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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CRISTIANO AFONSO NATIVIDADE
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A DELIMITAÇÃO DA AUTONOMIA
DA VONTADE NAS RELAÇÕES CÍVEIS
SÃO PAULO
2010
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CRISTIANO AFONSO NATIVIDADE
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A DELIMITAÇÃO DA AUTONOMIA
DA VONTADE NAS RELAÇÕES CÍVEIS
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial para a obtenção do título de mestre.
ORIENTADOR: Prof. Dr. José Carlos Francisco
São Paulo
2010
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N278p Natividade, Cristiano Afonso
Princípios constitucionais e a delimitação da autonomia
da vontade nas relações cíveis / Cristiano Afonso Natividade. –
São Paulo, 2010.
148 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico)
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010
Orientador: José Carlos Francisco
Bibliografia: f. 143-147.
1. Direito Civil-constitucional. 2.Autonomia da vontade.
3. Autonomia privada. 4.Princípios constitucionais. I. Título.
341.2
CRISTIANO AFONSO NATIVIDADE
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A DELIMITAÇÃO DA AUTONOMIA
DA VONTADE NAS RELAÇÕES CÍVEIS
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial para a obtenção do título de mestre.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Prof. Dr. José Carlos Francisco – Orientador
Universidade Presbiteriana Mackenzie
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Fabiano Dolenc Del Masso
Universidade Presbiteriana Mackenzie
______________________________________________________________________
Prof. Dr. José Levi do Amaral Júnior
Universidade de São Paulo
Resumo
A Autonomia da Vontade tem sido alvo de críticas e exaltações ao longo da história,
sendo ainda hoje um dos princípios mais importantes e mais controversos.
A sua validade é incontestável, tanto para o contrato quanto para a livre iniciativa, mas
os riscos de se valorizar esse princípio sem restrições se mostrou perigoso e por
diversas vezes danoso.
Este trabalho tende a procurar a real situação atual do princípio citado, mas sobretudo
tende a relacioná-lo com os Princípios Constitucionais, de forma a verificar como estes
princípios foram determinantes para a atual conjuntura da Autonomia da Vontade, bem
como qual é a relação destes princípios com a Autonomia da Vontade na atualidade.
Palavras chave: Direito Civil-Constitucional, Autonomia da Vontade, Autonomia Privada,
Princípios Constitucionais, Aplicação Direta da Constituição, Eficácia dos Princípios
Constitucionais nas Relações Privadas
Abstract
The autonomy of will has been the target of criticism or exaltation throughout the history
what is still today one of the most important and controverted principles.
Its validity is incontestable for both the contract and the free initiative, but the risk of
giving value to that principle without restrictions has already been dangerous and
prejudicial.
This work seeks the real and current situation of the mentioned principle and above all
tries to match it with the constitutional rules in order to learn how they were decisive for
the autonomy of will conjuncture and also to know the relation of these rules with the
autonomy of will at present time.
Furthermore, this work shows some situations to exemplify where the Constitutional
Principles act straightly in the civil relations molding the autonomy of will.
Key words: Civil and Constitutional Law, Autonomy of Will, Private Autonomy,
Constitutional Principles, Direct application of the constitution, Efficacy of the
Constitutional principles in the Private Relations.
Sumário
Introdução ........................................................................................................................ 6
1. Autonomia da Vontade e sua delimitação: do Estado Liberal ao Estado Social......... 10
1.1 – O sujeito de direito ............................................................................................. 10
1.2 – O jusnaturalismo e o positivismo ....................................................................... 11
1.3 – O conflito entre o liberal e o social ..................................................................... 13
1.4 – A Autonomia da Vontade: um conceito delimitado ............................................ 19
1.5 – Autonomia da Vontade, Autonomia Privada, Autodeterminação ou Livre-
iniciativa? Precisão Terminológica .............................................................................. 24
2. Hermenêutica civil-constitucional ............................................................................... 33
2.1 – A hermenêutica clássica .................................................................................... 33
2.2 – A Interpretação Tópica ....................................................................................... 37
3. A aplicação direta dos Princípios Constitucionais e a delimitação da Autonomia da
Vontade .......................................................................................................................... 43
3.1 – Os Princípios Constitucionais e o Código Civil de 1916 .................................... 45
3.2 –Os Princípios Constitucionais e o Código Civil de 2002 ..................................... 47
3.3 – Os Riscos da aplicação direta dos Princípios Constitucionais ........................... 49
3.4 – A Ponderação de Princípios e a Proporcionalidade ........................................... 56
3.5 – A peculiaridade das Relações Privadas ............................................................. 59
3.6 – Os benefícios de se interpretar o Código Civil e a Constituição de forma
harmônica ................................................................................................................... 63
3.7 – O peso da Autonomia da Vontade na Ponderação ............................................ 64
4. Autonomia da Vontade e Cidadania ........................................................................... 71
5. A Socialização do Direito Civil .................................................................................... 76
6. Autonomia da Vontade e os outros princípios ............................................................ 91
6.1 – Autonomia da Vontade e o Princípio da Livre Iniciativa ..................................... 94
6.2 – Autonomia da Vontade e o Princípio da Liberdade ............................................ 94
6.3 – A Isonomia e a Autonomia da Vontade.............................................................. 98
6.4 – Princípio da Solidariedade e Autonomia da Vontade ....................................... 102
6.5 – Autonomia da Vontade e os outros princípios contratuais ............................... 103
7. A Função Social do Contrato como ferramenta para o uso de Princípios
Constitucionais ............................................................................................................. 115
8. Casos concretos nos quais a Autonomia da Vontade é delimitada pelos Princípios
Constitucionais ............................................................................................................. 120
8.1 – A jurisprudência alemã .................................................................................... 120
8.2 – A experiência americana ................................................................................. 123
8.3 – O caso francês de arremesso de anão ............................................................ 126
8.4 – As Advertências de Canotilho .......................................................................... 129
8.5 – A Jurispridência do STF ................................................................................... 135
Conclusão .................................................................................................................... 139
Referências Bibliográficas: ........................................................................................... 144
6
Introdução
Os Princípios Constitucionais são de extrema relevância para sociedade e para os
diversos ramos do Direito.
Após a Constituição de 1988 a doutrina passou a utilizar a Constituição de forma
maximizada, procurando irradiar a Constituição em todas as áreas do direito, prezando
pela manutenção dos ideais contidos na Carta Magna.
No Direito Civil essa idéia de irradiar a Constituição por todas as relações jurídicas
sofreu, e vem sofrendo, resistência por parte da doutrina. Contudo esta corrente vem
ganhando muita força, as faculdades começam a desenvolver o assunto em cadeiras
de pós-graduação e, cada vez mais, a Constituição Federal é usada no Direito Civil
para fundamentar entendimentos.
O Princípio da Autonomia da Vontade foi escolhido para ser o objeto do trabalho por ser
o ponto mais controverso da temática exposta acima, por ter sido historicamente
indicado como o fator que mais prejudica a sociedade, sendo através da acentuação da
desigualdade ou por exacerbar o individualismo.
De fato a vontade humana é ilimitada em sua amplitude, podendo atingir coisas
benéficas e maléficas. Cabe à legislação e à sociedade suprimir a vontade danosa e
incentivar a benéfica.
Por outro lado, quem não admita a possibilidade de aplicação direta dos Princípios
Constitucionais por entender que a Autonomia da Vontade deve ser respeitada, sendo
muito danosa à democracia e aos direitos individuais a intervenção estatal na esfera
das liberdades individuais.
7
O que motiva a elaboração deste trabalho é o questionamento de por que a Autonomia
da Vontade deve ser tida como benéfica ou maléfica?; por que a convivência deste
princípio com os Princípios Constitucionais não pode ser harmônica? e principalmente,
por que o Código Civil e a Constituição Federal não podem ser harmônicos, que o
primeiro foi elaborado com base no segundo?
