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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PEDRO HENRIQUE DE CARVALHO OLIVEIRA
As imagens do luxo: a relação entre o consumir e o ser
consumido
Mestrado em Comunicação e Semiótica
São Paulo
2010.
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC SP
PEDRO HENRIQUE DE CARVALHO OLIVEIRA
As imagens do luxo: a relação entre o consumir e o ser
consumido
Mestrado em Comunicação e Semiótica
Dissertação apresentada à banca examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Comunicação e
Semiótica sob a orientação do(a) Prof.(a),
Doutor(a) Norval Baitello Júnior.
São Paulo
2010.
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Oliveira, Pedro Henrique Carvalho de
As imagens do luxo: a relação entre o consumir e o ser consumido/ Pedro
Henrique C. Oliveira - São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2010.; 315p.; 36 ilustrações.
Título em ings: The images of luxury: the relationship between consuming
and being consumed.
1. Luxo 2. Consumo 3. Anúncios
Banca Examinadora
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Dedicado a todos aqueles que, como eu,
alternam a desgastante rotina de profissional e
estudante diariamente, em busca de um futuro
próspero, mas tão vago quanto um livro com
páginas em branco...
AGRADECIMENTOS
Venho agradecer ao apoio de diversas pessoas durante esta longa e árdua
jornada de mais de dois anos. Pessoas especiais que, do seu modo especial,
facilitaram em algum aspecto meu caminho abrindo especo em meio às muitas e
muitas pedras, de diferentes tamanhos e formas, que vão surgindo do início ao fim.
Chega então o momento especial de agradecê-las espero não cometer a injustiça
de não me lembrar de alguém.
Primeiramente, agradeço DEUS por ter me dado a oportunidade de estar
neste mundo e podendo contribuir com outras pessoas nas mesmas condições que
eu, todos em busca de um futuro profissional/acadêmico estável e criativo.
Mesmo tendo me pregado muitas peças, agradeço ao TEMPO, matéria-prima
de tudo, por ter me dado um pouco de chance de concluir este mestrado, mesmo
que em doses homeopáticas em um cotidiano tão complicado, onde 24 horas por
dia representa cada vez menos tempo e os calendários se consomem em
velocidade ímpar.
Agradeço meus familiares ESPECIAIS, pessoas que estiveram ao meu lado a
me ajudar e apoiar nos momentos mais difíceis. Aos meus pais, Clea e Pedro, por
acompanhar diariamente o meu processo de construção deste trabalho, bem como
terem possibilitado a minha chegada até este momento de escrever estas palavras,
num processo dos últimos 20 anos, longos ou curtos, depende do ponto de vista.
Minha avólia, que quase não tenho mais visitado, mesmo estando próxima.
Agradeço minha namorada Jackline, que com muito AMOR esteve comigo
durante todo processo, praticamente sendo meu ponto de referência, enquanto
estive lendo ou escrevendo nos momentos em que poderíamos ter curtido bons
momentos juntos. Aguentou inclusive meu mau humor por diversas vezes, sem
motivo praticamente.
Agradeço aos meus chefes que, em termos profissionais, que com
COMPREENSÃO “quebraram meu galhopara que me permitissem conciliar minha
vida dupla durante este período de grandes transformações, muitas vezes com
aulas no meio do horário de expediente, aqui citados por ordem cronológica. São
eles: Ronildo Orfão e Sonia Bombardi (Fundacentro Fundação Jorge Duprat
Figueiredo de Medicina e Segurança no Trabalho), Crístia Cunha e Karen Tookuni
(Bourbon Hotéis & Resorts).
Agradeço meu orientador, prof. Norval, pois NORTEOU as linhas gerais deste
conteúdo que lhes apresento, mesmo com as dificuldades e indisponibilidades de
ambos para encontros freqüentes. Minhas lembranças ainda aos professores que
participaram da banca de qualificação, João Décio Passos, Regiane Miranda e
Esmeralda Rizzo, realizada em Outubro de 2009.
Por fim, agradeço a mim mesmo, longe de ser egocêntrico, por ter tido força e
ânimo de topar esta empreitada mesmo sob diversas dificuldades, enquanto muitas
pessoas me diziam “... o sei como você agüenta...” ou então ...não sei como tem
coragem de fazer isso tudo...”. Pois bem, tive coragem, enfrentei dignamente o
desafio de frente e aqui estou. Seria desde já um vencedor? Creio que ainda não...
A todos meu mais sincero MUITO OBRIGADO!
“O espetáculo é uma permanente Guerra do
Ópio para confundir bem com mercadoria,
satisfação com sobrevivência, regulando tudo
segundo as suas próprias leis. Se o consumo
da sobrevivência é algo que deve crescer
sempre, é porque a privação nunca deve ser
contida. E se ele não é contido, nem estancado,
é porque não está para além da privação, é a
própria privação enriquecida”.
Guy Debord
RESUMO
Por meio de anúncios veiculados no mercado de luxo, o objetivo desta pesquisa é
demonstrar como se estruturam os processos de compra vigentes no mercado de
luxo, onde aquele que adquire o produto de grife é o mesmo indivíduo que é
adquirido pela própria grife, existindo assim um processo de aquisição mútua entre
as partes. A hipótese é a de que existem fatores implícitos nas ações de compra de
luxo agindo sobre os consumidores, determinando-as implicitamente enquanto
acreditam que são sujeitos de suas atitudes.Como metodologia, adotou-se a coleta
de anúncios de produtos de luxo voltados a mercados bastante abastados, retirados
de revistas com perfil de leitores da classe A, conforme o Critério Serasa Experian,
instrumento nacional para determinação de classe social dos indivíduos a partir das
condições de vida e possibilidades de ganhos. Tal análise é realizada
principalmente a partir das visões da semiótica da cultura, antropologia e da teoria
da imagem. Para o desenvolvimento do trabalho foi necessário proceder a um
breve estudo, não apenas daquilo que se entende por mercado de luxo, mas
também dos conteúdos referentes ao consumo como um fenômeno social e cultural,
ambientes onde a aquisição por especialidade se insere. A base teórica para o
desenvolvimento da pesquisa são oriundas de autores como Tomás Moulian, Gilles
Lipovetsky, Jean Baudrilard, Zygmunt Bauman, além de Villém Flusser, Ivan
Bystrina e Norval Baitello Jr. O corpus desta pesquisa é constituído basicamente por
revistas consideradas de luxo brasileiras. Como recorte temático, um foco
especial nos anúncios relacionados a produtos de uso pessoal, não apenas pela
importância das marcas e variedade de itens à disposição dos potenciais
compradores, mas também pela própria abrangência deste mercado. Como
hipóteses, no caso das aquisições de luxo, tem-se primeiramente que
implicitamente uma segunda forma de consumo, vinda da parte do produto para o
comprador, que se denominou de consumo reverso. A segunda se prende ao fato
de que, além de uma determinação do indivíduo, há um caráter de
heterodeterminação no processo de compra baseado no outro, a partir de uma
necessidade de favorável auto-afirmação social.
PALAVRAS-CHAVE: Consumo reverso. Luxo. Análise de anúncios. Socioconsumo.
Marca. Mercado
ABSTRACT
By means of ads run in the luxury market, this research aims to demonstrate how
the procurement process in force in the luxury market is structured, where someone
who purchases the designer product is the same person that is acquired by the
brand itself, so there is an acquisition process between both parties. The hypothesis
is that there are factors implicit in the actions of buying luxury acting on consumers,
defining them implicitly while they believe that they are subjects of their own
behaviors. The methodology adopted was to collect advertisements for luxury
products aimed at the fairly affluent market, taken from magazines with a readership
profile of class A, according to the Serasa Experian Criterion, the national method for
measuring the social class of individuals based on the conditions of life and earning
opportunities. Such an analysis is carried out mainly from the semiotic imagery of
culture, anthropology and image theory. In order to develop the work it was
necessary to complete a brief study, not just about what is meant by the luxury
market, but also the claims related to consumption as a social and cultural
phenomenon, environments where specialty acquisition belongs. The theoretical
basis for the development of the research is from authors such as Tomás Moulian,
Gilles Lipovetsky, Jean Baudrilard, Zygmunt Bauman, as well as Villém Flusser, Ivan
Bystrina and Norval Baitello Jr. The body of this research is basically composed of
Brazilian luxury magazines. As a thematic profile, there is a special focus on ads
related to products for personal use, not just because of the importance of brands
and the variety of items available to potential buyers, but also because of the scope
of this market. As a hypothesis, in the case of luxury acquisitions, the first implication
is that there is a second form of consumption coming from the product to the buyer,
which is known as reverse consumption. The second relates to the fact that, in
addition to the determination of the individual, there is a hetero-determination quality
in the buying process based on the other, from a need for positive social self-
assertion.
KEYWORDS: Reverse consumption. Luxury. Analysis of advertisements. Social
consumption. Brand. Market.
RESUMEN
A través de los anuncios en el mercado del lujo, la investigación pretende
demostrar mo estructurar el proceso de compras vigentes en el mercado de lujo,
donde aquel que adquire el producto de grife es el mismo individuo que es
adquerido por la propia marca, existiendo asi un proceso de compra mutua entre las
partes. La hipótesis es que existen factores implícitos en las acciones de compra de
lujo actuando sobre los consumidores, determinandolas implícitamente mientras
creen que son sujetos de sus actitudes. Como metodologia, se adoptou la colecta
de los anuncios de los productos del lujo destinados al mercado muy ricos,
retirados de revistas con el perfil de los lectores de una clase A, según el criterio
Serasa Experian, el instrumento nacional para la medición de la clase social de los
individuos a partir de las condiciones de la vida y las oportunidades de
ganancias. Tal análisis se realiza principalmente a partir de la visión de la semiótica
de la cultura, la antropología y la teoría de la imagen. Para el desarrollo del trabajo
fue necesario proceder a un breve estudio, no apenas lo que se entiende por el
mercado de lujo, pero también de los contenidos referentes al consumo como un
fenómeno social y cultural, ambiente donde la compra por especialidad si inserta. La
base teórica para el desarrollo de la investigación son oriundos de autores como
Tomás Moulian, Gilles Lipovetsky, Jean Baudrilard, Zygmunt Bauman, además de
Villa Flusser, Iván Bystrina y Norval Baitello Jr. El corpus de esta investigación es
constituido básicamente de las revistas consideradas de lujo brasileñas. Como
recorte temático, hay um énfasis especial en los anuncios relacionados con
productos para uso personal, no apenas por la importancia de las marcas y la
variedad de ítens disponibles a los compradores potenciales, pero también por la
propia abarcancia de este mercado. Como hipótesis, en el caso de las compras de
lujo, tiene primeramente que hay implicitamente una segunda forma de consumo,
venida de la parte del producto para el comprador, que se denominou el consumo
inverso. El segundo se refiere al hecho de que, además de una determinación del
individuo, hay um carácter de heterodeterminação en el proceso de compra basada
en el otro, a partir de una necesidad de favorable auto-afirmación social.
PALABRAS-CLAVE: Revertir el consumo. Lujo. Análisis de la publicidad.
Socioconsumo. Marca. Mercado
LISTA DE ABREVIATURAS
ABRASCE = Associação Brasileira de Shoppings Centers ..........................
156
BRICs= países emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China ..........................
70
Cases = casos...............................................................................................
83
DNA = unidade genética, ácido desoxirribonucléico .....................................
39
DVD = disco de vídeo digital .........................................................................
68
EUA = Estados Unidos da América ..............................................................
19
GP = Grande Prêmio automobilismo .........................................................
86
IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ..................................
30
IPEA = Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada .......................................
68
Lab = em “laboratório”, com conhecimento técnico ......................................
61
LCD = Tecnologia Display de Cristal Líquido ...............................................
27
LED = tecnologia diodo emissor de luz .........................................................
58
LVMH = grupo Louis Vuitton Moet Hennessy …………………………………
77
Maison = matriz ……………………………………………………….…………..
83
PIB = Produto Interno Bruto ……………………………………………………..
156
Pnad = Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios .................................
68
QG = “quartel general”, sede ou base ..........................................................
164
SCPC = Serviço de Proteção ao Crédito ......................................................
145
Tag = etiqueta de marca ...............................................................................
61
TDMA = acesso múltiplo por divisão de tempo .............................................
132
TV = televisão ...............................................................................................
27
VIP = Very Important Person/People Pessoa(s) muito importantes ..........
155
LISTA DE ESTRANGEIRISMOS
279
49
152
74, 78
161
208
58
106
40, 51, 80, 191
211, 224, 253
284
74, 132
105
34
275
161
57
163
34
208
110
58
214
216
216
31
56
161
70
206
207
32
279
95
76
207
59
51, 53, 57, 75,
87, 97, 138, 232
248, 272
49, 77
160
57
61
266
230
33, 135, 153,
154, 155, 156,
157, 158, 164,
202, 264, 265,
266, 267, 269,
270,
33, 39, 45, 49,
51, 52, 58, 60,
61, 66, 82, 93,
95, 111, 115,
126, 127, 164,
168, 216, 289
259
284
74
75, 78
235
74, 133
217
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Gráfico de porcentagem de cada classe social no Brasil pelo novo
critério Serasa Experian ....................................................................................
29
Figura 2 Principal local de comércio de luxo em São Paulo: Rua Oscar
Freire .................................................................................................................
34
Figura 3 Descrição de divisões de marcado (teoria) ......................................
42
Figura 4 Estruturação do mercado de luxo por segmentos ...........................
43
Figura 5 Pirâmide de Maslow .........................................................................
112
Figura 6 - O cérebro humano em funcionamento durante as compras ............
120
Figura 7 Desigualdades sociais evidentes do Brasil: bairro do Morumbi e
favela de Paraisópolis, São Paulo SP.............................................................
139
Figura 8 Anúncios de instituições de crédito na esquina da Av. Paulista
com Consolação (antes de vigorar a lei Cidade Limpa) ...................................
146
Figura 9 Shopping Cidade Jardim, São Paulo SP ......................................
154
Figura 10 Loja da Daslu no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo SP...
155
Figura 11 Loja da Ferrari/Maserati em São Paulo. Venda de carros e
souvenirs da marca ...........................................................................................
156
Figura 12 Distribuição Geográfica de Shoppings Centers no Brasil por
porcentagem .....................................................................................................
158
Figura 13 Loja da KaDeWe, na Alemanha .....................................................
158
Figura 14 Loja Villa Daslu, em São Paulo SP .............................................
159
Figura 15 Interior da loja Villa Daslu, emo Paulo SP .............................
159
Figura 16 Site da KaDeWe .............................................................................
162
Figura 17 Site da Daslu ..................................................................................
163
Figura 18 Esquema de descrição do modo como se constrói o
envolvimento dos consumidores .......................................................................
174
Figura 19 Descritivo de construção do consumo reverso ..............................
179
Figura 20 (esquerda) Vermeer, Johannes. Garota com brinco de pérola.
Óleo sobre tela. (direita) Anúncio Chanel nº5, Magazine Air France, Quarta
capa, dezembro 2007 .......................................................................................
228
Figura 21 (esquerda) Hans Baldung Grien, Adão e Eva, 1531. (direita)
Anúncio Bulgari, Audi Magazine, pag. 15, dezembro 2004 ..............................
230
Figura 22 (esquerda) Agnolo Bronzino. Lucrecia di Cosimo, 1555, Óleo
sobre tela ...........................................................................................................
231
Figura 23 Anúncio Mont Blanc .......................................................................
235
Figura 24 Esquema analítico da composição da imagem .............................
237
Figura 25 Anúncio relógios Longines..............................................................
243
Figura 26 Esquema analítico da composição da imagem .............................
247
Figura 27 Anúncio Lilica Ripilica ....................................................................
250
Figura 28 Esquema analítico da composição da imagem .............................
253
Figura 29 Anúncio Cartier ..............................................................................
258
Figura 30 Esquema analítico da composição da imagem .............................
261
Figura 31 Anúncio Shopping Cidade Jardim ...................................................
264
Figura 32 Esquema analítico da composição da imagem .............................
269
Figura 33 Anúncio Ermenegildo Zegna ..........................................................
271
Figura 34 Esquema analítico da composição da imagem .............................
273
Figura 35 Anúncio Iates Azimute ...................................................................
277
Figura 36 Anúncio Lufthansa .........................................................................
281
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Classes sociais do Brasil pelo novo critério Serasa Experian ............... 28
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................
18
Objetivo............................................................................................................
23
Metodologia......................................................................................................
24
1 UM BREVE INTRODUTÓRIO.......................................................................
25
1.1 As classes sociais no Brasil e seu potencial de consumo.........................
25
1.1.1 A população dividida sob o novo critério Serasa Experian.....................
27
1.1.2 Foco no mercado de luxo.......................................................................
29
1.2 São Paulo: a metrópole do luxo no Brasil..................................................
31
1.2.1 Rua Oscar Freire, a rua do luxo na metrópole........................................
32
1.3 O saber consumir do luxo..........................................................................
35
2 O MERCADO DE LUXO E SUAS NUANCES..............................................
36
2.1 O que é luxo?.............................................................................................
36
2.1.1 Etimologias e significações do termo......................................................
36
2.1.2 Sinestesias e simbologias ligadas ao luxo..............................................
38
2.2 Preconceitos por trás do luxo....................................................................
40
2.3 O que se entende por mercado de luxo?...................................................
42
2.3.1 Conceitos sobre mercado, segmento e nicho.........................................
42
2.4 As peculiaridades do mercado de luxo......................................................
44
2.5 Quais são os segmentos do mercado de luxo...........................................
47
2.6 O que seria um objeto de luxo?.................................................................
50
2.7 Perfil do consumidor de luxo......................................................................
52
2.7.1 Estímulos e motivações para realizar compras de luxo..........................
56
2.7.2 Consumo, logo EXISTO!.........................................................................
61
2.8 A história do luxo.......................................................................................
63
2.9 O luxo em um cenário de terceiro mundo..................................................
67
2.9.1 O ambiente brasileiro..............................................................................
67
2.9.2 Um breve comparativo: o luxo na Rússia...............................................
70
2.10 A força das marcas..................................................................................
73
2.10.1. Marcas e posicionamento de mercado................................................
73
2.10.2 Aspectos de marketing relacionados ao luxo.......................................
79
2.10.3 As empresas do luxo: o lado corporativo do negócio...........................
84
2.11 O papel dos profissionais de luxo no mundo corporativo........................
87
2.11.1 A importância dos recursos humanos...................................................
88
2.12 O luxo emmeros..................................................................................
89
2.13 O crescimento do luxo no Brasil..............................................................
92
2.14 O Preço do Luxo......................................................................................
95
2.15 O luxo sustentável...................................................................................
99
2.15.1 O luxo “verde” e o cenário sustentável.................................................
99
2.15.2 O lixo do luxo........................................................................................
111
2.16 A sociedade de consumo (de luxo)..........................................................
103
3 O CONSUMO ME CONSOME: UMA DISCUSSÃO SOBRE O CONSUMO
E SUAS IMPLICAÇÕES SOBRE O LUXO E A SOCIEDADE.........................
105
3.1 O que é “consumir”?..................................................................................
105
3.1.1 Etimologia do termo consumo................................................................
105
3.1.2 O consumir como ação...........................................................................
106
3.1.3 O consumo enraizado no meio social.....................................................
108
3.1.4 Consumindo de acordo com a escala de necessidades.........................
111
3.1.5 Necessidades versus Desejos................................................................
115
3.2 As Ciências do consumo...........................................................................
117
3.2.1 A fisiologia do consumo: a neuroeconomia............................................
118
3.2.1.1 O que é?..............................................................................................
118
3.2.1.2 Manifestações do consumo sobre o corpo humano............................
119
3.2.1.2.1 Os neurônios-espelho em ação........................................................
121
3.2.1.2.2 Os marcadores somáticos................................................................
124
3.2.1.2.3 Implicações dos neurônios-espelho e marcadores somáticos no
consumo de luxo...............................................................................................
125
3.2.1.3 O consumo de luxo como fator perpetuador da própria espécie.........
127
3.3 Inversões e o caso Luciano Huck..............................................................
128
3.4 O consumo como tipo de desejo...............................................................
130
3.4.1 O mecanismo de funcionamento da insatisfação...................................
132
3.4.2 Moulian e a “sociedade do engano.........................................................
133
3.4.3 Aprendendo a consumir..........................................................................
134
3.5 A construção hedonista do mundo............................................................
135
3.6 Capitalismo e desperdício..........................................................................
137
3.6.1 Os efeitos globais dos desperdícios de nosso tempo.............................
137
3.6.2 O ciclo de vida dos produtos...................................................................
140
3.7 A Fetichização do Dinheiro........................................................................
141
3.8 As Instituições de Facilitação do Consumo...............................................
144
3.8.1 Para comprar, é preciso pagar...............................................................
148
3.9 Desvalorização do trabalho e sobrevalorização do consumo...................
149
3.10 O Shopping e as catedrais do Consumo.................................................
154
3.10.1 A KaDeWe............................................................................................
158
3.10.2 A Daslu.................................................................................................
159
3.10.3 Semelhanças entre KaDeWe e Daslu..................................................
161
3.10.3.1 As lojas KaDeWe e Daslu na Internet................................................
161
3.11 Identidade, Figuração e Consumo...........................................................
164
3.11.1 A falsificação dos artigos de luxo..........................................................
165
3.12 A paixão do consumo e a escravidão pelo consumo...............................
167
3.13 O consumo me consome: uma manifestação do consumo de luxo........
170
4. O CONTEXTO CULTURAL DO LUXO: O CONSUMO REVERSO E O
SOCIOCONSUMO...........................................................................................
172
4.1 Envolvimento do consumidor com seus produtos: um casamento sem
papel passado...................................................................................................
172
4.2 O consumo reverso e o luxo......................................................................
177
4.2.1 A primeira via do processo: consumidor-produto...................................
182
4.2.2 A segunda via do processo: produto consumidor................................
185
4.3 O luxo como manifestação cultural............................................................
188
4.3.1 O que é cultura?.....................................................................................
190
4.3.2 Os rituais de consumo de luxo e a religião Versus consumo VIP..........
192
4.3.2.1 Os rituais de consumo de luxo.............................................................
192
4.3.2.2 Fé Cristã contra a lógica da economia moderna.................................
195
4.4 O luxo como manifestação da soberba.....................................................
199
4.4.1 O socioconsumo.....................................................................................
202
4.4.2 A verticalização do luxo..........................................................................
205
4.5 O luxo kitsch..............................................................................................
206
4.6 O tempo do luxo. Vencendo o efêmero.....................................................
208
4.6.1 O que é o tempo.....................................................................................
208
4.7 Comunicação simbólica entre humanos e o luxo......................................
211
4.8 Iconofagia, as devorações e antropofagia na comunicação......................
213
4.8.1 As imagens no espaço e no tempo.........................................................
213
4.8.2 Imagens e espaços humanos.................................................................
214
4.8.3 Imagem e os corpos...............................................................................
214
4.9 Para haver comunicação, é preciso haver vínculo....................................
215
4.10 O que as imagens querem?.....................................................................
216
4.10.1 Imagens agem......................................................................................
217
4.10.2 As devorações das imagens.................................................................
220
4.11 Devoramos as imagens ou somos devorados por elas..........................
223
4.12 Arte e luxo, uma construção da imagem percebida e sentida.................
224
4.13 O luxo como forma de expressão da arte................................................
226
5 A COMUNICAÇÃO DE LUXO E SEUS ANÚNCIOS...................................
232
5.1 As mensagens por trás das imagens.........................................................
232
5.1.1 A mulher..................................................................................................
235
5.1.2 O homem................................................................................................
243
5.1.3 A criança.................................................................................................
250
5.1.4 O objeto..................................................................................................
258
5.1.5 O lugar de se consumir...........................................................................
264
5.1.6 O grupo...................................................................................................
271
5.2 Outros segmentos do luxo.........................................................................
277
5.2.1 O ir e vir: transportes..............................................................................
277
5.2.2 Serviços..................................................................................................
281
CONCLUSÃO...................................................................................................
287
REFERÊNCIAS................................................................................................
290
ANEXOS...........................................................................................................
301
18
INTRODUÇÃO
O luxo existe desde os primórdios da história humana em sociedades
organizadas, em que objetos começaram a possuir gradativo valor superior ao de
simples uso, mas seu comércio em termos de mercado organizado foi surgir muitos
séculos depois, na Europa.
No Brasil, país economicamente considerado subdesenvolvido no cenário
mundial, o mercado de luxo é uma realidade ainda emergente, porém não menos
importante, num gradativo processo de crescimento e lucratividade por parte das
empresas que operam no setor, das poucas fabricantes nacionais e das muitas
importadoras e revendedoras. Por sinal, os mercados de segundo e terceiro mundo
num cenário de crise, como a de 2008/2009 nos Estados Unidos, passaram à
posição de opções interessantes como forma de compensar perdas nos mercados
mais fortes, porém mais atingidos pela crise, fazendo com que tivessem seu valor
reconhecido enquanto saiam da posição de meras coadjuvantes em termos de
retorno comercial.
Ainda restrita a grandes metrópoles, em especial São Paulo e Rio de Janeiro,
a realidade do comércio de luxo, mesmo em momentos de crise, é que ele tem se
fortalecido junto ao público de classe A e B desde que as principais marcas
começaram a entrar no país desde o final da década de 1970, com a maior abertura
do mercado nacional e o interesse de uma classe rica em adquirir artigos de luxo no
próprio Brasil, se desobrigando a comprá-los em escala limitada durante as viagens
ao exterior.
Mesmo sendo um país novo em comparação aos tradicionais países da
Europa do eixo de luxo (França, Itália, Alemanha e Reino Unido, por exemplo),
algumas marcas desenvolvidas no Brasil passaram a ganhar destaque
internacional, como H Stern, abrindo possibilidade para uma série de outras grifes
nacionais passassem a entrar numa outra escala de interesse e serem amplamente
respeitadas.
19
se tem o costume de estudar o mercado de luxo e suas implicações sobre
o consumo muitos anos em diversos países da Europa e EUA, coisa que se
iniciou no Brasil apenas há pouco tempo, com estudos promovidos principalmente
nos campos da administração e do marketing. “Outros países já passaram pela fase
de ostentação, enquanto o Brasil ainda está passando”, explica Kátia Faggiani; isto
indica que o país ainda está de um modo geral num estágio inicial, de
vislumbramento com o mercado de luxo a tal ponto da marca determinar a compra
com mais freqüência que a própria comparação técnica dos itens, envolvendo maior
racionalidade.
Por sinal, o que faz com que uma pessoa adquira um objeto por valor até 100
vezes superior, ou mais, ao semelhante de uso popular, caso de uma caneta, por
exemplo? Ou um carro de valor superior a R$ 1,5 milhão? O luxo permite compras
de valor superior aao que muitas vezes nossa imaginação consegue atingir. Com
certeza, permitindo aqui uma prévia conclusão, existe um fator intangível que vai
muito além do simples valor de uso, um elemento que agregue um valor superior ao
dos itens empregados durante a fabricação, determinado muitas vezes pela própria
marca. Sendo assim, fica a dúvida: será que realmente é o indivíduo que compra o
artigo de luxo, ou será que ele é comprado pelo objeto? A esta dúvida se terá o
maior prazer de esclarecer durante o desenvolvimento nas páginas desta pesquisa.
Em um país cheio de nuances como o Brasil, com uma população bastante
heterogênea e desigualdades sociais muito acentuadas, pode parecer uma falta de
bom senso falar a respeito de luxo, compras de alto valor e de um estilo de vida
onde o dinheiro é o menor dos problemas. Considerado muitas vezes um tema
menor, mas não menos importante do que qualquer outro mercado que venha a ser
estudado, o luxo traz à tona uma série de conhecimentos e ferramentas de estímulo
às compras, bem como fidelização de clientes a partir da construção de marcas
fortes, com uma aura de sofisticação e de diferenciação garantida por uma
reputação; estes conhecimentos podem servir muito bem para outros gestores de
marcas, mesmo que menores, por abranger uma série de possibilidades de
persuasão que vão muito além do binômio custo-benefício. A história de marcas
como Cartier, Rolex ou Bulgari inspiram cases de sucesso para muitos outros
produtos por todo o mundo.
20
Assim, é importante entender o luxo como um todo, seja marca ou
comunicação, pois dele bebem e se inspiram as marcas de uso popular, cujos
contatos com os consumidores muitas vezes requerem o uso de uma comunicação
que evidencie aspectos de compra irracionais, intangíveis e quantitativos para se
diferir da concorrência, em ambientes cada vez mais competitivos, graças ao
fortalecimento de relações comerciais globais, criando um vínculo muito mais forte
do que necessariamente algo que venha a se diluir com especificações técnicas
mirabolantes. O custo benefício de um produto muitas vezes não está presente,
mas se constrói na imaginação do consumidor e nesse aspecto, nada como o luxo
para trazer manuais de como fazer para se atingir estes objetivos específicos
almejados.
Outro ponto importante e que será considerado nas próximas páginas é se as
compras de luxo no caso permitem um deleite de quem compra por usar algo
especial ou porque aquele item de valor desperta atenção e interesse das outras
pessoas, mesmo que elas não possam comprar? Ou seriam as duas coisas. Esta é
uma circunstância da qual analisaremos nas próximas páginas.
Por linhas gerais, o objetivo deste trabalho é mostrar por outro ponto de vista
o mercado de luxo, analisando-o às luzes da semiótica da cultura e outras ciências
que venham a agregar valor e sentido aos temas discorridos, bem como favorecer
uma análise ao fim de anúncios veiculados em revistas voltadas ao público de
classe A, relacionando-o com os processos de consumo de um mercado com uma
lógica bastante peculiar, e por isso muito instigante.
A hipótese principal é a de que existe nas compras e comunicação do
mercado de luxo um mecanismo oculto, que vem a ser denominado consumo
reverso, onde a pessoa não é o sujeito ativo no processo, mas sim, passivo (esta
situação na realidade oculta por uma série de mecanismos de apreensão de
informações e retransmissão ao público). Isso quer dizer que, num contexto geral, o
processo passa a não depender do indivíduo comprador, mas sim, tudo é conduzido
por quem fabrica e vende. Outro aspecto importante é considerar nas hipóteses,
também, como se essa relação com o outro que constrói valor a marcas e
produtos.
21
Por consumo reverso, entende-se o modo como o mercado de luxo parte de
uma forma de consumo tradicional consumidor-produto, clara e aberta a todos, para
um estímulo implícito que se estrutura a partir da relação produto-consumidor, num
processo igualmente de consumo, onde as pessoas são arrebatadas em busca de
ideais que visam a agregar para si em prol da construção de uma imagem pessoal
“artificial”, exógena, mediada pelo simbolismo dos produtos utilizados e de valor em
relação ao grupo.
Este trabalho será subdividido sob diversos temas, ao longo de 5 capítulos,
dos quais seguem a descrição mais abaixo. Deste modo, uma organização do
conteúdo de acordo com a ordem de importância, criando-se subsídio para que ao
fim seja feita a análise de anúncios impressos veiculados em revistas voltadas à
classe A.
No primeiro capítulo, se discorrerá a respeito de alguns parâmetros para o
desenvolvimento do conteúdo do trabalho, como um entendimento a respeito de
classes sociais no Brasil, onde o foco dos estudos se dará sobre a classe A, além
de oferecer informações a respeito da praça onde se dará a pesquisa, no caso, a
cidade de São Paulo.
O segundo capítulo seguiobservando os aspectos e peculiaridades do que
é o mercado de luxo, suas características básicas e conceitos que o fazem um
mercado especial e diferenciado em relação ao de outros produtos, tornando-o
referência de qualidade e requinte junto a fabricantes de produtos considerados de
“massa”, que visam agregar a seus produtos a mesma aura dos artigos de luxo, que
por ventura garantem aos produtos qualidades intangíveis e menos baseados no
custo-benefício.
O terceiro capítulo aborda a temática do consumo de luxo e suas
características em relação aos outros mercados e comportamentos específicos dos
consumidores.
O quarto capítulo trabalhará, pela visão das teorias da semiótica da cultura
em especial, o modo como se constrói o consumo de luxo e as implicações sociais
se sua atuação, bem como de seus adeptos.
22
O quinto capítulo i alinhavar os aspectos considerados no conteúdo da
pesquisa com anúncios veiculados em revistas voltadas ao mercado de luxo, de
acordo com o modo como o anúncio se constrói.
Ao longo das páginas desta leitura, é importante se considerar a visão não de
um adepto do mercado de luxo nem de um profundo apreciador dos itens oferecidos
para o público de classe A, mas sim de um grande interessado no tema e
pesquisador das características e qualidades que fazem deste mercado tão
especial. Assim como Gilles Lipovetsky afirma, a importância do luxo não reside no
tema em si, mas sim no modo como ele se constrói suas bases a fim de despertar o
interesse das pessoas, fazendo com que ele saia cada vez mais do eixo dos temas
academicamente menores para entrar no hall das atividades regulares de pesquisas
referentes a perfis de mercado e categorização de consumidores, entre outros. De
fato o luxo é um tema rico para ser trabalhado e vai muito além apenas do dispêndio
de dinheiro a todo direito, demonstrando que em geral é a visão errônea das
pessoas que prejudica que o tema se aprofunde mais.
A intenção desta pesquisa é gerar outra visão do mercado de luxo a partir de
uma análise orientada pelas teorias do consumo e da semiótica da cultura,
contribuindo com algo que vai muito além das lições da administração e do
marketing, que por sinal são uma constante na maioria dos trabalhos sobre mercado
de luxo, talvez por causa da realidade profissional e da formação central dos
autores, que escrevem baseados em suas experiências principalmente.
Espera-se que, durante a leitura, que as pessoas com acesso ao material
desta pesquisa desenvolvida a título de mestrado apresentem outro olhar não
apenas do mercado de luxo, mas do modo como se podem determinar gostos e
predileções de modo eficaz, porém o agressivo com relação ao consumidor, que
passa a ter sensação de que é senhor de uma situação que na realidade não o é.
Assim, é preciso que profissionais de comunicação e marketing tenham uma visão
nova do que representa suas funções perante as pessoas, bem como na
responsabilidade que possuem durante o exercício de suas atividades cotidianas.
23
OBJETIVO
O objetivo desta pesquisa é demonstrar, por meio de anúncios veiculados em
revistas voltadas ao mercado de luxo, como se estruturam os processos de compra
a partir da teoria do consumo reverso.
Além disso, uma relação entre marcas de luxo e indivíduos que vão muito
além dos desejos pessoais, em que o consumir se torna uma expressão social de
fato, que se relaciona diretamente com uma segunda realidade construída por meio
da mídia (as semelhanças e contrariedades entre o eu real e o eu imaginário) e do
grupo em que se vive a que vem a se chamar socioconsumo.
A partir de uma visão ampla do mercado de luxo e da comunicação voltada a
este ambiente de consumo, se fa uma análise crítica que não visa criar uma
opinião condenatória ou que venha a adular este tipo de consumo seletivo, mas sim
entender melhor como a relação homem-produto se constrói e se perpetua, dentro
de uma convergência de situações dominadas por muitas marcas e desejada por
outras várias, visando distinguir os itens oferecidos como itens que excedem as
próprias qualidades e passam a carregar consigo qualidades intangíveis, agregáveis
por parte do usuário.
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METODOLOGIA
Neste trabalho, a metodologia empregada foi:
- Montagem inicial de um roteiro de estudos com definição dos itens a serem
pesquisados de acordo com o tema escolhido.
- Pesquisa bibliográfica dentro dos elementos definidos pelo roteiro de
estudos, com coleta empírica de anúncios de produtos de luxo voltados a mercados
bastante abastados, retirados de revistas com perfil de leitores da classe A,
conforme o Critério Serasa Experian, instrumento nacional para determinação de
classe social dos indivíduos a partir das condições de vida e possibilidades de
ganhos.
- Seleção e posterior análise dos anúncios realizada principalmente a partir
das teorias visões da semiótica da cultura, antropologia do consumo e da teoria da
imagem.
- Desenvolvimento de idéias e conceitos a partir das leituras e constatações
obtidas durante a realização do trabalho.
- Organização e fichamento dos dados coletados e analisados dentro do
período de Fevereiro de 2008 a Dezembro de 2009.
25
CAPÍTULO 1 UM BREVE INTRODUTÓRIO
Para o bom desenvolvimento dos conteúdos deste trabalho, inicialmente é
interessante se promover uma base teórica que visa guarnecer os leitores de
algumas informações importantes no que tange não apenas números e dados
quantitativos a respeito do cenário do mercado de luxo, principalmente no mercado
nacional, mas também identificar elementos inerentes à praça de pesquisa e o
modo como o assunto pode ser adequadamente desenvolvido. Este é o intuito de
desenvolver este capítulo.
Espera-se que constem nas páginas deste capítulo conteúdos que sejam
pertinentes ao entendimento de muitas colocações e considerações expostas mais
adiante.
1.1 As classes sociais no Brasil e seu potencial de consumo
O Brasil, mesmo considerado um país de terceiro mundo, possui uma
constituição um tanto heterogênea em termos sócio-econômicos, com grandes
diferenças entre membros de classes sociais. Estas diferenças podem propriamente
se tornarem verdadeiros abismos quando comparados o poder de consumo das
classes sócias mais ricas e aquelas mais baixas. Independentemente de uma
condição de subdesenvolvimento, há no Brasil um extrato social muito pequeno apto
de adquirir itens de luxo, todavia é um grupo que consome bastante e que
sustentam o crescimento deste mercado nos últimos anos.
Esta diversidade econômica presente no Brasil, além de um tanto peculiar, traz a
tona um desafio: como identificar quando começa e onde termina uma classe
social?
26
Num primeiro momento, para esta pesquisa, optou-se por definir a classe A
nacional tendo em vista os parâmetros do hoje muito utilizado Critério Brasil,
desenvolvido para mensurar a classe social a partir do cruzamento das informações
referentes a bens de consumo básicos adquiridos e infraestrutura habitacional, bem
como renda familiar total. Porém, obviamente, este critério, embora continuasse
relevante, trazia uma série de distorções relevantes e porque não dizer óbvias, que
dificultavam um uso mais aprofundado com base científica.
Pelo Critério Brasil, por exemplo, considerava-se de modo geral que integram o
topo da pirâmide brasileira pessoas com rendimento domiciliar (ou seja, da família
como um todo), acima de 20 salários mínimos (R$ 10,2 mil), tendo caracterizadas
como classe B o grupo com renda domiciliar entre 10 e 20 salários mínimos e C
entre 3 e 10 salários mínimos. Considera-se como base de cálculo o salário mínimo
atual nacional, estabelecido como R$ 510,00 (este valor independe dos pisos
estabelecidos pelo poder executivo de cada unidade da federação- estados como
teto).
Os principais problemas a respeito do Critério Brasil o que, a partir de um
levantamento levando-se em conta o todo da população do país, as bases de
funcionamento passam a ser seriamente comprometidas graças ao já citado caráter
heterogêneo da população. Por exemplo, uma família que habita uma cidade com
custo de vida mais alto, como Brasília ou São Paulo, perde poder aquisitivo se
comparada a outras famílias residentes em cidades menores e com características
mais rurais. Outro problema é que o salário per capita de uma família não é o
suficiente para determinar se ela pode ou não pertencer a um grupo mais abastado,
pois o importante para tal avaliação não é o quanto se ganha como salário, mas na
verdade o modo como se gasta ou investe esse dinheiro; isto pode desse modo, vir
27
a equiparar pessoas com salários completamente diferentes. Outro ponto importante
a se analisado é que para o Critério Brasil não importa as especificações, mas o fato
de se possuir um parelho ou equipamento em si. Se a TV que uma família tem em
casa for uma de 14 polegadas, velha no final ela ganha o mesmo peso de uma TV
recém lançada de LCD com 60 polegadas e conversor integrado para sistema
digital. Com tantas distorções, obviamente percebe-se que o próprio critério
começa a entrar em desuso por não permitir uma aferição mais precisa daquilo que
se quer analisar.
Assim sendo, quase como uma necessidade das empresas e dos profissionais
de pesquisa de mercado, a consultoria Serasa Experian desenvolveu um novo
critério, muito mais completo e adequado, agora respeitando os princípios
antropológicos e a diferenciação da população em termos econômicos.
Primeiramente, é necessário se entender como funciona o novo critério Serasa
Experian.
1.1.1 A população dividida sob o novo critério Serasa Experian
A população brasileira está dividida pelo novo critério em dez grupo sociais, de
acordo com os parâmetros estabelecidos pela consultoria Serasa Experian, um
opcional mais completo ao anterior, o Critério Brasil. Essas classes ao todo são:
- Classe A: ricos, sofisticados e influentes;
- Classe B: prósperos e moradores urbanos;
- Classe C: assalariados urbanos;
- Classe D: empreendedores e comerciantes;
- Classe E: aspirantes sociais;
- Classe F: periferia jovem;
28
29
- Classe G: envelhecendo na periferia;
- Classe H: aposentadoria tranqüila;
- Classe I: envelhecendo no interior;
- Classe J: Brasil Rural.
Esta divisão sob novas definições representa de forma mais fiel as
necessidades, os comportamentos e os desejos da população do que as
classificações por faixa de renda ou classe social, permitindo às empresas
repensarem os seus produtos e serviços até mesmo criar soluções novas para o
público que estavam eventualmente encobertos e fora do sistema, por avaliações
menos criteriosas.
A população brasileira está distribuída conforme a nova classificação do
seguinte modo:
Tabela 1 Classes sociais do Brasil pelo novo critério Serasa Experian
Classe Social
Composição
% na população brasileira
A
Ricos, sofisticados e influentes
1,86%
B
Prósperos moradores urbanos
5,26%
C
Assalariados urbanos
8,93%
D
Empreendedores e comerciantes
5,01%
E
Aspirantes sociais
9,74%
F
Periferia jovem
20,92%
G
Envelhecendo na periferia
8,04%
H
Aposentadoria tranqüila
14,99%
I
Envelhecendo no interior
9,19%
J
Brasil Rural
16,05%
Fonte: OUTROS (2010)
29
Gráfico de porcentagem de cada classe social no Brasil pelo novo critério Serasa
Experian
Fig. 1 OUTROS (2010)
Como padrão de referência nesta pesquisa, utilizou-se este método
desenvolvido pela Serasa Experian, opção que se justifica por garantir uma
diversificação maior das classes se comparado ao Critério Brasil, pois se adéqua
em maior fidelidade com a realidade sócio-econômica e de consumo de cada
indivíduo. Não era possível precisar ao certo a diferenciação de classe social a partir
da renda familiar, que o Brasil infelizmente é um país com muitas desigualdades,
bem como disparidades abissais em termos de custo de vida. Por este aspecto,
passa a ser importante não a renda, o quanto que uma família recebe, mas centra
as atenções no modo como se gasta ou investe este dinheiro.
1.1.2 Foco no mercado de luxo
Para este trabalho se optou como grupo de estudo os padrões e hábitos de
consumo referentes à classe A, que representa menos de 2% da população
nacional, atendo-se ainda a uma classe também importante que representa 5,86%
da população, conhecida como prósperos moradores urbanos potenciais membros
da classe A.
A classe A, num universo de 192,5 milhões de brasileiros (de acordo com o
IBGE), corresponde a 3.580.500 pessoas. Estima-se, porém, que realmente
consumam bens de luxo apenas 0,27%, ou seja, o equivalente a quase 520.000
pessoas, um extrato pequeno dentro da fração de pessoas que compõem a classe
A da população nacional.
Com o crescimento da economia brasileira na primeira década do século XXI,
mesmo com algumas tensas situações de crises internacionais de grande porte e
guerras, não apenas as classes mais necessitadas obtiveram uma melhora na
qualidade de vida. De acordo com matéria do jornal Estado de S. Paulo, o
rendimento médio da classe A é, em 2010, 48% superior ao mesmo parâmetro de
rendimentos apurados em 2002, sem que para isso houvesse uma mudança
expressiva para mais na participação da classe A na população brasileira. Ou seja,
avalia-se tal informação como uma constatação que a classe A manteve uma
estabilidade de membros, porém está mais bem remunerada, muito além da
infração acumulada no período.
Ao todo, de acordo com o jornal Estado de S. Paulo, o Brasil passou a ter 303
mil novas famílias com padrão de vida classe A de 2002 a 2009, período usado
como comparativo para análise pelo órgão IBGE. Desde 2006, o Brasil abriga mais
de 1 milhão de famílias na classe A. Para comparar, no mesmo período a classe B
aumentou 1,146 de famílias, enquanto a classe C aumentou 7,772 milhões. Apesar
das diferenças entre cada classe, o crescimento de renda não foi muito diferente
30
31
entre as categorias: dobrou na classe A, cresceu 116% na classe B e 142% na
classe C.
Mesmo nesse grupo muita disparidade de ganhos, abrangendo pessoas
com R$ 10 mil mensais de renda para gastar e outras com mais de R$ 50 mil para
suas necessidades de consumo.
Sendo um grupo tão seleto, requer não apenas produtos, mas tamm
atenções especiais antes, durante e depois da compra, necessitando de uma série
de aparatos diferentes para sua satisfação plena.
1.2 São Paulo: a metrópole do luxo no Brasil
No Brasil, São Paulo é a cidade líder em consumo de luxo, responsável por
75% das vendas neste mercado. Logo atrás vem Rio de Janeiro e Brasília (motivada
principalmente pelas compras dos bem assalariados servidores públicos da
administração federal).
Porém, muito se iludem aqueles que acreditam que fazem compras de luxo
na cidade apenas moradores paulistanos; numa cidade que reúne pessoas de
praticamente todas as nacionalidades, mesmo que descendentes até 3ª geração,
habitantes de diversas cidades de todo país vem até a cidade para realizar seus
impulsos de compra, incluindo alguns estrangeiros, atraídos pela queda dos preços
que algumas coleções de produtos sofrem ao entrar no mercado nacional (a maioria
entra no país com um atraso em relação aos lançamentos nos principais mercados
de luxo, o que justifica tal queda nos preços). Assim sendo, a cidade de São Paulo
será o principal pólo de pesquisas para o desenvolvimento desta pesquisa,
fornecendo algumas diretrizes importantes para o desenvolvimento e embasamento
deste trabalho, incluindo campo para algumas análises in loco.
Embora consuma mais, São Paulo ainda tem características de
comportamento de consumo um pouco diferentes das do segundo mercado
nacional. O Rio de Janeiro tem mais personalidade para consumir luxo que busca e
consegue ter um estilo próprio, tem uma leitura diferente dos itens e marcas, com
um certo despojamento. Há inclusive muitos cariocas que já aprenderam a substituir
o brilho ostensivo dar marcas por um jeans - milionário - da italiana Diesel,
reconhecido a quilômetros por quem gosta e entende do assunto. Em terceiro lugar
no ranking nacional está Brasília, com uma mentalidade mais antiga sobre mercado
de luxo, ainda apostando mais na ostentação do que na personalidade dos
produtos.
1.2.1 Rua Oscar Freire, a rua do luxo na metrópole
A Rua Oscar Freire, localizada em uma área nobre e movimentada no centro
de São Paulo. Ela começa na Alameda Casa Branca (ao lado do parque Trianon) e
termina na movimentada Av. Dr. Arnaldo, alternando de sobradinhos antigos do
início do culo XX aos comércios mais populares, passando obviamente pelo seu
trecho nobre entre as ruas Melo Alves e Padre João Manuel, razão de ser deste
tópico, tudo em uma extensão de aproximadamente 3 quilômetros.
Com o declínio da Rua Augusta como uma das mais nobres da cidade, por
volta dos anos 1970, a Oscar Freire começou a oferecer próximo dali uma ótima
opção de entretenimento e compras. Freqüentada por políticos, nobres da região e
jovens new age, a rua passou a atrair lojas de luxo com o início da abertura das
importações no início da década de 1990, conforme projeto do então presidente
Fernando Collor de Melo. Por sinal, as lojas foram parar no local o apenas pelo
fluxo de pessoas endinheiradas circulando, mas porque o local era freqüentado pela
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32
maioria dos donos das lojas, formando uma espécie de comunidade, um círculo
fechado entre consumidores e apreciadores de luxo e artigos nobres, geralmente
moradores dos bairros vizinhos do Jd. América e Jd. Paulista.
Hoje, a Rua Oscar Freire é famosa pela crítica de luxo internacional como
uma das 10 mais nobres do mundo, de acordo com a Mystery Shopping
International. Tanto renome permitiu com que os lojistas da região formassem uma
associação para defender melhorias e garantir a manutenção do status do local. No
caso, a Associação dos Lojistas da Rua Oscar Freire não abrange apenas
comerciantes da rua, mas de todo o entorno que abriga lojas de grifes e marcas
famosas. Atualmente ela conta com 120 estabelecimentos e 400 pontos comerciais.
Como principal conquista, a associação intermediou o processo junto ao poder
público de reformulação do local, alargando e reurbanizando as ruas,
transformando-as em boulevares ao estilo europeu, isso no ano de 2006, ao custo
de R$ 8,5 milhões.
Na própria Oscar Freire estão situadas lojas como Diesel, La Perla, Le Lis
Blanc, Tommy Hilfiger, Forum, Oskley, H. Stern e Ellus. Nas imediações
encontramos lojas de marcas como Christian Dior, Louis Vuitton, Salvatore
Ferragamo, Bulgari, Cartier, Giorgio Armani, Versace e de gastronomia, como o
restaurante Fasano.
No entanto, a própria Oscar Freire possui nuances muito claras de como luxo
e pobreza se misturam em questão de algumas quadras. Enquanto pessoas
compram jóias e desfilam em carros de primeira linha na área nobre, crianças de
rua e adolescentes usam drogas, sustentando os vícios com pequenos furtos nas
proximidades da estação Sumaré do metrô, em meio a comércios fechados e
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imóveis degradados. Os próprios habitués da região tamm denominam a área
mais próxima da Alameda Casa Branca de Oscar Fake (fake em inglês é o mesmo
que falso), por possuir lojas de grifes pequenas, algumas apróprias, e de menor
valor em termos de marca. Vale salientar que estes trechos menos nobres não
foram contemplados no projeto de revitalização local, ou seja, não foi uma coisa
pensada para beneficiar um todo, mas apenas um grupo freqüentador do local.
As diferenças por quem circula na rua são claras para os pedestres que por
ela passeiam. Aos que vem da Av. Rebouças, ao andar dois quarteirões, se tem um
verdadeiro choque. A sensação é de ter se teletransportado para outro país, numa
outra realidade. As pessoas mudam, as lojas mudam, a rua reurbanizada cria todo
um clima especial para gerar um ambiente especial. Até os carros estacionados e
circulando pelas ruas locais são diferentes, em sua maioria de marcas
reconhecidamente nobres e importados.
Principal local de comércio de luxo em São Paulo: Rua Oscar Freire
Figura. 2 http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/9b/Oscar_Freire2.jpg
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1.3 O saber consumir do luxo
Saber consumir bem e adequadamente é um dos artigos mais importantes do
mercado de luxo que, para produzir vendas, está muito além se basear no trinômio
loja, preço e marca. Cabe a cada consumidor estabelecer para si não apenas os
itens, mas os valores que ele deseja agregar para si próprio ao comprar seus
produtos, pois em cima disso é que ele vai construir uma experiência circunstancial
do que é usá-los.
A nobreza do luxo se torna uma evidência para todos os que o tocam pois
jamais se fica insensível à beleza do gesto de um artesão da arte. As pessoas se
arrumam, se enfeitam (perfumes, beleza, cuidados, alta-costura, prets-à-porter dos
costureiros, peleterias, joalheria, bagageria) e embelezam o ambiente em que vivem
- artes de decoração e artes de mesa cristaleria, porcelana, faiança, ourivesaria.
Assim sendo, necessidade de se compreender a natureza e a hierarquia das
necessidades e desejos que se encaminham para essas indústrias, da composição
da escala das aquisições dos compradores e do papel simbólico atualmente
preenchido pelos setores do luxo, um a um (ALLERES, 1990).
35
CAPÍTULO 2 - O MERCADO DE LUXO E SUAS NUANCES
Nem de produtos sofisticados e muito dinheiro se faz um mercado como o
de luxo, onde por trás de cada compra, um conjunto de sentimentos e experiências
emergem a fim de que seus membros perpetuem parâmetros de gosto, satisfação e
requinte. Por isso, é de suma importância que se faça um entendimento amplo do
que é e como funciona a dinâmica do luxo e das marcas que o constituem.
Embora seja um pouco complexo de entendê-lo, principalmente por causa de
suas peculiaridades, o mercado de luxo é uma excelente forma de se buscar a
complexidade com o qual é possível gerar satisfação por meio de um processo de
compra simples. Num primeiro momento, para facilitar tal compreensão, é preciso
se desfazer uma série de mal entendidos e impressões errôneas que as pessoas
costumam ter em relação ao luxo:
2.1 O que é luxo?
2.1.1 Etimologias e significações do termo
Etimologicamente, luxo significava fascinação e brilho. Por meio de um
retorno às origens etimológicas do termo ou de uma busca na história do Ocidente,
pode-se pensar sobre o que o luxo significou e, ainda, significa às pessoas numa
sociedade em pleno século XXI. Alguns definiam o luxo como luz, aquilo que ilumina
ou traz brilho. Do latim luxus, ou luxu, que significa excesso em geral ou mesmo
indulgência dos sentidos, o verbete luxo também guarda a familiaridade com a
noção de lúxuria: exuberância, profusão, vida voluptuosa. Etimologicamente, “luxo”
e “luz” têm a mesma origem, já que ambas vêm do latim lux”, que significa “luz”. De
acordo a definição acima descrita, a referência à luz provavelmente se associa com
36
conceitos tais como brilho, esplendor, distinção perceptível ou resplandecente e
vigor (JOÃO BRAGA, 2004).
Definir o conceito do que é luxo é uma das dificuldades iniciais de estudar
este mercado. Segundo os dicionários mais recentes, encontramos a respeito deste
verbete:
1. Modo de vida caracterizado por grandes despesas supérfluas e pelo gosto
da ostentação e do prazer; fausto, ostentação, magnificência;
2. Caráter do que é custoso e suntuoso;
3. Bem ou prazer custoso e supérfluo; superfluidade, luxaria;
4. Viço, vigor, esplendor”.
Buscar a etimologia mais adequada da palavra luxo a partir da definição de
seus significados no passado bem como nas interpretações relevantes a respeito do
que ele significa hoje e de seu destino no futuro é um exercício de extrema
complexidade para os teóricos da área, já que as possibilidades de análise o
múltiplas, bem como os pontos de vista a respeito. Neste sentido, é preciso
entender o luxo como um conceito heterogêneo, bastante dinâmico e de caráter um
tanto relativo. Em vez de se falar em luxo de modo singular, é necessário pensar em
luxos, com sentidos múltiplos, abrangendo uma série de aspectos relevantes.
Quando analisamos a definição dos dicionários, observamos que o termo
abrange uma dimensão muito concreta. Ainda segundo a observação de João
Braga (2004), existem muitos aspectos intocáveis ligados ao conceito, pois o luxo
“deixa de estar ligado a um objeto para se associar a um signo, a um código, a um
comportamento, à vaidade, ao conforto, a um estilo de vida, a valores éticos e
estéticos, (...) ao prazer e ao requinte”.
37
2.1.2 Sinestesias e simbologias ligadas ao luxo
O luxo é, no geral, uma grande construção cultural e política que define
claramente zonas de domínio humano específicas, de exclusividade e poder; se
pensarmos nestas implicações numa sociedade, o luxo seria a materialização do
que há de mais valioso e estimado dentro daquele grupo de membros, muitas vezes
um bem de gênero raro, diferente, inacessível ou impedido de ser apropriado ou
aproveitado pela maioria. Um deleite restrito a poucos.
Um artigo de luxo não precisa ser um bemo raro em quantidade, mas deve
ser seletivo e proibitivo. Assim sendo, o caráter do luxo como exclusivo em si é
segundo Sérgio Lages Carvalho (2008), qualitativamente socializado dentro de um
pequeno e privilegiado grupo que goza de poderes ou privilégios mágicos,
carismáticos, políticos, religiosos ou econômicos. Isso pode ser facilmente
entendido a partir do fato de que, se um produto for amplamente acessível a todo
coletivo social de uma sociedade, ele perde o valor de exclusividade e importância a
partir do momento em que todos sabem que podem-lo facilmente. O que é
comum não chama tanta atenção nem desperta tanto interesse, já que se torna um
objetivo tangível e que não gera o mesmo fascínio e anseio. Aquilo que é fácil não
garante o mesmo prazer da conquista.
O valor do luxo está no campo dos sentidos atribuídos pelo próprio homem
por razões diversas junto ao mundo inanimado, significativamente diferenciado das
demais, onde o objeto se torna dotado de “poderes” que excedem sua própria forma
e conteúdo. O luxo é um atributo de caráter semi-simbólico, se situando na ordem
do prazer sensorial e estético, dos desejos, do fascínio e das emoções que são
capazes de causar nas pessoas. Luxo traduz uma espécie de somatório de
emoções e experimentações dotadas de sentido e significação pelos homens. É
38
18
uma criação humana e cultural, longe da ordem da natureza ou inscrita em algum
gene do DNA. Sua natureza se expressa e se define pela magia e sensualismo que
despertam sentimentos de paixão, apropriação e cobiça. É mais que signo de
exceção e raridade, poder ou status, pertença, diferenciação ou reconhecimento.
