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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC SP
Neivor Schuck
Fé e Saber em Habermas: a reserva semântica da religião na
sociedade secularizada
São Paulo
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATOLICA DE SÃO PAULO
PUC SP
Neivor Schuck
Fé e Saber em Habermas: a reserva semântica da religião na
sociedade secularizada
Mestrado em Ciências da Religião
Dissertação apresentada à banca examinadora como
requisito parcial para a obtenção do título de mestre em
Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo sob orientação do Dr. Eduardo Rodrigues
da Cruz
São Paulo
2010
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3
Banca examinadora
4
Agradecimentos
Agradeço a Deus por me conceder o dom da vida, ao meu orientador Dr. Eduardo
Rodrigues da Cruz, pela ajuda e paciência, à Dra. Cecília C. Macedo que me incentivou
a continuar na academia, aos meus amigos da PUC, a todos os professores da PUC-
SP, funcionários e colegas, ao Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião e
a CAPES pelo financiamento da pesquisa.
5
A meus pais, amigos e familiares, a todos que acreditam num mundo melhor através do
respeito e da paz.
6
Die ein Seite befürchtete Obskurantismus und eine
wissenschaftsskeptische Einhegung archaischer
Gefühlsreste, die andere Seite wandte sich gegen
den szientistischen Fortschrittsglauben eines kruden
Naturalismus, der die Moral untergräbt. Aber am 11.
September ist die Spannung zwischen säkularer
Gesellschaft und Religion auf eine ganz andere
Weise explodiert.(HABERMAS, 2002: p. 63)
7
Resumo
Habermas considera a religião como uma importante reserva semântica na
contemporaneidade. Por vivermos em um período pós-metafísico, a proposta de uma
autonomia universal de uma religião não encontra mais suporte. No primeiro momento
da dissertação, tratamos da evolução do pensamento de Habermas até chegar a uma
Filosofia da Religião, algo que ocorreu lentamente. Em um segundo momento,
apresentamos uma possibilidade de Filosofia da Religião em Habermas. Isso leva a
postular uma possibilidade de reserva semântica contida na religião presente sociedade
secular. Desse modo, a proposta de Habermas leva em conta o conhecimento
proveniente da religião ao abrir espaço na esfera blica para o debate sobre a
presença de reserva semântica na religião, sendo uma epistemologia da fé. Essa
abertura possibilitaria à Filosofia da Religião pensar um núcleo opaco ao redor da
experiência religiosa.
Palavras chave:
Habermas, Religião, ciência, epistemologia, teologia, Filosofia, reserva semântica,
núcleo opaco, Ratzinger.
8
Abstract
Habermas considers religion as an important issue in contemporary semantics. We are
living in a post metaphysical period and the proposal of a universal autonomy of religion
does not have any support anymore. At the initial moment we work in the evolution of
Habermas' thought till reaching to consider a philosophy of religion. In the second
moment, we explore the possibility of philosophy of religion in Habermas. This leads one
to consider the possibility of a semantic reserve of religion in a secular society. Thus, the
Habermas' perspective of thinking takes into account the knowledge that is originated
from religion when he opens space in the public realm for this discussion, being a
epistemology of faith. This openness would make possible the philosophy of religion to
think in a opaque core around the religion experience.
Keywords:
Habermas, Religion, science, epistemology, theology, philosophy, semantic contents,
opaque core, Ratzinger.
9
Sumário
Introdução..........................................................................................................
10
Capítulo I - O desenvolvimento do pensamento de Habermas....................
13
I. 1. Quem é Habermas? A trajetória do pensamento de Habermas.................
13
I. 2. Religião no pensamento de Habermas.......................................................
16
I. 3. Religião e sociedade pós-metafísica..........................................................
I. 4. Esfera pós-metafísica.................................................................................
24
25
Capítulo II - A possibilidade de uma Filosofia da Religião em Habermas.....
33
II. 1. A evolução de Habermas até uma Filosofia da Religião...........................
33
II. 2. Filosofia da Religião em Kant....................................................................
36
II. 3. Sociedade pós secular e Filosofia da religião............................................
42
II. 4. Oposição entre fé e saber e posição agnóstica.........................................
48
II. 5. Como Habermas lê Kant: Filosofia da religião em Habermas...................
51
Capítulo III. O debate em torno da religião na sociedade contemporânea..
57
III. 1.Tensões entre religiões...............................................................................
60
III. 2. Fé e saber e a possibilidade de uma reserva semântica na religião........
64
III. 3. Diálogo Habermas Ratzinger....................................................................
66
III. 4. Ética e Dialógica.......................................................................................
73
III. 5. Núcleo opaco na experiência religiosa.....................................................
75
Conclusão............................................................................................................
84
Referências Bibliográficas....................................................................................
88
10
Introdução.
A pesquisa que desenvolvemos no mestrado em Ciências da Religião possui
como tema central a relação entre e saber em Jürgen Habermas. O texto central
dessa pesquisa , que vamos estudar em diálogo com alguns
comentadores que procuram entender o pensamento de Habermas a partir desse texto,
que é fundamental no conjunto do pensamento habermasiamo, na medida em que
marca uma mudança no foco da sua preocupação, explicitando seu interesse pela
religião. Este tem como causa a tensão existente entre religião e secularismos,
explicitado categoricamente nos acontecimentos de 11 de setembro de 2001 nos EUA.
Essa pesquisa pretende mostrar que, além de um diálogo possível no ocidente
entre e saber, existe a necessidade de se levar em conta as diferenças existentes
entre as noções de religião, ciência e presentes no mundo contemporâneo.
Mostraremos que a abertura ao diálogo e à aceitação dessas diferentes noções pode,
de acordo com Habermas, evitar alguns estremecimentos desnecessários porque não
existe uma verdade cristã ou científica que deva ser imposta ou rejeitada. Habermas
entende que os conteúdos apreendidos pela razão não são obrigatoriamente uma
perda semântica em relação à ; na verdade eles podem auxiliar no diálogo entre as
diferentes crenças.
Interessamo-nos em estudar o pensador alemão Jürgen Habermas e parte da
sua obra porque ele aborda de maneira aberta e, ao mesmo tempo, profunda temas e
questões relevantes da contemporaneidade. Por exemplo, o modo de entender e
abordar a questão da relação entre fé e saber no processo de secularização. Ao lermos
o texto e Saber (2002), ficamos cativados com o estilo argumentativo de Habermas,
embora seja pragmático. Existe nesse texto uma profunda vertente filosófica clássica.
Desta forma, um problema de comunicação religiosa, ou seja, a oposição entre e
saber (entendendo-se como crença e saber como filosofia e ciência) assume uma
nova dimensão frente à sociedade contemporânea. Por um lado, ocorre de maneira
substancial o processo de secularização que, sob os aspectos de conduta dos
indivíduos e do Estado, se mostra crescente nos últimos anos. Por outro, emerge um
11
fanatismo dogmático que gera uma conduta tradicional e extremista em muitos
momentos. Um exemplo disso são os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.
No primeiro capítulo da dissertação, abordaremos o contexto histórico do
pensamento de Habermas e sua evolução de uma teoria social até chegar a uma
Filosofia da Religião. Esse capítulo apresentará também a vida do autor, seu caminho
argumentativo até chegar ao debate sobre Filosofia da Religião, que seo tema do
capítulo seguinte.
Discutiremos no, segundo capítulo, o tema específico da Filosofia da Religião,
considerando seus pressupostos, sua origem no pensamento de Kant e suas
conseqüências. Discutir isso é buscar compreender a evolução de Habermas a
chegar a uma Filosofia da Religião. Com isso mostraremos a influência da Filosofia da
Religião de Kant sobre Habermas e também as conseqüências da sociedade pós-
secular frente a essa filosofia.
O terceiro capítulo considerará a possibilidade de uma reserva semântica da
religião no mundo secularizado, levando em conta a esfera pós-metafísica como o
sendo necessariamente oposta à cristandade nem pós-cristã. Assim, abordaremos as
tensões contemporâneas na religião; a aplicabilidade da dialógica e da ética à Filosofia
da Religião; o debate entre Ratzinger e Habermas como exemplo de ação dialógica; a
relação entre e saber em Habermas e, por último, a reserva semântica como núcleo
opaco na experiência religiosa.
Habermas apresenta a importância do agir comunicativo, que é a concretude da
dialógica, para tentar superar os conflitos e as tensões geradas pela oposição entre fé e
saber. A pesquisa procura entender a dialógica e, como esse método de agir
habermasiamo oferece um caminho para compreender como a dinâmica religiosa se
processa em uma sociedade secularizada e como dentro desse campo deve se dar o
debate entre e saber. Mesmo na sociedade secular ainda pode ser encontrada uma
reserva semântica proveniente da religião na sociedade contemporânea que possibilita
nortear as ações morais, sem que haja o engessamento da moral proposto pelo
pensamento cristão medieval.
12
A dissertação procura estabelecer um diálogo entre as diferentes visões de
mundo expressas na contemporaneidade; para tanto, traremos para o debate a visão
da Igreja Católica, na figura de Joseph Ratzinger e de alguns comentadores. Por último
mostraremos a possibilidade que a Filosofia da Religião tem de projetar um núcleo
opaco ao redor da experiência religiosa.
13
Capitulo I
O desenvolvimento do pensamento de Habermas
I.1 Quem é Habermas? A trajetória de seu pensamento
Jürgen Habermas, filósofo alemão contemporâneo, nasceu em 1929 em
Dusseldorf. Fez seus estudos universitários em ttingen, Zurich e Bonn. É o principal
estudioso da segunda geração da Escola de Frankfurt, um grupo de filósofos, críticos
culturais e cientistas sociais associados com o Instituto de Pesquisa Social, fundado em
Frankfurt em 1929. As figuras comumente associadas à escola são Horkheimer,
Adorno, Marcuse, Fromm e Habermas. Ele era um aluno de Adorno e se tornou seu
assistente em 1956. Ensinou filosofia inicialmente em Heidelberg e depois se tornou
professor de filosofia e sociologia na Universidade de Frankfurt. Chegou a mudar-se
para o Instituto Max-Planck em Starnberg em 1972, mas em meados de 1980, retornou
a ser professor em Frankfurt, até se aposentar em 1994.
Suas obras inicialmente abordam temas de epistemologia, política, ética e
comunicação. Nos últimos anos sua preocupação passou a ser religião e sua relação
com a ciência. Licenciou-se em 1954, com um trabalho sobre Schelling (1775-1854),
-
Filosofia e a Ciência - O Marxismo como 
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autores, com o título geral de O Estudante e a Políticarutural da Vida
 onde ele analisa a legitimidade da autoridade política, cujo fundamento
             
