um salão oriental, muito bem pintado pelo Sr.
Orestes Coliva.
***
Confesso que, apesar de ser fervente admirador do velho Dumas, nunca li o seu
Conde de Monte Cristo. Entretanto não acredito que o drama feito pelo Azeredo Coutinho
de sociedade com o ator Muniz, e onteontem exibido no Recreio, me desse uma idéia nítida
da obra.
Que vemos neste drama?
O apregoado herói de Dumas injustamente encarcerado, durante quatorze anos, por
manejos e intrigas de alguns indivíduos. Na prisão encontra um companheiro moribundo
que, ao expirar, lhe revela a existência de uma riqueza incalculável, escondida na vigésima
rocha de leste da ilha de Monte Cristo.
De posse desse tesouro, Edmond Dantès trata imediatamente de empregá-lo, não em
coisas úteis, mas na satisfação dos seus instintos vingativos, causando a desgraça de todos
aqueles que haviam contribuído para o seu infortúnio. Entretanto, ele devia lembrar-se que,
se não fossem os seus inimigos, aquela riqueza não lhe iria às mãos. O mal que lhe fizeram
foi mal que veio para o bem.
Naturalmente o drama não acompanha pari passu as situações do romance. Nem
assim poderia ser: o próprio Dumas, que é o mais prodigioso engenho literário de todos os
tempos, só conseguiu encaixá-las numa espécie de trilogia.
Por isso não admira que o protagonista perdesse neste arranjo alguma coisa do seu
valor intrínseco, e que os demais personagens não tenham o relevo que fora para desejar.
Num dos quadros aparece-nos um sujeito que na primeira cena é honrado e na
última tem-se tornado ladrão e assassino.
No último quadro, um velho negociante quer suicidar-se; no ato de preparar as
pistolas é surpreendido pelo filho.
O FILHO Meu pai, para que são estas pistolas?
O PAI (abrindo o livro caixa)- Tenho que dar 280,000 francos daqui a cinco
minutos, e só tenho em caixa 15,500 francos. Devo morrer!
O FILHO Tem razão, meu pai; esta pistola será para o senhor, e esta outra para
mim.
O PAI E tua irmã?!
Parece que, à vista desta pergunta, o filho deve ir procurar terceira pistola, para a
menina. Mas não; o rapaz cai numa cadeira, e o pai trata de por termo à existência, em risco
de comprometer o filho, pois toda a gente, e a polícia inclusive, há de crer num parricídio.
508
Felizmente para ambos, a filha entra muito contente, agitando na mão o recibo dos
280,00 francos, que tem encontrado em cima de um fogão misterioso.
O velho não cabe na pele de satisfeito; mas nem sequer trata de indagar por que
meios e modos a filha arranjou o recibo.
Naquele tempo não havia ainda a Pall Mall Gazette, para por a pedra no sapato dos
velhos pais de família.
***
Quer Escaravelho que eu me decida entre telefóne e teléfono.
Uma vez que dizemos télégrafo e não telegráfe, devíamos dizer teléfono e não
telefóne.
Mas como o público adotou telefóne, naturalmente porque lhe soou melhor ao
ouvido que teléfono, eu, que não sou palmatória do mundo, vou com o público, e cedo a
Escaravelho, que sabe grego, as glórias da solução “autoritária” que ele espera de mim.
Eloi, o herói
509
25 de outubro de 1885
Eis a carta que recebi do Sr. J. M.:
“Sr. Eloi, o herói, no seu De Palanque de ontem tratou V. de um projeto sobre o
imposto dos celibatários, que preocupa o Figaro em França. Neste momento não tenho
presente o seu artigo; apenas recorro à minha memória.
“Considera V., de acordo com o Figaro, que o solteirão, digo mal, que o homem
solteiro é um ente inútil, imoral, prejudicial à sociedade, à pátria e à humanidade. Para
provar a sua asserção, aduz V. (Eu não: Alberto Millaud) diversas razões, partindo das
exigências sexuais. Admitindo que V. tenha carradas de razão, a conclusão a que devia
chegar deveria ser muito diversa daquela a que chegou.
“Ora, realmente, poder um homem criminoso ante a moral e a sociedade, ficar com
o direito de ser imoral e inútil desde que uma certa quantia, é teoria que não aceito.
Ninguém pode comprar o direito de ser imoral. A comparação do ricaço que paga um
substituto não é cabida; neste caso é um indivíduo que presta os serviços que deve à pátria,
por intemédio de terceiro; os serviços o realmente os mesmos; à pátria é indiferente que
os serviços que lhe são devidos sejam prestados por Pedro ou Paulo, desde que ela tenha
esses serviços. Não deixará, porém, a sociedade de contar esses imorais no seu seio, pelo
simples fato de eles pagarem a sua imoralidade; e, demais, a sociedade o poderá acusar-
me quando eu pratique um escândalo, desde que eu comprei esse direito.
“A minha questão principal, porém, não é essa de que acabei de tratar; eu, como
homem solteiro, tendo mais de trinta anos, quero varrer a minha testada. Nego que o
solteiro seja um imoral; digo mais: afirmo que muito maiores imoralidades entre os
casados.
“O Sr. Eloi, se olhar para qualquer das nossas camadas sociais, sem dificuldade
reconhecerá que os casos que atribui aos solteiros dão-se em maior escala entre os casados,
principalmente na alta sociedade....
(Segue-se a menção de um fato, que não pode ser aqui reproduzido)
“O Sr. Eloi sabe que o homem casado tem mais facilidade em praticar as suas
imoralidades do que o solteiro; para isso começa o casado relacionando sua família com
aquela a quem deseja para amante, que muitas vezes é pessoa da mesma família. O solteiro,
ao contrário, oculta-se.
“O casado quando pratica um desses atos contra a moral, não respeitando sequer o
próprio lar, fica imensas vezes impune, porque o castigo que se lhe não o afeta só, mas
sim a própria família que, para não ficar sem o, se obrigada a interceder. É ou não
verdade?”
Deixo de transcrever algumas linhas que me pareceram “frescas”. Eis o final da
carta:
“O que é preferível? Ser solteiro ou tomar estado, quando não se tem o necessário
para dar à esposa um tratamento compatível com a nossa posição? Ser só, ou ter a certeza
de que com a nossa morte ficam viúva e filhos na miséria? Ser só, ou fazer como muitos
que, tendo família, não olham para o dia de amanhã? etc, etc, etc - J. M.”
Para provar mais a minha boa fé, transcrevi quase integralmente a carta do Sr. J. M.
Sua senhoria confunde as questões. Não se trata de moralizar classes, mas de povoar o país
e de restabelecer as finanças do Estado. O Sr. J. M. é muito paradoxal; argumenta com
exceções, para defender o que ninguém defende o celibato e, condenar o que ninguém
condena o casamento.
510
As imoralidades a que se refere o Sr. J. M. são punidas pelo Código, mas o
egoísmo e o parasitismo do celibatário são privilegiados. Se não houvesse homens solteiros
não haveria prostituição. A família concorre para a boa ordem social, benefício que o
solteiro goza sem despender dinheiro nem cuidados.
Escaravelho, que acha que eu tenho idéias estapafúrdias, disse o outro dia que, para
mim, “o casamento é uma carga que a sociedade impõe e de que só deve conceder isenção a
troco de outra, sob a forma de resgate em dinheiro”.
Sim, senhor, essa é a minha idéia; estapafúrdia ou não, eu subscrevo-a com as mãos
ambas.
Eloi, o herói
511
26 de outubro de 1885
No Rio de Janeiro uma coisa para a qual se devia olhar seriamente é a carestia dos
alugueis das casas. Apesar do muito que nestes últimos tempos se tem construído nos
bairros suburbanos, as casas continuam pela hora da morte; o preço dos alugueis, em vez de
baixar, sobe consideravelmente.
Por menos de cem mil réis mensais é impossível encontrar um buraco limpo onde
uma família, que se preze, se meta com os respectivos cacarecos. Ora, um chefe de família,
para pagar todos os anos um conto e duzentos mil réis de casa, é preciso que tenha, pelo
menos, cinco contos de réis de rendimento.
O aluguel da casa é entre nós o fantasma negro do pobre. Mal tem ele pago, tarde e
a más horas, o do mês passado, o do mês corrente se levanta ameaçador e terrível. É a
sua pedra de Sisifo.
Cidadãos, que gozam de certa posição oficial, como, por exemplo, os chefes de
seção das secretarias de Estado, vêem-se obrigados: ou a desequilibrar o seu orçamento,
sacrificando muita coisa de primeira necessidade ao aluguel da casa, ou a encafuar a prole
num pardieiro imundo, acanhado, infecto e mortífero.
Custa a crer que numa cidade onde há lugar para que sei eu? para uma
população cem vezes maior do que a atual, e num clima como o nosso, haja casas sem
quintal, quintais sem largueza, alcovas que mais parecem enxovias, sem espaço, sem
ventilação, sem luz, sem nada! e casas de jantar agarradas às cozinhas, e geralmente
ligados os lugares em que se come àqueles onde... antes pelo contrário.
Um rapaz solteiro, empregado do comércio, funcionário público ou estudante,
dispondo de ordenado pequeno ou pequena mesada, não arranja por menos de trinta mil réis
um cochicholo arejado e limpo. por proprietários ou sublocadores que por pouco
preço alugam “cômodos”, mas estes com mais propriedade deveriam chamar-se
“incômodos”.
De resto, sempre que se trata de desembolsar dinheiro, quer alugando casa, quer
comprando botas, deve se ter sempre presente o ditado: O barato sai caro. No Rio de
Janeiro eu não conheço nada mais caro do que uma casa barata.
***
E outra coisa: sabe o leitor de tormento maior que o de “procurar casa”? Coitado de
quem precisa por os quartos na rua. Tem que ler a seção Aluga-se, do Jornal do Comércio,
e, como se isso não bastasse para dar-lhe direito ao reino dos céus, tem que visitar centenas
de casas vazias. Ao cabo desse medonho sacrifício, farto de pedir chaves nas “vendas
próximas” e de se encher de mau humor e pulgas, rende-se o pobre diabo, passivamente e
de vontade, à ganância de um senhorio, que se lhe constitui herdeiro em vida, e com
carta de fiança, passada por “homem estabelecido”.
***
Estando, pois, no rol dos impossíveis encontrar nesta cidade uma casa boa e barata,
não posso deixar de aplaudir o Sr. Augusto Gomes Ferreira, que ontem inaugurou a sua
Vila Blandina.
Que vem a ser a Vila Blandina? Um grande terreno, situado na fralda daquela
pitoresca montanha do Mundo Novo, que se ergue altiva entre Botafogo e Laranjeiras, e
está mesmo a pedir um túnel, que ligue as ruas Cardoso Junior, deste, e Bambina, daquele
bairro.
512
No terreno caberia um palácio, mas o Sr. Ferreira, que não tem nada de tolo, e muito
de democrata, construiu nele, em vez de um palácio, dezesseis elegantes casinhas de pedra
e cal.
A Vila Blandina proporciona a pequenas famílias estas imensas vantagens:
Morarem nas Laranjeiras, que, na opinião de muita gente, é o melhor bairro da cidade;
terem todas as comodidades imagináveis, inclusive telefone ou teléfono (estou à espera da
decisão de Escaravelho), e pagarem apenas sessenta mil réis (creio) de aluguel mensal.
Em pouco tempo a Vila Blandina terá o dobro das casinhas que hoje tem, e ocupará
duas ruas, das quais apenas a primeira se acha por enquanto aberta. Para esse tempo apelem
as famílias que, despertadas por este artigo, tarde piarem: o que está feito não chega para as
encomendas.
***
O Sr. Ferreira é um cavalheiro de fina educação, que retirou do comércio uma
fortuna sólida e honesta, e de instante a instante, a propósito de tudo, diz sim, senhor.
- Isto aqui é a sala de visitas, sim senhor; ali é a casa do telefone, sim senhor; a rua
da vila tem gás durante toda a noite, sim, senhor. bonds de tostão até à cidade, sim
senhor...
Mas folgo de reconhecer que o proprietário da Vila Blandina é inteligente, bem
conversado, sim, senhor; e, confiado apenas na minha intuição frenológica, afianço que ele
há de ser a pérola dos senhorios, sim, senhor.
Eloi, o herói
513
27 de outubro de 1885
O Hidelbrandt mandou-me, caprichosamente encadernado, o primeiro volume da
Distração, contendo os cinqüenta e dois primeiros números deste interessante periódico.
A Distração tornou-se uma folha tão popular, que não receio sejam estas linhas
consideradas um anúncio vulgar e interesseiro.
Eu sou melancólico por natureza; por isso guardo dentro uma gratidão sem
limites por quantos me distraiam. A Distração justifica plenamente o seu título; de sete em
sete dias aguardo com certa ansiedade os deliciosos dez minutos que ela me proporciona.
Um rapaz espirituoso, e tão espirituoso quão modesto, o Abel Porto, é o principal
fornecedor daquelas oito páginas alegres e despretensiosas.
Com duas penadas escreve-se ali a história dos acontecimentos, pondo em relevo o
lado ridículo das coisas, com a rara habilidade de não ofender as pessoas.
Ainda nesse ponto tem a Distração cumprido o seu programa com uma fidelidade
única nos tempos que correm. Não consta que até hoje alguém se julgasse ofendido com
aquela prosa ligeira e condimentada.
No que respeita a desenhos, atendendo a que a Distração veio ao mundo sem
presunções de folha ilustrada, será injustiça desconhecer que tem dado mais, muito mais do
que devia.
Em todos os números tem publicado gravuras originais, e eu sei quanto isso custa no
Rio de Janeiro.
***
O Hildebrandt teve a idéia e creio que ainda a tem de abrir um curso de
xilografia anexo à direção do seu periódico. Para a manutenção desse curso reservou ele a
importância de umas tantas assinaturas especiais, que não chegaram a realizar-se. Faltou-
lhe a proteção do público.
Entretanto, sei que o incansável artista não desanimou, e que o seu sonho dourado
continua a ser o desenvolvimento da xilografia, que é barata em toda a parte do mundo,
menos no Brasil.
Ainda ultimamente me dizia ele que ia empregar meios e modos para levar por
diante uma idéia de Félix Ferreira, a qual consiste na manutenção do curso pelos esforços
reunidos de todos aqueles que, mais ou menos, precisam dos serviços da xilografia, e não
são poucos.
Faço votos para que tão boa idéia se converta em realidade.
***
Ainda a propósito do imposto dos celibatários, acabo de receber a seguinte carta do
Sr. J. F. S. Publicando-a integralmente, chamo para ela a atenção do leitor e principalmente
da leitora:
“Sr Eloi, o herói Se alguém que mais reconhecidamente aplauda a propaganda
casamenteira de que V. se constituiu paladino na minha pátria, sou eu. Pus de lado certas
teorias que a esse respeito enunciou Emile de Girardin, que dizia ser o casamento um ato
convencional estranho e contrário à natureza; bani do pensamento a tão decantada doutrina
sociológica de Prudhon que dizia ser a propriedade um roubo, princípio cerebrino em
virtude do qual estaria eu no mais legítimo direito de contestar a quem quer que fosse a
exclusiva e egoística posse do amor de uma mulher; pus à margem todas as apreensões
referentes ao bem estar futuro na minha vida matrimonial sob o ponto de vista de metal
sonante e estou pronto a dar as mãos à palmatória, isto é, à estola, desde que passe na
514
assembléia legislativa a lei que me imponha uma multa por não ter o que mais almejo o
complemento genesiático perante Deus e perante a sociedade.
“Quem me conhece e sabe portanto quanto sou simpático, dirá que se não me caso
não é por que não encontre moça, e mesmo moças, que queiram de bom grado acolchitar-se
filogineamente comigo e atribuirá a persistência em conservar-me solteiro à falta de
dinheiro para sustentar à mulher (suposição esta que tem fundamento) ou a outro qualquer
motivo (suposição esta que não tem fundamento algum), vejo-me por isso obrigado a
justificar-me de não ter contraído matrimônio até hoje, e a justificação consiste nisto
simplesmente: não tenho relação com família alguma nesta corte, e como para abalançar-
me a sair da vida solta e entrar na vida matrimonial é mister que conheça a fundo o gênio,
instrução e principalmente a educação da moça que plasticamente chamar a minha atenção;
eis o motivo por que ainda estou incompleto, com grande sentimento da minha parte.
“Nesta posição difícil, e bem considerado por própria experiência quanto é
tempestuosa esta vida de solteiro, eu não podia deixar de aplaudir a sua propaganda, e
aplaudo-a sinceramente.
“Sim, venha o imposto porque no dia em que o exator chegar a minha casa, nesse
dia é que eu estou nas minhas sete quintas:
- “Não pago! respondo-lhe eu.
- “Como não paga? Pois o senhor não é solteiro?
- “Sou porque não sou casado; mas quero casar-me. Tenho ahoje procurado uma
moça a quem possa dar amoravelmente o braço, dizendo-lhe: „Havemos de viver sempre
juntos em boa harmonia e paz per omnia secula seculorum com escala pelo Caju‟ e tenho-a
procurado tendo sempre em vista as agorentações com referência à moça, agorentações que
é de praxe tenha em vista quem se dispõe a enlaçar o pescoço nas tranças opulentas de uma
mulher. Pois, senhor, não tenho encontrado, e se encontrei não conheci pela pinta se era
essa a tal que estava nas condições.
“Aproveito, portanto, o ensejo para dizer a um poder definido, tal como é o
governo, que me arranje uma mulher sob sua responsabilidade; e que, ao contrário de certos
produtos da manufatura francesa que trazem as iniciais s. g. d. g.(sans garantie du
gouvernement) traga ela no coração de ouro que lhe servir de alfinete estas: a. g. d. g. (avec
garantie du gouvernement).
“Depois o governo que se arranje comigo”.
Ora eis aí um solteirão de espírito que quer fazer do governo uma espécie de
Piperlin.
Nada, meu caro senhor, eu sou partidário do livre arbítrio, e não posso aconselhar o
governo do meu país a tomar a si a tutela de marmanjos maiores de 25 anos.
Não encontra mulher? Porque? Porque é difícil de contentar, não é assim? Pois bem;
pague à boca do cofre o seu capricho.
Demais, o argumento é improcedente. Mulheres é o que não falta; assim não faltasse
dinheiro e juízo. Quantas leitoras do De palanque, depois de lerem a sua carta, lhe terão
dito mentalmente:
- Pois não estou eu aqui, malvado?
Quantas?!
Eloi, o herói
515
28 de outubro de 1885
Eu não digo que a qualquer um de nós valesse a pena quebrar um braço ou partir
uma perna, para ter certeza de que é digno da consideração de um povo inteiro; mas hão de
convir que as demonstrações, de que tem sido alvo a nossa bem amada Imperatriz, devem
até certo ponto consolá-la das maçadas a que naturalmente a obriga o terrível aparelho de
Mayor, aplicado pelo Sr. Saboia.
O obscuro herói do palanque nunca teve sequer a honra de falar à virtuosa princesa;
vota-lhe, porém, a mais espontânea e respeitosa simpatia, e aproveita a ocasião para visitá-
la... de longe, fazendo votos para o seu completo restabelecimento.
Os boletins de S. Cristovão tranqüilizam-nos, felizmente, a respeito do estado de
saúde de Sua Majestade. Mas quando assim não fosse, não sofreriam os pobres, de muito
habituados à magnanimidade da Imperatriz. O braço ofendido não foi o das esmolas.
***
Mudando de assunto:
Uma dúzia de cidadãos negou ontem no tribunal do júri que um homem pertencesse
ao sexo masculino.
Foi o caso que, perguntando-lhes o juiz se havia na pessoa de Teotônio Francisco
Silvares superioridade de sexo sobre a pessoa de Isabel Maria da Conceição, responderam
negativamente por unanimidade de votos.
Enfim, como entre esses dozes cidadãos havia dois doutores, é provável que a
resposta fosse um modelo de correção e discernimento.
***
Com discernimento andou a empresa do Recreio Dramático, pondo em cena o
Conde de Monte Cristo.
As enchentes sucedem-se.
Anteontem voltei ao teatro na ocasião em que se representava o último quadro; não
achei um lugar vazio.
Entretanto, do jardim consegui ver que o navio Faraó havia sido inteiramente
reformado. Na realidade, o da primeira noite era ridículo. O de anteontem singrava
elegantemente as águas do porto de Marselha, e trazia a seu bordo uma aluvião de
marinheiros alegres e patuscos. O público, mal viu o Faraó, recebeu-o com uma salva, não
de vinte e um tiros, mas de trinta mil palmadas vibrantes e entusiásticas.
de dia, no ensaio, a Helena Cavalier (entre parênteses: faz benefício no dia 13 do
mês próximo com o belo drama Domador de feras), a Helena Cavalier predissera o êxito do
naviozinho.
- O público, disse ela, quando vir o navio... fará: oh!...
Ui!
***
O leitor gosta de vidraças antigas, dessas que adornavam com as suas iluminuras
transparentes as ogivas das velhas igrejas e dos castelos góticos da idade média!
Se gosta, participo-lhe que a casa do Sr. G. Sanville, agente de uma grande fábrica
inglesa, encarrega-se de lhes mandar colocar em casa as tais vidraças, preferíveis, de certo,
às cortinas de cassa ou de metim, geralmente usadas entre nós.
O vidro não é pintado; mas, por meio de um engenhoso processo, aplicam-lhe a
pintura, feita numa espécie de papel vegetal, com tanta habilidade, que ninguém dirá que é
simples imitação.
516
No escritório do Diário de Notícias uma amostra numa pequena vidraça, que
pode ser examinada pelo leitor curioso.
Como que tenho para mim que aquilo é uma coisa bonita, e digna de generalizar-se,
não hesito em fazer-lhe este reclamo. Que lhe aproveite, Sr. Sanville.
***
Escaravelho não me larga: mas desta vez creio que o meu partido será mais
compacto que o seu. Eis o que ele escreveu ontem a meu respeito:
“Lamenta o herói que os alugueis das casas em vez de baixar subam
consideravelmente. Os proprietários queixam-se exatamente do contrário; talvez tenham
razão todos.
Profliga “a ganância de um senhorio, que se constitui herdeiro em vida, e com carta
de fiança, passada por homem estabelecido”. Assim será; mas é muito mais freqüente o
locatário sub-rogar-se ao proprierio deixando ao senhorio a única regalia de pagar a
décima ao fisco que cobra com muito maior facilidade, do que o mesmo senhorio a haver
real do tal “homem estabelecido”.
Opinião de senhorio. Vous êtes orfévre, Mr. Josse...
Eloi, o herói
517
29 de outubro de 1885
Como eu ontem fizesse uma ligeira alusão ao fato de haverem anteontem os Srs.
jurados negado unanimemente, a pés juntos, a superioridade de sexo de um homem contra
uma mulher, alguém chamou a minha atenção para um brilhante artigo publicado no
Figaro, de Paris, por Alberto Delpit, e que em certos pontos parece escrito para brasileiros.
Esse artigo apareceu por ocasião de ser condenado à pena última aquele famoso
Marchandon, que assassinou, para roubar, uma pobre velha, Mme. Cornet, que, fiada em
certa agência de locação de criados, o tomara a serviço. O assassino, cuja cabeça rolou no
cadafalso da Roquette, andava muito tempo com ela à razão de juros, por amor de uma
rameira de ínfima espécie, junto da qual se fazia passar por filho família apatacado e nobre.
O ilustre escritor francês aplaude, infelizmente para ele, a degolação desse pobre
diabo de 22 anos, embeiçado por exigente manceba. Mas eu não entro na apreciação do
fato, que para nós os meus leitores e eu é de um interesse abaixo do medíocre. Vou
traduzir integralmente e anotar o artigo, apenas por causa dos trechos cujas doutrinas
podem ser aplicadas ao nosso júri.
Eis o que diz Alberto Delpit num estilo cujas louçanias não posso, infelizmente,
transplantar numa tradução rápida, e feita ao som da atroadora e amaldiçoada charanga do
Politeama, a qual todas as tardes vem fazer charivari defronte do Diário de Notícias:
“Marchandon está condenado à morte. Até parece incrível! O júri tempos a esta
parte tem proferido tantas decisões asnáticas, e estamos tão habituados a -lo ofender a
opinião, pelo simples gostinho de revoltar o bom senso, que alguns bons espíritos julgaram-
se autorizados a confundir, num desprezo motejador, o princípio, tal como existe em
teoria, e a instituição, tal como existe na prática. „O júri é absurdo‟, bradaram. Não é o júri
que é absurdo, mas os homens que usam dele. Bastava que fizessem algumas alterações na
lei de 1872 para que o instrumento se aperfeiçoasse.
“Sim, a maior parte das decisões são insensatas (a). Examinai por um momento o
júri tal qual é hoje composto, e respondei se é possível fazer sair dali, salvo em casos
excepcionais, como neste processo Marchandon, alguma coisa e lógica. O público
ingênuo supõe que os jurados são tirados à sorte do conjunto de todos os eleitores. Ainda
uma vez reconheço a ignorância dos meus concidadãos em tudo que deve interessá-los (b).
Fazem-se três operações sucessivas. Na primeira escolhem-se 3000 cidadãos do
departamento do Sena, e 400 ou 600 da província. Na segunda o presidente do tribunal tira
à sorte, em audiência pública, 36 nomes e mais 4 suplementares. Na terceira, que se realiza
ao começar a audiência, o presidente tira à sorte 12 juizes de fato.
“Produz-se então um fato curiosíssimo, sob o ponto de vista psicológico, e que faz
lembrar, pelo seu artifício, o trabalho incompreensível da combinação das tabuinhas nos
biombos japoneses. O advogado do réu e o promotor público tem cada um o direito de
recusar 12 cidadãos. O primeiro recusa os que supõe inteligentes, o segundo os que supõe
estúpidos (c). O advogado diz consigo: „Cuidado! alí está um maganão que me tem cara de
experto. Aquele sabe onde tem o nariz, e vai rir-se à custa de minha retórica. Recuso-o!
(d). O promotor é levado justamente pelo sentimento oposto. À vista de tantas recusas, o
júri é geralmente composto de indivíduos nulos, nem bastante inteligentes, nem demasiado
tolos, que compreendem apenas metade do que vêem ou ouvem, e decidem sempre na razão
direta de sua compreensão; bons sujeitos, imbuídos de vagas aspirações para um
humanitarismo absurdo; em suma: eunucos do cérebro, meios hommes du monde (e),
quartos de letrados e oitavos de eruditos. Se por acaso algum deles é um homem notável,
convencei-vos de que, se ali está, é porque não descobriram meios de o por fora (f).
518
“Aí tendes porque raramente se vêem homens célebres, parisienses notáveis ou
grandes industriais no tribunal do júri. Um dos meus amigos, artista muito distinto, que
mora num adorável palacete do parque Monceau, contou-me tempos que havia sido
sorteado e aceito; e comentava o caso com um sorriso fino e levemente irônico, que parecia
dizer: Dar-se-á caso que aquela gente me tome por algum pedaço d‟asno?
“Segundo absurdo. Escolho uma cidade de província, Montauban, por exemplo. Vai
julgar-se um processo importante: chegam os jurados, lavradores ricos ou simples
burgueses de cabeças de comarca. Toda essa boa gente vai para a estalagem, e, como a
sessão dura 15 dias, tratam de matar o tempo do melhor modo possível. O café do
Comércio oferece à sua ociosidade gemebunda as alegrias verdes do absinto e a distração
poderosa dos baralhos de cartas. Ninguém se conhece, apresentam-se uns aos outros, e daí a
nada o jurado e o advogado são amigos íntimos. Trocam apertos de mão robustas e
empurram bolas queixosas num lastimoso bilhar. Então, entre duas partidas, o advogado
insinua ao jurado que é digno de piedade e mesmo de simpatia „aquele pobre réu‟,
iniquamente perseguido pela perversidade dos magistrados. Diz-lhe em confiança que
efeitos dramáticos e que revelações inesperadas apronta para a audiência; da-lhe a entender
que o promotor público é o indivíduo de maus costumes; e o jurado vai para a audiência
sem saber ao certo se é o réu o inocente ou o juiz o culpado (g).
“Em Paris o sistema de pressão é outro. O jurado entra em casa, ou vai jantar no
hotel, ou palestrar no club; a mulher, os filhos, os amigos, os fornecedores, o senhorio e o
porteiro acossam-no, cercam-no, perseguem-no, martirizam-no. A opinião, essa deusa
moderna, tão inevitável como a velha Fatalidade, vem enfadá-lo, coitado! nos seus
prazeres, nos seus aborrecimentos, à mesa, no teatro e até na cama! „Marchandon é
culpado? Não dúvida, mas...‟Ou então: „Marchandon, meu caro amigo, tem um lado
simpático...‟Ou então: „O Sr. representa a sociedade; não se esqueça disso!‟ E zás! para a
frente as frases campanudas, as frivolidades, as condolências, a piedade hipócrita e a
curiosidade sincera! Diz um: „No seu lugar, eu o condena-lo-ia à morte!‟ Outro replica:
„Não! bastam as galés perpétuas‟. E aí tendes o jurado aturdido, azoinado, embrutecido, que
pesará na mãos, temíveis por instantes, a cabeça pálida e contorcida do acusado (h).
“Terceiro absurdo. Como são formulados os quesitos que têm de ser respondidos
por esse infeliz jurado, que não sabe o que quer? é que a parvoíce humana se exibe em
todo o seu esplendor bizantino (i). Em todo crime dois elementos: o fato e a intenção.
Por exemplo: Marchandon matou Mme. Cornet, eis o fato. Porque a matou? o crime foi
premeditado? eis a intenção. Ora, os quesitos são por tal forma propostos, que a resposta,
muitas vezes absurda, dos jurados, por isso mesmo se explica e se desculpa. Confundem o
fato e a intenção e perguntam: „O réu é culpado?Se o é, ei-lo condenado; se o não é, ei-lo
absolvido. Ora, acontece que o júri quer com razão absolver, em nome da equidade, um
indivíduo culpado em nome da lei. Por exemplo: aquele pobre e leal Dr. Quinet (j),
ultimamente absolvido. Que pergunta fizeram aos jurados: „O Dr. Quinet é culpado?‟ Isto
é: disparou alguns tiros de revolver contra Bayot? Os jurados responderam: Não, o que
foi inepto, porque o fato material não podia sofrer contestação.
“Seria simplicíssimo proceder diversamente. Perguntassem ao júri: „O Dr. Quinet
feriu Bayot? O júri responderia: „Sim‟. „O Dr. Quinet é culpado por ter ferido Bayot?‟ E o
júri resopnderia, segundo a sua consciência: „Não‟. Enquanto formularem um quesito só,
enquanto confundirem obstinadamente a intenção e o fato, os nossos costumes judiciários
ficarão na mesma, e se reproduzirão os mesmos fatos escandalosos, isto é, absolvições
inexplicadas ou inexplicáveis condenações.
519
“Quanto aos dois primeiros absurdos que assinalei, seria bem fácil deixar de
comentá-los! Não será difícil subtrair os jurados à pressão e aos empenhos. Porque não se
faz como na Inglaterra, onde eles ficam seqüestrados até o último julgamento? O jurado
deveria sair do tribunal depois de livre e desembaraçado pela decisão do último processo da
sessão. Facilmente se introduziria essa exigência na lei.
“Quanto às recusas, em vez de doze, não concedamos mais que três ao promotor e
outras tantas ao advogado. Desse modo, e fatalmente, não poderia haver o propósito de
afastar do júri os homens consideráveis e inteligentes. Porém o que mais urge é adotar outro
sistema de composição de lista. Que exige a lei do eleitor para que ele tenha o direito de ser
jurado? Apenas uma coisa: que saiba ler e escrever. Puro Labiche, mas Labiche lúgubre!
Pois não querem ver um ignorante qualquer incumbido de se pronunciar sobre a vida e a
morte de criaturas humanas?
“É justamente porque admiro a instituição do júri, que peço formalmente que a
reformem! É preciso exigir certas capacidades intelectuais, uma carta de bacharel (k) ou um
certificado de exames dessa entidade irresponsável que se chama jurado; impessoal, porque
saiu da nação por quinze dias, e voltará para ela depois de haver exercido a mais temível
das funções públicas. Saber ler e escrever! Na realidade, é muito pouco para decidir da
minha vida, da minha fortuna, da minha honra ou da minha liberdade!
“Cautela! A sentença de Marchandon não apaziguará o ressentimento da multidão,
exasperada por injustas absolvições e clemências senis. Ela é impressionável: sente
nervosamente, e julga muito mais com a sua paixão do que com a sua lógica. Ora, eu, que
observo por gosto e por profissão a sociedade contemporânea, vejo que ela acusa a própria
instituição do júri das iniqüidades que a revoltam. É preciso transformar energicamente as
coisas. O júri é a primeira de todas as nossas liberdades, porque é a única que defende
abertamente o cidadão contra o poder. Pois bem, reformai-a para engrandecê-la, para dar-
lhe a autoridade moral que não tem, para infundir-lhe sangue novo, para que todos
saibam que são julgados pelos melhores, mais inteligentes e mais dignos da nação.
Alberto Delpit
NOTAS: (a) Tal qual como aqui. (b) Ah! se Delpit fosse brasileiro... (c) É muito
comum entre nós o jurado pedir ao advogado e ao promotor, por gestos expressivos, no
próprio recinto do tribunal, para ser recusado. (d) Não me parece que tais apreensões
levassem nunca o Sr. Joaquim Caetano a recusar alguém. (e) Não se traduz homme du
monde. (f) Eu servi num conselho de jurados, em que figurava um indivíduo
reconhecidamente idiota. Para aparar o bote de Escaravelho, previno que esse indivíduo
não era eu. (g) Que cenas se darão nas nossas cidades do interior! (h) Todo esse período se
aplica perfeitamente ao Brasil. (i) O que se vai ler assenta-nos como uma luva. (j) Um
marido enganado. (k) Isto de bacharéis é que para cá vem de carrinho.
Eloi, o herói
520
30 de outubro de 1885
Coloca-se hoje a primeira pedra da capela que se vai construir para o serviço
funerário do Imperial Hospital dos Lázaros.
Aproveito o ensejo para ocupar por momentos a atenção dos meus leitores com
algumas linhas sobre essa importantíssima instituição de caridade, que tem mais de século e
pouca gente conhece.
O indivíduo que viaja interessa-se por tudo quanto lhe pareça digno de nota nos
países estrangeiros; visita os grandes e pequenos estabelecimentos, as escolas, os hospitais,
as prisões, os monumentos. Sobe às torres elevadas, desce aos subterrâneos profundos,
tudo lhe aguça a curiosidade ociosa! Entretanto, no seu país passa indiferente no meio de
muita coisa notável, e só por incidente visita este ou aquele estabelecimento importante.
Isto se explica pelo fato de que a gente, quando tem residência efetiva numa
determinada cidade, vai naturalmente adiando certas visitas, fazendo largas concessões à
sua curiosidade. Habitantes do Rio de Janeiro há, e muitos, que subiram ao lanternim do
Pantéon, de Paris, isto é, que se sujeitaram a um dos maiores sacrifícios a que se pode
expor a natureza humana, e ainda não foram ao Corcovado, isto é, ainda não se extasiaram
diante do panorama mais belo talvez do mundo inteiro.
O leitor, se ainda não foi ao Hospital dos Lázaros, resolva-se, e afianço-lhe que, não
obstante todas as prevenções que o meu artigo lhe ponha no espírito, a sua surpresa será
completa.
Não é a caridade que o surpreenderá. No Brasil, essa virtude cristã não
surpreende a ninguém. Não em todo o mundo outro povo mais do que nós convencido
de que o dar esmola é uma função natural e orgânica. Não há outro povo que exerça o amor
do próximo com mais abnegação e menos assoalhamento. Entre nós, assistem à desgraça os
mais sagrados direitos sobre a fortuna; aos mimosos da existência não é mister impor no
Brasil a prática do bem. O movimento é espontâneo. A nossa bolsa é como a tenda do
árabe: está sempre aberta.
A surpresa reservada ao leitor nascerá exclusivamente da impressão que lhe vai
causar o estabelecimento. O ouvir falar de um asilo de leprosos fatalmente nos traz à
imaginação um lugar infecto e asqueroso, cheio de repulsivos enfermos, desfigurados pela
morféia, contorcidos pela hiperestesia.
O Hospital dos Lázaros é um modelo de asseio, de ordem, de disciplina e de
moralidade, e isso é em grande parte devido ao zelo do atual vice-regente, Sr. Domingos
Joaquim de Azevedo. Deixem-me fazer esse elogio, que me tarda. O Sr. Azevedo entrou
na casa como carpinteiro; mas, graças ao interesse que mostrou por tudo quanto dizia
respeito ao estabelecimento, quer moral, quer materialmente, a irmandade do Santíssimo da
Candelária, que tem a seu cargo a administração do hospital desde a época de sua fundação,
(*) confiou-lhe o cargo que hoje ocupa. Observação curiosa: o Hospital dos Lázaros tem
vice-regente, mas nunca teve um regente.
O Sr. Azevedo é carpinteiro, jardineiro, hortelão, fabricante de vinagre, criador de
pássaros, canteiro, floricultor, e é bem de ver que o vice-regente não tem obrigação de ser
nada disso. Mas o que ele é, principalmente, e é esse o lado mais simpático daquela
simpática figura de velho servidor zeloso e honesto, é um exemplo vivo de altruísmo e
honra.
Percorri com ele as enfermarias do hospital; os míseros enfermos quando o viam,
era como se lhes aparecessem o lenitivo e a saúde. Um deles, que mostrava ter setenta anos
pelo menos, tantas eram as rugas que lhe sulcavam o rosto entumescido pela lepra, saltou
521
sobre ele com gestos infantis, e beijou-lhes as mãos generosas. Imaginem que impressão
recebi quando o vice-regente me disse que aquele “velho” era uma criança de 15 anos.
***
Mais tarde falarei detidamente do Imperial Hospital dos Lázaros; mas, antes de
terminar este artigo, não quero deixar de citar o nome do médico do estabelecimento, o
ilustrado Dr. José Jeronimo de Azevedo Lima, cuja escolha não poderia ser mais acertada.
Visite essa belíssima casa de caridade, leitor; visite-a, mas reflita bem na filosofia
daquela sublime inscrição da porta principal: Não me julgues pelo exterior.
Eloi, o herói
______________
(*) Para que se desviassem da comunicação interna da cidade os enfermos infeccionados com o mal
chamado de S. Lázaro, havia a câmara suplicado a El-Rei, em 4 de novembro de 1837, a igreja da Conceição,
e casas anexas, onde há hoje a residência episcopal, cuja moradia fora ocupada pelos padres capuchinhos; não
resultando, porém, daquela rogativa o pretendido efeito, cresceu porisso o número dos contagiosos, que sem a
devida cautela viviam de mistura com as suas famílias, e era de esperar que eles contaminassem a povoação
toda. Conhecendo o vice-rei conde da Cunha o perigo que havia na saúde pública, por não haver casa alguma
separada da comunicação de tais desgraçados, suplicou a casa da quinta de S. Cristovão, em outro tempo
possuída pelos ex-jesuítas, onde o ar livre e saudável, e a vista aprazível do mar e o do campo, eram
favoráveis a tais enfermos. Concedida a casa em real resolução de 31 de janeiro de 1765, e organizado o
regulamento sobre a criação do novo lazareto, por ele principiou o tributo anual de 480 réis, com que as casas
de sobrado da cidade e seu termo contribuem para a subsistência de tantos infelizes, e de 240 réis as casas
térreas, cujo produto cobravam as ordenanças; e a cargo da Irmandade do Santíssimo da freguesia da
Candelária ficou a inspeção e administração do mesmo lazareto, até que, mandando o alvará de 22 de Março
de 1815 executar, observar as providências dadas a bem dele, se estabeleceu o novo contrato, para mais
proveitosa e segura cobrança do imposto. Memórias históricas do Rio de Janeiro, de Pizarro, livro VII, cap
XXI.
Hoje, a subvenção que o hospital recebe do Estado é apenas de 2:000$000 anuais!...
522
31 de outubro de 1885
O Dr. Rebourgeon, que tomou a peito vulgarizar as interessantes decobertas do
nosso ilustre compatriota Dr. Domingos Freire, acaba de submeter à apreciação da
Academia das Ciências, de Paris, por intermédio do eminente professor Bouley, um
relatório sobre a epidemia da febre amarela no Rio de Janeiro durante os oito primeiros
meses do corrente ano. Esse documento compreende a estatística da mortalidade, o número
das vacinações e o resultado destas.
Pensa o Dr. Rebourgeon poder afirmar que a vacina (se se pode assim chamar)
contra a febre amarela, pode ser transportada do Brasil para a Europa, ou para as colônias
francesas, sem outro incoveniente que não seja a sua atenuação mais ou menos completa.
Espera o distinto profissional poder, nos meses de Janeiro e Fevereiro próximos, no
momento em que a epidemia anual estiver em plena evolução, dirigir ao ilustre promotor da
doutrina microbiana, ao grande Pasteur, não os diferentes líquidos de cultura atenuada,
mas também as peças patológicas, necessárias ao exame sério da questão.
***
Creio que um extrato do relatório interessará aos leitores: vou fazê-lo:
De Janeiro a Agosto faleceram de febre amarela 278 indivíduos, sendo 200
estrangeiros e 78 nacionais. Estão mencionados no relatório a idade e o tempo de residência
no Brasil.
Fizeram-se vacinações pelo líquido atenuado em 3.051 indivíduos, sendo 2.186
nacionais e 865 estrangeiros. Lá vêm no relatório a idade, a filiação e o tempo de residência
no Império.
Três grandes focos da epidemia foram particularmente observados; foi que se
realizou maior número de vacinações.
Um quadro especial, anexo ao relatório, discrimina as vacinações, mencionando as
ruas e até o número das casas. Nalgumas, em que tinha havido casos fatais, o contágio foi
completamente destruído pelas inoculações preventivas. Citam-se mais especialmente
alguns bairros, onde o número das vacinações se elevou a 962 e o dos mortos, não
vacinados, a 66.
O relatório demonstra que das 3.051 pessoas que se submeteram voluntariamente à
inoculação, nenhuma faleceu, se bem que esteja provado que 2.963 habitavam os focos
principais da febre amarela.
***
À vista do relatório apresentado um ano pelo Dr. Rebourgeon à Sociedade de
Biologia e à Academia das Ciências, o governo francês está resolvido a mandar praticar as
inoculações nas colônias do Senegal e da Guiana, onde todos os anos a febre amarela faz
bastantes vítimas.
Bouley, principal propagador dos trabalhos de Pasteur, interessa-se particularmente
pelas experiências do Dr. Freire, e recomenda sempre ao Dr. Rebourgeon que o ponha ao
corrente de todos os trabalhos do professor brasileiro. Dirigindo-se em carta a um alto
personagem brasileiro, e aludindo à inoculação preventiva da febre amarela, assim se
exprime o presidente da Academia das Ciências: “Se esta descoberta for confirmada,
constituirá uma das maiores glórias de vosso país e de vosso reinado. O seu autor merecerá
um lugar entre os benfeitores da humanidade e os grandes promotores do progresso”.
523
Esta opinião bastará para que o Dr. Freire não faça caso da pessima individia
medicorum, e considere a satisfação do dever cumprido a melhor e mais legítima de todas
as recompensas.
Eloi, o herói
524
01 de novembro de 1885
Acabo de receber a seguinte carta:
“Sr. Eloi, o herói Estou que V. reparou no grande número de cartomantes que
tempos a esta parte tem invadido a capital, servindo-se da imprensa para atrair vítimas
incautas, e com a perícia da arte, limpar 2$ do bolso de cada uma delas.
“Espero que V. muito breve se ocupe deste assunto, chamando para ele a atenção do
chefe de polícia, etc, etc Do seu apreciador, Jec Junior”.
Confesso-lhe francamente, meu caro Sr. Jec: eu considero a cartomante um dos
muitos impostos lançados contra a parvoice humana. Ser “vítima”, já alguém o disse, é uma
das melhores posições sociais, e ser “vítima incauta”, ou mesmo imbele”, embora roubada
pelo tufão de que fala o poeta da Judia, é o ideal de todas elas.
Que diabo! é preciso que ninguém seja tolo impunemente! O “meu apreciador”
de convir que é barato ser “vítima incauta” por duas miseráveis cédulas de dez tostões cada
uma.
As cartomantes justiça se lhes faça não vão para a porta da rua recrutar clientes à
viva força, como as pseudocharuteiras da rua de Gonçalves Dias. Fazem o seu anúncio a
tanto por linha, e naturalmente pagam licença para exercer a sua profissão e usar tabuleta.
Se a polícia algum dia entender que deve persegui-las, porque o valete de ouros não
diz a verdade ou o sete de copas mente como um cão, persiga igualmente os médicos que
não debelam as moléstias, os advogados que não ganham as demandas, etc.
Enquanto houver cartomantes e sonâmbulos, tem a gente a certeza de que tolos.
E que seria dos espertos se não houvesse tolos, ou antes, “vítimas incautas”, como lhes
chama Jec Júnior?
Nada! deixemos viver quem vive. Fiquem em paz as cartomantes.
***
Falei no poeta da Judia...
Tomaz Ribeiro esteve para ser nomeado ministro plenipotenciário de Portugal nesta
Corte. Infelizmente não se realizou tal nomeação, que, estou certo, daria motivos de júbilo
às letras lusitanas. A nossa prodigiosa natureza inspiraria sem dúvida magníficos poemas
ao celebrado autor de D. Jaime.
Resta saber se a nomeação de um poeta seria bem recebida pela “colônia”, que é
positiva e prática; e se Tomaz Ribeiro não seria recambiado para o
Jardim da Europa à beira-mar plantado,
ao som de um coro enorme, cuja letra seria:
não voltes mais, trovador!
Quando me lembro que se opuseram com unhas e dentes à nomeação do Borjana!
Pelo menos foi isso o que me disseram...
***
Num jornal português encontrei os seguintes versos que vêm a talhe de foice.
Intitulam-se Parto... e não parto! e assina-os Tomaz Regato.
Adeus brisas do Tejo, ó brisas rumorosas,
Que embalastes outr‟ora o cisne do Pavia
525
Adeus repartições, adeus lírios e rosas!
Adeus, meu relatório amado da Judia!
Adeus ó Beira Baixa, adeus ó Beira Alta!
Se existe Beira Média, ó Beira Média adeus!
Graças à providência, a mim nada me falta,
Sou Par, sou bacharel formado e creio em Deus.
Adeus, ó meu continuo! adeus ó pátria minha!
Meu correio a cavalo, e meu Ganhado em flor,
Cá vos deixo ficar a alma, e vou na espinha,
Com meus prantos regar a rua do Ouvidor!
De cada olho meu, e tenho muitos, credes,
Rebenta um lacrimoso Alviela de cristal!
Meninas que eu amei, vinde matar a sede
Com este H02 muito sentimental
Adeus, ó lua dormente! adeus, ó tardes belas!
Adeus, ó bergantins! adeus, ó teorbas d‟oiro!
Fontes, venham de lá essas ricas costelas!...
Eu não posso! eu não vou!... Cebolorio! eu estoiro!
Não posso, não; não vou! Eu, decididamente,
Não me atrevo a transpor esses vai-vens do oceano!
Quem sabe se por lá essa esquisita gente
Gostará da grã cruz de S. Tiago ao piano!
Não vou; não vou, não vou! Ó Fontes, não me saques
Deste Éden terreal, onde eu há tanto assisto...
Morreriam de dor talvez trinta almanaques,
Se eu partisse!Nao vou! Não vou, que eu gosto disto!
Palavra! gosto disto! Onde há país no mundo
Com tão frescos jardins e cartas de conselho?
Um país que é o rei dos países, segundo
A opinião do meu caro amigo Eduardo Coelho!
Deixar um tal país, que eu canto desde moço!
Morrerei abraçado à bandeira das quinas,
Dedilhando uma lira e descarnando um osso,
E sendo o enlevo ideal de trinta e seis meninas!
Partir, Fontes? Jamais! Por nada deste mundo!
Nem que faças de mim o teu sobrinho-mor!
Bem sei que lá me espera, a rir, Pedro II,
Que recita o D. Jaime até ao fim, de cor!
Não me importa; não vou! Rejeito essa embaixada!
Vivo gordo, feliz, sem pêra e em santa paz!
Vinte contos de réis por ano! Que maçada!
Aplica esse castigo infame ao Lopo Vaz!
Eloi, o herói
526
02 de novembro de 1885
Não me arrependo de haver levantado a lebre sobre a questão do imposto dos
celibatários. Ainda agora acabo de receber de um autorizado escritor, que modestamente
oculta o seu nome na inicial G uma série de artigos intitulados Casamento e celibato,
proficientemente escritos sobre essa questão, que considero do mais vital interesse.
Noutra seção desta folha encontrarão os leitores o primeiro desses artigos, para os
quais chamo a sua benévola e preciosa atenção.
Publicado o último, terei a honra e o prazer de conversar nestas colunas com o
autor, meu prezado amigo e distintíssimo colega.
***
Realizou-se anteontem, no Lucinda, a primeira representação da peça Os
escravocratas ou a lei de 28 de Setembro, original do Sr. capitão Fernando Pinto de
Almeida.
Naturalmente o meu colega do Foyer dirá aos leitores o assunto e a contextura da
obra, que advoga energicamente a grande causa abolicionista. Poupem-me esse trabalho
pelo amor de Deus!
***
A representação foi uma surpresa para muita gente. Parece que, depois que por
andou o capitão Voyer, não muita nos capitães em teatro. Demais, o título vamos e
venhamos! é desses que deitam a pedra no sapato ao espectador menos ressabiado. Ele e a
apoteose são as duas idéias mais infelizes que se notaram durante a representação. Acresce
que a comédia nada tem de comum com a lei 28 de setembro senão um discurso, encaixado
a martelo no final, para justificar a tal apoteose o Visconde do Rio Branco, e por sinal que
de carne e osso, “casacalmente” vestido e rodeado por alguns pretos de ambos os sexos,
que o adoram de joelhos e de mãos postas.
Mas, pondo de parte o título, ou antes, os títulos, o visconde, a adoração dos
pretinhos, o fogo de bengala, e, em certos pontos, o estilo campanudo e pouco teatral do Sr.
Almeida, que se comprouve em acumular todas as chapas esquecidas na velha bagagem
jornalística, os espectadores do Lucinda acharam-se anteontem defronte de uma verdadeira
obra de arte.
Os caracteres são bem desenhados e a urdidura engenhosamente preparada, se bem
que haja no ato alguma precipitação e muita falta de unidade. As situações sucedem-se
com certa gica, e a parte cômica não prejudica a dramática, o que revela habilidade e
grande intuição teatral. As cenas são curtas, mas corsées, como dizem os franceses.
Monólogos, se os há, não chegam a aborrecer o público.
Enfim esta peça é, no gênero dramático, uma das mais brasileiras que tenho visto;
direi mesmo que, pondo-se de parte a Mãe, de José de Alencar, não possuímos um drama
tão inteligentemente feito sem a influência do teatro estrangeiro.
Auspiciosa estréia, não há dúvida; cumprimento com muita sinceridade o autor, que,
aliás, foi calorosamente aplaudido, e faço votos para que continue a brindar-nos com
trabalhos desta ordem.
***
O desempenho foi muito satisfatório por parte de todos os artistas, exceção feita da
Adelaide Amaral que, além de não saber o seu papel, disse-o todo na mesma antiga
melopéia dos tempos da Moça rica. Parte da culpa cabe sem dúvida à retórica do autor; mas
uma atriz inteligente e de tanta experiência como a Adelaide, que tantas vitórias alcançou já
527
no palco brasileiro, não tem o direito de esquecer as mais comezinhas regras da inflexão
teatral.
As honras do desempenho couberam ao Flávio, que esteve acima de todo o elogio
até o ato, isto é, até o ponto em que o seu papel deixou de oferecer margem para
qualquer trabalho artístico. O fazendeiro Anastácio, com a sua prosódia fantástica e a sua
brutalidade de escravocrata exaltado, é uma perfeita criação. O artista em certas situações
conseguiu esta “áfrica”, que é o escolho de todos os atores do seu gênero: ser ridículo nas
situações mais dramáticas, sem prejudi-las, fazendo rir o público.
O Martins disse com a naturalidade que é o seu principal condão todo o
antipático papel de Florêncio Ribas, achando numerosas inflexões para não tornar
monótono o estribilho: Vá com esta, que fazia sempre o maior efeito.
A Jesuina agradou bastante num pequeno papel de escrava. O Mário e o Monclar
disseram com muita veemência os seus papéis. O Alfredo fez rir bastante, transformado
num burlesco procurador de causas, ganancioso e ativo.
O Primo da Costa, a Elisa (hilariante, Elisa!), a Henriqueta, e outro artista cujo
nome me escapa, e ao qual foi em boa hora confiado um rebenque de feitor, portaram-se
todos com muita discrição.
Num papel de moleque estreou o “jovem artista Isidoro, como diz o cartaz. Este
jovem artista poderá dar alguma coisa, desde que modere um pouco o entusiasmo, isto é,
que ande menos e fale mais baixo. O Martins que puxe por ele.
***
Pequena concorrência, infelizmente, apesar de se achar no teatro a Confederação
Abolicionista em peso. Injustiça do público. Os esforços desta simpática empresa merecem
pelo menos a animação que compensa sem retribuir, ou retribui sem pagar.
Ainda agora ensaia o Martins outra peça original em 4 atos, cujo título (provisório,
dizem-me), é Lição para maridos, e cujos autores são o Aluízio Azevedo e o Emilio
Rouède.
O Aluízio é bastante conhecido, e, se o não fosse, não seria a mim que competia
apresentá-lo...
O Rouède, esse é conhecido como excelente pintor de marinhas. Vi-o anteontem
no Lucinda, aproximei-me dele, e disse-lhe:
- Que é isto? Sais-me autor dramático à última hora?
- Não há que estranhar: o França Junior é comediógrafo e atirou-se a pintar quadros;
não é muito que eu, sendo pintor, me atire a fazer comédias!
Não tive que retorquir.
Eloi, o herói
528
03 de novembro de 1885
Ontem andou por essas ruas o Ilmo. Sr. Sentimento, de braço dado à Exma. Sra. D.
Piedade, sobraçando ambos coroas de vidrinhos ou de perpétuas, cruzes de biscuit, castiçais
de prata, ramilhetes e outras bugigangas.
Ele trazia chapéu alto, charuto da Bahia no canto da boca, e rosto prazenteiro e feliz.
Ela, com o seu vestidinho curto de seda preta, e a sua anquinha à última moda,
saracoteava os quadris num movimento de reles faceirice.
***
Houve quem dissesse que não eram tal o Sentimento e a Piedade, mas o Fingimento
e a Hipocrisia, disfarçados, e usando de nomes supostos, tal qual Edmundo Dantès.
Eu cá, pela parte que me toca, declaro francamente que esse casal de janotas não me
inspirou a menor confiança. Não porei a mão no fogo nem por ele nem por ela.
Pode ser que a minha declaração ofenda a Deus e meta a minha alma no Purgatório,
pode ser; mas não acredito muito nessa saudade que traz o calendário de olho de olho
enxuto para saber quando deve chorar. Ando de atrás com essa dor de convenção, que,
para ser dor, consulta o almanaque, e espera por um dia certo e determinado.
***
O Sr. José teve dois dias felizes durante a sua curta existência matrimonial: o dia
em que casou, e o dia em que enviuvou.
Em reiteradas expansões, produzidas por excelentes regabofes, ainda hoje confessa,
inter pocula, aos amigos, que foi “um mártir da vida íntima”. muito quem diga o
contrário; que a mártir era ela, a pobre senhora que apodrece no fundo de uma sepultura
barata.
Entretanto, o Sr. José acordou ontem de bom humor, como de costume,
cantarolando um trecho da Mascote. Tomou o seu banho frio, sorveu a longos tragos o seu
café, saboreou o seu Scando, e, como sujeito metódico, que gosta de saber a quantas anda,
arrancou a folha da véspera do calendário pendurado na parede.
Feriu-lhe os olhos esta data: 2 de Novembro, e ao mesmo tempo a sua fisionomia
tomou uma vaga expressão de consternação e abatimento. O Sr. José deixou de cantarolar a
Mascote.
- Não remédio, disse ele aos botões e aos alamares de sua robe-de-chambre;
entristeçamo-nos, vistamos o fato preto, compremos uma coroa com o letreiro À minha
mulher, ou Saudade, ou Souvenir, e vamos ao Caju depô-la na sepultura da Mariquinhas.
O Sr. José realizou todos esses projetos, e, depois de um bom almoço, se foi
caminho do cemitério, assoalhando a sua dor periódica.
É certo que, à volta do Caju, e durante o dia inteiro, o seu espírito achou-se
entorpecido por um doloroso sentimento, cuja origem se presta a confusões. Sim, confunde-
se o coração com a consciência, e julga-se que é dor o que é simplesmente remorso.
A saudade é deliciosa, disse o poeta; vão averiguar se no sentimento daquele
viúvo estrambótico havia alguma parcela de delícia!
***
Por isso mesmo, no dia seguinte desaparece a opressão do espírito.
O Sr. José despertará hoje, como sempre desperta, cantarolando, senão a Mascote,
ao menos o Boccacio ou o Príncipe Topázio; mas desta vez o calendário não interromperá a
cantarola, e o nosso herói durante a jornada não se lembrará da pobre Mariquinhas.
529
Assim será durante trezentos e sessenta e cinco dias, até que o 2 de novembro do
ano que vem recomende de novo à consideração e ao respeito da sociedade os indefectíveis
sentimentos conjugais do Sr. José.
Nesse dia a coroa funerária, apodrecida também, será substituída por outra,
completamente nova, e, se for possível, mais barata.
***
Esse Sr. José é tipo comum. No dia de finados encontrareis mutatis mutandis,
numerosos “Srs. Josés”... de ambos os sexos.
Não duvido e livre-nos Deus de que assim não seja! não duvido que na
espetaculosa romaria de ontem houvesse também muita sinceridade e muito amor. Mas
ninguém me venha dizer que a dor é uma coisa que se vence no dia tal, como se se tratasse
de uma letra de câmbio.
***
O escritor destas linhas é, ao mesmo tempo, um filho que perdeu o pai, e um pai que
perdeu o filho. Pranteou-os amargamente, pranteia-os ainda, e de pranteá-los até morrer.
Mas por isso mesmo que a sua religião quer obrigá-lo a chorar apenas no dia de finados, ou
nesse dia mais que nos outros, é justamente essa a data em que a sua saudade se acha
menos apercebida.
Não gosto de chorar de súcia.
Eloi, o herói
530
04 de novembro de 1885
muito tempo eu não assistia a uma festa tão interessante como a da inauguração
dos trabalhos da fábrica de fiação e tecidos, da Companhia Brasil Industrial, realizada
ontem.
Às 10 ½ da manhã um trem especial da Estrada de Ferro D. Pedro II conduziu, da
estação central ao aprazível vale de Macacos, uma população de 700 pessoas,
representando as classes principais da nossa sociedade.
Poucas vezes se terão visto reunidas tantas e tão elegantes senhoras! Se se tratasse
de um torneio de beleza, e me incumbissem as funções de novo ris, eu ver-me-ia deveras
embaraçado para conferir o pomo da fábula. Em última análise, parece-me que teria de
reparti-lo em quase tantos pedacinhos quantas eram as senhoras presentes. O quase vai
em atenção à verdade.
***
A viagem correu sem incidente notável. Sua Majestade o Imperador tomou o trem
na estação da quinta de S. Cristovão, para a qual se fizera acompanhar por um piquete.
Parece-me estranho que um príncipe tão acessível e tão democrata se faça escoltar até no
quintal de sua casa.
Sua Majestade e o Sr. conde d‟Eu levavam casaca e chapéu alto, dando assim
pernicioso exemplo de mau gosto. Entretanto, para honra dos convidados da festa, havia
grande número de fraques, sobrecasacas e chapéus baixos.
Isto de ir para um passeio campestre como se vai para um baile é um contra-senso,
que, diga-se a verdade, se no Brasil. Dêem Suas Majestades e Altezas o exemplo da
propriedade da toilette, e emendaremos a mão, ou por outra, emendaremos o corpo.
***
Depois de visitada a fábrica, foi-nos servido um almoço... não, um jantar... não, um
banquete! que faria lembrar as bodas de Camacho, se, sobre ser opíparo, não fosse tão
delicado e tão bem servido. A antiga casa Carceller fez realmente jus a um bom reclamo,
mas nanja eu que o faça. Não perdôo terem deixado ficar em casa o Vicente.
Uma coisa boa, entre outra muitas, tiveram para mim os comes e bebes: não ouvi os
brindes. Ah! eu sou inimigo fidagal de saúdes de sobremesa: permitam-me este desabafo.
Disseram-me que o Sr. senador Correia fizera um discurso, mas eu declaro que o
verbo autorizado do ilustre parlamentar não chegou à minha mesa. Releva dizer, como nota
explicativa, que havia quatro mesas, e todas quatro muito compridas.
Contudo sei que S. Ex. rematou o seu speech com um engenhoso calembourg, que
recomendo a qualquer dos autores de qualquer das revistas de ano, anunciadas pelas
empresas teatrais.
- A voz dos Correias, disse S. Ex., deve calar-se diante da voz das correias daquelas
máquinas!
Ui!
***
Cumprimento com muita sinceridade o Sr. J. D. Custódio de Oliveira que, dos três
diretores da Companhia Brasil Industrial, é o único com quem tenho a honra de entreter
relações de amizade. O Sr. Oliveira vinte e tantos anos que se entregou de corpo e alma
à idéia da fundação da fábrica de Macacos; teve que lutar contra a indiferença de uns, a
desconfiança de outros, a vontade de muitos, e o geral espírito de rotina e imobilidade.
Não conheceu o desânimo, nem a vitória o extenuou. Ignoro se o Sr. Oliveira é
comendador: com certeza é um benemérito.
531
Confesso que me deixei levar por leve sentimento de inveja quando ontem, ao
voltarmos, lhe perguntei no vagon:
- Que deve fazer um indivíduo nas minhas condições para tornar-se um grande
industrial?
A resposta é adorável:
- Força de vontade, e nada mais.
Pois sim...
***
Noutra seção desta folha encontrarão os leitores a descrição da fábrica e a
enumeração dos trabalhos. Eu apenas lhes direi que me vi zonzo no meio daquela
engrenagem complicadíssima e daquela bulha sublime, que soava harmoniosamente aos
meus ouvidos, como um hino o hino do trabalho, muito mais eloqüente que o Trabalhar,
meus irmãos, que o trabalho... do defunto Castilho.
Eloi, o herói
***
P.S Exigências da paginação da folha protelaram a publicação da primeira carta
sobre Celibato e casamento, por mim dias anunciada. Os leitores encontra-la-ão no
presente número do Diário de Notícias E, o h.
532
05 de novembro de 1885
A piedade de alguns amigos ergueu, no cemitério de S. Francisco Xavier, um
monumento à memória dos dois insignes flautistas brasileiros: Callado e Viriato.
Os dois artistas repousam no mesmo mausoléu.
Sobre um embasamento de mármore preto, ergue-se o túmulo de mármore branco.
Divide-se este em três partes distintas, sendo a primeira, uma base, ornada nos cantos com
garras de leão e folhas de acanto, símbolo da união. Sobre esta base descansa a caixa, em
cuja face principal está um medalhão com a efígie de Callado e uma inscrição. Sobre a
caixa, que é apiramidada, acha-se o capitel, cujo estilo da Renascença se harmoniza
perfeitamente com todo o mausoléu, que finaliza com uma cruz do mesmo estilo. Na face
oposta à do medalhão de Callado, acha-se o de Viriato, e outra inscrição.
O monumento, que mede três metros e cinqüenta centímetros de altura sobre dois
metros de largura, foi desenhado pelo Sr. Ludovico Berna, aluno da Academia de Belas
Artes. Os medalhões foram modelados por Almeida Reis.
***
Vem a propósito o nome de Francisco de Noronha. Dirijo-me aos meus leitores
portugueses:
O cadáver do autor de D. Beatriz e do Arco de Sant’Ana repousa numa sepultura
rasa. Em janeiro próximo completam-se os cinco anos, findos os quais a administração do
cemitério terá o direito de mandar queimar os ossos do ilustre violinista portuense.
Estou certo de que os portugueses, residentes nesta Corte, não consentirão que
assim desapareçam os despojos de um homem que tão distinto lugar ocupou na história da
arte portuguesa.
Não o julguem pelos tangos, aliás felicíssimos, da Princesa dos Cajueiros; mas
pelos ruidosos triunfos por ele alcançado nas cenas líricas do Porto e de Lisboa, e pelos
concertos de violino, que tanto o engrandeceram e consagraram.
Eu sou pobre, não tenho recursos bastantes para dar às cinzas de Sá Noronha um
túmulo digno do ilustre artista. Mas, ainda que o pudesse fazer, teria por leviandade fazê-lo
sem consultar o brio da colônia portuguesa.
Esperançado de que as minhas palavras calarão no ânimo de cavalheiros, que tantas
provas têm dado de piedade e de patriotismo, estou pronto a concorrer, moral e
materialmente, na medida de minhas forças, para a ereção do monumento.
Com franqueza: será uma vergonha para os nossos irmãos de além-mar se a ossada
do aplaudido maestro português desaparecer como a do mais obscuro sujeito.
Custa tão pouco o pagamento dessa dívida de honra!... e a colônia é tão rica...
***
Acha Escaravelho que chorar sozinho é brutalidade, própria de animais, e que
chorar de súcia é fraternidade, própria de cristãos.
Pelo menos foi isso o que deduzi do lembrete que ontem me subscritou.
Fraternidade houvera, me parece, se em dia de finados fosse toda a gente aos
cemitérios chorar por uma pessoa; mas cada um tem os seus fiéis defuntos, e não se
importa com as dores alheias.
Fraternidade houvera se cada piedoso romeiro levasse flores e lágrimas para todas
as sepulturas; mas o! Fulano trata de adorar o túmulo do seu defunto de modo que “dê
nas vistas”, e passa indiferente pelos outros túmulos. Que diabo de fraternidade é essa?
Olhe o pobre Noronha! Morreu sem deixar família, e aqui estou eu a beliscar a
Sra. D. Fraternidade, para ver se lhe arranjo uma sepultura decente.
533
Eloi, o herói
534
06 de novembro de 1885
O último correio de Belém do Pará trouxe-nos a interessante notícia de haver a atriz
Emília Adelaide, cansada de ver em que paravam as modas, aberto loja de modista naquela
capital.
Pobre Emília Adelaide!
Quem te viu e quem te vê!
Como vão longe os tempos em que aqui chegaste pelo braço de Ernesto Biester!
Como vão longe os tempos em que Luiz Fernandes, apaixonado deveras pela morgadinha
de Val-flor, morria de amores por ti, no palco e fora do palco, de botas e sem elas!
Foi esse realmente o período cor de rosa da tua existência artística.
Lá, no jardim da Europa à beira-mar plantado, encheram-te de glória, é certo, mas
no elegante teatrinho fluminense, que neste momento desaba sob o camartelo de indiferente
pedreiro, condimentavam-te a glória com uma porcentagem sobre a receita dos espetáculos,
brutas ambas, tanto a receita como a porcentagem.
Ora adeus; estiveste na moda; hoje estás nas modas; paciência! Aqui fico a
fazer votos para que o plural te seja tão propício como te foi o singular; que tenhas agora
tantas encomendas como outrora aplausos.
Recomendo às elegantes paraenses as “confecções” de Mme. Pimentel.
***
Não sei se o Martins tenciona abrir loja de alfaiate. O caso o é para menos.
Apesar do tiroteio de adjetivos encomiásticos com que a imprensa recebeu a primeira
representação da Lei de 28 de Setembro; apesar da excelência do drama e do correto
desempenho que lhe deram os artistas do Lucinda, a queda foi desastrada, irremediável,
desanimadora.
O Martins está resolvido a mudar de gênero, se os Venenos que curam, de Aluizio
Azevedo e Emílio Rouède, não conseguirem curá-lo dos efeitos da indiferença do público,
desse veneno que entoxica as melhores intenções do mundo.
Se a comédia não levar público à rua do Espírito Santo, o que não será para admirar,
pois tem graça e é bem escrita, o empresário recorrerá imediatamente à opereta e à mágica.
Mas se por ventura os autores da nova peça apresentarem ao público outra, mas essa
filiada ao gênero que ele tacitamente reclama, não faltarão campanudos Aristrarcos para
bradarem:
- Aqui d‟el-rei, que me estragam a literatura dramática nacional!
Ora bolas, meus amigos!
***
Remeteu-me um colega, para ser transcrito nesta seção, o seguinte anúncio que
encontrou no Rio Branco, de Pirassununga:
“TREMOR DE TERRA Felizmente não temos; mas existe no distrito de S. João
do Rio Claro, distante 3 léguas e 3 quartos da estação do Morro Grande, uma parte de terra
de cultura, alta, e campo de criar com excelente água, sem benfeitorias; que troca-se por um
prédio bom ou ruim, nesta cidade, ou mesmo terreno; volta-se dinheiro se merecer. Não
deixem de fazer proposta, que o anunciante é cigano para negócio, e faz com o primeiro
que aparecer. Para melhor informação nesta tipografia. Francisco A. de Azevedo”.
Está feita a vontade ao meu colega.
***
Alberto de Oliveira, o aplaudido poeta das Canções românticas e das Meridionais,
tem a sair dos prelos um novo livro: Sonetos e poemas.
535
Vou dar aos leitores as primícias de três magníficos sonetos, que se acham reunidos
no novo escrínio sob um tulo genérico. Essa transcrição não é feita para recomendar o
poeta, que por si de muito se recomenda; mas simplesmente para proporcionar aos
leitores do Diário de Notícias o raro prazer de apreciarem quarenta e dois versos bem
feitos.
SYRINX
I
Pan não era por certo um deus tão lindo
Que merecesse Ninfa como aquela;
Fez mal em persegui-la, e bem fez ela
Pedir a um colmo encantamento infindo.
Só de vê-lo as Oreadas, sorrindo
- E destas uma só não foi tão bela
Como Syrinx, armadas de cautela,
Frente aos mirtais botavam-se fugindo.
E, pois, por tal cornípede devia
Gastar as áscuas de amoroso incêndio?
Não! E, a influxo das Náiades, um dia.
Perseguida do deus, o movediço
Ladon procura, estende o corpo, estende-o...
E ei-la mudada em trêmulo caniço.
II
Que se imagine como o deus ficara
Quando, crendo estreitar a Ninfa esperta
Que lhe fugia, apenas uma vara
Delgada e fina contra o peito aperta.
Vendo-o em tal ilusão, que assim lhe armara
Amor, da oposta margem descoberta,
Um risinho de escárnio, que o desperta,
Tinio do rio na corrente clara.
Então, da planta virginal, no assomo
Da raiva, o caule fino o deus vergando,
Parte-o em várias porções, de gomo em gomo.
Tais partes junta; e, em música linguagem,
Com os pastores no canto concertando,
Põe-se a soprar no cálamo selvagem.
III
Da agreste cana à módula toada,
536
Da Arcádia pelos íngremes outeiros
Vinham descendo, em lépida manada,
Lestos, saltões, os Sátiros ligeiros.
E a flebil voz da frauta, soluçada
De ternuras, soava entre os olmeiros;
Já nas grutas as Náiades em cada
Sopro os ecos lhe escutam derradeiros.
Hamadriadas louras palpitando
Estão no líber das árvores; donosas
Napeas saltam do olivedo, em bando.
E presa à frauta a Ninfa que a origina,
Syrinx pura, as notas suspirosas
Derrama d‟alma a vibração divina.
***
A idéia de erguer um monumento fúnebre a Noronha recebeu alguma adesão.
Tenho presentes diversas cartas sobre o assunto, as quais serão oportunamente publicadas.
Eloi, o herói
PS: tinha escrito o meu artigo quando recebi, para o túmulo de Noronha,
acompanhada de um delicado bilhete, a quantia de 115$, dos seguintes senhores:
Joaquim Souto Maior................................................. 20$000
Alberto José dos Santos............................................. 10$000
M. M. Ferreira Souto................................................. 10$000
Veado......................................................................... 10$000
J. A. C. S.................................................................... 10$000
Antonio de Barros Poiares....................................... 10$000
João Reinaldo de Faria.............................................. 10$000
Manoel José Pereira Guimarães................................ 10$000
Joaquim Alves Moreira.............................................. 5$000
A. A. Paes.................................................................. 5$000
Guilherme Leite........................................................ 5$000
A. Machado Pereira................................................... 5$000
Bernardo Mera........................................................... 5$000
À vista disto, posso afiançar que o ilustre maestro português terá um túmulo digno
do seu nome. Rogo às pessoas que desejarem subscrever dirijam-se diretamente à redação
do Diário de Notícias, que se incumbe de guardar o dinheiro que já veio e o que há de vir.
537
07 de novembro de 1885
Quem três meses, a qualquer hora, passasse pelo café do Globo, e olhasse para o
interior do estabelecimento, veria, sentado a uma mesa, jogando invariavelmente uma
interminável partida de dominó, um velho, muito velhinho, octogenário: era o Francioni.
Uma vez que, por me faltarem os dados necessários, não pude escrever em tempo o
artigo a que ele tinha direito, fa-lo-ei hoje, trigésimo dia do seu falecimento.
***
O Francioni era italiano: nasceu em Ancona, em 1797, e tinha apenas 20 anos
quando aportou ao Rio de Janeiro, depois de percorrer diversos países do velho mundo.
Esteve primeiramente empregado numa padaria; mais tarde estabeleceu outras, por
conta própria, em Icaraí e na Ponta do Caju, donde veio, em 1830 pouco mais ou menos,
para a rua Direita n. 7, e fundou o Hotel do Norte. No sobrado havia alguns bilhares,
além da hospedaria, naquele tempo escolhida de preferência por viajantes nacionais e
estrangeiros. No pavimento térreo, confeitaria e botequim.
***
Foi essa a primeira confeitaria, ou antes, a primeira pastelaria que se estabeleceu no
Rio de Janeiro. Ao passo que na França operava-se a revolução política de Carlos X e a
revolução romântica de Victor Hugo, entre nós fazia-se a revolução culinária. O Francioni
era mestre na arte de preparar acepipes e petisqueiras solenes. Era ele quem fornecia o
serviço dos bailes e banquetes da Casa Imperial, naquele tempo faustosa e dançarina.
Embaixador, negociante abastado, medalhão político ou capitalista de nota que se
prezasse não dava comes e bebes sem recorrer aos préstimos do Francioni.
Tinha fama a rica baixela de prata, que figurava nos grandes jantares servidos por
ele. Parte dessa baixela pertence hoje ao Cassino Fluminense.
Veio depois a moda dos sorvetes.
Quem aqui os introduziu foi ainda o Francioni, que, durante muito tempo, teve o
monopólio da importação do gelo natural.
Foi ainda o famoso pasteleiro quem se lembrou de aproveitar o gelo para a
conservação de uvas, peras, maçãs, e outras frutas européias.
***
Que sucesso fizeram os sorvetes!
As famílias saiam expressamente de casa para ir tomá-los na rua Direita. O largo
passeio do Hotel do Norte era um belo ponto de reunião: ficava todas as noites coalhado de
senhoras e cavalheiros “da melhor roda”, como então se dizia, do “high life”, como hoje se
diz. E ali se conservavam horas esquecidas, até ao toque do Aragão.
***
Escusado é dizer que o Francioni chegou a possuir centenas de contos de réis; mas,
com a idade, veio-lhe a mania da desconfiança. Não acreditava em ninguém, e supunha que
todos se aproximavam dele para roubá-lo. Tornou-se um demandista pior que o Chicanneau
de Racine. Demandava por aquela palha. Foi então que a sua fortuna principiou a
desandar.
***
No ano de 1858 traspassou o estabelecimento ao finado Carceller. Data de então o
plantio daquelas árvores, e a designação, epigramática talvez, que tomou aquele trecho da
rua Direita, de boulevard Carceller.
***
538
Outra mania do Francioni era a de curar todas as moléstias. Para qualquer
enfermidade propunha remédio infalível. Ainda ultimamente gabava-se de haver chegado
aos oitenta, graças à sua própria terapêutica.
dez anos, mais ou menos, enterrou numa fábrica de gelo, nas Laranjeiras, o
último vintém que lhe deixaram advogados, escrivães e procuradores. O gelo artificial não
lhe foi tão propício como o natural.
***
Tinha muito amor ao local onde passara a mocidade, e diariamente ali ia, por
devoção, e entretinha-se a jogar dominó desde pela manhã até a noite. O proprietário do
antigo Hotel do Norte, hoje Hotel do Globo, tomou-lhe muita amizade, e deu-lhe, por fim,
cama e mesa, poupando-o assim a viagens diárias no bond de S. Cristovão. Em fins de
Agosto, sentindo-se muito fraco, mostrou desejos de ir para casa de seu genro, onde faleceu
de uma moléstia que eu ardentemente desejo aos meus leitores: velhice.
Aos 88 anos conservava ainda, admiravelmente, toda a lucidez de espírito. Poucos
dias antes de morrer, dizia-me ele, entre duas partidas de dominó:
- O numero 7 persegue-me! Tenho sete letras no nome (Antonio)... Nasci em
setembro de 1797... Vim para o Rio de Janeiro em 1817... Falo sete línguas... Estabeleci-me
na rua Direita n. 7...
E o pobre octogenário, que mencionava ainda outras coincidências, morreu em 7 de
Outubro.
Eloi, o herói
539
08 de novembro de 1885
Dou a mim mesmo os parabéns por haver provocado, com a questão do imposto dos
celibatários, a carta que me dirigiu, o ilustrado escritor português, meu amigo Dr.
Domingos Maria Gonçalves, e que o público teve a satisfação de ler nas colunas desta
folha.
Essa carta foi imensamente lida, e produziu o efeito mais brilhante. Ao escritório do
Diário de Notícias vieram muitos cavalheiros indagar o nome do distinto publicista, que o
ocultara numa inicial modesta e solitária.
Quem não concordará com aquela triste enumeração de uns tantos defeitos
orgânicos da nossa sociedade, defeitos cuja correção será o melhor promotor de
casamentos?
O Dr. Domingos Gonçalves encara a questão de um ponto muito mais elevado que o
meu; eu tratei menos de um problema sociológico que do meio econômico de aumentar a
receita pública, estabelecendo compensações contra um estado parasitário qual é o celibato.
O imposto nada terá de vexatório se for cobrado na razão de uns tantos por cento
sobre a renda do celibatário. Não se trata de impor família a ninguém, mesmo porque no
Brasil os homens são mais numerosos que as mulheres, e uma divisão perfeita seria
impossível: trata-se de impor uma taxa que castigue (se posso empregar esse verbo) aqueles
que aproveitam, na sua independência, na sua ociosidade, os benefícios produzidos pela
família, base de todo o bem social.
***
Escreve-me Fétis:
“O resultado de sua idéia foi o mais lisonjeiro, já pela soma a que atingiu em dois
dias apenas a subscrição aberta no escritório do Diário de Notícias, pelos nomes
respeitáveis que nela figuram.
“Vejo que há desencontro de opinião relativamente ao verdadeiro lugar do
nascimento do infeliz maestro, e lamento que nos ocupemos atualmente de discutir um
assunto tão fútil, e que acho até nem deveria ser discutido.
“Sá Noronha era um artista, e artista de muito mérito; tratemos, pois, de perpetuar
por qualquer forma a sua memória, e nada mais.
“Como sabe, a Gazeta Suburbana vai dar um concerto, e a mim, o mais obscuro dos
seus colaboradores, coube a honra de ser o organizador dessa festa.
“Sem nome nem qualidades que me recomendem para o bom êxito de um tal
empreendimento, confio todavia no poderoso auxílio dos artistas e amadores a quem me
vou dirigir, e na filantropia notável do nosso público em geral.
“O produto se entregue à redação do Diário de Notícias para o destino
conveniente”.
Diz muito bem Fétis: o resultado é o mais lisonjeiro possível; temos em cofre
mais da sexta parte do dinheiro preciso, e não nos falta o apoio de algumas associações
portuguesas, e de muitos cavalheiros da mesma nacionalidade.
Hoje é domingo. Conto que a pobre classe caixeiral, composta em sua maioria de
rapazes portugueses, roube um instante ao passeio, e venha contribuir, no escritório do
Diário de Notícias, para a realização da piedosa idéia. Dez tostões ou dois mil réis não
fazem falta a rapazes. Sim?
Eloi, o herói
540
09 de novembro de 1885
Não tenho hoje espaço para mim; todo ele é pouco para dois artigos que me foram
remetidos e eu transcrevo com muita satisfação.
Fale em primeiro lugar o Sr. F. da S.
“O ilustre Fétis tem razão quando diz: Noronha era um artista e artista de muito
mérito; tratemos, pois, de perpetuar por qualquer forma a sua memória, e nada mais. De
acordo, perfeitamente de acordo, e nem outro foi o meu móvel dirigindo-me Sr. Eloi, o
herói.
“Se tratei da naturalidade do maestro, foi por incidente e nem o fato, por pueril,
ensanchas a discussão.
“É de crer que um pouco de espírito de bairrismo me viesse beliscar na ocasião; mas
não me seja esse levado a mal por que, no fim de contas, é um prejuízo que invade muita
gente boa. O rio-grandense orgulha-se de ser comprovinciano de Osório, e o paulista,
fazendo a apologia da sua terra, cita com entusiasmo o nome de José Bonifácio. Se Aveiro
se desvanece de ter sido o berço de José Estevam, não sente menor vaidade Setubal por
haver produzido um Boccage. Seja-me, pois, relevado que, como vimaranense, me ufane de
ter sido na minha terra que viu a luz o insigne e pranteado maestro Francisco de Sá
Noronha F. da S”.
Fale agora o Sr Vimaranes:
“No Diário de Notícias de 7 do corrente, sob a epígrafe Noronha, li um artigo
em que se notava divergência quanto à verdadeira naturalidade do maestro.
Se não incorresse em culpa que a mim mesmo não perdoaria; se não fosse não
culpa, mas até crime de lesa-patriotismo, deixar correr com foros de verdade a crença
errônea de que Noronha era natural de Guimarães, e assim prejudicar a biografia deste
ilustre português; se não antevisse que alguém quisesse um dia levantar mais este
monumento, que por certo será mais duradouro do que um mausoléu em que apenas se leia
Aqui jaz , eu não viria responder ao artigo em questão, para restabelecer a verdade.
Se a cidade de Guimarães quer ufanar-se por julgar ter sido o berço do pranteado
maestro, tem suas razões, porque, se ele ali não nasceu, como provarei, foi ali educado
desde tenros anos; ali o ligavam recordações da infância; ali tinha afeições nunca
desmentidas, e dos filhos de Guimarães sempre recebeu finezas.
Deste conjunto de circunstâncias nascia o seu silêncio, para não magoar aqueles que
o estremeciam duplamente como notabilidade artística e como patrício.
A poucos dos mais íntimos Sá Noronha chegou a dizer o local do seu nascimento.
Mas, ou seja de Guimarães, ou de Vianna, o que é verdade é que a pátria de um
homem de talento não é só a localidade que o viu nascer.
Principiarei, pois, por me socorrer de diferentes escritos, que correram mundo, sem
reclamação de Noronha, quando este estava ainda no rol dos vivos.
Em 24 de Abril de 1868 foi assinado um contrato entre Caetano Simões Afra & C. e
Francisco de Noronha, contrato que apenas consta de três artigos, mas devidamente
reconhecido pelo tabelião Camilo José dos Santos, para a publicação do periódico a Lira
Portuguesa, publicação que teve quase dois anos de existência, e para a qual o grande
escritor e poeta Antonio Feliciano de Castilho fez um prefácio com o tulo Prelúdio, que
principia assim:
541
Lira Portuguesa! vão exclamar em coro os compositores de todo o mundo. Lira
portuguesa, responderão, como ecos inconscientes, os cantores e cantoras, as ouvintes e os
ouvintes de todas as salas musicais de Portugal.
Sim! Lira portuguesa e portuguesíssima lhes podemos responder com o mestre do
Arco de Sant’Ana.
.......................................................................................................................................
.......................................................................................................................................
“Para arcar com tantas dificuldades, e tão glaciais indiferenças, é necessário reunir
em si, com o fogo divino a tão pouco despartido, uma heroicidade de querer, uma
constância de teimar, uma paciência para os menoscabos, uma abnegação total de tudo em
que mais se delicia a natureza humana, que um exemplo vivo podemos hoje apontar de
tal complexo de raridades.
“É Francisco de Sá Noronha.
“Supuseram-lhe berço alguns dos seus biógrafos no antigo e histórico torrão de
Guimarães; mas foi na margem do fecunco e sonoroso Lima que abriu os olhos.
.......................................................................................................................................
“A sua estrela já vagabunda o levou a criar-se em Guimarães, onde um hábil mestre,
Bruno de S. Bento, lhe ensinou os primeiros rudimentos da arte em que para logo o
discípulo se fez admirar do próprio instituidor”.
-se, pois, que Noronha esteve em Lisboa em Abril de 1868; que ali tratou e
levou a efeito uma publicação musical, em que ficava a seu cargo exclusivo a direção
artística, não podendo Afra & C. intervir nela; que Antonio Feliciano de Castilho fez o
prelúdio de que aproveitei a pequena parte necessária, e isto o poderia ter sucedido sem
contínuas conferências entre Castilho, Afra e Noronha.
Pode-se e deve-se acreditar que nesta ocasião Noronha dissesse a Castilho qual era a
sua terra natal.
Em 1856 esteve Noronha em Braga, e nessa ocasião o distinto escritor J. J. da S.
Pereira Caldas escreveu umas notícias biográficas a respeito do maestro. Também Caldas
sabia que era Vianna e não Guimarães onde Noronha nascera.
Finou-se Noronha em 23 de Janeiro de 1881, e foi enterrado no cemitério de S.
Francisco Xavier, campa n. 11.278. Foi acompanhado por alguns amigos à sua última
morada, entre os quais se achava o Sr. cônsul português Barão de Wildick; devido à
amizade que lhe dedicavam Jorge Chebrier (que é falecido) e um outro amigo que ainda
vive, mas não quer ser nomeado, foi posta uma pedra mármore na sepultura e plantados em
roda três cipestres e algumas roseiras.
Depois do falecimento de Noronha, apareceram alguns dados biográficos.
No Eco do Lima escreveu o Sr. C. L. que Noronha era de Viana, porque lho tinha
ouvido dizer (Eco do Lima n. 1471).
Na Aurora de Lima n. 3,789, o Sr. J. P. E. L. dizia que Noronha nasceu em Vianna
do Castello, aos 24 de Fevereiro de 1820, numa casa próxima à antiga capela das Almas.
O Camões, periódico publicado no Porto, dizia em o seu n. 27, de 3 de Março de
1881:
“Sá Noronha nasceu em Viana do Castelo em 1820. Seu pai era de Mondim de
Basto, sua mãe de Guimarães”.
Felipe do Amaral publicou no Ocidente, de Lisboa, no n. 80, de 11 de Março de
1881, que Sá Noronha era de Guimarães.
De tudo isto nascia a dúvida sobre qual seria a terra que o viu nascer.
542
Como iam aparecendo dados biográficos mais ou menos incompletos, um dos seus
amigos mais dedicados, na impossibilidade de lhe fazer levantar um mausoléu, entendeu
que seria mais útil coligar documentos para uma biografia, expurgada, quanto possível de
erros.
Ajudado com os conselhos de Joaquim José Marques, falecido em Lisboa no ano
passado, foi procurando a maior soma de documentos, no Brasil, na América do Norte, em
Portugal, na Inglaterra e nos Açores.
Foi longa a tarefa, e está quase a concluir-se; falta quem de boa vontade queira
tomar sobre seus ombros este trabalho, que para o colecionador é impossível.
O material para a obra ai está; falta o arquiteto que levante o monumento.
Para tirar as dúvidas sobre a data e local do nascimento, transcrevo a certidão, que
foi achada na igreja de Santa Maria Maior, certidão esta devidamente autenticada:
„Pedro Afonso Ribeiro, abade da freguesia de Santa Maria Maior, de Viana do
Castelo.
„Certifico que no livro seis dos assentos de batismos desta freguesia, à fl. 47, verso,
se encontra o do teor seguinte:
„Francisco, filho legítimo de José Antonio, natural de Mondim de Basto, comarca de
Vila Real, e de Maria Luiza dos Anjos, natural de Guimarães, avós paternos e maternos
incógnitos, nasceu aos vinte e quatro de Fevereiro de mil oitocentos e vinte; foi batizado,
postos os Santos Óleos, por mim arcipreste, no dia 1º de Março do mesmo ano.
„Foram seus padrinhos Francisco Fernandes de Miranda e Sebastiana Peres; para
constar fiz este assento, que firmo.
„Viana, dia, mês e ano ut supra
“Bernardo de Gouvea Magalhães Albuquerque, arcipreste, etc”
Para confirmar que este Francisco, filho de José Antonio e Maria Luiza dos Anjos, é
o mesmo Francisco de Noronha, existem documentos incontestáveis, que serão
igualmente publicados. Vimaranes.
Vimaranes promete continuar, e ainda bem, porque o primeiro artigo é interessante.
Que diz dele o Sr. F. da S. ?
***
A subscrição para o túmulo do Noronha continua aberta no escritório do Diário
de Notícias.
Eloi, o herói
543
10 de novembro de 1885
Um sebo, cujo nome não declaro porque naturalmente o Diário de Notícias não está
disposto a fazer anúncios de graça, anuncia nos seguintes termos, pela Gazeta de Notícias,
o romance Madrasta, escrito pelo meu bom amigo Alfredo Bastos:
“A Madrasta, rabujenta, enrugada e empertigada, como são todas as madrastas,
descrevendo às noviças os meios, os fins e os resultados de suas aventuras, em estilo de
Serões de um convento, pelo eminente escritor Alfredo Bastos, que foi redator do Jornal do
Comércio e é atualmente redator da Pátria, de Montevidéu, 1 enorme vol. de 300 pags.,
1$000”.
No mesmo anúncio outros livros são postos à venda em termos
inconvenientíssimos: as Boemias, coleção de versos do jovem e inteligente poeta Artur
Duarte, são anunciadas de tal forma, que o autor estará em seu pleno direito, se der um
pontapé no tal alfarrabista, não importa em que lugar.
***
Mas o anúncio da Madrasta indignou-me especialmente, porque encerra a mais
odiosa calúnia que jamais se levantou contra um escritor honrado.
Alfredo Bastos é um rapaz honesto, incapaz de assinar patifarias, como faz crer o
anúncio.
A Madrasta é um romance que pode penetrar em casa da mais escrupulosa família;
não há ali uma frase que destoe da esmerada educação do romancista.
***
Noutro país, que não fosse o nosso, ninguém teria o direito de atribuir trabalhos
indecorosos a este ou àquele escritor; a lei forneceria enérgico e imediato corretivo. No Rio
de Janeiro faz-se um anúncio daqueles, pior que qualquer mofina, e o injuriado tem o
desforço de sua bengala. Mas como está em Montevidéu, não redator da Pátria, como diz o
pulha, mas empregado numa repartição de engenharia, e não pode de tão longe fazer cantar
o pau nas costas do seu detrator gratuito, de calar-se muito caladinho e amargar a pouca
vergonha que lhe fizeram.
***
Eu faria carga aos meus colegas da Gazeta da facilidade com que aceitaram a
publicação de um anúncio arquipornográfico, se não reconhecesse a pequena
responsabilidade que lhes cabe, por ser praxe nas redações deixar aos empregados do
escritório o serviço da inserção dos anúncios.
Recomendo-lhes, porém, que tenham todo o cuidado com as publicações solicitadas
pelo audacioso sebo, que, afinal de contas, é uma alimária que talvez não medisse o alcance
do que rabiscou.
***
Mão desconhecida remeteu-me uns versos recitados por um Sr. visconde de Pindela
em certo baile oferecido a Sá Noronha há 36 anos, na cidade de Guimarães.
Nesses versos diz-se que o maestro nascera na terra de D. Afonso Henriques. Não
os transcrevo aqui por serem tão ruins, que os leitores não mos perdoariam. Além disso,
creio que depois do artigo que ontem publiquei, assinado por Vimaranes, nenhuma dúvida
pode restar sobre a naturalidade de Sá Noronha.
***
Aí vai o segundo artigo.
544
“Pela certidão de idade publicada no artigo anterior, -se que os padrinhos de
Francisco, filho de José Antonio, foram Francisco Fernandes de Miranda e sua mulher
Sebastiana Peres; ambos naturais de Burgos, reino da Galiza.
“José Antonio e Fernandes de Miranda eram ambos músicos num regimento
estacionado em Viana, e desta camaradagem se pode concluir que nasceu o compadrio.
“O pequeno Francisco, passados 5 ou 6 meses depois do seu nascimento, foi para
companhia de seus padrinhos, e Sebastiana Peres continuou a amamentá-lo. As
circunstâncias que deram lugar a este fato são longas a contar e inúteis por enquanto. Mais
tarde serão referidas.
“Francisco viveu com seus padrinhos e teve os carinhos a meias com as filhas da
bondosa Sebastiana, até que o regimento, em que Miranda servia, foi para Guimarães em
1824.
“Miranda relacionou-se em Guimarães com Bruno, mestre de capela; este afeiçoou-
se ao pequeno Francisco, que principiava a mostrar raro talento.
“Miranda, liberal exaltado, que tinha aplaudido a Constituição de 24 de agosto de
1820, foi obrigado a marchar para Bragança em 1826, e lá foi preso pelas tropas do
marquês de Chaves. Conseguiu fugir para Valença e daqui para Galiza.
“Sebastiana Peres, para seguir seu marido, deixou seu afilhado Francisco entregue a
Bruno, e este ficou desde então sendo o único protetor do pequeno, que foi dali em diante
conhecido pelo Chiquinho do Bruno. Vimaranes”
Vimaranes promete continuar suas interessantes revelações.
***
A subscrição vai indo, um pouco lenta, mas vai indo, e é o que se quer. Todas as
assinaturas colhidas até hoje têm sido espontâneas...
Portugueses, não vos façais rogados para auxiliardes a compra de um túmulo
destinado às cinzas do vosso ilustre compatriota!
Eloi, o herói
545
11 de novembro de 1885
O editor Bevilacqua (Isidoro) acaba de publicar uma polca intitulada De palanque, e
oferecida a Eloi, o herói.
É uma composição ligeira, mas muito agradável, que não tardará a ser popularizada
por todos os pianos da capital, desde as Três Vendas até o Saco do Alferes, da rua Fresca à
Ponta do Caju.
***
A leitora naturalmente encolherá os ombros e dará um prolongado muxoxo,
dizendo:
- Ora! seu Eloi elogia a polca, naturalmente, porque o autor lho ofereceu.
Está redondamente enganada, leitora: a música é muito bonita, e basta ouvi-la para
sentirem-se uns tremeliques nas gâmbias.
***
Chama-se Filinto Milanez o autor dessa polca. É um nome ainda desconhecido,
apesar de haver figurado em muitas produções desse gênero, algumas das quais
alcançaram grande êxito.
Posso, entretanto, afiançar que brevemente esse nome será repetido por todos os
lábios. Filinto Milanez compôs duas partituras de opereta, A donzela Teodora e o Herói à
força, e conta que uma delas, pelo menos, seja representada no decurso do ano próximo.
O público apreciará então o novel artista, cujo trabalho não me parece inferior a
muita musiqueta de exportação, que tem sido aplaudida nos nossos teatros.
Filinto Milanez é engenheiro pela Escola Politécnica, e acha-se atualmente em
comissão do governo na província de Santa Catarina. É sempre assim na nossa terra! A
gente ocupa-se naquilo para que não nasceu. Não estou eu aqui a escrever para o público?
***
Transcrevo em seguida mais uma carta do Sr. F. da S., relativamente a Noronha.
Amanhã publicarei o terceiro artigo de Vimaranes:
“Sr. Eloi, o herói, - Propositalmente deixei de vir ontem afim de não perturbar a
continuidade da publicação das notas biográficas de Sá Noronha, coligidas por Vimaranes.
“O incidente vai se tornando longo e, quiçá fastidioso. Ter-lhe-iadado de mão, se
não fosse o receio de me averbarem de mentiroso e ficar no conceito de V., a quem devo
tanta gentileza, tido como um intruso inconsciente, que só veio levantar poeira.
“No que hoje avanço não quero que vejam pirronismo. Tenho por hábito curvar-me
diante da verdade e folgo de reconhecer em Vimaranes um investigador de consciência.
No caso vertente não se deve discutir por hipótese: o documento autêntico é que fornece, é
que dá os subsídios para uma orientação perfeita e inconcussa. Não quero, não devo por em
dúvida o que asseverou em tempo o laureado poeta A. F. de Castilho; não quero, não devo
considerar apócrifa a certidão exibida por Vimaranes, ou supor, mesmo, que o nome de
Francisco que ali figura, seja (apesar de tão vago) o de um Francisco qualquer. Nada disso.
Creio e creio piamente na boa e probidade de Vimaranes, e admiro a pertinácia com que
colige documentos para a constituição exata, expurgada de erros, da biografia do inditoso
artista.
“Entretanto, preciso varrer a minha testada para que me não acoimem de, torno a
repeti-lo, intruso inconsciente nesta questiúncula que, sem o visar, provoquei.
“Desde que me entendo, sempre ouvir dar Guimarães como pátria de Noronha.
Quando este alcançava triunfos e os teve que farte logo após a apologia, dava-lhe a
imprensa como berço natal Guimarães. Os habitantes desta cidade tinham-no como seu
546
conterrâneo. Faustino X. de Novais, de saudosa lembrança, afiançou à minha vista e diante
do falecido Xavier Pinto que Noronha, seu velho amigo, era filho do berço da
monarquia. Em Maio de 1880, quando pessoalmente procurei o maestro no Hotel de
França, de sua própria boca ouvi que nascera em Guimarães. Pinheiro Chagas, no seu
Dicionário Popular, que tem sido composto com o máximo escrúpulo, diz que Noronha
nascera em Guimarães em 1823. Jaime Batalha Reis, cuja probidade literária ninguém pode
pôr em dúvida, fazendo, no Ocidente, o esboço biográfico do notável artista, dá-o nascido
em Guimarães, no mesmo ano de 1823.
“E o que é real é que Noronha, a despeito da certidão publicada por Vimaranes,
queria ser de Guimarães e não de outra qualquer parte. Donde se conclue, portanto, que,
posto houvesse nascido em Viana do Minho, o maestro se naturalizara cidadão
vimaranense, como se em Guimarães houvera visto a primeira luz.
“E nesta conformidade de espírito aceitava sem protesto as aclamações dos poetas
locais, que o endeusaram sempre, numa chuva de entusiásticas apóstrofes, eivadas sempre
do mais puro, do mais convicto bairrismo. Entre os vimaranenses da gema, que decantaram
o célebre violinista, na sua própria presença, como filho do histórico torrão, destacam-se
estes nomes: João Machado Pinheiro Corrêa de Melo, Dr. Moraes Sarmento, Dr. Bento
Cardoso, o padre Sebastião Leite (cognominado o poeta), o abade de Prazins Clemente José
de Melo e outros e muitos outros, acima de toda a exceção, que ora me não ocorrem.
“Arredando de mim, por esta forma, qualquer idéia menos justa que desconhecidos
me atribuam, ufano-me de ter tão conspícuos e honrados companheiros, inclusive Noronha,
por meus pares neste engano d’alma ledo e cego; e deixo a Vimaranes a gloriosa tarefa de
apurar, no cadinho patriótico da sua paciência, toda a verdade histórico-biográfica do
homem que todos estremecemos tanto; na certeza, porém, que não me é possível atinar com
as razões que tinha Francisco de Sá Noronha para dizer-se filho de Guimarães, sendo, como
me parece honestamente provado, natural de Viana do Castelo.
“Pelo que me toca, está cumprida a minha missão.
“Aperta-lhe afetuosamente a mão o seu velho admirador F. da S.
***
A subscrição para o mulo de Noronha continua no escritório do Diário de
Notícias às ordens, não dos vianenses ou dos vimaranenses, mas de todos os portugueses
residentes nesta Corte.
Eloi, o herói
547
12 de novembro de 1885
À hora em que escrevo neste artigo decide-se no tribunal do júri a sorte de Alberico
Delascar de Souza Leite, que se presume ter, no dia 15 de Abril do corrente ano,
assassinado a marteladas Júlio Cândido da Silva.
Os grandes crimes estão, graças a Deus, tão fora dos hábitos ordeiros e patriarcais
da nossa sociedade, que esse assassinato produziu entre nós a mais viva sensação.
Que requinte de perversidade não é preciso a um rapaz de 22 anos, para matar
traiçoeiramente o seu amigo íntimo, o seu companheiro de casa, e ir depois assistir a um
espetáculo teatral! Que alma a daquele desgraçado moço, que, acabado o espetáculo, voltou
à casa, teve a hedionda coragem de ir à meia-noite ao encontro daquele cadáver trucidado,
que talvez o encarasse fixamente com o medonho olhar inexpressivo dos mortos, e desceu
as escadas sem cambalear, e foi buscar a polícia, fingindo-se dolorosamente surpreso!
Imaginem o assassino repimpado numa cadeira do Sant‟Anna, com aquele cadáver a
colocar-se entre ele e as pilhérias do Vasques, com o espírito obsedado pela memória do
seu crime, procurando iludir-se a si próprio, e receando, talvez, como Macbeth, que lhe
descobrissem nas mãos algum vestígio de sangue.
Ó natureza! ó mãe! pois é possível que reunisses tanta malvadez, tanto cinismo na
alma de um menino? É possível que o fizesses tão perverso? que lhe desses tão horripilante
caráter? que lhe não concedesses de humano senão a configuração?
***
E venham-me cá dizer que os olhos são o espelho da alma, e outras baboseiras desse
quilate! Alberico tem uns olhos bonitos, largos, serenos e insinuantes. É um rapaz
simpático, desta simpatia que se impõe rigorosamente, prestes a transformar-se em afeto. O
miserando Júlio, se realmente foi assassinado por ele, jamais poderia supor que na
serenidade risonha daqueles olhos morasse o gratuito rancor dos que matam para roubar.
Mísero rapaz! no meio das imprecações uníssonas, que em toda a parte levanta a
hediondez do crime de que te acusam, ouve, ao menos, o lamentoso suspiro que a desgraça
alheia sabe sempre arrancar a almas honestas.
***
Para suavizar o que vai de lúgubre, saboreie o leitor a seguinte carta, que acabo
de receber de uma senhora, que se assina Rita da Conceição:
“Não vê que na rua que nós moramos tem um peste dum francês que um bicho dele
grita a noite interirinha? Não sei se é cachorro ou ganso, ou qualquer outras aves mas grita
que é uma coisa por demais que até encomoda toda a vizinhança com isto. V. S. que é
moço bom e que pode botar as coisas no seu jornal eu lhe pesso como amiga que não deche
de falar neste arrenegado francês do diabo chama-se C... é dono da casa que aluga
quartinhos; pros estudantes que vão ser doutor e baxarel e outros que não querem ser nada.
“Eu lhe pesso por tudo que de mais sagrado e pelos santos evangelhos que livre-
me deste bicho que V. S. botando na folha o francês tem medo e pega e mata o bicho.
“A rua é na rua da Ajuda minha casa é 118 e do francês é 211 e o bicho dele não sei
bem que bicho é, mas eide botar verde pra colher maduro”.
***
Eis o terceiro artigo de Vimaranes, prometido ontem.
“Principia para Sá Noronha a nova fase de sua vida.
“Segundo diz o Sr. José Esteves Ribeiro nas apreciáveis notas biográficas
publicadas no Porto, tinha Noronha 4 anos quando foi para Guimarães, e tinha seis anos
quando ficou entregue à proteção de Bruno de S. Bento, o que está em perfeita harmonia
548
com a opinião de J. P. E. L., num jornal publicado em Viana do Castelo, e com a data de
partida de Miranda para Bragança em 1826.
“Tendo acabado a violenta comoção política por que passou Portugal, desde 1826
até 1832, voltou a Portugal Francisco Fernandes de Miranda e domiciliou-se no Porto, onde
conseguiu obter meios de subsistência pela sua arte, pertecendo à banda regimental da
Guarda Municipal e à orquestra do Real Teatro de S. João.
“Com Miranda vieram de Espanha seus dois filhos, Ezequiel e Tereza, ambos com
vocação musical: foram mais tarde a amparo de seu velho pai.
