Mencionei o diagnóstico que afirma estar ameaçado o equilíbrio que se
estabeleceu na Idade Moderna entre os três grandes meios de integração social,
porque os mercados e o poder administrativo desbancam a solidariedade social
de um número crescente de âmbitos da vida, o que implica um enfraquecimento
de sua ação coordenadora sobre valores, normas e o uso da linguagem voltado
para o entendimento. Por isso, é também do interesse do Estado constitucional
que se usem todas as fontes culturais de uma maneira moderada, porque é nelas
que se abastecem a consciência normativa e a solidariedade dos cidadãos
(RATZINGER, 2007: p. 51).
O fundamentalismo religioso que pode ser observado dentro e fora dos muros do
cristianismo confere inusitada atualidade aos problemas antigos, triste é a intenção
daquela crítica da religião que a acusa somente de manifestar a dominação. Existe, um
deslocamento nas acentuações. Aqui, no ocidente europeu, uma auto-afirmação
antropocêntrica ofensiva, da compreensão de si mesmo e do mundo, a qual se
posiciona contra uma auto-afirmação teocêntrica, é tida na conta de uma batalha já
passada, de ontem.
Por essa razão, a tentativa de recuperar conteúdos centrais da Bíblia numa fé
racional passou a ser mais interessante do que a luta obstinada contra o obscurantismo
e as mentiras dos clérigos. A razão prática pura não pode mais estar tão segura de sua
capacidade de enfrentar, sozinha e lançando mão apenas das compreensões
perspicazes de uma teoria da justiça, uma modernização que está começando a sair
dos trilhos. Ela não possui a criatividade que permitiria franquear o mundo por meio da
linguagem, sem a qual se torna difícil regenerar, a partir de si mesma, uma consciência
normativa que está fenecendo em todas as partes.
Como modelo, serve nesse caso um exercício de reversão realizado ou pelo
menos desencadeado por suas próprias forças, uma conversão da razão pela
razão, onde não importa se a reflexão começa (como em Schleiermacher) com a
auto consciência do sujeito que conhece e age, ou se começa (como em
Kierkegaard) com o caráter histórico da autocertificação existencial de cada um,
ou (como em Hegel, Feuerbach e Marx) com a desintegração provocante da
situação moral. Inicialmente, sem nenhuma intenção teológica, a razão, que
nesse caminho toma conhecimento de seus limites, extrapola-se em direção a
um outro algo, que pode assumir a forma da fusão mística com uma consciência
cósmica abrangente, ou a forma da esperança desesperada que aguarda o
evento histórico de uma mensagem salvadora, ou a forma de uma solidariedade
com os humilhados e ofendidos que se adianta para acelerar a salvação
messiânica (RATZINGER, 2007: p. 45-46).