Dom, caráter especial ou conteúdo espiritual são qualidades individuais comuns,
diante das diversas que o luxo proporciona ao seu portador. As pessoas animam e
preenchem certas coisas elegidas, de um sentido único e imaterial, de onde afloram
sensações e sentimentos agradáveis, bem como os sentidos: a dimensão física,
psíquica e espiritual do homem.
O valor de um artigo de luxo é sentido não apenas nos estímulos fortes que
projeta na consciência e no desejo humano, mas no seu valor manifesto, nas
esferas da vida e da realidade econômica, social, política e cultural; sua posse
indica que o portador de um artigo do gênero é detentor de um poder mágico,
religioso ou político. A posse ou acesso aos bens ou privilégios do luxo ajudam a
dizer quem somos e quanto diferentes e únicas são nossas existências, mesmo que
não seja preciso dizer uma palavra sequer. Os indivíduos usufruem da aura e do
fascínio que está corporificado nos bens de exceção, pois simplesmente eles
projetam uma imagem de um eu grandioso, para não dizer satisfeito e feliz consigo
mesmo.
Sabe-se que o luxo não se revela e nem se manifesta pela razão, mas é
criado e percebido na pulsão e no desejo que provoca no coração e na mente dos
indivíduos pertencentes aos mais diversos grupos: emoções estas tão intensas que
ampliam os sentidos.
O prazer de possuir e usar um artigo de luxo reside principalmente na
sensação de conforto que nos é transmitida. Mas conforto entendido não apenas no
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18
18
sentido de cair bem no corpo ou numa situação de uso, e sim no de garantir
segurança para que trafeguemos de modo seguro em diversas esferas da vida
social, na maior parte dos grupos, ao passo que não nos desampara, aumentando o
ego enquanto nos insere num contexto que realmente nos faz acreditar que somos
especiais e diferentes, ou melhor, pessoas bem sucedidas, muito mais próximas da
auto-realização do que a maioria das pessoas de fato, mesmo que isto não
corresponda com a realidade vivida.
Não basta ser, mas é preciso parecer e principalmente se sentir rico. E o luxo
se traduz em todos os nossos sentidos: visão (design arrojado e artigos belíssimos),
audição (sonoridade ou o som de um automóvel potente acelerando), paladar (alta
gastronomia), olfato (perfumes diversos) e tato (tecidos finos e roupas de caimento
impecável). É preciso mexer com os sentidos para que se possa entender o que o
produto realmente representa ao indivíduo não apenas que usa, mas na
organização de todo grupo em que ele se insere, a permitir com que se crie uma
espécie de atalho para nosso inconsciente e manifeste nossos desejos e
satisfações mais íntimos, o que justificaria a cobrança de um valor maior no ato de
comercialização.
2.2 Preconceitos por trás do luxo
Embora possa não parecer, o ato de portar ou simplesmente possuir um
artigo de luxo pode suscitar uma rie de preconceitos, o da posição do mais rico
para os menos abastados, mas simplesmente o contrário. Uma vez que o luxo
evidencia a pessoa, esta pode simplesmente ser excluída de alguns grupos por ser
pré-julgada como til, egocêntrica, vaidosa em excesso etc.. A partir do momento
em que o indivíduo toma para si valores inerentes aos objetos que compra e usa,
40
ele está vulnerável às críticas de quem esta atitude como exagero, em que a
pessoa o tem qualidades por si a oferecer. Isso em nada tem a ver com um
comportamento apoiado em soberba, mas exclusivamente um modo como se
constituiu uma inversão cultural sobre aquilo que o próprio luxo representa,
desfrutado por sinal por pessoas mais humildes.
O luxo se confunde constantemente com a idéia de uma existência vivida por
meio de grandes despesas, envolta em elegância e exagero, modo de vida rodeado
por objetos caros e sem necessidade, que nos dão prazer e são expressões de
vaidades pessoais para mera ostentação gratuita. Por base, pode-se entender que o
luxo ainda não foi “desculpabilizado”, pois, talvez, imerso numa sociedade
culturalmente desenvolvida sobre bases Cristãs, a transgressão e o prazer por meio
dos objetos, a partir de hábitos de consumo e ações simples, ainda não foi
conseguido em escala coletiva, até motivado pelo caráter heterogêneo e pelos
aspectos peculiarmente culturais das quais se constitui nossa população.
Geralmente, estando em uma posição de inferioridade numérica e, não por
isso, menos influente, adeptos do mercado de luxo são consideradas pessoas sem
solidariedade e egoístas, cujos pensamentos centrais o de acumulação em
caráter não coletivo, para se focar exclusivamente no próprio bem estar num caráter
restrito; isso o corresponde com a realidade, mas sim, com a formação e
educação dada durante o desenvolvimento de alguém como ser humano, e isso de
fato indifere da classe social e da conta bancária.
tamm, como é de se esperar, uma pitada de inveja nesse composto,
alimentado pela idéia de inversão aqui comentada. Neste caso, o usuário de artigos
de luxo passa da posição de vítima de um sentimento alheio ruim para uma posição
de infrator, ao esbanjar prosperidade em locais muitas vezes imersos na pobreza.
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41
Assim, o que passa a valer é o equilíbrio entre razão e emoção, pois qualquer
desvio sobre isso pode gerar uma situação de conflito.
2.3 O que se entende por mercado de luxo?
2.3.1 Conceitos sobre mercado, segmento e nicho
De modo geral, seguindo os conceitos trabalhados por referências na área de
marketing e administração, como Philip Kotler (2006), por mercado se entende o
ambiente de consumo onde se reúnem fornecedores e compradores com o objetivo
de realizarem trocas e transações capazes de satisfazer necessidades em comum.
Com a complexidade de itens oferecidos e a quantidade de ofertas disponíveis entre
uma imensidão de consumidores com necessidades diversas e poderes aquisitivos
diferenciados, foi necessário desmembrar o mercado comum para abranger apenas
itens específicos, como por exemplo, o mercado de arroz, de carros, de talheres etc.
Descrição de divisões de mercado (teoria)
Figura. 3 OUTROS (2010)
No entanto, mesmo os mercados mais simples passaram a oferecer produtos
diferenciados para tipos de consumidores em específico, de acordo com suas
42
42
preferências, com foco não na totalidade do mercado, mas de potenciais
interessados em determinados itens, o que originou a noção de segmento.
Por sinal, a idéia de segmento já não é mais suficiente para adequar
diferentes opções voltadas ao mesmo grupo de consumidores em especial, por
fornecedores cada vez mais competitivos, gerando a noção de nicho (que diversos
autores se sentem a vontade de apontar mais subdivisões, sob denominações
diferentes).
É imprescindível por sinal entendermos a construção desse tipo de divisão
para que se possa entender as peculiaridades do mercado de luxo e porque ele é
considerado um caso a parte dentro destes conceitos apresentados acima.
Abaixo es demonstrada a maneira como se estruturam os conceitos
apresentados (a serem trabalhados mais detalhadamente no item 2.4):
Estruturação do mercado de luxo por segmentos
Figura.4 OUTROS (2010)
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2.4 As peculiaridades do mercado de luxo
O mercado de luxo traz suas peculiaridades e curiosidades logo na
definição do termo. A princípio, se compõe por uma somatória de segmentos de
especialidade de diversos mercados diferentes, compondo um conjunto de opções
voltadas a um público extremamente seleto e com grande potencial de consumo de
itens superiores. Por exemplo, existem opções de luxo para imóveis, serviços,
alimentos, itens de uso pessoal etc.. Mesmo com fornecedores produzindo produtos
em larga escala para atender classes mais baixas, a custos menores, sempre
espaço para atender algum consumidor que quer algo a mais do que o trivial,
requerendo um esforço maior dos produtores e comerciantes em troca de valores na
negociação final superiores.
O mercado de luxo, por ser um segmento um tanto complexo e diversificado,
exige diversas adaptações constantemente, para que assim haja uma possível
prosperidade nesse ramo um tanto peculiar, porém muito concorrido entre si, que
o núcleo de consumidores potenciais costuma ser o mesmo para todos, enquanto
que os artigos adquiridos tendem a possuir uma vida útil maior e em bom estado de
uso. Ou seja, o luxo está sempre se reconfigurando e se reinventando, num
processo totalmente contínuo.
Porém, qual a lógica de oferecer um produto a valor muito superior aos
concorrentes comuns, demandando atenção e custos de produção maiores,
matérias-primas diferenciadas e por fim uma demanda inferior? Em linhas gerais,
poderia se falar nenhuma, mas os fabricantes e comerciantes de artigos de luxo
operam com um plano de ações diferenciado, sempre com novidades para oferecer
aos clientes, prometendo-lhes exclusividade, um ponto de equilíbrio visando lucros
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unitários superiores que não os levem a depender de vendas massivas, fidelização
de clientes pela marca, etc.
A evolução da grande tendência do segmento é vista tanto por Jorge Forbes,
psicanalista, como pelo pensador Gilles Lipovetsky como algo bem além do sentido
de acumulação exibicionista dos objetos caros. “... o que vemos hoje é atração pelo
luxo dos sentidos, do prazer e da sensibilidade sentido na intimidade por cada
indivíduo e não o luxo exterior, da exibição e da opulência, que visa simplesmente
demonstrar status” (LIPOVETSKY, 2004). O luxo ganha sua face mais atual de
experiência, emocional e sensual. Isso significa uma mudança de sua expressão e
não uma elitização do luxo, da ostentação, voltada principalmente ao prazer
individual de se sentir diferente e para admiração de um terceiro. É a mudança da
tendência de um luxo exibitório para o lado intimista, mais pessoal. Isso tamm se
intensifica com a desigualdade entre pessoas causadas pela democratização das
sociedades. O luxo passa a ser mais centrado nas sensações (prazer e
sensualidade) e menos na aparência. Apesar desta nova tendência um tanto
intimista, vale ressaltar que a presença do Outro na motivação de compra e nas
sensações inerentes ao uso continua presente, pois é disto que de certa maneira o
luxo se mantém e se edifica.
Analisando em contexto geral, podemos afirmar que uma característica da
espécie humana é o desejo pelo luxo. Jorge Forbes (2003) em uma de suas
palestras afirma: ... o luxo pode ser definido como algo além da necessidade, mas
que o é por isso menos fundamental”. O desejo pelo luxo traduz inspirações
profundamente humanas, tais como: elegância, sensualidade, prazer, qualidade, um
tipo ideal, de beleza. Como explica Lipovetsky (2005), “... não se pode deter o
processo humano, no que se manifesta ao supérfluo. O que é condenável é que
45
existam indivíduos que o têm acesso ao elementar. Isso sim é inaceitável!”. Os
seres humanos sentem necessidades diversas, não ao nível de subsistência ou
de sua sobrevivência, mas tamm muito mais sofisticadas: de prestígio, de
imagem social, de posse, de prazer.
Podemos dizer que a compra e consumo de produtos é o resultado da imagem
social de uma pessoa. O mesmo femeno ocorre com seu auto-conceito (como a
pessoa se percebe e pensa a respeito de si própria): as impressões do tipo de
pessoa que se é depende, parcialmente, daquilo que se possui em termos materiais
e financeiros (de fato isto ocorre). O auto-conceito se refere a uma conjunção
composta de diversos atributos, dos quais podemos destacar:
A auto-estima, que se refere a quão positivo é o auto-conceito da pessoa. A
aceitação social esrelacionada com esse nível de positividade que pode
ser influenciado por esforços de comunicação de marketing, na medida em
que estes instigam um processo de comparação social;
O Eu real e o Eu ideal: o Eu ideal seria aquele que almejaríamos ser, é
parcialmente moldado por elementos da cultura do próprio indivíduo,
correlacionados com modelos de beleza ou sucesso. Podemos comprar
produtos que sejam coerentes com os objetivos, ou que nos ajudem a atingir
os mesmos;
A fantasia (ou sonho): para escapar de problemas reais ou uma falta de
estímulos externos, muitos consumidores buscam a “fantasia”;
A expressão das necessidades é o que chamamos de desejo e, sem ele,
estas não podem ser satisfeitas. Isso fica claro na frase de Alleres, 2000: “Se
certas necessidades são incontroláveis, repetitivas e vitais, e outras mais
46
subjetivas, mais instáveis, mais irracionais, os desejos dependem do domínio
do irracional, do sonho e das fantasias. Desse modo, se as necessidades
objetivas têm um limite, o campo dos desejos é ilimitado”. Os bens ligados ao
lazer, ostentação, prazer, apresentação pessoal, decoração e conforto, não
se traduzem apenas em necessidade, mas sim em sonhos, fantasias,
desejos... Podemos chamar de entidades necessárias à passagem para a
ação de consumir (sendo uma real e outra imaginária) e dos símbolos, a
necessidade e o desejo. Conclui-se que: “... o objetivo de uma sociedade de
consumo muito desenvolvida é permitir que todos os desejos, fantasias,
projetos, paixões e exigências se materializem em signos, logomarcas,
códigos, símbolos, chegando à escolha e aquisição de objetos”. (ALLERES,
2000)
2.5 Quais são os segmentos do mercado de luxo
É relativamente fácil montar uma lista de produtos e serviços que, na nossa
percepção, fazem parte do universo de luxo. Porém como agrupá-los em segmentos
específicos visando organizá-los a partir de semelhanças em termos de uso? Nesse
caso, autores como Castaréde (1992) e Allérès (1999-2000), em seus estudos sobre
o universo do luxo, nos permite chegar a uma subdivisão adequada e que atenda ao
critério de segmentação de mercado. Sendo assim, podemos incluir no “universo do
luxo” os seguintes sub-setores:
Serviços: hotéis, restaurantes, spas, vôos de primeira classe, etc.;
Objetos de decoração equipamentos domésticos em geral: cristais,
porcelanas, artigos de prata, antiguidades, faiança, etc.;
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Imóveis: mansões, apartamentos, propriedades territoriais: ilhas, fazendas,
etc.;
Mercado cultural: objetos de arte;
Lazer: coleções, esportes: pólo, equitação, etc., turismo: cruzeiros, etc.;
Alimentos: bebidas: especialmente vinhos e champanhes, especiarias, etc.;
Produtos de uso pessoal: vestuário e acessórios: alta costura, prêt-à-porter,
bagageria, calçados, cosméticos e perfumaria, relógios, artigos de escrita,
joalheria e bijuteria, etc.;
Meios de transporte: automóveis, iates, aviões particulares, etc.
Em todas as categorias mencionadas acima, ainda oportunidades de
diferenciação e de sofisticação da oferta para clientes ainda mais criteriosos,
permitindo que as marcas vislumbrem segmentos de consumidores específicos
ainda mais restritos, ou melhor, os nichos.
Podem-se considerar marcas e produtos destinados a um determinado nicho
do mercado de luxo, presentes em um segmento maior, e identificá-los como ainda
mais superiores que seus concorrentes diretos, atraindo consumidores sofisticados
ou dispostos a gastar ainda mais.
Deve-se, entretanto, tomar o cuidado de diferenciar os objetos de luxo
daqueles considerados como “top de linha” de marcas convencionais, pois aquilo
que é de luxo é feito para ser exclusivo, chamar a atenção pela qualidade e pelo
requinte e principalmente por não sofrer o impacto do efêmero tecnológico como
outros artigos, enquanto que os top de linha” são geralmente feitos com matérias-
primas nobres, porém produzidos em maior escala e vendidos quase que sem
48
diferenciação, tendendo a posteriormente cair seus preços pela obsolescência,
que não possui elementos capazes de sustentar seu preço por mais tempo do que a
duração da própria sensação de novidade.
Analisando mais de perto esses segmentos do mercado de luxo, se pode ver
que existem categorias definidas por agrupamentos de acordo com os benefícios de
cada produto: por exemplo, itens de lazer mais voltados à experiência e ao prazer
de uso e consumo; produtos de ambientação e conforto; produtos para
embelezamento pessoal, que atuam diretamente sobre a auto-imagem da pessoa,
dimensões relacionadas ao prazer pessoal, imagem social, status e experiência
vivenciada.
Estudar alguns casos do mundo do prestígio nos mostra o quanto este
mercado é competitivo atualmente, além de muito diversificado. As empresas
buscam entender o que é necessário fazer para se ter marcas com força emocional,
aquelas que conseguem conquistar a clientela e maximizar margens de lucro isso
faz com que o consumidor tenha uma experiência de compra focada na imagem e
não somente no preço nos valores emocionais, no valor agregado, nas sensações
e no serviço. Nesse sentido, o segmento luxo é um benchmark, porque exerce seu
fascínio com marcas focadas em aspectos emocionais, orientando toda a estratégia
da empresa, a criação e os controles, o posicionamento, em todos os seus
aspectos. Independentemente disso, de acordo com o progresso das estratégias
com foco em relacionamento, é o trabalho de entendimento e o conhecimento dos
consumidores de cada categoria que faz com que cada vez mais estratégias tenham
frutos a partir da iniciativa de entender e se adequar ao cliente, aperfeiçoando o
vínculo de consumo para conosco.
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Uma vez entendido o que é e como se subdivide o mercado de luxo em
segmentos e, por conseguinte em nichos, é preciso entender agora a lógica de cada
produto em especial que faz parte deste mercado, pois reside no produto e não no
seu comprador a lógica
2.6 O que seria um objeto de luxo?
Para falar sobre esse tipo de mercado é necessário conceituar o que seria
um bem de luxo; para tanto, foram identificados alguns fatores que definem um
produto ou serviço como “de luxo”:
A qualidade, que nada mais é do que uma condição ao próprio conceito de
luxo, além de envolver aspectos de artesania, tradição e tecnologia
(GEARGEOURA, 1997);
As elites, classes mais altas da sociedade, devem ser seu público-alvo
prioritário;
Possuir um a forte identidade, ou seja, uma grife, uma marca reconhecida de
imediato por seus atributos visuais (estilo e design);
Produção limitada;
Qualidades próprias como baixa disponibilidade, raridade, exotismo;
A diferenciação, tanto de quem a usa, quanto do bem em si, e a sua
conseqüente simbologia de status social;
O preço, que geralmente é alto para indicar seu elevado valor agregado, o
que provoca desejo de posse e simboliza sua excelência;
Mecanismo de distribuição limitado e seletivo;
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O círculo simbólico de sedução, magia, sonho;
Apelo aos sentidos, de forma a criar uma experiência hedônica e sensual.
Utilização de atributos como toque agradável, bom cheiro, beleza, sons
harmoniosos, etc..
O luxo verdadeiro é imortal. Conexão com história, passado e tradições;
O valor relacionado mais a ser caráter supérfluo que funcional. O
desempenho conta menos que suas características não-funcionais;
Conexão com os valores individuais de um criador e a personalidade (em
alguns casos).
O termo “artigo de luxo” se refere a “um produto melhor, superior, mais
duradouro, mais bem acabado, mais bonito...” (SCHWERINER, 2005). Além disso, o
luxo se correlaciona com exclusividade, restrição, raridade e, conseqüentemente,
com alto custo. Podemos dizer de uma maneira geral que o luxo é sempre um jogo
entre o raro e o caro, numa relação equilibrada. Se a maioria das pessoas tivessem
acesso a este artigo Premium, mesmo de classes sociais mais baixas, ele
simplesmente deixaria de ser luxo, perderia sua aura de item seleto. Diante disso,
outra dimensão importante do termo pode ser observada: a diferenciação, ou
melhor, sua simbologia das diferenças de classe social. Podemos dizer que luxo
indica nobreza, prestígio, aristocracia, estilo, riqueza, privilégio e elite.
É importante frisar que, num contexto geral, não é qualquer produto que pode se
enquadrar como artigo de luxo. Pelo contrário, apenas um grupo muito restrito de
itens pode adquirir esta condição especial. Sobretudo, o artigo precisa ser
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perceptivelmente para o consumidor como sendo algo de valor superior, pois do
contrário ele não é nada além do que um mero item a ter seu valor estimado
somente, e o somente, a partir de seu uso. Assim, a menos que algo excepcional
ocorra (por exemplo, um fato histórico), tornando um simples objeto de consumo um
artigo simbólico, o valor de uso é o que o regerá, determinando suas condições de
procura e venda no mercado. É necessário que o comprador e reconheça o
devido valor do item, ao longo de um processo de apreensão do que ele representa.
2.7 Perfil do consumidor de luxo
Quem é o indivíduo capaz de empregar R$ 10.000,00 numa bolsa feminina
ou R$ 5.000,00 numa calça jeans? Com certeza, é alguém que além de dinheiro,
tem muita vontade de comprar e se satisfazer por meio do consumo.
O perfil do consumidor de luxo é bastante diversificado: reúne desde
profissionais liberais até herdeiros de grandes fortunas. Em sua maioria são
mulheres com nível de escolaridade superior.
Muitas são as origens do dinheiro que pode deixar uma pessoa rica. De modo
geral, existem 3 formas principais para uma pessoa entrar no seleto grupo das
pessoas de classe A:
- hereditariedade: representado por heranças, negócio em família próspero,
investimentos de longo prazo, etc.;
- ganhos fortuitos: prêmios de loterias, jogos, cassinos, prêmios por mérito
pessoal, etc.;
- laboral: status obtido com o sucesso profissional e lucratividade de negócios
pessoais.
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Independentemente da forma como a pessoa adquire os recursos para se
enquadrar como classe A, seja por mérito ou sorte, o importante é o modo como se
constrói o próprio caminho e também o modo como se assume despesas diversas,
seja em bens de consumo ou experiências pessoais que tragam satisfação.
No geral, o cliente de luxo está disposto a pagar por um produto premium,
porém é muito exigente e quer sobretudo qualidade. Ele está disposto a comprar,
mas não qualquer coisa a qualquer preço, pois para satisfazer uma necessidade
está disposto a satisfazê-la de modo realmente contundente.
O consumidor de classe A possui uma escala de necessidades diferentes se
comparado às classes B e C; enquanto nessas classes aspirações de consumo
bem definidas, para a classe A esta situação se redesenha, pois este grupo
dispõe de todos os bens considerados a princípio essenciais, não tem demandas
reprimidas. De acordo com dados da Target Consultoria (THOMÉ, 2010), o padrão
de gastos é bem diferente entre classes também no que tange a manutenção do lar,
pois enquanto os mais ricos gastam em média 20% da renda com manutenção do
lar (isso inclui contas, aluguéis, manutenções esporádicas, etc) na ordem de 20%,
nas outras classes este percentual sobe para algo em torno de 27,5%. Para outras
despesas, na qual são incluídos os investimentos, os mais ricos destinam 42% da
renda, ante 21% de média no restante da população. De 2003 para , esses
gastos aumentaram para a classe A, enquanto diminuíram as despesas com itens
como alimentos, bebidas e higiene.
A renda domiciliar média mensal desse grupo seleto que está no topo da
pirâmide nacional é de R$ 15,8 mil por pessoa, de acordo com a consultoria MB
Associados (dados de 2010). Ainda dentro desta classe, um grupo ainda mais
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seleto, com renda maior e altíssimo potencial de consumo, a classe AAA, ainda
mais rica e com consumidores altamente receptivos e “gastões”.
O acesso ao mercado de luxo se de modo gradativo, pois o consumidor
vai conhecendo e mudando os padrões de consumo conforme vai gastando e se
satisfazendo numa escala contínua. Nesse processo de “aprendizado” no luxo,
existem estágios. De modo geral, existem segundo os estudiosos do mercado de
luxo do inglês The Future Laboratory cinco estágios de progresso em relação ao
modo como efetuam suas compras (MISMETTI, 2008):
- estágio: Encanto quanto maior e mais cara for a marca, melhor. Pouca
comparação com similares de outras marcas. Muito vulnerável aos modismos e
tendências.
É o caso mais freqüente de compradores de luxo, que são mais preocupados
em ter do que selecionar as compras que realizam, transformando seus armários
em estoques de marcas famosas diversas, escolhidas quase sem muitos critérios.
Nesta fase se encontram a maior parte dos ricos do Brasil, Rússia e China.
- 2º estágio: Conhecimento de causa compara as compras de luxo que
realiza, motivado pelo custo-benefício e conveniência de se ter uma marca ou outra,
refletindo sobre as circunstâncias de compra. Ele reflete e compra porque o produto
é bom, não porque é caro. É o típico consumidor que, ao invés de comprar um
Rolex, coloca em suas opções um Panerai ou um Mont Blanc.
Consumidores deste estágio estão emergindo na Costa Leste dos Estados
Unidos, no Brasil e na Rússia.
- 3º estágio: Experiência o consumidor é focado em experiências
relacionadas às compras, que se transformam em estilo de vida. Entram neste
54
estágio tamm as preocupações culturais, estimulando, por exemplo, coleções de
raridades.
Este grupo está presente na Europa, Japão e emergindo na China e nos
Estados Unidos.
- estágio: Utópico para aqueles que se preocupam diretamente com os
valores e responsabilidades da marca. Este consumidor prefere alimentos
orgânicos, produtos ecológicos com origem comprovada e baixo impacto ambiental,
carros híbridos ao invés de luxuosos, grifes preocupadas com sustentabilidade, etc..
É um tipo de consumidor preocupado em agir socialmente na resolução de
problemas importantes, apoiando organizações, instituições e comunidades
específicas de apoio civil, seja por meio de trabalho direto e/ou dinheiro.
- 5º estágio: Minimalista é o consumidor no topo da cadeia, que não se liga
às marcas, mas sim momentos exclusivos e únicos e produtos que possam garanti-
los, priorizando sempre o conforto e a simplicidade.
Este tipo de consumidor é mais comum no Japão e na Europa.
Definir exatamente em qual etapa do consumo de luxo se encontra uma
pessoa é vital para se entender suas necessidades, não apenas materiais e físicas,
mas principalmente psicológicas. Embora muitos ainda estejam vislumbrados com o
luxo, cada dia mais este mercado cresce e passa a fazer parte da realidade de mais
uma porção de pessoas ávidas por satisfazerem principalmente desejos de posse e
de pertença a um grupo seleto de bem sucedidos.
55
2.7.1 Estímulos e motivações para realizar compras de luxo
Quais seriam as forças que mais influenciam e determinam as escolhas,
decisões de compra dos consumidores dos segmentos de luxo? Antes de pesquisar,
analisar e cruzar mais profundamente as informações sobre tal gênero de compras
e partir para uma série de pesquisas de campo em busca de confirmar hipóteses e
obter novos insights e respostas é necessário se valer da teoria. Segundo os
diversos autores dos manuais de comportamento do consumidor, haveria
basicamente quatro tipos de forças que interagem e exercem influência no
comportamento e nas atitudes de compra e consumo:
- as forças sociais e culturais: família, classe social, grupos de amigos e
grupos de referência.
- as forças psicológicas: a motivação, percepção, personalidade e atitude.
- as de ordem informacional, como a publicidade e o marketing, a mídia
especializada e os formadores de opinião.
- as forças situacionais: o quando, onde, por quê e em que condições.
Estes vetores agem sempre em conjunto e não podem ser pensados
isoladamente. Muitos autores, porém, acreditam que hoje, os valores e forças
psicológicos são os mais importantes na tomada de decisão de compra dos
consumidores mais afluentes, já que há cada vez mais as motivações são de
caráter emocional, estético e hedonista. Além disso, uma forte tendência de uma
individualização ainda maior dos perfis biográficos, dos estilos de vida e das
aspirações e projetos de vida das pessoas nos grandes centros modernos.
Existem diversas razões para determinar o modo como se configuram os
estímulos capazes de permitir com que o indivíduo realize compras de luxo, que vão
da busca por uma superioridade na qualidade técnica e valores funcionais aao
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bem estar e a satisfação pessoal, com prazer de consumir certos atributos
emocionais mais fortes, não apenas na hora da compra, mas o prazer de usar e se
apropriar de certos artigos superiores, Premium e de luxo.
de modo geral três vetores ou forças emocionais centrais que motivam e
nos permitem entender tais estímulos.
Cuidar de si mesmo;
Experimentação;
Conexões familiares.
Primeiramente, o que se chama de fator “cuidar mais de si mesmo” está
relacionado com alguns novos valores e estilos de consumo, como a compra e o
hábito ou o maior uso de itens que contribuem para a saúde física e psíquica, do
bem estar e da qualidade de vida, do rejuvenescimento e da busca da eterna
juventude, com terapias e maior relaxamento e mais tempo para se curtir. Daí, o
gasto maciço principalmente do público feminino, mas também um aumento
expressivo nos números do mercado masculino com produtos e serviços voltados
para satisfazer estas novas necessidades e desejos. Cosméticos, perfumes,
academias, spas, comidas mais leves, frescas e orgânicas, artigos de decoração e
cama e banho, vinhos, bebidas e charutos.
Um outro fator é a experimentação, ou questing. Comprar e consumir um
número maior não de produtos e serviços, mas acima de tudo experiências
novas, exóticas e desafiadoras, permitem conhecer e vivenciar coisas novas. Estas
experiências são viagens e cruzeiros, restaurantes e comidas exóticas, carros e
motocicletas, equipamento de ginástica e equipamento para esportes (incluindo
esportes de aventura e radical), entretenimento e baladas, artigos de coleção e
gadgets de alta tecnologia. As pessoas querem pagar para ver e vivenciar coisas
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novas, que as tirem da rotina e permitam viver experiências de aventura e desafio,
querem viajar mais e ampliar horizontes, se divertir e fazer coisas inéditas em suas
vidas.
Em terceiro lugar vem a necessidade por conexões afetivas e familiares, o
fator connecting. Em um mundo cada vez mais cheio de vazios de aproximações e
permanências, em um mundo cada vez mais carente de afetos e estabilidade
amorosa e familiar, as pessoas optam por comprar e consumir bens que as tornem
não apenas mais sedutoras, mas mais permitam aproximações, filiações e enlaces.
Certos produtos permitem isso. Não é status, pelo contrário, são produtos que
envolvam e tornem os momentos de conexão mais prazerosos e profundos. Que
sejam eternos e gostosos enquanto durem. O que as pessoas querem é se cercar
de amigos, curtir a família e os momentos de amor e paixão. Exemplos vão de jantar
fora a um fim de semana inesquecível num chalé nas montanhas, aparelhos e
utilidades domésticas que me dêem mais tempo livre para curtir meus amigos e
família, bebidas e produtos mais finos na geladeira, no bar e no armário para se
preparar uma massa mais sofisticada, um fondue numa noite fria ou queijos e
vinhos para passar a noite. O importante é curtir junto à nova aquisição: de uma tv
led a um home theatre, de jogos a jantares com amigos. Presentear e se aproximar;
brinquedos e roupas mais caras para os filhos para compensar a ausência do
trabalho, convidar amantes e amigos para sair e viajar.
Por fim o último fator emocional: o estilo de vida individual. Se gasta mais e
com produtos mais sofisticados e personalizados que expressem quem eu sou, meu
estilo pessoal e se encaixem no meu estilo de vida profissional e pessoal. Roupas
de grifes específicas que traduzam meu conceito e meu estilo, itens customizados e
acessórios pessoais (óculos, bolsas, gravatas, sapatos, jóias e relógios...), itens de
58
decoração e objetos de mobiliário, itens de personal care e alimentos para dietas
especiais. Produtos que traduzam minhas aspirações e meu estilo de vida, que me
ajudem a expressar quem eu sou ou como gostaria de ser visto.
Diante de diversos fatores recentes impostos pela sociedade de consumo,
nunca o consumir foi tão associado aos próprios atos de viver, buscar expressar sua
existência, se abrir a novas experiências e buscar ser feliz, onde os artigos de luxo
se sobressaem como um modo muito mais forte e rápido de fortalecer tais limites da
vivência humana. Levando-se em conta que a própria sobrevivência, ainda mais em
áreas urbanas, é inerente ao consumo, podemos claramente identificar que o luxo
assume a função de satisfazer diversas formas de necessidade com o ximo de
requinte e sofisticação.
Os artigos de luxo de fato trazem uma experiência especial de consumo aos
seus membros, uma manifestação identitária de um grupo em busca de auto-
afirmação. No entanto, no geral, podemos considerar que a principal motivação que
leva uma pessoa a adquirir algo do gênero é que todos, antes de qualquer coisa,
proporcionam uma história. A experiência está imersa nessa história, que vai desde
a produção e seleção das matérias-primas até a maneira como são utilizados. A
história de um produto emerge sempre por meio da reputação da marca, e posterior
à aquisição, as histórias que poderão ser contadas a partir da sensação de ter algo
especial, como se abrisse portas a um novo mundo, a uma nova esfera da
experimentação, trazendo mais prazeres à vida no uso de cada elemento. Um dos
principais diferenciais do luxo é que, no dado momento de uso, se propõe um prazer
exclusivo muito mais elevado do que normalmente se tem com itens comuns.
Os consumidores de bens de luxo podem ser divididos em três critérios:
psicológicos, econômicos e sociológicos. Levando-se em consideração a definição
59
básica dos bens de luxo como sendo objetos caros e raros, com distribuição seletiva
e restrita e que apresenta exclusividade, podemos dizer que se usam mais os
aspectos sociológicos (classe social) e econômicos (renda) para tal divisão. Estudar
o consumidor de luxo sob uma visão de classes sociais é falar das elites. Porém,
não é seguro supor que qualquer pessoa com renda elevada deva ser colocada no
mesmo segmento de mercado, porque a definição de classe social envolve mais do
que simplesmente a renda absoluta. Características como o estilo de vida, as
prioridades de consumo da classe alta e os interesses são afetados
significativamente por fatores como: origem de seu dinheiro, como se tornaram
ricos, há quanto tempo o possuem, etc.
No geral, os artigos de luxo possuem a característica de transmitir sensações
maiores e muito mais complexas do que aqueles normais durante o uso, pois
agregam muito mais do que apenas o utilizar (excedem o valor de uso). Nesse caso,
tal importância se ainda porque carregam muito mais valor agregado a partir de
elementos semi-simbólicos, quase um feitiço que seduz facilmente aqueles que
apreciam estas características que lhe podem ser proporcionadas pelos produtos,
um sonho mediado por elementos materiais, físicos.
O consumidor do luxo procura constantemente por novas experiências e se
envolve emocionalmente na hora de escolher ou de se tornar cliente de uma marca.
Não busca necessariamente status e pouco se importa de pagar mais para
satisfazer seus desejos e realizar um sonho. Pode ser uma extravagância sem
sentido e de utilidade duvidosa, mas satisfaz a alma. O que seria do homem se
vivesse para satisfazer as monótonas necessidades sicas de todos os dias?
Hoje os consumidores querem a toda prova experimentar prazeres refinados,
exclusividade e pertencer a um seleto grupo de pessoas que desfrutam da vida com
60
arte. Mais por satisfação de uma necessidade psíquica que por benefícios
funcionais, o homem moderno busca pequenos prazeres em tudo que faz. Podemos
nos realizar e sermos felizes com coisas simples e distantes do mundo material,
mas o mundo da publicidade e as teias do consumo parecem nos prender e
envolver. Não basta discernimento e critica. Sabemos todos que o materialismo não
é via de mão única para felicidade, mas o conforto material e pequenas indulgências
em embalagens finas nos enchem a alma. Nova religião moderna e os templos do
consumo vivem cheios de fiéis em busca de gratificações, recompensas, benesses
e, muitos até, de milagres ou um sentido pra vida. O consumo do luxo é um tipo de
consumo que envolve alto grau de envolvimento e está relacionado ao auto-conceito
da pessoa e sua projeção no conceito ou estilo da marca ou da categoria do produto
adquirido. O consumo do luxo é um consumo sensualista e estético, que envolve
satisfações anímicas e preenche carências de um self muitas vezes debilitado ou
em necessidade de afirmação. Não é mero status ou escalada na hierarquia do
poder econômico. É um jogo estratégico com o próprio eu. Uma forma de satisfação
e gratificação do espírito que o homem moderno não consegue assumir como fato.
2.7.2 Consumo, logo EXISTO!
Hoje o luxo é resgatado na história como categoria emocional, como uma
estreita porta de acesso as experiências únicas e inefáveis. O luxo não está mais
nas coisas em si, mas nos nomes, nas etiquetas e logomarcas e nos valiosos tags
costurados. Está, sobretudo, nas experiências e sensações que ele visa produzir.
Não é a coisa por si mesma, mas a posse dos signos e imagens produzidas em lab
com glamour e beleza pela mídia, pela moda e publicidade. Ele foi tema de
narrativas e filmes consagrados, e virou tema da literatura de gestão de marketing e
61
de comunicação. O luxo deixou de ser intuitivo e se tornou estratégico, deixou de
ser raro e se tornou “acessível”, deixou de artesanal e se serializou. Nunca o luxo
penetrou tanto no cotidiano de uma sociedade, nem foi tão desejado e aspirado
como hoje. No mundo contemporâneo, os artigos de luxo se tornaram efêmeros e
descartáveis e as marcas de prestígio se expandiram. Novos criadores e clientes
surgem a todo instante. As mercadorias básicas e médias agora se reposicionam e
se arrogam superiores e de prestígio.
Tudo pode ser luxo e é impossível pensar em alguma coisa, produto ou
serviço, que o possa ser tocada pelas mãos (invisíveis) de Midas deste mercado.
Tudo vira ouro e virou luxo. Nunca impérios do luxo privado produziram tantos
artigos e rótulos de prestígio, e nunca se lucrou tanto com o refinamento na história.
A luxurificação é esta gama de acontecimentos, este novo padrão de
comportamento e pensamento social e, principalmente, esta nova sensibilidade
contemporânea. Mas o que significa o consumo para nós, indivíduos de nosso
tempo em pleno século XXI?
É bom também lembrar que a compreensão do que seja luxo, na geografia e
na história, deriva da compreensão do imaginário cultural e simbólico da sociedade
em questão. Não se pode querer compreender o comportamento e as atitudes do
adorador ou consumidor, sem entender como usam e representam suas posses e
bens e sem antes observar o que o consumo e posse destes bens significam para
ele. Uma forma de se fazer isso é reconhecer que eles consideram e vêem suas
posses como partes deles, conscientemente ou não, intencionalmente ou não. Nós
atribuí,os sentido as coisas. o existe sentido e significado no mundo fora de
nossas imaginações e desejos.
62
Somos aquilo que consumimos. Consumo, logo sou. É muito comum nos
descrevermos, destacando certos traços característicos de nossa personalidade ou
valores e sentimentos que outros nos atribuem, mas também é muito comum
usarmos categorias sociais, outras pessoas, participação em lugares ou eventos,
posse de certos objetos, marcas e coisas para ajudar a nos descrever. Muitas vezes
são estas coisas aparentes: etiquetas, marcas, e logos que nos atribuem senso de
identidade social e nos auxiliam a projetar nossa auto-imagem e ser identificado ou
diferenciado na vida cotidiana.
2.8 A história do luxo
O luxo, segundo a concepção dos gregos na antiguidade, pelo seu próprio
caráter de excesso e fartura, era concebido como um valor um tanto positivo, ligado
à idéia do esplendor e da magnificência quando associado ao luxo blico. No
sentido privado, da vida individual ou familiar, era carregado de um senso negativo
de corrupção das virtudes pessoais e da família. Isso se deve ao fato de que, numa
sociedade onde se valorizava o bem-estar público e a cooperação mútua,
vangloriar-se numa escala privada era o mesmo que se imergir num poço de
egoísmo. Assim sendo, festas e presentes eram as principais formas de demonstrar
uma opulência individual, chamando a atenção ao compartilhar e dividir com seus
pares.
na Roma Antiga, o luxo estava associado mais ao universo feminino e aos
prazeres físicos, especialmente das comidas e bebidas: mel, azeite, exotismos
culinários e vinhos especiais, ouro e fragrâncias amadeiradas vindas de fora das
cercanias da cidade, geralmente dos pontos mais remotos do Império. Isso ocorre
porque, além da valorização matriarcal da mulher, os homens priorizavam mais as
63
virtudes físicas e intelectuais entre si, o que permitia maiores investimentos na
composição visual de suas mulheres e filhas.
Desde os primórdios das sociedades Ocidentais, diversas leis que coibiam o
consumo de certos artigos ou situações específicas de indulgência foram
implantadas. As razões eram manter o controle da expansão de artigos seletos junto
a um núcleo representativo na comunidade, bem como evitar que eles perdessem
valor pela perda de significado ao se tornar irrestrito. Nas sociedades antigas,
percebe-se o nível de complexidade das relações entre os indivíduos como sendo
menor, assim como a presença de utensílios e cnicas mais arcaicos e em menor
quantidade, o que faz com que existam menos elementos de luxo que possam vir a
despertar o interesse coletivo se comparado a uma sociedade atual.
A tradição religiosa Ocidental herdou do pensamento judaico-cristão o “nojo”
e a condenação do luxo e do prazer pelo consumo. Viam no luxo, uma fonte de
prazer vil, sensorial e terreno, desviante da e dos valores espirituais, do trabalho
e da glorificação divina. O apego ao luxo era um pecado, e os homens, torturados
pela idéia da culpa, condenavam os excessos vindos da soberba.
O luxo, mesmo depois da derrocada da força presente na sociedade graças à
Igreja durante a Idade Média, e das culpas pecaminosas cristãs, ainda hoje continua
a ser visto como sinônimo de luxúria, abuso e decadência, como afirmava uma
ampla corrente que começou a condenar o caráter vil e degenerativo do apego ao
luxo no século XVII. Numa resistência filosófica pós-inquisitória, Mandeville, Voltaire
e tantos outros pensadores defendiam o direito ao luxo. Isso porque o consumo de
artigos “superiores” era visto como um potente motor da economia, com maior
potencial para gerar riqueza e trabalho, ao passo que civilizava e tornava o homem
mais sofisticado e culto. Os vícios privados eram tidos como morais, legítimos e
64
objeto de magnificência quando tornados bens públicos (seguindo a mesma linha do
pensamento antigo grego). O uso de objetos de luxo se verifica em todas as épocas
de nossa história, principalmente para marcar uma fronteira entre uma classe social
favorecida e o resto da população comum. Não há sociedade que rejeite o conceito
de luxo, diz o filósofo e pensador Gilles Lipovetsky. Ainda segundo ele, o homem
tem tido comportamentos ligados ao luxo desde o período paleolítico, tais como:
consumir os bens de reserva sem se preocupar, festas, adornos, etc. Nessa época
não havia ainda esplendor material, mas a mentalidade de dilapidação, o impulso de
prodigalidade, de gastar tudo com o gozo presente sem se preocupar com as
conseqüências futuras, (o que) revela uma mentalidade de luxo anterior à criação de
objetos luxuosos” (LIPOVETSKY, 2004).
Para estabelecer uma aliança com outra dimensão da realidade, o conceito
de luxo nasceu vinculado mesmo a um conceito religioso, de mágica e de
organização cósmica, precedendo os processos industriais.
“Foi com o surgimento do conceito de Estado, 4.000 anos a.C., que surgiu a
separação social entre ricos e pobres. Nesse novo momento histórico, passou-se a
dedicar objetos de alto valor inclusive mágico aos mortos. Nesse sentido, o luxo
se tornou um elo entre os vivos e os mortos. Do mesmo modo, o luxo se tornou uma
maneira de traduzir a soberania dos reis. O luxo passou a ser o traço distintivo do
modo de viver, de se alimentar e até de morrer entre os ricos e pobres. Assim, fixou-
se a idéia de que os soberanos deveriam se cercar de coisas belas para mostrar
sua superioridade, o que gerou a obrigação social de se distinguir por meio das
coisas raras. Na escala dos milênios, se sempre houve algo que jamais foi
supérfluo, foi o luxo. Era totalmente imbuído da função de traduzir a hierarquia
social, tanto no aspecto humano quanto no mágico” (LIPOVETSKY, 2004).
65
Ao fim de um longo período de Idade Média, com a evasão de pessoas dos
feudos para os burgos, ou melhor, embriões de cidades com foco em comércio e
distribuição de bens e serviços, começaram a emergir profissionais que passaram a
desfrutar de uma melhor condição financeira. Surgiram os grandes mercados livres,
onde compras e trocas de diversos itens aconteciam livremente em áreas abertas
onde os produtores montavam para distribuição barracas de madeira. Tendo-se em
conta a força e a influencia de uma nobreza mantida pelo poder estatal, era comum
que burgueses ricos e com padrões sofisticados de consumo passassem a se vestir
e procurassem seguir trejeitos presentes apenas na classe nobre, chegando a
comprar de nobres decadentes por verdadeiras fortunas os famosos títulos de
nobreza, apenas por status, garantindo permanentemente a descendência nobre da
família e uma certidão assinada pelo rei que lhe garantia um título perpétuo.
De acordo com Danielle Allérès, estudiosa desse mercado e diretora do
Departamento de Gestão do Luxo e Arte da Universidade de Marne-la-Vallée, o
apogeu do luxo tal como o conhecemos se deu no século XVIII, período em que foi
marcado pelo surgimento de uma burguesia preocupada em imitar os usos da
aristocracia, comprando objetos de distinção social e copiando seus hábitos. Nesse
momento não é importante a origem trabalhadora ou o desejo de desfrutar de
objetos preciosos, moradias luxuosas ou equipamentos mais confortáveis e sim
fazer parte das classes dominantes. O desenvolvimento cnico trazido pela
Revolução Industrial no culo XVIII, fez com que surgisse o luxo moderno. A partir
daí, a satisfação pessoal do indivíduo ganhou sua dimensão sensual em contraste
ao instrumento de diferenciação social. Com a chegada do século XX, uma nova
classe social superior se torna importante socialmente e economicamente graças a
suas atividades profissionais. “Freqüentemente cultivada, ela selecionará usos e
66
aquisições em função do seu profundo desejo de um “estilo de vida”, de acordo com
seus desejos de satisfação pessoal e de pertencer a um clã social, síntese de uma
história pessoal, de aspirações e sonhos, fantasias” (ALLERES, 2000).
2.9 O luxo em um cenário de terceiro mundo
2.9.1 O ambiente brasileiro
Considerando as desigualdades sociais e a má distribuição de renda do
Brasil, em que a pobreza tem uma importância relevante, seria até contraditório
dizer que, nessa situação, o mercado dos produtos de luxo está chamando a
atenção de estudiosos e do público em geral. Porém está ocorrendo exatamente o
contrário. Isso de deve ao crescimento e abertura dos negócios, atração de
profissionais de marketing e aumento do aparecimento de estudos e cursos voltados
especificamente para esse segmento. Podemos afirmar, tamm, que atualmente,
ricos e pobres são estimulados a buscar na mesma sociedade, conforme seus
recursos, a auto-realização.
De acordo com Kátia Faggiani (FAGGIANI, 2008): “... o brasileiro tem o perfil
de compra deste segmento: consome produtos por impulso e se deixa levar pela
emoção (...), desejo de conquista, pelo sonho de reconhecimento e de
posicionamento social”.
As regras do marketing em se tratando de consumo de massa são
freqüentemente contraditas, em sua administração mercadológica, pelos bens de
luxo uma vez que, esses são serviços e produtos que apresentam um
comportamento muito particular no mercado. Se quisermos falar de luxo, devemos
discutir o conceito “supérfluo”, de acordo com a definição do Dicionário Aurélio.
Atualmente, para uma grande camada da população, o que era considerado
67
supérfluo, raro e caro passou a ser acessível. Deixa de ser um bem diferenciador.
Segundo Voltaire: “... produtos que o deixando de ser luxo para os estratos
sociais superiores, mas podem ainda constituir bens inacessíveis para os demais.
Tome-se aqui o exemplo dos aparelhos de DVD, que se popularizaram muito para
as classes B e C, mesmo que ainda sejam um item “de luxo” para as classes D e E”.
No Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
1
relativa ao ano de 2008, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), o valor que uma família pobre gasta em um ano é o mesmo gasto por uma
rica - classe que representam apenas 1% da população - em três dias. "Apesar de
registrar desde 2001 queda da desigualdade social num ritmo realmente bom, o
Brasil ainda é um monumento à desigualdade. Aqui, uma família considerada pobre
leva um ano para gastar o mesmo que o 1% mais rico gasta em apenas três dias",
informou o pesquisador Sergei Soares (2010).
Para medir o índice de desigualdade do País, o IPEA adotou o chamado
coeficiente de Gini, que varia de zero a um. Quanto mais próximo de um for esse
coeficiente, menos justa é a distribuição de renda da sociedade. Em 2001, o índice
no Brasil estava em 0,594. Desde então, vem caindo ano a ano, e chegou a 0,544
em 2008. Mantendo-se esta tendência recente de redução da desigualdade, que em
média foi de 0,007 ao ano, "o Brasil levará 20 anos para chegar a um patamar que
pode ser considerado justo". Segundo ele, isso corresponde a um índice de 0,40 no
coeficiente de Gini.
Um ponto importante que deve ser levado em conta é que, no caso, as
famílias tendem a adequar sua realidade e qualidade de vida aos recursos
financeiros da qual dispõem, determinando um peculiar estilo de consumir que lhe é
1
Fonte: Agência Brasil 24/09/2009 15h04
68
possível. Por isso, uma família que luta para manter a própria subsistência procura
se organizar para gastar o mínimo possível, enquanto outras estão com
preocupações muito além do que garantir as próprias condições de sobrevivência,
podendo se dar a oportunidade de satisfazer um desejo mais íntimo. Qualquer
distorção que exista gera um tipo de carência, seja causada por endividamento ou
por avareza, mas cada uma ao seu modo: a falta de dinheiro está para um lado
assim como a necessidade aberta está para outro.
Com relação às questões políticas, o Brasil possui uma estabilidade nos
últimos 10 anos abalada excepcionalmente em momentos de incerteza mundial ou
dos rumos sucessórios da gestão federal (caso restrito a 2002), quando houve
incerteza quanto às políticas públicas a serem conduzidas. Num cenário de
expansão dos governos de esquerda na América Latina, alguns mais “ortodoxos” no
caso de Venezuela e Bolívia, obviamente qualquer transição gera incerteza ao
capital estrangeiro, reduzindo investimentos e criando temor no investidor interno,
dentro de um cenário instável, num verdadeiro processo em cadeia. Um fator
importante a ser considerado nas atuais gestões é o combate à inflação constante,
a partir de um processo que vem desde 1994 com o Plano Real, visando à
manutenção do poder aquisitivo e impedindo a escalada dos preços, além de um
controle no preço do dólar, que apesar das oscilações está girando em um patamar
estável, flutuando de modo perceptível, o que favorece importações.
Por sinal, com o Plano Real, o mercado de luxo no Brasil se expandiu muito
rapidamente, favorecido com a abertura comercial proposta já em 1990 com
Fernando Collor. Assim, em situação de paridade de câmbio entre dólar e real,
muitas grifes passaram a entrar no país com força competitiva, fixando-se no
mercado nacional de modo efetivo, em sua maioria permanecendo até o momento.
69
Além disso, a paridade que permaneceu até 1998 foi muito interessante para que os
novos consumidores nacionais pudessem, mesmo pagando um pouco a mais, ter
contato com marcas de grife e assim manter um vínculo permanente. Por outro lado,
marcas nacionais perderam competitividade e as mais fracas, simplesmente
mudaram de público-alvo, se fundiram a marcas mais fortes ou fecharam as portas.
No entanto, o que muito se reclama e se discute ao momento são as taxas
de impostos altos para produtos importados. Visando proteger a indústria nacional,
muitos governos colocam altas taxas para importados, atingindo também as marcas
de luxo, mesmo em países onde a produção destes itens é praticamente inexistente.
Criou-se a regra para um, vale para todos. Os importadores e comerciantes de
artigos de luxo no Brasil reclamam do que eles chamam de “Custo Brasil”, que é o
quanto eles cobram além do que o mesmo produto vale numa loja no exterior. Em
média, para os artigos de uso pessoal, a taxa de impostos gira em torno de 60% do
valor dos bens constantes na fatura comercial, acrescidos dos custos de transporte
e seguro (caso não tenham sido inclusos no preço da mercadoria). Caso seja feito
uso de transporte aéreo internacional (Courier) ainda há a cobrança de mais 18%. O
famoso II, o Imposto de Importação, é federal, regido pelo Artigo 153, I, da
Constituição Federal. Nesta circunstância, há um lobby empresarial no governo para
exatamente afrouxar e subdividir esta taxa, porém sem sucesso.
2.9.2 Um breve comparativo: o luxo na Rússia
A Rússia, assim como o Brasil, faz parte de um grupo mundialmente
conhecido como BRIC, composto por países emergentes de grande peso no cenário
econômico, no caso Brasil, Rússia, Índia e China. Esses países apresentam alto
potencial de crescimento e por assim dizer, podem se tornar potências no futuro
70
próximo. No entanto, após cadas de regime comunista, a população russa ainda
temrios problemas de consumo instaurados a partir de demandas reprimidas.
Tanto potencial para crescimento ao mesmo tempo traz progressos internos
e permite às famílias demonstrarem um pouco mais de qualidade de vida, porém
obviamente algumas famílias poderão progredir mais e desfrutar um pouco mais de
benefícios do que outras. Esse é um cenário comum entre tais emergentes.
Depois da queda da Cortina de Ferro, nos países vizinhos que tiveram
dominação soviética, mulheres da Polônia, República Tcheca, Ucrânia e Hungria
foras às compras sem medo de ser feliz. Mas as mulheres russas em especial
passaram a comprar como se não houvesse amanhã. Isso se deve ao fato do
desenvolvimento recente ter permitido muitas pessoas a desfrutar de melhores
condições financeiras, fora o notório desejo de consumir reprimido por décadas sob
a gestão comunista, que impunha sérias restrições ao consumo da população
durante os anos em que perdurou.
De acordo com o jornal inglês “Telegraph”, vivem hoje na Rússia 110
bilionários e 130 mil milhões, a maior parte homens de negócios do setor de
petróleo e gás, que foram beneficiados pelas privatizações em 1992.
Um dos símbolos desse fenômeno russo é o GUM, uma construção do
século XIX, no centro da praça Vermelha, onde as mulheres dos membros do
Partido Comunista tinham permissão para fazer compras. Se durante o regime
comunista as mulheres se revezavam nas filas da GUM para comprar itens básicos
como pão, leite e carne, atualmente tumultuam a loja para comprar novas coleções
de marcas como Dior, Hermès ou Kenzo, algumas das grifes mais badaladas do
enorme complexo de luxo em que o prédio foi transformado.
71
A ascensão imobiliária também é uma realidade na Rússia, nos arredores de
Moscou principalmente. Com o surgimento de bairros como Rublyovka, onde um
imóvel não sai por menos de R$ 6 milhões, casas e mansões de alto padrão
passaram a se multiplicar, onde em um cenário de concorrência construtoras
chegam a oferecer helicópteros de brinde aos clientes no caso de uma venda bem
sucedida.
A vaidade as já belas mulheres russas se excede quando o assunto é luxo.
Bronzeamento artificial e tratamentos estéticos são uma constante, em especial
para as “esposas” profissionais, cuja única preocupação é se manter sempre
atrativa aos maridos. Isto inclui exercícios físicos, cirurgias e até não dar de mamar
aos próprios filhos para não estragar os seios.
Sendo um país rem introduzido na atmosfera do consumo de luxo, a
imensa maioria das pessoas se enquadram num estágio primário em relação às
dimensões deste mercado, ou seja, estão numa fase de vislumbramento da marca
em que não importa o tipo, o modelo ou coleção a qual pertence, entre outras
características, mas sim o de pertencer àquela marca famosa. Ou seja, não é
relevante a cor de uma bolsa e o modelo dela, por exemplo, mas sim a marca à qual
ela pertence, e depois quantas bolsas dessas se consegue ter à disposição no
armário.
Os homens russos preferem ostentar riqueza de outro modo, mais baseados
em bens pessoais do que necessariamente no próprio visual (isso fica para as
mulheres). Mansões, carros de luxo, aviões, helicópteros e para os mais ricos, times
de futebol europeus, obras de arte, entre outras extravagâncias.
O gosto russo por marcas estrangeiras de luxo, por outro lado, gera um
problema interno para o crescimento e para expansão das próprias marcas russas,
72
3
consideradas excelentes, porém de um segundo ou terceiro plano no cenário
mundial. Algumas mulheres consideram que exibir grifes é uma questão de
sobrevivência social na Rússia, um código que indica se você é ou não bem
sucedido. Outro aspecto é o desejo sempre por coisas exclusivas, diferentes.
Vislumbrados com o luxo e com o cenário aberto e quase ilimitado de
compras, os russos em muitos casos consideram que o capitalismo aprisiona mais
até do que o próprio antigo regime vigente, a partir das possibilidades de consumo
que ele abre e da necessidade constante de se renovar e seguir as novas
tendências. Outro fator importante é que a elite intelectual russa, que se posicionava
contra o sistema soviético, em sua maioria se exilaram em outros países ou foram
presas e mortas “por serem inimigos da pátria”, abrindo espaço para emergentes
com um histórico de vida humilde e crescimento pessoal por diversas formas
diferentes.
