Download PDF
ads:
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
REVISTA DO PATRIMÔNIO:
editor, autores e temas
CÍNTIA MAYUMI DE CARLI SILVA
Rio de Janeiro, Agosto 2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO Ângela Maria de Castro Gomes
CÍNTIA MAYUMI DE CARLI SILVA
REVISTA DO PATRIMÔNIO:
editor, autores e temas
Dissertação de Curso apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil – CPDOC como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em História, Política e Bens Culturais.
Rio de Janeiro, Agosto 2010
2
ads:
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV
Silva, Cíntia Mayumi de Carli
Revista do Patrimônio: editor, autores e temas / Cíntia Mayumi de
Carli Silva. – 2010.
185 f.
Dissertação (mestrado) – Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil, Programa de Pós-Graduação em
História, Política e Bens Culturais.
Orientadora: Ângela Maria de Castro Gomes.
Inclui bibliografia.
1. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 2. Patrimônio
Histórico - Brasil. 3. Patrimônio cultural – Proteção - Brasil. 4.
Intelectuais - Brasil. I. Gomes, Ângela Maria de Castro, 1948- . II.
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil. Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens
Culturais. III. Título.
CDD – 363.69
3
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
MESTRADO ACADÊMICO EM HSTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
REVISTA DO PATRIMÔNIO:
editor, autores e temas
CÍNTIA MAYUMI DE CARLI SILVA
E
APROVADO EM
PELA BANCA EXAMINADORA
Professora Doutora (Orientador) Ângela Maria de Castro Gomes
Professora Doutora Lúcia Maria Lippi Oliveira (CPDOC)
Professora Doutora Regina Maria do Rego Monteiro (UNIRIO)
Professor Doutor Américo Oscar Guichard Freire (SUPLENTE)
4
Agradecimentos
Se este trabalho chegou ao fim (e chegou!), tenho dívidas por todos os lados, a quem
só posso pagar com uma enorme gratidão. A esses credores, agradeço por todo o apoio,
mesmo aos que eu esquecer de dizer aqui, por mera distração.
Em primeiro, segundo e terceiro lugar, agradeço à minha orientadora, professora
Ângela, primeiramente por ter me presenteado com sua orientação. Também pelo privilégio
das aulas dessa professora por excelência, que me guiou em cada reunião, me trazendo até
aqui, com sua leitura cuidadosa, sempre incansável.
Agradeço aos professores do CPDOC, Mário Grynszpan e Lúcia Lippi, pelas
disciplinas cursadas ao longo do mestrado e pelas discussões nelas empreendidas. Devo
também agradecimentos aos demais professores e funcionários do CPDOC e da Fundação
Getúlio Vargas, sempre dispostos a colaborar.
Um agradecimento especial vai para o professor Manoel Salgado, que já nos deixou.
Primeiro por ter me aceito como sua aluna especial no IFCS/UFRJ, depois por transmitir com
grande maestria suas lições de erudição.
Agradeço ainda aos professores Regina Abreu, Lúcia Lippi e Américo Freire, por
aceitarem compor a banca, e a Regina e Lúcia, pelas contribuições já dadas para este
trabalho.
Aos colegas de aulas no CPDOC, Aline Portilho, Raimundo Hélio, Ana Luiza Caribé,
Silvana Rodrigues, Daniel Reis, Lucina Matos, Vanuza Braga, Luciana Fagundes, Layana
Azevedo, Mauro Amoroso, Renato Lanna e Bruno Castro, agradeço pelas amizades,
conversas, risadas e, por compartilhar as angústias da última hora.
Ao Iphan, devo imensamente. Pelo vício no patrimônio, pelo carinho de seus
funcionários, por ter me abraçado e ter originado as primeiras sementes dessa pesquisa. Ela
nasceu das reflexões desenvolvidas ao longo dos dois anos que participei do Programa de
Especialização em Patrimônio (PEP) /Iphan/Unesco. Nele, tive como orientadora, a arquiteta,
antropóloga e intelectual Ana Carmen Jara Casco, que merece agradecimentos especiais, por
sua acolhida e visão sempre crítica e atenta. A ela, também sou grata pela amizade e pelas
muitas possibilidades de trocas intelectuais. Também resultado do PEP, agradeço a sabia
Vera Lúcia de Mesquita, amiga e incentivadora, que colaborou dentro e fora do Iphan.
Aos funcionários da Copedoc/Iphan, pela inestimável experiência do PEP –
especialmente a Lia Motta, Márcia Chuva e a Juliana Sorgine, pelas contribuições que deram
5
à pesquisa lá desenvolvida. Agradeço, por sua paciência e presteza, aos funcionários da
Biblioteca Noronha Santos e do Arquivo Central do Iphan, Ana Toledo, Murilo Lélis, Ivan
Sardinha, Maria José Silveira Soares e, principalmente, a Hilário Figueiredo Pereira Filho,
chefe do Arquivo.
Carinho ímpar tenho por três figuras que me guiaram nos primeiros passos
profissionais e acadêmicos: Malu Ferreira, Absolon de Oliveira e Giselle Ellen, do Centro de
Memória de Diadema.
Meus especiais agradecimentos vão para Lilian Lustosa, Adriana Nakamuta, Júlia
Wagner, Regiane Gambim Barreto e Guilherme Cruz de Mendonça, companheiros de
pesquisa, trabalho, lazer e, de patrimônio. Horas e mais horas de conversas, reflexões, artigos,
projetos e noites acordadas.
Dos tempos de faculdade, agradeço a amizade mantida por Alessandro Simone,
Fernando Franco, Fernanda Rosa e Maurício Acuña. De tempos imemoriais, tenho dívidas
impagáveis com Glória, Fabiane, Juliana, Fernanda, Marina, Larissa e Mariana. Dos últimos
tempos, agradeço Daniela, Luiz Claudio e Flávia e tenho uma gratidão inestimável por Léia e
Geraldo, por sua generosidade sem igual.
Mas a alguns, não tenho palavras para agradecer por tudo e por sempre. A Pablo, por
estar sempre ao meu lado. E ao meu irmão Marcel e aos meus pais, por estarem sempre na
largada e na chegada.
6
“As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.”
Carlos Drummond de Andrade
7
SUMÁRIO
Introdução.................................................................................................................................15
Capítulo 1: A institucionalização do patrimônio e a constituição de uma Academia ..............32
1.1 .....................................34 Patrimonialização do passado: entre o visível e o invisível
1.2 .............................................................................................42 O patrimônio no Brasil
1.3
..............................................................................................................................50
Um passado para o Sphan: as narrativas de Rodrigo e o lugar de Rodrigo nas
narrativas
Capítulo 2: A Revista do Patrim
ônio e seu editor.....................................................................58
2.1 ......................................................................................................59 Rodrigo, o editor
2.2 .....................................................................................62 Função e prestígio do editor
2.2.1 65 Editoras, produção intelectual e retratos do Bras
il em meados do século XX
2.2.2 ............................................................68 Revistas de “alta cultura” (1930-1970)
2.3 .........................................................................76 A Revista do Patrimônio (1937-67)
2.3.1 ..................................................................................90 A iconografia na Revista
Capítulo 3: Intelectuais e Patrimônio: temas e autores da Revista do Sphan ...........................93
3.1 ..................................................................................................94 A escrita e a leitura
3.2 .........................................99 A fundação de um discurso disciplinar: temas e autores
Capítulo 4: Edição e Intelectuais: os temas do patrimônio na Revista...................................119
4.1 .............................124 Apresentando o campo do patrimônio: uma visão panorâmica
4.2 .....................133 A Revista como espaço de especialização no campo do patrimônio
4.3 .....................................138 Para além da Revista: as demais publicações de Rodrigo
4.4 ..........................142 “60 anos: a Revista”: enquadrando-se a memória do patrimônio
Considerações Finais ..............................................................................................................154
Fontes e Referências Bibliográficas........................................................................................158
Anexos ....................................................................................................................................168
8
Lista de siglas
ABDE – Associação Brasileira de Escritores
DAU – Departamento de Arquitetura e Urbanismo de Recife
DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda
ENBA – Escola Nacional de Belas Artes
FGV – Fundação Getúlio Vargas
IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IHGA – Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
IHGMG – Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
IHP – Instituto Histórico de Petrópolis
IHGRJ – Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro
MES – Ministério da Educação e Saúde Pública
MHN – Museu Histórico Nacional
Novacap – Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil
PUC - Rio – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
9
Sphan – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SPVEA – Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia
UFF – Universidade Federal Fluminense
Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Cultura e a Ciência
USP – Universidade de São Paulo
10
Lista de Quadros
Quadro 1 - Revistas de alta cultura contemporâneas à Revista do Patrimônio ......................71
Quadro 2 - Valores de venda da Revista do Patrimônio..........................................................78
Quadro 3 - Revista do Patrimônio: Quantidade de artigos por número...................................79
Quadro 4 - Revista do Patrimônio: ano de registro da publicação e ano de circulação...........82
Quadro 5 - Revista do Patrimônio: temas dos artigos, quantidade de artigo temático por
número e total ..........................................................................................................................88
Quadro 6 - Revista do Patrimônio: freqüência decrescente da produção por autor.................99
Quadro 7 - Revista do Patrimônio: temáticas dos artigos e seus autores...............................101
Quadro 8 - Trajetória dos autores mais assíduos da Revista do Patrimônio..........................105
Quadro 9 - Presença dos temas ao longo dos 15 números da Revista do Patrimônio ...........120
11
Lista de Figuras
Figura 1 - Capas dos números 1 a 15 da Revista do Patrimônio ...........................................169
Figura 2 - Capa do número 1 da Revista ...............................................................................170
Figura 3 - Capa do número inaugural da série Publicações do Sphan...................................171
Figura 4 - Capa da obra “Desenvolvimento da Civilização Material no Brasil”...................172
Figura 5 - Capa de “Arte indígena da Amazônia”.................................................................172
Figura 6 - Capa de “Padre Jesuíno do Monte Carmelo”........................................................173
Figura 7 – Capa de “As artes plástica no Brasil” (1952).......................................................174
Figura 8 – Capa de “Brasil – monumentos históricos e arqueológicos” (1952)....................175
Figura 9 – Capa de “Artistas Coloniais” (1958)....................................................................175
Figura 10 – Capa e contracapa do número 26 da Revista do Patrimônio..............................176
12
RESUMO
Esta dissertação investiga a trajetória da Revista do Patrimônio, a principal publicação do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan, no período entre 1937 e 1967.
Este período de análise corresponde à gestão do primeiro diretor do órgão, Rodrigo Melo
Franco de Andrade. Editada desde 1937, esse periódico aglutinou um grupo de intelectuais
que construiu o campo do patrimônio no Brasil, tendo como protagonista o próprio Sphan.
Desse modo, a Revista do Patrimônio é tomada como objeto e, simultaneamente, como fonte
primordial desta pesquisa, que a considera um lugar de sociabilidade desses intelectuais que
colaboraram com a preservação do patrimônio. Assim, Rodrigo M. F. de Andrade, que
também era o editor das publicações do órgão, é tido como o articulador das redes que ali se
encontraram e que contribuíram com o processo de constituição do campo do patrimônio, que
teve na Revista um dos meios empregados para se construir e se divulgar.
Palavras-chave: intelectuais; periódicos; editor; patrimônio.
13
ABSTRACT
This work investigates the trajectory of the Revista do Patrimônio (heritage magazine), the
main publication of the National Service for Historical and Artistical Heritage – Sphan,
between the period from 1937 to 1967. That period corresponds to the management of the
first Sphan director, Rodrigo de Melo Franco de Andrade. Edited since 1937, the publication
gathered a group of intellectuals that have built the field of heritage in Brazil, having as
protagonist the Sphan itself. Therefore, the Revista do Patrimônio is taken as object and,
simultaneously, as a fundamental source for this research, considering it as social a place for
those intellectuals that have collaborated to the preservation of the heritage. In that manner,
Rodrigo M. F. de Andrade, that was also the editor of Sphan publications, is taken as the
developer of the networks built around the Revista do Patrimônio, which contributed for the
constitution of the heritage field, which could promote itself through this publication.
Keywords: intellectuals; magazine; editor; heritage.
14
Introdução
A presente dissertação, que tem como objeto de estudo a Revista do Patrimônio,
editada pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan desde 1937, visa
contribuir com as pesquisas sobre o patrimônio cultural no Brasil, especialmente no que tange
ao papel que o periódico teve na constituição do patrimônio protegido pelo órgão.
Como se sabe, os estudos sobre o patrimônio cultural multiplicam-se e a demanda por
sua preservação aumenta em níveis cada vez maiores. Embora a prática do colecionamento
seja milenar e universal, pode-se dizer que há uma espécie de boom patrimonial ou ainda um
fenômeno memorial vivido nas sociedades do pós-1980.
Essa explosão é percebida pela emergência das narrativas “modernas” acerca de
passados nacionais, envolvendo a patrimonialização desse passado, entre outras ações. Essas
construções – de passado e de patrimônio – podem ser interpretadas a partir da noção de
“regime de historicidade”, postulada por Hartog. O regime de historicidade pode ser
entendido como um quadro de pensamento de longa duração e engloba:
uma formulação erudita da experiência do tempo que (...) modela nossa
forma de dizer e viver nosso próprio tempo. Um regime de historicidade
abre e circunscreve um espaço de trabalho e de pensamento. Ele dá ritmo à
escrita do tempo, representa uma ‘ordem’ à qual podemos aderir ou, ao
contrário (...), da qual podemos escapar... (Hartog, 1996:129).
A partir disso, Hartog identifica três regimes de historicidade, que não existem em
estado puro, pois são como tipos ideais weberianos. São eles: o tempo da historia magistra
vitae; o moderno regime de historicidade; e o presentismo. No regime de historicidade da
historia magistra, o passado esclarece o futuro: “o exemplar reatava o passado ao futuro
através da imagem do modelo a imitar”, dando lições de história – daí seu nome. Já no
regime de historicidade moderno, que se instala entre o fim do século XVIII e o início do
XIX – quando a historia magistra começa a ser contestada –, ocorre o inverso: o futuro é que
esclarece o passado. Neste regime, o exemplar cede lugar àquilo que não se repete mais. O
ponto de vista do futuro é que comanda – daí se falar também em futurismo. Além disso, a
História passa a ser concebida como processo, segundo a idéia de que “os acontecimentos
advém não apenas no tempo, mas através dele” (Hartog, 1996:130). As “lições de história”,
que vinham do passado, são substituídas pela exigência de “previsões”: de pensar e planejar o
futuro.
15
O ano de 1989, que encerra a Guerra Fria e demais conflitos, encerra simbolicamente,
o regime de historicidade moderno e inicia um outro: o presentismo. Ocorre uma “(...)
invasão do horizonte
1
por um presente mais e mais ampliado, hipertrofiado”. Ocorre,
portanto, a substituição do futurismo pelo presentismo, caracterizado por “um presente que é
seu próprio horizonte, sem futuro e sem passado, ou engendrando quase diariamente o
passado e o futuro, dos quais necessita quotidianamente” (Hartog, 1996:135). Há uma
dificuldade de “ver” o futuro e, justamente por isso, o presente volta-se para “uma forma de
relação entre o passado e o presente, de tal modo que o passado não pretenda ditar a conduta
ao presente e tampouco permaneça completamente inerte” (Hartog, 1996:133-134).
Ora, este último regime de historicidade, que rege as ações da cultura ocidental, pode
ser diagnosticado, por exemplo, pela necessidade de “lugares de memória”
2
(Nora, 1993) e
pelo boom comemorativo
3
das últimas décadas. Evoca-se o passado devido ao esquecimento
provocado pelo imediatismo. Daí também a proliferação, ampliação e intensificação das
políticas culturais e de valorização da memória, com a “musealização do mundo”, conforme
observa Huyssen. Este autor, em “Seduzidos pela Memória” (2000), afirma que desde a
década de 1980 ocorre uma transferência de foco. Se antes a atenção voltava-se para os
“futuros presentes”, a partir dos anos 1980, a atenção deslocou-se para os chamados
“passados presentes”, aproximando-se da acepção de regime de historicidade presentista
proposta por Hartog. A evidência disso é a “globalização da memória” e a “musealização do
mundo” ou a “obsessão cultural” pela memória. Huyssen alerta para a possibilidade de, a
1
Trata-se do conceito de “horizonte de expectativa”, elaborado por Koselleck (2006). Koselleck desenvolve
duas categorias históricas: “espaços de experiência” e “horizonte de expectativa”, que se relacionam com a
percepção temporal. O autor afirma que o tempo não pode ser expresso, a não ser em metáforas espaciais, e que
a presença do passado é diferente da presença do futuro. Nesse sentido, a experiência proveniente do passado é
espacial – daí se falar em “espaços de experiência”. Já não seria tão exato, em relação ao futuro, falar de espaço
de expectativa, por isso Koselleck cria a metáfora do horizonte de expectativa. “Horizonte quer dizer aquela
linha por trás da qual se abre no futuro um novo espaço de experiência, mas um espaço que ainda não pode ser
contemplado” (2006:311).
2
Nora afirma que vivemos um momento “onde a consciência da ruptura com o passado se confunde com o
sentimento de uma memória esfacelada” e em que o “sentimento de continuidade torna-se residual aos locais”
(Nora, 1993:7). Em suma, “Há locais de memória porque não há mais meios de memória” (idem) e a
preocupação em preservar monumentos que representam partes do passado seria um dos diagnósticos disso.
3
Catroga (2001) afirma que as comemorações compõem uma das mais significativas e espetaculares formas
ritualistas de evocar o passado, com o objetivo de criar representações simbólicas que possam funcionar como
lições vivas de memorização. No caso das comemorações cívicas, por exemplo, elas foram criadas para serem
vividas como manifestações simbólicas que reafirmam a continuidade histórica da humanidade. Assim, tais ritos
funcionavam como meio de combate contra a amnésia coletiva e ainda como forma de luta pela (re)produção de
uma nova memória, articulando passado, presente e futuro. Em outras palavras, as comemorações conferem
significado simbólico e coletivo ao sentido do tempo, congregando as consciências dispersas em torno de
memória(s) consensualizadora(s). Entretanto, Catroga atenta para o fato dessa evocação e seleção do passado se
dar de acordo com os interesses do presente. Assim, faz uma importante afirmação ao mostrar que as
comemorações, ao relembrarem um determinado passado, o se voltam para o passado, mas sim para o futuro,
direcionando-o.
16
despeito do aumento explosivo da memória, ocorrer um aumento explosivo do esquecimento,
paralelamente. Colaboram para isso a mídia e a tecnologia, nas quais se confiam nossos
registros. Desse modo, nesta modernidade em que a instabilidade e a transitoriedade das
transformações predominam, os monumentos, a memória e o patrimônio garantem uma certa
noção de estabilidade do mundo, relembrando as origens e funcionando como um phármakon
para os homens
4
. Em outras palavras, para Huyssen o presentismo é paradoxal e volátil,
fazendo com que a valorização do presente busque bases no passado, na memória e no
patrimônio por meio das comemorações, exposições e de sua preservação.
É nesse contexto que se deve compreender a proliferação de inúmeros estudos
acadêmicos sobre a problemática do patrimônio e o surto de comemorações que se vive
internacionalmente. O patrimônio é convocado, nesse sentido, a trazer um certo passado para
o presente, materializando-o. Assim, ele tem uma dimensão visível e material que carrega
consigo uma outra dimensão, invisível e subjetiva, como o passado, ou as “origens”, por
exemplo. Desse modo, o patrimônio enquanto objeto de estudo é indissociável dessas duas
dimensões, inseparáveis para sua compreensão
5
. Ele tem uma função: comunicar o passado
ao presente, dando-lhe visibilidade. Por isso, fala-se em semióforos, conceito trazido por
Pomian ao proceder a uma arqueologia da prática colecionista.
Semióforos seriam sistemas de sinais armazenados em diferentes suportes físicos, como
pedras, metais, cerâmica, papiro, pergaminho, tecidos ou qualquer outro objeto que os
homens tenham utilizado para essa finalidade. São, assim, objetos que realizam mediações
entre o mundo perceptível ao olhar e o mundo fora da realidade sensível à visão, ou seja,
possuem uma dimensão física e outra semiótica. Portanto, as coleções e objetos, quando
expostas ao olhar, realizam a comunicação do invisível. Eles possuem uma dimensão material
muito variada, mas, principalmente, possuem uma dimensão simbólica capaz de tornar o
passado presente, o invisível visível. Os semióforos representam então a dimensão material
4
O phármakon pode ser entendido como a possibilidade do luto e o esquecimento do sofrimento. Nas palavras
de Hartog, “o phármakon transforma a ‘ausência’ (póthos) em ‘passado’. O desaparecido torna-se um defunto,
ou o falecido um ‘bom’ morto, sem que para isso seja preciso passar por essas etapas, normalmente necessárias
– de que Jean-Pierre Vernant, aliás, mostrou a complementaridade –, que são os funerais e o canto épico. Se os
funerais, como instituição forjada para aculturar a morte, marcam de fato ‘a passagem da reminiscência patética
do thos a uma memorialização mais distanciada e objetiva, a uma memória institucionalizada conforme o
código social de uma cultura heróica’, o canto épico vem coroar o processo, transformando ‘um indivíduo que
perdeu a vida na figura de um morto, cuja presença como morto está definitivamente inscrita na memória do
grupo’” (Hartog, 2003:20).
5
Entretanto, o patrimônio enquanto objeto de políticas públicas para sua preservação, portanto enquanto prática,
conta com uma separação instrumental dessas duas dimensões, classificando-o como patrimônio material ou
tangível e imaterial ou intangível, como se não fossem efetivamente indissociáveis. Separa-se assim o
inseparável e indistinguível para se aplicar instrumentos jurídicos que se supõem eficazes para sua continuidade
no tempo e no espaço.
17
da memória e da história. São assim provas concretas da existência de um passado passível de
ser acessado pela via desses restos materiais. Eles garantem uma relação com um tempo
anterior, tempo esse que é uma condição para a inteligibilidade do presente. Por esse motivo,
entende-se que os semióforos constituem fundamentalmente o que é selecionado como
patrimônio.
O patrimônio, com isso, dá sentido à passagem do tempo a partir de sua materialidade,
de sua visibilidade. Entretanto, a simples sobrevivência ao tempo não assegura a
transformação de um objeto ou relíquia em patrimônio. Essa “mutação” é resultado de uma
produção marcada historicamente, apresentando funções práticas e simbólicas, na medida em
que idéias e valores são associados aos objetos que o constituem. Esse processo, que não é
natural, compõe-se de diversas estratégias, dentre as quais a produção do conhecimento que
visa legitimar um objeto como bem patrimonial.
A partir dessas considerações, pode-se compreender a relevância da Revista do
Patrimônio, nosso objeto de estudo. O periódico é justamente um instrumento por meio do
qual se legitima a “invenção do patrimônio” no Brasil, construindo um novo campo de saber
no país, através da produção dos conhecimentos nele veiculados.
A Revista do Patrimônio é de suma importância para as pesquisas sobre o patrimônio
no Brasil, justamente por ser um instrumento por meio do qual se legitimou esse novo campo
no país. Rubino (1991), Chuva (1998) e outros pesquisadores já trabalharam com o periódico
em questão, porém, sem tomá-lo como objeto de estudo. Nessas e em outras pesquisas, a
Revista aparece principalmente como fonte e, mesmo quando surge com mais destaque, é
tomada apenas para corroborar outros aspectos do Sphan, ou seja, para confirmar as demais
práticas desenvolvidas pelo órgão. Assim, uma análise que trate do principal periódico do
Sphan como objeto, e simultaneamente como fonte, ainda não foi realizada. Nesse sentido, a
presente pesquisa visa contribuir para apontar aspectos pouco mencionados nas demais
abordagens sobre a Revista.
Parte-se, assim, das contribuições apresentadas por pesquisas como as de Chuva e
Rubino. Porém, a proposta é analisar a trajetória da Revista do Patrimônio, tendo como foco
principal os autores-colaboradores do periódico para se pensar o processo de construção do
conceito e do campo do patrimônio. Desse modo, este estudo não privilegia as demais
atividades do Sphan do período, tomando a publicação como eixo primordial para se pensar o
patrimônio.
Os autores da Revista, apresentados pelos estudos como “ideólogos” das ações
institucionais, muitas vezes não eram técnicos do Sphan, sendo inclusive vinculados a outros
18
órgãos, conforme já apontado por Chuva. Assim, havia autores que eram funcionários do
Serviço e outros que não possuíam, com ele, vínculos formais. Porém, independente desse
vínculo, esses autores, por escreverem na Revista do Patrimônio, são considerados também
autores de um discurso que permitiu a construção da idéia/noção de patrimônio nacional no
Brasil.
Com isso, nossa hipótese é a de que a Revista veicula um discurso polissêmico, não
inteiramente homogêneo, devido à presença de autores diversos, vinculados ou não ao Sphan.
Os enunciados do periódico, portanto, podem não corresponder exatamente às práticas
internas adotadas pela instituição e às concepções nela predominantes. Daí a necessidade de
se estudar a publicação, a fim de verificar até que ponto ela se apresenta efetivamente como
um instrumento de veiculação de um discurso qualificado como “oficial” do Sphan, como a
maioria dos estudos postula. A idéia aqui defendida é a de que a Revista do Patrimônio é
mais um campo de formulações e debates, do que um guia para ação do Sphan.
Para tal estudo, considera-se então o período fundador do Sphan e de seu principal
periódico, ambos a cargo de Rodrigo M. F. de Andrade – recorte emblemático justamente por
tratar do momento inicial das ações efetivas em prol da preservação do patrimônio. Assim, o
objeto desta pesquisa, a Revista, é analisado em seus 15 primeiros números, que abarcam os
volumes editados por Rodrigo entre 1937 e 1967. O objetivo maior é investigar a trajetória e
o perfil da publicação, considerando-se suas características materiais e editoriais para se ter
acesso a um dos mais importantes veículos de formação do campo de patrimônio, articulado
pelo Sphan enquanto instituição.
Os objetivos específicos são: 1) identificar e analisar as características do periódico,
atentando para os aspectos editoriais e também tipográficos; 2) identificar os autores dos
artigos da Revista, atentando para o grupo formado pelos mais assíduos (suas origens e
formações intelectuais e profissionais, e laços de amizade); 3) acessar a noção de patrimônio
nela veiculada; 4) procurar traçar o lugar da História, e de outras disciplinas, na constituição
do campo do patrimônio no Brasil a partir da publicação do Sphan.
Desse modo, considera-se que os intelectuais tiveram na Revista do Patrimônio um
lugar de sociabilidade fundamental para o desenvolvimento e defesa de suas idéias. Esta
revista, como outras do período, era um recurso de poder importante que se movia em torno
do editor da publicação, também o diretor do órgão que publicava o periódico.
Para tanto, a pesquisa estrutura-se sobre os fundamentos teóricos da chamada história
dos intelectuais – campo este que, nos últimos anos, tornou-se muito freqüentado, situando-se
no cruzamento das histórias política, social e cultural (Sirinelli, 2003). Se desde os Annales o
19
estudo dos intelectuais havia sido minimizado, a partir da segunda metade da década de 1970,
o interesse sobre eles ressurge, ao lado do interesse dos historiadores pela história política
recente e pela biografia histórica. Surgia assim, o que se chama de Nova História Política –
bem como, paralelamente, desenvolvia-se a Nova História Cultural – que tem nos intelectuais
um ator privilegiado para se pensar a dimensão político-cultural.
Com isso, a estratégia de análise é distinta de outras do campo da história cultural,
como a da história das idéias, o estudo das trajetórias de conceitos ou a história da leitura.
Opta-se pela história de intelectuais pelo fato dela primar por uma análise que atenta para a
lógica de constituição dos grupos de intelectuais, “postulando a interdependência entre a
formação de redes organizacionais e os tipos de sensibilidade aí desenvolvidos, o que
necessariamente iluminaria o desenho e as características de quaisquer projetos culturais”
(Gomes, 1999:11), sem se abandonar o interesse pelo conteúdo e forma do que é produzido
pelos intelectuais. Trata-se, assim, de reconhecer a “existência de um campo intelectual com
vinculações amplas, porém com uma autonomia relativa que precisa ser reconhecida e
conhecida” (idem).
Sem desconhecer os clássicos estudos sobre intelectuais de Mannheim (1974), Gramsci
(1975) e Bobbio (1997), utiliza-se aqui o conceito de intelectual apresentado por Sirinelli
(1986). Para este autor, a noção de intelectual apresenta um caráter polissêmico, dentro do
qual se destacam duas vertentes. A primeira, mais sociológica e cultural, identifica-os como
produtores de bens simbólicos e abarca os criadores e mediadores culturais – dentre os quais
se incluem os jornalistas, editores, professores etc. A segunda é mais política e se funda sobre
a noção de engajamento, direto ou não, na ação política. Tais concepções, para Sirinelli, não
são excludentes, mas complementares, pois, devido ao capital simbólico de que os
intelectuais dispõem e à sua capacidade de especialização, que legitima e mesmo privilegia
sua intervenção, estariam sempre atuando política e culturalmente. O intelectual não se define
somente pelo que ele é, por uma função ou status, mas sim por aquilo que ele “faz”, ou seja,
por sua prática, que guardaria sempre desdobramentos políticos. O intelectual é o homem que
pensa e comunica seu pensamento, sempre com alguma margem de intervenção social. De
acordo com Ory & Sirinelli (1992), há uma convicção compartilhada pelo enunciador e por
toda ou parte da sociedade a que ele se dirige, sendo o intelectual uma espécie de autoridade,
que atua no campo da produção de bens simbólicos.
Para um trabalho segundo tal concepção de intelectual, Sirinelli aponta três ferramentas
teórico-metodológicas: a reconstituição dos itinerários desses intelectuais; a noção de
geração; e a noção de lugares de sociabilidade. Assim, é preciso reconstituir a trajetória
20
intelectual dos indivíduos e grupos a fim de que sejam desenhados mapas mais precisos dos
grandes engajamentos intelectuais, a fim de que sejam iluminadas as inclinações, polêmicas e
cisões dos intelectuais de um determinado período ou ligados a um determinado debate. Há
que se caracterizar então seus esforços de reunião e de demarcação de identidades,
associando-os a projetos intelectuais e políticos a um só tempo.
Como um dos “lugares de sociabilidade” em que os intelectuais organizam-se,
formalmente ou não, para construir e divulgar suas propostas, os periódicos são bastante
enfatizados por tal abordagem, que encontra neles um objeto e fonte de pesquisa riquíssimos.
Conforme Sirinelli: “O meio intelectual constitui (...) um ‘pequeno mundo estreito’, onde os
laços se atam, por exemplo, em torno da redação de uma revista ou do conselho editorial de
uma editora” (Sirinelli, 2003: 248), compondo aí “redes” que permitem observar campos de
força, de afeto e de idéias.
Gomes, seguindo tal proposta, considera as revistas como um dos lugares de
sociabilidade mais produtivos para se trabalhar com intelectuais nos anos 1920-40 no Brasil.
Segundo ela, as revistas são “lugares de articulação de pessoas e idéias que precisam de
suportes materiais e simbólicos para fazer circular projetos, sem o que eles perdem
significado” (Gomes, 1999: 58).
A noção de “lugar de sociabilidade” é assim central para os propósitos aqui
pretendidos. Ela é tomada nessa dupla dimensão: uma contida na idéia de rede, que estrutura,
e outra na idéia de microclimas, que caracterizam um microcosmo intelectual particular. A
rede é uma estrutura de sociabilidade que “remete às estruturas organizacionais, mais ou
menos formais, tendo como ponto nodal o fato de se constituírem em lugares de aprendizado
e de trocas intelectuais, indicando a dinâmica do movimento de fermentação e circulação de
idéias” (Gomes, 1999:20). Já os microclimas estão secretados nessas redes de sociabilidade
intelectual e envolvem as relações pessoais e profissionais de seus participantes. Assim, a
autora compreende que esses espaços de sociabilidade são “geográficos” mas também
“afetivos”, pois neles é possível captar vínculos de amizade/cumplicidade ou mesmo de
competição/hostilidade, como também se capta uma certa sensibilidade. Trata-se, assim, de
um grupo permanente ou temporário que constitui uma espécie de “grupo intermediário” que
se situa entre o público e o privado, articulando-os (Sirinelli, 1986; Ory & Sirinelli, 1992).
Tendo-se em mente a compreensão desse entrelaçamento das “redes” com elementos
afetivos, é preciso recorrer às solidariedades de origem, de idade e de estudos e remontar as
peças de um arranjo que constitui as solidariedades de um momento. É para tanto que as três
ferramentas de pesquisa já citadas – as trajetórias, a geração e os lugares de sociabilidade –
21
são acionadas. As trajetórias fornecem a observação dos caminhos e compromissos dos
intelectuais, com suas linhas de maior intensidade, suas ideologias, suas crenças etc. A partir
de trajetórias cruzadas é possível então perceber as gerações intelectuais, cujas peças
constitutivas concentram-se nas solidariedades de idade, mas não se esgotam nelas. Gomes
afirma que o conceito de geração remete a “um grupo que constrói uma memória comum,
referida a um ‘tempo’ e a ‘acontecimentos’ que conformaram uma certa maneira de
experimentar (...) a vida intelectual” (1999: 79). Sirinelli (1986) ainda caracteriza as gerações
como multiformes, elásticas e espessas.
Assim, a história de intelectuais é arqueológica, geográfica e genealógica (Sirinelli,
1986; Ory & Sirinelli, 1992). Arqueológica devido às solidariedades de origem e aos
fenômenos de estratificação geracional; geográfica porque vincula o espaço de uma revista,
por exemplo, a um dado período; e genealógica, pois busca as influências e filiações
acionadas pelos intelectuais. Esta história, portanto, atenta para a constituição desses grupos
bem como para seus mecanismos internos de coesão e conflito.
Nesse sentido, a escrita epistolar é um outro lugar de sociabilidade fundamental, pois é
uma das modalidades de escrita de si que, para esta pesquisa, pode trazer dados preciosos. A
escrita de si está presente não só na correspondência pessoal – que, como veremos, é uma das
fontes aqui utilizadas. Ela está presente também na própria concepção da Revista do
Patrimônio, tratada como um grande “texto” cujo “autor” é seu editor, Rodrigo M. F. de
Andrade. Assume-se, desse modo, que o texto/revista é também uma “representação” de seu
autor, “que o teria construído como forma de materializar uma identidade que quer
consolidar; de outro, o entendimento de que o autor é uma ‘invenção’ do próprio texto, sendo
sua sinceridade/subjetividade um produto da narrativa que elabora” (Gomes, 2004:16).
Assim, “a escrita de si é, ao mesmo tempo, constitutiva da identidade de seu autor e do texto,
que se criam, simultaneamente, através dessa modalidade de ‘produção do eu’” (idem). Nesse
caso, a revista está sendo tratada como veículo e resultado de um processo de construção de
identidade de seu editor, da própria instituição que a edita, bem como do próprio campo do
patrimônio.
Assim, ainda de acordo com Gomes, essa abordagem faz com que se entenda a escrita
de si como tendo “editores” e não autores propriamente ditos. “É como se a escrita de si fosse
um trabalho de ordenar, rearranjar e significar o trajeto de uma vida no suporte do texto,
criando-se, através dele, um autor e uma narrativa” (idem). Por esse motivo, nesta pesquisa o
editor e os autores da Revista do Patrimônio têm foco privilegiado, e são pensados enquanto
intelectuais no sentido do termo ora apresentado.
22
Para tal abordagem, as fontes da pesquisa são, em primeiro lugar, seu próprio objeto – a
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em seus 15 números publicados entre
1937 e 1967. A ela se agrega a correspondência trocada entre o editor e também diretor do
Sphan Rodrigo e os colaboradores da publicação estudada.
Conforme afirma Luca (2006), o estatuto da imprensa na historiografia sofreu uma série
de deslocamentos a partir, sobretudo, da década de 1970, fazendo emergir não só a história da
imprensa e por meio da imprensa, mas o próprio periódico (jornal ou revista) tornou-se objeto
da pesquisa histórica. Nesse sentido, o trabalho de Capelato e Prado, “O bravo matutino:
imprensa e ideologia no jornal O Estado de S. Paulo” (1980), citado por Luca, inaugura um
novo tratamento da imprensa pelos estudos históricos: a imprensa não mais seria uma fonte
confirmadora de análises apoiadas em outros tipos de documentação e o jornal, no caso O
Estado de S. Paulo, era a “fonte única de investigação e análise crítica”.
Nesta pesquisa, igualmente, ao se tomar a Revista do Patrimônio como o objeto de
investigação histórica, considera-se o periódico não mais como fonte confirmadora para
outras análises, tal como é usual nos demais trabalhos sobre o Sphan. Ela é, portanto, ao
mesmo tempo, objeto e fonte primordial deste estudo.
Tal como já apontado anteriormente, uma revista é um lugar de fermentação intelectual
e de relação afetiva. Luca ainda complementa que as revistas são empreendimentos que
“reúnem um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por
agregarem pessoas em torno de idéias, crenças e valores que se pretende difundir a
partir da palavra escrita. Por isso Sirinelli os caracteriza como um ‘ponto de
encontro de itinerários individuais unidos em torno de um credo comum’. Daí a
importância de se identificar cuidadosamente o grupo responsável pela linha
editorial, estabelecer os colaboradores mais assíduos, atentar para a escolha do
título e para os textos programáticos, que dão conta de intenções e expectativas,
além de fornecer pistas a respeito da leitura de passado e de futuro compartilhada
por seus propugnadores. Igualmente importante é inquirir sobre suas ligações
cotidianas com diferentes poderes e interesses financeiros, aí incluídos os de caráter
publicitário” (Luca, 2006:140) [grifo do autor].
Assim, as revistas e suas redações podem ser consideradas espaços que aglutinam diferentes
linhagens políticas e estéticas; que compõem redes que estruturam o campo intelectual; e
ainda permitem refletir sobre sua formação, estruturação e dinâmica (Luca, 2006). Nesse
sentido, é fundamental a figura do editor, responsável maior pelo projeto coletivo, pelo
processo de produção material, e pela seleção de seus conteúdos. Desse modo, Rodrigo Melo
Franco de Andrade é analisado na função de editor.
Outra fonte privilegiada, como se disse, é a correspondência. A hipótese perseguida é
que tal fonte possa nos dar acesso aos “bastidores” da revista e às sensibilidades dos
intelectuais nela envolvidos. A atenção é pois concentrada na constituição dos grupos de
23
intelectuais – uma vez que os periódicos e a correspondência são lugares de sociabilidade.
Assim, a correspondência materializa relações indicadas por outros meios – como pelo
núcleo de um periódico – e mostra mais explicitamente como se constituem essas redes. Boa
parte dessa correspondência, trocada entre o editor e diretor do Sphan e os colaboradores
encontra-se no Arquivo Central do Iphan no Rio de Janeiro, onde foi consultada. Outra parte,
entretanto, ainda está sob a guarda da família de Rodrigo, que doou parte desse acervo
pessoal à Fundação Casa de Rui Barbosa.
Tais redes também serão acessadas por meio do uso da metodologia conhecida como
biografia coletiva ou prosopografia. “Prosopography is the investigation of the common
background characteristics of a group of actors in history by means of a collective study of
their lives” (Stone, 1971:46). Tal método consiste em estabelecer um universo a ser estudado
e estabelecer algumas variáveis para serem investigadas, como nascimento e morte, origens
sociais, posição econômica, educação etc. Em seguida, ainda segundo Stone, esses dados são
justapostos e examinados em seu conjunto a fim de que sejam apreendidas correlações
internas e externas a esse universo previamente definido.
Neste caso, embora não se vá fazer uso aprofundado do método, o universo selecionado
é o dos autores-colaboradores mais assíduos da Revista do Patrimônio. Assim, primeiramente
é preciso identificá-los e verificar a assiduidade de cada um desses autores no periódico, por
meio de um levantamento quantitativo. Em seguida, nossa proposta é trabalhar com dois
grupos: o dos mais assíduos – que escreveram três ou mais artigos nesses 15 números
considerados; e o dos colaboradores eventuais – aqueles que escreveram apenas um ou dois
artigos.
Identificado o grupo dos mais assíduos, procede-se ao estudo de suas trajetórias,
considerando-se, inclusive, os dados levantados a partir da correspondência e da revista –
com as seguintes variáveis a serem investigadas: nome, local e data de nascimento e morte,
família e estudos, ocupação, atuação jornalística, referências e filiações institucionais,
trajetória profissional e política, e obras principais. Com isso, proceder-se-á a um inventário
das solidariedades de origem, de idade, de estudos e institucionais desses colaboradores,
possibilitando um mapeamento de suas relações com o editor, atentando ainda para a
existência ou não de uma geração que estaria se formando, tendo como referência a
constituição do campo do patrimônio no Brasil.
Os assuntos abordados e a área de conhecimento em que o artigo escrito para a Revista
se enquadra também serão identificados e considerados, pois estes dados, ao lado dos demais
24
levantados, permitem a observação de uma maior ou menor coesão e intensidade de trabalho
do grupo em questão, assim como de seus laços de amizade.
Há que se atentar ainda para o conjunto da Revista, ou seja, para os procedimentos
tipográficos e de ilustração que acompanham os artigos, a ordem e posição dos mesmos, a
ênfase dada a determinados temas, a linguagem e a natureza de seu conteúdo, pois, “os
discursos adquirem significados de muitas formas” (Luca, 2006:140).
O campo do patrimônio tem sido objeto de inúmeros estudos recentemente,
desenvolvidos pela História e Antropologia, mas também por outras áreas disciplinares. No
caso brasileiro, pode-se dizer que as pesquisas mais lembradas são as dos antropólogos
Mariza Veloso (1992), José Reginaldo Santos Gonçalves (1996) e Silvana Rubino (1991;
1996); dos arquitetos Lauro Cavalcanti (1993) e Márcia Sant’Anna (1995 e 2005); da
historiadora Márcia Chuva (1998); da socióloga Cecília Londres Fonseca (2005); dos
museólogos Mário Chagas (2009 [2003]) e Letícia Julião (2008), entre outras
6
. Ou seja, o
campo do patrimônio conta com a contribuição de acadêmicos provenientes de diversas
disciplinas: arquitetura, antropologia, sociologia, história, museologia, para citar apenas as
mais recorrentes.
Essa produção de estudos sobre patrimônio no Brasil apresenta, além da contribuição
dos vários campos do saber, outra característica fundamental. Trata-se de quem são os
indivíduos que abordam essa questão. Dentre os autores mencionados acima, muitos deles
são ou foram funcionários do órgão federal responsável pela preservação – o Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan, atual Iphan (referente a Instituto)
7
.
Desses autores que apresentaram, pelo menos em algum momento, algum vínculo com o
Sphan, pode-se citar Cavalcanti, Sant’Anna, Chuva, Londres e Chagas. Ora, esse dado nos
remete a uma consideração relevante acerca das pesquisas sobre patrimônio no Brasil: a fala
predominante dos que estão ou estiveram dentro do órgão de preservação. Uma fala que pode
6
Dentre esses pesquisadores do patrimônio, cabe observar que alguns têm uma formação heterodoxa,
transitando pelas diferentes áreas. Esse é o caso do arquiteto Lauro Cavalcanti, que, ao realizar seu estudo sobre
o campo em questão, realizou-o sob os princípios da antropologia. Cecília Londres é outra de formação diversa:
licenciada em letras, mestre em teoria da literatura e doutora em sociologia – área disciplinar pela qual realizou
seu estudo sobre patrimônio. Mário Chagas também pode ser citado como um desses autores que transitam entre
os campos disciplinares: museólogo, desenvolveu sua pesquisa nas ciências sociais.
7
Entre 1937 e 1946, o nome da instituição foi Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan); de
1946 e 1970 era Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Dphan); no período seguinte, 1970 a
1979, recebeu o nome de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); entre 1979 a 1990,
tornou-se Secretaria (Sphan); em 1990 foi extinta por decreto, e passou a funcionar como Instituto Brasileiro de
Patrimônio Cultural (IBPC) entre 1990 e 1994; a partir de 1994 voltou a ser Instituto do Patrimônio Histórico e
25
ser permeada por bias internos do Sphan e mesmo influenciada pelos aspectos e interesses
políticos que envolvem a atuação do mesmo. Poucos são os autores-pesquisadores do campo
do patrimônio que mantêm distância das ações dessas instituições e, por esse motivo, olham
para o Serviço com maior distância das disputas internas, como é o caso de José Reginaldo
Santos Gonçalves. Assim, no caso brasileiro, predominam como estudiosos do patrimônio os
próprios formuladores de políticas para a preservação patrimonial – consideração essa que
deve permear a compreensão de tais estudos.
Esses trabalhos debruçaram-se sobre diversos aspectos do patrimônio cultural e de sua
preservação no Brasil, com diferentes objetos e com focos variados. Veloso, em sua tese “O
Tecido do Tempo: a idéia de patrimônio cultural no Brasil” (1992), focaliza o período
anterior ao Sphan, apontando para o processo de surgimento da idéia de patrimônio durante a
década de 1920. Portanto, a autora defende que esse conceito começa a se desenvolver antes
mesmo da criação do Sphan, tendo na imprensa um dos principais veículos para a circulação
e a troca de idéias entre os intelectuais, muitos deles filiados aos modernismos. Assim, a
autora examina a produção de crônicas, relatos, artigos e colunas em jornais e periódicos,
evidenciando como esse arsenal de idéias foi sendo gestado e, com isso, como a arte e a
arquitetura colonial passaram a ser valorizadas como símbolos de um passado estabelecido
como nacional.
A antropóloga, desse modo, trabalha com a problemática do tempo, que é central em
sua análise, e o faz a partir da obsessiva busca pela tradição e pelo passado por parte desses
intelectuais que conceberam a noção de patrimônio. Este, pois, expressa a tensão do tempo,
uma vez que é “um passado que quer tornar-se presente
8
, além de ser um “dom” capaz de
assegurar a reciprocidade entre diferentes gerações e entre passado e futuro. Assim, o
discurso sobre patrimônio é primordialmente ancorado na problematização do tempo e
representa uma forma de sacralização do passado, por meio do qual diferentes temporalidades
unem-se. O barroco, considerado por esses intelectuais como a origem da cultura brasileira, é
o que permite a articulação entre passado, presente e futuro no caso particular do patrimônio
construído pelo Sphan.
Já José Reginaldo Santos Gonçalves, autor de “A Retórica da Perda – os discursos do
patrimônio cultural no Brasil” (1996), contribuiu com sua análise, estabelecendo o que chama
de os dois discursos centrais do Sphan. O primeiro era o de Rodrigo Melo Franco e o
Artístico Nacional (Iphan). Durante toda a dissertação, porém, utiliza-se como padrão o primeiro nome do
órgão, Sphan, quando se referia a Serviço.
8
Veloso, 1992:34 [grifo do autor].
26
segundo, o de Aloísio Magalhães, que dirigiu o órgão por curto período (1979-1982), porém
com atuação marcante, e para além de sua gestão. Este autor apresenta a prática de
preservação do patrimônio a partir da constituição de narrativas que se anunciam como
resposta a uma situação social e histórica em que valores culturais são apresentados sob um
“risco de iminente desaparecimento”. Para tanto, são acionadas noções de perda e de
rompimento com uma situação original ou primordial de integridade e continuidade. Daí se
falar em “retórica da perda”, como marca do patrimônio.
Diante dessa iminência do desaparecimento, as narrativas de preservação incumbem-
se da missão de proteger esses valores ameaçados. Gonçalves alerta, entretanto, para um
outro lado da mesma questão: a desintegração do patrimônio é, de certo modo, propiciada
pelas próprias narrativas criadas em torno de sua proteção. Desse modo, a perda não seria
algo exterior, mas sim integrante das estratégias discursivas elaboradas no interior dessas
narrativas, para que estas sim se apropriem de uma “cultura nacional” – seja na narrativa de
Rodrigo M. F. de Andrade, seja na de Aloísio Magalhães. Ambos os discursos são
interpretados enquanto “narrativas nacionais” cujo objetivo é a construção da “memória” e da
“identidade”, de acordo com aquilo que determinados intelectuais atuantes definiam como a
“construção da nação”.
Rubino (1991), por sua vez, realiza uma etnografia do Sphan em “As Fachadas da
História: os antecedentes, a criação e os trabalhos do Sphan, 1937-1968”. A autora se debruça
sobre a proto-história do Sphan, seus documentos fundadores, sua prática e seus textos –
dentro dos quais se encontram os artigos da Revista do Patrimônio, o objeto de estudo da
presente dissertação. Com isso, ela dá uma importante contribuição sobre a produção de
conhecimento no Serviço e chama a atenção para alguns aspectos fundamentais para se
compreender como se processou a formação do campo do patrimônio. A presença de
embates, de opiniões autorais discrepantes, e de possibilidades de patrimônio, por exemplo, é
um desses elementos observados por Rubino, que também são abordados neste estudo.
A antropóloga extrai também as características dos bens protegidos durante a gestão
de Rodrigo M. F. de Andrade, chamada de “fase heróica”, a partir da análise do conjunto dos
tombamentos. Rubino examina quais as regiões, períodos de construção e tipos de bens foram
protegidos até o fim da década de 1960. As regiões mais contempladas com tombamento,
nesse período, foram, em ordem decrescente: Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Minas
Gerais. Nesses casos, a maioria dos bens protegidos foi construída ao longo do século XVIII
e se referia à arquitetura religiosa e ao que Rubino classifica como arquitetura urbana.
27
Cavalcanti, em “As preocupações do belo: monumentos do futuro e do passado na
implantação da arquitetura moderna brasileira”, analisa a relação do Sphan e dos bens
protegidos, com a implantação do ensino superior em arquitetura no Brasil e com o
desenvolvimento da arquitetura moderna. Atenta também para a presença dos intelectuais,
muitos dos quais modernistas, que adentraram a “repartição”, apontando para suas redes de
relações e disputas – como era o caso do embate travado entre Lúcio Costa e José Mariano
Filho, o primeiro defensor da arquitetura moderna e o último da neocolonial.
A também arquiteta Márcia Sant’Anna, em “Da cidade-monumento à cidade-
documento” e em “A cidade-atração: a norma de preservação de centros urbanos no Brasil
dos anos 90”, prioriza a análise da gestão urbana – único estudo que aborda este ponto dentre
os ora citados. Em suas pesquisas, observa padrões seguidos pelo Sphan na preservação dos
sítios históricos e os sintetiza em três momentos. No período inicial das atividades do
Serviço, os centros urbanos foram tratados como “cidades-monumento”, isto é, como obras
de arte acabadas, imutáveis e estáticas, evitando-se assim, entre outras coisas, o
desenvolvimento e crescimento dessas cidades como forma de gestão das mesmas. Num
segundo momento, a partir da década de 1970, os sítios históricos passam a ser tratados como
“cidades-documento”, idéia que as concebe, para além de monumentos, também como
testemunhos da organização social de diferentes períodos – o que faria jus ao nome de cidade
histórica. Numa última fase, a partir dos anos 90, desenvolve-se o que chama de “cidade-
atração”, onde o patrimônio se vincula ao conceito de mercadoria e se torna objeto de
exploração econômica, sobretudo turística. Desse modo, a arquiteta e funcionária do Sphan
alia sua prática cotidiana da gestão de políticas públicas para a preservação do patrimônio
com a reflexão acadêmica, focando em aspectos pontuais que permeiam os trabalhos do
próprio órgão.
Chuva, por sua vez, faz a única contribuição advinda da História dentre os trabalhos
mencionados. Sua investigação, “Os arquitetos da memória – sociogênese das práticas de
preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940)”, é um tanto diferente das
demais e trabalha com questões de suma relevância para esta dissertação. A autora delimita
bem a questão da “invenção” do patrimônio nacional como uma prática constitutiva dos
processos de formação do Estado e da construção da nação, forjada a partir de um projeto de
efetivação da “unidade nacional”. Para tratar tal questão, ela identifica três locus de ação
privilegiada do Sphan: a arquitetura dos “monumentos”, o exercício das práticas
administrativas e a produção impressa, dentro da qual se inclui a Revista do Patrimônio e a
série Publicações do Sphan. À produção editorial do Sphan, Chuva dedica um capítulo
28
inteiro, uma vez que é considerada uma das estratégias políticas da instituição por meio da
qual seus intelectuais legitimaram as práticas de proteção implementadas. Desse modo, as
publicações do Serviço foram eficazes no processo de construção de uma auto-imagem da
nação, ao lado da área técnica, que seleciona, classifica, protege, conserva e restaura o
patrimônio, e do Conselho Consultivo, que anuncia o “valor nacional” dos monumentos.
Fonseca, em “O patrimônio em processo – trajetória da política federal de preservação
no Brasil”, vincula a constituição dos patrimônios históricos e artísticos nacionais a uma
prática característica dos Estados modernos, tal como Chuva. Entretanto, Fonseca focaliza
outro período da atuação do Sphan: anos 1970 e 80. Analisa assim os conceitos introduzidos
no Sphan pelo Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC)
9
, que, ao adentrarem no
órgão de preservação do patrimônio, são tidos de fundamental importância para uma série de
mudanças em seus nos rumos. Tanto é que a autora divide a história institucional em “fase
heróica”, em referência às três décadas de atuação de Rodrigo, e em “fase moderna”,
referência à “renovação” ocorrida com a entrada de Aloísio Magalhães. Fonseca privilegia
ainda a participação da sociedade e de atores sociais envolvidos com a preservação do
patrimônio, aí residindo sua maior contribuição.
Chagas e Julião focam seu olhar sobre os museus. O primeiro, em “A imaginação
museal: Museu, memória e poder em Gustavo Barroso, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro”,
atenta para a contribuição desses três intelectuais que intitulam a obra no que tange ao campo
museológico. Já Julião, em “Enredos museais e intrigas da nacionalidade: museus e
identidade nacional no Brasil”, focaliza seu olhar sobre quatro empreendimentos
museológicos do Sphan em Minas Gerais nas décadas de 1940 e 50: os museus da
Inconfidência (Ouro Preto); do Ouro (Sabará); do Diamante (Diamantina); e o Regional de
São João Del Rei. A análise da constituição desses museus e de seus respectivos acervos
evidencia como a história e a história da arte foram incorporadas a essas instituições e como
se prestaram à produção imagética de um passado nacional.
Partindo-se então desses estudos sobre patrimônio, considerados basilares para esta
pesquisa, cabe finalmente apresentar sua estrutura, dividida em quatro capítulos.
O Capítulo 1 trata de algumas discussões gerais que permeiam o conceito de
patrimônio, seja enquanto escrita do passado seja enquanto categoria de pensamento, tal
como entendida pela antropologia cultural e social. Em seguida, é discutida a atuação dos
9
O Centro Nacional de Referência Cultural foi criado em 1975 por Aloísio Magalhães (que em 1979 se tornou
diretor do Sphan) e é descrito por Anastassakis como um centro de pesquisa e ação em cultura popular. Fonseca
e a própria Anastassakis discutem as ações do referido centro.
29
intelectuais do Ministério da Educação e Saúde no governo Vargas e a criação do Sphan, que
institucionaliza a proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional.
São considerados os esforços do diretor do órgão, Rodrigo M. F. de Andrade, para
construir um “passado” e uma genealogia de “pioneiros” para o Sphan. Para tanto, são
retomadas as narrativas que o próprio Sphan construiu para si e o lugar nelas ocupado por seu
diretor Rodrigo. Dentre as várias iniciativas promovidas por ele, destaca-se a edição de um
periódico que se tornou conhecido por seus méritos científicos. Assim, essa primeira parte é
encerrada com uma apresentação geral da Revista do Patrimônio, justificando-se o recorte
utilizado por esta dissertação.
No Capítulo 2, relaciona-se o papel de editor com o perfil do diretor do Sphan e editor
do periódico em questão, uma vez que o trabalho de editor é fundamental para se
compreender a publicação. Para tanto, é mobilizada principalmente a bibliografia referente à
história da leitura e do livro, sobretudo Chartier, discutindo-se a noção de editor. Um outro
eixo de discussão paralelo a esse é o do mercado editorial, que viveu um momento de grande
incremento nas décadas de 1930 e 40.
Para uma melhor compreensão do periódico na história da imprensa e mesmo do
período estudado, ainda são considerados outros periódicos publicados ao longo das décadas
de 1930, 40 e 50, observando-se possíveis diálogos ou influências – por exemplo, com a
revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, a Revista do Brasil etc. – sejam elas publicações de caráter oficial ou privado,
desde que sejam “revistas de alta cultura” como a publicada pelo Sphan.
Também nesse segundo capítulo, é realizada uma narração densa do periódico
estudado, no sentido atribuído por Peter Burke. Assim, serão descritas as características do
suporte material da Revista do Patrimônio. Com isso, realiza-se um estudo da coleção da
Revista sob a edição de Rodrigo M. F. de Andrade, abarcando os 15 números.
O Capítulo 3 discute primeiramente a noção de “autor”, uma vez que aí se privilegia a
trajetória dos colaboradores da Revista do Patrimônio, sobretudo dos mais assíduos (aqueles
que escreveram ao menos três vezes). Estes autores que mais aparecem, totalizando 16
intelectuais, são objeto de uma análise prosopográfica. Esta é a ferramenta metodológica
usada para se compreender as redes de relações estabelecidas na e pela Revista, ou seja, como
os diferentes intelectuais relacionavam-se antes de escreverem no periódico, durante e após
sua colaboração na Revista. Desse modo, se torna possível pensá-la enquanto um lugar de
sociabilidade.
30
A correspondência trocada entre o editor Rodrigo e seus colaboradores mais assíduos
também é tomada como outro lugar de sociabilidade por meio do qual se percebe a
constituição das redes e, por esse motivo, também é aí acionada. Além desses mais assíduos,
também serão contemplados intelectuais como Mário de Andrade que, embora tenha escrito
apenas dois artigos para a Revista do Patrimônio, é tido como um de seus mais prestigiosos
colaboradores. Com isso, busca-se descortinar os bastidores da produção e edição da Revista,
ou seja, o que Rodrigo espera da publicação, se os autores são convidados ou não, se ocorre
uma orientação para a escrita, se há comentários sobre a recepção do periódico etc. Desse
modo, a correspondência também é tratada como lugar de sociabilidade nesta dissertação.
Por fim, o último capítulo realiza uma análise qualitativa a partir dos dados
quantitativos apresentados nos capítulos anteriores. Analisam-se as características editoriais
particulares da Revista do Patrimônio, atentando para as hierarquias postas pela organização
dos artigos. Com isso, cada número é analisado, considerando-se a ordem de apresentação
dos artigos e/ou autores bem como dos temas, pois essa organização não é ingênua e
desinteressada. Busca-se assim mapear como o campo do patrimônio é construído pela
Revista, trabalhando-se com os temas que mais aparecem. Em seguida, o número
comemorativo de 60 anos do periódico, publicado em 1997, é examinado com o fim de se
compreender como a fase da Revista ora estudada é vista hoje pelo órgão.
