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JÚLIA FIGUEREDO BENZAQUEN
A SOCIALIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO:
UMA ANÁLISE DE PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL
RECIFE – PE
2006
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II
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
JÚLIA FIGUEREDO BENZAQUEN
A SOCIALIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO:
UMA ANÁLISE DE PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Sociologia da UFPE,
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Sociologia.
Orientadora: Profa. Dra. Silke Weber.
RECIFE – PE
2006
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III
IV
V
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais: Abraham e Lúcia, exemplos de existências, que sempre
acreditaram em mim e me apoiaram. A Del e a Titá, queridas mães acolhedoras. A
Guilherme, irmão querido, companheiro de todas as horas e para toda a vida. E a
Rodrigo companheiro amado, com quem aprendo a arte de ser feliz a dois.
Aos amigos e companheiros do curso de Ciências Sociais, que se tornaram
companheiros de vida: Camila, Gabriella, Henrique e Normando.
Aos colegas do mestrado, pelos encontros e desencontros e pelo tanto que
aprendemos juntos.
Aos professores do PPGS, em especial a orientadora Professora Silke Weber,
que para mim é um referencial. As ricas contribuições de Silke foram fundamentais na
construção da dissertação.
Agradeço também a todos que fazem parte do Programa de Animação Cultural
que foram bastante receptivos. Um agradecimento especial ao AC e às crianças do
grupo observado que me fizeram reforçar a crença na importância da cooperação como
construção de laços coletivos capazes de gerar mudanças sociais.
Agradeço a todos que fazem parte da construção da Escola de Formação de
Educadores Sociais, que colaboraram para as idéias de economia solidária e educação
popular aqui discutidas. Agradeço por essa iniciativa estar me propiciando tantas
reflexões e transformações.
A CAPES por garantir os subsídios materiais para a realização desta pesquisa.
VI
RESUMO
A questão principal desta pesquisa é: quais são e como são desenvolvidas
práticas de educação não-formal que socializam o valor cooperativo. Assumindo as
discussões da dicotomia comunidade e sociedade, do crescente processo de
individualização, do individualismo característico do contexto capitalista e das teorias
da socialização, fazemos um estudo de caso em um grupo cultural do Programa de
Animação Cultural (PAC). Partimos do pressuposto de que a economia solidária, prática
baseada na solidariedade, e a educação popular se apresentam como espaços potenciais
para a socialização do valor cooperativo. O contexto do nosso caso é apresentado a
partir da sua história, estrutura e objetivos, das atividades de capacitação para os
educadores não-formais, da escola na qual o grupo está inserido e do grupo em si. Nossa
atenção está voltada para a cooperação, ou seja, ao fazer junto, e ao valor cooperativo,
que se aproxima da idéia de solidariedade, implicando empatia e comprometimento com
o outro. Através de observação participante, entrevistas e análise documental fazemos
uma descrição etnográfica utilizando alguns indicadores de práticas cooperativas, como
por exemplo: atividades realizadas em grupo e estímulo de respeito ao outro. O
Animador Cultural do grupo propiciou oportunidades de socialização do valor
cooperativo, mas por sua identificação com o papel do professor, ele falou mais sobre as
práticas cooperativas do que oportunizou momentos de vivência delas. Este estudo
permitiu aprofundar a compreensão de mecanismos de socialização do valor
cooperativo na educação não-formal e ao mesmo tempo perceber a presença de valores
societários individualistas, como obstáculo a considerar.
Palavras-chave: Socialização. Cooperação. Educação não-formal.
VII
ABSTRACT
The main question that this study intends to answer is: which are and how are
developed practices of non-formal education that socialize the cooperative value. The
dichotomy community and society, the increasing process of individualization, the
characteristic individualism of the capitalist context and the theories of socialization,
help us to make a case study in a cultural group of the “Programa de Animação
Cultural” (PAC). The solidary economy, wich is based in solidarity, and the popular
education are perceived as potential spaces for the socialization of the cooperative
value. The context of our case is presented from its history, structure and objectives,
from the activities of qualification for the non-formal educators, and from the school in
which the group is inserted and the group itself. Our attention is come back toward to
the cooperation, doing together, and to the cooperative value, which approaches to the
solidarity idea, implying a commitment with the other. Through participant observation,
interviews and documentary analysis we make an ethnographic description, we
construct some pointers of cooperatives practices, as: activities carried through in group
and stimulation of respect to the other. The educator of the group propitiated chances of
socialization of the cooperative value, but for his understanding of the role that a teacher
must play, he said more about the cooperatives practices than offered moments of
experience them. This study allowed to deep the understanding of mechanisms of
socialization of the cooperative value in the non-formal education and at the same time
to perceive the presence of individualistic values, as obstacle to consider.
Keywords: Socialization. Cooperation. Non-formal education.
VIII
RÉSUMÉ
La question principale à laquelle cette étude cherche à répondre est : quelles sont
et comment se déroulent les pratiques d'éducation non-formelle qui socialisent la valeur
coopérative. Les débats sur la dichotomie communauté et société, le processus croissant
d`individualisation, l'individualisme caractéristique du contexte capitaliste et les
théories de socialisation sont importants pour l’étude de cas d’un groupe culturel du
"Programa de Animação Cultural" (PAC) que nous faisons ici. Nous sommes partis du
présupposé que l'économie solidaire, pratique fondée sur la solidarité, et l'éducation
populaire constituent des espaces potentiels pour la socialisation de la valeur
coopérative. Nous insérons le cas étudié dans son contexte en présentant aussi bien son
histoire, sa structure et ses objectifs que les activités de qualification proposées aux
éducateurs non-formels, l'école dans laquelle le groupe est inséré et le groupe lui-même.
Notre attention se porte sur la coopération, c’est-à-dire ce qui est alisé ensemble, et
sur la valeur coopérative, celle qui se rapproche de l'idée de solidarité, ce qui implique
empathie et engagement avec l'autre. L'observation participative, les entretiens, l'histoire
de vie et l'analyse documentaire nous ont permis de faire une description
ethnographique en utilisant quelques indicateurs des pratiques coopératives, comme par
exemple: les activités réalisées en groupe et la stimulation du respect à l'autre. Nous
avons donc observé que l'animateur culturel favorise la socialisation de la valeur
coopérative, mais de par son identification au rôle de professeur, il parle davantage des
pratiques coopératives aux dépens des expériences concrètes de coopération. Cette
étude permet en même temps d’approfondir la compréhension des mécanismes de
socialisation de la valeur coopérative dans l'éducation non-formelle et de percevoir la
présence des valeurs individualistes, un important obstacle à sa réussite.
Mots-clés: Socialisation. Coopération. Éducation non-formelle.
IX
SUMÁRIO
Apresentação.......................................................................................................
Para começar.......................................................................................................
PARTE IREFLEXÕES SOBRE O JÁ DITO
Capítulo 1 – O social e o individual
1.1 Comunidade e sociedade..............................................................
1.2 Individualização e individualismo................................................
1.3 Socialização..................................................................................
1.4 Desenvolvimento moral................................................................
Capítulo 2Cooperação e Educação
2.1 Cooperação....................................................................................
2.2 Participação em práticas cooperativas: o exemplo da economia
solidária...............................................................................................
2.3 Escola e educação popular............................................................
2.4 Educação não-formal....................................................................
ELO ENTRE O DITO E O QUE VIMOS
Capítulo 3 – A construção do que vimos.....................................................
PARTE IIO QUE VIMOS
Capítulo 4 – O Programa
4.1 O Programa de Animação Cultural
4.1.1 História do Programa de Animação Cultural.....................
4.1.2 Estrutura e funcionamento da Gerência de Animação
Cultural...............................................................................
4.1.3 Os Animadores Culturais...................................................
4.1.4 O Programa de Animação Cultural e o Escola
Aberta.................................................................................
4.1.5 Considerações sobre o Programa de Animação
Cultural...............................................................................
4.2 Algumas experiências
4.2.1 Nossa experiência.............................................................
4.2.2 Chegando ao caso.............................................................
Capítulo 5 – O grupo
5.1 A escola.........................................................................................
5.2 O grupo.........................................................................................
Capítulo 6 – Mecanismos de socialização do valor cooperativo
6.1 Da Gerência de Animação Cultural ao Animador
Cultural..........................................................................................
6.2 Do Animador Cultural às crianças................................................
6.3 Entre as crianças...........................................................................
Conclusões
............................................................................................................
X
01
06
12
17
22
27
32
35
40
43
54
56
59
63
65
72
73
78
84
96
102
114
119
X
Referências bibliográficas..................................................................................
Anexos
I – Roteiro das entrevistas...............................................................................
II – Entrevista profunda..................................................................................
III – Lista de documentos analisados.............................................................
123
128
134
135
XI
Apresentação
A união faz a forçae todos juntos somos fortessão idéias disseminadas no
senso comum, que reforçam a importância da cooperação. O interesse pela cooperação
teve origem na constatação, com base em observações não sistemáticas da realidade,
que a sociedade capitalista privilegia o individualismo, relegando assim o espaço da
cooperação, ou seja, do fazer em conjunto com fins a um objetivo comum.
Temos o interesse de estudar como certos espaços educacionais desenvolvem
nas crianças a cooperação como um valor. Escolhemos como referência empírica do
problema a educação não-formal, ou seja, não escolar, porém intencional. A educação
não-formal foi escolhida por ser um espaço que tem uma grande possibilidade de
desenvolver atividades coletivas, as quais pressupõem o valor cooperativo e o
constroem.
A prática específica de educação não-formal que será aqui analisada faz parte do
Programa de Animação Cultural (PAC), que está sob a responsabilidade da Secretária
de Educação, Esporte e Lazer da Prefeitura da Cidade do Recife. É importante destacar
que, além de ser uma política pública, o PAC possui uma história de contestação da
ordem capitalista, e tem expressamente como um de seus objetivos o cultivo de
relações solidárias”, o que consideramos bastante próximo de uma intenção de
socialização do valor cooperativo.
Entre julho e dezembro de 2003 fizemos parte de tal programa, na condição de
animadora cultural em uma Escola Municipal. Esta experiência nos ajudou na pesquisa
agora feita de forma mais distanciada e mais acurada. Aqui não discutiremos o PAC
como um todo, mas nos centraremos em uma experiência, em um caso, na animação
cultural desenvolvida em uma escola.
XII
Assim, por intermédio da observação pretendemos com este trabalho responder
a nossa questão principal: quais são e como são desenvolvidas práticas de educação
não-formal que socializam o valor cooperativo. Dessa forma estamos assumindo que
algumas práticas têm sucesso na construção do valor cooperativo.
A preocupação expressa na questão se refere ao processo, à socialização que as
crianças submetidas a este tipo específico de educação passam. O resultado destas
práticas, se realmente as crianças desenvolvem o valor cooperativo, não é o interesse
aqui, visto que não é porque às atividades culturais se adicionam conteúdos ou valores,
como a cooperação, que a criança vai incorporá-los. Uma análise dos resultados deste
tipo de prática requer um tempo infinitamente maior de pesquisa em relação ao que
dispúnhamos.
Mesmo não sendo do nosso interesse os resultados da socialização para
cooperação, o presente trabalho, que possui um caráter descritivo-analítico, também
pretende ser propositivo no sentido de estimular práticas de socialização da cooperação.
Reconhecemos os limites da educação não-formal, mas é necessário destacar que a
socialização para cooperação tem efeitos imediatos e práticos bastante positivos. Nas
atividades cooperativas, as crianças se divertem e ninguém se sente excluído, além do
esforço para a obtenção da meta do grupo e não individual. Por esses motivos,
acreditamos que a freqüência e a sistematização de atividades cooperativas, no mínimo,
despertam para a idéia de que é possível a organização coletiva na busca de fins
coletivos, portanto a incentivamos.
1
Para começar
O que significa socializar para cooperação? Para responder a esta pergunta é
necessário especificar o que entendemos por socialização e por cooperação.
Socialização é um processo de construção e sedimentação das normas sociais.
Cooperação é quando dois ou mais agentes fazem algo juntos no sentido a atingir um
objetivo comum. Assim, socializar para cooperação é tornar os indivíduos capazes de
desenvolver atividades cooperativamente.
Para a nossa pesquisa, a cooperação será discutida como um valor moral, o valor
cooperativo. Então, o que pretendemos estudar são os mecanismos de socialização, que
favorecem a prática cooperativa e assim estimam o valor cooperativo. Quando falamos
de valor cooperativo estamos ampliando o conceito de cooperação, ou seja, o mero fazer
junto, para algo que implica princípios éticos
1
. Neste sentido o valor cooperativo se
aproxima à idéia de solidariedade
2
. A empatia pelo outro e a promoção do bem-viver
3
são elementos constituintes da solidariedade.
No decorrer do texto falamos de socialização do valor cooperativo e de
socialização para cooperação, no primeiro caso nos referimos aos mecanismos de
socialização deste valor e no segundo caso expressamos uma meta, uma intenção de
desenvolver o espírito cooperativo. É nesta medida que o presente estudo é descritivo-
analítico, quando especifica algumas práticas de socialização do valor cooperativo, mas
1
Princípios éticos são algo mais profundo, que sugerem comprometimento, uma tomada de posição
crítica e política, implicam em uma prática ética. Devemos estar atentos que estaremos analisando uma
experiência com crianças que ainda não possuem princípios éticos sedimentados, mas que os estão
construindo.
2
Segundo o dicionário, solidariedade: 1. Laço ou vínculo recíproco de pessoas ou coisas independentes.
2. Apoio a causa, princípio, etc., de outrem. 3. Sentido moral que vincula o indivíduo à vida , aos
interesses e às responsabilidades dum grupo social, duma nação ou da humanidade (Ferreira,
1993:511). Destacamos o terceiro significado.
3
Bem-viver é um conceito da economia solidária. A economia solidária visa à produção e ao consumo
capaz de sustentar o bem-viver de consumidores e produtores, integrando-se harmoniosamente os
ecossistemas ambiental, social e subjetivo. Neste sentido bem-viver envolve a promoção da justiça social
para todos, garantindo a singularidade das pessoas. O bem-viver substitui o conceito de bem-estar, que é
criticado por estar vinculado à social democracia. Ver Mance (2000).
2
também é propositivo, ao defender a socialização para cooperação
4
.
O conceito de cooperação é essencial para a Sociologia, na medida que a
cooperação é uma forma de interação social, na qual os indivíduos se empenham na
obtenção de um fim coletivo e comum, sendo assim imprescindível na constituição da
maioria dos grupos sociais. Esta pesquisa, apesar de ser essencialmente sociológica
dialoga com outras áreas das ciências humanas, mais fortemente com a Psicologia
Social e com a Educação.
A Psicologia Social nos serve ao trabalhar o conceito de socialização.
Utilizamos também a Psicologia do Desenvolvimento ao tentar entender o
desenvolvimento moral. Assim, a Psicologia nos ajuda ao demonstrar os mecanismos de
possível construção e sedimentação do valor cooperativo. As teorias de Educação são
fundamentais ao nos proporcionarem os conceitos de educação não-formal e o de
educação popular. Caracterizamos o PAC, o nosso campo
5
de pesquisa, como um
espaço de educação não-formal. A educação popular é importante por conter ideais de
transformação social que consideramos essenciais para uma educação que visa o valor
cooperativo, no sentido de se contrapor à ordem vigente.
No decorrer do texto trazemos ainda discussões próprias da Ciência Política (a
participação nas práticas cooperativas atuais e o PAC como uma política pública), da
Economia (a Economia Solidária, como importante alternativa ao sistema capitalista,
além de incentivadora da socialização da cooperação) e da Antropologia (a etnografia, o
método que utilizamos). Assim, enfrentamos o desafio de desenvolver o trabalho em
uma perspectiva interdisciplinar
6
.
4
Alguns estudos desenvolvidos na Espanha tratam da “educação para solidariedade”. Ver Sequeiros
(2000), Paniego e LLopis (1994), Sáez (1995) e Mardones (1994).
5
Campo, segundo Minayo (1993:105), é o recorte espacial que corresponde à abrangência, em termos
empíricos, do recorte teórico correspondente ao objeto da investigação”.
6
A descoberta de mediações, que conectam saberes diferentes sobre um mesmo fenômeno, desvenda
conexões da realidade complexa. A discussão sobre interdisciplinaridade e complexidade é extremamente
atual.
3
A pesquisa tem suas bases na Sociologia e insere-se na tradição sociológica que
tenta entender a formação mútua das duas entidades chave da sociologia: o indivíduo e a
sociedade. A dicotomia indivíduo/ sociedade, tão presente nos debates sociológicos,
atualmente mais debatida nos termos agência e estrutura, é aqui discutida no sentido de
uma superação deste paradoxo a favor de uma conceituação relacional dos termos.
É nesse sentido, que Alexander (1987) fala do “novo movimento teórico”:
(...) a unilateralidade gerou contradições tanto na tradição micro como na
macro. Foi, aliás com vistas a escapar a essas dificuldades que uma
geração mais jovem de sociólogos formulou um programa de trabalho de
natureza inteiramente diversa. Persistem entre eles desacordos
fundamentais, mas há um princípio fundante em relação ao qual todos estão
de acordo: a micro e a macroteoria são igualmente insatisfatórias; ação e
estrutura precisam ser agora articuladas (...) o que está na ordem do dia é
mais propriamente uma teoria que busque a síntese do que uma que insista
na polêmica”(p.5).
Os conceitos de socialização e de individualização, que serão fundamentais para
a nossa discussão teórica, se confundem justamente por essa imbricação entre indivíduo
e sociedade. A dicotomia também desaparece desde que o interesse não é polarizar e
sim equilibrar. Neste sentido, o individualismo exacerbado que leva ao egoísmo e o
coletivismo cego que suprime as individualidades são refutados em favor de uma
cooperação refletida, onde os indivíduos se realizam na relação com o outro.
Assim, é uma ilusão afirmar que a cooperação pressupõe harmonia. A
cooperação não é a ausência de conflito, mas sim a possibilidade de fazer em conjunto,
é a tentativa de um consenso. O consenso pressupõe diferenças, que são negociadas,
muitas vezes de maneira conflituosa, em prol do objetivo em comum
7
.
A relação entre indivíduo e sociedade também está presente nos estudos
educacionais. Durkheim (1972;1922) diz que a educação individualiza ao socializar. A
educação depende da sociedade na qual está inserida, a educação forma indivíduos para
7
Na tentativa de se alcançar o consenso pode-se cair na armadilha da “ditadura da maioria”, então é
preciso estar atento para que o consenso não seja alcançado à custa de uma minoria.
4
a sociedade, mas isso não significa dizer que o social se sobrepõe às diferenças
individuais, pelo contrário, o particular é importante para se estabelecer o meio de
socialização e através desta socialização o indivíduo se forma como único
(Foucannet,1972).
Aprofundando a relação entre indivíduo e sociedade, chegamos aos estudos da
Psicologia Social. A Psicologia Social, extremamente relevante para os estudos
sociológicos, se caracteriza, segundo Moscovici (1985), como o estudo do conflito entre
indivíduo e sociedade. O mesmo autor trabalha com os conceitos de sociedade de
dentro e sociedade de fora, o que significa dizer que o indivíduo interioriza a sociedade
de uma determinada maneira (a sociedade de dentro), e a sociedade de fora seria como
o mundo social é.
Para a Sociologia da Educação, a preocupação com as formas de socialização,
ou seja, com a maneira pela qual a sociedade de fora influencia a formação da
sociedade de dentro tem um papel central. O presente estudo pretende analisar possíveis
maneiras de socializar o valor cooperativo, no âmbito da educação não-formal.
Assim, através da compreensão da interdependência entre social e individual, o
nosso trabalho tem o objetivo de contribuir para os estudos sobre a educação não-
formal. As pesquisas sobre educação não-formal
8
são escassas
9
, e ainda mais os estudos
sobre cooperação na educação não-formal
10
, o que reitera a relevância desta dissertação.
8
Especificamente sobre educação não-formal, encontramos o trabalho de Simson, Park e Fernandes
(2001), que é uma coleção de artigos sobre o tema; a revista “Ciência e Cultura” da SBPC (2005) que traz
como tema principal a educação não-formal e que está direcionada para a educação não-formal de
ciências; e o estudo de Maria da Glória Gohn (1999) que fala do impacto da educação não-formal sobre o
associativismo do terceiro setor.
9
O levantamento da produção sociológica no campo educativo brasileiro revela a variedade temática dos
estudos e a prevalência das abordagens dos processos educativos formais (política educacional, ensino
nos diversos níveis, universidades, formação dos profissionais do ensino, currículo, avaliação da
aprendizagem, livro didático, etc.). Para um maior detalhamento no tema ver Weber (1992).
10
Em nível internacional, além dos estudos espanhóis de educação para solidariedade já citados, existe
também o Movimento de Cooperação Educativa (MCE) italiano, que se inspirou originariamente na
proposta pedagógica formulada por Celestin Freinet, onde a concepção de cooperação está intimamente
ligada ao de alteridade. “Reconhecer que cada um, enquanto sujeito, é portador de uma cultura, tem uma
história a contar, desejos e afetos a exprimir; rejeitar uma pedagogia autoritária, de posições rígidas
5
A dissertação está estruturada em duas partes, tendo um elo entre elas. A
primeira parte é uma reflexão sobre conceitos que nos serão úteis na segunda parte.
Estudamos as teorias existentes, o já dito, e utilizando as idéias dos teóricos construímos
o nosso referencial teórico. Essa primeira parte está dividida em dois capítulos: 1) o
social e o individual; 2) cooperação e educação. No primeiro capítulo discutimos os
conceitos de individualização e socialização. No segundo conceituamos cooperação,
falamos das práticas da economia solidária, que são exemplos de práticas cooperativas e
por fim analisamos os conceitos de educação não-formal e de educação popular.
O elo é a nossa metodologia, que tem a função de tornar coerente o diálogo entre
a teoria e o empírico. O elo explicita a forma que construímos aquilo que vimos, a partir
das reflexões do que foi dito a respeito. O que vimos, a nossa segunda parte, está
dividido em três capítulos: 4) o programa, 5) o grupo e 6) mecanismos de socialização
do valor cooperativo. Assim o quarto capítulo fala da história, da estrutura e dos
objetivos do Programa de Animação Cultural (PAC), além de explicitar a forma pela
qual escolhemos o nosso caso. O quinto capítulo está dedicado à análise do contexto em
que o grupo está inserido. Por fim, no sexto capítulo, detalhamos as práticas que
socializam o valor cooperativo, subdividindo essa seção de acordo com os níveis em
que estas práticas se desenvolvem.
não construídas junto com o outro; escolher uma pedagogia do sujeito baseada no reconhecimento da
relação como lugar do educar: estes são os eixos de uma hipótese educativa cooperativa, que decide
desenvolver modos de relação não competitivos. Cooperação significa ter em conta sujeitos diferentes
(Bonfigli e Spadoro apud Fleuri, 1998:90). É importante citar também os teóricos da “pedagogia
socialista”, como Makarenko (ver Capriles, 1989) e Pistrak (1981), que discutiram a questão da
cooperação na educação.
6
PARTE I – REFLEXÕES SOBRE O JÁ DITO
Capítulo 1 – O social e o individual
1.1 Comunidade e sociedade
As relações de cooperação dependem da forma pela qual os indivíduos são
socializados. A maneira pela qual a sociedade se estrutura e funciona influencia a
socialização. Neste sentido, é importante compreender o contexto mais amplo no qual a
presente pesquisa está inserida. Para isso, achamos importante falar da dicotomia
comunidade e sociedade, que aparece, mesmo indiretamente, nas teorias dos clássicos
da Sociologia
11
. Isto se justifica, uma vez que essa oposição revela duas formas de
organização social, que correspondem a posturas mais cooperativas e posturas mais
competitivas respectivamente. Assim, ao discutir a dicotomia, adquirimos ferramentas
para melhor definir o nosso contexto e o nosso objeto que é a cooperação.
Foi Tönnies que introduziu na Sociologia a dicotomia comunidade e sociedade,
em seu livro de mesmo nome. Segundo Tönnies (1947; 1905), na comunidade as
pessoas se encontram unidas por laços naturais e espontâneos, bem como por objetivos
comuns que transcenderiam os interesses particulares de cada um. Quanto às
coletividades onde predominam as relações societárias, isto é sociedade, se
caracterizariam pelo alto grau de individualismo, competitividade ou, pelo menos,
indiferença ou impessoalidade entre seus membros.
Tönnies demonstra uma visível preferência pela comunidade ao ressaltar apenas
seus aspectos positivos e ao enfatizar os aspectos negativos da sociedade. A
11
Os clássicos, estudando o surgimento da sociedade capitalista, utilizam conceitos de possível
aproximação com as idéias de comunidade e sociedade. Estes conceitos nos dão algumas pistas a respeito
dos motivos da exacerbação do individualismo na sociedade capitalista moderna.
7
comunidade seria o lugar da confiança e da intimidade, a sociedade o lugar daquilo
que é público e anônimo.
A teoria da sociedade constrói um círculo de homens que, como na
comunidade, convivem pacificamente, mas não estão unidos e sim
essencialmente separados; enquanto a comunidade permanece unida apesar
de todas as separações, a sociedade permanece separada apesar de todas
as uniões” (Tönnies, 1947:65).
O autor considera a comunidade como um organismo vivo e a sociedade como
um agregado mecânico e artificial. Comunidade é a vida em comum duradoura e
autêntica; sociedade é uma vida em comum passageira e aparente. A comunidade
corresponde ao real que é orgânico, pois só pode ser concebido em sua engrenagem com
a realidade total, que determina a sua condição e seus movimentos. Já na sociedade, que
é artificial, cada um se importa apenas consigo mesmo e está em tensão com os demais
(Tönnies, 1947).
Tönnies tenta aplicar os seus conceitos de comunidade e sociedade à evolução
histórica do Ocidente. Progressivamente as relações societárias foram substituindo as
comunitárias. O individualismo começa a se exprimir na crescente comercialização das
relações. A sociedade dissolve progressivamente os laços comunitários e segue, cada
vez mais, seu próprio princípio. Do ponto de vista econômico a sociedade prioridade
ao comércio, ao mercado e à competição.
Weber, de certa forma, reforça a idéia de que o capitalismo, sistema econômico
que caracteriza a modernidade Ocidental, se especifica por uma crescente
racionalização, que seria definida basicamente por relações societais. Durante a
modernidade, fatos históricos levaram a uma crescente racionalização das esferas
econômica, social e jurídica. Essa racionalização significa uma adequação dos meios
para a obtenção de determinados fins, significa o cálculo, o controle, a projeção (Weber
2001).
8
Weber (1977,1922: 33 e 317) ao invés de falar de comunidade e sociedade, fala
de comunização (que seria uma comunhão de caráter emotivo) e socialização (uma
associação). Comunização, segundo Weber, é a relação social que se baseia no
sentimento subjetivo dos participantes de pertencerem a um mesmo todo, originando-se
tal sentimento, seja na tradição, seja na afetividade. a socialização (não o processo de
socialização que discutiremos mais adiante, mas as relações societárias) seria a relação
social baseada num ajuste de interesses motivada racionalmente.
Weber avança com relação a Tönnies quando admite que relações societárias e
comunitárias podem existir lado a lado.
Assim, qualquer relação ‘societária’ que se desenvolve por um longo
período tende a fazer nascer valores sentimentais característicos da relação
comunitária (Weber toma como exemplo os casos de partilha da mesma
unidade militar, da mesma sala de aula ou da mesma oficina); inversamente,
uma relação predominantemente comunitária pode ser orientada, em parte,
no sentido de uma racionalidade resultante da vontade de todos ou de partes
dos seus membros (Weber cita o exemplo da família ‘explorada como
socialização societária em certas ocasiões por alguns dos seus membros’)
(Dubar, 1997:89).
Seguindo essa idéia, Weber defende que a comunização e a socialização são
processos dinâmicos de instauração de relações sociais orientadas por mecanismos
diferentes.
Apesar de Durkheim não explicitar o conceito de comunidade e sociedade, ele
tem uma contribuição interessante para essa discussão com os seus conceitos de
solidariedade mecânica e orgânica. Durkheim tomou conhecimento da obra de Tönnies.
Ele concordava com as idéias de comunidade, mas o seu desafio foi demonstrar as
falhas no conceito de sociedade, visto que Tönnies não acreditava na possibilidade de
uma coesão societal e Durkheim defendia a tese, principalmente em Da Divisão do
Trabalho Social (1999;1930), da solidariedade orgânica promover coesão considerando
9
as diferenças e que a anomia deste tipo de associação seria sanada com o fomento de
uma moral cívica.
Durkheim está preocupado, assim como Tönnies, com a dissolução dos
costumes e da moral acarretada pela competitividade sem limite que caracteriza a
economia mercantil. Porém, diferentemente de Tönnies, Durkheim não responsabiliza a
complexidade da sociedade e a divisão do trabalho pela anomia.
Durkheim acredita que em uma sociedade movida por solidariedade orgânica é
possível haver coesão quando as funções estão suficientemente definidas e em contato
umas com as outras. O problema da anomia é a falta de regras. Para que a anomia
tenha fim, é necessário, portanto, que exista ou que se forme um grupo em que se possa
constituir o sistema de regras atualmente inexistente” (Durkheim, 1999;1930:X). E esse
grupo seria a corporação de ofício.
O que vemos antes de mais nada no grupo profissional é um poder moral
capaz de conter os egoísmos individuais, de manter no coração dos
trabalhadores um sentimento mais vivo de sua solidariedade comum, de
impedir que a lei do mais forte se aplique de maneira tão brutal nas
relações industriais e comerciais” (Durkheim, 1999;1930:XVI)
Vemos que Durkheim privilegia as relações coletivas comunitárias, quando ele
importância às corporações de ofício e às formas de organização coletiva baseada no
altruísmo. As semelhanças e divergências entre comunidade e sociedade e solidariedade
orgânica e mecânica são explicitadas por Galliano (1986:126-127):
A solidariedade mecânica, exprimindo vínculos entre homens
socialmente indiferenciados, ou diferenciados apenas pela divisão natural
do trabalho em função do sexo e da idade, aproxima-se da idéia de
comunidade. A solidariedade orgânica, por sua vez, na medida em que se
baseia na divisão social do trabalho característica das complexas
organizações modernas, liga-se á idéia de sociedade. Estas tipologias se
diferenciam, contudo, na medida em que Durkheim, ao usar o termo
solidariedade, pensava em consenso social nas duas formas de
solidariedade. em Tönnies a idéia de consenso está presente apenas na
concepção de comunidade, como o reino da cooperação, e ausente da
concepção de sociedade, como o reino de competição e conflito”.
10
Outra diferença conceitual entre os dois autores é a utilização das palavras
orgânico e mecânico. Para Tönnies a comunidade é orgânica por ser a forma de
associação natural dos seres humanos e a sociedade é mecânica por ser artificial.
Durkheim interpreta estas palavras de uma forma diferente. A solidariedade é mecânica
pois não muita reflexão, é mais instintiva, os indivíduos são socializados muito
igualmente e a convivência se automaticamente por essa comunhão de idéias. A
solidariedade orgânica surge da diferenciação de funções, é orgânica porque se parece
com um organismo onde existem órgãos diferentes, mas interdependentes, é a diferença
que promove a coesão social. É a visão organicista de diferença e interdependência.
Por fim, é imprescindível analisar a contribuição de Marx para este debate.
Sugerimos a hipótese de que, de alguma maneira, Marx inspirou a conceitualização feita
por Tönnies. O comunismo, sendo uma grande comunidade, surgiria das relações
dialéticas do capitalismo. O proletariado caracterizado por relações societais se
transformaria numa grande comunidade, quando passasse da situação de classe em si
para classe para si.
