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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
IGOR JOSÉ TRABUCO DA SILVA
MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO A ASSEMBLÉIA
DE DEUS E A POLÍTICA EM FEIRA DE SANTANA
(1972 1990)
Salvador
2009
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IGOR JOSÉ TRABUCO DA SILVA
MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO A ASSEMBLÉIA
DE DEUS E A POLÍTICA EM FEIRA DE SANTANA
(1972 1990)
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em História da Universidade
Federal da Bahia, sob orientação da
Professora Doutora Elizete da Silva.
Salvador
2009
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IGOR JOSÉ TRABUCO DA SILVA
MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO A ASSEMBLÉIA
DE DEUS E A POLÍTICA EM FEIRA DE SANTANA
(1972 1990)
Dissertação defendida e aprovada pela banca examinadora constituída pelos
professores:
__________________________________
Prof Dr Aldo José Morais Silva - UNEB
Profª Drª Elizete da Silva UFBA /UEFS
Profª Drª Sueli Ribeiro Mota Souza - UNEB
A minha mãe
por todo seu amor,
generosidade e apoio
em todos os momentos
Plantar o trigo e refazer o pão de cada dia
A fé, a fé, paixão e fé, a fé faca amolada
O chão, o chão, o sal da terra o chão, faca amolada
Deixar a sua luz brilhar no pão de todo dia
Deixar o seu amor crescer na luz de cada dia
Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser muito tranqüilo
Um brilho cego de paixão e fé, faca amolada
Fé cega faca amolada
(Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos)
Agradecimentos
Durante o árduo processo de desenvolvimento desta dissertação
algumas pessoas estiveram envolvidas, direta ou indiretamente, em sua
produção, tanto em dar sugestões, conseguir materiais que contribuíram com
sua escrita ou simplesmente através das palavras de carinho e conforto, que
foram estimulantes e decisivas nos momentos de maior angústia.
A minha mãe Zelande pelos incentivos e encorajamentos que foram
fundamentais para o ingresso e a conclusão do mestrado. Pelas comidas
prontas que mandava para Salvador, quando minha dedicação à escrita
necessitava de mais atenção e pela especial acolhida em meu retorno à Feira
de Santana para apenas me concentrar neste trabalho.
Aos meus familiares pela inestimável ajuda emocional: ao meu irmão
Iaron, meu pai Antonio, minhas tias, tios, primos e primas, que são muitos. Em
especial, agradeço a Alanna, minha prima, que ajudou com as impressões dos
materiais provisórios, que foi minha portadora ao levar e pegar materiais junto a
minha orientadora e pelos empréstimos de livros na Biblioteca da UEFS. A
Alfredo que levou estes materiais até Salvador. Ariane, Jaquinho, Jão e
Marquinho pela distração quando não tinha mais paciência com o computador.
A Maria Cecília, amizade de longas datas, e que posso sempre contar
nos momentos difíceis, inclusive na ajuda à dissertação. A Uyara e Mariany,
pela amizade.
Aos que tanto contribuíram a minha formação desde a Graduação em
História na UEFS. São muitas histórias e muito a agradecer a Tatiana, Fabrício,
Igor Gomes, Edivania e Iris, pelo envolvimento, colaboração e preciosa
amizade destes destacados historiadores, dos quais tenho orgulho de ser
amigo e estar junto em todos momentos, sempre que possível. A Guiu, que
integrou esse nosso seleto time (risos), por toda colaboração esses anos, o
acolhimento e a amizade. Aos históricos: Clara, Nilton, Paloma e Robério.
Aos amigos formados no mestrado da UFBA: André, Gisele e Reinaldo,
muito importantes nos encontros de História, conversas de bar e nas
discussões historiográficas. A Adriana e Zózimo pela ajuda com fontes e
materiais.
A Antônia, valiosa amizade formada para além do trabalho, enquanto
professores da escola Normal de Camaçari e que muito ajudou quando precisei
me ausentar da escola e mudar o horário das minhas aulas. A Iasnaia, outra
importante amizade formada no trabalho.
A Sara Ferreira, que tive a felicidade de conhecer na graduação, quando
participava do Centro de Pesquisa da Religião, me falta palavras para
agradecer o tanto que fez durante todos esses anos de vida acadêmica. O que
consegui coletar de fontes e dados e as entrevistas realizadas tiveram a sua
participação, generosidade e sempre sincera amizade.
Aos professores que participaram de minha formação e foram
importantes em diversas etapas e dos quais tenho muita admiração: João
Rocha, Rogério, Eurelino Coelho, André Uzêda, Rinaldo, Edilece, Gino e Clóvis
Ramaiana.
Aos professores Aldo Morais e Sueli Souza, por aceitarem compor a
banca deste trabalho de mestrado.
A professora Elizete da Silva que me orienta desde a graduação na
UEFS. Orientou a monografia de especialização, também pela UEFS, e a
presente dissertação de mestrado, pela UFBA. Espero que me oriente também
quando chegar à vez da tese de doutorado. Sou muito grato por ter tido a sorte
de ser um de seus orientandos, pois além de ser uma excelente professora e
orientadora é uma das raras pessoas que conheço dada a sua ética, bom
humor, disposição e paciência.
Às pessoas que cederam parte do seu tempo para conceder entrevistas:
Gerson Gomes da Silva, Cadmiel Pereira, Marli Santana, Norma Soares, Jairo
Soares e Luciano Ribeiro. Aos membros da Assembléia de Deus que também
entrevistei, concederam a pesquisa em suas fontes e foram sempre generosos
e solícitos. Aos funcionários da Câmara Municipal de Feira de Santana,
Assembléia Legislativa da Bahia e Biblioteca Municipal de Feira de Santana
pela ajuda durante a pesquisa.
E a Deus, que nos momentos de angústia sempre invocava o Nome.
A todos que me ajudaram e que compartilho as qualidades que este
trabalho possa ter, menos os inevitáveis erros, que são de minha inteira
responsabilidade. Muito obrigado!
Resumo
A presente dissertação analisa a atuação política da Assembléia de
Deus de Feira de Santana, instalada em 1938. O contato com a sociedade
feirense ocorreu através da política assistencialista. As atividades beneficentes
proporcionaram uma interferência da Assembléia de Deus nas questões sociais
e foi importante por aproximá-la das lideranças políticas municipais e
estaduais. Foi, portanto, inevitável a relação de favorecimento dos políticos às
obras sociais e espirituais da Assembléia de Deus de Feira de Santana em
troca de voto. Conscientes de sua força eleitoral e de sua representatividade, a
participação na política partidária se efetivou com a eleição de candidatos
próprios entre 1972 e 1990. A investigação das relações entre religião e política
compreende um período rico do contexto nacional, isto é, da ditadura militar ao
processo de abertura democrática.
Palavras-chaves: Pentecostalismo Política Feira de Santana
Abstract
This dissertation analyzes the political action of Feira de Santana‟s
Assembléia de Deus, installed in the city in 1938. The contact with the Feira de
Santana‟s society happened through the pratical assistance. The fund-raising
activity provided an interference of Assembléia de Deus in the social issues and
helped to approach it to the political and city and state leaders. It was, therefore,
unavoidable the promoting relation of the politicians with the social and spiritual
works of Assembléia de Deus of Feira de Santana in exchange for votes. Aware
of their electoral strength and their representativeness, the participation in party
politics has leaded to the election of their own candidate in 1972. The
investigation of religion and politic relations includes a rich period at national
context from military dictatorship to democratic open-mind in Feira de Santana.
Keywords: Pentecostalism Politic Feira de Santana
Lista de abreviaturas
AD Assembléia de Deus
ADEFS Assembléia de Deus de Feira de Santana
ADONEP - Associação de Homens de Negócios Evangélicos
AFAS Associação Feirense de Assistência Social
AMA Amparo ao Menor Abandonado
ARENA Aliança Renovadora Nacional
CEADEB - Convenção Estadual das Assembléias de Deus na Bahia
CEBAD - Centro Beneficente da Assembléia de Deus
CGADB - Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil
CIA Centro Industrial do Aratu
CIS Centro Industrial do Subaé
CRDJ Centro de Recuperação Desafio Jovem
CVL “Cristo vos Liberta”
DEM Partido Democrata
IURD - Igreja Universal do Reino de Deus
MDB Movimento Democrático Brasileiro
MOC Movimento de Organização Comunitária
OEAD Orfanato Evangélico da Assembléia de Deus
PDLI - Plano de Desenvolvimento Local Integrado
PDS Partido Democrático Social
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
SEFAM - Associação Feirense de Assistência a Mendigos
SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
SUS Serviço Único de Saúde
Índice de Tabelas
Tabela 1: Profissões dos membros fundadores da ADEFS..............................57
Tabela 2: População de Feira de Santana........................................................63
Tabela 3: Migração entre os assembleianos.....................................................89
Tabela 4: Últimos números da eleição a prefeito (1982).................................163
Índice de fotos
Foto 1. Pastor Severino Soares realiza uma cerimônia de casamento.............51
Foto 2. Modernização em Feira de Santana......................................................67
Foto 3. A tradicional feira...................................................................................71
Foto 4. Migrante protestante fugindo da seca...................................................84
Foto 5. Família migrante....................................................................................90
Foto 6. Antigo prédio do Orfanato da Assembléia de Deus em Feira de
Santana............................................................................................................102
Foto 7. As crianças do Orfanato......................................................................104
Foto 8. Centro de Recuperação Desafio Jovem..............................................107
Foto 9. Cruzada evangelística.........................................................................115
Foto 10. Pastor Severino Soares no púlpito da AD.........................................137
Foto 11. Santinho do Pastor Severino Soares.................................................141
Foto 12. Programa evangélico de rádio com Waldeir Pereira.........................142
Foto 13. Vereador Waldeir Pareira ao lado do Pastor Severino Soares e outros
membros em culto na Assembléia de Deus de Feira de Santana...................143
Foto 14. Deputado Gerson Gomes e Pastor Severino Soares com outros
assembleianos.................................................................................................152
Foto 15. Formatura no CRDJ...........................................................................153
Foto 16. Campanha eleitoral de Gerson Gomes no ano de 1986...................158
Foto 17. Candidatos a prefeito em 1982 em Feira de Santana.......................160
Foto 18. A dupla política Colbert Martins e Francisco Pinto............................162
Sumário
Introdução........................................................................................................15
O problema........................................................................................................15
Aspectos teóricos: as relações entre religião e política.....................................18
Metodologia.......................................................................................................26
Capítulo I
Caminhos cruzados: a Assembléia de Deus em Feira de Santana...................31
Protestantismo no Brasil e na Bahia..................................................................31
As origens pentecostais.....................................................................................34
O protestantismo nas terras de Sant‟Anna: a presença da Assembléia de
Deus...................................................................................................................36
A religiosidade feirense: a Feira é de Sant‟ Anna..............................................41
Choque entre a religiosidade popular e os pentecostais...................................45
Calendário festivo nacional e conflitos com o ideal de trabalho
protestante.........................................................................................................47
Costumes e doutrinas da Assembléia de Deus de Feira de Santana...............49
Expansão e composição social..........................................................................54
Capítulo II
Pentecostais assembleianos em Feira de Santana: entroncamento sócio-
cultural...............................................................................................................62
Feira de Santana: uma modernização “forçada”...............................................68
A instalação do Centro Industrial do Subaé.......................................................73
Pentecostais, as invasões e o crescimento demográfico em Feira de
Santana..............................................................................................................76
Marx, os favelados e a Bíblia entre Messias e Waldeir.....................................86
Capítulo III
A Assembléia de Deus de Feira de Santana e o assistencialismo....................92
Da aversão protestante a “este” mundo à participação política.........................94
Levando fé aos despossuídos: a assistência social e a presença assembleiana
junto aos poderes públicos................................................................................97
As instituições sociais assembleianas em Feira de Santana..........................100
Capítulo IV
De indivíduos-fora-do-Mundo para indivíduos-no-Mundo................................120
Os assembleianos na política partidária feirense............................................127
Os escolhidos: a Assembléia de Deus de Feira de Santana elege seus
“irmãos”............................................................................................................131
Perfis de José Marques de Souza, Lucivaldo Teixeira e Urbano Matos.........132
Perfis de Manoel Joaquim da Silva e Severino Soares...................................135
Um perfil de Waldeir dos Santos Pereira.........................................................142
Um perfil de Gerson Gomes da Silva..............................................................148
As relações político-partidárias de Gerson Gomes.........................................167
Considerações finais.....................................................................................181
Fontes.............................................................................................................185
Referências bibliográficas............................................................................188
Anexos............................................................................................................195
INTRODUÇÃO
A presente dissertação objetiva analisar o contexto que levou a
participação evangélica no cenário político. A Assembléia de Deus se instalou
na cidade de Feira de Santana em 1938.
Esta dissertação que ora se apresenta resulta de um processo de
pesquisas e interesses iniciados desde a graduação, quando integrante no
Centro de Estudos da Religião (CPR), núcleo de pesquisa do Departamento de
Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana.
O aprofundamento da pesquisa em fontes primárias, principalmente os Livros
de Atas da Assembléia de Deus, chamou a atenção para o fazer política entre
os membros desse grupo religioso, de origem protestante, possibilitando o
caminhar para este trabalho.
A presença e influência das religiões, e seu papel estruturador nas
sociedades é um fator inegável. Vários estudiosos já apontaram nessa direção.
No campo religioso, fundamentaram-se ações, formas de pensamentos,
tentativas de compreensão e explicação do mundo e finalidade dos homens, no
interior de culturas e sociedades. A atuação das religiões não ocorre em
campos isolados, não corresponde a aspectos irrelevantes da vida social e não
se limita apenas a questões relativas à e sua complexa estrutura de
organização.
A religião como integrante do cultural interfere na complexa realidade
humana, interagindo e sendo estruturada em seus aspectos sociais e políticos.
A análise da religião e do religioso não se limita aos estudos eclesiásticos,
abarca também relações de poder em contextos específicos.
O problema
No ano de 1972, em Feira de Santana, cidade do interior baiano, foi
eleito vereador Gerson Gomes da Silva, exercendo junto a Câmara de
Vereadores de Feira de Santana seu primeiro mandato municipal. O segundo
foi no ano de 1976. Este segundo mandato o foi completado por ter sido
eleito, em 1978, para deputado estadual, cargo ao qual retornou entre em
1986. Entre uma candidatura e outra para deputado estadual, concorreu a uma
vaga para prefeito da cidade, em 1982, sendo o segundo mais votado,
perdendo para um antigo aliado político, mas nas circunstâncias políticas,
adversário, José Falcão da Silva. O político assembleiano Gerson Gomes
atuou tanto na oposição, MDB, quanto na situação PDS.
Gerson Gomes da Silva foi o principal nome feirense da Denominação
Pentecostal Assembléia de Deus de Feira de Santana a conseguir um cargo
eletivo em plena década de 1970, tendo iniciado sua tentativa de inserção no
mundo político na década de 1950. Suas candidaturas tiveram apoio de
diversos grupos evangélicos, não da Assembléia de Deus, o que contribuiu
para ocupar sucessivos cargos nos poderes públicos local e estadual.
Fator marcante foi que Gerson Gomes entrou na política partidária em
um período em que o grupo religioso era pouco afeito a uma aproximação
direta com atividades políticas. Não que o a praticasse. Praticava, mas não
de forma direta. Gerson Gomes foi um divisor de águas na atuação política
assembleiana em Feira de Santana, contribuindo para uma maior visibilidade
social da mesma na cidade e no Estado da Bahia.
Portanto, a problemática central busca analisar os fatores que levaram
ao ingresso político partidário de assembleianos feirenses em um momento em
que a política não era praticada de maneira ampla, antecedendo o que alguns
estudiosos denominaram de “despertar da consciência política evangélica à
campanha irmão vota em irmão” ocorrida na década de 1980, em nível
nacional, influenciando a Constituinte de 1986. Assim, a presente dissertação
analisa a participação política assembleiana, em Feira de Santana em um
período que antecedeu à Constituinte de 1986, tendo a Assembléia de Deus
eleito seus próprios representantes na defesa dos interesses da comunidade.
A análise, portanto, apontou um fato interessante para a cidade de Feira
de Santana: a entrada de evangélicos na política teve presença assegurada
através de força eleitoral e cumprimento de mandato antes da Constituinte de
1986, o que contraria a idéia de estudiosos
1
de que a presença evangélica na
política foi concomitante ao processo de abertura, pós-governo militar.
Faz-se necessário ressaltar que a presença política antes da abertura
democrática ser restaurada e da Constituinte de 1986, não ocorreu com forte
intensidade tal qual se processou neste período, em que a presença evangélica
na política foi mais ampla em nível local e nacional.
A candidatura de Gerson Gomes foi possibilitada neste período, mesmo
quando a política não era bem vista pelos “irmãos”, não apenas pelo fato de ser
conhecido nos meios religiosos, mas também, e que contava muito, não ser o
pastor do grupo. Ou seja, ele tinha um poder simbólico, era conhecido e
admirado entre os evangélicos, mas não estava à frente de uma congregação.
Os assembleianos achavam que a entrada dos pastores na política poderia
significar uma desvirtualização dos valores religiosos a que se apegavam.
A política, para os membros da Assembléia de Deus, era considerada
ímpia, não devendo ser praticada pelo grupo. O lidar com a política pertencia
ao mundo e os membros deveriam evitar se misturar, “contaminar”, pois
participar de atividades ímpias significava para os assembleianos desviar dos
mandamentos divinos. A advertência era tu não participarás, conforme
demonstrou a documentação utilizada, sobretudo pelas discussões nos Livros
de atas da Assembléia de Deus em Feira de Santana. Contudo, em meio a
essa rejeição da política, ainda na cada de 1950 foi registrado os primeiros
candidatos da Denominação Assembléia de Deus em Feira de Santana a
pleitear, não obtendo sucesso, uma cadeira na Câmara Municipal. Mas
significou um avanço em relação a objeção que faziam dessa prática.
A Assembléia de Deus se inseriu no município de Feira de Santana,
cidade de origem notadamente católica, atestada pelo seu nome de batismo,
em 1938. Feira de Santana teve sua formação econômica relacionada
inicialmente à prática do pastoreio, posteriormente foi impulsionada pelo
comércio regional, pelas atividades industriais e, sobretudo, por ter se tornado
1
Ver FRESTON. Paul. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment. Tese
de doutorado. Unicamp. S.P. 1993 e PIERUCCI, Antônio Flávio e PRANDI, Reginaldo. A
realidade social das religiões no Brasil: religião, sociedade e política. Ed Hucitec. São Paulo.
1996.
um importante entroncamento rodoviário, interligando o Norte e o Sudeste
brasileiro.
O período de análise corresponde aos anos de 1972 a 1990, fase de
maior atuação política do grupo religioso assembleiano, tanto em atividades
assistencialistas, para manter suas entidades sociais, como na política
partidária, com candidatos próprios, através de atuações, como as de Gerson
Gomes da Silva e Waldeir dos Santos Pereira, membros da Assembléia de
Deus que foram eleitos a cargos políticos no período em estudo.
Este recorte abarcou aspectos importantes da História Nacional, como o
período do regime militar à abertura democrática, passando pela Constituinte
Nacional de 1986. Em nível regional e local vislumbramos o processo de
industrialização do Nordeste, o surto migratório e o crescimento de cidades, em
vigor desde a década de 1950.
Feira de Santana, em virtude da modernização processada no período
em apreço pelo crescimento urbano, em grande parte decorrente de seu
potencial comercial, despontou como uma cidade interiorana de inegável
relevância regional, nos limites do sertão e do litoral. Assistia, em decorrência
de seu desenvolvimento econômico, a vinda de grupos imigrantes de diversas
áreas do sertão nordestino, em boa parte fugindo dos transtornos causados
pela seca e falta de trabalho no campo. Concomitante com o desenvolvimento
feirense se expandiu a Denominação Assembléia de Deus, arregimentando
expressivo número de membros e interferindo em questões do seu cotidiano.
Aspectos teóricos: as relações entre religião e política
A temática em apreço estuda a relação entre religião e política, vista por
muitos, ainda como pólos opostos, principalmente pelos praticantes de
manifestações de fé ou por militantes políticos.
Por política entende-se, em conformidade com René Remond, um ponto
para onde conflui a maioria das atividades e que recapitula os outros
componentes do conjunto social.
2
Ou seja, a política perpassa e interfere nos
aspectos econômicos e sociais, bem como na vida cotidiana de homens e
mulheres, não que as determine ou que a vida social seja pré-condição de sua
existência. A política, assim como a religião, está inserida na dinâmica cio-
cultural.
Pretende-se analisar aspectos da política assistencialista e política
partidária. O envolvimento político não isentou os cuidados em relação à
manutenção doutrinária e aos costumes da comunidade religiosa. A questão
moral, determinante da organização religiosa do grupo, foi um fator que influiu
em seu relacionar com a política. A atuação de membros do grupo no campo
político vinculava-se às hierarquias ou poder simbólico ocupado na
Denominação. Portanto, as concepções que formaram em torno da política
relacionam-se às representações construídas em torno do exercício do poder
político, tanto no âmbito interno da comunidade, quanto em seu âmbito externo.
Foi uma forma de demarcar presença na sociedade feirense e afirmar seu
espaço no campo religioso local.
A religião, por ser um elemento da cultura, perpassa por diversos
aspectos do social, adquirindo assim um lugar privilegiado, porquanto ela seria
o caminho através do qual passariam as aspirações, representações,
interpretações, enfim, a visão de mundo dos seus membros
3
. Estes aspectos
demonstram a complexidade que assumem os estudos da religião, bem como
sua influência em diversos aspectos do social, o que levou a pensar sua
definição nos diversos campos do saber, tanto no âmbito da História das
Religiões, como da Sociologia, na Filosofia da Religião e na Antropologia
Cultural. Conforme Stefano Martelli a religião passa a ser reconhecida como
um fator relevante da mutação social e política que está rapidamente mudando
o rosto do mundo contemporâneo
4
. Ou seja, a religião assumiu posição central
para a compreensão social, pois ela não se limita a um espaço fechado. Seu
poder de alcance se tornou bastante amplo, interferindo tanto no social quanto
no político.
2
RÉMOND, René. Por uma história política. 2ª ed. Rio de Janeiro. Ed FGV. 2003, p. 447.
3
TEIXEIRA, Marli Geralda. Nós os batistas... um estudo de história das mentalidades. São
Paulo. FFLCH/ USP. Tese de doutoramento. 1983, p. 15.
4
MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna: entre secularização e
dessecularização. São Paulo, Paulinas. 1995, p.09.
As relações políticas e a prática cotidiana de diversos grupos
evangélicos, ficaram cada vez mais próximos, dada a expansão da
interferência da religião na sociedade, não que esta relação estivesse livre de
conflitos, mas foi necessária no aprofundamento das relações com a
comunidade circundante. O avançar das relações entre religião e política não
significou uma definição ideológica e partidária por parte de seus integrantes.
Pelo contrário, faltava, sobretudo, por parte destes grupos pentecostais, uma
ideologia política.
Inicialmente para estes segmentos, sobretudo nos primeiros anos do
século XX em que possuíam pouca expressão na sociedade, a política
significaria a derrocada das práticas religiosas, a contaminação, sendo muito
mais interessante esperar o celeste porvir. Contudo, as mudanças sociais
ocorridas na sociedade brasileira, indicaram uma nova direção, principalmente
com a laicização do Estado, o crescimento do protestantismo no Brasil a
representatividade que foram acumulando. Isto possibilitou a pregar a
concepção de que deveriam ser ”cabeça e deixar de ser cauda”. Esta
perspectiva, da análise do texto bíblico, partiu da premissa de que os
evangélicos deveriam participar do mundo de modo a defender os interesses
da “sua igreja” e não deixar para outros grupos, alheios aos seus interesses,
tomar tais decisões. Assegurando condições para esta nova postura a política
foi se tornando prática necessária e aceita no interior do grupo religioso.
Um outro fator foi o auto-reconhecimento dos protestantes como melhor
indicados a reger a ordem política do País, dado a ética que afirmavam possuir,
bem como a densidade eleitoral que o crescimento das comunidades
evangélicas passaram a ter. No caso da Assembléia de Deus de Feira de
Santana, a partir de 1950. O crescimento da atuação política protestante foi
possibilitada pelas mudanças externas e internas em suas comunidades.
Freston elucidou bem os motivos desta aproximação entre religião e
política ao afirmar que a entrada pentecostal na política é um ato de defesa
cultural: uma reação a mudanças no ambiente social que ameaçavam minar a
capacidade de manter a cultura do grupo.
5
5
FRESTON, 1993, op.cit., p. 216.
O presente trabalho utilizou como pressupostos os estudos do cultural,
com influência no social, no trato dos novos objetos e valorização dos sujeitos
na História. Para tanto, deram suporte a este trabalho as contribuições dos
historiadores Roger Chartier, E. P. Thompson e do sociólogo Pierre Bourdieu,
dada sua influência entre os historiadores que estudaram a religião e a
necessidade da prática da interdisciplinaridade
Roger Chartier tem como interesse investigar as instituições de ensino,
os intelectuais, a festa, a morte, a leitura, a religião, inseridas em um conjunto
de práticas e objetos culturais que adquirem sentido do lugar em que fala o
sujeito. São centrais em sua análise conceitos como representação,
representação coletiva e apropriação, pois:
Identifica o modo como em diferentes lugares e momentos uma
determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler. Uma
tarefa deste tipo supõe rios caminhos. O primeiro diz respeito às
classificações, divisões e delimitações que organizam a apreensão do
mundo social como categorias fundamentais de percepção e de
apreciação do real
6
.
Em torno deste entendimento que Chartier formulou sua metodologia
partindo de um estudo crítico dos textos, da história dos livros e da análise das
práticas. O autor utilizou essa metodologia para analisar a relação entre “o
mundo do texto” e o “mundo do leitor”. O leitor, ou seja, o sujeito se apropria do
texto, o objeto, que está em interlocução com ele, a partir da leitura de mundo
que faz. A leitura de mundo é um processo historicamente determinado e cujos
modos e modelos variam de acordo com os tempos, lugares e os grupos
(comunidades) envolvidos. Isto possibilitou a produção de sentido entre o leitor
(sujeito) e o texto (objeto). A leitura envolve gestos, hábitos, espaços. Portanto,
nesta relação, o conceito de apropriação foi fundamental por romper com o
conceito de sujeito universal e abstrato.
A noção de apropriação pode ser, desde logo, reformulada e
colocada no centro de uma abordagem de história cultural que se
prende com práticas diferenciadas, com utilizações contrastadas
7
.
A apropriação a nosso ver, visa uma história social dos usos e
interpretações referidas a suas determinações fundamentais e
inscritas nas práticas específicas, que as produzem
8
.
6
CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. RJ. Bertram Brasil.
1990, p. 16-7.
7
CHARTIER. 1990, op.cit., p. 26.
Para o autor, as práticas, ao serem apropriadas, cruzam com as
representações. Metodologicamente este recorte assumiu lugar central no
estudo do cultural. Pelo fato da representação significar ver o ausente,
distinguindo o que representa do representado, ou melhor, a representação
significa a relação entre uma imagem presente e um objeto ausente.
Trabalhando com a representação na História e as possibilidades e
dificuldades quanto ao uso do conceito, Falcon afirmou que:
Representar pressupõe uma atividade ou „faculdadeda consciência
cognitiva em relação ao „mundo exterior‟: re-apresentar uma presença
(sensorial, perceptiva) ou fazer presente alguma coisa ausente, isto é,
re-apresentar como presente algo que não é diretamente dado aos
sentidos
9
.
A representação está no interesse de quem as forja. Conforme Pierre
Bourdieu trata-se de um poder simbólico
10
. Desta forma, a representação de
mundo social parte da descrição da sociedade tal como determinado grupo
pensa como esta sociedade deveria ser.
A partir da realidade vivenciada pelos assembleianos, em Feira de
Santana, nos anos de 1970 a 1990, os mesmos forjaram suas representações
e práticas políticas. Discute-se como esta Denominação se apropriou do
contexto feirense que vivenciava e como construiu suas representações de
mundo vinculadas à realidade religiosa, conforme encaravam as doutrinas,
normas e costumes e o que possibilitou, nesse complexo contexto sócio-
cultural, sua participação política.
As relações sociais não se desenvolveram à parte de seu contexto, mas
influenciadas pela representação das atitudes e costumes da sociedade.
Assim, faz-se necessária uma maior atenção ao que Thompson afirmou quanto
à complexidade do termo cultura.
Ao estudar a cultura plebéia inglesa do século XVIII, o autor atentou para
o consenso que pode invocar, retirando a atenção das contradições sociais.
Isto por ser a cultura um emaranhado, que, ao reunir tantas atividades e
8
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In: Estudos avançados. 11 (5), 1991, p.
180.
9
FALCON, Francisco J. Calazans. História e representação. In: CARDOSO, Ciro F. &
VAINFAS, Ronaldo (orgs) Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. RJ. Campus.
1997, p. 45-6.
10
BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. SP. Ed Perspectiva, 1974.
atributos em um feixe, pode na verdade confundir ou ocultar distinções que
precisam ser feitas
11
.
Thompson analisou os costumes dos ingleses no século XVIII,
contribuindo para pensar o sujeito na História. Através da experiência de
sujeitos comuns, que por diversas vezes foram marginalizados da História e
vistos como bestiais, o autor trouxe uma contribuição fundamental ao
desenvolvimento da História Social e da História Cultural, ao analisar eventos
sociais partindo de outra ótica, não a oficial, dos vencedores, mas de pessoas
comuns. Este trabalho busca essa ótica ao analisar pessoas comuns, que
integraram a comunidade assembleiana de Feira de Santana.
O autor em outro trabalho sobre a classe trabalhadora inglesa
12
discutiu
a influência da religião, no caso, o metodismo, sobre a sociedade. Thompson
abordou que a religião independente de qual seja, não está fora de um
contexto sócio-cultural e de uma conjuntura. Discutindo o Metodismo na
Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, mostrou como o mesmo foi de extrema
importância em inculcar a idéia de trabalho como um puro ato de virtude (...)
inspirado pelo amor de um ser transcendente que age (...) sobre nossa vontade
e nossas emoções
13
. Sobre a religião Thompson ainda acrescentou sua
importância e relevância social e política:
A Revolução Inglesa foi disputada em termos religiosos não porque
seus participantes estavam confusos com relação aos seus
interesses reais, mas porque a religião importava. As guerras
giraram, em boa medida, em torno de autoridade religiosa
14
.
Ao estudar o Metodismo, uma dissidência protestante da Igreja
Anglicana, o autor demonstrou sua relevância, em uma época de transição nas
relações de trabalho, para a disciplinarização do trabalhador que se deparava
com os modos de trabalho do capitalismo industrial. Esta concepção, advinda
do fato de o Metodismo estava a favor da ordem vigente, do aprimoramento da
moralidade pública e promoção da lealdade da classe média. O trabalho seria a
principal forma de conservar a graça, puro ato de virtude.
11
THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São
Paulo. Cia das Letras, 1998, p. 22.
12
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, V. II.
13
THOMPSON, 1987, op. cit., p. 240.
14
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. SP. Unicamp, 2001, p.
119.
O Metodismo conseguiu desempenhar o papel de religião de
exploradores e explorados, conforme Thompson. Os exploradores com a
disciplinarização do trabalho acumulariam riqueza e os explorados mantinham-
se na graça de Deus. Função alcançada no forte papel de doutrinação,
contribuindo o Metodismo ao mesmo tempo para uma prática religiosa dos
explorados e exploradores, ocorrida desde a Escola Dominical, no primeiro
ano de vida da criança, com um ideal de pecaminosidade primitiva destas e o
ensino de “recreações” produtivas; como noções de trabalho.
As crianças, mal sabendo caminhar aprendiam cantos em que eram
consideradas „por natureza e também na prática, desprezíveis
escravas do pecado‟. O „olho penetrante do Deus onipotente estava
atento aos seus atos mais secretos
15
.
Na análise do Metodismo na sociedade inglesa, o autor demonstrou a
importância que o mesmo teve na sociedade e a função social que cumpriu ao
tentar ordenar a mesma, a partir da relação que teve com seus membros e a
comunidade ao seu redor, em seus aspectos econômicos e políticos. O que
não fugiu muito, observando os limites temporais e espaciais da postura dos
grupos pentecostais do início do século XX, utilizando sob a forma de normas e
doutrinas a ordenação de seus grupos religiosos.
A Assembléia de Deus construiu uma ética do trabalho similar. O
trabalho serviu de complemento à oração. Analisando um grupo assembleiano
do município de Santa Maria, Pernambuco, Regina Novaes demonstrou que o
horário dos cultos eram adaptáveis conforme o ritmo de trabalho dos seus fiéis,
por ser a maioria deles agricultores. Assim, a sociedade foi organizada e
estruturada a partir do ingresso na denominação religiosa e esta também se
adaptou a experiência vivenciada, desde que não confrontasse sua autoridade.
Além da experiência comum e da opção comum que os identifica, a ajuda entre
os “irmãos de fé” é de suma importância para a coesão do grupo
16
.
Na elaboração da dissertação foi útil a noção de paternalismo de
Thompson, como instrumento de compreensão das relações do grupo religioso
nos intercursos sociais e nos jogos políticos, de modo a compreender a sua
organização.
15
THOMPSON, 1987, op.cit., p. 257.
16
NOVAES, Regina Reyes. Os escolhidos de Deus: pentecostais, trabalhadores e cidadania.
RJ. Ed Marco Zero, 1985, p. 81.
Na comunidade religiosa assembleiana exercem poder os diáconos, os
presbíteros e os pastores, detentores do poder simbólico. Estão em ordem
crescente de influência e poder. O diácono, ou ministro, tem funções técnicas,
servindo como o “recepcionista” do grupo religioso, aquele que recolhe o
dízimo. Já o presbítero serve como ajudante do pastor em reger a comunidade.
O pastor é o representante principal no governo e administração eclesiástica. É
o detentor máximo do carisma, isto é, dos dons extraordinários, conforme
Weber
17
e Bourdieu
18
.
O campo religioso se constituiu por tensões entre a hierarquia do grupo
religioso, pastores e leigos, no interior e fora da instituição religiosa. Segundo
Bourdieu:
A concorrência pelo poder religioso deve sua especificidade (em
relação, por exemplo, à concorrência que se estabelece no campo
político) ao fato de que seu alvo reside no monopólio do exercício
legítimo do poder de modificar em bases duradouras e em
profundidade a prática e a visão do mundo dos leigos, impondo-lhes e
inculcando-lhes um habitus religioso particular, isto é, uma disposição
duradoura, generalizada e transferível de agir e de pensar conforme
os princípios de uma visão (quase) sistemática do mundo e da
existência.
19
.
Tais especialistas exercem uma relação carismática, que está imbuída
de relações de poder e de dominação. A dominação ocorre pelo fato dos fiéis
aceitarem o poder dos pastores e demais profetas e realizarem sua ação no
grupo religioso em função da subordinação a estes. Para Bourdieu, o carisma
assume função de disfarce para as pretensões políticas da comunidade
religiosa. Em suas palavras:
Para tanto, tendo em vista que o princípio do efeito de consagração
reside no ato que a ideologia e a prática religiosa cumprem uma
função de conhecimento desconhecimento, basta perceber que os
especialistas religiosos devem forçosamente ocultar a si mesmo e
aos outros que a razão de suas lutas são interesses políticos.
Primeiro, porque a eficácia simbólica de que podem dispor nestas
lutas depende de tais interesses e, portanto, convém-lhes
politicamente ocultar a si mesmos e aos outros seus interesses
políticos (ou seja, em linguagem „pagã‟, interesses „temporais‟).
Assim, talvez seja preciso reservar o nome carisma para designar as
propriedades simbólicas (em primeiro lugar, a eficácia simbólica) que
17
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. SP. Martin Claret. 2002.
18
BOURDIEU, 1974, op.cit.
19
BOURDIEU, 1974, op.cit., p. 88.
se agregam aos agentes religiosos na medida em que aderem à
ideologia do carisma, isto é o poder simbólico que lhes confere o fato
de acreditarem em seu próprio poder simbólico
20
.
Essas referências teóricas foram fundamentais para tentar compreender
ações e organizações próprias da dinâmica interna da Assembléia de Deus de
Feira de Santana, bem como as suas relações com o campo político feirense
do período em estudo.
Busca-se a compreensão de como se processaram as relações dos
grupos protestantes com a sociedade em que estavam inseridos, em outras
palavras: como os assembleianos de Feira de Santana faziam a leitura da
realidade circundante e participavam dos jogos de poder.
Portanto, o campo religioso foi constituído também pela hierarquia
dentro de cada grupo religioso, na qual os bens simbólicos (conhecimento
religioso) eram distribuídos entre o grupo. A hierarquia religiosa, ainda
seguindo Bourdieu, apresentou razões de estruturação na racionalização e
moralização da religião, que, por sua vez, foi influenciada por aspectos
ocorridos na sociedade, como a urbanização.
Outros conceitos válidos para o trabalho são o de Denominação, que se
refere ao grupo religioso como um todo, no caso a Denominação Assembléia
de Deus se refere ao conjunto assembleiano. Forma esta utilizada de modo a
diferenciar de Igreja, usada mais comumente para se referir ao catolicismo, a
Igreja Católica ou grupos religiosos institucionalizados nos quais os fiéis não
ingressam voluntariamente, a exemplo da Igreja Anglicana e da Igreja
Luterana. Seita, outra designação para grupos religiosos menores, não
institucionalizados e reconhecidos pela sociedade, em diferenciação a Igreja e
Denominação. E congregação ou templo para se referir ao local de culto
evangélico.
Metodologia
20
BOURDIEU, 1974, op.cit., p. 54-5.
No processo de construção do trabalho fontes cruciais foram utilizadas
para a concretização da pesquisa: Livros de Atas e Livros de Membros da
Assembléia de Deus de Feira de Santana, Livros de Atas do Centro de
Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus de Feira de Santana,
Estatutos da Assembléia de Deus de Feira de Santana, Livros de Atas da
Câmara de Vereadores de Feira de Santana, Projetos de leis, Requerimentos e
Moções da Assembléia Legislativa da Bahia, jornais e revistas de circulação
municipal, jornal O Mensageiro da Paz, da Assembléia de Deus, sob a forma
de coletânea, entrevistas com membros da Denominação assembleiana e da
sociedade feirense e iconografias.
Os Livros de Atas da Assembléia de Deus, de 1950 a 1990 e os Livros
de Atas do Centro de Recuperação Desafio Jovem, de 1980 e 1990 foram de
fundamental importância para compreender a dinâmica do grupo, como
aspectos ligados aos costumes e doutrinas, disciplinarizações, ações políticas
ligadas, sobretudo à prática assistencial, bem como assuntos relativos ao
cotidiano do grupo. Foram atas das reuniões ordinárias da AD, bem como atas
de sua entidade assistência, o Centro de Recuperação Desafio Jovem,
utilizado para tratamento médico e espiritual de toxicômanos, mantidos pela
comunidade religiosa.
Os Livros de Membros demonstraram o crescimento da Assembléia de
Deus em Feira de Santana, por conter os membros filiados ao grupo e registrar
aspectos importantes, tais como data de batismo, carta de recomendação para
os membros provenientes de outras congregações da Assembléia de Deus em
todo o País.
A pesquisa nos Livros de Atas da Câmara de Vereadores, de 1973 a
1978, foi uma forma de analisar a atuação dos políticos locais, membros da
Assembléia de Deus, em um período que passou pelo regime militar, com a
presença do bipartidarismo, e pela abertura democrática. Ao analisar o
desempenho dos membros da Assembléia de Deus, Gerson Gomes da Silva e
Waldeir Pereira, se buscou perceber relações e alianças deles com outros
políticos de Feira de Santana, e os benefícios concedidos aos evangélicos,
sobretudo aos assembleianos.
Projetos de leis, Requerimentos e Moções da Assembléia Legislativa da
Bahia, de 1979 a 1982 e 1987 a 1990, com o intento de perceber a atuação de
Gerson Gomes como político do legislativo e os projetos e benefícios
concedidos à comunidade evangélica, bem como outros projetos de sua
autoria.
Entre os jornais da cidade foram utilizados o Jornal Feira Hoje, de 1972
a 1990, e a Revista Panorama, como instrumentos para verificar a dinâmica
social e política feirense, a idéia de desenvolvimento e modernização, bem
como as questões políticas. Traziam notícias correntes e cotidianas
destacando a importância comercial e industrial e a posição que assumia Feira
de Santana no interior baiano.
A coletânea de O Mensageiro da Paz serviu para compreender o
pensamento assembleiano frente os acontecimentos nacionais. as fontes
iconográficas, retiradas tanto dos jornais e revistas que circulavam na cidade,
como as obtidas de acervo pessoal contribuíram no “olhar” sobre a organização
social e política do período analisado.
Ressalta-se a importância da História Oral na reconstituição do período
histórico em apreço, sendo inclusive um meio de dar voz aos sujeitos,
tranformando-os em parte integrante da historiografia, uma história de vidas e
não de vidas à parte. As entrevistas foram utilizadas, pois alguns protagonistas
estão vivos e atuantes na comunidade religiosa. A História Oral tem
importância por ser:
Uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para
dentro da própria história e isso alarga seu campo de ão. Admite
heróis vindos não dentre os deres, mas dentre a maioria
desconhecida do povo... Traz a história para dentro da comunidade e
extrai a história de dentro da comunidade. Ajuda os menos
privilegiados, especialmente os idosos, a conquistar dignidade e
autoconfiança. Propicia o contato - e pois, a compreensão entre
classes sociais e entre gerações
21
.
Compuseram a lista de entrevistados: o diácono da Assembléia de Deus
e ex-deputado Gerson Gomes da Silva; as senhoras Marli Santana e Norma
Soares, membros da AD, o Pastor Jairo Soares, sobrinho do falecido pastor da
Assembléia de Deus e também ex-vereador, Severino Soares; Cadmiel
Pereira, filho do falecido pastor e ex-vereador Waldeir Pereira; o ex-vice-
21
THOMPSON, Paul. A voz do passado. SP. Paz e Terra, 2002, p.45.
prefeito Luciano Ribeiro; e obreiros do Centro de Recuperação Desafio Jovem
ao qual preferimos não informar a identidade.
Alguns trabalhos, apesar de ainda poucos, analisaram a experiência e
atuação do Pentecostalismo no Brasil. Destaque aos livros de Émile Leonard
22
,
pioneiro no estudo da experiência pentecostal na sociedade brasileira. Beatriz
Muniz de Souza estudou os pentecostais em São Paulo, numa perspectiva
sociológica
23
. Francisco Cartaxo Rolim
24
abordou sociologicamente o
fenômeno pentecostal no País.
Os trabalhos de Paul Freston
25
e Paulo Siepierski
26
ganharam
reconhecimento ao analisar a pertença ao protestantismo na sociedade
brasileira, demonstrando suas relações com à política nacional e como tais
grupos adentraram neste terreno. Antonio Pierucci e Reginaldo Prandi
27
enfatizaram a atuação política pentecostal na Constituinte de 1986. O trabalho
de Sueli Mota Souza
28
analisou questões de gênero dentre os pentecostais em
Salvador. A dissertação de Maria Izabel Sampaio
29
analisou a representação
de cura e doença na Assembléia de Deus de Feira de Santana frente a
preferência à utilização da cura espiritual e Jonatas Meneses
30
trabalhou a
participação político-partidária dos assembleianos em nível estadual, com os
assembleianos de Sergipe, na Constituinte de 1986.
Também merecem referência os trabalhos de Oneide Bobsin
31
sobre a
atuação política pentecostal e de Regina Novaes
32
, que analisou aspectos
22
LEONÁRD, Émile. O Iluminismo num protestantismo de constituição recente. São Paulo.
Imprensa Metodista. 1988.
23
SOUZA, Beatriz Muniz de. A Experiência da Salvação. Pentecostais em São Paulo. São
Paulo. Duas cidades. 1969.
24
ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostalismo: Brasil e América Latina. Petrópolis. RJ. Vozes,
1994.
25
FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment. Tese de
doutorado. Unicamp. S.P. 1993.
26
SIEPIERSKI, Paulo D e GIL, Benedito M. (orgs.). Religião no Brasil: enfoques, dinâmicas e
abordagens. São Paulo. Paulinas. 2003.
27
PIERUCCI, Antônio Flávio e PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil:
religião, sociedade e política. Ed Hucitec. São Paulo. 1996.
28
SOUZA, Sueli Ribeiro Mota. Em diálogo com Deus: a construção do “self” entre mulheres
pentecostais. Salvador. UFBA. 2007. (Tese de doutorado).
29
SAMPAIO, Maria I. da Silva. Representação do processo saúde-doença entre os
pentecostais da Assembléia de Deus em Feira de Santana. Feira de Santana. UEFS. Ba. 2003.
(dissertação de mestrado).
30
MENESES, Jonatas Silva. A participação política da Igreja Evangélica Assembléia de Deus
no Estado de Sergipe: estratégias e ações para um projeto político. Salvador. UFBA, 1995.
31
BOBSIN, Oneide. Produção reigiosa e Significação Social do Pentecostalismo a partir de sua
Prática e Representação. São Paulo. Universidade Católica de São Paulo. 1984.
políticos e costumes em comunidades rurais em Pernambuco. A monografia de
especialização de Sara Ferreira
33
analisou a atuação das mulheres do Círculo
de Oração da Assembléia de Deus de Feira de Santana, a dissertação de Célia
Santana
34
fez uma comparação do comportamento e costumes das mulheres
de classe média e baixa no Recife, e Clari Couto
35
, em sua monografia de
especialização analisou as normas, costumes e doutrinas da Assembléia de
Deus de Conceição do Coité, e o mais recente, uma monografia de conclusão
de graduação em História, de Jean Neilla Ferreira
36
analisou a atuação política
da Assembléia de Deus de Feira de Santana nos anos 1990, conhecida entre
os assembleianos como a Década da Colheita.
No intuito de analisar a atuação política dos assembleianos de Feira de
Santana dividiu-se o trabalho em quatro capítulos. No primeiro uma análise
da presença do pentecostalismo na sociedade brasileira, baiana e feirense. No
segundo capítulo discute-se a presença da Assembléia de Deus em uma Feira
de Santana vivenciando seu processo de modernização e como este interferiu
na realidade feirense e foi por ela afetada. Já no terceiro capítulo a ênfase recai
sobre as atividades assistencialistas e o surgimento de uma atuação político
partidária no grupo religioso em destaque. Por fim, no quarto capitulo foi
traçada a sistematização política partidária da Assembléia de Deus, com a
candidatura e eleição de seus representantes, bem como as relações
partidárias mantidas com lideranças políticas de destaque no cenário local e
estadual. Nas considerações, uma retomada das questões principais da
dissertação.
32
NOVAES, Regina Reyes. Os escolhidos de Deus: pentecostais, trabalhadores e cidadania.
RJ. Ed Marco Zero. 1985.