31
Capítulo 1: A institucionalização do patrimônio e a constituição de uma
Academia
... o essencial não é que a cama de Van Gogh seja exatamente aquela
em que se afirma ter ele dormido: tudo o que se espera é que lhe
mostrem
Lévi-Strauss
Desde sua fundação na Europa, enquanto campo disciplinar, no século XIX, a História
relaciona-se não apenas com documentos escritos, mas também com relíquias do passado
muito valorizadas pela cultura antiquária desse período. Os antiquários permitiram que
moedas, medalhas, ruínas e outras “descobertas” do passado – fragmentos herdados desse
passado no presente – passassem a ser considerados fontes de pesquisa histórica, carregando
consigo o que se entendia como a verdade. Os objetos colecionados pelos antiquários, a partir
de sua concretude material, possuíam assim um apelo evocativo a épocas longínquas e eram
tidos como “a prova verdadeira do passado” (Lowenthal, 1998:160). Desse modo, esses
“monumentos” tangíveis eram tidos como testemunhos ou provas materiais da existência de
um passado passível de ser acessado, quer por meio de documentos escritos, quer por restos
materiais. Nesse sentido, destaca-se a tradição dos letrados alemães a partir de
Winckelmann
10
que, ainda no século XVIII, produziu, através de seus estudos de escavações,
um modelo civilizatório fundado na antigüidade greco-romana. Daí o papel central que esse
período de tempo assume como referência de autoridade
11
na cultura letrada oitocentista.
As relíquias (ou fragmentos) são assim fontes de conhecimento do passado, operando
junto à história e à memória. Dentre esses meios de apreender essa temporalidade, destaca-se
a prática antiquária oitocentista de colecionar e preservar monumentos, trazendo o passado
para o presente. Paralelamente, ocorre a disciplinização da história
12
, que se separa, porém,
10
Johann Joachim Winckelmann (1717-1768), historiador da arte alemão, pode ser considerado um dos
fundadores do que se chama de classicismo e também da arqueologia moderna – em função de seus estudos de
escavações de Pompéia e Herculano. Ver Süssekind, 2008.
11
O historiador Hartog apresenta a autoridade como um outro nome da tradição, uma vez que a autoridade
“designa os modos de sua expressão e o aparelho de sua transmissão” (Hartog, 2006:23). Ele explica ainda que
no Ocidente, a autoridade está relacionada ao retorno ao antigo, ao passado como fonte de autoridade, mas
também como produtor e promotor de autoridades – equivalente à autoridade dos fundadores, dos ancestrais. O
autor, porém, faz um questionamento sobre a relação de autoridade e futuro e de autoridade e presente, sendo
este presente presentista – conforme se verá adiante.
12
O projeto científico de Ranke (1795-1886), tido como um dos fundadores da ciência histórica, reside no
exame das fontes primárias, suporte da escrita do passado e entendidas basicamente como as fontes escritas –
“registro considerado prioritário para as tarefas da nova disciplina que buscava afirmar-se no espaço acadêmico
32
da prática colecionista, uma vez que a história não coleciona tampouco traz o passado para o
presente. O historiador, diferentemente do antiquário, elabora uma narrativa dizível através
de um trabalho crítico sobre fontes fundamentalmente escritas, no século XIX, trabalhando
com um passado que pode estar materialmente presente, mas é ausente temporalmente.
Portanto, prática colecionista e história, embora relacionadas, não se confundem, como
bem aponta Guimarães:
a prática dos antiquários assim como a dos historiadores modernos
constituem duas possibilidades distintas e diversas de acionar práticas
tendentes a uma relação com o passado e que implicam em procedimentos e
regras que envolvem não apenas a memorização como também a
transmissão, dando origem a uma escritura que definirá o legítimo ou
ilegítimo em relação ao conhecimento deste passado. O primeiro – o
antiquário – torna o passado em presença materializada nos objetos que o
circundam; o segundo – o historiador – torna o passado distante e objeto de
uma reflexão científica, cognoscível apenas por este procedimento
intelectual capaz de apreender este passado como processo, como um vir-a-
ser do presente (Guimarães, 2007:25).
Guimarães explica ainda que a cultura antiquária insere-se numa cultura do objeto, que
valoriza os procedimentos da autópsia. Ou seja, na cultura antiquária privilegia-se a visão em
detrimento do escrito: “Trata-se, na verdade, da disputa entre procedimentos que ainda têm
na escrita a fonte para o conhecimento dos objetos dispostos ao olhar e aqueles que buscam
uma autonomia do objeto em relação ao escrito” (Guimarães, 2007:23).
Observa-se, com isso, a valorização da visão, ainda que em diferentes níveis, tanto
nos procedimentos utilizados pela história (o olhar sobre as fontes escritas) como na prática
colecionista (o olhar sobre o objeto). Como se verá adiante, a valorização da visão está
intimamente relacionada com a constituição do campo de saber histórico e antropológico.
Assim:
Enquanto o olhar do antiquário parece aproximar o passado do presente,
estabelecendo uma relação entre o visível e o invisível segundo
determinados dispositivos, produz, para este mesmo passado, uma
visibilidade segundo a qual não são os dispositivos de uma cronologia (por
vezes associada a uma rígida relação de causação) que estabelecem os nexos
entre o que se pode ver e aquilo que se torna, pelas mesmas razões,
invisível” (Guimarães, 2007:25).
Nesse sentido, a relação entre passado, presente e futuro é explicitada pelo interesse pelas
antigüidades nacionais, e não somente a clássica. Ora, isso surge no século XIX, quando a
prussiano da Universidade de Berlim” (Guimarães, 2007:26). Porém, datam também do fim do século XVIII e
início do XIX, os esforços de organizar um passado através de sua visibilidade em museus, especialmente na
França pós-revolucionária.
33
construção dos Estados nacionais demanda a invenção de tradições também nacionais e de
um passado histórico comum, dando lugar de destaque à historiografia nascente.
Assim, a valorização do passado nacional só teria ocorrido a partir de um olhar
modernamente constituído para incorporar tais artefatos como parte da tradição e do passado
dos Estados nacionais, ou seja, dessas “comunidades imaginadas” (Anderson, 1989). Como
apontam diversos autores
13
, esta problemática fundamenta uma preocupação política
moderna, a da criação dos estados nacionais. Assim, apesar da prática do colecionamento ser
milenar e universal, podendo inclusive se apresentar com propósitos muito diferentes, ela se
apresenta com essa nova forma nas sociedades modernas ocidentais (Gonçalves, 2007).
1.1 Patrimonialização do passado: entre o visível e o invisível
Essas narrativas “modernas” acerca do passado nacional envolvem, dentre outras
ações, a patrimonialização desse passado. Na Europa, a patromonialização desenvolve-se ao
longo do século XIX e no Brasil em meados do século XX, a partir da década de 1930. Nota-
se, entretanto, que nos últimos decênios tais ações e narrativas ganharam novo fôlego em
âmbito mundial. Ora, esse fenômeno deve ser interpretado a partir da noção de regime de
historicidade de Hartog. Esse autor considera que desde o fim da Guerra Fria, vive-se sob o
regime presentista, em que o presente é ampliado e onde o passado é acionado.
Conclama-se o passado não mais para orientar o futuro (como no regime da historia
magistra vitae, que predominou na cultura oitocentista). A relação não se dá mais entre
passado e futuro, mas sim entre passado e presente, pois o excesso de imediatismo que
caracteriza o regime de historicidade presentista gera esquecimento. Para combatê-lo, evoca-
se o passado – o que gera a proliferação de políticas culturais e que visam à preservação da(s)
memória(s), de comemorações e ainda a chamada “musealização do mundo”.
“Musealizar o mundo” é, de certa forma, tornar o passado “visível” através de rituais
comemorativos e de ações que transformam em patrimônio cultural objetos, “lugares” e
também práticas. A “visibilidade” confere sentidos e realiza mediações que, de outro modo,
seriam de difícil compreensão. O “eu vi” é um operador de crença. Hartog (1999:280) afirma
que “o que se encontra em jogo é a questão do visível e do dizível: eu vejo, eu digo; eu digo o
que vejo; eu vejo o que posso dizer; eu digo o que posso ver”. Trata-se de uma “autópsia”, de
34
uma “potência dos olhos”, que organiza o conhecimento histórico e o remete ao
“testemunho”: “A experiência que funda o saber histórico não se reduz ao sentido da visão,
mas organiza-se com base nos dados que obtém” (Hartog, 1999:277) – embora isto não tenha
tido validade ao longo de toda a historiografia
14
.
Guimarães enfatiza que é a visão do passado, mais do que a leitura textual, que confere
um poder de convencimento e persuasão para a cultura histórica iluminista, articulando de
modo peculiar escrita e imagem e dando novo sentido ao passado. Este passa a ser pensado a
partir das demandas de uma produção identitária – a dos Estados nacionais – particular ao
século XIX.
Na antropologia, sobretudo no desenvolvimento da etnografia, a visão e a observação –
por meio da “observação participante” – fundamentam o conhecimento construído, ao lado da
“autoridade experencial” (Clifford, 1998). Por isso, desenhos, fotografias e posteriormente
filmes e vídeos passaram a integrar os meios que permitem aos etnógrafos realizarem suas
elaborações acerca das culturas estudadas. Conforme aponta Meneses (2003), tal orientação
manifesta-se desde a estruturação da antropologia enquanto disciplina científica
15
, e
praticamente coincide com o início do desenvolvimento da fotografia, na metade do século
XIX. A observação do visível, ou seja, das cerimônias, hábitos, práticas, artefatos etc.,
permitiria a inferência do não-visível. Essa concepção se desenvolverá com tanta
complexidade e fundamentação, que no século XXI se constituem as chamadas “antropologia
do olhar” e “antropologia visual”, a partir do reconhecimento do potencial informativo das
fontes visuais e imagéticas e da sua natureza discursiva. Assim, é cada vez maior a
importância dada à questão da visualidade também na antropologia, que se preocupa com os
13
Na historiografia francesa, destacam-se as obras de Poulot (1997; 2006) e de Babelon & Chastel (1994) sobre
a relação do desenvolvimento das preocupações colecionistas e patrimoniais com a fundação dos estados
modernos.
14
Hartog (1999:278-279) explica que “A primeira forma de história, aquela que Hegel chama de ‘história
original’, organiza-se em torno de um ‘eu vi’ – e esse ‘eu vi’, do ponto de vista da enunciação, dá crédito a um
‘eu digo’, na medida em que digo o que vi. O invisível (...) eu torno ‘visível’ através de meu discurso. Ao
contrário, no segundo tipo de história (positivista, se se quer), apagam-se e condenam-se as marcas da
enunciação. Desenrola-se então, no silêncio dos arquivos, a longa cadeia de acontecimentos (...). Ausente no
estado de marcas, a enunciação subsiste, entretanto, sob a forma de vestígios. (...) Com o retorno do
acontecimento, a situação muda. Desta maneira, se ‘eu vi’ o acontecimento, vocês o viram igualmente. Desde
então, ser historiador consiste em dizer o que se viu. Com efeito, com que finalidade? Consiste antes em
interrogar-se sobre o visível e as condições de visibilidade. Afinal, o que é o visível? Ou seja: interessa não mais
o que eu vi, mas o que é que eu vi”.
15
Os recursos visuais já eram utilizadas na identificação de “tipos humanos” pela Antropometria e mesmo pela
Geografia, cujo conteúdo era positivista: “a observação rigorosa e neutra, evitando contaminar o objeto
observado com as idiossincrasias de seu observador, era o caminho seguro para o conhecimento” (Meneses,
2003:16).
35
mecanismos de produção de sentido, isto é, com o sentido dialógico das imagens – sentido
este socialmente construído e mutável, e não pré-formado ou imanente à fonte visual.
Meneses então sintetiza as relações dos campos disciplinares antropológico e histórico
com o visível e o visual:
Nessa passagem do visível para o visual, foi necessário reconhecer e, de
certa maneira, integrar três modalidades de tratamento: o documento visual
como registro produzido pelo observador; o documento visual como registro
ou parte do observável, na sociedade observada; e, finalmente, a interação
entre observador e observado (2003:17).
Ora, o que aqui nos interessa, considerando a questão dos regimes de historicidade, é a
relação do “visível” que se estabelece entre passados e os objetos que compõem o
“patrimônio histórico e artístico nacional” ou, como mais recentemente se prefere denominar,
o “patrimônio cultural”. Este pode ser interpretado como uma escrita do passado, entre outras
possíveis, mas também pode ser pensado como uma categoria de pensamento. O patrimônio
tem como função primordial realizar mediações: do presente com o passado, da memória com
a história, da parte com o todo, do individual com o coletivo etc., tanto na dimensão temporal
quanto na espacial, tangível e intangível. Em suma, o patrimônio estabelece uma ponte entre
o invisível e o visível, em seus diversos aspectos.
Os objetos que são classificados
16
como patrimônio, após serem retirados da circulação
cotidiana, desempenham a função social e simbólica de realizar a mediação entre o passado, o
presente e o futuro de um grupo social, assegurando assim sua continuidade temporal e sua
integridade espacial. É por esse motivo que muitos dos bens patrimoniais estão associados ao
passado e/ou à história da nação, sendo classificados como “relíquias” ou “monumentos”.
Estes “constituem um tipo especial de ‘propriedade’: a eles se atribui essa capacidade de
evocar o passado e, desse modo, estabelecer uma ligação entre passado, presente e futuro. Em
outras palavras, eles garantem a ‘continuidade’ da nação no tempo” (Gonçalves, 2007:122).
Le Goff, em um texto essencial – “Documento/Monumento” –, evidencia que a história
só é possível quando o passado deixa traços – que são suportes da memória coletiva. E o que
sobrevive e nos é transmitido, é resultado de uma seleção ou escolha: no caso dos
monumentos/documentos, trata-se de uma “herança do passado”, que pode sofrer a
interferência do historiador. Esse mesmo autor define “monumento” a partir de suas origens
filológicas, como “tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação” e tem
como característica “ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das
16
Gonçalves (2007) ressalta a relevância dos sistemas de classificação desses objetos materiais, sem os quais
não há uma existência significativa.
36
sociedades históricas (...)” (Le Goff, 2003:526). “Documento”, por sua vez, parte do latim
“docere” – ensinar –, mas ganha, ao longo do tempo, o sentido de prova, afirmando-se
essencialmente por meio dos suportes/testemunhos escritos. No entanto, desde o fim do
século XIX, o termo documento foi se ampliando e se sobrepondo ao de monumento, como
mostra Le Goff.
Assim, primeiramente, a noção de documento restringia-se a um texto. Com os
Annales, o termo adquire um sentido maior, podendo ser escrito, ilustrado, sonoro, imagético,
tridimensional etc. Na década de 1960, ocorreu então uma “revolução documental”,
paralelamente ao desenvolvimento crescente do interesse da história pelos chamados homens
comuns – e não mais apenas dos grandes homens. Inaugura-se uma “era da documentação de
massa”, que incorpora não apenas novos suportes, como também novos exemplos de
documentos, inclusive produzidos com a participação do historiador. Além disso, a história
quantitativa também altera o estatuto do documento, não mais considerado isoladamente, mas
em uma série. Com isso, o autor afirma que o documento é fruto não apenas de uma herança
do passado, mas de uma sociedade que o produziu, e precisa ser analisado enquanto
monumento. Logo, “O documento é monumento. Resultado do esforço das sociedades
históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de
si próprias” (Le Goff, 2003:538).
Desse modo, se tanto os objetos classificados como patrimônio quanto os
documentos/monumentos realizam a mediação temporal e espacial, então o patrimônio pode
ser compreendido também como uma espécie de coleção de documentos/monumentos.
Dessa mesma idéia, advém o conceito de semióforo, proposto por Pomian. Trata-se de
objetos de variados suportes físicos que, por carregarem consigo certos sinais, realizam
mediações entre uma dimensão perceptível à visão e outra semiótica, simbólica. Por isso, esse
conceito que poderia ser aproximado daquele de documento/monumento, por sua capacidade
de “provar” e de “ligar”, assegurando a continuidade de um grupo no tempo.
Segundo Pomian, os semióforos são retirados temporária ou definitivamente do circuito
das atividades econômicas e são expostos ao olhar do público. Ou seja, a exposição ao olhar é
central em sua constituição. São eles, fundamentalmente, que constituem o que é selecionado
como patrimônio, garantindo uma relação com um tempo anterior, tempo esse que é uma
condição para a inteligibilidade do presente. O patrimônio, com isso, dá sentido à passagem
do tempo a partir de sua materialidade, de sua visibilidade. Desse modo, os traços do passado
permitem a reconstrução de uma cadeia temporal e hereditária, que vincula o presente às
gerações precedentes, estabelecendo laços sociais de continuidade, e respondendo a
37
demandas das coletividades humanas
17
. No entanto, nem todo semióforo e
documento/monumento que sobrevive ao tempo transforma-se em patrimônio.
O patrimônio é resultado de uma produção marcada historicamente em que, como
afirma Pomian, esvazia-se a função para a qual foi criado, dando-lhe uma nova qualidade,
distinta daquela, a fim de que o objeto possa ser exposto e cumprir seus novos papéis. O
patrimônio apresenta, portanto, funções práticas e simbólicas, na medida em que idéias e
valores são associados aos objetos que o constituem. Esse processo, não sendo natural,
expressa uma “experiência codificada segundo regras variáveis cultural e historicamente”
(Gonçalves, 2007:50).
Para além das relações temporais e espaciais atribuídas aos monumentos e já abordadas,
outras conexões complementares devem estar presentes para que tais objetos possam ser
transformados em patrimônio. Uma delas é a relação metonímica, associando a parte ao todo,
o concreto ao abstrato, o proprietário à propriedade etc.:
através de uma relação presente e ativa de ‘propriedade’ ou através de uma
relação baseada na ‘memória’, o que é importante assinalar é que, em ambos
os casos, (...) se estabelece uma relação metonímica entre proprietário e
propriedade; e entre monumentos e passado. A propriedade é considerada
parte do proprietário; e vice-versa. Os monumentos são considerados parte
orgânica do passado e, na medida em que os possuímos ou os olhamos,
estabelecemos, por seu intermédio, uma relação de continuidade com esse
passado (Gonçalves, 2007:123).
Nesse sentido, Ouro Preto, por exemplo, com a arquitetura e arte barrocas são visualizados
em termos de sua relação metonímica com o passado e a identidade brasileira.
Essa relação metonímica entre propriedade e proprietário é considerada uma das
principais características do patrimônio pelo antropólogo José Reginaldo Santos Gonçalves.
Ele observa que, em muitas culturas, os bens materiais não são classificados como objetos
separados de seus proprietários, sendo uma espécie de extensão moral deles e fazendo com
17
As relíquias, embora permitam a construção desses laços, apresentam suas limitações, que advém exatamente
de seu poder específico, isto é, do fato de serem visíveis/materiais. Uma delas diz respeito ao âmbito restrito do
passado que elas podem apontar: “As relíquias nos oferecem apenas conjecturas sobre comportamentos e
convicções; para demonstrar reações e motivos do passado, os artefatos precisam ser ampliados por relatos e
reminiscências. Essa é uma grave desvantagem, pois são os ‘pensamentos, sentimentos e ações... [que] são a
substância da história, e não paus, pedras e bombazinhas’. Ao contrário da história e da memória, cuja própria
existência prenuncia o passado, o passado tangível não tem vida própria. As relíquias são mudas; elas requerem
interpretação para exprimir sua função de relíquia” (Lowenthal, 1998:156-157). Uma outra questão dos
fragmentos/objetos do passado apresentados por Lowenthal, é que eles são estáticos. Esses objetos exibem
momentos “suspensos no tempo”: “A notória visibilidade das relíquias, especialmente as antigas construções,
acarreta a tendência de superestimar – e supervalorizar – a estabilidade do passado” (Lowenthal, 1998:157).
38
que matéria e espírito se confundam
18
. Da mesma forma que uma pessoa pode ter sua
identidade definida a partir da posse de determinados bens, uma “nação” também se
reconhece pela posse de seus bens culturais, como um indivíduo coletivo. Assim a nação é
equacionada a indivíduos reais, sendo portadora dos mesmos atributos
destes: caráter, personalidade, autonomia, vontade, memória etc. (...) a
nação é pensada como uma unidade objetiva, autônoma, dotada de nítidas
fronteiras territoriais e culturais e de continuidade no tempo (Gonçalves,
2007:120-121).
Essa função simbólica relaciona-se com os processos de formação de autoconsciência
individual e coletiva, isto é, tem poder identitário ao expressar simbolicamente as identidades
individuais e coletivas e organizar sua auto-percepção. O patrimônio composto por objetos,
portanto, estabelece nexos de pertencimento e metaforiza relações imaginadas. A esse
respeito, Lowenthal afirma que: “Como símbolos duradouros da história e da memória, as
relíquias tangíveis também simbolizam identidade nacional” (Lowenthal, 1998:166). Já
Gonçalves vai além e apresenta como um dos efeitos do patrimônio, a demarcação de um
“domínio subjetivo em oposição a um determinado ‘outro’”. Daí definir patrimônio como
“coleções de objetos móveis e imóveis apropriados e expostos por determinados grupos
sociais” (Gonçalves, 2007:109).
Este autor não se prende à tese da “invenção das tradições”
19
de Hobsbawn e Ranger
(1984), optando pela de “inventividade das tradições” de Sahlins (1999) e de Roy Wagner: os
“patrimônios culturais” nos inventam, ou seja, constituem nossa subjetividade, ao mesmo
tempo em que nós construímos os patrimônios no tempo e no espaço. Nas suas palavras:
quando classificamos determinados conjuntos de objetos materiais como
‘patrimônios culturais’, esses objetos estão por sua vez a nos ‘inventar’, uma
vez que eles materializam uma teia de categorias de pensamento por meio
das quais nos percebemos individual e coletivamente (Gonçalves, 2007:29).
Outra discussão que permeia o patrimônio diz respeito à indissociabilidade das
dimensões tangível (ou material) e à intangível (ou imaterial) que muitas vezes aparecem
como se fossem mutuamente excludentes ou separáveis e distintas, sobretudo quando se
observa o discurso “oficial” do Sphan. Cabe, assim, enfatizar que o tangível e intangível do
patrimônio estão embutidos um no outro e que tal separação só apresenta alguma validade
para os fins de proteção jurídica estabelecida para cada um dos bens, ainda que de modo
18
Gonçalves apropria-se da noção de “fatos sociais totais” de Marcel Mauss (1974) por afirmar que os bens
culturais que compõem o patrimônio são de natureza econômica, moral, religiosa, mágica, política, jurídica,
estética, psicológica e fisiológica simultaneamente, indo muito além de atributos “essencialmente utilitários”.
19
A partir da segunda metade do século XIX, um vasto conjunto de “tradições” foram inventadas com a
finalidade de criar e comunicar “identidades nacionais”.
39
bastante frágil
20
. Ou seja, essa dicotomia, criada artificialmente, é irrelevante para o estudo
das questões voltadas ao patrimônio
21
.
Como bem observa Gonçalves, é curioso o uso da noção de “patrimônio intangível”
para bens tão tangíveis como lugares, festas, espetáculos e alimentos. Para ele, isso seria uma
influência da moderna concepção antropológica de cultura.
Cabe aqui distinguir então os dois significados que a noção de cultura assumiu
historicamente. Há uma concepção clássica, em que a cultura é pensada enquanto processo de
auto-aperfeiçoamento humano e uma segunda, que se torna vigente a partir do século XVIII,
e entende as culturas como expressões orgânicas da identidade dos diversos grupos humanos.
Na concepção clássica, a cultura associa-se à idéia de trabalho, de esforço constante e
consciente de formar e aperfeiçoar os seres humanos. Já no segundo caso, a cultura é pensada
fundamentalmente como expressão da alma coletiva, assumindo o sentido relativista que veio
marcar a história da antropologia ao longo do século XX.
José Reginaldo Santos Gonçalves chama a atenção ainda para a repercussão desses dois
entendimentos da cultura nos usos da categoria patrimônio:
Se por um lado, este [o patrimônio] pode ser entendido como a expressão de
uma nação ou de um grupo social, algo portanto herdado; por outro ele pode
ser reconhecido como um trabalho consciente, deliberado e constante de
reconstrução. Se os dois lados estão presentes na categoria patrimônio, este
parece funcionar como uma espécie de mediador sensível entre essas duas
importantes dimensões da noção de cultura. Os patrimônios podem assim
exercer uma mediação entre os aspectos da cultura classificados como
‘herdados’ por uma determinada coletividade humana, e aqueles
considerados como ‘adquiridos’ ou ‘reconstruídos’, resultantes do
permanente esforço no sentido do auto-aperfeiçoamento individual e
coletivo” (Gonçalves, 2007:225).
É importante então considerar que patrimônio é uma categoria ambígua que transita
entre o material e o imaterial, reunindo em si as duas dimensões. Assim, a noção de
20
No que diz respeito à atuação do Sphan, Adler Castro (2006) atenta muito bem para algumas questões
relativas à proteção e à preservação. Preservação aí é compreendida de um modo mais amplo e envolve
múltiplas ações que visam a perenização de qualquer forma de manifestação humana. A documentação, o
registro fotográfico, cinematográfico, sonoro ou escrito, bem como um estudo e o planejamento urbano são
instrumentos de preservação de algo. Já a proteção, também voltada para a preservação, refere-se a uma ação
legal
que visa a obstar a destruição ou mutilação de uma coisa de valor cultural, no caso do patrimônio. A partir
dessa distinção – apropriada de Rabello (2009 [1991]), preservação não equivale a proteção, que, no caso
específico dos bens culturais, se vincula ao tombamento. O historiador Adler chama a atenção para os efeitos
jurídicos do tombamento e do registro – instrumentos referentes, respectivamente, a um patrimônio “material” e
a outro “imaterial”. Conforme ele argumenta, o registro, criado pelo Decreto n
o
3.551, de 04 de agosto de 2000,
não protege efetivamente; apenas cria um mecanismo de documentar uma determinada atividade, contribuindo
para sua preservação – coisa que já era realizada pelo Sphan desde sua fundação. Desse modo, a dicotomia
criada entre patrimônio material e imaterial é mostrada como falsa.
21
Além do artigo de Castro (2006), ver também Ângelo Oswaldo de Araújo Santos (2001).
40
patrimônio cultural, enquanto categoria do entendimento humano, re-materializa a noção de
“cultura” que, no século XX, foi desmaterializada em favor de noções mais abstratas.
Ainda fazem parte das principais discussões que permeiam a categoria patrimônio as
classificações “tradicional” e “autêntico”, que muitas vezes a acompanham. Ao tratar de
autenticidade, Gonçalves afirma que tal valor pode ser concebido de duas formas distintas:
pelo que ele chama de “autenticidade aurática”, cuja concepção centra-se na não
reprodutibilidade dos objetos, voltando-se para sua originalidade, singularidade e
permanência; e pelas formas “não auráticas”, articuladas pelo princípio da reprodutibilidade,
nas quais os objetos são reproduzidos, copiados e transitórios.
Assim, o patrimônio é uma categoria do pensamento e uma das possibilidades de
escritas do passado que realiza uma mediação visual, metonímica, temporal e espacial,
articulando o visível ao invisível, o passado ao presente, criando nexos de pertencimento e
noções de subjetividade. Enfim, evocando e representando a memória e estabelecendo
sentido ao transcurso do tempo. Nas palavras de Gonçalves,
Os patrimônios culturais são estratégias por meio das quais grupos sociais e
indivíduos narram sua memória e sua identidade, buscando para elas um
lugar público de reconhecimento, na medida mesmo em que as transformam
em ‘patrimônio’. Transformar objetos, estruturas arquitetônicas, estruturas
urbanísticas, em patrimônio cultural significa atribuir-lhes uma função de
‘representação’ que funda a memória e a identidade. Os diálogos e as lutas
em torno do que seja o verdadeiro patrimônio são lutas pela guarda de
fronteiras, do que pode ou não pode receber o nome de ‘patrimônio’, uma
metáfora que sugere sempre unidade no espaço e continuidade no tempo no
que se refere à identidade e à memória de um indivíduo ou de um grupo. Os
patrimônios são, assim, instrumentos de constituição de subjetividades
individuais e coletivas, um recurso à disposição de grupos sociais e seus
representantes em sua luta por reconhecimento social e político no espaço
público (Gonçalves, 2007:155).
Por esse motivo – a “luta por reconhecimento social e político no espaço público” – é que as
ações que levam à escolha do que se classifica como patrimônio devem ser pensadas como
conscientes e intencionais. Por isso, é fundamental o momento político, social e cultural, no
qual o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan foi criado, no Brasil,
passando a construir uma noção de patrimônio como base da identidade nacional.
41
1.2 O patrimônio no Brasil
Durante o regime Vargas, as proporções consideráveis a que chegou
a cooptação dos intelectuais facultou-lhes o acesso aos postos e
carreiras burocráticos em praticamente todas as áreas do serviço
público (educação, cultura, justiça, serviços de segurança etc.). Mas
no que diz respeito às relações entre os intelectuais e o Estado, o
regime Vargas se diferencia sobretudo porque define e constitui o
domínio da cultura como um “negócio oficial”, implicando um
orçamento próprio, a criação de uma “intelligentzia” e a intervenção
em todos os setores de produção, difusão e conservação do trabalho
intelectual e artístico.
Miceli
As narrativas acerca do patrimônio no Brasil permeiam todo esse debate, vinculadas
especialmente ao órgão federal responsável pela preservação do patrimônio desde 1937,
quando o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan foi oficialmente
criado. Aí, podem-se identificar duas grandes narrativas: uma organizada em torno do
princípio da monumentalidade e outra em torno do princípio do cotidiano, que coexistem e se
complementam, mas que se opõem dialogicamente dentro do Serviço.
Esses discursos do patrimônio articulam-se enquanto narrativas, sejam elas
modalidades de expressão escrita ou oral. Nessas narrativas, relata-se a história de uma
determinada coletividade, identificam-se seus heróis e acontecimentos marcantes, e os
lugares e objetos que “testemunharam” sua presença.
No registro da monumentalidade, o passado é considerado hierarquicamente superior ao
presente, valorizando-se com isso a idéia de tradição como mediadora entre o passado e o
presente. O passado aparece, assim, de modo exemplar, estabelecendo uma relação de
continuidade. É essa narrativa, denominada muitas vezes de “pedra e cal”, que predomina no
discurso de Rodrigo Melo Franco de Andrade, o primeiro diretor do Sphan, que permaneceu
no cargo por trinta anos. Nela, costuma-se valorizar os monumentos no sentido clássico do
termo, isto é, por sua exemplaridade cultural e estética, materializando a tradição,
assegurando a identidade nacional. A idéia da nação é representada como um todo coerente e
homogêneo.
Já no registro do cotidiano, o presente é valorizado, e o passado, não mais acessível por
meio de uma tradição, é relativizado: são tantos passados, tantas memórias, quantos são os
grupos sociais. O resultado dessa narrativa é a heterogeneidade como configuração definidora
da sociedade nacional, destacando-se a experiência pessoal e coletiva dos diversos grupos.
Essa é a narrativa que vigora a partir da gestão de Aloísio Magalhães, no fim da década de
42
1970. Nela, valorizam-se os “bens culturais” integrantes da vida presente dos diversos
segmentos da população, em detrimento dos “bens patrimoniais”, associados ao passado da
nação e à narrativa da monumentalidade. Se neste último discurso, o da monumentalidade, o
patrimônio aparece como um totalizador, na forma de monumentos, cujo destino é a
permanência; nesta outra chave, destacam-se objetos, espaços e atividades exercidas pelos
segmentos sociais em sua vida cotidiana, marcada pela transitoriedade. “Além disso, como
conseqüência da valorização do presente, esses bens culturais serão pensados como
instrumentos de construção de um futuro, na construção do ‘desenvolvimento’” (Gonçalves,
2007:152).
Assim, à primeira narrativa corresponde um espaço público monológico, e mais
fechado, enquanto na segunda aparece um espaço polifônico e mais aberto. Em outras
palavras, no registro da monumentalidade, o espaço público é pensado de forma homogênea,
sem conflitos, diferenças e pluralidade, enquanto no registro do cotidiano prevalece a
diversidade de pontos de vista e a nação não é algo acabado, e sim em permanente processo
de transformação.
Ora, essas duas narrativas, em torno da monumentalidade e do cotidiano, podem ser
pensadas através do conceito de “regimes de historicidades” de Hartog e, como tais, não
existem em estado puro, coexistindo distintos regimes. Como vimos, o registro da
monumentalidade toma o passado como exemplo e, por isso, pode ser inscrito no regime da
historia magistra; já o segundo, do cotidiano, inscreve-se mais adequadamente no regime
“moderno” de historicidade, uma vez que sua ação visa fundamentalmente o futuro. Contudo,
do mesmo modo que ocorrem com os regimes de historicidade, os registros da
monumentalidade e do cotidiano podem coexistir, combinando-se com ênfases variadas.
Considerando-se uma narrativa ou outra, o que está em jogo é que o patrimônio, bem
como as relíquias que representam um passado presente são, em última instância, “uma fonte
finita e não renovável” (Lowenthal, 1998:150), donde a necessidade de implementação de
políticas para sua preservação.
A política de patrimônio, portanto, não apenas indicaria o cuidado e a
atenção com uma herança, com um legado que se acredita valioso o
suficiente para ser conservado, com a posse de bens que seriam propriedade
de uma sociedade, mas, sobretudo, apontaria na direção de uma relação com
o tempo, mais especificamente com o passado, e um passado ‘cuja forma de
visibilidade importaria para o presente’ (Guimarães, 2007:15).
É nesse sentido que se deve compreender a criação do Sphan, ocorrida nos anos 1930, como
parte de um projeto político bem maior: o do primeiro governo Vargas.
43
A Revolução de 1930, que deu fim à Primeira República, iniciou um grande conjunto
de mudanças no campo político-cultural. Logo após a Revolução, um dos primeiros atos de
Getúlio Vargas foi a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública – MES – que foi
apresentado como um dos meios para uma ansiada renovação do país, daí sua ação ser
voltada para o futuro e para a formação do “novo homem brasileiro”.
O Brasil que se anunciava naquele momento, fundava-se num projeto que visava
“assentar as bases da nacionalidade, edificar a Pátria, forjar a brasilidade” (Lissovsky & Sá,
1996: xix). Estes mesmos autores falam mais especificamente do MES nesse projeto que se
buscava implementar:
Em longa exposição de motivos a Getúlio Vargas, em 1935, Capanema
cunhou a marca de sua administração: o ‘Ministério do Homem’, destinado
a ‘preparar, compor e aperfeiçoar o homem do Brasil’. A ‘valorização’ do
homem brasileiro era, no entender do ministro, um projeto cultural, ‘pois
cultura significa a nítida e impressiva presença do homem’ diante da
natureza e das ‘forças circundantes’, impondo a elas sua vontade. Como
instrumento do advento desse homem, destinado sobretudo a ‘viver pela
nação, nela integrado de corpo e alma’, o Ministério da Educação e Saúde
Pública deveria inclusive chamar-se ‘Ministério da Cultura Nacional’
(Lissovsky & Sá, 2000: 50).
Mas o primeiro nome escolhido para chefiar o MES não foi o de Gustavo Capanema,
acima mencionado, mas o do também mineiro Francisco Campos. Campos estava associado à
reformulação da educação em seu estado natal, na década de 1920, sendo sucedido, em 1932,
por outro mineiro, Washington Pires, que, como o primeiro, também se associava a reformas
educacionais. Só em 1934, após ser eleito indiretamente presidente, Getúlio Vargas nomeou
Gustavo Capanema
22
para chefiar o MES.
Capanema, diferentemente de seus antecessores, permaneceu por mais de uma década à
frente do MES (1934-1945), imprimindo nele sua marca. Apesar de não ter colocado a
cultura como uma de suas prioridades em seu discurso de posse, muito contribuiu para seu
22
Gustavo Capanema (1900-1985), advogado de formação, teve vasta carreira política. Em 1927, foi eleito
vereador de sua cidade natal, Pitangui (MG). Dois anos depois, aderiu à Aliança Liberal, coalizão oposicionista
formada pelos governos de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, que tinha como candidato Getúlio
Vargas. Foi oficial-de-gabinete de Olegário Maciel em 1930 quando este assumiu o governo mineiro. Nesse
mesmo ano, ocupou o cargo de secretário do Interior em Minas e organizou em seu estado o Partido Progressista
(PP). Em 1933, com a morte de Olegário Maciel, assumiu interinamente o cargo de interventor federal em
Minas. Em 26 de julho de 1934, Capanema foi nomeado para a pasta da Educação e Saúde Pública, cargo que
ocupou até a saída de Vargas em 1945. Enquanto ministro, realizou campanhas sanitárias, reformas
educacionais, construiu o edifício-sede do MES, criou o Serviço Nacional de Febre Amarela (1937),
efetivamente o primeiro serviço de saúde pública de dimensão nacional, o Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (1938), o Serviço de Malária do Nordeste (1939) etc. Logo que saiu do MES, ainda em 1945, é
eleito deputado por Minas Gerais pelo PSD e seguiu carreira política. Mantinha, desde sua mocidade, estreitos
vínculos com diversos modernistas, tendo-os levado a participar de diversos postos da burocracia estatal durante
sua gestão.
44
desenvolvimento. Tanto que, finalizada sua gestão, pode-se dizer que estava esboçado o
desenho básico da organização institucional da cultura no Estado brasileiro
23
. Assim,
Gustavo Capanema pode ser considerado o responsável pela introdução, no país, de políticas
públicas na área da cultura. Nesse sentido, é importante mencionar a Lei nº 378, de 13 de
janeiro de 1937, que dava nova organização ao MES, passando a se chamar simplesmente
Ministério da Educação e Saúde. Por meio dela, criava-se, entre outros órgãos, o Instituto
Nacional de Cinema Educativo, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o
Museu Nacional de Belas Artes, o Serviço de Radiodifusão Educativa e o Instituto Nacional
do Livro.
Para atuar no MES, Capanema convidou importantes intelectuais, muitos deles
vinculados a algumas correntes modernistas
24
. A lista de intelectuais que colaboraram com
seu trabalho é longa: Carlos Drummond de Andrade (que foi seu chefe de gabinete), Mário de
Andrade, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Heitor Villa-
Lobos, Manuel Bandeira etc.
25
.
Bomeny observa que um retorno à década de 1920 permite se
entender a pronta resposta de tantos intelectuais ao aceno da burocracia estatal pós-1930:
basta acompanhar as viagens de Mário de Andrade pelo país, recolhendo,
catalogando, classificando e valorizando os bens simbólicos e materiais com
o propósito de realçar a originalidade brasileira espalhada por todo canto do
regional, num esforço hercúleo para atribuir-lhe significado e defender a
construção de uma política nacional de preservação do patrimônio cultural
brasileiro. Só o Estado poderia reunir recursos suficientes para a
implementação de uma política nacional de preservação da memória e do
patrimônio histórico nacionais (Bomeny, 2001:18).
Gonçalves também destaca o mesmo ponto:
Foi nesse contexto político autoritário que veio a ser implementado o
projeto de modernização do país. Na esfera cultural e educacional, grande
número de intelectuais – muitos deles, de diferentes modos, identificados
com o ‘movimento modernista’ em arte e literatura – desempenharam um
importante papel. Seu objetivo principal era criar um novo Brasil, um novo
homem brasileiro, concebido em termos de uma ideologia nacionalista
(2002:40).
Desse modo, tais intelectuais adequavam-se muito bem à tarefa proposta pelo MES de
Capanema, já que esse ministro utilizava argumentos de racionalidade, planejamento,
23
Em sua posse, Capanema elegia como sua prioridade a educação nacional, a saúde pública e a assistência
social (Fonseca, 2001).
24
O “modernismo” aqui é entendido para além de um movimento estético observado na literatura, artes
plásticas, arquitetura etc. Considera-se, isto sim, como um modo de pensar e agir coletivamente, como uma
prática social datada historicamente.
25
Sobre as relações entre esse ministro e os intelectuais, ver Gomes (2000), que realiza um estudo a partir da
correspondência privada de Capanema com a intelectualidade brasileira das décadas de 1930 e 40.
45
combate ao regionalismo, às oligarquias e ao mandonismo local – todos em nome do
“moderno”. Ao aceitar o convite para atuar no MES, esses intelectuais provavelmente
acreditavam que poderiam colocar em prática seus interesses por uma “brasilidade”, com
feições militantes
26
.
Capanema cria assim um território onde a ideologia do regime, em especial depois do
golpe do Estado Novo, não impedia a convivência de intelectuais não engajados. É Miceli
que sintetiza a participação desses intelectuais junto ao MES de Capanema:
A frente do Ministério da Educação e Saúde Pública desde 1934,
[Capanema] convocou seus conterrâneos de geração que haviam participado
do surto modernista em Minas Gerais, mobilizou figuras ilustres que haviam
se destacado nos movimentos de renovação literária e artística dos anos
vinte, no Rio Grande do Sul, Bahia, Pará etc., acatando os representantes
que a Igreja designava e cercando-se de um grupo de poetas, arquitetos,
artistas plásticos, e de alguns médicos fascinados pela atividade literária
(Miceli, 1979:161).
Esse autor, em sua análise da relação entre intelectuais e classe dirigente no Brasil, entre
1920 e 1945, debruça-se sobre três âmbitos do mercado de trabalho dos intelectuais. O
primeiro diz respeito às organizações partidárias, às instituições culturais e às frentes de
mobilização política e ideológica a que se vinculam tais intelectuais. O segundo âmbito
tratado por Miceli refere-se ao mercado editorial, que sofreu um grande desenvolvimento
nesse período, conforme será visto no Capítulo 2. O terceiro é o serviço público em expansão,
cujos numerosos postos foram entregues a intelectuais, escritores e artistas. Por fim, ainda
enfatiza o papel central que exerce o mercado de bens culturais para tal grupo. Sintetizando:
O desenvolvimento das instituições culturais, das organizações políticas e da
máquina burocrática traduz, em ampla medida, as transformações por que
passavam então as relações entre os diversos grupos dirigentes e, de outro
lado, reflete as demandas dos produtores e consumidores de bens culturais
cujo mercado estava em vias de se consolidar. Assim, se é verdade que as
principais frações da classe dirigente (...) se empenharam em preservar e
ampliar sua presença tanto no campo das instituições políticas como no
campo da produção cultural, não resta dúvida de que as transformações
ocorridas no mercado de bens culturais são indissociáveis da situação
material e social das famílias da classe dirigente onde eram recrutadas as
diversas categorias de intelectuais (Miceli, 1979: xvi).
26
Miceli (1979) menciona um trecho escrito por Carlos Drummond de Andrade (“Passeios na Ilha”, publicado
em sua “Obra Completa” publicada em 1964) que afirma que “quase toda a literatura brasileira, no passado
como no presente, é uma literatura de funcionários públicos” (Apud Miceli, 1979:129). Sobre isso, cita Machado
de Assis, Raul Pompéia, Olavo Bilac, Aluízio Azevedo, Araújo Porto-Alegre, Gonzaga Duque, Ronald de
Carvalho, João Ribeiro, Capistrano de Abreu, Emilio de Menezes, José de Alencar, Lima Barreto, Gonçalves
Dias, dentre muitos outros. Entretanto Miceli alerta que, “embora a carreira da maioria dos intelectuais
cooptados dependesse dos subsídios que o Estado lhes concedia, não se pode afirmar que as posições que
chegaram a ocupar no interior do campo intelectual e, sobretudo, que os preitos de consagração que suas obras
receberam, possam ser reduzidas, nas mesmas proporções, às benesses do mecenato governamental” (Miceli,
1979:178).
46
Em suma, os investimentos do MES comandado por Capanema, dos intelectuais que
ocuparam a burocracia estatal e do projeto do Estado Varguista, em especial após 1937, com
o Estado Novo, tinham como objetivo incluir o Brasil no “concerto das nações modernas”.
Para tanto, uma das estratégias foi a elaboração de uma sistemática política de preservação do
patrimônio nacional, introduzida pelo Sphan e que colaboraria para a inserção do Brasil “na
consagrada história da Arte Universal”
27
.
É interessante, portanto, registrar as palavras de seu primeiro diretor que, falando ao
Diário da Noite, no Rio de Janeiro em 19 de maio de 1936, apresenta os trabalhos iniciais do
Sphan, ainda em fase experimental. Rodrigo fala que:
Nos países civilizados, isso [um serviço voltado para a preservação de
monumentos históricos] já está plenamente organizado. Recentemente se
reuniu em Atenas uma conferência internacional para assentar, na órbita
mundial, as mesmas e oportunas medidas que o nosso Serviço objetiva e sob
o alto e inspirado sentido de que os patrimônios históricos e artísticos
nacionais transcendem e são de interesse da comunidade universal
(Andrade, 1987).
Na mesma ocasião, Rodrigo cita ainda as iniciativas no México como exemplo e estímulo. Já
em palestra proferida na Escola Nacional de Engenharia, em 27 de setembro de 1939,
publicada no mesmo mês na Revista Municipal de Engenharia, o diretor do Sphan afirma
que:
se os governos e as populações de todos os países civilizados se empenham
assim pela proteção do respectivo patrimônio histórico e artístico, seria
inadmissível que as populações e os governos das cidades cultas não se
interessassem pela conservação dos monumentos que nelas se achem
situados. Efetivamente não há cidade culta a cujo panorama faltem as
características dos monumentos do seu passado. Estes é que lhes compõem a
fisionomia e contribuem para o seu prestígio (Andrade, 1987:50).
Foi nessas circunstâncias que, em 1936, Capanema solicitou a Mário de Andrade
28
,
então Diretor do Departamento de Cultura do Município de São Paulo
29
, a elaboração de um
27
O patrimônio histórico e artístico brasileiro é considerado por Chuva e outros estudiosos como um dos elos
que torna a produção artística do Brasil como parte integrante da produção universal da arte. “A produção
artística brasileira foi reconhecida, porque inserida num processo civilizatório europeu percebido como
universal” (Chuva, 2003:328), realizando assim o “efetivo ‘ajuste dos relógios’”, ao lado de outras ações.
28
Mário de Andrade (1893-1945) exerceu contribuição fundamental não apenas à arte e literatura brasileiras
mas também nas políticas públicas voltadas à cultura. Entre diversas atividades relacionadas à burocracia
estatal, destaca-se sua participação no Departamento de Cultura de São Paulo, no Sphan, no Instituto de Artes da
Universidade do Distrito Federal (onde ministrou o Curso de Estética e História da Arte) e no Instituto Nacional
do Livro. Sobre sua contribuição, com destaque para a temática patrimonial, ver Batista, 2002.
29
O Departamento de Cultura do Município de São Paulo foi uma iniciativa de Paulo Duarte durante a gestão do
prefeito Fábio Prado, que entregou a direção do Departamento para Mário de Andrade, nomeado em 31 de maio
de 1935 e empossado em 5 de junho do mesmo ano. O Departamento de Cultura dividia-se em cinco unidades:
Divisão de Expansão Cultural (teatro, cinema, salas de concerto, discoteca e escola de rádio); Divisão de
47
anteprojeto que organizasse um serviço de proteção ao patrimônio artístico nacional que, ao
lado das demais políticas realizadas no período, contribuiria para a formação desse “novo
homem brasileiro”. Não tardou, o anteprojeto encomendado ficou pronto, porém, antes
mesmo de ser aprovado pelo Congresso, foi aprovado por Vargas. Com isso, o Sphan
começou a funcionar em caráter experimental em 19 de abril de 1936.
Oficialmente, porém,
só foi criado com a promulgação do Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, já no
Estado Novo. Mesmo não seguindo o modelo do anteprojeto encomendado a Mário de
Andrade, fazia parte de um
amplo projeto político, cultural e educacional, visando o processo
de modernização do país.
Para dirigir o recém-criado órgão do MES, Capanema convidou Rodrigo Melo Franco
de Andrade, indicado por Mário de Andrade. Rodrigo (1898-1969), mineiro formado em
Direito, atuou como jornalista e escritor. Em 1924, tornou-se redator-chefe da Revista do
Brasil e em 1926, diretor da mesma. Durante a gestão de Francisco Campos no MES, foi seu
Chefe de Gabinete e, entre 1936 e 1967, foi o diretor do Sphan – conforme se verá mais
detalhadamente no próximo capítulo.
Esse diretor permaneceu à frente do Sphan por 30 anos (1936-1967), e mantinha
contatos com diversos intelectuais afiliados a diversas correntes modernistas, sendo que
muitos deles foram convidados a colaborar com o Serviço. Alguns dos nomes mais
importantes são: Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre, Carlos Drummond de
Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Lúcio Costa, Mário de Andrade e Manuel Bandeira.
Mariza Veloso (1992) estabelece um recorte, a partir do que considera intelectuais
“modernistas”, denominando-o de “grupo do patrimônio”, devido a uma vinculação, formal
ou informal, com o Sphan e sua narrativa. Em suma, o “grupo do patrimônio” e demais
intelectuais vinculados às ações do Sphan atuam orientados por um sentido de “missão”,
muito comum entre os intelectuais brasileiros da primeira metade do século XX. São
membros desse grupo, segundo a antropóloga: Gilberto Freyre, Alceu Amoroso Lima,
Vinicius de Moraes, Rodrigo M. F. de Andrade, Carlos Drummond, Milton Campos,
Francisco Campos, Gustavo Capanema, Pedro Nava, Afonso Arinos Melo Franco, Abgard
Bibliotecas; Divisão de Educação e Recreação; Divisão de Documentação Histórica e Social e a Divisão de
Turismo e Divertimentos Públicos. Algumas das iniciativas de Mário de Andrade à frente do órgão foi a criação
do Curso de Etnografia e Folclore, ministrado por Dina Lévi-Strauss e complementado por outros intelectuais –
resultando na fundação da Sociedade de Etnografia e Folclore no fim de 1936; a realização do Congresso da
Língua Nacional Cantada em 1937; e, entre outras ações, a organização da “Missão de Pesquisas Folclóricas” ao
Nordeste, sob o comando de seu assistente Luís Saia – que também atuou no Sphan. Porém, as atividades do
Departamento foram interrompidas pelo Estado Novo, em 1938. Sobre Mário de Andrade no Departamento de
Cultura, ver Instituto Nacional do Folclore (1983), Facina (1999) e Mello (2007).
48
Renault, Emílio Moura, Ascânio Lopes, Martins de Almeida, Prudente de Moraes Neto,
Sérgio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira, Heloísa Alberto Torres, Cecília Meireles,
Lúcio Costa, Mário Casassanta e Portinari.
Para a autora é esse “grupo do patrimônio” que dá origem à chamada “Academia
Sphan”, que, com o fim de conseguir autoridade e legitimidade para suas ações, realiza e
empreende pesquisas e estudos bem documentados, sobre o patrimônio nacional. Desse
modo, o grupo é caracterizado pelo “espírito de investigação” – o que explica o permanente
clima de discussão, troca de informações, leitura crítica de textos, realização de pesquisas etc.
Os membros da “Academia Sphan” seriam os responsáveis pela organização e
institucionalização do “patrimônio nacional”, uma vez que foram os vencedores, por assim
dizer, de diversos embates que se deram naquele momento. Uma ampla disputa ocorria entre
acadêmicos, tradicionalistas e modernistas (cf. Cavalcanti, 1993), sendo uma das principais a
que se travava em torno da arquitetura, opondo neocoloniais e modernistas
30
. Houve também
outros focos de tensão – como entre o Sphan e o Museu Histórico Nacional (cf. Veloso,
Cavalcanti e Chuva), ou ainda entre o grupo regionalista de Gilberto Freyre e a chamada
“Academia Sphan”, mais universalista. Assim, mesmo dentro do Sphan, observam-se
tensões, que compõem a formação do grupo, e de seus critérios de pertencimento
31
. Ou seja,
embora exista um discurso homogeneizante no Sphan, muitas análises já mostraram
divergências internas e externas, neutralizadas, em parte pelo discurso veiculado pelo órgão.
O grupo de intelectuais liderado por Rodrigo M. F. de Andrade compõe a “Academia
Sphan” e é o responsável pela organização e institucionalização de uma idéia de nação,
fundada em torno de uma noção de patrimônio. Essa noção pode ser compreendida como um
tipo de narrativa de um “passado comum”, construído a partir da seleção de determinados
objetos e artefatos que remetem a fatos históricos e que carregarão consigo o caráter
simbólico daquilo que é representativo da nacionalidade, conforme já discutido
anteriormente.
O grande projeto da “Academia Sphan” seria “mostrar o lado “autêntico” da nação
brasileira e conferir-lhe visibilidade através dos monumentos arquitetônicos, das obras de
30
Neocoloniais e modernos apresentam como ponto em comum a valorização da arquitetura colonial do século
XVIII. O embate entre eles deu-se, entre outros âmbitos, na construção da sede do MES e, no que diz respeito
ao patrimônio, nas representações do passado. Mesmo dentro do Sphan, um outro embate é emblemático das
disputas modernas: a contenda travada em torno do projeto para o Grande Hotel de Ouro Preto entre dois
arquitetos: Carlos Leão e Oscar Niemeyer, vencido por este último.
31
O grupo da “Academia Sphan” era majoritariamente composto por arquitetos, sobretudo os modernos, mas
também havia poetas, historiadores, museólogos, restauradores, bibliotecários, arquivistas etc. – sendo que os
arquitetos é que freqüentemente são lembrados nessas primeiras décadas do Sphan como o grupo hegemônico.
49
arte” (Veloso, 1992:27). Com isso, uma das contribuições dessa Academia tão particular era
justamente tornar a idéia de nação visível, realizando uma mediação entre passado, presente e
futuro, por meio dos monumentos.
O grupo fundador da ‘Academia SPHAN’ (...) será o responsável pela
elaboração de um conjunto de representações, às quais procurarão dar o
caráter de universalidade, buscando para tanto, desenvolver estratégias de
legitimação, quer através da elaboração cada vez mais complexificada e
sofisticada da formação discursiva, quer através de um ordenamento cada
vez mais diferenciado em critérios, de um conjunto de práticas culturais,
destacando-se como a mais importante o instituto do tombamento (Veloso,
1992:330).
Apropriamo-nos, nesta dissertação, da expressão que Veloso cunhou – “Academia
Sphan” – pois o Sphan é entendido aqui como um “lugar de sociabilidade”
32
estratégico para
a construção do que se definirá como patrimônio histórico e artístico nacional a partir da
década de 1930. Dessa forma, o Sphan e a própria Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional são tomados enquanto lugares de sociabilidade que aglutinam os
intelectuais que elaboram as construções discursivas em torno do patrimônio.
Sob a liderança de Rodrigo M. F. de Andrade, a Academia constrói um “passado” para
o Brasil. Porém, o próprio Rodrigo realiza esforços para construir, ao mesmo tempo, um
“passado” e uma genealogia de “pioneiros” para o Sphan.
1.3 Um passado para o Sphan: as narrativas de Rodrigo e o lugar de Rodrigo nas
narrativas
Na narrativa de Rodrigo Melo Franco de Andrade, em busca de um “passado” para o
Sphan, existe toda uma genealogia de iniciativas para a defesa dos monumentos históricos e
artísticos no Brasil. Nessa narrativa, que mesmo após o fim de sua gestão continua sendo
reproduzida, a primeira tentativa de proteção do “patrimônio” dataria do século XVIII. O
vice-rei do Brasil, conde das Galveias, expede ao governo pernambucano, o “primeiro
documento administrativo visando à proteção de uma edificação integrante do patrimônio
histórico brasileiro”. Em 1742, ele quer “proteger” o Palácio das Duas Torres, construção
deixada pelos holandeses e que estava ameaçada de destruição.
32
“Lugar de sociabilidade” está sendo utilizado de acordo com a orientação da historiografia francesa sobre
história de intelectuais, sobretudo das contribuições de Sirinelli e Ory Pascal. Entende-se, assim, que se trata de
uma organização coletiva, formal ou não, em que são construídas e divulgadas idéias, considerando-se as redes e
microclimas.
50
Já no século XIX, apesar do interesse manifestado por Pedro II em relação aos estudos
de história e aos monumentos artísticos, o Império não realizou qualquer proteção efetiva. A
única iniciativa do período, segundo Rodrigo, foi o aviso expedido por Luíz Pedreira do
Couto Ferraz, então ministro do Império, em proveito do acervo histórico nacional. Este
aviso, enviado aos Presidentes das Províncias, ordenava a obtenção de coleções epigráficas
para a Biblioteca Nacional e a reparação dos monumentos, que não poderiam ter as inscrições
neles gravadas, destruídas. Três décadas depois, o Chefe da Seção de Manuscritos da
Biblioteca Nacional percorre as províncias da Bahia, Alagoas, Pernambuco e Paraíba para
recolher a epigrafia dos monumentos dessas regiões.
Os projetos de lei federal para a proteção ao patrimônio histórico e artístico brasileiro –
muito embora esta nomenclatura não apareça – começariam a surgir na década de 1920: i)
Projeto n
o
350/1923, de autoria do deputado pernambucano Luís Cedro
33
, que propunha uma
Inspetoria de Monumentos Históricos; ii) Projeto n
o
181/1924, do deputado mineiro Augusto
de Lima
34
, que proibiria a saída de obras de arte antiga para o exterior; iii) um terceiro
projeto, “de maior alcance e com melhor técnica legislativa”, foi elaborado por uma comissão
nomeada em junho de 1925 pelo governo de Minas Gerais
35
, tendo como relator o jurista Jair
Lins.
Como nenhuma dessas iniciativas no âmbito federal foi aprovada, Bahia e Pernambuco,
“dois dos estados herdeiros de espólios monumentais mais ricos” (Sphan, 1987:67), adotaram
medidas legislativas para proteger aquilo que se encontrava dentro de sua esfera de
competência. Nesse sentido, em 1927 e em 1928, criaram-se respectivamente órgãos
estaduais para a defesa de seu patrimônio nesses dois estados da federação
36
.