O autor não formula um conceito claro, do ponto de vista teórico, sobre o que
seria classes sociais, mas podemos deduzir que esse conceito se refere a agentes
históricos, a grupos sociais em disputa no âmbito das relações de propriedade. Marx
(1998; 1848) coloca a burguesia e o proletariado como as duas classes fundamentais do
sistema capitalista. Ele defende que por intermédio dos processos históricos estas duas
classes haveriam de se desenvolver, o que levaria a uma polarização, acentuando os
antagonismos entre elas. Esta situação contraditória limite atingiria o seu ápice quando
o proletariado, tomando consciência, passaria de classe em si para classe para si, o que
desembocaria numa Revolução, que substituiria o capitalismo pelo socialismo e,
posteriormente, instauraria o comunismo.
11
A passagem de classe em si para classe para si está relacionada com a tomada
de consciência. O proletariado é considerado sujeito histórico por excelência, que irá
possibilitar o fim da propriedade privada, do trabalho alienado e uma sociedade sem
classes. A classe operária é a classe revolucionária, ao emancipar-se, ela emancipará
universalmente, todos os seres humanos oprimidos. O proletariado trará a mudança, a
Revolução e o surgimento de um “novo homem” com ambições diferentes das atuais
(Marx,1998;1848).
Tönnies cita Marx em seu livro Comunidade e Sociedade no apêndice (Tönnies,
1947:115-116). Ele diz que quando o livro foi escrito, ele ainda não tinha tomado
conhecimento da teoria marxista, mas esta veio a corroborar o que ele fala a respeito
das relações societais de trabalho e de valor de trabalho.
Tönnies vê com bastante entusiasmo a comunidade e propõe um retorno à
comunidade primitiva. Ele não faz uma análise materialista dialética da história, apenas
salienta os pontos negativos das relações societárias e defende a comunidade, de modo
nostálgico, as formas de organização social do passado. Para Marx, o comunismo não
significa um retorno à comunidade primitiva.
Um dos motivos para Marx condenar a sociedade capitalista é a exploração da
massa proletária. Nesse sentido, o sistema capitalista é uma sociedade, partindo da
conceituação de Tönnies, porque as relações sociais são fragmentadas, por causa da
alienação do trabalho. O capitalismo não sobrevive sem o estímulo à competição, são
discursos e práticas incompatíveis com ideais de cooperação e de coletividade, a ênfase
é no indivíduo vencedor. O comunismo, possibilitando o surgimento do “novo homem”,
valoriza as práticas altruístas contrárias ao individualismo exacerbado do capitalismo.
Nesse sentido, o comunismo situa-se próximo à idéia de comunidade.
12
Outra aproximação entre os autores é possível ser feita nas idéias de classe em si
e de classe para si. A classe em si é um grupo que não possui um sentimento de
coletividade e de pertença, apesar de viver as mesmas condições econômicas. Assim, a
classe em si seria caracterizada por relações societais. Já a classe para si, que é
determinante no processo revolucionário, teria como característica o sentimento de
grupo e de pertencimento de um mesmo destino, portanto um forte altruísmo, sendo
característico das relações comunitárias, voltada, é bem verdade, para mudanças
societárias (o fim da sociedade de classes).
1.2 Individualização e individualismo
A sociedade simples é aquela na qual os homens são socialmente
indiferenciados, ou diferenciados apenas pela divisão natural do trabalho em função do
sexo e da idade. O conceito se aproxima da idéia de comunidade. as sociedades
complexas se caracterizam pela crescente divisão de trabalho e especialização dos
indivíduos, gerando conseqüente interdependência e sendo adequado o uso do conceito
de sociedade.
Nas sociedades simples, o grupo tem para o indivíduo função protetora
indispensável e inconfundível. Por nascimento, o indivíduo está inserido num complexo
funcional de estrutura bem definida; deve conformar-se a ele, moldar-se de acordo com
ele e desenvolver-se com base nele. As diferenças entre os rumos seguidos por
diferentes indivíduos, entre as situações e funções por que eles passam no curso de sua
vida, são menos numerosas nas sociedades mais simples do que nas complexas.
nas sociedades complexas as possibilidades de identificação aumentam e,
13
portanto, o indivíduo é mais livre para escolher “caminhos”
12
a seguir. Estudando as
mudanças nos grupos humanos e as correspondentes mudanças nas estruturas de
personalidade das pessoas, Elias (1994.b) analisa o processo civilizador e nos ajudará a
compreender o crescente processo de individualização.
É pretendendo discutir o social imbricado com o individual, que Elias descreve o
processo civilizador. Elias(1994.a) vai propor que indivíduo e sociedade são
indissociáveis. Indivíduo e sociedade são interdependentes não podendo se falar de um
sem falar no outro, são ontologicamente construídos juntos, não podendo haver
separação. É assim, que ele propõe uma visão sociológica que privilegia a relação entre
indivíduos e os processos sociais. A sociedade não é a soma de muitos indivíduos,
mas as relações entre os indivíduos. Por outro lado, o indivíduo não é determinado
totalmente pela sociedade, na medida em que contribui para a formação dela a partir de
suas especificidades.
O processo civilizador certamente não foi planejado ou pretendido por qualquer
pessoa individualmente considerada ou por muitas pessoas juntas. Os indivíduos e os
grupos sociais organizados planejam o futuro, mas como o social é bem mais que a
soma dos indivíduos, as possibilidades de conseqüências não pretendidas
13
são grandes.
Assim,
Na verdade, somos impelidos pelo curso da história humana como os
passageiros de um trem desgovernado, em disparada cada vez mais
rápida, sem condutor e sem o menor controle por parte dos ocupantes
(Elias, 1994.a :69)
14
.
12
Caminhos que implicam o reconhecimento de normas sociais de grupos específicos, e que são
possíveis pela complexidade da estrutura social. Estes caminhos são negociáveis, ou seja, o indivíduo tem
a liberdade de segui-los a sua maneira.
13
Conceito de Weber significando que o resultado de uma determinada ação nem sempre é aquele
desejado pelo agente que a planejou.
14
Esta imagem da sociedade caminhando para algum lugar de uma forma desgovernada é bastante
parecida com a idéia do carro de Jagrená de Giddens, que seria “(...) uma quina em movimento de
enorme potência que, coletivamente como seres humanos, podemos guiar até certo ponto, mas que
também ameaça escapar de nosso controle e poderia se espatifar(Giddens, 1991: 140). Elias, mesmo
tentando harmonizar indivíduo e sociedade, nessa passagem acaba por ‘imobilizar’ o indivíduo.
14
Para Elias (1994.b), o processo civilizador, apesar de não ser planejado e
governado, tem por si só uma direção. Esta direção é o controle das emoções, a
domesticação dos instintos. O caminho para uma maior civilidade não significa o que é
melhor, ou o progresso, mas sim uma etapa diferente. O processo civilizador
corresponderia a uma maior individualização, quanto mais normas sociais, mais
possibilidades de escolhas para o indivíduo e mais original e individual ele seria.
Individualização corresponde ao processo que, segundo Durkheim
15
e Elias,
seria irreversível tendo em vista uma maior diferenciação entre os indivíduos devido à
complexificação do social. Para Durkheim (2002), a sociedade política moderna se
caracteriza pela presença de um número considerável de grupos sociais, com os quais os
indivíduos podem se identificar. Assim, para a crescente individualização é preciso que
a sociedade seja ampla, com vários grupos secundários, que permitam o indivíduo
escolher dentro de uma gama de possibilidades o que deseja ser e fazer. Assim, o
processo de individualização é um processo de identificação, responsável pela
construção das identidades.
O processo de identificação tem sido a base da discussão pós-moderna de
identidade. Hall (1999:12-13), que discute a identidade pós-moderna, diz que
atualmente:
O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e
estável, está se tornando fragmentado (...) A identidade torna-se uma
‘celebração vel’: formada e transformada continuamente em relação às
formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas
culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente.
O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades
que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente (...) à medida em que os
sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos
15
Se o indivíduo é a realidade moral, é ele que deve nortear tanto a conduta pública como a conduta
privada. O Estado deve voltar-se para revelar sua natureza. Haverá quem diga que esse culto do
indivíduo é uma superstição da qual devemos nos desvencilhar. Mas isso é contrariar todos os
ensinamentos da história; pois, quanto mais se avança, mais cresce a dignidade da pessoa(Durkheim,
2002: 79). Essa passagem demonstra que Durkheim acreditava em um processo crescente de
individualização.
15
confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de
identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar
ao menos temporariamente
16
.
Esta suposta fragmentação do sujeito é o reflexo do atual sistema capitalista e
reforça a idéia de individualismo e a separação indivíduo/ sociedade. É evidente que a
sociedade está mais complexa, que maiores possibilidades de identificação, mas o
sujeito tem um núcleo. O sujeito é formado e modificado num diálogo contínuo com os
mundos culturais exteriores e as identidades que esses mundos oferecem, mas o sujeito
possui certos princípios éticos que não são variáveis de acordo com a identidade que
assume. Não queremos dizer que estes princípios são imutáveis, mas que as
transformações estão de acordo com as interações vivenciadas pelo sujeito no decorrer
do processo de socialização, dessa maneira são coerentes e contextualizadas
17
.
É dessa maneira que o indivíduo forma e é formado pela sociedade, pelas
relações sociais que o circundam, mas isso não significa uma completa “flutuação” do
sujeito, pois o sujeito possui um corpo, uma história, uma família, ou seja, elementos
que lhe são próprios e lhe conferem uma certa coerência. Assim, a nossa concepção de
sujeito está próxima a uma concepção interativa da identidade e não de uma concepção
pós-moderna.
O diferente modo de construção de identidades, ou o processo de
individualização vai depender do estágio do processo civilizador. Segundo Elias,
estamos vivendo uma fase do processo civilizador em que o individualismo é valorizado
(Elias, 1994.b).
Este individualismo, em parte é resultado da separação das idéias de indivíduo e
sociedade. Conceituar indivíduo e sociedade como coisas completamente distintas, leva
16
A teoria do discurso colabora com esse debate ao dizer que não há sujeito e sim posições de sujeito que
são construídas pelas práticas articulatórias entre os múltiplos discursos. Ver Laclau (1993).
17
“Os ‘eusque se atropelam e se acotovelam (...) adquirem sua definição através das relações
associativas com a sociedade que os circunda, relações essas que lhe são atribuídas. São pessoas
contextualizadas” (Geertz,1997:101).
16
a duas posições opostas, a primeira acredita no primado do indivíduo, então o indivíduo
é a realidade e a sociedade é formada pela soma dos indivíduos que agem
racionalmente. A segunda posição despreza o papel do ator, a sociedade torna-se uma
entidade supra-individual. O capitalismo liberal baseia-se na primeira idéia de
autonomia do indivíduo dotado de livre arbítrio.
O individualismo gera a crença de que os indivíduos são marcados naturalmente
por seus atributos diferentes, que são individualmente responsáveis por seu sucesso ou
fracasso sociais, deixando de lado as condições históricas concretas de sua existência
(Rios, 1999).
Dessa forma, uma configuração social leva o indivíduo a se valorizar
egoisticamente como entidade completamente autônoma e auto-suficiente. Este
individualismo é causa e efeito da estrutura social excludente da sociedade de
consumo
18
. É neste sentido que individualização e individualismo significam coisas
distintas. O processo de individualização é o processo de diferenciação dos indivíduos.
o individualismo se define pela dissolução dos laços sociais, o abandono, pelos
indivíduos, de suas obrigações e compromissos sociais” (Lukes, 1996:381).
O atual sistema capitalista, caracterizado como neoliberal
19
, valoriza o
individualismo. Individualismo é visto de uma maneira positiva ao garantir as
liberdades individuais, os direito individuais. Aqui, no entanto, entendemos o
individualismo de uma forma negativa, que afasta os sujeitos dos compromissos sociais,
que exacerba o narcisismo e que distancia da cooperação, da solidariedade.
O capitalismo precisa estimular competição, disputas, vaidades, promessas de
recompensas materiais e melhor localização nos espaços de poder. Desenvolve-se,
18
Não é a nossa pretensão estudar aqui a “sociedade de consumo”, porém parece evidente que a forma
que o consumo adquire no sistema capitalista incentiva o individualismo. É importante ressaltar que nem
sempre o consumo é individualista, há, por exemplo, o consumo solidário.
19
Não nos cabe aqui fazer uma descrição do neoliberalismo. A crença que o mercado é auto-regulador e
que os indivíduos são livres são as principais idéias desta corrente.
17
historicamente, não fortalecendo suas bases materiais, mas também uma mentalidade
que sirva para assegurar sua aceitação social e sua continuidade. São discursos e
práticas incompatíveis com o valor cooperativo, que esvaziam o coletivo e centram-se
no culto ao indivíduo, ou como diriam alguns, o self made man
20
. É dessa maneira que o
individualismo pode ser entendido como uma ideologia
21
capitalista, que perpetua o
sistema social e justifica práticas de exclusão e exploração, ao isolar e responsabilizar o
indivíduo por suas condições de vida.
O individualismo é uma forma de se portar que a sociedade capitalista valoriza,
porém não é o caminho natural do processo civilizador. A história não terminou
22
e o
capitalismo não é o único sistema social possível. Assim o individualismo é próprio
deste sistema, mas não uma fatalidade. A crescente complexificação do social, esta sim
irreversível, não leva necessariamente a uma exacerbação do individualismo.
Em uma sociedade complexa, onde maiores possibilidades de diferenciação
e, portanto, de identificação, é possível a preocupação com o coletivo. O altruísmo pode
e deve ser fomentado sem que isso acarrete na diminuição das diferenças e liberdades
individuais. A cooperação não é exclusiva no interior de comunidades, ela pode ser
desenvolvida justamente como forma de dialogar com o diferente.
1.3 Socialização
A individualização, processo que diferencia os indivíduos, é parte constituinte
da socialização que dissemina as normas sociais. Individualização e socialização são
duas faces de um mesmo processo. As teorias da psicologia social nos ajudam a
20
O self made man seria aquele que venceu na vida por si só.
21
Ideologia é um termo polissêmico, que foi utilizado no decorrer da história por distintos autores de
diversas maneiras. Aqui nos referimos ao seu sentido “negativo” ou “crítico”, equivalente à ilusão, à falsa
consciência. Para Marx, a classe social dominante, através das idéias dominantes, oculta seus verdadeiros
propósitos por meio de uma ideologia.
22
Idéia defendida por Fukuyama (1999).
18
entender como a sociedade e o indivíduo se relacionam no processo de estruturação da
realidade. Peter Berger e Thomas Luckmann (1983), por intermédio de uma perspectiva
fenomenológica, têm a preocupação de entender como a realidade cotidiana e social é
formada e se estabelece na consciência dos indivíduos. Para eles, a realidade é
construída socialmente, tendo como base as características físicas do ser humano.
O processo de socialização pode ser definido como o amplo processo de
introdução de um indivíduo no mundo objetivo e subjetivo de uma sociedade ou de um
setor dela. Segundo Berger e Luckman (1983), o processo de construção da realidade,
ou a socialização, seria contínuo e dialético e poderia ser, para efeito de análise,
dividido em três fases: exteriorização, objetivação e interiorização
23
.
Esses pensadores falam da introdução da criança no mundo social. autores,
como Miranda (1984), que defendem que a criança nasce socializada, por isso não
seria uma introdução à sociedade. A socialização, para ela, deve ser tratada como um
processo evolutivo da condição social da criança. O processo de desenvolvimento do
indivíduo se inscreve num processo histórico-social que o determina e, por sua vez, é
por ele determinado. Enquanto sujeito da história, a criança tem a possibilidade de
recriar seu processo de socialização e através dele interferir na realidade social.
O nome, a história dos pais, as expectativas dos outros já fariam parte da
socialização. Segundo Miranda, a socialização é um processo que se inicia quando os
pais se dão conta que terão um filho e tem o fim com a morte do indivíduo, mas esse
processo tem etapas e modos diferentes de ser concebido.
A maioria dos autores que fala sobre socialização traz a divisão entre
23
A exteriorização seria a expressão da atividade humana. Quando o homem se comunica, por exemplo,
ele exterioriza idéias e desejos por meio da linguagem. A objetivação se quando padrões, que
aparentemente estão fora do homem. Um exemplo de objetivação é quando em um mundo institucional
um balançar de cabeça significa: Não!, e todos que compartilham desse mundo social conseguem
entender. O mundo institucional que legitima a objetivação é também o encarregado de transmitir às
novas gerações as objetivações. A interiorização seria justamente a socialização do indivíduo, ou seja, a
introdução do indivíduo ao mundo social.
19
socialização primária e socialização secundária. A socialização primária ocorre dentro
de casa e com a importante participação dos outros significativos
24
. A socialização
primária termina quando o outro generalizado
25
está estabelecido na consciência da
criança, ou seja, a criança é capaz de abstrair papéis
26
das atitudes dos outros
significativos.
A presença do outro (quase sempre um adulto, na socialização primária) é
veículo para o estabelecimento dos vínculos básicos e essenciais entre criança e mundo
social, através dos quais ela passa a se reconhecer e a reconhecer o outro numa relação
de reciprocidade.
Na socialização primária, a criança assume o mundo que lhe é apresentado e o
define como o mundo verdadeiro e o seu mundo. Assim a criança apreende o mundo
social filtrado pelo outro significativo e pelo contexto histórico, social e econômico
em que está inserida.
A família é o primeiro e mais importante agente de socialização, porém não é o
único. Diferentes agentes socializam o indivíduo. São alguns exemplos desses agentes:
os grupos de convívio (colegas de bairro ou de brincadeira, por exemplo), a escola, a
mídia, grupos religiosos, instituições de educação o-formal, organizações
profissionais, políticas ou sindicais. Então, o processo de socialização depende da
estrutura social em que o indivíduo se encontra, mas também é influenciado pela
individualidade
27
de cada pessoa, ou seja, pelo seu corpo, pelas suas formas cognitivas
únicas e pelas suas experiências anteriores, ou seja, o indivíduo tem um modo particular
24
Conceito de George Mead, que se refere àquelas pessoas com importantes laços afetivos com a criança,
como os pais, por exemplo. Ver Mead (1934). Na maioria das vezes o outro significativo implica em uma
relação afetiva, porém, não necessariamente.
25
Conceito de George Mead que expressa a generalização das normas sociais, as quais antes eram apenas
relacionadas à vontade dos outros significativos, é a abstração de papéis. Ver Mead (1934).
26
Papel social é (...)seqüências de comportamento expressas por indivíduos que ocupam, ou procuram
ocupar, determinada posição em uma situação social (Turner, 1996:551). Este conceito é utilizado pela
Psicologia Social e também pelos interacionistas simbólicos.
27
O indivíduo é um ser complexo que abrange características emocionais, biológicas e racionais. Temos
uma visão do homem integral que pensa e sente, que é corpo e mente.
20
e específico de dialogar com essas estruturas sociais.
A estrutura social, como vimos, pode ser caracterizada por relações
comunitárias e/ou relações societárias. Assim é possível fazer uma distinção entre
socialização comunitária e socialização societária.
A socialização ‘comunitária’ pressupõe uma colectividade de pertença
(Verband) e, nomeadamente, uma comunidade lingüística, a socialização
societária não é mais do que ‘a expressão de uma constelação de
interesses variados’” (Dubar, 1997: 86-7).
Assim a socialização comunitária é caracterizada pelo sentimento de pertença a
uma coletividade. Por outro lado, a socialização societária está orientada para um fim,
existem interesses por trás. A socialização comunitária seria mais orientada por
elementos sentimentais e passionais, enquanto que a societária por motivos econômicos,
de prestígio social ou de poder. Esses dois tipos de socialização não são estanques nem
excludentes, na sociedade capitalista.
A socialização comunitária está geralmente relacionada à dimensão cultural.
Neste sentido, seria necessário conceituar cultura, pois por ser um conceito que se
ampliou demais nas discussões das Ciências Sociais, pode acabar por se esvaziar.
O conceito de cultura que eu defendo, (...), é essencialmente semiótico.
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a
teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo
essas teias (...)” (Geertz, 1989:15).
Como teias de significados a cultura dá sentido e coesão a um grupo, que produz
identidades. Raça, etnia, gênero, sexualidade e religião são exemplos de formas de
agrupamentos culturais. Essas identificações culturais estão baseadas em valores.
Os valores não são objetos ideais, modelos estáticos segundo os quais
iriam se desenvolvendo, de maneira reflexiva, as nossas valorações, mas
se inserem em nossa experiência histórica, e com isso dão origem ao
universo multifacetado da cultura” (Machado, 2002:38).
21
A origem dessas diversas identificações culturais pode ser: hereditária, partilha
de um mesmo espaço, uma história em comum, tradição e/ou uma escolha racional ou
emocional.
Os autores que tratam das identidades culturais na atualidade não podem deixar
de considerar o impacto da globalização
28
sobre esses grupos culturais. A globalização
revela a tensão entre o “global” e o “local”
29
.
A globalização, em seu aspecto econômico, privilegia um mercado preparado
para a distribuição, produção e consumo. Assim fomenta uma identidade consumista
complexa, pois esse sujeito consumidor, de diferentes raças, etnias, gênero e
sexualidade, precisa ser contemplado em sua diversidade (Carvalho, 2004).
Porém, além desta diversidade estimulada pelo mercado que acaba por
homogeneizar o consumo, as identidades culturais locais fazem o movimento contra-
hegemônico de defesa de suas especificidades. É nesse contexto que surge a defesa da
cultura popular ou o “resgate cultural”. A idéia de “resgate cultural” é problemática,
pois remete a algo estático e localizado em um passado, o que discordamos em favor de
um conceito de tradição que:
é sempre ressignificada através do tempo e do espaço. Ela muda
conforme as necessidades e possibilidades do período e lugar em que se
situa, não é um fardo, ela tem de ser recriada, conquistada, ser revista,
revisitada periodicamente e repensada” (Tenderine, 2003:30).
Contudo, o que verificamos é a proliferação de variadas dinâmicas de
socialização que conduzem a uma infinidade de identidades e que como argumentamos
anteriormente não leva necessariamente a uma incoerência do sujeito. Dessa maneira, a
socialização é um processo contínuo, havendo sempre novas identidades a construir e
28
“A globalização, como conceito, refere-se, ao mesmo tempo, à compressão do mundo e à intensificação
da consciência do mundo como um todo” (Robertson, 1999:23).
29
A) A globalização caminha em paralelo com um reforçamento das identidades locais, embora isso
ainda esteja dentro da lógica da compressão espaço-tempo. B) a globalização é um processo desigual e
tem sua própria ‘geometria de poder’. C) a globalização retém alguns aspectos da dominação global
ocidental, mas as identidades culturais estão, em toda parte, sendo relativizadas pelo impacto da
compressão espaço-tempo” (Hall,1999: 80-81).
22
situações sociais inéditas e inesperadas com que a pessoa se defronta e precisa resolver
por si só ou com a ajuda de alguém.
1.4 Desenvolvimento moral
Como vimos os diferentes contextos sociais produzem diferentes processos de
socialização. Agora analisaremos a idéia de que todo processo de socialização possui
estágios universais. Assim, a socialização se desenvolve em estágios bem definidos e
cada estágio é caracterizado por limites da capacidade da mente. Está é uma idéia da
Psicologia do Desenvolvimento, da qual Piaget é um importante autor.
Aqui não nos interessa o desenvolvimento lingüístico ou lógico da criança, a
nossa atenção está voltada para o desenvolvimento moral, visto que a nossa questão de
pesquisa é a socialização do valor cooperativo. Além de Piaget, Kohlberg, que foi
influenciado por Piaget, se dedicou em especial aos estudos da moralidade. Antes de
explicitar a contribuição destes dois autores achamos importante discutir rapidamente os
conceitos de valor, moral e ética.
De acordo com o que discutimos, a cultura é uma “teia de significações”. Os
valores conferem significados à realidade. “Dizemos que existe valoração na medida em
que qualquer interferência do homem na realidade se na perspectiva de conferir um
significado a esta realidade” (Rios,1999:19). Assim a cultura é composta por diferentes
valores. Numa mesma cultura constatamos a mudança de valores no decorrer do tempo,
assim como percebemos valores diferentes em culturas diferentes. Aqui nos interessa
particularmente o valor moral
30
.
30
Podemos falar em valores na perspectiva da gica a qualificação dos enunciados como
verdadeiros ou falsos (...), ou na perspectiva da estética (...) belos ou feios, por exemplo. Quando se
qualifica um comportamento como bom ou mau, tem-se em vista um critério que é definido no espaço da
moralidade” (Rios, 1999:19).
23
A moral pode ser definida como um conjunto de normas e regras destinadas a
regular as relações dos indivíduos numa comunidade social dada(Vasquez, 1975:25).
A moral, numa determinada sociedade, indica o comportamento que deve ser
considerado bom ou mau. A ética se apresenta como uma reflexão crítica sobre a
moralidade, ela procura o fundamento do valor que norteia o comportamento, partindo
da historicidade presente nos valores (Rios,1999).
A concepção de Piaget (1977;1932) de moralidade é relativa ao respeito às
regras, ao julgamento do bem e do mal e à justiça. A justiça seria um condição inerente
ou de lei de equilíbrio das relações sociais (p.174). Piaget considera o
desenvolvimento da moralidade na criança como um processo de maturação, enraizado
biologicamente e realimentado pelo contexto social. O nível de julgamento moral
encontra-se diretamente relacionado com o desenvolvimento do raciocínio lógico.
No seu livro, O Julgamento Moral da Criança (1977;1932), Piaget discorre
sobre o desenvolvimento moral da criança. Nesse livro ele utiliza muitos exemplos
empíricos descritivos e a forma de apreensão da moral infantil é principalmente feita a
partir das regras dos jogos brincados pelas crianças.
Para Piaget, a criança adquire a consciência moral em etapas. Ela passa por
quatro estágios de moralidade, tendo como referência crianças européias: pré-
moralidade, heteronomia moral, semi-autonomia e autonomia moral
31
.
31
A) Pré-moralidade (entre 0 a 5 anos aproximadamente): no início não se constata nenhuma noção de
regra ou consciência moral. No final constata-se a imitação das regras dos adultos, sem compreensão da
essência da regra; B) Heteronomia moral (entre 5 a 8 anos aproximadamente): tem uma noção rudimentar
das regras. Sabe como se joga para ganhar, quando o jogo começa e termina, quem é o vencedor. A regra
é percebida como sagrada e imutável. A regra tem uma origem respeitada, exprimindo autoridade. As
obrigações são percebidas como impostas de fora e não como elaborações da consciência; C) Semi-
autonomia (entre 8 a 13 anos aproximadamente): demonstra um conhecimento sofisticado das regras, que
agora são interpretadas de acordo com a situação e relativizadas; D) Autonomia moral (depois dos 13
anos aproximadamente): tem interesse especial pela regra em si, conhecendo-as nos seus mínimos
detalhes. A cooperação e a reciprocidade passam a ser compreendidas como pré-requisitos para a
realização de qualquer regra e comportamento social. As regras são resultados de um consenso coletivo e
os atos são julgados segundo sua intenção original e não pelas conseqüências objetivas provocadas
(Freitag, 1992).
24
Kohlberg (1984) se preocupou com o desenvolvimento moral do adulto, que
Piaget focou o desenvolvimento moral em crianças. Kohlberg acreditava que os estágios
de desenvolvimento moral poderiam ir além. Ele formulou seis estágios, agrupados dois
a dois em três níveis: o nível pré-convencional (perspectiva concreta e individualista), o
convencional (indivíduo como membro da sociedade) e o pós-convencional (primazia
dos princípios morais universais)
32
.
A tipologia elaborada por ele descreve formas estruturais que se desenvolvem de
maneira crescente e cumulativa quanto ao modo de conceituar a justiça e resolver
problemas morais. Mais especificamente, cada estágio é definido em termos do que é
certo a ser feito, quais as razões para fazer o que é certo e qual a perspectiva social
subjacente em cada estrutura (Paz, 1997).
Kohlberg estabeleceu um esquema tipológico através do qual níveis distintos de
raciocínio moral são postulados, cada um dos quais se desenvolvendo através de uma
seqüência evolutiva, universal e invariante de estágios (Dias, 1992). Também para
Piaget o desenvolvimento moral segue uma gradação universal.
Esta proposição universalista é contestada, ao se notar uma diferença dos
estágios atingidos pelas crianças em diferentes culturas, ou diferentes classes sociais,
por exemplo. Para aqueles que defendem Piaget, “fatores individuais, sócio-econômicos
e culturais poderiam explicar um ritmo mais acelerado ou mais lento da psicogênese,
sem, contudo negar a psicogênese, seus estágios e suas seqüências” (Freitag,1992
:209).
O estudo empírico da psicogênese infantil nas mais variadas culturas ou
sociedades confirmam a existência de uma seqüência invariável dos estágios
32
O nível pré-convencional é o nível da maioria das crianças com menos de 9 anos, alguns
adolescentes e adultos delinqüentes. O nível convencional é o nível da maioria dos adolescentes e
adultos na nossa sociedade e em outras sociedades. O nível s- convencional é atingindo por uma
minoria de adultos e é usualmente alcançado somente após os 20 anos(Kohlberg, 1984: 172). Nossa
tradução.
25
psicogenéticos. Não foram encontrados nas culturas e sociedades estudadas casos de
crianças que apresentassem uma inversão ou uma outra seqüência dos estágios
postulados pela teoria de Piaget. A ausência dos últimos estágios é atribuída a
interferências negativas do meio, que temporariamente têm condições de bloquear ou
retardar o ritmo da psicogênese (Freitag, 1992).
Vygotsky (1984) é outro autor importante para a Psicologia do
Desenvolvimento. Apesar de não tratar diretamente do desenvolvimento moral, ele é
importante para a presente pesquisa por falar da ‘formação social da mente’ e assim
poder ser aproximado das idéias interacionista, particularmente da importância do outro
e do meio social, de socialização que expusemos na seção anterior.
Para ele, a complexidade da estrutura humana deriva do processo de
desenvolvimento profundamente enraizado nas relações entre história individual e
social. Ele procurou identificar as mudanças qualitativas do comportamento que
ocorrem ao longo do desenvolvimento humano e sua relação com o contexto social. Ele
tentou integrar numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto
ser biológico e social, enquanto membro da espécie humana e participante de um
processo histórico.
Vygotsky (1984), assim como Piaget (1977;1932), estuda o jogo e as
brincadeiras, como formas de construção da personalidade. Huizinga (1980) traça toda
uma teoria a respeito daquilo que ele chama de Homo Ludens, fazendo uma análise da
importância do lúdico para a sociedade humana. Como sinônimo de lúdico temos as
palavras jogo, brincadeira e divertimento. Ele destaca o caráter espiritual que tem o
jogo, sendo muitas vezes uma atividade irracional, que é desempenhada por animais e
crianças ainda sem consciência de si. No jogo existe algo que transcende as
necessidades imediatas da vida e que confere um sentido à ação. Esta significação, que é
26
fundamental ao jogo, não é material, por isso a sua caracterização como espiritual.
Assim o jogo tem a possibilidade de favorecer e reproduzir as relações sociais,
de gerar medo e alegria, de provocar o grupo a encontrar soluções para um desafio.
Duveen (1998) ressalta a importância do jogo de faz-de-conta para a abstração de papéis
pela criança. É brincando com uma boneca que a criança abstrai o papel de ser mãe, por
exemplo.