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
Jürgen Habermas nasceu no mesmo ano em que a Universidade de Frankfurt foi
fundada, em 1929. A crise econômica deste ano estava afetando todo o mundo.
14
Em 1939 teve início a Segunda Guerra Mundial, que durou seis anos, acabando
finalmente em 1945 com a vitória dos Aliados. Habermas, que é alemão, sofreu as
conseqüências dessa guerra, com as imposições feitas pelos países vencedores.
Vivenciou outros fatos históricos, como a Guerra Fria (que foi o conflito entre o
capitalismo americano e o socialismo soviético), a divisão da Alemanha em Ocidental e
Oriental, após a Segunda Guerra, e a sua reunificação em 1989, com a queda do muro
de Berlim e mais tarde da União Soviética, entre outros fatos marcantes do século XX.
O interesse de Habermas por assuntos relacionados à fé e ao saber se deve em
grande parte aos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, porque foi devido aos
atentados terroristas aos Estados Unidos da América que o tema da religião foi
intensificado na pauta do debate público. Outra razão é a mudança pessoal do autor
que começou a polemizar academicamente com o então Cardeal Ratzinger sobre o
tema fé e saber.
Embora não seja muito visível a existência do conflito entre secularização e
religião, ela existe. A esfera pós-metafísica - que para Habermas é a diversidade moral
da contemporaneidade que impossibilita a narrativa metafísica universal - entendida
como esvaziamento semântico da religião, possibilita a investigação para entender a
dinâmica das relações entre os diferentes grupos religiosos no campo árduo e
controverso das pluralidades. Identificamo-nos com a preocupação de Habermas em
relação ao papel das religiões em fornecer conteúdos semânticos para o debate acerca
da moral, especificamente após 1994, ano em que, como foi mencionado, o filósofo
torna-se professor emérito na Universidade de Frankfurt. Outrora, Habermas defendia
uma posição mais secularizada, mas com a demarcação de terreno do fenômeno
religioso na modernidade, há nele uma maior compreensão da função das religiões.
Desse modo, temos como principais motivações: a forma de argüir de Habermas,
incluindo as diferenças no discurso religioso em relação aos teólogos tradicionais e na
prática dos rituais; e a relação existente entre fé e saber dentro da religião. Pois,
compreendendo essa dinâmica da investigação de Habermas, podemos compreender
que o papel da religião na sociedade contemporânea não serve mais como narrativa
universal, mas, para essa sociedade sendo pós-metafísica, a religião serve apenas
como possuidora de reserva semântica para nortear o debate moral. Assim, alguns
15
comentadores concordam com o pensamento de Habermas, sobre a possibilidade da
Filosofia da Religião de projetar um núcleo opaco ao redor da experiência religiosa,
ainda que ele continue sendo agnóstico (cf. CHAMBERS, 2007).
A sociologia, eixo central da filosofia de Habermas, não será deixada de lado,
visto que o agir comunicativo pode contribuir para a construção de uma verdade que é
produto do trabalho em comum. Desse modo,
a noção de agir comunicativo representa, em todo caso, o eixo de leitura da obra
de Habermas, seu ponto de unidade e seu fio de continuidade. Ela permite
elaborar um conceito formal de racionalidade apropriado ao horizonte da
modernidade bem como fundamentar uma teoria da sociedade baseada em tal
conceito de razão (ARAUJO, 1996: p. 03).
O agir comunicativo é fundamental porque permite um diálogo entre as diferentes
correntes religiosas.
A obra de Habermas apresenta três temas fundamentais: 1- a racionalidade
moderna apoiada na razão procedimental; 2- a dialógica que confere fundamento a
participação de todos no debate; 3- a razão comunicativa que garante através da
linguagem a transmissão da pluralidade conceitual.
Muitas críticas são dirigidas ao pensamento de Habermas. Basicamente elas
podem ser entendidas em quatro aspectos fundamentais:
a) ambigüidade dos conceitos de reflexão e de auto-reflexão; b) a expressão
quase-transcendental" na classificação dos interesses constitutivos do
conhecimento; c) a abordagem metodológica, segundo uma orientação
epistemológica ainda dependente da filosofia do sujeito; d) a limitação interna
de sua teoria crítica da sociedade, que não ia além do caráter de
prolegômeno (ARAUJO, 1996: p. 07).
Habermas sempre encarou as críticas de frente e continuamente reformulou
seus conceitos tidos como fragmentários e por vezes ecléticos; isto lhe conferiu ainda
mais seriedade e respeitabilidade, visto que tal autocrítica purificou seu pensamento.
Para tentar entender a divisão proposta por Habermas acerca da dinâmica da
realidade é importante levar em consideração dois aspectos: o mundo vivido e os
subsistemas, de acordo com a interpretação de Araujo, que, ao se referir a Habermas,
diz:
16
o quadro institucional ou «mundo vivido sócio-cultural», "que consiste num
conjunto de normas que guiam as interações mediadas pela linguagem"; b)
os subsistemas do agir racional com respeito a fins, nele incrustados, "como
o sistema econômico ou o aparelho estatal, nos quais se institucionalizam
essencialmente os princípios do agir racional relativo a fins". Como foi
sugerido, é a predominância de um ou de outro tipo de ação - interação ou
trabalho - que permite distinguir os sistemas sociais entre si (ARAUJO, 1996:
p. 15).
É a interação desses dois aspectos que garante certa unidade ao mundo
moderno, visto que o modelo tradicional de metafísica se encontra decadente, e na
sociedade chamada pós-metafísica permanece a necessidade de sentido.
Mesmo que para o Habermas dos anos setenta e oitenta a temática da
metafísica estivesse um pouco distante da realidade da postura atual, seu pressuposto
do agir comunicativo refere-se à possibilidade de um diálogo entre as diferentes
correntes de pensamento sem que haja exclusão de nenhuma no debate.
Como fora mencionado, a migração para o tema religioso ocorreu depois da
sua saída da Universidade de Frankfurt. Isto significa que Habermas migrou do debate
puramente filosófico sociológico para a temática religiosa porque esta última passou a
ser relevante no seu modo de entender a realidade do mundo.
I.2 Linhas Gerais do pensamento de Habermas e o papel da religião nele
As propostas de Habermas acerca da abordagem da sociedade e das teorias
sociais sempre tiveram maior relevância em seu pensamento. Contudo, nos últimos
anos, suas preocupações mudaram de foco e agora o seu interesse se aproxima da
religião. Por causa desse seu interesse por questões ligadas a religião, ele retoma, sob
outro ângulo, o antigo problema da oposição entre Fé e Saber.
Com efeito, a fundamentação epistemológica da ciência contemporânea se
ancora na investigação do fenômeno e de seus eventos para formular paradigmas que
expliquem uma determinada realidade fenomênica. Isso significa que o pensamento
científico é fruto da adequação do método cartesiano com a estrutura crítica da razão
teórica postulada por Kant.
O pensamento metafísico é distinto do pensamento científico, pois este não leva
em conta a realidade ontológica dos seres como os gregos consideravam; por isso, a
metafísica proposta pelos gregos era a ciência além da realidade física e isso implicava
17
na constante valorização do todo sendo a teologia o ximo da razão e do
conhecimento das formas divinas. Entretanto, Kant percebe que na modernidade não
faz sentido continuar com a busca pela coisa em si porque o homem depois da
revolução copernicana se colocou como totalidade, invertendo a lógica grega e, por
conseguinte, a sua cosmologia. O los do homem moderno não está mais no modelo
das formas ideais, como fora proposto por Platão e Aristóteles, porque o homem passa
a ser um fim em si mesmo. É por isso que a Teologia perdeu espaço para a ciência
empírica e a Metafísica está relegada aos limites da razão prática.
É possível para o cientista contemporâneo usar dos conhecimentos da razão
teórica para formular uma teoria que se adéque aos fenômenos empíricos porque a
faculdade da razão pura procura se autofundar para buscar conceitos que exprimam e
descrevam o mundo ou o objeto em sua aparência. O exemplo mais claro da afirmação
científica da possibilidade de entender o todo pelas partes é a formulação cartesiana
que exprime um método para orientar o espírito nas ações práticas. Descartes
considerava o corpo humano como uma máquina e por isso se pode fazer qualquer tipo
de experimento com ele, para um bom funcionamento do todo; isso implica em uma
mudança substancial: a medicina considera o homem como coisa e não mais como um
ser inviolável. Existe, portanto, uma ambivalência entre avanço científico e dilema ético
que continua existindo até a contemporaneidade. Por conseguinte, quando se fala de
avanço tecnológico se percebe imediatamente a potencialidade epistemológica de
construção do conhecimento do ser humano. Isso significa que a razão teórica pode
fazer epistemologia porque se restringe ao âmbito do fenômeno fazendo um recorte da
realidade perceptível. Na medida em que se faz Filosofia da Ciência sobre os
conteúdos restritos da ciência empírica nota-se que a razão humana está circunscrita
no âmbito do imanente é pode sair dessa prisão pela dialética transcendental que
supõe uma universalidade metafísica do conceito. (cf. KANT, 2005, passim) É na
dimensão transcendental da razão prática que se pode usar o método dedutivo sem se
condicionar pela indução na empiria que é marca da razão teórica e, portanto, da
ciência.
18
Kuhn entende com precisão a necessidade da ciência ser dinâmica e não rígida
em seus princípios porque isso lhe permite explicar o funcionamento das leis e entender
a estrutura dos seres enquanto matéria. Se reportarmos a Aristóteles, que definiu as
causas em quatro, a saber, material, formal, eficiente e final, percebemos que o
paradigma moderno não lida com tais causas. A preocupação não é a origem dos seres
nem sua finalidade, mas como eles se constituem fisicamente e o que se pode fazer
quando os manipulam. Com efeito, ética e técnica estão separadas no mundo moderno,
ou seja, a cne é desenvolvida ao extremo e a ética está praticamente restrita à
reflexão dos não cientistas, que muitas vezes o acusados de atrasar o processo. Por
isso o filósofo, conforme afirma Habermas, perdeu o espaço na esfera pública porque a
reflexão ética ficou em segundo plano.
A questão da oposição clássica entre e saber sempre resultou em intensos
debates nas diferentes épocas e períodos; na contemporaneidade, ela não poderia
deixar de ser controversa. Os diferentes modos de professar a fé, por vezes podem
gerar tensões dentro do próprio núcleo religioso ou na relação com os demais.
O cristianismo é um exemplo típico da relação entre fé e saber que gerou
inúmeros debates no interior do próprio núcleo religioso. Esse debate aconteceu
basicamente com a cultura helênica, mas
o processo de helenização do cristianismo não foi universal. Resultou de uma
aproximação teológica e de uma contratação da filosofia grega, à qual passou a
servir a teologia. Durante a Idade Media européia, a teologia era protetora da
filosofia. Enquanto dependente da revelação a razão natural tinha seus direitos
reconhecidos. (HABERMAS, 2007a: p. 235).
Com a virada antropológica, o homem passou a ser o centro das ações, e não
mais Deus; foi graças a esse movimento humanista que o discurso acerca de fé e saber
lado a partir do momento em
que o saber profano tornou-se autônomo, não necessitando mais de uma comprovação
enquanto saber secular (HABERMAS, 2007a: p. 235).
Alguns comentadores afirmam que o problema da relação entre e saber não é
novidade na modernidade. Existe uma interligação entre a filosofia profana dos gregos
e o desenvolvimento do próprio cristianismo no século seguinte. Na
contemporaneidade, o chamado esvaziamento semântico parece um movimento que
19
vai retirando lentamente o sentido das narrativas totalizantes, retomando a laicidade da
era pré-cristã.
Para Hans Albert e Leite Araujo existem certos aspectos que devem ser levados
em conta na dicotomia existente entre esvaziamento semântico e s-modernidade,
porque a linguagem religiosa não se encontra totalmente vazia e sem sentido. No caso
de Araujo merece destaque a obra Religião e modernidade em Habermas (ARAÚJO,
1996) no qual se debate a relação da modernidade com a religião explicitando-se o
conceito de secularização. Albert     öse Glaube und die
Religi   ALBERT, 2006: pp. 355-371) funda análise sobre a
sociedade pós-secular e apresenta seus desdobramentos.
Antes de entrarmos na temática da relação entre e saber é preciso explicitar
dois conceitos fundamentais de Habermas: o primeiro é o agir comunicativo que
representa a possibilidade de comunicação entre os diferentes. Na religião permite o
diálogo, mesmo que mínimo, entre as diferentes visões de mundo. O segundo conceito
importante é o de mundo vivido, isto é, as experiências singulares de cada um e as de
grupo ou sociedade em que se encontram inseridos. Assim, o agir comunicativo se
por causa da mudança do agente de conhecimento que passa a ser mediado pela
relação intersubjetiva e não mais, conforme aponta Habermas, uma relação direta de
sujeito objeto. Isso porque o homem se comunica através da linguagem e disso,
segundo Habermas, se faz necessária a ação comunicativa. Isso implica em definir que
a ação revela a intenção do proponente frente à realidade.
o conceito de mundo vivido possui uma longa história de fundamentação na
fenomenologia passando pela definição de conceito do mundo, mas em Habermas
significa o sentido subjetivo de cada individuo a sua dinâmica cotidiana e intransferível,
e seu valor em relação aos demais indivíduos.
Nesse aspecto a experiência de mundo de cada pessoa leva em conta
características da religião do rito e do divino.
Para Araújo:
Habermas sempre explicita e interpreta a evolução do mundo moderno tomando
por base o background das imagens religiosas de mundo. Isto é resultado da
absoluta primazia dada por Habermas ao paradigma do agir comunicativo, na
teoria da ação, e ao paradigma complementar do mundo vivido, na teoria da
sociedade. A religião está enraizada neste contexto interativo enquanto
fenômeno importante de reprodução simbólica (ARAUJO, 1996: p. 17)
20
O divino se manifesta no mundo empírico durante o rito. Assim, o rito cumpre a função
de aproximar o indivíduo da experiência do divino. Isso significa que o rito não é sempre
o mesmo, nem permanece estático. Ao contrário, o rito se renova a cada culto à
divindade.
segundo Albert existe dois caminhos de entendimento sobre a crença e crítica
da religião. O primeiro, de iluminação da por intermédio da superação das
superstições, retira a totalidade de sentido, enquanto que o segundo projeta certo grau
de pragmatismo na religião, isso pode ser encontrado no texto  religiöse Glaube
und die Religionskritik der Aufklärung (ALBERT, 2006: pp. 355-371).
Edmund Arens (ARENS, 2009) e Simone Chambers (CHAMBERS, 2007: pp.
210-23) entendem a dinâmica da secularização e da re-significação como presente em
todas as culturas. Maeve Cooke (COOKE, 2007: pp. 224-238), Austin Harrington
(HARRINGTON, 2007: pp. 543-560) e Hoibraaten (HOIBRAATEN, 2009) entendem que
é possível outra leitura do esvaziamento semântico presente na contemporaneidade.
Os comentadores apresentados estão de acordo em alguns aspectos da leitura
de Habermas no que se refere à relação de Fé e Saber. Por exemplo, Arens e
Chambers entendem que o processo de re-significação
1
aparece em diferentes culturas
(CHAMBERS, 2007: pp. 210-11), resultando em uma importante forma de conferir
sentido à realidade transcendente.
Nos últimos anos, a preocupação do filósofo alemão Jürgen Habermas
direcionou-se para entender a dinâmica e o funcionamento das relações entre as
diferentes estruturas de conhecimento científico e a sua relação com a fé dos indivíduos
modernos. Tal preocupação se acentuou a ponto de conduzi-lo a um debate com o
então cardeal Ratzinger.
Nessa perspectiva, parece pertinente considerar o conceito de diálogo inter-
religioso proposto por Habermas. A distinção clássica entre e saber como opostos
parece não ter sido um processo homogêneo e unilateral, pois não foi igual em todas as
1
A interpretação leva em si o método hermenêutico que se apóia em Gadamer, especialmente no que
concerne ao círculo hermenêutico. Mas Habermas não aceita que o caracterize como alguém que faz
hermenêutica, que ele não se auto-intitula Hermeneuta, pois ele diz fazer um processo de construção
da verdade a partir do agir comunicativo.
21
culturas nem do mesmo modo numa mesma cultura e não atingiu todos os indivíduos
de igual forma, assim como seu os níveis de convívio social.
O processo de esvaziamento interno da religião gerou profundo conflito na visão
de mundo teológica que se depara com o mundo fragmentado e totalmente sem sentido
prévio. A secularização, entendida como perda de poder das visões ditas tradicionais
de mundo, caminha para éticas subjetivas, permitindo fundar uma moderna definição de
valor. Assim, esses conteúdos do valor possuem dois aspectos: uma crítica à tradição e
uma tentativa de reorganizar os conteúdos da tradição.
A religião na modernidade é abordada por Habermas na tentativa de entender a
dinâmica e o funcionamento do sistema social. Dentro desse prisma, debate-se a
relação entre Fé e Saber como opostos que poderiam caminhar juntos sem tanta
radicalidade.
É preciso lembrar que quando proferimos um discurso estamos automaticamente
colocando uma intenção e esperamos determinado resultado. Com efeito, ao
determinarmos que existem países de terceiro mundo, queremos afirmar que eles estão
abaixo do ideal. Por isso, precisamos deixar de lado todos os preconceitos e nos
preocuparmos em formular um discurso responsável. A responsabilidade no discurso é
justamente a condição essencial para a ação. Pois carecemos de um fundamento
universal verdadeiro e válido, e por isso precisamos de um discurso e de uma ação que
possa proporcionar o melhor possível e o mais razoável. O maior embate de nossos
dias é justamente avaliar a legitimidade de uma invasão armada sob o pretexto de
terrorismo, conferir legitimidade ou carência dessa nas ações dos grupos armados.
Podemos considerar também o problema das pesquisas com pessoas de países
pobres. Parece plausível considerar a necessidade de um diálogo para poder resolver
os problemas que se agigantam diante do pensamento contemporâneo.
O problema reside, de acordo com Habermas, por um lado na perda de valor
universal da religião como reguladora, e, por outro, no fato de que ela exerce um poder
fascinante de sedução. Mas a crise está na autoridade religiosa, uma vez que
a religião está vinculada às tradições submetidas ao princípio da autoridade,
funcionando como mecanismo de legitimação somente no contexto pré-moderno.
Daí que Habermas associe a secularização ao plano da racionalização ética e
jurídica, a partir da qual os conteúdos religiosos são assumidos (dentro do
22
estádio pós-convencional, baseado em princípios racionais mais abstratos e
universais) pela moral, no nível interno das orientações da ação, e pelo direito, no
nível externo da coerção dos comportamentos (ARAUJO, 1996: p. 18).
Por essas razões, o fenômeno religioso na modernidade ganha uma
envergadura de intolerância social, merecendo um estudo profundo e pontual acerca
dos fundamentos na relação entre fé e saber. Por julgar o processo de desenvolvimento
da modernidade como não acabado, Habermas considera esse processo em contínuo
desdobramento, porque a universalidade de um conceito tradicional de Razão se
fragmentou em racionalidades. Desse modo, as contingências e as particularidades
dificultam uma posição universal e completamente unânime.
Contudo, não existe uma força suficiente para fundamentar um núcleo duro do
modelo pós-metafísico, e assim, existe uma atitude ambígua da Filosofia da Religião,
mas o máximo que se pode fazer é formar um cleo opaco ao redor da definição de
religião.
Isso porque o conceito tradicional de metafísica apoiado em Aristóteles sofreu
um duro golpe na sociedade s-moderna, ou seja, existe uma crise no paradigma
tradicional de metafísica no ocidente. Mas é preciso entender a metafísica como algo
que vai além da simples noção daquilo que está além da física. Segundo Mansilla,
a verdade da metafísica consiste em transcender o impulso da pretensão de
absoluto que tenha qualquer status quo que possui qualquer sistema social e
modelo teórico apenas por causa do mero dado de prevalecer em um momento
(MANSILLA, 2001: p. 132).
O paradigma metafísico da era pós-metafisica não é mais o estudo do ser, como
fora em Aristóteles, e que se manteve até Kant. Agora, conforme aponta Habermas,
fundamentado no próprio Kant, a metafísica serve como instrumento lingüístico para
orientação do debate sobre a moral. Mansilla, conforme a citação acima, atribui maior
amplitude ao conceito de metafísica, quando afirma que ela não pode ser restrita ao
estudo do ser, e sim, deve envolver a totalidade da linguagem do cosmo.
Nesse aspecto, a questão do conflito interno entre as religiões, bem como a
relação com a tensão entre e saber merecem um aprofundamento no que se refere à
pesquisa. Contudo, é importante lembrar que Habermas recorre a Kant para usar um
fundamento no início da discussão acerca da religião nos limites da simples razão.
23
A distinção de Kant entre razão teórica e razão prática acirrou o conflito entre
e saber dentro da religião, porque a razão teórica teve um grande desenvolvimento,
enquanto que a razão prática foi deixada de lado aparentemente, mas esse
esquecimento aparente deixou aberto para o aparecimento de fanatismo, fragmentando
ainda mais a filosofia. A polarização entre razão teórica e prática ficou mais acentuada.
Habermas aceita essa distinção kantiana da razão e que é uma das causas do
estremecimento da relação fé e saber, pois foi conferida à razão teórica o papel de
investigar fenômenos, ou seja, fazer ciência, enquanto à razão prática cabe investigar
os juízos morais e incondicionados: Deus, Alma e Liberdade.
Desse modo a proposta de Habermas engloba três aspectos no que se refere à
ação comunicativa.
Como se sabe, a teoria da ação comunicativa pretende oferecer o princípio de
uma teoria crítica da sociedade capaz de articular três complexos temáticos: 1)
um conceito de racionalidade comunicativa (frente as reduções cognitivo-
instrumentais); 2) um conceito de sociedade (articulado por mundo da vida e
sistema), e 3) uma teoria da modernidade (que permita explicar as patologias
sociais e da razão dos paradoxos da modernidade). Mas o curioso é que para
explicar e esclarecer estes assuntos, quer dizer a racionalidade, a sociedade e a
modernidade, necessita recorrer ao estudo do religioso. (CONILL, 2007: p. 571).
No primeiro ponto, Habermas entende que a construção do conceito de
racionalidade comunicativa é importante porque não uma narrativa metafísica
universal. Isso remete imediatamente à construção coletiva da verdade sobre a ética, a
moral e religião. No segundo ponto, deve-se levar em consideração que os indivíduos
estão envolvidos em um sistema coletivo. O conceito de sociedade que emerge dessa
realidade é um construto teórico que articula o mundo da vida de cada indivíduo com a
estrutura social geral, englobando a religião. O terceiro ponto procura entender porque
o desenvolvimento da sociedade moderna não excluiu a religião do debate blico, e
mais ainda, o avanço da modernidade revelou que tanto a razão quanto a sociedade,
como conceitos, acabaram em paradoxos e patologias.
24
I.3. Religião e Sociedade pós-metafísica
A religião no mundo chamado pós-metafísico
2
sofre uma crise de autoridade,
como mencionados anteriormente. Habermas entende que é preciso traduzir a
mensagem teológica de modo inteligível aos cidadãos secularizados porque seus
referenciais são diferentes dos tradicionais.
O fenômeno religioso apresenta diferentes aspectos e formas de expressão na
modernidade. Emergem dois níveis distintos de conflito e atrito entre e saber na
esfera pós-metafísica: em um primeiro momento surge a constante intolerância, entre
as religiões abraâmica. No inicio deste século ressurge a dificuldade de diálogo entre
católicos, islâmicos e judeus. Emergem mais as diferenças do que as semelhanças,
resultando em conflito religioso e moral. Em um segundo momento destaca-se o conflito
crescente entre religião e Estado nacional. Em outras palavras, Estados que possuem a
religião muito presente e até dividindo o poder civil sofrem com conflitos armados e
ideológicos que misturam religião e Estado.
Tendo como referência Edmund Arens (ARENS, 2007) e Simone Chambers,
(CHAMBERS, 2007: p. 214), entendemos que todas as culturas possuem um processo
de re-significação dos conteúdos religiosos, sendo uma dinâmica que não pode ser
interrompida nem ignorada. Logo, o que os pensadores chamam de um esvaziamento
semântico parece-me um desdobramento do processo de transformação de religião,
fato que a mantém viva.
No entender de Arens existem questões complexas envoltas no debate acerca
da religião na contemporaneidade, assim como para Chambers a preocupação de
Habermas é a linguagem moral que a religião pode as
esta tradução da linguagem sagrada em profana encontra inúm 
(CHAMBERS, 2007: p. 212). Dentre os quais se destacam os de sentido da religião
para a tradição, a incompatibilidade de certas atitudes e teorias, a autonomia dos
indivíduos outrora sustentados pela hierarquia eclesiástica.
2
Ou seja, o referencial tradicional de metafísica aristotélica ou platônica não serve mais para entender o
mundo contemporâneo devido à fragmentação do conceito tradicional de razão que encontrava âncora
nos gregos.
25
Uma interpretação adequada da religião é aquela que adota uma postura
  para a concepção moderna de crença, conforme aponta Albert
(ALBERT, 2006: p. 356).
A postura crítica do estudo da religião é a tentativa de se ter uma conduta
adequada em sua pesquisa. Essa mesma postura crítica aponta os problemas de
ordem interna na religião e reconhece as qualidades da conduta religiosa.
possibilidade de unir e saber, apesar das discordâncias, em um discurso
secular por intermédio da dialógica e do axioma do agir comunicativo, fundamental no
pensamento habermasiamo para que a e o saber caminhem lada a lado de modo
não conflituoso. A ciência da religião, por ter uma dinâmica em fundamento
epistemológico multidisciplinar torna-se um espaço para o exercício do agir
comunicativo.
Para Habermas a religião na esfera pós-metafísica encontra inúmeras
particularidades e pluralidades, primeiro porque não se fala mais de uma narrativa
universal única e verdadeira; segundo porque se necessita de uma tradução dos
conteúdos tradicionais em linguagem acessível ao blico laico. Logo, a esfera s-
metafísica é a falta de sentido para a existência e num conceito de religião sofre um
esvaziamento semântico.
I.4 Esfera pós-metafísica
O estudo da religião requer uma gama de características diversas que englobem
os diferentes campos de conhecimento presentes na Academia. Desta maneira, o
conhecimento que se funda na diversidade adquire abrangência, podendo, contudo,
carecer de profundidade. A religião, inserida na dinâmica da sociedade do século XXI,
sofre duplamente a influência dos fenômenos radicais de todos os lados, o que
provocou a total liberalização das condutas religiosas por parte de alguns féis e, por
outros a retomada do fanatismo. A destruição do referencial metafísico tradicional impôs
uma maneira de pensar e agir sobre o mundo que se preocupa, sobretudo, com a
própria sobrevivência individual. Assim, a teleologia apoiada em um modelo de pensar
26
metafísico não mais se mostra segura. É o triunfo do modelo chamado pós-metafísico
que impõe visões de mundo fragmentadas e muitas vezes opostas.
O modelo metafísico - apoiado em Aristóteles que considerava a teologia como a
verdadeira ciência e o verdadeiro conhecimento e o fundamento de todos os seres - era
o centro de toda a reflexão religiosa Porém na modernidade a ciência passou a usar
como critério a verificabilidade empírica, praticamente minando qualquer narrativa
universal sobre o cosmos, isso de um lado. Por outro, o Estado liberal moderno sofre
uma crise profunda de identidade; a sustentabilidade própria do Estado contemporâneo
se encontra em risco. Segundo Habermas, devemos levantar um questionamento
substancial sobre o fundamento desse Estado.
Enuncia-se nessas palavras uma dúvida quanto à possibilidade de o Estado
constitucional democrático renovar as condições normativas de sua existência a
partir de seus próprios recursos; além disso, parece sugerir-se que esse Estado
depende de tradições éticas de origem ideológica ou religiosa que sejam
obrigatórias dentro da coletividade (HABERMAS, 2007b: p. 23-24).
A relatividade do pensamento contemporâneo leva em seu bojo a importante
noção de democracia porque inexiste uma verdade universal que garanta os princípios
fundamentais sobre a conduta social. Contudo, existe uma intrigante questão sobre o
porquê da valorização e aceitação desse processo democrático.
A tarefa principal consiste em explicar por que o processo democrático é aceito
como um processo legítimo de criação de direito e por que a democracia e os
direitos humanos estão interligados com a mesma primordialidade no processo
constituinte. A explicação se encontra na comprovação - de que o processo
democrático, na medida em que satisfaz as condições de uma formação inclusiva
e discursiva da opinião e da vontade, justifica uma presunção de aceitabilidade
racional dos resultados e- de que a institucionalização jurídica de tal processo de
criação democrática do direito exige a garantia simultânea tanto dos direitos
básicos liberais quanto dos políticos (HABERMAS, 2007b: p.29).
A democracia permite a existência de uma arena que possibilita o agir
comunicativo, mas para Habermas é importante ao interlocutor contemporâneo não cair
no erro de falar sobre qualquer assunto, mesmo tendo um espaço privado. Um dos
temas mais quentes da contemporaneidade é o debate em torno do desenvolvimento
do saber da técnica, que deve envolver o maior número de debatedores possível, mas
nem todos têm condições de debater com profundidade esse tema. Nesse tema
Habermas questiona
27
até que ponto devemos nos submeter a uma auto instrumentalização pela técnica
genética ou mesmo se devemos perseguir uma auto-otimização. Nos primeiros
passos nesse caminho foi desencadeado um conflito de poderes da fé entre os
porta-vozes da ciência organizada e o das igrejas (HABERMAS, 2004a: p. 135).
Isso significa que existe o temor do obscurantismo apoiado no ceticismo da
ciência que se finda na retomada de sentimentos arcaicos. Num outro sentido, a
contrariedade à cientificista no progresso, oriunda de um naturalismo cru que
dissolve a moral, resulta em falta de fundamento para a ação moral.
Os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 mostraram que a oposição entre
sociedade secular e religião se exprimiu de modo diferente, isto é, de acordo com as
fontes jornalísticas a que tivemos acesso, revistas, jornais e livros sobre o tema, as
motivações dos atentados foram eminentemente religiosas, porque, para os radicais
Islâmicos          
(HABERMAS, 2004a: p.136). A motivação para o ataque é religiosa, e nós, que
observamos os acontecimentos, nos sentimos profundamente afetados.
No entendimento de Habermas é
como se esse atentado cego tivesse agitado uma corda religiosa no âmago da
sociedade secular, em todos os lugares do mundo as sinagogas, as igrejas e as
mesquitas ficaram repletas (HABERMAS, 2004a: p.136).
A ida de muitas pessoas a lugares religiosos para rezar pelas vítimas de
atentados terroristas não é espantoso, visto que a contemporaneidade possui como
característica própria este fundamentalismo islâmico, e em outros momentos um
fundamentalismo cristão; porém, apesar de o fundamentalismo ser um fenômeno
     -contemporaneidade dos motivos e
dos meios. Ela (a atitude) é o reflexo da diferença temporal entre cultur
(HABERMAS, 2007a: p. 136). O que parece é que o desenvolvimento do ocidente
parece ser ofensivo para estes fundamentalistas. Existe uma profunda diferença entre
cultura, o que é feito no cotidiano e a noção abstrata que nós ocidentais temos de
sociedade. Por isso podemos dizer que os argumentos dos terroristas são anteriores à
separação entre Igreja e Estado.