Portanto, este trabalho trará o que é mais relevante na trajetória da Autonomia da
Vontade, desde a valorização do sujeito até a valorização do social, até chegar ao
patamar alcançado hoje.
Tendo sido ressaltada a importância da Autonomia da Vontade e os riscos, aos quais
ela expõe à sociedade, passaremos a tratar sobre a Hermenêutica Civil-Constitucional,
ponto de intersecção entre a Autonomia da Vontade e os Princípios Constitucionais.
Traremos as diferentes formas de se interpretar o Código Civil e a Constituição,
principalmente no que tange ao relacionamento entre os dois.
Não que se falar em uma forma apenas de se interpretar a Constituição e o Código
Civil, motivo pelo qual, além de tratarmos de hermenêutica, traremos a diferença de
interpretação da Constituição Federal em relação ao Código Civil de 1916 e o Código
Civil de 2002.
Contudo a grande temática referente a essa interpretação diz respeito ao que
estávamos tratando no começo desta introdução, a efetividade dos Princípios
Constitucionais para delimitar a Autonomia da Vontade. A matéria não é unânime nem
mesmo entre os publicistas, muito menos em relação aos doutrinadores de Direito Civil.
Não se nega, pelo menos não entre os publicistas, a efetividade dos Princípios
Constitucionais e sua aplicabilidade, mas o que se discute é a forma e dimensão que
isso deve ser usado. Quanto aos civilistas, alguns ainda resistem a essa efetividade,
mas o ponto comum, entre as publicistas e civilistas é que a aplicação direta da
Constituição Federal nas relações privadas é diferente desta aplicação em relação ao
direito público.
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Dizer que algo é peculiar não quer dizer que é vedado. Entender as peculiaridades das
relações privadas e as ferramentas do digo Civil faz-se imprescindível para que seja
salutar a efetivação dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Não basta dizermos neste trabalho que os Princípios Constitucionais são legítimos para
delimitar a Autonomia da Vontade se não for de antemão advertido que esta aplicação
direta da Constituição Federal deve ser feita com cautela e, principalmente, apenas
quando for necessário, e nunca a esmo, em uma investida no sentido de contrariar a
norma infraconstitucional em razão de uma convicção pessoal do julgador.
Superada a discussão concernente à validade da aplicação, cabe a nós ressaltarmos o
caráter de cidadania presente na Autonomia da Vontade, a conquista de direitos que
culminou com a efetivação deste princípio e a subjetividade característica dele e
curiosamente, ausente em regimes ditatoriais.
Demonstrado o caráter pertinente à cidadania, o que poderia parecer impossível para
aqueles que vêem a Autonomia da Vontade como pivô dos males sociais, resta-nos
demonstrar o que essa socialização das relações privadas fez com o Direito Civil,
dando-lhe novas feições, tornando-o um Direito Civil voltado para a sociedade,
desmistificando aquele conceito de relatividade dos efeitos do contrato, reconhecendo
que o contrato envolve não só as partes, mas toda a sociedade.
Desta forma podemos ver a convergência, proposta anteriormente, da Autonomia da
Vontade com os Princípios Constitucionais, demonstrando que esta delimitação notória
é salutar ao próprio Princípio da Autonomia da Vontade, que, dessa maneira, pode ser
exercido de forma muito mais eficaz em uma sociedade que preza pela igualdade,
dignidade humana e solidariedade.
Ao contrário do que possa parecer, Autonomia da Vontade não é a vontade de um
contratante, mas a vontade de todos os contratantes. Quando dizemos que a
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Autonomia da Vontade encontra a sua plenitude na igualdade e respeito social,
dizemos que o contrato desigual ou injusto foi celebrado com vício da vontade daquele
que não podia discutir o contrato de forma ampla, ou seja, prevaleceu uma vontade em
detrimento da outra.
Reconhecido então o evento de socialização do Direito Civil, pode-se verificar, no
âmbito dos contratos, como os princípios se relacionam e a vontade constitucional
presente naqueles princípios.
Ao fim do trabalho, antes de dar-se a conclusão, é de bom tom analisar alguns casos
em que a delimitação da Autonomia da Vontade por Princípios Constitucionais é feita
de forma direta e como deve ser feito o exercício de ponderação de princípios para que
haja harmonia entre eles, sem que um seja suprimido em virtude de outro.
10
1. Autonomia da Vontade e sua delimitação: do Estado Liberal ao Estado Social
A Relevância do tema deste trabalho é notória. Historicamente a Autonomia da Vontade
tem sido usada com louvor ou repulsa, sempre alvo de críticas e elogios, tanto que vêm
se modificando muito e passando por transformações, ao longo do tempo, capazes de
fazer refletir sobre qual é o estado atual do princípio objeto deste trabalho.
O princípio da Autonomia da Vontade tem sua gênese juntamente com o negócio
jurídico, na Antiguidade. Contudo, coincidentemente ou não, o princípio da Autonomia
da Vontade ganhou força com a luta pela cidadania na Idade Moderna, com a idéia
burguesa de liberdade de contratar, igualdade formal e fraternidade.
1.1 – O sujeito de direito
A idéia de sujeito nasce no fim da Idade Média, surgindo, juntamente com essa idéia
um conceito de Autonomia da Vontade mais próximo dos dias atuais do que aqueles
constantes nos contratos da Antiguidade.
Francisco Amaral (2006, p. 352) diz que o cristianismo coloca o homem no centro das
reflexões de ordem religiosa, filosófica e social e dogmatiza, no direito canônico, a
declaração de vontade como fonte de obrigações jurídicas. O contratante é obrigado,
por sua própria consciência, a respeitar a palavra dada, o que implica a necessidade de
o consentimento dos contratantes não estar viciado, donde a importância dos vícios do
consentimento da teoria do negócio jurídico. É importante também que não se configure
o enriquecimento injusto, donde as idéias de lesão e de usura consagrada pelos
canonistas. É preciso, enfim, que não se tenha dado a palavra por nada ou por uma
causa ilícita ou imoral, donde a origem da teoria da causa, tão importante no regime
dos contratos. Reconhecendo como pecado a violação da palavra dada, o direito
canônico consagra ainda o acordo de vontades como fonte de obrigações morais e
religiosas.
11
Ainda, segundo Francisco Amaral, com os glosadores, principalmente Bartolo de
Saxoferrato, firma-se o princípio da Autonomia da Vontade no direito internacional
privado, reconhecido aos particulares o poder de escolher a lei aplicável aos seus
contratos. A vontade particular passa a estabelecer o critério de solução dos conflitos
de leis em matéria contratual e, assim, a ser fonte de direito, o que vem a ser aceito no
direito civil, que também reconhece a vontade particular como poder de estabelecer as
regras de atuação jurídica, pelo menos no campo das obrigações, como disposto no art.
1134 do Código francês, segundo o qual “as convenções legalmente estabelecidas
fazem lei entre as partes”.
1.2 – O jusnaturalismo e o positivismo
É, contudo, na Idade Moderna que a Autonomia da Vontade alcança o seu ápice, tanto
com o jusnaturalismo quanto com o positivismo.
O Direito Natural teve como sua versão inicial a filosofia de São Tomás de Aquino, que
falava sobre uma categoria de direitos que são de origem divina, mas diz respeito à
natureza. É divina porque vem com a criação, mas não trata de assuntos divinos como
os cânones, espiritualidade e etc.
A idéia trazida por São Tomás, e usada pelo jusnaturalismo em parte, diz respeito a um
direito que rege a humanidade, mas que não é feito pelo homem. No momento da
criação Deus fez a humanidade e com ela diversas leis comportamentais e que não
dizem respeito à eternidade, mas à vida terrestre. Para São Tomás essas leis são
identificadas na Bíblia, no Antigo Testamento e nos ensinamentos do Evangelho.
As leis naturais tomasianas não são exatamente como um Código ou uma Constituição,
contêm regras e sanções diferentes daquelas que conhecemos, elaboradas pelo
Estado.