Voltando para as idéias de Piaget (1977;1932), é através do jogo que ele analisa
a moralidade infantil. O autor procura entender como as regras do jogo são
interiorizadas, fazendo assim uma analogia com a introjeção da moral. Piaget trata os
conceitos de heteronomia e autonomia. A moral da heteronomia seria um conjunto de
deveres sentidos como obrigatórios e que emanam de indivíduos respeitados. Esse tipo
de moral predomina na criança principalmente no período de socialização primária, na
sua relação com os outros significativos. A autonomia aparece com a reciprocidade,
quando o respeito é mútuo e bastante forte para que o indivíduo experimente
interiormente a necessidade de tratar os outros como gostaria de ser tratado e isso
acontece a partir dos 8 anos, mas é notado mais fortemente entre os de 10 a 13 anos.
A moral da heteronomia está ligada à idéia de coerção e a moral da autonomia à
idéia de cooperação. A conclusão a que chega Piaget é de que, para além da tomada de
consciência e do surgimento da objetividade, a cooperação é uma condição
indispensável ao desabrochar da razão porque leva à formação de uma estrutura
normativa que conduz ao funcionamento da inteligência individual (Soares, 1998).
27
Capítulo 2 – Cooperação e educação.
2.1 Cooperação
Segundo Duveen (1998), as relações infantis com os outros adultos sugerem
uma assimetria, tendo em vista que esses outros têm um poder maior que o da criança.
De acordo com o autor, uma relação heterônoma, aquela caracterizada pela assimetria
de poder, seria denominada uma coação. uma relação autônoma, entre parceiros
iguais, seria uma cooperação (aqui com um sentido diferente do conceito de cooperação
como valor que desenvolveremos a seguir). Essa heteronomia ou autonomia não
depende somente dos agentes da ação, podendo também haver coação entre pares e
cooperação entre crianças e adultos.
É bom ressaltar que a relação entre iguais pode ser extremamente positiva, por
permitir a troca e a criação, que algumas vezes não é favorecida num processo
heterônomo. A relação entre iguais não significa sempre cooperação, autonomia, mas
esta é estimulada quando os indivíduos são semelhantes. Nessa mesma linha, é
importante ressaltar que as relações de coação não são vistas como algo negativo, muito
pelo contrário, uma relação de heteronomia é extremamente importante para a
constituição do ser humano como participante ativo na sociedade. O indivíduo precisa
aprender as normas sociais a partir de um outro que as conhece. Nesse contexto a
coação é necessária ao desenvolvimento do indivíduo, principalmente durante a
socialização primária, e a cooperação representa o momento de autonomia, tão
necessário à socialização secundária.
Distintamente dessa primeira visão exposta procuraremos agora definir o termo
cooperação em oposição ao termo competição, e é nesse sentido que a cooperação como
valor se define. Nesse caso, esses conceitos representam maneiras de relacionar-se
28
autonomamente com os outros.
O verbo ‘competir’ indica atividade rival entre dois ou mais
indivíduos ou grupos. Competir significa superar o outro, como em um
evento esportivo” (Boettke, 1996:106).
Pode-se dizer que dois ou mais agentes cooperam quando se
empenham num empreendimento conjunto para cujo resultado são
necessárias as ações de ambos” (Gambetta, 1996:119).
Diante dessas definições, vemos que a competição e a cooperação são formas
antagônicas, ou seja, excludentes, de obtenção de objetivos, na medida que a
competição é o fazer contra o outro e a cooperação o fazer com o outro. No entanto, nas
relações sociais estas duas formas de fazer, podem aparecer de maneira não excludente.
A competição muitas vezes se apóia em acordos cooperativos. Para o início de
um jogo competitivo é necessário que haja um acordo entre os participantes de respeitar
as regras do jogo. O respeito a esse conjunto de normas coletivas e necessárias para o
bom funcionamento do jogo pode ser considerado a meta coletiva e assim todos os
jogadores cooperam em relação ao respeito das normas. Contudo o princípio de
cooperação em torno das regras se esvai no momento em que o “ganhar do outro” é
considerado o mais importante. Outro momento de cooperação em jogo competitivo
seria a união dentro da equipe, mas nesse sentido o sentimento de rivalidade contra
os da outra equipe. Assim existiria uma cooperação dentro do time e uma competição
entre os times.
As dicotomias comunidade e sociedade e cooperação e competição não se
identificam completamente. O que podemos dizer é que nas sociedades em que
prevalecem as relações comunitárias as práticas cooperativas são mais estimuladas.
Assim como em sociedades de relações societárias, que é a que vivemos atualmente
com o sistema capitalista, as práticas competitivas são as mais estimuladas.
O capitalismo se caracteriza pela busca de lucro através da produção da mais-
valia. O liberalismo econômico e a ênfase no mercado, da atual fase do capitalismo, têm
29
como forte característica o individualismo exacerbado e a competição. Não é
exclusividade do capitalismo a ênfase na competição. A antropóloga Margaret Mead
(1961) realizou um estudo em que caracterizou diversos povos como competitivos ou
cooperativos. Ela concluiu que o comportamento individual, competitivo ou
cooperativo, é condicionado pela ênfase dada dentro da estrutura da sociedade
específica.
A idéia de cooperação pode ser extremamente interessante para o capitalismo e
conviver com a competição. A existência de cooperação entre os trabalhadores de uma
fábrica para concorrer com a sua rival é um exemplo clássico de cooperação no
capitalismo. Atualmente também, o valor cooperativo está sendo disseminado como
necessário na relação patrão-empregado, porém, este tipo de cooperação acaba por
favorecer um dos lados e precarizar as relações trabalhistas.
Marx dedica uma seção do Capital (1982; 1867) para a discussão da cooperação
no sistema capitalista, mais especificamente na produção capitalista. Assim, Marx
define cooperação como a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de
acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção
diferentes, mas conexos” (p.374).
A sua principal idéia é que tendo mais gente trabalhando junto se produz mais
do que a soma dos trabalhos individuais. Então haverá mais produtos para serem
trocados no mercado. O salário pago individualmente continua o mesmo de quando o
trabalho era feito de maneira isolada. Assim, com mais produtos a serem vendidos a
mais-valia do capital aumenta.
Mesmo não se alterando o método de trabalho, o emprego simultâneo de grande
número de trabalhadores opera uma revolução nas condições materiais do processo de
30
trabalho, além disso, existem operações que não permitem a sua decomposição em
partes, então a coletividade é necessária.
O efeito do trabalho combinado não poderia ser produzido pelo trabalho
individual, e seria num espaço de tempo muito mais longo ou numa
escala muito reduzida. Não se trata aqui de elevação da força produtiva
individual através da cooperação, mas da criação de uma força produtiva
nova, a saber, a força coletiva. Pondo de lado a nova potência que surge
da fusão de muitas forças numa força comum, o simples contato social, na
maioria dos trabalhos produtivos, provoca emulação entre os
participantes, animando-os e estimulando-os, o que aumenta a capacidade
de realização de cada um (...) ”(Marx 1982;1867:374-375).
Apesar de Marx explicitar a forma pela qual o capitalista se apropria da
cooperação dos trabalhadores, não significa dizer que ele tem uma visão negativa da
cooperação. Ao falar da organização do proletariado para superar o modo de produção
capitalista, ele está enfatizando a necessidade de cooperação entre os que fazem a classe
operária. Assim é que afirmamos, ao discutir comunidade e sociedade, que classe para
si é uma comunidade que coopera e, além disso, Marx valoriza as práticas cooperativas
que vão de encontro ao individualismo exacerbado do capitalismo.
A inserção no contexto capitalista faz com que não se perceba o quanto a
competição egoísta está presente e como esse princípio se naturalizou de tal forma que
nos parece impossível viver sem ele. É assim que muitas práticas, ditas cooperativas,
permanecem em uma lógica competitiva individualista.
A crença de que o vencedor merece a vitória, por ser mais preparado e capaz,
traz graves conseqüências na forma de encarar a realidade social. A dominação de um
grupo sobre o outro é vista como natural, já que esse grupo seria o “mais competente”.
Essa questão é tão internalizada que os “perdedores” aceitam a sua condição porque têm
a esperança de um dia tornarem-se “vencedores”, o problema é que nessa lógica sempre
haverá os desfavorecidos (Brown, 1990:16-7).
A idéia de que na sociedade existem perdedores e vencedores é fomentada e
31
realimentada nas diferentes formas de socialização. Muitas vezes os seres humanos são
vistos como competitivos por natureza. Porém, a inteligência, o sentido moral e a
cooperação social são características únicas e distintivas dos seres humanos (Orlick,
1978)
33
. Além disso, a questão principal é que, como vimos anteriormente, o
comportamento do ser humano depende dos valores a que socialmente se expõe durante
a socialização e como ele dialoga com esses valores. Assim, se aprendem
comportamentos competitivos ou cooperativos, mas como a sociedade contemporânea é
baseada na competição, é esse valor o mais socializado.
Outra idéia difundida é que a cooperação é possível em sociedades em que
haja abundância, ou seja, em que haja o que compartilhar, pois quando escassez
haveria a competição pelos raros recursos. Segundo Mead (1961), isso é falso. Em seu
estudo, ela encontrou exemplos de todos os tipos: sociedades competitivas dentro de
uma economia de abundância e sociedades cooperativas dentro de uma economia de
escassez. Assim, são as normas culturais que determinam se a sociedade é competitiva
ou cooperativa e não a presença ou ausência de recursos. Mead, ainda chegou a afirmar
que em algumas sociedades, a abundância observada era o resultado da cooperação.
Mesmo com a força do individualismo capitalista, a idéia de difundir práticas
cooperativas está em evidência. Aqui nos interessam apenas as práticas cooperativas
que assumem um papel utópico de possibilitadora de relações sociais mais humanas e
não excludentes. A efervescência de experiências de economia solidária é um exemplo
de atuais práticas cooperativas, que tem a possibilidade de construir uma alternativa ao
capitalismo, de baixo para cima, substituindo o individualismo burguês por uma
sociedade baseada na reciprocidade e na solidariedade social. É isso que trataremos no
próximo tópico.
33
Normalmente a teoria evolucionista de Darwin serve para justificar a competição, com o lema “vence o
melhor”, porém segundo Orlick (1978) a inteligência, o sentido moral e a cooperação social, seriam os
elementos mais importantes para a evolução dos seres humanos na visão de Darwin. Ver Orlick (1978).
32
2.2 Participação em práticas cooperativas: o exemplo da Economia
Solidária
Atualmente vários estudos sociológicos destacam o importante ressurgimento da
sociedade civil. Fenômenos como os novos movimentos sociais, as organizações não
governamentais (ONGs), os estudos sobre redes sociais e as práticas de economia
solidária, que aqui nos deteremos, são exemplos da efervescência do interesse sobre
temas relacionados ao que consideramos práticas cooperativas.
Entendemos que a cooperação é imprescindível na formação e manutenção de
grupos sociais, o fazer junto é algo que está presente nos grupos. Porém, nem sempre o
fazer junto implica na presença de um valor cooperativo, da solidariedade. O valor
cooperativo pressupõe um comprometimento com o outro de forma responsável. O
valor cooperativo procura promover o bem-viver de todos e ir de encontro às práticas
individualistas, competitivas e exploradoras do atual sistema capitalista. É assim, que
nem toda a prática que se diz “cooperativa” ou “solidária”, realmente o é, às vezes sob
uma fachada de “solidariedade” ou “responsabilidade social”, existe o reforço das
formas de opressão do sistema capitalista.
As práticas cooperativas pressupõem a participação coletiva. A participação é
construída e estimulada no decorrer do processo específico de socialização. Assim, as
motivações para o engajamento nas causas coletivas são extremamente variadas, visto
que cada indivíduo interage de maneira diferenciada com o seu meio social
34
, são estas
formas diferentes de interação que caracterizam a autonomia e a criatividade individual
para participar ou não.
Nas comunidades, sociedades simples, a participação muitas vezes é
compulsória, é pré-reflexiva. nas sociedades, ou sociedades complexas, a
34
O meio social é entendido não como estrutura social, mas também como a conjunção das relações
econômicas e políticas, inseridas num ambiente natural, em um determinado tempo.
33
participação se dá de modo voluntário, exigindo uma alta reflexividade. O conceito de
comunidade vai além do de sociedade simples, na linguagem do senso-comum, pode ser
identificada com comunidades pobres, ou favelas. Comunidade pode, também,
significar pequenos grupos de identificação, no interior de uma sociedade complexa.
Na atual sociedade, a participação produz a identificação do indivíduo com
comunidades diversas. A total identificação com uma comunidade é algo negativo,
sobretudo quando o indivíduo está tentando descobrir e criar sua própria identidade. A
total identificação pode frustrar o desenvolvimento de uma identidade própria, e
também pode sufocar inteiramente o indivíduo (Lucas, 1985).
A liberdade dos indivíduos de participarem ou o em grupos ou comunidades
que fomentem as práticas cooperativas não se resume a essas questões políticas de
poder se identificar com quaisquer grupos. A liberdade está relacionada primeiramente a
uma condição material. As pessoas precisam de uma condição econômica mínima para
ser livre de escolher participar. Além desse fator material existe a necessidade de acesso
das informações, para assim ter clareza das várias possibilidades e suas conseqüências e
assim fazer a sua opção. Por fim a liberdade na participação deve respeitar os outros, ou
seja, ser ética
35
.
É acatando esse princípio de liberdade de participação - que considera o aspecto
material, político, informacional e ético - que a economia solidária pretende assegurar o
bem-viver de todos, através da produção e do consumo solidários, gerindo
responsavelmente os recursos naturais e compartilhando as riquezas produzidas
socialmente, de modo justo e ecologicamente sustentável. A economia solidária atende
a demandas imediatas de consumo e de trabalho e enfrenta estruturas de exclusão
econômicas, assim é uma nova forma de produzir e consumir, respeitando a natureza e
princípios éticos solidários (Mance, 2000).
35
Aqui nos reportamos ao conceito da ética da libertação, que considera a alteridade. Ver Oliveira (2006).
34
Escolhemos a economia solidária como exemplo de prática cooperativa por
possuir uma lógica fundada no valor cooperativo. A economia solidária possui uma
utopia de transformação social e é uma estratégia que permite uma nova sociedade por
meior de práticas econômicas justas. Outro motivo para escolha da economia solidária é
que ela tem uma proposta pedagógica que a necessidade de socializar o valor
cooperativo. A economia solidária ao propor uma nova forma de organização social,
requer uma nova mentalidade. Assim, as práticas da economia solidária requerem uma
consciência contestadora da ordem vigente e uma sensibilidade (afetos, desejos e
vontades) solidária. A sua proposta pedagógica está atenta para isso ao privilegiar a
vivência de experiências humanas solidárias, na qual o indivíduo se sente respeitado e
acolhido.
As práticas de economia solidária são extremamente variadas. Poderíamos aqui
citar alguns exemplos: grupos de produção comunitária, cooperativas e associações de
produção; sistemas locais de intercâmbio e sistemas com moedas sociais; autogestão de
empresas pelos trabalhadores; comércio solidário e comércio justo internacional;
consumo crítico e solidário e grupos de aquisição solidária; financiamento solidário;
difusão de softwares livres e tecnologias livres e sustentáveis
36
.
Os empreendimentos solidários, por sua lógica de ampliar as suas ações
solidárias e até mesmo para sua sobrevivência, organizam-se em redes. Uma rede
solidária integra grupos de consumidores, de produtores e de prestadores de serviço em
uma mesma organização. Todos se propõem a praticar o consumo solidário, isto é,
comprar produtos e serviços da própria rede para garantir trabalho e renda aos seus
membros. Por outro lado, uma parte do excedente obtido pelos produtores e prestadores
de serviço com a venda na rede é reinvestida na própria rede para gerar mais
cooperativas, grupos de produção e microempresas, a fim de criar novos postos de
36
Para mais detalhes sobre essas diferentes práticas ver Mance (2003).
35
trabalho e aumentar a oferta solidária de produtos e serviços (Mance, 2000)
Por pregar uma nova lógica de relações sociais, uma nova ética é que insistimos
no seu papel educativo. A educação solidária não é mera transmissora de conhecimentos
indispensáveis ao trabalho criativo ou agenciadora de disposições afetivas para
atividades de colaboração. A educação é aqui compreendida como uma das condições
necessárias ao exercício da liberdade humana, permitindo não apenas a produção e
interpretação de informações e a participação ativa em processos comunicativos, mas a
própria autonomia das pessoas e das coletividades, mediadas por inúmeras relações
sociais (Mance,2003).
A educação solidária se identifica com uma educação popular. O objetivo das
ações educativas populares junto às massas sociais é contribuir para que elas superem a
condição de segmento manipulado pela elite dominante e se transformem em povo,
atuando coletivamente em organizações populares como agentes transformadores de sua
própria condição econômica, política, social e cultural (Mance, 2003). É neste sentido
que a próxima seção deste trabalho esta dedicada à escola e à educação popular.
2.3 Escola e educação popular
Ao falarmos de economia solidária nos detemos na importância de uma
educação solidária e nos remetemos à educação popular. Achamos importante antes de
discutir a educação popular, analisar rapidamente a escola, instituição por excelência
responsável pela educação.
De acordo com Ariès (1981), foi com o surgimento da instituição escolar que a
infância se prolongou e se firmou o conceito moderno de criança. A escola seria uma
passagem do mundo infantil para o mundo adulto. Miranda (1984) afirma que a escola
funciona como mecanismo de reprodução das classes sociais. A escola não é neutra. A
36
escola e o saber, por ela transmitido, constituem partes de um todo social definido, e
esse todo influencia a maneira como a escola trata os seus alunos. A escola procura
transmitir idéias do todo social, e ao mesmo tempo em que fala sobre a sociedade é
influenciada por ela.
Aqui nos interessa especificamente a escola pública, que o Projeto de
Animação Cultural (PAC), o qual analisaremos, acontece dentro de uma escola
municipal. Beisiegel (1992), através de um estudo partindo das teorias de Paulo Freire,
vai caracterizar a educação escolar pública brasileira com os seguintes problemas: “(...)
a ‘superposição da escola à realidade’; a orientação excessivamente centralizadora
das instituições escolares; o rígido autoritarismo vigente; e o caráter ‘assistencialista’
das atividades” (p. 95).
A não aplicação do conhecimento transmitido pela escola à realidade vivida
pelos alunos é vista como uma maneira antipedagógica, na qual os estudantes são
levados a memorizar fatos e não a aprender. A excessiva centralização das instituições
escolares
37
é vista como uma outra forma de distanciar o conhecimento do aluno.
Dentro da sala de aula a autoridade do professor muitas vezes é confundida com
autoritarismo. O ‘assistencialismo’ ainda é muito presente e alimenta uma relação na
qual os estudantes são passivos e meros receptores de conhecimento.
Não faremos aqui uma análise detalhada a respeito do sistema educacional
público brasileiro, mas os pontos expostos conseguem, de certa forma, resumir a
situação da escola pública no Brasil. Por esses aspectos, podemos considerar que, em
sua maioria, a educação formal escolar pública é individualizante e avessa às práticas
cooperativas.
Nesse caso a educação escolar é vista como algo unilateral incompatível com a
37
Hoje a própria administração escolar está mais descentralizada, tendo inclusive eleição direta para
diretor e a importante instituição dos Conselhos Escolares.
37
cooperação. Vários autores da educação popular
38
colocam a educação tradicional
escolar como a educação burguesa, por sua natureza antipopular e que tem como
características ser elitista, discriminadora, autoritária, repressiva, burocrática,
positivista, falsamente apolítica, individualista e competitiva.
Assim o alternativo na educação sempre foi muito mais vigoroso fora dos
espaços de educação formal, porém confiança na possibilidade de construção da
escola pública com parâmetros populares. Essa é uma luta dos movimentos sociais e de
governos democráticos e populares (Paludo, 2001).
Dessa maneira, a escola não exclui a possibilidade de prática e socialização do
valor cooperativo. autores que defendem que as práticas de educação popular devem
estar presentes na escola. (...) parece ,hoje, ser consenso a necessidade da intervenção
dos educadores populares no âmbito da educação escolar” (Souza, 1998:22).
A aquisição de habilidades básicas para exercer a vida adulta, o que seria a
função básica da escola, nesse sentido, deixa de ser individualizante e competitiva
passando a ter um forte caráter cooperativo. Ao considerar a dialogicidade, diferentes
pontos de vista são expostos e um esforço para se chegar a um entendimento. O
diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não
se esgotando, portanto, na relação eu-tu(Freire, 2002.b;1987:78). Assim, ao diálogo
importa o valor cooperativo, isso na medida em que estimula a construção coletiva.
Uma importante contribuição para os estudos sobre a socialização cooperativa
na escola é a análise feita da relação aluno-aluno, que seria uma relação de autonomia e
cooperativa no sentido que Duveen (1997) a essa palavra e que discutimos. Coll e
Collomina (1996) destacam que normalmente os estudos de socialização na escola se
baseiam na relação professor-aluno, já que o professor seria o agente educativo e o
aluno o destinatário. Os autores desejam ressaltar que os próprios alunos podem servir
38
Paulo Freire e Celso Beisiegel (1992) são exemplos.
38
como mediadores, em determinadas circunstâncias, e assim ter uma grande influência
educativa sob os seus colegas
39
.
Assim ao enfatizar o caráter dialógico da prática educativa e reforçar a idéia de
que a cooperação educador-educando e entre educandos é necessária para a
aprendizagem, a escola colabora com a socialização do valor cooperativo. Para a
socialização do valor cooperativo é necessário que na escola exista um espaço de
debate, que seja estimulada a reflexão sobre si mesmo, sobre os outros e sobre as
circunstâncias, e que seja facilitada a introjeção do sentimento de responsabilidade e de
busca de participação na construção da vida coletiva. Assim, a educação formal pode e
deve estimular práticas cooperativas.
A relação de reciprocidade entre sujeitos diferentes (que assumem juntos o
desafio de enfrentar os grandes problemas sociais decorrentes de estruturas econômico-
políticas injustas) é também o que constitui essencialmente a proposta de educação
popular tal como teorizada por Paulo Freire (Fleuri, 1998).
A educação popular, para nós, é o espaço privilegiado de estímulo à cooperação.
A educação popular pode e, em nossa concepção, deve englobar a educação escolar.
Então, é possível fazer educação popular nos espaços escolares e é possível fazer
educação anti-popular em espaços alternativos. O que caracteriza a educação popular
não é o espaço onde ela é desenvolvida, mas sim as suas intenções de superação da
realidade de dominação e exploração.
O conceito de educação popular está muito ligado ao seu objetivo político
explícito de transformação social, então o educador popular está muito próximo a um
militante. A educação popular estabelece relações horizontais, centra-se na realidade
39
As pesquisas realizadas mostram claramente que a relação entre alunos pode incidir de forma
decisiva sobre os aspectos tais como a aquisição de competências e destrezas sociais, o controle dos
impulsos agressivos, o grau de adaptação às normas estabelecidas, a superação do egocentrismo, a
relativização progressiva do ponto de vista próprio, o nível de aspiração, o rendimento escolar e o
processo de socialização em geral” (Johnson, 1981b apud Coll e Collomina, 1996: 300).
39
histórica concreta, investe na formação de um novo homem.
Os conteúdos da educação popular consideram o saber acumulado por cada
sujeito da ação educativa e o que foi historicamente produzido pelo homem, numa visão
dialética e de forma contextualizada. A metodologia pretende ser democrática,
participativa e que possibilite a reflexão, a problematização, a investigação e o
questionamento.
Dessa maneira o “popular” do conceito educação popular, não tem o sentido de
uma educação “para” o povo, nem simplesmente “do” povo, mas sim uma construção
“com” o povo de práticas que o libertem. A educação libertadora surge com uma lógica
de contestação do regime capitalista. Os movimentos “da libertação” surgiram mais ou
menos no mesmo tempo, na América Latina, também como resposta aos regimes
militares. A teologia da libertação foi o movimento mais conhecido. Paulo Freire foi
influenciado por esse contexto e chama a sua pedagogia de “pedagogia da libertação”.
Segundo Paludo (2001), a concepção de educação popular nos anos 90 parece
ganhar novas dimensões que a tornam mais fecunda. Esses processos de construção
cotidiana de alternativas já traduzem propostas e projetos políticos mais amplos, como o
da economia popular solidária, o qual discutimos na seção anterior, o dos projetos locais
e regionais alternativos de desenvolvimento e o de um outro projeto de
desenvolvimento para o Brasil.
Admite-se e deseja-se, nestes novos tempos, que esta concepção de
educação popular não seja adequada exclusivamente para os espaços
não-formais de educação. Aposta-se na sua capacidade de disputa na rede
oficial de ensino, embora se admita que sua ressignificação e fecundidade
sejam maiores nos espaços não-formais, visto que muito mais liberta das
amarras que prendem os espaços formais e porque exercida por
indivíduos que possuem por ela uma opção clara, o que não significa
estar, como tudo na vida, isenta de contradições” (Paludo, 2001: 206).
Assim a educação popular tem uma preocupação clara com a transformação
social, a educação não-formal, não necessariamente. O conceito de educação não-
40
formal, será melhor discutido na próxima seção.
2.4 Educação não-formal
Na seção anterior discutimos escola e educação popular. Chegamos a conclusão
que a educação popular tem um ideal de transformação social e pode ocorrer tanto na
escola como em outros espaços. A escola é a instituição por excelência da educação e a
consideremos essencial e insubstituível, bem como os professores que são profissionais
fundamentais na socialização dos indivíduos. Centraremos-nos aqui na educação não-
formal, pois é um espaço que pode desenvolver práticas de educação popular com
objetivo de construir o valor cooperativo, além disso, o nosso campo empírico é
constituído de uma experiência de educação não-formal.
O termo educação abrange um universo que extrapola o escolar. A escola é uma
instituição com o papel central na formação dos indivíduos que por ela passam,
principalmente no que diz respeito ao acesso aos conhecimentos historicamente
sistematizados pela sociedade e propiciadora de organização do pensamento. Existem
outras instituições educacionais além da escola. Teoricamente podemos distinguir a
educação formal, da não-formal e da informal. Almerindo Janela Afonso explicita essa
diferenciação:
Por educação formal, entende-se o tipo de educação organizada com uma
determinada seqüência e proporcionada pelas escolas enquanto a
designação educação informal abrange todas as possibilidades educativas no
decurso da vida do indivíduo, constituindo um processo permanente e não
organizado. Por último a educação não-formal, embora obedeça também a
uma estrutura e a uma organização (distintas, porém, das escolas) e possa
levar a um certificação (mesmo que não seja essa a finalidade), diverge
ainda da educação formal no que diz respeito à não fixação de tempos e
locais e à flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada
grupo concreto” (Afonso, 1989:88).
De acordo com as nossas definições anteriores, o conceito de socialização se
aproxima do de educação informal, que o autor apresenta. Importa-nos, agora, melhor
41
trabalhar a idéia de educação não-formal. A estrutura que caracteriza a educação não-
formal não indica que não exista uma formalidade e uma intencionalidade, essas
condições estão presentes, porém de modo diverso do que na escola.
A educação não-formal inclui também instituições, associações, organizações e
grupos - sejam eles religiosos, públicos ou organizados pela sociedade civil - que atuam
com a educação, tendo a sua atuação uma forma diferenciada da escolar. A transmissão
do conhecimento acontece de forma não obrigatória e sem a existência de mecanismos
de repreensão em caso de não-aprendizado. Os valores e a disciplina interna da
instituição não-formal podem até ser mais rígidos do que na educação formal, mas estão
baseados no consenso interno e na voluntariedade dos participantes, não
necessariamente do educador.
A voluntariedade na participação é um conceito chave para educação não-formal
e contrasta com a obrigatoriedade da educação formal, escolar. Esta voluntariedade nem
sempre parte da criança, mas sim dos pais. Pela dependência das crianças são muitas
vezes os pais que as levam para o espaço de educação não-formal independente de suas
vontades.
Admite-se que a educação não-formal pretende ser um espaço relacional (grupos
de amigos) e também servir como um espaço de expressão e discussão de valores e
aceitação de compromissos ideológicos, normas de conduta e códigos de
responsabilidade. As pessoas, na educação não-formal, estão envolvidas no e pelo
processo ensino-aprendizagem e têm uma relação prazerosa com o aprender.
As organizadoras do livro Educação não-formal (Simson, Park e Fernandes,
2001:11) apresentam um conceito de educação não-formal bastante positivo, sendo
possibilitadora da transformação social. Elas caracterizam os espaços dessas atividades
como de caráter voluntário, (devendo) proporcionar elementos para a socialização e
42
a solidariedade, visar ao desenvolvimento social, evitar formalidades e hierarquias,
favorecer a participação coletiva, proporcionar a investigação e, sobretudo,
proporcionar a participação dos membros do grupo de forma descentralizada”.
Acreditamos ser essa uma visão idealizada da educação não-formal que corresponde
mais ao que deveria ser do que ao que realmente é.
A história da educação não-formal como política pública
40
, se confunde com a
história do lazer como política pública. Getúlio Vargas, na década de 1930 desenvolveu
ações práticas no campo trabalhista da previdência social e sindical, bem como
alicerçou políticas de lazer. A orientação de políticas públicas de lazer daquele período
em diante, alicerçou-se no liberalismo. Na década de 1970, durante o regime militar, o
lazer ganhar espaço como política de intervenção. Com a abertura política de 1980 o
lazer aparece como prática e como campo de estudo com conotações emancipatórias
(Amaral, 2004). Neste período, pela primeira vez, a Constituição Brasileira de 1988
considera o lazer como uma política pública.
No Brasil, a educação não-formal vem ganhando espaço na sociedade em geral
devido a políticas públicas adotadas em relação às classes populares. Assim, existem
instituições públicas que se propõem a melhorar a forma de inserção social de um
grande contingente de pessoas na realidade brasileira, afastando-os da marginalidade e
assim “prevenindo” a violência, por exemplo, através da educação não-formal. Por
outro lado, a educação não-formal como política pública pode se propor a ter um caráter
de educação popular, sendo crítica e contestadora e favorecendo assim a socialização do
valor cooperativo. O Programa de Animação Cultural é um exemplo de política pública
de educação não-formal, que pretende se constituir como direito da juventude.
40
Praticamente todas as políticas públicas objetivam aumentar a equidade social e oferecer àqueles
indivíduos ou às camadas da população desprovidas de bens e oportunidades a condição de vivenciar e
poder usufruir melhores condições de vida. Porém, em muitos casos, ocorre uma utilização indevida pelo
Estado no que concerne sua gestão e projeto político. Muitas vezes a efetivação de políticas públicas está
ligada a meros paliativos e a ações assistencialistas.
43
ELO ENTRE O DITO E O QUE VIMOS
Capítulo 3 – A construção do que vimos
Na primeira parte desta dissertação discutimos os conceitos, aquilo que foi
dito, teorizado, sobre o que estamos estudando. Na segunda parte analisaremos o que
vimos, o empírico. O elo de ligação entre essas duas partes é fundamental, é a nossa
metodologia. O elo esclarece a construção do visto (empírico). A análise do empírico
parte da teoria e retorna a ela, modificando-a.
Os conceitos são uma forma de “agarrar” a realidade. São ditos construídos a
partir de vistos. Na segunda parte pretendemos dialogar com esses conceitos e
enriquecê-los a partir do que vimos. Para tanto precisamos de uma metodologia, algo
que ligue, um elo. O nosso elo, ou a nossa metodologia, é constituído por princípios da
fenomenologia e da etnografia.
A fenomenologia
41
, por se apresentar como uma corrente metodológica
preocupada essencialmente com as relações do mundo da vida
42
, foi escolhida como um
caminho para a apreensão das práticas da educação não-formal que pretendem socializar
o valor cooperativo, em um contexto capitalista mais amplo que privilegia a
competição.