politicamente por meio da separação entre Religião e Estado, -se claramente
28
bloqueada por sentimentos de humilh (HABERMAS, 2004a: p. 137). Isso ocorre
em diferentes partes do mundo, mesmo na Europa, onde existem sentimentos
ambivalentes frente à secularização.
Existe, assim, uma radicalização entre as diferentes expressões secularizadas
da modernidade. No entender de Habermas
existem ortodoxias que se endurecem no Ocidente, bem como no Oriente Médio
e no extremo Oriente, entre os cristãos e os judeus bem como entre os
muçulmanos. Quem quiser evitar uma guerra entre as civilizações precisa se
lembrar da dialética inacabada do nosso próprio processo ocidental de
secularização (HABERMAS, 2004a: p. 137).
Isso significa que a guerra contra o terrorismo não é uma guerra; mas é, na
verdade, um choque funesto entre dois mundos, civilizações diferentes, concepções de
mundo divergentes. Assim, o que se espera não é um Estado com fundamento em
Hobbes, garantidor da paz universal pelo uso da força e da imposição do medo, mas
um poder moderador que permita um mínimo de civilidade em   o
estágio em que estamos não podemos esperar por nada além de um artifício da Razão
e por um pouco de au   p.137). Contudo, se
pretendemos esperar por isso, precisamos entender bem o que significa a distinção
entre secularização na sociedade pós-secular e razão moderna. É por isso que
Habermas retoma a clássica distinção entre fé e saber.
No entanto, como advento da guinada antropocêntrica, pelo humanismo, nos
inícios da modernidade, o discurso sobre a e o saber conseguiu evadir-se do
cercado clerical. O peso da prova mudou de lado a partir do momento em que o
saber profano tornou-se autônomo, não necessitando mais de uma comprovação
enquanto saber secular. Ora a partir desse momento, a religião foi intimada a
comparecer em juízo perante a razão. É nesse momento que surge a Filosofia da
religião. (HABERMAS, 2007a: p. 235).
A contingência e a singularidade assumem papéis importantes na estruturação
do conhecimento durante os séculos XVIII e XIX. Os estudos realizados nas diferentes
áreas de conhecimento - especialmente a historiografia, a filologia, a sociologia e a
antropologia - contribuíram substancialmente para a ampliação do conceito de religião.
O eurocentrismo começa a sofrer os primeiros abalos mediante o conhecimento de
novas culturas. Mediante a consideração de que
29
imediatamente relevante é        
sensação religiosa subjetiva bem como expressão religiosa manifesta
empiricamente e acessíveis por pesquisadores da religião (GRESCHAT, 2006a:
p.32).
Por isso, em cada cultura o objeto religião é importante expressão empírica da
coletividade. Independente de qual seja a religião, o fato religioso merece atenção
devida pelo cientista porque inicialmente a religião é um fenômeno cultural e como tal
precisa ser estudado sem deixar de considerar o valor do transcendente para a pessoa
religiosa.
Desta sorte, o conhecimento expresso de maneira integrada garante uma
abrangência maior sem deixar de mostrar a singularidade e profundidade de diversas
áreas de conhecimento. Isso permite perceber a importância do contato direto com o
       necessidade de
produzir conhecimento e não apenas reproduzir.
Para tanto contribuiu substancialmente a psicologia profunda e sua maneira de
abordar as diferenças entre os diferentes modos e culturas. No entanto, o
conhecimento, por vezes, ainda se auto-exclui, porque os denominados ateus
defendem a impossibilidade de sustentar o Deus tradicional enquanto que a corrente
dos que entendem a importância da divindade se apóia na experiência prática da
religião.
Para muitos cientistas e filósofos        
(NIETZSCHE, apud LEBRUN, 2002: p. 132) se responde com uma afirmação cabal:
á inteiramente refutado... Ele não nos ouve e, se ouvisse, seria incapaz
(Idem, Ibidem). Na esteira desta resposta o mundo se mostra como sendo um vácuo de
conceito.
O modo de compreender a realidade de pessoas atéias, e de entender a
formação do conhecimento, acaba por excluir completamente todas as formas de incluir
Deus no discurso da ciência. O conhecimento envolve somente o saber acerca do que
se pode demonstrar e mensurar. A crise decorrente desse problema provém
principalmente do modelo epistêmico adotado fundado no ceticismo dogmático.
Em uma posição diferente estão os que defendem uma postura que inclui a
divindade no discurso, os teólogos cristãos em geral, argumentam em prol de uma
30
sociedade mais justa invocando a presença de uma divindade. Os pensadores de
vertente social, como o próprio Habermas, argumentaram por um caminho totalmente
ateísta por muito tempo, especialmente nos anos de 1960 a 1970, mas a permanência
da religiosidade transformou lentamente, de fato, o modo de pensar de alguns
sociólogos. Entre os pensadores da Escola de Frankfurt, o exemplo dessa tendência é
o próprio Habermas;
No entender de Habermas, a modernidade é um processo em curso e a religião
permanece dentro desse âmbito. O objeto de estudo de Habermas, isto é, o lugar da
religião na modernidade, não muda de lugar, mas assume uma nova forma de se
expressar, de se impor. Para ele        um vale
independentemente de qualquer tipo de conte   a: p.
239). Desse modo, a religião não pode ser usada como justificativa ética, visto que a
ética se configura como condição de sobrevivência em sociedade, apesar de ter uma
reserva semântica que serve para nortear o debate acerca da moral.
Com efeito, as diferentes áreas de conhecimento procuraram uma solução para
o fenômeno religioso e as práticas religiosas das diferentes culturas. Estudar a real
experiência religiosa das diferentes culturas presentes na contemporaneidade parece
ser um desafio à Filosofia da Religião, num contexto dentro do qual o homem
contemporâneo se depara com uma contradição fundamental: de um lado, floresce um
ateísmo radical, enquanto que, de outro, o radicalismo religioso serve para justificar
atentados armados e intervenções militares.
Quem pode ser seguidor da religião radical e quem é seguidor da religião
moderada? A definição de religião é muito controversa e difícil. A pergunta que suscita
é uma aporia da razão teórica, como formulara Kant, e responder o que é a religião
seria demasiado para a limitação do humano, pois extrapola os limites da razão.
Por isso alguns teóricos preocupar-se-ão em estudar a religião partindo do
fenômeno, de como ela se manifesta na dimensão da existência humana. Preocupar-
se-ão, não em definir o que é, mas como as pessoas vivem suas religiões. Os
chamados fenomenólogos da religião ater-se-ão ao modo de funcionamento do sistema
religioso. Eles não se preocupam com a essência do fenômeno religioso, somente com
a sua expressão no âmbito da aparência. O seu fundamento é o relativismo de
31
Protágoras e a teoria da ação do II Wittgenstein expressa claramente nas
Investigações F          
jogando; ou seja, não importa a verdade, mas como são usados os termos religiosos na
prática; pelo uso é que se justificam as atitudes e os ritos dentro de uma determinada
religião. É claro que essa postura possui problemas em seu bojo, contudo, ela se
aproxima mais de como funciona o sistema de crenças na sociedade do século XXI.
O aspecto da questão do sistema religioso é
o aspecto cognitivo, a dúvida se refere à questão de saber se, depois de o direito
se ter tornado totalmente positivo, o domínio político ainda admite uma
justificativa secular, ou seja, uma justificativa não-religiosa e pós-metafísica
(HABERMAS, 2007b: p. 24).
O sistema religioso como instituição ainda pode ter sentido para muitos, visto que
a autonomia secular sofreu duros golpes na história recente do século XX. Portanto, a
dinâmica presente no processo de secularização não pode ser considerada apenas por
um dos lados, ou seja, o iluminismo não suprimiu definitivamente as noções de religião
do âmbito acadêmico e tampouco da vida dos cidadãos secularizados.
Em vez disso, pretendo propor que a secularização cultural e social seja
entendida como um processo de aprendizagem dupla que obriga tanto as
tradições do Iluminismo quanto as doutrinas religiosas a refletirem sobre seus
respectivos limites (HABERMAS, 2007b: p.25).
A despeito das críticas referidas dos comentadores citados anteriormente, se
percebermos que por trás de toda a argumentação de Habermas encontramos um
conceito, mesmo que fraco, de razão, notaremos uma invejável coerência em sua
argumentação.
O projeto teórico de Habermas demonstra, por isso, uma extraordinária
continuidade, se o tomarmos a partir desse esforço em pensar com profundidade
um conceito enfático, embora tênue, de razão que sirva de fundamento para uma
teoria crítica da sociedade (ARAÚJO, 1996: p.19).
Esse conceito fraco de razão apresenta problemas, mas carrega em seu bojo a
possibilidade de aceitar o diferente. Isso evitaria também o mal do radicalismo
exagerado de um conceito forte de razão que acabaria por se chocar diretamente com
a sociedade pós-metafísica que não aceita narrativas universais.
32
A solução para esse problema, segundo Habermas, é o agir comunicativo que
permite a construção da verdade em conjunto, e não impõe uma postura religiosa a
priori. Desse modo, a relação de inclusão seria possível mediante a aproximação da
linguagem de todos no debate. Em sua obra a inclusão do outro, Habermas apresenta
a necessidade de incluir todos no debate sem deixar de considerar nenhum dos
interlocutores. Por isso a primeira forma de excluir alguém é fazê-lo no âmbito do
discurso. Por conseguinte a dialógica é o instrumento que permite uma igualdade de
condições para todos sem discriminar ninguém. Entende-se dialógica no sentido de
Habermas, como a possibilidade de pela linguagem proceder a uma atitude de
integração de todos nas decisões e discussões, independente da posição moral.
No caso da experiência religiosa a dialógica também é importante porque ela
sempre diz algo sobre a relação do ser consigo mesmo e com o universo.
A consciência religiosa es ancorada em um sentimento de dependência: não só
a noção de uma insegurança perene, mas incerteza em torno da nossa
procedência e duvidas sobre o nosso destino constituem um marco
transcendental que nos ajuda a compreender algo sobre o Universo. (MANSILLA,
2003: p. 253).
Esse capítulo partiu da noção geral do pensamento de Habermas,
especificamente sobre a relação entre e saber para chegar à fronteira da Filosofia da
Religião, tema do próximo capítulo.
A esfera pós-metafísica é uma era sem valor universal e com uma crescente
tentativa de esvaziamento no sentido dos termos da linguagem e dos conceitos que
outrora eram universais. Esse período é a tentativa constate de negar a tradição
metafísica ocidental e impor um novo modo de conhecimento que valoriza a linguagem
como um meio para a construção de conceitos: Razão, Verdade, Deus, Homem,
Liberdade, Religião, Ciência, entre outros.
33
Capitulo II
A possibilidade de uma Filosofia da Religião em Habermas
II.1 A evolução de Habermas até uma Filosofia da Religião
No capítulo inicial procuramos abordar a história do autor e alguns pontos de seu
pensamento, destacando a esfera pós-metafísica e o surgimento da religião no seu
pensamento. Fizemos isso em diálogo com alguns comentadores que apresentam suas
impressões sobre a reflexão de Habermas.
Neste segundo capítulo a preocupação passa a ser o desenvolvimento de uma
Filosofia da Religião em Habermas que se fundamenta em Kant, Kierkergaard e Hegel.
A evolução do pensamento de Habermas mostra que sua preocupação inicial se
direcionava para os problemas da sociologia e da filosofia política. Contudo, após sua
aposentadoria em Frankfurt, sua preocupação passa a ser também a religião. A partir
dela, Habermas desdobra diferentes tipos de argumentos relevantes ao estudo da
realidade em curso no processo de secularização e a retomada dos debates acerca da
crença ou a fé como conhecimento.
Esse modelo de pensamento do chamado último Habermas coloca em evidência
que as visões acerca da religião advindas de Hegel precisam ser repensadas sob
vários aspectos, sobretudo no que tange a reduzir a religião ao non do Espírito
Absoluto. Desse modo, precisamos retomar a Filosofia da Religião de Kant que entende
a possibilidade de uma fé da igreja nos limites da razão.
Com efeito, diferente da Filosofia da Religião de Hegel, que exalta a filosofia em
detrimento da teologia, Kant e Habermas, seguindo outra vertente, procuram
estabelecer as balizas do entendimento da razão prática no sentido de possibilitar a
metafísica refletir sobre Deus, a alma e a liberdade. Em suma, a razão teórica se
34
encontra presa ao âmbito do fenômeno e, por isso, não pode postular nada de
metafísico.
Esse modo de pensar a religião serve de ponto de partida para Habermas,
porque o retorno da religião ao debate público carece de uma elucidação e de uma
autocrítica da religião.
Meu interesse na filosofia da religião de Kant tem como orientação a seguinte
questão: é possível apropriarmo-nos da herança semântica de tradições
religiosas sem borrar os limites que separam os universais da e do saber? E
em caso afirmativo, como isso é possível? (HABERMAS, 2007a: p. 238).
Habermas, citando Preiz, aponta para o perigo da junção na esfera blica de
interesses políticos e religiosos.
O retorno a uma política brutalmente hegemônica de busca do poder, o choque
do Ocidente com o mundo islâmico, a decomposição de estruturas estatais em
outras partes do planeta, as conseqüências de longo prazo da história colonial e
as conseqüências políticas diretas de uma descolonização fracassada: tudo isso
sinaliza uma situação mundial extremamente perigosa (PREIZ, 2006: p. 08).
No período atual de seu pensamento Habermas entende que a metafísica
tradicional encontra dificuldades de expressão devido à fragmentação da razão
moderna. Contudo, a mesma modernidade que fragmenta também permite ao sujeito
se aproximar da noção de Deus. Em outras palavras, existe uma dualidade na
modernidade entre objetivo e subjetivo. Porque de um lado
Ele [conceito de modernidade] objetiva a natureza exterior, considerando-a como
a totalidade de estados e eventos ligados entre si através de leis; de outro, ele
expande o mundo social conhecido, considerando-o como a comunidade
inclusiva e sem limites de todas as pessoas que agem e são capazes de assumir
responsabilidade (HABERMAS, 2003: p.198).
Isso significa que, conforme aponta Habermas, o conhecimento do outro permite
com que se conheça e se assuma com mais responsabilidade as atitudes dos
indivíduos. Isso possibilita  p.
198). Por isso, a proposta cristã não encontra seu limite na modernidade, mas, ao
contrário, é levada adiante pelos conceitos de justiça e de amor presentes na tradição
judaico-cristã e também na modernidade. Isso mostra a possibilidade de modernização
da própria fé. Porém é preciso admitir que sofreu um duro golpe no mundo
contemporâneo.
35
A consciência religiosa foi forçada a processos de acomodação. Toda religião é,
originariamente, "imagem do mundo" ou "doutrina compreensiva", também no
sentido de que reivindica a autoridade de estruturar uma forma de vida no seu
todo. Essa reivindicação de um monopólio interpretativo e de uma configuração
abrangente da vida a igreja teve de abandonar devido às condições impostas
pela secularização do saber, da neutralização da violência do Estado e da
liberdade geral de credo (HABERMAS, 2007b: p. 06).
Uma aparente vantagem disso é evitar os fanatismos religiosos que são
conteúdos de fé pré-modernos.
No entanto, o fundamentalismo não tem mais a inocência da situação epistêmica
dos velhos impérios, nos quais as religiões se propagaram inicialmente, onde
eram tidos, de certa forma, como isentos de limites (HABERMAS, 2003: p. 201).
Essa ausência de limites permitiu a expansão das religiões de origem abraâmica
em âmbito mundial. Assim as religiões se desenvolveram favorecidas pela sua proposta
moral, que no seu universo interno tinha caráter universal. A dialógica possibilita que
deferentes posições existam e dialogam sem que uma exclua a outra, mas pelos agir
comunicativo todas podem ser manifestar no debate em busca de uma solução pacifica
das diferenças. Isso é aplicar a teoria da ação comunicativa à religião, caminho para se
pensar a Filosofia da Religião em Habermas.
Nesse aspecto a racionalidade universal, em um primeiro momento, cederia
lugar para a razão dialógica e a construção da racionalidade traria todos os conteúdos
religiosos ou não religiosos permitindo uma análise mais atenta. Em um segundo
momento, o conceito de sociedade, que engloba a vida do indivíduo articulado com o
grupo no qual está inserido, como uma possibilidade metafísica, ajuda a entender o
religioso e o não-religioso. E por último chegaria uma teoria da modernidade que
possibilite não apenas detectar as patologias, mas também saná-las. Mas para
entender toda essa teia é preciso recorrer ao estudo da religião.
Isso implica em permitir a pluralidade religiosa sem afirmar uma verdade única e
universal e possibilita um entendimento subjetivo da experiência religiosa considerando
também o mundo vivido. Isso significa que ninguém vive sem uma sociedade, o que
parece óbvio, porém o método chamado positivo, que considerava a ciência como
produto do avanço de um estágio mítico, passando pelo metafísico até atingir o saber
científico, sempre desprezou essa ligação extrema entre indivíduo e sociedade.
36
Em vários momentos de sua proposta Habermas recorre ao conteúdo religioso
para compreender a diversidade da sociedade s-secular. Tal atitude de Habermas
mostra que uma das preocupações do autor é entender o processo de racionalização
que necessariamente passou pela esfera racional da religião. No desenvolvimento da
racionalidade humana, houve um momento que a racionalização da vida sofreu grande
influência da religião cristã. Logo entendemos, apesar de ser óbvio, que Habermas
reconhece o potencial da religião de organizar a vida. Isso significa que ele entende o
processo de desenvolvimento da razão, que passou do mito para a religião universal,
como uma evolução cognitiva e saudável para a vida dos indivíduos.
Desse modo,          
religião consiste em afirmar que uma racionalização religiosa do mundo da vida
através da legitim p. 572). Essa afirmação implica na
superação das representações religiosas devido à secularização da religião na
sociedade moderna. A evolução do pensamento de Habermas até uma filosofia da
religião ocorreu sob dois aspectos: primeiro, a inclusão da religião no discurso filosófica,
nos últimos dez anos do seu pensamento. A ocorrência disso é devido a religião que foi
encarada por ele como modo de conhecimento da experiência de vida dos indivíduos.
O segundo aspecto é o uso do agir comunicativo como instrumento para por em diálogo
as diferentes religiões. A linha de pensamento de Habermas até a filosofia da religião
ocorreu progressivamente. No inicio de sua vida acadêmica, sua preocupação era
sociologia e filosofia, mas, no alvorecer do seu pensamento nos últimos dez anos, a
religião volta ao debate público, porque ela possui uma reserva semântica que tem algo
a dizer na sociedade secularizada.
II. 2 Filosofia da Religião em Kant
A Filosofia da Religião para Kant é uma reflexão construída dentro dos limites da
razão, por isso nenhuma religião pode ir além de uma fé na igreja, não pode provar que
o em si existe. O papel da religião é fornecer conteúdo de reflexão à razão prática e,
dentro dessa perspectiva, somente pode pensar Deus, a alma e a liberdade descoladas
da empiria. (cf. KANT, 1995).
37
Na história da filosofia ocidental, duas concepções epistemológicas marcaram
por muitos séculos a posição filosófica frente ao problema do conhecimento: o
racionalismo e o empirismo. Apesar de existirem inúmeras outras correntes na Filosofia
Grega, essas duas visões de mundo, representadas respectivamente por Platão e
Aristóteles, detinham maior influência.
No período chamado de Patrística, Pais da Igreja, ocorreram tentativas de
síntese entre os pensadores cristãos e correntes de filosofia grega, mas somente com
Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino é que ocorreu a síntese que perdurou até a
Filosofia Moderna, especificamente até a chamada revolução copernicana de Kant.
Segundo Zilles, a tentativa de Descartes de provar a existência de Deus através
de provas ontológicas conferiu a Filosofia da Religião uma tarefa quase impossível,
visto que a ciência não pode elencar provas acerca do que não está ao seu alcance.
(cf. ZILLES, 2006.) O método utilizado, conhecido no âmbito filosófico como vida
metódica, resulta no duvidar de tudo até se chegar a uma certeza última. Após duvidar
da existência de Deus, Descartes passa a afirmar que Deus é a única verdade
absoluta. Isso significa uma mudança substancial em relação a Idade Média, porque a
certeza última da origem agora é do ser humano e não de Deus. Posteriormente essa
manobra fora chamada de revolução cartesiana.
É importante ressaltar que Habermas se apóia na epistemologia kantiana e
encaminha sua Filosofia da Religião para a esfera pós-metafísica ou pós-cristã.
A autocrítica da razão, formulada por Kant, visa dois pontos, a saber: a posição
da razão teórica quanto à tradição metafísica e a posição da razão prática quanto
à doutrina cristã. Ao passar pela auto-reflexão transcendental, o pensamento
filosófico configura-se, de um lado como pensamento pós-metafísico e, de outro
lado, como pensamento pós-cristão - o que não significa necessariamente que
ele deva ser anticristão (HABERMAS, 200a: p. 235-236).
A Filosofia da Religião resultante da síntese de Agostinho e Tomás perdurou por
muito tempo até os questionamentos vindos do racionalismo e do empirismo. Essas
duas correntes se embatem porque tinham concepções diferentes a cerca da origem do
conhecimento, da moral e da política. Kant, em resposta ao empirista Hume, propõe
uma síntese entre racionalismo e empirismo na tentativa de superar essa dicotomia por
meio da filosofia do sujeito transcendental.
38
Na obra chamada A religião nos limites da simples razão, Kant investiga a
origem do bem e do mal na parte inicial, argumentando que em essência não podemos
dizer que o homem é mau por natureza nem que é bom porque não conhecemos a
natureza humana. O que sabemos é que o mal radical se manifesta no mundo, o que
existe no homem é apenas a boa vontade. Na segunda parte da referida obra, Kant
estabelece a necessidade de leis morais para controlar os impulsos humanos. Assim
procuramos entender como podemos construir um conhecimento da religião nos limites
da razão.
O interesse de Kant é oferecer uma reflexão mais profunda acerca das ações. A
sua filosofia crítica procura estabelecer os limites da razão teórica porque ela não pode
pensar e buscar comprovar empiricamente os seres transcendentais. Assim, cabe à
razão teórica fazer ciência a partir do fenômeno. Enquanto que à razão prática cabe
pensar o transcendente, ou seja, a razão prática deve ser incondicionada, já que não se
limita ao empírico e, nesse âmbito, se pode pensar a religião nos limites da simples
razão.
A filosofia crítica de Kant visa colocar em seus devidos lugares todos os
elementos da razão, limitando-a no campo empírico, ao conhecimento do fenômeno e
atribuindo-lhe a incondicionalidade no campo da razão prática que independe do
empírico.
Essa divisão atribuiu novo caráter à metafísica porque deixou de lado a busca
tradicional da coisa em si do mundo empírico, determinando que apenas é possível
pensar os seres transcendentais pela razão prática. Esse movimento deslocou a
metafísica tradicional para a metafísica dos costumes.
As concepções filosóficas tradicionais buscavam explicar o conhecimento
humano apenas por uma visão epistemológica, ou seja, por um lado o racionalismo e,
por outro, o empirismo. Kant conciliou o aparato do intelecto dos racionalistas com a
necessidade da experiência dos empiristas.
Segundo Kant existe um objetivo comum a seguir, ou seja, um interesse comum
de conhecimento seguro. É preciso deixar de lado o simples tatear e obter um
conhecimento seguro, baseado na ciência. No entanto, ainda estamos distantes disso,
mas para conseguirmos nos aproximar é preciso largar toda e qualquer reflexão vã.
39
A lógica aristotélica possui um caráter limitado, ou seja, se restringe unicamente
à organização foo limite da lógica acha-se determinado
de maneira bem precisa, por ser ela uma ciência que expõe circunstancialmente e
 (KANT,
2005: p. 09).
Nesse sentido, o conhecimento da razão pura pode relacionar-se com o objeto
de dois modos. O primeiro é o conhecimento teórico e o segundo é conhecimento
prático da razão. Assim, a parte pura de ambas deve ser exposta sozinha.
A matemática e a física constituem os conhecimentos teóricos da razão. A
primeira determina o conhecimento de modo inteiramente puro, ou seja, sem contato
com a experiência. A segunda deve ob-lo, pelo menos em parte, da fonte pura, pois
utiliza de outras formas para chegar ao saber.
Embora esse debate epistemológico seja importante em Kant, a preocupação
agora é entender de onde parte Habermas. Seu apoio em Kant se dá, sobretudo, em
          sa obra Kant
estabelece que só é possível pensar a religião nos limites da razão.
A separação entre crença e saber aparece de modo profundo, sendo que
Habermas por muito tempo também considerava o debate religioso, como a maioria dos
alemães, um assunto particular. Isso explica em certo sentido o motivo da metafísica,
que consiste em uma especulação racional puramente isolada, não conseguir atingir
um caminho seguro de uma ciência. Por ser uma especulação sobre conceitos ninguém
conseguiu fundar um conhecimento seguro com ela.
Portanto, a ciência segura se refere ao fenômeno e não à coisa em si, mesmo
que o incondicionado aponte para a coisa em si. Por isso,
pode-se após esta transformação da maneira de pensar, esclarecer
muito bem a possibilidade de um conhecimento a priori e mais ainda,
dotar as leis, que servem a priori de fundamento à natureza, considerada
como o conjunto dos objetos da experiência, de suas provas satisfatórias,
         