Em 1930, um novo projeto federal é apresentado ao Congresso Nacional, pouco antes
da Revolução de 1930, que o disssolve. O autor do Projeto n
o
230/1930 é o deputado baiano
33
Luiz Cedro foi deputado federal por Pernambuco entre 1921 e 24, e entre 1934 e 1935. Em 1924, participou
da criação do Centro Regionalista do Nordeste, ao lado de Gilberto Freyre e outros intelectuais e líderes
políticos, cujo objetivo era promover o sentimento de unidade do nordeste, forjando uma identidade cultural. A
partir daí, surgiu um movimento literário em que essa identidade é apresentada nas obras dos escritores
“regionalistas” – José Lins do Rego, José Américo de Almeida, João Cabral de Melo Neto, entre outros. Em
1926, assinou o Manifesto Regionalista de 1926, em Recife, redigido por Gilberto Freyre.
34
Augusto de Lima (1859-1934) foi governador de Minas Gerais em 1891; em 1903 foi eleito membro da
Academia Brasileira de Letras, tendo sido seu presidente em 1928; e em 1906 foi eleito deputado federal, tendo
ocupado a função por 20 anos.
35
A essa época, o presidente de Minas Gerais era Fernando de Mello Vianna (1878-1954), que ocupou a função
entre 1924 e 26, e formou uma comissão para estudar a proteção do patrimônio histórico e artístico do país e
sugerir medidas em seu benefício. Como resultado do trabalho dessa comissão, surgiu o projeto de lei federal
proposto por Jair Lins.
36
Uma análise do que é considerado patrimônio nesses projetos seria interessante, porém, não será tratada no
âmbito desta dissertação. Esses projetos foram publicados pelo Sphan, 1980, reunidos em “Proteção e
revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória”.
51
José Wanderlei de Araújo Pinho. Ele visaria à organização de órgãos de defesa do patrimônio
histórico e artístico nacional. Nesse caso, vale ressaltar que, tanto Rodrigo como a
historiografia institucional do Sphan, atribuem a esta iniciativa a referência principal do
posterior Decreto-lei n
o
25, que regulamentou as ações do Sphan, em 1937.
De toda forma, nessa trajetória do Sphan por suas “origens”, somente após o golpe
varguista é que são aprovadas as primeiras leis sobre o assunto. Em 12 de julho de 1933, é
aprovado o Decreto n
o
22.928, que eleva a cidade de Ouro Preto a “Monumento Nacional”,
medida consagrada como a primeira lei brasileira para a defesa do patrimônio. No ano
seguinte, é aprovado o Decreto n
o
24.735, de 14 de julho de 1934, que dá novo regulamento
para o Museu Histórico Nacional
37
e cria a Inspetoria de Monumentos Nacionais
38
, ligada ao
mesmo museu, ambos sob a direção de Gustavo Barroso
39
.
Nesse “passado” criado por Rodrigo para o Sphan, ocupa um lugar de destaque o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB
40
, fundado em 1838. Como Rodrigo
afirma, em 1944, o Sphan “não é senão um prolongamento” do IHGB (Andrade, 1986:312).
No mesmo texto, atribui ao Instituto o pioneirismo na defesa efetiva dos monumentos e
“obras de arte tradicional” no país. Considera Araújo Porto Alegre um precursor dos estudos
de História da Arte no Brasil, afirmando:
Do Serviço público criado para velar pelo patrimônio de arte tradicional,
cuja apreciação e cuja defesa lhe coube iniciar em nosso país, posso afirmar
37
O Museu Histórico Nacional – MHN foi criado em outubro de 1922 por ocasião das comemorações do
centenário da Independência do Brasil, dentre as quais se destaca a Exposição Internacional do Rio de Janeiro.
A criação do MHN resulta, em parte, da luta de Gustavo Barroso por um museu histórico no país e se vincula ao
“projeto que procurava consolidar um novo conceito para a ‘nação’” (Santos, 2006:27). Sobre a trajetória do
MHN, ver também Magalhães, 2004.
38
A Inspetoria de Monumentos Nacionais ficou sob a responsabilidade do mesmo diretor do MHN, ou seja,
Gustavo Barroso. Tinha por finalidade “exercer a inspeção dos Monumentos Nacionais e do comércio de
objetos artísticos históricos”. Sua atuação deu-se praticamente apenas em Ouro Preto, devido à sua elevação a
monumento nacional em 1933, restaurando imóveis e equipamentos urbanos. Porém, suas atividades
encerraram-se com a criação do Sphan, não sem conflitos entre os diretores dos dois órgãos, como aponta Chuva
(1998).
39
Gustavo Barroso (1888-1959) foi diretor do MHN desde a criação deste, em 1922, até sua morte, em 1959.
Segundo Miceli, Barroso enquadra-se entre os “intelectuais reacionários” vinculados aos católicos. Nasceu em
Fortaleza e se mudou para o Rio em 1910 devido a suas atividades literárias. Em 1913 foi nomeado secretário-
geral da Superintendência da Defesa da Borracha; foi eleito deputado federal pelo Ceará, entre 1915 e 18; nessa
mesma época, foi nomeado inspetor escolar no Rio de Janeiro. Em seguida, foi secretário da delegação brasileira
para a Conferência de Paz; e, em 1922, tornou-se diretor do MHN, onde criou o Curso de Museus, que dá
origem ao primeiro curso universitário de museologia no país, em 1932. Em 1923 foi eleito membro da
Academia Brasileira de Letras e em 1933 ingressou no Partido Integralista (cf. Miceli, 1979). Chuva (1998)
mostra que Barroso estava envolvido com a questão da preservação cultural sob a ótica patrimonial e
museológica, desde os anos 1920, e mantinha ligações com o governo de Melo Viana (1924-1926) e Antônio
Carlos de Andrada (1927-1930), em Minas Gerais, que se esforçaram em promover algumas iniciativas. Apesar
dos atritos que manteve com Rodrigo M. F. de Andrade, devido à política de preservação patrimonial, Gustavo
Barroso foi membro do Conselho Consultivo do Sphan. Sobre Barroso e o MHN, ver Chagas, 2009.
40
Sobre o IHGB e sua relação com a história e com a concepção de “nação”, ver Guimarães (1988) e Schwarcz
(1993).
52
que Manuel de Araújo Porto Alegre é o patrono venerado. Sua obra inspira,
orienta e estimula os trabalhos empreendidos por aquela repartição para o
estudo dos problemas de história da arte nacional (idem).
O próprio Sphan, ao inventar sua história, a divide em dois grandes momentos: o
“heróico” e o “moderno”. Os primeiros trinta anos de atuação (1937-1967) são
correspondentes à gestão de Rodrigo M. F. de Andrade, situados como sua fase “heróica”,
segundo adjetivação de Mário de Andrade
41
. O período seguinte, sob a gestão de Renato
Soeiro (1967-1979), é caracterizado como uma fase “intermediária”. E a fase considerada
“moderna”, que nomeia o período a partir de 1979, com a renovação da política cultural que
se deu no órgão com a entrada de Aloísio Magalhães, que permanece até 1982.
Silvana Rubino assim sintetiza essas narrativas institucionais:
De um lado, é traçada uma história linear da instituição, uma seqüência sem
dilemas que vem do trabalho de Mário até a atualidade – do trabalho de
Mário criou-se o SPHAN que cresceu e tornou-se Diretoria, Instituto e
Subsecretaria. A única ruptura admitida nessa trajetória é o fim do período
heróico com a aposentadoria e morte de Rodrigo. Inicia-se então um período
com diretorias menos estáveis, cria-se uma fundação – a Pró-Memória, e
temos nesse momento, na década de 70 o segundo aspecto onde o mito de
Mário não abandona a instituição. No período posterior à fase heróica, fala-
se na lição de Mário, no exemplo de Mário, que aparece como que
reivindicando um resgate, como se houvesse um verdadeiro SPHAN, o de
seu projeto, uma origem a ser recuperada – o SPAN sem ‘h’ de Mário torna-
se uma meta (Rubino, 1991:64-65).
Em linhas gerais, a narrativa sphaniana tem em sua “fase heróica” a dedicação à
proteção da “arquitetura tradicional colonial”, por esse motivo também chamada de fase de
“pedra e cal”, relacionado ao registro da monumentalidade, como argumentando
previamente. Neste período, onde predomina o discurso de Rodrigo, o barroco aparece como
o representante da nação brasileira. O barroco é apresentado com um caráter “emblemático”,
sendo percebido como “a primeira manifestação cultural tipicamente brasileira, possuidor,
portanto, da aura da origem da cultura brasileira, ou seja, da nação” (Veloso, 1992:26).
As análise de Rubino sobre os bens protegidos, uma outra fonte de apreensão da
narrativa do Sphan, os tombamentos realizados durante a gestão de Rodrigo revelam “o
desejo de um país passado extremamente católico, guardado por canhões, patriarcal,
latifundiário, ordenado por intendências e casas de câmara e cadeia, e personagens ilustres
que caminham entre as pontes e chafarizes que o adornam” (Rubino, 1991:113). Cria-se uma
41
Fazem parte do imaginário institucional as inúmeras dificuldades encontradas por Rodrigo e pelos primeiros
funcionários do Sphan na implementação da preservação patrimonial no Brasil bem como a agilidade,
dedicação, ética pública e produtividade do Sphan – a despeito daquelas dificuldades, que incluíam o restrito
53
visão idealizada e nostálgica do passado sacralizado por essas ações preservacionistas
42
. Nas
palavras de Veloso, “o passado é o mediador no processo de emancipação cultural da nação
rumo à civilização” (Veloso, 1992:60). Assim, para o grupo da Academia Sphan, o barroco –
emblema de um passado comum – foi “uma espécie de fio da meada na ordenação da história
da cultura brasileira” (Veloso, 1992:36) [grifo do autor]. Ou ainda:
O barroco representou para os membros da ‘Academia Sphan’, não apenas
um estilo definido da história da arte, mas (...) representou, ainda, um
paradigma de civilização, um lugar de origem. Sabe-se que foi no século
XVIII, em Minas Gerais, onde o barroco conseguiu se expressar como modo
de vida coletivo, demonstrando assim, pela primeira vez, a existência, de
uma sociabilidade inteiramente brasileira (Veloso, 1992:440).
Desse modo, para Rodrigo e os demais intelectuais do Sphan, o patrimônio “deveria
assegurar a visibilidade da sociedade, vista como totalidade coletiva, como nação”. Nessa
perspectiva, onde os monumentos tombados seriam como “formas de salvar a nação de seu
esquecimento, de manter teso o arco da história e inventar a trajetória de uma tradição (...)
que só se constitui através de vínculos de pertencimento e formas de sociabilidade concretas”
(Veloso, 1992:483).
Após a aposentadoria de Rodrigo, em 1967, assumiu a direção do órgão o arquiteto
Renato Soeiro que, apesar de ter introduzido mudanças na gestão do patrimônio – sobretudo
devido aos novos desafios frente ao crescimento e desenvolvimento das cidades –, não tem
sido muito valorizado pela historiografia institucional. A própria nomenclatura – fase
“intermediária” – esvazia de sentido sua gestão, caracterizada como um intervalo entre um
antes e um depois
43
.
Ainda segundo essas narrativas criadas sobre o Sphan, em 1979 inicia-se a chamada
“fase moderna”, quando os conceitos de Mário de Andrade, presentes em seu Anteprojeto de
1936 teriam sido retomados, o que teria provocado uma ampliação do conceito de patrimônio
e de cultura compreendidos pelo órgão. Essa narrativa “moderna” – que passa a coexistir com
a anterior – enquadra-se no registro do cotidiano, abandonando parcialmente a valorização de
um passado “exemplar”. Com isso, as comunidades (como a nação) passam a ser tidas como
as verdadeiras detentoras do patrimônio, que é valorizado de outra maneira. A arte e cultura
orçamento. Com isso, cria-se um mito dentro do Sphan, que transforma Rodrigo M. F. de Andrade em
referência de funcionário e homem público.
42
Monnet (1996), ao analisar a questão da nostalgia do passado na contemporaneidade, alerta, como outros, para
a elaboração da memória, sempre heróica e monumental, e que não deixa lugar para os aspectos negativos do
passado.
43
A única investigação que se tem conhecimento que privilegia a chamada fase “intermediária” é a da
historiadora Júlia Wagner Pereira (2009). Essa pesquisa, realizada no âmbito do Programa de Especialização em
54
popular, o folclore – com inclusão da cultura das etnias indígenas e afro-brasileiras –; e a
arquitetura de estilo eclético passariam assim a ser valorizadas, adquirindo novo escopo
dentro do Sphan. Em suma, as narrativas costumam atribuir à gestão de Aloísio Magalhães
uma nova concepção de trabalho patrimonial
44
, voltado para a etnografia e cultura,
contrapondo-se à noção “pedra e cal” que guiou o Sphan em suas três primeiras décadas.
A narrativa de Rodrigo apresenta muitas diferenças com a de Aloísio Magalhães, como
sintetiza Gonçalves:
Quando contrastada com a narrativa histórica de Rodrigo, em que o Brasil
aparece como ‘civilização’ e ‘tradição’, a de Aloísio parece mais próxima à
de um moderno antropólogo social ou cultural cuja autoridade está baseada
numa teoria sistemática da cultura e da sociedade. Ainda que não seja ele
próprio um antropólogo, sua política cultural está orientada por alguns
valores presentes, de forma distinta, em teorias que informam a moderna
antropologia. Assim, Aloísio substitui o ‘patrimônio histórico e artístico’ de
Rodrigo pela noção de ‘bens culturais’. Quando usa a noção de ‘cultura
brasileira’, ele enfatiza mais o presente
do que o passado. (...) Além disso,
assinala a importância de um contato direto entre os profissionais do
patrimônio cultural e as populações locais. Enfatiza, ainda, a diversidade
cultural existente no contexto da sociedade brasileira. No entanto, acredita
que, além dessa diversidade, existe uma cultura brasileira que é integrada,
contínua e regular (Gonçalves, 2002: p. 50-51) [grifo do autor].
No entanto, nas duas narrativas, os dois dirigentes “maiores” do Sphan – Rodrigo e Aloísio –
são identificados com a “causa” do patrimônio, onde a figura pessoal coincide com a figura
profissional, ambos marcados pela “renúncia” e “dedicação”.
Dentre as iniciativas tomadas por Rodrigo no âmbito da Academia Sphan, são
utilizadas muitas estratégias para sua legitimação. Entre elas, destacam-se a pesquisa, a
formação de técnicos, por meio de cursos promovidos pelo próprio órgão, a busca por
Patrimônio PEP/Iphan/Unesco, examina as mudanças e as continuidades presentes no período em que Renato
Soeiro esteve à frente do Sphan, entre a gestão de Rodrigo e de Aloísio.
44
As marcas introduzidas por Aloísio Magalhães permanecem após sua saída. Assim, Irapoan Cavalcanti de
Lyra e Marcos Vilaça, que dirigiram a Sphan e a FNpM, respectivamente entre 1982 e 1985, mantiveram as
mudanças da gestão anterior. O mesmo pode ser dito, em linhas gerais, das gestões seguintes: Ângelo Oswaldo
de Araújo Santos (1985-1987) na Sphan e Riccardo Cioglia (1985-1986) e Joaquim Arruda Falcão (1986-1987)
na FNpM; Oswaldo José de Campos Melo (1987-1988) na Sphan e na FNpM; Augusto Carlos da Silva Telles
(1988-1989) na Sphan e na FNpM; e Ítalo Campofiorito (1989-1990) na Sphan e na FNpM. Em 1990 a
Fundação Nacional Pró-Memória e a Sphan foram extintas e transformadas em Instituto Brasileiro do
Patrimônio Cultural – IBPC pelo Decreto nº 99.492, de 3 de setembro desse ano. Dirigiram o órgão, sob essa
nova estrutura, Lélia Coelho Frota (1990-1991), Jayme Zettel (1991-1993) e Francisco Manoel Mello Franco
(1993-1994). Em 1994, ocorreu mais uma mudança: o IBPC voltou a ser denominado Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – Iphan, a partir da Medida Provisória nº 610, de 8 de setembro de 1994. Desde
então, presidiram o órgão Glauco Campello (1994-1999), Carlos Henrique Heck (1999-2003), Maria Elisa
Modesto Guimarães Costa (2003-2004), Antonio Augusto Arantes (2004-2006) e o atual presidente, Luiz
Fernando Almeida (2006-). Como um dos resultados da permanência das mudanças introduzidas na fase
55
documentação para compor seu acervo de fontes e a constituição de museus e coleções. Entre
elas, está também a edição de um periódico – a Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – e de uma outra série editorial, intitulada Publicações, ambas publicadas desde
1937. Por esses motivos, tanto o órgão como suas publicações obtiveram méritos científicos e
contribuíram para a consolidação de um novo campo de estudos – o do patrimônio.
A Revista do Patrimônio, objeto da presente investigação, foi organizada desde 1937 e
teve como editor Rodrigo Melo Franco de Andrade, até sua saída do Sphan em 1967. Durante
esse longo período, foram publicados 15 números do periódico, sendo que a última data de
1961. Na gestão de Renato Soeiro, editaram-se mais três números, publicados entre 1968 e
1978. Na gestão de Aloísio Magalhães não se publicou a Revista do Patrimônio.
Após esses 18 números da Revista, quando o editor era o próprio diretor do Sphan, ela
seguiu um novo padrão. Passou a ser organizada por pessoas convidadas, que ocupavam,
provisoriamente, a função de editores, desvinculando-se diretamente da direção do Sphan.
Com isso, desde o número 19, publicado em 1984, os editores passaram a serem funcionários
da casa, e o formato físico e editorial da revista foi alterado, assemelhando-se a uma revista
comercial – o que ocorreu até o número 22 de 1987, que foi uma edição comemorativa do
cinqüentenário do órgão.
A partir do número 23, publicado em 1994, o formato físico voltou a ser como o dos
primeiros 18 volumes, porém, a Revista tornou-se temática e a impressão passou a ser
inteiramente em papel couché, fazendo-a se assemelhar a edições de luxo. Outra novidade foi
a introdução da figura de um organizador, convidado para organizar uma pauta sobre um
determinado tema, e reunir autores-colaboradores, apresentando uma multiplicidade de
olhares sobre o tema abordado. O número 23 tratou de “Cidade”; o 24, também publicado em
1994, versou sobre “Cidadania”; o 25, que saiu em 1997, sobre “Negro Brasileiro Negro”; o
26 foi um volume comemorativo dos “60 anos: a Revista” (1997); o número 27, de 1998,
dedicou-se à “Fotografia”; o 28 (1999) versou sobre “Arte e Cultura Popular”; o 29,
publicado em 2000, tratou de “Olhar o Brasil”, referente aos 500 anos de descobrimento; o 30
debruçou sobre a figura emblemática de “Mário de Andrade” (2002); o 31, sobre “Museus:
antropofagia da memória e do patrimônio” (2005); o 32 foi dedicado a “Patrimônio imaterial
e biodiversidade” (2005); e o último número publicado até o momento foi o 33, sobre
“Patrimônio Arqueológico: o desafio da preservação” (2007).
“moderna” pode-se citar o Decreto n
o
3.551, de 4 de agosto de 2000, que institui o Registro de bens culturais de
natureza imaterial e cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial.
56
Considerando-se essa coleção, composta pelos 33 números já publicados da Revista do
Patrimônio, o recorte temporal a ser analisado no âmbito desta dissertação refere-se ao
período que vai de 1937 a 67, correspondente aos 15 volumes editados pelo diretor do Sphan,
Rodrigo Melo Franco de Andrade. Tal recorte deve-se ao grande destaque ocupado por
Rodrigo nas narrativas que tratam do patrimônio cultural e porque o próprio Rodrigo criou
uma narrativa sobre o patrimônio e o Sphan. Paralelamente a isso, há que se considerar
também que os quinze números estudados apresentam o mesmo formato físico e editorial,
constituindo um grupo homogêneo dentro da coleção completa. Assim, o próximo capítulo
abordará mais densamente este periódico que veiculou um(ns) discurso(s) sobre o patrimônio.
57
Capítulo 2: A Revista do Patrimônio e seu editor
Rodrigo era um homem notável sob todos os pontos de vista,
desde a inteligência luminosa até a coragem sem limite,
passando pela paciência e a capacidade de negociar. A sua
dedicação era total, chegando à renúncia das próprias
veleidades. Ele procurava inclusive apagar-se atrás da tarefa,
desprezando qualquer brilho ou vantagem, como se quisesse
dissolver-se no cumprimento do dever, concebido com o mais
exigente rigor e apresentado, no entanto, como se fosse mera
obrigação corriqueira. Sempre que ia ao Rio eu dava um pulo
até o seu amplo escritório no Ministério da Educação, onde
encontrava gente como Manuel Bandeira, Carlos Drummond
de Andrade, Prudente de Moraes, neto. Rodrigo mostrava
processos das lutas em curso, fotografias de santos e prédios, e
dava números da preciosa revista, que teve na minha geração
um papel iluminador. Em torno dele, gravitava o Patrimônio,
empenhado num trabalho sério de gente disposta a fazer coisas
com ânimo salvador e a maior competência.
Antônio Cândido
Rodrigo Melo Franco de Andrade, a quem se refere a epígrafe, foi diretor do Sphan
desde o período em que este funcionou em caráter experimental até sua aposentadoria,
totalizando 31 anos à frente do órgão. Dentre as inúmeras atividades que encabeçou, está a
edição do periódico ora estudado, a Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional.
Esse personagem, diretor do Sphan e editor de sua principal revista, é o foco principal
desse capítulo. Primeiramente, é apresentada uma breve biografia de Rodrigo M. F. de
Andrade a fim de situar esse intelectual. O conceito de editor, fundamental em sua atuação,
também é abordado para, em seguida, traçar-se o cenário editorial do momento
imediatamente anterior e contemporâneo à edição da Revista. Por esse motivo, as editoras e
as redes de sociabilidade por elas estabelecidas precisam ser observadas. As revistas de alta
cultura do período analisado também são foco de nossa atenção, a fim de que se possa
compreender a Revista do Patrimônio dentro da história da imprensa de periódicos do
período. Por fim, é realizada uma narração densa do objeto de estudo dessa pesquisa, a
Revista do Patrimônio, atentando-se para os seus variados aspectos.
58
2.1 Rodrigo, o editor
Nascido em Belo Horizonte a 17 de agosto de 1898, era filho primogênito de Rodrigo
Bretas de Andrade, professor de direito criminal da Faculdade de Direito de Minas e
procurador seccional da República, e de Dália Melo Franco de Andrade. Tratava-se de nobre
e letrada família mineira, sendo que Rodrigo era bisneto de Rodrigo José Ferreira Bretas,
primeiro biógrafo de Aleijadinho, e sobrinho do escritor regionalista Afonso Arinos de Melo
Franco.
Aos 12 anos foi viver com Afonso Arinos em Paris, onde continuou o curso secundário.
Na casa de seu tio, Rodrigo teve os primeiros contatos com intelectuais e personalidades da
vida política e literária brasileiras, como Graça Aranha e Alceu Amoroso Lima. Quando
retornou ao Brasil, iniciou o curso de Direito na extinta Faculdade de Ciências Jurídicas e
Sociais do Rio de Janeiro, onde cursou apenas o primeiro e o quinto anos, pois mudava
constantemente de residência. Os outros anos estudou em São Paulo e Belo Horizonte. Como
afirmou Teresinha Marinho, isso “deu-lhe oportunidade de conhecer e fazer contato com
vários intelectuais dos mais em evidência na época e que posteriormente tiveram suas obras
consagradas” (Marinho, 1986:17). Dentre esses intelectuais com quem estabeleceu
duradouras amizades, estavam Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Abgar Renault,
Oswald de Andrade e outros participantes do chamado movimento modernista.
Em 1919, já formado no Rio de Janeiro, trabalhou como oficial de gabinete do diretor
da Inspetoria de Obras Contra as Secas – cargo ocupado durante oito anos. Paralelamente, em
1921, deu início à carreira jornalística, colaborando com o jornal O Dia, dirigido por seu
primo Virgílio Melo Franco. Foi também jornalista de O Jornal, do empresário Assis
Chateaubriand, onde assinava a seção Boletim Internacional e o rodapé de crítica literária,
apesar de ele escrever sobre os assuntos mais diversos. No período de 1928 a 30, chegou a ser
diretor-presidente desse periódico.
Em 1924, tornou-se redator-chefe da Revista do Brasil, recém-adquirida de Monteiro
Lobato
45
pelo mesmo empresário. Nessa fase, publicou nove números
46
. Em 1926, tornou-se
seu diretor, ao lado de Prudente de Moraes, neto, imprimindo-lhe novas características.
Colaborou ainda em vários jornais e revistas: Revista do Brasil (mesmo na fase anterior,
45
Lobato (1882-1948), além de consagrado escritor, é tido como quem revolucionou o mercado editorial no
Brasil, imprimindo-lhe o caráter comercial vinculado à ampliação de um público leitor. Colaborou regularmente
no Estado de S. Paulo, e foi o diretor da Revista do Brasil, lançada em 1916. Dois anos depois, Lobato adquiriu
o controle acionário desse periódico e em 1919 lançou a Monteiro Lobato & Companhia, formada com Octalles
Marcondes Ferreira, futuro fundador da Companhia Editora Nacional (1925). Seu projeto para a indústria
nacional do livro abarcou todos os aspectos, desde o gráfico, passando pela propaganda, até a distribuição.
59
dirigida por Monteiro Lobato), Estado de Minas, A Manhã, Diário da Noite, O Estado de São
Paulo, O Cruzeiro, Diário Carioca e Módulo. Essas atividades eram conciliadas com a
carreira de advogado no escritório dos seus tios Afrânio e João de Melo Franco.
Antes de ingressar no Sphan, em 1936, foi chefe de gabinete do também mineiro
Francisco Campos, no recém-criado Ministério da Educação e Saúde Pública, durante cinco
meses. Nesse cargo, indicou o jovem arquiteto Lúcio Costa para a direção da Escola Nacional
de Belas Artes em dezembro de 1930, a fim de que ele reformasse o ensino naquele
estabelecimento. Mais tarde, por um breve período, foi chefe de gabinete do secretário-geral
de Viação e Obras da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Mário Machado.
Em 1936, Mário de Andrade e Manuel Bandeira indicaram o nome de Rodrigo para o
então Ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema, para organizar e dirigir o
Serviço de Patrimônio que seria criado. Marinho descreve que:
A partir de então direciona suas manifestações criadoras e produtivas no
sentido de proteger os bens patrimoniais do país, implantando um órgão
para esse fim, redigindo uma legislação específica, preparando técnicos,
executando trabalhos na área, empreendendo disputas judiciais, lutando pela
sobrevivência da repartição junto a políticos e governantes, patrocinando o
surgimento de uma consciência nacional de preservação e divulgando, no
Brasil e no exterior, o que o ‘seu’ Serviço fazia (Marinho, 1986:19).
No Sphan, organizou uma equipe de pesquisadores, historiadores, juristas, arquitetos,
engenheiros, restauradores, conservadores, mestres-de-obras. Uma de suas marcas era o
profundo acompanhamento pessoal de todas as atividades do Serviço: os tombamentos,
estudos, restaurações, elaborações de políticas públicas, divulgação e respostas à imprensa,
acompanhamentos das atividades regionais, contratação e cobrança de serviços etc. Dentro
dessa ampla gama de ações comandadas pelo diretor do Sphan, havia ainda a elaboração de
publicações.
Fora do Sphan, Rodrigo também teve vasta participação. Em 1943, foi eleito membro
do Conselho Fiscal da Associação Brasileira de Escritores (ABDE), órgão criado um ano
antes por Sérgio Milliet. Em 1947, foi indicado para a presidência do Conselho de
Organização do Salão Nacional de Belas-Artes. Em 1951, tornou-se presidente da Comissão
Nacional de Belas Artes
47
e integrou a diretoria provisória fundadora do Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro, com a função de vice-diretor-executivo.
46
Ver Luca 1999 e 2009.
47
Fundada em 1951 pela Lei Ordinária n
o
1.512, que também criou o Salão Nacional de Arte Moderna. Pela lei,
a Comissão Nacional de Belas Artes ficava subordinada ao MES, e tinha por objetivos “estudar, planejar,
resolver e aplicar diretrizes atinentes ao campo das artes plásticas, o Salão Nacional de Belas Artes e o Salão
Nacional de Arte Moderna como instituições oficiais subordinadas à Comissão Nacional de Belas Artes
60
Em 1954 foi representante do Brasil no Congresso Internacional de História da Arte e
Museologia, promovido pelo The Metropolitan Museum of Art e Columbia University,
realizado em Nova York. Em 1959, participou do Congresso da História dos Descobrimentos
e de um colóquio de diretores de museus em Portugal. Foi ainda membro da Comissão de
Honra da VI Bienal de São Paulo de 1961. Dois anos depois, foi novamente a Portugal como
delegado do país no V Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros. Nos anos 1960,
realizou estágios e visitas na Bélgica, Holanda e Itália, além de participar da reunião de
peritos e dos comitês Consultivo e Executivo do Conselho Internacional de Museus – ICOM.
Manteve assim contato com autoridades estrangeiras vinculadas à preservação do
patrimônio e fez conferências em universidades tanto no Brasil quanto no exterior. Era ainda
sócio efetivo do IHGB, vogal correspondente da Academia Nacional de Belas-Artes de
Portugal, membro de The Hispanic Society of America de Nova York, sócio benemérito do
Instituto dos Arquitetos do Brasil, membro do Conselho Federal de Cultura a partir de 1967,
sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, sócio de honra do Instituto
Histórico de Olinda, do Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos de Belo Horizonte e do
Centro Brasileiro de Arqueologia. Em 1967, recebeu diploma de membro honorário do
Instituto de História y Museo Militar do Ministério de Defensa Nacional do Paraguai.
Recebeu ainda o título de professor honoris causa da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal da Bahia em 1962, e das Universidades Federais de Pernambuco, de
Minas Gerais (1961) e do Rio de Janeiro (1969). Recebeu diversas medalhas e
condecorações
48
.
Aposentou-se em 1967, indicando como seu sucessor no Sphan o arquiteto que
trabalhara com ele, Renato Soeiro. Mesmo aposentado, Rodrigo permaneceu ligado ao
Sphan: e, a 5 de setembro de 1967, tomou posse como membro do Conselho Consultivo do
órgão.
destinados a apresentar em exposições públicas, anualmente, obras plásticas de artistas nacionais ou
estrangeiros, contemporâneos, que residam ou se encontrem no Brasil, e a estimular as artes e os artistas,
mediante bolsas de estudo, prêmio honoríficos e em dinheiro e outras recompensas”. Foi formada inicialmente
por Iberê Camargo, Santa Rosa e Goeldi, entre outros. A Comissão foi extinta pela Lei n
o
6.426, de 30 de junho
de 1977.
48
Rodrigo recebeu a Medalha da Inconfidência, concedida pelo estado mineiro em 1955; de Reconhecimento,
concedida pela I Conferência Nacional de Professores para Surdos em 1959; Medalha Pernambucana de Mérito
em 1963; e Grande Medalha da Inconfidência em 1966. Foi condecorado ainda Cavalheiro Oficial da Ordem do
Mérito da República Italiana e da Ordem das Artes e Letras da França. Em 1962, recebeu a Ordem do Mérito
Militar. Em 66, recebeu a condecoração Martim Afonso concedida pelo Instituto Histórico e Geográfico
Guarujá-Bertioga. Em 1964, recebeu do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Seção da Guanabara, o título de
Personalidade do Ano. Em 1968, o Conselho de Artes Plásticas do Museu da Imagem e do Som concedeu-lhe o
Prêmio Estácio de Sá, das artes e da cultura devido a seu trabalho na área de proteção ao patrimônio histórico e
artístico.
61
Escreveu pouco, considerando sua longa atividade. Em 1925, seu poema “Ode
pessimista” foi publicado na revista modernista Estética, dirigida por Sérgio Buarque de
Holanda e Prudente de Morais Neto. Em 1936, mesmo ano que assumiu o Sphan, ainda em
caráter experimental, Rodrigo publicou seu único livro de ficção: os contos reunidos em
Velórios, que teve tiragem restrita e logo foi recolhido por ordem do próprio autor, sendo
publicado postumamente
49
. Originalmente foi publicado pela editora Os Amigos do Livro, de
Belo Horizonte, que já publicara obras de Drummond e de João Alphonsus. Marinho
(1986:20) afirma que “a edição foi custeada pelo autor e impressa pela tipografia do Jornal
do Comércio, do Rio de Janeiro, com capa de Santa Rosa”. Em 1952, publicou duas obras:
Brasil, monumentos históricos e arqueológicos e Artes plásticas no Brasil, ambas editadas
fora do âmbito do Sphan. Em 1953, publicou Rio Branco e Gastão da Cunha, ensaio de
história e política diplomática editado pelo Ministério das Relações Exteriores; e em 1958, o
MEC publicou Artistas Coloniais, coletânea de artigos sobre pintores e arquitetos que
trabalharam no Brasil durante o período colonial, já publicados anteriormente pela
imprensa
50
.
Foi casado com a mineira Graciema Prates de Sá, com quem teve três filhos: Rodrigo
Luiz, o cineasta Joaquim Pedro de Andrade e Clara de Andrade Alvim. Faleceu em 1969,
reconhecido e lembrado.
2.2 Função e prestígio do editor
Esse é, pois, o editor da Revista do Patrimônio, no sentido de seu criador/autor, como
se quer defender. Rodrigo Melo Franco de Andrade trabalhara como jornalista e redator-
chefe e se relacionava diretamente com os principais editores e intelectuais do período,
estreitando com eles laços que provavelmente contribuíram para a edição das publicações por
ele coordenadas no Sphan.
O editor é a pessoa encarregada de organizar um periódico, isto é, de selecionar,
normalizar, revisar e supervisionar os originais para publicação. Cabe a ele prefaciar e anotar
os textos dos autores, quando for o caso. Segundo Araújo (1986), esse conceito básico de
49
Foram publicadas duas edições póstumas. Em 1974, a Livraria José Olympio Editora publicou uma segunda
edição de Velórios. Em 2004, a Editora Cosac & Naify publicou uma nova edição, com textos críticos de Mário
de Andrade, Manuel Bandeira, Sérgio Buarque de Holanda e Antonio Cândido. Segundo Judith Martins (1987),
funcionária do Sphan e secretária de Rodrigo, o diretor do Serviço teria escrito uma outra obra de ficção, o
romance A fuga para Sumatra, datilografado por Martins e que nunca veio a público.
50
Essas obras serão devidamente analisadas no Capítulo 4.
62
editor só se manteve presentemente em inglês. Em português, o sentido corrente atribuído a
editor relaciona-se com a pessoa responsável pelo lançamento, distribuição e venda do
livro/periódico ou com a instituição que arca com essas mesmas responsabilidades, seja com
fins comerciais ou não. Para Araújo, “o conteúdo semântico original, do latim editor, editoris,
indica precisamente ‘aquele que gera, que produz, o que causa’, o ‘autor’ em consonância
com o verbo edere, ‘parir, publicar (uma obra), produzir, expor’” (Araújo, 1986:35).
O editor é, pois, um produtor cultural que atua no sistema de produção de bens
simbólicos e sua lógica, muitas vezes, não se restringe aos ganhos financeiros, mas
igualmente à distinção e ao prestígio (Pontes, 2001). O lucro, indício seguro de uma editora
bem sucedida, caminha ao lado do prestígio como os mais cobiçados predicados. Porém, é
por meio do prestígio que os editores se diferenciam dos demais empresários e
comerciantes
51
. Muitas vezes, o lucro adquirido pelas editoras e por seus editores era o lucro
indireto, “que pode ser traduzido por meio do trânsito e da distinção que adquirem junto ao
meio intelectual, artístico, literário e editorial da época” (Pontes, 2001:450).
O prestígio permite que os negócios editoriais percam sua dimensão “profana” e
adquiram uma espécie de “aura” que os demais empreendimentos empresariais dificilmente
possuiriam. Segundo Pontes,
O prestígio, por recobrir a condição primeira de bens culturais, é um
dos meios que os editores dispõem para serem reconhecidos e se
reconhecerem como sujeitos destinados a uma missão social de
alcance e importância consideráveis. Pelo menos no Brasil e no
período em questão, este parece ser o caso (Pontes, 2001:442-443).
É devido a esse reconhecimento da figura do editor como sujeito responsável por uma
missão social, que Pontes os considera “heróis culturais”, do mesmo tipo dos intelectuais,
heróis literários e artísticos. Os editores estavam “empenhados em cumprir um papel social
análogo ao dos intelectuais e escritores engajados, ou pelo menos assim se auto-
reapresentam” (Pontes, 2001:420). Eles procuravam suprir a ausência e as deficiências dos
poderes públicos e provavelmente diziam e acreditavam que editavam como missão. O
trabalho de editar seria assim um dos principais canais de difusão, ampliação e consolidação
da cultura brasileira. Essa seria a função cultural do editor, que é caracterizado ainda como
“editor predestinado”, ou seja, um tipo de mediador cultural muito especial.
51
Conforme afirma Pontes (2001), a Editora Melhoramentos, de São Paulo, seria a melhor prova do que pode
significar a falta de prestígio para uma editora. Embora ela fosse a sexta mais bem-sucedida editora nas décadas
de 1930 e 40, só é citada na bibliografia especializada por essa razão. Seus editores, os irmãos Weiszflog,
quando são mencionados, não merecem nenhuma consideração, como se não tivessem tido nenhuma
63
As palavras de José de Barros Martins, fundador da Editora Martins, exemplificam
bem a construção dessa imagem específica e valorada do editor. Por isso, mesmo longa, vale
a citação:
Não podemos fugir à constatação de que as coisas do espírito foram
sempre relegadas a um plano secundário entre nós. Aos editores
caberia o nobre encargo de suprir as deficiências dos poderes
públicos. A eles, o encargo da função cultural que o País suplicava.
O Brasil é um país de autodidatas, sem escolas, sem cursos
especializados. (...) Num tal ambiente o papel reservado aos editores
é, indiscutivelmente, de tremendas responsabilidades. O livro, como
instrumento de trabalho e de cultura, eis o que lhe compete produzir,
quase sempre enfrentando as condições mais adversas. Nenhum outro
laboratório ou campo de aprendizagem servirá talvez de melhor
espelho para vermos, entendermos e amarmos o Brasil do que o
escritório de um editor. Com o romancista, ele ausculta as angústias
e esperanças, os sofrimentos e alegrias do seu povo. Com o
sociólogo, estuda os problemas da formação, desenvolvimento e
futuro do País. Com os poetas, canta a ternura de nossas mulheres e
embala-se no ritmo da nossa gente. Com o pintor e ilustrador analisa
e marca os nossos tipos e os ambientes que constituem a
característica de nossa paisagem humana. Mas o escritório de um
editor ainda tem mais coisas. Tem, por exemplo, os jovens estudantes
do entusiasmo e de esperança que ali vão, tímidos e indecisos, levar
em humildes originais os melhores sonhos que os embalaram, as
melhores esperanças do futuro [grifo do autor] (Martins, José de
Barros; 1950 Apud Pontes, 2001:443).
Desse modo, o editor brasileiro, até meados do século XX, se vê e é visto com um crucial
papel social e político ao realizar sua missão, adquirindo status e prestígio dos maiores
intelectuais.
Embora Pontes não tenha pesquisado a atuação de Rodrigo M. F. de Andrade como
editor, pode-se enquadrá-lo dentre os grandes editores do período, não por ter dirigido uma
editora importante comercialmente, mas por ter buscado a edição como uma de suas missões
políticas e culturais. Conforme já analisaram José Reginaldo Gonçalves Santos, Márcia
Chuva, Mariza Veloso e outros pesquisadores, a ação do Sphan e de Rodrigo à sua frente
tinha como missão “civilizar” o Brasil. Dessa forma, as publicações do Sphan podem ser
entendidas como um dos veículos mais poderosos para tanto.
Rodrigo, apesar de raramente ser mencionado como um editor, era o responsável pela
organização e seleção do conteúdo das publicações do Sphan, além de realizar convites e
tratar de sua distribuição. O editor confunde-se, nesse sentido, com o autor, criador da Revista
do Patrimônio como um todo.
repercussão no universo intelectual e cultural mais amplo. Muito diferente é o caso de Monteiro Lobato, José
Olympio, José de Barros Martins, Érico Veríssimo e outros editores do período.
64
O editor está semanticamente na origem do livro, é seu criador e o responsável pelo
empreendimento. E, assim, “a figura plena do editor poderia estar incluída no conceito
‘amplo’ de autor” (Bragança, 2005:222). O editor-autor cria e dirige os textos que serão
transformados em livros e periódicos, pensando como serão feitos e a quem eles se destinam.
Ao selecionar e produzir o que deve ser publicado, o editor é ainda, como na Revista do
Patrimônio, o responsável pela qualidade científica e gráfica da obra que será oferecida ao
público e quem o convida para a leitura. No periódico estudado, portanto, estamos
considerando Rodrigo M. F. de Andrade o editor e o autor do conjunto dos textos publicados.
2.2.1 Editoras, produção intelectual e retratos do Brasil em meados do século XX
A historiografia aponta para a relevância dos anos 1930 no que tange ao engajamento
político, religioso e social no campo da cultura – para além de outros aspectos. Nessa década,
realizaram-se as reformas educacionais empreendidas no âmbito do Ministério da Educação e
Saúde Pública, mesmo antes da gestão de Capanema. Essas reformas ampliaram o acesso à
educação, especialmente à formação de base. No Brasil, mesmo com todos os seus limites, o
ensino universitário também foi ampliado e efetivamente incorporado a um sistema nacional
de educação. Novos cursos superiores surgiram, como é o caso de filosofia, geografia,
história e letras, com os quais diversos professores e pesquisadores estrangeiros contribuíram.
Lévi-Strauss, Roger Bastide, Pierre Monbeig são alguns exemplos dessas contribuições.
A conseqüência da implantação desses cursos foi o incremento do espírito analítico
dos estudos sobre o Brasil, resultando ainda na grande expansão dos estudos sobre a
“realidade brasileira”. Segundo Cândido (1984), este era um dos conceitos-chaves dos anos
30/40 e se encarnou nos chamados “estudos brasileiros” de história, política, sociologia,
antropologia etc., produzindo o “pensamento social brasileiro”.
O interesse por tal temática aparece com grande destaque no recém-formado mercado
editorial brasileiro
52
. Desde a década de 1920, o escritor Monteiro Lobato iniciara um novo
modelo de edição, distribuição e venda de livros no Brasil, originando uma espécie de boom
do mercado de livros, que se consolida na década de 30. Nesse período, as diversas editoras
52
Araújo (1986) divide a prática editorial brasileira em três períodos: a primeira inicia-se com a criação da
Impressão Régia; a segunda decorre da dificuldade de comunicação entre o Brasil e a Europa, local onde se
imprimiam quase a totalidade das obras brasileiras, e do boom editorial em meados do século XX, período aqui
considerado; a terceira corresponde aos anos 1960 em diante, quando Antônio Houaiss estabelece a prática
editorial no país de forma irreversível e sistemática. Segundo Pontes (2001), coube a Paula Brito a posição de
primeiro editor brasileiro, ainda no século XIX. Porém, foi Monteiro Lobato quem renovou e consolidou a
atividade editorial no país.
65
que surgiram no país lançaram obras e coleções dedicadas aos “retratos” do Brasil, refletindo
a produção intelectual contemporânea.
Dentre as coleções sobre a “realidade brasileira”, destacam-se a Brasiliana, a
Documentos Brasileiros e a Biblioteca Histórica Brasileira. A primeira foi lançada em 1931
pela Companhia Editora Nacional
53
, sendo parte de um amplo projeto editorial intitulado
Biblioteca Pedagógica Brasileira. Fernando de Azevedo foi seu diretor até 1958, quando
Américo Jacobina Lacombe o sucedeu. A Documentos Brasileiros saiu a partir de 1936,
editada pela Livraria José Olympio Editora
54
, tendo sido dirigida por Gilberto Freyre até
1939, por Otávio Tarquínio de Souza
55
entre 1939 e 1959 e por Afonso Arinos a partir de
1962. O título inaugural dessa coleção foi Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Já
a última foi lançada pela Livraria Martins Editora
56
e foi dirigida pelo bibliotecário municipal
de São Paulo e bibliófilo Rubens Borba de Moraes. Havia ainda outras coleções que se
dedicavam ao debate político-ideológico do período, como a coleção Azul, publicada desde
1932 pela Editora Schmidt
57
e a Problemas Políticos Contemporâneos, da José Olympio, a
partir de 1934. Outras coleções contemporâneas foram a Biblioteca de divulgação científica,
dirigida por Artur Ramos, e a Biblioteca de Ciências Sociais, dirigida pelo sociólogo
americano Donald Pierson, ambas da Editora Civilização Brasileira
58
, entre outras coleções
lançadas no período
59
.
53
A Companhia Editora Nacional é a sucessora da Monteiro Lobato & Cia. Foi conservadora em literatura,
segundo Cândido (1984), porém, com a Biblioteca Pedagógica Brasileira realizou um dos mais notáveis
empreendimentos editoriais que o Brasil já teve.
54
A Editora José Olympio foi uma das mais prestigiadas dentre as estudadas por Pontes. José Olympio Pereira
Filho (1902-1990), seu fundador, iniciou sua carreira como limpador de caixas em 1918 na Casa Garraux, em
São Paulo – uma livraria francesa que era ponto de encontro da intelectualidade paulistana. Em 1925, tornou-se
gerente, o cargo mais importante no quadro de auxiliares da Garraux. Em 1931 fundou sua própria livraria em
São Paulo e em 1932 abriu a Editora José Olympio, cuja primeira obra publicada foi Conhece-te pela
Psicanálise. Em 1934, José Olympio mudou-se para o Rio de Janeiro, onde cresceu e adquiriu prestígio.
55
O historiador Otávio Tarquínio de Souza dirigiu a Revista do Brasil em sua terceira fase, com 56 números
publicados entre julho de 1938 e dezembro de 1943. A partir de 1939, acumulou com essa função o cargo de
diretor da coleção Documentos Brasileiros.
56
A Livraria Martins Editora, tal como a José Olympio, iniciara apenas como livraria em 1937, tornando-se
editora em 1940. Seu editor e proprietário era José de Barros Martins, dono também de um enorme prestígio
entre seus pares.
57
Criada em 1930 por Augusto Frederico Schmidt. Publicou obras de Jorge Amado, Gilberto Freyre, Graciliano
Ramos, Rachel de Queiroz etc.
58
Fundada em 1932 pelo poeta Ribeiro Couto e por Gustavo Barroso. Em 1948, o controle acionário passou
para Ênio Silveira (1925-1996). Na década de 60, dividiu o reinado do mercado editorial brasileiro com a
Martins Editora. Publicou obras de muitos escritores e intelectuais oposicionistas ao governo.
59
Outras editoras que se destacaram nesse momento foram a Editora Globo, a Ariel, a Pindorama e a Amigos do
Livro. A Editora Globo foi fundada no Rio Grande do Sul e contou com Érico Veríssimo como editor. Tornou-
se conhecida por difundir autores até então pouco conhecidos pelo Brasil, como Aldous Huxley, Thomas Mann,
Joseph Conrad, Marcel Proust etc. A Editora Ariel, fundada no Rio de Janeiro por Gastão Cruls e Agripino
Grieco, publicou o conhecido Boletim de Ariel, uma revista literária. Já a Pindorama e a Editora Amigos do
Livro foram os destaques mineiros do nascente mercado editorial brasileiro.
66
Nesse mesmo cenário que propiciou o surgimento das interpretações do Brasil
publicadas pelas editoras e suas coleções, outras obras seminais sobre a “realidade brasileira”
eram lançadas. Em 1933, a Editora Schmidt publica Casa grande e senzala, de Gilberto
Freyre. No ano seguinte, ocorre o I Congresso Afro-Brasileiro, em Recife, organizado pelo
mesmo Gilberto Freyre, e a Universidade de São Paulo (USP) é criada. Em 1936, é lançado
Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Em 1942, Formação do Brasil
Contemporâneo, de Caio Prado Júnior, tida como a primeira obra marxista produzida no país.
Os estudos já realizados sobre essas editoras e os intelectuais com elas envolvidos
apontam para um amplo trânsito entre as esferas culturais e um intenso contato e convivência
desses intelectuais nas editoras e livrarias, que podem ser compreendidas como lugares de
sociabilidade, tais como as redações de jornais e revistas.
Se em um primeiro momento, a livraria Casa Garraux, onde José Olympio iniciou sua
carreira, era o ponto de encontro da intelectualidade paulistana, e a livraria Garnier, também
francesa, era o ponto de encontro carioca, mais tarde elas são substituídas pela Livraria José
Olympio Editora, pela Martins e outras. Na Garraux, ainda na década de 20, compareciam
Menotti del Picchia, Mário e Oswald de Andrade, Washington Luís, entre outros. Já no Rio
de Janeiro, na Rua do Ouvidor, a Livraria José Olympio era palco de boas conversas de
muitos intelectuais que ali se encontravam, segundo conta José Mindlin. Muitos deles foram
editados por J.O., como era conhecido o proprietário da livraria e editora. Dentre eles
estavam Sérgio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira, Drummond, Afonso Arinos,
Portinari, Vinicius de Moraes, Octávio Tarquínio de Sousa, Lúcia Miguel Pereira, Gastão
Cruls (que também tinha sua editora), Chico Barbosa, Rodrigo Melo Franco de Andrade, José
Lins do Rego.
Muitos deles, como se nota, faziam parte também do chamado “grupo do patrimônio”,
que compôs a Academia Sphan e que se refere ao conjunto de intelectuais que se reuniam em
torno de Rodrigo para discutir questões do patrimônio. Assim, Rodrigo, Drummond, Afonso
Arinos, Sérgio Buarque, Manuel Bandeira, Portinari, Vinicius faziam parte da roda de
intelectuais tanto da Livraria José Olympio como da rede do patrimônio, realizada na sala de
Rodrigo no Sphan, representando um exemplo desse trânsito entre as esferas culturais que,
por sua vez, dizem respeito a lugares de sociabilidade diferentes.
Diante de uma indústria cultural embrionária e da ausência de campos profissionais
claramente delimitados (o que viria a ocorrer com o processo de consolidação do sistema
universitário), esses intelectuais voltam-se para a demanda de políticas do Estado. Eles
reconhecem em sua burocracia um espaço privilegiado para se pensar e para se intervir na
67
questão nacional. Por outro lado, os intelectuais formados no interior do campo de produção
de saber da época – as academias de letras, os institutos históricos e geográficos, as
faculdades de direito, medicina e engenharia e, em menor número, as faculdades de ciências,
letras e educação – dirigem-se para o mercado editorial, que se expandiu vertiginosamente
nos anos 30.
Segundo Pontes (2001), essa circularidade é mais uma modalidade desse trânsito entre
esferas culturais distintas: “O escritor editor, o literato jornalista, o pensador polivalente, o
antropólogo radialista, o jornalista crítico literário. O trânsito entre essas esferas constitui a
norma, marcando de maneira indelével a produção cultural no país” (Pontes, 2001: 448-449).
Essa ambivalência de uma cultura artística e outra de mercado não se manifestariam de forma
antagônica no Brasil até a década de 50, quando se diferenciou mais nitidamente um pólo de
produção cultural mais restrito de outro mais ampliada, voltado para e conectado com um
mercado de bens culturais massivos.
Assim, esses intelectuais que construíram o patrimônio, como visto no Capítulo 1,
estavam engajados e carregavam consigo a função cultural de “civilizar” o país por meio da
preservação dos suportes de algumas memórias e histórias. Para tanto, adentravam o Estado e
as nascentes universidades, atuando num pólo de produção cultural mais restrito.
Paralelamente, ao se embrenharem nas editoras e livrarias, que possibilitavam a eles um outro
tipo de produção cultural, conectavam-se com o mercado, cuja produção já era geralmente
ampliada.
2.2.2 Revistas de “alta cultura” (1930-1970)
As atividades de Rodrigo M. F. de Andrade no Sphan foram assim muito
influenciadas pela ampla e profunda circulação que ele tinha nesse meio editorial/cultural.
Rodrigo freqüentava os pontos de encontro da intelectualidade mineira, carioca e paulistana
em cafés, livrarias e redações que são, por isso, compreendidas como lugares de
socialibidade.
Assim como a edição da Revista do Patrimônio vincula-se, ainda que indiretamente, à
produção editorial do período estudado, ela também se relaciona com os periódicos que lhe
são contemporâneos, especialmente os chamados de “alta cultura”, como ela. Isso se deve,
inclusive, ao fato de que muitos dos colaboradores da Revista escreverem intensamente para
outros periódicos.
68
É por isso que é preciso articular a produção editorial do Sphan com a de periódicos
semelhantes, a fim de se compreender a Revista na história da imprensa, observando-se
possíveis diálogos ou influências. Para tanto, são consideradas as principais revistas de “alta
cultura” contemporâneas à Revista do Patrimônio. Antes, porém, de percorrer esse
periodismo, cabe discorrer sobre a categoria “revistas de alta cultura”, ainda que
brevemente
60
.
A partir das tipologias elaboradas por Ana Luiza Martins (2008) e Tania de Luca
(2009) sobre o periodismo, pode-se afirmar que uma revista como a ora estudada enquadra-se
em revistas de cultura ou, mais especificamente, de alta cultura. As revistas literárias,
institucionais e científicas, tais como Revista do Brasil e Revista do IHGB, pertencem a esse
gênero de periódico
61
. Algumas de suas características são: circulação restrita e público leitor
diminuto, geralmente com pontos de venda inexistentes; cuidado gráfico e configuração
sóbria e sólida, próxima a uma livro; ausência de propagandas; autoria de intelectuais
conceituados sobre compenetrados artigos, versando sobre temáticas selecionadas. Em geral,
não eram economicamente atrativas, porém, “não há como negar o significado do seu alcance
simbólico” (Luca, 2009:23).
Essas revistas de cultura, assim, eram efetivamente consumidas por “homens de
letras”, que buscavam o conhecimento técnico-científico. Desse modo, pode-se dizer que o
público consumidor das revistas de cultura eram, em geral, os próprios pares dos autores
desses periódicos.
Conforme se verá adiante, essas particularidades das revistas de “alta cultura”
coadunam-se com o perfil da Revista do Patrimônio e, além dela, de outros periódicos que
coexistiram com ela no período aqui estudado, ou seja, de 1930 a 1970. Assim, vale atentar
para uma visão panorâmica desse periodismo de cultura, alguns de caráter oficial e outros da
iniciativa privada.
Para tanto, foi elaborado o Quadro 1, que permite observar as revistas em questão.
Destacam-se a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Revista do Arquivo
Municipal de São Paulo, a Revista do Brasil, a Revista Clima, os Anais do Museu Paulista,
os Anais do Museu Histórico Nacional, a Revista Cultura Política, a Estudos Brasileiros, o
Anuário Brasileiro de Literatura, e as revistas do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística etc.
60
Sobre a noção “alta cultura”, integrante da categoria ora utilizada, e que geralmente aparece como noção
dicotômica de “cultura popular”, ver Capítulo 3.
69
70
A Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, editada pelo instituto
homônimo – IHGB, é publicada desde 1839, logo que o mesmo foi criado. Com auxílio do
poder político central (imperial ou republicano), tratava-se de um veículo de difusão
sobretudo do conhecimento histórico, congregando colaboradores de grande prestígio, sendo
que muitos deles adquiriram notoriedade como historiadores. O periódico registrava as
atividades institucionais por meio da divulgação de seus relatórios, tornava público atos
comemorativos e outras cerimônias, além de publicar fontes primárias – tal como faz também
a Revista do Patrimônio –, biografias e resenhas de obras. Era, enfim, uma instituição de
tradição para a disciplina histórica
62
. Conforme visto no Capítulo 1, o Sphan é tido por
Rodrigo como uma espécie de seu prolongamento e seu periódico reunia intelectuais
vinculados tanto com o IHGB quanto com o próprio Sphan – exemplo disso, é a colaboração
de muitos de seus membros com as atividades do Serviço do Patrimônio.
A Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, publicação oficial da prefeitura
municipal, tinha por objetivo publicar, na íntegra, documentos históricos de seu acervo,
apresentando freqüentemente a transcrição de fontes. A questão da busca das origens ou
raízes é o mote principal. Inicialmente, era editada pela Diretoria de Protocolo e Arquivo da
Prefeitura, e dirigida por Álvaro Martins Ferreira, secretariado por Nuto Sant’ana. A partir de
1935, a publicação foi incorporada ao Departamento de Cultura, então dirigido por Mário de
Andrade, que se tornou também o diretor do periódico até 1938, sendo secretariado por
Sérgio Milliet. Seus autores vinculavam-se a variados institutos, inclusive ao IHGB e ao
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Eram políticos consagrados, funcionários
públicos, escritores (muitos dos quais considerados “modernistas”), pesquisadores de folclore
e cultura popular etc. Afonso Taunay, diretor do Museu Paulista e autor de um único artigo
na Revista do Patrimônio, foi um assíduo colaborador desse periódico, tendo escrito os textos
de abertura dos volumes publicados até o final de 1935. Ao lado de Taunay, eram autores da
Revista do Arquivo Municipal de São Paulo: Alceu Amoroso Lima, Carlos Ott, José Mariano
Filho, Luiz Saia, Plínio Ayrosa, Manuel Bandeira, Salomão de Vasconcelos, Serafim Leite,
Sérgio Milliet e o próprio Mário de Andrade
63
.
61
Contrapunha-se ao tipo “revista de alta cultura” as chamadas revistas ilustradas e de variedades, que se
multiplicavam no fim do século XIX e início do XX.
62
Sobre o IHGB e sua revista, ver Guimarães, 1988 e Schwarcz, 1993.
63
Sobre esse periódico e mesmo sobre o trabalho do Departamento de Cultura, ver Raffaini, 2001; Rubino,
2002; Barbato Júnior, 2003; Claro, 2008.
Quadro 1 - Revistas de alta cultura contemporâneas à Revista do Patrimônio
Revista Clima
Revista de Estudos Brasileiros
Revista do Brasil
Anuário Brasileiro de Literatura
Revista Cultura Política
Anais do Museu Histórico Nacional
Revista Brasileira de Estatística
Revista Brasileira de Geografia
REVISTA DO PATRIMÔNIO
Revista do Arquivo Municipal de São Paulo
Anais do Museu Paulista
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
1931
1932
1933
1934
1935
1936
1937
1938
1939
1940
1941
1942
1943
1944
1945
1946
1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
72
Também de São Paulo, a Revista do Brasil, dedicada a discutir questões nacionais, foi
um empreendimento empresarial de Júlio de Mesquita, o proprietário do jornal O Estado de S.
Paulo. Foi lançada em São Paulo, em janeiro de 1916, tendo como chefe da redação Plínio
Barreto, até 1918. Nesse ano, a sociedade foi desfeita e Monteiro Lobato a adquiriu, tomando
sua direção até maio de 1925, quando foi à falência. Nesse período (1916-25), foram
publicados 113 volumes.