Para Schutz, fenomenólogo social, o mundo da vida é um mundo social e
intersubjetivo, mundo de rotinas, em que a maioria dos atos da vida cotidiana são
realizados maquinalmente (Coulon, 1995). Neste sentido, a nossa atenção esteve voltada
para o mundo vivido, para as relações sociais. Estas relações sociais estão inseridas em
41
Holstein e Gubrium (1994) em um artigo falam desta corrente metodológica.
42
Conceito de Husserl (1980), muito utilizado por Habermas, que significa a esfera da vida cotidiana.
44
um vasto mundo com uma trama imensamente complicada de dimensões, relações e
modos de conhecimento. O contexto capitalista, pelo processo avançado de
individualização, o que leva a maiores possibilidades de identificação pessoal devido a
uma maior complexificação do social, se caracteriza atualmente pela naturalização da
competição, ficando assim a cooperação em segundo plano.
Colocamos em relevo uma concepção interacionista da fenomenologia, onde as
relações entre o eu e o outro, ou seja, a dimensão subjetiva está imersa em um contexto
histórico e social. Essa concepção interacionista se deve a toda discussão feita na Parte
I da imbricação entre indivíduo/ sociedade.
Sendo assim, a abordagem fenomenológica nos serve para descrever em detalhes
as práticas da vida cotidiana, no entanto, estas práticas são aqui entendidas como
estruturadas por e estruturantes de uma realidade social mais complexa. A socialização
como mecanismo de compartilhamento de significados é o nosso foco, por isso nossa
análise não pode reduzir-se ao indivíduo. Analisamos, prioritariamente, por meio da
observação, como as práticas de educação não-formal são desenvolvidas no cotidiano.
A descrição fenomenológica e a observação estão imbuídas de princípios
etnográficos. Malinowski (1990), o antropólogo funcionalista precursor da observação
participante, descreve a sua própria experiência como um exemplo a ser seguido por
todos os etnógrafos. Ele fala de como chegou à aldeia, como se instalou e até dos seus
momentos de desesperança na Ilha Trobriand, local de sua pesquisa mais conhecida. O
sucesso científico, para ele, está condicionado à aplicação paciente e sistemática de um
certo número de regras de bom senso e de bem conhecidos princípios científicos. O
objetivo do etnógrafo resumidamente é: aprender o ponto de vista do nativo, sua relação
com a vida e compreender a visão do seu mundo.
No sentido de compreender a visão de mundo do nativo, ou do mundo da vida,
45
Geertz (1997) fala da importância de analisar o senso comum, ou o bom senso. Ele diz:
Se o bom senso é uma interpretação da realidade imediata, uma espécie
de polimento desta realidade como o mito, a pintura, a epistemologia, ou
outras coisas semelhantes, então, como essas outra áreas, será também
construído historicamente, e, portanto, sujeito a padrões de juízo
historicamente definidos. Pode ser questionado, discutido, afirmado,
desenvolvido, formalizado, observado, até ensinado, e pode também variar
dramaticamente de uma pessoa para outra” (p. 115-116).
As práticas que constituem o mundo da vida e estão imbuídas do senso comum
dos pesquisados foram analisadas. Assim a presente pesquisa, com base na
fenomenologia e na etnografia, é essencialmente analítico-descritiva. A descrição
fenomenológica foi feita no intuito de compreender as práticas cotidianas de
socialização. A pesquisa não foi explicativa, na medida em que não nos interessa saber
as causas estruturais da existência de tais práticas, mas descrever e analisar como elas
acontecem inseridas em um contexto e o que os envolvidos pensam sobre elas (a visão
sobre o mundo).
De acordo com Caillè (1997), a ciência precisa ter uma serventia social. Assim
acreditamos que além da construção do conhecimento este conhecimento deve retornar
à sociedade. É neste sentido que pretendemos estudar um caso de educação não-formal,
para que através da análise de suas práticas a sociedade tome conhecimento das
possíveis maneiras de socialização do valor cooperativo, sendo assim, o presente estudo
pretende ser propositivo, na medida em que acreditamos na socialização para
cooperação.
Além de ser uma pesquisa fenomenológica, etnográfica, descritivo-analítica e
propositiva, a presente pesquisa é um estudo de caso. Stake (1994) faz a diferença entre
estudo de caso intrínseco e instrumental. O primeiro acontece quando o interesse de
conhecer melhor um caso específico. Já no estudo de caso instrumental, um caso
particular é examinado para promover mais informações a respeito de um tema, ou para
46
refinar uma teoria, o caso tem um papel de suporte, de facilitador da compreensão de
outra coisa.
Aqui pretendemos fazer um estudo de caso instrumental, escolhendo um caso de
experiência de educação não-formal para saber mais a respeito da socialização da
cooperação. O nosso intuito não é fazer generalizações, mas sim conhecer mais a partir
do caso. No entanto, a descrição de um caso específico, pode fornecer idéias a respeito
da questão geral. Um pequeno aspecto do caso pode modificar a visão que se tem da
educação não-formal.
O trabalho de campo constitui-se numa etapa essencial da pesquisa
fenomenológica e etnográfica. A forma de realizar o trabalho de campo revela as
preocupações científicas do pesquisador, que seleciona tanto os fatos a serem coletados
como o meio de recolhê-los. O campo do presente projeto é o Projeto de Animação
Cultural (PAC).
Como discutimos na primeira parte, o PAC é um projeto de educação não-
formal As atividades do PAC são realizadas nas escolas municipais. Escolhemos uma
escola que participa do PAC, a partir de indicações dos coordenadores do programa.
Alguns outros casos foram escolhidos aleatoriamente, no sentido de enriquecer a
nossa visão sobre o nosso caso específico. A única exigência para a escolha desses
outros casos foi a de que as atividades desenvolvidas fossem voltadas para crianças
entre 8 e 12 anos, que como discutimos
43
corresponderia a fase do desenvolvimento
moral de semi-autonomia, onde há o conhecimento e a interpretação das regras.
Acompanhamos todas as atividades do PAC na escola escolhida durante três
meses (de maio a agosto de 2005). Na análise também levamos em conta a nossa
experiência como animadora durante seis meses. Também fizemos visitas de um dia a
mais cinco escolas, no intuito de escolher o caso e ampliar a nossa visão do PAC.
43
Ver nota 31 da página 23.
47
Na fenomenologia, a possibilidade de acesso aos significados se pela
simultaneidade. A fenomenologia privilegia a presença corporal no momento da
pesquisa. Pela presença é possível captar além do significado objetivo das palavras,
como também o tom da voz, os gestos e os movimentos corporais, além de se ter a
vantagem de poder olhar nos olhos do outro e perguntar o que ele quis dizer com aquilo.
Procuramos nos relacionar de maneira informal e direta, para que todos ficassem
a vontade. Esta proximidade com o pesquisado não é ingênua no sentido do pesquisador
se transformar em um nativo’, ou de ‘estar na pele’ do pesquisado. A intenção da
aproximação, para as pesquisas fenomenológicas contemporâneas, é reduzir a assimetria
entre pesquisador e pesquisado. Deseja-se que os pesquisados estejam confortáveis para
relatar as suas experiências sem se sentirem intimidados pelo pesquisador.
A observação é uma técnica imprescindível para a fenomenologia e para a
etnografia. A observação foi feita com o objetivo de captar as práticas de educação não-
formal. Assim o momento primordial de observação foi durante a relação inter-pessoal
entre educadores não-formais e crianças. A atenção esteve voltada para alguns
indicadores que expressam atividades cooperativas e que serão melhor discutidos na
Parte II. Podemos aqui citar dois exemplos de indicadores: atividades realizadas em
grupo e orientações dadas pelos educadores para as crianças que expressem respeito ao
outro.
A observação foi registrada em um diário de campo. O diário de campo foi
redigido durante a observação e quando não era possível imediatamente após. A
observação foi participante na medida em que estávamos imersos nas atividades de
educação não-formal.
A observação direta ou participante é obtida por meio do contato direto do
pesquisador com o fenômeno observado, para recolher as ações dos atores
em seu contexto natural, a partir de sua perspectiva e seus pontos de vista
(CHIZZOTTI, 1991:90).
48
Além da observação, fizemos uma filmagem de 30 minutos de uma atividade em
um sábado de julho. Foi significativa a gravação deste sábado. O objetivo de José
44
, o
AC do grupo que observamos, era fazer uma demonstração de como seria um dia
normal de atividades. Essa demonstração serviria de divulgação para os alunos da
escola, que ali estavam, pois era reposição das aulas, por conta da greve dos professores.
A fita nos ajudou nas observações mais detalhadas de atitudes. É preciso estar
claro que a presença de uma platéia (os alunos da escola, pretensos futuros participantes
do grupo), da professora formal que acompanhava esse grupo de alunos e de uma
máquina filmadora altera o comportamento do grupo, mas por outro lado ao assistir
várias vezes a fita, rias nuances são reveladas, que no dia a dia às vezes passam
desapercebidas.
Também gravamos uma atividade de dia de semana. Pelo gravador de voz ser
pequeno e discreto, no começo chamou um pouco de atenção por ser uma tecnologia
que as crianças, nem José conheciam, mas aos poucos esse instrumento foi esquecido.
Foi bom registrar essa atividade mais típica e assim observar o tom de voz, as pausas, as
idéias e as desavenças do grupo.
Durante a observação estávamos sempre conversando informalmente com todos
envolvidos. Algumas dessas conversas foram anotadas no diário de campo e algumas
falas aqui utilizadas. É através da linguagem que se acessa os sentidos do outro. Aqui
linguagem não se reduz ao que é falado, como mencionado, mas também a forma de
falar, aos gestos, às expressões corporais. A linguagem é central como meio de
transmitir tipificações
45
e em conseqüência significados. A essência da linguagem é
trazer informações que descrevem a realidade.
44
Os nomes aqui utilizados são fictícios.
45
Conceito da fenomenologia que indica o compartilhamento de idéias, conceitos, comportamentos.
49
O interesse no valor cooperativo foi explicitado somente nas entrevistas, que
foram realizadas no final da observação, para evitar vieses no comportamento dos
educadores. As entrevistas tiveram um roteiro básico
46
. Assim, a entrevista se baseou
nos pontos do roteiro, mas deixou o pesquisado livre para fazer os seus comentários.
Não conseguimos gravar todas as entrevistas, seja por falha nossa (acabar a
pilha, no meio de uma conversa, por exemplo) ou pelo não consentimento do
entrevistado ser gravado. No entanto, todas as entrevista foram registradas no diário de
campo. Os roteiros o foram seguidos ao da letra, muito das entrevistas dependeu
das circunstâncias, então algumas perguntas foram acrescidas e outras deixadas de lado.
Assim temos entrevistas de:
8 crianças participantes do grupo (as mais assíduas, as 8 que do começo ao final
da observação participaram do grupo);
2 mães de crianças assíduas (não consegui conversar com mais mães, pela
dificuldade de marcar encontros com elas);
outros grupos de educação não-formal que atuam na escola (Entrevistamos a
responsável pelo PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, a
responsável por um projeto de educação não-formal da empresa TIM e a
professora de educação artística que tem um grupo de dança no horário não
escolar dos alunos). Na escola, na época existiam ainda o grupo da grafitagem,
que funcionava aos sábados com um voluntário e o de percussão, também aos
sábados com um voluntário aluno da escola. Não conseguimos entrevistar esses
dois voluntários;
46
Ver o anexo I.
50
2 professores da escola (uma do primário, que o AC faz um trabalho de
recreação
47
toda sexta na sala dela e um professor do ginásio que tem vários
alunos que participam do PAC);
diretora da escola;
2 atuais ACs que foram alunos do PAC (achamos interessante entrevistar mais
dois ACs que assim como José participaram do PAC como alunos);
coordenadora do PAC da linguagem de teatro (ela é a responsável direta pela
capacitação e acompanhamento do AC José);
coordenadora geral do PAC (responsável pelo PAC como um todo);
assessor da coordenação executiva do Projeto Escola Aberta, que faz uma
parceria com o PAC.
Além dessas entrevistas baseadas nos roteiros, achamos importante fazer uma
entrevista mais detalhada
48
com José para melhor entender o processo específico de
socialização dele. Essa entrevista nos revelou muitos elementos para uma melhor
compreensão da socialização do valor cooperativo estimulado por ele, no papel de AC.
Foi feita também uma análise dos documentos do Programa de Animação
Cultural
49
, com o objetivo de analisar o que formalmente a instituição promotora de tal
educação não-formal pensa a respeito das questões colocadas na presente pesquisa.
Aqui captamos minimamente o discurso oficial que pretende valorizar a prática
cooperativa e como este discurso influencia as práticas dos educadores não-formais.
Foram 54 documentos analisados, que variavam de 1 a 30 páginas cada, sendo um deles
de 150 páginas.
47
Em alguns estudos da Educação Física, recreação pode ser vista como ocupação do tempo de ócio,
vazia de conteúdo (Werneck, 2003).
48
Para o roteiro de perguntas ver anexo II.
49
Para lista dos documentos ver anexo III.
51
Os produtos da observação, das entrevistas, da história de vida e da análise
documental foram analisados fenomenologicamente. A análise fenomenológica segue
alguns passos assim como os outros tipos de análise como, por exemplo, a análise de
conteúdo e a análise do discurso. Segundo Bernardes (1991), a dificuldade da análise
fenomenológica é trabalhar com uma grande quantidade de dados qualitativos de modo
a poder dar conta da riqueza deste material ao mesmo tempo em que apresentar para o
leitor um relato compreensivo. Apresentaremos a nossa forma de análise tendo como
base o texto de Bernardes, mas o modificando no sentido de melhor apropriá-lo a nossa
pesquisa sociológica.
A) O primeiro passo seguido foi fazer uma leitura geral de todos os dados
coletados. Aqui os relatos da observação, as transcrições das entrevistas acompanhadas
com os comentários e as passagens destacadas dos documentos foram lidos com o
intuito de obter uma visão geral do fenômeno.
B) Na segunda etapa organizamos os dados de forma a obter um “retrato” da
nossa unidade de análise. Assim fizemos uma análise histórica e contextual do caso
estudado. Para tanto foi necessário estudar o PAC, algumas outras experiências de
outros grupos, a escola onde o grupo está inserido e o próprio grupo.
C) No terceiro momento a atenção estava voltada para os mecanismos de
socialização do valor cooperativo. Assim primeiramente classificamos os dados de
acordo com os três níveis em que esses mecanismos acontecem:
Da coordenação do PAC aos ACs,
Do AC às crianças,
Entre as crianças.
Como já enfatizamos a socialização não é um processo de via única e sim uma
construção, onde todos envolvidos no processo participam. Aqui colocamos esses níveis
52
hierarquizados, pois, no caso da coordenação para os ACs e do AC para as crianças,
um “responsável”, que possui um conhecimento diferenciado e que é referência.
As práticas, ou os mecanismos, em cada nível desse, implica em outras
categorias de análise, que são:
entendimentos de cooperação,
importâncias em socializar ou não tal valor e,
intenções de socialização.
Assim, além de analisar os mecanismos de socialização, essas outras três
categorias foram utilizadas para complementar os dados, pois em cada nível um
entendimento, uma importância e uma intenção diferenciada de socializar o valor
cooperativo.
Os mecanismos de socialização, ou as práticas, foram apreendidos, sobretudo
através da observação das relações sociais. Entendimentos, importâncias e intenções
foram acessados, principalmente, pela entrevista e pela análise documental.
D) Em seguida os dados foram agrupados de acordo com os níveis. Em cada
nível os mecanismos foram classificados em “indicadores de cooperação”. A descrição
dos mecanismos é acompanhada pelas outras três categorias de análise (entendimentos,
intenções e importâncias).
E) A produção do texto final foi feita a partir das classificações feitas do mundo
empírico correlacionando com a teoria produzida sobre o tema. Achamos muito
importante fazer descrições detalhadas e colocar várias falas dos sujeitos estudados,
para uma melhor compreensão e para fornecer elementos de validade e fidedignidade. O
intuito foi responder às questões levantadas na apresentação e na introdução desta
dissertação. É assim que a segunda parte está dedicada a uma análise histórica,
53
contextual e espacial do caso estudado, além da análise dos temas diretamente
relacionados com a socialização da cooperação.
54
PARTE II – O QUE VIMOS
CAPÍTULO 4 - O Programa
4.1 O Programa de Animação Cultural
4.1.1 História do PAC
Com o intuito de resolver o problema de violência e depredação nas escolas da
Rede Municipal de Ensino, causados pelas “galeras”
50
, no ano de 1993 foi desenvolvido
o programa “Projeto Juventude em Movimento” (JEM). As “galeras” preocupavam, por
levarem jovens a formas marginais e extremadas de expressão, por falta de
oportunidade e espaço (Veloso, 1996:137). Assim, as “galeras” são formas de
contestação. Tentando explicar o fenômeno das galeras, Veloso (1996) nos fala:
(...) a carência de meios, que vai da falta de condições das famílias, à
infra-estrutura deficiente dos bairros, deixa toda esta gente à mercê das
inspirações mais esdrúxulas, que como ondas irresistíveis arrastam quem
sabe para que praias... Creio que está a explicação sumária do
fenômeno das galeras (...), passam a agrupar-se e organizar-se em bandos
marginais; a buscar, a seu modo, um jeito de dar sentido
51
a suas vidas
(...) ”(p. 120).
A idéia era criar um movimento que se assemelhasse em termos atrativo,
simbólico e comunicativo às galeras, mas que pudesse canalizar a energia juvenil para
longe da violência. Seria uma medida preventiva, com objetivos que iam além de
resguardar o patrimônio público e restituir a tranqüilidade às escolas.
50
Sobre as gangues e as galeras, Diógenes (1998) diz: A formação de turmas de jovens projeta-se como
um espaço alternativo de instituição social com regras próprias, leis, princípios de honra e códigos de
linguagem. O processo de formação de ‘grupos urbanos’, constituindo uma pluralidade de turmas
denominadas ‘galeras’, parece expressar uma maneira de os jovens se contraporem ao vazio de
referentes que recortam o cotidiano das grandes cidades. Eles formam verdadeiros territórios, onde a
circulação é apenas permitida entre os enturmados (...) a experiência das gangues e galeras se constitui
como apelo a uma dimensão esquecida na esfera blica, especialmente entre os jovens: a idéia de
pertencimento, de reconhecimento no coletivo do grupo” (p.44).
51
Está destacado no original.
55
O projeto se realizaria através de atividades sugeridas, combinadas e assumidas
entre os grupos e animadores culturais (estagiários). Essas atividades de lazer e de
âmbito cultural seriam passeios, esportes, debates, músicas, artes plásticas, teatros,
festas, entre outros eventos. Através dessas atividades as metas do JEM eram: posse dos
bens culturais da cidade, cultivo da dimensão ecológica e exercício progressivo da
cidadania.
Entre 1993 e 1996 o JEM foi desenvolvido pela Secretaria de Educação da
Prefeitura da Cidade do Recife (PCR). Tal projeto foi suspenso entre 1996 e 1999. No
ano de 2000, ressurge o projeto, nos mesmos moldes e com várias pessoas que
participaram do JEM, passando a se chamar “Programa de Animação Cultural”, o PAC.
Em 2001, o projeto que era a priori voltado para os jovens passa a englobar as crianças
subdividindo-se assim em duas seções Juventude Educação e Animação Cultural
(JEAC) e Criança Educação e Animação Cultural (CEAC). O projeto estava sob
responsabilidade do Departamento de Atividades Culturais e Desportivas (DACD), da
Secretaria de Educação da PCR.
Em 2005, com a mudança de gestão o PAC sofreu algumas mudanças. A atual
coordenadora do PAC nos falou um pouco de uma dessas mudanças:
No começo de 2005, o ex-coordenador
52
saiu, ficando eu no lugar dele.
Ele saiu porque apoiava a antiga Secretária de Educação, teve um grupo
grande que apoiou ela e saíram junto. Para a continuidade do projeto, eu,
e mais dois outros colegas, que são cargos comissionados, resolvemos
ficar e entre nós decidimos que eu seria a coordenadora”.
Em abril de 2005, havia a possibilidade dos três cargos comissionados de chefia
saírem do DACD. No momento havia uma certa insegurança a respeito da nova gestão.
Outra mudança, a partir de 2005, é a volta da ênfase nos jovens, extinguindo assim a
divisão JEAC e CEAC e privilegiando as escolas de e ciclos. Os Animadores
52
Na entrevista, aquilo que aqui aparece sublinhado foram nomes citados, nós, com intuito de preservar a
identidade, colocamos apenas os cargos ocupados.
56
Culturais (ACs) das escolas de e ciclos ficaram até acabarem os seus contratos e
não serão mandados novos ACs para essas escolas.
Desde agosto de 2005, o DACD passa a se chamar Gerência de Animação
Cultural (GAC), que juntamente a mais seis Gerências
53
estão subordinadas a Diretoria
de Ensino, da agora Secretaria de Educação, Esporte e Lazer da PCR. A mudança do
nome não acarretou uma mudança de funções e se deu exclusivamente para uma
padronização dos nomes dos órgãos da Secretária. A GAC se ocupa basicamente da
Animação Cultural desenvolvida nas Escolas Municipais e é responsável também pela
gerência de serviços de grupos culturais.
Segundo a atual coordenadora do PAC:
(...) hoje existe um maior desejo da Secretaria de ampliar o PAC, de dar
mais visibilidade, inclusive com logomarca e camisas. mais apoio, do
que na outra gestão. Existe até a proposta de um sistema de avaliação de
resultados e impactos, o que demonstraria o quanto o PAC faz”.
Além dessas mudanças, é importante expor a luta dos ACs e assessores(as) do
PAC no final do ano de 2004, por uma maior visibilidade do PAC e principalmente pela
consolidação do PAC como política pública para juventude. Nessa época, duas cartas
foram redigidas, uma endereçada ao Prefeito e a outra à Secretária de Educação, cada
uma com mais ou menos vinte propostas para melhoria do PAC. Algumas começaram a
serem atendidas em 2005, outras, até então, não saíram do papel.
4.1.2 Estrutura e funcionamento da GAC
A GAC possui uma sala para desenvolver as suas atividades administrativas e
usufrui a estrutura da PCR, como por exemplo, a utilização do Centro de Treinamento,
um espaço com auditório e salas, para as reuniões das terças-feiras, além do acesso a
ônibus para os ACs realizarem passeios com os seus grupos.
53
Gerência de Educação Infantil, de e 2º Ciclos de Aprendizagem, de e Ciclos de Aprendizagem
e Ensino Médio, de Educação de Jovens e Adultos, de Educação Especial e de Formação Continuada.
57
A GAC possui quatro funcionários administrativos e mais os três cargos
comissionados de consultoria e chefia, sendo um deles a coordenadora geral do PAC,
além de quatro estagiários internos. também os coordenadores de linguagem,
responsáveis diretos pela capacitação dos ACs, eles são oito, um para cada linguagem a
seguir: artes plásticas, banda, canto coral e flauta, capoeira, dança, jogos e brincadeiras,
percussão e teatro.
É interessante notar como vários funcionários do PAC, foram ACs e/ou alunos
do programa. Como diz Veloso (1996:129): uma experiência que começa a prover
seus quadros com gente que sai dela própria”. O que reforça isso é a idéia de formação
de multiplicadores. Por essa idéia estar tão presente, um dos motivos de escolha do
nosso caso, foi o fato dele ter participado do projeto como aluno.
A rotina semanal da GAC inclui uma reunião nas segundas-feiras de tarde de
todo o colegiado, ou seja, todos aqueles que trabalham na GAC, principalmente os
coordenadores de linguagem para avaliação e planejamento das atividades. Nas terças
pela manhã o momento de capacitação com os ACs. Principalmente nos finais de
semana, mas podendo ser também durante a semana, as visitas dos coordenadores
nas escolas. A GAC também participa das reuniões semanais do colegiado da Diretoria
de Ensino.
As reuniões das terças-feiras de capacitação, na época da observação, estavam
organizadas da seguinte forma:
1ª terça: Encontro Geral de formação, planejamento e avaliação.
2ª terça: Oficinas das Linguagens com os Coordenadores de Linguagens.
3ª terça: Oficinas das Linguagens com os Coordenadores de Linguagens.
4ª terça: Intercâmbio entre oficinas.
58
Anualmente a GAC se organiza de acordo com o calendário escolar, de certa
forma acompanhando e se fazendo bastante presente nas festividades. Nos períodos de
férias, janeiro e julho, normalmente são organizadas as Colônias de Férias. Como diz
um documento: a colônia de férias (...) é o tempo forte do processo de Animação
Cultural, ao mesmo tempo, ponto de chegada e de partida. Por dispor-se, então, de
todo o espaço e de todo o tempo na escola, é uma oportunidade privilegiada (...)”. No
ano de 2005 a colônia de férias de julho durou uma semana. Durante essa semana o
Núcleo Cultural
54
de cada escola planejou oficinas e passeios. É um momento de grande
movimentação na escola, de possibilidade de avaliação do semestre passado,
planejamento do próximo e de convite para novos participantes se integrarem aos
grupos culturais.
outro momento importante que são as Mostras Culturais, onde os grupos
culturais de cada escola se apresentam para os outros grupos. também o Encontro de
Férias, em janeiro, momento onde os jovens do FALE (Fórum de Acesso Livre aos
Estudantes) e convidados se reúnem. No decorrer do ano dois jovens de cada escola
participante do PAC, um menino e uma menina, participam de reuniões mensais do
FALE. O FALE é um espaço onde os meninos falam de coisas da escola e de coisas
mais política, de juventude, que acho que é uma coisa bem importante. É onde a gente
propicia que os meninos participem de outros cursos, que eles se engajem com outros
jovens do Nordeste” (coordenadora de teatro).
Pelo menos uma vez ao ano é realizada a seleção para novos ACs, nesses
momentos os antigos e novos ACs participam de uma capacitação mais prolongada,
geralmente de um ou dois finais de semana. Os ACs também participam de alguns
momentos de capacitação para os professores da Rede Municipal oferecidos pela PCR.
54
Falaremos a seguir mais sobre o Núcleo Cultural, que pode ser formado por ACs, articuladores,
professores, direção, jovens dos grupos, voluntários e representante da comunidade.
59
4.1.3 Os Animadores Culturais
Os ACs são estudantes universitários e do ensino médio, dotados de habilidades
artísticas, lúdicas ou desportivas, que desenvolvem o projeto nas escolas municipais. Os
ACs são contratados como estagiários através do Centro de Integração Empresas Escola
(CIEE), com o contrato de um ano podendo ser renovado por mais um ano. Por ser um
período curto de contratação, umas das reclamações dos envolvidos no PAC, é o
problema da continuidade, é o que demonstra a fala do coordenador de capoeira:
Quando os meninos estão maduros, nos deixam”.
Analisando etimologicamente a palavra animador, a raiz latina anima, quer dizer
o ser profundo, a interioridade, onde fervilham as motivações, a mística, a
espiritualidade, combustível espiritual capaz de mover o ser humano, numa direção ou
noutra” (documento). Neste sentido exige-se demais dos animadores:
Mais do que repassador de saberes prontos e frios, precisa ser,
sobretudo, um provocador e animador da busca permanente de respostas
para os desafios que a vida nos lança a cada momento” (documento).
Vai-se precisar de alguém antenado, todo o tempo, capaz de ler nas
entrelinhas. É alguém capaz de insuflar ‘ânimo’ numa gente tantas vezes,
desencantada, desalentada, desmotivada, ou, simplesmente, revoltada
(documento).
Como educador, (...), o (a) AC estará atento(a) a certos aspectos da
realidade
55
, que, oportunamente, poderão ser enfocados, para favorecer a
percepção, a tomada de consciência, o senso crítico dos adolescentes...
Mas ele se preocupara, igualmente, de encontrar e evocar experiências
inspiradoras, do passado e/ ou de hoje, de pessoas ou de grupos, que
servirão de motivação eficaz para o cultivo de valores, que dignificam a
pessoa e a fazem crescer em humanidade, solidariedade e cidadania...
Tudo isso supõe que o AC se desdobrará em criar ou conseguir os
subsídios necessários, os recurso mais interessantes e eficazes, para a
implementação de todo este processo educativo” (Veloso, 1996:125).
Assim, exige-se muito do AC e pelo o que observamos são poucos que
conseguem minimamente atingir todos estes desafios, mesmo não os atingindo, porém,
fazem um importante trabalho nas escolas. O estágio de animação cultural é uma
55
Partes destacadas no original.
60
oportunidade de trabalho para jovens., na maioria das classes populares. Os
depoimentos de alguns ACs atestam o quanto a experiência de animação cultural é
válida para o AC, o quanto ele aprende.
Existe o desejo, por parte de alguns da coordenação do reconhecimento e
regulamentação da “profissão” de AC, pois o modelo de estágio gera uma
descontinuidade na atuação dos ACs. Essa preocupação como prejudicial ao
programa a permanência de um AC em uma escola por apenas dois anos, pois quando o
grupo cultural começa a se fortalecer é necessário trocar o AC, ou às vezes o grupo
cultural fica desamparado à espera de um novo AC, que normalmente não poderá
desenvolver o mesmo tipo de atividade que antes era feita.
Pelo que observamos nas reuniões de capacitação muitos ACs são mal
informados, como falou um AC: é preciso investir nos ACs, são muitos ACs mal
informados, que falam e fazem besteira”. A formação educacional de muitos deles é
provinda de uma escola pública “capenga”, além do contexto social cheio de privações
em que muitos estão inseridos. É importante dizer que alguns ACs, inclusive o AC do
grupo que estudamos, foram alunos do projeto. Que alunos do PAC passem a ser ACs
demonstra uma eficiência do programa, conseguir formar multiplicadores.
Quando iniciamos a pesquisa de campo, em abril de 2005, muitos dos ACs
considerados exemplares estavam terminando os seus contratos. Conversando com um
dos dirigentes ficamos sabendo que o PAC estava com poucos animadores e que
estavam esperando a eleição dos diretores das Escolas Municipais para fazer a seleção
de novos ACs. Essa espera foi justificada por uma preocupação: muitos dos ACs tinham
graves problemas de relacionamento com a direção da escola em que trabalhava. Para
tentar precaver este tipo de conflito, os ACs seriam encaminhados de acordo com as
61
necessidades de cada escola, assim a direção indicaria que linguagem quer que seja
trabalhada na sua escola.
Houve um adiamento da eleição de diretores, para novembro de 2005, então o
PAC não pode esperar e realizou o processo seletivo nos meses de junho e julho, se
baseando na demanda dos então diretores. A atual Gerência de Animação Cultural
convocou estudantes universitários e do Ensino Médio para o processo de seleção de
novos estagiários (futuros ACs).
A seleção no decorrer da história do PAC seguiu diversos modelos. A seleção
ocorrida no ano de 2005 teve os seguintes critérios: análise de currículo, análise da
experiência artística e análise da atuação comunitária. A seleção teve três etapas, todas
eliminatórias: entrega e análise dos documentos; entrevista com o coordenador da
linguagem pretendida pelo candidato; dois sábados de capacitação, no primeiro os
candidatos tiveram uma visão geral do PAC e no segundo sábado, capacitação na
linguagem específica.
A preocupação com o futuro do programa no processo seletivo é explícita. Um
dos dirigentes lamenta que muitos dos ACs não tenham origem nos Movimentos
Sociais, o que dificultaria a compreensão do PAC. É nesse sentido, que o PAC deixaria
de ser simplesmente educação não-formal e passaria a ser educação popular, quando o
AC é um militante. Acreditamos que um grande problema do sistema seletivo é a ênfase
nas linguagens e não na prática pedagógica, então se acaba tendo ACs capacitados em
teatro, por exemplo, mas com poucas habilidades para tratar com pessoas.