(KANT. 2005: p.13).
O conhecimento a priori não deve ser encontrado enquanto coisas que
conhecemos, mas sim, enquanto coisas que não conhecemos, como coisas em si
mesmas.
40
O intuito da crítica da razão pura reside na tentativa de mudar o procedimento
tradicional e promover assim uma completa revolução nela, seguindo o exemplo dos
geômetras e dos investigadores da natureza. Assim, a razão pura deve mudar a sua
potencialidade, sendo uma crítica sobre si mesma.
pois a razão pura especulativa tem em si a peculiaridade de poder e
dever medir o seu próprio poder pelas diversas maneiras de escolher os
seus objetos de pensamento, como também de enumerar completamente
os vários modos de ela propor-se tarefas e traçar o esboço de um
sistema de metafísica (KANT, 2005: p. 14).
Dessa forma, o tesouro, no âmbito da epistemologia legado por Kant à
posteridade, é de duas origens. A primeira é negativa jamais elevarmos
com a razão especulativa acima dos nossos limites da experiência, e esta é, na
     (KANT, 2005: p.15). A segunda, por sua vez, é
positiva, pois quando nos dermos conta de que os princípios, cujo apoio a razão
especulativa ultrapassa os seus limites, na verdade tem como resultado inevitável, se

(KANT, 2005: p. 15).
Quando se limita a razão através da crítica salva a possibilidade de usá-la de
modo prático, evitando a possibilidade de eliminá-la por causa do uso inadequado.
Assim, Kant salva o uso da razão pura no campo prático e a metafísica passa do
paradigma epistemológico para o paradigma prático.
Kant modificou a metafísica, ou seja, transportou-a para o campo da moralidade,
retirando-a do campo epistemológico. Conseqüentemente a ação moral do homem é
livre no âmbito da razão prática enquanto a natureza possui um princípio de
causalidade que a determina.
No âmbito da metafísica da metafísica kantiana é que as expressões religiosas
podem pensar o incondicionado e no âmbito empírico se verifica a tentativa de
expressar tal realidade através dos ritos e das práticas religiosas.
Por conseguinte, os ritos, por exemplo, não são mais do que valores morais que
são constantemente lembrados para que os indivíduos possam se nortear em suas
ações que precisam de fundamento a priori. Isso é perceptível no debate em Filosofia
da Religião porque existe uma reserva semântica profunda nele
41
Assim, Habermas aponta o surgimento da Filosofia da Religião como uma forma
de responder aos fracassos da teologia tradicional da Idade Média, que se vê cada vez
mais obsoleta na realidade contemporânea.
Para entendermos tal problemática precisamos retornar a obra de Kant intitulada
 confl aborda a questão dos conflitos das faculdades
inferiores com as superiores. Esse texto de 1798 mostra o embate entre a Filosofia, dita
faculdade inferior e as três faculdades superiores a teologia, o direito e a medicina.
Por isso, entendemos que a distinção proposta entre moral e religião, por um
lado, e de teologia e filosofia moral, por outro, deixa claro que um discurso confessional
teológico, que queira ser universal e verdadeiro, é uma tentativa sem sustentabilidade
epistemológica e científica suficiente.
Somente se levarmos em conta a questão do respeito poderemos produzir um
diálogo mínimo entre os diferentes modos de expressar a religião. Porém,
é verdade, que não somos capazes de intuir o sentido de validade categórica de
          
tempo, em um outro e em sua vontade perante o qual a razão legisladora em
geral se transforma numa mera locutora, ou seja, sem pensar em u 

        ossa própria razão
 (HABERMAS, 2007a: p. 239).
A definição clássica de moral atrelada à religião não serve como ponto de partida
para pensar a diversidade religiosa presente em nosso cenário. Mas podemos usar a
mudança de referencial apresentada por Kant acerca da religião e da possibilidade de
inferir algo sobre o que não podemos demonstrar empiricamente.
Uma critica a Habermas é feita por Estrada, e diz respeito a influência do
         O mito sobrevive nas religiões,
porque sua forca simbólica, motivacional, expressiva e doadora de identidade não pode
ser superada por uma racionali p. 165).
Nesse sentido a tentativa de Habermas de suprimir as crenças através da
argumentação acabaria por se tornar infrutífera, uma vez que as pessoas continuam
crendo, e até o próprio conhecimento se apóia em crenças.
Disso decorre também a necessidade de traduzir as explicações religiosas
acerca do mundo e do universo para uma linguagem ética secular e pós-metafísica.
42
Habermas aqui é inspirado por Kant, porque essa também foi sua a tentativa, em
certo aspecto, quando Kant, em sua obra referida anteriormente sobre os limites da
religião, debate na primeira parte desse texto os argumentos em defesa do bem e do
mal original do homem. Não sendo possível verificar a origem má das atitudes humanas
apenas podemos constatar que o mundo está em constate combate com o mal radical
que se apresenta sob o aspecto da doença, da discórdia e outras formas. Assim,
precisamos buscar a prudência visto que
As inclinações naturais, consideradas em si mesmas, são boas, i.e.,
irrepreensíveis, e pretender extirpá-las não é vão, mas também prejudicial e
censurável; pelo contrário, apenas que domá-las para que não se aniquilem
umas às outras, mas possam ser levadas à consonância num todo chamado
felicidade. Mas a razão que tal leva a cabo chama-se prudência. o
moralmente contrário à lei é em si mau, absolutamente reprovável e deve ser
exterminado; a razão que tal ensina, e mais ainda quando o põe em obra,
merece o nome de sabedoria (KANT, 1990: p. 64).
Por isso os impulsos precisam ser controlados para não infringirem a lei moral,
contudo quando Kant reduz a religião à moral acaba criando uma distinção entre
histórica e da razão, isso seria para muitos o início do processo de tradução das
mensagens religiosas tradicionais em preceitos éticos.
II. 3 Sociedade pós secular e Filosofia da Religião
Se muitos consideravam que a religião estava definitivamente fora de todo e
qualquer debate acadêmico e público, após 2001 a religião ressurgiu nas discussões
com envergadura. No ocidente existem dois níveis básicos de tensão que podem gerar
maiores discussões:
a intolerância religiosa entre as religiões de origem abraâmica, resultando em vários
conflitos que deixam transparecer a falta de diálogo e a tentativa de imposição da
verdade de uma religião sobre a outra.
na relação entre os diferentes Estados nacionais, percebemos discórdia no
tratamento dos assuntos de ordem internacional e nacional, resultando em guerras e
invasões armadas, e em conflitos regionais.
Assim, no primeiro nível parece importante a relação harmônica entre as
diferentes religiões. E no segundo é necessário destacar como os diferentes Estados
43
nacionais se relacionam com a religião. Contudo, existe uma contradição entre o fiel e a
religião, entre o cidadão e o Estado. É exatamente nesse ponto que reside o cerne da
questão: qual é a forma de transcender essa barreira? Como incluir o fiel no discurso
religioso? De que forma nós podemos inserir o cidadão na sociedade de fato?
Ora, para Habermas é por meio da inserção no discurso que implica na inclusão
A  permite pensar o
diferente em uma sociedade totalmente fragmentada como é a nossa, e mais a
estrutura secular baseada na pluralidade, que se impõe e, muitas vezes, gera uma
crença exagerada no laico.
Por isso, o religioso sempre está presente, mesmo que não o percebamos, em
nosso modo de agir e de pensar. Por muito tempo se achou que o fim da metafísica
clássica resultaria no fim da religião, mas, ao contrário, o que se percebeu é que o
conteúdo religioso permanece presente e ganha força, como destacamos
anteriormente.
Quando falamos que é possível pensar o diferente em uma sociedade totalmente
fragmentada, não ignoramos o problema da fragilidade de conceitos como os de
democracia, liberdade, igualdade e Estado. Talvez o religioso nunca tenha deixado de
estar em nosso meio, e é nós que não o vimos, conforme afirma Eduardo Mendieta.
Assim, a religião não seria refutada pela razão ocidental, por isso é preciso entender
que 
surgiu para eliminar, desmentir e desmascarar a religião. A religião é em si a fonte da
racionalidade dos modos de interaçã (MENDIETA, 2002: p. 112).
uma mudança fundamental: se na Idade Média a Igreja Católica impunha o
cristianismo como religião oficial, como ordem natural, após a revolução francesa o
cristianismo passou a ser duramente combatido. O processo de secularização que se
iniciou nos séculos XVIII e XIX na Europa resultou no afastamento da noção tradicional
de igreja estabelecido na Idade Média. A teologia, outrora tida como rainha das ciências
nesse período, cedeu seu lugar para as ciências naturais com suas investigações
acerca da origem da vida e do universo. O que antes era especulação racional passou
a ser demonstrado empiricamente; porém, nem tudo fora demonstrado, os problemas
filosóficos continuam pendentes desde os filósofos gregos. Mas a teologia e a
44
metafísica tradicional sofreram duros golpes e suas estruturas foram relegadas ao
âmbito da não-ciência.
Contudo, ao longo do século XX sucessivos acontecimentos também
demonstraram, ironicamente, que o método das ciências empíricas o podia provar a
não-existência de Deus e, mais ainda, perceberam-se os abusos que a crença
exagerada na razão pode trazer.
Depois das duas guerras mundiais e do fracasso do socialismo, o homem se viu
novamente frente a frente com Deus, mesmo que se tenha feito o juramento de
distanciamento dele, pois a teologia era tida como reflexão somente canônica e nada
mais. O caminho da guerra fria deixou à vista o medo do homem acerca do que ele
próprio era capaz de fazer. Não por acaso o papa Bento XVI advertiu a ciência
contemporânea recorrendo à lenda de Ícaro (cf. RATZINGER, 2007b).
Mesmo sem fazer teologia diretamente, conforme aludem inúmeros
comentadores, Habermas sabe da importância da religião no cotidiano das pessoas e
de sua reserva semântica. Por isso, procura ser mais prudente ao criticar o cristianismo.
Aparentemente, esses dois pensadores caminham para lados diferentes, mas, se
olharmos mais de perto, perceberemos que, apesar de usarem métodos de abordagem
diferentes, ambos concordam sobre alguns aspectos: Habermas entende que a religião
serve como reserva de conteúdo para os juízos morais algo que ainda vai ser explicado
no próximo capítulo.
Ainda de acordo com os dois pontos iniciais (intolerância e Estados nacionais), o
mundo permeado por diferentes cosmovisões se mostra com dificuldades de dialogar.
Sob a pretensa afirmação de que cada cultura é diferente, se esconde um dogmatismo,
da mesma maneira se verifica essa tendência nos que afirmam a universalidade de
uma visão de mundo.
O perigo parece justamente está nos exageros da razão ou da crença; contudo,
é muito vulnerável falar de equilíbrio quando se define religião, fé, conhecimento,
verdade e outros conceitos que parecem soar ingênuas frente à promiscuidade
semântica da contemporaneidade, conforme apontam inúmeros estudiosos da religião.
Contudo, apesar dessa dificuldade de chegar a um equilíbrio entre esses conceitos, o
que realmente assusta é o fundamento dos argumentos utilizados pelo
45
fundamentalismo religioso, como dos homens-bomba islâmicos, dos cristãos que
evocam a verdadeira fé, do poder econômico que financia os conflitos.
Talvez a persistência da presença da religião no âmbito público seja uma
resposta à falta de sentido que a filosofia contemporânea, especialmente o
existencialismo ateu, projetou sobre o ser humano. Porque não crer em nada, nem
mesmo no próprio homem, parece desesperador uma vez que construímos nossa vida
sobre crenças muitas vezes frágeis.
Como mencionamos anteriormente, o fiel encontra-se em outra esfera, sua
demanda não pode mais ser respondida pela religião tradicional, mas ao mesmo tempo
ele procura nela a reserva semântica, um sentido para continuar a existir.
Essa angústia individual se reflete na esfera pública, se o filosofo perdeu seu
papel de intelectual e o sacerdote não é mais a única autoridade a ser ouvida, quando o
assunto é a fé, os Estados nacionais se encontram em uma aporia; refutam a religião e,
com ela, muitos fiéis aceitam as diversidades e negam seu preceito axiomático de
laicidade. Novamente, uma narrativa cosmológica, caracterizada por elementos de valor
universal, não serve para explicar a dinâmica entre e saber no mundo
contemporâneo. O próprio Habermas se posiciona frente à filosofia da história de Hegel
com algumas ressalvas importantes e, além do mais, a dinâmica do século XX e início
do XXI apresentou certa negação do postulado hegeliano de que a filosofia do espírito
substituiria a religião.
Portanto, no problema da dinâmica da sociedade pós-secular podemos perceber
que existe uma variedade muito grande de posicionamentos possíveis frente à fé em
relação ao conhecimento, porém uma narrativa única parece difícil por causa das
fragilidades epistemológicas da filosofia da religião e da ciência empírica por um lado e,
por outro, da teologia e da moral.
Podem haver correntes, como o ateísmo existencialista, que não acreditam em
valores a priori e, como consequência, defendem a liberdade de auto determinação
sem amarras religiosas. Postura semelhante os ateus teriam frente ao conhecimento
sendo ele algo que é construído paulatinamente e por cada individuo e não passado
através da tradição.
46
Outra postura possível é a do religioso tradicional apoiado em elementos de
cunho tradicional que se desenvolve através da transmissão histórica e pelos valores
morais da religião, portanto a necessidade de inserção de todos na comunidade
religiosa.
Segundo Habermas é pela dialógica que se pode estabelecer um cenário de
debate mínimo dentro da esfera da sociedade s-metafísica. Com efeito, é através do
agir comunicativo e da abertura para o diálogo que se estabelece uma determinada
conduta ou se evita o conflito entre diferentes religiões.
Habermas considera a chamada esfera pós-metafísica como amostra de um
desenvolvimento da modernidade, um processo em curso. A modernidade caminha na
perspectiva da secularização por um lado, enquanto que, por outro, um fanatismo
pujante.
Dentro deste âmbito, a tensão entre e saber assume contornos de conflito
social e cultural. O problema consiste justamente em suprimir o Ser superior e fundar a
conduta na liberdade individual que racionalmente pode atingir uma universalidade,
diferentes racionalidades implicam em supressão da universalidade. A liberdade de
escolher e agir do indivíduo entrega-se ao fanatismo ou se distorce em supressão das
regras. As racionalidades controversas e difusas provêm da fragmentação do conceito
de razão tradicional, resultando no pluralismo que implica em contradições.
Ao analisarmos com cuidado esses problemas apontados acima, percebemos a
possibilidade de uma aproximação entre as religiões e a inclusão dos fiéis de religiões
minoritárias na sociedade. Os conflitos entre as maiorias e as minorias, os problemas
internos dos Estados afloram na sociedade moderna como um verdadeiro problema de
intolerância e desrespeito à diferença.
Na história das religiões monoteístas de origem abraâmica, houve no período
medieval uma proximidade muito grande entre Igreja e Estado, especialmente com o
direito divino dos reis. Esse período foi marcado por uma infinidade de abusos e
conflitos, contudo havia certa unidade entre os diferentes modelos religiosos.
Na modernidade, especialmente após a revolução industrial, ocorreu a cisão
entre Estado e Igreja, passando o Estado a ser laico e independente do poder da Igreja.
Os séculos XIX e XX foram o auge deste afastamento. No início do século XXI
47
percebemos uma retomada da postura radical, isto é, forma-se uma inimizade cultural,
social e religiosa, na medida em que se considera o outro como inimigo; basta observar
as ações americanas no Iraque e no Afeganistão.
Aparece, desse modo, uma necessidade de inclusão na religião devido à atual
distância entre discurso e a prática, uma vez que a teoria deveria ser o fundamento da
prática, tema debatido no texto de Habermas n   
(HABERMAS, 2007a: pp 161 ss).
Com isso, não se pode impor o princípio majoritário que defende a vontade da
maioria em detrimento da minoria.
Reza o princípio majoritário:
O princípio da maioria depende de pressupostos prévios a respeito da unidade:
depende da unidade da qual ele deve operar seja em si legitima de que os
assuntos aos quais é aplicado recaiam apropriadamente em sua jurisdição. Com
outras palavras, o fato de o escopo e o domínio da regra majoritária serem
apropriados para uma unidade especifica depende de pressupostos para cuja
justificativa o princípio da maioria em si nada pode contribuir e que, por isso
mesmo, ficam além do alcance da teoria democrática (HABERMAS, 2002b: p.
164).
Esses problemas alcançam as diferentes esferas da sociedade moderna, no
entender de Habermas
O problema também surge em sociedades democráticas quando uma cultura
majoritária, no exercício do poder profético, impinge às minorias a sua forma de
vida, negando assim aos cidadãos de origem cultural diversa uma efetiva
igualdade de direitos. (...) Nessas matérias, as minorias não devem ser
submetidas sem mais nem menos às regras da maioria (HABERMAS, 2002b:
p.164)
.
Apesar, de em um primeiro momento, toda e qualquer sociedade necessite se
impor de modo hegemônico, surge a necessidade de respeitar, em um segundo
momento, as minorias, sem exaltar uma maioria, porque o critério não pode ser a
quantidade para determinar qual é a religião mais adequada, mas deve-se respeitar a
escolha individual.
Considerando a relevância da questão e a magnitude do problema, vista a
intolerância latente entre as religiões monoteístas de tradição abraâmica e a
interferência dos Estados nacionais em alguns países, parece pertinente o uso do
48
modelo do agir comunicativo para permitir uma aproximação no âmbito das religiões e
dos Estados conflitantes. Contudo, existe uma contradição entre o fiel e a religião,
entre o cidadão e o Estado que se manifesta na esfera da vivência da religião do ponto
de vista prático.
A vivência da religião no âmbito prático encontra suas dificuldades também
porque vivemos numa sociedade chamada pós-secular, e entendida como sem valores
morais fixos ou posturas religiosas universais que explique a totalidade dos fenômenos.
A sociedade pós-secular é o reino de incertezas. uma constante fluidez nos
conceitos, e, especialmente os valores encontram dificuldades para se ancorar em
algum conceito de razão. também uma vantagem nesse modelo de sociedade pós-
metafísica: é possível, mediante a linguagem, uma intermediação ou um diálogo entre
as diferentes visões de mundo, as posturas morais divergentes e a vivência religiosa
nas diferentes religiões.
Na filosofia da religião, apesar da dificuldade da fragmentação da razão,
podemos construir narrativas contextualizadas da experiência religiosa que permitem
formar um núcleo opaco ao redor da experiência religiosa, embora não possamos
chegar ao núcleo duro da religião. A filosofia da religião que podemos fazer é aquela
que está circunscrita nos limites da razão, conforme explicitado pelo filósofo alemão
Immanuel Kant.
II. 4. Oposição entre fé e saber e posição agnóstica
A questão da oposição clássica entre e saber sempre resultou em intensos
debates nas diferentes épocas e períodos; na contemporaneidade, ela não poderia
deixar de ser controversa. Contudo, na contemporaneidade emerge um pensamento
pós-metafísico que
assume uma dupla atitude perante a religião, porquanto ele (pensamento pós-
metafísico) é agnóstico e está, ao mesmo tempo, disposto a aprender. Ele insiste
na diferença entre certezas de fé e pretensões de validade contestáveis em
público; abstém-se, porém, de adotar uma presunção racionalista, a qual a
levaria a pretender decidir por si mesmo sobre o que é racional e o que não é nas
doutrinas religiosas. Entretanto, os conteúdos dos quais a razão se apropria por
tradução não constituem necessariamente uma perda para (HABERMAS,
2007a: p.162).
49
A dupla atitude perante a religião que emerge na contemporaneidade não
significa que se exclui imediatamente os conteúdos provenientes da religião, procura
entender e traduzi-los de forma compreensível a todos. De um lado existe uma posição
intermediara, conforme aponta Chambers que pode ser classificada como agnóstica
(CHAMBERS, 2007), mas interessada em entender a dinâmica de funcionamento da
religião, de outro uma tradução dos conteúdos religiosos que precisam ser
expressos em linguagem acessível para todos os indivíduos.
Os diferentes modos de professar a podem, por vezes, gerar tensões dentro
do próprio núcleo religioso e/ou entre as religiões. A distinção clássica entre e saber
parece não ter sido um processo homogêneo e unilateral nas tradições religiosas nem
mesmo no todo do universo próprio de uma religião, isto é, mesmo que a distinção e
saber tenha acontecido no cristianismo, por exemplo, nem todos os cristão passaram
por esse processo ou aceitam tal distinção, isso pode gerar um tensão interna. A
filosofia dos gregos serviu de âncora, sendo incorporada, para dela retirar os meios
retóricos e antropológicos na direção de aproximar a teologia à realidade concreta dos
povos helênicos.
Com a virada antropológica - ou seja, o homem passou a ser o centro das ações,
e não mais Deus - ocorreu um movimento humanista que levou o discurso acerca de fé
e saber a ultrapassar os limites clericais. A partir de então, a religião se submeteu