33
FERREIRA, Sara Silva dos Anjos. O papel da mulher na expansão e consolidação da
Assembléia de Deus em Feira de Santana (1949 - 1980). Feira de Santana. UEFS. 2008.
(Monografia de especialização).
34
SANTANA, Célia. Mulheres pentecostais. UFPE. Recife. 2001. (Dissertação de mestrado)
35
COUTO, Clari Alves. Orar e vigiar: o poder disciplinador da religião como representação do
pecado na AD de Conceição do Coité, 1970 a 1990. UEFS. 2001.
36
FERREIRA, Jean Neilla Rocha. Assembléia de Deus em Feira de Santana: um estudo das
representações políticas na década da colheita. UEFS. Feira de Santana. 2009. (Trabalho de
conclusão de curso).
CAPÍTULO I
Caminhos cruzados: a Assembléia de Deus em
Feira de Santana
Este capítulo visa analisar a presença do grupo pentecostal Assembléia
de Deus em Feira de Santana a partir da leitura que o grupo fez do campo
religioso feirense, reorganizando sua visão religiosa e de mundo, interagindo
com a sociedade feirense e intervindo em seus aspectos culturais e sociais.
Antes de aprofundar estas questões faz-se necessária uma análise do
protestantismo no Brasil, analisando sua relação com outros grupos religiosos,
sobretudo os pertencentes ao catolicismo e às religiões afro-brasileiras, bem
como perceber alguns aspectos centrais da organização social do grupo, a
exemplo de sua noção de trabalho e interação social, de modo a entender
melhor a formação e inserção da Assembléia de Deus em Feira de Santana.
Protestantismo no Brasil e na Bahia
Os trabalhos históricos sobre o protestantismo no Brasil passaram a
adquirir forma científica
37
, com o historiador francês Émile G. Léonard, quando
da sua estadia no Brasil, na década de 1950, na Universidade de São Paulo,
sendo uma extensão de seus estudos sobre a História da Reforma Protestante.
É a primeira tentativa de grande síntese e é o primeiro trabalho com
37
Até então os trabalhos sobre religião tinham caráter basicamente confessionais.
sistematização de fontes e preocupação com rigorosa documentação dos
fatos
38
.
A presença protestante no Brasil pode ser remontada, mesmo que
esporádica e de caráter limitado, ao período colonial. Pode-se citar a presença
dos huguenotes no Rio de Janeiro, no século XVI, e os calvinistas no Nordeste,
no século XVII
39
.
Contudo, apenas com a abertura dos portos brasileiros aos ingleses, em
1808, devido a dependência econômica de Portugal à Inglaterra foi que o
protestantismo penetrou em terras brasileiras. O protestantismo teve sua
entrada sistemática no Brasil com a transferência da família real portuguesa,
em 1808. Nesta vinda há de se considerar os interesses britânicos, que
mantinha relações políticas e comerciais com Portugal, buscando, com a
transferência da família real, vantagens e definição de privilégios econômicos.
Desde então os protestantes buscaram se constituir e se fortalecer como
uma das principais forças religiosas do Brasil, adentrando em diversos setores
da vida social e política e incorporando novos valores em um País que tinha
por slogan ser o maior País católico do continente.
A política migratória foi uma forma de penetração do protestantismo no
Brasil. No início do século XIX ocorreu o fluxo de comunidades anglicanas, de
origem britânica, e luteranas, de origem alemã, identificadas com o tipo de
protestantismo de imigração por destinarem-se a satisfazer as necessidades
religiosas de seus colonos, sem preocupação proselitista de conseguir novos
membros em meio à sociedade brasileira.
A presença do protestantismo missionário no Brasil foi favorecida
também pelo contexto nacional da necessidade de imigrantes e das
disposições de boa vontade do Imperador Pedro II, como afirmou Émile
Leonard:
Essa atitude já positivista, de pretender servir-se da igreja no terreno
social, sem um grande interesse por sua mensagem espiritual,
38
Issac N. Salum em prefácio ao livro de Leonard. In: LÉONARD, Émile G. O protestantismo
brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. 3ª ed. rev. São Paulo. Aste, 2002, p. 16.
39
Sobre a presença protestante no Brasil ver os trabalhos de SILVA, Elizete da. Cidadãos de
outra pátria: anglicanos e batistas na Bahia. Tese de Doutorado. São Paulo. FFLCH-USP.
1998; TEIXEIRA, Marli Geralda. Nós os batistas... um estudo de história das mentalidades. São
Paulo. FFLCH/ USP. Tese de doutoramento. 1983; SANTOS, Lyndon de Araújo. As outras
faces do sagrado: protestantismo e cultura na Primeira República Brasileira. EDUFMA. SP. Ed
ABHR. 2006; LÉONARD, 2002, op cit., dentre outros.
deveria proporcionar grandes facilidades aos primeiros missionários
protestantes, apreciados por D. Pedro II pelos seus conhecimentos e
pelos serviços práticos que poderiam prestar. O proselitismo religioso
desses missionários, não muito interessante aos olhos do Imperador,
não representava, entretanto, para os direitos do Estado o mesmo
perigo que o catolicismo, fervoroso mas ultramontano, dos padres
vindos da Europa
40
.
O impacto da presença protestante no Brasil ocorreu na segunda
metade do século XIX com a instalação do protestantismo missionário,
representado pelas denominações protestantes históricas congregacionais,
presbiterianos, metodistas, batistas, episcopais, dentre outros. Considera-se a
Primeira Igreja Evangélica Congregacional do Brasil, fundada em 1858, como a
primeira igreja brasileira de origem protestante missionária, devido ao batismo
do primeiro brasileiro. Conforme Lyndon Santos:
As comunidades organizadas a partir da segunda metade do século
XIX diferenciam-se do protestantismo de imigrantes pelo fato de
congregar brasileiros conversos. Não era a intenção dos imigrantes
expandir sua aos brasileiros, mas preservar sua cultura e
identidade étnicas. Uma forma dessa preservação foi a permanência
das liturgias celebradas na língua alemã nativa. A partir dos anos de
1850, o protestantismo construiu justificativas teológicas para o seu
proselitismo entre os brasileiros
41
.
Na Bahia, tivemos a presença dos presbiterianos na década de 1870. Os
primeiros grupos batistas se instalaram em 1882, fruto do evangelismo e
avivamento religioso norte-americano. Pode-se considerar que foi na Bahia que
os protestantes, especialmente batistas, iniciaram uma atividade missionária
mais intensa. Elizete da Silva descreveu a escolha missionária pela Província
baiana além de preocupação essencialmente religiosa, fatores econômicos,
geográficos e de comunicação foram decisivos para a eleição da Bahia, como
lugar estratégico para o estabelecimento da denominação batista na Bahia
42
.
40
LÉONARD, 2002, op.cit., p. 54.
41
SANTOS, 2006, op.cit., p. 29.
42
SILVA, Elizete da. A missão batista independente: uma alternativa nacional. Dissertação de
mestrado. Salvador. UFBA. 1982, p. 79.
As origens pentecostais
O contexto de formação do pentecostalismo ocorreu justamente em um
momento de insegurança social do fim do século XIX, início do culo XX. Era
vivenciada uma onda de desemprego, que podia ser medida em nível mundial,
com os efeitos da Revolução Industrial. A religião teve assim seu papel de
conforto social.
O pentecostalismo toma o nome do incidente que esna origem da
Igreja Cristã, a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, e se
como um retorno às origens... Não há muita idéia de
desenvolvimento, pois tudo está contido no evento paradigmático
original
43
.
Observa-se que o pentecostalismo tomou eventos narrados na Bíblia
para justificar sua formação. Em grande medida não levou em consideração
contextos sociais e culturais que justificaram seu aparecimento e força em um
período em que o protestantismo histórico reinava entre os reformados. Esta
fundação a-histórica pesou na consideração pentecostal em manter-se, em
grande medida, presa aos seus costumes e tradições pela tentativa de negar
ou não aceitar mudanças sociais.
Freston abordou a concepção que os pentecostais tinham da História, na
qual os eventos posteriores se reduzem virtualmente à expansão geográfica,
ou seja, às origens em outras cidades. Não muita idéia de desenvolvimento,
pois tudo já está contido no evento paradigmático original
44
.
O marco da formação pentecostal esteve relacionado com a expectativa
de fim de mundo com a virada do século, remetendo, consequentemente para
uma maior religiosidade popular. Levou a fenômenos como a glossolalia, que
remetia ao falar em línguas estranhas. Tal fenômeno foi atribuído à intensa
oração e manifestação de fé. Relacionava-se ao movimento de santidade
(“holiness”). Sua evidência relacionou-se ao batismo no Espírito Santo.
43
FRESTON, Paul. Breve história do Pentecostalismo. In: ANTONIAZZI, Alberto... (et al). Nem
anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo Petrópolis, RJ. Vozes,
1994, p. 69.
44
FRESTON, 1994, op. cit., p. 65.
Diversos autores remetem a baliza de formação do movimento pentecostal
internacional ao trabalho de W. J. Seymour, um garçon negro, nascido escravo
nos EUA.
Em 1906, Seymour foi convidado a pregar em Los Angeles pela
pastora de uma igreja negra “holiness”. Lá a glossolalia fez sucesso e
ele alugou um armazém para sua “Missão de Fé Apostólica”. A
novidade e a localização favorável (Los Angeles era a cidade que
mais crescia no país, com muitas minorias étnicas e ethos de
fronteira) logo atraiu os brancos, mas a liderança de negros e de
mulheres é marcante nos primórdios do pentecostalismo
45
.
Emílio Conde também atribuiu a formação pentecostal ao incidente
ocorrido em Los Angeles, na Califórnia, e mencionou outras formas de
avivamentos pentecostais:
Podemos citar também os avivamentos ocorridos na Suécia em
1858, e na Inglaterra em 1740. Na América do Norte, podem-se
mencionar os avivamentos no Estado de Nova Inglaterra em 1854, e
na cidade de Moorehead, em 1892, seguidos dos de Galena, Kansas,
em 1903, e Orchard e Houston, em 1904 e 1905, respectivamente
46
.
Contudo, pelo fato de Emílio Conde ser um jornalista e evangélico da
AD, não atribuiu o sentido e contexto social dado por Freston. Limitou-se
apenas a dados relacionados aos milagres e ações divinas. Não apontou os
conflitos ocorridos por um negro estar à frente do movimento pentecostal. Foi
em razão disto que se formou a Assembléia de Deus norte-americana, quase
exclusivamente branca, em oposição à Igreja de Deus em Cristo,
exclusivamente negra.
Devemos ressaltar que a religião define e redefine seu caráter a partir
das condições socioculturais em que se insere. No caso, o protestantismo
implantado no Brasil acompanhou tais mudanças. Os espaços de relações
sociais foram deixando de ser apenas o interior das congregações. Os
protestantes foram sistematicamente alcançando as ruas, a mídia e a política,
acompanhando as transformações da sociedade. Bourdieu indicou que:
45
FRESTON. Paul. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment. Tese de
doutorado. Unicamp. S.P. 1993, p. 67.
46
CONDE, Emílio. História das Assembléia de Deus no Brasil. RJ. CPAD (Casa Publicadora
das Assembléias de Deus). 2 ed. 2000, p. 21.
O conjunto das transformações tecnológicas, econômicas e sociais,
correlatas ao nascimento e ao desenvolvimento das cidades e, em
particular, aos progressos da divisão do trabalho e à aparição da
separação do trabalho intelectual e do trabalho material, constituem a
condição comum de dois processos que só podem realizar-se no
âmbito de uma relação de interdependência e de reforço recíproco, a
saber, a constituição de um campo religioso relativamente autônomo
e o desenvolvimento de uma necessidade de “moralização” e de
“sistematização” das crenças e práticas religiosas
47
.
Progressivamente estes especialistas religiosos (pastores, presbíteros,
diáconos) foram conquistando espaços, antes de domínio quase exclusivo dos
católicos, com seu corpo sacerdotal. Tal como os católicos (dominantes na
instituição eclesiástica), os protestantes buscaram participar das relações de
poder na sociedade brasileira.
O protestantismo nas terras de Sant’Anna: a presença da
Assembléia de Deus
A presença protestante em Feira de Santana remonta ao final do século
XIX com a presença de missionário presbiteriano Chamberlain.
Em 1889, o Reverendo G. Chamberlain distribuía Bíblias e folhetos
evangélicos e realizava cultos públicos. Conforme a Folha do Norte,
em uma dessas atividades é vaiado o pastor protestante
Chamberlain, cidadão norte-americano, ao iniciar na praça João
Pedreira uma conferência de propaganda religiosa. A polícia intervém
no sentido de dispersar os agressores, que retornavam de uma
procissão. Estabeleceram-se correrias e tumultos. Feridos, a pedra,
diversas pessoas” (Folha do Norte, 24/03/1940, p. 4).
48
O casal de neozelandeses Roderick e Isobel Gillanders estabeleceram o
primeiro cleo protestante organizando-o para arregimentar fiéis e expandir a
47
BOURDIEU, Pierre. Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo. Ed. Perspectiva, 1974, p.
34.
48
SILVA, Elizete da. Protestantismo Ecumênico e realidade brasileira. UEFS. Feira de
Santana. 2007, p. 128. (Trabalho de Professor Pleno).
partir desta cidade a sua ação evangelizadora à micro-região, até então com
um inexpressível número de protestantes
49
.
A presença protestante nas terras de Sant‟Anna começou de forma
tímida e resistente, como relatou a missionária Isobel Gillanders em suas
memórias. A missionária não deixou de relatar os conflitos provocados pela
Igreja Católica, quando do início da presença protestante em Feira de Santana,
que tentava impor sua supremacia e influência política para expulsar os recém-
chegados missionários. O grupo protestante fundou a Igreja Evangélica Unida,
com templo próprio e não apenas em locais improvisados, em 1937. Mesmo
com a construção de templos, era uma forte prática protestante a pregação em
casa de fiéis e simpatizantes que convidavam os pastores a realizar cultos em
suas casas.Em 1966 passou a chamar Igreja Evangélica Fundamentalista.
A pregação em Feira de Santana iniciou-se com a atividade de venda de
Bíblias, a colportagem, idêntica que o assembleiano sueco Daniel Berg realizou
no Pará, nas primeiras décadas do século XX. Atividade comum aos
missionários estrangeiros que no País aportavam. Para a missionária
Gillanders, os primeiros anos de pregação foram de muitas dificuldades,
principalmente pela perseguição católica, a qual ficou identificada nas
memórias da autora como “o inimigo”. Compreende-se, assim, uma díade entre
o protestantismo, como o bem, a luz, e o catolicismo, o mal, as trevas, como foi
evidenciado na afirmação ao comentar o trabalho de pregação numa cidade
hostil e perversa verdadeiramente uma cidade do inimigo
50
. Conforme a
seguinte passagem:
O padre agora estava resolvido a expulsar da cidade o missionário e
seus auxiliares. Sua primeira tentativa foi convocar o prefeito e os
vereadores para negociar com eles se concordariam com seu pedido,
mas eles não aceitaram. Seu próximo movimento foi requisitar a
polícia para coagir seus inimigos, porque ele julgava ser. Outra vez
seu pedido foi rejeitado duramente, porque um poder maior do que
ele estava sob controle
51
.
49
GUIMARÃES, Tarcísio Farias. A expansão protestante em Feira de Santana (1935 1995).
Feira de Santana. Texto não publicado, s/d, p. 2.
50
GILLANDERS, Isobel. A história inacabada. Tradução: Lélia V. Fernandes. Feira de Santana.
Ed. Planzo. 1990, p. 22.
51
GILLANDERS, 1990, op. cit., 1990, p. 26
Ficou também manifesto que a “proteção divina” garantiu a permanência
do casal missionário pelo fato deles seguirem ao “Deus correto”, que não era o
do catolicismo com suas práticas equivocadas e ausência de leitura da blia,
livro sagrado que identificavam como regra de fé e prática.
A fundação do grupo pentecostal assembleiano foi com os missionários
suecos. Juntamente com outros fiéis estrangeiros e brasileiros fundaram o
grupo pentecostal da AD a partir do cisma com a Igreja Batista, assumindo
primeiramente a designação de Missão de Apostólica, em 1911. O nome
Assembléia de Deus foi dado, aproximadamente, em 1917. A fundação do Pará
se espalhou pra outras cidades. A fundação da AD em Salvador foi em 1930 e
em Feira de Santana, 1938:
Os primeiros novos convertidos em Feira de Santana foram batizados
no rio Paraguaçu, na cidade de Cachoeira, pelo pastor José Moreira e
Silva, que naquele tempo cuidava do trabalho em Feira de Santana.
Os primeiros batizados com o Espírito Santo foram Maria Júlia e o
irmão Prachedes. Dentre os primeiros pastores contavam-se Jorge
Monteiro da Silva e Manoel Joaquim dos Santos. No pastorado desse
último fundou-se o orfanato mantido e ministrado pelas Assembléias
de Deus
52
.
As pregações assembleianas em Feira de Santana podem ser
remontadas ao ano de 1936, com a figura de José Carlos Guimarães, um
negociante de animais que para Feira de Santana se dirigiu no intuito de
vender o produto e aproveitava para exercer a evangelização.
A partir da presença de José Guimarães, os trabalhos de pregação
assembleianos aumentaram em Feira de Santana.
No mês de janeiro de 1937, o Pastor Firmino Lima, juntamente ao
irmão José dirigem um culto na Praça dos Remédios e o culto
inaugural foi dirigido no mesmo dia... Naquele tempo, segundo o
irmão José Carlos Guimarães, não havia nenhuma Denominação
Evangélica, sendo a Assembléia de Deus a pioneira. O irmão Firmino
Lima não participou do culto inaugural, pois necessitou regressar.
Assim estava lançada a primeira semente pentecostal nas terras de
Feira de Santana.
53
52
CONDE, 2000, op.cit., p. 174.
53
FERNANDES, Rogério Armentano. 65anos: jubileu de ferro. Resumo do Histórico da ADEFS
(1938 2003). Igreja Evangélica Assembléia de Deus. Feira de Santana Ba. 2003, p. 4.
O memorialista Presbítero Rogério Armentano Fernandes não comentou
a presença da Igreja Fundamentalista, de iniciativa do casal Gillanders, no
início dos anos 1930. Mas, de fato, a primeira denominação organizada e de
caráter pentecostal foi a Assembléia de Deus.
A fundação, com a construção do primeiro templo da Assembléia de
Deus de Feira de Santana ocorreu em 1938, por doação da “irmã” Amália
Nascimento, sistematizando as atividades de evangelização. Desse período até
seu Jubileu de Ouro, comemoração dos 50 anos, a denominação cresceu
qualitativamente, alcançando a marca de quase dez mil membros
54
, em 1988, e
fisicamente, possuindo 11 sub-campos: Antônio Cardoso, Bonfim de Feira,
Humildes, Jaguara, Jaíba, Lagoa da Caiçara, Matinha, Ouriçangas, Ponto de
Serra Preta, Santanópolis e São José e um total de 160 congregações
55
(novos
templos), em 2003.
Sobre a fundação assembleiana em Feira de Santana Sara dos Anjos
relatou:
Em Feira de Santana, a congregação central da Assembléia de Deus
instalou-se em 1938. Posteriormente, foi construído um grande
templo próximo à estação rodoviária, local de intensa movimentação
de moradores da cidade, passageiros migrantes que se deslocavam
para outras regiões do Estado e do País, especialmente para São
Paulo. Feira de Santana, no período, não era apenas um grande
centro comercial, mas uma cidade entroncamento, ligando por via de
transporte terrestre o nordeste e o sudeste do País
56
.
Ao longo de suas memórias, Gillanders comentou o crescimento
protestante em Feira de Santana a partir da vinda de presbiterianos, batistas e
congregacionais na cidade. Grupos que reconheceu como tipicamente
protestante, mantendo, portanto, bons relacionamentos com os mesmos.
Diferentemente das relações com os pentecostais que chegavam à cidade e
entraram em disputa por fiéis. Não admitia certas práticas pentecostais, como o
“falar em línguas estranhas”. Pentecostais assembleianos eram vistos pelos
missionários neozelandeses de forma negativa:
54
FERNANDES, 2003, op. cit., p. 8. Esta estimativa é do grupo assembleiano de Feira de
Santana.
55
Idem., p. 13
56
FERREIRA, Sara Silva dos Anjos. O papel da mulher na expansão e consolidação da
Assembléia de Deus em Feira de Santana (1949 - 1980). Monografia. Feira de Santana. UEFS,
2008, p 36.
Nosso pastor não tinha o Espírito Santo nem também falava línguas.
Tendo sido enganados pelos pentecostais, que imediatamente os
batizaram. Naquela ocasião 22 membros professaram sua fé. Estas
notícias foram uma verdadeira decepção para nós e tristeza para os
nossos corações. Tais experiências dentro de grupos cristãos são
muitas vezes mais difíceis de aceitar do que a perseguição dos de
fora
57
.
Apesar de reconhecer os pentecostais como grupo cristão, não davam a
eles os mesmos créditos que davam aos demais protestantes históricos, que
comungavam, junto com eles, as mesmas práticas. Entre os pentecostais que a
autora se referiu a ênfase foi sobre os da Assembléia de Deus, primeira
Denominação pentecostal a chegar na cidade, na mesma década dos
fundamentalistas, 1930.
Feira de Santana, na década de 1950, começava a abrigar um número
cada vez mais crescente de protestantes, inclusive pentecostais que
rapidamente foram crescendo numericamente e disputando espaços com
católicos e com os membros das religiões afro-brasileiras.
O crescimento evangélico no Brasil está aliado ao processo de
urbanização e ao crescimento de uma sociedade de massa. Neste contexto
ocorreu o crescimento e expansão de denominações, como a Assembléia de
Deus. Começa quando a urbanização e a formação de uma sociedade de
massas possibilitam um crescimento pentecostal que rompe com as limitações
dos modelos existentes, segundo Freston
58
.
Os grupos evangélicos tiveram um maior crescimento no Brasil a partir
da segunda metade do século XX. Período que coincidiu com o
desenvolvimento urbano de Feira de Santana, acompanhado pelo aumento no
setor comercial, de bens e serviços. O contexto urbano propiciou a expansão
de estabelecimentos religiosos, especialmente pentecostais.
Tomando por base o trabalho de Elizete da Silva, A Expansão
Protestante em Feira de Santana, compreende-se a importância que a religião
teve para o conhecimento da sociedade feirense:
Na medida em que se busca conhecer grupos organizados e
segmentos da sociedade perscrutando os sentimentos religiosos, as
57
GILLANDERS, 1990. op cit., 1990, p. 54.
58
FRESTON, 1994, op.cit., p. 72.
relações com o sagrado e as representações sociais e políticas a
partir das matrizes doutrinárias, uma contribuição fundamental está
sendo feita para resgatar historicamente a sociedade feirense e suas
relações culturais
59
.
A religiosidade feirense: a Feira é de Sant’ Anna
Ao observar-se pelo nome que leva: Feira de Santana, constata-se uma
influência inegável do catolicismo sobre a cidade. o é uma Feira de Oxalá,
não é nem uma Feira de Jesus. É uma Feira de Sant‟Anna.
Foi sob uma religiosidade católica que a cidade recebeu o nome de sua
emancipação. Não poderia ser diferente em um País que teve o catolicismo
como um dos elementos de sua colonização, no qual as alianças políticas,
mesmo após as relações do Brasil com os protestantes ingleses, estavam em
mãos de católicos. Afinal, o português católico continuava a ser o colonizador e
a religião não deixou de ser um instrumento de poder, que contribuiu para
solidificar e afirmar poderes, legitimar embates entre as classes e confortar os
que eram oprimidos pelos poderes que o mesmo catolicismo apoiou.
Ao fazer um “resgate” das memórias feirenses, a autora Ana Angélica de
Morais reforçou a imagem católica da cidade, presente nos costumes.
Utilizando poemas de poetas feirenses, como Maria José Dantas Carneiro,
publicados no Jornal Folha do Norte, registrou a presença do catolicismo na
formação da cidade.
e então no meio da quentura
tudo se desfaz
mas o astro rei declina
e a noite vem tangida pela viração
e na noite semeada de estrelas
a gente se destrai
contemplando os astros
no passeio pelo firmamento
59
SILVA, Elizete da. A Expansão protestante em Feira de Santana 1935 a 1995. Projeto de
Pesquisa, 2000, p. 04.
as sonoras vibrações do sino da igrejinha dos Remédios
capela pequena e toda
de simplicidade e pobreza
60
No poema, a noite estrelada feirense entra em sintonia com a Igreja dos
Remédios, um templo com arquitetura característica do catolicismo feirense. A
este templo foi atribuído elementos típicos da construção simbólica do
catolicismo, como simplicidade e pobreza, ou mesmo do adjetivo igrejinha, que
reúne estes elementos de forma muito mais significativa e com maior impacto.
À tradição sertaneja e da feira livre que compuseram o histórico feirense
somam-se os costumes católicos:
também em outros artigos e crônicas referências ao lado cultural,
costumes e hábitos que caracterizavam bem a vocação sertaneja e
rural aliada ao sentimento de festa e de fé do povo de Feira de
Santana, os centenários desfiles da lavagem, levagem, procissões,
carnaval, bailes pastoris, pregões, além das concorridíssimas boiadas
que ainda atravessavam algumas ruas da cidade, na trajetória
matinal, acordando os moradores com a sonoridade de seus aboios
61
.
Os costumes católicos permeavam o imaginário dos feirenses. A Igreja
Católica exercia uma unidade religiosa na cidade de Sant‟Anna. Os
protestantes que chegavam, portanto, eram recebidos estranhamente. Este
não foi um aspecto único de Feira de Santana. Ainda mais ao pensar que os
costumes eram naturalizados no cotidiano popular e que a sua desconstrução
para a construção de algo novo gerava desconfianças e reações, como com a
pregação do primeiro missionário protestante, Chamberlain, conforme informou
Silva.
Pode-se verificar isto nas entrevistas, como na da assembleiana Norma
Soares, que veio de família católica, com diversos costumes típicos do
catolicismo popular e que após “abertura” para enfrentamento com seus
preceitos religiosos adotou o pentecostalismo como sua nova opção religiosa,
enfrentando, inclusive a oposição familiar. Fato este também de não se
estranhar dada a predominância católica no imaginário feirense.
60
MORAIS, Ana Angélica Vergne de. Resgate da memória literária de Feira de Santana. IN
Feira de Santana: seu passado, seu presente, seu futuro. Feira de Santana: Associação
Comunitária dos Amigos de Feira de Santana ACAFS/ Universidade Estadual de Feira de
Santana, 2000, p. 49.
61
MORAIS, 2000, op. cit., p. 50.
Quando eu aceitei Jesus eu tinha 12 anos. Meus pais eram muito
católicos. Minha mãe retava, era rezadeira... Tinha aquela devoção.
Então, eu era muito católica, era da irmandade de Coração de
Maria... eu não perdia novenas de maio, que eram as novenas de
Maria. Morava ali no DNER. Todas as 6 horas quando eu ouço ainda
o sino bater eu me lembro. Eu estava ali... E ainda levava a missa pra
casa. Você podia passar por cima de mim no caminho eu não abria a
boca pra ninguém não porque eu aprendi no catecismo isso. Levar a
missa pra casa, eu fazia isso. Então, como é bom a gente receber
estes convites...
62
A conversão adquire um sentido divino. Por isto o significado do batismo
corresponder a nascer de novo, nascer para a fé em Deus e não mais servir às
coisas do mundo. Verifica-se que era inevitável uma reação da família
tipicamente católica perante a mudança de postura em relação ao grupo
religioso. Ainda mais quando se leva em conta que estas memórias se referem
a uma Feira de Santana da década de 1950, em que a presença protestante
estava reduzida a uns poucos representantes, tendo maior presença a Igreja
Evangélica Unida, batistas históricos e a Assembléia de Deus.
As memórias de Norma Soares refletiram também a lembrança de
alguns elementos típicos do catolicismo popular, como o “guardar a missa”, o
“tocar do sino”, como elementos simbólicos que estruturam a relação do
homem com a sociedade, servindo como elementos que ordenavam a vida
cotidiana. A mudança de postura, ou seja, entrar em outro grupo significava
uma nova representação, frente à realidade circundante, pois novos elementos
passavam a ser utilizados em decorrência da conversão. O novo afetaria, sem
dúvida, os elementos ao redor. Segundo Rubem Alves converter-se é
abandonar um discurso e adotar outro
63
.
Ao explicar a conversão a outro grupo religioso a irmã assembleiana não
deixou de elencar elementos proféticos, típicos da visão de mundo protestante,
sobretudo, pentecostal. A memória apesar de buscar elementos do passado
mistura-se com o presente e os elementos do passado que ainda buscam se
fazer úteis no presente. Verifica-se esta interação do passado no presente no
relato da entrevistada.
62
Entrevista com Norma Soares, membro da Assembléia de Deus, cunhada do falecido pastor
Severino Soares, concedida ao autor em 19 de outubro de 2007.
63
ALVES, Rubem. Protestantismo e Repressão. São Paulo. Ática. 1979, p. 54.
que um dia eu profetizei. Veja só como foi que eu profetizei. Eu
não queria ir pra Igreja naquele dia (se refere à Igreja Batista) que
mãe mandou eu ir. Foi nessa mesma Igreja que mãe deixava eu ir.
Foi uma festa muito bonita que teve: - Eu pensei que você ia se
decidir do lado de Cristo (disse Norma se referindo a pergunta da
irmã batista). Eu disse assim: Não Dona Dina... Acho que no primeiro
dia que eu for na Assembléia vou me decidir lá. Pra ver se ela nunca
mais ia me chamar. eu achei assim né. E com essa maneira que
falei, então ela não mais me chamaria. Então ela não vai querer se
decidir aqui, me deixava. E mãe não deixava ir pra Assembléia, então
ela pegava e não ia mais me chamar... O primeiro dia que eu fui na
Assembléia de Deus eu aceitei e eu não fui pra aceitar. Fui porque
Marininha falou com mãe, me deixou e nós fomos.
64
Conversão e profecia formam alguns dos símbolos utilizados pelo
pentecostalismo, bem como o poder da oração. A crença no poder da oração
foi outra perspectiva da conversão, assumindo função de profecia. Em
entrevista com Marli Santana foi enfocado a necessidade da conversão para o
bem-estar de homens e mulheres. E como as atividades desenvolvidas pela
Denominação contribuíram para a expansão da obra assembleiana. A
entrevistada expressou o imaginário mágico da conversão, em diversas
passagens, entre as quais uma das narrações envolveu sua participação no
Círculo de Oração, da Assembléia de Deus.
Tinha um irmão que chamava Izídio, ele era carpinteiro, de Italegre,
ele veio conduzido por alguns irmãos aqui pra Feira de Santana, por
que era uma cidade mais evoluída em médicos e hospitais e um
grupo das irmãs me passou pro Círculo de Oração... E o grupo que
tinha era pequeno. Esse grupo orou, jejuou e Jesus realizou um
grande milagre. A sua visão retornou por completo. Ele voltou pra sua
casa, pro centro de sua família e continuou sua profissão durante
muitos anos.
65
Ou seja, a crença na conversão e na oração eram fatores que
orientaram a organização religiosa. Sobre o Círculo de Oração e a função dele
na estruturação interna, comentou Sara Ferreira ser o Círculo de Oração uma
prática característica das Assembléia de Deus. O Círculo é o encontro feito por
senhoras, de moças, adolescentes que se reúnem sistematicamente para orar,
64
Entrevista com Norma Soares, concedida ao autor em 19 de outubro de 2007.
65
Entrevista com Marli Santana, concedida ao autor em 11 de março de 2008.
fazer pedidos de oração e ler a Palavra de Deus
66
. Reforçou a autora a
importância da oração para a Denominação.
Choque entre a religiosidade popular e os pentecostais
Não há como falar de religiosidade popular sem tratar de cultura, afinal a
religião e a religiosidade são elementos da cultura e estão permeadas por ela,
por conter práticas sociais e expressão da crença, conduta e visão de mundo
de um grupo social. Segundo Roger Chartier
67
a cultura é a apropriação que
um grupo faz a partir de sua leitura de mundo, que está relacionada a um
contexto social específico. Esta apropriação ganha sentido na prática cotidiana
do grupo.
Para Michel Vovelle
68
as representações populares se inserem em um
processo de longa duração. Sem deixar de questionar o conceito de popular e
sua validade nos últimos séculos, o autor questionou a permanência das
práticas religiosas populares, típicas dos séculos XIII ao XVI, do século XIX aos
dias atuais em meio à sua expansão urbana e industrial, que mercantilizou a
religiosidade popular.
Para Renato Ortiz o mercado retirou o aspecto popular da religiosidade a
transformando em bens de consumo
69
. Não se pode negar que houve um
agressivo avanço capitalista, uma desestruturação da religiosidade popular,
mas esta permaneceu em resistência às mudanças sociais. Paradoxalmente,
incorporou elementos da sociedade em mudanças, o que seria uma
contradição caso não ocorresse, pois a cultura popular, como a religiosidade
popular, não é imóvel às transformações na sociedade. Pode a religiosidade
66
FERREIRA, Sara Silva dos Anjos. O papel da mulher na expansão e consolidação da
Assembléia de Deus em Feira de Santana (1949 - 1980). Feira de Santana. UEFS. 2008, p. 43.
(Monografia de especialização).
67
CHARTIER, Roger. A História Cultural entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro.
Bertran Brasil. 1990.
68
VOVELLE, M. O popular em questão: a religiosidade popular. In: Ideologias e Mentalidades.
São Paulo. Brasiliense. 1991.
69
In: ORTIZ, Renato. Religiões populares e indústria cultural. In: Religião e Sociedade. Rio de
Janeiro, ano 3, n. 5. 1980.
popular não ter a mesma expressão de séculos longínquos, mas não morreu e
sim adquiriu sentidos na sociedade com a qual se relacionou.
O protestantismo trouxe no seu bojo formas devocionais do mundo
anglo-saxônico, que entraram em choque com a religiosidade brasileira, de
base católica e com suas práticas populares, além das influências afro-
brasileiras.
Lyndon Santos relatou os conflitos entre católicos e protestantes e suas
devoções populares no Maranhão, e a Igreja Católica recusava ter seu patamar
no mesmo nível de religiões acatólicas, que o protestantismo era um
aglomerado de seitas dissidentes que se desapegaram do tronco católico
70
. O
protestantismo, por sua vez condenava as práticas heréticas da Igreja Católica.
Estas críticas tomaram proporção maior com a presença pentecostal no País,
no início do século XX, com o aumento da população evangélica.
Emílio Conde ao relatar a vinda da Assembléia de Deus para a Bahia
não escondeu o preconceito e oposição às práticas católicas e as crenças
advindas do candomblé como perniciosas, não deixando de destacar, como
prática de todo bom “crente”, a “vitória” da AD em terras brasileiras.
O início do trabalho em Salvador não foi tarefa fácil. É conhecida de
todos a grande idolatria que domina a cidade, cheias de Igrejas do
catolicismo romano, onde imagens de escultura são cultuadas. Não
menos numerosos são os terreiros e cultos pagãos de origem
africana trazidos pelos escravos, cujo desenvolvimento mais
acentuado ocorreu na Bahia
71
.
O missionário sueco Daniel Berg, um dos fundadores da AD, juntamente
com seu conterrâneo, Gunnar Vingren demonstrou, em suas memórias, as
práticas religiosas brasileiras vinculadas à religiosidade popular católica. Forma
de religiosidade esta absolutamente predominante no Brasil dos primeiros anos
do século XX, mais ainda em aldeias e vilas afastadas, como as de Belém do
Pará
72
. Sutilmente criticavam esse apego como causa dos males da carne e do
espírito. Relatando um encontro com uma mulher agonizante:
70
SANTOS, 2006, op.cit., p. 122.
71
CONDE, 2000, op.cit., p. 170-1.
72
BERG, Daniel. Enviado por Deus: Memórias de Daniel Berg. Rio de Janeiro. CPAD. 2000, p.
82.
A enferma tinha as mãos cruzadas sobre o peito e o olhar fixo em um
objeto entre as velas. Quando me aproximei, percebi que ela olhava
para a imagem de uma santa, a qual todos dirigiam suas orações
como último recurso e refúgio... Porém se ela cresse em Jesus podia
estar certa de que ele a libertaria e a perdoaria, pois foi para isso que
o filho de Deus morreu na cruz. Insisti com a enferma que a única
coisa que ela deveria fazer era crer nessas verdades, para ser
inteiramente liberta
73
.
Portanto, o apego às imagens, típicas do catolicismo popular, era visto
como falta de doutrina e conhecimento bíblico. A centralidade das Sagradas
Escrituras foi um princípio protestante que os assembleianos trouxeram para o
Brasil. Acreditavam que a leitura da Bíblia doutrinaria a população brasileira no
sentido de abolir as práticas da religiosidade popular, consideradas
pecaminosas.
Calendário festivo nacional e conflitos com o ideal de
trabalho protestante
No início do século XX um dos conflitos que os protestantes, sobretudo
os anglicanos, antigos donos de indústrias e grandes comerciantes na Bahia e
em outras regiões brasileiras, encontraram foi uma abundância de dias
festivos, que constantemente interrompiam a jornada de trabalho dos baianos,
que se entregavam às festividades. Os batistas também criticavam esta
situação, pois seria para eles as festas profanas um indício de degradação
social. O conflito se acirrava pelo fato das festas terem uma origem católica.
Assim, anglicanos e batistas acusavam os católicos de promover uma orgia
social e impedir o desenvolvimento do País, que seria pela ética do trabalho e
não por festas profanas.
Desta forma, os protestantes voltaram-se contra o catolicismo brasileiro,
os feriados e dias santos, que tiravam os trabalhadores de seus postos de
trabalho. Os batistas não consideravam que o catolicismo pertencesse à
cristandade. Reafirmavam o progresso originário dos princípios evangélicos,
que estavam em um patamar civilizatório superior ao dos católicos.
73
BERG, 2000, op. cit., p. 84-5.
A profusão de dias santos e festas católicas do calendário baiano,
além de parecerem idólatras e desnecessários, se chocavam
frontalmente com a ética do trabalho seguida pelos batistas, que
concebiam o trabalho como uma ordenança divina e que o dia de
descanso era necessariamente o domingo
74
.
A respeito das festas religiosas populares na Bahia, Edilece Couto
mostrou que as mesmas iniciavam no Dia de Todos os Santos e iam até o
último dia de carnaval, portanto de novembro até fevereiro. As festas populares
tinham, ao lado do sentimento de devoção religiosa, um aspecto profano, no
qual se misturavam elementos do culto católico e africano. Como a autora
afirmou era uma carnavalização das festas religiosas, tendo como participantes
boa parte da população de cor, entre os quais estavam ricos e pobres.
Edilece Couto também destacou que a Igreja Católica não era passiva,
ou totalmente passiva, aos festejos populares, tendo sido inúmeras as
tentativas de impedi-las, não só no Brasil.
A alegria proporcionada pela música e dança sensual no adro ou no
largo em frente aos templos era vista pela Igreja como desordem e
profanação. A Europa pós-tridentina realizou um combate aos
inimigos dos cristãos especialmente aos hereges e seus costumes.
Houve uma satanização das manifestações populares, principalmente
aquelas realizadas dentro do calendário das festas católicas
75
.
Riolando Azzi
76
também abordou a tentativa do episcopado em controlar
as irmandades católicas e as festas populares de caráter religioso, sobretudo
as que ocorriam à noite, e que não seguiam os preceitos e organização
eclesiástica, tornando-se uma ameaça à honra divina. O movimento de reforma
religiosa que a Igreja tentou levar adiante obteve sucesso parcial, pois não
conseguiu controlar grupos de leigos, não diretamente ligados ou dependentes
das paróquias e dioceses.
O catolicismo, apesar de controlar algumas festas religiosas populares,
ligadas ao culto dos santos de devoção, não conseguiu impedir outras de
domínio religioso popular. Também a Igreja Católica não podia entrar
74
SILVA, Elizete. Protestantismo e Religiosidade Popular. In: Religiosidades, Misticismo e
História no Brasil Central Brasília. CEHILA, 2001, p. 339-40.
75
COUTO, Edilece Souza. Tempo de Festas: homenagens a Santa Bárbara, N. S. da
Conceição e Sant‟Ana em Salvador (1860-1940). Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências e
Letras da UNESP. Assis SP. 2004, p. 166-7.
76
AZZI, Riolando. O episcopado do Brasil frente ao catolicismo popular. Petrópolis, Vozes.
1997.
constantemente em conflito direto com seus fiéis, apesar de alguns bispos o
terem feito, perante a ameaça de outros grupos religiosos, com destaque ao
protestantismo missionário, que procurava trazer ao seu seio membros ou
aqueles que se afirmavam católicos, seja por meio de sua atividade missionária
ou de crítica às práticas católicas, como as festas por eles promovidas.
Os assembleianos condenavam tais festas, pois segundo suas normas
afetavam a moral do fiel, que deveria permanecer em conduta, bem como
atentava contra os costumes e o pudor do fiel, que deveria se preservar,
segundo as leis divinas.
Essas festividades aliavam duas práticas abominadas pelos
assembleianos: o uso de bebidas alcoólicas e a liberação da sexualidade fora
do casamento, terminantemente proibidas no conjunto normativo
assembleiano. Tanto que a manutenção de centros assistenciais de
recuperação de toxicômanos e o incentivo ao casamento entre fiéis estavam na
organização normativa da Denominação.
Costumes e doutrinas da Assembléia de Deus
de Feira de Santana
A AD teve, em sua formação, costumes e doutrinas bastante rigorosos
quanto ao doutrinamento de seus fiéis. Esta foi a forma encontrada para
manter a coesão do grupo, a moralidade, vinculando atitudes não dignas de um
evangélico, segundo a conduta pregada, como pecado, decorrência da
mundanidade. Por isso a necessidade de afastamento do mundo e dos seus
estímulos, como a bebida e o apelo sexual.
Era intensa a disciplinarização de seus membros quanto às normas e
costumes. Verificamos em ata 235, a exortação do Pastor Severino Soares,
em exercício no período:
Devemos ter cuidado, pois estamos diante de Deus. O nosso peso
deve corresponder ao do Senhor, pois tanto no sentido material como
no espiritual Deus está observando a nossa vida, pois ele nos
convoca por todos os ângulos
77
.
Na ata de 237 o Pastor Severino Soares recomendava a centralidade
do texto bíblico e o rigor comportamental:
Lembramos que aqui é lugar de encontro com Deus que os nossos
caminhos devem ser enquadrinhados e a Bíblia é toda ferramenta
para uma vida... E frisou que a porta para o céu é estreita e por isso
devemos negar a nós mesmos para irmos para lá
78
.
Estas mensagens exortativas refletiam tanto a forma de conduta da
Denominação, como atribuia aos pastores e fiéis a função de zelar não por
si, como pelos demais membros da comunidade religiosa. Havia uma
preocupação explicitada nos Livros de Atas com a postura dos fiéis, sendo
recorrente assuntos relativos a disciplinarização, suspensão, exclusão,
reconciliação, formação de comissões para visitar fiéis suspeitos de “infração
da lei cristã”, afastamento da comunhão com os demais membros e pedido de
perdão do fiel admitindo seu “desvio” e solicitando reconciliação com o grupo.
Em diversas atas, encontram-se registros de fiéis suspensos ou
excluídos da congregação devido as vestimentas que usavam, inadequadas a
um crente. Estas advertências serviam para homens, mas, principalmente para
mulheres. Chamavam a atenção feminina ao corte e tintura do cabelo, a pintar
as unhas, a depilar as pernas e sombrancelhas. Estas não eram atitudes
dignas de uma cristã
79
, conforme a ótica da Assembléia de Deus de Feira de
Santana.
Na ata nº240 mulheres foram advertidas por cortar os cabelos, ficando
proibidas de participar da ceia, ou seja, das comunhões realizadas para os
membros e das decisões internas do grupo
80
. Tais ocorrências expressavam o
modo de pensar e a forma de organização assembleiana no período. Na ata
251:
77
Livro de Atas da Assembléia de Deus. Feira de Santana. 26 abr. 1978.
78
Idem, 30 jun. 1978.
79
Livros de Atas de Assembléia de Deus de Feira de Santana. Feira de Santana. 29 mar. 1974;
28 jun. 1974; 30 jun. 1978; 01 de set. 1978; 29 jan. 1979; 29 fev. 1980; 24 jun. 1983.
80
Idem, 29 set. 1978.
o pastor falou sobre a vaidade que está tomando conta de muitos e
pediu a Igreja que orasse para Deus guardar a pureza de nossa
Igreja, livrando-nos de Jezebel, e nos falou que devemos ficar
embaixo do sangue de Cristo e zelarmos pela doutrina da Igreja
81
.
A Jezabel citada pelo pastor era uma mulher do Velho Testamento, de
origem fenícia, que pintava os olhos e desobedecia os princípios judaicos. No
Novo Testamento, Jezabel aparece como a representação de uma prostituta.
Portanto, cabia a mulher uma vestimenta adequada que cobrisse o corpo,
símbolo do pecado, e sem ornamentações excessivas, como pintura e brincos,
como conferimos em foto de um casamento no meio assembleiano.
Foto 1. Pastor Severino Soares realiza uma cerimônia de casamento. Acervo pessoal de Eber
Soares.
Os membros que ingressaram em uma Denominação pentecostal
construíram, além de uma nova relação com a sociedade, de batismo e do
81
Livros de Atas de Assembléia de Deus de Feira de Santana. Feira de Santana. 26 jun. 1979.
mundo, uma relação com eles mesmo, de modo a si entender melhor, bem
como a sociedade circundante. Por isso buscavam resistir às tentações
veementemente condenadas pela AD, pois ser afastado da comunhão
significava ficar excluído, não participar ou ter acesso às decisões do grupo
religioso.
Ao analisar a construção do “self”, autoconsciência, entre as mulheres
que ingressaram no pentecostalismo, Sueli Souza identificou no diálogo e
interação com o Espírito Santo uma forma de lidar consigo, com a família e
com a sociedade pertencente.
Vale então, salientar que a experiêcia do recebimento do Espírito
Santo é a base comum que garante a certeza do vivenciado que
ajuda na compreensão, seja em eventos extraordinários, seja
cotidiano. Parece ser desta forma que o “Self-Totalmente-Outropor
sua capacidade de se ajustar a várias experiências, a uma gama de
infinita variedade de tipos de “selves”, tem se tornado agente
catalisador e fonte de construção do self” para pentecostais,
especialmente mulheres aflitas.
82
O espaço conquistado com a conversão não se resume a normas e
costumes rígidos, mas uma forma de se encontrar, de entender seu cotidiano a
partir da exeriência construída na comunidade religiosa, possibilitando uma
afirmação e um situação de pertencimento. Por isso que muitas vezes as
rígidas disciplinarizações eram aceitas de modo a manter a coesão interna do
grupo.