Uma vez selecionado, o AC é encaminhado para uma escola, que
preferencialmente esteja próxima de sua residência, e começa as suas atividades. A
carga horária exigida é de 20 horas semanais, das quais a terça pela manhã é reservada
para atividades de capacitação e pelo menos um turno do sábado é obrigatório. O AC
62
deve se apresentar à direção da escola, ao professorado e aos demais funcionários,
inteirando-se e esclarecendo a respeito da atividade que desenvolverá na escola.
O AC tem como responsabilidade o desenvolvimento e a consolidação de um
grupo cultural na escola a que foi encaminhado. O sucesso de cada grupo cultural vai
depender do perfil do AC, do apoio dado ao projeto pela direção e pelo professorado da
escola, além das condições de espaço e meios oferecidos ou não pela escola e pelo
próprio projeto.
Nos finais de semana, os ACs trabalham com os articuladores do Projeto Escola
Aberta e outros voluntários que desejem oferecer oficinas na escola. Os articuladores
são chamados de coordenadores pela Escola Aberta; falaremos mais a respeito do seu
papel no próximo tópico.
Em novembro de 2005, depois da seleção de junho e julho, solicitamos um
levantamento da quantidade de ACs e articuladores, distribuídos nas escolas, e com os
dados fornecidos pela GAC, chegamos a seguinte tabela:
RPA (Região
Político
Administrativa)
N° DE ESCOLAS
QUE POSSUI AC
E/OU
ARTICULADOR
ANIMADORES
CULTURAIS
ARTICULADORES
01
8 10 4
02
12 14 9
03
30 29 24
04
16 25 15
05
18 29 11
06
29 27 26
TOTAL
113 134 89
A distribuição de ACs por escola não é uniforme, das escolas listadas, existe
uma escola com o máximo de cinco ACs, a maioria com um ou dois ACs e quarenta e
seis com nenhum. Pelo Projeto Escola Aberta é possível um articulador por escola,
assim não variação na distribuição, tendo vinte e quatro escolas sem articulador,
sendo uma delas o caso que observamos.
63
4.1.4 O PAC e o Escola Aberta
É importante nos determos brevemente numa análise a respeito da relação entre
o PAC e o Projeto Escola Aberta. Nas Escolas Municipais, o Escola Aberta, desde a
implementação do projeto em 2001, dialoga com o PAC, por acontecer em um mesmo
espaço. O Escola Aberta insere-se na lógica do Programa Abrindo Espaços da
UNESCO:
O Abrindo Espaços tem como meta o combate à exclusão social e a
construção de uma nova escola para o século XXI, colaborando, assim,
para a prevenção da violência no Brasil. A estratégia adotada pela
UNESCO sugere a abertura de espaços públicos - principalmente escolas
- para oferecer opções de lazer, cultura e esportes, nos finais de semana,
aos jovens e às comunidades em situação de vulnerabilidade social
(www.abcdigital.com.br).
Baseada em vários estudos da UNESCO, que revela que crianças e adolescentes
tornam-se mais suscetíveis à violência nos sábados e domingos, o Escola Aberta tem o
objetivo, segundo um representante do projeto, de transformar o tempo de ócio
violento em tempo construtivo” e disseminar a “cultura de paz e lazer”. “Trata-se de um
mecanismo de prevenção, para que os jovens não entrem na criminalidade”.
O Escola Aberta está presente em 450 escolas municipais e estaduais em 14
municípios de Pernambuco. O Projeto serviu de modelo para a abertura de programas
similares no Rio Grande do Sul, São Paulo, Piauí, Minas Gerais e Espírito Santo, além
de inspirar algumas iniciativas no âmbito internacional.
O serviço voluntário
56
é a base de todo o Projeto Escola Aberta. Esse tipo de
serviço é executado por pessoas da comunidade que, por opção, repassam o
conhecimento que possuem em alguma área. Os articuladores recebem uma ajuda de
custo e têm como uma de suas funções arregimentar voluntários na comunidade para
promover oficinas na escola nos finais de semana. É exigido do articulador que seja
56
O trabalho voluntário é algo que pode se tornar problemático em áreas como a educação por
desprofissionalizar a atividade e responsabilizar a sociedade civil e não o Estado de obrigações públicas.
64
membro da própria comunidade onde a escola se localiza e que abra a escola nos finais
de semana das 9h às 17h, independente de feriados.
Além dos articuladores e voluntários existem os chamados dinamizadores, que
geralmente são estudantes universitários ou profissionais, que são pagos para capacitar
os articuladores e voluntários e/ou passar um tempo em uma escola realizando oficinas
e formando multiplicadores. Assim como no PAC a idéia de formar multiplicadores é
muito forte.
Ainda sobre aqueles que fazem o Escola Aberta, o representante do Projeto
enfatizou a importância do apoio da direção da escola: O diretor é a alma do projeto, o
coordenador [articulador] é o corpo, ele executa, mas o diretor tem que aderir ao
projeto”. Por essa forte relação com o diretor, normalmente a direção tem mais
confiança no articulador do que no AC, pois o articulador é uma pessoa indicada por ela
e o AC é encaminhado à escola.
A relação do PAC com o Projeto Escola Aberta sempre nos pareceu conturbada.
Por parte do PAC crença que o Escola Aberta não está preocupado com o processo
pedagógico, mas simplesmente com a ocupação do tempo ocioso. Já por parte do Escola
Aberta a crença de que as pessoas do PAC são fechadase outra crítica é que as
atividades do PAC são condicionadas a um pagamento ou à merenda, não investindo
devidamente no voluntariado.
Um representante do Escola Aberta fala um pouco dessa relação:
A relação foi fortalecida ao longo do tempo. teve várias fases. Várias
adaptações e mudanças. Vejo seriedade na proposta. A filosofia de
trabalho é parecida, também temos uma forma pedagógica. É possível
adequar, construir junto. Mas acho que vale a pena investir no
voluntariado. É complicado quando só vai quando paga. O PAC tem mais
pessoas pagas e a merenda, quando acabar esses recursos, é problema.
Além disso, nossa meta são todas as escolas, não só o município”.
65
O PAC reivindica que os articuladores participem das reuniões de capacitação
das terças-feiras. Em alguns documentos o PAC critica a diferenciação AC e
articulador, considerando o articulador como também um AC.
Atualmente os articuladores estão nas capacitações das terças-feiras,
mas ainda muitas vezes fica difícil para ter esse diálogo. O Escola Aberta
trata ainda muito segregado, separando: AC é uma coisa, articulador
outra. Os articuladores são os que coordenam, os que mandam. O menino
queria mandar em mim, depois eu conquistei e mostrei que estávamos em
conjunto fazendo um trabalho para sociedade, para comunidade do
entorno” (coordenadora de linguagem e ex-AC).
Assim, o PAC e o Escola Aberta são projetos que se complementam, mas
possuem, como vimos, algumas divergências conceituais e processuais.
4.1.5 Considerações sobre o PAC
Depois de apresentar a história, a estrutura e o funcionamento da GAC, os
animadores culturais e a relação PAC/ Escola Aberta, é importante tecer algumas
considerações sobre os objetivos e a prática do PAC.
O JEM, atual PAC, caracteriza-se como uma atividade de educação não-formal,
por ser de livre escolha a participação. Como fala Veloso (1996:122): (...) se
apresentava como proposta a ser acolhida e assumida em regime de livre opção, sem
qualquer conotação de obrigatoriedade”. Se caracterizar como educação não-formal
pode trazer prejuízos e preconceitos com a proposta, sendo vista como algo supérfluo:
(...) pelo fato de ser uma proposta de educação não acadêmica, não bancária, não
tradicional e costumeira, o JEM corre o risco de ser encarado como coisa menos séria,
de segunda, terceira ou nenhuma importância” (Veloso, 1996:132).
Por outro lado, a educação não-formal do PAC tem uma proposta ousada de
irradiar-se inclusive para a educação formal, modificando os métodos da Escola. Alguns
66
documentos sugerem que a comunidade escolar por inteiro seja encarada como
animação cultural.
“Como não perceber que o JEM está sendo uma rica e valiosa
contribuição no sentido de caminharmos para uma revisão de nossos
métodos de ensino-aprendizado, de renovação global e profunda da
Escola, até chegarmos a um ensinar
57
, que tenha mais a ver com sedução,
que com imposição, e aprender, seja sempre mais questão de prazer, que
de obrigação e chatice?...” (Veloso, 1996:133).
Em um dos documentos está expresso os cinco eixos que deveriam nortear o
programa:
O Programa, em sintonia com o lema Cultura, Identidade e Vínculo Social,
apoiado nos princípios norteadores da proposta pedagógica da Rede
Municipal, a saber, solidariedade, liberdade, participação e justiça social,
desenvolve-se em torno de cinco eixos: o resgate da auto-estima, o cultivo das
relações solidárias, o resgate da identidade cultural, o cultivo do meio
ambiente e o exercício da cidadania”.
No princípio dessa pesquisa enxergávamos o PAC como um espaço de educação
não-formal que tinha em um dos seus cinco eixos, o cultivo das relações solidárias, a
intenção de socialização do valor cooperativo. Nesse mesmo documento, em uma nota
de rodapé, é especificado o que o PAC entende por solidariedade: A solidariedade,
enquanto o exercício de compartilhar com os outros, indo além dos interesses
específicos e particulares”.
Com as observações e com a análise dos documentos percebemos que os eixos
não são trabalhados de maneira explícita, o que não quer dizer que não são trabalhados.
A maneira difusa de abordar esses temas não deixa claro, pelo menos aos ACs, a
existência de tais eixos, o que prejudica a sua concretização.
A idéia de ocupação do tempo livre, mesmo não aparecendo nos 5 eixos é
bastante forte e está presente das falas da coordenação do projeto e também nas falas
das crianças que participam do PAC. A ocupação pode ser entendida como forma de
afastar as crianças e jovens da rua, da marginalidade:
57
Destacado no original.
67
Primeiro, se viu que essa ociosidade era um perigo para os próprios jovens,
para a escola, para a comunidade. Daí as pichações, as depredações e
badernas de todo tipo, que tiravam o sono das famílias e o sossego das
escolas. Crianças, adolescentes e jovens, toda essa juventude precisava
ocupar esse imenso tempo ocioso, de maneira saudável e prazerosa,
educativa e proveitosa, a bem de si mesma, da escola, das comunidades
(documento do PAC).
Tira mais da rua também, né. Eles eram muito solto na rua, era um
problemas... depois que apareceu esse negócio de reforço, de teatro, tirou
mais eles da rua” (mãe de duas crianças que participam do grupo).
Me tirar da rua um pouco. Mudou que eu não mais ficando muito na rua,
tô mais vindo pro teatro” (criança do grupo).
Nesse sentido, de ocupar para afastar da rua, o PAC pode ser visto como uma
tentativa de manter a ordem, algo que de certa maneira “domestica” os jovens. No
entanto, o PAC se esforça para que esta ocupação esteja relacionada com uma proposta
pedagógica de construção coletiva e formação crítica. Neste sentido político seria uma
educação popular e assim teria ligações com a socialização de valores, dentre eles, o
cooperativo:
Instaura-se um processo pedagógico
58
, ao longo do qual, desde o início,
tenta-se fazer com que eles se sintam levados em conta como pessoas,
como gente que tem direito a saber das coisas; que tem uma opinião a
dar, interesses a manifestar, iniciativas e decisões a tomar, tarefas a
assumir; momentos regulares de sentar juntos, tanto para planejar suas
atividades e ações, quanto para avaliar o que o vivenciando; de modo
que vão percebendo o seu próprio crescimento, a importância de quanto
vão realizando, e aprendendo de suas próprias limitações e falhas; e em
tudo isso vão se organizando e construindo como pessoas, construindo e
organizando o mundo dos seus sonhos e aspirações” (Veloso,1996:121).
A idéia de organização coletiva está diretamente relacionada à socialização do
valor cooperativo. Vemos a organização como a cooperação no sentido positivo de
Marx, que possibilita a tomada de consciência coletiva, ou a transformação da classe em
si para a classe para si.
58
Todos os grifos estão no original.
68
Alguns participantes do PAC contestam a visão de ocupação pura e
simplesmente, ou que o objetivo seria “domesticar” as crianças, fazê-las obedientes e
passivas, os seguintes fragmentos de texto e algumas falas nos mostram isso:
Uma das críticas ao PAC é a falta de aceitação dos diretores das Escolas
da implantação do projeto na escola deles. Eles reclamam muito porque é
uma quebra na estrutura. É uma movimentação estranha que o PAC leva
para dentro da Escola, é uma movimentação que assusta por dar voz aos
meninos” (coordenadora geral do PAC).
“Lá onde a Direção e/ ou o Professorado persistem em conservar padrões
repressivos e autoritários de administração e ensino, O JEM é temido
como desestabilizador ou subversivo e, por tanto, indesejado. (...)
Esperavam, por exemplo, que ele viesse para ‘domesticar’ os alunos, ou
quando muito, para preencher os espaços vazios deixados pelo não
cumprimento de certas tarefas dos professores ou outros responsáveis...
Não entenderam, ou não quiseram entender a importância da livre
expressão, do despertar do senso crítico, da participação cidadão, da
organização autônoma dos alunos, do espírito de iniciativa e de luta por
direitos por parte dos mesmos” (Veloso, 1996:132).
Animação cultural é um espaço de desamarrar as crianças. Tem que ser
diferente da escola. É um trabalho de ‘desamordaçar’(um AC em uma
reunião de capacitação).
A primeira fala além de indicar um problema real e freqüente do programa (a
aceitação do PAC por parte das direções das escolas) indica que o objetivo é
movimentar a escola é dar voz às crianças e jovens, é fazer deles protagonistas e não
alunos que recebem o conhecimento passivamente. Em algumas escolas, pelos relatos
dos ACs nas capacitações, a direção ainda enxerga o PAC como um mecanismo para
“polir” os “meninos problemas”. Essa é uma visão que a GAC diz desaprovar.
A segunda fala indica outro problema das escolas municipais: os professores
faltam freqüentemente. No período em que estávamos observando a escola, todos os
dias havia uma turma liberada por falta de professor ou alguém dando aula no lugar de
um professor que tinha faltado. Por conta disso, muitas vezes a direção enxerga no AC
um estagiário que poderia justamente cobrir a lacuna das faltas dos professores. Essa
visão é também uma conseqüência da não compreensão da escola do papel do AC. Não
69
conheci nenhum AC que não tenha ficado pelo menos uma vez em sala de aula, nessas
circunstâncias. A GAC orienta para não fazer isso, mas para as negociações na escola é
difícil não o fazer.
Presenciamos uma cena na escola em que a diretora foi bastante ríspida, com um
tom de voz elevado, mandando o AC ir para uma 5ª série. Ela disse: “Vai José, deixa de
brincadeira, preciso que alguém para a C”. José respondeu: Desculpe diretora,
mas não vai não, no horário passado estava na A, agora preciso conversar com
as crianças novas do grupo, eu tô trabalhando”. A diretora nos vendo ali disse: “Você é
estagiária também do DACD? Então vai para sala de aula”. Pela terceira vez nós
explicamos à diretora que estávamos ali para acompanhar o grupo de teatro e que
infelizmente não nos sentíamos preparadas para entrar em sala de aula. A diretora saiu
bastante aborrecida a procura de alguém para não ter que liberar os alunos.
Esse fato demonstra como é freqüente a falta dos professores, além da não
compreensão por parte da direção dos objetivos do PAC. A busca desesperada da
direção por alguém para ocupar os alunos da serie demonstra outro problema das
escolas que foi tratado na pesquisa de Frehse (2001), o da preocupação com a ocupação
dos alunos, deixando assim em segundo plano os objetivos pedagógicos.
Voltando para as falas que contestam o caráter de mera ocupação do tempo
ocioso do PAC, a última fala nos pareceu bastante forte, mas explicita a vontade de
transformar algumas práticas pedagógicas, que algumas vezes “amarram” as crianças.
Ainda sobre a questão da mera ocupação, algumas críticas feitas por parte do
PAC ao projeto Escola Aberta vão nesse sentido. Esta crítica aparece em uma fala de
um dos coordenadores de linguagem:
(...) Acho que é essa a grande diferença do PAC para o Escola Aberta.
Uma coisa é abrir a escola no fim de semana e todo mundo entra e todo
mundo sai e faz o que quer. Outra coisa é abrir a escola no final de
semana, para comunidade e para comunidade escolar de um modo geral,
70
tendo limites. Tem hora pra entrar, pra sair, pra lanchar, fazer as coisas,
dessa forma diferencia muito. Eu perguntei em uma oficina do Escola
Aberta, qual é mesmo o objetivo do programa, e falaram: é que os
meninos vão pra escola e façam o que quiser, e aí eu questiono esse o que
quiser (...)A diferença é o processo pedagógico que o DACD tem”.
O fazer o que quiser”, junto com a análise do projeto do Escola Aberta e a
entrevista ao assessor do Programa, nos indica que significa ocupar crianças e jovens
das periferias para prevenir a violência, sem uma preocupação maior de transformação
social da realidade. É claro que ao prevenir a violência, uma mudança social e uma
melhoria de vida para as crianças, os jovens, a comunidade e a sociedade em geral. No
entanto, o PAC, ou qualquer outro projeto de educação não-formal, poderia ser mais
frutífero se assumisse uma forma de educação popular, no sentido de buscar as
profundas causas das mazelas sociais e de construir coletivamente a autonomia de agir
criticamente. Quando o projeto leva em conta essas questões políticas e pedagógicas, ele
necessariamente socializa novos valores, e no nosso ver, dentre eles o valor cooperativo.
O envolvimento dos coordenadores da GAC com os objetivos de transformação
social e política da realidade é visto por alguns dos próprios coordenadores como
problemático. A idéia é que por não estarem suficientemente envolvidos com o projeto,
podem contribuir para o entendimento, por parte de alguns ACs, que animação cultural
é mera ocupação do tempo ocioso. Um dos coordenadores nos falou:
Outra coisa complicada é o envolvimento das pessoas de fato. Não é uma
coisa política, é muito assim de serviço, isso é uma coisa que me
incomoda. Eles dizem: eu tenho que trabalhar de tal hora a tal hora.
Claro que tem que ter um horário para comer, para parar, para tudo, mas
as pessoas não se envolvem de fato, elas fazem por obrigação”.
Nesse sentido, por alguns funcionários serem concursados e não
necessariamente estarem envolvidos e acreditarem no projeto, o trabalho de capacitação
das terças-feiras, por exemplo, é feito sem um comprometimento político e pedagógico
71
com a mudança da realidade injusta. Assim, esses funcionários não são educadores
populares.
Uma outra crítica que pode ser feita ao PAC é a sua própria natureza de projeto
de um órgão público. Neste sentido, é possível pensar que em momentos decisivos,
como eleição, por exemplo, o PAC seja um instrumento capaz de cooptar várias
pessoas. Em vários eventos da PCR o PAC é chamado e praticamente obrigado a
participar, o que inibe a sua autonomia. Um exemplo, de um desses momentos, é a
quase obrigatória participação dos ACs na eleição de crianças para serem delegadas do
Orçamento Participativo da Criança, além de todos serem extremamente incentivados a
participarem de outras instâncias do Orçamento Participativo, como da Juventude e da
Educação.
Assim o PAC não é um movimento da sociedade civil, não é um movimento
social, por ser um instrumento do poder público. Enxergamos isso de duas formas: é
essencial que o poder público desenvolva uma política pública para as crianças e
juventude e não somente deixe isso a cargo da sociedade civil e assim é fundamental
que o poder público amplie o programa, o faça permanente e melhores condições de
realização do mesmo, tornando-o, como reivindicam os seus participantes, uma política
pública para juventude; por outro lado, os ACs e os grupos culturais precisam ter total
autonomia de atuação, não podendo ficar reféns de uma determinada gestão pública.
4.2 Algumas experiências
Antes de nos determos no caso escolhido, achamos importante analisarmos
algumas experiências do PAC, em outras escolas, até mesmo como forma de justificar a
escolha do caso. Achamos importante resgatar um pouco de nossa experiência como
AC. Também serão discutidas algumas visitas rápidas em algumas escolas.
72
4.2.1 Nossa experiência
A nossa experiência de animação cultural foi com um grupo cultural de jogos
cooperativos. Este grupo foi desenvolvido com crianças entre 8 e 12 anos. O nosso
objetivo era por meio de brincadeiras e jogos cooperativos, desenvolver o espírito
cooperativo, enfatizando a solidariedade, o respeito mútuo e a interiorização das normas
sociais, lembrando sempre dos limites cognitivos dessas crianças.
A incorporação de brincadeiras próprias da comunidade, além dos jogos
cooperativos, foi de fundamental importância para um maior entrosamento e
participação das crianças nas atividades propostas. A aceitação dos jogos cooperativos
variava muito: houve dias em que todos participaram e se divertiram e outros dias em
que nem foi possível a explicação do jogo pela indisponibilidade das crianças.
No momento seguinte aos jogos brincados, sempre que possível, havia um
momento em que as regras iniciais dos jogos eram retomadas e relembradas. Isto era
feito para que as crianças percebessem que sem uma certa ordem a diversão seria
impossível. No convívio em sociedade precisamos aprender a respeitar normas sociais,
e jogando é uma forma divertida de se dar conta disso. Nesse sentido, fazemos uma
analogia, como Piaget também o fez, entre introjeção das regras do jogo e moralidade
(introjeção das normas sociais). Apesar do esforço de discutir as regras do jogo com as
crianças, esse espaço de discussão não ocorreu com a programada freqüência.
Esta experiência, desenvolvida de agosto a dezembro de 2002, como animadora
nos facilitou o acesso ao PAC. No primeiro contato que fizemos com o PAC em 2004,
fomos bem recebidas, até porque já nos conheciam. Um dos coordenadores nos
apresentou ao conjunto de ACs, em uma reunião de capacitação com a seguinte frase:
Esta é Júlia e ela foi AC. Hoje ela está aqui para fazer uma pesquisa. A gente deve
fazer algo de sério, porque ela vai ser mestre estudando sobre a gente”.
73
4.2.2 Chegando ao caso
Em 2004 participamos de algumas reuniões de capacitação, mas foi em abril de
2005 que os nossos contatos se tornaram mais intensos e começamos a fazer algumas
visitas às escolas para encontrarmos o “caso” a ser estudado. Pretendíamos encontrar
um caso que possibilita-se o estudo de caso instrumental, como definido por Stake
(1994). Procurávamos uma experiência que nos servisse de suporte para melhor
compreensão dos mecanismos de socialização do valor cooperativo.
Para achar o caso pedimos indicações dos que trabalhavam na GAC, pois não
tínhamos tempo de escolher o grupo de outra maneira, como, por exemplo, analisando a
opinião de seus participantes (crianças e jovens). Assim falamos com a coordenadora do
projeto que nos indicou duas escolas. A primeira não foi possível começar a observação,
pois o contrato da AC desta escola acabaria no dia de maio, então não teríamos
tempo suficiente para a observação. A segunda escola não se enquadrou no que
buscávamos, pois trabalha com adolescentes e jovens e o nosso objetivo era uma escola
que trabalhasse com crianças.
Também em abril conversamos com duas coordenadoras de linguagem (a de
teatro e a de canto coral) para indicarem alguém, as duas nos falaram que conheciam o
PAC algum tempo, mas que estavam entrando agora na função de coordenadoras e
por isso iriam conversar com alguns ACs e depois nos dariam um retorno, o que não
aconteceu.
Um outro dirigente nos sugeriu além de uma Escola já citada, que descartamos
por trabalhar com jovens, a Escola C. Assim em um sábado fomos visitar a Escola C.
Chegando lá, conversei com, Fernando
59
, um AC da linguagem de jogos e brincadeiras
que trabalhava na escola, mas o seu contrato terminaria no dia de maio, então seria
impossível acompanhar o trabalho dele. Conheci também Antônio, o articulador, que
59
Os nomes são fictícios.
74
trabalha com a linguagem de percussão. Por fim conheci Joana, AC que trabalha com a
linguagem de artes plásticas com crianças e o seu contrato venceria em 2007, o que
se enquadraria no caso buscado.
Conversamos demoradamente com Joana e descobrimos que ela estudava
pedagogia. Ela disse que ingressou no PAC pensando em trabalhar com JEAC, ou seja,
com jovens. A proposta de trabalho dela seria dinâmicas sobre cidadania, meio
ambiente e solidariedade, pensando em fazer algo pela sociedade. Tava na moda os
‘amigos da escola’, mas eu não podia ser voluntária, precisava do dinheiro”. Quando
entrou no PAC, porém, ela teve que se enquadrar em uma das linguagens e escolheu
artes plásticas e a escola a que foi encaminhada é de 1º e 2º ciclo, ou seja, crianças e não
jovens. Dessa maneira, a GAC desestimulou o trabalho da AC.
Na Escola C, pelo que observamos em apenas um sábado e pelo que Joana nos
contou, os três (Fernando, Antônio e Joana) trabalham juntos, não existem oficinas
separadas por linguagem. Eles propõem alguma atividade e depois deixam os meninos
brincando e ficam supervisionando. “Os meninos que participam são meio ‘banda
voou’, então melhor estar na escola do que fazendo nada na rua, aprendendo besteira”.
A idéia de ocupação do tempo ocioso aparece aqui na fala da AC. Aqui é a idéia de
ocupar por ocupar, sem uma preocupação maior dos objetivos e dos meios.
Desistimos de acompanhar a escola, quando Joana, a AC que acompanharíamos
disse: quero que o ano passe rápido, para acabar logo o meu contrato”. Não achamos
interessante acompanhar um caso em que o próprio AC está extremamente desmotivado
com a sua função, visto que a idéia era escolher um caso instrumental que nos desse
subsídios para analisar os mecanismos de socialização do valor cooperativo.
Neste mesmo dia visitamos mais duas escolas próximas à Escola C, que foram
indicados pelos ACs e articulador da Escola C. Fomos na Escola D. Esta escola possui
75
três ACs: Cláudio, que trabalha com percussão; André, música ou banda; e Pedro,
grafitagem, ou artes plásticas. Além do articulador (Carlos) que oficinas de capoeira.
Apesar do dinamismo da escola, nós a descartamos por seu público alvo ser os jovens.
Visitamos também a Escola E, mas ao chegar descobrimos que a AC está com o
contrato para acabar e que não teria perspectiva para chegar um novo AC, visto que a
escola é de 1° e 2° ciclo.
Depois deste sábado, fomos novamente a uma terça de capacitação em busca de
nosso caso. A reunião estava trabalhando com o tema do dia das mães, que o PAC
segue o calendário de festividades, que as escolas também seguem. Na segunda parte
da reunião, o grande grupo foi dividido em CEAC (os ACs que trabalham com crianças)
e JEAC (os que trabalham com jovens)
60
.
No grupo do CEAC, teve a apresentação de um grupo teatral. Eles apresentaram
a peça “O fantástico mistério de feiurinha”, um conto de Pedro Bandeira. O grupo tinha
como AC responsável José e para apresentação da peça estavam presentes 8 crianças.
José falou que é AC há três meses, mas está na escola um ano, como voluntário.
Desde então existe o grupo teatral “Nossa Juventude”.
Depois da apresentação das crianças, os coordenadores do PAC tinham algumas
perguntas às crianças, ao AC e à direção. A direção não pode comparecer, mas um dos
coordenadores do PAC tinha conversado com a direção anteriormente e colocou
algumas impressões da direção. Sobre o que tem de melhor nos encontros do grupo,
uma criança respondeu: todos se envolvem juntose outra disse é bom que a gente
aprende”. O AC José falou que dentro das dificuldades enfrentadas, é que às vezes falta
água, falta merenda e a direção não deixa usar algumas salas, uma falta de confiança
da direção em relação ao AC.
60
Nessa época ainda era coerente fazer esse tipo de divisão, já que havia muitos grupos que trabalhavam
com criança, já no final de 2005 a ênfase estava mesmo nos jovens.
76
As falas e a apresentação causaram uma forte empatia. Aquela tinha sido a
primeira vez que um grupo cultural participava ativamente das reuniões de capacitação,
prática que depois se tornou recorrente. O fato da Escola de José ter sido a primeira
escolhida a se apresentar indica que os coordenadores da GAC acreditavam que era um
caso interessante a ser debatido. A experiência foi tão marcante que acabou por definir
o nosso caso, que será tratado no próximo capítulo.
No entanto, achamos que deveríamos pesquisar outras escolas e visitá-las antes
de nos decidirmos pela Escola A. Na terça seguinte, a capacitação estava dividia por
linguagens, conversei com alguns coordenadores e pela indicação deles, escolhi mais
duas escolas a serem visitadas, além da Escola A.
Fomos visitar o grupo de capoeira da Escola F, que é muito grande e localizada
em uma avenida de grande circulação. O AC nos pareceu bastante comprometido e
organizado. Ele nos mostrou várias fichas de exercícios, com temas ligados à capoeira.
No dia em que a visitei, o grupo estava assistindo a uma fita com apresentações de
danças populares e o AC explicava as inter-relações com a prática da capoeira. Ele nos
disse que em alguns momentos desenvolve também algumas brincadeiras. O grupo é
grande e heterogêneo, no que se refere à idade. Ele nos disse que tentará dividir por
idade. Um dos empecilhos é o grupo ser muito grande e estar misturando crianças e
jovens, por esse motivo, desistimos desse caso.
Em um sábado fomos à Escola G. A articuladora foi AC, no tempo em que
também éramos AC. O contrato de AC dela acabou e a direção resolveu contratá-la,
como articuladora. Na escola tem um voluntário de capoeira, mas fomos para observar a
AC de dança. A escola é bem pequena. A oficina de dança era feita em uma sala muito
pequena, então o grupo é dividido em dois, enquanto um grupo dança o outro observa.
Uma criança que está mais tempo no grupo é monitora e ajuda a AC. Vemos que
77
as crianças se ajudam, quando uma não aprende o passo, a outra vai e ensina. Estes são
indicativos de uma socialização do valor cooperativo. No entanto, preferimos ficar com
o caso da Escola A, pela empatia e por outros motivos que explicitaremos no próximo
capítulo.
78
CAPÍTULO 5 – O GRUPO
5.1 A escola
Em uma quinta-feira fomos à Escola A. Era um dia de chuva. Muitas crianças e
jovens fora de sala, algumas salas de aula com água da chuva. Foi difícil encontrar onde
estava o grupo. José estava com 3 crianças em uma sala pequena e extremamente
quente. Ele falou que o grupo era formado por 17 crianças, mas a maioria do grupo
estudava de tarde, e naquele momento estavam em aula. Além disso, por conta da chuva
muitos tinham faltado. Eles estavam ensaiando uma peça junina, escrita pelo próprio
José. O roteiro bastante criativo e com uma infinidade de erros de português.
Pela adversidade da chuva, decidimos fazer uma nova visita, dessa vez em um
sábado, para melhor conhecer o grupo. Neste sábado, a tarde seria a comemoração de
um ano do grupo, além de ter uma merenda especial (pipoca e refrigerante) de manhã.
Haviam 12 crianças. Eles ensaiaram a peça da quadrilha. Depois José fez alguns jogos
em círculo. Todos de mão dadas deveriam ir ao centro da roda sem soltar as mãos e
depois para fora da roda, esticando ao máximo o braço. Depois em roda cantaram
“Atirei o pau no gato”. As atividades feitas em roda geralmente são indicadores de
mecanismos que socialização o valor cooperativo. Percebemos que o grupo é disperso, o
barulho é grande e muitas vezes o AC tem que gritar para ser ouvido. Na parte final da
manhã o AC sentou em roda com as crianças e conversou um pouco sobre cidadania
61
e
sobre teatro
62
.