O cenário do consumo russo abriu uma série de possibilidades de negócios
no início dos anos 1990, em um momento que até os itens de decoração das lojas
tinham compradores ávidos. O país cresceu na última década muito mais do que o
percebido em toda Europa, em o progresso rápido e a olhos vistos. Muitas marcas
perceberam o potencial de crescimento do mercado russo e por isso resolveram
investir nesse país até então desconhecido, motivadas principalmente pelo
expressivo consumo das pessoas que viajavam a outros países na Europa
exclusivamente para compras.
2.10 A força das marcas
2.10.1 Marcas e posicionamento de mercado
73
As marcas de luxo são um caso a parte quando caímos na discussão do que
elas representam no universo do branding. Tais marcas necessitam de uma
renovação contínua, de uso criativo do marketing e de um forte trabalho de
posicionamento, tudo isso sem contrariar a essência da própria marca, que se torna
praticamente uma identidade e permite ao consumidor separar aquilo que deseja de
qualidades e características para si, mediadas pelos objetos da qual faz uso.
enormes desafios para a construção e gestão das marcas de luxo. Um
deles seria buscar estrategicamente a construção da imagem e comunicação de
marca, o desafio de reparar um possível desgaste ou degradação do produto ou da
marca, achar o sutil limite de flexibilidade de uma imagem para cobrir a criação de
bons produtos ou o ingresso em novos segmentos no mercado, e por fim, o desafio
já citado antes, o de construir uma sólida imagem de prestigio para marcas de luxos
recentes. Para recriar e legitimar a identidade, salvaguardar a imagem, a tradição e
o nome da empresa é preciso uma elaboração planejada e de aspectos muito sutis
e incessantemente ajustáveis.
Consumidores de menor poder aquisitivo não teriam a princípio acesso ao
universo do luxo, uma vez que o mesmo é extremamente propício para o
desenvolvimento e experimentação de novas tecnologias, matérias-primas e
inovações que evidenciam uma evolução cnica. As fases iniciais de produção e
aperfeiçoamento geralmente são custeadas por estes consumidores de luxo, os
famosos early buyers, que não apenas pagam mais caro, como tamm ajudam a
promover a marca em seu núcleo de convivência, fazendo uso e indicando uma
nova opção de mercado a ser adquirida para todos aqueles que se consideram up
to date. Depois de um tempo, após a fase inicial de novidade, começa a surgir o que
chamamos de trickle-down, ou seja, as tecnologias ganham custos reduzidos por
74
maior escala produtiva e passam a se disseminar em outros segmentos de
consumidores dispostos a adquirí-los, isso por um valor bem inferior ao de
lançamento.
Aproveitando uma citação de Lucien Geargeoura, temos uma definição muito
interessante capaz de traduzir o pensamento central às quais as marcas de luxo
desejam transmitir: ... marca é uma palavra ou símbolo (ou a combinação dos dois),
de propriedade e utilização protegidas, através da qual, com cuidadosa
administração, comunicação inteligente e largo uso, traz-se à mente do consumidor
um conjunto atrativo e específico de valores e atributos tangíveis e intangíveis. Uma
marca não é um simples nome, logotipo ou slogan publicitário aplicado a um produto
ou serviço. Marca é Gestalt (soma de percepções) para um produto ou serviço, seu
grafismo e sua mensagem com valores implícitos (GEARGEOURA, 1997)”.
A idéia de marca é primordial para o bom funcionamento do mercado de
produtos de luxo e deve transmitir sempre uma genealogia, uma história, tradições e
um código específico. A legitimidade de uma marca Premium se fundamenta sobre
o refinamento do produto e de sua qualidade intrínseca, mas também na “lenda”
associada àquele nome (BARTH, 1996). A marca de luxo tem como parte essencial
a dimensão imaginária, cuja personalidade deve ter legitimidade. As pessoas
deixam de comprar um produto para comprar uma emoção ou um comportamento,
por meio de atributos emocionais.
As marcas de luxo, de acordo com Kevin Roberts (2004), autor do livro
Lovermarks, explica alguns aspectos fundamentais do conceito de marca, conforme
aquilo que os gestores de marcas desejam:
75
A marca faz uma declaração sobre seus interesses de negócios e
oferece proteção legal para as qualidades únicas de seus produtos ou
serviços;
As marcas definem um “território”, delimitando as pessoas além do
conceito de Estado ou Nação;
O oferecimento de segurança quanto à qualidade do produto que foi
comprado faz com que os consumidores se apeguem as marcas;
A marca, tanto do ponto de vista das empresas quanto dos
consumidores, são um sinal de continuidade em um mundo em
constante transformação.
Pode-se dizer com tranqüilidade que a grife, ou marca, é de fundamental
importância para os bens de luxo, e tem como principais funções criar e firmar uma
imagem, garantir uma origem de qualidade e sinalizar um valor. De todas as
funções presentes, a prioritária é a de diferenciação, sem esquecer sua mensagem
Gestáltica de resumir a imagem e a promessa de um determinado bem.
A identidade da marca vai além do logo e a embalagem é um item essencial
para decidir a compra. Ela ajuda determinar valor, aceitação e até mesmo a
confiança do consumidor no produto. A embalagem mais que protege ou armazena
algo, ela é o elemento identificador da marca e do produto, o que reforça sua
identidade. As embalagens m uma espécie de persona no sentido mesmo de
Jung, isto é, uma face que interage com o outro, uma espécie de máscara que
facilita nosso reconhecimento e retrata a maneira como somos vistos pelos outros.
Uma embalagem neste sentido precisa criar uma relação de sedução e interação
com o consumidor. Precisa ser vista e cobiçada e passar um conceito e expressar
76
características da personalidade da marca em um momento decisivo como na
decisão de compra no ponto de venda.
Muitas marcas são marcas produto, como no caso das champagnes ou então
marcas corporativas como é o caso da LVMH ou marcas aval, como a Pierre Cardin,
mas a grande maioria das marcas da indústria do luxo hoje são as marcas guarda-
chuvas („umbrella brands‟): marcas que servem para todas as linhas ou todos os
produtos de uma ou mais linhas, ou mesmo mais de uma marca guarda-chuva, com
posicionamentos diferentes e para públicos distintos.
O grande desafio do marketing do luxo é cruzar a fronteira entre a marca de
produto o case business tradicional da empresa para as marcas guarda-chuvas
ou marcas aval sem desgastar, banalizar ou perder o foco do negócio. Mas o que se
assiste é exatamente isso, uma profusão nunca antes vista de marcas se
desdobrando em submarcas ou se tornando marcas guarda-chuvas e cobrindo uma
enorme lista de linhas de produtos voltados para a satisfação de necessidades e
desejos dos mais diversos.
O papel de definir a identidade da marca, tornar claro seu posicionamento e
definir uma imagem positiva é feita de forma contínua, através de um mix de
comunicação integrada, utilizando de forma eficiente, racional e criativa, os diversos
recursos e técnicas de comunicação. Uma comunicação que abranja não apenas a
esfera mercadológica, mas institucional, administrativa e interna. Como foi
colocado anteriormente, os cuidados com a imagem são medidos pela maneira
como esta marca ou produtos são reconhecidos e percebidos no mercado, ou mais
especificamente pelos seus clientes.
Para recriar e legitimar a identidade, salvaguardar a imagem, a tradição e o
nome da empresa é preciso uma elaboração planejada e de aspectos muito sutis e
77
incessantemente ajustáveis, como diz outra especialista francesa, Danielle Allérès.
Exige-se uma estratégia de marketing pontual, que atenda as necessidades
especificas da indústria e da gestão de artigos de luxo.
Nunca deve se esquecer na gestão de branding de luxo que é preciso
perceber produto e marca como um sinônimo indissociável e lembrar dos perigos
que se corre quando a marca se afasta da categoria do produto ou segmento
tradicional da empresa.
Como afirma Castaréde, um dos grandes teóricos e consultores do luxo, deve
se ter como principio de expansão da marca os anseios e desejos da clientela.
Deve-se ter como parâmetro a expectativa do cliente para se criar um conjunto de
produtos que se complementem e dialoguem internamente, uma linha de produtos
coerente com as expectativas do seu público em relação à marca.
Segundo Castaréde, em sua obra O Luxo Os segredos dos produtos mais
desejados do mundo, no universo do luxo vários tipos de marcas. Muitas delas
são marcas produto, como no caso das champagnes ou então marcas corporativas
como é o caso da LVMH. as ditas marcas aval, como a Pierre Cardin, mas a
grande maioria das marcas da indústria do luxo, atualmente, são as marcas guarda-
chuvas („umbrella brands‟): marcas que servem para todas as linhas ou todos os
produtos de uma ou mais linhas, ou mesmo mais de uma marca guarda-chuva, com
posicionamentos diferentes e para públicos distintos. Neste caso, temos marcas de
família de produtos para satisfazer segmentos distintos de mercado e evitar que os
produtos existentes possam ser prejudicados por uma extensão muito
diversificado do guarda-chuva.
O grande desafio do marketing do luxo é cruzar a fronteira entre a marca de
produto o case business tradicional da empresa para as marcas guarda-chuvas
78
7
ou marcas aval sem desgastar, banalizar ou perder o foco do negócio. Mas o que se
assiste é exatamente isso, uma profusão nunca antes vista de marcas se
desdobrando em submarcas ou se tornando marcas guarda-chuvas e cobrindo uma
enorme lista de linhas de produtos voltados para a satisfação de necessidades e
desejos nos mais diversos segmentos em concorrência entre si.
Segundo os especialistas, enormes desafios para a construção e gestão
das marcas de luxo. Um deles seria buscar estrategicamente a construção da
imagem e comunicação de marca, o desafio de reparar um possível desgaste ou
degradação do produto ou da marca, achar o sutil limite de flexibilidade de uma
imagem para cobrir a criação de bons produtos ou o ingresso em novos segmentos
no mercado, e por fim, o desafio citado antes, o de construir uma sólida imagem
de prestigio para marcas de luxos recentes.
2.10.2 Aspectos de marketing relacionados ao luxo
Ações consistentes de marketing são necessárias para criar uma identidade
de marca para o mercado, tanto nos aspectos intangíveis dos produtos (imagem do
usuário alvo, origem e tradição da marca, personalidade da marca) quanto nos
tangíveis (estilo, desing, materiais raros e refinados).
A internacionalidade é uma outra importante faceta das marcas de luxo: ela
tem que necessariamente passar por uma padronização de sua imagem onde quer
que esteja e está quase sempre ligada a uma origem bem definida (cidade, país ou
continente). A forte identidade de origem, junto com a universalidade, é intrínseca à
sua identidade. Diante disso, o consumidor de luxo se torna o chamado “cidadão do
mundo” (CAROZZI, 2005).
79
No mundo do luxo o aspecto da personalidade da marca conta muito a
personalidade que o consumidor interpreta em uma marca específica
(BLACKWELL, MINIARD, ENGEL, 2005). Esta pode ser construída por meio de
traços de personalidade próprios ou estar vinculada à imagem de seu criador
original, nascidos da obra de um designer ou estilista de peso.
Sendo assim, é muito comum no mercado de luxo que marcas especializadas
em determinados tipos de produtos, com uma identidade forte e facilmente
reconhecida, possam chancelar a possibilidade de o fabricante lançar novos
produtos de outras linhas para ampliar o portfólio de opções junto aos clientes.
Muitas marcas de luxo estão abrindo seu guarda-chuva de itens e abrangendo uma
série de opções de novos itens, visando agregar ainda mais força à própria marca,
remetendo a lucros superiores e atingindo um aspirante consumidor de luxo que
ainda reside nas classes médias. Porém, este processo precisa de muita cautela e
condução cuidadosa, uma vez que pode ocorrer exatamente o contrário, já que
mesmo a diversificação de produtos pode prejudicar uma marca de luxo. O
consumidor tem que ter idéia do que a marca representa e o que ela faz. Se
produtos de luxo são lançados juntamente com produtos de uso mais massivos, os
consumidores terão dificuldade de compreender sua mensagem a fama de
exclusividade e de mito pode se manchar.
A preocupação das lojas de luxo, até acima das lojas convencionais, com a
identidade visual da marca, dos seus produtos, do ponto de venda e da
comunicação institucional criam associações que permitem por parte dos
consumidores a compreensão de um todo, não somente em termos de identificação,
mas também vínculo emocional e psicológico com a marca, porque não dizer uma
ligação afetiva.
80
Utilizam-se tamm muitas associações com celebridades, formadores de
opinião ou públicos com quem o cliente se identifica ou almeja, seja por valores
pessoais, materiais, estéticos, morais ou psicológicos. Estes porta-vozes da marca
estão em constante produção nos veículos de comunicação abertos. Diferentes
mídias audiovisuais e escritas devem ser utilizadas no mix de comunicação,
vinculando mensagens que ressaltem a história e tradição da marca, a sua missão,
identidade e valores hoje.
Outra forma eficiente de transmitir a identidade e reforçar a imagem da
organização e da marca é por meio de uma associão com outras marcas e
atividades relacionadas ao universo de vivências e experiências de seus clientes. As
políticas de patrocínio institucionais, os eventos e as políticas de filantropia ou
marketing de responsabilidade social devem combinar um planejamento da
atividade buscada com o clima e atmosfera do evento e do público ao qual se dirige,
com o espírito da corporação ou da marca, seu jeito de ser, seu conceito e ramo de
atividade. Da mesma forma quando se envolve com parcerias com outras marcas e
patrocínios de certos eventos. A associação com outras imagens pode potencializar
se bem feita, certos aspectos importantes da identidade da empresa/marca. Em se
pensando em imagem, é de fundamental importância em uma boa estratégia de
comunicação definir bem quem são os grupos de referência na formação e
influência de comportamentos, atitudes e tomadas de decisão de compra. Todo
grupo social tem líderes cujos prestígios, valores e ações pessoais não somente são
admirados, como servem de balizador para se pautar o comportamento.
Neste caso, temos marcas de família de produtos, para satisfazer segmentos
distintos de mercado e evitar que os produtos já existentes possam ser prejudicados
por uma extensão muito diversificado do guarda-chuva.
81
O profissional de comunicação ou relações blicas cabe identificar quem
são estas personalidades ou lideranças carismáticas que exercem poder e um certo
fascínio e influência sobre seus públicos. Os formadores de opinião ou lideranças
verticais são figuras de proa na condução de uma boa estratégia de identidade das
marcas e empresas do luxo, e seu carisma é baseado em signos ou associações
com sucesso e status pessoal ou de classe. Esta categoria de liderança ao utilizar
ou ser associado a imagem de determinado produto, projeta sua imagem e carisma
pessoal ao bem, possibilitando que os consumidores daquela marca imaginem-se
possuidores das mesmas características e status do líder. Há também aquilo que se
denomina de lideranças de opinião horizontal: lideranças de dentro do próprio grupo
de clientes ou classe social que detém destaque e admiração no grupo. O gosto
pessoal e os bitos e estilo de vida deste líder fortemente influencia os outros em
seu comportamento de compra, posse e uso destes bens e marcas.
Exige-se das marcas sempre uma estratégia de marketing para o luxo
pontual, que atenda as necessidades especificas da indústria e da gestão de artigos
de luxo, de acordo com sua postura organizacional e o momento crítico de cada
uma quanto aos projetos futuros. Mais do que nunca, a especificidade da gestão de
marketing da indústria do luxo se assenta sobre a primazia da marca. Sem a marca
legendária, sem o mito do luxo tradicional, dificilmente se faz uma boa política de
marketing neste setor. A comunicação das marcas de luxo deve ser elaborada de
forma sutil, mas carregadas de emoção expressas de forma elegante e autêntica e
dirigidas especificamente ao seu público, por meios e formas bem estudadas. A
marca deve seguir a tradição dos produtos, mas deve se diversificar.
O papel central dos profissionais de marketing, comunicação e de relações
públicas na área de gestão do luxo, mais do que exaltar um valor universal, é a
82
diferenciação e o respeito aos determinantes comportamentais, atitudinais e
culturais sobre os consumidores. É a atenção e o cuidado com este conjunto de
diferenciais na distinção de seus públicos que faz a resposta de sucesso de uma
comunicação eficaz. Além da diferenciação do portfólio de produtos, as empresas
de grife têm igualmente como as outras a obrigação de se esmerar na diferenciação
de seus serviços, no treinamento de recursos humanos, na excelência dos seus
canais de comunicação, distribuição e com sua imagem corporativa.
Tem de se buscar nunca se dissociar do seu segmento original, nem de
linhas de produto com comportamento de consumo muito distinto, mas também ter
em mente que, nos dias de hoje, a renovação contínua de seus produtos e o
reposicionamento e rejuvenescimento em grande parte dos casos se faz necessário.
As marcas devem dialogar com os produtos originais do criador ou da maison, mas
deve saber dialogar com o presente e com as novas tendências e gostos do
consumidor.
Pode-se inclusive apresentar exemplos de alguns cases de sucesso da
indústria do luxo no Brasil, que embora ainda seja pequena, possui alguns
elementos bastante fortes.
H. Stern: É a maior joalheria do Brasil que, para se internacionalizar, passou
a ter produtos em outras joalherias e em lojas de departamento, ao invés de
somente em suas próprias lojas. Essa loja buscou mercado nos Estados
Unidos, Oriente Médio e Europa, logo após sua expansão pelos países latino-
americanos. Atualmente, a marca é composta por 160 lojas espalhadas por
12 países. Suas jóias apresentam design e qualidade reconhecidos
mundialmente;
83
Embraer: Uma das maiores companhias exportadoras do Brasil, A Empresa
Brasileira de Aeronáutica S.A. é a maior fabricante de jatos comerciais. O
Legacy, seu modelo de jato executivo, está a venda e, mais 3 projetos
desse tipo de aeronave, estão em andamento. A empresa já produziu cerca
de 4.100 aviões, que hoje operam em 69 países, nos cinco continentes (REC,
2007). De 1999 a 2001, foi considerada a maior exportadora do Brasil e
desse ano até 2004, a segunda exportadora (PITANGUY, 2007);
Clínica Dr. Ivo Pitanguy: Foi fundada em 1963 e se tornou um centro de
excelência em cirurgia plástica. As pessoas que chegam do mundo todo atrás
dessa instituição contam com a experiência de equipe e o talento que a
mesma possui;
Helibras: Helicópteros Brasil S.A é a única empresa fabricante de
helicópteros na America Latina. Ela lidera o mercado do Brasil, com 45% dos
helicópteros executivos, 80% dos parapublicos, 52% da frota de helicópteros
a turbina e 63% dos militares. Foi criada em 1978 e, nesse mesmo ano,
entregou ao mercado cerca de 500 helicópteros Helibras. Aproximadamente
10% da produção são destinados a exportação para países latino-
americanos. Fatura anualmente o superior a US$ 40 milhões.
2.10.3 As empresas do luxo: o lado corporativo do negócio
Da mesma forma que as indústrias brasileiras, as internacionais também
apresentam uma porcentagem de lucratividade considerável. Vejamos a seguir
algumas delas e seus rendimentos anuais.
84
A revista Forbes publicou em 2008 um relatório com as marcas de luxo mais
poderosas do mundo (World‟s Most Powerful Luxury Brands). De qualquer forma, é
evidente que as dez marcas escolhidas, se não são as mais poderosas, estão
certamente colocadas entre as marcas de mais prestígio no mundo, e por isso vale
a pena conhecê-las.
Esse tipo de lista depende de diversos fatores: a força da marca, ou seja, o
quanto elas conseguem influenciar seus consumidores (se o usuário é fiel, se ele
continuará consumindo a marca ou se ele acredita no futuro da marca). Além disso,
embora o tenha ficado explícito, a Forbes levou em conta também o faturamento
de cada marca.
1) Louis Vuitton: A marca Louis Vuitton é apenas a mais conhecida do grupo LVHM,
que inclui tamm, entre outras, a Fendi, a Moet Chandom e a Hennessy. Segundo
a Forbes, a Louis Vuitton foi fundada em 1834, e desde então tem feito sucesso
porque se dedica a produzir artigos de qualidade, e não produtos da moda.
2) Hermès. A empresa tem ações na bolsa, mas o controle ainda é da família
Hermès, o que seria segundo especialistas, garantia da qualidade da marca. As
bolsas são ainda projetadas, cortadas e costuradas manualmente na França, o que
explica por que uma versão básica da conhecida Birkin custa US$ 8.000,00.
3) Gucci. Embora o faturamento recente tenha diminuído com as recentes crises
econômicas, a marca permanece uma das mais poderosas do mundo. A Gucci é
dona de outras marcas de prestígio como Alexander McQueen, Stella
McCartney (estilista inglesa, filha de Paul McCartney) e Bottega Veneta.
85
4) Cartier. Os diamantes da Cartier são provavelmente os mais brilhantes de todos.
A Cartier é dona de outras marcas como Van Cleef e Arpels.
5) Chanel. A marca francesa de alta costura, acessórios, perfumes e produtos de
beleza continua a manter suas fiéis clientes de meia idade, e consegue atrair mais e
mais clientes jovens. Os produtos de alta costura estão vendendo como nunca,
enquanto o setor de acessórios deve beneficiar-se da recente união com
a Luxottica.
6) Rolex. A famosa marca de relógis suíça é possivelmente, de acordo com a
Forbes, o produto mais falsificado do planeta. Sua força depende também muito dos
novos ricos russos e chineses.
7) Hennessy. Conhaque. Apresenta grande crescimento entre novos milionários da
Rússia, China e Vietnam; uma garrafa de Hennessy é um presente muito bem
recebido por noivos chineses.
8) Armani. Embora sofra concorrência e assédio de grandes marcas, o bilionário
estilista Giorgio Armani consegue manter sua própria empresa individual.
Recentemente, Armani cedeu seu nome para a Samsung, e tamm
abriu restaurantese hotéis com sua marca.
9) Moet Chandon. Champanhe. Enquanto outras marcas vêm e vão, a Moet
continua presente nas principais festas e eventos do mundo (por exemplo, é sempre
uma Moet que os vencedores dos GPs de Fórmula 1 estouram).
86
10) Fendi. Marca italiana de bolsas. O modelo Baguette ganhou fama no final dos
anos 90, e atualmente a principal pa é a B Bag. A Baguette ganhou nova vida
graças ao Sex and the City, onde a bolsa é usada pela protagonista.
2.11 O papel dos profissionais de luxo no mundo corporativo
Os cuidados com os produtos Premium passam pela qualidade total, pela
confiabilidade, pelo bom gosto estético e estilístico, que vai da embalagem aos
uniformes dos funcionários, dos interiores às fachadas dos pontos de venda.
Precisa haver uma percepção de uma excelência na comunicação e na identidade
visual do produto como um todo. Compra-se não apenas um produto, mas a própria
experiência do prestígio e fascinação pelo luxo. O design estratégico de marketing
tem a possibilidade de integrar toda a identidade visual da marca.
O artigo de luxo é percebido e associado como padrão de elegância estética
na solução inteligente do produto, da sua potencialidade técnica e funcional, mas
também sublinhando uma série de aspectos ligados aos apelos do estilo, das
características visuais e plásticas. Seu conceito visual precisa ser uniforme e
objetivo, facilmente associado à marca: das fotografias publicitárias ao projeto visual
da sua revista, da comunicação visual das lojas às embalagens. Sua apresentação
também deve ser valorizada através da confiabilidade de quem vende.
A diferenciação e o reconhecimento da marca se dão quando a imagem
percebida do consumidor corresponde positivamente às expressões da identidade e
do conceito da marca e do produto definidas pela comunicação da empresa como
um todo. Uma imagem reconhecida positivamente permite a transmissão objetiva do
conceito da corporação e de seus produtos, agregando valor aos produtos e
serviços ofertados e garantindo distinção entre a mensagem institucional e a de
87
seus concorrentes. Isto proporciona vínculo emocional e memorial dos
consumidores à marca, o que tende a determinar se haverá ou não uma compra
futura.
2.11.1 A importância dos recursos humanos
É de suma importância que haja equipe de funcionários treinados e
conscientes da missão e valor da marca sempre à disposição dos clientes fiéis de
uma marca de luxo, muito mais do que em qualquer outra categoria de produtos.
Uma equipe em consonância com o espírito e identidade da marca, que responde
bem e rapidamente às demandas mais íntimas de cada cliente, de acordo com suas
necessidades é o que cada player do luxo procura agregar ao seu segmento de
mercado, uma vez que é a equipe de atendimento o último e mais próximo elo entre
marca e seus clientes. Isso inclui agregar ao próprio cotidiano dos funcionários
características da marca que representam, como a maneira que se vestem, como se
apresentam, suas atitudes, gostos e expressões pessoais.
A equipe possuidora de conhecimentos técnicos e credibilidade, educada,
prestativa e capaz de trafegar com desenvoltura pelo campo de valores e gostos de
seu público, se expressando e transmitindo experiências e imagens, é tudo aquilo
que uma empresa pode ter de melhor para oferecer; neste aspecto, é o que cada
empresa atuante no setor de luxo procura agregar, por meio de constantes
seleções, bons salários e treinamento contínuo.Em muitos casos, a relação entre
funcionários e clientes é tão forte que chegam a desenvolver até um grau de
amizade.
88
2.12 O luxo emmeros
O mercado globalizado se expande cada vez mais fora dos tradicionais
mercados francês e europeu com isso, grandes grupos financeiros e industriais
controlam boa parte desse mercado.
O mercado mundial de produtos de luxo atingiu em 2003 cerca de US$ 200
bilhões, apresentando crescimento de 19%, segundo dados da Interbrand. A
estimativa de Boston Consulting Group é de que esse mercado atinja US$ 1 trilhão
por volta de 2010 (CAROZZI, 2005).
Segundo dados da Câmara de Comércio Americana, no Brasil, estima-se que
o consumo do luxo seja da ordem de R$ 2 bilhões por ano. Um estudo sobre esse
setor no Brasil, realizado pelo grupo Publicis Salles Norton levantou dados
preciosos para entender esse mercado:
Entre 1980 e 2000, o percentual de famílias com renda média mensal de
R$10.000 saltou de 1.8% do total da população brasileira para 2.4% (o
equivalente a mais de 1 milhão de famílias);
A renda média da população brasileira é de R$1.608, sendo que para os 1%
mais ricos da população, a renda mensal é de R$23.388;
50% das famílias mais ricas se encontram em 4 cidades: São Paulo, Rio de
Janeiro, Brasília e Belo Horizonte;
No eixo Rio-São Paulo uma grande concentração geográfica de empresas
de luxo, seguido de Brasília e Porto Alegre. O restante do Brasil vem comprar
em SP.
Os produtos de luxo aqui no Brasil são quase que totalmente voltados para a
clientela local, diferente de outros países, em que o turista internacional movimenta
89
as vendas. As marcas internacionais que investem no país certo tempo, já se
adaptaram as características do mercado, como parcelar compras no cartão de
crédito ou comprar a prazo. Com isso, as classes menos favorecidas passam a ter
facilidades no acesso aos bens de prestígio. A valorização do dólar nos últimos
anos tamm ajudou a atrair para as lojas locais as compras que antes eram
direcionadas ao exterior, durante viagens.
Em um cenário de crises econômicas e incertezas, como diante da crise
econômica vivida em 2008/2009, é no mínimo importante se observar os resultados
a respeito do desempenho do mercado de luxo em termos numéricos, como modo
para se entender adequadamente a forma de se comportar dos consumidores desse
tipo de artigo. Tendo em vista os graves problemas recentes na economia
americana, envolvendo quebra de instituições financeiras e declínios consideráveis
de algumas fortunas, houve certa apreensão sobre como a atividade se comportaria
em 2009 e principalmente, quais seriam os efeitos negativos mais sentidos.
De forma geral, foi possível notar um desaquecimento em 2009 nas vendas
de produtos de luxo nos EUA e tamm na Europa, como reflexos da crise
econômica pela qual os mercados Ocidentais passaram. Entretanto, mais do que
alguns especialistas acreditavam que aconteceria, consumidores asiáticos, sul-
americanos e do Leste europeu aproveitaram a queda de alguns preços para
aumentar o consumo, levando a um crescimento de aproximadamente 6% no
primeiro semestre de 2009 no segmento nestas regiões e de alguma forma,
compensando perdas em mercados tradicionais como a Europa e EUA, podendo
chegar ainda a um crescimento total na ordem de 20%.
O mercado dos Estados Unidos, segundo estimativas, cresceu
aproximadamente 7% no consumo de luxo em 2008, bem menor que o crescimento
90
de 15% do ano de 2007, como reflexo do início da crise econômica. Parte deste
crescimento, porém, deverá ser oriundo do aumento natural dos preços e
evidentemente, do consumo de turistas que de alguma forma tem mantido a
freqüência de viagens no país.
O consumo europeu em países tradicionais como França, Itália, Inglaterra e
Alemanha mantiveram o desaquecimento. O ano de 2007 apresentou taxas de
crescimento de 12% e as para 2008 não ultrapassam tamm os 7%. Outras
regiões da Europa, porém, principalmente as oriundas do eixo comunista, sendo,
portanto, emergentes no consumo do luxo, e a força da Rússia, tem garantido
excelentes níveis de crescimento para a atividade como um todo.
No poderoso Japão, o crescimento das vendas de luxo também não deverá
alcançar dois dígitos de percentual em 2009, como ocorria em outros anos. Alguns
apontam que o principal motivo pela redução se dará pelo fato de que os japoneses
investirão mais em moradia este ano, visando a segurança familiar, do que em
produtos e serviços de luxo. O restante do mundo tem garantido um total
aproximado de 26% do consumo geral da atividade e deverá manter o crescimento
médio que tem oscilado entre 18% e 22%.
O Brasil, o mais importante e relevante mercado da América Latina apesar
da força do México, apresentou crescimento moderado no ano passado. A pesquisa
realizada pela MCF Consultoria e GfK Brasil aponta que o mercado do luxo no Brasil
teve crescimento em 2008, mas seguramente diminuirá o ritmo em 2009 (ainda não
se tem dados fechados conclusivos a respeito do último ano). O setor faturou em
2008 US$ 5,99 bilhões, crescendo 12,5% em relação a 2007. A previsão, portanto
para o ano de 2009 é de um crescimento em menor intensidade, devendo atingir 8%
e um faturamento de US$ 6,45 bilhões.
91
A pesquisa ainda apontou que metade das empresas entrevistadas revisaram
suas metas de crescimento para baixo, parte delas mantiveram e uma parte menor
revisaram para cima as empresas que conseguem enxergar oportunidades de
crescimento em momentos de economia adversa. O ritmo de crescimento na ordem
dos 17% registrados nos últimos 2 anos foi interrompido pela atual crise que afetou
os mercados mundiais. Caso a crise não tivesse ocorrido, era muito provável que o
crescimento alcançasse um percentual acima dos 20%.
A atividade do luxo sofre com os obstáculos da economia mundial, revelando
vulnerabilidade. As quedas geralmente, quando acontecem, são fortes. Entretanto, a
atividade tem mantido um regular e expressivo crescimento nos últimos 20 anos.
2.13 O crescimento do luxo no Brasil
O crescimento do interesse sobre as maiores marcas de luxo do mundo no
Brasil nos últimos 20 anos principalmente é explicado por alguns fatores:
É o quinto país mais populoso do mundo, como mais de 191 milhões de
habitantes (IBGE, 2009). Qualquer porcentagem em cima desse número é
uma quantidade notável em relação a países com mais ricos per capita;
Apresenta um dos mercados mais promissores do mundo e é um país que
está em desenvolvimento. Sua economia a partir de 2004 apresentou
crescimento estável e começou a acompanhar a onda de crescimento
mundial;
A classe média alta passou a ter acesso ao luxo por meio do sistema de
crédito, que permite parcelamentos;
92
Na década de 1990, o governo federal diversificou a pauta de importação
brasileira e eliminou restrições ideológicas, incluindo bens de alto valor
agregado;
Não restrições de moda, ordem cultural ao consumo ou estimulação de
auto-estima;
Os valores culturais estão mudando, assim como a economia. As mulheres
passam a ter espaço no mercado de trabalho, possuem renda, são
consumidoras independentes e, atualmente, são o foco do mercado de luxo.
São responsáveis por quase 80% das compras do mundo todo;
A vaidade masculina também está crescendo. O homem valoriza as marcas e
preocupa-se com a aparência, movimentando ainda mais o mercado;
Os meios de comunicação também facilitam o acesso a esse mercado o
acelerando e trazendo tendências mais rapidamente. A Internet traz mais
praticidade e conveniência para quem compra e para quem vende, uma vez
que, ela é usada para lazer e para compras;
O consumo no século XX trouxe uma das principais mudanças no mercado: o
culto à saúde e beleza física que hoje, estão cada vez mais evidentes;
As pessoas dedicam mais tempo ao lazer. Os serviços que promovem bem-
estar e relaxamento às pessoas que trabalham, principalmente nas grandes
cidades, estão sendo mais valorizados.
Os produtos de luxo vêm ressurgindo desde os anos 90 como símbolos de
status, conforme os consumidores afluentes se entregam aos desejos pelas coisas
mais finas da vida. O apetite por produtos auto-indulgentes, de excelência, ou de
93
superior qualidade, que tornam o segmento luxo mais forte do que nunca, é
introduzido à força por essa espécie de “revanche do prazer”.
Análises realizadas levam em consideração os aspectos psicográficos dos
públicos-alvo, combinam estilo de vida e motivações, variáveis de personalidade,
para explicar diferentes escolhas de uso de produtos e consumo. O motivo pelo qual
os consumidores compram é explicado através dessa analise psicográfica
(SOLOMON, 2002). Uma empresa pode posicionar melhor seu produto, utilizando
essa segmentação, o que enfatiza as características que mais combinam com um
determinado estilo de vida. Pode também comunicar melhor os atributos do produto.
Dependendo do tipo de consumidor em questão, pode-se comunicar e enfatizar
mais elementos de ostentação, expressão social, sonho, diferenciação,
reconhecimento social e realização, isso claro, em se tratando dos produtos de luxo.
Autor como Schweriner estabeleceu motivações que levam ao consumo dos
bens de luxo. De acordo com sua teoria, podemos listar resumidamente algumas
dessas motivações:
O desejo de ser exclusivo, diferenciado e único;
Desejar a melhora do auto-conceito, o que projeta sucesso e poder;
Desejar que a própria personalidade seja exteriorizada;
Marcar a filiação necessariamente a um grupo social desejado;
Desejo de estímulos aos sentimentos e estados afetivos, busca do próprio
prazer, hedonismo, gozo íntimo e suave ao excitar positivamente os órgãos
dos sentidos;
94
Perfeccionismo, com o intuito de buscar um desempenho superior e uma
melhor qualidade;
O desejo da conquista de uma ascensão social, de exibição da riqueza ou de
ostentação;
Auto-indulgência ou motivação emocional ou a busca de uma experiência
excepcional como compensação;
Desejo de marcar-se como uma classe alta, old Money, símbolo de status
hereditário.
Os nossos papéis sociais o acompanhados por uma série atividades e
produtos, que nos ajudam a defini-los: consumo de alimentos e bebidas, hábitos de
higiene pessoal, carros, atividades de lazer, jóias, mobiliário, roupas, tudo isso ajuda
na percepção que temos do nosso eu (tanto por s como os outros). Diante disso,
podemos afirmar que: “você é o que você consome” (SOLOMON, 2000).
Os atributos de um produto tendem a ser relacionados com a auto-imagem
especialmente quando se trata de produtos que recorre ao eu ideal, ou seja,
aqueles com alta orientação para a imagem e com alta expressividade social
(adornos, perfumes, roupas).
2.14 O Preço do Luxo
O que leva uma pessoa a comprar uma calça jeans de mais de R$ 2.000,00,
valor suficiente para comprar 10 similares de marcas mais populares? E um carro
esportivo de R$ 1,5 milhão, preço suficiente para adquirir uma frota com mais 40
populares 0km? Racionalmente analisando tal situação, temos que uma compra
desse porte é inviável ao oferecer um custo-benefício bastante duvidoso, porémo
95
corresponde ao fato de cada vez mais pessoas passam a adquirí-los com imensa
satisfação posterior.
Luxo significa em linhas gerais, entre outras coisas, itens cujas principais
características inerentes são exclusividade e qualidade inigualável. Por isso mesmo
o luxo custa mais caro, bem mais do que de outro item ofertado de nero comum,
seja pelo alto custo das matérias-primas e/ou da mão-de-obra especializada, seja
pelos altos valores agregados oriundos de marcas nobres, por exemplo. O preço
pago pelo luxo é um elemento um tanto relativo, dependendo intrinsecamente do
valor final absoluto do produto. Afirma-se que, a partir de técnicas de produção mais
refinadas e cuidadosas em todos os aspectos, artigos de luxo tenham uma margem
de lucro muito semelhante aos normais, girando em média na faixa dos 30%, o que
justifica a cobrança de valores mais elevados.
Muito longe da questão das técnicas de marketing, o luxo se posiciona em
termos de preço junto ao consumidor longe das técnicas de skimming, ou seja,
elevar preços para garantir uma aura de especialidade a produtos, visando
posicionamento junto a um extrato de consumidores mais abastados. Para que um
produto possa ser vendido a preços superiores, simplesmente eles precisam ter
condições para serem assim vendidos. Por exemplo, no caso de uma caneta
simples da marca BIC, mesmo que se proponha um aumento de preço, ele não
pode ser muito elevado, pois o produto em si não oferece diferenciais materiais e
técnicos para tal. Antes de mais nada, é importante que o consumidor veja no
produto um custo-benefício que ele esteja disposto a assumir para satisfazer uma
necessidade pessoal, ou seja, é preciso que concorde em despender uma certa
quantia para obter o conjunto de benefícios oferecidos.
96
Produtos da categoria premium ou luxo sempre custam em média de 8 a até,
em certos casos, 100 vezes mais que os produtos médios da categoria comum.
Determinar assim “preços concretos e justos” num universo de criação e produção
de forte apelo simbólico e sentido cultural é uma questão um tanto difícil. Por
exemplo, a Mercedes Benz produz carros de passeio em sua maioria de luxo,
porém a Jaguar produz outros modelos muito mais caros, mesmo visando atingir o
mesmo perfil de público.
A sensibilidade do consumidor em relação aos preços dos artigos superiores
mudou muito tamm. Se antes o luxo era a qualquer preço, da década de 1980
para os consumidores avaliam os preços de forma menos irracional. Hoje, os
preços dependem das afinidades eletivas e afetivas que as marcas projetam quanto
a sua identidade e o modo como as pessoas conseguem interpretar tais
informações, de forma criativa e coerente. Estas identificações entre consumidor e
produto e consumidor e marca são elementos imprescindíveis no processo de
compra de luxo, pois sem elas o próprio mercado não se estruturaria e talvez
estivesse em patamares muito inferiores aos de hoje em dia.
No universo do luxo, os 4 PS do mix de marketing estão mais do que nunca
numa relação íntima de interdependência e profundamente atrelados às lógicas,
aspirações e desejos de seus clientes. Hoje, mais conscientes, estes novos
consumidores e clientes do luxo interrogam quais os benefícios, os diferenciais e
valores agregados a mais sobre este suplemento de valor, fazendo suas compras
de modo muito mais racional.
O marketing e a publicidade diminuíram já faz algum tempo a distância
psicológica entre os produtos de luxo e os produtos médios. Hoje, com as extensões
verticais de marca, o marketing seduz ou amplia a escala de preços. Se a Mercedes
97
ou a BMW, lançam modelos de luxo que variam até 15 vezes do menos caro ao
mais inacessível, a Armani, por exemplo, cria sete linhas diferentes de roupas.
Definem-se as linhas e os modelos de acordo com um repertorio estilístico
diferenciado. O preço psicológico de antes, intuitivo ou arbitrário, hoje é mais
elaborado e identifica melhor os diversos clientes do luxo por acesso ou por estilos
de consumo particulares.
Analisa-se, durante o processo de precificação, a conjuntura econômica, o
perfil cultural e identifica a soma que o consumidor está disposto a pagar para se
beneficiar de tal vantagem, tecnologia ou diferencial em relação à outra marca ou
modelo da mesma empresa ou do concorrente.
Uma mesma empresa voltada ao luxo se especializa na criação de uma cesta
de produtos e marcas que se dirigem aos diversos públicos deste mercado refinado,
conforme deseja se fixar em meio a tantos concorrentes. Os temas e estilos do luxo
são basicamente os mesmos, mas cada marca ou linha de produtos interpreta estes
temas e estilos de uma forma característica e original na sua comunicação e
divulgação, bem como na sua política de preços tamm.
De modo geral, o que fica é que em termos de luxo, cobra-se mesmo um
valor unitário elevado, onde uma minoria rica consegue bancá-lo. Porém o produto
necessariamente tem que ter suporte nele próprio para justificar tal valor, ou corre
risco de encalhar e desaparecer do mercado. Ou seja, o luxo não é baseado em
qualquer coisa, já que o cliente está disposto a comprá-lo, porém ele precisa
corresponder às expectativas impostas durante a compra.
Vale lembrar que os produtos do gênero do luxo sofrem ao entrar no Brasil
uma forte elevação dos preços, chamado pelos empresários da área de Custo
Brasil”, onde os artigos sofrem uma forte tributação por serem itens importados e
98
industrializados longe de se tornarem de primeira necessidade ou insumo. O
imposto sobre o valor faturado, mais a entrega, de 30%, mais as os valores de
controle e destinação das cargas, somados ao custo de manutenção das lojas,
aluguéis, funcionários, comissões e mais impostos sobre a própria venda, fazem
com que o valor de cada artigo suba muito se considerado o valor inicial, e não
estamos considerando a margem de lucro do comerciante. Assim, o produto a
princípio poderia ser considerado acessível a uma classe média pode vir a custar o
triplo ou mais do valor inicial, fazendo com apenas alguns ricos possam comprá-los.
É o caso da marca Diesel, cujas calças passam a valer muito mais no Brasil do que
na Europa ou Estados Unidos. Desse modo, há uma equação difícil de ser resolvida
pelo empresário de luxo, pois se o preço se elevar muito, numa compra um pouco
maior é possível ao invés de comprar aqui no Brasil se realizar a compra fora, após
uma viagem, com os custos desta viagem cobertos pela própria diferença de
preços, o que não é difícil já que a competitividade de operadoras de viagens
internacionais está muito forte e os preços caindo.
No caso da famosa loja Daslu, a tentativa de reduzir o “Custo Brasil” por
operações ilegais surtiu efeito a princípio, mas depois de descoberta deu origem a
um escândalo que está ameaçando o próprio futuro da empresa e suas operações,
correndo hoje risco de fechar as portas mesmo com elevação gradual dos lucros e
do número de clientes.
2.15 O luxo sustentável
2.15.1 O luxo “verde” e o cenário sustentável
As discussões a respeito do modo como estamos consumindo muito
rapidamente nossos recursos naturais e prejudicando o meio ambiente está cada
99
vez mais nas pautas da mídia, porém como o mercado de luxo se posiciona diante
desta situação?
No geral, aproveitando um novo filão de mercado, diversas marcas de artigos
de luxo estão lançando produtos considerados “verdes”, ou seja, se caracterizam
por utilizar em sua composição matérias-primas biodegradáveis, produtos
recicláveis, isentos de metais pesados, com o mínimo de possibilidade de criar
impactos pesados sobre o tão fragilizado meio ambiente, entre outros atributos
que são qualitativamente informados aos consumidores. Apesar de serem mais
caros, são considerados bem-vindos ao passo que trazem consigo uma mensagem
de engajamento, mesmo que individual, a uma causa em especial, um compromisso
coletivo para com o mundo em que vivemos.
Numa tendência geral, a procura por parte dos consumidores está
estimulando cada vez mais as empresas a buscarem alternativas interessantes e
válidas para atender ao público mais consciente ávido por opções de produtos mais
adequados à realidade de um meio ambiente bastante degradado e frágil, graças a
muitas de nossas ações danosas. Tudo aquilo que fazemos ou consumimos geram
impactos à natureza, por isso da necessidade de que eles sejam sempre os
menores possíveis.
Exemplos sobre esta temática não faltam. Carros de luxo movidos a energia
elétrica e biocombustíveis, pedras preciosas sintéticas feitas com resinas vegetais,
móveis produzidos com madeiras.
Luxo e desenvolvimento sustentável partilham valores comuns, que são a
intempestividade de valor duradouro, e a passagem de conhecimento, bem como a
proteção dos talentos e recursos naturais. A qualidade do luxo é baseada em
materiais finos, o respeito do material, e para o artesanato em si, que resultam em
100
um raro e belo objeto. Tal como luxuoso, o desenvolvimento sustentável baseia-se
na sua essência no respeito pelos recursos naturais e com os seres humanos. Por
último, luxo e o desenvolvimento sustentável possuem duas partes essenciais:
intempestividade e a continuidade do conhecimento.
Luxo sustentável deve ser uma convicção, tem que fazer parte da identidade
e responsabilidade da empresa. Toda a cadeia produtiva de fornecedores deve
abraçar essa expectativa como uma necessidade. Ninguém hoje seria capaz de
negar a existência do aquecimento global, a ameaça para a biodiversidade, nem o
equilíbrio da equação energética e como a população mundial continua a crescer
exponencialmente. Este não é mais um tempo de reflexão, mas de ação. Os clientes
serão cada vez mais conscientes dessas questões e mudarão os seus próprios
critérios de compra. A incapacidade de cumprir com as exigências do
desenvolvimento sustentável poderá resultar nos clientes evitando uma marca.
Além disso, segundo François-Pinault (2003), o desenvolvimento sustentável
incentiva a inovação tecnológica, representando uma magnífica oportunidade.
“Temos que renovar os nossos esforços para encontrar soluções economicamente
viáveis que tamm são favoráveis para a natureza e as pessoas”.
2.15.2 O lixo do luxo
Apesar do requinte, a produção e o descarte de artigos de luxo são uma
realidade que muitas vezes passa à margem de consumidores e daqueles que lidam
diretamente com este mercado. Assim como todos os produtos, o uso e o tempo
fazem o item se desgastar gradativamente até não apresentar interesses ou
condições de uso adequadas.
101
Uma característica clássica dos artigos de luxo é que, por possuírem um alto
valor agregado, mesmo antigos ou usados ainda apresentam uma sobrevida
bastante interessante, podendo ser guardados ou doados para outras pessoas
geralmente apreciadores com menor poder aquisitivo. Ou seja, numa tendência
geral, os produtos conseguem se manter em uso por mais tempo, podendo ser
utilizado até o desgaste a ponto de comprometer a vida útil do artigo inviabilizando
seu uso.
Não há, no caso dos produtos desgastados, um modo adequado de descarte,
sendo o lixo diário o destino de descarte mais comum.
No caso principalmente de roupas, sendo extremamente vulneráveis às
estações climáticas e tendências da moda, um dos destinos mais comuns são os
famosos brechós, onde as roupas são vendidas ou trocadas para revenda a preços
mais em conta, mantendo o sistema funcionando e os guarda-roupas atualizados
conforme as necessidades e interesses de seus consumidores.
Outra forma de “lixo” seriam as sobras de estoque encalhadas nas
fabricantes ou nas lojas. Tais rejeitos novos são tratados com extremas
peculiaridades de acordo com as políticas de cada marca. Por exemplo, roupas e
acessórios de empresas como a Dolce e Gabbanna são frequentemente utilizadas
em saldões do luxo, onde as pessoas podem comprá-los com excelentes
descontos; a Louis Vuitton apresenta a peculiaridade de recolher suas sobras
para envio a lojas em países do terceiro mundo, reutilização das matérias-primas ou
então simplesmente a incineração. Isso porque, para marca, é mais interessante
destruir um produto novo do que dar um desconto muito grande e facilitar com que
ele atinja classes mais baixas e ao mesmo tempo perdendo seu glamour, o que
pode vir a ser um prejuízo intangível.
102
Muitos itens de luxo são negociados e vendidos quando não apresentam
mais interesse para seus donos, a partir do momento em que podem vir a gerar
novos recursos para compra de itens novos.
Quanto ao processo de produção, geralmente são baixos os níveis de
desperdício. Como são produtos feitos por profissionais e artesãos altamente
qualificados, utilizando matérias-primas nobres e conseqüentemente caras, é muito
interessante às empresas reduzir ao máximo o desperdício e o custo de produção.
Desse modo, poucos detritos são gerados e, quando possível, os restos são
empregados todos na produção de itens menos nobres e revendidos mais baratos,
apenas para não haver perdas consideráveis (a exemplo do couro).
Embora implique em maior utilização dos produtos e menores índices de
perdas em produção, os consumidores e empresas que lidam com o luxo precisam
adequar suas posturas para que haja um consumo sobretudo racional e capaz, no
que tange ao lixo, de causar menos detritos e permitir com que eles sejam
facilmente descartados e biodegradáveis, evitando a constituição de uma herança
maldita para as próximas gerações.
2.16 A sociedade de consumo (de luxo)
O luxo está inserido num cenário atual onde a organização das pessoas em
sociedade e amesmo a sobrevivência delas é garantida por meio de ações de
compra. O empresário compra mão-de-obra do funcionário, que lhe fornece
potencial de trabalho e uma parcela de sua vida diária, para receber em troca
salário, ou melhor, dinheiro, para permitir que ele efetue outros tipos de transações
que lhe permitam sobreviver adequadamente.
103
A pessoa que não possui dinheiro ou modos de obtê-lo literalmente está com
sua permanência comprometida no meio social, já que por meio de compra se
obtêm água potável, energia elétrica, comida, roupas, abrigo, favorece a reprodução
ao se encontrar um parceiro fixo, entre outras coisas.
Embora o mundo e nossa vivência estejam repletos de carências e
necessidades, alguns indivíduos se permitem alguns momentos de prazer pelo
consumo, comprando itens considerados fúteis ou até supérfluos para muitos, com
o excedente do dinheiro que possuem. A idéia central de guardar o excedente ao
necessário para uma eventualidade futura muitas vezes parece desnecessário em
relação ao que se tem acumulado, podendo se presentear com sensações e
experiências sempre que possível.
No caso, é necessário considerar a importância do consumo nas mais
diversas circunstâncias, razões pela qual nascem as discussões presentes no
próximo capítulo.
104
CAPÍTULO 3 O CONSUMO ME CONSOME: UMA DISCUSSÃO
SOBRE O CONSUMO E SUAS IMPLICAÇÕES SOBRE O LUXO E A
SOCIEDADE
Este capítulo se baseia principalmente na obra do sociólogo e cientista
político chileno Tomás Moulian denominada El consumo me consome (1999), onde
diversos trechos aqui expostos permitem discorrer a respeito do modo como se
constroem as relações de consumo, bem como cria embasamento para refletir
sobre a teoria do consumo reverso e do sócio-consumo, que serão analisadas mais
adiante. A obra, ao menos por enquanto, não se encontra traduzida para o
português, mas seus conhecimentos são de suma importância para o entendimento
de tal fenômeno, pois, afinal, estamos consumindo a todo instante.
3.1 O que é “consumir”?
3.1.1 Etimologia do termo consumo
Primeiramente, é preciso se entender o que é o consumo. Muito importante
se torna a necessidade de definir o termo consumir, como verbo ligado a um tipo de
ação ativa, mais adequadamente para que haja maiores subsídios para analisá-lo.
De acordo com os dicionários, consumir significa corroer até a destruição,
enfraquecer, abater. De fato, o verbo consumir deriva de outro verbo, o sumir,
sinônimo de acabar e desaparecer. Logo, é um tipo de ação “com sumir” de alguma
coisa. No entanto, longe das discussões sobre desenvolvimento sustentável bem
como das críticas ao mercado de capitalista, a ação de consumir significa realmente
fazer uso de alguma coisa, que por sua vez se desgasta, se desvaloriza, ou ao
mesmo tempo se torna outra coisa diferente a partir do instante em que perde seu
105
real potencial de uso, apesar das palavras do dicionário expressarem uma
denotação muito mais forte.
Etimologicamente
2
, consumir vem do latim consumere que significa “fazer
uso, comer, acabar”. Decompondo a palavra, temos o prefixo com e a palavra
sumere (que significa pegar). Mais adiante, a palavra sumere pode tamm ser
decomposta, pois possui implicitamente o prefixo sub (abaixo, menor) e emere (cujo
significado é comprar, pegar).
3.1.2 O consumir como ação
Como coloca Moulian no início da obra, “Consumir é uma operação
cotidiana e imprescindível que está ligada à reprodução material, mas também
espiritual (cognitiva, emocional e sensorial) dos indivíduos. É um ato ordinário ao
desenvolvimento vital e é o objeto desse intercâmbio incessante dos homens com a
natureza que chamamos trabalho.” De fato, o ato de consumir implica interferências
em todas as outras esferas da vida do indivíduo, possibilitando não apenas a própria
sobrevivência ou bem-estar, mas se tornou um femeno que afeta também o lado
emocional e sensorial, ou seja, o modo como se relacionar com os outros e com o
mundo; para isso, uma troca clara com o trabalho, ato que possibilita a
construção de um patrimônio, bem como define a realização pessoal e familiar
(consumo privado).
De modo um tanto particular, o indivíduo passa a consumir conforme as
possibilidades de ganhos de recursos que possui, questão de lógica, base do
entendimento para se entender o porquê do acesso às marcas de luxo, não como
uma oferta de itens repletos de “futilidade”, mas como um jogo de combinações de
2
Cf. www.etymonline.com
106
ofertas mais seletas, envolvendo um toque de especialidade, abertas a um público
restrito disposto a gastar um pouco mais de dinheiro para satisfazer.
O que sai da esfera do pensamento coletivo é que os gastos com luxo são
desnecessários, porém o que se esquece de analisar é que esses gastos na grande
maioria dos casos estão completamente dentro do orçamento do indivíduo, que
muitas vezes faz menos esforço para comprar um carro esportivo bastante cobiçado
do que um trabalhador que ganha dois salários mínimos para comprar um 0 km
popular e sem qualquer tipo de opcional, o famoso “pé de boi”. A realidade, nua e
crua”, é essa.
Na opinião de Moulian, pensar a respeito de um discurso crítico sobre o
consumo como atividade de reprodução e expansão do indivíduo não pode se
reduzir a interpretá-lo como um desejo do eu pura e simplesmente o mesmo que
dizer o modo como um impulso supera o uso necessário e instrumental dos
objetos), para logo em seguida, classificar esse desejo como patologia ou desvio.
Seguindo a mesma linha de pensamento, Vilém Flusser (de modo fluído em sua
obra) aborda que o consumo, na realidade, nada mais é do que uma ação mágica
do indivíduo para consigo mesmo, satisfazendo necessidades simultaneamente
físicas, do consciente e do inconsciente. (FLUSSER, Vilém; 2008). Esta magia que
Flusser indica é na realidade a mesma magia da qual os artigos de luxo buscam
fazer uso para enfeitiçar seus consumidores e potenciais clientes, estes emergentes
prestes a entrar no luxo, apenas em busca de uma melhora no poder financeiro para
poder dar um passo a mais na escala do consumo.
Um ponto bastante importante que deve ser levantado é que, em se tratando
de consumo, as opiniões variam conforme os diferentes posicionamentos dos
autores em suas obras, dentro de uma proposta totalmente pensada para defender
107
pontos de vista específicos, entre outros detalhes importantes. Logo, não raro,
apenas sobre o termo consumo é possível se encontrar definições críticas negativas
ou positivas, conforme o esquema de raciocínio adotado para defender uma opinião.
3.1.3 O consumo enraizado no meio social
Quando se realiza uma ação de aquisição, ou melhor, entendida como
compra, sobre tal operação não se compreendem as dinâmicas sociais do consumo,
em sua relação complexa com a subjetividade do indivíduo, lançado na incerteza de
viver nas sociedades neoliberais do capitalismo globalizado onde não consumir
coloca em risco a própria sobrevivência.
Os freqüentes encontros dos potenciais consumidores com os potenciais
objetos de consumo tendem a se tornar as principais unidades na rede peculiar de
interações humanas conhecida, de maneira abreviada, como “sociedade de
consumidores”, cada vez mais discutida nas pautas acadêmicas. Esta “... Sociedade
de consumidores se distingue por uma reconstrução das relações humanas a partir
do padrão, e à semelhança, das relações entre os consumidores e os objetos de
consumo. (BAUMAN, Zygmunt; 2007) Como o autor Don Slater assinalou com
precisão, o retrato dos consumidores pintado nas descrições eruditas da vida de
consumo varia entre os extremos de “patetas e idiotas culturais” e “heróis da
modernidade”. (SLATER, Don; 1997). Com os consumidores de luxo não é muito
diferente, até mais acentuado.
Um das críticas mais veementes à circunstância de consumo atual é que,
uma vez arraigada sobre as bases de uma sociedade industrial e seqüencial,
estabelecem-se padrões, onde todos devem se encaixar, formatando gostos e
limitando opções. Numa escala global, o baixo custo e produção em larga escala
fazem também com que os produtos elaborados de modo personalizado percam
108
espaço, tornando-se artigos especiais, até de luxo, pela raridade e pelo fato de se
adequarem ao usuário plenamente. Isso quer dizer que na realidade, atualmente
estamos plenamente expostos às circunstâncias de consumo de massa, onde os
modos antigos de produção que não foram extintos, hoje operam sob uma nova
lógica de funcionamento, oferecendo os produtos não em larga escala, mas para um
público específico, especial, nobre, que pode pagar um pouco mais por algo mais
elaborado.