Assis Chateaubriand, que começava a montar o conglomerado midiático que resultou
nos Diários Associados, adquiriu a chancela da revista e a relançou em 1926, tendo como
redator-chefe Rodrigo M. F. de Andrade, secretariado por Prudente de Moraes Neto, e
levando a edição para o Rio de Janeiro. Essa segunda fase publicou somente nove números, e
foi encerrada em 1927. Entre 1938 e 1943, em um terceiro momento, o periódico voltou a
circular, dessa vez editado por Otávio Tarquínio de Souza, publicando 56 volumes. No ano
seguinte foram publicados mais três volumes. Entre 1984 e 1990, a Revista do Brasil
reapareceu uma última vez, agora vinculada à Secretaria de Cultura do Estado do Rio de
Janeiro e da Rioarte.
Dentre seus principais colaboradores, pode-se destacar: Monteiro Lobato, Amadeu
Amaral, Mário de Andrade, Roquette Pinto, Oliveira Vianna, José Patrício de Assis, Oliveira
Lima, Sérgio Milliet, Artur Neiva, Alberto Rangel, Rui Barbosa, Alceu Amoroso Lima,
Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, Sérgio Buarque de Holanda, Antônio de Alcântara
Machado, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, entre outros. O próprio Rodrigo
escreveu no periódico, ainda na fase editada por Lobato
64
.
A Clima foi uma iniciativa de um grupo expressivo de alunos das primeiras turmas da
recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo, tendo
sido publicada entre maio de 1941 e novembro de 1944, totalizando 16 números. Definida
como um periódico que trata das diversas modalidades de crítica de cultura, teve seções
permanentes: Lourival Gomes Machado, o diretor de Clima, era também o responsável pela
seção de artes plásticas; Antônio Cândido, pela de literatura; Paulo Emílio Salles Gomes, pela
de cinema; Décio de Almeida Prado, pela seção de teatro; Antonio Branco Lefèvre, pela de
música; Roberto Pinto Souza, pela de economia e direito; e Marcelo Damy de Souza, pela de
ciência. Além desses, participavam como colaboradores Gilda de Mello e Souza, Ruy Coelho,
Cícero Christiano e outros. Seu número inaugural foi aberto pelo ensaio “Elegia de abril”, de
64
Sobre a Revista do Brasil, ver Luca, 1999 e 2009 e Ikeda, 1975.
73
Mário de Andrade, o que procurava c
onferir a essa iniciativa uma certa consagração. A revista
Clima, embora de curta duração, foi um veículo de exposição do projeto dos intelectuais desse
grupo, dando-lhes visibilidade e acesso a empreendimentos culturais e intelectuais mais
ambiciosos
65
.
Os Anais do Museu Paulista era o órgão de divulgação oficial do Museu Paulista.
Criado em São Paulo no ano de 1890, como Museu do Estado, foi transformado em Museu
Paulista em 1893. Seu primeiro diretor foi o alemão Hermann von Ihering, que criou a Revista
do Museu Paulista, em 1895, como um órgão oficial de divulgação, publicando pesquisas e
estudos especializados nas ciências naturais, biológicas e históricas do país, passando pela
arqueologia, botânica, paleontologia, com destaque para a zoologia. Seu sucessor foi Afonso
d’Escragnolle Taunay, que assumiu a direção do museu em 1917, permanecendo no cargo por
27 anos e implementando uma série de mudanças no instituto. Taunay criou, por exemplo, as
seções de história nacional e de etnografia, antes inexistentes, e lançou um outro periódico, os
Anais do Museu Paulista, publicação voltada a temas de “história nacional” – ainda que a
partir de uma perspectiva notadamente paulista.
Desse modo, entre 1922 e 1938, os Anais do Museu Paulista, de cunho histórico, e a
Revista do Museu Paulista, mais voltado às chamadas ciências naturais, coexistiram. Nesse
último ano, o periódico mais antigo foi extinto, porém, no fim da gestão de Taunay, em 1946,
havia planos de sua retomada, uma vez que institutos científicos, nacionais e estrangeiros,
demandavam a retomada da publicação – o que atestava sua importância. Sérgio Buarque de
Holanda, que sucedeu Taunay no período de 1946 a 56, conseguiu relançar a Revista do
Museu Paulista em 1947, contudo, com um caráter completamente diferente:
majoritariamente dedicado à antropologia. Tanto a Revista como os Anais contavam com
colaboradores de grande peso, tornando a publicação uma referência no periodismo científico
institucional paulista e mesmo, no nacional
66
.
Os Anais do Museu Histórico Nacional, vinculado ao museu homônimo, era uma
publicação institucional que recebia recursos do governo federal, tal como a Revista do
Patrimônio. Provavelmente, acaba aí a semelhança entre o objeto de estudo desta pesquisa e o
periódico oficial do MHN. Isso porque os Anais, publicados de 1940 a 1975, eram editados
65
Sobre Clima, ver Pontes, 1998.
66
Não há estudos sistemáticos sobre os periódicos em questão, porém, Françozo, 2005 e Martins, 2009 fornecem
informações sobre os mesmos em determinados momentos.
74
pelo próprio diretor do museu, Gustavo Barroso, com quem o Sphan travou embates, como já
apontado no Capítulo 1.
Os artigos publicados eram escritos pelos conservadores do museu, versando sobre as
pesquisas ali realizadas. O mote girava em torno da biografia dos “grandes homens” e das
descrições sobre como os fatos históricos aconteceram, sempre os relacionando com objetos
de seu acervo (Magalhães, 2004). Seus colaboradores, por se tratarem de funcionários, eram
permanentes, dentre os quais se pode citar Edgar de Araújo Romero, Menezes de Oliva,
Alfredo Solano de Barros, Paulo Olinto, Nair de Morais Carvalho, Alfredo Teodoro Rusins,
Adolpho Dumans. Entre os autores que aí escreveram uma ou duas vezes, destaca-se o
neocolonial José Mariano Filho e os também autores da Revista do Patrimônio, Mário Barata,
Dom Carlos de Saxe-Coburgo e Bragança, e Joaquim de Souza Leão.
O diretor e editor, Gustavo Barroso, sempre abria os números, além de ser autor de
muitos apêndices. Barroso escreveu ainda um volume inteiro dos Anais dedicado à divulgação
das ações do museu para a preservação do patrimônio histórico, em uma evidente “querela”
com o Sphan. Trata-se do número V, publicado em 1944, e que recebeu o título
Documentação da ação do Museu Histórico Nacional na defesa do Patrimônio Tradicional
do Brasil. Nele, o diretor do museu relatava e enaltecia sua participação na criação do Museu
Imperial de Petrópolis, no Regulamento do Museu da Cidade do Rio de Janeiro, no
tombamento de Diamantina (que data de 1942), na montagem de exposições brasileiras no
exterior etc. Ao volume, anexam os orçamentos, correspondências, relatórios e artigos de
jornal referentes às suas iniciativas, montando uma espécie de dossiê
67
.
A revista Cultura Política, publicada entre março de 1941 e outubro de 1945, era uma
revista mensal de “estudos brasileiros” (conforme seu subtítulo) publicada pelo Departamento
de Imprensa e Propaganda – DIP em parceria com o MES, durante o Estado Novo. Foi
dirigida por Almir de Andrade, que antes havia colaborado com Revista do Brasil e havia sido
o editor do periódico Cultura e Política
68
, criado em 1927. Embora possa ser considerada
uma revista de alta cultura, esse periódico era vendido em bancas de jornal do Rio de Janeiro
67
Este volume dos Anais foi a fonte primordial da pesquisa de Magalhães, 2004 sobre o museu. Valeria, ainda
assim, uma investigação comparativa entre essa publicação e o periódico do Sphan, atentando para as
construções simbólicas decorrentes de dois projetos distintos e concorrentes.
68
Segundo Veloso (1992), tanto o grupo do Patrimônio como o de Almir de Andrade tinham um projeto
político-cultural em comum: construir a nação por meio da inspiração histórica, valorizando as raízes que
integrariam nossa tradição.
75
e de São Pa
ulo, a um preço simbólico
69
, sendo amplamente divulgada. Sua proposta era a de
“definir e esclarecer” as transformações vividas no país, apresentando os feitos
governamentais. Mas havia também “toda uma preocupação com o ‘debate e a difusão’ de
informações e valores considerados essenciais para o desenvolvimento do Estado-nação”
(Gomes, 1996:16). Nesse sentido, destacavam duas seções: “Textos e documentos históricos”
e “Brasil social, intelectual e artístico”. Abrigou assim diversas correntes de pensamento e
alguns de seus colaboradores foram, além do próprio Almir de Andrade: Francisco Campos,
Azevedo Amaral, Lourival Fontes, Cassiano Ricardo, Graciliano Ramos e Gilberto Freyre.
A revista Estudos Brasileiros foi publicada pelo instituto homônimo entre julho de
1938 e dezembro de 1944. O Instituto de Estudos Brasileiros fora fundado em 1938 por João
Augusto de Mattos Pimenta e se tratava de uma organização apolítica e não oficial que visava
um maior conhecimento sobre o Brasil, veiculando artigos e conferências sobre arte e
arquitetura. Sua publicação teve como primeiro editor Cláudio Ganns e, depois, Otávio
Tarquínio de Sousa. O Conselho Editorial da revista era composto por Afonso Arinos, Otávio
Tarquínio, Tristão de Athayde, dentre outros, que também escreviam em Estudos Brasileiros,
ao lado ainda de Augusto de Lima Júnior e José Mariano Filho.
O Anuário Brasileiro de Literatura era uma revista especializada na divulgação e no
balanço do movimento editorial do ano em questão, englobando dados sobre as publicações
de literatura, música, teatro e cinema. Foi criada no Rio de Janeiro, em 1937, pelos Irmãos
Pongetti, e, em 1941, passou para a direção da Livraria Editora Zélio Valverde, que a
publicou até 1944. Seu público era primordialmente os próprios editores, uma vez que seu
conteúdo versava basicamente sobre os lançamentos editoriais anuais e a vida literária
internacional, além de publicar entrevistas com os editores.
Já a Revista Brasileira de Geografia e a Revista Brasileira de Estatística eram
publicações oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
70
, lançadas,
respectivamente, em 1939 e 40. Segundo Camargo (2009), essas publicações exerceram um
papel decisivo na organização do campo geográfico, sobretudo a primeira delas. Seus autores
eram os próprios técnicos do IBGE ou de outras instituições, e divulgavam pesquisas sobre
geografia, econômica, estatísticas, educação, além de orientações metodológicas. Cita-se:
69
Gomes (1996) informa que era vendida por Cr$ 3,00, quando seu custo girava em torno de Cr$ 10,00.
70
Em 1937 foi criado o Conselho Nacional de Geografia, que, no ano seguinte, uniu-se ao Instituto Nacional de
Estatística, dando origem ao IBGE.
76
Fernando Azevedo, Azevedo Amaral, Roquette Pinto, Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Artur
Ramos, Lourenço Filho, Padre Leonel Franca, Lourival Fontes, dentre os mais renomados.
Ambos os periódicos forneciam um quadro de referências para o desenvolvimento de
um perfil identitário para o Brasil, como era comum nas demais revistas ora citadas,
constituindo-se dentro de um dos amplos projetos culturais de nação e de modernização do
país. Destaca-se, nesse sentido, a seção “Tipos e Aspectos do Brasil”, publicada na Revista
Brasileira de Geografia, que contava com artigos e desenhos de Percy Lau, que versava sobre
as “representações” do Brasil
71
.
Observa-se, assim, a existência de diversas revistas de alta cultura contemporâneas à
Revista do Patrimônio, dentre outras que poderiam ser também mencionadas, como a Revista
Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras. Nem todas, porém, tiveram a
longevidade alcançada pelos periódicos do Sphan, do IBGE, do MHN, do Museu Paulista, do
IHGB e do Arquivo Municipal de São Paulo. Ressalta-se que todos esses periódicos contaram
com recursos oficiais dos governos a que se vinculavam – o que pode explicar em parte seu
êxito ao longo do tempo. Assim, a única revista oficial que aparece no Quadro 1 e que não
vingou, foi Cultura Política, cuja circulação foi encerrada com o fim do Estado Novo que ela
propagandeava.
As demais revistas, iniciativas particulares (vinculadas ou não a editoras), não tiveram
sobrevida e, antes mesmo da década de 1950, já estavam extintas. De qualquer forma,
começaram a circular concomitantemente com a Revista do Patrimônio e concorriam com ela,
tanto junto ao público leitor quanto à própria colaboração de intelectuais nessas revistas – que
é o que se observa ao atentar para os autores das mesmas.
2.3 A Revista do Patrimônio (1937-67)
Cabe então, finalmente, apresentar uma “narrativa densa” (Burke, 1992), atentando
para os diversos aspectos materiais e editoriais que presidiram a Revista do Patrimônio. Em
primeiro lugar, atenta-se para o nome que ela recebe entre 1937 e 1967, período aqui estudado
e que engloba 15 volumes. Até seu nono número, a publicação recebe o nome de Revista do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Já os números posteriores, até o
71
Ver Angotti-Salgueiro, 2005; Nascimento, 2008; e Camargo, 2009.
77
presente momento (pois ela segue existindo), recebem o nome de Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Mas esta pesquisa abarca somente o conjunto que vai até o
número 15, último volume editado por Rodrigo, o que lhe garante certa vaidade.
Até o número 18, a Revista assemelha-se a um livro, de dimensões de 17,5 por 23,5
cm, apresentando uma quantidade variável de páginas e de artigos publicados. Essa aparência
de livro era reforçada pela completa ausência de propagandas e anúncios, muito comuns às
revistas do período, mesmo às de “alta cultura”
72
. Seu aspecto era “moderno”, alinhado aos
padrões estéticos do momento, porém era sóbrio. As páginas de texto eram impressas em
papel offset e as páginas que continham imagens, em couché. Conforme será visto a seguir, a
revista era ricamente ilustrada – ainda que em preto e branco, destacando-se do periodismo a
que pertence, que praticamente não ilustrava seus artigos.
Não se sabe exatamente qual era sua tiragem, nem se era efetivamente vendida em
bancas de jornal ou apenas distribuídas. Entretanto, a correspondência de Rodrigo M. F. de
Andrade, com pessoas físicas e instituições culturais que recebiam as publicações, fornece
alguns indícios
73
. Assim, foram arrolados 55 órgãos nacionais e 39 internacionais que
receberam as publicações do Sphan
74
. Figuram, entre eles, bibliotecas escolares e
universitárias, arquivos, museus, faculdades e organismos culturais, como a Unesco.
Havia assim um intercâmbio com instituições científicas, nacionais e estrangeiras,
atestado pelo relato de Rodrigo em Brasil: monumentos históricos e arqueológicos:
Efetivamente, o Sphan estabeleceu intercâmbio com grande número de
instituições culturais na América. Suas publicações são remetidas a 222
estabelecimentos e personalidades, no continente, sendo 39 na Argentina, 3
na Bolívia, 1 no Canadá, 8 no Chile, 4 na Colômbia, 1 no Equador, 92 nos
Estados Unidos, 18 no México, 4 no Paraguai, 5 no Peru, 2 na República
Dominicana e 45 no Uruguai (Andrade, 1952b: 169).
Assim, considerando-se esse número de publicações remetidas ao exterior (222) e somando-o
à quantidade de órgãos nacionais listados (55), pode-se afirmar que a tiragem era de, no
mínimo, 300 exemplares. Mesmo tendo em vista que a tiragem era limitada, como afirma o
editor em algumas correspondências, acreditamos que ela não se restringia a apenas isso,
considerando-se alguns dados comparativos da época.
72
A Revista do Brasil e a Revista do Arquivo Municipal de São Paulo são exemplos dessas revistas de alta
cultura que veiculavam anúncios comerciais.
73
Em uma grande quantidade de correspondências consultadas, agradecia-se o envio da Revista do Patrimônio e
das Publicações, ou ambas eram solicitadas em conjunto. São raros os pedidos e os agradecimentos por qualquer
uma das duas publicações isoladamente. Portanto, podemos afirmar que a distribuição da Revista era
praticamente a mesma das Publicações.
78
A Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, outra revista de alta cultura, por
exem
plo, tinha tiragem de, no máximo, dois mil exemplares na década de 1930 (cf. Claro,
2008). Já o periódico O Cruzeiro, publicado desde 1928 e que se tornou um fenômeno
editorial nos anos 1940 e 50, atingiu a marca de 720 mil exemplares – o que dá a dimensão da
diferença de distribuição entre uma revista de variedades e outra de alta cultura
75
. Desse
modo, pode-se afirmar que, tal como o periódico do Arquivo Público de São Paulo, a Revista
do Patrimônio contou com tiragem máxima de dois mil exemplares, embora não se tenha
nenhum indício de que tenha chegado a tanto.
Rodrigo afirma, em resposta ao diretor de Redatores Unidos: “cumpre-me comunicar-
lhe que, em virtude de serem muito limitadas as edições das obras publicadas por esta
Diretoria, estas não se destinam à venda e sim apenas à distribuição entre instituições culturais
do país e do estrangeiro”
76
.
Apesar dessa informação de que o periódico não se destinava à venda, Lúcio Costa
77
afirmou que ele era vendido no próprio Sphan e em algumas bancas de jornal no Rio de
Janeiro. Isso pode ser atestado pelos valores estampados nos primeiros cinco números da
Revista, únicos a apresentar essa informação:
Quadro 2 - Valores de venda da Revista do Patrimônio
N
o
da Revista Preço do número avulso Assinatura anual
1 4$000 8$000
2 4$000 -
3 6$000 -
4 6$000 -
5 6$000 -
Para se ter alguns valores de referência, pode-se compará-la novamente com a Revista do
Arquivo Municipal, que, até 1938, era vendida por 2$000 (Claro, 2008) – valor bem menor ao
do livro de Gilberto Freyre, Casa grande & senzala, editado pela Livraria Schmidt Editora,
74
Ver Anexo 1.
75
Um outro parâmetro para se pensar sobre a tiragem das publicações de Sphan pode advir dos dados da obra de
Carlos Drummond de Andrade. Em 1930, seu primeiro livro, Alguma Poesia, foi publicado com 500 exemplares.
Em 1934, Brejo das Almas, editado pela cooperativa Amigos do Livro, contou com 200 exemplares. E
Sentimento do Mundo, que veio a público em 1940, saiu com apenas 150 exemplares para distribuição a seus
amigos. Como, em geral, o gênero periódicos apresenta uma tiragem maior que a de livros, pode-se afirmar que
a tiragem da Revista do Patrimônio era maior que isso.
76
Correspondência de Rodrigo M. F. de Andrade a Edie Augusto da Silva, 25/04/1956. Série Arquivo Técnico-
Administrativo, Subsérie Correspondências, Publicações (1955-1956), Caixa 145, Pasta 47. Arquivo Central do
Iphan.
77
Em depoimento dado a Márcia Chuva (1998).
79
em 1933, que foi vendido a 10$000. Desse modo, ao que tudo indica, a publicação do Sphan
destinava-se a um seleto público de estudiosos e especialistas.
Quanto à apresentação do periódico, não havia estrutura interna fixa, nem seções
sistemáticas – com exceção do número inaugural, que será detalhadamente analisado no
último capítulo. Assim, sua estrutura era fluida, apresentando tão seqüencialmente os textos.
Quadro 3 - Revista do Patrimônio: Quantidade de artigos por número
Número
da Revista
Quantidade
de artigos
Número de
páginas
1 22 170
2 14 312
3 15 316
4 13 406
5 12 297
6 10 335
7 10 340
8 9 361
9 11 392
10 4 312
11 4 322
12 5 385
13 8 355
14 6 307
15 7 272
Total 150
Tendo-se em conta o Quadro 3, o que se ressalta é que no período inicial da R
evista do
Patrimônio, até o número 9, foram publicados, em média, mais de dez artigos por número,
alcançando até 22 artigos num único volume – que foi o número inaugural
78
. O período
seguinte, a partir do número 10, contou sempre com um número de artigos inferior a dez.
Porém, apesar da redução do número de artigos, o periódico manteve-se praticamente com o
mesmo número de páginas – o que se deve ao aumento do tamanho dos textos publicados. Ou
seja, reduziu-se o número de textos, porém estes passaram a ser mais longos. Isso porque
espécies de monografias passaram a ser publicadas na Revista a partir do décimo número, o
que explica a pequena quantidade de artigos e a manutenção do número de páginas em relação
ao período anterior. Nesse sentido, a Revista tornou-se uma espécie de coletânea de estudos,
muito mais do que um periódico propriamente dito. Isso fica mais evidente ao se analisar os
78
Todos os números da Revista ora estudados são analisados no Capítulo 4, com especial atenção ao número
inaugural.
80
objetivos editoriais das publicações do Sphan, seu público leitor e os temas a que se referiam
esses artigos.
Desse modo, é preciso dizer que o Sphan possuía, desde sua criação em 1937, duas
linhas editoriais distintas: a Revista do Patrimônio e a série Publicações do Sphan – ambas
tendo Rodrigo Melo Franco de Andrade como editor. Enquanto a Revista contava com a
colaboração de diversos autores, apresentando estudos técnicos, artigos, documentos e
ensaios, as Publicações abarcavam, em geral, monografias de um único autor por número.
Ambas as linhas editorias já foram anteriormente estudadas por Chuva (1998), que as
considera um locus de ação estratégica do Sphan nas décadas de 1930 e 40 – período em que
teve sua atividade legitimada e consolidada. A Revista e as Publicações são projetos coletivos
à frente dos quais estava Rodrigo, que os construía com colaboradores. Ambas visavam
divulgar o conhecimento acerca do patrimônio histórico e artístico brasileiro – e não
explicitamente as atividades do Sphan
79
.
Os artigos da Revista, e provavelmente as obras das Publicações, eram gerados de
duas maneiras, conforme informa Cavalcanti (2003): a partir de uma “encomenda” feita por
Rodrigo a um técnico, que deveria se debruçar exclusivamente sobre um tema até então pouco
estudado da cultura brasileira; ou, numa segunda modalidade, eram oriundos das viagens de
“redescoberta” do país que caracterizaram boa parte da gestão de Rodrigo. Por meio delas,
vários ensaios foram produzidos e publicados no periódico. Desse modo, o editor Rodrigo
selecionava e controlava o que o Serviço do Patrimônio publicaria em seu periódico,
construindo assim um campo de conhecimento, desde sua produção até sua divulgação.
Isto fica claro nos textos inaugurais dos dois empreendimentos editoriais do Sphan,
além das raras notas publicadas de autoria de Rodrigo. No “Programa”, que abre o número 1
da Revista e é a única apresentação que o editor escreve ao longo de todo o período em que
dirigiu o órgão, Rodrigo afirma que:
a publicação desta revista não é uma iniciativa de propaganda do
Sphan, cujas atividades, por serem ainda muito modestas e limitadas,
não justificariam tão cedo a impressão dispendiosa de um volume
exclusivamente para registrá-las. O objetivo visado aqui consiste
antes de tudo em divulgar o conhecimento dos valores de arte e de
história que o Brasil possui e contribuir empenhadamente para o seu
estudo (Andrade, 1937a: 3).
79
A série Publicações do Sphan será discutida no Capítulo 4.
81
Essa mesma idéia está presente na “Introdução” do primeiro volume das Publicações,
que apresenta a obra Mucambos do Nordeste: algumas notas sobre o tipo de casa popular
mais primitivo do nordeste do Brasil, de Gilberto Freyre
80
:
Tendo por objeto questões geraes ou aspectos particulares da
formação e do desenvolvimento das artes plásticas no Brasil, assim
como estudos sobre matérias de nossa arqueologia, de nossa
etnografia, de nossa arte popular, de nossas artes aplicadas e dos
monumentos vinculados à nossa historia, os trabalhos que serão dados
à publicidade em seguida ao presente ensaio do professor Gilberto
Freyre visarão a informar e a instruir com seriedade os interessados
sobre aqueles assuntos. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional se empenhará no sentido de impedir que a literatura enfática
ou sentimental, peculiar a certo gênero de amadores, se insinue nestas
publicações. Por este meio, não interessa divulgar páginas literárias,
ainda que brilhantes. O que interessa é divulgar pesquisas seguras,
estudos sérios e trabalhos honestos e bem documentados acerca do
patrimônio histórico e artístico do Brasil. Estas publicações não têm
outra finalidade (Andrade, 1937b: 15-16) [grifo nosso].
Assim, o objetivo da Revista, e também das Publicações, era construir e consolidar,
cientificamente, os estudos sobre o patrimônio histórico e artístico brasileiro, e divulgá-los
junto aos “interessados sobre aqueles assuntos”. Tanto que o “Programa” afirma que há
necessidade de uma ação sistemática e permanente a fim de “dilatar e tornar mais seguro e
apurado o conhecimento dos valores de arte e de história de nosso país” (Andrade, 1937a: 3).
É nesse mesmo sentido que Rodrigo escreve:
A criação da Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional visa contribuir para esse efeito. Sem pretensões a estampar
trabalhos definitivos ou completos, uma vez que, a certos respeitos, os
estudos daquela natureza se acham ainda no Brasil numa fase quase
primária, esta publicação procurará corresponder ao fim a que se
destina (Andrade, 1937a: 4).
Buscava-se, com isso, construir um campo – o campo do patrimônio, a partir da Academia
Sphan, já explanada no capítulo anterior, e com o qual essas publicações deveriam contribuir.
Cabe então observar um dado curioso no que tange à regularidade da Revista.
Conforme informa o “Programa”, a periodicidade da Revista seria semestral. Entretanto,
ela foi anual – e aqui cabe uma ressalva quanto a sua regularidade. Até o número 11, as datas
impressas na capa (ano de registro) são seqüenciais. Um intervalo de oito anos separa o
80
A relação completa dos 22 números das Publicações do Sphan editadas por Rodrigo M. F. de Andrade
encontra-se no Anexo 2.
82
número 11 do 12 e, a partir deste número, o periódico volta a ter uma certa regularidade. Tal
regularidade estampada na capa, contudo, era fictícia, conforme Chuva (1998) aponta
81
, e
essa construção não era desinteressada.
A partir dos dados fornecidos pelas fontes encontradas – os relatórios de atividades do
Sphan, as correspondências de Rodrigo e a própria Revista do Patrimônio –, confrontamo-los
com as informações apresentadas por Chuva. Assim, foi possível elaborar o Quadro 4, que
sintetiza todos os dados levantados acerca da periodicidade da revista.
Quadro 4 - Revista do Patrimônio: ano de registro da publicação e ano de circulação
Ano de registro
do número da Revista
Ano em
que circula
N
o
1 (1937) 1938
N
o
2 (1938) 1940
N
o
3 (1939) 1940
N
o
4 (1940) -
N
o
5 (1941) -
N
o
6 (1942) -
N
o
7 (1943) 1944
N
o
8 (1944) 1947
N
o
9 (1945) 1952
N
o
10 (1946) 1953/54*
N
o
11 (1947) 1954/55*
N
o
12 (1955) 1955/56*
N
o
13 (1956) 1957
N
o
14 (1959) [1960]
N
o
15 (1961) -
*Volume impresso nos dois últimos meses do primeiro ano
Os números 8 a 11 desse periódico apresentam a data da impressão no final de cada
volume, não deixando dúvidas quanto ao ano de sua circulação, que é o período em que uma
publicação adquire significado, pois é quando ela chega a público. Assim, por exemplo, o
número 8, que leva a data de 1944 em sua capa, foi impresso somente em 1947 – ano que
circulou. Havia assim uma defasagem entre o ano da edição, ou da intenção de ser publicado,
e o ano de sua efetiva circulação entre os leitores. Esse descompasso foi permanente,
conforme se observa nas fontes primárias.
Em junho de 1937, Rodrigo começava a pedir colaborações para a Revista. Em carta
endereçada a Mário de Andrade, em 5 de junho daquele ano, o diretor do Sphan escreve que
os originais deveriam ser remetidos a ele até o dia 15 daquele mesmo mês, para que, ainda no
81
Na presente pesquisa, buscamos ratificar as datas ora apresentadas por Chuva.
83
fim de junho, a Revista pudesse ser publicada. Porém, no dia 11 de junho, Rodrigo informa
que o material poderia chegar até o fim daquele mês – revelando um atraso na data de
lançamento imaginada inicialmente. No início de julho de 1937, Mário de Andrade já enviara
seu texto sobre a capela de Santo Antônio, juntamente com as plantas e desenhos de Luiz Saia
que o ilustrariam. Porém, no fim desse mês, o diretor e editor escrevia: “A publicação da
revista está atrasada em conseqüência de não me terem sido entregues até agora as
colaborações prometidas de D. Heloisa, do Roquette Pinto, do Carlos Leão e do Augusto
Meyer”.
No Relatório de Atividades de 1936 a 1940, está registrado que os três primeiros
números haviam sido publicados e que, naquele ano, o quarto estava no prelo. Podemos
seguramente afirmar que em junho de 1940, o número 3 (datado de 1939) já se encontrava
impresso, uma vez que Godofredo Filho, um dos autores, pedia ao editor “mais exemplares”,
indicando que ele já havia recebido alguns.
Não encontramos dados que indiquem o momento de circulação dos números 4, 5 e 6.
Mas sabemos que, em 1956, os números 1, 2, 5 e 8 estavam esgotados. Quanto à efetiva
circulação da Revista número 7 (1943), temos dois dados possivelmente complementares,
ambos provenientes dos relatórios de atividades do ano de 1944. O primeiro informa no item
“Publicações”, que, no decorrer desse ano, foi editada a Revista 7, encontrando-se no prelo
também o número 8. Porém, em outro documento, também intitulado Relatório de Atividades
de 1944, manuscrito “Segunda Via”, lê-se: “Iniciada anteriormente a preparação do número 7
da Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não pôde, entretanto vir a
lume essa publicação, em conseqüência de irremovíveis dificuldades materiais”. Por fim,
informa que a mesma deverá ser distribuída no ano de 1944.
Quanto à produção do número 8 (que leva a data de 1944) da Revista estudada, sabemos
que ela ainda não havia saído em 1946, de acordo com o Relatório de Atividades daquele ano.
O motivo para o atraso seriam “dificuldades de ordem gráfica”, uma vez que os originais
haviam sido entregues ao prelo já havia bastante tempo. Este relatório informa que “Já se acha
coligido variado material para futuras edições da mesma Revista”, apontando para uma
continuidade do trabalho editorial, independentemente da impressão e circulação da revista.
Finalmente, o relatório de 1947 informa que o número 8 fora distribuído e não se menciona
em momento algum sobre o número 9. A única informação a seu respeito se encontra no fim
do volume, que informa a data de impressão (1952).
84
O núm
ero 10 (que leva a data de 1946 em sua capa) foi impresso e distribuído em
novembro de 1953 e cerca de um ano depois, o número 11 estava circulando, conforme
informação encontrada não apenas na Revista, mas ainda nas correspondências de solicitação
e de agradecimentos por seu envio.
Quanto ao número 12, o dado que acompanha a Revista informando que ela foi impressa
em 1955 consta também nas correspondências. Já em março de 1956, um novo número estava
sendo editado, como indica uma carta de Rodrigo a Artur César Ferreira Reis, que escreveu
diversos artigos. Nessa carta, o editor solicita ao colaborador a verificação da necessidade de
acréscimo ou de alteração de seu texto, que sairia publicado na Revista 13. Em setembro de
1956, os originais desse volume (datado de 1956) ainda não haviam sido entregues à
tipografia, devendo ter sido encaminhados pouco tempo depois, conforme indica o que
Rodrigo escreve a David James, em 2 de janeiro de 1957. O editor deixa entender que ele
acreditava que a Revista seria entregue logo, já que os artigos, os clichês e todas as ilustrações
já estavam impressos havia um mês, ou seja, desde dezembro de 1956. “Entretanto, por
motivo de atraso na impressão e colagem das capas, até hoje nem um só exemplar acabado
pôde nos ser entregue”.
É certo que nos últimos dias de 1959, o volume 14 (1959) estava impresso. Em carta do
editor e diretor do Sphan ao autor Carlos Ott, de 13 de janeiro de 1960, o diretor do Iphan
escreve: “Há pouco providenciamos para expedir-lhe um dos primeiros exemplares do volume
14 da Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, saído nos últimos dias de
dezembro, contendo seu valioso trabalho...”
82
.
Já em meados de janeiro de 1960, começa a providenciar as colaborações para compor o
número 15. Interessante é que Rodrigo M. F. de Andrade providencia todas as colaborações
em poucos dias. No dia 13, inicia pedindo nova colaboração de Carlos Ott sobre o estudo do
José Joaquim da Rocha e no dia 15 remete cartas a Alfredo Galvão
83
, Ivo Porto de Menezes
84
,
82
Correspondência de Rodrigo M. F. de Andrade a Carlos Ott, 25/04/1956. Série Arquivo Técnico-
Administrativo, Subsérie Correspondências, Publicações (1955-56), Caixa 145, Pasta 50. Arquivo Central do
Iphan.
83
Rodrigo M. F. de Andrade escreve que lhe parece de grande interesse a divulgação dos documentos copiados
por Alfredo Galvão no arquivo da Escola de Belas Artes para o número seguinte da Revista, acompanhados de
seus comentários e conceitos.
84
O editor da Revista mostra interesse em publicar o documento do Arquivo Público Mineiro, solicitando a Ivo
Porto de Menezes uma introdução o mais rápido possível.
85
Cônego Raimundo Otávio Trindade
85
, Wanderley Pinho
86
e a D. Clemente Maria da Silva-
Nigra
87
. Desses autores convidados a publicar no número 15, apenas Ott, Galvão e Menezes
tiveram seus textos veiculados nesse volume, sendo que os artigos dos demais estudiosos
citados sequer apareceram nos números seguintes da Revista, quando esta não era mais
editada por Rodrigo.
Desse modo, o que se observa é uma “impontualidade de costume”
88
, causada por
diversos fatores: o atraso no envio das colaborações e na tipografia, ou, “irremovíveis
dificuldades materiais”
89
. Estas últimas é que seriam a causa de Rodrigo não ter editado
outros números do periódico durante sua gestão – conforme carta enviada ao norte-americano
David James, de 1963:
A impressão do volume de nossa revista, que deverá inserir a nota
introdutória do prezado amigo, com a tradução das cartas de Grashoff e as
ilustrações, não sei, entretanto, quando poderá ser feita, porque desde o ano
passado o governo brasileiro adotou medidas rigorosas de economia, que nos
têm impedido de dar continuidade às publicações do Sphan
90
.
Assim, em 1962, Rodrigo teria deixado de lado a edição do periódico devido à
impossibilidade financeira de dar continuidade a ela.
Tais medidas de restrição orçamentária podem ter sido enrijecidas por um atrito mais
sério que Rodrigo teve com o presidente Jânio Quadros. Quem narra a divergência é a
secretária de Rodrigo, Judith Martins (1987:9):
85
Rodrigo escreve ao Cônego Raimundo Otávio Trindade, um dos autores mais assíduos, pedindo que ele
acrescente algumas páginas de introdução, pois seu artigo “Irmandade do Rosário de Ouro Preto” continha
apenas sete páginas datilografadas – o que mostra o cuidado do editor quanto à qualidade do material publicado.
86
É solicitado ao Dr. Wanderley Pinho a revisão do texto do falecido Herman Kruse, escrito em 1940 para o
Iphan. Rodrigo justifica o pedido dizendo que não se sentia capaz de verificar para a publicação no volume 15,
mais uma vez revelando o cuidado que Rodrigo tinha no preparo dos artigos.
87
Rodrigo M. F. de Andrade consulta D. Clemente sobre a possibilidade de ele escrever uma introdução com
comentários adequados ao manuscrito da Biblioteca Nacional referente aos Seminários da Bahia – documento
este “copiado por seu intermédio para nós em 1947”.
88
Correspondência de Rodrigo M. F. de Andrade a Dr. Taunay, 24/04/1946. Série Arquivo Técnico-
Administrativo, Subsérie Correspondências, Publicações (1955-1956), Caixa 145, Pasta 47. Arquivo Central do
Iphan.
89
Não foram encontrados orçamentos no Arquivo Central do Iphan. Assim, não se pode precisar qual o montante
destinado às publicações. O único dado de que se dispõe é o orçamento referente ao ano de 1950, apresentado
por Rodrigo em Brasil – monumentos históricos e arqueológicos (1952). Na parte destinada à “Material”, o item
“Publicações; serviços de impressão e de encadernação; clichês” apresenta o valor total de Cr$ 200.000,00,
sendo que Cr$ 20.000,00 era reservado aos museus do Ouro e da Inconfidência. Ou seja, Cr$ 180.000,00 eram
destinados à diretoria, que editava o periódico. Esse valor é significativo, se comparado com os outros valores
apresentados no mencionado orçamento. As verbas para “Material” totalizavam Cr$ 1.055.540,00, ou seja, o
valor destinado às publicações correspondia a quase 20% do total destinado a “Material”.
90
Correspondência de Rodrigo M. F. de Andrade a David James, 15/07/1963. Coleção Personalidades, Série
Rodrigo M. F. de Andrade, Subsérie Correspondência Nominal, Caixa 08, Pasta 04. Arquivo Central do Iphan.
86
“Tratava-se do tombamento da Santa Casa de Misericórdia de Campos, que
foi impugnado. O Conselho Consultivo deliberou que o tombamento fosse
feito compulsoriamente. Aí o processo foi ao Presidente da República, que
impugnou o tombamento. Dr. Rodrigo, então, fez uma exposição de motivos
bem fundamentada, pedindo a sua reconsideração do caso. E o Jânio
Quadros, na capa do processo, com lápis vermelho, escreveu: CUMPRA
MINHA ORDEM DENTRO DE 15 DIAS. Dr. Rodrigo pegou na pena e
escreveu uma carta para ele dizendo, em termos, que não era criado dele, que
não tinha ordem nenhuma a cumprir, e que punha o cargo à disposição. Aí o
Jânio Quadro calou a boca, ficou quieto, e continuou o tombamento da Santa
Casa”.
Assim, as questões políticas em suas complexas dimensões perpassaram as atividades
do Sphan, refletindo-se em seu periódico. As defasagens encontradas entre a edição e a
circulação são outro exemplo disso, se analisarmos bem o período, tendo-se por base o
mesmo Quadro 4.
Até o número 7 (datado de 1943) da Revista do Patrimônio, o descompasso entre
edição e circulação não foi grande. No entanto, houve um aumento considerável no intervalo
de tempo entre a edição e a circulação a partir de seu número 8 (datado de 1944). Esses dados
indicam que, durante o Estado Novo, as revistas circularam com um ou dois anos de
disparidade, um atraso aceitável. Após esse período, com a saída de Vargas e de Capanema,
em 1945, tornou-se mais difícil obter verbas para a impressão da revista – o que explica ter
sido publicado apenas um volume até 1950, intervalo de tempo entre um governo e outro de
Vargas. Com seu retorno à presidência, no decênio de 50, mesmo após seu suicídio e também
durante o governo de Juscelino Kubitschek, são impressos os números que já se encontravam
editados.
Ou seja, o ano registrado no número do periódico podia não ser o ano da impressão da
Revista e nem de sua real circulação e distribuição. Portanto, o ano impresso na publicação
não diz muito sobre ela, uma vez que sua existência efetiva está atrelada não apenas à sua
edição mas também à sua recepção e leitura, conforme será abordado no Capítulo 3.
De qualquer modo, o que deve ser ressaltado é que as datas impressas nas capas da
Revista fazem crer que houve uma regularidade, ao menos até o número 11, isto é, nos
primeiros números da publicação oficial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Essa suposta regularidade garantir-lhe-ia uma certa autoridade, considerando-se os
objetivos propostos no “Programa” e na “Introdução” mencionados. Ou seja, a construção de
uma estabilidade, ainda que fictícia, era um mecanismo de assegurar para si um locus
privilegiado para a constituição de um campo.
87
Para tanto, outras estratégias também eram adotadas, como convidar para colaborar
com a Revista “os doutos nas matérias relacionadas com a sua finalidade”, conforme informa
o mesmo “Programa”. Intelectuais de prestígio, homens de letras, pesquisadores e técnicos
foram, assim, mobilizados a construir o conhecimento acerca do patrimônio – até então,
“entregue apenas à curiosidade eventual dos amadores” (Andrade, 1952b: 99).
Lançando um olhar sobre as temáticas dos artigos, pode-se observar como Rodrigo
construiu o campo de estudos sistemáticos sobre o patrimônio, conforme anunciava no
“Programa” e na “Introdução” das duas publicações do Serviço. Assim, foi criada uma
classificação temática
91
para os artigos, com a finalidade se compreender como as diferentes
disciplinas, ou campos de saber, comparecem na Revista.
A partir de uma identificação global do conteúdo da Revista, foi possível criar
categorias operacionais que se referem às áreas de conhecimento freqüentemente associadas à
questão do patrimônio e que, ao mesmo tempo, abarcam a diversidade de assuntos tratados no
periódico. Desse modo, os temas criados foram: Arqueologia, Arquitetura, Etnografia,
História, História da Arte, Documentação e, por fim, Acervos e Coleções. Ou seja, cinco
dessas categorias decorrem de disciplinas do saber. A categoria “Documentação” refere-se a
artigos que divulgam e reproduzem documentos em suporte textual, para subsidiar pesquisas
dentro e fora do Sphan. Muitos dos artigos aí classificados disponibilizam documentos
inéditos, de difícil acesso – alguns, inclusive, que não se encontravam no Brasil.
Provavelmente é resultado da busca do Sphan por fontes históricas que subsidiassem os
estudos de interesse do órgão, conforme alguns relatórios de atividades apontam. Essa prática
– a de localizar documentos em arquivos e divulgá-los com comentários – é uma tradição dos
estudos de História no Brasil, vinda do século XIX e sendo comum no IHGB
92
. Porém,
“Documentação” não se confunde com a categoria “História”, pois os artigos classificados no
primeiro caso não apresentam estudos críticos, limitando-se à divulgação e/ou transcrição. Já
o tema “Acervos e Coleções” engloba textos que analisam objetos tridimensionais, coleções e
acervos de instituições museológicas. Não se confunde com a Museologia, porque seus
91
Outras pesquisas utilizam classificações para delimitar os temas privilegiados pela Revista do Patrimônio,
como Chuva (1998), que faz uso dos seguintes temas: Arte e arquitetura coloniais; Arte e arquitetura do século
XIX; Cidade Colonial; Museu; Teoria da Arte; Etnografia; Fotografia; e Documentação. Porém, como qualquer
categoria criada, as classificações aqui utilizadas não dão conta de encerrar a complexidade e variedade de
assuntos em categorias fixas e imutáveis. Mesmo assim, são aqui utilizadas como ferramenta metodológica para
se compreender os temas abordados pelo periódico estudado. Assim, há outras classificações possíveis, pois,
qualquer classificação é, no limite, arbitrária, isto é, datada e contingente.
92
Conforme visto anteriormente neste capítulo, essa prática era recorrente em diversos periódicos.
88
artigos tratam tão somente de descrever algumas peças ou seu modo de
aquisição/colecionamento.
Para a classificação, foram considerados o título, o objetivo do artigo e a metodologia
e linguagem utilizadas, uma vez que é freqüente um artigo poder se enquadrar em mais de
uma categoria. Assim, os artigos de Arquitetura, por exemplo, costumam contar com muitos
dados de história da arquitetura – mas como tratam fundamentalmente de aspectos
arquitetônicos, e não históricos, foram englobados em Arquitetura. Os artigos de História da
Arte, por sua vez, fazem amplo uso de documentos – sobretudo textuais e iconográficos,
porém como essa documentação já aparece interpretada, sem o intuito específico de ser
divulgada, não foram considerados como Documentação.
Assim, a classificação dos artigos da Revista do Patrimônio por temas pode ser
visualizada no Quadro 5:
Quadro 5 - Revista do Patrimônio: temas dos artigos, quantidade de artigo temático por número e total
Tema
93
mero da revista/
quantidade de artigos por número
Total de artigos
História da Arte 1 (3), 2 (3), 3 (6), 4 (6), 5 (4), 6 (4), 7
(3), 8 (2), 9 (1), 12 (1), 13 (3), 14 (1),
15 (3)
40 (26,66%)
Arquitetura 1 (10), 2 (3), 3 (2), 4 (2), 5 (1), 6 (2), 7
(4), 8 (2), 9 (5), 10 (3), 11 (1), 12 (1),
13 (1), 14 (1), 15 (1)
39 (26%)
Documentação 1 (1), 2 (1), 3 (4), 4 (2), 5 (4), 6 (1), 7
(2), 8 (2), 9 (3), 10 (1), 11 (1), 12 (3),
13 (1), 14 (2), 15 (2)
30 (20%)
História 1 (2), 2 (4), 3 (2), 4 (3), 5 (2), 6 (2), 7
(1), 8 (2), 9 (2), 11 (2), 13 (2), 14 (2),
15 (1)
27 (18%)
Etnografia 1 (2), 2 (2), 5 (1), 8 (1), 13 (1) 7 (4,66%)
Acervos e Coleções 1 (3), 2 (1) 4 (2,66%)
Arqueologia 1 (1), 3 (1), 6 (1) 3 (2%)
Como se nota, os temas mais privilegiados pela Revista do Patrimônio nesses 15
números são a História da Arte, com 40 artigos, e a Arquitetura, com 39 artigos de um total de
150 artigos no período em questão. A soma dos artigos desses dois temas totaliza mais da
metade (52,7%). Os temas da Documentação (30 textos) e da História (27), embora em menor
quantidade, também são bastante recorrentes no periódico. Se tomados em conjunto,
93
O “Programa” escrito por Rodrigo Melo Franco no primeiro número da Revista do Patrimônio não foi
contabilizado por não se adequar a nenhum dos temas utilizados para classificar os artigos do periódico estudado
e também por não ser propriamente um artigo, mas uma apresentação do periódico que estava sendo lançado.
89
alcançam
57 artigos (38%), isto é, um volume consideravelmente elevado e não muito
distante dos dois temas que dominam a Revista. As temáticas residuais, que comparecem
pouco no periódico, são Etnografia (7), Acervos e Coleções (4), e Arqueologia (3) – e, juntas,
somam menos de 10% de tudo que foi publicado no período. Assim, 90% da produção
concentra-se em quatro temáticas: História da Arte, Arquitetura, Documentação e História.
Alguns desses dados, tomados isoladamente – como aqui se encontram – podem até
corroborar outros estudos sobre o Sphan, que freqüentemente afirmam o privilégio dado pelo
órgão aos temas arquitetônicos e artísticos, relacionando-se com o momento de
institucionalização da Arquitetura nas recém-criadas universidades (Cavalcanti, 1992; Chuva,
1998). Já outras informações aí levantadas, e que serão desenvolvidas nos capítulos a seguir,
podem apontar para questões até agora pouco exploradas pelos estudos sobre o patrimônio das
décadas de 1930 até 60, um período intitulado de “pedra e cal”
94
. Exemplo disso é que os
temas da História não costumam aparecer (e menos ainda ser ressaltado) na bibliografia
acerca da preservação do patrimônio no Brasil dessa época.
Essa classificação temática, assim, fornece subsídios para se analisar a Revista do
Patrimônio e para compreender como Rodrigo e seus colaboradores construíram o
“conhecimento dos valores de arte e de história de nosso país” (Andrade, 1937a: 3). Assim,
conforme já apontado por Veloso (1992), Rubino (1991 e 1996), Chuva (1998), Julião (2008)
et alii, o Sphan se pautava por colaborar com esse conhecimento, “dilatando-o” – para usar a
palavra que seu diretor usa no “Programa”.
Pode-se afirmar, de antemão, que o Sphan, por meio de seu periódico, logo obteve
prestígio e reconhecimento internacional por essa sua iniciativa, como atestam os prêmios
obtidos pela Revista do Patrimônio, quando ainda era recém-criada. Já em 1938, foi premiada
nos Estados Unidos com o Handbook of Latin American Studies, promovido pelo Committee
on Latin Studies of American Concil of Learned Societies, localizado em
Cambridge/Massachusetts. Em 1942, o periódico obteve outra premiação, desta vez, cubana.
A Biblioteca Pública Santiago Alvarez da Escola Provincial de Artes Plásticas Tarascá
realizou a Segunda Exposição Internacional de Publicações Periódicas, em que a Revista do
Patrimônio recebeu o diploma de honra por unanimidade.
94
Autores como Falcão, 2004, e Castro, 2006, já vêm abordando o equívoco que carrega a expressão para
caracterizar esse período.
90
2.3.1 A iconografia na Revista
A Revista do Patrimônio era ricamente ilustrada com um grande número de
fotografias, desenhos e reproduções de gravuras e pinturas, diferentemente dos demais
periódicos de alta cultura, que freqüentemente eram pouco ilustrados. Sua capa já dá uma
idéia do esmero com os cuidados gráficos e ilustrativos que acompanham a Revista (Figura 1).
Vale examinar.
As capas eram coloridas em monocromia, destacando um detalhe de alguma imagem
contida naquele número da Revista (Figura 2). Quanto a sua autoria, sabe-se apenas a do
número inaugural, elaborada por Luiz Jardim, conforme nota informativa no próprio volume.
O mesmo Jardim foi ilustrador de algumas imagens do miolo do periódico, além de ter sido
ainda o autor da capa do primeiro volume das Publicações do Sphan (Figura 3).
Jardim (1901-1987), pernambucano de Garanhuns, era romancista e autor de literatura
infanto-juvenil, além de atuar como artista plástico. Em 1918, foi morar em Recife, onde
conheceu Joaquim Cardoso, assíduo colaborador da Revista do Patrimônio. Jardim e Cardoso,
como também Gilberto Freyre, eram freqüentadores da “Esquina Lafaiete” – menção ao ponto
de encontro da intelectualidade pernambucana que liderou o modernismo na região. A partir
de 1929, Luiz Jardim foi colaborador do jornal A Província, a convite de Freyre, onde
escreveu sobre crítica de arte. Na década de 1930, foi convidado a expor suas aquarelas no
Rio de Janeiro, para onde se mudou. Inicia, assim, sua carreira de ilustrador, elaborando capas
de obras como a de Raquel de Queirós. Em 1939, participou da fundação da Associação dos
Artistas Plásticos, cuja diretoria foi composta por ele mesmo, ao lado de Cândido Portinari,
Tomás Santa Rosa
95
, Alcides da Rocha Miranda, Quirino Campofiorito e outros.
95
Antes de se obter a informação de que Luiz Jardim era o ilustrador por trás da capa do número 1 da Revista,
acreditava-se que essa havia sido feita por Santa Rosa. Paraibano nascido em 1909, Santa Rosa mudou-se para o
Rio de Janeiro em 1932, onde auxiliou Portinari na realização de diversos murais. É tido como um dos primeiros
ilustradores no Brasil, consolidando o design gráfico. Já em 1933, Santa Rosa iniciou suas atividades como
ilustrador dos periódicos Sua Revista e Rio Magazine. Nesse ano, também fez seu primeiro projeto gráfico para o
livro Caetés de Graciliano Ramos, publicado pela Livraria Schmidt Editora. Também ilustrou Cacau, de Jorge
Amado, publicado pela Ariel Editora. Entre 1934 e 1954, foi ilustrador das publicações da Editora José Olympio,
realizando diversas capas e ilustrações para os livros dessa prestigiada editora – dos quais se destacam Menino
de Engenho, Macunaíma e outras obras de Jorge Amado, Graciliano Ramos, Adalgisa Nery, Augusto Frederico
Schmidt, Antonio Callado, Carlos Drummond, Murilo Mendes e Guimarães Rosa. Em 1936, foi o autor da capa
de Velórios, única obra de ficção de Rodrigo Melo Franco de Andrade. Em 1945, fundou o jornal A Manhã com
Jorge Lacerda, ali ilustrando e escrevendo para o suplemento Letras e Artes. Paralelamente, era crítico de arte no
Diário de Notícias. Trabalhou ainda para o Serviço de Documentação do MES, onde tinha a responsabilidade de
atualizar o aspecto gráfico dos livros editados pelo ministério. Assim, diante desse perfil (de ter trabalhado nas
principais editoras do período e de manter estreitas relações com intelectuais que também eram próximos de
Rodrigo, Mário de Andrade ou de outros membros do “grupo do patrimônio”, e ainda pelos aspectos formais de
91
Quanto ao miolo da revista, havia muitas ilustrações, sempre impressas em preto e
branco e em papel couché. As dificuldades tipográficas para a impressão dessas imagens
provavelmente era um fator determinante para que as figuras fossem diagramadas
isoladamente do texto.
Essas imagens que ilustravam os artigos, de modo geral, compareciam com a
finalidade de reforçar dados textuais, sendo assim fundamentais para a compreensão dos
artigos publicados. Embora boa parte de suas legendas não informem a sua procedência,
pode-se supor que a maioria delas era proveniente dos serviços fotográficos contratados pelo
Sphan.
Isto se deve à prática institucional de registro fotográfico que perdurou, de modo mais
efetivo, nas duas primeiras décadas de atuação do Sphan. As fotografias subsidiavam estudos
sobre arquitetura, história da arte, restaurações etc. Eram um meio de produzir documentação,
constituindo uma ferramenta para os estudos técnicos ali realizados – e hoje, pode-se dizer
que compõem uma memória visual das atividades do Serviço, ainda que essas imagens não
tivessem tal intuito.
É provável que as fotografias que ilustram a Revista fossem de autoria dos fotógrafos
contratados pelo Serviço para percorrer o país. Vosylius, Erich Hess, Germano Graeser,
Marcel Gautherot, H. Schultz, Herman Kruse, entre outros, foram alguns dos fotógrafos
contratados para registrar o patrimônio, dentro de uma “política de documentação fotográfica”
instaurada por Mário de Andrade que “formaria através da iconografia uma visão de seu
patrimônio” (Turazzi, 1998:14).
A antropóloga Lygia Segala (2005), em pesquisa sobre a produção do francês
Gautherot, mostra que os fotógrafos contratados pelo Sphan recebiam de Rodrigo orientações
pormenorizadas e enquadramentos estipulados a fim de comporem uma “documentação
elucidativa”. Um trecho citado por Segala demonstra bem como eram os direcionamentos
para os fotógrafos: “Igreja Santa Ifigênia do Alto da Cruz: armar andaime e fotografar a
imagem do nicho do conjunto, vendo-se a data 1762, e nos pormenores as cabeças dos anjos,
da Santa e do menino” (Carta de Rodrigo para Gautherot Apud Segala, 2005:86).
suas capas), poder-se-ia supor que Santa Rosa provavelmente também executou as capas da Revista do
Patrimônio. Mesmo sem tê-lo feito, é provável que Luiz Jardim, o autor dos números inaugurais das duas séries
editoriais do Sphan, tenha sido influenciado por Santa Rosa, uma vez que as características formais do trabalho
de ambos era semelhante. (Sobre Santa Rosa, ver Barsante, 1993 e Cardoso, 2005.)
92
Um outro caso, dentre muitos encontrados junto aos relatórios de atividades no
Arquivo Central do Iphan, trata de uma orientação enviada por Rodrigo a Godofredo Filho:
Reitero solicitação fotografar conjunto de um dos púlpitos desde
embasamento até respectivo docel, inclusive. Peço outrossim
fotografar detalhes do mesmo púlpito, pia batismal, interior da igreja
de frente para o coro e parede interna sacristia do lado do mar. Rogo
ainda comparar mármore púlpitos com mármore altar e lavatório
sacristia afim informar a respeito este Serviço...
96
Essas fotografias, relativas a obras em andamento ou a obras já executadas, eram
recolhidas mensalmente pelo arquivo do Sphan no Rio de Janeiro. Tratava-se de um trabalho
sistemático de montagem de um verdadeiro acervo de imagens para subsidiar estudos, atestar
trabalhos realizados e fixar o trabalho do Sphan. Em 1950, o chefe do Arquivo e da Seção de
História do Sphan, Carlos Drummond de Andrade, escreve um relatório
97
informando que, até
aquele momento, haviam sido catalogadas 25 mil fotografias de bens localizados em todo o
território nacional
98
. Tais imagens constituem instrumento de inventário e de conhecimento
do patrimônio a ser preservado, ao mesmo tempo em que criavam uma espécie de memória
institucional. São essas imagens que ilustram a Revista, em sua maioria.
96
Encaminhamento de Rodrigo M. F. de Andrade a Godofredo Filho, 06/09/1940. Série Arquivo Técnico-
Administrativo, Subsérie Atas, Relatório, Atividade do Iphan (1940), Caixa 02, Pasta 04. Arquivo Central do
Iphan.
97
Relatório de Carlos Drummond de Andrade ao Diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos, 30/06/1950.
Série Arquivo Técnico-Administrativo, Subsérie Atas, Relatório, Atividade do Iphan (1949-1951), Caixa 03,
Pasta 09. Arquivo Central do Iphan.
98
O relatório informa a quantidade de fotografias relativas a cada estado, sendo que Rio de Janeiro, Minas,
Bahia, São Paulo e Pernambuco eram os estados com mais obras fotografadas, provavelmente por se tratarem
dos locais onde havia escritórios do Sphan.
93
Capítulo 3: Intelectuais e Patrimônio: temas e autores da Revista do Sphan
(...) o Patrimônio para mim foi sobretudo uma questão de
amizade e afeto, uma oportunidade de convivência e
conhecimento devidos a bons amigos. Mas bem sei que um
estudo objetivo mostraria como esses amigos, e todos os
funcionários que não conheci nem conheço, realizaram
profissionalmente com a inteligência e o coração uma das
obras mais notáveis que este país já viu.
Antônio Cândido
O Patrimônio Histórico, baseado em rigorosos critérios técnico-científicos e que
primava sempre por uma sólida base documental, foi, além de uma academia, o projeto e a
realização de um grupo de amigos. Amizades de longa data, cultivadas em diversos lugares de
sociabilidade, tiveram na atuação do órgão um locus de ação privilegiado para suas
convicções. Outras amizades nasceram ali e se estenderam por longos anos. O “grupo do
patrimônio”, de Rodrigo M. F. de Andrade, Lúcio Costa, Mário de Andrade, Afonso Arinos
de Melo Franco, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Carlos Drummond de Andrade,
Manuel Bandeira etc., era um campo de forças: de adesão e de exclusão.