61
José perguntou às crianças: “Alguém sabe o que é cidadania?”, e ele mesmo respondeu: são direitos e
deveres”. É a visão do senso comum, que José encarna.
62
No tempo em que observamos, foi freqüente a pergunta de José: Vocês sabem o que é teatro?”, e a
resposta pronta, aparentemente decorada por todas as crianças é a seguinte: Teatro é a arte de
representar”. Mais uma vez uma idéia do senso comum.
79
Decidimos-nos por essa escola por alguns motivos, são eles: a) foi o primeiro
grupo de CEAC escolhido para se apresentar em uma reunião de capacitação; b) é um
grupo que trabalha com crianças entre 8 e 13 anos; c) trabalha com a linguagem do
teatro, que por sua natureza é facilitadora da socialização do valor cooperativo; d) José
ter sido um fruto do PAC, ele foi aluno participante do PAC, voluntário na escola e
agora era AC.
A Escola foi fundada em 1979, em 2005 atendia a mais de 1800 alunos, nos
turnos da manhã, tarde e noite, com o Ensino Fundamental e EJA – Educação de Jovens
e Adultos. Muitas vezes a escola atende famílias completas, pelo fato dos filhos
estudarem nos turnos diurnos e os pais na EJA no turno da noite. Muitas crianças da
escola recebem o auxílio do Bolsa Escola, assim sendo o índice de freqüência é
significativo. São famílias de baixa renda, moram na maioria em duas grandes favelas
próximas à escola
63
. São comunidades, no sentido discutido na gina 33, de
comunidade carente. Verifica-se também que nessas comunidades as relações de
vizinhança se caracterizam por serem relações comunitárias, de proximidade e afetivas,
diferente do que ocorre em geral nas classes mais abastadas.
A maioria dos educadores trabalha os três turnos. As perdas gradativas do poder
aquisitivo dos educadores afetam a qualidade de vida deles e consequentemente o
desempenho em suas funções. No período em que observamos a escola houve uma
greve dos professores municipais com a duração de um mês (17/05/05 a 17/06/05), os
63
A escola está situada na menor entre as seis Regiões Político Administrativa (RPA). É a Região mais
densa, com a densidade populacional de 140,57 hab./ha., acima da média do Recife que é de 61,28
hab./ha. A densidade domiciliar é de 4,12 hab./dom., enquanto que a média do município é de 3,92
hab./dom. É a RPA que apresenta o maior percentual de população na faixa de 0 à 14 anos (29,14%). As
áreas de favela são maioria na Região, ocupando as margens dos canais e áreas alagadas, e praticamente
inexistem as classes mais altas (Recife, 2002). Esses dados falam por si, mas é importante reafirmar a
precariedade da região.
80
professores estavam com uma pauta de reivindicações com 23 cláusulas, uma delas
reajuste salarial
64
.
A greve influenciou diretamente as atividades do grupo observado. Com a
escola sem aula o grupo tinha bastante espaço para trabalhar. O grupo se encontrava
quartas pela manhã, quintas a tarde e sábado pela manhã. Sem aula, todos, tanto aqueles
que estudavam de manhã como aqueles que estudavam de tarde, podiam participar de
todos encontros, além disso, José aproveitou para marcar vários encontros extra. Parece
que a direção se incomodou com a presença tão intensa do grupo nesse período, José
nos disse: ela disse que eu vindo muito com os meninos pra cá. Que os meninos já
são profissionais, não precisam ensaiar mais”.
A GAC chamou a greve como momento privilegiado para atuação dos ACs, mas
ficou preocupada com as reposições de aula, que seriam aos sábados e poderia sacrificar
as férias escolares, inviabilizando as atividades dos sábados e a colônia de férias, feita
normalmente no período de férias. Realmente, quando a greve acabou alguns sábados
foram de reposição de aula, o que influiu bastante na dinâmica dos grupos culturais,
mas não inviabilizou a colônia de férias, que foi feita no curto período de recesso.
Falaremos mais sobre a greve, a colônia de férias e a reposição das aulas mais adiante,
aqui nos interessa descrever a escola onde o grupo atua.
A escola é de fácil acesso, por estar próxima de ruas e de uma Avenida
pavimentadas e com grande circulação de veículos. A rua na qual a escola está situada
não é pavimentada, é bastante acidentada e não possui rede de esgoto sanitário. O muro
da escola é bastante pichado, o que pode demonstrar insatisfação por parte da
comunidade com a escola e a não apropriação desse espaço, como um espaço da
comunidade.
64
Para ver a pauta de reivindicações acessar o site do SIMPERE (www.simpere.org.br).
81
Por se tratar de uma etnografia, achamos importante descrever o espaço,
descrever a escola, onde as atividades do grupo são feitas. Ao entrar na escola à
esquerda existe um estacionamento e a direita um pequeno galpão com 3 pequenas
mesas circulares de cimento. Depois desse espaço tem um portão que acesso a um
pátio cercado de salas de aula. A secretaria e coordenação ficam ao lado direito desse
pátio. No mesmo pátio no lado esquerdo está a biblioteca. A biblioteca estava
permanentemente fechada, com a desculpa de estar servindo de depósito para alguns
materiais. Mais adiante existe um grande pátio com mesas retangulares nas laterais
direita e esquerda. Na frente de quem entra na escola existe a cozinha, que tem um
espaço aberto na frente, onde os alunos pegam a merenda e comem nas mesas do pátio.
Do lado contrário à cozinha um palco. Depois da cozinha tem uma grande quadra.
No lado esquerdo desse pátio um longo corredor com várias salas de aula. Mais a
esquerda desse corredor uma entrada que acesso à sala dos professores e a um
laboratório de informática, que por falta de instrutor não estava funcionando.
Todas as salas de aula estavam pichadas, algumas com muitas cadeiras e bancas
depredadas. inclusive algumas salas sem porta. Os banheiros dos estudantes, sempre
muito sujos. O pátio depois do recreio fica uma bagunça, com pratos e copos espalhados
e restos de comida pelo chão. Presenciamos, inclusive, algumas cenas de “guerra de
comida” durante o recreio.
Depois de nos situarmos fisicamente na escola, acreditamos ser importante
conhecer um pouco mais os outros grupos de educação não-formal que atuam na escola
além do grupo do AC José. De acordo com o Projeto Político e Pedagógico da Escola
65
,
os objetivos específicos das ações em esportes, cultura e lazer são Desenvolver
65
Também analisamos o regimento da escola, no qual o objetivo da instituição: Proporcionar ao
educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-
realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania”.
82
práticas esportivas despertando atitudes de cooperação e solidariedade
66
. Possibilitar
atividades de lazer, favorecendo uma maior integração da comunidade escolar.
Realizar atividades extra-classe (dança, música, capoeira) a fim de desenvolver o
potencial físico e emocional dos alunos”. Assim, está expresso a importância dada aos
grupos de educação não-formal. Isso indica o que Miguel Arroyo disse em entrevista
(Costa, 2003:149): “Espera-se que através do judô, através da cultura, através do
teatrinho, através das bandas de música, façam o que a escola não consegue”. Ele diz
que o que a educação formal não consegue é lidar com a violência e com valores
morais.
Conversamos com a professora de educação artística, que tem um grupo de
dança, com atividades extra-classe; com a responsável pelo Projeto TIM; e com uma das
monitoras do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), que atua na escola.
A professora de educação artística está na escola há mais de 6 anos e 18 anos na
rede municipal trabalhando com grupos culturais. Ela começou desenvolvendo um
trabalho com teatro e agora sua tônica é a dança. Declara-se apaixonada pela profissão e
diz que o principal objetivo do seu grupo é trabalhar a auto-estima dos participantes.
Para atingir esse objetivo trabalha com diversas dinâmicas em sala, diz que enfatiza o
respeito pelo outro e estimula a formação de multiplicadores. Dois indicadores de
socialização do valor cooperativo, pois, o respeito possibilita atividades coletivas e a
formação de multiplicadores está relacionada à idéia de cooperação como autonomia, no
sentido dado por Duveen (1998)
67
, tendo em vista esses multiplicadores estabelecerem
relações simétricas com a educadora.
O grupo é formado por 22 crianças, que participam das atividades no horário
não-escolar. Enxerga o grupo importante para escola e para a comunidade por ser um
66
Grifo nosso, por nos parecer uma explicitação da intenção de socialização do valor cooperativo.
67
Ver página 26 e 27.
83
referencial positivo de valorização da cultura local, as pessoas passam a olhar com
outros olhos a cultura, mas ainda alguns me chamam de macumbeira”.
Outro grupo de educação não-formal atuante na escola é o do Projeto TIM
Música nas Escolas. O Projeto vê a música como um veículo de propagação da
paz. Em Recife está em parceria com a Prefeitura e está presente em 6 escolas
municipais. Em cada uma dessas escolas existe um núcleo de agitação cultural”.
Crianças e jovens de a série foram capacitados e nos meses em que observamos,
esses jovens realizavam “brincadeiras musicais” monitorando o recreio das crianças de
a série todas as quartas, no turno em que não estudavam. Segundo a psicóloga do
projeto: “A idéia é diminuir a violência nos recreios, diminuir a violência dos meninos e
dar uma profissão a eles”.
Presenciamos algumas vezes as atividades de quarta-feira docleo de
agitação da Escola. Os jovens organizam as crianças de 1ª a 4ª série em um
enorme círculo que ocupa todo o pátio da escola. O barulho é grande, mas as
crianças que estão na roda parecem bastante envolvidas com as atividades
propostas pelos jovens. A psicóloga acompanha tudo, interferindo minimamente.
As brincadeiras musicais são músicas cantadas normalmente em roda, em que
as crianças de acordo com a música devem fazer coreografias variadas.
Caracterizamos esse tipo de atividade como um indicador de socializão de
cooperação, pois todas as crianças se divertem em conjunto, uma ajudando a
outra a aprender a coreografia, o sentimento de competição não estando presente.
Além desses dois grupos conversamos com uma das monitoras do PETI
(Programa de Erradicação do Trabalho Infantil). Conversamos com a monitora da
manhã. Um diferencial do PETI é que os participantes são obrigados a participar, nesse
sentido já poderíamos desconsiderar, como uma atividade de educação não-formal, visto
84
que a voluntariedade na participação dos educandos é elemento primordial na
caracterização de uma atividade como de educação não-formal, mas achamos
interessante falar um pouco desse grupo que trabalha com recreação
68
.
Ela diz que o grupo é discriminado, até alguns professores vêem como “meninos
de rua”. Segundo a monitora o grupo precisaria de mais recursos para ser mais atraente,
ter mais passeios, mais materiais. É um grupo que não se caracteriza como educação
não-formal e muito menos educação popular.
Para concluir esta seção é importante dizer que a Escola não possui um Núcleo
de Animação Cultural (NAC), estância extremamente valorizada pela GAC que poderia
agregar: ACs, articuladores, professores interessados, direção, participantes dos grupos
culturais, mães e pais dos participantes, representantes da comunidade, entre outros. O
NAC não existia em parte pela falta de componentes. No período de observação havia
uma outra AC de canto coral, que faltava bastante e por esse motivo foi afastada do
PAC. Ela não possuía um grupo e quando ia à escola participava das atividades
desenvolvidas por José. A Escola não possuía um articulador do Escola Aberta, a
direção nos disse: Tirei o Escola Aberta, tava dando muito problema”. Havia um
voluntário de grafitagem que trabalhava com um grupo nos sábados, ele inclusive
participou da seleção de novos ACs, mas não passou. Assim quem poderia começar a
construção do NAC seria José, tentando envolver direção, voluntário e os grupos de
educação não-formal, porém não presenciamos nenhuma tentativa nesse sentido.
5.2 O grupo
Agora que conhecemos a Escola A, é necessário conhecer um pouco o
funcionamento do grupo, que suas práticas serão aprofundadas no próximo capítulo.
68
No sentido dado pela nota 47 da página 50.
85
Depois analisaremos a história de vida do AC José e o perfil das crianças participantes
do grupo e por fim apresentaremos algumas opiniões sobre o grupo.
O grupo era composto por uma média de 15 crianças. A rotatividade dos
participantes era muito grande, sempre havendo novos componentes e crianças que por
diversos motivos deixavam de participar do grupo e outras que passavam a integrá-lo. O
grupo se encontrava nas quartas pela manhã, nas quintas à tarde e nos sábados pela
manhã. No período de greve (17 de maio de 2005 a 17 de junho de 2005) os encontros
foram mais freqüentes e com um número maior de participantes. No período de aulas,
no turno em que os integrantes do grupo estudavam, eles iam ao encontro do grupo no
recreio. Além das atividades com o grupo José estava na escola as sextas à tarde para
fazer recreação com duas turmas da 2ª série (1ºciclo, 3ºano). Ele fazia isso por iniciativa
própria, e não para substituir as professoras.
As dinâmicas dos encontros variavam muito. O ensaio de alguma peça era um
momento sempre presente. Durante todo o período de apresentação presenciamos o
ensaio de 8 diferentes peças
69
, o que consideramos uma grande quantidade para o curto
período de observação (três meses).
José e as crianças sempre chegavam um pouco antes do horário combinado. O
AC era extremamente rigoroso com a pontualidade e a freqüência dos participantes do
grupo. Havia uma intenção de inculcar normas sociais. Antes do horário combinado
para iniciar, eles ficavam na sala escutando alguma música e conversando. Esse foi um
momento privilegiado de interação e socialização do valor cooperativo, que será
analisado no próximo capítulo.
No horário combinado José começava as atividades, que podiam ser
brincadeiras, exercícios de voz, alongamentos e na maioria das vezes ensaios. A hora da
69
Os títulos das peças: “O fantástico mistério de feiurinha”, “Feliz dia das mães”, “Nossa realidade”, “O
casamento matuto, com o tema da mandioca”, “Romeu e Julieta”, “Brinquedos velhos”, “Rádio Novela” e
“Dia dos estudantes”.
86
merenda é outro momento privilegiado de socialização do valor cooperativo. No final
do encontro, normalmente José colocava músicas que as crianças pediam. Esse era um
momento de descontração e também interação. No período de observação também
acompanhamos um passeio feito para conhecer alguns teatros da cidade e a colônia de
férias.
Através da história de vida do AC teremos uma melhor noção dos porquês de
suas posturas frente ao grupo. José tinha 19 anos na época, cursava o terceiro ano do
ensino médio, no turno da noite, numa escola estadual próxima a Escola A. Ele morava
no mesmo bairro da Escola A, e não levava mais de 10 minutos andando da casa dele
para Escola. Morava com os avós, que foram quem o criaram e mais dois primos (que
são considerado como irmãos), um de 19 e outro de 16. O avô era aposentado e a avó
costureira.
Em toda a sua vida estudou em três escolas, todas públicas. Nunca repetiu o ano,
mas demorou a começar a estudar, por ter tido um problema de saúde, que o impedia de
se alimentar normalmente, tendo assim que passar por uma cirurgia.
Ele participou das atividades de uma Igreja. Lá, fez a Primeira Comunhão e a
Crisma. Entrou em contato pela primeira vez com o teatro na Igreja, onde se apresentou
em uma “Paixão de Cristo”.
Dois anos antes de ser AC, começou a participar das atividades do PAC na
Escola A. Ia para frente da escola aos sábados para paquerar”, não fazia parte de
nenhum grupo, até que um dia em que teria um passeio, ele pediu para o então AC ir
também e o AC deixou, assim ele começou a fazer parte do grupo de música. Na escola
passou a participar também do grupo de teatro de uma voluntária.
Com a saída da voluntária de teatro, ele passou a ser voluntário aos sábados,
realizando oficinas de teatro. O AC de música ajudava e acompanhava a turma junto
87
com José. Quando o contrato do AC de música acabou os integrantes do grupo de
música passaram para o grupo de José.
Como a sua participação era ativa, o AC de música e o AC de artes plásticas,
que trabalhava com grafitagem, o estimularam a ser AC. Com esse estímulo José estava
confiante e disse que chegou em casa dizendo: eu vou chegar aqui com a feira”. Ele
nos disse: “se eu quiser ser, eu sou”.
Não era época de seleção, mas os ACs da Escola A conversaram com a então
coordenadora de teatro do PAC e levaram José para uma entrevista. Depois dessa
conversa ele passou mais dois meses como voluntário e em fevereiro de 2005 foi
contratado como AC. O PAC lhe disse que seriam 3 meses de avaliação, para depois
efetivar o contrato de um ano.
Quando ele começou a trabalhar nos dias de semana a direção achou estranho.
Segundo ele a direção estranhou um menino que era aluno participante do PAC agora
ser estagiário. Corroborando com esta idéia, a diretora nos falou: ele tem a impressão
de que não valorizo o trabalho dele”.
Ele formou um novo grupo com 30 crianças. A primeira peça foi “O fantástico
mistério de feiurinha”, que apresentou para os pais dos alunos em um sábado na escola.
Nesse mesmo sábado um dos coordenadores da GAC foi visitar a escola para avaliar o
trabalho do AC. O coordenador achou interessante a peça e por isso convidou o grupo a
se apresentar na terça-feira, em que conhecemos o grupo.
No começo, José fazia planejamento para as aulas, mas não seguia muito o
planejamento, é um trabalho dinâmico, não dá pra planejar muito”. Ele diz que
procura toda semana fazer algo novo, trabalhar com um tema diferente. Para ele, cada
dinâmica feita tem um objetivo. Alguns temas são valorizados por ele: me preocupo
em dar valor às coisas do passado, às comemorações e ao aprendizado”.
88
Ele se considera extrovertido, animado. Tem perseverança em fazer a faculdade
de artes cênicas, mas acha que é muito difícil conseguir passar, ele disse: não tenho
condição de pagar um cursinho”. Em um dos encontros José falou sobre o que tinha
mudado na sua vida desde que começou a fazer teatro: parei de pichar, respeito os
idosos e as crianças, perdi a timidez”.
Sobre suas expectativas de futuro disse que quer ser ator, fazer artes cênicas.
Quer muito continuar no projeto, mas por terminar os estudos no final de 2005, teme
não poder renovar o contrato. Talvez tentaria o magistério para poder continuar como
AC. Diz que não é querer continuar o seu trabalho, mas também precisa levar o
sustento para casa”. Aqui vemos que o estágio de AC além de ser uma aprendizagem
rica aos jovens, é também um forma de garantir uma renda.
Uma professora do primário, que é muito próxima de José, inclusive nas sextas
ele faz recreação com a turma dela e de uma outra professora, nos falou um pouco sobre
ele:
Ele é um menino bom, mas é imaturo, comete muito erros de português,
ele de vez em quando pede para eu revisar, mas às vezes pego os meninos
com cada texto. Ele tem que tomar cuidado, sinto como fundamental o
nosso apoio a ele. (...)Fiquei chocada no passeio quando, numa
brincadeira, uma garota errou e ele começou a cantar ‘não sabe, o
sabe, vai ter que aprender, orelha de burro cabeça de e.t....’, ele humilhou
a garota. conversei com ele para ele ter mais tato e cuidado ao tratar
às crianças. Mas de certa forma ele consegue movimentar todos, mesmo
as meninas que não participam muito, com ele participa. Acho que falta
ele se organizar mais”.
Por essa fala e pela história de vida do AC é possível concluir que ele tem muita
vontade de fazer o seu trabalho. Ele realmente gosta de teatro e pelo que percebemos
deseja ser ator. Percebemos também que ele possui várias lacunas de preparação
pedagógica e psicológica para lidar com as crianças. Analisaremos melhor a postura
dele diante do grupo no próximo capítulo.
A respeito das crianças, os participantes do grupo, elas são em média 15, sendo
89
8 delas as que participaram do grupo desde o começo da observação ao final, são essas
8 que aqui analisaremos mais detidamente. Foram cinco meninas e três meninos, uma
com 10 anos, quatro com 11 anos, dois com 12 anos e um com 15 anos. Com exceção
do de 15 anos, todas se encontram no estágio de semi-autonomia, defendido por Piaget
(1977) em que conhecem as regras morais, a interpretam e a relativizam
70
. É preciso
dizer que as entrevistas com as crianças foram feitas no mês de agosto, no final da
observação. Isso implica que as crianças já tinham uma certa intimidade conosco.
Quando perguntadas sobre o que mais gostam de fazer na escola, a maioria
responde que gosta de estudar. No teatro o que mais gostam é ensaiar peças. Uma delas
disse: no colégio, eu gosto quando tem teatro. E gosto de participar de várias coisas
que tem na escola”. Assim a livre escolha do participante, característica da educação
não-formal é guiada pelo afeto, pelo gostar.
Os considerados melhores amigos das crianças estão no teatro. Ou se
conheceram lá ou o amigo lhe convidou a fazer parte do grupo. Assim sendo, o grupo é
um local de construção de novas amizades e/ou sedimentação de amizades antigas de
sala de aula, por exemplo. Nesse sentido o grupo se caracteriza por desenvolver uma
socialização comunitária
71
, pois os seus membros estão orientados por sentimentos de
amizade aos companheiros. A socialização societária também está presente quando as
crianças demonstram interesse de se formarem como atores, assim estariam orientadas
por um fim.
Muitos ficaram sabendo do grupo pela divulgação feita por José em sala de aula:
José passou em sala perguntando quem queria participar de oficina de teatro e de
grafitagem. Renata
72
, sabe quem é? pegou, ela foi. ele disse, tem uma aluna
aqui, que ela é do teatro vai fazer quase um ano, foi Renata, Renta foi dançar
70
Ver nota 31 da página 23.
71
Ver página 20.
72
Os nomes são fictícios.
90
na frente, Sandy e Junior. eu achei muito interessante e quis participar”. Aqui é
importante refletir a maneira pela qual o AC divulga o grupo. O que chamou a atenção
da criança foi a coreografia de Sandy e Júnior.
Uma mãe viu o cartaz de divulgação do grupo e levou o filho: Foi que minha
mãe ouviu falar do teatro, ela perguntou se eu queria. Porque eu também gosto
muito”. Outros falaram que os amigos chamaram: Os meninos tava tudo entrando aí eu
entrei. Era muito bom”; e “Foi uma colega minha, Carla. Eu entrei, ela saiu”.
Alguns sofreram resistência da família para participar do grupo. Como uma
criança diz: eu vim. Porque teatro é assim uma coisa que eu gosto, entendendo?
minha avó chorava muito, e foi e pediu pra eu não ir, eu peguei briguei, falei
com minha mãe, minha mãe foi, também não quis deixar, eu peguei... A única
pessoa... Falei com minhas amigas, elas falaram com minha mãe, eu agora eu
podendo vir para o teatro”. A resistência pode indicar a falta que a criança faz em casa,
nos momentos que eram dedicados ao grupo.
Além dessa resistência explicitada pela criança, percebemos na entrevista com
uma mãe de uma outra criança que havia uma certa desconfiança com relação ao AC,
que com o tempo foi dissipada, mas no primeiro momento impediu que os seus filhos
participassem de algumas atividades do grupo. Mesmo a atividade estando em um
espaço escolar, é uma educação não-formal que por não ser suficientemente conhecida
pode provocar desconfianças.
As crianças tiveram dificuldades ao dizer quais atividades eram feitas nos
encontros do grupo. Depois de explicar a pergunta algumas citaram: exercícios de voz,
exercícios para soltar o corpo”, brincadeiras, ensaios de peças, explicações de José
sobre “como são pra fazer essas coisas”.
As peças foram as atividades consideradas mais importantes. Improvisação,
91
entonação e cnicas de teatro foram outras atividades consideradas importantes. Os
porquês dados a essas importâncias foram: Eu acho importante, Júlia, porque é muito
legal também e a gente aprende mais, é... desenvolver... as peças, a gente aprende mais
a falar alto, porque tem muita gente que fala muito baixo, que falava muito baixoe
Porque eu aprendi também a lidar com os outros, aprendi ser forte é...nos momentos
mais difíceis”. O aprender a lidar com os outros pode ser um indicador de
socialização do valor cooperativo, quando este lidar significa tratar o outro de
maneira respeitosa e harmônica.
Perguntados sobre o que mais gostam de fazer nos encontros do grupo, algumas
respostas são evasivas: Um bocado de coisa e Porque é bom, porque eu gosto,
porque tem respeito”. Quando pedimos exemplos desse bocado de coisaa resposta
foi sei não”. E quando perguntamos sobre o respeito, nos responderam: Respeito pro
professor, pros colegas, pra todo mundo”. O respeito também é indicador de
socialização de cooperação. Os outros citaram as técnicas vocais, técnicas de gestos e
ouvir ele falar.
sobre as atividades que não gostam, um disse que gosta de tudo, outro que
não gosta das técnicas de voz e os outros se queixaram, alguns diretamente, outros nem
tanto de algumas atitudes de José: Acho que José às vezes fica um pouco bravo, tem
alguém que faz alguma coisa aí ele quer botar a culpa em todo mundo”; “José é
ignorante”; “É a... É a do...a teoria. Porque eu acho chato quando ele começa a falar”;
e Não gosto quando José me bota na linha”. As hesitações é a... é ademonstram a
dificuldade de criticar. Por outro lado as falas que se referem diretamente a José são
explícitas e demonstram descontentamento com o fato de José falar muito, por exemplo.
Essa postura do AC está relacionada com a visão que ele tem do papel de professor, por
se enxergar como tal e por achar importante “estabelecer a ordem”.
92
Uma pergunta da entrevista se referia ao o que as crianças aprendem com o
grupo. Elas falaram de várias coisas dentre elas: a fazer peças, a ler melhor, a falar mais
alto, a ser mais extrovertida, a participar das coisas, a ajudar os outros e a ter mais
respeito. Esses três últimos elementos estão relacionados com o valor cooperativo, pois
participação se identifica com uma moral da autonomia (Piaget, 1977) e com
cooperação no sentido dado por Duveen (1998)
73
. Ajuda e respeito ao outro são
essenciais ao “fazer comda cooperação. O ficar sempre junto da fala que se segue
também é indicador de cooperação Eu aprendo várias coisas, como... é... ficar sempre
junto, aprendo também fazer gestos, mais movimento, falar alto, essas coisas assim”.
Sobre as mudanças ocorridas desde que começou a fazer parte do grupo, a idéia
de ocupação, encontrada em alguns discursos do PAC é repetida pelas crianças: “Mudou
que eu não mais ficando muito na rua, mais vindo pro teatro, passeando muito
e... Mainha antes não deixava eu ir pra canto nenhum, agora ela deixando mais eu
vim pro teatro, e outras coisas”, e Eu parei de maloquerar na rua. Parei de jogar
bola, só tô em casa agora, lendo”.
Outras mudanças estão relacionadas à maneira de se comportar: “Deixei de
chamar muito palavrão, chamando pouco”, Assim antigamente minha atitude de ser
era muito má, porque eu era muito briguenta, antigamente eu era pior, agora eu
mais calma, mais ligando pros estudos”. Pode ser que essas mudanças expressas
estejam condicionadas ao que é dito por José para o grupo. Ele sempre falava como o
teatro mudou a vida dele e assim acreditamos que as crianças se influenciaram por essas
falas, pois muito do explicitado se relacionam ao que foi dito por José. Nesse sentido
José é um modelo para as crianças, elas se espelham nele e o tomam como exemplo.
Alguns comportamentos citados como mudanças estão relacionados às práticas
teatrais, que supostamente desinibem: Eu o falava nada, não se abria, não
73
Ver páginas 26 e 27.
93
perguntava também e agora eu tô conversando mais, mais solta, mais carinhosa e
Antigamente eu era muito quieta, eu fui pra psicóloga pra me soltar mais, muito
tempo. Mas comecei o teatro aí, foi mudando aos poucos. Eu aprendendo a me
soltar mais, deixar de ficar com muita vergonha”. Ao desinibir as crianças, o grupo
socializa o valor cooperativo, pois as atividades cooperativas exigem o diálogo com o
outro.
Foi encarado como mudança também o conhecimento de pessoas novas e a
persistência para lutar pelo que se quer. O conhecer pessoas novas e as lutas quando
feitas coletivamente são indicadores de práticas cooperativas.
Nas sugestões para melhorar os encontros do grupo, quase todos, falaram sobre
mudanças no comportamento do AC. Essas sugestões remetiam ao comportamento
autoritário de José, que se via como um professor que precisava manter a situação de
classe
74
, mas também demonstrava o despreparo pedagógico e psicológico do AC: Eu
acho que José, ele tá sendo muito ignorante, que eu falei com ele uma vez, ele não falou
comigo, eu até disse: - tchau José eu vou, ele disse: - problema é teu. Ele ficando
muito ignorante, eu achando”, José agora muito atacado, muito... chato ele. A
gente não pode falar nada, ele: - aaahhh, vai logo parando a pessoae Eu não ficaria
tão culpando todos e gritando muito”. Uma criança fez uma fala bem incisava dizendo
que para o grupo melhorar seria bom trocar o AC.
Surgiu também a idéia que todos deveriam participar: Cada um dava tipo uma
idéia pra melhorar a aula, é pesquisamos peças, pra cada um escolher o seu papel.
Cada um escolhia uma peça, ou fazer a nossa peça”. Essa fala demonstra um desejo de
autonomia, de ser sujeito dos encontros e de criar as peças. Isso é bastante falado nas
capacitações dos ACs, mas parece que até então José não tinha assimilado esta idéia e
74
O conceito de “situação de classe”, como manter a ordem na sala de aula, é discutido no artigo de
Hammouti (1998).
94
continuava a “impor” as atividades que achava melhor. Como é um grupo de crianças e
não jovens, essa autonomia tem um certo limite e José estava sempre tentando inculcar
regras sociais, mas pelo que entendemos o estimulo à autonomia é mecanismo de
socialização do valor cooperativo e deve ser feito sempre que possível.
Uma reclamação freqüente nas falas de diversos ACs nos encontros de
capacitação, a falta de recursos para o trabalho, aparece em uma fala de uma criança: “E
também pra melhorar o teatro era que tivesse algum apoio... Quando a gente vai
ensaiar em algum canto, a gente mesmo que se vira pra arrumar a roupa, tudinho... eu
acho que precisaria de algum colaborador”.
Depois dessa etnografia do grupo achamos importante colocar algumas opiniões
a respeito do grupo. Uma educadora que possui um grupo de educação não-formal na
escola questionou o trabalho de José em diversas maneiras. Em uma primeira crítica
disse que animação cultural qualquer pessoa faz”, não é obrigado a ter uma formação
pedagógica, o que para ela é de extrema importância. Ela sugere que a GAC mais
apoio em materiais e tenha um instrutor de arte que acompanhe mais de perto o trabalho
dos ACs, que vê como muito solto e despreparado.
Especificamente sobre o trabalho de José, ela citou um caso de que uma aluna
chegou atrasada no grupo de teatro e José gritou com ela, por conta do atraso. Também
diz que José inventa ou pega de algum lugar as peças e manda as crianças dizerem que
foram eles que inventaram. Alguns temas tratados nas peças são complexos, ela citou o
exemplo de uma peça que falava sobre drogas, e ela diz não saber se o tema foi bem
trabalhado com os alunos. Ela disse: É arriscado trabalhar com teatro com as
crianças, mexe com emoção, com a vida, assim não pode ser qualquer pessoa”. São
críticas bastante fortes e incisivas e que, pela nossa observação, procedem, porém ela
deixa de considerar todos os pontos positivos da atuação de José.
95
Um professor disse que acha que José tem uma boa dinâmica, sabe prender a
atenção. Ele assistiu a apresentação de São João e alguns ensaios sobre a peça “Nossa
Realidade”, que falava do tráfico de drogas. Ele acha bom os meninos ficarem sabendo
o que está acontecendo com relação às drogas, mas “é um pouco errado menino
interpretar papel de menina. Porque estas crianças estão na idade do perigo, não tem a
personalidade feita. A não ser que ele tenha conversado bem com eles”. Aqui uma
preocupação com a formação de gênero.