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Um exemplo de lei, retirada da Bíblia, à qual São Tomás faz referência é: Honra teu pai
e tua mãe para que tenhas vida longa sobre a terra e sejas feliz. Note que a regra
comportamental é respeitar os genitores, regra incomum nas legislações. A sanção é
ainda mais incomum: quem desrespeitar seus genitores morrerá mais cedo e terá uma
vida infeliz.
Obviamente que usou-se um trecho que não tem a ver com o tema proposto e muito
menos com direito, para demonstrar-se que as leis tomasianas são de origem teológica,
mas como na época havia carência de juristas essa teoria foi usada para legitimar um
pensamento trazido até hoje nas discussões entre juristas.
As leis naturais tomasianas também traziam coisas pertinentes ao direito, como regras
de homicídio e adultério.
Posteriormente a burguesia usará esse conceito de direito natural, mas dessa vez não
provida por Deus, mas pela razão. O jusnaturalismo do qual trata a doutrina do Direito é
esse jusnaturalismo burguês que embasará a revolução da burguesia contra a nobreza.
O jusnaturalismo, portanto, vem carregado de direitos civis, de Autonomia da Vontade,
liberdade negocial e direitos de propriedade e sucessão. Quando a burguesia assumiu
o controle político passou a positivar aqueles direitos reivindicados anteriormente. Por
isso podemos dizer que tanto no jusnaturalismo quanto no positivismo a Autonomia da
Vontade é forte, é ponto central do direito. Tanto o é que até os dias atuais a Introdução
ao Estudo do Direito é dada por professores de direito civil, interpretando a Lei de
Introdução ao Código Civil, o que o é tecnicamente correto. A introdução ao Estudo
do Direito é uma matéria autônoma, anterior ao direito civil e muito mais abrangente.
Capaz de ligar as diversas áreas do direito, como será demonstrado posteriormente.
Segundo Francisco Amaral (2006, p. 353), com a escola do direito natural, a idéia da
origem divina do direito substituiu-se pela das liberdades naturais, que se consideram
fundamento e fim do direito. Declara-se que existem leis da natureza descobertas pela
13
razão que devem dominar as legislações. Essas leis fundamentam e favorecem a
sociedade dos homens que é aquela que consiste em dizer que se é obrigado pelo
contrato e porque se quis isso. O contrato é a manifestação da vontade humana, e a
liberdade contratual, uma das liberdades naturais.
Indica o autor que a teoria do contrato social, de Jean-Jacques Rousseau, contribui, no
plano filosófico, para a teoria da Autonomia da Vontade. O homem é naturalmente livre;
a vida em sociedade exige, todavia, certo abandono desta liberdade, mas este
abandono não se concede senão quando livremente consentido, nos limites e nas
condições que este contrato social determinou. Segundo esta teoria, a autoridade
pública tem por base a concordância dos sujeitos de direito, que se unem para formar a
sociedade, abandonando pelo contrato social, uma parte dos direitos que a natureza lhe
tinha dado. A vida em sociedade não seria possível se cada um quisesse exercer ao
máximo sua liberdade, sendo preciso renunciar a alguns direitos pelo contrato social. A
convenção, o acordo, é a base de toda autoridade entre os homens, sendo que a
própria autoridade pública extrai o seu poder de uma convenção.
O direito natural ao qual se referiam os modernos, entre eles Kant, eram a propriedade
privada, a igualdade formal, a liberdade de contratar e a forma da família da época. Os
modernos, assim como os medievais, acreditavam que o direito era eterno, imutável, e
que esses princípios eram intangíveis, tão importantes quanto o direito à vida.
1.3 – O conflito entre o liberal e o social
Segundo a doutrina marxista, no entanto, o conceito de sujeito nasce com o conceito de
mercadoria, sendo este reconhecimento da personalidade jurídica, a igualdade formal e
a liberdade de contratar, essencial para a prática burguesa.
Assim, Pachukanis pode afirmar que no modo de produção capitalista é que
indivíduos adquirem o estatuto universal dos sujeitos. A forma-sujeito de que se
reveste o homem surge como a condição de existência da liberdade e da
igualdade que se faz necessária para que se constitua uma esfera geral de
14
trocas mercantis e, conseqüentemente, para que se constitua a figura do
proprietário privado desses bens, objetos da circulação. [...] É a esse ato de
vontade, constitutivo da categoria de sujeito de direito, que Marx empresta
importância decisiva, pois é ele que, ao possibilitar as trocas mercantis,
estabelece as premissas do modo de produção capitalista, ao mesmo tempo
em que permite revelar todo o segredo da forma jurídica. Diz Marx, em O
capital: ‘As mercadorias não podem por si mesmas ir ao mercado e se trocar.
Devemos, portanto, voltar a vista para seus guardiões, os possuidores de
mercadorias. As mercadorias são coisas e, conseqüentemente, não opõem
resistência ao homem. Se elas não se submetem a ele de boa vontade, ele
pode usar da violência, em outras palavras, tomá-las. Para que essas coisas se
refiram umas às outras como mercadorias, é necessário que os seus guardiões
se relacionem entre si como pessoas, cuja vontade reside nessas coisas, de tal
modo que um, somente de acordo com a vontade do outro, portanto cada um
apenas mediante um ato de vontade comum a ambos, se aproprie da
mercadoria alheia enquanto aliena a própria. Eles devem, portanto, reconhecer-
se reciprocamente como proprietários privados. Essa relação jurídica, cuja
forma é o contrato, desenvolvida legalmente ou não, é uma relação de vontade,
em que se reflete a relação econômica. O conteúdo dessa relação jurídica ou
de vontade é dado por meio da relação econômica mesma, As pessoas aqui
existem, reciprocamente, como representantes de mercadorias e, por isso,
como possuidores de mercadorias’. O homem transforma-se em sujeito por
meio de um ato volitivo: é a expressão do seu ‘querer’ que permite a ele
estabelecer com outros homens, portadores de uma vontade igual à sua, uma
relação consensual de reciprocidade. Esse elemento de ‘equivalência subjetiva’
corresponde ao elemento de equivalência material, isto é, à troca das
mercadorias na base da lei do valor. [...] Se, portanto, é a troca que constitui a
liberdade do homem, podemos dizer que quanto mais se alarga a sua esfera de
comercialização, mais livre então pode ele ser, de tal modo que a expressão a
mais ‘acabada’, a mais completa, a mais absoluta de sua liberdade, é a
liberdade de disposição de si mesmo como mercadoria. [...] ‘O direito subjetivo
sendo direito da pessoa e o encontrando a sua eficácia a não ser no
consentimento, põe a relação vontade-liberdade do seguinte modo: a liberdade
do homem é o seu livre consentimento. A liberdade sendo feita vontade de
divulgar ou não minha vida privada, que é minha liberdade e esta liberdade
não sendo outra coisa que aquela de contratar e, notadamente, sobre mim
mesmo –, eu devo, em minhas relações com o outro, aparecer como
proprietário de mim mesmo, porque eu sou livre de mim mesmo. (NAVES, 2000,
p. 65-67)
Que o reconhecimento da personalidade, do direito subjetivo é importante para o
surgimento do capitalismo, isso é inegável. Contudo, mesmo sendo o capitalismo uma
forma de exploração, a humanidade conseguiu grandes avanços durante os últimos
séculos, reconhecendo não apenas direitos individuais, como esses do início da Idade
Moderna, mas os referidos direitos viabilizaram a concepção de novos direitos, inclusive
a tentativa de mudança da igualdade formal para a igualdade real.
A análise do pensamento marxista se faz necessária, principalmente é a gênese da
crítica à Autonomia da Vontade como um dos marcos do capitalismo. A partir desta
15
concepção foi possível questionar alguns valores que até então não eram postos em
pauta, pelo menos de forma tão ostensiva.
