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trocas mercantis e, conseqüentemente, para que se constitua a figura do
proprietário privado desses bens, objetos da circulação. [...] É a esse ato de
vontade, constitutivo da categoria de sujeito de direito, que Marx empresta
importância decisiva, pois é ele que, ao possibilitar as trocas mercantis,
estabelece as premissas do modo de produção capitalista, ao mesmo tempo
em que permite revelar todo o segredo da forma jurídica. Diz Marx, em O
capital: ‘As mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar.
Devemos, portanto, voltar a vista para seus guardiões, os possuidores de
mercadorias. As mercadorias são coisas e, conseqüentemente, não opõem
resistência ao homem. Se elas não se submetem a ele de boa vontade, ele
pode usar da violência, em outras palavras, tomá-las. Para que essas coisas se
refiram umas às outras como mercadorias, é necessário que os seus guardiões
se relacionem entre si como pessoas, cuja vontade reside nessas coisas, de tal
modo que um, somente de acordo com a vontade do outro, portanto cada um
apenas mediante um ato de vontade comum a ambos, se aproprie da
mercadoria alheia enquanto aliena a própria. Eles devem, portanto, reconhecer-
se reciprocamente como proprietários privados. Essa relação jurídica, cuja
forma é o contrato, desenvolvida legalmente ou não, é uma relação de vontade,
em que se reflete a relação econômica. O conteúdo dessa relação jurídica ou
de vontade é dado por meio da relação econômica mesma, As pessoas aqui só
existem, reciprocamente, como representantes de mercadorias e, por isso,
como possuidores de mercadorias’. O homem transforma-se em sujeito por
meio de um ato volitivo: é a expressão do seu ‘querer’ que permite a ele
estabelecer com outros homens, portadores de uma vontade igual à sua, uma
relação consensual de reciprocidade. Esse elemento de ‘equivalência subjetiva’
corresponde ao elemento de equivalência material, isto é, à troca das
mercadorias na base da lei do valor. [...] Se, portanto, é a troca que constitui a
liberdade do homem, podemos dizer que quanto mais se alarga a sua esfera de
comercialização, mais livre então pode ele ser, de tal modo que a expressão a
mais ‘acabada’, a mais completa, a mais absoluta de sua liberdade, é a
liberdade de disposição de si mesmo como mercadoria. [...] ‘O direito subjetivo
sendo direito da pessoa e não encontrando a sua eficácia a não ser no
consentimento, põe a relação vontade-liberdade do seguinte modo: a liberdade
do homem é o seu livre consentimento. A liberdade sendo feita vontade – de
divulgar ou não minha vida privada, que é minha liberdade – e esta liberdade
não sendo outra coisa que aquela de contratar – e, notadamente, sobre mim
mesmo –, eu devo, em minhas relações com o outro, aparecer como
proprietário de mim mesmo, porque eu sou livre de mim mesmo. (NAVES, 2000,
p. 65-67)
Que o reconhecimento da personalidade, do direito subjetivo é importante para o
surgimento do capitalismo, isso é inegável. Contudo, mesmo sendo o capitalismo uma
forma de exploração, a humanidade conseguiu grandes avanços durante os últimos
séculos, reconhecendo não apenas direitos individuais, como esses do início da Idade
Moderna, mas os referidos direitos viabilizaram a concepção de novos direitos, inclusive
a tentativa de mudança da igualdade formal para a igualdade real.
A análise do pensamento marxista se faz necessária, principalmente é a gênese da
crítica à Autonomia da Vontade como um dos marcos do capitalismo. A partir desta