A curiosidade é que a Revolução Industrial colocou os produtos
manufaturados artesanais em segundo plano. Hoje, eles são valorizados pelo lado
tradicional e artístico. Ou seja, quem o se reposicionou e se renovou, saiu da
função de artesão autônomo para assalariado. O que era arcaico passou a ser em
diversos casos bem de luxo.
A crítica ao consumo como desejo não deve ser proveniente de um olhar
puritano, religioso, pois em termos gerais costuma ser tendenciosa. Isso porque,
principalmente em termos ocidentais, as bases de culto cristãs criaram uma noção
de que todos são irmãos, iguais perante Deus, e que qualquer excesso se
caracterizaria como pecado, o que por si é um pensamento um tanto simplório
de uma questão assaz complexa. Tal crítica ao consumo deveria provir sim de uma
análise interna desse mesmo desejo, que mostra como a preocupação com o
possuir escraviza ou fragmenta os indivíduos.
Atualmente, o fetichismo da mercadoria apregoado na obra de Karl Marx se
transformou num fetichismo da subjetividade, já que em torno das mercadorias
passaram a surgir variáveis tais como marca, tipo de venda, especialidade,
comunicação, perfil de consumidor, etc.. Tal como o fetichismo da mercadoria que
assombrava a sociedade de produtores, o fetichismo da subjetividade que assombra
109
a sociedade de consumidores se baseia, em última estância, numa ilusão.
(BAUMAN, Zygmunt; 2007)
Os fatores de consumo subjetivos são principalmente trabalhados por meio
do composto de comunicação das empresas, que por meio de investimentos em
diversas formas de contato não apenas com os clientes e usuários finais, como
também com os revendedores, visando criar uma atmosfera de diferenciação dos
produtos em relação aos concorrentes, o que pode garantir um posicionamento
mais favorável e, ao mesmo tempo, maiores lucros. O conceito de mercadoria
pensado por Marx ainda era presente num princípio de Revolução Industrial, onde a
competição das empresas não era tão acirrada e os produtos eram praticamente
commodities, com as marcas servindo apenas como mera identificação dos
fabricantes, pura referencialização. É por isso que autores como Marx não se
aprofundaram tanto na questão, pois tudo isso estava um tanto além dos esforços
de identificar num dado momento as circunstâncias de conjunturas futuras diversas.
O mercado de luxo, por sinal, não se encontra na maior parte da literatura
econômica clássica que vem a tratar do assunto consumo. Isto porque, preso a um
mundo restrito e nobre, infelizmente o luxo ficava praticamente escondido, longe da
realidade popular de um mundo em fase de transição acentuada, com cidades se
formando, indústrias crescendo e um comércio progredindo. Sendo assim, fica
bastante complicado aplicar autores clássicos para analisar o luxo hoje, porque
uma diferença de conceitos, espaço e tempo que dificilmente podemos considerar
as informações válidas.
110
3.1.4 Consumindo de acordo com a escala de necessidades
As pessoas nascem com necessidades de certos elementos indispensáveis
para a sustentação da vida, como alimento, água, ar e abrigo. Estas são chamadas
necessidades biogênicas. Porém, as pessoas m muitas outras necessidades que
não o inatas, chamadas psicogênicas, e que são adquiridas no processo de se
tornar membro de uma cultura; entre estas necessidades estão as de status, poder,
associação, etc.. Dessa forma, certas dificuldades para que as pessoas
coloquem nos mesmos processos diferentes, formas de satisfação dessas
necessidades, que a princípio precisam ser entendidas e analisadas de modo
separado, principalmente em termos de consumo.
Para consumir, é preciso que o indivíduo se sinta ao menos estável para que
possa garantir a própria sobrevivência dentro de circunstâncias naturais. Conforme
trabalha Bauman, “... a apropriação e a posse de bens que garantam (ou pelo
menos prometam garantir) o conforto e o respeito podem de fato ser as principais
motivações dos desejos e anseios na sociedade de produtores, um tipo de
sociedade comprometida com a causa da segurança estável e da estabilidade
segura, que baseia seus padrões de reprodução a longo prazo em comportamentos
individuais criados para seguir essas motivações. (BAUMAN, Zygmunt; 2007)
Seguindo a mesma linha, trazemos à tona a tão conhecida Pirâmide de
Maslow, descrita mais adequadamente conforme abaixo:
111
Pirâmide de Maslow
Fig. 5 www.wikipedia.org (2009)
A hierarquia de necessidades de Maslow nada mais é do que uma teoria
desenvolvida visando a uma divisão hierárquica proposta por Abraham Maslow
(psilogo estadunidense, 1908-1970). Segundo esta teoria, as necessidades de
nível mais baixo devem ser satisfeitas antes das necessidades de nível mais alto,
num processo gradual, de construção de uma infra-estrutura própria à
sobrevivência. Cada um tem de "escalar" uma hierarquia de necessidades para, ao
término de um processo, atingir a sua auto-realização, ou seja, o topo da pirâmide, o
que garante que o indivíduo se encontra em um estágio pleno de conforto,
subsistência, coletividade (para com os outros), etc. A teoria da pirâmide de Maslow
pode ser explicada em escala crescente deste modo:
Base da pirâmide nível 1: necessidades fisiológicas básicas, tais como a
fome, a sede, o sono, o sexo, a excreção, o abrigo. Como produtos voltados
112
a este tipo de satisfação, encontram-se principalmente remédios e itens de
primeira necessidade;
Nível 2: necessidades de segurança, que vão da simples necessidade de se
sentir seguro dentro de uma casa a formas mais elaboradas de segurança,
como um emprego estável, um plano de saúde ou um seguro de vida. Neste
nível, geralmente são comercializados produtos tais como seguros, alarmes,
convênios médicos, investimentos e planos de previdência privada;
Nível 3: necessidades sociais ou de amor, afeto, afeição e sentimentos tais
como os de pertencer a um grupo ou fazer parte de um clube. Para tais
necessidades geralmente se tem como produtos característicos vestuário,
acessórios, clubes e bebidas;
Nível 4: necessidades de estima, que passam por duas vertentes, o
reconhecimento das nossas capacidades pessoais e o reconhecimento dos
outros face à nossa capacidade de adequação às funções que
desempenhamos. Aqui, tem-se a comercialização de carros, imóveis, cartão
de crédito, lojas, clubes campestres e bebidas alcoólicas;
Nível 5: necessidades de auto-realização, em que o indivíduo procura se
tornar aquilo que ele pode ser. Para este tipo de necessidades geralmente
são oferecidos produtos para hobbies, viagens e educação superior.
É neste último patamar da pirâmide que Maslow considera que a pessoa tem
que ser coerente com aquilo que é na realidade "... temos de ser tudo o que somos
capazes de ser, desenvolver os nossos potenciais".
A lição básica da hierarquia de Maslow é que devemos primeiro satisfazer as
necessidades básicas antes de avançarmos para o próximo degrau. Isso quer dizer
113
que os consumidores são capazes de valorizar diferentes atributos dos produtos,
dependendo do que está disponível para eles no momento.
Em se tratando de mercado de luxo, o poder dos recursos financeiros obtidos
e disponíveis para uso facilita o acesso a diversas possibilidades que tornam o topo
da pirâmide muito mais facilmente acessível. Uma vez que vemos as relações
interpessoais cada vez mais arraigadas no consumo e no produto, percebemos
claramente que a ascensão da pirâmide é muito mais fácil por intermédio do
dinheiro, mais ainda para quem tem altas quantias em mãos para dispender do
modo que acredita ser mais viável, conforme as ofertas e recursos a serem
empregados. No caso, o luxo propõe uma nova estrutura sobre este modelo o
conhecido e estudado partir do momento que permite, num único processo de
compra, atingir diferentes patamares desta pirâmide. Assim, o simples ato de tomar
um vinho seleto e de safra nobre pode se tornar um ato que revigora a auto-estima
ao mesmo tempo em que sacia uma necessidade básica, do mesmo modo que o
caviar e as trufas, por exemplo. O mesmo vale para o quesito segurança, onde
existe uma larga diferença entre o morar e o morar num local nobre, tranquilo,
bonito, com uma infra-estrutura peculiar.
Embora a teoria de Maslow tenha sido considerada uma melhoria em face
das anteriores sobre da personalidade e da motivação para compra, existem rios
críticos a ela. A principal dessas críticas feitas é a de que é possivel uma pessoa
estar auto-realizada, contudo não conseguir uma total satisfação de suas
necessidade fisiológicas, querendo sempre mais e mais num processo contínuo.
Isto é um fato, de se concordar com as críticas, porém um modelo tão complexo
114
que trabalha com algo tão inexato quanto o comportamento humano não pode ser
entendido de um modo tão hermético e preciso, senão não funcionaria previamente.
Segundo Maslow (1954), “os humanos podem ser aquilo que eles devem ser:
eles devem ser verdadeiros com suas próprias naturezas”. De acordo com este
pensamento, o autor acredita que as pessoas devem aproveitar suas condições e
possibilidades favoráveis para melhorar as condições de vida e o modo de vida dos
próprios indivíduos, dentro daquilo que perseguem para se satisfazem e obterem a
auto-realização, a felicidade em atingir um status desejável.
De acordo com a Pirâmide de Maslow, o luxo visa garantir por meio do
consumo um atalho para os dois níveis mais altos desta escala. No entanto, ele está
presente em todos os níveis, pois mesmo com a compra de itens mais básicos, é
possível não apenas satisfazer uma necessidade simples, mas uma complexa, de
cunho psicogênico, como saciar a fome com trufas e caviar.
Desse modo, é importante sabermos que é possível por meio do luxo
satisfazer diferentes e complexos tipos de necessidade, que o luxo é um “atalho
em que, por meio de transações de troca, é possível criarmos um modo de nos
satisfazer dos modos mais complexos. Neste caso, dependendo do tipo de compra,
é possível indicarmos na pirâmide diferentes tipos de necessidades individuais
satisfeitas.
3.1.5 Necessidades versus Desejos
De acordo com Michael Solomon, ... a maneira específica como uma
necessidade é satisfeita depende da história única do indivíduo, de suas
experiências de aprendizagem e de seu ambiente cultural. A forma peculiar de
115
consumo utilizada para satisfazer uma necessidade é chamada desejo.”
(SOLOMON, 2008). Pelas palavras do autor, o desejo nasce das diferentes formas
de satisfazer uma necessidade que lhe surge.
O autor Mário René Schweriner, em seu livro “Comportamento do
Consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais”, indica que não raro
alguns desejos, sendo opções para satisfazer necessidades muitas vezes
supérfluas, adquirem um grau de importância que se transformam na necessidade;
a este processo, Schweriner chama “necejo”, ou seja, uma mistura entre uma
necessidade que na realidade se transforma em um desejo.
Existem, segundo Solomon, dois tipo de necessidade, as utilitárias e as
psicogênicas.
As necessidades psicogênicas refletem as prioridades de uma cultura e seus
efeitos sobre o comportamento das pessoas varia de ambiente para ambiente. No
campo do consumo, então podemos ter dois tipo de necessidades: utilitárias e
hedônicas. A satisfação das necessidades utilitárias implica que os consumidores
darão ênfase aos atributos objetivos e tangíveis de um produto, como a autonomia
de um carro, a quantidade de gordura, calorias e proteínas de um cheeseburger e a
durabilidade de um jeans. As necessidades hedônicas são subjetivas e próprias da
experiência: os consumidores poderão acreditar que um produto vai satisfazer suas
necessidades de alegria, autoconfiança ou fantasia talvez para fugir dos aspectos
mundanos e rotineiros da vida.” (SOLOMON, 2008)
116
3.2 As Ciências do consumo
Antropologia, psicologia, marketing, economia, comunicação e administração
são as principais ciências cujos conhecimentos desenvolvidos estão em uso quando
se trata de analisar os pensamentos sobre consumo. Em se tratando de áreas tão
diferentes abordando uma mesma temática, não seria leviano afirmar que seria de
suma importância a criação de uma conjunção dessas informações em uma área
comum, da qual podemos denominar ciências do consumo, cujo objetivo central é
abranger todos os estudos e conhecimentos pertinentes, evitando assim a dispersão
e o desenvolvimento de conteúdos de modo independente, o que além de ser um
problema a mais, constitui uma questão epistemológica.
O consumo está também sob as influências principalmente dos estudos da
Ciência Econômica, que se ocupa do entendimento do processo de aquisição de
bens que podem ser de consumo, de capital ou de serviços. Por definição, na
economia o consumo é a utilização, aplicação, uso ou gasto de um bem ou serviço
por um indivíduo ou uma empresa. Constitui-se na fase final do processo produtivo,
precedido pelas etapas da fabricação, armazenagem, embalagem, distribuição e
comercialização.
Em antropologia, desde o início do século XX, é possível encontrar estudos
sobre diversos tópicos que de modo mais ou menos direto se ligariam ao consumo.
Surge então aquilo que se denomina antropologia do consumo, cujo objetivo é, no
geral, decifrar as razões pela qual comprar é tão bom, o que se torna um desafio
para os estudiosos do comportamento humano.
Embora muito se discuta sobre as características psicológicas do consumir,
pouco se comenta (talvez por falta de maiores informações a respeito originadas em
117
pesquisas científicas) sobre as implicações fisiológicas da ação de consumir. Seria
como justificar biologicamente uma ação antes considerada mera casualidade
humana, a partir de um processo complexo de escolha e obtenção daquilo que
venha a satisfazer uma necessidade pessoal (de qualquer gênero).
Em situação de crise, turbulências constantes pela qual a economia mundial
passa de tempos em tempos, fica ainda mais evidente que as decisões de compra
não são definitivamente racionais. Isso porque, mesmo em momentos de
dificuldade, a grande maioria das pessoas continuam adquirindo bens - incluindo
aqueles de luxo - apesar da preocupação em manterem uma poupança ser uma
necessidade mais evidente num primeiro momento.
Com trilhões de dólares, ienes, euros e reais circulando em nossa economia
“globalizada”, num processo cada vez mais veloz graças às novas tecnologias de
informação, é importante se entender os mecanismos que nos fazem decidir por um
produto ou serviço e o outros, entre várias opções que passam a existir. Isso
poderia, de fato, nos auxiliar e evitar que façamos escolhas erradas.
3.2.1 A fisiologia do consumo: a neuroeconomia
3.2.1.1 O que é?
Visando entender mais adequadamente quais são os mecanismos que nos
fazem consumir, áreas da ciência uniram esforços para criar uma nova área do
conhecimento a neuroeconomia resultado da fusão entre os conhecimentos da
economia, da psicologia e da neurologia.
A neuroeconomia visa, por exemplo, entender porque e como as pessoas se
ligam emocionalmente aos produtos antes de adquirí-los. inclusive uma
tendência às pessoas apresentarem tais comportamentos. Ou então a razão pela
118
qual as pessoas tendem a desativar áreas associadas à divisão racional quando
aconselhadas por um consultor em finanças. Segundo Gregory Berns, professor de
neuroeconomia e psiquiatria da Universidade de Emory, nos EUA, “o cérebro
humano tende a abandonar a responsabilidade quando confia em uma autoridade”.
A constatação de que quase todas as decisões econômicas são tomadas a
partir de um permanente embate entre a razão e as emoções, de acordo com
matéria publicada na revista Istoé (2009).
3.2.1.2 Manifestações do consumo sobre o corpo humano
Conforme publicação recente da revista Neuron (dados constam tamm na
revista Istoé indicada logo acima), quando estimuladas a consumir, os cientistas
perceberam por meio do monitoramento da atividade cerebral dos indivíduos
pesquisados que, quando apareciam produtos desejados, havia estimulação do
cérebro na área associada ao prazer (o núcleo acumbens), e de uma outra região
que cumpre a missão de fazer o balanço entre perdas e ganhos, ou seja, o cérebro
passou a calcular simultaneamente o custo benefício do ato a partir do momento
em que percebeu que aquilo poderia gerar algum prazer.
De acordo com o mesmo artigo, ao se defrontarem com preços mais
elevados, o que se viu foi que alguns indivíduos colocaram em funcionamento uma
região cerebral chamada ínsula, vinculada ao medo e à dor. Os indivíduos que
acionam a ínsula desativam a região do cérebro que calcula perdas e ganhos,
optando por não comprar ao fim. O que se vê então é que algumas pessoas
experimentam cronicamente uma sensação de dor (ou um sofrimento) para pagar.
119
O cérebro humano em funcionamento durante as compras
Fig.6 Revista Istoé (2009, p.47)
Tal descoberta nos permite perceber que aquele indivíduo visto como sovina
avaro, na realidade possui uma atividade muito forte da ínsula, por exemplo. Esse
medo de gastar, na realidade, é uma proteção orgânica que nos impede de gastas
mais do que temos, pom pode nos paralisar em situações em que deveríamos
agir, que não raro é encontrar uma pessoa com aversão a perdas. É o mesmo
que ocorre quando os indivíduos têm dificuldade de se desfazer de algo, como se
houvesse uma possibilidade de eliminar as próprias posses, cortar da própria carne.
120
O que de fato deve ser levado em conta é a possibilidade de se controlar as
variáveis relacionadas à compra, evitando ações desastradas. A decisão de compra
deve, sobretudo, ter um conforto emocional verdadeiro.
De acordo com o autor Martin Lindstrom (2009), autor do livro A lógica do
consumo: Verdades e mentiras sobre por que compramos, existem dois elementos
biológicos e psicossociais humanos importantíssimos, que influenciam ou
determinam nossas ações de compra: os neurônios-espelhos e os marcadores
somáticos.
3.2.1.2.1 Os neurônios-espelho em ação
Os neurônios-espelho foram descobertos em pesquisas neurológicas em
1992, realizadas com macacos Rhesus pelo cientista italiano Giacomo Rizzolati,
numa tentativa de descobrir como o cérebro organiza comportamentos motores.
Curiosamente, a equipe dele descobriu que os neurônios pré-motores do macaco
não demonstravam apenas atividade tentava realizar um movimento específico, mas
principalmente quando via outros símios ou pessoas os realizando o mesmo
procedimento, o que foi surpreendente, já que os neurônios de regiões pré-motoras
do cérebro geralmente não respondem a estimulação visual.
No caso, uma constatação da pesquisa de Rizzolati (2005) foi que o cérebro
registra ações mesmo sem fazê-las, como se as estivesse fazendo da mesma forma
a partir de outro indivíduo, aprendendo com elas. Os neurônios-espelho
curiosamente se ativam enquanto realizamos uma ação ou observamos alguém a
fazendo.
Um dos pontos mais interessantes dentro das análises posteriores foi que os
macacos reagiam principalmente ao que se chama de “gesto direcionado”
120
121
atividades que se envolvem com um objeto, como pegar uma alguma coisa ou
movimentá-la. Movimentos aleatórios, como andar de um ponto ao outro da sala ou
ficar em pé de braços cruzados não costumam gerar estímulos.
Aplicados à realidade humana, os neurônios-espelho o os principais
responsáveis por muitas vezes imitarmos involuntariamente o comportamento de
outras pessoas. A simples ação de observar é capaz de gerar igualmente o prazer
ou dor de uma pessoa.
Desse modo, da mesma forma que é possível imitarmos circunstâncias como
comportamentos e movimentos de outros indivíduos, porque não podemos adotar
outros tipos de ações motivadas pelas informações captadas por nossos sentidos e
processadas em nosso cérebro de um modo mais complexo? Com certeza, é muito
provável que o cérebro registre quantidades muito maiores de informações captadas
do meio e que interferem no próprio comportamento, porém os cientistas ainda
estão pesquisando para chegar nessas informações.
Um dos principais diferenciais do que representam os neurônios-espelhos à
nossa sobrevivência é que ele estrategicamente cria condições para nos inserirmos
no meio de outros indivíduos de forma a nos adequarmos e fazermos parte do grupo
com o objetivo de não sermos excluídos ou colocados de lado. Desse modo,
colocado numa circunstância atual, ele garante por meio do consumo que copiemos
alguns padrões e comportamentos do grupo, dentro daquilo que passamos a
considerar adequado, par dele fazermos parte, adquirindo todos os elementos
distintivos daquela comunidade. Assim, vemos e compramos tudo aquilo que
achamos interessante e que nos colocará dentro de nosso objetivo de fazer parte
daquele grupo de pessoas que o indivíduo quer que o aceitem. Como exemplo, do
mesmo modo que vemos alguém vestindo trajes da qual gostaríamos de usar,
122
seguindo uma tendência da moda, fazemos o mesmo com um manequim de
plástico de uma loja, que com uma diferença: estamos com todas as opções ali
em nossa frente e com o dinheiro para comprá-las na mão.
Os neurônios-espelho são capazes de, como visto, subjugar o pensamento
racional e fazer com que inconscientemente passemos a imitar e comprar o que
está á frente e nos permitirá não apenas um aumento da auto-estima, mas uma
inserção mais adequada no grupo, visando aceitação. Além disso, do mesmo modo
que somos estimulados pelos outros, temos que ter em conta que tamm
estimulamos, ou seja, somos passíveis não apenas de imitar, mas de sermos
imitados, ou seja, é imprescindível que também sejamos bons exemplos, algo no
mínimo curioso...
Mas será que consumir nos torna realmente mais felizes fisicamente?
Segundo Martin Lindstrom, sim. “... Todos os indicadores científicos dizem que sim
pelo menos em curtíssimo prazo. E essa dose de felicidade pode ser atribuída à
dopamina, a substância química que inunda o cérebro de recompensa, prazer ou
bem-estar. Quando tomamos uma decisão de comprar algo, as células cerebrais
que liberam dopamina secretam uma explosão de bem-estar, e esse afluxo de
dopamina alimenta o instinto de continuar comprando mesmo quando nossa mente
racional diz que já chega.” (LINDSTROM, 2008).
De um modo geral, ao vermos um produto de luxo de nosso interesse,
principalmente sendo utilizado por outra pessoa, o vemos com séria atenção. Neste
caso, nos materializamos em nossa imaginação com aqueles mesmos itens,
sentindo o prazer íntimo de usá-los, de auto-afirmação e de poder. Os neurônios-
espelho são os responsáveis por colher estes estímulos e transformá-los em algo
122
123
especial, sensorial. É a sensação de, por exemplo, dirigir uma Ferrari num simulador
ou de ver alguém utilizando uma bolsa que você está procurando.
3.2.1.2.2 Os marcadores somáticos
A todo instante estamos sujeitos a experiências sensoriais boas ou ruins, e
depois de -las, estabelecemos memórias boas e ruins que vão determinar lições e
ações futuras, como um aprendizado. É o exemplo da criança que cutuca a tomada
com um grampo metálico e leva um choque; ela aprende que aquilo traz algo ruim,
uma dor e um desconforto, passando a evitar qualquer ação que envolva riscos de
choque pelo resto da vida, permitindo ainda que isto seja transmitido como lição
para o resto da vida. Isto em psicologia é conhecido como marcador somático.
Em termos de consumo, é a mesma coisa. Você transfere experiências
positivas e negativas, mesmo que indicações de outras pessoas, aos seus hábitos e
passa a adquirir tudo àquilo que lhe permitiu uma ou mais experiências boas.
Mesmo uma experiência de marca é válida, pois ela chancela todos os produtos
regidos por ela, mesmo que diferenciados e sem nenhuma relação.
Assim, a verdadeira base lógica por trás de escolhas de compra em sua
maioria estão alicerçadas sobre associações de toda uma vida, positivas e
negativas, da qual muitas vezes não se tem percepção consciente. Isso porque, ao
tomarmos decisões a respeito do que compramos, nosso rebro evoca e rastreia
uma quantidade incrível de lembranças, fatos, emoções, etc. Todas são
compactadas em uma reação rápida, uma espécie de atalho que permite revisitá-las
em um intervalo de poucos segundos, determinando aquilo que você comprará ou
não naquele instante. De acordo com Martin Lindstrom, estudos apontam que ao
menos 50% de todas as decisões de compra são tomadas espontaneamente e,
portanto, inconscientemente no ponto de venda. Esses atalhos que o cérebro toma
124
quando realiza uma decisão é o que chamamos marcadores somáticos. Estes
marcadores são uma verdadeira equação entre conceitos, partes do corpo e
sensações decorrentes, uma engenhosa rede de experiências pessoais que se
interligam. Eles unem por experiências anteriores de recompensa e punição uma
série de reações específicas necessárias, nos ajudando instantaneamente a reduzir
as possibilidades disponíveis em uma situação, guiando a uma decisão que
sabemos que irá gerar melhor resultado, ou o resultado menos doloroso.
Todos os dias fabricamos novos marcadores, os adicionando à ampla
coleção já existente. A maior parte deles referentes ao nosso consumo cotidiano.
No luxo, os marcadores somáticos agem correlacionando sensações e
marcas, permitindo que delas os consumidores possam fazer uso de um produto e
sentir prazer, impulsionando novas compras.
3.2.1.2.3 Implicações dos neurônios-espelho e marcadores somáticos no
consumo de luxo
Tanto os neurônios-espelho quanto os marcadores somáticos, assim como
influenciam o consumo convencional, estão intimamente interligados com os
processos de compra de artigos de luxo, talvez até mais do que o convencional.
Isso porque, fora das implicações sobre os sentidos, o luxo traz uma questão
experiencial agradável, produzindo sensações prazerosas, ao passo que permite
uma manifestação igualmente de querer ter e usar algo da qual compartilhamos
algum interesse ou simpatia.
Na realidade, as compras de luxo por serem relacionadas a produtos
diferenciados e caros, transmitem maiores satisfações, liberando uma quantidade
de dopamina muito maior no cérebro do que um semelhante bem mais barato. O
124
125
luxo atende não apenas necessidades de uso, mas principalmente necessidades
psicológicas, de auto-estima, status, segurança pessoal, entre outros. Assim sendo,
ela produz marcadores somáticos muito mais fortes do que os demais, criando uma
espécie de vínculo. As marcas fazem muito isso ao fazer valer sua força, e os
consumidores fazem uso desses marcadores sempre que pensam em comprar algo,
relacionando a marca às experiências anteriores.
Se não bastasse, os neurônios-espelho entram em ação quando se passa na
frente de uma loja de luxo com vitrine muito bem posta, mostrando itens refinados
em plena combinação de uso, estimulando não apenas o olhar, mas também todo o
resto do corpo, a fazer parte daquilo.
Indo mais além, por meio de experiências com aparelhos de ressonância
magnética, descobriu-se que marcas fortes e conhecidas geravam mais atividade
cerebral do que marcas fracas, uma vez que envolviam muito mais áreas do cérebro
ligadas a emoções, memórias, decisões e significados. Ou seja, o contato maior
construiu um repertório na cabeça do indivíduo que o estimula. Em caso de marcas
famosas, mais fortes, como as de luxo, os resultados demonstrados chegaram
muito perto daqueles demonstrados com imagens de significação e valor religioso,
ou seja, as marcas passaram a construir um valor igual ao das religiões na mente,
criando assim uma forte ligação com o indivíduo.
muitas pessoas que aspiram, que querem ter alguma coisa que está fora
de seu alcance financeiro e que ainda não podem comprar. Estão procurando por
uma maneira de saciar seu apetite. Ou talvez sejam somente os neurônios-espelho
em ação.
Acredita-se que, em um futuro próximo, à medida que passarmos a conhecer
melhor os neurônios-espelho e o modo como eles guiam nosso comportamento,
126
profissionais de marketing e comunicação vão descobrir cada vez mais maneiras de
utilizá-los para nos fazer comprar mais e mais, transformando tudo em necessário
ou algo que possa nos inserir em uma zona de conforto.
3.2.1.3 O consumo de luxo como fator perpetuador da própria espécie
Por meio de experiências neurológicas, caindo para o campo da psicologia,
percebeu-se claramente um dos aspectos mais importantes escondidos nas
compras de luxo: a própria reprodução, ou perpetuação da espécie. O ser humano,
no geral, nasce, cresce, se reproduz e, por fim, morre, mas em vida deixa uma obra
e descendentes. Acompanhe, antes, a lógica de como isso funciona.
Quando realizamos uma compra especial, de luxo, conscientemente ou não
calculamos as compras com base em sua possibilidade de nos trazer ou não status,
e o status esligado ao sucesso reprodutivo. Isso porque acionamos uma região
cerebral no córtex frontal do cérebro chamada área 10 de Brodmann, que é ativada
quando vemos produtos interessantes, fazendo uma correlação a partir da
percepção de si mesmo e as emoções sociais. Assim, uma boa parte das compras
que ocorrem são baseadas de fato não porque são atraentes em si, mas porque nos
deixam atraentes, ou seja, promovem nosso status social.
De modo geral, as pessoas de maior status possuem maior auto-estima, e
estas se tornam mais apresentáveis e conseguem adotar uma postura diferente com
relação às outras pessoas, tornando-se muito mais atraentes. O cérebro humano é
capaz de identificar nos parceiros de imediato potenciais de reprodutividade, ou
seja, receber e se perpetuar com parceiros capazes de oferecer segurança para si e
para os filhos durante um intervalo ilimitado de tempo. E de fato, as pessoas que
127
utilizam artigos de luxo se sentem muito melhores e seguras consigo mesmas,
assim, conseguem chamar muito mais a atenção de potenciais parceiros. Há de fato
um jogo não erótico, mas biológico neste assunto, que brinca com o lado animal do
ser humano (e sim, ele existe e é muito forte).
“... portanto, aquele novo e provocante vestido Prada ou aquele Alfa Romeo
reluzente pode ser exatamente o que precisamos para atrair um parceiro e dar
continuidade à nossa linha getica ou assegurar nosso sustento pelo resto da
vida.” (LINDSTROM, 2008).
3.3 Inversões e o caso Luciano Huck
Um fato notório ocorrido fez com que a questão do consumo e uso de artigos
de luxo caísse nas pautas de discussões coletivas no Brasil. Foi na ocasião do
assalto a mão armada sofrido pelo apresentador Luciano Huck, então comandante
do programa Caldeirão do Huck (Globo). Ele, utilizando os contatos e o apelo
público que possui, fez uso de um espaço no jornal o Globo e desabafou, falando do
trauma que sofreu e do risco que aquela situação trouxe o apenas para si, mas à
própria família dele, cobrando assim mais ação das autoridades. Porém, o roubo em
questão não foi de uma carteira, foi de um relógio Rolex que acabara de ganhar de
aniversário da esposa, a também apresentadora Angélica, cujo valor estimado
ficava em torno de R$ 10.000,00 pegando Luciano e desprevenido num carro
sem blindagem, sem segurança particular e sem policiais próximos, mesmo
circulando numa das principais avenidas da capital paulista.
Logo em seguida às declarações, houve dois tipos de reações para com a
atitude de Luciano: de um lado o apoio e de outro a negação. Enquanto alguns
artistas iam a mídia para elogiar e apoiar a atitude do apresentador, outros invertiam
128
128
a situação e o criticavam pela atitude de ostentação, sendo uma personalidade e
devendo sua fama ao blico que em muitos casos tem sérias dificuldades para se
manter, quase tornando a vítima praticamente a do assalto praticado, quase
como se estivesse pedindo para que aquele mal acontecesse.
Segundo Ivan Bystrina (1995), é o fenômeno da inversão que permite que se
configure uma das formas que existem de assimetria cultural e comportamental
entre as pessoas. Segundo o autor, a inversão torna favorável uma situação que
pode vir a se configurar de modo negativo ou indesejado para uma força dominante.
Seguindo tal pensamento, é notável se verificar que o luxo, de uma prática nobre de
consumir e usar artigos repletos de especialidade, ao passo que sofre uma inversão
de valores proposta pelos conceitos morais da filosofia cristã, muda de caráter e se
torna um comportamento negativo, até porque não se dizer prejudicial, tanto ao
indivíduo quanto ao bem estar coletivo, como se fosse uma negação da natureza
coletiva humana.
De fato, o homem é um ser coletivo, dependente de outros para garantir o
próprio bem-estar e o bom nível de vida, mas o modo como as relações de trabalho
se profissionalizaram e a existência de um salário específico para tais ações
permitiu com que, ao se atenuar as forças das relações interpessoais, houvesse
também uma tendência ao individualismo. Sendo uma ação pessoal e peculiar, a
ação de luxo provoca a ira e desconfiança daqueles que não podem realizá-la, uma
questão bastante complexa por sinal.
Mas hoje é necessário revisar essa visão que estigmatiza e critica sem
piedade a relação entre consumo, prazer e desejo. O mercado de luxo, na
realidade, propõe estes 3 fatores numa única circunstância, envolvendo a
necessidade de se comprar algo, o desejo que aquele item despertou anteriormente
129
e o prazer referente não apenas à compra, mas também ao uso, uma satisfação
particular, que é apenas exibida aos outros. Logo, a crítica ao consumo de luxo,
bem como ele se constrói como prazer e desejo, não deveria ser a que existe num
instante atual, pois que esta crítica realmente se configure se requer que haja uma
predominância comportamental ou então que se ocupe/ instale como “sentido de
vida”, como um discurso vivencial que dá unidade e projeção a uma existência.
3.4 O consumo como tipo de desejo
De acordo com Moulian, nas sociedades modernas, podemos encontrar três
figuras ético-culturais arquetípicas: o da asceta, a do hedonista e a do estóico. Para
o asceta o “sentido da vida” ou a direção de seu projeto existencial é realizar
objetivos transcendentes, através de uma negação de si mesmo, a qual envolve a
negação dos outros, na medida em que a finalidade o exija. O asceta busca a
salvação. No extremo contrário se localiza o hedonista. Este responde ao
chamado dos prazeres. Para esta figura arquetípica o desejo não constitui em si
mesmo um gozo, visto que encontra sentido na consumação, portanto, se
tranqüiliza exclusivamente na realização vertiginosa na voracidade. Em meio a
essas figuras opostas se localiza a que nos interessa reivindicar. É a figura do
estóico. Para este, o desejo está no centro do existir. A arte de viver consiste na
economia e administração do desejo em função da realização do eu através do
vínculo social, seja os nossos.
Como estas sociedades capitalistas necessitam de consumidores ávidos,
elas buscam instalar o consumo como uma necessidade interior. Isso constitui uma
hipertrofia do consumo, significa sua transformação em um motivo essencial, cuja
privação faria desmoronar o projeto vital. Para Moulian, o consumo, ao passo que
se torna mais presente e favorece para que várias necessidades materiais se
130
tornem possíveis de serem satisfeitas, indica que necessidade de se controlar
diante das possibilidades diversas de satisfação, pois existem seres que crêem que
a idéia, a única idéia possível, é a posse”, ou melhor, o consumismo exacerbado.
A sociedade de consumo, na qual estamos cotidianamente imersos, tem
como base de suas alegações a promessa de satisfazer os desejos humanos em
um grau que nenhuma sociedade do passado pôde alcançar (mais por limitações
técnicas do que qualquer outra coisa), ou mesmo sonhar, mas a promessa de
satisfação permanece sedutora enquanto o desejo continua insatisfeito; mais
importante ainda, quando o cliente não está “plenamente satisfeito” – ou seja,
enquanto não se acredita que os desejos que motivaram e colocaram em
movimento a busca da satisfação e estimularam experimentos consumistas tenham
sido verdadeira e totalmente realizados.
3.4.1 O mecanismo de funcionamento da insatisfação
A “insatisfação” está sempre programada para ocorrer, independentemente
de o produto ser de consumo popular ou de luxo. Isso se dá porque, ao passo que a
pessoa não está plenamente satisfeita com aquilo que possui, passa a dar atenção
às novidades que surgem, culminando em uma nova compra.
Os produtos, por uma lógica industrial, saem para o mercado com seus
fabricantes possuindo diversas tecnologias novas em desenvolvimento ou até em
uso, mas não o comercializam num primeiro momento, pois precisam financiar todo
processo por meio da redução de custo inerente às tecnologias mais antigas. Ou
seja, os produtos são fabricados com uma validade programada,
independentemente de serem duráveis, o com uma data específica como um
queijo ou pão de forma, pois tal processo ocorre de um modo mais aberto. Por
exemplo, pessoas que no Brasil possuíam celulares com tecnologia de transmissão
131
132
TDMA até 10 anos atrás em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro logo tiveram
que se desfazer dos aparelhos de modo forçado pela migração das companhias
para sistemas digitais, bem como a rendição às facilidades do chip das diferentes
operadoras que atuam no cenário nacional. Infelizmente, a sociedade de consumo
torna os objetos de consumo efêmeros com o passar das tecnologias, das técnicas,
bem longe das discussões sobre patentes e direitos de exclusividade industrial.
A sociedade de consumo prospera enquanto consegue tornar a não-
satisfação de seus membros (e assim, em seus próprios termos, a infelicidade
deles). O indivíduo, infeliz por estar fora de moda ou ter um item completamente
desatualizado a seu serviço (salvos os casos onde tal ocorre por pura
excentricidade do usuário), se torna infeliz com aquilo que possui, passando a se
esforçar para uma substituição que venha a garantir a própria felicidade com aquilo
que se tem. Por exemplo, não basta a pessoa ter um carro que possa conduzir para
onde desejar, mas ele precisa ser novo, estar em boas condições, limpo e sem
qualquer avaria por colisão ou sinais do tempo.
Na atmosfera do luxo, o fenômeno que aflige os produtos tamm ocorre
numa freqüência enorme. Itens hoje caríssimos e cujo acesso é extremamente
restrito, num dado momento, a partir do momento que o se tornando obsoletos
vão barateando aos poucos até que se tornam populares, principalmente itens de
vestuário e eletrodomésticos. De uma hora para outra, uma coleção inteira de
roupas pode sair de moda, por exemplo, causando uma crise no consumidor que
precisa de novas roupas para seguir uma tendência geral e se manter atualizado,
enquanto lhe falta algo essencial: espaço no guarda-roupa.
Em termos de produção industrial, os consumidores de tecnologias
inovadoras, denominados “early buyers”, em um português não tão fiel
132
“compradores iniciais”, já são previstos como financiadores do lançamento das
grandes tecnologias atuais. Ao mesmo tempo, numa atmosfera de exclusividade da
qual os consumidores do luxo querem para com seus produtos, a popularização
pode constituir uma ameaça, uma condenação ao lugar comum, sendo vital então a
substituição por outro item de alta tecnologia tal qual se tem como top de mercado,
num processo constante de atualização de consumo.
3.4.2 Moulian e a “sociedade do engano”
Não muito difícil seria, segundo Thomás Moulian (1998), afirmar que estamos
numa Economia do engano” ou então “economia das emoções consumistas. A
economia do engano, no caso, se refere ao fato do consumidor sempre ter a
sensação de estar up to date com seus produtos, atualizado em relação aos pares,
mas dentro de pouco tempo estar completamente desatualizado, gerando uma
necessidade de compra sem consistência, já que os princípios de uso básicos estão
plenamente atendidos. A pessoa está sempre sendo enganada, iludida, como se
estivesse sempre atual, e não está, pois é apenas um estado de espírito
momentâneo, ou melhor, passageiro. Enquanto que, no caso da economia das
emoções consumistas, a pessoa sempre está impelida a correr atrás de algo que a
deixe à frente das demais, como se uma série de circunstâncias da experiência
vivencial dependesse não daquilo que o indivíduo é, mas principalmente daquilo que
ele tem ou pode ter, pura e simplesmente determinada por padrões de consumo
pré-determinados, pré-fabricados numa falsa atmosfera de inserção.
3.4.3 Aprendendo a consumir
As pessoas desde cedo são educadas para gerarem não apenas
expectativas sobre si e sobre circunstâncias vivenciais, mas sobre aquilo que
133
conseguem ou não consumir. Chega-se, sem dificuldade, à valorização maior
daquilo que não se pode consumir do que aquilo que se tem. Numa sociedade de
consumo funcionando de forma adequada como a atual, numa base de lógica
capitalista, as expectativas em relação ao consumo devem estar em crescimento
constante.
A instalação da tendência aquisitiva é uma operação cultural, necessária para
realizar a acumulação nas sociedades capitalistas com grande capacidade
produtiva, a nível interno ou em nível de sistema. As falhas nesse processo
ocasionam sérias crises econômicas, como a de 1929, por exemplo. Para tal,
visando à própria sustentação do Estado, existem diversas políticas de incentivo à
produção e ao consumo, para que o dinheiro gire e a economia circule, pois sem
isso o próprio Estado míngua com um aumento do desemprego, da violência, da
dependência estatal e, ao mesmo tempo, com uma queda exponencial na
arrecadação de impostos. A atmosfera cultural, os valores traçados desde a família
e da escola, tanto como a propaganda e as estratégias de comercialização, atentam
a esse espírito aquisitivo, para que o próprio sistema funcione.
Tanto a propaganda como o discurso ideológico da modernidade convidam
as pessoas a consumir. A publicidade seduz, glorifica os produtos, exalta as
oportunidades trazidas pela mera ação de compra. A ideologia implícita explica a
moralidade de consumir e o apresenta como um ato pleno da modernidade, que
constitui o acesso a felicidade da época, conforto e entretenimento.
Para Bauman, a lógica de mercado pode ser totalmente explicada a partir da
relação intrínseca entre o indivíduo e seus desejos, um fenômeno que pode mais
facilmente ser compreendido em premissas. Primeira premissa: o destino final de
toda a mercadoria colocada à venda é ser consumida por compradores. Segunda
134
premissa: os compradores desejarão obter mercadorias para consumo se, e apenas
se, consumi-las for algo que prometa satisfazer seus desejos. Terceira premissa: o
preço que o potencial consumidor em busca de satisfação está preparado para
pagar pelas mercadorias em oferta dependerá da credibilidade dessa promessa e
da intensidade desses desejos. (BAUMAN, Zygmunt; 2007)
3.5 A construção hedonista do mundo
Esse capitalismo dotado de uma gigantesca capacidade produtiva necessita
instalar nas subjetividades o consumo como desejo. Isso porque o indivíduo que
não deseja, não consome nada além daquilo que lhe é necessário à própria
sobrevivência, ou seja, torna uma infinidade de produtos elementos meramente
figurativos, o que é uma ameaça à manutenção da economia e da circulação
monetária.
O desejo está no centro de uma cultura do consumismo, do consumo
vertiginoso, que proporciona gozo instantâneo, mas compromete gravemente o
futuro. Há uma complexa rede de instituições instaladas que permitem realizar
esses impulsos pessoais internalizados: os shoppings, as grandes lojas, os
sistemas de crédito, etc. O terreno da cultura promove uma imagem hedonista do
mundo, que provém de uma fonte principal, a ideologia em si, expressada tamm
na propaganda e na televisão. Segundo Moulian, trata-se de um discurso que nos
diz, primeiro, que já temos realizado os esforços necessários para poder compensar
o ascetismo do trabalho com os prazeres do consumo. A modernidade nos permite
consumir sem remorso e sem perigo, o que é mais importante, pois este é um
processo completamente corriqueiro.
Por sua vez, a propaganda crê e reproduz em escala ampliada o desejo da
aquisição vertiginosa, visando atrair novos e potenciais clientes. Espalha diante de
135
nossos olhos o deleite proporcionado pelos objetos e dos serviços, tudo encenado
em meio à beleza e ao conforto. A realidade da publicidade nada mais é do que
uma construção, que visa criar uma atmosfera de utilização dos produtos condizente
com a realidade dos desejos do consumidor em potencial, levando-o a refletir e
consumir. A publicidade, por si só, trabalha com a ordem do consumidor soberano,
ou seja, coloca-o à frente de tudo, criando uma comunicação especialmente
preparada para cada nicho atendido, o que realmente se correlaciona com os
resultados.
O desenvolvimento e expansão de uma matriz cultural individualista são
reconhecidos atualmente nos países de terceiro mundo como uma herança das
ditaduras militares e de outros processos de construção de um capitalismo
neoliberal, cuja estrutura muitos críticos apontam como parcial favorável aos países
já fortes e influentes no cenário mundial. Essa opinião surge porque, apesar do
endividamento estatal, os governos militares investiram muito em industrialização e
montagem de um parque industrial sólido, produzindo para mercado interno,
visando satisfazer necessidades reprimidas e vendendo a idéia do querer sempre
mais.
O hedonismo no luxo surge, de fato, a partir do momento em que os
indivíduos podem se dar ao prazer de consumir artigos seletos sem se preocupar
com nada além daquele prazer que o consumo permite, de fazer uso de algo que
nem todos podem ter, comprar. A idéia de não agir com minimalismo e sim de
acordo com algo que permita um prazer claro pela sofisticação pode parecer desde
já um hedonismo, mas este sim pode ser considerado a partir do momento em
que, no geral, o portador fizer um uso como ostentação do artigo de luxo; caso seja
um comprador que faça compras vez ou outra e opte por uma marca de luxo por
136
questões técnicas que lhe permitam um uso ou uma experiência, mas adequada às
suas necessidades, tal conceito não pode ser corretamente aplicado.
3.6 Capitalismo e desperdício
Por desperdício, entende-se como despesa inútil e censurável ou
esbanjamento, perda. De qualquer modo, uma conotação ruim por trás da
palavra, pois é oriunda de um excesso desmensurado. Ou seja, todo desperdício,
traz por si só uma forma de ser controlado, desde que a forma de uso seja
consciente e adequada, para o que quer que seja.
O desperdício, segundo Thomás Moulian, opera como a lógica global do
capitalismo. Esta se realiza de duas formas:
a) como sobreoferta, portanto, como um gasto social inútil;
b) como consumo excessivo de alguns indivíduos à custa da fome dos
demais.
3.6.1 Os efeitos globais dos desperdícios de nosso tempo
O primeiro efeito global tem lugar como conseqüência da cegueira do
mercado ou seu disfarce temporal na atribuição dos recursos. Isso quer dizer que o
mercado, com sua velocidade de inovação constante, se esquece que as matérias-
primas sicas para o seu desenvolvimento são totalmente não renováveis. Isso
implica dizer que aqueles recursos utilizados na produção específica de um produto
hoje são os mesmos que deixarão de ser usados num futuro próximo, a menos que
seja reciclado. Alguns especialistas, por causa deste comportamento do mercado,
apontam que num futuro não muito distante as maiores minas de recursos para
137
137
produção não terão o formato atual, mas sim estarão espalhadas nos grandes
lixões, reservas intermináveis de coisas úteis em meio ao que antes não serviria
para absolutamente nada.
O segundo efeito requer que exista, em cada indivíduo, a escravização pelo
consumo como desejo. Isso quer dizer que, neste caso, algumas pessoas sofrem de
uma imersão no prazer proporcionado pelo consumo que, neste caso, tranca o olhar
para outra realidade difícil e problemática, que muitas vezes convive logo ao lado.
Em alguns casos, luxo e miséria convivem num mesmo ambiente, divididos por
apenas, e somente, uma parede. Fortes sistemas de segurança impedem que os
riscos daquela pobreza ao lado surpreendam a todos os abastados, por meio da
violência. Uma das irracionalidades mais visíveis do atual sistema de acumulação é
a combinação do consumo mais sofisticado com a fome, as residências insalubres,
a ausência de quase toda a modernidade para administrar a vida cotidiana. A
informalidade cada vez maior nos contatos entre as pessoas é o que, aos poucos,
fez com que se criasse um biombo que blinda a visão daquilo que não se é
favorável, daquilo que não é agradável, onde o se preocupar consigo mesmo
predomina sobre o ajudar ao próximo. Se ao invés de comprar um produto a preços
Premium se ajudasse outra pessoa com fome e sem casa, com este procedimento
trazendo maior prazer individual, com certeza veríamos mais ações altruístas
acontecendo diariamente, num mundo bem mais igualitário, porém não é isso que
ocorre.
138
138
Desigualdades sociais evidentes do Brasil: bairro do Morumbi e favela de
Paraisópolis, São Paulo- SP
Fig. 7 www.rc.unesp.br (2009)
Os objetos desvalorizados, apesar da durabilidade, num dado momento são
vitimas de uma cultura que iguala o “velho” a “defasado”, ou seja, impróprio para
continuar sendo utilizado e destinado à lata de lixo. A sociedade de consumidores é,
segundo Bauman, impensável sem uma florescente indústria de remoção do lixo.
Não se espera dos consumidores que jurem lealdade aos objetos que obtêm com a
intenção de consumir”. (ZYGMUNT, Bauman; 2007)
Uma resposta por outra lógica seria dizer que o desperdício seria fruto de
uma preocupação demasiada com o abastecimento individual dos consumidores,
onde as indústrias poderiam se dedicar a satisfazer as enormes necessidades de
consumo insatisfeitas. Porém, quando se analisa a situação de perto, vemos que a
história daquilo que realmente ocorre é bastante diferente.
139
3.6.2 O ciclo de vida dos produtos
Os bens, em geral, têm um ciclo de vida: chega um momento em que não
podem cumprir suas funções originais adequadamente, perdem vigência como
objetos úteis ou se deterioram de uma maneira parcial ou global. Quando esse
último ocorre, o objeto perde de uma maneira absoluta ou relativa, seu valor de uso.
Deve ser então substituído ou reposto, porque sua ausência é sentida como
diminuição do conforto alcançado previamente.
A troca de uma mercadoria defeituosa, ou apenas imperfeita e não
plenamente satisfatória, por uma nova e aperfeiçoada. A curta expectativa de vida
de um produto na prática e na utilidade proclamada está incluída na estratégia de
marketing e no cálculo de lucros: tende a ser preconcebida, prescrita e instilada nas
práticas dos consumidores mediante a apoteose das novas ofertas (de hoje) e a
difamação das antigas (de ontem). (ZYGMUNT, Bauman; 2007)
Então porque não orientar essa capacidade produtiva ciclicamente
prejudicada a fazer possível uma vida digna para os que o têm quase nada? A
economia capitalista está movida pela obsessão da maior ganância e não pela
lógica da necessidade. Entre a finalidade de cobrir para todos um consumo mínimo
necessário e de permitir que cada um consuma segundo seu dinheiro, o sistema
capitalista opta pela segunda.
A própria reprodução da estrutura produtiva do capitalismo requer a
desigualdade de acesso ao consumo. Esta é uma condição para que se perpetue a
modalidade de divisão do trabalho.
Mas, além disso, esse sistema necessita estimular a expansão de certos
consumos em todos os setores sociais com dinheiro ou minimamente confiáveis
como clientes creditícios. Trata-se de um capitalismo sedutor, que intenta persuadir
140
a necessidade do consumo, no ritmo de suas necessidades de realização das
mercadorias.
O sistema necessita de uma constante expansão do consumo. Analisaremos
duas de suas múltiplas lógicas: a do desgaste e a da inovação.
Mas os objetos do conforto o são vulneráveis a perda absoluta de seu
valor de uso, tamm é da perda relativa. Mesmo assim, ser vítimas do desgaste,
pode ser superado por novas tecnologias ou desenhos podem ser esquecidos pela
moda. O importante para nós, é que os tipos de mudança produzem efeitos
expansivos ou multiplicadores do consumo.
3.7 A Fetichização do Dinheiro
Por dinheiro, tem-se por definição como mercadoria (em geral representada
por dulas e moedas) que tem curso oficial, e cujo valor é estabelecido como
equivalente que permite a troca por outra(s) mercadoria(s), de cujo valor
comparativo é a medida.
O dinheiro, na realidade, é um elo comercial que une pessoas ao redor de um
mesmo fim. Mais a fundo, podemos considerar o dinheiro atualmente como,
sobretudo, um ato de , onde desde cedo aprendemos a operar e nos inserir
adequadamente em transações muitas vezes voláteis. É inconcebível não deixar de
pensar que trocamos a todo instante, pedaços de papel por produtos, pois
convencionalmente todos aceitam aquele papel como uma forma efetiva de unidade
de valor. O comprador acredita que aquele pedaço de papel é capaz de trazer para
si algo desejado e proporcionar experiências, satisfazendo desejos; do outro lado, o
vendedor confia que naquele pedaço de papel está um valor satisfatório para aquilo
que está comercializando. O nível de abstração do dinheiro, na era digital, hoje
permite transações por cartão de crédito ou até pela internet, onde até a função da
141
nota como suporte de uma mensagem de valor se esvai diante de tecnologias
financeiras específicas.
Ao ocorrer o processo de arrebatamento pelo consumo, o dinheiro possuído
se torna meio que faz possível a aquisição, a ação de compra e posterior satisfação,
se transformando tamm em objeto de grande desejo. O dinheiro abre caminhos a
partir do momento em que seu estado bruto nas mãos do consumidor permite uma
série de ações a partir de possibilidades realizáveis dentro de seus limites. Por ser o
consumo um instrumento de prazer, o dinheiro tamm se torna. Logo, muitas
disputas e inimizades surgem a partir desse interesse pela acumulação, mesmo
entre parentes diretos. Pode-se dizer, sem correr o risco de leviano, que o dinheiro
se faz poder, identidade e felicidade, conforme os pensamentos do próprio pensador
Thomas Moulian. Embora o clichê “dinheiro não traz felicidade” seja muito recitado,
não se encontra totalmente certo, pois a felicidade é um sentimento relativo
constituído de muitas variáveis, da qual o dinheiro pode contribuir e muito para que
se chegue a um nível satisfatório.
O dinheiro se fetichiza como potência, se torna um prazer, pois permite
realizar os sonhos mais diversos: a casa própria, a viagem pelo mundo, o carro
novo, a cabana sobre as rochas, etc.. Logo, ter bastante dinheiro se torna um prazer
intenso mais pela sensação agradável de poder que oferece do que qualquer outra
coisa.
Em se tratando da questão da identidade, numa cultura onde o ser se
convertido em tributário do ter, o dinheiro define as pessoas muito mais que seus
conhecimentos intelectuais ou suas virtudes morais. Nessas sociedades, o mérito se
mede crescentemente pelo dinheiro, o prestígio se organiza em torno a ele, a auto-
estima se vincula a essa potência.
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O “aburguesamentoda cultura tem produzido um empobrecimento da idéia
de felicidade. Esta é definida como simples alargamento material, como crescimento
de oportunidades que é possível conseguir. Algo que se compra, adquire e que se
concreta no conforto ou na distração. A felicidade não é o produto da realização
transcendental na fé, no amor, na paixão, na luta por causas, no saber ou na
bondade.
Podemos distinguir duas funções do dinheiro: a de auto-reprodução e a de
gasto. No primeiro caso, o dinheiro serve como intervenção destinada a produzir
mais dinheiro (investimento em ações, compra de imóveis para aluguel e revenda,
empréstimos a juros, etc.). No segundo caso, o dinheiro é puro presente, pois veio
de modo fácil; muda de mão, desaparece e fica como vestígio, ou intermédia a
materialidade dos objetos ou a imaterialidade dos serviços.
A idéia de que a potência está no dinheiro produz no homem a exarcebação
inconsciente da genialidade, já que o dinheiro é uma prótese perfeita para os
insucessos e insatisfações do membro fálico masculino. A genialidade, considerada
uma forma incompleta e externa da sexualidade, encontra no dinheiro um
maravilhoso auxílio. No caso da mulher, o dinheiro ampara, pois lhe permite a
satisfação por uma série de outros itens que não o sexo ou a companhia de um bom
parceiro.
3.8 As Instituições de Facilitação do Consumo
As essas induções e seduções ficariam entravadas se não houvesse uma
poderosa estrutura de facilitação do consumo. Trata-se daquilo que se denomina
cadeia do crédito, formada por múltiplas instituições, compondo uma rede de
incentivo à ação de compra por parte dos consumidores mais ávidos. Essa forma de
acesso ao crédito permite a instantaneidade do consumo, o que para o cliente é a
rápida realização do desejo. Em espanhol, a palavra crédito se relaciona com
reputação e dar crédito significa tanto o ato de conceder um favor como o ato de dar
credibilidade a alguém.
Crédito nada mais é do que a confiança do vendedor para com seus
consumidores, substituindo a velha caderneta e a famosa “venda fiada”. A
necessidade de abrir mãos da liquidez instantânea e de aceitar o risco do
pagamento em cotas é compensada pela velocidade e também pela escala de
compras realizadas, originadas pela própria expansão do mercado. O comerciante
em crédito, num primeiro momento, abre uma exceção e não recebe a totalidade do
valor de um produto nas mãos, porém ganha no volume de vendas realizadas,
fazendo com que bons resultados surjam ao fechar dos balanços mensais. O
dispositivo de facilitação do consumo opera como um potente mecanismo de
integração social, que pega em suas redes uma parte importante da população ativa
e faz com que o dinheiro circule pela economia.
Há de se partir do princípio de que nem todos estão com 100% do dinheiro de
um produto em mãos no ato de uma compra, ou então gastá-lo de uma vez pode
trazer sérias conseqüências ao final do balanço pessoal mensal. Por isso, o crédito
surge como um facilitador no processo de compra, permitindo um pagamento
prolongado apesar do uso imediato do item.