A bandeira levantada pelos liberais (jusnaturalistas ou positivistas) é a liberdade. Em
defesa de uma liberdade de contratar postula-se uma liberdade em todos os sentidos,
de livre iniciativa, de expressão, de locomoção. Gerando frases como: “o ser humano
ou é livre ou não é completamente homem” (POZZO, 1959 apud CAGGIANO, 1995, p.
25).
Não que a liberdade não seja importante e essencial, mas ela foi usada como
justificativa para o capitalismo explorador. A liberdade à qual se referiam era
exclusivamente negocial. Não tinha a grandeza que a ela hoje se atribui.
A igualdade material era, por outro lado, a bandeira socialista, em sacrifício da
liberdade individual. Chegar-se-ia à igualdade material, à eliminação da pobreza, à
fraternidade.
Se a liberdade dos chamados liberais é criticada por camuflar um interesse negocial, o
socialismo também tem seus defeitos. Até hoje não foi implantado sem ditadura. Busca-
se a igualdade material, mas a que preço?
Com efeito, com o advento da revolução industrial, no século XIX, a substituição da
mão de obra humana por maquinário, a busca por novos mercados, produção em série,
e com a divulgação da teoria marxista ficou insustentável a relação entre “oprimidos e
opressores”, surgindo uma nova ideologia, que pregaria a intervenção estatal nas
relações jurídicas e a proteção do mais fraco.
Em 15 de maio de 1961 é publicada a Carta Encíclica Mater et Magister de João XXIII
que, entre outras coisas, lamenta a crescente distância entre as nações pobres e as
nações ricas, a corrida aos armamentos e os apuros dos agricultores; defende a
participação dos trabalhadores na posse, gestão e lucros das empresas; promove o
16
auxílio aos países menos desenvolvidos, mas um auxílio isento de intenções
dominadoras; torna a doutrina social da Igreja parte integrante da vida cristã: convoca
os cristãos a trabalharem por um mundo mais justo.
O professor Carlos Alberto Bittar (2003, p. 117-118) demonstra exatamente esse
momento em que no plano do relacionamento extra-estatal e ditado por fatores vários,
as tensões existentes levam o globo depois à primeira guerra mundial, exigindo
sacrifícios vários aos homens e aos Estados envolvidos. Em conseqüência, geram-se
novas preocupações, dentre as quais avulta a de segurança do Estado e a de
necessidade de fortalecimento da economia, para que se enfrentem crises desse vulto.
Doutrinas exacerbadas advindas do século anterior e pressões locais chegaram a
fazer emergir, no mundo oriental, nova ideologia: a do socialismo, em que o Estado
detinha os meios de produção (intervenção substitutiva) e elaborava planos para a sua
atuação, inserindo-se, assim, a noção de planejamento na economia.
No mundo ocidental, indica Bittar, como solução para a nova problemática, surge outra
posição doutrinária: a do neoliberalismo. Admite-se a intervenção do Estado para suprir
deficiências da iniciativa privada (intervenção supletiva), a qual se inicia no campo
social, pela instituição de normas e organismos de defesa dos trabalhadores,
aceitando-se, em algumas partes, o planejamento estatal. Nesse sentido, verifica-se
melhor instrumentalização do poder central para a condução do Estado e assiste-se à
escalada do Executivo na direção da concentração de poderes. E em razão do princípio
da funcionalidade, o novo posicionamento do Estado encontra na necessidade de
amparo ao economicamente mais fraco e no restabelecimento do equilíbrio nas
relações privadas, a sua justificação.
Esse foi um momento crucial para a nova ótica do princípio da Autonomia da Vontade.
Após uma ascensão do princípio na Idade Moderna e a consolidação de conceitos
como a intangibilidade dos contratos e a soberania da vontade privada, a sociedade se
depara com novos conceitos, como a supremacia do interesse público sobre o privado
17
com a intervenção do Estado e a minoração daquele conceito de Autonomia da
Vontade.
A diferenciação entre o neoliberalismo e o movimento social é clara, o primeiro defende
a intervenção estatal de forma mínima e o segundo defende uma forte intervenção
estatal. Essa diferenciação parece simples na teoria, mas na prática é de difícil
identificação a diferença entre uma política e outra. O que importa é que ambos
defendiam a intervenção estatal na Autonomia da Vontade, o que veio a ser praticado
no século passado.
O sentimento despertado pelas ideologias neoliberal, social e socialista foi o de aversão
ao princípio da Autonomia da Vontade, como se ele fosse o responsável pela
desigualdade social e fosse a materialização do egoísmo, ainda que o neoliberalismo
defendesse a participação nima do estado e os outros movimentos a intervenção
majorada.
Obviamente que a Autonomia da Vontade é essencial ao capitalismo, eu diria que é
praticamente uma cláusula sine qua non, que o capitalismo prevê a subjetividade, a
busca dos ganhos pessoais, de uma forma individual.
Isto posto, a desigualdade é própria do capitalismo, sendo que o desejo da sociedade é
que seja alcançada a igualdade material, ou seja, os homens terem mesma condição
social, formação e condição econômica, diferente daquela igualdade formal, onde as
pessoas são iguais apenas no papel, no pressuposto e não na realidade.
Contudo a desigualdade, segundo Marx, é inerente ao capitalismo, como havíamos
dito, entendendo ele que a única solução para a desigualdade seria a extinção do
capitalismo e, conseqüentemente, do Estado e do Direito.
A relação de exploração capitalista, como lembra Pachukanis, é mediada por
uma específica operação jurídica, a forma de um contrato, ao contrário da
sociedade feudal, em que a completa sujeição do servo ao senhor feudal,
exercida pela coerção direta, não exigia ‘uma formulação jurídica particular’.
18
[...]
Entre esses sujeitos, diz Marx, não nenhuma diferença, pois cada qual tem
com o outro a mesma relação social. Esses sujeitos são sujeitos que trocam, e,
portanto, na condição de sujeito da troca ‘sua relação é a da igualdade’.
[...]
Para Marx, é a troca que põe a igualdade, ao passo que aquilo que leva à troca
põe a liberdade, podendo então concluir que a igualdade e a liberdade ‘não o
apenas respeitadas na troca que se baseia em valores de troca, mas a troca de
valores de troca é a base real, produtiva, de toda igualdade e liberdade’.
(NAVES, 2000, p. 69-71)
Mesmo para aqueles que não comungam da doutrina marxista, é necessário se curvar
para a sabedoria com que esta corrente filosófica critica a sociedade. De fato, a
sociedade atual é egoísta, desigual e exploradora, e a igualdade prevista na
Constituição é apenas formal. Embora a Constituição defenda a minoração das
desigualdades sociais.
Neste momento do trabalho, não estamos fazendo juízo de valor sobre as correntes
filosóficas, mas de se convir que se um dos grandes críticos do capitalismo
reconheceu que a igualdade material é incompatível com o capitalismo, essa busca
pela igualdade deve ser feita de forma cautelosa e estudada.
Estamos dando ênfase para essa temática nessa dissertação porque entendemos que
no capitalismo sempre quem perde é o pobre, o mais fraco. Todo jurista possui um ideal
com a justiça, de tentar proteger aquele que sofre, o fraco, o oprimido.
O que tentamos deixar claro, é que como a desigualdade é inerente ao capitalismo, a
igualdade real nunca virá, ela deve ser buscada com cautela porque o ônus imposto ao
forte muitas vezes é suportado pelo fraco, em razão da dominação política e econômica
presente na sociedade desde a modernidade.
A grande dificuldade enfrentada por este trabalho e pela comunidade científica é como
dar vazão ao capitalismo que é adotado mundialmente, sem alimentar a desigualdade?
19
1.4 – A Autonomia da Vontade: um conceito delimitado
Com a adoção da ideologia social pela Constituição de 1988, foram tomadas medidas
para minorar as desigualdades e proteger o mais fraco. Mudou-se a mentalidade
individualista, crescendo assim, a proteção ao trabalhador, ao consumidor e ao
oprimido de uma forma geral.