Outro assunto discutido nas atas foi quanto ao espaço de sociabilidade
do fiel. Mesmo estando em processo de transformação de aspectos da
mentalidade evangélica havia a recomendação de andar em companhia de
seus pares assembleianos, de modo a evitar a corrupção dos não convertidos
à Palavra..
A normatização dos costumes era, portanto, forma da AD manter seu
grupo coeso e submisso aos preceitos religiosos, sendo inclusive um meio de
diferenciação entre os outros protestantes e a Igreja Católica, considerada
liberal em suas práticas. A aparência do converso era fundamental para seu
testemunho enquanto crente. As roupas, o modo de se portar, identificavam a
82
SOUZA, Sueli Ribeiro Mota. Em diálogo com Deus: a construção do “self” entre mulheres
pentecostais. Salvador. UFBA. 2007, p. 246. (Tese de doutorado).
construção de uma identidade peculiar aos pentecostais assembleianos na
sociedade feirense.
Clari Couto ao analisar os costumes e doutrinas da AD em Conceição do
Coité, no semi-árido baiano, observou o rigor da sua ética comportamental
assembleiana e que a Denominação se orgulhava de distinguir-se de outros
grupos religiosos pelo conservadorismo no campo dos usos e costumes que
são impostos aos fiéis como emblema para sua permanência no grupo
83
.
Portanto, os costumes da AD acabavam por tomar uma dimensão maior
que a própria doutrina do grupo. Os costumes eram uma interpretação da
leitura bíblica, ou seja, das doutrinas. Racionalmente os costumes deveriam
estar submissos à doutrina, mas na prática não aconteceu. Apesar da AD tratar
os costumes como doutrina, ou muitas vezes dar mais atenção aos usos dos
costumes, estes não podiam ser confundidos, conforme um líder assembleiano.
“Doutrina, estritamente falando, é o ensino bíblico normativo,
terminante, final, derivado das Sagradas Escrituras, como regra de
e prática de vida, para a Igreja através de seus membros”; enquanto
que “Costume é uma forma de expressão do porte, postura e
comportamento social da pessoa ou congregação, confirmando ou
comprometendo a doutrina bíblica, a moral e a ética cristã”
84
.
A expansão da AD, deveu-se a este controle sobre o corpo e a conduta
do fiel. Regina Novaes afirmou que o controle e a disciplina eram mais aceitos
entre os membros das classes mais baixas, que formavam grande parcela da
AD, por estes se sentir mais seguros e referendados perante a sociedade
devido aos códigos rigorosos. Isto demonstra uma característica da
comunidade religiosa. Os adultos formavam a maioria de seus membros. Para
ser membro precisava ser batizado, o que ocorria, geralmente, após os 12
anos de idade, ou quando em faixa etária necessária para compreender o ato
de conversão. Foi constatado pela autora as dificuldades para os jovens
ingressarem na comunidade devido as interdições ao fumo e a bebida e “as
83
COUTO, Clari. Orar e vigiar: o poder disciplinador da religião como representação do pecado
na AD de Conceição do Coité, 1970 a 1990. UEFS. 2001, p. 71.
84
GILBERTO, Antônio. Doutrina, usos e costumes. s/d. apud COUTO, 2001, op.cit., p. 83.
vaidades do mundo” também são apontadas como obstáculo para os jovens se
converterem
85
.
Contudo, havia um grande número de crianças e adolescentes
congregados, ou seja, que frequentavam o grupo religioso mas não faziam
parte do quadro de membros por ainda não terem condições de entender e
aceitar o batismo, no geral filhos ou famíliares dos membros adultos.
As normas e doutrinas ao contribuir para a formação da visão de mundo
do fiel interviu no modo deste se relacionar com a sociedade e a rejeitar certos
aspectos dela, como ocorreu com a política. Tanto que quando da aclamação
das lideranças para o apoio e a eleição do “irmão” candidato, geralmente
pertencente aos quadro hierárquico denominacional, houve a rejeição de
muitos fiéis por trazer no imaginário o ideal de política como contaminação e
afastamento do sagrado.
Expansão e composição social
Os imigrantes suíços Gunnar Vingren e Daniel Berg chegaram ao Brasil,
mais especificamente no Norte do País, no Pará, em 1911, e fundaram a
Assembléia de Deus, construindo a perspectiva de uma “Igreja dos pobres”,
com base no contexto social de marginalidade populacional na Suíça, local de
origem dos missionários e de Chicago, EUA, onde estavam antes de vir para o
Brasil. Por outro lado, os pioneiros assembleianos, divulgavam sua mensagem
entre a população de baixa renda e da periferia das cidades nortistas. A
composição social assembleiana, em suas primeiras décadas de existência,
continuou como comunidade de fiéis formadas, sobretudo por membros das
classes mais baixas da sociedade brasileira.
Ocorrem no Brasil, incessantes migrações das áreas rurais para as
urbanas. Os homens do campo dirigem-se para as cidades e quase
da noite para o dia aparecem áreas de favelas. A Assembléia de
Deus prega o Evangelho para essas pessoas e muitas aceitam-no,
85
NOVAES, 1985, op.cit., p. 72.
aumentando o número dos que freqüentam as igrejas. Descobriu ela
a nova receptividade entre essas massas migradoras
86
.
O trabalho era essencial para a manutenção da ordem, por estar
vinculado a uma ordem moral. Portanto, os assembleianos incentivavam o
trabalho por parte dos seus fiéis, como modo de manter estruturada a
comunidade e não pela riqueza material que o fiel poderia adquirir. O
pentecostalismo assembleiano contrapôs à pobreza “material” sua riqueza
“espiritual”
87
. O importante não era o status que o fiel poderia adquirir com o
trabalho, mas que por meio do trabalho, juntamente com a doutrina espiritual,
mantivesse conduta reta, de honesto trabalhador, de acordo com as normas do
grupo religioso, “fazendo-o para a glória de Deus”.
Complementando a importância do trabalho na organização
assembleiana, Regina Novaes assegurou que enquanto indivíduo que cada
membro faz sua opção exclusiva por ser crente e passa a veicular uma
identidade religiosa e, que deve transparecer “um bom testemunho de vida” e a
disposição de “evangelizar outros”
88
. Esta concepção advém da idéia
protestante de uma virtude relacionada ao trabalho
89
. Este proporciona uma
ética comportamental e um compromisso humano com questões realmente
necessárias à vida.
Jessé de Souza, ao analisar a contribuição de Weber à interpretação do
atraso brasileiro e a vinculação de progresso com o protestantismo, também
vinculou a idéia da vocação ao trabalho como um sinal de certeza da salvação:
Essa confere um sentido sagrado ao trabalho intramundano ao
interpretá-lo como meio para o aumento da glória de Deus na Terra
de modo a dar ao crente a segurança de que seu comportamento é
não apenas “agradável a Deus”, mas, acima de tudo, “fruto direto da
ação divina”, possibilitando a fruição do bem maior dessa forma de
religiosidade, qual seja: a certeza de salvação.
90
86
READ, William R. Fermento religioso nas massas do Brasil. Eerdmans Publishing Co. 1967,
p. 129.
87
BOBSIN, Oneide Produção religiosa e significação social do pentecostalismo a partir de sua
prática e representação. SP. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 1984. (Dissertação
de mestrado), p. 140.
88
NOVAES, 1985, op.cit., p. 69.
89
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Martin Claret. SP. 2002.
90
SOUZA, Jessé de. A Ética protestante e a Ideologia do Atraso. In: O Malandro e o
Protestante: a tese weberiana e a singularidade cultural brasileira. Brasília. Ed UnB, p. 27.
O trabalho era um aspecto importante para a santificação, segundo os
assembleianos. Significou um complemento à oração, pelo fato do crente não
estar participando de atos considerados impuros e ocuparem seu tempo com
atividades sadias ao corpo e ao espírito e não atividades maléficas, como os
vícios do fumo e da bebida ou vaidades tolas para um cristão, a exemplo da
moda que expõe o corpo.
A AD em sua formação inicial foi reconhecida como uma “igreja de
pobres”. Contudo sua membrezia ao longo dos anos incorporou membros de
classes sociais mais favorecidas, em decorrência de seu crescimento e
projeção, passando a ter um intelectualismo pequeno-burguês
91
, seja pela sua
postura conservadora e pela posição de controle social e busca de
direcionamento de sua membrezia .
Segundo Freston, o crescimento numérico e social alcançado nas
últimas décadas no País, bem como a instalação de poderosa gráfica e
editorial, uma das maiores do País, entre diversos grupos religiosos distanciou
mais a AD da qualificação de igreja dos pobres. Contudo, ao observar a
instalação da AD, sobretudo em cidades de pequeno porte, como Feira de
Santana, fica visível o aspecto de igreja dos pobres, pois esta classe social
compõe o principal filão de membros do grupo.
Jonatas Meneses em seu trabalho sobre a AD de Sergipe mostrou que o
proselitismo assembleiano foi concentrado nas áreas mais pobres das cidades
sergipanas e confirmou a preocupação com a salvação com base no “Espírito
Santo”.
O proselitismo dos assembleianos dirige-se a uma parcela
significativa da população, completamente desassistida, cujo
discurso, com base em promessas de solução para os problemas
imediatos como a cura de todos os tipos de doenças, desemprego
etc.
92
.
91
FRESTON, 1993, op cit. Intelectualismo pequeno burguês refere-se a uma mudança de
posição social da AD. Freston a distancia a AD da qualificação de “igreja dos pobres”, com o
crescimento numérico e social que a mesma alcançou nas últimas décadas no País.
92
MENESES, Jonatas Silva. A participação política da Igreja Evangélica Assembléia de Deus
no Estado de Sergipe: estratégias e ações para um projeto político. Salvador. UFBA, 1995, p.
23.
Abaixo, tabela das profissões exercidas pelos membros fundadores da
Assembléia de Deus de Feira de Santana, como uma forma de compreender o
universo social composto por seus primeiros integrantes.
TABELA 1
Profissões dos membros fundadores da ADEFS da década de 1950
Atividade Secundária
Atividade Terciária
Categoria
Número
Categoria
Número
Categoria
Número
Trabalhador
rural
04
Oleiro
01
Doméstica
53
Lavrador
03
Carpinteiro
01
Comerciante
04
Costureira
04
Pedreiro
05
Britador
01
Pintor
01
Doceiro
02
Negociante
04
Fundidor
01
Amolador
01
Motorista
02
Total
07
Total
06
Total
74
Total geral
87
Fonte: Estatuto da Assembléia de Deus de Feira de Santana. O que se relacionava a
transformação de produtos foi incluído como atividade secundária, mesmo que fabricado de
forma artesanal.
É certo que a membrezia assembleiana não era composta apenas de
membros das classes mais baixas. Com a expansão assembleiana pelo País, a
partir da década de 1950, a AD aumentou o seu número de membros atraindo
diversos grupos e composições sociais. Contudo, foram os membros das
classes populares o contigente inicial mais denso da AD de Feira de Santana.
Em seu Estatuto de fundação, a AD contou com o número de 89
membros. Entre estes se destacou o Pastor Manoel Joaquim, que apareceu
como ministro do Evangelho e Manoel Marques Souza, evangelista, atividades
não atribuídas enquanto profissão.
As profissões listadas corroboraram o pertencimento social de seus
membros às camadas mais baixas: pequenos comerciantes, domésticas,
lavrador, trabalhador rural, carpinteiro, britador, fundidor, doceiro, costureira,
negociante, motorista, pedreiro, oleiro, amolador e pintor, reafirmando o modelo
de “igreja dos pobres”.
No Estatuto da AD também verificou-se maioria feminina. As mulheres
eram 58 dos 89 membros fundadores. Domésticas ou donas-de-casa
compunham a maioria: 53 mulheres. As outras profissões exercidads pelas
mulheres foram: costureiras, comerciantes e negociante. Entre os homens a
maioria exercia atividades como: trabalhador rural, comerciante, negociante e
pedreiro. Eram 18 dos 31 membros masculinos. Apenas 01 homem aparece
como doméstico. O Estatuto não determinou se era dono-de casa ou
empregado doméstico, como jardineiro
93
.
A Assembléia de Deus formou-se como uma das principais
denominações pentecostais do País. A rigidez e coesão interna trouxeram uma
solidariedade ao grupo religioso, identificando-os entre si “como irmãos na fé”.
Outro aspecto a observar quanto a composição social relaciona-se com
a cor. O pentecostalismo teve uma grande quantidade de negros em sua
composição. A Assembléia de Feira de Santana era composta de uma maioria
negra, conforme as fontes iconográficas trabalhadas ao longo do texto. No
Censo Demográfico de 2000 a Assembléia de Deus de um total de 8.418.140
membros, tinha 4.591.531 negros, margem bem superior aos 3.699.014
brancos. Os demais declararam a cor ou raça amarelo ou indígena ou ficaram
sem se declarar
94
.
Apesar do rigor na aceitação de membros, o crescimento numérico
durante as décadas de 1970 e 1980 foi constante. As mulheres correspondiam
a mais de 70% desse número, conforme o Livro de membros da AD, que
registrava os membros batizados na cidade, bem como os transferidos com
carta de recomendação e mudanças, cartas que atestavam o pertencimento
por batismo à Denominação. Em razão disto, o grupo contava com 41
congregações já no início da década de 80. Crescimento considerável, se
comparado ao protestantismo histórico na cidade e no País.
93
Estatuto da Assembléia de Deus. 15 set. 1956. O Estatuto foi datilografado e consta nome
dos fundadores da AD em Feira de Santana.
94
OLIVEIRA, Marco Davi de. A religião mais negra do Brasil: por que mais de oito milhões de
negros são pentecostais. São Paulo. Mundo Cristão. 2004, p.102.
Outro aspecto importante que deve ser ressaltado foi o fato dos fiéis
batizados corresponder a eleitores em potencial para os projetos políticos do
grupo, seja para barganhar benefícios ou pleitear cargos políticos, desde que
observada a hierarquia ocupada no grupo religioso.
Percebe-se pelos Livros de membros da Assembléia de Deus, o grande
fluxo de pessoas advindas de diferentes localidades que vieram ou tomaram
Feira de Santana como ponto de passagem pelo fato dela ser um cruzamento
rodiviário de três estradas federais
95
. Os assembleianos que se dirigiam para
Feira de Santana traziam consigo cartas de recomendação ou mudança,
atestando que era convertido e estava em comunhão com a Denominação a
que pertencia antes de se deslocar. O uso das cartas de recomendação era
comum entre os assembleianos. A procedência era a mais variada, contudo
grande maioria que passava a residir em Feira de Santana era proveniente de
outra localidade da Bahia ou do Nordeste.
Na Assembléia de Deus não era liberada tais cartas para ida dos fiéis
para outra Denominação. Contudo, aceitavam cartas de fiéis vindos de outras
comunidades evangélicas que não a Assembléia de Deus. Forma esta de
manter o crescimento quantitativo e certo exclusivismo. Estas referências foram
encontradas em livros de atas e de membros do grupo religioso. Utilizavam-se
também de carta de reconciliação como forma dos irmãos demonstrarem
arrempedimento por afastamento ou desobediência aos costumes e doutrinas.
Verifica-se a utilização destas cartas em diversas situações. Conforme Livro de
Atas de Assembléia de Deus:
O pastor Severino Soares leu para igreja uma carta da igreja
Evangélica Congregacional, apresentando-a na igreja, o irmão
Manoel Castro Pereira, o caso foi levado a apreciação da igreja,
vários irmãos se pronunciaram em favor do irmão, quando em
observação da igreja para depois ser aceito na comunhão da
mesma
96
.
A ata de 240 apresentou diversos irmãos provenientes de São Paulo,
de São Gonçalo dos Campos e Lagoa do Mato, os dois últimos distritos
baianos
97
. Na ata de 264 encontramos irmão procedentes de regiões como
95
Ver mapas em anexo.
96
Livro de Atas da Assembléia de Deus. Feira de Santana. 01 fev. 1974.
97
Livro de Atas da Assembléia de Deus. Feira de Santana. 29 set. 1974.
Camarana Ba, Bom Princípio Caucaia Ceará, Candeias Bahia
98
. Na ata
265, carta de recomendação de irmãs que estavam retornando de São Paulo
99
.
As atas 261 e 277 contém cartas solicitando reconciliação e mudança de
membros da Assembléia de Deus:
Uma o pastor Rodrigo Santana solicitava a carta de mudança do
irmão Raul Neves e a outra, era o próprio Raul se dirigindo à Igreja,
solicitando a sua aceitação no rol de membros e pedindo perdão à
Igreja. Depois de ouvida várias opiniões sobre o assunto, ficou
resolvido pela maioria dos membros presentes, o envio da carta de
transferência do irmão Raul para Salvador.
100
Também foi apresentada à Igreja uma carta vinda da Assembléia de
Deus em Barueri S. Paulo, solicitando desta Igreja uma carta de
reconciliação para a irmã Erondi Oliveira Soares, a qual estava
afastada da comunhão desta Igreja. Atendendo a pedido, a Igreja
recebeu em comunhão, expedindo em seguida a sua carta de
mudança
101
.
As cartas de reconciliação era uma forma do “irmão” suspenso da
comunhão demonstrar arrependimento e solicitar sua reintegração à
comunidade que era aceita ou recusada pela avaliação dos demais membros.
As cartas de recomendação, mudança e reconciliação também demonstram as
normas rígidas do grupo religioso da Assembléia de Deus, assumindo o
controle em diversos aspectos da vida do fiel, até seu deslocamento entre
localidades diferentes. Forma também de assegurar a vigilância do convertido
nos preceitos assembleianos, independente da congregação assembleiana que
estivesse.
As cartas eram apresentadas nas reuniões ordinárias da congregação, a
qual opinava sobre a aceitação, readmissão ou mudança do membro que fazia
a solicitação para a AD de outra localidade. Esta era uma forma de, inclusive,
os fiéis se sentirem importantes na construção de normas do grupo, saber e
reproduzir as normas e penalidades que este impunha, contribuindo para o
controle dos membros da AD. Os membros colaboravam, desta forma para a
manutenção de uma identidade que passava pelo rigor comportamental da
98
Livro de Atas da Assembléia de Deus. Feira de Santana. 03 jun. 1980.
99
Ibidem, 25 jul. 1980.
100
Ibidem, 28 mar. 1980.
101
Ibidem, 26 jun. 1981.
comunidade religiosa. Sobre identidade entende-se o processo de construção
de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de
atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(is) prevalece(m) sobre outras
fontes de significado
102
. Em muitos casos a religião foi um fator determinante
na construção da identidade
Feira de Santana foi estratégica para o fluxo migratório, pois acolhia
pessoas advindas de diversas cidades do interior e próximas ao litoral, como
de regiões mais distantes. Pessoas muitas vezes atraídas pelo seu comércio e
indústria em desenvolvimento.
Nas décadas de 1970 e 1980 foi grande o fluxo migratório para Feira de
Santana. O crescimento urbano de 1970 para 1991, isto é, desde a construção
do CIS ao seu declínio maior, variou de 131.707 para 348.973 habitantes
103
.
102
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo. Paz e Terra. Vol. 2. 1999, p. 22.
103
SANTOS, Igor Gomes. Na contramão do sentido: origens e trajetória do PT de Feira de
Santana Bahia (1979 2000). Niterói. UFF. 2007, p. 51. Dissertação de mestrado.
Capítulo II
Pentecostais assembleianos em Feira de Santana:
entroncamento sócio-cultural
Este capítulo visa fazer uma discussão sobre a cidade de Feira de
Santana, tomando como foco o período de instalação da Assembléia de Deus
de Feira de Santana, o final da década de 1930.
As transformações decorrentes do processo de urbanização da cidade,
que reorganizou sua organização econômica, a partir da relocação da feira do
gado e da feira livre para ambientes considerados “adequados” ao seu
funcionamento e que prezassem, acima de tudo, para uma necessidade de
higienização e embelezamento das ruas e praças da cidade.
Porém, o modelo modernizante, que buscou uma reorganização das
atividades comerciais e mudou com a vinda do Centro Industrial do Subaé
(CIS), foi acompanhado de um crescimento da população migrante, vinda do
campo, seja na busca de condições de trabalho, não mais oferecida de forma
suficiente à população, decorrente da dispensa de mão-de-obra, em razão do
seu desenvolvimento tecnológico. Ou fugidas da seca, que atingiu em cheio o
Nordeste, nos últimos anos da década de 1970 e foi particularmente violento
na primeira metade da década de 1980.
Em meio a este processo de transformação na cidade, instalou-se as
primeiras congregações da Assembléia de Deus, um dos primeiros grupos
pentecostais a se instalar com sucesso na cidade de Sant‟Ana, buscando se
relacionar com a realidade local, interferindo e criando laços com a população,
além de servir de apoio assistencial na falta de condições estruturais da cidade
em atender a demanda de migrantes que chegavam em busca de melhores
alternativas de vida. O censo do IBGE apresentou os seguintes dados para
Feira de Santana:
TABELA 2: População de Feira de Santana
Década
População
total
População
rural
População
urbana
Taxa de
urbanização
1970
187.290.
55.583
131.707
70,3%
1980
291.504
57.887
233.616
80,1%
Dados do IBGE do censo demográfico de Feira de Santana nas décadas de 1970 e 1980.
Feira de Santana localiza-se a leste do estado da Bahia, entre a zona da
mata e o sertão, numa área de transição denominada agreste baiano. Quase
sua totalidade (96% da área) está inserida no polígono das secas excluindo-se
somente o distrito de Humildes
104
. A cidade foi crescendo como arraial, ainda
no século XVIII. Em 1819, foi elevada a categoria de povoado, com o nome
Santana dos Olhos D‟Água, tendo destaque a feira do gado e a figura do
vaqueiro, que compôs o cenário feirense, outrora predominado pela presença
indígena e negra. Alguns autores atribuem ainda a formação de Feira de
Santana a partir do povoamento de São José das Itapororocas, em fins do
século XVII.
Muito se discute sobre a formação da cidade de Feira de Santana. A
bibliografia tradicional a classifica como uma cidade de formação comercial. O
que pode ser analisado enquanto uma naturalização. Isto pelo fato do seu
desenvolvimento urbano ter seguido molde comercial e, depois, industrial,
atendendo aos interesses dos grupos dominantes. Ao revisar a formação
histórica de Feira de Santana isto deve ser relativizado: questionamentos foram
realizados por alguns historiadores que inquiriram sobre a formação de Feira
de Santana
105
.
104
FREITAS, Nacelice B. Urbanização em Feira de Santana: influência da industrialização
(1970-1996). Salvador: UFBA. 1998, p. 53.
105
Ver os trabalhos de SILVA, Aldo José Morais. Natureza sã, civilidade e comércio em Feira
de Santana: elementos para o estudo da construção de identidade social no interior da Bahia
(1833 1937). UFBA. Salvador. 2000. (Dissertação de mestrado). OLIVEIRA, Clóvis F. R. De
O trabalho monográfico de Larissa Pacheco propõe uma visualização do
passado feirense como de pequenas propriedades agrícolas, sendo que as
formas de ganho estariam em mãos de negros e indígenas
106
. Para isto
Pacheco valeu-se do trabalho de Zélia Lima, reafirmando uma composição
étnica de quilombolas para a região de São José das Itapororocas e áreas do
Recôncavo Baiano.
Podemos dizer que a feira dava conta de grande parte das trocas
mercantis da região, era circundada por um conjunto de atividades
agrárias, como a produção latifundiária de tabaco, como pequenas
pastagens de gado para venda e corte, onde era locado um número
relativamente pequeno de trabalhadores, grande número de
indígenas, trabalhadores livres e escravos que sobreviviam da
agricultura de pequeno porte e de atividades artesanais
107
.
Aldo José Morais Silva demonstrou que a construção da cidade de Feira
de Santana foi voltada aos ideais de uma cidade saudável, portanto adequada
à boa vivência dos que a residiam, como aos que desejavam se instalar seja
por questões pessoais ou interesses comerciais, o que contribuiu para a idéia
de cidade civilizada e progressista, mesmo que negasse aspectos de sua
natureza sã, ou seja, preservada dos efeitos modernos. O autor, ao analisar a
formação de Feira de Santana enfatizou a atividade comercial como um dos
seus principais aspectos de identificação, que estendeu como parte do histórico
das cidades, em geral, por elas em seus aspectos urbanísticos, sempre esteve
associado ao favorecimento de suas funções econômicas, notadamente
comerciais.
108
Ao discutir o desenvolvimento da cidade feirense, Silva destacou quando
esta adquiriu valores científicos e modernizantes, analisando o intuito da elite
feirense de comparar a cidade às grandes metrópoles como aparecia nos
versos e prosas de seus poetas.
empório à princesa do Sertão: utopias civilizadoras em Feira de Santana (1893 1937).
Salvador. UFBA, 2000. (Dissertação de mestrado); LIMA, Zélia. Lucas Evangelista: O Lucas da
Feira. Estudos sobre a rebeldia escrava em Feira de Santana/ 1807-1849. UFBA. Salvador.
1990. (Dissertação de mestrado) PACHECO, Larissa. A feira e a nova Feira: tradição, costume
e conflito (1967 1977). Feira de Santana. UEFS. 2008. (Monografia), SANTOS, Igor Gomes.
Na contramão do sentido: origens e trajetória do PT de Feira de Santana Bahia (1979
2000). Niterói. UFF. 2007. (Dissertação de mestrado).
106
PACHECO, 2008, op. cit., p. 21-2.
107
Idem, p. 29.
108
SILVA, Aldo José Morais, 2000, op. cit., p. 75.
Esta cidade de Eurico Alves é caracterizada pelas „largas estradas‟,
sua paisagem iluminada pelas „lâmpadas elétricas‟ e riscada por
„máquinas velozes‟ e suas „sirenes‟. É a imagem de uma cidade que
se quer metrópole e que, como metrópole, vislumbra com entusiasmo
a „movimentação do bairro comercial‟, a multidão que serpenteia
pelas ruas (largas) da cidade, emblema da vida urbana, tal qual nos
grandes centros, quem sabe até mesmo lembranças desejosas de
um longínquo Rio de Janeiro, São Paulo.
109
Clovis Oliveira trabalhou a existência de duas cidades, duas Feiras de
Santana, uma antes da urbanização, ou seja uma Feira de Santana pastoril,
sertaneja e outra Feira de Santana, modernizada e comercial.
O contexto criado a partir da tensão entre os dois fatores gera uma
nova gramática urbana. Se até então a cidade era uma espécie de
quintal das grandes fazendas, na qual eram realizadas semanalmente
as feiras. Esse quadro deveria mudar. Nas palavras de um
contemporâneo era “preciso que as luzes do progresso se abram
sobre a Feira”. Nesse sentido, as posturas municipais começam se
dirigir contra determinados hábitos, visando modelar uma nova visão
do urbano e antigas práticas passam a ser normalizadas como
indesejáveis no cotidiano da cidade, tudo em nome do progresso
110
.
Uma tensão foi criada pela elite governante da cidade, que negava
valores, tradições, mesmo que alguns desses valores fossem reapropriados em
seu favor. Vivenciou, portanto, uma Feira de Santana, que de um lado, buscava
valores típicos da sociedade de consumo, modernizada e urbanizada e as
heranças tradicionais, que de um lado deveriam ser extirpadas, mas de outro,
ficaria como as lembranças de um nostálgico passado pastoril.
Com o desmembramento de Cachoeira, em 1832, Feira de Santana
passou à categoria de vila e, em 1873, à de cidade, com denominação de
cidade comercial de Feira de Santana
111
. Segundo Rossine Cruz:
Sua posição geograficamente privilegiada facilitou tanto o
crescimento de atividades produtivas e terciárias no município,
quanto seu crescimento populacional, implicando reorganização dos
espaços para usos produtivo, comercial e residencial, no campo e na
cidade
112
.
Devido a sua posição geográfica, como um local de passagem, cortada
em todas direções, por estradas, fator primordial de seu desenvolvimento,
109
SILVA, Aldo José Morais, 2000, op. cit., p. 187-8.
110
OLIVEIRA, 2000, op. cit., p. 41.
111
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 05 set. 1974, p. 3.
112
CRUZ, Rossine Cerqueira da. A inserção de Feira de Santana (BA) nos processos de
integração produtiva e de desconcentração econômica nacional. Campinas. SP, 1999, p. 277.
sendo passagem obrigatória de quem desce do Norte ou quem sobe do Sul
113
,
e sua relativa proximidade de Salvador, Feira de Santana teve seus primeiros
impulsos. A feira do gado se estabeleceu como uma das primeiras atividades a
ser praticada no arraial e foi o fator mais importante na economia da cidade,
sendo a força propulsora para o desenvolvimento de outras atividades
econômicas, a exemplo do artesanato do couro e agricultura. Negociavam-se,
além do gado bovino, mulas, jumentos, carneiros, cabras, porcos, galináceos e
ovos, frutas, verduras e artigos de manufatura doméstica
114
.
A trajetória de Feira de Santana, como afirmava a revista quinzenal
Panorama da Bahia, estava relacionada à existência da feira do gado e da feira
livre. Estes deram um tom de uma Feira de Santana que começou a se
diferenciar a partir da década de 1950, com empreendimentos modernos que
começaram a vir com mais força à cidade:
Quem viveu em Feira de Santana antes da década de 50 certamente
tem histórias pitorescas para contar em relação à feira do gado, que
semanalmente se realizava com mais ênfase na cidade.
Freqüentemente as boiadas passavam pelo meio da rua e quando um
animal se desgarrava da boiada era aquele corre-corre, num clima de
pavor e algazarra. Quando a feira se realizava ainda no local onde
hoje é a praça Agostinho Fróes da Mota, não havia currais, vez que
os animais eram „pastorados‟ e „rodeados‟ pelos próprios vaqueiros.
Por isso, vez por outra também acontece correria para trazer os
animais de volta pro rebanho.
115
A Revista Panorama da Bahia abordou estes aspectos pitorescos, como
a mesma afirmou, com uma visão saudosista, porém tais transformações foram
necessárias à medida que a cidade foi organizando sua atmosfera urbana. A
feira do gado, abrigada no centro da cidade, abriu espaços para outras
atividades comerciais, mais adequadas ao centro urbano e se dirigiu para
áreas mais afastadas, como o Campo do Gado, nos limites da Feira de
Santana, na periferia da cidade.
Os pentecostais interagiam com as mudanças ocorridas e não estavam
à parte das atividades rurais. Integravam a parcela da população que retirava
dela sua sobrevivência. Conforme o Estatuto da Assembléia de Deus, havia os
113
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 24 out. 1974, p. 3.
114
CRUZ, 1999, op.cit., p. 204
115
Revista Panorama da Bahia. Feira de Santana. 20 ago. 1987, p. 20.
que desenvolviam atividades agrícolas e que possuíam comércio ou eram
negociantes.
Foto 2. Modernização em Feira de Santana. Imagem do Jornal Feira Hoje para retratar o
desenvolvimento urbano de Feira de Santana. Note no centro da imagem a pavimentação da
rua e no canto direito da imagem uma alusão a figura do vaqueiro cedendo espaço para o
urbano. Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 14 mar. 1983, p. 5.
Junto à feira do gado, formou-se uma feira livre, que logo se tornaria
uma das principais feiras do Norte e Nordeste do Brasil. A feira livre funcionava
às segundas-feiras, na atual Avenida Getúlio Vargas, até a década de 1970, e
atraía um enorme contingente populacional. Segundo Rollie Poppino:
O estudo do comércio, em Feira de Santana, não ficaria, contudo,
completo, sem uma notícia da feira semanal. Esse mercado, em Feira
de Santana, é que permitia aos residentes da região circunvizinha
uma oportunidade pra vender o gado em pé e os produtos agrícolas e
para comprar as utilidades necessárias, que não poderiam obter onde
residiam... Em 1950, a compra e a venda do gado vivo e da produção
agrícola ainda predominavam na feira
116
.
116
POPPINO, Rollie. Feira de Santana. Ed. Itapuã. Bahia. 1968, p. 241.
A feira livre deu impulso à cidade de Feira de Santana, construindo a
sua visão de cidade comercial. A proximidade da região metropolitana de
Salvador facilitou o escoamento de boa parte de sua produção agrícola e de
carnes.
Rossine Cruz reafirmou essa posição de Feira de Santana como centro
de convergência comercial. Observou que os movimentos de articulação
comercial e de integração produtiva do capital nacional que utilizaram e criaram
e por isto mesmo tornaram este espaço privilegiado para facilitar a circulação
do capital
117
. Ou seja, a cidade recebeu investimentos estatais e federais, a
partir da década de 1960, com o processo de desconcentração econômica das
grandes capitais. Com esta análise, Cruz avançou em comparação a Poppino.
Feira de Santana: uma modernização forçada
A posição de grande cidade comercial e os impulsos industrializantes
geraram processos modernizantes e urbanísticos em Feira de Santana,
sobretudo, nas décadas de 1970 e 1980.
A industrialização feirense não eliminou as tradições da feira livre nas
áreas centrais da cidade. Foi uma tentativa que não obteve sucesso total. Não
era apenas os feirantes e populares os interessados em manter a feira livre,
mas a aristocracia da região o queria ter seu poder à margem do surto
industrial em Feira de Santana. Sobre a questão, Santos constatou o seguinte:
Tentava-se consolidar em Feira de Santana uma nova hegemonia,
que colocasse um obstáculo ao domínio agro-mercantil nas relações
sociais feirenses. Este projeto ficou expresso na insistente proposição
pelos políticos da ARENA na eleição de João Durval, considerado
como o político da industrialização feirense, em oposição aos
políticos do PSD, considerados como os representantes das elites
rurais
118
.
117
CRUZ, 1999, op.cit., p. 233.
118
SANTOS, 2007, op. cit., p. 50.
O desenvolvimento industrial feirense ocorreu em plena ditadura militar,
que através das políticas de desconcentração econômica e da posição
estratégica de Feira de Santana
119
, aliado a formação da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste SUDENE serviu ao projeto industrial na
referida cidade
120
.
A elite governante de Feira de Santana pedia passagem, por meio de
uma postura que não respeitava as tradições, aliada às práticas ditatoriais.
Portanto, forçada a uma urbanização modernizante, que encontrou apoio em
outros segmentos da sociedade, inclusive em projetos sociais como a
Associação Feirense de Assistência Social (AFAS) e o Serviço de Integração
de Migrantes (SIM), dirigido pelos presbiterianos progressistas em trabalho
ecumênico, que contava com apoio de católicos, espíritas e outros grupos
evangélicos.
Elizete da Silva fez referência ao trabalho ecumênico desenvolvido na
AFAS e no SIM, que tinha como propósito ser uma resposta aos problemas
sociais da cidade, através do encaminhamento de migrantes e mendigos ao
mercado de trabalho e conscientização dos mesmos, em uma lógica capitalista,
própria da perspectiva de mundo protestante.
Os jovens seminaristas da década passada (1950), agora pastores,
tinham diante de si a realidade concreta da região feirense,
contraditoriamente próspera e miserável pela grande atração que
exercia sobre a população pobre e desempregada do Nordeste, que
chegava à cidade em busca de sobrevivência e oportunidades. A
teologia ecumênica e contextualizada, que aprenderam teoricamente,
era um desafio na práxis cotidiana da sociedade feirense.
121
Ou seja, havia o interesse de atuação, na recuperação e reinserção
social de grupos marginalizados em Feira de Santana, atendendo interesses
dos poderes públicos, de limpeza e adequação da cidade aos seus interesses
comerciais e industriais, próprio das grandes metrópoles. Buscava-se, assim,
forjar sua origem comercial e de caráter europeizante. A Princesa do Sertão,
entrava na rota de uma cidade moderna e progressista. Como eram pensados
os próprios projetos urbanísticos do período.
119
Ver mapa em anexo.
120
CRUZ, 1999, op.cit.
121
SILVA, Elizete da. Protestantismo Ecumênico e realidade brasileira. UEFS. Feira de
Santana. 2007, p. 131-2. (Trabalho de professor pleno).
Sobre urbanização, Eloísa Petti Pinheiro comentou que a organização
das cidades transformou a área rural, com a dominação das classes citadinas
sobre as rurais. O que se constata em Feira de Santana, suscitando práticas
geradoras de cultura urbana
122
. Pinheiro afirmou que as cidades são reflexos
do tempo, ideologias, políticas e da própria sociedade:
Nas cidades brasileiras, a reforma urbana realiza-se em princípios do
século XX, constituindo o ápice de um longo processo que começa, a
partir da metade do século XIX, a mudar a imagem das áreas
urbanas, a fim de adaptá-las aos novos ideais modernos e higiênicos,
decorrentes do avanço científico, de novas tecnologias e de novas
ideologias. Com o advento das modernas teorias urbanas, pois muda-
se a forma de estruturar, de pensar, de ver e de viver a cidade
123
.
Essa modernização e urbanização que chegavam à cidade era, em
muitos aspectos, inspiradas de grandes cidades brasileiras, como Rio de
Janeiro e a própria Salvador
124
, que tiveram seus processos de urbanização
nas primeiras décadas do século XX. O Rio de Janeiro, por ser uma das
primeiras cidades brasileiras a sofrer estes efeitos, serviu como um espelho a
diversas outras cidades. Contudo, o referido modelo citadino de oposição
campo e cidade não se aplicava a Feira de Santana, que buscou, em sua
almejada e conturbada urbanização, a aliança conflituosa entre o tradicional e o
moderno.
122
PINHEIRO, Eloísa Petti. Europa, França e Bahia: difusão e adaptação de modelos urbanos.
Salvador. EDUFBA. 2002, p. 22.
123
PINHEIRO, 2002, op.cit., p.25.
124
Ainda sobre a modernização em Salvador, ver: LEITE, Rinaldo, A rainha destronada:
discursos das elites sobre as grandezas e os infortúnios da Bahia nas primeiras décadas
republicanas. PUC SP. São Paulo. 2005. UZÊDA, Jorge Almeida. O aguaceiro da
modernidade na cidade do Salvador. Salvador. UFBA, 2006; PINTO DE AGUIAR, Manoel.
Notas sobre o enigma baiano. Salvador. Planejamento, Vol 5, N. 4, Out./ Dez., 1997.
Foto 3. A tradicional feira. O modelo urbanístico pensado para Feira de Santana não
comportava a existência de uma feira livre em meio ao centro da cidade, o que levou a sua
mudança parcial para o Centro de Abastecimento. Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 14 mar.
1983, p. 5. (foto de 1975)
Na tentativa de modernizar a cidade, a tradicional feira livre, espalhada
por grande parte da Avenida Getúlio Vargas, foi transferida para a chamada
Central de Abastecimento de Feira de Santana, o Centro de Abastecimento.
Visava limitar o comércio a uma única área, de modo a manter a higiene do
local, bem como atender aos interesses modernizantes. Sobre a Central de
Abastecimento, Cruz abordou:
Esta nova organização da feira permitia a manutenção de laços
culturais, comerciais e mesmo produtivos, que se renovavam
semanalmente e que se viam ameaçados pelas novas práticas
comerciais e industriais dos anos 70. Ou seja, a nova Central era a
própria feira semanal redimensionada, reestruturada e realocada em
espaço adequado, mantendo os antigos e permitindo o acesso de
novos feirantes, criando outras oportunidades de emprego e
pequenos investimentos no comércio e nos serviços
125
.
Por ter formação de economista, escaparam a Cruz alguns aspectos
dessa interessante afirmação. A antiga feira livre, ao se mudar para o Centro
125
CRUZ, 1999, op.cit., p. 237.
de Abastecimento, trouxe fissuras e desagregação na organização dos próprios
feirantes, que se viram divididos a ir para o novo local, principalmente por
ficarem mais distanciados do centro da cidade e pelo fato da nova organização
implicar um trabalho semanal. Desta forma, laços culturais e de sociabilidade
se perderam, ou afrouxaram, pois o trabalho de muitos desses feirantes não se
limitava à venda de produtos, mas também ao plantio, criação ou confecção. O
mesmo paralelo pode ser traçado em relação à mudança da feira do gado para
o Matadouro às proximidades distrito de Jaguara, em Feira de Santana. A
Revista Panorama da Bahia mais uma vez fez alusão a este desenvolvimento:
Primeiro foi a feira-livre da avenida Getúlio Vargas, que foi
transportada com toda a sua beleza e tradição para o Centro de
Abastecimento, ora entregue ao povo feirense. Agora, comerciantes
de gado, boiadeiros, vaqueiros, fateiras, magarefes e artesãos se
preparam para dar adeus ao Campo do Gado, ponto de atração
turística e de resistência a minoria sócio-cultural de Feira de Santana.
A comercialização do gado na região que data da metade do século
XIX, quando pecuaristas das mais longínquas regiões para cá se
deslocaram com suas boiadas para este fim, originou a primeira fonte
econômica do povoado: uma feira de gado. Antes, o Campo do Gado
ocupou outras praças da cidade, conseguindo, ao longo do tempo,
manter-se coesa as suas tradições, caracterizando a região como
sendo de economia agropecuária.
126
Foi corrente a discussão de adaptação da cidade às novas condições
modernizantes que se impuseram. A Revista Panorama da Bahia se inseriu no
coro da necessidade de desenvolvimento social e econômico de Feira de
Santana que não comportava mais antigas atividades econômicas de sustento
da região. Foi além, ao afirmar que tais atividades integravam minoria da
população e que suas tradições podem ser preservadas em novos locais pré-
estabelecidos. Contudo, os novos locais pouco favoreceram a população, tanto
os feirantes, quanto os consumidores.
Quanto aos espaços, pode-se considerá-los adequado na ótica dos que
programaram. Um exemplo disto foi o projeto do Centro de Abastecimento,
bem como o matadouro, mas não na ótica da maioria dos vendedores e da
população que consumia os produtos. Por fim, o espaço não foi bem planejado,
pois não conseguiu evitar a sujeira e problemas higiênicos visados pelos
arquitetos urbanistas e da qual foi alvo a extinta feira livre. O planejamento da
126
Revista Panorama da Bahia. Feira de Santana. 10 fev. 1986, p. 28.
Central de Abastecimento não levou em conta que muitos destes trabalhadores
não tinham uma regularidade na antiga feira livre.
O Jornal Feira Hoje tratou do problema e se posicionou criticamente em
relação ao Centro de Abastecimento. Não que o jornal fosse contrário a este
modelo urbanístico, mas que o mesmo não conseguiu tirar os vendedores das
calçadas e bairros da cidade, além de manter a o incômoda falta de higiene.
Assim, surgiram notícias como Todos estão contra o Centro e Deficiências do
Centro de Abastecimento provocam novas feiras:
O Centro de Abastecimento de Feira de Santana, funcionando desde
1977, não vem atraindo os comerciantes ambulantes e a feira livre
está voltando às ruas centrais, principalmente à Marechal Deodoro,
praças João Pedreira e da Bandeira, onde grande parte da população
está comprando flores, alimentos, frutos e miudezas... Enquanto isso
os compradores também apóiam a feira livre, “porque além de ser
mais fácil de se realizar a compra, não temos que enfrentar as
ladeiras do Centro de Abastecimento, além da sujeira”, revelou uma
senhora que não quis dizer o nome, porque é funcionária pública
127
.
Verifica-se que o projeto do Centro de Abastecimento enfrentou forte
resistência popular, que havia acostumado com as feiras livres no centro da
cidade. Não por um aspecto que envolvesse a tradição, ou aspectos culturais,
mas pela facilidade com que encontrava os gêneros alimentícios. O Centro de
Abastecimento, em sua etapa inicial, não teve a organização planejada:
Resistindo à mudança do hábito de comprar os neros alimentícios
livremente em meios a um amontoado de feirantes desorganizados e
sem perfeitas condições higiênicas... uma verdadeira explosão de
feirantes, vindos de todas as partes do Estado, superlotaram o Centro
de Abastecimento, transformando-o em um pandemônio capaz de
afugentar os consumidores... Para Manoel Marques, superintendente,
“o problema está existindo porque o Centro de Abastecimento foi
construído sem nenhum planejamento sobre a quantidade de
feirantes que trabalhavam eventualmente (sábado e segunda-feira)
na feira livre
128
.
A instalação do Centro Industrial do Subaé
Feira de Santana sofreu uma mudança em sua fisionomia, de forma
mais acelerada em razão da instalação do Centro Industrial do Subaé CIS,
127
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 07 fev. 1979, p.3.
128
Idem. 26/ mar. 1979, p. 3.
um centro de convergência com capacidade de oferta de bens e serviços.
Forma esta de descentralizar a “vocação” agropecuária e comercial da cidade.
Segundo Nacelice Freitas, a localização da cidade entre o litoral e o
sertão exerceu influência nas condições econômicas que possibilitaram a
instalação do complexo industrial
129
. Este complexo, instalado durante o
governo de João Durval na prefeitura, serviu como atração populacional de
outras regiões e do Nordeste que engrossava o número de migrantes, que por
sua vez já era alta em razão da posição de Feira de Santana, como privilegiado
entroncamento rodoviário. O Jornal Feira Hoje estimou, em 1974, uma
população de 150 mil pessoas na sede e 200 mil no município
130
.
As características comerciais e geográficas de Feira de Santana, aliadas
ao período de desconcentração produtiva no País, tiveram como incentivador a
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste SUDENE. Cruz explanou
que o Plano de Desenvolvimento Local Integrado PDLI reconheceu a
necessidade de criação de um distrito industrial em Feira de Santana.
Tradicionalmente ligado ao comércio, com sua sustentação na
agropecuária, a economia do município passou por um processo de
transformação a partir do Centro Industrial do Subaé (CIS),
implantado na década de 70, na época do chamado „milagre‟
econômico.
131
O CIS serviu como área industrial de apoio ao Centro Industrial de Aratu
(CIA), em Simões Filho, área metropolitana de Salvador. A cidade feirense
teve, com o CIS, um crescimento na produção de bens intermediários como
resultado do processo de integração e consolidação produtiva. A indústria
feirense teve uma alta até 1977, passando uma crise nos anos posteriores.
O debilitamento do Estado nacional e as mudanças tecnológicas,
financeiras e estruturais, dos últimos anos, contiveram o processo de
desconcentração industrial iniciado nos anos 70. A quase ausência
de políticas compensatórias, por sua vez, tem aumentado a tendência
à desestruturação das economias da periferia nacional
132
.
129
FREITAS, 1998, op cit.
130
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 24 out. 1974, p. 3.
131
Idem. 16 jun. 1983, p. 6. (caderno especial)
132
CRUZ, 1999, op.cit., p. 316.
Contudo, o crescimento da indústria local foi acompanhado da expansão
de atividades terciárias e da urbanização. O comércio se beneficiou com a
presença das indústrias na cidade. Isto levou a um ideário de urbanização, que
ganhou mais força nas tintas do Jornal Feira Hoje.
O contexto urbano, como se vê, ainda requer um amplo processo de
reformulação. Do ponto de vista paisagístico, um completo
planejamento visual, abrangendo novas definições plásticas para
ruas, praças, fachadas antigas, calçadas, etc, muito poderia contribuir
para suavizar as atuais deficiências estéticas da cidade. Assim, obras
de arte passariam a integrar o cenário urbano, numa opção que,
evidentemente, dependeria da compreensão da comunidade e do
trabalho de artistas plásticos, arquitetos, economistas e
comunicadores visuais
133
.