Tal foi a dinâmica de construção de identidades coletivas e individuais desse grupo. A
solidariedade social envolve disputas e a figura do “outro”. O campo do patrimônio não foge
à regra. Nele, observam-se exemplos de exclusão, como é o caso de José Mariano Filho, líder
do movimento neocolonial, e de Gustavo Barroso, diretor do Museu Histórico Nacional –
com os quais o “grupo do patrimônio” travou embates em torno da hegemonia de um modelo
de arquitetura e de que instância governamental seria a responsável pela proteção ao
patrimônio histórico e artístico brasileiro. A outra força, de adesão, congregava amizades,
fidelidades, influências “geográficas” e afetivas. Assim, os critérios de pertencimento ao
grupo passavam quer pelas relações afetivas, quer pelas filiações estéticas e intelectuais. Daí a
epígrafe de Antônio Cândido testemunhando que os funcionários do Sphan realizaram seu
trabalho “com a inteligência e o coração”. Sendo assim, para ele e para muitos – é o que se
quer assinalar –, o Patrimônio era uma “questão de amizade e de afeto”.
Nesse sentido, o Sphan é um lugar de sociabilidade, em que essas forças de adesão e
de exclusão cruzam-se e onde redes são formadas. Do mesmo modo, a produção de seu
principal periódico também é um lugar de sociabilidade, estabelecendo trocas intelectuais e
compondo redes entre os que ali se encontram, como atestam os demais trabalhos sobre o
órgão e a correspondência dos membros do “grupo do patrimônio”.
94
Para a compreensão dessas relações, mais uma vez o diretor do Sphan e editor de sua
Revista servirá como ponto de partida para uma análise do estabelecimento desse lugar de
sociabilidade do patrimônio. Sua centralidade deve-se, entre outros, ao fato de ele ser o
principal articulador em torno do qual os debates sobre patrimônio se travaram.
Neste capítulo, serão tecidas reflexões acerca da noção de autor, de apropriação, das
práticas de leitura e de “alta cultura” e “cultura popular” para se compreender a dinâmica que
rege a montagem da Revista do Patrimônio. Em seguida, os temas e os autores do periódico
em questão serão objeto de análise, atentando-se para a rede intelectual estabelecida nesse
específico lugar de sociabilidade.
3.1 A escrita e a leitura
Como se viu, pode-se pensar em Rodrigo M. F. de Andrade como “o” autor – para
além de editor da Revista. Rodrigo é autor independentemente de ser autor de artigos
presentes no periódico em questão, pelo fato de ser ele quem articula a publicação, como
editor. Essa obra decorre de sua iniciativa pessoal/institucional, convidando autores para
colaborar, corrigindo ou sugerindo mudanças nos textos e até nos métodos e observações a
serem ressaltados nas pesquisas e artigos, e também sendo responsável pela seqüência dos
artigos, além de execução gráfica da mesma. A esse rol de atividades exercidas como editor
que tornam Rodrigo o autor da Revista, soma-se o fato de que é ele quem dá sentido ao
conjunto dos números da Revista do Patrimônio, uma vez que ele editou ininterruptamente
todos os volumes ora estudados.
A figura do autor, então, aparece como central para se pensar a atividade do diretor do
Sphan ao produzir duas séries editoriais. Por esse motivo, é necessário tecer algumas
reflexões acerca da própria noção. Para tanto, Foucault, em “O que é um autor”, fornece
algumas pistas. A categoria autor, que é o proprietário de “sua” escrita, vincula-se à categoria
de sujeito, que se constitui por meio da linguagem
99
. Segundo ele: “A noção de autor constitui
o momento forte da individualização na história das idéias, dos conhecimentos, das literaturas,
na história da filosofia também, e na das ciências” (Foucault, 1992:33). Além disso, Foucault
99
Na escrita, paradoxalmente, o sujeito, que corporifica o autor, desaparece. Um dos argumentos utilizados por
Foucault para explicar o desaparecimento do sujeito diante da escrita é o parentesco da escrita com a morte, pois
a narrativa salvaria o sujeito da morte. Dá, como exemplo, a imortalidade dos heróis, as epopéias dos gregos e
95
alerta que textos, livros e discursos começaram efetivamente a ter autores apenas na medida
em que estes se tornaram passíveis de punição, ou seja, na medida em que os discursos se
tornaram transgressores. Somente na passagem para o século XIX é que se instaurou um
regime de propriedade de textos, promulgando-se regras acerca dos direitos autorais, das
relações autores-editores, dos direitos de reprodução etc.
Esse regime de propriedade, que faz com que um texto tenha um autor, carrega
consigo uma tensão irremediável entre o nome e a assinatura, pois é dela que emerge a
possibilidade de autoria e mesmo de autoridade sobre o discurso. Para Foucault, não há
isomorfismo entre o nome do autor e o nome próprio do sujeito que assina uma obra
100
enquanto autor. O nome do autor não é um nome próprio como outro qualquer. O nome do
autor é, isto sim, um instrumento de classificação de textos, é um protocolo da relação entre
os autores, ainda que seja de diferenciação:
A ‘função-autor’ está portanto ligada aos sistemas legais e institucionais que
circunscrevem, determinam e articulam o domínio dos discursos, em todas
as ocasiões e em qualquer cultura, não é definida pela atribuição espontânea
de um texto ao seu criador e sim através de uma série de procedimentos
rigorosos e complexos (Miranda & Cascais, 1992:21-22).
Nesse sentido, Homero, Aristóteles, Freud e Marx são os “grandes autores” que dão
origem a práticas discursivas, produzindo não apenas sua própria obra, mas a possibilidade e
as regras de formação de outros textos, instaurando discursos
101
. Desse modo, o sujeito é
dissolvido na complexa e variável função de discurso.
das “Mil e uma noites”. Essa mesma relação manifesta-se no “apagamento dos caracteres individuais do sujeito
que escreve” (Foucault, 1992:36).
100
A unidade designada por “obra” também é objeto de reflexão por Foucault, que a identifica como
provavelmente tão problemática como a individualidade do autor.
101
Foucault diferencia os fundadores de ciências e os fundadores de discursividade, que surgiram ao longo do
século XIX europeu. Marx e Freud, por exemplo, não são apenas autores das suas obras. “Produziram alguma
coisa mais: a possibilidade e a regra de formação de outros textos. Neste sentido, eles são muito diferentes, por
exemplo, de um autor de romances, que nunca é, no fundo, senão o autor do seu próprio texto. Freud não é
simplesmente o autor da Traumdeutung ou do Mot d’Esprit; Marx não é simplesmente o autor do Manifesto ou
de O Capital: eles estabeleceram uma possibilidade indefinida de discursos” (Foucault, 1992:58). Assim, a
função de autor excede a própria obra. Os instauradores de discursividade “não só tornaram possível um certo
número de analogias como também tornaram possível (e de que maneira) um certo número de diferenças. Eles
abriram o espaço para outra coisa diferente deles e que, no entanto, pertence ao que eles fundaram. Dizer que
Freud fundou a psicanálise não quer dizer (não quer simplesmente dizer) que encontramos o conceito da libido
ou a técnica de análise dos sonhos em Abraham ou Mélanie Klein, quer dizer que Freud tornou possível um certo
número de diferenças relativamente aos seus textos, aos seus conceitos, às suas hipóteses que relevam do próprio
discurso psicanalítico” (Foucault, 1992:59-60). Esquematicamente, a diferença entre os fundadores de uma
ciência e de uma discursividade é explicada por Foucault da seguinte maneira: “a obra destes instauradores não
se situa em relação à ciência e no espaço que ela desenha; mas é a ciência ou a discursividade que se relaciona
com a obra deles e a toma como uma primeira coordenada” (1992:63).
96
Há que se ressaltar que, mesmo com a dissolução do sujeito na função discurso, “o
nome de autor serve para caracterizar um certo modo de ser do discurso” (Foucault, 1992:45),
uma vez que vários textos são agrupados sob o mesmo nome. Esse conjunto de textos de um
mesmo autor indica que foi estabelecida uma relação de homogeneidade, de filiação ou de
mútua autentificação. Assim, afirmar que “isto foi escrito por fulano”, como Foucault explica,
indica a natureza de um discurso. A autoria, a quem se pode legitimamente atribuir uma
produção, indica que aquele discurso “não é um discurso quotidiano, indiferente, um discurso
flutuante e passageiro, imediatamente consumível” (idem). O nome de autor caracteriza-o
como um discurso que deve ser recebido de forma diferencial e que estatuto ele pode receber
em uma determinada cultura.
Foucault opõe ainda a chamada “monarquia do autor”
102
à “obra como
acontecimento”, indo, neste ponto em particular, ao encontro das contribuições de Roger
Chartier e outros, para quem a leitura é uma prática ativa, de produção de sentidos. Chartier,
ao traçar uma história das práticas de leitura, observa que o ato de ler não é uma relação
transparente entre o “texto” (apresentado como uma abstração) e o “leitor”. Ao contrário: as
práticas através das quais o leitor se apropria do texto são histórica e socialmente variáveis.
A leitura, tratada como uma prática de apropriação, coloca em relevo a pluralidade dos
modos de emprego e a diversidade das leituras. Chartier então insere a noção de apropriação
em uma história social das interpretações, considerando as condições e processos que
determinam as operações de construção do sentido na prática da leitura.
Cabe aqui ressaltar que, embora Chartier se aproxime de Foucault na contestação de
uma “monarquia do autor”, compreende a noção de apropriação de modo diverso de Foucault.
Este considerava a “apropriação social dos discursos” como um dos procedimentos mais
relevantes, através dos quais tais discursos eram “confiscados”, até mesmo impedindo-se o
acesso a eles. A noção de apropriação em Chartier, diferentemente, “postula a invenção
criadora no próprio cerne dos processos de recepção” (Chartier, 2002: 136). Assim, são as
formas de apropriação dos textos que geram distinção de leituras, o que se relaciona às
práticas próprias da cada grupo social, em determinado contexto.
Considerando-se a noção de apropriação, é preciso discutir, ainda que brevemente, os
conceitos de cultura letrada e de cultura popular, uma vez que se propõe neste trabalho que o
102
A “monarquia do autor” seria uma espécie de limitação da liberdade do leitor, pois, é comumente entendida
como algo que privilegia a intenção e o sentido visados pelo autor.
97
periódico estudado pode ser classificado como uma revista de “alta cultura”
103
. A noção de
“alta cultura” é o par dicotômico de “cultura popular”, que, segundo Chartier, é uma categoria
erudita. Nesse sentido, Chartier explicita a fragilidade do uso dessas duas noções,
argumentando que atualmente é insustentável estabelecer correspondências estritas entre
clivagens culturais e hierarquias sociais. Pelo contrário: é necessário reconhecer que as
circulações culturais e sociais são fluidas, fazendo com que as práticas sejam partilhadas e
atravessem horizontes sociais. Um outro ponto abordado pelo historiador é o da
impossibilidade de diferenciar absoluta e radicalmente a especificidade de uma cultura
popular, a partir de textos, crenças ou códigos que lhe seriam próprios, intrínsecos. Assim, a
oposição entre popular e letrado não é pertinente, apesar de ter sido recorrente por longo
período.
O conceito de cultura popular destinava-se a “circunscrever e descrever produções e
condutas situadas fora da cultura erudita” (Chartier, 1995:179). Já a cultura erudita seria um
modelo, restrito aos iniciados em conhecimentos e aprendizados específicos fornecidos pelas
universidades, academias, museus etc. A cultura “letrada” poderia ser descrita, em outras
palavras, como habilidades e capacidades de vários conhecimentos, acessíveis somente
àqueles que dominam determinados códigos. Tratar-se-ia, pois, de uma dominação simbólica
por parte de um grupo minoritário, reservado.
Entretanto, ocorre que as culturas letradas e populares “são compartilhadas por meios
sociais diferentes, e não apenas pelos meios populares. Elas são, ao mesmo tempo,
aculturadas e aculturantes” (Chartier, 1995:184). Assim, não se podem ignorar os
empréstimos e intercâmbios entre a cultura erudita e a popular, que tornam improcedente o
uso dessas duas categorias.
Considerando-se então que o que define uma obra – neste caso, a Revista do
Patrimônio – são as práticas de produção e leitura dos textos (e não suas características,
digamos, ontológicas), a publicação estudada pode ser tida como de “alta cultura”, mesmo
sem deixar de lado as “limitações” que essa noção implica. Como foi apontado no Capítulo 2,
a produção, a escolha de seus temas e autores, o público-alvo, a impressão, a distribuição e a
recepção do periódico analisado permitem tal afirmação. Ora, esse processo de produção de
sentido, ou seja, de interpretação, encontra-se situado justamente no:
cruzamento entre, por um lado, leitores dotados de competências específicas,
identificados pelas suas posições e disposições, caracterizados pela sua
103
Sobre a categoria “revista de alta cultura”, ver Capítulo 2.
98
prática do ler, e, por outro lado, textos cujo significado se encontra sempre
dependente dos dispositivos discursivos e formais – chamemos-lhes
'tipográficos' no caso dos textos impressos – que são os seus (Chartier, 2002:
25-26).
Em função dos elementos já apresentados que sugerem qual é o público-alvo da revista, esses
“leitores dotados de competências específicas” podem ser aqui identificados como os pares
dos intelectuais que escreveram na Revista bem como os professores de universidades que, a
partir do ensino superior, difundiriam o saber desse campo que se constituía. Daí se adotar a
identificação de “alta cultura” para os idos das décadas de 1940, 50 e 60. O que importa são
os textos e o circuito (indivíduos e grupos), que se apropriam desse periódico, no sentido
atribuído por Chartier, o que se entende como fundamental para a produção do que “deveria
ser” patrimônio no Brasil.
O exemplo da Bibliothèque bleue é ilustrativo de como os processos de edição,
circulação e apropriação tornam essa empreitada editorial uma literatura associada à “cultura
popular”. A Bibliothèque bleue era uma coleção de livros de cordel que pertenciam a diversos
gêneros. Ela atingiu diferentes públicos devido à sua nova forma impressa, protocolos e custo,
e ao seu modo de distribuição (a venda ambulante). Chartier enfatiza que os textos que a
compõem não foram escritos para tal fim editorial: “os textos passados a livros de cordel não
são 'populares' por si mesmos, pertencendo antes a todos os gêneros, a todas as épocas, a
todas as literaturas”. E acrescenta que entre o estabelecimento do texto e a passagem a livro
de cordel “pode haver uma grande distância, que é assinalada por uma série de edições que
nada têm de 'populares'” (Chartier, 2002:129).
A edição da Bibliothèque bleue, portanto, seleciona dentre textos de origem “letrada”
aquilo que parece convir a um vasto público, numa tentativa de aproximar as edições das
expectativas e capacidade da clientela que pretende atingir. Desse modo, “a especificidade
cultural dos materiais editados no conjunto das obras de cordel prende-se à intervenção
editorial que tem por objetivo adequá-los às capacidades de leitura dos compradores que têm
de conquistar” (Chartier, 2002:129). Essa adequação se dá principalmente nas
particularidades formais, ou seja, tipográficas, que transformam um texto da “cultura letrada”
em um da leitura “popular”.
Assim, há que se reconhecerem alguns aspectos fundamentais na história das práticas
de leitura: o caráter de construção de sentidos na leitura (e não só na escrita), a função
99
fundamental exercida pelo suporte do texto, os objetivos editoriais e comerciais dos editores,
e a expectativa partilhada do público a quem se dirige.
Apesar dessa pluralidade de leituras possíveis, o autor/editor procura elaborar uma
“leitura autorizada”, um sentido a que o leitor deve alcançar. Desse modo, ao lado da
irredutível liberdade dos leitores, há condicionamentos que pretendem enquadrá-la. Para isso,
algumas das estratégias são explícitas e se encontram presentes em prefácios, notas, títulos,
observações etc. “Orientado ou colocado numa armadilha, o leitor encontra-se, sempre,
inscrito no texto, mas, por seu turno, este se inscreve diversamente nos seus leitores”
(Chartier, 2002:123). É com tal perspectiva sobre as relações de autores, editores e leitores
que se fará a análise da Revista do Sphan, entendendo-a como um lugar de instauração da
discursividade acerca do patrimônio no Brasil.
3.2 A fundação de um discurso disciplinar: temas e autores
Retomando as considerações de Foucault quanto à função de autor, pode-se atribuí-la
tanto a Rodrigo, o editor da Revista do Patrimônio, como aos colaboradores convidados para
nela escrever. Como foi visto, o autor é um instrumento de classificação de textos, fazendo
com que vários deles sejam agrupados sob o mesmo nome. O Quadro 6 abaixo mostra quem
são os autores da Revista do Patrimônio e sua freqüência, isto é, quantas vezes compareceram
no periódico de 1937 a 67.
Quadro 6 - Revista do Patrimônio: freqüência decrescente da produção por autor
Assidui-
dade
Freqüência
Quantidade
de autor(es)
Autor(es)
7 1 Artur César Ferreira Reis
6 3
Cônego Raimundo Trindade, Noronha Santos, Salomão de
Vasconcelos
5 3
Carlos Ott, D. Clemente Maria da Silva Nigra, Hanna
Levy
4 1 Francisco Marques dos Santos
Assíduos
3 8
Alfredo Galvão, Joaquim Cardoso, Joaquim de Souza
Leão Filho, Judith Martins, Lúcio Costa, Nair Batista,
Paulo Thedim Barreto, Robert Smith
Não
assíduos
2 19
Alberto Lamego, Augusto de Lima Júnior, Carlos
Estevão, David James, Estevão Pinto, Gastão Cruls,
Gilberto Freyre, Godofredo Filho, J. Wasth Rodrigues,
100
José de Sousa Reis, Lourenço Luís Lacombe, Luís Saia,
Luiz Jardim, Manuel Bandeira, Mário de Andrade,
Raimundo Lopes, Rodrigo M. F. de Andrade, Serafim
Leite
1 40
A. L. Pereira Ferraz, Afonso Arinos de Melo Franco,
Afonso de E. Taunay, Alberto Rangel, Aluízio de
Almeida, Anêmona Xavier de Basto Ferrer, Aníbal
Fernandes, Ayrton Carvalho, Curt Nimuendaju, D.
Bonifácio Jansen, David A. da Silva Carneiro, Deoclécio
Redig de Campos, Dom Carlos Tasso de Saxe – Coburgo
e Bragança, E. Orosco, Epaminondas de Macedo,
Francisco Venâncio Filho, Frei Venâncio Willeke O.F.M,
Gilberto Ferrez, Hélcia Dias, Heloísa Alberto Torres, Ivo
Porto de Menezes, J. Moritz Rugendas, João Miguel do
Santos Simões, José Antonio Gonçalves de Mello, José de
Almeida Santos, José Wanderley Pinho, L. L. Vanthier,
Luis Camilo de Oliveira Neto, Luiz Camilo, Maria de
Lourdes Pontual, Mário A. Freire, Mário Barata, Mário
Ferreira França, Michel Benisovich, Nuto Sant’Anna,
Rômulo Barreto de Almeida, Roquette Pinto, Sérgio
Buarque de Holanda, Sylvio de Vasconcelos
Total de autores
75
Dentre os 75 autores da Revista, a grande maioria (59 deles, ou 78,6%) escreveu
somente uma ou duas vezes. Um outro montante, formado por 16 autores (que representa a
pequena parcela de 21,4% do total de colaboradores), escreveu, no mínimo, três artigos no
periódico. Diante desse pequeno grupo de 16 autores que escreveu três vezes, pelo menos, e o
comparando com a quantidade de autores que compareceu até duas vezes, pode-se afirmar
que aqueles 16 são os colaboradores mais assíduos da Revista. Essa afirmação adquire mais
relevância se se considerar que, sozinhos, esses autores mais assíduos escreveram 68 artigos,
de um total de 150. Ou seja, esses colaboradores são os responsáveis por mais de 45% de tudo
que foi publicado no período estudado – daí merecerem o foco de nossa atenção.
Reunindo os artigos da Revista segundo a função de autor, observa-se ainda um outro
dado: há sete textos sem assinatura, mas cuja autoria pode ser atribuída à redação do
periódico, isto é, a Rodrigo ou à equipe de técnicos que trabalhavam diretamente com ele.
Esses sete textos não assinados não se referem exatamente a artigos, mas a breves notas ou
apresentações de documentos ou acervos, e todos se concentram no número inaugural.
Os 75 autores da Revista colaboraram sobre sete diferentes temáticas, conforme já
abordado no Capítulo 2. Cabe então observar quem são os autores que escreveram cada um
101
dos temas, atentando para a quantidade de colaboradores que trataram de um mesmo assunto,
observando se eles concentraram-se ou não em certos temas, se havia “especialização” etc.
Para tanto, o Quadro 7 abaixo fornece algumas pistas.
Quadro 7 - Revista do Patrimônio: temáticas dos artigos e seus autores
Tema/Total de
autores por
tema
Colaboradores e sua freqüência
Total de
artigos
História da Arte
(27)
Hanna Levy (5), Francisco Marques dos Santos (4), D. Clemente Maria
da Silva Nigra (3), Judith Martins (2), David James (2), Luiz Jardim
(2), Cônego Raimundo Trindade (1), Carlos Ott (1), Alfredo Galvão
(1), Joaquim Cardoso (1), Nair Batista (1), Augusto de Lima Júnior (1),
Gilberto Freyre (1), J. Wasth Rodrigues (1), Lúcio Costa (1), Luis
Camilo de Oliveira Neto (1), Rodrigo M. F. de Andrade (1), Alberto
Rangel (1), Deoclécio Redig de Campos (1), Dom Carlos Tasso de
Saxe (1), E. Orosco (1), Hélcia Dias (1), João Miguel dos Santos
Simões (1), José de Almeida Santos (1), José Wanderley Pinho (1),
Michel Benisovich (1), Sem Autoria (1)
40
Arquitetura (29)
Noronha Santos (3), Paulo Thedim Barreto (3), Joaquim de Souza Leão
Filho (2), José de Sousa Reis (2), Lúcio Costa (2), Luís Saia (2), Artur
César Ferreira Reis (1), Carlos Ott (1), Cônego Raimundo Trindade (1),
D. Clemente Maria da Silva Nigra (1), Joaquim Cardoso (1), Robert
Smith (1), Estevão Pinto (1), Gilberto Freyre (1), J. Wasth Rodrigues
(1), Mário de Andrade (1), Serafim Leite (1), A. L. Pereira Ferraz (1),
Aluísio de Almeida (1), Aníbal Fernandes (1), Ayrton Carvalho (1),
David A. da Silva Carneiro (1), Epaminondas de Macedo (1), Ivo Porto
de Menezes (1), Maria de Lourdes Pontual (1), Mário A. Freire (1),
Nuto Sant’Anna (1), Rômulo Barreto de Almeida (1), Sem Autoria (1)
39
Documentação
(21)
Artur César Ferreira Reis (3), Salomão de Vasconcelos (3), Cônego
Raimundo Trindade (3), Alfredo Galvão (2), Nair Batista (2), Robert
Smith (2), Noronha Santos (1), Joaquim de Souza Leão Filho (1),
Carlos Ott (1), Judith Martins (1), Augusto de Lima Júnior (1), Mário
de Andrade (1), Afonso Arinos de Melo Franco (1), Anêmona Xavier
de Basto Ferrer (1), D. Bonifácio Jansen (1), Gilberto Ferrez (1), L. L.
Vanthier (1), Luis Camilo de Oliveira Neto (1), Manuel Bandeira (1),
Mário Barata (1), Sem Autoria (1)
30
História (20)
Artur César Ferreira Reis (3), Salomão de Vasconcelos (3), Alberto
Lamego (2), Lourenço Luís Lacombe (2), Noronha Santos (2), Carlos
Ott (1), D. Clemente Maria da Silva Nigra (1), Cônego Raimundo
Trindade (1), Joaquim Cardoso (1), Godofredo Filho (1), Afonso de E.
Taunay (1), Manuel Bandeira (1), Serafim Leite (1), Francisco
Venâncio Filho (1), Frei Venâncio Willeke (1), José Antônio Gonçalves
de Mello (1), Mário F. França (1), Sérgio Buarque de Holanda (1),
27
102
Sylvio de Vasconcelos (1), Sem Autoria (1)
Etnografia (6)
Raimundo Lopes (2), Estevão Pinto (1), Gastão Cruls (1), Curt
Nimuendaju (1), J. Moritz Rugendas (1), Roquette Pinto (1)
7
Acervos e
Coleções (2)
Carlos Estevão (1), Sem Autoria (3)
4
Arqueologia (3) Heloísa Alberto Torres (1), Carlos Estevão (1), Gastão Cruls (1) 3
A primeira observação é a de que ocorre uma alta distribuição de autores por temas:
27 colaboradores escreveram os 40 artigos que versam sobre História da Arte (sendo que seis
deles escreveram mais de uma vez); 29 autores escreveram os 39 artigos de Arquitetura
(também com seis autores que escreveram, ao menos, duas contribuições); 21 autores
colaboraram nos 30 artigos de Documentação (novamente com seis autores que se repetem e
os demais comparecendo apenas uma vez); 20 autores escreveram sobre os 27 artigos sobre
História (com cinco deles escrevendo mais de uma vez); seis autores que dominam os sete
artigos de Etnografia; dois autores que se dividem entre os quatro artigos dedicados a Acervos
e Coleções; e, por fim, três autores que dominam os três artigos de Arqueologia.
Esses dados apontam, assim, para dois aspectos diferentes: no caso das três temáticas
que menos aparecem na Revista (Etnografia, Acervos e Coleções e Arqueologia), ocorre uma
espécie de “domínio” de determinados autores; já no caso dos quatro temas mais encontrados
no periódico, não há essa concentração de autores. O que chama a atenção no quadro acima,
portanto, é a alta dispersão de colaboradores entre as temáticas mais presentes
quantitativamente, entre 1937 e 67. Ou seja, uma grande quantidade de autores escreveu sobre
História da Arte, Arquitetura, Documentação e História. Assim, o que se observa é que quanto
mais uma temática é tratada, mais autores tratam do assunto. Desse modo, essas quatro
temáticas mais presentes não se restringem a poucos e determinados autores. Ao contrário,
recebem contribuições heterogêneas, provenientes de autores de diversas formações e
trajetórias – como se verá mais adiante.
É freqüente um autor colaborar com artigos relativos a diferentes temáticas, a exemplo
de Cônego Raimundo Trindade, que escreve sobre História da Arte, Arquitetura,
Documentação e História. O autor mais assíduo, Artur César Ferreira Reis (que escreveu sete
artigos para a Revista), colaborou com textos sobre Arquitetura, Documentação e História
104
.
Outros casos semelhantes podem ser observados a partir do Quadro 7.
104
A listagem completa dos artigos escritos por cada autor da Revista encontra-se no Anexo 3.
103
Ora, essa observação mostra que não havia especialização por tema – daí a alta
dispersão de autores pelas temáticas. Do mesmo modo que não havia especialização
tampouco havia autores especialistas nos assuntos. Embora Rodrigo declarasse que seus
colaboradores eram “doutos nas matérias relacionadas com a sua finalidade”, conforme o
Programa, pode-se afirmar que muitos desses autores também se construíram na Revista
por isso também atravessavam as fronteiras disciplinares e escreviam sobre diferentes temas.
Esses dados indicam que esses autores eram, de um modo geral, “homens de letras”,
sem se vincularem de modo estrito a um único campo, transitando entre áreas de saber
diversas que, como veremos, compõem o campo do patrimônio. Cabe mencionar que o
“campo” de que se fala aqui é aquele da produção simbólica de que trata Bourdieu (1974 e
1989), considerando as condições sociais particulares de produção e de funcionamento de um
determinado campo científico. Este é compreendido como o espaço de lutas competitivas que
visam o monopólio da autoridade e da competência científica, isto é, a capacidade de falar e
intervir legitimamente. O campo do patrimônio, pois, começou a se estruturar no Brasil a
partir da década de 1920, antes mesmo da criação do Sphan, mas se consolidou somente com
a implantação do serviço de proteção
105
, como abordado no Capítulo 1.
Considerando-se o esforço sistemático empreendido pelo diretor do Sphan e por seus
funcionários em desenvolver pesquisas científicas, pode-se compreender esses autores da
Revista do Patrimônio como instauradores de discursos, como propõe Foucault. Esses
autores-instauradores de discursividades produziam artigos preferencialmente sobre algumas
das temáticas que permeiam o campo do patrimônio, como vimos. Assim, são os
conhecimentos de História da Arte e Arquitetura que constituem as bases para um saber
técnico e científico acerca do que deveria ser preservado como patrimônio histórico e
artístico. Esses dois temas, porém, contam com outra área do saber fundamental para o campo
que se constituía: a História
106
. E essas três disciplinas (História da Arte, Arquitetura e
História) baseiam-se sempre em ampla documentação – daí a História ser muito recorrente,
como se verá no próximo capítulo.
105
Cavalcanti (1993), Chuva (1998), Gonçalves (2002 [1996]), Santos (1992) e outros trataram da luta simbólica
pela legitimação e autoridade de quem estaria autorizado a intervir no campo do Patrimônio – luta essa
empreendida pelo “grupo do patrimônio” contra os neocoloniais e o Museu Histórico Nacional (de Gustavo
Barroso).
106
Os Capítulos 2 e 4 abordam a proximidade entre os temas de História e Documentação, na Revista do
Patrimônio.
104
Quanto aos 16 autores mais assíduos, pode-se afirmar que esse grupo é ilustrativo para
se compreender uma série de questões: sua relevância dentro do conjunto de colaboradores da
Revista; a dispersão deles em relação às temáticas tratadas; os assuntos privilegiados por eles
e como isso se vincula à trajetória pessoal de cada um; os lugares e redes de sociabilidade
desses autores que possibilitaram seu vínculo com o patrimônio; seu papel na constituição do
campo etc.
Como vimos, os 16 mais assíduos escrevem 45,3% dos 150 artigos estudados. Ao se
relacionar a produção desse grupo dentro de cada tema, sua relevância mostra-se ainda maior:
somente esses 16 autores escreveram 52,5% da produção sobre História da Arte; 41% da
produção sobre Arquitetura; 63,3% do total produzido sobre Documentação; e 44,5% dos
artigos de História.
Ou seja, os quatro temas que dominam quantitativamente o periódico, entre 1937 e 67,
estão sob seu domínio. Esses 16 autores sozinhos, portanto, respondem por quase metade da
produção do período – percentual esse que assegura conclusões quanto à importância de seu
pensamento no campo cuja constituição se iniciava.
A partir de três ferramentas teórico-metodológicas – a reconstituição dos itinerários
desses intelectuais, a noção de geração e os lugares de sociabilidade –, pode-se compreender o
empreendimento cultural realizado por esses autores-instauradores de discursos dentro do
campo do patrimônio.
Destacando-se algumas características nas trajetórias desses intelectuais considerados
assíduos na Revista, organizadas no Quadro 9, mapeia-se uma rede de relações que os une,
rede essa explicitada também pela correspondência entre esses “homens de letras”. Esse
procedimento possibilita a observação da constituição de redes e lugares de sociabilidade
fundamentais na biografia desses autores.
Alfredo Galvão, Artur César Ferreira Reis, Carlos Ott, D. Clemente Maria da Silva
Nigra, Noronha Santos, Francisco Marques dos Santos, Hanna Levy, Joaquim de Souza Leão
Filho, Joaquim Cardoso, Judith Martins, Lúcio Costa, Nair Batista, Paulo Tedim Barreto,
Cônego Raimundo Trindade, Salomão de Vasconcelos, e Robert Smith são os 16 autores
assíduos.
105
Quadro 8 - Trajetória dos autores mais assíduos da Revista do Patrimônio
Nome/ Estado natal Família e estudos Ocupação Jornalismo Academias, institutos
e associações
Trajetória profissional Trajetória
política
Obras destacadas Observações
ALFREDO GALVÃO
(1900-1987)
Natural do Rio de
Janeiro
Estudou na ENBA
entre 1916 e 27.
Nela, conquistou a
Grande Medalha de
Ouro em Pintura,
em 1926, e o
Prêmio de Viagem
à Europa, em 1927.
Com isso, estudou
em Paris entre
1928 e 32.
Pintor,
historiador
da arte e
professor
Em 1938, foi nomeado professor de Anatomia e Fisiologia Artísticas
e, em 1947, obteve a cadeira de Pintura em concurso. Entre 1949 e
51, foi vice-diretor da Escola Nacional de Belas Artes.
“Noções de Anatomo-fisiologia
artística e proporções” (1941).
ARTUR CÉSAR
FERREIRA REIS
(1906-1993)
Natural do Amazonas
Filho do jornalista
e teatrólogo
Vicente Torres da
Silva Reis. Fez o
ensino primário e
secundário em
Manaus. Iniciou o
Curso de Direito de
Belém em 1923,
mas o concluiu
pela Faculdade de
Ciências Jurídicas e
Sociais do Rio de
Janeiro, em 1927.
Historiador
e professor
Entre 1928 e 38,
foi redator-chefe
do Jornal do
Comércio, cujo
proprietário era seu
pai.
Posteriormente, foi
colaborador de O
Estado do Pará e
da Folha do Norte,
ambos de Belém.
Foi sócio do IHGB, do
Instituto Histórico de
Petrópolis (IHP) e do
Instituto Geográfico
Histórico do Amazonas
(IGHA), tendo
pertencido a este último
por 67 anos. Em 1977,
foi considerado pela
diretoria do IGHA
como Diretor Perpétuo.
Foi ainda membro da
Academia Amazonense
de Letras a partir de
1967.
No fim da década de 1920, deu início ao magistério, como professor
de História do Brasil no colégio Dom Bosco e Escola Normal do
Amazonas, em Manaus.
Em 1940, foi representante do Sphan no Amazonas.
Ao longo de sua trajetória, ocupou diversos cargos de direção: foi
Chefe da Divisão de Expansão Econômica do Departamento
Nacional de Indústria e Comércio do Ministério do Trabalho;
diretor-geral do Departamento Estadual do Trabalho de São Paulo;
presidiu a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia (SPVEA); dirigiu o Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia e o Departamento de História e Divulgação do Estado da
Guanabara. Presidiu o Conselho Federal de Cultura entre 1967 e 68.
Foi também professor de Sociologia na PUC-Rio, de Administração
na FGV e de História na UFF.
Foi Chefe de
gabinete da Junta
Governista
Revolucionária.
Em 1964, foi
nomeado
Governador do
Amazonas, cargo
que ocupou até
1967.
“História do Amazonas” (1931);
“A política de Portugal no Vale
Amazônico” (1940); “Síntese da
História do Pará” (1941);
“Território do Amapá – Perfil
Histórico” (1949); “O Índio da
Amazônica” (1957); “A
Amazônia e a cobiça
internacional” (1961); “Aspectos
da experiência portuguesa na
Amazônica” (1966).
CARLOS OTT
(Karl Borromeus Ott)
ou Frei Fidélis
(1908-1997)
Natural da Alemanha
Bacharelou-se em
Filosofia no
Antonianum de
Urbee (Alemanha),
em 1937.
Diplomou-se ainda
pela Universidade
Pontifícia Romana
de Santo Antônio.
Historiador
da arte e
professor
Escreveu artigos
para a Revista do
Arquivo Municipal
de São Paulo.
Na década de 1920, chegou ao Nordeste brasileiro para realizar um
trabalho religioso pela Ordem dos Franciscanos. Abandonou o
exercício religioso e se dedicou à pesquisa e ao ensino de História.
Pesquisou arte colonial, história, arqueologia, pré-história e folclore.
Foi funcionário do Sphan na Bahia.
Em 1941, participou da fundação da Faculdade de Filosofia da
Universidade Federal da Bahia, onde lecionou Etnologia Geral e do
Brasil. Ministrou ainda aulas de latim no Instituto Normal Isaías
Alves.
“Formação e evolução étnica na
cidade de Salvador (o folclore
baiano)” (1955); “Bailes
pastoris” (1958); “Vestígios de
cultura indígena no sertão da
Bahia” (1945); “A Irmandade de
Nossa Senhora do Rosário dos
Pretos do Pelourinho” (1968);
“Influência alemã no barroco
luso-brasileiro” (1969); “A
escola bahiana de pintura (1764-
1850)” (1982) etc.
Publicou “A Santa Casa
da Misericórdia do
Salvador” (1960) na série
Publicações do Sphan.
D. CLEMENTE
MARIA DA SILVA
NIGRA
(1903-1987)
Natural da Alemanha
e naturalizado
brasileiro em 1933
Filho de padeiro,
chegou ao Brasil
em 1922 para
ingressar na Ordem
Beneditina em
Salvador.
Entre 1930 e 32,
viajou à Europa,
assistindo ao curso
Artes Plásticas na
Cidade Eterna
(Roma).
Historiador
da arte,
professor e
religioso
Foi professor no curso secundário em São Paulo e vice-reitor do
Mosteiro de S. Paulo. Foi Capelão da Marinha, na Ilha das Cobras
(RJ).
Em 1940, foi nomeado arquivista-mor da Ordem Beneditina
Brasileira e, no mesmo ano, iniciou seus serviços para o Sphan, onde
foi perito e pesquisador sobre arquitetura, pintura e esculturas sacras
(principalmente na Bahia e no Rio de Janeiro).
Em 1955, organizou a Exposição de Arte Retrospectiva Brasileira
por ocasião do 36º Congresso Eucarístico Internacional do Rio de
Janeiro.
Indicado por Rodrigo M. F. de Andrade, D. Clemente dirigiu o
Museu de Arte Sacra de Salvador, desde sua fundação, em 1958, até
1979.
“Três artistas beneditinos”
(1950); “Construtores e artistas
do Mosteiro de São Bento do
Rio de Janeiro” (1950); “Sobre
as artes plásticas na antiga
Capitania de S. Vicente” (1958);
“Os dois escultores, frei
Agostinho da Piedade, frei
Agostinho de Jesus, e o
arquiteto, frei Macário de São
João” (1971); “Convento de
Santa Teresa, Museu de Arte
Sacra da Universidade Federal
da Bahia” (1972) etc.
Francisco Agenor
NORONHA SANTOS
(1876-1954)
Natural do Rio de
Janeiro
Historiador Membro do IHGB e da
Sociedade Brasileira de
Geografia.
Foi funcionário público do Arquivo do Município do Rio de Janeiro.
Dedicou-se assim à história do rio de Janeiro. Escreveu também
sobre a história do município de Conservatória (RJ).
“Meios de transporte no Rio de
Janeiro” (1934) e “As freguesias
do Rio antigo” (1965).
Doou sua coleção de
livros para a biblioteca do
Sphan, que, por esse
motivo, recebeu seu nome
como uma homenagem.
106
FRANCISCO
MARQUES DOS
SANTOS
(1899-1975)
Natural do Rio de
Janeiro
Historiador
da arte
Entre 1959 e 60, foi
presidente do IHP.
Era também membro
do IHGB e vogal da
Associação Nacional de
Belas Artes de Lisboa.
Foi ainda um dos
fundadores do Instituto
de Estudos Brasileiros.
Foi funcionário do Sphan, como perito das obras de arte. Dirigiu o
Museu Imperial de Petrópolis entre 1954 e 1967. Foi também
membro do Conselho Consultivo do Sphan. Foi professor da Pós-
Graduação na Universidade de São Paulo.
Presidiu o Instituto Brasileiro de História da Arte.
“Medalhas militares brasileiras
da época colonial ao fim do
primeiro reinado” (1937); “A
Guerra do Paraguai na
medalhística brasileira” (1937);
“Artistas do Rio de Janeiro
colonial” (1938); “Louça e
Porcelana” (1968), cuja
introdução é de autoria de
Rodrigo M. F. de Andrade.
Publicou artigos no
Anuário do Museu
Imperial e na revista
Estudos Brasileiros.
HANNA LEVY
(1912-1984)
Natural da Alemanha
Em 1933 foi
estudar História da
Arte na Sorbonne,
em Paris, onde se
doutorou em 1936.
Historiadora
da arte e
professora
Chegou ao Brasil em 1937, onde permaneceu por cerca de dez anos.
Ministrou aulas de História da Arte para os funcionários do Sphan
entre 1937 e 1940. Até 1947, Levy ficou encarregada de realizar
pesquisas e inventários das imagens sacras do Rio de Janeiro.
Paralelamente à sua atividade no Sphan, ministrou aulas na Escola
Livre de Estudos Superiores e na Fundação Getúlio Vargas, ambas
no Rio de Janeiro. Em 1948, emigrou para os Estados Unidos, onde
também lecionou História da Arte na New School for Social
Research.
JOAQUIM DE
SOUZA LEÃO
FILHO
(1897-1979)
Natural de
Pernambuco
Descendente de
família proprietário
de engenhos.
Bacharelou-se em
Direito pela
Faculdade do Rio
de Janeiro.
Diplomata e
historiador
Colaborou com o
Anuário do Museu
Imperial.
Filiado ao IHGB desde
1934 e membro do
Instituto Arqueológico,
Histórico e Geográfico
de Pernambuco.
Foi um dos fundadores
do Comitê Nacional de
História da Arte.
Ingressou no Itamaraty em 1919. Foi embaixador do Brasil em
Caracas, entre 1953 e 56, e em Haia, entre 1956 e 62.
Dedicou-se à história da arte e, durante o tempo em que atuou na
Holanda, fez levantamentos em arquivos e museus holandeses,
pesquisando a história pernambucana. Também escreveu sobre
arquitetura rural brasileira.
“A expulsão dos holandeses”
nos Anais do Terceiro
Congresso de História Nacional
(1938).
Traduziu a obra “O Rio de
Janeiro visto por dois prussianos
em 1919 – T. Von Leithold e L.
Von Rango” (1966) e escreveu
“O Rio de Janeiro e seus
arredores” (1972).
Realizou pesquisas com o
historiador da arte norte-
americano Robert Smith.
JOAQUIM Maria
Moreira CARDOSO
(1897-1978)
Natural de
Pernambuco
Estudou na Escola
Livre de
Engenharia de
Recife, onde se
formou em 1930.
Poeta,
professor e
engenheiro
civil
Redator do jornal
O Arrabalde, em
1913, e
caricaturista do
Diário de
Pernambuco a
partir de 1914.
Entre 1924 e 25,
dirigiu a Revista do
Norte.
Em 1955, foi um
dos fundadores da
revista
Módulo.Colaborou
com o periódico
Para todos:
quinzenário de
cultura, que
circulou entre 1956
e 58.
Em 1973, foi eleito
sócio benemérito do
Instituto de Arquitetos
do Brasil (IAB).
Membro da Academia
Pernambucana de
Letras.
Foi um dos fundadores
do Comitê Nacional de
História da Arte, ao
lado de Lúcio Costa,
Paulo Thedim Barreto e
outros.
Entre 1920 e 23, trabalhou como topógrafo da Comissão Geodésia
de Pernambuco.
De 1934 a 37, trabalhou com Burle Marx e Luís Nunes na Diretoria
de Arquitetura e Urbanismo (DAU) de Recife, onde atuou como
calculista de estruturas. Desse modo, calculou diversos projetos: a
Escola para Anormais (Tamarineira), a Escola Rural Alberto Torres
e o Pavilhão de Verificação de Óbitos (sede do IAB em
Pernambuco), em Recife, além da Caixa d'Água de Olinda etc.
Foi o catedrático responsável pela cadeira Teoria e Filosofia da
Arquitetura, de 1932 a 39, na Escola de Engenharia de Recife.
Também ministrou aulas de Geometria Analítica, Cálculo
Infinitesimal e Resistência dos Materiais. Foi um dos fundadores da
Escola de Belas Artes de Pernambuco.
Em 1939, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começou a trabalhar
para o Sphan. A partir de 1941, realizou trabalhos com Niemeyer,
tornando-se seu engenheiro de cálculos. Em 1956, dirigiu a Seção de
Cálculo Estrutural do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
Novacap.
Em 1967, aposentou-se como servidor público e faleceu em Olinda,
em 1978.
“Poemas” (1947), com prefácio
de Drummond. Publicou obras
sobre a “nova” arquitetura,
outras poesias e também peças
teatrais.
Liderou o movimento
modernista em
Pernambuco, junto com
Luiz Jardim, Ascenso
Ferreira e outros, que se
reuniam no Café
Continental, em Recife,
que se tornou conhecido
como Esquina Lafaiete.
Nos encontros semanais
realizados na casa de
Rodrigo M. F. de
Andrade, Joaquim
Cardoso conheceu o
arquiteto Oscar Niemeyer.
JUDITH MARTINS
(1903- ?)
Natural de Minas
Gerais
Formou-se em
Contabilidade em
Juiz de Fora.
Historiadora
da arte
Foi secretária e datilógrafa do Sphan, atuando diretamente com
Rodrigo M. F. de Andrade, no Rio de Janeiro.
Foi Chefe do Arquivo do Sphan e de sua Seção de História.
Organizou um catálogo do Museu do Diamante, inspecionou
atividades do Serviço em São Paulo e Minas Gerais e pesquisou
História da Arte. Estudou artífices e artistas de Minas Gerais, ao lado
de outros funcionários com a coordenação do próprio Rodrigo.
Aposentou-se em 1973 pelo Sphan.
“Dicionário de Artistas e
Artífices dos Séculos XVIII e
XIX em Minas Gerais”,
publicado em dois volumes pelo
Sphan, em 1974.
Recebeu a Medalha do
Mérito Educativo em
1972.
Publicou “Dicionário de
artistas e artífices dos
séculos XVIII e XIX em
Minas Gerais” (1974) na
série Publicações do
Sphan.
107
LÚCIO COSTA
(1902-1998)
Natural da França
Filho de
brasileiros, veio ao
Brasil ainda criança
e retornou à Europa
aos oito anos, onde
fez o ensino básico.
Com 15 anos,
voltou ao Brasil e
estudou na ENBA,
no Rio de Janeiro,
onde se formou em
Arquitetura, em
1922.
Arquiteto e
urbanista
Foi um dos fundadores
do Comitê Nacional de
História da Arte, ao
lado de Joaquim
Cardoso, Aracy
Amaral, Augusto
Carlos da Silva Telles,
Flávio Motta, Lygia
Martins Costa, Luis
Saia, Mário Barata,
Nestor Goulart dos
Reis Filho, Paulo
Ferreira Santos e
outros.
Exerceu papel fundamental na arquitetura moderna, publicando
artigos e obras e realizando projetos que o consagraram.
Em 1930, foi indicado por Rodrigo M. F. de Andrade para dirigir a
ENBA – cargo ocupado por apenas um ano. Como diretor da Escola,
organizou o Salão de 31.
Em 1933, organizou um escritório de arquitetura com Warchavchik,
no qual Niemeyer e Burle Marx chegaram a trabalhar no início de
suas carreiras. Em 1936, coordenou o grupo de arquitetos que
projetou o edifício-sede do MES.
No fim de 1937, ingressou no Sphan, onde foi chefe da Divisão de
Estudos e Tombamento, até sua aposentadoria.
Em 1950, projetou a Casa do Brasil, na Universidade de Paris. Em
1969, elaborou ainda o plano de urbanização da Barra da Tijuca, no
Rio de Janeiro.
“Razões da nova arquitetura”
(1930); “O arquiteto e a
sociedade contemporânea”
(1952); “A crise da arte
contemporânea” (1959).
Vencedor do concurso de
projetos para a construção
do Pavilhão Brasil da
Feira Mundial de Nova
York (1939); premiado na
I Bienal de São Paulo de
1951 com o projeto do
Parque Guinle (Rio de
Janeiro); vencedor do
concurso para o projeto
piloto da nova capital
Brasília (1957).
NAIR BATISTA Historiadora
da arte
Funcionária da administração do Sphan no Rio de Janeiro. Pesquisou
arte colonial brasileira, especialmente os trabalhos realizados por
Caetano da Costa Coelho e de Valentim da Fonseca, para as quais
fez ampla pesquisa junto aos arquivos eclesiásticos no Rio de
Janeiro.
PAULO THEDIM
BARRETO (1908-
1973)
Natural do Rio de
Janeiro
Estudou na Escola
Nacional de Belas
Artes.
Arquiteto e
professor
Foi outro dos
fundadores do Comitê
Nacional de História da
Arte, tal como Joaquim
Cardoso, Joaquim de
Souza Leão Filho e
Lúcio Costa.
Realizou o levantamento arquitetônico do Mosteiro de São Bento, no
Rio de Janeiro. Dali saiu a indicação de seu nome para Rodrigo.
Desse modo, ingressou como funcionário do Sphan ainda em 1937.
Procedeu aos levantamentos para posterior tombamento dos
monumentos, especializando-se em temas referentes à história da
arquitetura no Brasil e em seus sistemas construtivos tradicionais.
Em 1959, assumiu a chefia da seção de arte do Sphan.
Paulo Thedim também foi professor na Faculdade Nacional de
Arquitetura da Universidade do Brasil, onde defendeu a tese “Casas
de Câmara e Cadeia” para concurso de provimento da cadeira de
Arquitetura no Brasil, em 1949. Foi ainda professor no Colégio São
Bento.
Não afiliado à arquitetura
moderna.
RAIMUNDO Otávio
TRINDADE (Cônego)
(1883-1962)
Natural de Minas
Gerais
Fez seus primeiros
estudos em casa.
Formado pelo
Seminário de
Mariana, onde foi
ordenado sacerdote
em 1908.
Historiador
e religioso
Membro do Colégio
Brasileiro de
Genealogia e do
Instituto Genealógico
Brasileiro.
Sócio do Instituto
Histórico e Geográfico
de Minas Gerais
(IHGMG).
Funcionário público do Sphan, Trindade foi o primeiro diretor do
Museu da Inconfidência, em Ouro Preto – dirigindo-o de 1944 a
1959.
Realizou estudos sobre a história de cidades mineiras e de suas
igrejas.
Eleito Presidente
da Câmara
Municipal de
Ponte Nova
(MG), cargo que
ocupou por
pouco mais de
um mês.
“Semana santa” (1916);
“Efemérides da Arquidiocese de
Mariana” (1928); “Um pleito
tristemente célebre nas Minas do
século XVIII: Contribuição para
a história eclesiástica de Minas”
(1953); “Velhos troncos
mineiros” (1955).
Publicou “Instituições de
Igrejas no Bispado de
Mariana” (1945) e “São
Francisco de Assis de
Ouro Preto” (1951),
ambos na série
Publicações do Sphan.
ROBERT Chester
SMITH Junior
(1912-1975)
Natural dos Estados
Unidos
Formou-se na
Universidade de
Harvard, em 1937 e
doutorou-se com
tese sobre
Ludovice, o
arquiteto de Dom
João V.
Historiador
da arte e
professor
Entre 1935 e 36, realizou estudos sobre o Palácio de Mafra, em
Portugal. Foi o autor do primeiro estudo sobre a talha barroca
portuguesa. Em 1937, fez sua primeira viagem ao Brasil, enquanto
membro do American Council of Learned Societies, para estudar o
barroco luso-brasileiro e pesquisar em bibliotecas e arquivos. Aqui
fotografou a arte e a arquitetura brasileira para a Library of Congress
(Biblioteca do Congresso) dos Estados Unidos, onde era Diretor
Associado da Divisão Hispânica.
Realizou pesquisas no Arquivo Ultramarino Português, onde
encontrou valiosa documentação para a arte e a arquitetura
brasileiras.
“Minas Gerais no
desenvolvimento da arquitetura
colonial” (1937); “O caráter da
arquitetura colonial do
Nordeste” (1938); “A guide to
the art of Latin America”
(1948); “Arquitetura colonial
bahiana” (1951); “Arquitetura
colonial” (1955); “Uma capela
portuguesa em Filadélfia”
(Lisboa, 1960); “Urbanismo
colonial no Brasil” (1967); “The
art of Portugal, 1500-1800”
(1968); etc.
A partir de 1938, foi
responsável pela
publicação anual da
bibliografia sobre arte
brasileira no Handbook of
Latinamerican Studies.
SALOMÃO DE
VASCONCELOS
(1915-?)
Natural de Minas
Gerais
Historiador Escreveu artigos
para a Revista do
Arquivo Municipal
de São Paulo.
Entre 1955 e 58, foi
presidente do IHGMG.
Na década de 1940, foi funcionário público do Sphan, em Minas
Gerais, como representante regional do órgão. Organizou o arquivo
da Matriz da Igreja do Pilar, do Santuário de Congonhas e o arquivo
do município de Mariana. Realizou inventários de igrejas e fazendas.
Em 1946, recepcionou Robert Smith, que realizava viagens de
estudo pelo interior de Minas.
Dedicou-se principalmente ao estudo de Ouro Preto e de Sabará.
108
Uma primeira observação a respeito desses intelectuais é sobre a geração a que eles
pertencem. O uso dessa categoria é operacional para relacionar as trajetórias de vida dos
autores, sem desconsiderar as críticas contundentes que a literatura tem feito sobre essa
noção
107
. Como argumenta Sirinelli (2003), as solidariedades de idade fazem parte dos
processos de transmissão cultural. Um intelectual define-se por referência a uma herança,
ainda que as repercussões de um “evento fundador” não sejam eternas. Sem dúvida, porém,
um “acontecimento marcante” imprime marcas em uma geração, extraindo dele uma
“bagagem genética” e, dos primeiros anos depois de tal evento, uma memória coletiva. A
categoria, então, transcende as manifestações “externas” e resulta de um trabalho de memória
elaborada e compartilhada por um grupo, transmitindo-a aos sucessores que não a
vivenciaram. Desse modo, tal como Gomes (1996), nesta pesquisa a noção de geração
incorpora tanto a idéia de um tempo “exterior” (de uma conjuntura nacional ou regional)
quanto de um tempo “interior”, “expresso pela forma como tais acontecimentos foram
experimentados por um grupo, construindo-se um sentido de união, de pertencimento”
(Gomes, 1996:41).
Outro elemento constitutivo da categoria de geração é seu caráter relacional, isto é,
não autônomo. Uma geração só adquire significado quando relacionada com outras gerações,
uma vez que sua perspectiva identitária realiza-se, por contraste, através do tempo e compõe
um projeto de um grupo ante seus antecessores e contemporâneos. Há, portanto, uma
dimensão simbólica e uma outra organizacional, que podem ser materializadas nas redes de
relações. Desse modo, essa categoria integra-se e se complementa com a noção de
sociabilidade – daí serem fundamentais para a análise que segue sobre os intelectuais que
mais freqüentaram a Revista.
A partir dessas considerações, a primeira observação relevante exposta pelo Quadro 9
diz respeito justamente à geração a que pertencem esses intelectuais. Seis nasceram no fim do
século XIX, entre 1876 e 1900; e nove no século XX, entre 1902 e 1915. Essas gerações,
107
A categoria geração vem sendo criticada tanto pela história, especialmente a das mentalidades, quanto pelas
ciências sociais. De forma sucinta, a crítica decorre do forte acento positivista que a noção carregaria consigo.
Em geral, é compreendida como o grupo de indivíduos de uma mesma “classe de idade”, o que os levaria a
compartilhar um determinado sistema de gostos e valores, ou seja, uma visão de mundo. Segundo essa
perspectiva, as gerações suceder-se-iam sistematicamente, “renovando-se” numa espécie de direção progressiva.
Assim, uma das objeções refere-se à falácia de se identificar um grupo e supor sua homogeneidade interna a
partir de um critério cronológico (um tempo “exterior”). Ou seja, questiona-se a suposição de que a “visão de
mundo” derive automaticamente de algumas experiências marcantes vividas numa certa conjuntura. Entretanto, a
categoria continua sendo revisitada e há até propostas de se adotar termos mais adequados, como o “sentimento
109
sobretudo a mais jovem, conviveram com os movimentos de vanguarda estética da década de
1920, especialmente do chamado modernismo, participaram da ampliação do ensino superior
no Brasil e presenciaram o já mencionado boom editorial, alavancado pela grande quantidade
de interpretações do Brasil, entre outros fatos marcantes vivenciados coletivamente por essas
gerações. No âmbito político, assistiram à Revolução de 1930 e às mudanças getulistas, para
se falar apenas no plano nacional.
Chama a atenção a presença de estrangeiros, dentre os colaboradores convidados por
Rodrigo para escrever na Revista. São eles os alemães Carlos Ott, D. Clemente e Hanna Levy,
além do norte-americano Robert Smith – o que representa 25% desses 16. Foi excluído dessa
relação o arquiteto Lúcio Costa que, embora nascido na França, era filho de brasileiros e
viveu boa parte de sua formação no Rio de Janeiro.
Os alemães, diferentemente do que se pode imaginar, não vieram ao Brasil para fugir
da Segunda Guerra Mundial – talvez com exceção de Levy
108
. Tanto Ott quanto D. Clemente
chegaram ao Brasil ainda na década de 1920, para o exercício eclesiástico, ainda que Carlos
Ott o tenha abandonado pouco tempo depois de desembarcar em terras brasileiras. Já o
americano Robert Smith veio ao país com o objetivo de pesquisar a arte e a arquitetura
barroca luso-brasileira, dando continuidade ao trabalho realizado por ele anteriormente nos
Estados Unidos.
Não é surpresa o interesse de estrangeiros no Brasil nas décadas de 1930 a 60. Outro
estrangeiro que se interessou pela arte brasileira, além dos colaboradores da Revista, e que
veio realizar estudos é o francês Germain Bazin (1901-1990), vinculado ao Museu do Louvre,
em Paris. Esteve aqui pela primeira vez no ano de 1945 e voltou depois em várias ocasiões.
Publicou na França “L'architecture religieuse baroque au Brésil” (1956) e “Aleijadinho et la
sculpture baroque au Brésil” (1963). Os americanos Philip Goodwin e George Kidder-Smith,
autores da exposição Brazil Builds, sobre arquitetura colonial e moderna brasileira, exibida no
MoMA de Nova Iorque em 1943, é outro exemplo do interesse no Brasil. Podem-se
mencionar ainda os franceses Pierre Verger (1902-1996) e Lévi-Strauss (1908-2009) – e
tantos outros – que visitaram o Brasil nesse período, aqui estabelecendo importantes e
duradouras ligações intelectuais.
de contemporaneidade” (Girardet, 1983), entendido como o espaço social vivido coletiva e cotidianamente por
um grupo.
108
Pouco se sabe a seu respeito. Sobre Levy, ver Nakamuta (2009).
110
Dentre os brasileiros, há um destaque para os autores nascidos no Rio de Janeiro, aos
quais se juntaram outros, oriundos de outros estados que lá fixaram residência. Cinco deles
são naturais desse estado
109
, sede da capital federal por quase todo o período aqui
considerado, e locus cultural, onde se estabeleciam e se multiplicavam livrarias e editoras,
instituições artísticas e culturais. Três dos assíduos provêm de Minas Gerais, terra natal do
editor Rodrigo, e estado que concentrou uma série de investimentos por parte do Sphan, por
ser considerado o “berço da brasilidade”. Dois são pernambucanos, outro local cuja proteção
aos seus monumentos foi privilegiada. Exclui-se desse núcleo de fluminenses, mineiros e
pernambucanos, o amazonense Artur César Ferreira Reis, justamente o mais assíduo de todos
os 75 autores da Revista.