Nesse momento, verificando os doutrinadores que a liberdade individual não era mais
aquela advinda da Idade Moderna, onde o princípio da Autonomia da Vontade foi
elevado ao extremo; que os contratos não eram mais celebrados da mesma forma; que
a liberdade de contratar estava sendo restringida pela norma jurídica, chegou-se à
conclusão de que não havia mais princípio da Autonomia da Vontade, mas um princípio
menor, denominado Autonomia Privada.
Em que pese a posição de boa parte da doutrina, como esses que trazemos de forma
esparsa neste trabalho, não nos parece que a Autonomia da Vontade tenha se
transformado em outro princípio, como demonstraremos mais tarde, no item que trata
da terminologia.
O importante é deixar claro que até este ponto sustentamos a persistência da
Autonomia da Vontade contratual no direito brasileiro.
Embora sustentemos esta posição, faz-se necessário agora trazer algumas figuras
contratuais que demonstram que realmente a Autonomia da Vontade contratual está
muito modificada. Diversas formas de contratar foram positivadas, de forma cogente,
tendo em vista preservar algum interesse da coletividade naquele tipo de atividade.
A título de exemplo citar-se-á as figuras mais relevantes nesse sentido, que são os
contratos necessários, regulado, autorizado, coletivo e complexo, explicados de
maneira clara e objetiva por Carlos Alberto Bittar (2003, p. 128-129).
20
O contrato necessário (imposto ou forçado ou imperativo, conforme a doutrina) é aquele
em que a parte está obrigada a celebrar, aquele a que se não pode recusar (exemplos:
concessão de serviços públicos, em que a empresa não pode deixar de fornecer os
serviços nem eleger o outro contratante, mas apenas traça certos requisitos e os
contornos do contrato, que preenchidos, obrigam-na a contratar; em profissões
regulamentadas a impossibilidade de recusa; no seguro que se faz com o contrato de
transporte e outros). Algumas dessas figuras já nos códigos existiam (como o depósito
necessário).
Contrato regulado (ou regulamentado) é o contrato cujo conteúdo está sujeito à
regulamentação legal (exemplo: certos contratos bancários, o leasing, a diferença de
know-how); limita-se, então, o contratante a escolher a outra parte, e isso quando não
exclusiva a atividade.
Contrato autorizado é o que depende de manifestação da autoridade administrativa,
para seu perfazimento (exemplos: a oferta pública de ações, aquisição de controle de
empresas, o contrato de transferência de know-how, o contrato de underwriting, o do
comércio externo, o de constituição de certas sociedades anônimas etc.). Contrato
coletivo é o firmado por determinada categoria profissional, em relações trabalhistas,
com as empresas do setor (como o para o reajuste de salário).
Contrato complexo (ou misto) é o que resulta da união de elementos integrantes de
tipos diferentes ou da combinação de contratos típicos (exemplos: leasing
(arrendamento mercantil, com opção de compra de maquinário), alienação fiduciária,
know-how, engeneering etc).
Paulo Nalin (2006, p. 116) também faz menção a esses tipos de contrato, dizendo que
o contrato paritário ou bilateral, baseado na plena e irrestrita liberdade contratual, nem
de longe se assemelha às modalidades contemporâneas de contratação, dentre as
quais destaca:
21
1. Contrato Coativo ou Obrigatório: a ordem jurídica impõe a contratação, em razão
de um outro contrato preexistente ou de uma situação jurídica de propriedade, o
seguro obrigatório, a prorrogação contratual na locação a prazo indeterminado, a
prorrogação contratual de trabalho determinado (experiência) para indeterminado
etc.
2. Contrato Necessário: relação de oferta permanente de determinados sujeitos
contratuais, sem que possa recusar a contratação com quem quer que seja, são
eles os concessionários de serviços públicos (pedágio, fornecedor de água, luz,
telefone etc.), abastecimento de gêneros de primeira necessidade, os creditícios
de um modo geral (bancários inclusive), transporte coletivo etc.
3. Contrato-Tipo: decorre da contratação freqüente entre certa categoria de
contratantes, que se propõem, em função de uma padronização de relações,
presentes e futuras, como a rapidez e a segurança, para evitar concorrência
desleal, a imprimir uniformidade aos futuros contratos etc.
4. Contrato de Adesão: esta modalidade por sua vez, indiscutivelmente, a mais
emblemática de todas, realmente põe em cheque o contrato paritário, revelando
toda sua crise, pois o contratante não discute os termos contratuais, apenas os
aceita.
Nota-se que esses contratos sofrem uma forte regulação por parte do Estado,
restringindo em muito a Autonomia da Vontade dos contratantes, sendo a maioria
destes pertencentes a outros microssistemas jurídicos, não apenas o direito civil.
Contudo, tratam-se de exceção à regra, casos em que o interesse público é tamanho, e
a fragilidade de um dos contratantes é latente, que o Estado se vê obrigado a intervir na
relação contratual.
22
Não é correto afirmar que inexiste a Autonomia da Vontade, tendo em vista que esta é
requisito primordial para a validade do contrato, mas trata-se de uma minoração
significativa de tal autonomia.
Para Pontes de Miranda (2000, p. 37), se o elemento da vontade é multíplice, alguma
declaração de vontade, ou alguma manifestação de vontade exerce o papel de núcleo,
isto é, de elemento definidor do conteúdo específico do negócio jurídico. Noutros
termos: sem esse elemento, ou o negócio jurídico o seria, ou seria outro negócio
jurídico.
A Autonomia da Vontade, no caso, reside no interesse pelo exercício da atividade e não
em cada contrato específico.
As mudanças contratuais são claras e inegáveis, cabendo aos aplicadores do direito
civil captar as novas tendências e reler os institutos de direito civil, principalmente a
nova face da Autonomia da Vontade.
Para Renan Lotufo (2002 p. 77) a vontade, como requisito indispensável ao ato jurídico,
continua intocável merecendo, portanto, toda proteção legal. Entretanto, é necessário
rever o conceito deste requisito, no momento da validade especificamente quanto às
limitações impostas pelo interesse social, seja ele individual homogêneo, coletivo ou
difuso.
Segundo ele, a proteção ao consumidor trouxe a necessidade de verificar questão
conhecida, como a cláusula abusiva. É verdade que este tema não é novo no Direito
Civil; entretanto o que mudou foi o seu enfoque e a sua extensão. Além de que houve
um entendimento generalizado da necessidade de proteger bens e direitos coletivos ou
difusos, trazendo o velho e conhecido conflito entre o individual e o coletivo.
23
O ponto central deste trabalho, o que motiva a elaboração desta dissertação, é notar
que a Autonomia da Vontade, mesmo com todas as mudanças na história, na doutrina
e na legislação, continua mais pura que nunca.
Parece contraditório assumirmos que a Autonomia da Vontade está modificada,
minorada muitas vezes, até quase inexistente em algumas situações, mas, contudo
está mais pura.
Isso se deve ao fato de termos afastado da Autonomia da Vontade tudo o que seria
prejudicado por ela. O Direito Civil não é mais responsável por todas as relações
privadas.
O empregado, economicamente dependente de seu empregador, possui uma
legislação que o protege, que não os trata como iguais, porque de fato não o são.
O consumidor possui também legislação própria, reconhecendo sua fragilidade por ser
este o custeador da atividade econômica, aquele que em última análise sempre paga
os ônus impostos aos fornecedores.
O Código Civil também regula diversas situações onde pode haver disparidade entre as
partes, restringindo a Autonomia da Vontade onde ela pode ser danosa.
Exatamente por causa disso e dos princípios norteadores do direito a autonomia está
mais pura. Explico.
Antes da Constituição Federal e o Código Civil estarem recheados de princípios como o
da solidariedade, boa-fé objetiva, dignidade da pessoa humana, função social do
contrato, a Autonomia da Vontade era restringida por regras incapazes de prever todos
os abusos que poderiam ser praticados entre os particulares.