“Chegou ao Porto, de volta de sua peregrinação pelo Brasil e América do Norte, o
festejado maestro Noronha, procurou seu padrinho, viveu com ele na melhor harmonia, e
assistiu ao passamento do velho Miranda e do amigo de infância Ezequiel, ficando, pois,
amparando sua irmã colaça Tereza Pascoal de Miranda.
“Noronha decidiu-se a vir ao Rio de Janeiro, para aqui fazer representar o Tagir,
cuja ação se passa na Bahia, em meado do século XVII.
“Aqui sofreu amarguras; em 23 de Janeiro de 1881 faleceu e foi sepultado no
cemitério de S. Francisco Xavier.
“Sua irmã colaça, D. Tereza Pascoal, resolvida a vir para a companhia de Noronha,
chegou ao Rio de Janeiro em 28 de Março e morreu em 2 de Abril de 1881, de febre
amarela; jaz sepultada no mesmo cemitério, campa n. 11.697, muito próxima da de seu
irmão.
“Francisco T. de Miranda e Ezequiel T. de Miranda, falecidos no Porto, e D. Tereza
Pascoal, falecida nesta Corte, convenceram-nos de que o pequeno Francisco, filho de José
Antonio, é o grande vulto artístico Francisco de Sá Noronha.
“Fala agora o revd Pedro Afonso Ribeiro, abade da freguesia de Santa Maria Maior
de Viana do Castelo:
“Certifico que no livro 6 dos assentos de batismo desta freguesia à f. 94, verso, está
o assento do teor seguinte: Tereza Pascoal, filha legítima de Francisco Fernandes de
Miranda, natural da cidade de Burgos, e de Sebastiana Peres, ambos naturais do Reino da
Galiza, etc, etc”.
“É esta a senhora que se acha sepultada na campa n. 11.697, como se poderá
verificar no cartório da Misericórdia do Rio de Janeiro.
“Julgo ter provado que Noronha nasceu em Viana do Castelo Vimaranes”.
***
A subscrição aberta pelo Diário de Notícias foi ontem acrescentada com a quantia
de 100$, enviada pelo Sr. J. Torres, secretário do Club dos Fenianos, que declarou ser ela o
produto de uma subscrição promovida entre alguns sócios, para auxiliar, em nome dessa
briosa associação, a compra do jazigo destinado aos restos de Sá Noronha.
Honra! aos Fenianos, cujo exemplo será espero imitado por outras associações.
Eloi, o herói
549
13 de novembro de 1885
Há muito tempo não se lambia o Lucinda como uma “casa” como a de anteontem.
O Martins roia as unhas, e, atravessando dificilmente, nos intervalos, os grupos dos
espectadores, perguntava, aqui e ali, aos conhecidos:
- Você está vendo?
E passava adiante.
***
Pudera! tratava-se de prestidigitação e ventriloquia, e o nosso público o
cavaquinho por esse gênero de espetáculos.
Estreava um artista brasileiro, o Ávila, que, me parece, nada tem de comum com o
seu homônimo dos burros magros de Porto-Real.
Achavam-se na platéia todos os nossos amadores de prestidigitação; entre eles o
Brito, que passa por mestre na arte de berliques e berloques, e Saturnino da Veiga, de todos
o mais entusiasmado e convencido.
***
O Ávila é ainda muito acanhado; falta-lhe a verbiagem, que é o complemento
indispensável, ou mesmo a condição fundamental da sua arte. A estafada chapa das
“comoções de estréia” jamais pôde ser aplicada com tanto cabimento como anteontem.
***
Eu aprecio bastante os prestidigitadores quando conseguem iludir-me, o que aliás é
facílimo, porque, confesso, custa-me a perceber as sortes, mesmo depois de devidamente
explicadas.
Certo dia, em casa de uma família do meu conhecimento, um menino de oito anos,
que brincava com alguns aparelhos, desses que se vendem na rua do Ouvidor, fez uma bola
azul passar para um copo de madeira, tampado, onde se achava uma bola encarnada, e vice-
versa. Eu sorri com ares de entendido, mas no íntimo estava muito vexado de haver sido
completamente mistificado por uma criança. Tomei nas mãos os dois copos maravilhosos, e
só então descobri que havia na tampa de cada um deles uma série de bolas ocas, minto de
meias bolas de diversas cores, que se adaptavam perfeitamente aos copos, cobrindo a bola
que devia desaparecer.
Imaginem qual foi a minha surpresa quando anteontem o Sr. Ávila me impingiu a
mesma sorte, feita com aparelhos de maiores dimensões!
Ora bolas!...
***
Mas, enfim, como o artista noutras sortes conseguiu, com muita habilidade, deitar-
me poeira nos olhos, perdôo-lhe de bom grado as tais bolinhas.
Por exemplo, aquela do café com leite, que toda a gente sabe como se faz, causa-me
um desespero incrível. Por mais que raciocine, não posso atinar com ela. E o Sr. Ávila
justiça se lhe faça executou-a com extraordinária limpeza.
As xícaras de café e de leite foram disputadas na platéia de um modo quase
inconveniente. Eu estava a ver o momento em que os espectadores se esmurravam para
beber café mágico. O “compadre” do Sr. Ávila, um pretinho muito retinto que, como o
patrão, passava pelas forcas caudinas da comoção de estréia, viu-se zonzo, de bandeja na
mão, para acudir aos Psius! de quantos o solicitavam.
***
A parte mais interessante do espetáculo foi a sessão de ventriloquia ou de
engastrimismo, como quiserem.
550
Pela etimologia da palavra, dir-se-ia que o Ávila fala com o ventre; mas toda a sua
arte consiste simplesmente em saber modificar a voz natural, de modo a obter sons
articulados, conservando a boca fechada, ou imóvel, quando aberta.
***
A ventriloquia é coisa muito velha, e, se eu quisesse mostrar erudição à custa do
Larousse, diria que não S. Crisóstomo como Hipócrates acreditavam que ela consistisse
realmente na faculdade de falar com o ventre; que na antiguidade os padres e as sibilas
entregavam-se ao estudo particular da ventriloquia, para dar aos seus oráculos um prestígio
que os faziam triunfar no espírito do vulgo; que na idade média muitos ventríloquos foram
queimados como feiticeiros; que o mais célebre ventríloquo do século passado foi um tal
Saint-Gilles, merceeiro francês, que em 1770 vivia em Saint-Germain-en-Laye, porto de
Paris.
Este sujeito tinha, como ninguém, a faculdade engastrímica, e aproveitava-a para
converter viciosos e culpados. Não especulava com a sua habilidade; antes confessava a
origem dela, toda material e fisiológica.
“Entretanto, diz Larousse, o ventríloquo que levou as lampas a todos os seus rivais
foi Carlos Comte, que divertiu as gerações do primeiro terço do presente século. Um dia,
este ventríloquo famoso visitava uma igreja de aldeia, em companhia de alguns habitantes
do lugar: de repente, ouve-se uma voz sepulcral, que parece vir das largas pedras que
ladrilham o templo; esta voz implora pronto socorro para uma pessoa que na véspera fora
enterrada viva; cessa naquele momento o seu estado de letargia; queixa-se dolorosamente
de incomodado que está no seu caixão; os espectadores vão sem perda de tempo buscar os
coveiros, apressam-se estes em exumar a vítima, que uma culposa precipitação sepultara
ali. Mas de repente, no momento de abrir o caixão, a mesma voz parte da sacristia, e renova
os queixumes e os gemidos que, um momento antes, saíam da sepultura inutilmente aberta.
Correm todos para a sacristia. Começam as escavações; mas eis que novos gemidos, gritos
ainda mais dilacerantes se escapam das abóbodas da igreja. O terror apodera-se então dos
assistentes, alguns dos quais começam a creditar num malefício. Entretanto, um deles,
menos crédulo que os outros, reflete no que se passa, advinha o embuste, e tranqüiliza a
população, que se unia para ser testemunha do milagre. Carlos Comte teve tempo de
fugir, subtraindo-se desse modo ao furor da população”.
***
Pois quem quiser ter uma idéia muito aproximada da habilidade de Carlos Comte,
vá amanhã ao Lucinda. O ventríloquo Ávila dá o seu segundo espetáculo.
***
Do Sr. Joaquim de Almeida, o distinto escritor português, bastante conhecido entre
nós pelo pseudônimo de Fétis, comunica-me que está marcado para segunda-feira, 23, o
concerto promovido pela Gazeta Suburbana, e por ele organizado, para ocorrer às despesas
com o monumento Sá Noronha.
Diz-me o Sr. Almeida:
“Sinto a maior satisfação em comunicar-lhe que tive a mais plena adesão por parte
de todos os amadores e artistas a quem me dirigi, pedindo-lhe a sua cooperação.
“Será a festa no salão de concertos do imperial teatro S. Pedro de Alcantara, que
será inaugurado nessa noite, circunstância esta que ainda é uma gentileza do exímio
violinista Francisco Pereira da Costa que de antemão o tinha tomado para a sua festa
artística.
“Resta pois que o público complete o que já está tão bem começado.
551
Pela minha parte, agradecendo a todos, fico com a glória de concorrer para que não
fique no esquecimento o nome de um homem ilustre pelo seu talento. Eis toda a minha
ambição”.
E eu agradeço do fundo da alma, não só a Fétis como ao excelente colega da Gazeta
Suburbana.
Eloi, o herói
552
14 de novembro de 1885
Um grupo de artistas, escolhidos entre os mais notáveis que possuímos, resolveram
dar uma prova de apreço ao grande Rodolfo Bernardelli.
Facílimo lhes seria oferecem-lhe o retrato a óleo; não teriam que pagar a mão-de-
obra. Resolveram, porém, e em boa hora o fizeram, dar-lhe um banquete no hotel Novo
Mundo.
Às 5 horas da tarde achavam-se ontem reunidos no lugar convencionado: Rodolfo
Bernardelli, Ferreira de Araújo, França Júnior, Félix Bernardelli, Belmiro da Silva,
Valentim Magalhães, André de Oliveira, Angelo Agostini, Zeferino da Costa, Medeiros,
Peres, Duarte, Cernicchiaro, Décio Vilares e este seu criado.
O jantar correu animadamente, entre um tiroteio de bons ditos, mais ou menos
felizes, mais ou menos apimentados.
Escusado é dizer que não faltaram brindes; mas os discursos foram expressamente
interditos.
Um dos artistas presentes lembrou-se da fazer uma saúde aos comendadores, porque
geralmente são eles, ainda assim, os únicos que encomendam algum trabalho aos artistas.
- Nesse caso, lembrou outro conviva, bebamos antes à saúde dos encomendadores.
Foi aventada, aplaudida e aceita a idéia da fundação de um Círculo artístico, para
exposição permanente dos trabalhos dos nossos pintores, considerando-se sócios
fundadores todos os cavalheiros presentes ao banquete, quatro dos quais se encarregaram
de redigir os estatutos.
Queira Deus que se realize a idéia, e não suceda ao Círculo Artístico o mesmo que
aconteceu às numerosas associações de homens de letras, que se têm pretendido criar no
Rio de Janeiro.
Tenho presente o menu do banquete, com um desenho original do Belmiro, e uma
caricatura do Bernardelli, porque, saibam, o escultor do Cristo e a adúltera é um
caricaturista de se lhe tirar o chapéu.
Na impossibilidade de reproduzir aqui o desenho e a caricatura, aí vai o menu:
“POTAGE – Purée de crevettes à La R. Bernardelli.
“ENTRÉES Bouchées d’hûitres á l’Académie des Beaux-Arts (será epigrama?)
Poisson au gratin á la Cernicchiaro, Perdrix au Madère à la Zeferino. Filet aux
champignons à l’Avenir des Beuax-Arts.
“RÔTIS – Dindon, jambon, légumes, choux-fleurs (tout çá à la... ce que vous
voudrez).
Dessert et glaces.
“VINS – Madère, grèves, Lacombre, Champagne, Liquers, Café, etc”
***
Deixemos os vivos, e tratemos do artista morto, que tanto nos tem ocupado
ultimamente.
A subscrição aberta no escritório do Diário de Notícias para o monumento Sá
Noronha está quase atingindo a terça parte do necessário para levá-lo a efeito. Bravo!
O Diário Mercantil, de S. Paulo, abriu também uma subscrição para o mesmo fim, e
já tem alguma coisa. Bravo!
Estamos autorizados a contar como certo o valioso auxílio de muitos cavalheiros e
associações. Bravo!
***
553
Ainda uma carta:
“Tendo V. despertado a atenção pública, impedindo assim que se condensem as
trevas do esquecimento e da indiferença sobre um nome de tanto prestígio como é o de
Noronha, complete a sua obra, e conjure os negligentes ou culpados a que venham dizer o
que é feito de tantas páginas de música inéditas, que o infeliz maestro guardava na sua
pasta, na esperança, talvez, de melhores dias.
“Essas peças musicais, e bem assim a ópera Tagir, foram arrecadadas, creio, pelo
cônsul português; pois bem, que não fiquem essas ninharias eternamente sepultadas nas
prateleiras do Consulado!
“V., que mostra ser homem de coração, por quanto a impulsos de sentimento
levantado e de saudade pelo camarada que caiu a meio caminho da glória, teve o poder de
despertar o espírito público, levando-o a concorrer para essa merecida homenagem ao
infeliz maestro , diga alguma coisa sobre tal assunto, a ver se se faz luz sobre este ponto
bem triste e bem escuro.
“Consinta que um desconhecido lhe aperte afetuosamente a mão, etc – R”.
R tem toda a razão, mas não se trata agora disso. Mais tarde de tudo aparecer, e
então se fará a luz que o meu correspondente reclama.
Por enquanto, trata-se pura e simplesmente de dar uma sepultura digna aos ossos de
um artista em cujo peito o rei de Portugal pendurou o colar de S. Tiago.
Eloi, o herói
554
15 de novembro de 1885
O leitor naturalmente já está à espera que eu lhe impinja mais uma carta...
Pois não se engana. Principia deste modo a que ontem me dirigiu o Sr. L. S.:
“Já que o nome de Noronha tem sido ultimamente lembrado, é justo que eu
concorra com o meu contingente para a sua coroa de glórias”.
À vista deste intróito, virei pressuroso a folha, julgando encontrar dentro da carta
uma bela nota de banco. Decepção! O que o Sr. L. S. chamava o seu contingente era um
soneto que não é seu, dedicado ao ilustre maestro por uma poetisa do Faial.
***
Nem o soneto é tão bom, que mereça ser reproduzido, nem é dessa espécie o
contingente que espero do respeitável público.
Versos não faltaram a Noronha enquanto vivo; agora, depois de morto, poupem-
no as Musas, que não fazem pouco.
***
Não deixemos ao Sr. L. S. a doce ilusão de que o soneto, que os quatorze versos que
me enviou, contribuíssem para a “coroa de glórias” do autor de Tagir. Demais, não se trata
agora de consagrar o artista; mas de promover para a sua memória a manifestação suprema
a que têm direito todos os indivíduos que neste mundo disseram ao que vieram.
Em vez de me enviar um velho soneto, melhor seria que o amável Sr. L. S. me
remetesse algum dinheiro, embora velho também, para avolumar a subscrição aberta no
escritório do Diário de Notícias. Assim, sim: o Sr. L. S. poderia dizer “o meu contingente”
sem receio de ser contestado nem mal recebido.
***
O Sr. secretário do Consulado Português, à vista da carta que ontem publiquei,
assinada por R, teve a delicadeza, que lhe agradeço, de vir ter comigo e mostrar-me o auto
de arrecadação do espólio de Sá Noronha. As peças musicais manuscritas, o piano, a rabeca
e as condecorações do maestro, bem como o saldo da quantia produzida pelo leilão da
roupa e mais objetos que tiveram de ser vendidos, está tudo à disposição dos respectivos
herdeiros, os quais, se existem, até hoje não se habilitaram. As composições estão
depositadas no Banco Rural e Hipotecário, que eu não sabia recebesse em depósito notas...
de música.
Tudo isso tem naturalmente que ser vendido em leilão; a mim o que me parece mais
regular é que o consulado pedisse instruções ao seu governo, sobre o destino desses
preciosos autógrafos, que, vendidos em hasta pública, pouco poderão produzir.
O governo português naturalmente os mandaria arquivar nalguma biblioteca do
Estado. Seria este o melhor destino que lhes poderia dar.
***
Não transcrevi o soneto da poetisa do Faial; em compensação, transcreverei outro,
em que o Sr. Gonçalves Sena me chama “anjo divino”. Anjo divino será ele! Vejam:
“SONETO”
Oferecido a Eloi, o herói
“Quando olhar para mim, anjo divino,
E esses teus olhos os meus vêm encontrar,
Tão puros como o orvalho matutino,
Mais belos que as noites do luar”.
555
Vejamos o que acontece ao poeta quando fito nele os meus lindos olhos:
“Eu sinto na mente divagar
A idéia de um beijo cristalino
Em tua fronte. E poder me embriagar
Gozando esse teu corpo alabastrino”.
Hein?! Pra lá!
“E se para mim sorris serena e bela”.
Ah! agora vejo que a coisa não é comigo!
“Com esse sorrir divinal de donzela
Eu sinto que a idéia mais aumenta”.
O que vale é que é a idéia; mas vejam como principia o último terceto, pois está aí a
desculpa do poeta:
“E então fico louco... estremecendo
Porque o teu sorrir bem compreendo
É o fruto desta idéia tão cruenta”.
Pois, meu caro senhor, arranje um lugarzinho no hospício da Praia Vermelha, e
deixe-nos em paz, a mim e aos meus leitores, de quem me despeço hoje,
***
emprazando-os para logo à noite nos encontrarmos todos no Lucinda, onde a companhia
Martins representará, pela primeira vez, a comédia Venenos que curam, original de Aluizio
Azevedo e Emílio Rouède.
Eloi, o herói
556
16 de novembro de 1885
É um dever de boa camaradagem transcrever o seguinte artigo, que, sob o título Os
celibatários, acaba de publicar no Diário Mercantil, de S. Paulo, o meu amigo Urbano
Duarte; mas mesmo quando assim não fosse, eu faria a transcrição, porque confesso que
estou sem assunto, que malandrei o dia inteiro, e são horas de atender ao paginador do
Diário de Notícias, que reclama o De palanque.
De resto, estou convencido de que os meus leitores, apesar de benévolos, desejariam
bem ver-me todos os dias tão bem substituído.
Eis o artigo de Urbano Duarte:
“São dignos de ler-se os artigos ultimamente publicados no Diário de Notícias a
respeito da questão do imposto sobre os celibatários, questão levantada por Eloi no sempre
apreciado De palanque. Por indiscrição deste último escritor, sabemos serem eles da lavra
do Dr. Domingos Maria Gonçalves, ex-redator da Folha Nova e atual da Gazeta de
Notícias, jornalista tão provecto como modesto e desinteressado.
“Opina contra o referido imposto, aduzindo argumentos ponderosos e reflexões
sensatíssimas.
“Cada qual tem o direito de constituir ou não família legal, conforme o permitam as
variadíssimas condições físicas e sociais dos indivíduos.
“O legislador não deve intervir neste assunto extremamente melindroso, complexo,
ligado a considerandos de ordem muito especial, e cujo criterium depende exclusivamente
da plena liberdade e livre escolha dos interessados. Case-se mais que depressa quem todos
os meses puder impavidamente afrontar com o proprietário, com o homem da venda, com o
açougueiro, e o padeiro, e o alfaiate, e tutti quanti vieram ao mundo para martírio da
humanidade arrebentada; mas que se defenda de tomar mulher perante Deus e o mundo
aquele que não tiver fundos bastantes para operar tais proezas. Melhor é que fiquem em
casa a apanhar moscas ou a esgravatar no nariz, pensando na vida.
***
“Sabemos que os meios pecuniários não determinam por si a felicidade conjugal.
Mas são um dos fatores essenciais da prosperidade doméstica, porquanto a falta de
numerário traz consigo a desinteligência e a desarmonia nos casais pobres.
“Diz o rifão que “casa onde não há pão todos gritam e ninguém tem razão.”
“Concorrem e muito, para a boa constituição da família, a conformação da índole e
da educação dos cônjuges, dependentes das famílias de que são oriundos e do meio social
em que afeiçoaram os respectivos caracteres.
“O autor dos artigos a que aludimos externuou a este respeito um conceito tão
profundo e exato, que poderia passar com força de axioma para os tratados de filosofia
matrimonial.
“Diz, pouco mais ou menos o seguinte:
“Quando a esposa é complemento do marido, isto é, quando ela participa dos seus
trabalhos, quando o auxilia, o ama, o considera, quando se torna companheira fiel e meiga,
consoladora dos seus infortúnios e eco dulcíssimo das suas glórias e das suas alegrias:
não havendo dinheiro, é bom; mas se a burra está recheada, então é x p t o!
(Esta redação é gracinha do cronista, e não do Dr. Gonçalves).
“Quando a esposa é apenas um suplemento do homem, quando este a considera
máquina de prazer, um luxo, uma tetéia de salões, e que ela se torna alheia aos interesses,
às idéias e aos sentimentos do esposo, então se não na gaveta aquilo com que se
compram os filets é mau; se, porém, a opulência cobre o casamento com as dobras do seu
557
manto dourado é péssimo, é horrível, é para fazer um pobre diabo suicidar-se por
estrangulamento nos chifres de belzebul”.
***
Mas pelo amor de Deus, meu Urbano! vens tu com a velha cantiga! Que diabo!
não queres ou não podes casar? Pois não te cases; ninguém te obriga. Mas com os
seiscentos! paga (e não bufes!) o direito de gozares tamanha liberdade, aproveitando os
frutos da boa ordem social, produzida pela família.
O mesmo posso dizer ao Diário de Sorocaba, que em artigo editorial, publicado em
13 do corrente, defende os celibatários, não contra o imposto, mas contra o casamento.
Se amanhã lançassem uma taxa sobre os cães, o que seria justo, ninguém mataria o
seu Totó para furtar-se ao pagamento. Assim, votado o imposto dos celibatários, ninguém
se casaria para o fim exclusivo de fazer uma economia absurda. Os cofres públicos, mais do
que as moças solteiras, teriam justos motivos para exultar.
***
A propósito do meu artigo de anteontem disse Escaravelho:
“O herói tem um gostinho particular em dizer-nos onde jantou na véspera,
principalmente se o jantar foi bom. Ficamos sabendo que jantou com o Bernardelli, e qual
foi o rol dos guisados. Eram todos a este e àquele; mas, quando chegou o dindon, não sei
por que suprimiu à Artur Azevedo”.
Por uma razão muito simples: o dindon à Artur Azevedo pareceu-me epigrama e
epigrama injusto, porque o meu melhor amigo não tem nada de dindon, na acepção que
está. Pelo mesmo motivo suprimi também as huitres à Luiz de Castro.
Eloi, o herói
558
17 de novembro de 1885
Sepultou-se ontem o cadáver do decano dos jornalistas brasileiros: Francisco Alves
Branco Muniz Barreto. Eu nem mesmo de vista conhecia o ilustre octogenário, e sinto não
dispor atualmente das precisas informações, para poder dedicar-lhe o presente artigo.
Limito-me a fazer diante do féretro desse general da imprensa brasileira a minha
continência de soldado raso e bisonho.
***
Fui anteontem assistir à representação dos Venenos que curam, comédia em 4 atos,
original de Aluizio Azevedo e Emílio Rouéde. Se não receasse que me argüissem de
suspeito, eu teria coisas muito agradáveis que dizer aos autores, que foram vivamente
aplaudidos. Pela razão inversa, deixarei de apontar os defeitos que julguei encontrar na
peça. Não são estes tantos que escureçam o lado bom de tão apreciável trabalho literário,
nem abundam as belezas de modo a encobrir os calcanhares de Aquiles.
É uma comédia que o público ouve de princípio a fim gostosamente, contrariado
apenas pelas situações que lhe deixam adivinhar o desenlace.
***
Do desempenho, sim, poderei falar sem receio. Nada vi que me satisfizesse. A Elisa,
uma das atrizes mais engraçadas que tenho visto, dessa graça inconsciente que em teatro é
sempre a que melhor prova, teria feito uma verdadeira criação, se soubesse o seu
interessante papel de velha medianeira. O Martins e a Fanny estavam fora das suas quintas.
Foi o Monclar quem melhor conta deu do recado. Disseram-me que o Flávio e a Jesuína
houveram-se bem no primeiro ato. Infelizmente, quando cheguei ao Lucinda, o primeiro
ato havia sido representado.
***
As comédias nacionais são tão raras, que eu não teria bastantes elogios para os
autores, se não fosse a consideração que fiz. Desforro-me deste constrangimento, dando
no intrépido Martins um abraço entusiasmado e longo, destes de meter os tampos dentro.
***
O livreiro pulha, contra o qual ultimamente me revoltei por causa do modo
indecoroso e brutal porque havia anunciado a Madrasta, de Alfredo Bastos, ontem, para
vingar-se de mim, transcreveu, noutro anúncio, um juízo crítico do defunto Globo sobre
uma peça infeliz, representada há anos.
Tendo sido esse trabalho condenado pelo público e pela imprensa em geral, não me
assiste moralmente o direito de reclamar contra qualquer anúncio de alfarrabista quebrado.
Não tratei dos meus folhetos, mas do romance honesto, que o patife anunciou de um modo
capaz de fazer corar toda a gente, menos ele.
***
Ainda umas observações: o indivíduo que me comprou o direito de fazer imprimir
tal peça, até hoje não mo pagou, nem me deu satisfação alguma.
De uma sátira que eu compus e publiquei, por minha conta, em 1877, e que ontem lá
veio também exposta à venda como feijoada, confiei quase todos os exemplares a um
livreiro da rua Sete de Setembro, para o fim de vendê-los por um preço certo e
determinado, retirando para si a porcentagem de estilo. A brochura aparece noutra livraria,
na tal, e é vendida por menos da metade do preço que eu marcara. Escusado é dizer que
nunca vi um real do meu trabalho...
559
Por conseguinte, tanto a peça como a sátira com cujo anúncio o velhaco julgou
molestar-me, representam duas tratantadas e a vítima de ambas elas é o escritor que se
assina
Eloi, o herói
560
18 de novembro de 1885
Da mesa em que escrevo a minha vista é insensivelmente atraída pela tabuleta da
Vanguarda, cujo título se destaca em grandes letras brancas num fundo preto frisado de
azul. Já vêem os leitores que é um assunto que me está entrar pelos olhos.
A Vanguarda tem um aspecto simpático; e se o seu canto corresponder à sua
plumagem, o que por enquanto não se pode prever, naturalmente viverá o que vivem as
folhas simpáticas: o espaço de muitos e longos anos.
***
Admito que o novo colega goste de padres, entre eles alguns há, confesso, a quem
dedico muito respeito e alguma amizade; perdoe-me, porém, se lhe perdôo o mal que diz do
grande mestre Zola; e espero que com o tempo modifique o seu errôneo juízo.
Está hoje em moda dizer do eminente autor de Tereza Raquin o que Mafoma
poupou ao toucinho; mas quero crer que a maior parte dos seus detratores, ou o não tem
lido, ou o leu mal. É impossível supor, mesmo de leve, que os ilustrados colegas da
Vanguarda molestem a dignidade literária de um escritor que não conheçam; mas por isso
mesmo peço-lhes que releiam a obra de Zola. Não o façam prevenidos pela crítica
reacionária de idealistas e românticos, e hão de reconhecer que o Assomoir e Germinal são
dois sublimes esforços do engenho humano, dois livros imortais que se completam, e que
se associam para a evangelização da moral bem compreendida.
***
É verdade que a Vanguarda, o jornal mais novo da nossa terra, tem o exemplo do
Jornal do Comércio, que é o mais velho. Há dias noticiava este que uns garotos, não sei em
que rua, provocavam conflitos, dirigindo-se uns aos outros em linguagem de Zola.
Meu Deus! meu Deus! quem nos dera fôssemos nós um país tão literário que os
próprios garotos, na linguagem que usassem para provocar conflitos e arruaças, imitassem o
estilo de um dos primeiros estilistas do nosso século! Que seria Atenas em comparação com
a nossa heróica cidade?
***
Mas não seja a minha zolatria motivo para não desejar a boa vinda à Vanguarda.
Dou-lha de bom grado, e muito disposto a acompanhá-la, cá da retaguarda, no seu caminho
de merecidos triunfos.
***
Tem sido grande a procura de bilhetes para o concerto que se realizará, segunda-
feira próxima, no salão do teatro S. Pedro de Alcântara, e cujo produto é destinado à
compra do túmulo de Noronha. Fétis e o digno redator da Gazeta Suburbana mostram-
se empenhados em proporcionar ao público uma festa de primeira ordem.
A subscrição destinada ao mesmo piedoso fim continua aberta no escritório do
Diário de Notícias.
Não me cansarei de pedir para ela o concurso de todos os portugueses residentes
nesta Corte.
Eloi, o herói
561
19 de novembro de 1885
Quem disse que já não temos literatura dramática?
viram o folheto intitulado Apontamentos para o drama. O assasinato do tenente
Jorge (a propósito do assassinato do tenente Lucas), por Edmundo Castrioto?
Edmundo Castrioto é nada menos que um ousado inovador. Isso de publicar
“apontamentos para um drama” é de uma originalidade quase pasmosa.
Percorram esse folheto, que não tem mais de 24 páginas, e toparão com outras
provas do espírito reformador do jovem dramaturgo. Deve ser jovem por força!
No rol dos “personagens”, figura: “Maria Luiza, 25 anos, nervosa, pálida, bela sem
ser simpática”. Abarbada tem que se ver a atriz encarregada desse papel de Maria Luiza.
Creio, mesmo, que a peça jamais será representada no Rio de Janeiro, pelo simples fato de
não termos uma única atriz que seja bela, sendo, aliás, simpáticas todas quanto possuímos.
Castrioto faz igualmente a nomenclatura dos “personagens invisíveis”, a saber: Dr.
Matos, marido de Júlia, e Júlia, prima de Jorge”. Para estes achará facilmente o autor
numerosos intérpretes, simpáticos ou antipáticos, à escolha.
A mise-en-scène do 1º ato desafiaria o apetite do mais escrupuloso Perrin. Ora
vejam: “A cena (dividida) representa uma sala de visitas mobiliada com gosto, (frente para
o lado direito da platéia), porta no centro com uma janela de cada lado; porta da sala de
visitas para a de jantar a qual tem uma janela no fundo, passagem para um corredor e
para um quarto esquerda). Mesa de jantar, aparadores com fruteiras, etc. Um relógio de
parede, cadeiras. Em cima da mesa, que é coberta a meio por um oleado, estão duas
moringas e copos, e também uma cesta de costura da qual aparece uma tesoura”.
Logo no começo do ato, Maria Luiza ordena à criada que leve o pequeno para a
escola. “Depois que largar o menino no colégio, acrescenta a bela mas não simpática
senhora, à casa da costureira: traga o meu vestido, também ao freguês do calçado:
faça o que lhe disse, e quando voltar passe no colégio e tome o menino”.
está porque hoje em dia as criaas aprendem tão pouco! Não as deixam
esquentar lugar, no colégio!
***
É soberba a entrada de Lucas, muito aflito, com uma sobrecasaca na mão, a procurar
alguma coisa. A antipática Maria Luiza interrogou-o:
- Que tens? Estás tão pálido!
- Nada; é que um papel importante, um documento, desapareceu daqui do bolso!
(Olha muito para ela).
- Quando o puseste no bolso?
- Ontem à noite quando fui me deitar, e agora que preciso do papel para ir ao
escritório... nao o encontro”.
Escritório, ali é, me parece, o que os franceses chamam petit endroit; pelo menos a
reticência lá não está por boa.
***
Grande monólogo, em que Lucas explica ao público as seguintes coisas
extraordinárias: 1º, é muito amigo de Jorge, mas este mostra-se muito indiferente por causa
de Maria Luiza, com quem antipatiza (Tiens! ça rime!); Ele, Lucas, encontrou-a
esfarrapada e imaculada; como estava esfarrapada, deu-lhe roupa nova, e como estava
imaculada deu-lhe um filho, e prometeu dar-lhe o seu nome; O papel que perdeu foram
dois contos de réis que pedira emprestados a Jorge.
562
Um pensamento mau lhe atravessa o espírito: a ladra será ela, a bela mas antipática
Maria Luiza?
“Será possível! (Olhando para o chão e meneando a cabeça). Sumiram-se!
(Torcendo as mãos com voz agoniada). E como me arranjar agora?”
***
Mas onde me levaria o desejo de transcrever?
vai apenas, e por último, a explicação do descaminho que levou o tal papel azul,
que o Lucas havia tão bem guardado no bolso da sobrecasaca.
“MARIA LUIZA – Não. Lucas entrou às 11 horas da noite do dia 4; colocou,
segundo seu costume, a sobrecasaca sobre o sofá do quarto, e pouco depois todos
dormimos. De manhã, depois do almoço, encontrei Lucas na porta do quarto, com a
sobrecasaca na mão, todo pálido e perturbado. Eu fiquei assustada, corri a ele “que tens
tu? estás doente? Ele olhou-me muito dizendo que havia perdido um papel importante. Eu
compreendi tarde, muito tarde, ai de mim! sua esquisita delicadeza. Ele dissimulou que se
tratava de dinheiro, para que eu pudesse airosamente restituir-lho, caso eu tivesse tirado.
“Que papel é esse? perguntei-lhe eu, e onde o puseste tu? “Aqui no bolso da sobrecasaca;
disse-me ele, estava em um invólucro azul, fechado mas sem endereço”. Eu ajudei-o a
procurar com a melhor boa do mundo; reviramos o quarto, mas nada... sem resultado...
(Gertrudes, que tem estado a ouvir, cai aos pés de Maria Luiza)... Que é isto, Gertrudes?
“GERTRUDES – Minha ama, ouça... ouça-me pelo amor de Deus... (Ela desmaia: o
Dr. Fortuna dá-lhe a cheirar Castrioto não diz o que). Esse papel azul de que a senhora
fala, nhônhô me deu para cortar bonecos e ele levou para o colégio, como levava nos outros
dias... eu não sabia se era do Sr. Lucas... nao sei ler, pensei que o menino tivesse
encontrado atoa e cortei-lhe os bonecos...
“MARIA LUIZA Foi meu pobre filho, o inocentinho que me perdeu. Ele tinha a
mania de fazer cortar bonecos de papel que nos mostrava, cheio de si, dizendo que
dançavam a quadrilha. Eu deveria ter-me lembrado disso mais tempo e teria poupado
muitas dores! Naturalmente ele viu o papel do envelope azul traspassar o bolso da
sobrecasaca de seu pai, tirou e fez cortar os bonecos que levou para o colégio”.
Querem saber o resto? Comprem os Apontamentos. Castrioto não me perdoaria, se
eu os transcrevesse todos, sem pagar direitos.
***
Nunca imaginou aquele pobre tenente Lucas que, depois de ser vítima de um
cobarde assassinato, até hoje impune, se-lo-ia também, destas vinte e quatro páginas, que
provavelmente ficarão também impunes.
Eloi, o herói
563
20 de novembro de 1885
Mais um retrato pintado pelo Driendl! Mais um triunfo!
Decididamente o valoroso artista bávaro tomou a peito moralizar as “manifestações
a óleo”.
Convido o leitor a dar um pulo até à casa do De Wilde, que com a costumada
amabilidade lhe mostrará o novo trabalho do nosso ilustre hóspede.
É o retrato de uma interessante filhinha do Dr. Ferreira de Araújo. A menina está
sentada numa larga cadeira de couro, e tem no colo uma boneca. Do alto pende uma cortina
vermelha, que cobre metade da cadeira, estabelecendo assim admirável harmonia de cores
em todo o quadro.
A figura está desenhada e colorida por mão de mestre. A luz que é o forte do
Driendl , perfeitamente distribuída. Os pezinhos da criança, calçados em borzeguins que
se destacam da tela, perecem balouçar-se no ar. São dois primores.
Este retrato daria nome a qualquer outro que não fosse o autor de Uma cena da
Baviera.
Ainda uma vez o cumprimento.
***
E já que estou com a mão na massa das candongas, deixem-me cumprimentar
igualmente o comendador Heller, que anda impar de contente com o prólogo e o ato da
Mulher homem, revista cômica do ano, que está sendo escrita pelos meus amigos Valentim
Magalhães e Filinto de Almeida.
A julgar pelo que diz o empresário, só o que está feito lhe afiança grandes
enchentes; e a julgar pelo talento dos autores, é provável que não se iluda o empresário.
Pela minha parte, desejo-lhes sinceramente um triunfo que nem o de Radamés.
***
Uma vez, porém, que fiz reclamo à Mulher homem, não devem estranhar que diga
alguma coisa sobre o Bilontra. Mesmo porque a justiça deve começar por casa.
O comendador Braga Junior não está menos satisfeito que o comendador Heller, e
queira Deus que tenha razões para isso.
Às notícias dadas pelos jornais, tenho que acrescentar uma, que me parece grande
recomendação para a peça. Ela vai: o principal papel do Bilontra será desempenhado
pela Rosa Villiot, que inquestionavelmente... Bom, bom! não quero ofender as outras...
A estimada atriz quase dois anos não representa nesta cidade, onde não conta
muitos apreciadores, mas um único: o público.
Parece-me, portanto, que o seu aparecimento no Bilontra será o maior ou um dos
maiores atrativos da nova revista.
***
Eu jurei suspeição, e não dei parecer sobre os Venenos que curam, a nova comédia
de Aluizio Azevedo e Emílio Rouède. Mas creio que ninguém me levará a mal por
transcrever o juízo crítico do Dr. José Avelino. O estimável jornalista publicou o seguinte
numa das folhas de hoje:
“A segunda representação fez-nos destacar belezas no entrecho, no diálogo e no
estilo, que numa primeira audição escapam.
“Como nas músicas dos grandes mestres, o estilo, o sentimento, a harmonia e o
gosto vão se salientando de repetição em repetição, até que o amador, o mestre e o ouvinte
se familiarizam com as belezas, as destacam e as classificam segundo o valor e o gênero
artístico a que pertencem.
564
“Com a comédia Venenos que curam aconteceu-nos isso.
“A peça tem realmente mérito literário superior, e cenas traçadas com muita firmeza
e colorido. diálogos que têm a maneira aguda, incisiva e ativa das obras de A. Dumas,
Augier e Sardou.
“Há cenas violentas e bem traçadas no primeiro ato (a luta da mulher casada traída
pelo marido libertino); no segundo, o encontro do padrasto na casa da cocote causadora do
desastre doméstico; no terceiro, a amante enjoada da solidão e a serpente desenrolando-se
da vítima. cenas como estas, que, ditas por artistas afeitos à compreensão da comédia
fina de salão, passada nos círculos aristocráticos das cidades de recreio e da ópera lírica,
fariam um verdadeiro sucesso.
“O artista precisa conhecer o meio social onde se desenvolvem certos lances e
episódios da vida; precisa ser elegante, correto e aceito na fina boemia e nos clubs de todas
as grandes cidades; precisa ter pulmões para todas as inflexões do amor, da ternura, do
ódio, da desesperação e da loucura; precisa de flexibilidade na fisionomia, nos gestos, no
caráter e nas intenções; precisa esquecer, finalmente, que o público, em vez de juiz para
condenar, é parte para ajudar a vencer e a preparar as vitórias da arte.
“Se a comédia Venenos que curam tivesse intérpretes com índole artística
apropriada ao seu enredo, o êxito seria completíssimo e os seus autores saíriam do teatro
contratados por uma empresa rival para escrever uma nova comédia.
“Infelizmente autores e atores tiveram de sujeitar-se ao meio em que se acham e aos
recursos de que dispõem.”
***
O Sr. S. D. S. quis também meter o seu bedelho na questão do imposto dos
celibatários. Envia-me, com uma carta, um soneto em que diz:
Quem vive a trabalhar como um jumento,
E procura uma noiva, a quem diz:
Não se faça esperar, dê três pinotes.
À vista disto, desconfio que o que ele quer é “tirar raça”.
Eloi, o herói
565
21 de novembro de 1885
O Dr. Rodrigues dos Santos, um dos nossos primeiros médicos parteiros, acaba de
fazer publicar em Paris o primeiro volume da sua Clínica obstetrícia ou antes da sua
Clinique obstetricale, porque a obra foi escrita em francês, naturalmente para ser lida.
Parece-me que não preciso empregar grandes argumentos para convencer aos
leitores de que eu sou completamente hóspede nessa como em tantas outras matérias.
Entretanto, conheço de tão perto o autor, cuja ciência já algumas vezes, e em boa
hora, foi posta ao serviço de pessoa que me é cara, que não hesito em louvar-me no honroso
e lisonjeiro prefácio que para o seu importantíssimo trabalho escreveu o ilustre professor
Adolfo Pinard, da Faculdade de Medicina de Paris.
“Outrora, diz o eminente ginecólogo, as investigações científicas tendo por fim a
conservação da espécie eram consideradas inferiores às que têm por fim a conservação do
indivíduo.
“É por isso que um dos ramos mais importantes da arte médica, a obstétrica, ficou,
por assim dizer, no estado embrionário, desdenhado, como foi, pelos espíritos mais sérios,
ou como tal reputados.
“Hoje, felizmente, a coisa é outra: ao desdém sucedeu o entusiasmo, e numerosos
trabalhos que têm aparecido de meio século a esta parte, mas principalmente nos últimos
anos, testemunham muitos esforços feitos sobre o assunto, e demonstram que os homens
mais inteligentes, seja qual for a nação a que pertençam, não receiam amesquinhar-se
ocupando-se desta ciência.
“O Dr. Rodrigues dos Santos, publicando este livro, mostra que o Brasil não quer
ficar na retaguarda, e prova ainda uma vez quanto é capaz de produzir aquele magnífico
país, tão ávido de progresso. Conhecedor dos trabalhos mais recentes, o Dr. Rodrigues dos
Santos soube dar à sua obra uma feição particular, que denota espírito original, metódico e
educado.
“Tive a honra de conhecer o autor durante os seus estudos médicos na Faculdade de
Medicina de Paris, pude notar o seu ardor pelo trabalho, a sua predileção por tudo quanto
concerne, à obstétrica e à ginecologia, fui testemunha das suas laboriosas investigações;
portanto, não me admira este resultado.
“Convencido de que as outras partes desta obra nada ficarão devendo à primeira,
orgulho-me e considero-me feliz pela honra imerecida que me quis dar o meu ilustrado
amigo, Dr. Rodrigues Santos, pedindo-me que apresentasse o seu belo livro ao mundo
médico”.
Depois de tão autorizado padrinho, que poderá fazer a prosa do humilde rabiscador
destas linhas?
***
Mudar de assunto, para afirmar aos leitores que o concerto Noronha promete
uma noite de delícias a quantos forem depois de amanhã, às 8 ¼ da noite, ao salão do
teatro de S. Pedro.
Figuram no programa, além de uma distinta amadora, a Exma. Sra. D. Maria
Almeida, que canta como um rouxinol, alguns artistas e amadores, cujos nomes dispensam
quaisquer elogios: Pereira da Costa, Jerônimo Queiroz, Duque Estrada Meyer, Frederico do
Nascimento, Tavares, Joaquim de Almeida, Carneiro, Nepomuceno e outros.
O programa será publicado em número especial da Gazeta Suburbana, iniciadora da
festa.
566
Durante o concerto será distribuída uma edição especial e numerada do fac símile da
última composição de Noronha, com uma capa desenhada a capricho pelo Neto.
Alguns bilhetes têm sido devolvidos, mas em tão pequena quantidade, que
realmente não razão de queixa. O que deveras faz pasmar é figurarem no número dos
“recambiadores” cavalheiros que tantas provas deram sempre de filantropia e adesão às
idéias boas. Não será esta uma delas? Demais, os organizadores da festa deixaram ao
arbítrio de cada um o valor da espórtula, e, não se tratando aqui senão de um pretexto para
praticar uma ação louvável, não é francamente! não é bonito que indivíduos dinheirosos
devolvam os seus bilhetes desacompanhados daquilo com que se compram os melões... e os
túmulos. Felizmente esse procedimento não tem sido geral.
Eloi, o heroi
567
22 de novembro de 1885
O poeta das Miragens ainda não tem vinte anos: está na idade em que se escreve
disto:
Quando da morte a mão emagrecida
Pousar-me sobre a fronte enregelada,
..........................................................
Na minha sepultura vá, chorosa
Gemer tu‟alma triste e arrependida.
Ou disto:
Minh‟ alma vive e suspira
Só por te ver e te amar.
Ou disto:
Quando em silêncio, à noite, retirado,
A fronte inclino triste e cismadora,
Como n‟um sonho honesto, imaculado,
Surge-me n‟alma o vulto teu, senhora.
Eu não acuso nem condeno o Sr. Enéas Galvão: invejo-o. Não o acuso nem o
condeno, porque em poesia não faço questão de escola; invejo-o porque eu seria capaz de
dar... Sei o que dava!... para inclinar a fronte, a horas perdidas da noite, e ser isso
bastante para que me surgisse na alma o vulto de uma senhora.
Quando eu tinha 19 anos, e a minha namorada, que é hoje minha mulher, não me
esperava à janela, é verdade que sentia cá dentro uns ímpetos de metrificar a sua ausência;
mas nunca me passou pela idéia pedir-lhe que fosse ao cemitério gemer o seu
arrependimento sobre a minha sepultura.
Mesmo porque o passeio não lhe seria agradável, ela talvez tivesse mais que fazer
do que andar à procura do número da minha cova.
***
Não achei neste livro, confesso, “a expressão ingênua, quase infantil” de que fala,
na carta-prefácio, o meu amigo e mestre Machado de Assis, a menos que a ingenuidade
ou a infantilidade do poeta consista justamente em não querer parecer ingênuo ou infantil.
Nas composições O noivo, Nana e Ao luar, o jovem poeta diz coisas que não diria
em prosa, e por boca, onde estivessem damas respeitáveis.
Não está má a infantilidade de quem escreve:
Teus seios alvos, de neve,
São como espumas do mar.
Ah! meus desejos são vagas,
Que vão teus seios buscar.
Ou então:
568
Que delírios tu não gozas,
Que vertigens tu não sentes,
Quando meus lábios ardentes
Beijam teus lábios de rosas.
Como teu seio palpita
Sob a seda dos vestidos!
Ai! que volúpia infinita
Bebo em teus seios luzidos.
..........................................
Tuas vozes são mais ternas
Mais atentos seus ouvidos
E nossos corpos................
.........................................!
O resto da quadra é incoveniente como um macaco.
Que ingenuidade!
***
Entretanto não negar o Sr. Enéas Galvão tem talento “com que tentar outros
livros”. E bem disse Machado de Assis que este se pode ler com prazer e fechar com
louvor.
Algumas composições, como o soneto a Luiz Gama, e outras, prometem muito. As
estâncias As mãos seriam primorosas, se o poeta lhes desse a última de mão.
A idéia é original, mas a forma deixa muito que desejar.
vai um soneto que me parece reunir todas as qualidades deste poeta fantasioso e
sofrivelmente brejeiro. Com ele termino a apreciação do livro, perfeitamente impresso nas
oficinas Leuzinger:
“DA MINHA CARTEIRA
Como se acaso, súbito, no espaço
Um cofre se entreabrisse perfumoso,
Quando passaste, vivo, inebrioso,
Denunciou-te o aroma de teu passo.
Como um ladrão, sutil, haurindo em beijos
O vácuo que deixavas na paisagem,
Segui-te, abrindo em torno à tua imagem
A lânguida pupila dos desejos.
Quando galgaste, entanto, o deslumbrante
Coche, adornado de brasões, luzido,
- Presa do gozo que no olhar me ardia.
569
Eu divisei nas sombras, provocante,
Dentre os rendados folhos do vestido,
A meia azul que a perna te encobria”.
***
A associação empresária do Recreio Dramático festejou, anteontem, com uma festa
íntima, o seu segundo aniversário e o brilhante sucesso do Conde de Monte Cristo.
O Dias Braga, que é um artista, e um artista português, teve a delicada lembrança de
angariar, durante a festa, entre os seus dignos colegas, e outros empregados do teatro,
alguns donativos, que hão de amanhã figurar na subscrição para o monumento Sá Noronha.
Eu poderia atirar-lhes a todos algumas flores de retórica, mais ou menos usadas na
circulação literária; limito-me, porém, a dar-lhes os parabéns pela bonita ação que
praticaram.
Eloi, o herói
570
23 de novembro de 1885
Faz hoje trinta e um anos que foi organizado o Liceu de Artes e Ofícios.
Em 1871, o ilustre Zacarias, de saudosa memória, dizia no senado, referindo-se a
essa grandiosa instituição:
“É um estabelecimento gratuíto de instrução para as classes que vivem da indústria
e se destinam à indústria, devido à iniciativa particular, especialmente à de um indivíduo,
cujo nome o Senado há de consentir que eu pronuncie neste recinto, como homenagem aos
seus serviços relevantes: o Sr. Francisco Joaquim Betencourt da Silva. Esse
estabelecimento, que começou a funcionar em sacristias de igrejas e que hoje em uma
igreja se acha, a de S. Joaquim, apresenta, no que toca à freqüência o seguinte resultado: em
1868 542 alunos, em 1869 823, e em 1870 915. Qualquer dos nobres senadores que em um
passeio noturno, visto que as aulas do estabelecimento são à noite, for de improviso a S.
Joaquim, ali achará muitas dezenas de indivíduos nas diversas aulas, e com tal silêncio e
ordem, com tanta aplicação, como duvido apresente algum outro estabelecimento no Rio de
Janeiro; dir-se-ia, passando por ali, não haver no edifício mestres nem discípulos, e todavia
discípulos em grande quantidade ouvem, atentos, professores tão hábeis quanto
desinteressados.
............................................................................................................................
“Observando-se o estudo neste estabelecimento, compreende-se logo que o
resultado devia ser, como realmente é, animador; e, se ajuntar-se à sua bem entendida
organização em que à prática cabe valioso quinhão a perfeita disciplina que ali se
mantém, ver-seque essa instituição resolveu de certo um problema, cuja solução não era
ainda conhecida entre nós, demonstrando que o ensino livre é praticável, e que a iniciativa
individual e privada não é uma quimera, como alguns pensam.
“Ainda mais, a afluência das matrículas nas diferentes aulas é tão considerável, que
carece de espaço o estabelecimento; é uma prova eloqüente de que não é o desamor pelo
estudo que das nossas aulas afugenta a mocidade, mas especialmente a falta de tino na
direção dos núcleos de instrução, onde o rigor inoportuno, ou o descuido criminoso dos
chefes e profesores torna-se o gérmen da dissolução”.
Que diria o grande estadista, se visitasse hoje o Liceu de Artes e Ofícios? Como em
quatorze anos tem sido acresecentada aquela casa bendita!
Desde 1881 que ali se “o ensino que de preparar a mulher para ser no
recanto do lar doméstico e na luta pela existência aos filhos, lição e exemplo; aos pais,
arrimo e consolo; ao esposo, auxílio e amparo, e a alcançar para si independência,
dignidade, virtude; porquanto, sendo a mulher o primeiro guia, o primeiro mentor dos
filhos, a instrução ministrada às mães reverterá em benefício da prole. E destarte, pela ação
eficiente da mulher sobre a mentalidade da infância, ir-se-ão desvendando novos horizontes
às gerações porvindouras”.
Faço minhas essas palavras do digno secretário da Sociedade Propagadora das Belas
Artes, o ilustrado Sr. comendador Guilherme Bellegarde, e daqui envio, ainda uma vez, as
mais cordiais felicitações a Betencourt da Silva, o homem “de coração e inteligência
superiores, de vontade firme e de dedicação ilimitada”, na frase do Sr. conselheiro Afonso
Celso.
No Liceu de Artes e Ofícios tudo me satisfaz e tudo me entusiasma... menos o
título. Acho que o estabelecimento devia chamar-se “Liceu Betencourt da Silva”. E assim
será no futuro.
***
571
Estou deveras embaraçado, porque tenho por dever convidar o leitor para duas
festas na mesma noite.
Realiza-se hoje o concerto Noronha e hoje mesmo efetua-se a récita dos autores
dos Venenos que curam.
O meu desejo é que ambos os espetáculos regorgitem de público; e eu, como tenho
a vaidade, a pretensão, a tolice, a... a o que quiserem... de imaginar que os meus leitores são
em número suficiente para encher o Lucinda e abarrotar o salão do teatro S. Pedro de
Alcântara, bum! , peço-lhes que se dividam entre um e outro espetáculo.
O concerto é esplêndido, mas os Venenos que curam não lhe ficam atrás.
Acresce que, num dos intervalos, o Rouède, co-autor da peça, pintará em dez
minutos uma marinha, que será logo entregue, ricamente emoldurada, ao espectador que a
tirar por sorte. Para esse efeito todos os bilhetes serão numerados.
Espero ver, daqui a algum tempo, o distinto comediógrafo e pintor escrever uma
peça em meia hora.
Ia-me esquecendo do outro chamariz: Mme. Méryss-Boccacio gorgeará uma nova
cançoneta, Amor de artista, letra de Aluizio Azevedo, que também faz versos nas horas
vagas, e música do Miguel Cardoso, um professor tão modesto como simpático.
Mme. Rose Méryss é a menina dos olhos do público fluminense: o seu nome,
quando figura no programa de um espetáculo qualquer, é infalível prenúncio de enchente
real.
E com esta, até logo, leitor... Não digo “até amanhã”, porque tenho a certeza de
encontrá-lo numa parte ou noutra, ou mesmo em ambas.
Eloi, o herói
572
24 de novembro de 1885
O Sr. Dr. Lucindo Filho, de Vassouras, encarregou-se de apresentar ao público o
jovem poeta Valério da Silva, que apenas conta dezoito anos de idade, e acaba de imprimir
naquela cidade as suas Açucenas.
“Os versos são corretos, diz o Sr. Dr. Lucindo Filho; o que o poeta escreveu, sentiu;
se aqui ou ali um ou outro senão, deve ser desculpado, e posto em carga a inexperiência
dos verdes anos”.
Para provar que nem os versos são corretos, nem o poeta sentiu o que escreveu,
basta-me citar uma estrofe ao acaso:
Ah! tu não sabes, flor, o que com calma
Me corta amargamente a minha vida,
É uma dor insana, que se acalma
Apenas co‟um olhar, minha querida!
***
Ainda desta vez invoca-se no tribunal da imprensa a atenuante da idade para a
absolvição do réu. Isso agora é moda. Dantes não se publicava livro de versos que não
trouxesse no frontispício o retrato do autor, principalmente se este era bonito e quando o
não fosse, o fotógrafo ou o litógrafo incumbia-se, por via de regra, de corrigir a natureza. O
sistema desapareceu, mas o retrato não tarda a ser substituído pela certidão de batismo.
Qualquer dia os leitores verão anunciadas as
VOZES DA INFANCIA
POESIAS DE FULANO DE TAL
DE 15 ANOS DE IDADE
ORNADAS COM A CERTIDÃO DE
BATISMO DO AUTOR
Mas que tem o público pagante com a idade do poeta? Uma produção medíocre
deve ser tolerada pelo simples fato de ter por autor uma criança? Se eu estivesse no lugar
do Sr. Dr. Lucindo Filho, isto é, se o menino Valério “me pedisse que fosse o seu paraninfo
no mundo literário”, eu repetiria pela centésima milésima vez o preceito do velho Horácio,
citado pelo distinto jornalista vassourense. Eu diria ao pequeno: Nhô-nhô, não se
precipite! Guarde os seus versos, e mais tarde, quando houver adquirido certos
conhecimentos indispensáveis, reveja-os, e delibere então se deve ou não pô-los em letra de
forma. Daqui até lá, estude, estude muito; leia mais e escreva o menos que puder. Eu sei
que o meu conselho não lhe agrada, não lhe pode agradar; prefiro, entretanto, que o meu
amiguinho me queira mal agora, a que me inculpe mais tarde, quando a sua amizade se
tornar mais preciosa, o haver concorrido para a publicação do seu livro.
Cresça o Sr. Valério, tome juízo, aprenda, e apareça de hoje a dez anos, para dizer-
me se está ou não arrependido de haver escrito estes versos:
O FINAL
Até que contristado ainda ouvi
Os últimos acordes, e a fermata
Tremulante e final do Guarani
573
Continua a orquestra, mas ingrata
Vai em breve acabar, e finaliza
Por um trêmulo gentil, notas de prata,
Que percorrem nos ares como a brisa,
Quando em notas sonantes vagarosas
Pelas várzeas ligeira se desliza.
Para o vasto proscênio chovem rosas,
Inda cheio de luz e melodia.
Coroas e mais c‟oroas vigorosas...
A platéia enlouquece de alegria,
Solta palmas frenéticas, nervosas...
Cai o pano... e o teatro se esvazia!
Noutra composição diz o Sr. Valério:
Quando eu partir... eu sei que não resisto!
Te ver ficar... se tenho-te amizade!
Mas se eu viver ainda, como o Cristo.
Entretanto, no livrinho deste cristófago de vez em quando certos lampejos, que
não me tiram a esperança de ainda o ver figurar um dia ao lado dos nossos melhores poetas,
e procurando, ao mesmo tempo, desencantar dos serafins os últimos exemplares destas
comprometedoras Açucenas, para dar-lhes o merecido sumiço.
***
O Sr. José da Costa Guimarães, farmacêutico de Campos, enviou-me 25 exemplares
da bonita quadrilha Ramilhete, de sua composição, para serem vendidos, e o produto da
venda aplicado ao monumento Sá Noronha. Cá ficam, no escritório do Diário de Notícias, à
disposição de quem os quiser comprar.
Ao Sr. Guimarães agradeço muito a delicada oferta.
Eloi, o herói
574
25 de novembro de 1885
Não lhes dizia? Esteve esplêndido o concerto Noronha. A concorrência o era
extraordinária, mas seleta. O programa, publicado na Gazeta Suburbana, iniciadora da
festa, foi fielmente executado.
O concerto foi dividido em duas partes. Fizeram-se ouvir Pereira da Costa,
Nascimento, Queiroz, Duque-Estrada, Tavares, Russo, Carneiro, Joaquim de Almeida e sua
Exma. senhora, que arrebatou o auditório, cantando admiravelmente um belo romance de
Papini, e os Ochi neri, de Denza.
No programa, perfeitamente organizado, figuravam Beethoven, Schubert, Chopin,
Popper, Gounod e outros afamados compositores. Circunstâncias independentes da vontade
do Sr. Joaquim de Almeida privaram-no de incluir no programa o nome de Sá Noronha. Em
compensação, distribuíram-se exemplares numerados do fac-símile da última composição
do ilustre maestro: Tu e Dio, letra do Sr. João Alves Mendes da Silva. Da reprodução do
autógrafo encarregaram-se os Srs. Paulo Robin & C., litógrafos cujo elogio não está por
fazer. O desenho da capa faz honra ao lápis do Neto: o retrato de Sá Noronha está
parecidíssimo.
Parabéns ao senhor Coriolano de Oliveira, redator da Gazeta Suburbana, e ao Sr.
Joaquim de Almeida, o entusiasmado Fétis, organizador de tão bela festa.
Oxalá não apresente a cobrança dificuldade alguma, e os cavalheiros, que aceitaram
bilhetes, se compenetrem de que é dever de honra levantar na nossa terra um mausoléu
digno das cinzas do ilustre artista português.
***
Os autores dos Venenos que curam apanharam uma enchente. A comédia foi muito
aplaudida, a cançoneta Amor de artista, muito bem cantada por Mme. Méryss, entusiasmou
o público, e o Rouède pintou em sete minutos a marinha que prometera pintar em dez. Uma
noite cheia!
***
No Liceu de Artes e Ofícios também houve festa artística e literária. Executou-se
boa música e recitaram-se bons versos: era impossível festejar melhor o aniversário do
Liceu Betencourt da Silva.
Eloi, o herói
575
26 de novembro de 1885
Todos sabem o que é uma primeira representação no Sant‟Anna. O Heller capricha
em reunir nessas noites uma sociedade escolhida, ao ponto de parecer que são os bilhetes
que vão buscar o público, e não este que vai procurar os bilhetes. O que falta ao teatro é um
salão em que se esteja nos intervalos. O corredor dos camarotes é acanhado; o jardim, esse
foi invadido pelas momentâneas, e não há Desgenais que as possa arrancar dali.
***
Anteontem dava-se a “primeira” da zarzuela em 3 atos, Amar sem conhecer, música
de dois notáveis compositores espanhóis: Barbieri e Gaztambide. Não mencionava o cartaz
o nome do autor do libreto, que foi traduzido por Aristides Abranches, conhecido literato
português, atualmente ensaiador do teatro D. Maria II, de Lisboa. Quero crer que por
engano a tradução foi atribuída ao Eduardo Garrido. Quem estiver um pouco familiarizado
e quem o não está! com o espírito cintilante e essencialmente teatral do feliz tradutor,
ou antes, do co-autor do Jovem Telêmaco, e houver assistido à representação do Amar sem
conhecer, deu logo pelo engano, que me parece desagradável tanto para o Garrido como
para o Abranches.
***
A peça, que tem perto de trinta anos, e é uma velha chapa reproduzida por processos
conhecidos da galvanoplastia teatral, naturalmente ressente-se do peso dos anos; mas é
força confessar que é bem urdida, engenhosa, sem essas complicações extravagantes, sem
esses extraordinários e fatigantes qüiproquós, que hoje constituem toda a ciência do teatro
nos boulevards de Paris.
A partitura, frívola nuns pontos, elevada noutros, conta um bom número de
melodias felizes, merecendo especial menção as arias de D. Álvaro (Polero) e as da
condessinha do Prado (Delsol), que são os dois principais papéis, musicalmente falando. O
final do 2º ato é magnífico, e produz grande efeito.
***
Conta-se em poucas palavras o entrecho do Amar sem conhecer. A condessa de
Prado, uma das moças mais românticas que eu tenho conhecido, mesmo no teatro,
apaixona-se por um homem que nunca viu, e apenas conhece por ouvir de longe os
romances que ele canta e ler as cartas, inflamadas de amor e poesia, que ocultamente lhe
dirige. D. Álvaro esse o nome do misterioso trovador) é um simples alferes, que não
julga a sua posição bastante elevada para fazer pé de dito a uma fidalga de tão alta
linhagem. Daí o seu retraimento. A condessinha, perdida a esperança de se encontrar com o
melodioso amante, desgosta-se do mundo, resolve entrar para um convento, e não
ouvidos às sucessivas declarações de amor, que lhe faz um dos fidalgos da corte, o marquês
de Olmedo (Lisboa).
Este Sr. marquês, estoirando de despeito, jura aos seus deuses vingar-se dos desdéns
da fidalguinha. Surpreende-lhe o amoroso segredo, e, num baile de máscaras, abrigado num
dominó, insulta-a cobardemente, assoalhando o seu misterioso amor e a sua falsa piedade.
Intervem D. Álvaro, mascarado também, defende a condessa, bate-se em duelo com o
marquês, e é ferido na mão direita.
Por uma série de circunstâncias, cuja explicação me cortaria o fio do discurso, o
marquês de Olmedo, D. Salustio de edição barata, consegue fazer crer a condessa que o seu
amante outro não é senão Fabrício (Vasques), um lorpa, um palúdio que havia emprestado
o seu dominó a D. Álvaro, e por coincidência se ferira também na mão direita, e por acaso,
576
perfeitamente explicado, trazia consigo uma carta anônima, por D. Álvaro dirigida à
condessinha.
Fabrício não é certamente o ideal que ela sonhara, mas de bom grado o aceita por
esposo, tanto mais que el-rei, sabedor da história daqueles amores românticos, e desejoso
de gratificar o belo procedimento do namorado, que tão nobremente tomara a defesa do
querido objeto, exige que o casamento se faça imediatamente, seja qual for a jerarquia do
valoroso mancebo.
Felizmente, na ocasião em que o Machado, o eterno tabelião de todas as peças do
Sant‟Anna em que entram tabeliães, passa à Delsol a pena, para assinar a escritura do seu
casamento com o Vasques, ouve-se a voz do Polero, e tudo se desmancha. É essa a cena
capital da peça, o final do ato, de que acima falei, e que foi admiravemente tratado, quer
pelo libretista, quer pelo competidor.
***
Depois disto, a gente pensa que a comédia está acabada, e que o ato não será
senão um pretexto para a peça ter três atos, e formar espetáculo. Assim não é, felizmente.
No ato vê-se que o marquês de Olmedo tem conseguido impingir-se a si próprio como o
misterioso amante da condessa, e que está prestes a dar-lhe a mão de esposo; tudo, porém,
se descobre por meio de situações lógicas e finamente cômicas, que fazem deste ato, com o
qual ninguém contava, o mais interessante dos três.
***
Na ação da comédia intermeiam-se bons episódios como seja (1) o namoro do velho
barão de Tresno, que o Matos representa com muita graça e muita galanteria. A namorada é
a duquesa Henry, a quem a exuberante e talentosa Flor de Abril muita vida, sem
exagerar as proporções do papel, segundo o seu costume.
Fabrício tem também uma namorada que é requestada por outro palúrdio, ainda
mais palúrdio que ele. Deste papel se encarregou o Foito, e o desempenhou
irrepreensivelmente. Joana, a namorada, foi a Dolores Febo, que merece elogios. A cena
dos ciúmes, no 2º ato, foi muito bem representada.
Os dois namorados estavam em boas mãos, principalmente no tocante à parte
musical. A Delsol e o Polero saíram-se bem. Mas a ele quisera-o eu mais impetuoso, mais...
menos frio. A ela desejara eu ver representar em francês o seu interessante papel de
condessinha do Prado. Estou certo de que, nesse caso, só teria motivos para louvá-la.
O Lisboa “deitou” galã; este diabo é o Laferrière da rua do Espírito Santo, e
quanto mais velho fica, mais remoça. dias, no Fausto, ninguém lhe dava mais de trinta
anos. O marquês de Olmedo não teria anteontem menos de vinte e cinco. Inútil é dizer que
o Lisboa representou discretamente o seu antipático papel de namorado sem ventura.
***
Mas o herói da noite foi o Vasques, e muito de propósito o reservei para o fim. Que
magnífico trabalho o de todo aquele segundo ato! O diálogo do mísero Fabrício com uma
noiva, o encontro com a outra, e o embaraço em presença de ambas, ora receoso de que o
seu embuste se descobrisse, ora aguilhoado pelos ciúmes causados pela resolução, que a
despeitada Joanita tomara, de casar com Bartolo (o outro palúrdio), em todas essa cenas
confirmou o popularíssimo ator a opinião que o considera tão alto. E que bela expressão
fisionômica, ao ouvir, na ocasião da assinatura do contrato, a voz do verdadeiro amante,
daquele cujo lugar usurpava!
Em papéis desse gênero quisera eu sempre ver o meu Vasques. Infelizmente, para o
bom andamento do teatro em que tão bons serviços presta, tem ele muitas vezes se
577
sujeitado a uns tantos papéis que lhe não estão “na caixa”; exemplo: o Príncipe Topazio. O
sacrifício é louvável, mas o Vasques de muito chegou, me parece, ao período em que no
teatro o artista deve olhar mais para fora que para dentro.
***
A peça, cuja ação se passa em Madri, em fins do século passado, está bem vestida
no rigor da época.
É novo o cenário do primeiro ato, que representa um jardim iluminado no palácio
real, e está muito bem pintado pelo Carrancini. A orquestra, dirigida pelo Mesquita, portou-
se irrepreensivelmente. Os coros estavam bem ensaiados. A encenação faz honra ao Heller.
***
O público aplaudiu a valer. Não é preciso ser profeta para dizer que ele irá muitas e
muitas vezes apreciar e reapreciar a peça, que, entretanto, se afasta muito do gênero mais
aplaudido no Sant‟Anna. Embora! a zarzuela merece o meio centenário que vai ter, o
público ama o teatrinho do Heller, e ninguém dirá que o ame sem o conhecer.
Eloi, o herói
578
27 de novembro de 1885
A propósito do artigo que escrevi sobre as Miragens, do Sr. Enéas Galvão, acabo de
receber uma carta com a assinatura desse jovem e esperançoso poeta. A carta é, sem
dúvida, apócrifa; provavelmente foi escrita por algum fumiste, que quis divertir-se à custa
de nós ambos. Não se compreende que o poeta das Miragens escrevesse a moxinifada que
vou transcrever textualmente, apelando para o juízo do leitor, e grifando os pontos em que
o mistificador não soube escrever como sabe escrever o Sr. Galvão:
“Sr. Eloi, o herói Li o Diário de Notícias que traz a data de 22 do corrente, e em
uma seção firmada por S. S. deparou se me um simulacro de crítica as poesias que ousei
escrever. Adotando o judicioso exemplo de S. S., não „acuso nem condeno‟ o Sr. Eloi,
acrescentando ainda que não o invejo também. Pois, S. S. seria digno de invela, si
poudesse responder as perguntas que, concernente ao seguinte período, passarei a
formular:
“Nas composições „O noivo‟, „Nana‟ e „Ao luar‟, o jovem poeta diz coisas que não
diria em prosa, „e por boca‟, onde estivessem damas respeitáveis.
“Em primeiro lugar, perguntarei: por que o Sr. Eloi apresenta, em versos, diante
de suas leitoras, coisas que eu não diria em prosa, e “por boca”, onde tivessem damas
respeitáveis? Suas leitoras não serão dignas de respeito? Perguntarei, agora: Caso eu
não dissesse “por boca” as mencionadas coisas, de que o orgão me poderia servir?
Perguntarei, finalmente, porque S. S., mostrando-se hoje tão pudico, escrevia, não
muitos dias, que desejava dar um abraço de meter tampos a dentro?
“Dando o Sr. Eloi respostas a estas perguntas, deixará cheio de inveja por S. S. o
seu etc Enéas Galvão”.
Agora a minha resposta, que transcrevo igualmente aqui, pela impossibilidade, em
que me acho, de me dirigir particularmente ao autor da carta:
“Ilmo. Sr. que se assinou Enéas Galvão, Façamos de conta que Sua Senhoria seja
realmente o autor das Miragens, o que não creio, e vamos por partes, reproduzindo os seus
quesitos:
Porque apresento, em versos, diante das minhas leitoras, coisas que o Sr. Enéas
não diria em prosa, e por boca, onde estivessem damas respeitáveis?
RESPOSTA: Eu nada transcrevi do Noivo nem da Nana. Da composição Ao luar
transcrevi duas quadras e esbarrei na terceira, que é obscena. Transcrevi também uma
quadra das Notas soltas, cujo título não citei. Lembre-se o senhor que essas transcrições
foram feitas unicamente para justificar o meu protesto contra o diploma de infantil e
ingênuo, que lhe passou Machado de Assis, e não para provar plenamente a sua brejeirice;
eu não me atreveria a tanto.
2º Minhas leitoras não serão dignas de respeito?
RESPOSTA: São, sim, senhor, pois se o não fossem, eu transcreveria tudo.
Caso o Sr. não dissesse por boca as mencionadas coisas, de que órgão poderia
servir-se?
RESPOSTA: De tantos, meu caro senhor, de tantos! Do Diário Oficial, por
exemplo, que é órgão do governo.
Escreve o Sr.: Perguntarei Perguntará por boca? Não, Sr.: perguntará por
escrito. Quem há aí que não tenha dito por escrito coisas que por boca não diria?
Porque a minha senhoria, mostrando-se hoje tão pudica, escreveu, dias, que
desejava dar um abraço de tampos a dentro?
579
RESPOSTA: Perdão. Eu não escrevi semelhante asneira. O que eu disse no meu
artigo de 13 do corrente foi: “... dando no intrépido Martins um abraço entusiasmado e
longo, destes de meter os tampos dentro”.
Que diabo tem de impudica esta frase? Ouçamos o velho Moraes: “TAMPOS, s. m.
A peça de madeira, que compõe o lado superior, ou inferior: v.g. tampos de rabeca, de
viola, de psalterio, de piano; o que cobre o vão”.
Vejamos agora o que diz Caldas Aulete: “TAMPO, s. m. cada uma das tampas fixas
das vasilhas. Cada uma das duas peças de madeira que formam a caixa ou bojo de algum
instrumento de cordas e sobre uma das quais estas se estendem. Pl. (pop) a cabeça, o miolo,
o juízo. Meter os tampos dentro, quebrar a cabeça a alguém, dar-lhe uma grande sova,
deixar alguém pasmado e embasbacado: Essa embatuca mete os tampos dentro (Castilho)”.
“Abraço de meter os tampos dentro”, é frase que tenho visto empregada por
escritores portugueses da melhor nota; infelizmente o tenho agora tempo nem paciência
para percorrê-los, e meter-lhe também os tampos dentro, com duas ou três citações.
Seu, etc Elói, o herói
***
Outra carta, desta vez não é apócrifa; assina-a Fétis:
“Já começou a cobrança do concerto Noronha, e folgo de lhe comunicar que a
coisa começou bem encaminhada. Todos os bilhetes pessoais têm sido pagos a 5$000, e
recebi alguns de família a 10$000 e a 20$000.
Para confronto recebi também de um ilustre comendador a esmola (sic) de 2$000
por um cartão de família, acompanhada de uma grande descompostura, que o cobrador,
segundo as minhas instruções, ouviu sem tugir nem mugir.
Terminada a cobrança, dar-lhe-ei resenha circunstanciada de tudo”.
***
O ator Pinto, do Sant‟Anna, não tem papel no Amar sem conhecer. Mas certa folha
de ontem, falando do desempenho da zarzuela, escreve: “Pinto é sempre um ator sábio e
consciencioso”.
Ué!
***
que falei do Sant‟Anna, direi que faz hoje benefício o André, um dos veteranos
do batalhão Heller. O beneficiado que, não sendo sábio, é consciencioso, espera que o
público recompense hoje os bons esforços que ele tem sempre feito para merecer a sua
proteção.
Eloi, o herói
580
28 de novembro de 1885
Triste sorte a dos homens de letras no Brasil!
O Dr. Domingos Maria Gonçalves, um escritor de mérito, um jornalista para quem
há elogios em todos os lábios e simpatias em todos os corações, desenganado de que com a
sua pena dificilmente poderá conseguir meios de subsistência, resolveu fundar uma
sociedade sob o título “Galinocultura Nacional”.
Numa circular que endereçou a vários amigos, assim se exprime o desiludido
escritor:
“Depois de quatorze anos de constante luta a favor do progresso brasileiro; depois
de ter estudado tanto os assuntos zootécnicos, que me serviam de base ao meio civilizador,
que empreendi por tantas vezes e de que V. é assaz sabedor, vejo-me reduzido, para poder
viver, a explorar a mais modéstia de todas as indústrias de criação de animais a
galinocultura; e ainda assim se V. e alguns outros meus amigos se dignarem anuir ao meu
pedido, tomando alguns quinhões comanditários dos cinqüenta, que careço para montar o
pequeno estabelecimento, cujas bases e contrato social vão junto a esta.
“Parece-me ser mais honroso para mim, e menos oneroso para os meus amigos criar
esta indústria, aliás remuneradora, e que não existe nesta Corte, do que promover uma
subscrição para me ausentar do Brasil levando comigo a dolorosa recordação de tantos
trabalhos e privações por muitos conhecidas, por poucos avaliadas e por quase nenhuns
atenuadas ”.
Essa carta, de uma franqueza comovente, vale um catecismo ad usum estrangeiros
que desejem por ao serviço da nossa pátria o seu talento e a sua atividade.
***
Entretanto, ainda é esta uma boa idéia do Dr. Domingos Magalhães. Num prospecto
que acompanha a referida circular, calcula-se para cada ação o dividendo anual de 45$, e os
lucros podem e devem subir desta cifra, se se atender que há épocas do ano em que os ovos
se pagam muito mais caros do que lá está calculado (50 réis).
Facilmente poderemos ter nos nossos galinheiros, sem nos sujeitarmos à ganância
de meia dúzia de especuladores, galos e galinhas das melhores raças e sub-raças.
Hoje, que tanto se trata de melhoramento de todas as raças, menos a humana, por
que não havemos de tomar a sério uma empresa que, embora em proporções modestas, se
propõe ao melhoramento da raça de um animal tão caseiro e tão útil?
Animemos, pois, esta empresa, quando menos não seja para não arrancarmos a
última ilusão de um jornalista que, pela força das circunstâncias, se obrigado a criar
pintos.
***
O Sr. Pedro da Costa Frederico enviou-me o fascículo n. 3 do Guia prático do
compositor tipográfico, do qual é editor, e pediu a minha apreciação.
Como poderei apreciar uma obra sem principio nem fim? O fascículo que tenho
presente começa na gina 33, e não conclui o volume. Posso dizer, sem receio de errar,
que é um livro sem pés nem cabeça. Concluída a impressão, não me farei rogado para dar o
juízo que neste momento me parece inoportuno.
***
O periódico La France, meses fundado nesta Corte pelo Sr. P. Labarrière, vai
passar por uma transformação qualquer, e o mesmo Sr. Labarrière apronta neste momento o
primeiro número de L’avenir du Brésil, folha política, econômica, literária, científica e
artística.
581
Vou cometer a indiscrição de traduzir um trecho do artigo programa, que tem de ser
publicado no primeiro numero:
“Nós, estrangeiros, s, franceses, estabelecidos neste país, cujos recursos
conhecemos, assim como o campo fecundo que ele oferece à atividade européia, temos por
dever revelar aos nossos compatriotas a existência destes incomparáveis depósitos
confiados pela Providência ao império sul-americano, não para o uso exclusivo de um
povo, mas para o bem-estar da humanidade inteira.
“É esse o nosso fim, o fim que procuraremos desempenhar na medida das nossas
forças.
“Dar a conhecer o Brasil à França, à Europa, ao Mundo; propagar conhecimento dos
seus tesouros e dos recursos que ele oferece ao europeu laborioso; dissipar os prejuízos,
refutar as calúnias espalhadas a seu respeito; atrair, finalmente, sob este formoso céu e
sobre sete solo fecundo, o maior numero possível de trabalhadores, que acharão, senão
fortuna, ao menos vida fácil e tranqüila, eis a intenção com que se abrem as colunas do
Futuro do Brasil.
Parece que um pouco de retórica, mas é inegável que também um pouco de
entusiasmo e de sinceridade.
***
Os leitores conhecem o poeta Pitombo, da estação Lima Duarte, o qual de vez em
quando surge, de lira em punho, entre os a pedidos do Jornal do Comércio?
A sua última composição tem muitas estrofes, mas descansem; só transcrevo duas, e
as mais filosóficas.
Tu... que trilhas... a senda...
Vaporosa... do amor...
Tu... que negas, finginda...
As frases... de Mirabeau?...
Tu... que combates... a ciência....
Clara... à luz da lua...
Tu... que segues Spencer...
Nas lâminas... do que flutua?...
Lêem-se tantas... coisas... através... daquelas reticências!...
Tantas...
Eloi, o herói
582
30 de novembro de 1885
muito tempo que se fazia sentir a necessidade de um ponto de reunião para as
famílias do bairro das Laranjeiras, um dos mais aristocráticos da cidade. Atendendo a isso,
alguns cavalheiros fundaram o Club das Laranjeiras, que realizou anteontem o seu terceiro
concerto.
Obsequiosamente convidado por um dos diretores, tive a satisfação de assistir a essa
festa, cujo programa, organizado por José White, constou do seguinte:
Rondó para piano, de Weber, executado pelo Sr. Alberto Nepomuceno.
Ninon, romance de Tosti, e uma cavatina dos Puritanos, para soprano, perfeitamente
cantadas pela Exma. Sra. D. Marieta Howat Neto.
A terceira sinfonia, de Alard, para dois violinos, executada pela Exma. Sra. D.
Tereza Bastos e pelo Sr. Foetterlé.
A mesma senhora executou, ainda no violino, uma belíssima cavatina de Raff, que
foi entusiasticamente aplaudida. D. Tereza Bastos é uma discípula de quem o White se
desvanece muito.
O Sr. Dr. Costa Lima, que tem uma bela voz de tenor, cantou com muita expressão
uma pequena ária do Rei de Lahore.
***
Estava um calor senegalesco, e a casa, apesar de bastante espaçosa, era pequena
para conter as pessoas que se achavam presentes. Senhoras, havia-as em maior número que
cavalheiros, o que quer dizer que nenhuma ficou sentada exceção feita de uma ou outra
outoniça quando, acabado o concerto, começaram as danças. É preciso realmente haver
muita vontade de bailar para fazê-lo com um calor daqueles!
Coisa notável: a maior parte das senhoras presentes não pertencia ao bairro das
Laranjeiras. É verdade que o club está tão bem colocado, na praça do Duque de Caxias, que
com a mesma propriedade com que se intitula das Laranjeiras, pode denominar-se da
Glória, do Catete, do Flamengo e mesmo de Botafogo.
Escusado é dizer que sócios e convidados pertenciam todos à melhor sociedade: o
comércio, a política, a diplomacia, as finanças, e o jornalismo estavam dignamente
representados. Reunião seleta e delicada de um cosmopolitismo pitoresco.
A diretoria do club distribuiu largamente amabilidades e sorvetes. Saí
penhoradíssimo, e disposto a comparecer a todas as partidas para que for convidado.
***
Remetem-me de Resende a “circular à americana ou essencialmente prática”, ali
publicada pelo Sr. Francisco de Paula F. e Souza, candidato à assembléia provincial pelo
11º distrito do Rio de Janeiro.
S. S., depois de fazer várias promessas, entre outras a de repartir metade do seu
subsídio com as três câmaras municipais do distrito, termina assim:
“Se qualquer candidato for capaz de fazer outro tanto ou mais, deve ser eleito.
Senão, não. O que já fez algum? Haverá quem tenha igual abnegação e patriotismo?
“Duvido”.
Também eu duvido, meu caro Sr. Francisco de Paula.
***
Se o eleitorado, tomando em consideração o americanismo deste candidato, o
manda... à salinha de Niterói, eu, em sabendo que ele pede a palavra, perco o amor a dois
níqueis, e lá vou, na esperança de que o discurso se pareça com a circular.
Eloi, o herói
583
01 de dezembro de 1885
A imprensa dias acusou o pudibundo subdelegado de S. José por haver
repreendido alguns banhistas do Boqueirão do Passeio, que lhe não pareceram
convenientemente vestidos, ou antes, convenientemente despidos.
Ignoro de que lado estava a razão, mas não acredito que o subdelegado os
repreendesse pelo simples gostinho de fazer valer a sua autoridade.
Eu convido o leitor honesto e dorminhoco a levantar-se cedo qualquer dia destes, e
ir surpreender a roxa aurora do alto da ponte construída na mencionada praia, ou do terraço
do passeio público.
Afianço-lhe que mais de uma cena paradisíaca lhe revoltará o órgão visual; um
petulante vocabulário lhe escandalizará o ouvido.
Estranhará como eu estranhei a cambulhada que vai. As senhoras honestas
confundem-se com as que o não são, e mal educados rapazolas não trepidam em dizer
pilhérias simultaneamente a umas e outras.
***
Em bem sei que ali não prerrogativas, e que a mulher desonesta, mais talvez do
que nenhuma outra, tem o direito de tomar banhos de mar. Mas em toda a parte pode ser
permitida essa promiscuidade de Lucrécias e Aspazias, menos (e o digo sem receio de
passar por autocrático) menos na nossa terra, onde as momentâneas, ou por gestos ou por
palavras, arvoram, onde quer que estejam, a tabuleta da sua profissão.
Em todos os países civilizados as “mulheres” disfarçam-se em “senhoras”, e
capricham inteligentemente em fazer crer que são o que nunca foram, não são, nem jamais
serão. No Rio de Janeiro acontece o contrário, porque ninguém lhes vai à mão, e a polícia é
a primeira a desculpar os abusos.
Por isso aplaudi, confesso, o chefe que instituiu a célebre cortina vermelha (que
outro chefe rasgou) e proibiu o famoso carro-anúncio, tão em moda. Noutro qualquer país
essas medidas seriam arbitrárias; entre nós são convenientes.
***
Não há dúvida que ao Boqueirão vai muita gente séria; mas nenhuma outra praia do
Rio de Janeiro pede com tanta insistência polícia e folha de parreira.
Anafados burgueses expõem ali cinicamente os peitos gordurosos e cabeludos,
quando facílimo lhes fora cobrir aquelas banhas, que não são precisamente um modelo de
plástica.
Ulcerosas mulatas, tresandando a rua do Senhor dos Passos, com as formas a
bambalearem dentro de uns sacos de lanzinha azul, orlados de branco, destoam das
linfáticas donzelinhas, que vão pedir sangue a Netuno, ou das senhoras casadas, que
procuram no salso elemento remédio contra as conseqüências do salto à Luiz XV.
sujeitinho que ali vai apenas para namorar, e fá-lo indistintamente à mulher da
vida airada e à moça honesta, em cuja intimidade só poderá penetrar com escala pela igreja,
e munido de bênção nupcial.
***
O europeu que vir e ouvir quanto ali se faz e quanto ali se diz, ficará fazendo uma
triste idéia dos nossos costumes, principalmente se houver visitado as praias elegantes da
Europa, tão decentes e tão bem policiadas.
Não quero dizer com isto que o Boqueirão se eleve à altura de Braghton ou de
Trouville; não peço impossíveis: apenas desejo que se moralize e corrija, tanto mais que
584
existe ali um estabelecimento de banhos perfeitamente arranjado e cujo proprietário não
admite pessoas inconvenientes.
***
Mas para que o Boqueirão se comporte como deve é mister que os meus colegas da
imprensa não bramem contra os subdelegados, quando estes, na órbita das suas atribuições,
reprimirem abusos e proibirem a exibição shocking de certos panoramas.
Com tais medidas folga o bom senso, e a moralidade pública lava-se em água de
rosas... o que nem por sombras quer dizer que se lave no Boqueirão do Passeio.
Eloi, o herói
585
02 de dezembro de 1885
Reina em toda parte do mundo um entusiasmo indescritível pela grande exposição
universal de Paris, que se há de realizar em 1889.
Aqui, são tantas as pessoas que tencionam estar nessa época na capital da França,
que receio muito fique o Rio de Janeiro completamente deserto.
É raro o dia em que algum sujeito não me diga:
- Se Deus me der vida e saúde, lá estarei.
Ou:
- Estou fazendo umas economias para ir à Exposição de 89 com minha mulher e
meus filhos.
Muitos empregados públicos projetam adoecer nas proximidades da festa, para
tratarem de sua saúde em Paris.
Muitos comerciantes começam desde a por em ordem os seus negócios, para
estarem livres e desembaraçados daqui a quatro anos.
Em Paris principiaram os preparativos para as exposições parciais ou gerais de
1886 e 1887, que são verdadeiros ensaios do grande certamen do centenário da revolução.
Uma delas, de que notícia o Petit Journal, tem, pelo menos, o mérito da
originalidade.
Trata-se de uma exposição culinária, que se efetuará em benefício da Escola
Profissional de Cozinha.
Tudo quanto diz respeito à cozinha propriamente dita, à pastelaria, à confeitaria, à
salsicharia, aos comestíveis, às conservas, e respectivos utensílios, terá o seu lugar nesta
curiosa exposição-concurso, que faz crescer água na boca aos comilões.
***
O nosso governo é que ainda não deu sinal de vida!
Estará o Brasil disposto a fazer em 1889 a figura que fez em 1878?
Agora, que tantos amigos temos na Europa, a dizerem de nós o maior mal possível,
a lançarem-nos calúnias sobre calúnias, precisávamos, mais do que nunca, mostrar que
somos um povo, e que valemos alguma coisa.
***
Eu desejo ardentemente que o meu país figure na exposição de 89.
Individualmente eu iria com muito prazer; mas confesso que o Paris anormal, e
muito caro, das exposições universais não me seduz como o Paris corriqueiro, o Paris de
todos os dias... durante o inverno.
Ir a Paris em 1889 não é ir a Paris, é ir ao mundo; é atravessar por entre todas as
raças, com o risco de não ter onde dormir, se não se quiser sujeitar a fazê-lo nalgum ônibus
ou no vão de alguma água-furtada.
Moderem os meus concidadãos esse entusiasmo por um Paris que não é o Paris
com que todos nós sonhamos. Nenhum orçamento resistirá à ganância dos lucandeiros e
dos cocheiros parisienses em 1889.
Entretanto, não quer isto dizer que eu não aceite a nomeação de membro da
comissão que representar o Brasil na exposição universal. O governo que me nomeie, se
quiser tirar a prova da minha sinceridade.
Eloi, o herói
586
03 de dezembro de 1885
O Sr. O. de Niemeyer acaba de dar publicidade a um folheto, nitidamente impresso
na oficina Lombaerts, no qual reuniu os artigos que publicara na imprensa desta Corte
sobre o congraçamento da tribo dos índios chamados Crichanás, que habitam as margens
do Jauaperi, no Amazonas, alcançado pelo ilustre naturalista brasileiro João Barbosa
Rodrigues.
Incidentemente se trata no folheto da exposição etnográfica, realizada em Manaus,
com os objetos trazidos dessa difícil exploração, e ainda do Museu Botânico do Amazonas,
dirigido pelo mesmo naturalista.
O Sr. Dr. Mello Moraes Filho, num brilhante prefácio, pronuncia-se contra a
catequese dos índios, e eu de bom grado o acompanho nessa opinião. Deixemos os
silvícolas entregues às suas florestas; não os importunemos com os supostos benefícios da
nossa civilização.
O autor dos Escravos Vermelhos consegue, com muita habilidade, e sobretudo com
muita competência, fazer em quatro páginas a síntese do trabalho da catequese durante o
domínio colonial. A experiência de três séculos é a mais desanimadora possível, e o
império, como a colônia, nada tem conseguido. De que servem esses aldeamentos onde os
índios, depois de civilizados, sentem necessidade de se descivilizar voltando para as suas
tribos, arrastados pela nostalgia e pela saudade?
Não são eles homens que nos convêm para povoar esta terra mais sua do que
nossa , nem eles trazem das longínquas malocas o hábito do trabalho, nem o vêm achar
entre nós. Nada nos dão; nada lhes damos. Não há vantagens recíprocas.
E não se diga que a catequese dos índios não tenha sido tentada pelos meios
possíveis. Numa passagem do seu livrinho, o Sr. Niemeyer exprime-se do seguinte modo:
“O governo imperial gastava, até bem pouco tempo, fabulosas somas com a catequese
dos índios, empregando improficuamente a força bruta. Apesar das baionetas e das balas,
nunca, segundo penso, conseguiu nada mais do que o ódio e a vingança dos selvagens.
Hoje, sem dispender-se nem um ceitil, consegue-se a conversão dos Crichanás, sem
morticínios, sem desvairadas cenas de barabridade”. É uma injustiça. O governo imperial
empregou sempre, no serviço da catequese, os missionários capuchinhos, cujo prestígio é
tradicional em todas as tribos. A bala e a baioneta têm servido para repelir ataques e
correrias.
Nalguns lugares do Norte, os viajantes que se arriscam em paragens infestadas de
índios, (infestadas é o termo consagrado), muitas vezes, por gíria, vestem o burel de
capuchinho e deitam grandes barbas postiças. Os índios, que os supostos frades topam no
caminho, em vez de lhes fazer mal, depõem o arco e a flecha, e ajoelham-se, levando as
mãos ao peito.
de mais tarde dizer-me o Sr. Niemeyer quanto tempo ficaram os Crichanás em
Teodoretopolis; em poucos anos, para não dizer meses, o aldeamento estará deserto e a
estas horas sabe já Deus quantos teodoretopolitanos terão voltado para a floresta.
Barbosa Rodrigues deu com uma tribo que se deixa levar por fósforos Jonkópings
(vid. o folheto do Sr. Niemeyer, pag. 47); outras há que não se deixam convencer nem pelos
fósforos de Trufarello, que são mais bonitos.
O ilustre naturalista brasileiro portou-se nessa exploração com um heroísmo
realmente louvável; mas o proveito que resulta da sua temeridade é mais para a ciência, de
que é ele desvelado cultor, do que para a população brasileira.
587
O benefício, repito, é todo negativo. Lembrem-se de que o pobre índio vive
independente e alegre no meio de uma sociedade primitiva, onde não moeda corrente, e,
de um momento para outro, sujeitam-no aos caprichos desse dourado gérmen de todas as
paixões ruins.
Imaginem que um selvagem é arrancado às respectivas selvas, e aldeado numa
povoação, sob as vistas de autoridades civis, constituídas por um poder que ele desconhece.
A triste vítima da civilização, ao passo que vai adquirindo novos hábitos e costumes,
adquire também a certeza de que a vida é muito difícil nos lugares onde haja subdelegados
e lampiões. A primeira coisa que faz são dívidas, confiado na indústria que lhe
proporcionará meios de as pagar. Mas tudo lhe falta, porque, apesar de todo o zelo dos
missionários, o índio jamais se convence de que a preguiça é um pecado mortal, e a
diligência a virtude oposta a esse pecado. Perseguido pelos credores, que melhor resolução
poderá ele tomar senão regressar à tribo? É o que faz, pedindo perdão a um Deus, que é o
mesmo que no aldeamento lhe impunham com outro nome e outra biografia.
***
O livrinho do Sr. Niemeyer está cheio de observações muito justas, exceção feita do
ponto em que o jovem escritor diz que “o índio Pedro é de uma sagacidade a toda prova e
de uma inteligência muito lúcida, se bem que nascido e criado no meio das florestas”. Não
é uma razão para não ser lúcido e sagaz.
***
Por coincidência recebi, na mesma ocasião, a monografia do Sr. Niemeyer, e a
Notícia da vida e trabalhos de João Barbosa Rodrigues, publicada no Ocidente pelo Sr.
Dr. A. J. Ferreira da Silva, lente da Academia Politécnica do Porto. É um pequeno folheto,
ornado com a fotografia do ilustre naturalista brasileiro, cujo valor científico é ali ligeira
mas conscienciosamente apreciado.
À extensa relação das principais obras de Barbosa Rodrigues, relação que fecha o
folheto do Sr. Dr. Ferreira da Silva, brevemente se poderá acrescentar o importante
relatório sobre os Crichanás, que, por ordem do ministério da Agricultura, está sendo
impresso na Imprensa Nacional.
***
Em seguida transcrevo as honrosíssimas palavras que me dirigiu o Retiro Literário
Português, por ocasião de enviar o valioso donativo com que concorreu para a execução do
monumento Sá Noronha.
Não o faço por um movimento de tola vaidade, mas para mostrar a cordialidade que
existe, e praza a Deus que sempre exista, entre portugueses e brasileiros:
“O Retiro Literário Português encarregou-me de fazer chegar às mãos de V. o
produto da modesta subscrição que promoveu entre seus cios, e que tem por fim auxiliar
a nobre iniciativa, tomada por V., para levantar-se um mausoléu onde sejam guardados os
restos do malogrado maestro Sá Noronha.
“Rejubila-se o Retiro Literário por ver à frente desta generosa demonstração de
fraternidade, um brasileiro... (Pulo duas linhas), que mais uma vez quis mostrar que o
Brasil não é mais do que um prolongamento da pátria dos portugueses, da mesma forma
que Portugal é a continuação desta grande pátria brasileira”.
A subscrição continua aberta no escritório do Diário de notícias.
Eloi, o herói
588
04 de dezembro de 1885
O Diário de Notícias encarregou-me de fazer as honras da casa ao novo e formoso
livro de Alberto de Oliveira: Sonetos e poemas.
Permitam, pois, os leitores, que eu hoje deite luminárias no palanque, e faça subir
aos ares todas as girândolas do meu entusiasmo, todos os foguetes da minha admiração.
Bem adivinho... bem vejo o leve sorriso irônico e malévolo, que arqueou neste
momento os lindos lábios vermelhos da interessante leitora.
Eu digo da leitora , porque a mim bem pouco me importa o bom ou o mau
conceito em que me tenha o belo sexo masculino. Então quando trato de poetas, mais do
que nunca me esqueço de que no mundo gente barbada: os poetas inventaram-se para as
mulheres: poetas por mulheres sejam lidos.
Felizmente o Alberto de Oliveira está colocado tão alto, que, apesar de toda a
amizade que lhe tenho, não pode haver suspeita de que haja entre ele e eu conchavo de
elogio mútuo. Desmanche, pois, a leitora o sorriso que lhe arqueou os lábios purpurinos, ou
substitua-o por outro mais generoso, embora menos belo.
***
É um verdadeiro poeta, creiam, este demônio do Alberto; a sua lira, por mais uso
que lhe dê, tem sempre melodias novas, harmoniosas surpresas, desconhecidos acordes. Ele
sabe revolver os inesgotáveis tesouros da língua portuguesa, e aproveitá-los discretamente.
Com um velho adjetivo e um substantivo decrépito, ele arranja uma frase moça e petulante.
Possui no mais elevado grau a dificílima arte de aproximar dois vocábulos. Está
convencido, como o deveriam estar quantos escrevem, de que nos idiomas não
sinônimos: cada palavra tem a sua significação exclusiva, e de modo algum deve ser
substituída.
Penetrar nestas duzentas e sessenta páginas, analisar os primores e apontar as
imperfeições dos Sonetos e poemas, não é tarefa que se desempenhe à ligeira, entre um
calembourg do Oscar e uma facécia do Carneiro, ao som do piano cataléptico da melomana
vizinha. Depois, francamente, o Alberto chegou a essa idade de ouro, em que o poeta
deve sujeitar os seus escritos à crítica dos doutores da literatura. A minha opinião nada lhe
pode dar nem tirar.
***
Eu conheço-o muito tempo... o conhecia antes das Canções Românticas, e
sempre o conheci poeta. Nunca me esquecerei de uma dia que passamos juntos em Niterói;
nessa ocasião o Alberto me apresentou dezoito irmãos... e mais não foram porque alguns
não estavam em casa.
Foi no meio dessa tribo exuberante e ruidosa que ele compôs os seus primeiros
versos. Dir-se-iam feitos na solidão dos bosques, à sombra da faia virgiliana.
De resto, a poesia tem sido o seu emprego, a sua labutação, o seu trabalho. Ela nem
sequer lhe deixa tempo para namorar; não creiam na Musa de que ele fala naquele
esplêndido e originalíssimo soneto:
ÚNICA
Estás a ler o meu livro, e é bem que exprimas
Certo pesar. Nem uma vez, nem uma
O teu nome estas páginas perfuma!
E outros há aí por títulos e rimas.
589
Quem são essas que vêm de estranhos climas,
De idades mortas, da salgada espuma
Do mar, da Grécia além, do sonho em suma,
Que mais que a mim tens celebrado e estimas!
Dirás. E o livro, se meu ser traslada,
Se o fiz de modo tal que me traduza,
Contas dará de quanto em si contém;
Saberá responder que és sempre amada,
Que nele estás, pois foste a sua Musa,
E essas mulheres só de ti provêm.
Eloi, o herói
590
05 de dezembro de 1885
O Sr. Dr. Menezes Vieira, que é ao mesmo tempo diretor e proprietário de um dos
nossos mais importantes estabelecimentos de educação, e professor vitalício de linguagem
escrita no Instituto dos Surdos Mudos, obsequiou-me com um exemplar da obra Ensino
prático da língua materna, por ele oferecida aos alunos do mesmo instituto.
Não dúvida que o Sr. Dr. Menezes Vieira é um homem de mérito; mas aqui todo
o seu trabalho consistiu numa adaptação inteligente. O plano da obra é francês; as próprias
gravuras, intercaladas no texto, são, ao que parece, aproveitadas da edição original. -se,
pois, que neste livro não há invenção.
***
O mérito mais do que o mérito a glória do Sr. Dr. Menezes Vieira está na
aplicação prática, que tem sabido fazer, daquele método. No dia 29 do mês passado um
numeroso auditório pasmou, no Instituto das Laranjeiras, diante dos resultados obtidos pelo
laborioso e paciente professor brasileiro. Foi uma surpressa geral! Os surdos-mudos
falavam!
***
Percorri de fio a pavio as cem páginas do Ensino prático da língua materna aos
surdos-mudos, e, francamente, não pude compreender como, por meio dessa obra, se
consegue um resultado de tal ordem, que pode entrar na categoria dos milagres.
Quer me parecer que, se eu não soubesse ler ou não pudesse falar, jamais poderia
fazê-lo por semelhante método; mas as provas do contrário, produzidas pelo Sr. Dr.
Menezes Vieira, foram tão eloqüentes, que eu curvo a cabeça, e uno os meus aplausos aos
daqueles que no dia 29 lhe bateram palmas.
***
Visitei o Instituto dos Surdos Mudos há muito tempo, logo que o estabelecimento se
transferiu de Botafogo para as Laranjeiras. naquela época fazia gosto ver como eram ali
educados os infelizes “a cujo organismo a natureza, na frase bem pitoresca da Gazeta da
Tarde, inflingira uma solução de contuinuidade”. (1)
Vejo, e folgo de ver, que o Instituto, sob a direção do zeloso Sr. Tobias Leite, tem
acompanhado todos os progressos introduzidos no sistema de educação dos surdos-mudos.
Ainda bem.
Lembro-me que da última vez que fui, fiz com os meus botões a observação de
que surdo-mudo era eu e não eles, pois todos se entendiam mutuamente por gestos, ao
passo que eu nada percebia. Hoje, graças ao método ensinado pelo Sr. Dr. Menezes Vieira,
eu não poderia fazer a mesma observação. Daqui a tempos o Instituto dos Surdos Mudos
suprimirá a última palavra do seu título. Já não há mudos!
***
O hilariante autor dos apontamentos para o drama O assassino do tenente Lucas
passou-me ontem uma descompostura a seis vinténs por linha. O pobre diabo esperou pelo
princípio do mês... fez provavelmente um sacrifício; poderia ter-me mandado o artigo; eu
lho publicaria de graça; poupava-lhe essa despesa.
Não lhe dou cavaco, porque para a minha vingança basta-me o ele haver escrito
tanto os apontamentos como a descompostura.
Eu julgava que esse idiota fosse algum menino, que a pouca idade e a falta de
palmatória desculpassem. Disseram-me ontem que é um trangalhadanças de bigodes, e
exerceu o cargo de secretário do Imperial Colégio de Pedro II. Custa crer!
Eloi, o herói
591
_____________
(1) “Foram prestadas as provas das diversas cadeiras de ensino ai ministradas aos infelizes, que
encontram na brilhante educação que lhes é fornecida um corretivo à solução de continuidade que a natureza
infligiu-lhes ao organismo”
Gazeta da Tarde n. 277, de 1º do corrente.
592
06 de dezembro de 1885
No mesmo lugar em que escrevo neste momento, o andarilho Bargossi gabava-se,
pouco tempo, do admirável vigor dos seus músculos, e da sua prodigiosa saúde. O
homem locomotiva aconselhava-me que aprendesse com ele a percorrer grandes distâncias
sem cansar, se quisesse viver os anos que viveu Matosalém, e os que ele, Bargossi,
esperava viver.
Entretanto, a locomotiva acaba de descarrilhar. O pobre andarilho não resistiu à sua
última proeza; depois de percorrer a pé, e sob um sol de rachar, as dozes léguas que
medeiam entre Buenos Aires e La Plata, apanhou uma febre cerebral, e se foi andando
para o outro mundo mais depressa do que desejava.
Não! não foram as pernas que o mataram; essas nunca o traíram. O Bargossi tinha
muita confiança nelas. Lembrava-se dos músculos mas esquecia-se dos miolos.
Decididamente os únicos andarilhos possíveis são os camelos.
***
Ao passo que o Bargossi morre no Rio da Prata por ter andado doze guas a pé,
uma criança de 13 anos mata-se no Rio de Janeiro por não ter tido um níquel para ir de
Botafogo à rua Sete de Setembro.
Parece incrível que a mania do suicídio esteja tão desenvolvida, que até acometa
fedelhos que ainda não começaram a viver, e pelos motivos que se depreendem da seguinte
carta, que transcrevo da Gazeta da Tarde:
“Eu vou dizer o que sinto dentro do meu coração. Eu vou fazer uma asneira,
conheço que é, mas é por causa de eu pensar de mim e de meus irmãos. Eu estou
empregado trabalhando para uns e para outros de graça, e eu sem lenços para assoar, sem
botinas para calçar, sem dinheiro para o bond.
“E uma vez vim a pé da rua da Real Grandeza, em Botafogo, à rua Sete de Setembro
n.119. Ora... isso... bem pensado, não é para se ter pena e doer o coração. E, depois, ver
meus irmãos desgraçados, sem ter, coitados, roupas para vestirem, e sabe Deus sem comida
para comerem, coitados.