juízo perante a razão. E nesse momento surge a filosofia da relig -
BACHMAN, apud HABERMAS, 2007a: p. 235).
Para investigar a separação proposta pela virada antropológica, é importante ter
em mente que a filosofia kantiana influi de maneira substancial, pois fora Kant quem
propusera a autocrítica da razão no que tange à religião. O pensamento filosófico
postulado por Kant passa a projetar, no âmbito da razão transcendental, uma ideia de
todo. O indivíduo pode pensar, mediante categorias do entendimento e das condições
da razão prática, uma unidade. Contudo, ela (razão transcendental) é obrigada a
renunciar a asserções hipostasiantes sobre qualquer tipo de estrutura ontológica ou
teleológica da natureza e da história. Porquanto, nem o ente em sua totalidade, nem o
50
mundo ético enquanto tal forma um objeto possível de nosso conhe
(HABERMAS, 2007a: p. 236).
Dessa forma, a pretensa universalidade da filosofia clássica sofreu um duro
golpe, ou seja, pensar um universal ontológico, dado enquanto realidade concreta e
verdadeira passou a ser sinônimo de falta de fundamento epistemológico. Por outro
lado, a divisão gera um humanismo que em muitos aspectos substitui a religião.
Mesmo com o esforço da Filosofia da Religião em procurar estabelecer limites e
padronizar o discurso em torno de religião, reaparecem posturas radicais em torno da
univocidade da mensagem divina, entre elas encontra-se as posturas fundamentalistas.
Nessas posturas radicais da fé, por vezes, estaria tolhendo a liberdade que
outrora fora almejada com extremo ardor devido à radicalidade da imposição de um
Deus único e que aproxima, de modo muito temerário, moral e religião. Essa concepção
monoteísta das três religiões de origem abraâmica sofre duras críticas que caminham
na esteira da desconstrução de uma idéia de universalidade.
Essas críticas, antes relegada às margens do pensamento, adquirem hoje foros
de cidadania no mundo filosófico, com a tentativa de reabilitação do politeísmo,
influenciado por certas leituras, tanto de Nietzsche como de Heidegger.
Trata-se de um fenômeno característico da civilização pós-cristã, que, na medida
em que não professa simplesmente o agnosticismo ou o ateísmo, sente-se livre
para configurar da maneira que lhe parece mais sugestiva o seu horizonte
religioso. Daí não o recurso ao politeísmo (.) mas também as tendências
panteístas da religiosidade contemporânea (MACDOWELL, 2004: p. 420).
No caso do agnosticismo destaca-se aceitação de aprendizado de ambos os
lados, evitando assim um confronto e revelando um interesse em se dedicar de modo
profundo no entendimento do funcionamento da religião. No caso do ateísmo uma
tendência a rejeitar algo de bom que poderia vir da religião. Agnosticismo e ateísmo são
concepções e maneiras de pensar o mundo ou sobre o mundo típicas da nossa
sociedade ocidental pós-cristã. Dessas linhas geralmente vem a crítica à religião e
deixam livre para fazer uso de outras tendências religiosas como o panteísmo e o
politeísmo, pois retiram a religião tradicional e não colocam algo no lugar. Tudo isso
pode levar a um relativismo moral, pois o fundamento da moralidade parece se
esfacelar em meio às críticas.
51
Todas essas críticas permitiram uma abertura à diversidade religiosa, mesmo
que atacando a própria religião. Existe uma relação muito estreita entre o
distanciamento em relação à metafísica tradicional e o entendimento da pluralidade
religiosa, mas que passou a ser entendida como sinônimo de individualidade. Em
resposta à radicalidades dos monoteísmos, em meio às críticas do agnosticismo e do
ateísmosmo apresenta-se como uma metáfora
para o pluralismo(MACDOWELL, 2004: p. 420), afrontando, assim, as meta-narrativas
e afirmando o pensamento pós-moderno.
No entender de Habermas, o discurso filosófico da modernidade se apresenta
como um problema, visto que a unidade da razão moderna clássica se diluiu em
racionalidades e o discurso religioso perde legitimidade, por um lado, e, por outro,
emergem fanatismos e novos movimentos religiosos como formas de resposta.
Estamos nos desdobramentos de um processo moderno que em parte fracassou e em
outra medida se desenvolveu sobremaneira.
A dupla atitude do agnosticismo contemporâneo se percebe, por um lado, na
postura firme de não afirmar nada sobre o que está além do que podemos conhecer, e
por outro lado, mostra-se interessado em aprender algo sobre a experiência religiosa,
além de entendê-la.
II. 5. Como Habermas lê Kant: Filosofia da Religião em Habermas
Apoiado em Kant, Habermas desenvolve uma Filosofia da Religião que tenta
dialogar tanto com naturalistas quanto com os racionalistas que se submetem ao cânon
da Igreja Católica. O ponto de partida de sua filosofia da religião é saber justamente se
uma sociedade pós-metafísica também é uma sociedade pós-religiosa. Dito de outro
modo, não podemos misturar o que é ciência com a fé. Baseia-se assim no final da
Crítica da razão pura, onde Kant afirma que precisa por de lado a razão para abrir
espaço para a fé.
Apesar do tema da religião não ser central no conjunto da obra de Habermas,
recentemente apareceram inúmeras publicações mostrando que o autor se preocupa
52
com o tema. Desse modo, podemos falar de uma Filosofia da Religião em Habermas.
Estrada entende que a proposta de Habermas esbarra em certo sentido na posição
positivista, mas reconhece seu esforço por
uma serie de estudos s p. 166).
Habermas reconhece que o processo de transformação da sociedade e da
religião rumo ao monoteísmo também se deu com múltiplas  O próprio
pensamento de Deus, ou seja, a idéia de Deus criador, uno e salvador, significou a
abertura de uma perspectiva totalmente distinta em relação às narrativas inicias do
 198).
Segundo Habermas, não podemos compreender definições como moralidade,
eticidade, pessoa, individualidade, liberdade e emancipação sem considerar a idéia
judaico cristã acerca da salvação. Assim, sem a mediação socializadora e a
transformação de alguns conteúdos das grandes religiões, o conteúdo semântico se
tornará inacessível.
Kant desfaz-se desse forte dualismo entre dentro e fora, entre moralidade e
legalidade, quando traduz a idéia de uma igreja geral, invisível e inscrita em todos
           
re      
assume uma figura institucional em analogia com uma comunidade eclesial
inclusiva e universal: Podemos designar [...] uma relação entre homens sob
simples leis da virtude [...] uma relação ética e, à medida que tais leis são
públicas, podemos caracterizá-la como uma relação ético-cidadã (para diferenciá-
la da relação jurídico-cidadã). Tal passagem clarifica sobremaneira o fato de que
a formação dos conceitos e teorias da filosofia depende de uma fonte de
inspiração que se alimenta da tradição religiosa (HABERMAS, 2007a: p. 254).
Desse modo existem dois desdobramentos importantes; o primeiro diz respeito à
universalidade ética contida nas propostas dos três monoteísmos; o segundo refere-se
a pretensão do próprio Habermas em universalizar a ética da comunicação. Conforme
entende Estrada, Habermas admite que a religião possui um papel de modernização
cultural no Ocidente bem como a inspiração causada para se chegar à Declaração dos
Direitos Humanos, à democracia social, e também à concepção universal e igualitária
do homem. Iss        
motivações da religião que explicam sua  p.157).
As ações humanas, para Habermas, acontecem devido à intencionalidade. As
atitudes ocorrem porque existe um interesse por detrás delas. Ao propor uma ética da
53
intencionalidade (HABERMAS, 2002b), Habermas se preocupa em esclarecer que
nenhum ser humano realiza ações por livre doação. Porém não é um fim que justifica os
meios como em Maquiavel, mas uma responsabilidade que precisa estar embutida na
intenção.
Assim, de acordo com a proposta de Habermas, em toda ação humana existe
uma intencionalidade, isto é, nenhum indivíduo age por um intuito gratuito, por um
imperativo categórico restrito. Não é a negação da proposta kantiana, mas uma
tentativa de repensar a aplicabilidade deste pressuposto kantiano do imperativo
categórico. O imperativo categórico é, então, um norte para a conduta, mas não uma
norma imutável e dogmática. Porém Habermas aponta para a necessidade da
responsabilidade pautando as ações humanas.
Segundo Habermas o desenvolvimento das ciências sociais aproxima-as do ideal
positivista de ciência, de forma que passam a se aproximar das ciências naturais,
sobretudo no sentido que predomina nelas, o interesse cognitivo puramente técnico.
Contudo, ao considerarmos as ciências sociais sob esse aspecto, elas não mais
disponibilizarão condições e pontos de vista normativos, além de idéias para orientação
prática. Assim estaríamos considerando que a ciência se resume aos meios, ou seja,
ela nos mostra os meios para alcançar os fins, mas os fins continuam obtusos para
essa ciência. Dessa forma a razão é puramente impotente perante os fins. Portanto, a
razão não pode fundamentá-los.
Parece que essa concepção confere apenas aos juízos científicos a condição de
conhecimento, porque o juízo valorativo se fundamenta na decisão. Existe, portanto,
uma distinção epistemológica entre conhecer e avaliar. Ou seja, se assim
considerarmos a ciência objetiva confere possibilidade de produção epistemológica,
enquanto que ao juízo valorativo o é permitido construir um conhecimento objetivo e
lido. Restringimos o conhecimento ao nível científico e impedimos o desenvolvimento
do caráter subjetivo do sujeito. Isso significa que a ciência é incapaz de resolver os
problemas práticos, enquanto que o juízo valorativo não pode assumir legitimidade nem
consegue assumir uma concatenação lógica coerente e ativa.
Conforme Habermas aponta, o dualismo, que se apresenta entre fatos e
decisões, obriga a considerar como conhecimento válido apenas aquele proveniente
54
das ciências experimentais. No entanto, caso tentemos eliminar pelo conhecimento
racional a redução empirista, não devemos nos surpreender, quando da tentativa
desesperada de garantir institucionalmente uma ação preliminar e socialmente
comprometida com os problemas práticos, ou seja, voltarmos ao fechado mundo das
imagens e forças míticas em que a racionalidade subjetiva é a única regra (cf.
HABERMAS, 2007a: pp. 162ss).
A própria crítica de Habermas à metafísica parece muito complicada porque sua
postura de afirmar que na religião existem conteúdos semânticos relevantes possibilita
entender uma proximidade entre a prática da religião e a metafísica; embora concorde
com Kant, que afirma que a religião pode ser praticada somente nos limites da razão,
tudo o mais é excesso, extravasamento do papel que concerne à razão prática.
Por isso, ao positivismo do conhecimento corresponde à tomada de decisão
levando em consideração as opções no campo da práxis. A partir desse postulado,
Habermas procura estruturar uma Filosofia da História orientada praticamente para
entender o processo de desenvolvimento da racionalidade. Isso significa que os fins e
os meios devem ser considerados como inseparáveis, embora necessitemos considerar
o processo dialético para compreender essa inseparabilidade. Para o autor isso resulta
na impossibilidade de uma objetividade totalmente imparcial. Portanto, precisamos
construir uma Filosofia Crítica, que não seja ingênua e precipitada.
A preocupação central de Habermas consiste em demonstrar que é possível
resolver as questões sociais e filosóficas baseando-se no diálogo, ou seja, na
argumentação responsável que não exclua o outro do debate. O maior exemplo disso é
a construção dos Estados nacionais antigos na Europa comparada com os Estados
nacionais modernos surgidos depois de 1648. Antes do Tratado de Westfalia, a Europa
utilizava apenas a força e a ética, mas a que prevalecia era a do mais forte; depois do
tratado ocorreram modificações de cunho político com fundamentação filosófica, ou
seja, a filosofia passou a ser utilizada como um instrumento de diálogo.
As relações internacionais demonstram claramente a intencionalidade da ação
dos homens. Porque existe um interesse de forças políticas atuando em oposição a
outro que não permite que todos estejam inseridos no discurso social. Mas não basta
55
fazer um discurso, é preciso que o processo de formação do indivíduo esteja de acordo
com o discurso e se fundamente na responsabilidade e no comprometimento.
Nas palavras de Habermas, a sociedade contemporânea procura afastar-se do
problema da metafísica tradicional. Ocorre que o movimento dessa mudança caminha
partindo da concepção religiosa para fundamentar as ciências na experiência. Com
efeito,
a desvalorização de conceitos metafísicos básicos também está relacionada com
um deslocamento da autoridade epistêmica, que passa das doutrinas religiosas
às modernas ciências empíricas (HABERMAS, 2002: p. 19).
Embora a epistemologia não se refira diretamente à ética, por ser neo-kantiana,
Habermas acredita na força da razão teórica para fazer ciência dentro dos limites do
conhecimento possível.
Dessa forma, aparece uma preocupação muito clara no pensamento de
Habermas, a saber: a desvinculação da ética em relação à metafísica tradicional que
retirou o norte de nossas ações. A filosofia contemporânea deve se contentar com o
razoável.
Segundo Habermas as conseqüências da postura kantiana no que se refere à
libertação da moral das amarras da teologia geraram inúmeras pluralidades na conduta
moral. Iss
tipo de conte (HABERMAS, 2007a: 239).
Esse processo que tornou a moral independente da teologia se mostra presente
quando o Estado moderno impõe a laicidade e declara a liberdade de conduta para
seus cidadãos, desde que dentro da lei. Isso não é aceito, conforme veremos adiante,
pelo Papa, que entende a lei divina como sendo a única verdadeira.
O ponto central passa a ser 
de considerarmos Deus ou a razão não muda o conteúdo das leis morais
(HABERMAS, 2007a: 239), visto que o conteúdo da moral e da religião é o mesmo.
Em certo sentido Kant também faz uma apologia da religião quando afirma que
        de fé
(apud HABERMAS, 2007a: p. 240). Assim, o que determina se um homem é digno de
ser chamado bom é sua conduta, sua vida moral.
56
Resumindo a filosofia da religião, em uma palavra, seu papel de construir um
conhecimento da religião nos limites da razão.
Nas palavras de Habermas:
Meu interesse na filosofia da religião, de Kant, toma como orientação a seguinte
questão: é possível apropriarmo-nos da herança semântica de tradições
religiosas sem borrar os limites que separam os universos da e do saber? E
em caso afirmativo, como isso é possível? No prefácio à Disputa das faculdades,
o próprio Kant lembra e isso não foi certamente provocado por motivos de
autoproteção 
entende a compensação de tal deficiência como 
          
ra tal sucesso
(HABERMAS, 2007a: p. 238).
Em suma, a filosofia da religião de Habermas leva em conta a herança
semântica postulada por Kant e tenta construir o conhecimento nos limites da razão
transcendental.
57
III capítulo
O debate em torno da religião na sociedade contemporânea
Este capítulo trata especificamente do debate acerca da religião em nossos
dias, abordando alguns comentadores de Habermas e também do debate deste com o
então cardeal Ratzinger na Academia Católica da Baviera.
Como foi visto, a diversidade moral presente na modernidade se chocou de
modo explosivo com visões tradicionais de mundo (cf. atentados de 11.09.2001),
causando uma reação religiosa, no entender de Habermas, na sociedade que se dizia
secularizada.
Se Habermas entende que existe uma determinada capacidade da modernidade
de se desdobrar em acontecimentos que nem sempre a razão entende, e que somente
a dialógica pode responder de maneira adequada à diversidade moral existente na
contemporaneidade, o atual Papa Bento XVI também entende que existe uma
dualidade entre religião e razão, a qual não deveria existir.
Na dialógica, entendida como capacidade de compreensão pela linguagem de
noções diferentes de moral e de religião, temos um possível que pode contribuir para a
superação o problema do esvaziamento semântico da contemporaneidade, que levou a
perda de sentido dos valores morais e trouxe tensões para o mundo, especialmente
entre as religiões.
Embora Ratzinger o seja um defensor da dialógica, ele é favorável ao debate
porque reconhece o encontro entres as culturas e que um permeia outra. Isso fez com
que as certezas éticas passassem não servir mais para nortear a ação e gerou um
problema. Para resolver essa questão a ciência ou a razão, por si , de acordo com
Ratzinger, não é suficiente, pois não consegue etos.
no processo de um encontro e permeação das culturas, desfizeram-se em grande
parte as certezas éticas que antes serviram de suporte; continua sem resposta a
questão fundamental: o que é o bem propriamente dito, sobretudo no contexto
dado atualmente? E por que esse bem deve ser praticado, mesmo que seja em
prejuízo próprio? A mim me parece óbvio que a ciência como tal não é capaz de
produzir um etos, ou seja, uma consciência ética renovada não surgirá como fruto
de debates científicos (RATZINGER, 2007: p. 62-63)
58
Caso o atual Papa Bento XVI esteja correto no que tange à insuficiência de
resultados no debate dos cientistas na busca de uma ética, não estaria novamente a
noção ocidental de razão correndo perigo? No entender do Papa restou apenas a
responsabilidade de se fazer uma crítica consistente aos avanços da técnica. Para
tanto a Dialógica é um instrumento importante porque iguala os diferentes participantes
do debate na mediação da linguagem, produzindo um símbolo que serve de canal de
comunicação, conforme entende Ricoeur      Metáfora
V. O que restou à Filosofia no entender de Bento XVI é a responsabilidade pelo ser
humano.
Assim, sobrou apenas a responsabilidade da ciência pelo ser humano enquanto
ser humano e, sobretudo, a responsabilidade da filosofia de acompanhar de
forma crítica as ciências singulares, denunciando conclusões precipitadas e
certezas aparentes sobre o que é o ser humano, de onde vem e para que existe,
ou, em outras palavras, eliminando o elemento não-científico dos resultados
científicos com os quais não raramente se confunde, para manter aberto o olhar
sobre o todo, sobre as demais dimensões da realidade humana, da qual as
ciências só podem mostrar aspectos parciais (RATZINGER, 2007: p. 63-64).
Nessa perspectiva o Direito e o Estado moderno assumem características
extremamente importantes porque a liberdade sem direito é anarquia que destrói a
liberdade, p. 65).
Enquanto Habermas propõe o uso adequado da dialógica para tentar mediar os
debates entre e saber e evitar excessos, Ratzinger fala de um exagero que deve ser
contido em ambas as partes, ou seja, na Fé e na razão.
Tínhamos visto que existem patologias na religião que são extremamente
perigosas e que exigem que se use a luz divina da razão como uma espécie de
órgão de controle que a religião deve usar constantemente para sua purificação e
reordenação, idéia que, aliás, já era defendida pelos padres da igreja. Mas,
nossas reflexões mostraram que existem também patologias da razão (fato do
qual a humanidade em geral não tem a mesma consciência). Existe a hybris da
razão, que não é menos perigosa; por causa de sua eficiência potencial, é até
mais ameaçadora, pois produz a bomba atômica e enxerga o ser humano como
um mero produto. Por isso se faz necessário que a razão também seja levada a
reconhecer seus limites e a aprender com as grandes tradições religiosas da
humanidade. Quando ela passa a se emancipar completamente, deixando de
lado a disposição de aprender e de se correlacionar, ela se torna destruidora
(Ibid, p. 87-88).
Por outro lado, o texto de Habermas sobre Glauben und Wissen mostra também
que a religião, que outrora foi definida como superada, reaparece com força
59
esmagadora devido à comoção gerada pelos ataques de 11 de setembro de 2001 às
torres gêmeas em Nova York (HABERMAS, 2002: p. 62). Por isso a tem algo a dizer
dentro desse cenário moderno e existiria uma correlação entre fé e saber.