24
Com a introdução de novos princípios, ao Código Civil de 2002, reflexo da Constituição
Federal de 1988, os atos praticados sem boa-fé objetiva ou que não atendam a função
social podem ser anulados pelo judiciário. Como será analisado posteriormente, os atos
que contrariem os Princípios Constitucionais também podem ser anulados.
Portanto, não há mais a necessidade de prever todas as situações onde a Autonomia
da Vontade pode ser lesiva, tendo em vista que se o contrato for abusivo basta anulá-lo
com base nos Princípios Constitucionais e do Código Civil.
Esta é a versão mais pura da Autonomia da Vontade, trazendo até um aspecto de
commum law, onde a jurisprudência é utilizada para definir a licitude de ato.
Obviamente que é apenas um aspecto da commum law, que os princípios e diversas
regras estão positivados no direito brasileiro.
1.5 – Autonomia da Vontade, Autonomia Privada, Autodeterminação ou Livre-
iniciativa? Precisão Terminológica
Antes de analisar a diferenciação entre os conceitos Autonomia da Vontade, autonomia
privada, autodeterminação e livre-iniciativa, se é que alguma diferença, se faz
necessário analisar o conceito de Autonomia da Vontade.
Com efeito, dos princípios fundamentais na teoria clássica dos contratos, o
fundamental é o da Autonomia da Vontade que repousa sobre os conceitos
de liberdade e igualdade –, pelo qual as partes livremente se obrigam ou
deixam de vincular-se, fixando as condições que regerão as suas relações, em
razão do respectivo interesse. Significa, pois, o poder de auto-regulamentação
de interesses. (BITTAR, 2003, p. 122)
Em outras palavras, o princípio da Autonomia da Vontade seria a faculdade concedida
ao indivíduo de contratar com quem quiser, sobre o que quiser, se quiser, facultando às
partes a disposição das cláusulas contratuais, desde que não contrarie a ordem pública.
25
À primeira vista, analisando o conceito pragmático trazido por este trabalho parece que
a Autonomia da Vontade é um princípio simples, ligado a uma atividade contratual, sem
qualquer reflexo nas demais áreas do direito, inclusive do direito civil, tratando-se de
uma simples regra de elaboração de um contrato.
Contudo, este conceito é fruto de lutas históricas, não só pelo seu reconhecimento, mas
também pela sua regulação.
Qualquer atividade precisa de regulação, profissões, atividades, e assim o princípio da
Autonomia da Vontade precisa de sua regulação, para não se tornar maior do que
realmente é.
A Autonomia da Vontade, como se pode verificar ao longo deste trabalho, se irradia
pelo ordenamento jurídico por ser uma proteção ao cidadão em relação ao Estado.
Embora o governo zele pelo interesse público, nunca pode ser suprimido o direito do
cidadão de se associar, de celebrar contratos da forma que quiserem, desde que seja
feito com bom senso e boa fé.
Contudo, o que se tem alegado é que a ordem pública se tornou tão preponderante que
suprimiu as outras faculdades, havendo casos em que o contratante não pode escolher
como, com quem ou a forma de contratar, suprimindo-se assim o princípio da
Autonomia da Vontade.
O Professor Claudio Godoy (2007, p. 15) diz que o conteúdo e compreensão do
princípio foi de tal forma alterado que entende-se que o clássico princípio da Autonomia
da Vontade, de fato, tenha dado lugar, hoje, ao que se considera ser mesmo um novo
princípio do direito contratual, qual seja, o da assim chamada autonomia privada.
Fundamenta dizendo que sempre se definiu a Autonomia da Vontade como o poder às
partes reconhecido de regrar suas relações jurídicas, voltadas à satisfação de seus
interesses. Isso em um modelo em que a legitimação dos efeitos surgidos estava na
26
força jurígena da vontade. Para Fernando Noronha, típica dessa noção voluntarista a
concepção de que a Autonomia da Vontade, expressão cuja origem atribui a Gounot,
deveria ser compreendida como “o poder das partes de determinar livremente tudo no
negócio jurídico, que seja lei para elas (voluntas facit legem)”.
Acrescenta ainda Godoy que a liberdade de contratar, quanto mais ilimitada possível,
atendia, verdadeiramente – e mesmo sem se negar a relevância de, em dado momento,
fazer atentar à necessidade de garantia dos direitos individuais em face da atuação do
Estado –, a um reclamo do modelo econômico liberal e capitalista que se estabelecia.
Com efeito, passando a se desvincular a propriedade dos laços feudais, impedia criar
fórmula que permitisse, então, sua circulação. Esse papel quem o desenhou foi o
contrato, instrumento de acesso do estamento social ascendente à propriedade. Mais:
se se modificava o modelo agrário para o comercial e o industrial, a força de trabalho,
antes submetida ao vínculo com o senhor feudal, todavia agora cessado, precisava de
um novo meio de se ligar aos titulares dos bens de produção. A ligação entre o
trabalhador e os meios de produção só é possível pelo acordo daquele e do proprietário
destes. Declarando livre o trabalhador, isto é, reconhecida a propriedade do trabalhador
à sua força de trabalho, isso impõe que lhe seja reconhecida personalidade jurídica e
capacidade negocial, para que ele possa celebrar o contrato pelo qual aquela ligação
se mediatiza, agora necessariamente.
Dessa ausência de limites, como existia anteriormente, passando para o estado atual
da Autonomia da Vontade, regulada, restrita, cheia de impedimentos, superveio,
portanto o que chamamos de caos do contrato, onde os conceitos milenares aplicados
a essa prática são relativizados.
Cabe salientar que a Autonomia da Vontade, como já foi amplamente demonstrado,
possui padrões atuais. O debate entre o individualismo e o coletivismo não é novo,
muito pelo contrário, é uma discussão exaustivamente refletida e, hoje, nos países
ocidentais, já é adotada uma legislação que favoreça o social, não interessando apenas
a vontade das partes.
27
Concordamos que é inadmissível que uma pessoa mantenha, em pleno século XXI, um
discurso individualista da Autonomia da Vontade, porém, também é ultrapassada a
discussão de se socializar a Autonomia da Vontade, tendo em vista que esta está
devidamente regulada e restrita.
Faz-se necessário salientar que o Brasil adota uma sociedade capitalista e que o lucro
é importante para o desenvolvimento da nação. Ninguém investe em um país onde não
seja possível perceber lucros. Por outro lado, trata-se de uma democracia social, onde
o bem comum deve ser buscado a cada instante. um conflito aparente de
interesses, mas apenas aparente, porque a circulação de riquezas é o que possibilita o
investimento no social.
Não se defende, aqui, o conceito da mão invisível do mercado, dizer que ele é auto
regulado ou coisa do tipo, apenas se diz que a circulação de riquezas gera emprego, o
pagamento de tributos para serem investidos na sociedade, e obviamente o lucro.
A liberdade de contratar é tão importante quanto o bem social, como dois remos de um
barco, não se pode privilegiar um e se esquecer do outro, a não ser que as estruturas
sejam mudadas.
Fala-se muito que a atividade humana não deve apenas visar o lucro, mas a circulação
de riquezas é extremamente benéfica para uma sociedade capitalista. Uma terra
cumpre sua função social quando produz, quando serve de moradia, quando se
estabelece uma atividade comercial. Da mesma forma o contrato, cumpre sua função
social quando leva o produto ao seu destinatário e proporciona a circulação de
riquezas.
Obviamente que não se faz referência à busca predatória do lucro, o que seria voltar
aos ideais burgueses modernos, mas é necessário acabar com a idéia de que apenas o
pobre importa; o desenvolvimento, a circulação de riquezas e a livre-iniciativa também
28
são de grande valia para a sociedade. Trata-se do conceito de justiça particular
aristotélico (ARISTÓTELES, 2002) de dar a cada um o que é seu, tratando de forma
igual os iguais e desigual os desiguais na medida de suas desigualdades.