A crise enfrentada pelo CIS atravessou fins da década de 1970 e início
da década de 1980, sendo encontrada solução com sua transferência do
controle municipal para o controle estadual. do governador João Durval, o PDS,
conseguiu a transferência da autarquia.
Era incentivada a necessidade de crescimento urbano na cidade, não
em mudanças organizacionais e estéticas, com avenidas amplas, ruas
arborizadas, mas, sobretudo, na economia. Em nota o Feira Hoje comentou a
presença em Feira de Santana de um setor tradicional e outro moderno no
comércio, sendo que o setor tradicional o era bem visto. Contrastava com a
visão do jornal de unir o moderno e o tradicional ao se referir aos aspectos dos
costumes feirenses fincados no campo:
Atualmente, o comércio se encontra em fase de transição, com dois
tipos de comerciantes bem definidos. Uns que buscam manter a
tradição. Esses vivem presos ao passado. Mantém o seu comércio
praticamente estagnado, relacionado à velha clientela, preso a laços
de amizade. O outro tipo de comércio acompanha bem de perto as
novas técnicas de venda, estabelece cursos, monta uma
administração compatível com a hora presente e recorre aos mesmos
métodos utilizados nos grandes centros
134
.
No entanto, apesar das insistências, o modelo de desenvolvimento
feirense, mesmo se observando ao longo deste período a instalação em Feira
de Santana da Universidade Estadual de Feira de Santana e do Observatório
Astronômico Antares, considerados pelo Jornal Feira Hoje, marcos do
133
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 05 set. 1974. Terceiro caderno, p. 1.
134
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 16 abr. 1974, p.6.
desenvolvimento urbano e da modernidade, foi deficitário. O processo de
desenvolvimento, sobretudo o industrial não foi acompanhado de infra-estrutura
adequada, principalmente no que se refere à estrutura social, o que levou ao
aumento do número de invasões e favelas. As dinamizações que se esperava
de um parque industrial eram maiores do que realmente trouxe o CIS, tanto no
desenvolvimento das atividades terciárias, quanto no atendimento
populacional.
Com o êxodo rural, em função da expectativa de emprego na
indústria, o município não pode mais suportar essa demanda.
Surgiram sub-habitações, surgiram invasões e sobre este aspecto
houve um prejuízo, mas sobretudo porque o CIS o teve o
desenvolvimento que deveria ter.
135
A estrutura fragilizada do CIS não teve condições de atender a grande
massa migrante que buscava empregos, estabelecendo diversas favelas na
cidade que se pretendia referência de modernidade por suas lideranças
urbanas.
O trabalho junto aos migrantes foi, em larga escala, desenvolvidos por
grupos religiosos presentes na cidade, sobretudo, protestantes, que serviram
de apoio para a crescente massa desempregada e desamparada que ocupava
as ruas feirenses. A situação levou as negociações entre as lideranças políticas
locais e os grupos derivados do protestantismo. Os protestantes buscavam
visibilidade e defesa dos seus interesses dada a expressividade que vinham
alcançando no espaço urbano feirense, sobretudo os da periferia, com maciça
presença pentecostal, como a Assembléia de Deus.
Pentecostais, as invasões e o crescimento
demográfico em Feira de Santana
A mudança do campo para a cidade foi bastante significativa na década
de 1950, se intensificando nas décadas de 1970 e 1980. Contudo, Feira de
135
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 16 jun. 1983, p. 3. (caderno especial)
Santana não teve condições de atender adequadamente a população migrante
que para ela se dirigiu. A crise econômica, na década de 1980, afetou o País,
acentuando o processo caótico de urbanização, como informou a Revista
Panorama da Bahia em fins da década de 1980.
A cidade possui mais de 500 mil habitantes e um déficit habitacional
estimado em 17 mil unidades ou quase 100 mil sem-tetos,
amontoados em casebres de população, plástico ou taipa em mais de
30 invasões, muitas delas sem os mínimos serviços básicos.
Atualmente, apenas 19 por cento da população, ou seja, menos de
100 mil habitantes, moram na zona rural.
136
A este dilema enfrentado pelos migrantes da zona rural feirense
somaram-se os migrantes vindo de outras áreas do Nordeste, que passavam
uma temporada, até conseguir ir a outros lugares, especialmente a São Paulo e
Rio de Janeiro, ou se fixavam em Feira de Santana. Mais adiante
complementou o jornal:
A questão habitacional ficou completamente abandonada durante o
processo de industrialização do Brasil. Na fase inicial, devido à
grande necessidade de mão-de-obra, chegou a haver estímulos para
a construção de casas populares. Com o fim do „milagre‟ econômico,
acabaram esses investimentos. Mas não se freou o processo
migratório.
137
Em trabalho sobre a questão da negritude, na Denominação Batista
Maranata, no distrito Grajaú, área periférica de São Paulo, Cristina Pereira
analisou o desenvolvimento industrial como favorável às migrações sendo o
Rio de Janeiro e São Paulo área mais favoráveis devido aos seus potenciais de
acumulação da produção industrial, o que permitiu uma diversificação da
atividade fabril, beneficiando primeiramente a região sudeste do Brasil
138
.
Desta forma, muitos migrantes nordestinos buscavam em São Paulo uma
melhoria nas condições de vida, sendo o Grajaú composto principalmente por
migrantes nordestinos.
139
136
Revista Panorama da Bahia. Feira de Santana. Segunda quinzena de julho. 89, p 19.
137
Revista Panorama da Bahia. Feira de Santana. Segunda quinzena de julho. 89, p 19.
138
PEREIRA, Cristina Kelly da Silva. A história de um silêncio: um estudo de caso sobre
questões da negritude em uma comunidade batista da periferia da cidade de São Paulo. São
Bernardo do Campo. Universidade Metodista de São Paulo. 2008, p. 21-2. (Dissertação de
mestrado).
139
PEREIRA, 2008, op. cit., p. 42.
A partir desse momento São Paulo passa a ganhar fama de ser uma
„terra de oportunidades‟ e a imagem do Nordeste passa a ser
construída como um lugar inviável, um lugar de mazelas, seca e
pobreza. Como resultado, entre os anos de 1930 e 1950, um milhão e
quinhentos mil trabalhadores nordestinos migraram para a capital
paulistana, incentivados pelo governo Federal e Estadual. Essa
mudança geográfica significava uma busca de realização de sonhos e
ascensão social. Mas muitas vezes esse novo lugar significou uma
outra forma de exclusão social.
140
Portanto, muitos dos nordestinos, dentre os quais pentecostais, que
foram para outros Estados brasileiros, a exemplo dos estados do Sudeste,
dado ao seu nível de industrialização, mas não conseguiram emprego ou
melhoria das condições de vida retornavam ao Nordeste. Contudo este fluxo
o cessou. Dos nordestinos que se estabeleceram em São Paulo, muitos
foram atraídos pela mensagem religiosa dos grupos evangélicos, como
constatou Cristina Pereira em relação a Denominação Batista Maranata, que foi
fundada no distrito em 1982.
141
A localização geográfica de Feira de Santana era favorável para estes
deslocamentos migratórios. Contudo, a mesma não tinha capacidade estrutural
para atender a tantos migrantes, como abordou Albertino Carneiro, ex-padre,
que trabalhou na AFAS, no SIM e no MOC
142
:
Por sua localização privilegiada em termos de rotatividade servindo
de entrocamento para vários lugares, Feira serve de „ponto de apoio‟
daqueles que saem de outros Estados, para aqui fincar raízes sem,
contudo, ter consciência da falta de condição estrutural da cidade que
se dirigem.
143
Vem o boi, sai o homem compara Albertino, em clara referência à
utilização das terras para a pecuária, principalmente a de corte, que
necessita de menor contingente de trabalhadores. Com a desativação
das terras ocupadas pela agricultura, além do crescente processo de
grilagem em todo o Nordeste, o fluxo migratório foi elastecido de
maneira descomunal.
144
Para atender parte dessa população, a cidade tinha seus planos
habitacionais, como a Urbis (que atendia a classe média) e a Planolar e a João
de Barros (que atendia, principalmente, a classe mais empobrecida). Porém,
140
PEREIRA, 2008, op. cit., p. 23.
141
Idem. op. cit., 2008, p. 51.
142
SILVA, Elizete da. Protestantismo Ecumênico e realidade brasileira. UEFS. Feira de
Santana. 2007, p. 162 (Trabalho de plenitude).
143
Revista Panorama da Bahia. Feira de Santana. 05 a 19 set. 85, p 13.
144
Jornal Feira Hoje, 05 set. 1985, p. 9. (caderno quatro).
não eram suficientes. Os serviços sociais, como a AFAS e o SIM também não
tinham capacidade para atender a grande demanda migrante e de “favelados”
como eram denominados a população em extrema pobreza, que invadiam
casas dos planos habitacionais ainda não ocupadas pelos proprietários, mas
acabavam sendo a solução utilizada para atenuar o problema.
A Associação Feirense de Assistência Social (AFAS), fundada há
mais de 18 anos pelo governador João Durval, quando prefeito desta
cidade, tem como objetivo amparar o mendigo residente em Feira,
preparando-o para o retorno à sociedade. A AFAS funciona hoje com
muito sacrifício, não impedindo que a mendicância seja um problema
social da cidade.
145
Apesar de o jornal atribuir a João Durval a fundação da AFAS, esta foi
fruto do trabalho ecumênico de presbiterianos progressistas. O poder público
cooperou com a formação da AFAS, mas não partiu dele tal iniciativa.
Antes da AFAS foi fundado um centro social denominado Associação
Feirense de Assistência a Mendigos (SEFAM), Com a participação do
assembleiano Gerson Gomes da Silva, com o Pastor Fileto Barreto, da
Segunda Igreja Batista, e com o Pastor Antônio Limeira Neto, da Igreja
Fundamentalista. Este trabalho filantrópico de Gerson Gomes foi iniciado com o
missionário americano Rogério Perkins, em atividades do programa
internacional “Alimento para a Paz, no qual distribuía cestas sicas à
população feirense carente”
146
.
As Igrejas evangélicas de feira de Santana recebiam e redistribuíam os
donativos, que eram enviados de um programa dos EUA, Alimento para a Paz,
e a destinava para populações carentes da cidade. Foi um programa
organizado na década de 1960 pelo governo dos EUA para barrar a influência
cubana.
O trabalho filantrópico dos protestantes na SEFAM foi durante o
mandato do então prefeito Francisco Pinto, no ano de 1963, até seu
impedimento de continuar na prefeitura, em virtude do regime militar. Período
em que Gerson Gomes desenvolvia uma atuação política junto às lideranças
feirenses.
145
Jornal Feira Hoje, 05 set. 1985, p. 14. (caderno quatro).
146
Entrevista com Gerson Gomes concedida ao autor em 13 de outubro de 2005.
Eu na época era chefe de assistência social na prefeitura, no governo
de Pinto... O trabalho que eu vinha desenvolvendo com esse serviço
de assistência social foi impedido e foi em outra etapa iniciado seu
desenvolvimento através do pastor Josué Melo que abriu a AFAS...
Ele organizou a AFAS porque a SEFAM tinha sido desestabilizada.
147
Em memória biográfica sobre a trajetória política dos vereadores de
Feira de Santana, Lélia Vítor Fernandes de Oliveira apontou a organização da
AFAS, com uma estrutura mais eficiente e ampliada
148
que a anterior (a
SEFAM).
Ao analisar o trabalho dos protestantes progressistas junto aos
migrantes que vieram para Feira de Santana, seja por razões de fuga da seca,
falta de trabalho com a maquinização do campo, esperança de arranjar
emprego no CIS, ou mesmo estar na cidade de “passagem”, Charlene Brito
abordou a transformação da SEFAM, com a estruturação da AFAS, que
adquiriu caráter ecumênico em 1967
149
.
Foi o pastor presbiteriano Josué Melo, com apoio de outros religiosos, o
responsável pela AFAS, como também pela estruturação do SIM (Serviço de
Integração do Migrante). Contavam com o apoio do poder público local e de
entidades religiosas.
Essa obra desenvolvida pelos líderes ecumênicos de Feira de
Santana tinha o trabalho como finalidade última, na qual a ação
pedagógica fundamental na capacitação e moralização do
profissional que era conduzido ao mercado de trabalho nascente
ligada a ética do trabalho entremeada e influenciava no processo de
escolarização e treinamento do mendigo e do migrante dentro do
SIM.
150
Tanto a AFAS como o SIM funcionavam como paliativo para os fugitivos
da seca e do desemprego, porém não tinham condições suficientes de atender
a maioria da população, nem de encaminhar todos ao mercado de trabalho,
além de enfrentar a resistência de muitos mendigos e migrantes, que negavam
a ajuda “domesticadora” destas entidades religiosas, que mais uma vez se
147
Entrevista com Gerson Gomes concedida ao autor em 08 de fevereiro de 2008.
148
OLIVEIRA, Lélia V. Fernandes. Inquilinos da Casa da Cidadania. Feira de Santana.
Fundação Cultural Egberto Costa. 2006, p. 112
149
BRITO, Charlene J. Presença protestante progressista em Feira de Santana: um trabalho
ecumênico de ão social (1970 1990). Feira de Santana. 2008, p. 50. (Trabalho de
conclusão de curso).
150
BRITO, 2008, op. cit., p, 43.
mostravam dispostas a ajudar aos poderes públicos. Decorrente do aumento
da população no centro da cidade, a prefeitura de Feira de Santana, sob a
direção de José Falcão, colaborou com o trabalho da AFAS no sentido de
“limpar” a cidade da mendicância e do grande número de pessoas morando
nas ruas. Não conseguindo, evidentemente, em sua totalidade.
A AFAS recebeu apoio municipal desde sua instalação. Em reunião da
Câmara Municipal, em 1975, o vereador José Ferreira Pinto (ARENA) criticou a
redução da verba orçamentária destinada a AFAS, sendo que as despesas da
mesma eram maiores que a receita, ao que foi rebatido pelo vereador Hermes
Sodré da Silva (MDB), que comentou a desorganização que estava a entidade.
Continuando, declarou que não era contrário a que a Prefeitura conceda verbas
à AFAS, mas que funcionários que ganham mais de quatro mil cruzeiros na
referida entidade
151
. Ao que Antonio Carlos Coelho declarou que era dever
desta casa fiscalizar a aplicação das referidas verbas, para que se uma
verba substancial aquela entidade
152
.
Em reunião subseqüente, os vereadores retomaram a discussão do
envio de verbas para a AFAS, tornando esta uma questão política. Segundo o
vereador Nilton Bellas Vieira a diretoria da AFAS era quase toda composta de
pessoas militantes na ARENA. Continuando, o então vereador emedebista
declarou não ser possível que uma entidade de caráter filantrópico tenha
diretores remunerados. Concluindo disse ser oportuno o presente
Requerimento e por isso dava o seu integral apoio ao mesmo
153
.
Ou seja, o emedebista Bellas Vieira, concordava com uma destinação
justa de verbas, que atendesse às necessidades da AFAS. O assistencialismo
não era apenas característica peculiar dos políticos evangélicos, mas também
da sociedade brasileira e da política desenvolvida no País. A crítica de alguns
vereadores era à direção arenista da entidade, aliados do regime ditatorial.
Sendo corroborado pelos também emedebistas Dival Figueiredo Machado, o
qual declarou que o único político militante na AFAS era o Sr. Itaracy Pedra
Branca e Antonio Carlos Coelho, que mais uma vez se referiu aos aspectos
partidários:
151
Atas da Câmara de Vereadores. Feira de Santana. 05 nov. 1975. p. 41.
152
Idem. 05 nov. 1975. p. 41.
153
Idem. 06 nov. 1975. p. 44.
Declarou que quase toda a diretoria da AFAS era arenista.
Continuando o orador disse ser válido o presente requerimento,
enfatizando que os diretores da AFAS deveriam dar a oportunidade
também aos emedebistas para auxiliar o trabalho de assistência
social naquela entidade
154
.
O emedebista assembleiano Gerson Gomes, um dos fundadores da
SEFAM, que foi substituída tempos depois pela AFAS, abordou sua
participação na assistência social no governo do Dr. Francisco Pinto.
Continuando, declarou que a AFAS é uma sociedade eminentemente
política
155
. Ou seja, a discussão passava pelo crivo partidário e a entidade
também participava do jogo de poder local, pois a solicitação de aumento de
verbas para a AFAS foi atendida e o questionamento sobre os ganhos ou não
da secretaria e diretoria de uma sociedade filantrópica foram silenciadas em
atas posteriores.
Os planos habitacionais também não eram suficientes para atender a
demanda populacional. Os principais planos eram o João de Barros, o Planolar
e a Urbis. Em uma das invasões, no loteamento do Jardim Cruzeiro, o Planolar
transferiu os invasores para o terreno do João Paulo II. Mas em muitos casos
prevaleceram as invasões, que cresceram na década de 1970:
Resultado direto da expansão populacional da década de 70, a
cidade enfrenta um polêmico e complicado problema, semelhante ao
da maior parte dos municípios brasileiros que assistem o crescimento
de sua população em índices vertiginosos: a falta de habitação, a
limitação do espaço urbano, sem atender à camada populacional de
baixa renda.
156
Com a fuga populacional do campo feirense e de demais áreas do
Nordeste para Feira de Santana, além da falta de capacidade estrutural para
abrigar a população, restavam mesmo as invasões e a benevolência popular,
atordoada com o excesso de pedintes, crianças, homens e mulheres adultos,
velhos, além de portadores de deficiências físicas e psicológicas. As atividades
exercidas pelos que não se dedicavam à mendicância eram as de biscateiros,
desempregados, lavadeiras ou subempregados
157
.
154
Atas da Câmara de Vereadores. Feira de Santana. p. 45.
155
Idem. 06 nov. 1975. p. 44.
156
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 16 jun. 1983, p. 2.
157
Idem, 28 out. 1984, p. 3.
A seca de mais de cinco anos, que está praticamente arrasando o
Nordeste brasileiro, continua trazendo levas de retirantes a Feira de
Santana, que enfraquecida economicamente pela longa estiagem,
praticamente não tem como atender aos migrantes que aqui chegam.
Por esta razão, os que resolvem ficar por algum tempo podem
contar mesmo com a caridade pública que os órgãos assistenciais
muito estão sem recursos para prestar qualquer tipo de ajuda a
estas famílias, a maioria das quais ocupa as praças e passeios da
cidade, atiradas ao relento com suas proles sempre numerosas.
158
Desta forma os migrantes e retirantes que eram vítimas da seca também
ajudaram a aumentar a miséria social e a deficiente estrutura urbana e
modernizante de Feira de Santana. Inúmeros relatos recolhidos pela imprensa
deram a dimensão dos problemas sociais produzidos pela migração:
„Invadi com meu marido e seis filhos. Arranjamos uns caibros,
plásticos, levantamos o barraco e, como não havia telha, cobrimos
com lençol. Nossa sorte foi que passaram 15 dias sem chover.
Depois uns amigos deu umas telhas de eternit e aqui ficamos, vai
fazer dois anos‟. O depoimento é de Ester dos Santos, lavadeira, 34
anos, moradora do Conjunto George Américo, uma invasão no bairro
Campo Limpo, em Feira de Santana. Esta invasão foi iniciada em
novembro de 1987 e mobilizou cerca de cinco mil pessoas, que
ocuparam uma área do antigo Campo de Aviação.
159
Apesar de confiantes na misericórdia divina, alguns protestantes vítimas
da seca e da falta de políticas públicas deslocavam-se para Feira de Santana
em busca de sobrevivência. Eis o relato de um fiel que chegou à cidade:
Lá estava seco demais seu moço. Não dava pra ficar de jeito nenhum
-, explicou Israel José da Silva, um protestante que não se separa da
Bíblia. A sua família, composta de dez membros, chegou no início da
semana a esta cidade, depois de pegar várias caronas de
caminhoneiros e de passar muito aperto e fome, pois o dinheiro
acabou logo, logo‟.
160
As invasões tomaram diversos terrenos de Feira de Santana e foram
ocupados por pessoas de diversas regiões, de distritos de Feira de Santana,
passando a diversos estados do Nordeste, a exemplo do Ceará, como o
protestante fugitivo da seca.
158
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 09 mar. 1984, p. 2.
159
Revista Panorama da Bahia. Feira de Santana. Segunda quinzena de julho 1989, p.19.
160
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 30 out. 1983, p. 3.
Foto 4. Migrante protestante fugindo da seca. Senhor protestante, demonstrando a força do
protestantismo com o aumento do número de flagelados na seca e que encontraram na religião
um dos alentos para a crise social. Jornal Feira Hoje, 30 out. 1983, p. 3. O retirante da foto
fugiu da seca em Araripina Pe, vindo para Feira de Santana mediante a fama de progresso
da cidade que “corria” na região. Segundo retirante, caso achasse trabalho e moradia de
aluguel, permaneceria na cidade. Caso contrário, retornaria a sua região.
Nem a própria Assembléia de Deus escapou de ter seu terreno invadido.
O grupo religioso estava consolidado no município feirense, bem como em
todo o território nacional, com diversas congregações espalhadas por todo o
País. Contava com mais de 40 congregações na década de 1980, espalhadas
por todo o território feirense. O terreno invadido destinava-se a construção da
congregação do Alto do Cruzeiro, bairro periférico da cidade. Para assegurar a
construção do novo templo, os assembleianos estiveram no local para retirar os
invasores. O evento gerou conflitos e diversas notas nos jornais, pois os irmãos
assembleianos foram acusados pelos ocupantes de ter sido agressivos quando
chegaram ao terreno de propriedade do grupo. Conforme um jornal local:
Certos da impunidade, cerca de trinta membros da Igreja Assembléia
de Deus destruíram, na manhã de ontem, mais de vinte barracos da
invasão do Alto do Cruzeiro, próximo ao posto da Cesta do Povo, não
levando em consideração sequer o fato da várias crianças se
encontrarem no interior dos mesmos. Além disso, eles continuam sob
a ameaça da polícia e ainda não conseguiram audiência com o
prefeito.
161
Os grupos religiosos, tanto os de base protestante, histórico ou
pentecostal, e mesmo os católicos ou de outras religiões buscavam em meio
ao crescimento populacional de Feira de Santana, quando não arregimentar
novos membros para seu grupo, praticar atividades assistenciais. A respeito
disso encontramos referências à reforma do Dispensário Santana, de
propriedade da Igreja Católica, que prestava assistência aos idosos, além de
manter escola para o ensino infantil. O Dispensário Santana era uma entidade
católica destinada a assistência à velhice desamparada. Existia desde 1944,
mas a construção do prédio foi em 1983. Instalação de um complexo
filantrópico com crianças de 4 a 6 anos
162
.
Os protestantes e evangélicos contavam com diversas outras entidades.
A Assembléia de Deus tinha o Orfanato Evangélico e o Centro de Recuperação
Desafio Jovem.
O episódio citado, porém, não fez referência a conquista de membros,
mas aos fugitivos da seca e da extrema pobreza, de pessoas que se
refugiaram em uma propriedade destinada a construção de um templo para
conquista de novos fiéis. Para não comprometer a imagem da Denominação
Assembléia de Deus, o pastor do grupo, Severino Soares (que se tornou
vereador no ano de 1994), foi à imprensa desmentir o fato e disse que a
presença assembleiana no local foi para anotar o nome das “famílias
invasoras” e tentar junto à prefeitura a relocação destes para outra área de
propriedade do município.
161
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 16 fev. 1985, p. 1.
162
Idem. 29 mai. 1983, p. 12.
1- A presença dos nossos irmãos na limpeza do terreno foi pacífica
limitando-se apenas a arrancar os paus que foram fincados por
aventureiros esperando a oportunidade de ganhar um terreno a mais
em sua ganância oportunista.
2 Não houve em nenhum momento agressão por parte dos
membros da nossa Igreja a pessoa alguma a não ser os invasores
que na própria reportagem é bem visível nas fotos publicadas,
inclusive um rapaz em foco que é deficiente de uma perna recebeu o
dedo no rosto.
3 Os barracos onde havia família residindo em número de 11(onze)
foram devidamente cadastrado e se eles quiserem falar a verdade
dirão que nós nos propomos a ajudá-los a lista está em nosso poder
a disposição da redação eu gostaria que a reportagem fotografasse
os barracos em pé ainda hoje porém não o fizeram na ocasião.
4 Não existiu crente armado com faca ou qualquer outra arma pois
nenhum membro da nossa Igreja pode usar arma de espécie alguma
também constitui inverdade de quem disse ao repórter que
derrubaram uma barraca com uma criança dentro se não fosse
alguém que tirasse a criança essa é a mentira mais grosseira que
poderá se dizer, continuo afirmando nenhum barraco foi destruído
com pessoas dentro.
163
A discussão não ficou por aí. Além dos invasores declararem novamente
a agressão dos assembleianos e a destruição em seus casebres, a discussão
foi até à Câmara de Vereadores, em um embate entre o vereador pentecostal
da Assembléia de Deus Waldeir Pereira e o vereador identificado com idéias
marxistas, Messias Gonzaga.
Marx, os favelados e a Bíblia entre Messias e Waldeir
164
Os vereadores Waldeir Pereira dos Santos e Manoel Messias Gonzaga,
do PDS e PMDB (depois foi para o PC do B), respectivamente, foram
responsáveis pelos mais ácidos discursos protagonizados na sessão da
Câmara de Vereadores, no dia 13 de março de 1985. O peemedebista, num
longo discurso defendendo o direito de apropriação da terra pelos favelados
„que perderam o seu direito de morar‟, classificou os membros da Igreja
Assembléia de Deus de „capangas‟, notadamente se referindo a José Marques
pela maneira como expulsaram os favelados da invasão da Galiléia
165
.
163
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 21 fev. 1985, p. 3.
164
Idem. 13 mar. 1985, p. 2. O título deste tópico faz referência à nota do jornal
165
Ibidem. 13 mar. 1985, p. 2.
A discussão girou em torno da denúncia que os assembleianos não
respeitaram os migrantes, não se preocupando com a situação deles, mesmo
sendo um grupo religioso preocupado com o outro. Waldeir Pereira,
vereador assembleiano, rebateu, dizendo que a “invasão” era uma incitação de
Messias Gonzaga para prejudicar os assembleianos, pois a leitura do mesmo
girava em torno do marxismo e da guerrilha, ao que Messias Gonzaga
respondeu que o vereador Waldeir Pereira esteve por trás da chacina, „com as
garras escondidas atrás da Bíblia, por trás da corrupção, com os companheiros
corrompendo‟.
166
Waldeir Pereira assegurou que os “irmãos” estavam preocupados com a
situação e que a Assembléia de Deus resolveria pacificamente este problema,
além de defender o grupo religioso da acusação de aliciador.
Em encontros com o então prefeito de Feira de Santana, José Falcão, o
Pastor Severino Soares, além dos vereadores, Waldeir Pereira e José
Francisco do Amaral, conseguiram resolver o problema dos migrantes. As
famílias que ocuparam o terreno da Assembléia de Deus foram deslocadas
para o conjunto João Paulo II, do programa habitacional Planolar, próximo ao
Aviário, bairro periférico da cidade.
167
Esse assunto foi resolvido, não pelo escândalo gerado, mas devido à
influência do pastor Severino Soares, com seu capital simbólico, como
conceituou Bourdieu, somado a presença de um assembleiano na Câmara de
Vereadores, junto aos poderes locais, conseguindo a transferência dos
invasores para outras propriedades. O que indicou que os assembleianos
tinham uma representação significativa e visibilidade na cidade de Feira de
Santana, além de uma boa relação junto aos políticos feirenses.
O problema das migrações e da formação das favelas em Feira de
Santana afetava a comunidade assembleiana, pois este era um dos públicos
alvo do grupo religioso, pois a sua mensagem se destinava, sobretudo, aos
pobres. Os assembleianos se concentravam em cruzadas religiosas pelas ruas
da cidade, no sentido de angariar membros, recolher aqueles desamparados
aos seus centros assistenciais e convertê-los à mensagem religiosa
pentecostal da Assembléia de Deus. Assim como os presbiterianos contavam
166
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 13 mar. 1985, p. 2.
167
Idem. 14 mar. 1985, p. 1 e 3. Ver mapas em anexo.
com o apoio dos políticos e poderes públicos para a manutenção de seus
órgãos assistenciais e contribuíam para a manutenção da ordem social
estabelecida. Por isto, a ajuda que ofereciam aos marginalizados sociais tinha
um propósito de adequá-los às normas estabelecidas pela sociedade, às quais
o grupo aceitava mediante a atitude de respeito às autoridades seculares, com
o diferencial de tentar traze-los ao seio do pentecostalismo.
O Jornal O Mensageiro da Paz, de publicação da CPAD, em nível
nacional, ressaltou as preocupações sociais da Assembléia de Deus,
relacionadas ao próprio crescimento e modernização da sociedade brasileira,
juntamente com os problemas relacionados ao desemprego e as drogas. A
evangelização, isto é, a convocação feita por Jesus Cristo aos seus
seguidores, incluía também as questões sociais:
O ministério das necessidades humanas está incluído na obediência
à Grande Comissão. Quando a tragédia se abate, como terremotos
ou mesmo atos de terrorismo, os pentecostais respondem com auxílio
às necessidades materiais do povo. Quando problemas tais como os
das drogas se desenvolvem, os pentecostais auxiliam os atingidos a
descobrir a libertação que Cristo oferece. Organizações como o
Desafio Jovem tem ajudado muitos a encontrar significado na vida.
Onde falta educação ou atendimento, os pentecostais procuram
suprir a carência.
168
Os assembleianos estavam também envolvidos neste fluxo migratório ao
receber “irmãos” vindos de diversas áreas baianas e regiões brasileiras. Estas
informações são constatadas através dos Livros de membros, comprovando o
fluxo migrante em direção à Feira de Santana, tanto do território baiano e
nordestino, como de outras regiões brasileiras. É o que se constata em tabela
abaixo
169
:
168
ZIMMERMAN, Thomas F. Prioridades e doutrinas pentecostais. (Maio. 1982). In Mensageiro
da Paz: os artigos que marcaram a história e a teologia do Movimento Pentecostal no Brasil.
Artigos Históricos. Volume 3. Rio de Janeiro. CPAD. 2004, p. 30.
169
Livro de membros da Assembléia de Deus de Feira de Santana. Consta o histórico de
membros pertencentes ao grupo. Os que vêm da AD de outros territórios e os que saem de
outros grupos evangélicos para a AD.
Tabela 3: Procedência dos assembleianos de Feira de Santana
Década de
batismo
Número
Estado civil
Periferia
de Feira
de
Santana
Centro de
Feira de
Santana
Vindo de outras
localidades
Solteiro
Casado
Viúvo
N0
NE
CO
SU
1950 60
02
---
01
01
---
02
---
01
---
01
1960 69
23
05
16
02
11
09
---
20
---
01
1970 79
31
18
23
04
27
16
---
29
---
02
Total
56
23
30
07
38
27
---
50
---
04
Fonte: Livro de membros da Assembléia de Deus
A tabela acima foi de uma amostragem aleatória de 56 membros da
Assembléia de Deus, a partir de sua da década de batismo, constando estado
civil, localização em Feira de Santana, centro ou periferia, além dos que não
eram nascidos em Feira de Santana.
A partir da análise constatamos que a grande maioria dos membros
eram casados, em relação a solteiros e viúvos, 30. Isto devido a necessidade
de contrair matrimônio, pregado pela Denominação Assembléia de Deus. Dos
56, boa parte morava na periferia de Feira de Santana, 38, contra 27 que
morava no centro e 05 não registrados. E a maioria era advinda de outras
localidades que não Feira de Santana. Dos 56 uma pequena parcela, 09 era
feirense.
Outro dado foi que dos 56 consultados 22 advém de outras áreas do
Nordeste, que não Feira de Santana, o que reforça a fuga da seca e da faltas
de trabalho no campo nas áreas de sertão para a cidade feirense, dado sua
condição de entroncamento. Destes 56 analisados, 04 eram procedentes do
Sudeste do País, em geral nordestinos que tentaram ganhar a vida em São
Paulo e o obtiveram sucesso, restando o retorno ao Nordeste. Apenas 03
não foi informada a naturalidade.
Foi dado destaque aos membros que retornavam de outras regiões,
sobretudo o Sudeste, com São Paulo e Rio de Janeiro, que eram membros
que, provavelmente, buscavam melhoria de vida e, por não conseguir ou por
outros motivos retornavam a Bahia. Percebe-se que os que retornavam de
outros Estados tinham a procedência baiana, em maioria, e que a maior
parcela com residência em Feira de Santana era proveniente de outras
localidades da Bahia, o que foi uma constante durante a análise dos Livros de
Membros da AD de Feira de Santana.
Essas migrações foram facilitadas pelas condições econômicas e pela
localização de Feira de Santana, como demonstrou Aldo Morais Silva, sendo a
cidade o ponto de confluência natural para a população carente nos períodos
de secas, o que tornava tais fases especialmente movimentadas para a
cidade.
170
Charles Santana também abordou o problema da migração, entre os
anos 1950 a 1980, atrelada à seca e a expulsão dos trabalhadores da zona
rural, que recorreram a Feira de Santana na tentativa de conseguir trabalho
171
.
Foto 5. Família migrante. Situação de diversas famílias migrantes, fugidas da seca e da falta de
trabalho. Foto do jornal Feira Hoje de 23 de fevereiro de 1984.
170
SILVA, 2000, op. cit., p. 19.
171
SANTANA, Charles D‟Almeida. Fartura e ventura camponesas: trabalho, cotidiano e
migração. Bahia. 1950 1980. SP. Annablume, 1998.
Não sendo o mercado feirense capaz de abrigar os que circulavam pela
cidade verificou-se o aumento de invasões, como de pessoas desabrigadas. A
população migrante encontrou em Feira de Santana, caracterizada pelo
comércio e um centro industrial em processo de urbanização formas de
continuar a sobreviver na cidade. Construíram aqui laços de solidariedade com
os grupos sociais existentes, sobretudo com os grupos religiosos, que se
espalhavam e expandiam na região e que encontrou nos feirenses e nos
migrantes, sobretudo, possibilidade de conversões, como ocorreu na
Assembléia de Deus, um grupo pentecostal de forte apelo popular, por interferir
diretamente nos problemas sociais e na vida desses migrantes. A Assembléia
de Deus, certamente, representou um espaço de solidariedade e sociabilidade
para essa população migrante, em busca de sobrevivência.
CAPÍTULO III
A Assembléia de Deus de Feira de Santana e o
assistencialismo
A participação política, de qualquer natureza, no meio protestante era
vista como um tabu. Poucos eram os grupos a participar de atividades político-
partidária. No protestantismo histórico encontra-se exemplos isolados de
religiosos a se candidatar a cargos políticos. Já no meio pentecostal, a atuação
política relacionava-se como algo mundano e, portanto, não aceitável a um
cristão
172
.
“Tu não participarás
173
”! Este era o lema evangélico ao se referir às
atividades mundanas. Aqueles que fossem batizados, ou seja, renascidos com
a palavra de Deus deveriam se ausentar do que fosse impuro. E era impuro o
que se referisse às questões seculares (mundanas), e a política era um
exemplo de mundanismo.
Esta interpretação pentecostal de afastamento do mundo partiu de
interpretações da Bíblia, segundo os evangélicos. Um destes exemplos estave
em João 2: 15,16,17:
Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém amar o
mundo, o amor do Pai o está nele; porque tudo que no mundo,
a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba
da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo. Ora, o mundo
passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a
vontade de Deus permanece eternamente
174
.
172
SILVA, Elizete da. Protestantismo Ecumênico e realidade brasileira. UEFS. Feira de
Santana. 2007. (Trabalho de Professor Pleno). CAMPOS. Leonildo Silveira. Os políticos de
Cristo uma análise do comportamento político de protestantes históricos e pentecostais no
Brasil. In BURITY, Joanildo e MACHADO, Maria das Dores Campos (org). Os votos de Deus:
Evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife: Massangana, 2006.
173
A afirmação “Tu não participarás” é utilizada por diversos autores que discutem o
afastamento pentecostal do mundo, entre os quais CORTEN, André. Os Pobres e o Espírito
Santo: o pentecostalismo no Brasil. Rio de Janeiro. Vozes. 1996, p. 98. Não é portanto um
aspecto exclusivo da AD.
174
Bíblia de Estudo Esperança. São Paulo. Edições Vida Nova, 2000, p. 588.
O pentecostalismo, marcado pela rigidez doutrinária e dos costumes, a
exemplo da denominação Congregação Cristã, e da própria Assembléia de
Deus, levavam esse lema ao “pé da letra”, em diversos sentidos da vida social
e moral do fiel. Este deveria se ausentar do “mundo fora”, deixando de lado
atividades pecaminosas, como as vestimentas que pudessem deixar o corpo
em evidência, jogos de todos os tipos, aparelhos eletrônicos como televisão e
rádio, entre outras atividades, a exemplo de lazeres como o cinema. O mesmo
se aplicava para as atividades políticas. Significava uma forma de corrupção
moral.
Abster-se do mundano era, portanto, uma das normas do grupo religioso
Assembléia de Deus. Os membros deveriam seguir as normas e doutrinas
estabelecidas de forma a ter uma vida temente a Deus. Ou seja, baseava-se na
idéia de estar no mundo e nele realizar atividades que glorificasse a Deus. Esta
resume a idéia de ascetismo intramundano de Weber. A razão de estar no
mundo é para servir a Deus e não se corromper com o mundo. Por isso a
resistência a atividades mundanas, tal qual a política.
As questões religiosas, espirituais, morais e as relações sociais dos
membros eram inteiramente controladas pela comunidade religiosa. Observa-
se no grupo uma hierarquia bem definida. De um lado, a cúpula religiosa,
composta pelo pastor e seu corpo de diáconos e presbíteros e de outro, o
corpo de fiéis, ou leigos. De um lado os detentores de poder simbólico e
estruturadores do campo religioso, do outro, os que aceitam esta construção
estrutural e de poder
175
, isto é, os leigos.
Afirmamos que os fiéis o aceitavam pura e simplesmente as
condições de poder impostas pela hierarquia religiosa. Mas tal jogo de poder,
de recusa e aceitação era interessante e conveniente para o fiel. Primeiro, por
ele estar inserido em uma comunidade, da qual tinha participação. Segundo,
por contribuir com o seu funcionamento.
Contudo, mesmo querendo se afastar do mundo, por mais metafórica
que seja remeter-se às parábolas bíblicas, os membros de um grupo religioso,
permanecem participando da vida cotidiana em suas questões sociais e
culturais, em todos seus níveis. Como afirmou Cortén, a recusa não significa
175
BOURDIEU, Pierre. Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo. Ed. Perspectiva. 1974.
uma negação em seu sentido pleno. um jogo de interesses
176
, conforme
o texto bíblico na carta de João.
Para os membros da Assembléia de Deus a participação na vida social
de Feira de Santana se deu, sobretudo, por meio de assistência social, através
de creches, orfanatos e centros de recuperação. Este foi um meio do grupo
galgar visibilidade e destaque na região feirense, bem como de participar de
questões políticas. A participação política indireta, através da assistência social
e de pedidos a políticos de diversas colorações partidárias foi um desses
caminhos.
Nesse sentido a Assembléia de Deus se ocupou de diversas atividades
de cunho assistencialista. O assistencialismo ao mesmo tempo que seria uma
atividade bem vista aos “olhos de Deus”, pois seria para o bem estar não da
comunidade religiosa apenas, mas para toda sociedade circundante, procurava
dar assistência material aos desprotegidos, como moradia, alimento e
vestimenta, de modo a atender às necessidades físicas. E também oferecer
assistência espiritual, trazendo para os “fracos de espírito” a mensagem de
Deus e de preferência, agregando-o, como batizado no Evangelho. O
assistencialismo foi uma forma de ganhar visibilidade e espaço político na
sociedade.
Destacou-se perante a sociedade feirense com o Orfanato Evangélico
da Assembléia de Deus (OEAD), a Associação dos Menores Abandonados
(AMA) e com o Centro de Recuperação Desafio Jovem (CRDJ), entidades
criadas ao longo das décadas de 1950 a 1980.
Da aversão protestante a este mundo à participação política
Embora o pentecostalismo norte-americano tivesse fortes ligações com
as questões políticas e sociais, pelas condições sociais de Chicago em
princípios do século XX, o pentecostalismo no Brasil trazido pelos suecos
176
CORTEN, André. Os Pobres e o Espírito Santo: o pentecostalismo no Brasil. Rio de Janeiro.
Vozes. 1996.
Vingren e Berg inicialmente se absteve de questões políticas e sociais, se
apegando a doutrina bíblica de “salvação pelo batismo no Espírito Santo”. Não
havia uma preocupação com a melhoria das condições sociais a não ser em
uma perspectiva escatológica.
Muitos autores
177
analisam à mudança de comportamento da maioria
evangélica, compreendendo protestantes históricos e pentecostais ocupando
cargos eletivos à Constituinte brasileira em 1986, que teve sua organização a
partir da abertura democrática, ou seja, a partir da transição do regime militar,
iniciado em 1964, para o retorno democrático no País.
Paul Freston, em sua tese de doutorado, fez um apanhado da
participação protestante, desde o período colonial até a abertura democrática
para salientar que a participação evangélica na política partidária ganhou força
com a Constituinte de 1986. Para Freston, o crescimento evangélico, na
década de 1980, possibilitou a descoberta de seu potencial eleitoral.
A representação evangélica multiplica-se em 1986 nas regiões
Nordeste e Centro-Oeste onde antes quase inexistia. O predomínio
no Sudeste nos anos 50 e 60 reflete seu caráter mais moderno e
urbano, criando um eleitorado capaz de votar segundo critérios
religiosos minoritários. Quando o campo se capitaliza, o
protestantismo dessas regiões predominantemente pentecostal,
descobre seu potencial eleitoral somente em 1986.
178
Freston abordou o crescimento evangélico nas regiões brasileiras,
relacionando-o ao fenômeno urbano, que atingiu o Nordeste entre 1960 e 1970.
Para o autor o crescimento da representação evangélica na política ocorreu
graças a força pentecostal, principalmente da Assembléia de Deus (AD), Igreja
do Evangelho Quadrangular (IEQ) e Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Porém, antes do desenvolvimento da política partidária os grupos
protestantes iniciaram atividades assistenciais, que não deixavam de significar
fazer política assistencial, pois era uma forma de interferir na sociedade.
177
Sobre isto ver FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao
impeachment. Tese de doutorado. Unicamp. S.P. 1993; MENESES, Jonatas Silva. A
participação política da Igreja Evangélica Assembléia de Deus no Estado de Sergipe:
estratégias e ações para um projeto político. Salvador. UFBA, 1995; PIERUCCI, Antônio Flávio
e PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil: religião, sociedade e política.
Ed Hucitec. São Paulo, 1996.
178
FRESTON, 1993, op.cit., p. 169.
O trabalho assistencial foi um dos caminhos para a busca e
reformulação do conceito de política por parte do universo protestante. Primeiro
porque a atividade assistencial era uma forma de obter benefícios do poderes
públicos. E a burocratização decorrente da institucionalização levou, sobretudo,
para grupos protestantes uma aproximação às lideranças seculares. Segundo,
que para as atividades institucionais desenvolvidas havia a cooperação de
políticos, que na maioria das vezes eram procurados pelas entidades para
negociar uma “troca de favores”, a exemplo do voto ao que se prontificar a
ajudar a Denominação.
A sistematização da política assistencial foi um passo para a atuação
político-partidário, de modo a dar continuidade a esse trabalho assistencial,
pois assim não precisariam mais barganhar com políticos que não cumpriam as
promessas de benefício à comunidade religiosa, e não contribuíam com o
trabalho por elas desenvolvidos. Portanto, a atividade política, ganhou uma
nova roupagem, pois a política, seja assistencial ou partidária, seria para
atender aos interesses da comunidade religiosa e prestar auxílios aos
necessitados de modo a glorificar ao Senhor. Além do mais, daria o exemplo
evangélico de moral para uma sociedade corrompida. Eis a opinião de um
assembleiano:
Se fôssemos seguir a farisaica ojeriza dos que se opõem à nossa
participação na vida pública, porque existem pessoas corrompidas,
deveríamos viver isolados nas montanhas ou nas selvas, porque a
depravação moral atinge a todas as profissões.
Na realidade, a solução não está no isolamento. poderemos ser
cristãos verdadeiros e cumprir a nossa missão de transformadores de
sociedade se assumirmos posição de destaque e, através do
exemplo, da pregaçao da Palavra, da aprovação de leis justas e
éticas (“Ai dos que decretam leis injustas” Isaías, 10.1), indicarmos
aos nossos semelhantes que o evangelho tem respostas para a crise
moral, a crise espiritual, a crise econômica e social.
179
Esta proposição de Sylvestre, na década de 1980, era uma chamada
pública para a participação política que na prática vinha sendo desenvolvida
por diversos grupos protestantes, a exemplo dos assembleianos feirenses. A
179
Sylvestre, Josué. Os evangélicos, a constituinte e as eleições municipais. Brasília. Ed
Papiro. 1988, p. 50-1.
participação política, seja na política assistencial ou partidária agregava,
segundo o autor, leis justas e éticas.
Levando fé aos despossuídos: a assistência social e a presença
assembleiana junto aos poderes públicos
O trabalho assistencial tem sido uma das principais atividades desenvolvidas
pelos protestantes, principamente os pentecostais. Contudo, estas atividades não se
restringem, extrapolam a outros grupos de diferentes segmentos religiosos. O
assistencialismo, através de campanhas sociais, da caridade, foi uma forma encontrada
por diversos setores da sociedade na busca de funcionar como um atenuante para as
mazelas e os problemas sociais. A política assistencial esteve presente há décadas na
sociedade e instituicionalmente formada. Em trabalho sobre o universo assistencial por
parte dos grupos espíritas, do significado desta atividade e por ser algo quase que
inerente à sua organização religiosa, Emerson Giumbelli fez a seguinte observação:
Deve muito a mudanças de perspectiva por parte dos que se
interessam em observar a sociedade brasileira, pode-se perguntar se
ela não se vincula também a transformações quanto às formas de
envolvimento social das próprias lideranças e instituições espíritas.
Um exemplo é a própria Campanha contra a Fome, mobilização
sustentada sobre os valores da “cidadania” e da “solidariedade”, que
contou com o apoio e a participação de muitos espíritas de vários
lugares, em engajamentos individuais e institucionais.
180
Ou seja, os trabalhos assistenciais foram encampados ou estiveram
diretamente ligados à iniciativa religiosa, independente do credo, seja espírita,
católico ou protestante. Funcionou como forma de combate aos problemas
sociais. E percebendo a importância de sua natureza, que o Município, o
Estado ou a Federação entraram no sentido de apoiá-los. E por vezes esses
próprios órgãos ou os meios de comunicação veicularam tais políticas como de
180
GIUMBELLI, Emerson. Caridade, assistência social, política e cidadania: práticas e
reflexões no Espiritismo. In LANDIM, Leilah (org.). Ações em sociedade: militância, caridade,
assistência, etc. Rio de Janeiro. Nau Ed. 1998, p. 124.
iniciativa do Governo. Foi assim que se procedeu com entidades assistenciais
feirenses, como a AFAS.
As atividades assistenciais funcionaram com uma forma de alcançar
uma aceitação da sociedade que via grupos anteriormente marginalizados,
como contribuídores sociais. Ao comentar esta prática no Espiritismo, Giumbelli
afirmou:
A caridade, assim afirmada, não serviu apenas para justificar práticas
anteriores, mas para remodelar estas e criar outras, funcionando
como uma espécie de emblema sob o qual o Espiritismo podia atuar
no espaço público. O resultado foi um processo que envolveu
concomitantemente uma reformulação permanente das formas pelas
quais se expressava a caridade e uma negociação dos espaços
legítimos para a sua prática.
181
Tal analogia pode ser feita aos protestantes, pois ao desenvolverem
práticas assistenciais o ideal de se abster do mundo foi ganhando nova
simbologia, bem como estes grupos foram galgando aceitação na sociedade
local. As atas do grupo religioso já registravam este aspecto:
Dando continuidado o pr. Severino Soares aplicou um fundamental
ensino sobre a excelência da caridade fazendo ver que a caridade
outorga virtudes, consequentemente observamos nas pessoas que
tem amor da Deus, a disposição firme e habitual para a prática do
bem.
182
Não seria possível desenvolver uma prática assistencial sem ter uma
aproximação com a vida pública ou com os intermediários, os políticos. Este
fazer e refazer de relações levou a negociações de espaço, interferência
pública e poder. Os políticos começaram a se imiscuir nas atividades dos
assembleianos.
Esta atuação nas atividades assistenciais, por sua vez, caracterizou-se
por uma prática cidadã, um exercício de cidadania, que no entanto, foi criticada
por Giumbelli por ser uma forma do Estado não realizar funções que cabiam a
ele, pois esta prática, embora atinja e beneficie a sociedade civil em todos os
seus agentes, envolve necessariamente o Estado, seja enquanto interlocutor
181
GIUMBELLI, 1998, op. cit., p. 132.
182
Livro de atas da Assembléia de Deus de Feira de Santana. Feira de Santana. 25 jul. 1980,
p. 119.
privilegiado, seja enquanto garantidor de certas condições materiais e direitos
básicos
183
.
A necessidade do assistencialismo para o Espiritismo está no fato de
considerarem a caridade como uma prática decisiva para a evolução espiritual.
No Protestantismo, o bem feito ao próximo assumiu a posição de fazer o bem
para Deus, não contribui para a salvação final. As obras devem ser feitas em
decorrência da fé: este foi o foco da discórdia de Lutero com a Igreja Católica.
A salvação para os protestantes ocorre em nível individual, mas
acreditam ter a obrigação de contribuir para a construção do “Reino de Deus”
através da ajuda aos que não tem as condições e carecem de acesso à
Palavra, por isso o assistencialismo assumiu uma posição de destaque no meio
protestante, pois suas instituições ao mesmo tempo que procuraram suprir
necessidades materiais buscaram trazer para sua comunidade religiosa os
marginalizados e reinseri-los na sociedade, sendo mais uma alma para o
“Reino de Deus”.
Assim, mais uma semelhança parte das atividades institucionais
praticadas por estes grupos: a indissociabilidade entre a assistência material e
espiritual, o que podia ser traduzida na prática por certo paternalismo, utilizado
não como um componente ideológico, mas como elemento importante da
mediação das relações sociais, embutida de normas e valores na organização
do grupo religioso.
Segundo Thompson, o paternalismo, envolve um jogo de interesses
recíprocos entre os envolvidos, em uma relação desigual, na estrutura social,
beneficiando os que exercem esta dominação
184
(forma de poder) e os que são
“atingidos” por ela (benefício para o grupo que a aceita se aceita é por que
satisfaz). Não se pode esquecer que a utilidade sugerida pelo termo não apaga
o seu lado impreciso (por não ter uma especificidade histórica), podendo
confundir o real com o ideal da organização social.
A discussão pode se aproximar da idéia de o paternalismo ter sido a
estratégia encontrada pela Assembléia de Deus de Feira de Santana para se
fazer presente no cenário político local. A atitude paternalista partiu do princípio
183
Livro de atas da Assembléia de Deus de Feira de Santana. Feira de Santana. p. 141.
184
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São
Paulo. Cia das Letras. 1998, p. 22.
de controle e aceitação tanto do grupo em relação à sociedade feirense, quanto
da aceitação dos fiéis de seu controle pelos detentores do poder, tanto em
âmbito interno quanto externo, uma relação, portanto, dialética. Numa
sociedade de maioria populacional carente, o assistencialismo cumpriu um
importante papel. Certamente foi o que ocorreu entre as atividades sociais que
os assembleianos desenvolveram.
As instituições sociais assembleianas
em Feira de Santana
O Orfanato Evangélico, o Centro de Recuperação Desafio Jovem e o
Amparo ao Menor Abandonado compuseram as principais atividades
assistenciais da Assembléia de Deus de Feira de Santana. Foram criados entre
as décadas de 1950 e 1980, sendo que os dois últimos foram nos anos 1980,
período resultante do forte crescimento populacional em Feira de Santana,
formando na cidade uma grande parcela de marginalizados sociais,
aumentando a violência, a criminalização, o abandono, e o consumo de álcool
e psicotrópicos.
O Orfanato Evangélico da Assembléia de Deus foi uma das primeiras
entidades da Denominação Assembleiana. Inicialmente o Orfanato funcionou
na Praça da República, em um casarão alugado. Quem esteve à frente do
mesmo foi Manoel Joaquim, pastor presidente da AD de Feira de Santana. A
manutenção inicial foi por ajuda dos próprios membros, mas logo entraram em
contato com os poderes públicos para a continuidade do seu trabalho
assistencial. Isto exemplifica a necessidade de contato com os poderes
públicos. Nesse período a AD elegeu seu primeiro candidato em Feira de
Santana, Gerson Gomes.
Na política partidária Gerson Gomes teve sua atuação caracterizada por
forte assistencialismo, marca da atuação política nacional, mas diretamente
vinculada a grupos religiosos. A ADEFS não fugiu a essa regra, dando
continuidade e atenção especial às suas entidades assistenciais.
No início da década de 1980 aumentaram as dificuldades do Orfanato,
pois o mesmo não recebia dos poderes públicos e órgãos privados o suficiente
para a construção de um novo Orfanato. Os líderes que representavam a
entidade entraram em contato com os poderes públicos para a doação não
da nova área (no Panorama), mas de materiais para sua construção. Em 1983,
o casarão foi vendido e o Orfanato recebeu ameaça de despejo. Esta crise foi
evidenciada pelo jornal Feira Hoje.
Na opinião do responsável pelo estabelecimento de ensino e pelo
orfanato, Vítor José de Santana, a mudança da escola poderá ser
feita concomitante com a do orfanato porque os órfãos que residem
naquela instituição estudam naquela unidade de ensino e não
poderiam prescindir da educação.
Segundo ele, já foram mantidos entendimentos com o Governador do
Estado que, inclusive, já apresentou uma área onde deverá abrigar as
futuras instalações do Orfanato Evangélico. Sobre a questão judicial
envolvendo o terreno onde está situada a instituição e a unidade
escolar, Vítor José de Santana informou que já entrou com recurso na
justiça.
185
A nova área foi conseguida através de pressão na Câmara de
Vereadores. O terreno foi doado pelo prefeito Colbert Martins. Quando desta
concessão, Severino Soares era o pastor presidente da AD de Feira de
Santana. Nesse momento o Orfanato não estava apenas sob controle da
Assembléia de Deus de Feira de Santana, mas da direção geral das
Assembléias de Deus, em Salvador
186
, isto é, a Convenção das Assembléias
de Deus, órgão estadual e máximo da Denominação.
Além da creche o Orfanato possuia uma escola, outro fator para a
resistência em sair do local que havia se estabelecido. Ou seja, cumpria uma
responsabilidade social que era do governo, mas interessante nas relações
sociais mantidas pelos assembleianos. Em outra nota o jornal veiculava a
necessidade de apoio a entidade que funcionava mais de trinta anos, de
modo a manter Feira de Santana em seu ideal de civilidade e progresso, afinal,
era o Orfanato uma forma de contribuir com uma cidade mais “limpa”, não
incomodada com crianças perambulando pelas ruas.
O prédio pertencia a uma viúva cujo nome Vítor José de Santana não
conseguiu lembrar. Em meados de 1960 os responsáveis pela
entidade demonstraram interesse em comprar o prédio o que não
ocorreu em virtude de o prédio ter sido adquirido por Antônio
185
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 13 jul. 1983, p. 3.
186
Entrevista com Gerson Gomes concedida ao autor 13 de outubro de 2005.
Magalhães em mãos da antiga proprietária... O Orfanato é mantido
por um corpo de sócios, notadamente adeptos da organização
religiosa Assembléia de Deus e recebe subvenções de várias
entidades ligadas ao Estado, Prefeitura e organizações filantrópicas.
Apesar disso, Vitor José de Santana disse que o Orfanato vem
passando por dificuldades principalmente no que se refere a
alimentação. Lembrou ainda o integrante do Conselho Fiscal da
entidade que o atual governador do Estado, João Durval Carneiro,
também já colaborou com aquela obra assistencial.
A afirmação abaixo exemplificou a atividade assistencial como uma
preocupação política da AD e de seus candidatos, que estavam sempre
prontos a defender as entidades religiosas do grupo.
- Não temos alternativas frisou Vítor José de Santana embora
tenhamos conhecimento de que a prefeitura doou um terreno a
entidade para a construção de uma nova sede, mas não temos
recursos. Temos um representante que está realizando gestões no
sentido de manter o orfanato, o vereador Waldeir, do PDS, embora eu
não acredite que a Justiça seja favorável ao despejo
187
.
Foto 6. Antigo prédio do Orfanato da Assembléia de Deus em Feira de Santana. Foto do Jornal
Feira Hoje. 06 out. 82.
A concessão de terrenos foi obtida também foi feito para outras
entidades assistenciais e para construções de novas congregações
assembleianas, em decorrência dos apelos dos evangélicos junto às
187
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 30 abrl. 1983, p.43.
autoridades para novos templos. Encontrava-se referências freqüentes nas
Atas da AD a doações de terrenos por parte de diversos prefeitos e lideranças
políticas feirenses, como Almáchio Alves Boaventura, José Falcão, João Durval
da Silva e Colbert Martins da Silva, entre as décadas de 1950 a 1990. A
visibilidade do trabalho assistencial também rendia votos.
O assistencialismo contribuiu na superação assembleiana da visão
negativa envolvimento com questões mundanas até certo limite, pois estas
questões não eram debatidas com os fiéis no púlpito e estes recebiam duras
normas e doutrinas que orientavam suas relações sociais, mas nos bastidores
das lideranças costuravam-se os acordos com as autoridades municipais e
estaduais. Somava-se a isto as representações que construíam de si e da
sociedade feirense na qual estavam circunscritos, tornavam-se participantes da
mesma, dos jogos de poder e das barganhas com as autoridades.
As atividades assistencialistas indicavam um modo de participação
social e os pedidos que faziam junto aos políticos, do município ou da região,
também era uma forma de fazer política e muito corriqueira no território baiano.
Atribuí-se esta relação junto às autoridades, tanto no sentido de favorecimento
próprio, quanto de manutenção de entidades assistencialistas como negociar
junto aos políticos favores em troca de votos.
Um desses favorecimentos ao Orfanato Evangélico foi concedido pelo
Deputado Federal Raimundo Brito, que vinculou-se a ARENA com o golpe
militar, sendo o grande articulador e mediador entre os batistas e as
autoridades militares que governavam o País
188
. Entre os batistas e os
evangélicos em geral, vale ressaltar. Os políticos assembleianos não diferiram
quanto à lógica política assistencial de Brito, que na cada de 1960 contribuíu
com o Orfanato da Assembléia de Deus. Conforme Silva: A barganha e o
clientelismo político, que trocava votos por serviços assistencialistas, foi a
tônica da intermediação que o Dr. Raimundo Brito desenvolveu entre os
batistas e os militares
189
.
188
SILVA, Elizete da. Os batistas e o governo militar: Deus salve a pátria. Assis São Paulo.
UNESP. X Simpósio da ABHR. 2008, p. 11.
189
SILVA, 2008, op. cit., p. 12.
Foto 7. As crianças do Orfanato. Homenagem ao Deputado Federal Raymundo Brito, que
intermediou junto ao governo militar ajuda a entidade assembleiana.
A legenda da foto evidenciou a estima assembleiana ao assistencialismo
e ao clientelismo, a partir do jogo político de concessão mútua.
Desde as primeiras décadas os irmãos da AD de Feira de Santana
tinham consciência de seu potencial eleitoral. Como comprovado em ata de
1957, em que foi esculhido uma comissão de irmãos para encaminhar os
irmãos para tirar títulos de eleitor dando assim orientações para que unidos
votemos em um candidato que si prontificar a ajudar a igreja
190
. Ficavam com o
princípio de submissão às autoridades, conforme rezava o texto bíblico da carta
de Paulo aos Romanos, capítulo 13:1. Todo homem esteja sujeito às
autoridades superiores, porque não autoridade que não proceda de Deus; e
as autoridades que existem foram por Ele instituídas
191
.
Este afastamento do mundo se relacionava a diversos aspectos do
social e do cultural. A política, enquanto envolvimento com o mundo, era
190
Livro de Atas da Assembléia de Deus. Feira de Santana. nº 51. 1957.
191
Bíblia de Estudo Esperança, 2000, op cit., p. 144.
também uma forma de pecaminosidade. Seria útil, contudo, desde que fosse
para trazer novas almas para conversão ou em praticar atos de solidariedade.
Indicava a solidariedade uma forma de amor ao próximo. O crente deveria dar
um exemplo disto, mas não se imiscuir com aqueles que “não andavam nos
caminhos do Senhor”.
A política clientelista formada na Bahia, sobretudo a partir do regime
militar, proporcionou a inserção de diversos grupos sociais nos espaços de
poder, desde que satisfeitos os interesses de lealdade e obediência ao regime,
que tinham como pretensão o desenvolvimento conservador da sociedade
baiana sob a concessão de autoridades carismáticas, na qual Antônio Carlos
Magalhães foi seu principal expoente:
Credenciando-se desde a segunda metade dos anos 1960, como um
dos líderes e, nos anos 1970, como principal condutor político local
de uma modernização conservadora dirigida sob centralização
decisória, administrativa e política, nos âmbitos do governo federal e
do sistema militar.
192
A lealdade não foi difícil para diversos grupos protestantes que seguiam
o princípio de submissão às autoridades. Os assembleianos souberam trilhar
muito bem os caminhos e as encruzilhadas do clientelismo, usando como
moeda de troca os votos.
André Corten contribuiu ao entendimento desta atitude ao realizar uma
análise do pentecostalismo e sua relação com a política. Utilizou os conceitos
de greve social e de antipolítico, significando a recusa do espaço da cidade,
por este ser um espaço de ação do homem secular, não do homem convertido,
que deixou de lado seu “eu interior” em função dos valores da comunidade
religiosa para a qual renasceu:
Converter-se e entrar para uma Igreja significa para o indivíduo
aceitar que a totalidade dos seus atos sejam regulamentados e
controlados pela comunidade religiosa, não lhe deixando nenhum
domínio no qual a sua consciência pessoal seja o único juiz...
Finalmente, na vida profissional e pública, a moral ensinada torna-se
francamente negativa e passiva: é preciso ser submisso na
obediência e no respeito às autoridades (quer se trate das
autoridades do Estado, do patrão ou dos sindicatos), mas a regra de
192
DANTAS NETO, Paulo Fábio. Tradição, autocracia e carisma: a política de Antônio Carlos
Magalhães na modernização da Bahia (1954 1974). Belo Horizonte. UFMG. 2006, p. 227.
ouro é „Tu não participarás‟... O crente isolado deve seguir uma ética
de retiro e de greve
193
.
Também trabalhando com o conceito de paternalismo, Corten, afirmou
que a ação pentecostal reproduz um modelo paternalista através de uma ação
de arbitragem e de graça, opressão e proteção. Em uma perspectiva
escatológica, a participação na política seria uma perda de tempo e risco de
corrupção. Participação esta, é importante ressaltar, restringiria a atuação no
espaço da política partidária, mas não o jogo político de aceitabilidade e recusa
de compromissos e benesses advindos dos políticos instituídos.
Contudo, partindo da premissa de que o religioso informa o político, e
que a sociedade encontra-se em uma constante transformação, pode-se
avançar para além da análise de Corten ao considerar que a participação na
política, não assistencialista, ou de barganha, encontrou impulso no meio
assembleiano ao tomar a atuação política como uma forma de expressão do
religioso, estando lado a lado atitudes de aceitabilidade e compromisso.
O crescimento da participação política significou uma certa mudança dos
assembleianos, remetendo-se a uma processual aceitação de diversos
aspectos da vida social e de consumo, como consultas médicas, ida a salões
de beleza, presença em clubes e cinemas, entre outros. Fatores estes antes
mal vistos, conforme discutido no capítulo anterior. A participação
assistencialista significou um caminho para a ampliação política da AD. Assim,
na década de 1980 foi criado o Centro de Recuperação Desafio Jovem.
193
CORTEN, André. Os Pobres e o Espírito Santo: o pentecostalismo no Brasil. Rio de Janeiro.
Vozes. 1996, p. 21.
Foto 8. Centro de Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus de Feira de Santana,
no distrito de Humildes. Foto do Jornal feira Hoje.
A formação do Centro de Recuperação Desafio Jovem da Assembléia
de Deus, fundado em 1980, comprovou esse interesse político do grupo.
Segundo seu estatuto, o “Desafio Jovem” era uma instituição religiosa, civil,
filantrópica, sem fins lucrativos. Ainda conforme o estatuto, o Desafio Jovem de
Feira de Santana, Entidade Cristã, tem por finalidade, a recuperação de jovens
e qualquer pessoa viciada em tóxicos, psicotrópicos, alcoolismo e demais
problemas de ordem física, moral e espiritual
194
. Nos 65 anos de
comoemoração da AD a assistência social não foi esquecida dentre as
atividades que se destacavam na Denominação. A respeito do CRDJ foi
comentado:
Mantém, através de membros associados a essa entidade, em forma
de contribuição financeira, apoio moral, assistencial, religiosa e
psicológica, a pessoas do sexo masculino, viciado em drogas,
tóxicos, entorpecentes ou alucinógenos, tratando-os através da
terapia ocupacional, como também encaminhando-os a um credo
religioso, que servirá de base para a sua firmeza de propósito,
acelerando a sua cura e libertação dos vícios.
195
194
Livro de Atas do Centro de Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus. Feira de
Santana. 26 dez. 1980, p. 01.
195
FERNANDES, Rogério Armentano. 65anos: jubileu de ferro. Resumo do Histórico da
ADEFS (1938 2003). Igreja Evangélica Assembléia de Deus. Feira de Santana Ba. 2003, p.
10.
Ou seja, o aspecto de cura teve forte apoio no aspecto religioso, pois
para o tratamento, o paciente precisava de uma orientação, uma firmeza de
propósito, alcançada por via espiritual. Ainda no estatuto do CRDJ, no artigo 4º
foi complementado:
Por atingir sua finalidade acima manterá: a) Centro de Recuperação;
Centro de Treinamento; Centro de Orientação Profissional e Centro
de Estudos Bíblicos; b) Assistência Médica aos viciados, durante o
período de recuperação; c) Serviço de Assistência Social junto à
Comunidade
196
.
Maria Isabel Sampaio ao tratar da relação dos assembleianos com o
mundo social, analisou a representação pentecostal da Assembléia de Deus de
Feira de Santana sobre o processo de saúde-doença. Indicou uma superação
assembleiana na aceitação de elementos do social, antes vistos com
dificuldade pelo grupo. Trabalhando com esta representação simbólica, a
autora analisou que o processo de saúde-doença não se limitava a inter-
relação com a matéria, abarcava também as subjetividades dos indivíduos, ou
seja, suas crenças, hábitos, costumes. Nesse estudo demonstrou que os
assembleianos “evoluíram” em seu conceito quanto ao processo de doença,
reconhecendo a importância médica no processo de cura e não apenas a
orações e a em Deus. Contudo, a cura tem sua autoridade constituída por
Deus. Sampaio indicou a participação evangélica não nos problemas sociais:
afirmamos que o pentecostalismo é um movimento peculiar à
modernidade, identificando-se com as turbulentas transformações
que ocorreram neste momento histórico a primeira revolução
industrial, e com ela a intensificação da pobreza, das epidemias, da
prostituição, e do alcoolismo, juntando-se a isso a expansão
desordenada das cidades, a exploração da mão-de-obra
trabalhadora, o desemprego, o crescimento da mendicância, a falta
de políticas públicas nos setores de saúde, educação, moradia, além
da falta de perspectiva de mudança de status quo
197
.
A espiritualidade evangélica serviu de conforto aos despossuídos.
Cuidar da espiritualidade significava estar em harmonia com o corpo, a alma e
196
Livro de Atas do Centro de Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus. Feira de
Santana. 26 dez. 1980, p. 01.
197
SAMPAIO, Maria I. da Silva. Representação do processo saúde-doença entre os
pentecostais da Assembléia de Deus em Feira de Santana. Feira de Santana. UEFS. BA. 2003,
(dissertação de mestrado), p. 52.
o espírito, isto por ser o corpo a moradia do Espírito Santo. Por isso a
importância à aparência pessoal dada pelos assembleianos.
Esta prática de honrar o corpo, justifica em parte, a aversão que os
protestantes têm ao consumo do álcool e do cigarro, uma vez que o
consumo destes dois produtos sempre significou a possibilidade do
vício incontrolável e, na atualidade, estes têm sido frequentemente
associados a fatores de risco para a saúde
198
.
A partir da preocupação com a pureza do corpo pode-se constatar a
interferência crescente dos evangélicos nos problemas sociais, como nas
atividades voltadas aos dependentes químicos. Os centros de recuperação
tiveram um papel importante na tentativa de reinserir indivíduos na sociedade,
bem como em manifestar a necessidade de atuação social do grupo religioso,
limitada por normas e doutrinas que viam com “maus olhos” a mistura de
elementos religiosos com seculares, incluindo a profanação que a atividade
política poderia causar.
Problemas das grandes cidades, como as drogas e a violência urbana
têm sido apreciados e tentativas de solução por parte de diversas
denominações religiosas. Esta preocupação levou a uma participação
evangélica em atividades políticas de cunho assistencialista.
O assistencialismo foi uma forma dos grupos evangélicos se fazer
presentes na sociedade. Foi notado nas atas o interesse de conversão destes
beneficiados, bem como as benesses que buscavam junto às autoridades
políticas, às quais também interessava a aproximação com o eleitorado
evangélico.
Trabalhando com os Livros de Atas do Centro de Recuperação Desafio
Jovem da Assembléia de Deus, alguns destes aspectos podem ser conferidos.
Na ata 17 foi demonstrado o progresso do Centro de Recuperação na cura
dos toxicômanos
199
. Muitos dos alunos, como eram chamados os dependentes
químicos em tratamento, que concluíram o período terapêutico permaneceram
na comunidade assembleiana como fiéis e de parte deles se formou o quadro
198
SAMPAIO, 2003, o. cit., p. 67.
199
Livro de Atas do Centro de Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus. Feira de
Santana. 04 de abril de 1985.
atual de obreiros. Apesar de em entrevista um dos obreiros, ex-dependente
químico, afirmar não ser o Centro uma “fábrica de fazer crentes”
200
.
Observa-se, entretanto, que boa parte dos concluintes do tratamento
permanceram, se não como assembleianos, como pertencentes a outras
denominações evangélicas. Eram, portanto, fiéis em potencial para o grupo
religioso.
A partir da leitura das atas do Centro de Recuperação Desafio Jovem,
percebe-se o trabalho comunitário realizado pela Assembléia de Deus, “Cristo
vos liberta” (CVL), de ajuda aos viciados, carentes e necessitados da
mensagem religiosa que se encontravam nas ruas da cidade de Feira de
Santana. O projeto começou com um trabalho noturno de membros da
congregação que saiam pregando o Evangelho para dependentes químicos e
pessoas com “desvio moral”. Estendeu-se com um trabalho realizado por
iniciativa do pastor Severino Soares, em 1979, juntamente com outros
assembleianos, de recolher dependentes químicos e os encaminharem para
um Centro de Recuperação em Baúru, São Paulo. A idéia de fundar um Centro
de Recuperação em Feira de Santana surgiu devido ao alto custo de enviar
para São Paulo estes dependentes. Em 1983, ocorreu a compra de uma
chácara de dez tarefas em Humildes, distrito do Feira de Santana, para a
instalação do próprio Centro local.
O trabalho assistencial com toxicômanos ganhou visibilidade e foi
demonstrado nos veículos de comunicação de Feira de Santana. Em uma de
suas matérias, a Revista Panorama da Bahia trouxe o depoimento de um
convertido ao pentecostalismo, ex-dependente químico.
Num depoimento dramático, o feirense Heronildo Xavier de Santana,
27 anos, ex-toxicômano, ex-ladrão, conta a sua luta para se livrar do
barato das drogas, seu envolvimento com viciados da pesada e das
inúmeras vezes em que esteve preso... Fui solto e quando cheguei
em casa haviam colegas com seringas para tomarmos „pico‟
novamente. E quando eles chegaram de um lado, uma comissão de
evangélicos chegaram de outro... Os evangélicos me pediram um
minuto de atenção, leram um trecho da Bíblia e começaram a explicar
as verdades de Deus... os meus irmãos propuseram-me que fosse
para uma Casa de Recuperação, no „Esquadrão Vida‟, em Bauru,
São Paulo... Dali em diante passei a ser uma pessoa diferente. Nunca
200
Entrevista realizada com um dos obreiros da Assembléia de Deus em 07 de abril de 2004.
Não citamos o nome de entrevistado por não expor uma pessoa que passou por problemas
de dependência química, preservando assim sua privacidade.
mais tive vontade de mentir, de fumar, de roubar e de me prostituir.
Hoje sou crente, não por conveniência, mas porque sei que Deus
queria que eu devia ser crente.
201
Apesar da Revista Panorama da Bahia não se referir à denominação
religiosa, as referências indicam a AD, pois tinham esta prática de enviar o
toxicômano para se tratar em São Paulo, até a determinação de construir seu
próprio centro de recuperação. A revista reconheceu o trabalho assistencial e a
colaboração exercida pelos evangélicos, dado ao papel de reintegração social
da entidade.
A terapia espiritual da CRDJ tinha como base mostrar a importância da
salvação do homem por Cristo Jesus. O “encontro com Cristo” foi fundamental
para Ele operar na vida destes homens e “curá-los” das doenças. Essa
estrutura religiosa suplantava um atendimeto médico mais capacitado na
entidade assistencial. Reconheciam a importância do tratamento médico, no
entanto havia uma maior valorização ao tratamento espiritual
202
. Ainda segundo
os entrevistados, no caso do dependente necessitar de um tratamento médico
era conduzido para um posto de saúde e depois comprados os medicamentos
prescritos
203
.
Essa carência e problemas internos foram atribuídos à falta de ajuda
sistemática de órgãos do governo ao Desafio Jovem. Também procuravam
ajuda de empresas dispostas a doar alimentos. Em atas verificou-se a
contribuição ao Centro de Recuperação, durante o governo de João Durval
Carneiro, em 1984
204
.
Questionados sobre o que levava uma pessoa a se envolver com o
álcool e com as drogas, os entrevistados falaram do contato com más
companhias (falta de conduta ética nos moldes cristãos), da curiosidade, do
abandono da família e da própria condição financeira, servindo a droga como
uma válvula de escape. Observação típica de um converso e adequada às
normas e costumes do grupo ao qual passou a pertencer.
201
Entrevista realizada com obreiro da Assembléia de Deus em 07 de abril de 2004.
202
SAMPAIO, 2003, op cit.
203
Entrevista realizada com obreiro da Assembléia de Deus em 07 de abril de 2004.
204
Atas do Centro De Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus de Feira de
Santana. 31 mar. 1984, p. 8.
O entrevistado João
205
, entrou no Centro de Recuperação Desafio
Jovem como dependente químico. Em seu depoimento ficou demonstrado o
trabalho evangélico de cura voltada para conversão do dependente:
Eu particularmente, com a idade de 15 anos, eu tive a infelicidade de
conhecer o baseado de maconha. Em 1985 fumei pela primeira vez,
não senti nada. Foi da segunda e terceira vez que eu já comecei a
sentir alguma coisa e comecei a fumar. Quando eu vi que a maconha
não tinha efeito que eu desejava eu comecei a usar cocaína e da
cocaína eu cheguei até a tomar pico. E quando me vi na situação
de dependente mesmo, que eu não tinha mais dinheiro para
manter meu vício comecei a roubar, praticar pequenos furtos dentro
da minha própria casa, depois na casa dos meus familiares, a
exemplo de tio, tia, primos e depois comecei a fazer alguns
arrombamentos na cidade a qual eu morava (município de Coração
de Maria, próximo a Feira de Santana). Mas um dia bastante
escravizado pelas drogas por que as drogas ela escraviza e mata, tira
a vida, tira a vida de quem tem vida, e eu naquele momento de já de
muita angústia, muito sofrimento eu optei para ir ao Centro de
Recuperação aonde eu pela misericórdia de Deus fui e no Centro
de Recuperação eu pude assim encontrar a recuperação para a
minha vida uma vez como eu disse era oprimido, era escravizado
mas ao encontrar Jesus eu pude ver a minha vida transformada e
liberta por Cristo, porque Ele tem poder de transformar e libertar o
homem
206
.
A cura da dependência química foi atribuída à intervenção divina, que se
tornou mais importante que o tratamento médico. Como se o encontro com
Cristo significasse a iluminação desse homem dependente de drogas, como o
de todos os dependentes químicos ou de problemas morais e espirituais. Em
uma inversão da Filosofia Iluminista do século XVIII, pode-se afirmar que o
encontro da razão, baseia-se na fé, ou seja, no encontro com o “Salvador”
Jesus Cristo.
Sobre os dependentes que foram convertidos, ambos disseram ser uma
escolha pessoal. Segundo um deles “o Centro não é fábrica de crentes”. Porém
este mesmo entrevistado falou do trabalho dos obreiros de mostrar que apenas
pelo intermédio de Cristo encontraram libertação para a vida. A entrevistada
Maria, secretária e professora de alfabetização do Desafio Jovem, evangélica e
casada com um ex-viciado e também obreiro no Desafio Jovem, comentou a
205
Nome fictício.
206
Entrevista realizada com obreiro da Assembléia de Deus em 07 de abril de 2004. Destaque
nosso.
importância de aceitar a Jesus, confirmando o caráter proselitista do Desafio
Jovem
207
.
Também eram constantes a presença de políticos locais em diversos
eventos promovidos pelos evangélicos da AD. Eles participavam não apenas
da doação de terrenos ao grupo religioso, mas também das festas de
inauguração, como uma forma de conseguir votos. Era recorrente a barganha
política. Quando da inauguração da casa do “Desafio Jovem”, estiveram
presentes diversas lideranças, dentre eles o prefeito do município e deputados,
conforme relatado:
O prefeito Dr. José Falcão da Silva, sentido-se honrado em termos
em Feira de Santana uma organização como o Desafio Jovem
trabalhando em favor de jovens viciados em tóxicos. Falou ainda que
Feira de Santana estará lado a lado do Desafio Jovem no objetivo de
ver a libertação do jovem viciado... Por outro lado falou o então
Deputado Estadual Dr. Colbert Martins, dizendo que muito admira os
evangélicos, quanto ao objetivo que eles têm de integrarem em favor
do bem comum da comunidade
208
.
Nota-se que a presença dos políticos junto ao grupo religioso indica um
prestígio, ao menos, em relação ao seu porte numérico e possibilidade de
retorno de votos para os mesmos, os quais se dispunham a contribuir para as
atividades assistenciais. Havia assim, uma troca de favores explícita, típica das
relações paternalistas da política baiana e brasileira.
Esta era uma forma assembleiana de se fazer presente junto à
sociedade, demonstrando a importância do Centro de Recuperação. Tanto que
houve a criação de um Conselho Consultivo, em 1983, composto de
autoridades políticas e personalidades feirenses, a exemplo do então vereador
José Ronaldo de Carvalho, Gerson Gomes, rgio Carneiro (filho do
governador João Durval), Pastor Shuts (missionário batista norte-americano),
professores, entre outros. Foi uma forma de conseguir ajuda contínua para a
manutenção do Centro de Recuperação. Este aspecto do assistencialismo
indicou uma maior abertura da Denominação Assembléia de Deus à sociedade
feirense.
207
Entrevista a um dos secretária do Centro de Recuperação Desafio Jovem, da AD. Abr.
2004.
208
Livro de Atas do Centro de Recuperação Desafio Jovem da Assembléia de Deus. Feira de
Santana. 02 jul. 1985.
Outro centro assistencial implantado pelos assembleianos foi o Amparo
ao Menor Abandonado, criado também pelo pastor Severino Soares, no sentido
de cuidar de crianças e jovens que perambulavam pelas ruas da cidade, com o
intuito de oferecer formação e claro, um credo religioso ao acolhido. Sobre o
AMA foi comentado:
Com atenção especial aos assim chamados meninos-de-rua, o AMA
procura recrutar crianças menores obedecendo sempre sua
capacidade de lotação tratando-as dentro do amor que Deus
menciona na Bíblia Sagrada, encaminhando até muitas delas, a uma
adoção por parte de famílias interessadas.
209
Mais uma vez os assembleianos estavam em parceria com os interesses
municipais, pois era grande o número de crianças pelas ruas feirenses. O
Jornal Feira Hoje corriqueiramente trazia notícias que abordavam o problema
dos meninos de rua, apontando a falta de inncia destes, que muitas vezes
não tinham famílias, ficando vagando pelas ruas, ou vendendo alimentos,
frutas, verduras ou doces, ou pedindo nas calçadas ou no trânsito
210
.
Outra entidade assistencial montada pela AD foi o Centro Beneficente da
Assembléia de Deus (CEBAD), cuja função era destinar parte das contribuições
dos fiéis para o auxílio a muitos necessitados em nossa cidade, oferecendo
centenas de cestas básicas, medicamentos, auxílio funeral e até algumas
ajudas de custos a idosos
211
. Muitos dos fiéis assembleianos que não
possuiam condições financeiras também recebiam cestas básicas. O Grupo de
evangelização noturna “Cristo vos liberta” (CVL) foi formado há décadas na AD.
Tinha um trabalho espiritual mais destacado por sair às ruas da cidade, durante
a noite, em busca de favelados e desemparados para pregar as doutrinas
assembleianas. As que aceitavam a mensagem religiosa ou tratamento
específico eram encaminhados para os locais adequados. Conforme um
memorialista da AD:
Irmãos preparados e devidamente amparados por autorização judicial
saem às ruas, em altas horas da madrugada, pregando a libertação
pelo poder de Deus às pessoas marginalizadas, chegando, até, a
209
FERNANDES, 2003, op. cit., p. 10.
210
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 01 jan. 1984, p. 7.
211
FERNANDES, 2003, op. cit., p. 11.
encaminhar aquelas que desejavam entrar no Centro de
Recuperação Desafio Jovem de Feira de Santana.
212
Outras práticas do grupo de realizar assistência social era por meio das
Cruzadas Evangelísticas que ocorriam nas ruas e praças da cidade. O objetivo
era realizar orações pelo “bem” da cidade, acolher os que necessitavam da
mensagem religiosa, convertendo novos membros e encaminhando os que
aceitavam seus trabalhos assistenciais.
Foto 9. Cruzada evangelística sob comando so Pastor Severino Soares. Acervo de Eber
Soares.
Na ocasião da visita de um missionário norte-americano em Feira de
Santana, o edil Gerson Gomes, com a concordância dos demais vereadores
realizou uma sessão solene na Câmara de Veradores para marcar a
importância do trabalho de evangelização da AD.
O Sr. Presidente transformou a sessão em especial para recepcionar
os membros da Cruzada Boas-Novas. Inicialmente foram convidados
212
FERNANDES, 2003, op. cit., p. 11.
os diversos pastores da Igreja Evangélica Assembléia de Deus. O Sr.
Presidente nomeou uma comissão de Recepção, composta de
vereadores, para introduzir em plenário, o Pastor Bernard Johnson,
diretor da Cruzada. O Sr. Presidente concedeu a palavra ao vereador
Gerson Gomes da Silva que saudou os visitantes em nome da Casa.
Em seguida foi concedida a palavra ao Pastor Bernard Johnson que
proferiu uma palestra baseada no Evangelho.
213
Em outra cruzada, a mensagem foi mais enfática e a ajuda tanto
espiritual como material assegurada a todos os que tivessem a crença em
Deus, o que garantiria prosperidade para a nação brasileira, tal qual vivia os
Estados Unidos (EUA) e não calamidades e secas que típicos desta nação e
especialmente a feirense. Portanto, a causa das mazelas estava na fé. Os
EUA, por sua vez eram ricos e livres por honrarem ao Senhor.
Se você precisa ser feliz, chegou a sua oportunidade, Os enfermos
serão curados, os oprimidos libertados e os cansados descansarão
nas promessas do Senhor. As nçãos do Senhor serão derramadas
sobre todos os que crêem na ocasião da visita do missionário Rodolfo
Beuttenmüller.
214
As atividades assistencialistas e de barganha foram o caminho que,
inevitavelmente, conduziram os evangélicos assembleianos para a política
partidária. Gerson Gomes da Silva, diácono da Denominação Assembléia de
Deus e primeiro membro da mesma a ser eleito a um cargo político, foi um dos
principais contribuintes do Ofanato Evangélico. O mesmo ocorreu com
Severino Soares, que foi vereador e pastor da Igreja Assembléia de Deus, de
grande carisma, conforme Bourdieu
215
, junto aos fiéis.
Elizete da Silva em trabalho sobre o protestantismo ecumênico ressaltou
os esforços feitos para a atuação política entre os protestantes, dada a pouca
mobilização destes nas primeiras cadas do século XX e a atribuição de
política, sobretudo política partidária, como relativo ao profano.
Visando a atuação coletiva dos evangélicos, recomendava-se a
criação de núcleos de estudos ao nível local, contemplando os
setores sociais, político e econômicos, além de estimular a
“preparação de uma literatura adequada para a orientação do povo
evangélico”. Quanto a participação em partidos políticos, que pelo
213
Atas da Câmara de Vereadores. Feira de Santana. 19 mai. 1978, p. 45.
214
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 17 jan. 1984, p. 4.
215
BOURDIEU, Pierre. Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo. Ed. Perspectiva. 1974.
menos até a década de 40 era rara entre os protestantes, sugeria-se
uma adesão consciente, conforme o relatório: [...] estimular os
evangélicos a participarem da vida política do País por meio da
filiação partidária e atuação dentro dos partidos existentes”.
Diferentemente da atual bancada evangélica, que tenta se organizar
em partidos de igrejas, visando os interesses particulares desses
grupos religiosos, recomendava-se “desaconselhar a criação de
partidos evangélicos”. Em oposição ao absenteísmo pietista que
considerava a política como “coisa do mundo” e que a vocação
protestante era sobretudo a evangelização, ofereciam uma nova
perspectiva: educar os evangélicos no sentido de considerarem a
vocação política dos crentes como uma vocação nobre e digna de
estímulos” (RELATÓRIO DA II CONFERÊNCIA. CONFEDERAÇÃO
EVANGÉLICA DO BRASIL).
216
Com a progressiva superação dos aspectos negativos da política por
parte da Assembléia de Deus de Feira de Santana, Gerson Gomes serviu
muito bem ao projeto de levar um assembleiano à Câmara Municipal feirense,
dentro do contexto dos anos 1970, em que a rejeição por parte dos
assembleianos de candidatura do pastor ainda era tão forte quanto para os
metodistas nos anos 1930. Não era também qualquer leigo, afinal era diácono,
participando da estrutura interna do grupo, que colaborou e corroborou sua
candidatura.
Contudo, atualmente observa-se uma situação diferente. Os casos de
ascensão na vida política dentro dos grupos evangélicos (protestantes
históricos e pentecostais) ocorrem, sobretudo com a candidatura do pastor.
Nesta nova configuração social o pastor, imbuído de um maior poder simbólico
alçou ao posto de melhor administrador na relação Igreja sociedade. Ele é o
homem de Deus tratado na Bíblia como o anjo da Igreja (...) tem autoridade
espiritual para aconselhar o povo de Deus em todas áreas da vida.
217
As razões de tal mudança estão ancoradas na dinâmica interna dos
grupos que deixaram de ser uma minoria marginalizada na sociedade e
passaram a ser uma força eleitoral atrativa e decisória dentro do campo
político, bem como a mudanças externas na sociedade, como o surgimento de
216
SILVA, Elizete da. Protestantismo Ecumênico e realidade brasileira. UEFS. Feira de
Santana. 2007, p. 87-8. (Trabalho de professor pleno).
217
CAMPOS. Leonildo Silveira. Os políticos de Cristo uma análise do comportamento político
de protestantes históricos e pentecostais no Brasil. In BURITY, Joanildo e MACHADO, Maria
das Dores Campos (org). Os votos de Deus: Evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife:
Massangana, 2006, p. 56.
novos grupos de trabalhadores em decorrência do crescente processo nacional
de urbanização e modernização e retorno ao processo democrático
218
no País.
Havia também para essa recusa de se inserir politicamente motivos
oriundos da estrutura do campo religioso brasileiro, cuja força
hegemônica católica deixava, para as religiões não-católicas, apenas
o que Bourdieu chama de estratégias de oposição profética e de
subversão simbólica.
219
Poder competir com o catolicismo e reduzir seu poderio no território
brasileiro, sem dúvida, foi um fator atrativo para estes protestantes, que viram
uma possibilidade de participar mais ativamente da sociedade e reduzir a
influência social do catolicismo, historicamente condenada por diversos grupos
advindos do protestantismo.
As mudanças ocorridas levaram ao crescimento das candidaturas
protestantes e, em grande proporção dos grupos pentecostais, dos quais se
destacaram a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a Assembléia de
Deus (AD). A IURD surgiu como um dos maiores grupos religiosos atualmente.
Inserida no categoria neopentecostal, conseguiu construir uma forte estrutura
religiosa e política, com seu aparelho midiático e a administração do Bispo Edir
Macedo, centralizador do grupo religioso, à frente das indicações para
candidatos políticos e detentor de diversos meios de comunicação, revistas e
emissoras de rádio e televisão, como a Rede Record.
A ampla estrutura de comunicação da IURD pode ser uma das causas
de seu poderio político em franca ascensão. Por contar com uma larga
veiculação televisiva, conseguiu sair a frente da AD que, contudo, também tem
uma forte estrutura administrativa e detém a maioria dos convertidos ao
protestantismo no Brasil.
Conforme dados do Censo de 2000, quatro igrejas repartem mais da
metade dos 26,1 milhões de evangélicos brasileiros: Assembléia de
Deus (8,1 milhões); Batista, Congregação Cristã do Brasil e Universal
do Reino de Deus (total de 15,5 milhões). Estima-se que a
Assembléia de Deus tenha mais de 100 mil templos em 95% das
cidades brasileiras.
220
218
Não é objetivo discutir o sentido de democracia, pois abriria perspectivas de estudos além
das limitações deste trabalho.
219
CAMPOS, 2002, op. cit., p. 32.
220
MIRANDA, Júlia. Nós, vocês e eles: os desafios de uma convivência (in)desejada. In
BURITY, Joanildo A. & MACHADO, Marias das Dores C. (orgs). Os votos de Deus:
Esta análise indiscutivelmente demonstrou o poder numérico da AD,
tanto quantitativamente na composição de membros, como em termos de
presença física ao longo do território brasileiro, o que contrasta com a IURD,
que não tem dados precisos quanto a quantidade de fiéis, mas consegue
vantagem com seu aparelho televisivo. Na estimativa exagerada de 1990 os
assembleianos brasileiros estavam estimados em 14.400.000 membros
221
.
Também possui, dentre os grupos protestantes, a maior editora gráfica, as
Casas Publicadoras da Assembléia de Deus (CPAD).
evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife. Fundação Joaquim Nabuco. Ed Massangana.
2006, p. 155.
221
FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment. Tese de
doutorado. Unicamp. S.P. 1993, p. 76.
Capítulo IV
De indivíduos-fora-do-Mundo para indivíduos-no-Mundo
Os primeiros protestantes a se instalar, sistematicamente, no Brasil, no
século XIX, tinham uma postura de afastamento da sociedade, como se fossem
“indivíduos-fora-do-Mundo”, utilizando para se opor à força hegemônica
católica, o que Bourdieu chama de estratégias de oposição profética e de
subversão simbólica
222
. Décadas mais tarde, ao se inserir no campo religioso
brasileiro, participando de suas questões sociais, não foi possível manter este
afastamento, tornando-se indivíduo-no-mundo.
O pentecostalismo afirmava essa negação contraditória da política. Os
missionários fundadores da Assembléia de Deus no Brasil, Gunnar Vingren e
Daniel Berg achavam a política desnecessária. O crescimento e expansão
dessas denominações trouxe modificações.
Porém, o processo de institucionalização dos grupos protestantes
brasileiros, principalmente a partir da primeira década do século XX,
iria provocar o surgimento de um estilo de Igreja ou de Denominação,
conforme a nomenclatura de Niebuhr (1992), na qual passava-se a
existir uma maior integração com a sociedade em seus vários
níveis.
223
Leonildo Campos afirmou que a atuação protestante na polítca brasileira
pode ser remetida a finais da década de 1930, contudo, este aspectos
relacionava-se aos protestantes das grandes cidades, até porque no interior
era mais difícil a mudança da mentalidade pregada de que converter-se ao
protestantismo era uma forma de representar simbolicamente a negação do
mundo, sendo que os que se candidatavam eram principalmente aqueles de
família tradicional, em função da transformação do capital econômico em
222
CAMPOS. Leonildo Silveira. Os políticos de Cristo uma análise do comportamento político
de protestantes históricos e pentecostais no Brasil. In BURITY, Joanildo e MACHADO, Maria
das Dores Campos (org). Os votos de Deus: Evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife:
Massangana, 2006, p. 31-2.
223
CAMPOS, 2006, op. cit., p. 35.
capital político, o que foi sendo acumulado por suas famílias ou por eles
mesmos, por meio da prática de profissões liberais como médicos, advogados
ou engenheiros
224
.
Foi, portanto, decorrente da formação de uma classe média urbana dos
anos 1930. Com a Constituição brasileira, desta década, os protestantes
temiam perder direitos ligados a liberdade religiosa, adquiridos no governo
Vargas, pela ação católica. Assim, atuaram no sentido de manter a separação
entre a Igreja e o Estado, da Constituição de 1891. Esta Constituição não foi à
frente em razão do golpe de 1937. Os protestantes também não haviam
conseguido eleger seus pares
225
.
Apenas na Constituição de 1946 conseguiram um avanço maior na
política partidária, devido a participação e visibilidada alcançada. Estes
atuantes incluiam os protestantes históricos. Os pentecostais demonstravam
maior resistência.
os pentecostais demoraram mais tempo para entrar na política,
pois foi somente na metade dos anos 60 que conseguiram eleger, em
São Paulo, os pastores Levy Tavares e Geraldino dos Santos, da
Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo” respectivamente deputado
federal e estadual, e, em Minas Gerais, deputado estadual, João
Gomes Moreira, da Assembléia de Deus.
226
Esta análise de Campos teve importância em constatar que a
consciência evangélica para a atuação nos espaços públicos da vida social
foram tomados décadas antes da Constituinte de 1986, não só por protestantes
e sim também por pentecostais. Em relação a Constituição dos anos 1980,
verificou-se uma atuação maciça dos protestantes na política, o que não era
observado nas décadas anteriores do século XX
227
. Autores como Paul Freston
e Pierucci não deram a devida atenção a atuação dos pentecostais antes da
Contituinte de 1986.
224
CAMPOS, 2006, op. cit., p. 37.
225
Idem, p. 39-41.
226
Ibidem, p. 44.
227
Sobre a atuação pentecostal na política ver trabalhos de FRESTON, Paul. Protestantes e
política no Brasil: da constituinte ao impeachment. Tese de doutorado. Unicamp. S.P. 1993;
PIERUCCI, Antônio Flávio e PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil:
religião, sociedade e política. Ed Hucitec. São Paulo. 1996.
A Constituinte de 1986 serviu para demonstrar a nível nacional e o
como era antes, a exemplo das eleições pentecostais locais, como a de Gerson
Gomes em Feira de Santana, o poderio do voto evangélico. A capacidade de
organização política evangélica foi criticada por Josué Sylvestre, assembleiano,
responsável por manifestos de convocação dos evangélicos a votar em seus
“irmãos”, assumindo função de comandantes na sociedade, ou seja “cabeças”.
Não adianta lanças muitos candidatos nas próximas eleições
municipais porque ainda não somos devidamente conscientizados e
treinados para dividir as áreas e conseguir eleger representações
proporcionais à nossa força eleitoral em cada município.
228
Sylvestre defendia a oportunidade da Constituinte para os evangélicos
garantir representação na vida pública, dada à capacidade moral e de trabalho
destes, sendo que da composição, de 33 políticos, a maioria era da AD, 13.
Seguia os batistas da Convenção Brasileira, com 7, os presbiterianos com 4, a
Igreja do Evangelho Quadrangular, com 2. A igreja de Nova Vida, a Igreja de
Cristo, a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Congregacional, a Igreja
Cristã Evangélica, a Igreja Presbiteriana Independente e a Adventista tiveram
1, cada
229
.
A Constituinte de 1986 chamou atenção dada as condições históricas do
País, que saia de um período de regime militar. Marcelo Duarte, professor de
Direito Constitucional e vice-prefeito de Salvador, em entrevista a Revista
Panorama da Bahia assim definiu uma Constituinte.
É uma reunião de representantes do povo, eleitos para elaborar uma
Constituição. Uma Constituição deve resultar da deliberação dos
constituintes. É, exatamente, um conjunto de normas que estruturam
um Estado. O Estado, por sua vez, é uma entidade política que
exerce uma determinada disciplina, portanto, que governa uma
comunidade situada em um determinado território para
estabelecimento de determinados fins.
230
O contexto histórico de 1986 foi favorável a uma ampla expressão
evangélica, como de diversos grupos e segmentos sociais brasileiros. Foi,
portanto, um fenômeno de expressão social e não exclusivamente evangélico.
228
Sylvestre, Josué. Os evangélicos, a constituinte e as eleições municipais. Brasília. Ed
Papiro. 1988, p. 17.
229
Sylvestre, 1988, op. cit., p.15-6.
230
Revista Panorama da Bahia. Feira de Santana. 17 out. 1986, p. 14.
Não indicou que a década de 1980 foi a despertadora da consciência ou do
peso eleitoral evangélico. Mas foi a oportunidade de uma maior expressão
destes. Os evangélicos pentecostais sabiam de seu peso eleitoral antes da
década de 80 e demonstravam isto em nível local. Tem-se como exemplo a
Assembléia de Deus de Feira de Santana, que possuia neste período mais
de seis mil membros, conforme Jean Neilla Ferreira e quase dez mil conforme
comemorativo denominacional
231
.
Antônio Flávio Pierucci também foi favorável a tese da participação
eleitoral evangélica a partir da Constituinte de 1986. Afirmou que ela foi um
divisor de águas, pois significou uma ampla projeção evangélica na política e
na mídia. Trabalhou com diversos elementos quantitativos, como o número de
evangélicos eleitos, partidos a que se filiaram, participação por Estado, dentre
outros pontos, para demonstrar o impacto da Constituinte de 1986. Contudo tal
metodologia não observou aspectos peculiares da atuação evangélica. Foi,
portanto, generalizante:
A julgar por seu entusiasmo, tudo indica que, no final dos anos 80,
num Brasil em processo de institucionalização do estado de Direito e
da democracia representativa e competitiva, soou a hora do ativismo
político também para aqueles grupos religiosos cristãos que,
diferentemente dos católicos de todos os matizes, caracterizavam-se
pela determinação, que parecia inabalável, de manterem-se
afastados da vida pública, do debate político, da luta ideológica para
além das querelas religiosas e teológicas.
232
O ativismo político evangélico tem de ser medido pelas peculiaridades
de cada cidade ou local, e observar seu contexto histórico. O ativismo
evangélico começou antes de 1986, bem como antes da década de 1980.
Pierucci afirmou que esta década foi a do ativismo evangélico. É bem verdade
que esta passagem não se deu do dia para a noite. Desde as primeiras
eleições pluripartidárias, em 1982, havia sinais de que, nessas águas, algo se
movia nesse sentido.
233
231
FERREIRA, Jean Neilla Rocha. Assembléia de Deus em Feira de Santana: um estudo das
representações políticas na década da colheita. UEFS. Feira de Santana. 2009. (Trabalho de
conclusão de curso) e FERNANDES, Rogério Armentano. 65anos: jubileu de ferro. Resumo do
Histórico da ADEFS (1938 2003). Igreja Evangélica Assembléia de Deus. Feira de Santana
Ba. 2003.
232
PIERUCCI & PRANDI, 1996, op.cit., p. 167.
233
Idem, 1996, op.cit., p. 167.
Jonatas Meneses ao analisar a atuação política da Assembléia de Deus
de Sergipe admitiu também que foi com a Constituinte de 1986 que os
evangélicos assembleianos iniciaram sua atuação político-partidária. A isto
chamou de despertar pentecostal, seguindo a mesma linha de Paul Freston e
Antônio Pierucci.
Para Meneses as décadas de 50 a 70 foram marcadas por uma possível
neutralidade política, a qual explicou devido ao fatalismo religioso
preponderante no meio evangélico, determinado pela situação sócio-
econômica, bem como a separação entre os elementos da religião e da
política.
A prática da AD no Brasil e, de resto, a grande maioria dos
pentecostais, foi, ao longo das décadas de 50, 60 e 70 marcada pela
retórica de uma possível neutralidade. Os assembleianos (cúpula
dirigente e fiéis) afirmavam nos seus discursos, com bastante
veemência, a incompatibilidade entre a vida espiritual e a prática
político partidária, preferindo, por uma razão de legitimidade religiosa,
votar sem maiores comprometimentos.
234
Mesmo fazendo um trabalho em nível local, que analisou o grupo
evangélico da AD de Sergipe, diferentemente de Freston e Pierucci, que
analisaram diversos grupos pentecostais em nível nacional, Meneses
generalizou, em seu trabalho sociológico, esta atuação evangélica, tal qual os
dois sociólogos, esquecendo as especificidades em Sergipe, nos anos 1980.
Os evangélicos da Assembléia de Deus de Feira de Santana tinham,
em pequena escala, na década de 1950, com o pastor Manoel Joaquim e o
próprio Gerson Gomes, uma tentativa de atuação político partidária. Marcavam
presença e espaço junto a grupos políticos e já pleiteavam cargos eletivos.
Portanto, não se pode atribuir uma neutralidade política aos anos
antecedentes a 1980, bem menos atribuir à esta Constituinte o despertar da
consciência evangélica. Os evangélicos feirenses tinham essa consciência
política, contudo, buscavam administrá-la em meio às normas e doutrinas
eclesiásticas, sobretudo os de base pentecostal. o se pretende ignorar o
234
MENESES, Jonatas Silva. A participação política da Igreja Evangélica Assembléia de Deus
no Estado de Sergipe: estratégias e ações para um projeto político. Salvador. UFBA, 1995, p.
39.
impacto da Constituinte de 1986, mas afirmar que ela não foi fator determinante
para o despertar da consciência política evangélica.
André Cortén analisou e bem estes conflitos entre religião e polítca e
admitiu que mesmo negando o princípio de participação política, pelo fato da
política pertencer ao âmbito mundano, apontou que seus limites eram tênues e
os evangélicos acabavam por se imiscuir na política
235
.
Esta imagem era cultivada desde a fundação da AD, por ter sua
formação constituída por líderes desprovidos de recursos financeiros. Daniel
Berg ressaltou este aspecto em suas memórias: sabia também que os irmãos
eram pobres, porém disse-lhes que nhamos um Pai rico no céu, e, se fosse
essa a Sua vontade, Ele nos ajudaria na questão econômica
236
. Ou seja, a
pobreza era material, mas a riqueza espiritual do grupo era grande, o que
compensava a primeira. Este aspecto determinou o afastamento assembleiano
de questões políticas, principalmente da política de cunho partidário. No
epílogo das memórias de Berg fica demonstrado tal afastamento, bem como o
ideal de resignação perante a situação social do fiel em um mundo secular,
portanto, passageiro.
Os que aprenderam os ensinamentos da Palavra de Deus com Daniel
Berg beberam de uma fonte cristalina e insuspeita. Ele nunca se
queixava das provações que experimentava, nunca discutia assuntos
de ordem política, nunca perdia tempo ou oportunidades e jamais
negligenciou seus deveres de pai e de pastor
237
.
Segundo Freston, o Brasil foi um dos grandes países de população
assembleiana. Afirmou que mesmo sendo alto o índice de assembleianos, em
nível nacional, não uma estimativa sólida de seu número. Portanto a política
entrou nas atividades do grupo como forma de defender suas fronteiras, devido
sua imensa dispersão geográfica e como forma de captar recursos para sua
expansão religiosa, bem como disputar espaços religosos
238
.
Segundo os dados de 1990, os Estados Unidos possuem 2 milhões
de assembleianos; nenhum País estrangeiro chega perto disso,
235
CORTEN, André. Os Pobres e o Espírito Santo: o pentecostalismo no Brasil. Rio de Janeiro.
Vozes. 1996.
236
BERG, Daniel. Enviado por Deus: Memórias de Daniel Berg. Rio de Janeiro. CPAD, 2000, p.
187.
237
BERG, 2000, p. 205. Prefácio ao livro de memórias de Berg.
238
FRESTON, 1993, op.cit., p. 181.
exceto o Brasil, o qual registra 14.400.000 membros. Nem seus
irmãos americanos escondem a descrença: „Os números brasileiros
como registrado pela igreja nacional... são difíceis de verificar
independentemente. O Brasil não realiza um censo nacional desde
1980‟. Nossa estimativa seria em torno dos 7 milhões. A influência
política está garantida por muito tempo, seja qual for o futuro
239
.
Willian Read ao fazer um levantamento da quantidade de membros da
AD, nas principais cidades brasileiras trouxe para Salvador, na década de
1960, o número de 4.483 assembleianos
240
.
Confirmou que a Assembléia de Deus tinha conhecimento de seu
potencial eleitoral, contudo permanecia reservada em razão de seu discurso
auto-denominado de apolítico. Discurso este não verificado na prática da
denominação assembleiana feirense. A religião insere-se na totalidade social,
refletindo de forma não mecânica as mudanças que estejam ocorrendo na
sociedade
241
. Pois desde a década de 1950, quando já tinham uma certa
densidade numérica os irmãos assembleianos aspiravam intervir nos espaços
políticos institucionais.
Oneide Bobsin, em sua dissertação de mestrado, estudou o universo
religioso pentecostal dos moradores do bairro Santa Margarida, em Ferraz de
Vasconcelos, município paulista, em seus níveis sociais, culturais e políticos, e
afirmou que apesar dos discursos de apoliticismo, estes não se operam em
uma atitude cotidiana, por mais que quisessem separar-se do mundo.
A política pertence à esfera do que é „mundano‟, e a religião ao
espaço do „não mundano‟. Evidentemente, esta compartimentação da
realidade não é tão estanque assim, como os pentecostais o querem.
Pode-se fazer um trocadilho com a frase tão propalada pelos
pentecostais: „separados do mundo‟ para „separados no mundo‟.”
242
Foi o que verificou Regina Novaes ao estudar os agricultores
pentecostais em Pernambuco, os quais não recusavam o espaço político dos
Sindicatos dos agricultores, bem como não negavam as ofertas de barganha
dos fazendeiros da região em troca de seus votos. Contudo, afirmou a autora,
239
Ibid, 1993, op.cit., p. 76. Colocar ibid
240
READ, William R. Fermento religioso nas massas do Brasil. Eerdmans Publishing Co, 1967,
p. 128.
241
BOBSIN. Oneide. Produção religiosa e significação socialdo pentecostalismo a partir de sua
prática e representação. SP. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 1984. (dissertação
de mestrado), p. 144.
242
BOBSIN, 1984, op. cit., p. 140.
isto não era prática da totalidade dos crentes da região de Santa Maria (Pe),
local que realizou seu estudo
243
.
Os assembleianos na política partidária feirense
A entrada assembleiana na política partidária estava associada a duas
questões: uma de cunho processual, relativo às próprias atividades
assistencialistas e de barganha e outra, abrangendo os protestantes de todo
País com a veiculação da idéia de que os evangélicos deveriam votar nos
evangélicos, de modo a conduzir melhor a nação brasileira, pois tinham moral e
o conhecimento “verdadeiro” da Bíblia. Esse chamado de evangélicos para
votar em seus pares ganhou força com o enfraquecimento do regime militar e a
abertura democrática.
244
Na realidade, o modelo de atuação de um político evangélico deve
ser a Bíblia Sagrada. Sem rótulos. Sem subordinações inibidoras. É
muito fácil identificar as linhas mestras da Palavra de Deus sempre
no rumo do amor, da verdade e da justiça social.
245
Somou-se aos eventos acima citados, a composição do campo religioso
em razão de mudanças estruturais nas cidades, a se observar pela
urbanização, e a ameaça a liberdade religiosa e familiar que grupos
protestantes indicavam desde o período militar, devido a aproximação dos
militares com grupos de umbanda e espíritas, bem como a oposição
protestante ao catolicismo e seu receio de que o mesmo retornasse ao centro
da política nacional, tal qual havia sido no Império Brasileiro.
Um outro fator, de relevante importância foi a possibilidade de canalizar
maiores recursos para obras evangélicas, como outros grupos faziam na
política. A presença de membros do grupo na política partidária significou a
participação direta em prol de evangélicos e não a necessidade de negociar
243
NOVAES, Regina Reyes. Os escolhidos de Deus: pentecostais, trabalhadores e cidadania.
RJ. Ed Marco Zero. 1985, p. 132.
244
Sobre isto ver o livro do assembleiano Josué Sylvestre. SYLVESTRE, Josué. Irmão vota em
irmão: os evangélicos, a Constituinte e a Bíblia. Brasília. Pergaminho, 1986.
245
SYLVESTRE, Josué. 1988. Op. cit., p. 24.
junto a políticos não evangélicos. Isto não significou a eliminação da política de
barganha. Ela coexistiu junto à presença evangélica em cargos políticos.
Clientelismo típico da política baiana e brasileira, conforme Paulo Fábio
246
.
A inserção da Assembléia de Deus de Feira de Santana na política
partidária não significou uma negação de seus valores religiosos. Esta
participação decorreu das transformações na sociedade, a citar, em contexto
nacional, o golpe militar de 1964, que repercutiu relativamente de forma
positiva entre os protestantes por significar, dentre outros fatores, uma
perseguição ao comunismo ateu e a possibilidade de concorrência com o
catolicismo.
A aproximação entre protestantes e o regime deve ser colocado em
contexto. A tendência ascendente vinha desde 1946; o papel blico
dos protestantes cresceria entre 1964 e 1985 sob governos
democráticos também. A questão é até que ponto a tendência foi
acelerada pelo regime militar... Os evangélicos percebiam que o
regime militar queria cooptar grupos religiosos subalternos de todos
os tipos, inclusive seus rivais... O período militar é visto, hoje, por
muitos evangélicos como o momento em que correntes espíritas e
esotéricas ganharam espaço no Planalto
247
.
Ou seja, o regime militar significou uma possibilidade de entrada dos
evangélicos no cenário nacional, pois o regime não se opôs aos protestantes,
como estes não se opuseram institucionalmente e em bloco. Houve reações
menores, como as de Celso Dourado e João Dias, políticos evangélicos da
Bahia, e Paulo Wright, presbiteriano, ao regime, seguindo seus princípios
bíblicos, de respeito às autoridades. Contudo, conforme afirmou Freston, não
apenas os evangélicos foram beneficiados pelo regime. Outros grupos
religiosos também foram. E os evangélicos queriam assegurar sua participação
social no cenário brasileiro, em virtude de seu crescimento ascendente.
Rubem Alves contextualizou esta participação evangélica aliando-se às
instituições políticas no poder em vários momentos históricos e mais ainda
durante a ditadura, com o golpe de 1964, assumindo a política eclesiástica e a
política secular os mesmos aspectos de controle social. A participação
246
DANTAS NETO, Paulo Fábio. Tradição, autocracia e carisma: a política de Antônio Carlos
Magalhães na modernização da Bahia (1954 1974). Belo Horizonte. UFMG. 2006.
247
FRESTON, 1993, op.cit., p. 158-9.
protestante junto aos governantes/ autoridades representou um fator de
lealdade.
Alves argumentou que os protestantes olvidaram seu princípio de
negação a todas as formas de totalitarismo e absolutismo. Sua lealdade ao
governo ditatorial não conseguiu atender ao seu público consumidor, como a
Igreja Católica, que tinha aprendido a arte da sobrevivência contemplando e
protegendo seus fiéis, sem deixar de atender ao Estado.
Mas com as Igrejas Protestantes a situação era diferente.
Comunidades pequenas, marginais, sem reconhecimento, desejosas
de „pertencer‟ a algo maior: nada melhor do que uma situação de
„caça às bruxas‟ para afirmar, perante o Estado, a sua lealdade,
garantindo o seu direito de participar do poder
248
.
Elizete da Silva também analisou esta participação política protestante
junto aos espaços de poder:
As representações protestantes em torno da realidade brasileira
foram manipuladas pela hierarquia eclesiástica que inibiu e
estigmatizou o pensamento divergente, muitas vezes, em função de
interesses muito terrenos, ou materiais. No entanto, convém ressaltar
que tais dissidências alimentaram-se nas próprias matrizes e nos
princípios históricos do protestantismo que, atualizados na vivência
quotidiana, punham em cheque o monolitismo da reta doutrina,
abrindo caminhos para alternativas e elaboração de outras
representações
249
.
A conservação da ordem religiosa, portanto, está profundamente
associada à conservação da ordem política. Contudo, estes campos não
deixaram de entrar em conflito. Tanto no que se referiu às práticas sociais
mundanas, muitas reapropriadas pela religião e apoiadas pelo Estado, a
exemplo do Carnaval.
A política significou uma forma de se destacar e vincular o trabalho
eclesiástico, o exercício do poder e a figura do pastor. Mais uma vez destaca-
se o especialista religioso, que aproveitou de suas relações de poder, de sua
condição “extraordinária” e da situação “extraordinária” para alcançar a via
política. A entrada pentecostal na política não oferece uma nova via de
248
ALVES, Rubem. Da Esperança. Campinas. SP. Papirus, 1987, p. 29.
249
SILVA, Elizete da. Visões do Progresso e do Trabalho no Brasil. In: Humanas: Revista do
DCHF. nº1. Feira de Santana. UEFS, 2002, p. 50.
ascensão política para o fiel comum, mas apenas para aquele que se
destacou no trabalho eclesiástico e se tornou pastor
250
.
A ascensão política não era entre os leigos, mas no interior da hierarquia
religiosa, os pastores feirenses encontraram alguma resistência dos fiéis em se
eleger, por ser ele o “ordenador do rebanho”, portanto não devendo assumir
cargos políticos. Situação modificada na década de 1990, após a Constituição
de 1988, em que os pastores passaram a ser os maiores representantes dentre
os evangélicos a ocupar cargos políticos. Em Feira de Santana, o pastor da
Assembléia de Deus, Severino Soares ocupou uma vaga na Câmara Municipal,
em 1994, em virtude da morte do vereador José Martins Vitório, pois era seu
suplente.
251
Parte-se da análise que a religião não se separa dos fenômenos sociais.
A religião tem desempenhado diferentes papéis conforme o processo histórico.
Isto por ser a cultura um elemento central da construção da sociedade, bem
como da sua reprodução ou transformação
252
.
O protestantismo relacionou-se com a sociedade circundante e
transformou-se com ela, não foi a-histórico, por mais que procurasse elaborar
origens míticas. A atuação em espaços assistencialistas, como o orfanato,
creche e centro de recuperação mantidos pela AD em Feira de Santana era
uma maneira de se relacionar com a sociedade e buscar atuação e visibilidade
política.
Elizete da Silva exemplificou isto ao analisar a participação política dos
batistas quando da instalação do Regime Militar. Os batistas aderiram a esta
prática de modo a ter seus direitos garantidos:
A lealdade e a submissão ao governo foram destacadas, porém uma
outra interpretação do fato pode ser acrescentada: mais uma vez, na
iminência de um desfecho trágico para a crise, os batistas queriam
250
FRESTON, Paul. Evangélicos na Política Brasileira. In: Religião e Sociedade. RJ. 1992, p.
29.
251
OLIVEIRA, lia Vitor Fernandes de. Inquilinos da Casa da Cidadania. Fundação Cultural
Egberto Costa. Feira de Santana. 2006, p. 264.
252
HOUTART, François. Mercado e Religião. São Paulo. Cortez Editora, 2003, p. 75.
garantias da continuidade da liberdade religiosa, do respeito ao
princípio constitucional e que não seriam molestados.
253
Os escolhidos: a Assembléia de Deus de Feira de Santana
elege seus “irmãos”
Gerson Gomes da Silva foi o primeiro candidato evangélico da AD de
Feira de Santana a ingressar no mundo político. Traçou uma longa carreira
política como candidato a vereador, deputado estadual e prefeito em Feira de
Santana. Sua atuação política partidária foi da década de 1970 a 1990, no qual
assumiu mandatos de vereador, deputado estadual, assessoria ao governo do
Estado da Bahia, na figura de João Durval Carneiro. Durante seus mandatos
atuou no sentido de beneficiar, sobretudo, as denominações evangélicas, com
apreço especial, a AD, da qual era membro.
Outro político assembleiano foi Waldeir dos Santos Pereira. Sua atuação
com mandato foi na legislatura de 1982 a 1988, durando dois anos a mais, para
as eleições de vereador coincidir com as de prefeito. Terminou sua carreira
política como assessor parlamentar de José Ronaldo da Silva que, em diversas
oportunidades, foi eleito a cargos políticos, como vereador, deputado estadual
e federal e prefeito, último cargo de José Ronaldo da Silva, com dois mandatos
seguidos, de 2000 a 2008.
O único pastor da AD a ocupar um cargo na Câmara Municipal, na
década de 1990, foi Severino Soares, mesmo assim, por via de suplência.
Antes dele, o pastor assembleiano, Manoel Joaquim, solicitou afastamento do
pastorado, na década de 1950, no intuito de se candidatar, não obtendo êxito.
Outros membros da AD concorreram a uma vaga municipal, sem
sucesso nas urnas. Dentre os que tentaram, destacaram-se pelo trabalho
ministerial junto a AD, José Marques, Lucivaldo Teixeira e Urbano Matos.
Urbano Matos foi vereador na década de 1980, mas por São Sebastião do
253
SILVA, Elizete da. Os batistas e o governo militar: Deus salve a pátria. Assis São Paulo.
UNESP. X Simpósio da ABHR. 2008, p. 4-5.
Passe (Ba)
254
. Diversos outros assembleianos feirenses tentaram vaga na
Câmara Municipal sem, contudo, contar com o apoio oficial da denominação,
como ocorreu com os citados.
Como forma de entender a vinculação destes homens à vida religiosa e
à política partidária, objetiva-se a construção de perfis do mesmo, com
destaque aos que atuaram no período em que o presente trabalho abarca:
Waldeir dos Santos Pereira e Gerson Gomes da Silva.
Perfis de José Marques de Souza, Lucivaldo Teixeira e
Urbano Matos
Lucivaldo Teixeira, José Marques e Urbano Matos não lograram vitória
nas urnas feirenses, apesar de desde a década de 1980 se dedicarem à
participação política partidária. Lucivaldo Teixeira e Urbano Matos tiveram, em
Feira de Santana, uma maior expressão política, na década de 1990. Contudo,
mesmo não logrando sucesso nas urnas, atuaram na assessoria parlamentar,
sobretudo para Gerson Gomes, dada a longa vida política dele.
Jean Neilla Ferreira em trabalho sobre a representação política da AD
feirense na década de 1990 analisou a atuação destes assembleianos. A
escolha da autora para esta década foi em virtude de ter sido A Década da
Colheita, um projeto aprovado durante a Convenção Geral das Assembléias de
Deus no Brasil (CGADB), no qual estabelecia metas que giravam em torno do
crescimento numérico de membros, de igrejas, de obreiros (que atuavam no
trabalho evangelístico da denominação) e de missionários para atuar no campo
religioso de outras nações
255
.
Este projeto foi ao encontro do poder religioso, social e eleitoreiro da AD,
pois ocorreu no período posterior à abertura democrática e votação da
Constituinte de 1986. A Assembléia de Deus, como afirmou Jean Neilla
254
FERREIRA, Jean Neilla Rocha. Assembléia de Deus em Feira de Santana: um estudo das
representações políticas na década da colheita. UEFS. Feira de Santana. 2009. (Trabalho de
conclusão de curso), p. 46.
255
FERREIRA, 2009, op. cit., p. 42.
Ferreira, então considerada a maior denominação protestante do País na
busca pela manutenção de seu crescimento, estava consciente do seu
potencial eleitoral
256
. Contudo, como ressaltou este trabalho, a AD de Feira de
Santana possuía consciência de sua atuação social e força eleitoral bem
anterior a Constituinte de 1988.
José Marques de Souza, como apontou Jean Neilla Ferreira, candidatou-
se a vereador ainda na década de 1980, concorrendo com outro assembleiano,
Waldeir Pereira, pois o suporte denominacional se dava com apoio e voto do
ministério que apoiava dois candidatos, podia até aparecer mais, mas o
ministério tinha compromisso com dois, dois candidatos, e a gente
entrava em cena pra fazer campanha.
257
A candidatura de José Marques juntamente com Waldeir Pereira ao
cargo de vereador ocorreu em 1982 e, como bem lembrou Jean Neilla Ferreira,
no mesmo período em que Gerson Gomes concorria à prefeitura feirense.
Período este bastante fértil na atuação política partidária do grupo. Ainda
segundo entrevista de Marques a Ferreira sobre o pleito a vereança, foi
vislumbrado que:
Tinha na igreja dois candidatos, um pela Arena que era Arena na
época e outro pelo MDB que era MDB ainda. Então eu era MDB e
Waldeir era Arena. Agora, para que não existisse, assim, uma
discordância a igreja apoiou dois candidatos. Começou daí, dois
candidatos, eu e Waldeir. A tendência da igreja era muito chegada a
Colbert, então eu fui bem aprovado.
258
A fala de Marques revelou algo importante quanto à candidatura dos
assembleianos: não importava o partido a se candidatar, desde que o mesmo
estivesse disposto a abrigar em sua legenda um candidato assembleiano para
reivindicar os interesses da Denominação, glorificando ao Senhor com seu
trabalho político. Portanto, era perceptível a falta de ideologia política.
José Marques, apesar de não ter logrado vitória ao cargo de vereador,
teve participação em diversos interesses sociais da Assembléia de Deus de
Feira de Santana, como no caso da invasão do terreno da AD no Cruzeiro, o
256
FERREIRA, 2009, op. cit., p. 42-3.
257
FERREIRA, Jean Neilla Rocha. 2009. Op. cit., p. 40. Entrevista de Jean Neilla com José
Marques de Souza.
258
Ibid., p.40. Para o período em apreço a Arena já era representada pelo PDS.
mesmo esteve em visitas ao prefeito José Falcão, juntamente com Waldeir
Pereira e o Pastor Severino Soares. Exerceu função do presbítero na AD.
Outro candidato assembleiano, Lucivaldo Teixeira entrou na vida política
por indicação de Waldeir Pereira. Sua participação na vida religiosa, como
informou Ferreira:
Desde a sua infância freqüentava ADEFS com a sua mãe, porém,
passou um bom tempo afastado de denominação. Ao retornar em
1984 se tornou um membro ativo, então foi convidado a exercer a
função de auxiliar, depois de algum tempo, dirigindo algumas
congregações, foi consagrado ao ministério de presbítero.
259
Lucivaldo Teixeira concorreu à Câmara de Vereadores na década de
1990, mais precisamente, em 1996, juntamente com o Pastor Severino Soares
e Urbano Matos, auxiliar, sendo que nenhum dos três obtiveram votos
necessários para ser eleitos.
A razão para esta derrota pode está no excesso de indicados oficiais da
Denominação, que passou de dois para três. Isto sem contar os candidatos
assembleianos que não recebiam apoio oficial da AD, além da oposição dos
fiéis, que se opunham à participação da igreja na política. A AD, ao mesmo
tempo em que tentava se inserir na vida política partidária pregava para seus
membros o risco de contaminação na vida mundana e a política passava por
esta acusação, bem como os modos de agir e de se trajar dos fiéis, ou seja, o
modo como se sociabilizavam como foi discutido no primeiro capítulo.
A política mantinha a noção de contaminante à vida do assembleiano.
Os livros de atas registraram a disciplinarização e afastamento de Gerson
Gomes do seio assembleiano em período em que o mesmo estava imbuído na
política. Essa participação contribuiu para manter a resistência de muitos
membros à política.
Urbano Matos, que se tornou membro da AD na década de 1970, iniciou
nesse mesmo período, sua atuação na política partidária, com atividades
voltadas para o assistencialismo social, tanto que chegou a trabalhar para
Gerson Gomes em campanha política como cabo eleitoral. Urbano Matos foi
vereador em São Sebastião do Passé. Segundo Ferreira:
259
FERREIRA, 2009, op. cit., p.47.
Ao ser transferido pela Petrobrás em 1975 para o município de São
Sebastião do Passe, ele próprio se tornou um político notório, e ao se
candidatar a vereador pelo MDB daquela cidade, em 1982, conseguiu
se eleger com o apoio dos evangélicos, inclusive, foi o vereador mais
votado. Em 1990, já aposentado, voltou a residir em Feira de
Santana, onde deu continuidade a sua carreira política.
260
Em Feira de Santana, não conseguiu obter resultado nas urnas, mesmo
tendo o apoio do político feirense Colbert Martins e devido à divisão de votos
entre os candidatos assembleianos. Esta quantidade excessiva de candidatos
foi condenada por Sylvestre.
Onde for possível eleger um ou dois vereadores não devem surgir
mais do que dois candidatos. Vamos trabalhar com sabedoria para
fortalecer a nossa representatividade e estabelecer alicerces firmes
para os próximos pleitos. Os aventureiros e divisionistas devem ser
identificados e afastados; com amor cristão, mas com firmeza.
261
Contudo a condenação maior era não votar em seu “irmão”. com
muita influência do diabo é que faz um crente preferir derrotar seu irmão na fé e
eleger um estranho quando os dois disputam o mesmo cargo em de
igualdade
262
.
Perfis de Manoel Joaquim da Silva e Severino Soares
Manoel Joaquim da Silva foi o primeiro membro assembleiano a
encontrar referência nos Livros de Atas da Assembléia de Deus sobre o desejo
de concorrer ao pleito como candidato à Assembléia Legislativa e isto ainda na
década de 1950. O diferencial de Manoel Joaquim era o fato de ser pastor, e
um dos fundadores da Denominação Assembléia de Deus em Feira de
Santana. E foi quem trabalhou para propiciar personalidade jurídica a AD, no
ano de 1950, conforme seus Estatutos.
260
FERREIRA, 2009, op. cit., p.46.
261
SYLVESTRE, Josué, 1988, op. cit., p. 18.
262
Ibid., p. 58.
Manoel Joaquim da Silva, brasileiro, casado, Ministro Evangélico,
residente domiciliado nesta cidade de Feira de Santana à Rua Carlos
Valadares s/n, Presidente da Igreja Evangélica Assembléia de Deus,
com os documentos exigidos por Lei, vem pedir a V.S. que digno de
fazer o Registro da Referida igreja, de acôrdo com os Art. 128129 e
133 de decreto n 4857, de 9 de Novembro de 1939.
263
Para a cada de 1950, o ingresso do pastor na vida política não era
bem compreendido, pois ele era o responsável pela boa condução da
comunidade religiosa e como tal, ao ingressar na vida política poderia r em
risco a proteção espiritual do grupo com os efeitos mundanos da política,
analisadas anteriormente.
No intuito de ingressar na vida política, o pastor Manoel Joaquim pediu
jubilamento do pastorado, mas acabou por ser afastado da comunhão da
igreja, por desobediência ao sétimo mandamento. Os Livros de Atas da AD não
pontuaram mais sobre o pastor Manoel Joaquim, mas Gerson Gomes em umas
das entrevistas concedidas comentou a dificuldade de participação do político
evangélico, sendo a vida blica exercida por evangélico no começo era muito
difícil porque havia muita discriminação. Mas hoje não, a pessoa se elege... o
eleitor não procura mais saber o credo da pessoa
264
.
Manoel Joaquim foi o fundador do Orfanato Evangélico da Assembléia
de Deus, na década de 1950, uma das principais entidades assistenciais da
Denominação. Foi um homem que soube se articular com as autoridades
políticas. Gerson Gomes explanou também seu contato com ele na primeira
entrevista concedida, ao comentar suas influências e parcerias na vida
evangélica.
Ao meu início de vida cristã foi o casal Eduardo Nascimento e Anália
Nascimento (membros participantes da fundação do primeiro
templo assembleiano, de doação do casal). Agora eu tive boas
amizades. O pastor Manoel Joaquim da Silva era um pastor muito
jovem, era muito amigo. Nós viajávamos muito para o campo em
Capela do Alto Alegre, Santo Estevão, Cachoeira, São Félix, alguns
lugares que nos reuníamos para pregar o evangelho.
265
O pastor Severino Soares era membro da AD desde 1939 e foi o de
número quarenta e quatro a se batizar, como informou o presbítero Rogério
263
Estatuto da Assembléia de Deus de Feira de Santana. Feira de Santana. 15 set. 1956.
264
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 08 de fevereiro de 2008.
265
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 13 de outubro de 2005. Grifo nosso.
Armentano Fernandes, no histórico que escreveu para os sessenta e cinco
anos da Denominação Assembléia de Deus
266
.
Teve longo período à frente da AD, tornando-se o pastor presidente da
ADEFS em fins da década de 1950, em substituição ao pastor Manoel
Joaquim. Retornou como pastor em 1973, permanecendo a1989
267
. Foi o
pastor que exerceu o mais longo pastorado na comunidade. Pastoreou por
dezesseis anos ininterruptos, o que o ocorreu com nenhum outro. Quem
ficou mais tempo, após o Pastor Severino Soares, foi o Pastor Joeser Cruz
Santana, o atual Pastor presidente da ADEFS, ocupando o cargo desde 2000.
Ao longo desses anos, a média de tempo de um pastor à presidência da
denominação em Feira de Santana foi de quatro anos.
Foto 10. Pastor Severino Soares no púlpito, em uma de suas pregações. De origem
humilde, exerceu função de pintor, pedreiro e chapeleiro até ascender nos quadros
religiosos da AD. Posteriormente, este Pastor, negro, com uma composição social
da ADEFS predominantemente de membros negros, confirmando, em parte a
análise da Marcos Oliveira acerca da expressiva quantidade de negros
pentecostais, concluiu o curso de teologia, conforme a memorialista Lélia Oliveira.
Acervo pessoal de Eber Soares, filho do Pastor Severino.
266
FERNANDES, Rogério Armentano. 65anos: jubileu de ferro. Resumo do Histórico da
ADEFS (1938 2003). Igreja Evangélica Assembléia de Deus. Feira de Santana Ba. 2003, p.
15.
267
FERNANDES, 2003, op. cit., p. 6.
O Pastor Severino Soares, além de ter sido o pastor presidente da
ADEFS, foi também o presidente da Convenção Estadual das Assembléias de
Deus na Bahia (CEADEB)
268
. Demonstrou não apenas o controle que teve
durante seu pastorado na ADEFS, mas também o carisma perante a
Denominação das Assembléias de Deus.
Dando continuidade ao trabalho assistencial da Assembléia de Deus,
fundou o Centro de Recuperação Desafio Jovem (CRDJ) e o Amparo ao Menor
Abandonado (AMA). Ambos foram inaugurados na década de 1980 e tiveram
repercussão na sociedade feirense, contando com a presença de diversos
políticos, como o citado evento de inauguração do CRDJ, que teve a
presença de políticos feirenses e da denominação.
O pastor Severino Soares também liderou as indicações de membros do
grupo para pleitear cargos na política partidária. Foi ele um dos incentivadores
e apoiadores de Gerson Gomes durante seu retorno a política na década de
1970, o apoiando durante todas as suas candidaturas. Segundo Gomes
quando retornou de seu trabalho evangelístico em São Paulo:
Eu fui recebido na gestão de Severino Soares, pessoa muito
dinâmica, muito sociável e um dia ele me chamou. Nós estávamos
orando na Igreja e ele me chamou na Secretaria e disse: - Gerson,
a Igreja vai lhe apresentar candidato a vereador.
269
O Pastor Severino não apenas incentivou e apoiou o trabalho político de
Gerson Gomes, como o acompanhou em diversos momentos, sendo inclusive
citado por diversas vezes em reuniões dos vereadores na Câmara Municipal,
por marcar presença na mesma. Como pastor da AD era reconhecido por
diversos vereadores e outras lideranças poticas feirenses. Eis um relato de
uma sessão plenária:
Em seguida (José Ferreira Pinto) comunicou à Casa estar em nossas
galerias o Pastor Severino Soares, da Assembléia de Deus, que
convidado a tomar assento em Plenário, formulou convite à casa para
as comemorações do 17 aniversário da fundação do templo da Igreja
Evangélica Assembléia de Deus... Em questão de ordem o vereador
Gerson Gomes justificou o seu atraso e em seguida saudou o Pastor
268
OLIVEIRA, 2006, op. cit., p. 264.
269
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 13 outubro de 2005.
Severino Soares. O Sr. Presidente agradeceu a visita do Pastor
Severino Soares e seus acompanhantes e o convite formulado.
270
O reconhecimento ao Pastor Severino Soares dava-se, sem dúvida,
diante a expressão que o mesmo tinha na sociedade feirense, dado ao impacto
numérico, assistencial as AD e da presença de um membro da Denominação
(Gerson Gomes) nas atividades políticas feirenses.
Com o crescimento político do assembleiano Gerson Gomes, como
deputado estadual, Severino Soares estendeu seu apoio ao mesmo, iniciando,
paralelamente a atividade de pastor, a atividade na vida pública. Iniciou sua
carreira política como assessor parlamentar do deputado Gerson Gomes, como
também assessorou o governo de Dr. João Durval, na sua segunda gestão
271
,
como informou a memorialista Lélia Oliveira.
Ao pedir jubilamento em 1989, o pastor Severino Soares iniciou sua
campanha para vereador do município.
Ao pedir jubilação, certamente, a sua intenção não era deixar o
exercício do seu ministério, tanto que ele continuou ativo na
denominação e assim que obteve apoio enquanto pastor-político
revogou seu pedido. Isto é o que podemos perceber na fala da sua
esposa, Nilda Soares: “...também logo revogou, teve ali, um ano,
dois, jubilado, mas voltou logo, imediatamente reconciliou que todos
apoiaram ele, que não tava ainda no tempo, que ele tava ainda novo
e tinha uma inteligência terrível.
272
A inteligência terrível do Pastor Severino Soares, conforme sua esposa
Nilda Soares, o fez um dos pastores de maior destaque e presente no
imaginário dos assembleianos como exemplo do bom cristão. Sua sagacidade
administrativa foi além dos limites institucionais da religião para o território
político, culminando com mandato político de vereador de Feira de Santana.
Muitos membros da AD reagiram ao jubilamento de Severino Soares
para tentar vaga na Câmara Municipal, dada à importância que atribuíam a ele
aos cuidados que prestava a AD de Feira de Santana. Em entrevista ao filho do
falecido assembleiano e político Waldeir Pereira, Cadmiel Pereira, o mesmo
teceu comentários sobre a rejeição dos fiéis à candidatura de Severino Soares,
não compreendendo como o mesmo estava cansado para continuar a vida
270
Atas da Câmara de Vereadores. Feira de Santana. 26 out. 1977. p. 05.
271
OLIVEIRA, 2006, op. cit., p. 264.
272
FERREIRA, 2009, op. cit., p. 53.
ministerial a frente da AD e tinha força para iniciar uma vida pública continuar
na vida política.
Muitas pessoas não votaram nele porque queriam que ele retornasse
a ser o pastor, que era um pastor muito amado, muito querido, queria
ele retornasse. Então, por isso, ele teve uma votação inferior. Ele teve
uma votação de seiscentos e poucos votos, mas houve o falecimento
do vereador que foi eleito e ele era o primeiro suplente, mesmo com
poucos votos, no partido do PMN. E ele logrou êxito e foi convocado
a assumir esta cadeira.
273
Assumiu um cargo eletivo apenas na década de 1990 e mesmo assim
na condição de suplente. Em abril de 1994, por morte do vereador, José
Martins Vitório, assumiu o cargo de vereador, pois era suplente do mesmo
274
.
Ao ocupar a vacância na Câmara Municipal, as ações de Severino Soares se
voltaram, sobretudo, para as entidades evangélicas, especialmente da ADEFS.
Apesar desta tentativa retórica do pastor Severino Soares de contemplar a
sociedade feirense de um modo geral, durante o seu mandato as suas
atenções estavam voltadas, principalmente para os evangélicos
275
.
273
Entrevista com Cadmiel Pereira, concedida ao autor em 19 de março de 2008.
274
OLIVEIRA, 2006, op. cit., p. 264.
275
FERREIRA, 2009, op. cit., p. 54.
Foto 11. Santinho do Pastor Severino Soares. Note que a referência à vida religiosa,
como “Um homem de fé”, o identifica perante a comunidade evangélica feirense. Indica
ser um homem de propósito coletivo e de serviço a causa divina, o diferencial da
postura política evangélica. Acervo pessoal de Eber Soares.
Severino Soares também continuou seu apoio ao AMA, ao qual
considerou como de utilidade pública, como fez objeção ao Sistema Único de
Saúde (SUS)
276
os cuidados exclusivos dos toxicômanos, afinal de contas,
queria manter o Centro de Recuperação Desafio Jovem de Feira de Santana
sob controle de sua Denominação, no intento de combater o uso das drogas
através da libertação “espiritual” do dependente. Assim como se opôs ao nome
de ruas que levavam o nome de entidades afro-brasileiras, mudando, via
abaixo-assinado, o nome da Rua Oxum para Lírio dos Vales, por exemplo
277
.
Manteve, portanto, sua atuação política atendendo aos interesses evangélicos
e as entidades assistenciais destes.
276
FERREIRA, 2009, op. cit., p. 54-5.
277
Ibid., p. 54.
Um perfil de Waldeir dos Santos Pereira
Waldeir dos Santos Pereira tornou-se evangélico ainda na adolescência.
A participação nos laços hierárquicos da Assembléia de Deus foi acompanhado
pelo interesse político, manifestado pelo trabalho assistencial junto à
comunidade assembleiana. Chegou aos cargos mais altos da hierarquia
assembleiana, o de pastor, na década de 1990.
Cursou administração na Universidade Estadual de Feira de Santana, e
ao mesmo tempo realizava as atividades missionárias, bem como diversos
trabalhos feitos junto à comunidade eclesiástica. De alguma forma foi um
aprendizado com a coisa pública. Conforme a memorialista Oliveira:
Exerceu várias atividades tais como: Professor da ESTEADEB
(Escola Teológica da Assembléia de Deus da Bahia), em Feira de
Santana; fundador e apresentador do programa evangélico
„Crepúsculo de Luz e Paz‟, na Rádio Cultura (1969 a 1986) e na
Rádio Ide e Ensinai de São Gonçalo dos Campos; fundador e
apresentador do programa „Inspiração Divina‟, na Rádio Carioca
(1986 a 1995); Secretário Executivo do „Desafio Jovem‟; Palestrante
em vários encontros evangélicos promovidos pelas Igrejas
Assembléias de Deus, Batistas e Brasil para Cristo.
278
Foto 12. Programa de rádio evangélico com Waldeir Pereira, à direita. Na foto,
Israel Ferreira (no centro) e Waldeir Pareira. Acervo de Eber Soares
278
OLIVEIRA, 2006, op. cit., p. 273.
Na sua trajetória observou-se que Waldeir Pereira desenvolveu várias
atividades assistenciais na AD. Foi um dos principais organizadores do CRDJ e
participou da formação da AMA, juntamente com o Pastor Severino Soares.
Foto 13. Waldeir Pareira ao lado do Pastor Severino Soares e outros membros em culto na
Assembléia de Deus de Feira de Santana. Atenção esecial para a composição étinica do grupo
pentecostal. Acervo pessoal de Eber Soares.
Em entrevista, Cadmiel Pereira
279
, filho de Waldeir Pereira,
assembleiano e assessor de assistência social no último mandato do prefeito,
José Ronaldo de Carvalho (DEM), informou da proximidade que seu pai teve
com a vida pública, sendo eleito em 1982, com seu amigo, e também
candidato, pelo PDS, José Ronaldo de Carvalho. Período que articulou ligação
com o então governador João Durval Carneiro. Quando da sua candidatura a
denominação anunciou: o pastor apresentou para a Igreja os dois membros do
ministério como candidatos a vereador: Waldeir Santos pelo PDS e José
Marques pelo PMDB
280
.
279
Entrevista com Cadmiel Pereira, concedida ao autor em 19 de março de 2008.
280
Livro de Atas da Assembléia de Deus. Feira de Santana. 26 fev. 1982.
Este mandato encerrou em 1988. Nas tentativas posteriores Waldeir
Pereira não foi eleito. Em 1988 tentou a reeleição de vereador pelo PDS e, em
1992, pelo PFL. Os meios de comunicação diversas vezes publicaram a
intenção do mesmo em uma reeleição a vereador ou pleitear a Assembléia
Legislativa da Bahia. Manteve constantes contatos com a sua base: os
protestantes espalhados por vários municípios.
281
Contudo, mesmo sem um
mandato público, Waldeir Pereira não saiu da política, trabalhando para José
Ronaldo de Carvalho, como assessor, quando foi eleito deputado estadual pelo
PDS e para João Durval. Sem contar que em 1992, ao tentar a eleição para
vereador concorreu com o pastor Severino Soares, levando a um
esfacelamento do voto dos assembleianos. Havia outros candidatos que não
receberam o apoio da Denominação Assembléia de Deus em Feira de
Santana.
Nesse período em que não estava em cargo eletivo de vereança, ele
exerceu funções na Interurb, onde o Dr. João Durval o nomeou no
gabinete do seu filho, Sergio Carneiro. Interurb era a empresa de
obras da Bahia... E nesse espaço de tempo também na assessoria na
Assembléia Legislativa do então Deputado Estadual José Ronaldo de
Carvalho, durante mais de dezesseis anos e uns dois anos no
Congresso Federal, quando José Ronaldo se elegeu Deputado
Federal.
282
Waldeir Pereira manteve boas relações com o político João Durval
Carneiro, tendo acesso ao seu gabinete inúmeras vezes como noticiava o Feira
Hoje, dada suas diversas idas a Salvador para contactar o governador. E,
consequentemente sempre divulgando as boas ações de Carneiro. Ele
(Waldeir Pereira) argumenta que o Executivo estadual dispensará tratamento
especial ao Centro Industrial do Subaé (CIS) tornando-o mais atraente para
que novos investimentos sejam estudados
283
. Mesmo quando da crise
partidária do PDS, partido em comum com João Durval Carneiro, manteve sua
lealdade ao afirmar que qualquer mudança no quadro partidário baiano e
especialmente em Feira dependerá do comportamento do governador João
281
Revista Panorama da Bahia. Feira de Santana. 05 a 20 jun 1985, p.22. Outra matéria, na
edição de 12 out. 1985, p.2, também noticiou a intenção de continuar ocupando cargo público.
282
Entrevista com Cadmiel Pereira, concedida ao autor, em 19 de março de 2008.
283
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 13 mar. 1983, p.2.
Durval. „Nós estamos com ele, explicou Waldeir
284
, reafirmando os arranjos
clientelistas da política baiana e feirense
285
.
Eleito vereador beneficiou as entidades de seu grupo com a destinação
de recursos para a AMA, bem como donativos para a chácara do CRDJ, a
partir de pedidos junto a políticos, como José Falcão e de empresários, pois
também foi membro da ADONEB (Associação de Homens de Negócios
Evangélicos), tendo assim, acesso a ala empresarial evangélica. Também
homenageou o pastor presidente da AD de Feira de Santana no período,
Severino Soares, com a Comenda Maria Quitéria
286
. O mesmo atuou em
conjunto com Gerson Gomes, em projetos de utilidade pública, envolvendo a
Sociedade Beneficente da Assembléia de Deus de Candeias e a Associação
de Proteção à Infância de Feira de Santana, que não era uma entidade
assistencial evangélica
287
.
No entanto, dentre os projetos de Waldeir Pereira merece atenção o
projeto de entronização da Bíblia na Câmara Municipal de Feira de Santana. O
que mais provocou discussões, pois atendia apenas os evangélicos dentre uma
Câmara com uma diversidade religiosa. Vários edis não concordaram:
Talvez temendo uma polêmica (que aliás já está formada) em torno
do seu projeto que dispõe sobre a manutenção da Bíblia Sagrada
sobre a mesa da Câmara Municipal, durante as sessões, o vereador
Waldeir Pereira, pastor da Igreja Assembléia de Deus, vai entrar com
um requerimento solicitando da direção da Casa que convide todas
as autoridades eclesiásticas para a solenidade de introdução da
Bíblia no plenário.
288
A intenção do presbítero Waldeir Pereira e não pastor, como noticiou o
Feira Hoje, seria uma forma de interferência divina nos assuntos políitcos, pois
para os protestantes a Bíblia era o único instrumento que continha as palavras
de Deus. Não seria para constar apenas no plenário da Câmara, conforme nota
veiculada:
284
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 13 ago. 1984, p.2.
285
Ver: DANTAS NETO, Paulo Fábio. Tradição, autocracia e carisma: a política de Antônio
Carlos Magalhães na modernização da Bahia (1954 1974). Belo Horizonte. UFMG. 2006 e
SANTOS, Igor Gomes. Na contramão do sentido: origens e trajetória do PT de Feira de
Santana Bahia (1979 2000). Niterói. UFF. 2007. Dissertação de mestrado.
286
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 16 set 85, p. 2.
287
Assembléia Legislativa. Salvador. Projetos de Lei da Câmara Legislativa. Projeto de Lei
7231/88 de 14 mar. 1988 e 7024/87 de 15 out. 1987.
288
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 05 abr. 1984, p.2.
Por sua vez, o autor do projeto voltou a dizer que a bíblia vai orientar
espiritualmente os trabalhos do Legislativo. Frisou que a colocação
do livro sagrado na mesa da Câmara não é para um simples enfeite e
sim para o manuseio. Diante disso, ele recusou o termo entronização
porque „não vai adiantar nada a gente colocar a bíblia num trono.
289
Na década de 1940 os protestantes que se opuseram em nível federal
contra a presença do crucifixo, agora com mais visibilidade numérica e política
reivindicavam a entronização da Bíblia. Essa proposta ocorreu também em
nível estadual com o então deputado Gerson Gomes, em seu mandado de
1987
290
.
Como vereador, Waldeir Pereira chegou a cogitar concorrer à Deputado
Estadual, mas perdeu o apoio oficial da Convenção Estadual das Assembléias
de Deus na Bahia para Gerson Gomes da Silva, que certamente foi indicado
pela sua presença à mesma e um maior capital simbólico e eleitoral. Conforme
o jornal Feira Hoje.
O nome do vereador Waldeir Pereira não foi escolhido pela
comunidade evangélica da Bahia para candidatar-se a deputado
estadual. O escolhido terminou sendo o expeemedebista Gerson
Gomes, que hoje trabalha no governo João Durval e vem
arquitetando a sua candidatura há mais tempo que Waldeir.
A definição foi feita no final desta semana em Salvador, durante a
realização de um Congresso dos „crentes‟ da Assembléia de Deus.
Waldeir não pôde comparecer ao Congresso no dia em que o
problema político seria tratado. Gomes se viu e pode apresentar a
sua plataforma.
291
A ausência de Waldeir Pereira na Convenção das Assembléias de Deus
na Bahia facilitou a indicação de Gerson Gomes que, contudo, tinha uma
vivência política mais reconhecida no meio evangélico dado seus trabalhos
anteriores como vereador e deputado estadual. Sobre as derrotas de Waldeir
Pereira e comentando as dificuldades que um político evangélico tinha para se
eleger, Cadmiel Pereira explanou:
Era muito difícil a Igreja entender a importância da política, para a
Igreja, porque acreditava-se, até então, que a política era coisa do
„cão‟, a política era coisa de mentiroso, a política na Igreja faz
distanciar o projeto da Igreja na Terra que é levar as Boas Novas”, a
289
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 25 abr. 1984, p.2.
290
SILVA, Elizete da. Cidadãos de outra pátria: anglicanos e batistas na Bahia. Tese de
Doutorado. São Paulo. FFLCH-USP. 1998.
291
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 02 dez. 1985, p.2.
mensagem de salvação para o povo que necessitava de Jesus, mas
não entendia que a política era necessária para poder abrir as portas
e que a Igreja também tem em seus membros pessoas que
tributavam, que tinham o direito de gozar de benefícios de poder
público para beneficiar o mesmo projeto da Igreja. Mas por falta
dessa concepção dos líderes na época que não gostavam de fazer
essa parceria política ficou mais difícil tanto para Waldeir ou para
Gerson Gomes ou para outras personagens políticas que começou a
iniciar seu projeto, seu andarilho político na Igreja.
292
Os líderes eclesiásticos iniciais do pentecostalismo assembleiano,
Gunnar Vingren e Daniel Berg, não se envolveram em política, dado ao
contexto de formação deles em fins do século XIX, início do XX, que
condenava os aspectos mundanos, como a política. Contudo, os líderes
assembleianos subseqüentes sabiam da importância da política para o
benefício da denominação, contudo, haviam construído junto aos seus fiéis a
idéia de mundo como prejudicial ao cristão. Assim, durante décadas,
enfrentaram dificuldades para convencê-los da importância de se eleger líderes
políticos do seio do grupo. Muitos ainda encaravam esta relação grupo religioso
e política como elementos diametralmente opostos.
Na década de 1990, Waldeir Pereira tornou-se pastor da ADEFS. Foi
pastor do templo do Cruzeiro, da comunidade do Tomba e vice-presidente da
ADEFS. Contudo, no ano 2000, por influência do movimento celular do G12
(Grupo dos Doze)
293
, saiu juntamente com Carlos Tolentino, que foi pastor
presidente da AD, e outros membros da convenção das Assembléias de Deus
na Bahia e se ligaram a convenção da AD do Amazonas. Por um período o
nome da nova denominação permaneceu sendo AD, sendo Assembléia de
Deus Missão Boas Novas. Mas, com a reformulação do Estatuto, tirou a
titulação AD, passando a Ministério Internacional Boas Novas
294
. Permaneceu
nesta denominação como vice-presidente até seu falecimento, em 2002.
292
Entrevista com Cadmiel Pereira, concedida ao autor em 19 de março de 2008.
293
Sobre o movimento celular do G12 ver DIAS, Caroline Silva Luz. Neopentecostais em Feira
de Santana: o G12 e o Modelo dos 12 e o Mover do Fruto Fiel. Mestrado em História. UEFS.
2009. (Dissertação de mestrado).
294
Entrevista com Cadmiel Pereira, concedida ao autor, em 19 de março de 2008.
Um perfil de Gerson Gomes da Silva
Gerson Gomes nasceu em Capela do Alto Alegre no sertão Bahia.
freqüentou a Igreja Presbiteriana, tendo contato com o Evangelho. A vinda para
Feira de Santana ocorreu na década de 1950. O contato com a Assembléia de
Deus ocorreu devido a relação mantida com o casal de “irmãos” Eduardo e
Amália Nascimento, e com o pastor, neste período Manoel Joaquim
295
, uns dos
primeiros integrantes da Denominação em Feira de Santana. Este contato
inicial foi responsável por seu batismo. O trabalho religioso com estes
membros, através da pregação do Evangelho, iniciou Gomes em trabalhos
assistenciais. Na Assembléia de Deus tornou-se diácono.
A Assembléia de Deus possuía uma entidade assistencial, o Orfanato
da Assembléia de Deus. E Gerson Gomes, a partir de suas relações com
outros evangélicos foi aprofundando seu trabalho assistencial. O
assistencialismo foi o primeiro passo para que iniciasse sua vida pública.
Para que esse trabalho florescesse eu tive a oportunidade de
trabalhar com um missionário americano chamado Rogério. O
sobrenome dele eu não me lembro. Ele foi o fundador da Igreja
Presbiteriana, na Rua Fernando Sampaio... E o pastor Rogério
recebia de um certo órgão internacional chamado Alimento para a
paz. Vinha alimento dos Estados Unidos, da Alemanha, da Finlândia,
da Suécia... E esses alimentos vinham para Feira de Santana... Era
uma pequena cesta básica da época e foi nascendo o desejo de
servir, entendeu? E com esse desejo nascia a aspiração política
296
.
O trabalho junto ao programa internacional Alimento para a Paz, Aliança
para o progresso promovido pelos EUA a partir da década de 1960
movimentou diversos grupos religiosos em Feira de Santana
297
. Igor Santos
demonstrou o recebimento desses alimentos também com a Primeira Igreja
Batista de Feira de Santana, em consulta as atas deste grupo. O que salientou
que a atividade assistencialista foi uma prática de expansão geográfica e
atuação política de diversos grupos protestantes. Este aspecto relacionou-se à
política norte-americana, salientada por Silva, no sentido de os EUA proverem
295
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 13 de outubro de 2005.
296
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 13 de outubro de 2005.
297
SILVA, 2008, op. cit.
a salvação do mundo, pensamento compartilhado por diversos pregadores
advindos da América do Norte
298
.
Em julho de 1962, a Primeira Igreja Batista de Feira de Santana
votou unanimemente entrar na campanha de distribuição de
alimentos para a paz”, angariados pelo intermédio da Confederação
Evangélica do Brasil. É importante salientar que os membros desta
igreja já percebiam a importância da assistência social, a ponto de
criar uma comissão específica para este trabalho, que se constitui
das pessoas mais destacadas na hierarquia da igreja
299
.
Este programa internacional assistencial foi organizado pelo missionário
americano Rogério Perkins, da Igreja Presbiteriana. Também desenvolveu
trabalho com os pastores Fileto Barreto, da Segunda Igreja Batista de Feira de
Santana e Antônio Limeira, da Igreja Fundamentalista. Este contato com
lideranças religiosas o levou a outros setores denominacionais, ultrapassando
os contatos com as lideranças do campo religioso da Assembléia de Deus de
Feira de Santana, como era o caso com o pastor Perkins, que pastoreou em
Feira de Santana. Conforme Silva
Em 1958 assumiu o pastorado o missionário norte-americano
Reverendo Dr. Rogério Perkins, o qual com ajuda de igrejas norte-
americanas, colegas seus e com as contribuições dos membros da
Igreja conseguiu verbas para comprar o terreno e construir o templo,
na rua Professor Fernando o Paulo, Ponto Central onde hoje
corresponde ao anexo da Igreja” (SILVA, 2002, p. 2).
300
O passo seguinte, a entrada na vida política partidária, iniciada ainda na
década de 1950, deu ânimo para continuar na vida pública, segundo Gomes
301
.
Em 1958 a AD anunciou sua candidatura. O irmão Erundino pediu a palavra
para fazer uma retificação sobre uma parte que faltou na ata que foi sobre a
candidatura do irmão Gerson que cada irmão devia se esforçar para conseguir
votos para o nosso irmão
302
. A candidatura não rendeu mandato, mas
298
SILVA, Elizete da. Protestantismo Ecumênico e realidade brasileira. UEFS. Feira de
Santana. 2007, p. 73. (Trabalho de plenitude).
299
SANTOS, Igor Gomes. Os evangélicos e a política partidária. Relatório de pesquisa
PROBIC. Feira de Santana, jun., 2005, p. 16.
300
SILVA, 2007, op. cit., p. 129.
301
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 13 de outubro de 2005.
302
Livros de atas da Assembléia de Deus de Feira de Santana. Feira de Santana. 31 mar.
1958, p. 10.
registrou um interesse do grupo religioso em eleger um candidato. A sugestão
na ata partiu de Erundino Soares, irmão do Pastor Severino Soares.
Em 1962 foi novamente candidato a vereador, pelo Partido Republicano
PR. Nesse momento teve como um dos seus apoiadores Francisco Pinto,
político feirense.
Mais tarde, isso já em 1959, 1960, eu conheci o deputado Francisco
Pinto. Então Francisco Pinto tinha sido apenas vereador e era um dos
candidatos em potencial para prefeito em Feira de Santana.
começamos a desenvolver um trabalho, ele me ajudando. A gente
visitando eleitor, fazendo títulos. Eu fiz 500 títulos naquele período.
303
Gerson Gomes perdeu a eleição, mas ocupou um cargo de assistência
social, na prefeitura de Feira de Santana, com a vitória de Francisco Pinto.
Neste momento, em parceria com outras denominações protestantes foi
fundada a SEFAM. Porém, esta entidade funcionou pouco tempo, devido ao
início do regime militar que retirou Pinto da prefeitura.
O golpe de 1964 no País levou a retirada de Gerson Gomes, como de
diversos políticos do cenário nacional. Gomes retornou a política quase dez
anos após, na década de 1970, a pedido do Pastor Severino Soares, da
Assembléia de Deus de Feira de Santana, bem como de políticos locais. O
mais importante foi atender a um chamado do grupo religioso. O trabalho
político tornou-se uma “vocação” como disse o nosso entrevistado e foi
nascendo o desejo de servir, afirmado com o pedido do Pastor Severino
Soares. Nós estávamos orando na Igreja e ele me chamou na Secretaria e
disse: - Gerson, a Igreja vai lhe apresentar candidato a vereador
304
.
Desde Lutero, no século XVI, foi introduzido, no protestantismo, a
concepção do trabalho como vocação. O trabalho cotidiano deixava de ser uma
maldição do pecado de Adão para se transformar em atividades feitas para
glória de Deus. Calvino levou tal concepção ao extremo, em Genebra,
propiciando todo o respaldo religioso, isto é, legitimação das práticas mercantis
da burguesia nascente, como vocação, como um chamado de Deus para que a
303
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 13 de outubro de 2005.
304
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 13 de outubro de 2005.
burguesia produzisse cada vez mais, justificando, assim, religiosamente o
lucro.
Para o protestantismo o trabalho tem uma extrema relação com a ética e
a vida religiosa dos fiéis, é o que Weber chama de ascetismo intramundano,
isto é, enquanto os católicos consideravam como vocacionados por Deus o
clero, os padres, freiras e monges, os reformados construíram uma concepção
doutrinária da vocação para todos os fiéis. Por este princípio vocacional Deus
abençoa e exige o trabalho de todos, qualquer trabalho, do mais simples ao
mais sofisticado, do público ao privado como missão, feito da melhor forma
possível, não para agradar os homens, mas a Deus em observação aos
princípios éticos e religiosos. Para o candidato assembleiano a atuação
político-partidária atendeu à vocação de viver para a política, ou seja, a política
teve importância em atender uma comunidade religiosa, da vocação “para viver
para política” e não interesses pessoais, isto é, a vocação para “viver de
política” como informou Max Weber, ao discutir a política como vocação:
A política é como a perfuração de tábuas duras. Exige tanto paixão
como perspectiva. Certamente, toda experiência histórica confirma a
verdade que o homem não teria alcançado o possível se repetidas
vezes não tivesse tentado o impossível. Mas, para isso, o homem
deve ser um líder, e não apenas um líder, mas também um herói,
num sentido muito sóbrio da palavra. E mesmo os que não são
líderes nem heróis devem armar-se com a fortaleza de coração que
pode enfrentar até mesmo o desmoronar de todas as esperanças.
Isso é necessário neste momento mesmo, ou os homens não
poderão alcançar nem mesmo aquilo que é possível hoje. Somente
quem tem a vocação da política terá certeza de não desmoronar
quando o mundo do seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou
demasiado mesquinho para o que ele lhe deseja oferecer. Somente
quem, frente a tudo isso, pode dizer “Apesar de tudo” tem a vocação
para a política.
305
Este trecho poético de Max Weber se encaixou perfeitamente para
explicar o motivo de Gerson Gomes entrar para a política, pois foi um político a
serviço de interesses maiores que um interesse pessoal. Atendeu a um
interesse, que cadas atrás era vista como impossível para um político
brasileiro frente ao seu contexto social, pois os pentecostais encaravam a
política na promoção de melhorias não para a comunidade religiosa, mas
para coletivo feirense, através de seus projetos assistenciais. A motivação para
305
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro. Zahar Ed. 1963, p. 153.
a entrada na política era religiosa, pois o trabalho política seria para a glória de
Deus.
O outro pedido para Gomes retornar à política foi das lideranças locais.
Quando foi em 70 o então prefeito deste, saudosa memória, José
Falcão da Silva foi em casa e me pediu: - Gerson, você vai voltar
para a política, para o bem-estar de Feira de Santana. Você tem uma
área que você tem muita penetração, a área social de um meio
evangélico. Do meio evangélico tinha um círculo de amizade muito
grande... e José Falcão insistiu para eu ser candidato a vereador.
Eu aceitei a candidatura e fui eleito o segundo mais votado do
partido.
O partido a que Gerson Gomes se referiu foi o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), mesmo partido a que pertencia JoFalcão da Silva. Este foi
responsável também pelo retorno ao cenário político de outras figuras públicas,
como Colbert Martins da Silva e intercedeu pela libertação de Pinto, quando o
mesmo foi preso pelo regime militar.
Pelo fato de Gomes atender a uma parcela significativa da sociedade
feirense no período e ser reconhecido pela mesma, conseguiu uma boa
eleição, correspondendo assim às expectativas de Falcão, certo do potencial
eleitoral dos evangélicos e sua densidade nos votos, e da penetração de
Gomes no meio protestante e o trabalho assistencial que desenvolveu. Foi
somado ao interesse da cúpula assembleiana, com o convite do Pastor
Severino Soares para que retornasse à vida pública.
Foto 14. Gerson Gomes e Severino Soares com outros assembleianos. Em pé: Presbítero
Ezequiel Lopes, Diácono Gerson Gomes, Presbítero Faustino. Sentados: Presbítero Enedino,
Manoel Brito, Pastor Severino Soares, um auxiliar não identificado e Zeca Borges. Membros de
destaque na comunidade assembleiana feirense e todos negros. Acervo de Eber Soares.
A assistência social foi um fator impulsionante da carreira política de
Gerson Gomes, por voltar-se a diversos projetos públicos que beneficiavam a
AD, com destinação de verbas aprovadas, seja pela Câmara Municipal de Feira
de Santana ou pela Assembléia Legislativa da Bahia.
O assistencialismo evangélico como mediação existia antes do trabalho
político de Gerson Gomes, porém, com ele adquiriu um desempenho partidário
similar ao assistencialismo da política baiana e brasileira. E foi em torno deste
trabalho assistencial para diversas entidades evangélicas, da qual se
destacaram o Orfanato da Assembléia de Deus e o Centro de Recuperação
Desafio Jovem, ambos da AD, que Gerson Gomes traçou sua carreira política.
Carreira pautada com fundamento evangélico, como o mesmo admitiu em
reunião na Câmara de Vereadores de Feira de Santana
306
.
Foto 15. Formatura no Centro de Recuperação Desafio Jovem. À frente temos o
vereador Waldeir Pereira e no canto direito, atrás, o deputado estadual Gerson Gomes.
Acervo de Eber Soares.
Portanto, em 1972, ainda no Regime Militar retornou à política partidária
e se elegeu vereador pelo MDB, obtendo novo mandato em 1976. Com a
carreira em ascensão foi eleito deputado estadual em 1978. Em 1982 disputou
306
Atas da Câmara de Vereadores. Feira de Santana. 20 abr. 1978.
o pleito, agora como candidato a prefeito de Feira de Santana. O malogro
das eleições e conflitos internos do partido levou a sua saída do MDB,
passando para o PDS, como assessor de João Durval Carneiro, então
governador da Bahia. Seu último cargo político foi como deputado estadual,
pelo PFL (ex-PDS e atual Democrata), encerrado em 1990.
A atuação pública, com mandato, de Gerson Gomes iniciou no ano de
1973, após sua vitoriosa eleição em 1972 para vereador. Foi seguida de uma
reeleição, confirmada nas urnas, em 1976. Durante este período constatou-se
um mandato voltado, sobretudo para as causas evangélicas, com predileção
aos órgãos assistenciais do Orfanato Evangélico e do Centro de Recuperação
Desafio Jovem da Assembléia de Deus.
A maior parte das proposições foi para a Assembléia de Deus de Feira
de Santana, tanto para enfatizar a importância desta e de seus órgãos
assistenciais. Como em passagem que cita o Orfanato e sua importância na
formação dos futuros cidadãos feirenses. Em questão de ordem o edil Gerson
Gomes solicitou constar da ATA a presença nas galerias das crianças do
Orfanato Evangélico, e alguns dos seus membros
307
. A presença das crianças
na Câmara Municipal era uma confirmação do seu trabalho enquanto político
assembleiano e um espetáculo político ao levar integrantes do projeto
assistencial da AD para prestigiar um dos seus benfeitores.
Projetos de lei que beneficiassem a AD ou outras denominações, como
nos projetos para doações a AD de áreas de terra para construções da Igreja
308
e para doação de terreno a Igreja Batista Alvorada
309
foram eleboradas pelo
deputado. A presença da AD era constante na Câmara Municipal, em sua
maioria sempre convidados pelo próprio Gomes.
Falou da Cruzada Boas Novas que vem tendo reuniões blicas na
Praça João Pedreira. Concluindo solicitou da Mesa, convidar o pastor
Bernard Johnson e sua equipe, para fazer uma palestra na sessão de
sexta-feira, nesta Casa. Em votação foi aprovada por
unanimidade.
310
307
Atas da Câmara de Vereadores. Feira de Santana. 28 nov. 1975, p. 73.
308
Ibid. 12 out. 1978, p. 58.
309
Ibidem. 18 out. 1978, p. 60
310
Ibidem. 16 mai. 1978, p.41. Grifo nosso.
A aprovação por unanimidade foi uma comprovação do capital simbólico
do vereador Gerson Gomes e da importância social da Assembléia de Deus de
Feira de Santana, pois os vereadores concordaram com a proposição. Gerson
Gomes divulgava constantemente os trabalhos assistenciais de AD, como
levava seus pares para dar visibilidade aos trabalhos desenvolvidos pela
Denominação. Nessas visitas, como na da Cruzada Boas Novas, promovidas
pela AD, os vereadores citaram a presença e parabenizaram o Pastor Severino
Soares pelo trabalho na Cruzada, uma pregação pública que acontecia pelas
ruas de Feira de Santana.
Questões relativas ao bem-estar da cidade, principalmente os ligados a
urbanização, questão de interesse central no desenvolvimento feirense
também foram levados pelo edil, como em Indicação 117/75 solicitando o
calçamento para a rua Princesa Isabel
311
. E a necessidade de organização do
Centro de Abastecimento, para a orientação espacial que se buscava para a
nova Feira de Santana: Era preciso, portanto, de um maior apoio do Poder
Público a Central de Abastecimento, cujo apoio se realmente for dado, a
Central terá sido uma grande obra, ou será um fracasso, caso lhe falte o apoio
de que carece.
312
O problema da moradia passou também à pauta das preocupações de
Gerson Gomes, reafirmando princípios assistenciais e criticando a morosidade
do então prefeito, José Falcão da Silva em resolver o problema habitacional em
Feira de Santana :
Gerson Gomes da Silva, para rebater as críticas formuladas pelo
vereador José Ferreira Pinto, quanto ao PLANOLAR. Disse que o
PLANOLAR é inédito no Brasil e a sua implantação deverá ser
gradual, como também o Sr. Prefeito, através do PLANOLAR, não
prometeu acabar com as invasões.
313
Outra crítica foi ao governo do Estado, sendo o governador Roberto
Santos fruto da indicação do regime militar e a desatenção do mesmo com a
cultura em Feira de Santana. Estas posturas reafirmavam princípios da aliança
que mantinha com o seu grupo do MDB, mais especificamente a aliança com a
dupla Francisco Pinto e Colbert Martins,
311
Atas da Câmara de Vereadores. Feira de Santana. 14 out. 1975, p. 18.
312
Atas da Câmara de Vereadores. Feira de Santana. 14 abr 1977, p. 146.
313
Idem. 05 abr. 1978, p. 22.
Gerson Gomes da Silva comentando a visita da Comissão Especial
de Cultura deste município ao governador do Estado e lamentando a
indisposição do Governador em receber a Comissão, a qual foi ali
não pedir favor e sim tratar de algo importante, como é o de restaurar
nossas Filarmônicas, mas que acerto ponto entendia a situação,
porque o Sr. Roberto Santos, não disputou o cargo que ocupa, pois
foi apenas nomeado.
314
Em contraponto, o elogiou, pelos benefícios trazidos à sua comunidade
religiosa, ao que atribuiu como grande trabalho que está realizando o atual
prefeito Municipal, e além de outras citou o amparo que vem dispensando ao
Orfanato Evangélico
315
.
Dentre as intervenções chamou a atenção uma questão referente à
situação da Igreja Senhor dos Passos, católica. Não deixou de trazer uma
crítica, ao remeter a pouca ajuda dos fiéis católicos, em oposição ao dízimo,
que sustentava as comunidades evangélicas e era obrigação do fiel evangélico:
Gerson Gomes da Silva para lamentar também o problema em que
se encontra a Paróquia do Senhor dos Passos. Disse que lamentava
principalmente pela falta de efetiva colaboração de seus fiéis...
foi lida ainda a Indicação n 118/77, sugerindo ao Sr. Prefeito
Municipal a criação de uma comissão com a finalidade de angariar
fundos para que seja paga a dívida trabalhista da Igreja Senhor dos
Passos.
316
Gerson Gomes foi eleito deputado estadual no ano de 1978, assumindo
mandato até 1982. Manteve a mesma postura e ações, de quando era
vereador, ou seja, em intervir em favor dos evangélicos. Uma característica
deste político assembleiano, durante seus mandatos como deputado estadual,
foi a aprovação de projetos de utilidade pública para órgãos e entidades
sociais, sobretudo evangélicas
317
. A elaboração dos projetos de lei declarando
entidades sociais como de utilidade pública foi uma forma de fornecer
subvenção estadual para a manutenção das mesmas, desde que fossem
voltadas para a comunidade e seus membros realizassem o trabalho
filantrópico não remunerado.
314
Atas da Câmara de Vereadores. Feira de Santana. 02 out. 1975, p. 5.
315
Idem. 02 out. 1975, p. 5.
316
Atas da Câmara de Vereadores. Feira de Santana. 22 nov. 1977, p. 13-4. Grifo nosso.
317
Verifica-se isto em consulta a dados da Assembléia Legislativa de Salvador, durante os dois
mandatos de Gomes.
Diversas entidades assistenciais religiosas foram beneficiadas pelo
político assembleiano, que elaborou projetos de lei declarando de utilidade
pública instituições sociais por seu trabalho junto à comunidade da região em
que se instalou. As entidades e congregações da Assembléia de Deus foram
fartamente beneficiadas. Algumas destas foram a Associação de Amparo ao
Menor Abandonado (AMA), em Feira de Santana, cinco de agosto de 1987; a
Associação Beneficente, em Candeias, quinze de outubro de 1987; a
Sociedade Beneficente, em Conceição do Jacuípe, trinta de agosto de 1988, a
Caixa de Assistência Social, em vinte e nove de junho de 1988
318
, entre outras.
Beneficiou outras entidades evangélicas com a subvenção estadual.
Como o Instituto Bíblico Batista do Nordeste, em Feira de Santana, doze de
setembro de 1979; Juventude Batista Feirense, de Feira de Santana, em sete
de outubro de 1981; a Igreja Batista da Pituba, em Salvador, treze de abril de
1988; a Igreja Presbiteriana Independente de Salvador, primeiro de abril de
1988, a Associação Beneficente Deus é Amor, em Feira de Santana, dezessete
de janeiro de 1989, o Orfanato Evangélico Lar da Criança, em Santo Antonio
de Jesus, vinte e um de junho de 1989, a Sociedade Beneficente da
Congregação Batista Monte Hermon, em Itaberaba, vinte e um de junho de
1989
319
, para citar algumas.
O subsídio do Estado também foi proposto a entidades assistenciais e
associação de moradores que não tinham necessariamente vinculação
religiosa, como o Centro Comunitário Esperança, em Salvador, cinco de agosto
de 1987, a Associação Comunitária Boa Esperança, em Retirolândia, cinco de
agosto de 1987, a Associação de Proteção à Infância, em Feira de Santana,
dezessete de maio de 1988; a Associação Beneficente da População de Baixa
Renda, em Castro Alves, vinte e nove de junho de 1988; a Associação de
Moradores do Bairro Jardim Acácia, em Feira de Santana, primeiro de
novembro de 1988; a Associação de Moradores do Bairro da Chácara São
318
Assembléia Legislativa. Salvador. Projetos de Lei da Assembléia Legislativa de Salvador.
Projetos de Lei: 6899/87, 7024/87, 7547/88, 7508/88, respectivamente.
319
Assembléia Legislativa. Salvador. Projetos de Lei da Assembléia Legislativa de Salvador.
Projetos de Lei: 5057/79, 5442/81, 7298/88, 7299/88, 7721/89, 8015/89, 8817/89,
respectivamente.
Cosme, em Feira de Santana, seis de junho de 1989
320
. Estas foram algumas
beneficiadas.
Gerson Gomes atuou também no sentido de emancipar povoados,
tornando-os municípios, como foi o caso de Capela do Alto Alegre, local do seu
nascimento, desmembrando-o de Riachão de Jacuípe
321
.
Contudo, dois projetos chamaram a atenção. O primeiro foi relativo a
manutenção da Bíblia Sagrada na Mesa da Assembléia Legislativa durante as
sessões. Conforme Art. 1: Fica exposta sobre a mesa da Assembléia
Legislativa do Estado durante as sessões plenárias em lugar de destaque um
exemplar da Bíblia Sagrada
322
.
Foto 16. Campanha eleitoral de Gerson Gomes no ano de 1986. O candidato segura a
Bíblia, como uma identificação de sua postura religiosa, típica dos protestantes. Acervo
de Eber Soares.
Em sua justificativa para a presença da Bíblia, utilizou testemunho do
presidente norte-americano Lincoln sobre a Bíblia: Tirai tudo o que puderdes
deste livro pelo raciocínio e o resto pela e vivereis e morrereis o homem
320
Idem. Projetos de Lei: 6895/87, 6900/87, 7231/88, 7473/88, 7629/88, 7998/89,
respectivamente.
321
Ibidem. Projeto de Lei 4853/79.
322
Ibidem. Projeto de Lei 1380/80, 20 mar. 1980.
melhor
323
. Denota-se o ideal do evangelismo norte-americano ainda
prevalecendo como um modelo de organização social. Ainda acrescentou:
Considerando a fonte de sabedoria inigualável, manancial de águas
puras e cristalinas, que as nações fundamentam suas leis no santo
livro e nos fundamentos de sua existência, que o maior sistema
revolucionário de ética nele está contido, que sua presença neste
Plenário será uma luz radiosa a apontar o caminho do Alto em alerta
a todos, que a liberdade não é um bem de conquista, porque o berço
trouxe para todo ser humano o direito de ser livre, porque Deus
conferiu ou homem o livre arbítrio direito inalienável ratificado na
Carta das Nações Unidas.
324
O segundo projeto foi tornar proibido o uso de tabaco em repartições
públicas estaduais de ambientes fechados e transporte de massa. Segundo o
Art. 1, deste projeto: É proibido o uso de cigarro, cachimbo, charuto, cigarro de
palha e quaisquer formas de tabagismo em órgãos de administração pública
estadual, as autarquias, as fundações, as empresas de economia mista de
Ambientes Fechados e transportes de massa
325
.
O deputado Gerson Gomes elaborou este projeto enquanto presidente
da comissão de meio ambiente. O projeto foi aclamado pelos demais membros
da Assembléia Legislativa que reconheceram os malefícios do cigarro, mas em
outro projeto que seguia a mesma orientação deste, o sucesso não foi o
mesmo. Pelo projeto proibia a inserção de material publicitário pró o uso de
quaisquer tipo e forma de tabagismo nos meios de comunicação que patrocine
a chamada “cultura” em todo território nacional
326
. Este foi arquivado, por ferir
interesses maiores, sendo solicitado seu desarquivamento. Contudo, esta não
foi o primeiro projeto de lei e sim mais um de uma série de projetos de lei, no
Estado da Bahia, que proibia esta veiculação, não indo adiante em sua
aprovação, pois as indústrias de cigarro estavam atentas.
Indicaram estas passagens a condenação do uso de cigarro e seus
derivados, entre os projetos de Gerson Gomes pelo seu aspecto moral, um
fator importante que deveria se pautar a política evangélica. A preocupação
com aspetos físicos e morais sempre estiveram na pauta evangélica, mais que
323
Assembléia Legislativa. Salvador. Projetos de Lei da Assembléia Legislativa de Salvador.
Projeto de Lei 1380/80, 20 mar. 1980.
324
Idem. Projeto de Lei 1380/80, 20 mar. 1980.
325
Assembléia Legislativa. Salvador. Projetos de Lei da Assembléia Legislativa de Salvador.
Projeto de Lei 725988 de 28 mar. 88.
326
Idem. Projeto de Lei 7837/89, de 10 abr. 89.
a preocupação com projetos políticos e fidelidade partidária. Gomes não fugiu a
esta regra.
Outro artifício bastante utilizado pelo político, tanto nos mandatos de
vereador quanto nos de deputado, foi o uso de moção. Elaborou moções para
congratular os líderes religiosos, sobretudo protestantes, pelas atividades
desenvolvidas nas Denominações Protestantes, como pelo aniversário destes
à frente de uma congregação. Utilizou moções também para prestigiar pessoas
de notoriedade na sociedade, como para lamentar o falecimento das mesmas.
Após dois mandatos seguidos como vereador e um como deputado
estadual, Gerson Gomes foi chamado pela cúpula do MDB feirense, Francisco
Pinto e Colbert Martins para candidatar-se a prefeito, dada a credibilidade que
havia alcançado para além do segmento evangélico.
Foto 17. Candidatos a prefeito em 1982 em Feira de Santana: Antônio Ozzetti (PT), Luciano
Ribeiro (MDBI), Gerson Gomes (MDBII) e José Falcão da Silva (PDS). Foto do Jornal Feira
Hoje.
Durante sua candidatura enfrentou uma divisão no próprio MDB, pois
sua indicação não era consenso no partido, que se dividiu em duas
sublegendas, indicando dois prefeitos. O MDB I foi encabeçado por Gerson
Gomes e o MDB II, por Luciano Ribeiro. Também candidatou-se uma
expressiva figura pública, José Falcão da Silva, ex-emedebista, e agora
integrante do PDS, que abrigava seu antigo adversário, João Durval da Silva,
que foi da ARENA, e o apoiou nas eleições feirenses. Sobre esse episódio que
resultou em sua derrota política e foi um divisor na sua relação com a chamada
“esquerda” feirense, Gerson Gomes fez diversas referências. Primeiro se
referiu ao convite para candidatar-se:
Quando estava me preparando para uma reeleição, me candidatar a
reeleição [se refere a reeleição de deputado estadual], fui
convocado pelo grupo do partido aqui encabeçado por Chico Pinto e
Colbert Martins para ser o candidato, pra substituir o Colbert Martins
que era prefeito na época. Eu aceitei a candidatura e nesse
momento Falcão tinha se aliado ao grupo da ARENA ou PDS, na
época, e eu tive que me deparar com José falcão e fomos os dois
candidatos. Ele pelo partido do governo e eu pela oposição, com o
apoio de Chico Pinto e Colbert, com o apoio do meu MDB e a minha
campanha foi muito boa, campanha extraordinária.
327
O MDB o era de fato apenas de Gerson Gomes, como disse ao se
referir ao meu MDB, era também de Luciano Ribeiro, que concorria pelo
mesmo partido. Essa divisão, sem dúvida influenciou no resultado da
campanha. O jornal Feira Hoje, que fazia campanha para José Falcão não se
cansava de afirmar a divisão interna que sofria o MDB. Outro aspecto relevante
na derrota de Gerson Gomes e do MDB foi a candidatura de João Durval
Carneiro para o governo da Bahia e a ligação com José Falcão como candidato
a prefeito de Feira da Santana, fortalecendo a candidatura de ambos.
Com a morte de Dr. Clériston Andrade que era candidato do governo,
o Dr. João Durval foi convocado para ser o candidato a governador
da Bahia... Sendo eu candidato a prefeito pelo MDB, a minha
campanha sofreu um impasse, então o eleitorado ficou estremecido.
E eu senti que podia perder a eleição.
328
O que de fato ocorreu. A campanha de Falcão ganhou mais força,
enquanto o MDB se dividia no apoio a Gomes e Ribeiro.
Perdi a eleição de prefeito de Feira de Santana e perdi também a
oportunidade de ser deputado pela segunda vez que eu estava com
um trabalho muitíssimo grande na Bahia toda. Nem a Igreja
Evangélica. Eu dava todo o apoio como a oposição me dava também
muito apoio em todo o Estado. No meio secular, sem ser no meio
evangélico. De modo que o meu trabalho na Assembléia legislativa é
um trabalho bom. Eu fazia um bom trabalho... Mas com a derrota que
eu tive pra prefeito em Feira de Santana eu me isolei um pouco.
Nesse isolamento que eu tive houve uma interpretação de que eu
327
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 08 de fevereiro de 2008. Grifos
nossos.
328
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 08 de fevereiro de 2008.
teria tido um impasse com o meu partido PMDB, Chico Pinto e
Colbert Martins. Eu o tive nenhum impasse assim direto com eles,
mas fiquei triste porque perdi a eleição de prefeito, Colbert foi ser
deputado em meu lugar, Chico Pinto foi pra Brasília como Deputado
Federal e eu achei aqui que meus colegas de partido poderiam me
dar um pouco mais de apoio, mas não reclamei.
329
As relações no MDB com o fracasso nas urnas de seu dois candidatos
para José Falcão ficou bastante estremecida. Não bastasse a divisão em MDBI
e MDBII, perder uma eleição que os principais integrantes do partido, a dupla
Pinto Colbert dava como certa foi desgastante.
Foto 18. A dupla de políticos Colbert Martins e Francisco Pinto: os principais mentores
políticos de Gerson Gomes, após um dos comíssios políticos de 1982, em Feira de
Santana. Foto do Jornal Feira Hoje.
Ademais, sofriam por parte dos integrantes de partido a acusação de
déspotas, o que era corroborado pelo Feira Hoje, que em jornal trouxe a nota A
derrota da prepotência.
329
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 08 de fevereiro de 2008. Grifos
nossos.
E a prepotência foi derrotada. Apurado os votos, uma dupla derrota
para a dupla Pinto-Colbert: perdeu o comando político-nacional e o
seu candidato, não conseguiu ter mais votos que o rebelde Luciano.
Ganhou na zona rural um voto “encabrestado”, onde não se discute a
qualidade dos candidatos, mas aceita-se a indicação dos chefes.
330
O jornal além de questionar a qualidade e a força política de Gerson
Gomes fez uma indicação para o não apoio da dupla, especialmente de Colbert
Martins para não apoiar Luciano Ribeiro, pois este era tachado de rebelde, ou
seja, não aceitava os mando e desmandos que julgava-se haver no partido por
parte destas lideranças.
Abaixo a apuração final das eleições para prefeito de Feira de Santana,
no ano de 1982.
Tabela 4. Últimos números da eleição a prefeito (1982)
Resultado das eleições de 1982. Feira Hoje. 21 nov. 82, p.1.
330
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 24 nov. 1982, p. 2.
A vantagem de José Falcão sobre a legenda de seus adversários, o
MDBI e MDBII, foi de 2.698 votos, sendo que ganhou tanto na sede quanto nos
distritos. Acreditava o MDBI a superioridade de votos de Gomes nos distritos.
Comparado com Luciano Ribeiro, o mesmo levou vantagem, apesar de que o
apoio do feirense João Durval a José Falcão, ambos populares na região
feirense, e candidatos a governador e a prefeito pelo mesmo partido, somaram
mais de 2000 votos em Relação a Gerson Gomes. Em relação à sede de Feira
de Santana, Luciano Ribeiro levou vantagem de quase 300 votos em relação a
Gerson Gomes.
João Durval foi vitorioso na campanha para governador, devido a forte
popularidade no interior baiano, alcançando mais do dobro da votação de
Roberto Santos, que se saiu bem melhor na capital, mas a superioridade dos
votos desta não foi suficiente para se aproximar dos votos do candidato do
PDS nos interiores. O curioso foi à pequena vantagem que o mesmo teve no
distrito feirense.
Outra razão apontada por Gerson Gomes para a derrota nas urnas foi de
cunho religioso. Ao analisar a totalidade do campo religioso feirense, o
candidato assembleiano disse que a “ética que mantinha, mesmo estando
afastado da comunhão com o grupo, pois havia sido disciplinado (e se
autodisciplinado), por não cumprir as normas pregadas pela AD, prevaleceu no
momento de fazer a campanha:
Eu caí. Era um bom crente. Sempre temente a Deus, sempre fui e eu
caí na fé. Eu não reneguei a minha fé, eu pequei e caí e me
mantive no exílio espiritual. Quando fui candidato a prefeito e a
deputado estadual eu o estava na comunhão da Igreja, mas a
Igreja me dava todo apoio, porque o meu problema era um problema
exclusivamente meu, mas que em nada tinha influência ao que a
gente poderia desenvolver em favor da causa.
331
A respeito das punições de Gerson Gomes na Assembléia de Deus, elas
foram expostas em diversos momentos. Ainda em 1969 foi disciplinado por
desacatar as normas do grupo religioso. Um esclarecimento feito pelo irmão
Gerson Gomes a respeito de um televisor que comprara, sendo constrangido a
331
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 08 de fevereiro de 2008. Grifo
nosso.
vendê-la para continuar em paz com a igreja
332
. Já no ano de 1973 foi excluído:
exclusão de Gerson Gomes da Silva em uma reunião da ceia do dia 11 de
maio
333
. Em 1976, uma nova declaração, mas com um intuito declaradamente
eleitoreiro: Prosseguindo o pastor leu uma carta do vereador G. Gomes,
fazendo explicação sobre a sua decadência espiritual e avisando sobre a sua
candidatura e reeleição à Câmara de vereadores este ano
334
. Contudo,
continuou sempre no auxílio, que era mútuo, à denominação:
Foi apresentada para a igreja a escritura do terreno dado pela
prefeitura de Feira de Santana, as pessoas interessadas foram: o
deputado Gerson Gomes da Silva em conexão com o prefeito Colbert
Martins da Silva, e no dia 11/2/82 o pastor presidente Severino
Soares fez uma ressalva dizendo para igreja que foi um lapso não ter
falado que todas as despesas da citada escritura foram pagos pelo
deputado Gerson Gomes da Silva, e ele merece toda nossa
consideração; a prefeitura doou mas havendo um intermediário. A
área fica na Vila Tricolor no Cruzeiro.
335
Gerson Gomes fez questão de deixar claro que a vida política não
atrapalhava a vida espiritual, apesar desta ter sido um tanto conturbada e
controversa, como demonstrou as atas da AD e como se ambas (política e
religião) não estivessem relacionadas. Tanto estavam que seu sucesso
eleitoral, e a quantidade de votos que teve nas urnas para prefeito, mesmo
tendo perdido as eleições era em grande expressão dos protestantes, aspecto
que Gomes reconheceu. Porém, a que disse o ter renegado influenciou
sua campanha eleitoral, pois enquanto candidato a prefeito teria que percorrer
diversos locais, inclusive redutos do catolicismo e do candomblé, que não eram
tão necessários para uma campanha para vereador ou deputado. Das
representações que elaborou para tecer discussões da derrota, uma em
especial chamou a atenção, a festa católica para Senhor do Bonfim, na Igreja
da Matriz.
Quando chegamos tivemos de subir no coreto, na frente da Igreja.
O santo estava dentro. No coreto o foi graça porque tinha
332
Livros de atas da Assembléia de Deus de Feira de Santana. Feira de Santana. 05 dez.
1969, p. 181
333
Idem. 13 jun. 1973, p. 27.
334
Livros de atas da Assembléia de Deus de Feira de Santana. Feira de Santana. 02 jul. 1977,
p. 20.
335
Idem. 05 fev. 1982, p. 155. Interessante frisar que Severino Soares era assessor
parlamentar de Gerson Gomes neste período.
umas cinco mil pessoas, o padre na frente assumiu o trabalho: -
Agora meus irmãos nós vamos nos ajoelhar para adorar Senhor do
Bonfim e eu era o candidato a prefeito, candidato para ganhar a
eleição. eu disse: Senhor, eu vou perder esta eleição, mas eu
quero honrar minha fé diante Ti aqui... Todo mundo ajoelhou. Colbert
olhou pra mim, ficou em ao meu lado. Hermes Sodré ficou em
ao meu lado. E um camarada no meio da multidão, devia ser um
eleitor meu: - Ajoelha herege. Quer dizer, minha candidatura foi
assim, uma candidatura de postura, em todos os sentidos.
336
Nesta afirmação de Gomes observa-se o propósito do ideal evangélico
de colocar os princípios cristãos acima de qualquer interesse, não poderia que
o desabonar.
Conforme o fez Daniel quando do sítio de Jerusalém por
Nabucodonosor. Ao rei babilônico solicitar que filhos de Israel, jovens e sem
defeito físico, de descendência real, o servisse e o ensinasse a língua e escrita
dos caldeus. Porém entre estes havia filhos de Judá, entre os quais Daniel.
Além do destaque que teriam por servir ao rei, teriam acesso as suas finas
iguarias, as quais Daniel recusou, pois esta seria uma forma de afastá-lo do
seu Deus, então pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não
contaminar-se. Ora, Deus concedeu a Daniel misericórdia e compreensão da
parte do chefe dos eunucos
337
.
Desta parábola bíblica de Daniel pode-se fazer um paralelo com a
postura apresentada por Gerson Gomes. Foi uma forma de se confortar, em
parte, pela derrota sofrida nas urnas. Colocando a “causa de Deus” em
confronto à sua “vaidade”, juntamente com seu momento de estremecimento
nas relações com o MDB e integrantes do partido, optou por ceder aos apelos
do governador João Durval
338
, migrando para o PDS (que se acoplou ao PFL).
Gerson Gomes trabalhou como assessor de João Durval e focou sua
atividade em conseguir verbas para as instituições assistenciais evangélicas.
Foi eleito vereador no ano de 1986, encerrando seu último mandato
parlamentar em 1990. A avaliação que fez da mudança de um partido
oposicionista para um situacionista foi uma auto-violência, mas em favor da
causa divina: Eu me auto-violentei e acho que Deus tava no meio disso
339
.
336
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 08 de fevereiro de 2008.
337
Bíblia de Estudo Esperança. São Paulo. Edições Vida Nova. 2000, p. 588.
338
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 08 de fevereiro de 2008.
339
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 08 de fevereiro de 2008.
A ausência de fidelidade partidária foi um dos elementos constitutivos e
comuns da realidade partidária brasileira. Seja para atender a interesses
pessoais ou de determinadas associações ou comunidades, como foi com
Gerson Gomes, na busca de atender aos interesses evangélicos. Sua carreira
com mandato pelo PDS/PFL durou apenas o mandato de deputado estadual de
1987 a 1990, não conseguindo se reeleger em 1990 para o terceiro mandato
de deputado estadual.
O que contribuiu para sua derrota, segundo o mesmo, foi seu projeto de
lei que proibia o uso de cigarros, tabaco e charuto em repartições públicas e
transportes coletivos, perdendo o apoio da comunidade não evangélica. Outro
fator que pode ser apontado foi à renovação do quadro de membros
evangélicos, não apenas assembleianos, que se candidataram na década de
1990. Exemplos disso foram Eliel Santana, irmão do pastor-presidente da
Assembléia de Feira de Santana, Joeser Santana. Eliel Santana foi vereador
por Salvador e tornou-se um dos principais nomes da AD no legislativo baiano.
Outro que se destacou foi Gerson Gabriele, de origem batista.
Gerson Gomes foi o escolhido pelo Pastor Severino Soares devido seu
prestígio no meio evangélico, não assembleiano, pois tinha contato e
aproximação com lideranças evangélicas de outras denominações, além de ser
conhecido em diversos distritos feirenses pelo seu trabalho missionário, ao
mesmo tempo em que ele representava um elevado percentual de votos de
assembleianos para os partidos que militou, fosse oposição ou situação.
As relações político-partidárias de Gerson Gomes
Gerson Gomes traçou sua carreira política como candidato vinculado a
Assembléia de Deus e defendendo os interesses da comunidade evangélica de
modo geral, não atendendo apenas a Denominação em que se batizou. Em
decorrência de trabalhar com atividades assistenciais tinha contatos com
lideranças não evangélicas, mas também políticas, a exemplo de Francisco
Pinto, um de seus primeiros contatos, que foi comentado por Gerson Gomes:
Chico Pinto se elegeu prefeito de Feira de Santana. Nós trabalhamos
muito com ele. Eu, novamente, me revelei como uma pessoa que
gostava da assistência social. Assumi cargo no governo Chico Pinto.
Era um departamento da assistência social, que ficou a meu cargo
340
.
A aproximação inicial de Gerson Gomes na política partidária foi com
Francisco Pinto, um político de destaque na sociedade feirense que, ainda
como estudante de direito pela UFBA foi eleito vereador, pelo PSD,
conseguindo nas urnas 461 votos, quando exerceu o cargo de Secretário da
Càmara, durante os quatro anos
341
. Foi eleito em 1951, findando seu cargo no
ano de 1954. Ao findar seu mandato como vereador, montou escritório de
advocacia, aqui na cidade, juntamente com outros colegas de profissão
342
.
Pinto foi advogado de vários sindicatos em Feira de Santana.
O que possibilitou Pinto a esta escalada um tanto rápida aos estudos
superiores e à vida política, com o dom da oratória característica de sua
pessoa, para o período em apreço, foi à vida relativamente confortável que o
pai deixou a ele e sua família antes de falecer, pois o mandato de vereador era
gratuito e sem ajuda de custo, para um jovem que assumiu mandato político
em Feira de Santana e estudava em Salvador.
Ana Beatriz Nader, em trabalho sobre os Autênticos do MDB, realizou
entrevista com Francisco Pinto, que relatou sua formação e atuação na vida
pública. Meu pai possuía fazenda em Feira de Santana e no vizinho município
de Coração de Maria, além de uma destilaria. Morreu em 1946, quando
encontrava-me com dezesseis anos
343
. Para a participação na vida política não
demorou muito. Minha vida política começou cedo, exatamente no curso
ginasial... Era considerado um dos líderes do movimento secundarista em
Salvador
344
.
Na década de 1960 concorreu a eleição para prefeito de Feira de
Santana, sendo eleito em 1962. Nesse período que Gerson Gomes assumiu
cargo na assistência social, dada a sua forte penetração nos meios sociais
feirenses, sobretudo entre os evangélicos, o que atraia Pinto, enquanto político
340
Entrevista com Gerson Gomes, concedida ao autor em 13 de outubro de 2005.
341
OLIVEIRA, 2006, op. cit., p. 106.
342
Idem, p. 106.
343
NADER, Ana Beatriz. Autênticos do MDB: semeadores da democracia. História oral e de
vida política. São Paulo. Paz e Terra. 1998, p. 141.
344
NADER, 1998. Op. cit., p. 141.
popular. Conforme relatou: Foi sob o signo permanente das lutas populares
contra forças economicamente poderosas e organizadas, que governei o
município durante um ano, até ser tragado pelo golpe de 1964
345
. Durante seu
curto mandato foi responsável por fazer um governo próximo das demandas
das camadas populares no que se referiu à reforma administrativa, que contava
com a participação e apoio da maioria da população, seu mais expressivo
apoio, já que não tinha a polícia e o Governo do Estado no seu auxílio.
Esta luta no interior do município ganhou amplitude estadual. Dois
jornais da capital, pertencentes aos Diários Associados Diário de
Notícias (matutino) e Estado da Bahia (vespertino) e, com ampla
circulação na Bahia, davam cobertura aos nossos adversários e
ampliavam as invencionices do jornal local Folha do Norte de
propriedade do ex-prefeito Arnold Silva da UDN e da rádio
“Sociedade de Feira de Santana”, pertencente aos frades
capuchinhos, que mancheteavam a existência de um Soviet em Feira
ou “comunistas badernam a cidade”, distorcendo e inventando
notícias, as mais absurdas, para acirrar os ânimos.
Contrabalanceávamos esse domínio dos meios de comunicação com
reuniões em praça pública aos sábados, com o auxílio da rádio
“Cultura”, com menor potência, e um outro pequeno jornal Gazeta do
Povo, depredado e fechado em 1964.
346
Os jornais aliados ou que eram favoráveis à permanência do Regime
Militar no poder criticaram a política de Pinto, elaborando uma figura política,
que depois julgaram ter sido favorável ao próprio, a imagem de comunista ou
de membro da esquerda radical. O advento do regime militar modificou a
situação política na Bahia. Feira de Santana, com Pinto, teve um destaque,
justamente pelo burburinho de governo comunista devido à comunicação que
houve entre governo e povo. Sobre a trajetória política de Pinto, se manifestou
a Revista Panorama da Bahia, que o trouxe como destaque, em sua capa:
Na Bahia, o governo estava nas mãos do petebista Lomanto Júnior,
mas foi o cacique udenista Juracy Magalhães (que ironia do destino),
quem requisitou forças do exército no Ceará, para engrossar a
repressão no Estado e combater uma rebelião que estaria em curso
em Feira de Santana, onde um prefeito teria enlouquecido e, com
suas precárias armas, tentava resistir ao governo revolucionário.
Caiu o governo de Jango, meses depois caiu Francisco Pinto,
destronado por militares cearenses a serviço da VI Região Militar.
Iniciava-se aí uma história de processos, cassações, inquéritos e
tumultos de uma movimentada carreira política de um sertanejo de
origem aristocrática rural, cuja área oposicionista foi sendo construída
345
NADER, 1998. Op. cit., p. 147.
346
Idem., p. 148.
por uma artilharia de palavras ácidas que compunham um discurso
tido como azedo, excessivamente ferino, e incansavelmente
disparado contra o regime anterior. O poder da denúncia era a sua
trincheira de resistência à velha guarda da República.
347
Diversos qualificativos foram criados no período sobre Pinto, como a de
“louco” e “revolucionário”, atraindo não a polícia militar ao seu encalço, mas
a forte admiração popular, a um sertanejo da oposição, mas “de origem
aristocrática rural”. O oposicionista realmente não era comunista. O próprio
Pinto declarava uma herança getulista em sua postura política. O que o
legitimava como oposição estava mais e sua “artilharia de palavras ácidas”. A
própria revista levantou esta questão, isto é, a contundência de sua oratória
contra os adversários políticos.
quem diga que aquele moço de origem rural caiu na esquerda
muito mais por circunstância do que por convicção ideológica, o
obstante ter a fama de ser leitor assíduo, desde jovem, de best-seller
da ciência política e principalmente de literatura alemã.
348
Pinto, portanto, ficou pouco tempo no poder até ter seu mandato
cassado, sob a acusação de ter idéias radicais, para o regime vigente, embora
ao se analisar o partido do qual Pinto fazia parte no período, não fosse nem
radical, muito menos comunista, conforme Igor Santos:
O PSD era um partido formado principalmente por donos de terra e
pecuaristas. Talvez venha daí a predileção de Francisco Pinto, sendo
ele mesmo originário de uma família de fazendeiros e donos de uma
destilaria. Um partido bastante parecido com o nosso personagem,
hábil negociador, eleitoralista e até mesmo com certa tradição
coronelista
349
.
A cassação de Pinto, pela ação militar em Feira de Santana levou
Gerson Gomes a se afastar momentaneamente da política.
O retorno de Pinto à política ocorreu em 1970, como deputado federal,
anos após sair da prisão e se livrar de processos quando das acusações de
sua postura e perda de mandato de prefeito. Em Salvador, em 1965, foi
visitado por José Falcão da Silva, para avisá-lo da decisão da Justiça em
conceder sua liberdade, deixando de residir no Quartel General, onde se
347
Revista Panorama da Bahia. Feira de Santana. 20 ago. a 04 set. 1985, p. 11.
348
Idem. 20 ago. a 04 set. 1985, p. 15.
349
SANTOS, 2007, op. cit., p. 52.
encontrava por determinação da Justiça. Nessa ocasião, ainda nas
dependências do Quartel, encontrei-me com o dr. José Falcão da Silva e Oscar
Marques, que me procuravam
350
.
O mesmo José Falcão da Silva foi o responsável pela articulação de
retorno político de Gerson Gomes em 1972, ocupando uma vaga de vereador
na Câmara Municipal, pelo Movimento Democrático Brasileiro MDB.
Partido do qual também fazia parte José Falcão da Silva e Francisco Pinto.
Francisco Pinto, nesse período ganhou notoriedade também devido às
acusações que constantemente proferia aos seus adversários políticos ou
adeptos do golpe. A respeito disto o Jornal Feira Hoje reproduziu nota da
Revista Veja, que ironizava a figura de Pinto:
Ao longo de uma agitada carreira política, o advogado Francisco
Pinto, 48 anos, destacou-se por suas denúncias que sempre fez,
como vereador e prefeito em Feira de Santana, a cidade mais
importante do interior da Bahia, ou como deputado federal pelo MDB
invariavelmente inflamadas, mas às vezes, ralas do ponto de vista
da prova
351
.
O jornal feirense era recorrente em apontar casos e escândalos políticos
envolvendo Pinto, sobretudo com as ameaças que pairavam sobre ele de
precatória
352
. Gerson Gomes saiu em defesa do aliado inclusive em reuniões
na Câmara de Vereadores, como sendo um defensor da pátria, comentando a
respeito da vida pública do Dr. Francisco Pinto e a sua luta pelas liberdades
democráticas no País
353
.
José Falcão foi também o articulador do retorno de outro político feirense
importante: Colbert Martins, influente no cenário público feirense, bem como na
formação política de Gerson Gomes. Colbert Martins iniciou a vida pública
como vereador, em 1954. Foi reeleito para a Câmara Municipal em 1958 e
depois em 1962, o qual se desincompatibilizou para assumir o cargo de
Secretário de Viação e Obras Públicas, no governo de Dr. Francisco Pinto
354
.
Assim como Gomes afastou-se da política partidária com a retirada do mandato
350
NADER, 1998, op. cit., p. 150.
351
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 19 out. 1978, p. 2.
352
Idem., 25 out. 1978, p. 1.
353
Atas da Câmara de Vereadores. Feira de Santana. 04 maio. 1977, p. 156.
354
OLIVEIRA, 2006, op. cit., p. 84.
de Pinto pelo governo militar. Conforme o relato da Revista Panorama da
Bahia:
Depois de um período longe das atividades políticas dedicando-se
ao seu consultório de odontologia Colbert é convidado pelo prefeito
eleito, José Falcão da Silva, então no MDB, para dirigir a Surfeira
Superintendência de Urbanismo de Feira de Santana.
355
Colbert Martins foi também um dos principais nomes da política feirense
das décadas de 1970 e 1980. Juntamente com Pinto tornaram-se os principais
caciques emedebistas O que provocou uma primeira cisão interna com José
Falcão da Silva. O MDB fazia oposição ao partido governista, a Arena. Foi a
fase do bipartidarismo. Portanto aqueles que não pertenciam ao partido do
governo estavam no MDB. Era assim, um caldeirão de tendências, que incluía
os democratas, os que colaboravam com a Arena, mas permaneciam na
“oposição” e uma série de grupos menores de tendências as mais variadas.
Portanto, podemos afirmar ser o MDB, de oposição, não necessariamente de
esquerda.
A forma com a qual o MDB foi constituído, em pleno regime de
ditadura, de imediato afastou a militância mais à esquerda da sua
proximidade. Poucas exceções como o PCB, o PC do B e o MR-8,
tentavam expressar o descontentamento popular com votos no
MDB
356
.
Não era também o partido coeso em suas ações e posturas. A própria
diversidade de tendências apontou para essa falta de coesão política. O MDB
de Feira de Santana foi, dessa forma, se constituindo em duas tendências
principais: a primeira, em torno de Francisco Pinto e Colbert Martins, e a
segunda, em torno de Jo Falcão da Silva. Este impasse nas alianças
emedebistas resultou na migração de José Falcão para o PDS, com a abertura
democrática, pós-governo militar.
O Jornal Feira Hoje, constantemente demonstrava a cisão que havia no
MDB, que apoiava sutilmente o partido governista. Uma das notícias mais
emblemáticas que trouxe o Jornal ao se referir à crise do partido trouxe MDB
versus MDB, quando o partido apoiou a eleição indireta do governador Chagas
355
Revista Panorama da Bahia. Feira de Santana. 30 nov. 1988. p. 3.
356
SANTOS, 2007, op.cit., p. 80.
Freitas e do Senador Amaral Peixoto, no Rio de Janeiro, contrariando assim,
seu princípio maior, de abertura democrática e eleições diretas. A atitude
implicou em ameaça de anulação da convenção emedebista, não sendo
concretizada. Um jornal feirense reportou.
A crise que se abate sobre o MDB da Bahia, ao contrário dos que
muitos pensam, não é um privilégio do Diretório Regional. As
atitudes, os atos e as decisões emedebistas vêm, muito tempo,
em plano nacional, cercadas de contradições e incoerências... Está,
pois o MDB baiano envolto em nova crise, das mais sérias e das mais
graves porque já passou, na sua tumultuada existência, desde que foi
fundada
357
.
A situação de crise do MDB minava a própria articulação interna do
partido, o que levou a uma rie de disputas. Esta situação se acirrava em
diversos momentos, com destaque em períodos eleitorais.
O ex-prefeito José Falcão da Silva considera que “es na hora do
presidente do diretório local do MDB, o reconhecido líder e ex-
deputado Francisco Pinto demonstrar o seu poder de liderança,
comandando a campanha em alto nível, sem permitir nenhum
divisionismo, o que redundará não somente em benefício da imagem
partidária do MDB em Feira, mas na sua repercussão em todo
cenário estadual e nacional. O ex-prefeito, que falava em nome
também de Antonio Carlos Coelho, disse que espera que o prefeito
Colbert Martins, “veja em todos os companheiros, senão os artífices,
pelo menos operários que guiaram ao poder, e se abstenha de
demonstrar preferências dentro da administração municipal,
conservando a imagem que todos nós pregamos em praças públicas
durante as campanhas eleitorais
358
.
A convulsão no MDB feirense aumentou quando as divisões internas do
partido tomaram grandes dimensões com o apoio de emedebistas da Câmara
Municipal a emenda dos arenistas, que retirava a autonomia do prefeito Colbert
Martins em antecipar verbas orçamentais. Tal atitude, encabeçada pelo
emedebista Antonio Coelho gerou diversas crises no partido
359
.
Esta atitude dos emedebistas, ou dissidentes emedebistas, como ficou
sendo chamado, Antonio Coelho e Renato levou a uma reação realizada
357
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 06 out. 1978, p. 2.
358
Ibid., 19 jul. 1978, p.1.
359
O Jornal Feira Hoje se referiu a esta crise no MDB feirense em diversos momentos. Sobre o
problema foram veiculadas notícias em 02 dezembro de 1978; 03 dezembro de 1978; 05
janeiro de 1979 e 06 janeiro de 1979.
por Colbert e Pinto, registrada em ata, com assinatura de Gerson Gomes,
apoiando uma tentativa de punição
360
.
As crises vivenciadas pelo MDB tentaram ser abafadas pelo próprio
Gerson Gomes, que era líder local do partido, tendo no mesmo uma posição de
destaque, o que contribuía para aumentar seu coeficiente eleitoral, não
entre os evangélicos. Em meio aos embates e crises, Gerson Gomes defendia
seus interesses, que no momento, era a aliança formada por Pinto e Colbert.
Assim, apoiou estes deres na punição aos dissidentes emedebistas. Essa
posição se confirmou ao assinar uma ata, feita “às escuras” e tendo a dupla,
Pinto e Colbert, no comando. A postura de Gerson Gomes, ainda vereador,
causou irritação entre seus colegas emedebistas na Câmara de Vereadores,
que por acaso, eram os alvos da punição. Assim, em reunião da Câmara de
Vereadores de Feira de Santana, Gerson Gomes foi atacado por membros do
partido, que usaram de ironia ao comentar as práticas do partido e da liderança
executiva de Pinto:
Me perdoe meu nobre companheiro Gerson Gomes, quando V. Exa.
fôr convocado para praticar atos dessa natureza, V. Exa se negue.
Porque V. Exa sobretudo estará prestando um favor à própria
consciência. É, Sr. Presidente, são fatos como esse que querem, ou
querem provocar união partidária. União partidária, que, repito, só
está existindo agora, porque antes nunca houve, e eu espero que da
próxima vez que venha ata dêsse têor, na próxima vez que a
Executiva se reúna sob a presidência do ilustre Dr Francisco Pinto,
que tenha um pouco mais de cuidado para não se aprovar orçamento
de 1930
361
.
Estes conflitos revelam trâmites e organização dos sujeitos ativos da
política partidária do período, bem como a inserção de Gerson Gomes e a “sua
consciência política”, como disse o orador Renato Sá. Em outras palavras o
político assembleiano era uma peça chave no jogo partidário de Feira de
Santana.
A saída de Falcão não acabou o impasse, pois no ano de 1982, na
eleição para prefeito, o MDB, PMDB, devido ao fim do bipartidarismo, foi
dividido em duas sublegendas para abrigar a candidatura de Gerson Gomes e
360
Ata da Câmara de Vereadores. Feira de Santana. 28 nov. 1980.
361
Idem., 28 nov. 1980.
Luciano Ribeiro. Pinto e Colbert Martins eram favoráveis a Gerson Gomes,
enquanto outra parte do PMDB apoiava Luciano Ribeiro, que tinha um histórico
de atuação política, pois o pai do mesmo era militante da União Democrática
Nacional (UDN), sendo inclusive candidato a prefeito em Cícero Dantas. Ao
perder a eleição o seu pai trouxe a família para Feira de Santana, em 1962.
Nesta cidade, Luciano Ribeiro entrou na militância estudantil, mas em oposição
a UDN, sendo eleito pela primeira vez com apoio estudantil
362
. Militou na área
política como vereador (1966 1970); Deputado Estadual (1978 1982);
Suplente de Senador por oito anos e vice-prefeito na segunda gestão de Dr.
Colbert Martins, substituindo-o de licença para tratamento de saúde
363
.
Luciano Ribeiro possuía forte expressão no PMDB, o que levou a uma
separação inicial com a corrente Pinto Colbert. A decisão de ter duas
candidaturas foi uma supervalorização do poder de voto do PMDB. Sobre este
contexto Gerson Gomes se pronunciou afastando a possibilidade dos dois
candidatos (ele e Ribeiro) em um mesmo palanque e foi além:
Disse que o nome de João Durval, mesmo sendo um filho da terra,
em nada altera, pois o mesmo nada fez por Feira, e que João Durval
e José Falcão se agrediram na campanha de 1972, quando José
Falcão ganhou, e hoje estão na mesma filiação.
364
Portanto, ambas as candidaturas peemedebistas, divididas, não foram
suficientes para vencer a oposição do PDS, encabeçadas na prefeitura de
Feira de Santana e no governo do Estado por José Falcão e João Durval. O
PMDB, derrotado nas urnas, recebeu uma saraivada de críticas do Feira Hoje.
Em 82, acreditando que o PMDB elegeria quem quisesse à
Prefeitura, Colbert e Chico Pinto brincaram, lançando e retirando
candidatos. Optaram pela inconsistência ideológica e sacra do
deputado Gerson Gomes, dividiram o PMDB em dois fragmentos e
acabaram ajudando a eleger um ex-aliado, José Falcão da Silva, dos
saudosos quadros do MDB... Gerson Gomes, derrotado, vestiu
solenemente a camisa do PDS dias depois da derrota, juntamente
com seu candidato a vice, Nilton Bellas Vieira, ex-secretário de
Educação de Colbert.
365
362
Entrevista com Luciano Ribeiro, concedida ao autor em 28 de janeiro de 2008.
363
OLIVEIRA, 2006, op. cit., p. 209. A segunda eleição de Colbert Martins foi em 1988.
364
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 08 nov. 1982, p. 3.
365
Idem. 30 nov. 1982, p. 13.
Era evidente a oposição do jornal ao PMDB, em especial a Pinto e
Colbert Martins, contudo terminada a eleição, saíram tranqüilos. Foram eleitos
deputado federal e deputado estadual, respectivamente. Gerson Gomes foi o
maior afetado nesse triângulo, pois além ter criticada sua figura política e
questionada sua posição religiosa, perdeu espaço no partido. A inconsistência
ideológica e sacra de Gerson Gomes teve vínculo ao apoio da Denominação a
candidatos de vários partidos.
Às vésperas da eleição o jornal noticiava um estremecimento de Pinto,
que na declaração de seu apoio nas eleições de 1982, não indicava o nome do
prefeito. Pinto parece ter mudado de idéia com relação ao seu posicionamento
na questão sucessória deste município e decidido não assumir especificamente
apenas uma candidatura a prefeito
366
. Constava em suas propagandas nomes
de candidatos a governador (Roberto Santos), senador (Waldir Pires),
deputado federal (o próprio), deputado estadual (Colbert Martins). Prefeito e
vereador ficaram com espaço em branco. Ou seja, o próprio apoio ao candidato
assembleiano, não ficou tão consolidado.
Mais do que isso, o PMDB continuou dividido nos dois grupos após a
derrota nas eleições. Na convenção do partido, para a formação de seu
diretório, ficou explícita a disputa, que o jornal frequentemente veiculava quanto
a distribuição de vagas entre os dois grupos.
Sobre a distribuição de vagas entre o PMDBI e o PMDBII. PMDBI
contava com: Colbert, Chico Pinto, Gerson Gomes e José Raimundo
Azevedo, entre outros. o PMDBII contava com Luciano Ribeiro,
Celso Pereira, Roque Aras, Renato Sá e Aurélio Miguel.
367
Os integrantes do partido tentavam resolver os conflitos e disputas
internas, entre os quais Gerson Gomes, até que o próprio ficou insatisfeito com
a formação do diretório, que somada ao apoio que o foi negado, segundo ele,
após as eleições abriu brechas para uma possibilidade de negociação com
João Durval e o PDS. Sobre isso o Feira Hoje se referiu:
Testado nas urnas, considerado “bom de voto”, o novo filiado
manteve, por sinal, os primeiros entendimentos com o governador
366
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 31 out. 1982, p. 2.
367
Idem. 15 jun. 1983, p. 2.
João Durval Carneiro e, seu nome, consta da agenda de audiências
que o Chefe do Executivo concederá proximamente.
368
O jornal não arriscou colocar o nome do candidato, mas todas as
especulações eram voltadas para Gomes. Este ao mesmo tempo saia na
tentativa de arranjar internamente o grupo, até o resultado da convenção do
partido, da qual demonstrou sua insatisfação.
Em notícia na qual discorreu sobre a união do PMDB de Feira de
Santana, o „Jornal do Brasil‟ analisa o rompimento do ex-deputados
Francisco Pinto e Colbert Martins, dizendo da importância que teve
Gerson Gomes durante a última campanha política, quando foi o
candidato do PMDBI (grupo Pinto Colbert) à Prefeitura Municipal,
derrotado pelo PDS.
Diz o Jornal que Gerson Gomes ficou insatisfeito com a composição
do Diretório Municipal, quando só indicou três nomes, o seu próprio, o
do seu filho Jeferson Gomes e o do suplente de vereador Manoel
Fausto dos Santos.
369
O mesmo político que havia criticado a aliança de Falcão a Durval
passou a ser quadro integrante do grupo político. Quanto à mudança de partido
não faltaram alfinetadas dos veículos de comunicação, se destacando a irônica
nota da quinzenal Revista Panorama da Bahia.
O eleitorado da zona rural não sabe que o ex-deputado estadual
Gerson Gomes se bandeou para o PDS e constantemente pergunta a
Colbert Martins pelo seu ex-pupilo. O povo acredita, até hoje, que
Gerson se mantém fiel a quem lhe apresentou com toda a roupagem
e cores de homem de oposição, em detrimento de outros que ainda
carregam a cruz do PMDB e amargam a derrota das últimas
eleições.
370
Gerson Gomes participava da tendência de Pinto e Colbert. Isso,
contudo não evitou dele assumir coligação com Durval e Falcão, migrando para
o PDS, que se fundiu, mais adiante com o PFL. O que demonstrou que a
relação aliado e adversário político, no cenário político partidário brasileiro, foi
uma linha muito tênue, muitas vezes não formada por ideologias ou postura
política, mas por situações e conivências do momento. As alianças políticas
demonstradas ao longo deste tópico traduzem evidente constatação disto. A
368
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 16 jun. 1983, p. 2.
369
Jornal Feira Hoje. Feira de Santana. 20 jul. 1983, p. 2.
370
Revista Panorama da Bahia. Feira de Santana. 01 fev. 1984, p. 12.
fidelidade partidária nunca foi o forte dos políticos baianos e brasileiros. Gerson
Gomes não seria o primeiro a romper os laços partidários, porém a firmeza
ideológica também não fazia parte do repertório assembleiano. A congregação
exigia firmeza na fé.
Buscando uma comparação na relação da prática religiosa com a
política pode-se afirmar que a conservação da ordem religiosa está
profundamente associada à conservação da ordem política. Contudo estes
campos não deixaram de entrar em conflitos e alianças, sendo que muitas das
práticas sociais seculares foram reapropriadas pela religião e apoiadas pelo
Estado.
Hoje, as forças religiosas são levadas em consideração como fator de
exlicação política em numerosos domínios. Elas fazem parte do
tecido do político, relativizando a intransigência das explicações
baseadas nos fatores sócio-econômicos.
371
A relação entre religião e política e como esta se estabeleceu no espaço
interno do grupo assembleiano não estava isenta de conflitos, ao contrário os
conflitos moveram tais ações e o contexto social vivenciado, por este ser
dinâmico, também jogou o seu papel. A identidade e as ações de um grupo,
religioso ou não, estavam em um processo de fazer e refazer-se
continuamente.
Uma questão permanece: foi demonstrada a relação que Gerson Gomes
teve com Francisco Pinto; Gerson Gomes, político e assembleiano, e Francisco
Pinto, político considerado por várias vezes de ação radical e comunista. Pode-
se pensar se o fator religioso não pesou nesta escolha. Pinto sabiamente
calculou o peso dos votos dos irmãos assembleianos. Gerson Gomes seria um
perfeito mediador nessas relações, pois ele próprio e sua denominação
religiosa também tinham seus interesses políticos, que podiam se revelar nas
práticas assistencialistas ou na luta partidária. Queriam os assembleianos o
Reino dos Céus, mas também se descobriram cidadãos, habitantes do “mundo
de pecados” que condenavam, mas poderia ser salvo, iluminado pela ética e os
valores protestantes que pregavam.
371
COUTROT, Aline. Religião e política. IN RÉMOND, René. Por uma história política. ed.
Rio de Janeiro. Ed FGV. 2003, p. 331.
Afinal, na eleição nacional para presidente da República, a Assembléia
de Deus postou-se favorável a Fernando Collor de Melo, em oposição a Luís
Inácio Lula da Silva, condenado como comunista e ameaçador da liberdade
religiosa, tão cara aos protestantes, no País.
Esta comparação tem um diferencial, pois uma é em nível nacional e a
outra em nível local. Segundo que, conforme o próprio Pinto, este não tinha e
nem teve pretensão aos postulados comunistas. Pode-se o aproximar mais de
uma postura caciquista ou populista, dada sua admiração a Getúlio Vargas,
para arrebanhar eleitores. A Assembléia de Deus possuia a mesma admiração
e pretensão a participação política. A respeito da vinculação a grupos político,
Sylvestre por também ser uma assembleiano assim traduziu o pensamento
evangélico:
Não como entender um político cristão atuando numa linha
extremista de agitação e de radicalização de esquerda e nem há
possibilidade de conciliar marxismo com cristianismo. Igualmente não
como aceitar um político evangélico comprometido com a extrema
direita, defendendo posições reacionárias, votando deliberadamente
com os interesses dos que exploram a massa trabalhadora, não se
compadecendo dos milhões da famintos, doentes, desempregados e
miseráveis que sobrevivem nos campos e nas cidades do nosso
país.
372
Quando de sua eleição para prefeito, Pinto ofereceu a assistência social
a Gomes. Caso houvesse alguma desconfiança dos líderes assembleianos
contra Pinto, foi dissipada ou reduzida nesta oferta, afinal a assistência social
foi o maior campo de ação dentro da política o assembleiana, como
protestante em geral.
Gerson Gomes tinha penetração em grupos protestantes de distintas
denominações em diversos municípios e na própria Feira de Santana devido
sua atividade missionária e assistencial, o que resultou na união de interesses
entre religião e política em um complexo cenário social feirense dos anos 1970
a 1990.
A religião, como elemento da cultura, tem papel importante na tentativa
de entendimento da vida humana e sua dimensão encontra e atravessa os
demais aspectos da realidade, como o político, o econômico e o social.
Portanto, o estudo da religião e das formas de religiosidade se fez relevante
372
SYLVESTRE, 1988, op. cit., p. 25.
para compreender a organização e ação humana. Estudar religião foi de suma
importância em perceber relações cotidianas de poder em camadas da
sociedade, da ação de homens e mulheres no tempo e no espaço histórico. Ao
longo da história do protestantismo na Europa e nos Estados Unidos a
intervenção no contexto político foi constante, desde o século XVI, na
ambiência da Reforma Protestante quando os anabatistas pleiteavam além da
reforma religiosa e individual, conquistas e reivindicações sociais e políticas.
O absenteísmo político dos protestantes brasileiros, baianos ou
feirenses decorria do seu caráter minoritário no campo religioso. Quando o
protestantismo expandiu-se, as terceiras ou quarta gerações começaram a
freqüentar outros espaços de sociabilidade e as Denominações Evangélicas
ganharam densidade numérica, começaram também a tomar consciência da
sua densidade eleitoral. Entraram no jogo partidário com poderosas armas e
legitimidade religiosa.
Considerações finais
O que motivou este trabalho foi analisar as relações entre religião e
política, pelo fato de encontrar referências nas atas do grupo religioso da
participação de assembleianos feirenses em candidaturas a cargos públicos,
em um período pouco comum para esta prática, ou seja, as cadas que
precederam a Constituinte de 1986, que segundo alguns estudiosos foi o que
despertou a consciência evangélica para a prática político-partidária.
A presença dos pentecostais de Feira de Santana no cenário público,
tanto na esfera local como estadual, contudo, foi um esforço de décadas, pois
na representação deste grupo religioso as atividades referentes ao mundo
tinham de ficar à parte daqueles que se convertiam ao Evangelho, pois o
mundo significava o ímpio e o crente que a ele se misturasse estaria se
corrompendo”, conforme o pensamento da Assembléia de Deus.
Foi constatado que antes da política partidária em si, e juntamente com
ela os assembleianos, exerciam política através de entidades assistenciais
que mantinham: o Orfanato Evangélico da Assembléia de Deus, o Centro de
Recuperação Desafio Jovem e o Amparo ao Menor Abandonado, os mais
representativos do grupo em análise.
A política assistencialista foi importante por “romper” a separação
simbólica que os assembleianos acreditavam existir entre comunidade religiosa
e comunidade feirense. Para manter suas entidades e exercer seu trabalho
espiritual e material, em Feira de Santana, passaram a ter contato com os
políticos locais e negociar com eles oportunidades de melhor exercer seu
trabalho religioso e social. A aceitação se dava mediante a promessa de voto, o
que era interessante para a Assembléia de Deus, que por ser uma expressiva
denominação dentre os evangélicos feirenses, atraia o interesse de políticos
em busca de votos. Ou seja, os assembleianos apoiavam a candidatura dos
que se propusessem a contribuir com as suas obras assistenciais. Seguiam as
práticas clientelistas e da barganha correntes na política baiana e brasileira.
As práticas assistencialistas contribuíram para legitimar as candidaturas
que ocorreram no grupo religioso desde a década de 1950, como a de Gerson
Gomes, o político mais representativo do grupo e que exercia atividades
filantrópicas desde esse período, passando, em 1963, a ocupar a assessoria
de assistência social no mandato de prefeito de Francisco Pinto e juntamente
com outros evangélicos organizou a Associação Feirense de Assistência a
Mendigos (SEFAM). Com o Regime Militar, que retirou Francisco Pinto do
poder, políticos, bem como os políticos evangélicos, a exemplo de Gerson
Gomes se retiraram estrategicamente da vida pública, mas logo retornariam
devido as alianças que haviam feito com lideranças locais.
O retorno de Gerson Gomes à política foi com o mandato de vereador,
em 1972, acompanhado de outros mandatos tanto como vereador, quanto
deputado estadual e até uma candidatura, que não obteve sucesso, para
prefeito de Feira de Santana, em 1982, mas que serviu para demarcar o peso
eleitoral da comunidade assembleiana e evangélica, como um todo em Feira
de Santana. A postura política de Gerson Gomes incentivou outros “irmãos”
assembleianos a se aventurar na vida pública, como Waldeir dos Santos
Pereira, Severino Soares, Urbano Matos, Lucivaldo Teixeira e José Marques,
que tiveram o apoio oficial da Assembléia de Deus de Feira de Santana. Estava
contrariado, desta forma, o preceito bíblico do “tu não participarás” e “meu reino
não é deste mundo”, porém praticavam a política como uma vocação, uma
determinação divina.
Portanto, um despertar da consciência evangélica para a necessidade
de participar da vida pública foi manifestada cadas antes da Constituinte de
1986, ao menos em nível local. A Constituinte deste período foi importante em
permitir o arranjo das forças evangélicas, através do slogan “irmão vota em
irmão”, amplamente difundido nacionalmente com o assembleiano Josué
Sylvestre.
Atualmente a candidatura de um pentecostal a um cargo político faz
parte do cenário nacional, e se tornou um aspecto comum esta prática, desde o
advento da Constituinte de 1986, quando não os evangélicos, mas diversos
membros da sociedade buscaram representatividade com a abertura
democrática que se instalava. Diversas denominações sejam elas
assembleiana, batista ou iurdiana, entre outras, se organizaram de forma
sistemática para ter representantes de seu credo na Câmara Municipal de Feira
de Santana e na Assembléia Legislativa da Bahia.
Durante as atuações dos políticos em apreço, que conquistaram
representatividade na Câmara Municipal de Feira de Santana ou na
Assembléia Legislativa da Bahia, o que se verificou foi uma atitude política
voltada aos interesses evangélicos, sobretudo assembleiano, no que se refere
ao atendimento de suas entidades assistenciais, com a elaboração e
aprovação de projetos que as contemplavam, e com a doação de terrenos e
verbas que contribuíssem para a construção de novos templos.
Mantinham uma política partidária voltada basicamente em atender
interesses ligados à assistencial social evangélica. Dessa forma garantiram
apoio e simpatia de lideranças municipais preocupadas com o bem-estar de
Feira de Santana, através da tentativa de retirar migrantes, mendigos, viciados
em tóxicos e crianças das ruas e encaminhá-los às suas entidades, na tentativa
de tornar “limpa” a imagem da Feira de Santana que se modernizava, com sua
“crescente indústria e próspero comércio”, conforme pregava os veículos de
comunicação, o Jornal Feira Hoje e a Revista Panorama da Bahia, importantes
periódicos para compreender a dinâmica feirense em sua organização social e
política nos anos de 1970 a 1990.
Quanto aos critérios de participação de seus fiéis na vida pública ocorria,
principalmente, com a indicação da Denominação Assembléia de Deus. Os que
não receberam sua indicação o lograram vitória nas urnas. Porém,
contribuíram para a derrota dos indicados pelo grupo religioso. Também não
possuíam um critério partidário: a indicação de candidatos da Assembléia de
Deus de Feira de Santana ocorria independente da legenda partidária,
confirmando a ausência de um projeto e ideologia político-partidária próprios. A
legenda que abrigasse seu candidato não era um critério a observar, poderia
ser da situação ou da oposição.
Para a construção da dissertação foi imprescindível o contato com as
atas da Denominação Assembléia de Deus, de modo a tentar compreender seu
universo, guiado por normas e condutas, por vezes, rígidas demais, sobretudo
para o fiel comum, mas que contribuíram na formação das representações
sociais do grupo, e nas contradições e dilemas vivenciados, como na própria
participação na política, já que suas condutas deviam ser preservadas em
temor e amor a Deus. Porém, não foi difícil embutir a política como uma
propósito de servir a Deus, embora esta proposição não tenha eliminado os
conflitos e dilemas inerentes à comunidade religiosa.
Uma forma de “preservação” da estrutura religiosa foi indicar para a
atuação política aqueles que possuíssem bens simbólicos no grupo, retirando
da atuação política o fiel comum. A princípio, em Feira de Santana, os que
possuíam o capital simbólico para se candidatar eram os diáconos e
presbíteros, como ocorreu, respectivamente, com Gerson Gomes e Waldeir
Pereira, quando de suas vitórias nas urnas. Quanto ao pastor havia maior
resistência, por ser o condutor da comunidade, mas que foi superado, tanto
que os que mais assumiram mandatos políticos nas últimas eleições nacionais,
entre os evangélicos, foram os pastores. Aos leigos ficava a orientação de
votar nos indicados da comunidade religiosa, o que não foi totalmente acatado
dadas as contradições existentes.
A relação entre religião e política, inevitavelmente, envolve uma série de
contradições e polêmicas, mas, não a ponto de impedir o funcionamento de
uma Denominação Protestante ou associações religiosas. Pelo contrário, as
contradições pontuaram não apenas o funcionamento dos grupos evangélicos,
como da sociedade brasileira como um todo, ao longo da História do País.
O que se espera desta dissertação é que possa ter contribuído para o
estudo das relações entre religião e política, ou de outros caminhos que se
pode percorrer através do estudo da religião e, se possível, suscitar a partir das
inúmeras brechas deixadas por este trabalho, que sem dúvidas foram maiores
que às conclusões a que pôde chegar e que são, desde já, provisórias. E que
possa ter contribuído para a construção da História da Assembléia de Deus de
Feira de Santana, através das peculiaridades pertinentes a ela.
Fontes
Fontes da Assembléia de Deus
Livros de Atas da Assembléia de Deus (1950 - 1990), contendo
informações sobre a organização e o cotidiano da comunidade religiosa;
Livros de membros da Assembléia de Deus, contendo dados sobre os
fiéis: procedência, filiação, data de batismo, nascimento;
Livro de Atas do Centro de Recuperação da Assembléia de Deus (1980
1990)
Estatuto da Assembléia de Deus de Feira de Santana;
Artigos do jornal O Mensageiro da Paz - (edição em 3 volumes). O
Mensageiro da Paz é importante em perceber aspectos referentes a
doutrina e organização da Assembléia de Deus, além do entendimento
que tinham sobre política e fatos que ocorriam na cidade de Feira de
Santana e no Brasil. Jornal denominacional, de escala nacional.
Fontes referentes à Feira de Santana e ao Estado da Bahia
Livro de Atas da Câmara Municipal de Feira de Santana (1973 a 1978);
Projetos de leis, moções e requerimentos do Deputado Gerson Gomes
da Silva na Assembléia Legislativa (1979 a 1982; 1987 - 1990).
Jornais
Feira Hoje (1972 a 1990) coleta de informações sobre o
desenvolvimento da cidade de Feira de Santana no período de estudo,
bem como de aspectos tratados no jornal sobre a atuação protestante
na região.
Fontes orais (durante o processo de pesquisa foram feitas as
seguintes entrevistas):
Gerson Gomes da Silva (diácono da Assembléia de Deus e ex-político);
Luciano Ribeiro (membro da Igreja Católica e ex-político);
Cadmiel Pereira (assessor político e filho do falecido Pastor Waldeir dos
Santos Pereira);
Jairo Soares (pastor da Assembléia de Deus);
Norma Soares (membro e integrante do Círculo de oração da
Assembléia de Deus);
Marli Santana (membro e integrante do Círculo de oração da Assembléia
de Deus);
Alunos e obreiros do Centro de Recuperação Desafio Jovem da
Assembléia de Deus.
Fontes iconográficas
Acervo de Eber Soares, filho do falecido Pastor Severino Soares e
retirada do Jornal Feira Hoje
Memórias e fontes impressas
BERG, Daniel. Enviado por Deus: Memórias de Daniel Berg. Rio de Janeiro.
CPAD. 2000.
FERNANDES, Rogério Armentano. 65anos: jubileu de ferro. Resumo do
Histórico da ADEFS (1938 2003). Igreja Evangélica Assembléia de Deus.
Feira de Santana Ba. 2003.
GILLANDERS, Isobel. A história inacabada. Tradução: Lélia V. Fernandes.
Feira de Santana. Ed. Planzo. 1990.
GOMES, Geziel. Porque sou pentecostal. Rio de Janeiro. Casas
Publicadoras de Assembléia de Deus (CPAD). 1972.
OLIVEIRA, Lélia Vitor Fernandes de. Inquilinos da Casa da Cidadania.
Fundação Cultural Egberto Costa. Feira de Santana. 2006.
SILVA, Waldemar. A Assembléia de Deus de Feira de Santana manuscrito -
s/d.
SYLVESTRE, Josué. Irmão vota em irmão: os Evangélicos, a Constituinte e a
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SYLVESTRE, Josué. Os evangélicos, a constituinte e as eleições municipais.
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Documentos eletrônicos
http://; 108.photobucket.com/álbuns/n15/lukasbaiano/mapafeira desantana.jpg
Anexos
Mapa 1: Mapa estilizado de Feira de Santana
Na imagem, o anel de contorno faz a separação entre o centro e a periferia da cidade. Extraído
de http://; 108.photobucket.com/álbuns/n15/lukasbaiano/mapafeira desantana.jpg
Mapa 2: Rodovias que cortam Feira de Santana
Extraído de SILVA, Elizete da. Protestantismo Ecumênico e realidade brasileira. UEFS. Feira
de Santana. 2007. (Trabalho de professor pleno).
Mapa 3: Evolução Urbana de Feira de Santana
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