Os locais em que estudaram esses intelectuais fornecem indicativos de onde os laços
podem ter se iniciado, ou seja, de como surgiu um sentimento de solidariedade de origem. No
conjunto ora enfatizado, destaca-se a Escola Nacional de Belas Artes, na qual estudaram
Alfredo Galvão, Lúcio Costa e Paulo Thedim Barreto.
Considerando-se a formação desses autores, o único que concluiu o mesmo curso que
Rodrigo M. F. de Andrade fez, foi o amazonense Artur César, que freqüentou a mesma
Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, porém, em momentos distintos,
pois a diferença de idade entre ambos era de oito anos
110
.
As ocupações dos principais colaboradores do periódico em questão eram
heterogêneas, mas se concentram em três: oito eram historiadores da arte, cinco eram
historiadores e três eram arquitetos ou engenheiros. Com exceção destes últimos, os demais
intelectuais são classificados com base em suas trajetórias profissionais e intelectuais, que
acabaram por defini-los dessa maneira – uma vez que a Revista não apresentava informações
relativas a seus autores, limitando-se somente em colocar a assinatura dos mesmos. Alguns
desses autores, inclusive, foram “formados” pelo próprio Sphan.
Um exemplo esclarecedor é o de Judith Martins, identificada como historiadora da
arte. Formada em Contabilidade em Juiz de Fora, fora apresentada a Rodrigo por um amigo
em comum quando soube que uma nova repartição pública estava sendo organizada. Rodrigo
então a contratou como datilógrafa, apesar de seu desconhecimento das questões do
patrimônio histórico. Secretariando diretamente Rodrigo Melo Franco, Judith era diariamente
109
Não há referências sobre a autora Nair Batista, porém, sua colaboração no Sphan do Rio de Janeiro levanta a
hipótese de que ela seja natural desse estado.
110
Em 1919, Rodrigo já era bacharel em Direito, enquanto Artur César formou-se em 1927.
111
instruída por ele e pelos cursos que o mesmo indicava. Ela assistia aulas de português e os
cursos ministrados para os funcionários, como o de Afonso Arinos, sobre o
“Desenvolvimento da Civilização Material no Brasil”, que virou o número 11 das Publicações
do Sphan, e como o de Hanna Levy, sobre História da Arte. Rodrigo fez ainda os técnicos do
Sphan freqüentarem o curso de arte brasileira que José Mariano Filho, o arquiteto neocolonial,
ministrava na Universidade do Distrito Federal
111
. Desse modo, a datilógrafa e secretária,
formada em contabilidade, foi sendo instruída no campo do patrimônio, realizando também
pesquisas coordenadas pelo próprio Rodrigo – uma delas, inclusive, gerou uma obra de
referência, publicada tardiamente em 1974: Dicionário de Artistas e Artífices dos Séculos
XVIII e XIX em Minas Gerais
112
.
Daí se podem extrair diversos pontos relevantes: a influência das redes para a inclusão
de novos membros no “grupo do patrimônio”; a centralidade do Sphan e de seu diretor para a
formação de técnicos capacitados e competentes para realizar as ações de preservação e
proteção do patrimônio; e o papel da pesquisa dentro do órgão, além dos mecanismos
utilizados para sua legitimação.
Destaca-se, entre os assíduos, a prática do ensino. Metade deles atuou como professor:
Artur César, Carlos Ott, Hanna Levy, Alfredo Galvão, Francisco Marques dos Santos,
Joaquim Cardoso e Robert Smith foram professores universitários. Desses, somente o
primeiro atuou também no ensino secundário, tal como D. Clemente. Nesse período, o
magistério era fonte de renda e de prestígio, especialmente quando se tratava de fundadores de
faculdades (caso de Ott, que participou da criação da Faculdade de Filosofia da Universidade
da Bahia) ou de catedráticos de faculdades que já eram consagradas (ou que estavam em vias
de).
A presença de eclesiásticos é outro dado significativo no conjunto considerado.
Cônego Raimundo Trindade e D. Clemente se mantinham vinculados à Igreja Católica ao
longo de suas trajetórias. Já o alemão Carlos Ott, que veio ao Brasil para realizar trabalhos
pela Ordem dos Franciscanos, logo abandonou a batina. Entretanto, os vínculos ali
estabelecidos provavelmente lhe deram acesso aos arquivos das igrejas – fontes
imprescindíveis para as pesquisas empreendidas pelo Sphan. Essa relação que os
colaboradores do Sphan mantinham com os eclesiásticos podia ser estratégica, uma vez que,
111
Cf. Martins (1987). Essa informação salta aos olhos, uma vez que se sabe das contendas travadas entre o
Sphan (e Rodrigo) e José Mariano Filho.
112
Cf. Martins (1987).
112
não raramente, o tombamento de uma igreja provocava alguns embates entre clérigos, de um
lado, e o Serviço, de outro. Este último defendia a proteção e a preservação do monumento,
enquanto os religiosos desejavam reformá-lo, ampliá-lo ou até demoli-lo para a construção de
novos templos. Desse modo, a manutenção no Sphan de colaboradores que intercedessem
junto às autoridades eclesiásticas pode ser considerada como fundamental para a realização de
suas atividades, tanto de pesquisa como também força política.
Alguns intelectuais do patrimônio tiveram uma marcante passagem pelo jornalismo,
tal como Rodrigo, conforme indica o Quadro 9. Artur César Ferreira Reis, quando jovem,
tornou-se redator-chefe do Jornal do Comércio (Manaus), tendo sido também colaborador de
outros jornais em Belém. O poeta e engenheiro Joaquim Cardoso foi outro que adentrou o
jornalismo muito cedo, tornando-se redator do jornal O Arrabalde, em 1913, e, em 1914,
caricaturista do Diário de Pernambuco, onde Gilberto Freyre colaborou a partir de 1918. Na
década de 1920, dirigiu a Revista do Norte, além de ter sido artista gráfico e crítico de arte. Já
em sua maturidade, fundou, em 1955, a revista Módulo, cujo editor era o arquiteto Oscar
Niemeyer
113
e onde Rodrigo M. F. de Andrade publicou o artigo “Capelas rurais” (1955).
Joaquim Cardoso ainda foi assíduo colaborador no periódico Para todos: quinzenário de
cultura, dirigido pelos irmãos Jorge e James Amado
114
. Essas redações, portanto, constituíram
lugares de sociabilidade para alguns desses intelectuais. O próprio Lúcio Costa, que não
seguiu carreira jornalística, escreveu sobre Aleijadinho na edição especial de O Jornal, em
1929, época em que Rodrigo era o diretor-presidente do jornal, podendo daí advir o contato
entre eles.
Outro espaço social em que os autores da Revista constroem suas relações
organizacionais e simbólicas são as academias, institutos e associações. Quatro deles, ao
menos, eram membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, órgão de excelência e
consagração de muitos historiadores, conforme mostra a literatura. Artur César, Noronha
Santos, Francisco Marques dos Santos, Joaquim de Souza Leão eram alguns dos autores da
Revista do Patrimônio membros do Instituto. Ao lado deles, estava o próprio Rodrigo e outros
autores do periódico, como Afonso Taunay, Afonso Arinos, Wanderley Pinho, Gilberto
113
A revista Módulo, editada no Rio de Janeiro, circulou até 1965, quando foi proibida pelo regime militar, tendo
voltado a circular em 1975 até sua extinção, em 1989.
114
Em Para todos, Cardoso escreveu sobre crítica de arte e arquitetura, em artigos como: “O pintor Pancetti”, “O
Salão Nacional de Arte Moderna e as artes plásticas”, “Djanira no MAM”, “A cultura em Pernambuco:
apresentação”, “A gravura tcheco-eslovaca: a exposição na ENBA”, “Debates sobre o concretismo: o poema
113
Ferrez e outros. Os institutos históricos regionais e academias de letras também se destacam,
constituindo lugares primordiais para trocas intelectuais.
O próprio Sphan foi resultado e, ao mesmo tempo, berço do encontro de intelectuais.
Dentre os assíduos, 12 (75%) pertenceram ao quadro de funcionários do Serviço, pelo menos
em algum momento, ou foram contratados para ali atuarem
115
. Somente Alfredo Galvão,
Joaquim de Souza Leão Filho, Noronha Santos e Robert Smith não foram, em nenhum
momento, vinculados ao Sphan, apesar de terem contribuído com pesquisas sobre o
patrimônio.
Quanto à trajetória política, comum a muitos intelectuais do período, há raros casos:
um, de Artur César, e outro, de Cônego Raimundo Trindade. Ambos tiveram apenas uma
breve passagem pela política. Assim, para a maioria desses intelectuais, a dimensão política
de suas atuações era decorrente dos projetos culturais a que se vinculavam.
Era comum um intelectual debruçar-se principalmente sobre pesquisas referentes a seu
estado natal. Assim, o regionalismo se fazia presente, ainda que, como é amplamente
discutido, o Sphan visava criar um patrimônio nacional, por meio da união territorial
116
. Não
é à toa que o historiador Artur César, o autor mais assíduo, escreve sete artigos sobre a região
amazônica, pouco contemplada com tombamentos. Assim, esses artigos são os instrumentos
que preservam do esquecimento essa parte do Brasil. O mesmo, contudo, não pode ser dito
em relação aos demais autores. Praticamente todos os outros 15 concentraram suas produções
intelectuais sobre o patrimônio na região onde nasceram e/ou atuaram. Como visto, a
procedência deles era também a dos estados que mais tiveram monumentos tombados no
período: Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco. Assim, a memória dessas regiões era
mantida não só por meio dos tombamentos, mas também por meio das pesquisas e artigos
sobre esses locais. As exceções ficam por conta de D. Clemente, que, ao escrever sobre o
engenheiro Francisco de Frias de Mesquita, trata de grande parte do território nacional. O
mesmo pode-se dizer dos artigos da historiadora da arte Hanna Levy, até porque seus artigos
são de cunho teórico-metodológico e, por isso, não são regionalizados. A tese do arquiteto
visual ou de livre leitura”, “Artes gráficas e decorativas, escultura e arquitetura”, “Exposição de Brasília na IV
Bienal” etc.
115
Um único autor, Francisco Marques dos Santos, atuou também no Conselho Consultivo do Sphan.
116
Não cabe aqui discorrer sobre a complexa questão entre o nacional versus o regional – ponto crucial presente
nas discussões sobre o patrimônio cultural, sobretudo no âmbito do Sphan. Os próprios intelectuais do “grupo do
patrimônio” não encontravam um consenso para essa questão, porém os distintos pontos de vista conviviam
dentro do órgão. O estudo de Chuva (1998) é elucidativo nessa discussão no momento fundador do Sphan, uma
vez que a autora aborda como os tombamentos asseguravam a unidade nacional do projeto varguista.
114
Thedim Barreto, publicada no número 11 da Revista, também aborda as diversas regiões do
país, buscando os padrões nacionais, e, por esse motivo, não se enquadra nos regionalismos.
Por fim, podem-se mencionar os artigos de Robert Smith, que publicou documentação
transcrita de arquivos portugueses elucidativos para pesquisas sobre arte e arquitetura
brasileira.
As redes, explicitadas através da identificação de diversos lugares de sociabilidade,
também podem ser apreendidas pela correspondência. Ela também permite um rastreamento
das redes de relações que se estabeleceram em torno de Rodrigo M. F. de Andrade.
Mário de Andrade, assistente técnico do Sphan em São Paulo
117
, indica os nomes de
Nuto Sant’anna, Wasth Rodrigues, Afonso Taunay e Luís Saia para colaborar com as
atividades do Sphan (sem deixar claro se se refere também ao periódico), em carta endereçada
a Rodrigo
118
. Todos eles escreveram na Revista, vide Quadros 6 e 7.
As correspondências trocadas pelo mesmo Mário com Rodrigo indicam também a
preocupação do diretor e editor em localizar referências acerca dos possíveis colaboradores.
Exemplo disso está na resposta encaminhada por Mário a Rodrigo:
Nunca ouvi falar no tal Van Dyck, nem mim, nem ninguém. Tenho dado
pulos pra saber com quem está, nada, ninguém conhece, ninguém nunca
ouviu falar, ninguém não sabe nem que é o tal Redig Campos que escreveu o
artigo, aqui provavelmente não mora, pelo menos não tem telefone
119
.
Redig, de que trata a carta, provavelmente é Deoclécio Redig Campos
120
, que escreveu um
artigo publicado no número 3 da Revista. Assim, o que a fonte indica é que o editor buscava
informações a respeito de alguém que pretendia convidar para escrever no periódico, ou
simplesmente procurava seu contato. De qualquer modo, ressalta-se aí o papel que os
117
Mário de Andrade foi o primeiro assistente técnico da regional em São Paulo, posto que exerceu entre 1937 e
38. Nesse ano, quando também se afastou do Departamento de Cultura de São Paulo por desavenças políticas, o
poeta mudou-se para o Rio de Janeiro, onde continuou a colaborar com o Serviço. Em 1941, retornou à capital
paulista como funcionário da regional do Sphan, aí permanecendo até seu falecimento, em 1945.
118
Correspondência de Mário de Andrade a Rodrigo M. F. de Andrade, 06/04/1937. Coleção Personalidades,
Série Rodrigo M. F. de Andrade, Subsérie Correspondência Nominal, Caixa 07, Pasta 01. Arquivo Central do
Iphan.
119
Correspondência de Mário de Andrade a Rodrigo M. F. de Andrade, 27/09/1937. Coleção Personalidades,
Série Rodrigo M. F. de Andrade, Subsérie Correspondência Nominal, Caixa 07, Pasta 01. Arquivo Central do
Iphan.
120
Deoclécio Redig Campos (1905-1989), brasileiro nascido em Belém, ingressou no Museu do Vaticano, onde
fez carreira até sua aposentadoria em 1978. Lá, Redig foi conservador-chefe e diretor. Sua única obra lançada no
Brasil foi “Considerações sobre a Gênese da Renascença na Pintura Italiana”, editada pelo Ministério da
Educação e Cultura, em 1958. Disponível em http://www.italiaoggi.com.br/not04_0609/ital_not20090621c.htm
(Acesso em 26.07.2010)
115
intelectuais exerciam para possíveis intercâmbios e para a constituição e articulação de novos
laços.
Tais laços também são perceptíveis na correspondência trocada entre o diretor e David
James, crítico e historiador da arte norte-americano. Em carta para James, Rodrigo escreve:
Fiquei muito interessado pela notícia transmitida em sua carta a respeito do
estudo que a Doutora Liselotte Popelka está preparando sobre o pintor
Joseph Selleny, que acompanhou ao Brasil o Arquiduque Maximiliano. Logo
que me for possível procurarei corresponder-me com ela, a fim de apurar se
encontrará no museu em que trabalha documentação sobre o Brasil cujo
conhecimento nos interesse. Estou especialmente curioso pela vista
panorâmica do Rio, de 1857, que é a obra mais bela do artista, em sua
opinião
121
.
A rede de intelectuais do patrimônio constituía assim uma forma de se obter acesso a outros
pesquisadores, a documentos, a acervos etc. E, quando o caso, publicar esse conhecimento em
periódico.
Retomando a correspondência de Mário a Rodrigo, observa-se a amizade do poeta
com Paulo Duarte, que, em 1935, empreendera em São Paulo uma campanha “Contra o
Vandalismo e o Extermínio”
122
e que também ajudou Mário em suas atividades para o
Serviço.
Ao narrar para o diretor as viagens realizadas ao interior do estado a fim de pesquisar
monumentos a ser tombados, Mário de Andrade enfatiza a ajuda que o então prefeito de São
Paulo, Fábio Prado, estava prestando às atividades do Sphan:
Pra estas viagens dum dia pelos municípios vizinhos, o Fabio Prado
espontaneamente cedeu automóvel municipal. Cá entre nós: o prefeito Fábio
Prado tem procedido com tanta generosidade com o Capanema que estou
bastante assombrado...
123
.
Ora, esse favor provavelmente era realizado por intermédio do próprio Paulo Duarte, que
chegou a trabalhar no gabinete com o prefeito citado.
Esse tipo de vínculo, que permeia os âmbitos público e privado, permitia assim
acessos, facilitava trânsitos e serviços. São muitos os casos: Hanna Levy chegou a Rodrigo
121
Correspondência de Rodrigo M. F. de Andrade a David James, 15/07/1963. Coleção Personalidades, Série
Rodrigo M. F. de Andrade, Subsérie Correspondência Nominal, Caixa 08, Pasta 04. Arquivo Central do Iphan.
122
Duarte empreendeu tal campanha no Estado de S. Paulo e, alguns anos depois, foi publicado em livro
homônimo pelo Departamento de Cultura de São Paulo, conforme indica Veloso (1992).
123
Correspondência de Mário de Andrade a Rodrigo M. F. de Andrade, 12/06/1937. Coleção Personalidades,
Série Rodrigo M. F. de Andrade, Subsérie Correspondência Nominal, Caixa 07, Pasta 01. Arquivo Central do
Iphan.
116
por intermédio de Aníbal Fernandes
124
, conforme Martins
125
; Paulo Thedim Barreto foi
convidado a atuar no Sphan, a partir da indicação de seu nome pelos clérigos do Mosteiro de
São Bento do Rio de Janeiro, após ter ali realizado criterioso estudo; Lúcio Costa foi chamado
por Capanema para dirigir a Escola Nacional de Belas Artes após sugestão de Rodrigo etc.
Outra forma de estabelecimento dessas redes dá-se pela leitura de artigo e, a partir
dele, da busca por seu autor. O modo como Rodrigo chegou a D. Clemente esclarece como
isso se dá: Capanema, ao ler o artigo de D. Clemente “Francisco Pereira Coutinho e seu
documento”
126
, pede apreciação de Rodrigo e, com o consentimento deste, comunica-se com
o abade da Ordem Beneditina. O ministro pede a ele que coloque D. Clemente à disposição do
Serviço, “com o encargo de fazer pesquisas históricas condizentes com o caráter do
Patrimônio Histórico”
127
.
Um caso semelhante a esse, mas que não diz respeito propriamente ao Sphan, refere-se
ao modo como Monteiro Lobato chega a Gilberto Freyre. Este último, quando ainda era
desconhecido (por volta de 1918), escrevia artigos para o Diário de Pernambuco. Lobato, à
época editor da Revista do Brasil, transcrevia tais artigos de Freyre, sem conhecê-lo. Lobato
só estabeleceu contato com Freyre a partir de Oliveira Lima, que estava na Universidade de
Colúmbia junto com Freyre. Desde então, Gilberto Freyre tornou-se efetivamente colaborador
da Revista do Brasil
128
.
Freyre, ao que tudo indica, foi uma figura-chave para a constituição de redes do
patrimônio, principalmente no Nordeste, longe da atuação do núcleo dos mineiros, paulistas e
fluminenses. Freyre, que foi autor de dois artigos da Revista e da obra inaugural da série
Publicações do Sphan, foi assistente técnico do órgão no Nordeste, atendendo os estados de
Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba, entre 1937 e 39. Sua colaboração junto
a vários periódicos
129
; seu trabalho de diretor da coleção Documentos brasileiros, pela
Livraria José Olympio Editora; e seu trânsito pelo país e pelo exterior, junto a universidades e
institutos, permitiu a articulação de uma série de intelectuais que mantinha ligações com
124
Aníbal Fernandes (1894-1962) foi um jornalista, professor e político pernambucano. Bacharelou-se pela
Faculdade de Direito do Recife, em 1915. Foi colaborador dos jornais Pernambuco e do Diário de Pernambuco,
e redator-chefe dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Era membro da Academia Pernambucana de
Letras e do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco.
125
Martins, Judith. Memória Oral. Rio de Janeiro: Sphan/Pró-Memória, 1987. (Memória Oral, 1).
126
Artigo publicado na Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, de 1937.
127
Silva Nigra, Clemente Maria da. Memória Oral. Rio de Janeiro: IBPC, 1991. (Memória Oral, 5).
128
Conforme Luca (1999).
129
Freyre escreveu para o jornal Diário de Pernambuco e para as revistas Revista do Brasil, Revista do Norte e
O Cruzeiro, para mencionar apenas algumas de suas colaborações.
117
Freyre, sendo que, alguns deles, colaboraram inclusive com o Sphan. Joaquim Cardoso, um
dos autores assíduos da Revista, colaborou no mesmo Diário de Pernambuco, onde Freyre
escrevia, além de ter participado do grupo da Esquina Lafaiete
130
, onde se encontravam
Freyre, Cardoso, Luiz Jardim e outros. É provável que outro colaborador assíduo, o também
pernambucano Joaquim de Souza Leão Filho, pertencesse às redes de Freyre e, por seu
intermédio, contribuiu com a revista. Desse modo, essas redes locais foram articuladas de tal
forma que foram adquirindo relevância nacional, uma vez que a produção simbólica desse
grupo a partir da publicação da Revista torna-se acessível em outras regiões do país e até fora
dele.
Outra figura-chave na imbricação das redes que compuseram o “grupo do patrimônio”
foi Carlos Drummond de Andrade. Este conhecia Capanema desde criança, pois estudaram na
mesma escola. Freqüentavam o Café Estrela, de Belo Horizonte, lugar de sociabilidade de
intelectuais como Abgar Renault, Pedro Nava, Emílio Moura, Milton Campos e outros. Desde
a década de 1920, Drummond colaborou na imprensa mineira. Auxiliava Capanema quando
este ingressou na carreira política em Minas Gerais e, quando ele se tornou ministro da
Educação e Saúde Pública, em 1934, Drummond passou a ser seu chefe de gabinete – cargo
que ocupou até 1945, quando Capanema deixou o ministério. A partir daí, o poeta mineiro
trabalhou no Sphan, a convite de Rodrigo Melo Franco, e foi chefe da seção de história, na
Divisão de Estudos e Tombamento, até sua aposentadoria, em 1962 – tendo sido o
responsável pela organização dos arquivos do órgão.
Sua correspondência, sob a guarda da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de
Janeiro, revela sua ligação com diversas redes de intelectuais. São encontrados: um convite a
Drummond para colaborar no Diário de São Paulo feito por Assis Chateaubriand; cartas entre
ele e Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Rodrigo M. F. de Andrade, Alceu Amoroso Lima,
Artur César Ferreira Reis e Lúcio Costa; texto em homenagem aos 80 anos do editor José
Olímpio etc.; todas fontes indicativas das redes articuladas pelo poeta.
Desse modo, pode-se dizer que esses autores e colaboradores do Sphan são
instauradores do discurso sobre o patrimônio, sendo regidos pelo editor e diretor Rodrigo M.
F. de Andrade e por outros intelectuais centrais, que constituíram redes de sociabilidade que
se interpenetraram no Sphan. Esses grupos fundam os discursos basilares sobre o patrimônio,
estabelecendo regras e padrões para os estudos e pesquisas posteriores e imprimindo um
130
Denominação dada ao Café Continental, de Recife, onde se reuniam membros do movimento modernista
118
padrão de rigor científico e de autoridade sobre o campo. Esses discursos são, nesse sentido,
normativos sobre o que é e como deve ser abordado o patrimônio. Trabalham com algumas
temáticas privilegiadas – a História da Arte, a Arquitetura, a Documentação e a História –,
embora sem especializações definitivas, uma vez que o campo estava se constituindo.
Como se viu, a maioria desses autores-assíduos eram funcionários do Sphan e, assim,
próximos de Rodrigo. Quando ele não conhecia seus colaboradores de longa data, as relações
estabelecidas por Rodrigo com a rede de intelectualidade com que se articulava permitiam
indicações de amigos. Com isso, o grupo responsável por estabelecer e criar um discurso
legítimo sobre o patrimônio ia se constituindo. A Revista do Patrimônio, a “menina dos
olhos” de Rodrigo, constrói-se, portanto, como um dos lugares de sociabilidade do “grupo do
patrimônio” e seus afins.
pernambucano.
119
Capítulo 4: Edição e Intelectuais: os temas do patrimônio na Revista
A escolha da seqüência de artigos e autores é um dado fundamental para se
compreender um periódico como a Revista do Patrimônio. Função do editor, a organização
dada a uma publicação é intencional, e freqüentemente induz a uma “leitura autorizada”,
construindo sentidos pela articulação das partes. Assim, os textos são posicionados a partir de
critérios que, mesmo sendo às vezes arbitrários, devem ser considerados para se compreender
as intenções do seu autor/editor. Há múltiplas possibilidades para se organizar um periódico
ou uma coetânea de textos. Pode-se, por exemplo, partir de escopos amplos, mais gerais, e
seguir para um afunilamento de questões mais específicas e particulares. Pode-se também
iniciar um periódico com o artigo considerado mais importante para seu editor e/ou finalizar
com o menos relevante. O texto de abertura pode ser também apenas uma introdução à
discussão que seguirá adiante pelos demais artigos. Em outros casos, o artigo que encerra um
conjunto pode ser o mais esperado pelos leitores e o editor pode, antevendo isso, deixá-lo para
“fechar com chave de ouro”. Os textos podem ainda ser divididos em partes, separando-se
artigos que versam sobre um determinado tema ou abordagem – entre muitos outros casos,
que podem inclusive combinar-se entre si, e que extrapolam qualquer tentativa de redução.
A edição consiste justamente em dar sentido ao conjunto dos artigos reunidos em um
mesmo suporte material, hierarquizando-os, e só uma análise acurada de cada volume permite
se compreender quais concepções permearam sua construção, ou seja, sua organização. O
presente capítulo visa proceder a esse estudo mais aprofundado dos 15 números ora
analisados da Revista do Patrimônio.
Além das outras funções já mencionadas ao longo deste trabalho, um editor prefacia e
apresenta os autores. No periódico estudado, não há prefácios ou notas preliminares que
apresentem os autores, também não havendo outras palavras por parte da redação com tal
intuito. A exceção é o número 1 da Revista, que apresenta seu Programa, de autoria de
Rodrigo M. F. de Andrade. Desse modo, pode-se afirmar que os autores, funcionários do
Sphan ou intelectuais consagrados, dispensavam tal tipo de apresentação – o que reforça a
idéia de que se trata de uma revista de “alta cultura”, cujo público seriam seus pares, também
intelectuais e estudiosos do assunto e, por isso, já eram conhecidos.
120
Esses autores escreveram sobre História da Arte, Arquitetura, Documentação, História,
Etnografia, Acervos e Coleções e Arqueologia, conforme já abordado anteriormente. Cabe
agora analisar a hierarquia desses temas e sua importância para a constituição do campo do
patrimônio
131
. Para tanto, observa-se primeiramente qual a assiduidade desses temas ao longo
dos 15 números analisados, como mostra a Quadro 6.
Quadro 9 - Presença dos temas ao longo dos 15 números da Revista do Patrimônio
Número da Revista
Temas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
História da Arte
X X X X X X X X X X X X X
Arquitetura
X X X X X X X X X X X X X X X
Documentação
X X X X X X X X X X X X X X X
História
X X X X X X X X X X X X X
Etnografia
X X X X X
Arqueologia
X X X
Acervos e Coleções
X X
Os dados apresentados, que desconsideram os números absolutos do conjunto das
revistas e mesmo de cada número da mesma, evidenciam que os temas que comparecem
constantemente na Revista do Patrimônio são também os que mais comparecem no total.
História da Arte, embora seja a temática de 27% do total de artigos de 15 números, não está
presente em todos os volumes da coleção em questão. Arquitetura, que representa 26% dos
150 artigos estudados, e Documentação, que representa 20%, são os dois temas que
comparecem em todos os 15 números – podendo, assim, ser considerados de grande
relevância para o tratamento das questões pertinentes ao patrimônio. História, que soma 18%
dos artigos da Revista, também comparece de forma bastante regular ao longo da coleção do
periódico, estando em 13 dos 15 números. Esse tema só não foi abordado nos números 10 e
12 da Revista, volumes que contaram com poucos artigos (menos de cinco), que se
concentraram em outros temas mais presentes no periódico.
Como é de se esperar, os temas residuais, que no total contam com poucos artigos
publicados, são também os que aparecem de modo mais esparso. O dado relevante da
131
Conforme Bourdieu (1974, 1989), como já discorrido no Capítulo 3.
121
inconstância desses temas na Revista do Patrimônio refere-se a sua concentração nos
primeiros números do periódico. Observa-se que, até o número três, praticamente todos os
temas estão presentes, ou seja, as revistas iniciais apresentam toda a gama de possibilidade de
temas relativos ao campo do patrimônio. Isso se dá de modo mais efetivo no primeiro número
da Revista, justamente o volume que apresenta a série que se inaugura e o campo intelectual
do trabalho que começa a se constituir. Assim, nesse número inaugural, todos os temas
comparecem. O número dois só não conta com textos sobre Arqueologia, e o número três não
apresenta contribuições relativas à Etnografia e a Acervos e Coleções.
Se os temas Acervos e Coleções, que contam com apenas quatro artigos dentre 150, só
aparecem nos dois primeiros números, Etnografia, cujos textos somam sete, está presente em
cinco volumes do periódico, espaçados irregularmente, porém, sem se concentrar no período
inicial da Revista do Patrimônio. Isso é o que ocorre também com o tema Arqueologia, além
de Acervos e Coleções, já mencionado.
Cabe aqui uma breve incursão sobre o tema do folclore, que, ao longo de todo o
período em que Rodrigo esteve à frente do Sphan, tornou-se alvo de interesse de diversos
intelectuais e pesquisadores, muitos dos quais pertencentes às redes de relações de Rodrigo –
o melhor exemplo é Mário de Andrade. Como se pode verificar, essa temática permaneceu, de
algum modo e por alguma razão, não contemplada pelas publicações oficiais do patrimônio.
Alguns autores da Revista e das Publicações, contudo, estudavam o tema. Porém, não
contribuíram com nenhum texto sobre o assunto, provavelmente porque não houve demanda
para tanto no âmbito do Sphan. Dentre esses, pode-se citar o próprio Mário de Andrade, cuja
contribuição para o assunto já foi amplamente tratada por outros pesquisadores. Além dele,
destacam-se João da Silva Campos, autor da Publicações número 7, “Fortificações da Bahia”
(1940), e identificado na própria obra como um “estudioso de folk-lore”. Dessa forma, são
citados do mesmo autor os títulos: “Contos e fábulas populares da Bahia”, “Tradições
baianas”, “A voz dos campanários baianos” e “Procissões tradicionais na Bahia”. Além dele,
surge o nome de Antônio Lopes, autor da obra “Alcântara – subsídios para a história da
cidade” (1957) da mesma série do Serviço. Lopes, um dos idealizadores do Instituto Histórico
e Geográfico do Maranhão (criado em 1925) e fundador da Comissão Maranhense de
122
Folclore, em 1948, também era estudioso do tema, porém sem escrever sobre esse assunto nas
linhas editorias do Sphan
132
.
Ainda sobre o folclore e Mário de Andrade, observa-se a troca de correspondência
entre o editor da Revista e o poeta, em junho de 1937, quando o primeiro número do periódico
estava sendo elaborado – momento esse em que o Sphan funcionava ainda em caráter
experimental. Mário escreve a Rodrigo:
O Paulo Duarte escreverá esta semana o primeiro artigo. Eu me recusei por
falta absoluta de tempo. Farei o da próxima semana (...), e será de
propaganda, pouca técnica. É impossível, humanamente impossível fazer
coisa boa pra Revista de vocês. (...) Quanto ao Luís Saia, talvez seja possível
algum trabalho dele. Mas faltam ainda fotos, desenhos etc. etc. (...) se você
nos desse ao menos até dia 30 deste, veja se dá, e escreva. E folclore?
pode entrar na revista?
133
A resposta de Rodrigo a essa carta de Mário fornece uma pista que pode esclarecer a ausência
do folclore não só na Revista como também nas demais atividades do Serviço. Vale examinar:
A propósito do folk-lore, desconfio de que não haverá por enquanto lugar
para ele na Revista, atendendo-se às atribuições atuais do Serviço.
Entretanto, assim que for promulgada a lei nova (…), penso que deveremos
introduzi-lo, compreendido no conceito de arte popular
, você não acha?
134
.
A “lei nova” de que fala Rodrigo provavelmente é o Decreto-Lei n
o
25, de 30 de
novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional
135
.
Assim, o que o trecho da carta mostra é que Rodrigo planejava introduzir a questão para uma
reflexão posterior. Isso deveria ocorrer somente na medida em que o folclore fosse uma
atribuição do Serviço e após a promulgação da lei que o regulamentava. Ocorre que o
mencionado decreto sequer menciona o folclore, o que certamente fez com que ele passasse
ao largo da Revista, só comparecendo nela contemporaneamente.
Quando era funcionário do Sphan, Mário de Andrade, contudo, escrevia sobre o
assunto e, ao que indica a correspondência abaixo, com aval de Rodrigo:
132
Sua obra só foi publicada postumamente, com textos reunidos em “Presença do romanceiro: versões
maranhenses” (1967), organizados por Bráulio do Nascimento.
133
Correspondência de Mário de Andrade a Rodrigo M. F. de Andrade, 07/06/1937. Coleção Personalidades,
Série Rodrigo M. F. de Andrade, Subsérie Correspondência Nominal, Caixa 07, Pasta 01. Arquivo Central do
Iphan.
134
Correspondência de Rodrigo M. F. de Andrade a Mário de Andrade, 11/06/1937. Série Arquivo Técnico-
Administrativo, Subsérie Atas, Relatório, Atividade do Iphan (1936-1937), Caixa 01, Pasta 03. Arquivo Central
do Iphan.
135
Conforme a literatura sobre o assunto, o Decreto-Lei n
o
25 mudou substancialmente o anteprojeto elaborado
por Mário de Andrade. O anteprojeto é entendido como um ensaio que buscava estabelecer bases para uma
“política de preservação” capaz de abarcar toda a diversidade e pluralidade possíveis, contudo, sem “eficácia
123
De acordo com vossa anuência ao pedido do Dr. Rubens Borba de Moraes,
diretor da Biblioteca Municipal de S. Paulo, que está agora organizando o
Handbook of Brazilian Studies, pretendo dedicar minhas horas de trabalho a
escrever um ensaio sobre a situação atual dos estudos de Folclore no Brasil.
Este ensaio servirá de introdução à seção de bibliografia de Folclore
Brasileiro, do Handbook referido
136
.
Assim, o diretor do Serviço não desencorajava nem impedia que Mário se dedicasse ao
assunto, porém, o que se nota é que a questão jurídica era o critério adotado por Rodrigo para
não tratar do tema no âmbito do Sphan.
A questão jurídica parece ter permeado também um outro tema, além do folclore: o de
arqueologia. Ele aparece pouco no periódico, restringindo-se aos primeiros números. Heloísa
Alberto Torres e Raimundo Lopes, entre outros, explicaram os problemas que permeiam a
preservação dos bens arqueológicos e deram sugestões práticas em seus artigos sobre o
assunto. Porém, não havia instrumentos jurídicos adequados para a garantia de sua
preservação
137
. O mesmo ocorria com os bens etnográficos. Assim, a produção editorial do
Sphan procura estimular medidas para sua preservação por meio do conhecimento desse
patrimônio, que ainda não era adequadamente protegido pelas leis. A sua divulgação era
essencial, mas, sozinha, explica um investimento menor, o que se reflete em um número
reduzido de artigos na Revista.
Retomemos as observações sobre a presença e assiduidade desses sete temas ao longo
dos 15 números estudados. Algumas considerações podem ser traçadas quanto ao desenho do
periódico através do tempo. Um primeiro momento pode ser delimitado pelos três números
iniciais, ou podendo ser estendido até o nono volume (último número em que há grande
quantidade de artigos), caracterizando-se por uma grande variedade de temas, ainda que eles
se alternem e não estejam presentes em todos os números. Essa distribuição talvez possa ser
explicada pela necessidade de definição do que se considerava patrimônio e de como ele
devia ser abordado: definido, entendido, praticado. Esses volumes, portanto, delimitam um
campo do patrimônio, apresentando-o ao público-leitor e lhe apontando a diversidade dos
objetos patrimonializáveis. Já em um segundo momento, a partir do número dez (quando há
jurídica”. Sua proposta, porém, foi basilar para as ações desenvolvidas por Rodrigo à frente do órgão,
incorporando várias de suas idéias.
136
Correspondência de Mário de Andrade a Rodrigo M. F. de Andrade, 02/10/1942. Coleção Personalidades,
Série Rodrigo M. F. de Andrade, Subsérie Correspondência Nominal, Caixa 07, Pasta 01. Arquivo Central do
Iphan.
137
No caso específico da Arqueologia, ver Coeli, 2007.
124
uma considerável redução de artigos por volume), os temas restringem-se aos quatro que
serão mais numerosos: História da Arte, Arquitetura, Documentação e História. Ocorre assim
uma concentração dos temas autorizados para se abordar o campo do patrimônio, havendo
também uma demarcação dos objetos que o compõem.
Para se compreender mais a fundo como se dá essa construção do campo por meio do
periódico em questão, cabe analisá-lo pormenorizadamente, sobretudo no que se refere à
posição dos artigos em um dado volume, e quais os sentidos construídos pelo conjunto que
compõe cada número, com especial atenção no número inaugural.
4.1 Apresentando o campo do patrimônio: uma visão panorâmica
O primeiro número da Revista apresenta todos os sete temas que aparecem nesses 15
volumes ora estudados. O artigo que abre esse volume debruça-se sobre História e é de
autoria do historiador e distinto diretor do Museu Paulista, Afonso d'Escragnolle Taunay, que,
inclusive colaborou somente essa vez com a Revista. O texto, “O Forte de São Tiago de
Bertioga”, versa sobre o “único vestígio quinhentista” de São Paulo, discutindo-se, por isso,
sua importância para a região. Vale mencionar que o “eminente autor” escreve que “é preciso
a todo o transe conservar” o que restou dessa fortaleza, buscando convencer o leitor da
necessidade de sua preservação, o que de fato ocorreu com seu tombamento tanto no Livro do
Tombo das Belas Artes como no Livro Histórico, em 1940.
A antropóloga do Museu Nacional Heloísa Alberto Torres
138
é a autora do segundo
artigo desse volume da Revista do Patrimônio, intitulado “Contribuição para o estudo da
proteção ao material arqueológico e etnográfico no Brasil”. Esse texto foi classificado no
tema Arqueologia, mas sua abordagem vincula-se também a alguns aspectos da Etnografia e
da temática de Acervos e Coleções. Nele, Torres traz sugestões para a proteção dos bens
arqueológicos e etnográficos, e apresenta uma listagem de museus e coleções públicos e
privados, com o intuito de destruir a falsa idéia muito propalada, de que no país não havia
138
Heloísa Alberto Torres (1895-1977) ingressou no Museu Nacional como auxiliar de Roquette Pinto em 1918.
Entre 1926 e 31 chefiou a seção de Antropologia e Etnografia. Foi vice-diretora da casa entre 1935 e 37 e
diretora entre 1938 e 55. Teve uma trajetória relevante nos campos da antropologia, arqueologia e etnografia.
Participou do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil, do Conselho Nacional
de Proteção ao Índio, do Conselho Internacional de Museus e do Conselho Federal de Cultura. Foi interlocutora
de Rodrigo Melo Franco de Andrade quanto à organização do Sphan, tendo travado embates com Mário de
Andrade acerca das funções do Museu Nacional com a criação do Serviço.
125
interesse por tais objetos. A autora discorre também sobre a proteção aos “produtos de arte de
populações atuais, indígenas ou neo-brasileiras” e explica que a expressão “produtos de arte”
refere-se a “manifestações da indústria humana, originais e peculiares a certos grupos e
documentando aspectos do seu patrimônio material ou espiritual de cultura”. Torres
complementa sua reflexão, afirmando que a proteção a essa arte “implicaria necessariamente
em proteção às próprias populações”. Colocava-se assim em discussão, já naquela época,
alguns elementos de políticas de proteção aos bens arqueológicos e etnográficos que só se
efetivaram posteriormente no órgão
139
, ainda que de maneira preliminar. Nesse momento,
contudo, o conhecimento era uma forma de se preservar do esquecimento tais bens
140
.
O texto de Lúcio Costa, “Documentação necessária”, apresenta-se como o terceiro do
número inaugural do periódico, e versa sobre Arquitetura. Tal texto tornou-se referencial, pois
é aí que seu autor defende a idéia de que a evolução da arquitetura tradicional luso-brasileira
desemboca na arquitetura moderna – na qual Costa exerce papel fundador. O já consagrado
sociólogo Gilberto Freyre, que teve dois artigos publicados na Revista e uma obra editada na
série Publicações do Sphan, escreve, a seguir, as “Sugestões para o estudo da arte brasileira
em relação com a de Portugal e das Colônias”, sobre História da Arte (embora apresente um
caráter sociológico). Em seguida, sem qualquer nota explicativa ou assinatura, a revista exibe
uma documentação fotográfica, “Mobiliário nacional”, que também se enquadra no tema de
História da Arte.
O historiador da arte Francisco Marques dos Santos também escreve sobre História da
Arte, sendo seguido por Roquette Pinto, do Museu Nacional, que trata de Etnografia no artigo
“Estilização”. Apesar de este texto abordar aspectos estéticos e artísticos, ele não foi
classificado em história da arte, pois tanto o discurso como a linguagem empregada vinculam-
se à área antropológica.
139
No caso da arqueologia, com a Lei n
o
3.924, de 1961, que dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-
históricos, e no caso do chamado patrimônio imaterial, com o Decreto n
o
3.551, de 2000, que institui o registro
dessa categoria de bens culturais.
140
A Revista do Patrimônio publicou outros trabalhos em que a divulgação era o único meio de preservação,
além daqueles referentes aos bens arqueológicos e etnográficos, para os quais ainda não havia instrumentos de
proteção adequados. Trata-se, por exemplo, do artigo de Ivo Porto de Menezes, “O palácio dos governadores de
Cachoeira do Campo”, publicado no número 15 do periódico. Nele, seu autor faz uma leitura dos documentos
acerca de um monumento já desaparecido, o palácio de que fala o título. Menezes declara: “Por todos os
motivos, pelos artistas participantes como pela obra realizada, muito temos a lamentar a perda de edifício tão
principesco, só nos restando o consolo da visão do palácio, através dos documentos valiosos que mão carinhosa
de historiador recolheu ao Arquivo Público Mineiro”. Outro exemplo semelhante é o artigo de Alfredo Galvão,
“Obras no antigo edifício da Academia Imperial de Belas Artes”, também no número 15, que investiga a fachada
do conjunto arquitetônico mencionado e que foi a única parte que restou conservada do antigo edifício, que fora
demolido.
126
O arquiteto Paulo Thedim Barreto segue falando de arquitetura, porém, utilizando-se
de farta documentação, que é transcrita em seu artigo para estudos posteriores e também com
o caráter de comprovação e de rigor científico, tão caros a Rodrigo. Esse tipo de artigo – que
versa sobre arquitetura ou história da arte, por exemplo – e que faz amplo uso de documentos
tornar-se-ia um padrão ao longo dos 15 números. Desse modo, este texto de Barreto inaugura,
já no primeiro volume da Revista, uma forma de se abordar os estudos que tratam do campo
do patrimônio.
O professor Raimundo Lopes, também do Museu Nacional, escreve “A natureza e os
monumentos culturais”, ora classificado como Etnografia, embora seu artigo seja de difícil
delimitação de tema. O autor trata da integração da arte com a natureza, afirmando-se que
“Protege-se a natureza para o bem da cultura”, o que introduz uma discussão, hoje muito
atual, de patrimônio socioambiental.
Inicia-se a seguir uma seção, raridade na Revista do Patrimônio: “Alguns monumentos
de arquitetura religiosa no Brasil”, cuja autoria pode ser atribuída a Rodrigo, embora não haja
assinatura. O texto inicia-se com a afirmação de que “a maior parte dos monumentos
arquitetônicos nacionais é de caráter religioso”, atribuindo assim mais valor a esse tipo de
monumento em detrimento das obras de arquitetura civil. Com tal “abertura”, justificam-se
então os textos seguintes, sobre igrejas e capelas da Bahia, de Pernambuco, São Paulo e
Minas Gerais. O primeiro deles, sem autoria, é uma documentação fotográfica sobre o antigo
colégio dos jesuítas de São Pedro da Aldeia (RJ), de onde é extraída a imagem da capa desse
número do periódico. Seguem-no artigos de Godofredo Filho, Aníbal Fernandes, Mário de
Andrade, Nuto Sant'Ana, Noronha Santos e Epaminondas de Macedo – todos eles
funcionários do Sphan ou do Departamento de Cultura de São Paulo – escrevendo também
sobre Arquitetura. A exceção, entre esses textos sobre igrejas e capelas, é o “Manuel
Francisco Lisboa foi o autor da Planta da Igreja do Carmo de Ouro Preto”, não assinado, e que
apresenta um fac-símile e a transcrição do documento que comprova a afirmação do título,
enquadrando-se assim em Documentação.
A seção intitulada “Notas”, todas sem autoria, encerra o número inaugural da Revista.
A primeira nota versa sobre História e apresenta Louis Vauthier, cujo diário e cartas aparecem
publicados nas duas séries editoriais do Sphan nos anos seguintes
141
. As outras três notas
141
“Louis Vauthier e o seu diário inédito de uma viagem ao Brasil” (número 1 da Revista); “Diário íntimo do
engenheiro Vauthier, 1840-1846” (Publicações do Sphan, n. 4) e “Casas de residência no Brasil” (número 7 da
Revista).
127
classificam-se em Acervos e Coleções, tratando da constituição dos acervos de três museus: o
Museu Regional de Olinda, o Museu Mariano Procópio, de Juiz de Fora, e o Museu Coronel
David Carneiro, em Curitiba.
Com isso, o diretor e editor Rodrigo apresenta uma variedade de possibilidades de
objetos patrimonializáveis: fortalezas, igrejas, sítios arqueológicos, sambaquis, o meio
ambiente e paisagem, cerâmicas, artes indígenas, mobiliário, gravuras, casas de fazenda,
museus e seus acervos e coleções, dentre outros. O editor aponta também para a contribuição
que as diferentes disciplinas científicas podem fornecer ao campo do patrimônio (história,
história da arte, arquitetura, antropologia e arqueologia) – tendência esta mantida, ao menos,
nos dois números seguintes da Revista do Patrimônio. Cabe ressaltar as duas seções – únicas
ao longo de todo o conjunto estudado. Uma sobre arquitetura religiosa, apresentada como de
grande destaque dentre os monumentos arquitetônicos nacionais, concentrando os artigos
desse número referentes a essa questão – com exceção do artigo de Lúcio Costa que, embora
trate disso, aborda-o de modo mais teórico. E outra seção sobre Acervos e Coleções, todos
sem assinatura, e apresentando os objetos que constituem alguns museus – sem maiores
reflexões teóricas. Assim, neste caso, essas “Notas” provavelmente ficaram no final do
número por se ressentirem de conteúdos teóricos ou de discussões mais aprofundadas.
Destaca-se nesse primeiro número da Revista a participação de duas instituições
culturais, por meio de seus pesquisadores: o Museu Nacional (ao qual se vinculam Heloísa
Alberto Torres, Roquette Pinto e Raimundo Lópes) e o Departamento de Cultura de São Paulo
(do qual fazem parte Mário de Andrade e o historiador Nuto Sant'Anna). A contribuição do
Departamento nas ações do Sphan foi bastante debatida, sobretudo nas últimas décadas,
quando Mário de Andrade, seu diretor, passou a ser freqüentemente mencionado nas
discussões sobre patrimônio. Já o caso do Museu Nacional, embora tenha sido fundamental na
organização do Serviço, talvez ainda não tenha sido devidamente explorado. O que se nota
nos artigos escritos por seus pesquisadores – que, contudo, não comparecem no restante da
coleção estudada – são questões que, muito sintomaticamente, não seriam trabalhadas nessa
fase de fundação do Serviço. Há muito interesse nos bens arqueológicos, etnográficos, nas
paisagens naturais e meio ambiente.
Um outro aspecto de destaque, que vai ao encontro dessa participação privilegiada dos
pesquisadores do órgão, está presente nas palavras de Raimundo Lópes. Este, ao introduzir
seu artigo, diz que sua colaboração na Revista, ao lado de Torres, confirma que o Museu
128
Nacional segue “sua tradição de contribuir para todas as iniciativas que têm renovado a vida
cultural do Brasil”. Finalmente, cabe ainda enfatizar a presença nesse mesmo número de
Heloísa Alberto Torres e de Mário de Andrade, que travaram embate quanto aos rumos do
Museu Nacional com a organização do Sphan. Ao colocar os dois intelectuais na mesma
Revista, Rodrigo dialoga com ambos, que tratam de questões bastante diferentes e sem tocar
no objeto de sua contenda.
Os números 2 e 3 da Revista, conforme já mencionado, apresentam grande variedade
de temas, com ausência somente de Arqueologia, no segundo número, e de Etnografia e
Acervos e Coleções no terceiro. O artigo que abre o número 2 é o quarto que a revista publica
sobre Acervos e Coleções. Ele apresenta a constituição do acervo do Museu Emílio Goeldi,
no Pará, por seu diretor Carlos Estevão. Seguem-no artigos de História, Etnografia e
Documentação, com predomínio numérico de textos sobre História da Arte e Arquitetura,
sendo que o artigo que fecha o número é de autoria do próprio Rodrigo e se intitula
“Contribuição para o estudo da obra de Aleijadinho”. Com largo uso de documentação, o
próprio editor da revista a encerra, comprovando a autoria de Aleijadinho em várias obras.
Mais uma vez, evidencia-se a força da documentação no patrimônio, padrão observado em
todos os números estudados da publicação.
O número 3, tal como o anterior, também se abre com texto de Carlos Estevão,
tratando da cerâmica de Santarém – tema este que se enquadra em Arqueologia, embora
apresente muitos caracteres etnográficos. Nesse texto, o autor afirma que, o que se pretende
fazer, é um “ligeiro ensaio sobre a cerâmica de Santarém, com o qual visamos auxiliar o
Sphan na proteção da mesma”. No fim, Estevão clama que o Sphan proteja um determinado
local onde foram encontradas peças de cerâmica: “Seria, pois, conveniente que o Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional verificasse se o 'achadoro' que indicamos pode ser
transformado em monumento”. Os demais artigos versam sobre História da Arte (somando
seis), Documentação (incluindo notas bibliográficas sobre pintores do Rio de Janeiro, em
artigo de Nair Batista), História e Arquitetura. Este último tema só comparece em dois artigos,
e entre os últimos do número: um de autoria de José de Sousa Reis, sobre o adro do Santuário
de Congonhas, e o outro de Luiz Saia, sobre o alpendre nas capelas brasileiras, reforçando a
visibilidade e importância da arquitetura religiosa.
O que se nota pela análise é que a partir do número quatro, o periódico passa a abordar
temáticas bem menos variadas, apesar de ainda deixar espaço para eventuais colaborações
129
sobre Etnografia e Arqueologia – temas que praticamente desaparecem nos últimos números
da revista.
História é o tema dos dois artigos que abrem o quarto número da Revista. O primeiro é
de Noronha Santos e aborda a história da cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente do
Aqueduto da Carioca. O segundo é de Alberto Lamego e aborda a história dos sete povos das
Missões, no Rio Grande do Sul. Ambos fazem extenso uso de fontes – uma marca que vai se
consolidando ao longo dos números do periódico. Os dez artigos que se seguem têm a
seguinte distribuição: História da Arte (6), Arquitetura (2) e Documentação (2), sendo que o
artigo que fecha a Revista versa sobre a história de Recife, com texto de Joaquim Cardoso.
O número cinco ratifica o perfil anterior, seguindo um caminho de restrição ao número
de temas e diversidade de objetos patrimonializáveis por volume. O artigo seminal de Lúcio
Costa, “Arquitetura jesuítica no Brasil”, o terceiro que escreve para a Revista, abre o volume,
que não apresenta mais nenhum texto sobre o tema. Sérgio Buarque de Holanda, consagrado à
época, é o autor do texto seguinte, sobre História: “Capelas antigas de São Paulo”. Os demais
textos alternam-se entre Documentação e História da Arte
142
, com exceção do artigo de
Gastão Cruls
143
, sobre Etnografia: “Decoração das malocas indígenas”.
O número seguinte é introduzido por relevante contribuição de Hanna Levy, sobre
História da Arte. Manuel Bandeira segue-a, escrevendo sobre História, em que se homenageia
o recém-falecido D. Sebastião Leme (Cardeal Leme) por seu interesse na preservação do
patrimônio e pela relevante contribuição que deu ao Sphan, por intermédio de Alceu Amoroso
Lima. Os outros artigos publicados nesse volume versam sobre Arquitetura, História da Arte e
Documentação, contando-se com mais uma colaboração de Gastão Cruls, dessa vez referente
à Arqueologia. Nesse número, o que chama a atenção é a presença da região amazônica, foco
de três ensaios consecutivos na publicação, sobretudo se considerarmos que essa região não
era alvo do Serviço. São eles: “Roteiro histórico das fortificações do Amazonas”, de Arthur
César; “Arqueologia amazônica”, de Cruls; e “O Colégio de São Alexandre e a Igreja de São
Francisco Xavier do Belém do Grão do Pará”, de Serafim Leite.
142
O artigo “As avarias nas esculturas do período colonial de Minas Gerais”, de E. Orosco (Instituto Nacional de
Tecnologia do Rio de Janeiro), discute questões bastante específicas acerca de conservação e restauração de
esculturas. Por não se enquadrar adequadamente em nenhum dos outros temas aqui utilizados para classificação
dos artigos, esse texto foi considerado pertinente à História da Arte.
143
Cruls (1888-1959) foi um escritor carioca que foi o primeiro bibliotecário da Universidade do Distrito
Federal. Fundou o IHGRJ e escreveu diversos contos e romances, dentre eles “A Amazônia misteriosa”.
Também foi o editor proprietário da Editora Ariel.
130
O número sete é bastante restrito em relação às temáticas abordadas. Dos dez artigos
publicados, quatro versam sobre Arquitetura. Um deles, inclusive, é de autoria do sociólogo
Gilberto Freyre, que introduz o texto de Vauthier sobre as casas de residência no Brasil. Os
demais temas são os mesmos que mais aparecem nos 15 números da Revista: História da Arte
(tema do artigo de abertura do volume, de Carlos Ott), Documentação e História. No número
7 observa-se ainda uma delimitação geográfica bem determinada: Bahia, Pernambuco, Rio de
Janeiro e Minas Gerais – os estados onde a atuação do órgão se fez mais presente em termos
absolutos de tombamentos realizados no período (cf. Rubino e Chuva). Apenas o artigo do
autor mais assíduo, Ferreira Reis, trata de outro estado, o Pará.
O número seguinte é aberto com um artigo sobre História da Arte, também de Hanna
Levy, e se encerra com outro sobre o mesmo tema, de D. Clemente. Os outros textos versam
sobre Arquitetura, História, Documentação e Etnografia, sendo este último de autoria de Curt
Nimuendaju
144
, descrevendo a habitação dos Timbira.
O número nove conta com o predomínio de textos sobre Arquitetura, incluindo o
artigo que abre o volume, de D. Clemente. São cinco dentre os 11 desse volume, de autoria de
Robert Smith, Wasth Rodrigues, Mário Freire e Aluízio de Almeida. Três artigos versam
sobre Documentação e dois sobre História, sendo estes escritos por Salomão de Vasconcelos e
Mário F. França. Nenhum dos temas considerados aqui como marginais comparecem e
História da Arte, temática da maior parte dos artigos, aparece apenas uma vez, com
colaboração de Hanna Levy.
Os três números seguintes da Revista do Patrimônio (10, 11 e 12) apresentam poucos
artigos (apenas quatro ou cinco), demarcando uma inflexão na forma da publicação. O
número de páginas é mantido, o que significa que há redução dos artigos, porém com
extensão do espaço destinado a cada um deles. E a tendência observada nos últimos volumes
é confirmada nestes três números, que publicam artigos, já nesse momento, sobre os temas
mais abordados: Arquitetura, História da Arte, Documentação e História. No número 10, dos
quatro artigos publicados, três são sobre Arquitetura e apenas um é sobre Documentação. Este
último refere-se ao texto seminal de Gilberto Ferrez sobre a fotografia no Brasil, um tema, até
então pouquíssimo explorado no país, em que o autor traça um histórico da fotografia e dos
144
O alemão Curt Nimuendaju (1883-1945), sem formação acadêmica, chegou ao Brasil em 1903 e logo foi
conviver com os índios no Estado de São Paulo, passando a estudá-los e a reunir coleções etnográficas – mais
tarde adquiridas pelo Museu Nacional.
131
principais f
otógrafos e técnicas, apresentando rica documentação iconográfica, constituindo-
se até hoje uma referência no assunto.
O número 11 publicou colaborações justamente dos autores que se tornaram os mais
assíduos. Foram apenas quatro artigos: o primeiro é “Casa de Câmara e Cadeia”, tese de Paulo
Thedim Barreto, apresentada na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Brasil; em
seguida, Carlos Ott apresenta um texto sobre Documentação, “Noções sobre a procedência da
arte de pintura na província da Bahia (manuscrito da Biblioteca Nacional)”. Os dois artigos
seguintes, de Noronha Santos e de Ferreira Reis, tratam de História. São eles: “Vestígios de
Fortim Colonial no Engenho Novo” e “Guia Histórico dos Municípios do Pará”,
respectivamente. O volume 12 conta com cinco artigos, sendo o primeiro (e único desse
número) sobre Arquitetura. Também o compõem três artigos sobre Documentação (“Ourives
de Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX”, de Cônego Raimundo; “Como nasceu Ouro Preto
– sua formação cadastral”, de Salomão de Vasconcelos; “Livro do gasto da sacristia do
Mosteiro de São Bento de Olinda, 1756-1802”, de D. Bonifácio Jansen
145
) e um de História
da Arte (“Um pintor inglês no Brasil do Primeiro Reinado”, de David James).