Resta-nos, portanto, manter uma postura sóbria sobre a Autonomia da Vontade, sem
preconceitos, sem interesses, mas buscar a realidade atual sobre este instituto.
Afinal, a Autonomia da Vontade, autonomia privada, autodeterminação e livre-iniciativa
são sinônimos, coisas distintas ou gêneros dos quais os outros são espécies?
Sobre Autonomia da Vontade e autonomia privada o existe uma posição consolidada
na doutrina, tratando alguns autores como sinônimos, outros como um substituto do
outro e ainda há quem diga que os dois são distintos e os termos são atuais.
Orlando Gomes (2002 p. 5) é um dos defensores da mudança de nomenclatura,
segundo o autor o princípio da Autonomia da Vontade foi suprimido e deu espaço ao
novo e enxuto princípio da autonomia privada.
A interferência do Estado na vida econômica implicou, por sua vez, a limitação
legal da liberdade de contratar e o encolhimento da esfera de autonomia
privada, passando a sofrer crescentes cortes, sobre tudo, a liberdade de
determinar o conteúdo da relação contratual. A crescente complexidade da vida
social exigiu, para amplos setores, nova técnica de contratação, simplificando-
se o processo deformação, como sucedeu visivelmente nos contratos em
massa, e se acentuando o fenômeno da despersonalização.
Tais modificações repercutiram no regime legal e na interpretação do contrato.
Mas, como dito anteriormente, a diferenciação não é tão clara quanto parece, como se
verifica abaixo:
Esta diferença está consubstanciada, porque a Autonomia da Vontade tem uma
conotação subjetiva, psicológica, enquanto a autonomia privada estabelece o
poder da vontade, enquanto direito objetivo, concreto e real.
[...]
29
Os direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos precisam ser
harmonizados com o direito individual, sem a perda da identidade das pessoas,
mas preservando o interesse social.
A autonomia privada começa a substituir a Autonomia da Vontade, pois esta
tem como característica o subjetivismo e o caráter psicológico necessitando
ter o direito privado uma função social. (RAPOSO, 2002, p. 84-91)
A diferenciação proposta pelo autor é um tanto quanto confusa, dando a entender que a
diferenciação entre Autonomia da Vontade e autonomia privada é similar à
diferenciação entre a boa-fé objetiva e a subjetiva, como se a autonomia privada fosse
um padrão ético. Essa diferenciação faria sentido se a Autonomia da Vontade não
devesse obedecer, também, um padrão moral e ético. Como analisado anteriormente, a
Autonomia da Vontade sempre foi regulada pela ordem pública e pela moral. Alguns
países com um rigor maior, outros com um rigor menor, mas desde a Roma antiga a
Autonomia da Vontade o é infinita. A Autonomia da Vontade e a autonomia privada
não o um padrão de comportamento, já que o que se verifica atualmente é uma
responsabilidade maior do contratante com o bem social, mas isso não quer dizer que a
autonomia privada, finalisticamente, não vise o bem pretendido pelo contratante, que a
motivação não possa ser meramente egoísta.
A diferenciação, portanto, não tem grande valia prática. Adota-se o termo autonomia
privada para diferenciar da Autonomia da Vontade moderna da contemporânea, mas
chamá-la de Autonomia da Vontade ou de autonomia privada não alterará seu
conteúdo.
Qualquer manual de direito civil, na parte de contratos, di que um dos princípios
contratuais é a Autonomia da Vontade, e ele estará certo. Academicamente, pela lógica
comum dos contratos, a vontade é requisito primordial para a celebração do contrato,
sendo irracional a propositura da mudança dessa metodologia.
Mais prudente seria, portanto, tratar Autonomia da Vontade e autonomia privada como
sinônimos, representando a liberdade de contratar e regular seus próprios contratos,
considerando suas mudanças e limitações.
30
Para evitar confusões nesse trabalho, falando de Autonomia da Vontade e autonomia
privada como sinônimos, se prefere reportar à terminologia primeira, ou seja, da
Autonomia da Vontade. Usaremos autonomia privada apenas quando for estritamente
necessário. Por exemplo, quando citar-se um autor que fala sobre Autonomia da
Vontade, mas o mesmo a classifica como autonomia privada, usar-se-á o segundo
termo, para não se correr o risco de corromper o que o autor quis dizer, que para
esse trabalho a diferença entre os dois princípios não existe, mas para outro autor pode
ser relevante.
Os conceitos de livre-iniciativa e autodeterminação mantêm uma relação mais
harmônica com o princípio da Autonomia da Vontade do que a relação entre esta e o
princípio da autonomia privada. Na verdade, discute-se se a autonomia privada ou da
vontade seria exclusivamente patrimonial, e, portanto negocial, ou se seria geral, se
seria este princípio o da liberdade de agir na sociedade.
O professor Godoy (2007, p. 27-28) reconhece que não se reputa haver motivo
suficiente para circunscrever a autonomia privada ao campo dos contratos se, afinal,
também fora dele se reconhece ao sujeito o poder de determinar a modificação de
situações jurídicas e regrar, ele próprio, as relações daí decorrentes, posto que de
forma sempre coexistente com a incidência das normas de intervenção, garantia da
promoção dos valores constitucionais eleitos como objetivo promocional do Estado.
Isso, em compensação, não significa aceder à concepção de que a autonomia privada
corresponda, em última análise, ao próprio campo dos direitos subjetivos – ou de
qualquer liberdade de fazer ou não fazer o que é lícito ou o que não é proibido. Tal
orientação, depois de explanada, inclusive com indicação de grande messe de
defensores, encontrou justificada crítica na obra de Joaquim de Souza Ribeiro. Na sua
visão, a identificação, a par de favorecer uma anacrônica visualização da autonomia
como ligada substancial ou exclusivamente à vontade do sujeito, parte do equivocado
pressuposto de que autonomia privada e autodeterminação sejam um mesmo conceito.
Mas a verdade é que esta última, mais ampla, confere ao indivíduo a liberdade de agir
31
ou, frise-se, de não agir e, na primeira hipótese, de externar declarações com ou sem
efeito negocial, propriamente, sejam de índole unilateral ou bilateral. a outra, de que
é veículo qualquer negócio jurídico (não só o bilateral), conota um poder ativo com
eficácia reguladora, posto que revelando uma faceta da autodeterminação, da liberdade
individual juridicamente tutelada.
Segundo ele, em rigor, a autonomia privada designa apenas um poder com eficácia
reguladora (ou o ato por que se exercita, ou a esfera em que é reconhecido). Todas as
outras facetas da liberdade individual juridicamente tutelada que não apresentem esse
conteúdo não cabem nesse conceito. Isso também se aplica, a seu ver, à liberdade de
exercício dos poderes concretamente contidos nas posições ativas de que se é titular e,
em especial, nos direitos subjetivos. Para alguns, essa liberdade é ainda manifestação
de autonomia privada, em sentido amplo, pelo que o conceito acaba por abranger todos
os mecanismos jurídicos que conferem, aos sujeitos, liberdade na tutela dos seus
interesses. Sem qualquer vantagem, pois essas manifestações estão suficientemente
cobertas pelo conceito de autodeterminação, e com o inconveniente de reforçar a
tendência de prendê-la a uma única dimensão valorativa (como a Autonomia da
Vontade), o que pode dificultar o necessário atendimento de outras projeções
funcionais e de outros interesses, que não os do titular do poder.
Conclui que não se entende haja mesmo de se identificar a autonomia privada com a
autodeterminação, ainda que esta lhe componha o conteúdo, mas consubstanciar uma
liberdade ampla, juridicamente tutelada, de fazer ou não fazer algo de acordo com a lei,
com ou sem efeito negocial. Na autonomia privada está-se diante de um aspecto
específico da liberdade de ação humana, que é, na sua concepção, a liberdade
negocial, de resto nem só deferida à pessoa natural, mas, igualmente, às pessoas
jurídicas.