“E eu me lembrando disto tudo e não tendo para socorrer não tenho coragem de -
los nesta triste miséria e por isso mato me porque não penso em mais nada, e o mais adeus.
“Lembranças a quem por mim perguntar”.
Dizem que Deus está em toda a parte; eu sempre queria que me dissessem onde
estava Ele no momento em que essa desgraçada criaa se estrangulou porque os seus
irmãos não têm o que comer e andam mal vestidos.
***
Como sensibiliza e comove aquela prosa infantil! Como horroriza este suicida
precoce e original, que vem dizer aos outros: Eu mato-me, porque sois infelizes!
Mas, piedade à parte, que homem daria uma criança que pensou em morrer na idade
em que as outras crianças pensam em brincar? Que trinta anos dariam aqueles treze
anos?
Pode ser que na resposta mental do pio leitor esteja a explicação da ausência de
Deus.
***
O meu amigo S. da M. nunca se matará por não andar de bond; é mesmo freguês
assíduo da Carris Urbanos, e ontem queixava-se-me da dificuldade, que às vezes tem, de
perceber a cor correspondente à direção do veículo.
593
De fato, tão complicada é a semafórica desta companhia, que me parece produzir
justamente o contrário do que mais era para desejar: isto de a gente por no estribo e ter
certeza de não ir errado.
Ora, (uma simples pergunta) uns dísticos transparentes, em bela letra graúda, como
já os usou a S. Cristóvão, não seriam bem mais compreensíveis que as tais tigelinhas?
A gente tem mais que fazer do que andar a decorar sinais.
Eloi, o herói
594
08 de dezembro de 1885
Mais do que nunca, estamos em pleno reinado da capoeiragem!
Até o Apóstolo saiu dos seus cuidados e da sacristia e deitou artigo de fundo contra
os nagôas e os guaiamus.
Eu confesso que tenho um respeito sem limites por esses cidadãos, e que, se me
acontece divisá-los ao longe, dobro a primeira esquina que me aparece, e por aqui é o
caminho...
Dizem-me que os capoeiras atacam de preferência os barrigudos. Ouvi mesmo
contar que esses fascínoras (os capoeiras, não os barrigudos) têm o horrível costume de
introduzir a navalha no ventre alheio, dizendo: Guarde isso, e que passam adiante,
rindo e gingando, como se tivessem praticado a pilhéria mais inocente deste mundo.
Ora, no tempo em que eu era magro sim, minhas amáveis e interessantes leitoras:
saibam vossas excelências que, aqui onde me vêem, fui quase vaporoso andava por
essas ruas despreocupado e feliz, sem me lembrar de que havia Bijús e Mortes Certas.
Mas depois que me principiou a crescer a pança que tanto nos incomoda, à Gazeta
da Tarde e a mim, nasceram-me uns receios indizíveis da aproximação desses indefectíveis
perturbadores da tranqüilidade pública.
Confesso ingenuamente a minha poltroneria: se não fosse a carga cerrada em que
toda a imprensa tem nestes últimos dias disparado contra os capoeiras, eu não me animaria
a embarcar nesta galera. Mas agora somos tantos que, espero em Deus, a minha pança
passará incólume no meio das hostes aguerridas. A menos que esses ventrífobos cometam a
imperdoável injustiça de me eleger cabeça... digo: barriga de turco.
Ainda assim, falta-me a coragem para dizer que o fato, verificado pela imprensa, de
haverem sido arvorados em agentes da “secreta” alguns membros proeminentes dos dois
partidos litigantes, o guaiamú e o nagôa, fazem-me desconfiar da integridade encefálica do
Sr. chefe de polícia.
Neste andar, galgando os capoeiras a escala das posições administrativas, a ponto de
ganharem influência tal, que possam distribuir entre si os cargos públicos, dentro em alguns
anos não haverá conservadores nem liberais senão nagôas e guaiamús.
A nossa sociedade chegará nessa época à perfeição almejada por certos funcionários
públicos.
Mas espero em Deus e na Virgem Santíssima que outro chefe virá de honrada fama,
e consigo trará a inabalável resolução de dar cabo dos heróis da rasteira e da cabeçada, para
que esta cidade apresente, afinal, aspecto de civilizada, e eu e os meus colegas possamos
andar por essas ruas de cabeça... digo: de pança erguida.
Eloi, o herói
595
09 de dezembro de 1885
Em 1869 publicou o Sr. Firmino Cândido de Figueiredo, na capital do Ceará, um
volume de poesias sob o título Confidências.
Lembro-me que o livro agradou bastante no Norte. quinze anos, no Maranhão,
os janotas recitavam à uma, ao piano, os versos do Sr. Figueiredo. Era raro ir a uma casa
particular, e não ouvir:
Se me vês triste, soluçando um pranto,
Talvez ignores quanto est‟alma sente;
Não sabes, virgem, por quem sofro tanto?
Ah! não compreendes? É por ti somente,
ao som da melodia do Era no outono, que já naquele tempo começava a entrar no inverno.
O poeta cearense prometia fazer uma revolução no recitativo. Criara um gênero de
poesia, que reclamava mais paciência que um biombo de tabuinhas chinesas. Foi, que eu
saiba, o primeiro que introduziou no circulação os recitativos com quatro rimas no mesmo
verso, alguns dos quais, é mister confessá-lo, se popularizaram naquelas terras quentes e
líricas, banhadas pelo Bacanga e pelo Anil. Ora ouçam:
ELISA
Elisa, a brisa, que devassa e passa
A relva e selva de florinhas mil,
Teu colo, solo de candura pura,
Bafeja, adeja, num soprar sutil.
Se a lua nua de seu manto santo
Branqueia a areia do parcel de além,
Desperta, alerta do passado amado
Lembrança mansa, que meu peito tem.
Quem dera a era que tão bela estrela,
Que outr‟ora aurora de venturas deu
Queria um dia em segredo a medo
Falar-te, amar-te quanto amou Dirceu.
Mas triste existe de meu peito o leito,
Onde se esconde da saudade a dor,
Elisa, Elisa, que maldita dita
Tirano ariano de infeliz amor.
Recebo e bebo da desgraça a taça,
Sisudo e mudo esgotarei ao fim.
Desejo almejo os sofrimentos lentos
Sua sorte, a morte não me assusta assim.
Meu pranto é tanto que o desgosto ao rosto
596
Sombrio e frio já mudou-lhe a cor.
Quem ama a chama da lanterna eterna,
Se atira à pira, vai morrer de amor.
Imagine o leitor que, além destes vinte e quatro versos, que representam setenta e
oito consoantes, havia nas Confidências mais setenta e dois no mesmo gosto:
Me viste triste, pensativo, esquivo, etc.
A rima está longe de ser banvilliana”; fala-se ali de lanterna eterna, de colo solo e
de outras coisas que fazem lembrar o:
Toute chaine
A deux poids,
Toute peine
En a trois,
Do Ajax, de Offenbach.
Mas, ainda assim, que prodígio de pachorra!
***
Escusado é dizer que o Sr. Figueiredo forneceu muita letra para as modinhas
daquele tempo. Lembra-me ainda que a horas mortas os trovadores de esquina cantavam
nas ruas de S. Luiz;
A onda desmaia
No combro da praia,
E as rendas da saia
Da virgem beijou;
E o anjo vagueia,
Brincando n‟areia
Nem mesmo receia
Do mar, que a molhou.
Ah! bons tempos da modinha brasileira, hoje suplantada pela romança de
exportação!
Eu prefiro de bom grado a Virgem santa, é tão bela que eu te amo, e Por entre as
trevas da noite a todas melodias de Tosti, cuja letra italiana as mocinhas de hoje aprendem
como papagaios, ignorando o sentido, muitas vezes brejeiro, do que estão dizendo.
Mas tenho esperanças de que se empaturrem tanto de música estrangeira, que
voltem, arrependidas, à nossa modinha, tão engraçada, tão cheia de ingênua e doce poesia.
***
Mas voltemos ao nosso poeta.
Durante quinze anos perdi de vista o Sr. Firmino Cândido de Figueiredo, quando,
afinal, vi o seu nome figurando num frasco de “cajurubeba”. O auto das Confidências é
também autor desse preparado, que tanta reputação tem obtido entre os inválidos do amor.
Não pude conter um Ah! de admiração, ao ver o cantor da Elisa propondo-se a
reparar os destroços das batalhas de Vênus, e disse com os meus botões:
597
Bem, o homem criou juízo, e tornou-se um benemérito da humanidade.
Mas eis que recebo de Pernambuco, ainda fresca do prelo, a segunda edição das
Confidências, tal qual foram publicadas em 1869, sem alteração de uma sílaba!
Ignoram-se os motivos que levaram o Sr. Figueiredo a cometer esse ato de
desespero, quando é sabido que o poeta tem-se dado melhor com Mercúrio do que se deu
com Apolo.
Eloi, o herói
598
10 de dezembro de 1885
Que calor!
Estão todos os dias os eunucos do talento, que têm inveja aos que fazem filhos, a
atirar-nos à cara com a fecundidade dos Wolffs, dos Fouquiers, dos Rocheforts e outros
chroniqueurs parisienses.
Mas eu quisera que esses paladinos da crônica escrevessem cinqüenta linhas todos
os dias sob esta atmosfera abrasadora, que faz cantar as cigarras. Onde iria parar o seu bom
humor e a sua fantasia? Que seria deles, se ao aproximar-se a canícula parisiense, não
emigrassem todos para as estações balneárias, fugindo assim às audácias do termômetro?
Infelizmente, nem o Diário de Notícias está disposto a concorrer para as despesas
da minha vilegiatura em Petrópolis, nem eu lhe faria semelhante proposta; mas quisesse
ele, e eu prometeria aos leitores, e principalmente às leitoras, umas crônicas leves,
cintilantes, espirituosas quase, que não tresandassem a falta de assunto.
Oh! Como eu seria feliz, se pudesse abalar para a cidade de Pedro, e voltar no
mês de Maria, para ouvir as ladainhas aristocráticas da capelinha do visconde de Silva!
Petrópolis estende-nos os braços e abre-nos o seio das suas montanhas verdes e
alegres; é preciso, realmente, andar muito baldo ao naipe para não aceitar o voluptuoso
convite!
Com que inveja eu vejo partir a langorosa leitora, sem poder acompanhá-la...
Que boas crônicas daria essa Petrópolis, da qual se contam tantas aventuras
galantes, e tantos casos de amor!
Que misteriosos assuntos deparariam os ensombrados passeios petropolitanos à
pena indiscreta de um cronista despreocupado!
***
Mas não... não quero abrir ao Diário de Notícias o apetite de me enviar a Petrópolis,
tanto mais que de boa fonte me consta que ele projeta mandar-me a Paris, na qualidade de
seu correspondente especial durante a exposição de 1889...
***
Acabo de receber a seguinte carta do Sr. Joaquim de Almeida:
“Sr. Eloi, o herói Como sabe, produziu o concerto Noronha um líquido de R$
593$500.
“Atendendo ao fim a que era destinada essa festa, acho pouco; olhando porém a
obscuridade em que vivem os indivíduos que a promoveram, confesso que foi além da
minha expectativa.
“Figura na relação da despesa uma verba de 250$ que eu supus sempre poder
suprimir, e até tirar algum resultado.
“Pura ilusão, meu amigo, como muitas outras que se lhe seguiram durante o tempo
em que me encarreguei do concerto Sá Noronha.
“Refiro-me aos 200 exemplares do romance Tu e Dio, edição única, numerada e
rubricada.
“Tendo feito distribuir no salão em a noite do concerto uns 100 exemplares, expus à
venda os restantes nas casas Buschman & Guimarães, Narciso & Artur Napoleão e Faro &
Nunes, marcando por cada exemplar o preço de 3$000.
“Ora, se o tango Amor tem feito fogo produziu ao editor a soma de oito contos de
réis, se O capenga não forma e O careca não vai à missa e outras monstruosidades
idênticas, pessimamente impressas em papel um pouco melhorzinho do que aquele de que
fazem uso os vendeiros para embrulhar manteiga, se vendem a 1$000 e 1$500 cada
599
exemplar, não é exagerado que eu pedisse 3$000 pelo fac símile de Tu e Dio, que tem o
grande mérito de ser o último pensamento do pranteado maestro, edição única, e um primor
de fotolitografia saído pela primeira vez das oficinas de Paulo Robin.
“Entretanto, o gênero não teve saída, e eu consegui apenas vender 4 exemplares!!
“Assim, pois, tendo distribuído pela imprensa e pelas bibliotecas, restam-me 44
exemplares que entrego ao meu amigo para que lhe dê o destino que entender, e bem assim
a importância de 12$000 dos 4 únicos exemplares vendidos”.
***
Esses 12$000 foram ontem acrescentados por mais 9$000, produto de três
exemplares de Tu e Dio, vendidos no escritório do Diário de Notícias.
Eloi, o herói
600
11 de dezembro de 1885
Correu ontem a terceira grande loteria da Corte, e isto fez com que reinasse grande
agitação na rua do Ouvidor.
O povo aglomerava-se boquiaberto diante das listas afixadas em vários sítios.
Brilhava em todos os olhos a ambição de um bom prêmio. Muitos indivíduos vinham
paupérrimos da rua Direita, com a esperança de chegarem ricos ao largo de S. Francisco de
Paula.
***
Infelizmente, não me consta que nenhum deles se aproximasse da estátua do
patriarca mais endinheirado que meia hora antes, ao penetrar na “grande artéria”. Esses
esquecidos da fortuna, sentiam-se, pelo contrário, mais pobres, mais oprimidos que nunca.
Porque um fato psicológico, que recomendo à observação piedosa do leitor: o
jogador da loteria tem maior e mais nítida consciência de sua miséria, quando verifica que o
seu bilhete está branco, e que o seu rico dinheirinho vai engrossar o bolo reservado aos
outros. Antes de comprar o bilhete, ou, depois de comprá-lo, enquanto não anda a roda, o
pobre diabo não se lembra da sua pobreza; depois de desenganado, é que são elas! não
tardam os falsos protestos e os juramentos de ocasião.
***
Ao leitor, que compra, sistematicamente ou não, o seu vigésimo, sem que essa
despesa lhe faça a menor alteração no orçamento, eu parecerei um pouco Mr. de La Palisse;
mas coloque-se no lugar desses viciosos, que tudo sacrificam ao jogo da loteria, e compare
o ligeiro instante de despeito que lhe causa o seu vigésimo branco com as horas de azedume
por que vão passar aqueles desgraçados: a minha observação lhe parecerá mais justa.
***
Há indivíduos que se desculpam do vício da loteria com a sensação que lhes
proporciona o ato de percorrer a lista dos prêmios. Alguns desses Pangloss levam o seu
otimismo ao ponto de se considerarem suficientemente compensados, por essa hipotética
sensação, dos cobres que dispenderam. Fazem-me lembrar aqueles que nesta época se
enfaram de refrescos e cajuadas, sem se lembrarem que daí a pouco sentirão maior calor,
pela força da reação.
***
A loteria é perniciosa, mesmo para os “felizardos”. Sempre que anda a roda, a
fortuna desengana muitos, engana alguns e não favorece ninguém, porque o dinheiro que a
loteria fatalmente voltará para ela, e raro é o sacristão que tenha sabido aproveitar os
seus bens.
O melhor meio de enriquecer temo-lo todos nesses dois braços com que a natureza
nos dotou; ganhar dinheiro na loteria é adquiri-lo à custa da desgraça alheia. É preferível
ser pobre, e fazer jus aos pirões, escrevendo, como eu neste momento, desataviados artigos,
sob uma temperatura de 33 graus à sombra.
Eloi, o herói
601
12 de dezembro de 1885
Os pais de família de Resende acabam de dar um grande e salutar exemplo aos pais
de família dos outros municípios do Império.
Senão, vejam a notícia que neste momento me deparou a Tribuna de Parati:
“Em Resende reuniram-se muitos chefes de família, e, formando um grupo de
duzentas pessoas, procuraram Joaquim de Freitas Guimarães, sedutor de uma menor na
Corte, e intimaram-no a casar com ela.
“O casamento efetou-se com grande satisfação de todos”.
Imaginem o Freitas com essas duzentas bengalas erguidas sobre a sua cabeça, e
digam-me se Damocles passou por maior tormento durante o regio festim siracusano.
Ah! que se todos os pais de família tomassem a humanitária e moralíssima
resolução que moveu aquelas quatrocentas pernas resendenses, os Freitas não andariam,
como andam, à ufa, pirateando por mares nunca dantes navegados.
Numa terra em que, por via de regra, a ação da justiça é tão demorada, e as mais das
vezes improfícua, não é mal cabida a intervenção do petrópolis e da peroba.
De hoje em diante sabem as infelizes Margaridas a quem devem recorrer contra
os Faustos de chapéu alto e colarinho postiço. Ainda há juízes em Resende.
***
Um espirituoso colega, tendo lido o recitativo, que eu transcrevi dias, no qual o
poeta Firmino Cândido de Figueiredo teve a pachorra de acumular quatro consoantes em
cada verso, escreveu e enviou-me a seguinte versalhada, que assinou modestamente com o
pseudônimo de Florete:
“Da imprensa a crença que avassala cala,
A história inglória deste chefe escreve,
Reclama clama contra a gente ingente,
Que o medo tredo nem se quer descreve.
Se a lua a rua não clareia, anseia
A vasta casta das burguesas [ ]!
Correm ou morrem, pois a malta salta,
Voa o nagôa sobre as panças mansas.
Fala a bengala da baderna eterna,
Talha a navalha quantos pintos acha,
Graças à praças do Coelho, espelho
Que um soco louco nem de leve racha.
Severo, austero, seu vetusto busto,
Altivo, esquivo, toda a imprensa arrostra!
A troça engrossa, vão surgindo e vindo,
Darios pios da polícia amostra.
Ao Sr. Coelho Bastos não fará bom cabelo este Florete, que teve lugar na minha
panóplia por me parecer generosamente embolado.
***
602
Se o leitor tiver hoje um momento de folga, venha até o escritório do Diário de
Notícias pasmar diante do Golia dos inhames.
O monstro nasceu e cresceu numa fazenda de Pindamonhangaba, com a tenção
formada de dar de comer a um exército. Infelizmente, parece que ele está condenado a
apodrecer, na sua qualidade de fenômeno, sem que nenhuma dentuça humana se atole na
sua massa opulenta.
***
O nome de Olavo Bilac bem cedo fulgurará entre os melhores da nossa literatura. O
leitor não conhece talvez esse poeta, que raramente aparece na Semana ou na Estação. Vou
ter a honra de apresentá-lo, por intermédio de dois magníficos sonetos.
Eis o primeiro, que ofereço ao leitor barbado:
NO LIMIAR DA MORTE
Grande lascivo! Espera-te a voluptuosidade do nada!
MACHADO DE ASSIS (Brás Cubas)
Engelhadas as faces, os cabelos
Brancos, ferido, chegas da jornada.
Da infância os dias lembras e, ao revê-los,
Que fundas mágoas n‟alma lacerada!
Paras. Palpas a treva em torno. Os gelos
Da velhice te cercam. Vês a estrada
Negra, cheia de sombras, povoada
De espectros torvos e de pesadelos.
Tu, que amaste e sofreste, agora os passos
Para meu lado moves. Alma em prantos
Deixas os ódios do mundano inferno!
Vem! que enfim gozarás, entre meus braços,
Toda a delícia, todos os encantos,
Toda a volúpia do descanso eterno!
Agora o segundo, que vai com vistas a leitora:
PASSEIO MATINAL
Sai a passeio, mal o dia nasce,
Bela, envolvida em roupas vaporosas...
E mostra às rosas do jardim, as rosas
Frescas e puras que possui na face.
Passa... e todo o jardim, por que ela passe
Atavia-se: há falas misteriosas
Nas ramagens, saudando-a respeitosas...
603
É como se uma sílfide passasse!
E a luz cerca-a, beijando-a: o vento é um choro,
Curvam-se as flores trêmulas; o bando
Das aves todas vem saudá-la em côro!
E ela vai, dando à luz o rosto brando,
A‟s aves dando o olhar, ao vento o louro
Cabelo, e às flores os sorrisos dando.
Vêem, pois, que não é preciso ser profeta para assegurar a Olavo Bilac um brilhante
futuro nas letras brasileiras.
Eloi, o herói
604
13 de dezembro de 1885
Vêm direitinhos de Paris os assuntos do meu artigo de hoje.
Em primeiro lugar, a Crônica franco-brasileira, cujos primeiros números me foram
obsequiosamente remetidos pelo redator em chefe, o meu velho e saudoso amigo Lopes
Trovão.
Em segundo lugar... Mas não! falemos primeiramente da Crônica franco-brasileira.
***
Ninguém melhor do que o Lopes Trovão possui os elementos (morais, bem
entendido) para levar a efeito uma empresa jornalística, destinada a “vulgarizar no Brasil
costumes e instituições francesas de cuja adoção lhe resultará utilidade evidente” e a
“patentear à França os elementos de progresso que o povo brasileiro já começou de
acumular e que ela poderá aproveitar fecundamente no sentido dos seus próprios interesses
legítimos”. O ex-redator do Cambate possui uma pena vibrante e original; é uma das
individualidades mais acentuadas entre todos os publicistas brasileiros. O seu periódico
pode prestar muito bons e valiosos serviços, principalmente se subsistir o pensamento, que
lá vem expresso no programa, de não fazer política ativa. Não é que eu não simpatize com a
política do Trovão, simpatizo com tudo quanto é sincero e honesto mas é que a política,
propriamente dita, pouco tem que ver com a índole deste interessante e bem aceito
periódico.
***
Feliz será a Crônica franco-brasileira se conseguir destruir o conceito errôneo que
se faz, em Paris, dos brasileiros em geral. O Lopes Trovão deve estar convencido, como eu,
que para tal conceito concorrem muito alguns compatriotas nossos, que, sem ofício nem
benefício, acham, contudo, meio de viver na grande capital, onde a vida éo cara.
Explicação: cada um deles é o tipo completo dos mais despejados parasitas de
Plauto.
É mister que um jornalista brasileiro independente como é e sempre foi o redator da
Crônica, faça um trabalho de seleção, e seja o primeiro a apontar esses indivíduos ao
desprezo da sociedade parisiense.
***
ainda em Paris outro tipo consagrado de brasileiro, tipo que tem sido exagerado
pelo epigrama nos teatros “boulevardiers” ou pela caricatura nos periódicos alegres: refiro-
me ao lorpa que vai de para com algumas dezenas de contos de réis no bolso e um
grande anel de brilhante no dedo... para fazer figura; e comido por uma perna pelos
cicerone e por outra pelas horizontais “de pequena marca”, como se diz. Esses pedaços
d‟asnos regressam à pátria convencidos de que estiveram em Paris, quando em Paris nem
sequer visitaram um museu, pois todo o tempo acharam pouco para as “Folies-Bergére” ou
os jardins indianos do “Éden Théâtre”.
***
Em todo o caso, entre o brasileiro que tem muito cobre à sua disposição e o que não
tem nenhum, é preferível aquele, porque ao menos não vive de pregar calotes, lançando
mão de verdadeiros recursos de cavalheiro de indústria.
Estude-os o Trovão com o seu belo talento de observador, e faça um paralelo entre
esse produto espúrio da nossa pátria, e o brasileiro em geral.
No mais, aceite os meus parabéns, desguarnecidos mas sinceros: a Crônica é
realmente bem redigida, bem elaborada, e, sobretudo, bem útil.
***
605
O outro assunto que recebi de Paris é muito mais alegre que o primeiro; foi o Gil-
Blas que mo trouxe.
Trata-se primeiramente de um fato muito comum na “bilontragem parisiense.
Acaba de ser ali preso um capadócio que se intitulava conde de Monteil, grande
desinquietador de cozinheiras e criadas de servir.
Entre as suas conquistas, contava o pseudoconde uma rapariga de 20 anos, chamada
Cristina, que se achava alugada em casa de uma família da rua Charlot.
Desapareceram diversas jóias da dona da casa; a Cristina foi acusada, e confessou
que as havia subtraído para presentear com elas o conde de Monteil, seu amante.
Mas o curioso são as cartas de amor que o comissário de polícia descobriu em casa
da rapariga; entre elas a seguinte epístola em verso, que o Gil-Blas publica textualmente:
“Je mets la main à la plume, ma chère,
Pour te narrer mon amour superfin,
Pour t‟exprimer la passion extraordinaire
Que m‟inspira ton petit oeil malin.
Reçois l‟aveu d‟un amant doux et tendre
Que t‟as blessé par ton charme enchanteur,
Mais ne sois pas rebelle comme la salamandre
Aux feux brülants qu‟inspirent tes appats séducteurs
Belle Christine,
Veux-tu de moi?
Ma petit Titine,
Voici mon émoi.
Mon cerveau brûle
De près comme de loin,
Je t‟aime, un poin.
Je ferme cette lettre, infime témoignage
De mon amour, et je signe Charlot;
Mais ne vas pas envelopper du fromage
Avec ces vers, qui sont purs comme le coquelicot
Pour ma Christine
De la rue Charlot,
Ma petite Titine,
A to ice mot,
A Paris-Seine
C‟est envoyé.
L‟amour l‟amène
Et le port est payé”
E depois este post-scriptum, que é menos etéreo:
“PS: Je t‟attends devant le Cirque à l‟heure habituelle. Surtout, n‟oublie pas
d‟apporter deux francs pour payer notre semaine de chambre”.
***
606
Pode ser que o leitor não ache nada disso interessante; eu confesso que me diverti a
valer com as ruínas de “Mr. le conte de Monteil”, que talvez seja brasileiro...
Quem sabe? Indaga, Trovão...
Eloi, o herói
607
14 de dezembro de 1885
“O peristilo encantado da imprensa é a porta que para o palácio da riqueza”. Foi
com esta frase de um “grande jornalista”, felizmente “morto”, que a Gazeta da Tarde
encetou o artigo que anteontem inaugurou à memória de José de Alencar.
A interessante folha vespertina disse-nos, em seguida, que o celebrado literato
brasileiro, “golpeando com sua pena adamantina os inimigos das suas crenças, colocou
sobre as colunas do Diário do Rio de Janeiro e do Dezesseis de Julho fustes sagrados cujos
capitéis eram coroados com as irradiações do seu genial talento”.
Depois disto, o grande jornalista vivo afiança-nos que Alencar era pródigo de gênio;
que era um trabalhador incansável; que “mergulhou as mãos em um cofre de jóias, e, na
febre de quem estremece ao contato dos diamantes, das pérolas, dos rubis, das esmeraldas,
de amianto (Amianto é boa!), retirou-as cheias, e, nos seus entusiasmos de louco sublime
(Pobre Alencar!), no desvario que ilumina, transformou-as...”
***
Tomemos fôlego, e vejamos em que o nosso grande romancista transformou toda
aquela pedraria: transformou-as “...no Guarani, osculando no corpo rijo de um índio a alma
apaixonada de uma criança” (Entenderam?); em Iracema, em Lucíola e em Senhora, “alma
temperada de uma mulher, busto de anjo, ocultando o coração forte de quem sentiu e viu
um dia seu nome escrito no granito da dor”.
Bonito, seu Coisa!
***
“No jornalismo e no romance alguém se elevou mais? interroga logo depois o
ilustre vivo (Mas nanja eu que lhe responda), e acrescenta:
“Contrário ao Harpagon de Molière, que ocultava o seu ouro, para, nas horas
caladas da noite, delirar, sozinho, feridas as retinas pelos seus lampejos, Alencar, que
parecia ser o Harpagon do talento e que era de fato o predestinado do gênio, tirou do seu
escrínio (Deve ser o tal cofre supra mencionado) as lâminas de ouro (Não era um cofre: era
uma arca!) onde gravava todas as suas inspirações e todos os seus sonhos de poeta (Ficaram
essas lâminas em casa do editor Garnier?), para adornar a fronte da pátria com as pérolas
colhidas nesse vasto oceano intérmino do talento (Ah, bem! não era um cofre nem uma
arca: era um oceano), de que era mergulhador ilustre e intemerato”.
***
Eu, que não tenho um escrínio daqueles à minha disposição, sou capaz de dar um
“farol” maior do que o do Arêas a quem me provar que o adjetivo intemerato não foi ali
empregado como sinônimo de destemido. Mas não se trata disso; trata-se de por em trocos
miúdos todo aquele mistifório extravagante; vejamos:
Alencar tirou do escrínio lâminas de ouro para adornar a fronte da pátria com as
pérolas colhidas no oceano do talento...
Nada! nada! desisto de deslindar a meada; apenas transcreverei ainda o arrojado
tropo de que o articulista se serve para dizer que Alencar morreu:
“Há 8 anos um ósculo de fogo selou-lhe os lábios”.
***
No mesmo número da Gazeta da Tarde, na seção Comunicados, o Sr. José do
Patrocínio, referindo-se ao Sr. A. Pujol, a propósito de uma questão que não vem aqui a
pelo, diz:
“S. S. sabe também que tenho uma vida trabalhosíssima e que, durante as horas de
redação da Gazeta, sou distraído por milhares de questões, de modo que freqüentemente a
608
minha atenção é desviada de assuntos dos quais de preferência devia ocupar-me em certo e
determinado dia”.
Mesmo sem essa declaração, eu seria bastante leal e bastante discreto para não
responsabilizar o redator-chefe da Gazeta da Tarde pelo bestialógico de anteontem.
Eloi, o herói
609
15 de dezembro de 1885
dias, a propósito do suicídio do menino Castilho, eu escrevi estas palavras:
“Mas, piedade à parte, que homem daria uma criança que pensa em morrer na idade em que
as outras crianças pensam em brincar? Que trinta anos dariam aqueles treze anos?”
Valentim Magalhães, num belo e comovente artigo, publicado na Semana, achou as minhas
palavras, “de uma filosofia tão cruel quanto banal”.
Ora, com franqueza, nesta questão é natural que o meu objetivo seja mais exato que
o de Valentim Magalhães...
Eu me explico: O ilustre moço foi criado com todo o mimo, e ainda hoje
francamente é o tipo melindroso do menino brasileiro; esteve de pensionista num colégio
onde nada lhe faltava; freqüentou durante cinco anos a academia de S. Paulo, com larga e
pronta mesada, e ali conquistou esse pergaminho que é o “Sezamo, abre-te” de todas as
posições sociais na nossa terra; logo depois de formado, esposou por inclinação a priminha
de quem era o “noivodesde pequerrucho. Nunca lhe faltaram cuidados de família. Jamais
conheceu a quebradeira, na acepção fundamental e genuína deste vocábulo medonho.
Agora eu: aos 13 anos, em 1868, justamente na idade em que o menino Castilho se
enforcou, tiraram-me dos estudos, e “arrumaram-me” numa casa de comércio, donde
saía para ver minha mãe (e estava a duzentos passos dela) de quinze em quinze dias, e
onde o meu emprego consistia em varrer duas e três vezes por dia o armazém e o escritório,
e de manhã muito cedo dar a bomba num poço e encher uma tina d‟água para a mulata do
meu patrão tomar banho.
Ordenado nenhum; davam-me casa e comida; naturalmente não achavam pouco...
Não tenho a ridícula pretensão de fazer aqui a minha auto-biografia. Basta confessar
que, depois de numerosas peripécias, cheguei ao Rio de Janeiro aos dezenove anos, com
um número igual de ilusões e de cartas de recomendação, mas sem vintém no bolso. As
ilusões, guardei-as, por sinal que ainda conservo algumas. Quanto às cartas de
recomendação, me servi de quatro, e rasguei as outras quando um senador da minha
terra, depois de ler a quarta, em que lhe diziam que eu era um rapaz inteligente e com muita
disposição para as letras, ofereceu-se para arranjar-me um lugar de condutor de bond, e
ainda era preciso que eu pedisse emprestados a um usurário os 200$ precisos para a
respectiva fiança. Agradeci e recusei a proteção do grande homem, “apesar de que
(acrescentei), num lugar de condutor de bond, como em qualquer outra posição que
estivesse reservada aos meus acanhados méritos, eu teria o prazer de ver sempre S. Ex.
adiante de mim...” O que equivaleu a chamar-lhe burro.
Durante muito tempo fui mestre de meninos, adjunto a certo colégio, e os meus
únicos recursos eram 40$000 com que o dono do estabelecimento remunerava (por não
poder fazê-lo melhor) as seis horas de serviço diário que eu lhe prestava. Com esse dinheiro
eu, que não era nenhum Bocage, tinha que pagar casa, comida, roupa, calçado e tabaco.
E o caso é que os 40$000 réis e eu entendíamo-nos perfeitamente, se bem que nos
separássemos sempre no primeiro do mês para não nos tornarmos a ver senão daí a trinta
dias. Mas o meu bom humor, esse é que, graças a Deus, nunca se separou de mim.
Portanto, não é muito que um sujeito que soube resistir, e ainda hoje resiste
heroicamente, a tantas dificuldades, ponha de parte o sentimento, todo individual, da
piedade, quando se trata de comentar publicamente um fato cujo exemplo lhe parece
pernicioso.
***
Diz Valentim Magalhães:
610
“Vieram-me grimas aos olhos ao ler o tópico em que, depois de haver dito que
fizera uma vez a pé o trajeto da rua da Real Grandeza, em Botafogo, à rua Sete de
Setembro, a pobre criança escreveu: „Ora.. isso... bem pensado, não é para se ter pena e
doer o coração?....‟
É sim, pobre criança, e para doer o coração de quem o o tenha empedernido no
egoísmo ganancioso da vida mercantil. Teus patrões, infeliz José Castilho, julgaram talvez
que de sobejo pagavam o teu trabalho não te deixando morrer à fome. Pensavam de
acordo com o seu tempo e com as condições do país em que vivem”.
Bem se que o distinto escritor fluminense nunca foi obrigado a percorrer a
uma grande distância por falta absoluta de um níquel para o bond, e faz deste exercício,
maçante embora higiênico, ou higiênico embora maçante, um bicho de sete cabeças. Pois a
mim aconteceu essa desgraça um ror de vezes, mas nunca achei que uma viagem forçada
fosse motivo para outra viagem mais forçada ainda, e mais longa, como é a da morte.
V. Magalhães fala do tempo em que vivemos. Ora pelo amor de Deus! trinta
anos os caixeiros nem licença tinham para usar bigode; dormiam sobre o balcão e eram
tratados como hoje não se tratam os escravos. Meu sogro um respeitável negociante
contou-me que o seu amo constantemente lhe dava ordens deste jaez: Ó menino,
receber esta conta em Botafogo; de caminho passe pelo Saco do Alferes e deixe este
embrulho em casa do Sr. Fulano.
Escusado é dizer que não lhe davam dinheiro, nem ele o tinha, para não ir a pé.
Entretanto, toda essa geração de caixeiros, que são hoje a honra e o esteio do nosso
comércio, escapou ao desânimo e, consequentemente, ao suicídio.
***
Hoje os tempos estão mudados; o caixeiro, que em 1855 usava jaqueta e não
tinha licença para entrar num botequim, em 1885 é freguês assíduo dos gabinetes
particulares do hotel do Louvre e da Maison Moderne, apanha flores no jardim do
Sant‟Anna, figura em sociedades de luxo, freqüenta bailes, organiza pic-nics, tem amantes,
veste-se à última moda, fuma charutos de Havana, anda de carro, faz acrósticos à memória
de Ester de Carvalho, e muitas vezes acontece que o patrão fica a tomar conta da loja
enquanto ele vai para a pândega.
Se José Castilho viesse ao mundo mais cedo, não teria saído do mundo aos 13 anos,
e pelo meio mais violento e mais condenado. Se ele tivesse treze anos em 1855, e fosse
nesse tempo caixeiro na rua Sete de Setembro n. 119, é provável que hoje gozasse uma
fortuna sofrível, e pendurasse ao peito, nos momentos solenes, uma comenda qualquer.
Por isso, concordo com Valentim Magalhães em que a pobre criança foi vítima do
seu tempo, mas por motivos inversos aos que o meu distinto amigo indicou. O que a
consumia, o que a desvairava, o que a matou foi não poder acompanhar os rapazes da sua
idade e da sua profissão em todos os prazeres que eles se proporcionavam, graças à
condescendência dos amos.
Não tão banal, porém certamente mais cruel do que eu, é o redator-chefe da
Semana, quando diz: “Essa criança fez bem em matar-se. A vida não é coisa tão preciosa,
que valha a ausência de pai, de mãe, de irmão, de amigos e de protetor.
Mas pelo amor de Deus! se prevalecesse doutrina tão paradoxal e, sobretudo, tão
pessimista, haveria um moto contínuo de suicídios, e a liquidação final da espécie humana.
Muitos, mas muitos indivíduos que todos os dias acotuvelamos na rua não têm falia,
nem amigos, nem proteção.
611
E o escravo, que é feito da mesma massa que o menino Castilho, o escravo, que não
tem o direito de saber quem é seu pai; o escravo que é filho de uma desgraçada a quem não
se concede ao menos a faculdade natural do pudor; o escravo, que nem sequer tem
liberdade para matar-se: quais são os seus irmãos? quem o protege?
***
Eu não estou convencido de que este seja o melhor dos mundos possíveis, mas não
posso aceitar desculpas para o suicídio, contra o qual se revolta o primeiro e o mais natural
dos instintos com que a natureza dotou a racionais e irracionais: o instinto da conservação.
Pregue Valentim Magalhães em favor do suicídio; está no seu direito; mas vá pregar
a outra freguesia.
Eloi, o herói
612
16 de dezembro de 1885
Faleceu ontem em Lisboa D. Fernando, pai de D. Pedro V e de D. Luiz I, o qual
desde 1837 tomara o título de rei, segundo a lei fundamental da monarquia portuguesa.
Foi enorme a sensação que essa triste notícia, transmitida pelo telégrafo, causou
nesta cidade. muito tempo que se esperava por esse desfecho fatal: o telegrama não
surpreendeu ninguém; mas, não sei porque, um morto comove sempre mais que um
moribundo. Devia ser o contrário.
***
D. Fernando era conhecido em Portugal pelo cognome de rei-artista. De fato, era um
artista na rigorosa acepção da palavra; seria talvez universalmente conhecido pelos seus
talentos de desenhador, se não houvesse nascido príncipe.
A arte portuguesa encontrou sempre nele um protetor inteligente e dedicado; não
em Portugal artista, por mais modesto que seja, que não lhe deva pelo menos palavras
de animação e conforto. D. Fernando fazia constantes encomendas a pintores, subsidiava
músicos, presenteava atores, etc. Tinha alguma coisa de Augusto e alguma coisa de Luiz
XIV.
Comprazia-se em colecionar antiguidades; andava sempre metido nas lojas de bric-
à-brac, à procura de pratos velhos e bronzes antigos. Mas era um conhecedor; nenhum
ferro velho da cidade de Ulisses poderá gabar-se de lhe haver impingido gato por lebre.
***
Apesar da sua alta posição, freentava a miúdo os bastidores, e confabulava com
os artistas; a essa predileção deve-se o seu segundo casamento, que tantos amuos produziu
na corte de Lisboa.
D. Fernando legitimou, morganaticamente, uma ligação coreográfica; nessa ocasião
o rei foi vencido pelo artista, a cabeça pelo coração, a política pelo amor.
Nunca lhe quis mal por isso; D. Fernando elevou até junto de si a mulher que
amava. Seria preferível que perdurasse uma dessas ligações ilícitas, que tanto escandalizam
as nações? Não... nisso não se quis ele parecer com o rei-sol.
***
Como príncipe-consorte, jamais se envolveu na política portuguesa, e os seus
escrúpulos naturalmente cresceram depois que enviuvou, em 1853; nesse ponto parecia-se
com a nossa virtuosa imperatriz, que tantas simpatias tem adquirido pela sua prudente
abstenção nos negócios públicos deste país.
***
A memória do viúvo de D. Maria II merece as demonstrações com que sem dúvida
vai honrá-la a colônia portuguesa no Rio de Janeiro. D. Fernando era um dos mais belos
ornamentos das velhas monarquias européias.
***
Estou em falta para com o ilustrado Sr. Dr. Pires de Almeida, a quem devo acusar
recebido o exemplar, que me enviou, do elogio histórico de D. João VI, publicado por
ocasião da abertura da exposição de documentos históricos, realizada pela Ilma. Câmara
Municipal.
Em boa linguagem analisa o distinto escritor o caráter desse monarca irresoluto mas
inteligente e cheio de bom senso, a quem o Brasil, e particularmente o Rio de Janeiro, tanto
devem.
Para que nós, fluminenses, sejamos gratos à sua memória, basta-nos a fundação da
Academia de Belas Artes, que aliás não tem dados os resultados com que ele naturalmente
613
sonhara. A recepção que fez e os favores que concedeu a Debret, Grandgean, Taunay e
outros ilustres artistas, justificariam um paralelo, a quem o quisesse estabelecer, entre D.
João VI e esse amável duque de Saxe Coburgo Gotha, que acaba de desaparecer.
Eloi, o herói
614
17 de dezembro de 1885
Saibam todos quantos este virem que o Sr. Dr. Carlos de Carvalho está longe de ser
o que se chama um homem de espírito.
Estava domingo passado o ex-presidente do Paraná posto em sossego em sossego
de espírito no ponto dos bonds de Botafogo a conversar com alguns amigos, quando um
certo Sr. Marcondes, que nunca vi mais gordo, passou por S. Ex. e dirigiu-lhe o mesmo
insulto que o cavalheiro de Carnioli atira à princesa de Falconieri, na cena final da Dalila.
O Sr. Dr. Carvalho, que, apesar de não ser homem de espírito, é cavalheiro brioso,
dirigiu-se imediatamente ao seu agressor, e tomou-lhe uma satisfação. Por única resposta, o
iracundo Marcondes levantou a bengala e descarregou-a sobre o distinto advogado, que
aparou a pancada com o braço esquerdo, salvando assim, e em boa hora, a fisolostria da
cara, como dizia o Xisto Bahia na Véspera de Reis.
O agredido, que tinha consigo uma arma proibida, o que não admira porque S. Ex.
foi também chefe de polícia, usou dela contra Marcondes, que ficou ferido, não nos
seus brios, como em diversas partes do corpo.
Segundo me consta, os dois contendores processaram-se mutuamente; é de esperar
que o negócio em água de barrela, pois entre nós é esse o destino de todas as questões
dessa natureza.
***
Mas não se trata disso. Eu disse que o Sr. Dr. Carlos de Carvalho não é um homem
de espírito, e quero justificar-me.
S. Ex. era candidato a um lugar na Assembléia Geral Legislativa pelo distrito da
Corte, e desistiu dessa honra.
“A situação atual do meu espírito, diz S. Ex. num pequenino artigo ontem publicado
no Jornal do Comércio, não permite que eu continue a manter a minha candidatura”.
Ora pelo amor de Deus! que a situação atual do braço esquerdo de S. Ex. não lhe
permita manter, etc, vá, se bem que a mão canhota pouco tenha que ver com a política; mas
que seja o seu estado de espírito a causa desta retirada pouco airosa, essa é que lhe não
perdôo, munido embora de uma forte dose de clemência.
Que triunfo para Marcondes!
“Com a minha bengala, exclamará este obscuro valiente, consegui derrubar uma
candidatura política! Graças a este pedaço de cana da Índia, o Carlos de Carvalho não sairá
deputado! Bastou que o meu braço vibrasse este cacete, para que o espírito desse candidato
se perturbasse, a ponto de impedi-lo de manter a sua candidatura”.
E Marcondes radiará de júbilo, esfregando as mãos criminosas.
E os Srs. Fernandes de Oliveira, Acácio de Aguiar, Henrique de Carvalho, Esteves
Junior e demais candidatos do distrito agradecerão a Marcondes a desistência do seu
competidor.
***
Não! decididamente o Sr. Dr. Carlos de Carvalho não é um homem de espírito. Ter
um espírito que se perturba por tão pouco, e não ter espírito algum vem tudo a dar na
mesma.
Mas S. Ex. ainda está em tempo de retirar a sua retirada, e de reabilitar o seu
espírito no daqueles que a estas horas fazem dele o mesmo juízo que eu.
Mire-se no exemplo de seu chara, o Sr. Dr. Henrique de Carvalho. A situação atual
do espírito desse candidato deve ser muito mais triste que a do de S. Ex. Entretanto, não
615
consta que o Sr. Dr. Henrique de Carvalho, que sabe o nome... aos bois, retirasse a sua
candidatura.
***
O Recreio Dramático anuncia para hoje a última representação (nesta época) do
Conde de Monte Cristo, que vai ceder o lugar ao Domador de feras, cuja “primeira” se
dada em benefício de Helena Cavalier, o beijinho das nossas atrizes dramáticas.
O êxito do Monte Cristo não tem precedentes nos nossos teatros; jamais entre nós
uma peça desse gênero logrou exibir-se cinqüenta vezes a fio; o Dias Braga tem direito aos
mais sinceros parabéns pelo tino com que andou na escolha do belo drama de Alexandre
Dumas. Por isso acho natural que o Recreio se empavese e se adorne hoje, para festejar o
meio centenário” do Conde de Monte Cristo, e que o público o acompanhe nessa
manifestação de justo entusiasmo.
***
A Gazeta da Tarde zangou-se com a análise, que fiz, de seu bestialógico. Todavia,
não se animou a desforrar-se na seção editorial, e ontem atirou-me dos Comunicados a
seguinte parvoíce:
“Bate bate o barrigudo
Na matraca do Palanque;
De quatro pés, orelhudo,
Bate bate o barrigudo,
Esperneia o tartamudo
Rec e ric e rac e ranc,
Bate bate o barrigudo
Na matraca do Palanque”.
O que admira é que eu tenha quatro pés e seja um homem, e o autor daquilo tenha
dois e seja uma besta.
Eloi, o herói
616
18 de dezembro de 1885
muito tempo que os nossos empresários dramáticos se queixam da falta de
concorrência aos seus espetáculos, e lastimam que o público procure a opereta e a
mágica.
As cinqüenta representações do Conde de Monte Cristo constituem uma exceção
quase inexplicável. muito tempo que as comédias e dramas representados nos nossos
teatros, caem uns atrás dos outros, e caem para nunca mais se levantarem.
Ainda ultimamente a companhia Montedonio exibiu o Crime de Marselha, uma
peça bem feita, cheia de situações dramáticase cômicas, inteligentemente condimentadas ao
gosto de todos os paladares. Apesar de um desempenho muito satisfatório, o resultado foi
todo negativo. O Crime de Marselha caiu, como os Fidalgos da Casa Mourisca, Luxo e
Vaidade, Escravocratas, Venenos que curam, No seio da morte, Cruz da morta, Fiacre n.
226, Polícia negra, Crime de Pecq e tantas, tantas, tantas peças!
A maior parte desses dramas tem caído por motivos que até hoje a inteligência mais
pronta não conseguiu desvendar. O público das primeiras representações aplaudiu-os a
valer, chamando entusiasticamente os atores à cena, nos finais dos atos. A crítica distribuiu
os mais levantados elogios entre a peça e o desempenho. Todos à uma disseram bem de
uma e de outra coisa. Como se pode, pois, explicar o afastamento do público? Por que
razão uma peça, que agrada, que é aplaudida pelos espectadores e pela imprensa, não leva
gente ao teatro?
***
A companhia, que atualmente funciona na Fênix Dramática, respondeu, sem querer,
àquelas interrogações. Estão descobertos os motivos do afastamento do público.
Essa companhia teve uma luminosa idéia, que até hoje não havia acudido a nenhum
cérebro de empresário: reduziu à metade o preço das entradas. Pôs os camarotes a 6$000, as
cadeiras de 1ª classe a 1$000, e as entradas gerais a 500 réis.
A redução dos preços era o ovo de Colombo.
A Fênix tem realizado enchentes sobre enchentes, com uma zarzuela sem música, e
mais o Sr. Domingos fora do sério e os Trinta botões.
Pelos preços antigos a lotação do teatro representa 1:500$; pelos atuais, 750$. Mas,
com os preços antigos, o Fogo do céu, que hoje leva à rua da Ajuda 600$ e 700$ por
espetáculo, não daria sequer para a diária de uma noite.
***
Está, pois, descoberto o xarope do bosque; resta aos nossos empresários
(dramáticos, bem entendido), acompanhar, pelo menos nos dias úteis, o exemplo dos
artistas da Fênix, reduzindo à metade o preço dos bilhetes.
Hão de convir que por 2$ é muito caro ver castigar o vício e premiar a virtude. No
teatro, como em tudo mais, o público procura sempre o bom e o barato; e não consta que
até hoje nenhum espectador voltasse da Fênix repetindo o famoso anexim: “O barato sai
caro”.
Eloi, o herói
617
19 de dezembro de 1885
Visitei ontem a exposição dos trabalhos dos alunos do Liceu de Artes e Ofícios,
feitos durante o ano escolar de 1884, e confesso que sai satisfeitíssimo, tanto mais que se
dignou fazer-me as honras da casa um cavalheiro distinto por muitos títulos, o Sr.
Guilherme Bellegarde, secretário da Associação Propagadora das Belas Artes.
Acompanhado por tão ilustre cicerone, eu não podia deixar de interessar-me por essa
exposição.
Foram os desenhos do natural que primeiro me chamaram a atenção. entre eles
alguns realmente notáveis pela dificuldade de copiar grupos de objetos superpostos,
trabalho que reclama estudo acurado do claro escuro, e perfeito conhecimento das linhas de
perspectiva.
O assunto de desenho de figura para o concurso anual foi o famoso Moisés, de
Miguel Ângelo. Entre os concorrentes alguns há que desempenharam cabalmente a sua
tarefa, sendo que nenhum deles apresentou coisa que envergonhasse o estabelecimento.
Na aula de desenho de máquinas, uma das mais bem regidas, demorei-me a ver
algumas locomotivas e maquinismos de oficinas, desenhados com precisão e nitidez.
Alunos operários expuseram alguns desenhos (cópias e composições) de arquitetura,
ótimo resultado dos estudos prático-teóricos, que adquirem no Liceu.
O Tomaz Driendl, que se achava presente, elogiava muito os desenhos de ornatos,
principalmente os assinados pelo aluno Mourão, efetivamente notáveis pela nitidez do
tracejamento.
O aluno Eliseu Visconti, que é muito hábil, reproduziu em gesso, aumentando as
respectivas proporções, uma gravura representando um grifo, cercado de caprichosos e
complicadíssimos ornatos.
Os objetos de arte, expostos pelos alunos Berna e Rossi, deram-me a esperança de
que, em futuro não remoto, possuiremos dois bons artistas de lavor decorativo.
As honras da exposição dos estudos sobre construção naval cabem ao aluno
Damião Quintela, cujos desenhos são acompanhados dos competentes modelos, feitos em
relevo.
Merecem especial menção os desenhos de geometria descritiva, exibidos por alunos
operários; estudos sérios, úteis aplicação da ciência às artes industriais.
Também se expuseram numerosas provas de caligrafia, tanto das aulas do sexo
feminino como das do curso profissional e comercial. Confesso, porém, que, de tudo
quanto vi, foi isso o que menos me interessou.
A exposição está organizada com muita economia, mas também com muita ordem,
muito asseio e muita inteligência. Pelo dedo se conhece o Betencourt da Silva.
Era preciso arranjar molduras para os desenhos de maiores dimensões; mas como?
Qualquer vidraceiro e dourador pediria por elas um dinheirão. Outro, queo fosse o
Betencourt da Silva, desistiria de tais molduras; mas que fez ele? Mandou vir uma porção
de papel pardo, e com esse material barato arranjou umas molduras exuberantes,
empapuçadas, que fazem tanto efeito como se foram de seda ou de pelúcia.
A exposição está aberta até domingo, inclusive.
***
A Gazeta da Tarde publicou ontem o terceiro triolet da série que me consagrou.
Ei-lo:
“Ó gordo herói do palanque
618
Muito mais gordo na tolice!
Meu verso a pele te arranque,
Ó gordo herói do palanque!
Minha verve não se estanque,
P‟ra cantar a tua parvoíce!
Ó gordo herói do palanque,
Muito mais gordo na tolice!”
É mau, é muito mau, mas por enquanto é o melhor da série.
Eloi, o herói
619
20 de dezembro de 1885
Antes de mais nada, peço desculpa aos meus leitores por vir “caceteá-los” com um
assunto muito pessoal e muito pouco interessante.
Valentim Magalhães zangou-se deveras com Artur Azevedo, pelo que Eloi, o herói
escreveu a propósito do artigo Um suicida de treze anos, e ontem, pela Semana, disse
cobras e lagartos a este, por intermédio daquele.
Zangado comigo o Valentim! Comigo! Primeiro que tal sucedesse, sempre supus
que se inventasse o colorido fotográfico, e o Sr. Júlio César descobrisse meios de navegar à
vontade pelos ares!
Em toda a nossa questão estamos concordes no único ponto que pode interessar o
leitor: o suicídio é condenável ou não é? É.
Entretanto, Valentim Magalhães arremata deste modo o seu segundo artigo:
“Se é covardia tirar-se um homem a própria vida, quando a luta recrudesce e
assanham-se as dificuldades e enfurece-se a desgraça a persegui-lo, covardia é também o
conservar a vida sem honra própria nem proveito alheio”.
Engana-se. A honra não está no cano de uma pistola nem no fundo de uma taça de
veneno. O patife que se mata não deixa por isso de ser patife. O mais que lhe sucede é ser
um patife morto. Isso é cruel e banal, mas é verdade.
***
Agora a questão pessoal. O leitor passe adiante, se não se quiser intrometer na vida
alheia.
De todo o artigo de ontem destacarei quatro pontos:
***
ponto Diz V. Magalhães que eu me referi à sua esposa de um modo indelicado
e fútil. Este “indelicado e fútil” parece-se muito com o “cruel e banal” do seu primeiro
artigo. Fútil, sim indelicado, não. O que lhe pareceu indelicadeza não era mais, creia, do
que a despreocupação, a bonomia, a sinceridade do meu modo de escrever. Ninguém, que
me conheça, fará à minha pena não digo à minha pessoa a injustiça de supor que
poderá de caso pensado magoar uma senhora. E aqui tratava-se de uma das senhoras a
quem mais respeito e estimo.
***
ponto Afirma V. Magalhães que eu fiz o meu próprio elogio. Seja tudo pelo
amor de Deus! O meu elogio... fúnebre consistiu em dizer, entre outras coisas, que eu em
pequeno enchia a tina para a mulata do meu patrão tomar banho. Coitadinha da minha
vaidade!
***
ponto Para que eu brilhasse, disse o redator-chefe da Semana, foi preciso
mergulhá-lo na sombra, fazendo crer que ele era um filhote, um bacharelzinho e não sei
que mais.
O que é ler com maus olhos! Releia V. Magalhães o meu artigo, todo cheio de
candongas postas adrede para suavizar qualquer aspereza que o ferisse, qualquer espinho
que o irritasse. Faça-me a justiça de crer que lhe faço justiça; ou antes, lembre-se de que
seria desazo indesculpável julgá-lo mal diante de uma sociedade inteira, convencida da sua
capacidade.
***
4º ponto V. Magalhães chama-me leviano, porque “fui publicar coisas que só a ele
interessavam”. Mas, pelo amor de Deus! desde o momento em que o meu amigo se fez
620
escritor público, essas coisas interessam a todos, e, uma vez que não o ofendam, que
leviandade pode haver em assoalhá-las?
Que disse eu que o pudesse molestar?... que foi criado com mimo?... que é o tipo
melindroso do menino brasileiro?... que nada lhe faltou no colégio?... que teve larga e
pronta mesada na academia?... que casou por inclinação?... que jamais conheceu a
quebradeira?
Que diabo! nada disso o ofende!
E se nem tudo é verdade, tanto pior para ele!
***
Continuando a ter por V. Magalhães aquela mesma afeição antiga, que a sua prosa,
muito mais fútil e muito mais indelicada que a minha, não tem forças para quebrar,
contempla-lo-ei de hoje em diante no número dos “invioláveis e sagrados” da nossa terra, a
quem a gente não pode dizer palavra sem passar por ter dito mais do que disse.
***
No mais, amigo como dantes.
***
Desdigo-me e agora creio piamente que a infância de V. Magalhães foi
atormentada por mil vicissitudes.
Mas adeus, minhas encomendas! se todas essas vicissitudes se medirem pelas tais
dos compêndios vendidos.
“Muitas vezes, diz ele, para tomar café depois de jantar, tive de levar ao sebo os
meus compêndios, arrostando tempestades de descompostura para arranjar outros com o
meu tutor”.
Demos graças a Deus, que para bem das letras nacionais, V. Magalhães recorresse
ao sebo, em vez de recorrer ao veneno.
Mas muitos conheci eu, que, em vez de se privarem dos livros para tomar café
depois do jantar, privavam-se do próprio jantar para comprar livros.
Eloi, o herói
621
21 de dezembro de 1885
O leitor de estar lembrado que o Sr. capitão Fernando Pinto de Almeida fez
representar ultimamente no Lucinda, pela extinta companhia Martins, um drama de
propaganda, que foi muito aplaudido: Os escravocratas ou a lei de 28 de Setembro.
O distinto escritor confiou-me dias o manuscrito de outra peça de sua
composição, intitulada Asas de Ícaro, e eu não hesito um momento em dizer, alto e bom
som, que a leitura desse trabalho causou-me a mais agradável e duradoura impressão.
O assunto do drama é por demais escabroso; mas o autor soube tratá-lo com tanta
habilidade, que não há ali coisa que possa ofender o espectador mais melindroso.
Imaginem que o principal personagem de Asas de Ícaro é um certo Bento Peroba,
redator de um papelucho muito parecido com o escandaloso Corsário, de lúgubre memória,
e que a imprensa pornográfica é o pião em roda do qual giram todas as situações e todos os
personagens da peça.
O Sr. Almeida extraiu desse assunto, que à primeira vista parece nada ter de teatral,
todo o suco dramático que poderia dar. O alcance da peça é todo moral; ninguém, que
assistir à sua representação, sairá do teatro sem levar no espírito a convicção de que, por
todos os meios e modos, é necessário acabar de uma vez com essa imprensa que nos
envergonha e nos desmoraliza, e que o melhor meio de acabar com ela é não protegê-la,
comprando os Corsários e seus congêneres.
Muito estimaria eu que qualquer das três companhias de drama e comédia, que
atualmente funcionam no Rio de Janeiro, lançasse mão desta peça brasileira, nimiamente
brasileira, que fatalmente despertará a curiosidade pública.
***
O mesmo pode-se dizer do Caboclo, a nova comédia de Aluízio Azevedo e Emílio
Rouède, que tem de ser representada pela primeira vez no Sant‟anna, em benefício do
Vasques.
A idéia destes três atos é verdadeiramente original; eu nada mais direi aos leitores,
porque não quero, com as minhas indiscrições, roubar-lhes o prazer do imprevisto.
Basta dizer-lhes que o papel do protagonista será representado pelo popularíssimo
ator, e sendo cômico, tudo quanto de mais cômico, durante os dois primeiros atos, é
altamente dramático durante o último.
***
Altamente cômico me parece um edital ultimamente promulgado pela
municipalidade de Weimar, a cidade de Goethe.
Manda esse edital que ninguém ali toque piano com as janelas abertas, e que todas
as pessoas que desejarem ter em casa esse instrumento... de tortura, paguem um imposto de
não sei quantos marcos anualmente.
As reuniões dançantes, os “chás de família”, como nós cá dizemos, estão igualmente
obrigados a uma taxa.
Se a municipalidade do Rio de Janeiro seguisse o exemplo da de Weimar, que fonte
de receita, santo Deus! que fonte de receita!
E vamos e venhamos nada mais justo; com que direito as nossas sinhás hão de
impunemente atormentar o órgão auditivo da vizinhança, desde pela manhã até a noite,
divertindo-se a si e incomodando o próximo?
Henrique Heine, cuido, denominou Paris pianopolis; que dirá o grande humorista se
conhecesse esta heróica e leal fornalha?
***
622
Não haveria razão de queixa, se as nossas sinhás tocassem como o Cardoso de
Meneses, e, se em vez das polcas de tra , organizassem o seu repertório com peças de
ordem de Leonor, a brilhante valsa de concerto que aquele distinto virtuose brasileiro acaba
de publicar em casa dos editores Narciso & Artur Napoleão.
O Cardoso mandou-me um exemplar da sua nova composição; imediatamente pedi
ao Tavares que ma executasse ao piano, e posso, agora, afiançar que é ela digna de quem
escreveu os Canários, a Flor de neve, a Gruta dos pássaros, e outros primores musicais.
***
Por falar em primores. Tenho comigo mais um soneto inédito de Olavo Bilac. Vou
transcrevê-lo, por que me parece digno de ser decorado pela inteligente leitora. Intitula-se
SEU NOME
Não sei que canto imite o som querido
De seu nome. Não sei que doce arpejo
De lira imite: é como o som d‟um beijo
Em róseos lábios virginais colhido.
Digo-o, repito-o, e sinto-me envolvido
N‟um dilúvio de flores... sonho, vejo,
Rasgar-se o céu, e nada mais desejo
Que ouvi-lo em tudo; sempre repetido.
Parece um coro de anjos, a chilrada
Canção das aves matinais, o brando
Suspirar de uma cítara encantada...
E ouço-o... e em torno a mim, sussura um bando
De leves, brancas pombas em revoada,
Indo e vindo, passando e repassando.
E até amanhã.
Eloi, o herói
623
22 de dezembro de 1885
Apresso-me em publicar a seguinte carta que me dirigiu Valentim Magalhães:
“Meu caro Eloi – Peço-lhe transmita a Artur Azevedo as expressões da minha
alegria e do meu agradecimento pela maneira como terminou, no De Palanque de ontem, a
desagradável questão entre mim e ele suscitada a propósito do suicídio do menino Castilho.
Ainda bem que continuará, como antes, a estima, leal e franca que sempre nos uniu em boa
camaradagem.
Como pôde Artur Azevedo dar ocasião a que fosse ela nublada pela nuvem de
escusada e impertinente questiúncula?
Eis o que mal posso ainda compreender, e o que mais me contrariou.
Na primeira ocasião que o encontrar, mostrarei a Artur Azevedo que nas coisas que
disse a meu respeito tinha eu com que me ofendesse, porque elas negavam-me radicalmente
aquilo que constitue todo o meu orgulho e toda a minha fortuna: o dever unicamente a mim
o pouco que hoje sou, o me haver feito à força de muito trabalho e de algum talento, o ser
hoje um homem de energia e de ação, independente, digno e corajoso.
Esta imodéstia eu a tenho e praza aos céus jamais possa perdê-la!
Desde, porém, que a intenção do meu colega não foi essa, reduzindo-se tudo a um
fatal mal-entendu, proveniente de desculpável despreocupação e ignorância da verdade, eu
o que tenho de melhor a fazer, e faço contentíssimo, é estender a Artur Azevedo ambas as
mãos, e, estreitando lhas, dizer-lhe:
- Amigos como antes.
Afinal, outros poderiam como ele ter laborado no mesmo engano, cometendo
inscientemente a mesma injustiça.
É verdade que não tenho tido razões até hoje para maldizer da sorte e de que
descompor a vida. Mas não sou tampouco um mimoso da Providência, um excepcional
valido da Fortuna, como me pareceu considerar-me Artur Azevedo.
Esta quadrinha de Charles Monselet diz tudo o que a tal respeito eu pudera dizer:
J‟aurais pu souffrir davantage
Mais, de bonne heure, plein d‟orgueil,
J‟eus toujours le rare courage
De cacher les pleurs de mon oeil.
Olhe, diga ao Artur que continue a ter por mim a mesma afeição antiga” mas que
não me contemple de hoje em diante no número dos invioláveis e sagrados da nossa terra.
Não faça isso, que o Imperador pode não gostar.
E adeus. Não se esqueça de comunicar ao Artur esta carta e de corresponder à
estima do
VALENTIM MAGALHÃES
- Depois de receber essa carta, esse ramo de oliveira, tive o prazer de encontrar o
Valentim e dar-lhe um longo abraço.
Na muda expressão dos músculos afirmei-lhe também a minha doce alegria e se o
leitor neste momento se comove, e deixa rolar pela face uma lágrima bisbilhoteira (Eu sei o
que são fraquezas humanas!) desculpe-nos a ambos -lo feito chorar, como se assistisse a
um final de ato de dramalhão puxado à “sustância”.
624
Foi melhor assim. Que diabo lucraríamos nós se continuasse a pendenga, e
saíssemos a dizer-nos mutuamente coisas queo pensamos um do outro, mentindo, assim,
à nossa consciência larga de rapazes, para fazer efeito perante o público, e diverti-lo à nossa
custa?
Foi melhor assim. Ainda ontem felizmente já cá estava comigo o ramo de oliveira
“um bom burguês exemplar” manifestou-me todo o prazer de que se achava possuído por
nos ver empenhados numa questão que poderia tornar-se indigna de nós ambos.
- Bravo! bravo! dizia-me ele; continuem! Apre! que bastava de água morna!
muito tempo não tínhamos nos jornais uma “romeirada”, uma “laetina” que nos divertisse...
Estou morto por ver o que lhe responde o Valentim... Não se deixe vencer, hein? Fique-lhe
um ponto sempre acima!
Que decepção vai ter esse diletanti quando ler o presente artigo.
Foi melhor assim. A essas questiúnculas opõe-se a minha índole, e o próprio título,
De palanque, adotado para esta série inocente e despretensiosa de divagações literárias.
***
Saiba, pois, Escaravelho (a quem devo sinceramente muitos agradecimentos por
algumas boas palavras que há dias me dirigiu) saiba, pois, que o Valentim e eu não estamos
de candeias às avessas; as nossas candeias estão perfeitinhas como se tivessem vindo neste
instante da casa do funileiro.
Eloi, o herói
625
23 de dezembro de 1885
Se assunto grave e complexo, que não pode ser tratado numa ligeira crônica, é o
da educação das mulheres. Eu tenho idéias muito esquisitas a esse respeito, e,
ingenuamente o confesso, tenho medo de externá-las assim à ligeira, entre duas facécias.
Algum dia, em eu me achando com perfeita disposição de espírito para embarcar nessa
galera, e expor-me ao vendaval da cólera feminina, não porei dúvida em atravessar a
prancha que me separa da terra firme.
Por enquanto limito-me a oferecer ao leitor um documento bastante curioso. A
Révue réstrospective transcreve-o de uma brochura anônima do ano IX, atribuída a Silvain
Maréchal.
É um projeto de lei, proibindo às mulheres de aprenderem a ler.
Que o leiam as senhoras que souberem ler:
“Considerando os inconvenientes graves que resultam para os dois sexos, das
mulheres saberem ler;
“Que ensinar as mulheres a ler é uma obra má, prejudicial à sua educação natural, é
um luxo cujo efeito foi quase sempre a alteração e ruína dos costumes;
“Que essa flor da inocência que caracteriza uma virgem começa a perder o seu
brilho e a sua frescura, desde o momento em que um mestre se aproxima;
“Que a intenção da boa e sábia natureza foi que as mulheres, exclusivamente
ocupadas nos cuidados domésticos, se honrassem de ter nas suas mãos, não um livro e uma
pena, mas uma roca e um fuso;
“Considerando quanto uma mulher que não sabe ler é cautelosa nos seus propósitos,
pudibunda nas suas maneiras, parcimoniosa nas palavras, tímida e modesta fora de sua
casa, como ao contrário, se ela sabe ler e escrever tem a inclinação para a maledicência,
para o amor próprio e para o desdém a respeito de todos aqueles e aquelas que sabem
menos;
“Quanto é perigoso cultivar o espírito das mulheres, segundo as reflexões morais de
La Rochefoucauld, que parecia conhecê-las muito bem quando dizia: „O espírito da maior
parte das mulheres serve mais para fortalecer a sua loucura do que a sua razão‟;
“Quanto à simples conjugação do verbo amar, tem ocasionado grandes erros, etc,
etc. (Suprimo uns dez “considerandos”).
“A Razão quer, que as mulheres (donzelas, casadas ou viúvas) nunca ponham os
olhos num livro, nem jamais lancem mão de uma pena;
“A Razão quer, para o homem a espada e a pena; para a mulher a agulha e o fuso.
Para o homem a massa de Hércules; para a mulher a roca d‟Onfale. Para o homem as
produções do gênio; para a mulher os sentimentos do coração;
“A Razão quer, que se dispensem as mulheres de saber ler, escrever, imprimir,
gravar, metrificar, solfejar, pintar, etc.
“A Razão quer, que as mulheres não sejam admitidas nas tribunas do corpo
legislativo, nem nas sessões dos tribunais ou nos próprios tribunais, ou nas janelas das
casas próprias as praças públicas destinadas às execuções.
“A Razão quer que o pai, o marido, os irmãos e os filhos de cada casa nunca usem
outros vestidos, que não sejam fiados e tecidos pela mão das filhas e das irmãs, das esposas
e das mães.
“Os pais e maridos são responsáveis pela estrita observância da presente lei. Serão
os únicos punidos pelas contravenções praticadas pelas suas filhas e mulheres”.
626
Depois dessa transcrição, julgo conveniente sangrar-me em saúde e varrer a minha
testada: entre o que eu penso e o que pensa aquele singular projeto vai um abismo.
O que desejo é a coisa mais natural deste mundo: é que as mulheres não sejam
homens.
***
Mas uma mulher instruída é não há dúvida nenhuma um ornamento social.
Nesse número está a estimada atriz Helena Cavalier; e se eu aqui invoco o seu
nome, é para lembrar ao leitor que hoje à noite faz ela beneficio no Recreio Dramático com
o Domador de feras, drama que vem substituir, tanto no cartaz como na bilheteria do teatro,
o Conde de Monte Cristo.
***
Por falar em teatro.
Já aí está a companhia Braga Junior, que estreará sábado próximo com o Mandarim,
a revista de ... 1883.
Pelo que, não perco as esperanças de assistir em 1887 à representação da Mulher-
homem ou à do Bilontra.
***
estive com o Peixoto, o espirituoso Peixoto, que me contou, a respeito do
Mandarim, uma história que, si non è vero, è ben trovato.
A coisa passou-se no Pará, no café Chic.
Eram quase horas do espetáculo. Um espectador, sentado a uma mesa do botequim,
dizia cobras e lagartos contra a revista.
O Peixoto aproximou-se e tomou a defesa da peça, que ainda não tinha sido
representada:
- Ora, meu amigo, viva! O senhor quer dizer-me o que é o Mandarim! Viva!
muito tempo que eu conheço a peça.
- Sim? E aonde a viu?
- Em Paris!!
- !...
Eloi, o herói
627
24 de dezembro de 1885
Laet muito tempo andava sorumbático e macambúzio. Ressentiam-se disso os
seus intermináveis folhetins, aquelas indefectíveis moles literárias. Viam-no passar
arrastando a sua melancolia, e a consternação era geral. O pobre moço tinha a nostalgia da
descompostura. Há muito tempo não era “agredido”.
Anteontem Laet despertou à hora costumada, tomou um desses banhos frios que de
tempos a esta parte lhe têm sido especialmente recomendados pelo seu médico, enjocou-se
na sua robe de chambre, estendeu-se tristemente numa preguiceira, e pediu os jornais.
O criado, com um ar consternado e piedoso, aproximou-se do distinto escritor e,
curvando o joelho reverente, entregou-lhe todas as folhas, menos o Diário de Notícias.
Laet abriu o Jornal do Comércio e percorreu-o de cabo a rabo! Que
desapontamento! Cinqüenta longas colunas de composição tipográfica, e em toda essa
prosa nem o mais leve pretexto para uma descompostura!
Com as mãos trêmulas e febris abriu em seguida a Gazeta de Notícias. Decepção
idêntica lhe estava reservada; nenhum professor do Pedro II lhe provocava a melindrosa
suscetibilidade.
Recorreu ao País, nada; à Vanguarda, idem; ao Diário do Brasil, coisa nenhuma;
releu a Gazeta da Tarde e até a Evolução da véspera, nem sombra de pretexto.
O pobre enfermo foi atacado então por uma dessas violentas crises nervosas, que
por vezes têm posto em perigo os seus preciosos dias. Laet deixou-se cair da preguiceira, e,
rebolando no chão, começou a estrebuchar como um possesso e a gritar como um
desesperado.
***
Foi nessa aflitiva situação que o encontrou o criado, quando lhe levou o Diário de
Notícias.
Laet ergueu-se de um salto como uma hiena ferida, e agarrou-se ao jornal, soltando
pequenas gargalhadas intermitentes e lançando chispas do fogo dos olhos dilatados pela
nevrose.
Por mal dos meus pecados, no meu De palanque de anteontem referia-me a um
burguês que se queixara de não encontrar muito tempo nos nossos jornais nenhuma
“romeirada” ou “laetina”.
Como se vê, a frase não é ofensiva, e, quando o fosse, Laet não deveria ajustar
contas comigo, mas com o citado burguês.
Mas, coitado! o pobre moço estava fora de si; mal os seus olhos desvairados se
encontraram com essa inocente expressão, “laetina”, deixou cair o Diário, e, dando pulos
elétricos, saltando por cima dos móveis, trepando nas cadeiras, e espojando-se outra vez no
chão, regougou entre soluços e gargalhadas:
- Fui agredido! Ah! Ah! Ah! Fui agredido! Ah! Ah! Ah! Fui agredido! Ah! Ah! Ah!
A família de Laet trancara-se a sete-chaves num quarto. O criado (a quem devo a
narração destas cenas) aproximou-se carinhosamente e quis acalmá-lo.
Mas o pobre moço, arregaçando com o polegar e o índice de cada mão a robe de
chambre, que lhe caía aos pedaços, e arreganhando as pernas, dançava freneticamente um
passo macabro, repetindo sempre Fui agredido! Ah! Ah! Ah! Ah!...
Houve um momento em que o enfermo pareceu serenar; atirou-se a uma cadeira,
meteu a cabeça entre as mãos e meditou profundamente. Depois ergueu a fronte num
movimento rápido, e bradou:
- Pena, papel e tinta!
628
O criado obedeceu prontamente. Em dois segundos Laet tinha diante de si tudo
quanto é preciso para passar uma descompostura.
Molhou a pena, cujo bico, batendo no fundo do tinteiro, produziu um som rouco e
plangente, prenúncio de tempestade literária e escreveu no alto de uma tira de papel: Ao Sr.
Artur de Azevedo.
(Entre parênteses: eu não tenho no nome a partícula aristocrata. De Laet” fica bem
a cavalheiro de tanta prosápia; de Azevedo” seria ridículo num vilão que deu à bomba em
pequeno).
Mas vamos adiante. Traçado o título, de Laet começou da seguinte forma o seu
artigo:
“No De palanque de ontem o Sr. Artur de Azevedo pôs termo à questão que
manteve com o Sr. Valentim Magalhães, e na qual um declarou que em pequeno dera à
bomba, e o outro que fora estudante cabula e vendera livros para gastar em botequins”.
Depois deste primor de ironia, o professor de gramática teve uns estremecimentos
espasmódicos; murmurou ainda uma vez entre dentes (“Entre dentes” é um modo de falar):
Fui agredido! Ah! Ah! Ah! e prosseguiu nestes termos:
“Nada teria eu com a reconciliação dos dois, se o herói bombeiro não soltasse por
isso foguetes, dando por frustradas as esperanças de um burguês que suspirava por qualquer
romeirada ou laetina”.
Quando de Laet acabou de escrever estas palavras, a pena caiu-lhe das mãos, e um
raio de luz atravessou-lhe o espírito. A consciência, que até aquele instante não interviera
na crise, segredou-lhe que no meu artigo não havia tal agressão. Mas o efeito foi
passageiro; de Laet fechou os ouvidos à consciência, e escreveu o seguinte parágrafo, que
teria graça, se não contivesse uma ambigüidade injuriosa:
“Não sei por que tão fora de propósito me agrede o Sr. Artur. Que me quer? Apesar
da falta d‟água não lhe posso dar onde aproveite as suas aptidões manuais ultimamente
reveladas”.
Era preciso rematar com alguma coisa de efeito. De Laet é da escola de D. Basílio.
Rematou com uma calúnia:
“Quanto ao mais, cordialmente aplaudo a reconciliação. Triste seria que o moço, por
amor da glória ou da freguesia, chegasse a revelar o muito mais que tem aumentado para
ganhar a vida”
E assinou.
O herói de Beaumarchais fa-lo-ia também com as mãos ambas.
***
Ora, eu poderia retorquir nos mesmos termos a de Laet. Que me custava fazer
insinuações malignas a seu respeito, ofendê-lo no que ele tivesse de mais sagrado, se é que
para esse sapador do rodapé há neste mundo alguma coisa sagrada?
Mas francamente o declaro nada sei que, mesmo de leve, desabone esse
arremata demandas, a não ser o prurido de insultar, prurido que, ainda assim, tenho a
generosidade de atribuir a lamentáveis motivos patológicos.
Desassombradamente o declaro: não me pesa na consciência nenhum ato
indecoroso; ando por essas ruas intemerato e feliz. Se de Laet quiser revelar ao público
“tudo quanto tenho agüentado para ganhar a vida”, o público terá motivo para estimar-
me.
629
Quanto às minhas aptidões manuais, eu poderia aplicá-las a um bom petrópolis, se,
em pequeno, justamente no tempo em que eu dava à bomba, não me tivessem ensinado que
não se deve bater em doidos, bêbados e mulheres.
ARTUR AZEVEDO
(Eloi, o herói)
630
25 de dezembro de 1885
Faleceu anteontem o velho tabelião Fialho, cavalheiro muito estimado da nossa
sociedade, um dos derradeiros tipos da velha jovialidade brasileira.
Fazia gosto conversar com esse velhinho amável, que, a propósito de tudo, sabia
contar uma anedota esquecida... ou inventada na ocasião. Que diferença entre ele e os
rapazes de hoje, tão azedos, tão mal-humorados sempre! Que belo exemplo para a
mocidade melancólica aquela serena e alegre velhice!
***
Contam-se mil e um casos do Fialho; mas a maior parte deles tem uma nota
rabelaisiana, que não os deixa penetrar nestas colunas.
Felizmente, lembra-me um que não pode ofender o melindre de ninguém.
Achava-se o Fialho no corredor não sei de que teatro, e, como era de pequena
estatura, não conseguia, mesmo pondo-se nos bicos dos pés, acender o seu charuto num
lampião. Nisto passa por ele o Sr. Wenceslau Guimarães, um dos cavalheiros mais altos do
Rio de Janeiro, e Fialho pede-lhe a fineza de lhe acender o charuto. O Sr. Guimarães
prestou-lhe obsequisamente esse serviço, e, ao restituir o charuto aceso, Fialho disse-lhe
com o seu melhor sorriso:
- Muito obrigado, meu amigo; quando precisar de alguma coisa por baixo, não
faça cerimônia.
***
Ao bom e meigo Alberto Fialho, que neste momento corre fados de diplomata numa
corte estrangeira, envio daqui os meus sinceros pêsames. Console-te, amigo, a idéia de que
teu pai morreu sorrindo, com a angélica certeza de nunca ter feito mal a pessoa alguma. Se
crês na outra vida, imagina-o, na tua fantasia saudosa de filho estremecido e amante,
fazendo sorrir o bom Deus com a narração dos casos engraçados que levou consigo.
***
Falei de um morto que fazia sorrir; falarei de outro que fazia rir: José de Lima
Penante.
Naturalmente este nome é desconhecido para o leitor, se o leitor não é nortista.
Lima Penante foi, nos seus bons tempos, depois de Xisto Bahia, o ator cômico mais popular
de todo o norte. Pela parte que me toca, devo-lhe boas e sinceras gargalhadas, e conservo
ainda no espírito, como agradável recordação da infância, a vibração do meu riso fácil de
criança. O mundo é uma coisa tão lúgubre, que nós todos, que por cá andamos a entristecer-
nos a todo o instante, devemos ser gratos àqueles que nos fazem rir; esta notícia é a
expressão do meu reconhecimento.
Lima Penante era também autor: deixou algumas comédias, cujos principais papéis
interpretava com verdadeiro talento.
***
É tempo agora de falar dos vivos.
No Foyer dá-se conta da primeira representação do Domador de feras, no Recreio
Dramático. Nada tenho que acrescentar à prosa do meu colega daquela seção, que faz plena
justiça aos briosos artistas do Recreio, ao mérito do drama, um dos melhores de Dennery, e
à magnífica tradução do meu amigo Dr. Moreira Sampaio.
Mas não quero eximir-me de falar da cachoeira do 4º quadro, que decididamente foi
o clou do espetáculo, e de levar ao Recreio tanta gente, que a polícia intervenha para
fazer cessar a venda dos bilhetes.
631
Entre montanhas, docemente iluminadas por uma lua invisível, desce uma fita de
água, de água a valer, de verdadeira água da Carioca.
O efeito foi indescritível, tanto mais que a cachoeira não havia sido anunciada;
donde se segue que mais vale surpreender o público do que preveni-lo de coisas que muitas
vezes podem falhar. Recomendo ao público o Domador de feras como a peça mais própria
para ser apreciada durante os calores malignos de Dezembro e de Janeiro.
O cenário da cachoeira é obra do distinto pintor Colliva e do Corpo de Bombeiros,
que fez anteontem a sua estréia teatral.
Parabéns ao Dias Braga e ao Sr. tenente-coronel João Neiva.
***
Hoje, dia do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, espero uma tremenda laetina.
Desde já, em atenção aos meus sentimentos religiosos, perdôo todas as invectivas que
contra mim lançar a medonha atrabilis de de Laet. Amém.
Eloi, o herói
632
27 de dezembro de 1885
Tenho me esquecido de dar as boas festas aos leitores, mas ainda venho a tempo, me
parece. Desejo-lhes todas as venturas imagináveis: saúde, sossego de espírito e aquilo com
que se compram votos e melões. Ninguém doente em casa, credores pagos, boa sogra,
esposa pouco exigente e filhos bem comportados. Boas sonecas e digestões ceis. Mesa
farta e alegre, onde haja, como na de Fr. Bartolomeu dos Martires, vaca e riso.
Pela minha parte, não quero que os leitores se dêem ao incômodo de me mandar as
festas, como fizeram os Srs. Guimarães & Ferdinando, que me mimosearam com uma
bonita folhinha, dessas que se intitulam de desfolhar.
Eu sou inimigo acérrimo dos cromos, isso sou. Mas é forçoso confessar que o
cromo desta folhinha é lindíssimo, e que o original da moça, que ele representa, apanharia o
primeiro lugar em qualquer concurso de beleza.
***
O meu reverendo colega do Apóstolo recebeu igualmente as suas festas; mas se
julgam os leitores que consistiram elas em cromos e quinquilharias, acham-se
redondamente enganados.
Eis o que se lê no seu número de ontem:
“DONATIVOS Para ocorrer às despesas com a publicação do Apóstolo,
recebemos e agradecemos:
Do Revd. padre Joaquim José Silveira ..........5$000
De frei Afonso Maria de Bolonha..................5$000
10$000”
***
Que santas alminhas as daquele padre e daquele frade! Cinco mil réis cada um!
Caspite! é alguma coisa sacrificar a espórtula de uma missa em benefício do acreditado
órgão dos interesses católicos. Cinco mil réis! Se houvesse muitos padres Joaquins e muitos
freis Afonsos, o Apóstolo teria a certeza de realizar, por sua parte, as palavras de Leão XIII,
que lhe servem de divisa: “A imprensa católica é uma verdadeira missão perpétua”.
***
Animado pela generosidade do padre Joaquim e de Frei Afonso, o Apóstolo prega-
nos um sermão em artigo de fundo, ou antes, impinge-nos um artigo de fundo em forma de
sermão.
O assunto não pode ser mais alevantado; trata-se do mistério do nascimento do
Salvador, da grande festa da cristandade, que traz uma esperança a todos os corações e põe
um sorriso em todos os lábios.
“Os céus se derretem em orvalho, diz o Apóstolo, as nuvens fizeram chover o justo,
e o Eterno Pai, em sua misericórdia, enviou seu Filho único para reconciliar o céu com a
terra e ser penhor de uma paz eterna”.
Ninguém mais do que eu aprecia no Apóstolo o generoso empenho de reconciliar-
nos a todos com Deus Nosso Senhor; mas o que não posso admitir é que o colega nos diga
que, no dia em que Jesus Cristo nasceu, os céus se derreteram e choveu o justo.
Os livros sagrados não falam de tais fenômenos metereológicos, e o Apóstolo
prestaria um bom serviço à minha ignorância se me dissesse onde leu a narração de coisas
tão extraordinárias.
Além da estrela que guiou os três reis magos à lapa de Belém, não sei que outro
fenômeno celeste houvesse em 25 de dezembro de l.
***
633
Também não concordo com o Apóstolo quando diz que Jesus Cristo é filho único.
Nada, meu amigo: todos nós somos filhos de Deus.
Eloi, o herói
634
28 de dezembro de 1885
Quem trinta anos seria capaz de dizer que o ator Germano Francisco de Oliveira
morreria na Santa Casa, perto do local em que esteve aquele mesmo S. Januário, teatro das
suas glórias?
Quem diria que, depois de tantos triunfos, depois de tantas e tão ruidosas
manifestações de entusiasmo, o pobre artista não encontraria num só dos seus antigos
admiradores uma alma piedosa que o arrancasse ao catre dos desvalidos?
Felizmente para ele, muito tempo que a luz se extinguira naquele cérebro, tão
povoado outrora pelas quimeras da glória e da fortuna; antes do corpo morrera-lhe a
inteligência; Germano de Oliveira não tinha a consciência de sua desgraça; o catre do
hospital afigurava-se-lhe talvez um leito de ouro e damasco, ganho depois de tantos anos de
luta e de trabalho.
***
Durante algum tempo ele mediu-se com João Caetano. muito quem se lembre
das memoráveis noites do Vinte e nove, representado simultaneamente no S. Pedro e no S.
Januário.
Não termo de comparação entre um e outro artista: Germano era um ator cheio
de defeitos; João Caetano era um gênio.
Mas nesse torneio de Vinte e nove, Germano levou de vencida o grande trágico
fluminense. Se nisso algum dezar, não é ele para João Caetano, mas para o público
daquele tempo, que não queria ou não sabia apreciá-lo devidamente.
***
Germano trinta anos venceu João Caetano, e anteontem morreu miseravelmente
num canto esquecido da Santa Casa. Desses dois fatos eu tiro o seguinte corolário: se João
Caetano ainda vivesse, para desgraça própria e vergonha da arte brasileira, a estas horas
andaria aos sábados a tirar esmola de porta em porta, se não agonizasse também no colchão
duro da caridade pública!
Morreu a tempo, muito a tempo. Tratam hoje de erigir-lhe um monumento, e o
seu nome figura numa rua, aliás descalçada e suja, da Cidade Nova. Se ainda vivesse, quem
se importava com o pobre velhinho, atravessando as ruas do Rio de Janeiro a carregar o seu
reumatismo e as suas glórias?
A morte é generosa. Naqueles bons tempos, tendo que escolher entre os dois rivais,
escolheu o maior, para poupar-lhe as ignomínias do futuro.
***
O último papel desempenhado por Germano de Oliveira foi o de médico homeopata,
e, que me conste, nenhum outro criou tão a contento do público rio-grandense. Fez-se
doutor in absentia pela universidade de Bruxelas, prestou exame de suficiência na
faculdade do Rio de Janeiro, e a receitar dinanizações de todas as escalas chegou a ajuntar
uma fortuna, que bem depressa foi fazer companhia aos bens de sacristão dos bastidores.
O Dr. Oliveira não foi mais feliz que o ator Germano.
***
O que vale é que, se uns desaparecem, aparecem outros.
Anteontem estreou a companhia Braga Junior, e eu tive a satisfação de notar
sensíveis progressos no talento dos atores Peixoto e Colás, tão simpáticos do público
fluminense. O tenor Oyanguren, que, francamente, nada prometia na ocasião da sua
desastrosa estréia, há quatro ou cinco anos, no Príncipe Imperial, melhorou de tal sorte, que
hoje não tem, nos nossos teatros, competidor no seu gênero. É singular! a província, por via
635
de regra, incumbe-se de estragar os nossos artistas com exagerados louvores e exigências
extravagantes; mas, desta vez, diga-se a verdade, não sucedeu assim.
A companhia Braga Junior foi aumentada ainda com a aplaudida Hermínia, que vai
ter uns bons papeizinhos no Bilontra, e o discreto Santos Silva, que nunca foi aproveitado
pelo Heller.
***
A propósito. Faz hoje beneficio o ponto do Sant‟Anna, e eu de bom grado o
recomendo à proteção do público. O Barroso chama-se Barroso além de ser bom rapaz,
anda com muita falta de níqueis, e é capaz de fazer uma asneira se lhe falha este recurso.
Ainda há dias queixava-se ao Vasques da sua persistente quebradeira.
- Isto de ser ponto é o diabo! dizia ele, anda a gente sempre balda ao naipe. Eu
decididamente deixo o teatro e procuro outro emprego, embora o de condutor de bonds!
- Não faça isso! acudio o popular ator.
- Porque?
- Porque ficarás sendo o ponto dos bonds.
Ui!...
Eloi, o herói
636
29 de dezembro de 1885
É sabido que o público fluminense o cavaquinho pelas peças militares, e gosta
muito de guerras... no teatro.
Por isso não admira que o Politeama enchesse anteontem. Assistir a exercícios
práticos de fuzilaria e cavalaria, repimpado numa cadeira, sempre é mais cômodo que
empreender uma viagem a Campo Grande.
O Montedonio anunciou a Guerra da Itália como “a mais aparatosa peça militar que
se tem exibido nos teatros do Brasil” e declarou que a punha em cena “com todo o
esplendor e à custa de enormes sacrifícios, na certeza de ser o maior sucesso teatral da
época”.
Pode ser que o distinto ator se enganasse, mas com certeza não enganou o público.
Não lembrança de se ter visto no Rio de Janeiro tanto soldado e tanto cavalo em cena.
Nenhuma empresa teatral gastou nunca tamanha quantidade de pólvora. Os comparsas
andaram num sarilho, e mostraram um ardor bélico, digno realmente de ser aproveitado em
caso de guerra a valer.
Estou convencido de que os espectadores do Politeama afluirão no ânimo dos
nossos vizinhos do Rio da Prata, que tanto tempo nos andam a arreganhar os dentes.
“Caramba! dirão eles, se, a fingir, os macaquinhos fazem aquilo, que será no campo de
batalha?”
Se o governo subsidiasse a companhia Montedonio, transferindo-se do Politeama
Fluminense para o Politeama Argentino, praticaria um ato de grande alcance político e do
mais puro patriotismo.
Aí fica uma idéia útil; ofereço-a de graça ao ministério.
***
Vale a pena ir à rua do Lavradio, quando mais não seja para ver o Gama
transformado em Garibaldi. Está perfeitamente reproduzido o tipo físico herói de Caprera.
Bom desempenho, não por parte do citado ator, como do Montedonio, que fez rir
durante todo o espetáculo. É de justiça mencionar o Sepúlveda e o Belido, e, de passagem,
dirigir um cumprimento à Felicidade, que foi uma vivandeira de se lhe tirar o chapéu.
A peça, como trabalho literário, não é essas coisas; mas em trabalhos desse
gênero a literatura perde os seus direitos: a mise-en-scène é tudo, e força é reconhecer que a
empresa fez mais do que eu esperava, em vista da ingratidão que o público tem tido para
com ela.
***
O que a ninguém agradou foram as exalações de um enorme peixe putrefato, que
estava exposto no jardim.
Que desastrada lembrança a dessa pouco interessante exibição!
Muita gente se retirou do teatro por não poder suportar o cheirete; quanto a mim,
confesso que não sacrifiquei a delicadeza do meu olfato aos deveres de cronista.
A junta sanitária acudiu trop tard, como os famosos carabineiros de Offenbach; mas
conto que a estas horas o imundo peixe tenha sido já transportado para a ilha de Sapucaia, e
o público possa assistir à representação da Guerra da Itália sem receio de ter náuseas.
Os aplausos de anteontem seriam mais numerosos e estridentes se os espectadores
não precisassem da mão direita para tapar as ventas.
Imaginem uma platéia inteira de indivíduos com a mão no nariz!
***
A propósito:
637
A Gazeta da Tarde de ontem publica o seguinte:
“Eloi, do seu palanque, noticia-nos a morte de Germano José da Costa (“Germano
Francisco de Oliveira” escrevi eu), que por vezes mediu-se (“se mediu” escreveria eu) com
João Caetano. Diz-nos que este foi vencido por aquele na interpretação do Vinte e nove e
também que Germano era um ator cheio de defeitos e João Caetano um gênio”.
É verdade que eu disse que “Germano levou de vencida o grande trágico
fluminense”; acrescentei, porém, que “se nisso algum dezar, não é ele para João
Caetano, mas para o público daquele tempo, que não queria ou não sabia apreciá-lo
devidamente”.
***
Ainda a propósito:
Um ignóbil artiguete anônimo, publicado ontem na parte ineditorial da Gazeta de
Notícias por algum inimigo do Sr. C. de Laet, insinua que eu atribui a este senhor o vício da
intemperança.
É falso. Não quero passar por haver dito mais nem menos do que disse. Eu seria um
infeliz se caluniasse um homem que, repito, nada tem que o desabone a não ser o prurido de
insultar o próximo.
É a pior das covardias a desse anônimo, que explora, para repasto de sua alma
mesquinha, os ressentimentos alheios.
Eloi, o herói
638
30 de dezembro de 1885
Fiquem sabendo os leitores que, com esta temperatura de 37,2, não haveria forças
humanas que me obrigassem a escrever, se não fosse o dever de reparar uma injustiça.
Trata-se do peixe podre do Politeama. Eu disse que a junta sanitária havia chegado
trop tard. Mas assegura-me o meu amigo, Dr. Dermeval da Fonseca, que, como
encarregado de proceder à fiscalização sanitária da freguesia de Santo Antonio, por parte da
comissão da Glória, não foi ouvido sobre a conveniência ou incoveniência de ser posto em
exposição um grande peixe morto, durante um dia e uma noite, e na quadra calmosa que
atravessamos. “Quero crer, diz o Dr. Dermeval, que nem a polícia, que é a autoridade a
quem cabe dar licença para tais exposições, foi a respeito consultada”.
E acrescenta:
“Como membro da comissão sanitária da Glória, não tenho por obrigação visitar à
noite os teatros; de sorte que o caso superveniente do peixe podre no jardim do Politeama
que não é uma banca de peixe passar-me-ia despercebido, se um cavalheiro não mo viesse
referir, pedindo que providenciasse de modo a garantir a saúde dos que habitam as
proximidades daquele teatro.
“Dirá esse cavalheiro que é seu colega de redação que, apenas me fez a graciosa
comunicação (entre 9 e 10 horas da noite), eu lho agradeci e sem demora dirigi-me para o
teatro Politeama, tendo antes solicitado o concurso de um oficial do corpo de polícia, para
auxiliar-me nas providências que eu houvesse de dar.
“No Politeama intimei o proprietário a fazer retirar do jardim o peixe, que
efetivamente exalava um mau cheiro insuportável; e pelo mesmo proprietário me foi dito
que dera ordens nesse sentido, sendo insuficiente o número de pessoas que chamara para
dali tirar o animal exposto; mas afirmando-me que tal animal seria removido o mais tardar
pela madrugada.
“Por sua parte o Sr. subdelegado Lobo Junior fez vir sacos de cal, garrafas de ácido
fenico e de água de Labarra que, lançadas sobre o peixe, diminuíram a exalação
insuportável que deste emanava”.
se vê, pois, que fui injusto: a junta sanitária não chegou como os carabineiros de
Offenbach; chegou à hora em que lhe era possível chegar, desde que se não exige da
autoridade sanitária que, além dos deveres a seu cargo, tenha ainda a obrigação de
adivinhar.
***
Chegam-nos três poetas de pontos diametralmente opostos: Lúcio de Mendonça, de
Valença, Fontoura Xavier, do Rio Grande do Sul e Luiz Guimarães Junior, de Lisboa.
O Lúcio vem apenas dar um ligeiro passeio... tomar um pouco de fresco nesta
Sibéria. O Fontoura vem para embarcar no paquete que o de levar para o seu consulado
de Baltimore. Esteve bem doente o autor das Opalas; por um triz que não bateu a bota.
Mas, felizmente para as letras nacionais, está hoje fero e sadio como nunca esteve.
O Guimarães Junior chega amanhã. Vem, dizem-me, fazer-se lembrar do governo,
que se esqueceu dele na secretaria da legação de Lisboa. Faz bem: longe da vista, longe do
coração. É para estimar que o numeroso poeta dos Sonetos e rimas traga nas malas, além
das suas justas ambições diplomáticas, fartura de novas rimas e sonetos novos.
Eloi, o herói
639
31 de dezembro de 1885
Deve hoje chegar a esta Corte Luiz Guimarães Junior, o sonhador das Rimas e
sonetos, o humorista das Curvas e zig-zags. Bem sei que os leitores na sua maioria
encolherão os ombros à vista desta notícia, indiferentes que são a tudo quanto diz respeito a
poesia e poetas. Preferiam que eu lhes falasse do câmbio, do preço do café ou da falta de
água. Um poeta não é nem pode ser considerado assunto de utilidade pública. Embora. O
autor dos Corimbos chega hoje; tenho por obrigação fazer-lhe as honras do meu palanque.
Cem anos que eu viva, não me esquecerei da última vez que estivemos juntos. Foi
em Madri, na Puerta del Sol. Momentos antes, um cavalheiro chileno falara-me com muito
louvor do nosso poeta, que conhecera em Santiago. Esse cavalheiro pediu-me
instantemente informações sobre Luiz Guimarães, que eu deixara em Lisboa, e supunha
ainda nas palestras político-literárias da Havaneza. Mas imaginem que, mal tinha eu
fornecido estes esclarecimentos e o cavalheiro chileno desaparecido pela carrera São
Jerônimo, passava o autor dos Sonetos e rimas, todo aparamentado à espanhola, negro
chapéu desabado, e larga capa forrada de veludo vermelho.
- V. não morre cedo! exclamei, dando-lhe o abraço singularmente expressivo dos
emigrados. Neste momento.... (E contei-lhe o caso do chileno).
Depois acrescentei:
- Mas não era preciso isso, para que eu tivesse a certeza de que V. não morre cedo.
- Porque?
- Não é V. poeta brasileiro e diplomata? Essa dupla condição é a mais segura fiança
de longevidade.
Guimarães Junior naturalmente não achou graça na pilhéria, e eu desafio o leitor a
que lhe não aconteça o mesmo. Mas não foi razão para que não confabulássemos
longamente sobre a nossa terra e a terra que pisávamos, e fôssemos dali jantar aos
Embajadores.
Como é bom encontrar um compatriota (e então um compatriota ilustre!) a duas mil
léguas da rua do Ouvidor! e como é bom também rememorar esse encontro e ter saudades
da própria saudade!
***
Guimarães Junior é um tipo perfeitamente peninsular, com a sua cabeleira ondeada,
o seu nariz à Vitor Manuel, os seus grandes olhos expressivos, e fartos bigodes negros.
Nada tinha de exótica a sua simpática pessoa na “calle de Alcalá”, e, para ser completa a
ilusão, o chapéu e a capa acabavam de nacionalizá-lo.
Mas nem a tradição romântica de Espanha, que transparece em todas as coisas na
formosa pátria do Cid, nem o murmúrio saudoso do Tejo, nem os esplendores da Europa
poderão nunca inspirá-lo como a natureza ardente da nossa terra querida.
Ele vem aqui buscar no nosso céu, nas nossas montanhas, no nosso arvoredo, o
manancial sublime da sua inspiração; vem reconfortar a sua musa, que tanta honra tem feito
à nossa literaturinha.
***
Reaparece hoje, no Lucinda, a Rosa Villiot; o público vai matar saudades de uma
das suas mais queridas atrizes.
Representa-se o Fausto Junior, que outro não é senão aquele hilariante e
celebérrimo Petit Faust, de Hervé, uma opereta muito para se ver e ouvir.
640
O Braga Junior está seriamente atrapalhado por não poder servir a quantos lhe têm
encomendado bilhetes. Fora mister que o Lucinda pudesse conter quatro vezes o público
exigido pela sua lotação.
***
A propósito do aviso do Sr. ministro da agricultura, mandando admitir mulheres no
serviço do Correio Geral, dizia há dias o Vasques:
- É vergonha bater em qualquer, mas bater em senhoras que entreguem as cartas do
Correio, é vergonha ainda maior.
- ?
- O desalmado que isso fizer ficará sendo um batedor de carteiras.
Ui!
Eloi, o herói
ESEQUIEL GOMES DA SILVA
“DE PALANQUE”: AS CRÔNICAS DE ARTUR AZEVEDO NO
DIÁRIO DE NOTÍCIAS (1885/1886)
(Volume III)
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e
Letras de Assis UNESP Universidade Estadual
Paulista para a obtenção do tulo de Mestre em
Letras (Área de conhecimento: Literatura e Vida
Social).
Orientadora: Profa. Dra. Silvia Maria Azevedo
ASSIS
2010
Sumário
Introdução............................................................................................................ 10
CAPITULO I
1 Artur Azevedo: cronista em potencial......................................................... 17
2 Apresentação do Diário de Notícias.............................................................. 26
3 Artur Azevedo tecendo uma “manta de retalhos”..................................... 35
4 Aspectos formais das crônicas...................................................................... 40
CAPITULO II
1 Movimento teatral do Rio de Janeiro (1885/1886)..................................... 60
1.5 O teatro que (quase) não subiu no palanque...................................... 85
1.6 Aspectos da crítica teatral de Artur Azevedo.................................... 96
CAPITULO III
1 Literatura e outras artes, no “De palanque”.............................................. 109
1.9 Literatura.............................................................................................. 109
1.10 Música.................................................................................................... 114
1.11 Pintura................................................................................................... 123
1.12 Escultura................................................................................................ 127
Considerações finais............................................................................................ 131
Bibliografia........................................................................................................... 135
Apêndices.............................................................................................................. 141
Teatro Sant’Anna................................................................................................ 142
Teatro Pedro II.................................................................................................... 169
Teatro São Pedro de Alcântara.......................................................................... 181
Teatro Príncipe Imperial.................................................................................... 192
Teatro Lucinda.................................................................................................... 204
Teatro Politeama Fluminense............................................................................. 225
Teatro Recreio Dramático.................................................................................. 238
Teatro Fênix Dramática...................................................................................... 262
Ilustrações............................................................................................................ 286
Anexos................................................................................................................... 287
Anexo A................................................................................................................ 288
Anexo B................................................................................................................. 644
644
ANEXO B
645
01 de janeiro de 1886
Do tempo daí volta ao trinco
Oitenta e Seis, vinde cá,
Que Oitenta e Cinco
Morto já está.
E uma vez que no descanso
Da vida eterna ele entrou,
Dar-lhe um balanço
Rimado vou.
Foi bem pulha o tal sujeito,
Porque não consta a ninguém
Que houvesse feito
Na terra o bem.
Foi nesse ano ingrato e fero
Que à luz os olhos fechou
O irmão de Homero
Victor Hugo.
Terremotos, peste, guerra,
E o mais que o Inferno pariu,
Tudo na terra...
Tudo se viu!
O mais déspota dos anos
Foi melhor que o que passou
Dois soberanos
Nenhum matou.
Não quis safar-se a alimária
Sem mais uma perversão
Sérvia e Bulgária
Brigando estão.
Que nos deu Oitenta e Cinco?
Devemos-lhe algum favor?
Na fronte um vinco
Sinto de horror!
P‟ra que serve a lei Saraiva?
Por ela, pois nada val,
O Brás e o Paiva
Não dão real.
Efeitos da panacéia
Positivamente má,
Na Paulicéia
Se mostram já.
Conservadores subiram:
Disseram muitos: Que bom!
Pois nisso viram
Célico dom.
Mas eu declaro, leitores,
Que, quanto a mim, são iguais,
Conservadores
E liberais.
Não lhes noto a diferença,
646
E apanhará quem ma der
A recompensa
Que bem quiser.
O Zé Comércio padece,
Torcido em ânsias mortais,
E o câmbio desce
Cada vez mais.
Dona Lavoura anda avessa...
“Não tem braços”, diz alguém;
Mas é cabeça
Que ela não tem.
A nossa indústria definha,
Anda a rolar pelo chão
Vive a mesquinha
Sem proteção.
E se acaso ainda está viva
Deve-se o viva inda estar
À iniciativa
Particular.
Dona Ciência, essa [ ]
Quando não está d‟infusão
[ ]
[ ]
Nas letras, sem grandes lances
Teatrais, surgiram uns
Dois, três romances...