O professor diz ainda que sentiu uma diferença de postura em sala de aula dos
alunos que participam do grupo: o diálogo com eles é melhor. O grupo socializa bem.
Vejo que eles têm mais contato com outras pessoas, brincam mais com outros colegas”.
Mesmo não sendo nosso objetivo analisar os resultados das práticas, essa percepção de
mudança de comportamento das crianças no sentido de melhor relacionamento com os
colegas indica um relativo sucesso da socialização do valor cooperativo.
A direção nos disse que acha o trabalho de José “solto”, que ele precisaria de um
acompanhamento maior de quem soubesse teatro. Segundo a diretora: Ele é muito
esforçado, tem sede de fazer muita coisa. Ele quer fazer tudo ao mesmo tempo. Mas ele
tem que se preparar mais. Acho que falta sistematização e acompanhamento maior do
DACD”. A direção se queixa também sobre ausência de ligação do trabalho
desenvolvido por José e a coordenação pedagógica da escola.
Agora que conhecemos o grupo e algumas opiniões sobre ele, nos
aprofundaremos na análise das práticas vivenciadas. Essas práticas estão divididas nas
três seções do próximo capítulo: da GAC ao AC, do AC às crianças e entre as crianças.
96
Capítulo 6 – Mecanismos de socialização do valor cooperativo
Nas três seções que compõem esse capítulo estaremos analisando mecanismos,
entendimentos, importâncias e intenções de socialização do valor cooperativo, como
dissemos na explicitação de nossa metodologia. No capítulo anterior, ao descrever o
grupo, pontuamos alguns mecanismos que socializam o valor cooperativo, e o
chamamos de indicadores. Aqui continuaremos a chamar atenção para esses
indicadores. As outras categorias de análise (entendimentos, importâncias e intenções)
aparecem aqui de maneira difusa e não definidas pelo nome.
6.1 Da GAC ao AC
Construímos esta seção do texto baseando-nos principalmente nas reuniões de
capacitação das terças-feiras. Participamos dessas reuniões do final de abril de 2005 até
o começo de outubro de 2005.
Nas reuniões específicas por linguagens, estávamos presentes nas reuniões de
teatro, por ser a linguagem escolhida pelo AC José. Um motivo de escolha do caso foi
justamente o trabalho com o teatro. O teatro é uma atividade que normalmente exige a
harmonia do coletivo para interpretar diversas situações. No teatro o individual é
valorizado por sua colaboração específica ao grupo. Assim, a atividade teatral é um
indicador.
Depois da apresentação do grupo de José em uma terça, se tornou corriqueira a
apresentação dos grupos culturais. É uma metodologia adotada que facilita a
visualização e avaliação das atividades desenvolvidas juntamente com as crianças e
jovens. Muitas vezes nessas apresentações estavam presentes a direção da escola, alguns
funcionários da escola e algumas mães de participantes dos grupos, que sempre davam
97
as suas impressões a respeito do grupo. Esse tipo de atividade nos encontros de
capacitação proporcionou ricos debates.
Percebemos que as oficinas de teatro sempre faziam com que os ACs refletissem
sobre as suas atuações nas escolas. A coordenadora perguntava: que tipo de inclusão a
gente faz na escola?”, o que é animação cultural?e O que é que eu estou fazendo
como AC?”. A coordenadora falava em estimular a atitude questionadora das crianças e
dos jovens e assim como ressaltava a importância de respeitar a opinião do outro. Dessa
maneira, percebemos a capacidade da coordenadora de trabalhar esses temas que são
essenciais à formação do AC e à socialização do valor cooperativo.
Nos encontros se discutiu também: a voluntariedade das crianças e jovens a
participarem do grupo cultural (o que tem a ver com o conceito de educação não-formal,
que aqui utilizamos), a importância de estimular a autonomia dos participantes, a
importância de se relacionar com todos da escola, que os ACs deveriam participar dos
Conselhos Escolares, que em teatro é bom representar situações do dia a dia para refletir
sobre elas e o efeito multiplicador que a ação do AC deve ter. Sobre esse último ponto
uma AC falou: se meus alunos mudam, os que estão ao redor dele vai mudar também,
multiplicar, é o meu objetivo principal, é trabalhar eles como sujeito”. Vemos que
uma infinidade de temas discutidos, que têm a intenção de capacitar os ACs.
Uma vez por mês havia uma terça na qual os grupos de duas ou três linguagens
artísticas trabalhavam juntos. Entendemos esses encontros como uma tentativa de
integrar os diversos ACs, além de possibilitar a troca de experiência em áreas diversas
não os restringindo a uma “especialidade”.
A idéia de “resgate cultural” que criticamos na página 21 por se remeter a algo
estático é bastante forte nas orientações da GAC. O PAC de certa maneira tem raízes
98
católicas
75
, porém diz que respeita todas as religiões. Presenciamos uma discussão
acalorada, em que um evangélico dizia que sentia que o PAC de certa maneira
discriminava a sua religião. Ao discutir o “resgate cultural”, há uma forte valorização de
religiões populares e o candomblé, por exemplo, parece ser valorizado pelo programa
justamente para confrontar o forte preconceito que essa religião suscita nas periferias. O
grupo chegou a conclusão que é preciso ser tolerante, respeitar a crença do outro, mas
que era possível criticar algumas posturas de seus crentes.
É importante ressaltar que a GAC trabalha com o calendário escolar e que
mesmo a escola sendo laica comemora festividades cristãs. Certas festividades cristãs
passaram a fazer parte da cultura brasileira, mas em alguns momentos presenciamos o
incentivo declarado de trabalhar com temas essencialmente cristãos. Vemos assim que
uma religião é privilegiada, mesmo que não declaradamente. Para quem está tentando
pregar a tolerância ao diferente não é coerente eleger uma religião como referência.
Um tema discutido com todos ACs foi a “baixaria” na mídia. A posição da GAC
com relação ao brega tem sido bastante radical, chegando a proibir os ACs de levar esse
estilo musical à escola. Entendemos que proibir não é o melhor caminho para tentar
fomentar uma nova cultura. É preciso debater as letras das músicas e perceber como
algumas são preconceituosas, machistas e opressoras. É a partir da consciência de que
algo é ruim é que se começa a mudar os hábitos e não simplesmente proibindo.
Participamos de um passeio feito com os ACs, proposto pela coordenadora de
Artes Plásticas. Visitamos pontos históricos do Recife. No passeio percebemos uma
volta a um antigo eixo do JEM: o amor à cidade, a necessidade dos ACs se apropriarem
da cidade e levarem esse conhecimento para as crianças e jovens. Segundo um dos
75
O surgimento do Juventude em Movimento (JEM) está relacionado a um trabalho diferente de
evangelização de uma pediatra francesa em uma comunidade do Recife em 1968. Inspiradas nessa
primeira experiência, outras ações foram desenvolvidas em 1992 a Comunidade Eclesial de Base do
Morro da Conceição inspirada na Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil lança em uma escola a “galera da fraternidade”, germe do JEM. Para saber mais ver Veloso (1996).
99
coordenadores que guiava o passeio todas as atividades de capacitação tem sentido
se levar para os meninos”.
Nos documentos está bem clara a importância de trabalhar não com a escola,
mas também com a comunidade do entorno. Algumas falas dos coordenadores nos
momentos de capacitação também vão nesse sentido. É estimulado que jovens e
crianças das redondezas participem das atividades, mesmo que não estejam
matriculados na escola. Também é muito falada a necessidade do AC conhecer a família
dos jovens e das crianças. Vemos o envolvimento com a comunidade como essencial
para o sucesso do programa. A comunidade deve perceber os objetivos do PAC e se
concordar com eles colaborar com o AC. A ampliação do programa para comunidade
em geral demonstra uma preocupação da educação popular, além de ser um trabalho de
ajuda mútua, o que favorece a socialização da cooperação.
De maneira difusa e não como um tema a ser tratado pela reunião, a idéia de
mudança social, tão necessária a uma educação popular, está presente nos documentos
assim como nas falas dos coordenadores nas reuniões de capacitação. Algumas falas
corroboram isso: é um trabalho de vontade, de militância de fazer a diferença”,
queremos mudar o mundo e nós estamos fazendo algo diferente para uma nova
humanidadee é um estágio que tem a importância de mudar, de fazer um trabalho
em equipe pra valer”. A primeira fala nos remete a idéia de educação popular, por
enfatizar a militância dos ACs. A segunda afirma que animação cultural é um tipo de
educação diferente, uma educação não-formal que pretende fomentar uma nova
humanidade”, o que nós entendemos como uma ênfase em valores diversos aos atuais.
E a última diz que um meio de mudar pra valeré fazendo um trabalho de equipe.
Essa ênfase no coletivo socializa o valor cooperativo.
Em um encontro geral com todos os ACs foi discutida a importância do Núcleo
100
de Animação Cultural. Nessa terça, houve a apresentação de uma escola que teria uma
boa experiência de Núcleo. A apresentação foi toda integrada, o grupo de banda tocava,
o de dança dançava e o de teatro representava. Com essa experiência percebemos uma
atividade realizada em equipe. Os coordenadores do PAC falaram que o objetivo da
apresentação e daquela conversa era deixar mais concreto a experiência de núcleo e
assim incentivá-la. Vemos que o estímulo aos Núcleos de Animação Cultural é um
importante mecanismo de cooperação, pois permite o diálogo entre as diversas
linguagens que atuam numa mesma escola.
Em uma terça, a coordenadora de teatro pediu para os ACs se dividirem em
grupos, para de forma criativa o grupo fazer um relatório de como foi o mês, seria uma
avaliação. O grupo de José encenou as dificuldades encontradas para realizar as festas
do período junino: direção dificultando dizendo que não tem sala para ensaiar e que não
tem verba para figurino. Essas duas dificuldades aconteceram com José, o problema foi
debatido, no sentido de tentar “superar as dificuldades e fazer o nosso trabalho”.
Em muitas falas da coordenação vemos essa idéia de ter que trabalhar com os
imprevistos e com o que é possível. Algumas falas de coordenadores vão nesse sentido:
Animação cultural é um desafio, é preciso trabalhar com a realidade, vencer os
desafios”.
Em um outro momento um coordenador falou para os ACs: a gente o pode
brigar com a direção que saímos perdendo, então é preciso usar a criatividade para
contornar os problemas”. É claro que em um trabalho com animação cultural é preciso
ter “jogo de cintura” para lidar com as diversas barreiras encontradas, porém não é
possível deixar a cargo dos ACs lidarem com todas essas adversidades. A GAC precisa
dar um maior apoio em certos momentos, como por exemplo, a mediação com a escola.
Um dos coordenadores lembra da relação de afetividade envolvida em um
101
trabalho de animação cultural. O coordenador falou: “os meninos vão porque gostam da
gente”. Essa dimensão afetiva tem que ser levada em consideração em qualquer
processo pedagógico, principalmente na educação não-formal, quando à criança é dada
a possibilidade de escolha de participar ou não.
Questões relacionadas com o salário dos ACs eram tratadas como menores e que
a grande gratificação do AC é ver o grupo realizado. Uma AC falou eu dou mais que
as minhas 20 horas pelo sorriso dos meninos, o reconhecimento o dinheiro não paga”.
Diferentemente do Projeto Escola Aberta, a tônica do PAC não é o voluntariado. É
estimulado que os ACs, juntamente com os articuladores arregimentem voluntários da
comunidade para o trabalho do dia de sábado. No entanto, um desejo por parte dos
coordenadores de reconhecimento da “profissão” de AC.
Achamos interessante comentar rapidamente como foi feita a capacitação, que
fazia parte do processo seletivo para novos ACs. A capacitação foi feita em oficinas, em
que os ACs, veteranos e novatos, se dividiram por linguagem. Na oficina de teatro, o
facilitador era um convidado jornalista e diretor. Como a oficina ainda fazia parte do
processo seletivo, sentimos, assim como muitos veteranos, que havia um clima de
competição, onde cada novato queria aparecer mais que o outro. Aqui percebemos uma
socialização societária, onde os envolvidos buscam um fim: conseguir uma vaga de AC.
Na próxima terça houve um momento para avaliar esse dia de capacitação. Os
ACs veteranos falaram que o sentimento de competição foi prejudicial ao processo.
Alguns também enfatizaram que a seleção deveria dar mais ênfase às experiências
pedagógicas e não da linguagem, pois o objetivo do PAC não é formar atores, músicos
ou dançarinos, mas sim fomentar novos valores.
Percebemos que José se apropria do discutido na reunião. As técnicas vocais que
todos os dias fazia com o seu grupo foram aprendidas em um momento de capacitação.
102
Em um encontro a coordenadora lembrou que uma criança do grupo de José, no dia em
que o grupo se apresentou disse que ele fala muito, então a coordenadora disse nem
eles absorvem o que tu fala, nem eles conseguem falar”. José respondeu dizendo que
melhorou a sua postura e que estava ouvindo mais as crianças. E a coordenadora
respondeu: você melhorou porque ouviu o seu aluno lhe dizendo que você fala muito”.
Outra coisa que ela falava sempre diretamente para José era a importância de construir
em conjunto. Nós, que acompanhamos o trabalho de José, podemos afirmar que em
muitos momentos ele o ouviu às crianças e nem estimulou o trabalho em conjunto,
talvez por estar convicto do seu papel de professor como mantenedor da ordem.
Sobre a atuação da GAC, José disse que sente falta de alguém ir visitar a escola
com freqüência. Sobre as reuniões de terça ele nos disse: “Às vezes eu gosto das
reuniões de terça, mas às vezes eu preferiria ficar terças de manhã na escola
trabalhando”. Assim, os momentos de capacitação não são devidamente valorizados
pelo AC. Na próxima seção analisaremos a atuação de José junto às crianças do grupo
da Escola A.
6.2 Do AC às crianças
Depois das duas primeiras visitas de escolha do caso, fomos em uma quarta-feira
começar a nossa observação do grupo cultural coordenado pelo AC José. O primeiro
que fizemos foi nos apresentar como pesquisadora da UFPE. Dissemos que
acompanharíamos a maioria das atividades do grupo e que normalmente estaríamos
tomando algumas notas, mas que em alguns momentos poderíamos ajudar José e
participar em alguma atividade.
Já tínhamos conversado a respeito da pesquisa com José, mas parece que ele não
entendeu bem o nosso papel. José alegrou-se quando expliquei que gostaríamos de
103
observar as suas atividades, achamos que ele entendeu que isso significaria mais
oportunidades de aparecer e crescer enquanto grupo teatral. Tentamos desfazer o mal
entendido, mas ainda restaram dúvidas.
No mesmo dia em que nos apresentamos ao grupo, José falou para as crianças:
Ela pode me tirar daqui a qualquer hora, então vamos se comportar direitinho”. No
mesmo momento explicamos que não estávamos ali para julgar ninguém e que nem
tinha o poder de destituir José de sua função de AC. Mesmo com essas explicações
parece que ele continuou com essa idéia, tanto é que algumas vezes ameaçava as
crianças com a seguinte fala: “oh, ela tá ali anotando tudo”.
Depois de alguns dias de participação nos encontros, percebemos que a nossa
presença deixou de ser percebida como alheia ao grupo, o que normalmente ocorre em
trabalhos etnográficos e de observação participante como esse. As crianças passaram a
nos ver como uma ajudante do AC e o AC também. Mesmo sendo percebida como parte
do grupo, procuramos influenciar o mínimo nas atividades.
Agora que explicitamos a nossa inserção no grupo e partindo do que falamos
sobre o grupo no quinto capítulo, seguiremos para a análise das práticas do AC em
relação às crianças.
José em alguns recreios chamava os outros alunos da Escola para o grupo. Ele
também incentivava os então participantes do grupo a chamarem outros amigos: O
grupo tem poucos meninos, chamem o pessoal da comunidade. Alguém que você veja
que gosta de estar em grupo, que queira participar, que goste do teatro. tem que ter
entre 9 e 13 anos”. Nos encontros, a maioria dos participantes eram meninas, por isso
um apelo do AC por chamarem meninos. Por essa fala os requisitos para participar do
grupo eram gostar de estar em grupo e gostar de teatro”, isso indica uma
importância dada ao coletivo e conseqüentemente à cooperação.
104
Sempre que aparecia alguma criança nova no grupo ele falava da importância
da presença e pontualidade nos encontros. Vemos que a presença e a pontualidade são
fundamentais para a organização do grupo. Quem o faz rigorosamente demonstra um
comprometimento com o grupo. Assim não é possível que os participantes
simplesmente apareçam quando quiserem. É importante as crianças perceberem que o
grupo depende dela, por isso ela não pode faltar. É a socialização de normas sociais e
de certa maneira uma co-responsabilização pela atividade do grupo, faltas e atrasos
prejudicam o funcionamento do grupo. Mesmo assim é um grupo de educação não-
formal, que teria a escolha da participação como um dos seus princípios básicos, mas a
ênfase dada por José a essa questão faz com que o grupo se torne uma obrigação, no
sentido negativo da palavra. Algo que comprova como a freqüência é um tema
recorrente do grupo, é que quando perguntamos a uma criança o que ela aprendeu no
grupo, ela nos disse: “foi a não faltar”.
Mesmo tornando as presenças obrigatórias, em momentos de dispersão das
crianças o AC se utilizava do argumento da voluntariedade na participação, ele dizia:
Gente pode ir para casa, que não interessa pode ir, aqui quem gosta de teatro ou
quer gostar não aqui obrigado”. Mas por outro lado completava: Fica aqui quem
quer, mas quem não vem leva falta”. E o leva faltaacarretava em algumas sanções,
como não ter o seu papel garantido na peça ou não participar de passeios, por exemplo.
Ele usava um sistema de acumulação de pontos, ao qual chamava evoluções”.
Cada tarefa cumprida correspondia a 10 evoluções. Essa pontuação estava marcada na
caderneta. As tarefas podiam ser uma pesquisa sobre teatro para ser feita em casa, uma
redação sobre o personagem que interpretava ou anotações sobre o que viu em um
passeio. Ele pede que cada criança tenha um caderno para as aulas de teatro, para fazer
essas tarefas. No momento de decidir quem ganharia um ingresso para ir a uma peça,
105
por exemplo, se consultava o total de evoluções”. Ao conceder evoluçõesJosé não
avaliava a qualidade das atividades, mas sim se eram feitas.
Em uma ocasião em que José ganhou 5 ingressos para uma peça ele falou que
iria dar para quem merecesse. Nesse caso a caderneta não foi consultada e as escolhas
foram feitas com base nas freqüências aos encontros e qualidade de participação. As
crianças do grupo se diferenciavam qualitativamente na participação das atividades, isso
pelo processo específico de individualização/ socialização, pelo qual estavam passando.
Essa diferenciação qualitativa era usada na escolha dos personagens principais. José
falava: Vamos fazer uma atividade, quem fizer melhor pode ser um papel principal”.
Quando iria começar uma peça nova, ele fazia testes de interpretação. Os testes de
interpretação é um momento de competição entre as crianças, que na visão do AC está
baseada na diferenciação qualitativa.
O AC levava o teatro muito a sério e acabava por esquecer das intenções
pedagógicas da animação cultural. Em um encontro ele falou: não posso só fazer
teatro, se fosse isso, nem a diretora nem o DACD deixaria, tenho que fazer
educação”. Ele disse que pararia por um tempo os ensaios e faria algumas oficinas de
cidadania”. No mesmo dia ele falou bastante sobre respeito ao diferente, ao idoso e ao
deficiente, são falas que socializam o valor cooperativo. No entanto, no outro encontro,
por conta da proximidade das festas juninas, disse que precisariam voltar a ensaiar a
peça do São João. Assim, a maioria dos encontros que presenciamos foram ensaios e
técnicas teatrais. Acreditamos que ele pensa que educaçãoé quando ele passa a falar
sobre algum tema, é a visão dele do papel de professor.
José gostava de falar muito e achamos que considerava isso uma forma de passar
outros conteúdos que não são teatrais para as crianças. As crianças o escutavam até um
determinado momento, mas depois se cansavam e havia uma dispersão. Uma criança
106
disse: cansada professor de ficar sentada, ouvindoe José respondeu: teatro
não é só ensaiar não, tem que aprender também”.
Nos momentos em que José falava e as crianças estavam dispersas ele utilizava
diversas falas para voltar à atenção para si. Ele apelava para a afetividade Olha que eu
posso pedir transferência e ir para uma outra escolae as crianças paravam porque
gostavam dele e não queriam que o grupo terminasse. Em outros momentos era ríspido
e autoritário, ameaçando tirar alguns participantes do grupo: Vou começar a cortar
gente, a cortar quem atrapalha. Que fique pouca gente, mas que seja um grupo
educado, que passa educação através da cultura”. Ele também se queixava do grupo
ser composto de crianças: É difícil trabalhar com criança, tem hora que a gente perde
a paciência e O erro das crianças é insistir na brincadeira, tem hora para tudo, tem
que saber suportar tudo”. O “suportar tudo referiu-se a saber escutar o AC com
atenção. Ele falava: Saiba esperarem momentos, que até nós estávamos cansadas
de esperar, quanto mais as crianças. Ele falava da importância de saber ouvir o outro, o
que é fundamental para a socialização da cooperação, mas ele não dava o exemplo e
eram raros os momentos em que ele deixava as crianças opinarem, ou seja, ele não
ouvia o outro.
José era um referencial para as crianças, era visto como um modelo a ser
seguido. Ele claramente tentava encarnar o papel de professor. José foi uma das crianças
participantes do PAC. Ele mora próximo às crianças. Ele é da mesma classe social que
elas. As crianças vêem isso e percebem que um dia elas poderão ser um AC também. É
nesse sentido que o que é falado por José é levado em consideração pelas crianças, mas
são principalmente as suas práticas que influenciam na socialização dos participantes.
Por todo esse caráter afetivo e de proximidade, as atividades do grupo podem ser
caracterizadas como uma socialização comunitária.
107
Vemos que a relação de afetividade em um tipo de educação não-formal, como a
animação cultural, é um elemento essencial. O AC seria muito mais um facilitador de
atividades, alguém que guia os encontros, mas o para ensinar da mesma maneira que
um professor. É uma relação que exige a não formalidade. No entanto José se referia a
si mesmo como professor, chamando as crianças de alunos e os encontros de aula. Em
certos momentos inclusive usava a autoridade de professor para pedir silêncio: “Quando
o professor fala os alunos têm que fechar a boca”. É a visão do papel de professor que
ele tem.
Animação cultural exige uma relação diferente da relação professor-aluno. É
claro que o AC é referencial, que ele conduz as atividades e que possui um
conhecimento diferenciado a ser repassado, mas ele não é um professor. Nos grupos de
jovens a relação animador e participantes é muito mais próxima. Nos grupos de criança
uma diferenciação maior, por de certa forma as crianças ainda vivenciarem uma
moral da heteronomia
76
. O AC orienta, mas deve ser também companheiro e estimular a
autonomia das crianças, o protagonismo infantil. Em uma capacitação um AC disse: é
um outro método não é aquela coisa tradicional professor-aluno”. Outro AC sugere
uma metodologia para os ACs: é conversar antes de começar o ensaio sobre a vida
dos meninos e no final fazer uma avaliação do encontro, é construir junto com os
meninos”.
Durante o tempo de observação não presenciamos nenhuma conversa em que as
crianças puderam avaliar o processo, os encontros. Contudo, as conversas informais
antes do horário combinado para começar os encontros eram freqüentes. Nesses
momentos as crianças falavam o que tinham feito em casa, na escola e na rua. Era um
espaço para as crianças ficarem a vontade e dialogarem com o AC como amigo.
76
Ver página 26.
108
No final dos encontros, outro momento livre. Normalmente o AC colocava
alguma música, normalmente o brega, o estilo musical tão criticado pela GAC. As
músicas bregas eram as mais pedidas pelas crianças, José também gostava desse estilo
musical, então todos dançavam. As letras das sicas normalmente desrespeitavam as
mulheres e tinham um forte teor pornográfico. Em nenhum momento José fez qualquer
tipo de reflexão sobre as músicas.
A hora da merenda era outro momento livre, em que as crianças se relacionavam
mais entre si e de maneira informal com o AC. Um dia José resolveu fazer uma
dinâmica na hora da merenda. Uma criança recebia uma quantidade razoável de
bolachas e deveria dividir com todos. A segunda deveria fazer a mesma coisa e assim
por diante. No final todos estavam mais ou menos com a mesma quantidade que tinham
recebido da mão do AC. José então disse: essa é uma dinâmica para saber dividir e se
contentar com o que tem”. As crianças se divertiram com a dinâmica. Refletimos que o
saber dividir é estímulo à cooperação, porém, nessa frase está presente um forte
sentimento de conformismo, de acomodação social, de se contentar com o que tem e
não reivindicar seus direitos.
O começo e o final dos encontros e a hora da merenda, são momentos
privilegiados de interação entre as crianças, comentaremos mais sobre isso na próxima
seção. Veremos agora algumas atividades propostas pelo AC durante os encontros. José
sempre fazia aquecimento vocal e alongamento do corpo no começo dos encontros.
Normalmente esses exercícios eram feitos em círculo. A formação em círculo facilita a
comunicação entre todos, sendo assim uma boa formação para cooperação.
Nos momentos em que José estava falando sobre algo, ele também utilizava a
formação de círculo, em pé, sentados em cadeiras ou sentados no chão. Outra formação
usada era a sala organizada em forma de teatro. José dispunha as cadeiras para
109
formarem uma platéia. O palco era delimitado por bancas e havia um espaço reservado
para as coxias.
Na formação de palco vários ensaios foram feitos. José também fazia algumas
brincadeiras com as crianças, ele estando no palco e as crianças na platéia. No palco
José treinava com as crianças a movimentação no palco, colocando alguns objetos em
cena para fazer o cenário da peça. José fazia questão de utilizar palavras do teatro,
quando uma criança perguntou se era um ensaio de roupa, ele disse: não é roupa, é
figurino”. Nesse sentido, vemos práticas de socialização secundária
77
que pressupõem a
aprendizagem de uma linguagem específica, no caso a linguagem teatral.
Algumas atividades de grupo eram propostas, ainda nessa formação de palco.
Em um sábado, por exemplo, que é quando vêm mais crianças, o grupo estava dividido
em pequenos grupos. Cada grupo deveria preparar uma peça. Depois das apresentações
José analisou cada peça, fazendo elogios e críticas para as atuações individuais. Ele é
cuidadoso ao criticar, para não desestimular a criança, mas não deixa de constranger
algumas.
Nesses momentos de atividades em pequenos grupos, percebemos que as
crianças ficam livres para criarem os seus próprios enredos. É um momento em que a
criatividade e a autonomia das crianças são estimuladas. Para socializar o valor
cooperativo é preciso saber trabalhar em grupo. Nos pequenos grupos ao fazer as peças
havia conflitos, mas normalmente o grupo chegava a um consenso e acabava por atingir
o seu objetivo, a apresentação. Esse tipo de atividade é um mecanismo de socialização
do valor cooperativo.
Presenciamos quatro sábados onde a proposta de pequenos grupos fazerem
peças foi utilizada, os temas variavam. Achamos importante relatar um momento
77
Na socialização secundária a criança é capaz de abstrair papéis, o outro generalizado está presente. Ver
Berger e Luckman (1983).
110
desses, que foi tratado diretamente o tema da solidariedade, que está próximo ao
conceito de cooperação aqui utilizado. José dividiu em quatro grupos, cada com um
tema: felicidade, solidariedade, paz e amor. Era para cada grupo representar esses
sentimentos. Os grupos estavam tímidos, então ele acabou dando alguns exemplos para
ajudar. Para o grupo de solidariedade, ele falou de como tratar o diferente: o aleijado, o
cego. A partir dessa atividade percebemos que José entende por solidariedade o tratar o
diferente, principalmente o deficiente.
Além dessas atividades em grupo ele fazia algumas outras dinâmicas teatrais.
José pediu para as crianças repetirem uma poesia, que cada vez com uma maneira
diferente de falar: alto, cochichando, devagar, rápido etc. Esse é um exemplo de
dinâmica teatral, o AC em todo encontro propunha uma atividade diferente.
Com as peças especificamente ele sempre fazia uma leitura do texto. Muitas
crianças tinham dificuldade de ler, então ele incentivava a improvisação: você sabe
quem é seu personagem e mais ou menos o que ele fala, então não precisa ler”. Sempre
trabalhava bastante cada personagem da peça, ele interpretava cada um e pedia para a
criança repetir. Nos ensaios fazia muitas paradas para fazer sugestões e corrigir alguns
erros.
José estava muito preocupado com as apresentações. Ele tinha pressa que o
grupo se apresentasse. Em uma peça, no mesmo dia em que explicou do que a peça
tratava e fez um primeiro ensaio, marcou um ensaio geral com todo o figurino”. Ele
é bastante exigente com as apresentações, o que deixava as crianças nervosas, ele dizia:
“só sobe no palco quando tem certeza que vai fazer bonito”.
Algumas peças interpretadas pelo grupo tratavam de temas bastante sérios, que
acreditamos que não foram devidamente conversados com as crianças. Uma peça falava
111
do tráfico de drogas. Outra peça (“Rádio Novela”) era sarcástica e debochava de temas
sérios como o homossexualismo, o alcoolismo e a violência doméstica.
No último sábado em que fomos observar, as crianças e o AC nos prepararam
uma festa surpresa de despedida. Na festa estavam presentes uma professora do
primário e a vice-direção. O grupo decidiu que queria apresentar a peça “Rádio
Novela”. As educadoras presentes ficaram indignadas com a peça e conversaram com
José, em particular, explicando que o teor da peça não condizia com uma postura
educativa.
Além das observações na escola acompanhamos uma atividade de passeio. José
preparou as crianças dias antes do passeio acontecer. Visitamos dois teatros da cidade.
No mesmo dia do passeio, à noite, José levou por conta própria, cada um pagando a sua
passagem, duas crianças para um teatro para ver a orquestra sinfônica. José nos disse
que foi um pouco parado”, mas que as crianças tinham gostado muito. Essa não foi a
primeira vez nem a última que José saiu com algumas crianças por conta própria, sem
ter a autorização por escrito dos pais. José algumas vezes ganhava ingressos para peças
infantis, falava com as mães e levava as crianças em ônibus de linha. Com certeza todas
as saídas foram proveitosas para as crianças, que em sua maioria nunca tinham entrado
em um teatro antes. No entanto, é preocupante a responsabilidade de José com essas
crianças, sem uma autorização escrita dos pais e sem o conhecimento da direção da
escola e da GAC.
No período junino, José tentou levar todo o grupo em ônibus de linha para se
apresentar em uma outra escola. José não conseguiu o ônibus com a GAC, então pediu
para as crianças trazerem o dinheiro da passagem para irem mesmo assim, a diretora
ficou sabendo e não deixou o grupo ir. No período da colônia de férias o AC levou às
crianças em ônibus de linha para o Parque da Jaqueira, sem o conhecimento da GAC e
112
da direção da escola. Esse tipo de postura demonstra uma vontade muito grande do AC
de levar as crianças para lugares diferentes, mas também mostra a imaturidade do AC,
de levar sozinho um grupo de 20 crianças a locais públicos.
José de vez em quando utilizava o microfone da escola e nos recreios fazia
algumas brincadeiras com os alunos da escola. Ele dava algumas orientações para não
sujar o pátio e respeitar a fila da merenda. Esses momentos eram vistos com bons olhos
pelos professores e pela direção da escola. Outro momento de interação direta com
alguns professores era a recreação que ele fazia nas sextas-feiras com duas turmas da
tarde.