nada a dizer ao ser humano atual pelo simples fato de ela contradizer a idéia

necessidade de uma correlacionalidade entre razão e fé, entre razão e religião.
Ambas são chamadas a se purificarem e curarem mutuamente, e é necessário
que reconheçam o fato de que uma precisa da outra (RATZINGER, 2007: p. 89).
Essa correlacionalidade impediria a hybris
3
tanto da quanto da razão,
permitindo assim não repetir os erros que geraram a revolta dos muçulmanos que
atacaram as torres gêmeas em 2001.
Evitar os excessos pode garantir que as diferentes matrizes religiosas de origem
monoteísta possam coabitar pacificamente, ou seja, evitar um dogmatismo universal e
impróprio para a diversidade cultural e religiosa de nosso tempo. Desse modo é
importante que tenhamos em mente que precisamos incluir todas as religiões na
discussão.
É importante incluí-las na tentativa de uma correlação polifônica, na qual elas
próprias possam abrir-se à complementaridade essencial de razão e fé, de modo
que possa ter início um processo universal de purificação no qual possam
ganhar, por fim, um novo brilho aqueles valores e normas que, de alguma forma,
são conhecidos ou vislumbrados por todos os homens, para que possa ganhar
nova força e eficácia na humanidade aquilo que mantém o mundo unido (Ibid, p.
90).
É nesse ponto que emerge novamente uma tensão entre Habermas e Bento XVI,
porque o cristianismo, apesar de ser não mencionada diretamente, pretende ser
justamente uma religião única e universal e isso está implícito no discurso de Bento;
enquanto que Habermas, como dissemos anteriormente, entende a sociedade pós-
metafísica como plural inclusive no âmbito religioso.
Embora muitos pensadores contemporâneos afirmem que é impossível
relacionar e saber, entendemos que Habermas não parte da oposição clara entre
ambos, mas quer sim aprofundar o debate. Um dos adeptos dessa postura de
separação e oposição afirma:
3
Entendida no sentido grego de excesso, passar da medida. (ver Aristóteles, Ética a Nicomaco)
60
Em ocasião do recebimento do Friedenspreis, em 2001, Habermas ministrou uma
conferência com o título hegeliano de Fé e saber. Neste texto, Habermas afirma
que de fato a religião segue desempenhando um importante papel na sociedade
secularizada ao oferecer orientação a muitas pessoas. Deste ponto de vista,
parece-me que Habermas se limita a constatar um dado de fato, sem atribuir-lhe
necessariamente valor positivo, apesar de ele reconhecer a importância da
religião na discussão de temáticas moralmente relevantes como a biogenética.
Seu apelo para um maior diálogo entre os cidadãos crentes e os secularizados
não deve ser lido como uma espécie de rendição do agnóstico Habermas à
superioridade da religião, como gostariam alguns intérpretes interessados
(PINZANI, 2009: p. 213).
É verdade que Habermas não se rendeu a superioridade religião, mas por outro
lado ele reconhece que existe um valor positivo na religião presente na sociedade
contemporânea, ou seja, existe um sentido no discurso religioso, mesmo que não seja
teológico, um sentido ético e moral nas religiões. Portanto há um reconhecimento da
possibilidade de diálogo entre crentes e secularizados, que nós podemos afirmar que é
dizer que podem dialogar. Habermas se apóia em Kant para discutir a temática da e
saber e não em pensadores que não aceitam uma Filosofia da Religião e separam
radicalmente e saber como Schopenhauer. Kant parte de um pressuposto a priori da
razão transcendental para postular uma Filosofia da Religião, enquanto que
Schopenhauer define o pressuposto de patologia religiosa através da empiria, da
observação a posteriori.
III .1 Tensões entre religiões
Alguns acontecimentos recentes acerca da religião vem pondo em evidencia as
tensões referentes as religiões em nosso tempo. Um exemplo disso é
a globalização do fenômeno do terrorismo de inspiração Islâmica tem acirrado
nos últimos tempos a discussão em torno das religiões monoteístas e do
potencial de violência gerado, segundo alguns, por sua pretensão de absoluto e
de universalidade (MACDOWELL, 2004: p. 419).
As religiões monoteístas sofrem influências diretas da conduta social, o que leva
a crer que elas na verdade representam uma extensão da possibilidade de sentido dos
indivíduos. Sendo impossível hoje realizar somente uma pregação apologética ou uma
exaltação da fé, talvez seja necessário um recuo estratégico de todas as denominações
61
religiosas para que seja possível um diálogo. E até mesmo a inclusão do diferente no
debate.
Em outras palavras, não podemos impor uma universalidade metafísica no
mundo pluralista de nosso tempo. Se o fizermos estaremos desrespeitando a origem
racional das religiões que sempre esteve circunscrita ao contexto social.
As principais tensões presentes na contemporaneidade podem ser resumidas a
três âmbitos: a) o reaparecimento de grupos radicais e sectários; b) a aproximação do
Estado e da igreja em alguns países teocráticos e c) a violência entre as religiões
monoteístas.
No primeiro movimento observa-se uma tentativa de retomar antigos problemas,
como a atitude dos teólogos radicais, de ordem moral para justificar as revoltas e
atitudes de cunho extremista.
No segundo âmbito, observa-se a retomada de poder das correntes religiosas.
Basta lembramos, como exemplo, o Irã, países que representam o caminho inverso do
processo de saída da igreja do âmbito público.
E na terceira tensão observa-se a violência entre os três modelos de
monoteísmo do ocidente, islamismo, cristianismo, e judaísmo.
Embora Habermas saiba que é um tanto difícil, senão impossível, atingir uma
dialógica pura, as tensões entre as religiões na contemporaneidade poderiam ser
amainadas se houvesse certa abertura e também um reconhecimento do limite do
discurso religioso na sociedade secularizada de nossos dias.
De acordo com Brunkhorst os movimentos radicais ganham espaço na
sociedade da América, especialmente em momentos de crise como a de 2008, isto é,
Religião e capitalismo mais uma vez estão em estreita relação, como podemos
ver de forma dramática a crise financeira mundial de 2008. Nos E. U. A. os
fundamentalistas religiosos no Congresso votaram contra o socorro porque não
acreditam na motivação em paradigma cientifico da desregulamentação dos
mercados e na episteme neoliberal, mas por sua crença em Jesus cristo
(BRUNKHORST, 2008: p. 176).
Entrando em confronto direto com as concepções científicas presentes na
sociedade secular, essa diferença entre religião e ciência parece ignorar o triunfo dos
marcos de desregulamentação da economia e da epistemologia do paradigma
neoliberal.
62
Precisamos levar em consideração algo fundamental no que se refere a
diferenciar religião de capitalismo. Religião é bem diferente do capitalismo moderno no
que tange a solidariedade. Contrária aos mercados e ao capitalismo, religião está
internamente ligada com a solidariedade (BRUNKHORST, 2008: p.179). Esse vínculo
da religião com a solidariedade talvez permita com que ela sobreviva à força
incomensurável do capitalismo e até mesmo se adapte a ele. Uma vez que o princípio
de solidariedade é externo ao capitalismo. Novamente, talvez a religião consiga se
adaptar com tanta propriedade à sociedade capitalista porque ela empresta de fora
esse princípio de solidariedade que no capitalismo puro não há.
O nexo entre a noção capitalista e a tensão entre os monoteísmos se encontra
justamente na forma em que cada um deles lida como a livre iniciativa, o mercado sem
regulamentação e a lei da oferta e da procura, pressupostos básicos do capitalismo.
Sendo que as religiões monoteístas em geral pregam a solidariedade, a dedicação ao
outro, a não competição dentro de suas instituições e na prática diária da moral. Além
disso, postulam uma economia de bens que seja somente suficiente para a própria
sobrevivência, não acúmulo de capital.
Segundo Brunkhorst, existem duas implicações no pensamento de Habermas
acerca da crítica a essa postura de não solidariedade no capitalismo. A primeira critica
implica em que não há democracia sem uma política (ou uma ptica política). Para
Brunkhorst a democracia faz sentido dentro do contexto pluralista, que é
característico da sociedade pós-metafísico. Essa mentalidade pós-metafísica não é
muito bem vista por Habermas devido à sua perda semântica na religião porque o
conteúdo deveria passar pela tradução até chegar a uma linguagem inteligível aos
indivíduos secularizados.
Uma segunda conseqüência é a
repressão e dominação, não só, como Marx e Rorty supunham, o significado
materialista ou social estrutural da expropriação econômica e opressão política,
mas portanto como Bloch, Benjamim e Adorno ou mais tarde, Foucault e Judith
Butler argumentaram, os aspectos éticos, culturais ou meta-significado político do
discurso-poder, o discurso-policia, exclusão semântica, silenciando etc
(BRUNKHORST, 2008: 186).
De acordo com Brunkhorst, Habermas critica a tentativa de eliminar a razão do
debate sem levar em consideração a importância da possibilidade de uma ação
63
comunicativa mediada pela linguagem racional, bem como a exagerada crítica à
ideologia sem nenhuma postura crítica de análise.
Habermas necessita dos projetos intelectuais como a criptoteologia de Benjamin
a dialética negativa de Adorno ou desconstrutivismo de Derrida que, o que pode
ser racionalidade reconstruída em termos de racionalidade comunicativa, e que é
uma teoria da crítica redentora, e ele precisa em primeiro lugar, porque a
racionalidade comunicativa tem a mesma extensão como a solidariedade
universal, (BRUNKHORST, 2008: p.187).
Apesar de acreditar parcialmente na proposta de Adorno de levar adiante a
proposta do esclarecimento, ainda de acordo com Brunkhorst, Habermas não concorda
com o esvaziamento semântico da sociedade s-moderna postulado especificamente
por Lyotard. Esse em sua obra  s-    
fragmentação dos valores e da moral de nosso tempo.
Habermas acredita, é verdade, em Benjamim, sobretudo na idéia de
solidariedade universal, mas reconstruída de modo a levar em conta a ação
comunicativa como mediação.
Como Habermas demonstra, qualquer reconstrução da crítica redentora de
Benjamin em termos de racionalidade comunicativa deve descartar a esperança
religiosa que todos os homens substancialmente devem ser reapresentados, mas
ele mantém a idéia de uma participação virtual através da interpretação presente
(BRUNKHORST, 2008: p.188).
O problema central o é aceitação da postura de Benjamim, mas na verdade
como podemos atingir o núcleo da experiência religiosa na sociedade contemporânea.
Essa experiência religiosa genuína estaria em contradição com o Estado secular e o
próprio cidadão secular.
A experiência religiosa de um estranhamento frente ao que se propõe na
sociedade secularizada gera uma profunda tensão Isso o pode ser simplesmente
chamado de irracionalidade porque nos encontramos numa sociedade herdeira do
iluminismo.
Conforme aponta Habermas em vários momentos de sua obra, a religião passou
a ser uma questão pública devido seu potencial semântico que os secularizados não
podem negar e devido ao seu valor moral que continua presente entre as diferentes
denominações religiosas reafirmando a tese de Kant acerca da religião nos limites da
razão. Sendo que em essência a religião não é ruim, depende de como se sua
64
prática e é nesse campo que ocorre as principais tensões e conflitos entre as religiões
que propõe com caminho de possível solução o método dialógico.
As tensões entre as religiões ficaram no âmbito da relação com o diferente e a
exclusão da metafísica do debate publico que a esfera pos metafísica tenta formular,
nas a religião insiste em aparecer no debate publico e por isso tem seu valor no debate
acerca da moral.
III. 2 Fé e Saber e a Possibilidade de uma Reserva Semântica na Religião
O processo de secularização no Ocidente sempre foi muito controverso. Muitos
pensadores afirmaram em alguns momentos que a religião estaria relegada ao
esquecimento, e em seu lugar seriam colocadas respostas mais adequadas às
inquietações do ser humano. A saída dos fiéis das igrejas e a retirada da religião da
esfera pública representariam definitivamente a vitória da ciência sobre as superstições
da religião.
Essa crença na razão gerou o enquadramento das crenças religiosas, mas a
mudança que colocou o homem no centro do universo provocou algumas dificuldades.
Inicialmente, definir o que é religião gera uma redução drástica do sentido do termo em
âmbito público. Outro aspecto é relegar a religião ao âmbito privado, bem como a sua
definição de crença particular ou subjetiva. Essas duas perdas de conteúdo semântico
associado ao processo de secularização crescente na Europa do século XX mudaram
definitivamente o panorama do cristianismo no Ocidente.
A crença religiosa é importante porque por seu intermédio é que se pode ter uma
visão da totalidade do homem; por isso, por caminhos diferentes Habermas e Ratzinger
acabam convergindo no final, pois ambos entendem que é necessário que haja uma
reserva mínima de valor moral que garanta e leve em conta a existência de um
transcendente.
Enquanto que Habermas enfatiza a visão filosófica de mundo, apoiado,
sobretudo, no conceito de agir comunicativo que preza pela argumentação coerente e
lógica e também pela tolerância em permitir que todos exponham seus argumentos com
igual possibilidade; Ratzinger procura por intermédio da metodologia teológica reafirmar
a verdade da fé crista e criticar a razão secular e seus exageros.
65
Esse caminho diferente também implica em uma discordância parcial entre eles,
porque os dois reconhecem o potencial racional e intelectual do ser humano de se
posicionar frente a situações cotidianas e das crenças religiosas, mas destoam quando
se trata do fundamento e da origem das visões de mundo. A superação da dicotomia
entre racional e religioso se da medida que o individuo se lance no es
curo para afirmar o religioso. Uma tentativa de superação dessa dicotomia entre
racional e religioso fora o existencialismo de
Kierkegaard (que) descreve desta maneira, inspirando-se em formas de vida
          
figuras de um desespero inicialmente reprimido e que, a seguir, ultrapassa o
limiar da consciência obrigando, finalmente, a uma conversão da consciência
centrada no eu. Essas diferentes figuras do desespero constituem outras tantas
manifestações do fracasso da relação existencial fundamental que poderia tornar
  
inquietantes de uma pessoa que, de um lado, se conscientiza de que está
determinada a tornar-