Versos, alguns,
Apareceu a Semana
E olha o mundo a se espantar
Quando em Pantana
Não a viu dar
Toca a Semana a rebate,
E o mundo inteiro lhe diz
Que o melhor vate
Deste país,
Foi a glória de Caxias,
A glória do Maranhão,
Gonçalves Dias...
Pudera não!
Que eu saiba, ninguém contesta
Que ele é o poeta melhor;
Mas saber resta
Qual o pior.
P‟ra que os dois vultos eu case,
Bom e mau, grande e ratão,
Semana, faze
Nova eleição!
Antes que mo notem, noto
Que, se a eleição tem lugar,
Eu muito voto
647
Devo apanhar...
Mas, ao balanço voltemos,
Que a coisa longa vai ser,
E nós não temos
Tempo a perder...
O Brasil e a Folha Nova
Morreram de inanição;
Na mesma cova
Dormindo estão,
Mas o Diário de Notícias
Das cinzas de ambos brotou,
E mil delicias
Logo causou
Franqueza o louvor me arranque
Ele é X P T O London;
Só o meu Palanque
Não é tão bom.
Veio a Vanguarda, um “partista”,
Que sabe, e sabe o que diz,
Conquanto vista
Sobrepeliz.
De outros jornais outros falem,
Porque, se alguns são heróis,
Outros não valem
Dois caracóis
Oitenta e cinco só nisto
Merece um pouco de mel
Deu-nos o Cristo
De Bernardelli
Mas ofendeu mil virtudes
E de si deu cópia má
Co‟os tais açudes
Do Quixadá.
E a famosa Preferência
Que o município embaiu?
Tanta indecência
Nunca se viu!
***
Não desfiei meu rosário
Mas diz-me: “Acabe! É favor!”
O do Diário
Paginador...
Tão ruins acontecimentos
De certo não nos trareis
Mil oitocentos
E oitenta e seis!
Eloi, o herói
648
02 de janeiro de 1886
Apesar do mau tempo, o Lucinda esteve cheio anteontem. Havia dois poderosos
motivos para uma enchente real: a reaparição da Rosa Villiot e a do Fausto Junior.
No tempo em que o Martins pôs o Fausto Junior no Cassino, hoje Sant‟Anna,
a Rosa Villiot desempenhava o papel de Margarida, no qual anteontem se apresentou ao
público.
Mas que diferença entre a Rosa de 1873 e a Rosa de 1885, e entre o “espirro de
gente” de doze anos e a mocetona de hoje, tão esbelta, tão contornada, tão
redondinha.
A Rosa volta-nos da província com mais volume, tanto no corpo como na voz.
Se essa transformação lhe agrada, cá ficam os meus parabéns.
Este papel de Margarida é todo ele representado com extraordinária malícia, mas
dessa malícia que se retrai com o tempo, para não transpor o limite das conveniências.
Os dois grandes diálogos com Fausto, nos últimos atos, disse-os a Rosa com singular
talento, imprimindo ao seu papel o cunho burlesco que ele tem, sem lhe tirar a poesia
que deve ter. A cena das revelações, no último ato, quando Margarida, de volta do altar,
declara ao noivo que lhe reserva uma surpresa, bastaria para dar à Rosa Villiot o n. 1 na
pequena lista das nossas atrizes de opereta, se o público muito tempo não tivesse
feito tal numeração.
Nalgumas cenas a distinta atriz foi bem secundada pelo Colás, que, no meu
entender, não é o ideal dos Faustos, embora Juniors. Este ator é tão inteligente, tem tais
aptidões, e dispõe de tais recursos para certos papéis, que me desgosta seriamente -lo
sacrificado às necessidades do serviço de uma companhia. É tão desigual o desempenho
deste papel burlesco, que eu mesmo não atinei anteontem se lhe sobrava ou se lhe
faltava alguma coisa; o que não padece dúvida é que havia uma diversidade de tons,
bastante desagradável. No que diz respeito ao canto, a parte de Fausto poderia, sem
inconveniente, ser reduzida às proporções da voz de Colás. A partitura de Hervé é muito
interessante, muito melodiosa, mas não é nenhuma obra prima em que um bom diretor
de orquestra não possa meter mão sacrílega.
A Blanche Grau estava visivelmente incomodada; não deu o relevo que poderia
dar ao papel de Mefisto, quer no canto, quer na declamação.
O Germano o soube, não pôde ou não quis tirar todo o partido do pequenino
papel de cocheiro, papel que em Paris, e mesmo aqui, no tempo em que havia o Alcazar,
foi sempre representado por bons artistas cômicos.
Dos demais papéis, exceção feita do de Valentim, não vale a pena falar.
Valentim foi o Peixoto, um ator cômico que se fez no Rio de Janeiro, e que tem
a originalidade de não imitar mestre Vasques, e de se não parecer com ninguém... nem
mesmo consigo. O desempenho do seu papel foi admirável; aplaudo-o sem restrições.
Quem quiser representar a paródia, ou antes, a caricatura daquele soldado de Goethe,
de fazê-lo assim, ou não o faz. O Peixoto compreendeu o extravagante papel como o
compreenderiam Bertelier, Dailly, Baron, ou qualquer outro desses grandes artistas
extravagantes, que atraem milhões de parisienses com duas caretas ou três cabriolas.
Gesto, caracterização, movimento de olho, modo de dizer as coisas,... tudo completo,
completo, completo. A cena do duelo, no final do ato, impagável; a da sopeira, no 3º,
irresistível. O Peixoto é um belo artista.
***
Entretanto, (vejam como são as coisas!) aqui um bom par de anos estive por
um triz a brigar com o Braga Junior, o atual empresário do Lucinda, por causa desse
mesmo Peixoto. Eu era naquele tempo um boêmio que parecia ter escapado de uma
página de Murger, para andar aos paus por este mundo de Cristo. O Braga Junior idem.
649
Com certeza não foi esse modo de viver que nos fez adquirir estes respeitáveis
abdomens, que hoje nos fazem gemer, a nós e aos prelos, e especialmente os da Gazeta
da Tarde.
Ora, uma noite, fomos de súcia dar com os ossos em Niterói, e assistimos, no
teatro... no teatro... (Já me não lembra o nome do teatro), a um espetáculo variado... e
avariado. O Peixoto representava o Alho, famosa cena-cômica do Vale, que pode ser
feita pelo Vale e que com o Vale de morrer, como a Véspera de Reis morrerá com o
Xisto Bahia. O Braga Junior ria-se a bandeiras despregadas; eu conservava-me sério
como um juiz de direito. A minha imperturbabilidade pareceu-lhe coisa impertinente, e
entramos a discutir o mérito artístico do Peixoto, violentamente, como se discutíssemos
a questão do equilíbrio europeu.
O Braga concordava em que o Peixoto não era um artista feito, mas protestava
que nenhum outro conhecia que desse tantas esperanças para o futuro. Eu, conquanto
simpatizasse pessoalmente com ele, negava-lhe tudo, tudo, tudo.
Pois bem, chegou o momento de dar as mãos à palmatória: venha de uma
dúzia de bolos, seu Braga Junior!
***
Terminarei por um pequeno elogio à orquestra do Lucinda, irrepreensivelmente
dirigida pelo Gomes Cardim, cuja batuta, nervosa e pronta, é capaz de maiores
cometimentos.
O Fausto Junior, que é uma das mais divertidas operetas do repertório francês,
está bem posta em cena, e anteontem agradou imenso. É provável que no Lucinda as
enchentes se sucedam, e Fausto Colás cante por muitas noites os seus engraçados duetos
com Margarida Villiot.
***
No dia 6 do corrente realizar-se no Recreio Dramático, uma interessante
matinée dramática e musical, cujo produto será ainda aplicado à compra do mausoléu
destinado às cinzas de Sá Noronha.
Por enquanto não está definitivamente organizado o programa, mas sei que
tomarão parte no concerto a Exma. Sra. D. Maria Almeida, que cantará a romança Tu e
Dio, do pranteado maestro; Mme Delmary, que fará ouvir uma valsa inédita, também de
Noronha, e mais Pereira da Costa, Frederico do Nascimento, Ragusa, Polero e Paganeto
Nino.
Foito representará uma cena cômica, e Matos cantará pela primeira vez uma
cançoneta de Planquette, criada em Paris pelo famigerado Paulus, e traduzida
expressamente para esta matinée, com o título Das oito às dez, pelo meu melhor amigo.
Mais de espaço tratarei deste espetáculo, que não será o último cujo produto se
destine ao monumento Sá Noronha.
Eloi, o herói
650
03 de janeiro de 1886
Publicou-se o n. 55 e último da Gazeta Suburbana, folha recreativa, noticiosa e
de interesses locais. O seu artigo de despedida termina por estas palavras:
“Resta-nos agora provar ao resto da população dos subúrbios o muito em que
prezamos o interesse que sempre manifestou por nós. Poderíamos, como mimo de ano
bom, deixar-lhe uma folhinha para o ano de 1886, que nos fizesse ainda lembrados nos
seguintes doze meses.
“A idéia, porém, além de não ser nova, não nos pareceu acertada, e por isso
procuramos e achamos coisa melhor.
“Na última página do número de hoje encontrarão pois, o mimo, com o auxílio
do qual poderão talvez um dia fazer melhor figura em assuntos de letra redonda”.
E na última página a Gazeta Suburbana insere... adivinhem o que, se são
capazes!... a carta do A B C e a do B A BA. A coisa tem graça, tem; mas o defunto
colega teria dado no vinte, se fizesse a inserção quando nasceu, em vez de fazê-la na
hora da morte.
***
que falei na Gazeta Suburbana, de permitir o colega que do seu artigo-
testamento eu destaque o seguinte trecho:
“Aos nossos contribuintes (que pagaram) também devemos muita gratidão. Não
são muitos, pois dos cento e vinte inscritos só setenta terão jus a esta recompensa.
“Com este período responderemos à nota suburbana do Diário de Notícias, de
15, que num sublinhado baixo, digno da cabeça que o ditou, nos atirou com uma
zombaia canalha.
“É a recompensa dada pelo Diário a quem, acudindo ao seu apelo, acabava de
dar-lhe auxílio e uma prova de simpatia”.
A Gazeta Suburbana alude ao concerto Sá Noronha, que foi organizado por ela e
pelo meu amigo Sr. Joaquim de Almeida. O auxílio foi, por conseguinte, prestado, não
ao Diário de Notícias, mas à idéia de levantar um mausoléu digno das cinzas do
pranteado maestro. Estou mesmo convencido de que a Gazeta Suburbana se moveu
mais pela simpatia que lhe merece a memória do autor de Beatriz de Portugal do que
pela simpatia que lhe merece o Diário de Notícias.
Embora entrando em seara alheia, vou apresentar aos olhos do público a “nota
suburbana” que tanto ofendeu o colega. Ei-la:
“Completa hoje dois anos de existência a Gazeta Suburbana, que neste curto
período de tempo tem já prestado relevantes serviços aos subúrbios.
“Fundada por iniciativa dos Srs. Julio de Moura, Alberto Ourique e Alberto
Pires, tem recebido desses nossos colegas o impulso e direção que lhe assegurou, desde
seu primeiro número, simpatias e adesões.
“Atualmente, em um grau de prosperidade relativamente grande, ela encaminha-
se a um futuro de glórias e de resultados mais positivos, para o atual proprietário, o Sr.
Coriolano de Oliveira”.
Aí tem o que a Gazeta Suburbana chama uma zombaia canalha”. O sentido das
palavras contidas naquela notícia é tão inofensivo, que eu não hesito em aconselhar ao
iracundo colega reserve para seu próprio uso o mimo que ofereceu aos habitantes dos
subúrbios. Pode ser-lhe de muita utilidade.
***
dias publiquei, a título de curiosidade, um extravagante projeto de lei,
proibindo às mulheres aprenderem a ler, transcrito, pela Revue rétrospective, de uma
brochura anônima do ano IX, atribuída a Silvain Maréchal. Nessa ocasião declarei ter
idéias esquisitas a respeito da educação das mulheres; mas, por medo, não externei tais
651
idéias, e, feita a transcrição, apliquei-me a seguinte sangria em saúde: “Entre o que
penso e o que pensa aquele singular projeto, vai um abismo. O que desejo é a coisa mais
natural deste mundo: é que as mulheres não sejam homens”.
Baldada sangria!
A Exma. Sra. D. Amélia Carolina da Silva Couto, inteligente redatora do Eco
das damas, tomou o pião à rósea unha, e disse que eu transcrevi o tal projeto de lei
“como um reflexo das minhas idéias a respeito das mulheres”.
Mas o engraçado não é isso. A Exma. Sra. D. Amélia Couto afirmou que eu,
“homem do século XIX, retrogradando dez séculos de ignorância e de gestação do
período lúcido do século presente”, fui buscar “aos calhamaços poeirentos das velhas
bibliotecas do século IX um amontoado de disparates, capaz de horrorizar ao mais
ignorante jesuita”.
Mas pelo amor de Deus, minha senhora! Eu não disse “século IX”, mas “ano
IX”, que é, se me não engano, o de 1800, último do século XIX. No século IX ainda não
havia brochuras! Pois V. Exa. não conhece o calendário republicano?
Quanto a Silvain Maréchal, minha senhora, foi um literato parisiense, sofista
audacioso, que morreu neste século, em 1803. Não é de estranhar que ele seja o autor
daquele absurdo projeto, desde que se conheçam, pelo menos de nome (como eu), o seu
Código de uma sociedade de homens sem Deus e o Dicionário dos ateus, que publicou
justamente no ano IX.
Minha senhora, fique certa de que sou extrenuo apreciador de todas as mulheres
de espírito; o que não desejo é -las intrometidas na política, na administração, e
noutras coisas que se fizeram para homens.
Ninguém mais do que eu aprecia o talento de Adelina e de Júlia Lopes; ninguém
mais do que eu sente que a musa de Narcisa Amália emudecesse, e que Délia, a
cintilante lia, depusesse a pena que tão interessantes novelas e tão preciosos artigos
outrora nos proporcionou.
Eloi, o herói
652
04 de janeiro de 1886
Acha Escaravelho que, se digo bem da Rosa Villiot, é porque a Rosa Villiot vai
tomar parte nas representações do Bilontra, e se faço elogios ao Gomes Cardim, é
porque o Gomes Cardim fez música para o Bilontra. Segundo o provecto escritor da
Psicologia da imprensa, sou um indivíduo capaz de meter prego sem estopa, como se
costuma dizer, isto é, só agrado aos outros para ser agradável a mim mesmo.
Não reparou (ou não quis reparar) Escaravelho que eu disse francamente não
haver gostado do desempenho que o Colás deu ao seu papel no Fausto Junior, e o
Colás vai ser, entretanto, o protagonista do Bilontra.
Perdôo a injustiça, mas agradeço o clame. Em podendo, diga Escaravelho aos
seus leitores que o Bilontra tem 1 prólogo, 3 atos, 17 quadros, 2 apoteoses e espera ter
também 50 representações consecutivas, a primeira das quais se realizará por todo o
mês corrente.
***
Para provar o meu desinteresse, vou recomendar ao leitor o espetáculo que hoje
se efetuará em benefício de um artista que não tem papel no Bilontra.
Trata-se do Mauro de Belido, que há muitos meses está de cama, impossibilitado
de trabalhar por uma traiçoeira moléstia, que o acometeu na Bahia.
O pobre rapaz não é um bom ator, bastante apreciado pelas nossas platéias,
como um excelente pai de família, sem recursos para prover a subsistência dos seus. Por
isso, escusado é insistir sobre a boa ão que praticará quem hoje for ao Politeama...
pagando.
O espetáculo não pode ser mais convidativo: representa-se a interessante
comédia Cenas burguesas, do distinto escritor português Moura Cabral, comédia que,
tendo agradado extraordinariamente no Ginásio, de Lisboa, por bem dizer não foi ainda
apreciada ao Rio de Janeiro. A Rose Méryss far-se-á ouvir na cançoneta Amor de
artista, letra de Aluízio Azevedo e música do Miguel Cardoso; a Oudin cantará uma
ária da Filha do regimento, de Donizetti; a Pepa representará o seu petulante Grumete
da Guanabara; o Matos ainda uma vez dirá como ficou o Fuzileiro apaixonado pela
formosa vivandeira, e, como se tudo isso não bastasse, o Montedônio, que cedeu
gratuitamente para esta noite o serviço da sua companhia, representará igualmente uma
cena cômica.
Como se vê, é um espetáculo irresistível. Conto encontrar no Politeama os meus
bons e amáveis leitores.
***
A matinée para o monumento Sá Noronha será sempre depois de amanhã, dia de
Reis. Entre os artistas que tomarão parte nesse espetáculo, esqueceu-me de mencionar o
grande, o inimitável, o mirabolante Vasques.
Veja Escaravelho: eu a dizer todas estas coisas do Vasques e o Vasques sem
papel no Bilontra!
Eloi, o herói
653
05 de janeiro de 1886
Como estamos em vésperas de eleições para deputados gerais, venho lembrar às
Exmas. esposas e filhas dos nossos candidatos que façam também aqui uma espécie de
Primrose league.
Da Primrose league, organizada em Londres por lady Churchill, com o fim de
assegurar a eleição de seu marido, fazem parte senhoras. Foi devido a estes
interessantes auxiliares femininos que o jovem ministro conservador conseguiu derrotar
em Birmingham, que é uma cidade essencialmente manufatureira, um dos veteranos do
liberalismo inglês, o Sr. John Bright.
Esta luta eleitoral despertou a curiosidade pública na Inglaterra, e um reporter da
Pall Mall Gazette foi a Birmingham pedir a lady Churchill minuciosas informações
sobre a organização da liga.
Lady Churchill é uma linda moreninha, de origem americana.
“A Primrose league, disse ela, tem apenas três anos de existência, mas conta
muitos milhares de associadas; tem-nas na Índia, na Nova-Gales e no Canadá. Em
Birmingham temos quinhentas filiadas. Cento e tantas (provavelmente as mais bonitas)
encarregam-se de visitar os eleitores. Cada uma delas incumbe-se de tal seção, de tal rua
ou de tal quarteirão. Ainda agora visitaram-se algumas casas de gente pobre. uma
vez aconteceu ser mal recebida uma das nossas delegadas. Os eleitores ouvem os nossos
argumentos e lêem as nossas circulares com muita atenção. Dizemos-lhes o que
pensamos das questões do dia, do livre câmbio, da propriedade das terras, da separação
da Igreja e do Estado, etc”.
“Quanto a mim, acrescentou lady Churchill, visitei as principais fábricas da
cidade. Os donos desses estabelecimentos, mesmo os que não eram do nosso partido,
consentiram de muito boa vontade que eu fizesse discursos, e estes foram
religiosamente ouvidos pelos operários”.
“Para falar aos eleitores, as mulheres têm muito mais habilidade que os homens.
A princípio não nos tomaram a sério, mas hoje quase todos os candidatos recorrem ao
nosso auxílio. Os nossos adversários ameaçam-nos com um processo, mas nós
consultamos já os melhores jurisconsultos, e por esse lado nada receamos”.
Foi nesses termos que lady Churchill explicou ao jornalista inglês a organização
e os fins dessa singular Liga da Primavera (orelha de urso), que ameaça tornar-se um
fator importante na vida política inglesa.
***
O jornal francês que me forneceu tão interessante notícia lembra, a propósito
dessas visitas domiciliárias aos eleitores, feitas por uma senhora elegante e bonita, a
famosa campanha que a duquesa de Devonshire empreendeu, em 1784, em favor de
Carlos Fox, na circunscrição de Westminster. também uma mulher, e das mais belas
do seu tempo, andava de porta em porta a arranjar votos para o homem que amava.
Mas a época era outra, em vez de circulares e discursos, a duquesa convencia o
eleitorado por meio de beijos. Sujeitinho houve, tão lambareiro e tão recalcitrante, que
se não deixou corromper senão depois de uma dúzia deles.
***
A cabala feminina há muito tempo existe pudera não existir! no nosso meio
político eleitoral. Mas assim arregimentada, com estatutos e sócias, daria naturalmente
resultados mais positivos.
Se o Sr. X, em vez de andar de chapéu na mão, pede aqui, pede acolá,
encarregasse disso uma senhora, que arengasse em nome de um partido, delegada por
uma associação, outro galo cantaria.
654
Mas, à falta de uma associação similar da “Liga da Primavera”, de uma “Liga da
Cabala Feminina Memória a Ester de Carvalho”, por exemplo, o peditório pode ser feito
pelas Exmas. esposas e filhas dos candidatos.
Os que forem solteiros, como o Sr. João José Fagundes de Resende e Silva, que
fiquem a chuchar no dedo.
Eloi, o herói
655
06 de janeiro de 1886
Perdoem os leitores se ainda lhes vou falar de Francisco de Sá Noronha.
A minha obstinação é filha unicamente de um entusiasmo sincero e de uma
sincera piedade. Todos sabem quanto é difícil na nossa terra convencer a opinião
pública; é necessário ir aos poucos, paulatinamente, teimando em proclamar esta
verdade, insistindo naquele argumento, insinuando este outro fato, finalmente,
tornando-se cacete, na acepção híbrida deste vocábulo.
Sempre me quis parecer que seria melhor e maior o resultado da subscrição
aberta por esta folha para a compra de um túmulo destinado às cinzas do ilustre maestro
português.
O produto da subscrição, o do concerto efetuado pelo meu distinto colega da
Gazeta suburbana, o da matinée, que hoje se realiza no Recreio Dramático, e ainda o
dinheiro que de vir de S. Paulo, o que de produzir um espetáculo gentilmente
oferecido pelo Heller, e mais as quantias que ainda o Diário de Notícias espera receber
de vários cavalheiros que não escarrancharam
............................o dar
Nas ancas do prometer,
tudo isso renderá três contos de réis, três contos e quinhentos mil réis, quando muito.
Muita parra e pouca uva.
Se fizermos a conta dos portugueses residentes no Rio de Janeiro e em S. Paulo,
e dividirmos por essa multidão de homens o produto total da subscrição, a cada um
deles tocará um algarismo infinitamente ridículo. Não sei mesmo que prodígios de
álgebra seriam precisos para achar semelhante proporção.
Todavia, trata-se, ainda uma vez o repito, pois que estou resolvido a soprar
neste canudo até estourar, trata-se de honrar a memória de um indivíduo que seria um
bom artista em qualquer parte do mundo, mas que era um grande artista em Portugal,
onde os homens que fazem ópera não abundam como as castanhas e as peras-de-três-ao-
prato.
Solicitada e re-solicitada eloqüentemente pelos meus colegas do Diário
Mercantil, que são portugueses, a colônia portuguesa de S. Paulo, depois de aguilhoada,
esprimida, chupada e posta do avesso, não deu mais que 120$000.
Cento e vinte mil réis! tendes vós, ó raças futuras, a cotação daquele raro
engenho celebrado por Antonio Feliciano de Castilho, Camilo Castelo Branco e outros
da mesma têmpera!
O pessoal do Recreio Dramático, artistas e empregados, contribuiu
espontaneamente com uma quantia maior...
Como se explica isto? Muito naturalmente:
A idéia de dar um mausoléu decente àqueles preciosos restos, apodrecidos numa
sepultura barata, não partiu de nenhum medalhão. Outro fosse o iniciador desta obra de
reparação, tivesse ele uma firma preponderante nos Bancos, ostentasse a comenda de
Cristo no peito em que pulsou tão piedoso sentimento, e a subscrição, ainda assim sem
arruinar ninguém, atingiria a uma soma elevada, tão elevada, que daria não para o
monumento que se pretende erigir, como para outra qualquer aplicação, por exemplo:
um prêmio Sá Noronha, destinado a qualquer aluno do Conservatório de Música.
Vejam o que se pretende fazer em honra de D. Fernando. Não hão de faltar rios
de dinheiro, para serem gastos, não com a compra de um túmulo, que provavelmente já
lá está o rei-consorte bem acomodado no jazigo de S. Vicente de Fora, mas em cantorias
sacras, incenso, tochas, fazenda preta e kirieseleisons.
656
Se os comendadores não se metessem nisso, a alma de D. Fernando, que não era
português, veria por um óculo tão espetaculosos sufrágios; far-lhe-iam menos do que
fizeram a Noronha, porque, afinal de contas, D. Fernando, por mais rei-artista que
fosse, nunca escreveu o Arco de Sant’Ana nem a Beatriz de Portugal, e Sá Noronha, se
fosse rei, de que Deus o livrou, jamais substituiria pela Hensler a mãe de D. Pedro V.
Não tenho comenda. está por que para a missa daquele alemão haverá mais
dinheiro do que para o túmulo deste português.
Eloi, o herói
657
08 de janeiro de 1886
Dor de cabeça, dor de garganta e uma pontinha de febre: façam favor de me
dizer se neste belo estado eu poderia dar ontem o meu artigo.
Ainda hoje me sinto bastante incomodado e incapaz de dizer coisa com coisa;
mas felizmente Fétis correu em meu auxílio. Vou transcrever a carta que ontem me
dirigiu esse estimado escritor; a minha prosa será substituída com tal vantagem, que os
leitores só terão motivo de aplauso:
“Sr. Eloi, o herói O seu De Palanque de 6 do corrente encheu-me as medidas;
tanto mais que o meu amigo os homens e as coisas pelo mesmo prisma e pelas
mesmas lentes.
“Escrever assim, pondo todos os pontos nos ii e sem receio das represálias
vingativas que sempre costumam exercer os mandões de todas as épocas e de todas as
camadas, especialmente aqueles que julgam ofuscar o sol com o fulgor das pedrarias
encrostadas nos seus crachás custosos, é coisa notável nesta época de servilismo e
conveniências.
“Com isto, me recorda ter lido coisa igual num jornalzito pequenitito, que
floresceu não vão muitos anos, e que se chamava a Gazetinha.
“Hoje, porém, a maneira de apreciar as coisas e os homens é muito outra.
“Daí o meu entusiasmo pelo seu De Palanque.
“O que foi Noronha poucos o sabem, e isto pela simples razão de pouco se
importarem com o que ele era.
“Acresce ainda ser ele um artista e, como não ignora, para certa camada da nossa
sociedade o artista músico é sempre músico, isto é, um sujeito que nos diverte nas
nossas soirées, que freqüenta a casa do Visconde, do Barão, do Comendador, e a quem
sem a menor cerimônia viramos as costas no dia seguinte ao da festa de família.
“Uma grande honraria para o artista, ter entrada nos nossos salões, pisar os
nossos tapetes, sentir o perfume das nossas flores, apertar a mão às nossas filhas,
conversar com as nossas mulheres!
“Quando o artista morre, dizemos compungidos, com aquele fingimento das
almas hipócritas: „Coitado, tocava bem, ainda me lembro daqueles repinicados que ele
fazia na rabeca‟.
“E nada mais!
“Os sete palmos de terra do estilo, a pá de cal da etiqueta, e ainda assim são uns
tantos pobres-diabos, iguais ao morto, que lhe vão prestar essa derradeira homenagem.
“Diz V. que apenas pode contar com três contos e quinhentos mil réis para erigir
o monumento a Noronha, e acha pouco, afirmando até que seria preciso um prodígio
de álgebra para encontrar a proporção entre a multidão de portugueses que vivem no
Rio de Janeiro, e o produto total da subscrição agenciada para esse fim.
“Estamos em desacordo neste ponto.
“Três contos e quinhentos, agenciados só com o heroísmo de seu nome, para um
fim todo íntimo, e que nunca chegará ao conhecimento de Sua Majestade Fidelíssima
nem do seu governo, que não terá desta vez de abrir o cofre das graças, é uma quantia
que paira muito além da que eu contava.
“Para as exéquias de D. Fernando vão-se gastar muitos contos, mas enfim, ele
era o rei-artista, e que artista! pelas últimas notícias vemos nas suas disposições
testamentárias a sua dedicação por Portugal.
“Tudo o que se fizer por ele será muito aquém daquilo a que ele tem direito, e eu
era até de opinião que, em vez de exéquias, se fizesse logo uma semana santa, com
todos os jejuns, e o respectivo sermão de lágrimas.
658
“O mau tempo não deixou realizar-se a matinée anunciada para o Recreio
Dramático, fazendo-a transferir para domingo 17.
“Entretanto, não se perdeu todo o tempo.
“À noite, reunidos em nossa casa alguns artistas, foi apresentada pelo Pereira da
Costa a idéia de se formar uma associação de beneficência, e encartei logo a minha
bisca, dando-lhe o nome de Sá Noronha.
“Parece que a coisa se realiza, apesar do protesto solene de um dos nossos mais
apreciados artistas, que teve a máxima franqueza de me dizer na bochecha e com toda a
convicção, que eu pretendia ser comendador, servindo-me do nome do falecido
maestro!!
“Ora, teve pilhas de graça semelhante ratice.
“Enfim, talvez o homem tenha suas razões, eu gosto sempre de respeitar as
razões dos outros, embora desarrazoadas.
“E com esta termino. Creia-me sempre seu, etc. Fétis”.
Eloi, o herói
659
09 de janeiro de 1886
O meu colega do Foyer faz hoje a crítica da representação dos Sinos de
Corneville, sem estabelecer paralelo entre o Gama e o Guilherme de Aguiar. Entretanto,
o confronto é inevitável.
Todos sabem que aquele papel de Gaspar é um dos melhores do Guilherme, ator
privilegiado, que tem o singular condão de não errar, ou de errar parecendo que acerta,
pelo que se torna ainda mais admirável.
Não é pelo papel de Gaspar que aufiro o merecimento artístico do Guilherme:
qualquer ator de habilidade, dispondo de uma cabeleira que se errice no momento
oportuno, de uns bons olhos que se abram desmesuradamente, e sabendo modular meia
dúzia de gritos, e gesticular suficientemente nunca fará triste figura neste papel.
Ao passo que eu desafio o mais pintado a que nos um Rodin, do Judeu
errante, um vigário do Abel Helena, um rei da Loteria do diabo, um Simão XL da
Mascote, um morgado da Casadinha de fresco, um Grifardin da Gilete de Narbone,
como o Guilherme de Aguiar.
Que longa seria a enumeração dos bons papéis daquele grande original, que,
quanto mais avulta na estima pública, tanto mais se esconde dentro da sua modéstia,
inexpugnável casamata donde ninguém o arranca nem a tiro.
***
Eu uma vez vi o Guilherme de Aguiar na rua do Ouvidor, tabuleta enorme da
vaidade indígena.
- Que é isto?! Você na rua do Ouvidor! Vou mandar repicar os Sinos de
Corneville!
- Não mande... isto é força maior... Venho à procura do subdelegado da minha
freguesia, que mora nesta rua.
O pobre Guilherme havia sido roubado na noite antecedente.
***
O Gama é um ator de prestígio, que aqui chegou bastante recomendado pelas
platéias portuguesas. Não mentia a fama, e a representação de anteontem seria uma
prova disso, se noutras peças não houvesse ele firmado os seus créditos no Rio de
Janeiro.
A cena final do ato dos Sinos de Corneville, a tal que eletriza o público, teve
uma interpretação que não me pareceu inferior à do Guilherme, que, entretanto, me
satisfaz melhor no desenho geral do papel. O Guilherme é um Gaspar alquebrado; o
Gama é um Gaspar vigoroso; apesar das valentias do velho rendeiro, que fala em correr
a pau mais de um personagem, o alquebrado do Guilherme tem, quanto a mim, muito
mais efeito dramático que o vigoroso do Gama.
Esta é a minha opinião, salvo melhor juízo.
***
Entretanto, cumpre lembrar que o distinto ator português em algumas cenas foi
mal acompanhado, e que é muito, mas muito, obter tantos e tão espontâneos aplausos,
nos Sinos de Corneville, a dois passos do Sant‟Anna.
Eloi, o herói
660
10 de janeiro de 1886
Uma das maiores dificuldades que no Rio de Janeiro experimenta o pai de
família é, sem dúvida nenhuma, a escolha de um bom colégio para as meninas.
Como é tempo agora de reabertura de aulas, aproveito a ocasião para
recomendar aos meus leitores do Vila Isabel, se é que tenho leitores em Vila Isabel, o
colégio Santa Mariana, fundado em 1879, e dirigido pela Exma. esposa do Sr. José
Ventura Bôscoli, cavalheiro apreciado por quantos o conhecem, e autor de uma
excelente monografia filológica.
No colégio Santa Mariana, o ensino, que se divide em primário e secundário,
consta das seguintes disciplinas: leitura, caligrafia, gramática nacional, francês
(nomenclatura e frases simples), aritmética prática, sistema métrico, doutrina cristã,
desenho geométrico, noções de geografia, de história sagrada e do Brasil, solfejo,
costura, trabalhos de agulha, crochê, tricô, filete, miçanga, bordado branco, flores de
papel, etc, no primário; português, francês, inglês, aritmética, álgebra, geometria,
geografia, desenho, música, piano, canto, bordado de ouro e de froco, no secundário.
É exíguo o preço das pensões, e, por especial favor da Companhia Ferro Carril
de Vila Isabel, transitarão gratuitamente nos respectivos bonds as alunas que residirem
no perímetro compreendido entre a ponte de Maracanã e o Cabuçu, inclusive a Aldeia
Campista.
***
Não que ver: este artigo estava condenado a ter feitio de clame. Acabo de
receber do livreiro-agente Sr. Artur Ribeiro um fascículo desgarrado, o 85º, da
Enciclopédia das enciclopédias, do Larousse luso-brasileiro, ou antes, do Dicionário
universal português, ilustrado, lingüístico, científico, histórico, geográfico, cronológico,
biográfico, literário, poético, mitológico, bibliográfico, artístico, industrial, tecnológico,
etc., redigido por muitos escritores sob a direção do Sr. Fernandes Costa, e editado pelo
Sr. Henrique Zeferino de Albuquerque. Uf!...
Neste fascículo, que compreende seis folhas de impressão, indo as quatro
primeiras de págs. 665 a 669, e as duas últimas de págs. 1161 a 1176, encontrei, além de
muitos artigos dignos de leitura, uma boa apreciação sobre o nosso poema herói-cômico
A festa de Baldo, de Álvaro Teixeira de Macedo, e uma biografia de Valentim
Magalhães.
É para lastimar que nesta biografia se fizesse o juízo crítico, condimentado com
largas transcrições, da Vida de seu Juca, ao passo que outros e mais importantes
trabalhos do poeta dos Cantos e lutas mereceram apenas ligeiras referências.
O Dicionário universal é uma obra importantíssima, que vem prestar relevantes
serviços à educação portuguesa e brasileira.
***
O paginador do Diário de Notícias recomenda-me que faça um De palanque
pequenino. Encontrou-se o desejo com a necessidade; ainda tenho a pontinha de febre e
a dor de cabeça com que ontem se ocuparam os dois primeiros órgãos da imprensa
fluminense.
O meu artigo de hoje é uma verdadeira clame, mas como os anúncios não são
feitos ao Bilontra, não há motivo para encanzinar-se mestre Escaravelho.
Eloi, o herói
661
11 de janeiro de 1886
O rei-artista mostrou no seu testamento mais simpatia pelo Garrafinha e pelo
Borda-d‟água do que pela hospitaleira nação que o sustentou durante cinqüenta anos. O
fato fez escândalo, e eu lamento deveras que os cavalheiros, que nesta capital tomaram
a peito sufragar, com solenes exéquias, a alma grande do príncipe, não encontrem geral
adesão por parte de seus compatriotas.
Receio muito que o templo fique vazio, como por ocasião das missas de sétimo
dia, rezadas por alma de defuntos pobres, e que, pronunciado o Ite missa est (com ou
sem vírgula), SS. EEx. não colham farta messe de pêsames de abraços.
Entretanto, SS. EEx., que são negociantes, estão muito a tempo de prevenir um
fiasco: basta que distribuam por todos aqueles com quem tiverem relações comerciais a
seguinte circular, que mandarão imprimir e tarjar de preto:
“Por esta minha ordem pagará Vmcê. ao falecido rei D. Fernando, a oito dias de
vista, na igreja de S. Francisco de Paula, às 11 horas da manhã, o tributo de piedade
cristã, imposto pela religião que professamos nesta praça”.
Deste modo, a concorrência será enorme: trata-se de uma obrigação comercial;
nenhum dos convidados deixará de honrar as respeitáveis firmas de SS. EEx., e a Sra.
condessa d‟Edla, que a estas horas deve ter dito de seu real esposo o mesmo que dizia
de Ricardo, conde de Waiwich, no final do Baile de Máscaras: “Qual‟anima passo!”; a
Sra. condessa ficará eternamente grata à piedade, ao patriotismo e ao prestígio
comercial de SS. EEx.
Essa providência, que lembro à ilustre comissão das exéquias, sem, contudo,
requerer alvíssaras, servirá, repito, para evitar uma vazante; a colônia portuguesa do
Rio de Janeiro continuará a pensar que um rei o sábio devia ter procedido de outra
maneira, e os ecos adormecidos das Necessidades despertarão ao som do célebre Tra la
la la com que a Hensler, transformada em pajem, fazia vinte anos as delícias dos
diletanti da cidade invicta:
Pieno d‟amore,
Mi balza il cuore,
Ma pur discreto
Serba il secreto.
Oscar lo as
Ma nol dirà...
Tra la la la,
La la la la.
***
O Sr. Carlos de Laet, no seu Microcosmo de ontem, promete invocar para o
mausoléu de Noronha a proteção do benemérito comendador Domingos de Oliveira
Rodrigues, assaz conhecido no país pela sua intervenção no famoso rolo da esquina, e
sogro, se se não engana, do meu amigo Paula Ney.
Em tudo isso há, por força, uma pilhéria, uma grande pilhéria, que não consegui
perceber. Todo o longo período em que o espirituoso escritor se refere ao assunto está
perfeitamente escrito, com certa fluência e numa linguagem aparentemente clara. Mas
confesso que, quanto à intenção, fiquei às apalpadelas. É uma pilhéria à milanesa. Vou
ver se com algum trabalho e paciência consigo tirar-lhe a crosta e saboreá-la.
***
Para terminar, os meus parabéns ao Liceu de Artes de Ofícios, pela bonita festa
realizada anteontem, no teatro Pedro II.
Eloi, o herói
662
12 de janeiro de 1886
Ainda hoje dou homem por mim; o distinto escritor Fétis, que por mais de uma
vez tem honrado com a sua prosa o De palanque:
“Sr. Eloi, o herói Se me fosse permitido, eu desejaria merecer a honra de
dirigir duas palavras ao meu amigo o Dr. Carlos de Laet, com referência ao seu folhetim
de ontem, em que ele apresenta Noronha compositor que escreveu a música da
Princesa dos Cajueiros, o que à primeira vista parece ser a única coisa que produziu o
maestro português.
“Bem sei que estudos mais sérios, e certamente mais proveitosos, trazem o
ilustrado folhetinista arredado talvez do que se passa no mundo artístico; assim pois,
releve-me o meu bom amigo a impertinência de, pelo menos, tentar desfazer a
impressão que certamente terá causado essa parte do aludido folhetim àqueles que,
como eu, sabem o que valia o talento de Sá Noronha.
“A começar exatamente pela Princesa dos Cajueiros, teve ainda assim
Noronha o grande mérito de ser o criador da opereta entre nós, acrescendo ainda que
um trecho desse spartito rendeu ao seu editor a insignificante soma de oito contos de
réis!
Os Noivos e outras composições talvez de somenos importância conseguem
ainda levar aos nossos teatros enchentes consecutivas.
“Antes disso, porém, Noronha tinha escrito O Arco de Sant’Ana e Beatriz
de Portugal, e, para vermos o que valem essas duas partituras, é bastante reportarmo-
nos aos jornais da época em que elas foram cantadas em S. Carlos.
“Como concertista, foi ainda Noronha, no seu tempo, um artista multíssimo
aplaudido, tanto entre nós, como em Portugal, como nos Estados Unidos.
“Sem ter uma escola definida, Noronha dedicou-se mais ao gênero imitativo,
o que lhe mereceu talvez severa reprovação, que ainda hoje reflete sobre a sua memória.
“Entretanto, coisa notável, quando se criticava em Portugal o estilo de
Noronha, Sivori, o grande Sivori levantava as platéias de Paris, imitando no seu violino
o trinar dos passarinhos, o cantar das cigarras, e, finalmente, a natureza inteira!
“Aqui tem o meu amigo Dr. Laet alguns ligeiros traços do que foi Francisco de
Sá Noronha.
“Ele não foi uma notabilidade, é certo; contudo, foi mais alguma coisa do que o
compositor que escreveu a música da Princesa dos Cajueiros.
“Desculpe-me a impertinência e creia-me sempre seu, etc Fétis”.
O Sr. Laet sabe tão bem como Fétis que Noronha não foi apenas o
compositor da Princesa dos Cajueiros; Fétis perdeu o tempo e o latim. O que o
espirituoso folhetinista deseja é ridicularizar-me; mas como fazê-lo diretamente está,
para ele, no rol dos impossíveis, fa-lo por tabela, embora fúnebre. E vai por diante...
sem tropeçar num morto!
Eloi, o herói
663
13 de janeiro de 1886
O público fluminense comoveu-se ontem com a notícia de um desses fatos
horríveis, conhecido nos noticiários sob a aperitiva rubrica de “Cenas de sangue”.
Joaquim Ribeiro Guimarães apaixonou-se por uma interessante menina,
chamada Francisca Maria da Conceição. Esta, a princípio, correspondeu-lhe
generosamente; desiludida, porém, sobre as vantagens morais do apaixonado, o que
aliás se compreende pela simples leitura da prosa por ele escrita e ontem publicada,
desobrigou-se daquele afeto, e deu ao desprezo o pobre Joaquim.
Lágrimas, rogos, suspiros, queixumes, todo esse doloroso cortejo dos amores
sem ventura nada conseguiu abrandar os rigores de Francisca. Demais a mais, os tios
da pequena não viam com bons olhos o namorado; e ela, que tinha juizinho, não
desejava contrariá-los, casando contra a vontade deles.
***
Entretanto, Joaquim não era homem para chorar na cama, que é lugar quente.
Outro qualquer, perdida a última esperança, queimado o último cartucho, trataria de
consolar-se por fas ou por nefas; que diabo! não faltariam outras Franciscas para vingá-
lo da ingratidão daquela. Mas ele não pensou assim, comprou um revólver de seis tiros,
escreveu outras tantas baboseiras (porque decididamente essas tolices não se fazem sem
clame), dirigiu-se à rua do Visconde de Sapucaí, disparou quatro tiros contra a pobre
moça, e tentou suicidar-se com os dois restantes, no que revelou fraca ciência da conta
de dividir.
***
O suicida é sempre um tolo; este axioma só pode ser contestado por tolos; o mais
tolo dos suicidas é, porém, o suicida por amor.
E este Joaquim, além de tolo, foi perverso. Estava farto de viver? pois que se
matasse! Mas que torpe egoísmo foi esse de assassinar uma mulher que, não o amando,
lhe prestara o inapreciável obséquio de o não aceitar por marido?
Um desgraçado amor fizera dele um homem inútil: a sociedade pouco perde com
o seu desaparecimento. Ela, porém, coitadinha, interessante, bonita, na aurora da vida, e
com todas as disposições para chegar ao crepúsculo, dentro em algum tempo estaria
casada, e habilitada a dar cidadãos a esta pátria, que tanto precisa de gente! Quantos
homens assassinou Joaquim, assassinando Francisca? Quem sabe?
***
O pobre rapaz tinha o espírito naturalmente estragado pela leitura dos romances
pantafaçudos que todos os dias se hospedam no rodapé dos nossos jornais. Por
coincidência, no mesmo dia do crime, o Jornal do Comércio encetava um novo
romance de Xavier de Montépin, o grande perturbador de cérebros.
***
Ora, se Joaquim deixasse em paz a desgraçada moça, e recorresse ao tempo, o
grande, o único consolador, daqui a alguns anos rir-se-ia dos seus disparates, e diria aos
seus botões: “Como fui tolo!”, quando a visse passar, feliz e despreocupada, com seu
marido e seus filhos.
Entretanto, como nem ele nem ela sucumbiram, faço votos ardentes para que
escapem ambos, casem-se, tenham muitos filhos, e ensinem a estes que os revólveres só
se inventaram contra malfeitores e ladrões.
***
Mudando deste para um assunto mais alegre, lembrarei que é hoje a primeira
representação da Mulher-homem, a revista de 1885, escrita pelos meus distintos amigos
Valentim Magalhães e Filinto de Almeida, e ansiosamente esperada pelo público.
664
Espero encontrar logo, às 8 ½ , no Sant‟Anna, todos os meus leitores, sem
exceção de um só.
Eloi, o herói
665
14 de janeiro de 1886
Assisti ao ensaio geral de Mulher-homem, e vou, muito indiscretamente, adiantar
alguma coisa às notícias com que os jornais de amanhã vão receber a nova revista de
Valentim Magalhães e Filinto de Almeida.
Antes de mais nada, saibam que a mulher-homem é a Opinião Pública do Brasil,
uma espécie de ser insexual, que não é carne nem peixe. Logo depois da guerra do
Paraguai, em 1870, ela ou ele foge para o reino da Carapetonia, e é que vamos
encontrá-la ou encontrá-lo, dormindo a bom dormir um sono que dura quinze
anos. Só o abolicionismo consegue despertá-la e trazê-lo para o Brasil, dentro da
barraquinha do balão Santa Maria de Belém. Acompanham-nos o filósofo Diógenes
que, por artes de berliques e berloques vai dar também com o costado na Carapetonia.
se adivinha que o velho cínico e a Opinião Pública é que passam revista aos
acontecimentos de 1885. Nessa faina são dirigidos pela imprensa, que se encarrega de
todas as apresentações.
O rei da Carapetonia, Carapetão não sei quantos, e sua esposa, a rainha
Caraminhola, apaixonam-se ambos pela Opinião Pública; ele supõe que ela é mulher,
ela está persuadida de que ele é homem, e nenhum sabe que ele-ela é comum de dois...
O rei, por um lado, e por outro lado a rainha, trazem a boa da Opinião numa roda viva,
conseguindo, afinal, raptá-la e levá-la outra vez para a Carapetonia.
Alguns cenários hão de produzir muito efeito, principalmente a apoteose a
Victor Hugo, com que termina o ato, notável trabalho do apreciado cenógrafo Sr.
Coliva. Citarei ainda a apoteose final, pintada pelo Sr. Carrancini, e a rua do
Sacramento, pintada pelo Sr. Frederico de Barros.
A música é saltitante e agradável. Um coro característico de pretos sexagenários
será ruidosamente aplaudido. A entrada de Diógenes é de um cômico irresistível. O
coro com que abre a peça, escrito pelo Sr. Cavalier, é digno de ser ouvido.
A comédia esrecheada de bons ditos e situações bastante cômicas. Fez-me rir
deveras a paródia da cena final do ato da Dama das Camélias, representada por
Mme. Rose Méryss e pelo Sr. Polero, que imitam a Duse-Checchi e o Andó.
A mulher-homem é o Vasques; Diógenes é o Guilherme de Aguiar; creio que
não é preciso dizer mais nada. Lisboa, Arêas, Matos, Pinto, Febo, etc., têm todos muito
bons papéis. Pelo lado do belo sexo, foram aproveitadas todas as atrizes do Sant‟Anna,
menos Mme. Henry, e mais a Sra. Felicidade, que estreou ontem.
Amanhã completarei esta notícia, dada muito por alto e sem outro fito senão o de
satisfazer a curiosidade dos leitores que, por não terem encontrado bilhetes, deixaram de
assistir à representação de ontem.
***
A Gazeta da Tarde, que até agora tanto se preocupava com a minha barriga,
ajustou contas ontem com o meu coração. -lo, porém, em termos tão lisonjeiros, tão
generosos, direi, que eu folgo até de apanhar este ensejo para mostrar-lhe que é mais
decente esgrimir-nos desta forma do que andarmos a divertir os papalvos com visagens
e arremedilhos de truão.
***
A ninguém mais do que a mim compungiu e sensibilizou a hedionda tragédia
que há dias sobressaltou a nossa população. Mas eu (condenem-me, se quiserem) adotei
o sistema de trancar o coração na gaveta sempre que me refiro a fatos desta ordem, e
desviar, por todos os meios ao meu alcance, a arma homicida dos mal-intencionados.
Se todos nós, jornalistas, puxarmos, nos nossos órgãos, o registro do trêmulo,
chorando adjetivos piedosos e alambicado estilo sempre que os namorados se
suicidarem, e, não contentes com isso, suicidarem também as respectivas namoradas, a
666
mania tomará proporções assustadoras, terríveis! Nada! choremos em casa, entre quatro
paredes, mas não venhamos assoalhar uma piedade perniciosa sempre e muitas vezes
hipócrita.
Se por algum Werther resolvido a dar cabo de si e da sua Carlota, desde
o previno que o me apanha um adjetivo piedoso. Se com esta declaração S. S. criar
juízo, eu só terei motivos para aplaudir-me, e dar os parabéns à humanidade.
Eloi, o herói
667
15 de janeiro de 1886
A julgar pelos estrepitosos aplausos com que anteontem foi acolhida a primeira
representação da Mulher-homem, o Heller durante muito tempo não terá necessidade de
retirá-la de cena.
***
Ao que ontem escrevi pouco me cumpre acrescentar:
Os vestuários, desenhados uns pela Rose Méryss e outros inventados pelo
Lisboa, produziram o melhor efeito.
O Febo apresentou com muita felicidade o tipo de um jornalista bastante
popular, candidato à deputação geral pelo distrito desta Corte. Era tal a ilusão que,
quando ele entrou em cena, muita gente supôs que era o próprio jornalista, que se
enganara de porta e irrompera no palco.
O Pinto reproduziu também, sem lhe tirar nem por, o tipo do príncipe Obá, com
os seus grandes gestos de proteção, a sua luneta preta, e a bengala e o guarda-chuva
infalíveis.
Não foi tão feliz o Matos, caracterizando-se como certo reporter do Jornal do
Comércio; nem o citado Pinto, dando à Poesia Nacional as fartas suíças e o exuberante
nariz de um dos nossos mais distintos e festejados poetas; nem o Machado, o pior dos
Caiapós possíveis; nem o André, que não quis arremedar o patrão, naturalmente pelo
respeito que lhe tem.
***
O teatro estava repleto; tanto nos camarotes como na platéia viam-se senhoras e
cavalheiros da nossa melhor sociedade. Nas galerias alguns espectadores ansiosos
entregavam-se, para não perderem um gesto dos atores, a verdadeiros exercícios de
ginástica. O jardim estava atopetado. Muita gente, que não conseguira meter o nariz na
sala, vingava-se de quem estava dentro, conversando em voz alta, ao som do estourar
da cerveja. O botequineiro não tinha mãos a medir.
***
As alusões são feitas com espírito; é verdade que duas ou três me pareceram
mordazes, mas os autores tinham as suas razões. Com a defunta Folha Nova não
foram eles generosos, e a imprensa em geral bem pouco lhes mereceu, quando fizeram
alguns jornais fugir horrorizados ao ver a gramática portuguesa, que pelos modos era a
do Coruja.
A Mulher-homem (eu jamais o diria, se o autores não se chamassem Valentim
Magalhães e Filinto de Almeida), a Mulher-homem ressente-se da falta de experiência
teatral desses dois rapazes de espírito, que eu sei quanto valem e para quanto prestam, e
a quem posso, em boa consciência, subscritar as seguintes palavras de Francisque
Sarcey, escritas em 23 de novembro último:
“Há muito quem suponha que as revistas, sendo, como são, consideradas um
gênero inferior, sejam fáceis de escrever, e que qualquer homem de espírito possa fazer
uma revista. O essencial não é achar boas pilhérias nem rimar bonitas coplas. Umas e
outras são indispensáveis, não dúvida, mas não constituem a condição fundamental
das revistas.
“O talento do autor consiste inteiramente num certo dom, que ele deve ter, de
encarar sob uma forma dramática os acontecimentos de que vai tratar. É preciso que em
toda e qualquer revista haja duas ou três cenas que sejam teatrais; as cantigas e os bons
ditos não passam de um enchimento.
“E ainda no tocante aos bons ditos... Imaginam muitos que uma boa pilhéria, por
ser espirituosa, por ter agradado num jornal, fará necessariamente efeito no teatro.
pilhérias finas que não passam além das gambiarras, bons ditos literários, que são
668
compreendidos apenas por meia dúzia de espectadores; ao passo que chalaças, tolas
como as coisas tolas, tão imprevistas, tão despretensiosas, que fazem rir a bandeiras
despregadas uma platéia inteira.
“Neste, como em outro qualquer gênero de peças, a primeira de todas as
dificuldades é acomodar-se o autor às exigências do teatro”.
A Mulher-homem é pouco teatral, mas é justo levar em conta a estes marinheiros
de primeira viagem a sua inexperiência e a pressa com que escreveram, au jour le jour,
o seu interessante trabalho. A estas horas o Heller naturalmente lhes encomendou a
revista de 1886; terão eles ocasião de resgatar os defeitos do primeiro ensaio, e de
assentar definitivamente a mão.
Eloi, o herói
669
16 de janeiro de 1886
Enquanto o público, ansioso e febriciante, se aglomera diante das janelas do
Diário de Notícias para ver, de olhos erguidos e boca aberta, o resultado das eleições,
escreverei alguma coisa sobre a primeira do Príncipe Imperial.
O teatro não estava cheio; porque? Não razão plausível para que todos os
lugares não estivessem vendidos. Mas entendam lá Sua Majestade o Público!
***
Mam’selle Nitouche é um alegre e espirituoso vaudeville, escrito expressamente
para a famosa Judic por seus autores prediletos, Henrique Meilhac e Alberto Millaud, e
posto em música por aquele endiabrado Hervé, do Petit Fausto. O libreto original da
peça jamais foi impresso; mas o Sousa Bastos, que possuía um exemplar da partitura, e
inquestionavelmente, para coisas de teatro, é um dos homens mais hábeis de que
notícia, assistiu em Lisboa a uma ou duas representações de Mam’selle Nitouche,
quando ali esteve a Judic, e, não sei por que processo mnemônico, conseguiu
transplantar integralmente a peça para o português.
Nessa transplantação muita coisa forçosamente lhe escapou, e alguma
acrescentou ele à prosa dos autores franceses; mas é mister confessar que nem em
Portugal nem no Brasil há muita gente capaz de semelhantes africas.
***
Vegeta no convento das Andorinhas um organista com ares de santarrão, o qual
nas horas vagas escreveu uma opereta burlesca, que tem de ser representada num
teatrinho de Pontarci, cidade de fantasia, muito explorada pelos dramaturgos
parisienses.
Chama-se o tal organista Celestino enquanto está no convento, e Floridor sempre
que pela sorrelfa foge daquela santa casa, para ir dirigir pessoalmente os ensaios da sua
peça.
Dionísia, que é a mais esperta e ao mesmo tempo a mais hipócrita das
Andorinhas, remexendo os papéis de Celestino Floridor, encontra a partitura da opereta,
e aprende-a toda na ponta da ngua, a ponto de poder cantar com Celestino um dueto,
que foi, por sinal, entusiasticamente aplaudido e bisado.
Acontece que os pais desta interessante educanda mandam buscá-la ao convento,
porque pretendem casá-la, e é o mestre organista o encarregado de conduzi-la à casa
paterna. Mas o pobre autor, que não queria perder a primeira representação de sua peça,
leva imprudentemente a pequena ao teatro. Já o leitor adivinha que a atriz incumbida do
principal papel recusa-se a representá-lo; Dionísia oferece-se imediatamente para
substituí-la, e é aceita pelo empresário.
Segue-se uma série de episódios mais cômicos uns dos que os outros, episódios
que passarei por alto, para deixar alguma surpresa ao leitor, que resolver assistir à
representação de Mam’selle Nitouche.
Bastará dizer-lhe que a peça termina, como todas as peças que se respeitam, pelo
casamento da protagonista com o próprio noivo que lhe destinava a família, um garboso
militar que por acaso assistiu à estréia da improvisada atriz.
***
O desempenho é muito regular. A Pepa, no papel de Dionísia, copia o mais que
pode a Judic, que eu, apesar da sua fama universal, não considero modelo digno de
cópia. O contrário diria, se me deixasse levar pelas impressões alheias. Parece-me
mesmo que a Pepa, que, aliás, está muito longe de saber dizer um couplet como a Judic,
pois é essa a sua especialidade, é uma Dionísia até certo ponto mais aceitável, sem a
frieza e o embonpoint da atriz parisiense, que muito tempo completou a idade antes
da qual o cidadão brasileiro não pode entrar no Senado.
670
O Machado fez rir bastante, transformado em Floridor e Celestino; entretanto,
poderia, com algum estudo, encontrar maiores efeitos no seu interessante papel.
Em papelinhos episódicos agradaram: o Corrêa, que infelizmente profere muitas
vezes a palavra burro e besta, sempre de tão mau efeito em cena, e um ator principiante,
o Peixoto, que é bom o confundam com o do Lucinda. Este artista promete muito, e
mais prometerá ainda desde que resolver baixar o seu diapasão de voz, afinando-o com
o dos colegas.
Dos demais artistas nada há que dizer.
Orquestra, coros, cenários e vestuários tudo digno de um público tão
entusiasmado, porém mais numeroso do que o de ontem.
Eloi, o herói
671
17 de janeiro de 1886
O Sr. Dr.*** (Suprimo o nome do poeta, para não comprometer o médico)
dirigiu à redação do Diário de Notícias a seguinte carta, que transcrevo sem alteração de
uma vírgula:
“Tenho a honra de remeter a VV., solicitando sua ilustrada e criteriosa
apreciação, as duas inclusas produções poéticas, que farão parte de um volume que, sob
o título de Gemidos poéticos, pretendo brevemente mandar publicar nesta Corte.
“As judiciosas análises que, sob a rubrica De Palanque (Cá recebi, não havia
pressa... ), tenho constantemente lido sobre outras produções poéticas, me animaram a
solicitar essa honra de VV., pela qual me confessarei agradecido, se dignarem-se
conceder-ma.
“O meu obscuro trabalho foi escrito aos 17 anos, no isolamento em que vivo
nesta província, residindo na cidade de Jaguarão por ordem do Governo Imperial, como
médico militar.
“Sou o primeiro a confessar que o meu trabalho não tem mérito: é um ensaio
apenas.
“Dignem-se VV. dar suas ordens a quem se confessa com distinta consideração e
apreço etc. Dr. ***”
A essa carta acompanhavam duas poesias, uma das quais, a menos ruim, é a
seguinte:
NÃO POSSO FUGIR-TE
Tu pensas que falo,
Tu pensas que conto
Segredo, que nunca
A outrem contei?
Minh‟alma é tesouro
Aonde se guardam
P‟ra sempre as delícias,
Que outr‟ora gozei.
Outr‟ora não digo
Não posso, não devo
Contar o segredo,
Que sempre guardei;
Se falam, é mentira;
É negra calúnia;
Não creias, por Deus!
Eu só sou, quem sei.
Acaso, é segredo
Dizer qu‟és um anjo,
Que encantos divinos,
Iguais nunca vi?
Segredo é amar-te?
Pois saibam, - te amo;
Pois saibam que vivo
Somente por ti.
Que queres eu faça
672
Se vivo enleado,
Se tem teus encantos
Tão doces prisões?
Não posso fugir-te;
É tarde, estou preso;
Roxeiam-me os pulsos
Gostosos grilhões.
Se penso, te vejo;
Se falo, é teu nome;
Se durmo, é somente
Contigo a sonhar,
Acordo, meu Deus!
Que triste ilusão!
Que inferno na vida!
Que horrível penar!
***
Parece-me que o melhor serviço que poderei prestar a este doutor poeta, é dar-
lhe a mão para ajudá-lo a descer do Parnaso.
Diz ele na sua carta que vai mandar imprimir os tais Gemidos poéticos; eu acho
mais prudente que S. S. empregue o seu rico dinheirinho na compra de livros de
medicina, ciência que todos os dias faz progressos que devem ser estudados por todo o
médico digno desse título.
A poesia do Dr. *** é da tal que deve ficar manuscrita, não os nove anos
recomendados por mestre Horácio, mas toda a eternidade, e, se publico uma das
amostras remetidas ao Diário de Notícias, é para provar a lealdade e a justiça da minha
crítica.
Não sei a idade do autor desses versos, escritos na primavera da vida; mas é de
crer que tenha perto de setenta anos. Versos desses, quando o autor não os publica aos
17 anos, só o faz quando completa essa idade... pela quarta vez.
***
Não pela quarta, mas pela segunda vez é hoje anunciada a matinée do Recreio,
cujo produto se destina à compra do túmulo de Sá Noronha.
neste mesmo lugar publiquei o programa desse magfico espetáculo; resta-
me ainda uma vez pedir aos leitores que não faltem.
Eloi, o herói
673
18 de janeiro de 1886
O Sino do eremitério, anteontem representado no Lucinda, é uma opereta em 3
atos, uma bonita valsa e um concertante esplêndido. Dos outros números de música não
vale a pena falar.
O libreto é o mesmo dos Dragons de Villars, um dos mais estimados modelos da
ópera-cômica francesa. Na parte musical Maillart foi substituído por Alvarenga, que
nem por sonhos pode competir com ele.
O entrecho do Sino do eremitério é bem interessante, e o libreto, cuja ão se
passa entre campônios e militares, é bastante delicado para não ser indecente, e um tanto
brejeiro para não ser sensaborão.
Um verdadeiro libreto de ópera-cômica, mantendo a platéia na alternativa do
riso e do sorriso. No ato um ameaço de drama, que passa como uma nuvem, sem
ter tido tempo de contrafazer a natureza cômica da peça.
***
O papel de Rosa Friquet foi o passaporte que abriu à defunta Ester de Carvalho
as portas da imortalidade. Se o nome da desventurada atriz figura hoje no título de uma
associação, se já forneceu à literatura das publicações a pedido um número considerável
de acrósticos, sonetos e outros gêneros de poesia, tais honras póstumas são, em grande
parte, devidas à interpretação brilhante que ela dava a esse papel.
Foi a Marion Andrée quem anteontem substituiu a pobre Ester. Não é a primeira
vez que a Marion desempenha o papel de Rosa Friquet; lembra-me bem que os fiéis
adoradores da atriz portuguesa já no Príncipe Imperial quiseram protestar energicamente
contra essa audácia, com acompanhamento de um certo legume chamado batata, ao que
parece introduzido nesta terra para acompanhar os bifes e as pateadas.
Mas a polícia chegou a tempo e chamou à razão os exaltados “estéricos”; estes,
afinal, consentiram que a Marion introduzisse mão profana na arca santa e
desempenhasse o papel noli me tangere.
Virá fora de tempo apreciar aqui a intolerância de alguns indivíduos que
conservam pela memória da Ester uma adoração muçulmana, e, enquanto ela viveu,
conseguiram enchê-la de ridículo, ingenuamente persuadidos de que a enchiam de
glória. Amigos ursos.
***
A Marion cantou o seu papel melhor do que o representou. Entretanto, noto com
prazer haver esta atriz, que é sem dúvida uma excelente aquisição para a companhia
Braga Junior, perdido certo “amaneirado” que lhe tirava a graça. A Blanche cantou e
representou com muita discrição, e o Peixoto sustentou galhardamente a parte cômica
da peça. O Colás fez o que pode num papel inteiramente fora do seu gênero, mas o
Oyanguren merece especial menção. É o melhor, ou antes, o único tenor de que
atualmente dispõem os nossos teatros de opereta, e da parte declamativa sai-se o melhor
que se pode sair um estrangeiro. É pena chamar-se Oyanguren, um nome que jamais se
populizará.
Os coros estiveram bons: o grande concertante do ato, que é, sem dúvida
nenhuma, o melhor trecho da partitura, foi primorosamente cantado. O Gomes Cardim
não teve razões de queixa contra a sua orquestra, o público aplaudiu a valer, e a peça,
honra seja feita ao Adolfo, está perfeitamente marcada e ensaiada.
não tenho elogios para os cenários, que são de uma pobreza franciscana. O
Braga Junior, em questão de mise-en-scène, parece ser um adepto fervente das teorias
do mestre Sarcey.
Eloi, o herói
674
19 de janeiro de 1886
Apesar do intenso calor do meio-dia, não tiveram ocasião de se arrepender os
poucos que anteontem concorreram à matinée Sá Noronha.
Não assisti à primeira parte do espetáculo, que se dividiu em quatro partes.
Na ocasião em que eu cheguei ao teatro, Ragusa, o distinto pianista italiano, que
pouco tempo se acha no Rio de Janeiro, interpretava magistralmente um dificílimo
capricho de Talberg sobre motivos do D. João, de Mozart.
Mme. Delmary, do Sant‟Anna, cantou perfeitamente a linda valsa inédita Il
desio, de Noronha, acompanhada ao piano pelo Sr. Joaquim de Almeida, estimado
cavalheiro que tanto e tão eficazmente tem contribuído para erguer-se o mausoléu
destinado às cinzas do ilustre compositor português.
Pereira da Costa, o grande Pereira da Costa, executou no seu gico violino
uma arrebatadora fantasia de Leonard: Souvenir de Donizetti.
A Exma. esposa do Sr. Joaquim de Almeida cantou com muita expressão a
belíssima romança Tu e Dio, de Noronha.
Polero, o simpático barítono do Sant‟Anna, fez-nos ainda uma vez ouvir a
“canção do aventureiro” do imortal Guarani.
Matos e Helena Cavalier representaram o hilariante Ditoso fado, cujas coplas
finais foram “trisadas”, como sempre.
Terminou o espetáculo pela cançoneta cômica Do outro lado, cantada com muita
graça pelo nosso Vasques. Tenho pena de não haver retido na memória uma interessante
e delicada estrofe alusiva a Noronha, que o grande artista improvisou no meio de
gerais aplausos.
Na primeira parte, a que eu não assisti, Frederico do Nascimento arrebatara o
auditório com os sons divinos do seu violoncelo, e o Foito provocara muitas gargalhas
com a representação da sua cena cômica O chocolate de Matias Lopes.
A orquestra portou-se irrepreensivelmente sob a direção do maestro Gomes de
Carvalho, e durante os intervalos, a excelente banda de música do Corpo de Polícia
executou (lá vai chapa!) algumas das melhores peças do seu vasto repertório.
***
Duzentos e cinco mil réis rendeu a festa, visto que as despesas cifraram-se em
trinta mil réis. “Cifraram-se” é um modo de dizer: o Sr. Antonio de Almeida,
organizador da matinée, o velho amigo de Noronha, não quis distrair da receita geral
dinheiro para pagamento dos gastos mais importantes, pois que, se assim fosse, em vez
de saldo haveria déficit.
205$000...
Deste modo a subscrição não atingirá a soma de 3.500$000, que eu calculara.
Veremos o que se consegue com o espetáculo prometido pelo Heller.
***
O túmulo de erguer-se; quando não seja por fas (notas de música), se-lo-á por
nefas.
O Sr. Almeida, atento à pronunciada falta de gosto que o nosso público revela
pela música, lembrou-se ontem de organizar uma corrida de burros, com prévia
inscrição de animais e jogo de poules. C’est une idée à creuser...
Eloi, o herói
675
20 de janeiro de 1886
“Informam-nos, disse ontem o Jornal do Comércio, que mais de cinqüenta
praças deste batalhão (o de Infantaria), aquartelado no convento de Santo Antonio,
têm baixado ao hospital, com os membros inferiores inchados, atribuindo-se o fato à
transição rápida que experimentam, passando da temperatura quente da parte baixa da
cidade para o vento que reina constante na altura em que está o quartel”.
Cai das nuvens ao ler essa notícia, e Deus queira que a transição rápida, que
também experimentei, não produza os mesmos efeitos que às pobres praças do de
infantaria.
Em toda a parte do mundo se procuram as alturas como medida higiênica, e
muito principalmente no Rio de Janeiro, onde o ar que se respira nas montanhas é
inquestionavelmente o mais puro e mais saudável.
Os frades, que sabiam onde tinham o nariz, escolhiam sempre as eminências
para a edificação dos seus conventos. É verdade que o nariz é um membro superior...
A ser exata a informação recebida pelo Jornal do Comércio, é conveniente
remover também o hospital militar do morro do Castelo.
Mas o que me parece mais acertado é procurar outra causa para a inchação de
que têm sido atacadas as praças do 7º de infantaria; pois, a prevalecer semelhante
opinião, o que irá em Santa Teresa, Paula Matos, etc de hidrocelos e podagras!
***
Mas deixemos esse assunto, e, por uma “rápida transição”, que não influirá
certamente nos nossos membros, quer inferiores quer superiores, abramos espaço no De
palanque a mais uma carta do estimável Fétis:
“Sr. Eloi, o herói Estou admirado, estou mesmo pasmo do resultado da
matinée para o monumento Sá Noronha.
“Pois um dia esplêndido, um pouco quente, é certo, mas enfim esplêndido, um
programa em que tomavam parte as nossas mais notáveis sumidades artísticas, quer
dramáticas, quer musicais, Vasques com o seu Do outro lado, Foito com o Chocolate
Matias Lopes, Helena Cavalier e Matos com o Ditoso fado, Pereira da Costa com o seu
violino, Frederico do Nascimento com o seu violoncelo, e outros artistas, amadoras e
amadores só conseguiram levar gente ao Recreio Dramático que produzisse a quantia de
205$000!!!
“Vem a propósito referir aqui uma pilhéria de Listz, que, além de artista
assombroso, é também um homem de espírito:
“Numa das suas digressões passou em certa cidade e anunciou o seu concerto. À
hora marcada para começar, Listz conseguiu somente fazer-se ouvir por seis
espectadores.
“Terminado o programa, o grande pianista alemão dirigiu-se ao seu
limitadíssimo auditório e convidou-o para uma ceia.
“O público compreendeu este convite pelo lado de excentricidade artística e
aceitou-o, acompanhando Listz até o hotel, onde foi servido um opíparo banquete.
“Na noite seguinte novo concerto; mas desta vez o salão regorgitava de
espectadores.
“É escusado acrescentar que Listz, ao terminar o concerto, retirou-se sozinho, e
no dia seguinte mudou de terra, deixando com água na boca toda aquela gente, que não
tinha ido para lhe admirar o talento, mas na hipótese de lhe comer a ceia.
“Quer-me parecer que se a ilustre comissão organizadora da matinée que se
realizou no dia 17 do corrente, no teatro Recreio Dramático, tivesse anunciado que seria
servido um profuso copo d’água, conseguiria uma enchente a deitar fora.
676
“O gosto artístico do nosso público e a barriga têm entre nós muita
homogeneidade.
“Outro reparo:
“Para esta matinée concorreram todos que nela tomaram parte com o seu
contingente, sem o menor vislumbre de interesse.
“Por um lado, o empresário Dias Braga, franqueando o teatro; por outro, o digno
comandante do corpo militar de polícia, mandando a banda do corpo; o Sr. Urbano
Gomes, fornecendo o piano; o Sr. Heller, oferecendo as partituras do pranteado
maestro; artistas dramáticos, amadoras, amadores e artistas encarregados da parte
musical; ninguém, absolutamente ninguém, recebeu coisa alguma, além da recompensa
de uma ação nobre, a de concorrer para um fim justo e merecido.
“A orquestra recebeu antecipadamente 120$000 réis!!!
“Ora, não é que nós tenhamos o direito de exigir filantropia e adesão a uma idéia
que talvez a esse grupo de homens não seja simpática.
“Não é também o espírito de coleguismo que eu tento invocar, nem o sentimento
da memória de um companheiro que eu desejo fazer vibrar no coração desses quinze
senhores, que tantos eram os de que se compunha a orquestra da referida matinée.
“Eu queria mais coerência ou menos carestia do gênero para o fim a que se
destinara.
“Cento e vinte mil is divididos por quinze músicos é como quem diz oito mil
réis a cada um.
“Pois bem: apelo para a consciência da própria orquestra, e ela que diga se essa
paga foi justa, e, sobretudo, merecida.
“Sempre seu amigo, etc. Fétis”.
Que quer, meu caro Fétis? Entre os quinze professores que compuseram a
orquestra da matinée não havia nenhum espírita, o que, aliás, depõe a favor do bom
senso desses cavalheiros. Se entre eles houvesse algum adepto das doutrinas de Alan
Kardec, convencido de que o espírito de Sá Noronha estava presente à festa, creia, meu
caro Fétis, que esse não receberia dinheiro.
Eloi, o herói
677
21 de janeiro de 1886
A companhia Braga Junior deu-nos milésima edição da Dona Juanita, o
Trovador das operetas.
O interessante papel da protagonista, ou antes, do protagonista, pois, como é
sabido, Dona Juanita é um homem, já tem sido representado no Rio de Janeiro por nada
menos de seis atrizes, a saber: Preziozi, Manzoni, Massart, Rose Méryss, Aliverti, e
agora Rosa Villiot.
Não digo que Rosa Villiot seja a melhor entre essa meia dúzia de Donas
Juanitas, mas creiam os leitores que não é sem tal ou qual hesitação que lhe não dou o
primeiro lugar. Porque, afinal de contas, a Rosa tem a habilidade que não tinha a
Preziozi, a elegância que não tinha a Manzoni, a vivacidade que não tinha a Massart, a
dicção que não tinha a Méryss, e tudo quanto não tinha a Alivert. Mas, em
compensação, qualquer delas dispunham de mais elementos vocais, e está o motivo
da minha hesitação. Em todo caso, neste, como em todos os papéis, a Rosa Villiot faz
uma brilhante figura.
O papel de alcaide foi confiado ao Martins, que o desempenhou com muita
graça, principalmente no último ato.
Colás fez o que pode, o que não quer dizer que fizesse pouco, no papel de Dom
Riego, disparatado personagem, que ora é onze letras, ora patriota exaltado.
Oyanguren que me disse estar resolvido a chamar-se de ora avante Eugenio
Saenz, no que obra com muito acerto foi entusiasticamente aplaudido no papel de
Gastão Dufaure, que ainda não havia sido aqui tão bem cantado em português.
Peixoto foi o coronel inglês, papel ingrato, em que o artista se conserva
manietado de princípio a fim. É impossível representá-lo melhor.
Blanche Grau deu-nos uma interessante e afinada Pedrita; Hermínia, essa é que,
com o talento que tem, poderia, se quisesse, tirar mais partido do caricato papel de dona
Olímpia.
Finalmente, é esta uma das melhores edições da Dona Juanita, e melhor seria se
os coros correspondessem à orquestra.
***
Em seguida transcrevo uma carta que acabo de receber do Sr. F. da S. Recaiam
sobre mim todas as iras que provocar a prosa malévola desse distinto escritor; eu tenho
as costas mais largas do que as vistas. Ah! vai a carta...! Livra!
“Sr. Eloi, o herói Pascal lá teve suas razões para dizer que „a opinião pública
é uma esfinge com cabeça de burro‟.
“Até certo tempo repugnava-me aceitar o aforismo do douto escritor e cheguei
mesmo a capitulá-lo de bárbaro. Hoje, meu amigo, emendo a mão e digo peccavi!
“A tal opinião é tudo aquilo e ainda mais alguma coisa.
“A opinião pública lusitana não é a vasa social: é a classe argentaria
propriamente dita, constituída, zoologicamente, por comendadores lanzudos. A
comenda torna o agraciado autoritário, sentencioso e fora do comum até na grandeza
do pavilhão auricular.
“Para levar a efeito um cometimento ainda o mais medíocre é indispensável
um coisa daquela espécie que figure no cabeçalho da lista.
“Afastar-se desta pragmática é arcar com a animosidade dos mandões e foi o que
V. fez em relação ao monumento Sá Noronha. Qual o resultado?
“Quase nulo em vista do que poderia ser sob a proteção valiosíssima de uma
entidade de barbas à inglesa, dois dedos de testa, carão rubicundo, grande abdômen,
grandes grilhões, pedraria grossa, banhas opulentas e quatro pés (1).
678
“É certo que V. é digno de maiores encômios pela sua iniciativa, sem a qual,
confesse-se, nada se teria feito; mas [ ], em que lhe pese, a inteira responsabilidade do
mau êxito da subscrição, por não lhe ter dado por égide um desses paquidermes da
nossa colônia com cotação na praça e muitas letras... gordas.
“Enfim, o mal está feito e já agora não tem remédio.
“Que ao meu amigo, ao menos, lhe aproveite a lição.
“Há, entretanto, no meio da indiferença dos grandes, uma coisa que consola: é
que as venerandas cinzas do maestro Francisco de Sá Noronha terão uma guarida
própria e um epitáfio: uma e outro modestos, sim, mas nascidos do mais nobre esforço e
da mais acrisolada espontaneidade de meia dúzia de corações generosos, entre os quais
permita V. se lhe dê o lugar de honra. Deste seu, etc. F. da S”.
Eloi, o herói
__________
(1) Em vez de “quatro” leia-se “dois pés”. Retificação a tempo.
679
22 de janeiro de 1886
“Sr. Eloi, o herói Abusando ainda uma vez da sua exímia bondade, permita
que do seu Palanque eu dirija duas palavrinhas ao espirituoso escritor da Psicologia da
imprensa.
“Por tão assinalado obséquio ainda mais grato lhe fica o seu etc. – Fétis”.
“Exmo. Sr. Escaravelho Não é a primeira vez que V. Ex. se digna ocupar-se da
minha humilde individualidade, especialmente depois que, de alguma forma, eu me
tenho ocupado em prestar o meu pequenino contingente para se levar a efeito a idéia de
se erigir um mausoléu que guarde as cinzas do maestro Sá Noronha.
“Sumamente grato por tão elevada distinção de apreço da parte de V. Ex.,
permita-me, contudo, a ousadia de patentear aqui alguns reparos que o último período
de sua Psicologia de ontem me produziu.
“Diz V. Ex.:
„Igualmente sensato não me parece Fétis quando censura os músicos da
orquestra por terem posto as vitais necessidades da própria barriga, e da de mulher e
filhos acima das necessidades póstumas de soberbo mausoléu para Sá Noronha‟.
***
“Se me fosse permitido esperar da reconhecida bondade de V. Ex. uma nova
repassadela de olhos pelo que eu escrevi sobre semelhante assunto, estou certíssimo do
seu sincero arrependimento em ter dado a essas mal traçadas linhas uma interpretação
que elas absolutamente não têm.
“Entretanto, isto não pode ficar assim, e V. Ex. não quererá de forma nenhuma
exigir que, em consideração à sua posição, ao seu prestígio, a tudo, enfim, eu fique
perante o público como menos verdadeiro.
“Vou reproduzir mais uma vez o que disse, e estou certo que V. Ex. será o
primeiro a confessar que está perfeitamente de acordo com as minhas idéias.
“Disse eu, meu caro senhor:
„Ora, não é que nós tenhamos o direito de exigir filantropia e adesão a uma idéia
que talvez a esse grupo de homens não seja simpática.
...................................................................................................................
„Eu queria mais coerência ou menos carestia do gênero para o fim a que se
destinava”.
“Isto não é censurar que os músicos tivessem posto as vitais necessidades da
própria barriga e da das respectivas consortes e filhos acima das necessidades póstumas
do soberbo mausoléu para Sá Noronha, é apenas achar excessiva a exigência de paga.
“E, a propósito, Exm. Sr., não terão as mesmas necessidades vitais da própria
barriga e da das respectivas consortes ou prole adjacente, o Vasques, o Foito, o Matos, o
Polero, o Ragusa, o Paganeto, a Delmary, a Helena Cavalier, o Pereira da Costa, o
Nascimento e outros e outros?
“Não são estes artistas como aqueles, não se servem todos da mesma enxada?
“Peço também permissão a V. Ex. para externar a dolorosa impressão que me
causou o adjetivo qualificativo com que V. Ex. entendeu designar o modestíssimo
mausoléu que se vai erigir a Sá Noronha.
“Com a quantia apurada, que está no conhecimento de V. Ex. e de todos, e com
a que por ventura se possa ainda apurar, nunca se poderá erigir um soberbo mausoléu,
nem é essa, e nunca foi a idéia dos amigos do finado.
“Desculpe-me ter por um momento roubado o precioso tempo de V. Ex. e creia-
me seu admirador, criado Fétis”.
***
680
Agora uma carta minha:
Ilmo. e Exm. Sr. Público Desculpe também V. Ex. se lhe roubo alguns
momentos de sua preciosa atenção, para recomendar-lhe o espetáculo que hoje se
realiza no Recreio Dramático, em benefício do artista Maia, um dos que mais se
esforçam por agradar a V. Ex.
A peça escolhida é a interessante comédia parisiense Les petites voisines, que o
jovem e conhecido escritor Figueiredo Coimbra traduziu com o título As vizinhas,
naturalmente por que lhe soou mal Vizinhinhas, Vizinhazinhas ou Pequenas vizinhas.
Espero encontrar V. Ex. logo à noite no Recreio Dramático. Conto que havemos
de nos divertir bastante.
De V. Ex. amigo muito obrigado o respeitoso
Eloi, o herói
681
23 de janeiro de 1886
O Diário do Brasil publicou ontem a seguinte nota nas suas Notas de ontem:
“O Diário de Notícias era um colega eclético. O liberal, o conservador e o
republicano achavam-se à vontade nas suas colunas, como abelhas de uma mesma
colméia. Só havia um zangão: era o partidário acentuado e convicto.
“Lutaram os três partidos denodadamente, cada um pela vitória da sua causa.
Desse pleito de honra o estimável colega aspirava uma coisa: a notícia de sensação,
que figurava cada dia sob esta epígrafe: „Os nossos boletins de ontem‟.
“Dos seus três correligionários antagônicos, venceu um só. Prudente e prático
prático sobretudo, o Diário arvorou uma coluna de honra para o vencedor, a coluna
chistosa do seu Palanque, e há dias manifesta a sua ardente confiança na nova ordem de
coisas”.
Não venho defender o Diário de Notícias, cuja política sempre me quis parecer
que foi evitar a política. Pode ser que o ilustre colega confunda a simpatia individual
com o espírito de partido, e isso o leve a alistar, discricionariamente, nas suas fileiras o
jornal que teve o mau gosto de contratar os meus serviços literários.
Não quero dizer que por tão pouco esteja o Diário do Brasil autorizado a
emprestar uma política ao seu chará de Notícias; mas transeat, porque, afinal, em
política todos os meios são bons, principalmente os maus. A questão seria liquidada em
artigo da redação, se valesse a pena. Mas não vale.
***
A mim o que me importa saber é quem ou o que autorizou o Diário do Brasil a
dizer que o meu Palanque é conservador.
O leitor, que durante oito meses me acompanhou neste inglório e frívolo
rabiscar, deve ter observado que eu trato de tudo, menos de política. Só por incidente
me tenho, por vezes, referido a assuntos políticos. Ainda agora, pelas eleições, não disse
uma palavra sobre a batalha que se feriu.
Dar-se-á caso que o Diário do Brasil aplique aos meus obscuros artigos o
“Quem cala consente” da filosofia popular, e infira da minha própria reserva
sentimentos de “cascudo”, que não exponho?
Pelo amor de Deus! eu tenho para mim que a política é a coisa mais antipática
do mundo e a mais desastrada invenção da tolice humana. As nações bem podiam
dirigir-se sem ela, se os homens que as governam hipotecassem as suas ambições
pessoais ao interesse público. A política pelo menos entre nós não quer dizer senão
vaidade e egoísmo.
Sem notar diferença alguma entre os dois velhos partidos nacionais, tenho
observado que ser conservador consiste simplesmente em não ser liberal, e ser liberal
apenas significa não ser conservador. O republicanismo afigura-se-me o poste onde um
indivíduo qualquer espera ver em que param as modas, para resolver definitivamente
sobre o seu destino político, isto é, se de ser conservador ou liberal. Salvam-se, está
bem visto, algumas exceções. Poucas, porém honrosas.
***
Já vê, pois, o Diário do Brasil que, professando sobre a nossa política tais idéias,
que não são as menos comuns, mas certamente são as que me parecem mais acertadas,
eu não posso, por forma alguma, ser conservador, nem liberal, nem republicano.
Sou partidário de todo o governo honesto, pois é convicção minha que todo o
governo depende do governador, seja este monarca ou presidente de república, eleito
pelo povo ou pelo acaso do berço.
***
682
Sossegue o leitor, que nunca lhe pedirei o voto para exercer nenhuma função
política; sossegue o Diário do Brasil, que jamais quebrarei lanças por um partido
qualquer.
Pode ser que, como Fígaro, eu esteja perfeitamente enganado sobre a política;
mas duvido muito que haja por aí algum Alma-Viva capaz de me fazer arrepiar carreira.
***
Acha Escaravelho que elogiar a Rosa Villiot é pura bilontragem. Nesse caso
toda a imprensa do Rio de Janeiro é bilontra, inclusive o próprio Jornal do Comércio
que, sem fazer favor, ainda há dias, na Gazetilha, rasgava sedas à distinta atriz.
É o que me consola.
Eloi, o herói
683
25 de janeiro de 1886
Ninguém mais do que eu aprecia e sabe quanto vale o espírito de associação. No
Rio de Janeiro, mais do que em outra qualquer parte do mundo, está ele desenvolvido, e
raro é o dia em que não se funde uma nova sociedade.
Entretanto, por maior que seja a minha simpatia por esses grupos honestos, que
tão bem compreendem a solidariedade humana, não posso deixar de reconhecer que
alguns deles têm um lado ridículo, que facilmente seria evitado.
Refiro-me aos títulos das sociedades...
tínhamos a (Tomem fôlego!) a “Associação de Socorros Mútuos Memória a
D. Maria II, Rainha de Portugal, Protetora das Famílias Honestas” e outras com uns
títulos menos disparatados, porém mais longos, se é possível.
tínhamos D. Afonso Henriques, Cristóvão Colombo, Bocage, Marquês do
Paraná, D. Fernando, Marquês de Pombal, Herculano, Ester de Carvalho, Camilo
Castelo Branco e outros conspícuos varões, mortos e vivos, elevados a altura de
padroeiros de associações de beneficência.
Agora, graças a uma publicação feita anteontem a pedido pela Gazeta de
Notícias, vim ao conhecimento de que existe atualmente nesta Corte uma “Sociedade
Beneficente Protetoras das Colônias Memória ao Poeta Victor Hugo”.
É inacreditável! Que relação entre Victor Hugo e as colônias, e estas que
necessidade têm de proteção?
Sim, porque decididamente trata-se do Victor Hugo das Orientais, do Victor
Hugo das Odes e baladas; quando me restasse alguma dúvida a esse respeito, lá estava a
palavra “poeta” para convencer-me.
Que uma associação literária, uma folha pública ou um teatro sério escolham
para título o glorioso nome de Victor Hugo, colocando-se desse modo sob a égide de
tão alto patrono, vá; mas que a memória do grande poeta seja invocada para servir de
rótulo a uma sociedade, que azo a que a chamem suciadade, essa é que lembra ao
diabo, como dizia o cônego Felipe.
Não sei onde funciona a “S. B. P. das Colônias Memória ao Poeta Victor Hugo”,
mas a apostar que o retrato do autor dos Miseráveis figura na respectiva tabuleta, o que,
aliás, não admira, pois o vi pintado por cima da porta de um vendedor de cigarros,
creio que na rua do Visconde do Rio Branco, outra vítima da admiração popular.
O nome do grande patriota, colocado naquela tabuleta, e de mais a mais honrado
com o qualitativo de “poeta”, para que ninguém o confunda com outro, indica
simplesmente que os fundadores da “S. B. P., etc” não sabem quem foi Victor Hugo.
***
O meu amigo Fétis sabe certamente quem foi Victor Hugo, mas não sabe quem é
Escaravelho. Pelo menos é o que eu depreendo do seguinte bilhete:
“Sr. Eloi, o herói O meu mais ardente desejo seria satisfazer a vontade do
ilustre escritor da Psicologia da imprensa, e estou certo que como eu pensa o meu
amigo herói; mas podemos fazer a apresentação recíproca quando tivermos ciência
exata da individualidade de Escaravelho.
“Por enquanto, não lhe conhecemos a cor dos olhos, o que, aliás, pouco nos
interessa; apreciamos-lhe o talento e o espírito Fétis”.
Fétis fala no plural, o que não deixa de ser singular... mas não protesto: apraz-
me andar de acordo com Deus e todo o mundo. Se alguma vez me acontece desafinar,
não é nunca pelo que eu faço, mas pelo que me fazem. Creiam.
Eloi, o herói
684
26 de janeiro de 1886
(Artigo que, por falta de espaço, deixou de sair mais cedo).
O Recreio Dramático justiça se lhe faça! não descansa. Aquilo é anda mão
enfia dedo. Depois do esplêndido “sucesso” do Conde de Monte Cristo e da cachoeira, a
valer, do Domador de feras, deu-nos anteontem As vizinhas, prepara Nossa Senhora de
Paris, um velho e excelente drama extraído do romance de Victor Hugo, traduzido e
modificado pelo Sr. Zagalo, e mandou traduzir também Meu tio, uma engraçadíssima
comédia parisiense, no gênero das Três mulheres para um marido.
O proprietário do teatro não cede em zelo ao Dias Braga. Aquilo não falha: por
ocasião de qualquer peça nova, pode o público contar com algum melhoramento.
Anteontem fui surpreendido pelo alargamento do jardim, que agora se prolonga
além da face lateral esquerda do edifício, formando uma espécie de pátio, muito bem
cimentado, e dizendo para um sobradinho novo que, se me não engano, serve de sala de
pintura.
O público tem a lucrar com todas essas reformas; à associação empresária do
Recreio não fazem elas bom cabelo, porque Mr. Vautour não remove uma pedra nem
caia uma parede sem aumentar o preço do aluguel do teatro.
***
Quando o leitor quiser passar duas horas divertidas, ver as Vizinhas, e eu
afianço que o fará rir bastante aquela série extraordinária de qui-pro-quós e disparates.
Tentar contar o enredo dessa comédia seria o mesmo que dar-me ao trabalho de
desembaraçar uma meada de lã, que estivesse durante uma hora nas unhas de um gato
pândego.
Renuncio a essa maçada, mesmo porque o meu colega do Foyer se incumbiu
disso.
***
Basta dizer que o desempenho foi muito satisfatório, principalmente por parte do
Magioli, ator consciencioso e que tem a rara felicidade de fazer sempre boa figura, quer
em papéis cômicos, quer dramáticos.
A primeira representação foi dada em benefício do ator Maia, que representou
com muita graça o papel de um príncipe russo e estabanado, que parece querer deitar o
mundo abaixo a gritos e tiros de revólver. O Maia desenhou perfeitamente o tipo desse
espirra-canivetes.
***
A tradução da engraçada comédia de H. Raymond e J. Gastyne foi confiada ao
meu jovem amigo Figueiredo Coimbra, o aplaudido autor da Carta anônima. É correta
mas não será mau que o esperançoso escritor se coíba de traduzir charmant garçon
por moço encantador. Na linguagem usual raramente usamos deste adjetivo, muito bem
empregado em traduções de colégio.
***
agora não deito o ponto final sem registrar no meu Palanque o êxito
alcançado pela Pepa no papel de Rosalina, dos Sinos de Corneville.
O Príncipe Imperial acaba de fazer uma interessante reprise destes eternos e
milagrosos Sinos.
Eloi, o herói
685
27 de janeiro de 1886
É na realidade vergonhosa a história do cadáver de José Bonifácio de Andrada e
Silva, contada ontem na Gazeta de Notícias por três estudantes da Escola Politécnica.
É preciso um esforço de boa para acreditar que o corpo do patriarca da nossa
independência, embalsamado e mumificado, estivesse durante muitos anos em
abandono, insepulto e coberto de pó, numa igreja de Santos.
Foi preciso que um pelotiqueiro, o falecido Antonio Carlos do Carmo, se
apiedasse diante da sacrílega indiferença e da condenável ingratidão dos santistas, e
sepultasse a múmia, e lhe pusesse um epitáfio.
O brasileiro é assim; deixa insepulto um grande cidadão, mas levanta-lhe uma
estátua.
***
Não posso deixar de reservar o espaço que me sobra para a inserção de duas
cartas: a primeira do Dias Braga, e a segunda de Fétis, com quem decididamente vou
repartir os meus vencimentos deste mês.
***
Fale o Dias Braga:
“Amigo Eloi Foste mal informado quando disseste que o proprietário do teatro
Recreio Dramático não remove uma pedra nem caia uma parede, sem aumentar o
aluguel.
“O Sr. Fernando José Martins, desde que tomou posse desse teatro, conservou o
mesmo aluguel que eu pagava ao arrendatário e prometeu-me que jamais o elevaria.
Esta promessa, feita verbalmente, tem sido fielmente cumprida até hoje, apesar dos
importantes melhoramentos por que tem passado o teatro, e em virtude dos quais não
tem faltado ao mesmo Sr. Fernando vantajosas propostas, entre outras a de alguns
contos pela cessão do teatro.
“A todas as pessoas que lhe têm feito tais propostas, ele responde
invariavelmente que venham entender-se comigo, único competente para decidir de
qualquer negócio relativo ao teatro. Acresce mais que, pessoalmente, concede-me todos
os favores e vantagens de qualquer transação.
“Este procedimento não é só o de um proprietário honrado, mas também o de um
excelente e desinteressado amigo.
“À vista do exposto, peço-te que faças uma retificação ao que disseste hoje, no
teu De palanque Teu amigo, Dias Braga”.
A melhor retificação me pareceu publicar a carta do estimável artista. Lamento
que me houvessem iludido acerca das qualidades de tão bom senhorio, e dou os
parabéns ao Dias Braga por ter a fênix dos proprietários.
***
Fale agora o Fétis:
“Sr. Eloi, o herói Mais uma vez, meu amigo, e seja este o último abuso da sua
acrisolada paciência e dos seus leitores.
Escaravelho pôs hoje o ponto final na nossa pequenina contenda.
“Lamento pela minha parte tão prematuro desenlace, tanto mais que eu costumo
nunca perder ensejo de cultivar o meu espírito, aproveitando tanto quanto posso tudo
aquilo que me possa ser útil.
Mais um empurrão, diz Escaravelho, e estou caído da grande confraria.
“A sua condenável lisonja leva-o certamente a esse caminho, a justiça e retidão
do meu proceder tornam-me isento de semelhante receio.
“É muito trivial entre nós o azedume em questões as mais das vezes fúteis e
pueris, e para sustentá-las, mesmo a despeito do público sensato, e pela ambição do
686
aplauso da galeria, vemos muitas vezes os contendores lançarem mão de meios pouco
corteses, ora apontando-se reciprocamente defeitos físicos, a toilette, os costumes, os
vícios, e muitas vezes até a idade!
“Ora, eu tenho para mim, que o pior meio de convencer é exatamente a
descompostura, e quem assim procede é por que lhe falta a razão e a justiça de sua
causa.
“Neste cavaco, que tão gostosamente sustentei com o humorístico escritor da
Psicologia da imprensa, não me acusa a consciência ter-me desviado um momento
sequer da linha do dever de cavalheiro, e tanto isto prova a filigrana de atenção com que
me distinguiu.
“Cada vez me convenço mais que não é com vinagre que se apanham moscas
ou... escaravelhos. Seu etc. Fétis”.
***
Amanhã é a primeira representação do Bilontra. Se Escaravelho fizesse uma
reclamezinha...
Eloi, o herói
687
29 de janeiro de 1886
O Sr. chefe de polícia dirigiu dias uma circular aos diretores de teatros,
determinando que os espetáculos tenham começo às 8 horas precisas, durante o verão.
Dizem-me que o Sr. Coelho Bastos, assim procedendo, quis fazer vigorar um
artigo não sei de que velho regulamento, esquecido nos arquivos policiais. Não sei.
sei que não sei o alcance da ordem do Sr. chefe de polícia.
Que lucra o respeitável público com que os espetáculos comecem às oito horas,
em vez de começar às oito e meia? Essa meia hora tem alguma influência na ordem
social e na tranqüilidade pública? Quererá a polícia fazer com que os freqüentadores dos
teatros jantem mais cedo, ou pretenderá ela roubar aos espectadores a exposição das
peças e levá-los ao teatro pelas alturas do segundo ato, quando a virtude entrar em
luta com o vício?
O público está habituado a ir para o teatro às oito e meia, e bem difícil será
desabituá-lo; para servi-lo bem, sem desobedecer à circular do Sr. Coelho Bastos, os
empresários serão obrigados a abrir o espetáculo com uma comédia em 1 ato, um lever
de rideau qualquer.
A medida policial talvez ressuscite o gosto pela comédias em um ato, e nesse
caso, como as magníficas, o Sr. Coelho Bastos prestará um pequenino serviço. Mas
com certeza não foi essa a intenção de S. Ex.
***
Com as tais comédias, servidas ao público à laia de hors d’oeuvre, de
reproduzir-se muitas vezes o seguinte fato:
Uma noite representava-se no Cassino (hoje Sant‟Anna) a Princesa Jorge. Como
a peça era pequena, o Furtado Coelho fazia-a preceder por uma farsa intitulada Lição a
maridos.
Depois do ato da Princesa Jorge, perguntei ao Sr. *** (o nome não vem ao
caso), que assistia ao espetáculo:
- Então? que tal achou?
- Menos mau... menos mau... Mas não acho ligação alguma entre o primeiro e o
segundo ato.
O desgraçado estava convencido de que a Lição a maridos era o primeiro ato da
Princesa Jorge.
***
As senhoras fluminenses têm motivos de sobra para não morrerem de amores
pelo Club Beethoven, que não as convida para os concertos do cais da Glória, e
provavelmente não lhes dará um talher no banquete com que vai por estes dias
comemorar, no hotel do Globo, o quinto aniversário de sua instalação.
Entretanto, não será isso razão, cuido, para que as senhoras fluminenses não
gostem da perfumaria “Club Beethoven”.
Os Srs. César & Araújo, proprietários de um dos mais conhecidos e
afreguesados armarinhos desta Corte, encomendaram essa perfumaria ao famoso
fabricante Violet, de Paris. Agora, em falta de uma sonata qualquer em menor ou
maior, ou de uma sinfonia com todos os seus pertences clássicos, as minhas amáveis
leitoras poderão munir-se da essência, do óleo, do sabonete ou do de arroz “Club
Beethoven”.
Os Srs. César & Araújo tiveram a delicadeza de me enviar um pacote contendo
diversas amostras dessa perfumaria, enfeitadas com o emblema do próprio club que lhe
deu o nome; posso afiançar que é coisa superfina, e um delicioso regalo para o nariz
mais exigente.
688
Aos mesmos senhores agradeço o mimo, se bem que não fosse ele feito pelos
meus bonitos olhos, mas por esta clame com que deito ponto final ao meu artigo.
Eloi, o herói
689
30 de janeiro de 1886
O jovem pintor Oscar da Silva é incontestavelmente um dos brasileiros mais
dignos de animação e apreço.
Depois do retrato de Beethoven e da Lição de violino, o seu talento não ficou
inativo. Atualmente se acha exposto na Glace Élégante um pequenino quadro, assinado
por esse nome simpático, representando o Dr. Meneses Vieira no momento de dar uma
lição de linguagem articulada a dois pequenos surdos-mudos.
O assunto está tratado com uma delicadeza notável: a figura do professor, apesar
de ter a boca aberta, nada tem de ridícula. As duas crianças têm a fisionomia doce e
expressiva dos deserdados do ouvido.
A composição é tão singela e traduz com tanta verdade o sentimento íntimo do
artista, que o espectador naturalmente se comove diante daquela figura inteligente de
um homem empenhado em dar às criancinhas o que a natureza lhes negou.
A paisagem, acessório deste inteligente grupo, tem uns belíssimos toques de luz
intensa, uma vegetação de um verde suave, que parece pintado pelo melindroso pincel
do Victor.
Oscar da Silva, dizem-me (Eu nunca o vi), é uma criança: há muito que esperar
das suas aptidões. O que até agora tem produzido obriga-o formalmente perante o
público. Não agora pensar que é um artista feito e desprezar a lição dos mestres e o
conselho dos competentes.
Se eu pudesse, punha-o a duas mil léguas do Pão de Açúcar, porque,
decididamente, no meio em que vivemos não há vocação de artista que se aproveite,
nem estímulo que preste, nem talento que medre.
Se Oscar da Silva ficar no Rio de Janeiro, dentro em pouco tempo -lo-emos
cercado de encomendas para quanta “manifestação a óleo” houver por aí. Dentro em
pouco tempo os retratos de uns tantos figurões hão de tomar despoticamente o tempo
que ele deve consagrar inteiramente aos seus trabalhos originais.
Demais a mais, o jovem artista possui a qualidade que entre nós mais geralmente
se aprecia num pintor: reproduz fielmente as feições do retratado. O retrato do Dr.
Meneses Vieira está parecidíssimo, e, apesar de não ser mudo também, só lhe falta falar.
Se as circunstâncias não lhe permitirem tomar passagem num paquete, e ir pedir
à Europa o que a nossa pátria infelizmente não lhe pode dar, adote Oscar da Silva o
sistema que vou lembrar-lhe, sempre que lhe encomendarem um retrato: Convença o
retratado de que se deve deixar pintar, não segundo a chapa, mas no momento em que
exerce a sua profissão e, quando a não tenha, qualquer função, embora vulgar
comezinha, da triste vida humana. Convença-o mesmo de que, como acessório
indispensável, deve o retratado permitir que se introduzam no quadro outras figuras.
Por exemplo: quando o retratado for dono de um armarinho, é pintá-lo ao balcão,
medindo alguns metros de fita, que uma freguesa elegante espera sentada, dando
embora as costas ao espectador. Se for empregado público, não haverá inconveniente
em pintá-lo sentado à mesa da repartição, dando ordens a um contínuo. E assim por
diante.
Deste modo Oscar da Silva, mesmo fazendo retratos, pintará pequeninos quadros
de gênero. E quando o freguês se mostrar recalcitrante, e não aceitar a inovação,
subscrite-o imediatamente a Mr. Petit... e outros.
Eloi, o herói
690
31 de janeiro de 1886
Recebi ontem uma carta anônima, em que me perguntam qual o motivo por que
deixei de responder a X. Y. Z., o escritor que dias, a propósito de Noronha e de D.
Fernando, se ocupou da minha obscura pessoa numa nova seção editorial do Jornal do
Comércio, “Atualidades”.
Não respondi por uma razão simplicíssima: não pretendo, por forma alguma,
alimentar polêmicas, nem foi para isto que contrataram os meus serviços no Diário de
Notícias.
X. Y. Z. é bastante injusto para comigo; mas se eu protestasse contra todas as
injustiças que por se fazem contra os meus pobres e desguarnecidos artigos, não
haveria espaço para os protestos. Limito-me, pois, a sorrir não de orgulho, mas de
resignação.
X. Y. Z. disse, entre outras coisas, que eu acusei os negociantes de não terem
corrido pressurosos ao escritório do Diário de Notícias para assinar a subscrição
destinada à compra do mausoléu de Sá Noronha.
Em tudo quanto escrevi, jamais a palavra negociante me escapou da pena. Nem
eu poderia nunca pretender que para a projetada manifestação de piedade concorresse
apenas uma classe, e de mais a mais uma classe completamente estranha a assuntos de
arte.
Não censurei os negociantes: censurei os portugueses, se censuras podem ser
consideradas ligeiras e inofensivas observações. O que eu disse e repito, e repeti-lo-ei
enquanto Deus me der vida e o diabo não me der o costume de dizer hoje uma coisa e
outra amanhã, é que, se fosse um medalhão qualquer o iniciador da idéia de se erguer
um túmulo ao ilustre artista português, a subscrição atingiria a uma grande soma.
Entretanto, é preciso que se saiba, o fato de não ter havido para esta idéia o
entusiasmo que fora de esperar, não é razão para que Sá Noronha não tenha um túmulo.
Com o que há, alguma coisa se há de fazer, e alguma coisa já se fez, pois que está
comprado o terreno necessário no cemitério de S. Francisco Xavier.
O que ninguém poderá negar é que seria realmente uma vergonha para a colônia
portuguesa irem para o ossuário geral os restos do autor do Arco de Sant’Ana, depois de
exumados de uma sepultura rasa. A verdade é essa.
Como poderia eu molestar nos meus artigos os negociantes, quando a subscrição
foi encetada por um dos nomes mais simpáticos do nosso comércio: Joaquim Souto
Maior?... quando o Sr. Ramalho Ortigão, cujo elogio o está por fazer, mandava logo
no dia seguinte ao Diário de Notícias uma quantia relativamente avultada, com a
declaração escrita de que sentia não o haver feito de véspera?...
Quanto ao que disse X. Y. Z. com respeito a D. Fernando, cujo nome por
incidente foi invocado no meu Palanque, eu poderia reproduzir a carta que me dirigiu
Um trasmontano. Não o faço, porém, para não azedar esta questão do lana caprina.