Levando-se em conta que nem todos os comerciantes têm capacidade
financeira para arcar com operações de crédito, surgiram instituições especializadas
nesse tipo de intermediação, em sua imensa maioria ligadas a cartões. Essas
instituições, por si só, cobram taxas e comissões dos comerciantes e altos juros de
seus usuários, chegando a enormes lucros. Com o passar do tempo, as pessoas
passam a ver maiores vantagens no parcelamento do que no próprio pagamento a
144
vista. De fato, quando se diz nos noticiários econômicos que é melhor se comprar a
vista um determinado produto, se comete uma falha importante, pois a regra não
pode ser aplicada a tudo (como por exemplo, os pagamentos parcelados sem juros),
cabendo ao indivíduo mensurar antes da compra no modo como pretende pagar
tudo que consumiu. Na realidade, ministros da Fazenda e outros das altas cúpulas
da gestão estatal pretendem difundir a idéia de que, em aspectos gerais, pagar a
vista é melhor, porém é para evitar e controlar da melhor forma possível um
endividamento maior na população (dívida interna), o que pode gerar problemas
graves em caso de crises ou recessões.
A existência do crédito massivo como estrutura de facilitação, implica, como
contrapartida, o desenvolvimento de estruturas de classificação e controle dos
clientes, as quais constituem instituições de vigilância. Desse modo, surgiram
instituições no Brasil SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito), SERASA
(Centralização dos Serviços de Bancos S/A), entre outras variações espalhadas por
diversos estados do Brasil.
Para que os mecanismos de facilitação possam operar, o consumidor deve
estar disposto a aceitá-lo, o que não é muito difícil, já que se quiser trabalhar com as
facilidades dos parcelamentos, terá de a princípio de “engolir” toda esfera de
responsabilidades caso não cumpra o que foi acordado, por qualquer razão que
venha a se configurar. Logo, a questão o é de simplesmente ou não aceitar o
sistema, mas sim de assimilar aquilo que obrigatoriamente é imposto.
Para que a facilitação creditícia funcione, todos os clientes estão convidados,
sem sequer serem consultados, a aceitar a publicidade e a circulação plena de seus
informes. São veiculações constantes, que atinge o indivíduo desprevenido
diversas vezes por dia, chegando a situações mais agressivas, como a
145
comunicação visual de lojas que se mistura com o mobiliário urbano produzindo a
tão comentada e combatida poluição visual.
Anúncios de instituições de crédito na esquina da Av. Paulista com Consolação (antes de
vigorar a lei Cidade Limpa)
Figura. 8 www.sptrans.com.br (2002)
Os clientes de todos os extratos devem ser controlados e classificados, mas
devem ter-se um cuidado especial com certo tipo de assalariados, aqueles que m
postos temporários e profissões autônomas. Estes postos são vistos com
desconfiança por não terem a garantia de um salário fixo ao final do mês, uma
garantia de que pagaram tudo aquilo que consomem num estágio atual. É muito
complicado provar que se é possível comprar a crédito mesmo como uma função de
ganho “irregular”, o que leva muitas pessoas atuantes nestas funções a terem sérias
dificuldades de adquirir produtos de maior valor como casas e carros, por exemplo.
Até mesmo no luxo existe compra a crédito. Afinal de contas, mesmo que
pela visão do luxo clássico as consumidoras tenham que pagar a vista, hoje isto não
é mais necessário. Os cheques deram lugar muito tempo aos cartões de bito-
crédito quase ilimitados, que permite aos consumidores dividir o valor das compras
nos meses subseqüentes. Isso tem duas implicações importantes; a primeira, por
parte do lojista, é que as mercadorias passam a circular muito mais rápido,
146
aumentando ainda o público consumidor a partir de uma facilidade de arrebatar um
consumidor um pouco menos abastado, mas não menos interessado num item
muito superior ao que se pode gastar naquele momento, além de permitir a todos
um aumento do ticket médio, ou seja, facilitar com que o consumidor compre mais,
recebendo à vista da operadora, que por sua vez ganha comissão e recebe juros
decorrentes do parcelamento. Por parte do consumidor, além de comprar mais, ele
pode manter o dinheiro em conta rendendo por mais tempo ou mesmo aguardar
com que ele entre na conta, sem a necessidade de quitar nada em espécie.
O crédito acabou com o luxo? Com certeza não. Embora tenha tornado os
pagamentos menos glamorosos, o valor real das compras está no uso, na esfera do
ter, e não na esfera do pagar. Então parcelar um bracelete não é algo ultrajante.
3.8.1 Para comprar, é preciso pagar
Além destas instituições de classificação e vigilância existem os aparatos
especializados de cobrança que se encarregam dos infratores”. Eles utilizam as
modalidades mais diversas de cobrança. O devedor é geralmente separado da
comunidade de clientes confiáveis, cadastrado a partir do próprio nome e mero
dos documentos em vários cadastros e, ainda, recebe o estigma de ser classificado
como “caloteiro”.
O crédito estava no passado sempre vinculado a uma relação pessoal,
baseada na confiança na moralidade e na honra de quem o recebeu. A
massificação faz com que a confiança deixasse de constituir um laço moral entre
cavaleiros, convertendo-se em uma probabilidade estatística de pagar ou não pagar
(fórmulas matemáticas mirabolantes de uso de contabilistas e atuários). O
consumidor perdeu a referência do consumidor, pois ali passou a existir apenas
147
uma loja, uma marca e um funcionário treinado para atendê-lo assim como a todos
os ali presentes. Para o sistema de crédito, existem 2 tipos de párias: o moroso e o
insolvente.
O controle do sistema de crédito tem capacidade de esquecer o ocorrido, se
o moroso faz um esforço de disciplina, renegocia suas dívidas e as paga sem falar
mal ou reclamar das circunstâncias da vida que o levaram a tal situação. O
insolvente, ao contrário, é o pária absoluto, encarado como sem recuperação.
Porém, estes rias estão expostos ao espetáculo de riqueza e as ilusões de
modernidade que fazem parte de nossa sociedade de consumo. Ao ligar a televisão,
por exemplo, que é uma rede que une uns com os outros, observam o desfile
esplendoroso de bens oferecidos por meio das publicidades se a possibilidade de
adquirí-los a menos que pague a vista.
Nas sociedades ocidentais, onde parece predominar a lógica do mérito, o
ponto de partida da vida econômico-social por si impede que os pobres estejam
habilitados para competir num mundo repleto de consumo tão estruturado, estando
sempre sob o olhar atento dos credores, que não conseguem ter sobre eles o
mínimo de confiança para que as transações ocorram de modo convencional.
O consumidor de luxo que não paga suas contas passa pelas mesmas
circunstâncias e percalços do consumidor comum insolvente, porém passa a sofrer
uma segregação muito mais grave, a do meio de luxo. Se for uma personalidade
então, esta simples mazela passa a ser manchete de jornais e revistas sociais,
algumas até sensacionalistas. Embora no mercado de luxo sejam raros os calotes,
quando ocorrem ficam notórios. Ou seja, é melhor deixar de comprar do que
comprar e não pagar, pois os danos à imagem pessoal certamente são bem
menores.
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148
3.9 Desvalorização do trabalho e sobrevalorização do consumo
Por trabalho, entende-se tal termo como o exercício intelectual ou material
para se conseguir alguma coisa, uma ação humana em busca de um objetivo
almejado; sinimo de esforço, labutação, lida ou luta. Em termos de psicologia,
trabalho se caracteriza por um tipo de ação da qual o homem atua de acordo com
certas normas sociais sobre uma matéria a fim de transformá-la. Para física,
trabalho é o esforço necessário para se vencer uma resistência. Independentemente
da área onde se o termo exposto, trabalho pressupõe três elementos básicos,
como se fosse um tripé: ação, esforço e transformação.
A desvalorização do trabalho, como forma criativa da atividade humana se
desenvolver e se aprimorar, teve sua origem inicial no sistema fabril (Revolução
Industrial) e especialmente no desmensuramento do trabalho gerado pela
introdução do Taylorismo e, mais em geral, dos chamados sistemas Fordistas de
gestão. O Taylorismo pressupõe a separação entre a parte produtiva e administra o
que inicia um processo de segregação dos funcionários por competências, ao passo
que o Fordismo, ao segmentar o trabalho por operações, aumentou a produtividade
em detrimento de um enfraquecimento no conhecimento produtivo dos funcionários,
uma vez que não tinham o pleno domínio do conjunto das operações para produzir
o item final. Por exemplo, o funcionário que fazia algumas soldas não tinha
conhecimento técnico para produzir o carro ao final da linha, embora seu trabalho
esteja totalmente contemplado lá. Ao fim de uma cadeia, o trabalhador fica refém de
sua própria função, pois não consegue sua independência para produzir sozinho,
bem como não consegue se estruturar para dar um passo am e se firmar.
Taylorismo, ou administração científica, é o modelo de administração
desenvolvido pelo engenheiro estadunidense Frederick Winslow Taylor (1856-1915),
que é considerado o pai da administração científica. Caracteriza-se pela ênfase total
149
nas tarefas, objetivando aumentar a eficiência da empresa a partir da ampliação da
eficiência em nivel operacional. De outro ponto, numa perspectiva aplicada,
idealizado pelo empresário estadunidense Henry Ford (1863-1947), fundador da
Ford Motor Company, o Fordismo é um modelo de produção em massa que
revolucionou a indústria automobilística na primeira metade do culo XX. Ford
utilizou à risca os princípios de padronização e simplificação de Frederick Taylor e
desenvolveu outras técnicas avançadas para a época. Suas fábricas adotavam por
sinal uma estrutura produtiva totalmente verticalizada, onde a própria empresa
dominava o fornecimento de matérias-primas para suas fábricas, reduzindo custos e
controlando processos e padrões de qualidade. Ford possuia desde fábricas de
vidros a plantações de seringueiras no Brasil, incluindo até uma siderúrgica para lhe
fornecer aço e outros metais da qual necessitava.
O trabalho se converte na repetição extenuante do mesmo movimento,
realizado infinitas vezes, num lapso de tempo pré-determinado e imposto pela lógica
da série.
A cultura consumista atual de certo modo escraviza o indivíduo pelo fetiche
proporcionado pelos objetos e porque impulsiona a privatização das vidas. Isso
ocorre porque, para adquirir os produtos da qual se deseja, é preciso dinheiro e para
se obter o dinheiro, é preciso trabalhar. Com uma oferta cada vez mais ampla de
produtos variados e desejos cada vez mais intensos, o indivíduo se submete a
situações desgastantes e tensas no mercado, apela impossibilidade de pensar
em algo próprio. Ou seja, para adquirir aquilo que necessita para garantir a
sobrevivência, o indivíduo precisa trabalhar e vender sua força produtiva ao
mercado. Num processo amplo, a cada venda de potencial de trabalho em busca
de produtos, mais e mais pessoas consomem itens produzidos em outras empresas,
150
até em outros países. De certo modo, as empresas se posicionam de um lado do
mercado de trabalho como consumidoras de mão de obra e isso faz com que
barganhem, por exemplo, salários e condições adequadas para o trabalhador
exercer sua função dentro daquilo que seria o ideal, o que traz mais retorno (dentro
do pensamento da boa e velha teoria da “Mais Valia” de Marx). Isso faz com que o
indivíduo seja privatizado, porque se por um lado ele obtém o dinheiro, por outro ele
precisa bancar a própria existência e consumir, havendo uma troca, um retorno
entre todos que se inserem num mercado de trabalho. As empresas, literalmente,
escravizam o funcionário, que delas precisam para se manter.
A desvalorização do trabalho é produzida pela modificação das relações
sociais constantes e a instalação de um total do trabalho ao capital. Isso quer dizer
que o trabalho, ao invés de ser um propósito para atingir um fim, virou apenas um
meio, apenas para obter dinheiro, ou seja, as pessoas se tornaram apêndices das
máquinas que antes operavam. A industrialização e a crescente substituição dos
postos de trabalho pelas máquinas levaram o homem a degradar aos poucos sua
própria condição de trabalhador, se submetendo a situações de grande esforço
físico e psicológico para garantir o próprio sustento. Com o desemprego batendo à
porta, segundo Moulian, as pessoas se imergem num mundo laboral praguejado de
incertezas e inseguranças, com o trabalhador submetido às coações disciplinares e
à vontade de chefes e patrões. Porém fica a dúvida sobre como solucionar esta
questão? Transferir para o mercado a tarefa de recomodificar o trabalho é o
significado mais profundo da conversão do Estado ao culto da “desregulamentação”
e da “privatização”. (BAUMAN, Zygmunt; 2007)
Neste caso, Bauman argumenta acima que o Estado está longe de ser um
agente regulamentador eficiente, pois adota uma postura extremamente empresarial
151
ao gerir suas próprias instituições. Logo, não como agir a favor de um
trabalhador da iniciativa privada a partir do momento que procura equiparar os
servidores públicos a eles. Assim, é preciso se criar outras instâncias para tal. Nem
os sindicatos servem, pois geralmente estão posicionados não em caráter neutro,
mas ou numa extremidade 100% empregados ou então na outra ponta, vinculados
aos interesses dos empregadores, servindo de engodo à classe profissional.
Quando se trata de luxo, muitos indivíduos acreditam que os consumidores
são na realidade “bon vivants” , alheios ao trabalho diário e da rotina estressante em
detrimento de uma vida cheia de regalias. Na realidade, esta idéia bastante
difundida se origina ainda na Idade Média, onde uma nobreza era 100% mantida
pelo poder real (ou seja, sustentada com seus luxos por meio de dinheiro público), e
depois se difundiu com o estilo de vida despojado dos burgueses que começaram a
se multiplicar. Isso, na realidade, não reflete a atual conjuntura do mercado de luxo,
muito mais desenvolvida e muito mais organizada, onde uma classe média usufrui
de suas qualidades técnicas de trabalho para obter ganhos e lucros, o que lhes
sustenta e permite algumas regalias, do gênero compras de itens mais sofisticados
por exemplo.
O uso do dinheiro obtido com o próprio trabalho é inerente não apenas à
atividade exercida, mas tamm ao repertório cultural do indivíduo, onde se exerce
por parte deste um livre arbítrio de optar ou não por um caminho na qual irá
dispender seu dinheiro. Ou seja, uma pessoa tem a liberdade de escolhe entre usar
R$ 20.000,00 que tem na conta para ações que vão desde investir em aplicações
rentáveis (dinheiro gerando mais dinheiro), até comprar um colar de pérolas numa
joalheria famosa.
152
Há cada vez mais uma classe trabalhadora bem sucedida consumindo o luxo,
não apenas por uma questão de gosto sofisticado que o salário permite desfrutar,
mas porque cada vez mais a rotina faz com que as pessoas relaxem e extravasem
suas frustrações e agonias do trabalho supridas com o consumo de artigos seletos,
para poucos. É quase como se a pessoa usasse o artigo de luxo como uma terapia
para seus problemas.
3.10 O Shopping e as catedrais do Consumo
Shopping Cidade Jardim, São Paulo SP
Fig. 9 www.belezza-pura.blogspot.com (2009)
A idéia principal ao se criar os Shoppings Centers, ou melhor, centros de
compras no bom português, era de reunir sob um mesmo espaço segurança e
facilidade ao se encontrar de tudo que é necessário em um único lugar, facilitando a
vida do consumidor, remetendo às tradicionais feiras realizadas na Idade Média
européia, realizadas nos burgos, antigos centros comerciais das cidades que se
formavam fora dos feudos.
Os shoppings, a começar pela arquitetura interna, produzem uma sensação
de desorientação, de perder o rumo, de ficar literalmente sem referências e de não
poder encontrar a porta de saída. Esta sensação é na realidade um instrumento
153
para que o consumidor se sinta mais a vontade no local e circule por uma infinidade
de lojas enquanto procura um item desejado, facilitando comparações e compras
por impulso. Entre as múltiplas significações do shopping, há uma que precisa
desde já ser enfatizada aqui: local como incitador de desejos.
Esse controle silencioso, mas eficiente, pode se considerar uma metáfora do
controle social, cada vez mais sofisticado, das sociedades que vivemos, hoje
norteado para o consumo. Não nos damos conta de que a sensação de
desorientação dentro de um shopping não é uma falha de construção ou
responsabilidade de nossa desatenção, mas sim de um projeto pensado para que
por isso passemos. Tudo é pensado para que se constitua um labirinto moderno,
onde sair é possível, mas demora tanto quanto encontrar uma loja específica. O
lugar está todo concebido para erotizar, atrair o olhar dos consumidores e
despertando necessidades de compra das mais diversas possíveis. Os objetos se
insinuam nas vitrines, se oferecem plenamente, parecem cobrar movimento e vida,
que só podem ser garantidos pelo comprador.
Loja da Daslu no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo-SP
Figura. 10 www.daslu.com.br
154
Os shoppings pertencem à ordem dos simulacros: produzem a idéia de um
paraíso generalizado do consumo. Isso porque em todos, independentemente da
classe social do público-alvo central, o foco é na demonstração da conveniência e
nas facilidades em se consumir, podendo encontrar tudo que se precisa num único
lugar, com toda comodidade que se pode conseguir.
Como é óbvio, o consumo de luxo é um verdadeiro paraíso para aqueles
cujos salários estão muito além da escassez. Por isso, no mundo todo, nos últimos
10 anos está ocorrendo mundialmente um boom na expansão das redes de lojas e
shoppings voltados à classe A. Apenas na cidade de São Paulo, fora as tradicionais
lojas situadas na região da rua Oscar Freire e do shopping Iguatemi, foram
inauguradas várias lojas voltadas ao consumo de luxo. Primeiramente, surgiu a Vila
Daslu, cuja proprietária Eliana Tranchesi teve como mega projeto a idéia de
expandir os negócios bem sucedidos de sua rede de lojas Vips. Posteriormente,
vieram o Shopping Bourbon, na Pompéia, o Cidade Jardim e várias outras lojas,
como por exemplo, a primeira revendedora oficial de carros da Lamborghini e outra
da Ferrari/Maserati, situada na Av. Brasil. Está prevista para 2010 em São Paulo a
inauguração de mais um shopping do gênero, o Vila Olímpia.
155
Loja da Ferrari/Maserati em São Paulo. Venda de carros e souvenirs da marca
Fig. 11 www.bondinho24horas.com (2009)
Nos shoppings, se gastam recursos sem considerar a miséria de milhões,
sem tomar conta os tremores que podem produzir a introdução do desejo de
consumir em seres que não podem satisfazer esse impulso. Isso porque geralmente
se situam em locais nobres e possuem sistemas de segurança que dificultam o
acesso daqueles que freqüentariam o local para trazer qualquer tipo de ameaça, a
mesmo ao olhar, daqueles que estão comprando. Além disso, o shopping é um
lugar de esquecimento, onde por um instante alguém sonha que é rico, comprando,
sendo atraído e tendo experiências de consumo específicas, apenas inerentes
àquele local.
No Brasil, o primeiro Shopping Center inaugurado foi o Iguatemi, em São
Paulo, no ano de 1966. Em 2008, este setor reunido no Brasil cresceu o equivalente
a 11,4% e faturou R$ 64,6 bilhões. Segundo dados da ABRASCE Associação
Brasileira de Shoppings Centers, o setor é responsável por 18,3% do mercado
varejista nacional, movimentando o equivalente a 2% do PIB (produto Interno Bruto)
156
nacional. Seguem abaixo alguns dados referentes à representatividade dos centros
de compras no cenário nacional.
Em oito anos (de 2000 a 2008), houve um aumento de quase 100 shoppings
no Brasil, o que é um avanço considerável em se tratando de um país
subdesenvolvido. No geral, 55% dos shoppings centers do Brasil se localizam no
principal lo consumidor do país: a região Sudeste. A região Norte, no caso, é a
menos promissora neste cenário, com apenas 3% dos estabelecimentos do país.
Isso caracteriza não apenas uma distorção populacional, como tamm uma
distorção no nível de renda e consumo da população; além disso, essas
diferenciações se transferem também no que tange a serviços públicos e qualidade
de vida.
157
Distribuição Geográfica de Shoppings Centers no Brasil por porcentagem
Fig. 12 ABRASCE (2009)
3.10.1 A KaDeWe
Loja da KaDeWe, na Alemanha
Fig. 13 www.kadewe.de (2009)
No mundo todo, diversas lojas do luxo se amontoam e oferecem toda uma
gama de artigos seletos com custo superior às pessoas mais interessadas. Na
Alemanha, por exemplo, a referência em comércio de artigos de luxo é a KaDeWe
(Kaufhaus des Westens), conhecida em toda Europa Central. A história desta loja
158
ébem parecida com a de muitas lojas do setor. Criada a partir de uma aventura do
comerciante Adolf Jandorf, a KaDeWe foi inaugurada em 1907, se tornando a maior
referência em vendas de artigos de luxo do país, possuindo departamentos que vão
desde roupas das marcas mais nobres do eixo França-Itália até frutas tropicais,
oferecendo uma grande gama de produtos e ao mesmo tempo padrões superiores
de serviços e atendimento. Diariamente, acessam o local em média 180.000
consumidores de diversas nacionalidades, se espalhando pelos 60.000m² de loja e
recebendo o atendimento privilegiado de mais de 2.000 funcionários treinados.
3.10.2 A Daslu
Loja Villa Daslu, em São Paulo - SP
Fig. 14 www.jornaldocidadao.com.br (2009)
159
Interior da loja Villa Daslu, em São Paulo - SP
Fig. 15 www.daslu.com.br (2009)
A loja paulistana Daslu nasceu em 1958, seguindo os mesmo moldes da
KaDeWe alemã, a partir do hall de amigos socialites de Lucia Piva de Albuquerque.
Era uma pequena, porém exclusiva e luxuosa butique, situada num sobrado no
bairro nobre central de Vila Nova Conceição. Ao se estabelecer, a loja trouxe essa
influência das grandes amigas e consumidoras dos produtos sofisticados que Lúcia
importava a partir de viagens e contatos, carregando isto no próprio nome, quase
uma manifestação identitária: Das Lu, ou seja, um ambiente das amigas de Lu,
como a dona era conhecida. Durante os anos 60 e 70, a Daslu se dedicava a vender
roupas e artigos de luxo diante da então incipiente indústria brasileira de moda. Os
diferenciais que fizeram o sucesso da Daslu foram a qualidade, a exclusividade dos
artigos, o atendimento personalizado e o altíssimo astral dos atendentes em um
ambiente único, tornando a loja uma espécie de clube private. Eliana Piva de
Albuquerque Tranchesi, filha de Lucia, assumiu o negócio da família no final da
década de 70, mas o verdadeiro boom aconteceu no início dos anos 90, em meio a
uma histórica crise no País. Recém-empossado, o presidente Fernando Collor,
confiscou dinheiro de todos os brasileiros enquanto declarava que iria abrir o País
para o mundo. Nesse momento de turbulência econômica, em vez de retrair, Eliana
160
decidiu expandir sua empresa, trazendo para o Brasil as mais importantes etiquetas
da moda internacional.
Hoje, a Daslu se estende pela moda (feminina, masculina e infantil),
decoração e artigos de alto luxo (joalheria, relojoaria, cosméticos, food & drink,
presentes, etc.).
3.10.3 Semelhanças entre KaDeWe e Daslu
Entre as duas lojas, KaDeWe e Daslu, existem diversas semelhanças.
Apesar da diferença de tempo de existência de ambas, além de atuarem em
mercados completamente diferentes, a loja brasileira se espelhou nos padrões de
qualidade em serviços e atendimento da alemã, além da constituição de uma
estrutura por departamentos. Modelo de sucesso, o modo de trabalhar da KaDeWe
é um padrão do que de melhor no comércio de artigos sofisticados, bem como a
gama de itens, a suntuasidade do prédio-sede, entre outras coisa. A administração
familiar tamm é outro caráter de ambas as lojas que merece realce.
3.10.3.1 As lojas KaDeWe e Daslu na Internet
Os sites das duas empresas são muito parecidos, seguindo a mesma linha
de diagramação, propondo um layout clean e bastante objetivo. Como prova disso,
segue abaixo o modo como ambos os sites são construídos, demonstrando a
semelhança decorrente.
É muito importante hoje se analisar os sites das empresas, não apenas em
termos físicos, como atendimento e conveniência de localização e arquitetura, mas
161
também a relação que estabelecem no meio virtual, que está em franco
crescimento, e que pode se tornar um instrumento de fidelização dos clientes a
partir do maior conhecimento da história, do portfólio e de todos os tipos de opções
de compra da qual a loja dispõe.
Site da KaDeWe
Fig. 16 www.kadewe.de (2009)
O site da KaDeWe apresenta navegação fácil e uma estruturação em boxes,
o que facilita a navegação e torna o acesso bastante objetivo, dentro do
pragmatismo alemão. Tendo por base o maior consumo de artigos de uso pessoal,
logo a princípio surgem modelos com roupas de grife e a exibição de um modelo
lançamento de relógios da Ômega.
Em azul, com destaque, um canal que permite aos consumidores terem
acesso à página de notícias. Tendo em vista o caráter efervescente da loja, com
lançamentos, festas e fluxo constante de pessoas conhecidas ou não, é importante
se criar um vínculo de informações que vai além daquilo que estamos acostumados
162
a ver na mídia aberta, pois muitas coisas que as assessorias de imprensa
corporativas produzem, nem chegam à veiculação.
música, uma trilha sonora para navegação, que pode ser desabilitada,
mas que tematiza o cuidado com o contato de seus clientes.
O site todo tem opções de tradução do tradicional alemão para inglês e
francês.
Site da Daslu
Fig. 17 www.daslu.com.br (2009)
No caso da Daslu, no topo um banner que promove uma novidade, o
lançamento de cartões da bandeira Visa de crédito com a marca da loja, que além
de se tornarem um instrumento de valorização da marca, fideliza clientes com
parcelamentos amplos e promoções. Como expusemos anteriormente, parcelar em
compras de luxo e colher descontos é uma coisa cada vê mais corriqueira, muito
longe de perder o glamour.
163
A arquitetura das informações é clara e a navegação também é muito simples
e eficiente.
Tamm com uma construção em boxes, o site apresenta um layout
agradável e limpo, com tons brancos e uma hierarquização de informações bastante
interessante. As fotos utilizadas tamm têm caráter de apelo ao consumo de itens
de uso pessoal, porém um destaque é que existem links para que o consumidor
conheça a loja que é o QG da empresa, a maior do mercado de luxo na América
Latina, a Villa Daslu, bem como de outras unidades menores e igualmente
tradicionais, no Shopping Cidade Jardim e no Village.
também, igualmente organizada e em destaque, um campo de notícias,
para que os consumidores tenham contato com tudo que acontece nas lojas.
3.11 Identidade, Figuração e Consumo
O consumo, especialmente o de certos objetos emblemáticos e de marcas
consideradas de grife, cumpre a função de posicionar os portadores deles nas redes
de estratificação social, nossas classes sociais, posto que operam como signos
visíveis do dinheiro que se possui. Está se tratando, assim, do consumo como
simbolização de status, gerador de uma fachada, de uma aparência ao indivíduo. A
busca do prestígio social por meio do consumo pode tomar as formas de conduta do
exibicionismo e da soberba, quando não adequadamente dosada. O exibicionismo,
é importante frisar, é uma conduta de consumo característica não apenas dos
setores de mais altos poderes aquisitivos.
O objetivo do exibicionismo é encenar a abundância da riqueza possuída,
sem se envergonhar de fazê-lo apenas para satisfazer uma necessidade pessoal do
ego. O exibicionismo se conecta com o luxo e a ostentação. Logo, a existência do
exibicionismo como conduta massiva requer uma desculpabilização do luxo e da
164
abundância, uma vez que a partir do momento onde diversas pessoas compram
artigos com preços elevados, tais caem no gosto popular e mudam suas imagens
junto ao público, já que todos podem ter algo do nero, o que causa a grata
sensação de inclusão. Esta desculpabilização ocorre nas sociedades de onde as
trocas neoliberais penetraram mais fortemente na cultura, pois passam a existir
trocas.
A soberba é uma forma plebéia de exibicionismo originada na Idade Média
junto aos burgueses de maior sucesso comercial, à qual combinavam a ostentação
com a imitação dos pades e estilos de grande consumo” da nobreza. A soberba,
presente neste caso, na realidade é um fenômeno determinado pela ditadura do
olhar, onde a pessoa se constrói não para si, mas para os outros.
3.11.1 A falsificação dos artigos de luxo
Neste tipo de conduta exibicionista, se copiam em forma degradada certos
hábitos dos setores ricos. Existe uma indústria especializada na imitação de alto
consumo atualmente, principalmente como uma forma de tornar possível desejos
que pareciam inviáveis. Para isto, se esforçam para produzir roupas que parece de
marcas famosas sem ser, tênis esportivos que se parecem com os originais da
NIKE, objetos banhados em ouro que não tem mais do que um banho deste metal,
figuras que parecem de porcelana sem ser, etc. Ainda que os produtos populares
sejam uma imitação de má qualidade das de uma marca famosa, as calças Nike ou
os LEVI‟s, por exemplo, cumprem então o papel de vestir ao jovem da população de
classe mais baixa da maneira da televisão, na forma de seus ídolos, de seus
sonhos.
Pode parecer ingênuo, porém a União Européia estima que até 2015 a
pirataria no mundo movimente a quantia impressionante de 240 bilhões, ao custo
165
de 1,2 milhões de empregos. A maioria desses postos de trabalho serão deslocados
para países subdesenvolvidos na Ásia e na América do Sul.
No geral, enquanto têm pessoas que consideram o luxo uma ameaça, outras
nem tanto. O artista plástico japonês Takashi Murakami indica no livro
Kyozon
(2002) que a falsificação é benéfica, pois ameniza a tensão social de querer e o
ter, característico das marcas de luxo em países com muitas desigualdades sociais.
Neste caso, tais marcas são copiadas para atender a um público de classes médias e
baixas, cujas compras amenizam a sensação de não proteção, de estar aquém de
uma classe mais favorecida e que tem coisas mais legais para usar publicamente. Se
formos pensar, realmente há lógica nesta citação de Murakami. Antes considerados
artigos de luxo para jovens, bonés de times de basquete americanos e tênis
esportivos tinham altos valores nas lojas do gênero e mesmo assim não era em
qualquer lugar que poderiam ser encontradas. Era comum nos noticiários brasileiros
surgirem notícias de roubos, até latrocínios, por causa de produtos do gênero sendo
arrancados a duras penas de seus proprietários, isso até na década de 1990. Com as
falsificações e a ampliação dos leques de opções de uso pessoal, incluindo mudanças
de estilo, embora ainda ocorram raramente, este tipo de informação desagradável
passou a não fazer mais parte dos noticiários, ou seja, trazendo um pouco de paz e
segurança.
A identidade pessoal pode surgir do consumo e da posse de objetos
diversos. É uma identidade que repousa no absolutamente no possuir. Trata-se de
uma construção da identidade pela aparência. Aqui, os objetos aparecem como
constituintes do eu. O predomínio do ter sobre o ser se materializa quando a pessoa
se sente forçada a ter certos bens em função dos outros. Logo, não tê-los é uma
166
profunda frustração e o fato de não poder satisfazer esse desejo nem sempre é bem
assimilado por indivíduos de comportamento mais intempestivo e dúbio, vindo a
gerar ataques de violência.
Existem diversos tipos de falsificação, das mais grosseiras até réplicas
perfeitas do produto original. No caso, cabe aos próprios consumidores prestarem
atenção e ao mesmo tempo adotarem mecanismo de procura e manutenção dos
padrões que requerem para uma compra segura. Em alguns casos, ambientes de
compras como o site Mercado Livre possuem páginas específicas para orientar os
compradores ávidos por um bom negócio não caírem numa armadilha. E se
decepcionarem.
3.12 A paixão do consumo e a escravidão pelo consumo
A modernidade, aplicada à vontade de consumir, implica desejo e busca do
prazer, mas sempre com autocontrole, sem deixar se perder ou se arrastar até
endeusamentos que não podem ser resolvidos sem criar fetiches em torno dos
objetos, convertendo-os assim em armações do eu. Quando se fala em armação,
quer dizer que o eu, neste caso, é suportado e protegido pelos objetos que se
possui, como se estes funcionassem como um esqueleto” do indivíduo em termos
sociais, isso porque a vida em sociedade traz ao indivíduo problemas e dificuldades
muito maiores do que a lógica biológica, por exemplo. Ou seja, estaríamos falando
de uma situação ou de um privilégio outorgado aos objetos afirmando que os
prazeres do consumo interferem diretamente nas relações com os outros.
O consumo leva a um problema, quase uma patologia, quando se apodera
do interior do indivíduo (o que poderia se denominar seu espírito), esvaziando-o de
seus valores ou anulando suas práticas, fazendo-o agir por meio de estímulos
167
exteriores, uma heterodeterminação bastante perigosa quando não resolvida pela
própria pessoa a partir da autoconsciência. Vender a alma pelo prazer de usar
camisas com colarinho, como costumam dizer pessoas mais idosas, caracteriza
aquilo que é uma expressão máxima do efeito escravizador do consumo, ou seja, o
sacrifício individual em busca de um prazer de consumir, uma busca por status. O
trabalho excessivo com o alongamento da jornada de trabalho é uma realidade de
nosso tempo, onde cada vez mais as pessoas se preocupam com o sario ao final
do mês e esquecem-se de viver, com jornadas de trabalho menores e mais
confortáveis, sem o stress cotidiano por exemplo. Muitas vezes é o preço que se
tem que pagar para manter os níveis de vida adquiridos, para reproduzir o conforto
desejado para uma existência cada vez mais cômoda.
O próprio consumidor se converte em escravo do luxo que uma vez adquiriu.
Se não tiver condições ideais para mantê-lo, terá de reclamar consigo mesmo por
ter de conciliar seus próprios hábitos com as exigências familiares e as duras
necessidades de manter o estilo de vida no meio social. Uma vez dado um passo
rumo a um novo patamar de vida, pode ser que numa situação extrema, o retorno
ao nível social anterior seja uma dificuldade absurda de ser resolvida, causando até
a dissolução de relacionamentos e o desgaste de laços familiares importantes. Pode
se dizer com certa propriedade que, uma vez apanhados pelo consumo, somos
consumidos pelo consumo. Para poder manter um determinado patamar de vida, o
assalariado tem de se expor e se desgastar.
A potência do desejo do indivíduo, de suas paixões, desapega-o dos outros,
levando-o a almejar uma vida que não aquela vivenciada, renegando a própria
origem e a própria existência, como se tudo o se tratasse de um engano, ou um
“desvio cósmico” quem sabe.
168
Era anúncio positivo afirma que ao instalar o consumo como desejo, se
questiona a noção instrumentalista que liga fortemente necessidade e consumo. Na
verdade, não se consome somente para sobreviver ou reproduzir a espécie,
também por prazer, para gozar, para apagar provisoriamente um desejo.
O problema crucial que se deve refletir, inclusive em se tratando de luxo, é
como se determinar o necessário à sobrevivência e, sobretudo, quem o determina.
O consumo é um campo de exercício do poder individual, no qual constrói a noção
de necessidade em base a uma ética ou a uma antropologia filosófica com respeito
às condições de realização do homem sob diversos aspectos da vida. É complicado
se definir o que é algo necessário ou fútil, pois esta subjetividade cabe aos próprios
indivíduos e depende de uma série de fatores imbricados, que vão desde a
formação educacional até a quantidade de recursos que se dispõe para
determinados fins de consumo, ou seja, tudo é muito variável. No entanto, a questão
do consumo geralmente envolve críticas e avaliações externas, pois as pessoas
tendem a comparar o que fariam com aquilo que os outros fizeram, sob os mesmos
cenários de ação, deixando assim de se levar em conta as reais condições que
levaram as pessoas a tomar aquele tipo de decisão, quando levada a optar. Mas por
outra visão, o indivíduo é autônomo frente ao consumo em proporção direta ao
dinheiro que possui. Uma crítica ao consumo não pode constatar que ela é funcional
às necessidades do modelo de acumulação e a necessidade de uma vertiginosa
realização de uma oferta que tem superado os limites nacionais e continentais e
se desloca pelo mundo.
É preciso se mostrar, ademais, na visão de Moulian, que o consumo exerce
uma enorme sedução sobre os indivíduos, não pela criação de um imaginário
feliz idealizado por meio da publicidade, mas tamm porque realiza aspirações e
169
desejos das pessoas, que se converteu prontamente numa zona de realização do
prazer dentro de uma vida cotidiana empobrecida e sem estímulos individuais que
não sejam pelo consumo. Há de se convir que, na vida atual, as pessoas não
possuem ideologias que justifiquem ações e nem orientações de vida, algo sem
perspectiva, porque não dizer sem graça. Muitas facilidades muitas vezes tiram a
essência ativa do homem, que entra em colapso individual, o que ocasiona em
muitos casos a depressão e o posterior suicídio em caso mais graves de tal
patologia psiquiátrica.
O que é preciso se ter em vista é que, numa vida repleta de opções de
consumo, numa sociedade da abundância, uma cultura atual baseada no consumo
logo estaria livre de toda e qualquer crítica moral em termos de solidariedade,
graças ao caráter cooperativo diferenciado garantido pela organização peculiar
entre as pessoas. No entanto, não é isto que ocorre, pois diante de uma sociedade
muito longe da homogeneização, pensamentos e conceitos divergentes fazem com
que as pessoas se organizem em posições diferentes da estrutura de consumo,
posições que geram críticas quando colocadas em conjunção.
3.13 O consumo me consome: uma manifestação do consumo de luxo
De fato, os indivíduos estão em sociedade inseridos numa esfera de
motivações de consumo constantes. Se comprar é uma decisão que traz prazer,
logo cabe a cada indivíduo, mais do que garantir a própria sobrevivência, buscar a
própria felicidade a cada compra realizada, num processo contínuo. Sendo assim, a
frase de Gilles Lipovetsky que ilustra este capítulo vem bem a calhar no momento
de concluí-lo: “Somos o felizes quanto decidimos -lo”. Dentre os muitos
entendimentos à qual podemos incluir esta consideração, cabe a nós não apenas
170
por produtos, mas por comportamentos e ações decidir que rumo tomar em nossas
vidas, visando nossa própria satisfação e nossa permanência neste mundo, e cada
uma delas cabe a nós mesmos optar. O futuro é um livro de páginas abertas e fica
para cada um de nós a responsabilidade de escre-lo.
Em termos de mercado de luxo o é diferente. Cabe a cada consumidor
escolher entre as opções de produtos e marcas qual é a que vai lhe garantir os
maiores graus de satisfação. Mas se que é realmente assim, com o indivíduo
escolhendo aquilo que deseja como um sujeito explicitamente ativo nesta relação
com os objetos? Será que as marcas de luxo oferecem produtos simplesmente
aleatórios para que, por eles, a comunidade de ávidos consumidores manifestem
seu interesse e passem a desejá-los?
Será que na realidade nós consumimos ou somos consumidos? Nesse
aspecto, fica a dúvida que o título deste terceiro capítulo só ajudou a instigar. Assim,
vamos procurar a elucidar este pensamento no próximo capítulo.
171
CAPÍTULO 4 - O CONTEXTO CULTURAL DO LUXO: O CONSUMO REVERSO E
O SOCIOCONSUMO
4.1 Envolvimento do consumidor com seus produtos: um casamento sem
papel passado
Os consumidores formam relacionamentos fortes com produtos e serviços?
Com certeza sim, muito apegadas por sinal. Obviamente, existem diversos níveis de
apego, mas não se pode negar que ele existe. Em termos de luxo, podem a
despertar um amor, não no sentido sexual, mas afetivo, na escala de desejos do
indivíduo.
O envolvimento com o produto pode ser entendido como o nível de interesse
de um consumidor por um determinado produto. Existe também o envolvimento com
a situação de compra (este diz respeito às diferenças que podem ocorrer quando se
compra o mesmo objeto sob diferentes contextos). de fato uma correlação entre
o envolvimento com o produto e com a circunstância de compra, pois ambas estão
inseridas nas circunstâncias que permitem ao consumidor sentir o prazer raro de
comprar, de acordo com o bem-estar trazido pela dopamina que enche nosso
cérebro, conforme visto no capítulo anterior. A motivação de um consumidor para
alcançar uma meta influencia diretamente seu desejo de despender o esforço
necessário para se obter os produtos ou serviços que acredita serem instrumentos
de realização daquele objetivo. No entanto, nem todos são motivados com a mesma
intensidade uma pessoa poderá ser convencida de que não pode viver sem o
último estilo ou conveniência moderna, enquanto outra não tem absolutamente
nenhum interesse nesses itens.
172
O envolvimento é definido como “a relevância do objeto percebida por uma
pessoa com base em suas necessidades, valores e interesses inerentes.” A palavra
objeto é empregada no sentido genérico e se refere a um produto (ou a marca), um
anúncio ou uma situação de compra. Os consumidores podem encontrar
envolvimento em todos esses objetos. Como o envolvimento é uma construção
social, pode ser acionado por diferentes antecedentes. Esses fatores podem ser
algo sobre a pessoa, sobre objeto ou sobre a situação.
Pode-se ver o envolvimento como motivação para processar informações
relacionadas aos produtos e marcas de interesse. Até onde houver uma ligação
percebida entre as necessidades, metas ou valores de um consumidor e o
conhecimento do produto, esse consumidor será motivado a prestar atenção nas
informações sobre o produto. Quando o conhecimento relevante é ativado na
memória, um estado de motivação é criado e aciona o comportamento (por
exemplo, comprar). À medida que o envolvimento com o produto aumenta, o
consumidor dedica mais atenção aos anúncios relacionados ao produto, empenha
mais esforço cognitivo para entendê-los e concentra a atenção nas informações que
esses anúncios apresentam.
O tipo de processamento de informações que ocorrerá depende do nível de
envolvimento do consumidor. Pode variar do processamento simples, em que
somente as características básicas de uma mensagem são consideradas, até a
elaboração, em que a informação é ligada ao sistema de conhecimento preexistente
da pessoa.
Mais abaixo segue o esquema de como se constrói o envolvimento dos
consumidores com os produtos e marcas a partir de uma série de aspectos de
acordo com os antecedentes à compra e os possíveis resultados posteriores. De um
173
modo geral, estão expostos os possíveis fatores de estimulação do envolvimento e
no que aquilo culmina, já que tudo que gera envolvimento gera também uma
conseqüência, tendo esta como uma ação. Um dos aspectos mais interessantes
deste esquema é que ele prevê um envolvimento do consumidor não apenas
relacionado às circunstâncias decisórias de compra, como também com produtos e
principalmente com a comunicação, por meio de anúncios. Por sinal, Michael
Solomon é um dos poucos autores que colocam a comunicação num patamar tão
importante quanto os próprios produtos no que tange o relacionamento íntimo entre
os aspectos aqui citados.
Esquema de descrição do modo como se constrói o envolvimento dos consumidores
Fig.18: SOLOMON, Michael. Comportamento do Consumidor. Pg. 149
174
Pelo esquema, é perceptível que existe uma série de combinações possíveis
para construir o envolvimento de um consumidor com uma marca em específico. No
caso de marcas de luxo em especial, são utilizados mecanismos visando chamar
atenção e criar o interesse dos consumidores a partir de um envolvimento
duradouro, que muitas vezes nasce antes mesmo da aquisição de um produto. Por
exemplo, a pessoa pode criar um vínculo com a Dior antes mesmo de comprar uma
indumentária completa numa das muitas lojas da marca espalhadas nas maiores
capitais do mundo.
É importante frisar que as pessoas podem se envolver com qualquer
categoria de produtos, até marcas de itens mais baixos, porém tudo depende de
certo modo da condição como esse produto chega a essa pessoa. Os artigos de
consumo imediato apresentam acesso mais fácil, logo tem maior dificuldade de
construir vínculos diferenciados com seus consumidores, que não mexem com o
imaginário e o desejo como os artigos de luxo.
“O grau de envolvimento de uma pessoa pode ser concebido como um
continuum, que vai da total falta de interesse em um estímulo de marketing até a
obsessão. O consumo na extremidade inferior do envolvimento é a inércia, quando
as decisões são tomadas por hábito, pois o consumidor não tem motivação para
considerar as alternativas. Na extremidade superior do envolvimento, podemos
esperar encontrar o tipo de intensidade apaixonada reservada para pessoas e
objetivos que têm grande significado para o indivíduo.”(SOLOMON, 2008)
Ainda de acordo com Michel Solomon, “... parece que o envolvimento é um
conceito impreciso, pois se sobrepõe a outras coisas e tem significados diferentes
para pessoas diferentes. De fato, o consenso é que há, na verdade, vários tipos
175
amplos de envolvimento relacionado ao produto, à mensagem ou ao indivíduo que o
percebe.”
O fato é que os produtos de luxo são obviamente estimulantes e permitem
um grau de envolvimento demasiadamente forte com seus consumidores, que criam
verdadeiros laços afetivos. Na realidade, estes laços são verdadeiramente
estimulados à medida que favorecem com que se criem histórias entre as pessoas e
circunstâncias de satisfação íntima. Os artigos de luxo não necessariamente são
responsáveis por todo o prazer daquela situação, porém na realidade eles mediam
uma circunstância e favorecem com que a pessoa fique melhor consigo mesma,
favorecendo a própria diversão e as interações construídas naqueles espaços
específicos.
Quanto ao título deste tópico, caindo mais para o lado cômico, indica que de
fato os consumidores podem vir a se envolver com uma marca, e em decorrência
com seus produtos. Essa relação é uma experiência constante, uma troca, onde
qualquer situação positiva pode expandir o nível de satisfação sentida, ao passo
que as experiências ruins afastam, irritam o consumidor até o divórcio, passando
ainda por situações de infidelidade (quando se experimenta adquirir itens de outras
marcas).
As marcas de luxo despertam o apenas a atenção, mas podem gerar uma
paixão no consumidor que persiste por toda a vida. O luxo fornecesse aquele
produto passivo, pronto para ser admirado e adquirido, mas que no fundo foi
desenvolvido para adquirir seu potencial proprietário, arrebatá-lo, tornando-o seu
suporte, no elemento que lhe dá vida. Assim, quem consome quem?
176
4.2 O Consumo Reverso e o luxo
A idéia do consumo reverso aqui exposta nasceu de uma reflexão a respeito
do próprio modo como se estrutura o consumo de luxo. As pessoas compram os
artigos de luxo visando agregar emoções e histórias para si, mas, desse modo, será
que as idéias sobre motivações que este consumidor tem para comprar são
realmente estas? Será que o interesse elevado que estes produtos podem gerar
necessariamente é um processo convencional, motivado pelas simples regras de
oferta e procura do mercado, como ocorre em outros produtos?
Estas questões inquietantes apenas permitiram a formulação de uma
hipótese um tanto complexa: a de que existe, por trás do consumo de luxo, um
mecanismo de arrebatamento das pessoas, de onde elas saem da zona de conforto
de ativas no ato de compra, mas exatamente o contrário; elas o escolhem, mas
são escolhidas pelo luxo, passando a ter a honra de fazer parte de um grupo seleto
e sofisticado, para poucos.
Sobre esta questão, após muito se pensar a respeito, formulou-se para
comprovar a hipótese levantada, a teoria do consumo reverso, que na realidade
consiste em apontar, por trás das circunstâncias convencionais de compra
realizadas pela via do consumidor para o produto, a existência de uma forma de
consumo no sentido contrário, por isso reversa, que ocorre na via produto
consumidor.
Essa teoria aqui defendida visa trazer às discussões não apenas o fato de
existir uma segunda via de consumo por trás das aparentemente simples
circunstâncias de compra, mas identificar que as pessoas podem sair da posição de
ativas durante suas decisões de compra para se tornarem passivas, sujeitas das
vontades e idéias por trás das marcas.
177
A cultura capitalista produziu aos poucos, com o passar dos últimos séculos,
a idéia de que a felicidade pessoal pode ser atingida por meio de um bem-estar
vindo de fora da consciência do indivíduo, do meio “exterior” (porque não dizer um
processo exógeno). De fato, a felicidade passou a se vincular diretamente com
aquilo que os indivíduos compram ou deixam de comprar. O que muda de um
produto para outro muitas vezes não é uma ou outra característica técnica
empregada na produção, mas apenas a capacidade dele gerar mais felicidade, seja
pela conquista ou pela comunicação empregada ou pela reputação da marca.
No entanto, imersos num ambiente artificial na qual o indivíduo é falsamente
induzido a acreditar que é autoconsciente, as pessoas tendem a se sentir seguras
perante uma posição na realidade de fragilidade, induzida, heterodeterminada (esta,
oriunda da capacidade, ou melhor, a força que o outro consegue imprimir sobre as
ações e comportamentos individuais, persuadindo conforme interesses localizados).
Vale salientar que a pessoa muitas vezes se deixa anular pelo consumo, de
existir como sujeito (com pensamentos, vontades, sentimentos e ações plenas) para
se tornar apenas mais um elemento capaz de produzir lucros (rumo a uma
nulodimensionalidade conforme as teorias flusserianas), sendo modeladas e
remodeladas tais quais as mercadorias que almejam adquirir.
Sendo consumidas pelos produtos às quais desejam comprar e pelas
empresas que os produzem num processo oculto aos olhos da imensa maioria
daqueles que diariamente exercem seu poder de consumo. A este processo
denominado consumo reverso, se elaborou o esquema a seguir:
178
Descritivo de construção do Consumo Reverso
Fig. 19 Arquivo pessoal
Pelo esquema, na parte superior, está retratada a primeira forma de
consumo, mais corriqueira, explícita, onde a consciência da imensa maioria das
pessoas está estacionada, indicando a via de consumo do indivíduo para com os
produtos. Na parte de baixo, fica a segunda forma de consumo, implícita, retratando
a via de consumo que existe do produto para com seu consumidor.
Organizado em ciclos, o consumo reverso determina primeiramente o ciclo de
construção das formas de consumo. A primeira forma, do consumidor para o
produto, conforme descrito no parágrafo anterior é totalmente perceptível, mas ao
mesmo tempo em que é realizada, abriga a segunda forma, o contrário, do produto
para o consumidor, que ocorre a partir do momento em que o consumidor se deixa
seduzir pelo artigo de luxo e procede com a compra. Descrita em azul, se refletir a
respeito de qual parte de ciclo é mais forte é algo um tanto polêmico, mas talvez
179
seja o segundo, pois de modo oculto, ele faz parte do cotidiano do consumidor sem
que possa ser evitado, sem que as pessoas possam colocar em ação algum
mecanismo de bloqueio, ficando vulneráveis. Aliás, existem poucos mecanismos de
bloqueio, mas em sua maioria ineficazes. Talvez, mesmo a cegueira e a reclusão
(duas opções extremas de bloqueio), podem ser ineficazes diante da percepção
aguçada dos outros sentidos.
No segundo ciclo, em vermelho, está a engrenagem interna de
funcionamento do consumo reverso. descrita na parte superior uma troca de
recursos da parte do consumidor para com o produto e seu fabricante,
movimentando para este um fluxo de dinheiro e informões obtidas por meio de
pesquisas de mercado e tendências, que serão utilizadas como instrumento para
que se ofereçam mais produtos aos consumidores, independentemente dos
produtos recém adquiridos estarem em bom estado ou não para uso geral (ou seja,
o mecanismo é feito para que as trocas ocorram independentemente do tempo de
vida dos produtos).
Com as pesquisas obtidas e dinheiro em caixa, profissionais de marketing,
comunicação e vendas criam condições para que mais e mais produtos sejam
negociados, mantendo assim a roda da economia em pleno funcionamento.
Na parte de baixo do segundo ciclo está de fato a principal razão de compra
e envolvimento dos consumidores: satisfação esta garantida pela comunicação
com o público, pela construção da marca e pelas circunstâncias de uso e de
compra.
Ambos os ciclos se organizam em torno de um elemento central: a marca.
Sem a marca, este como elemento simbólico de significação para o consumidor,
não haveria o produto de luxo, não haveria a chancela de uma imagem a agregar
180
para si, não haveria o mercado propriamente dito, que retornaríamos apenas aos
modelos específicos de nichos seletos nos diversos mercados. Este esquema indica
que um fator importantíssimo de construção e valorização das marcas, que não
podem ser descaracterizadas. Por exemplo, algumas marcas que estabeleceram
estratégias de expansão sofreram arranhões não apenas em suas imagens
corporativas, mas principalmente nos demonstrativos financeiros, pois passaram a
indicar menor satisfação; o fator exclusividade via diminuído e a seletividade
permitiram com que consumidores as vissem como grifes cara, não de luxo, como
ocorreu com a Paco Rabanne na década de 1990.
Qualquer parte destes ciclos que entre em crise, todo o resto entra em
colapso. Por exemplo, sem satisfação nas compras de artigos de luxo, os
consumidores optarão por produtos convencionais e mais baratos, comprometendo
os resultados das empresas fornecedoras. Outro exemplo, havendo uma ruptura no
fluxo de acompanhamento de informações, os fabricantes passam a ter problemas
para oferecer realmente aquilo que seus clientes procuram; isso gera índices
inferiores de satisfação e menores possibilidades de permanência da demanda por
uma série ou coleção. Ou seja, tudo isso constitui uma lógica que não pode e não
deve ser abalada, pois o consumo de luxo depende disso.
Nas economias opulentas, o se trata apenas de produzir mercadorias, é
imperativo programar as necessidades, descolar as compras do capricho dos gostos
individuais e dos acasos, apoderando-se em grande escala da própria demanda.
Controlar a esfera das necessidades, condicionar o consumidor, tirar-lhe o poder de
decisão para transferi-lo à empresa, essa é a função da publicidade. Sufocando o
consumidor sob um dilúvio de imagens da felicidade, prometendo-lhe saúde e
beleza, a publicidade é o que cria e recria as necessidades que o aparelho produtivo
181
procura satisfazer. Dirigido pelas técnicas de persuasão, o consumidor é despojado
de toda verdadeira autonomia: a oferta e a comunicação mercantil é que detem, daí
em diante, o poder soberano. (LIPOVETSKY, 2007)
De acordo com Gilles Lipovetsky, “... a publicidade continua a aparecer não
apenas como a chave de leitura dos mecanismos de frustração característicos das
novas sociedades mercantis, mas tamm como o mbolo das instituições que
conseguem apoderar-se dos homens, remodelar seu estilo de existência”
(LIPOVETSKY, 2007). De acordo com o autor, a comunicação publicitária no geral é
usada como ferramenta capaz não apenas de gerar necessidades e frustrações,
para impulsionar o comércio, como também para firmar posição de marcas
importantes que simplesmente o se modelam aos consumidores, mas pelo
contrário, fazem os consumidores se modelem ao que elas consideram ideal,
passando a vivenciar estilos e a própria existência, que deveriam ser coisas de cada
um, construídas de um modo exógeno, fora do indivíduo em si, caracterizando algo
além da perda de um livre-arbítrio, mas uma manipulação baseada em simples
interesses financeiros.
4.2.1 A primeira via do processo: consumidor produto
A primeira forma de consumo traz de fato um modo de consumo cujas
transações e sensações decorrentes são, além de visíveis, perceptíveis.
Em meio a toda esta engrenagem de consumo está um dos elementos mais
intrigantes quando se analisam as circunstâncias de compra de produtos nos mais
diversos mercados: a marca. Conforme definição do dicionário marca nada mais é
do que o ato ou efeito de marcar, sinal ou distintivo de um objeto, desenho ou
etiqueta de produtos industriais e categoria ou qualidade de algo. Sua origem, como
182
a própria definição indica, se nos primórdios da Revolução Industrial, quando a
similaridade entre os equipamentos fez com que os produtos saíssem das máquinas
de modo muito semelhante, mesmo quando usadas matérias-primas com
qualidades ímpares, fazendo com que houvesse a necessidade de distinção entre
um item e outro; anteriormente a tal estágio, era a habilidade do artesão que
causava a diferenciação entre os itens, passando a diferenciar tamm os valores
de oferta. A partir de então, o tulo passou a diferenciar cada produto,
principalmente baseado no critério reputação do fabricante, e nesta etiqueta estava
a marca. Não raro, dependendo do produto, a própria rma ou prensa já
identificava o fabricante, marcando-o como se faz com gado para indicar a
propriedade de alguém. A marca até hoje é um dos itens mais importantes do
processo de compra, merecendo uma comunicação específica para as
referencializar. Em termos de luxo, a identificão do indivíduo com a marca atinge
seu ápice.
Em se tratando de experiências de consumo, desde crianças somos inseridos
aos ambientes de compra e venda, passando a encará-los com grande
naturalidade. Logo que os pequenos comam a dominar operações mateticas
básicas, pais e mestres instruem as crianças a como reconhecer notas e a lidar
adequadamente com o valor do dinheiro, bem como o poder de compra daqueles
pedaços de papel tão respeitados. Com o passar do tempo, as decisões de compra
passam a surgir de modo espontâneo, simples, com a total consciência de que tudo
aquilo é um ato autodeterminado (definido socialmente, muito além das ações das
próprias pessoas envolvidas), onde o próprio indivíduo está plenamente consciente
e senhor de suas vontades, porém esta posição ativa em relação aos produtos é um
tanto ilusória. “Como compradores, fomos adequadamente preparados pelos
183
gerentes de marketing e redatores publicitários a desempenhar o papel de sujeito
um faz-de-conta que se experimenta como verdade viva” (MOULIAN, 1999). Ou
seja, o autor revela que há uma macroestrutura pensada para não apenas persuadir
o consumidor a realizar de um modo simples e natural o ato de consumir, mas sim
para que tenhamos a ilusão de que tudo se constrói de modo isento pelos próprios
consumidores.
