53
Para o eu-lírico, essa aritmética é hedionda, o que significa que a
considera repulsiva horrível, repugnante ou que lhe provoca intensa indignação
moral. No contexto do poema, os dois sentidos estão interligados, já que
podemos notar a intensa indignação do eu-lírico pela indiferença do coveiro ao
exercer o seu oficio.
O emprego de termos técnicos parece demonstrar alguma racionalidade
à morte, tratada como realidade objetiva, quantificável, sem mistificação. Essa
perspectiva parece dialogar com o sentimentalismo e subjetivismo da tradição
romântica, que idealiza a morte como evento transcendental, porém, para esse
eu-lírico, a morte é física, quantificada e reduzida a carnes podres, uma
imagem bem realista à transformação do corpo depois da morte.
Para o eu-lirico, esse coveiro é ascético, ou seja, místico, contemplativo,
o que nos parece uma ironia, uma vez que ele está reduzindo o ato de enterrar
os mortos a algo frio, mecânico, digno de enumerar os pobres cadáveres
tábidos, ou seja, podres, extenuados.
Fechando o poema, o corpo defunto se fragmenta em nomes de partes
do corpo, tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros, mostrando a fragmentação
e decomposição que ocorre depois da morte, levando o corpo a reduzir-se a
apenas partes e, nesse caso, ossos. Notamos que o poema vai se
decompondo também, à medida que mostra a decomposição humana, unindo
forma e conteúdo. E, o que parecei uma ode, mostra que é uma cantiga de
maldizer, pois a imagem do coveiro é a da própria morte, o que o eu-lírico está
execrando: o fato de que todos morremos e que nosso fim é a cova.