O número 13 volta a publicar maior quantidade de artigos – oito neste caso. David
James, crítico e historiador da arte norte-americano que já compareceu no volume anterior, é
o autor do artigo que abre a Revista, sobre História da Arte, apresentando Rugendas. Em
seguida, o texto “Imagens e notas do Brasil”, de Rugendas, é publicado, enquadrado nessa
análise no tema Etnografia
146
. Os demais autores desse volume são os assíduos Carlos Ott,
que trabalha com a crítica às fontes históricas em um texto sobre História (apesar de o título
fazer crer que se aborda a arquitetura
147
), Raimundo Trindade, Alfredo Galvão, Joaquim de
145
A correspondência consultada mostra que eventualmente poderia haver uma certa disputa quanto a qual
periódico teria o prestígio de publicar um trabalho inédito. Exemplo disso está na carta do abade Bonifácio
Jansen, da Ordem dos Beneditinos, enviada a Rodrigo M. F. de Andrade, em 05/10/1951: “O Diretor da dita
Revista do Arquivo Público de Pernambuco queria publicar então o nosso livro ‘Gastos da Sacristia de 1761-
18..’. Respondi que entreguei a cópia a V. Excia., para ser publicada na Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Dr. Airton achava que podia ser publicada aqui. Respondi que se dirigisse à V. Excia., pois
não me julgo com direito de anuir tal pedido, que vai prejudicar as intenções da V. Excia.”. Como se vê, o
trabalho foi publicado na Revista do Patrimônio, sem haver indícios de que o mesmo tenha saído no outro
periódico. (Correspondência do abade Bonifácio Jansen a Rodrigo M. F. de Andrade, 05/10/1951. Coleção
Personalidades, Série Rodrigo M. F. de Andrade, Subsérie Coleção Temática, Caixa 10, Pasta 08. Arquivo
Central do Iphan.)
146
Como se trata de reprodução das imagens e notas de Rugendas que se colocam à disposição do público-leitor
para estudos posteriores, o artigo poderia ser classificado como Documentação. Porém, por apresentar forte
caráter etnográfico, foi mantida a classificação de Etnografia.
147
Carlos Ott, no artigo “O Forte de Santo Antônio da Barra”, critica J. Da Silva Campos, autor de
“Fortificações da Bahia” (1940) na série Publicações do Sphan, por este não ter tido “atitude crítica”, “abstendo-
se de distinguir entre a credibilidade atribuível a cronistas de orientação unilateral, e a que merecem documentos
132
Souza Leão e Arthur César Ferreira Reis – em textos sobre História da Arte, Arquitetura e
Documentação. Fecha esse número o artigo de Frei Venâncio Willeke, que se detém em
História.
O número 14 mantém a especialização das temáticas privilegiadas no campo do
patrimônio naquele momento e que se consolida ao longo dos 15 números. O primeiro artigo,
do historiador da arte português João Miguel dos Santos Simões, versa sobre História da Arte
e é, segundo se afirma no próprio texto, fruto de uma viagem de estudo ao Brasil da qual o
Sphan foi colaborador juntamente com a Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa. O restante
dos artigos desse número trata de Documentação, História e Arquitetura. Um dos textos de
História é de autoria de Sylvio de Vasconcellos, retomando assunto já abordado nas
Publicações do Sphan
148
.
O número 15, o último publicado durante a gestão de Rodrigo, apresenta seis artigos,
sendo que o tema História abre o volume, que conta somente com textos sobre as quatro
temáticas claramente mais numerosas. Alguns dos autores que colaboraram nesse número só
aparecem aí. São eles: José Antônio Gonçalves de Mello (autor do primeiro texto desse
volume), Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança
149
, Ivo Porto de Menezes
150
e
Anêmona Xavier de B. Ferrer
151
, que fecha o número, com artigo sobre Documentação.
absolutamente fidedignos, contendo ordens a engenheiros e mestres de obras para se executar determinado
empreendimento”. Ott ainda completa: “Por outro lado, não podemos deixar de reconhecer que nem sempre esse
último gênero de documentos faz jus à confiança, pois era freqüentíssimo dar-se ordem para a feitura de uma
obra, sem que essa obra fosse executada”. Partindo-se disso, Ott reflete em todo seu artigo sobre questões
pertinentes às fontes e a História – ainda que seja para esclarecer a autoria de uma obra arquitetônica.
148
O artigo ora publicado por Vasconcelos, “Formação urbana do arraial do Tejuco”, retoma a questão do
número 12 das Publicações, de autoria de Aires da Mata Machado Filho, cujo título foi “Arraial do Tijuco,
cidade Diamantina”, publicado no ano de 1944.
149
Carlos Tasso (1931-) é austríaco naturalizado brasileiro, membro de um dos ramos da família imperial
brasileira. Dedicou-se aos estudos em História do Brasil e pesquisou na Áustria e na Itália. Também teve artigos
publicados nos Anais do Museu Histórico Nacional.
150
Arquiteto e urbanista, Porto de Menezes trabalhou no Sphan em Ouro Preto e Mariana entre 1956 e 61, onde
restaurou monumentos e pesquisou em arquivos sobre a história da arte. Atuou também em órgãos de
preservação no âmbito municipal e estadual, além de ter dirigido arquivos. Foi ainda professor universitário em
Minas Gerais.
151
Ferrer, catalogadora do Arquivo Histórico Ultramarino, publicou diversos artigos sobre a documentação
proveniente do órgão em que atuava – a saber: “Relação de documentos referentes a construções, fortificações e
outras obras do Rio de Janeiro existentes no Arquivo Histórico Ultramarino em 1958” (1958); “Relação de
documentos relacionados no Catálogo sobre a História de São Paulo, existentes no Arquivo Histórico
Ultramarino de Lisboa” (1960, publicado pelo IHGB); e “Relação muito abreviada de documentos da capitania
do Rio de Janeiro” (1960).
133
4.2 A Revista como espaço de especialização no campo do patrimônio
Essa descrição, aliada a outros dados já apresentados, permite o esboço de algumas
considerações. Como visto, o único número dentre os 15 estudados que apresenta artigos
sobre as sete temáticas é o primeiro volume, embora o número 2 só não tenha contribuições
relativas à Arqueologia. A análise conjunta desses dois primeiros números apresenta a
possibilidade de se pensar o número 2 como uma continuidade do número 1. Isso porque o
primeiro volume se fecha com três notas sobre Acervos e Coleções e o segundo se abre com
outra nota sobre a mesma temática, que não aparece mais em nenhum momento da Revista no
período estudado. Essa possibilidade de articulação entre os dois primeiros números é
reforçada pela grande variedade de temáticas neles apresentadas. Em ambos, há destaque para
a Arquitetura, que somente nesses dois números perfaz um volume de 13 artigos. Assim, o
que se observa é a multiplicidade de questões colocadas nesses dois números inaugurais,
ainda presente no terceiro volume, apontando para os objetos que podem ser passíveis de
preservação e, portanto, de interesse do recém-organizado Serviço. O que chama a atenção
também é a diversidade de temas que abordam esses objetos patrimonializáveis, sem que haja
uma vinculação exclusiva com um único campo científico.
A posição dos artigos, como já tratado, é de fundamental relevo para se compreender
seu papel em um periódico. Os números iniciais da Revista do Patrimônio abrem cada volume
com artigos que versam sobre diferentes áreas do conhecimento: História, Acervos e Coleções
e Arqueologia, mencionando-se somente os três primeiros números. É interessante que os três
artigos de abertura desses números são de autoria de dois diretores de museus não vinculados
ao Sphan: no volume inaugural foi Afonso Taunay, do Museu Paulista, e nos dois números
seguintes, Carlos Estevão, do Museu Emílio Goeldi, e cujas contribuições para a publicação
esgotaram-se aí.
Nos números finais do período em questão, observa-se uma concentração das áreas do
conhecimento que, por muito tempo, dominaram o campo do patrimônio. Entre os números 5
e 14, o artigo de abertura concentra-se apenas em História da Arte e Arquitetura – os temas
mais recorrentes no periódico. Isso só se altera no número 15, introduzido pelo artigo
“Cristóvão Álvares – engenheiro em Pernambuco”, de José Antônio Gonçalves de Mello,
sobre História – tema bastante presente, porém com menor peso que os dois anteriores.
A predominância quantitativa de um dos temas em cada número também esclarece
alguns pontos da constituição do campo. História da Arte é o tema mais presente nos números
134
3, 4, 5, 6, 13 e 15, e
mbora apareça numericamente com destaque também nos números 1, 2, 7
e 12. Arquitetura é o tema mais presente nos números 1, 7, 9 e 10 da Revista, mas também
aparece bastante nos números 2, 6 e 11. Documentação aparece muito nos números 3, 5, 9,
10, 11, 12, 14 e 15, sendo que é o tema de destaque apenas em dois deles (no quinto e no
décimo - segundo). História é o tema mais presente apenas nos números 4 e 11. Dessa
distribuição, depreende-se que os temas mais freqüentes da Revista são também os que têm
mais destaque quantitativo em cada número da coleção estudada. Esses quatro temas que se
sobressaem adquirem maior destaque dentro dos números da Revista do Patrimônio à medida
que outros temas perdem espaço
152
, provavelmente como conseqüência de uma certa
especialização que o campo do patrimônio vai construindo nas primeiras décadas de atuação
do Sphan e que não era percebida nos primeiros momentos.
Outro aspecto que demarca a constituição dessa área é a fragilidade das fronteiras
disciplinares, observada tanto na dificuldade de se vincular os artigos publicados a apenas
uma área de saber específico, como na possibilidade dos autores escreverem sobre várias
áreas disciplinares para além de sua formação/atuação. Se se considerar somente os 16 autores
mais assíduos, que escrevem quase a metade dos artigos (45,3%) da Revista no período
considerado, o que se nota é que eles escreveram somente sobre quatro temáticas, obviamente
as que se tornaram, assim, mais recorrentes. Dentre os autores assíduos, nenhum escreveu
sobre Etnografia, Arqueologia ou Acervos e Coleções nesses 15 números. Eles, de forma
concentrada, escreveram 21 artigos sobre História da Arte, 19 sobre Documentação, 16 sobre
Arquitetura e 12 sobre História, o que corresponde a cerca de 45% dos artigos escritos sobre
cada um desses temas
153
.
Cabe então ressaltar mais a atuação desses autores assíduos e sobre o que escrevem.
Os historiadores Artur César Ferreira Reis, Cônego Raimundo Trindade, Noronha Santos e
Salomão de Vasconcelos – que são os mais assíduos entre os assíduos (com seis ou sete
artigos, totalizando 25 artigos), são autores de dez textos sobre Documentação, nove sobre
História, cinco sobre Arquitetura, havendo somente um sobre História da Arte. Nota-se,
assim, não só a relevância dos historiadores desde o início da atuação do Sphan – o que
152
É interessante observar o número 8 da Revista, que abre com um texto sobre História da Arte, mas conta com
uma igual distribuição dos temas: dois de cada um dos quatro mais freqüentes.
153
Os artigos de Arquitetura e História escritos pelos mais assíduos representam 44,4% do total de artigos sobre
Arquitetura e História nos 15 números da Revista do Patrimônio. Os de História da Arte escritos pelos assíduos
corresponde a 52,5% dos 40 artigos que versam sobre o tema em todo o período estudado. E os artigos de
Documentação escritos por eles representa 65,5% de tudo que aparece sobre o assunto na coleção em questão.
135
costuma ser minimizado – como também o peso da própria disciplina na constituição do
campo do patrimônio. Os historiadores escrevem sobre História, como é de se esperar, mas
não se restringem a ela, adentrando os temas de História da Arte, Arquitetura e
Documentação.
Aqui é preciso fazer uma breve digressão. O tema da Documentação, em muitos casos,
é indistinguível do tema História. Isto por que:
o entendimento da especificidade da pesquisa histórica predominante no
período estava relacionado ao trabalho minucioso nos arquivos, lugar onde
as fontes poderiam ser identificadas para se alcançar a verdade histórica
método que distinguiria 'o historiador do ficcionista ou do pesquisador
imaginoso' (Gomes, 1996:92).
Vale portanto lembrar que os artigos considerados como pertinentes à Documentação
referem-se a transcrições literais e publicações de documentos textuais e iconográficos
diversos, que podem ser ou não acompanhados de uma reflexão teórica por parte do seu autor.
Nesse sentido, importa registrar que o objetivo da publicação restringia-se a disponibilizar
aquelas fontes para o público-leitor, incitando-o a dar continuidade às pesquisas e deixando-o
livre para interpretar e fazer uso das mesmas. Isso fica claro nas palavras de Robert Smith, em
seu artigo “Códice de Frei Cristóvão de Lisboa” (número 5 da Revista): “Não foi minha
intenção estudá-lo minuciosamente, mas apenas tornar conhecida, entre os brasileiros doutos,
aquela coleção de desenhos, como um importante dado histórico, digno de cuidadosa
investigação”.
Em muitos casos de artigos sobre Documentação, sequer há uma nota explicativa, uma
introdução. Há tão somente o documento transcrito, fruto do trabalho de um pesquisador nos
arquivos civis, religiosos e militares, que eram utilizados para comprovar a autoria de obras
arquitetônicas, por exemplo. Ou seja, a autenticidade do documento agia como valor
probatório da condição de patrimônio, o que é algo que aparece regularmente no periódico.
Em outros casos, o autor trabalha com as fontes, mesmo quando o artigo não se vincula à
Documentação ou História, demonstrando a relevância que os colaboradores da Revista
atribuíam a elas. De qualquer modo, o tema Documentação, em geral, é bem próximo de
História, e muitas vezes está a serviço de futuras pesquisas, voltadas para a arquitetura,
história da arte ou etnografia.
Retomando a questão, os historiadores assim escrevem, sobretudo sobre sua área de
atuação: História e Documentação, até porque, em geral, são eles que se debruçam sobre as
fontes. Esses historiadores mais assíduos também escrevem consideravelmente sobre
136
Arquitetura e apenas um, Cônego Raimundo Trindade, é também autor sobre o tema de
História da Arte.
Já os historiadores da arte mais assíduos (D. Clemente Maria da Silva Nigra, Hanna
Levy, Carlos Ott, Francisco Marques dos Santos, Alfredo Galvão, Joaquim de Souza Leão,
Judith Martins, Nair Batista e Robert Smith), que perfazem a maioria (nove dentre os 16
autores), escrevem 34 artigos. Desses, 18 são sobre História da Arte, nove são relativos à
Documentação, cinco à Arquitetura e dois à História. Aqui, como ocorre com os historiadores
assíduos da Revista do Patrimônio, há um predomínio de historiadores da arte tratando da sua
própria área, mas eles também são responsáveis por boa quantidade de artigos sobre
Documentação. Afinal, o trabalho com as fontes é algo de suma importância para a História
da Arte. A esse respeito, a alemã Hanna Levy escreve no número 6: “O estudo das fontes
constitui a base indispensável, a parte mais importante e, não raro, a parte mais difícil de
qualquer trabalho histórico que pretenda ser mais do que uma simples enumeração de fatos
isolados” [grifo nosso]. E continua: “Sendo uma das tarefas principais do Sphan a de reunir a
documentação básica, julgamos útil fazer preceder o nosso estudo sobre a pintura colonial do
Rio de Janeiro de um exame das fontes existentes sobre esse assunto”.
Aos historiadores da arte cabe igualmente tratar de Arquitetura, como no número 9,
em que D. Clemente discute as obras do engenheiro Francisco de Frias de Mesquita. Cabe,
por fim, tratar do tema História, como o fez Carlos Ott em seu artigo no número 13 da
Revista, onde faz a crítica às fontes para esclarecer aspectos já estudados por outro
pesquisador sobre um forte na Bahia.
Vale examinar ainda a contribuição dos três arquitetos dentre os assíduos (Joaquim
Cardoso, Lúcio Costa e Paulo T. Barreto). Eles escreveram preferencialmente sobre
Arquitetura (seis dos nove artigos escritos pelos três), mas também contribuíram com dois
textos de História da Arte e um de História. Portanto, os arquitetos assíduos não escrevem
nenhum artigo sobre Documentação, o que pode indicar que eles se restringiram mais a seu
próprio campo de atuação. Mesmo quando se discute a autoria de fortificações, igrejas e
outras obras arquitetônicas por meio das fontes, isto não é feito pelos arquitetos assíduos.
Além disso, deve-se considerar que alguns assuntos são pertinentes tanto à História da Arte
quanto à Arquitetura, como os azulejos, as talhas, retábulos, alfaias etc., que não sendo
137
objetos arquitetônicos, estão integrados a obras arquitetônicas. Daí, mais tarde, o Sphan
nomear esses objetos de “bens móveis e integrados”
154
.
Esses artigos escritos pelos autores assíduos da Revista do Patrimônio são
representativos porque correspondem acerca de metade dos textos analisados, apontando para
um intercâmbio e até uma permeabilidade entre algumas diferentes áreas do conhecimento.
Dentre os temas mais freqüentes no periódico, pode-se dizer que, em uma análise ampla, há
uma maior proximidade entre temas de dois grupos: i) História e Documentação; ii)
Arquitetura e História da Arte. Porém, como foi visto, o trabalho com as fontes era
considerado uma das tarefas primordiais do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, relacionando-se com todos os demais temas que comparecem na Revista, servindo à
História, Arquitetura, História da Arte, Etnografia, Acervos e Coleções e Arqueologia. Assim,
o trabalho com a documentação, um privilégio tradicionalmente dos historiadores, funciona
como um centro em torno do qual os outros temas se vinculam. Daí sua freqüência e
valorização elevadas no periódico. Desse modo, os historiadores, que formam mais de 30%
dos autores mais assíduos, são um ponto nodal para o Sphan, até para que se possa trabalhar
com outras áreas do conhecimento, como já se viu.
Os historiadores, porém, não detinham o “monopólio da construção do passado” na
Revista do Patrimônio, a exemplo do que já ocorria na época, e era visível em outras revistas,
como Cultura política, por exemplo (Gomes, 1996). O passado era construído também por
arquitetos, historiadores da arte, arqueólogos, antropólogos etc. Processo semelhante ocorreu
com as demais áreas na Revista. Isso aponta para um diálogo entre as diferentes disciplinas
que constituem o campo do patrimônio, que surge assim vinculado às sete áreas utilizadas
aqui para classificação dos textos.
O que a análise dos 15 números editados por Rodrigo M. F. de Andrade mostra é que,
num primeiro momento, o patrimônio foi abordado em sua pluralidade. Com o decorrer das
atividades, houve uma progressiva especialização dos temas, daí haver uma concentração nos
quatro temas mais recorrentes (História da Arte, Arquitetura, Documentação e História).
Porém, os colaboradores permanecem sendo provenientes de diversas formações e atuações,
que, no Sphan e em sua Revista, interagem e se interpenetram para compor o campo do
patrimônio. Em outras palavras, a heterogeneidade dos campos de saber a que se vincula o
patrimônio, a diversidade de atuação dos autores e a legitimidade para se escrever sobre temas
154
Sobre o entendimento dessa categoria no Sphan, ver Costa (1987).
138
não relacion
ados exclusivamente à sua formação, evidenciam que o campo do patrimônio, no
qual esses autores e temas vieram a atuar, encontrava-se em formação nos números iniciais da
Revista e se especializava a seguir. Isso explica a presença de temas e questões que aparecem
somente nos primeiros números e que só são retomadas muitas décadas depois, sobretudo a
partir dos anos 1980, como é o caso do patrimônio socioambiental, intangível,
arqueológico
155
etc.
Assim, a constituição do campo do patrimônio teve na produção editorial encabeçada
por Rodrigo uma importante estratégia de luta, onde concorrem e convivem diversas áreas de
conhecimento, e que nas últimas décadas vem se ampliando ainda mais, passando a abarcar
outros campos, antes não contemplados, como geografia, sociologia e antropologia, por
exemplo. O que marca, assim, desde o início da conformação desse campo do patrimônio é
sua heterogeneidade e interdisciplinaridade, ainda que as diferentes áreas mantenham suas
fronteiras disciplinares e ainda que, por algum tempo, o patrimônio tenha se constituído
predominantemente por algumas áreas do saber mais estruturadas na primeira metade do
século XX.
De qualquer modo, o Sphan é protagonista na conformação do campo do patrimônio,
construindo para si uma posição de autoridade, exercida e legitimada pelos intelectuais que
interpretam e constroem esse campo, atendendo às exigências de rigor e de autenticidade,
muitas vezes fornecidas pelos próprios campos disciplinares de origem. Assim, pensamentos
de diversas áreas constituíram esse campo, que não se restringe unicamente ao Sphan
156
.
4.3 Para além da Revista: as demais p
ublicações de Rodrigo
As demais iniciativas do Sphan conduzidas por Rodrigo deixam espaço para se
considerar que essa especialização observada na Revista gerava lacunas. Estas falhas podem
155
Como abordado neste capítulo, interessante é o artigo de Raimundo Lópes no número 1 da Revista. O autor
trata múltiplas questões do patrimônio em 1937 e que são amplamente discutidas na atualidade: “monumentos
culturais” e “monumentos naturais”, objetos arqueológicos e etnográficos, celebrações, paisagens etc. Dos
assuntos apontados por Lópes em seu artigo, destaca-se uma de suas sugestões apresentadas: a de se estudar os
costumes e o folk-lore das peregrinações religiosas à Igreja de Nossa Senhora da Penha, no Rio de Janeiro; à
Igreja de Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo; à Igreja de Nazaré, no Pará, dentre outras – aspectos estes
que se relacionam harmonicamente com o que hoje se denomina de patrimônio imaterial.
156
Atualmente, o patrimônio cultural é objeto de diversos órgãos públicos no que tange às competências
jurídicas. O Iphan, atual Sphan, é apenas um deles. A Fundação Cultural dos Palmares, a Fundação Casa de Rui
Barbosa, o Arquivo Nacional, a Biblioteca Nacional, e o recém-criado Instituto Brasileiro de Museus são alguns
desses outros órgãos a quem compete preservar e proteger o patrimônio cultural brasileiro em seus diversos
aspectos.
139
ter sido sanadas (ou, ao menos houve tentativas nesse sentido) pela outra série editorial do
Sphan – as Publicações, e mesmo por outras obras concebidas ou organizadas pelo editor,
ainda que fora do âmbito institucional daquela instituição do patrimônio.
As Publicações do Sphan, ainda muito pouco estudadas, costumam ser apresentadas
como uma série de monografias. Seus autores, em geral, não pertenciam ao quadro de
funcionários do Sphan, embora isso não fosse uma regra. Como a Revista, as Publicações não
tiveram regularidade e somaram 22 obras no período em que Rodrigo dirigiu o Sphan
157
.
Tipograficamente, não apresentavam as mesmas características por todo o conjunto. Não
havia, assim, um padrão gráfico para a série. Até as dimensões variavam: algumas possuíam
tamanho igual ao da Revista (17,5 x 23,5 cm), mas podiam ter extensões maiores ou menores.
Os prefácios e introduções dessa série, nem sempre assinados por Rodrigo, apontam
que se tratava de divulgar pesquisas, documentos, acervos e, no caso mais conhecido, de
publicar cursos ministrados aos funcionários do órgão. “Desenvolvimento da Civilização
Material no Brasil” (Figura 4), de Afonso Arinos, enquadra-se como exemplo da última
finalidade. “Catálogo do Museu Coronel David Carneiro – Curitiba-PR” (sem autoria), “Arte
indígena na Amazônia” (Figura 5), de Heloísa Alberto Torres e “A Igreja de Nossa Senhora
da Glória do Outeiro”, de Afrânio Peixoto são volumes dedicados a divulgar acervos, sendo
que o último deles divulga as pinturas, gravuras e litografias que figuraram numa exposição
comemorativa. “Em torno da História de Sabará”, “Padre Jesuíno do Monte Carmelo” (Figura
6) e “São Francisco de Assis de Ouro Preto – crônica narrada pelos documentos da Ordem”,
de autoria de Viana Zoroastro Passos, Mário de Andrade e Cônego Raimundo Trindade,
respectivamente, são divulgação de documentos e, ao mesmo tempo, de pesquisas.
Das 22 Publicações editadas por Rodrigo, metade é de autoria de autores que também
colaboraram na Revista. Alguns de seus volumes complementavam, de certo modo, alguns
temas que apareciam na Revista – e o inverso também pode ser dito, como já exemplificado
anteriormente. Os textos dessa série giravam em torno das mesmas temáticas, mas uma
análise preliminar aponta para algumas diferenças. Uma delas, importante em função das
considerações anteriores, é um maior predomínio do tema História, embora a Arquitetura e a
História da Arte também sejam presenças marcantes.
Também importa observar que as Publicações contavam, como a Revista, com muitas
transcrições de fontes. Mário de Andrade, por exemplo, escreve o artigo “Uma carta do padre
140
Jesuíno do Monte Carmelo”, na Revista número 5, apresentando breves reflexões acerca de
uma primeira fonte utilizada em sua pesquisa, que se desenvolveu de 1941 a 1944. Desse
modo, em 1945, a monografia resultante da pesquisa é publicada na série Publicações, sob o
título “Padre Jesuíno do Monte Carmelo”
158
, dando continuidade e complementando o artigo
publicado anteriormente na Revista. Esse tipo de trabalho de apreciação das fontes, sob
rigorosos critérios, é freqüentemente mencionado nos prefácios e introduções das Publicações
como uma característica das obras – o que reforça o papel da disciplina histórica nesse
momento do Sphan.
Pode-se destacar ainda, nesta análise, outra publicação organizada por Rodrigo, fora
do âmbito do Sphan, mas que parecia ter como finalidade preencher e/ou dialogar com a
Revista do Sphan, que deixava em segundo plano alguns campos, como a arqueologia e a
etnografia. Trata-se da obra As Artes Plásticas no Brasil (1952), planejada para ter três
volumes, sendo o primeiro deles dedicado aos “Antecedentes, Artes Indígenas e Populares e
Artes Aplicadas”, o segundo a “Arquitetura e Escultura” e o terceiro à “Pintura”) (Figura 7).
Contudo, não se sabe por que apenas o primeiro volume foi efetivamente publicado.
Essa publicação foi idealizada pelo diretor Leonídio Ribeiro (Instituto Larragoiti
159
) a
Sul América Companhia Nacional de Seguros de Vida, mas foi coordenada por Rodrigo,
podendo ser considerada uma edição de luxo para os padrões da época. Na “Nota Preliminar”
que Rodrigo escreve, ele afirma que a finalidade do volume é “suprir a falta de um livro de
informação geral sobre as artes plásticas no Brasil”. No volume I, o único publicado,
privilegia-se aspectos não abordados com freqüência na produção editorial do Sphan, como se
observa nos títulos dos textos: “Arqueologia”, de Frederico Barata; “Arte Indígena”, de
157
A relação completa dos 22 números das Publicações do Sphan editadas por Rodrigo M. F. de Andrade
encontra-se no Anexo 2.
158
A correspondência trocada entre Mário de Andrade e Rodrigo M. F. de Andrade mostra a angústia do poeta
em concluir a redação dessa monografia. Sua agonia decorria, em grande medida, da dificuldade que Mário teve
para dar um caráter científico ao seu estudo. A carta enviada por ele ao diretor do Sphan é reveladora: “Estou
desolado e mesmo bastante machucado. O caso é o seguinte. O Saia, um pouco enxeridamente, sem ter as
‘Notas’ junto, leu a redação deste meu trabalho e fez uma crítica arrogante. Acha que está anti-científico, muito
literário, e se não pronunciou a palavra ‘literária’, tenho a certeza que pensou nela. (...) Me arrasou”.
(Correspondência de Mário de Andrade a Rodrigo M. F. de Andrade, 04/02/1942. Coleção Personalidades, Série
Rodrigo M. F. de Andrade, Subsérie Correspondência Nominal, Caixa 07, Pasta 01. Arquivo Central do Iphan).
159
O Instituto Larragoiti é vinculado à Sul América Companhia Nacional de Seguros de Vida, empresa que
financiou essa obra organizada por Rodrigo M. F. de Andrade. Artes plásticas no Brasil provavelmente fazia
parte de um amplo projeto cultural do diretor do Instituto, o médico legista e professor Leonídio Ribeiro. Isso
porque, em 1952, Ribeiro havia convidado Afrânio Coutinho para organizar A literatura no Brasil, que contou
141
Gastão Cruls; “Artes populares”, de Cecília Meireles; “Antecedentes portugueses e exóticos”,
de Reynaldo dos Santos; “Mobiliário”, de J. Wasth Rodrigues; “Ourivesaria”, de José e
Gizella Valladades; e “Louça e porcelana”, de Francisco Marques dos Santos
160
. Assim, nessa
obra Rodrigo incluía alguns elementos que ficaram à margem da produção editorial do Sphan,
como as “artes populares”.
Um outra publicação de Rodrigo M. F. de Andrade datada de 1952 é Brasil –
monumentos históricos e arqueológicos, editada na Cidade do México, pelo Instituto Pan-
americano de Geografia e Historia
161
(Figura 8). Nela, o diretor do Sphan dedica-se às
questões jurídicas em quase metade da obra, que abrange também tópicos como os institutos e
escolas em que se estudam os monumentos no Brasil, a bibliografia geral e as publicações
oficiais e privadas referentes ao patrimônio histórico e artístico e medidas para o intercâmbio
com outras instituições da América que visam à proteção desses monumentos
162
. Cabe
ressaltar como Rodrigo explica a questão da preservação arqueológica no país: “O inventário
e a proteção do material arqueológico do Brasil permaneceu a cargo do Museu Nacional, não
tendo podido, por enquanto, o Sphan assumir a responsabilidade de sucedê-lo nessa tarefa”
(Andrade, 1952b: 108). Isso explica, considerando-se a análise da Revista, a reduzida
presença do tema de Arqueologia no periódico do Sphan e o convite de Rodrigo para que
intelectuais vinculados ao referido museu discorram sobre a questão.
Rodrigo M. F. de Andrade publicou, em 1953, Rio Branco e Gastão da Cunha, que
fazia parte da série de monografias comemorativas editadas pelo Ministério das Relações
Exteriores
163
. Trata-se da divulgação de registros do diário íntimo de Gastão da Cunha e de
sua correspondência com o Barão do Rio Branco, não consistindo assim assunto pertinente ao
campo do patrimônio.
com a colaboração de especialistas como Antônio Cândido, Câmara Cascudo, Cassiano Ricardo, Barreto Filho,
Augusto Meyer, Décio de Almeida Prado, entre outros.
160
Desses autores, Cruls, Rodrigues e Santos também escreveram para a Revista do Patrimônio.
161
Pelo que indica a própria publicação, esse mesmo Instituto Pan-americano de Geografia e Historia, do
México, publicou uma série editorial sobre monumentos históricos e arqueológicos de diversos países
americanos, sempre na língua nativa do país a que se refere. Constam, na contra-capa de Brasil – monumentos
históricos e arqueológicos, os demais volumes publicados, referentes a Panamá, Estados Unidos, Chile, Haiti,
Guatemala, México, Honduras e Equador.
162
Boa parte da narrativa dessa obra, especialmente no que diz respeito à invenção de uma história da
preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, foi reproduzida mais tarde, como na publicação do
próprio Sphan de 1980 Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil – uma trajetória.
163
Ainda não se sabe como era a relação do Sphan com o Ministério das Relações Exteriores, com o qual
Rodrigo e Capanema certamente mantinham vínculos. A publicação da monografia mencionada e a colaboração
de alguns diplomatas com o Sphan e sua revista são alguns indicativos de tal relação, que merece uma
investigação.
142
Uma última publicação organizada pelo editor do Sphan foi Artistas coloniais, editada
pelo Ministério da Educação e Cultura, em 1958 (Figura 9). Na nota que introduz a obra,
Rodrigo escreve:
“As notícias reunidas neste caderno sobre alguns artistas do período colonial
foram publicadas originalmente em jornais, – A Manhã, O Diário Carioca e
o Estado de S. Paulo –, com o objetivo principal de divulgar o que, pouco a
pouco, os pesquisadores a serviço do Sphan apuravam acerca da autoria das
obras de arte tradicional em nosso país. Ao serem agora reproduzidas, em
pequeno número, fizeram-se-lhes apenas certas emendas e retificações, que
se tornavam mais necessárias, tendo-se ampliado, porém, os textos relativos
aos mestres Gabriel Ribeiro e Domingos da Costa Filgueiras, à vista do
interesse dos dados que se coligiram a seu respeito desde a publicação na
imprensa diária da primitiva notícia a eles referentes” (ANDRADE, 1958).
Artistas coloniais reunia então breves artigos sobre alguns dos artistas cujas obras foram
objeto de pesquisa dos funcionários do Sphan. Como essas pesquisas eram coordenadas pelo
próprio Rodrigo, tendo um caráter coletivo, esses artigos não constam de assinatura– o que dá
um tom institucional e reforça tal caráter coletivo.
Chama a atenção, assim, a existência de publicações organizadas por Rodrigo e/ou de
sua autoria, ao longo da década de 1950 e fora do âmbito do Serviço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional. Cabe lembrar que esse decênio foi o momento em que algumas
publicações do Sphan, editadas na década de 1940, puderam finalmente ser impressas – vide
Capítulo 2. Desse modo, a falta de verbas não explica, por si só, a edição dessas obras de
Rodrigo fora do órgão. É mais provável que tais publicações sejam resultado do prestígio do
Sphan e de seu diretor, que já realizavam suas ações há 15 anos – daí o Instituto Pan-
americano de Geografia e Historia, do México, publicar sua contribuição.
4.4 60 anos: a Revista”: enquadrando-se a memória do patrimônio
Em 1997, o número 26 da Revista do Patrimônio intitulou-se “60 anos: a Revista”,
comemorando os 60 anos da própria publicação e do órgão que a edita (Figura 10)
164
. Esse
volume é extremamente relevante, não apenas por se propor a comemorar uma data – o que
significa investir em sua memória –, como também porque, para fazer isso, republica alguns
dos artigos dos primeiros 11 números da Revista. Ou seja, dentre diversos artigos que
164
A partir do número 23, a Revista do Patrimônio passou a ser temática e, desde então, houve alguns números
comemorativos, como o 26 e o 30, homenagem a Mário de Andrade.
143
poderiam ser memoráveis, foram selecionados alguns, operando-se, desse modo, uma escolha
(e um esquecimento) do que deveria vir a público pela segunda vez. O ano de 1997 é,
portanto, um momento de construção dessa memória que deveria ser definida e consolidada,
ela própria, como “patrimônio” do Sphan
165
.
Ítalo Campofiorito foi quem organizou o volume, selecionando o que deveria
comparecer e o que deveria permanecer ausente. Este organizador também encarregou
funcionários do Iphan de escreverem comentários a respeito de cada artigo republicado, o
bem como de seus autores. Além disso, um “cronista” foi convocado para contextualizar o
momento em que cada artigo fora publicado originalmente.
Considera-se significativa a seleção desses artigos, uma vez que cada número era
composto por diversos textos dos mais variados assuntos, conforme foi visto. Assim, é
relevante entender quais foram as temáticas privilegiadas nesse recorte que compõe o volume
comemorativo, bem como quais temáticas foram “esquecidas”, naquele momento. Também é
preciso observar quem são os autores desses artigos, para se compreender quem é conclamado
a fazer parte da memória institucional (e da própria disciplina ou campo do patrimônio). Isto
é, qual passado é convocado a comparecer para ser consagrado, monumentalizado.
Iniciemos pelo Prefácio da publicação, escrito pelo então Ministro da Cultura, Francisco
Weffort, cientista político da Universidade de São Paulo. O ministro enaltece o Sphan,
escrevendo que, desde sua criação, em 1937:
foi bem mais que uma repartição pública encarregada de proteger os
monumentos nacionais. Por meio de seus atos corajosos, da dedicação e do
preparo de seus funcionários, da divulgação conscienciosa de seus estudos e
idéias, o Sphan contribuiu decisivamente para que se consolidasse, entre os
brasileiros, a consciência de que, para além dos bens de posse privada, há
um patrimônio que pertence à nação e que, por seu valor enquanto expressão
165
O decênio de 1990 foi um período de grande conturbação. Desde a criação do Sphan, em 1937, houve
mudanças em relação ao nome do órgão e a quem ele se vinculava na estrutura ministerial. A década de 1990
não foi diferente: em 1990, a Fundação Nacional Pró-Memória e a Sphan (naquele momento, uma secretaria)
foram extintas e transformadas em Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural – IBPC, durante o governo de
Fernando Collor. Tal alteração nominal (e também estrutural), aliada à fragilidade política decorrente da troca
presidencial em 1992, resultaram na vulnerabilidade institucional do próprio órgão de preservação. Exemplo
disso é que, em um curto período de tempo, o IBPC teve três presidentes distintos, cada um ocupando o posto
por pouco mais de um ano. Em 1994, mais uma vez, o órgão tem seu nome alterado, agora para Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan. Nesse ano, o arquiteto Glauco Campello assume a direção do
Iphan e investe em medidas para restaurar a estabilidade interna do órgão. Para além de outras ações, em sua
gestão, retoma-se a publicação da Revista do Patrimônio, que não fora mais editada desde 1987 (quando saiu o
número comemorativo dos 50 anos do Sphan). Ainda em termos editoriais, que é o que nos interessa aqui, pode-
se afirmar que a iniciativa de publicar esse volume comemorativo de 1997 é outra medida tomada por Campello,
que procurava dar um sentido e uma unidade àquele órgão que havia sido muito desgastado às vésperas de se
completar 60 anos de atividade.
144
de nossa história e de nossa cultura, merece ser preservado (Weffort,
1997:6).
Ao se utilizar de palavras como “atos corajosos”, “dedicação” e “preparo”, Weffort valoriza
essas ações do passado, como é usual se fazer em prefácios. Mas, ele escreve certamente não
apenas para lembrar como foi, mas principalmente como deve ser. Ainda no Prefácio, o
ministro coloca a Revista do Patrimônio, juntamente com as demais publicações do órgão,
como um “importante instrumento para a formação dessa consciência patrimonial”, da qual o
Sphan é responsável:
Em 1937, tudo estava por fazer: não apenas ainda não se dispunha de meios
legais para coibir a destruição e a evasão de bens culturais, como também
pouco se conhecia sobre a arquitetura e a arte brasileira. Nesses campos, as
publicações do Sphan foram pioneiras, e seus colaboradores eram escolhidos
entre os melhores estudiosos, no Brasil e no exterior (Weffort, 1997:6).
Ao afirmar que “tudo estava por fazer”, Weffort valoriza os atos daqueles que primeiro
trabalharam no órgão, mostrando que as dificuldades não foram obstáculos para seus feitos.
Com isso, afirma-se que, se com aqueles problemas, muito se fez, nos anos 90, quando muito
já foi feito, precisa-se dar continuidade àquelas ações, consideradas assim “heróicas” – tal
como se costuma nomear aquele período da gestão do Sphan.
Ao apresentar os artigos desse volume comemorativo, Weffort escreve que esse número
“traz ao público a memória de alguns de seus melhores colaboradores, em artigos que ainda
são referências fundamentais para os temas que abordam” (Weffort, 1997:7). E completa que:
A seleção demonstra a abrangência da noção de patrimônio que se tinha no
Sphan. São patrimônio obras de arquitetura, escultura e pintura, como
também manuscritos, fotografias e artefatos indígenas. Perspectiva bem
distante da visão monumentalista e sacralizadora de patrimônio de que
muitos acusam injustamente o Sphan
166
(Weffort, 1997:7).
Desse modo, tenta-se construir uma nova visão sobre as ações do órgão, rebatendo
“acusações” que o órgão sofria e investindo em uma imagem de ousadia e pioneirismo, que
tornava o ano de 1937 um ponto de partida para o de 1997.
Em exaltação aos primeiros funcionários do Sphan – e ao período destacado – continua:
“Esse conjunto de textos demonstra também que, naqueles tempos de transporte difícil e
comunicação precária, o Sphan percorria o país do Oiapoque ao Chuí (...) para identificar e
166
Campofiorito, o organizador desse número da Revista, explica em sua Introdução a escolha de determinados
autores, como é o caso de Robert Smith e de Alberto Lamego, cujos estudos “acentuam a diversificação com que
o Sphan investigava, desde as condições profissionais até o macrocosmo regional do patrimônio cultural”
(Campofiorito, 1997:15) – sugerindo um novo olhar sobre o período, tal como Weffort.
145
proteger bens que os estudos indicavam como de excepcional valor histórico e artístico”
(Weffort, 1997:7). Para encerrar seu texto, o ministro afirma que o objetivo do volume
comemorativo é não apenas revitalizar esses artigos, mas abrir novas possibilidades de
leituras, a partir deles.
O então presidente do órgão, o arquiteto Glauco Campello, escreve em seguida uma
Apresentação dizendo que esse volume:
é um número temático como os outros, mas é, ao mesmo tempo, o seu
reverso. É como se fora a imagem do nosso projeto editorial invertida pelo
espelho da memória. Seu tema é a própria revista e o seu conteúdo principal
é de matéria ali publicada, formadora, por assim dizer, da cultura do
patrimônio no Brasil (Campello, 1997:8).
E continua, orientando o leitor sobre os textos que encontrará. Para Campello, eles:
ressurgem para uma nova leitura, com interesse renovado – e às vezes
imprevisto (...). Afinal, aqueles estudos são os nossos ‘clássicos’, e, no
conjunto das matérias reunidas neste número da revista eles exprimem muito
bem um arco de tempo da história dos 60 anos do Sphan. Justamente aquele
período em que, sob a liderança de Rodrigo, se foi sedimentando
conhecimento, universalidade e rigor no trato das questões culturais que nos
estão afetas (Campello, 1997:8-9).
Observa-se que, neste trecho, retoma-se uma questão bastante lembrada nos anos 90: o papel
e a importância do conhecimento, enquanto saber e enquanto metodologia, nas ações do
órgão. Tanto que, em seguida, o então presidente remarca que os especialistas que escreveram
na Revista estavam sempre ligados a outros estudiosos, constituindo uma “espécie de fórum
permanente de estudos que ele [Rodrigo] estimulava e reunia em torno de si e da instituição
que vinha formando” (Campello, 1997:9).
É interessante que Campello faça então um balanço das dificuldades existentes para
maior convivência entre os intelectuais, como ocorrera nos primeiros tempos, em um nítido
tom saudosista:
Temos de nos valer de alguma outra forma de convergência. E tudo pode
configurar-se, como antes, na Revista do Patrimônio. Ela pode tornar-se o
fórum através do qual a instituição venha captar a contribuição diversificada,
polêmica, múltipla e heterogênea da ‘academia’ hoje. Com este número
especial, Ítalo Campofiorito e seu grupo de colaboradores de hoje, puxando
o fio da história, apontam o caminho para a renovação de uma tradição
inerente à vida cultural da casa (Campello, 1997:9).
Tal trecho é extremamente relevante para se notar qual o papel atribuído à Revista neste
momento comemorativo. A ela cabia, como no passado, reunir estudiosos do patrimônio,
retomando uma tradição que aponta a um futuro renovado para a instituição.
146
Ca
mpofiorito, por sua vez, escreve em sua introdução, intitulada “As primeiras
árvores”, que “O passado do Patrimônio (...) há de ser reconhecido como passado conosco e,
portanto, historicamente presente em nossa vida” (Campofiorito, 1997: 10) [grifo do autor].
Ora, como faz a memória, este número da publicação devia justamente tornar o passado
presente.
Nessa introdução, o organizador explica que todos os números editados por Rodrigo não
caberiam com dignidade num só volume. Por esse motivo, o número 26 da Revista do
Patrimônio restringe-se apenas aos 11 primeiros números. Campofiorito apresenta também a
estrutura do volume. Cada um dos 11 números consultados começa com o fac-símile da capa
original, “num toque sentimental que é a única fratura, a fresta arqueológica pela qual se
vislumbra um passado que efetivamente passou. Em seguida, os índices, que devem funcionar
como cardápios” (Campofiorito, 1997:10-11). A seguir, aparece o artigo escolhido para ser
republicado, um comentário acerca do autor e/ou do artigo e, por fim, uma crônica do ano em
que a Revista fora publicada. Assim, o comentário e a crônica faziam uma ponte, ao longo do
tempo, através das páginas da revista, no entender do organizador.
Ao relatar os caminhos percorridos para a pesquisa que originou esse volume
comemorativo, Campofiorito destaca, na documentação encontrada, um traço de Rodrigo cada
vez mais demandado devido a sua raridade. O diretor repreendia funcionários do Sphan que
estivessem utilizando a remuneração paga pelo órgão para sustentar estudos de interesses
alheios ao Serviço. O organizador, assim, ressalta a “probidade” e a “firme autoridade” do
primeiro diretor diante de casos como esse.
Campofiorito, dando seqüência à introdução, afirma que sete dos 12 artigos
167
republicados tratam de arquitetura ou cidades, e os outros quatro, “de várias realidades
culturais (pintura, fotografia, etnografia e arqueologia, ou documentos e narrativas de época)”
(Campofiorito, 1997:13). Porém, segundo a classificação utilizada nesta pesquisa, seis versam
sobre Arquitetura, dois sobre História da Arte, dois sobre História, um sobre Etnografia e um
sobre Documentação. Esta distribuição não acompanha a distribuição de artigos que aparecem
nos 11 números ora tratados – caso se pretendesse publicar um artigo representativo de cada
número. Assim, a seleção dos artigos da Revista 26 não se pautou por uma representação
temática proporcional – nem em relação ao período (1937-1947), nem em relação a cada um
167
Foram republicados 12 artigos, e não 11, como era de se esperar se se publicasse um artigo de cada volume
Ocorre que o número 4 teve dois artigos publicados – e não apenas um, como ocorreu com os demais dez
números revisitados.
147
dos números revisitados. O critério foi outro: politicamente pautado pela contribuição de
grandes nomes da época, crescentemente consagrados com o passar do tempo. Vale examinar
as escolhas:
o Número 1: “Programa” (Rodrigo M. F. de Andrade) e “A Capela de Santo
Antônio” (Mário de Andrade);
o Número 2: “Contribuição para o estudo da obra do Aleijadinho” (Rodrigo M. F.
de Andrade);
o Número 3: “O alpendre nas capelas brasileiras” (Luís Saia);
o Número 4: “Os Sete Povos das Missões” (Alberto Lamego) e “Observações em
torno da História da cidade do Recife no período holandês” (Joaquim Cardoso);
o Número 5: “A arquitetura jesuítica no Brasil” (Lúcio Costa);
o Número 6: “A pintura colonial no Rio de Janeiro” (Hanna Levy);
o Número 7: “Casas de residência no Brasil - Introdução” (Gilberto Freyre);
o Número 8: “A habitação dos Timbira” (Curt Nimuendaju);
o Número 9: “Documentos baianos” (Robert C. Smith);
o Número 10: “A fotografia no Brasil e um de seus mais dedicados servidores:
Marc Ferrez (1843-1923)” (Gilberto Ferrez);
o Número 11: “Casas de Câmara e Cadeia” (Paulo Thedim Barreto).
Tal panorama nos permite observar que, independente de que assunto trata os artigos,
todos são de autores de grande reconhecimento na área que atuaram, o que pode indicar que aí
está a chave para a compreensão da escolha desses artigos.
O Programa, escrito pelo então diretor do Iphan e também editor da própria Revista,
comparece obrigatoriamente no número comemorativo por ser a primeira – e durante muito
tempo, a única – apresentação da Revista do Patrimônio, conforme já abordado. Sua
republicação neste 26º volume enaltece ainda mais aquele momento, uma vez que tenta
revivê-lo no Sphan. Tal como havia sido feito em 1937, embora sob outras circunstâncias, o
momento fundador lembra que o objetivo proposto pelo Programa foi e deve ser alcançado:
criar e consolidar o campo do patrimônio.
Esta idéia – e outras que retomam aquele período que é considerado como “heróico” – é
reforçada ao longo de todo o volume comemorativo – tanto nos artigos republicados, quanto
nos comentários sobre eles e seus autores.
148
No artigo “A Capela de Santo Antônio”, por exemplo, Mário de Andrade inicia
mostrando as dificuldades que o acometeram para a produção do texto. Porém, em o fazendo,
valoriza sua ação, engrandecendo seu percurso e, numa edição comemorativa, apontando que,
mesmo com sacrifício, é possível encontrar aquilo que se busca: “Vagar assim, pelos mil
caminhos de São Paulo, em busca de grandezas passadas, é trabalho de fome e de muita,
muita amargura. Procura-se demais e encontra-se quase nada” (ANDRADE, 1997:24). Mário
ainda fala de sua “pesquisa muito paciente” para encontrar em São Paulo edificações de
monumentos de arte. Ele diz que ali, o critério tem que ser outro: o histórico. E acrescenta:
“há de reverenciar e defender especialmente as capelinhas toscas, as velhices dum tempo de
luta e os restos de luxo esburacado que o acaso se esqueceu de destruir. Está nesse caso a
deliciosa capela de Santo Antônio, no Município de São Roque” (idem). Assim, embora se
trate de um monumento religioso, ele nada tem de semelhante às ricas igrejas que estamos
habituados a ver quando se fala de patrimônio religioso no Brasil.
Outro trecho relevante é o seguinte:
A capela de Santo Antônio tem a sua torre construída de pedra e recoberta de
barro. A sineira é totalmente aberta, ainda com um pequeno sino. (...) Já
porém as paredes da capela, com exceção dos elementos de ligação da torre,
que obedecem ao processo de construção desta, são de taipa. Apenas a
parede interna, que separa a sacristia do longo compartimento que dá entrada
ao púlpito e ao coreto, é de pau-a-pique (Andrade, 1997:27).
Tal trecho não nos interessa pelos elementos construtivos arquitetônicos em si. Interessa antes
por revelar uma construção popular, simples, não erudita, por assim dizer. A capela de Santo
Antônio trata daquilo que, até há algum tempo atrás, se chamava de patrimônio cultural “não
consagrado”. Porém, como se observa, principalmente a partir da revisitação a este artigo em
um número comemorativo, este tipo de patrimônio já se consagrava no Sphan desde o início
de sua atuação. Indicador do fato é o artigo sobre ele publicado na Revista, e não à toa, de
autoria de Mário de Andrade, que é aquele a quem se remetem os defensores de Aloísio
Magalhães e de seus sucessores, que abriram caminho para os bens culturais e para o
chamado patrimônio imaterial.
No artigo “A contribuição para o estudo da obra do Aleijadinho”, Rodrigo volta-se para
o estudo das obras de Aleijadinho que, até então, eram atribuídas ao artista, sem qualquer
comprovação. O artigo debruça-se justamente sobre a documentação pesquisada, que
comprova a autoria do mencionado artista sobre algumas obras, preenchendo uma lacuna que
se mantinha há muitos anos. Ao fim, Rodrigo escreve:
149
Seja como for, o que se pode concluir destas notas, apresentadas como a
primeira contribuição do Sphan para o estudo da questão da autoria das
obras atribuídas a Antônio Francisco Lisboa, é que este deixou traços
positivos de sua passagem não somente em Congonhas do Campo, como
houve quem pretendesse, mas também em Sabará, na igreja do Carmo, e em
Ouro Preto, no Carmo, em São Francisco de Assis e nas Mercês e Perdões
(Andrade, 1997:53).
E completa, conclamando os funcionários do órgão a cumprirem esta tarefa (em 1938 e em
1997), quando o artigo é republicado:
Resta muito a apurar. (....) Esperamos que o Serviço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional concorra um pouco, nas pegadas dos doutos, para a
solução sucessiva desses pequenos problemas, cuja importância é maior do
que poderá parecer, para a história da arte brasileira (idem).
Luís Saia, em “O alpendre nas capelas brasileiras”, trabalha em torno da questão da
presença do alpendre que, apesar de ter vindo da Europa, tornou-se no Brasil uma “solução
evidentemente mestiçada” (Saia, 1997:60), sobretudo na habitação sertaneja de algumas
regiões do nordeste. Ou seja, o artigo trata de um aspecto arquitetônico que, ao ser
incorporado no país, abrasileirou-se, perdendo diversas características européias e,
constituindo assim, um elemento considerado brasileiro.
“Os Sete Povos das Missões”, texto de Alberto Lamego, estuda as festas realizadas em
São Francisco de Borja e trata também da criação do Museu das Missões pelo Governo
Federal
168
. Lamego escreve, justificando a criação do mencionado museu: “Não se vive só do
presente, é mister cultivar com carinho as nossas tradições” (Lamego, 1997:81).
Joaquim Cardoso, em seu artigo “Observações em torno da História da cidade do Recife
no período holandês”, discorre sobre a metodologia utilizada pela História. Desse modo, o
autor explicita como foi o processo de seu trabalho a partir dos documentos encontrados.
Lúcio Costa em “A Arquitetura dos Jesuítas no Brasil” estabelece definições acerca do
objeto estudado. Com isso, ele corrige alguns equívocos, como no trecho em que ele explica
que se costumou chamar “sob a denominação comum de ‘arte jesuítica’ todas as
manifestações de arte religiosa dos séculos XVII e XVIII”, porém observa que: “atribuir-se,
pois, à designação de ‘arte jesuítica’ uma tão grande amplitude é, evidentemente, incorreto”
168
Este artigo faz clara menção ao então Presidente Getúlio Vargas, nascido em São Borja, e a seu governo:
“Agora que o grande estadista que dirige a Nação faz reviver das cinzas do passado os dias gloriosos dos Sete
Povos das Missões, considerando monumentos históricos as suas igrejas em ruínas, determinando, por decreto, a
sua restauração de um museu, na de São Miguel, para guarda das relíquias esparsas a elas pertencentes, que o
tempo ainda não destruiu, é de toda oportunidade darmos notícia das festas realizadas no Povo de São Francisco
de Borja há quase dois séculos” (Lamego, 1997:74).
150
(Costa, 1997:105). Este arquiteto diferencia o caso europeu do brasileiro, positivando este
último:
Com efeito, enquanto para os europeus, saturados de ‘renascimento’, o falar-
se em estilo jesuítico traz logo à lembrança, além das formas compassadas
iniciais, as manifestações mais desenvoltas do barroco; enquanto para os
hispano-americanos, onde a ação da Companhia prosseguiu
ininterruptamente durante todo o século XVIII, a idéia da arte jesuítica
abrange o ciclo barroco completo; para nós, no Brasil, onde a atividade dos
padres, já atenuada na primeira metade do século, foi definitivamente
interrompida em 1759, as obras dos jesuítas, ou pelo menos grande parte
delas, representam o que temos de mais ‘antigo’. Conseqüentemente, quando
se fala aqui em ‘estilo jesuítico’, o que se quer significar, de preferência, são
as composições mais renascentistas, mais moderadas, regulares e frias, ainda
imbuídas do espírito severo da contra-Reforma (Costa, 1997:106).
Lúcio Costa ainda fala da idéia de “coisa decadente” que acompanhou a arte barroca,
mas observa que ela constitui autêntica obra de arte, não resultando de “nenhum processo de
degenerescência, mas, pelo contrário, de um processo legítimo de renovação” (Costa,
1997:106). Desse modo, ele reinventa o barroco, dando-lhe novo valor, agora positivo. “Não
se trata, por conseguinte, de uma arte bastarda, como pretendem alguns, mas de uma nova
concepção plástica, liberta dos preconceitos anteriores e fundada em princípios lógicos e
sãos” (idem).
Outro artigo, seminal como o anterior, é o de Hanna Levy, “A pintura colonial no Rio
de Janeiro”, no qual a historiadora da arte segue rigorosa metodologia ao examinar obras de
arte do período colonial, como já mencionado neste capítulo.
Gilberto Freyre, em “Casas de residência no Brasil”, escreve a introdução de trabalho de
L. L. Vauthier, que esteve no Brasil entre 1840 e 1846, e que está “entre os estrangeiros que
melhor têm observado os costumes da nossa gente” (Freyre, 1997:224), pois soube apreender
“aspectos verdadeiramente característicos da paisagem, da vida e das artes no Brasil dos
primeiros tempos de Pedro II” (idem). E continua sua apresentação:
As cartas de Vauthier acerca da arquitetura doméstica no Brasil juntam-se ao
seu diário, aos seus relatórios de engenheiro-chefe de obras públicas da
Província de Pernambuco e aos seus artigos na revista socialista do Recife, O
Progresso (...) para lhe dar direito a lugar seguro na bibliografia não apenas
técnica, porém crítica e mesmo sociológica que se refere ao progresso
material, artístico e de técnica administrativa em nosso país durante a
primeira metade do século passado, e ao estudo geográfico de importante
região ou área brasileira: Pernambuco e, particularmente, sua capital, cujo
mapa foi então levantado. (...) Suas cartas revelam esse esforço de
compreensão dos aspectos sociais, históricos, ecológicos e mesmo
psicológicos do assunto – a arquitetura doméstica no Brasil – ao lado do
151
esforço de apreensão e solução do problema simplesmente técnico (Freyre,
1997:224-225).
Um outro artigo republicado foi “A habitação dos Timbiras”, de Nimuendaju, que se
debruça sobre a organização circular dos Timbira, falando também das tentativas de
intervenção nela.
Robert C. Smith, em “Documentos Baianos”, publica na íntegra quatro documentos
relativos não apenas à Bahia, mas à História da Arte Brasileira e fala, no trecho a seguir, da
importância de alguns arquivos então pouco explorados:
Ao lado das irmandades e das ordens religiosas, (...) colocam-se as câmaras
municipais como elementos essencial de estímulo para o desenvolvimento
do gosto e a regulamentação dos processos técnicos de construção, no Brasil.
(...) Esses documentos, conservados até hoje em vários arquivos municipais
brasileiros, constituem campo fertilíssimo, embora pouco explorado, para o
estudo da arte colonial no país (Smith, 1997:268).
Com isso, o órgão contribuía para estudiosos não apenas do patrimônio, mas de outros
campos de conhecimento também.
Gilberto Ferrez em “A fotografia no Brasil e um de seus mais dedicados servidores:
Marc Ferrez (1843-1923)” embarca em um campo ainda completamente desconhecido
naquele momento: a história da fotografia no Brasil. Ferrez explicita qual fotografia é
privilegiada em seu texto: “Procuramos, especialmente, destacar os fotógrafos paisagistas,
pois somos de opinião que o pouco que resta de suas obras tem e terá cada vez maior valor
iconográfico; só atualmente se principia a reconhecer esse imenso valor” (Ferrez, 1997:294).
Por fim, o último artigo revisitado é “Casas de Câmara e Cadeia”, de Paulo T. Barreto,
que é uma verdadeira monografia acerca do tema. O autor apresenta o artigo assim, já
antecipando o estudo completo que segue:
No mapa de nosso estudo procuramos espelhar: a origem das Casas de
Câmara e Cadeia; a gênese dos municípios brasileiros e breves notas sobre a
organização municipal em Portugal e no Brasil; inventário das existentes
Casas de Câmara e Cadeia; características gerais das vilas e cidades,
localização das Casas de Câmara e Cadeia e provisórias instalações;
projetos, apontamentos, arrematações, contratos, fiscalização, mão-de-obra e
recursos financeiros; programação: elementos de distribuição e circulação;
breves notas sobre os sistemas construtivos; elementos construtivos
decorativos (...) edifícios de Casas de Câmara e Cadeia e seus artistas:
intenções plásticas, princípios renascentistas que influíram na composição
das Casas de Câmara e Cadeia, o movimento barroco e, por fim, as
características arquitetônicas das Casas de Câmara e Cadeia, estudadas em
ordem cronológica (Barreto, 1997:363-364).