Uma correspondência de Lisboa, publicada ontem pelo País, afirma que se gastaram
nada menos de 2:000$ fortes com a cera empregada nas exéquias do rei-artista. Não
gastemos nós também muita cera com ruim defunto.
No mais, e para concluir, aceite X. Y. Z. os meus sinceros agradecimentos pela
delicadeza com que me tratou.
Eloi, o herói
691
01 de fevereiro de 1886
Poucos ignoram, cuido, que o escritor desta seção é um dos autores do Bilontra:
não há, pois, estranhar que eu venha, em meu nome e no nome do meu colaborador,
agradecer a benevolência e a distinção com que fomos anteontem tratados peça ilustrada
imprensa desta capital.
***
C. de L. não perdeu o ensejo de mostrar a sua vontade contra os autores da
peça. Pudera! Mas de dar-me licença para refutar alguns pontos do seu Microcosmo
de ontem:
PONTO. “Após muitas delongas e adiamentos, finalmente exibiu-se o
Bilontra, revista do ano passado”.
Mentira dele: a representação da peça sofreu uma única transferência; foi
anunciada para o dia 28 e realizou-se no dia seguinte.
PONTO. Diz C. de L. que no Bilontra o ridículo fere alguns pobres entes
inofensivos: “todas as alfinetadas pessoais são para os esmagados e para os miseráveis”.
Debalde tento nesta ocasião, recapitulando na memória todas as cenas da revista,
lembrar-me das alfinetadas a que alude o espirituoso e atrabiliário folhetinista. certa
perversidade neste remoque: apelo para as pessoas que assistiram às três primeiras
representações.
Julgo que C. de L. percebeu mal, como o ilustre crítico do País, a alusão que no
Bilontra se faz a certo incidente.
Da notícia do País, escrita por pena discreta e amestrada, transcrevo o seguinte
trecho: “Neste quadro (o do reino do Jogo) seria para desejar que fossem suprimidas
umas coplas alusivas ao deplorável fato que precipitou um nosso compatriota no abismo
da desgraça, porque é impiedade lançar o ridículo sobre tão grande desventura, tendo
ele já sofrido castigo desproporcional ao delito.
Há apenas uma copla alusiva a esse fato, e a letra dessa copla é a seguinte:
Não me parece averiguado
Que um coitado,
Condenado
Sem ser ouvido nem cheirado,
Seja ou não culpado...
Já vê, pois, o crítico do País, cujos conselhos aceitarei sempre com muita
satisfação que o Bilontra não é infenso ao nosso aludido compatriota; antes e outro
não é o espírito daqueles versos estranha que o condenassem sem julgamento, levados
por informações que não vieram ao público.
PONTO. Afirma C. de L. que os autores do Bilontra vivem do elogio mútuo.
Outra injustiça: nós vivemos ambos do ordenados que percebemos como funcionários
públicos, e de mais alguns cobres adventícios, adquiridos com a pena.
Em todo caso, quando assim fosse, antes o elogio mútuo que a descompostura
mútua, que tanto apraz a certos caracteres.
PONTO. Afiança o folhetinista que nós “que, enquanto aqui esteve a Duse-
Checchi, lhe beijávamos submissos a fímbria dos vestidos, hoje a expomos ao riso alvar
do poviléu”.
A este ponto respondo por mim, pois o meu colaborador nunca manifestou
publicamente o seu entusiasmo pela eminente atriz italiana.
Eu jamais beijei a fímbria do vestido à Duse: sou gordo, e custa-me abaixar,
mesmo diante de quem tem muito talento. Confesso, todavia, que lhe teci os maiores,
692
mais públicos e mais sinceros elogios, levando o meu entusiasmo ao extremo de
perpetrar alguns versos, e até de recitá-los num camarote do S. Pedro. Sou capaz,
confesso ainda, de repetir todas essas cenas, desde que de novo nos apareça a Duse-
Checchi, e me impressione, e me comova, e me arrebate como da primeira vez.
No Bilontra não se ridiculariza a grande atriz; dizer que ela teve uma
indisposição, e por causa disso foi interrompido um espetáculo, não é “expô-la ao riso
alvar do poviléu”. A própria Duse acharia graça na cena... se cena tivesse graça.
Acresce que noutro quadro da revista, a Tragédia faz justiça aos méritos da
distinta intérprete de Dumas e Sardou, quando diz que o Drama e a Comédia estão no S.
Pedro,
Onde neste momento são honrados
Por um talento lúcido, assombroso!
- A Duse-Checchi! atalham os demais personagens.
Se isto é “expor ao riso alvar”, o que será o Microcosmo, santo Deus!
PONTO. O esplêndido cenário do incêndio do Monte Pio, pintado pelo Sr.
Coliva, trouxe à idéia de C. de L. uma popular litografia, representando as labaredas do
inferno. Não tem motivo para magoar-se o artista, desde que o folhetinista declara que
as línguas de fogo, que ele pintou, parecem labaredas.
PONTO. As honras da noite couberam ao Sr. Felipe, diz ironicamente C. de
L. A Villiot, o Peixoto, o Martins, o Colás e o Gama que lhe agradeçam. Felizmente
para estes bons artistas, e em que pese a C. de L., a opinião do público é muito diversa
da do Microcosmo.
***
O resto não se entende com o Bilontra, mas com o Sr. Plínio, que até certa
hora condução aos moradores de Santa Teresa, e com a Inspetoria das Obras
Públicas, que lhe dá de beber em tempo de chuva. O que prova que as obras públicas
não conhecem as de misericórdia.
Eloi, o herói
693
03 de fevereiro de 1886
Por maior que fosse o meu desejo, não pude assistir à festa que ontem se
realizou nas oficinas dos Srs. Moreira Carvalho & C., e para a qual fui obsequiosamente
convidado.
Entretanto, a minha ausência não será motivo para que eu não dirija os mais
sinceros cumprimentos a tão distintos industriais.
meses tive o prazer de visitar a brica Moreira Santos, e confesso que tudo
ali me surpreendeu e entusiasmou. Eu até então ignorava que possuíssemos um
estabelecimento daquela ordem, e que a manufatura dos móveis estivesse tão adiantada
entre nós.
Num dia em que o leitor estiver desocupado, visitar a grande fábrica da rua
do Senador Pompeu, e pasmar diante da perfeição daquelas máquinas de serrar, lavrar,
perfurar, aplainar, recortar, etc., atordoado pela orquestra daquela engrenagem e
surpreso pela atividade daqueles operários.
Os móveis que saem das oficinas Moreira Santos podem competir, como fatura,
com os das mais acreditadas fábricas européias e americanas. O que lhes falta é uma
fisionomia original, um certo cunho artístico, uma individualidade, se assim me posso
exprimir.
Os Srs. Moreira, Carvalho & C. devem procurar, como quem procura ouro, um
artista de imaginação e de talento, que trabalhe para as suas oficinas. Esse artista
deverá criar um estilo especial para as ornamentações de todos os móveis. Da oficina
Moreira Santos não sairá um canapé, um guarda-louça, um aparador, uma cama, um
móvel qualquer, sem o estilo original da fábrica.
Bem sei que as artes ornamentais são difíceis, e ainda mais difícil é encontrar um
artista nas condições acima apontadas; mas os proprietários das oficinas Moreira
Santos têm metido tantas lanças em África, que bem poderão meter mais esta.
O desenhador que os Srs. Moreira, Carvalho & C. têm atualmente ao seu serviço
faz o que pode, verdade seja dita; mas o tal sistema das gradinhas, iniciado, cuido, por
esse artista, não me parece feliz.
Um artista, venha um artista, e os Srs. Moreira, Carvalho & C. poderão fazer
uma brilhante figura na próxima exposição de 1889, na capital do mundo.
Eloi, o herói
694
04 de fevereiro de 1886
A população fluminense levantou ontem as mãos para o céu... Choveu
finalmente... choveu! Graças vos sejam dadas, Deus de Misericórdia!
seguramente um mês que as bicas de nossas casas não deitam uma lágrima
sequer, e temos sido obrigados a comprar água aos barris, pelo mesmo preço por que
noutros países se compraria líquido mais apreciado, embora menos precioso.
Toda a gente se queixa da falta d‟água. Em todos os pontos da cidade se
ouvem queixas, lamúrias e imprecações danadas.
E aos que, como eu, moram num segundo andar, não aproveita a providência,
ordenada pelo Sr. Ministro da Agricultura, de ser distribuída pelas casas particulares a
água dos bombeiros, destinada à irrigação da cidade.
Parece incrível que neste país, tão singularmente fadado pela natureza, e onde
tantos rios de dinheiro têm sido gastos com o abastecimento de água, um pobre cidadão
seja obrigado a empenhar as jóias para prover-se do principal elemento... de vida!
Noutros países, onde não rios caudalosos à disposição dos governos, que,
para não matarem à sede os governados, inventam prodígios de hidráulica, e vão buscar
água onde o diabo perdeu o caximbo, as cidades são abastecidas à farta, cada habitação
tem água para banhar um regimento, as ruas são irrigadas e o ar é purificado por
opulentos e prescindíveis repuxos.
Quando virá esse governo Moisés, que nos permita tomar à larga nosso banho
frio, sem recear que a água não chegue para a cozinha?
Quando?...
***
Correu anteontem com muita insistência o boato de que o Jacinto Heller
convocara a sua companhia para uma reunião, que se efetuaria ontem, no teatro
Sant‟Anna.
Um reporter do Diário de Notícias filou o boato na sua passagem, e pespegou-o
ontem no Foyer, sem, contudo, dizer quais os motivos que se apontavam para essa
reunião.
***
A companhia reuniu-se ontem, é verdade, mas para interesses de ordem tão
secundária, que os artistas limitaram-se a “provar” os papéis do Caboclo, a nova
comédia de Aluízio Azevedo e Emilio Rouède, que subirá à cena em benefício do
Vasques, e a ensaiar os coros da Donzela Teodora, opereta de um estreante, do Sr. Dr.
(Doutor, sim; de que se admiram?) Abdon Milanez, a quem parece reservado um lugar
muito distinto entre os nossos compositores.
Tanta bulha para tão pouco!
***
A companhia Braga Junior também se reuniu, para a leitura da peça que deve
suceder ao Bilontra.
Mas como o Bilontra (não é clame, que diabo!) promete sustentar-se por muito
tempo em cena, o empresário não deseja que tão cedo se publique o título da nova peça.
E faz muito bem.
Eloi, o herói
695
05 de fevereiro de 1886
A propósito do meu artigo de anteontem escrevem-me os Srs. Moreira, Carvalho
& C., proprietários da fábrica Moreira Santos, dizendo que a popularidade do seu
estabelecimento é justamente devida ao cunho original dos respectivos artefatos, e que,
se estes algumas vezes deixam de o ter, não é por espontânea vontade dos fabricantes,
mas para satisfazer as exigências dos consumidores.
O cunho que eu desejava tivessem os móveis dos Srs. Moreira, Carvalho & C.
não deve ser simplesmente original; deve ser, sobretudo, artístico. Não basta que o
desenhador tenha habilidade; é mister que seja um homem de talento e de imaginação.
Enquanto os fabricantes fizerem concessões à freguesia, enquanto se sujeitarem
à vontade do burguês que lhes vai encomendar mobília, dificilmente os seus móveis
poderão adquirir uma “fisionomia” que se o pareça com a do vizinho. Sejam
independentes, e na sua independência terão a mais segura fiança do seu futuro artístico.
Industriais da ordem dos Srs. Moreira, Carvalho & C. estão no caso de impor: quem não
se quiser sujeitar ao estilo dos móveis manufaturados num estabelecimento de primeira
ordem, que os vá comprar em segunda mão na rua do Senhor dos Passos.
Bem sei que nesta terra o que mais custa é convencer o público de umas tantas
verdades em matéria de arte; mas tudo se consegue com o favor de Deus e da opulenta
língua portuguesa.
O artista cuja aquisição lembrei aos Srs. Moreira, Carvalho & C. será o primeiro
a convencer os encomendadores de que, em se tratando de móveis, a opinião dele vale
mais que a de qualquer; de que ao nosso clima não se prestam essas detestáveis camas
estrangeiras, onde um pobre diabo fica quase hermeticamente fechado; de que não
nada mais feio do que essas cômodas incômodas, que parecem feitas para servir de
arrecadação a um exército: que um móvel é indigno de figurar em casa de um homem
de gosto desde que não reúna a comodidade à elegância.
Os Srs. Moreira, Carvalho & C. rematam a sua carta esperando que eu lhes faça
pronta e cabal justiça. Mas, pelo amor de Deus! nem por sombras sou injusto contra
esses honrados e ilustres industriais. Apenas exprimo um voto, um voto sincero e até
mesmo entusiasmado: tenham às suas ordens um artista de imaginação e talento, e não
façam, mesmo com prejuízo, que mais tarde será fatalmente compensado, a nima
concessão aos seus fregueses.
Pode ser que o meu conselho não seja prático; em todo caso, é sincero, muito
sincero, e filho unicamente das agradáveis impressões que recebi quando ultimamente
visitei o vasto e importantíssimo estabelecimento da rua do Senador Pompeu.
A fábrica Moreira Santos honra o nosso país; o seu engrandecimento, a sua
prosperidade interessam muito a todo aquele que, como eu, for brasileiro dos pés à
cabeça.
***
Senr Eloi Os moradores do morro do Pinto com especialidade Rua de Monte
Alverne junto a Caixa d‟Agua amais de um mês que não tem uma gota do precioso
líquido Para satisfazerem os misteres da vida é um verdadeiro suplício de tântalo
principalmente as que tem os tais encanamento obrigatório do (Rio do Ouro) um pobre
homem que tem pouco ordenado e que não pode deixar de trabalhar porque do contrario
é despedido e que mora nestas alturas por ser as casas mais baratas e sua mulher não
esta acostumada asair arua asujeitar-se a ouvir ditos e empurrões nas tal taminas e um
martírio, as casas Estão cheias de etalianos vivem 20 e 30 em uma só caza veja na rua
do Afonso Celço graça a febre amarela Junta de Higiene por um óculo em fin muito
tenho que dizer a V. porem não quero mais maçar a paciencia de V. Sou de V. obediente
criado e súdito, Um enfelis”.
696
Essa carta não tem gramática, mas tem muita razão; ofereço-a aos poderes
competentes; meditem sobre esse documento aflitivo, embora incorreto, da penúria e do
desespero do povo.
Eu poderia dizer ao meu sequioso correspondente que se consolasse comigo e
com o Sr. Laet, pois nós, a respeito de água, somos tão enfelises como ele; mas, ora
adeus! fresca consolação seria...
***
Escaravelho, naturalmente para fazer uma concessão a C. de L. e atenuar a
impressão produzida pelo último Microcosmo, escreveu ontem que o Bilontra,
representado, “vai indo tem-te não caias” mas, lido, é a coisa mais sensaborona. Faltam-
lhes os cenários, as lantejoulas, as danças, a música, os esgares e inflexões dos atores, as
formas mais ou menos ouatées das atrizes, etc.
Pois naturalmente! Já dois séculos o grande Molière pedia aos leitores, no
prefácio de uma das suas comédias imortais, que fizessem o favor de suprir todos esses
efeitos cênicos por meio da imaginação.
Que pena a Psicologia da imprensa não poder ser representada..
Eloi, o herói
697
06 de fevereiro de 1886
O distinto escritor fluminense Sr. Félix Ferreira acaba de publicar um folheto
intitulado A reforma da Biblioteca Fluminense, considerações e projeto de uma
Sociedade Bibliográfica Brasileira, apresentados ao Exmo. Sr. conselheiro Paulino José
Soares de Souza, presidente da mesma biblioteca.
Como foi primitivamente organizada, diz o Sr. Félix Ferreira, a Biblioteca
Fluminense não pode persistir. Uma instituição de tal ordem e importância não pode
limitar-se a ser um mero depósito de livros de aluguel, coligidos entre os de mais voga,
que nem sempre são os melhores, para satisfazer a maioria dos leitores de paladar
comum; parece-me pois, que a reforma, que tão instantemente pedem os seus estatutos,
deve ampliar o mais nobremente possível os fins da instituição, entesourando as
riquezas da bibliografia nacional que por andam em lamentável desbarato,
finalmente agremiando espíritos cultos e animados das mais belas intenções, não só para
encher de vida a Biblioteca como dar impulso ao cultivo e bom gosto literário”.
Na opinião do Sr. Félix Ferreira urge quanto antes:
“1º que se reformem os antigos ou antes se adotem os estatutos que apresenta,
com as precisas modificações;
que se organize uma exposição das preciosidades e raridades que a Biblioteca
possui, com o fim de atrair a atenção pública para tão notável estabelecimento;
3º que se assine a maior e mais variada coleção de jornais e revistas das
principais línguas cultas, e com ela se mantenha um salão especial desse gênero de
leitura, por assinatura mensal e módica;
4º finalmente, que se publique uma revista bibliográfica, embora de poucas
páginas, para servir, ao mesmo tempo, de registro às publicações do país e de agente a
permutas no estrangeiro”.
Acredita o autor do projeto que com essas quatro medidas primárias a Biblioteca
Fluminense entrará muito cedo em novo período da mais brilhante prosperidade.
Calcula em quantia superior a 6:000$000 anuais o rendimento da sala dos jornais e
revistas. Acha que a exposição, quando não traga outro beneficio, ensinará pelo menos o
caminho de uma porta, que, por tanto tempo encerrada, se tornou esquecida. Tem
como certo que a sociedade colherá os maiores resultados da Revista bibliográfica, se
esta for bem dirigida e vulgarizada. Nutre as mais bem fundadas esperanças de que a
Biblioteca Fluminense, convertida em Sociedade Bibliográfica, será dentro em pouco o
centro da maior atividade literária do país, produzindo os mais salutares frutos.
Diz-nos em seguida que a Sociedade Bibliográfica Brasileira “terá
principalmente por fim: manter, ampliar e melhorar a Biblioteca Fluminense; dar
impulso à cultura literária, auxiliando os autores e abrindo novos mercados às suas
produções, por meio de numerosos correspondentes; concorrer para o
aperfeiçoamento das artes gráficas, e manter duas publicações periódicas: uma
bibliográfica e outra de conhecimentos úteis, ilustrada”.
Entre as condições preliminares, expostas pelo Sr. Félix Ferreira, encontro
verdades bem amargas sobre as nossas indústrias de tipografia e encadernação, ainda
incipientes em terras de Santa Cruz e, no entanto, apregoadas com um orgulho
inoportuno e ridículo. A pulhice dos nossos editores, para exprimir-me num termo
digno deles deveria merecer ao autor do folheto algumas reflexões que parecem
suspensas do bico de sua pena elegante, e as suas idéias sobre propriedade literária não
me parecem bastante claras e definidas.
Quanto a mim, não é esta uma questão de trapos quentes: Afonso Karr discutiu-a
em duas linhas: a propriedade literária é uma propriedade. Contra esse argumento não
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consideração possível. Não nada mais triste do que ver um indivíduo vivendo à
custa do trabalho de outro.
***
Mas não é disso que se trata no folheto do Sr. Félix Ferreira, cujo principal
objeto é a comunhão dos homens de letras do nosso país.
Escusado é lembrar que por duas vezes se tentou estabelecer entre nós uma
sociedade desse gênero: a primeira, em honra à memória de José de Alencar, a segunda,
em honra ao Sr. Quesada, que foi ministro argentino nesta Corte. Ambas as tentativas
naufragaram.
Parece-me que, de ser muito difícil estabelecer a Sociedade Bibliográfica
Brasileira, cujo projeto de estatutos foram inteligentemente organizados pelo Sr. Félix
Ferreira. Não me refiro à falta de elementos materiais, mas de elementos morais. No Rio
de Janeiro os escritores detestam-se, e pagam para viver separados uns dos outros. Se os
rapazes estabelecem entre si esta solidariedade literária, sem a qual não nem pode
haver literatura, bramam logo que isso é “elogio mútuo”, cliché safado, que anda agora
na boca de qualquer palúrdio. Ainda ontem um miserável anônimo, numa publicação
tão infame como ele, inserta nas generosas colunas do Jornal do Comércio, lançou-me
uma indireta sobre o tal elogio mútuo, e chamando-me bilontra, por contrapeso. Seja
tudo pelo amor de Deus!
Os jornalistas, em vez de confraternizarem, andam todos os dias a notar os erros
dos colegas, sendo que, na maior parte dos casos ri-se o roto do esfarrapado.
Se me sucede tratar algum escritor por amigo, no dia seguinte é infalível um
remoque de Escaravelho, como se não me fosse permitido ter amigos.
O leitor, se não for literato, o que é difícil, pois hoje em dia não ninguém que
o não seja (Até eu!), dirija-se a um por um dos nossos escritores públicos, e peça a
opinião dele sobre qualquer dos seus colegas, indistintamente. Depois de haver
arrecadado vinte ou trinta respostas, meta a mão na consciência e diga-me se é possível
organizar nesta terra uma associação literária sem muita hipocrisia.
Mas pode ser que o Sr. Félix Ferreira seja muito feliz, e que a sua idéia
ótimos resultados. É esse o meu desejo. Pode considerar-me sócio efetivo da Sociedade
Bibliográfica Brasileira.
Eloi, o herói
699
07 de fevereiro de 1886
O jacumaúba do barco, o meu Manoel Carneiro, sempre que lhe digo que não
tenho assunto, arregala os olhos como se me quisesse devorar com eles, enche-se de
indignação, e exclama:
- Sr. Fulano, você não tem o direito de não ter assunto.
Ah! eu bem sei que o sinal mais expressivo da fraqueza de um jornalista é a falta
de assunto, e o leitor é testemunha de que eu faço o que humanamente pode fazer-se
para disfarçar a minha penúria; mas infelizmente casos em que a realidade fala mais
alto que todas as considerações.
Eis-me aqui estou sentado a uma boa mesa, debaixo de uma boa luz, bem
dormido e bem jantado, tendo defronte de mim uma ruma de tiras de ótimo papel, e um
tinteiro hiante, no fundo do qual estão depositados mil tesouros, e uma pena flácida,
obediente, passiva, dos bicos da qual parecem suspensas frases e frases esquecidas a
Grimsel e a Caliban. Tudo convida a escrever. A própria dispepsia, que nestas ocasiões
solenes raramente me abandona, a dispepsia, essa qualidade única, que tenho, de
literato, abandonou-me hoje, para deixar o meu espírito livre e despreocupado.
Infelizmente não são vulgares essas concessões feitas pelo estômago à cabeça.
Pois bem: mergulho no tinteiro a bem intencionada pena, e não arranco daquele
bojo ingrato e negro uma idéia sequer, com que entretenha o leitor.
Debalde interrogo os reporters do Diário de Notícias, que são os primeiros
reporters do mundo. Nem um assassinato! nem um amante desesperado, que resolvesse
experimentar a tal “substância verde”!
não por aí alma danada que assassine o próximo! não por
namorado sem ventura que cabo do próprio canastro! Que será dos cronistas? Meus
pêsames, ó C. de L.!
***
- Hein?...
- Sim?...
- Que dizes?...
- Será possível?...
Essas interrogações são provocadas por um reporter do Diário de Notícias que
acaba de chegar à sala de redação, trazendo debaixo do braço um grandíssimo potin:
O subdelegado de Santa Rita acaba de ser demitido a bem do serviço público.
Rabo de... saião, dizem...
Ora, nesse caso, o subdelegado devia ser demitido, não a bem do serviço, mas da
moralidade pública.
Mas que se pode esperar dos funcionários superiores da nossa polícia, quando os
agentes subalternos são escolhidos entre a canalha mais perigosa e abjeta?
Eloi, o herói
700
08 de fevereiro de 1886
No Jornal do Comércio de ontem, ao passo que no Microcosmo C. de L.
provoca de minha parte certas explicações, que não poderão deixar de ser pessoais, na
Psicologia da imprensa, Escaravelho censura, pela centésima vez, que eu fale tanto da
minha pessoa. Mas bem vêem que, sendo provocado, grande asneira seria deixar passar
certas coisas sem pretexto.
***
Decididamente perco as esperanças de chegar a um acordo com C. de L., que
desta vez me chama o “Sr. de Palanque”, como se dissesse “le sire de Framboisy”. A
zanga, o mau-humor, a intolerância, a ferocidade e o frenesi elegeram morada no
grêmio dos rapazes de letras: ele, C. de L., é manso e civilizado; nós somos botocudos;
frechamo-lo e devoramo-lo!
Pela parte que me toca, sustento e juro que jamais me passou pela idéia comer o
Sr. C. de L.; esse ato de canibalismo naturalmente repugna ao meu estômago, um dos
mais delicados e melindrosos que conheço. Quando muito, devoro todos os domingos
os seus folhetins, e continuarei a devorá-los enquanto o malicioso escritor amenizar
(Chama-se aquilo amenizar) as colunas menores do grande órgão.
Eu poderia citar muitos fatos, para provar que C. de L. nada tem de manso,
embora seja civilizado. “Dos do grupo há um, diz ele, que o Sr. de Palanque conhece, e
que saiu muito fora de propósito a dar como sinônimo de escândalo em polêmica o
nome do colega de quem recebera finezas...” Ora está como se escreve a história!
Esse um fui eu, e todo o meu crime consistiu em dizer, pouco mais ou menos, que o
público o cavaquinho por laetinas e romeiradas. A questão foi bem recente,
escusado é lembrá-la com todos os ff e rr.
Coloque-se o leitor no lugar de C. de L. Faça de conta que se chama Gaspar, por
exemplo, e que teve polêmicas pela imprensa com mais de uma dúzia de indivíduos, e
que nessas polêmicas lhes disse as últimas. Vou eu, e emprego, em vez do vocábulo
diatribe, ou outro qualquer, o neologismo (?) gasparina.
Trata-se agora de conhecer o temperamento do Sr. Gaspar. Se S. S. é irritadiço,
deve realmente zangar-se; se o não é que diabo! lê o meu artigo e daí a meia hora já
se não lembra de semelhante coisa.
Se a mostarda teve forças para subir ao respeitável nariz do Sr. Gaspar, S. S. faz
mutuamente a seguinte reflexão mental:
- Aquele gasparina pede vingança. Devo responder com duas pedras na mão;
atacar sem nem compaixão as veleidades literárias daquele bilontra; dizer que a
Mariquinhas dos apitos é uma arturada, que o Gênio do fogo é uma eloiada; que ele,
Artur, que ele, Eloi, que ele, o Sr. de Palanque, é o autor da Flor de Liz, peça que
escandalizou Braganças e Orleans; que ele foi, é e será eternamente o poeta da Maria
Angu.
Se não ficasse satisfeito com essa justa e merecida gasparina, o bom do Sr.
Gaspar poderia insinuar, por exemplo, que eu havia roubado o sino grande de S.
Francisco de Paula ou o chafariz do largo do Paço.
Mas o meu C. de L., indignado pelo emprego da palavra laetina, não fez o que
faria o Sr. Gaspar. Não ofendeu a minha suscetibilidade de escritor; injuriou
profundamente a dignidade do meu sexo. Não achou outro doesto, senão esse para atirar
a um chefe de família, a um funcionário classificado de uma secretaria de Estado, a um
homem de trabalho, que por si se tem feito e se fará! de convir o leitor que C. de
L. foi muito infeliz na escolha de suas armas.
E outra coisa: o autor do Microcosmo diz pela imprensa o que se pode dizer
em letra redonda; as suas laetinas (eu sustento o termo) não são mais do que o
701
preâmbulo do que assoalha depois nos grupos da rua do Ouvidor, nos cafés, na porta do
Faro.
A sua pena é o arauto da sua língua.
Agora façam o favor de me dizer qual de nós foi mais manso: eu, empregando a
palavra laetina, ou C. de L. chamando-me o que me chamou? O que, entretanto, me
consola é que no Microcosmo de ontem ele declarou-se meu colega...
***
Para provar a sua camaradagem literária, diz C. de L que quer bem ao Sr.
Bocaiúva, que andou de bond com o Sr. Ferreira de Araújo, e que respeita, como deve,
o Sr. Montaury. Essa promiscuidade híbrida e irônica de dois jornalistas ilustres com o
excelente Montaury, que não tem, coitado, a menor pretensão literária, deixa bem
patente o “espírito de fraternidade” de C. de L. Seria melhor, e mais justo, que dissesse:
Respeito, como devo, o Sr. Bocaiúva, e tenho andado de bond com o Sr. Montaury.
***
Declara o malicioso Escaravelho que, se eu o quiser para o número dos meus
amigos, muito gosto lhe darei, contanto que seja para o meu uso particular. A
declaração, com ser honrosa, me parece tão singular, que eu, sem ser ladino como D.
Basílio, olho de esguelha para D. Bartolo (C. de L.) e pergunto a Fígaro (que não
preciso dizer quem é): Qui diable est-ce donc qu’on trompe ici?
Eloi, o herói
702
09 de fevereiro de 1886
seis anos o Sr. José Lino de Almeida Fleming estava estabelecido em Minas,
sua província natal, com uma casa de negócio, que tinha alguma coisa de armazém de
secos e molhados, alguma coisa de armarinho e alguma coisa de loja de fazendas.
Ninguém tinha na futura prosperidade de comércio do Sr. Fleming, e o caso
não era para menos. O negociante, em vez de se entregar de corpo e alma ao negócio,
levava horas e horas encostado ao balcão, fazendo rabiscas e desenhando preguinhos
num papel grosso, esquisitamente pautado.
Os mais inteligentes da localidade afirmavam que aquilo era compor música ;
outros, porém, declaravam alto e bom som que o Sr. Fleming estava doido, opinião esta
que se espalhou com muita intensidade, pois não era raro que o futuro maestro desse
manteiga ao freguês que lhe pedia carretéis de linha, e rapé àquele outro, que ia comprar
açúcar.
Aquela cabeça povoada de rés bemóis e fas sustenidos não regulava bem em
matéria de negócio. O resultado não se fez esperar. A freguesia abalou e o Sr. Fleming
teve que fechar a porta.
Pouco tempo depois, ressoavam nas igrejas de Ouro Preto os ecos da música
sacra, composta pelo ex-negociante entre uma cozinheira que pedia dois vinténs de
banha e uma mulata que reclamava seis metros de chita espanta-boi.
Foi então que se convenceram de que o Sr. Fleming era, não um doido, mas um
artista.
E de tal modo essa convicção penetrou nos espíritos do sueste de Minas, que
ninguém se admirou de que José Lino era assim que o chamavam anunciasse aos
amigos que ia para a Itália aperfeiçoar-se na sua arte.
Resolvido a empreender a viagem, veio para esta Corte, onde tudo se arranjou,
felizmente, graças à generosidade do Imperador e à do Sr. Anardino Borges de Almeida,
irmão do artista.
José Lino partiu em 1881, e logo se matriculou nas aulas do Conservatório de
Milão.
Em pouco tempo vieram as mais lisonjeiras notícias do aproveitamento e da
capacidade do nosso compatriota. Toda a imprensa teceu louvores ao esperançoso
artista, e o Imperador aumentou espontaneamente a mesada que lhe dava do seu
bolsinho.
As composições de Fleming, algumas das quais foram ultimamente aplaudidas
no Club Beethoven, têm sido recebidas na própria Itália com as honras que ali se
dispensam aos mestres. Tenho diante dos olhos um álbum, contendo diversos retalhos
de jornais italianos, colecionados com muita paciência e muito amor fraternal pelo Sr.
Anardino. Cada um desses escritos vale um diploma.
***
Pois bem:
José Lino Fleming chegou ao período em que o compositor de música precisa de
um libreto, para não estar eternamente condenado às romanzas, às sinfonias, às sonatas
e outros trabalhos, para os quais não estão reservados os deslumbramentos do teatro,
que é a terra da promissão de todos os maestros.
Para conseguir o libreto, e travar as indispensáveis relações com empresários,
editores e artistas, o Sr. Fleming precisa daquilo com que se compram melões.
Pende da decisão da assembléia provincial de Minas Gerais um requerimento em
que o nosso compatriota pede a consignação dos meios necessários para honrar a sua
pátria no estrangeiro. Já foi mesmo votada uma quantia anual, mas essa resolução
deixou de ser sancionada pela presidência da província.
703
A assembléia vai reunir-se; vamos! Un bon mouvement, messieurs! dois Carlos
Gomes não são de mais para um país tão grande!
Eloi, o herói
704
10 de fevereiro de 1886
Eu não sei o que seja mais extraordinário: se o Sr. Dr. Meneses Vieira fazer falar
os surdos-mudos ou Sr. Chervin fazer falar os gagos.
Este cavalheiro, delegado pelo Instituto dos Gagos de Paris para estabelecer uma
sucursal nesta Corte, reuniu anteontem, no Liceu de Artes e Oficios, grande número de
convidados, e procedeu à inauguração do Instituto.
Depois do indispensável discurso, o Sr. Chervin apresentou às pessoas presentes
cinco gagos, tão gagos como aquele Sr. Daniel, da orquestra do Sant‟Anna, que não
pode dizer a palavra Corcovado sem dar uma volta e bater três vezes com a ngua no
céu da boca: Thi, thi, thi.
O Sr. Chervin comprometeu-se a curar radicalmente os cinco gagos, e o Sr. Dr.
Soeiro Guarani, que fazia parte da assembléia comissionado pela Imperial Academia de
Medicina, declarou que o acompanharia no tratamento dos enfermos, e oportunamente
apresentaria um relatório circunstanciado à douta corporação.
Felizmente para o auditório, nenhum dos gagos presentes se atreveu a
pronunciar um discurso congra... a... tu... u... latório.
***
Não estou habilitado para ajuizar do método exposto pelo Sr. Chervin, e nunca
tive por costume meter o bedelho naquilo de que não entendo.
Eu não poderia falar do assunto sem gaguejar: prefiro calar-me.
Mas sei por ter lido alguma coisa a esse respeito que muito pouco resultado
se tem obtido dos inúmeros métodos até hoje ensaiados na Europa. O mais apregoado é
o do médico francês Dr. Guillaume, e vem minuciosamente exposto no Dicionário
enciclopédico das ciências morais, segundo diz o precioso e nunca assaz consultado
Larousse.
O Dr. Guillaume experimentou o seu método sobre a sua própria pessoa, e
verificou a eficácia dele por algumas curas obtidas nos hospitais de Paris. Eu não ouvi o
discurso preliminar do Sr. Chervin: será esse mesmo o método que anteontem expôs no
Liceu de Artes e Ofícios?
Seja como for, bom serviço prestará o nosso hóspede, se corrigir esse detestável
vício da palavra em tantos brasileiros, desesperados de figurarem nas discussões do
nosso parlamento.
Quantos entre eles, vítimas do seu temperamento nervoso, não terão
experimentado, no seio da família, o grande recurso das pedrinhas, empregado pelo
famoso Demóstenes, que era gago, e conseguiu finalmente falar melhor que o Sr. Silva
Maia e outros membros das câmaras alta e baixa tão proeminentes quão discretos?
***
Cumprimento, pois, o Sr. Chervin, verdadeiro apóstolo da arte de falar.
Graças lhe sejam dadas, se nunca mais se reproduzir entre nós a conhecida cena
daquele gago que, indo a uma botica comprar ipecacuanha, e pondo-se a dizer:
- -me cinco tostões de ipê... ipe... ipe... ipe... ipe...
obrigou o boticário a interrompê-lo, para gritar:
- Hurrah!...
Eloi, o herói
705
11 de fevereiro de 1886
Horror! Horror! Horror! disse eu ontem três vezes, ao ler as notícias do Norte,
publicadas pelo Jornal do Comércio.
Se o leitor é amigo de sensações fortes, percorra comigo esse noticiário
ensangüentado e tremendo. Dê cá o braço, e comecemos pelo Amazonas.
É uma das mais modestas essa interessante província. Apenas isto: Um soldado
do 15º batalhão foi ferido com duas punhaladas por um oficial do 3º.
Na capital do Pará, Maria Agostinha do Espírito Santo assassinou com uma
punhalada a João Inácio de Oliveira.
No rio Arapixuna, município de Santarém, da mesma província, o escravo
Benedito, de facão em punho, agrediu a uma família inteira, e os moradores do rio
Curuá, no Baixo-Amazonas, foram assaltados por uns 60 índios bravos, da tribo dos
Parintintins, um nome que está a pedir música... e catequese.
Desçamos ao Piauí: No termo de Marvão um fazendeiro importante foi vítima de
um tiro de espingarda, e a estas horas talvez já tenha passado desta para melhor.
A terra da luz, o poético Ceará, não quis ficar atrás: na povoação das Palmeiras,
termo de Maranguape, José da Rocha Aarão foi barbaramente assassinado por quatro
salafrários.
Mas se o leitor quiser horrorizar-se deveras, façamo-nos de vela para
Pernambuco. Leia e pasme:
Em Canhotinho (que pelo nome não perca) foi preso um moedeiro falso.
No lugar denominado Floresta foi assassinado Leonel de Souza Ferraz; um dos
assassinos, Cipriano Queiroz, era criminoso de morte. O outro, José Gomes, foi
ferido pelo filho do assassinado, que correu, de arma em punho, em defesa do pai.
“Os outros delinqüentes conseguiram evadir-se, diz o Jornal do Comércio, e
informa o delegado do termo que José Gomes e Cipriano Queiroz, em janeiro do ano
passado, assassinaram barbaramente a Antonio José Gomes Cauzati, ficando impunes
pela grande proteção de que gozavam na comarca”. Adorável!
No Pau d‟Alho, termo da Muribeca, João Capistrano de Sousa assassinou com
quatro facadas a Manoel da Cunha Leão, e feriu gravemente a Rozenda Maria do
Sacramento.
Em Iguarassu um sujeito, conhecido pela alcunha de Caboclo, feriu mortalmente
com um tiro de pistola a um inspetor de quarteirão.
Na cidade da Vitória, um foguista, empregado na construção da via férrea de
Recife a Caruaru, foi morto a facadas por um limpador de máquinas.
No lugar Macacos, do distrito policial de S. Lourenço da Mata, um carvoeiro
assassinou, também a facadas, a uma mulher com quem vivia e a uma irmã dela.
Como se a tantos facínoras faltasse a terra, o cozinheiro do vapor Itamarati,
ancorado no Porto do Recife, abriu com uma machadinha a cabeça a um moço da
câmara.
A Bahia desta vez é de uma modéstia muito para agradecer. Apenas constava ao
Diário de Notícias que tinha havido em Lençóis, no dia 16 do passado, um grande
conflito entre pessoas dos dois partidos políticos, resultando dele uma morte e um
ferimento; e que a força pública se mantivera em imparcial posição, tratando apenas de
apaziguar os turbulentos.
Por contrapeso, uma gracinha do Sul: em Itajaí, província de Santa Catarina,
João Polezi esfaqueou Raimundo Dias, abriu-lhe o peito e retalhou-lhe o coração!
***
706
Depois desse quadro hediondo, a largos traços pintado, vinham a pelo algumas
considerações filosóficas, que terminassem pela célebre frase: Abrir escolas é fechar
cadeias.
Prefiro calar-me, e expor todas essas vergonhas, que desgraçadamente são muito
comuns, na sua pavorosa e horripilante nudez. Se o leitor recorrer à fonte de onde extrai
o meu artigo, verá que a maior parte desses crimes ficaram impunes. A polícia
representa nessas tragédias o papel do último comparsa quando representa, porque, na
maioria dos casos, nem chega a entrar em cena.
Ah! a nossa polícia! a nossa polícia!
É costume da imprensa compará-la à dos carabineiros de Offenbach. Que
injustiça para aqueles pobres e honestos carabineiros! Eles chegavam toujours trop tard,
mas chegavam; a nossa polícia não chega nem tarde nem nunca...
Eloi, o herói
707
12 de fevereiro de 1886
Sepultou-se ontem o agrônomo brasileiro Luiz Monteiro Caminhoá.
O infeliz moço, sentindo agravarem-se antigos incômodos, que supunha
provenientes do fígado e do baço, dirigiu-se a um clínico muito conhecido, pediu-lhe
que o examinasse e dissesse com toda a franqueza como o achava.
O médico obedeceu, obedeceu demais, porque foi bárbaro e desumano.
- O senhor tem uma dilatação da aorta... trate de por os seus negócios em ordem,
porque não lhe dou muito tempo de vida.
Esse diagnóstico apressou a morte do meu ilustre amigo. Não resignação, não
há filosofia que resista a uma sentença de morte inesperada e brutal.
O pobre Luiz acovardou-se e caiu prostrado no leito, para nunca mais erguer-se.
Teve febre, delirou e morreu.
***
Pois apagou-se uma inteligência honesta e lúcida; calou-se um grande coração,
que abrigava todos os afetos, todos os sentimentos bons e elevados.
Se é certo que o tal médico proferiu aquela medonha verdade, com que intuito o
fez? Que necessidade tinha de por em ordem os seus últimos dias um homem solteiro e
sem filhos, meio misantropo e meio boêmio, que passava a sua existência aqui e ali, na
faina de fiscalizar os engenhos centrais do sul?
Que honrado zelo, que virtude punha ele no exercício desse cargo! Jamais
dobrou a sua energia aos empenhos de poderosas companhias inglesas; o cumprimento
do dever colocava-o ele adiante de todos os interesses e de todas as considerações
pessoais.
Não raro ia além das atribuições a seu cargo, em beneficio da indústria agrícola,
que tanto lhe deve.
Ainda ultimamente tratava de estabelecer, junto aos engenhos centrais de
Campos, de Lorena e de Angra dos Reis, campos de experiência para o cultivo de várias
espécies de cana-de-açúcar. Dessas experiências resultaria o conhecimento prático de
que variedade mais se presta às condições físicas de cada zona, e a conseqüente
vantagem de uma cultura proveitosa e útil. Para adubar os respectivos terrenos, pediu e
obteve do Sr. ministro da Agricultura que mandasse buscar alguns sacos de fosfato de
cal a Fernando de Noronha, e ele próprio os distribuiu pelas respectivas companhias.
Lastimoso será se com a sua morte não se realiza nem frutifica tão boa idéia.
***
Luiz Caminhoá não era um empregado público vulgar, desses que servem de
vontade, e simplesmente para fazer jus à percepção dos seus vencimentos no dia
primeiro. Não. Veja-se o ofício publicado em frente ao seu último relatório, um livro de
cento e tantas páginas, impresso, por ordem do Governo, na Imprensa Nacional. Nesse
oficio refere-se Caminhoá ao seu pesadelo acerbo e constante: “a grande concorrência
que sofre o nosso açúcar comparado com o das colônias francesas, inglesas, holandesas
e espanholas, bem como com o obtido da beterraba melhorada na Europa pela cultura, a
qual fornece até 15% de matéria sacarina, e pelas experiências feitas em Lille, segundo
refere o Journal des Fabricants de sucre de 9 de julho de 1884, 13, 89% de açúcar
cristalizado, com o emprego dos processos industriais aprefeiçoados!”
“Isto prova, dizia ele (indicando ao Governo providências que aumentariam o
seu trabalho e a sua responsabilidade), isto prova a necessidade da fundação de estações
agronômicas montadas pelo Governo, em diferentes reges agrícolas, às quais possam
recorrer, não só os agricultores para as análises dos estrumes da terra e dos seus
produtos, como os industriais para as dosagens do açúcar, melgaço, etc”.
708
Este ardor de dizer ao Governo: -me que fazer não é muito comum nos
nossos funcionários; chama-se a isso, na linguagem egoísta e indiferente das repartições
públicas, “inventar modas” ou “procurar sarna para se coçar”.
***
O homem, que ontem desapareceu para sempre na misteriosa sombra do túmulo,
era um rapaz distinto, muito distinto, que viajara bastante, e trouxera de cada viagem
um novo adorno para o seu espírito. Sabia observar e assimilar. Eu muitas vezes levei
horas esquecidas a ouvir-lhe contar as suas viagens; fazia-o com loquacidade e discrição
admiráveis, exprimindo-se em puro espanhol quando narrava argentinadas de tirar
couro e cabelo, ou falando o genuíno argot do boulevard, quando impingia histórias de
Paris.
***
Descansa, excelente amigo, descansa em paz, e que seja leve a terra que tanto
amaste, e que tanto revolveste e tantas vezes regaste com o teu suor.
Eloi, o herói
709
13 de fevereiro de 1886
O jovem paisagista Ribeiro expõe neste momento em casa do Sr. De Wilde (Sete
de Setembro, 100) nada menos de doze paisagens de dimensões regulares. Em todos
esses quadros encontram-se magníficos detalhes (Deixem passar o galicismo); mas a
impressão geral não é a melhor, diga-se a verdade. O Ribeiro promete, e não promete
pouco, mas tem ainda muito que aprender. Os seus quadros têm todos uma tonalidade
clara, mas o céu é sempre chumbado, escuro, pintado por um pincel temeroso e
vacilante. Em qualquer das telas parece que é a paisagem que ilumina o céu e não o céu
que ilumina a paisagem. Como se vê, o efeito é absolutamente negativo.
O Ribeiro é um dos três discípulos do Grimm, foi o companheiro inseparável do
Caron e do Vasquez, que estão em Paris tratando de aperfeiçoar-se no atelier de
Hanoteau. Porque se desmantelou essa interessante e esperançosa trindade artística? A
generosidade dos que protegeram o Vasquez e o Caron, porque não se estendeu ao
Ribeiro? Por acaso valia este menos que os outros?
***
Além das paisagens a que acima aludi, acham-se atualmente em casa do Sr. De
Wilde outros trabalhos dignos de nota. Treidler, o magistral pintor alemão que há meses
se acha nesta Corte, tem uma vista da praia da Copacabana, que por si lhe daria o
nome que granjeou entre os que nesta terra se ocupam de artes. Langerock também
tem duas ou três paisagens, elegantes como tudo quanto sai da sua graciosa e produtiva
palheta. Não falo de duas grandes paisagens, exuberantes de luz e colorido, assinadas
pelo Castro, um distinto pintor brasileiro, que se sepultou em Vassouras como num
túmulo, porque esses quadros estiveram expostos na rua do Ouvidor; não são novos
para os amadores de pintura. Pode ser que aproximação dessas duas telas contribua para
o mau efeito das do Ribeiro. Há ali tanto vigor de colorido, tanta harmonia nos tons, que
a vista é maquinalmente desviada do Ribeiro e atraída para Castro.
***
O Sr. Vieitas inaugurou, junto ao seu estabelecimento da rua da Quitanda, uma
bonita sala para exposição de objetos de arte. A pintura encontrará ali talvez luz de
mais; os vidros pintados e o mosaico de várias cores, que reveste o soalho, prejudicarão
talvez o efeito artístico dos quadros, que nestas exposições naturalmente pedem
singeleza de acessórios e de ornamentação. Daí a severidade, a modéstia posso dizer
assim dos grandes museus da Europa.
Mas nem eu tenho o direito de criticar o que ninguém ofereceu à minha crítica,
nem o Sr. Vietas, que conhece bem o povo com quem lida, deve sacrificar os interesses
do seu negócio às exigências da arte. Tanto mais que ninguém compreenderia o
sacrifício, e julgaria muita gente reles economia o que era pura e simplesmente,
demonstração de bom gosto.
Nesta sala encontrará o leitor, numa graciosa promiscuidade, alguns trabalhos
insignes do Décio Vilares, esse pintor-poeta, que idealiza mulheres vaporosas, diáfanas,
envolvidas em gases sutis, adornada de flores paradisíacas, e lindos anjinhos louros
com as espigas do Egito e serenas como uma prece. Há em todos os trabalhos deste
excelente artista brasileiro, ao lado dessa vaga e indefinida poesia, que lembra uma
balada alemã, um admirável traço naturalista.
Fazer, embora por alto, a nomenclatura de tudo quanto se pode apreciar na sala
do Sr. Vieitas tomaria um espaço que o Diário de Notícias não pode ceder-me. Ali
encontrará o leitor um quadrinho original de Baron, alguns deliciosos trabalhos de
Abigail de Andrade quadros, troféus, pratos, porcelanas, estatuetas, etc. Chamou-me a
atenção uma paisagem, magnificamente emoldurada, assinada pelo mais distinto dos
nossos amadores. Num dos cantos da moldura achava-se um papelinho com o seguinte
710
letreiro: “50$000”. a moldura vale 25$ a 30$. Naturalmente houve engano; receando
isso mesmo, não me animei a comprar o quadro.
***
Mas a great attraction da sala do Sr. Vieitas é um admirável busto de bronze,
esculpido pelo nosso Rodolfo Bernardelli, o assombroso artista do Cristo e a adúltera.
Que belo trabalho! aqueles olhos sorriem, aquelas narinas dilatam-se, aqueles lábios
agitam-se, aquela fisionomia vive; sangue naquele bronze! E os cabelos? e as rendas
do vestido? e a carne daquele colo? e as linhas daquele pescoço?
A mulher representada pelo busto é a esposa de Luiz Guimarães Junior. Ditosa
morta, chorada nos sonetos de um poeta insigne, imortalizada pelo escopro de um artista
ilustre!
ver, leitor, vá ver, e ainda uma vez terá ocasião de bater palmas ao estatuário
da Faceira.
***
E já que falei de artistas, deixem-me dar parabéns aos povos de Juiz de Fora, que
vão deliciar-se com alguns concertos de Pereira da Costa e Frederico do Nascimento,
dois eminentes professores que desafiam todos os adjetivos candongueiros, que o
Morais e o Aulete me possam fornecer neste momento.
Eloi, o herói
711
14 de fevereiro de 1886
Eu conhecia o Hudson doze anos. Foi o grande Fagundes Varela quem mo
apresentou uma noite, no Café da América, o mais obscuro e o mais escuro
botequim da rua do Ouvidor.
O ilustre poeta do Evangelho nas selvas andava nesse tempo muito ligado ao
Hudson, e escrevia aos poucos, aqui e ali, a lápis, o prefácio das Peregrinas. Era o
Hudson quem aturava as divinas moafas do Varela. Acompanhava enternecido a
progressão fatal da embriaguez, que em vão tentava evitar, e deixava o companheiro
quando o via dormir, a bom dormir, o sono da “nocência”, para não dizer inocência, o
que seria injusto.
Nessas ocasiões, Fagundes Varela tornava-se um marialva temível; gostava até
de rosser le gust, como os valdevinos do tempo da regência. Era realmente precisa a
paciência evangélica de um Hudson para conter o ilustre e desequilibrado amigo.
Sempre afetuoso e condescendente, o homem que ontem morreu desculpava os
desvarios de Varela, não em atenção àquele grande talento, como a uma série de
desgostos, que, aliás, nunca me pareceram atenuante suficiente para tão desregrado
modo de vida. E lá iam os dois de braço dado, fora de horas, caindo aqui, erguendo-se
acolá... O Hudson, que era a sobriedade em pessoa, sujeitava-se aos caprichos das
pernas trôpegas e da cabeça pesada do mavioso poeta, sacrificando assim ao seu afeto e
à sua admiração a própria dignidade pessoal, pois quem os via, ziguezagueando ambos,
dificilmente perceberia que o ébrio era um só.
Como um deles fosse louro e o outro moreno, mas usassem ambos o cabelo à
nazarena e a barba crescida e pontiaguda, dir-se-iam dois Cristos, pintados por diversos
artistas, mas desertados juntos daquelas truculentas bodas do Veronezo.
***
Quando, em 1875, Fagundes Varela morreu em Niterói, o Hudson foi o único
homem de letras que acompanhou ao cemitério de Maruí aqueles preciosos despojos.
Por muito tempo andou inconsolável da perda do amigo; perda que talvez influísse para
a completa transformação do seu caráter.
Eu confesso que não morria de amores pelo Hudson n. 1, porque decididamente
conheci dois Hudsons. O primeiro era um demagogo hirsuto, metido num casacão
antidiluviano, a dar por paus e por pedras, a pretender construir barricadas e demolir
instituições com a pólvora seca do Atalaia, um periódico pequenino, que ele mesmo
impingia por um tostão, na rua do Ouvidor, a conhecidos e estranhos. O segundo, o
Hudson n. 2, era um Hudson de cabelo aparado, meigo, terno, sensível, tendo sempre
nos lábios descorados um sorriso de piedade para aqueles que o ridicularizavam, e
faziam dele o alvo das apupadas impressas.
***
Nesta segunda fase da vida acidentada do Hudson, fase que ele iniciou
empregando-se na casa Farani, e depois no Jornal do Comércio, a sublime preocupação
do bem invadiu-lhe o espírito, desalojando todas as caraminholas políticas que se
achavam dentro. Quem não se lembra de o ver todos os dias abrindo subscrições para
mitigar este sofrimento, para aliviar aquela miséria, pedindo sapatos para as crianças,
pão para as mesas dos asilos, lençóis para os leitos dos hospitais, livros para esta aula
gratuita, remédios para aquela associação benemérita, sempre nessa faina inspirada de
praticar o bem, de distribuir indistintamente esmolas e consolações?
A esta nobre mania, que fez de Otaviano Hudson uma “fisionomia fluminense”,
sacrificou ele até a sua própria intolerância política. Quando lhe disseram que em S.
Cristóvão e na rua do Ipiranga havia dinheiro para os necessitados, ele, o sans cullote, o
escalda favais, o devora-reis, mandou ao diabo as suas barricadas imaginárias, atirou o
712
seu barrete frígio por cima de todos os moinhos... de D. Quixote, e foi convencer-se
de que os pobres auferem também alguma coisa da lista civil da imperial família.
Houve quem babujasse nesse procedimento honroso e bom; mas que diabo!
o pobre rapaz não subiu ao Paço pela escada de Timandro, e, quando desceu, não trazia
nenhuma sinecura em forma de Decreto, nem mesmo a tetéia da Rosa; saiu tão pobre,
tão na drisga (sinônimo, que ele inventou, de quebradeira) como entrara.
***
A sua vida foi toda de privações e sacrifícios; ele contou-ma há muito tempo, no
Engenho Novo, em casa de uns grandes boêmios, ou antes numa tenda de árabe ,
onde passamos uma noite sozinhos, por acaso, sem sabermos ao certo como fôramos ali
parar e que fim tinham levado os donos da casa.
Sofreu, sofreu muito o excelente Hudson, e, no momento em que poderia
começar a fazer alguma coisa por si, pelo seu bem-estar, entregou-se de corpo e alma ao
beneficio alheio. Como admiro essas almas singulares, esses heroísmos serenos e dignos
de celebração!
***
O seu enterro, que se realizou ontem, demonstrou eloqüentemente como era
estimado esse homem que não teve, por bem dizer, uma posição social, nem conseguiu
juntar dinheiro... para si.
Emudeceu a Musa do Povo, que era a Musa dos oprimidos e dos bons. Não mais
lerei aqueles versos honestos, que, se muitas vezes tinham silabas de mais ou silabas de
menos, não deixavam nunca de envolver um pensamento generoso e elevado, meigo e
consolador. Aqueles versos eram o fiel transunto da individualidade de Otaviano
Hudson: algum descuido na forma e a mais pura intenção no fundo.
Ele dava muito que fazer ao coração. O coração matou-o. Vingou-se, o pérfido!
Eloi, o herói
713
16 de fevereiro de 1886
Fui ontem ao Necrotério ver o cadáver da desgraçada Joana, assassinada pela
Exma. Sra. D. Francisca da Silva Castro.
A mártir era uma criança: teria dezesseis anos, quando muito. Os sinais das
sevícias são evidentes em todo o corpo, e o termo da autópsia a que ontem se procedeu
basta, cuido, para abrir as portas da Casa de Correção à desumana senhora.
O cadáver estava estendido numa das mesas do piedoso estabelecimento. Tinha
os braços abertos, como implorando a misericórdia divina para este amaldiçoado país,
onde o homem estrangeiro pode vender o nacional.
Muitas pessoas que se achavam ontem comigo no Necrotério deixavam correr as
lágrimas em fio, contemplando esse cadáver, que seria um revolucionário, se nesta
população heterogênea, composta de elementos tão diversos e tão apáticos, pudesse
haver o espírito das revoluções.
Quanto a mim, esse cadáver ensangüentado fala mais alto que todas as
conferências abolicionistas havidas e por haver; aquelas chagas, putrefatas como a
própria escravidão, são mais eloqüentes que todos os artigos da Gazeta da Tarde
publicados e por publicar.
Donde se infere que a verdadeira propaganda abolicionista é feita pelos próprios
escravocratas. Joana é uma dessas vítimas sacrificadas a uma grande causa. O seu lugar
no empíreo está marcado entre os grandes mártires da liberdade. Aquilo não é um
cadáver: é uma bandeira.
***
Sufraga-se hoje, às 9 horas da manhã, na igreja de S. Francisco de Paula, a alma
de Luiz Caminhoá. O templo regorgitará de amigos, que irão prestar esse derradeiro
tributo de homenagem a um homem que tanto mereceu de sua pátria e dos seus
compatriotas.
Aproveito a circunstância para transcrever alguns trechos de uma carta que me
foi dirigida por pessoa intimamente ligada pelos laços de sangue ao cavalheiro cuja
morte pranteio amargamente:
“Permita que, a bem da verdade, o informe acerca do fato, que refere, de ter Luiz
Caminhoá piorado em virtude de haver dito um médico que ele tratasse de seus
negócios porque tinha pouca vida.
“Desconfiando ele, pelo exame a que procedera o Dr. Jobim, e pelos
medicamentos que lhe receitara, e pelos cuidados que lhe recomendara, padecer de
moléstia do coração, procurou um médico de sua confiança e disse-lhe que, sabendo ser
cardíaco o seu estado, e tendo negócios muito sérios que preparar, e disposições que
fazer, que diagnosticasse francamente, porque ele, Luiz, tinha coragem e sabia tudo. O
médico acreditou e disse-lhe que ele estava afetado de uma dilatação aórtica.
“Depois disto esteve ele comigo, sem apresentar grande diferença em seu estado
moral.
“Poucos dias depois, porém, deu-se um fato muito desagradável, do qual proveio
a sua morte rápida; foi o seguinte:
“Achando-se Luiz naquele estado de saúde, e sendo o hotel *** onde se achava,
pessimamente servido, reclamou várias vezes, talvez com um pouco de impertinência,
mas sempre com razão, contra o serviço e a comida.
“Dando-se com o Sr. ***, um dos proprietários do hotel, a ele se dirigiu uma ou
duas vezes, expondo as suas queixas; mas encontrou vontade da parte desse
indivíduo. Como se desse, dias depois, o caso de estar a carne alterada, talvez pelo
calor, e de ter-lhe feito picardias o criado que servia à mesa, de novo se queixou com a
franqueza que o caracterizava.
714
“Por esse motivo, o Sr. ***, em presença de vários hóspedes do hotel, despediu-
o de um modo insólito. Luiz, gravemente enfermo, quase cai fulminado, não podendo
reagir, por lhe acudir ao coração o sangue, e atordoar-se pelo imprevisto e inesperado
desaire.
“Ao chegar à casa, o seu estado era melindrosíssimo. Seguiu imediatamente para
o hotel Vista Alegre, em Santa Teresa, onde não dormiu nem descansou. No dia
seguinte, indo eu vê-lo, entregou-me uma carta para o Sr. ***, na qual pedia uma
satisfação solene pelo insulto que lhe fizera, valendo-se da sua força física, e do estado
gravíssimo em que se achava ele; no caso de não querer fazê-lo, desafiava-o para um
duelo a pistola; e, ainda no caso de não compreender os seus deveres de cavalheiro, que
se armasse e prevenisse, pois em qualquer parte onde se achassem a vida de um deles
devia pertencer ao outro.
“O seu estado era penivel! Prometi-lhe entregar a carta de desafio; disse-lhe
mesmo que a tinha entregue, e que o Sr.*** prometera dar-lhe uma satisfação. Luiz,
vendo que a satisfação não chegava, caiu de cama, piorou e faleceu.
“A sua preocupação era ter passado aos olhos dos hóspedes do hotel como um
indigno covarde, podendo ter desfeiteado o seu provocador, embora caísse morto ali. No
delírio não falava noutra coisa.
“Prometi vingá-lo; porém, pouco antes de morrer, chamou-me, disse-me que,
como cristão, perdoava ao Sr. *** e exigia, como coisa com que podia contar, que lhe
perdoássemos também.
“Assim o fizemos, esperando que a indignação pública e o remorso o castiguem,
e que ele, ou algum dos seus, venha a sofrer o infalível castigo da Providência”.
Não citei nomes, porque essa carta, escrita logo depois do falecimento de Luiz
Caminhoá, me pareceu apaixonada justamente apaixonada. Resolvam outros entrar
nas minuciosidades que pretendi evitar. Demais, nada disso remedeia tanta desgraça e
dor.
Eloi, o herói
715
17 de fevereiro de 1886
Está nesta Corte um cavalheiro baiano que tem o mau gosto de se chamar
Chuchu e de ser inventor de uma arma que quarenta tiros por minuto. É a primeira
vez, cuido, que um brasileiro concorre com os industriais do velho mundo na confecção
de um terrível instrumento de guerra.
Não sei se foi a grève recente dos hortaliceiros que despertou no ânimo belicoso
deste Chuchu o desejo de dotar a humanidade com mais um agente de destruição. Em
todo caso, a carabina é perfeita, e merece os elogios que a imprensa tem disparado
contra ela. É arma que realmente mata dois mil e quatrocentos homens numa hora. Em
cinco dias o Sr. Chuchu poderia dar cabo de toda a população do Rio de Janeiro!
É provável que outras nações mais belicosas que a nossa enriqueçam o novo
Krupp. E o Sr. Chuchu adquirirá muito mais prestígio e muito mais valor quando for
Chuchu recheado.
***
Uma interessante carta do Sr. F. da S., que mais de uma vez tem honrado estas
colunas:
“Sr. Eloi, o herói Se por um lado V. me tem confundido com a sua
longanimidade ilimitada, dando guarida generosa no De palanque às várias cartas que
tive a dita de lhe dirigir a propósito da idéia do túmulo Sá Noronha, por outro reconheço
agora que de tanto cavalheirismo me adveio o defeito imperdoável de abusar e,
portanto, de importuná-lo de quando em vez.
“Se o meu amigo me houvesse corrido em tempo, estaria hoje livre de tão
distinto escritor. Agora sua alma sua palma. (1)
“Venho retificar o nome de um homem laureado na república das letras teatrais,
nome que por corre trucidado nos anúncios da Fênix Dramática, sem um protesto de
quem quer que seja. O autor do Álvaro da Cunha é João Ferreira da Cruz e não João
Francisco da Cruz. Quando o gênio assombroso de João Caetano dos Santos inundava
de luz o proscênio fluminense, consubstanciado no velho S. Pedro de Alcântara, João
Ferreira da Cruz enriquecia a literatura dramática com belos produtos de um engenho
pouco comum.
“Há de sua lavra nada menos de vinte e duas produções destinadas ao teatro!
Álvaro da Cunha e O louco d’Evora são dois dramas de muito merecimento e
grandes efeitos cênicos. A hilariante comédia Os sebastianistas é de uma ardidura
notável e difícil. Uma lição de gramática, Diabo, defunto e militar e outras, e muitas
outras peças que ora me não ocorrem, constituem uma, como hoje se diz, fábrica de
gargalhadas desopilantes.
“João Ferreira da Cruz foi membro do Conservatório Dramático durante a
presidência Bivar, e tem a ventura de viver ainda rijo e fero a despeito dos seus
quase setenta.
“O que eu não sei é como este notável dramaturgo e distinto comediógrafo, que
deliciou o nosso público de há vinte, de há trinta anos, e que ainda hoje enche as
medidas dos freqüentadores da Fênix; o que eu ignoro é como ele o poeta pôde
conciliar Mercúrio com os manes de Gil Vicente, sem se comprometer, a ponto de,
quase ao mesmo tempo, vender um retalho de chita francesa e produzir e engendrar
umas daquelas furibundas apóstrofes de D. Fernando Coelho, do Cavalheiro de
Alcácer-Quibir!
“João Ferreira da Cruz ainda hoje tem negócio na rua do Miguel de Frias, e, se
deixou de fabricar dramas e comédias, não deu de mão à oficina, que dirige, de roupas
sob medida e outras que são operadas ad libitum.
“Do seu, por simpatia – F. da S.”.
716
***
Como apêndice a essa carta, direi que no Brasil um comediógrafo chamado
João Francisco da Cruz, autor de uma comédia intitulada O lavrador sovina, impressa
no Maranhão, em 1867 ou 1868.
Um notável escritor maranhense, que faz hoje parte da redação de uma folha
diária desta Corte, escreveu um prefácio para essa comédia, o qual principiava assim:
“O sarcófago do tempo reanima-se e vagueia na penumbra da imensidade da vida,
quando, tocando o lirismo do poeta, o torna diáfano e precursor da humanidade”.
Escusado é, pois, dizer de que força era o comediógrafo, que tomou a sério o prefácio.
Chegando à capital daquela província uma companhia dramática, João Francisco
da Cruz propôs-lhe a representação do Lavrador sovina.
O falecido Vicente Pontes de Oliveira, o empresário, era um refinado patusco.
Prometeu representar a peça, mas, depois de sucessivas e numerosas desculpas, disse ao
autor:
- Eu vou falar-lhe francamente: a sua comédia não pode ser representada.
- Porque?
- Porque falta-me um calembourg; o encomendei a um amigo do Rio, e estou
à espera dele. O senhor bem sabe que no Maranhão não há calembourgs.
O pobre autor não sabia o que era calembourg, palavra que não estava naquele
tempo muito vulgarizada; mas não quis dar o braço a torcer. Foi para casa e procurou
calembourg no dicionário de Morais: letra C, letra K, não achou nada!
Desesperado, consultou um amigo que, industriado sobre a mistificação, disse-
lhe que calembourg era o nome que no teatro se dava às atrizes encarregadas dos papéis
de ingênuas.
João Francisco da Cruz dirigiu-se então ao Vicente, e disse-lhe:
- Meu caro, eu tenho tanta vontade de ver quanto antes em cena a minha
comédia, que não hesito em sacrificar estas suíças, e servir de calembourg.
O empresário não aceitou a proposta. Fez mal: ganharia muito dinheiro.
***
se vê, pois, que entre João Ferreira da Cruz, autor de D. Álvaro da Cunha, e
João Francisco da Cruz, autor do Lavrador sovina, há um abismo.
Eloi, o herói
______________
(1) Escusado é dizer que as cartas do Sr. F. da S. me dão sempre muita honra e muita satisfação.
E, o h
717
19 de fevereiro de 1886
Estive na Candelária. O velho coro da igreja está convertido em atelier. Rodolfo
Bernardelli trabalha ali, ao lado de João Zeferino da Costa.
[ ] por meio de tábuas e mais tábuas, postas umas sobre as outras, [ ] por uma
escada improvisada [ ] solidez um tanto duvidosa. Ninguém se aventure àquelas alturas
sem [ ] alguns rudimentos de ginástica [ ] lazer, pelo sim, pelo [ ] disposições
testamentárias. Mas vale a pena o sacrifício, palavra de honra!
João Zeferino trabalha no projeto para a decoração do corpo da igreja. O que
está imaginado é esplendido. No teto seis grandes quadros históricos, representando
(Deixem-me ver se me lembro)... representando: o 1º, a partida de Antonio Martins da
Palma e sua mulher Leonor Gonçalves de Lisboa para a Índia em princípios do
século XVII; o 2º, a tempestade no alto mar, durante a qual os dois piedosos viajantes
fizeram o voto de levantar uma ermida consagrada à Virgem Santíssima, sob a
invocação de N. S. da Candelária, na primeira terra a que aportassem; o 3º, a chegada ao
Rio de Janeiro da caravela em que iam Palma e Leonor Gonçalves; o 4º, a inauguração
da ermida; o 5º, a trasladação das imagens para o novo templo, em 1811; o 6º,
finalmente, a igreja tal qual ficará depois de concluídas todas as obras.
A decoração da parede fronteira ao altar-mor, a começar do coro, não é menos
trabalhosa, nem prova com menos eloqüência o alevantado talento do pintor. É um
vasto quadro, todo impregnado de misticismo e poesia, representando a glorificação da
Virgem. João Zeferino aproveitou as janelas que oportunamente serão revestidas de
vitraux, e assim conseguiu admiráveis efeitos de perspectiva. Nesse quadro alegórico,
abundante de flores e de nuvens, figurarão os benfeitores da irmandade, e algumas das
pessoas notáveis do nosso tempo e da nossa terra. Sua Majestade o Imperador, que
está, recomendou ao artista que se não esquecesse de Carlos Gomes.
O nome de João Zeferino da Costa ficará imortalizado na Canderia.
***
Rodolfo Bernardelli mostrou-me uma bela estatueta de S. Marcos, destinada à
igreja da Cruz dos Militares, o esboço para uma estátua de Alencar, outro para o
monumento Osório, e mais uma medalha comemorativa da exploração Capelo e Ivens, a
qual tem de ser modelada em ouro, e ainda uma Nossa Senhora para a Candelária, e
mais...
E mais um admirável busto de José White, o insigne violinista. Faltam-me
palavras para exprimir a impressão que me causou esse estupendo trabalho. Mas é
preciso apreciá-lo assim, em barro, ao sair das mãos divinas do artista, antes da
fundição, que fatalmente lhe tirará um pouco daquela espontaneidade, daquela vida.
Sim, José White vive e palpita naquele pedaço de barro. Que expressão no olhar, que
mobilidade na fisionomia, que sensualidade nos lábios, que delicadeza geral de linhas e
contornos! Agora, sim, agora compreendo que o Padre Eterno fizesse de barro o
primeiro homem. Foi preciso que viesse o Bernardelli edificar-me sobre essa duvidosa
passagem da Bíblia, e acender no meu peito a crença, prestes a desvanecer-se.
***
A propósito:
Quanto julga o leitor que pagaram ao Almeida Reis pela estátua do Progresso,
que atualmente adorna a parte externa da estação central da estrada de ferro D. Pedro II?
Um conto e quinhentos mil réis!...
Diga-se... em honra do generoso pagador... que não houve ajuste prévio entre o
artista e ele.
O Sr. Ewbanck encomendou a estátua, uma estátua de quatro metros ; o
Almeida Reis executou-a a contento da crítica mais exigente; tomou sob sua imediata
718
responsabilidade o serviço da fundição em bronze, serviço que, seja dito de passagem,
honra imenso os operários das oficinas da Pedro II; e colocou a estátua no seu lugar,
sabe Deus com que sustos e dificuldades. Todo esse trabalho levou-lhe um ano, um ano
em que não pensou noutra coisa, um ano durante o qual despendeu em matéria-prima e
remunerações a imprescindíveis auxiliares quantia superior ao conto e quinhentos que
acaba de receber dos cofres públicos.
***
Enfim, o Almeida Reis que se por muito feliz de lhe haverem pago esse
pouco, embora pouco, em vez de lhe exigirem, ainda em cima, dinheiro para ocorrer às
despesas miúdas.
Meu querido artista, nunca mais caia na asneira de fazer estátuas sem
primeiramente por o preto no branco. Quando lhe encomendarem a Justiça, personagem
abstrato que nesta terra dará um ótimo pendant ao Progresso, não para a oficina sem
escala pelo cartório de um tabelião qualquer.
Eloi, o herói
719
20 de fevereiro de 1886
Devem todos estar lembrados da questão Rodrigues Lima, que tantos protestos
provocou. A coisa passou-se do seguinte modo:
Anunciado um concurso para provimento da cadeira de clínica obstétrica e
ginecológica da Faculdade de Medicina da Bahia, inscreveram-se três candidatos, os
Srs. Drs. Antonio Rodrigues Lima, Climério Cardoso de Oliveira e Deocleciano Ramos.
O Dr. Rodrigues Lima foi, por unanimidade, classificado em primeiro lugar, e a
respectiva congregação propôs ao Governo que fosse ele o nomeado.
Mas o Governo fez ouvidos de mercador, e nomeou o Dr. Climério.
Mal se divulgou na capital da Bahia a notícia dessa nomeação, de toda parte
surgiram protestos e mais protestos. No dia seguinte os estudantes reuniram-se numa
das salas do edifício da Faculdade, mas “em meio da reunião, disse o Jornal de
Notícias, apareceu o Dr. Pacifico, e fez ver que a discussão perturbava a ordem dos
trabalhos”.
À vista desta declaração, que não podia deixar de ser de um pacífico, a rapaziada
foi para a praça pública, e resolveu promover uma brilhante recepção ao preterido, que
era então esperado desta Corte, onde se achava, naturalmente procurando a justiça nas
ante-salas da Secretaria do Império.
A mocidade acadêmica organizou comissões, expediu telegramas à imprensa da
Corte, promoveu novos meetings; para encurtar razões: tantas fez, que o povo tomou a
coisa ao sério, e o Dr. Rodrigues Lima teve na cidade de S. Salvador uma entrada
verdadeiramente triunfal.
***
É ocasião de dizer a que propósito vem o meu artigo, que pode a mais de um
leitor parecer serôdio.
A comissão acadêmica, incumbida de dirigir os festejos, reuniu em folheto as
notícias e artigos que sobre o assunto apareceram na imprensa. Um exemplar desse
folheto, nitidamente impresso, foi-me obsequiosamente remetido com uma lisonjeira
dedicatória, que muito me penhorou.
***
Continuemos:
Chovia na ocasião em que o Sr. Dr. Rodrigues Lima saltou do vapor para o
escaler. “Aquele estado da atmosfera significava alguma coisa, diz o folheto. Ao
presenciá-lo, quem escreve estas linhas julgou ver a ciência, que chorava, por ter sido
maltratada pelo defensor perpétuo do Brasil”.
Felizmente a ciência chora, sim, mas não “faz manha”, como as crianças
malcriadas. “Quando o Dr. Rodrigues Lima passava do escaler para o seio dos
representantes da Academia, diz ainda o folheto, deu-se uma coincidência feliz:
rasgaram-se as nuvens, e o sol, até então oculto, mostrou-se com os mil
deslumbramentos próprios ao rei dos astros. Parece que ele guardara-se para
cumprimentar o outro astro. E desse modo encontraram-se os dois sóis”. Foi, realmente,
uma coincidência notável.
Depois do desembarque, e durante a passeata, houve discursos à ufa, e, entre
estes, alguns que tresandavam a petróleo. Um sextanista, lembrando que a Imperatriz
quebrara um braço, lamentou que o Imperador não tivesse quebrado o pescoço. Outro
disse que era indispensável quebrar a ponta do “lápis fatídico”. Entre o pescoço e o
lápis, Sua Majestade preferirá sem dúvida quebrar o último.
O Sr. Dr. Aristides Spinola, no seu discurso, fez um ameaço de calembourg:
chamou o Sr. barão de Mamoré barão de Mamará.
A manifestação terminou, como todas as manifestações, por um copo d‟água.
720
***
Do Dr. Climério nada nos diz o folheto. A congregação deu-lhe posse? Os
estudantes freqüentarão o seu curso, quando se abrirem as aulas?
Ora adeus! talvez esteja ali um futuro professor notável. O Dr. Climério, se
realmente é o ignorantão de que trata o folheto, dentro em alguns anos terá aprendido
com os discípulos, tal qual o famoso Fritz da Gran Duquesa.
Eloi, o herói
721
21 de fevereiro de 1886
O paginador do Diário de Notícias declara que não lugar para o Palanque.
Mas eu não posso adiar por mais tempo os sinceros parabéns que devo ao jovem poeta
dos Pâmpanos, o Sr. Rodrigo Otávio, herdeiro de um nome ilustre e simpático.
A leitura deste livrinho, impresso a capricho nas oficinas Leuzinger, satisfaz
plenamente nestes tempos climatéricos para a poesia nacional.
Escolho ao acaso um dos sonetos do Sr. Rodrigo Otávio para enfeitar a minha
prosa por demais prosaica. Leiam-no, e digam-me francamente se não muito que
esperar de um moço que tem tão afinada a corda lírica. Ei-lo:
“Eu lembro-me de ti saudosamente,
Ó camena gentil que eu tanto amava,
Quando me vinhas segredar tremente
Umas frases de amor, que eu decorava.
Como eras bela então, como elegante
Era o teu lindo corpo gracioso,
Se eu te fitava ante sentia um gozo
No teu olhar tão negro e tão brilhante.
Não sei que fim levaste; certamente
Já minha imagem te fugiu da mente,
Como do inverno a tímida andorinha.
Contudo esquece um pouco o teu delito
Quando leres um dia este soneto,
E lembra-te de mim, senhora minha”.
O acaso não favoreceu o poeta; naquelas cento e vinte páginas coisa melhor,
muito melhor.
***
O autor da Carta anônima Figueiredo Coimbra um rapazito de vinte anos e
vinte mil ilusões douradas, deve também qualquer dia publicar o seu volume de versos.
Enquanto a leitora não tem ao seu dispor a coleção inteira, aprecie o seguinte
soneto (Muito gostam de sonetos estes rapazes!): é um mimo de apaixonada singeleza.
Intitula-se Celeste:
“Meiga ou severa, humilde ou majestosa,
Quando passas, teu vulto resplandece,
Como uma estrela pelo céu, formosa,
Que vai fulgindo e que desaparece.
Vejo-te sempre em toda a parte, airosa,
E a tua imagem deslumbrante cresce
Através de uma nuvem cor-de-rosa,
Por onde a estátua dos meus sonhos desce.
Depor-te aos pés meu coração fervente
Eis a ventura por que anseio... Os laços
Do teu amor prendam-se aos meus desejos,
722
Para gozar desta paixão ardente
À divinal carícia dos teus braços,
À melodia eterna dos teus beijos!”
***
O José de Melo (Não digo “o meu amigo José de Melo” para não irritar os
nervos do meu não menos amigo Escaravelho) acaba neste momento, seis horas da
tarde, de me remeter um bonito volume intitulado Memórias de um sapatinho, e que ó
caso raro e digno de memória! não é editado pelo Sr. David Corazzi. O editor é o Sr.
Tomaz de Melo, e palpita-me, não sei porque, mas palpita-me, que não é outro o autor.
O prólogo, escrito com muito aticismo por Fernando Leal, é um aperitivo que abre
imperiosamente a vontade de devorar... o volume. É o que vou fazer esta noite. Depois
falaremos.
Esquecia-me dizer que na capa destas Memórias ostenta-se um desenho de
Bordalo Pinheiro, interessante como tudo quanto sai do lápis espirituoso, que por tanto
tempo foi o terror do Sr. Fontes Pereira de Melo.
***
Cá está o paginador às voltas comigo...
É já... só uma dúzia de linhas, e dou-lhe os originais.
***
O artigo que L’Étoile du Sud consagra à memória de Otaviano Hudson começa
por este período isolado:
“Il vient de mourir à Rio de Janeiro um homme de bien!”
Acho muita graça naquele ponto de admiração.
***
Pronto, Sr. paginador!
Eloi, o herói
723
22 de fevereiro de 1886
Vai hoje ser julgado o Sr. Henrique de Wanderlei Müler de Campos, ex-escrivão
do Monte-Pio dos Servidores do Estado.
Esse infeliz cidadão está sob o peso de uma acusação tremenda: imputam-lhe o
crime de haver incendiado o edifício da sua repartição, para fazer desaparecer as provas
do desvio de dinheiros que lhe foram confiados.
***
De todos os criminosos é o incendiário aquele que mais horror me infunde. O
incêndio abrange e ultrapassa todos os outros crimes: incendiar é pior que roubar e
assassinar, porque o incendiário não sabe quanto rouba nem quantos assassina. Um
miserável fósforo pode reduzir a cinzas uma cidade e matar uma população inteira.
Lançar fogo a um edifício é o requinte da perversidade humana.
***
Pois bem: acompanhei o processo do Sr. Müler de Campos, e, em consciência,
não sei se realmente foi ele o autor do incêndio que, na noite de 5 de Setembro último,
tanta sensação causou nesta cidade. Não provas positivas, e mais hediondo que o
próprio crime seria o erro judiciário que condenasse um inocente.
Fique, entretanto, bem entendido que não meto a mão no fogo pelo acusado.
Conheci-o no seio de sua família, feliz, alegre, despreocupado, vivendo para a esposa e
os filhos, e tive-o sempre na conta de homem honrado, afetuoso e bom, incapaz da
infâmia de que o acusam.
Mas a hipocrisia humana é um abismo sem fundo, e os caracteres transformam-
se, como as borboletas.
Um desvario de momento poderia levar Catão a ficar com alguns sestércios que
não eram seus, e a imitar Erostrato, para apagar os vestígios da sua vergonha.
Infelizmente os crimes não são filhos apenas do temperamento ou da educação
dos criminosos; algumas vezes são verdadeiros casos patológicos. Uma gota de sangue
pode metamorfosear em reles gatuno um indivíduo honesto. E a mulher? ... e esse
misterioso agente da corrupção dos homens?
Se a dignidade fosse uma coisa imutável, se não estivesse, como tudo neste
mundo, sujeita à transformação, que é a lei suprema da natureza, eu diria bem alto que
aquele Müler de Campos, que conheci, é tão inocente como eu do crime que lhe
imputam.
***
Li o folheto que o acusado ultimamente publicou, e os honrosos atestados
anexos a essa exposição, que, apesar de mal alinhavada, até certo ponto o justifica.
Leiam-na também os Srs. Jurados e comparem o que ali se diz com o que disser
o órgão da justiça pública. desse composto poderá resultar seguro juízo sobre a
culpabilidade ou inocência do ex-escrivão do Monte-Pio.
***
Acusai-o ou absolvei-o, segundo a vossa consciência. Mas se a sessão de hoje
não esclarecer melhor este processo, se o apresentarem ao júri tão manco, tão
incompleto como até hoje o tem apresentado ao público, restitua à desolada esposa e aos
filhinhos inocentes esse desgraçado moço, digno de melhor sorte.
Eloi, o herói
724
23 de fevereiro de 1886
No dia 2 do corrente foi publicado o último numero do Publicador maranhense,
decano dos órgãos da imprensa do Maranhão.
Fundado pelo Sr. Inácio José Ferreira, cavalheiro a quem muito devem as letras
nacionais, pois espontaneamente editou tudo quanto João Francisco Lisboa escreveu e
deu à luz naquela província, o Publicador maranhense viveu quarenta e três anos e sete
meses incompletos: o seu primeiro número traz a data de 9 de julho de 1842.
O Sr. Inácio Ferreira é talvez o último representante daquele Maranhão literário
que de muito deixou de existir. Até à última trabalhou heroicamente para salvar o seu
querido jornal. Baldados foram os seus esforços: teve que sacrificar o orgulho, como
sacrificara a fortuna. Ultimamente o Publicador vivia apenas do seu passado.
E que passado! O seu primeiro redator foi João Francisco Lisboa. Naquele
tempo o grande escritor, que devia, onze anos mais tarde, enriquecer a literatura
brasileira com o seu Jornal de Timon, estudo social de primeira ordem, pintura de
costumes admiravelmente traçada, profunda lição de história pátria e universal, o grande
escritor, ia eu dizendo, em boa hora divorciara-se da política, para entregar-se
exclusivamente às letras.
Em 2 de Janeiro de 1838 fundava ele a Crônica Maranhense, firmando, logo nos
primeiros números, a invejável reputação que o acompanhou até o túmulo e acompanha-
lona posteridade. Poucos dias depois, os seus inimigos políticos apresentavam-no
como principal instigador da estúpida revolução conhecida pelo nome de Balaiada;
eloqüentes artigos livraram-no dessa calúnia tola e miserável. Em 1840 apresentou o seu
nome como candidato à deputação geral. Ninguém mais do que ele prestara serviços à
causa liberal, a cujo partido se filiara desde criança. Custa a crer que a sua candidatura
fosse traiçoeiramente guerreada pelos próprios chefes do partido. O famoso jornalista,
que era um dos mais elevados caracteres do seu tempo, não articulou uma queixa:
suspendeu a publicação do seu periódico, e recolheu-se à vida privada. Eis algumas
palavras transcritas do artigo com que se despediu do público, artigo que é um exemplo
edificante de resignação e cordura:
“O redator da Crônica, João Francisco Lisboa, julga de seu dever declarar que
não tem desistido da sua candidatura à deputação geral, mas também que se retira do
campo da política, onde tantos anos combate, correndo a mesma fortuna que os seus
amigos.
“As mais ponderosas considerações o obrigam a este procedimento; outras
considerações, porém, de não menos força o obrigam a adiar as explicações que a tal
respeito lhe cumpria dar. Mas ainda que sem estas explicações desde já, temos fé que os
nossos amigos políticos, que no espaço destes oito anos nunca nos viram afrouxar,
mesmo nos dias mais difíceis, na defesa da causa que havíamos esposado, não se
persuadirão por certo que damos baixa do serviço no momento em que provavelmente
ia triunfar essa mesma causa, sem que sejamos impelido a essa resolução, não por
motivos de brio e pundonor, como pelos do mais rigoroso dever. Digamos mais, com a
nossa resolução fazemos sacrifícios, de que bem poucos seriam capazes nas nossas
circunstâncias.
“Desejamos sinceramente que este nosso procedimento em nada altere a posição
dos dois partidos; mas, não querendo agora obter um voto para emprego algum,
desejamos também que por nosso respeito ninguém se comprometa ou tome o menor
incômodo”.
Lidas essas palavras, facilmente se compreenderá com que pungente ironia foi
escrito o artigo-programa do Publicador maranhense. Felizmente posso dá-lo aqui por
extenso aos meus leitores:
725
“Convidado a tomar a redação deste jornal, julgamos indispensável dizer alguma
coisa, em feição de prospecto, sobre a direção que pretendemos dar-lhe.
“Não faltam órgãos à política; os seus ódios se envenenam cada dia, e, em falta
de lugar onde se rasguem novas feridas, os campeões que andam travados na luta
revolvem os punhais nas feridas já abertas.
“Imitá-los seria nada fazer para romper a monotonia de tais discussões; a
sociedade tem outros interesses que cumpre advogar e satisfazer.
“Em primeiro lugar as notícias políticas e comerciais, tanto nacionais como
estrangeiras, depois a legislação e os atos do governo; e finalmente variedades que
instruem, recreando, eis aí com que encheremos o quadro deste jornal.
“A exemplo de todos os jornais da Europa, extractaremos das colunas dos nossos
colegas os artigos que mais interessantes nos parecerem sobre as questões que forem
ocorrendo, guardando nisso, como em tudo o mais, uma rigorosa neutralidade entre os
diversos partidos. Não só é essa uma das condições da empresa a que nos ligamos,
como por outra parte não temos a honra de pertencer-lhes nem pelas nossas convicções,
nem pelos nossos interesses”.
Além de João Lisboa, outros luminares da imprensa maranhense honraram as
colunas do Publicador. Entre estes, Francisco Sotero dos Reis, o eminente filólogo, e
Antonio Henriques Leal, que ali publicou os bons artigos que deviam mais tarde
constituir o magnífico volume das Locubrações.
***
Tendo eu transcrito o primeiro artigo do Publicador Maranhense, vou
transcrever também o último. Parece-me curioso registrá-los ambos nestas colunas:
“Retira-se hoje da arena jornalística o Publicador Maranhense. Durante o longo
espaço de quarenta e quatro anos procurou conquistar a estima pública, os favores da
opinião esclarecida, pelo amor à liberdade, pelo respeito à ordem, pelo culto à religião e
ao dever. Mas, se mereceu felizmente a estima desta ilustrada população, não pôde
conquistar-lhe os favores; foi rude e porfiosa a luta, incessante e penoso o labor; teve
porém de ceder às circunstâncias, mais fortes que sua vontade, e não é sem íntima
saudade, que se despede de seus companheiros, e sai do teatro onde mereceu outrora
não mercadejados aplausos.
“Como os livros, têm os jornais seu destino; a uns bafeja a fortuna, e quase sem
esforço chegam à prosperidade; outros porém esgotam em pura perda a seiva do talento
e a energia da vontade, e se conseguem protrair por alguns anos a luta desalentada e
triste, cedem afinal ao destino, e põem termo à lenta agonia, a que davam o nome de
existência.
“Coube ao Publicador este destino, e, ao retirar-se vencido, seja-lhe permitido
declarar bem alto que não o mereceu, e fez o que era possível para mudá-lo.
“Com efeito, os talentos mais festejados desta ilustrada província sucederam-se
na redação desta folha; e para não falar senão dos mortos, recordaremos dois nomes
apenas, sem dúvida os mais notáveis e os que maiores saudades despertam.
“João Lisboa e Sotero dos Reis ilustraram com seus escritos as colunas do
Publicador; e ninguém dirá que tenham sido, não diremos excedidas, mas entre nós
igualadas, a mágica eloqüência, a beleza inimitável do estilo de um, nem a elegância e
vernaculidade da frase puríssima do outro.
“A política na mais elevada acepção do termo, os interesses públicos, as
questões mais vitais à prosperidade da pátria, tudo, em uma palavra, que pode educar o
povo, e levantar-lhe o ânimo, foi magistralmente estudado e exposto nas páginas desta
folha por aqueles insignes maranhenses, cujos nomes temos todos na memória, e cujo
726
exemplo deve ser imitado por aqueles que não desesperam da liberdade e confiam nas
instituições que nos regem.
“Mas, baldado esforço! a indiferença abafava a palavra do gênio, e os
esplendores que dele irradiavam, serviam apenas para tornar mais visível a
impossibilidade, de dia em dia aumentada, da continuação da folha, que lhe dava ao
pensamento corpo, e à voz um eco inextinguível.
“Chegou finalmente o momento em que foi impossível conjurar a catástrofe; e
avalie o público o pesar com que o honrado proprietário desta folha, exausto de força
pelos anos e ainda mais pelos infortúnios, o seu desaparecimento, e esvaírem-se com
ele as gratas ilusões de seus melhores dias.
“Ao retiro a que se acolhe, e em que os afagos da família lhe suavizam as
amarguras da existência, leva consigo a certeza de não ter em tempo algum traído seus
deveres, e prostituído a missão da imprensa moralizada. Homem de ordem, mas sincero
amigo da liberdade, nunca franqueou as colunas do seu jornal aos furores dos
anarquistas, nem tampouco às explorações dos déspotas. As páginas do Publicador
Maranhense, ainda nos tempos de maior vertigem partidária, nunca se abriram às
explosões de ódio, que devassa o lar doméstico, e deleita-se em expor ao público o que
tem de mais íntimo a família.
“A tristeza com que se retira das lides jornalísticas é ao menos extreme de
remorsos; espera a confissão desta verdade de seus companheiros da imprensa, a todos
os quais envia com o adeus da despedida o testemunho de seu reconhecimento”.
***
Envio os meus sentimentos ao venerando Sr. Inácio José Ferreira. Que não
percam eles, neste trajeto de seiscentas léguas, o seu caráter de comovida sinceridade, e
possam consolar o pobre velho que neste momento chora sobre o edifício derrocado das
suas ilusões, e o a sombra de um arbusto num terreno plantado com tanto amor e
tanta solicitude.
Eloi, o herói
727
24 de fevereiro de 1886
Fui ontem ao escritório da Gazeta de Notícias ler o artigo que o tal Dr. J. B. Poli
inseriu na Pátria Italiana, de Buenos Aires.
É um acervo de insolências e de calúnias, escritas num estilo com pretensões a
espirituoso, mas supinamente ridículo e sensaborão. O Dr. Poli fez jus não à carga de
pau com que de todos os pontos o ameaçam mas a uma tremenda apupada, que o
obrigue a mudar de ares dentro em vinte e quatro horas.
Posso afiançar que numa cidade província o tal doutor da mula russa não ficaria
impune. a estas horas estaria entregue ao domínio da molecagem, ou homiciado, por
amor da pele, debaixo de coberta enxuta.
Se se tratasse de um homem importante, gozando de toda a consideração social,
o caso mudava de figura e eu seria o primeiro a colocar-me na frente de meia dúzia de
rapagões decididos, para intimar-lhe que se pusesse ao fresco, e quanto antes.
Mas o Dr. Poli é um homem ridículo, uma espécie de caboclo de Niterói, que
cura todas as moléstias e salva todos os desenganados por meio de uma medicina nova,
por ele inventada ou só por ele exercida: a septipatia. Dentro em pouco esta pomada terá
o mesmo destino que a famosa erva homeriana, e
....quel gran medici,
Dottore enciclopédico,
andará por essas ruas fazendo rir o próximo, como o Castro Urso, o príncipe Obá e o
Bacharel.
A septipatia, afirma o Dulcamara da rua do Sacramento, é eficaz na cura dos
cancros. Pois cure-se o homem a si próprio, pois não conheço pior cancro, nem mais
repelente, que o ingrato que paga a coices aqueles que o acolhem e toleram.
***
Entretanto, estou talvez neste momento cometendo um pecado de que tenha mais
tarde que dar contas ao Altíssimo. me disseram que o Dr. Poli tem macaquinhos no
cérebro; que não é tal ingrato, mas simplesmente maluco.
Na realidade, assim se compreende que esse desastrado lance
imprudentemente semelhante provocação à face de uma sociedade inteira.
Têm havido e entre nós muitos Polis (alguns conheço eu...), que se
empanturram do nosso feijão preto, e lambem o beiço, gozam do nosso liberalismo e da
nossa liberalidade, dão-se perfeitamente com este clima caluniado, mas escrevem cobras
e lagartos contra o Brasil e os brasileiros. Mas esses miseráveis espojam-se no chiqueiro
do anonimato; não têm a coragem de assinar o que rabiscam.
Essa coragem só a tem os doidos. O Dr. Poli é naturalmente um idiota. Mas, se o
não é, por singular condescendência do povo fluminense continuará a residir neste
país.
***
Conta o Brasil mais uma província. É o Diário Oficial que o diz; a notícia não
pode ser mais autorizada:
“Ao Diretor Geral dos Correios, para mandar admitir na administração dos
correios da província de Ouro Preto, como praticante da mesma administração, o
carteiro Francisco de Assis Dias Ribeiro”.
Recomendo ao Sr. Moreira Pinto, autor do Dicionário de geografia, essa
importante declaração do “órgão do governo”.
Eloi, o herói
728
26 de fevereiro de 1886
Decididamente o capitão Martinez é de um caiporismo que nem o de Simão
Quarenta.
Enorme concorrência chamou ontem a anunciada ascensão do aeróstato
Relâmpago. Mas toda aquela gente foi a Roma e não viu o Papa. O capitão Martinez
não conseguiu elevar-se a uma altura maior de vinte metros, o que quer dizer que não
conseguiu elevar-se na opinião pública. O balão rasgou-se ao subir, e caiu para o lado
como um saco vazio. Alguns indivíduos, que pescam da matéria, afiançavam que,
mesmo quando o balão se não rasgasse, seria impossível subir muito alto, pois não
estava convenientemente cheio.
Em todo o caso, o público a princípio deu o cavaco; mas, afinal, como o capitão
Martinez fizesse alguns exercícios numa barra fixa, retirou-se contente e satisfeito. O
público fluminense é o ideal dos públicos!
***
Eu disse, ao principiar, que o capitão Martinez é caipora. O contrário devo dizer:
é até muito feliz, pois sem arriscar a pele embolsou tanto dinheiro.
Confesso que acho de um heroísmo assombroso o indivíduo que se aventura às
regiões aéreas, suspenso num trapézio. Mas hão de convir também que não nada
mais estúpido. Eu levo a minha condescendência até o ponto de admitir uma tourada:
é a luta do racional contra o irracional vamos adiante; considero a ginástica precioso
elemento de educação; mas, afinal de contas, que idéia representa um homem a fazer
peloticas nas regiões que o Sr. Júlio César deseja em vão explorar?... que prejuízo
combate?... que boa intenção defende?... que utilidade prática produz?...
Estas ascensões são perfeitamente inúteis; se o povo tem afluído com tanta
sofreguidão à rua do Marquês de Abrantes é levado por um sentimento de curiosidade
quase perversa.
Faz lembrar a velha do Assomoir, que ficou horas e horas de janela à espera do
momento em que Copeau levasse o seu famoso trambolhão; ou certos indivíduos que,
quando passam de bond pelo Necrotério, voltam todos a cabeça, olham para o interior
do estabelecimento e fazem um gesto de despeito quando não vêem cadáveres.
O que vale é que as ascensões do capitão Martinez são, ao que parece, ascensões
pour rire; o jovem ginasta, quando ontem o Relâmpago fingiu que desafiava as nuvens,
em vez de gritar: “Viva o Brasil!”, devia ter gritado: “Viva S. João!”
Veremos se domingo próximo (pois que para domingo foi transferida a
ascensão) não fica o povo a ver navios do alto de Santa Catarina.
Como o capitão Martinez está em maré de infelicidade, convide o célebre Dr.
Poli para substituí-lo no trapézio. O público aceitará satisfeito a substituição, e não
protestará.
***
Ouvido ontem, na ocasião de começar a ascensão... gorada:
- Ora, a polícia exige que nos circos se coloquem redes por baixo dos trapézios,
para evitar desastres; porque aqui não se faz a mesma coisa?
***
Luiz Guimarães, o laureado poeta brasileiro, digna-se adornar as colunas do
Palanque com a publicação de um soneto inédito; chamando a atenção da leitora para
essa primorosa composição, assinada por um dos nossos mais queridos poetas, dou a
mim mesmo os parabéns pela alta distinção com que fui honrado.
Eis o soneto:
DULCE
Dulce é teu nome, e tu mais doce e pura
729
És que o teu nome. Pindaro adormecido
Jamais libou no Himeto a alma doçura
Que destila teu lábio umedecido...
Meiga e nobre criança! A formosura
Mora em teu seio de ideais vestido:
És o Bem desejado, o Bem querido,
A flor do mimo, o favo da ternura.
Sempre te cai das mãos a santa esmola,
E o teu sorriso afaga, atrai, consola,
Qual se um vislumbre do Infinito fosse;
Mas se amares um dia, oh Dulce, eu creio
Que ondas de fel tu verterás do seio,
Fel tão amargo quanto agora és doce.
LUIZ GUIMARÃES
A isto é que se chama chave de ouro!
Eloi, o herói
730
01 de março de 1886
Parecem-me perfeitamente justas as observações feitas por Fétis na seguinte
carta:
“Meu amigo A Gazeta da Tarde tem ultimamente publicado, sob epígrafe A
sociedade do Rio de Janeiro, umas cartas à Sua Majestade o Imperador, assinadas por
Um diplomata, nas quais, a par de pouca justeza de apreciação em muitos fatos,
encontra-se a aspereza de frase, incompatível em qualquer indivíduo, seja mesmo qual
for o grau em que ele esteja colocado nas diferentes camadas da sociedade.
“Na conclusão de sua primeira carta, publicada em 19 do corrente, e tratando do
maestro J. White, diz o ilustre escritor o seguinte:
„Um mulato (não emprego este vocábulo para fazer pouco caso da pessoa a
quem me refiro, dedicado cavalheiro com o qual mantive durante minha estada no Rio
de Janeiro ótimas relações)...‟
“Ora, para se poder ajuizar do quanto era desnecessário e inútil este parênteses,
bastaria só que o ilustre diplomata avaliasse a impropriedade do vocábulo que, segundo
S. Ex. mesmo confessa, em nada altera absolutamente as qualidades de delicadeza e
cavalheirismo do Sr. White, a ponto de privar com ele durante a sua estada no Rio de
Janeiro, mantendo até ótimas relações.
“Prossegue ainda o ilustre escritor, tratando da mesma individualidade:
„Excelente mestre de violino, chegou ali com duas cartas de recomendação para
o Imperador e a Princesa; foi quanto bastou para tomar esse artista a maior importância
junto os dois‟.
“Um aparte agora, mesmo sem parênteses:
“José White é, além de um cavalheiro distintíssimo, um artista provecto, um
virtuose muito notável.
“Tem o curso completo do Conservatório de Música de Paris, onde obteve o
primeiro prêmio, circunstância esta que devia calar no espírito do ilustre diplomata, que
certamente não ignora que essas distinções não são conferidas por tão douta corporação,
assim, a qualquer mediocridade.
“Confessemos, portanto, que o Sr. White é alguma coisa mais do que excelente
mestre de violino, e que a cor de sua epiderme nenhuma influência exerce sobre o seu
talento e saber.
“Não me parece também justa nem fundada a censura feita ao Imperador, pela
maneira por que distingue este artista, chegando muitas vezes no próprio paço da Boa
Vista aos sábados, a chamá-lo antes dos diplomatas.
“O Imperador, além de profundo conhecedor da pragmática e da etiqueta, é
também um homem bem educado.
“Se ele prefere a prosa do Sr. White às credenciais dos diplomatas, terá suas
razões.
“Conversar com o Sr. White é um prazer do homem; receber um ministro é
obrigação do monarca. Estou, porém, certo que, entre o prazer do homem e a obrigação
do monarca, nunca serão desrespeitados os hábitos cortesãos.
“Isto que o Sr. Diplomata diz que não se em parte alguma, nem mesmo em
Munique ou em Hesse-Darmstadt, repete-se em todas as cortes do mundo.
“Enquanto a mim, o ilustre diplomata tem visto pouco e por isso admira-se de
que um monarca distinga um homem de talento, um artista notável, ainda mesmo que
seja mulato Sou seu etc., Fétis”.
***
O Sr. Olavo Bilac enviou-me, com os bonitos versos que vou transcrever, uma
amável cartinha, da qual destaco o seguinte tópico:
731
“Se lhe parecer inconveniente e mal escolhido o assunto, ou mal trabalhada e de
todo ruim a forma dos versos, não os publique. Agora, se lhes agradarem...
Da forma nada tenho que dizer, e quanto às formas, não as exporia eu nestas
colunas honestas, se enxergasse na pintura de uma mulher despida alguma coisa indigna
de olhos castos e pudicos.
A mulher, diz uma velha chapa, é a obra prima do Criador. Se algum desalmado
houver que se escandalize com os versos do Sr. Bilac, deve escandalizar-se também
com Deus, que, antes de enriquecer o Paraíso com a presença da mãe Eva, não a
mandou a modista. O pudor, disse alguém, faz com que as mulheres tirem ao seu corpo
toda a forma humana. Ora, da mulher o que mais diretamente pode interessar à Arte é o
que ela tem de humano. Os pagãos não cobriam a casta nudez das suas estátuas, e, se os
pintores do Renascimento tiveram assomos de mal-entendido pudor, os artistas
modernos têm sido de uma independência louvável. Hajam vista a Source, de Ingres, a
Verdade, de Bouguereau, e tantos outros primores artísticos.
Condenar os versos de Olavo Bilac seria condenar a Faceira de Bernardelli.
Quando a polícia fluminense mandou há tempos, vestir uma estátua da rua do
Teatro (fato que os autores da Mulher-homem rememoraram com bastante graça), veio-
me insensivelmente à idéia o lenço de Tartufo...
...Couvrez ce sein que je ne saurais voir.
Eis os versos do Sr. Olavo Bilac:
DE VOLTA DO BAILE
Chega do baile. Descansa...
Move a ebúrnea ventarola.
Que aroma de sua trança
Voluptuoso se evola!
Com vê-la, a alcova deserta
E muda até então, em roda,
Sentindo-a treme, desperta
E é festa e delírio toda.
Despe-se. O manto primeiro
Retira, as luvas agora,
Agora as jóias, chuveiro
De pedras da cor da aurora.
E pelas pérolas, pelos
Rubins de fogo e diamantes
Faiscando nos seus cabelos
Como estrelas coruscantes.
Pelos colares em dobras
Enrolados, pelos finos
Braceletes como cobras
Mordendo os braços divinos,
732
Pela grinalda de flores,
Pelas sedas que se agitam
Farfalhando, e as várias cores
Dos arcos-iris imitam,
Por tudo as mãos inquietas
Movem-se rapidamente
Como um par de borboletas
Por um jardim florescente.
Voando em torno, infinitas
Precipitadas vão, soltas,
Revoltas nuvens de fitas,
Nuvens de rendas revoltas.
E d‟entre as rendas e o arminho
Saltam seus seios rosados
Como de dentro de um ninho
Dois pássaros assustados.
A frouxa luz da suspensa
Lâmpada treme, e há por tudo
Uma agitação imensa,
Um êxtase imenso e mudo...
E como que por encanto,
N‟um longo rumor de beijos,
Há vozes em cada canto
E em cada canto desejos.
Mais um gesto. E vagarosa,
Dos ombros solta, a camisa,
Pelo seu corpo amorosa,
Sensualmente desliza.
E o tronco altivo e direito,
O braço, a curva macia
Da espádua, o talhe do peito
Que de tão branco irradia.
A coxa ebúrnea que desce
Curvamente, a perna, o artelho,
Todo seu corpo aparece
Subitamente no espelho...
Mas logo um deslumbramento
Se espalha na alcova inteira:
Com um rápido movimento
Destouca-se a cabeleira...
733
Que riquíssimo tesouro
Naqueles fios dardeja!
É como uma nuvem de ouro,
Que a cobre em zelos, e a beija.
Toda, contorno a contorno,
De alto a baixo, e em fulvas ondas,
Desencadeia-se em torno
De suas formas redondas...
E depois de apaixonada
Beijá-la, linha por linha,
Cai-lhe às costas desdobrada,
Como um manto de rainha...
E outra vez a deusa nua
Surge no espelho polido,
Como à noite surge a lua
Sobre um lago adormecido.
OLAVO BILAC
Com certeza o jovem poeta tem o mau hábito de espiar pelo buraco da
fechadura...
Eloi, o herói
734
02 de março de 1886
Todas as vezes que o Diário de Notícias deixa de trazer o Palanque, muito
quem me chame vadio, e lance à minha conta a ausência do meu artigo. Na rua, de todos
os lados, me assaltam exclamações desta ordem:
- Então, seu preguiçoso, fez-se hoje sueto, hein?
Pois saibam todos quantos este virem que a culpa não é minha: eu dou o meu
artigo todos os dias, pontualmente, religiosamente. A intermitência das minhas
rabiscadelas prova pura e simplesmente que o Diário de Notícias vai de vento em polpa
nos mares da publicidade. O deus Anúncio invade despoticamente a folha, e desaloja
toda a matéria literária. Os proprietários do Diário de Notícias ver-se-ão muito breve
obrigados ou a aumentar o formato da folha ou a diminuir o corpo do tipo, isto se não
quiserem rejeitar matéria paga, que por forma alguma me parece alvitre digno de
aceitação.
***
Queixem-se, pois, de S. Ex. o Sr. Anúncio, se não lhes falei de um punhado de
coisas que estavam a reclamar a atenção dos cronistas, como fossem: a proibição das
poules, o desfalque do English Bank, o empréstimo público, a alta do câmbio e a
chamada do redator da Voce del Popolo à polícia.
***
De todos esses fatos, o último foi o que mais me impressionou. O Sr. chefe de
polícia, que tem mostrado pela imprensa um singular desprezo, invadiu as atribuições
da Promotoria Pública, convidando um jornalista (e jornalista estrangeiro) a comparecer
na sua presença, para intimar-lhe que moderasse a violência da respectiva retórica.
A coisa é nova e tem os seus perigos, tem. Se deixarmos passar sem protesto
semelhante ato, dentro em pouco o Sr. Coelho Bastos inaugurará na polícia a galeria dos
retratos dos jornalistas, para fazer pendant aos dos gatunos.
Ora louvado seja Deus, que a polícia toma contas à imprensa: virou-se o
feitiço contra o feiticeiro!
***
Apareceu em Vassouras o primeiro número da Quinzena, “revista literária, única
e simplesmente literária”, diz o programa. São seus redatores os Srs. Jorge Pinto e
Alfredo Pujol, que se inspiraram no feitio moral e material da Semana.
O primeiro número está realmente brilhante: além de dois ligeiros artigos da
redação, oferece-nos um magnífico soneto filosófico de Machado de Assis; um bonito
conto de Valentim Magalhães, O ideal da condessa; um interessante conto infantil de
Julia Lopes, O palhaço; a tradução do carme V. de Catulo; A lésbia, por Lucindo Filho;
uma graciosa fantasia de Lucio de Mendonça: Os votos de Estácio; versos de Adelina
Lopes Vieira, Olavo Bilac e Soares de Souza Junior; um bom artigo sobre as Vocações,
assinado por Hipólito Pujol; e, finalmente, grande parte da tradução do Canto de
Hiawatha, de Longfellow, conscienciosamente feita por Américo Lobo, o aplaudido
tradutor da Evangelina.
A Quinzena promete-nos ainda variar a escolha dos seus artigos, e dá-nos a grata
notícia de que Raimundo Correa “tem em preparação o seu terceiro livro de versos, que
muito brevemente será entregue aos prelos da tipografia do Vassourense”.
Cumprimento com muito entusiasmo a redação da Quinzena, fazendo votos para
que medre gloriosamente empresa tão simpática e tão digna de louvor.
A Quinzena, apesar de publicada em Vassouras, é impressa nesta Corte, nas
oficinas Lombaerts, o que quer dizer que o trabalho tipográfico é o melhor que se pode
obter em terras de Santa Cruz.
***
735
No momento de terminar o meu artigo, recebo a triste e desconsoladora notícia
de haver falecido o Sr. Eugenio Adet, sub-gerente do Jornal do Comércio.
Não nos ligavam estreitas relações; mas tive muitas vezes ocasião de apreciar a
bondade e a elevação do seu caráter. Era um rapaz simpático e extremamente amável,
que tinha a grande e rara qualidade de não dizer mal de ninguém.
Deixo nestas linhas consignado o pesar que me custa o seu prematuro
falecimento.
Eloi, o herói
736
03 de março de 1886
- Que calor!...
Diante desta exclamação, que ontem partia e que hoje e que amanhã e que
depois partirá de todos os lábios, não há crônica possível.
A menos que se escreva sobre o próprio calor...
Mas o assunto está tão explorado, que não de si. Vão dizer alguma coisa
nova sobre este velho martírio, que nos atormenta durante a maior parte do ano!
***
Como eu vos invejo a vós, ó gentes do high life, que podeis fugir dessa heróica e
leal fornalha, para gozar, nas montanhas de Petrópolis e de Friburgo, um clima que não
parece nosso.
Pudesse eu, como o meu querido mestre dos Tópicos do dia, rabiscar a minha
prosa ao murmúrio das brisas de Friburgo; ela não te pareceria tão pesada e tão
sensaborona, leitor ingrato.
***
Da minha janela, generosa e larga, lobrigo um fragmento de árvore, imóvel
como um cadáver: dir-se-ia um pedaço de latão, pintado de verde. Não imaginas como
nestes dias de canícula me bole com os nervos essa irrisória amostra da nossa
vegetação, com a sua imobilidade aterradora e medonha! Se alguma vez, por acaso,
acontece mexerem-se imperceptivelmente aquelas folhas de zinco, penetra-me no
gabinete uma lufada quente como se fora soprada por um forno aceso.
***
O entrudo...
Falemos dele: é consolador falar da água fria sob uma temperatura de 30 graus...
Parece que a população fluminense vai tomando juízo: faltam apenas cinco dias
para o Carnaval, e ainda não vi nenhum desses detestáveis projéteis, impropriamente
denominados limões de cheiro, pois nada têm de limões e muito menos de cheirosos.
Dir-me-ão que a Câmara Municipal reeditou a postura proibitiva do entrudo, e
que o Sr. chefe de polícia endereçou aos Srs. subdelegados uma circular terminante e
hemorroidária.
Mas todos os anos tem sido a mesma coisa, e o limão, a bisnaga, a cabacinha de
borracha e até mesmo a molièresca seringa exibiram-se impunemente, a despeito da
polícia e da municipalidade.
Dar-secaso que o Sr. Coelho Bastos mereça do público mais respeito que os
seus ilustres predecessores? Não creio. O que me parece mais provável é que a
população tenha realmente tomado juízo, e desse por uma vez de mão a um
divertimento bárbaro e primitivo.
***
A propósito, viram as bengalas-bisnagas ou as bisnagas-bengalas, como
quiserem? É preciso convir que a invenção é engenhosa, e ótima para iludir
completamente a vigilância dos Argos da rua do Lavradio.
Desatarraxa-se o castão da bengala, e, em todo o comprimento desta, acha-se um
tubo, que se enche de água de cheiro ou sem cheiro, conforme os gostos ou as condições
econômicas do respectivo proprietário.
Calca-se num botão convenientemente colocado, e de certo ponto do castão da
boca de kumir, do cabo de um martelo, das barbas de um lord inglês, etc (conforme o
feitio), sai um delicado esguicho d‟água, fino, tão fino, que, em estando cheia a bengala,
torna-se quase imperceptível.
Confesso que achei interessante essa aplicação da hidráulica a um instrumento
de verdadeiro suplício.
737
tínhamos o fogo de bengala, tão usado ultimamente nas diversas apoteoses de
Victor Hugo, havidas e por haver: agora temos a água de bengala.
***
Faço votos para que algum janota, munido de uma das bengalas novas, não
experimente nas costas, depois de um dos tais esguichos, a rigidez proverbial de
algumas das bengalas velhas, manejada por qualquer “ginja honrado”, como diria
mestre Tolentino.
Eloi, o herói
738
04 de março de 1886
Está de luto a terra dos Andradas: o conselheiro Martim Francisco já não
pertence ao número dos vivos.
Descendente de uma grande família de patriotas notáveis, neto do patriarca da
nossa independência, possuía Martim Francisco qualidades pessoais que o elevariam,
como o elevaram, sem embargo do glorioso nome dos seus maiores.
Dificilmente se exterminará a opulenta geração dos Andradas, não porque o
prestígio do primeiro influa para a exaltação do último, mas porque entre eles o talento
vai passando de cérebro em cérebro, de pais a filhos, como uma santa relíquia de
família.
Outros, melhor do que eu, e com mais competência, apreciarão a vida pública do
brasileiro ilustre que ontem baixou à sepultura, e tanto honrou a tribuna da câmara dos
deputados e a cátedra de lente da faculdade de direito de S. Paulo.
***
Demais, o seu elogio fúnebre não está por fazer...
Há alguns anos um telegrama falso transmitiu para esta Corte a notícia do
falecimento de Martim Francisco, e, nessa ocasião, tanto a Gazeta de Notícias como a
Gazeta da Tarde apreciaram devidamente o caráter do eminente cidadão.
O artigo da Gazeta da Tarde foi escrito por Ferreira de Meneses, cuja pena
encontrava sempre nessas tristes conjunturas uma nota comovedora e sincera.
Tenho pena de não poder reeditar aqui as palavras do inditoso jornalista
fluminense. Seria curioso reler o necrológio de um homem que morreu ontem, traçado
por um homem que morreu há cinco anos.
***
Quando Martim Francisco morreu pela primeira vez não estava em cheiro de
santidade na Gazeta da Tarde. A questão do elemento servil atravessava um período de
discussão violenta, e ainda havia então muita coisa nova que dizer sobre o assunto;
Ferreira de Meneses punha ao serviço da grande causa toda a sua energia, todo o seu
talento vibrante, incisivo e másculo. Mas à vista daquele morto, tão morto, aliás, como o
Argan, de Molière, toda a sua bílis transformou-se em lágrimas.
Essa piedosa metamorfose de sentimentos influiu talvez para a retratação do
nobre conselheiro, que, na primeira ocasião azada, se declarou abolicionista, e daí por
diante pôs ao serviço dos cativos a sua palavra brilhante e autorizada.
***
Os variados dotes do espírito de Martim Francisco seduziram a quantos o
conversavam. No trato íntimo era afetuoso, insinuante, e de uma afabilidade que não
está muito nos hábitos dos nossos medalhões políticos.
Ele amenizara a sua profunda erudição de jurisconsulto e estadista com a leitura
esclarecida de todos os primores da antiga e da moderna literatura universal. Discutia
criteriosamente escolas e preconceitos. Não era um desses caturras tão vulgares entre
nós que vinte ou trinta anos não abrem um livro, e estão na doce e parva ilusão de
que a literatura estagnou, como eles, naturalmente para lhes ser agradável. Não; o
conselheiro Martim Francisco era um homem moderno: ninguém lhe fosse dizer que
Emílio Zola valia alguma coisa menos que o defunto visconde d‟Arlincourt.
***
A morte deste brasileiro será longamente pranteada por quantos o conheceram;
com ela o nosso Parlamento perdeu um dos deputados mais úteis e mais inteligentes.
Martim Francisco era uma das individualidades mais originais do seu partido.
Eloi, o herói
739
05 de março de 1886
A imprensa fluminense, por iniciativa do meu excelente colega Dermeval da
Fonseca, trata neste momento de dotar o Asilo de Meninos Desvalidos com uma oficina,
perfeitamente montada, para ensino da nobre e independente arte tipográfica.
A idéia não pode ser mais simpática; não é, pois, de estranhar o fervoroso
acolhimento que tem tido.
Para levá-la a efeito, projetam-se diversas festas, entre as quais um grande
espetáculo-concerto, no teatro Pedro II. Nesse espetáculo tomarão parte amadoras e
amadores, devendo estes ser todos jornalistas. Representar-seum provérbio em 1 ato,
de Machado de Assis, e uma comédia em 2 ou 3 atos, escrita de colaboração por
Ferreira de Araújo, Valentim Magalhães e o meu melhor amigo, que já todos sabem que
é o Artur Azevedo. Os quatro autores foram eleitos para o fornecimento das peças, e
tudo faz crer que desempenhem dignamente tão delicada missão. Os três colaboradores
já se reuniram... para deliberar que devem reunir-se segunda-feira próxima.
Qualquer deles tem recebido grande número de empenhos para a distribuição
dos papéis; é raro o colega que não deseje mostrar naquela noite os seus talentos de ator.
É raro aquele que não se julga com mais habilidade para a cena do que o Felipe ou o
Vicente. Presunção e água benta...
Eu por mim confesso que estou morto por vê-los no palco.
Imaginem o Chaves, de nariz postiço e óculos, a pretender casar com a filha do
Urbano Duarte, convenientemente enforcado na clássica robe de chambre, e a menina
morta de amores pelo Dermeval, cuja figurinha está mesmo a pedir galã piegas e
apaixonado.
Que magnífico Geronte dao Bocaiúva, com aquela imperturbabilidade serena
e filosófica, um moralista seco e ereto, como convém a uma boa representação
literária! Que banqueiro ao pintar seria o redondo e exuberante Joaquim Serra,
transpirando ao peso de muitos contos de réis! Que esplêndido pai nobre fazem
adivinhar as opulentas barbas brancas do Pederneiras, e que amoroso x p t o deve ser o
Murat, com o seu bigode negro e os seus olhos docemente ensombrados!
Decididamente as redações dos nossos jornais fornecerão ao público uma
senhora companhia, capaz de fazer inveja à própria Comédie Française.
Os atores de profissão declararam aos respectivos empresários que nessa noite
querem estar livres, pois por coisa alguma perderão o ensejo de criticar os críticos,
tomando pronta e ruidosa desforra de todas as suas injustas diatribes.
O Colás que, como artista, tem queixas particulares do Henrique Chaves
(Desculpem ambos esta pequenina intriga), propôs a muitos dos seus colegas a
publicação do número único de uma folha, especialmente destinada a fazer a análise da
representação. Não sei se a sua idéia foi aceita; sei que o Arêas imediatamente se
ofereceu para escrever o artigo de fundo.
Mas creio que não haverá novidade, e que os atores improvisados, depois dos
convenientes ensaios, darão boa cópia de si. Recomendo-lhes que decorem os seus
papéis, que os saibam na ponta da língua; do contrário de vez em quando voltar-se-ão
fatalmente para o buraco do ponto, perguntando: Hein?
Eloi, o herói
740
06 de março de 1886
O astrônomo Jacinto Heller viu há dias por um óculo uma das estrelas de maior
grandeza que tem brilhado no firmamento do Sant‟Anna: a estrela Henry.
Mas ninguém o apanha descalço ao demônio do homem: o astro foi
dignamente substituído. O pessoal da companhia Heller conta uma artista a mais, e essa
artista, que estreará brevemente no papel de Flor de Abril, da Mascote, é tão italiana
como o Dr. Poli, e responde ao doce nome de Rosina Bellegrandi.
Onde a encontrou o Heller? Em que cantinho do céu foi descobrir essa estrela?
quem lhe revelou a existência dela? Subiria ao céu por uma escada de algarismos, como
Leverrier?
Não sei; apenas posso acrescentar o seguinte, fiado em informações fidedignas:
Rosina Bellegrandi é linda como o seu nome; canta como um rouxinol; fala o
português porque viveu muito tempo no norte do império; e é de uma graça capaz de
levar o público a um teatro construído no cume do Pão de Açúcar.
***
Não fica nisso a prodigiosa felicidade do Heller. No dia 20 deve embarcar em
Paris, com destino a esta Corte, a nossa patrícia Cinira Polônio, que vem fazer parte do
pessoal artístico do Sant‟Anna.
O nome de Cinira Polônio (tão belo como o de Rosina Bellegrandi) é bastante
conhecido no Rio de Janeiro. Cinira foi uma virtuose do piano entusiasticamente
aplaudida em todos os salões fluminenses, e assinou muitas composições musicais,
popularizadas por todos os pianos da capital.
Na Fênix, quando ainda estava o Heller, chegou a entrar em ensaios uma
opereta em dois atos, A sombra azul, música de Cinira Polônio e letra do falecido
escritor, Dr. José Tito Nabuco de Araújo. Ignoro os motivos que levaram a empresa a
suspender os ensaios.
Um belo dia anunciaram os jornais que a Cinira Polônio ia cantar, no Pedro II, a
parte de Margarida, do Fausto. Para esse fim fora contratada pelo empresário Ferrari.
Tomaram todos a notícia por um formidável canard; entretanto, era verdade.
Cinira Polônio desempenhou a parte de Margarida ao lado de cantores de primo
cartello.
Se eu dissesse que a representação foi um triunfo para a estreante, faltaria ao
mais sagrado de todos os deveres, que é dizer a verdade: os recursos vocais da jovem
cantora não se adaptavam à imortal partitura de Gounod. Mas o que lhes posso afiançar
é que, antes dela, nenhuma artista reproduzira com tanta fidelidade o tipo ideal da loura
Gretchen. Cinira tinha os cabelos de ouro, o corpo elegante, vaporoso, silfídico, e na
fisionomia uma doce expressão de ingenuidade e poesia.
Consta-me que em Paris a nossa festejada compatriota cometeu a imprudência
de cantar em cafés-concertos, para um público brejeiro, que entoa os estribilhos das
cançonetas, com acompanhamento de grogs e mazagrans.
Mas o público fluminense vai sem dúvida reabilitá-la, desde que a ouvir no
Sant‟Anna cantar graciosas romanças com talento e, o que mais é, sem sotaque.
***
Outras surpresas reserva o Heller aos habitués do Sant‟Anna; não digo quais são,
porque prometi guardar segredo.
Eloi, o herói
741
07 de março de 1886
Hoje tem toda a gente o direito de ser ou parecer maluca, sem que por isso esteja
arriscada a ir dar com os ossos na Praia Vermelha. Há três dias, quem se apresentasse na
rua com um bigode postiço, seria imediatamente convidado para explicar-se na estação
policial mais próxima. Hoje temos todos nós o direito de nos disfarçarmos com uma
barba maior que a do Agostinho do Gás, de modo que nem o mais atilado credor nos
reconheça.
***
É costume neste dia inverterem-se os papéis: o conselheiro grave e solene, que
nos dias úteis arrasta enfatuadamente a pança autoritária toma os ademanes do mais
despejado bilontra, e atira limões de cheiro às meninas da vizinhança; o pai de família,
que por passa todos os dias, suportando, melancólico e resignado, a cangalha da
responsabilidade paterna, festeja a septuagésima com a alacridade de um pelintra e o
desregramento de um capadócio.
Nestes três dias pândegos o banqueiro inglês é capaz de confabular com o
homem da venda, e ao Sr. Julio César, descobridor platônico da direção aérea, não se dá
de proclamar, alto e bom som, que o capitão Martinez é um grande homem.
Não será para admirar que hoje o Sr. visconde de Mesquita peça esmolas ou o
Sr. Ferreira, boticário da rua da Assembléia, distribua pelas viúvas e órfãos necessitados
as três mil ações, que possui, do Banco do Brasil.
As coisas mais extraordinárias não espantarão ninguém. O Sr. Gouveia, pagador
infiel do English Bank, vestirá um dominó, e, depois de ver passar as sociedades, sem
receio de que os agentes do Sr. Coelho Bastos lhe interrompam esse prazer, dirigir-se-á
aos diretores daquele estabelecimento, para restituir-lhes a importância do desfalque e
até alguma coisa mais, que compense o susto que eles raparam. Ninguém se admira
desse procedimento do Sr. Gouveia.
A notícia de que o Sr. Martinho Campos libertara todos os seus escravos não
produziria hoje a menor sensação; nem ninguém abriria desmesuradamente os olhos, ao
propalar-se a notícia de que o Sr. Joaquim Nabuco seviciara uma escrava.
***
Refletindo na condição antitética em que hoje se acha a sociedade fluminense,
eu tinha resolvido encher de tristezas e lamentações esta coluna, de ordinário alegre e
falgazã. Desse modo eu me disfarçaria também.
Mas lembrei-me de que isso poderia cacetear o leitor, e em boa hora decidi não
escrever hoje sobre coisa alguma.
Eloi, o herói
742
08 de março de 1886
A festa infantil, realizada anteontem em casa do Sr. Ferreira de Araújo, ficará
registrada nos anais das boas soirées fluminenses. Um cavalheiro, que vinte anos
por exceção terá falhado a festas dessa natureza o Sr. Arnaud afiançou-me que
jamais assistira no Rio de Janeiro a uma soirée tão completa sob todos os pontos de
vista.
Nada faltou para o feliz êxito da festa: em primeiro lugar, a amabilidade dos
donos da casa, que se multiplicavam para acudir com um sorriso ou uma frase a todos
os convidados. Todos sabem que o talentoso redator-chefe da Gazeta de Notícias é um
destes homens de espírito e de caráter, cuja simpatia se impõe à amizade dos outros.
Benigna sorte lhe deu por esposa o próprio modelo da afabilidade e da modéstia Una
madona! arrematava o Sr. Arnaud, depois de fazer o elogio da distintíssima senhora.
Em segundo lugar, a sociedade. O Dr. Araujo escolheu a dedo os seus
convidados: não havia uma nota discordante naquele ajuntamento feliz.
Em terceiro lugar, a casa, que por si bastaria para divertir uma assembléia
inteira. Quadros, bronzes, gravuras, fayences, veis antigos, tapeçarias nada faltava
para dar aos salões do Dr. Ferreira de Araújo um caráter artístico e pitoresco.
Em quarto lugar, o serviço profuso, delicado e original dos comes e bebes. Para
os epicuristas foi anteontem noite de grande gala.
Começou a festa por uma comédia, O Terceiro, traduzida do alemão pelo dono
da casa, e representada por quatro interessantes meninas, uma das quais desempenhava
o papel de pai nobre com uma convicção e umas barbas capazes de fazer rir um morto.
Mas é justo reconhecer que as honras do desempenho couberam... não! não
desgostemos ninguém!
Seguiram-se as danças, entre as quais uma quadrilha, dançada exclusivamente
pelas criaas, algumas das quais ostentavam graciosas fantasias. Lembro-me de uma
japonesa esplêndida, de uma andaluza salerosa e bela, de um advogado en robe, de uma
merveilleuse meio merveilleuse meio incroyable, de uma Piirrete, de duas princesas
Jogatinas, e de um Rabagas, que se assustou ao dar com o esqueleto do Bilontra.
O interessante menino, que se enjorcara na lúgubre vestimenta do esqueleto,
recitou com muita graça os versos do ato da revista, imitando a entoação do Peixoto.
Imaginem como o aplaudiram!
O cotillon foi completo: dirigiu-o o Sr. Dr. Sizenando Nabuco, e fê-lo com
muito bom gosto, e muita distinção.
o sol iluminava suavemente as montanhas da outra banda, quando os
primeiros convidados deixaram o palacete da rua de D. Luiza.
Parabéns ao meu eminente colega pela bonita festa com que nos obsequiou.
***
Escrevo o meu artigo ao som desse rumor indistinto da rua do Ouvidor em dia de
carnaval... Não: agora distingo perfeitamente um Pereira, que eleva uma lata de
querosene à altura de um zabumba.
Cresce a bulha... Que será isto?!... Ah! lá vêm os Progressistas da Cidade Nova!
Com licença.
Eloi, o herói
743
09 de março de 1886
Se os Fenianos, os Tenentes do Diabo, os Democráticos e os Progressistas da
Cidade Nova não lhe acudirem hoje deveras, o carnaval está definitivamente morto.
Morto e enterrado.
Que sensaboria a de anteontem! Ainda me doem as mandíbulas de tanto bocejar!
Nunca em dias de minha vida fiz tantas cruzes na boca!
É verdade que houve duas passeatas, mas eu, por mais que parafusasse, por mais
voltas que desse a imaginação, não pude atinar com as idéias dos carros das ditas.
Cavalheiros de boa vontade em vão se esgoelavam para orientação mental do
respeitável público; mas, que me conste, ninguém os entendeu.
As honras do carnaval couberam anteontem aos Estudiantes de Salamanca,
sociedade composta de atores e coristas dos nossos teatros. Estes endiabrados
estudiantes cantavam bonitas jotas e segundilhas ao som de violinos, guitarras e
pandeiros. Vieram saudar o Diário de Notícias, e quando o nosso gerente Sr. Santos
chegou à janela, cantaram-lhe todos:
Nina que estás en la ventana.
O Sr. Santos ficou muito lisonjeado, e ainda hoje não cabe na pele de contente.
***
Tendo dito alguma coisa sobre o carnaval, é justo que eu diga alguma coisa
também sobre o entrudo.
À vista dos outros anos, pode-se dizer amanhã que em 1886 não houve entrudo.
Faça votos para que em 1887 não haja nem a sombra de um limão de cheiro, para
satisfação do bom senso e da higiene pública.
Entretanto é força confessar o entrudo é a animação, a alegria, o movimento,
a vida, enfim, quando não é a morte.
Passariam enfim aos domínios da crônica aquelas encarniçadas batalhas, que se
feriam das ruas para as janelas, e nos bonds, nos carros, dentro e fora das casas, em toda
a parte enfim, e cujas armas eram por vezes indignas de bons e leais inimigos? Acabaria
o entrudo como o combate do Cid?
Se assim foi, receba o respeitável público fluminense sinceros parabéns do mais
obscuro dos seus amigos.
Eloi, o herói
744
11 de março de 1886
Anteontem, por mero acaso, passei pelo Necrotério, e, como visse muita gente
reunida ali, entrei na lúgubre capela. Um medonho espetáculo se apresentou aos meus
olhos: estendido numa das mesas de mármore, estava um cadáver de assassinado,
vestido de arlequim. O peito descoberto deixava ver a incisão por onde entrara a morte e
saíra a vida. Ao lado do cadáver jazia um porta-voz de folha de Flandres, pintado de
preto e vermelho.
Confesso que o aspecto do morto, assim trajado, me impressionou deveras. Se o
leitor nunca viu um caver fantasiado, fuja dessa aterradora antítese, diante da qual a
própria filosofia forçosamente sucumbe.
Não pensou o infeliz que aquela vestimenta alegre, alugada, talvez ao Batista,
lhe serviria de mortalha, e que o porta-voz, veículo do tradicional Ó chuva! , o
acompanharia até o Necrotério!
***
Figurava-se-me ter diante dos olhos o cadáver do próprio Carnaval, e nesse
engano ainda agora estaria, se os Fenianos e os Democráticos mo não desfizessem.
Efetivamente, graças aos dois briosos clubs, despertaram anteontem os bons
tempos do carnaval das ruas. Dizer a qual deles coube o triunfo é coisa difícil,
atendendo a que ambos se esforçaram por deslumbrar os olhos da população, criticando
os últimos acontecimentos sem ofender os indivíduos que tomaram parte neles.
Num dos préstitos figurava um pequeno carro, brilhantemente enfeitado,
representando um ovo partido, dentro do qual surgia uma interessante menina, vestida
com elegância e riqueza. Esse carro era acompanhado por um estado maior de crianças,
cada uma das quais me pareceu mais bela e mais encantadora. Naturalmente o povo
aplaudia tão graciosa idéia, saudando com palmas e aclamações aquelas miniaturas de
gente.
Ao vê-las, ocorreu-me uma idéia, que eu proporia imediatamente, se tivesse voto
na matéria, ou pertencesse a algum club carnavalesco. Porque não substituem por lindas
crianças essas mulheres encarapitadas nos andores, e cuja exibição redunda
simplesmente num anúncio indigno?
Porque se prestam os nossos clubs, compostos de cavalheiros de fina educação, a
servir de réclame a Peruanas, Matildes, et relíquia, amizades inconfessáveis e
perigosas?
Não seria mais gracioso, mais interessante digamos tudo: mais decente que,
em vez dessas Laises e Aspazias de edição barata, figurassem as crianças nas alegorias
do carnaval?
Muitos se revoltariam contra a inovação, não dúvida; mas as famílias, os
homens sérios, a porção maior do público, e mesmo muitos rapazes alegres lhe bateriam
palmas.
***
É justo dizer alguma coisa sobre o baile do teatro de S. Pedro, que esteve
magnífico. É pena realmente que a decoração da caixa não correspondesse ao resto do
teatro; mas, segundo estou informado, os empresários do baile acordaram tarde, e não
tiveram tempo material para fazer as coisas como deviam ser feitas. Ainda assim,
nenhum outro baile público levou vantagem ao do S. Pedro.
Havia muita gente, muita, gente de mais até, se é possível haver gente de mais
num baile de máscaras. Dançou-se com frenesi até de madrugada, e houve
engraçadíssimos incidentes, provocados por dominós espirituosos e infatigáveis.
Bonitas e elegantes fantasias, cada qual de mais gosto. Reparou-se muito numa formosa
diablesse, suntuosamente vestida e sem máscara, acompanhada pelo Sr. V. de F.
745
***
Mas, coisa incrível! no meio daquelas luzes, daquelas flores, daqueles risos, ao
som das músicas e do burburinho, de vez em quando eu lembrava-me do cadáver
inteiriçado do pobre arlequim, que vira pela manhã no Necrotério, tendo ao lado o
porta-voz folião, como um general teria a sua espada.
Eloi, o herói
746
12 de março de 1886
Como é sabido, a Duse-Checchi separou-se do esposo, e, a propósito desse fato
naturalíssimo, com o qual nós, jornalistas, nada temos que ver, espalharam-se nesta
cidade alguns cancans muito desagradáveis para o Sr. Teobaldo Checchi.
Independentemente de uma carta que me dirigiu este cavalheiro, com muito
prazer eu tomaria a sua defesa contra a maledicência pública.
Para esse fim bastará talvez traduzir as seguintes linhas de um artigo, publicado
no Caffaro, de Gênova, pelo seu correspondente romano Elio Stalino , pseudônimo
sob o qual se oculta o brilhante jornalista Luiz Arnaldo Vassallo, redator-chefe do
Capitan Fracassa, de Roma:
“A Sra. Duse terá no teatro Valle um acolhimento extraordinário, pois continua a
ser o ídolo do público romano; entretanto, as más línguas começam a dizer cobras e
lagartos relativamente à sua separação do marido, que se deixou ficar na América do
Sul. Muitos sustentam, pelo contrário, que a Sra. Duse teve e terá um procedimento
correto, vivendo modestamente em companhia de sua filhinha e de sua camareira. O
Checchi queria deixar a vida artística e ao mesmo tempo não podia resignar-se a parecer
aos olhos do mundo sujeitinho que fizesse profissão de ser “marido de atriz”, tanto mais
que tem sabido ganhar dinheiro e fazer boa figura à custa de trabalho inteligente e
honrado. Ele é moço, forte, empreendedor: estou certo de que, se se entregar ao
comércio, uma estrela propícia recompensará a sua perseverança e fenomenal atividade.
Parece-me justo e louvável que ele, em vez de ser o Sr. Duse, pretendesse e pretenda ser
o Sr. Teobaldo Checchi, nome honroso na arte, classificado na sociedade e caro aos
amigos.
“Teobaldo Checchi viveu sempre dos próprios recursos; nunca especulou com o
talento de sua mulher. Ajudou-a lealmente e afetuosamente a galgar os degraus do
templo da Fama; com o seu tato, com a sua habilidade, com a sua prática do mundo,
desobstruiu (sabe Deus como!) o caminho à valorosa artista, que por si, conquanto
representasse bem (talvez melhor que hoje) não conseguiria impor-se vitoriosamente ao
público italiano. Posso afiançar, sem exageração, que a habilidade técnica e
administrativa do Checchi contribuiu com dois quintos, pelo menos, para o prestígio
artístico da Duse. Espero vê-los brevemente reunidos, ela, no ápice dos seus triunfos
teatrais, ele, milionário e feliz”.
Milionário, duvido: o Sr. Checchi não se entregou à vida comercial, como
presume o ilustre escritor italiano; fez-se jornalista, e não consta que na América do
Sul a letra redonda proporcione milhões ao mais pintado. Estabeleceu domicílio em
Buenos Aires, e faz parte da redação do Sud-America, onde escreve graciosos artigos
sob o pseudônimo de Pico. É, além disso, correspondente da Tribuna e do Capitan
Fracassa, de Roma, do Piccolo, de Nápoles, do Nord, de Bruxelas, e da Razon, de
Montevidéu.
***
O afirmar-se que a Duse foi mal recebida em Roma
Já não é pala: é alpendre,
como diz um personagem do Jovem Telêmaco. Os jornais italianos dedicam-lhe artigos
encomiásticos, filhos de um entusiasmo que me parece sincero. “Ebbe ovazioni
straordinarie, escreve-me um amigo, come forse non ebbe mai nella sua vita”. Um
número especial e ilustrado do Corriere di Roma dá, em magníficas gravuras, o retrato
dela nos seus principais papéis.
O que eu ardentemente desejo é que a Duse nos volte um dia, para deslumbrar-
nos de novo com o seu talento indiscutível e raro.
747
***
Quando ontem aconselhei aos clubs carnavalescos que de ora avante
substituíssem por lindas criancinhas as toleradas que se exibem no cucuruto dos carros
triunfais, não tinha lido o seguinte impresso, que foi profusamente distribuído por uma
das tais, durante o percurso de certa sociedade:
AS DONZELAS FLUMINENSES
Fugindo ao fogo vivo das orgias
Onde calcino a flor da mocidade,
Percorro alegre as ruas da cidade
À crua luz do sol que doura os dias;
Saudando, com vibrantes alegrias,
As rosas do jardim da sociedade,
Finas flores azuis, que a tempestade
Desfolha às vezes pelas noites frias...
Eu, que passo contente e forasteira,
Trago-vos hoje o ramo de oliveira
Dos países fantásticos do gozo...
Serafins de outros céus, sempre voando
Casai, virgens, casai, vivei amando,
Que eu não irei roubar o vosso esposo.
Peru-Ana
CARNAVAL, 1886
- Parece-me que esta simples transcrição dispensa qualquer comentário.
Eloi, o herói
748
13 de março de 1886
O meu amigo o Sr. Mota Val Florido chama-me a atenção, numa espirituosa
cartinha, para o seguinte soneto, assinado pelo Sr. Múcio Teixeira e publicado no
Almanaque Popular, do Sr. Moreira de Vasconcelos. Intitula-se O pajem ei-lo:
Densa era a sombra que de ar caía;
O castelo em silêncio repousava;
E o pajem, que no cárcere jazia,
Em lágrimas banhado assim clamava:
Insensato que fui! Esta utopia
Tão alto se elevou que eu só pensava
Nela... a filha do rei! Tal ousadia
Esta prisão fatal me reservava...
Nisto, entre as grades da prisão escura,
Aparece uma virgem bela e pura...
“Que vens fazer aqui, Princesa, ó louca?...
“Eu louca? Sim... que enlouqueci de amores:
A escolta dorme além nos corredores...
Sou a filha do rei beija-me a boca”.
Entretanto, o primeiro número do Americano publica, sob o mesmo título, uma
poesia de Luiz Guimarães Junior, para a qual o Sr. Val Florido chama igualmente a
minha atenção. Ei-la queira o leitor compará-la com o soneto do Sr. Múcio:
Pesadas trevas úmidas caíam...
O castelo real silente estava,
E no fundo do cárcere, gemendo,
O prisioneiro pajem murmurava:
Aí de mim! Aí de mim! quanto me custas
Louco ideal dum coração ousado,
Amo! Idolatro a pálida Princesa
E por ela aqui vivo sepultado.
Se uma lágrima só lhe merecesse,
Um compassivo olhar, um pensamento...
Ah! não trocara esta prisão sombria
Por tudo quanto luz no firmamento.
Nisto uma sombra trêmula, alvejante
Como os fantasmas assomou à porta
- Quem és? Quem és? pergunta o prisioneiro
Baixando a voz. Quem és, mísera morta?
- Morta não sou, volveu-lhe a doce imagem,
Toma-me as mãos, oh alma ardente e louca;
Ninguém nos vê: as sentinelas dormem:
749
Sou a filha do Rei: Beija-me a boca!
O plágio é evidente. Luiz Guimarães Junior disse-me anteontem que a sua poesia
foi ligeiramente imitada do italiano, e ele a escrevera, há muito tempo, num álbum o
que combina com a nota publicada pela redação do Americano: “Roubada de um
álbum”.
Parece-me que nisto uma interessante questão literária para ser
convenientemente debatida. Tem a palavra o Sr. Múcio Teixeira, que não posso nem
devo acusar de plagiário.
***
A propósito do conselho, que dei anteontem às sociedades carnavalescas,
escreve-me Uma viúva (naturalmente algum machacaz) em termos tão injuriosos para
mim, como para a gramática portuguesa, o bom senso e a moral. se que me acho
em boa companhia.
Se estou enganado, e Uma viúva é realmente uma viúva, nada a impede, que
diabo! de oferecer-se aos Democráticos, aos Fenianos, ou aos Progressistas da Cidade
Nova... para figurar no topo de qualquer carro alegórico em 1887. Sua alma, sua palma.
***
A falar em palma: o povo tem corrido em massa ao escritório do Diário de
Notícias, para decidir, por meio de votação, a qual dos dois clubs, Fenianos ou
Democráticos, pertence a vitória na pugna carnavalesca de 1886. Força é confessar que
nesta eleição tem havido menos abstenções que na luta eleitoral de Janeiro último.
Carnaval por carnaval, o povo ao que parece prefere o das ruas ao da política.
Quanto a mim, não dou o meu voto nem aos Democráticos nem aos Fenianos, e
isso pela velha e simples razão de que
Entre les deux mon coeur balance.
Acendo, pois, uma vela a Deus e outra ao diabo.
Eloi, o herói
750
15 de março de 1886
Lauro, espirituoso colaborador da Gazeta da Tarde, disse anteontem que eu fiz
propaganda do carnaval das crianças, e afirmou que, se eu tivesse visto certas coisas que
ele viu num dos bailes mascarados do S. Pedro, não meteria à bulha os inocentes.
Deixem-me varrer quanto antes a minha testada.
Nem por sombras aconselhei ninguém a levar crianças a bailes de máscaras.
Estou convencido de que os bailes, com ou sem máscaras, e até os espetáculos teatrais,
de qualquer natureza que sejam, não se inventaram para fedelhos. Apenas apresentei aos
clubs carnavalescos a idéia de serem substituídas por criancinhas essas mulheres
públicas, cinicamente expostas aos olhares e aos comentários da multidão, no topo dos
carros alegóricos. Parece-me que seria mais gracioso e, sobretudo, mais decente.
A passeata não perverteria as crianças, e os clubes não passariam pelo desgosto
de servir de anúncio à “roda cortesã”.
***
anos havia aqui uma sirigaita da pior espécie, moradora na rua de S. Jorge,
em casa paga por um guarda urbano apaixonado e terrível. Um moço bem educado, que
pertencia a certo club carnavalesco, teve a fraqueza de se embeiçar por ela, e, para
provar-lhe definitivamente o seu afeto, ofereceu-lhe o lugar de borboleta num belo carro
alegórico, representando uma taça de champagne derribada. A urbana aceitou, com
grande desespero do urbano, e andou, na terça-feira gorda, por essas ruas, comprimida
num magnífico vestuário de cetim branco, franjado de ouro e prata, e enfeitada com um
par de asas diáfanas e vaporosas.
Toda esta mise-en-scène naturalmente embelezou-a por tal forma, que acendeu a
concupiscência de quanto gamenho assistiu ao desfilar do préstito.
O grande caso é que a borboleta voou bem alto, graças às duas asas que lhe
atarracaram no dorso, e escusado é dizer que não voltou ao seu casulo da rua de S.
Jorge. Poucos dias depois do carnaval, davam-lhe casa nobre, em bairro mais bécarre,
como agora se diz. O próprio clubman que a elevara à altura... de uma alegoria, teve que
ceder o passo a concorrentes mais apatacados e resolutos. O guarda urbano, esse
desapareceu, como desapareceria num romance mal engendrado.
É provável que essa trânsfuga da rótula conservasse até hoje o prestígio que
alcançou naquela memorável terça-feira, e todas as semanas recolha previdentemente ao
Banco a receita ignóbil do seu estabelecimento.
***
Reflitam os demais clubs na verídica história dessa borboleta feliz, e macacos
me mordam, se não me derem carradas de razão sempre que eu lhes pedir que não
sirvam de anúncio ao comércio do amor por atacado e a varejo.
O que eu defendo nestas linhas não é note-se bem a dignidade das sociedades
carnavalescas: nem tenho a honra de pertencer a nenhuma delas, nem nenhuma delas me
encomendou o sermão. O que eu defendo é a moral pública, que não vê com bons olhos
essa híbrida promiscuidade de cavalheiros decentes e Madalenas não arrependidas.
***
A questão do Pajem é uma questão de lana caprina. Julgo-me até dispensado de
publicar por enquanto não a carta de Paula Ney como outras duas que me foram
dirigidas pelos Srs. Mota Val Florido e Lourenço Fieschi Lovaguino. Entretanto,
publica-las-ei, se a isso me obrigarem circunstâncias especiais... ou falta de assunto.
Basta que eu transcreva a poesia original de Stecchetti, para que o público veja
que todos têm razão; ei-la foi-me obsequiosamente comunicada por dois
cavalheiros:
751
MEDIO EVO
Eran folte le tenebre
Ed ogni cosa nel castel tacea,
Ma il biondo paggio in carcere,
Solo col suo dolor, così piangea:
“Ahi, troppo in alto, misero,
Ho la speranza e l‟amor mio levato!
Amai del re la figlia
E vivo in questo avel m‟han sotterrato!”
Oh, se una sola lacrima
Io le fossi costato, um sol pensiero,
Questo sepolcro squallido
Io non lo muterei com un impero!
Quando una bianca imagine
Improvvisa comparve in sulla porta,
E trepidando il giovane
Le demandò “chi sei, povera morta?
Morta non son gli mormorò
La parvenza gentil guardami, tocca!...
Non sai? Le scolte dormono:
Son la figlia del re: baciami in bocca.
Quanto ao que disse no País o Sr. Múcio Teixeira a respeito da minha
deslealdade, deixemo-lo. São coisas que o dito Sr. Múcio diz de longe, e... longe da
vista, longe da represália, devia dizer o ditado.
Em todo este incidente quem andou mal, muito mal, foi o Sr. Mota Val Florido:
desde que este amigo me dissesse que sob o título dos versos do Sr. Múcio, publicados
no Almanaque Popular, estava o nome do poeta italiano posto entre parênteses, eu não
escreveria uma linha a semelhante respeito.
Ainda assim, estranho que o Sr. Múcio tivesse dado à sua tradução o mesmo
título inventado por Luiz Guimarães O pajem quando o título original era tão
diverso.
Eloi, o herói
752
16 de março de 1886
Realiza-se hoje no Lucinda o benefício do maestro Gomes Cardim. É, pois,
excelente a ocasião para dizer duas palavras sobre este trabalhador, que vale quanto
pesa.
Gomes Cardim tem talvez tanto de brasileiro como de português. Veio
pequenino para o Brasil, mourejou por terras do Rio Grande, pertenceu à banda não sei
de que batalhão, esteve na guerra do Paraguai, e voltou para Portugal, onde em 1869 fez
a sua estréia de compositor teatral no Ginásio, de Lisboa.
Havia então óperas-líricas, óperas-cômicas, óperas-bufas e burlescas; César de
Lacerda inventou a ópera mística. Foi, pelos menos, assim que ele classificou a sua
Harpa de Deus. A peça, apesar de mística, rolou e caiu pelo buraco do ponto abaixo;
mas a música salvou-se, e os libretos começaram dali em diante a chover em casa do
jovem compositor.
Depois da Harpa de Deus, Cardim ensaiou-se num gênero que nada tinha de
místico, e fez os Argonautas, a Joana do Arco e É Nordeste & C., operetas burlescas em
3 atos cada uma. As duas primeiras agradaram extraordinariamente; a última caiu por
via do libreto, que não tinha pés nem cabeça. De resto, Gomes Cardim foi sempre muito
pouco escrupuloso na escolha dos seus poetas.
Depois de uma série não interrompida de triunfos, quer como autor dessas e de
outras composições musicais, quer como regente das orquestras do Príncipe Real, do
Ginásio e de D. Maria II, resolveu Gomes Cardim voltar a ver as palmeiras onde canta o
sabiá.
A sua vida aqui tem sido toda de abnegação e trabalho. Depois de uma curta
estada nesta Corte, durante a qual fez representar no S. Luiz e na Fênix a Joana do Arco
e os Argonautas, e escreveu a música para a revista de 1877, representada pela
companhia do Vale, e deu concertos de música imitativa de batalha, obrigada a tiros de
artilharia e grandes rufos de caixa, partiu para S. Paulo, onde por um momento pensou
em abandonar a arte. Efetivamente, fundou uma fábrica de conhaque, fez-se a Marie
Brisard da Paulicéia; mas não ganhou dinheiro, apesar de que naquele tempo o governo
não mandava ainda examinar as substâncias mais ou menos verdes.
Gomes Cardim mandou ao diabo a fábrica, e atirou-se outra vez de corpo e alma
à sua arte. Não havia em S. Paulo solenidade musical, a cuja frente não aparecesse o seu
nome. O seu estro era sempre escolhido para consagração de todos os heróis festejados
na terra dos Andradas, e raro concerto ali se realizava sem “o gracioso concurso do
distinto maestro português Gomes Cardim”.
Foi o Braga Junior quem o arrancou de S. Paulo, para dar-lhe o lugar de faz-tudo
na orquestra do seu teatro. O homem compõe, ensaia, instrumenta, dirige, corrige,
suprime, acrescenta, substitui, transporta e isto sempre a correr, com um enorme
charuto de dois vinténs muito mastigado no canto da boca, e uma perna às costas.
É de uma atividade pasmosa! Imaginem que está uma peça em ensaios: o autor
acha que em tal situação vai muito bem um couplet; escreve os versos e vai beber um
copo d‟água. Quando volta, a música está composta, escrita, ensaiada e até orquestrada.
Foi assim que ele inventou o coro dos demolidores do muro da Ajuda, que tanto efeito
faz no Bilontra.
Mais duas particularidades, e tenho concluído: Gomes Cardim é filho de
Setúbal, a terra de Bocage, e cavalheiro de S. Tiago. Toda gente o chama comendador,
mas ele não encavaca.
Eloi, o herói
753
17 de março de 1886
tive neste mesmo lugar ocasião de me referir ao tratado de obstétrica,
publicado em Paris pelo nosso ilustre compatriota Dr. Rodrigues dos Santos, e
prefaciado pelo célebre Dr. Pinard.
O volume tem-se vendido extraordinariamente na grande capital, e de todos os
lados recebe o autor inequívocas provas do apreço em que é tido pelos homens da
ciência.
Ainda dias foi honrado o Dr. Rodrigues dos Santos com uma carta assinada
pelo decano da Faculdade de Ciências Médicas de Buenos Aires, o venerando Dr. Pedro
Antonio Pardo.
“Ainda que, depois do curto, mas tão eminente como favorável juízo com que o
Dr. Pinard, tão competente na matéria, abre o seu livro para apresentá-lo ao mundo
médico, o meu não tenha significação alguma (diz a carta), apraz-me dar os mais
sinceros parabéns não só ao sábio brasileiro como ao compatriota sul-americano.
“O seu livro, precioso como texto, pela clareza com que expõe, e admirável
concisão com que condensa em poucas páginas os atuais e tão largos conhecimentos da
matéria, sem que a pouca extensão prejudique o fundo, terá poucos rivais como obra
didática, sendo, além disso, um manual que os práticos consultarão com proveito.
“Auguro para os volumes seguintes o êxito do primeiro”.
É caso para nos orgulharmos, nós, os brasileiros.
***
Ou isso ou o Mistério da Natividade, poema do padre Delain, ultimamente
publicado em França.
Trata-se também de obstétrica, mas de obstétrica... clerical.
Eis aqui o diálogo entre a Virgem Maria e uma rapariga, que a interroga:
Pour accoucher, Madame
Fut-il besoin
De quelque sage-femme?
N‟en vint-il point?
Sentites-vous les douleurs et tranchées
Des autres accouchées
Quand Jesus vint à point?
A Virgem Maria responde no mesmo tom:
Ma jeunesse était sainte
Et sans péché:
Sans douleur et sans plainte,
J‟ai accouché;
Contre le lois de la nature,
D‟une maniére pure,
Mon fils s‟est détaché.
A rapariga replica:
Dame vierge Marie,
Votre entretien
M‟a toute ravie;
Je l‟entends bien,
754
Et je comprends l‟admirable mystère,
Qui vous rendit vierge et mére,
Je ne doute de rien!
Ah! a pequena entendeu? Tanto melhor para ela, porque eu, e como eu muita
gente, não consegui ainda compreender como aquilo se passou.
***
Efetua-se hoje no Politeama o benefício do denodado toureiro português
Francisco Pontes.
O beneficiado, por motivos independentes de sua vontade, não conseguiu
realizar uma série de touradas, como era o seu desejo. Tudo lhe tem saído torto, e ele
conta com a receita do espetáculo de hoje para ir tratar da vida mais adiante.
Segundo me consta, o Pontes reserva hoje aos amigos uma estupenda surpresa.
Talvez tenha relação com isso o presente, que ele poucos dias recebeu, de um touro
bravo do Rio Grande do Sul. Teremos hoje no Politeama a sorte da cadeira, ou uma
daquelas inconcebíveis pegas de cara, em que é exímio o artista que hoje faz benefício?
Não sei. Em todo caso, o leitor nada perderá em ir, porque o espetáculo
mesmo sem touros é divertido e atraente.
Eloi, o herói
755
18 de março de 1886
Acabo de receber um bojudo volume de mil e cinqüenta ginas, a cuja leitura
vou me entregar com prazer: o Catálogo da exposição permanente dos cimélios da
Biblioteca Nacional, publicado sob a direção do respectivo bibliotecário, Sr. Dr. João de
Saldanha da Gama.
Ainda não abri o livro, mas estou banzado com a palavra cimélios. Consultei
meia dúzia de dicionários da língua portuguesa, e nenhum deles me deu a significação
desse vocábulo. Recorri a muitos amigos, e fiquei na mesma. Se o Sr. Dr. Castro Lopes
não me acode, adeus, minhas encomendas!
***
Quando na caixa de algum teatro aparece qualquer palúrdio, há sempre um
gaiato que o encarrega de pedir a outro gaiato as galharufas.
- Galharufas? pergunta espantado o palúrdio.
- Sim; ele já sabe o que é.
E o pobre diabo é capaz de andar uma noite inteira, deste para aquele lado, à
procura das tais galharufas, nome com que se a conhecer uma coisa... que nunca
existiu.
Se fosse lícito duvidar da seriedade da Biblioteca Nacional, eu seria capaz de
apostar que se trata de uma mistificação, e que cimélios é uma espécie de... de
galharufas.
Acuda-me o Sr. Dr. Castro Lopes.
***
Ninguém acreditará que o código de posturas da Câmara Municipal da vila de
Pentecoste, aprovado pela presidência do Ceará em 19 de dezembro último, seja um
livro divertido.
Entretanto, é a pura verdade. Abram o capítulo IX, cujo título é: Sobre a
moralidade, e vejam que em Pentecoste é expressamente proibido levantar altos gritos à
noite nas ruas da vila, sem necessidade ou utilidade; ter disputas ou controvérsias nas
ruas em altas vozes (Ah! o compadre Muniz em Pentecoste!), e dar tiros a qualquer hora
do dia ou da noite, exceto no desempenho de deveres do serviço público.
Esta última disposição está em desacordo com o capítulo 57º do artigo seguinte,
o qual permite o uso de armas a pessoas insuspeitas, que tiverem inimigos rancorosos e
de imoralidade conhecida.
Entretanto, é também expressamente proibido trazer faca de ponta, seja de que
tamanho for.
O art. 50º não quer que se corra a cavalo pelas ruas da vila e povoações a
qualquer hora;
Que se façam “parelhas ou corridas por ocasião da saída de noivados da vila”;
Que se passe a cavalo ou se tanja o comboio entre o Cruzeiro e a Matriz.
“Artigo 51 É proibido jogar a dinheiro, qualquer que seja o jogo, sob pena de
20$000 de multa para o dono da casa em que estiver a reunião do jogo, e 4$000 para
cada jogador, que for pegado jogando”.
Vejam que bela redação! parece que a multa reverte em favor do multado.
“§ São permitidos os jogos que se usam por divertimento; v.g. três sete,
espadilha, dominó, etc”.
O art. 52º proíbe a reunião de filhos família nas lojas e tabernas por mais de
vinte minutos, e o 53º o “ajuntamento de pessoas, trazendo a camisa por fora das calças,
nas quinas e becos da vila e povoações”.
756
De modo que naquela boa terra quem estiver sozinho tem o direito de trazer a
camisa por fora das calças; mas esse direito desaparece desde que o indivíduo esteja
acompanhado.
Decididamente o código de posturas da Câmara de Pentecoste é um livro
precioso nestes tempos de tristezas e febre amarela.
***
A febre amarela!... Sempre a maldita!...
Ainda ontem sucumbiu a esse medonho mal o pobre Foito, artista cômico
português, que há um ano se achava nesta cidade, onde desde logo o seu talento
conquistara as simpatias do público.
O Foito veio para o Rio de Janeiro com a “grande companhia de ópera-cômica
portuense”, que abortou por falta de boa direção e capital suficiente. Estreou na nix
no papel de Pomponet, da Mme. Angot; em seguida apresentou-se no de Inigo, da
Princesa das Canárias; no de alcaide, da Dona Juanita e no de Panatellas, da
Perichole. Dissolvida a companhia Manzoni, contratou-se o Foito na empresa Heller, e
aí teve apenas tempo para representar dois papéis no Amar sem conhecer e na Mulher-
homem. Os autores da Donzela Teodora tinham lhe confiado um dos melhores papéis
desta opereta, mas justamente no dia do ensaio geral foi o distinto e desventurado artista
acometido pela febre.
O Foito gozava de muita reputação em Portugal, principalmente no Porto, onde
passou o melhor tempo da sua vida artística. A notícia do seu falecimento vai causar
profunda impressão naquele país, que tão roubado tem sido pela nossa febre amarela.
***
Dificilmente seremos alguma coisa enquanto a civilização brasileira lutar com
esses dois tremendos obstáculos: a febre e a escravidão.
É um lugar-comum, não dúvida; mas digamo-lo sempre, antes que no-lo
digam.
Eloi, o herói
757
20 de março de 1886
Ninguém acreditará que haja um regulamento da Academia de Belas Artes. Pois
é o que lhes digo: haver, há; o que resta saber, é se o cumprem.
O art. 62 desse regulamento determina que haja, no fim de cada ano escolar, uma
exposição pública de todas as classes da Academia, e de dois em dois anos uma
exposição geral de todos os trabalhos artísticos, feitos na capital do Império e nas
províncias.
Por que razão não se cumpre essa parte do regulamento? Que obstáculos têm
impedido o cumprimento desse dever? Dar-se-á caso que no orçamento não haja verba
para a insignificante despesa dessas exposições, sobre cuja utilidade é escusado insistir?
Convém notar que os concursos para o prêmio de ordem (art. 73) dependem
da exposição geral: só se farão, diz o texto, depois de fechada a Academia.
Segundo o art. 74, de três em três anos, deve ser enviado à Europa um
pensionista que ali ficará seis anos, sendo pintor histórico, escultor ou arquiteto, e
quatro, sendo gravador ou paisagista.
Façam favor de me dizer que cumprimento tem tido este artigo, e a quantos
alunos tem a Academia mantido no velho mundo!
A coisa seria muito explicável se não houvesse na Academia alunos dignos de
tal distinção; mas, para não citar outros nomes, está Oscar da Silva, que me parece
credor de animação e estímulo.
O Brasil atravessa neste momento o seu melhor período de movimento artístico;
a Academia escolheu mal a ocasião para meter-se nas encolhas. Se lhe faltam
elementos, caia, de regulamento em punho, sobre o Sr. de Mamoré e S. Ex. não terá
remédio senão providenciar para que se respeite no Rio de Janeiro a coisa mais
respeitável do mundo a Arte.
***
dias recebi uma interessante epístola, e, por falta de espaço, não lhe tenho
podido dar publicidade. Mas não passa de hoje; leiam-na, que não perdem tempo:
“Meu caro Eloi, o herói Glória ao Brasil! É preciso registrar o estupendo
fenômeno astronômico, observado ultimamente em Manaus por um nosso compatriota,
conforme narra ele numa interessante carta, publicada no País de hoje (16 de março),
com data de 20 de fevereiro.
“Trata-se do ilustre, conquanto ainda jovem, jornalista, hoje botânico, J. de
Campos Porto, que nos deixou há meses para ir estudar sob a direção de Barbosa
Rodrigues, no museu da capital do Amazonas.
“Conquanto o verídico escritor não pareça ligar grande importância ao fato a que
me refiro, não é menos verdade que não consta haver-se observado, desde o tempo dos
Caldeus até hoje, mais extraordinária anomalia astronômica, à exceção da parada do sol
durante a batalha de Josué, segundo rezam as sagradas escrituras.
“Andava debalde o jovem escritor, como se infere de sua narrativa, procurando
imortalizar-se pelo descobrimento de alguma espécie vegetal nova, que na próxima
edição do consciencioso Sertum Palmarum deveria figurar com a genitivação (já
proposta) Johanesii...
“Mal pensava ele que maior glória e celebridade ia colher em mais elevado
campo científico. Bastou-lhe levantar os olhos para o céu, em vez de andar colhendo
ervas na terra.
“Também, como poeta que é, já deveria ele tê-lo feito de preferência.
“Alguns campônios matinais consolaram Ticho Brahe da perda de uma noite de
observações astronômicas, chamando a sua atenção para a extraordinária luminosidade
de uma estrela temporária da constelação da Cassiopéia que lhe passara despercebida.
758
Este nosso Campos saiu-nos menos curioso, porque nem percebeu o descobrimento que
fez em sua excursão científica com o mesmo descuido com que Mr. Jourdain fazia
prosa!
“Eis o enorme caso:
“Já disse que se trata de uma excursão científica: falta-me dizer que ela era
matinal e fluvial.
“Fora marcada a partida para a madrugada!...
“O velho caboclo, incumbido de despertar os excursionistas, houve-se com
rigorosa exatidão, porquanto, continua a narração, „a madrugada nem sequer se
anunciava... Erguemo-nos. Ainda era noite... Ao longe, árvores colossais eram
iluminadas pelos raios da lua que silenciosamente descia pela curva do céu... O ar fresco
da madrugada, etc‟.
“Não resta dúvida. Todas essas perífrases querem dizer na sua que eram 4 ou 5
horas da manhã; não nos esqueçamos que a cena passa-se perto do Equador.
“Gastou-se o dia na excursão.
“Eis agora a maravilha:
“Diz o escritor: „Era noite quando [ ] o lugar de onde partimos pela madrugada.
A lua que iluminou o caminho na partida, como que nos esperava para conduzir-nos na
volta!!‟
“Quem podeduvidar dessa amabilidade da lua? De madrugada ela descia a
curva do céu... portanto, se não fosse sua intenção obsequiar os excursionistas, em cinco
ou seis horas ter-se-ia escondido abaixo do horizonte, como nos dias ordinários.
“Ela, porém, sabia que seria útil ao jovem excursionista, pouco habituado a
viajar à noite, acostumado ao gás da rua do Ouvidor, e por isso esperou-o, sonolenta
talvez, mas com uma fidelidade digna de agradecimentos.
“Pois bem. Querem saber com que grosseria, com que seco utilitarismo procedeu
o escritor registrando o estupendo fenômeno?
„Para alguma coisa serve a chamada rainha da noite‟, diz ele terminando!
“Ah! poetas, poetas!
“A lua esteve no horizonte de Manaus pelo menos 18 horas e ninguém deu por
isso... entretanto, ainda se considerará um milagre o fato da parada do sol, ordenada por
Josué, sobre o vale de Elorn!
“Grandes e verídicos descobrimentos devemos esperar, meu caro Eloi, dos
intrépidos colaboradores do Museu de Manaus. Ontem a domesticação dos Crichanás,
hoje a parada da lua!
“Deus os conserve e o governo não os demita, para que possa progredir a
ciência.
“Seu ex-corde Happy Holy”.
Eloi, o herói
759
22 de março de 1886
Ainda bem que ontem confirmou a imprensa o que por vezes eu disse de Abdon
Milanez, o inspirado autor da partitura da Donzela Teodora. Folgo de ver realizadas as
minhas predições. Abdon é uma das mais completas organizações artísticas que eu
tenho conhecido, e um brilhante futuro lhe está de certo reservado, se circunstâncias
especiais não o arredarem brutalmente da larga estrada que ele começa a percorrer
agora.
O Jornal do Comércio chama-lhe um prodígio. Prodígio, de acordo, atendendo a
que esse moço que escreveu uma partitura onde as belezas sobrepujam os defeitos, e
que faz no Sant‟Anna melhor figura que outras ali cantadas, assinadas por sumidades
universais, esse moço... nunca teve um mestre! “Nunca teve um mestre”, repito, porque
sem dúvida a minha declaração de causar estranheza a muita gente. Tudo quanto ele
conseguiu a si próprio o deve ao seu esforço, ao seu desejo indeclinável de ser um
artista, à sua poderosíssima faculdade de assimilação. Não sabe regras de harmonia e
contraponto: adivinha-as, graças a uma intuição quase milagrosa, e conhece-as um
pouco à moda de Mr. Jourdain.
- Qual não teve mestre nem meio não teve mestre! dizia Henrique Alves de
Mesquita no dia do ensaio geral da Donzela Teodora; teve o grande e sublime Mestre
que lá está em cima, e sabe mais do que sabia Beethoven!
E o reputado maestro brasileiro apontava para o céu.
Sem concordar com essa opinião de um misticismo um tanto absoluto, aqui a
deixo registrada para mostrar a conta em que Milanez é tido por um dos professores
mais ilustres deste país. Carlos Cavalier, que é também um músico respeitado pelo seu
saber, disse coisas muito agradáveis sobre o talento do festejado estreante.
***
Abdon Milanez exerce a profissão de engenheiro, e é casado e tem filhos.
Naturalmente não poderá estudar na Europa, conforme o desejo dos seus amigos e o
próprio. Entretanto, mesmo no Brasil, poderá fazer alguma coisa, compulsando bons
autores e tomando lições com os mesmos mestres que até hoje tem tido.
Sei que tem pronta outra partitura, e espero vê-la em breve tempo cantada.
***
O capitão Martinez arranjou outro balão, a que deu o título de Rio de Janeiro, e
conseguiu ontem elevar-se a uma certa altura e cair a uma certa distância.
Desconfiado de que o Rio de Janeiro lhe pregasse as mesmas peças que o
Relâmpago, o sobredito capitão pediu ao Sr. vigário da freguesia da Glória que lhe
benzesse o balão novo. Sua Revma. prestou-se de boa vontade, e a cerimônia realizou-
se ontem, solenemente, antes da ascensão.
Sem querer fazer nenhuma alusão maligna à devoção do capitão Martinez nem à
piedosa condescendência do pároco, direi que não compreendo os motivos desta
bênção, que até certo ponto, confesso, me pareceu ridícula.
Se, para que alguma coisa suba, é preciso a bênção do vigário da Glória, tenha
sua Revma. a bondade de benzer... o câmbio.
Eloi, o herói
760
23 de março de 1886
Sepultou-se ontem, no cemitério de S. Francisco Xavier, o decano dos nossos
atores dramáticos: o velho Gusmão, que ultimamente andava por aí a morrer aos
pedaços, curvado ao peso dos anos e da moléstia.
Foi no seu tempo um grande artista. Quando, em 1847, veio de Lisboa, trouxe
consigo a mais lisonjeira reputação; era um dos atores mais populares da rua dos
Condes no tempo em que “a rua dos Condes” influía nos destinos da arte dramática
portuguesa. Miguel Arcanjo de Gusmão foi amigo de Almeida Garrett.
Aqui não desmentiu ele a fama que o precedera, e ao lado de João Caetano dos
Santos fez sempre boa figura. Eu apanhei-o no ocaso de sua carreira artística, quando
o Gusmão era apenas uma sombra do que havia sido. Ainda assim, eram eloqüentes
aqueles vestígios.
***
Nas caixas dos nossos teatros contam-se muitas anedotas sobre o Gusmão, que,
mesmo vivo, há muito tempo entrara já, por bem dizer, nos domínios da lenda.
Essas anedotas versam quase todas sobre a notável distração do velho ator, que
levava as lampas ao Descuidado de João de Barros.
De uma feita entra em cena com um chapéu na cabeça e outro debaixo do braço;
de outra esquece-se de que a peça tem cinco atos, e no fim do quarto vai muito lampeiro
para casa, pondo em talas o empresário, que é obrigado a mandar ler o papel em cena
aberta, pelo contra-regra. Uma noite fazendo o pai nobre do Anjo da meia-noite
apresentou-se no baile de casaca e chinelos de trança, e não era raro aparecer barbado
no primeiro ato de qualquer peça e desbarbado no segundo, por se haver esquecido das
barbas no camarim.
***
Arredado definitivamente do teatro, o Gusmão consagrou toda a sua atividade à
Associação Beneficente dos Artistas Dramáticos, da qual era tesoureiro. Pode-se dizer
que, apesar de velho, era ele a alma dessa benemérita associação, que sem dúvida muito
perderá com o seu desaparecimento. Nunca se viu tanto amor e tanta dedicação; aquelas
pernas cansadas não descansavam, sempre que se tratava dos interesses da associação,
por menores que fossem. O capital triplicava-se naquelas mãos trêmulas, porque ele
mesmo cobrava as anuidades deste ou daquele sócio remisso, ele mesmo angariava
novos sócios, escriturava os livros, comprava apólices ou depositava o dinheiro. Essa
faina de ser útil aos outros, uma vez que já o não podia ser para si, absorvia-o, enlevava-
o, e até porque não? lhe prolongava a existência.
***
Miguel Arcanjo de Gusmão foi um chefe de família modelo, e teve a rara
felicidade de atravessar o palco sem queimar o seu manto de virtude nas luzes da ribalta.
Não foi um cômico: foi um artista.
Eloi, o herói
761
24 de março de 1886
O Rio de Janeiro está de novo infestado de cáftens.
dias chegaram do Rio da Prata alguns desses cavalheiros, que exercem a
mais infame das indústrias, e consta-me que dois deles se naturalizaram, para não
estarem sujeitos à deportação.
Não os poupe, Sr. Coelho Bastos! V. Ex. pôde acabar com o entrudo; é muito
mais fácil acabar com os cáftens. Não dê quartel a tal gentinha, e livre-nos a todos dessa
escória social, capaz de desmoralizar Gomorra e de comprometer Sodoma.
***
Lisonjeado, agradeço muito ao erudito Sr. Dr. Castro Lopes a explicação da
palavra cimélios, dada no Jornal do Comércio de ontem, e com todo o prazer publico a
seguinte carta, que anteontem recebi:
“Sr. Eloi Não sei se já terá recebido alguma explicação sobre o termo cimélios,
que tanto o intrigou.
“V. recorreu ao Dr. Castro Lopes, e fez muito bem.
“Apesar de não ter sido eu consultado, e de não dever meter-me naquilo que não
me diz respeito, vou emitir a minha opinião, mesmo com risco de ser importuno.
“É bem certo que em dicionários portugueses não se encontra a palavra cimélio,
mas o mesmo acontece com muitas outras.
“O próprio Dicionário Contemporâneo não insere muitos termos como
zoogonia, pansofia, pantografia (descrição completa), tabulação, abo (parte helicóide
do propulsor dos vapores), tiromancia, etc.
“Não sei a acepção em que foi tomada a palavra cimélios pelos doutos
organizadores do catálogo da Biblioteca, isto pela simples razão de não ter ainda visto
esse livro. Creio, porém, que esse termo é empregado como preciosidade, objeto de
valor.
“O substantivo cimélio parece-me ser oriundo do grego keimélios.
“Esta palavra, para chegar ao estado em que atualmente a temos em português,
sofreu pequena alteração.
“Naturalmente essa palavra, usada primitivamente pelos Gregos, passou ao
latim. É bem sabido que os Romanos não usavam a letra k e sempre a substituíam
por c como, por exemplo, clino em vez de klino, cinnamomum, em vez de
kinnamon, cinnabaris, em vez de kinnabari, etc.
“Acredito que está esclarecido o ponto obscuro.
“Se não for esta a verdadeira origem do substantivo cimélio, muito agradecido
ficarei a quem melhor a explique.
“Com os meus protestos de estima, envio-lhe os meus agradecimentos pela
paciência com que leu esta amoladora carta do
“seu comprovinciano, - ***”
***
Escaravelho disse ontem que tem dó de mim.
Olha para o que lhe havia de dar!
Eloi, o herói
762
25 de março de 1886
O Diário Ilustrado, de Lisboa, publica os retratos das Exmas. Sras. D. Virginia e
D. Matilde Sinay, fazendo-os acompanhar pelas seguintes linhas:
“Três artistas de raça.
“Virginia e Matilde Sinay são irmãs, e tiveram por pátria o Brasil. Logo desde os
mais tenros anos revelaram um gosto decidido pela música, e seu pai, chefe da
importante casa Sinay & Levi, do Pará, mandou educá-las nos segredos daquela
formosa arte, aproveitando-lhes as notáveis e extraordinárias aptidões, tão cedo
manifestadas.
“Decorrido algum tempo, Virginia era uma violinista consumada e Matilde uma
pianista exímia, rivalizando, no gosto e nos primores da execução das músicas clássicas,
com os concertistas mais distintos da Europa.
As duas jovens virtuosi, que andam agora realizando uma tournée artística pelas
capitais européias e americanas, e que, dentro de três dias, teremos o prazer de ouvir
num dos teatros de Lisboa, são elegantes, simpáticas e esmeradamente educadas,
cativando-nos logo ao primeiro abord pela finura e distinção das suas maneiras”.
E aqui estávamos nós os fluminenses, completamente alheios à existência dessas
duas interessantes artistas da terra do açaí. Lembrem-se SS. EEx. de que também somos
filhos de Deus, e teremos tresdobrado prazer em -las, ouvi-las e aplaudi-las. Que se
não deixem monopolizar pelo velho mundo.
Virginia e Matilde Sinay, a julgar pelos retratos, são duas mocetonas de truz, de
olhos lânguidos, boca rasgada, narinas dilatadas, etc, tudo conforme o tipo exuberante
da brasileira do Norte.
***
Folguei muito de ver um artigo da Época, de Madri, assinado por D. Luiz
Alfonso, que diz coisas muito agradáveis sobre Lucinda Furtado Coelho, entre outras,
esta: “El modo como interpreto la escena toda del cuarto acto con Nanjac bastaría para
reputarla como una de las mejores actrices del teatro moderno”. E acrescenta D. Luiz:
“Por mucha que sea la fijeza con que sigue el spectador el más pequeño gesto de la
Simões, nunca logra veria fuera de su papel”.
O escritor da Época tem toda a razão, e eu fico a fazer votos para que
chegue depressa o dia em que tenhamos de aplaudir de novo a única Baronesa d‟Ange
possível.
***
Escreve-me o amável Sr. F. da S.:
“Sr. Eloi, o herói Hoje trago para o seu Palanque um punhado de saudades.
“Após longos e cruciantes sofrimentos, deixou de existir Augusto de Oliveira
Monteiro. Foi mais um belo espírito que se passou para a outra margem. Talento de
bom quilate, deixa de si, entre a plêiade que o estremecia, inolvidáveis produtos de um
cérebro bem conformado; e no que concerne ao moral, ficam dele indeléveis traços
dos mais puros e nobre sentimentos e de um caráter espartanamente imaculado.
Era guarda-livros, e nesta profissão, tão desprestigiada quanto honrosa, tornou-
se exemplo e lição. É assim que se vinculava a uma casa comercial para nunca mais
abandonar.
“Augusto Monteiro foi orador de mérito, poeta satírico e escritor de
merecimento.
“Fez parte da sua existência o Retiro Literário Português, instituição pela qual
era fanático, consagrando-lhe todo o seu amor, toda a sua alma, todo o seu patriotismo.
“Foi diretor do Retiro por largos anos, ocupando sempre cargos eminentes e
conspícuos. Por seu turno esta corporação não lhe regateou honrarias, porque com todas
763
o distinguiu e enobreceu. Sócio benemérito, secretário perpétuo e presidente de honra,
tais foram os títulos com que o Retiro Literário Português galardeou o servidor
notabilíssimo, além de lhe erigir no salão o retrato a óleo sobre tela n. 20.
“Augusto Monteiro não teve uma condecoração e, entretanto, ninguém mais a
mereceu do que ele. Era o protótipo do português de lei; era a consubstanciação do amor
da pátria.
“Vários representantes do S. M. F. estiveram e lhe admiraram os singulares
devotamentos à grandeza da nação que lhe fora berço; mas isso de nada aproveitou,
porque o preclaro nome de Augusto Monteiro nunca logrou subir às atmosferas oficiais,
donde a cornucópia das graças despeja galardões e cevada sobre uma certa grei
indígena.
“Mas o menospreço dos plenipotenciários foi providencial, porque a venera que
tivesse a honra de ascender até ao ponto de Augusto de Oliveira Monteiro seria daí por
diante um símbolo que ninguém mais deveria possuir.
“Do seu por simpatia F. da S”.
764
26 de março de 1886
Lembrarei hoje ao público uma atriz esquecida, que noutros tempos muito lhe
mereceu: a Jesuína Montani.
As circunstâncias especiais em que se acha o nosso teatro, entregue, por bem
dizer, exclusivamente a um gênero que não se fez para todos os artistas, tem posto para
um canto a Jesuína, que, aliás, está ainda longe, muito longe de ser bananeira que deu
cacho. Apelo para a consciência de quantos a viram, ainda há poucos meses, representar
alguns papéis durante a última companhia dramática do teatro Lucinda.
Se não me falham os cálculos, a Jesuína vai caminhando para a casa dos
cinqüenta; mas que tem isso?... nenhuma das nossas atrizes sabe fazer-se tão jovem,
nenhuma tem olhos tão expressivos e brilhantes, nenhuma se exprime com tanta
suavidade nem gesticula com tanta meiguice. Se o tempo não houvesse alterado a ela
os graciosos contornos e ao teatro fluminense a boa primitiva a Jesuína ainda hoje
seria aquela mesma Jesuína por causa da qual a geração que passou, ou vai passando
dividida em partidos encarniçados e cotisada para ruidosas e entusiásticas ovações,
obrigadas a pombinhos, sonetos e charanga jogava convictamente o pau no corredor
do teatro.
***
Jesuína Montani, como atriz, adquiriu no Rio de Janeiro um prestígio que
nenhum motivo tem para haver cessado, e, como mulher, conquistou geral simpatia pelo
sacrifício a que se impôs sacrifício longo e sublime , acompanhando amorosamente a
agonia lenta e desesperada do infeliz Peregrino, agonia de meses e meses, meses
sem trabalho, meses sem pão...
Dir-me-ão talvez: Cumpriu o seu dever de esposa. Mas pelo amor de Deus,
sejamos francos: todos sabem que no teatro esses deveres, salvo honrosas exceções que
respeito e até admiro, o encarados sob um ponto de vista especial! Digo especial, por
não me lembrar agora de um adjetivo mais apropriado. Por via de regra, dois atores, que
se casam, são marido e mulher até o momento em que deixam de precisar um do
outro...
A Jesuína, essa nunca foi tão carinhosa, tão boa, tão “esposa” como no momento
em que percebeu que o marido estava inutilizado, e a vida se lhe tornara apenas pobre
Peregrino! uma impertinência da morte, que não chegava.
***
Ela está, a Jesuína, sadia, robusta e bem disposta, apesar de todas as suas
atribulações: dir-se-ia até que estas não lhe têm dado tempo para envelhecer. Ora, o
teatro brasileiro conta tão poucas atrizes, que na realidade de modo algum devemos
deixar para o canto, injustamente esquecida, essa, que tão bons serviços poderá ainda
prestar.
Hoje faz ela beneficio; concorra o público a esse espetáculo, aplauda-a, e seja
essa prova inequívoca de animação e apreço o primeiro movimento para restituir ao
teatro uma atriz, a quem a natureza, mais generosa que o tempo, não deu ainda o direito
de descansar.
***
Nunca ninguém apelou debalde para o largo coração do nosso público, aberto a
todos os bons sentimentos. Se algumas vezes ele é mais tolerante que condescendente,
ou mais condescendente que justo como quiserem ainda se revela magnânimo e
sobranceiro.
O público fluminense é o ideal dos públicos: essa é a opinião de todos os artistas
que aqui têm vindo, desde Lapuerta e Thalberg até o capitão Martinez. Porque não há de
ser essa a opinião da Jesuína Montani?
765
Eloi, o herói
766
27 de março de 1886
As discípulas do distinto pianista Cerqueira, regozijadas pelo aniversário
natalício do mestre, vão hoje oferecer-lhe o seu retrato.
Essa manifestação... a crayon seria a coisa mais natural deste mundo... quero
dizer: deste Rio de Janeiro, se o Cerqueira não fosse cego, e cego de nascença.
Dispondo, porém, o reputado professor, dos quatro últimos sentidos, é até falta
de generosidade oferecerem-lhe um objeto que só pode ser agradável ao primeiro e mais
precioso que é justamente o que ele não tem.
Seria mais acertado que compusessem uma serenata em honra sua, ou lhe
oferecessem um grande ramo de violetas ou um frasco de legítima água de Colônia,
ou lhe mandassem um belo sobretudo, que seria convenientemente utilizado no próximo
inverno, ou ainda, quando de todo não quisessem fugir ao retrato, lhe remetessem o
busto em gesso ou bronze.
Desse modo o Cerqueira poderia ouvir, cheirar, sentir ou apalpar.
Mas mandar-lhe o retrato a crayon parece-me tão cruel como enviar um par de
botas a um indivíduo sem pernas, ou oferecer um pente ao Braga Junior.
***
Eu não me animaria a gracejar sobre a manifestação Cerqueira, se não
conhecesse de perto o nosso pianista.
É um bom artista, que veio ao mundo para provar o que a desgraça é fato
muito relativo, como que uma população de cegos é coisa possível sobre o globo que
habitamos. O Cerqueira supre os olhos do rosto pelos de uma inteligência e de uma
percepção admiravelmente lúcida. Em terra de cegos como ele, não bastava ter um olho
para ser rei, pois a muitos com dois olhos tenho-o visto levar de vencida em mais de um
terreno. É um cego que vê dois palmos adiante do nariz.
Mas o que sobre tudo me cativa neste excelente rapaz e ótimo companheiro, é a
sua angélica filosofia, o seu bom humor, não digo “a sua resignação”, porque ele,
apesar de toda a sua intuição, naturalmente não tem, não pode ter consciência do que
perdeu, nascendo sem vista.
Para prová-lo, aí vai uma resposta do Cerqueira:
Uma noite íamos juntos num bond do Engenho Novo. Estava um luar
esplêndido, um luar de Março, e de mais a mais parecia que todos os astros tinham dado
rendez-vous no céu.
E eu disse-lhe:
- Cerqueira, se você recuperasse a vista de repente, e olhasse para este céu,
enlouquecia admirado por tanta beleza!
A frase era cruel e irrefletida; eu já estava arrependido de a ter proferido, quando
o Cerqueira me respondeu:
- V. diz isso porque não imagina que mundos eu vejo dentro! Visse-os V., e
enlouqueceria também...
***
Parte hoje para a Europa Luiz Guimarães Junior, o insigne poeta brasileiro, que
deve levar no coração bem viva a lembrança dos seus amigos e admiradores, dias
representados num banquete de honra.
Dando-lhe o saudoso abraço de despedida, repito aqui o pedido que lhe fiz no
final de um soneto (?) improvisado naquela ocasião: o de mandar-nos
De vez em quando a esmola dos seus versos.
Eloi, o herói
767
28 de março de 1886
Lembram-se do velho Arêas quando cantava o papel de general Bum na Fênix:
Quando eu me zango sou feroz?
Pois o inspetor da Tesouraria da Fazenda de S. Paulo é uma espécie de general
Bum, que quis fazer do Sr. José Leão Ferreira Santos, escriturário daquela repartição,
uma espécie de Fritz, mauvais soldat.
Este empregado que, segundo declaração do mesmo inspetor, “é talentoso e
inteligente”, foi suspenso por 5 dias pelo general Bum em questão, por haver feito umas
observações muito criteriosas sobre a marcha irregular do serviço da Tesouraria.
Protestou, e foi de novo suspenso por 15 dias! A estas é natural que o inspetor tenha
mandado enforcar o Sr. José Leão, à vista do folheto que este acaba de publicar sob o
título Queixa obrigatória; e subtítulo Ao Exm. Sr. conselheiro João Alfredo Corrêa de
Oliveira, presidente da província de S. Paulo.
No meu entender, o inspetor foi buscar sarna para se coçar, como diz o
vulgacho. O escriturário suspenso pede que se nomeie uma comissão para verificar o
lastimoso estado em que se acha toda a papelada da tesouraria de S. Paulo, um
verdadeiro pandemônio em que ninguém se entende.
O serviço anda ali à matroca; o queixoso fala em simulacros e tentativas de
escrituração. Está por fazer a distribuição da primeira quota de 1878 do fundo de
emancipação de escravos. As contas da Alfândega de Santos e do Correio de S. Paulo,
desde a sua fundação até hoje, estão ainda por liquidar. Não se sabe ao certo na
Tesouraria quais sejam os arrendatários dos próprios nacionais, etc, etc. O diabo! Pode-
se dizer que, com a publicação deste folheto, o escriturário por sua vez suspendeu o
inspetor.
Não posso deixar de transcrever algumas observações do Sr. José Leão, as quais
interessam diretamente a classe dos empregados públicos, principalmente dos da
fazenda:
Contra o axioma mais comezinho do Direito, as nossas pessoas, não podem
continuar assim sujeitas a duas espécies de penalidade.
“Além do Código Criminal, pune-nos o arbítrio do chefe, que V. Ex. verá nem
sempre oferece as melhores garantias de moralidade e circunspecção.
“Nós não somos mais os oficiais da estação da real Fazenda das ordenanças de
1812, nem submissos súditos do governo absoluto e os nossos delitos devem ser
punidos pela legislação comum. Todos prestamos o mesmo juramento de bem cumprir
os deveres inerentes ao cargo, passamos os que fazem concurso, pelas mesmas provas,
somos todos cidadãos brasileiros; donde, pois, essa diferenciação pessoal? É uma
verdadeira anomalia a existência de chefes absolutos em um governo representativo.
“Não podemos tampouco estar sujeitos às influências da atmosfera nos
temperamentos linfáticos ou biliosos que, sem mais outras fórmulas do processo
ordinário vem, ferir-nos no que temos de mais sagrado, a honra, e isso sem apelo nem
recurso para entrância superior e, a própria família, que acarrete com os efeitos nocivos
dessas crises patológicas!
“É preciso considerar o emprego como uma função pública com iguais garantias.
“Então de que vale termos outros direitos políticos, o do voto, por exemplo,
quando o fato de ser o empregado monarquista ou republicano, liberal ou conservador,
pode servir de pretexto ao exercício de atrozes perseguições e vinganças mais atrozes?!”
768
Concordo em gênero, número e caso: o cidadão, pelo fato de se fazer empregado
público, não hipoteca as suas idéias a ninguém, nem de modo algum se obriga a não ser
de sua própria opinião.
Eloi, o herói
769
29 de março de 1886
Onde estava o público anteontem à noite? Dar-se-á caso que o houvessem
monopolizado os famosos Milagres de Santo Antonio, reaparecidos na Fênix, a preços
reduzidos? Porventura o arrebanharam todo para o baile dos Democráticos, ou para a
sessão solene do Retiro Literário Português, celebrada em honra da oficialidade da
corveta Rainha de Portugal?
O Príncipe Imperial não deu espetáculo; o Sant‟Anna com a Donzela Teodora, e
o Lucinda, com o Bilontra, “não encheram”. Era de supor que o Recreio Dramático
apanhasse uma enchente à cunha. Pois, senhores, não lhe valeu o anúncio de uma
primeira.
Onde estava o público anteontem à noite?
***
Pois eu peço encarecidamente ao leitor que se arrependa e tenha remorsos de não
haver ido ao Recreio. O Príncipe Zilah é peça para ser vista e aplaudida, apesar dos
vícios de conformação inerentes aos dramas extraídos de romances, e apesar também de
que o autor remendasse aqui e ali o seu trabalho com fazenda alheia. Sardou e Dumas
Filho tinham o direito de figurar no cartaz.
Julio Claretie não tem certamente as grandes qualidades e o estilo de um Dumas
ou de Augier. Um escritor dessa plana jamais quebraria a pena para fazer-se
administrador do Teatro Francês, por mais honroso que fosse o exercício de semelhante
cargo.
Mas não negar que, se neste drama menos habilidade que jeito, há, em
compensação, muito talento e sobretudo muito espírito, e espírito parisiense, du vrai.
***
Aí vai em duas palavras, e muito por alto, o que é a peça:
O príncipe Zilah (Dias Braga) apaixona-se por uma linda cigana chamada Marsa
(Helena Cavalier), e, como é solteiro, naturalmente quer casar com ela.
Marsa recebe o lisonjeiro pedido com certas hesitações e reticências, que a
qualquer outro, fora do teatro, poriam a pedra no sapato. Não diz que sim nem que não.
Não diz que sim, porque... rasca na assadura; não diz que não, porque bebe os ares
pelo príncipe.
Este, porém, está gravemente ferido pelas setas do deus vendado; toma as
hesitações da cigana por bem entendidos escrúpulos de categoria social, e anuncia o
casamento.
Isto, que eu contei em meia dúzia de linhas, dura até o final do ato, em que
aparece inopinadamente o sedutor, o primeiro amante, uma espécie de Fernando
Tausette da Denise, um patife, um tal Miguel Menko (Bernardo Lisboa), e lá se vai tudo
quanto Marsa fiou!
No ato sabe-se que Miguel Menko ainda ama a cigana; esta a repele-o a
chibatadas (uma cena verdadeiramente patética), e ele, para vingar-se, recorre a um
meio infame: entrega ao noivo as cartas que ela noutro tempo lhe escrevera e, foge.
O casamento desfaz-se; o príncipe maldiz e abandona a sua amada, a quem mais
tarde perdoa in extremis, quando a encontra, desesperada e já moribunda.
Quanto a Miguel Menko, é morto em duelo com grande satisfação de todos
por um administrador de alta justiça teatral, que chega muito a propósito.
***
O desempenho foi muito regular, sobressaindo Helena Cavalier, que
inquestionavelmente tem no Príncipe Zilah um dos seus melhores papéis, e Dias Braga,
sempre impetuoso e apaixonado.
770
Bernardo Lisboa, que infelizmente nunca mais nos deu um tipo que lhe ficasse a
matar como o das Meninas Godin, representou muito discretamente o ingrato papel de
Miguel Menko. Só não lhe perdoamos os detestáveis paletots que traz debaixo do braço
e atira sobre uma cadeira, quando entra no salão do príncipe e no de Marsa. Que diabo!
se Miguel Menko procurasse bem, encontraria algum criado nas ante-salas...
Maia e Rangel, este um tanto exagerado talvez, encarregaram-se de dois
pequenos papéis subordinados. Rangel parecia-me o Lisboa, do Sant‟Anna, no Príncipe
Topázio. Como se tratava de outro príncipe...
Agora uma chapa, misericordiosa para os cronistas e muitas vezes para os atores:
“Os demais artistas não comprometeram os seus papéis”.
***
Boa mise-en-scène e muitos aplausos do público, que, se não era numeroso,
parecia, pelo menos, escolhido. Nos camarotes e na platéia via-se o que a nossa
sociedade tem de mais huilleux (com o h bem aspirado).
Eloi, o heroi
771
30 de março de 1886
Não sei se o leitor já teve ocasião de embarcar nalgum bond de Caxambí
(Engenho Novo).
Se a sua estrela não lhe deparou ainda esse infernal tormento, receba o leitor
sinceros parabéns de um cronista que andou aos boléus nos tais carrinhos.
***
Foi há dias; tive necessidade de tomar um bonde de Caxambí, e já estava
acomodado num banco, quando me disseram que, apesar do tulo da companhia, o
veículo o ia a Caxambí, mas deixava os passageiros na rua Mauá. Embora! disse eu
aos meus botões; são seis minutos a pé, e o que são seis minutos pedibus calcantibus
para quem tem trinta anos e um par de pernas capazes de causar inveja a qualquer
Bargossi?
Partiu o bonde, mas não tinha andado duas braças, descarrilhou, sendo os
passageiros obrigados a sair, e prestando-se um deles, o Sr. Perdigão, ex-subdelegado
da freguesia, a trepar no estribo esquerdo para equilibrar as forças.
Que viagem, santo Deus, que viagem!... que solavancos!... que martírio!...
Os trilhos, velhos e por azeitar; o carro, com as molas gastas e desconjuntadas;
os burros, magros como os desejava o ministro Ávila na ex-colônia de Porto-Real; e o
cocheiro digno dos trilhos, do carro e dos animais!
Ao terminar o meu suplício, dei graças a Deus por verificar a integridade do meu
físico exterior, embora os intestinos me parecessem deveras insurgidos contra tantas
cambalhotas. Ao voltar, preferi uma besta de sela, manhosa e quase filósofa, ao tal bond
inventado para perturbar as digestões dos moradores daquelas longínquas paragens
esquecidas. Nunca mais!...
***
Um meu companheiro de viagem... e de infortúnio assegurou-me que a
companhia dos bonds de Caxambí dava melhor cópia de si no tempo que não pagava
um real aos seus diretores.
Hoje, porém, coitadinha! tem que dar 150$ a cada um deles, que são três um
despachante da alfândega, um farmacêutico e um professor de piano. A empresa é tão
importante, que não pode ocorrer, sem sacrifício, ao pagamento destes insignificantes
honorários. Ainda pouco tempo, solicitada para levar os bondes até Caxambí,
respondeu que o faria, se os respectivos moradores caíssem com o donativo de
2:000$. Eles, porém, preferem mudar-se, a entrar com um vintém para os cofres de uma
companhia que tão mal os trata.
***
Tenho presente uma carta em que um “meu admirador” me pede que chame a
atenção da Inspetoria Geral de Higiene para o estado de imundície em que se acham os
quartos da estalagem da rua Pereira de Almeida n. 2 A.
Ora o “meu admirador” julga que eu não tenho mais que fazer.
Eloi, o herói
772
02 de abril de 1886
A redação do Diário de Notícias acaba de receber a seguinte carta-circular,
assinada por três cavalheiros distintos e conceituados:
“A grande multidão de viajantes e romeiros que de contínuo visitam o Santuário
de Nossa Senhora de Lourdes, na França, as conversões admiráveis e as curas
milagrosas que constantemente aí se operam, tornaram universalmente conhecida e
amada a devoção de Nossa Senhora de Lourdes.
“Com efeito, por toda a França e noutras muitas nações tem-se levantado altares,
igrejas e grutas das Aparições, instituindo-se também confrarias, em honra e louvor da
Santíssima Virgem Maria.
“Nós temos a honra de nos dirigir a V., pedindo seu generoso donativo para a
construção da gruta de Nossa Senhora de Lourdes, na igreja de S. Sebastião do Castelo.
“Essa gruta será fielmente executada, segundo o modelo do Santuário das
Aparições da Imaculada Conceição de Lourdes.
“Queira V. favorecer semelhante obra de devoção particular à Santíssima Mãe
de Deus, e Ela recompensará ao cêntuplo sua caridade.
Não sei se a piedade do Diário de Notícias abrirá os cordéis à bolsa; quanto a
mim, empenho-me fortemente em que assim seja, porque na realidade uma gruta de N.
S. de Lourdes é coisa cuja falta há muito tempo se faz sentir no Rio de Janeiro. O
santuário que se projeta construir na igreja de S. Sebastião vem preencher uma sensível
lacuna, como se diz quando aparece um jornal novo.
É verdade que outras obras, igualmente piedosas, há, que reclamam com mais
insistência a liberalidade dos fiéis, como, por exemplo, o alargamento do hospício da
Praia Vermelha. Mas faça-se agora a gruta e depois alargue-se o palácio dos doidos.
tempo e dinheiro para tudo.
Além do mais, a devoção de N. S. de Lourdes irá sem dúvida beneficiar o
aprazível morro do Castelo, que tem caído no esquecimento depois que faleceu o grande
frei Caetano de Messina.
Os fiéis têm pouca nos capuchinhos observantes que ficaram; uma outra
velha beata, cheia de unção religiosa e de reumatismo, algumas vezes senão também
religioso, ao menos eclesiástico, eis a romaria do Castelo, outrora o procurado e
concorrido.
Mas a gruta de Lourdes vai restabelecer o antigo costume; dentro em pouco
tempo, o Castelo readquirirá o seu velho e perdido aspecto de povoação civilizada.
***
A propósito de água de Lourdes, aí vai um fato ocorrido em Lisboa quando eu lá
estava:
Achavam-se naquela cidade, hospedadas num hotel, diversas pessoas, entre as
quais o padre ***, que regressava de uma peregrinação a Lourdes.
Um dia, na ocasião do jantar, uma senhora foi acometida por violenta nevralgia,
e, todos à uma, os hóspedes desfizeram-se em serviços e atenções. Qual propunha uma
fricção de vinagre, qual borrifava de água fria a parte dorida, qual se oferecia para
chamar um médico...
- Qual médico! qual vinagre! vociferou o padre, que estava presente. O
verdadeiro remédio tenho-o eu lá acima no meu quarto, e vou buscá-lo.
Dizendo isto, saiu da casa de jantar.
Não eram decorridos cinco minutos, e assustavam-se todos com a bulha de um
corpo humano que rolava as escadas, degrau por degrau.
Acudiram todos ao corredor: o bom do padre jazia inanimado no chão, e todo
ensangüentado pelos cacos de uma garrafa, cujo conteúdo se espalhara por toda a
773
escada. O reverendo, além de um litro da água de Lourdes, perdera os sentidos e dois
dentes.
Quando voltou a si, olhou para os circunstantes, suspirou e disse, abanando a
cabeça:
- Enganaram-me: aquilo nunca foi água de Lourdes. Venderam-me gato por
lebre...
Devia ser isso.
Eloi, o herói
774
03 de abril de 1886
Vão chegar brevemente a esta Corte grandes companhias líricas, dramáticas,
bufas, coreográficas, eqüestres, ginásticas e zoológicas. Vamos nadar num oceano de
prazeres e de novidades, cada qual mais taluda. Basta vir por aí a Sarah Bernhardt, para
que o ano de 1886 seja realmente excepcional.
Pois bem; enquanto não chega essa brilhante e ruidosa imigração artística,
lamentemos, o mais alegremente que nos for possível, a tristíssima sorte dos nossos
malfadados atores.
Eu sou o primeiro a desejar que o público se divirta deveras e convenientemente,
e, para fazê-lo, tenha apenas, além do dinheiro necessário, o clássico embaraço da
escolha. Isto de não saber onde passar a noite, antes o não saibamos por abundância que
por falta de divertimentos.
Mas o que não me parece justo é que os atores indígenas sejam vítimas dessas
bonitas aves de arribação, que para eles não verdadeiras aves de rapina.
***
Enquanto o Rio de Janeiro é uma cidade quase inabitável, enquanto o calor e a
febre amarela nos assassinam, e nós andamos por essas ruas suando as estopinhas,
topando a cada passo com o espectro da epidemia, recebendo de vez em quando a
notícia da morte de um conhecido, enquanto o Rio de Janeiro é uma necrópole
abrasadora, são eles, os nossos pobres artistas, que nos divertem mais ainda: que nos
consolam.
Mas desde que o bom tempo nos um ar de sua graça; desde que a febre se
recolhe aos bastidores do inferno; desde que reaparece o esboço de um sorriso nos
lábios e a sombra de uma esperança nos nossos corações; desde que os sobretudos saem
das carunchosas gavetas, se arrecadam as ventarolas e as lojas expõem o seu sortimento
de generosa lã; desde que verificamos a integridade do nosso ser, admirados de
havermos atravessado incólumes um período pestífero, tão perigoso como a própria
guerra; começam a aparecer os empresários estrangeiros, e os empresários nacionais
são desde logo obrigados a ceder-lhes humildemente o terreno.
O público, sempre desagradecido, leva a ingratidão ao ponto de estabelecer
confrontos entre os nossos artistas e os que chegam do velho mundo, soprados pela
trombeta da Fama. Não faltará este ano, v. g., quem censure desapiedadamente a Helena
Cavalier o não desempenhar tal papel com tanto talento como a Sarah Bernhardt.
***
Até hoje nenhuma voz se levantou contra essa invasão, que não seria odiosa
desde que as companhias forasteiras fossem obrigadas a pagar um imposto, que
revertesse em beneficio das companhias permanentes.
Não haveria nada mais justo.
Sempre que se fala em teatro nacional, os pessimistas, que tudo enxergam
através de um prisma negro, empregam logo o vocábulo utopia, que deverá ser riscado
dos dicionários de que fazem uso os homens de espírito e força de vontade.
Eu, à falta de homens, me comprometo, assinando por cima de quantas
estampilhas quiserem, a manter no Rio de Janeiro uma companhia dramática, que do S.
Fulgêncio ao S. Silvestre represente “exclusivamente peças nacionais”, sem outro
subsídio mais do que o imposto lançado administrativamente, de uma porcentagem
sobre as récitas dos espetáculos das companhias de ocasião.
O governo poderia mesmo isentar do pagamento desse imposto certo e
determinado empresário, que todos os anos nos trouxesse uma companhia lírica italiana.
Essa isenção corresponderia a uma subvenção, embora pequena.
775
A minha proposta, que não custaria um real aos cofres públicos, nada teria de
desarrazoada, se eu a fizesse, num país que subvencionou companhias líricas com
dinheiro pedido emprestado em Londres, para acudir as necessidades urgentes da nação.
Desse modo melhoraria naturalmente a tristíssima condição dos nossos artistas,
tão triste, tão digna de lástima, que até os leva a agradecer a Deus ou ao diabo a febre
amarela e o calor. A estas duas calamidades devem muitos a certeza do pão nosso de
cada dia durante alguns meses do ano.
Coitados!
***
Lendo o meu artigo de anteontem, houve quem confundisse a Fênix Dramática
Niteroiense com a Fênix Dramática da Corte. Nada de confusões. A companhia que
funciona no teatrinho da rua da Ajuda, dirigida pelo estimado ator Galvão, só me
merece elogios.
Eloi, o herói
776
06 de abril de 1886
Realiza-se hoje uma grande festa móvel fluminense: o benefício do Vasques.
E como se não bastasse este nome no cartaz, para levar ao Sant‟Anna o Rio de
Janeiro em peso, representa-se pela primeira vez um drama brasileiro. O caboclo,
original de Aluízio Azevedo e Emilio Rouède, os aplaudidos autores dos Venenos que
curam.
O Vasques vai hoje dar provas de uma grande audácia e de um talento ainda
maior. O seu papel é cômico até o fim do segundo ato, e altamente dramático trágico
até no terceiro. Não ponho mais na carta para a ninguém roubar o prazer da surpresa,
mas recomendo muito particularmente aos meus amigos das torrinhas que se não riam
durante as situações que não foram feitas para o riso. É preciso que hoje se esqueçam do
André, da Mascote, do Nicolau, dos Sinos de Corneville, e do Dr. Escorrega, e de tantos
outros tipos, substituídos esta noite pelo caboclo Luiz, bela paráfrase humana do
medonho Otelo.
O novo papel do Vasques entrará na série enorme dos seus triunfos? Não sei, e
difícil me parece qualquer previsão. O público decidirá com a retidão do costume.
Depois do drama, e de um grande intermédio em que figuram diversas árias e
cançonetas, o Vasques apresentará ao público o verdadeiro, o único Vasques, naquele
irresistível tipo de capadócio, do Maxixe da Cidade Nova.
Se o leitor já está munido do respectivo bilhete, nos encontraremos; se se
descuidou, receba sentidos e sinceros pêsames.
***
Fui anteontem a Petrópolis (tome nota o Escaravelho de mais este apontamento
para a minha biografia) e encontrei uma preciosa colônia artística. O primeiro com
quem esbarrei foi o grande Pereira da Costa, que vai dar sexta-feira próxima um
esplêndido concerto no salão do hotel Bragança, com o concurso de José White,
Gregório do Couto, Nepomuceno e Papf. Parece-me que não é preciso dizer mais nada.
Disseram-me que o Cernichiaro estava também em Petrópolis. Procurei-o como
quem procura ouro, para dar-lhe os parabéns por uma nova composição sua, para
violino e piano, da qual me disseram maravilhas. Gabaram-me muito a amadora que
executou com Cernichiaro a famosa composição: o piano era digno do violino.
***
Já que falei em Petrópolis, deixem-me fazer votos pela mudança daquela maldita
ponte da prainha, tão mal colocada, tão suja, tão indigna da gente escolhida, que é
obrigada a passar por ela. Não conheço coisa mais indecente.
Eloi, o herói
777
07 de abril de 1886
Andam a saracotear por essas ruas, cruzando-se em todos os sentidos, os coristas
e as bailarinas da companhia de ópera-bufa e baile, anunciada pelo Sr. Ferrari.
A maioria dessa pobre gente alojou-se numa casa de hóspedes da rua dos Arcos,
onde ultimamente se deram dois casos fatais de febre amarela.
Consta-me até que o quarto em que faleceu uma das vítimas não foi
convenientemente desinfectado.
Se porventura dois ou três desses imprudentes artistas sucumbirem ao terrível
mal, os restantes naturalmente “porão a boca no mundo”, como se diz na pitoresca
linguagem do Zé Povo.
Medida acertada seria mandar todos esses sopranos, tenores, barítonos e corifeas
para a ilha das Flores. Eles que lá esperassem pelo resto da companhia, podendo
mesmo, se quisessem, promover espetáculos para divertirem-se uns aos outros, e darem
algum alívio ao pensamento.
***
Um meu “leitor e amigo” escreve-me o seguinte bilhete:
“Algumas pessoas que subscreveram apólices do empréstimo de cinqüenta mil
contos insistem em acreditar que os juros de tais apólices serão pagos em Junho sobre o
capital nominal e não sobre o capital realizado.
“Eu estou perfeitamente convencido do contrário; entretanto, desejava ouvir sua
opinião sobre tal assunto”.
A resposta não é fácil. Por espírito de justiça, o juro deve ser pago sobre o
capital realizado, mas, pelo modo, aliás um tanto ambíguo, por que foi anunciado o
empréstimo, parece que o pagamento se fará sobre o capital nominal.
É um cúmulo, não dúvida, mas o que querem? É o caso de se dizer que o
governo tem a faca e o queijo na mão.
***
Mais um bilhete, e assinado este por um “constante leitor” (gabo-lhe a pachorra):
“Na explicação, dada pelo Dr. Castro Lopes, da origem do ditado popular “aqui
caveira de burro”, o dito doutor leva-nos à casa de um roceiro, cujo terreno foi
estéril, enquanto o hortelão não extraiu dele uma caveira de burro.
“Ora, num dos contos das Mil e uma noites fala-se de um pescador que em certo
dia de pescaria ficou desesperado, pois do primeiro lance de rede conseguiu apanhar
pedras, e do segundo tirou das águas, que tão ingratas lhe foram, uma caveira de burro.
depois desta prova foi que o pescador achou o cofre em que estava encerrado o
Gênio que o tornou rico e feliz.
“Creio que esta origem é mais natural e provável do que a descoberta pelo Dr.
Castro Lopes”.
Eu sou da opinião do meu “constante leitor”, se bem que a sua história do
pescador vá de encontro àquela quadrinha popular que assim termina:
Quanto mais burro, mais peixe.
Eloi, o herói
778
08 de abril de 1886
O Sr. Virgílio Gonçalves Dias é proprietário de uma fábrica de cigarros espanta-
filantes, e, nas horas vagas, autor de umas peças dramáticas espanta-público. O bom do
homem levou a tal ponto a sua paixão pelo teatro, que construiu no próprio
estabelecimento um teatrinho, para a representação exclusiva dos seus dramas.
Escusado é dizer que a fábrica anda à matroca: o Sr. Virgílio escolheu o pessoal
artístico entre os operários da fábrica, e estes levam naturalmente mais tempo a estudar
os seus papéis do que a enrolar cigarros e preparar tabaco. Ah! que se não fosse a Sra.
D. Quitéria Gonçalves Dias, virtuosa esposa do dono da casa, há muito tempo o negócio
teria dado em vaza-barris. É ela quem admoesta os operários, determina o serviço,
escritura os livros, avia as encomendas, etc, etc.
O Sr. Virgílio tem em ensaios o Otelo, o seu Otelo, como ele lhe chama,
usurpando assim uma das glórias mais legítimas da literatura inglesa; o papel do
protagonista está distribuído ao Luiz, um caboclo que o Sr. Virgílio recolheu pequenino,
e que tem tanto jeito para fazer galãs como para fazer cigarros. O Flávio, outro operário,
encarregou-se da parte do terrível Iago, e o papel de Desdêmona, a doce Desdêmona, foi
confiado à Luizinha, esposa do Luiz.
Acontece que dois refinados bilontras, o Domingos Alves e o Gomes, sabendo
da mania teatral do Sr. Virgílio, vão ter com ele, no propósito firme de lhe gualdirem
uns cobres, a título de incorporadores de uma grande sociedade anônima, destinada a
criar uma companhia dramática para a regeneração do teatro nacional. O Sr. Virgílio cai
como um patinho, e mostra aos dois cavalheiros de indústria a sua nova peça:
Demócrito. Como Domingos Alves acha que o segundo ato acaba mal, o autor propõe-
se, para contrariar o crítico, a improvisar uma exibição da respectiva cena. Tais coisas
se dão no tal ensaio, que o Luiz adquire a medonha suspeita de que a Luizinha o engana
com o Flávio.
Em pouco tempo a suspeita converte-se em certeza, e o Luiz preparado para
a representação do Otelo estrangula deveras a sua pérfida Desdêmona.
***
Ora têm o argumento do Caboclo, drama em três atos, original de Aluízio
Azevedo e Emilio Rouède, representado anteontem, pela primeira vez, no teatro
Sant‟Anna.
se que no argumento não estão compreendidos os episódios que tornam
esta peça uma das mais interessantes que se têm escrito na nossa terra, tão maninha de
produções teatrais.
por ocasião de se representar a comédia Venenos que curam, dos mesmos
autores, eu me dei por suspeito para criticá-la. Os mesmos motivos subsistem agora:
tenho muitos desejos de aplaudir o Caboclo, mas não o faço, porque são capazes de
dizer por aí que ando a elogiar a família.
Entretanto, nego formalmente o que ontem afirmou a Gazeta da Tarde. O drama
do Caboclo nada tem de comum com o Drama novo. Os autores do Caboclo seriam
incapazes de apresentar como trabalho original uma peça adaptada do espanhol: não são
autores em grifo.
***
Escaravelho estranhou dissesse eu que o verdadeiro, o único Vasques é o
Vasques do Maxixe da Cidade Nova. O que eu queria dizer talvez a língua me não
ajudasse é que o legítimo Vasques é o Vasques artista cômico. Escaravelho é
naturalmente da minha opinião. Aquele papel do Caboclo está perfeitamente tratado
pelo artista; no terceiro ato algumas inflexões bem estudadas, gesticulação de mestre
e jogo de fisionomia muito para louvar. Mas o Vasques não pôs nem podia por na
779
representação um átomo da sua individualidade de ator, naturalmente porque o seu
gênero o gênero em que tem alcançado honrosa e não desmentida popularidade não
é aquele. O Vasques nasceu para fazer rir; trouxe do berço esse condão generoso e raro;
olhos, lábios, narinas, esgares, movimentos, o próprio modo de andar, como que tocado
por molas invisíveis, tudo nele solicita o riso, provoca a hilaridade, com o adjutório,
está bem visto, das suas belas faculdades artísticas.
O trabalho do Vasques na peça de anteontem representa um esforço louvável,
muito louvável, mas não representa uma vitória superior às que ele tem alcançado nos
seus inimitáveis papéis cômicos. Quando mais tarde alguém revolver o espólio artístico
do Vasques, pouca atenção prestará ao médico das Lágrimas de Maria, ao protagonista
da Honra de um taverneiro e ao Luiz do Caboclo. Vinte lágrimas que ele arranque não
valem uma gargalhada que ele provoque.
***
Lisboa (Virgilio), Matos (Domingos Alves), Febo (Gomes), Mesquita (Flavio),
Dolores Febo (Luiza), e Isabel (D. Quitéria), acompanharam com muita galhardia o
festejado colega. Lisboa esmerou-se quanto pôde na interpretação do papel de Virgílio
Gonçalves Dias, o mais original e o mais bem caracterizado da peça.
Frederico de Barros pintou um bonito cenário para o segundo ato.
***
Como se sabe, era o beneficio do Vasques. Dizer o que lá houve de palmas,
bravos, flores e presentes, daria a esta crônica as proporções da História Universal de
César Cantu. Dos males o menor.
Eloi, o herói
780
09 de abril de 1886
Os dois distintos irmãos Cordoville, e outro cavalheiro cujo nome não me ocorre
neste momento, acabam de fazer jus a um lugar entre os benfeitores da humanidade,
inventando um “repulsor mecânico” para ser aplicado aos bondes, com o fim de evitar
esmagamentos e pisadelas.
Não conheço os outros salva-vidas que apareceram destinados aos bondes;
mas o que posso afiaar é que o repulsor mecânico” preenche perfeitamente os seus
fins. O repulsor, ou antes, os repulsores, consistem em quatro cilindros, dois laterais, um
anterior e outro posterior, tendo estes a forma cônica. As rodas ficam encobertas pelos
cilindros laterais e eles expelem para o lado qualquer volume que encontrarem.
O indivíduo que cair ao apear-se ou ao embarcar, será expelido pelo movimento
centrífugo de rotação, escapando assim de ser esmagado ou pisado pelas rodas do carro.
O movimento dos cilindros anterior e posterior é obtido por uma corrente
mecânica, que os liga ao eixo das rodas. Eles por sua vez dão movimento aos cilindros
laterais, por meio de engenhosas engrenagens, estabelecidas nas extremidades destes.
***
Com a chegada da companhia coreográfica do Sr. Ferrari, todas as atenções
estão voltadas para as pernas das respectivas coriféias. Ora, como esse precioso membro
do corpo humano tanto merece da simpatia geral, lembremo-nos por um instante de que
o bonde é o inimigo mais declarado das nossas pernas. Sobre este assunto poderia falar
eloquentemente o meu colega Morel e tantos outros mutilados por essa terrível máquina
de guerra o bonde.
Digo “tantos outros” por força de expressão. Não são muitos os queixosos,
porque verdade, verdade a maior parte das vítimas não resiste ao esmagamento; dir-
se-ia que veneno naquelas malditas rodas. O Morel, sobrevivendo ao seu desastre,
constituiu uma exceção infelizmente rara. Ainda assim, teve que enterrar uma perna,
pelo que responde, com o seu habitual espírito, quando alguém lhe pergunta pela saúde:
- Vou mal... vou mal... tenho uma perna na sepultura.
***
O governo prestaria um beneficio real a futuros Moreis, se obrigasse as
companhias de carris-urbanos a fazerem experiências do “repulsor mecânico”, cuja
confecção é barata. Os cilindros podem ser de madeira, borracha ou arame.
***
Ao arame foram os autores do Caboclo, ao lerem a notícia, dada por quase toda
a imprensa, de que o seu drama é calcado sobre o Drama novo, de Estebanez.
ontem o disse e hoje o repito: o Caboclo nada tem de comum com a peça
espanhola. Os Srs. Aluízio Azevedo e Emilio Rouède, que têm consciência do seu
trabalho, dirigiram-se ao Dias Braga, e pediram-lhe pusesse em cena o Drama novo,
para que o público reconheça a injustiça de semelhante asserção. O Dias Braga
aquiesceu gentilmente; a peça de Estebanez será representada com a brevidade possível.
Depois da representação, falaremos.
***
A propósito do Caboclo, aí vai o mot de la fin:
No dia da primeira representação, antes de subir o pano, um dos autores da peça
dirigiu-se ao palco para examinar a cena:
- Homem, disse ele ao contra-regra, aquele móvel está tão despido! Não por
aí um objeto qualquer que se coloque ali em cima?
- Serve um globo geográfico? Temos um bonito globo na arrecadação...
- De que tamanho?
781
O CONTRA-REGRA, resolutamente, depois de um momento de hesitação: Do
tamanho natural...
Eloi, o herói
782
10 de abril de 1886
A imprensa de Lisboa tece levantados e unânimes elogios ao drama em 5 atos e
em verso, O duque de Vizeu, original de Henrique Lopes de Mendonça e pela primeira
vez representado naquela cidade, no teatro de D. Maria II, em dias do mês passado.
Afirmam alguns críticos que a nova peça é a primeira produção teatral
portuguesa deste século, depois das de Garrett. Há, pois, quem coloque o autor do
Duque de Vizeu acima de Mendes Leal, que, afinal de contas, é o autor da Herança do
chanceler e dos Primeiros amores de Bocage.
Se a consagração é merecida, se não se trata destes arroubos fáceis, que a gente
muitas vezes tem depois de uma primeira representação, é o caso para dar parabéns, e
parabéns entusiasmados, ao teatro português, há tanto tempo abatido.
Ainda este ano teremos ensejo de assistir à representação do Duque de Vizeu;
como se sabe, a companhia dramática do D. Maria II é esperada nesta Corte. Nessa
ocasião aplaudiremos o poeta, herdeiro de um grande nome, e os seus companheiros de
triunfo Virginia e João Rosa.
***
Mlles. Sinay, as duas artistas brasileiras de quem dias me ocupei neste lugar,
chegaram anteontem a esta Corte, acompanhadas por seu pai, e nesse mesmo dia
seguiram para Petrópolis, com medo à febre amarela. Covardes!
Dizem maravilhas de Mlles. Sinay, uma das quais é exímia no piano e a outra (1º
prêmio do Conservatório de Paris) no violino.
É provável que dêem o seu primeiro concerto em Petrópolis, no próprio hotel
Bragança, onde se acham hospedadas.
Mlles. Sinay saíram pequeninas do Pará, sua terra natal; viveram sempre em
Paris e não falam o português.
Acompanha-as o artista holandês Johannes Wolffs, que é também um violinista
de muito merecimento.
A súbita aparição das duas interessantes brasileiras na imperial cidadezinha, é o
assunto de todas as conversações petropolitanas; a apostar que ontem, durante o
concerto Pereira da Costa, não se falava noutra coisa.
***
Já sabem que eu sou o homem dos bilhetes. Ontem recebi mais este:
“Uma pessoa que confia tanto na justiça quanto na bondade de V., vem, por este
meio, pedir-lhe o especial favor de fazer, no seu Palanque, a crítica dos versos inclusos.
“Tal fineza poderá merecer a V. uma jovem brasileira?”
Infelizmente a minha opinião não lhe pode ser senão desagradável, minha
senhora, e Deus sabe quanto eu daria para que assim não fosse.
Se V. Ex. algum dia publicou esses versos, não o diga a ninguém; se os conserva
inéditos, não os publique, pois estou certo que dia virá em que os corrija ou os substitua.
No estado em que se acham atualmente não podem resistir à crítica do mais
benévolo, nem mesmo à do
Eloi, o herói
783
11 de abril de 1886
Se no mundo sujeitinho que não se abale para assistir a corridas de cavalos,
esse sujeitinho sou eu; em toda a minha vida tenho assistido a dois espetáculos dessa
natureza, que representam duas tremendas enxaquecas. O jogo não entra, felizmente, no
rol das minhas paixões, e eu compreendo que se divirta no Jockey Club, no Derby
Club, e nos demais clubs de sport, quem leve dinheiro no bolso para experimentar as
sensações do jogo.
Quando se falou na proibição das poules, idéia que, ao que parece, deu em
droga, como todas quantas saem da cachimonia da Ilustríssima Câmara Municipal, eu
fiquei bastante contrariado, não pela supressão do jogo, mas pela provável, irremediável
extinção de um divertimento tão do agrado do público. Acresce que, suprimidas as
poules, a imaginação dos especuladores seria capaz de inventar outros meios de
jogatina, e está reconhecido que ainda assim a poule é de todos o mais decente.
Divirta-se, pois, o leitor do modo que julgar mais conveniente, pouco se
importando com as minhas caturrices de rapaz velho; e se gosta de corridas, hoje ao
Prado Vila Isabel, que anuncia sete magníficos páreos, cada qual mais interessante.
encontrará à venda o primeiro número do Sport Fluminense, que, “animado
por sincera convicção, vem preencher, sem vaidosas ambições, uma lacuna na vida
sportiva fluminense”. O seu programa é “noticiar todos os assuntos relativos a corridas,
discutindo-os imparcialmente e apresentando as medidas convenientes à prosperidade
da procriação hípica”.
O primeiro número contém, além do programa da folha, na primeira página, e do
programa das corridas de hoje, na última, um artigo sobre a história das corridas de
cavalos, desde os egípcios, os babilônios e os antigos persas até hoje, uma notícia sobre
a famosa égua Icaria, do Sr. Lemgruber, e uma mimosa poesia de Afonso Celso Junior,
Que pés! a qual melhor estaria ali se se tratasse do Club Atlético Fluminense.
Com franqueza: o que falta a esta folha é uma seção elegante, huilleuse (com o h
bem aspirado), sendo, como é, o sport um dos atributos sagrados do high-life.
Oh! Yes!
Eloi, o herói
784
12 de abril de 1886
Estou satisfeitíssimo, e desejoso de dar um abraço no Jornal do Comércio. A
notícia publicada ontem sobre Abdon Milanez, a propósito da récita dos autores da
Donzela Teodora, encheu-me as medidas. Bravo!
Assim é que se faz, com todos os diabos! Agarra-se num rapaz de talento para
guindá-lo aa estima do público, para impô-lo ao aplauso das multidões indiferentes,
para fazer dele alguma coisa e prescrever o lugar a que lhe deram direito
imperscrutáveis obséquios da natureza.
Que seria do nosso Carlos Gomes, se, quando ele aqui chegou de Campinas
vinte e cinco anos, em 1861, com a sua partitura da Noite do castelo debaixo do braço, a
companhia de Ópera Lírica Nacional lhe não abrisse as portas do Provisório, e a
imprensa não consagrasse desde logo o seu robusto talento?
Foi em resultado da voz em grita da imprensa que as senhoras fluminenses
naquele ano ofereceram ao futuro autor do Guarani uma batuta de ouro, e o Imperador
lhe mandou entregar uma insígnia de brilhantes de cavalheiro da Rosa.
Assim como a noite de 4 de novembro de 1861 decidiu do futuro artístico de
Carlos Gomes, a noite de 9 de abril de 1886 pode decidir do futuro artístico de Abdon
Milanez.
Eu não conheço a Noite do castelo; mas duvido que esta ópera seja mais
inspirada que a Donzela Teodora, e sobretudo que o Herói à força, partitura inédita de
Abdon Milanez.
“Abdon, diz o Jornal do Comércio, a par de um compositor inteiramente
bisonho nas regras de compor, é talvez a organização musical mais poderosa que tem
tido o Brasil e quiçá um dos primeiros talentos musicais deste século; se bem que, na
difícil carreira de maestro, tenha tudo ou quase tudo para aprender. Engenheiro e,
portanto, com ilustração científica muito superior à necessária para seguir
brilhantemente a carreira de artista, é um diamante colossal, que o Estado pode
mandar lapidar, porque, infelizmente, o Dr. Abdon Milanez não pode, pelos seus
próprios recursos econômicos, passar alguns anos em Paris ou em Bruxelas para
principiar e ultimar os seus estudos de música. Por muito apuradas que sejam as nossas
finanças, o subsídio de um modesto estudante em nada agrava a nossa situação
financeira. É adiantamento de pouca monta e que mais tarde será pago, capital e juros,
com a glória que Abdon Milanez há de ganhar em proveito seu e do país”.
Sim, mas que a Europa não no-lo empolgue, como empolgou Carlos Gomes.
Estou quase a dizer até que prefiro que ele aprenda aqui, pois o que lhe falta
tanto se aprende cá como lá; Mesquita antes de ir à França já era o Mesquita do
Vagabundo; Leopoldo Miguez quando foi a Paris, onde se demorou apenas alguns
meses, já levava na mala a sua Elegia, tão gabada por Ambroise Tomas e Léo Deslibes;
João Pereira, que instrumentou a Donzela Teodora em quatro dias, nunca saiu do Rio de
Janeiro; Côrtes, que é mestre de contraponto e harmonia, Cardoso de Meneses,
compositor original, e feliz, Elias Lobo, Sant‟Anna Gomes e outros, outros e outros,
de nome conhecem a Europa.
Morreram sem ter saído da pátria, Gurjão, o maestro paraense autor de Idalia,
grande ópera, Francisco Libânio Colás, que assinou tantas operetas interessantes, Sergio
Marinho, assombroso e esquecido compositor maranhense, de quem apenas conheço
uma estupenda sinfonia e tantos outros, cuja enumeração seria longa e incompleta.
Os italianos transformaram Marcos Portugal em Portugallo e Carlos Gomes em
Gómez; a este nem ao menos alterarão o nome de Milanez, que se presta a qualquer
língua.
785
Uma viagem à Europa é muito necessária a Abdon Milanez; mas eu prefiro que
ele a faça depois de aprender o que não sabe ainda da difícil arte a que o destinou a
natureza.
Folgo de ver confirmado pelos juizes mais competentes tudo quanto eu dizia
deste esperançoso mancebo; muito tempo insisti, apresentando-o nos meus escritos ao
público, e recomendando com o maior empenho as suas peças aos empresários.
Hei de ainda um dia contar o martirológio que precedeu à auspiciosa estréia do
autor da Donzela Teodora.
Eloi, o herói
786
13 de abril de 1886
O Sr. Teixeira da Rocha, aproveitado discípulo da nossa Academia de Belas
Artes, expõe atualmente na Glace Élégante um interessante quadro, que me merece
aplausos e elogios. o quero dizer com isto que seja um trabalho perfeito, pois o Sr.
Rocha tem ainda muito que aprender para ser um bom colorista; mas, tratando-se de
uma estréia, forçoso é reconhecê-la auspiciosa e feliz.
Se o Sr. Rocha claudica no emprego das tintas, em compensação desenha
corretamente. O seu quadro representa um janota, refastelado indolentemente num divã,
embevecido na contemplação de uma caricatura, que lhe provoca o riso, um riso
sincero, franco, exuberante, um riso de moço pândego e sadio.
É magnífica a expressão fisionômica desta figura. O espectador
involuntariamente sorri também, como diante daqueles assombrosos “borrachos‟ de
Velásquez. Melhor seria, se o pintor não avolumasse tanto a cabeça do seu janota com
aquele extraordinário chapéu de abas largas, cuja sombra na parede me parece um tanto
confusa.
Os acessórios do quadro estão discretamente tratados; mas tudo desaparece
diante da hilariante figura.
***
O Sr. Rocha tem muito talento cômico. desenhou em folhas caricatas, e ainda
ultimamente encheu com muita graça dois ou três números da Distração. Se estivesse
senhor dos segredos da pedra litográfica, cujo processo de desenho dizem ser muito
difícil, com certeza teria já adquirido reputação de caricaturista.
Mas é preciso que, ao manejar o pincel, o meu artista esqueça-se do seu lápis
satírico, e deixe de carregar a mão. O seu quadro revela certo pendor para um gênero
que sempre faz ruim figura na tela. Há alguma exageração, alguma charge no seu
janota; e a pintura é tanto mais apreciável quanto mais se aproxima da natureza.
O Sr. Rocha conhece os processos modernos da sua arte; trate de dar mais vigor
ao colorido, seja o mais natural, o mais humano que puder, e auguro-lhe um lugar de
honra entre os nossos bons artistas.
***
Já tive ocasião de dizer o que pensava do nosso esperançoso pintor Oscar Pereira
da Silva, um menino de vinte anos, tímido como um pássaro e puro como uma flor.
Ontem, na Glace Élégante, quando eu acabava de examinar o quadro do Sr.
Teixeira da Rocha, um empregado do estabelecimento chamou a minha atenção para um
grande prato de porcelana, pintado pelo Oscar.
Que deliciosa miniatura!
O pintor introduz-nos em uma sala bem atapetada e mobiliada, onde se acham
duas moças, que parecem irmãs. Uma delas prepara-se para sair, e a outra lhe compõe
uma dobra do vestido, ou lhe ata um laço, ou lhe prega um alfinete, não sei bem ao
certo.
É uma cena admirável na sua singeleza doméstica.
Dou os parabéns ao cavalheiro que mandou pintar o prato; pode pendurá-lo
desassombradamente; ele fará boa figura ao lado do bibelot mais precioso.
***
Para um artigo em que se trata de artistas, é chave de ouro uma poesia de
Raimundo Corrêa. Ei-la, o ilustre moço mandou-ma de Vassouras por mão de Alberto
de Oliveira, que acaba de descer a Serra cheio de saúde e de bons versos novos:
UM TRECHO DE H. HEINE
787
(Ao Dr. Lucindo Filho)
Refresca o vento dos desertos, morno,
Movendo a mole e inquieta ventarola
Das palmeiras, e, à flux, girando em torno
Da verde selva rumorosa e vasta;
As antílopes, olhos receosos
Cravam no paramo, onde o Ganges rola
E o régio manto grosso e longo arrasta
Franjado de ouro e espumas;
E onda passeia o bando triunfante
Dos pavões orgulhosos,
Abrindo o arco-íris vivo e rutilante
Das caudas e das plumas...
No esplendor solitário
Das paragens fecundas e viçosas,
Inundadas de sol, e onde somente
Passa o estúpido e tardo dromedário
De algum longe areal da Arábia vindo;
E de onde além vislumbra-se a coroa
Do Himalaia entre a nevoa e a luz; ressôa
O cântico plangente
De Kokila: Ó formosa das formosas,
Vem! Abro-te os meus braços!
Desse semblante oval nos finos traços
O deus do amor se oculta, o ignoto Kama,
Silencioso dormindo
Dentro das alvas tendas cor de opala,
Dentro dos amplos pavilhões erguidos
À sombra perfumada dos teus seios...
Desditoso é quem ama,
E pela boca, em vão, toda a alma exala
Em queixas e gemidos,
Em soluços e anseios!...
E no teu largo olhar negro e profundo
Para onde essa alma delirando corre,
E onde eu em mergulhá-la me deleito,
Descobre essa alma triste um novo mundo
Ante o qual acha estreito, muito estreito
Este outro, onde ama, onde palpita e morre!...
RAIMUNDO CORRÊA
Eloi, o herói
788
14 de abril de 1886
Tenho ouvido de pessoas muito competentes os maiores elogios a um livro que
acaba de sair dos prelos da Imprensa Nacional, intitulado O penhor segundo a
legislação civil e comercial, compreendendo a reforma das execuções judiciais e seu
regulamento, por um colaborador da mesma reforma.
O livro é, pois, escrito por um senador que modestamente se oculta. Os dois
membros da câmara vitalícia que mais vezes tomaram a palavra durante a discussão da
reforma foram os Srs. Afonso Celso e Nunes Gonçalves.
Presumo, por conseguinte, que a um desses dois senadores devemos estas
quinhentas páginas cheias a transbordar de erudição jurídica, e nas quais não meto o
dente nem à mão de Deus Padre.
Limito-me a agradecer o exemplar com que me penhorou o respectivo editor, Sr.
J. Guimarães, que aliás não figura no frontispício do livro.
***
Outro assunto:
A barca Príncipe do Grão-Pará, que ontem chegou de Petrópolis a esta Corte, às
9 ¼ da manhã, encontrou na sua travessia, no lugar denominado Pedras da Passagem,
um barco desarvorado cujos tripulantes pediam socorro.
O mestre da barca quis ir imediatamente em auxílio dos pobres homens, mas
alguns passageiros se opuseram formalmente ao cumprimento desse dever, embora
outros opinassem pelo socorro, e se mostrassem indignados contra tão absurda
oposição, que tinha por cabeça um médico muito distinto, mas, ao que parece, pouco
humanitário.
Para encurtar razões: a barca fez ouvidos de mercador, e os náufragos ficaram
entregues à sorte, fazendo naturalmente um péssimo juízo dos sentimentos caridosos
dos Srs. diários de Petrópolis.
Logo que a Príncipe do Grão-Pará despejou na Prainha o seu lastro humano, o
mestre sentiu-se morder pelo remorso, e voltou às Pedras da Passagem na lancha Bento
Martins; mas não encontrou nem barco nem tripulantes. Estes tinham sido salvos
por uma lancha do Arsenal de Marinha.
Dispensem-me os leitores de comentar este fato; eu poderia salpicá-lo de muita
bílis.
***
Outro assunto:
Pedem-me que nesta seção a notícia de haver chegado ao Rio de Janeiro e
estar de novo estabelecido nesta Corte o distinto professor de piano e canto Sr. Aníbal
Elena de Novara, que foi organista da Capela Imperial.
O Sr. Novara é irmão do pobre Luigi Elena, que teve um fim tão dramático,
precipitando-se do alto da Pedreira da Candelária.
***
Último assunto:
É hoje, finalmente, a primeira representação do Babolin, no teatro Lucinda.
Libreto de Paulo Ferrier, o espirituoso autor da Criada grave e dos Mosqueteiros no
convento, tradução de Eduardo Garrido, música de Varney, mise-en-scène do
Adolfo, o Peixoto em cena e o Braga Junior a não olhar as despesas; que mais
querem?
Até lá.
Eloi, o herói
789
15 de abril de 1886
Realiza-se hoje o beneficio do Peixoto, com mais uma representação do Bilontra
e não sei que outros e desnecessários chamarizes. Julgo escusado recomendar a festa ao
público, tal é a popularidade que tem sabido adquirir este excelente rapaz e magnífico
ator.
***
Realmente, o Peixoto é hoje uma das figuras mais salientes do nosso teatro; um
dos nossos raros artistas que “têm um futuro adiante de si”, como costumam dizer os
padrinhos quando os afilhados vão para as academias.
Para isso concorrem duas grandes forças: o talento e a vontade indeclinável de
saber hoje alguma coisa mais do que ontem e amanhã alguma coisa mais do que hoje.
Junte-se a tais qualidades essa virtude que infelizmente vai desaparecendo da circulação
dos sentimentos humanos: a modéstia, e aí tem o Peixoto.
Oh! ninguém lhe dizer que ele, ator nômada, feito na roça, trabalhando hoje
numa aldeia e amanhã numa aldeola, hoje num simulacro de teatro e amanhã num palco
improvisado, aclamado pelo entusiasmo dos caipiras, estimulado pelo aplauso
condescendente dos coronéis da guarda nacional, ninguém lhe dizer que ele é uma
sumidade digna de emparelhar com os mestres da cena brasileira.
Nada: dentro daquele invólucro mesquinho encontrareis um destes homens
singelos, que se sentem mal diante de um elogio como se estivessem diante de uma
corrente de ar.
Entretanto o público faz o que pode para provar que o estima, que o considera,
que o tem na conta de bom entre os melhores. O artista encolhe-se humildemente,
atribuindo a causas diversas os obséquios da platéia.
***
Um trabalhador infatigável! Já o viram no Bilontra? É fenomenal. O demônio do
rapaz aparece-nos no prólogo transformado em meirinho, um meirinho autêntico,
apanhado no pandemônio jurídico da rua da Constituição e transportado ao palco do
Lucinda. No ato apresenta-nos três tipos muito diversos: um subdelegado a perseguir
viciosos, um titular aclamado pela nobre classe caixeiral, e o hilariante Entrudo, pródigo
de pulos e de calembourgs. No ato dir-se-ia que o próprio Dias Braga vem ali fazer
de conde de Monte Cristo, metamorfoseando-se logo em seguida num dramaturgo
barbeiro. No o Peixoto é sem tirar nem pôr o Bargossi, e canta um dueto sem dar
descanso às pernas, a correr, a correr, que parece ter o diabo no corpo! Quando todos
julgam que o andarilho está extenuado, a deitar os bofes pela boca, atirado dentro
sobre um canapé reparador, surge o homem do primeiro bastidor à direita: horror! é um
esqueleto, um esqueleto admiravelmente caracterizado. Vai-se o caixa de ossos com
grande mágoa do público, e num abrir e fechar de olhos o temos outra vez,
transformado em caboclo. Em dois minutos, se tanto, ao caboclo sucede um crianço,
que gosta de bincá c’os boizinho, e, como se não bastassem tantas e tão rápidas
mudanças, ainda uma vez nos aparece o dramaturgo barbeiro do ato. É fenomenal,
repito!
Cinco minutos depois do espetáculo, passai pela Maison Moderne e olhai:
vereis a um canto o meu Peixoto, regando com um cálice de generoso vinho do Porto
um pratarraz de suculenta canja, fresco como uma alface, bem disposto, alegre,
satisfeito, a chupar pachorrenta e voluptuosamente os seus ossinhos de galinha, e pronto
para representar de novo, àquela mesma hora, em cima de um dos bilhares do
estabelecimento, os onzes papéis que lhe distribuíram no Bilontra!
***
790
O Braga Junior tem neste artista uma preciosidade. O feliz empresário não deve
deixar escapar-lhe do elenco esse ator excepcional, que vale uma companhia inteira. De
resto, não receio, cuido, do que tal suceda. O Peixoto considera o Braga Junior não o
seu empresário, mas um verdadeiro amigo, capaz de tudo sacrificar por ele. E quando,
nas conversações íntimas, o Braga se refere ao Peixoto, parece falar de um filho
querido.
***
Acredito piamente que o morro do Castelo venha um dia abaixo; que se
concluam as obras da Candelária, e a febre amarela desapareça inteiramente do Rio de
Janeiro, graças aos esforços da Inspetoria Geral de Higiene; mas o que não posso
acreditar é que fique hoje um lugar vazio no Lucinda, rasguem-se embora as cataratas
do céu e se inaugure um novo dilúvio universal.
Eloi, o herói
791
16 de abril de 1886
Assisti anteontem, no Lucinda, à primeira representação de Babolin, opereta em
3 atos, que não me parece precisamente uma obra-prima do gênero. Pelo contrário...
meses a companhia Sebastiani nos deu, no Recreio Dramático, duas ou três
representações inolvidáveis deste mesmo Babolin; numa delas, eu vi a Vaillant-
Couturier reger a orquestra (e descompô-la) do palco, e o público acompanhar com os
pés as melodias de Varney. Que noite aquela! a orquestra embarafustava pela rua do
Senado, e os cantores desciam pela do Espírito Santo!
***
Anteontem o Babolin foi, felizmente, tratado com mais atenções; mas ainda
assim percebi, sem grande esforço, que tanto a empresa como os artistas do Lucinda não
depositavam na peça uma confiança sem limites. O Braga Junior (juízo teve ele) não se
arruinou com cenógrafos, alfaiates e costureiras; e alguns dos artistas não quiseram dar-
se ao incômodo de se pôr na ponta dos pés, para crescer uma polegada na estima e na
consideração do respeitável público.
***
Os leitores dispensam-me de contar o enredo da comédia, não me dispensam?
Basta que saibam o seguinte: o Sr. Eugênio é um cantor que passa aos olhos do Peixoto
por certo diabo amabilíssimo, serviçal, amigo do seu amigo, bom diabo, enfim. Não
sei porque capricho de tradutor, este bom diabo chama-se alternadamente Lusbelim e
Mefistó. “Babolin” é nome que só no cartaz figura, o que não deixou vamos e
venhamos! de intrigar singularmente os espectadores, que não conheciam a peça
original.
Os autores do libreto, cujos nomes a empresa, não sei porque razão, teve o maior
cuidado em ocultar (talvez para não os comprometer), caçaram em terras dos mestres
Meilhac e Halévy. A princesa Miranela é, sem tirar nem pôr, a grã-duquesa de
Gerolstein; o general Karamatoff é uma fantasia sobre motivos do general Bum; Pascoal
parece-se muito com Fritz (sendo, aliás, um Fritz Fritz Mack), e Elverina é Vanda,
mutatis mutandis. na peça um papel verdadeiramente original: é não o do
protagonista, que não tem graça, mas o de Salomé, que foi perfeitamente desempenhado
pela Hermínia.
***
A partitura tem alguns trechos felizes; mas o autor abusou das valsas, como o
faria o grande Strauss. Causou boa impressão um concertante, infelizmente pouco
desenvolvido, no ato. Em todo caso, prefiro outras partituras de Varney,
principalmente Cocquelicot e os Mosqueteiros no Convento.
***
A tradução dos versos é de Eduardo Garrido; a da prosa, duvido que o seja. A
malícia parisiense foi transformada em brutalidade luso-brasileira; Garrido seria incapaz
disso.
***
O Sr. Eugênio mereceu, no papel de Goberto (o tal de protagonista) os aplausos
com que foi mimoseado pela platéia. Confesso que no ato buliu com o meu sistema
nervoso ver o Sr. Eugênio numa sala do palácio da princesa Miranela, e em presença de
sua alteza, sempre de chapéu na cabeça. O Gama houve-se com talento no papel de
Bum-Karamatoff, e, no de Pascoal, o Peixoto foi o mais Peixoto possível, o que é dizer
tudo. A Blanche, que cantou razoavelmente alguns couplets, encarregou-se de um papel
superior às suas forças, e a Candelária deu à representação apenas o contingente, aliás
valioso, dos seus bonitos olhos asturianos.
792
Os coros estiveram muito afinados; claudicaram apenas no final do primeiro
número, em que “entraram” fora de tempo. A orquestra, regida pelo Gomes Cardim com
a sua habitual placidez, portou-se discretamente. Nem podia deixar de ser assim, porque
a instrumentação do Babolin é pobre e descolorida. Trabalho de três professores, dizia o
cartaz... Mas o ditado também diz que panela em que muitos mexem...
***
O meu espirituoso colega Sforza da Seção italiana, atribuiu ontem à minha pena
coisa que o Jornal do Comércio dissera, e eu apenas transcrevi. Não respondo às
considerações a que o meu colega foi naturalmente levado, porque as considero
prejudicadas pelo equívoco, cujos efeitos, estou certo, Sforza se esforçará por atenuar.
Eloi, o herói
793
17 de abril de 1886
Seja bem aparecido, Sr. Bom-tempo; viva! por onde tem andado? V. S. vem
simplesmente dar-nos um ar de sua graça, ou pretende demorar-se? Se a visita é de
médico, o melhor é pôr-se a panos desde já, e voltar por onde entrou. Antes sempre o
calor mortífero, senegalesco, tropical o que quiserem de que três ou quatro dias
apenas de falso beneficio.
Ainda assim, agradeçamos todos ao Sr. Bom-tempo não termos neste momento
as camisas encharcadas e não estarmos obrigados pela brotoeja a ridículos manejos e
gatimanhos.
***
Henrique Bernardelli enviou de Roma à sua família uma preciosa coleção de
estudos de várias dimensões, cada qual mais digno de elogio. Entre eles veio um
pequenino esboço de Messalina, o grande quadro que o nosso distinto compatriota
expôs ultimamente ou vai expor naquela cidade. Algumas paisagens encantadoras, uma
vista de Veneza, um portão, admirável de perspectiva de tudo nesta interessante
coleção. O que mais me enfeitiçou foi, entretanto, uma linda rapariga a carregar uma
braçada de flores. A carnação do pescoço e dos ombros é de mestre, e o espectador, em
apurando bem o olfato, é capaz de sentir o perfume das flores, tão bem pintadas estão.
Todos esses trabalhos serão brevemente expostos. Os nossos amadores terão
ensejo de fazer ótimas aquisições.
***
Como eu me achasse ontem em companhia de algumas pessoas de minha
amizade, e festejássemos inter pocula o aniversário natalício de uma interessante
menina, tive a felicidade de ouvir magníficos versos recitados pelo próprio autor: Filinto
de Almeida. O poeta vai ficar admirado por encontrá-los no Palanque; mas queixe-se,
se houver motivo de queixa, da indiscrição da menina:
VERSOS À COTINHA
NO DIA DO SEU ANIVERSÁRIO
Hoje, como eu não possa
Achar do pronto quem melhor o verso esgrima,
Vou a teus pés fazer cantar menina e moça
As sonoras campânulas da Rima.
---
A fulva joalheira
Que esmalta o arqueado azul do eterno firmamento,
À qual do teu olhar o fulgor que irradia
Empresta luz se a fitar num momento;
E os astros mais pequenos,
As estrelas da terra as flores graciosas
Veste o único arreio à loira, ionia Vênus,
Da violeta ao jasmim, do cravo às rosas:
A cor das alvoradas,
O vermelho inflamado e intenso, que desmaia
E se esbate em milhões de nuances rosadas,
Ensangüentando levemente a praia;
794
As voadoras chamas,
Brasas de vária cor, o iriado passaredo,
Que dos sons naturais corre todas as gamas,
Óperas mil cantando no arvoredo;
Tudo que fulge e brilha,
Tudo que aos olhos praz e aos ouvidos encanta:
Voz d‟ave, luz de sol, perfume de baunilha,
Astro, música, flor, pássaro ou planta;
Tudo isso vale menos,
Bem menos do que tu, arrebol de esperança:
Pois tudo tens em ti, ó pequenina Vênus,
Deslumbradora e trêfega criança;
Como não possa dar-te
Jóias do teu valor, ricos mimos diversos,
Valha ao pobre poeta a riqueza da Arte;
Toma uns diamantes brutos estes versos.
Abril 15 de 1886
FILINTO DE ALMEIDA
***
Diamantes, sim, mas ricamente lapidados. Que o digam as leitoras, cujo sorriso
de aplauso prevejo com bem fundadas razões.
Eloi, o herói
795
18 de abril de 1886
Sinto não poder dispor de meios para levantar um monumento, embora gótico,
ao Sr. subdelegado do 1º distrito de Sant‟Anna. A circular que S. S. acabar de dirigir aos
inspetores de quarteirão do seu distrito, e ontem publicada pela Gazeta de Notícias,
entusiasmou-me, palavra! e estou certo de que entusiasmará igualmente o pio leitor. Ei-
la:
“Recomendo aos Srs. inspetores de quarteirão deste distrito, que remetam, com
toda a brevidade, a esta subdelegacia uma relação de todas as casas públicas de
tavolagem, que existam ou venham a existir em seus quarteirões, com a declaração da
rua e número, nomes dos proprietário e inquilino, e, a ser possível, a topografia delas,
especialmente quanto às entradas e saídas”.
Que polícia! que grande polícia a nossa! E venham falar-nos de Londres ou
de Paris! Em qualquer dessas cidades, a autoridade que pretendesse dar busca a
espeluncas de jogatina, a primeira coisa que fazia era calar-se muito caladinha e
proceder em segredo. Mas o Sr. subdelegado de Sant‟Anna, por demais imbuído do
preceito de Augusto Comte, que manda “viver às claras”, publica a ordem que aos
respectivos inspetores de quarteirão, para relacionarem não só os estabelecimentos
daquela natureza que atualmente existem, como os que “venham a existir”.
Muito embaraçados vão ficar os referidos inspetores de quarteirão. Não consta
que nenhum desses modestos e beneméritos servidores da pátria possua o dom de
adivinhar, nem que o famoso Cagliostro cinja o fitão auri-verde, para jurisdição dos
povos da freguesia de Sant‟Anna.
Não é também provável que os cidadãos em busca de uma profissão honesta, em
tratando de abrir casa de tavolagem, dêem parte do seu projeto aos mencionados
inspetores, a menos que entre estes haja algum vicioso, que contribua para o “barato”.
Se eu fosse inspetor de quarteirão no distrito de Sant‟Anna, do que Deus me
livre e guarde por muitos anos e bons (Amém!), responderia à circular do Sr.
subdelegado, mandando-lhe, pelo sim pelo não, a relação de quanta casa estivesse por
alugar e de quanto terreno estivesse por construir na circunscrição em que eu exercesse
a minha alta autoridade.
***
Outra coisa que naturalmente vai embaraçar os pobres inspetores é o terem de
remeter ao Sr. subdelegado a topografia das casas de tavolagem, “especialmente quanto
às entradas e saídas”. Ou hão de eles tratar de adquirir quanto antes algumas noções de
desenho gráfico, ou de contratar desenhadores, para acompanhá-los nas perigosas
diligências a que os obriga a circular. Ora, como hão de esses pobres diabos, sob
pretexto de levantar a respectiva planta, entrar em casa do Sr. Barão de Qualquer Coisa
ou do Sr. Comendador Três Estrelas?
***
Ainda outro embaraço: na planta se mencionará que certa e determinada casa de
tavolagem tem entrada por tal rua e saída pela rua tal; mas quem lhes diz a eles, os
míseros inspetores, e quem nos diz a nós que os jogadores não entram pela saída ou
saem pela entrada?
***
Entretanto, vamos e venhamos! a circular do Sr. subdelegado de Sant‟Anna tem
um lado prático bastante apreciável: os donos de todas as espeluncas do distrito,
assustados pela leitura desse interessante documento oficial, arrepiarão carreira, e irão
estabelecer-se noutros domínios, onde novos subdelegados os ameaçarão com o
levantamento de novas plantas topográficas.
***
796
A circular do Sr. subdelegado faz-me lembrar não pensem que vou referir-me
aos clarins dos famosos carabineiros de Offenbach faz-me lembrar um indivíduo que,
indignado, alguns anos, pela demora com que o corpo de bombeiros acudia aos
incêndios que se davam nesta Corte, exclamou, rubro de cólera:
- O corpo de bombeiros devia estar estabelecido perto das casas em que
incêndios!
***
E já que eu, como declarei ao começar este artigo, não tenho meios para levantar
um monumento, embora gótico, ao Sr. subdelegado de Sant‟Anna, peço aos meus
concidadãos que considerem um monumento a circular de S. S., pois os grandes homens
não têm melhor comemoração que as suas próprias obras.
***
Mais algumas linhas, para cumprimentar duas folhas amigas: o Diário
Mercantil, pelo seu segundo aniversário, e a Itália, pela resolução, que tomou, de
aparecer cotidianamente do 1º do mês vindouro em diante.
O Diário Mercantil, dirigido com muita proficiência por dois estimáveis
rapazes, o Gaspar da Silva e o comendador (hum! hum!) Leo da Afonseca, é hoje a
folha mais lida, mais interessante e mais literária de S. Paulo.
A itália, dirigida pelo meu espirituoso colega Fogliani, que ainda ontem, sob o
pseudônimo de Sforza, disse amáveis mentiras a meu respeito na Seção italiana desta
folha, a Itália tem cumprido religiosamente o difícil programa que se impôs quando
apareceu há três anos.
Ainda o número de ontem, que me deu a notícia dessa feliz transformação,
indício de favor público, oferece leitura amena e variada, merecendo menção especial o
canto IX da engraçada paródia da Divina Comédia, escrita em terça rima por Pe Dante,
que outro não é senão o aludido Sforza.
Eloi, o herói
797
19 de abril de 1886
Como passou depressa o tempo! Já se vão sete anos que foi representada pela
primeira vez, na rua da Ajuda, aquela audaciosa e petulante Niniche, que anteontem,
depois de prolongado descanso, voltou à cena na rua do Espírito Santo.
Não me lembro de ter visto e ouvido rir tanto como na noite daquela primeira
representação, em 1879. Parecia vir o teatro abaixo ao som de gargalhadas uníssonas e
vibrantes. A hilaridade decidiu logo dos destinos da Niniche, que logrou sessenta
representações consecutivas, sem que afrouxasse um momento o entusiasmo do público.
***
Não dúvida que há muita brejeirice naquela peça; mas também tanto
espírito naquela brejeirice, que a ninguém repugnam as escabrosidades de certas cenas e
de uns tantos ditos.
Além disso, há certo fundo moral na comédia, que se propõe a castigar menos as
Niniches que os Corniskis, isto é, os indivíduos que se casam à ligeira, levados apenas
pela brutalidade do seu sensualismo, sem indagar com quem.
Numa das frases finais da peça está, creio, o transunto do pensamento dos
autores: Que seria das Niniches se não houvesse Corniskis?
***
A distribuição da peça é a mesma de 1879, exceção feita do papel de D. Ramon,
que é agora desempenhado com muita graça e muito espanholismo pelo Febo.
O papel da protagonista foi representado anteontem, como sempre o tem sido,
pela Rosa Villiot, que voltou agora para o elenco da excelente companhia do Heller. O
bom filho, quero dizer, a boa filha à casa torna.
A festejada atriz foi a mesma Niniche dos outros tempos, embora com mais sete
anos, e talvez por isso mesmo com mais suficiência. A platéia não lhe regateou ruidosos
e significativos aplausos.
Escusado é dizer que o grande Vasques, metido na pele de Gregório, trouxe o
público em constante hilaridade; mas é de justiça conferir as honras do desempenho da
Niniche ao Guilherme de Aguiar. O conde de Corniski é inegavelmente um dos papéis
cômicos por este magnífico artista desempenhados com mais correção e talento.
A cena do ato com a viúva Sillery é irrepreensivelmente representada, e o
Guilherme obteria nesse diálogo tresdobrado efeito, se a Matilde o auxiliasse deveras.
Para terminar, direi que o consciencioso Lisboa esconde com muita arte os
cabelos brancos no personagem do trêfego e serviçal visconde de Beaupersil, e que o
Pinto é ainda o ideal dos secretários-anfíbios.
Num pequenino papel de criada, figurando apenas no ato, estreou a atriz Ana
Leopoldina, a mesma que dias foi às nuvens em companhia do capitão Martinez. A
estreante portou-se no palco do Sant‟Anna com a mesma coragem que no balão. A um
espectador ouvi eu considerar que a Ristori talvez nunca subisse tão alto como esta sua
colega.
***
É provável que o interessante vaudeville de Millaud e Najac proporcione
algumas enchentes ao Sant‟Anna.
É esse o meu desejo... e o do Heller.
Eloi, o herói
798
20 de abril de 1886
O Vasquez e o Caron, dois aproveitados discípulos do Grimm, que desde Julho
do ano passado se acham em Paris, onde freqüentam o curso do célebre paisagista
Hanoteau, acabam de remeter ao Sr. De Wilde os primeiros trabalhos que executaram
no estrangeiro, sob as vistas de seu novo mestre.
O Caron remeteu doze e o Vasquez quatorze estudos. Entre todos merece
especial menção uma magnífica tela do Caron, representando pitoresca paisagem, em
cujo primeiro plano desliza um lago coberto de nenúfares. O arvoredo está
magistralmente pintado, e as águas são de uma transparência admirável.
Há ali outros trabalhos, tanto de um como de outro artista, dignos de animação e
aplauso. A muita gente parecerá que estes dois talentosos rapazes perderam aquele vigor
de colorido que caracterizava os seus apreciáveis trabalhos, e de tanta maneira os
recomendou à munificência de poderosos amigos. Mas lembrem-se, meus senhores, de
que aqueles pincéis brasileiros reproduzem neste momento uma natureza muito diversa
da nossa. Aquele céu de chumbo, que parece cair pesadamente sobre o verde desmaiado
daqueles castanheiros, é, sem tirar nem pôr o céu do outono em França. Aquele sol que
não brilha, que não embebe lâminas de fogo na ramaria dos arvoredos, mas apenas
ilumina docemente a paisagem com projeções de luz elétrica, é o sol benigno da capital
do mundo.
Os dois artistas são até dignos de louvor pela brevidade com que se apoderaram
de tão estranhos modelos, e se afizeram a um colorido que não conheciam. Em tão
poucos meses não podiam fazer mais.
Peço ao leitor que se dirija à casa do Sr. De Wilde, e examine com atenção
aqueles vinte e seis estudos. Se lhe agradar algum, e puder comprá-lo, compre-o, que
meterá dois proveitos num saco: enfeitará o seu gabinete com um verdadeiro objeto de
arte, e concorrerá para a manutenção na Europa de dois rapazes dignos de toda a
consideração.
***
Rapazes dignos de toda a consideração me parecem também os da Escola
Politécnica; por isso, cedendo a um pedido, aliás anônimo, vou fazer uma pergunta ao
diretor dos exercícios práticos de estradas, ultimamente feitos pelos estudantes do
ano de engenharia. Aí vai a pergunta:
Consistindo tais exercícios em viagens feitas a expensas do governo, sem que os
alunos, durante as excursões, transmitam ao lente o resultado de suas observações (Não
faça caso da rima), e não havendo posteriormente prova alguma, que permita ao
professor julgar do aproveitamento dos alunos, qual a razão porque V. S. aprovou com
distinção a uns e plenamente a outros?
Eloi, o herói
799
21 de abril de 1886
Os Fenianos põem, e um fósforo dispõe. O magnífico poleiro da rua do
Visconde de Souza Franco ficou ontem em parte reduzido a cinzas. O corpo de
bombeiros, avisado tarde e a más horas, não pôde impedir que o fogo devastasse muita
coisa, e se comunicasse ao High-life-billards.
Triste destino das coisas! o High-life-billards, que seria entre nós o
estabelecimento mais importante do seu gênero, devia ser inaugurado sábado de
Aleluia; para sábado de Aleluia preparavam os Fenianos um desses bailes alegres, cuja
memória não se desvanece facilmente do espírito folgazão dos respectivos dançarinos.
Quantos, ao verem aqueles destroços tresandando a chamusco, não se lembrarão
com saudade de mil episódios galantes, de mil aventuras de amor! Seriam talvez
suficientes as lágrimas, filhas dessa saudade, para a extinção do pavoroso incêndio!
Não desanimem os meus queridos Fenianos: reconstruam o seu poleiro ou no
mesmo local ou no fim do mundo, se o quiserem, porque ou boas fadas haverá.
Mas pelo amor de Momo não esmoreçam... As sociedades carnavalescas não devem
sucumbir por tão pouco, e nós precisamos dessas bulhentas e extraordinárias
mensageiras do riso nesta cidade lúgubre por excelência, onde é preciso pedir por favor
aos cidadãos que se divirtam, e até pagar-lhes ainda em cima.
***
Volumes sobre volumes escreveria o literato que se propusesse a contar a
história daquele pedaço de terreno, outrora ocupado pelo Ginásio e pelo S. Luiz.
A esses dois teatros principalmente ao primeiro está ligada a história dos
melhores tempos da arte dramática no Rio de Janeiro, e é realmente para lastimar que
tanto o velho S. Francisco como o S. Luiz desaparecessem no meio da indiferença geral,
sem despertar duas linhas de prosa comovida ou de poesia lamuriosa.
Como vão longe os tempos de João Caetano, o fulgurante Kean de 1840, o
terrível Aristodemus de 1841; como rápida fugiu a memória daquele atrevido
Heleodoro, que teria erguido o teatro nacional (re-erguido diria qualquer otimista) do
seu clássico abatimento, se Deus lhe tivesse dado mais paciência... e mais dinheiro!...
Tudo desaparece... tudo se esquece...
Mas quantos não se lembraram ontem dos belos espetáculos do Ginásio,
daqueles tempos áureos em que os autores dramáticos não precisavam pedir às pernas
das atrizes colaborassem com eles!
O fogo devasta e consome as coisas; mas hão de convir que ontem, graças a esse
medonho e precioso elemento de vida e de morte, amigo e inimigo, voltaram à memória
de muita gente homens e coisas, que pareciam sepultados para todo o sempre.
Eloi, o herói
800
22 de abril de 1886
Conhecem o maestro Miguel Cardoso? Não conhecem outra coisa... Um mineiro
degenerado, um tipo peninsular, ainda muito moço, baixo, mais gordo que magro,
corado, de bigodes, bigodes medíocres, incipientes, capazes de envergonhar um alferes.
Querem vê-lo?... querem saber quem ele é? Dêem um pulo até a aula de música
da Escola Normal: o encontrarão no sagrado exercício do magistério mais
apoquentador que pode haver, porque se Nicolau Tolentino disse:
Que não deve chorar alheio fado
Quem tem o de ser mestre de meninos,
muito mais diria, se se lhe oferecesse ensejo, daqueles cujo fado é ser mestre de
mulheres.
A educação musical do Miguel Cardoso foi feita no Conservatório de Milão; é
discípulo de Amintore Galli, o famoso crítico do Secolo, daquela cidade, e professor de
contraponto e de estética.
Desde que regressou da Europa, o maestro Cardoso tem se deixado esquecer,
envolvendo-se numa espessa camada de modéstia, sentimento que, na minha opinião, e
em que pese ao meu querido Escaravelho, é, além de ridículo, pernicioso, mormente na
época e no país em que vivemos.
Entretanto, o distinto moço não se tem conservado inativo, e tanto assim é, que
está prestes a publicar uma Gramática musical, que vem, sem dúvida alguma, preencher
a falta absoluta de livros que expliquem em português todas as regras da teoria
rudimentar e da teoria dos acordes, um grande compêndio inteligente, metódico,
completo, que aproveita a quantos cultivam a música, quer como artistas, quer como
amadores.
O título é bem achado: Gramática. Na realidade, saber música sem conhecer
aquelas teorias é o mesmo que escrever uma língua sem sintaxe ou falá-la sem prosódia,
por outra e para aproveitar um conhecido rifão é ir a Roma e não ver o papa.
O Miguel Cardoso é hoje vantajosamente conhecido entre os nossos artistas e
amadores: os primeiros professores (entre eles Artur Napoleão) sei que o distinguem
como contrapontista. Eu, que tenho ouvido algumas composições de sua lavra, poderia
dar testemunho das suas notáveis aptidões, se me não tolhesse a incompetência.
Este nosso patrício pretende, o mais breve possível, graças à sua Gramática
musical, fazer nova viagem à Europa, e escrever uma ópera de fôlego, com assunto
puramente nacional.
Pediram-me segredo, por isso não desvendarei o nome do herói do libreto, herói
que ainda ontem à noite foi consagrado no Recreio Dramático por um brilhante discurso
de Quintino Bocaiúva.
Se querem mais claro, deitem-lhe água...
E para a outra vez, venham os amigos do Miguel Cardoso confiar os seus
segredos a cronistas indiscretos e taralhões!
***
Relativamente ao meu artigo de ontem, pedem-me os proprietários do novo
estabelecimento de bilhares denominado High-life, para declarar que os estragos
produzidos em sua casa pelo incêndio de anteontem foram insignificantes, e a
inauguração se realizará efetivamente sábado de Aleluia.
Eloi, o herói
801
25 de abril de 1886
De volta da roça, onde fui passar três dias, encontro sobre a mesa três livros e
duas cartas à minha espera.
***
O primeiro livro contém a exposição proferida na sessão solene celebrada, em
honra dos exploradores Capello e Ivens, pela Seção da Sociedade de Geografia de
Lisboa, no Brasil, sob a presidência de Sua Majestade o Imperador, pelo Sr. Joaquim
Abílio Borges, membro (Tome fôlego, leitor!) membro relator da comissão de geografia
de Portugal e suas colônias, da mesma sociedade, bacharel em ciências jurídicas e
sociais, diretor do colégio Abílio, do Rio de Janeiro, membro do Conselho Superior de
Instrução Pública da Corte, cavaleiro da imperial Ordem da Rosa, sócio benemérito da
Associação Protetora da Infância Desamparada, membro do Conselho da Associação
Mantenedora do Museu Escolar Nacional, sócio correspondente da Sociedade de
Amigos da Educação Popular de Montevidéu, das Sociedades Geográficas de Paris,
Lisboa, Rio de Janeiro, etc, etc. Uff!
Neste folheto, o Sr. Dr. Borges, que não sei como pode ter tanta coisa ao mesmo
tempo, faz com muita habilidade e muita lucidez o histórico da exploração do
continente africano, de Mossamedes a Quilimane, realizada pelos dois beneméritos
portugueses. São quarenta páginas interessantes, que proporcionam meia hora de
agradabilíssima leitura.
***
O segundo livro é um exemplar do Estudo raciocinado de ortografia segundo os
princípios modernos da ciência, pelo Sr. José Ventura Bôscoli. É um trabalho criterioso
e sem grandes pretensões. Ao fato de ser agora editado pela segunda vez, tem este
compêndio a sua melhor recomendação.
***
O terceiro livro são as Canções da Aurora, poesias de um vate de Ouro Preto,
chamado Francisco Lins. A obra tem nada menos que três prefácios: o primeiro, do Sr.
Randolfo Fabrino, que diz haver neste versos “os tons cintilantes que revelam talento e
decidida queda (Esta palavra não está em grifo) para as acidentadas regiões do Belo”; o
segundo, do meu homônimo Eloi de Araújo, que encontrou nestas Canções “inspiração
agradável, alguma arte e a revelação de incontestáveis progressos”; o terceiro, do
próprio autor; transcrevo-o integralmente:
“Entrego-vos os meus primeiros versos.
“Ressentem-se de defeitos, por isso que começo agora, e, além de tudo, falta-me
a habilitação necessária para que publique um trabalho isento de incorreções.
“Espero, me indicareis os mais fáceis meios de corrigi-los, a fim de que, no meu
segundo volume, possa eu apresentar-me, quando não completamente, ao menos livre
de uma parte deles.
“Aí tendes longa margem para anotá-los.
“E eu espero que o façais desapaixonadamente”.
E que tal? Donde me saiu este poeta que quer aprender à custa do leitor? Até
hoje pensei que o público é que devia instruir-se com a leitura dos autores; o Sr. Lins
julga o contrário, e pretende ter, pago ainda em cima, um mestre em cada indivíduo que
lhe compre as Canções da Aurora. Boa noite!
Entretanto, folheemos o livro...
Jesus! Misericórdia! que trabalho vão ter os leitores do Sr. Lins, se aquiescerem
ao pedido do prefácio.
***
802
Entretanto, como a gente não deve pedir a um livro qualquer mais do que estas
duas coisas: que nos instrua ou nos divirta, ninguém ficará roubado em fazer aquisição
de um exemplar das Canções da Aurora. ali muita coisa divertida; este soneto (?)
por exemplo:
DEFRONTE DA ESTANTE
Olhai, olhai, senhor: ali tenho Ossian,
O bardo que cantou na lira sonorosa
De Morven os heróis; aqui tenho Spinosa,
O pensador profundo; ali é George Sand,
A grande romancista, a bela baronesa,
Que palmas conquistou na pátria de Voltaire,
Autor do drama Alzira, e autor também de Zaire;
Aqui é o escritor do Mouro de Veneza.
O dramaturgo inglês que deu-nos o Hamleto,
Ali é o Lamartine, amável, um dileto
Poeta sonoroso e doce um sabiá,
Que toda a vida a sós passara soletrando,
Canoros madrigais, e ao espaço contemplando;
Aqui, um outro grande o grande Gambetta.
***
É dever de lealdade publicar por extenso alguns trechos da primeira carta que
recebi, assinada por um anônimo que se diz “meu admirador”(Gabo-lhe a pachorra!):
“Leitor assíduo da seção que está a seu cargo no Diário de Notícias, deparei
ontem com uma pergunta que V. faz ao diretor dos exercícios práticos de estradas.
“.....................................................................................................................
“Em geral, no curso de engenharia civil, não se presta exame de exercícios
práticos, porque o lente, mais ou menos a par da aplicação e do proveito do aluno, se
reduz a dar a nota do exercício, firmando-se nessas provas anteriores e no que ele pode
obter do aluno nas conversas e dissertações durante os ditos exercícios.
“A maior parte, pois, dos alunos, pouco se importa com a nota que lhe é dada
nessa formalidade do ensino.
“Além disso, o lente que dirigiu esses exercícios está acima de qualquer
suspeita, e eu, que não sei em que ele se firmou para a distinção das últimas notas, nem
disso me preocupo. Apesar de ser um dos aprovados plenamente, sou o primeiro a
julgá-lo incapaz de qualquer injustiça e muito menos de uma vingança”.
***
A segunda carta, também anônima, que recebi, foi escrita por um desgraçado
que teve a infelicidade de insultar uma pessoa, que não conhece, e é digna de todo o
respeito. Errou o alvo o miserável, tão miserável que desejou que eu lesse as suas
infâmias no dia da Paixão de Jesus Cristo.
Eloi, o herói
803
27 de abril de 1886
Sempre que se reabrem as portas do Pedro II, o público tem ocasião de verificar
um novo melhoramento no edifício desse teatro. O Sr. Bartolomeu é incansável, e não
olhas as despesas. As senhoras têm atualmente um bom foyer para passearem nos
intervalos. Era uma necessidade que muito tempo se fazia sentir. Mas o que se torna
absolutamente preciso é que os cavalheiros se abstenham de fumar no dito foyer; para
isso lá está em baixo o saguão.
***
As mulheres curiosas, ópera-bufa de Usiglio, cujo libreto é extraído de uma das
menos interessantes comédias de Goldoni, agradou mediocrimente. A música é trivial e
maçadora, e a peça não tem uma situação verdadeiramente cômica.
Trata-se de uma sociedade recreativa denominada “Club Amizade”, que, como o
nosso Club Beethoven, tem o mau gosto de negar ao sexo amável ingresso nos seus
salões. As peripécias a que dão lugar os odiosos estatutos do Club não são tão graciosas,
que mereçam notícia especial.
O público, que esteve de uma reserva, aliás bem justificada, mandaria para as
profundas do inferno as tais Curiosas, se não fossem o Sr. Carbonetti, baixo cômico, e a
Sra. Mancini, soprano, que foi a primeira a vencer a indiferença do público.
O Sr. Carbonetti é um cômico de muito merecimento, exagerado talvez, mas
muito digno dos aplausos unânimes que recebeu. Tem boa voz e cantou bem, sobretudo
uma ária do 2º ato, magistralmente fraseada.
No ato apareceu este artista vestido de mulher, e com tanta graça imitava os
ademanes de uma dama espevitada, que o público prorrompeu em gargalhadas e palmas.
Ao ver aquele mulherão alto, que nunca mais acabava, mais de um espectador se
lembrou de certa atriz luso-italiana, que neste momento faz a fortuna do Souza Bastos
em terras de S. Paulo.
Sobre os demais artistas da companhia de ópera-bufa Ferrari falarei quando
subirem à cena outras peças.
***
Felizmente o aparatoso bailado Brahma acabou de bem predispor o respeitável
público. A representação correu otimamente, apesar de um pequeno incidente na
mutação do 1º para o 2º quadro.
A primeira bailarina, Sra. Geovanini, é artista consumada, apesar de jovem... se
é que o binóculo não me pregou alguma... Foi entusiasticamente aplaudida. Os demais
dançarinos tiveram igualmente rodas e rodas de palmas.
A ação do Brahma é bem imaginada, e a música é pelo menos tão bonita como a
do Excelsior. Sobre este me parece que o novo bailado leva alguma vantagem, não
por ser mais curto, como porque não mete em danças Dionísio Papin, Fulton, Lesseps e
outras sumidades dignas de melhor sorte.
***
Durante os intervalos foi profusamente distribuído no teatro o prospecto de um
novo periódico, o Alamiré, dedicado à arte musical. O leitor compreenderá a
importância que vai ter essa revista, desde que eu lhe disser que será redigida pelo Dr.
Cardoso de Meneses, festejado virtuose e espirituoso escritor, conhecidíssimo na alta
sociedade fluminense.
Eloi, o herói
804
28 de abril de 1886
Não é debalde que diz um velho rifão meteorológico: “Em Abril águas mil”.
Pesa-me não ser um grande engenheiro hidráulico, para propor ao governo ainda
maiores melhoramentos no sentido de obstar que a água nos pregue as peças que de vez
em quando nos prega. O mês que termina depois de amanhã é nesse ponto
particularmente funesto a esta muito heróica e leal; devem todos estar lembrados das
enchentes de 1883, que a tanta gente pôs em papos de aranha.
***
Entretanto, uma vez que para a execução de tão importante serviço não pode o
governo aproveitar as minhas habilitações, inculco-lhe Mr. vy, o futuro barão de
Quixadá, que me dizem um barra em questão de hidráulica. Ele que estude e realize os
meios de nos livrar a todos dessa hedionda calamidade, que periodicamente nos ameaça.
***
Parece incrível que perecesse um homem afogado na rua das Laranjeiras, e
aquele miserável rio das Caboclas ou que melhor nome tenha , insignificante fio de
água, que no estado normal nem ao menos serve para a navegação dos barquinhos de
papel, manufaturados pela criançada do bairro, crescesse ao ponto de alagar as casas
que mais se julgavam ao abrigo da inundação.
Parece-me que uma galeria bem forte, não construída pelo emérito profissional
do Lazareto, impediria o transbordamento. A mesma coisa se fez no Catete, onde
aliás não consta que o rio saltasse fora do leito, obrigando pacíficos cidadãos a fazerem
o mesmo.
***
O Rio de Janeiro, que tem elementos para ser a mais bela cidade do mundo, é
cercada por uns diabos de morros, que são outras tantas asas negras. Uns interceptam o
ar às partes mais centrais e mais populosas da cidade; outros separam despoticamente os
subúrbios mais importantes. o contentes com isto, despejam de cima torrentes de
água e de lama, capazes de asfixiar um exército.
Uma vez que não há tenção de deitar abaixo esses estafermos, que diabo!
arranjem do melhor modo possível o escoamento das águas.
Mas isto de deixar que o Rio de Janeiro se converta numa cidade de banhos...
forçados, é asneira que, além de outros inconvenientes, tem o de tirar o privilégio às
barcas Ferry, até hoje tão procuradas pelos Srs. suicidas.
***
A propósito de inundações, vou fechar este ligeiro artigo com a narração de um
fato extraordinário, que me foi comunicado.
Lugar da cena: a praia de Botafogo, convertida numa Veneza barrenta, bem
diversa da de Marino Faliero. O palácio dos doges mediocremente arremedado pelo
colégio de S. Pedro de Alcântara.
ali um bueiro aberto, mas naturalmente a água, que nada tem de cristalina,
não deixa ver o medonho precipício. Se pensam que vou responsabilizar alguém por
essa tentativa de homicídio, estão muito enganados: sou cidadão fluminense e estou
farto de saber que nesta terra tapar um buraco é uma utopia e remover uma pedra
mais trabalho que o levantamento dos muros de Tróia. E façamos todos a justiça de
acreditar que nem a municipalidade nem o Governo têm ao seu serviço os entes
fabulosos de que Netuno dispunha.
Mas vamos à nossa história... que é mais recente: um homem passava a vender
não sei o que em dois samburás presos às extremidades de um pedaço de bambu, que
trazia ao ombro. A água dava-lhe acima do joelho. De repente, zás! desaparecem os
805
samburás, o bambu e o homem. Tudo havia engolido o bueiro. Apenas na superfície das
águas boiava o chapéu do desgraçado.
Algumas pessoas que de longe presenciaram o desastre dispunham-se a correr
para o bueiro, quando aparecem de novo os samburás e o bambu, e logo depois o
homem!
Estava salvo! mas como? Muito simplesmente: o bambu ficara atravessado no
bueiro, e o vendedor, exímio nos dificílimos exercícios da barra fixa, não largara o pau.
E digam lá que a ginástica não deve constituir um ensino obrigatório.
***
A ginástica e a natação, porque estará bem aviado qualquer indivíduo que fixar
entre nós a sua residência... e não nade como um peixe.
Isto de chegar ao ponto de se estabelecer, em qualquer país estrangeiro, o
seguinte diálogo entre dois amigos:
- Sabes? resolvi fazer uma viagem.
- Sim? até onde vais?
- Até o Rio de Janeiro.
- Cuidado, meu amigo, cuidado! Olha que tu não sabes nadar!
Eloi, o herói
806
29 de abril de 1886
Mais uma vítima da chuva! o ator Colás.
Não vão agora julgar que o trêfego Faustino foi asfixiado pelas águas! não, a
chuva limitou-se a espantar a gente que deveria concorrer ao beneficio dele, anteontem,
no Lucinda.
Pois foi pena. Representou-se a comédia Meus olhos, meu nariz, minha boca!
não pela primeira vez nesta Corte, como dizia o cartaz, porque há muito quem se lembre
de a ter visto no Ginásio, hoje Club dos Fenianos (queimado), e, mais modernamente,
há uns doze anos, no Cassino, hoje Sant‟Anna.
Note-se que em 1874 a comédia era velha: foi representada pela primeira vez
em Paris, no teatro das Variedades, em de Dezembro de 1858, intitula-se Mon nez,
mes yeux, ma bouche!, e é escrita por Chivot e Duru, os irmãos siameses da literatura
dramática boulevardiére, cada um dos quais vai hoje caminhando a passos largos para a
casa dos sessenta invernos.
***
A peça é um peção, como se diz nas caixas de teatro. Ressente-se talvez da ação
do tempo, que não passa impunemente pelas farsas; a todo o momento o espectador
receia que a urdidura da comédia se desmantele, por suficientemente gastas as
respectivas molas. Mas, ainda assim, muitas situações estão apresentadas com arte, e o
espectador ri-se por força, mesmo sem precisar que os artistas lhe façam cócegas.
A peça pertence ao número extraordinário daquelas que iniciaram em França a
mania dos qüiproquós, mania que desapareceu durante certo tempo, mas tem voltado
agora, com mais intensidade talvez.
O público parisiense, diga-se a verdade, morre de amores pelo gênero: as Três
mulheres para um marido contam perto de setecentas representações. Mesmo em
Paris, não exemplo de comédia que tenha agradado assim. Entretanto, o leitor, que
teve ocasião de assistir no Recreio Dramático à representação desses três atos
hilariantes, bem viu que os autores preferiam à observação e desenho dos caracteres a
exibição extravagante de um vai-vem de qüiproquós, cada qual mais inverossímil.
Tanto nas Três mulheres para um marido como nos Meus olhos, minha boca, meu
nariz! cada personagem parece um maluco, digno de piedade... e duchas.
***
Não tentarei contar-lhes o enredo desta comédia; não senão cronistas
franceses para quebrarem a cabeça com esse verdadeiro jogo de paciência... de santo.
Dir-lhes-ei apenas que a um pobre rapaz, pelo fato de haver servido inconscientemente
de modelo a três retratos, três obras-primas de um pintor de meia tigela, sucedem as
coisas mais extraordinárias do mundo: passa por mulher e mulher perdida, sedutor de
ingênuas, pai desnaturado, marido de sirigaita, dono de espelunca de jogatina, o diabo!
Ouve declarações de amor, desafiam-no para um duelo duplo, é preso, esconde-se num
armário, e, no fim da peça, toda a gente se admira de o ver de saúde perfeita. Durante
os desastres deste infeliz não lhe faltam ocasiões de dar às gâmbias; eu, do camarote,
estive às duas por três a gritar-lhe: Fuja! Mas se o homem fugisse, adeus, comédia!
Aceitemos pois, as convenções de teatro, e contentemo-nos de que os autores nos façam
rir, e os atores não nos obriguem ao contrário.
***
A tradução é ruim, positivamente ruim. Francisco Libânio Colás escreveu, para
uns versos impossíveis, espalhados a torto e a direito neste vaudeville, alguns números
de música bonita e graciosa, como ele a sabia fazer. Apesar da insignificância da
partitura, o saudoso autor da Véspera de Reis pôs um cuidado admirável na
orquestração. me quand l’oiseau marche on sent qu’il a des ailes. Creio que isto é
807
um alexandrino, mas vai escrito como prosa, porque são muito estreitas as colunas do
Diário de Notícias.
***
Pouco que dizer do desempenho. O beneficiado representou com muita
vivacidade o papel do protagonista. Peixoto e Martins apostaram-se em fazer rir o
público, e a aposta foi ganha... por ambos. Santos Silva caracterizou-se e vestiu-se com
muito cuidado, e Aurora de Freitas representou com distinção um interessante papel de
aventureira. Os demais artistas portaram-se discretamente.
O beneficiado foi muito aplaudido e obsequiado, principalmente por certo
cavalheiro que se achava numa cadeira da terceira fila, e de vez em quando, nos
momentos mais inoportunos, lhe atirava aos pés um grande ramilhete.
Mas essa graciosa manifestação de agrado não consolava o pobre artista,
indignado contra a peça que lhe pregara o mau tempo. No camarim, de vez em quando
voltava piedosamente os olhos para o céu, e repetia o estribilho da moda:
- Oh! chuva!...
Eloi, o herói
808
30 de abril de 1886
Ontem, entre as “publicações a pedido” do Jornal do Comércio, veio a seguinte:
“SÁ NORONHA
Quando começarão as obras para o monumento?
Subscritor”.
Descanse o Sr. subscritor que as obras começarão em breve, não para um
monumento propriamente dito, mas para o túmulo que se puder arranjar com o que
arrecadado e por arrecadar. Se tais obras não começaram ainda, é porque falta receber
algum dinheiro, e quanto mais dinheiro houver, mais dignamente serão guardadas as
cinzas do ilustre compositor português. Creia o Sr. subscritor que nenhum de nós do
Diário faz tenção de empregar em despesas particulares o produto da subscrição. Aqui
não há gatunos, creia.
***
Os leitores conhecem a forma indefectível das participações de nascimentos
entre nós: “Fulano cumprimenta o seu amigo Beltrano e participa-lhe que tem, em sua
casa, rua tal número tal, mais um criadinho (ou uma criadinha) às suas ordens.
Pois bem: Valentim Magalhães, que tem horror aos lugares-comuns, acaba de
me participar o nascimento de uma filha, por meio do interessante soneto, que vou
transcrever com muita satisfação:
LETTRE DE FAIRE PART
Vai deste modo a gente envelhecendo!
Ontem ainda os infantis brinquedos,
As corridas, o assalto aos arvoredos,
E os mestres e o colégio monstro horrendo!
Como estão longe os brincos e os folguedos!
Da vida o monte vamos já descendo,
Ao som do Mar das lágrimas, batendo
Do infortúnio nos ríspidos fraguedos.
Eia, valor! Que a honra não tropece,
Não vá na lama o “nome” escorregar,
E pela Vida o labutar não cesse!
Envelheçamos... proveitosamente.
Por isso, participo-te, contente,
Que canta mais um anjo no meu lar.
***
Ora, sendo a participação feita num soneto, parece-me que noutro soneto devo
eu mandar os parabéns ao meu ilustre amigo; lá vai obra:
Essa alegria quando de ti se apossa,
E de sorrisos o teu lar guarnece,
E a honesta forja do labor te aquece,
- Essa alegria não é tua: é nossa.
809
Porém releva que aceitar não possa
Pensamento que teu não me aperece:
Um filho, dizes tu, nos envelhece...
Pelo contrário! Um filho nos remoça!
E então quando, meu poeta, o filho é filha
(Caso em que estás, moço papai ditoso),
A nossa estrela com mais força brilha!
Cresça a menina, e quando, ébria de gozo,
Pisar um dia do himineu a trilha,
Vá pela mão de um príncipe famoso.
***
Os leitores naturalmente me dirão que nada têm com que nasçam filhos ao
Valentim, e nós nos bombardeemos mutuamente com vinte e oito versos. Mas ora
adeus! mais vale ocupar-lhes a atenção com estas ninharias do que re-editar pela
milésima vez umas tantas considerações filosóficas a respeito de dois maridos que
dias assassinaram as respectivas mulheres. Pelo que li, um deles, o primeiro, é tipo mais
molièresco que shakespereano. O outro, sim, aproxima-se mais do mouro de Veneza.
Não se esqueçam, entretanto, os maridos que mais infelizes se julguem que o próprio
Otelo tem alguma coisa de Sganarelo, e o maior erro que um homem pode cometer
neste mundo é julgar pelas aparências.
Eloi, o herói
810
01 de maio de 1886
Pouca gente afluiu anteontem ao Pedro II, para ouvir o Dom Pascoal e ver o
Brahma. O público acha o divertimento salgado; só irá ao teatro quando il signor Ferrari
reduzir o preço dos bilhetes, que realmente estão pela hora da morte. Segundo me
informam, essa é a intenção do audacioso empresário, e, se ainda não o pôs em prática,
é porque disso o têm desviado sugestões de uma entourage candongueira, que nem
sempre o aconselha para o bem. Subiu o câmbio; baixe o preço dos bilhetes.
***
Dom Pascoal, ópera universalmente consagrada, não deve nada, absolutamente
nada à mise-en-scène; ali não marchas, nem bailados, nem evoluções, nem banda de
música, nem fogo de bengala, nem luz elétrica. Os coros apenas aparecem ligeiramente
no terceiro ato. A ação desenvolve-se com muita singeleza entre quatro personagens, e
só há um papel de mulher.
Dom Pascoal, velho gotoso e gaiteiro, disputa a seu sobrinho Ernesto a posse do
coração de Nerina, moçoila dissimulada e astuta, o que não admira, visto ter sido
educada num convento. O irmão dela, Dr. Malatesta (que nada tem de comum com o
seu homônimo da Divina Comédia) simula um casamento de Dom Pascoal com a irmã,
e o pobre velho, vendo que a rapariga mal se apanha casada, torna-se outra leviana,
exigente, inconseqüente e casquilha , reconhece (e esse era o plano do doutor) que se
meteu em cavalarias altas e já não é homem para acompanhar Nosso Pai fora de horas,
velha locução adverbial, que, espero, nos será qualquer dia explicada pelo Sr. Dr. Castro
Lopes. Descoberta a burla, resolve-se o casamento de Nerina com o seu apaixonado
Ernesto, e acaba a peça.
Donizetti, um dos príncipes vitoriosos da melodia, está todo inteiro naqueles três
atos opulentos de graça e suavidade. É pobre talvez a instrumentação, não revela a
ciência musical que no tempo do glorioso autor da Favorita não tinha segredos para
os grandes mestres, entre outros críticos, Berlioz, o truculento e incompreendido
Berlioz, esfalfou-se a dizer isso mesmo alto e bom som. Mas que doçura! que poesia
naquela música divina! Como é encantador aquele terceiro ato! Como penetra fundo no
coração a melodia imortal daquela serenata! Ora adeus! viva Donizetti...
***
O desempenho foi satisfatório. Estreara um tenor, o Sr. Emiliani, no papel de
Ernesto. Tem uma bonita voz, que faz lembrar a do Marconi, e canta com arte. A
princípio mostrou-se um pouco perturbado pelas famosas “emoções” da estréia, mas,
afinal, reconhecendo que o público se achava nas melhores disposições de aplaudi-lo,
recuperou todo o seu sangue frio, e mostrou que tinha garrafas vazias para vender,
outra locução cuja origem o Sr. Dr. Castro Lopes nos explicará também.
O Sr. Carbonetti representou com talento e louvável sobriedade o papel de Dom
Pascoal. Agradou sem restrições. É um belo artista o Sr. Carbonetti.
O Sr. Reinaldi foi um Dr. Malatesta menos mau, mas, ou eu me engano, ou ele
dava ao seu papel uma feição quase dramática. Este artista é um barítono aceitável, mas
um detestável ator.
A Sra. Mancini não me pareceu a mesma petulante soubrette das Curiosas;
nalguns pontos mostrou-se até um pouco incerta. Mas releva notar que a graciosa artista
se achava visivelmente incomodada. É provável que a Nerina de hoje reabilite
completamente a de anteontem.
Orquestra e coros irrepreensíveis, e bom cenário.
***
811
O espetáculo terminou pela terceira representação do Brahma. As pernas da Sra.
Giovanini estavam anteontem verdadeiramente inspiradas. O público fez-lhes uma
ruidosa e merecida ovação.
Eloi, o herói
812
02 de maio de 1886
O concerto Wolff-Sinay, realizado anteontem em Petrópolis, no salão do hotel
Bragança, tomou as proporções de um verdadeiro acontecimento.
Toda a colônia elegante da pitoresca cidadezinha compareceu à festa.
O aludido salão, que não está ali em grifo por descuido do tipógrafo, não é
precisamente a sala dos Passos Perdidos do Luxembourg; pelo contrário: se algum dia
quiserem os leitores ter um atestado eloqüente do mau gosto arquitetônico do
proprietário do hotel Bragança, convido-os a visitar este salão, que aqui vai outra vez
em grifo.
Imaginem... Não! o melhor é não imaginarem coisa alguma. Demais, estou
convencido de que todos os meus leitores conhecem Petrópolis melhor do que eu, e
quem conhece Petrópolis sabe fatalmente o que é o salão do hotel Bragança. É que o
Club dos Diários realiza suas famosas sabatinas; é que o príncipe Obá fará, dizem,
qualquer dia destes uma conferência sobre a conversão das apólices e os meios de viver
à custa do próximo; é que modestos atores de arribação exibem ligeiras comédias ou
pequeninos dramas, de fácil encenação.
Sim, porque horresco referens! Petrópolis, a garrida e aristocrata Petrópolis,
não tem um teatro, o que não admira, porque também não é iluminada a gás. Quem se
aventura alta noite pelas ruas petropolitanas deve munir-se de sangue-frio e lanterna.
***
Às oito horas começaram a afluir os convidados; às oito e meia não havia um
lugar vazio. Notei que as senhoras se apresentavam com um luxo exagerado e muitos
cavalheiros, vestidos à corte, exibiam vistosas comendas cravejadas de brilhantes e
outras pedras preciosas. Isto numa cidade de campo, num barracão de madeira, forrado
a papel de pataca e meia a peça, francamente me pareceu ridículo.
Suas Majestades e Altezas entraram depois da hora, contra os seus hábitos de
cortesia francesa e pontualidade inglesa. Houve um rebuliço incrível à entrada da
Imperial Família, e todos à uma senhoras e cavalheiros porfiaram em beijar as mãos
ao Imperador, à Imperatriz e à Princesa. Notei que quanto mais elevada era a gradação
nobiliárquica desses indivíduos, maior era o fervor na prática da serôdia e humilhante
cerimônia do beija-mão, que o Imperador, inteligente e moderno como é, muito
tempo aboliu. Reparei mesmo que à Sua Majestade contrariavam deveras tais beijocas.
Reparei também que D. Pedro de Alcântara dava o mau exemplo do luxo,
vestindo casaca e pespegando ao peito uma enormíssima comenda. A Imperatriz e a
Princesa, essas vestiam com a simplicidade elegante que tanto as distingue. O Conde
d‟Eu, que distribuía a torto e a direito apertos de mão à americana, inclinando-se muito
para um dos lados, apresentou-se também à corte.
***
O programa, perfeitamente organizado, dividia-se em duas partes.
Virginia e Matilde Sinay apareceram juntas no pequenino palco. Duas crianças:
Virginia tem dezessete anos; Matilde não completou ainda a cima quinta primavera.
São filhas de um acreditado negociante francês muitos anos estabelecido na capital
do Pará. O pai, que não as deixa um momento, estava anteontem, contente, radiante,
multiplicando-se para acudir a quantos o solicitavam, cumprimentando aqui, dando ali
um programa, oferecendo uma cadeira a esta senhora e um ramilhete àquela outra. As
meninas têm ambas bem acentuado o tipo do Norte. O pai levou-as para Paris quando
eram pequeninas; não falam uma palavra de português. Virginia teve o primeiro prêmio
do Conservatório de Paris; toca violino; Matilde é pianista, discípula do célebre
professor Teodoro Ritter, que acaba de falecer na grande capital. A pobre menina
813
recebeu brutalmente, meia hora antes do concerto, a triste e inesperada notícia do
falecimento do seu ilustre mestre.
O primeiro número do programa uma sonata de Beethoven foi
magistralmente executado ao violino por Virginia. Matilde acompanhou-a num
excelente piano. As duas jovens artistas conquistaram desde logo as simpatias do
público. Virginia distingue-se por uma firmeza de arco admirável no seu sexo e na sua
idade. Tem nervo esta menina! exclamava José White, que estava sentado ao de
mim. A tão competente crítico pressuroso me reporto.
O segundo número firmou, pode-se dizer, a reputação artística de Matilde Sinay,
que interpretou perfeitamente uma polonaise de Chopin, o escolho dos pianistas.
Execução nítida e muito sentimento.
Apareceu em seguida Johannes Wolff, o violinista holandês que acompanha as
meninas Sinay nas suas digressões artísticas. Rapagão de trinta anos, quando muito,
extremamente simpático, bonito mesmo. Tem o tipo mais italiano que holandês: cabelos
e olhos negros, rosto oval. Faz lembrar vagamente o Cernicchiaro.
Artista consumado; conhece todos os segredos do violino; ora meigo e
sentimental, ora impetuoso e terrível, mas sempre apaixonado. Wolff sabe arrancar do
seu instrumento todos os sons harmônicos da natureza. A execução que deu ao romance
e ao rondó de Wieniawski, que constituíam o número do programa, arrebatou o
auditório; mas foi a segunda parte, quando interpretou a Berceuse de Tauré, peça que
aliás não requer prodígios de prestidigitação, que esplêndido artista tocou as raias do
sublime. Com que inefável sentimento gemia o seu privilegiado violino!
Não tenho muito que dizer de Johannes Wolff; os que não o ouviram anteontem,
ouvi-lo-ão mais tarde, e me dirão se exagero. Apenas mencionarei os demais trechos por
ele executados; Andante religioso, de Taomé; Sérénade, de Maskowiki, e Airs russés,
de Wieniawski.
No fim da Sérénade, o público chamou-o três vezes, e à terceira ele arremedou
no violino um desafio de canários belgas, e fez uns repinicados que foram
entusiasticamente aplaudidos. Mas eu com franqueza não gostei disso; preferia ouvi-
lo de novo na inimitável Berceuse.
O n. 4 constou do Romance sans parole, de Mendelsohn, e da Serenata
espanhola, de Ketten, por Matilde Sinay. “A execução do romance foi limpa, mas o
estilo não foi dos melhores”, dizia um cavalheiro abalizado em teoria musical. Eu, por
mim, gostei sem restrições, assim como gostei da Serenata, um dos trechos de música
mais originais que tenho ouvido.
No n. 7, além de uma Legende, que passou quase despercebida, Virginha tinha
que executar ao violino o Air Varié, de Vieuxtemps. O confronto era terrível: José
White ali estava sentado na primeira fila de cadeiras, bamboleando a sua bela cabeça de
mulato, com os grandes olhos rasgados fixos na pobre criança. No auditório não havia
talvez uma única pessoa que não tivesse ouvido a mesma peça tocada pelo simpático
violinista chileno. Estremeciam todos...
Mas bravos à Virginia! não lhe tremeu o pulso; de nada se arreceou a sua alma
de artista, e a sua vitória (vitória relativa, entenda-se) foi saudada por estrepitosos
aplausos.
***
Os demais números do programa não acrescentaram a glória das duas distintas
artistas brasileiras... ou antes: nascidas no Brasil. Contudo, é de justiça mencionar ainda
Dans les bois, de Kowalski, que faz lembrar aqueles sonoros Canários, de Cardoso de
Meneses: Matilde executou ao piano essa melindrosa fantasia com mimo e correção
inexcedíveis.
814
***
Às onzes horas ou pouco depois terminava o concerto ao som de outro
concerto, o das palmas, menos harmonioso, mas não executado com menos consciência.
Diziam todos que nem nunca o salão (lá vai o grifo!) do hotel Bragança viu tanta gente,
nem nunca o público forasteiro de Petrópolis, habitualmente reservado e frio, recebeu
com tanto entusiasmo artistas que, como estes, só se recomendavam pelo talento.
***
Meia hora depois eu estava em vale de lençóis. Fazia frio um frio a valer, de
quatorze graus, e essa vaga percepção, entre o sono e a vigília, acalentavam-ma os sons
divinos da Berceuse, de Tauré.
Que noite!...
Eloi, o herói
815
03 de maio de 1886
A companhia do Recreio Dramático pôs em cena Os degraus do crime, que
continuam a ser seis, como no tempo de João Caetano. Já dias na Fênix nos haviam
dado os Dois proscritos. Quando chegará a vez dos Sete infantes de Lara e do Tributo
das cem donzelas?
Não me foi possível assistir a esta exumação, mais curiosa que a do Castro
Malta, nem à do Boccacio, com a Villiot no papel da Mérrys, e a Sra. Bellegrandi no
papel da Villiot. Qualquer dia destes me desobrigarei desse dever, e comunicarei aos
leitores as minhas impressões pessoais.
***
Passei a noite de anteontem no teatrinho da Gávea; dificilmente empregaria
melhor o meu tempo... fora de casa.
A noite estava carrancuda; naturalmente afastou muitas famílias. A platéia não
se encheu. Ainda assim, achava-se bem guarnecida.
O espetáculo principiou pela Novela em ação, comédia em três atos, original do
desditoso ator português José Carlos dos Santos, ultimamente falecido. A peça é
interessante: Luiza é uma rapariga para quem a leitura de certas novelas foi tão
prejudicial como para D. Quixote a dos livros de cavalaria. Eduardo, rapaz sério e
apatacado, quer casar com ela, mas Luiza não acha nele o tipo dos heróis dos seus
romances. Eduardo come três vezes ao dia e tem dinheiro. Essas qualidades desvirtuam-
no aos olhos românticos da moça. Ele o que faz? Conchavado com o pai da menina, o
respeitável Sr. Martins, finge-se arruinado, rapta-a, casa-se com ela às ocultas, e leva-a
para uma água furtada, onde a tolinha, obrigada a lavar, cozinhar, vasculhar, e outros
misteres domésticos, bem depressa se arrepende do passo que deu, e manda ao diabo o
romantismo. Dizem-lhe então que toda aquela miséria não passa de uma comédia,
inventada para corrigi-la, e cai o pano pela terceira vez, no meio da satisfação geral.
O amador que mais se distinguiu nesta representação foi o Sr. Rodolfo Croner,
que desempenhou com muita arte um interessante papel episódico de velho criado.
Eduardo era o Sr. Artur Gonçalves, que agradou imenso, apesar de estar fora do seu
gênero, e Martins o Sr. Luiz Ferrão, que se fartou de fazer rir à platéia. Num pequeno
papel de credor exibiu-se o Sr. M. Souza, que não teve campo para mostrar-se.
Três graciosas irmãs, as Exmas. Sras. D. Alexandrina, D. Maria e D. Francisca
de Azevedo, encarregaram-se dos papéis de Luiza, Clementina e Angélica. Têm todas
três muito talento e notável disposição para o palco. À primeira coube o maior e mais
difícil papel: saiu-se perfeitamente, sobretudo no ato, quando se desfazem as ilusões
da pobre Luiza.
Terminou o espetáculo pela representação da Véspera de Reis.
O Sr. Pinto de Abreu é um interessante Bermudes; imita a voz, os gestos e as
inflexões de Xisto Bahia, o admirável criador desse papel. O Sr. E. Ferrão Filho foi um
moleque José de se lhe tirar o chapéu, e o Sr. Cunha Teles um Alberto elegante, discreto
e comedido. O Sr. Luiz Ferrão, que é sempre engraçado, devia representar com mais
bonomia o papel de Reis. A Exma. Sra. D. Maria Azevedo compreendeu muito bem o
de Francisca, e sua irmã, D. Alexandrina, no de Milu, rivaliza com duas atrizes que eu
julgava inimitáveis na Véspera de Reis: as Sras. Fanny e Jacinta de Freitas.
O autor, que estava presente, foi chamado à cena; mas essa honra deve-a ele a
uma claque, escandalosamente organizada pelo Sr. conselheiro Amaral, e outros
cavalheiros. Ainda assim, o meu melhor amigo estava que não cabia na pele de
contente.
***
816
O teatrinho da Gávea é um ponto de reunião elegante e delicioso. O mencionado
Sr. conselheiro Amaral, presidente do club, desfaz-se em amabilidades para com todos
os convidados, e toma a sério as representações, animando o corpo cênico, assistindo
aos ensaios, angariando sócios, escolhendo peças, multiplicando-se, enfim, para o
desempenho de mil pequeninos serviços. Aquilo é “a sua cachaça”, como se costuma a
dizer. O teatrinho dá-lhe tanto trabalho como o Sant‟Anna ao Heller ou o Lucinda ao
Braga Junior. O que vale é que os seus esforços são compensados pelo brilhantismo dos
espetáculos.
As três meninas Azevedo, que é admirável isto! em toda sua vida apenas
assistiram a um espetáculo dramático em teatro público, são dotadas de tanta intuição
artística, de tanto talento, digamos, que eu desassombradamente aconselharia a seu pai,
um pobre e honrado procurador sem causas, que as fizesse abraçar a arte, se
desgraçadamente o nosso teatro não estivesse em tão ruins condições. Os leitores sabem
a que porta quero bater; dispensem-me de pôr mais... na crônica.
***
Mas quem sabe se no corpo cênico da Gávea, se naquele grupo de moças
honestas e de rapazes inteligentes e bem educados, aplaudidos pela roda mais distinta da
nossa sociedade, não está o embrião de uma companhia dramática, que determine, com
tão úteis elementos, completamente novos, o suspirado restabelecimento do teatro
nacional?
Oh! que se assim fosse...
Eloi, o herói
817
04 de maio de 1886
Exibiu-se ontem, pela primeira vez nesta época, a representação nacional.
Sua Majestade o Imperador, numa fala de trono cheia de patriotismo e letras
maiúsculas, recomendou aos augustos e digníssimos que discutissem a reforma
judiciária, para melhor afiançar a segurança individual. Essa recomendação está entre
dois períodos, o primeiro dos quais declara que a ordem e a tranqüilidade públicas não
foram alteradas, e o segundo participa que ocorreram alguns fatos criminosos durante a
última eleição.
Sua Majestade chamou ainda a atenção do Parlamento para o mau estado do
ensino, e necessidade de reformar a lei orgânica das Câmaras Municipais. Queira Deus
que SS. EEx. não façam ouvidos de mercador ou de mau credor, como ontem
explicou o Sr. Dr. Castro Lopes.
Sabe o nosso monarca que a lei de 28 de Setembro n. 2 está sendo fiel e
lealmente executada, e diz coisas muito amáveis ao Sr. Ministro da Fazenda, a propósito
dos dois empréstimos ultimamente realizados, gabando-lhes a conveniência e a
oportunidade. Na opinião do Imperador não bastam, entretanto, para restabelecer a
regularidade da fazenda pública, nem aqueles cobres emprestados, nem o piparote dado
na melindrosa moça bonita que se chama Apólice: é mister que se consiga o equilíbrio
dos orçamentos, “obrigação primordial de todos os Estados”. Mr. Prudhomme não o
diria melhor.
Nenhuma alteração tem sofrido as relações de amizade que cultivamos com as
outras nações, diz a fala do trono, depois de declarar que o exército e a armada carecem
ainda de reformas consentâneas com os progressos que ultimamente tem sido a ciência
da guerra.
O estado sanitário da capital não foi lisonjeiro, mas a organização geral do
serviço da higiene pública vai produzindo benéficos resultados, e é de crer que
desapareçam as causas da febre amarela. Sua Majestade que o diz é porque o sabe; mas
eu receio muito que se conservem os efeitos, embora desapareçam as causas.
***
Da febre amarela escapou um bailarino da companhia Ferrari, o qual responde
ao poético nome de Aníbal Bonezi; mas não quis o destino que ele escapasse, coitado! à
seta do deus Cupido.
Ferido no coração pelos olhos e naturalmente pelas mbias de uma colega,
desprezado cruelmente por essa formosa filha de Terpsícore, o sero Bonezi agarrou
numa tesoura, e cravou no peito uma das pontas desse precioso instrumento de trabalho,
tão útil aos alfaiates, às costureiras, aos cabeleireiros, e a nós, jornalistas, que dele nos
servimos constantemente para cortar as idéias alheias e os próprios calos.
Pobre Bonezi! naturalmente foste preterido no coração da ingrata por algum
janota fluminense, incapaz de dançar uma quadrilha com todas as posições e de dar três
ou quatro voltas de valsa de Boston. Consola-te, desgraçado, e, uma vez que o teu
suicídio não passou da tentativa, para a outra vez, quando te apaixonares por alguma
bailarina, faze-te cidadão da rua do Ouvidor, veste-te no Raunier e “mete dinheiro no
bolso”, que é o que Iago aconselhava a Rodrigo.
***
Aos nossos vizinhos de S. Paulo aconselho eu que estoirem de vaidade, se isso
não lhes der muito incômodo.
Representa-se hoje pela primeira vez no teatro S. José, e pela primeira vez em
toda a América, Marion de Lorme, última ópera de Ponchielli, o desditoso e aplaudido
autor da Gioconda.
818
“Esta magnífica peça, diz o cartaz, teve ultimamente grande aceitação nos
principais teatros da Itália, sendo aqui em S. Paulo desempenhada pelos mesmos artistas
que o próprio autor escolheu para interpretá-la, quando foi representada pela primeira
vez”.
Estava reservada esta honra a S. Paulo e ao S. José.
Deito o ponto final, antes que o meu artigo tome as feições de um Flos
sanctorum.
Eloi, o herói
819
05 de maio de 1886
Eu passei ontem depois da meia noite pelo largo da Carioca (Honni soit qui mal
y pense), e encontrei um amigo que vinha dos lados da rua da Ajuda.
- Então?... que tal esteve o Rocambole?
- Que tal está deves dizer. Ainda faltam três atos...
- Oh!
- Deixei a Fênix justamente na ocasião em que começavam a brigar a Inês
Gomes e o Galvão, isto é, Bacarat e Rocambole.
- Oh, diabo! porque brigavam?...
- Por causa de um tal marquês de Chamery.
- Bem; não metamos o bedelho na vida alheia... Que tal foi a Inês no seu
papel?
- A pobre rapariga estava com um medo de todos os diabos!
- Medo? Ora essa! Uma atriz provecta!
- Não, não é isso... Não era medo do público, mas do terrível punhal de
Rocambole!
- Como assim?
- Pois não te lembras que o Galvão, aqui tempos, representando esse mesmo
papel, entusiasmou-se tanto que feriu deveras a Ismênia?
- Horror!
- A ferida foi insignificante; em poucos dias Bacarat estava restabelecida. Mas a
Ismênia era gorda e a Inês Gomes é magra. O punhal de Rocambole não encontraria
nesta as mesmas banhas que encontrou naquela, e o impediram de penetrar mais fundo.
O punhal de Rocambole transformou-se ontem em espada de Damocles.
- Mas nada disso responde à minha pergunta: Que tal foi a Inês no seu papel?
- A Inês, meu caro amigo, apresentou em cada ato uma toilette nova, qual delas
mais rica e de melhor gosto. As senhoras que se achavam nos camarotes mordiam-se de
inveja e volviam olhos súplices para os respectivos maridos. É provável que as toilettes
da Inês durante muito tempo forneçam matéria para a maledicência das demais atrizes.
- Bom; estou inteirado... hei de dar uma notícia do espetáculo...
- Porque lá não foste?
- Só vou a benefícios quando me convidam. Adeus!
- Boa noite!
***
O Matos, esse convidou-me para a sua festa artística. Logo à noite estarei no
Sant‟Anna, e convido o leitor a que faça o mesmo.
Representar-se-á a Donzela Teodora, de Abdon Milanez, que, para ser agradável
ao Matos, acrescentou ao papel de Makuly Abakalá duas novas coplas no terceiro ato.
Além desta peça, cuja música tão apreciada tem sido, haverá um intermédio em que
tomarão parte, além do beneficiado, o Vasques e o Peixoto, esses dois arautos do riso e
da alegria.
***
O Matos é um dos nossos mais simpáticos artistas; quer no teatro, quer en ville,
tem sabido impor-se à estima dos seus amigos e aos aplausos do público. É ator de
mérito e cavalheiro de fina educação.
***
Fina educação recebeu igualmente o Sr. H. Chador, a julgar pelos termos
agachadores de uma carta que me dirigiu, e da qual transcrevo as seguintes linhas:
“Peço-vos o obséquio de dizer qual é a vossa opinião a respeito do soneto que
junto a esta cartinha vos envio”.
820
Infelizmente o Sr. Chador esqueceu-se do soneto; debalde o procurei... não me
foi possível achá-lo.
Apenas encontrei dentro da carta uma tira de papel em que estavam escritas
quatorze linhas de prosa, com os períodos divididos de forma tal que de longe pareciam
versos. A primeira linha dizia:
“Que tez morena, que tez cetinosa!”
Envie-me o Sr. Chador o tal soneto; sobre ele estou pronto a dar a minha
opinião, embora desautorizado.
***
Desautorizada, sim; por isso limito-me a registrar o aparecimento de um livro
curiosíssimo, Os ciganos no Brasil, do Dr. Mello Morais Filho, o poeta ilustre dos
Cantos do Equador e dos Mitos e poemas.
Esta importante monografia, que o autor modestamente intitula “contribuição
etnográfica”, abrange, pode-se dizer, toda a história dos ciganos, desde a sua introdução
na Europa em princípios do século XV. Mas a parte mais curiosa do livro, e a que maior
número de páginas ocupa, é a descrição fiel, colorida e ataviada, dos hábitos e costumes
dos homens dessa raça no Brasil.
Atualidades e tradições, intitula-se a primeira parte do livro; Trovas ciganas a
segunda; compreende a terceira um Novo cancioneiro, complemento do que já há
tempos foi publicado pelo mesmo autor, e a quarta parte contém um interessante
vocabulário.
As primeiras trovas, No cemitério, encerram muita poesia, embora a forma o
seja irrepreensível. Julguem os leitores por si:
“Conheci das próprias flores
A natureza e a sorte!
Umas a vida respiram,
Outras respiram a morte!
Umas nascem para adorno
De ricos salões dourados!
Outras, mais tristes, ensombram
O retiro dos finados!
....................................................
Não admiram, portanto,
Bons e maus fins dos viventes,
Quando até as próprias flores
Têm destinos diferentes!”
A publicação desta obra é mais um valioso serviço prestado pelo Dr. Mello
Morais Filho às letras pátrias e à mocidade estudiosa. O livro foi editado pelo Sr. B. L.
Garnier e impresso a capricho nas acreditadas oficinas Leuzinger.
Eloi, o herói
821
06 de maio de 1886
Cedo hoje o meu lugar a Fétis, que muito tempo me não honrava com letras
suas:
“Meu bom amigo Eloi. – Li esta manhã a agradável notícia de que, por iniciativa
de alguns cavalheiros residentes em Petrópolis, constituídos em comissão, realiza-se
sexta-feira próxima naquela cidade um concerto em beneficio do conhecido
violoncelista Frederico do Nascimento.
“Esta circunstância, que a muitos parecerá de um valor somenos, tem para mim
um grande alcance, como iniciadora de uma transformação completa na maneira de
viver dos artistas entre nós, especialmente os concertistas.
“Já se que trato de artistas de um nome adquirido, de uma reputação firmada
que todos nós conheçamos, a quem tenhamos ouvido, mas que por essa mesma razão
não devamos deixar na contingência de andarem de porta em porta, a passar um bilhete
de beneficio, como o mendigo que estende a mão à caridade pública.
“Um nome ou uma reputação artística são predicados que não se adquirem do pé
para mão, de hoje para amanhã.
“São precisos muitos anos, muito estudo e muito sacrifício, que o devem ser
compensados pelo nosso condenável indiferentismo.
“Para nós, um artista, seja qual for a sua categoria, é sempre um importuno.
“Aceitamos-lhe um bilhete de beneficio, ou por influência de outrem, ou por
consideração, quase sempre com vivas demonstrações de contrariedade.
“O artista não dá o beneficio, nós é que o beneficiamos com a retribuição de
nossa espórtula.
“Lembremo-nos ainda do maior artista que tem vindo ao Rio de Janeiro:
Gottschalk.
“Se não fosse o recurso de que ele lançou mão, depois de se fazer ouvir sozinho
por um auditório limitadíssimo, e que se julgava fatigado de o ouvir, terminaria por
tocar para as pulgas, que as havia em número respeitável no salão do antigo Provisório.
“Felizmente os recursos de sua imaginação eram imensos; ele serviu-se do puff e
da novidade, único mérito daquelas peças em que figuraram muitos pianos e um sem
número de executantes, e o sucesso foi imenso.
“Felizmente o primeiro passo está dado, e eu tenho toda a convicção que os Srs.
Barão de S. Francisco, João Luiz Tavares Guerra, Pandiá Calogeras, e comendadores
Rego Faria, e José João Martins de Pinho, são os iniciadores de uma nova fase para a
vida artística no Rio de Janeiro, e terão certamente outros imitadores. Seu etc. Fétis”.
***
Diz a Gazeta da Tarde que o empresário Ferrari incumbiu a dois distintos
libretistas, muito conhecidos no Morro do Nheco, uma revista do ano que vem o
Trilontra e que subirá à cena brevemente.
Muito difícil será escrever e fazer representar brevemente uma revista dos
acontecimentos de 1887, mas tudo é lícito esperar da habilidade do Sr. Patrocínio, que,
segundo me informam, é um dos mencionados libretistas.