Concluindo este conceito, sobre as afirmações de Lipovetsky podemos
chegar a conclusão de que “...se a iniciativa pertence, pela força das circunstâncias,
à oferta se pode escolher o que já existe -, não se deve concluir daí que o
consumidor é um fantoche inteiramente fabricado pelos especialistas em
comunicação. Assimilar o hiperconsumidor a um indivíduo “hipnotizado”, passivo,
maleável a vontade é um profundo erro. Qualquer que seja o poder dos meios de
persuasão, o Homo consumericus continua a ser um ator, um sujeito cujos gostos e
interesses, valores e predisposições filtram as mensagens a que está exposto”
(LIPOVETSKY,2007). Isso quer dizer que, de um modo geral, as pessoas possuem
a capacidade de diferenciar as informações que recebem, havendo o bloqueio de
atenção àquilo que não interessa a elas no geral, ou seja, o mecanismo de controle
existe, porém ele respeita cada um e estimula desejos que na realidade a pessoa
realmente possui interesse; o há apelo para se adquirir algo que não se goste ou
que não se propósito, por mais que uma comunicação maçante nos submeta a
uma diferenciada gama de estímulos diariamente.
184
4.2.2 A segunda via do processo: produto - consumidor
Na parte inferior do esquema se encontra a segunda forma de consumo,
implícita, que passa diante dos olhos de todos sem ser praticamente notada, uma
forma de aquisição onde o produto, antes em segundo plano, passa a agir
diretamente sobre o sujeito, seduzindo-o, por meio de uma persuasão oriunda de
toda uma estrutura montada para implantar os consumidores em uma atmosfera de
consumo, ou melhor, de prazer e satisfação.
Na sociedade de consumidores da qual estamos imersos, a dualidade
sujeito-objeto tende a ser incluída sob a dualidade consumidor-mercadoria. A
posição do homem para com seus objetos se altera, e tudo passa a ter um valor de
troca, passa a ser comercializável. Cada vez mais, o mercado incentiva ações de
compra de itens variados, o que chega a impedir com que as pessoas desenvolvam
laços afetivos, ou simbólicos, com seus próprios pertences. O objeto, ao mesmo
tempo, perde valor, pois pode a qualquer momento ser substituído, comprado ou
vendido, tudo enquanto ainda tiver alguma utilidade para alguém. Depois disso,
mesmo ainda em uso, o produto está fadado à reciclagem, tamanha a
desvalorização.
O esquema de orientação determinado pelo consumo reverso se torna tão
natural que deixa de existir apenas a partir da relação humana objeto, mas
transcende e passa a existir na relação entre humanos, a princípio com os
estranhos, depois com os familiares e até dentro da própria casa. As pessoas
aprendem a se estruturar e organizar não coletivamente, mas racionalmente por
meio do poder do cifrão. É duro se admitir esse fato, mas é inegável não admitir que
ele ocorre com cada vez mais força e freqüência. Remodelem a si mesmos como
mercadorias, ou seja, como produtos que são capazes de obter atenção e atrair
185
demanda e fregueses”. (BAUMAN, 2007). As pessoas entram nessa espiral do
consumo e passam a se consumir literalmente, vendo na realidade aquilo que
podem ganhar, ou melhor, se beneficiar, sobre as outras dentro daquilo que
oferecem de valor. Isso se torna um problema a partir do momento onde as pessoas
se tornam efêmeras entre si, movidas não por sentimentos e laços afetivos, mas por
mero interesse.
Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro
virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar,
ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas
de uma mercadoria vendável. A característica mais proeminente da sociedade de
consumidores ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta é a
transformação dos consumidores em mercadorias. A tarefa dos consumidores, e o
principal motivo que os estimula a se engajar numa incessante atividade de
consumo, é sair dessa invisibilidade e imaterialidade cinza e monótona, destacando-
se da massa de objetos indistinguíveis “que flutuam com igual gravidade específica”.
(BAUMAN, 2007)
Bauman ainda traz à discussão uma colocação que corrobora com as
manifestações teóricas do consumo reverso, a partir do momento onde os mercados
se organizam procurando separar os indivíduos consumidores dos objetos de
consumo, deixando o processo de escolha em aberto para a ação dos sujeitos
ativos. Os consumidores o removidos e colocados fora do universo de seus
potenciais objetos de consumo. Na maioria das descrições, o mundo formado e
sustentado pela sociedade de consumidores fica claramente dividido entre as coisas
a serem escolhidas e os que as escolhem”. No entanto, apesar dessa separação
determinada sobre as bases entre o escolher e o ser escolhido, cria-se um vínculo,
186
um lapso que se renova constantemente, onde as posições entre aqueles que
escolhem e aqueles que são escolhidos se renovam conforme determinadas
situações e de acordo com referenciais variáveis.
Para o modo como as pessoas se interligam e interagem com os objetos,
podem-se estabelecer pelo menos três classes de vínculos distintos:
- relação instrumental: que é a de utilidade e uso, pura e simples;
- relação simbólica: na qual os objetos estão representando relações afetivas
ou a memória delas;
- relação estética, na qual os objetos são amados por sua beleza, muito além
da circunstância de uso.
As mercadorias confessam tudo que para ser confessado, e ainda mais
sem exigir reciprocidade, uma vez que se apresentam sempre como objetos
inanimados, trazendo consigo tudo aquilo das quais precisam para se posicionarem
frente a sujeitos ativos e pensantes. Mantem-se, num estado perpétuo, o papel de
“objeto” cartesiano totalmente dóceis, matérias obedientes a serem manejadas,
moldadas e colocadas em bom uso pelo onipotente sujeito. Pela simples docilidade,
elevam o comprador à categoria de sujeito soberano, incontestado e desobrigado
uma categoria nobre e lisonjeira que reforça o ego. Desempenhando o papel de
objetos de maneira impecável e realista o bastante para convencer, os bens do
mercado suprem e reabastecem, de forma perpétua, a base epistemológica e
praxiológica do “fetichismo da subjetividade”. (BAUMAN, 2007)
O modo como os objetos se apresentam inanimados é o principal fator
determinante para que o consumo reverso se contrua implícito e eficaz, pois ao
tornar o consumidor soberano da ação de compra, faz com que esse não perceba
que está sendo na realidade atraído por um jogo de chamarizes de comunicação
187
capazes de interferir no processo de escolha de um produto. Ao se tornar “sujeito
ativo” de uma compra, a pessoa entra num ambiente mágico, onde o prazer de
adquirir gera ansiedade e uma sensação momentânea de felicidade, ao mesmo
tempo em que fica cega à maneira como é convencido a comprar por aspectos
primários geralmente relacionados a ações de marketing de contato primário com o
consumidor. Em rigor, a posse pode se referir às pessoas e não nos objetos,
muito menos a esses bens intangíveis, que são os serviços. Os objetos não são
possuídos porque carecem de interior. se pode possuir aquele que se tem. Não
existe nos objetos nenhuma vontade que se resista, que seja necessário
domesticar. A posse tem que ver com o controle da alma, do interior.
“A publicidade propõe, o consumidor dispõe: ela tem poderes, mas não tem
todos os poderes... Essa seria a “tirania” da ordem publicitária que, propagando uma
cultura da satisfação imediata dos desejos, conseguiria desestruturar a organização
psíquica dos consumidores, desarmar o homem em face da expectativa e da
frustração, privá-lo de distância entre seu ser e as seduções mercantis.” Nesse
dispositivo, o consumidor era assimilado a um sujeito passivo a ser “condicionado”
pela repetição de slogans simples e breves.
A publicidade, naturalmente, procura estimular os desejos de consumo, mas
o consegue surfando nas tendências da época. As marcas, é verdade, estão
cada vez mais no coração da vida cotidiana, tanto que as próprias crianças pensam
e se orientam em termos de marca. (LIPOVETSKY, 2007)
4.3 O luxo como manifestação cultural
A grande maioria dos pesquisadores que trabalha com a temática do
mercado de luxo, num modo geral, concordam num aspecto crucial: luxo e seu
188
consumo são manifestações culturais de um período. Neste, as pessoas consomem
conforme peculiaridades de cada país, de acordo com aspectos da própria
experiência pessoal e dos desejos a serem satisfeitos a partir das compras
realizadas, que costumam atender a interesses diferentes.
Os artigos de luxo voltados ao consumo refletem sempre os gostos,
identidades e valores de uma época, mudando conforme o período em que vivemos
e o que se espera de um artigo de que compramos. ainda com o passar do
tempo uma variação do gosto, que muda conforme a época; por exemplo, os
calçados com solado altíssimo da Idade Média hoje seriam considerados ridículos,
bem como os vestidos de corte usados pelas damas nobres. Tudo é mutável, assim
como nossa sociedade.
Atualmente, o mercado de artigos de luxo abrange de um modo diferenciado
o de itens de uso pessoal e até consumo imediato. São comuns algumas
chocolaterias que, por exemplo, revestem chocolates com ouro ou salpicam o nobre
metal na parte superior, para dar um toque de elegância a custos menores (na
realidade, tudo será pago pelo consumidor quando chegar diante do caixa). Alguns
itens de alta tecnologia tamm aderiram ao luxo de outro modo: transformaram-se
em jóias. Com revestimento em ouro, brilhantes e personalização que não altera as
condições de funcionamento dos artigos, peças do gênero se multiplicaram no
Japão, Europa e principalmente EUA, independentemente da tecnologia desses
artigos em pouco tempo se tornar obsoleta dentro da efervescência dos mercados e
dos fabricantes.
O curioso de tudo isso é que o luxo muda, acompanha tendências e estilos
para estar sempre próximo de seus consumidores, porém utiliza como base sempre
elementos de adoração arcaicos, que aprendemos durante nosso processo de
189
aprendizado para vida que possuem valor especial. Por exemplo, há muitos e
muitos séculos, o ouro é o metam mais nobre utilizado na produção de jóias e
artigos como relógios e canetas, mesmo existindo à disposição metais ainda mais
caros, como por exemplo, a platina pura. Tendo em vista que metais nobres são
resistentes a oxidação e corrosão, qual a justificativa para termos a impressão de
que sempre o mesmo é o que tem valor?
Podemos concluir que luxo é uma questão de transmissão de valores
culturais, de um processo de transmissão contínuo e organizado, onde as pessoas
desde cedo se habituam e aprendem a construir um padrão de gosto de acordo com
aquilo que consideram nobre, de valor elevado. O luxo é determinado por gostos e
preferências que refletem aquele momento específico vivido, porém com suas
nuances específicas de cada pessoa, determinadas por questões como país de
origem, religião etc..
4.3.1 O que é cultura?
Definir o termo cultura é uma das maiores dificuldades para qualquer cientista
da área de humanas. Embora este trabalho requeira não se aterá tanto às
definições para não complicar qualquer teoria que venha a ser trabalhada em cima
deste conceito.
De acordo com Michael Solomon, “uma cultura é a personalidade de uma
sociedade, e nossa participação em uma cultura desempenha um grande papel na
moldagem de nossas identidades.” (SOLOMON, 2008)
A relação entre o comportamento do consumidor e a cultura é uma rua de
duas mãos. Por um lado, os produtos e serviços que se sintonizam com as
prioridades de uma cultura em um dado momento tem mais chances de serem
190
aceitos pelos consumidores. Por outro lado, o estudo de novos produtos e
inovações no design de produtos que uma cultura produz com sucesso em algum
momento no tempo proporciona um panorama dos ideais culturais dominantes
naquele período.
Cultura vem do latim cultura, que significa cuidar, manter, cultivar. De modo
geral, se refere a práticas e ações sociais que seguem um padrão determinado no
espaço. Refere-se a crenças, comportamentos, valores, instituições, regras morais
que permeiam e identificam uma sociedade. Explica e sentido à cosmologia
social; É a identidade própria de um grupo humano em um território e num
determinado período.
Michael Solomon define cultura de um modo mais pragmático, pensando em
cultura como personalidade de uma sociedade. “Ela inclui tanto idéias abstratas,
como valores e ética, quanto objetos materiais e serviços, tais como automóveis,
vestuário, alimentos, arte e esportes, produzidos ou valorizados por uma sociedade.
Dito de outra forma, cultura é a acumulação de significados, rituais, normas e
tradições compartilhados entre os membros de uma organização ou sociedade.”
(SOLOMON, 2008)
Tendo-se em vista que o luxo está imerso no seio da sociedade de consumo,
é regido assim por preceitos éticos e morais de grande impacto, ao mesmo tempo
em que coordena o modo como os indivíduos se posicionam e se constroem
perante a sociedade. É aquilo que consideramos como consumo reverso por si só,
pois os aspectos pessoais se tornam determinados por diversos elementos externos
socialmente.
A cultura influencia diretamente o comportamento dos consumidores,
processo que pode ser definido como ... estudo dos processos envolvidos quando
191
indivíduos ou grupos selecionam, compram, usam ou descartam produtos, serviços,
idéias ou experiências para satisfazer necessidades e desejos.” (SOLOMON, 2008).
4.3.2 Os rituais de consumo de luxo e a religião Versus consumo Vip
4.3.2.1 Os rituais do consumo de luxo
Muitas de nossas atividades de consumo, inclusive a observância de festas e
feriados, cuidados com a aparência e oferta de presentes, baseiam-se em rituais
profundamente arraigados em nossa cultura.
“Um ritual é um conjunto de vários comportamentos simbólicos que ocorrem
em uma seqüência fixa e que tendem a ser repetidos periodicamente. O ritual se
relaciona com muitas atividades de consumo que ocorrem na cultura popular. Entre
elas, estão a observância de feriados, o oferecimento de presentes e os cuidados
com a aparência.” (SOLOMON, 2008)
O consumo de luxo pode ser considerado um rito de passagem, a partir do
momento que permite, a partir de um tipo especial de ritual, a transição de um papel
para o outro, no caso do popular e comum para o rico e sofisticado. Essas
passagens, obviamente, costumam implicar a necessidade de aquisições de
produtos e serviços para tal fim, os artefatos rituais, que assumem essa
possibilidade de facilitar essa transição. Ou seja, os artigos de luxo passam a agir
como conectores entre o ser e aquilo que o consumidor deseja parecer ou
demonstrar para seu grupo.
Podemos inclusive descrever os produtos como sagrados ou profanos, e não
é raro que alguns produtos mudem de categoria. O luxo trabalha constantemente
com neste trecho da consciência humana para com os produtos com os quais se faz
192
uso. Assim, podemos dividir as atividades do consumidor em domínio sagrado e
domínio profano. Os fenômenos sagrados são “separados” das atividades ou
produtos cotidianos. A sacralização ocorre quando as pessoas, eventos ou objetos
do dia-a-dia se separam do comum. A objetificação ocorre quando atribuímos
qualidades sagradas a produtos ou itens que pessoas sagradas possuíram. A
dessacralização acontece quando atividades ou objetos anteriormente sagrados se
tornam parte do cotidiano, como quando uma obra de arte “única” é reproduzida em
grandes quantidades.
De um modo geral, os rituais se caracterizam principalmente por transmitirem
aos indivíduos uma sensação de segurança e ordem em um mundo em constante
mutação, incerto. No caso do luxo, além de uma estabilidade ao garantir a
possibilidade constante de sentir prazer durante o uso e a aceitação num grupo
específico, possibilita a maior segurança possível quando se trata de estar com um
produto que é versátil quando se trata de tendências de moda.
Bóris Cyrulnik tamm nos chama a atenção para a ritualização dos
microgestos cotidianos entre uma mesma espécie, com a função de criar códigos
comuns e garantir uma certa gramaticalidade interna que permita à espécie e a seus
grupos o reconhecimento, favorecendo uma atitude menos tensa frente a uma
gestualidade já codificada.(CYRULNIK, 1995)
A partir do momento que os artigos de luxo garantem qualidades emocionais
que os consumidores querem agregar para si, visando aumentar a própria auto-
estima e poder se posicionar socialmente de um modo mais favorável, pode-se
indicar que os itens materiais na realidade garantem a presença de algo que é
ausente no indivíduo, mais uma circunstância típica dos rituais. De acordo com
193
Malena Contrera, porém, “com a perda da presença, perde-se o ritual, e o que temos
é a transformação do ritual em espetáculo. Pode-se participar da criação do mundo
por meio do ritual, por meio do espetáculo, é possível consumir um mundo que
alguém está vendendo. E o que a mídia está vendendo são pálidas releituras do
encantamento perdido.” (CONTRERA, 1996)
Na realidade, o que percebemos é que a mídia e o mercado muitas vezes,
numa sociedade imersa nas relações de consumo, propõem e tentam estabelecer
rituais a partir do consumo, visando garantir aos produtos efeitos “simlicos” que
não se sustentam por si só, porém tudo depende muito do modo como a pessoa
compra essa idéia, passa a agir conforme uma proposta a princípio sem
fundamento. Num cotidiano cada vez mais restrito de significações simbólicas,
muitas vezes apenas o consumo é o que nos garante algo de especial para viver e
fugir do lugar-comum, que os principais rituais das quais deveríamos fazer parte,
como os religiosos, em grande parte perderam força. Dessa forma, ainda como
indica Malena Contrera, ocorre um processo de dessacralização e
desencantamento do mundo operado pela sociedade industrial e a busca de um re-
encantamento, ainda que simulado, operado pela sociedade contemporânea pós-
industrial tamm por meio das práticas midiáticas”.
As pessoas, aos poucos, substituem seus rituais religiosos pelos de
consumo, sob um novo senso de realidade, "E senso de realidade é, sob certos
aspectos, sinônimo de religiosidade. Real é aquilo no qual acreditamos... Com
efeito, nossa situação é caracterizada pela sensação do irreal e pela procura de um
senso novo de realidade. Portanto, pela procura de uma nova religiosidade."
(FLUSSER, 2002)
194
4.3.2.2 Fé Cristã contra a lógica da economia moderna
É imprescindível acrescentarmos ao estudo o modo como a religião e o
mercado de luxo se correlacionam. O curioso é refletir sobre pontos em comum a
partir do fato de que, enquanto um se baseia na idéia de solidariedade, bem-estar
mútuo, e desfrute da vida a partir do bem estar coletivo e dos prazeres menores, o
outro passa a idéia de pujança, mostrar e exibir o bem estar a partir do consumo, do
prazer a partir dos bens materiais. Logo, em linhas gerais, de fato uma
incoerência, porém elas coexistem principalmente num cenário Ocidental, às vezes
até se misturando sob alguns pontos. Muitos seguidores da cristã por sinal são
ávidos consumidores do consumo de luxo, sem que isso venha a causar qualquer
tipo de constrangimento ou peso na consciência.
O luxo por sinal, numa visão mais reducionista e ortodoxa, pode ser
considerado um exagero, um descumprimento aos preceitos básicos daquilo que
deveria ser seguido pelos homens, uma falta de ascetismo (esta entendida como
descumprimento do exercício da de forma deliberada). Não é muito complicado
identificar que muito das críticas que o luxo recebe estão diretamente relacionadas
com este pensamento. De fato, onde uma inadequação, uma tensão evidente
e quando existe tal circunstância, fica um mal-estar, uma animosidade que é
transfigurada para relações sociais.
O cristianismo é uma religião, com dogmas e preceitos, tendo como livros
sagrados as Bíblias, vendidas pelo mundo todo e traduzidas para centenas de
línguas; prega a simplicidade, a humildade, e a necessidade de, como irmãos
cooperarmos uns com os outros para que a sociedade se fortaleça e se torne
menos desigual. A economia, independentemente da filosofia que segue (livre
195
iniciativa ou socialista), é uma forma de troca pela qual se regulam a produção e a
distribuição de bens.
Fazendo-se uma análise conjunta da economia perante a religião cristã,
podemos perceber que ambas seguem grandes doutrinas morais: a da satisfação e
da mortificação respectivamente. A economia pode ser denominada como doutrina
moral da satisfação, pois ela sempre prega o bem-estar social, de forma que as
pessoas consigam se organizar e adquirir tudo aquilo que lhes é necessário para a
sobrevivência, permitindo ainda até que se acumulem fundos ou produtos
sobressalentes, que podem ser trocados, investidos ou guardados. Mesmo nas
sociedades cuja economia é planificada, a preocupação com o indivíduo e sua
vida, pois embora se estruture uma economia para não se acentuar desigualdade,
em que todas as empresas e trabalhadores servem ao Estado, permite-se a
aquisição de fundos para a compra de artigos de grande valor para a sobrevivência,
como eletrodomésticos e veículos, satisfazendo as pessoas. Numa simples relação
de troca, parte-se do princípio que as partes devem sair satisfeitas com a
negociação que realizaram. o cristianismo prega uma doutrina moral de
mortificação, em que devemos abrir mão dos luxos para viver dignamente, com
simplicidade, sem ambição e primando pelo bem-estar do próximo.
Pode-se perceber então que, diante do todo, a economia e o cristianismo
pregam idéias totalmente divergentes. Enquanto a economia incentiva o consumo e
a acumulação constante de riqueza, fortalecendo o indivíduo por meio das posses, o
cristianismo prega o contrário, incentivando a vida simples e humilde, apenas
mantendo a riqueza de valores e da alma, rezando e fazendo boas ações para
196
todos indistintamente. É a partir dessas idéias conflitantes que surgem as principais
divergências entre as duas partes em questão.
Para a economia, não é interessante um indivíduo desligado dos valores
materiais, da ambição e da acumulação de bens e capital. Para o cristianismo, é
temeroso manter um indivíduo ambicioso, que quer cada vez mais
independentemente da forma, consumindo produtos e vivendo de modo perdulário,
a partir de uma relação demasiadamente arraigada aos produtos.
No entanto, embora haja divergência, o cristianismo se encontra propagado e
cultuado nas principais potências capitalistas do mundo, por pessoas que
consomem muito, vivem em função do luxo e da soberba, acumulando riquezas
independentemente do fato de existirem pessoas próximas que estejam muito
necessitadas de qualquer auxílio. O mundo aprendeu a relacionar a religião com a
acumulação e a Igreja aprendeu com isso tamm, fazendo com que seus fiéis não
se sentissem deslocados ou fossem obrigados a abrir mão de suas conquistas para
se dedicarem exclusivamente ao culto.
Apesar de discordantes, as doutrinas do cristianismo se equilibram em
relação às pessoas. A economia rege elementos tangíveis e intangíveis das
pessoas, sempre se formos pensar em relação ao intelecto. a religião, ao lado
de outras coisas, influencia o intelecto. Dessa maneira, pode-se concluir então que
a economia é determinada por seus indivíduos e seu modo de agir e pensar, que
por sua vez é determinado pela religião, como o cristianismo. A própria Igreja,
embora saiba do abismo que existe entre os princípios da economia e do
cristianismo, prega a boa convivência entre tais ideologias, pois infelizmente os fiéis
estão de tal forma inseridos na filosofia de consumo que ir contra ela significa perder
197
seguidores e ter a força enfraquecida. Em vez de abrir mão dos bens materiais, o
discurso do cristianismo passou a pregar a união e a solidariedade, além do respeito
mútuo.
Pode-se afirmar então que embora sejam como água e óleo em suas bases,
a economia e o cristianismo aprenderam a coexistir, fazendo com que haja uma
harmonia entre seus seguidores. Poucas coisas têm poder de persuasão tão forte
quanto a religião, que cria conceitos inclusive nas mentes mais instruídas.
É importante que se faça um paralelo entre a economia e o cristianismo para
que se possa então pensar a respeito de algo da qual poucos se dão conta: como a
crença religiosa se insere na economia. É por meio de ambas que o homem traça
um estilo de vida que o envolve em termos filosóficos e financeiros, sendo assim
importantes para que haja um entendimento de elementos consideráveis para o
entendimento do material desta pesquisa em sua totalidade.
O luxo visto pela óptica do sagrado cristão, nada mais é do que um excesso,
um exagero, a futilidade a serviço do bem-estar individual. Adquirir um produto de
luxo pode ser quase um pecado num mundo repleto de desigualdades e miséria. O
que devemos pensar não é no fato de que o problema está no artigo de luxo ser
comercializado a altos preços no mercado, mas sim ao fato de que, num contexto
amplo, uma infinidade de pessoas residindo nos limites da sobrevivência
propriamente dita, se alimentando mal, sem o mínimo de condições de higiene e
saúde, num total estado de ausência do Estado. Porém, sendo o luxo um fato
consumado e restrito a um grupo nobre, enquanto a miséria é um fato presente para
milhões de pessoas, é mais fácil jogar o foco negativo para o lado mais estruturado
para suportar a pressão. É por isso que se acostumou a ver até com negatividade
198
um uso do artigo de luxo em vez de se ter uma reação até pior em relação às
pessoas que vivem embaixo das pontes ou na beira de rios poluídos.
4.4 O luxo seria manifestação da soberba?
A soberba, ou orgulho, é a afirmação esnobe da própria identidade, segundo
Umberto Galimberti. Soberba em si significa orgulho excessivo, arrogância. Pode-
se, então, definir soberba como um “... sentimento esnobe que a pessoa sente,
enaltecendo a si própria, vivendo de um orgulho próprio que nem sempre é bom
para os outros, pelo contrário. (GALIMBERT, 2005).
Luxo e soberba costumam se misturar muitas vezes, pois, numa tentativa de
agregar valores pessoais, o indivíduo passa a construir uma imagem opulente e ao
mesmo tempo suficiente para inibir não apenas outras pessoas, mas inclusive a si
mesmo, evitando que se aflore a própria personalidade a partir de uma realidade
mediada por produtos e construída para mostrar algo que na realidade não se é ou
se possui, exatamente para impor a própria força.
Segundo São Tomás de Aquino, a soberba era um pecado o grandioso que
era fora de série, devendo ser tratado em separado do resto e merecendo uma
atenção especial. Aquino tratava em separado a questão da vaidade, como sendo
também um pecado, mas a Igreja Católica decidiu unir a vaidade à soberba,
acreditando que neles havia um mesmo componente de vanglória, devendo ser
então estudados e tratados conjuntamente.
199
Enquanto o invejoso guarda tal sentimento para si, se remoendo
internamente (talvez até com medo das denotações negativas que tal sentimento
pode compor), o soberbo tende a se mostrar, pois está enamorado com a própria
existência, sentindo-se auto-realizado (dentro dos conceitos propostos na pirâmide
de Maslow), querendo se mostrar para os outros e despertar a inveja ou admiração
dos outros, como se isso elevasse sua estima ao máximo e lhe trouxesse prazer.
O soberbo quer superar sempre os outros, mas quando é superado, logo se
deixa dominar pela inveja. Para o soberbo, ele deve sempre estar no topo, sendo o
parâmetro mais alto para as pessoas, despertando interesse e curiosidade de todos.
A soberba, assim como a inveja, é um sentimento relacional, ocorrendo de
indivíduo para indivíduo. A inveja e a soberba sempre ocorrem em situações do dia-
a-dia humano, nas suas relações mais diversas, voltado à forma como as pessoas
interagem.
Soberba é contrária à homogeneização da humanidade (dentro dos preceitos
cristãos), pois, uma vez homogênea, com todos os indivíduos sendo e vivendo de
maneiras iguais, a sociedade não temais espaço ao desejo de se tornar diferente
e mais especial que os outros, nas mais diversas formas. Com todos vivendo
igualitariamente, a soberba não existe, e quem desse pecado sobrevive, se senti
carente, fraco, ausente, já que não conseguirá atrair atenção de ninguém tão
facilmente ao agregar grandes valores a si próprio.
O orgulho para com os próprios feitos é um ato de justiça para consigo
mesmo, porém em excesso pode se transformar em vaidade, ostentação, soberba,
o que se tornar um pecado. Todos nos orgulhamos de nossos feitos mais notáveis,
200
ou de nossas conquistas, mas a partir do momento que tal sentimento se apodera
de nós de forma que nos consideramos as pessoas mais notáveis e especiais
existentes, cuja existência é superior a de todas as outras, passamos a ser movidos
não pela paixão, mas pela vaidade, pela soberba.
A correção da soberba ocorre única e simplesmente por meio da humildade.
É agindo com simplicidade que se consegue combater a soberba nas suas mais
diversas formas, evitando a ostentação, contendo as vaidades e olhando o mundo
não apenas a partir de si, mas principalmente ao redor de si. O soberbo vê o mundo
começando a partir de si, enquanto o correto seria que ele olhasse ao redor,
comparasse, analisasse e traçasse seu caminho individualmente, com virtude e
solidariedade.
Ser humilde não quer dizer, porém, que o indivíduo deve se curvar aos outros
por pura humildade, pois isso muda de nome: se chama humilhação.
Em nossa sociedade, as pessoas se baseiam em modelos, alguns até
fracassados, para agregarem valor a si próprios, afirmando que elas são diferentes,
superioras às outras. O ideal seria que as pessoas deixassem as aparências de
lado e valorizassem aquilo que realmente são e pensam não aquilo que possuem;
quando as pessoas ostentam demais aquilo que possuem, os objetos passam a ter
mais valor que o próprio indivíduo, como se tivessem tomado vida própria. A
pessoa, nesse caso, se torna mero manequim.
201
4.4.1 O socioconsumo
É inegável que o consumo seja um processo voltado para si, mas
dependente sob uma série de aspectos do outro, imersos num ambiente social
determinado especialmente pela cultura. Não estamos sós no mundo e graças ao
pagamento de contas, taxas e impostos, podemos adquirir os produtos e artigos das
quais necessitamos para garantir a própria sobrevivência.
Para entender o consumo é preciso conhecer como a cultura constrói esta
experiência na vida cotidiana, como atuam os códigos culturais que dão coerência
às práticas e como, através do consumo, classificamos objetos e pessoas,
elaboramos semelhanças e diferenças. E assim ver que os motivos que governam
nossas escolhas entre lojas e shoppings, marcas e grifes, estilos e gostos - longe de
desejos, instintos ou necessidades - são relações sociais que falam de identidades
e grupos, produtos e serviços. O consumo é um sistema simbólico que articula
coisas e seres humanos e, como tal, uma forma privilegiada de ler o mundo que nos
cerca. Através dele a cultura expressa princípios, estilos de vida, ideais, categorias,
identidades sociais e projetos coletivos. Ele é um dos grandes inventores das
classificações sociais que regulam as visões de mundo e, talvez, nenhum outro
fenômeno espelhe com tanta adequação um certo espírito do tempo - face definitiva
de nossa época”. (Rocha, 1995)
A partir do momento em que os produtos desejados são confeccionados para
que possam assim despertar o nosso interesse, e cujo valor deles são determinados
principalmente pelo apreço social que eles despertam, podemos então concluir que
de fato um componente social por trás do consumo, em especial de luxo, cujo
valor agregado aos itens é motivado especialmente pela reputação das marcas e do
modo como agregam valor aos seus compradores num grupo, pode-se concluir que
202
o componente social no consumo. Logo, chega-se à idéia de socioconsumo, ou
seja, o modo como a sociedade interfere no modo como se constrói a própria
relação de consumo.
O comportamento do consumidor de modo geral “pode ser considerado em
grande parte como os atos de uma peça teatral. Como no teatro, cada consumidor
tem falas, acessórios e figurinos necessários para um bom desempenho na
encenação. Como as pessoas representam muitos papéis diferentes, elas às vezes
modificam suas decisões de consumo, dependendo da “peça” de que participam no
momento. Os critérios que elas utilizam para avaliar produtos e serviços em um de
seus papéis podem ser bem diferentes dos utilizados em outro”. (SOLOMON, 2008)
Conforme a citação acima de Solomon, o indivíduo inconscientemente se
imerso num ambiente onde é obrigado a representar de acordo com as
circunstâncias. Num mundo heterogêneo, com pessoas agindo sob diversas
situações do cotidiano, cada um se obrigado a circular adequadamente nesses
cenários, procurando ser o mais bem aceito possível em cada um deles. Para isso,
não basta apenas ser a si mesmo, mas também do apoio de instrumentos capazes
de facilitar essa interação, onde no caso, os artigos de luxo surgem como potenciais
facilitadores. Em grupos apreciadores do luxo, os artigos favorecem a inclusão; em
outros, impõe respeito e admiração.
De fato, somos a todo instante estimulados a querermos algo mais, visando
melhorar a nossa própria vida. Porém, sendo este um processo contínuo, de fato
ocorre que este sistema se organiza de um modo cíclico, ou seja, “Toda uma
sociedade se mobiliza em torno do projeto de arranjar um cotidiano confortável e
fácil, sinônimo de felicidade. De um lado, a sociedade de consumo de massa
apresenta-se, através da mitologia da profusão, como utopia realizada. Do outro, ela
203
se pensa como marcha rumo à utopia, exigindo sempre mais conforto, sempre mais
objetos e lazeres”. (LIPOVETSKY, 2005)
Raros são os objetos que hoje se oferecem isolados, sem o contexto de
objetos que os exprimam. Transformou-se a relação do consumidor ao objeto:
não se refere a tal objeto na sua utilidade específica, mas ao conjunto de objetos na
sua significação total”. (BAUDRILLARD, 1929) Isso quer dizer que os objetos por si
deixaram de ser apenas objetos e passaram a adotar múltiplos significados que a
eles se fixam e criam uma interdependência, das quais o indivíduo não consegue se
dissociar quando realiza uma compra, pelo contrário, chega a fazer uso racional
dessas significações para determinar sua escolha por um produto ou outro. Além
disso, com a quantidade crescente de objetos se proliferando, os objetos passaram
a agir diretamente junto aos homens, que passaram assim a substituir as pessoas
por elementos de contato interpessoal artificiais. À nossa volta, existe hoje uma
espécie de evidência fantástica do consumo e da abundância, criada pela
multiplicação os objetos dos serviços, dos bens materiais, originando como que uma
categoria de mutação fundamental na ecologia da espécie humana. Para falar com
propriedade, os homens da opulência não se encontram rodeados, como sempre
acontecera, por outros homens, mas mais por objetos. (BAUDRILLARD, 1929).
Embora possa não parecer, este processo não se dá de modo caótico.
Descobre-se que os objetos jamais se oferecem ao consumo em desordem
absoluta. Em determinados casos, procuram imitar a desordem, para melhor
seduzir, ordenando-se sempre, no entanto, para abrir vias diretoras, para orientar o
impulso de compra em feixes de objetos, encantando-o e levando-o, dentro da
própria lógica, até ao máximo investimento e aos limites do respectivo potencial
econômico. (BAUDRILLARD,1929)
204
Chegamos ao ponto em que o consumo invade toda a vida, em que todas as
atividades se encadeiam do mesmo modo combinatório, em que o canal das
satisfações se encontra previamente traçado, hora a hora, em que o envolvimento é
total, inteiramente climatizado, organizado, culturalizado. (BAUDRILLARD, 1929)
O socioconsumo interfere diretamente no processo de compras de luxo pois,
além da idéia de consumo ser totalmente vinculada ao outro, incluindo o valor dos
artigos que devem ter apreço social, há de fato um fenômeno claro de que os
produtos passam não apenas a tomar parte da importância dada a valores pessoais,
mas tamm a substituir a presença dos outros ao redor, ou seja, aumentam o
distanciamento interpessoal. Pode não parecer, mas isso traduz uma questão muito
complicada no que tange a modernidade: o crescimento inversamente proporcional
entre artigos e pessoas próximas. Logo, quando menos se espera, o indivíduo se
encontra cercado de produtos e sozinho, numa realidade fugaz, a partir da
efemeridade inerente a cada produto, foras as circunstâncias de desgaste natural.
4.4.2 A Verticalização do luxo
De acordo com Günther Anders, os seres humanos são dotados de forte poder
de organização social, em caráter muito superior ao dos outros animais, sob altos
graus de complexidade. A principal característica dessa organização é o caráter
vertical com os quais as pessoas se comparam e se consideram, de acordo com
uma axiologia socialmente difundida. Elas geralmente se estabelecem em escala
crescente, do pior ou menos valorizado para o maior, mais nobre.
No caso, do mesmo modo como ocorre com objetos, os indivíduos tamm
se diferenciam a partir de uma série de itens de apreço coletivo de um modo
complexo, intercalando respeito, consideração e reputação. Assim, o luxo emerge
205
dentro desta verticalização como estando no topo desta escala, atraindo o interesse
e o apreço coletivo, o desejo de possuir e estar lá, nesse ponto.
É de modo plenamente racional que a organização vertical se estabelece.
Embora seja possível, de fato, migrar nessa escala, os próprios homens
estabelecem condições para tal mobilidade, ou mesmo proteções caso tais
mudanças sejam desconfortáveis, caso das castas indianas, por exemplo.
Porém, como afirma Anders, a tarefa daqueles que nos entregam a imagem-
de-mundo consiste deste modo em mentir para nós um todo a partir de rias
partes.” (ANDERS, 2007) Pensar sobre tal afirmação indica que, na realidade, há
toda uma estrutura montada para criar as bases da ideologia da qual se sustenta a
verticalização onde os seres humanos se inserem. De fato, são critérios e idéias
bastante abstratos, porém convencionados e aceitos socialmente, e nem tudo que é
informado condiz com a realidade, onde idéias mentirosas podem se promovidas,
criando falsos costumes, entre outros.
4.5 O luxo kitsch
Por kitsch podemos entender de modo geral como algo de rebuscado mau gosto
propriamente dito. Rebuscado pela origem nobre das matérias-primas e técnicas de
utilização, porém de mau gosto por colocar tudo isso a serviço de itens de
importância menor ou quase sem nenhuma relevância, objetos do cotidiano que
tendem a não despertar a atenção de ninguém, mas com grande possibilidade de
gerar alguma forma de apego pessoal.
Kitsch é um termo de origem alemã (verkitschen) que é usado para
categorizar objetos de valor estético distorcidos e/ou exagerados, que são
considerados inferiores à sua cópia existente. São freqüentemente associados à
206
predileção do gosto mediano e pela pretensão de, fazendo uso de estereótipos e
chavões que não o autênticos, tomar para si valores de uma tradição cultural
privilegiada.
As características conjugadas do Kitsch agem sobre nosso sentido nos
causando um "curto-circuito" da sensibilidade, a partir do momento que se distoa e
foge de uma uniformidade com o qual estamos acostumados a nos deparar em
relação ao espaço e tempo atuais, conforme vivenciamos diariamente.
É importante frisar que o kitsch está presente indistintamente em todas
classes sociais. Aliás, é um elemento que tem como finalidade favorecer uma
nivelação social e histórica de uma comunidade heterogênea, sendo portanto
consumido por praticamente todos.
O ínício do kitsch surgiu ao fim da Idade Média com a ascenção da burguesia
comercial européia das cidades emergentes. Com muito dinheiro para consumir e
baixa aceitação social, estes burgueses passaram a comprar muitas coisas das
quais consideravam de luxo e que poderiam vir a desta-los. O problema é que
este processo de consumo se construiu sob uma base cultural e educacional
diferenciada, ou seja, sem o gosto e o refinamento da qual compartilhava a classe
nobre da época, fazendo então com que se multiplicassem os penduricalhos e
quinquilharias nos mercados locais, tornando a comercialização deste tipo de
produto uma constante.
Atualmente, o universo dos produtos de luxo incorporou uma série de itens de
uso popular numa roupagem diferenciada. São itens comuns, como celulares, pen
drives, tênis esportivos, mp3 players, etc.. Geralmente são produtos do dia-a-dia
com uma cara de jóias finas, com alto valor agregado. São empregados ouro,
brilhantes e cristais de alto valor para ornar a peça e deixá-la com cara de
207
exclusividade, item raro, o que é considerado por muitos um grande despropósito, a
partir de uma inadequação, que uso e forma do produto se colocam de modo até
dissociado, com uma lógica própria.
Os artigos kitsch de luxo na maioria dos casos saem do hall dos produtos
bregas e de mau gosto para se tornarem peças de excentricidade, revelando um
refinamento do usrio manifestado até sobre itens comuns e corriqueiros, das
quais a maioria das pessoas não importância e compram quase como
commodity, com baixo grau de personalização. Eles estimulam os sentidos de um
modo complexo, gerando um carinho para com o produto.
4.6 O tempo do luxo. Vencendo o efêmero
4.6.1 O que é o tempo?
Segundo Norbert Elias, os físicos dizem muitas vezes serem capazes de
medir o tempo. Servem-se de fórmulas matemáticas, nas quais o tempo
desempenha o papel de um quantum específico e determinado. Porém, o tempo
não se deixa ver, tocar, ouvir, saborear nem respirar como um odor. Ou seja, o
tempo não é algo perceptível aos sentidos, ou melhor, não existe “fisicamente”.
A partir do desenvolvimento deste assunto, Elias propõe uma definição de
que o tempo nada mais é do que “uma maneira de captar em conjunto os
acontecimentos que se assentam numa particularidade da consciência humana, ou,
conforme o caso, da razão ou do espírito humanos, e que, como tal, precede
qualquer experiência humana”. Com esta definição, o autor pretende deixar claro
que o tempo, por si só, produzido e reproduzido por intermédio humano, ou seja,
não é algo natural como atualmente costumamos entender como tal.
208
A sucessão irreversível dos anos representa, à maneira simbólica, a
seqüência irreversível dos acontecimentos, tanto naturais quanto sociais, e serve de
meio de orientação dentro da grande continuidade móvel das coisas e da vida, seja
de origem natural ou social.
Nos dias atuais, o “tempo” é um instrumento de orientação indispensável para
realizarmos uma multiplicidade de tarefas variadas.
Independentemente dos famosos relógios de luxo, como os Rolex ou Swatch,
é importante se considerar que em um mudo em constante mudança, o luxo acena
com a possibilidade de tornar a transitoriedade do tempo menos agressiva, mais
suave. O tempo tem por característica desgastar as coisas, fazer com que elas
percam aos poucos as características de quando foram produzidas. Sendo assim,
tudo tende à obsolescência, ou melhor, à morte, tal como as pessoas. Assim, o luxo
transmite maior segurança entre as transições, ao passo que tamm consegue
garantir uma sobrevida graças a designs específicos e matérias-primas de primeira
linha, permitindo composições e novas e um tanto diferentes, trazendo aos objetos
uma sobrevida, com admiração constante ou até crescente.
Para consumir, precisamos do tempo do trabalho e o tempo do consumo, do
prazer da compra. Para tanto, temos que entender que, a partir do momento em que
a realidade individual é multifacetada, ou seja, varia de pessoa para pessoa.
Conforme as próprias condições de existência, o poder aquisitivo de cada um, o
tempo varia.
Cada pessoa tem uma reserva de tempo igualitária, ou seja, as mesmas 24
horas por dia, 365 dias por ano. A questão é o modo como se faz uso dessa
reserva, seja de forma qualificada ou não. Os mais abastados, mais cômodos em
relação ao próprio trabalho, conseguem fazer uso maior do tempo em favor de um
209
benefício próprio, bem-estar pessoal. Enquanto isso, outras pessoas sofrem com o
mercado de trabalho e as condições estressantes determinadas por empregadores
cada vez mais afoitos, sob a ameaça constante de demissão. Isso gera uma
insatisfação das classes menos abastadas, pois embora se trabalhe mais entre
estes indivíduos, a impossibilidade de se gastar mais do que aqueles mais
preocupados com o próprio prazer.
Cada um faz uso do tempo como pode, ou melhor, como considera mais
adequado. Num mundo tão cheio de desigualdades sociais, estas tamm
influenciam sobre o próprio uso do tempo. O luxo é o próprio uso do tempo de
modo voltado à auto-existência, um afago ao ego individual, um tempo destinado
exclusivamente ao prazer individual, um modo diferenciado de se divertir num
mundo cheio de opções e facilidades. Havendo dinheiro disponível, tudo fica mais
fácil, ou mais tranqüilo. Havendo condições satisfatórias de consumir, há prazer em
fazê-lo...
O luxo também oferece opções diretamente relacionadas ao modo como os
produtos se posicionam em relação ao tempo. Sob uma promessa de existência
mais efetiva e duradoura, os produtos conseguem ter um valor superior aos
comuns, considerados de menor qualidade. Vencer o tempo é uma clara
preocupação do individuo, que quer gastar conscientemente e manter aquela
sensação clara de prazer por mais tempo. O produto, quanto mais durável for, maior
torna seu custo benefício. Ao mesmo tempo, quanto mais durar, mais reduz o
investimento para adquiri-lo. Enquanto vencer o caráter degenerativo do tempo, por
mais tempo o produto se torna valorizado e mesmo que seja revendido, ainda assim
possui um valor considerável em relação a um custo inicial como se estivesse 100%
novo.
210
O luxo é uma das rias formas que o homem encontrou com o tempo para,
por meio das coisas, vencer a transitoriedade, o efêmero. Literalmente, buscou uma
forma de parar os relógios e vencer o drama do fim de tudo e da morte. Por trás dos
produtos, uma história a ser contada e, porque não dizer uma experiência a ser
vivenciada. Um produto de luxo não propõe apenas uma forma de uso especial de
algo cujo alcance não está disponível para todos, mas sim uma experiência de uso
capaz de gerar prazer.
Em se tratando de um artigo de uso pessoal comum, os relógios também
foram dominados pela atmosfera do mundo do luxo. Relógios especiais como Rolex,
Panerai, ou Cartier, se multiplicam nos pulsos daqueles que tem reais condições de
portá-los. Matérias-primas nobres, pontos de venda exclusivos e design inovador
são capazes de, no geral, supervalorizar um item simples cuja medida das horas
pode facilmente ser analisada por um aparato muito menos requintado e sofisticado.
O tempo é o mesmo para todos, mas o que muda é o modo como se faz uso dele.
4.7 Comunicação simbólica entre humanos e o luxo
Um fato importante notado é que uma enorme capacidade dos indivíduos
se comunicarem por meio de símbolos, sejam cores, números, letras, etc.. O tempo
é representado por vários deles. A capacidade de se comunicar por intermédio de
mbolos sociais específicos, que não estão inscritos em nossos genes (não
biológico), foram invenções dos quais os homens se servem de modo recorrente
para se orientar no mundo dentro de suas necessidades. A comunicação pessoal,
como deveria ser se enfraquece com as distâncias e quantidades cada vez maiores
de indivíduos, fazendo necessário que se mantenha sempre algo capaz de manter a
comunicação ativa e simples apesar das vicissitudes, surgindo assim mídias
211
secundárias. Para que toda comunicação “comece no corpo e termine no corpo”, é
preciso que exista uma estrutura para tal, que favoreça a integração entre as partes
envolvidas no ato comunicativo.
A transformação sempre renovada da língua da sociedade numa linguagem
individual é apenas um dos inúmeros exemplos dessa individualização dos dados
coletivos. Esse processo, com demasiada freqüência, é desconhecido ou
mascarado pela socialização do indivíduo, que é correlata dele. Podemos assim
dizer que estas circunstâncias são exemplos claros da heterodeterminação pela
qual passam os indivíduos e porque não dizer submete todos precocemente a uma
tensão, já que dominar uma linguagem em comum e saber como lidar com
quantidades ou com o tempo são indispensáveis à própria sobrevivência, mais até
do que ler ou escrever. Uma criança se torna um ser humano ao se integrar num
grupo por exemplo, ao aprender uma língua já existente, ou ao assimilar as regras
de controle das pulsões e doa afetos que são próprias de uma civilização.
Os símbolos, como aqueles determinados pelo tempo, necessitam de uma
reiterada afirmação para que sejam eficazes; isto se dá por meio da presença
também reiterada de seus portadores materiais, de seus suportes, e quando estes
dão sinal de esgotamento, pela sua substituição por novos suportes. Os suportes
materiais de símbolos complexos como o tempo necessitam de uma alta taxa de
recorrência e permanência, apresentam, portanto, igualmente, um índice elevado de
cansaço e desgaste. Estes suportes atuam invariavelmente como demarcadores do
tempo de vida dos indivíduos, sincronizando suas atividades dentro de um todo
maior. É na segunda realidade do homem (Bystrina), ou seja, na realidade criada
pelo seu imaginário e pela sua capacidade de criar símbolos, que os vetores
temporais divergentes atuam. São eles, conforme vimos acima: a) criar, transmitir e
212
manter o presente no passado e no futuro; b) criar, transmitir e manter o futuro no
presente e no passado.
No luxo, de fato, uma constante apropriação de artigos e matérias-primas
simbólicas capazes de, por meio de relações semi-simlicas (ou seja, agregam à
forma qualidades diversas e dedutivo-interpretativas),garantir principalmente às
marcas uma reputação ampla e considerável por parte do blico, seja ele
comprador ou não.
4.8 Iconofagia, as devorações e antropofagia na comunicação
4.8.1 As imagens no espaço e no tempo
A imagem tem, logo, de acordo com seu significado, pelo menos três
funções: a de presença mágica, a de representação artística e a de simulação
técnica, entre as quais existem múltiplas intersecções e sobreposições.
Dietmar Kamper afirma que as imagens são “substitutas daquilo que falta,
que é ausente, sem nunca alcançar a dignidade daquilo que substituem(KAMPER,
2002)
A dupla premissa é muito simples: como imagens os homens seriam
imortais, sem imagens talvez pudessem ser mortais.” (KAMPER, 2002)
De acordo com o pensador Dietmar Kamper, a imagem “reflete uma ordem
mágica de plena presença na qual a imagem é idêntica àquilo que mostra e uma
ordem da representação que tendem ao vazio” (KAMPER, 2002)
de se admitir ainda, conforme indica Kamper, uma “passagem histórica e
biográfica da magia à representação, do realismo da imagem que compreende a
realidade com um ser na imagem, à moderna doutrina dos sinais”.
213
“Tendo em vista que quase ninguém é capaz de resistir ao horror vacui
(medo do vazio), daí deriva a sucessão circular de substitutos que procura supri-los
com uma aceleração crescente de substituição” (KAMPER, 2002)
4.8.2 Imagens e espaços humanos
Os espaços humanos das quais as imagens fazem parte passaram a sofrer
grandes influências delas, notadas principalmente a partir do Renascimento, mas
que se ampliaram exageradamente no século XX (principalmente graças aos
avanços da tecnologia e da reprodutibilidade técnica trazidas pelo progresso), o que
traz diversas questões quanto às esferas da comunicação e da cultura. Por
exemplo, como se o desenvolvimento de uma cultura das imagens em relação a
uma cultura dos corpos (estes dentro de uma materialidade que lhes é inerente e
possuidores de uma tridimensionalidade), tanto no que tange aos vínculos
comunicativos quanto na inter-relação entre tais ambientes, ou como se constrói
socialmente uma relação entre algo imaterial em um ambiente repleto de coisas
materiais
4.8.3 Imagem e os corpos
Villém Flusser transita brilhantemente entre estes dois ambientes, o da
imagem e o do corpo, explicando como se constroem e ao mesmo tempo os
contrapondo a partir da definição de dois grupos principais: o das coisas” e o das
“não-coisas”. Para tal, o principal critério de separação seria a existência matérica
do ser a partir de sua dimensionalidade, da relação construída e mantida entre
espaço e tempo. Estas definições iniciais se fazem muito importantes a partir do
214
momento em que o texto se desenrola a partir da relação divergente, ou até
convergente, que existe entre estes elementos.
Os indivíduos se acostumaram com a representação, passando a lhe dar
mais valor à medida que as coisas” se tornam inacessíveis à totalidade de uma
coletivo. De acordo com Hans Belting, em sua obra A Imagem Autêntica, é preciso
ter nas imagens para que elas possam representar algo, e esta quem deposita
são os indivíduos.
As imagens, de certo modo, nos mentem a partir do momento que nelas
procuramos provas e evidências daquilo que representam, mas na verdade não são
nada além de reproduções da realidade como ela é funcionando como janelas da
realidade.
4.9 Para haver comunicação, é preciso haver vínculo
O vínculo, a princípio, pode ser visto como unidade mínima das relações
comunicativas (logo, é um processo vivo no espaço e no tempo). Todo processo de
comunicação, qualquer que seja, nasce basicamente de um vínculo, principalmente
mantidos entre as pessoas na condição de seres racionais e pensantes (o homem
como ser social), que desejam transmitir adiante uma história, partilhando-as com o
grupo ou consigo mesmos numa condição futura (memória). Para tal, a simulação
dessa história se a partir de um dado, onde o real vira informação a ser
armazenada para ser acessada mais adiante quando solicitado.
É importante colocar que tanto os processos comunicativos quanto os
processos culturais se desenvolvem como ambientes sociais e históricos complexos
que não resistem a visões reducionistas ou simplificadores, sendo necessárias
profundas reflexões.
215
4.10 O que as imagens querem?
De acordo com J. W. T. Mitchell, as imagens substituíram rapidamente as
palavras no ato de transmitir informação. Isso porque colocam em jogo
simultaneamente uma série de dados num curto espaço de tempo e de fácil
interpretação, seguindo a idéia de que “uma imagem vale mais do que mil palavras”.
É necessário, ainda, se frisar que apesar de verossímil, a imagem pode nos iludir ou
nos levar a conclusões erradas, a partir do momento que expostas num contexto
específico, nos dão uma construção de um cenário que nem sempre pode condizer
com a realidade. No entanto, o mesmo autor nos coloca a par de um caráter,
também exposto por Hans Belting, oriundo da polissemia da palavra Image no
idioma britânico, pois pode caracterizar um objeto físico (pintura ou escultura), as
imagens mentais e imaginárias e a mesmo tempo servir de metáfora para uma
figura qualquer, propondo que é preciso expor inicialmente um indicativo sobre qual
imagem estamos falando. Norval Baitello Jr. ainda definindo o que é imagem,
remete ao fato de que em latim imago referia-se ao retrato de um morto, conferindo-
lhes uma segunda existência, a partir da construção de uma segunda realidade, a
presença de uma ausência e seu oposto, a ausência de uma presença.
As imagens adquiriram importância e conquistaram o mundo contemporâneo,
com situação de igualdade em relação aos homens (ou até superiores), consumindo
o mesmo tempo e status jurídico. Isso perceptivelmente se pelo zelo
constitucionalizado em relação às marcas, por exemplo. Pessoas muitas vezes dão
seus nomes, com certo renome graças ao reconhecimento profissional que
possuem, para grifes, como Calvin Klein, Paco Rabanne, Gucci, Georgio Armani,
etc., o que mostra que com grande freqüência as pessoas sicas se transformam
em pessoas jurídicas e, porque não dizer, patrimônio das marcas da qual trabalham
216
para construir, perdurando mesmo após a morte (caso da Chanel, por exemplo).
Uma questão proposta por esta reflexão, porém muito pertinente, se dá dentro de
critérios econômicos, pois o que seria então mais valioso, o criador da marca ou a
própria marca? Adiantando o resultado da enquete, independentemente das
respostas, poderíamos dizer que o resultado será bastante polêmico.
4.10.1 Imagens agem
Contrariando o pensamento de que “imagem é tudo”, Mitchell nos faz refletir
em sua obra What Do the Images Want? a respeito do tema e chega à conclusão de
que as imagens não são tudo, porém querem que pensemos isso delas, garantindo
às imagens um caráter quase que de objetos actantes (graças ao caráter de
mediação humana que possuem). O mesmo autor também afirma que, embora seja
a principal forma de transmissão de informações hoje disponível, as imagens
tendem ao lapso, a partir do modo como são imitações da vida e ao mesmo tempo o
modo como tem “vidas próprias” (pois há uma reprodutibilidade técnica que as
multiplica quase que sem controle). Complementando esta informação com uma
colocação de Baitello Jr., esta situação ocorre não mais pela fadiga do objeto e de
seus materiais, mas da fadiga do olhar e seu corpo, provocada pelo desmesurado
abuso da reprodutibilidade da imagem.
No texto de Norval Baitello Jr. tamm é proposta outra discussão que vem
muito bem a calhar de acordo com a temática neste momento exposta. Se o olhar é
um gesto do corpo, seriam então as imagens criaturas dos corpos, produtos que
aspiram existência autônoma, que pretendem se instituir independentes dos
criadores, talvez substitutivas dos mesmos? A resposta tende a ser, no mínimo,
217
polêmica a partir do momento que o existe sobre ela uma verdade absoluta e
hermética.
Conforme exposto no texto, segundo Hans Belting, sem nosso olhar as
imagens seriam outra coisa ou absolutamente nada. Assim sendo, o autor não
apenas propõe um pensamento reflexivo, mas também nos chama a atenção ao
fato de que, independentemente de critérios axiológicos, o valor dado a uma
imagem não lhe é inerente, mas dado por nós mesmos, por quem a vê. Um produto
de luxo, por exemplo não é luxuoso por si só, mas porque a ele é dado um caráter
de valor, distinção, e para tal é necessário que haja um ser pensante e ativo tanto
por trás da produção quanto por trás de um processo de estabelecimento de um
desejo de compra. Quando colocamos nosso aparato interpretativo em ação, não
fazemos isso de modo idôneo, a partir do momento que sempre transcendemos o
estímulo, a sensação, a partir das próprias experiências vivenciadas e acumuladas
na memória, sejam estas positivas ou não.