152
Os comentários que acompanham cada artigo seguem um caminho semelhante entre
si: esboçam uma breve biografia do autor e tratam de sua contribuição para o Sphan e/ou para
o campo de conhecimento referente, enaltecendo-se as ações do órgão. Alguns comentários
são mais significativos para analisarmos este número comemorativo, como o escrito por Lélia
Coelho Frota. Suas palavras referem-se ao entusiasmo que os pesquisadores como Mário de
Andrade, Luís Saia, Juanita e Paulo Duarte experimentavam na época – como numa tentativa
de estimular os atuais funcionários do órgão a seguir tais passos. Essa mesma autora exalta
também o fato de Mário de Andrade ter adquirido a fazenda onde se encontra a capela de
Santo Antônio para mostrar, mais uma vez, a trajetória e as ações admiráveis desse brasileiro
e homem público, que doou o terreno para o Sphan.
O comentário da museóloga Lygia Martins Costa também é significativo no que diz
respeito à fundação de um novo conhecimento:
A leitura do trabalho de Rodrigo M. F. de Andrade revela que a criação do
Sphan abria caminho no país para o estudo de área cultural ainda tateante
entre nós: a da historiografia artística com base científica. Em campo quase
virgem – o da arte colonial brasileira. Estudo que fundamentaria todo o
serviço de defesa de nosso patrimônio histórico e artístico, a denunciar a
filosofia do velho Sphan de que só se defende bem o que se conhece bem
(Costa, 1997:54).
Outro comentário relevante é o de Pedro Karp Vasques acerca do artigo de Ferrez,
cujo trecho segue a mesma linha dos comentários acima, ou seja, procura ressaltar o papel
importante que teve o artigo em campos ainda não explorados:
Foi este o primeiro texto sobre história da fotografia a ser publicado no
Brasil, numa época (1946) na qual, mesmo no hemisfério norte, os livros
sobre o assunto podiam ser contados nos dedos das mãos (...) e na qual
imperava entre nós o mais absoluto desprezo em relação à fotografia como
documento histórico. Trata-se, portanto, da pedra fundamental, do marco
inaugural do estudo da história da fotografia produzida no Brasil
oitocentista, que – editado sob forma da separata, em 1953 – aguardava uma
reedição há tempos, para atender às expectativas dos muitos pesquisadores e
estudiosos surgidos nas últimas duas décadas (Vasques, 1997:356).
As crônicas, que compõem uma contextualização do ano que cada artigo fora
publicado originalmente, listam os principais fatos do cenário internacional e de alguns do
cenário nacional, sobretudo no âmbito político e cultural-artístico, com especial destaque para
algumas ações relacionadas ao Ministério da Educação e Saúde - MES e ao Sphan.
Assim, esse volume comemorativo traz para o presente um passado transformado, a
partir da publicação de 1997. Ou seja, O número do periódico estudado representa um certo
153
passado que se quer reviver e instaurar como modelar. Este passado é fruto da ação de
grandes homens e estudiosos – seja da Arquitetura, da História da Arte, da História, da
Antropologia etc. –, de feitos admiráveis quando “tudo estava por fazer”, construindo e
inventando, assim, o campo do patrimônio no Brasil por meio do rigor científico, enraizando
um novo saber.
Esta seleção, é claro, é operada no presente e sob suas perspectivas e, com isso, atende
a seus interesses. É por isso que, ao se voltar para o passado, a Revista dos 60 anos procura
construir uma visão de patrimônio bem parecida com a que já predominava no ano da edição
da mesma: uma concepção de patrimônio ampliada e abrangente, que abarca diversos valores
e áreas de conhecimento. Isto explica a tentativa dos organizadores do volume em mostrar aos
leitores que os artigos revisitados não se debruçam somente sobre o que se convencionou
chamar de “pedra e cal” – daí se falar na Capela de Santo Antônio (de construção mais
popular), na habitação dos Timbira e nas festas dos Sete Povos das Missões, por exemplo,
fugindo do chamado patrimônio cultural consagrado que envolvia, sobretudo a arquitetura
civil e religiosa, branca e colonial.
Com esta aproximação entre presente e passado, que apaga algumas características que
geralmente aparecem nas primeiras décadas do órgão, tenta-se estabelecer um elo, uma
ligação, uma continuidade entre aquilo que parece distante e o presente, mais próximo.
Criam-se, assim, novos lugares do passado sphaniano, voltados agora também para o
patrimônio cultural “não consagrado” já presente nos primórdios do órgão.
Este número comemorativo ainda estabelece uma ou mais memórias
consensualizadoras, uma vez que aponta para o passado ao mesmo tempo em que direciona
para o futuro em uma busca pelo restabelecimento da grandeza perdida da época de Rodrigo
M. F. de Andrade. E, por fim, é interessante a proposta do então presidente Glauco Campello
de que a Revista do Patrimônio se torne, neste novo momento, um ponto de convergência dos
estudiosos em patrimônio, atribuindo ao periódico um importante papel.
154
Considerações Finais
As palavras que Rodrigo Melo Franco de Andrade, o editor, escreve no “Programa”
são basilares para se compreender suas ações diante do Sphan e das linhas editoriais à frente
das quais estava. Sobre o patrimônio histórico e artístico nacional, ele afirma: “Trata-se (...)
de um vasto domínio, cujo estudo reclamará longos anos de trabalho, assim como a
preparação cuidadosa de numerosos especialistas para empreendê-lo” (1937:4). Nesse sentido,
as palavras do diretor e editor do Sphan são também, para além de uma apresentação da
publicação ora estudada, um programa, um projeto para o órgão, uma exposição de objetivos
a serem perseguidos.
A trajetória profissional de Rodrigo, sobretudo a jornalística, forneceu-lhe bagagem
para o empreendimento editorial organizado por ele dentro do Serviço do Patrimônio. No
posto de editor do órgão, Rodrigo foi o autor das Revistas que organizou. Encomendava
artigos a “doutos” pesquisadores; instruía diretamente seus funcionários na realização de
inventários, levantamentos, pesquisas; acompanhava a produção intelectual sobre as “matérias
relacionadas com a sua finalidade”, conclamando, quando era o caso, seus autores a
colaborarem com o Sphan ou com suas publicações. Era, assim, o editor-autor da Revista do
Patrimônio que, nesta pesquisa, é tanto o objeto como sua principal fonte.
Rodrigo era também o autor do periódico na medida em que congregava, em torno
dele, diversas redes de sociabilidade de intelectuais, diretamente ou não vinculados às
questões do patrimônio, mas que com ele contribuíram. Alguns desses intelectuais deixaram
marcas profundas, seja por meio da colaboração com artigos, seja por meio das redes
articuladas que, de algum modo, culminaram no “grupo do patrimônio”. Alguns desses
intelectuais já eram especialistas nos assuntos quando de sua colaboração na Revista. Outros,
entretanto, se constituíram nela, ou seja, tiveram no periódico um instrumento para sua
construção de especialista nas temáticas vinculadas ao patrimônio – o que nos remete às
palavras de Rodrigo no “Programa”, ao falar da necessidade de preparar especialistas para
empreender o estudo do patrimônio.
Assim sendo, chega-se a dois pontos que se inter-relacionam. O primeiro diz respeito a
uma prática institucional no período estudado, ou seja, entre 1937 e 67. Trata-se do
investimento do órgão na realização de pesquisas, cursos, viagens, aquisição de livros e
publicações, de levantamentos e inventários documentais etc. Sob o incentivo de Rodrigo, os
155
funcionários do Sphan eram imbuídos no “espírito de investigação” que caracterizou a
chamada “Academia Sphan”. Desse modo, os membros dessa academia eram incitados a se
aperfeiçoarem e a se especializarem na problemática da preservação. Assim, muitos deles se
“formaram” nessa academia, em que outros “doutos” colaboravam, capacitando os demais.
Ora, isso está imbricado no segundo ponto a que nos levam aquelas palavras do editor no
“Programa”: era imperiosa a necessidade de se construir um conhecimento acerca dos
“valores de arte e de história de nosso país”, uma vez que “os estudos daquela natureza se
acham ainda no Brasil numa fase quase primária”. Daí se organizar uma academia com tal
finalidade. Disso, decorre que o campo do patrimônio ainda estava por ser elaborado e que
caberia ao Sphan fazê-lo.
A Revista do Patrimônio ajustava-se perfeitamente a esses objetivos, divulgando as
pesquisas que o órgão produzia na constituição do campo do patrimônio, tal como propunha
Rodrigo. Os temas a que se referem os artigos do periódico são elucidativos para se
compreender como se estabeleceu esse campo no país.
Considerando-se tanto os temas mais recorrentes nos 15 números estudados da Revista
bem como sua presença ao longo desse conjunto, pôde-se observar que, em um primeiro
momento, cabia abarcar os múltiplos patrimônios, atentando-se para sua diversidade, mesmo
quando não havia instrumentos jurídicos adequados à sua preservação. Para tanto, distintas
áreas do saber foram demandadas a comparecer no periódico, dando sua contribuição
disciplinar para o campo. Contudo, essa diversidade não se manteve por todo o conjunto,
limitando-se aos primeiros números. A seguir, houve certa especialização, porém, não se pode
afirmar que ela se restringiu ao campo artístico-arquitetônico, como se costuma tratar a
questão. A História, e as fontes analisadas e criticadas por ela, estavam sempre presente nas
pesquisas divulgadas, não apenas numa posição secundária, tendo sido também fundamental
na constituição do campo do patrimônio. Isso é corroborado pela marcante presença de
historiadores que participam de sua construção. Assim, pode-se afirmar que nos primeiros
anos, a heterogeneidade de contribuições é a marca de que o campo começava a ser instituído.
Em seguida, com o decorrer dos anos, houve uma especialização, quando a construção do
campo do patrimônio já avançava. No entanto, essa “especialização” era oriunda de áreas
diversas, sobretudo da arquitetura, história da arte e história. Ou seja, o que caracteriza a
constituição do campo do patrimônio é justamente essa conjunção de campos do saber
variados.
156
A Revista publicava assim artigos de autores provenientes das várias áreas
disciplinares e era normativa no tocante ao assunto a que ela se dedica. Desse modo, ela foi
fundamental para o estabelecimento desse campo. Ela veiculava artigos sobre o que era
considerado “patrimônio”, sobre como as fontes deveriam ser trabalhadas e como os bens
culturais deveriam ser estudados. Embora fossem raros os textos sobre metodologias, os
exemplos eram elucidativos quanto a isso. Com isso, a revista era, ela própria, uma “ação
sistemática e continuada” do Sphan.
Um dos aspectos que nos chamou a atenção na Revista foi sua regularidade. Ao
estampar, em sua capa, datas seqüenciais que não correspondiam ao efetivo momento de sua
circulação junto ao público, poder-se-ia haver uma estratégia. Considerando-se a necessidade
anunciada de se construir tal campo, aliada a sua divulgação e prestígio a especialistas e junto
a institutos consagrados no Brasil e no exterior, era preciso manter uma aparência de
estabilidade. Assim, por trás da aparente regularidade da Revista, provavelmente se queria
mostrar ao público sua solidez e seriedade, requisitos esses que são essenciais quando se trata
de adquirir legitimidade e autoridade, tanto para o Sphan como para o campo que se visava
construir.
Rodrigo então mobilizou uma série de esforços e estratégias para alcançar seu
objetivo: colaborar com o conhecimento sobre o patrimônio. Ele não só o fez como também
encabeçou seus funcionários e, por que não dizer, seus amigos, a empreenderem a mesma
“missão”. Com isso, o editor-autor da Revista, ao lado dos demais autores que com ela
colaboraram, instaurou os discursos sobre o patrimônio – ainda que esse se ressentisse de
“grandes falhas”, como observava Rodrigo ainda no “Programa”.
Por sua vez, esta pesquisa também não se esgota no escopo dessa dissertação. Sabe-se
que outras estratégias editoriais foram utilizadas para tal feito, como as Publicações do Sphan,
e as demais obras de Rodrigo M. F. de Andrade, que merecem serem objetos de maior
empenho investigativo
169
. Valeria também realizar um amplo estudo sobre as diversas edições
culturais do período, de iniciativa privada ou estatal. Os outros órgãos culturais criados junto
ao MES, e contemporâneos ao Sphan, também tinham suas publicações, mesmo após a
profícua gestão de Gustavo Capanema, e, não raro, editavam obras de interesse do patrimônio.
A coleção Anais do Museu Histórico Nacional, que travava embate com o Sphan pela
169
Em avançado ponto desta pesquisa, foi constatado que o número 16 da Revista do Patrimônio também havia
sido editado por Rodrigo M. F. de Andrade, embora a data impressa em sua capa seja a do ano de 1968, ano em
que ele já havia se aposentado. Assim, este trabalho ressente-se também por essa falha.
157
legitimidade do discurso do patrimônio, merece ser examinada. O IHGB, o IBGE, o
Departamento de Cultura de São Paulo e o Ministério das Relações Exteriores, para citar
apenas os mais lembrados, mantinham edições que divulgavam “estudos brasileiros”. Qual
seu caráter e como se relacionavam com as questões do patrimônio, e da(s) cultura(s)
brasileira(s) em um sentido mais geral, constitui algumas chaves para ampliar o escopo dessa
pesquisa.
158
Fontes e Referências Bibliográficas
I) Fontes primárias
BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. MES: SPHAN.
Números 1 a 15. Anos 1937 a 1961.
Arquivo Central do Iphan:
- Arquivo Técnico-Administrativo: Relatórios, Representantes, Correspondências,
Publicações; Coleção Personalidades:
- Subséries: Correspondência Nominal e Temática.
DICIONÁRIO Biobibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 1980. (4 vols.)
II) Livros e artigos
ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (Org.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos.
Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira.
São Paulo: Ática, 1989.
ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Programa. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, Rio de Janeiro, n. 1, p. 2-3, 1937a.
______. Introdução. Publicações do Sphan, Rio de Janeiro, n. 1, p. 9-16, 1937b.
______. Artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Larragoiti, 1952a.
______. Brasil – monumentos históricos e arqueológicos. Cidade do México: Instituto
Panamericano de Geografia e Historia, 1952b.
______. Rodrigo e seus tempos: coletânea de textos sobre artes e letras. Rio de Janeiro:
MinC/Sphan/PróMemória, 1986.
______. Rodrigo e o Sphan. Rio de Janeiro: MinC/Sphan/PróMemória, 1987.
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira.
São Paulo: Ática, 1989.
ANGOTTI-SALGUEIRO, Heliana. Dossiê – Representações do Brasil: da viagem moderna
às coleções fotográficas. Anais do Museu Paulista, v. 13, n. 2, p. 11-72, 2005.
159
ARANTES, Antonio Augusto (Org.). Produzindo o passado: estratégias de construção do
patrimônio cultural. São Paulo: Brasiliense, 1984.
ARAÚJO, Emanuel. – A construção do livro: Princípios da técnica de editoração
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira/Pró-Memória; Brasília: Instituto Nacional do Livro,
1986
BABELON, J.-P. & CHASTEL, A. La notion de patrimoine. Paris: Édition Liana Levi, 1994.
BARBATO JR, Roberto . Os intelectuais, a política e do Departamento de Cultura de São
Paulo. Trapézio (UNICAMP), Campinas, v. 3/4, p. 167-194, 2003.
BARSANTE, Cassio Emmanuel. A vida ilustrada de Tomas Santa Rosa. Rio de Janeiro:
Fundação Banco do Brasil: Bookmakers, 1993.
BATISTA, Marta Rossetti (Org.). Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 30, Brasília: Ministério da Cultura, 2002.
BOBBIO, N. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade
contemporânea. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora da
UNESP, 1997.
BOMENY, Helena. Guardiães da Razão: Modernistas Mineiros. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ / Tempo Brasileiro, 1994.
______. Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974.
______. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1989.
BURKE, Peter. A escrita da história – novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.
CAMARGO, Alexandre de Paiva Rio. A Revista Brasileira de Geografia e a organização do
campo geográfico no Brasil (1939-1980). Revista da Sociedade Brasileira de História da
Ciência, v. 2, p. 23-39, 2009.
CANDIDO, Antônio. Patrimônio interior. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, Rio de Janeiro. n. 22, p. 40-41, 1987.
CAPELATO, Maria Helena & PRADO, Maria Ligia. O bravo matutino: imprensa e ideologia
no jornal O Estado de S. Paulo. São Paulo: Alfa-Omega, 1980.
CARDOSO, Rafael. O Design brasileiro: antes do design - aspectos da história gráfica, 1870-
1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
CASTRO, Adler Homero Fonseca. Patrimônio Imaterial: problema mal posto. Diálogos
(Maringá), v. 3, p. 97-116, 2006.
160
CATROGA, Fernando. Memória, história e historiografia. Coimbra: Quarteto ed., 2001.
CAVALCANTI, Lauro. As preocupações do belo: monumentos do futuro e do passado na
implantação da arquitetura moderna brasileira, 1993. Tese (Doutorado em Antropologia) –
Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro.
______. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura (1930-60).
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
CAVALCANTI, Lauro (Org.). Modernistas na repartição. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ: MinC – IPHAN, 2000.
CHAGAS, Mário Souza. A imaginação museal - Museu, memória e poder em Gustavo
Barroso, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro. Rio de Janeiro: IBRAM, 2009.
CHARTIER, Roger. “Histoire intellectuele et histoire des mentalités. Trajectoires et
questions”. Revue de Synthèse: III
e
S. N
os
111-112, Juillet-Décembre 1983, p. 277-307.
______. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel: Bertrand
Brasil, 1990.
______. "Cultura popular": revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, vol. 8, n 16, 1995, p. 179-192.
______. “A nova história cultural existe?” In: LOPES, A. H., VELLOSO, M. P. &
PESAVENTO, S. J. (orgs.) História e linguagens: texto, imagem, oralidade e representação.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2006.
CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. Trad. Luciano Vieira Machado. 3ª ed. São
Paulo: Estação Liberdade/UNESP, 2006.
CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: a construção do patrimônio
histórico e artístico nacional no Brasil (anos 30 e 40), 1998. Tese (Doutorado em História) –
UFF, Niterói.
______. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e civilizado.
Topoi, Rio de Janeiro, v. 4, n. 7, p. 313-333, jul.-dez. 2003.
CLARO, Silene Ferreira. Revista do Arquivo Municipal de São Paulo: um espaço científico e
cultural esquecido (proposta inicial e as mudanças na trajetória – 1934-1950). Tese de
Doutorado (História Social). Universidade de São Paulo, São Paulo: 2008.
CLIFFORD, James. A Experiência Etnográfica – Antropologia e Literatura no século XX.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998.
161
COSTA, Lygia Martins. A defesa do patrimônio cultural móvel. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 22, p. 145-153, 1987.
FACINA, Adriana. Uma enciclopédia à brasileira: o projeto ilustrado de Mário de Andrade.
Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 13, n. 24, p. 393-417, 1999.
FALCÃO, Andréa Rizzotto. Construindo o intangível: Estudo sobre as estratégias discursivas
na construção do campo do patrimônio imaterial. Rio de Janeiro, 2004. Dissertação (Mestrado
em Memória Social). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
FALCON, Francisco. História Cultural – Uma nova visão sobre a sociedade e a cultura. Rio
de Janeiro: Campus, 2002.
FONSECA, Maria Cecília Londres. “A Invenção do Patrimônio e a Memória Nacional” In:
BOMENY, Helena (Org.). Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2001, p. 85-101.
______. O Patrimônio em Processo: Trajetória da Política Federal de Preservação no Brasil.
2ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC – Iphan, 2005.
FOUCAULT, Michel. O que é um autor? 3ª ed. Lisboa: Vega, 1992.
FRANÇOZO, Mariana. O Museu Paulista e a História da Antropologia no Brasil entre 1946-
1956. Revista de Antropologia (São Paulo), v. 48/2, p. 585-612, 2005.
FREIRE, Maria Martha de Luna. “Ser mãe é uma ciência”: mulheres, médicos e a construção
da maternidade científica na década de 1920. História, Ciências, Saúde: Manguinhos, Rio de
Janeiro, v. 15, supl., p. 153-171, jun. 2008.
GIRARDET, Raoul. Du concept de génération à la notion de contemporaneité. Revue
d’Histoire Moderne et Contemporaine. Paris, 1983.
GOMES, Ângela de Castro. História e historiadores: a política cultural do Estado Novo. Rio
de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.
______. Essa gente do Rio...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Editora Fundação
Getúlio Vargas, 1999.
GOMES, Ângela de Castro (Org.) Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2000.
______. Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas,
2004.
GOMES JÚNIOR, Guilherme S. Palavra peregrina: o barroco e o pensamento sobre as artes
e as letras no Brasil. São Paulo: Edusp, 1998.
162
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda – os discursos do patrimônio
cultural no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Iphan, 2002.
______. Antropologia dos Objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro: IPHAN,
2007.
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1979.
GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos. Rio de
Janeiro, n. 11, p. 5-27, 1988.
______. Vendo o passado: representação e escrita da História. Anais do Museu Paulista, v.
15, p. 11-30, 2007.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10ª ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2005.
HARTOG, François. “Tempo e História: ‘Como escrever a História da França hoje?’”.
História Social, n. 3, Campinas – SP: IFCH/UNICAMP, 1996, p. 127-154.
______. O espelho de Heródoto – ensaio sobre a representação do outro. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 1999.
______. Primeiras figuras do historiador na Grécia: historicidade e história. In: HARTOG,
François. Os Antigos, o Passado e o Presente. Brasília: Editoria da UnB, 2003. p. 11-33.
______. “Tempos do mundo, história, escrita da história” In: GUIMARÃES, Manoel Luiz
Salgado (org.). Estudos sobre a escrita da História. Rio de Janeiro: Bertrand, 2006, p. 15-21.
HOBSBAWN, Eric & RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1984.
HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.
IDEÓLOGOS DO PATRIMONIO CULTURAL/ Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural,
Departamento de Promoção, Coordenadorias de Pesquisa e Editoração. Rio de Janeiro: IBPC /
Departamento de Promoção, 1991.
IKEDA, Marilda A. Balieiro. Revista do Brasil – 2ª Fase. Contribuição para o estudo do
modernismo brasileiro. São Paulo, 1975. Dissertação (Mestrado em Letras). Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
163
INSTITUTO NACIONAL DO FOLCLORE. Mário de Andrade e a Sociedade de Etnografia
e Folclore no Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo (1936-1939). Rio de
Janeiro: FUNARTE/ INF; São Paulo: Secretaria de Cultura, 1983.
JULIÃO, Letícia. Enredos museais e intrigas da nacionalidade: museus e identidade nacional
no Brasil. Tese de Doutoramento em História. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
UFMG. 2008.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado – contribuição à semântica dos tempos históricos.
Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.
LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: História e Memória. 5. ed. Campinas:
Editora UNICAMP, 2003. p. 525-541.
LEAL, C. F. B.; SORGINE, J. F.; TEIXEIRA, L. S.; THOMPSON, A.. História e Civilização
Material na Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, n. 34, 2010. (no prelo)
LÉVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1976.
LISSOVSKY, Maurício & MORAES DE SÁ, Paulo Sérgio. Colunas da Educação: a
construção do Ministério da Educação e Saúde. Rio de Janeiro: MinC/Iphan, 1996.
______. “O novo em construção: o edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde e a
disputa do espaço arquiteturável nos anos 1930. In GOMES, Ângela de Castro (Org.)
Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.
LOWENTHAL, David. Como conhecemos o passado. Trad. Lúcia Haddad. Projeto História.
São Paulo, 17, novembro, 1998, p. 63-199.
LUCA, Tânia Regina de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo:
UNESP, 1999.
______. História dos, nos e por meio dos periódicos In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.).
Fontes históricas. 2ª ed. – São Paulo: Contexto, 2006. p. 111-153.
______. Leituras, projetos e (Re)vista(s) do Brasil (1916-1944). Tese de Livre Docência em
História. Faculdade de Ciências e Letras da UNESP. Assis, 2009.
MAGALHÃES, Aline Montenegro. Colecionando relíquias... Um estudo sobre a Inspetoria
de Monumentos Nacionais (1934-1937). Dissertação (Mestrado em História Social) – UFRJ,
2004.
MANNHEIM, Karl. O problema da intelligentsia: um estudo de seu papel no passado e no
presente. In: Sociologia da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1974.
164
MARINHO, Teresinha. Notícia Biográfica. In: Rodrigo e seus tempos: coletânea de textos
sobre artes e letras. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura, Sphan, Fundação Nacional Pró-
Memória, 1986, p. 17-36.
MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempos de
República, São Paulo (1890-1922). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo: FAPESP,
2008.
MARTINS, Judith. Memória Oral n
o
1. Rio de Janeiro: Sphan/Prómemória, 1987.
MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas”. In:
Sociologia e Antropologia. São Paulo: Edusp, 1974.
MEC/SPHAN/PRÓ-MEMÓRIA. Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil:
uma trajetória. Brasília, 1980.
MELLO, Neide Moraes de. Intelectuais na vida pública: Mário de Andrade e Monteiro
Lobato. Tese de Doutorado em Ciência Política. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) /USP. São Paulo, 2007.
MENESES, Ulpiano T. Bezerra. “Fontes visuais, cultura visual, História visual. Balanço
provisório, propostas cautelares”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 23, nº 45,
2003, pp. 11-36.
MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: DIFEL,
1979.
Miranda JAB, Cascais AF. A lição de Foucault. In: Foucault, M. O que é um autor? Lisboa
(PT): Passagens; 1992. p. 5-28.
MONNET, Jérôme. “O álibi do patrimônio”. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 24, p. 220-228, 1996.
NAKAMUTA, Adriana Sanajotti. Verbete Hanna Levy. In: Thompson, Analucia (Org.).
Entrevista com Judith Martins. Série Memórias do Patrimônio. Rio de Janeiro:
IPHAN/DAF/Copedoc, 2009, p.98-99. (no prelo)
NASCIMENTO, Alessandra Santos. Intelectuais Ibgeanos: ecletismo no projeto de nação e
modernização brasileira. Espaço Plural (Unioeste), v. IX, p. 87-99, 2008.
NORA, Pierre. “Entre a memória e a história: a problemática dos lugares”. Projeto História,
São Paulo, PUC-SP, n. 10, dez. 1993.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Cultura é patrimônio: um guia. Rio de Janeiro: Editora Fundação
Getúlio Vargas, 2008.
165
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 2006.
ORY, Pascal & SIRINELLI, Jean-François. “L’intellectuel: une définition” In: Les
intellectuals en France (de l’affaire Dreyfus à nos jours). Paris: Armand Coline, 1992. 2ª ed.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica,
2008.
POMIAN, Krzystof. “De l’histoire, partie de la mémoire, à la mémoire, objeto d’histoire”.
Revue de Méthaphysique et Morale, n. 1, jan-mars, 1998, p. 63-110.
PONTES, Heloísa. Destinos mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo (1940-68). São
Paulo: Companhia das Letras, 1998.
______. Retratos do Brasil: editores, editoras e “Coleções Brasiliana” nas décadas de 30, 40 e
50. In MICELI, Sérgio (Org.) História das Ciências Sociais no Brasil, vol. 1. São Paulo:
Editora Sumaré, 2001, p.419-476.
POULOT, Dominique. Musée, nation, patrimoine. 1789-1815. Paris: Gallimard, 1997.
______. Une histoire du patrimoine en Occident. Paris: Presses Universitaires de France,
2006.
RABELLO, Sônia. O Estado na preservação de bens culturais – o tombamento. Rio de
Janeiro: IPHAN, 2009 [1991].
RAFFAINI, Patrícia Tavares. Esculpindo a Cultura na Forma Brasil. O Departamento de
Cultura de São Paulo. 1936-1938. São Paulo: Humanitas, 2001.
RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem cultural e patrimônio. Rio de Janeiro: Iphan/Copedoc.
2007.
RUBINO, Silvana. As Fachadas da História: os antecedentes, a criação e os trabalhos do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1937-1968. Dissertação de Mestrado de
Antropologia. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) /UNICAMP. Campinas,
1991.
______. Clubes de Pesquisadores. A Sociedade de Etnologia e Folclore e a Sociedade de
Sociologia. In: Sergio Miceli. (Org.). História das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo:
Editora Sumaré: FAPESP, 1995, v. 2, p. 479-521.
______. O mapa do Brasil passado. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio
de Janeiro, n. 24, p. 97-105, 1996.
______. A memória de Mário. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, Rio de Janeiro, n. 30, p. 139-154, 2002.
166
SAHLINS, Marshall. “Two or three things I that know about Culture. In: Journal of
Anthropological Institute, n. 5, 1999, p. 399-421.
SANT’ANNA, Márcia. Da Cidade-Monumento à Cidade-documento: a trajetória da norma de
preservação de áreas urbanas no Brasil (1937-1990), 1995. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura) – UFBA, Salvador.
______. A cidade-atração: a norma de preservação de centros urbanos no Brasil dos anos 90,
2001. Tese (Doutorado em Arquitetura) – UFBA, Salvador.
SANTOS, Ângelo Oswaldo de Araújo. A desmaterialização do Patrimônio. Revista Tempo
Brasileiro, out-dez, 2001, no. 147, Rio de Janeiro, p. 11-21.
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. A Escrita do Passado nos Museus Históricos. Rio de
Janeiro: Garamond/Minc, Iphan, Demu, 2006.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças – cientistas, instituições e questão racial
no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SEGALA, Lygia. A coleção fotográfica de Marcel Gautherot. Anais do Museu Paulista, v. 13,
2005. p. 73-134.
SILVA, Cíntia Mayumi de Carli. Revista do Patrimônio – produção de conhecimento e
reprodução de olhares. Monografia (Programa de Especialização em Patrimônio). Rio de
Janeiro: Iphan, 2007.
______. Revista do Patrimônio – cartografia de imagens e olhares. Monografia (Programa de
Especialização em Patrimônio). Rio de Janeiro: Iphan, 2008.
SILVA, Regina Coeli Pinheiro da. Os desafios da proteção legal: uma arqueologia da Lei n.
3.924/61. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 33, p. 59-
74, 2007.
SILVA NIGRA, D. Clemente da. Memória Oral n
o
5. Rio de Janeiro: IBPC, 1991.
SIRINELLI, Jean François. Le hasard ou la nécessité? Une histoire en chantier: l’histoire des
intellectuels. Vingtième Siècle: Revue d’Histoire (9), jan./maio 1986.
______. Os Intelectuais In: RÉMOND, René. “Por uma história política”. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2003.
SOIHET, Rachel. “Introdução” In: ABREU, Martha & SOIHET, Rachel (orgs.) Ensino de
história – conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
STONE, Lawrence. Prosopography. Daedalus. Winter, 1971. Historical Studies Today, p. 46-
79.
167
SÜSSEKIND, Pedro. A Grécia de Winckelmann. Kriterion, v. 48, 2008, p. 67-77.
TOGNON, Marcos. A História da Arte e a Conservação do Nosso Patrimônio. In: MIYOSHI,
Alexander Gaiotto; DAZZI, Camila Carneiro; CARDOSO, Renata Gomes (orgs.) Revisão
historiográfica: o estado da questão: atas do I Encontro de História da Arte do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, de 6 a 8 de dezembro
de 2004. Campinas: UNICAMP/IFCH, v. 2, p. 228-234, 2005.
TREBITSCH, Michel. Avant-propos: la chapelle, le clan et le microcosme. Les Cahiers de
L’IHTP. Paris (20), 1992.
TURAZZI, Maria Inez. Uma Cultura Fotográfica. Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, nº 27, 1998. p. 7-15.
VELOSO, Mariza Motta Santos. O Tecido do Tempo: A Idéia de Patrimônio Cultural no
Brasil. 1992. Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília, Faculdade de Antropologia.
______. Nasce a Academia SPHAN. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
Rio de Janeiro, n. 24, p. 77-95, 1996.
WAGNER, Júlia Wagner. Nem heróico nem moderno: a constituição do “Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional” na gestão de Renato Soeiro no Iphan (1967-1979). In:
COPEDOC/IPHAN (Org.) Patrimônio: práticas e reflexões, 3. Rio de Janeiro:
COPEDOC/IPHAN, 2009, p. 369-398.
WAGNER, Roy. The invention of culture. The University of Chicago Press, 1975.
XAVIER, Laura Regina. Patrimônio em prosa e verso: a correspondência de Rodrigo Melo
Franco de Andrade para Augusto Meyer, 2008. Dissertação (Mestrado em História Política e
Bens Culturais). CPDOC/FGV, Rio de Janeiro, 2008.
168
Anexos
Ilustrações
Figura 1 - Capas dos números 1 a 15 da Revista do Patrimônio, abrangendo o conjunto total do que
foi editado por Rodrigo M.F de Andrade, entre 1937-67.
169
Figura 2 - Observa-se a capa do número 1 da Revista e um detalhe dela. Luiz Jardim, o autor dessa
capa, extraiu-a da imagem localizada na parte inferior. Trata-se de fotografia do antigo Colégio dos
Jesuítas de São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro.
170
Figura 3 - Capa do número inaugural da série Publicações do Sphan, de autoria de Gilberto Freyre,
que também escreveu na Revista e atuou no Sphan em Recife.
171
Figura 4 - Capa da obra “Desenvolvimento da Civilização Material no Brasil”, de Afonso Arinos,
publicada em 1944, resultado de um curso que seu autor ministrou junto aos funcionários do Sphan.
Figura 5 - Capa de mais um volume de publicações do Sphan, de autoria de Heloísa Alberto Torres.
“Arte indígena da Amazônia” é um catálogo fotográfico de objetos indígenas, a maioria deles
pertencente ao acervo do Museu Nacional.
172
Figura 6 - Capa do número 14 das Publicações do Sphan, intitulada “Padre Jesuíno do Monte
Carmelo”, de Mário de Andrade, publicada em 1945. Essa obra resultou de uma longa pesquisa de seu
autor, que desde 1941 se dedicava a desenvolvê-la.
173
Figura 7 – Capa de “As artes plástica no Brasil” (1952), organizada por Rodrigo M. F. de Andrade.
Nesse volume, foram publicados artigos sobre arqueologia, arte indígena, artes populares, ourivesaria,
mobiliário e “antecedentes portugueses e exóticos”, abarcando assuntos que ficaram em segundo plano
na produção editorial do Sphan no período.
174
Figura 8 – Capa de “Brasil – monumentos históricos e arqueológicos” (1952), obra de Rodrigo
publicada no México, em língua portuguesa. Assinala o prestígio que o trabalho do Sphan detinha no
exterior, com uma década e meia de funcionamento.
Figura 9 – Capa de “Artistas Coloniais” (1958), organizada por Rodrigo M.F de Andrade, reunindo
artigos anteriormente publicados na imprensa por ele ou pelos funcionários que realizavam pesquisas
sob sua coordenação.
175
Figura 10 – Capa e contracapa do número 26 da Revista do Patrimônio, volume comemorativo dos 60
anos da revista, mas também do órgão que a edita. Esse número reuniu uma série de artigos publicados
durante a longa gestão de Rodrigo, enquadrando uma memória de seu período.
176
177
Anexo 1: Relação de organismos que recebiam a Revista do Patrimônio, segundo dados
obtidos das fontes do Arquivo Central do Iphan
Organismos nacionais:
1. Academia Militar das Agulhas Negras (RJ)
2. Arquivo do Estado de São Paulo, Sociedade Geográfica Brasileira (SP)
3. Arquivo Histórico da Cidade (então DF – atual Rio de Janeiro)
4. Associação dos Professores Católicos do Paraná
5. Associação dos Sub-oficiais da Armada (Rio de Janeiro – RJ)
6. Biblioteca do Exército/Palácio da Guerra (RJ)
7. Biblioteca Herculana Vieira/Prefeitura Municipal de Cururupu (MA)
8. Biblioteca Nacional
9. Biblioteca Pública Afrânio Peixoto (Nova Iguaçu – RJ)
10. Centro Cultural Herbert Parentes Fortes (Itabuna – BA)
11. Colégio Estadual e Escola Normal Major Juvenal Alvim (Atibaia – SP)
12. Comitê de Imprensa da Central do Brasil (RJ)
13. Comunidade Evangélica Luterana da Paz (RJ)
14. Congregação Israelita Paulista
15. Departamento de História e Documentação da Prefeitura do Distrito Federal (RJ)
16. Departamento de Turismo e Certames da Prefeitura do Distrito Federal (RJ)
17. Empresa Folha da Manhã (SP)
18. Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais
19. Escola de Artes Plásticas de Ribeirão Preto (SP)
20. Escola de Enfermagem Wenceslau Braz (Itajubá – MG)
21. Escola de Pintura Pedro Alexandrino (Campinas – SP)
22. Escola Nacional de Belas Artes (RJ)
23. Escola Politécnica da Paraíba
24. Escola Politécnica da USP
25. Externato Mater Consolationis (RJ)
26. Faculdade Católica de Filosofia (Campina Grande – PB)
27. Faculdade Católica de Filosofia do Piauí
28. Faculdade de Arquitetura da Universidade do Rio Grande do Sul
29. Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia
30. Faculdade de Filosofia de Lorena (SP)
31. Faculdade de Filosofia de Pernambuco/Universidade do Recife
32. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Vitória – ES)
33. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letra
s de Araraquara (SP)
34. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (SP)
35. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santa Maria (RS)
36. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba (SP)
37. Federação do Comércio do Estado de São Paulo
38. Ginásio Imaculada Conceição (Videira – SC)
39. Indústrias Alimentícias Carlos de Britto S.A. (Recife – PE)
40. Instituto Barão do Rio Branco (Erechim – RS)
41. Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará
42. Instituto de Ciências Sociais na Universidade do Brasil
43. Ministério da Guerra/Zona Militar Sul (Joinville – SC)
44. Museu Diocesano de Sobral (CE)
45. Museu Imperial (Petrópolis – RJ)
46. Núcleo de Artes Plásticas Garcia Bento (Campos – RJ)
47. Prefeitura Municipal de São Leopoldo (RS)
48. PUC/RS
178
49. Redatores Unidos (São Paulo – SP)
50. Revista Bem-Estar – Urbanismo e Habitação
51. Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de São Paulo
52. Sociedade Brasileira de História da Farmácia (SP)
53. UNE (União Nacional dos Estudantes) por intermédio da Escola de Belas Artes (Belo
Horizonte – MG)
54. UNICAMP
55. USP
Internacionais:
1. Biblioteca Apostólica Vaticana (Vaticano)
2. Biblioteca de Palacio (Madrid – Espanha)
3. Biblioteca del Pontifício Seminário Regionale – Cuglieri (Nuoro) (Sardenha, Itália)
4. Biblioteca Municipal Central de Lisboa (Portugal)
5. Biblioteca UNIWERSYTECKA (Lublin – Polônia)
6. Bibliothèque de Institut des Hautes Études de l’Amerique Latine (Paris – França)
7. Bibliothèque Nationale de Paris (França)
8. Boston College (EUA)
9. Cleveland Public Library (EUA)
10. Columbia University (EUA)
11. Consulado da Guatemala em Québec (Canadá)
12. Duke University Library (Carolina do Norte – EUA)
13. Embaixada do Brasil em Buenos Aires (Argentina)
14. Embaixada do Brasil em Lisboa (Portugal)
15. Faculte des Lettres (Cadeira de Estudos Portugueses e Brasileiros) de Bourdeaux (França)
16. Institute of Chicago (EUA)
17. Instituto de Investigaciones Artísticas da Faculdad de Arquitectura y Urbanismo da
Universidad Mayor de San Andrés (La Paz – Bolívia)
18. Instituto de Investigaciones Estéticas (Cidade do México – México)
19. Instituto Juan Manuel de Rosas de Investigaciones Históricas (Buenos Aires – Argentina)
20. Instituto Nacional de Antropologia e História (Cidade do México – México)
21. Language Department/University of New Mexico (EUA).
22. Library of Congress (EUA)
23. Maison du Brésil/Cite Universitaire de Paris (França)
24. Museu Histórico de Santa Fé (Argentina)
25. Museu Histórico Nacional de Montevideo (Uruguai)
26. Museu Municipal Nampula (Moçambique)
27. National Trust for Historic Preservation (Washington – EUA)
28. OEA
29. Periódico Ilustrado (Corrientes – Argentina)
30. Sociedade Bolivariana de Venezuela
31. The Brooklyn Museum (Nova Iorque – EUA)
32. The Ohio State University
Libraries (EUA)
33. Unesco
34. Universidad Central de Venezuela
35. Universidad de Buenos Aires/Instituto de Arte Americano y Investigaciones estéticas
(Argentina)
36. Universidad de Lovaina/Centro Latino-Americano (Bélgica)
37. University of California (EUA)
38. University of Texas (EUA)
39. Univesity of Virginia (EUA)
179
Anexo 2: Relação completa dos 22 números da série Publicações do Sphan, editados entre
1937 e 67
Título de Publicações do Sphan Autor Ano
Mucambos do Nordeste: algumas notas sobre o tipo de casa
popular mais primitivo do nordeste do Brasil
Gilberto Freyre 1937
Guia de Ouro Preto Manuel Bandeira 1940
Catálogo do Museu Coronel David Carneiro [Sem Autoria] 1940
Diário íntimo do engenheiro Vauthier, 1840-1846 Léger Louis Vauthier 1940
Em torno da história de Sabará: a Ordem 3ª do Carmo e sua
igreja, obras e religiosidade do Aleijadinho no tempo
Viana Zoroastro Passos 1940
Arte indígena da Amazônia Alberto Heloísa Torres 1940
Fortificação da Baia João da Silva Campos 1940
História da construção da Igreja do Carmo de Ouro Preto Francisco Antonio Lopes 1942
História das missões orientais do Uruguai Aurélio Porto 1943
1876 – a Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro Afrânio Peixoto 1943
Desenvolvimento da Civilização Material no Brasil Afonso Arinos de Mello 1944
Arraial do Tijuco, cidade Diamantina Áries da Mata Machado
Filho
1944
Instituição de igrejas do bispado de Mariana Raimundo Trindade 1945
Padre Jesuíno do Monte Carmelo Mário de Andrade 1945
Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho Rodrigo José Bretas 1951
História da antiga capela da Ordem Terceira da Penitência
de São Francisco em São Paulo, 1676-1783
Adalberto Ortmann 1951
São Francisco de Assis de Ouro Preto Raimundo Trindade 1951
Missão Artística de 1816 Afonso d’Escragnolle
Taunay
1956
Alcântara: subsídios para a história da cidade Antonio Lopes 1957
Contribuição ao estudo da pintura mineira Carlos Del Negro 1958
A Santa Casa de Misericórdia da cidade do Salvador Carlos Ott 1960
Tricentenário de Parati: notícias históricas José de Sousa Azevedo
Pizarro Araújo
1960
180
Anexo 3: Títulos dos artigos da Revista do Patrimônio e seus respectivos temas escritos por
cada autor (1937-1967)
Autor/Tema
(Quantidade)
Título do artigo Tema do artigo
N
o
da
Revista
1. Vestígios artísticos da dominação lusitana na
Amazônia
História 5
2. Roteiro Histórico das Fortificações do Amazonas História 6
3. Das condições defensivas da Capitania do Pará ao
findar o século XVIII
Documentação 7
4. Aspectos da Amazônia na sexta década do século
XVIII
Documentação 8
5. O Palácio Velho de Belém Arquitetura 10
6. Guia Histórico dos Municípios do Pará História 11
Artur César
Ferreira Reis:
Documentação
(3); História (3);
Arquitetura (1)
7. O estado das fortificações da Amazônia na quinta
década do século XVIII
Documentação 13
8. A Igreja de São Francisco de Assis de Mariana Arquitetura 7
9. A Casa de São Francisco em Mariana Documentação 8
10. A Casa Capitular de Mariana Documentação 9
11. Ourives de Minas Gerais nos séculos XVIII e
XIX
Documentação 12
12. A Igreja de São João, em Ouro Preto História da Arte 13
Cônego
Raimundo
Trindade:
Documentação
(3); Arquitetura
(1); História da
Arte (1); História
(1)
13. Igreja das Mercês de Ouro Preto – Documentos
do seu arquivo
História 14
14. A Igreja de São Francisco Xavier em Niterói Arquitetura 1
15. Aqueduto da Carioca História 4
16. Um litígio entre marceneiros e entalhadores no
Rio de Janeiro
Documentação 6
17. O Parque da Praça da República, antigo da
Aclamação
Arquitetura 8
18. Fontes e Chafarizes do Rio de Janeiro Arquitetura 10
Noronha Santos:
Arquitetura (3);
História (2);
Documentação
(1)
19. Vestígios de Fortim Colonial no Engenho Novo História 11
20. Relíquias do passado História 2
21. Um velho Solar de Mariana História 3
22. Ofícios mecânicos em Vila Rica durante o século
XVIII
Documentação 4
23. Os primeiros aforamentos e os primeiros ranchos
de Ouro Preto
Documentação 5
24. Como nasceu Sabará História 9
Salomão de
Vasconcelos:
Documentação
(3); História (3)
25. Como nasceu Ouro Preto – sua formação
cadastral desde 1712
Documentação 12
26. Os dois grandes lampadários do Mosteiro de São
Bento do Rio de Janeiro
História da Arte 5
27. A prataria seiscentista do Mosteiro de São Bento
do Rio de Janeiro
História da Arte 6
28. A antiga fazenda de São Bento em Iguaçu História 7
29. Temas pastoris na arte tradicional brasileira História da Arte 8
D. Clemente
Maria da Silva
Nigra: História
da Arte (3);
Arquitetura (1);
História (1)
30. Francisco de Frias de Mesquita, Engenheiro-mor
do Brasil
Arquitetura 9
31. Valor artístico e valor histórico: importante
problema da história da arte
História da arte 4
32. A propósito de três teorias sobre o Barroco História da arte 5
33. A pintura colonial no Rio de Janeiro História da arte 6
34. Modelos europeus na pintura colonial História da arte 8
Hanna Levy:
História da Arte
(5)
35. Retratos coloniais História da arte 9
Carlos Ott:
36. Os azulejos do Convento de São Francisco da
História da Arte 7
181
Bahia
37. Noções sobre a procedência da arte de pintura na
província da Bahia (manuscrito da Biblioteca
Nacional)
Documentação 11
38. O Forte do Mar, na Bahia História 13
39. O Forte de Santo Antonio da Barra Arquitetura 14
História da Arte
(2); Arquitetura
(1);
Documentação
(1); História (1)
40. José Joaquim da Rocha História da Arte 15
41. A litografia no Rio de Janeiro História da Arte 1
42. José Joaquim Viegas de Menezes – percursos da
gravura em Minas
História da Arte 2
43. Dois artistas franceses no Rio de Janeiro História da Arte 3
Francisco
Marques dos
Santos: História
da Arte (4)
44. O ambiente artístico fluminense à chegada da
Missão Francesa em 1816
História da Arte 5
45. Almeida Júnior: sua técnica, sua obra História da Arte 13
46. Manuel de Araújo Porto-Alegre – sua influência
na Academia Imperial de Belas Artes e no meio
artístico do Rio de Janeiro
Documentação 14
Alfredo Galvão:
Documentação
(2); História da
Arte (1)
47. Obras no antigo edifício da Academia Imperial de
Belas Artes
Documentação 15
48. Notas sobre a antiga pintura religiosa em
Pernambuco
História da Arte 3
49. Observações em torno da história da cidade do
Recife no período holandês
História 4
Joaquim
Cardoso:
Arquitetura (1);
História (1);
História da Arte
(1)
50. Um tipo de casa rural do Distrito Federal e
Estado do Rio
Arquitetura 7
51. Theatrum Rerum Naturalium Brasiliae Documentação 9
52. Palácio das Torres Arquitetura 10
Joaquim de
Souza Leão
Filho:
Arquitetura (2);
Documentação
(1)
53. Dois engenhos pernambucanos Arquitetura 13
54. Apontamentos para a bibliografia de Antonio
Francisco Lisboa
Documentação 3
55. Subsídios para a bibliografia de Manuel
Francisco Lisboa
História da Arte 4
Judith Martins:
História da Arte
(2);
Documentação
(1)
56. Novos subsídios acerca de Manoel Francisco
Lisboa
História da Arte 15
57. Documentação necessária Arquitetura 1
58. Notas sobre a evolução do mobiliário luso-
brasileiro
História da Arte 3
Lúcio Costa:
Arquitetura (2);
História da Arte
(1)
59. A arquitetura jesuítica no Brasil Arquitetura 5
60. Pintores do Rio de Janeiro Colonial (notas
bibliográficas)
Documentação 3
61. Valentim da Fonseca e Silva História da Arte 4
Nair Batista:
Documentação
(2); História da
Arte (1)
62. Caetano da Costa Coelho e a pintura da Ordem
Terceira de São Francisco da Penitência
Documentação 5
63. Uma casa de fazenda em Jurujuba Arquitetura 1
64. O Piauí e sua arquitetura Arquitetura 2
Paulo T.
Barreto:
Arquitetura (3)
65. Casas de Câmara e Cadeia Arquitetura 11
66. Alguns desenhos de arquitetura existentes no
Arquivo Histórico Colonial Português
Documentação 4
67. O códice de Frei Cristóvão de Lisboa Documentação 5
Robert Smith:
Documentação
(2); Arquitetura
(1)
68. Documentos baianos Arquitetura 9
69. O Solar do Colégio História 2 Alberto Lamego:
História (2)
70. Os sete povos das missões História 4
Augusto de Lima 71. Ligeiras notas sobre arte religiosa no Brasil História da Arte 2
182
Jr: Documenta-
ção (1); História
da Arte (1)
72. A congregação do Oratório e suas igrejas em
Pernambuco
Documentação 9
73. Resumo Histórico do Museu Paraense Emílio
Goeldi
Acervos e
Coleções
2
Carlos Estevão:
Acervos e
Coleções (1);
Arqueologia (1)
74. A Cerâmica de Santarém Arqueologia 3
75. Um pintor inglês no Brasil – do Primeiro Reinado História da Arte 12 David James:
História da Arte
(2)
76. Rugendas no Brasil: obras inéditas
História da Arte 13
77. Alguns aspectos da cultura artística dos Pancarús
de Tacaratú (Índios dos sertões de Pernambuco)
Etnografia 2
Estevão Pinto:
Arquitetura (1);
Etnografia (1)
78. Muxarabís e Balcões Arquitetura 7
79. Decoração das malocas indígenas Etnografia 5 Gastão Cruls:
Arqueologia (1);
Etnografia (1)
80. Arqueologia amazônica Arqueologia 6
81. Sugestões para o estudo da arte brasileira em
relação com a de Portugal e a das Colônias
História da Arte 1
Gilberto Freyre:
Arquitetura (1);
História da Arte
(1)
82. Casas de Residência no Brasil – Introdução
Arquitetura 7
83. Seminário de Belém da Cachoeira Arquitetura 1 Godofredo Filho:
Arquitetura (1);
História (1)
84. A torre e o castelo de Garcia d’Ávila História 3
85. Móveis antigos de Minas Gerais História da Arte 7 J. Wasth
Rodrigues:
Arquitetura (1);
História da Arte
(1)
86. A casa de moradia no Brasil antigo Arquitetura 9
87. O Adro do Santuário de Congonhas Arquitetura 3 José de Sousa
Reis: Arquitetura
(2)
88. Arcos da Carioca Arquitetura 12
89. A mais velha casa de Corrêas História 2 Lourenço Luís
Lacombe:
História (2)
90. A Fazenda de Santo Antonio em Petrópolis
História 8
91. O Alpendre nas capelas brasileiras Arquitetura 3
Luís Saia:
Arquitetura (2)
92. Notas sobre a Arquitetura Rural paulista do
segundo século
Arquitetura 8
93. Do Rio de Janeiro a Vila Rica Documentação
3
Luis Camilo de
Oliveira Neto:
História da Arte
(1);
Documentação
(1)
94. João Gomes Batista História da Arte 4
95. A pintura decorativa em algumas igrejas antigas
de Minas
História da Arte 3
Luiz Jardim:
História da Arte
(2)
96. A pintura do guarda-mor José Soares de Araújo
em Diamantina
História da Arte 4
97. Manoel da Costa Ataíde, dourador
Documentação 2
Manuel Bandeira:
Documentação
(1); História (1)
98. D. Sebastião Leme História 6
99. A Capela de Santo Antonio Arquitetura 1 Mário de
Andrade:
Arquitetura (1);
Documentação
(1)
100. Uma carta do padre Jesuíno do Monte Carmelo Documentação 5
101. A natureza e os monumentos culturais Etnografia 1 Raimundo Lopes:
Etnografia (2)
102. Pesquisa etnológica sobre a pesca brasileira no Etnografia 2
183
Maranhão
103. Programa * 1 Rodrigo M. F. de
Andrade: História
da Arte (1)
104. Contribuição para o estudo da obra de
Aleijadinho
História da Arte 2
105. O Colégio de S. Alexandre e a Igreja de São
Francisco Xavier, de Belém do Grão do Pará
Arquitetura 6
Serafim Leite:
Arquitetura (1);
História (1)
106. Aldeia dos Reis Magos História 8
A. L. Pereira
Ferraz:
Arquitetura (1)
107. Real Forte do Príncipe da Beira Arquitetura 2
Afonso Arinos:
Documentação
(1)
108. O primeiro depoimento estrangeiro sobre o
Aleijadinho
Documentação 3
Afonso de E.
Taunay: História
(1)
109. O Forte de São Tiago da Bertioga História 1
Alberto Rangel:
História da Arte
(1)
110. O Álbum de Highcliffe História da Arte 6
Aluísio de
Almeida:
Arquitetura (1)
111. Casas do século 18 e 19 em Sorocaba Arquitetura 9
Anêmona Xavier
de Basto Ferrer:
Documentação
(1)
112. Monumentos construídos pelos portugueses no
Brasil
Documentação 15
Aníbal Fernandes:
Arquitetura (1)
113. A Igreja dos Montes Guararapes Arquitetura 1
Ayrton Carvalho:
Arquitetura (1)
114. Algumas notas sobre o uso da pedra na
arquitetura religioso do Nordeste
Arquitetura 6
Curt Nimuendaju:
Etnografia (1)
115. A habitação dos Timbira Etnografia 8
D. Bonifácio
Jansen:
Documentação
(1)
116. Livro do gasto da sacristia do Mosteiro de São
Bento de Olinda, 1756-1802
Documentação 12
David A. da Silva
Carneiro:
Arquitetura (1)
117. Colégio dos Jesuítas em Paranaguá Arquitetura 4
Deoclécio Redig
de Campos:
História da Arte
(1)
118. Um desenho preparatório para a “Libertação de
São Pedro”, obra da escola de Rafael, na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
História da Arte 3
Dom Carlos
Tasso de Saxe:
História da Arte
(1)
119. A formação artística da Imperatriz Dona
Leopoldina
História da Arte 15
E. Orosco:
História da Arte
(1)
120. As avarias nas esculturas do período colonial de
Minas Gerais
História da Arte 5
Epaminondas de
Macedo:
Arquitetura (1)
121. A Capela de Nossa Senhora de Sant’Ana Arquitetura 1
Francisco
Venâncio Filho:
História (1)
122. A Barraquinha de Euclides da Cunha História 2
Frei Venâncio 123. Convento de Santo Antonio de Ipojuca História 13
184
Willeke O.F.M:
História (1)
Gilberto Ferrez:
Documentação
(1)
124. A fotografia no Brasil e um dos seus mais
dedicados servidores: Marc Ferrez (1843-1923)
Documentação 10
Hélcia Dias:
História da Arte
(1)
125. O mobiliário dos inconfidentes História da Arte 3
Heloísa Alberto
Torres:
Arqueologia (1)
126. Contribuição para o estudo da proteção ao
material arqueológico e etnográfico no Brasil
Arqueologia 1
Ivo Porto de
Menezes:
Arquitetura (1)
127. O Palácio dos Governadores de Cachoeira do
Campo
Arquitetura 15
J. Moritz
Rugendas:
Etnografia (1)
128. Imagens e notas do Brasil Etnografia 13
João Miguel do
Santos Simões:
História da Arte
(1)
129. Azulejaria no Brasil História da Arte 14
José Antonio
Gonçalves de
Mello: História
(1)
130. Cristóvão Álvares – engenheiro em Pernambuco História 15
José de Almeida
Santos: História
da Arte (1)
131. O estilo brasileiro D. Maria ou colonial brasileiro História da Arte 6
José Wanderley
Pinho: História da
Arte (1)
132. Mobiliário, vestuário, jóias e alfaias dos tempos
coloniais
História da Arte 4
L. L. Vanthier:
Documentação
(1)
133. Casas de Residência no Brasil Documentação 7
Maria de Lourdes
Pontual:
Arquitetura (1)
134. A sacristia da Catedral da Baía e a posição da
igreja primitiva
Arquitetura 4
Mário A. Freire:
Arquitetura (1)
135. O Convento da Penha Arquitetura 9
Mário Barata:
Documentação
(1)
136. Manuscrito inédito de Lebreton – sobre o
estabelecimento de dupla Escola de Artes no Rio
de Janeiro, em 1816
Documentação 14
Mário Ferreira
França: História
(1)
137. A Fortaleza de Villegagnon História 9
Michel
Benisovich:
História da Arte
(1)
138. Frans Post e Albert Eckhout, pintores holandeses
do Brasil, e as “tapeçarias das Índias” dos
Gobelins
História da Arte 7
Nuto Sant’Anna:
Arquitetura (1)
139. A Igreja dos Remédios Arquitetura 1
Rômulo Barreto
de Almeida:
Arquitetura (1)
140. A Capela de São José do Genipapo Arquitetura 2
Roquette Pinto:
Etnografia (1)
141. Estilização Etnografia 1
Sérgio Buarque 142. Capelas antigas de São Paulo História 5
185
de Holanda:
História (1)
Sylvio de
Vasconcelos:
História (1)
143. Formação urbana do arraial do Tijuco História 14
Sem Autoria 144. Mobiliário Nacional História da Arte 1
Sem Autoria 145. Alguns Monumentos de Arquitetura Religiosa do
Brasil
Arquitetura 1
Sem Autoria 146. Manuel Francisco Lisboa foi o autor da planta da
Igreja de N. S. do Carmo de Ouro Preto
Documentação 1
Sem Autoria 147. Louis Vanthier e o seu diário inédito de uma
viagem ao Brasil
História 1
Sem Autoria
148. Museu Regional de Olinda
Acervos e
Coleções
1
Sem Autoria
149. Museu Mariano Procópio
Acervos e
Coleções
1
Sem Autoria
150. Museu Coronel David Carneiro, em Curitiba
Acervos e
Coleções
1
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo