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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
HISTÓRIA SOCIAL DA CULTURA REGIONAL
MESTRADO
"DANDO FORMA, VIDA E COR": a pintura de paisagens
e a construção da identidade cultural no Recife (1922-
1932).
PAULO HENRIQUE RODRIGUES MELO
RECIFE/2010
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PAULO HENRIQUE RODRIGUES MELO
"DANDO FORMA, VIDA E COR": a pintura de paisagens
e a construção da identidade cultural no Recife (1922-
1932).
DISSERTAÇÃO apresentada pelo
aluno Paulo Henrique Rodrigues Melo
ao Programa de Pós-Graduação em
História Social da Cultura Regional da
UFRPE, para obtenção do grau de
mestre, sob a orientação da Profa. Dra.
Fabiana de Fátima Bruce da Silva.
RECIFE/2010
ii
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Ficha catalográfica
M528d Melo, Paulo Henrique Rodrigues
“Dando forma, vida e cor”: a pintura de paisagens e a
construção da identidade cultural no Recife (1922-1932) /
Paulo Henrique Rodrigues Melo – 2010.
138 f. : il.
Orientadora: Fabiana de Fátima Bruce da Silva
Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura
Regionial) – Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Departamento de Letras e Ciências Humanas, Recife, 2010.
Referências
1. Pintura 2. Identidade 3. Regionalismo 4. Modernismo
5. Recife (PE) I. Silva, Fabiana de Fátima Bruce da,
orientadora II. Título
CDD 981.34
.
Dedico este trabalho aos meus pais, Jaime e Elana, por
serem os responsáveis por eu ter chegado até aqui.
iii
Agradecimentos
Antes de começar a agradecer a todos que se fizeram presente nesta árdua
jornada, preciso confessar que este foi o momento que mais esperei. Se teve algo
que aprendi nestes dois anos, foi a importância de dizer obrigado, de olhar nos olhos
das pessoas e dizer a elas o quão são importantes. Portanto, agradecer é única
forma que encontro para celebrar este momento tão importante em minha vida.
Agradeço antes de tudo a Deus. Tudo o que tenho me foi permitido por Ele.
Se cheguei onde cheguei, foi por que contei com sua ajuda. Ele me fez lembrar que
eu não podia abraçar o mundo com braços e pernas. Ele impediu que eu
descobrisse como era o fundo do poço.
Minha família foi Sua aliada nesta missão. Desde que me entendo por gente,
como diria minha mãe, sempre estiveram ao meu lado. Nunca me abandonaram.
Fizeram de mim o que sou hoje, ensinaram-me a andar de cabeça erguida, a lutar
pelo que acredito. Não sei se um dia terei amor tão grande e benevolente como
este. Sou tão grato a vocês e meu maior orgulho na vida é poder dizer que venci e
continuarei vencendo, por que desistir não é característica da nossa família. Este
trabalho é tanto meu como de vocês.
A Paulo, que entrou no barco durante o auge da tempestade e se faz
presente agora, quando a bonança começa a chegar. Obrigado por estar ao meu
lado nos momentos mais difíceis, por me ajudar a colocar a bagunça no eixo.
Aos meus queridos amigos Bruno e Cristiane Garcia, sempre disponíveis,
fosse para me emprestar o ombro para chorar ou para me fazer rir. A amizade de
vocês é muito preciosa para mim e desejo que se estenda para o resto de nossas
vidas.
A Universidade Federal Rural de Pernambuco que me propiciou tantas
oportunidades boas, que me fez aluno, professor. Saio com um aperto no coração,
pois são quase oitos anos de relacionamento e com certeza a saudade será grande.
A CAPES, pela bolsa de estudos concedida. Mesmo chegando tarde, foi uma
tremenda ajuda.
iv
Aos meus incríveis professores, exemplos de profissionalismo e amor ao
conhecimento. Seres que sabem antes de tudo o valor do ser humano. Agradeço
não pelo conhecimento acadêmico, mas principalmente de vida que adquiri com
vocês. Pois professores como Vicentina Ramirez e Giselda Brito sempre me
impulsionarão a continuar.
A minha estimada orientadora Fabiana Bruce pela paciência e atenção.
Sempre calma enquanto eu me desesperava. Foi sem sombra de dúvidas o
equilíbrio que faltava.
A grande impulsionadora deste projeto, professora Lúcia Falcão. Posso dizer
que foi a minha heroína durante a graduação e o mestrado. Seu carisma,
inteligência e elegância são invejáveis.
Ao professor Paulo Marcondes pela disponibilidade e contribuições. Suas
colocações foram de tremenda importância.
A Alexsandra, sempre tão carinhosa e atenciosa. Vou sentir saudades,
garota.
A todos os funcionários das instituições em que passei atrás de “pistas” para
pesquisa. O trabalho de vocês é de suma importância não para mim, mas para
todos os historiadores.
Aos meus colegas de turmas por esta incrível jornada que tivemos juntos. Em
especial a Bianca Nogueira, exemplo de vida, irmã que sempre quis ter e a Jordana
Leão, mulher de raça, autêntica e divertida. Nunca esquecerei o quanto aprendi com
vocês duas.
Aos amigos Sandro, Breno, Ronaldo e Graziela pelos bons e divertidos
momentos. Torço muito por vocês.
A todos os meus alunos que torceram por mim e me ensinaram tantas coisas.
A todos os demais que participaram direta ou indiretamente deste trabalho.
E especialmente aos artistas que me forneceram seus sentimentos,
inquietudes e visões de mundo através de suas pinceladas.
v
Tinha que existir uma pintura totalmente livre da dependência
da figura o objeto que, como a música, não ilustra coisa
alguma, não conta uma história e não lança um mito. Tal
pintura contenta-se em evocar os reinos incomunicáveis do
espírito, onde o sonho se torna pensamento, onde o traço se
torna existência.
Michel Seuphor:
vi
RESUMO
A presente pesquisa tem por objetivo “ler” a produção pictórica pernambucana na
década de vinte (1922-1932) e compreender como seus possíveis significados e
elementos foram interpretados, manipulados e apreciados nas construções
operadas pelos pintores a respeito da identidade cultural local/nacional. Dentre uma
variedade de gêneros que passam pela pintura de retratos até a pintura histórica,
deteremo-nos à pintura de paisagem por esta ser recorrentemente entendida e
utilizada em tais formulações como inerente à identidade e à história individual e
coletiva de Pernambuco. No cerne destas formulações encontraremos o conflito
entre moderno e o tradicional, evidenciando as tensões trazidas pelo discurso
modernizador que contagiou o imaginário do homem recifense nos anos vinte
levando artistas e intelectuais a se posicionarem contra ou a favor. Tal caso pode
ser observado naqueles que se ligaram direta ou indiretamente ao movimento
regionalista tradicionalista, ao qual deteremos maior atenção. Entenderemos as
obras de arte como uma prática social, que se constrói na precisa continuação da
historicidade da forma plástica e no seio social ao qual o seu produtor se encontra
inserido. Para tal nos aproximaremos do modelo explicativo construído pelo
sociólogo francês Pierre Bourdieu, que tem como termos fundamentais os de campo
e de habitus. Priorizamos o cruzamento das fontes escritas e visuais, levando em
consideração que cada uma possui seu modo de ser e ao mesmo tempo mantêm
entre si relações complexas através de um funcionamento recíproco, instaurando
uma forma de ver e dizer sobre a realidade produzindo sentidos e significados.
Palavras-Chaves: Pintura, Identidade, Paisagem, Regionalismo, Modernismo
vii
ABSTRACT
The current research has by its purpose "to read" the pictorial production of
Pernambuco in the decade of 20 (1922 - 1932) and understand how its possible
meanings and elements were interpreted, manipulated and appreciated in the
constructions produced by the painters in the point of local/national cultural identity.
Among a variety of gender that passes by portait paintings until the historic painting,
we are going to linger at landscape painting, because this one is repitedly understood
and used in those formulations as inherent to the identity and the individual history of
Pernambuco. In the core of those formulations, we are going to find the conflict
between modern and traditional, making evident the tensions brought by the
modernizing speech that contaminated the Recife's men imaginary inte the 20th
years, carring artists and intellectual people to have an attitude against it or in the
favour. This case can be observated in those who connected direct or indirectly to
the regional traditionalist movement which will detain more attention. We will
understand the work of art as a social practice that built itself in the precisely
continuation of historicity in the plastic form and in within social, that its product is
introduced. We will approach to the explained model built by the french sociologist
Pierre Bourdieu, whose fundamental terms are the Campo and the Habitus. We
prioritize the intersection of visual and written sources, taking into consideration that
eachone has its way of being and in the same time maintain complex relationships
with each other through a reciprocal operation by introducing a way to see and say
about the reality producing meanings and senses.
keywords: Painting, Identity, Landscape, Regionalism, Modernism
viii
BIBLIOTECAS E ACERVOS DE PESQUISA
Arquivo Público Estadual João Emerenciano
Biblioteca Central da UFPE
Biblioteca Central da UFRPE
Biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE
Biblioteca do Centro de Artes e Comunicação da UFPE
Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco
Biblioteca do Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães
Fundação Joaquim Nabuco
Museu Murilo La Greca
Museus do Estado de Pernambuco
ix
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 - Fotografia do Prédio da Escola de Belas Artes de Pernambuco
localizado na rua Bemmfica 150. Reproduzida do Diário de Pernambuco, 22 de
Agosto de 1932......................................................................................................... 52
Ilustração 2 - Fotografia da primeira turma de pintura da Escola de Belas Artes de
Pernambuco.Publicada no Diário de Pernambuco em 21 de agosto de 1932......... 53
Ilustração 3 - MONTEIRO, Fédora do Rego - La dame em rouge, 1912-1913. Óleo
sobre tela. Reproduzida e HERKENHOFF,Paulo (org). Pernambuco Moderno.
Recife: CC Bandepe, 2006........................................................................................ 57
Ilustração 4 - AMARAL, Tarsila do Retrato de Oswald de Andrade, 1922
óleo sobre tela. Reproduzido em Enciclopédia Itaú
Cultural:
.http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_IC/Enc_Obras/dsp_d
ados_obra.cfm?
cd_obra=2317&cd_idioma=28555&cd_verbete=3386&num_obra=6.Acesso em
29 de junho de 2009. .......................................................................................... 58
Ilustração 5 - JÙNIOR, Telles. Entrada da Barra do Recife. 1905. Óleo sobre tela,
77x 149 cm. Col. Museu do Estado de Pernambuco. Reproduzido em SILVA, José
Cláudio da. Artistas de Pernambuco. Recife: Ed, Governo do Estado de
Pernambuco, 1982.................................................................................................... 96
Ilustração 6 ELLIOT, Henrique. Cabeça de Negra. 1926. Óleo sobre papelão, 23 X
15 cm. Col. Berguedof Elliot, Recife. Reproduzido em SILVA, José Cláudio da. Op.
cit.............................................................................................................................. .99
x
Ilustração 7 - ELLIOT. Henrique. Jogo de Gude, 1924. Óleo sobre tela, 91,5 x 60 cm.
Col. Faculdade de Direito do Recife. Reproduzido em SILVA, Jo Cláudio da. Op.
cit............................................................................................................................. .99
Ilustração 8 - “O Largo do Hospício, com as suas modernas construções urbanas e
linda arborização”: In: Revista de Pernambuco ano 2 Nº 7 Janeiro de 1925.........106
Ilustração 9 - Monteiro, Fédora do Rego. Arco do Bom Jesus. Óleo sobre Eucatex,
49,3 x 59,3 cm Reproduzido em SILVA, José Cláudio da. Op. cit...........................114
Ilustração 10 ELLIOT, Henrique. Mucambos, 1916. Óleo sobre papelão, 38 x 48
cm. Col. Particular, Recife. Reproduzido em SILVA, José Cláudio da. Op. cit........115
Ilustração 11 - DIAS, Cícero. Recife Lírica, déc. 1930. .Óleo sobre tela,
140 x 260 cm. Coleção Sylvia Dias (Paris, França). Reproduzido em Enciclopédia
Itaú Cultural Artes Visuais:
http://www.itaucultural.org.br/bcodeimagens/imagens_publico/000528002019.jpg.
Acessado em 30 de outubro de 2009. .....................................................................117
Ilustração 12 - Avenida das Docas do porto In: Revista de Pernambuco, Ano 2, 9.
março de 1925..........................................................................................................119
Ilustração 13 - Visão Romântica do Porto de Recife , 1930, óleo sobre cartão, 124
x 228 cm Coleção Gilberto Chateaubriand - Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro.Reproduzido em Enciclopédia Itaú Cultural Artes
Visuais:http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_IC/Enc_Obras/dsp_
dados_obra.cfm?cd_obra=2686&cd_idioma=28555&cd_verbete=669&num_obra=16.
Acesso em: 20 de janeiro de 2010...........................................................................119
Ilustração 14 Noruega. Óleo sobre tela, 85 x 85 cm. Col. Museu do Estado de
Pernambuco, Reproduzido em SILVA, José Cláudio da. Op. cit.............................121
xi
Ilustração 15 - Recife. Óleo sobre tela, 86 x 86 cm. Col. Museu do Estado de
Pernambuco, Reproduzido em SILVA, José Cláudio da. Op. cit.............................121
Ilustração 16 - Dias, Cícero. Sonoridade da Gamboa do Carmo, déc. 1930. Óleo
sobre tela, 78 x 75 cm. Coleção do Artista. Reproduzido em Enciclopédia
ItaúCultural:http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_IC/Enc_
Obras/dsp_dados_obra.cfm?
cd_obra=1698&cd_idioma=28555&cd_verbete=669&num_obra=11.......................
....................................................................................................125
Ilustração 17 - Pontos Cardeais. Desenho de Karina Buhr. Reproduzido em
http://mtv.uol.com.br/karinabuhr/blog. Acesso em 30 de maio de 2010.................130
xii
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................
14
PRIMEIRO CAPÍTULO
UM CAMPO E SUA SEARA: ASPECTOS DO CAMPO ARTÍSTICO PERNAMBUCANO
NOS ANOS VINTE............................................................................................................... 28
1.1 Modernismo e Moderno nas artes.................................................................................. 31
1.2... E o modernismo chega ao Recife................................................................................ 34
1.3 O campo artístico pernambucano e sua estrutura.......................................................... 42
1.3.1 Mercado Consumidor e Instâncias de consagração..................................................... 42
1.3.2. Instâncias de reprodução dos produtores....................................................................49
SEGUNDO CAPÍTULO
A EVOCAÇÃO DO VERDE PERNAMBUCANO:
CRÍTICAS DE ARTE SOBRE A PINTURA PERNAMBUCANA DOS ANOS 20................. 61
2.1 Tupi or not tupi: that is the question: o movimento modernista de São Paulo e suas
formulações identitárias;.................................................................................................64
2.2 Críticas de arte que evocam a paisagem regional:..........................................................68
2.2.1 Aníbal Fernandes: o nosso “petit” Maurras.................................................................. 85
2.2.2. Joaquim Inojosa e suas críticas “futurista”.................................................................. 87
TERCEIRO CAPÍTULO
REMEMORANDO UM RECIFE MORTO: LEMBRANÇAS DE PAISAGENS ESVAÍDAS NO
TEMPO................................................................................................................................. 94
3.1 A figura de Telles Júnior................................................................................................. 95
3.2 pintar não é fotografar: A fotografia e o cinema provocam mudanças na forma de se
pintar a cidade..................................................................................................................... 104
3.3 Rememorar, conservar: pintar para lembrar, pintar para resguardar............................ 110
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................131
FONTES E BIBLIOGRAFIA.................................................................................................135
xiii
14
INTRODUÇÃO
_______________________________________________________________
Parece até um clichê acadêmico iniciarmos com as palavras Marc Bloch: “Se
a incompreensão do passado nasce fatalmente da ignorância do presente, não é
menos verdadeiro que é necessário compreender o passado pelo presente.”
1
Porém,
não poderíamos começar de outro modo, pois estas palavras continuam ainda a
revelar o ímpeto que move o ofício do historiador. Elas traduzem o caminho
percorrido por nós, para dar respostas às inquietações surgidas a partir da
necessidade de nos posicionarmos no presente ao qual estamos circunscritos e de
entendermos nossos “crachás” de identificação, que nos posicionam como
pernambucanos, nordestinos, brasileiros; para refletirmos sobre identidades que
parecem naturalizadas, incapazes de serem negadas e nos atribuem características,
com as quais nem sempre nos achamos correspondentes. Identidades que, ainda
nos dias atuais, parecem presas a uma ótica folclórica da miséria, da violência, da
seca, do pitoresco.
Não questioná-las é assumir passivelmente, como afirma Durval Muniz,
várias representações excludentes sobre o povo e ocupar o lugar que esperam para
nossa voz.
2
O nosso olhar para o passado, portanto, dar-se-á através do nosso
presente; momento este que se metamorfoseia rapidamente, tornando-se o passado
que num movimento contínuo vai se afastando de nós, nos deixando a opção de
termos de lidar com a possibilidade de reconstruí-lo através de nossas narrativas.
O objetivo do nosso trabalho consiste em “ler” a produção pictórica
pernambucana na década de vinte, e compreender como seus possíveis significados
e elementos foram interpretados, manipulados e apreciados nas construções
operadas por diferentes agentes a respeito da identidade cultural local/nacional.
Dentre uma variedade de gêneros, que iam da pintura de retratos à pintura histórica,
iremos nos deter à pintura de paisagens. Uma vez que esta é recorrentemente
entendida e utilizada pelos artistas e intelectuais ligados ao movimento regionalista
1
BLOCH, Marc. Apud LE GOFF, Jacques. Uma vida para a história. São Paulo: Ed UNESP, 1998. p
119
2
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massagana, 1999.
15
de Pernambuco como inerente à identidade e à história individual e coletiva de
Pernambuco.
O nosso recorte cronológico tem início em 1922, ano em que ocorreu a
Semana de Arte Moderna em São Paulo, considerada por muitos o marco inaugural
do modernismo brasileiro. O evento reuniu os “novos”, artistas que proclamavam
uma arte desvinculada dos cânones tradicionais e conservadores, livre de regras e
margeada pela criatividade do artista. No mesmo ano, no Recife, um jovem
estudante de Direito, ao retornar de uma temporada no Sudeste, iniciava a
divulgação dos ideais com os quais havia entrado em contato. Com suas idéias
modernistas, Joaquim Inosoja, ganhou adversários, atraiu seguidores, foi chamado
de futurista, mas, sobretudo, sacudiu o cenário artístico recifense.
Os seus principais oponentes encontravam-se ligados, direta ou
indiretamente, ao “Movimento Regionalista, Tradicionalista e, a seu modo,
Modernista do Recife”. Este movimento, que encontrou em Gilberto Freyre seu líder,
projetava-se a favor da defesa da tradição e dos valores regionais através de uma
postura, ao mesmo tempo reivindicatória e saudosista, em que a nostalgia remetia
ao apogeu das elites agrárias nordestinas e motivava o clamor por um reequilíbrio
de forças que compensasse o poderio perdido.
Dentro deste ambiente, marcado pelos embates travados entre “futuristas” e
os seus opositores, e, sobretudo, pelas tensões e inovações trazidas pela
modernidade, é que iremos encontrar nossos personagens: indivíduos que
produziram arte em uma cidade aonde o moderno vinha se impondo ao tradicional,
transformando sensibilidades, códigos de sociabilidade e reformulando os discursos
políticos.
Optamos em centrar nossa análise no grupo regionalista pelo fato destes
sujeitos terem conseguido, através de seus projetos cultural e intelectual, maior
capital simbólico, e também conquistado, dessa forma, legitimação, posicionamento
e reconhecimento no cenário artístico e intelectual local configurando-se como
estabelecidos. Suas formulações, estruturadas a partir da defesa da tradição da
região, iam ao encontro do imaginário de uma sociedade marcada pelo conflito
gerado pela nova ordem imposta pela modernização, o que dificultava a
disseminação das idéias modernistas pregadas por Joaquim Inojosa.
Desejamos ainda esclarecer que o fato de não centrarmos nossa atenção na
figura de Inojosa implique que tomemos por inferior ou por menor a sua atuação. Ao
16
contrário, acreditamos na grande importância deste autor nesse momento, ao
provocar no cenário cultural do Recife uma série de reflexões que levou diferentes
sujeitos a avaliarem seus posicionamentos e suas concepções. Porém, sua
campanha não obteve o mesmo êxito que os ideais do movimento regionalista e isso
ficará claro ao examinarmos as estruturas do campo artístico local em nosso
primeiro capítulo. Novamente ressaltamos que, ao fazermos estas afirmações, não
almejamos assumir o posicionamento de seus opositores. O que queremos destacar
é que, devido ao seu modernismo mitigado e à realidade do cenário cultural
pernambucano durante o período estudado, o grupo regionalista encontrou-se em
uma posição mais favorável de aceitação e permeação de suas idéias na produção
cultural local, influenciando fortemente a forma com que diferentes agentes
pensaram, pintaram ou escreveram. E justamente neste aspecto é que se justifica a
nossa escolha de centrarmos nossa análise no grupo liderado por Gilberto Freyre.
Dentre a variada composição deste grupo, formado por literatos sociólogos
políticos, buscamos analisar como a atuação dos pintores, direta ou indiretamente,
ligados aos ideais do movimento regionalista, frente às tentativas de efetivação do
modernismo no Recife, criou, em um ambiente culturalmente avesso à maioria das
conquistas da arte moderna, pontos de recusa ou aceitação. Pontos estes que
levaram os artistas, e intelectuais a estruturarem suas produções através da
utilização de um estoque simbólico que legitimassem a arte como genuinamente
pernambucana e resguardassem a identidade cultural local, tida como ponto de
partida para se alcançar a nacional, ameaçada pela modernização.
Em suas tentativas de esquadrinhar o caráter legítimo da nação e do seu
povo, tendo no centro de suas reflexões o dilema entre o novo e o passado, artistas
e intelectuais utilizaram-se de uma série de símbolos e representações para
construir seus discursos. Segundo Stuart Hall, não devemos perder de vista que as
culturas nacionais são formadas de símbolos e representações e, ao construírem
sentidos sobre a nação, constroem identidades. Esses sentidos são contidos nas
histórias, imagens, panoramas, cenários, eventos históricos, símbolos e rituais que
simbolizam, representam e dão sentido à nação, através de memórias tentadas a
retornar às glórias passadas que conectam seu presente impulsionado em avançar
em direção a modernidade
3
.
3
HALL, Stuart. A identidade cultural da pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
17
A utilização deste estoque simbólico no processo de definição da identidade
nacional fundou-se de forma diferente, de acordo com os esquemas de interpretação
dos indivíduos que dele se inteiram. Portanto, nesse mesmo período histórico,
modelos explicativos de nossa identidade se confrontam e se constroem a partir da
memória-histórica de cada grupo. Ressaltar esta diversidade presente nas
construções identitárias em tais projetos desconstrói a idéia de que o modernismo
constitui-se um como um bloco homogêneo e exclusivo da região sudeste. Outras
concepções a respeito das manifestações de modernidade no âmbito cultural
ocorreram no país, e Pernambuco foi um destes locais.
Dentre a ampla gama de mbolos utilizados nas diversas construções
teóricas a cerca da identidade, a paisagem constituiu-se como um lugar de
apropriação visual e um foco para a formação de identidade. Para estes artistas e
intelectuais, sentir-se parte de uma paisagem significava torná-la seu lugar de vida e
estabelecer, deste modo, uma ligação construída através de laços de referência e
valores pessoais. Não é a toa que em várias passagens podemos constar que os
aspectos culturais e sociais utilizados têm por base o discurso da natureza a partir
dos quais irão se estabelecer os valores regionais e mais amplamente nacionais.
Intelectuais e artistas vivenciaram uma época marcada por mudanças de
paradigmas, no qual o conceito de paisagem passou a se desvincular da idéia de ser
perceptível através de aspecto visível e espacial. Esta mudança revela uma nova
relação da sociedade com o espaço em que vive, e funciona como um processo de
construção cultural e social onde o pensamento intelectual da época, juntamente a
produção artística, desempenhou um papel determinante na construção de códigos,
pelos quais as mesmas foram compreendidas.
No século XIX, o conceito de paisagem foi calcado na herança da estética
românica naturalista e ocupa um lugar proeminente na geografia através de dois
filões utilizados pelos geógrafos para sua conceituação. Para uns, a paisagem é
vista como uma fisionomia caracterizada por formas e seu estudo recorre
basicamente ao método morfológico. A crise do paradigma naturalista e dos padrões
tradicionais de sociabilidade possibilitaram a emergência de um novo olhar, em
relação ao espaço, e de uma nova sensibilidade social, em relação à nação. A
paisagem passou a ser entendida como um conceito integrador que traduzia as
18
interações entre os elementos do mundo físico e os grupos humanos de uma
determinada área.
4
Utilizaremos o termo paisagem cultural a nos referirmos a estas formulações.
Para Josué de castro, a paisagem cultural é, segundo ele, uma paisagem natural
humanizada que cristaliza a correlação da paisagem natural com o organismo
urbano que é a cidade, então expressão natural e do humano, marcada pela
complexidade e grandiosidade. Ele concebe a paisagem cultural como uma projeção
da cidade constituída de formas naturais e culturais que registram a história da
humanidade.
5
Pensando ou pintando, intelectuais e artistas sentirão a paisagem local como
fruto de um processo social, transformadas culturalmente através das experiências e
as aspirações das pessoas. São lugares que se converteram em símbolos,
utilizados, por muitas vezes, não somente pelos regionalistas, em tentativas de se
criar laços de identificação coletiva, através de um espaço carregado de simbologia,
que atua como centro transmissor de mensagens culturais.
Fontes e Análise
A imagem
O nosso corpus documental é constituído, em sua grande parte, pela
produção artística dos pintores pernambucanos - realizada durante a década de
vinte - a qual nos desperta maior interesse às obras dos artistas que têm seus
nomes ligados, direta ou indiretamente, aos princípios defendidos pelo movimento
regionalista tradicionalista.
Concentraremos nossa atenção neste grupo, devido a enxergarmos na força
de sua atuação as bases de um pensamento que perpassou a produção. Ao
optarmos por centrar nossa análise no grupo regionalista, não pretendemos
minimizar o esforço empregado por Joaquim Inojosa em sua campanha, muito
menos renegá-lo a um plano secundário. Sua atuação funcionou como uma
“provocação”, que levou os indivíduos a repensarem, discutirem e avaliarem suas
concepções e posicionamentos.
4
SALGUEIRO, Teresa Barata. Paisagem e Geografia. In Revista: Finisterra, XXXVI, Nº. 72, 2001.
5
CASTRO, Josué. Apud CARNEIRO, Ana Rita Sá. A paisagem cultural e os jardins de Burle Marx no
Recife. In: CARNEIRO, Ana Rira Sá, PONTUAL, Virgínia (Orgs.) História e paisagem: ensaios
urbanísticos do Recife e de São Luís. Recife: Ed. Bagaço, 2005. p. 52
19
Com o alargamento na noção de documento, a imagem, e, por extensão, a
imagem artística, passou a ganhar, a partir da década de 1960, estatuto documental.
Portanto, em nosso trabalho, a produção artística não será vista como complemento
do texto escrito ou como “sintoma” de uma concepção estática e determinante de
cultura, mas como constitutiva da própria cultura, na medida em que irradia novos
significados
. Inspirados em Durval Muniz, acreditamos que:
As obras de arte têm ressonância em todo o social. Elas são
máquinas de produção de sentido e significados. Elas funcionam
proliferando o real, ultrapassando sua naturalização. São produtoras
de uma dada sensibilidade e instauradoras de uma dada forma de
ver e dizer a realidade. São máquinas históricas de saber.
6
Entendemos a imagem, como uma prática social, cuja se constrói na precisa
continuação da historicidade da forma plástica e no seio social ao qual o seu
produtor se encontra inserido. Preferimos nos distanciar de uma abordagem formal,
que se restringisse a ter, como principal eixo, a compreensão estritamente plástica
do objeto artístico (formas, cores, espaço), para adotarmos uma abordagem social, a
qual prioriza descrever os caminhos por onde esse objeto percorreu ao presente,
e nos permita perceber a constituição de seu valor enquanto obra nas continuidades
e descontinuidades históricas, nas re-elaborações e re-significações culturais e nas
relações de poder que perpassaram o campo artístico pernambucano durante os
anos vinte.
Ao adotarmos esta perspectiva, aproximamo-nos da sociologia da arte
desenvolvida por Pierre Bourdieu O objeto artístico é visto por ele, como resultante
do processo social que a arte a atravessa superando a noção de livre expressão e
colocando francamente em cheque a idéia ainda muito difundida de que o
desenvolvimento se processa de maneira espontânea e auto-expressiva
.
O que é que faz que uma obra de arte seja uma obra de arte e não
uma coisa do mundo ou simples utensílio? O que é que faz de um
artista um artista em oposição a um artífice ou a um pintor de
domingo? O que é que faz com que um bacio ou uma garrafeira
expostos num museu sejam obras de arte? Será o fato de estare
assinados por Duchamp, artista reconhecido (e antes de mais como
artista), e não por um comerciante de vinhos ou latoeiro? Ora não
será simplesmente passar da obra de arte como feitiço para o ‘feitiço
6
ALBUQUERQUE JUNIOR, op. cit., p.30
20
do mestre’ como dizia benjamim? Por outras palavras, quem criou o
criador como produtor reconhecido de feitiços?
7
Bourdieu nos mostra a ingenuidade da visão cuja acredita que a manifestação
artística expressa uma universalidade inquestionável e toma por atemporais
fenômenos que, na verdade, respondem a injunções históricas muito precisas, e
desconsideram o campo de produção onde o produtor se encontra inserido, e ainda
se constitui como circuito complexo de produção, reprodução, percepção e consumo
da obra artística. Isso tudo inserido num conjunto de relações sociais, tanto internas,
do campo artístico, quanto de outros campos ( econômicos, políticos, etc.).
Esta concepção de arte é construída no interior de um modelo explicativo, que
tem como termos fundamentais os de campo e de habitus. Bourdieu adota o
conceito de “campo” para mostrar homologicamente que a sociedade se configura
em diversos “campos” (econômico, político, artístico etc.), e que cada um possui
suas leis específicas e, ao mesmo tempo, leis gerais que perpassam todos.
8
Mesmo
mantendo uma relação entre si, cada um se define através de objetivos específicos,
o que lhes garante uma lógica particular de funcionamento e de estruturação. Este
funcionamento e estruturação peculiar são garantidos através de um conjunto de
interesses e disputas internas e também por princípios que lhes são inerentes, cujos
conteúdos estruturam as relações que os atores estabelecem entre si. O campo
artístico nasce subordinado aos demais campos (principalmente ao político e ao
econômico) e configura-se como uma construção homológica em relação ao espaço
social simbólico e aos demais campos. Seu desenvolvimento está ligado ao dos
outros, e ele goza, como os demais, de suas especificidades, sendo o capital
simbólico, expresso em formas de legitimidade e consagração, institucionalização ou
não que os diferentes agentes ou instituições conseguiram acumular no decorrer das
lutas no interior do campo, a forma especifica de capital que move as lutas em seu
interior.
9
7
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. – 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1998. p. 287
8
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996
.
9
Dentre as várias modalidades de capital Pierre Bourdieu aponta que o capital simbólico se refere ao
campo cultural. Grosso modo, o capital simbólico é uma medida do prestígio e/ou do carisma que um
indivíduo ou instituição, que assegura formas de dominação, cujas implicam na dependência
daqueles que este mecanismo permite dominar. Ele existe na verdade pela estima, pelo
reconhecimento, pela crença pelo crédito e pela confiança dos outros Ele só poderá sobreviver muito
21
O campo artístico tem a tendência de ser cada vez mais relativamente
autônomo, de acordo com a sua capacidade para excluir fatores e critérios de
avaliação externa, e de definir, pelos seus princípios próprios de funcionamento, o
poder de re-traduzir todas as determinações externas, em motivos e atos auto -
referencialmente estéticos, às normas que orientam sua produção, as condutas dos
seus membros, os critérios de avaliação dos seus produtos.
Os indícios de autonomia são demonstrados na emergência de um conjunto
de instituições específicas ao campo das artes. Elas são a condição de existência de
uma economia dos bens culturais onde dialogam lugares de exposição (galerias e
museus), instâncias de consagração (Academias, Salões) e instâncias de
reprodução (escolas de belas-artes). Dotados das disposições objetivamente
exigidas pelo campo e que englobam também categorias de percepção e apreciação
específicas, estas instituições são capazes de impor uma medida específica do valor
do artista e de seus produtos.
10
Ao utilizarmos o conceito de campo em nosso trabalho se faz necessário
estarmos conscientes da especificidade com que ele se define dado o momento
histórico ao qual nos debruçamos. Durante os anos vinte, o campo artístico
pernambucano encontrava-se em formação, apresentando uma capacidade limitada
de traduzir, em termos puramente artísticos, as demandas externas, e revelava
pouco grau de autonomia, típico dos campos que ainda se encontravam em fase de
formação. Portanto, pesaremos o campo artístico como um campo mitigado.
É assim que entendemos as obras em nosso trabalho: como um artefato que,
sendo resultado de um trabalho, circulou entre certas instâncias e instituições
(galerias, museus, coleções, exposições públicas ou privadas, acervos etc.), passou
por certas mãos (marchands, curadores, críticos, colecionadores etc.), construiu um
circuito de relações com outras “coisas” (relações de troca, de reprodutibilidade,
relações com outras obras visuais e/ou textuais etc.) e eventualmente engendrou
certos valores. São, portanto, termos de uma narração histórica coerente que não
devem ser consideradas simples reflexos de sua época, mas sim, extensões dos
contextos sociais em que foram produzidas
.
tempo se conseguir obter o crédito na sua própria existência. Cf. BOURDIEU, Pierre. A Economia das
Trocas Simbólicas. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1992.
10
Op. cit., p. 326.
22
O cruzamento das fontes visuais com as escritas foi indispensável na
construção de nossa narrativa. Ambos os tipos de produção instauram uma forma de
ver e dizer a realidade e produziram sentidos e significados constituindo-se como
grandes emissores de signos que deram “formas” ao que se entendia por ser
regional e nacional.
11
Isto não significa dizer que estaremos a utilizar as imagens
analisadas como ilustrações para possíveis argumentos formados a partir de outras
fontes sendo, portanto confirmação dos mesmos.
O discurso e a imagem têm, cada um, seu modo de ser; mas eles mantêm
entre si relações complexas e embaralhadas. É seu funcionamento recíproco que
tratamos descrever em uma tentativa de lermos culturalmente nossos documentos,
para que novos pontos de vista sobre os nossos questionamentos fossem
despertados.
Nossas fontes... Nossos problemas
Ao decidirmos trabalhar a partir deste pressuposto nos deparamos com
dificuldades de reunir nossa documentação. A primeira delas se deu no momento do
levantamento bibliográfico. Uma história das artes plásticas em Pernambuco ainda
se estar pra fazer. Ainda temos uma produção escassa e que, em boa parte, detém-
se aos grandes pintores locais como Cícero Dias e Vicente do Rego Monteiro. Os
demais continuam ainda pouco estudados e têm seus nomes citados em uma ou
outra publicação.
A produção historiográfica sobre o Recife, nos anos vinte, não é tão escassa
quanto a referente às artes plásticas Três obras em especial foram de extrema
importância em nossa pesquisa e não poderíamos deixar de explicitar como cada
uma destas contribuiu para o desenvolvimento de nossa pesquisa. Antônio Paulo
Resende, em (Des)encantos Modernos: Histórias da cidade do Recife na década de
vinte, busca explicações para o confronto entre o “ser moderno” e o “ser tradicional”
na década de vinte no Recife.
12
É através das propostas dos intelectuais da época,
das notícias divulgadas na imprensa, no próprio cotidiano urbano, que o historiador
vai buscar elementos para construção de sua narrativa. Desta forma, Rezende
desnuda uma década onde a tensão entre as mudanças trazidas pela modernidade
11
ALBUQUERQUE JUNIOR, Op. cit., p. 117
12
REZENDE, op. cit.
23
se confronta com os elementos provenientes de um espaço fortemente marcado
pela tradição. E é dentro do sinuoso labirinto que é a história que o historiador tenta
inventar saída para ele recorrendo à valorização do cotidiano recifense. Ao
redesenhar os cenários recifenses do período, o autor vai além de seu objetivo
principal e faz da obra uma narrativa sobre os costumes, a vida cultural e intelectual,
os valores recifenses nos anos vinte.
Ao mostrar como na década de vinte os homens vivenciaram as seduções do
moderno e os conflitos criados pela modernidade na cidade do Recife, é delineado o
espaço onde os projetos de construção de uma identidade nacional são realizados e
como os conflitos e seduções influenciam tal elaboração. É justamente este viés que
torna pertinente a obra de Antônio Paulo Rezende como uma das principais
referências bibliográficas deste projeto de pesquisa.
A invenção do Nordeste e outras artes, escrito por Durval Muniz, é fruto de
um trabalho de pesquisa que se ocupou em investigar o processo de invenção do
Nordeste, o surgimento de um recorte espacial, de um lugar imaginário, de uma
região que é inventada a partir de discursos e enunciados que lhe conferiram uma
linguagem e uma visibilidade. Deste modo, o autor busca desnaturalizar a região,
problematizando a sua invenção e buscando a sua historicidade, no campo das
práticas e dos discursos.
Como o trabalho gira em torno dos conceitos de nação e região, cultural
nacional e regional, podem-se ver emergir, na narrativa de Durval Muniz, as ideias
de identidade nacional e regional, de identidade cultural, atrelada às idéias mestras
abordadas pelo mesmo. Portanto, para o historiador, a identidade nacional ou
regional é uma construção mental; são conceitos sintéticos e abstratos que
procuram dar conta de uma generalização intelectual, de uma enorme variedade de
experiências efetivas atendendo a formação discursiva nacional-popular que surge a
partir da década de 20 sustentada pelos dispositivos de nacionalidade. Assim não
somente se é impresso a história da invenção do nordeste, mas também a invenção
do seu povo.
13
Examinar como se deu a expansão do movimento modernista em
Pernambuco e o que significou a retomada da pregação regionalista é o principal
objetivo de Neroaldo Pontes de Azevedo em Modernismo e Regionalismo (os anos
13
ALBUQUERQUE JUNIOR, Op. Cit.
24
20 em Pernambuco). Detendo-se em especial na atividade literária, o autor, através
de um trabalho de pesquisa onde os jornais e revistas pernambucanas da década de
20 constituíram suas principais fontes, compõe uma obra divida em duas partes: a
primeira se detêm em mostrar a chegada a Pernambuco das idéias modernistas e a
campanha de Joaquim Inojosa para divulgar as idéias vindas do sul. Na segunda
parte, o autor ocupa-se da retomada do regionalismo nos anos 20, mostrando como
essa preocupação regionalista insere-se num processo de si tradicional na vida
brasileira para, em segundo lugar, expor a proposta veiculada pela Revista do Norte,
pelas idéias de Gilberto Freyre e pelo Centro Regionalista do Nordeste.
14
Na fase seguinte de nossa pesquisa: catalogação das obras, a dispersão
destas foi o nosso maior empecilho. Muitas se encontravam em coleções
particulares e especiais, o que, quando o dificultou o nosso acesso, nos impediu,
e outras nem se quer conseguimos notícias sobre os seus paradeiros. Em relação
as que se encontravam em museus pernambucanos, o contato se restringia a
análise dentro das instituições, haja vista que boa parte destas não permitiam a
reprodução através de fotografias, e ainda era dificultado devido aos seus horários
de funcionamento.
A saída encontrada para tais empecilhos se deu, sobretudo, na etapa de
análises, graças às reproduções encontradas em livros, o que não solucionou por
completo nossos problemas. Pois, muitas dessas reproduções, não apresentavam
um bom estado. Vale aqui registrar a importância da obra Artistas de Pernambuco
de José Claúdio por reunir, em único volume, uma grande quantidade de
reproduções de pintores locais, sendo para nós, indispensável sua utilização.
15
Em relação aos textos escritos a dificuldade de reuni-los revelou-se em um
grau menor, o que não significa dizer que encontramos a nossa disposição um
denso corpo documental. Trabalhamos principalmente com periódicos e jornais
recifenses, pois como publicações especializadas em artes não existiam, a imprensa
local constituía-se o principal meio de divulgação, apresentação e debate sobre
artes no Estado. A escolha de centrar o foco de nossa análise nestes textos, deu-se
mediante à quase inexistência de escritos deixados pelos artistas. Cartas, artigos,
depoimentos ou qualquer outro tipo de documentação que nos permitissem “escutar”
14
AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. Modernismo e regionalismo (Os anos Vinte em Pernambuco).
João Pessoa: Secretaria de educação e Cultura da Paraíba, 1984.
15
SILVA, José Cláudio da. Artistas de Pernambuco. Recife: Ed, Governo do Estado de Pernambuco,
1982.
25
estas vozes parecem terem sido “varridos” da superfície da Terra. O pouco que
encontramos, muitas vezes encontrava-se em um péssimo estado de conservação e
catalogação, como no caso do vasto acervo do museu Murilo La Greca que se
encontra entregue ao descaso, correndo o sério risco de, com o tempo,
desaparecer.
Dentre os mais credenciados jornais dos anos 20, no Recife, relacionados por
Souza Barros, constam nomes como: A Província, Jornal do Recife, A Noite, A Rua,
A Notícia, Jornal Pequeno, Diário do Estado, O Intransigente, Diário da Manhã,
Diário da Tarde e A Tribuna. No entanto, destinamos maior atenção ao Diário de
Pernambuco e Jornal do Commercio, devido à orientação seguida por cada um. O
Diário de Pernambuco agrupou entre seus redatores uma boa parcela de intelectuais
ligados a corrente regionalista tradicionalista, enquanto o Jornal do Commercio, que
tem como articulista Joaquim Inojosa, abre maior espaço aos textos dos “futuristas”.
Outros periódicos também integraram nosso corpus como a Revista do Norte,
uma publicação nitidamente de cunho regionalista, a Revista de Pernambuco,
divulgadora das obras modernizadoras do Recife, e a revista A pilhéria.
Como revela Neroaldo Pontes de Azevedo, o jornalismo, neste momento, é
dominado pela paixão política, com reflexos evidentes sobre a vida cultural.
16
Os
fatos recebem visões diferentes, de acordo com a orientação política que seguia o
jornal. Levar em consideração estes posicionamentos foi fundamental ao se analisar
estas fontes. Pois pudemos perceber como estes textos, ao atuarem como
diretrizes mediadoras na relação entre a obra de arte e o espectador, instauraram no
campo artístico pernambucano fundamentos para possíveis legitimações a respeito
das obras e artistas, de acordo com seus posicionamentos políticos e ideológicos.
A produção literária também integrou nossas fontes. Segundo Sandra Jatahy
Pesavento, literatura e história são narrativas que m o real como referente, para
confirmá-lo ou negá-lo, construindo sobre ele toda uma outra versão, ou ainda para
ultrapassá-lo. Como narrativas, são representações que se referem à vida e que a
explicam. A verdade da ficção literária não está em revelar a existência real de
personagens e fatos narrados, mas em possibilitar a leitura das questões em jogo
numa temporalidade dada.
17
16
AZEVEDO, op. cit.
17
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & literatura: uma velha-nova história, IN: Nuevo Mundo.
Mundos Nuevos . 2006. Disponível em: http://nuevomundo.revues.org/index1560.html
26
Deste modo, voltamo-nos para os textos numa tentativa de visualizar como
estes insinuam, através dos fatos construídos pela narrativa ficcional,
representações e posicionamentos gestados nas angústias e encantamentos de
indivíduos que viviam em tempos incertos e intempestuosos, margeados pela
necessidade de se posicionar, de se definir.
Buscamos, portanto, analisar obras que estruturaram suas narrativas em
elementos regionalistas e na defesa da tradição, integrando-se a um circuito de
produção que abrangeu diferentes áreas de produção artísticas e áreas do saber..
Foi assim que chegamos à obra de Mário Sette.
18
Seus romances funcionaram como
um grande contribuinte para a retomada do regionalismo e do tradicionalismo no
início da década de vinte, mesmo sendo esta dotada, como afirma Neroaldo Pontes
de Azevedo, de, no mínimo, uma visão ingênua da realidade nordestina mostrando
que foi necessário um JoLins do Rego para concretizar uma literatura de cunho
regionalista tradicionalista.
19
Mário Sette realiza sua história pitoresca da cidade através do ato de arruar
que o leva a observação da vida urbana pela ótica de um indivíduo que se acha
deslocado no meio das mudanças sociais. Sua narrativa é própria a um ser que se
integra ao interior da paisagem evocada, projetando-as no seu passado, buscando
no seu presente pontos de permanência entre o que existe e o que desapareceu.
Sua obra, portanto, pode ser vista como expressão ou sintoma de formas de pensar
e agir, onde os fatos narrados não se apresentam como dados acontecidos, mas
como possibilidades, como posturas de comportamento e sensibilidade, dotadas de
credibilidade e significância, residindo nestes aspetos o seu valor para a nossa
narrativa.
Considerações sobre nossa narrativa
Organizamos a nossa dissertação em três capítulos. O primeiro, Um campo e
sua seara: aspectos do campo artístico pernambucano nos anos vinte,
18
Mário Sette (1886-1950) foi um escritor recifense cuja produção data da primeira metade do século
20. Tem suas primeiras colaborações nos jornais humorísticos A pimenta e O Bezouro. Foi
catedrático de História do Brasil, na Faculdade de Filosofia do Recife da qual foi também fundador.
Dentre sua vasta obra concentramos nossa atenção em, Arruar, história pitoresca do Recife antigo e
Os Azevedos do Poço. Cf.: ALMEIDA, Magdalena. Mário Sette: o retratista da palavra. Recife:
Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2000
19
AZEVEDO, op. cit., p. 109.
27
dedicado à analise da estrutura do campo artístico pernambucano na segunda
década do século XX. Estruturado por relações que passam pelas instâncias de
poder, pelas instâncias ideológicas e pelo habitus inerente a este campo, fortemente
marcado, pela chegada das idéias modernistas, almejamos delinear as bases deste
campo, percebendo como as mesmas orientaram as práticas e os posicionamentos
dos indivíduos. No segundo capítulo, intitulado A evocação do verde
pernambucano: críticas de arte sobre a pintura pernambucana dos anos 20,
objetivamos visualizar como as críticas de arte escritas não somente
materializaram
os diferentes impasses e profundidades, - oriundos do
embate entre modernismo e
tradicionalismo
que marcaram o campo artístico do Recife nos anos 20 - mas como
as mesmas serviram como veículos para possíveis imposições e legitimações na
produção do valor à arte e ao artista
. O terceiro capítulo, Rememorando um Recife
morto: lembranças de paisagens esvaídas no tempo,
tem por objetivo relacionar
os textos visuais (as pinturas
) com os textos escritos em uma tentativa de encontrar
consonâncias entre ambos. Neste ponto de interseção, pretendemos identificar
como a demarcação e utilização de diversos elementos simbólicos se fez presente
tanto no escrito como no visual,
revelando a construção de uma visibilidade a partir
de um repertório de imagens que conferiam simbolicamente legitimidade e
identidade a Pernambuco e a sua arte.
28
PRIMEIRO CAPÍTULO
UM CAMPO E SUA SEARA: ASPECTOS DO CAMPO ARTÍSTICO
PERNAMBUCANO NOS ANOS VINTE
_______________________________________________________________
Muitas vezes nos refugiamos no futuro para escapar do sofrimento.
Imaginamos uma linha na pista do tempo, e pensamos que, a partir dessa linha, o
sofrimento presente deixará de existir. Mas Teresa não via essa linha diante de si.
Só podia encontrar consolo olhando para trás
20
.
(Milan Kundera)
Em A Insustentável Leveza do Ser, obra de Kundera, existe um triângulo de
gênero romântico, no qual os três personagens principais, o renomado médico
Thomas, sua esposa Teresa e sua amante, a pintora Sabine, têm suas vidas
condicionadas por escolhas irrevogáveis e por acontecimentos fortuitos, em uma
época onde as coisas acontecem uma vez e a existência e a experiência
parecem perder a sua substância, o seu peso. Nessa perspectiva, o autor desenha
cuidadosamente seu cenário com a intenção de ver emergir os conflitos de seus
personagens e, assim, nos remeter as sensações, vivências e experiências do
indivíduo moderno.
Para Marshal Berman, ser moderno é encontrar-se num ambiente que
promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação das coisas ao
redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que
sabemos e tudo o que somos
21
. Berman entende por modernidade o conjunto de
experiências simbólicas e sensoriais, de tempo e de espaço, de si mesmo e dos
outros, das possibilidades e dos perigos vividos pelos indivíduos frente aos
processos de modernização. Tomaremos a modernidade por um processo de
20
KUNDERA. Milan. A Insustentável Leveza do Ser. Tradução de Tereza B. Carvalho da Fonseca.
Rio de Janeiro: Editora Record, 1983.
21
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
29
reflexão sobre essas transformações e contradições como afirma Lefebvre no
clássico: Introdução à Modernidade:
(...) é uma reflexão principiante, um espaço mais ou menos
adiantado de crítica e de autocrítica, numa tentativa de
conhecimento..., e que cuja difere do modernismo como um conceito
em via de formulação difere dos fenômenos sociais como uma
reflexão diante dos fatos.
22
Ao se debruçarem sobre a modernidade, estes indivíduos caminham através
de um turbilhão, ao tentarem conectar o conturbado presente em que vivem com o
passado e o futuro; com intuito de encontrarem um lugar nesse voraz mundo em que
aparentam viver, mergulhados numa aura de permanente desintegração e mudança,
de luta e contradição, de ambigüidade e angústia, onde novos ambientes são
criados e antigos destruídos num perpétuo estado de vir a ser. Segundo a
perspectiva de Berman, destes paradoxos e contradições teriam surgido as
interpretações e as ideologias que se ocuparam de refletir acerca destes paradoxos
que o autor chama de modernismo
23
. Concepção próxima a de Henri Lefebvre que
afirma que:
Por modernismo, nós compreendemos a consciência que tomaram
de si mesmas as épocas, os períodos, as gerações sucessivas; o
modernismo consiste, pois, em fenômenos de consciência em
imagens e projeções de si em exaltações feitas de muitas ilusões e
de um pouco de perspicácia.
24
No Recife, os arrebatadores ventos da modernização sopravam por
meados do século XIX e ganharam mais força nos anos vinte do século passado.
25
Nesta época, a cidade começou a sofrer mudanças políticas, econômicas, sociais e
culturais que, para muitos dos que viveram naqueles dias, a deixava irreconhecível.
22
LEFEBVRE, Henri. Apud REZENDE. Op. cit. p, 108
23
BERMAN, op. cit., p. 15.
24
LEFEBVRE, Henri. Introdução a modernidade. Rio de Janeiro: Ed Paz e Terra 1969.
25
Pernambuco começa a passar por um processo de modernização na administração de Francisco
Rego Barros, o Conde da Boa Vista. Sobre o assunto cf. ARRAIS, Raimundo. O pântano e o Riacho:
a formação do espaço público no Recife do século XIX. São Paulo: Ed. Humanitas/ FFLCH/ USP,
2004;
30
As estreitas ruas e becos sucumbiram diante das onipotentes avenidas.
26
O concreto
começava a dar sustentáculos à capital pernambucana em suas pontes e em seus
prédios. Higienização, urbanização, mocambos a cair por terra, o porto que se
modernizava, automóveis que deslizavam com rapidez, e que deixavam
boquiabertos os moradores acostumados com os antigos transportes. Novas
paisagens, novos personagens. Almofadinhas e melindrosas que desfilavam pelas
ruas ornamentadas por praças, ladeadas por confeitarias e casas de moda. Recife
novo, Recife Moderno. Mudanças que foram vivenciadas, ovacionadas ou rejeitadas.
Mudanças sentidas por aqueles que estudavam, pensavam, declamavam e
pintavam a cidade. Paisagem nova. Paisagem moderna.
No âmbito cultural, a modernização é incorporada através da forte invasão do
modernismo na cultura nacional a partir dos anos 20.
27
Proclamado pelos “novos”
de São Paulo, sob a bandeira de Arte libertadora, destruidora dos cânones
tradicionais, que prendiam os artistas às regras, o movimento tem como marco o ano
de 1922, com a semana de arte moderna. Um novo cenário artístico começava
então a ser delineado no Brasil. E os termos Moderno e Modernismo começam a
integrar os círculos de discussões sobre arte.
No Recife, as discussões acerca do modernismo foram fortemente marcadas
pelo acirrado debate travado principalmente entre os grupos liderados por Joaquim
Inojosa, chamado pelos oposicionistas de “futurista” e pelo grupo tradicionalista,
liderado por Gilberto Freyre. O primeiro apresentava-se como um divulgador do
modernismo desenvolvido no sudeste do país; enquanto o grupo liderado por Freyre
se opunha radicalmente a estes, em favor da região e da tradição. Entretanto, a
principal questão a ser trabalhada aqui não são os embates travados por estes
grupos. Uma vez que, de acordo com Durval Muniz, tomar estes dois movimentos
como antitéticos é assumir a imagem que cada movimento quis construir para si, em
oposição ao outro, ao embarcarem nas próprias disputas inócuas e provincianas
pela hegemonia cultural.
28
Porém, e, sobretudo, é se perceber, como ponto central,
como a invasão destas novas idéias no seio do campo artístico local promoveu
26
As mudanças trazidas pelas ações modernizadoras no Recife já foram amplamente estudadas.
Estudos como os de Antonio Paulo Rezende, op. Cit. e WEINSTEIN, Flávio. As Cidades Enquanto
Palco da Modernidade - O Recife de Princípios do Século. Dissertação de Mestrado em História.
Recife: UFPE, 1995. Ambos os trabalhos conferem um panorama onde o embate trazido pela
modernização delineia novos aspectos no âmbito social, político, cultural e urbano da cidade.
27
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo: Ática, 1990. Daniel Pecaut ainda
aponta o ressurgimento católico e o impulso antiliberal, p. 24.
28
ALBUQUERQUE JUNIOR, op. cit., p. 93.
31
mudanças nas formas como os pintores, por nós estudados, estruturam seu
processo de criação; ao adotarem, ou não, aquilo que acreditavam serem princípios
modernos. Portanto, um ponto de reflexão se instaurou dentro do meio artístico local
que, em consonância com outros fatores, estabeleceram uma avaliação conceitual
direta, ou indiretamente, sobre os princípios de sustentação da esfera artística, ao
determinarem tomadas de posições que influenciaram os rumos tomados por esta
produção.
Porém, antes de começarmos a analisar as obras dos pintores, acreditamos
ser indispensável nos situarmos perante uma conceituação do termo modernismo,
haja vista que este quesito perpassa nossos questionamentos ao examinarmos a
estrutura do campo artístico recifense.
1.1 Modernismo e Moderno nas artes.
Gilberto Freyre em um ensaio intitulado “Modernidade e Modernismo nas
artes”, nos passa a sensação de que, para ele, a antiga querela entre paulistas e
pernambucanos em torno da primazia de uma produção artística modernista não
tinha sido deixada de lado.
29
Neste texto, Freyre nos a impressão de tentar
resolver o antigo impasse através de uma conciliação, ao esforçar-se para igualar
as duas capitais, Recife e São Paulo, como centros originários no Brasil de quase
toda manifestação de modernidade ou de modernismo, seja em política, literatura,
indústria, em pintura, até em religião e ética. Ainda nesse artigo, podemos ler que
“(...) paulistas e pernambucanos se confundem em vir sendo no Brasil os brasileiros
de espírito mais constantemente moderno e às vezes mais exageradamente
modernista.”
30
Como no trecho acima destacado, não é raro nos depararmos com situações,
em que o senso comum prevalece, nas quais, os termos Moderno e Modernismo
têm sido usados sem diferenciação. Muitas vezes, o termo moderno é usado para
conceituar uma obra em contraposição ao que foi produzido no passado. Em outras
situações, o termo serve para englobar um período da história da arte. Enquanto que
29
FREYRE, Gilberto. Modernidade e Modernismo nas artes. In: Vida, Forma e Cor. Rio de Janeiro,
Ed. Livraria José Olympio, 1962.
30
Ibidem, p. 92.
32
o vocábulo modernismo, em seu uso comum, acaba por ser associado ao moderno
como qualidade daquele que é atualizado ou a um contexto histórico datado.
Se seguirmos a mesma direção destas simplificações, a opção mais fácil,
para nos situarmos dentro de uma história da arte, parece ser traçar uma linha em
que uma fase sucede a outra; como se a produção artística estivesse subordinada a
estágios cronológicos obrigatórios, em uma constante evolução. A partir deste
raciocínio linear, o que chamamos de modernismo englobaria um período que se
inicia por meados do século XIX, com a produção dos pintores impressionistas, e
atinge seu ápice nas primeiras décadas do culo XX, com a produção
vanguardista, em detrimento de uma produção com bases na tradição naturalista. O
problema em concordarmos com tal argumento encontra-se no risco de encararmos
o modernismo como uma tendência natural e inescapável à produção artística, e de
não levarmos em consideração que esta organização cronológica linear limita-se ao
cenário artístico europeu e não pode, assim, ser adotada em outros contextos.
Outra forma de explicação ocupa-se em veicular o surgimento de práticas
artísticas modernistas ao processo de modernização. Devemos reconhecer que o
processo de modernização ocorrido em vários centros urbanos foi um dos fatores
que contribuiu ao desenvolvimento do modernismo. Porém, a ressalva que deve ser
feita aqui, é a de que devemos ter cuidado para não reduzirmos a produção artística
desse período a uma simples expressão artística da modernidade. Pois, como
afirma Charles Harrison, tal visão simplificada nos leva a reduzir o modernismo a
uma forma espontânea de reação às condições sociais e aos acontecimentos
históricos tradicionais. Concordamos, com Harrison, que esta simplificação
subestima as preocupações e problemas específicos às práticas e tradições da arte,
que podem ter sido, em muitos casos, elementos motivadores poderosos no
desenvolvimento de novas formas e estilos.
31
Em relação ao nosso campo de estudo, olhar para a história da arte,
denominada modernista, no Recife dos anos vinte, como conseqüência do desejo de
modernidade presente no imaginário da cidade, é esquecer das lutas próprias do
campo, as quais foram decisivas para a configuração do que se considera moderno
ou não.
32
Também não devemos perder de vista que a pintura, em vários momentos
de sua trajetória, se consolidou como categoria artística e definiu sua própria
31
HARRISON. Charles. Modernismo. São Paulo: Cosac Naify Edições, 2001.
32
Ibidem, p. 11.
33
normativa. E, ademais, teve por base a busca constante de respostas para
problemas vividos pelo artista, não somente no mundo onde este se situava, mas,
sobretudo, nos domínios do campo da arte.
Ao se pensar em modernismo não podemos perder de vista que o mesmo
não se constitui como um bloco monolítico, engessado a partir de explicações e
categorias ortodoxas, oriundas do modelo europeu, mas compõem-se de formas
diversas, todas as quais se movem em diversos ritmos. No Brasil, devemos levar em
consideração que o que foi chamado de modernismo, no início dos anos vinte, não
seguiu o mesmo desenvolvimento simbólico a partir de variações nas mudanças das
noções de tempo e espaço ocorridos no campo das artes plásticas na Europa. A arte
moderna produzida no Brasil, especialmente no caso das artes plásticas, é dotada
de uma acepção peculiar e local.
33
O nosso modernismo trazia - o que, segundo Frederick Karl, seria o sentido
de modernismo e de moderno em qualquer época:- um processo de tornar-se novo e
diferente, que se associa ao significado de subverter o que é velho, de tornar-se um
agente da desordem, ou mesmo da destruição da possibilidade de questionar e
fazer de outra maneira.
34
Esse tornar-se se daria através da linguagem utilizada que
se expressaria a partir de rupturas ou de renovações que ocorrem pelo desafio da
autoridade. Uma vez que Karl acredita ser todo modernismo um desafio da
autoridade, e que grande parte deste esforço fora empregado na tentativa de se
escapar dos imperativos históricos.
Ao trazer em seu projeto estético o ímpeto de ruptura com o tradicionalismo e
o academicismo, o modernismo no Brasil se particulariza devido ao seu projeto
ideológico: o desejo pela consciência da identidade da nação e, conseqüentemente,
do seu povo seguido pela busca de uma expressão artística nacional. Então,
enquanto as vanguardas européias se empenhavam em dissolver identidades e
derrubar os ícones da tradição, o nosso modernismo se esforçava para criar uma
33
O Romantismo brasileiro é considerado por Antônio Candido como o inicio de uma literatura que
podemos chamar de nacional por trazer, apesar de ufanista e idealista, mediadora de um
moralismo, de uma visão de mundo e de uma tradição externa, uma tentativa de cunhar uma
produção artística que valorizasse os aspectos nacionais, aspecto este retomado pelos modernistas
de 22 sob outra ótica, para a formação do caráter nacional de nossa produção artística. Cf:
CANDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos. São Paulo: Ed.Martins,
1969. Vol II. .
34
KARL, Frederick. O moderno e o modernismo. A soberania do artista 1885 1923. Rio de Janeiro:
Imago Editora, 1988.
34
tradição que assumisse as características e condições locais. Portanto podemos
falar em um Modernismo a la brasileira segundo Maria Lúcia Guelfi:
O modernismo brasileiro é um nome genérico para designar a fusão
irregular de uma série de “ismos” importados com dados e
experiências locais, colocando em evidência o caráter dependente da
nossa cultura e representando, ora um avanço, ora um recuo diante
do questionamento não desse caráter dependente, como da
própria existência ou não de uma cultura brasileira.
35
Não devemos perder de vista que o modernismo não foi a síntese final da
produção intelectual brasileira na agitada década de vinte.
36
O movimento foi um
dos eixos intelectuais e artísticos de uma época marcada pela efervescência cultural
e política, na qual os indivíduos se posicionaram perante as mudanças trazidas pela
modernidade brasileira. Outras concepções intelectuais e artísticas refletiram
perante este processo de modernização cultural. Um deles, e o que desperta nosso
maior interesse, foi o movimento regionalista liderado por Gilberto Freyre, em
Pernambuco.
E como explicar esta peculiaridade no modernismo nacional? Segundo Pierre
Bourdieu
37
·, um estudo que pretenda tomar uma produção artística ou intelectual,
em sua singularidade, deve ser capaz de inseri-la num sistema de relações que se
desenvolvem segundo as determinações de seu campo específico.
.
1.2 ... E o modernismo chega ao Recife.
Tomemos por início o que Bourdieu denominou por estrutura ideológica
inerente ao campo artístico, e também intelectual. Esta estrutura pressupõe o
gerenciamento de recursos necessários por parte dos seus sujeitos para que melhor
se posicionem dentro do campo. Tal gerenciamento é aqui entendido como o capital
simbólico (como, por exemplo, a propriedade do discurso legítimo, modos de
conduta, titulação), implicado numa distribuição de poder que corresponde a certa
35
GUELFI apud. REZENDE, op. cit., p.130.
36
Rezende destaca no cenário intelectual dos anos 20 a atuação da imprensa operária, bem como as
de Oliveira Viana e Alberto Torres. REZENDE, Idibem p. 135. Já Neroaldo Pontes de Azevedo
ressalta a influência do pensamento católico bem como a permanência das concepções positivistas e
naturalistas. AZEVEDO op. cit.
37
BOURDIEU, 1996, op. cit.
35
equivalência das relações que determinam seus estabelecidos e outsiders.
38
Ou
seja, aqueles capazes de mobilizar um maior grau de recursos corresponderão aos
sujeitos com maior capital simbólico, cujos conquistarão, portanto, legitimação,
posicionamento e reconhecimento. Estes serão, por assim dizer, os estabelecidos. O
outsider é aquele ou aqueles indivíduo(s) que estão excluídos do grupo considerado
estabelecido, que o considerados inferiores, e ainda são tidos como não
observantes das normas e regras impostas pelos estabelecidos.
Ao esboçar esta estrutura ideológica, estabelecemos o ponto inicial para
entendermos a atuação e produção dos artistas. Pois, para sustentar sua tomada de
posição, o artista precisa mobilizar os recursos necessários à manutenção de sua
posição no interior do campo da produção, tanto da criação quanto do consumo de
obras de arte. Tais tomadas de posição são orientadas por um lado pelas instâncias
ideológicas de poder no interior do campo, e por outro, segundo a posição dos
sujeitos que dependem por sua vez dos recursos simbólicos de que dispõem, e
rompem ou reproduzem a ordem estabelecida. Assim, entenderemos como muitos
destes artistas se posicionam no cenário artístico local, cujo centro foi marcado
pelas calorosas discussões entre os “futuristas” e os tradicionalistas regionalistas
Joaquim Inojosa foi o primeiro intelectual pernambucano a repercutir o
movimento modernista paulista em Pernambuco. O jovem estudante de Direito
entrara em contato com os novos de São Paulo e com sua causa, durante sua
viagem ao Sudeste para o Congresso Internacional de Estudantes. Abraçando a
missão de fazer repercutir os ideais modernos e paulistanos em Pernambuco,
começou sua tarefa de divulgador ao escrever artigos sobre o que chamava de
“grande movimento”. Seus primeiros textos foram recebidos nos jornais locais com
indiferença, e geram, aos poucos, críticas e polêmicas.
39
As bases em que Joaquim Inojosa assentou o seu discurso a favor da arte
nova podem ser vistas a partir de dois princípios. O primeiro se encontra fortemente
explícito em sua produção entre os anos de 1922 a 1925, e tem como conceito
básico a destruição do passado, seguido da preocupação de se divulgar o
modernismo sulista, bem como seus principais personagens.
38
Os conceitos de estabelecidos e outsiders estão presentes na obra do sociólogo Norbert Elias. C.f.,
ELIAS, Norbert. MORZART, sociologia de um gênio. Rio de Janeiro:Ed. Jorge Zahar, 1995.
39
Este debate é também discutido em REZENDE, op. cit. e AZEVEDO. Op. cit.
36
Dentre seus vários escritos publicados na impressa pernambucana, neste
primeiro momento,
40
destaca-se A arte moderna, redigida inicialmente como uma
carta remetida aos diretores da revista paraibana Era Nova. O texto ganhou ares de
manifesto e acabou por intensificar a discussão entre passadistas e futuristas.
Múltiplas são as intenções da carta. Dentre elas, a de fazer um balanço do
movimento, ao apresentar, de forma ilustrativa, os principais nomes modernistas; na
intenção de mostrar o que é a arte nova. As informações sobre Pernambuco giram
em torno das primeiras adesões; dentre elas, as de Austro Costa e Raul Machado,
cujas apontam também os simpatizantes e os adversários do movimento.
No que se refere às idéias estéticas, as definições se limitam a expor o que
seria a “arte nova”, apresentação que seria limitada a poucos momentos de
teorização e ausente de maiores dados sobre o movimento paulista. O elemento
mais forte em sua narrativa constitui-se na tentativa de distinguir modernismo de
futurismo, tachando de ‘zoilo’ os que insistiam em caracterizá-lo como tal.
41
De acordo com Mário Silva Brito, Oswald de Andrade teria sido o primeiro
“importador” do futurismo.
42
O manifesto teria lhe sido revelado em Paris durante sua
estadia na Europa. As idéias modernistas, como dito anteriormente, teriam
chegado ao Recife através de Joaquim Inojosa, a partir do artigo-resposta Que é
Futurismo.
43
Souza Barros em relação ao futurismo afirma que:
De plano, parece lícito descartar a hipótese de que tudo haja sido
simples reflexo do movimento irrompido no Rio de Janeiro e em São
Paulo. Se a Semana de Arte Moderna é de 22, cumpre não esquecer
que, já em 1909, Marinetti lançara sua campanha de renovação
literária e dois anos depois divulgara em Paris o primeiro manifesto
“futurista”.
44
O termo futurismo torna-se um “estigma” muitas vezes empregado pelos
adversários dos artistas que adotam as novas tendências pregadas por Inojosa.
45
40
Joaquim Inojosa deixou amplos registros da sua trajetória modernista e das discussões com seus
opositores em três volumes, bem documentados, intitulados O Movimento Modernista em
Pernambuco. Devido a sua riqueza documental os três volumes foram fundamentais para a nossa
pesquisa.
41
AZEVEDO, op. cit., p. 66.
42
BRITO, Mário da Silva. História do Modernismo brasileiro. Antecedentes da Semana de Arte
Moderna. São Paulo: Saraiva, 1958.
43
A Tarde, 20 de outubro de 1922.
44
SOUZA BARROS, op. cit., p.156.
45
Fundado por Filippo Tommaso Marinetti com a publicação do Manifesto fundador do Futurismo
(1909), tinha o intuito de que as artes demolissem o passado e tudo o mais que significasse tradição,
e celebrasse a velocidade, a era mecânica, a eletricidade, o dinamismo, a guerra. Surgiu como uma
37
Porém os modernos não se declaram dentro da escola de Marinetti como afirma o
próprio Inojosa:
(...) No Brasil não futurismo... Existe modernismo... As idéias não
se aplicam à nossa cultura, senão em parte. O futurismo é uma
expressão italiana, por mais que se autor queira universalizar. (...)
Porque não podemos ser futuristas por dois motivos: ainda não
existe o Brasil brasileiro: o nosso grau de cultura, de civilização, não
comporta a extensão dos princípios futuristas. Depois... Futurismo
significa bem italianismo. E nós trabalhamos para que se forme e
perpetue na pátria brasileira o espírito brasileiro.
46
As críticas feitas pelos oposicionistas ao que chamavam de futurismo
constituíam, ao ver de Joaquim Inojosa, julgamentos feitos a partir de um senso
imparcial de intelectuais que escreviam pouco e mal, espichando de mês em mês
mal cerzida crônica que em vinte dias de rabisco e dez de revisão eram permeadas
por erros e contradições e sem estilo, originalidade, idéia. Pedia a estes intelectuais,
aos quais chamou de mascates da literatura, que, se não se encontrassem
aparelhados para discutir a questão a sério, deixassem o caminho para os outros
que não ignoravam a questão do futurismo no Recife.
Dois de seus principais adversários intelectuais, João Barreto de Menezes e
Oscar Brandão, seriam a personificação deste tipo de críticos, pois atacavam a arte
moderna, um pouco às tontas e sem conhecimento necessário para discutir a
questão do ‘futurismo’.
47
Em contrapartida, exemplificava a figura de crítico
pertinente através do poeta Ronald de Carvalho, que possuía uma vasta cultura
acompanhada de um raro poder de síntese que perpassava com vasto rigor os
valores de nossa literatura. Entre os pernambucanos, destacava Aníbal Fernandes,
que discutia com raro equilíbrio mental questões várias e que exigem reflexão;
forma de superar as novas tendências e correntes artísticas de então, adiantando-se a todas elas. À
Marinetti juntaram-se Umberto Boccioni, Luigi Russolo e Carlo Carrà, autores do Manifesto dos
pintores futuristas, de 1910 (no mesmo ano, Boccioni redigiria o Manifesto técnico da pintura
futurista). Um ano depois aconteceria a primeira grande exposição futurista, que contaria com 50
obras desses artistas, as quais chamaram a atenção mais pelo tema que pela linguagem, embora
insistissem no fato de que a tecnologia e o progresso deveriam ser expressos em novas e audaciosas
formas de arte. Com a guerra de 1914, o Futurismo chegou ao fim. Artistas como Boccioni
sucumbiram em combate, outros à tradição. Marinetti a ideais políticos, ajudando o Fascismo a
chegar ao poder. Alguns jovens artistas tentaram reavivá-lo após 1918, mas sem sucesso; porém,
sua influência sobre os outros movimentos modernos foi importante e duradoura. LYTON, Nobert. O
mundo da arte: Enciclopédia das artes plásticas de todos os tempos. 7. ed. São Paulo; Rio de
Janeiro: Expressão e Cultura, 1979. il. Coleção com vários exemplares, não consta n. de volume.
46
Jornal do Commercio, 02 de março de 1926.
47
Jornal do Commercio, 02 de agosto de 1924.
38
Gilberto Freyre que seria destacado no meio que o critica, porque poucos possuíam
a sua cultura moderna; além de Araújo Filho, Lucilo Varejão e Mário Sette.
O emprego do termo futurista impregnado de tom pejorativo pelos adversários
de Inojosa, e que tanto tirou seu sono, nos revela que muitas das vezes não a
utilização do termo “futurista”, mas também “regionalista” e “tradicionalista” como
forma de julgamento das obras a qual os críticos aqui abordados usaram em seus
textos, em boa parte dos casos, nos revela que tais termos se encontravam
desprovidos de uma aproximação com suas verdadeiras conceituações, recebendo
novas conotações, as quais atendiam aos interesses de quem os usavam. Pois
como nos mostra Pierre Bourdieu, indivíduos que ocupam posições diferentes no
espaço social podem dar sentidos e valores inteiramente diferentes, ou mesmo
opostos, aos adjetivos comumente empregados para caracterizar as obras de arte.
Esta utilização é fortemente marcada pela posição do usuário, constituindo-se como
“armas” usadas para que os críticos e mesmo os artistas se definam e definam seus
adversários sendo, portanto, bem mais que meros esquemas de classificação.
48
Voltando as críticas feitas a plaquete A Arte Nova, a falta de informação, bem
como a utilização de uma linguagem rebuscada, foi o principal alvo de críticas dos
seus adversários, que consideraram contraditório o discurso que prezava por novas
formas de arte. A exemplo da crítica feita por Prudente de Moraes Neto, que pontua
o atraso de Inojosa em relação ao modernismo, ao evidenciar que a valorização do
novo pelo novo ficou na primeira fase do movimento. Neto aponta a desorientação e
confusão de valores em Inojosa, ao considerar igualmente modernos, diferentes
intelectuais e a falta de informação (erudição) do autor sobre a história do
modernismo. O mesmo o faz Mário de Andrade, que elogia o trabalho pioneiro de
Inojosa, mas aponta como falha a sua falta de discernimento entre o que é
modernista e o que não é.
Como afirma Neroaldo Pontes de Azevedo, é preciso assinalar que o
manifesto de Inojosa teve resultados aquilatáveis. Porque se de um lado divulgou o
modernismo do Sul no Nordeste, também divulgou o que se passava no
Nordeste/Norte do Brasil. Dessa forma, com a repercussão que teve a carta, Inojosa
levou para fora de Pernambuco o nome de intelectuais efetivamente pouco
conhecidos. Mas o maior saldo, que se deve creditar ao opúsculo, é o fato de
48
BOURDIEU, op. cit., p. 332.
39
chamar a atenção para a propaganda do modernismo que ele empreendia ao
provocar tomada de posição, que punham na ordem do dia, a discussão sobre o
futurismo.
49
No que se refere ao segundo momento da produção de Inojosa nos anos
vinte, a idéia de brasilidade surge como postulado principal. Inicia-se a partir da
conferência realizada em oito de agosto de 1925, na cidade de Moreno, interior de
Pernambuco, e publicada em plaquete sob o título de O Brasil brasileiro.
A conferência funcionou como um novo fôlego para a campanha modernista
em Pernambuco. Como aponta Neroaldo Pontes de Azevedo, a nova palavra de
ordem na pregação de Inojosa era a construção de um Brasil brasileiro em
substituição àquela tarefa, até então pregada como marca futurista, que insistia na
destruição do passado.
A preocupação central é anunciar um momento novo na vida
brasileira, concitando os jovens à nova tarefa de construir o Brasil
brasileiro. O conferencista descarta a possibilidade de se deter na
contemplação das glórias do passado, porquanto a ele interessa a
tratar do Brasil contemporâneo, em vias de construção. A libertação
das fórmulas antigas deve trazer como conseqüências o não mais
tomar de empréstimo o futuro a se construir, evitando-se a imitação,
libertando-se do jugo estrangeiro e mais particularmente, não
continuando ‘sob a direção intelectual lusitana ou francesa’.
50
A construção deste Brasil brasileiro seria operada pelos renovadores. Inojosa
proclamava em seu discurso que o espírito brasileiro o existe em nossas cousas
(sic), e s queremos impor porque somente assim teremos formado a nossa pátria.
51
Estes artistas, a seu ver, seriam os responsáveis pela modelação da pátria
brasileira, ao capricho de suas fantasias criadoras.
52
Esta geração de artistas, que
teria pressa de passar pela vida e gozá-la em todos os esplendores possíveis,
construiria um futuro em que a pátria seria original, em detrimento de um presente
incerto e de um passado visto com pessimismo. Este tom de pessimismo, em
relação ao passado, permeia sua crítica aos passadistas, que, mesmo assim,
permanecem em sua produção intelectual, posicionados como desdenhadores que
agiram lentamente a favor da construção de um Brasil original.
49
AZEVEDO, op. cit.
50
Ibidem, p. 82.
51
INOJOSA, Joaquim. O Brasil brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Meio-Dia, 1977. p.25.
52
Ibidem, p.14.
40
As pregações modernistas realizadas por Inojosa perdem força com o
decorrer do tempo, ao ponto de, em 1927, ano em que ele se transfere para o Rio de
Janeiro, seus escritos praticamente não aparecem nos jornais e revistas de Recife.
A campanha empreendida a favor do modernismo estava terminada.
53
Azevedo
atribui à figura de Ascenso Ferreira, através do contato com a intelectualidade do sul
e particularmente de sua produção poética, a continuidade das ligações de
Pernambuco com o modernismo.
54
Uma possível explicação para a perda de força das idéias de Inojosa pode ser
encontrada na fragilidade em torno de idéias estéticas que estruturam seus escritos,
e nas suas definições inconsistentes sobre o que seria a “arte nova”; cujas se
apresentam muitas vezes sem maiores dados e objetivos. A mensagem divulgada
pelos adeptos do modernismo no Recife, de fato, não era acompanhada de
sugestões concretas que pudessem alimentar com conteúdo novo a nova forma de
arte preconizada.
Na verdade, para entender a atuação de Inojosa e o recuo de suas idéias,
precisamos inteirá-lo nas estruturas sociais e de poder de seu tempo. Assim,
podemos depreender que os processos de inovação de Inojosa tiveram como
principal entrave a ausência de condições sociais concomitantes que lhes
proporcionasse um respectivo ambiente social, favorável às ideias. Sua atuação se
deu em um período em que o cenário artístico e intelectual pernambucano era
fortemente marcado por uma pré-disposição da valorização das realidades locais.
Percebe-se assim o quanto era difícil uma abertura para aceitação da difusão de um
movimento surgido no Sul, como é o caso do modernismo, em condições totalmente
diferentes.
55
Neste momento o centro intelectual do Recife, onde boa parte da
intelectualidade nordestina foi formada, era composto por instituições que se
caracterizavam como lugares privilegiados para a produção de um discurso
regionalista e para a sedimentação de uma visão de mundo comum assentada na
defesa da tradição como a Faculdade de Direito e o Seminário de Olinda e o Instituto
Histórico Arqueológico e Geográfico Pernambucano (IHAGP), fundado em 1862.
53
AZEVEDO, op. cit., p. 94.
54
Ibidem, p. 96.
55
Ibidem, p. 38.
41
Uma parcela significativa destes intelectuais, em grande parte oriundos das
tradicionais famílias açucareiras, que vivenciavam um quadro de recessão
econômica, devido à crise no sistema produtor de açúcar, instaurada pelas usinas, e
impulsionadora do dinamismo econômico sulista do país, teve seus princípios
estruturados, a partir de uma visão conservadora dos aspectos econômicos da
sociedade; o que contribuiu para uma retomada da preocupação em torno do
regionalismo e do tradicionalismo como um fenômeno generalizado, quer na ordem
política, quer na área cultural, com projeções na vida artística.
Como afirma Raimundo Arrais, muitos dos intelectuais, que produziram
durante o início do século XX, foram dominados por um forte sentimentalismo, que
transformou parte significativa da produção local numa tarefa de recuperação do
passado, e levou-os a ensaiarem movimentos de retorno e reconquista de espaços
que julgavam terem perdido.
56
E este tom passadista, impregnado de valores
regionais, perpassa fortemente a obra dos mais destacados artistas locais, como a
exemplo da obra de Mário Sette.
57
Neste cenário, surge o Movimento Regionalista Tradicionalista, que
congregava intelectuais não apenas ligados às artes e a cultura, mas também
aqueles voltados para as questões políticas locais e nacionais, ao abraçar a causa
de defender os valores regionais tradicionais, em resposta a todo um quadro de
mudanças políticas, sociais e econômicas que acontecia do sul para o norte do
Brasil, desde a segunda metade do século XIX, e que influenciaram decisivamente
na interpretação da cultura nacional feita pelos intelectuais da época.
O movimento teve como articulador Gilberto Freyre, que regressara de uma
temporada nos Estados Unidos, onde realizara sua formação acadêmica. Em torno
da figura do jovem sociólogo, o movimento articula-se e outros intelectuais abraçam
a causa. Junto ao professor Odilon Nestor, funda o Centro Regionalista e, no ano de
1926, organizam o Congresso Regionalista.
Portanto, ao pensarmos as condições individuais implicadas nas tensões
socialmente vividas entre os dois grupos por seus sujeitos, delineamos um quadro
claro das pressões sociais que agiram sobre Inojosa; em um campo onde a
distribuição de poder favorecia o grupo tradicionalista que, juntamente a estrutura do
56
ARRAIS, Raimundo. A capital da saudade: destruição e reconstrução do Recife em Freyre,
Bandeira Cardozo e Austragésilo. Recife: Ed. Bagaço, 2006.
57
Dentre estes intelectuais destacam-se Oliveira Lima e Joaquim Nabuco como percussores desse
sentimento de apego ao passado. ARRAIS, op. cit., p 35.
42
campo artístico pernambucano, tornou-se o principal obstáculo as idéias pregadas
por Inojosa.
1.3 O campo artístico pernambucano e sua estrutura.
O Recife dos anos vinte possuía uma efervescente vida cultural. Os
admiradores das artes podiam apreciar espetáculos teatrais, apresentações de
operetas nacionais e internacionais, deleitarem-se na produção literária local, irem
ao cinema ou a uma exposição de pintura. Estas últimas eram freqüentes: pintores
locais, vindos de outros Estados, e até mesmo de outros países, vinham expor na
capital pernambucana. Mas a pintura parece que não atraía tantos espectadores
como o teatro ou cinema. Tal observação foi feita em um texto intitulado “A Arte em
Recife”, publicado no Diário de Pernambuco que afirmava que:
A pintura de longe empolga algum adepto inspirado; a música vale
por um simples ornamento e raros são os que buscam conhecer-lhes os
segredos; a escultura interessa a uma outra alma perdida. Apenas o
teatro, mas embrionariamente praticado consegue apresentar um
coeficiente relativamente mais avultado de amadores.
58
Quais as razões para tal desinteresse por parte dos recifenses em relação às
artes plásticas? Encontraremos uma possível resposta ao tentarmos esquadrinhar o
campo artístico local.
1.3.1 Mercado Consumidor e Instâncias de consagração
“Críticos de arte, o Brasil não possuía então. Não havia museus de arte,
não havia estudos especializados sobre a crítica construtiva, o que muita falta nos
fez.”
59
O depoimento de Anita Malfatti nos revela uma realidade que parece ser
comum no cenário artístico nacional.
E a realidade do cenário no Recife não era
diferente, e pode ser considerada mais incipiente no domínio das artes plásticas.
Nas primeiras décadas do século XX, podemos constar que o campo artístico
pernambucano encontrava-se em formação, apresentava uma capacidade limitada
58
Diário de Pernambuco 7 de outubro de 1925.
59
Depoimento de Anita Malfatti apud AMARAL, Aracy A. Artes Plásticas na Semana de 22'. São
Paulo: Editora 34, 1999, p. 96.
43
de traduzir, em termos puramente artísticos, as demandas externas, e revelava
pouco grau de autonomia, típico dos campos que ainda se encontravam em fase de
formação. Este fato foi comum à América Latina e, conforme Canclini seria a partir
dos anos trinta do século XX, que começaria a organizar-se nos países latino-
americanos um sistema mais autônomo de produção cultural.
60
Esse sistema,
segundo o autor, estabelecer-se-ia paralelamente à formação de uma indústria da
cultura, com redes de comercialização nos centros urbanos. Países como o México,
a Argentina e o Brasil o formaram mercados autônomos para cada campo
artístico, não conseguiram uma profissionalização ampla dos artistas e escritores e
nem tiveram um desenvolvimento econômico capaz de sustentar os esforços de
renovação experimental e democratização cultural.
No tocante ao mercado de consumo de obras de arte no Recife, poucas são
as informações disponíveis sobre o funcionamento do mercado de arte local nas três
primeiras décadas do século XX. Segundo Moacyr dos Anjos, é razoável supor que
este fosse quase inexistente e, de acordo com depoimentos de artistas ligados ao
"Atelier Coletivo" em atividade entre 1952 e 1957–, pode-se perceber que, mesmo
na década de 1950, ainda não havia mercado de arte formal em Recife. Vendas;
quando aconteciam, eram fruto de uma transação direta entre o artista e o
apreciador de obras de arte, entre o produtor e o consumidor, quando não o
resultado de encomenda do poder público.
61
Apesar de Bianor de Medeiros descrever o público consumidor como
amadores inteligentes que demonstravam gosto estético e adornavam suas salas
com pinturas finíssimas, em telas emolduradas, as condições de negócios, nos anos
20, realmente parecem ter sido limitadas
62
. Em um dos trechos de uma das cartas
recebidas por La Greca, durante a sua estadia na Itália, seu cunhado tenta estimular
o jovem pintor a regressar ao seu Estado de origem, ao argumentar que: Por aqui
passam pintores que nem sequer merecem qualificativos, e que fazem grandes
negócios! Recife está talvez com o movimento duplicado. tem possibilidades para
60
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas bridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 3. ed.
São Paulo: Edusp, 2000.
61
ANJOS, Moacir dos. Picasso 'visita' o Recife: a exposição da Escola de Paris em março de 1930.
In: Estudos avançados, vol.12 nº.34 São Paulo Sept./Dec. 1998. Disponível
em:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010340141998000300027&script=sci_arttext
62
MEDEIROS, Bianor Nossos quadros e nossos pintores In: p. 335 Revista do Arquivo do Público,
11 de fevereiro de 1945.
44
grandes negócios
63
. Mesmo que o restante da carta tenha certo teor persuasivo,
numa tentativa de convencer Murilo a regressar, a passagem, acima descrita, em
consonância com os poucos registros encontrados a respeito do mercado de arte,
nos remete à idéia de que se viver de arte na capital pernambucana era
extremamente difícil para os artistas.
Um texto publicado no Annuario de Pernambuco de 1935 parece justificar
essa pouca demanda no mercado de consumo artístico local, através do
posicionamento dos próprios artistas. Segundo as linhas escritas, os pintores
produziam em moldes ideais inatingíveis que constituíam não a razão de
trabalharem, mas de vida. O texto afirma que mesmo que esses artistas desejassem
comercializar suas obras não o fariam, pois:
O meio em que vivemos e o orgulho espiritual de ser idealista não
permitiriam a eles que deixasse de respeitar-se, desrespeitando o
seu sonho de beleza, seu sonho de fortuna alentadora... a arte existe
pura dentro dos seres humildes
64
.
Se Moacyr dos Anjos considerou como quase inexistente o mercado de arte
local, podemos afirmar que inexistentes eram os lugares específicos destinados às
exposições de pintura. Museus e galerias especializadas surgiram progressivamente
por volta do final da década de vinte. Gilberto Freyre, em artigo de 1923, se
posiciona contra esta ausência de museus em Pernambuco:
Pernambuco, pela sua riqueza de tradições, não tem o direito de
contentar-se com o seu atual museuzinho: o do Arqueológico. Como
não tem o direito de contentar-se com a sua atual biblioteca. Horrível
caricatura - no mau sentido da palavra caricatura - de biblioteca. Dela
ainda deve estar escandalizado esse voluptuoso dos livros e amigo
dos clássicos que é o Sr. Solidônio Leite. (...) Devia, a meu ver, um
nosso museu, contentar-se com ser Pernambucano. Uma espécie de
lição de história e arte pernambucanas. E estou que oficializado ou
semi-oficializado muito aumentariam suas possibilidades. Contanto
que não fosse dirigido por burocrata também oficial.
65
O aparecimento de galerias de arte no Recife deu-se somente a partir da
segunda metade do século XX,
ainda de forma incipiente, ligada ao mercado de
ambientação e decoração. Ainda que o primeiro conjunto de galerias comerciais
63
Carta destinada a Murilo La Greca em março de 1925.
64
Annuário de Pernambuco para 1934. Suplemento dos Diários da Manhã e da Tarde, 1934.
65
FREYRE, Gilberto. 23. Diário de Pernambuco. Recife, 23 Set. 1923. Coluna: Da outra América.
Artigo publicado em: FREYRE, Gilberto. Tempo de Aprendiz: artigos publicados em jornais na
adolescência e na primeira mocidade do autor 1918-1926. São Paulo: IBRASA, 1979. v.1, p. 313.
45
profissionais tenha nascido apenas a partir da década de 1970.
66
Neste espaço de
tempo, marcado pela ausência de locais específicos para a realização de
exposições e agregação dos admiradores de arte, as exposições ocorriam em
especial no Gabinete Português de Leitura e no Teatro de Santa Isabel
Também não existiam publicações especializadas em arte. Deste modo, os
principais jornais foram o meio de veiculação destas críticas. A dificuldade dos meios
editoriais, sobretudo nos especializados e nas revistas técnicas, faziam do jornal o
divulgador central de tudo que aparecia na cidade. Assim, seria raro o intelectual ou
o técnico especialista em algo que, ao precisar dos meios de comunicação, não se
tornasse jornalista e começasse então a ser notado, muito embora fizesse uma
divulgação mais informativa que propriamente especializada do seu campo.
67
Nos jornais diários que circulavam pelo Recife não haviam colunas destinadas
especificamente às artes plásticas. As crônicas e críticas escritas sobre o assunto
apareciam nas colunas destinadas às artes, como um todo ou em textos escritos por
autores que possuíam colunas nos diários e periódicos da cidade. A preponderância
da literatura como tema dos textos é incomparável, haja vista que as discussões em
torno do modernismo e do tradicionalismo, nos anos vinte, atingiram mais fortemente
o campo literário. A imprensa local era (e ainda é) o principal meio de divulgação das
exposições no Recife, e recebia quase sempre um convite para a noite de
inauguração: a vernisage ou abertura. As notas divulgadas nos jornais ocupavam-se
de noticiar o período em que a exposição ocorreria, bem como podemos encontrar
citação de nomes ilustres que as visitaram, obras adquiridas e títulos de obras
expostas.
É no final dos anos vinte e começo dos trinta que ocorreram as primeiras
iniciativas em direção à formação das primeiras instituições específicas destinadas a
produção e legitimação das artes plásticas no Estado. Data de 24 de agosto de 1928
a criação da lei que institui um espaço público destinado a arte. A lei se refere à
criação do Museu do Estado de Pernambuco, que segundo esta:
Fica autorizado ao Governo do Estado criar um serviço de defesa do
nosso patrimônio artístico e histórico, e um museu de arte que lhe
66
DINIZ. Clarissa. Crachá aspectos da legitimação artística (Recife – Olinda 1970-2000) Recife: Ed.
Massagana 2008, p. 103.
67
SOUZA BARROS, op. cit.
46
será anexo, destinado a recolher todos os objetos históricos e
artísticos nacionais e regionais.
68
No ano seguinte, foi organizado por um grupo de artistas, formados por Mário
Nunes, Murilo La Greca, Balthazar da Camara, Mario Túlio, Álvaro Amorim, Euclides
Fonseca e Bibiano Silva, o primeiro Salão de Belas Artes de Pernambuco.
Inaugurada no dia 3 de maio de 1929 e realizada no salão de honra do teatro de
Santa Isabel, a exposição contou com trabalhos de vários de seus organizadores.
Ser premiado em uma mostra competitiva significava a consagração de um
artista
e lhe servia como uma grande medida do valor de seu trabalho. Os salões
representavam ainda um modo de ingresso em alguns acervos respeitáveis do país,
quer pelos prêmios de aquisição, quer pela possibilidade de ser contemplado com
dinheiro ou viagem. Além disso, o Salão de Arte é um espaço de relacionamento
com o poder do grupo de artistas, críticos, historiadores. Nele acontecem a seleção,
o julgamento, as considerações e premiações que atendem ao "hábito visual
daquele momento”. Estar entre os premiados, mais que receber dinheiro ou
medalha, é ser visto e ter o visto de autoridades da arte sobre o trabalho e sobre
própria imagem. É como afirma Pierre Bourdieu:
Os salões seriam a mais importante das mediações institucionais
entre o campo dos consumidores e o campo dos produtores de arte.
Pois os salões constituem, eles próprios, um campo de concorrência
pela acumulação de capital social e de capital simbólico: o número e
a qualidade de freqüentadores - políticos, artistas, escritores,
jornalistas etc. são uma boa medida do poder de atração de cada
um desses locais de encontro entre membros de facções diferentes,
e, ao mesmo tempo, do poder que exercem através dele.
69
Aníbal Fernandes que, na época, atuava como inspetor dos monumentos
nacionais e diretor do museu histórico, reconheceu a importância do acontecimento.
A ponto de afirmar, em discurso na solenidade de abertura do Salão de 1929, que a
organização deste, juntamente com a criação do Museu do Estado e da Inspetoria
de Monumentos, no mesmo ano, materializam o interesse do Governo de
Pernambuco em incentivar o desenvolvimento da educação artística em seu distrito.
Em seu discurso, em parte exposto abaixo, afirmou que:
68
LOURENÇO. Maria Cecília França. MUSEUS ACOLHEM O MODERNO. São Paulo: Edusp, 1999,
p.73.
69
BOURDIEU, op.cit., p. 283.
47
Esta primeira exposição geral de bellas artes em Pernambuco é uma
resultante do trabalho de perseverança e do esforço de meia dúzia
de artistas que em meio a todas as dificuldades e decepções tem
conseguido progredir na sua carreira e afirmar seu direito de ser uma
classe respeitada e digna de todo apreço social.
70
Mário Melo também via o Salão como um evento que contribuiria para a
hegemonia artística de Pernambuco na região Nordeste. Em Tum, texto publicado
no Diário de Pernambuco em 1929, sugeriu uma alternativa que julgava por
proveitosa para o desenvolvimento das Belas Artes em Pernambuco. A seu ver, o
primeiro prêmio deveria ser dado ao artista que residisse em Pernambuco e que
apresentasse ao Salão local a melhor obra; deveriam ser premiados também o
segundo e terceiro lugares com passagens para o Salão do Rio de Janeiro. Mário
tomava sua proposta como viável, não somente pelo fato desta possuir uma maior
eficácia no incentivo ao desenvolvimento das Belas Artes no Estado, mas por
contribuir, através das exposições e premiações anuais, para uma educação
artística do povo pernambucano.
A importância da realização deste primeiro salão, para o cenário artístico,
local reside na instauração de um espaço onde os artistas pernambucanos
passaram a ser consagrados dentro de seu próprio Estado, em consonância com os
princípios no qual o campo artístico, em que se encontravam inseridos, se
assentava.
Também com o salão, quebra-se a hegemonia dos salões organizados pela
Escola Nacional de Artes, ENBA, como principal espaço de consagração artística no
país
71
. Porém esta quebra não foi absoluta, pois os salões da ENBA ainda figurariam
como o principal meio de competição, que conferiam ao currículo do artista
notoriedade, além de servirem como modo oficial de exposição. Não é à toa que
dois dos artistas pernambucanos que ganharam medalhas na exposição, Fédora do
70
Discurso reproduzido no Diário de Pernambuco, 4 de maio de 1929.
71
Com a Academia Nacional de Belas Artes surgiram também os concursos e premiações destinados
a artistas plásticos no século XIX. É no ano de 1840 que começam as Exposições Gerais
franqueadas à participação de qualquer artista da Corte, com sede no Rio de Janeiro. Cinco anos
depois é instituído o Prêmio Viagem ao Exterior
que tornava os vencedores pensionistas do Império
em temporadas de estudo na Europa. Depois da transformação da Academia em Escola Nacional de
Belas Arte–ENBA - em 1890, realizou-se, em 1894, a primeira Exposição Geral da ENBA que passa,
desde então, a ser conhecida como Salão, apesar deste nome ter sido adotado oficialmente em
1934.
48
Rego Monteiro e Balthazar da Câmara, são apresentados diversas vezes pela
imprensa como artistas que se destacaram neste salão.
A prova da importância do prêmio no Salão da ENBA, na consagração de um
artista, pode ser constatada em um suposto projeto de lei apresentado à Câmara
municipal, que autorizava o governo a dar 10:000$000 de prêmio ao artista
pernambucano que, concorrendo ao Salão Nacional de Bellas-Artes do Rio de
Janeiro, obtivesse melhor classificação. Tal projeto foi visto como louvável por Mário
Melo em artigo publicado no Diário de Pernambuco, haja vista que o trabalho
premiado passaria à propriedade do Estado e seria, portanto, um forte incentivo para
a formação da pinacoteca pernambucana.
72
A organização deste primeiro salão em Pernambuco revela um vetor que foi
fundamental neste momento inicial de estruturação do campo artístico local: as
redes de sociabilidades estabelecidas entre os próprios artistas e também com a
intelectualidade local, que atuaram como agentes de identificação com os artistas
através da veiculação de visões compartilhadas em comum.
73
Estas redes de
sociabilidade se formavam não necessariamente a partir dos encontros oficiais de
arte, mas, sobretudo em vivências menos mediadas por instituições e mais envoltas
em sentimentos extra-artísticos como festas, viagens, conversas em bares.
74
Através destas, assistimos o agrupamento de artistas para fortalecerem-se diante da
necessidade de propagação do capital simbólico, com o intuito de gerar o
compromisso e cooperação numa escala válida e mais acessível a todos.
75
Dentro destas redes, a reciprocidade atuou como um dos pilares de
sustentação, na tentativa de propagação deste capital simbólico; e nos parece, em
princípio, ter sido um dos fatores de explicação para o fechamento destes
agrupamentos às influências externa-estrangeiras, representadas através da
72
Diário de Pernambuco, 25 de julho de 1929.
73
DINIZ, Clarissa. É preciso ser dependente para ser autônomo Relações pessoais, Capital social e
Sistema da arte. In: PEDROSA, Sebastião; ZACCARA, Madalena (Orgs.) Artes visuais conversando
sobre. Recife: Editora Universitária, 2006. p 84.
74
O Café Continental, localizado na esquina da Rua do Imperador com a de Março, vizinho à
charutaria e loja de cigarros da fábrica Lafayette pelo que ficou conhecido na época como “Café da
Lafayette” ou Esquina da Lafayette”. Seu público cativo era composto de membros das elites
econômica, política e cultural. A Esquina Lafayette era um dos locais onde se debatiam as últimas
tendências da arte, da literatura e da política; fechavam-se negócios, escreviam-se versos ou apenas
mexericava-se sobre a vida alheia. Pela proximidade com as redações dos principais jornais da
cidade Diário de Pernambuco, Jornal de Recife, Jornal do Commercio, Jornal Pequeno, entre
outros–, o Continental congregava boa parte da intelectualidade local.
Câmara Cascudo, José Lins do Rego e Gilberto Freyre foram alguns dos nomes que freqüentaram o
local. c.f., SOUZA BARROS, op. cit.
75
DINIZ, op. cit., p. 87.
49
tentativa de entrada de novos membros.
76
Talvez um dos mais significativos feitos,
alcançados através destas redes de sociabilidades, tenha sido a organização da
Escola de Belas Artes do Recife, inaugurada no ano de 1932.
1.3.2 Instâncias de reprodução dos produtores
Para produzir arte se faz necessário ser dotado de talento; o que implica em,
também, muita pesquisa. Para os artistas que estudamos, o casamento entre
talento e formação era uma união perseguida. Cabe agora nos perguntarmos onde
e como se dava esta educação artística em que os pintores buscavam não somente
o aprimoramento de seu talento, mas também um ar de “profissionalização”. Se o
Recife era um centro educacional e cultural de atração a estudantes de todo
Nordeste, que almejavam ocupar uma das vagas nos cursos da Faculdade de
Direito e no Seminário de Olinda, até os anos trinta, quem desejasse se formar em
“Belas Artes” tinha que deixar o Estado ou até mesmo o país.
O ensino de Belas Artes no Estado limitava-se às aulas de desenho no Liceu
de Artes e Ofícios de Pernambuco, criado em 1841, pela Imperial Sociedade dos
Artistas Mecânicos e Liberais de Pernambuco, e no Ginásio Pernambucano. A
Faculdade de Direito do Recife também contava com um colégio de artes que
contemplava somente a formação de literatos e músicos. O Liceu, segundo Telles
Júnior, que se destacou
como um dos mais célebres professores da instituição,
também se configurava como um lugar de exposição, no qual se realizava a
Exposição Artística e Industrial; que contava com trabalhos em mecânica, couro e
pele, funilaria, marcenaria e mais trabalhos em madeira, alfaiataria, flores artificiais,
ourivesaria, farmácia, chapelaria, tabacaria, objetos diversos e belas artes.
77
Deste modo, muitos pintores saíram do Estado para estudar. aqueles que
não viajaram, buscaram aprender no Estado, através de lições tomadas com outros
artistas. As aulas particulares parecem ter sido uma alternativa para os artistas
aumentarem seus ganhos. Telles Júnior chegou a abrir uma oficina de pintura na
Rua do Barão da Vitória, no bairro de Santo Antônio, que inaugurou com uma
exposição de seus trabalhos e de seus discípulos. Mas, segundo ele, as
dificuldades o obrigaram a fechá-la; uma vez que a grande demanda de convites
76
Ibidem.
77
Depoimento de Telles Junior. Revista do arquivo do público, 11 de fevereiro de 1945, p. 29.
50
para dar aula de desenho era uma alternativa mais atraente financeiramente; e
então, dessa forma, passa a ser mestre de nomes de destaque como Gilberto
Freyre e do pintor Theodoro Braga.
Tive de fechar minha oficina em 1887; o número de chamados para a
lição de desenho aumentava. O negócio de pintura muito daria se eu
tivesse um capital. O capital com que abri a oficina foi quatrocentos mil
réis dados pelo meu bom pai, mas esgotou-se com a localização da
casa.
78
Os artistas que saíam do Estado dirigiam-se ao Rio de Janeiro, que era o
principal pólo atrativo, devido a Escola Nacional de Belas Artes (a ENBA, de 1890),
instituição oficial formadora de artistas no Brasil Republicano. Fundada por decreto
de D. João VI, em 12 de agosto de 1816, chamava-se então de Academia Imperial
de Belas Artes: a sede da visão positivista-naturalista em artes, no Brasil. Algumas
capitais possuíam Escolas de Belas Artes; no entanto a ENBA, do Rio de Janeiro;
era o modelo, o lo cultural do mundo artístico brasileiro e tinha seus postulados
tomados como padrões supremos; era ainda o reduto do ensino oficial de artes no
Brasil. A Escola de Belas Artes disseminava orientação a outros estabelecimentos
no Brasil e contava com parte significativa do mecenato oficial brasileiro.
79
Na academia havia uma predominância, até a segunda década do século XX,
do academicismo, tendência artística influenciada nos padrões estéticos da extinta
Academia Imperial de Belas Artes, onde o paisagismo e o realismo se destacavam.
Esta influência foi significativa na formação de muitos artistas pernambucanos. O
que se conta também é que, as famílias mais abastadas de Pernambuco, que
tinham seus herdeiros interessados pelas artes plásticas, enviavam seus filhos à
Europa.
Em texto intitulado um problema da esthetica brasileira publicado na seção
magazine do Diário de Pernambuco o autor, cujo nome não é citado, diz acreditar
que as dissidências em torno do debate sobre a predominância do paisagismo entre
os pintores locais, seria fruto da paupérrima educação artística aqui ensinada.
Através deste comentário podemos complementar nossa afirmação a respeito do
sistema de ensino de artes em Pernambuco.
78
Ibidem.
79
BATISTA, Marta Rossetti. Anita Malfatti no tempo e no espaço. São Paulo: IBM Brasil, 1985, p.169.
51
Nesta terra, os artistas, após a terminação de um curso de pintura
onde de fato, nada conseguem aprender, por faltar a generalidade
dos professores uma individualidade possante e original de didata,
são enviados à Europa a fim de se aperfeiçoarem. Vão eles com
poucas exceções, a Paris onde estudam livremente, longe de uma
disciplina rigorosa de consciência e de cultura, fazendo o que por
comumente se faz. E como o “meio” na capital da França é
absorvente, sendo necessário a qualquer estudante dose de vontade
e de independência, para se sobrepor à áurea mediocridade em voga
acontece que a visão pictórica dos que ainda devem ser iniciados vai
se desenvolvendo de acordo com a corrente que em virtude da moda
domina no tempo da sua presença na Cidade Luz.
80
O autor
considera a viagem à Europa importante, pois acredita que a
temporada no exterior seria útil a todo artista, a fins exclusivos de perfeição cultural;
porém tornar-se-ia perniciosa devido ao poder de mexer no timbre e na forma de
expressão do artista que, deslocado num ambiente absorvente, teria o seu “eu”
artístico moldado de acordo com a corrente estética em voga. Esta “absorção”,
pregada no texto, tornava-se perigosa, devido ao fato de acabar por resultar em
produção que o autor considera como híbrida, anti-artística; pois, ao regressar, o
artista contemplaria as paisagens brasileiras, em toda sua peculiaridade tropical,; a
partir de um senso europeu; o que levaria a um desgaste na interpretação das
paisagens.
O texto termina reivindicando métodos de ensino artísticos nacionais que
deveriam ir ao encontro dos aspectos não só materiais, mas “espirituais” da nação; a
fim de diminuir, não somente a dissidência que se instaurava com o olhar do artista
nacional, enquadrado nos moldes europeus ao interpretar paisagens tipicamente
tropicais, mas também a distância que se instauraria entre o espectador, que nunca
teria viajado à Europa, e o quadro moldado em princípios estilísticos europeus.
O desejo do nosso desconhecido
cronista realizou-se com a fundação da
Escola de Belas-Artes de Pernambuco, fundada em maio de 1932 e inaugurada em
agosto do mesmo ano. Localizada na Rua Bemmfica 150, às margens do rio
Capibaribe, no bairro da Madalena, possuía cursos de pintura, escultura e
arquitetura, além do ensino isolado de qualquer matéria que compunha os três
cursos e continha uma pinacoteca. Os cursos tinham por fim o preparo técnico e
artístico de pintores, escultores e gravadores, bem como a instrução superior, geral
e especializada de que necessitavam para exercer sua função no meio social.
80
Diário de Pernambuco, 24 de abril de 1927.
52
Fundada por iniciativa de um comitê de artistas formado por Mário Nunes,
Balthazar da Câmara, Bibiano Silva, Álvaro Amorim, Heitor Maia Filho, Jaime
Oliveira, Murilo La Greca e Luís Mateus Ferreira que vitoriosamente proclamavam o
triunfo de um projeto de civilização:
É indiscutível a vitória da criação de uma Escola Superior de Belas
Artes em Recife. Os aplausos do público em geral estão
comprovando o brilhante triunfo pela civilização e cultura de
Pernambuco, moldadas no desenvolvimento artístico entre nós.
81
A falta de recursos financeiros, porém, foi uma dos grandes desafios
enfrentados pelo grupo. A solução encontrada foi se tentar conseguir os recursos
necessários junto às autoridades locais, intelectuais, do comércio, da indústria e
imprensa, através de donativos e de instalação. No dia 5 de junho de 1932, uma
nota foi publicada na primeira página do Diário de Pernambuco; nela, um apelo era
feito à população a apoiar materialmente a iniciativa. As dificuldades podem ser
constatadas pelo testemunho de Murilo La Greca, em 1984, para quem: “o
professorado trabalhava motivado pelo ideal da arte [...] O mobiliário velho foi doado
81
Diário de Pernambuco, 17 de abril de 1932.
Ilustração 1 –Fotografia do Prédio da Escola de Belas
Artes de Pernambuco localizado na rua Bemmfica nº 150.
Publicada no Diário de Pernambuco, 21 de Agosto de
1932.
53
pelos professores, [e muitos bens pelo] Liceu de Artes e Ofícios [...]. Foi este o
momento mais difícil da Escola.”
82
.
O ensino era voltado ao clássico e ao acadêmico e exigia-se do aluno
fidelidade nas observações e realidade nos desenhos. Exigia-se a idade mínima de
15 anos, o certificado de conclusão do curso secundário fundamental, além da
aprovação em exame prévio realizado pela escola.
83
[
Observar as instituições de ensino, por onde passaram estes pintores, torna-
se fundamental para podermos encontrar alguns dos vieses que estruturaram seu
modo de pintar. As instituições freqüentadas e o meio social de convívio, nos quais
estiveram inseridos, são pontos decisivos nas obras de cada um, ao contribuírem
em seus processos de formação. Pois estas, em suas relações existentes com as
instâncias de conservação do capital de bens simbólicos, asseguram a reprodução
do sistema dos esquemas de ação, de expressão, de concepção, de imaginação, de
percepção e de apreciação social.
82
http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode
=16&pageCode=302&textCode=8271&date=currentDate acessado em 20 de julho de 2009
83
SILVA. Maria Betânia e. O ensino das artes em Pernambuco: dos anos 40 aos anos 60. In: Anais
do 16º ENCONTRO NACIONAL DA ANPAP.
Ilustração 2 - Fotografia da primeira turma de pintura da Escola de Belas Artes de
Pernambuco. Publicada no Diário de Pernambuco em 21 de agosto de 1932.
54
Situamos os artistas mencionados em dois grupos: os que freqüentaram
espaços de aprendizado fora do país ou do Estado e os que desenvolveram sua
formação em seu próprio Estado. Comecemos, então, por observar o caso dos
pintores que tiveram estadia no exterior com intuito de estudar pintura. Neste
primeiro grupo situam-se os irmãos Rego Monteiro, Vicente, Joaquim e Fédora, e
Murillo La Greca.
Dentro de um universo de predominância masculina, Fédora Rego Monteiro
destaca-se não como pintora, mas como a única professora da Escola de Belas
Artes do Recife, nos anos 30. A jovem Fédora inicia seus estudos na Escola
Nacional de Bellas Artes, no ano de 1908, e viaja à França juntamente com sua
Família, no ano de 1911, onde freqüenta a Academie Jullian. Na Academie, como
aponta Ana Paula Siminoi, era dada ênfase na formação feminina de retratistas; pois
acreditava o fundador, Jullian, ser este um precioso campo para as mulheres; que
diferia da pintura histórica que com suas proporções gigantescas e sua carga
simbólica constituía um espaço quase que exclusivamente masculino. Não para
Fédora, mas também para outras artistas brasileiras que passaram pela Academie, o
estágio no exterior se mostrou interessante pelos seguintes motivos.
84
(...) pela aprendizagem técnica que habilitava tanto à pintura de
história, gênero decadente, quanto ao retrato, que era
comercialmente vantajoso e gozava de prestígio junto aos
colecionadores; pela importância simbólica que a passagem pela
capital artística de então aportava à carreira, trazendo prestígio e
outras marcas de distinção; e, finalmente, pela relação privilegiada
que a escola possibilitava em relação aos júris dos salões e aos
concursos de ingresso na EBA. Esses motivos fizeram da Académie
Jullian um importante centro propagador de determinados modelos
artísticos que se internacionalizaram, obedecendo a um ideal
cosmopolita de arte. Procurar adequar-se a tais padrões era o desejo
de todos os artistas que para seguiam, fossem homens ou
mulheres.
85
84
Também passaram pela academie Julian: Nicolina Vaz, que se inscreveu na escola em 1904; a
pintora paulista Nicota Bayeux(1903); a caricaturista Nair de Teffé, também conhecida como Rian
(em1905). E, mais adiante, Georgina de Albuquerque (1906), Helena Pereira da Silva Ohashi (1912)
e Tarsila do Amaral (1922).c.f. SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. A viagem a Paris de artistas
brasileiros no final do século XIX Tempo Soc. vol.17 nº.1 São Paulo, Junho, 2005. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S010320702005000100015
85
ibidem
55
Sua estadia na França a levou a participar de significativos eventos como o
Salon des Independants (1913) e o Salon des Artistes Français (1914). Estas
participações quase sempre aparecem na imprensa ao lado do nome da pintora e
funcionam como um referencial que legitimava as suas qualidades artísticas. O
Diário de Pernambuco, às vésperas da inauguração de mais uma exposição da
artista, no ano de 1922, divulga em sua coluna sobre artes uma nota que enfatiza a
passagem da pernambucana pela França e suas participações nos salões de arte
francesa, e reproduz duas notas publicadas na imprensa estrangeira, uma no Notre
Gazette de Paris e outra escrita por Marcel Pays no Radical. Ao terminar, com as
palavras de Zeferino da Costa, a quem o jornal chama de grande mestre da pintura
nacional e decorador magistral, a nota reafirma, através das palavras do “grande
mestre”, escritas em 1912, que todos os prêmios ganhos pela pintora seriam de
tamanho merecimento, graças à sua composição, pelo seu desenho colorido e lhe
funcionariam, em especial as medalhas de prata e bronze recebidas no Salon des
artistes Français, como uma recomendação.
Esta mesma ênfase pode ser encontrada no texto de João Luso sobre o
Salão de 1916, onde escreveu: “A Sra. Fédora do Rego Monteiro que, há pouco, nos
chegou de Paris e fez uma exposição numerosíssima, onde não rareavam as belas
obras, obteve a Pequena Medalha de Prata, com um retrato a pastel, aceito no
Salon des Artistes Français.”
86
Participou, a pintora, várias vezes do Salão Nacional
de Belas Artes e foi premiada com Menção Honrosa (1911), Medalha de Bronze
(1912) e Medalha de Prata (1916).
A obra de Fédora foi evocada, por intelectuais pernambucanos, como a
síntese da interpretação das paisagens locais. Como podemos constar na nota
abaixo publicada durante uma de suas exposições no Recife:
D
. Fédora foge dessas condenáveis exibições (outra coisa não é o
vício de que falamos); as suas paisagens são despretensiosas
exprimem o motivo em mira, estampam o aspecto a pintar, com rara
maestria e segurança. Não desce a artista a detalhes, antes corrige
os trechos desgraciosos assegurando aos seus trabalhos uma
beleza mais harmoniosa.
87
Manoel Lubambo louvou o trabalho de Fédora do Rego Monteiro em texto
escrito em 1938, que colocando o trabalho artístico da pintora num segmento que
86 LUSO, João. O Salon de 1916. Revista do Brasil, São Paulo, ano I, set. 1916, n. 9, p.37-50.
87
Diário de Pernambuco, 15 de janeiro de 1922.
56
denominou de tradição urbanista pernambucana, junto com Manoel Bandeira
. Isto,
para distinguir os dois da outra tradição pernambucana, que é a “do paisagismo
rural, com o culto da natureza pela natureza”, exemplificada por Telles Junior.
Lubambo, e que é bastante favorável ao trabalho de Fédora, pois enumera algumas
de suas qualidades: “[...] um senso muito brasileiro da cor; uma linha, que eu
chamaria introspectiva; uma grande e solene dignidade. Uma pintura litúrgica. Feita
com vagar e amor.”
88
.
Devo-me deter nessa questão do colorido. É o problema central da
pintura de Dona Fédora. É pela substância cromática, por esses tons
sensacionais, por esse senso dir-se-ia que carnavalescamente
variegado da cor, com seus azuis, seus amarelos, seus vermelhos,
sobretudo, seus vermelhos, que a sua pintura se reveste de
importância e de sentido. São cores ou tons que chamam a atenção
não pelo que têm de esquisito, como pelo que têm de ‘nacional’.
Não é uma simples volúpia pessoal da cor o que observo, É um
imperativo da raça e do sangue. É uma cor, a sua, que se pode
compreender não digo sentir indo às igrejas e reparando para os
azuis, os dourados, os verdes, os vermelhos, dos retábulos, das
imagens e dos painéis. Imagens, retábulos, painéis, com o seu
barroquismo e o seu profundo sentimento brasileiro da cor. Por isso é
que eu posso dizer que do ponto de vista da cultura e da ‘raça’, é o
mais ‘nacional dos pintores pernambucanos. E o seu caso, que é
sociológico além de pictórico, o mais sério da nossa pintura.
89
Como vimos, a Academie Jullian era um espaço onde as alunas entravam em
contato com as técnicas retratistas, e também com as referentes às pinturas de
gênero. Estas técnicas atendiam aos postulados academicistas, pois a instituição
funcionava como um preparatório para os alunos que pretendiam tentar uma vaga
na Escola de Belas Artes Francesa. Fédora foi marcada por estas técnicas que
estudou durante sua estadia em Paris.
Ao mesmo tempo em que visualizamos, em sua estadia na Jullian, as raízes
que estruturaram seu estilo de pintar, podemos nos perguntar, ao olharmos os
retratos pintados por outra artista, que também passou pela Academie, Tarsila do
Amaral, se tal argumento nos basta. Ao observamos, por exemplo, o retrato de
Oswald de Andrade pintado, em 1922, vêmo-lo retratado em visão frontal, em uma
síntese de formas e linhas e redução cromática, com grandes pinceladas; o que nos
88
LUBAMBO, Manoel apud AZEVEDO, Ferdinand. Resgatando a vida e as obras de Manuel da
Costa Lubambo: 1093-1943 - Recife: FASA, 2006, p. 91.
89
LUBAMBO, Manoel. Algumas notas sobre a pintura de Dona Fedora do Rego Monteiro Fernandes.
Fronteiras, Recife, v. 5, n. 18, p. 16, out. 1938. in: AZEVEDO, Ferdinand, op. cit.
57
remete às tendências do impressionismo. Os retratados, pintados por Tarsila,
refletem as novas possibilidades e limites da representação que permearam a arte
durante o final do século XIX e início do século XX.
As obras de Fédora seguem os cânones da pintura figurativa com destaque
para os retratos. Ao olharmos La dame em rouge, podemos ver fortes traços de
acento naturalista que marcam a tradição retratística, e colocam sua produção à
parte das novas tendências. As diferentes nuances que perpassam a obra das duas
artistas, que passaram pela rigorosa Academie Jullian, podem ser explicadas por
seus posteriores espaços de vivências. Fédora retorna ao Brasil em 1915; e, até o
ano de 1917, vive no Rio de Janeiro. Neste mesmo ano retorna ao Recife.
Ilustração 3 - MONTEIRO, Fédora do Rego - La dame em rouge, 1912-1913
Óleo sobre tela.Reproduzida em HERKENHOFF,Paulo (org). Pernambuco
Moderno. Recife: CC Bandepe, 2006.
58
Tarsila do Amaral, após sua estadia na Academie, continua na Europa.
Estuda na academia de Emilie Renard, onde o ensino era menos rígido quando
comparado com a Jullian. Retorna ao Brasil em 1922, e forma, no mesmo ano, em
São Paulo, o Grupo dos Cinco, com Anita Malfatti, Mário de Andrade, Menotti del
Picchia e Oswald de Andrade. Retorna novamente a Paris, em 1923, e continua seu
contato com as tendências vanguardistas européias
Ao compararmos as duas artistas, observamos que, enquanto Tarsila
vivenciou espaços nitidamente marcados por discursos e práticas que alastravam,
cada vez mais, o rompimento de um paradigma pictórico academicista; Fédora, ao
retornar e fixar-se no Recife, depois de sua estadia na França, volta a integrar um
campo artístico, onde as rupturas com o paradigma ainda não se manifestavam
fortemente.
O desenhista, ilustrador e aquarelista Manoel Bandeira, não saiu de
Pernambuco para estudar pintura. Gilberto Freyre e seu homônimo, o poeta Manuel
Bandeira, afirmaram, em seus escritos, que foi auto didaticamente que desenvolveu
sua técnica. Como no caso de Fédora do Rego, podemos enxergar nos espaços de
vivências a qual o desenhista freqüentou, principalmente na Revista do Norte, e nas
Ilustração 4 - AMARAL, Tarsila do
Retrato de Oswald de Andrade, 1922
óleo sobre tela,c.i.e. Reproduzido em Enciclopédia Itaú
Cultural.
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_IC/Enc_Obras/dsp_dados_obra.cf
m?cd_obra=2317&cd_idioma=28555&cd_verbete=3386&num_obra=6.Acesso em 29 de junho de
2009.
59
relações mantidas com outros agentes, a presença de traços que se assimilaram a
sua técnica, a sua forma de entender e ver o mundo.
Editou seus primeiros desenhos, a bico de pena, na Revista do Norte. E foi
responsável pela ilustração da capa do primeiro número, com caricatura a cores do
ministro Oliveira Lima. A conselho de José Maria, diretor da Revista do Norte,
Gilberto Freyre, de quem ganhou a admiração, o convida para ilustrar o Livro do
Nordeste, em edição comemorativa do centenário do Diário de Pernambuco e, anos
depois, Olinda: guia prático, histórico e sentimental da cidade brasileira. No Livro
do Nordeste, Freyre escreveu sobre o desenhista; porém, ressaltando-lhe as
qualidades de aquarelista:
Nos seus desenhos flagrantes da vida recifense, um sabor
franciscanamente lírico; e um raro poder evocativo. Em nenhum
assunto ele se sente tão à vontade como o Recife. O Recife com
suas águas furtadas; os seus telhados em cornos de lua ou em asas
de pombos; o seu casario irregular de cais, pintado de vermelho ou
amarelo, ou quadriculado de azulejos que rebrilham ao sol; as suas
barcaças paradas diante dos armazéns de açúcar ou dos depósitos
de madeiras; as saídas das missas e das procissões tão cheias de
roxo e de amarelo. Aquarelista, Bandeira põe nas suas cores o
mesmo doce lirismo franciscano em que se enternece o seu traço
90
.
Essa captação, do que podemos chamar aqui de aspectos tradicionais da
paisagem urbana do Recife e que vai render a Manoel Bandeira elogios de
intelectuais tradicionalistas, pode ser entendida, em partes, em sua atuação na
Revista do Norte
. Este periódico despontou no cenário editorial do Recife como uma
publicação de destaque em seus aspectos gráficos e que detinha ilustrações
abundantes em todos os números; com fotografias, vinhetas e, até mesmo,
reproduções de telas de Franz Post, Tele nior e Vicente do Rego Monteiro. O
desenho e a caricatura ganham um tratamento especial ao serem realizados
especialmente para a revista por artistas pernambucanos como Manuel Caetano
Filho, Luís Soares, José Borges e até mesmo um desenho inédito de De Garo para
o nº. 2 da segunda fase.
91
Constituindo-se como um dos importantes meios de divulgação do
regionalismo nos anos 20, a revista deixava claro em seus editoriais que não tinha
como pretensão iniciar um movimento novo, mas alinha-se à perspectiva regionalista
90
FREYRE, Gilberto op. cit.
91
AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. Modernismo e regionalismo (Os anos Vinte em Pernambuco).
João Pessoa: Secretaria de educação e Cultura da Paraíba, 1984.
60
em voga nos anos 20, evidenciada na publicação de textos críticos que faziam eco à
preocupação regionalista e tradicionalista escritos por Freyre e Manuel Lubambo,
entre outros. Na opinião de Joaquim Cardozo, os jovens intelectuais que
compunham a Revista do Norte seriam a fiel expressão da renovação cultural
pernambucana, na década de 20.
Dentro deste ideal as ilustrações trazidas na revista vão de encontro à
tendência a valorizar os aspectos típicos do Nordeste, em especial de Pernambuco,
através de uma revalorização do barroco, como se pode ver, a título de exemplo, na
capa dos três números da segunda fase, feitos por Manoel Bandeira, bem como do
passado colonial brasileiro, que aparecem, em outros motivos escolhidos, nos
diversos números da revista.
92
Cabe aqui ressaltar a atuação de outro ilustrador da revista: Joaquim
Cardozo. Na Revista do Norte, da qual foi diretor, Cardozo publicou seus primeiros
poemas, inclusive o seu poema mais famoso, escrito em 1924: “Recife morto”, e
também críticas de arte. Suas ilustrações, assim como as de Manoel Bandeira,
eram inspiradas nos aspectos regionais e influenciadas por um traço barroco. Criou
para a revista vinhetas e todo um alfabeto de capitulares (letra maiúscula inicial dos
capítulos, em geral, ornamentada), com temas da flora regional. Desenhou cajus e
coqueiros, que ornamentaram as páginas do editorial e, segundo Souza Barros, teria
sido usado pelo poeta na estilização de um corpo alfabético, que o editor José Maria
teria conservado como inédito.
93
Seus desenhos flagram aspectos arquitetônicos e urbanos da paisagem do
Recife, e não se volta para a exaltação das grandes avenidas, que começavam a
mudar fisionomia da cidade ou outros elementos que indicassem o processo de
modernização na capital pernambucana. O desenhista volta-se para aspectos do
Recife antigo em seus aspectos coloniais, deixando, assim, talvez transparecer a
influência que a Revista do Norte tenha deixado em sua produção.
92
Idem, p. 115.
93
SOUZA BARROS, op. cit., p. 175.
61
SEGUNDO CAPÍTULO
A EVOCAÇÃO DO VERDE PERNAMBUCANO:
CRÍTICAS DE ARTE SOBRE A PINTURA PERNAMBUCANA DOS ANOS 20.
_____________________________________________________________________
“O crítico é aquele que pode traduzir, de um modo diferente ou por
um novo processo, a sua impressão das coisas belas.”
Oscar Wilde
Ao nos depararmos com uma obra de arte, o que nos leva a considerá-la bela
ou não? O que nos faz preferir determinado estilo artístico em detrimento de outro?
Tais escolhas se efetivam no momento em que nossa sensibilidade é aguçada, a
partir do instante em que nossos olhos percorrem cautelosamente as pinceladas que
se intercalam em uma tela, ou nosso olhar precisa ser guiado por informações
acerca do que vemos para chegarmos a um consenso se gostamos ou não daquela
visão?
Pensar em possíveis respostas, para as perguntas acima, é se encontrar em
uma encruzilhada, onde várias instâncias estão envolvidas, num processo que
legitima determinados produtos como obras de arte. Segundo Pierre Bourdieu, as
obras de arte resultam de um feixe de intervenções situadas no entorno de sua
produção, sua exposição e sua capacidade de significar. Não sendo somente o
produtor do objeto em sua materialidade, mas sim o conjunto dos agentes que se
relacionam, como críticos e colecionadores, por exemplo, que são capazes de impor
medida específica do valor do artista e daquilo que ele, enfim, produz
94
.
Dentre essas várias instâncias legitimadoras da obra tomada por artística,
destacaremos, neste capítulo, a atuação dos críticos e de seus escritos
. De acordo
com sua origem epistemológica, o termo crítica de arte definiria discernir, escolher e
julgar a obra de arte, atribuindo-lhe juízo de valor que, além de dar conta de sua
interpretação, avalia e discrimina, indicando ou não a sua validade sua verdade
enquanto arte. Nesse sentido,
a crítica de arte situa-se como mediador entre a obra
e os possíveis interlocutores aos quais se dirige;
94
BOURDIEU, 1998, op. cit.
62
As críticas de arte realizadas no Recife, durante os anos 1920, eram escritas,
sobretudo, por intelectuais e artistas. Esses personagens encontravam espaço, por
intermédio da imprensa, para que suas idéias fossem difundidas e debatidas, a partir
de textos fortemente marcados por elementos presentes em seus projetos culturais,
muitas vezes, de tentativa de se firmarem perante os leitores ou legitimarem
socialmente seus pensamentos.
Esses escritos despertaram a indagação sobre a atuação desses intelectuais
como críticos, a exemplo do que podemos ler em texto publicado na coluna Artes e
Artistas, do Diário de Pernambuco, no ano de 1927. Luís G., ao traçar o perfil de um
crítico, afirma que a verdadeira crítica não deveria favorecer, em seu julgamento, um
artista ou obra em detrimento de um terceiro, ou seja, deveria ser imparcial
,
ensinando ao que não sabe, assinalando ou provando os defeitos ou as belezas das
coisas ou das pessoas com as regras da própria arte
95
. De acordo com o texto, o
que se percebia nos jornais era uma dificuldade em se fazer a crítica da arte, porque
seu reconhecimento demandaria uma erudição que os pernambucanos não
possuiriam alguns reagiriam a essa afirmação; daí o caráter da neutralidade e o
de, muitas vezes, se absterem de fazer a crítica –. O que não impedia, igualmente, a
identificação de alguns críticos. Luís G. afirmou que havia o estranhamento, por um
lado, que indicava o não domínio dos códigos da arte e, por outro, ao demonstrarem
vontade de se apropriar dos conceitos e vivências da arte, haveria também uma
apropriação do belo, traduzido em estilo próprio.
o professor, historiador e crítico literário Fidelino de Figueiredo, cujo atuou
como correspondente do Diário de Pernambuco em Madri, ao escrever sobre Gil
Fagoaga, afirmou que muitas teriam sido as tentativas para lançar, em bases
objetivas, a crítica estética, a fim de que se estruturasse uma nova disciplina que,
aspirando formular leis, fora e acima das flutuações do gosto e da tendência
pessoal, estudasse, em fenômeno e método próprio, as questões do mundo das
artes. O correspondente do Diário de Pernambuco acreditava que, apesar do
esforço lógico empreendido pelos nomes mais ilustres entre os críticos e estéticos
modernos, pouco mais do que um torvelinho de doutrinas, teria sido realizado, ao
ponto de se destruírem umas às outras, deixando, no espírito de quem as lia,
perplexidade e confusão
96
.
95
Diário de Pernambuco – 05/04/ 1927, p. 6.
96
Diário de Pernambuco – 13/01/1929, p.3.
63
Clarissa Diniz, em Crachá: aspectos da legitimação artística, reafirma essa
ausência de críticos especializados no Recife, datando um possível surgimento dos
primeiros a partir da década de 1970. Diniz afirma que, nessa década, o sistema de
arte pernambucano parecia consciente da ausência de críticos de arte, mas pouco
atento à importância que esses personagens poderiam ter para o campo artístico do
Estado
97
.
Para se referir à atuação desses intelectuais como críticos, Diniz utiliza-se do
termo quebra-galhos. Pois, a seu ver, esse trabalho, operado por indivíduos não
especializados no domínio das artes, supria como podia a demanda existente;
porém, acabava, por muitas vezes, em textos que raramente ousavam contradizer a
voz do artista. Assim, sugere que seria elucidativo atribuir a esses textos o o título
de textos críticos, mas sim de textos de apresentação, pois ficaria claro, para a
autora, que, ao escreverem, os intelectuais estavam, na maioria das vezes,
recomendando o artista, encontrando-se o interesse maior não nos supostos
conteúdos dos textos, mas na legitimação social e artística dos seus autores
98
.
O parecer dado por Clarissa Diniz circunscreve-se em um processo de
especialização do campo artístico, marcado desde o século XVIII. Nesse período, a
literatura sobre arte passou a ganhar forma de disciplina crítica, principalmente com
o desenvolvimento da estética como ciência filosófica, que reconhecia a autonomia
da arte, passando a crítica a desenvolver-se como analítica, questionadora e
reflexiva diante dos valores que originam a obra de arte, através de metodologias e
formulações teórico-filosóficas, que ofereceram aos textos qualidade científica, como
formula Giulio Carlo Argan.
Não queremos tomar aqui parte da discussão em torno do que legitima a
figura do crítico de arte, pois acreditamos que, ao nos inteirarmos desse
personagem, estaríamos a extrapolar os domínios do nosso trabalho e do nosso
ofício. Especializados ou o no campo da estética, tomamos os textos de arte
escritos, nesse período, por críticas; uma vez que geravam posicionamento que
permite a instauração de pontos reflexivos, seja por meio da concordância, ou da
discordância, entre aqueles a quem o texto se dirige. Para tanto, levamos em
97
DINIZ. Clarissa. Crachá aspectos da legitimação artística (Recife – Olinda 1970-2000) Recife: Ed.
Massagana, 2008.
98
ARGAN, G. C. Arte e crítica de arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1988.
64
consideração que o leitor, e também os agentes e instituições circunscritos no
campo artístico, no qual esses textos se inseriam, não são indivíduos passivos na
recepção de tais argumentos, reformulando-os, de acordo com os seus
posicionamentos, para então se posicionarem a favor ou não.
Esses conhecimentos não necessariamente especializados são o fio condutor
utilizado pelos autores, e também pelos sues leitores, na tentativa de extrair de uma
obra de arte os seus conteúdos comunicativos e estéticos e, mediante sua
assimilação e reorganização conceitual, transpô-los ao texto escrito. Os críticos
acionaram, pois, como afirma Bourdieu:
(...) as categorias utilizadas para perceber e apreciar a obra de arte
estão duplamente ligadas ao contexto histórico: associadas a um
universo social situado e datado, elas são objecto de usos também
marcados socialmente, pela posição social dos utilizadores que
envolvem, nas opções estéticas por elas permitidas, as atitudes
constitutivas do seu habitus
99
.
Assim as reflexões em torno da identidade nacional ou regional, que
perpassavam fortemente o cenário intelectual e artístico nacional, caracterizando o
contexto histórico no qual estavam inseridos, estão implícitas nos discursos e
práticas dos intelectuais que se ocuparam em escrever críticas de arte nos anos
1920. Podemos perceber que muitos desses textos foram estruturados a partir de
elementos presentes em seus projetos culturais, numa tentativa, muitas vezes, de se
firmarem perante os leitores, ou legitimarem socialmente seus pensamentos. Por
isso, se faz necessário examinarmos, mesmo que rapidamente, o cerne do
pensamento desses escritores a respeito da identidade.
2.1 Tupi or not tupi: that is the question: o movimento modernista de São
Paulo e suas formulações identitárias;
No Brasil, podemos observar uma tensão entre as elaborações identitárias
operadas pelos intelectuais e artistas ligados ao movimento modernista paulista e ao
movimento regionalista pernambucano. Ambos os movimentos tentaram estabelecer
unidade nacional, porém a partir de pontos de vista distintos: o movimento paulista
através da ruptura com o processo formal-ornamental da cultura do século XIX e o
pernambucano por meio do regionalismo.
99
. BOURDIEU, 1996. op. cit., p. 293.
65
O movimento modernista de São Paulo foi identificar o traço característico
para o brasileiro na figura do indígena. O primitivismo será, para o grupo, a
estratégia que sustenta a originalidade da cultura brasileira, tanto no sentido da
origem como no da singularidade. Se para os europeus o primitivismo correspondeu
a uma ruptura, para os brasileiros representou o resgate e a continuidade de uma
tradição que deveria ser promulgada pela arte. Dessa forma, Mário de Andrade, em
Macunaíma, e Oswald de Andrade, em seus Manifestos Pau-Brasil e Antropofágico,
tentam pensar, de maneira original, a tensão entre o autêntico e a cultura universal,
reafirmando os valores nacionais através de linguagem moderna.
Para Mário de Andrade, encontrar a identidade nacional significava não
perder a visão do conjunto. Em Macunaíma, escrito em 1928, é visível o esforço de
Mário para superar a concepção geográfica do espaço fragmentado e ir ao encontro
do país como um todo. Seu nascimento é o ponto de partida da história e ocupa o
primeiro parágrafo. É junto à natureza, mais afastada do homem civilizado, que vem
à luz e que é, à noite, durante um sentimento de medo da mãe, que nasce.
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente.
Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em
que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera,
que a índia tapanhumas pariu uma criança feia Essa criança é que
chamaram de Macunaíma.
100
Dessa forma, o local de nascimento, como toda a configuração do espaço
narrativo da obra, é levado à base de construções metafóricas indicativas de uma
vida primitiva, originária, remetida às matas, em oposição ao espaço burguês,
civilizado, capitalista. E é sobrevoando o Brasil no tuiuiú aeroplano que o herói
consegue descortinar o mapa da sua terra, movimentando-se livremente pelo
espaço da brasilidade, deslocando-se dos estreitos limites geográficos, numa
tentativa de superar os diferentes tipos regionais e chegar a construir.
O herói contém características híbridas pertencentes às três etnias
formadoras da nação, conhecimento do mundo primitivo e civilizado, sem se decidir
por nenhum deles, mas por aglutiná-los e utilizá-los indistintamente, revelando
identidade segmentada entre espaço tradicional e espaço moderno.
100
ANDRADE, Mário de. Macunaíma o herói sem nenhum caráter. São Paulo: Ed. Agir, 2008. p. 9.
66
Em busca dos aspectos eminentemente nacionais, o autor utiliza o folclore,
primeiro, por ser um pesquisador voltado ao assunto e, segundo, por nele encontrar
material de cunho popular, primitivo e, portanto, brasileiro por excelência. A pesquisa
de matérias de expressão regionais, entre o final de novembro de 1928 e início de
março de 1929 quando Mário visitou o Nordeste, a fim de explorar o folclore da
região –, seria inicialmente importante, mas visando a superar o segmentário
regional na direção da criação do todo brasileiro. O próprio Macunaíma é criado a
partir de uma bricolagem de textos do folclore nacional e resulta como alegoria do
homem nacional, em que as diversidades regionais do país são anuladas em favor
do todo.
Os Manifestos da Poesia Pau-Brasil e Antropofágico são considerados os
mais famosos de Oswald de Andrade. O primeiro foi publicado no Correio da Manhã,
em 18 de março de 1924. Já o segundo, foi lançado no primeiro fascículo da Revista
de Antropofagia, em maio de 1928. Em ambos os manifestos, Oswald incorpora
elementos da paisagem e cultura nacionais, que servem para referenciar, sob o
prisma da paródia, o conteúdo fundador da nacionalidade, seja em termos estéticos,
seja na releitura do passado. Para o escritor, todos esses elementos que
compunham o contexto histórico-cultural brasileiro deveriam ser processados e
posteriormente unificados para a criação de uma identidade brasileira autônoma de
qualquer dependência cultural, resultando também em produção artística, ao mesmo
tempo, universal e nacional.
O pau-brasil funciona como metáfora da imagem primitiva do Brasil, o
primeiro produto de exportação das terras encontradas no além-mar; a poesia
contida no livro transfigura-se, como se propunha no manifesto, no produto interno
mais primitivo e representativo do conteúdo fundador da nacionalidade, seja em
termos estéticos, seja na releitura do passado nacional. Revela a demarcação de um
espaço de produção que se caracterizaria contra a importação da consciência
enlatada e fundadora da poesia de exportação no cenário cultural brasileiro.
Pode-se perceber, nos dois, a reivindicação de uma arte livre, sem
imposições ou restrições pautadas no fim da cópia ou da submissão a povos,
culturas e idéias trazidas de além-mar. “O trabalho contra o detalhe naturalista - pela
síntese; contra a morbidez romântica - pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento
técnico; contra a cópia, pela invenção e pela surpresa”. No Manifesto Pau-Brasil,
67
essa superação dar-se-ia através da substituição dos valores estrangeiros pelos
nacionais. Já no Antropofágico, dar-se-ia pela absorção.
Em Pau-Brasil, principal livro de poemas de Oswald de Andrade, a
consonância entre as propostas do manifesto e a forma poética conduz à
constatação de um percurso coeso, em que se busca a reformulação do paradigma
histórico de representação do Brasil, cujas novas diretrizes seriam orientadas pela
desmistificação do discurso dominante, que, supostamente, teria ficcionalizado a
história em favor da idealização épica do passado. Nesse ponto, a descoberta do
passado colocar-se-ia como a manifestação original de uma poesia capaz de
congregar novas diretrizes estéticas ao pitoresco local.
Do mesmo modo que rio de Andrade, Oswald vai identificar o brasileiro
com o índio, no contato com os europeus que os encontram no país. Porém, Oswald
não identifica o brasileiro com qualquer índio. Ele reivindica justamente a filiação aos
antropófagos, pois, a seu ver, é por meio da “transformação do tabu em totem”, da
devoração/deglutição do que lhe é estranho, que o pensamento filosófico
antropofágico traz não nova tendência para a arte brasileira, mas também outra
forma de perceber e construir o mundo. Os brasileiros seriam filhos do sol, ou seja,
de Guaracy, “a mãe dos viventes”, e o Brasil seria o “o país da cobra grande”. As
tradições e mitologia indígenas o o ponto de partida para a fala do brasileiro,
dentro de certa posição histórica e geográfica. Nega-se, desse modo, a filiação aos
europeus, assinalando-se outro referencial histórico a partir da cultura indígena,
onde a relação de subordinação é invertida: o Brasil passa a ter posição privilegiada
por poder absorver e digerir o que lhe é externo, mas sem perder suas
características inerentes.
Em suas preocupações em atingir o universal por intermédio da legitimação
do nacional, os modernistas recusavam o regionalismo, uma vez que acreditavam
que era através do nacionalismo que se chegaria ao universal. Assim, para os
modernistas, a operação que possibilita o acesso ao universal passa pela afirmação
da brasilidade. Mas vale ressaltar que, de acordo com Mônica Veloso, apesar de o
modernismo não se assumir como anti-regionalista, na medida em que confere
notória importância ao folclore e aos costumes das diferentes regiões culturais
68
brasileiras, ele introduz nova concepção do regional, acrescentando elementos que
viriam mediar a relação regionalismo-nacionalismo
101
.
Porém seria errado tomar esse pensamento como uníssono entre o grupo
paulista, em suas construções acerca do que entendia por ser brasileiro, haja vista
que, entre o grupo, houve divergências que acabaram por levar a uma fratura no
movimento, resultando no surgimento de vários subgrupos como o Anta, o Jaboti, o
Pau-Brasil, o Antropofágico e o Verde-Amarelo. Esse último segue uma tendência
regionalista, polemizando com os antropofagistas.
Entre os fundadores do grupo verde-amarelo
, estavam Plínio Salgado,
Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia, Alfredo Ellis e Mota Filho. O grupo valorizava
o regionalismo e defendia o sertanejo como elemento portador da nacionalidade. O
Brasil autêntico seria o Brasil do interior. Inspirados em Alfonso Celso, os verde-
amarelos defendiam a brasilidade como estado de espírito promovido pela injeção
do sentimento nacional.
O grupo se divide, resultando no surgimento do grupo Anta
título sugerido por Plínio Salgado, de onde nascerá seu integralismo e o grupo
Bandeira.
O regionalismo também foi a via adotada por outro grupo em suas
formulações identitárias: o grupo regionalista tradicionalista ao seu modo
modernista, liderado pelo jovem sociólogo Gilberto Freyre.
2.2 Críticas de arte que evocam a paisagem regional: o regionalismo freyriano
Gilberto Freyre possui importância singular dentro da história da
intelectualidade, não pernambucana, mas nacional e internacional. Seja como
sociólogo, antropólogo ou historiador social, seu pensamento teve peso significativo
no âmbito das ciências sociais. Outra faceta de Gilberto Freyre era voltada para as
artes, tanto quanto literato ao escrever seminovelas como Dona Sinhá e o Outro
amor de Dr. Paulo e contos, como os reunidos em Três histórias mais ou menos
inventadas –, ou também como pintor ou crítico literário e de artes plásticas, sendo
justamente essa última característica que nos desperta interesse.
101
VELOSO, nica. A brasilidade Verde-Amarela: nacionalismo e regionalismo paulista. IN:
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 11, 1993, p. 105.
69
Desde jovem, Freyre entrou em contato com o mundo das artes. Lápis de cor,
tinta e aquarela foram seus primeiros meios de se expressar, preenchendo cadernos
e cadernos, quando ainda não conseguia nem ler nem escrever. Seu interesse pelo
desenho fez com que seus pais o levassem para tomar aulas com Telles Júnior, que
não recebeu bem o talento do jovem aspirante a artista, devido à sua
espontaneidade e expressividade consideradas exageradas pelo mestre de
formação acadêmica
102
. Na velhice, Freyre rememora a qualidade surreal de suas
visões e a importância dos fluxos de imagens e de cores em sua imaginação infantil,
que influenciaram fortemente suas concepções em torno das artes plásticas:
Um sono de menino, o meu, às vezes perturbado por insônias nem
sempre incômodas. Nessas insônias, de olhos muito abertos, mais
de uma vez, vi, no escuro do quarto, as cores se misturarem de
maneiras, as mais surpreendentes. Cores e formas. Uns como
estímulos a pinturas um tanto anárquicas, com que por vezes me
animei a borrar meus papéis e minhas pequenas telas sem ninguém
entender borrões tão cheios de amarelos, vermelhos, azuis, roxos,
verdes, misturados. Nem eu os entendia: anárquicos, porém
vibrantes, simplesmente me davam alegria aos olhos, por passá-los,
de dentro deles, a papéis ou a telas de sua intimidade.
103
Na juventude, durante o período em que viveu no exterior, ao passar por
Paris, Gilberto Freyre conviveu com Vicente do Rego Monteiro, com quem se
acamaradou e que o colocou em contato com o grupo de modernistas brasileiros,
especialmente Tarsila do Amaral e Victor Brecheret. Adulto, não deixou o desenho e
a pintura de lado. A condição visual foi umas das suas formas mais características
de se relacionar com o mundo. Como nos mostra Moacir dos Anjos:
A essencialidade da imagem para o processo analítico de Gilberto
Freyre fez com que, ao lado da reflexão ensaística e crítica sobre
artes plásticas, também buscasse, ele próprio, e mesmo após ter-se
definido e tornado escritor, dar formas e cores às suas ideias de
Brasil. Deixando transbordar, para o espaço e o tempo em que se
desenrolavam suas atividades cotidianas, a pluralidade com que
cercava seus assuntos, Gilberto Freyre retoma o gosto de menino e
torna-se pintor. Sem ambicionar ombrear-se com os artistas que
mais admira e sobre os quais escreve, a pintura é, para Freyre, além
de deleite, meio para multiplicar os pontos de vista com que
naturalmente enxerga a realidade. Parafraseando a comparação feita
por Antonio Candido entre o Gilberto sociólogo e o Gilberto escritor, é
possível dizer que, nele, quando saímos à busca do crítico
deslizamos para o pintor, e, quando procuramos o pintor, damos com
o crítico. Na visão freyreana, não hierarquias possíveis entre o
102
LARRETA, Enrique Rodrigues. Gilberto Freyre, uma biografia cultural. Rio de Janeiro: Ed.
Civilização Brasileira, 2007.
103
Ibidem, p. 25.
70
que são apenas formas diversas de aproximar-se do objeto que
deseja conhecer
104
.
Gilberto Freyre escreve, em artigo sobre o pintor português Jorge Barradas
105
,
não ser capaz, no auge dos seus vinte anos, de desenvolver uma verdadeira crítica
que fosse além de suas impressões e gostos particulares, e que não se considerava
suficiente para atuar como crítico. O sociólogo acreditava que a alta crítica é a da
avaliação, muito mais que a mera impressão, sendo que o ato de avaliar exigiria
elevado grau de erudição. Mesmo com seu gosto considerado refinado, Freyre
afirma que não se via como crítico de arte profissional
106
. Apesar de se julgar
incapaz de atuar como verdadeiro crítico, Freyre escreveu diversos ensaios e
artigos sobre pintura, bem como apresentações sobre pintura que foi convidado a
escrever, ora por pintores, ora pelos organizadores de exposições, começando com
a exposição de Cícero Dias - a primeira sobre a qual Freyre escreveu –, realizada na
cidade de Escada, Zona da Mata pernambucana, em 1928
107
.
Iremos nos deter na análise dos artigos escritos por Gilberto Freyre durante
os anos 1920, em especial os publicados no Diário de Pernambuco, em que o autor
se ocupou de temáticas referentes às artes plásticas. Destacamos os textos da
coluna Da Outra América e os artigos numerados, por acreditarmos que, a partir de
tal agrupamento, é possível centralizar nossa análise na perspectiva de como o
autor refletia sobre a produção pictórica pernambucana, em ambiente onde o
embate entre modernismo e tradicionalismo convergiam para uma caracterização da
produção local
108
.
Durante sua estadia nos Estados Unidos, entre 1918 e 1922, Gilberto Freyre
atuou na imprensa do Recife, por meio da série de artigos Da Outra América,
publicados no Diário de Pernambuco, nos quais fazia observações sobre a
arquitetura, o comportamento, a vida cultural e intelectual norte-americana.
Nos artigos numerados que abarcam diversos temas: valores da arquitetura
tradicional, da fisionomia tradicional do Recife, culinária regional, aspectos
paisagísticos, estatuto da língua aparecem propostas amplas no domínio cultural,
104
ANJOS, Moacir dos. Gilberto Freyre Crítico e Pintor. Disponível em:
http://www.fundaj.gov.br/docs/eventos/gilberto.html Acessado em 24 de julho de 2009
105
Diário de Pernambuco, 17 de fevereiro de 1924.
106
Diário de Pernambuco, 27 de maio de 1923.
107
FONSECA, Edson Nery da. Em torno de Gilberto Freyre – ensaios e conferências. Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2007, p, 138.
108
Esses artigos foram organizados em forma de coletânea intitulada Tempo de aprendiz. Ver
FREYRE, Gilberto. Tempo de aprendiz. São Paulo: IBRASA/INH, 1979.
71
em que podemos isolar dois filões de idéias. O primeiro deles é a crítica ao
modernismo. Durval Muniz afirma que:
Freyre chama de modernistas todos os intelectuais e as práticas
culturais que tendem a transformar o Brasil numa área sub-européia
de cultura e ocidentalizar seus costumes. Fazendo uma distinção
entre os termos moderno e modernista, Freyre considera o seu
regionalismo moderno, mas não modernista, no sentido de uma
reificação de um instante de modernidade. Para ele o elemento
moderno era apenas uma mudança de forma, embora defendesse a
manutenção dos mesmos conteúdos.
109
Apesar da oposição ao modernismo, Gilberto Freyre, na introdução da obra
Região e Tradição, ressalta que o movimento regionalista:
(...) teve afinidades, ou antes, coincidências quanto à técnica
experimental: um tanto como o modernismo das duas metrópoles do
Sul [Rio de Janeiro e São Paulo], aquele movimento de província foi
também, e por si mesmo, uma reação contra as convenções do
classicismo, do academicismo e do purismo lusitano
110
.
Essa afinidade seria o elemento que fazia, ao ver de Freyre, o movimento
pernambucano não se posicionar de forma extremamente oposta ao do Sul. Dessa
forma, Freyre não considerava seu movimento como anti-moderno, como podemos
constar em um artigo-resposta a Mário Pedrosa:
Em primeiro lugar, não é exato ter eu, quando moço, iniciado um
“movimento literário” no Recife que tenha sido um movimento
“tradicionalista” ao mesmo tempo que antimoderno. Ao chegar, em
ano remoto, ao Recife, não dos Estados Unidos, como afirma o
brilhante, mas impreciso Pedrosa, mas da Europa, a orientação que
procurei opor aos “ismos” então em voga em nosso País, foi a de
valorizar, ao mesmo tempo, estes aparentes contrários: região,
tradição e modernidade
111
.
O sociólogo não se considerava opositor ao modernismo, mas antagonista
aos estrangeirismos, que se revestiam sob tal denominação e invadiam o país,
descaracterizando-o. Freyre se dizia a favor do rompimento dos valores
academicistas, criticando, sobretudo, os princípios artísticos assentados na
109
ALBUQUERQUE JÙNIOR, op. cit., p. 89.
110
REZENDE, op. cit., p. 159.
111
FREYRE, Gilberto. A propósito de pintores e das suas relações com a luz regional. IN: Vida, forma
e Cor. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1962. p. 215.
72
perspectiva, tidos por ele como processo de cópia ausente de qualquer princípio
interpretativo, como escreve o sociólogo no artigo de número 6:
É preciso não esquecer que a mania analítica do naturalismo foi
apenas a mania dum período; e que mesmo em pleno naturalismo
houve um Whistler. O naturalismo, na pintura como no romance,
causou-o a superstição de ciência com C maiúsculo de que nos fala
Daudet em Le Stupide. Foi uma reação paradoxalmente anti-artística
a de copiar a natureza em seu estado bruto, repeti-la com toda sua
massa de pormenores e todo seu peso
112
.
A crítica freyriana, à arte assentada em bases naturalistas, não significou
necessariamente a reivindicação da superação dessa tendência para uma filiação às
vertentes consideradas mais radicais das vanguardas. Seu conservadorismo se
revelava, em sua tentativa de conciliação com os valores tradicionais da sociedade
pernambucana aos ares de renovação que reivindicava.
Em seu pensamento a defesa da tradição e da região foi uma estratégia
adotada por quem as oligarquias locais perderem cada vez mais o poder e
revela-se através do caráter saudosista e da valorização dos aspectos regionais,
que estruturou a escrita de seus artigos
113
à defesa da região. Segundo Pierre
Bourdieu, a reivindicação regionalista é uma resposta à estigmatização provocada
pela privação de capital material ou simbólico. O fato de uma coletividade existir
como unidade negativamente definida pela dominação simbólica e econômica faz
com que alguns dos que dela participam sejam levados a lutar para alterarem a sua
definição, para inverterem o sentido e o valor das características estigmatizadas.
As lutas a respeito da identidade regional [...] o um caso particular
das lutas das classificações, lutas pelo monopólio de fazer ver e
fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a
definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio, de
fazer e desfazer os grupos. Com efeito, o que nelas está em jogo é o
poder de impor uma visão do mundo social através dos princípios de
divisão que, quando se impõem ao conjunto do grupo, realizam o
sentido e o consenso sobre o sentido e, em particular, sobre a
identidade e a unidade do grupo, que fazem a realidade da unidade e
da identidade do grupo
114
.
112
FREYRE, Gilberto. 6. Diário de Pernambuco. Recife, 27 Maio 1923. Coluna: Da outra América.
Artigo publicado em: FREYRE, Gilberto, 1979, op. cit., p. 263.
113
Sobre a defesa da tradição na produção freyreana ver: D’ANDREA, Moema Selma. A tradição
redescoberta – Gilberto Freyre e a literatura regionalista. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.
114
BOURDIEU, Pierre. A identidade e a representação: elementos para uma reflexão crítica sobre a
idéia de região. In: O poder simbólico. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p 113
73
A modernização seria, para Freyre, o fator perturbador primordial no equilíbrio
social e desagregador da nacionalidade, a qual estaria radicada na tradição. Vistas
como uma quebra nas facetas da identidade local, as intervenções ocorridas, devido
ao processo de modernização, passam a ser alvo das críticas do jovem sociólogo,
que as considera descaracterizantes da fisionomia do Recife. Os reclames contra as
mudanças trazidas pelos ventos da modernidade são estruturados em cima de um
passadismo pontilhado com saudosismo, estático, em detrimento do processo
modernizador. Freyre defende uma conciliação entre tradição e modernidade, numa
tentativa de se absorver as novidades sem que essas renovações afetem a
originalidade da cultura brasileira na sua mistura, que ele tanto diz admirar.
Essa tentativa de conciliação traz, para os seus textos, um vanguardismo
renovador que, paradoxalmente, converge para um cruzamento com perspectiva
patriarcal, saudosista e tradicionalista. Essa perspectiva remete suas análises da
história da produção açucareira na região da Zona da Mata pernambucana para todo
o passado colonial brasileiro, com a finalidade tanto de explicar a perda de harmonia
entre as regiões brasileiras, com a concentração do poder nos Estados do Sul,
quanto de condenar a disciplina burguesa e os conflitos sociais supostamente
gerados por ela. Isso porque a sociedade patriarcal era por ele concebida modelo de
sociabilidade fundamental para a manutenção da ordem social.
Assim, em seu discurso sobre a brasilidade, a região se configura como a
marca da originalidade brasileira. O sociólogo recorreu a um legado de mitos,
paisagens e memórias que individualizaria a região Nordeste como espaço além da
unidade política, econômica ou cultural, fundado numa uniformidade geográfica e
étnica, para configurá-lo, sobretudo, como espaço social.
A defesa da região como único modo de se alcançar o nacional lhe rendeu as
acusações de bairrismo. Freyre argumentou afirmando que o regionalismo defendido
pelos intelectuais nunca fora fechado no espaço e nem estático no tempo. Em artigo
escrito para a Revista do Norte, Freyre ressalta que:
Não me parece que seja mau o regionalismo ou patriotismo regional,
cuja ânsia é a defesa das tradições e dos valores locais contra o
furor imitativo. Não me parece que semelhante corrente de
sentimento ponha em perigo a unidade brasileira nas suas raízes ou
nas suas fontes de vidas. Cuido que as diferenciações regionais,
74
harmonizadas, serão, no Brasil, condição para uma pátria
independente na suficiência econômica e moral como um todo
115
.
Assim como o discurso dos modernistas de São Paulo, o discurso regionalista
se refere à influência do estrangeiro como elemento desestruturador da identidade
nacional e, consequentemente, regional. Isso é feito de maneira específica em cada
caso, com traçados discursivos diferentes revelando a construção de identidades em
condições de produção distintas. Para Freyre:
Nós, brasileiros, somos em todas as coisas de uma tolerância que
nos acabará comprometendo a unidade nacional. A prova é a
facilidade com que nos deixamos penetrar no mais íntimo da nossa
vida sócio-econômica por elementos estrangeiros dos mais
indesejáveis: desses que saem a rolar pelas pátrias alheias, sugando
e absorvendo. Descaracterizando. O excesso de tolerância neste
sentido estende sobre nós a sombra de uma ameaça séria: e de nos
tornar, um dia de crise, incapazes de orientar a vida nacional de
acordo com as nossas tradições. Nesse dia terrível, de que Deus nos
livre, experimentaríamos quanto pode a "escroquerie" de uma
minoria toda preocupada em lucros materiais, contra os ideais e os
interesses comuns de uma vasta maioria que, tolerantemente, se
deixa roer no que lhe é mais próprio, mais íntimo, mais característico.
116
Essas construções teóricas se fazem presentes em suas críticas de arte, em
que o autor tenta defendê-las perante o debate sobre a natureza da arte e sua
relação com a nacionalidade, através de processo de ressignificação de diversos
elementos, para reafirmar a consolidação e a demarcação do que tomava por
regional/nacional e de uma arte genuinamente nacional
117
. Dentre esses elementos,
a paisagem local, em sua singularidade, constituiu-se como um dos mais fortes
símbolos utilizados pelo discurso freyriano para fixar os valores regionais e
nacionais.
A primazia atribuída ao valor da paisagem é propícia à representação da
fixação dos valores patriarcais, e, por conseguinte, do ponto de vista dos
proprietários de terras em Pernambuco, persistindo uma tradição que remonta aos
tempos coloniais. Através da temática regional e da observação e descrição de seus
elementos pictóricos, como a cor e a luz, tidos como fundamentais na elaboração de
115
FREYRE, Gilberto. Do Bom e do mau Regionalismo. In: Revista do Norte,Recife Nº 5 outubro de
1924, p. 4.
116
FREYRE, Gilberto. 49. Diário de Pernambuco. Recife, 23 Mar. 1924. Coluna: Da Outra América.
Artigo publicado em: FREYRE, Gilberto. 1979. op. cit., p. 381
117
A cor também foi um elemento utilizado por Tarsila do Amaral em sua produção da fase pau-brasil,
no intuito de transpor para as telas um tom de brasilidade, através da utilização das cores “locais” e
“caipiras como o rosa e o azul”.
75
uma pintura própria de Pernambuco, é que se propôs a organizar uma consciência
regional, que servia de elo para os debates acerca da identidade brasileira. Como
aponta Durval Muniz:
Freyre se preocupa em fixar normas para a produção de uma
pintura regionalista e tradicionalista o que seria a “verdadeira
paisagem do Nordeste”. Ele tenta nas suas críticas de arte, fixar uma
dada visibilidade regional: de paisagens de tons ocres ou de
exuberância tropical que não se coadunaria nos cinzentos dos
acadêmicos, nem com as cores carnavalescamente brilhantes do
“impressionismo”. Para ele, até então a pintura tinha passado ao
largo dessa paisagem regional, com seus contrastes de verticalidade
– as palmeiras, os coqueiros, os mamoeiros – e de volúpias rasteiras
– o cajueiro do mangue, a jitirana. Uma paisagem animada de muitos
verdes, vermelhos, roxos e amarelos
118
Através do viés cultural, a paisagem nordestina deixa de ser responsável pelo
não desenvolvimento da região e pelo perfil psicológico de seus habitantes e passa
a ser um dos elementos que conferia à região singularidade e identidade, próprias
de seu povo. Desse modo, é empregada pelo pensador uma tentativa de modificar a
negatividade das condições ecológicas do Nordeste e do Brasil, passando a
natureza a sintetizar, juntamente com a estrutura social, a cultura regional e a
personalidade do homem do meio à face que a sociologia de Gilberto Freyre tenta
estabelecer para o Nordeste. Essa perspectiva encontra raízes nas formulações
culturalistas de Franz Boaz, que têm como base a crítica do naturalismo gobineano,
que pretendia encontrar características gerais de um povo, fundamentando-se na
predominância de uma raça ou na influência do meio.
Utilizaremos o termo de paisagismo lírico, empregado por Edson Nery da
Fonseca, para nomearmos esta defesa da paisagem no pensamento de Gilberto
Freyre. Entende-se como lírico o paisagismo que vai além do puramente descritivo,
transformando a natureza numa refração do espaço subjetivo, que imagina e
fragmenta em símbolos de vivências pessoais, profundas, complexas ou sutis.
119
A
ideia de paisagem, tão evocada por Freyre em seus escritos sobre artes plásticas,
vai além do visível, ressignificando o elemento humano e a sua interação com a
natureza. Sua concepção encontra-se enredada em suas experiências e
recordações pessoais, e daí, então, Freyre constitui os temas da pintura regional.
118
ALBUQUERQUE JUNIOR, op. cit., p. 146.
119
FONSECA, op. cit.
76
Sua memória parece constituir-se como os quadros multicoloridos de Cícero
Dias, em que o verde, o encarnado, o azul remontam as cores da paisagem
nordestina e das manifestações do seu povo. A paisagem evocada por Freyre em
suas críticas é colorida. Cores que revelam a procura por extrair das inter-relações
entre processos naturais e culturais simbolicamente confundidos e harmonizados, na
vida e paisagem do Nordeste, os traços mais característicos da região e de seus
tipos mais representativos.
Nas paisagens evocadas, o verde da mata tropical, com a qual os
portugueses se defrontaram ao chegarem a América, funde-se ao verde dos
canaviais, que se espalhou pelas várzeas, galgou as pequenas serras e derramou-
se pelas encostas nos anos de colonização. Verde também presente nas
lembranças de sua infância, quando morava em um terreno, localizado às bordas do
Recife, permeado de árvores, nas recordações de uma época do Recife com jardins
de fruteiras, em arbustos e árvores:
(...) que crescem nos tios ou nos quintais, não como se fossem
naturais da região, porém como se fossem gente: gente de casa.
Que não dão de comer às pessoas sãs como servem de remédio
às doentes. Que não cobrem as casas pobres como lhes
refrescam e perfumam o ar. E tanto quanto as velhas árvores da
terra como o cajueiro, ainda servem de brinquedo - carrossel,
gangorra, cavalo - aos meninos, deixando-os trepar pelos seus
galhos como se fossem pernas de avós ou de tios; e não restos
brutos e insensíveis de mata ou de floresta. Sempre me pareceu que
Dois-Irmãos devia ser no Recife um parque que reunisse todas essas
árvores regionais, importadas ou nativas, mais camaradas dos
homens; e não apenas as mais agrestes e raras. Também todos os
animais ligados à vista regional e não apenas os mais ariscos e
curiosos. (...). Que menino do Nordeste não teve a sua mangueira ou
o seu cajueiro de estimação, parecido ao pé de tamarindo dos versos
de Augusto? Ou um visgueiro ou coqueiro dos que estão sempre
repontando dos quadros de Telles Júnior como se fossem mais do
que árvores ou mais do que paisagem? Uma árvore mais amiga que
as outras. Uma árvore quase pessoa de casa. Quase pessoa da
família. Quase irmã dos meninos ou desses meninos eternos que
são os poetas, os pintores, os compositores que sabem ouvir não
somente estrelas mas árvores, como souberam José de Alencar e
Augusto dos Anjos
120
.
Freyre dedicou várias notas às árvores, situando-as sempre no contexto da
preocupação geral da harmonia do homem com a natureza. No final de 1924,
120
FREYRE, Gilberto. Manifesto Regionalista, 4ª ed, Recife: Instituto Joaquim Nabuco/MEC, 1967. p.
35.
77
pronunciou extensa conferência, O Recife e as árvores, organizada pelo Centro
Regionalista do Nordeste, que trazia, em sua prédica, a injustiça de se fazer com as
árvores velhas, tão boas amigas, o que certos povos primitivos fazem com os avós e
os pais de idade muito avançada: matá-los. As árvores velhas teriam direito a
cuidados especiais por serem superiores em beleza e encanto românticos.
O verde tão evocado nos escritos freyreanos contemplam a natureza em sua
relação com o homem, revelando que a natureza regional tende a fazer o indivíduo,
o grupo e a cultura humana à sua imagem; mas, por sua vez, o homem age sobre a
natureza regional, alterando-a, configurando as paisagens como espaços
humanizados. Essa humanização também se por meio da defesa intransigente
das tradições e dos valores populares, a partir de uma posição saudosista que
procura erigir uma cultura popular cristalizada em símbolo de nacionalidade a ser
contraposto a uma modernidade definida como estrangeira.
Das novas relações e proporções é que sai avivado pelo mais
recifense dos azuis, - o do mar, o dos azulejos, o dos olhos das
sinhás descendentes de Wanderley e de Arnau de Hollanda - pelo
mais pernambucano dos verdes - o de cana-de-açúcar, o de folha de
cajazeira, o do capim de beira do rio - pela mais nortista dos
encarnados, - o dos xales de mulher, o das bandeiras de papel dos
pastoris – (...)
121
.
Não é a toa que nos deparamos, quase sempre, em seus textos, com o apelo
aos artistas para que pintem as paisagens nordestinas, revelando suas
peculiaridades em torno do elemento humano, numa tentativa de desenvolver uma
arte descritiva, cuja seja capaz de captar a história social de Pernambuco, indo,
porém, para além das representações de batalhas e cenas religiosas, secularizando
as temáticas, libertando a pintura de quaisquer vestígios anedóticos ou cenográficos,
alcançando um realismo não referente ao aspecto visual representado, mas que
pudesse chegar perto da essência da paisagem interpretada.
Em Algumas notas sobre a pintura no Nordeste do Brasil, publicado no Livro
do Nordeste, de 1925, em comemoração ao centenário do Diário de Pernambuco,
Freyre lamenta a ausência de um pintor que tivesse interpretado a paisagem
121
FREYRE, Gilberto. Cícero Dias, seu azul e encarnado, seu "sur-nudisme". In: DIAS, Cícero. II
exposição Cícero Dias na Escada. Recife: Oriente 1933. p. 1-
78
nordestina em suas cores, explorando seus valores ainda virgens e
também a
diversidade humana nela existente, dotada de riqueza plástica incomparável.
122
Esses elementos a que considerava essenciais à pintura também se referem
à literatura. Em seu primeiro artigo enviado dos Estados Unidos, Freyre analisa a
obra de Mário Sette Palanquin Dourado, e traça elogios sobre a capacidade
descritiva da paisagem pernambucana no livro:
Dá a impressão de real e vibrátil o ambiente em que decorre o
entrecho da peça? A paisagem, sim. O dom de descritor, como
uma vez tive ocasião de notar, possui o Sr. Mário Sette. É o seu
forte. E Palanquim Dourado está cheio de lindas passagens
descritivas, do mais vivo e delicioso colorido de paisagem local
123
Porém, como nos seus textos sobre artes plásticas, critica a ausência do
elemento humano nessas paisagens:
A muita perícia do Sr. Mário Sette para a coloração da paisagem,
corresponde uma vasta. incapacidade para animar o elemento
humano. Falta mesmo a Palanquim Dourado a expressão
característica da época. Não se sente, em volta àquele bravo gentil-
homem, Luís do Rego Barreto, a tensão política, a ansiedade, o
sinistro faiscar de punhais nus em mãos extremamente cautelosas. ..
O que o Sr. Mário Sette nos diz, e admiravelmente, dos trajos e do
mobiliário, da confeitaria e dos quitutes coloniais, não consegue nem
de leve caracterizar a psicologia do momento. Nem do momento nem
dos personagens. De Águeda conhecemos o guarda-roupa e os
móveis da casa e os dourados do seu palanquim; do seu caráter, da
sua vida interior, apenas consegue o. Sr. Mário Sette dar-nos uma
idéia esfumada e volátil. Falta a essa amorosa, vibração, como
vibração falta ao desfecho artificioso do romance
.
124
Ainda no artigo do Livro do Nordeste, Freyre passa por longa incursão
histórica sobre os pintores, para afirmar que as imagens produzidas por esses
artistas arranharam, somente na crosta, as paisagens nordestinas, graças ao fato de
muitos dos pintores locais terem oficializado debilitadamente suas cnicas em
contato com modelos de paisagem européia, que nitidamente se diferenciavam, em
cor e luz, das paisagens do Nordeste brasileiro. Fédora do Rego Monteiro
exemplificaria esta debilidade. Na opinião de Freyre, mesmo sendo uma artista que
teria conseguido interpretar o voluptuoso verde local, seu gosto teria sido desafinado
122
FREYRE, Gilberto. Livro do Nordeste, comemorativo do centenário do Diário de Pernambuco:
1825-1925. Recife: Off. do Diário de Pernambuco, 1925.
123
FREYRE, Gilberto. 1(*). Diário de Pernambuco. Recife, 22 abr. 1923. Coluna: Da Outra América.
Artigo publicado em: FREYRE, Gilberto. Tempo de aprendiz: artigos publicados em jornais na
adolescência e na primeira mocidade do autor 1918-1926. São Paulo: IBRASA, 1979. v.1, p. 24
124
Ibidem, p. 247
79
durante sua estadia na Europa, dando-se reconciliação com o seu regresso ao
Brasil, ao novamente entrar em contato com a paisagem pernambucana
125
.
A influência estrangeira também seria responsável pelas interrupções de uma
expressão artística nacional, que ainda procurava nos nus rosados europeus,, como
faziam os Amoedos e os Antônios Parreiras, modelos de figura humana. Gilberto
Freyre ressalta como o não percebimento dos encantos regionais mais vivos adiou a
produção de alguma coisa sublime, como a Maja desnuda (c. 1800) dos
espanhóis
126
. As mestiças, as caboclas e as negras encontravam-se presentes nas
telas dos novos pintores da década de 1920, que, por meio desses tipos regionais,
marcavam o início de um bom regionalismo na arte brasileira
127
. Esses artistas
começavam a preencher a lacuna deixada pelos seus antecessores, que não
souberam aproveitar a grande riqueza plástica do Nordeste brasileiro. Mesmo Telles
Júnior, considerado por muitos críticos como o grande mestre da pintura nordestina,
teria pecado por essa insuficiência na interpretação do elemento humano local como
elemento da cultura, em sua pintura descritiva.
Apesar dos esforços de Telles Júnior, Gilberto Freyre, em seu artigo de
número 41, lamentava o fato de o pintor não possuir a capacidade interpretativa de
produzir suas paisagens, residindo o grande valor de sua obra no fato de registrar
historicamente as paisagens
128
. O que faltava em Telles Júnior era justamente aquilo
que Freyre mais evocava para a pintura: a não reprodução somente da exterioridade
das paisagens, mas sim uma interpretação que lhes captasse seus mais íntimos
valores. Aos seus olhos, esse esforço interpretativo começava a surgir em pintores
como Carlos Chambelland, Paulo Gagarin e notoriamente Nicolau De Garo, que, em
pinceladas, ressaltavam o verde que envolvia o cenário natural pernambucano,
tentando captar, com seus pincéis, o sentimento presente nas paisagens regionais,
e conferindo às telas um “ar acalmador nos espíritos de quem as observasse”, pois,
ainda segundo Freyre, os psicólogos afirmavam que o verde acalma.
125
FREYRE, Gilberto. Artigo 41, Diário de Pernambuco, janeiro de 1924.
126
Referência à obra La maja desnuda”, do pintor espanhol Francisco José de Goya y Lucientes
(1746 – 1828).
127
Em artigo intitulado Do bom e do mau regionalismo Freyre distingue o patriotismo regional que
anseia defender as tradições e valores locais, do regionalismo que julga como pernicioso, por ser
separatista, ao impor os interesses locais sobre os gerais. Desse modo, entende o primeiro como
uma forma benéfica de regionalismo. Revista do Norte. Recife, ano 2, nº 5, outubro de 1924.
128
O que nos também uma visão cartorial da história. Diário de Pernambuco, 27 de janeiro de
1924.
80
O pintor português Jorge Barradas, que passou pelo Recife no ano de 1923,
também chamou a atenção do pensador pernambucano. A sua crítica, sobre a
exposição do artista, inicia-se com o sociólogo elencando os supostos valores
psicológicos do pintor lusitano, numa tentativa de encontrar resposta que explicasse
o porquê de a exposição ter fracassado. Aos olhos de Freyre, a ingenuidade de
Jorge Barradas, bem como a sua falta de porte e de convicção, lhe extraía o ar de
pintor, fazendo-o perder qualquer possibilidade de sucesso econômico com sua
exposição. Se o ar pomposo de grande pintor não envolvia Jorge Barradas no ponto
de vista pessoal, o mesmo não se podia dizer de sua obra, que Gilberto Freyre
aprecia com bons olhos, por enxergar o grande ritmo das telas do lusitano, sua
pintura síntese. Com essa característica, o pintor conseguia um traço distante de ser
considerado supérfluo, alcançando a situação artística ambicionada pelos pintores
da Alemanha, da Espanha, de Nova York e de Paris, distanciando-se, assim, dos
que eram atormentados pela paradoxal mania antiartística de copiar a natureza em
seu estado bruto, repetindo-a em toda a sua massa.
Freyre afirmou que o principio da arte não é reproduzir, mas sim digerir, como
um estômago, a natureza bruta, e que muito do que se era produzido se tornava
confuso pela ocorrência do contrário: a indigestão da natureza
129
. E essa seria a
característica mais forte da obra do pintor português: conseguir, pela simplicidade,
dar falsa impressão às suas obras, que, junto com seu talento voluptuoso para a cor,
o levava a desprezar um tanto a repetição das cores, do natural, conseguindo
transpor para as telas o que as paisagens possuíam de mais íntimo: os valores
emocionais. O artigo é recheado por referências de personagens dotados de
atributos psicológicos, que, aos olhos de Freyre, faltavam em Jorge Barradas, para
que fosse um pintor de sucesso, ao apontar que o poder de síntese seria um traço
tão antigo das artes, presente na arte japonesa, hindu e pré-raphaelista, e ao citar
artistas e pensadores como Emile Zola, Whistler e Gustavo Le Bon.
A caracterização do artista, por meio de seu perfil psicológico, também foi
utilizada por Gilberto Freyre, no artigo de número 17, que se ocupou da figura e da
obra de Joaquim do Rêgo Monteiro, com quem se acamaradou durante sua estadia
129
Digerir, no sentido de comer e também estudar com atenção e proveito. Freyre aqui nos alerta
para a questão da produção da obra de arte, que envolve também a idéia de um projeto, com um
conceito a ser desenvolvido, uma temática, uma forma de execução.
81
em Paris
130
. No texto, o Jovem Joaquim é descrito como artista envolto em certa
ingenuidade, característica também atribuída a Jorge Barradas, que se entrelaçava
em seu ainda remanescente ar de colegial, o que permeava significativamente os
assuntos de suas telas. Do mesmo modo que Aníbal Fernandes julgou os que
chamaram a pintura de Barradas como futurista, Freyre considerou como idiotas
aqueles que estenderam o mesmo título à obra de Joaquim do Rêgo Monteiro. No
decorrer do artigo, os pontos em comum entre o pintor lusitano e o irmão de Vicente
do Rêgo Monteiro, não se restringiram à injúria de serem chamados de futuristas,
mas estenderam-se à produção de ambos, vista como uma pintura de teor
decorativo, marcada por traços orientais, sendo que o brasileiro evitava o uso dos
grandes brilhos de cores.
A cor é o aspecto formal que mais ganha destaque na crítica Freyreana sobre
a obra do pintor pernambucano, sendo responsáveis se revelarem ao observador
mais atento, ao desmanchar o ar ingênuo que permeava a produção de Joaquim em
um ar sério. Utilizando a comparação entre as figuras do pavão e do papagaio, diz
Freyre que o primeiro, com toda a sua plumagem colorida, o fala como o
papagaio. Utilizando-se dessa alegoria, Freyre afirma que seria um erro julgar a
pintura de composição ou de interpretação pela fotografia colorida. E, dentro dessa
pintura, através da composição e interpretação do artista, é que situa Joaquim do
Rêgo Monteiro, pois é a partir da natureza em bruto que esse artista ansiava por
reter apenas os valores íntimos para reuni-los em uma composição muito pessoal,
desperdiçando todo o supérfluo.
A tríade artística formada pelos irmãos Rêgo Monteiro representou, para o
sociólogo, o mais significativo expoente dos novos rumos que seguia a pintura
pernambucana, nos anos 1920, sendo eles tomados como o elo que ligava uma
pintura de bases tradicionalistas e regionalistas a um caráter moderno. Freyre não
se cansa de elogiar a produção desses artistas, com quem se acamaradou durante
sua estadia em Paris. Elogiou Fédora do Rêgo Monteiro, em nota, por causa dos
retratos oficiais pintados do governador Sérgio Loreto e do prefeito Antônio de Góes,
que, ao serem comparados com os retratos oficiais de prefeitos, “aos quais o Recife
encontra-se acostumado”, fazem com que se assemelhem a retratos de caixas de
charuto. Graças ao seu talento em captar a essência do retratado, os retratos da
130
Diário de Pernambuco, 17 de fevereiro de 1924.
82
jovem Fédora são vistos com bons olhos pelo crítico, que acreditava que, caso a
artista carecesse do mesmo, cairia nas armadilhas da fotografia. Ainda segundo
Freyre:
(...) não nada de estranhamente belo na fotografia por que a
fotografia pega em flagrante as linhas, mas não apanha o caráter,
nem da paisagem nem da pessoa. Caráter, ou si preferem a alma.
Anseia a arte por exprimir esta alma e para consegui-lo a proporção
é apenas um meio. Si o apanhar de imagens, em absoluta
normalidade de proporção e abundância de pormenores, fosse o fim
da arte, então maior que o Golgotha, de El Greco seria qualquer
fotografia, de gabinete de identificação. A galeria policial de Scotland
Yard e não a de Trafalgar Square afluiriam os virtuosi da arte do
retrato.
131
O mesmo talento era diagnosticado em Vicente do Rêgo Monteiro, que:
(...) quando ele faz o retrato de uma pessoa, o resultado é um
trabalho sem a exatidão e a normalidade da fotografia qualidades
tão caras ao burguês. Porém é um retrato que possui alma, caráter,
um não sei de que muito íntimo. E destaca exagerada, a nota de
beleza esse sopro da divindade na criatura. Onde não está a nota
da beleza? Creio que foi Symons que a encontrou uma vez num
charco d’água putrificada e verde.
132
Gilberto Freyre novamente ressalta o talento de go Monteiro, em breve
artigo publicado na Revista do Norte sobre os desenhos feitos para o livro de F.
Divoire acerca da dança
133. O destaque no texto é dado ao traço de Vicente,
considerado simples e ágil, o que conferia aos seus desenhos uma vitoriosa
simplicidade e sinceridade. Mas também defende o que chama de “excesso de
bizarrice” na obra dos seus conterrâneos: porque os excessos seriam próprios aos
que fazem obra criadora e pessoal, libertando das dobras hieráticas do classicismo a
espontaneidade pessoal e o frescor de imaginação, ameaçados de morrerem
sufocados.
No artigo de número 2.5
134, o pintor Nicola De Garo é considerado como o
possível artista mais espirituoso que teria exposto em Pernambuco. Pertencia ao
grupo dos artistas que produziam arte com volúpia mental, diferentemente daqueles
131
Revista do Brasil, março de 1923, p. 238. Apud LARRETA, op. cit.
132
Ibidem.
133
FREYRE, Gilberto. Os últimos trabalhos de Vicente do Rêgo Monteiro. Revista do Norte. Recife,
n. 2, p. 7-8, 1925.
134
Diário de Pernambuco, 7 de outubro de 1923.
83
que se rendiam exclusivamente ao mais aristocrático dos sentidos, a visão, e
acabavam por cair em um sensualismo artístico, que acarretaria aos sentidos a
tarefa de dar origem a todas as ideias. O pintor italiano, torturado de ânsias mentais,
diz Freyre, se preocupava em conseguir abstração plástica com seus desenhos
agudos, utilizando todos os sentidos para exibir uma arte pensada, que exigia do
observador maior força em sua capacidade de abstrair em relação à de visualizar. A
admiração do intelectual perante as obras do artista parece ter sido tamanha, ao
ponto de quase ter tido a ventura de sugerir que, a Escola Normal de Official de
Pernambuco, contratasse o pintor para decorar o seu interior; graças ao seu grande
senso decorativo, que propiciava a identificação de seus estudos rigorosos da
gramática e da psicologia da decoração, levando o público à região da
ideoplástica.
135
A dificuldade de democratização dessa arte de idéias seria a principal
responsável pelo insucesso da exposição de De Garo no Recife: devido ao fato de
que os que visitariam a exposição serem desprovidos de capacidade para
compreender as telas resultantes de uma arte que exigiria disposição para pensar.
Ao ressaltar a carência de compreensão da arte das idéias que se materializavam
nas telas, Gilberto Freyre não pretendia caracterizar o blico recifense como mais
estúpido do que os outros, afinal, para Freyre, pensar é uma das atitudes mais
difíceis de improvisar, por isso seria normal a não compreensão das telas tanto aqui
quanto em Nova York, no Rio de Janeiro e em Roma. Mas, imprimindo sua marca
regional, seria natural, em uma cidade tropical como o Recife, a preferência pela cor
em detrimento do desenho puro, sombrio e intelectual.
É uma natureza essa dos trópicos, a espreguiçar-se toda pelo chão
dolentemente e a intoxicar-nos dum coito superviscoso de
sexualidade. No meio dela o puro pensar é como uma tortura de
virgindade de adolescente. De virgindade suppiclada (sic). E aqui
os heróes (sic) pensam. E são ainda heroes (sic) os que se
interessam pelas idéias. Há alguma cousa (sic) de heróico em ler um
soneto de Mallarmé, uma página de Browning ou de Lessing a
sombra maternal duma jaqueira (...) Hearn dizia dos trópicos que lhe
tiravam toda capacidade de pensar. Por isto elle amava os trópicos
135
As referências feitas por Freyre à arte decorativa se fazem presentes em vários textos. Artes
decorativas é um termo utilizado para descrever trabalhos ornamentais ou funcionais e diferenciá-los
das artes plásticas. Atualmente, esse é um termo antiquado para descrever áreas ligadas ao design.
Algumas das atividades relacionadas seriam: o design de móveis, interiores, cerâmicas, têxtil, etc..
84
voluptuosamente. E é a delícia de nossa natureza: servir de
sanatório aos cansados de pensar
136
.
Não que faltasse ao artista a volúpia da cor; ao contrário, em um místico
como De Garo, a cor se apresentava como nota fluída de emoções, que deveria
desabrochar após o pintor passar horas e horas olhando para dentro de si mesmo
característica essa que Freyre apontava como ponto em comum entre ele e o artista.
Essa volúpia colorida que alegrava as suas naturezas, pensadas ou esquisitamente
sentidas, fazia com que elas tomassem as mais diferentes formas, distanciando-se
da pintura que imita a fotografia.
A respeito das exposições de Mário Tullio e Euclides Fonseca, realizadas no
ano de 1925
137
, Freyre apresenta como o forte desses dois artistas a versatilidade -
no caso de Tullio e o espantoso progresso presente nas telas de Fonseca, com
desenhos que seriam cercados por certa melodia e por alguma imaginação. A esse
último, o autor aponta como fator de peso em sua obra, o contato com De Garo. O
jovem pintor era apontado como promissor talento que precisaria entrar em contato
com um centro de referência em artes plásticas, como seria o caso da Alemanha ou
da Itália, para que suas tendências se classificassem, sua cnica se depurasse e
sua visão se elevasse. Mesmo tecendo diversos elogios ao jovem pintor, Freyre
sugere que suas figuras são lamentáveis. Os homens e mulheres que ele teria
procurado fixar seriam de uma rude grosseria. Freyre via a misericórdia de Olinda,
feita pelo pintor, emagrecida, o que teria lhe tirado a brancura em favor de um
acinzentado.
A exposição de Mário Tullio, aos olhos do sociólogo, parece ter sido realizada
por vários pintores. O perfil psicológico do artista é novamente a ferramenta utilizada
por Gilberto Freyre para comentar a obra de um pintor. A diversidade dos quadros
furta-côres de Tullio dever-se-ia, na análise de Freyre, ao resultado de seu
temperamento, que ainda não tinha adquirido ritmo próprio. O pintor seria arrítmico
em sua própria natureza de temperamento ainda em formação. Mas sua
versatilidade no uso das cores era espantosa aos olhos de Freyre. Variando na meia
luz e nos coloridos, também era versátil nos títulos dados às obras.
136
Diário de Pernambuco, 7 de outubro de 1923.
137
Diário de Pernambuco, 12 de outubro de 1924.
85
2.3 Aníbal Fernandes: o nosso “petit” Maurras
De alguma forma, caracterizando os críticos que possuíam papel de liderança
na imprensa do Recife, Souza Barros destaca a postura de Aníbal Fernandes, a
quem chamou de “nosso petit Maurras”, em referência ao jornalista francês Charles
Maurras (1868-1952)
138
. Atuando ora como professor, ora como oficial de gabinete
do governo rgio Loreto, secretário de justiça e instrução e deputado estadual, o
nome de Aníbal Fernandes configura-se com destaque na história da imprensa
pernambucana. No final de 1912, ainda estudante, deu seus primeiros passos no
meio jornalístico do Recife, atuando como colaborador do jornal Pernambuco, do
professor Henrique Milet, trabalhando, de início, na revisão, sendo depois transferido
para a redação. Em de janeiro de 1913, teve publicada sua primeira crônica: Ano
Novo.
No Diário de Pernambuco, em 1917, Fernandes recebeu a incumbência de
redigir uma seção especializada, que intitulou Em torno da guerra; na qual fazia um
resumo semanal, comentando sobre os acontecimentos do Velho Mundo. Essa
seção permaneceu a o final da guerra, quando passou a sair com o nome Em
torno da paz. Ainda em 1917, foi à Europa, onde estudou arte religiosa, passando
pela França, pela Itália e pela Suíça. De volta, foi eleito deputado estadual,
apresentando à Câmara o projeto que visava a criar a Inspetoria de Monumentos
Nacionais, para projetar, conservar e restaurar o patrimônio histórico, artístico e
cultural do Estado. Em 1919, iniciou, no Diário de Pernambuco, a seção De um e de
outros, coluna que manteve até 6 de dezembro de 1922, encerrando a primeira fase
de sua contribuição com o Diário e continuando, porém, a assinar artigos diferentes
e não constantes, além da nota Livros novos
139
.
Aníbal Fernandes via sua época como uma fase crítica, marcada pela ânsia
de originalidade no campo artístico. As vanguardas europeias seriam o resultado
dessa ânsia, porém como um resultado nem sempre dos melhores, na opinião de
Fernandes. Na coluna De uns e de outros do dia 20 de outubro de 1922, escreve
138
SOUZA BARROS, op. cit., p 182. Charles Maurras, poeta monarquista francês, dirigente e
principal fundador do jornal antissemita e germanófobo Action française. Foi a figura principal do
movimento anti-Dreyfusard da Action Française. Salazar estudou cuidadosamente as suas ideias,
com as quais simpatizava. As ideias centrais do pensamento político de Maurras eram um intenso
nacionalismo (que ele descreveu como um nacionalismo integral”) e uma crença numa sociedade
ordenada, elitista. Disponível na internet: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Maurras> Acesso em
20 de julho de 2009.
139
NASCIMENTO, op. cit., p 145.
86
sobre os comentários enviados por correspondência a um amigo que residia na
Alemanha, sobre uma exposição expressionista. A horrível exposição, que
arrancava gargalhadas do público, tinha, em contraposição, no mesmo ambiente em
que era apresentada, outra exposição, sendo essa última de pintores que pintavam
na boa tradição da arte equilibrada e séria. Sem poder contestar a obra desses
sérios artistas impressionistas, o ambiente onde ocorria também a exposição de arte
dadá era inundado por uma unção religiosa, que se espalhava por todos os lados.
Em sua visão, a aberração dadá, surgida na França, onde obras horríveis tinham
sido produzidas, começava a invadir não a pintura, mas também a prosa e a
poesia do mundo inteiro.
Se Gilberto Freyre arrisca-se em apontar as causas do não sucesso da
exposição de Jorge Barradas, Aníbal Fernandes escreve não saber o porquê da
indiferença à visita do artista lusitano, que trazia ao Recife quadros que, como os de
Matisse e os de Jean Puy, eram uma festa para os olhos, graças à nota dominante
de sua obra ser a decoração. O jornalista encontra um tom de simplicidade,
ingenuidade e frescura nas telas, apontando a interpretação de Barradas para as
paisagens como fator que contribuiu para que os quadros, em suas molduras,
sorrissem aos olhos do observador. No artigo, também é ressaltado o fato de as
telas não se limitarem a simples cópias da natureza, preocupadas em agradar o
grande público. A originalidade do artista era revelada, aos olhos do cronista, diante
dos costumes portugueses pintados de forma pitoresca. Mesmo sem saber quem,
Aníbal Fernandes chamou de idiota o autor de um comentário que teria apontado
Jorge Barradas como futurista. Termina descrevendo Barradas como verdadeiro
artista, dotado de visão perfeita e equilibrada: elevado gosto estético que sabe
desenhar e, sobretudo, ver.
Outro que não merecia ser chamado de futurista, mesmo tendo deixado de
lado o academicismo, mas sem cair nas extravagâncias e nem no esnobismo do
dadaísmo, era Dakir Parreiras
140
. Graças à sua capacidade de fixar a sensação
perfídia do momento, sintetizando-a ao máximo, seria mais moderno que seu pai, o
pintor Antônio Parreiras.
Na recusa de Aníbal Fernandes em rotular Dakir Parreiras de futurista, o
pintor ganha do jornalista a alcunha de moderno. E o que viria a ser moderno, e não
140
Diário de Pernambuco, 14 de fevereiro de 1923.
87
futurista? Fernandes considera moderna a pintura cujo caráter reside justamente na
emoção. E, para justificar sua concepção de pintura moderna estruturada na
emoção, o jornalista cita Emile Bayard:
Essa emoção, escreve Emile Bayard, acusa um pensamento, um
gesto. Um traço, uma mancha basta muitas vezes à sua expressão,
onde a verdade, a cor, a luminosidade tem uma parte de encanto que
desorienta a analyse (sic), mas cujo sabor inédito deve satisfazer.
141
Alguém que pinta com ingenuidade sem preocupação, sem rebuscamentos,
atendendo, sobretudo à cor, à intensidade da vida e à emoção, produziria arte,
dentro do que classifica como moderno. Era uma obra sem contemporizações
burguesas e sem o fito imediato do lucro, apesar de o jornalista ressaltar a
capacidade que Parreiras possuía, quando solicitado a produzir grandes clássicos,
de uma exatidão quase fotográfica: suas paisagens eram sinceras, marcadas pela
fratura, pessoal e independente. Com todas essas características, o texto termina
ressaltando a simpatia com que a exposição estava sendo recebida na cidade e
pedindo que aquele entusiasmo se transformasse em aquisições dos trabalhos
expostos.
Aníbal Fernandes escreve, em nota do dia, que o próprio descreve como nota
apressada, “escrita no entreato da opereta”, como teriam sido as exposições do
príncipe Gagarin e de De Garo, apontados como duas das mais interessantes
personalidades do mundo das artes, que visitaram o Recife.
142
Que os olhos
acostumados ao convencionalismo da fotografia colorida se escandalizariam com as
obras dos dois pintores, pois ambos não estariam preocupados em cortejar o grande
público, sendo, portanto, necessário que fossem compreendidos. Gagarin foi
descrito como um forte e vigoroso colorista enquanto De Garo, como artista inquieto,
nervoso, torturado. Em comum, ambos teriam o amor pela cor e uma perfeita
inteligência pelos valores. Ostentavam uma forte nota decorativa em seus quadros.
Nada de convencional trariam as suas interpretações da paisagem tropical
pernambucana; e, mesmo suas oposições entre luz e sombra, que pareciam brutais,
seriam, na visão do cronista, mais que verdadeiras e justas. Esteticamente,
141
Ibidem.
142
Diário de Pernambuco, 02 de novembro 1924.
88
descreveu as figuras de De Garo como fortes, com a forma marcada por fortes
pinceladas, fazendo-o assim um desenhista forte, bem ritmado, e de marcante
sensibilidade.
O jovem Cícero Dias e o seu mundo interior são o tema do artigo publicado
por Aníbal Fernandes, em 8de janeiro de 1929. No texto, que se ocupa da exposição
do jovem pintor, vemos Aníbal valorizar o aspecto subjetivo da obra de Dias,
estabelecendo-a como exemplo de arte da época, que procurava por se libertar da
triste e dolorosa contingência da vida objetiva. Essa objetividade agora seria
pertinente à fotografia e ao cinema, sendo, ao ver do jornalista, bendita a máquina
fotográfica que, devido ao seu poder de compor belos retratos e paisagens, libertou,
assim, a pintura da escravização da vida real, permitindo-lhe maior liberdade de
senso decorativo e abstrato.
Fernandes não aceita as comparações feitas entre Cícero Dias e o pintor
francês Henri-Julien-Félix Rousseau (1844-1910), conhecido também pelo público
como o douanier (aduaneiro), por ter trabalhado como inspector de alfândega. Esse
autodidata, com sua preocupação de sintetizar e estilizar paisagens nos mínimos
detalhes seria caso único na pintura e, portanto, segundo Aníbal, não poderia ter
deixado discípulos. Acreditava que, se algum pintor pudesse ser considerado como
influência para Cícero, esse seria o pintor russo Marc Chagall, que nunca chegou a
vir ao Brasil. Assim como o pintor russo, o brasileiro transpunha para a sua obra uma
quebra no sentido de hierarquia da simetria e do bom senso. Cícero conseguia essa
quebra ao apelar para sua imaginação permeada de lembranças e de fantasias,
numa tentativa constante de pintar o lado invisível de seu espírito, o que valoriza
ainda mais a sua riqueza de cores.
Como inspetor dos monumentos nacionais e diretor do museu histórico,
Aníbal Fernandes ficou com a incumbência de fazer o discurso de inauguração do
Primeiro Salão de Bellas Artes de Pernambuco, no ano de 1929
143
. Em seu discurso,
o jornalista considera esse primeiro salão como o resultado do perseverante trabalho
de meia zia de artistas; que, dentro de uma sociedade absorvida exclusivamente
pelo espírito do lucro, os artistas seriam vistos até como parasitas que viviam do
favor e da tolerância de outras classes.
143
O discurso foi reproduzido no Diário, de Pernambuco, em 5 de maio de 1929.
89
2.2.2. Joaquim Inojosa e suas críticas “futuristas”
posicionamos, no capítulo anterior, Joaquim Inojosa no cenário artístico
pernambucano dos anos 1920. Agora, nossa atenção se volta para seus poucos
escritos sobre artes plásticas. Como nos mostra Pierre Bourdieu, indivíduos que
ocupam posições diferentes no espaço social podem dar sentidos e valores
inteiramente diferentes, ou mesmo opostos, aos adjetivos comumente empregados
para caracterizar as obras de arte. Essa utilização é fortemente marcada pela
posição do usuário, constituindo-se como armas usadas para que os críticos e
mesmo os artistas se definam e definam seus adversários, sendo, portanto, bem
mais que meros esquemas de classificação.
144
Seus textos sobre pintura são extremamente marcados pela defesa da arte
nova. Inojosa acreditava que o ar de renovação que tanto desejava, atingia, de
forma mais radical, a pintura e a poesia
145
. Se os traços desarmônicos da pintura
moderna causavam confusão e desagrado no espectador, Inojosa aconselhava que
devessem ser estudados por aqueles que não a compreendiam, pois assim seria
adivinhado o pensamento que o inspirou
146
. A nova arte, que lutava para divulgar,
dava novos contornos à pintura, fazendo-a emoção, diferentemente da arte antiga,
que era impressão. Dizia: “À pintura de outrora, circunspecta nos estudos, ou
copística nas paisagens, quero, antes, a de hoje, alegre em seus traços
desarmônicos, criação espiritual de cada pintor”
147
.
A pintura de paisagem será tomada por Inojosa como gênero que não se
circunscreve nos postulados modernistas, como deixa claro em texto sobre a
primeira exposição organizada pela recente Sociedade de Bellas-Artes, fundada
pelo grupo dos modernistas de o Paulo. Inojosa considera o gênero como
medíocre por representar a imitação reles de um quadro vivo da natureza
148
,
distanciando-se da concepção de arte moderna e sustentando sua afirmação ao
relatar que, das 270 telas expostas, não se encontravam mais de 50 ligadas ao
gênero
149
.
144
BOURDIEU, Pierre. op. cit., p. 332.
145
A Tarde, 30 de outubro de1922.
146
A Rua, 15 de maio de 1923.
147
Introdução ao livro bailado das emoções, publicado na Pilhéria, em 17/5/1924.
148
Jornal do Commercio, 26 de novembro de 1922.
149
Ibidem.
90
O mesmo princípio se encontra na crítica à exposição de Torquato Bassi,
redigida como artigo-resposta a Faria de Neves Sobrinho, considerado como o texto
inaugural das pregações modernistas realizadas pelo jornalista, no Recife, onde
Inojosa coloca em xeque os questionamentos de Sobrinho contra todos os istas, e
também os elogios à exposição do pintor Torquato Bassi feitos por Sobrinho.
Faria Neves Sobrinho, em seu artigo, ressalta a sensibilidade presente na
obra de Torquato Bassi, sendo essa característica apontada, no final do artigo, como
o elo entre as formas de ver o mundo do pintor e do cronista
150
. As telas do pintor
são fortemente marcadas, segundo as palavras de Sobrinho, por um incrível jogo de
luzes e de sombras, sendo límpidas e nítidas, desprovidas da fixidez, da imobilidade
inexpressiva das fotografias. No julgamento de Faria Neves, tais características
seriam suficientes para provar a insânia daqueles que julgavam a obra de Bassi
como atrasada e romântica. Mesmo descarregando sua ira contra as fantasias
tresloucadas de cubistas, dadaístas, futuristas e de outros istas, o artigo limita-se a
chamar de insanos os que se proclamam modernos sem se aprofundar na discussão
estética dessas vanguardas da mesma forma que se escreve sobre Bassi.
Em seu contra-ataque, Joaquim Inojosa afirma que Bassi não era um pintor
moderno, e sim um decadente romântico, que fazia das lágrimas, tintas
151
; e que
seus quadros eram de horrível monotonia, sendo suas paisagens e sombras
marcadas por uma nota romântica, cópias servis, plágios criminosos da nossa
natureza, cultivando, assim, o gênero de pintura que ainda se admiraria no Brasil,
sendo o pintor inimigo irreconhecível do futurismo.
152
Indo de encontro à postura de Neves Sobrinho, Carlos Braga registra, em
artigo, suas impressões sobre a obra do pintor Bassi, ao visitar seu ateliê
153
.
Deslumbrado com a produção do paisagista, descreve que a beleza de uma
paisagem reside no conjunto e pela harmonia, tonalidade, efeitos de luz e
suavidades de tintas que permitem sentir o artista. Essa é a única parte do artigo em
que o autor se detém a uma análise estética dos quadros. Afirmava que se
encontrava sempre a fugir dos críticos de arte que escreviam sem alma e sem
sentimento, construindo críticas rasteiras a partir de um conhecimento enciclopédico.
Braga recorre à sentimentalidade trazida pelas lembranças de sua infância evocadas
150
Diário de Pernambuco, 27 de outubro de 1922.
151
A Pilhéria, 8 de agosto de 1925.
152
Ibidem
153
Diário de Pernambuco, 18 de outubro de 1923.
91
nas telas. Uma delas, que ele afirma ter olhado ao acaso, era uma radiante manhã
de sol, em Dois Irmãos. O crepúsculo o desperta para uma vaga tristeza e para uma
saudade ao ponto de quase o fazer chorar. Braga limita-se a comentar essas obras
por acreditar que Bassi seja artista vitorioso em Pernambuco, dispensando, portanto,
mais elogios e terminando o artigo acentuando, ainda mais, o seu encantamento.
Inojosa escrevia aos admiradores que a exposição de Bassi no Recife
contrapunha-se ao desprezo que lhe devotavam em São Paulo, e seria, ao seu
modo de ver, um insulto à sensibilidade dos pernambucanos. O sucesso de vendas
é atribuído ao fato de Bassi ter vendido as telas a preço de artigos de mercado
público, para a alegria do pintor, que deveria zombar dos recifenses por não
entenderem de arte. Inojosa chega a aconselhar que todas as telas de Bassi
deveriam ser queimadas, para a salvação do o mal recomendado gosto artístico
recifense.
154
Sua postura em relação ao pintor ia ao encontro das de Mário de
Andrade e Menotti del Picchia: o primeiro afirmava que o pintor ítalo-brasileiro é
considerado, em o Paulo, como salsicheiro. Del Picchia dizia que Bassi era
considerado medíocre, pintor de reles paisagens, em um gênero que, entre os
velharões, havia centenas em São Paulo.
A passagem do poeta Antonio Ferro e do pintor Jorge Barradas foi encarada
com entusiasmo por Inojosa. Antes de regressar a Portugal, Ferro, acompanhado de
sua esposa e de Jorge Barradas, visitou o Recife para a realização de duas
conferências literárias. Em relação ao pintor português, Inojosa teceu diversos
elogios à sua capacidade de retratar a tradicional Lisboa, a partir dos tons da arte
moderna. Seus pincéis enérgicos, vigorosos e sem meias-tintas faziam de Barradas
um espírito privilegiado, que se movimentava numa época de renovação
155
.
Utilizando-se de Emile Bayard, Inojosa declara falida a tradição, não podendo ela
resistir às impulsões caprichosas da época. E Jorge Barradas, por Inojosa, seria o
filho da tradicional Lisboa pintada “com ar moderno”, evocando o passado-presente
nas ruas portuguesas, sob o signo do modernismo.
O pintor, que despertou a vontade em Inojosa de dar uma grande gargalhada,
que fizesse vibrar todos os quadros que o jornalista viu na sua visita de duas horas,
foi descrito, no referido texto, como um revolucionário, um bolchevista, sendo esse
termo empregado pelo jornalista para comparar o equívoco em se rotular a obra do
154
A Pilhéria, 08 de agosto de 1925.
155
A Rua, 14 de abril de 1923.
92
pintor, que ganhou diversas denominações daqueles que Inojosa chamava de
passadistas, não podendo deixar de ganhar o rótulo de futurista.
O outro pintor que foi alvo das críticas de Joaquim Inojosa foi o príncipe e
pintor russo Gagarin. Sobre ele, escreve Joaquim Inojosa:
(...) O “príncipe” Gagarin (príncipe da China), de braço dado com
intelectuais da terra, que eu não sei se o abraçavam por se tratar de
um príncipe” ou de um pintor. Surge De Garo; oh! Que pintor
hediondo!... E o artista italiano ri da ignorância dos que não
conhecem a arte moderna.
156
E ainda:
Alto, espigado, firme, digno, o príncipe, por ser príncipe, teve uma
aceitação de gente de casa, e bem se ajustou a forma republicana;
tão bem se ajustou ele que se nada pintou do Recife, realizou o rapto
de uma senhora, o que é motivo para um quadro original, embora
exista por aí, em gravuras conhecidas, o de Helena; (...) antes do
rapto, vendera tôdas (sic) as telas, o que faz, até, supor que o hábito
de andar sempre com um quadro, levara-o a carregar aquêle (sic)
vivo, e, ao que dizem, belo...;
157
A Pilhéria tece diversos elogios a outro paisagista: o pintor paulista Clodomiro
Amazonas. Exposto através das linhas da crônica como o maior paisagista que
havia visitado o Recife nos últimos tempos, Amazonas é diferenciado de Bassi pelo
seu simples desejo de expor, acompanhado, em um segundo plano, pelo desejo de
vender e pela sua irrepreensível segurança técnica e fortíssima inspiração. Em texto
anterior, também persistem as diferenciações entre os artistas, ao se apontar que,
diferentemente de Bassi, Clodomiro Amazonas não plagiara criminosamente a
natureza, conseguindo refletir, em sua obra, os motivos brasileiros
158
.
Para Inojosa, apesar de o Brasil não possuir uma pintura brasileira, existia
não somente uma pintora brasileira, mas uma pintora símbolo eloquente da
modernidade: Tarsila do Amaral.
159
A obra da artista era descrita como criações
originais produzidas dentro do ritmo da modernidade, reveladoras de nossas
paisagens, dos nossos tipos, do nosso ontem modernizado. Seriam, por fim, Tarsila
156
A pilhéria, 25 de maio de 1924.
157
A pilhéria, 08 de agosto de 1925.
158
A Pilhéria, 25 de agosto de 1925.
159
Rua Nova, 02 de julho de 1925.
93
do Amaral e Anita Malfatti, as representantes do modernismo no campo das artes
plásticas no Brasil.
O posicionamento de Joaquim Inojosa perante Tarsila pode ser visto não
necessariamente pelos elementos constitutivos de sua obra, mas devido à íntima
relação que se estabelece entre e a fase da pintura de Tarsila que, não à toa,
recebe o mesmo nome , manifestando-se tanto na temática nacional e na tentativa
de adequar as formas de percepção estética aos novos movimentos da cidade
efervescente quanto na empreitada de promover a redescoberta da tradição artística
brasileira.
94
TERCEIRO CAPÍTULO
REMEMORANDO UM RECIFE MORTO: LEMBRANÇAS DE PAISAGENS
ESVAÍDAS NO TEMPO
Recife,
Ao clamor desta hora noturna e mágica,
Vejo-te morto, mutilado, grande,
Pregado à cruz das novas avenidas.
E as mãos longas e verdes
Da madrugada
Te acariciam.
Joaquim Cardozo
Ao longo da década de vinte, muitos foram os pintores que buscaram
estabelecer, com suas obras, a especificidade da arte pernambucana, a partir da
adoção do lugar de origem como guia quase único de seu itinerário estético. Essa
preocupação em fixar o que seria definidor do caráter local resultou numa produção
centrada na organização de paisagens e na investigação minuciosa das cenas e dos
tipos característicos locais que sintetizariam, em termos visuais, o que seria próprio
ao seu Estado e à sua Região.
No mesmo viés, as obras passaram a integrar um campo de visibilidade, em
consonância com uma série de discursos que almejaram esboçar os traços típicos
de uma identidade local.
A construção dessa visibilidade esteve, desde o início, no
entanto, eivada de interpretações conflituosas sobre o repertório de imagens que
efetivamente distinguiriam simbolicamente Pernambuco. Se alguns artistas
assumiam, em seus trabalhos, um tom celebratório de cores, formas e gentes
encontráveis naquele espaço, outros, utilizavam imagens e cenas comuns da região
como índices das precárias condições de vida de seus habitantes. O que aproxima
essas visões distintas é o desejo de representar, por meio de uma figuração
fortemente apegada ao mundo sensível, um território.
95
3.1 A figura de Telles Júnior
Em uma tentativa de estabelecer bases que configurassem o campo artístico
local como autêntico, autores como José Campello e Gilberto Freyre efetuaram um
recorte cronológico, tomando o século XIX por período inaugural de uma produção
pictórica legitimamente pernambucana. Talvez tenha sido a ausência do árduo
trabalho de garimpar os arquivos atrás das escassas informações, como escreveu
José Cláudio
160
, que fez com que esses autores situassem o surgimento de uma
produção genuinamente local no século XIX.
A escolha desse marco temporal não foi feita à toa. Parece fornecer subsídios
para a fundamentação de um discurso que busca livrar o panorama artístico local da
influência estrangeira os séculos anteriores são vistos, por ambos os intelectuais,
como épocas primitivas, marcadas pelo domínio da pintura realizada por
estrangeiros como os holandeses e da pintura de caráter religioso. José Campello,
por exemplo, afirma que:
iremos encontrar alguns artistas capazes, aliás, os maiores de
Pernambuco, de 1879 em diante. (...) é depois de 1879 pra que
começam a aparecer, com os retratos de Daniel Bérard, as primeiras
criações sérias da arte pictórica em Pernambuco.
161
Freyre também reafirma essa ausência de um gênio criativo na história
pictórica de Pernambuco, ressaltando que: pintores de anjos, de santos, de Nossas
Senhoras, não nos faltaram, na era colonial e durante o império, embora nenhum
deles tenha sido homem de gênio. Pintores de fidalgos e bispos, de mestres de
campos e patriotas alguns”³. É na figura do pintor Telles Júnior, que ambos os textos
encontram o marco inicial desse momento inaugural.
Telles nior foi um dos paisagistas de maior destaque na história da arte
pernambucana. Como mestre, teve discípulos que futuramente se destacariam no
cenário cultural de Pernambuco, como Emílio Cardoso Ayres e o próprio Gilberto
Freyre. Sua obra, nas quais predominam as matas e as marinhas, explicita algumas
das principais características das artes plásticas locais, no final do século XIX e no
início do século XX. Descrevendo a paisagem da Zona da Mata pernambucana em
inúmeras telas, Telles nior, falecido em 1914, deixou como legado a idéia de que
160
SILVA, José Cláudio da. Artistas de Pernambuco. Recife: Ed. Governo do Estado de Pernambuco,
1982.
161
CAMPELLO, José. As artes em Pernambuco. In: Illustração brasileira, junho de 1924. Apud SILVA,
op. Cit.
96
a pintura deveria preservar o sentimento de pertencimento do artista ao local onde
vive. Essa visão telúrica da arte foi absorvida o somente por pintores
pernambucanos, como Walfrido Mauricéia, mas também por estrangeiros residentes
no Estado, como o francês Eugênio Lassailly, que fixou, em suas telas, a vida nos
engenhos de açúcar de Pernambuco.
Faz-se necessário observarmos que, a figura de Telles Júnior, vai servir como
ponto de referência para o estabelecimento da pintura de paisagem como tradição
característica do campo artístico local. Nas crônicas em que o pintor é citado, há, na
maioria das vezes, a tentativa de se criar um contraponto entre uma pintura do
passado e a produção contemporânea recém-proclamada, dos artistas aqui
analisados, em especial aqueles que possuem as matrizes regionalistas e
tradicionalistas, delineando-se panorama onde a pintura toma novas configurações,
não necessariamente modernistas aos moldes europeus, como argumentaria
Gilberto Freyre.
É nesse ponto de interseção que dialogam duas imagens construídas em
torno da figura Telles Júnior: o pintor esplêndido, marco na história da pintura
pernambucana, e a do artista não totalmente inspirado nas peculiaridades que
tornam Pernambuco singular; como afirmou Gilberto Freyre, em seu artigo no Livro
Ilustração 1- JÙNIOR, Telles. Entrada da Barra do Recife. 1905
Óleo sobre tela, 77x 149 cm.
Col. Museu do Estado de Pernambuco
Reproduzido em SILVA, José Cláudio da. Op. cit
97
do Nordeste.
162
Isso se daria devido à carência de determinados fatores, entendidos
pelos críticos dos anos 1920, como, fundamentais à produção pictórica, em especial,
a interpretação em detrimento da descrição.
Para Aníbal Fernandes, faltou a Telles Júnior estímulo, devido à
desvalorização da figura do artista na sociedade pernambucana. No seu discurso, o
jornalista descreve a sociedade local como ávida por lucro, ao ponto de explorar o
artista, até mesmo após a sua morte. Isso implicaria, ainda segundo Aníbal, uma
característica cultural dessa sociedade: a de não fornecer subsídios para que os
artistas sobrevivam de sua própria arte – uma arte cara –, a pintura. É nesse
ambiente infértil que Aníbal Fernandes encontra a explicação para o que ele entende
por contentamento, da parte de Telles Júnior, em ser um pintor conhecido por meia
dúzia de pessoas, esgotando-se em um cargo de professor estéril.
163
Assim como Gilberto Freyre, Joaquim Cardozo ressaltou a ausência do
elemento humano na pintura de Telles Júnior, em artigo publicado na Revista do
Norte.
164
Considerando-o um pintor realista de fastidiosa aridez documental,
Cardozo identifica em Telles Júnior uma personalidade doce e suave, de exatidão na
execução de paisagens regionais, mesmo lhe faltando a inquietação de um Cézanne
ou Gaugin.
Para Joaquim Cardozo, não havia em Telles nior a captação do cotidiano
presente na paisagem pernambucana, aspecto esse que considera ter sido
contemplado pelo desenhista Manuel Bandeira. As igrejas, as festas populares,
religiosas e carnavalescas, as velhas casas coloniais foram elementos,
considerados riquíssimos por Cardozo, que Telles Júnior teria deixado escapar.
Encontramos, no ensaio, o descontentamento, por parte de Joaquim Cardozo, com a
pequena quantidade de pintores que registrassem, em suas telas, esses aspetos da
cultura regional, salvo as exceções de Di Cavalcanti e Vicente do Rêgo Monteiro. A
não apreensão das chamadas cores típicas do Nordeste era outra lacuna presente
na obra de Telles Júnior, que tratou, da melhor forma possível, na opinião de
Cardozo, do verde típico da paisagem pernambucana, deixando de fazer o que
estariam fazendo De Garo e Fédora Monteiro Fernandes, ao mostrarem o verde
162
FREYRE, 1925. Op.cit.
163
Diário de Pernambuco, 5 de maio de 1929
164
CARDOZO, Joaquim. Sobre a pintura de Telles Júnior. In: Revista do Norte, de agosto de 1926.
98
doentio dos mangues, o verde vivo e puro dos coqueiros adolescentes; o dos
cajueiros, mosqueados de amarelo e das mangueiras.
Podemos constatar que, nesses discursos, a figura de Telles Júnior serviu
como ponte para a criação e o fortalecimento de uma reflexão sobre a produção
pictórica do Recife, em suas especificidades, bem como sobre a sua relação com a
sociedade pernambucana e, mesmo que timidamente, sobre os princípios estéticos
nos quais estava assentada. Nessas reflexões, o gênero da pintura de paisagem
ocupou direta ou indiretamente o centro dos debates.
Esse gênero teve presença muito forte na constituição da arte brasileira,
desde seu emprego pioneiro, pelas mãos dos artistas holandeses, comissionados
por Maurício de Nassau, bem como por seu uso entre os chamados artistas-
viajantes e artistas-naturalistas (já desde o século XVIII), e também na constituição
de um imaginário imperial e, depois, republicano.
Nas primeiras décadas do século XX, o gênero ainda ecoava fortemente no
cenário artístico local, ao lado dos retratos, das naturezas mortas e da pintura
histórica. Mesmo com predominância significativa e com certa padronização
temática, podemos perceber mudanças na forma como alguns desses artistas
executavam suas obras. Basta olharmos as telas de Mário Nunes e Henrique Elliot,
em comparação com as de Telles Júnior, para chegarmos a tal conclusão.
As obras, desses dois artistas, são um claro exemplo dessas novas
experiências pictóricas vivenciadas no campo artístico pernambucano, durante os
anos 1920. Podemos perceber, nas telas, uma predominância de representação da
paisagem exterior, com pinceladas generosas, que guardam, fulgurantemente, a
claridade ofuscante e característica do Recife; assemelhando-se às inovações, nas
quais, a pintura de paisagem se encontrava, na Europa, por meados do culo
XIX
165
. Podemos notar que o pincel passa a correr, em pinceladas largas,
semelhante aos impressionistas, diminuindo a necessidade de eliminar as marcas
165
A partir dos impressionistas, a pintura de paisagem passa a contar com novas técnicas, como a
observação da natureza a partir de impressões pessoais e sensações visuais imediatas; a suspensão
dos contornos e dos claro-escuros em prol de pinceladas fragmentadas e justapostas e o
aproveitamento da luminosidade e uso de cores complementares, favorecidos pela pintura ao ar livre,
sendo esses os traços principais da renovação estilística que colocam sua ênfase na pesquisa
científica da cor, decomposta e recomposta na série de pontos e manchas que cobrem a superfície
da tela. As paisagens de Vincent van Gogh (1853 - 90), por seu turno, caracterizam-se pelas
pinceladas em redemoinho e explosão de cores. C.f. BALZI, Juan José. O impressionismo. São
Paulo: Ed. Ática, 2001 (Série princípios).
99
que demonstram o trabalho do pintor. A luz é um dos elementos mais fortes, e
contribui para uma nova perspectiva na busca pela ilusão do real.
Ilustração 2 – ELLIOT, Henrique. Cab
eça de Negra. 1926. Óleo sobre papelão, 23 X 15
cm. Col. Berguedof Elliot, Recife. Reproduzido em SILVA, José Cláudio da. Op. cit
Ilustração 7 - ELLIOT. Henrique. Jogo de Gude, 1924.
Óleo sobre tela, 91,5 x 60 cm.
Col. Faculdade de Direito do Recife.
Reproduzido em SILVA, José Cláudio da. Op. cit
100
Mesmo tendo, alguns desses pintores, transgredido certos aspectos
acadêmicos, essas obras não representam total ruptura com a busca de uma
representação naturalista, sendo que as modificações surgidas, e citadas acima, não
podem ser generalizadas. Apesar de uma postura interpretativa por parte de alguns
artistas e críticos, a pintura realizada no Estado ainda caracteriza a mesma
pretensão, por uma arte considerada tradicional: a busca por uma representação da
natureza, de forma objetiva. Mesmo buscando novas relações entre espaço, luz e
cor, novas perspectivas não conseguem ser criadas, cedendo as obras sempre ao
fantasma do ilusionismo. Basta olharmos a obra Jogo de Gude (ilustração 5), de
Henrique Elliot, para constarmos tal afirmação.
Pierre Bourdieu analisou como um ideal estético, caracterizado pelo habitus,
pode assumir outros sentidos de acordo coma época. A pintura acadêmica e a
impressionista possuem formas diferenciadas de encarar o ato de pintar e definir o
que é uma obra de arte. Na revolução artística da passagem de um movimento para
o outro, o autor destaca a noção do acabado, que, excluída pelos impressionistas,
“aparece como uma transgressão ética, uma forma de facilidade e de deixar passar,
uma falta à discrição e à atitude de reserva que se impõem ao mestre acadêmico”.
Assim, alguns trabalhos que são considerados esboços por artistas acadêmicos
estão mais próximos da prática impressionista
.
166
O fato de terem adotado novas técnicas em suas composições, não implica
pensarmos que esses artistas abraçaram as novas tendências importadas da
Europa. Talvez nem sequer tenham tido conhecimento dessas características em
um primeiro momento, como revela o testemunho de Luis Jardim:
As atividades literárias e artísticas daquela época (20-30) se
exerciam como reflexos da inquietação indefinida fato que ocorreu
sempre e em todos os países do mundo. Não era uma atividade
protestante, iconoclasta, como de ordinário se supõe. Era a atividade
natural de quem queria se exprimir como sentia. Sem cópias. Sem
idéias de movimento, de guerra declarada ao passado... Nenhum de
nós jamais tomou conhecimento do movimento modernista de São
Paulo, que Mário de Andrade incumbiu Joaquim Inojosa de difundir
ou implantar em Pernambuco. Apreciávamos o grande Mário, mas
movimento por correspondência, ler o jornal ou revista, (uma Verde,
suponho) que se dizia modernista – nunca.
167
166
BOURDIEU,.1998, op. cit., p. 272.
167
Depoimento de Luis Jardim. Apud. SOUZA BARROS, op. cit., p. 160-161.
101
Os que tiveram contato com os ideais modernistas, geralmente advindos das
pregações futuristas de Joaquim Inojosa, rejeitavam, em sua grande maioria, o
credo da arte nova, como Mário Nunes, que manifestou seu desprezo pelas mesmas
técnicas, escrevendo que:
O futurismo tem o seu lugar nas ilustrações de capa de livros, nas
decorações murais ou carnavalescas, mas nunca aplicado ao
quadro. No salão de 1931, vi quadros onde peixes arrastavam um
carro sobre nuvens, em pleno espaço; o pior é que os peixes, carros,
etc., eram horrivelmente mal desenhados, pois quase sempre esse
gênero de tapeação cabe àqueles que nunca alcançarão aptidão
para a pintura sensata. Picasso, aproveitando a época e baseado na
sua fama, entendeu de ludibriar a um bocado de imbecis, vendendo-
lhes composições extravagantes, a fim de conseguir algumas
patacas. Estou certo, porém, que não passa despercebido na sua
mente a ingenuidade de seus admiradores, e quem sabe, se o
remorso não lhe bate muitas vezes a porta?
168
Se muitos rejeitaram ou não tiveram seus nomes ligados a uma estética
moderna, o nome de Vicente do Rêgo Monteiro aparece como o que mais produziu
com base nas novas tendências. Vicente do go Monteiro foi um artista
multifacetado. Pintor, escultor, desenhista, ilustrador e artista gráfico, o
pernambucano pode ser considerado um dos artistas plásticos locais, e também
nacionais, de maior destaque na história da arte brasileira, e também um dos mais
estudados
169
.
Sua obra dialogou com vários estilos, como afirmou o próprio Vicente:
Eu tive tendências diversas. Eu gostei do retrato. No retrato eu
sempre procurei fazer a aparência física do espírito. Traduzia o
espírito também do retrato. Eu fiz o retrato de Gilberto Freire. Estava
em Paris em 1922. Fiz o retrato de Alberto Cavalcanti e da senhora
mãe dele, uma senhora francesa, Mme [?]... e o retrato das irmãs
Martel. Esses quadros, alguns foram expostos no Salão dos
Independentes, em 22 e 23. Mais adiante, eu fui me tornando mais
cubista, deixando o retrato. Achei certa dificuldade de convencer, de
encontrar o público que fizesse como Van Dongen, que para fazer o
retrato ia com a freguesa a um grande costureiro, escolhia uma
roupa de 20 mil francos. Naturalmente o retrato poderia ser pago na
proporção de quatro cinco vezes o preço do vestido. A minha técnica
era muito simples, não dava para ganhar
170
.
168
NUNES, Mário. Quadro e Pintores. In: Annuário de Pernambuco para 1934. Suplemento dos
Diários da Manhã e da Tarde, 1934. p. 181.
169
O artista foi objeto de estudo nas seguintes obras: AYALA, Walmir. Vicente, inventor. Rio de
Janeiro: Record, 1980. ZANINI, Walter. Vicente do Rêgo Monteiro: artista e poeta 1899-1970. São
Paulo: Empresa das Artes, 1997.
170
MONTEIRO, Vicente do Rêgo. Vicente do Rêgo Monteiro: pintor e poeta. Rio de Janeiro: 5ª ed.,
1994, p.254.
102
Mas também pintou cenas religiosas e flagrantes dos aspectos regionais:
Eu preferia fazer pintura simples, simplesmente a composição. Daí
me ter lançado para esta série de assuntos religiosos e trabalhadores
como Os Calceteiros, e meu primeiro tema realmente antropófago é
a Caçada ou a Caça, uma luta entre os índios robôs
com um animal
fabuloso de inspiração marajoara. Esse trabalho encontra-se no
Museu de Arte de Moderna de Paris.
171
Em 1908, viaja ao Rio de Janeiro, na companhia de sua irmã Fédora do Rêgo
Monteiro, iniciando seus estudos artísticos na Escola Nacional de Belas Artes
ENBA. Em 1911, a família viaja para a França, onde o jovem Vicente frequenta a
Academia Colarossi - instituição fundada pelo escultor italiano Filippo Colarossi - que
contava, entre seus professores, com artistas consagrados, como Paul-Émile Colin,
Courtois e P. A. Dagnan-Bouveret, além das academias Julian e de La Grande
Chaumière. Participa do Salon des Indépendants, em 1913, do qual se torna
membro societário. Em Paris, mantém contato com Amedeo Modigliani, Fernand
Léger, Georges Braque, Juan Miró.
No início da Primeira Guerra Mundial, a família retorna ao Brasil e se
estabelece no Rio de Janeiro, em 1915. Entre os anos de 1918 e 1919, realiza suas
primeiras exposições individuais no Recife, sendo a primeira realizada no Teatro de
Santa Isabel, em 1918, e a segunda, no ano de 1919, na Fotografia Piereck.
A exposição de 1919 foi inaugurada em 19 de dezembro, na Fotografia
Piereck, contando com vinte trabalhos entre ilustrações e aquarelas. Em nota, no
Diário de Pernambuco, o jovem pintor era apresentado aos leitores como um artista
de refinada educação artística francesa:
V. Rêgo Monteiro não é de modo nenhum um artista nacional antes
se poderá dizer dele que é um artista puramente francês. É um
artista chic .O artista dá-nos algumas pochades de cabeças que se
distinguem por uma factura pessoal, independente e
larga,impregnada de um modernismo vibrante que lembra muito os
impressionistas europeus.
172
Em 1920, expõe, pela primeira vez, em São Paulo. Nesse ano, também
estuda a arte marajoara, das coleções do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista,
que o influenciaria na organização, em 1921, do espetáculo Lendas, crenças e
talismãs dos índios do Amazonas, no Teatro Trianon, Rio de Janeiro, onde é
171
Ibidem, p. 255.
172
Diário de Pernambuco, 19 de dezembro de 1919.
103
elogiado pelo poeta e crítico Ronald de Carvalho; e retorna, no mesmo ano, a Paris.
Em 1923, faz desenhos de máscaras e figurinos para o balé Legendes Indiennes de
L'Amazonie. Integra-se ao grupo de artistas da galeria e revista L´Effort Moderne, de
Leonce Rosemberg e, na mesma época, ilustra a obra de P.L. Duchartre Legendes
croyances et talismans des indiens de l’Amazonie.
De acordo com Walter Zanini, Vicente é o primeiro artista moderno a se
voltar, de forma sistemática, para os aspectos congênitos do país, por meio das
representações da vida e das lendas indígenas. Trouxe esse primitivismo,
paradoxalmente, de sua estadia na Europa, onde muitos artistas, que hoje
denominamos modernos, opuseram-se ao processo de modernização, em favor dos
chamados temas que remontavam a artistas oitocentistas, do qual Gauguin foi o
expoente máximo. Também de técnicas primitivas que buscavam a simplicidade
formal como fonte de possibilidade de expressão plástica e que foram encontradas
pelos cubistas na arte africana, como no caso de Picasso, que se utilizava de
artefatos ibéricos e africanos como fonte de inspiração.
Os indígenas pintados por Vicente o frutos da criatividade do artista e não
atendem necessariamente a um registro documental, assemelhando-se às figuras
japonesas, outra grande influência na época. A sua obra dialogou por tendências
temáticas variadas, como a arte indígena, o retrato e a pintura religiosa, tendo como
influências principais a arte indígena de Marajó, a art déco e o cubismo estilizado. A
cor é quase sempre usada de maneira econômica, com predominância de ocres e
marrons, com simplificação dos planos, que se refletiam principalmente nas formas
arredondadas.
O Jornal do Commercio de 17 de março de 1925, por exemplo, divulga
pequena nota em que Vicente do Rêgo Monteiro é citado pelo Magazine italiano Le
lidel, por um cronista de seu tempo, que escreveu sobre o livro de Ferdinand Divoire.
O artigo tece elogios aos desenhos que ilustram a obra e que foram feitos pelo pintor
pernambucano, da Paisagem Pernambucana, Vicente do Rêgo Monteiro, em 1924.
Trata-se de um trabalho a óleo sobre cartão e que hoje pertence à Coleção Orandi
Momesso.
Se o pioneirismo da obra desse artista chega a ser um dos poucos pontos de
convergência entre as opiniões dos tradicionalistas e modernistas, por que a obra de
Vicente do Rego Monteiro não ecoou fortemente sobre a produção dos demais
pintores pernambucanos nos anos vinte? À primeira vista, a longa ausência do pintor
104
não permitiu que suas invenções pictóricas tivessem, em Pernambuco, ressonância
ao ponto de influenciar o trabalho de outros artistas.
Concordamos com Moacyr dos Anjos que, pela natureza sincrética de seu
trabalho, é possível imaginar que Vicente do Rêgo Monteiro poderia ter
desempenhado, no campo das artes plásticas pernambucanas dos anos 1920, o
papel que Ascenso Ferreira desempenhou no campo literário: o de estabelecer
pontos de passagem e convergência entre os discursos regionalista e modernista. A
obra de Vicente não desempenhou tal papel, devido ao que Moacyr dos anjos
chamou de acanhamento do cenário artístico pernambucano nos anos 1920,
referindo-se à dificuldade presente no campo artístico do Recife, ao encontrar, em
suas estruturas e em seus agentes, pólos de receptividade a uma obra que fugia dos
aspectos pictóricos, aos quais o cenário local estava acostumado.
3.2 pintar não é fotografar: A fotografia e o cinema provocam mudanças na
forma de se pintar a cidade
Mesmo não adotando princípios mais ousados, como fez Vicente do Rego
Monteiro, vimos que alguns pintores pernambucanos começavam a empregar certas
mudanças em suas produções. Essas inovações se situam a partir da premissa de
que se pintar uma paisagem distancia-se cada vez mais da idéia de mera cópia da
realidade, pois pintar não é fotografar. No Recife, procuramos entender essa virada
a partir do impacto cultural causado pela fotografia e pelo cinema, que, segundo
Walter Benjamin, seriam elementos que alterariam a forma da percepção da
coletividade humana
.
173
Ao retomar os códigos de representação da pintura, e apoiada na exatidão
das formas e na fidelidade do registro, a fotografia instituiu um novo olhar sobre a
natureza. O discurso realista condenou a fotografia à função de simples registro,
documentação, o que não comportaria nenhum tipo de reflexão sobre as qualidades
visuais. Com a invenção da fotografia, inicia-se novo paradigma visual, propiciando
transformações no modo de produção de imagens.
Na pintura, o real é imaginado pelo sujeito por meio de um sistema de
codificação ilusionista, que funciona como metáfora do mundo, resultando em
173
BENJAMIN, op. cit., p.169
105
imagem simbólica. Numa tela, o agente produtor deixa, em uma superfície que sirva
de receptáculo às substâncias, geralmente tintas, a marca do seu gesto artístico,
com a utilização de instrumentos aptos, sendo o seu próprio corpo o principal
instrumento usado na produção de imagens, alongado pelo pincel, que lhe permite
maior destreza na execução do trabalho. É uma imagem-espelho em que o visível e
o invisível são figurados.
174
O ato de fotografar tem por propósito capturar, registrar o visível, resultando
em imagens que são reproduções por captação e reflexo. Imagens-documento, elas
são traços, vestígios da luz, resto que sobrou do corte executado no campo da
natureza. Resultado do congelamento enquadrado e fragmento do real, essa
imagem funciona como confronto entre um sujeito e o mundo:
O paradigma fotográfico funciona como uma metonímia numa
evidente relação entre registro, reflexo e emanação. Seu ideal de
conexão indica o modelo físico que o gerou. È uma imagem
documento gerada a partir da captura de um fragmento do real
operada pelo sujeito através de uma máquina.
175
Encarando o ato de fotografar como captura, artistas e intelectuais tomaram
a fotografia como prática que se limitaria a registrar a realidade, como podemos
constar nas palavras de Gilberto Freyre:
(...) não nada de estranhamente belo na fotografia por que a
fotografia pega em flagrante as linhas, mas não apanha o caráter,
nem da paisagem nem da pessoa. Caráter, ou, se preferem, a alma.
Anseia a arte por exprimir esta alma e para consegui-lo a proporção
é apenas um meio. Se o apanhar de imagens, em absoluta
normalidade de proporção e abundância de pormenores, fosse o fim
da arte, então maior que o Golgotha, de El Greco, seria qualquer
fotografia, de gabinete de identificação. A galeria policial de Scotland
Yard e não a de Trafalgar Square afluiriam os virtuosi da arte do
retrato
176
A fotografia chega ao Recife por volta da primeira metade do século XIX.
Sabe-se que, por meados da década de 40 do século XIX, os daguerreótipos
estavam no Recife. Mário Sette conta que os daguerreótipos tiveram seu prestígio:
“Nas caçoletas dos homens e nos medalhões das senhoras iam as maravilhosas
174
SANTAELLA, Lúcia. Os três paradigmas da imagem. IN: SAMAIN, Etiene. O fotográfico (org). São
Paulo: Editora Hucitec/Editora Senac de São Paulo, 2 ed., 2005.
175
Ibidem, p. 307
176
Revista do Brasil, FREYRE, Gilberto Apud LARRETA, op. cit., p. 238.
106
reproduções das criaturas queridas, umas ainda vivas, outras saídas do trânsito
terreno. Os óleos adquiriram um valor de estimação afetiva ou artística.
177
Mas os daguerreótipos perderam espaço com o aparecimento de novas
técnicas de fotografia, como a fotografia em negativos. Começam a surgir fotógrafos,
que, com suas máquinas, captam as paisagens pernambucanas, como Augusto
Sthal, que fotografou suas primeiras vistas preciosas do Recife entre 1855 e 1859.
178
Como relata a historiadora Fabiana Bruce, a partir de 1900, a fotografia
começa a ganhar espaço nos periódicos nacionais, sendo a Revista da Semana a
primeira a publicar fotografias, seguida pelas Careta, Fon-Fon e a Malho, nas
primeiras décadas do século XX. O aperfeiçoamento das cnicas fez proliferar, no
final do século XIX, os retratos de cidades no Brasil, com enormes paisagens
177
SETTE, Mário. Arruar, história pitoresca do Recife antigo. Recife: secretaria de educação e cultura
do governo do estado de Pernambuco 3ª Ed, Coleção pernambucana volume XII, 1978.
P. 170
178
SILVA. Fabiana de tima Bruce da. Caminhando numa cidade de luz e sombra: a fotografia
moderna no Recife na década de 1950. Recife: Tese de Doutorado em História pela Universidade
Federal Rural de Pernambuco, 2005. P.53
Ilustração 8 “O Largo do Hospício, com as suas modernas construções urbanas e
linda arborização”: In: Revista de Pernambuco ano 2 Nº 7 Janeiro de 1925.
107
românticas. A preocupação desses fotógrafos era fazer valer o caráter mimético da
fotografia.
179
A fotografia ocupava a posição de registro entre os meios de comunicação na
imprensa da cidade. Dentre esses periódicos, a Revista de Pernambuco destacou-
se pela qualidade gráfica e vasta quantidade de imagens que apareciam em suas
páginas e registravam o “alto progresso atingido pela nossa formosa Mauricéia sob o
governo de Sérgio Loreto”
180
. Surgido como veículo de divulgação das ações do
governo de Sérgio Loreto e de suas ações modernizadoras, a fotografia ocupa,
nesse periódico, tarefa primordial: a de demonstrar, por meio de um documento
inquestionável, os progressos do Recife, rumo ao moderno, em contraposição ao
pitoresco.
Perante as imagens do Recife Novo, a pintura passou a ter por propósito,
para alguns artistas e intelectuais, figurar o visível e o invisível, num movimento de
figuração da imaginação da visão, funcionando como ponto de ligação entre a
natureza e a imaginação de um sujeito; enquanto a fotografia deveria gerar imagens,
a partir da captação de reflexos, constituindo-se mais como reproduções do que
representações. As fotografias funcionavam como registro do confronto entre o
sujeito e mundo, ao se constituírem como imagens-documentos resultantes do
congelamento de um fragmento de realidade.
O cinema foi, juntamente com a fotografia, um dos fatores que influenciaram
as reflexões dos indivíduos, no que se refere aos aspectos visuais, pois o cinema
aparecia como nova forma de se produzir imagens, por meio de aparato técnico,
mantendo uma relação indissolúvel com a realidade.
A natureza ilusionística do cinema é de segunda ordem e está no
resultado da montagem. Em outras palavras, no estúdio o aparelho
impregna tão profundamente o real que o que aparece como
realidade ‘pura’, sem o corpo estranho da máquina, é de fato o
resultado de um procedimento puramente técnico, isto é, a imagem é
filmada por uma câmara disposta num ângulo especial e montada
com outras da mesma espécie.
181
179
Ibidem p. 52
180
Revista de Pernambuco, ano III, N XXIV, junho de 1926. p. 18.
181
Benjamin, Walter. A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. In: Magia e Técnica,
Arte e Política. Ensaios Sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo,
Brasiliense, 1994. p. 186
108
A descrição cinematográfica da realidade, segundo Benjamin, é, devido a
esse fator, muito mais significativa do que a pictórica para o homem moderno. A
reação da massa diante da arte é modificada na sociedade moderna. A
reprodutibilidade cnica provoca essa transformação. A massa era retrógrada
diante de Picasso, mas se torna progressista perante Chaplin. Ao contrário da
pintura, que deveria ser apreciada por uma ou poucas pessoas, o cinema deve ser
apreciado por uma coletividade, e as reações dos indivíduos são condicionadas pelo
caráter coletivo delas, não somente com a soma das reações individuais, mas pelo
seu controle mútuo.
A imagem do pintor é total, a do operador (de câmera) é composta
de inúmeros fragmentos, que se recompõem segundo novas leis.
Assim, a descrição cinematográfica da realidade é, para o homem
moderno, infinitamente mais significativa que a pictórica, porque ela
lhe oferece o que temos o direito de exigir da arte: um aspecto da
realidade livre de qualquer manipulação pelos aparelhos,
precisamente graças ao procedimento de penetrar, com os
aparelhos, no âmago da realidade.
182
O primeiro cinema permanente no Recife, o Cine Pathé, surgiu em 1909. A
exibição dos filmes acarreta modificações nos costumes locais, nos hábitos, gerando
novos códigos de sociabilidade. Torna-se instrumento de modernização no pensar,
no estilo de vida, o que veio a aumentar a tensão do novo com o tradicional.
183
As fitas estrangeiras fizeram sucesso ao serem exibidas no Recife, porém
foram alvos de críticas por parte de alguns, como Gilberto Freyre, que criticou os
filmes exibidos no circuito recifense por trazerem às telas paisagens estrangeiras:
Ora, por que não usar essa força enorme que entre nós é o cinema
para a propagação de boas e úteis idéias e para o reclame de bons e
úteis artigos? O cinema nos tem feito bastante mal com o brilho
perigoso que trouxe aos nossos hábitos; é tempo de nos fazer algum
bem. Tem-nos desnacionalizado quando poderia estar a
nacionalizar-nos no bom sentido da palavra. E não atina meu pobre
entendimento com as íntimas e sutis razões de tolerarem nossos
nacionalistas, em geral braquicéfalos, essa arte postiça de "clowns"
dolicocefálicos. O cinema seria, entretanto, o meio melhor e mais
plástico de familiarizar o brasileiro com os não sei quantos
quilômetros de paisagem nacional ainda em estado bruto. Paisagem
que ignoramos. Porque o brasileiro, mesmo o viajado por fora, não
conhece do seu país senão um pedaço ou outro. O do Nordeste -
para começar por casa - não tem idéia certa do que seja um pinheiral
182
BENJAMIN, op. cit., 1985, p.187
183
DUARTE, Eduardo. Sob a luz do projetor imaginário. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2000.
p. 101
109
no Paraná; nem um pampa no Rio Grande; nem um seringal no
Amazonas.
184
No Recife, o cinema, além de constituir-se como novo elemento no imaginário
da cidade, irá representar o surgimento de mais uma forma de se ver e representar a
cidade, pelo discurso visual via produções locais. O Ciclo do Recife foi um dos mais
importantes e mais movimentados do cinema mudo nacional, durando cerca de nove
anos. Reuniu inúmeros jovens, de diversas categorias profissionais, que dividiam o
tempo entre a profissão e a arte de fazer cinema.
Mas antes mesmo do Ciclo, o Recife aparecia na tela grande. Os
documentários, exibidos antes das sessões, realizados pela empresa Pernambuco-
filmes, fundada em 1920, no governo de Sérgio Loreto, destacaram-se pela ampla
repercussão, e funcionavam como mais uma das estratégias de propaganda política
a favor das ações do governo, em prol da modernização.
185
A tentativa de se filmar a realidade local pode ser vista em filmes com Aitaré
da praia, de 1926. Nele, o pescador Aitaré namora Cora, moça inocente de uma
pequena aldeia. Diversos desentendimentos separam os heróis até o esperado final
feliz. Nesse filme, em que participam atores como Almery Steves e Jota Soares, são
mostradas tanto as belas praias do lugar como o ambiente sofisticado da
aristocracia do Recife. O embate entre tradição e modernidade pode ser visto, de
maneira evidente, na película, que tem uma hora de duração. O filme foi enorme
sucesso e chegou a ser exibido em outras cidades.
A experiência de Aitaré revela que, mesmo seguindo narrativa similar à dos
filmes amerianos, as produções do ciclo tentaram se adaptar às peculiaridades
regionais, não com o intuito de fazer cinema de cunho político e regional. Como
afirma Eduardo Duarte, quando observado mais de perto, pode-se perceber que o
Ciclo do Recife realmente esboçou uma tendência à regionalização. Talvez não no
sentido de mudança estética, mas sobretudo em relação à temática das produções.
Filmes como Aitaré da praia, Revezes, que tem sua em sua trama o conflito entre
pequenos agricultores e um grande proprietário de terra, ou ainda Filho sem mãe,
que traz cangaceiros como personagens, mostram nova preocupação com temas
184
FREYRE, Gilberto. Artigo 19. Diário de Pernambuco. Recife, 26 Ago. 1923.
185
DUARTE, op. cit.
110
mais próximos à realidade brasileira.
186
Porém essa ideia de regionalização ainda é
confusa na cabeça dos pioneiros, segundo Duarte:
Alguns filmes misturam valores regionais com elementos americanos
causando uma verdadeira salada de signos. Em jurando Vingar, o
herói principal, interpretado por Gentil Roiz, é um plantador de cana
que se veste e calvaga como um cowboy. Em Reveses, mais uma
referência aos cowboys, na roupa dos camponeses sob uma grande
árvore no roçado.
187
Esses filmes representaram uma nova forma de se olhar para o Recife, e a
forma como os indivíduos passaram a olhar para sua cidade modificou-se. Portanto
representam não somente uma transformação na forma de se pensar a cidade
plasticamente, mas funcionam, principalmente hoje, como excelentes documentos,
em que, segundo o próprio Jota Soares, podemos ver:
(...) a vida social da elite recifense da época. Aparecem as cenas de
movimentação dos cabarés, cafés, bailes sociais... Além de lugares
da cidade bastante conhecidos como o cine Royal, a ponte da Boa -
Vista, a estação de Socorro, várias ruas agitadas do centro...
188
3.3 Rememorar, conservar: pintar para lembrar.
Podemos perceber, nesse corte instaurado pela fotografia e pelo cinema na
produção de imagens, o surgimento de novas reflexões no campo artístico local,
intensificando o desejo, em alguns artistas, de romper com a necessidade de se
produzir fielmente a realidade. Muitos passaram a captar, ao seu modo, as
paisagens locais, por meio de uma pintura que tinha como uma das grandes
preocupações, fixar os espaços que vinham sendo destruídos pela modernização,
ao legitimar a produção local.
Desse modo, a paisagem pernambucana deixa de ser vista somente como as
verdes matas, exuberantes praias ou extensos engenhos. O cenário urbano começa
a ser mais frequentemente visitado pelos artistas. Porém, é um espaço urbano onde
as largas avenidas, por onde automóveis velozes começavam a trafegar, parecem
não existir. A paisagem transposta para a tela nos dá a sensação de fragmentos de
um Recife tradicional, pitoresco, onde o elemento humano, cuja ausência foi uma
186
Ibidem.
187
Ibidem
188
Depoimento de Jota Soares In: REZENDE, op. cit., p 87.
111
das principais críticas feitas à obra de Telles Júnior, torna-se parte integrante da
paisagem.
Os elementos pitorescos conferiam uma noção de identidade local, como
vimos no capítulo anterior, através do princípio da diferença. Essa idéia de pitoresco
diferencia-se do olhar curioso do estrangeiro para ir de encontro à peculiaridade
local. As igrejas, o velho porto com suas embarcações e outros elementos que
esses artistas acreditavam compor o cenário cultural local atribuíam, em seus
quadros, o caráter genuinamente pernambucano das paisagens representadas.
Essa idéia de pitoresco liga-se ao ato de rememorar e conservar, que iriam trazer
para as telas paisagens congeladas no tempo. O tempo, nessas obras, é uma
dimensão essencial à imagem, assim como o espaço.
A dimensão temporal que envolve essas produções não se relaciona ao
tempo mecânico medido pelo relógio, mas o da experiência temporal, onde o tempo
não contém os acontecimentos, porém é feito por esses acontecimentos, na medida
em que estes o apreendidos por nós. Nesse sentido, Jaques Aumont nos mostra,
a partir da psicologia tradicional, que essa experiência temporal se distingue de
vários modos, referenciados nos sentidos de presente, de duração e de futuro.
Particularmente nos interessa aqui o sentido de duração que:
É na verdade o que entendemos por “o tempo”. A duração é sentida
evidente que não digo percebida) com auxílio da memória, em
longo prazo, como uma espécie de combinação entre a duração
objetiva que, escoa as mudanças que afetam os nossos perceptos
durante esse tempo e a intensidade psicológica com a qual
registramos aquela a estas;
189
.
A pintura, diferentemente da imagem fílmica, não dá a ilusão de tempo. O que
não quer dizer que ela se ponha desprovida de meios para representá-lo, às vezes
de modo sugestivo.
190
Portanto, a ilusão de tempo, na imagem, é sempre concebida
como um tipo de representação mais ou menos abstrato de conteúdos, de
sensações, fazendo-se com referência a essas categorias de duração, do presente,
do acontecimento e da sucessão.
O tempo, nas obras aqui analisadas, é, muitas vezes, estático, para
conseguirem que suas obras se remetam a espaços perdidos. Esses artistas
utilizaram-se de dispositivos que se almejam configurar como pontes que levassem
o espectador ao encontro com lembranças de um tempo perdido. É um trabalho de
189
AUMONT, Jacques. A imagem. São Paulo: Ed. Papirus, 6 edição, 1993. p. 106
190
Ibidem, p. 108.
112
rememoração, feito nos itinerários de uma memória que se imbricava a uma
paisagem ao qual cada pintor se integrava e assistia desaparecer lentamente. É
uma tentativa de se reter, o máximo possível, os últimos vestígios da fluída areia do
tempo que tentavam segurar entre os dedos, mas que, mesmo assim, teimava em
escapar-lhes.
Para Walter Benjamin, a ação de rememorar requer sempre imaginação e
fantasia, pois o importante para o sujeito que rememora não é o que viveu, mas o
tecido de sua rememoração, o trabalho de Penélope da reminiscência.
191
Rememorar para Benjamin, não significa necessariamente uma fuga ao passado,
mas uma ação sobre o presente.
Quem avalia o antigo bairro do Recife torturado de ruas estreitas e
becos incríveis de tortuosidade; o Largo do Corpo Santo, o Beco das
Sete Casas, a Rua da Cadeia, o Arco do Bom Jesus, a Doca do
Arsenal, o Cais da Companhia Pernambucana… Tudo isso se sumiu
na paisagem da cidade. Ninguém o reconstitui mais sem tê-lo
conhecido. E mesmo entre os que o conheceram, quantos de
memória pouco nítida! Não saudosismo em recordá-lo. Nem
desejo de que a vida houvesse parado. , porém, uma modalidade
de amor a tudo o que desapareceu, e que se não foi nosso
contemporâneo, terá sido de nossos bisavós: cenário de sua
infância, de seus amores, de suas preocupações, de suas atividades,
de seus sonhos e de suas saudades também …”
O processo de rememorar empregado pelos artistas e intelectuais ligou-se o
de conservar. O ato de conservar se circunscreve em uma tentativa de manter o
tecido histórico, como um sistema contínuo de referências perante as
transformações dos valores históricos e culturais, tornando os monumentos como
uma herança que testemunha as aspirações pessoais ou coletivas da região.
É preciso lembrar que as aspirações em torno da preservação do patrimônio
histórico pernambucano se faziam presente, no século XIX, nas ações do Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, fundado em 1862.
Essa tentativa de conservar é levada a âmbito legal, no ano de 1923, pelo
deputado federal por Pernambuco Luiz Cedro Carneiro Leão, que procurou justificar,
na Câmara de Deputados do Rio de Janeiro, o Projeto de Lei número 350, em que
propõe, numa iniciativa pioneira no contexto brasileiro, a criação da Inspetoria
Nacional de Monumentos Históricos. Em 1926, durante o Congresso Regionalista a
191
BENJAMIN, op. cit., p. 37.
113
questão da preservação, Luís Cedro falou sobre a defesa do patrimônio artístico
destacando a importância da conservação das velhas igrejas e casas.
A defesa do patrimônio pernambucano integra-se nas ações e discursos
operados pelos regionalistas, não é a toa que o projeto de lei defendido por Luís
Cedro encontre nos membros do movimento forte apoio, principalmente de Gilberto
Freyre, que viu com bons olhos a iniciativa do deputado:
Nada mais oportuno que o projeto do Sr. Luís Cedro. Nunca nossos
monumentos precisaram tanto de defesa oficial. O que do Brasil
antigo nos resta hoje de está de por milagre. O gosto da
antigüidade entre nós parece limitar-se a alguns senhores de fraque
discutindo no Instituto Arqueológico o heroísmo republicano de
Bernardo Vieira de Melo. (...) Entre nós, impõe-se, como disse, uma
campanha que nos habilite a contrariar um pouco a atual volúpia da
novidade. Entre os meninos de escola, entre os rapazes de
faculdade, entre os mais moços, que são os mais plásticos, deveria
estabelecer-se um Dia do Passado. Ou da Tradição. Um dia em que
nos recolhêssemos misticamente ao Brasil brasileiro dos nossos
avós; e falássemos deles. Um dia de romagem aos edifícios velhos:
tantos deles cheios de boas inspirações para bons edifícios
modernos.
192
Portanto, nesse movimento de rememorar/conservar, as construções
tradicionais que ocupavam a cidade do Recife integravam o conjunto de elementos
que compunha o universo simbólico usado por esses artistas, tornando-se a
representante e depositária dos significados simbólicos do sistema de valores da
cidade. São elementos que resistem aos impetuosos e crucificadores ventos da
modernização e que devem servir como símbolos de uma identidade que deve ser
conservada, que a memória parecia esvair-se nos redemoinhos dos novos
tempos. O ímpeto reformador, sob o qual muitos foram abaixo, foi visto como
elemento descaracterizante do cenário local. A pintura, bem como a poesia e a
literatura, empregaram um processo de reconstrução pela memória e pelos símbolos
dessas paisagens refletindo o papel de resistência aos processos de dilapidação do
organismo urbano.
193
A tentativa de sustentação dos elos de pertencimento ao seu local de origem,
realizada por esses artistas, se dava não somente através das críticas às novas
paisagens resultantes dos processos de modernização, mas, sobretudo, pela recusa
de transpô-las para as telas. Os pincéis não demarcaram espaços marcados pela
modernização, mas se ocuparam das construções antigas e dos elementos naturais
192
FREYRE, Gilberto. Artigo: 34. Diário de Pernambuco. 09 de dezembro de 1923.
193
XAVIER, Denis. Arquitetura Metropolitana. São Paulo, Ed FAPESP, 2007
114
recifenses, pois, na formação tradicional desta cidade, repousam os traços originais
que conferiam tanto à capital pernambucana, quanto ao seu povo, identidade e que
vão fornecer a substância para fecundar a alternativa do programa modernista no
Recife.
Alguns dos redutos onde a cidade antiga resistia, eram especialmente alguns
dos espaços religiosos mais originais, como as igrejas e os pátios. A conservação
desses espaços foi alvo de reflexão por parte dos defensores da tradição. Pode-se
ler, no Manifesto Regionalista, que:
Donde a necessidade deste Congresso de Regionalismo definir-se a
favor de valores assim negligenciados e não apenas em prol das
igrejas maltratadas e dos jacarandás e vinháticos, das pratas e ouros
de família e de igreja vendidos aos estrangeiros, por brasileiros em
quem a consciência regional e o sentido tradicional do Brasil vêm
desaparecendo sob uma onda de mau cosmopolitismo e de falso
modernismo. É todo o conjunto da cultura regional que precisa ser
defendido e desenvolvido.
194
Freyre, em seu Guia Prático e Sentimental, sobre o Recife, escreveu:
Mesmo, porém, com toda essa reação a favor das igrejas velhas do
Recife, elas vêm ainda sofrendo estúpidos ultrajes da parte das
autoridades, quer eclesiásticas, quer civis. Algumas têm sido
194
FREYRE, 1967. op. cit., P. 73
Ilustração 9 - Monteiro, Fédora do Rego. Arco do Bom
Jesus. Óleo sobre Eucatex, 49,3 x 59,3 cm
Reproduzido em
SILVA, José Cláudio da. Op. cit
115
demolidas para que as novas avenidas, geométricas e insolentes,
não sejam obrigadas a curvar-se à tradição ou ao passado. Outras
estão ainda agora ameaçadas de morte.
195
Não as grandiosas construções foram tomadas por genuínos símbolos da
paisagem pernambucana. Os mocambos foram tidos como moradias tipicamente
pernambucanas, por se adequarem às condições naturais de Pernambuco, e se
representaram em telas. Também viraram alvo das ações modernizadoras, que
almejavam à construção de uma cidade moderna e civilizada. O ímpeto que
impulsionava a destruição dos mocambos se assentava principalmente em dois
atributos negativos: a expressão arquitetônica imprópria para uma cidade moderna e
o foco de moléstias e epidemia que esses se constituíam.
196
Essas habitações feitas de palhas de coqueiro eram descritas por Gilberto
Freyre como uma perfeição ecológica e primitiva: eram boas de ventilação, aeração
e insolação. Mais que isso: eram superiores à casa de pedra e cal, uma vez que
esses fatores objetivos estavam ligados à estética do mocambo, em que era
195
FREYRE, Gilberto. Guia Prático, Histórico, Sentimental da Cidade do Recife. Rio de Janeiro:
Ed.José Olypio, 3ª Ed, 1961. p. 30.
196
WESTEIN, Flávio. Op. cit., p. 104.
Ilustração 3-
ELLIOT, Henrique. Mucambos, 1916. Óleo sobre papelão, 38 x 48
cm. Col. Particular, Recife. Reproduzido em SILVA, José Cláudio da. Op. cit.
116
possível reconhecer um traço de honestidade artística e uma simplicidade de linhas,
economia de ornamentos, além de apoio quase exclusivo na qualidade do
material.
197
Com toda a sua primitividade, o mocambo é um valor regional e, por
extensão, um valor brasileiro, e, mais do que isso, um valor dos
trópicos: estes caluniados trópicos que só agora o europeu e o norte-
americano vêm redescobrindo e encontrando neles valores e não
apenas curiosidades etnográficas ou motivos patológicos para
alarmes. O mocambo é um desses valores. Valor pelo que
representa de harmonização estética: a da construção humana com
a natureza. Valor pelo que representa de adaptação higiênica: a do
abrigo humano adaptado à natureza tropical. Valor pelo que
representa como solução econômica do problema da casa pobre: a
máxima utilização, pelo homem, na natureza regional, representada
pela madeira, pela palha, pelo cipó, pelo capim fácil e ao alcance dos
pobres.
198
O velho porto é outro espaço levado para as telas. O processo de reforma,
pelo qual passou no início do século, alterou a configuração urbana do Recife,
provocando mudanças significativas na economia, no imaginário da cidade. Mário
Sette captou bem as mudanças ocorridas pela modernização do Porto do Recife,
sobretudo em seu romance Os Azevedos do Poço. Nesta obra o declínio dos
negócios da tradicional família dos Azevedos é provocado pelas reformas do porto, o
que permite a Mário Sette traçar, através de sua escrita, os reflexos da
modernização no cotidiano das pessoas revelando seus sentimentos como no caso
de Zumba que:
“Sofria, mais do que todos, com a remodelação do Bairro do Recife.
Razões de dinheiro e também de coração. (...) Toda uma vida de
negócios, de lucros, de crises, de agitações, de prosperidade, e
agora o declínio. (...) a mudança do escritório e dos armazéns para
outro local, para outro bairro, constituía indisfarçavelmente uma
queda, uma diminuição. (...) Não queria sequer se esperançar com
os prédios que já se construíam nas avenidas. Nem com a estrutura
dos armazéns que se levantavam nas docas. Perto da antiga lingüeta
dois palacetes se achavam prontos. Outros em andaimes. As dragas
chupavam água do rio, os blocos do molhe entravam pelo mar, o cais
de tração se enfeitava de calçamento e de guindastes... Nada
convencia Zumba. Curvava-se na janelinha do torreão, querendo
abranger todo cenário, como uma definitiva despedida do que ia
sumir para sempre.”
199
.
197
KOMINSKY, Ethel Volfzom; LÉPINE, Claude; PEIXOTO, Fernanda Áreas (Org.). Gilberto Freyre
em Quatro Tempos. Bauru: Edusc; São Paulo: Editora Unesp, 2003.p. 271.
198
FREYRE, op. cit. 1967, p 97.
199
SETTE, Mário, Os Azevedos do poço In: FILHO, Lucilo Varejão (org). Romances Urbanos do
Recife: Ed. Do organizador, 2005. p. 428-429..
117
Em Recife Lírica, de Cícero Dias, o velho porto se faz presente, diante dos
olhos de Os noivos, únicos elementos humanos presentes na composição, que
parecem estar a bordo de uma embarcação. Olham para alguém, que não é o
observador da tela, como se estivessem apresentando um cenário lírico, poético da
capital pernambucana. Cada um traz à mão um buquê de flores, cortejando o
cenário contemplado, em ato semelhante ao de um cortejador apaixonado, que
oferece flores à amada a quem deseja unir-se. A paisagem apresentada diante deles
nos remete às palavras de Barbosa Viana: Quem, a bordo de um paquete
transatlântico, chega pela primeira vez a Pernambuco, tem a ilusão de que a cidade
vai surgindo das águas, tanto mais se avolumando e engrandecendo, quanto mais
se aproxima o paquete do porto”
200
Ilustração 11 - DIAS, Cícero.Recife Lírica déc. 1930 .Óleo sobre tela,
140 x 260 cm.Coleção Sylvia Dias (Paris, França) Reproduzido e Enciclopédia Itaú Cultural Artes
Visuais: http://www.itaucultural.org.br/bcodeimagens/imagens_publico/000528002019.jpg.Acessado
em 30 de outubro de 2009.
Essas primeiras impressões são como um painel cuidadosamente pintado,
que fornece ao visitante uma primeira impressão da paisagem pitoresca da cidade.
Em primeiro plano, podemos ver o antigo porto. Esse espaço representa, na história
pernambucana, bem mais que um eixo primordial em sua estrutura comercial; um
dos lugares que remetiam ao surgimento da cidade. Afinal, o Recife é a cidade que
surgiu das águas. A presença constante da água na paisagem da cidade marcou a
200
Barbosa Viana apud. ARRAIS, Raimundo. A capital da saudade: destruição do Recife em Freyre,
Bandeira, Cardozo e Austragésilo. Recife: Ed Bagaço, 2006. p. 83
118
sua origem, a sua formação, uma vez que, da sua situação natural de porto, sugiram
os primeiros espaços públicos. Se, ao vermos Os Noivos, temos a sensação de um
início, de uma nova vida, as águas do Recife nos lembram o início da história da
cidade, de um casamento entre um povo e um local.
O porto, que se configurava para os defensores dos aspectos tradicionais da
cidade, como um dos espaços onde os cheiros que impregnaram a formação do
Recife podiam ser sentidos: “(...) cheiro forte, denso, tropical, de açúcar, de sua
catinga de negro suado, se muito de africano e colonial
201
”, ia, aos poucos,
assumindo as formas projetadas pelas ações modernizadoras. As reformas,
iniciadas na primeira década do século passado, trouxeram profundas alterações no
traçado urbanístico do Recife, como relata Flávio Westein:
(...) não foram suficientes algumas esparsas demolições, muito pelo
contrário, demoliram-se vastas áreas quarteirões e mais
quarteirões – não se poupando nem mesmo sítios ou construções de
significativa importância histórica, a exemplo da Matriz do Corpo
Santo, demolida em 1914. É nesse contexto que se uma
redefinição no estilo arquitetônico característico do local, quando os
velhos prédios coloniais demolidos são substituídos por outros
projetos inspirados no ecletismo e neoclassicismo.
202
Segundo Raimundo Arrais, muito mais do que o velho porto fora modificado.
Ele era parte de um grande conjunto, com o qual se ligava organicamente, integrado
pelo bairro portuário de Santo Antônio, São José e, mais a oeste, Boa Vista
203
.
Como descreveu Mário Sette:
O porto anteriormente toma uma feição diversa de seus dias
habituais. (...) E começa a desaparecer muita coisa aos olhos dos
recifenses: o forte do picão (o antigo castelo do mar, a praia do Brum
com sues banheiros de palha e seu banhistas de trajos de baeta, o
casarão da companhia pernambucana de Navegação, que já ali
substituíra os baluartes do Forte do Matos, o Trapiche da conceição
com a vizinhança dos bacalhoeiros, o casario da Rua de São Jorge
e, dali pouco, o corpo Santo, os arcos, a Rua da Cadeia
204
...
201
FREYRE, Gilberto. Guia. P. 155. Vale ressaltar que o próprio Freyre também via no antigo porto
um local de péssimas condições onde havia: sobrados estreitíssimos e, dentro deles, um excesso de
gente. Gente respirando mal, mexendo-se com dificuldade. À vezes oitos pessoas dormindo no
mesmo quarto. Verdadeiros cortiços. Os primeiros cortiços do Brasil. FREYRE, apud PEIXOTO,
Fernanda Áreas. Gilberto Freyre em quatro tempos. São Paulo: Ed Edusp, 2003. p. 260.
202
WESTEIN, op.cit., p 98
203
ARRAIS, op. cit., p. 53.
204
SETTE, 1978, op. cit., p. 78
119
Em visão romântica do Porto do Recife, temos novamente o Porto como
temática, mas visto por outro ângulo. de tudo nessa crônica de costumes em
forma de pintura, na qual muitos elementos recorrentes na obra de Cícero estão
presentes: as mulheres e as flores, os barcos, a música, a arquitetura, o casario, os
telhados, os elementos vegetais.
Ilustração 42- Avenida das Docas do porto In: Revista de Pernambuco, Ano 2, nº 9. março de 1925
Ilustração 13 - Visão Romântica do Porto de Recife, 1930, óleo sobre cartão, 124 x 228 cm Coleção Gilberto
Chateaubriand - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Reproduzido em Enciclopédia Itaú Cultural Artes Visuais:
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_IC/Enc_Obras/dsp_dados_obra.cfm?cd_obra=2686&cd_idioma
=28555&cd_verbete=669&num_obra=16.
120
É um trabalho executado por pintor-narrador. Narrador no sentido de Walter
Benjanim, para que um o narrador, nas histórias que conta, recorre ao acervo de
experiências de vida, tanto as suas como as experiências relatadas por outros. Ao
narrar, ele as transforma em produto sólido e único, tornando-as experiências
daqueles que estão ouvindo.
Sua obra é permeada por ecos de uma memória que se remetem ao seu local
de origem. Pintou o Recife urbano, mas também as paisagens interioranas, onde os
engenhos são destaques. Não é à toa que o colorido de sua palheta, que configura
poeticamente suas telas, é incontestavelmente inspirado nas cores de Pernambuco,
como confessou em correspondência a Gilberto Freyre: “a cor azul e a cor vermelha
vêm da arquitetura do Recife (...) o verde vem da presença dos canaviais se
juntando ao mar verde do Nordeste.”
205
.
Cícero Dias nasceu no engenho jundiá situado no município de Escada
localizado na mata sul de Pernambuco. Foi o sétimo filho do casal de senhores de
engenho Pedro dos Santos Dias e Maria Gentil de Barros Dias e desde pequeno
revela aptidão para a pintura. Com treze anos, não morava mais em Escada, mas
em Recife, de onde embarca para o Rio de Janeiro para seguir seus estudos. E, no
Rio de Janeiro, na década de vinte, conheceu os modernistas Manuel Bandeira e
Murilo Mendes.
No ano de 1928, realizou sua primeira exposição: o mural Eu vi o mundo, que
possuía quinze metros de largura, em um hospício. Três anos depois, entretanto, ele
abriria uma exposição no Salão de Belas Artes, a convite do pintor Di Cavalcanti.
Rompendo com a escola clássica, as exposições e trabalhos do artista geravam
debates e escândalos, que poucos os entendiam. Inclusive, houve o caso de um
homem que, com o auxílio de uma navalha, tentou destruir as suas obra
205
Carta de Cícero Dias a Gilberto Freyre. Apud BEZERRA, Angela Maria Grando. Ano 30, Cícero
Dias, seu verde e encarnado, seu realismo. In: GUSMAN, Fernando (org). Arte y crisis en
Iberoamérica: segundas jornadas de História del arte. Santiago: RIL editores, 2004. p 178
121
Ilustração 14 –
Noruega. Óleo sobre tela, 85 x 85
cm. Col. Museu do Estado de Pernambuco,
Reproduzido em SILVA, José Cláudio da. Op. cit
Ilustração 15- Recife. Ólo sobre tela, 86 x 86 cm. Col. Museu do Estado de Pernambuco,
Reproduzido em SILVA, José Cláudio da. Op. cit
122
Sua estadia no Rio de janeiro é pontilhada por solidão e saudades do Recife,
como revela Ângela Maria Grando ao analisar algumas das cartas que o pintor envia
a Gilberto Freyre, pontuando estes sentimentos e o seu desejo de retornar para
estudar os costumes de sua gente e folclore de sua terra natal. Ele fala: “que culpa
tenho eu, se desde 1925, e na minha exposição de 1928, sempre procurei calcar
toda minha pintura sobre o espaço pernambucano, instintivamente ou não. Daí o
Brasil. O que seria de James Joyce sem a Irlanda?!”
206
.
A sua volta para Recife deu-se no ano de 1932, aproximando-se de Gilberto
Freyre e empreendendo juntos uma parceria que resultaria nos preparatórios do
Congresso Afro-Brasileiro e na ilustração de Casa grande e senzala. Segundo
Freyre, uma forte amizade e um projeto em comum os une nessa época: fincar a
“moldura” da pernambucanidade na aventura modernista do país.
207
E Freyre parece entender este movimento de alternação na pintura de Cícero
Dias, entre a paisagem rural e a urbana. A este processo de mistura de costumes e
idéias, em que o rural e o urbano residem em um mesmo espaço, Gilberto Freyre
denominou de rurbanização; entendido como “um processo de desenvolvimento
socioeconômico, que combina, como formas e conteúdos de uma vivência
regional, a do Nordeste, por exemplo; ou nacional , a do Brasil como um todo
valores e estilos de vida rurais e valores e estilos de vida urbanos”.
208
Deste modo, a obra de Cícero Dias pode ser vista a partir de duas vertentes
que parecem antagônicas, mas que se unificam harmoniosamente, ao ponto de
agradarem a regionalistas e modernistas: a temática regional, por meio de técnicas
mais modernistas, fortemente marcadas pelo sentimento de pertencimento ao local
de origem, perpassando suas telas em diferentes fases, como reconhece o crítico
Mário Pedrosa, em artigo escrito em 1952:
De qualquer forma ele não é mais o menino de engenho melancólico
de outrora. Nada é mais regional em sua arte de hoje. Mas,
conserva, porém, de Pernambuco, certos elementos essenciais, o ar,
a terra, cores tropicais, a luz atmosférica.
209
206
BEZERRA, op. cit. p. 172
207
Ibidem
208
FREYRE, Gilberto. Rurbanização: o que é? Recife: Massangana/Fundação Joaquim Nabuco,
1982. p. 57.
209
PEDROSA, Mário. Cícero Dias, ou a transição abstracionista. In: Acadêmicos e Modernos: Textos
escolhidos III; Otília Arantes (org) – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004. p. 230
123
Em Visão Romântica do Porto de Recife, o porto aparece no fundo, e, à sua
frente, vemos uma série de construções antigas, que parecem formar um muro que
circunda um porto acessível por vielas. Todo o horizonte é dominado, num extremo,
pelo casario e pelo mar. Podemos constar que as ruas estreitas convergem para o
ponto de fuga, criando afunilamento em direção ao ponto de fuga, situado na linha
do horizonte, que gera a sensação visual de profundidade na obra, e rememora um
espaço físico marcado pela grande quantidade de becos e vielas, que pareciam
levar a todos os lugares, as mesmas ruas que desapareciam perante a
modernização e que foram defendidas pelos tradicionalistas:
Reconheçamos a necessidade das ruas largas numa cidade
moderna, seja qual for sua situação geográfica ou o sol que a
ilumine; mas não nos esqueçamos de que a uma cidade do trópico,
por mais comercial ou industrial que se torne, convém certo número
de ruas acolhedoramente estreitas nas quais se conserve a
sabedoria dos árabes, antigos donos dos trópicos: a sabedoria de
ruas como a Estreita do Rosário ou de becos como o do Cirigado que
defendam os homens dos excessos de luz, de sol e de calor ou que
os protejam com a doçura das suas sombras.
210
Se, na pintura anterior, temos os noivos como os únicos elementos humanos
presentes, nestas os personagens típicos aparecem em primeiro plano, em uma
espécie de reconstrução da história dos costumes locais, que não foram afetados
pelas mudanças trazidas com as reformas modernizadoras. Eram personagens
caracterizadores do Recife. Personagens que vinham desaparecendo e sobre os
quais Gilberto Freyre reclama:
Ainda tipos populares no Recife? Parece que nem isso. Também
deles é inimigo o progresso ou certe espécie de progresso que
parece dar vergonha às cidades que crescem desordenadamente de
serem diferentes das já crescidas e grandiosas.
211
Tipos populares com suas conversas nas ruas. Sujeitos que mexericavam,
que falavam sobre a vida. Vida esta que, segundo Manuel Bandeira:
(...) não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
210
FREYE, 1967, op.cit.
211
FREYRE, 1961, op. cit. p. 80
124
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil.
212
Vendedores ambulantes que, segundo Freyre, enchiam as ruas da cidade
com seus chapéus de palha, tamanco e colheres de pau, vendendo milho, tapioca,
peixe frito, e que “De manhãzinha cedo eles estavam gritando: “Banana-prata e
maçã madurinha! Macaxeira! Miúdio! Figo! Curimã! Cioba! Tainha! Cavala-perna-de-
moça! Dourado! Carapeba!”
213
Vendedores que também estão presentes na cidade
rememorada por Manuel Bandeira:
(...)
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
214
Outro tipo popular que observamos é o tocador de violão. O seresteiro é um
personagem presente em várias outras obras de Cícero. Essa figura integra a
galeria de tipos populares representativos do processo de desintegração da
sociedade patriarcal e semi-patriarcal gerada nas cidades. Gilberto Freyre não
deixaria de apontar-lhe sua origem histórico-social e sua psicologia, ao opor os
apadrinhados mulatos do mundo rural aos marginalizados da cidade, levados a
sobreviver apenas por artes e manhas da capadoçagem: “Esses mulatos foram os
de vida mais difícil, os que, muitas vezes, se estilizaram em capadócios, tocadores
de violão, valentões de bairro, capangas de chefes políticos, malandros de beira de
cais...”
215
Figuras que vão perdendo espaço pelo costume afrancesado que vinha
212
BANDEIRA. Manuel. Evocação do Recife. In: ARRAIS, op. cit., p. 60.
213
FREYRE, 1961, op.cit.
214
BANDEIRA, op. cit.
215
FREYRE, Gilberto. Apud: TINHORÂO, José Ramos. Cultura Popular: temas e questões. São
Paulo: Editora 34, 2001. p. 132
125
invadindo o Recife, desde o século XIX, de se tocar piano, instrumento presente nos
salões da aristocracia locais.
216
Mário Sette diz que o preconceito de inferioridade e repúdio ao tocador de
violão teria nascido das noitadas dos escravos, nos pátios dos engenhos ou na rente
dos mocambos, onde se cantavam com um tom irônico acompanhado pelo desejo
de se vingar do senhor que essas letras transmitiam.
217
.
O piano aparece nas obras de Cícero Dias (ilustração 14) nos interiores de
casas, revelando a dualidade de sua obra entre a busca pelo elemento popular
como traço identificador da identidade cultural, local e os aspectos conservadores de
uma elite, também base desta identidade. Estes traços confundem-se, misturam-se.
A sonoridade do piano, que embalava a aristocracia, extrapola o espaço da casa, sai
pela janela, fundindo-se ao da rua, em uma dialética mantida através da janela, que
funciona como elo de comunicação com o mundo exterior, uma moldura; ou que
permite aos de dentro a visão de fora e vice versa.
Parece que estamos diante de uma tentativa do pintor de reviver o Recife de
outrora, a partir de elementos que evocam sensações. Uma tentativa de que cada
216
Ibidem, p. 153
217
SETTE, 1978, op. cit., p. 150.
Ilustração 16 -
Dias, Cícero. Sonoridade da Gamboa do Carmo , déc. 1930. Óleo
sobre tela, 78 x 75 cm. Coleção do Artista. Reproduzido em Enciclopédia Itaú
Cultural:http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_IC/Enc_Obras/dsp_
dados_obra.cfm?cd_obra=1698&cd_idioma=28555&cd_verbete=669&num_obra=11
126
detalhe aguce, no espectador, a memória, não pelo sentido visual, mas pelas
recordações trazidas pelos sons, cheiros, gostos que impregnavam a cidade. Vimos
anteriormente que esse apelo sensorial o se faz presente na obra de Cícero
Dias. Gilberto Freyre também descreveu suas recordações da cidade por meio dos
cheiros, dos sabores. O poeta Manuel Bandeira segue por caminho semelhante, ao
descrever a cidade de sua infância em Evocação do Recife:
(...)
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!
À distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão
218
(...)
Esse dilema entre resguardar e rememorar surge a partir das sensações de
choque, utilizando o termo de Walter Benjamin, trazidas pela vivência moderna.
Nada define melhor a modernidade para Benjamin do que os sintomas dessa
urgência: somos mobilizados pelo choque e o declínio da experiência. A vivência do
choque é desencadeada pela urbanização dos grandes centros.
O homem moderno
está sujeito a situações cotidianas que o levam a proteger-se dos choques, como o
simples caminhar entre as multidões das metrópoles ou o operar uma máquina.
A
partir do aparecimento da massa urbana na paisagem citadina do culo XIX, os
cidadãos vão se confrontar, nas ruas, com uma série de informações e estímulos.
Haverá um contingente de centenas de homens, em uma travessia, todos com
pressa para ir ao trabalho, todos presos ao anonimato, sem, no entanto, se
estranharem.
O transeunte é um homem atento a evitar o choque com o outro; ele se
assemelha à figura de um esgrimista que vai abrindo caminho na multidão ao
distribuir estocadas. No caso do operário, submetido à linha de produção em série,
218
BANDEIRA, op.cit.
127
ele tem que adequar o seu ritmo de trabalho ao ritmo da máquina, reagir aos
estímulos da máquina, que lhe impõem uma resposta reflexa repetida e idêntica a
cada minuto.
Tanto o caminhante quanto o operário se protegem dos choques, mas ao
custo de um comportamento reflexo, em que a vivência é privilegiada enquanto a
experiência é negada. Benjamin, inspirado em Baudelaire, transformou em
experiência essa constante vivência dos choques aos quais é submetido o homem
moderno, nesse caso, experiência do choque. Quanto maior for a parte do choque,
em cada impressão isolada; quanto mais estímulos; quanto maior for o sucesso com
que ela opere; e quanto menos eles penetrarem na experiência, tanto mais
corresponderão ao conceito de vivência, que, na modernidade, segundo o autor,
corresponde a um constante exercício de interceptação dos choques, ou seja, o
homem moderno está sujeito a situações cotidianas que o levam a proteger-se dos
choques, como o simples caminhar entre as multidões das metrópoles ou operar
uma máquina.
Os conceitos de vivência e de experiência estão ligados aos de memória
voluntária e de memória involuntária. A voluntária corresponde ao ato deliberado de
lembrar o passado. Trata-se de um desejo individual da razão, algo que desejamos
lembrar e que representa um passado morto e que recriamos por uma nova imagem.
Benjamin se serve do conceito de experiência, afirmando que, quando lembramos,
estamos reconstruindo, repetindo hábitos construídos ao longo do tempo.
O outro tipo de memória acontece quando nos vem um fato ou imagem que
volta do tempo passado sem a nossa vontade, ou seja, é a memória involuntária,
que tem certa independência de nosso querer. A memória involuntária, por tal razão,
seria a memória pura, uma evocação do que estava, pelo menos aparentemente,
esquecido; e que, num momento, como se acionado por um gatilho, um fato do
presente recuperasse o passado, como algo adormecido no fundo do mar que se
liberta dos pesos e vem à tona. A evocação involuntária depende, portanto, de um
elemento que funcione como meio de recordação, seja um gesto, um cheiro ou o
gosto de uma comida ou bebida, que traga, repentinamente, a lembrança do
passado.
Para Walter Benjamin, a modernidade conduziu ao predomínio da memória
voluntária, restringindo as lembranças trazidas pela memória involuntária e
progressivamente atrofiando a experiência individual e coletiva. A decadência da
128
memória involuntária, ao mesmo tempo em que levou à ruína a experiência,
conduziu o declínio da aura.
É na experiência do choque que Cícero Dias e Manuel Bandeira encontraram
os rastros que os levaram a tentarem, por meio das linguagens visual e verbal, a
reconstituição da história. Esse trabalho de rememorar não se limita à crosta, eles
tentam se aproximarem do núcleo, distanciando-se das recordações presentes na
memória voluntária, almejando ir ao encontro de uma época em que a relação com o
outro e com a natureza, ou seja, a matéria da narração e de suas condições de
existência era a própria experiência. Daí o motivo das telas de Cícero não trazerem
um cenário onde a modernização emoldurava novos contornos ao seu local de
origem ou de Manuel Bandeira recusar o Recife dos grandes eventos ou dos fastos
da história provincial:
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
219
É como se esses artistas atuassem como narradores de experiências. Pois,
ao tentarem construir suas narrativas assentadas em suas experiências, buscam
traçar caminhos que levem ao encontro de um tempo perdido. Não é à toa que
Benjamin apontou o narrador como uma das figuras capazes de tangenciar a
experiência, e não a vivência
220
. Para Benjamin, era exigida do narrador uma
capacidade de transformar a sua experiência, e a do outro,
em algo digno de ser
contemplado pelos ouvintes. Não interessava à narrativa transmitir algo por si só, o
puro em si da coisa, mas mergulhar na vida do narrador. Vale dizer que, quanto
maior for a naturalidade com que o narrador renuncia às sutilezas psicológicas, mais
facilmente sua história será contemplada.
219
BANDEIRA, op. cit.
220
BENJAMIN, 1989, op.cit.
129
Com suas narrativas plásticas, estes artistas deram vida, forma e cor a si
mesmos, a um povo, uma região, uma nação. Tentaram colorir de verde, encarnado,
azul e amarelo, a negra mortalha que viam se estender sobre o Recife morto, sobre
o Recife de suas tradicionais lembranças.
130
Ilustração 17- Pontos Cardeais. Desenho de Karina Buhr. Reproduzido em
http://mtv.uol.com.br/karinabuhr/blog. Aceeso em 30 de maio de 2010
131
Considerações Finais
O tom que se impôs no conjunto modernista do Recife foi o da elegia, que
contemplava a vida nos engenhos, situada num tempo anterior às transformações
trazidas pela era industrial e após o surgimento das usinas. Este saudosismo, que
juntamente ao conflito entre o moderno e o tradicional e a defesa em favor da região,
estruturou a produção dos intelectuais e artistas ligados ao movimento regionalista
tradicionalista recifense, influenciando a forma com que estes pensaram , pintaram
ou escreveram sobre o Brasil e sobre o brasileiro.
Estes artistas, através de suas obras, foram fixadores de uma série de
elementos simbólicos que contribuíram para a instituição do recorte espacial, que
hoje conhecemos por Nordeste, como também contribuíram, através de sua
reinterpretação da cultura nacional, para a delineação da identidade nordestina.
A proposta do estudo foi deter-se em duas faces deste processo de
construção simbólica de nossa identidade a fim de mostrar continuidades e rupturas
no sentimento que nos leva ao “orgulho de ser Nordestino”. Pretendemos mostrar
que tal orgulho se estruturou na valorização das tradições, revelando uma tentativa
de se equilibrar entre a tentação por retornar as glórias passadas e o impulso por
avançar ainda mais em direção à modernidade
221
.
Desta forma, pretende-se contribuir com a historiografia local
complementando uma linha de pesquisa que se ocupa em analisar os efeitos e
impactos da modernização nos anos vinte em Pernambuco, em um período onde o
Nordeste surgia como recorte espacial “inventado”. Assim esperamos desnaturalizar
esta “pernambucanidade” mostrando historicamente seu processo de construção.
A exaltação das nossas paisagens e de suas mais diversas facetas foram, no
curso de nossa história, um dos discursos, e ainda são, mais utilizados nas
tentativas de legitimar a nossa autenticidade enquanto Estado, Região, Nação.
Desde Gonçalves Dias com sua canção do exílio que o:
(...)
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
221
HALL. Op. Cit. p. 56.
132
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Passando pelo país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza de
Jorge Bem Jor, o verde-natureza configurou-se como traço definidor do nosso país
sendo um dos nossos maiores bens. A utilização do verde como elemento
identificador da nacionalidade brasileira vai retomar os sentidos que já, alguns
séculos, vêm sendo construídos no imaginário nacional, integrando a construção do
que Marilena Chauí denominou de “nosso mito fundador”:
O mito fundador oferece um repertório inicial de representações da
realidade e, em cada momento da formação histórica, esses
elementos são reorganizados tanto do ponto de vista de sua
hierarquia interna (isto é, qual o elemento principal que comanda os
outros) como da ampliação de seu sentido (isto é, novos elementos
vêm se acrescentar ao significado primitivo). Assim, as ideologias
que necessariamente acompanham o movimento histórico da
formação, alimentam-se das representações produzidas pela
fundação, atualizando-as para adequá-las à nova quadra histórica. É
exatamente por isso que, sob novas roupagens, o mito pode repetir-
se indefinidamente.
222
A exaltação da Natureza manifesta-se nos discursos dos intelectuais
tradicionalistas aqui abordados em sua plenitude positiva; se configurado ao
discurso “verde-amarelista” que Marilena Chauí afirma ter sido formulado pela classe
dominante, visando legitimar o que restara do sistema colonial e a hegemonia dos
proprietários de terra durante o Império e o início da República.
É importante se ressaltar aqui que, tanto esta sensibilidade na apreensão das
paisagens locais como identificadora de uma identidade local/nacional não foram
posições novas por parte dos regionalistas pernambucanos. Raimundo Arrais aponta
os nomes de outros pernambucanos como Alfredo de Carvalho e de Pereira da
Costa que, no final do século XIX e início do século XX, se utilizavam de
paisagens para pensarem o Estado em suas particularidades:
Operando suas elaborações identitárias a partir de uma concepção de
paisagem que se diferenciava das formuladas no século XIX, onde os elementos
físicos /visíveis sustentavam a definição do conceito, os intelectuais pernambucanos,
222
CHAUÍ, Marilena. Brasil. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Pereseu
Abramo, 2000.
133
aos quais centramos nossa análise, inseriram o elemento humano e suas relações
com o meio, delineando paisagens culturais que resguardavam não somente em
seus aspectos naturais, mas sobretudo nas relações sociais e culturais mantidas
entre os indivíduos, valores tradicionais e regionais que constituíam a base para
identidade nacional. Desse modo o Recife, o Nordeste pitoresco, folclórico, revelava-
-se, em sua essência genuína, isenta das estrangeirices tidas como
descaracterizantes.
Esta forma de se pensar a identidade regional/nacional também se fez
presente no campo artístico, contribuindo para o desenvolvimento de uma arte
assentada em princípios que almejavam ser, esteticamente e tematicamente,
regionais. Podemos observar uma forte aproximação entre esses dois campos, o
intelectual e o artístico, que se deu, sobretudo, devido a redes de sociabilidades
estabelecidas entre escritores, pintores, sociólogos, jornalistas, dentre outros,
Esta defesa dos valores regionais e tradicionais pode também ser vista como
um dos fatores que explica a aversão de vários destes artistas aos princípios do
modernismo, tido por muitos como estrangeirices futuristas. Porém este parece ser
considerado um fator com força em grau menor, quando percebemos que o campo
artístico pernambucano durante os anos vinte, encontrava-se em estágio de
desenvolvimento ainda incipiente. Com esta afirmação, não queremos reduzir a um
grau de inferioridade o cenário artístico local, a partir de uma perspectiva,
comparativo com outros campos como o europeu, por exemplo. Na verdade,
queremos afirmar, tomando por base o modelo explicativo adotado por Pierre
Bourdieu, que a quase inexistência de instituições de legitimação, reprodução, e de
agentes especializados impedia que o campo artístico local formulasse suas
próprias leis, não alcançando um grau de autonomia que permitisse com que seus
artistas se desvinculassem de exigências “impostas” e passassem a produzir
exclusivamente a partir de um ideal de arte pela arte.
Nesse sentido a arte parece atender as perspectiva de uma sociedade que
encontra ,na valorização da realidade regional em suas tradições, uma forma de
resguardar e conservar os emblemas que lhe conferiam o sentimento de
pertencimento ao seu local de origem.
No final desta etapa, podemos dizer que ainda nos encontramos imersos em
reflexões. Perguntamo-nos até que ponto a continuidade destas formas de se
134
entender, enquanto pernambucano nordestino e brasileiro, estruturam nossos
posicionamentos, nossas formas de se ver e de se entender no mundo.
Não precisamos ser regionais, não precisamos ser modernos, precisamos ser
antes de tudo, seres analíticos, desconstruindo identidades forjadas, como
inescapáveis, que nos rotulam, que nos prendem a estereótipos polarizados em
elementos folclóricos, pitorescos presos à ideia, ainda tão comum, de que somos
somente a terra do frevo, do forró, do chão batido e rachado, onde “Fabianos’ e suas
“baleias” migram em um ato desesperado pela salvação”.
Podemos ser sim, o “coração do folclore do nordestino”, o “leão do norte”,
mas que qualquer aceitação que seja feita, seja reflexiva, o pormenorizada, não
caricata. Como escreveu a cantora Karina Buhr, em seu blog, recentemente: “a
gente podia brincar de subverter um pouco os pontos cardeais. Se conhecer a fundo
esse Brasil inteiro é tarefa difícil, pode rolar uma abertura de horizontes no meio da
vida, de um modo geral. Um pouco de percepção sobre a vida de todos é sempre
ouro pra vida de cada um. (...) Se ache, se azeite, decore sua casa com uma tuia de
enfeites. Quando viajar “pro nordeste”, viaje mesmo. E diga pra que estado ou que
cidade você vai, por que nordeste tem um monte! (...) Deixe a Rosa dos Ventos
ventar! Deixe a bússola enlouquecer!”.
135
Fontes e Bibliografia
1 - Documentos Impressos
1.1 – Periódicos
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n.2, Ago. 1926 - n.3, Nov. 1926.
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