“Mas, acrescenta a Gazeta da Tarde, enquanto ensaia esta peça, o Sr. Ferrari
pede licença ao bom gosto nacional para representar depois de amanhã a ópera do
maestro E. Petrella Le precauzioni, que se não é propriamente de tanto merecimento
como a Princesa dos Cajueiros, dá uns longes”.
Uma vez que o futuro autor do Trilontra recomenda com tanto fervor o
espetáculo de hoje, e afiança, com tanta convicção quanta sintaxe, que a ópera de
Petrella uns longes, é provável que logo, às 8 horas, não haja um lugar vazio no
Pedro II.
822
Veremos.
Eloi, o herói
823
07 de maio de 1886
Decididamente as manifestações estão desmoralizadas, muito desmoralizadas,
desmoralizadíssimas. Receio muito que às duas por três fiquem sem ter que fazer os
pincéis fecundos de Mr. Petit, e as galerias Moncada e Glace Élégante não mais
espantem os transeuntes pacatos com a exibição da vera efígie a óleo de vários
cidadãos, mais ou menos comendadores.
Acabo de ler na Gazeta de Notícias as seguintes linhas tremendas:
“O Sr. Dr. Escragnolle Taunay, tendo notícia de que se promovia uma
manifestação por ocasião de seu desembarque nesta Corte, telegrafou a um amigo,
pedindo que se entendesse com os promotores dessa prova de apreço, a fim de lhes
agradecer e pedir que nada fizessem”.
Ao meu amigo Filindal, espirituoso cronista da Semana, deve-se, creio, o
descrédito em que caíram as manifestações de apreço. Na realidade, raro é o sábado em
que a História dos sete dias não faça troça aos discursos, retratos a óleo e penas de ouro,
que pareciam ter penetrado definitivamente nos nossos costumes.
O Sr. Dr. Escragnolle Taunay, que nada tem de tolo, conseguiu matar de uma
cacheirada dois coelhos: furtou-se ao ridículo inevitável que sempre resulta de tais
manifestações, e ao copo d‟água obrigatório, mecha que, por via de regra, custa mais
caro que o sebo.
O desejo invariável dos manifestantes é causar uma surpresa ao manifestado; por
isso a coisa é sempre organizada nas trevas, à laia de conspiração. Mas, para que os
leitores avaliem a infidelidade com que esses senhores guardam segredo, vejam que o
ex-presidente do Para teve tempo de saber fora que tramavam contra ele
semelhante atentado, e de suspender, por telegrama, a realização do crime. Abençoado
telégrafo elétrico!
***
Todas as vezes que nesta cidade alguns indivíduos se reúnem para fazer um
presente a outro indivíduo, expõem numa casa qualquer da rua do Ouvidor o objeto que
tem de ser oferecido; o é raro ver nos jornais uma notícia concebida, pouco mais ou
menos, nos seguintes termos:
“Acha-se exposta em tal parte uma rica escrivaninha de prata, com que os
numerosos amigos do Sr. F. vão surpreendê-lo no dia tal às tantas horas”.
O Sr. F. não encontra amigo que lhe não diga:
- Parabéns, lá vi a escrivaninha que lhe destinam; é um belo presente!
E o Sr. F., que não espera ser surpreendido, não tem remédio senão passar pelo
Castelões ou pelo Pascoal, e encomendar um delicioso e profuso farnel de empadinhas,
croquettes, sandwiches, vinhos, licores, enfim tudo quanto vulgarmente se chama um
“copo d‟água” por motivos que eu desconheço, mas que o Sr. Dr. Castro Lopes
naturalmente explicará qualquer dia.
Parabéns ao autor de Inocência, por ter sabido desviar de cima de sua cabeça
esta manifestação de Damocles.
***
Parabéns igualmente ao Matos pela manifestação, sem retrato a óleo nem
discursos, que lhe fizeram anteontem no teatro Sant‟Anna. Não havia no teatro lugar
para uma bengala, e o espetáculo correu animadamente, interrompido apenas pelos
aplausos, que os houve em grande número.
***
Aplausos, é natural que os haja logo à noite no Lucinda. Representa-se pela
última vez o Bilontra, em beneficio do Sr. Monteiro de Carvalho, que exerce naquele
teatro as dificílimas funções de secretario e braço direito da empresa.
824
Eloi, o herói
825
08 de maio de 1886
Sepultou-se ontem no cemitério de S. João Batista o cadáver de Oscar
Bernardelli.
O velho artista muito tempo jazia no leito da dor, derribado por dolorosa e
pertinaz moléstia.
A família Bernardelli durante longos dias esperou que de um momento para
outro lhe fosse arrebatado o querido chefe, e estava identificada com a horrível idéia
de perdê-lo para sempre. A morte prevenira-o com muita antecipação da sua visita; não
o empolgou de surpresa.
***
Felizmente neste mundo compensações para tudo; se o atormentaram
moléstias; se, durante algum tempo, digamo-lo para que negá-lo? foi assaltado pela
pobreza do artista, pobreza exagerada, que se aproxima da miséria, inefável prazer e
legitimo orgulho reservava-lhe a sorte na contemplação dos filhos.
Que outro pai mais ditoso?... São três os rapazes, cada qual mais sério, mais
honesto e mais digno: Rodolfo, o mais velho, é o ilustre escultor que todos nós
conhecemos e admiramos; Henrique, o pintor de rito que atualmente se acha em
Roma, de onde nos tem mandado trabalhos de grande valor artístico; Félix, o mais novo,
é também um artista que maneja com igual consciência o pincel do pintor e o arco do
violinista; é pena que não fosse, como Rodolfo e Henrique, que são também músicos
ambos, pedir à Itália o que só a Europa lhe poderia dar.
***
O chefe desta singular e interessante família de artistas (1) era homem modesto e
ao mesmo tempo incorrigível boêmio; nem a glória jamais fascinou a este poliglota, que
tinha sempre muito espírito, qualquer que fosse o idioma em que conversasse, nem ele
almejou posição mais elevada que a de mestre de dança e músico de teatro, contanto que
os braços ou as pernas lhe dessem para atamancar a vida, e saborear, depois do
espetáculo, o infalível copo de cerveja no Stadt Coblenz.
***
Entretanto, o Brasil deve lhe mais a ele do que a muitos estadistas envelhecidos
no serviço público e consagrados pela gratidão nacional...
Um dia, na Inglaterra, gravaram na sepultura de um homem obscuro:
- Aqui jaz o pai de lord Pitt.
Na pedra que de cobrir o cadáver do simpático artista, que ontem
desapareceu, poder-se-ia gravar: Aqui jaz o pai de Rodolfo Bernardelli.
Eloi, o herói
_________________
(1) Como se sabe, Celestina Bernardelli, que sobrevive a seu esposo, foi no seu tempo bailarina
de primo cartello, e, como tal, apreciada e aplaudida pelos fluminenses.
826
09 de maio de 1886
O Sr. Antonio Álvares Pereira Coruja Junior, oficial da Secretaria da
Agricultura, acaba de organizar um Repertório das leis, decretos, consultas, instruções,
portarias, avisos e circulares, relativos à concessão, administração e fiscalização das
estradas de ferro.
Essa importante compilação foi publicada na Imprensa Nacional, por ordem do
Sr. Ministro da Agricultura, que, por aviso, acaba de louvar acertadamente o Sr. Coruja
pelo importante serviço que prestou.
Na realidade é muito para louvar a paciência de quem não hesitou diante da
clássica poeira dos arquivos, para apresentar um trabalho completo e, o que é mais,
metódico.
Um índice alfabético, além do índice geral, designa as matérias e a lei ou
disposição a que cada uma delas se refere; o livro é, pois, de muita utilidade, não só para
os funcionários, que encontrarão nele um verdadeiro vade mecum, como para todos
quantos profissionais ou leigos se interessarem pelas estradas de ferro.
Essa é a opinião de pessoas autorizadas, cujos pareceres figuram no volume à
guisa de prefácios.
Sinceros cumprimentos ao autor, um dos poucos funcionários convencidos de
que a sua atividade não deve limitar-se ao trabalho que lhe distribuem na respectiva
seção, e que, além da tarefa diária, o empregado público, procurando bem, encontra
muito em que aplicar esforço e inteligência.
Agradeço-lhe o exemplar com que me obsequiou.
***
Agradecimento análogo devo ao Sr. Dr. Ciro de Azevedo, que me enviou um
exemplar dos discursos que pronunciou no tribunal do júri, quando defendeu pela
segunda vez o famoso assassino Alberico Leite.
O distinto advogado possui inquestionavelmente algumas das qualidades que
constituem um bom orador acadêmico; mas quer me parecer que na tribuna judiciária
deveria despir a frase de tanta roupagem inútil, de tanto termo guindado, de tanta
comparação literária.
Não é assim que se leva a persuasão ao espírito dos nossos jurados, que, em
geral, são ótimos burgueses, cuja leitura se limita às folhas diárias, e a um ou outro
romance pantafaçudo.
Faço idéia da cara que fariam certos cidadãos meus conhecidos, e dos olhos que
abririam, se, colocados na posição de juízes de fato no processo Alberico, e com o
espírito ainda mais entorpecido pela fadiga, ouvissem do Sr. Dr. Ciro de Azevedo este
eloqüente fraseado:
“Não podeis, senhores, sem quebra de todas as leis da humanidade e dos
princípios de moral, condenar o acusado presente. Seria fantasiar um criminoso; seria
engendrar uma responsabilidade e, essa define-se por si mesma; seria criar maldade
onde doença; seria atirar na escuridade do cárcere o precisado dos esplendores do
sol; mergulhar em ambiente mefítico o necessitado do olor das flores, do ar balsâmico
dos nossos campos, de um meio moral e intelectual, sadio, para perder a fraqueza
que o caracteriza e, competentemente curado pela higiene do espírito assumir a
responsabilidade dos seus atos”.
Felizmente os doze cidadãos que serviram no processo não se convenceram de
que a condenação do Alberico importaria quebra de princípios. E eu, pela minha parte,
dou sinceros parabéns ao Sr. Dr. Ciro de Azevedo, por não ter conseguido restituir à
sociedade um miserável que mata um amigo traiçoeiramente, a marteladas, e meia hora
depois está comodamente sentado no teatro, assistindo à representação de uma comédia.
827
***
Brevemente assistirão os leitores, se quiserem, não a uma comédia, mas a um
concerto, que deixará fama nos anais artísticos do Rio de Janeiro.
Mlles. Sinay e Johannes Wolff, os três soberbos artistas que ultimamente foram
tão festejados em Petrópolis, far-se-ão ouvir na noite de 19 do corrente mês, no Pedro
II. A magnífica orquestra do Sr. Ferrari tomará parte no concerto, e a companhia de
ópera-bufa representará uma das melhores peças do seu repertório.
Os amantes de boa música, que não tiverem paciência para esperar o dia 19,
dirijam-se quarta-feira próxima a Petrópolis; Mlles. Sinay e Johannes Wolff, a pedido
geral, resolveram dar nessa noite um segundo concerto, que se realizará, como o
primeiro, no salão do hotel Bragança, e constará quase exclusivamente de peças
clássicas.
Eloi, o herói
828
10 de maio de 1886
três anos, pouco mais ou menos, inaugurou-se na rua do General Caldwell,
na casa outrora ocupada pelo maestro Henrique de Mesquita, um teatrinho de bonecos,
o Filomena Borges, onde tive ocasião de assistir à extraordinária representação dos
Salteadores da floresta negra, uma obra-prima do gênero.
Poucos meses depois, desaparecia o Filomena Borges e os atores de pau eram
substituídos, e mal substituídos, [ ], por atores de carne e osso. O teatrinho,
convenientemente alargado, passou então a denominar-se Recreio da Cidade Nova.
O empresário era o Felipe, o mesmo que no Bilontra representa com tanta
naturalidade o seu próprio papel.
Ainda estou por saber os motivos que levaram a empresa a dar em vaza barris;
os versos que o ex-empresário tantas vezes tem ultimamente cantado no Lucinda:
E se continua
Sucesso assim tanto,
Eu vou para a rua
Do espírito Santo
nada têm de exagerados.
Fosse porque fosse, o Recreio da Cidade Nova fechou as portas, e anteontem
reabriu-as um grupo de artistas dirigido pelo Magioli.
O teatrinho passou agora por novas transformações, e crismou-se ainda uma vez:
chama-se hoje Santa Isabel. Sacrificou à velha mania de dar nomes de santos a
estabelecimentos onde a religião não pode entrar, nem mesmo como Pilatos no Credo.
Está limpo, é confortável e quase elegante, apesar da pobreza franciscana da construção
e da decoração. O palco é pequeno; não excede em dimensões ao do teatrinho da Gávea.
Um ator da estatura do Xisto Bahia seria talvez obrigado a curvar-se, para não chegar às
bambolinas. Não tem camarotes: apenas duas espécies de gaiolas, construídas em cada
lado da orquestra, destinando-se uma às autoridades policiais e outra à empresa. A
platéia é dividida em duas ordens: superior e geral. O bilhete mais caro custa apenas dez
tostões, e por metade desse preço vai o espectador para a geral. Não pode haver nada
mais barato.
A representação no Santa Isabel corre desperturbada e tranqüila, ao invés do que
sucede no Sant‟Anna, no Lucinda, no Recreio e na Fênix, onde os espectadores são
incomodados pelo zum-zum dos jardins, e pelo estoirar das rolhas. Apenas de vez em
quando, ouve-se o ladrar dos cães, que os em abundância no bairro, e o silvo da
locomotiva que passa em S. Diogo.
***
O teatrinho estava anteontem cheio; o high-life não se fez representar, oh! não!
mas que platéia popular! que animação! que bom humor! que singela disposição para o
riso!
Representaram-se três comédias: Um ano em quinze minutos, em um ato,
Paraísos conjugais, em dois atos, e Criada-ama, em um ato.
Quando cheguei haviam representado a primeira. A orquestra, uma orquestra
de sete professores, regida pelo Celestino, executava uma polca barulhenta. Pouco
depois subia o pano.
Paraísos conjugais é uma comédia medíocre e mal escrita, valha- a Deus! com
um primeiro ato longo como a rua de S. Pedro. Entretanto, os personagens prestam-se a
um bom desempenho, e foi o que anteontem aconteceu.
O Magioli representou com muito talento e muita graça o papel de um pobre
diabo que cai na asneira de casar, aos cinqüenta anos, com uma viúva de cabelinho na
829
venta. Esta viúva foi a Sra. Elisa de Castro, que teve momentos felizes. A Sra. Lívia
desempenhou satisfatoriamente o papel de uma rapariga romântica; o Sr. Magno e a Sra.
Branca portaram-se com discrição.
Na Criada-ama esta última senhora e o Sr. Heitor fizeram rir a valer; o Sr. Porto
é que não nos agradou no interessante e dificultoso papel de um criado mudo (sem
alusão); pena foi que sacrificasse o papel aos bigodes em vez de sacrificar os bigodes ao
papel. Um criado de bigodes é inadmissível em teatro, mesmo na Cidade Nova.
***
Resumindo: espetáculo divertidíssimo e, sobretudo, barato.
Eloi, o herói
830
11 de maio de 1886
Tremeu a terra fluminense. No tiembles, que no te hago mal! como disse o
sei que general Arredondo.
Felizmente a coisa não passou do susto; não haverá necessidade de organizar um
bando precatório para as vítimas de Sepetiba ou Macacos.
***
Já na rua do Ouvidor discutem-se as causas desse medonho fenômeno geológico,
e muitos querem achar relações estreitas entre ele e os cometas que ultimamente
honraram com sua presença a abóbada infinita.
Digam os sábios do Observatório que mistérios são estes, pois os da Escritura,
para os quais apelava o grande Camões, já não adiantam idéia.
Eu, que não sou sábio (creio que muita gente está convencida disso) mas um
visionário frívolo, que acha certa correlação entre as coisas mais comuns e as mais
extraordinárias, sou capaz de jurar que os motivos deste tremor de terra estão justamente
nos fatos ultimamente sucedidos nesta muito heróica.
O Sr. Dr. Castro Lopes explica-lo-á talvez melhor, depois de mergulhar o
espírito no vasto oceano das ciências naturais; mas eu duvido que a sua explicação saia
mais ao paladar do povo do que a minha.
Se a terra possuísse, como um pobre mortal, o Sr. conde de Mesquita, por
exemplo, alguns maços de apólices da dívida pública, o fato estava claramente
explicado pela conversão de um por cento. Mas, sendo de presumir que a terra se ache
perante o tesouro nacional no mesmo caso que eu, não é natural que tremesse, como eu
não tremi.
Se ela houvesse concorrido às urnas, e visse alçado sobre sua cabeça o alfanje
degolador do terceiro escrutínio, aí estavam ainda explicados os seus tremeliques. Mas a
terra absteve-se, como eu, e não quis figurar no seio da representação nacional.
***
Ora, não se admitindo que a terra tremesse pelo simples gostinho de fazer tremer
os seus habitantes, ou por mera rabugice pois que nada lhe falta no Brasil... à exceção
de braços, tratemos de descobrir nas pequeninas coisas as causas diretas, ou indiretas,
como queiram, de semelhante fenômeno.
Estão bem aviados os leitores se julgam que vou assoalhar tais causas, que,
afinal de contas, não passam de simples presunções de visionário como disse a
princípio.
Dêem-se suas senhorias ao trabalho de procurá-las; esmerilhem a vida
fluminense destes últimos dias; releiam a fala do trono e as notícias das sessões
parlamentares.
A causa pode estar em qualquer coisa para que menos se atente; indico-lhes
vagamente o Sr. Révy, encarregado de novos trabalhos, o Sr. Taunay, a sustar, por
telegrama, uma manifestação a óleo, sem escapar de uma poliantéia, a Sra. Manzoni a
representar o papel de Boccacio... que sei eu?
Para causar um terremoto não é preciso muito; se estivesse ainda no Rio de
Janeiro o Sr. Sousa Bastos, empresário conhecido entre a gente de teatro pela terrível
alcunha de Treme terra seria capaz de produzir um cataclisma com o simples anúncio
dos Huguenotes cantados pela Pepa e pelo Corrêa.
E capaz disso era ele!
Eloi, o herói
831
12 de maio de 1886
Um dos mais operosos e o mais modesto dos nossos pintores é
inquestionavelmente o Sr. Augusto Duarte, aproveitado discípulo do célebre Jerôme.
Ninguém lhe põe a vista em cima. O autor de Atala, quadro de grandes dimensões,
exposto do Salon de Paris e elogiado pela crítica francesa, passa os dias metido na sua
oficina, pintando, pintando sempre , ou nalgum arrabalde, sentado à sombra de frondosa
árvore, copiando os primores da natureza fluminense.
De vez em quando é assaltado pela nostalgia da roça, e ei-lo de caixa às costas,
como um mascate, a retratar, de fazenda em fazenda, quanto coronel da guarda nacional
encontra no caminho, ou a reproduzir na tela esta montanha que lhe pareceu
majestosa, aquele regato que o seduziu. Durante esse tempo vai procurando modelos
para um grande quadro de costumes, que tem projetado, e no qual deseja reproduzir uma
feira da roça, com profusão tal de acessórios, que compreenda tudo quanto semelhante
assunto oferece de pitoresco e característico.
Apesar do retraimento em que vive este artista, que, mais do que nenhum outro
entre nós, possui a técnica de sua arte, não lhe faltam encomendas nem discípulos.
Trabalha muito, e à noite, em vez de descansar ou divertir-se, vai ensinar desenho às
senhoras, no Liceu de Artes e Ofícios. Nunca ninguém o viu no teatro.
***
Atualmente o Sr. Augusto Duarte expõe, na Glace Élégante, um pequeno
quadro, representando o morro de Santa Teresa numa hora de sol. O primeiro plano
representa um terraço, que figura estar, pouco mais ou menos, na mesma elevação que o
hotel da Vista Alegre. Ao longe a cidade, vista a vôo de pássaro, com o seu
embaralhamento de casas de todos os tamanhos, e as suas torres brancas a surgirem
graciosas do meio desse labirinto de pedra e cal. Mais longe o mar sereno e azul, e no
último plano a Serra dos Órgãos.
O quadro está desenhado, iluminado e colorido por mão de mestre. É um dos
bons trabalhos ultimamente expostos nesta Corte, onde decididamente a arte da pintura
parece ir despertando do letargo em que por tantos anos jazeu.
***
Sinto não poder elogiar também os onze estudos que o Sr. Irineu de Souza expõe
na Galeria Moncada; mas não há dúvida que este amador promete um bom artista. Deve
estudar e “fixar-se”, para usar de um verbo muito empregado entre pintores. O Sr. Irineu
de Souza está por enquanto na posição do viajante que diante de si muitos atalhos, e
não sabe qual deles deve tomar. Pinta flores, frutas, índios, interiores, paisagens e
marinhas. Entretanto, releva notar que sabe escolher os assuntos e dispor os acessórios.
As tintas obedecem-lhe; mas o desenho... ai! o desenho... Aí é que pega o carro!
***
Lembro os leitores que é efetivamente hoje que se realiza, no salão do hotel
Bragança, em Petrópolis, o segundo concerto das talentosas Mlles. Sinay e do grande
violinista Johannes Wolff.
Eloi, o herói
832
14 de maio de 1886
O público fluminense matou anteontem a saudade da Lucinda, do Furtado
Coelho e do Demi monde.
A baronesa d‟Ange sempre a mesma: a única diferença que lhe notei anteontem
foi nas toilettes, que só por si merecem as honras de uma crônica.
A Lucinda representa o seu papel com a correção, a sobriedade, o talento e a
refinada elegância com que sempre o representou. O seu trabalho é perfeito;
compreendo que entusiasmasse os madrilenos a ponto de os levar a ouvir com satisfação
a baronesa d‟Ange em português e os demais personagens em espanhol.
Quando a Lucinda desaparecer deste mundo ou desaparecer do palco, não haverá
baronesas d‟Ange possíveis em Portugal nem no Brasil; a festejada atriz levará consigo
o segredo daquele desempenho admirável, segredo que ela a ninguém revelou, nem
ninguém lhe surpreenderá.
Ainda está na memória de todos o triunfo que a Lucinda obteve, quando a Duse-
Checchi uma das grandes atrizes deste século representou no ano passado o papel da
astuta baronesa. Esse triunfo se reproduzirá sempre que outra qualquer Suzana d‟Ange
pretender medir-se com esta, tão nossa e tão querida.
Furtado Coelho, esse rapaz de 28 anos... fortes, ainda é também, e se-lo ,
espero, por muito tempo, um Olivier de Jalin verdadeiramente ideal! O provecto artista
descobre cada dia novos efeitos nesse brilhante papel, e o apresenta sempre com algum
retoque. Anteontem representou-o magistralmente.
***
Os demais artistas, recrutados aqui e ali para acompanharem o vitorioso casal na
projetada digressão ao Norte, deram todos muita boa conta do recado.
No papel de Raimundo de Najac satisfez o Sr. Ferreira, apesar de uma pêra, um
quase cavanhaque, próprio para desesperar os meus colegas da Semana. A viscondessa é
a do ex-Ginásio, a Clélia, que há muito tempo não aparecia ao público. A Sra. Jacinta de
Freitas foi uma discreta e adorável Marcelina. Os Srs. Simões e Belido e a Sra. Gilda
contribuíram para o bom êxito da representação.
***
Durante o espetáculo houve no jardim uma vozeria estúpida e grosseira. Na
platéia dois espectadores tísicos escarravam barulhentamente de instante a instante.
Outro espectador, no final do ato, levantou-se, e gritou para Raimundo de Najac:
Bravos ao Eugênio de Magalhães neste papel! Bravos! E repetiu a graçola no final da
peça.
***
A Gazeta da Tarde publicou anteontem o seguinte entre os Comunicados, que
constituem uma das seções editoriais daquela folha:
O herói do palanque terá também oferecido os direitos de autor do „Pisca-
Pisca‟, indecente plágio da cena cômica portuguesa – „O Meu Olho‟?
“Ora, assim eu também sou
Filantropo
É a primeira vez que me fazem uma acusação dessa ordem; felizmente para
mim, os acusadores são anônimos, e falsos como Judas.
O Pisca-pisca é um ligeiro e despretensioso monologo, que o ator Silva Pereira
representava em três minutos. Foi este simpático artista quem me pediu que o
escrevesse, e ao mesmo tempo me forneceu a respectiva idéia. Se, efetivamente, o tal
Meu olho não é uma invenção da Gazeta da Tarde, como parece (pelo menos a julgar
833
por semelhante título), e havia já em Portugal coisa com que se pareça o Pisca-pisca, eu
o ignorava, creiam.
Considero o gatuno literário tão desprezível como outro qualquer gatuno. Até
hoje, em que pese aos comunicantes da Gazeta do Sr. Patrocínio, o me dói a
consciência de me haver apropriado de objeto alheio contra a vontade nem mesmo pela
vontade do dono. Digo-o alto e bom som. Todos os meus desafeiçoados poderão fazer o
mesmo?
Eloi, o herói
834
15 de maio de 1886
Matos, o estimado ator que todos nós estamos habituados a aplaudir,
desempenha hoje um dever sagrado ainda com mais consciência do que tem
desempenhado todos os seus papéis.
quatorze anos uma dessas ligações fáceis, tão comuns entre bastidores,
prendeu-o a uma atriz, que o não é; mas o que a princípio não parecia mais do que
simples amores, desses que o menor arrufo desmancha para sempre, tornou-se afeição
delicada, que a aproximação dos caracteres animou e fortaleceu.
Em Maria Amália esse o nome dela) encontrou o Matos uma verdadeira
esposa. Nas épocas difíceis nunca lhe ouviu o mais leve queixume; ela nunca deixou
transparecer no rosto sereno a sombra de uma contrariedade. A casa de ambos, há
quatorze anos iluminada por uma lua de mel sem nuvens, é ainda, e se-lopor muitos
anos, ninho tépido de alegria e felicidade.
faltava a esses dois trânsfugas do dever social o sacramento da igreja, sem o
qual não poderia haver para eles ventura completa, definitiva e honesta.
Pois bem, o Matos de hoje em diante será o esposo de sua companheira de tantos
anos; a igreja vai santificar-lhes o amor, conferindo a ela o direito de usar o nome dele,
e a ele o de apresentá-la à sociedade.
***
Eu não traria a público este fato, que honra sobremodo o honrado amigo que o
vai praticar, se enxergasse nele apenas um episódio da vida íntima de dois indivíduos,
ou o simples pagamento de uma dívida de amor e gratidão. Enxergo sobretudo neste
consórcio um exemplo que deve ser aproveitado por tantos atores que se acham em
condições idênticas. Toda a mulher que merece a convivência prolongada de um
homem, merece também o seu nome; casada ou não, a sua responsabilidade moral é a
mesma. Se ela é má, desprezem-na; se é digna, dêem-lhe a maior prova de consideração
que um cavalheiro pode dar a uma senhora: casar com ela.
As posições equívocas, tão comuns nos nossos teatros, têm talvez concorrido
para essa absurda prevenção que por aí existe contra os atores.
Eu bem sei que a esse respeito muita hipocrisia na nossa sociedade. Mas,
hipócrita ou não, o burguês fluminense é pouco indulgente em questões de amor, e o
artista dramático está sempre em relações tão diretas com o público, que tanto mais
estimado será quanto melhor e mais nobre for o seu procedimento social.
***
O Matos lavrou dois tentos criando uma família, e dando o seu nome à mulher
que sempre o acompanhou, quer pisassem sobre rosas quer sobre espinhos.
Dou-lhes a ambos sinceros parabéns, e, quando os encontrar juntinhos, bem
chegados, cheios de amor e conscientes do seu direito, tirar-lhes-ei o chapéu com o
mesmo respeito que me merece a família mais respeitável.
Eloi, o herói
835
16 de maio de 1886
Eu (vai o maldito pronome com que tanto embirra Escaravelho!) eu disse
anteontem que nunca me apropriei de objeto alheio contra ou pela vontade de seu dono;
Escaravelho disse ontem: “A primeira parte, contra a vontade, era escusada para mim
que nunca o julguei capaz de tal (Muito obrigado), mas a segunda veio muito a
propósito para meu governo. Tinha eu tenção firme de mandar-lhe meia dúzia de
mangas da Bahia a primeira vez que ele trepasse ao palanque sem falar de si; abstenho-
me disso agora que sei que ele não aceita nada por mais de coração que lhe seja
oferecido o mimo, nem mesmo em noite de seu beneficio”.
Se Escaravelho não me apropriar as tais mangas da Bahia, pode ficar na certeza
de que eu não me apropriarei delas, por mais saborosas que sejam. Quando se diz que
um indivíduo se apropria de um objeto, embora pela vontade do dono desse objeto,
parece que se tira à doação todo o caráter de espontaneidade, e que a vontade do dono
não passa de simples aquiescência.
Foi nesse sentido que eu disse que nunca me apropriei de um objeto, nem
mesmo pela vontade do dono; pode ser que eu esteja enganado sobre a ação transitiva
do verbo apropriar; nesse caso, peço a Escaravelho que me elucide, como bom amigo e
bom filólogo que é.
Quanto a deixar de falar de minha pessoa, para apanhar-lhe as mangas, há me de
ser muito difícil, apesar de gostar muito dessa fruta; sou vaidoso, e vaidoso incorrigível.
Demais a mais há por aí quem bula comigo de vez em quando, e eu trouxe lá do Norte a
qualidade, ou o defeito, de o deixar desaforo, parta de onde partir, sem resposta em
cima da fivela.
***
Eugenio de Magalhães, o apreciado ator que tanto tempo não nos o prazer
de o aplaudir, escreve-me o seguinte bilhete, que transcrevo com toda a satisfação:
“Soube por ter lido hoje no teu Palanque que, no final do 4º ato do Demi monde,
um espectador gritara a Raimundo de Nanjac: „Bravos ao Eugênio de Magalhães neste
papel! bravos!‟ e que repetira a graçola no final da peça.
“A esse respeito declaro-te o seguinte: que absolutamente não agradeço e até
reprovo manifestações extemporâneas e mal cabidas, que, longe de me lisonjearem,
incomodam-me, porque vão, ou podem ir, ferir a suscetibilidade de um colega meu
muito distinto, a quem estimo, não pelas suas aptidões, mas ainda mais pelo seu belo
caráter.
“Intercalando estas linhas no teu Palanque, muito agradecido te ficará o teu, etc.
Eugênio de Magalhães”.
***
Para compensar o pouco interesse deste artigo, verdadeira manta de retalhos, vou
rematá-lo com um soneto inédito do nosso grande poeta Luiz Delfino. Dou os parabéns
a mim próprio pela distinção com que fui honrado, e aos leitores pelo inestimável
presente que lhes faço:
***
RENVOI
A Valentim Magalhães
Salta-te em casa a aurora peregrina,
Num berço d‟oiro, num alegre espanto:
Eis que a ouves cantar, e o próprio canto
Faz-te sofrer de embriaguês divina.
836
Teu astro tem frescura matutina
Em vítreo azul cheiroso e calmo e entanto
Pensas que ele do meio ao ocaso inclina:
Ébrio de luz, é de prazer teu pranto.
Pois não vêem?!... Porque chilram passarinhos
Entre os verdes palmares dos caminhos,
Porque te entrou mais um do aéreo bando,
Porque tens mais um coração a amar-te,
Ficas todo a chorar, e dá-nos parte
Que tens no lar um novo sol cantando!...
LUIZ DELFINO
1886-Maio
Eloi, o herói
837
17 de maio de 1886
Anda por exposta uma grande litografia representando um busto de mulher
bonita, tendo por baixo o fac símile da assinatura de Sarah Bernhardt.
Saibam todos que esse retrato não se parece nada com a gloriosa atriz francesa,
neste momento embalada pelas águas do oceano em demanda das terras brasileiras.
Sarah Bernhardt é feia, positivamente feia, com o seu exuberante nariz, os seus
longos braços nervosos e a tradicional magreza do seu corpo.
***
Que magreza!
Dizem que um dia, em Paris, dois jogadores de bilhar disputavam ruidosamente
a propósito de uma carambola. Um dos parceiros dizia que as bolas estavam coladas, o
outro sustentava o contrário; por mais que observassem, não podiam chegar a um
acordo. Um sujeito, que estava de lado, propôs o seguinte:
- um meio de decidir a contenda: manda-se buscar a Sarah Bernhardt; se ela
conseguir passar entre as duas bolas, é porque estão... coladas.
Outro pândego dizia que a grande atriz não se molhava quando saía à rua em
ocasião de chuva, porque conseguia passar entre os interstícios da água.
Numa roda, dizendo-se que certo indivíduo era tão gordo que, indo a uma casa
de banhos, ao entrar na banheira descolara toda a água que ela continha, não ficando
dentro uma gota, alguém observou a propósito, que quando Sarah Bernhardt entrava
numa banheira, o nível d‟água baixava.
***
À vista destes epigramas, convençam-se as leitoras de que a Bernhardt é talvez a
mulher mais magra do mundo, e quem é magro não pode ser bonito. Não vão agora
pensar que isto é opinião de homem gordo; diz o ditado: -me gordura, dar-te-ei
formosura.
***
A fealdade de Sarah Bernhardt é talvez o seu maior padrão de glória: como é que
uma mulher feia se faz tão bela! como se transforma, como se transfigura pelo poder
maravilhoso do talento! Quando ela apaixona a multidão ofegante, presa da música dos
seus lábios, dir-se-ia que o seu nariz diminui, que se arredondam as formas do seu
corpo, e que os seus braços tomam as proporções prescritas pela arte grega.
***
Ciacchi, o ativo empresário que nos trouxe o Rossi e a Duse-Checchi, e que nos
vai trazer agora a primeira atriz do mundo, muito de indústria ordenou ao retratista que
a favorecesse. Bem avisado andou. No Rio de Janeiro o que mais se aprecia numa
mulher de teatro é a estampa. Por esse lado a Sra. Julia de Castro leva as lampas a Sarah
Bernhardt.
***
Preparemo-nos todos para aplaudir essa famosa mulher feia, que é uma das
mulheres mais belas que eu conheço.
Recebamo-la com opulentas braçadas de flores... se até a entrada do Cotopaxi
não se realizarem as terríveis previsões meteorológicas, feitas ontem, no Jornal do
Comércio, pelo Sr. Dr. Maximiano Marques de Carvalho.
Eloi, o herói
838
18 de maio de 1886
Se os leitores não foram anteontem ao Politeama Fluminense, não tiveram
ocasião de admirar o que se pode chamar “um bom taco”. É impossível jogar bilhar
melhor do que o fez na platéia daquele teatro o Sr. Faure Nicolay, que poderia tomar
parte, com certeza da vitória, numa dessas grandes partidas internacionais, que de vez
em quando despertam a atenção dos amadores em Nova Iorque e Paris.
“Bom taco”, disse eu. Disse mal; o diabo do homem carambola com os dedos,
com os cotovelos, com os pés e até com o pensamento; os espectadores boquiabertos
esperam que, de um momento para outro, as bolas obedeçam a uma voz de comando ou
a um simples aceno. É extraordinário!
Dizer o que ele fez anteontem, ocuparia espaço de que não disponho nestas
ligeiras colunas, e exigiria uma narração longa e difícil. o leitor admirá-lo, e poupe-
me o trabalho de um compte rendu minucioso.
O Sr. Nicolay disse-me que daria segundo espetáculo, se o de anteontem fosse
bem recebido pela imprensa. É, pois, provável que qualquer noite destas tenhamos de
novo o prazer de apreciá-lo.
***
O Sr. Nicolay, que é também hábil prestidigitador, aqui esteve uns dez
anos, e deu alguns espetáculos no Ginásio. nesse tempo era um grande jogador de
bilhar, mas tais progressos fez, que pode ser hoje considerado um verdadeiro prodígio.
Talvez não pensem assim os que conhecem os segredos daquele jogo; mas eu,
que jamais consegui fazer uma carambola, nem mesmo por bambúrrio, confesso que
tenho por esse artista uma admiração ilimitada.
***
De resto, joguei o bilhar uma única vez em minha vida. Foi muito tempo.
Tínhamos acabado de jantar, e passávamos, eu e o cenógrafo Júlio de Abreu, já falecido,
por um estabelecimento de bilhares.
- Jogas bilhar? me perguntou ele.
- Nunca peguei no taco!
- Nem eu! Vamos jogar uma partida?
- Nós ?! Mas se não sabemos jogar!
- Por isso mesmo; estamos em igualdade de condições.
- Homem, és esquisito...
- É original, emendou ele e embarafustou pela escada acima.
Eu, com o espírito condescendente que me caracteriza, acompanhei-o. Alguns
minutos depois estávamos ambos em mangas de camisa, de taco em punho, defronte do
respectivo tabuleiro. Foi o Júlio quem principiou a partida; quem o visse de pernas
abertas, a encher de giz a ponta do taco, muito sério, muito convencido de que ia jogar
bilhar, toma-lo-ia por um êmulo do Sr. Faure Nicolay.
De madrugada o dono do estabelecimento convidou-nos a pôr os quartos na rua.
Ainda não tínhamos acabado a primeira partida. Dividimos a despesa ao meio e saímos,
certos de que tínhamos feito uma asneira, mas muito felizes por não termos rasgado o
pano, nem quebrado a cabeça de ninguém com as bolas, que de vez em quando saltavam
irritadas ao chão, rolando escandalosamente a uma grande distância.
***
Parte hoje para S. Paulo a companhia Braga Junior, que vai dar uma série de
representações naquela província, a começar por Santos.
A companhia despediu-se anteontem com o Bilontra, e eu peço licença a
Escaravelho para dizer que às 7 horas da noite não havia um bilhete, apesar de que o
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teatro era o de S. Pedro de Alcântara. A receita excedeu de três contos de is. Isto é o
que se chama fechar com chave de ouro.
Para as platéias de S. Paulo não são desconhecidos os artistas da companhia
Braga Junior, que lhes mereceram os mais significativos aplausos. É de esperar,
portanto, que esta excursão seja frutuosa, tanto mais que o repertório está enriquecido
com algumas peças novas e interessantes.
Boa viagem, e até a volta.
Eloi, o herói
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19 de maio de 1886
A imprensa de Porto Alegre descobriu novas fórmulas de crítica teatral. Acabo
de percorrer algumas folhas daquela cidade, que apreciam as principais representações
da companhia Sousa Bastos, e não posso furtar-me ao desejo de comunicar aos leitores
vários trechos dessa prosa original e pantagruélica.
Antes de mais nada, saibam que os dotes físicos da Sra. Júlia de Castro têm
incendiado os corações dos meus colegas porto-alegrenses. Que dirá Escaravelho?
“A Sra. Júlia de Castro, diz o Jornal do Comércio, na parte de Satã, rei dos
infernos, esteve mesmo uma diabinha tentadora, com aquelas traidoras vestes.
“Que exuberância de plástica!”
Agora a Reforma:
“Júlia de Castro não sabemos se canta, mas brilha pela plástica. É uma bonita
figura de teatro, dessas que produzem contentamento quando aparecem em cena”.
O Século é mais positivo:
“Como fazenda, destaca-se a mimosa Júlia de Castro”.
Mas o Cabrion foi mais, muito mais adiante. Leiam, e pasmem:
“Júlia de Castro, uma inevitável tentação, um rechonchudo repolho, um ótimo
rabanete que nos está a pedir uma dentada, deu-nos um pajem e mais não sei que de
provocadora plástica.
“Realmente, que plástica!... e que olhos!
“O que a tentadora atriz parece é ainda um pouco acanhada, tem cerimônia; o
que faz mal.
“Pois, olhe, querida Júlia, em cena, quem tem olhos, boca, braços, pernas e não
sei que mais como você, não deve ter receio de se mexer”.
A Sra. Pepa não provocou menos entusiasmo:
“A gente, diz um deles, sente assim uns calafrios pelo fio do lombo e julga-se
transportado a um mundo de encantamentos quando a Pepa trabalha. Ai! querida
mariposa!...”
“Ela tem uma voz fraca, diz o aludido Cabrion, mas... canta, não berra; não tem
o gesto trágico mas tem uns olhinhos vivos, insinuantes”.
Eu muito tempo havia notado que faltava alguma coisa à Sra. Pepa. O
Cabrion abriu-me os olhos: era o gesto trágico.
Continua ele:
“Sabe vir à boca de cena com as mãos nas pequenas algibeiras, e, pelo seu modo
de dizer, arrancar palmas e muitas palmas. Um verdadeiro colibrí, saltando de uma para
outra parte do palco, com a maior garridice, com a maior graça, com o maior chic”.
Diz o Jornal do Comércio:
“É de justiça dar as primeiras honras à gentil Pepa, cujo trabalho na Niniche
muito a aproxima a Lucinda Furtado Coelho”.
Um folhetim da Reforma, assinado Bancada A, traz o seguinte tópico:
“Pepa é uma moça jovem, e tem-se revelado artista distintíssima”. E mais
adiante: “Pepa é gentil e graciosa; se se demora entre nós, forma o partido pepista... Eu
desde já me declaro pepista”.
***
O Conservador diz que, nos Sinos de Corneville, o Sr. Polero foi um “capitão
sem descontos”; outro diz que o Sr. Corrêa é “um tenor que está em boas condições para
a ópera-cômica”; a Sra. Henry, na opinião de outro colega, é “correta em arte e farta em
formas”; outro sustenta que a mesma senhora é “cantora emérita de cançonetas, afagada
pelas platéias fluminenses”.
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Entretanto, nenhum destes jornalistas me pareceu tão interessante como o
referido Bancada A. E, embora abusando da paciência do leitor, peço que me
acompanhe numa viagem ao folhetim da Reforma:
“Não pensem, diz ele, não pensem que é lio Janin, Vitu, Júlio Machado ou
Luiz de Castro que procura as colunas baixas da Reforma para escrever critica teatral;
não; queremos apenas falar de teatrices”.
Mais abaixo:
“O folhetinista destas linhas não vem preencher o vácuo; vem simplesmente ferir
as cordas dessa rapaziada, que freqüenta os teatros, que aprecia a arte, para chamá-la à
arena e provocá-la a esgrimir-se numa justa literária de crítica dramática, ainda que por
puro passatempo.
“É preciso entreter o público, este voraz tubarão que tudo engole; é necessário
falar dos artistas para que se corrijam, para que estudem; é preciso tratar dos
empresários para que nos dêem boas peças”.
Em seguida:
“No teatro há muito de que se fale e possa ser apreciado e criticado. Só a plástica
pode fornecer amplo campo para estudos e investigações. As formas e as fôrmas
oferecem grande cabedal aos críticos”.
Mais três períodos e acabaram-se as transcrições:
“Nesse gênero a companhia Bergonzoni, que pouco nos deixou, e com
saudades vice-versa, tinha pano para mangas. Bons modelos havia, a começar pelo
diretor, gentile cavaliere, e finalizando na Sra. de Gasperis, coreógrafa de gordas
gâmbias, que uma vez estendeu-se no tablado.
“Temos agora a companhia Sousa Bastos, de opereta nacional, isto é, de
paródias e imitações. Quanto a plástica, fica a perder de vista da Bergonzoni, assim
como quanto a melodias e harmonias. As gâmbias, algumas são bem feitas, pelo que se
vê, bem perpendiculares, mas em geral delgadas. O canto é cantoria com boa música.
“Sobre canto, porém, o devemos ser exigentes com as companhias de opereta
portuguesa; nem nós os brasileiros, nem os lusitanos temos goelas preparadas para a
emissão de notas musicais, como têm os que falam a língua do Dante”.
À vista deste rosário de asneiras e da orientação artística das folhas de Porto
Alegre (salvo a Federação), hei de aconselhar a Sarah Bernhardt que não se lembre de
ir à capital do Rio Grande. A grande atriz não é fazenda. O respectivo empresário não
merecerá do Século as seguintes palavras, que essa folha publicou, referindo-se ao Sr.
Sousa Bastos:
“Ao deixar-nos, levará a bolsa bem recheada daquilo com que se compram os
melões, e o peitinho atopetado de saudades de toda esta bilontragem da santa e
abençoada terrinha dos Casais”.
Virgem Santíssima!...
***
O empresário Ferrari está resolvido a pôr em cena, no Politeama Fluminense, a
Donzela Teodora, de Abdon Milanez.
Para esse fim está aberta uma assinatura especial de quatro récitas com os
seguintes preços: camarotes 16$000, cadeiras de 1ª classe 3$000 e de 2ª 2$.
A peça, que está sendo traduzida pelo meu colega Dr. J. Fogliani, da Itália, será
exibida com todo o luxo, havendo no 3º ato um grande bailado, que o jovem compositor
acaba de escrever.
Se se não realizar a assinatura, adeus representação! Desta vez apelo para os
brasileiros. Convém animar um compatriota, que estreou sob tão bons auspícios. Não,
nos deixemos vencer por nossos irmãos, os portugueses, que acudiram como um
842
homem quando se tratou de abrir assinatura para as representações do Eurico, de Miguel
Ângelo.
Eloi, o herói
843
20 de maio de 1886
Foi ontem rejeitado pela câmara alta o projeto de lei de 22 de Maio de 1868,
determinando o lugar onde deve ser feita a execução da pena de morte, e marcando o
tempo em que deve ser julgada a mulher prenhe, acusada de crime sujeito à dita pena.
Honra ao Senado brasileiro!
Mas é preciso completar a obra civilizadora: risque-se da nossa legislação o
assassinato jurídico, vergonha e não exemplo, que não edifica nem corrige.
Deixemos às velhas nações o direito de arrancar a vida aos homens; que não
as podemos imitar no que elas têm de bom, não as imitemos nesse ponto, que as
enegrece e avilta.
Ultimamente, em Paris, a guilhotina tem funcionado com raras intermitências.
Entretanto, os crimes sucedem-se naquela cidade de um modo incrível, e raro é o dia em
que a respectiva população não é sobressaltada pela notícia de um assassinato
horroroso. De nada vale o exemplo do maldito instrumento da morte, tristíssimo legado
da gloriosa revolução francesa.
A favor da pena de morte não consideração possível, e ridículo fora repetir
aqui o muito que se tem dito contra ela. Nada resiste à simples exposição do direito de
viver, que Deus nos concedeu a todos e só Deus nos pode tirar; o próprio Que messieurs
les assassins commencent! com que Afonso Karr sintetizou toda a doutrina paradoxal da
pena de morte, cai aos golpes da lógica e do direito.
***
O projeto de lei ontem rejeitado pela câmara vitalícia tem, por coincidência a
data de 22 de Maio, a mesma da morte de Victor Hugo, o atleta que mais lutou contra o
baraço da forca e a lâmina do cutelo. Se amanhã, primeiro aniversário desse
acontecimento doloroso para todos os países onde tem penetrado um raio do sol da
civilização, o parlamento brasileiro lavasse dessa nódoa de sangue o nosso código
criminal, seria essa a maior e mais digna comemoração do grande poeta.
Os seus restos agitar-se-iam talvez no glorioso sarcófago do Panteon, e a nossa
pátria ao mesmo tempo seria absolvida da falta em que incorreu por não ter honrado,
com uma solenidade qualquer, os manes de Victor Hugo.
E um homem que merecia estátuas em todas as capitais, é assim esquecido na
terra em que metade da população faz festas à outra metade.
Eloi, o herói
844
21 de maio de 1886
Folgo de ver confirmado tudo quanto sobre Johannes Wolff, Virginia e Matilde
Sinay eu disse nestas colunas, depois de assistir em Petrópolis ao primeiro concerto dos
três distintos artistas.
A propósito do de anteontem, realizado no teatro Pedro II, eu teria ainda muito
que dizer, se um imperioso dever de cortesia não me obrigasse a ceder a palavra ao meu
amigo Fétis, que em questões de música fala de cadeira.
“Deixe-me desabafar, escreve-me Fétis, deixe-me desabafar, que eu estou
possuído da mais viva indignação.
“Verdade é que tenho afirmado centenas de vezes que o nosso gosto artístico,
a grande paixão que parecemos ter pela música é uma pêta, como é também pêta, ou
antes grande carapetão, esse tão apregoado patriotismo, que nós nunca deixamos de pôr
em prática, sempre que temos de sustentar algum bate-barba, as mais das vezes pouco
decoroso.
“Quando, porém, temos de passar do dize tu à ação, somos o povo mais
indiferente do mundo, e o resultado é o que se deu anteontem no teatro D. Pedro II, na
estréia das Sras. Sinay e do violinista Wolff.
“Não sei bem ao certo o número de pessoas que assistiram àquele espetáculo, e
era bem cil tê-las contado; o que, porém, posso afirmar, é que a enchente era... uma
perfeita vazante.
“Ora, quando não fosse a circunstância de fazerem parte daquela trindade
artística duas nossas compatriotas, porque eu julgo que nós não temos o direito, desde
que se trata de um artista, de investigar em que parte do mundo é que ele viu a luz do
dia, bastaria, além do nome de que eles já vinham precedidos, a apreciação justa e muito
sensata, feita por toda a imprensa, quando se fizeram ouvir em Petrópolis.
“Além do que, tratava-se de três artistas de mérito real e provado, e não de umas
sumidades que andam por a esvoaçar, auxiliadas por umas asas de papel, à espera de
quem lhas corte para caírem na realidade do que são.
“Virginia Sinay é uma violinista distintíssima, e, se nos lembrarmos de sua
pouca idade e dos progressos de que ela é suscetível, seu nome será colocado ainda a
par dos primeiros violinistas do mundo.
“Na fantasia Capricho, de Vieuxtemps, e na de Alard, sobre motivos do Fausto,
mostrou ela as grandes qualidades que possui para a realização do que deixo dito.
“Além da correta execução e da mais exata afinação, tem bastante volume de
som, muito sentimento, arcada segura, elegante e rigorosa.
“Matilde Sinay, uma verdadeira criança, tocou com admirável nitidez de
execução o concerto em sol-menor de Mendelssohn, o noturno em ré-bemol de Chopin
e a valsa Capricho de Rubinstein.
“Notei-lhe talvez uma certa falta de vigor e energia, mas não é certamente pelo
que ela se nos mostrou anteontem que a podemos julgar.
“Parece que tudo estava justo e contratado para a comprometer, especialmente
no concerto de Mendelssohn; orquestra, regente, e, finalmente, um piano que, se não foi
o primeiro que se fabricou depois que há pianos, é com certeza um dos primeiros.
“Johannes Wolff é o que se pode dizer um violinista hors ligne.
“Se bem que me não seja totalmente afeta a escola alemã a que ele se filiou,
devo confessar que não sei o que mais lhe admiro: se a limpeza e nitidez de execução
nas mais assombrosas dificuldades das Arias Russas de Vieniawski e na Polonaise de
Vieuxtemps, se no mimo e delicadeza com que interpretou a Berceuse de Faure.
“Aqui tem, meu amigo, em breves traços, o que valem os três artistas que o
público fluminense deixou anteontem no teatro Pedro II quase às moscas.
845
“Nem a reputação artística de que eles gozam, nem o nosso patriotismo, nem ao
menos a curiosidade foram capazes de nos arrancar deste nosso indiferentismo! É triste,
é muito triste! Fétis”.
Apenas acrescentarei que, se o público era pouco numeroso, em compensação
entusiasmou-se deveras, e aplaudiu ruidosamente.
No fim do concerto, os espectadores das torrinhas chamaram com muita
insistência as meninas Sinay, mas estas não apareceram. Porque? As duas talentosas
moças, apesar de brasileiras, não falam português, e os seus admiradores, esquecidos de
que ai em francês faz é, pronunciavam, em vez de Siné, Sinái.
***
Lembro aos leitores que a assinatura para as representações da Donzela Teodora
em italiano encerram-se terça-feira próxima, e não devemos perder esta ocasião de
estimular um brasileiro de tanto talento como o Dr. Abdon Milanez.
Eloi, o herói
846
22 de maio de 1886
O Sr. deputado Escragnolle Taunay apresentou anteontem ao parlamento o
seguinte projeto:
“Fica o governo autorizado para despender até a quantia de 10:000$ na aquisição
e impressão das composições sacras mais notáveis do eminente José Mauricio Nunes
Garcia, sendo algumas publicadas com sua instrumentação, principalmente o Réquiem,
e outras reduzidas”.
A Gazeta de Notícias publicou ontem as seguintes linhas no seu Boletim
parlamentar:
“Quando o Sr. deputado, com o seu entusiasmo de artista, justificava com vigor
o seu projeto, a maioria dos deputados sorria desdenhosamente do entusiasmo do orador
e da futilidade do assunto.
“O próprio Sr. presidente da Câmara manifestou o seu desgosto por ver um
deputado ocupar-se de coisas leves.
“Ao ter que sujeitar um requerimento de urgência, para o Sr. Taunay concluir o
seu discurso, o Sr. A. Figueira acentuou que a urgência era para o Sr. deputado dissertar
sobre belas-artes.
“Isto foi dito num tom de desdém, que faz com que a gente fique com de
quem o disse”.
Tem toda razão o colega: outro sentimento não deve inspirar esse indiferentismo
senão piedade.
Quem era José Mauricio? Um padre, um mulato, que nunca figurou na política
do seu país; um pobre diabo, que fazia música digna de Beethoven, enquanto outros e
mais conspícuos cidadãos tratavam de coisas sérias e positivas.
Que loucura, meu caro Sr. Taunay, pretender ocupar com esse velho esquecido a
atenção da Câmara dos Srs. Deputados! Pois não estão os negócios de Botucatu e o
processo eleitoral de Barreirinhas? Para que perturbar com questões de arte a
morrinhenta política da Cadeia Velha? A que propósito o ilustre deputado lamentou
ainda uma vez o vandalismo praticado na fachada da Academia de Belas-Artes? E
vandalismo houve? Pois se temos Paula Freitas, que necessidade há de respeitar a
memória de Grandjean de Montigny? Se temos o Correio e a Imprensa Nacional, bem
podemos dispensar a tal fachada!
Que mania a do Sr. Escragnolle Taunay! Sempre de mostrar que é o
incorrigível artista da Inocência e das Chopinianas! Quem lhe tirará da cabeça o sestro
imperdoável de tomar a sério essa coisa que se chama arte, e nada tem que ver com o
bom andamento dos negócios públicos! Que diabo, Sr. Taunay! todas as vezes que
entrar no edifício da mara, faça favor de deixar fora os seus amigos Silvio Dinarte
e Flavio Elísio. Que entre apenas o Taunay, o deputado, o ex-presidente do Paraná, o
futuro ministro da guerra e senador do Império.
Se o fulgurante autor da Mocidade de Trajano teima em fazer da Câmara dos
Deputados uma sucursal da porta da livraria Faro & Nunes, qualquer dia os seus
colegas, enfarados de politicagem, mandam aplicar-lhe um cáustico na nuca, ou lhe
aconselham as águas de Caxambu.
***
Ora o padre José Mauricio, coitado! Para que o nome deste desgraçado homem
de gênio fosse bem recebido na Cadeia Velha, onde dois ou três o conhecem, fora
preciso que ele tivesse figurado na política do seu tempo.
***
847
Não hipótese de ser alguma coisa nesta terra senão por intermédio desse
asqueroso monstro, a política , que perturba as maiores inteligências e perverte os
melhores caracteres.
Se um brasileiro qualquer, depois de galgar as eminências da política, revelasse
um talento descomunal para as belas-artes, seria imediatamente consagrado, seria
tomado a sério, não pelos quadros que pintasse, pelas estátuas que esculpisse, pelas
partituras que compusesse, mas pelo importante papel que dantes havia representado na
alta administração.
Na Itália, com não soubessem que honras tributar ao divino Verdi, fizeram-no
senador. Entre nós, para que um indivíduo se tornasse um Verdi, deveria ser pai da
pátria em primeiro lugar. Lá, o artista faz o senador; aqui o senador faria o artista.
Mas, ainda assim, se, por um destes milagres inconcebíveis da natureza, brotasse
de repente num membro qualquer da câmara alta, ou mesmo da baixa, um artista de
gênio, não lhe faltariam imprecações danadas e furibundas.
Os mesmos senhores que acharam que Molière e La Fontaine escreveram
futilidades indignas de ser citadas em presença do Sr. Fulano dos Anzóis, do Bacabal,
ou do Sr. Qualquer Coisa, do Chopotó; os mesmos que votaram contra uma
manifestação de pesar pela morte de Victor Hugo; os mesmos que anteontem
consideraram coisas leves as composições de José Mauricio; esses mesmos senhores
diriam que uma ópera, escrita pelo Sr. senador Beberibe, era um escândalo atirado à
face do país, que continuaria a marchar para o clássico abismo, que tanto ameaça
tragá-lo.
Ainda uma vez perdeu o seu latim o Sr. Escragnolle Taunay; talvez um dia os
alemães imprimam, numa edição de luxo, as obras de José Mauricio e o parlamento
brasileiro, que quarenta anos subvenciona a publicação da Flora brasiliensis, de
Martins, com 10:000$000 anuais, reconhecerá então que foi tolo.
Eloi, o herói
848
23 de maio de 1886
Li ontem numa folha estrangeira a noticia de ter sido ultimamente descoberto
nos Estados Unidos, e levado em triunfo para Roterdã, um precioso Rubens.
Representa o quadro Herodiade empunhando a cabeça de João Batista. Herodes
é o próprio Rubens e Herodiade a segunda mulher do pintor, Helena Fourment,
freqüentemente reproduzida em seus trabalhos; os convivas representam Ticiano,
Miguel Ângelo e outros grandes pintores italianos.
***
Esta notícia fez-me lembrar que há muitos dias não bulo com os nossos pintores,
e imediatamente me pus a correr a via sacra.
Comecei pela casa do Sr. De Wilde, que não tem agora nada de novo. A pequena
sala reservada às exposições está neste momento ocupada pelo Treidler. O distinto
paisagista berlinês tem entre as mãos o retrato de um padre italiano anafado e
rechonchudo. Já cá me tardava o Treidler a fazer retratos!...
Em seguida fui à Glace Élégante, onde encontrei sete estudos de paisagem,
assinados pelo Sr. Bandeira, aluno da Academia de Belas-Artes. Desenho regular e certa
harmonia de tons. Eis um discípulo que promete um mestre. Deus queira que não
arrepie carreira.
No mesmo estabelecimento está um retrato de Sarah Bernhardt, muito
“lambidinho”, copiado de uma fotografia por um pintor cujo nome alemão não me
ocorre neste momento.
Augusto Duarte, o excelente artista de quem dias me ocupaei, expõe um
retrato de menina, pintado sem pretensões. Oscar da Silva expõe também o retrato de
um cidadão de meia idade. Boa cabeça, mas algum desleixo na roupagem. O jovem
artista sabe pintar melhor.
Da Glace Élégante desci à casa do Sr. Vieitas, um verdadeiro museu de objetos
de arte. É raro o dia em que Castagneto, o mais original dos nossos pintores, não
exponha nesta casa um trabalho qualquer, quase sempre da sua especialidade, que é
pintar marinhas. Agora mesmo estão três ou quatro, e em cada um deles o que
apreciar e louvar.
Décio Vilares escolhe a casa do Sr. Vieitas sempre que deseja expor os seus
trabalhos; atualmente lá tem alguns retratos dignos de serem vistos.
Belmiro de Almeida, insigne preguiçoso, que muito tempo anda metido nas
encolhas, expõe um quadrinho, que, se não prima pela composição, revela ao menos
certo estudo de colorido e boa disposição de luz. Representa, se me não engano, um
cozinheiro acocorado diante de um tacho a fazer doce. Para o que lhe havia de dar!
***
De volta encontrei alguém que me deu a notícia de que se acha na assembléia
de Minas um requerimento do nosso compatriota José Lino de Almeida Fleming,
pedindo um auxílio pecuniário para poder compor e fazer representar uma ópera em
Milão, onde se acha completando os seus estudos.
O brioso mineiro tem dado a melhor cópia de si; não imite a assembléia
provincial de Minas a Câmara dos Srs. Deputados no modo de encarar as belas-artes.
Vote a subvenção requerida, e estou certo de que não terá ocasião de se arrepender.
***
A propósito: ainda uma vez lembro aos leitores que amanhã encerra-se a
assinatura para as representações da Donzela Teodora.
Eloi, o herói
849
24 de maio de 1886
Estamos em pleno domínio da cançoneta: abriu-se o Éden Fluminense. Era uma
vez um Príncipe... Imperial.
Confesso francamente não morrer de amores pela cançoneta no teatro, que me
parece destinado a obras de outro gênero; nesse ponto divirjo dos parisienses, que são
capazes de ir ao inferno, ou a Batignolles, o que vem a dar no mesmo, para ouvir um
refrain da Duparc ou uma scie do Paulus.
Entretanto, não desgosto de ouvir cantar ao piano em casas particulares. Mas é
forçoso convir que as senhoras fluminenses abusam muito das romanças italianas,
principalmente das de Tosti e Denza, compositores sem os quais não há para suas
excelências felicidade possível.
É rara a reunião familiar em que se não ouça cantar o Vorrei morir, interessante
melodia que, à força de uso, tem se tornado sensaborona, muito sensaborona.
A mais de cinqüenta senhoras, e mesmo a alguns marmanjos, tenho ouvido
dizer, num italiano fantasioso e suspeito, que desejam morrer na estação das flores.
Vorrei morir nella stagion dei fiore...
Pois que lhes faça muito bom proveito! Quanto a mim, continuo a lamentar a
pobre modinha brasileira, tão original, tão nossa e tão desprezada.
***
Uma das noites passadas, achando-me num chá de família, tive ocasião de ouvir
a mais distinta das nossas amadoras, a Exma. Sra. Dona M. N. Esta senhora cantou um
romance francês e duas seguidilhas espanholas com inexcedível graça e expressão. No
romance, que se intitulava Ninon, e cuja música era realmente digna da letra uns
maviosíssimos versos de Musset, a Exma. Sra. Dona M. N. revelou, além de
belíssima voz e de excelente método de canto, extraordinário sentimento artístico.
Fiquei deveras entusiasmado; mas a minha admiração redobrou quando a ouvir cantar as
tais seguidilhas com a pronúncia e o salero de uma verdadeira espanhola. Verdade seja
que não faltam à festejada amadora os dois principais elementos: com aqueles olhos e
aquele sorriso faz-se uma andaluza.
***
Entre parênteses direi que a Exma. Sra. Dona M. N. é discípula de uma artista de
primeira ordem: Mme. Gasparoni. Esta insigne professora, muito conhecida na melhor
roda da nossa sociedade, foi, pouco mais de um ano, rudemente ferida pela morte,
que lhe arrebatou o esposo, aquele bom e comunicativo Gasparoni. De então para
raro aparece na sociedade. Mas quando aparece, que festa! Ainda transanteontem,
depois de muito solicitada num salão de Botafogo, cantou o imortal Miserere do
Trovador, uma romança de Denza e uma canção espanhola. É difícil dizer qual das três
peças logrou melhor execução.
***
Mas, voltando à Exma. Sra. D. M. N., com que prazer eu a ouviria cantar uma
das nossas velhas modinhas, singelas e apaixonadas melodias que ao mesmo tempo
exigem na cantora a alma de uma italiana e a graça de uma espanhola! Apesar de
pronunciar perfeitamente o francês e o espanhol, a Exma. Sra. D. M. N. naturalmente
acharia no verso brasileiro terreno mais apropriado aos seus recursos arsticos.
Se essa distinta amadora, que de tanto prestígio goza nos nossos salões,
estudasse duas ou três modinhas e as cantasse todas as vezes que se lhe oferecesse
ocasião, talvez que a modinha brasileira deixasse o injusto desterro em que jaz
esquecida e desprezada.
850
Dir-me-ão, talvez, que o que é bom não se acaba, e que se a modinha acabou é
porque devia acabar. Enganam-se. A modinha brasileira não foi vencida de supetão: a
sua decadência foi operada lentamente pela introdução da cantoria estrangeira. O golpe
decisivo recebeu-o ela das mãos de um Sr. José Amat, que pretendeu italianizá-la,
agarrando em versos de Gonçalves Dias e pondo-os em música surripiada de Verdi.
Lembro-me de ouvir cantar a famosa poesia
Se me queres ver rendido
De joelhos a teus pés, etc.
com música do Átila, e não sei a que saudosas endeixas nacionais adaptaram o coro das
ciganas, da Traviata.
Ressurja a modinha brasileira, a primitiva, a genuína, a modinha anônima,
arranjadas por velhos e obscuros Bérangers, e posterguem-se para sempre essas cantigas
de além-mar, que não se compadecem com o nosso temperamento e o nosso lirismo.
Eloi, o herói
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25 de maio de 1886
A Semana comemorou o primeiro aniversário da morte de Victor Hugo com
uma página verdadeiramente artística. Consta de um soneto de Valentim Magalhães,
caligrafado, ou antes, desenhado por Valentim de Figueiró.
É difícil dizer qual dos dois Valentins levou as lampas ao outro; a pena do
Figueiró não me pareceu menos “hábil pena” que a do Magalhães.
Os versos estão copiados em letras de caracteres diversos, o que não impede haja
em toda a composição caligráfica uma harmonia notável. No meandro de numerosos
arabescos lêem-se os títulos de todas as obras do ilustre morto. O o com que começa o
quarto verso do soneto, forma uma espécie de medalhão, dentro do qual Belmiro de
Almeida esboçou com muita arte a cabeça leonina e cismadora do grande poeta.
Iluminado este desenho, à primeira vista pareceria uma folha arrancada a algum
velho missal da idade média.
Continue o Sr. Valentim de Figueiró a trabalhar nessa especialidade: raros
competidores encontrará entre nós, que tenham como ele, a paciência e a habilidade de
um beneditino.
***
Esperam-me sobre a mesa dois almanaques: o Almanaque musical e o do Diário
Mercantil, que aqui para nós que ningúem nos ouve, continua a ser a folha mais
interessante de S. Paulo.
O Almanaque musical é uma novidade, pelo menos no Brasil. Traz a lista dos
nossos professores e amadores, com indicação das respectivas moradas. Está cheio de
informações úteis sobre tudo quanto diz respeito à arte musical no Rio de Janeiro, e
termina com uma parte literária, onde encontrei, entre outras curiosidades, a tradução de
uns versos de Uhland, assinada por Quintino Bocaiúva.
É autor deste interessante almanaque o Sr. Domingos Machado, que o dedica à
Sra. Condessa d‟Eu, “a mais desvelada protetora da arte musical no Brasil”.
O livro é ornado com o retrato de Sua Alteza, e foi nitidamente impresso na
tipografia dos Srs. Elesbão & Figueiredo.
Não dúvida que o Almanaque musical é de muita utilidade, e eu não hesito
em recomendá-lo a todos os filhos de Euterpe e devotos de Santa Cecília.
***
O Almanaque do Diário Mercantil traz o retrato do Sr. conselheiro João Alfredo
e uma ligeira biografia deste ilustre estadista brasileiro, elegantemente escrita pelo Sr.
Dr. José Avelino.
A parte literária é opulenta; figuram nela os nomes dos mais estimados
prosadores e poetas de Portugal e do Brasil.
A grande quantidade de anúncios de que vem recheado este almanaque mostra
que ele é, além de um bom livrinho, um ótimo negócio.
***
Para disfarçar a aridez do presente, artigo vai honrá-lo mais um soneto inédito de
Luiz Delfino. Chamo a atenção dos leitores para esses primorosos versos, que se
intitulam:
A VALSA
Move-se, treme, anseia, empalidece,
Cae, agoniza; acaba-lhe nos braços:
Resfolga, arqueja, torna, reaparece,
Solda-lhe o seio, a boca, as mãos, os passos...
852
Gira, volta, circula... Os olhos lassos
Têm langue, mole, voluptuosa prece:
A fronte branca ao colo dele esquece...
Atam-lhe as carnes invisíveis laços...
Na sala, a um vão, inquieto a vejo...e o vejo!
Sofrer?!... não sei... mas toma-me um desejo,
Ao ver um só nos dois, o grupo enleado...
Rojar-me ao chão, à terra de repente,
E nas voltas daquela valsa ardente
Morrer em baixo de seus pés calcado!
LUIZ DELFINO
1886 maio-11
Eloi, o herói
853
26 de maio de 1886
A propósito do artigo que dias escrevi, indignado pela chacota que no
Parlamento fizeram ao projeto apresentado pelo Sr. Escragnolle Taunay para a
publicação das composições musicais do padre José Mauricio, recebi uma interessante
carta do meu amigo Fétis, ardente melômano, que não deixa de vir a campo todas as
vezes que se trata de música.
Depois de fazer acerbas considerações sobre o modo por que os nossos Licurgos
receberam o projeto, considerações que não transcrevo para não aumentar a aflição ao
aflito, Fétis escreve os seguintes períodos, para os quais chamo a atenção de quantos
nesta terra se interessam por assuntos de arte:
“O último possuidor dessa papelada (o espólio artístico de José Mauricio) foi de
um procedimento correto e sumário. Varreu-a de casa, e encarregou um amigo meu de
entrar em transação com algum fogueteiro que melhor pagasse a mercadoria.
“Felizmente pude evitar que alguns manuscritos do padre José Mauricio
servissem de invólucro às bombas dos foguetes, às granadas das fragatas e fortalezas em
desenfreado tiroteio na praça pública em noite de festa de igreja, comemorativa de
qualquer orago.
“Ainda assim, de todo esse montão de lixo, pasto de toda espécie de animais
daninhos, salvei, além de algumas pequenas coisas, a partitura de Missa solene e a de
um Credo, ambas manuscritas e assinadas pelo próprio autor.
“Da primeira dessas produções fiz doação, com o maior entusiasmo, ao Club
Beethoven; a outra está em meu poder. Se, por ventura, for posta em prática a idéia de
editar as obras daquele grande gênio musical, o que o creio, pode o meu Eloi dispor
do que dele possuo, na certeza, porém, de que, terminado o trabalho de impressão,
voltará o original ao meu poder, porque eu também tenho a mania de guardar papéis
velhos”.
Substabeleço no digno Sr. Escragnolle Taunay os poderes que me confere tis,
e faço votos para que se realize o patriótico projeto.
A esse respeito não tenho a incredulidade do meu amável correspondente: a
causa de José Mauricio está em boas mãos; Escragnolle Taunay, o político, fará o que
não fariam Silvio Dinarte, o literato, e Flávio Elísio, o compositor de música. Devia ser
o contrário; mas no Brasil muito tempo é costume atrelar o carro aos bois e não os
bois ao carro.
Feliz do homem de gênio, que, depois de cair no esquecimento profundo em que
se acha sepultado o grande José Mauricio, encontra um admirador poderoso e convicto
como Escragnolle Taunay para exumá-lo da sepultura injusta, e apresenta-lo ovante à
posteridade.
E quem melhor o poderá fazer que o ilustre deputado por Santa Catarina? Além
do seu prestígio político, o Sr. Taunay conta com o elemento da sua própria admiração,
do seu quase fanatismo. No meio das suas labutações de homem público, o simpático
representante da nação jamais esqueceu a memória honrada daquele padre, e tem
procurado sempre pô-la em gloriosa evidência.
E como o mergulhador da balada, o autor de Inocência de pescar essa pérola,
para adornar com ela, não a fronte de uma rainha, mas a história artística de sua pátria.
Eloi, o herói
854
27 de maio de 1886
SARAH BERNHARDT! eis o nome que a estas horas todos os lábios repetem
no Rio de Janeiro!
SARAH BERNHARDT! eis o assunto de todas as conversações fluminenses,
o grande acontecimento, o acontecimento por excelência!...
***
Descrever a balburdia que houve ontem por ocasião do desembarque da célebre
atriz francesa, é tarefa que daria não um, mas muitos artigos.
Logo que o Cotopaxi largou ferro, número considerável de lanchas, bonds
marítimos e escaleres transportaram para bordo grande quantidade de indivíduos,
levados uns pelo entusiasmo e outros pela curiosidade.
Eu tive a infelicidade de tomar passagem numa barca Ferry, que o Ciacchi
pusera à disposição das pessoas que desejassem ir ao encontro de SARAH
BERNHARDT. Essa barca bordejou durante muito tempo em torno do vapor, sem
resolver aproximar-se. Afinal, nós os passageiros inquietados por semelhantes manejos,
interpelamos o mestre, e este nos declarou peremptoriamente ter recebido ordem
expressa de não atracar.
Ainda assim, de longe, levantamos alguns vivas a eminente artista, que veio à
amurada do paquete agradecer-nos, acenando-nos com um lenço.
Minutos depois, alguns de nós, desesperados, resolvíamos chamar escaleres e
saltar de dentro da barca para dentro deles, com o risco de tomarmos um banho
involuntário de água salgada.
Foi desse modo que eu e alguns companheiros de infortúnio conseguimos vê-lA;
dois minutos mais que nos demorássemos, não teríamos esse prazer: SARAH
BERNHARDT deixava o paquete logo depois da nossa chegada.
Um grande desapontamento estava reservado às pessoas do povo que, em grande
número, a esperavam no cais Faroux. Essas pessoas julgaram que Sarah viesse na barca
na tal barca donde eu fugira e que se aproximava lentamente da ponte Ferry.
Correram todos para a estação, resolvidos a aclamar a grande atriz na sua passagem. A
esse tempo, desembarcava ela da lancha da alfândega, e da sua presença apenas se
apercebiam seis curiosos, se tantos.
A grande atriz tomou um carro em companhia de seu filho Mauricio Bernhardt e
do empresário Ciacchi, e foi para o Grande Hotel, da rua do Marquês de Abrantes, onde
se acha provisoriamente hospedada.
***
SARAH BERNHARDT engordou muito depois que a vi há três anos, e ontem, a
bordo, indolentemente sentada numa cadeira de linho, com o seu singelo vestido de
viagem e a opulenta cabeleira loura a emoldurar-lhe o rosto rubicundo, em que se
destacavam dois olhos realmente belos e expressivos, até me pareceu bonita.
***
Fluminenses! não duas Sarahs Bernhardts; outros, com mais autoridade que
eu, o têm dito e repetido. É preciso que vos mostreis dignos dessa inestimável ventura
que Deus vos depara por intermédio do Ciacchi.
Corramos todos a aplaudi-la pressurosos e entusiasmados. Que se não diga
fora que não demos o devido apreço ao gênio consagrado pelas nações mais civilizadas
do mundo. Não a critiquemos, nem a discutamos: admiremo-la!
E desculpai o desalinho deste artigo, escrito com muito entusiasmo, sim, mas
também com muita dor de cabeça, por um pobre diabo que tem no salso elemento o
menos generoso dos seus inimigos, inclusive a Gazeta da Tarde.
Viva SARAH BERNHARDT!
855
Eloi, o herói
856
28 de maio de 1886
Um dos melhores discípulos do Grimm, o Sr. Antonio Parreiras, expõe
atualmente, na fotografia Pacheco, nada menos de dezesseis estudos de paisagem. Essa
exposição, inaugurada ontem, foi apenas visitada por trinta e tantas pessoas, apesar dos
convites profusamente distribuídos pelo jovem pintor. Imaginem o que seria, se os
visitantes tivessem que desembolsar um ou dois níqueis à entrada! Decididamente não
há sociedade como esta para animar as belas-artes!
O Sr. Parreiras é ainda muito novo, tem apenas quatro anos de aprendizagem.
Injustiça fora exigir mais do seu talento, e justo me parece o moderado louvor que os
seus trabalhos têm merecido de competentes juizes.
Nas suas telas muita harmonia de tons, e nota-se, felizmente, tal ou qual
tendência para fugir a esse “puritanismo” de cópia, defeito capital de mestre Grimm,
que já uma vez chamei, se bem me lembra, o Epaminondas da paisagem. É verdade que
o artista deve aproximar-se o mais que puder da natureza, e copiá-la com a fidelidade
possível. Mas não obra de arte que valha alguma coisa sem um poucochinho de
imaginação. Se o lenhador pode deitar abaixo um tronco, em proveito de sua indústria,
porque carga d‟água não poderá o artista fazer o mesmo, para estabelecer no seu quadro
a harmonia ideal dos acessórios?
O maior (1,45m sobre 1,10m), e talvez o mais trabalhado, dos quadros ontem
expostos, representa um sítio na raiz da serra da Estrela, deixando ver à esquerda, no
primeiro plano, a varanda do palacete imperial que ali se acha em abandono perto de
trinta anos. Os defeitos dessa pintura, feita ao ar livre, são largamente compensados por
muitas belezas de colorido e perspectiva linear.
Entretanto, não é esse o melhor trabalho do Sr. Parreiras. O leitor encontrará
nesta simpática exposição uma rua bem pintada, e, sobretudo, desenhada com muito
cuidado.
Mas de todos os quadros o que mais me impressionou foi uma vista do rio Santo
Antonio, de Jurujuba, ao romper d‟alva. É uma tela de um bucolismo encantador e
primitivo. O arvoredo mira-se tristemente nas águas quietas, de uma transparência de
vidro. O Sr. Parreiras obteve neste trabalho efeitos dignos de dois bons artistas
estrangeiros, de índole diversa, que os acasos da fortuna trouxeram até nós: Treidler, o
berlinês, e Langerock, o belga. Daquele, pelo vigor da pintura; deste, pela delicadeza
dos tons, pela elegância, pelo chic, que é a palavra geralmente empregada quando se
fala dos quadros de Langerock. Aquelas árvores são como um bando de fadas, que
despem o orvalho da madrugada ao primeiro raio do sol, faceirando-se no espelho
daquelas águas meigas e tranqüilas. Apliquem bem o ouvido, e digam-me depois se não
há na margem daquele rio uma orquestra de pássaros invisíveis.
Agora... o reverso da medalha... Sossegue o Sr. Parreiras: não lhe vou fazer
carga; já disse, ao começar, que fora injustiça exigir mais do seu talento. Apenas um
conselho: estude, não aereamente, a perspectiva aérea, de que apenas conhece ligeiras
noções. Corrija-se o jovem artista do defeito, aliás comum nos nossos pintores, de olhar
de mais para a terra e raramente levantar os olhos para o céu. Essas paisagens azuis, que
se dissolvem no ar, devem merecer-lhe, pelo menos, tanta observação e estudo como as
florestas, os rios e as montanhas.
Eloi, o herói
857
29 de maio de 1886
Sepultou-se ontem o pobre Antonio de Almeida, o Almeida da Vida, como lhe
chamavam. Levaram-no ao cemitério seis piedosos amigos. uma dúzia de anos,
quando ele dava almoços e escrevia artigos e comédias, o seu enterro teria um préstito
mais numeroso.
muitos meses que o mísero jornalista era requestado pela morte; foi, afinal,
vencido, mas depois de uma luta porfiada, insana, durante a qual nunca perdeu a
esperança da vitória.
***
Ao vê-lo ontem estendido no seu esquife, a barba crescida, e derramada na
fisionomia simpática a serenidade augusta da morte, maquinalmente me lembrei
daquele autor do Nhô-Quim, beijinho dos folgazões do seu tempo.
Não creio que houvesse no mundo um coração mais fraco: a mulher nunca foi
para ele, como para os demais homens, um simples incidente. Uma vez que a fatalidade
o aproximasse de um desses interessantes demônios, que fazem de cada homem uma
estação de minutos para o trem expresso do seu amor, era contar que ele obrigava a
locomotiva a interromper a viagem e demorar-se mais do que devia. Desse modo o
coração do Almeida colecionou alcazarinas, como hoje é moda colecionar velhos pratos
da Índia e estampilhas postais.
A essa mania deveu ele, talvez, a quase miséria a que tinha chegado. Morto papá
Arnaud, fechado o Alcazar, desaparecido o enxame louro das Aimées e Lovatos, o
Almeida acabou também, como se vivesse da vida do café-cantante, animado pela musa
de Hervé e de Offenbach.
***
Passado esse período artístico, nunca mais foi o mesmo homem. Para agravar o
seu desânimo, morreu-lhe nos braços o eminente caricaturista Borgamonero, que tinha
ido contratar na Itália para desenhar a Vida fluminense, transformada em Figaro.
Morto o caricaturista, morreu o periódico. E o Almeida, o viveur, o barítono, o
homem de espírito, fez-se empregado subalterno de uma associação de beneficência,
nunca mais escreveu uma linha, perdeu o espírito e a tal mania de colecionar madamas.
Da coleção ficou apenas uma, que o acompanhou até o fim. Foi essa que ontem
entregou o seu caixão de veludo agaloado de ouro aos seis amigos piedosos, que o
conduziram ao cemitério.
***
O que ele nunca perdeu foi o ardor do trabalho. Trabalhou até o instante fatal em
que a laringite não consentiu que se erguesse da cama. Ao Diário de Notícias prestou os
últimos serviços da sua atividade inteligente e zelosa. Velho, alquebrado, quase áfono
jamais faltou aos deveres que desempenhava nesta casa. Fui testemunha disso. Muitas
vezes o vi aqui, enchendo grandes livros comerciais com o seu cursivo português, num
estado de saúde que pedia o côncavo quente de um bom colchão, e lençóis, muitos
lençóis por cima.
***
Pobre Almeida! leva para o teu túmulo barato a consolação de que passaste a
vida mais a rir do que a chorar; e se jamais as mulheres que amaste, ou supuseste amar,
te deram tempo para leres Rabelais, também nunca leste o perverso Schopenhauer.
E os amigos, que porventura deixaste cá ficar, que se lembrem de que foste bom;
que se lembrem de ti até o momento em que outros os conduzirem ao cemitério, como
seis amigos piedosos ontem te conduziram a ti.
Eloi, o herói
858
30 de maio de 1886
Quem hoje vai escrever o meu artigo não sou eu nem o meu amigo Fétis, é
SARAH BERNHARDT.
Mais abaixo encontrará o leitor a tradução de uma carta dirigida pela célebre
atriz a um jornalista parisiense, e escrita de Eaux-Bonnes, onde ela se refugiou o ano
passado, depois da venda do seu magnífico palacete da avenida Villiers.
A publicação da carta, cujo estilo um pouco extravagante a tradução conservou
com a fidelidade possível, me parece tópica. Sarah Bernhardt vai estrear: o leitor
melhor a ficará conhecendo depois dessa leitura.
Tem a palavra a grande atriz:
Habito um lugar calmo e tranqüilo, onde não me chega aos ouvidos o menor
rumor.
Estou cansada de descansar; a minha nevrose impacienta-se.
A minha febre deixou-me, ingrata!
O seu desaparecimento alegrou a quantos se acham a meu lado; a mim,
entristeceu-me. Tenho saudades dela.
Acalmada como estou, vejo as coisas e as pessoas tais como realmente são.
Abrem-se-me os bastidores da Vida; a Razão ilumina-mos.
Torno-me espectadora... Ai de mim! toda essa gente tem talento, e é tanta!
tanta!...
Quantas peças se representam ao mesmo tempo! quantos enredos se
desenvolvem! Que de comédias e de dramas!
E que atores! Com que gravidade recitam papéis burlescos! Com que convicção
interpretam as situações dramáticas!
Estou desanimada... Ei-los! são esses os nossos mestres! Agora vejo que nós, os
comediantes do palco, não passamos de simples amadores.
É por isso que muitas vezes somos tão severamente julgados por nossos grandes
colegas, os comediantes da vida! Mas fazem mal, muito mal.
É espinhosa a nossa profissão de comediante „amador‟.
O teatro é uma arte da juventude.
“Aos quinze anos não se sabe o que são as tintas, os cenários, os postiços e a
mentira da claque.
Ouve-se cantar o Amor, vê-se aplaudir a bravura, e julga-se que tudo isso é real.
Que ilusão!.. A poltrona de Fedra é de madeira pintada. A fonte de Camila é de
papelão. Aquele, que canta o Amor, sua por todos os poros. A espada do bravo não
corta. E quem dá o sinal para o entusiasmo é o chefe da claque.
Muitos partem as asas, caindo do alto do seu sonho.
Outros, entretanto, continuam a sonhar. Pairam eternamente na ficção, e querem
„por força‟ que tudo aquilo seja real.
Apaixonam-se e triunfam.
A luta será de todos os dias. Que importa? Lutarão cada dia e não se fatigarão
jamais!
A maioria do público está persuadida de que ao comediante, depois de dez ou
quinze representações, não dá grande trabalho o desempenho do seu papel.
Erram grosseiramente.
Sofia Croisette, depois da famosa cena do envenenamento, na Esfinge, ficava,
durante alguns minutos, pálida e a bater os dentes uns contra os outros. E durante cem
representações, quase consecutivas, nem um instante tentou dominar-se.
O trágico Beauvallet chorava lágrimas abundantes, todas as noites, na cena da
floresta do Rei Lear.
859
Suzana Reichemberg, a pérola das atrizes, ficava desassossegada e doente
sempre que se representavam os Corvos na curta cena da loucura.
Mounet Sully tinha alucinações reais nos furores de Orestes.
Uma noite, em que eu estava livre, fui ter com Aimée Tessandier no seu
camarim, depois do ato do sonambulismo de Macbeth; achei-a toda gelada e ainda
trêmula. Era, entretanto, a qüinquagésima representação daquela obra-prima.
Quanto a mim, nunca representei a Fedra sem desmaiar ou escarrar sangue, e,
depois de matar Marcelo, no quarto quadro de Teodora, fico em tal estado, que vou
soluçando para o camarim. E, se não choro, tenho uma crise nervosa muito mais
desagradável para quem se achar perto de mim, e mais perigosa para os objetos ou
porcelanas que estiverem ao alcance de minha mão.
Meus grandes colegas, os comediantes da vida, dirão talvez:
- Essa não é a verdadeira arte... Para bem interpretar, é mister não sentir coisa
alguma.
Diderot o disse; Coquelin o repetiu.
Quero crer que ambos tenham razão; a prova é que Coquelin é um admirável
ator e um grande artista.
Mas que importa? Deixem-me com a minha loucura.
Nós outros, os vibrantes, temos necessidade de crer para fazer crer.
A nossa verdadeira vida está no foco incandescente de todas as paixões
experimentadas ou sonhadas... É o palpitar perpétuo do coração... É o incessante
trabalho do cérebro... É o desespero de não poder ser perfeito... É a esperança de o ser...
É, finalmente, a nevrose em seu último grau.
Por isso, sempre que aparecemos na verdadeira comédia na comédia da vida
fazemo-la atabalhoadamente. Faltamos às deixas, entramos e saímos fora do tempo. A
nossa cabeleira está enviesada e o nosso vestuário é impróprio.
E os grandes colegas não são indulgentes...
Tacham-nos de „cômicos‟.
Mas não, não! É que representamos mal a verdadeira comédia. É que não
estudamos convenientemente os nossos papéis. Que querem? somos amadores.
Oh! que ventura! a minha febre voltou!
Com ela, perco a noção exata das coisas, e nem mesmo sei se estou bem ou
mal com o senhor...
Termino, pois, fazendo-lhe os meus cumprimentos. SARAH BERNHARDT”.
A carta que o leitor acabou de apreciar é o melhor de todos os retratos da
celebrada artista.
Eloi, o herói
860
31 de maio de 1886
Por um acaso fortuito visitei ontem o estabelecimento de banhos de mar e d‟água
doce, denominado Ao high-life, e situado na rua do Barão do Flamengo, no Catete. O
respectivo proprietário, Sr. José de Freitas Macedo, que é também dono do pitoresco e
misterioso Restaurant Campestre, do Jardim Botânico, fez-me as honras da casa com
muita amabilidade, e eu para que negá-lo? eu prometi-lhe esta réclame, e faço-a
com a maior satisfação, à falta de melhor assunto.
***
O local em que se acha construído o edifício foi perfeitamente escolhido: é o
ponto mais lindo e mais asseado da formosíssima praia do Flamengo.
No Boqueirão do Passeio, cuja praia, nunca pude saber por que motivo, é muito
procurada pelos banhistas, não é raro ver boiar ao lado de uma moça bonita a coisa mais
repugnante e menos poética do mundo. Mas a maior parte das pessoas que concorrem
ao Boqueirão são atraídas pela patuscada, pois não negar que aquela é a praia mais
patusca do Rio de Janeiro. Não convencê-los de que temos coisa melhor e mais
limpa.
Entretanto, ninguém receie tão desagradáveis surpresas no pedaço de praia
aproveitado pelo Sr. Macedo; a gente ali tonifica-se à vontade, e não topa, depois de um
mergulho salutar, com alguma coisa que tenha a configuração dos bandós que as damas
usavam no princípio deste século.
Os numerosos gabinetes destinados à toilette são cômodos, bem dispostos e
asseados. Os banheiros de água doce dispõem de chuveiros e de duchas, à vontade do
banhista; de olhar para eles tem a gente desejos de despir-se e ficar ali duas horas
debaixo de um jorro de água abundante, límpida e fresca.
Alguns aposentos arejados destinam-se a rapazes solteiros, pois muitos que
ali moram comodamente, a dois passos do mar que os espera pela madrugada para dar-
lhes vida e saúde.
Num desses aposentos estavam dois mastros, algumas velas e três ou quatro
remos encostados à parede. Pertencem ao Sr. O. M., um cavalheiro que sabe levar a
vida, e teve o bom senso de descobrir no Rio de Janeiro alguma coisa mais que possa
divertir um moço nas suas condições, a não serem as confeitarias da rua do Ouvidor, os
gabinetes reservados da Maison Moderne ou o jardim do Sant‟Anna. O Sr. O. M. possui
uma elegante baleeira, e, em noites de luar, faz belas pescarias por ali fora, na
companhia alegre de outros rapazes distintos.
O Sr. Macedo teve a boa idéia de construir um magnífico terraço, onde muitas
famílias da vizinhança costumam ir palestrar ao clarão da lua ou das estrelas, e ao som
do bramido das ondas. O panorama é esplêndido: uma enorme circunferência azul,
apertada entre montanhas, e ao fundo, dominando o quadro, o Pão-de-Açúcar, sempre
belo na sua majestade de pedra.
Na quadra canicular que acabamos de atravessar, quatrocentas pessoas, termo
médio, banham-se ali diariamente, o que prova que o nosso high-life é mais numeroso
do que muita gente supõe. E ainda hoje, durante cinco horas, a começar das quatro da
madrugada, ali um fluxo e refluxo de viscondessas, baronesas, conselheiras,
comendadoras e simples cavalheiras acompanhadas dos respectivos consortes.
O Sr. Macedo tem querido instituir banhos à tarde, e na realidade a essa hora são
eles mais huilleux (com o h bem aspirado). Mas até hoje a raros logrou convencer.
Espera, entretanto, tornar ainda o seu estabelecimento uma espécie de five o’clock tea
para os moradores, e especialmente para as moradoras dos bairros próximos, que são
inquestionavelmente os mais elegantes da capital.
Eloi, o herói
861
03 de junho de 1886
“1º de junho de 1886: estréia com a Fedora, de V. Sardou, no teatro de S. Pedro
de Alcântara, do Rio de Janeiro, a célebre atriz francesa Sarah Bernhardt”. Eis o que
mais tarde se de ler nas futuras efeméridas da nossa história artística. A noite de
anteontem ficou sendo uma data.
***
O teatro estava cheio de um público febricitante, inquieto, impaciente, notável
tanto pela quantidade como pela qualidade. Os leitores, que não tiveram a fortuna de
assistir a esse espetáculo, imaginem que muitas famílias da nossa melhor sociedade
ocupavam as torrinhas, essa detestável eminência a que os franceses chamam paraiso, e
a que com mais propriedade deveriam chamar inferno. Na orquestra, onde não houvesse
um músico, havia um espectador, ou uma espectadora. Os camarotes eram invadidos
por pessoas estranhas aos respectivos proprietários. Ao lado da minha cadeira, de pé,
mas comodamente encostado à parede, um soldado de polícia cochilava, indiferente a
tudo. Quantos, naquele momento, lamentando em casa a falta de um bilhete, invejariam
a sorte daquele modesto e obscuro agente da segurança pública!
***
Subiu o pano no meio da maior solenidade e do mais absoluto silêncio. Depois
do longo diálogo com que abre a peça, diálogo em que o público recebeu a melhor
impressão do ator Fraisier no papel, infelizmente curto, do joalheiro Gretch, o pajem
Dimetri anunciou a princesa Fedora Romazoff, e um ligeiro frêmito percorreu todos os
corpos. Houve um sussurro ligeiro, quase imperceptível, e...
E Sarah Bernhardt surgiu, graciosamente envolta numa riquíssima capa, feita de
uma fazenda que os jornais tinham anunciado como peluche eléctrique. A esse respeito
confesso que fiquei na mesma.
***
Algumas pessoas inteligentes, entre as quais se distinguiam muitos dos nossos
atores, que se achavam na orquestra, receberam a grande atriz com uma salva de
palmas; mas essa demonstração naturalíssima foi imediatamente sufocada pelos Psius!
que partiram de todas as direções. O teatro estava cheio de pedantes! Impor silêncio
naquela ocasião equivaleu a dizer: Esperem! não a aplaudam ainda! Vamos julgá-la
primeiramente! Nada de comprar nabos em sacos! Como se Sarah Bernhardt não
viesse consagrada por todos os povos civilizados, e tivesse que se submeter aqui a um
exame prévio de suficiência!
Os tais Psius! de que certos espectadores usam e abusam nos nossos teatros são
francamente de uma grosseria imperdoável. O público, entusiasmado e convencido
da sua imponderável autoridade de juiz supremo, chama à cena uma artista duas vezes;
à terceira vez, os Psius! sibilam com uma impertinência estúpida! Que diabo! deixem ao
público o direito de chamar à cena o artista vinte vezes, trinta vezes, todas as vezes que
entender! Se a presença do artista os incomoda, meus caros senhores, retirem-se dos
seus lugares; mas pelo amor de Deus não esfriem o entusiasmo legitimo, genuíno,
espontâneo do público!
***
Sarah Bernhardt chegou, viu, e venceu, com uma sobranceria realmente
cesariana. Desde que lhe vimos o imortal sorriso, exaltado pela musa de Banville; desde
que ouvimos a sua voz, essa música penetrante e suave, com modulações de harpa e
queixumes de violoncelo, sentimo-nos violentamente, despoticamente subjulgados pela
força irresistível do seu talento.
O andar indolente, que neste primeiro ato deve trair o cansaço do baile, a
inflexão dramática, a plástica irrepreensível das posições e dos gestos, tudo! tudo
862
nos dizia que tínhamos diante dos nossos olhos embevecidos uma artista
verdadeiramente excepcional! Mas quando a paixão começou a tornar-se o primeiro
elemento desse drama sombrio e ficelloso, que tresanda a niilismo e dinamite de
princípio a fim, houve um longo estremecimento na sala! Os olhos de Sarah Bernhardt
faiscavam e pareciam saltar das órbitas inflamadas! A primorosa cena do inquérito,
(presumo que o leitor conheça a Fedora), a da prisão de Loris Ipanoff, que a vingativa
princesa acompanha da janela com a raiva de uma hiena ferida, e, finalmente, o grito
lancinante, estridulo, profundamente estudado, que ela solta, abraçada, no fundo do
teatro, ao cadáver do noivo assassinado, são verdadeiros modelos da arte de
representar, levada ao último grau de perfeição!
***
No segundo ato travamos conhecimento com Mme. Fontanges, uma condessa
Olga suficientemente moça e bonita, com uns lindos olhos e um lindíssimo pescoço,
mas de uma frieza! de uma frieza!... “Detalhe” interessante... para o belo sexo: Mme.
Fontanges trazia uma pérola branca na orelha esquerda e uma pérola negra na direita. A
apostar que a moda pega?
***
O diálogo do segundo ato, entre Fédora e o diplomata De reix, foi
magistralmente desempenhado, e eu aproveito a ocasião para dizer que o Sr. Ângelo
satisfez plenamente em todo o papel de De Séreix.
Todos sabem que um dos pontos culminantes da peça é a cena final deste
segundo ato: Sarah Bernhardt representa-a de modo a provocar uma torrente de
aplausos. Pena foi que, por um descuido do ponto ou do contra-regra, viesse o pano
abaixo antes do tempo, e o público perdesse o ensejo de admirar a arte com que Fédora,
ao ficar sozinha, abre o dique a um oceano de sentimentos longamente contidos, e, grita:
Je le tiens!
A pessoa que escreve estas linhas teve ocasião de entusiasmar-se ao ver a grande
atriz representar, três anos, o papel de Fédora, e conserva uma profunda impressão
daquele grito, cuja singular inflexão traduzia prodigiosamente um mundo de sensações
desencontradas.
O que os felizes espectadores de anteontem o perderam foi aquele brusco
movimento de nervos, quando Fédora limpa a mão, ou antes a luva, manchada pelo
contato dos lábios do assassino. Esse movimento lhe valeu de toda a imprensa
parisiense alevantados louvores.
***
no fim do primeiro ato o pano de boca pregara a peça de ficar preso a um
tangão do regulador, na altura em que está pintado o busto de João Caetano. Mas dessa
vez não houve prejuízo para a representação, e dir-se-ia até que a figura do grande
trágico brasileiro interrompera a descida, para aplaudir também Sarah Bernhardt!
***
Loris Ipanoff era o Sr. Felipe Garnier, ator que pertenceu ao Teatro Francês,
onde entrou depois de alcançar o primeiro prêmio no Conservatório de Paris.
Ultimamente o elogiaram muito nos papéis de Justiniano, da Teodora, de V. Sardou, e
de Luiz XIII, de Marion de Lorme, de V. Hugo.
Francamente: a impressão geral, produzida anteontem por este artista, foi a mais
desfavorável possível. No fim do segundo ato, aguardávamos todos o terceiro,
convencidos de que o Sr. Garnier cachait son jeu, reservando-se para um geral em
copas, como se costuma a dizer. Enganávamo-nos! o ex-pensionista da casa de Molière
disse com extrema correção a longa narração do assassinato de Wladimiro; mas
infelizmente não passou disso. Não lhe achamos sentimento, nem expressão, nem
863
mesmo distinção de maneiras. O Sr. Garnier (que a muitos pareceu mais Serafim José
Alves que Garnier) diz: Je t’adore! como quem diz: Ora bolas! Estas incorreções
surpreenderam desagradavelmente, mesmo àqueles que mais ou menos habituados estão
com a declamação francesa.
No terceiro ato lembramo-nos com saudades de Flávio Andó, que era inimitável
na dificílima cena da leitura da carta. Que frouxidão! que imobilidade!... Houve até
quem tivesse desejos de gritar: Ataca, Felipe!
Estamos certos de que um bom par de bigodes atenuaria o mau efeito causado
por aquela cara de seminarista, que o Sr. Felipe Garnier nos apresentou anteontem. É
possível, é mesmo provável que este cavalheiro seja noutros papéis o artista aclamado
pela imprensa francesa; no de Loris Ipanoff não vale dois caracóis. Falta-lhe alma, falta-
lhe distinção, falta-lhe paixão,... e faltam-lhe bigodes.
***
Nos dois últimos atos Sarah Bernhardt esteve sublime, que outro adjetivo não
acho para classificar o seu trabalho! A cena final do terceiro ato bastaria para colocá-la
entre as primeiras atrizes de todos os tempos, e todo o quarto ato representou-o ela, de
princípio a fim, de um modo capaz de entusiasmar um morto! A cena do
envenenamento foi assombrosa e terrível, e maior seria o efeito, se Sarah Bernhardt
tivesse a seu lado Berton, o seu vitorioso companheiro de 1883, no Vaudeville.
***
Agora uma chapa: “Os demais artistas contribuíram para o bom êxito da
representação”.
***
É para lastimar que o cenário e os acessórios não sejam dignos de Sarah
Bernhardt. Notaram todos que certo pano de cobrir mesas apareceu em todos os atos,
primeiramente em casa do defunto Wladimiro, depois em casa da condessa Olga e
finalmente em casa de Fédora. Eis aí o que se chama passar de mão em mão. O público
fluminense não está habituado a essas economias. O Furtado Coelho pô-lo em mau
costume.
Eloi, o herói
864
Texto publicado por Artur Azevedo, na Gazeta de Notícias, após sua saída do
Diário.
DIÁRIO DE NOTÍCIAS
Abaixo publico integralmente o artigo, cuja recusa determinou a minha retirada
do Diário de Notícias.
ARTUR AZEVEDO
07 de junho de 1886
DE PALANQUE
É possível que alguns dos meus leitores se lembrem, de que fui eu, na imprensa
fluminense, um dos mais estrênuos admiradores da Duse-Checchi, a eminente atriz
italiana que o ano passado a todos nós arrebatou com os lampejos do seu talento. Nessa
ocasião, eu disse, profundamente convencido, que era impossível representar como a
Duse o difícil papel de Margarida Gautier.
Pois bem: desdigo-me, e sabe Deus com que sentimento o faço, ó minha adorada
Duse! Sarah Bernhardt é o ideal das Margaridas! Estou extasiado! O espetáculo de
anteontem assombrou-me!
Tinha-me dito que era esse o “pior” dos seus papéis, e quem mo disse, tinha,
reconheço, a dupla autoridade da ilustração e da arte. Mas eu sou franco: para mim, o
trabalho de Sarah na Dama das camélias vale dez vezes o seu trabalho na Fédora: é um
curso completo de arte dramática! O velho teatro S. Pedro transformou-se anteontem
numa academia! Viva Sarah Bernhardt.
Onde já se viu papel tão bem modelado, e tão consciencioso estudo dramático do
coração humano? Não uma cena, uma frase, um gesto, um simples olhar, em que
essa prodigiosa criatura não seja um modelo intangível de toda a perfeição artística!
Furto-me ao trabalho de indicar aqui os pontos da peça em que Sarah me
pereceu inimitável, porque seria preciso reproduzir o drama inteiro. O seu papel é uma
série interminável de grandes prodígios de interpretação!
De assombro em assombro, o espectador inteligente acaba por se convencer de
que tem diante de si um ente sobrenatural, anjo ou demônio, que o fascina, que o
arrebata, que o empolga, deixando-lhes apenas a faculdade de admirar e aplaudir!
Há, na realidade, qualquer divina intervenção naquele surpreendente e
inexplicável trabalho artístico! Não foi das aulas do Conservatório, nem dos conselhos
de um ensaiador, nem das próprias ginas juvenis de Dumas Filho, que Sarah
Bernhardt arrancou aquela estranha personalidade. Há certo misticismo na singular
interpretação do papel; ela estudou-o em sonhos, nos estos da nevrose de que se acusou
na carta que dias publiquei. Aquele trabalho é o resultado de uma revelação divina,
que ela própria não poderá explicar. Sarah Bernhardt seria uma Teresa de Jesus, se,
felizmente para o mundo, não fosse uma Sarah Bernhardt.
Como toda a gente, admiro a arte, a ciência pode-se dizer com que ela
representa; mas sobretudo a aprecio como agente direto, irresponsável, de um poder
invisível, de uma força oculta, irrefragável, que a apresenta aos nossos olhos em
condições sobre-humanas.
Paris, o Paris atual, o Paris de Renan, de Zola, de Chevreuil, de Pasteur, de
Fouquier, de Lecomte de Lisle, de Augier, de Dumas, de Meissonier, de Gounod, de
Banville, de Coppée, de Rochefort, e de tantos outros, tem sempre a atenção voltada
para ela; perdoa-lhe todos os desvarios, adora-a, e é com um couro louvaminheiro de
poetas e de grandes homens, que responde às invectivas brutais de impertinentes
865
credores e de burgueses escandalizados. Naquela brilhante constelação universal, Sarah
Bernhardt cintila como uma estrela de primeira grandeza.
E quem poderá crer que não esteja fora das tristes condições da raça humana,
quem desse modo triunfa nestes tempos de pessimismo funesto e de perverso egoísmo?
Não! não! decididamente Sarah Bernhardt não é uma mulher: é um mito.
***
O Sr. Felipe Garnier, que se encarregou anteontem do papel de Armando Duval,
desagradou, como desagradara no papel de Loris Ipanoff, e foi vítima de uma
manifestação pouco lisonjeira por parte das galerias.
Estou convencido de que o Sr. Garnier, artista aplaudido pela primeira platéia do
mundo, conseguirá reabilitar-se em papéis mais apropriados ao seu talento, nos quais
não esteja visivelmente deslocado, como na Fédora e na Dama das camélias.
***
Depois de reeditar a chapa de que “os demais artistas contribuíram para o bom
êxito da representação”, direi que o espetáculo terminou sem outro incidente mais, a não
ser um começo de incêndio na toilette de uma senhora, incêndio que felizmente foi
extinto pelos vizinhos, sem ser preciso o auxílio do corpo de bombeiros.
Foram, pois, anteontem dois os queimados, por motivos diversos, mas partidos
ambos do galinheiro. O Sr. Garnier por uma pateada, e a tal senhora por uma ponta de
cigarro!
Bem se dizia, desde o princípio do espetáculo, que em cima os estudantes
estavam a fumar...
Eloi, o herói
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