Hans Belting afirma que acreditamos na “mentira” que as imagens nos
mostram, pois, de fato, a possibilidade de nelas encontrar provas daquilo que
queremos ver com nossos próprios olhos. Ainda, as imagens o “janelas para
realidade”, ou seja, apresentam por si , circunstâncias claras e imutáveis a
respeito de um mundo em constante mudança, transmitindo a sensação de
estabilidade e segurança numa condição assistida, onde se vence os limites do
corpo, do espaço e do tempo como elementos físicos e mensuráveis.
Ainda sobre o tema, Dietmar Kamper surge com uma proposta teórica
conhecida como “órbita do imaginário”. De modo geral, esta teoria exprime uma
esfera de imagens que se constitui à revelia do homem, embora criada por ele, mas
sem memória de suas raízes, tendo perdido os vínculos de sua origem e gerando,
218
por conseguinte, uma esfera de imagens auto-suficientes e auto-referentes. Seria
como se as imagens conseguissem uma emancipação a partir do momento que não
tem mais vínculos com suas raízes, que funcionam quase como cordões umbilicais
ligando-as a uma origem. Kamper ainda contrapõe a força da imaginação como
momento criativo de rebelião das imagens e resistência de um pensar corporal, a
contrapelo da órbita do imaginário”, onde residem grande parte dos sonhos mortos
da humanidade, artefatos substitutivos da imaginação, para os restos de tudo aquilo
que se imaginou, se produziu, como uma espécie de arquivo. Por isso pode se
entender o processo como órbita, onde existe um centro, ou núcleo, de importância
e uma série de elementos circulantes ao redor.
Fazendo um paralelo com a obra de Mitchell, fica a pergunta: porque as
pessoas tendem a ter atitudes o peculiares em relação às imagens?
Simplesmente, porque elas têm capacidade de persuadir, seduzir e nos modificar.
As imagens, por assim dizer, possuem por si uma qualidade denominada “função
janela”, que permitiria o acesso às coisas”, mesmo que intangíveis em dado
momento; o acesso pode ser entendido como a visibilidade que, no entanto, entra
em profunda crise diante do adensamento da órbita do imaginário. De outro lado,
ainda no próprio livro A era da iconofagia, é apresentada tamm a versão de
Flusser sobre o tema, com a função biombo”, em que, ao invés de remeter ao
mundo e às coisas, as imagens passam a bloquear seu acesso, remetendo apenas
ao repertório ou repositório das próprias imagens, o que origina uma espécie de
ciclo vicioso, sem fim visível.
É importante se fazer as reflexões necessárias sobre as imagens e
correlacioná-las ao luxo, pois, de fato, a partir do momento em que na atual
circunstância da vida social as pessoas interagem o tempo todo com imagens
219
diversas, elas controem de fato uma imagem para si mesmas a partir do momento
em que “devoram” o todo daquilo que viram e assimilaram visando, dentro de suas
possibilidades, pensar em algo novo pessoal, talvez autêntico (ou o mais próximo
disso). Seria, por idéia central, a criação de imagens exógenas (externas ao corpo
humano) interferindo diretamente na criação das próprias imagens endógenas
(criadas no inconsciente e imaginário do indivíduo). Logo, as imagens passam a
interferir diretamente no modo como as pessoas estabelecem seus gostos,
preferências, compras, e em especial no mercado de luxo, como compor visuais e
ao mesmo tempo mensurar as possibilidades das marcas ali expostas dentre várias
opções, a partir daquilo que se deseja para si, ou melhor, que atenda aos anseios
das imagens endógenas criadas.
4.10.2 As devorações das imagens
A noção de devorar, num sentido amplo, está culturalmente fixada à imagem
do outro. É, por excelência, um gesto bárbaro, caracterizado por um jogo de forças
ímpares, que exclui de seu campo de sentido a ordem, a etiqueta, a sutileza e a
delicadeza, significados que costumam gravitar em torno do mundo civilizado.
Antes de tudo, a devoração põe em cena, diante da força irresistível do
devorador, uma aparente fragilidade do objeto a ser devorado, seja ele uma simples
porção de alimento, ou o pprio indivíduo, tomado aqui como alimento. A
fragilidade, entretanto, é apenas aparente. O fenômeno da antropofagia é
simbolicamente justificado pela necessidade de incorporação de uma força atribuída
ao outro.
220
No campo da Comunicação, as formas de devoração se multiplicam, seja no
fenômeno da iconofagia (as imagens que nos devoram), sejam nas constantes
devorações presentes nos processos de intertextualidade e interculturalidade. Ora
devorados, ora devoradores, cúmplices aqui, emboscados ali, seguimos recriando a
"cadeia alimentar" do imaginário cultural. (CONTRERA, KLEIN, 2009)
Norval Baitello Jr. introduz a idéia das quatro devorações, a partir dos
conceitos de antropofagia e de iconofagia. Antropofagia, como o próprio termo diz,
seria entendida como a devoração dos homens, não no sentido dos livros de história
antiga, mas no sentido definido por Oswald de Andrade, junto ao Movimento
Modernista brasileiro que culminou na semana de 1922. Iconofagia, termo proposto
pelo próprio autor e aqui apresentado de modo mais sucinto, indica a devoração de
ícones, ou imagens num sentido amplificado.
De modo geral, o fenômeno da antropofagia não é cometido apenas pelos
homens, mas também pelas imagens, que no sentido contrário, onde ela nos
consomem. A imagem, ao gerar efeitos diversos, por si geram uma ação, ao
passo que também sofrem com a ação daqueles que se põem diante delas, num
processo mútuo e vivo.
Ao todo, de acordo com Norval Baitello Jr., temos quatro devorações, quatro
processos, expostos nas linhas que se seguem:
1 Antropofagia (pura)
Tal fenômeno nasce principalmente do fato dos corpos nascerem de outros
corpos e se alimentarem de outros corpos, num caráter não apenas de apropriação,
mas também de doação da doação de um dos corpos, seja ela voluntária ou não (o
que geralmente pressupões uma violência, uma usurpação).
2- Iconofagia (pura)
221
Neste contexto, as imagens simplesmente se caracterizam por devorar outras
imagens, num constante processo não apenas de apropriação, mas de constante
reconstrução. As imagens desgastadas tendem a ser devoradas por novas imagens
que as reciclam e a fazem reviver.
É notável a utilização de imagens precedentes como referência ou como
suporte da memória.
A desmedida proliferação das imagens, fruto das facilidades da
reprodutibilidade técnica, trouxe muito mais do que a democratização da
informação, trazendo tamm o surgimento de uma instância crescente de imagens
que se insinuam para serem vistas, enquanto decresce em igual proporção a
capacidade humana de enxergá-las.
As imagens apresentadas pela mídia contemporânea terminam por possuir
um alto teor de referência a outras imagens, que por si se referem a outras,
construindo uma perspectiva do abismo.
3 Iconofagia (impura)
Nestes processos, os corpos devoram as imagens. A proliferação
indiscriminada e compulsiva de imagens exógenas em todas as linguagens, em
todos os tipos de espaços midiáticos, gera tamm nos receptores a compulsão
exacerbada de apropriação. Este fenômeno, porém, se sobre “não-coisas”
(imagens). Há um vínculo de apropriação heterodoxa, logo impura.
Harry Pross, conforme expõe o texto, credita à mídia a geração de déficits
porque requerem uma cobertura, feitas pelos próprios mídia, em relação de
dependência.
Não é outro o fenômeno da iconofagia: corpos tridimensionais devoram
imagens em quantidades assustadoras, substituindo as apropriações sensoriais,
222
feitas a partir dos sentidos. Tudo se dissolve em signos e abstração. Neste âmbito
se insere o consumo de marcas e grifes, imagens criadas com base em
procedimentos unilaterais de valoração.
4 Antropofagias (impura)
Neste processo, as imagens consomem os corpos. Conforme exposto,
alimentar-se de imagens pressupõe alimentar imagens, conferindo-lhes substância,
emprestando- lhes corpos. Significa entrar dentro delas e transformar-se em
personagem.
perceptivelmente, não uma apropriação da imagem, mas uma
expropriação de si mesmo, a partir do momento onde a imagem compõe um caráter,
uma impressão visual, onde o importante deixa de ser o corpo em si, mas a
impressão final gerada, ou construída. Dependendo da situação, é possível se dizer
que ferir uma imagem é o mesmo que ferir a própria vivência de modo coletivo,
graças ao demasiado valor que a ela damos, quase como um encantamento, uma
magia.
A grande regra é dada pelas devorações cotidianas anônimas que se
perpetram à revelia de conhecimento público.
4.11 Devoramos as imagens ou somos devorados por elas
Fica a idéia geral de que, num processo muitas vezes simultâneo, ora
devoramos as imagens e ora elas nos devoram. Com o advento das imagens que
se distribuem às centenas e depois aos milhares e milhões, quebra-se a aura do
objeto único, a aparição próxima de algo distante. Apesar de transmitirem muita
informação com uma economia de recursos, as imagens reproduzidas de modo
223
w
exacerbado se tornam cada vez mais onipresentes, gerando uma espécie de
descontrole.
As devorações são processos complexos e como explicitados, ocorrem a
todo instante, porém tudo isso se instala dentro de um processo sócio-cultural, das
quais os indivíduos dificilmente tomam consciência de que não apenas devoram,
mas que tamm são devorados, talvez esta segunda até com mais força e
“perversidade”, a partir do momento que se faz de modo não consentido.
No luxo, as devorações ocorrem não apenas em termos de imagens apenas,
mas em termos de design, estilos, modas, entre outros. O arcaico está presente o
tempo todo naquilo que é novo, até porque a base de tudo, incluindo os gostos
pessoais, permanecem quase estáveis dentro de um cenário de plena mudança,
onde tudo aquilo que está no topo da tecnologia ou do design, num prazo de apenas
cinco anos ou menos, infelizmente se torna sem condições de uso por estar
obsoleto.
4.12 Arte e luxo, uma construção da imagem percebida e sentida
Conforme exposto, é inegável o modo como as imagens se relacionam
diretamente com as idéias, desejos e interesses das pessoas para com uma
realidade vivenciada e sentida. Numa ebulição de imagens e coisas surgindo a todo
instante, opções comerciais de compra e ofertas capazes de mudar todo um
conceito que se tinha a respeito de um item surgem a todo instante. Assim a
interação entre homem e imagem se constrói em um processo contínuo, quase
caótico, a partir do momento em que cada indivíduo constrói uma idéia imagética a
partir de uma realidade pessoal, dando origem a diferentes interpretações, que por
conseguinte originam sensações e pensamentos diferentes.
224
4
Nosso tempo, sem dúvida, prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a
representação à realidade, a aparência ao ser... (DEBORD, 2003). Segundo este
pensamento, Guy Debord afirma que, num tempo de profusão dos objetos, numa
escala maior do que aquilo que podemos apreender, as imagens passaram a
substituir o objeto real, pois ao estimular o sentido da visão, passam um referencial
do todo que é complementado no intelecto do destinatário da mensagem à qual a
imagem quer passar. Isso aumenta o dinamismo, a troca de informações, amplia a
noção de interesse/desinteresse e tão logo, norteia nosso cotidiano. Ao mesmo
tempo, uma espécie de educação do olhar, que passa a se tornar um sentido
“ditatorial”, submetendo os outros ao seu controle. Tão logo a visão passa a
dominar, o contato do indivíduo com o mundo se constrói a partir de aparências, e
não de elementos factuais baseados na realidade, gerando de fato incoerências,
que a visão é um sentido distante, cujo contato se pelo afastamento, não pelo
contato.
Tão logo a profusão de imagens determina as condições para com os quais
as pessoas se relacionam, elas passam a carregar conteúdos maiores e
simultaneamente passam a agregar ao cotidiano um caráter de relação social
propriamente dita, mediando contatos, seja por afastamento ou aproximação. O
espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas,
midiatizada por imagens... onde o mundo real se converte em simples imagens,
estas simples imagens, tornam-se seres reais e motivações eficientes típicas de um
comportamento hipnótico. (DEBORD, 2003).
A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o
resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim; quanto mais ele
contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes
225
da necessidade, menos compreende a sua própria existência e o seu próprio
desejo. (DEBORD, 2003).
Em termos de luxo, as imagens, principalmente as pessoais, geram uma
dependência, mediada por objetos, o que pode ser um erro, que o indivíduo
passa a se dominar pelo visual de si para os outros, deixando de aprofundar
qualidades pessoais para, em tese, aprofundar qualidades visuais e, por
conseguinte, vazias. Assim, ficam dependentes de mediadores fracos, bobos.
As imagens do luxo residem tamm sobre a própria arte, como se cada item
fosse feito para ser algo pronto à contemplação, quase que sagrado, algo absoluto.
4.13 O luxo como forma de expressão da arte
Com relação à arte e ao luxo, não se falará aqui de forma alguma no alto
valor que algumas obras de pintores famosos no mercado internacional, nos
famosos leilões da Sotheby‟s, por exemplo. O que se abordará é a semelhança que
existe entre as composições imagéticas dos anúncios de luxo e algumas obras de
arte clássicas.
A razão para correlacionar arte (pintura) e luxo é, principalmente, mostrar que
há, ao se compor as imagens fotograficamente, uma forma de constr-las como se
fossem obras de arte, compondo uma imagem capaz não apenas de criar uma
imersão na atmosfera do anúncio, mas de ao mesmo tempo construir condições
para que haja uma implantação do leitor que se depara com o anúncio, ou seja,
fazer com que ele se coloque diretamente na posição da modelo que vê, se
materializando com aquele produto naquela situação especial, no típico pensamento
interiorizado do “podia ser eu”.
226
Embora o ser humano seja extremamente criativo e inventivo, é claro que ele
não pode fazê-lo o tempo todo. Na maioria dos casos, quem é que pode inovar
sempre? Muitas vezes, já que se tem que apresentar bons resultados para tudo que
é feito, até inconscientemente se faz uso de algumas “fórmulas de sucesso”, onde
se compõe por meio de cores, contrastes, luz e sombra, aquele efeito desejado
sobre a imagem.
Com o advento da fotografia, a facilidade de se retratar pessoas e paisagens
popularizou muito a imagem, porém tirou muito de seu valor a partir da
reprodutibilidade técnica que viria a multiplicá-las posteriormente numa sociedade
cada efervescente e ávida por novidades, a arte dos pintores não caiu num segundo
plano, passando a ser muito valorizada, como escola de como a imagem pode
retratar coisas belas e ainda ter um significado quase que textual, transmitindo
mensagens de grande impacto.
Abaixo fazemos uma comparação casual entre uma pintura de Veermer e um
anúncio da Chanel Nº 05 com sua principal garota propaganda, a atriz Nicole
Kidman. Pode-se notar claramente que, mesmo com as diferenças entre fotografia e
pintura, ambas possuem um modo de representar a modelo praticamente idêntico.
Embora Veermer tenha retratado uma bela jovem com roupas simples, típicas de
uma serviçal, há nela um olhar diretamente para quem se depara diante da imagem,
sugerindo quase que uma atmosfera de intimidade, igual ao que se com Nicole
Kidman, que na foto se coloca na mesma posição que a jovem de Veermer e ainda
esboça um leve sorriso de satisfação, igualmente olhando para quem está diante da
foto, independentemente de estar com um elegantíssimo vestido de festa preto.
Ambas carregam um brinco, posicionado frontalmente graças às curvaturas de seus
corpos, destacados por uma pele alva, que contrasta com o fundo negro do
228
227
u
ambiente, indicando quase como se elas tivessem luz própria e iluminassem aquele
ambiente.
Enquanto a musa de Veermer se coloca com um longo tecido que lhe cobre
os cabelos e desce até o meio das costas, Nicole Kidman faz diferente; usa um
colar com um pingente redondo que vai até o meio de suas costas descobertas.
Em ambas, é perceptível que se sentem bonitas, atraentes, não apenas
porque o são, mas tamm porque estão com acessórios que lhes garantem um
forte apoio, no caso visualmente as jóias (visualmente porque a imagem não tem
cheiro e talvez não consigamos saber se Nicole está ou não usando o perfume
clássico da Chanel.
(esquerda) Vermeer, Johannes. Garota com brinco de pérola. Óleo sobre tela.(direita) Anúncio
Chanel n°5, Magazine Air France, quarta capa, dezembro 2007
Fig. 20: www.webgallery.hu 20/12/2009
Outra opção analisada é o do modo como se relata a imagem da relação do
homem com a mulher, num jogo de sedução igual ao do que se acostumou a ver
com Adão e Eva no paraíso. Mais abaixo se tem uma boa idéia de como este jogo
entre homem e mulher, amor e prazer, se constroem.
228
Na obra de Grien, independentemente de Adão e Eva estarem nus (eles
estavam no paraíso, logo, ainda não havia pecado), o homem viril se posiciona atrás
da mulher, pegando-a, cortejando-a, visando o posterior ato sexual, enquanto Eva,
por sua vez, se deixa cair em tentação (observe a maça posicionada na mão
esquerda, que ela segura delicadamente enquanto é tocada por Adão).
Na realidade, o que ocorre é que a construção que coloca homem e mulher
juntos tendo em vista o relacionamento amoroso e sexual a partir de um jogo de
sedução e atração é antigo, e em cima disso o anúncio da Bulgari se construiu.
Realizado a partir de um casal com trajes de festa, ambos são relacionados ao
modo como a pintura a partir do momento que, mesmo o olhando diretamente
para quem a imagem, se atraem, se conquistam, com o homem igualmente atrás
“tentando” a mulher, num processo em que ele é igualmente correspondido.
O destaque é que em ambas as imagens há dois elementos, indiretos ou não,
que possibilitam e facilitam o ato de sedução (ou o sexo posterior propriamente
dito); a maçã na pintura e o perfume no anúncio.
Desse modo, a estrutura central de ambas as imagens partem de um mesmo
princípio, a da atração mútua entre homem e mulher, macho e fêmea, numa clara
relação de troca de prazer de ambos.
229
(esquerda) Hans Baldung Grien, Adão e Eva, 1531(direita) Bulgari, Audi Magazine, pag 15. dez
2004.
Fig. 21: www.webgallery.hu 20/12/2009
Agora podemos analisar o modo como as pessoas que hoje surgem nos
anúncios trazem um significado tão forte quanto aos clássicos retratos pintados a
partir da observação e do talento artístico de seus criadores.
Percebe-se em ambas as imagens mais abaixo um olhar fixo a quem as vê,
revelando uma intimidade, um grau de pessoalidade que imerge o leitor naquele
ambiente. Enquanto uma apresenta um olhar mais sóbrio (pintura), outra apresenta
um olhar mais penetrante e sedutor (anúncio Tissot). Na pintura, trata-se de uma
nobre chamada Lucrecia di Cosimo, mostrada com suas jóias em um vestido de
época, cabelos impecáveis, etc.. No anúncio, o tão produzida mas igualmente
bonita, Danica Patrick, piloto da Fórmula Indy e considerada uma sex symbol.
No caso, os retratos possuem uma similaridade clássica, que visam
demonstrá-las como belas e fazê-las símbolos de admiração. Embora a função da
230
pintura seja de retratar o rosto de uma nobre, com riqueza de detalhes, no anúncio é
vender e relacionar a personalidade da modelo ao produto, mostrando que embora
a Tissot seja uma marca forte principalmente entre homens, ela tem artigos
igualmente belos e funcionais para mulheres. Tendo em vista que a modelo é uma
piloto, a relação marca e ela fica igualmente mais clara, conforme abaixo:
Mulher (Danica Patrick) ___ Marca Tissot
Fórmula Indy ___ Homem
No caso, a piloto Danica Patrick é considerada uma ruptura, pois é uma
mulher bonita e atraente em meio a um universo masculino, assim como o produto
anunciado em questão é de uma marca tipicamente masculina, sendo outra ruptura.
Assim, as imagens retratadas visam mostrar a beleza do olhar e retratar
detalhadamente um tempo vivo, longe da efemeridade do tempo.
(esquerda) Agnolo Bronzino, Lucrecia di Cosimo, 1555, óleo sobre tela(direita) Tissot,
Magazine Air France, pag73, dezembro 2007
Fig. 22: www.webgallery.hu 20/12/2009
231
CAPÍTULO 5 A COMUNIÇÂO DE LUXO E SEUS ANÚNCIOS
5.1 As mensagens por trás das imagens
É muito necessário dentro desta pesquisa, ao se procurar estudar e entender
melhor os mecanismos e razões de consumo por trás do mercado de luxo, saber o
modo como esses produtos premium se apresentam aos olhos dos consumidores
mais exigentes, bem como os efeitos de sentido por eles provocados logo na
comunicação midiática elaborada. Isso se deve ao fato de que, independentemente
do modo como o anúncio se constrói, as imagens, textos, cores compõem um
conjunto de informações claras e objetivas a respeito da mensagem que a grife quer
passar, numa produção especial, onde o foco do despertar da atenção está focado
diretamente nos anseios e ambições do público-alvo capaz de adquirir aquele
produto (embora também participe da atmosfera de interesses de um público menos
abastado, as grifes de luxo nem sempre consideram estes indivíduos como
potenciais consumidores, utilizando-os ainda para ampliar o interesse sobre os
artigos que oferece ao passo que transmite a mensagem de que aquilo é “para
poucos”).
Em um mundo cheio de distorções sociais, as marcas de luxo travam uma
disputa entre si para conquistar os consumidores dispersos num ambiente de
mercado onde nem sempre aquela promoção de liquidação total, vista
freqüentemente em lojas de varejo convencionais, pode surtir efeitos benéficos
(pode ocorrer até o contrário). Porém, ao elaborar um anúncio, as grifes procuram
não apenas oferecer um artigo à venda, mas reforçar a própria marca ao mesmo
tempo em que constroem uma redoma em torno do imaterial capaz de abranger o
portador (usuário do produto), tudo feito seguindo uma mesma linha criativa e um
232
pensamento baseado nos valores que a marca transmite, imersos nos desejos
pessoais dos indivíduos.
De acordo com Lourdes Gabrielli Malerba (Gabrielli, 2005), as marcas muitas
vezes preferem se manifestar por meio de um conjunto de qualidades intangíveis,
muito além do que os próprios diferenciais dos produtos, porém procurando apelos
igualmente qualitativos aos olhos dos consumidores. Isso se deve porque uma
qualidade técnica pode geralmente ser mensurada em valores de troca, ou seja,
dinheiro, porém uma qualidade como “chique”, “nobre” ou “glamourosa” já é mais
difícil de receber mensuração financeira, pois de certo modo são arraigadas a
elementos do universo e das experiências de cada um. Por exemplo, uma clássica
caneta da marca Mont Blanc tem muito valor de troca não apenas pela qualidade,
mas pela reputação e valores por trás de quem as fabrica, porém para alguém que
não conhece a marca ou se preocupa apenas com o valor de uso do produto, esses
elementos qualitativos intangíveis poderiam ser considerados absurdos e
injustificáveis para cobrança de valores maiores do que aqueles em que se
encontram marcas mais comuns.
Os anúncios voltados ao mercado de luxo, conforme se pode nitidamente
perceber dentro da coleta de material empírico para exposição do material
selecionado para este capítulo, abusam dos efeitos causados pelas imagens e seus
sentidos. Como a imagem carrega mensagens diversificadas, porém arraigadas
dentro de uma mesma raiz de significação desejada pelo anunciante, percebe-se
nitidamente que a intenção geral é permitir com que a polissemia da imagem deixe
o leitor livre para nela navegar, sentir e imaginar de acordo com os efeitos que se
quer dar em torno da marca e do produto. A justificativa de venda não mora apenas
nas matérias-primas, nos pontos de venda ou em qualquer outro elemento de
233
abrangência do marketing tradicional, como conhecemos, mas sim nos
consumidores capazes de comprar um item a preço superior. Dentro das
semelhanças, são perceptíveis tamm alguns elementos em comum nos anúncios,
cujo enfoque se diferencia para homens, mulheres, objetos, famílias, entre outros, o
que leva a uma separação diferenciada neste capítulo, onde se deseja não fazer
uma análise aleatória dos anúncios, mas sim revelar parâmetros em comum usados
pelos criadores para montar seus anúncios voltados aos públicos mais ricos e
economicamente estáveis.
Assim sendo iniciaremos a análise de anúncios coletados em revistas
voltadas ao público de classe A do mercado brasileiro. Essa escolha se deve
principalmente ao fato não apenas de existir em um país considerado de mundo
um consumo considerável de artigos de luxo, mas tamm pelo fato das
publicações e dos anúncios serem diretamente relacionados com os materiais de
divulgação feitos em outros países, ocorrendo casos ainda onde o material chega
ao Brasil no formato igual ao que se lançou em países do exterior.
234
5.1.1 A mulher
Ancio Mont Blanc Jóias
Fig. 23 revista Wish Report, 4ª capa, num 23, Set 2008
A imagem do anúncio, a princípio, se constrói sobre uma figura feminina tida
ao olhar como requintada, porém aparentando certa simplicidade, ao mesmo tempo
em que surge recatada ao utilizar um vestido preto de alças, mas com um toque de
erotismo dado graças ao decote que conduz o olhar diretamente aos seios. É de
certo modo uma mensagem de apelo unissex, já que se propõe uma imagem
feminina atrativa ao olhar de mulheres e homens (como uma de suas pares no caso
235
das mulheres, alguém em quem se espelhar, ao passo que para os homens é um
refinado objeto de desejo, a partir de uma parceira bonita, estável e independente).
A mulher da foto não é como uma modelo fotográfica contratada para expor
uma jóia dentro do desejado pela Mont Blanc, mas possui uma forte identidade, a
partir do fato que se exe o nome e o que ela faz. Trata-se de Eva Green,
personagem real que se tornou “famosa” por causa das atividades artísticas e
culturas que conduz em nome da própria marca. Emersa do próprio quadro de
funcionários da empresa, Eva personifica no espaço e tempo o perfil de usuária do
artigo, ao mesmo tempo em que divulga em termos corporativos aquilo que se
pensa dentro da empresa para benefício social. A pessoa que vê este anúncio sente
um impacto positivo ao não se deparar com uma modelo qualquer, mas uma bela
mulher que faz parte de seu meio; mesmo sendo um corpo-suporte, uma
identificação de quem é a pessoa ali exposta, o que traz aquilo que pode ser um
argumento de autoridade, onde uma pessoa especial usa um artigo tamm
especial.
O plano de fundo alterna tons azuis e cinzas de modo a não ser possível se
identificar qualquer coisa ali presente, efeitos da própria fotografia. Não
coincidentemente, as cores remetem aos olhos da mulher da foto, num tom de azul
que remete ao céu, que desperta a atenção, como se fosse uma marca registrada
dela. Apesar disso, os olhos não são mais importantes que as próprias jóias que
estão ali expostas, sejam pelo uso ou pela exposição na posição da assinatura
convencional (explicaremos isso mais adiante neste texto). Percebe-se que a
imagem está retratando o uma situação apenas, mas procurando demonstrar um
caráter artístico, como um quadro clássico, envolvendo desde as cores empregadas
236
até o fundo, incluindo os elementos de ruptura para nos chamar a atenção pelo
olhar.
Claramente, há uma verticalidade na construção visual do anúncio. A primeira
linha de percepção é delimitada pela relação olhos azuis colar decote. A
segunda linha é demonstrada pela relação assinatura texto anéis (estes
presentes por meio de simples inserção imagética por não se expor no conjunto as
mãos da mulher fotografada. No entanto, toda construção baseada em verticalidade
depende intrínsecamente de um elemento que as agreguem, já que se rompe com a
tradicional linha de leitura que surge do canto superior esquerdo da página e vai a
o canto inferior direito, na diagonal, seguindo a mesma direção de leitura que temos
ao estarmos diante de qualquer texto; o elemento que faz esta junção entre as
horizontalidades é o brinco, bem exposto a partir da posição da mulher retratada.
Esquema analítico da composição da imagem
Fig. 24: Arquivo pessoal
A mulher se revela moderna, com cabelos escuros não apenas curtos na
altura dos ombros, mas lisos, esvoaçantes ao sabor do vento, que se perdem junto
ao foco do horizonte, como se caracterizassem um rastro de suas ações e
237
7
impressões, como tamm uma emersão daquele ambiente indistinto, onde tudo é
similar e nada é capaz de se definir ou despertar nosso olhar. Vestido preto com
corte moderno é a vestimenta, com longas alças, ao mesmo tempo demonstrando
requinte, atitude e elegância ao compor o visual, muito além do que aquilo que se
costuma considerar cor de luto” ou algo do gênero, contrastando com a pele alva
da mulher; nele há um grande decote que evidencia não apenas o colar, mas
conduz o olhar em direção aos seios, que apesar de não serem tão protuberantes,
trazem um caráter de erotismo e curiosidade aos olhares masculinos. O que antes
era algo evitado pelas mulheres, por serem mal rotuladas, hoje é um sinal de atitude
e modernidade, marcado por mulheres decididas e que têm um pensamento sobre
si mesmas muito bem definido. O colar ainda aponta diretamente para o decote
mais profundo, uma seta ao olhar dos homens mais “interessados”, mas tamm às
mulheres que querem ter o mesmo poder de atração e sedução ao sexo oposto, o
que lhes dá maior satisfação ao uso da jóia e ao próprio ego.
O olhar, da mulher, por sinal, revela uma seriedade, porém com uma
impessoalidade, como se ao mesmo tempo estivesse distante de nós, nos
chamando para fazer parte do mundo dela. Ao mesmo tempo em que nos
aproximamos dela pelo uso das mesmas marcas e acessórios, ainda não
romperemos os limites espaciais e temporais existente entre a “musa” retratada e o
leitor, embora este não seja o caráter principal definido pelo anúncio. Ou seja, o que
importa é o grupo na qual você pode fazer parte, a partir dos gostos e das
propriedades, não a proximidade entre as pessoas, o conhecimento e o
relacionamento entre elas.
O foco do anúncio é demonstrar, por meio da ancoragem entre texto e
imagem, o aspecto da exclusividade. Prioriza-se o caráter de que os diamantes da
238
Mont Blanc o únicos, exclusivos, com um brilho que faz brilhar também aquelas
pessoas que deles fazem uso. Os brilhantes, fora os valores de mercado, trazem
um caráter de valor tamm a quem os usa. No caso, ainda por cima, está em uso
uma coleção da Mont Blanc, que provavelmente excede o valor de vários milhares
de dólares. A pessoa passa a ser valorizada não apenas pelo que é, mas pelo valor
daquilo que usa em seu corpo, seus adornos, suas roupas, compondo verdadeiros
rótulos que escondem os reais aspectos do que são.
Outro aspecto gráfico percebido é que, seguindo a própria forma circular das
jóias, o diagramador procurou dispô-las na página em uma espécie de semicírculo,
que vem de baixo para cima pela escala de tamanho, passando respectivamente
pelo anel na parte direita inferior, passando pelo colar e pelo brinco usados, todos
muito brilhantes por causa dos diamantes utilizados (em termos de ourives,
diamantes de pequeno porte lapidados e usados em conjunto nas jóias são
chamados de brilhantes, justamente pelo modo como dentro de uma transparência
ímpar conseguem refletir a luz que neles incide diretamente, sob quaisquer
circunstâncias de luz).
O caráter de luxo do anúncio coma a partir do uso do código;
independentemente de ser uma revista brasileira, a anunciante Mont Blanc utilizou
um layout de uso estrangeiro para esta edição da revista. Apropriando-se de um
caráter considerado a princípio antiético na esfera da comunicação social, propõe-
se que para que uma pessoa possa fazer uso da mensagem, é preciso que ela ao
menos conheça a língua inglesa bem o suficiente para entender o que está escrito,
partindo da idéia de que o público-alvo do anúncio é constituído por pessoas que,
ao menos, são bilíngües e conhecedores de Inglês e Português. A própria proposta
do anúncio é que ele seja seletivo, evidentemente para poucos, a princípio por
239
utilizar um código que não é o de domínio público, infelizmente, a partir de uma
suposição inicial de que a pessoa que compraria jóias desse gênero conhece uma
língua estrangeira, em especial o inglês. Isso agrega um valor à marca o apenas
de exclusividade, como o desejado, mas ao mesmo tempo de item internacional, de
aceitação mundial, a partir de uma marca conhecida em esferas seletas por grupos
mais abastados pelo mundo.
O consumo reverso dentro deste anúncio pode ser entendido como sendo a
relação entre a mulher e a jóia que ela porta, tendo como plano de fundo a marca e
suas circunstâncias de uso. De um lado, a mulher usa acessórios de uma coleção
seleta de alto valor, repleta de diamantes, onde o ouro utilizado deixa até de ser
importante. De outro, a mulher que a princípio parece ser destaque, imersa num
universo correlacionado com o claro e escuro (quebrado apenas pelo azul da cor
dos olhos). O elemento de cor e brilho principal passa a ser gerado pelo modo com
as jóias são expostas, elementos principais de valor utilizados. De outro lado, a
mulher é simplesmente usada como um suporte especial para expor a beleza e o
requinte das jóias, como se fosse um acessório que agrega valor ao brinco, anel e
colar.
Percebe-se que, apesar de compor um visual requintado ao usar as jóias
Mont Blanc, digna de admiração e apreço social, a mulher tamm é usada ao
expor em circunstâncias de convivência normal as jóias, agregando-lhes sua beleza
simultaneamente, tudo isso dentro de um grupo seleto e indiscutivelmente de igual
condição financeira a ela. Ou seja, a mulher usa as jóias para trazer uma aura
especial sobre si, ao passo que dentro dessas condições também é usada para
constituir divulgação e maior valor ao produto.
240
240
Os objetos inanimados, as jóias, podem tamm fazer uso de quem as utiliza,
tudo isso por meio dos critérios de seletividade oriundos dos fatores preço e difícil
acessibilidade, pois adquirir esta coleção é algo para poucos privilegiados, bastante
abastados. As pessoas consomem jóias de marca, mas tamm são consumidas
por elas. Neste anúncio, a Sra. Eva Green, conforme relatado no texto, nada mais é
do que uma modelo real e cotidiana que em suas atividades ajuda a promover a
Mont Blanc, a partir de sua linha de jóias (a tradição originalmente da empresa é
produzir canetas de luxo, geralmente para um público-alvo masculino), propriamente
um suporte vivo e pensante, transmitindo a mensagem de sucesso e exclusividade
da marca, tendo pago dessa forma por isso ao passo que quer isso para si.
A compra de uma jóia de luxo, com marca nobre e conhecida, permite desse
modo interpretar e se entender que, aos olhos da antropologia do consumo, nada
mais é do que um ato social, a partir do momento que passa a ser feita não apenas
para o próprio deleite, mas para os outros, que vêem, desejam e até, por que não,
invejam esta mulher de sucesso. Percebe-se no anúncio que não ostentação,
como normalmente se associa à luxo, mas sim uma situação de uso cotidiano, jóias
para o dia-a-dia.
Numa circunstância de uso comum, conforme proposta pela imagem do
anúncio, é perceptível que a mensagem a ser passada é que o brilho dos diamantes
exclusivos da empresa, é transmitida por meio das jóias produzidas e adquiridas por
pessoas especiais, seletas, bem-sucedidas e nobres. Caso queira isso para você,
caro leitor desse anúncio, adquira estas jóias.
De outro aspecto, Eva Green não apenas é o tipo de consumidor que a Mont
Blanc quer atingir, mas também é uma modelo ideal para expor a marca não apenas
neste anúncio de página inteira, mas fora dela, em círculos sociais diferenciados e
241
241
de pessoas refinadas. Com certeza, apesar dos valores gastos, a jóia de luxo é o
paga para usar seu usuário, pelo contrário. Poucos estão cientes desse fenômeno
de consumo, presentes nas negociações de luxo, mas ela a cada dia se fortalece
com a gama de circunstâncias e opções de mercado em que as jóias se apresentam
como grandes soluções para doar não apenas valor, mas competências, ao seu
portador.
242
5.1.2 O homem
Anúncio relógios Longines
Fig. 25 revista Audi Magazine, pg. 12, n°55, Dezembro de 2004
O homem, de modo geral, em assuntos voltados ao mercado de luxo é bem
mais discreto do que a mulher em termos de consumo, mas não menos apreciador
de itens de valor. Apesar da discrição, o homem sempre procura o melhor em
relação a custo-benefício para si, dentro de uma gama de opções de marcas,
243
envolvendo um leque de produtos mais amplo que os do próprio universo do luxo
feminino.
Neste exemplo coletado, trata-se de um anúncio da clássica marca de
relógios suíços Longines, com foco em público-alvo masculino, do grupo Swatch
(um dos maiores do mundo, tamm detentor das marcas Tissot, Tiffany & CO,
Omega, etc.). A marca possui tradição na fabricação de relógios desde 1832.
Nesse anúncio, uma construção utilizando o bloco principal da página de
modo dividido verticalmente, onde um modelo masculino à esquerda e logo ao
lado a foto do produto, um relógio da marca Longines (tipo Evidenza).
A primeira coisa que se vê é que, de modo geral, as cores do anúncio são
baseadas no preto e branco, ou melhor, nos tons de cinza. Geralmente, o emprego
desse tipo de imagem sem cores se graficamente em duas situações distintas:
mostrar algo antigo (remetendo aos tempos onde as técnicas fotográficas e
cinematográficas não conseguiam imprimir às imagens as cores da vida real) ou
então mostrar elo incompleto, sem vida, a ser completado. No caso deste anúncio,
temos a possibilidade de analisar essa ausência de cor destes dois modos
comentados.
O relógio aparece com cores vivas no anúncio, se destacando. Seria como se
o produto tivesse a cor, a vida, a modernidade que o indivíduo por si não tem. É
como se o produto fosse capaz de dar cor ao homem, seu potencial portador,
alimentando-o de qualidades da qual o produto está carregado, agregando a si
valores inerentes à própria marca e tradição da Longines. De modo geral, a
proposta é que o indivíduo não é completo e não se destaca sem o relógio, faltando-
lhe a própria cor. É muito interessante o modo como graficamente se comunica tal
fenômeno, onde o homem é completado pelo produto visivelmente sem que para
244
isso se utilizem de textos ou outros elementos textuais que possam nos conduzir a
fechar esta conclusão. O produto aparece com a caixa prateada, pulseiras em
couro marrom e ponteiros azuis, evitando claramente o uso de elementos pretos ou
brancos, que já estão bem usados no restante do layout.
O homem remete ao público-alvo dos relógios da empresa, composto por
pessoas com perfil de meia idade. Apresenta um grosso anel na mão, que faz
questão de deixar à mostra. A mão sobre o queixo não apenas indica o gesto de
apoio, ou de pensar (seguindo a clássica escultura de Rodin), mas a posição do
dedo indicador aponta diretamente ao relógio, como uma seta propriamente dita; vê-
se claramente que ele não porta o relógio em seu pulso evidentemente, indicando
que aquele espaço está disponível, vago para algo em vista. Ele usa roupas sociais
escuras, porém difíceis de definir pelo modo como a própria foto deixa os elementos
um pouco mais distantes desfocados. O olhar centrado em algo fora dos limites da
página também conduz o leitor não apenas ao relógio, como também evita o contato
direto com quem o anúncio (a intenção não é interagir com o leitor, é passar à
margem dele, deixá-lo livre para admirar e desejar o relógio), parecendo inclusive
que pensa em algo claramente no relógio.
Entre as duas fotos surge o título do anúncio, ou o próprio slogan , conforme
a força com que é utilizado. -se Elegance is na atitude, ou melhor, Elegância é
uma atitude (em português). A idéia é a de que a elegância do indivíduo é ao
mesmo tempo uma qualidade que lhe é inerente, como ao mesmo tempo uma
questão de atitude, onde a pessoa tem que ir atrás dela, perseguí-la para se
completar, dependendo apenas de si próprio e do poder de decisão para tal. Dentro
da construção gráfica do anúncio, a elegância está dentro não do homem, mas
externamente, no próprio relógio, havendo claramente uma complementação de
245
características da pessoa de modo exógeno, fora do próprio corpo, numa aura
garantida pelo próprio objeto.
Percebe-se, em termos de posicionamento, que tanto o homem quanto o
relógio se encontram numa mesma “posição”, ambos curvos, inclinados, apontando
para o canto superior direito do anúncio. O curioso é que a construção fotográfica
visa humanizar o relógio a partir do que poderíamos chamar de onomatopéia
imagética, apropriando-se da própria questão das figuras de linguagem presentes
na língua portuguesa. Percebe-se uma clara relação do mecanismo central do
relógio com o rosto do homem, onde se completando com a inclinação, cria-se uma
animação do produto. É como se o relógio não fosse um elemento inanimado, pelo
contrário, um indivíduo requintado, elegante e com atitude. O inanimado, por assim
dizer, toma vida, sendo o importante ou até mais importante que o próprio
indivíduo, podendo doar ou não suas características a quem com ele estiver
bastando simplesmente exercer as ações de compra e uso (comercialmente atos
desejáveis já por parte do anunciante).
246
Esquema analítico da composição da imagem
Fig. 26 Arquivo pessoal
Um detalhe importante é que, ao olhar à caixa do relógio, temos uma
interpretação dúbia do modo como se ela se constrói. É comum vermos o
posicionamento dos ponteiros em formato de ave (conforme o próprio logotipo da
Longines) alguns ponteiros para cima e outros para os lados para facilitar a
visualização do artigo - porém nesse caso o modo como os ponteiros se posicionam
remetem ao próprio rosto da pessoa ao lado, a partir do modo como as duas
imagens se equiparam. Os 3 cronógrafos abaixo marcam a boca e bochechas, o
ponteiro de segundo lembra o nariz e os ponteiros de horas e minutos fazem alusão
aos olhos. Desse modo, o que em termos artísticos se denomina de natureza morta,
tipo de fotografia em que se apresenta o relógio, tem uma lógica tradicional rompida
e reestruturada.
247
No rodapé, em um bloco a parte, se encontram as lojas onde os interessado
pode ir para adquirir o produto em questão. Em se tratando de um item importado e
de posse seletiva, não são em todos os lugares que a pessoa pode ter o prazer de
vê-lo e comprá-lo. Trata-se de um anúncio de cunho corporativo no Brasil, visando
incentivar as vendas em solo nacional. A construção gráfica também segue os tons
preto e branco, visando compor o mesmo efeito com o restante do layout do
anúncio, conforme já citado.
No anúncio fica evidente uma ação de troca propriamente dita entre marca
produto e o potencial consumidor. De um lado temos a marca e um produto cheio de
qualidades que eles oferecem no mercado para um grupo seleto de pessoas, e de
outro lado temos pessoas que buscam auto-afirmação, ostentação, auto-
reconhecimento, etc. Essa duas partes podem se encontrar a partir da ação de
compra, onde o dinheiro se torna um mediador entre ambos, numa troca que tende
a parecer que é benéfica para ambos, o que na realidade não é. Isso se deve ao
fato do indivíduo simplesmente gastar seu dinheiro em um produto visando agregar
valor a si próprio, que podemos partir para reflexão de quanto custa
monetariamente qualidades como elegância ou atitude. O produto certamente tem
valor de mercado abordando não apenas suas qualidades materiais, mas também
suas qualidades imateriais, etéreas, numa estimativa pura da fabricante. Fica
evidente que, conforme este anúncio se evidencia uma clara característica dos
produtos e da comunicação do mercado de luxo, onde é preciso ir além da
materialidade, das qualidades tangíveis, para entrar num ambiente aberto, repleto
de elementos do imaginário e do inconsciente, onde o produto tamm recebe valor;
logo, se justifica o preço premium cobrado indo além da lógica do valor de uso
propriamente dito, mas entrando numa atmosfera de fetichismo do próprio objeto.
248
Trazendo à luz desta discussão, temos o próprio termo fetiche (do francês
fétiche, que por sua vez é oriundo do latim facticius, que quer dizer artificial ou
fictício). Um fetiche, pela definição do próprio termo, pode ser considerado um
objeto material ao qual se atribuem poderes mágicos ou sobrenaturais, sejam eles
positivos ou negativos. O termo nasceu na Idade Média, no período das grandes
navegações, ao se referir aos objetos empregados nos cultos religiosos tribais dos
negros da África Ocidental, espalhando-se a seguir pela Europa. Muito longe da
apropriação do termo pelo campo da psicologia (onde fetiche remete à
representação simbólica da penetração e do prazer sexual, uma espécie de
parafilia), a sociologia teve como principal usuário do termo Karl Marx, que
desenvolveu uma reflexão a respeito que veio a denominar “fetichismo da
mercadoria”, fenômeno que se opõe à idéia de valor de uso, relacionando-se à
fantasia (simbolismo) que paira sobre o objeto, projetando nele uma relação social
definida, estabelecida entre os homens, sendo uma mola que alavanca as próprias
estruturas da produção capitalista.
Uma das características mais marcantes deste anúncio é a clássica postura
masculina do galanteador, o homem que atrai o sexo feminino. Enquanto a mulher
geralmente propõe a mostrar-se aos homens como a procura de um parceiro
adequado, a seduzi-lo, o homem se mostra exatamente como seguro e bem
sucedido, capaz de manter essa mulher. Ou seja, ao mesmo tempo em que a
mulher se oferece ao homem, este tamm se oferece de outro modo; enquanto ela
seduz pela beleza e dotes físicos, ele simplesmente seduz por atributos como
segurança e postura, deixando a própria beleza em segundo plano.
249
5.1.3 A criança
Anúncio Lilica Ripilica
Fig. 27 Revista Moda (Editada pela Folha de S. Paulo), pg. 23 ano 7, n°25, Abril de 2008
No anúncio analisado, expõem-se produtos da grife de moda infantil Lilica
Ripilica. Embora seja bastante conhecida e voltada a uma classe média mais nobre
ou classe A, ainda existem lojas de roupas ainda escassas no cenário nacional que
oferecem linhas de produtos de alto valor e qualidade especial no mercado nacional,
250
porém sobrevivem sem muito investimento em mídia, muito mais por intermédio de
um seleto e fiel grupo de clientes; tais lojas de roupas infantis de luxo são muito
comuns em países cuja moda tem grande representatividade, como França e Itália.
A pequena menina, portadora de um estereótipo de beleza infantil, com
pele clara, olhos azuis claros e cabelo preto bem liso, posa para foto com um ar
bastante adulto, revelando uma postura de atitude e decisão. Ela observa
diretamente o leitor, numa postura um tanto intimista, que insere o leitor num
ambiente desejável, onde a criança também se encontra. Os braços ficam
levemente abertos, revelando uma postura de desinibição e movimento, tipicamente
adulto, pensamento reforçado pelo cabelo esvoaçado para esquerda, como se fosse
jogado pelo vento. A idéia passada, em conseqüência, é a de que a marca Lilica
Ripilica é voltada para crianças especiais, com um porte diferenciado para se
tornarem adultos bonitos, especiais.
Indo mais adiante, a menina usa brincos (um tanto vaidosa), bem como
estampa um p-sorriso na face, onde revela não uma idéia de felicidade, mas de
bem-estar e satisfação naquele dado momento.
As roupas são predominantemente rosas, cor padrão para meninas durante o
período infantil (oposto do azul para meninos), com alguns tons oscilando entre lilás
e branco no geral. uma jaquetinha de tecido felpudo rosa com um logotipo
representando um coala (animal mamífero australiano), símbolo da marca. É uma
malha bem leve, para uma temperatura amena. Por baixo, uma camiseta com o
dizer Ripilica, tornando a pequena menina portadora da marca, com o elemento
distintivo que a torna especial em relação às outras crianças. Logo, se percebe que
o intuito da marca é, num primeiro momento, não apenas determinar a qualidade do
produto como um diferencial, mas mostrar que a criança está utilizando uma roupa
251
superior, que de certo modo mostra que ela é de uma origem especial, de uma
família mais cuidadosa e refinada. Numa escala infantil, tendo-se em conta que são
os pais os compradores de tudo que a criança usa, uma roupa especial mostra que
a família dela é atenciosa, preocupada e de bom-gosto, uma origem nobre. Assim, a
criança aprende que aquela marca é especial, porém demora muito tempo, até uma
vida toda, para perceber o que significa portá-la.
Há, complementando o visual, uma saia xadrez com estampas floridas em
tons roxos, além de um lenço no pescoço com um tecido semelhante. Isso indica
não apenas a idéia de conjunto, unidade, mas tamm a preocupação com os
detalhes, os pormenores, demonstrando o requinte, pois as marcas comuns de
roupas não colocam nas roupas o lenço no pescoço, este não com a idéia de
proteção contra ventos e oscilações de temperatura, mas por princípios puramente
estéticos, ornamentos do próprio vestuário.
Ao fundo da pequena modelo, revela-se um ambiente sóbrio, retratando uma
refinada doceria talvez. Isso porque uma mesa de madeira nobre, toda
entalhada, de formato circular, que aparece parcialmente, mas traz um detalhe de
requinte ao conjunto. Sobre a mesa, um suporte vertical carregado de doces para o
deleite da criança, bem como uma xícara. A parede tem uma pintura na cor creme,
clara, que realça ainda mais as cores das roupas da criança, que são bastante
vivas, muito distintivas. É como se a criança trouxesse cor ao ambiente, tendo-se a
cor como própria vida do lugar, visando a uma quebra daquela linearidade de cor
em um espaço altamente sério e ordenado. Esta constituição de fundo se revela
talvez o elemento mais considerável quanto aos aspectos demonstradores de luxo
do layout, graças à atmosfera geral de requinte estruturada.
252
Com um esquema de posicionamento dos elementos constitutivos da foto em
um esquema vertical, da esquerda para direita, o título, bem como a assinatura,
ficam posicionados do lado direito da página. Esses itens de identificação do
anunciante seguem uma linha de leitura determinada pelo braço da menina.
Existem alguns elementos gráficos entre o título acima e mais ao lado do
título, revelando um aspecto mais leve e lúdico, que rompe, de modo geral, com a
sobriedade do fundo, coisa não tão desejável para um anúncio de produtos infantis,
colocados e muito bem posicionados pelo designer/diretor de arte que produziu o
layout do material.
No contexto visual, traçou-se um diagrama sobre a imagem do anúncio para
que possamos analisar sua construção, dentro das características e elementos
apresentados.
Esquema analítico da composição da imagem
Fig. 28 Arquivo pessoal
Pela disposição gráfica, a menina e o expositor de doces ficam praticamente
iguais, numa posição triangular; a menina, de braços abertos, forma um triângulo
centrado pelo corpo, da fita no pescoço, boca e nariz, do mesmo modo que o
253
expositor, numa escala menor, se organiza centrado na haste central e nos
bandejas em escala de tamanho decrescente (conforme indicado pelas estruturas
azuis). Vale ressaltar que as disposições entre essas duas estruturas montadas são
semelhantes, ou seja, construídos exatamente para provocar este efeito na imagem.
Não seria difícil dizer que se a menina carrega roupas da Lilica Ripilica e o expositor
carrega doces, que a conclusão mais adequada é que as roupas são um doce,
deliciosas (de vestir e usar). Indo mais adiante na mesma análise, também é
possível se concluir que a menina nada mais é do que um suporte, pois carrega e
preenche as roupas, vida às vestimentas, enquanto o expositor faz a mesma
função de abrigar e organizar os doces em seus espaços, ou seja, a menina e o
expositor são igualmente suportes, instrumentos para abrigar algo mais especial,
que realmente estão na atmosfera de interesse do anúncio, que no caso faz uma
correlação entre a roupa e o doce, como se ambas fossem atrativos para não
apenas a criança, mas para os pais.
Ao mesmo tempo, as duas linhas vermelhas horizontais colocadas indicam o
posicionamento do título, fazendo uma relação direta entre as duas linhas, a boca e
o nariz da menina. Assim, otulo se relaciona diretamente com a imagem do use e
se lambuze”, confirmando ainda a ponta de nariz e a boca suja de açúcar de
confeiteiro. Logo, a disposição do texto do título está imbricada totalmente com a
imagem, numa mistura perfeita.
O título “Use e se lambuze” fica correlacionado com a foto a partir do
momento que a menina aparece com a região do nariz e boca cheios de açúcar de
confeiteiro. Este talvez seja o detalhe principal do anúncio, pois quebra a estrutura e
causa um “ruído” visual na imagem que revela um toque de infantilidade, coisa que
não transparece com a postura fotográfica da menininha, como se fosse uma
254
modelo experiente. O pozinho estrategicamente posicionado nada tem a ver com
gula, mas sim uma característica das crianças, de comerem e encostarem os lábios
no alimento, geralmente maiores até que suas próprias bocas, demonstrando um
caráter infantil do produto e da cena. Aliás, o açúcar de confeiteiro ornamenta doces
finos, do mesmo tipo que os expostos no fundo, ao lado da criança.
Analisando mais profundamente o título, temos duas ações previstas. A
primeira é o fato de usar, remetendo ao produto diretamente, as próprias roupas da
marca Lilica Ripilica. A segunda é a de se lambuzar, remetendo ao fato de que as
crianças cotidianamente se lambuzam, se sujam bastante, desde comidas até terra
do local onde brincam. A idéia da qual o título passa a princípio é a de que as
roupas da marca são para o dia-a-dia das crianças e, vendo por outra óptica, mais
resistentes, pois podem por conseguinte serem lavadas mais vezes do que as
outras sem os riscos iminentes dos desgastes e da perda de cores.
A assinatura, rosa e branca, se correspondem com as roupas da menina,
dando ao layout mais um elemento que vincula a roupa à marca. Estando
posicionada ao lado direito da menina, quebra os tons escuros do fundo bem como
forma uma espécie de seta que aponta para portadora da marca.
Neste anúncio, revela-se uma questão bastante complexa em relação à
entrada do indivíduo no ambiente de consumo, em especial de luxo. Antes imunes
às influências das tendências da moda, as crianças atualmente fazem parte desta
realidade antes desfrutada por jovens e adultos. Em tese, grifes infantis revelam
hoje características similares às marcas adultas, lançando tendências e itens que,
de certo modo, auxiliam na preparação” da criança para a vida adulta, um processo
de acostumação não apenas em termos psicológicos, mas em termos de
comportamento social (o consumo visto como manifestação comportamental do
255
indivíduo e esta, em relação à esfera social). É uma comprovação da tese de que,
de modo natural, uma pedagogia do consumo, onde os pequenos indivíduos são
ensinados a refletirem sobre como adquirir os itens da qual necessitam ou desejam.
Em termos gerais, a pedagogia do consumo nada mais é do que iniciar as
crianças dentro de um processo civilizatório necessário à própria sobrevivência e
aos próprios relacionamentos dos pequeninos como indivíduos, onde é necessário
dosar os próprios desejos em relação às necessidades pessoais (LEMOS, Inez;
2008). Numa sociedade cada vez mais repleta de estímulos e coisas interessantes,
é imprescindível que as crianças não passem por um processo que as ensine a
como processar a avalanche de dados que recebem pela mídia diariamente, entre
elas produtos diversos. Como a relação com os produtos vem antes da relação com
o dinheiro, cabe aos pais convergir o aprendizado em prol de um progresso comum
da criança.
No caso do luxo, os pais e familiares mais abastados criam na criança não
raramente uma sensação de segurança e de dinheiro como recurso ilimitado,
estabelecendo desde cedo padrões de consumo refinados e diferenciados em
termos de gosto, que persistem por toda vida e que posteriormente passarão às
próximas gerações, num processo contínuo. Em situações de crise, caso esta
criança que desde cedo aprendeu a consumir de um modo luxuoso venha a passar
por restrições financeiras, haverá sérios dados psicológicos, pois ela não saberá
lidar adequadamente com a sensação de insegurança e escassez.
Até pouco tempo atrás, havia uma indumentária específica para com que as
crianças se trajassem, com cores e tematizações bastante infantis, estampando
personagens de desenhos ou gibis por exemplo. Atualmente, a infantilidade das
roupas para crianças foi deixada de lado na maior parte dos casos, reproduzindo em
256
miniatura as roupas adultas. Essa talvez seja uma das motivações do fenômeno da
“adultecência”, onde entre muitos aspectos os indivíduos adultos se vestem e
portam elementos que remetam à infância, no caso incentivando a perpetuação de
personagens como Betty Boop e Hello Kit, ambas com apelo bastante feminino.
Em tese, o anúncio atinge seu objetivo principal de fortalecer a iia de que a
roupa é diferenciada, de grande qualidade, porém é importante se levar em conta
que os verdadeiros alvos não são as crianças, mas sim os adultos, pais e
responsáveis ou parentes, pois estes o os indivíduos que, portadores de recursos
financeiros, verão o anúncio e darão tais roupas às crianças dentro de seus círculos
de convivência. Delimitando-se a revista, um suplemento especial de moda,
corrobora-se a idéia de que, no geral o conteúdo não é voltado ao público infantil,
mas sim aos adultos, pois dificilmente uma criança teria acesso a uma revista do
gênero que acompanha um jornal de grande circulação, num dia de semana
específico.