mais baixo: desespera de quere

final das contas, reconhece que a fonte do desespero está, não nas
circunstâncias, mas recalcitrante, porém, mesmo assim, infrutíer ser
 p.265-266).
Em geral a oposição entre e saber não possui sua origem em Habermas,
muito se debateu na história do ocidente sobre tal separação, muitos também foram os
conflitos resultantes de tal tensão.
Em sua obra de 2002, Habermas faz um apanhado geral dos argumentos que
levaram o ocidente aos conflitos entre esses dois campos de conhecimento na história
do pensamento ocidental e traz as tensões entre Estado e igreja, que reaparecem nos
Estados ditos seculares.
Desse modo, para , (2009), em uma critica a Habermas, não seria
possível um discurso religioso na tentativa de fundar as ações do Estado e da moral,
logo a aceitação de um discurso legítimo evocando a pluralidade estaria destruindo o
caráter laico da sociedade.
Por isso, ainda para este autor, os conceitos de esfera pública e privada em
Habermas estariam apenas mascarando a aceitação de uma visão religiosa de mundo,
Habermas abriria uma perigosa possibilidade da retomada dos argumentos religiosos
na esfera publica (, 2009).
66
Desse modo, permanece o sentido oral que a religião procura dar a vida
cotidiana e seu modo de interpretar o mundo ainda fazem sentido como orientação
pessoal para muitos fiéis que convivem com os chamados cidadãos seculares.
III. 3 Diálogo Habermas-Ratzinger: esferas pública e privada.
O debate entre Habermas e o então cardeal Ratzinger ganhou notoriedade
mundial depois de uma conferência na academia da Baviera em janeiro de 2004, tendo
girado em torno de fé e razão, avanço da ciência e multiculturalismo. Em texto anterior
a esse debate, Habermas havia apontado suas teses sobre e saber (HABERMAS,
2002), mas ainda não havia tido a oportunidade de debater a questão frente a frente
com o Cardeal Ratzinger.
O diálogo entre o atual Papa Bento XVI e Habermas serviu de pretexto para que
as discussões acerca da religião e da razão voltassem à baila. Os principais pontos
defendidos por Habermas foram: 1- o liberalismo político, 2- independência de
fundamentação do Estado frente à religião, 3- natureza secular do Estado, 4
sociedade pós-secular e consciência blica, e 5- religião e seus processos de
assimilação de outras filosofias.
A contra argumentação de Ratzinger caminhou pelos seguintes pontos: 1-
debater o projeto de ética universal proposto por Hans ng, 2- a quem compete a
autoridade ou o poder do direito, 3- a natureza do poder, 4- tutela da razão e
interculturalidade, 5- tutela da religião.
A origem semântica da filosofia do ocidente, apoiada na concepção grega
especialmente Platão e Aristóteles, possui grande valor nos debates religiosos -
especialmente nos que envolvem cristãos - onde, com efeito, emerge uma dúvida
substancial, que também parece retórica. Uma vez que a resposta afirmativa parece
satisfatória: podemos fazer uso dos conteúdos semânticos das gerações passadas para
pensar a religião hoje?
Partindo da crítica que Ratzinger faz a origem dos argumentos dos pensadores
seculares, percebemos que ele faz uma tentativa sistemática de defender os preceitos
do catolicismo criticando, sobretudo, a razão científica, seu potencial destruidor e a
67
tentativa de secularizar a moral. Habermas procura identificar elementos na religião
que ainda sirvam para o debate moral sem que se imponha uma secularidade
irrevogável, por isso da importância do agir comunicativo.
Embora haja uma concordância entre o filósofo alemão o cardeal em relação à
secularização e às patologias da religião, Ratzinger critica a razão e lhe atribui
patologias até mais pesadas que as da religião.
Uma das principais motivações da discordância entre Habermas e Ratzinger é a
definição acerca do fracasso ou não da razão iluminista. Ambos consideram que a
razão contemporânea se mostra inteiramente insuficiente porque seus postulados não
conseguem se auto-sustentar, e como conseqüência a relação entre e saber acaba
por se tornar uma tensão que irrompe nas diferentes dimensões da vida cotidiana. Mas
Ratzinger considera que o projeto da razão moderna não pode se auto-sustentar,
enquanto que Habermas acha que a razão moderna sofre com a tensão entre e
saber, que a faz estremecer, o que resultou, em alguns casos, a acontecimentos
violento. E a razão para se sustentar precisa reconhecer seus limites.
Entretanto, a razão não é capaz de recuperar a idéia de uma aproximação do
reino de Deus sobre a terra a qual extrapola a lei dos costumes lançando mão
apenas dos postulados de Deus e da imortalidade. Muito mais do que isso, a
intuição que se liga a tal projeção lembra que o correto tem de procurar respaldo
no bem concreto de formas de vida melhores e melhoradas. As imagens
orientadoras de formas de vida não-fracassadas que poderiam auxiliar, de certa
forma, mesmo sem a certeza da proteção divina como um horizonte do agir que
é, ao mesmo tempo, confinante e propiciador de abertura, porém, não como a
comunidade ética kantiana no singular e também não nos contornos rígidos
daquilo que é devido (HABERMAS, 2007a: p. 255-256).
Por isso, a filosofia procura estabelecer os caminhos práticos da mudança sem
ficar presa na armadilha da razão teórica que opõe e saber de maneira radical.
Muitos filósofos modernos tentaram encontram um sentido na existência humana no
mundo histórico para se livrar da prisão ocidental da razão científica.
Desde Hegel até Marx e o marxismo hegeliano, a filosofia tenta, seguindo as
-se
do conteúdo de libertação coletiva encontrável na mensagem de salvação judeu-
cristã. Entretanto, para Schleiermacher e Kierkegaard, a salvação individual a
qual levanta as maiores dificuldades para a filosofia orientada para o geral
constitui o núcleo da fé. Esses dois pensadores são cristãos, porém, pós-
metafísicos. O primeiro assume alternadamente dois papéis que Kant separara: o
do teólogo e o filósofo; o outro mergulha no papel do escritor religioso, passando
68
a enfrentar os desafios de um Sócrates que filosofa à maneira kantiana
(HABERMAS, 2007a: p. 261).
O esforço          encontra
enormes dificuldades devido ao esvaziamento do sentido semântico da religião na
contemporaneidade, pois nem mesmo um resquício de moralidade se encontra
inteiramente preservado. Aqui encontramos um ceticismo que remete a sua origem a
Hume e que entende a base da conduta humana como o hábito, o que implica na
impossibilidade de determinar o fundamento para as crenças mais íntimas, de modo
que o ceticismo em relação à metafísica implica em considerar a empiria como a
possibilidade mínima de um conhecimento comum. A moral de Hume se define por um
conjunto de costumes porque na razão não há verdade nem falsidade; o que existe é
um desacordo entre as idéias e a existência real dos fatos. Com efeito, a simpatia é
uma necessidade para que exista moral, portanto, é sua uma condição necessária.
Ratzinger poderia devolver o problema dos limites da religião ao apresentar os
limites da sociologia e da filosofia. Habermas fala de uma serie de limites referentes à
religião e a razão, enquanto que Ratzinger fala apenas dos limites da razão, pois a
autofundação da razão em âmbito ontológico não prova nada. Partindo de uma visão
teológica sistemática ele poderia, por exemplo, evocar a união ontológica de Deus com
o homem e seus graus de hierarquia, usando a filosofia como instrumento.
De modos diferentes Ratzinger e Habermas reconhecem o valor da religião para
fornecer fundamentos para o agir moral. Hume não acreditava nisso, pois para ele a
moral é hábito. Já Hegel acreditava na possibilidade de uma moral racional e no
desenvolvimento do espírito para buscar o agir em prol do bem comum. Contudo,
Habermas discorda de Hume e não concorda totalmente com a posição hegeliana,
especialmente no que tange ao modelo de conhecimento da verdade. Por ser seguidor
de um neokantismo, Habermas concorda com a impossibilidade de conhecer a coisa
em si, mas entende que pela dialógica podemos tomar decisões mais próximas do
melhor, ou do bem comum. Essa tentativa de permitir um diálogo entre os diferentes
garante certa reserva simbólica porque todos podem expor seus argumentos sem o
constrangimento frente ao outro que pensa diferente. Ratzinger não concorda com
Hume nem com Hegel e pensa que a religião tem uma função muito maior do apenas
fornecer conteúdo semântico, pois para ele a religião é moral.
69
Existe um conteúdo simbólico que deve ser preservado para que se garanta um
mínimo de coesão social. Por isso a similaridade com Deus não pode ser destruída pela
ciência objetiva.
A transformação da condição de similaridade com Deus do ser humano em
dignidade igual e incondicional de todos os seres humanos é uma dessas
transposições preservadoras que, para além dos limites da comunidade religiosa,
franqueia ao público em geral, composto de crentes de outras religiões e de
descrentes, o conteúdo de conceitos bíblicos. Walter Benjamin foi um daqueles
que algumas vezes conseguiram realizar essas transposições (HABERMAS,
2007b: p. 50).
Ratzinger não concorda com a definição de similaridade com Deus porque existe
uma hierarquia notória entre Deus e os homens e que somente na comunidade
religiosa é que se vive a verdadeira fé. Mas essa transformação da condição de
similariedade de que fala Habermas é um esforço permite a transmissão da mensagem
religiosa sem que se faça uma tentativa de imposição de determinada crença ou
posição moral frente ao público composto por pensamentos distintos.
É preciso entender, conforme apontam os estudiosos da religião que se apóiam
na cultura, que as diferentes formas de religião são sempre frutos da criação do
homem. Desta sorte, querer impor um discurso religioso católico, judaico ou islâmico
como sendo o único verdadeiro é um excesso da razão que quer ser universal unindo
conhecimento teológico com verdade semântica. Assim,
A compreensão filosófica de que todas as religiões têm a mesma origem racional
abre para as igrejas e para a interpretação dogmática dos respectivos credos
eclesiais a possibilidade de encontrar um lugar legítimo em cápsulas
diferenciadas das sociedades modernas (HABERMAS, 2007a: p. 263).
Na realidade, precisamos nos libertar dos exageros da tentativa de provar
ontologicamente a existência de Deus, precisamos evitar o exagero de Anselmo que
propôs a prova logicamente e quis transpô-la para o âmbito ontológico. Isso retirava da
teologia seu papel principal, refletir racionalmente sobre os atributos de Deus. Segundo
Habermas
A justificação filosófica da experiência religiosa em geral liberta a teologia de um
peso de prova desnecessário. Provas da existência de Deus, metafísicas, bem
como especulações similares, são supérfluas (HARBERMAS, 2007a: p.263).
70
Caso não tenhamos a perspicácia necessária estaremos rejeitando a autonomia
da razão e retornando ao preceito da culpa que leva em si a noção de pecado.
Estaremos novamente presos na irracionalidade do misterioso Deus judaico-cristão que
é incognoscível pela razão.
A consciência do pecado, radicalizada, faz com que a autonomia da razão caia
na sombra do poder pura e simplesmente heterogêneo daquele Deus que é
irreconhecível, atestado apenas pela história e que se comunica a si mesmo. Tal
lance neo-ortodoxo que contradiz a autocompreensão antropocêntrica da
modernidade constitui um estágio extremamente importante na história da
filosofia da religião inspirada em Kant. Porquanto ele fortalece o atacado de
limites entre a razão e a religião, desta vez partindo do continente da fé da
revelação. E neste procedimento demarcatório, Kierkegaard emprega a
autolimitação transcendental da razão kantiana contra o próprio antropocentrismo
inerente a ela. o cabe à razão traçar limites à religião, que a experiência
religiosa indica à razão o espaço que ela não pode ultrapassar (HABERMAS,
2007a: p.265).
Habermas não propõe que a razão estabeleça limites para a experiência
religiosa, mas permita refletir sobre o papel da religião sem tentar converter ou
constranger o interlocutor a assumir uma posição que não é verdadeiramente a sua
identidade autêntica.
A distinção entre moral e religião habermasiana, que é de inspiração kantiana,
não é unanimidade entre os comentadores, Pinzani, por exemplo, deixa claro que a
proposta da Habermas é rejeitada por Ratzinger, visto que o aceita tal distinção e
para quem a verdade da igreja católica é a única e universal e, portanto, inegociável.
Essa interpretação de Pinzani, que é polemica, difere do que falamos anteriormente
que Habermas e Ratzinger, por modos diferentes, chegariam no mesmo ponto. Pinzani
pensa que os dois são inconciliáveis:
varias confissões ou instituições religiosas, começando pela igreja católica,
parecem ter muitas dificuldades em renunciar a essa atitude. O próprio Joseph
Ratzinger nunca cansou de insistir sobre a não-negociabilidade da verdade que a
igreja presumidamente possuiria e, portanto da sua postura moral, incluída a
condenação de certos modelos de vida ou de praticas como o aborto, pesquisa
com células-tronco, a eutanásia etc (PINZANI, 2009: p. 216).
Desse modo, aqueles que acreditam que uma proximidade entre o filosofo
alemão e o atual Papa devem estar atentos às sutilezas que os diferenciam em muitos
pontos suas posturas em certos aspectos, sobretudo no âmbito da moral.
71
A tentativa desesperada de buscar identidade em meio à pluralidade mostra o
quão importante é o sentido da existência humana, quando esse sentido falta prevalece
a angústia de não se saber entender o real sentido do mistério da existência, que
permanecer inacessível a nós mortais. Isso se mostra com mais clareza na nossa
realidade por causa das posturas relativistas e reducionistas que se expandem cada
vez mais.
Em uma visão mais abrangente sobre o mundo contemporâneo percebemos que
a tentativa moderna de fundar a razão em um universal ontológico a priori se encontra
desnucleada, ou seja, falta-lhe fundamento que promova uma realidade eficiente e
efetiva das coisas.
a razão, refletindo sobre seu fundamento mais profundo, descobre que sua
origem vem de um outro, cujo poder determinante ela se obrigada a
reconhecer, se não quiser perder a orientação racional no beco sem saída de um
auto-assenhoreamento arrogante (HABERMAS, 2007b: p. 45).
As definições teológicas acerca da existência de Deus possuem dois problemas
básico: 1- impossibilidade de prova ontológica; 2 impossibilidade de provar Deus pelos
atributos.
Apesar dos problemas de tais definições teológicas de Deus, elas ainda são mais
simpáticas e cabíveis do que as propostas de niilistas e filósofos pessimistas que
retiram todo o sentido simbólico presente nas Sagradas Escrituras. Isso significa que o
homem de nosso tempo se debate com o problema da mensagem de Cristo e sua
radicalidade. Segundo Habermas,
essas tentativas de renovação da teologia filosófica depois de Hegel são mais
simpáticas do que aquele nietzcheanismo, que se vale da conotação cristã dos
termos ouvir e escutar, devoção e esperança da graça, advento e acontecimento,
apenas para retornar com o pensamento propositadamente desnucleado, a um
arcaísmo indefinido que se situa além de Cristo e Sócrates. Uma filosofia
consciente de sua falibilidade e da fragilidade de sua posição dentro do conjunto
diferenciado da sociedade moderna insiste, pelo contrário, na diferenciação
genérica, mas de modo algum pejorativa, entre o discurso secular, que ela
pretende universalmente acessível, e o discurso religioso, que depende de
verdades reveladas. Divergindo de Kant e Hegel, a filosofia, com essa
determinação gramatical de limites, não se arvora em instância de julgamento
sobre o que seja verdadeiro ou falso nos conteúdos das tradições religiosas, no
que eles ultrapassam o conhecimento geral institucionalizado da sociedade
(HABERMAS, 2007b, p.46-47).
72
Esse caminho de Nietzsche está na direção oposta daquele proposto pelas
Sagradas Escrituras que não postulam um vazio semântico, mas ao contrário postulam
valores, leis morais, preceitos e normas sociais. Por isso, as sensibilidades individuais
devem ser valorizadas e a reserva semântica da religião permite tal resgate.
Isso significa que a Filosofia da Religião não foi uma apropriação feita pelos
cristãos, mas o cristianismo também contribuiu de modo qualitativo para configurar a
Filosofia da Religião. Assim, a proposta de
filosofia da religião de Kant, pode ser interpretada inicialmente como a ufana
declaração de independência da moral racional e profana das amarras da
teologia. O próprio prefácio inicia com uma com uma declaração altissonante:
 
livre, isto é, como alguém que, mediante sua razão, se liga a leis incondicionais,
não necessita da idéia de um outro ser acima dele [...] nem de outra mola
            
reconhecê-la como pura e simplesmente obrigatória não se necessita mais da
num Deus criador do mundo nem de num Deus salvador (HABERMAS, 2007a:
p.238-239).
Esse grito de independência desencadeou um processo de secularização e por
outro lado existe uma retomada da religião. Com efeito, a moral independente da
teologia não pode se sustentar em vários aspectos e a dicotomia entre e saber
precisa de uma ferramenta que as aproxime.
Conforme aponta Ratzinger existem duas forças se movendo no mundo em que
vivemos:
Por um lado, temos a formação de uma sociedade mundial em que as diversas
potências políticas, econômicas e culturais passam a depender cada vez mais
uma da outra, tendo contato mútuo e permeando-se cada vez mais nos diversos
âmbitos. Por outro lado, temos o desenvolvimento das possibilidades do ser
humano, do poder de criar e destruir que, superando tudo o que até hoje era
habitual, levanta a questão do controle jurídico e moral do poder. Impõe-se, por
isso, com urgência a pergunta como as culturas em contato entre si podem
encontrar bases éticas que levem sua convivência ao caminho correto, de modo
que seja possível construir uma forma comum de responsabilidade jurídica para
submeter o poder ao controle e à ordem (RATZINGER, 2007: p. 61-62).
O que se destaca realmente no debate de Habermas com Ratzinger é que os
dois partem de cosmovisões diferentes. Enquanto que Habermas parte da filosofia e da
sociologia, Ratzinger parte da teologia e das Escrituras Sagradas. Na dicotomia da
sociedade pós-metafísica cada um responde de modo diferente.
73
Habermas se pergunta sobre o papel da filosofia e da sociologia no mundo
contemporâneo e entende que faz sentido para a filosofia pensar a realidade e os
problemas decorrentes com o uso crítico da razão. Enquanto isso, que o futuro Papa
Bento XVI, apesar de não negar a importância da filosofia e das ciências, argumenta
em defesa da revelação; para ele a filosofia deve servir para iluminar a cristã e
conduzir o indivíduo a Deus.
No debate da academia da Baviera, Ratzinger deixou claro que sua posição
teológica acerca da verdade cristã é firme e não cede aos flertes da retórica.
Essa regra fundamental deve ser concretizada na prática do contexto cultural do
presente. o há dúvida de que a fé cristã e a racionalidade secular do ocidente
são os parceiros principais dessa correlacionalidade. Isso pode e deve ser dito
sem falso eurocentrismo. Ambas determinam a situação do mundo como
nenhuma outra das forças culturais. Mas isso não significa que as outras culturas

atitude revelaria uma hybris ocidental que nos custaria caro e pela qual, em parte,
já estamos pagando (RATZINGER, 2007: p. 89-90).
Nessa citação fica evidente o quando o Papa afirma que o poder da ciência é
limitado e que o verdadeiro poder vem de Deus. E mais diretamente critica a proposta
da ciência de produzir um etos, entendendo que em seu bojo a ciência não consegue
produzir ética (RATZINGER, 2007: p. 63). Habermas pensa ser fundamental que os
debates sobre a moral aconteçam dentro da ciência e que ela não despreza a
contribuição que a religião pode oferecer.
III. 4 Ética e Dialógica: Reserva semântica
A persistência do conteúdo semântico da religião não pode ser negada pelo
Estado moderno porque existem elementos religiosos que Habermas considera
relevantes na sociedade chamada pós-metafísica. Contudo uma linguagem como a
medieval não cabe mais e por isso precisa ser traduzido em linguagem acessível aos
crentes e aos cidadãos pós-metafísicos. O conteúdo semântico da religião presente na
modernidade continua relevante e precisa ser entendido e traduzido para a realidade na
dicotomia aparente entre fé e saber.
74

do obscurantismo e de um ceticismo em relação à ciência que se encerra na
remanescência de sentimentos arcaicos; de outro, a oposição à fé cientificista no
           
135).
Isso mostra também o quanto a linguagem religiosa fundamentalista é um
fenômeno exclusivamente moderno. Os motivos das ações são dissonantes da
secularização mod é o reflexo da diferença
          