José substituiu professor em sala de aula algumas vezes durante a nossa
observação. Nas vezes que observamos, José falou sobre teatro e mais especificamente
sobre o papel da platéia. Em uma manhã ele estava com três crianças do grupo que
estudavam de tarde, e eles foram para uma turma onde havia outros participantes do
grupo. Nas atuações em sala de aula, José pedia a ajuda dos já participantes do grupo.
José mediou alguns conflitos do grupo. Duas garotas estavam brigadas e não
queriam dar a mão uma para outra, ele mandou uma olhar para a outra e dar as mãos,
depois de um tempo as duas estavam conversando como se nada tivesse acontecido.
José também incentivava o trabalho em grupo nas tarefas de casa: é importante que
vocês se encontrem fora daqui, para ir criando uma amizade”. Esses são exemplos
de práticas que socializam o valor cooperativo. Outras falas que socializam a
cooperação são as que incentivam o respeito ao diferente, como: quando um fala o
outro escuta” e é preciso acolher os diferentes, ver um deficiente como filho de Deus”.
A última fala demonstra uma certa religiosidade do AC. Já discutimos como é
complicado incentivar ou impor qualquer prática religiosa em uma educação que se
pretende laica.
113
Descreveremos agora algumas dinâmicas que claramente socializam o valor
cooperativo. José sugeriu que as crianças com os seus corpos montassem formas de
alguns objetos, como uma cruz, um carro, uma bola. Essa atividade foi bastante
divertida. Todo o grupo se esforçava para juntos formarem algo que mais se
aproximasse com o pedido pelo AC. Alguns mais velhos davam orientações e
posicionavam os menores. Outra dinâmica que demandava confiança do grupo em um
dos seus componentes foi a de formar uma fila, todos com os olhos fechados, o
último da fila com o olho aberto dando as indicações de direções a tomar para a fila
chegar em um determinado ponto. Muitas crianças na fila abriam os olhos de vez em
quando, mas o importante é que a maioria confiou no colega e no final a fila chegou no
seu objetivo. Uma outra atividade parecida foi utilizada: em duplas, um fecha os olhos e
o outro guia e depois inverte os papéis. Todas essa dinâmicas divertem as crianças ao
mesmo tempo em que socializam o valor cooperativo, por estimular a confiança mútua e
por serem práticas em que todos vencem, não há perdedores.
Quando perguntamos diretamente ao AC sobre como ele trabalha com o valor
cooperativo, ele nos disse: Trabalho muito com a confiança. Eu deixo celular,
carteira, dinheiro, bolsa, sem problema com os meninos, eles se sentem responsáveis
pelas coisas de todos”. Na fala está implícita uma concepção de cooperação que tem a
ver com confiança e confiança em que as crianças não roubem. A confiança é essencial
para cooperação. Ainda sobre cooperação ele nos falou de um episódio onde uma
criança se acidentou, dizendo Na vista do perigo é que se conhece os amigos. Ali todos
ficaram sabendo que todos serve pra alguma coisa e que um menino acidentado é um
problema para o grupo”.
José também identifica como momento de cooperação os lanches feitos nos
passeios. No passeio é para cada um levar o seu lanche, mas tem muitos que não levam,
114
José fala para eles dividirem entre si. É uma forma de estimular o compartilhar, que
está relacionado com o cooperar. José nos disse: eu passo pra eles que eles devem
fazer isso fora do grupo também”. Além dessas falas percebemos outros momentos em
que a cooperação estava presente nas falas do AC, como por exemplo: todo o grupo
vai ter um papel na peça, todos aqui são importantes ou todos tem que trabalhar
juntos, começou juntos e vão terminar juntos”.
Depois dessa análise sobre a relação AC e criança, dando um maior enfoque nas
posturas do AC, passaremos agora a analisar como as crianças se relacionam entre si e
como a cooperação está ou não presente nessas relações.
6.3 Entre as crianças
No momento da observação a nossa visão esteve mais atenta às posturas do AC
José. O AC é a pessoa que se destaca no grupo, é ele que comunica mais ao grupo. As
crianças são receptoras do que o AC faz e diz, mas elas dialogam com essas mensagens
e as interpretam a suas maneiras e provocam reações do AC. Além desse diálogo, as
crianças se relacionam entre si. Captamos brevemente algumas interações que são
importantes de serem aqui discutidas.
Quando José começava a falar sobre algo que não interessava às crianças, elas
encontravam uma maneira de fazer alguma outra coisa. Elas conversavam uma com a
outra sobre a novela, por exemplo. Mandavam bilhetinhos e cartinhas declarando
amizade para outras. Faziam desenhos no caderno. Liam revistas. Essas posturas
demonstravam o desinteresse por aquilo dito pelo AC e uma vontade de interagir com
os colegas, o conversar e o mandar bilhetinhos são práticas feitas em conjunto,
cooperativas, que pedem por respostas dos amigos.
115
As crianças sempre pediam por um intervalo para beber água e ir ao banheiro.
Quando o AC as liberavam, elas saiam correndo da sala, bebiam água, iam ao banheiro
e ficavam mais alguns minutos no pátio conversando e brincando entre si. Normalmente
as crianças se organizavam entre grupos de amigos, que tinham a ver com a mesma sala
na escola ou a mesma vizinhança, ou seja, uma socialização comunitária.
Durante toda a observação presenciamos apenas uma discussão entre um grupo
delas. Uma garota disse que sairia do grupo porque as suas amigas tinham falado mal
dela. As amigas falavam que a garota é que tinha falado mal de uma delas e a confusão
estava armada. Durante toda a atividade esse grupinho, que sempre estava junto, foi
polarizado. José tentou conversar com o grupo, mas elas não quiseram. Não sabemos
bem o que aconteceu, mas no final do dia o grupinho já estava em harmonia novamente.
Uma das garotas é vista como babona pelas outras garotas do grupo. Uma
menina nos disse Ela é criancinha, ainda brinca de boneca”. Conversando com a mãe
dessa mesma menina, ela nos disse: Ela não tem muito amigo não. As meninas não se
dão muito com ela”. A garota não perdia um encontro e sempre estava pontualmente na
escola. Acreditamos que o grupo foi um local importante de socialização para ela. A
despeito do falado sobre ela ser babona e criancinha ela fez amigas no grupo.
Alguns conflitos aconteceram por briga para ver quem interpretaria determinado
papel. Uma menina falou para José: Tira esse menino, deixa ser Clara
78
, esse menino
não solta a voz, ele não sabe fazer”. A criança estava defendendo a sua amiga e
tentando excluir o garoto que fazia o papel. Então um menino, o mais velho do grupo, o
de 15 anos, disse: Por que tirar ele? Todo mundo tem que ter uma chance, rapaz”. O
jovem chamou atenção do grupo para importância de dar oportunidade a todos mesmo
àqueles com algumas dificuldades. O garoto continuou no seu papel e Clara ficou com
um outro personagem.
78
Todos os nomes aqui utilizados são fictícios.
116
Outro momento tenso aconteceu quando o grupo se apresentou no sábado para
toda escola. Uma garota tinha saído do grupo para participar de um outro grupo de
educação não-formal da escola. Essa menina foi uma das crianças da platéia que iniciou
uma vaia contra o grupo. O grupo estava bastante ressentido com a garota. A postura
dela demonstrou como ela estava magoada com o grupo, não sabemos o porquê, e talvez
chateada por não estar ali se apresentando.
Tentamos investigar a causa de algumas crianças saírem do grupo. Conversando
com um garoto que tinha saído ele nos disse: os meninos do teatro foram me dizer que
José tinha me cortado, porque eu tinha saído da sala mais cedo, eu não fui mais.
Presenciamos o dia em que esse garoto saiu mais cedo e José falou para o grupo que ele
não interpretaria mais o papel que estava fazendo, pois saiu sem falar nada e não daria
tempo dele ensaiar. Pela forma que José falou isso, de maneira ríspida, algumas crianças
entenderam que o menino não seria mais do grupo. José disse que não foi a sua
intenção, mas que agora o menino não queria mais ir.
Uma outra garota saiu porque José reclamou com ela pelo atraso. Ela ficou
bastante chateada com a forma que José falou com ela, então decidiu sair do grupo e
fazer parte do grupo de dança da escola. Assim o motivo das desistências de algumas
crianças foi a postura de José e não do grupo em si.
É importante dizer que algumas crianças participam do grupo por um desejo de
ser atriz. Uma criança nos disse: “quando crescer vou ser uma atriz, para ser alguém na
vida”. Outra em um momento de conflito entre José e a direção disse: Vou tirar essa
diretora, não vendo que José trabalhando para eu ser uma atriz de novela”. As
mães também compartilham dessa idéia: É uma oportunidade pra eles, né. Quem sabe
eles não viram um ator famoso”. De certa maneira José alimenta esses desejos, ao
divulgar e incentivar a participação em outros cursos de teatro. Ele falava: depende de
117
vocês, serem atores, eu aqui para dar algumas dicas, mas se vocês quiserem podem
seguir carreira”.
A profissão de ator ou atriz é vista como uma possibilidade real de ascensão
social. É perigoso um grupo de educação não-formal alimentar essa idéia, até mesmo
pelo contexto capitalista midiático que reafirma isso. A ascensão social não será
suficiente se feita de maneira isolada, por um esforço próprio ou por sorte. Essa idéia é
individualista e própria do sistema capitalista. A busca por melhores condições de vida
deve implicar em organização coletiva, essa idéia sim corrobora com a socialização do
valor cooperativo.
A competição é um sentimento presente entre as crianças. Nas atividades de
grupo, os grupos ficam se comparando e falam: a gente foi melhor”. A autonomia e a
criatividade das crianças são estimuladas nessas atividades, mas a vontade de fazer
melhor que o outro é o que sobressai. A competição é algo presente em qualquer relação
social, principalmente no contexto de uma sociedade capitalista.
Nem todas as crianças se sentem confortáveis com a autonomia de inventar uma
peça, por exemplo. Uma garota estava bastante impaciente em um desses trabalhos de
grupo. Ela dizia: é bem melhor quando José manda, porque não fica essa bagunça”.
Assim o trabalhar em grupo autonomamente não é uma tarefa fácil e exige posturas de
paciência, diálogo e compreensão do outro. Muitas dessas crianças não estão
acostumadas a exercitar esse tipo de comportamento. A animação cultural pode ser um
espaço justamente para exercitar o desenvolvimento dessa autonomia das crianças.
Quando elas estão entre si, sem a presença de um adulto, a autonomia é exercida
de maneira mais fácil. O grupo cria os seus líderes. Nos momentos de descontração, no
final da aula, por exemplo, as crianças dançavam todas juntas e quando alguém não
sabia, uma outra criança ajudava e ensinava.
118
As crianças do grupo se destacam na escola. A mesma garota que reclamou da
bagunça e preferia a ordem imposta por José, é uma criança extremamente participativa
na escola. É vista pelos professores como boa aluna e junto a uma outra menina, que
também fazia parte do grupo, foram eleitas como delegadas do meio ambiente”de toda
escola. Elas falaram no palco, em um sábado de reposição de aula para toda a escola,
sobre o lixo e reciclagem.
As atividades de grupos, e as peças que eram produzidas pelas crianças mostram
um pouco da visão de mundo que elas possuem. Um grupo, que tinha como tema a
desenvolver a paz, foi bastante dramático, interpretando uma família onde o pai batia na
mãe, que batia nos filhos, até que um dia a mãe tinha que ser levada ao hospital pelo
espancamento e todos chegavam a conclusão de que a paz era o melhor caminho.
Interpretar esse tipo de situação indica a realidade vivida por algumas dessas crianças.
Uma outra peça, que tinha como tema a pobreza trazia a mensagem de que tem
pobre que é digno e tem pobre que rouba. Mostrava uma empregada doméstica
roubando jóias de sua patroa e terminava com a mensagem, de que “devemos ser
dignos”. José também poderia ter explorado esse tema e desfeito o preconceito de que
sempre a patroa é a pessoa boa e a empregada é a malvada que rouba. Assim
percebemos algumas concepções de mundo das crianças participantes.
Ao analisar algumas interações significativas entre as crianças que se relacionam
com a socialização do valor cooperativo, percebemos que são principalmente as
amizades construídas no grupo ou fortalecidas pelas atividades do grupo que mais se
aproximam com a socialização do valor cooperativo.
119
Conclusões
A presente pesquisa teve como intenção responder a pergunta: quais são e como
são desenvolvidas práticas de educação não-formal que socializam o valor cooperativo?
Os indicadores de práticas cooperativas, práticas que de alguma forma socializam o
valor cooperativo, são a resposta de tal pergunta.
Fazendo uma etnografia e uma análise fenomenológica de, principalmente, um
caso do Programa de Animação Cultural, construímos indicadores que permitiram
apreender práticas socializadoras de cooperação, como: atividades realizadas em grupo;
respeito ao outro; respeito às diferenças; ajuda mútua; diálogo; lidar com o outro;
confiança; autonomia para participar nos processos coletivos e não apenas cumprir
orientações; e orientações dadas pelos educadores de estímulo a essas atitudes.
O AC José propiciou oportunidades de socialização do valor cooperativo ao
recorrer a essas práticas, com ênfase para ao respeito ao outro. Vemos também, que por
sua história de vida e por sua compreensão do papel que um professor (ele se via como
tal) deve desempenhar, ele falou mais sobre as práticas cooperativas do que oportunizou
momentos de vivência dessas práticas. Entendemos que a socialização do valor
cooperativo é mais ativa quando os envolvidos vivenciam práticas cooperativas e não
quando eles escutam sobre elas.
Não queremos dizer com isso que o AC não realiza práticas de socialização do
valor cooperativo, nós inclusive as explicitamos no decorrer do texto. Queremos apenas
atentar para o fato de que José está mais preocupado em socializar técnicas teatrais e
falar sobre cidadania do que socializar o valor cooperativo, o que indicaria que o AC é
marcado por expectativas de uma ação docente tradicional.
120
O PAC tem como um dos seus eixos o cultivo de relações solidárias”, assim o
entendimento de valor cooperativo se identifica com o conceito de solidariedade, já que
cooperação para o PAC implica em princípios éticos e empatia. Nas capacitações e nos
documentos percebemos que o tema da solidariedade é poucas vezes tratado de forma
direta. No entanto, o estímulo para participação voluntária e autônoma dos jovens e
crianças nos grupos; o incentivo a formação de grupos culturais; as linguagens culturais
desenvolvidas (que na maioria são facilitadores de atividades coletivas, como por
exemplo, o teatro, a dança e a banda); o apoio ao diálogo entre as linguagens, seja nas
capacitações ou no estímulo a formação dos Núcleos de Animação Cultural nas escolas,
são exemplos suficientes da grande importância e intenção de socialização do valor
cooperativo. Podemos ainda acrescentar a intenção de ser uma educação popular,
militante, que procura mudanças sociais profundas, como facilitadora da socialização do
valor cooperativo, no sentido de estimular práticas coletivas que visem transformações.
O AC José, como foi dito no texto, entende cooperação como confiança e
compartilhamento do lanche, por exemplo. por solidariedade, ele entende o respeito
aos diferentes (deficientes e idosos, para ele), seria algo próximo a compaixão. No
sentido dado por ele, intenção e importância em transmitir o valor da solidariedade,
visto que em diversos momentos o AC explicitou isso. Falamos de transmissão e não
construção, porque o AC se como responsável de transmitir conhecimentos e não
vemos muitas práticas que visem a construção coletiva.
As crianças não explicitaram o que entendem por cooperação, no entanto houve
uma importância dada a práticas que aqui consideramos como cooperativas e uma
intenção de que essas práticas acontecessem mais frequentemente. As crianças falam na
importância da perda de timidez ao tratar os outros, do respeito aos outros, do prazer e
dificuldades dos trabalhos em grupo e sugerem atividades onde todos possam opinar.
121
Assim percebemos que as crianças consideram as atividades cooperativas como
importante e demonstram o desejo de mais momentos em grupo, não os de
descontração (intervalos, hora da merenda e conversas nos começos e finais das
atividades), mas também os de fazerem atividades do teatro cooperativamente, como
por exemplo, as peças.
Remetendo à discussão sobre comunidade e sociedade identificamos relações
comunitárias e societárias nas interações observadas. Percebemos então, que o grupo
pode ser caracterizado, na maioria das vezes, pela socialização comunitária, pelas
relações de afeto e proximidade ali desenvolvidas. também relações societárias no
grupo, principalmente quando a existência de um fim, por exemplo, a formação de
ator, o que demarca o limite da educação não-formal no espaço escolar que visa a
formação individual.
O processo civilizador, descrito por Elias (1994.b), de crescente possibilidades
de individualização está em um estágio de valorização do individualismo. No grupo,
esse individualismo apareceu nos desejos das crianças de ascensão social através da
profissão de ator, o que é legítimo, a procura de saídas, mesmo que individual, da
situação precária em que vivem.
No grupo, observamos poucos momentos de competição, de rivalidade entre os
seus componentes. O que mais se assemelhou a competição foi a briga por papéis
principais, que eram resolvidas pelo AC com a análise do desempenho dos
participantes, e a competição entre os grupos que faziam as peças. José inventava papéis
para que todos pudessem contribuir de alguma forma para a realização das peças e de
uma forma ou de outra elogiava a apresentação de todos os grupos. Nas atividades de
capacitação da GAC, o único momento que presenciamos uma forte competição, foi em
um contexto de seleção de novos animadores. Assim, o contexto societário de
122
individualismo e competição, mesmo estando presente, não é estimulado ou reforçado
nesses ambientes.
As práticas de economia solidária aparecem como contraponto ao
individualismo pregado pelo sistema capitalista. É importante ressaltar que existem
diversas práticas que buscam o valor cooperativo, foi nesse sentido que a discutimos. A
educação popular também aparece como uma indicação de prática que necessariamente
socializa o valor cooperativo ao falar de transformações sociais a partir da
conscientização e de processos coletivos. A educação não-formal e consequentemente o
PAC, tem como principais elementos a voluntariedade na participação, a intenção de
socialização de alguns valores (basicamente os cinco eixos - o resgate da auto-estima, o
cultivo das relações solidárias, o resgate da identidade cultural, o cultivo do meio
ambiente e o exercício da cidadania - no qual o PAC se apóia) e o compromisso interno
com o grupo.
Este estudo de caso instrumental permitiu aprofundar a compreensão das
práticas de socialização do valor cooperativo na educação não-formal e ao mesmo
tempo perceber a presença de valores societários individualistas, como obstáculo a
considerar.
O estudo revela a importância da fomentação da discussão científica a respeito
das práticas cooperativas e de sua indução na educação não-formal, como parte de uma
ciência comprometida com a transformação da realidade social injusta e de exploração.
Para dar serventia social ao estudo, pretendemos apresentá-lo à GAC, talvez em um
momento coletivo de capacitação dos ACs. Gostaríamos também de apresentar o
trabalho na escola estudada.
123
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apresentada ao Departamento de Sociologia da UnB.
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apresentada ao Departamento de Antropologia da UFPE.
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apontamentos históricos no contexto da educação física” in C. L. G. Werneck, &
H. F. Isayama (orgs.). Lazer, recreação e educação física. Belo Horizonte:
Autêntica.
88. www.abcdigital.com.br
89. www.simpere.org.br
128
ANEXOS
I - Roteiros das entrevistas
CRIANÇAS DO GRUPO
Dados Complementares:
A) Nome:
B) Sexo:
C) Idade:
D) Série: Turno:
E) Professora:
F) Profissão dos pais:
Questões:
1) O que você mais gosta de fazer?
2) Quem são seus melhores amigos? Onde você os encontra?
3) Desde quando você faz parte do grupo de teatro?
4) Como você ficou sabendo do grupo?
5) Que tipo de atividades você faz nos encontros do grupo? Dê alguns exemplos?
6) Quais dessas atividades você acha mais importante? Por quê?
7) Quais atividades você mais gosta? Por quê?
8) O que você não gosta de fazer nos encontros do grupo?
9) O que você aprende nos encontros do grupo?
10) Algo mudou na sua vida desde que começou a fazer parte do grupo?
11) Quais as sugestões você faria para os encontros ficarem melhores?
MÃES
Dados Complementares:
A) Nome:
B) Sexo:
C) Idade:
D) Endereço:
E) Grau de instrução:
F) Profissão:
G) Renda familiar média:
129
Questões:
1) Desde quando seu filho(a) faz parte do grupo?
2) Ele(a) já participou de alguma outra atividade extra-classe, além do teatro? Se sim,
qual?
3) Hoje, que outras atividades, além do teatro, ele(a) participa?
4) Como vê a participação de seu filho(a) no grupo do teatro?
5) Desde que seu filho começou a participar do PAC você percebeu alguma mudança no
relacionamento dele(a ) com outros colegas, nas tarefas de casa ou em outras situações?
Ele (a) está mais cooperativo (a)?
6) Você conhece o AC?
7) Você já assistiu a alguma apresentação do grupo ou a algum encontro do grupo?
Como foi?
8) Algo lhe desagrada no grupo de teatro?
9) Que sugestões você faria para o AC?
OUTROS GRUPOS DE EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL DA ESCOLA
Dados Complementares:
A) Nome:
B) Sexo:
C) Idade:
D) Endereço:
E) Grau de instrução:
F) Profissão:
Questões:
1) Qual a linguagem que seu grupo trabalha?
2) O seu trabalho é remunerado? Por quem?
3) Qual o objetivo do seu grupo?
4) Quais os mecanismos para atingir estes objetivos?
5) Como você trabalha com o valor cooperativo com os seus alunos?
130
5) Qual a importância do seu grupo para escola? E para a comunidade?
6) Já fez algum trabalho em conjunto com os outros grupos da escola?
7) Você conhece o AC desde quando? Qual a sua opinião sobre o trabalho que ele
desenvolve na escola?
8) Algo lhe desagrada no grupo de teatro?
9) Você conhece o PAC? Qual a sua opinião sobre o programa?
10)Que sugestões você faria para o AC? E para o PAC?
PROFESSORES DA ESCOLA
Dados Complementares:
A) Nome:
B) Sexo:
C) Idade:
D) Endereço:
E) Grau de instrução:
Questões:
1) Você conhece os grupos extra-classe que atuam no espaço escolar? Quais atividades
eles desenvolvem?
2) Qual a importância destes grupos?
3) Os seus alunos participam de algum desses grupos?
4) Você já assistiu a alguma aula ou apresentação do AC? Qual a sua opinião sobre a
atividade desenvolvida pelo AC?
5) Desde que seu aluno começou a participar do PAC você percebeu alguma mudança
no relacionamento dele com os colegas? O aluno está mais participativo nas aulas? Ele
está mais solidário com os colegas?
6) Algo lhe desagrada no grupo de teatro?
7) Que sugestões você faria para o AC?
131
DIRETORA DA ESCOLA
Dados Complementares:
A) Nome:
B) Sexo:
C) Idade:
D) Endereço:
E) Grau de instrução:
F) Profissão:
Questões:
1) Foi eleita quando?
2) Como é a relação da escola com a comunidade?
3) Quais os grupos extra-sala existem na escola?
4) Qual a importância destes grupos para a formação pedagógica dos alunos da escola?
5) Você acompanhou que ACs? Quais atividades eles desenvolviam? Qual a
importância para a escola do desenvolvimento destas atividades
6) Você já assistiu a alguma aula ou apresentação do grupo de teatro?
7) Qual a sua opinião sobre as atividades desenvolvidas pelo AC?
8) Algo lhe desagrada no grupo de teatro?
9) Você conhece o PAC? Qual a sua opinião sobre o programa?
10) Que sugestões você faria para o AC? E para o PAC?
ATUAIS ACs QUE FORAM ALUNOS DO PAC
Dados Complementares:
A) Nome:
B) Sexo:
C) Idade:
D) Endereço:
E) Grau de instrução:
F) Profissão:
Questões:
1) Qual a linguagem que seu grupo trabalha?
132
2) Qual o objetivo do seu grupo?
3) Quais os mecanismos para atingir estes objetivos? Como você trabalha com a questão
da solidariedade com os seus alunos?
4) Qual a importância do seu grupo para escola? E para a comunidade?
5) Desde quando você conhece o PAC?
6) O que você aprendeu no PAC?
7) Qual a sua opinião sobre PAC?
8) Que sugestões você faria para o PAC?
9) Quais são os seus planos para o futuro, em relação à Animação Cultural?
COORDENADORA DE TEATRO
Dados Complementares:
A) Nome:
B) Sexo:
C) Idade:
D) Endereço:
E) Grau de instrução:
F) Profissão:
Questões:
1) Desde quando é capacitadora do PAC?
2) Desde quando conhece o PAC?
3) Quais são os objetivos do PAC?
4) Por que estes objetivos são importantes?
5) Quais são os meios para atingir os objetivos do PAC, na oficina de teatro? Como
você trabalha com a questão da cooperação?
6) Teria alguma crítica a ser feita sobre os meios de atingir os objetivos do programa?
Quais?
8) Como é a relação do PAC com a PCR?
9) Como é a relação do PAC com o Programa Escola Aberta?
133
10) Qual é a sua opinião sobre AC?
COORDENADORA DO PAC
Dados Complementares:
A) Nome:
B) Sexo:
C) Idade:
D) Endereço:
E) Grau de instrução:
F) Profissão:
Questões:
1) Desde quando está no PAC?
2) Desde quando você está na direção do PAC?
3) Quais são os objetivos do PAC? (explorar a intenção de socialização do valor
cooperativo)
4) Por que estes objetivos são importantes?
5) Quais são os meios para atingir os objetivos do PAC?
6) Teria alguma crítica a ser feita sobre os meios de atingir os objetivos do programa?
Quais?
7) O GAC tem quantos funcionários? Quantos são concursados?
8) Qual é a rotina semanal do PAC?
9) O PAC segue um calendário anual? Como seria?
10) Qual a estrutura da PCR e como o GAC se encontra nela?
11) Como foi o funcionamento do PAC na 1ª gestão de João Paulo?
12) O que mudou agora na segunda gestão?
13) Como é a relação do PAC com a PCR?
14) Como é a relação do PAC com o Programa Escola Aberta?
134
REPRESENTANTE DO ESCOLA ABERTA.
Dados Complementares:
A) Nome:
B) Sexo:
C) Idade:
D) Endereço:
E) Grau de instrução:
F) Profissão:
Questões:
1) Qual é a sua função no Escola Aberta?
2) Desde quando você está nesta função?
3) Quais os objetivos do Escola Aberta? (explorar a intenção de socialização do valor
cooperativo)
4) Por que estes objetivos são importantes?
5) Quais são os meios para atingir estes objetivos?
6) Teria alguma crítica ou sugestão a serem feitas sobre os meios de atingir os objetivos.
7) Você conhece o PAC desde quando?
8) Como é a relação do PAC com a UNESCO?
9) Teria alguma crítica a ser feita sobre o PAC? Quais?
II – Entrevista profunda
ANIMADOR CULTURAL
1) Nome:
2) Data de nascimento:
3) Escola que estuda:
4) Série: Turno:
5) Profissão dos pais:
6) Endereço:
135
7) Com quem você mora?
8) Onde nasceu?
9) Quais escolas estudou?
10) Quais matérias mais gosta?
11) Que atividades extra-escolar já fez? Já fez cursos de teatro? Já participou de
Grêmio Estudantil?
12) O que achou mais importante para a sua formação?
13) Já trabalhou antes de ser AC? Se sim, o que fez?
14) Quando começou a participar do PAC?
15) Quem foram seus ACs?
16) Quando você era aluno do PAC, quais atividades eram propostas para você?
17) Quais as atividades que você hoje considera que foram as mais importantes para
a sua formação?
18) Quais você mais gostava?
19) O que você faria diferente, se naquela época fosse você o AC?
20) Como você prepara as suas aulas?
21) O que você acha das reuniões de capacitação das terças-feiras?
22) Como você trabalha com o segundo eixo do PAC: “o cultivo das relações
solidárias”?
23) O que mudou na sua vida desde que entrou no PAC?
III – Lista de documentos analisados
Como a maioria dos documentos não possuíam data nem local de produção
optamos por colocar apenas os títulos do material. Dividimos os documentos do PAC
nas seguintes categorias:
136
1. Relatos de experiências do PAC:
1.1 Juventude em movimento, um projeto para a vida!
1.2 Meninos, meninas, eu ouvi!
1.3 Meu Projeto para o DACD (feito por um AC).
1.4 Juventude é atitude! Qual é a sua?... (Avaliação do 1º Encontro de Férias
do JEAC).
1.5 Avaliação do II Encontro de Férias.
2. O que é animação cultural:
2.1 Programa juventude, educação e animação cultural – JEAC.
2.2 Animação Cultural: protagonismo juvenil na rede pública municipal..
2.3 Projeto CEAC/JEAC.
2.4 Núcleo de Animação Cultural.
2.5 Programa de Animação Cultural.
2.6 Aos animadores e animadora culturais, com carinho.
2.7 Animação cultural como política pública de juventude.
3. Discussão de variados temas (documentos produzidos pela assessoria da GAC e
materiais de fontes diversas – revistas, livros, Internet, jornais, etc...):
3.1 Férias de Paz.
3.2 Coisas da Grécia antiga e de nós hoje, aqui.
3.3 Adolescentes, jovens, família, mídia, drogas, violência, escola e
animação cultural.
3.4 O sonho de uma terra sem males.
3.5 Baixaria e cidadania.
3.6 Colônia de férias.
3.7 Quais os traços mais marcantes da nossa Juventude.
3.8 A escola e o adolescente.
3.9 Agosto: mês do folclore.
3. 10 Coisas do nosso folclore.
3.11 Paulo Freire: percursos.
3.12 Vigotsky – introdução ao entendimento de suas idéias relacionadas à
educação.
3.13 Jean Piaget – o desenvolvimento da inteligência.
3.14 Afrociberdelia - um movimento chamado mangue.
3.15 Verifique, preveja, planeje.
3.16 Reflexões da postura do educador frente à orientação sexual.
3.17 Oficinas por uma vida melhor.
3.18 Nações africanas.
3.19 Jogos populares.
3.20 Gincanas.
4. Atividades de capacitação para os ACs:
4.1 Relatório JEAC.
4.2 Trabalhando com um texto sobre folclore.
4.3 Núcleo de animação cultural.
4.4 Lista de comportamentos (relação de gênero).
4.5 Avaliação e planejamento.
4.6 Roteiro de avaliação da Mostra Cultural Dona Santa.
4.7 Formação continuada de ACs.
5. Materiais de outras entidades distribuídos pela GAC:
5.1 Orçamento Participativo, OP Criança.
5.2 Orçamento Participativo.
137
5.3 Portadores de deficiência mental conquistam inclusão na sociedade a
partir do contato com a natureza.
5.4 A escola que é de todas as crianças.
5.5 Indisciplina: falha do professor ou crise de autoridade.
5.6 Mobilização para II Conferência Nacional Infanto-Juvenil do Meio
Ambiente.
5.7 Ensinar bem é saber planejar.
5.8 O E.C.A. fala dos direitos fundamentais da criança e do adolescente.
5.9 PIPA informativo.
6. Documentos encaminhados para Prefeitura da Cidade do Recife:
6.1 Animação cultural: direito da juventude dever do Estado. (03 de
setembro de 2004).
6.2 Animação cultural: direito da juventude – dever do Estado. (22 de
novembro de 2004).
7. Outros documentos analisados foram:
7.1 Censo demográfico do Recife;
7.2 Documentos da escola (Regimento e Projeto Político Pedagógico);
7.3 Resumo do Projeto Escola Aberta.
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