O consumo reverso surge neste anúncio propondo uma precoce, porém
inegável, abdução infantil, onde se apodera da criança desde muito cedo por meio
da influência direta dos adultos, público-alvo de fato desde anúncio. A criança, salvo
casos de brinquedos e guloseimas, não está apta para discernir sobre marcas por si
só, cabendo aos pais tal missão, ao mesmo tempo em que inserem a criança neste
universo de especialidade. O consumo reverso o poupa ninguém, pois chega aos
indivíduos por diversos métodos diferentes, direta ou indiretamente, estabelecendo
os parâmetros da qual deseja para seus futuros membros.
257
5.1.4 O Objeto
Anúncio da Cartier
Fig. 29 Magazine Air France, pag 19. Dezembro de 2007
Os artigos de luxo representam uma comunicação específica quando
anunciados especificamente longe da circunstância de uso comum, indicada pela
presença de uma pessoa ou uma celebridade na imagem. Nesse caso, os produtos
258
perdem o caráter de uso ou o benefício de uma “autoridade” respeitada e apreciada
próximo, precisando comunicar sua importância e se poder por si só.
Os anúncios de produtos, em específico, apresentam o desafio de passar a
idéia do quanto são especiais por meio da diagramação e da imagem apenas,
deixando para os fotógrafos um desafio muito além de apenas retratar um produto
usando técnicas específicas para Still Life, ou Natureza Morta, como conhecemos
tal gênero de reprodução artística, que necessariamente nasce como um modo de
observação e contemplação de elementos inanimados, sejam naturais ou
produzidos por ação humana.
Neste caso se analisa um perfume da marca Cartier, nascida em 1847
pelas mãos de Louis-François Cartier, um artesão especializado em jóias nobres e
refinadas, em Paris França. Com uma joalheria estabelecida, comprada com o
apoio de seu mestre Adophe Picard, Cartier logo passou a fornecer jóias para
família de Napoleão Bonaparte, a partir das primeiras compras feitas por Princesa
Mathilde, em 1856. Desde então a marca só se expandiu, passando a abranger
também a produção de relógios sofisticados e a vender em locais muito mais longe
da Cidade Luz, expandindo-se para outros países, sempre com a mesma
preocupação de criar jóias com design extremamente sofisticado para um público
exigente atrás de um luxo clássico.
No caso, o anúncio oferece a linha Déclaration, voltada ao público masculino
(indicada em francês como Eau de toilette pour Homme, ou em português “perfume
para homem”). Embora entre numa classe de luxo acessível para ávidos
consumidores da marca, este perfume atualmente está avaliado em mais de R$
350,00 no mercado brasileiro, o que revela que não é qualquer pessoa que pode
comprá-lo.
259
A tradicional embalagem, com vidro retangular transparente e tampa metálica
dourada, traz o perfume levemente amarelado em seu interior. A caixa, em um tom
vermelho sangue, estampa a letra C estourada seguindo a mesma tipografia do
logotipo, construído representando uma escrita cursiva fina, ao estilo caneta de
pena. Na realidade, por si só, não traz a áurea nobre que justifica seu alto valor de
mercado, pelo menos para o uso em um anúncio extremamente sofisticado. Outra
dificuldade é vincular o perfume, outro segmento de atuação da Cartier, ao seu
renome na produção de jóias finas, vinculando-as.
As equipes de fotografia e edição de imagem encontraram uma solução
brilhante. A partir de efeitos de luz e contraste, muito bem feitos, a imagem passou a
transmitir a idéia de riqueza de um ouro reluzente representado pela embalagem
simples, transparente.
Usando a linha de leitura, a embalagem se posiciona do canto superior
esquerdo para o canto inferior direito. Esta estrutura, que poderia muito bem ser
empregada para um texto, passou a ser utilizada para dispor o próprio produto,
indicando entre outras coisas que ele dispensa apresentação e que não pode ser
apresentado simplesmente por palavras.
Conforme a estrutura analítica desenvolvida sobre o anúncio, podemos
verificar os seguintes elementos em destaque:
260
Esquema analítico da composição da imagem
Fig. 30 Esquema analítico da composição da imagem
O frasco, antes de mais nada, traz uma representação estilizada de um corpo
masculino ideal (conforme se procurou trabalhar com a estrutura azul). Ou seja,
nem este item que parecia mais simples foi esquecido na construção de uma
imagem sobre o produto. Percebe-se claramente que a embalagem é retangular e
com laterais mais arredondadas, fazendo referência ao tronco masculino, impressão
reforçada pela curvatura que aparece na parte da frente do frasco, indicando o
prenúncio de um peito, o cólo do corpo. Pela construção, fez-se referência ao
conceito de homem musculoso, sarado, fortíssimo e seguro de si. A tampa dourada
usa o prolongamento inicial como se fosse um pescoço e o borrifador representa a
cabeça.
No esquema, a linha mais grossa fica na diagonal da foto acompanhando a
linha central vertical do frasco, sendo uma espécie de tronco que sustenta o
261
restante da imagem. As linhas mais acima finas representam num primeiro
momento a inclinação da embalagem para caracterizar os músculos do peito, retos
e que seguem até os ombros, cujas linhas tamm indicam o início da curvatura do
dorso e depois o modo como a estas formas circulares dão essa impressão
arredondada ao corpo e, por conseguinte, mais antropomórfica.
Sendo o frasco alusivo a um homem, não difícil seria dizer que seria um
homem nobre de valor físico e rico em seu interior, desejo primeiro dos clientes que
compram este tipo de perfume mesmo que na realidade não o sejam. A riqueza
das palavras no caso deixa de ser proferidas para dar lugar ao espirro do perfume,
como se a fragrância tivesse quase o poder de uma palavra, uma informação. Logo,
fica claro que o importante não é se falar sobre o produto, mas senti-lo, apreendê-lo
por outro sentido humano; o olfato. A linguagem aqui deixa de ser verbal para se
tornar olfativa.
A luz reflete no frasco e reluz em tons brilhantes metalizados, deixando de
parecer apenas um vidros transparente, passando a parecer ouro. Logo acima, do
borrifador do perfume aparece uma delicada e singela mancha dourada,
representando o espirrar do próprio perfume (indicado no esquema feito sobre a foto
no círculo tracejado amarelo). Logo, fica subentendido que o ouro não está somente
na embalagem e na tampa, mas no interior do frasco. O valor real está na
fragrância, que originalmente é levemente amarelada.
Com efeitos e retoques, os brilhos e contrastes foram realçados, fazendo
com que a embalagem parecesse um frasco extremamente especial, vindo quase
que do campo dos sonhos, do campo da riqueza que cada um tem em mente pelo
despertar do próprio conceito de luxo.
262
O único elemento de texto empregado é a assinatura. Posicionada no canto
inferior direito, o logotipo clássico da Cartier em letras cursivas abrange a marca
Déclaration, como se criasse uma chancela sobre o produto, claramente indicando
que ele está imerso, protegido e aprovado pela Cartier e fazendo parte dela. O
nome é escrito em letras minúsculas, de forma, indicando uma simplicidade, onde
gramaticalmente o se torna nenhum nome próprio que mereça tal condição. A
indicação de uso para homens aparece em letras maiúsculas e minúsculas,
normalmente; a única coisa que chama atenção é Homme escrito em com letra
inicial maiúscula, indicando que é para homens de verdade, quase como uma
qualidade inerente do sexo masculino, do macho Alpha.
De um modo geral, este anúncio transmite uma idéia de que o perfume é tão
valioso quanto às jóias da Cartier, de que o líquido vale ouro, tanto quanto o metal
em si, porém num estado líquido, aromatizado. Esse ouro está pronto para ser
despejado no corpo de quem o possui, tornando-o um ser valioso, não pela
aparência, mas pelo cheiro especial que o diferencia dos outros num ambiente
sofisticado. Se a pessoa usa uma jóia ou relógio Cartier (este mais para ala
masculina de consumidores da marca), mais completa ficará se usar este perfume.
Pode ser concluído a partir deste anúncio que, comparado a outros seguindo
a mesma linha, há uma espécie de totemismo, onde o produto passa a ser visto
como um objeto de admiração, com valor contemplativo, com caráter simbólico em
si garantido pela força da marca que carrega. O objeto então passa a carregar e
comunicar uma imagem por si , sendo um porta-voz da mensagem que a marca
que passar aos seus consumidores e principalmente seus usuários. É perceptível
também em anúncios de produtos individualmente retratados que, num contexto
geral, eles são indicados totalmente dentro de uma atmosfera de qualidades
263
263
intangíveis compartilhadas e indicadas pela marca em si, ou seja, comunicando
muito mais por meio da própria imagem do que contando com apoio de textos ou
outros tipos de apoio informacional, até porque no luxo, a maioria dos produtos
oferecidos no mercado dispensam apresentação.
5.1.5 O lugar de se consumir
Anúncio Shopping Cidade Jardim
Fig. 31 Revista Serafina, pg. 08 e 09, Junho de 2008
O novo shopping Cidade Jardim foi inaugurado em 2008 mais uma das
opções paulistanas no circuito de compras de luxo, que envolvia pontos
tradicionais como as imediações da rua Oscar Freire, o Shopping Iguatemi e a
264
264
Daslu. Com uma proposta diferenciada, visa oferecer a estrutura de um shopping
com a seletividade das compras de artigos refinados.
Neste anúncio, elaborado em página dupla, percebe-se uma ar de
simplicidade no layout e uma força mais centrada na mensagem passada. Pela
análise textual, a promessa deste shopping é, claramente, mostrar que ele possui as
mesmas facilidades dos outros centros de comprar, porém em uma versão
completamente diferente, tida como mais agradável, refinada.
O plano de fundo do anúncio não revela ao certo o local onde a mulher está,
mas remete ao próprio shopping Cidade Jardim. A imagem fora de foco na realidade
cria uma atmosfera ao redor da compradora, como se fosse uma nuvem dourada,
um ambiente especial, mágico, que a ela traz uma sensação de bem-estar ímpar. A
questão central não é focar o ambiente de compras, como normalmente se faz,
mas a experiência de compra, com um ambiente diferenciado para um perfil de
cliente diferenciado e, por conseguinte, mais abastado que o público que
normalmente se vê em outros shoppings paulistanos.
Uma outra característica interessante é a aplicação do logo, onde se
evidencia claramente a promessa de compra. A inserção do texto é feita,
claramente, sobre um quadrado que passa a idéia de uma sacola de compras, a
partir do momento em que na parte superior deixa um vazado estrategicamente
posicionado para parecer o local onde o consumidor segura o invólucro.
A mulher é branca e parece uma pessoa jovem, na faixa dos 30 anos.
Vestida a lazer, com roupas leves, se uma preocupação com a moda e suas
tendências. O lenço no cabelo, além de romper um pouco com a lógica da roupa,
mostra um pouco de preocupação com a individualidade ao se optar por um
determinado estilo de se vestir, ao mesmo tempo em que mostra um
265
comportamento mais recatado, tranqüilo. A sacola verde no ombro remete
claramente ao próprio logotipo do shopping, indicando que compras acabaram de
ser feitas. O olhar para fora do campo de visão do anúncio serve não apenas para
não encarar o leitor, mas principalmente para demonstrar um destino para onde ela
se dirige uma loja talvez, constituindo um cenário especial dentro daquilo que o
anúncio propõe. nela uma expressão de bem-estar, como se ela claramente
estivesse gostando da sensação de comprar, corroborando a idéia de que o Cidade
Jardim é um shopping que propõe uma experiência de consumo em específico, não
apenas um aglomerado de facilidades.
Na realidade, a modelo fotografada é a conhecida atriz estadunidense Sarah
Jessica Parker, escolhida pelo sucesso de sua personagem Carrie Bradshaw no
seriado Sex and the City. Tal personagem é a protagonista da série, retratando uma
mulher na faixa dos 30 anos e colunista de um dos jornais mais importantes de
Nova Iorque, com refinado gosto para moda e artigos de luxo, que a faz bastante
notória, enquanto profissionalmente ela ganha assíduos leitores ao narrar histórias
sobre relacionamentos interpessoais e sexuais na metrópole, cujos enredos dão o
tom daquilo que será o tema de cada capítulo. Muitas marcas e lojas do luxo dos
EUA são retratadas nos episódios, uma forma de divulgação mundial dos prazeres
que a compra e o uso de artigos de luxo podem trazer. Sarah ainda estrelou todo
restante da campanha de inauguração do novo shopping, que foi totalmente
gravado e montado nos Estados Unidos para não atrapalhar outros compromissos
da atriz. De certo, este uso de um depoimento da atriz em uma experiência de
consumo de luxo no local traz um argumento de autoridade à campanha,
pressupondo que o público-alvo acompanhe ou tenha visto algum episódio da série,
266
enquanto favorece o caráter de força do novo shopping, ao investir pesado na
contratação de uma atriz de renome mundial.
A mensagem passada é a de que é possível em um dado local fazer uma
terapia de compras, bastando ter recursos financeiros para tal. O interessante,
dentro dos estereótipos empregados nos anúncios de luxo é que geralmente se
utilizam nesses layouts uma mulher. Tendo-se em vista que a maior parte dos
freqüentadores é do sexo feminino, que compram não apenas para si próprias como
também para toda família, é preciso mudar um pouco este estereótipo de
consumismo sobre as mulheres, que se perpetuam a anos dentro de uma sociedade
ainda de bases patriarcais como a brasileira, mesmo que o público-alvo deste
anúncio sejam pessoas de um universo considerado mais elitista. É interessante
como ocorrem algumas manifestações culturais nos anúncios a partir de
estereótipos, como agora analisado, dando ao mesmo tempo um caráter claro do
modo como o suporte cultural e vivencial do fotógrafo / diretor de arte interfere na
construção das próprias criações.
Ao contrário do que se costuma ver, não se percebe a mulher como um
elemento sexy, sedutor, como se costuma ver em anúncios de produtos de uso
pessoal. O foco dos anúncios voltados a lugares, em termos de luxo, costuma ser o
próprio lugar, o centro das atenções, e não os frequentadores em especial. A mulher
não precisa ser sexy e o homem sedutor, mas o local que eles estão frequentando
precisa ser acolhedor e, no caso deste anúncio, capaz de propor uma experiência
de bem-estar por trás de simples atos de compra. Não basta o produto de luxo
trazer o bem-estar, mas o local onde ele fica exposto, armazenado, onde ele pode
ser adquirido tamm entra numa atmosfera de interesse e diferenciação, que conta
267
e agraga ainda mais valor ao ato de transação financeira. A compra deixa de ser o
único elemento importante, mas sim o ambiente em que ela ocorre.
Dentro deste anúncio publicitário, o consumo reverso surge a partir do modo
como o ambiente do shopping deixa de ser apenas um lugar onde comprar, mas
atrai a pessoa que ali deseja adquirir algum item a partir de características que nem
sempre são relacionadas à própria arquitetura ou construção, mas às sensações
que tais locais proporcionam, onde o foco deixa de recair sobre os detalhes, mas
sim passa a abranger o todo de um lugar. A experiência de compra, somadas às
conveniências do lugar, adquirem o indivíduo, que para tende a se dirigir quando
precisa fazer compras ou simplesmente passear em um shopping. Conforme já
citado, o shopping Cidade Jardim não quer se comparar aos seus concorrentes,
mas sim propor algo mais, uma experiência não apenas diferente, mas de maior
valor. Para tanto, usou também do artifício de contratar uma atriz de peso, para
estrelar a campanha, cujo trabalho envolve com grande destaque uma personagem
que vivenciava todas as formas de prazer do luxo.
Traçou-se um diagrama para analisar adequadamente as características
centrais de construção deste anúncio, visando identificar algumas peculiaridades
empregadas durante a diagramação para garantir efeitos desejáveis por parte do
anunciante.
268
Esquema analítico da composição da imagem
Fig. 32 Arquivo pessoal
Conforme as linhas em vermelho percebe-se que a constituição vertical do
anúncio se pronunciadamente de modo inclinado, indicando a idéia de
movimento, caminhando da esquerda para direita do anúncio. Aliás, a postura não é
muito ergonômica por parte da modelo, mas caracteriza um ato de contemplação,
um olhar para o alto característico de quem está admirado com o que vê. Neste
aspecto, não apenas a mulher, como tamm a parte textual, se inclinam,
complementando-se; esta é uma ação proposital, pois não nenhum elemento no
plano de fundo retratado que gere necessidade deste tipo de uso gráfico.
Nas setas azuis estão indicados o logotipo do Shopping Cidade Jardim e a
sacola da modelo, representados em caráter de semelhança não por acaso. A
referência ao consumo é tão grande que o próprio logotipo do local é uma sacola
de comprar, demonstrando ainda mais o comportamento que se deseja deste
consumidor que lá está;
Um aspecto importante e de segundo plano na diagramão do anúncio é a
relação entre o braço da mulher carregando sacola e o olhar dela ao horizonte,
269
dentro do shopping. O braço fica posicionado para cima como se fosse uma seta
para o alto, indicando que com aquela sacola de compras é possível ascender,
crescer sob diversos aspectos. Em verde, forma-se uma linha reta a partir do braço
e outra menos inclinada na linha dos olhos. Ambas se encontram num lugar no
campo superior direito que traz um efeito de luz no layout, conforme assinalado no
círculo preto. Isso quer dizer que os atos de olhar e agir trazem consigo um poder
de colocar brilho sobre as coisas que mais queremos ou desejamos.
270
5.1.6 O grupo
Anúncio Ermenegildo Zegna
Fig. 33 Revista Whish Report
271
Este anúncio é da grife masculina Ermenegildo Zegna, uma empresa de
alta-costura fundada em 1910 em Trivero, Itália pelo alfaiate e empreendedor
homônimo. A companhia rapidamente ganhou reputação por produzir finos
ternos de , de muito boa qualidade. Em 1942, a empresa foi
rebatizada Ermenegildo Zegna e Filhos, visto que dois filhos de Ermenegildo,
Aldo (nascido em 1920) e Angelo (nascido em 1924), juntaram-se à
companhia. Por volta de 1955, Ermenegildo Zegna e Filhos empregavam
1.400 trabalhadores. Os ternos da Zegna, muito populares na Itália, foram
primeiro vendidos nos Estados Unidos em 1938, embora, em virtude dos altos
preços, sua venda tenha sido feita em meros limitados durante os tempos da
depressão e da guerra americana.
Aldo e Angelo Zegna assumiram o controle da companhia em 1966,
quando o pai morreu aos 74 anos. Todos os ternos de Zegna eram feitos sob
medida até 1968, quando então os irmãos lançaram a linha de ternos prontos
para venda comercial. A nova linha foi produzida na fábrica Zegna localizada
em Novara, na Itália. Em 1973, outra fábrica foi aberta na Espanha e, em 1975,
na Grécia. A brica grega foi fechada dois anos depois, em virtude de ser tida
como não lucrativa. Em 1977, foi aberta uma produção na Suíça, a qual
emprega 800 trabalhadores atualmente. Embora a maioria dos ternos da
empresa seja produzida em série, a maioria dos ditos "premium suits" são
ainda feitos sob medida.
Em se tratando de um anúncio voltado ao público masculino de primeiro
nível, a intenção ao se compor o anúncio é criar um ambiente que reflita uma
circunstância de uso dos próprios ternos da marca, dentro de um perfil de
público desejado: jovens saudáveis, viris, magros, bonitos e com porte de
272
pessoa bem sucedida. Ou seja, o perfil dos modelos pode não estar totalmente
relacionado com o consumidor final, porém vendem, e isto é o que importante
quando se trata de despertar a atenção. Para facilitar a análise, foi produzida a
estrutura abaixo para facilitar a análise:
Esquema analítico da composição da imagem
Fig. 34 Arquivo pessoal
Trata-se de um grupo de homens reunidos, aparentemente num
momento de descontração durante suas jornadas de trabalho. Todos estão
alinhados impecavelmente com ternos e gravatas. A curiosidade fica com o fato
de, salvo algumas diferenças pequenas, como por exemplo, as gravatas, os
homens estão com as mesmas pastas de couro em punho e trajando o mesmo
terno. A idéia, que a princípio pode parecer uma indicação de homogeneização
dos indivíduos masculinos de classe A e transmitir a sensação de como eles se
273
vestem (todos bem), na realidade pode se referir a uma situação bem menos
complexa: se repararmos nas posições dos três homens, eles estão em poses
complementares, ou seja, de frente, inclinado de lado e de costas. Assim, a
pessoa que o anúncio tem a real noção de como ela fica no corpo em todas
as posições e pode ver os cortes perfeitos e o caimento sem vincos ou torções.
Um exemplo disto é o posicionamento das pastas que os homens carregam,
formando uma espécie de círculo onde o modo como ela aparece indica o jeito
como o modelo se posiciona para foto e exibe sua roupa (círculo tracejado no
esquema em azul).
O local onde a situação retratada se constrói é um prédio com
construção tradicionalmente antiga, de colunas seqüenciais e grandes pórticos.
Todo conjunto da construção (vertical) está pintado de vermelho, criando uma
espécie de moldura na capa de guiar os olhares dos leitores aos homens
retratados, ou melhor, os ternos que eles portam em seus corpos. O piso cinza
e com poucas diferenças nas nuances de cor apenas conduzem o olhar para
os ternos também cinzas, mantendo apenas contrastes da mesma escala de
cores.
O título “Great minds think alike” significa no português que Grandes
mentes pensam parecido”. Isso que dizer que homens inteligentes possuem
gostos e critérios de escolha de seus produtos muito parecidos, ou seja, a
relação entre mentes inteligentes e os ternos da marca podem ser concebidas
da seguinte maneira:
1º Os inteligentes pensam parecido.
2º Eles usam roupas da marca Ermenegildo Zegna.
274
Conclusão: homens inteligentes usam Ermenegildo Zegna.
Outro detalhe importante é que mesmo sendo uma marca italiana, o
título surge em inglês, numa tentativa não mostrar de que é uma marca
conhecida, mas de seguir uma linha de layout desenvolvida para outros
materiais, ou seja, haveria uma redução no custo de produção. Além disso, é
muito mais fácil criar em inglês e garantir um feedback positivo do que em
italiano ou português propriamente dito.
O fato de se utilizar o título na base do anúncio indica que ele
simplesmente avaliza e suporta o restante das informações ali presentes, cria
uma base para a circunstância de uso do produto trazida na foto.
Uma curiosidade é que a assinatura da marca vem no canto inferior
direito antes do título, fazendo uma clara relação da imagem com a parte
textual construída.
Seguindo o modelo posicionado no canto direito da imagem, apoiado na
porta do prédio, percebe-se que por trás da assinatura, a perna esquerda
cruzada forma uma diagonal que segue para o título, conduzindo de certo
modo a leitura e compreensão das informações ali contidas (conforme
percebido no esquema montado pelas linhas em amarelo). Forma-se um mini
linha de leitura, no canto inferior direito da imagem, permitindo que antes da
assimilação do título, tenhamos uma perfeita noção do que é que aquela marca
claramente deseja transmitir.
A construção do anúncio se sobre o uso da verticalidade, com os
homens em e as colunas erguidas se perdem nas proporções da página.
Uma característica interessante é que, claramente, uma espécie de
275
perspectiva relacionada com o modo como as colunas e a parede do prédio
(linhas da análise sobre a imagem feita em azul, nas diagonais), transmitindo
com naturalidade uma sensação de distanciamento. Esta técnica, muito
utilizada em obras de arte renascentistas, foi muito bem aplicada na fotografia.
De modo geral, a idéia do anúncio é transmitir a idéia de que as roupas
da Ermenegildo Zegna são, além de restritas a um público bem sucedido,
confortáveis e bonitas. Assim, a pessoa se coloca no lugar do modelo, numa
clara estratégia de provocar implantação, permitindo que a pessoa se veja
naquela roupa tal qual um “espelho” o faria. A promessa da marca é o caimento
exíguo, perfeito no corpo, tal qual os modelos retratam enquanto alongam seus
corpos numa circunstância de uso da vestimenta, manequins vivos de como
ficam as roupas.
276
5.2 Outros segmentos do luxo
5.2.1 O ir e vir: transportes
Anúncio Iates Azimut
Fig. 35 Revista Magazine, pg. 10 e 11, ano 1, n° 3, Agosto / Setembro de 2006
O produto de luxo, por si só, necessita criar uma atmosfera de
contemplação por parte do leitor, o que gera por assim dizer o desejo de
compra ante a uma satisfação futura. Apesar de inanimado, o artigo se projeta
ante aos olhos dos consumidores não apenas como algo a ser adquirido, mas
um elemento imprescindível à realização de um sonho e a experiência de uma
história, isso porque o luxo oferece não apenas itens que agregam qualidades
aos usuários, mas também que proporcionam experiências e histórias
desejáveis durante uma existência, capazes de tornam sonhos em elementos
realizáveis por meio das possibilidades que o dinheiro traz.
por trás dos anúncios voltados ao luxo uma espécie de totemismo,
onde não apenas se exibe o item, mas tamm se admira aquilo que é
277
oferecido, como se fosse algo capaz de encantar não apenas a si como aos
outros. claramente aquilo que Marx definiu em sua obra como Fetiche da
mercadoria, onde por meio da imagem, da construção fotográfica, se consegue
imprimir características peculiares desejáveis ao produto, criando uma
atmosfera de desejo por parte de quem o vê.
É bastante complicado, no entanto, por meio simplesmente de um
anúncio e de uma fotografia, agregar valores aos produtos retratados, numa
técnica chamada natureza morta. Contam a experiência do fotógrafo e a
habilidade do especialista em retoques para imprimir aquilo que o anunciante
deseja provocar em quem pode comprar o produto.
No caso de um barco, ou melhor, um iate, como agregar uma atmosfera
de qualidade e diferenciação em torno do produto? Primeiramente, milhões ou
até bilhões de pessoas em todo mundo apreciam o mar, a beleza das praias e
gostam ou gostariam de passear em um iate pelas águas. Logo, como isso
mora no inconsciente das pessoas, ou seja, é um grande sonho, nada mais
justo do que compor uma atmosfera de sonho ao produto.
O iate aparece retratado por inteiro, em alta velocidade, rompendo a
água do mar com facilidade. Não rumo definido ou algo no horizonte que
seja próximo (o fundo está negro, sombrio, como se não importasse o lugar,
apenas o ato de navegar em grande estilo). Cria-se uma relação entre claro e
escuro, onde aquilo que é claro está caracterizado como algo conhecido, que
transmite prazer, enquanto o escuro está incógnito, algo a ser desbravado. O
próprio barco possui cores pretas e brancas em sua construção, o que gera
também um mote para esta relação entre o real e o imaginário.
278
8
O real, aquilo visível, é algo tangível, que não oferece o desconforto do
desconhecido, representados pelo mar. O ambiente onde isso ocorre, preto,
passa a impressão de interatividade não apenas para que ocorra algum risco
de tirar o foco de atenção do próprio iate, mas para permitir que a pessoa
introjete aquilo como um sonho e o complete, colocando como plano de fundo,
o background, do modo como bem desejar no local onde se desejar.
A embarcação luxuosa se apresenta como algo quase mítico, um meio
de transporte potente a serviço de um verdadeiro desbravador. É possível
ainda ver quantas pessoas estão na cabine de comando, permitindo uma
observação de que você leitor também poderia estar ali caso tivesse um iate
tão potente quanto o mostrado.
Quanto ao texto do anúncio, temos como título “Atlantis. A lenda vive.”
No texto, posicionado ao lado direito do título, -se “A civilização Atlantis ficou
conhecida pelo seu alto nível de evolução e refinamento. O novo lançamento
Intermarine tem a alma de offshore que evoluiu para o conforto e sofisticação
dos barcos cabinados, sem perder o desempenho. Seja um dos primeiros a
desvendar os segredos da Atlantis.” A partir da análise do trecho, percebemos
que uma clara referência à lenda de Atlantis, mais conhecida no mundo
latino como Atlântida. Tal nome se refere a uma ilha ou continente próspero em
riquezas vegetais e minerais valiosos (ouro, prata, cobre, etc) e também
oricalco, um metal que se dizia brilhar mais que o fogo; seus reis, num
processo de evolução técnica muito adiante para a época, construíram obras
arquitetônicas magníficas como pontes, canais e fortes, porém tudo isso foi
destruído “engolido pelas águas” algum tempo após, talvez por um terremoto
ou maremoto, isso a mais de 10.000 anos atrás.
279
Além de ter um nome bastante representativo, cheio de significado, o
iate se encaixa no layout do anúncio como um elemento mítico, especial por si
só, colocando o leitor numa posição de desbravador. Segundo a promessa do
fabricante da linha Azimut (remete a azimute, um tipo de unidade de medida de
posicionamento usada em topografia, aviação e navegação), a empresa
Intermarine tem como idéia central permitir ao usuário da embarcação um
misto entre luxo e diversão, propondo uma experiência de uso ímpar.. Há,
assim, a construção de um cenário integrado entre real e imaginário, a história
e a lenda, como algo a ser atingido pelo leitor, uma satisfação plena por
navegar entre o entre os mares da fantasia e por assim dizer, da sedução entre
ficar neste entre - lugar, o que traz um bem-estar e a sensação de total
desligamento com aquilo que pode vir a trazer qualquer infortúnio a um
momento de prazer. O produto é oferecido como um elemento capaz de
desligar a pessoa da realidade, unindo a velocidade e a esportividade de uma
lancha offshore (usada geralmente em competições, é mais leve, mais potente
e mais difícil para se operar, porém com preço muitíssimo elevado), e um iate
convencional, com áreas de repouso, lazer, conforto e luxo em todos os
detalhes.
280
5.2.2 Serviços
Anúncio Lufthansa
Fig. 36 Revista Wish Report, nº22, pg. 49, Julho de 2008
281
A Lufthansa é uma empresa alemã de transportes aéreo, com foco em
públicos de classe A e B, cobrindo principalmente vôos ida e volta para Europa
Central. Fundada em 6 de janeiro de 1926 na cidade de Berlim, a companhia
aérea tem seu nome composto por duas palavras em alemão: Luft, que
significa ar e Hansa, que tem um significado relacionado com associação. Atua
em 209 localidades espalhadas por 81 países, sendo a quinta companhia do
mundo em número de passageiros transportados e a sexta em tamanho da
esquadra operante.
No caso deste anúncio, o interesse é expor aos passageiros um serviço
VIP especial, desde que viagem em primeira classe, ou seja, membros de um
sistema de fidelidade geral, mesmo que viajantes de outras classes.
O texto principal segue transcrito abaixo:
“Para cliente da primeira classe ou membro HON Circle, logo se
desfrutará de mais tempo, espaço e luxo do que em qualquer outra empresa
aérea. E enquanto você se concentra nos assuntos importantes, como decidir
entre o Mercedes e o Porsche que o levará até a aeronave, seu assistente
pessoal dará conta de todas as formalidades. Afinal, sua confiança é nossa
maior recompensa.”
O texto que está retratado no anúncio e indicado acima quer dizer que,
no geral, a Lufthansa oferece aos passageiros de classe especial um hall de
serviços diferenciado, com apoio de assistentes pessoais para garantir-lhe o
foco em outras coisas, mesmo supérfluas para uma pessoa comum, como
decidir o transfer no aeroporto a ser feito com qual tipo de carro de luxo. Na
realidade, a referência do anúncio serve como apelo de bom humor, de quebrar
282
um pouco a seriedade do anúncio e permitir que a mensagem seja entendida
também de um modo agradável.
Outro aspecto diferencial explicitado no texto e que se relaciona com a
imagem é o fato de a companhia disponibilizar um assistente pessoal para
cada passageiro, visando auxiliar nos trâmites de vôo de cada passageiro.
Esse diferencial passa a idéia de que a empresa coloca um funcionário ao
seu dispor, ou seja, você pode ser chefe de algum funcionário designado pela
própria companhia, algo nobre, restrito apenas aos bem sucedidos, que o
são muitos aqueles que têm empregados (a maioria das pessoas na realidade
são empregados de alguém).
A assinatura “There‟s no better way to fly” traduzida para o português
significa “Não jeito melhor de voar”. Esta frase faz parte de uma filosofia da
própria Lufthansa, de oferecer qualidade total e segurança nos vôos. Voar,
apesar de tudo, embora indique prazer e liberdade, pode caracterizar um
cansaço pela falta da segurança de estar em solo, de viajar geralmente para
outro lugar longe de casa e dos próprios bens. É pensando nisso que o serviço
da empresa surge, visando gerar o menor estresse possível ao passageiro,
colocando a serviço dele uma série de facilitadores.
O título do anúncio é:
“Um terminal exclusivo para primeira classe. Um assistente pessoal para
cuidar de todas as suas necessidades. Porque tempo é um dos verdadeiros
luxos da vida. Tudo por este momento único”.
É possível, a partir de este título perceber algumas preocupações claras
de um VIP, para oferecer um serviço diferenciado. Primeiramente, um terminal
de embarque exclusivo, com toda infraestrutura e pompa, evitando que se
283
misturem com os outros passageiros não tão “importantes”, o que causaria
algum estresse ou tumulto, levando mais tempo e reduzindo a comodidade de
quem está ali para voar. Depois, a indicada presença do assistente pessoal,
mesmo que a serviço seu até o seu embarque. Por fim, o uso do tempo, como
um elemento de extremo valor ao próprio viajante, seguindo a filosofia da
célebre frase de Henry Ford, que se tornou quase um clichê, “Time is money”,
ou em português “Tempo é dinheiro”.
O título do anúncio tem como característica, mesmo pela simplicidade,
de se correlacionar com o logotipo da empresa, por causa do posicionamento
que assume na parte superior da página. Embora pouco se perceba a respeito,
intencionalmente houve por parte do diagramador a preocupação de se fazer o
pássaro do logo ficar o mais parecido possível com o texto. Mesmo que numa
posição invertida em relação ao logotipo normal, o texto cumpre sua missão de
também passar a idéia de movimento, velocidade, proporcionada pelo
deslocamento da esquerda para direita, atendendo ao objetivo primário da
companhia aérea de oferecer rapidamente locomoção pelo ar, com total
facilidade e eficiência, promessas básicas de qualquer serviço aéreo, em
qualquer lugar do mundo.
A imagem fotográfica que o anúncio emprega se vale de dois planos
claramente definidos: a do homem enquanto é auxiliado pela atendente
sentado desfrutando um drink, e o plano de fundo onde dois homens e um
barman parecem conversar em um clima totalmente descontraído. A idéia é
permitir que a imagem traga dois tipos de efeito claramente, o primeiro plano
contendo a idéia de conforto e comodidade, enquanto o segundo claramente
desperta lazer e descontração.
284
Apesar de atender a um público executivo e vips de ambos os sexos, o
anúncio coloca na posição de clientes apenas os homens, somente, numa
posição de superioridade em relação à mulher, indicada como atendente. Isso
indica uma tendência discreta ao machismo de se ter uma mulher prestativa e
disposta a servir sem reclamar enquanto o homem desfruta de lazer, conforto e
diversão. O homem indicado como modelo principal também possui um perfil
muito aproximado do público-alvo, de pessoa bem-sucedida, exigente e de
meia idade. Se trata de um indivíduo com perfil europeu, de pele branca,
cabelos grisalhos e bem cortados, além de chamativos olhos azuis, portando
roupas sociais e gravata aparentemente de seda (pelo brilho do tecido).
O apelo desse anúncio está sob duas bases: conveniência e bom
tratamento. Num cenário como o do Brasil, imerso numa ditadura imposta por
poucas opções de companhias áreas, com atrasos, aeroportos lotados e o tão
divulgado na mídia caos aéreo, estas condições colocadas como estão
apontam um excelente diferencial para quem está viajando e pagando uma alta
quantia para deslocamento, bom tratamento é o mínimo que pode ser
esperado.
De modo geral, pode-se perceber nos anúncios de serviços para o
mercado de luxo uma preocupação em se diferenciar pelo primor, em oferecer
tudo aquilo que o cliente possa a vir considerar como ideal, a perfeição. Em se
tratando de um conjunto de ações intangíveis, um serviço é obrigado a se
aproximar do cliente por diferenciais capazes de transmitir uma confiabilidade
de que aquilo que se deseja será entregue plenamente, satisfazendo suas
expectativas gerais. Assim sendo, os serviços voltados ao mercado de luxo
precisam não apenas satisfazer plenamente um público exigente, que quer
285
eficiência, comodidade e paparicos, mas se diferenciar dos serviços comuns,
vagregando um valor maior ao que se está acostumado a se ver no mercado.
Dentro deste princípio, o anúncio da Lufthansa vai exatamente de encontro às
expectativas mais intensas de seu público.
286
CONCLUSÃO
É possível tirar como conclusões desta pesquisa que o mercado de luxo
não é procurado por simples ostentação ou vontade de “aparecer”, como
muitas pessoas pensam, mas porque na realidade as pessoas querem agregar
para si próprias valores e idéias presentes por trás das marcas, garantindo não
apenas uma forma de se sociabilizar dentro de um grupo de pessoas desejado
e que compartilha dos mesmo gostos e idéias, mas principalmente porque os
artigos de luxo são capazes de permitir às pessoas uma elevação na auto-
estima, facilitando-lhes vivenciar experiências prazerosas, bem como construir
histórias marcantes.
O luxo já começa a se diferenciar dos outros mercados pela própria
definição do termo. Na realidade, ele é composto pela junção de uma série de
segmentos de especialidade existente em vários mercados diferentes,
propostos com o intuito de oferecer artigos diferenciados para um blico com
maior poder aquisitivo e potencial para despender um pouco mais para adquirir
itens exclusivos, sofisticados, capazes de despertar o interesse das pessoas.
Cada artigo de luxo possui atributos para ser desejado como tal, porém
existem elementos que os tornam ainda mais notórios, não necessariamente
atributos físicos, mas principalmente simlicos, que os tornam valiosos não
apenas pelo que o, mas por aquilo que representam no gosto popular, muito
além do simples uso. Se não fosse isso, a compra de luxo não se justificaria.
De fato, como principal constatação, foi possível perceber que existe de
fato por trás do consumo de luxo, por meio de seus artigos e marcas, um forte
287
mecanismo que adquire o consumidor de um modo tão arrebatador quanto
aquele com que estamos acostumados, do consumidor escolher e comprar
aqueles produtos que lhe interessam. A este processo contrário, onde o
consumidor é consumido, chamou-se de “consumo reverso”. Ele acontece a
partir do momento em que as empresas fornecedoras para consumidores deste
perfil coletam deles interesses e necessidades para convertê-los em produtos,
atraindo posteriormente o interesse deste indivíduo. Na realidade, não é
oferecido nada além do que aquilo que ele realmente quer, e a partir do
momento que ocorre a compra, a própria pessoa se torna um suporte da
marca, permitindo com que ela fique ainda mais forte e se posicione de um
modo ainda mais evidente junto a um grupo em especial.
Apesar de o novo luxo considerar o consumo de tais artigos
principalmente a partir de um deleite pessoal, não como negar a correlação
direta da sociedade e do outro neste processo, pois, de fato, é quase uma
questão de lógica concluir que o alto valor agregado dos artigos de luxo reside
principalmente não na confecção, raridade ou matérias-primas nobres
empregadas na produção, mas no valor que o uso daqueles determinados itens
pode trazer para cada um dentro daquele círculo restrito de pessoas de
convívio ou com quem se quer conviver. Ninguém sente atração ou apelo por
aquilo que não traz nenhum tipo de interesse especial, mesmo que simbólico.
Assim nasce a idéia de socioconsumo, ou seja, o processo de compra
determinado não apenas pelo gosto pessoal, mas pelo outro.
Embora presente em um cenário de terceiro mundo, o luxo no Brasil
coexiste com a pobreza e a desigualdade social de fato, o que muitas vezes
pode ser invertido o como um direito individual, mas como um ato
288
desnecessário, desrespeitoso, justificando animosidades como assaltos, por
exemplo. De fato, o que é importante é desculpabilizar o consumo de luxo a
partir do momento em que, desfrutando de melhores condições de vida, todos
poderiam ter acesso aos seus bens de interesse, seus luxos.
A comunicação de luxo por meio de anúncios deixa evidente que existe
de fato um arrebatamento do consumidor por meio de insinuações de ganhos
extras que o uso daqueles elementos intangíveis dos artigos de luxo vem a
trazer. A partir do uso de temas centrais como sucesso, status e do modo como
aquilo se torna facilitador para conquistar principalmente um parceiro do sexo
oposto, ou transformar crianças em adultos, entre outros, a comunicação de
luxo visa indicar não diferenciais técnicos, mas qualidades intangíveis dos
produtos, trazendo em especial elementos sentimentais envolvidos em fotos,
composições, cores, etc.
289
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301
ANEXOS
A Pensamentos e reflexões
Oh, não discutam a necessidade! O mais pobre dos mendigos possui ainda
algo de supérfluo na mais miserável coisa. Reduzam a natureza às
necessidades da natureza e o homem ficará reduzido ao animal: a sua vida
deixará de ter valor. Compreendes por acaso que necessitamos de um
pequeno excesso para existir?
William Shakespeare - Rei Lear
“O problema é que sou muito consumista. Sou incontrolável”
Núbia Passos Couto Diarista
“Podemos ser tão felizes quanto decidimos sê-lo”
Gilles Lipovetsky A Felicidade Paradoxal
302
B Carta aberta de Luciano Huck, apresentador.
Fonte: Folha de S. Paulo, 01/10/2007
Pensamentos quase póstumos
Luciano Huck
Pago todos os impostos. E, como resultado, depois do cafezinho, em
vez de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa
Luciano Huck foi assassinado. Manchete do "Jornal Nacional" de ontem.
E eu, algumas páginas à frente neste diário, provavelmente no caderno policial.
E, quem sabe, uma homenagem póstuma no caderno de cultura.
Não veria meu segundo filho. Deixaria órfã uma inocente criança. Uma
jovem viúva. Uma família destroçada. Uma multio bastante triste. Um
governador envergonhado. Um presidente em silêncio.
Por quê? Por causa de um relógio.
Como brasileiro, tenho até pena dos dois pobres coitados montados
naquela moto com um par de capacetes velhos e um 38 bem carregado.
Provavelmente não tiveram infância e educação, muito menos
oportunidades. O que o justifica ficar tentando matar as pessoas em plena
luz do dia. O lugar deles é na cadeia.
Agora, como cidadão paulistano, fico revoltado. Juro que pago todos os
meus impostos, uma fortuna. E, como resultado, depois do cafezinho, em vez
de balas de caramelo, quase recebo balas de chumbo na testa.
303
Adoro São Paulo. É a minha cidade. Nasci aqui. As minhas raízes estão
aqui. Defendo esta cidade. Mas a situação está ficando indefensável.
Passei um dia na cidade nesta semana -moro no Rio por motivos
profissionais- e três assaltos passaram por mim. Meu irmão, uma funcionária e
eu. Foi-se um relógio que acabara de ganhar da minha esposa em
comemoração ao meu aniversário. Todos nos Jardins, com assaltantes
armados, de motos e revólveres.
Onde está a polícia? Onde está a "Elite da Tropa"? Quem sabe aa
"Tropa de Elite"! Chamem o comandante Nascimento! Está na hora de
discutirmos segurança pública de verdade. Tenho certeza de que esse tipo de
assalto ao transeunte, ao motorista, não leva mais do que 30 dias para ser
extinto. Dois ladrões a bordo de uma moto, com uma coleção de relógios e
pertences alheios na mochila e um par de armas de fogo não se
teletransportam da rua Renato Paes de Barros para o infinito.
Passo o dia pensando em como deixar as pessoas mais felizes e como
tentar fazer este país mais bacana. TV diverte e a ONG que presido tem um
trabalho sério e eficiente em sua missão. Meu prazer passa pelo bem-estar
coletivo, não tenho dúvidas disso.
Confesso que andei de carro blindado, mas aboli. Por filosofia.
Conclque não era isso que queria para a minha cidade. Não queria assumir
que estávamos vivendo em Bogotá. Errei na mosca. Bogotá melhorou muito. E
nós? Bem, s estamos chafurdados na violência urbana e não vejo
perspectiva de sairmos do atoleiro.
Escrevo este texto não para colocar a revolta de alguém que perdeu o
rolex, mas a indignação de alguém que de alguma forma dirigiu sua vida e sua
304
energia para ajudar a construir um cenário mais maduro, mais profissional,
mais equilibrado e justo e concluir -com um 38 na testa- que o país está em
diversas frentes caminhando nessa direção, mas, de outro lado, continua
mergulhado em problemas quase "infantis" para uma sociedade moderna e
justa.
De um lado, a pujança do Brasil. Mas, do outro, crianças sendo
assassinadas a golpes de estilete na periferia, assaltos a mão armada sendo
executados em rie nos bairros ricos, corruptos notórios e comprovados
mantendo-se no governo. Nem Bogotá é mais aqui.
Onde estão os projetos? Onde estão as políticas públicas de segurança?
Onde está a polícia? Quem compra as centenas de relógios roubados? Onde
vende? Não acredito que a polícia não saiba. Finge não saber.
Alguém consegue explicar um assassino condenado que passa final de
semana em casa!? Qual é a lógica disso? Ou um par de "extraterrestres"
fortemente armado desfilando pelos bairros nobres de São Paulo?
Estou à procura de um salvador da pátria. Pensei que poderia ser o
Mano Brown, mas, no "Roda Vida" da última segunda-feira, descobri que ele
não é nem quer ser o tal. Pensei no comandante Nascimento, mas descobri
que, na verdade, "Tropa de Elite" é uma obra de ficção e que aquele na tela é o
Wagner Moura, o Olavo da novela. Pensei no presidente, mas o sei no que
ele está pensando.
Enfim, pensei, pensei, pensei. Enquanto isso, João Dória Jr. grita:
"Cansei". O Lobão canta: "Peidei".
305
Pensando, cansado ou peidando, hoje posso dizer que sou parte das
estatísticas da violência em São Paulo. E, se você ainda não tem um assalto
para chamar de seu, não se preocupe: a sua hora vai chegar.
Desculpem o desabafo, mas, hoje amanheci um cidadão envergonhado
de ser paulistano, um brasileiro humilhado por um calibre 38 e um homem que
correu o risco de não ver os seus filhos crescerem por causa de um relógio.
Isso não está certo.
306
B.1 Algumas reações populares após carta de Luciano Huck
Opiniões populares, site
http://oglobo.globo.com/sp/mat/2007/10/02/297969954.asp
1. Ivan Ivan: 06/10/2007 - 23h 41m
Coitadinho, o narigudo perdeu o Rolex depois de comer caviar.
Ô narigudo, tem gente perdendo a vida nesse Brasil.
Meu querido, vai fazer cara de tristinho pra Angélica.
2. FlavinhaRJ2222: 05/10/2007 - 12h 57m
Gente, ele certo, nós quando somos assaltados se escrevermos
uma carta, não acontece nada, mas como ele é uma pessoa pública,
pode ser que isso gere alguma ação do Estado. A intenção é boa sim,
parem de morrer de inveja porque ele tem um Rolex, ou porque ele é
famoso e rico. Não vai ser ele que vai fazer a justiça social com o
salário dele, ele é um cidadão que tem direito de usar o que ganha
com o que quiser, e paga impostos para ter segurança sim. Esse
pensamento é que fez o país ficar assim.
3. Sillas dos Santos Bastos: 04/10/2007 - 16h 55m
Marco histórico na história policial do Brasil: Roubaram o Rolex do
Luciano Huck!!! Agora sim, as autoridades devem investir pesado na
307
segurança blica. Afinal de contas foi um Rolex de R$ 48 mil!! e do
HUCK!!!!! Que absurdo este "desabafo". Acho que todo cidadão
merece as providências que ele está pedindo. E olha que ele tem
segurança particular, a casa dele deve ser cercada do mais moderno
sistema de vigilância, ele deve andar de helicóptero, etc..
Eu tamm mereço, sr. Luciano,eu tamm mereço.
4. DeGaulle_Gal: 04/10/2007 - 09h 44m
Por que, diabos, alguém quer ter um Rolex?
5. rhelena: 04/10/2007 - 13h 28m
O Huck está certo. Afinal, nós temos a mania de nos omitir e não
reclamar, aceitar a violência como normal. Ele tem o direito de ter um
Rolex. Deveria ter o direito de usá-lo. Se somos assalariados, e
ganhamos uma miséria, não é tamm comodismo da nossa parte?
Quando os ferros em brasa nos marcaram, não éramos bois de
carro a muito tempo? Pagamos pela omissão nossa mesmo.
6. Ana Lucia Araujo: 03/10/2007 - 20h 43m
Exibir bens caro em um país com tanta gente é expôr a vida. E em
um país com tantos pobres... nem quem lutou para ter fama e
dinheiro pode portar o fruto do seu esforço! Luciano, o problema não
está em você ser famoso e usar um Rolex, mas em querer ser livre
308
num país onde ricos filosóficos à esquerda e pobres honestos se
solidarizam com bandido que rouba ricos, mas também rouba e mata
pobres. Como viver em um país onde pobreza justifica bandidagem?
Eu sou pobre e não me arrisco! Quem tiver voz, grite!
7. lidia bedrechuk - 03/10/2007 - 23h 01m
Devia agradecer a Deus por estar vivo. Milhares de pessoas
anonimas muitas pobres o roubadas e não tem espaço na midia
para reclamar e se indignar. Ele não se tocou que não pode usar
Rolex em cidade nenhuma do Brasil. Pode usar nas casa de praia,
campo ou fazenda. Foi presente da esposa? Da outra vez ela vai dar
algo menos ostensivo. Muita gente morreu por muito menos. Até
por não ter dinheiro. Cadê a policia? Não sei. Pergunte para ela onde
anda. Ele não tem seguranças? vergonha de ler isso.
309
C - A sociedade de consumo e políticas públicas
Fonte: jornal O Estado de S. Paulo, 15/02/2010 - Ano 131 nº42.489
Caderno A. Pág 02. Coluna Espaço Aberto.
*José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo
Existem no mundo hoje cerca de 700 milhões de automóveis, um para
cada dez habitantes. Nos Estados Unidos existem quase tantos automóveis
quanto pessoas (incluindo as crianças). No Brasil são quase sete pessoas para
cada automóvel, mas em 2014 deveremos ter quatro pessoas por automóvel -
em outras palavras, cada família deverá ter um automóvel. A China e a Índia
são menos motorizadas, mas, mesmo assim, prevê-se que dentro de 20 anos
haverá 2 bilhões de automóveis circulando no mundo.
A posse de um automóvel reflete as aspirações de boa parte da
população mundial, para a qual eles representam a liberdade de ir e vir.
Sucede que um mundo totalmente motorizado terá de enfrentar problemas
muito maiores do que os que enfrentamos hoje: congestão urbana, poluição,
acidentes, expansão da rede de estradas e o fato de que os combustíveis que
usamos hoje não deverão durar mais de 40 anos - antes disso, seu custo
aumentará substancialmente.
Apesar disso, muitos governos encorajam a motorização, entre os quais
o do Brasil, que até reduziu os impostos sobre automóveis para encorajar as
vendas, sem exigir das montadoras nenhuma contrapartida, como a de
310
melhorar os padrões de desempenho desses veículos. Nos Estados Unidos
essa exigência foi feita como precondição para o governo salvar a indústria
automobilística da bancarrota.
A China está revelando preocupações com a tendência à motorização
do país, que ainda é pequena (29 pessoas por automóvel), e está iniciando a
instalação de uma rede de ferrovias com trens rápidos - do tipo TGV francês
(train à grande vitesse ou, em português, trem de alta velocidade) - que vai
cobrir todo o território chinês (9.596.960 km2), que é maior que o do Brasil
(8.514.876,599 km2). A China, por meio de uma decisão política, tenta seguir o
modelo europeu de ênfase ao tráfego ferroviário.
São muitos os exemplos que se poderiam citar dos problemas que uma
sociedade orientada para o consumo vai criar para a grande maioria da
população mundial, no futuro.
Poder-se-ia argumentar que os Estados Unidos conseguiram se tornar o
paraíso do consumismo que são hoje e que a tendência é imi-lo. Acontece
que a população dos Estados Unidos é de apenas 4% da população mundial e
se consome lá um quarto de toda a energia produzida no mundo. Em outras
palavras, não existem no mundo recursos de energia e minerais suficientes
para que uma população mundial 25 vezes maior que a dos Estados Unidos
adote seus padrões de consumo.
Por outro lado, não existe a menor dúvida de que o restante do mundo
não aceitará viver com menos conforto que os americanos e que uma
sociedade de consumo de algum tipo acabará por se impor.
Assim sendo, o que fazer?
311
Negar o progresso econômico é impossível, mas o fato é que políticas
públicas podem orientar esse progresso e existem novas tecnologias - que não
existiam há 50 anos - que permitem fazê-lo. Ninguém, em consciência, vai
negar o direito de as pessoas terem acesso a uma iluminação decente à noite,
mesmo que morem numa favela. Hoje, no entanto, existemmpadas que
iluminam tão bem (ou melhor!) e usam dez vezes menos eletricidade, além de
durarem mais tempo do que as antigas. Esse é um exemplo de tecnologias
mais eficientes, das quais existem muitas.
Nos países em desenvolvimento, cuja população está crescendo - e a
infraestrutura ainda é incipiente - a estratégia é crescer adotando essas
tecnologias mais eficientes desde o início.
Outra estratégia é a de evitar uma dependência completa do uso de
combustíveis sseis, introduzindo energias renováveis em grande escala,
como a dos ventos e a solar. Em alguns casos, as próprias forças do mercado
farão isso, porque algumas delas já são competitivas, mas, em outros, políticas
públicas são necessárias para fazê-lo.
O sucesso do Programa do Álcool no Brasil se deve a isso. A decisão do
governo, décadas atrás, foi a de substituir gasolina por álcool de cana-de-
açúcar. A mistura adotada começou com alguns por cento e aumentou para
25%. Muitos outros países estão fazendo isso com misturas menores, mas
ainda assim significantes.
É por essa razão que a decisão recente do governo de reduzir a mistura
para 20%, por causa da falta de álcool, passa uma mensagem errada. O
motivo para essa redução foi mesmo a falta de álcool, que provocou o aumento
do seu preço e fez as vantagens econômicas de usá-lo desaparecerem. A
312
medida é temporária e a mistura deve voltar aos 25% no início da próxima
safra, mas teria sido melhor reduzir as exportações de açúcar para aumentar a
produção de álcool do que reduzir a porcentagem na gasolina.
Políticas Públicas não são necessariamente estabelecidas somente por
governos. Estratégias adotadas por grandes bancos ou por grandes empresas
tornam-se às vezes verdadeiras políticas blicas. Exemplo claro disso foi a
criação da "bolha imobiliária" nos Estados Unidos, que levou à crise financeira
global de 2008. Grandes bancos facilitaram de tal forma empréstimos
imobiliários, exigindo poucas garantias em seus financiamentos, que milhões
de pessoas contraíram empréstimos que não podiam pagar. Outro exemplo foi
a "bolha de informática" dez anos atrás, quando um entusiasmo irracional por
investimentos de risco nessa área levou o setor a uma grave crise. Em todos
esses casos, o aumento do controle governamental foi necessário para evitar
males maiores.
O que é fundamental são políticas públicas que orientem as forças de
mercado, e não simplesmente se curvem a interesses econômicos imediatistas.
313
D Reportagem
Diarista se enrola com contas que não fecham.
Dívidas superam os R$ 2 mil, mais que o triplo dos ganhos de R$ 600 por mês
Autor: Márcia De Chiara
O Estado de S. Paulo - 15/02/2010 Caderno B_pag 1
A diarista Núbia dos Passos Couto, de 27 anos, separada e com um
filho, está assustada com o volume de prestações que assumiu. Com renda
mensal de cerca de R$ 600, que tira com faxinas e com os R$ 200 que recebe
de pensão do ex-marido, ela deve mais que o triplo do seu salário, perto de R$
2 mil, mesmo tendo repassado o financiamento de um televisor de LCD para o
irmão.
Emprestei o nome para um amigo comprar um celular a prazo e ele não
pagou”, reclama Núbia. A dívida em atraso com o celular do amigo está em R$
400. Além disso, ela comprou a prazo um celular novo para uso próprio e se
endividou em mais R$ 400.
Em lojas de roupa, ela gastou cerca de R$ 300, parcelou o pagamento e
usou o nome do pai para fazer o crediário. No cartão de crédito, gastou mais
R$ 300 em vestuário, tudo também devidamente parcelado. O problema é que
eu sou muito consumista. Sou incontrolável, admite.
Para sair dessa situação, ela tem um plano traçado. Primeiro, pretende
“pegar mais faxinas” e obter um empréstimo de R$ 300 com um parente para
quitar os crediários em atraso que estão em nome do seu pai. O meu nome
está sujo por causa dos outros. Não vou deixar que isso aconteça com o meu
pai”.
314
O próximo passo, diz Núbia, será escalonar o pagamento das
prestações numa espécie de rodízio, de forma que não fique muito tempo em
atraso numa única dívida: Num mês, deixo de pagar água e em outro a roupa
que comprei do vendedor que vem na minha casa e não cobra juros pelo
atraso.
Vou colocar as contas num caderninho, prevê. Ela planeja também
unificar as datas de vencimento dos financiamentos. Hoje tenho prestações
vencendo nos dias 8, 17, 18 e 20. É uma atrás da outra. Finalmente, a diarista
diz: Quero mudar de vida e ter o controle das minhas dívidas.”
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