(HABERMAS, 2004a: p.137).
Para as facções terroristas presentes no seio de alguns povos, a modernidade e
a mentalidade política correspondente não convergem com a separação entre Religião
e Estado no Ocidente. É, antes disso, uma fragmentação da razão e o desdobramento
da modernidade. Desse modo, em certo sentido amplia-se a dicotomia entre fé e saber;
por outro lado, muitos comentadores entendem que existe um complemento entre e
saber na contemporaneidade.
A ética do discurso de Habermas procura desenvolver um lugar em comum para
o debate entre as diferentes formas de ver o mundo e de se comportar frente as
escolhas morais. Essa tentativa de dar lugar a pluralidade leva em conta os diferentes
sentidos atribuídos a vida pelas culturas.
A ética do discurso permite a inclusão de todos no debate, mesmo que
discordem, é evidente que isso gera um questionamento frente à profundidade do
debate, mas não podemos exigir que todos os diferentes povos com suas religiões
possam entrar em um acordo.
Na contemporaneidade existe algo além da pluralidade religiosa, um sentido
embutido em cada religião, uma reserva semântica que, no entender de Habermas,
permite uma permanecia das visões de mundo religiosas frente a feroz secularização.
Assim, o agir comunicativo pode contribuir substancialmente para o desenvolvimento de
um diálogo entre as diferentes religiões, possibilidade que se ouçam os diferentes
pontos de vista, sem excluir ninguém, e através da argumentação se chegue a uma
solução para os conflitos.
75
Um exemplo disso seria a aproximação entre fé e saber, que ao longo da história
do ocidente sempre foram tema de grande debate, isso pode ser observado em
inúmeros pensadores. Mas Habermas faz especial menção a Kant, que em certo
sentido reconhece o papel moral da religião.
O Kant moralista também se volta contra o derrotismo esclarecido da descrença.
Ele pretende, inclusive, salvar, das garras do ceticismo, certos conteúdos da fé e
certas normas da religião, as quais podem ser justificadas dentro das fronteiras
da simples razão (HABERMAS, 2007a: 237).
Portanto, no que tange a ética, Habermas tem em mente uma tentativa de
debate em torno dos temas relevantes na sociedade contemporânea e a religião
aparece no rol das suas preocupações como temática renovada e com conteúdo a ser
considerado e compreendido no debate público, sobretudo no que diz respeito as
questões éticas. A dialógica é o método proposto por Habermas para que esse debate
sobre a ética acontece num espaço que considera a reserva semântica de religião.
III. 5 Núcleo opaco na experiência religiosa
À filosofia não compete defender a fé religiosa porque até nossos dias ela
permanece agnóstica, mesmo que na idade Media tenha servido de defensora da fé, no
máximo ela pode auxiliar no entendimento da experiência religiosa, nunca dizer o que
ela é.
Além disso, uma apologia da fé, elaborada com meios filosóficos, não é tarefa da
filosofia, que continua agnóstica. No melhor dos casos, ela consegue projetar um
círculo ao redor do núcleo ao opaco da experiência religiosa [opaken Kern der
religiösen Erfahrung; em inglês, "opaque core] quando se põe a refletir sobre as
características do discurso religioso e sobre as peculiaridades da
(HABERMAS, 2007a: p. 162).
A preocupação central do pensamento do filósofo alemão Jürgen Habermas é
entender a dinâmica e o funcionamento das relações entre as diferentes estruturas de
conhecimento científico e a relação com a fé dos indivíduos modernos.
A razão pode propor um núcleo opaco ao redor da para tentar justificar as
atitudes frente ao fanatismo religioso. Segundo ele, existem duas concepções que se
76
confrontam, isto é, o cientificismo cru de um lado e de outro o obscurantismo frente à
religião. Mas mesmo que se aprofunde o debate acerca da cientificidade da ou se
defenda um modelo obscuro, quase místico, não se chegará nunca ao núcleo da
experiência religiosa porque esse é inacessível ao pensamento discursivo.
O verdadeiro problema não é muito um entendimento de Benjamin é que as
construções e as reconstruções comunicativas da crítica redentora do discurso
ainda não cobrem, e não podem tornar explícito o "núcleo opaco da experiência
religiosa". O problema é que existe uma experiência religiosa que persiste na
sociedade, e esta experiência se mostra primeiro muitíssimo estranha para o
pensamento que é discursivo, e segundo esta experiência não é simplesmente
irracional ou não iluminada. Ao contrário ela ainda funciona como uma fonte
razoável, ou compreensível de solidariedade pública. É razoável e
compreensível, porque as fontes religiosas de solidariedade ainda criam
importantes argumentos, que inspiram a prática dos processos de aprendizagem,
e motivam um razoável poder de comunicação política. A experiência religiosa,
pois, na medida em que é uma importante fonte pública dos processos de
aprendizagem, não é privada, mas uma questão blica. (BRUNKHORST, 2008:
p.188).
A solidariedade é um ponto importante entre as religiões de origem abraâmica
porque ela permite um respeito entre as diferentes formas de se cultuar a Deus e
também gera cooperação e não conflitos irreconciliáveis.
O ximo que isso gerou foi um conflito ontológico profundo entre os teólogos
que defendiam uma posição de identidade da religião e da política e os que
consideravam estes dois campos separados ontologicamente.
No campo do primeiro grupo        
modernidade possua qualquer tipo de direito próprio, que esta estaria desenraizada
nominalisticamente, e tentam refundamentá-    
 (HABERMAS, 2007a: 166).
Conforme entendem os comentadores apresentados no capitulo I concordando
com Habermas , a Filosofia da Religião apenas pode projetar um núcleo opaco ao redor
da experiência religiosa se levarmos em conta o caráter agnóstico dessa Filosofia da
Religião hoje. Com efeito, a relevância da religião no âmbito público se na medida
em se valorizam as narrativas de cunho religioso como explicações de funcionamento
de mundo.
O desdobramento imediato disso é que não podemos responder de modo
descontextualizado os argumentos frente à sua natureza ontológica. Nas palavras de
77
Habermas os argumentos teológicos teria de ser respondidos no âmbito da teologia e
nada além disso (HABERMAS,2007a: p. 139).
o segundo grupo, o dos filósofos, não se apóia nessa posição ontológica
radical e permite uma maior liberdade de diálogo e debate entre as diferentes formas de
saber. Porém, na contemporaneidade se expõe e se afirma na sociedade secular o
esgotamento do modelo tradicional e a explosão de uma nova maneira de pensar se
verifica. Mesmo as motivações das ações terroristas nos Estados Unidos foram
religiosas por um lado e ideológicas por outro, mostrando como a tensão entre fé e
saber assumiu contornos inesperados. Os motivos das ações são dissonantes da
secularização em marcha desde a Revolução Francesa.
Para os grupos radicais islãmicos, a modernidade e a mentalidade politicamente
correspondente não convergem com a separação entre Religião e Estado no Ocidente..
É, antes disso, uma fragmentação da razão e o desdobramento da modernidade. Com
efeito, o pensamento contemporâneo, cada vez mais, amplia a dicotomia da entre
secular e religioso. Isso porque em parte esses grupos, segundo Habermas, não
entendem as verdades científicas como sendo conhecimento universal; novamente a
relatividade das visões de mundo gera conflito.
Enquanto que
encontram-se nas sagradas escrituras e nas tradições religiosas intuições sobre
faltas e redenção, sobre o desfecho salvador de uma vida originalmente
experimentada como irremediável, que durante milênios foram sutilmente
soletradas e conservadas pela prática hermenêutica. Por isso, é possível que na
vida das comunidades religiosas contanto que evitem o dogmatismo e a
coerção das consciências permaneça intacto algo que se perdeu alhures e que
não pode ser recuperado, nem mesmo com a ajuda exclusiva do conhecimento
profissional de especialistas; estou falando de possibilidades de expressão e
sensibilidades suficientemente diferenciadas para uma vida malograda, para
patologias sociais, para o fracasso de projetos de vida individuais e as
deformações de nexos de vida truncados (RATZINGER, 2007: p. 48-49).
A tentativa de apropriação racional da experiência religiosa traz à luz os
problemas de que falamos no capitulo inicial dessa dissertação: a dicotomia
estabelecida entre e saber permite somente uma aproximação do real conteúdo
religioso em si, que seria a essência da religião que seria inacessível para Kant, por
exemplo.
78
Isso conjugado com a mudança da modernidade que afirma que a filosofia
precisa se ocupar de coisas práticas, deixando de lado as elucubrações metafísicas da
razão tradicional faz recuar ainda mais a experiência religiosa como conhecimento.
Acentua-se no mundo contemporâneo a existência de racionalidades fragmentadas que
se apóiam no relativismo do paradigma de Protágoras.
Porém, a teologia até que consegue combater tais problemas com sua postura
sistemática.
Esses deuses anônimos da metafísica pós-hegeliana a consciência
abrangente, o evento imemorável, a sociedade não-alienada tornam-se presas
fáceis da teologia. Eles se oferecem para serem decodificados como
pseudônimos da trindade do Deus pessoal que se comunica a si mesmo.
(RATZINGER, 2007: p. 46)
A dicotomia entre e razão é tão forte que debates em torno da dignidade
humana e de novos seres acentuam a crença no saber, mas ao mesmo tempo cresce o
numero de pessoas que acentuam a fé como experiência de vida.
Se por um lado, o conhecimento da razão teórica permite que o cientista faça
seus experimentos de modo a conseguir entender como funcionam as leis da natureza
ou como se comportam os diferentes corpos, por outro lado o garantia de
comprovação empírica dos conteúdos da razão pratica.
Na contemporaneidade é possível produzir inclusive outros seres por intermédio
de manipulações genéticas, evidentemente com todas as controvérsias que isto gera.
Com efeito, é a razão teórica permanece triunfante sobre a razão prática. Um dos
exemplos dessa diferenciação é a constante valorização que se ao trabalho
científico e a falta da mesma valorização às reflexões éticas.
Existe um argumento muito mais forte na contemporaneidade, ou seja, uma
demanda crescente por respostas rápidas e eficientes no que tange aos anseios
pessoais para resolver problemas de saúde, econômicos ou da ganância infinita por
poder do homem.
A presença da religião como experiência de vida concreta e presente em nossa
sociedade, mostra que o núcleo opaco que a filosofia pode projetar ao redor da
experiência religiosa possui sentido e valor semântico para estas pessoas religiosas.
79
Mesmo que o argumento utilitarista tenha uma força nunca antes existente,
porque une a demanda e a oferta de modo irresistível existe um problema de
fundamento para sua sustentação teórica, que pode ser expressa da seguinte foram: se
tudo é relativo então o relativo não pode ser universal. Assim, na multiplicidade de
propostas éticas presentes na filosofia contemporânea, é o utilitarismo que consegue
um resultado mais rápido e sem as amarras dos entraves morais religiosos.
Desta maneira ainda faz sentido pensar sobre Deus, alma, liberdade ou
imortalidade; mesmo que o que importa para a maioria seja o material, o incondicionado
ainda serve para alguns como referencia moral. Mesmo que a razão teórica tenha se e
especializado em fazer episteme e não pode pensar de modo apropriado nenhum
universal incondicionado, nossas ações precisam de um referencial fora do mundo
empírico. Porque o máximo que consegue, através da razão teórica, é formular um
paradigma convencionado por uma determinada comunidade científica. Por
conseguinte, os objetos da razão prática precisam ser incondicionados para que ela
não caia na prisão da empiria, mesmo que sua origem se encontre na razão teórica em
um principio fenomênico de matéria empírica.
A epistemologia proposta pela ciência contemporânea é a ciência da aparência
que responde as questões concernentes ao funcionamento das leis da natureza sem se
preocupar com a essência dos seres. O entendimento da realidade em si está renegado
à razão prática que se formula nas tábuas da categoria da liberdade e na busca dos
conceitos de bem e mal.
A moralidade grega que punha na mesma dimensão ethequé e técne não é
aceita pela revolução cientifica, porque não existe mais um télos universal como o
primeiro motor de Aristóteles que tudo atrai para si. Assim, se em Aristóteles o primeiro
motor fez todos os seres, esses tendem para ele de maneira irresistível. Na
modernidade uma inversão que coloca o homem como o fim em si mesmo. Essa
mudança de rota implica em novos paradigmas que colocam em cheque a razão
clássica grega.
A modernidade se fragmentou em racionalidades que comportam diferentes
noções de filosofia e ética que acabam se digladiando porque o em muitas situações
80
práticas opostas, por exemplo, uma é a doutrina dica acerca da ética e, por muitas
vezes, outra é a prática.
Essa adoção impõe uma relatividade cultural que distingue a reflexão sobre a
moral no âmbito ético nas diferentes culturas, resultando em diversidade ética na
solução de problemas práticos.
O pensamento filosófico de nossos dias incorporou o relativismo e se acoplou ao
mesmo tempo ao ceticismo de David Hume no que se refere à possibilidade da criação
de universal metafísico. Dessa forma, o critério contemporâneo para a aplicabilidade de
uma determinada teoria ou ação depende do hábito de um determinado grupo social
que encontre respaldo jurídico no direito civil. É por isso que Kant se diz acordado do
sono dogmático para salvar a metafísica. Contudo, Lebrum acusa Kant de ter sepultado
para sempre a Metafísica, ou seja, 
Se caminharmos na esteira do ceticismo de hoje entenderemos que a principal
preocupação da filosofia deixou de ser a essência para se concentrar na linguagem, no
símbolo e também na ação comunicativa.
O que triunfou na filosofia contemporânea britânica foi o segundo Wittgenstein,
pois o máximo que podemos fazer é aprender o jogo de linguagem porque nunca
saberemos a essência das coisas. Com efeito, o sentido da linguagem se no uso e
não a priori; isso aliado ao ceticismo de David Hume e ao argumento de Protágoras
resulta no ambiente filosófico atual dos que seguem o pensamento analítico.
Para completar o cenário, associe-se o pessimismo do filósofo alemão Arthur
Schopenhauer que considera o mundo como um ambiente de sofrimento constante.
Estar em evidência a profunda cisão que existe dentro do homem contemporâneo que
pode fazer epistemologia convencional, mas que recusou a busca do princípio para se
manter preso ao sofrimento imanente. O espírito na filosofia contemporânea é marcado
pela ambivalência de uma ciência profundamente desenvolvida e pelo vazio semântico
presente na linguagem e nos seres.
81
Existe ambivalência até na definição de pós-secularismo porque parece que o
processo de secularização não terminou,
  - a às comunidades religiosas não apenas
reconhecimento público pela contribuição funcional que elas prestam à
reprodução de motivos e atitudes. Na verdade, reflete-se na consciência pública
de uma sociedade pós-secular uma convicção normativa que traz conseqüências
para as relações políticas dos cidadãos não-crentes com os crentes
(RATZINGER, 2007: p. 52).
O vazio semântico se mostra nos secularizados. Ou os investigadores da ciência
contemporânea que propõem adotar a desconfiança como paradigma, esses mostram a
realidade imanente como impondo um ceticismo sobre a epistemologia. Tudo fica num
nominalismo, que é anterior a Hobbes, mas encontra em parte seu fundamento na
filosofia desse filósofo inglês, pois ele considerava que a essência do ser humano nada
mais é do que a violência e o ciúme. A alegria desse ser se encontra em impor
sofrimento sobre outrem porque o que rege sua conduta não é a busca do
conhecimento, mas é a vaidade e satisfação das paixões individuais. Tal noção de
cobiça impõe ao ser humano a supressão de todos os valores morais, apenas
permanece o medo da reprimenda do Estado para não se cometer as maiores
atrocidades.
O problema consiste em supervalorizar à vontade do indivíduo sem considerar
nenhum preceito religioso ou metafísico; A teoria científica não possui nenhum sentido
semântico e é desprovida de sentido ontológico porque é somente um discurso mental.
Com efeito, nenhum discurso mental pode resultar em conhecimento dentro desse
cenário cético. Por isso a lógica que se encontra dentro da razão teórica formula
silogismos consecutivos que não possuem contradições internas, mas que não podem
sair para o âmbito ontológico. Por conseguinte a na razão teórica postulada pelo
cientista somente é justificável pela sua condição individual de observador de
fenômenos.
Esse caminho de radicalização coloca em cheque o tênue equilíbrio existente na
Idade Média, que de algum modo garantia a discussão em torno da e da ciência sem
colocar uma ou outra acima como verdadeira forma de conhecimento.
82
Mencionei o diagnóstico que afirma estar ameaçado o equilíbrio que se
estabeleceu na Idade Moderna entre os três grandes meios de integração social,
porque os mercados e o poder administrativo desbancam a solidariedade social
de um número crescente de âmbitos da vida, o que implica um enfraquecimento
de sua ação coordenadora sobre valores, normas e o uso da linguagem voltado
para o entendimento. Por isso, é também do interesse do Estado constitucional
que se usem todas as fontes culturais de uma maneira moderada, porque é nelas
que se abastecem a consciência normativa e a solidariedade dos cidadãos
(RATZINGER, 2007: p. 51).
O fundamentalismo religioso que pode ser observado dentro e fora dos muros do
cristianismo confere inusitada atualidade aos problemas antigos, triste é a intenção
daquela crítica da religião que a acusa somente de manifestar a dominação. Existe, um
deslocamento nas acentuações. Aqui, no ocidente europeu, uma auto-afirmação
antropocêntrica ofensiva, da compreensão de si mesmo e do mundo, a qual se
posiciona contra uma auto-afirmação teocêntrica, é tida na conta de uma batalha
passada, de ontem.
Por essa razão, a tentativa de recuperar conteúdos centrais da Bíblia numa
racional passou a ser mais interessante do que a luta obstinada contra o obscurantismo
e as mentiras dos clérigos. A razão prática pura não pode mais estar tão segura de sua
capacidade de enfrentar, sozinha e lançando mão apenas das compreensões
perspicazes de uma teoria da justiça, uma modernização que está começando a sair
dos trilhos. Ela não possui a criatividade que permitiria franquear o mundo por meio da
linguagem, sem a qual se torna difícil regenerar, a partir de si mesma, uma consciência
normativa que está fenecendo em todas as partes.
Como modelo, serve nesse caso um exercício de reversão realizado ou pelo
menos desencadeado por suas próprias forças, uma conversão da razão pela
razão, onde não importa se a reflexão começa (como em Schleiermacher) com a
auto consciência do sujeito que conhece e age, ou se começa (como em
Kierkegaard) com o caráter histórico da autocertificação existencial de cada um,
ou (como em Hegel, Feuerbach e Marx) com a desintegração provocante da
situação moral. Inicialmente, sem nenhuma intenção teológica, a razão, que
nesse caminho toma conhecimento de seus limites, extrapola-se em direção a
um outro algo, que pode assumir a forma da fusão mística com uma consciência
cósmica abrangente, ou a forma da esperança desesperada que aguarda o
evento histórico de uma mensagem salvadora, ou a forma de uma solidariedade
com os humilhados e ofendidos que se adianta para acelerar a salvação
messiânica (RATZINGER, 2007: p. 45-46).
83
Por isso, a deve deixar de lado a razão para poder se lançar no abismo de
acreditar sem comprovação empírica, mas não se anular, o que permite o retorno da
razão em um segundo momento como auxílio para entender e iluminar a própria fé.
Conforme apontamos anteriormente, a razão precisa ser suspensa por que o
mistério continua como mistério cabendo à filosofia da religião circundar a experiência
religiosa para tentar entender seu funcionamento, visto que a sua essência
permanecerá um mistério.
A prática religiosa não é geradora de conflitos, mas é uma tentativa de construir
sentido em uma sociedade fragmentada e que por vezes acaba se opondo a outro
modelo de construção semântica.
Isso ocorre tanto na vida prática quanto na filosofia, conforme apontaram alguns
comentadores, especialmente Araújo, Arens e Chambers, apresentados no capitulo I. O
processo de modernização não somente exclui o passado, mas procura dar novo
sentido ao presente. Desse modo, a teologia parece retomar seu sentido original de
transportar algo do passado para o presente e permitir que se possa redimensionar seu
sentido.
84
Conclusão
Apesar da tentativa moderna de retirar a religião do âmbito público e lhe relegar
um caráter privado, o que se observa é que ela permanece, talvez não como referência
única, mas como reserva semântica, ao menos nas discussões acerca de moral e ética.
É claro que depois da Filosofia de Religião de Kant não se pode mais falar de uma
teologia no sentido medieval de ordenadora e conhecedora do mundo empírico, mas se
pode afirmar que, conforme entende Habermas e alguns comentadores que
apresentamos, a religião possui um potencial semântico que pode nortear os debates
acerca de moral e ética.
Também levamos em conta que o próprio Habermas questiona a autofundação
do Estado moderno na razão, e que o próprio paradigma tradicional de razão, conforme
entendem diversos comentadores, está dissolvido em inúmeras particularidades, e com
isso nos encontramos diante de um desafio imenso. Ao falarmos de Filosofia da
Religião precisamos explicar sempre de que lugar falarmos, visto que uma narrativa
universal é inaceitável.
Desse modo, conforme apontamos no capítulo primeiro, o pensamento de
Habermas é amplo e sua postura acerca da religião também mudou de algo indiferente,
nos anos sessenta e setenta, para uma profunda reflexão com a cristandade após a
década de noventa. Isso implica que o autor se preocupa com o tema de modo a lhe
conferir espaço em sua visão anteriormente definida sobre o mundo. Outro detalhe
relevante é a atitude da teologia frente ao avanço do conhecimento científico
contemporâneo, de que é preciso delimitar bem as fronteiras entre e saber para
evitarmos os excessos de uma e de outra; em outras palavras, precisamos ouvir mais
Kant. Porque fora Kant que colocou a razão teórica em seu devido lugar, apesar das
críticas que lhe foram feitas, permitindo que a ciência investigue os fenômenos,
enquanto que para a razão prática conferiu o conteúdo incondicionado.
Neste sentido a leitura de Habermas sobre a Filosofia da Religião em Kant
procura atualizar a proposta de uma religião nos limites da razão para evitar os
85
exageros de confundir religião com Estado. Os atentados de 2001 nos EUA são um
exemplo nítido de uma hybris da religião, bem como a reação da América podem ser
entendidos como uma hybris da razão apesar da ligação com os argumentos religiosos.
Desse modo uma Filosofia da Religião em Habermas seria possível, conforme
apontado no capítulo segundo, usando o agir comunicativo como meio para construir a
verdade durante o debate. Mas isso é possível se suspendermos o juízo antes do
início da discussão, porque o máximo que a Filosofia pode fazer é projetar um sentido
ao redor da experiência religiosa, nunca conhecê-la em si. Assim, o papel do agir
comunicativo é permitir que todos entrem no debate de modo a conseguirem apresentar
seus argumentos e também ouvir os dos demais, sem conferir a priori um conceito
fechado. Isso aparece como uma verdadeira utopia na realidade mundial em nosso
tempo.
Por outro lado, a possibilidade de uma reserva semântica da religião na
contemporaneidade encontra mais ressonância devido à pluralidade de religiões
presentes no mundo. Não estamos mais no paradigma medieval em que o papa diz o
que é certo e errado. O que ele diz serve de referência para o debate ético. É claro que
Ratzinger não concorda que sobrou isso da religião, conforme apontamos no
capítulo terceiro, porque o lugar de onde ele fala é de dentro da Igreja Católica
Romana; seu discurso não poderia ser diferente. Mas ele pode ouvir o que Habermas
tem a dizer, e o fez no lebre debate da Academia da Baviera; mesmo um não
concordando com o outro em muitos pontos, ambos se toleraram e debateram com
argumentos e não com armas ou pré-conceitos duros.
Por conseguinte uma conversão pela deve ser a proposta cristã, não uma
obrigação moral ou intelectual. Pelo contrário a proposta cristã é uma a mais no leque
disponível no mundo contemporâneo; adere a ela quem quer porque não estamos mais
na Idade Média, e isso vale também para as outras religiões. Com efeito, se quisermos
conviver de modo pacífico com as diferentes culturas religiosas precisamos evitar os
86
juízos morais que excluem o outro e adotar uma postura de inclusão, ou seja, respeitar
a experiência religiosa alheia como ela é; isso é uma postura de cientista da religião.
Em síntese, a proposta de uma Filosofia da Religião em nossos dias encontra
forte resistência, sobretudo quando se fala de aproximação entre e saber devido a
distância, conforme o próprio Habermas aponta, entre estes dois ramos do
conhecimento. Assim, mesmo que se faça um esforço gigantesco como o de Bento XVI
para tentar formar uma narrativa universal permanece a separação e o conflito mesmo
que velado entre secularizados e religiosos.
Em outras palavras, o sentido da religião se encontra em ser uma possibilidade
de reflexão e reserva semântica de sentido e valores, mas como doutrina ela sofre cada
vez mais com a separação que Kant estabeleceu entre moral e religião. A dialógica de
Habermas é mais uma tentativa de comunicação, mas que encontra a barreira das
convicções religiosas firmes e sólidas de crenças milenares. O agir comunicativo acaba
por se tornar uma proposta meio que ingênua frente à ortodoxia que se mantém em
nosso tempo.
A pesquisa aqui possui inúmeros limites, entre os quais o maior é tentar
entender a dinâmica contemporânea da religião, que flui e se modifica a cada segundo,
conferindo novo sentido para a experiência religiosa individual e coletiva. Outro limite é
a profundidade da temática abordada que retoma problemas de fronteira tanto da
Filosofia como também da teologia, da ciência e da religião.
Mesmo que o papel da Filosofia da Religião seja o de projetar um núcleo opaco
ao redor da experiência religiosa é importante para evitar o total abandono da vivencia
da religião como forma de conhecimento do mundo e da vida. Por não termos acesso
ao núcleo duro da experiência religiosa temos que fazer uma reflexão dentro dos limites
do conhecimento que nos temos acesso com o auxilio da solidariedade e não da
competição.
Além disso, o núcleo opaco que a filosofia consegue projetar ao redor da
religião não permite que cheguemos à essência da religião, mas nos possibilita o
87
entendimento de como funciona e como se nutre da experiência subjetiva. Dessa
maneira, o alcance da pesquisa dentro desse cenário acaba sendo reduzido, ficando
para uma próxima, a busca de um conceito de religião em Habermas.
88
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