A Autonomia da Vontade seria, portanto, a vontade negocial, a liberdade de contratar,
enquanto a autodeterminação seria a manifestação da vontade em uma forma mais
32
ampla. Em outras palavras, a autodeterminação é o gênero do qual a Autonomia da
Vontade seria espécie.
A livre-iniciativa, contudo, tem um caráter mais econômico, seria a liberdade de
empreendimento, de contratar por quê não? seria a definição do capitalismo como
sistema econômico.
O uso da expressão livre-iniciativa para designar Autonomia da Vontade seria
impreciso, mas não seria errôneo, principalmente se o locutor considerar a autonomia
privada como sinônimo de autodeterminação, como os autores citados acima.
Com efeito, é muito difícil delimitar os conceitos de cada vernáculo, tendo em vista que
eles são usados de diversas formas, em diversas áreas do conhecimento. Restringir
esses termos a apenas um aspecto seria como tentar controlar uma língua, coisa que
nunca se conseguiu.
O que importa saber é que esses conceitos estão muito próximos, sempre ligados à
vontade humana, liberdade contratual e patrimonial, igualdade de condições e respeito
do Estado em relação aos atos praticados pelos particulares, desde que não firam a
ordem pública.
33
2. Hermenêutica civil-constitucional
Cientes de que o presente trabalho trata sobre a Autonomia da Vontade e sua
delimitação por Princípios Constitucionais, parece imprescindível trazer à baila a
discussão sobre a atual hermenêutica jurídica, porque de outra sorte o trabalho se
restringiria à constatação legal de que a Autonomia da Vontade sofreu restrições e
demonstrar-se-ia os artigos de lei que fundamentassem essa posição.
Contudo, o objeto desse trabalho é a interligação entre os princípios e a forma como
eles se relacionam. Dessa forma é de suma importância trazer os elementos
hermenêuticos que possibilitarão o diálogo da Autonomia da Vontade com os Princípios
Constitucionais.
É importante salientar que a postura tomada por esse trabalho é diferente da
convencional, trazendo pontos positivos e negativos da hermenêutica moderna,
dificultando em um primeiro momento a identificação da linha adotada, por parecer até
contraditório um trabalho reconhecer a validade e oportunidade da aplicação direta dos
Princípios Constitucionais, contudo primar pelo diálogo com os princípios setoriais por
serem esses mais específicos e conseqüentemente criados para o fato concreto em
pauta.
Antes de prosseguir na explanação do posicionamento a respeito da hermenêutica civil-
constitucional, se faz necessário introduzir-se o tema ao leitor.
2.1 – A hermenêutica clássica
A grande preocupação dos operadores do Direito é a interpretação da norma jurídica,
principalmente no que tange à interpretação civil-constitucional.
34
Até meados da década de 50 do século passado era muito pacífica a idéia de
interpretação e integração da norma, aplicando-se os critérios tradicionais, adotados
pelos grandes doutrinadores, como Kelsen, Bobbio, Clóvis Bevilacqua e outros. Com o
tempo foi-se adotando outras formas de interpretação.
A orientação da hermenêutica clássica pode ser a da interpretação subjetiva, a da
interpretação objetiva e a da livre pesquisa do direito, como ensina o professor
Francisco Amaral, (2006, p. 94-95), dizendo que em termos de hermenêutica jurídica
domina hoje a tese de que o problema da interpretação reflete a concepção
fundamental do direito de cada época e pressupõe o contexto cultural em que o direito
se situa. Seu objeto (o que se interpreta) é não o texto de lei, como a doutrina
tradicional defendia, e era próprio do positivismo jurídico, mas principalmente a regra
que esse texto contém. Seu objetivo (o fim que, com a interpretação, se procura
alcançar) suscita três orientações distintas: a da interpretação subjetiva, a da
interpretação objetiva e a da livre pesquisa do direito.
Explica o professor que para os adeptos da interpretação subjetiva, historicamente a
primeira, o que se pesquisa é a vontade do legislador (voluntas legislatoris) expressa na
lei. Sendo esta uma obra do poder Legislativo, o sentido é o que o autor pretendeu dar-
lhe. Nesse caso, teriam grande importância os trabalhos preliminares à promulgação da
lei. Tal concepção tem graves inconvenientes. Quando a norma aplicável é antiga,
conservada pela tradição, a vontade do legislador originário está, normalmente
superada. Quando o legislador da norma é um colegiado, o Congresso Nacional, por
exemplo, a vontade do legislador é uma ficção.
Para os seguidores da interpretação objetiva não é a vontade do legislador que se visa,
mas a vontade da lei (voluntas legis). Na verdade, não a vontade, pois a lei não tem
vontade, mas o sentido da norma. A lei, promulgada, separa-se de seu autor e alcança
uma existência objetiva.
35
Por fim, ainda com base no texto de Francisco Amaral, para outra concepção, a da
escola da livre pesquisa do direito (Freirecht), o juiz determina a norma, levando em
conta as concepções jurídicas, morais e sociais de cada época. A interpretação jurídica
é, assim, uma atividade criadora da norma, critério ou diretiva para a solução do caso.
O trabalho do jurista, dirigido à solução de problemas concretos, não é uma tarefa
mecânica, mas um raciocínio prático vinculado a um marco normativo. A interpretação
jurídica não é, portanto, de natureza hermenêutica, mas sim de natureza normativa.
Se não bastasse a escolha por uma das três linhas de interpretação, a atividade
hermenêutica possui os seguintes métodos de interpretação: gramatical, lógica,
sistemática, histórica e teleológica.
Silvio Rodrigues (2002, p. 24-26) define a interpretação gramatical como sendo
proceder a um meticuloso exame do texto, para dele extrair a precisa vontade do
legislador; procura-se o sentido exato de cada vocábulo, examina-se a pontuação,
tentando estabelecer o que efetivamente a regra determina.
Segundo ele, se tal interpretação não se mostra capaz de extirpar as dúvidas, recorre-
se à interpretação lógica. Para admiti-la parte-se do pressuposto de que o ordenamento
jurídico é um edifício sistematicamente concebido, de sorte que o texto é estudado em
confronto com outros, a fim de não ser interpretado de modo a conflitar com regras
dadas para casos análogos; examina-se a posição do artigo no corpo da lei, o título a
que está submetido, o desenvolvimento do pensamento do legislador, enfim o plano da
lei.
Ainda segundo Silvio Rodrigues, a interpretação histórica consiste no exame dos
trabalhos que procederam à promulgação da lei; das discussões que rodearam sua
elaboração; dos anseios que veio satisfazer; e das necessidades contemporâneas à
sua feitura. Por vezes, pelo exame desses elementos, consegue-se descobrir qual a
efetiva vontade do legislador.
36
Note que a interpretação histórica está intimamente ligada à interpretação subjetiva.
Por fim, o autor revela que a lei disciplina relações que se estendem no tempo e que
florescerão em condições necessariamente desconhecidas do legislador. Da idéia de
se procurar interpretar a lei de acordo com o fim a que ela se destina, isto é, procurar
dar-lhe uma interpretação teleológica. O intérprete, na procura do sentido da norma,
deve inquirir qual o efeito que ela busca e qual o problema que ela almeja resolver.
Com tal preocupação em vista é que se deve proceder à exegese de um texto.
ainda a classificação quanto ao resultado, podendo ser a interpretação declarativa,
extensiva ou ampliativa e restritiva.
Interpretação declarativa é aquela em que o texto legal corresponde ou coincide com a
mens legis, o espírito da lei. Interpretação extensiva, ou ampliativa, quando a fórmula
legal, a letra da lei, é menos ampla que o espírito, a mens legis. Interpretação restritiva,
quando a letra da lei é mais ampla que o espírito, o sentido da norma.
Em seus clássicos Comentários, escreveu Joseph Story que as palavras de
uma Constituição devem ser tomadas em sua acepção natural e óbvia,
evitando-se o indevido alargamento ou extensão de seu significado. Porém,
nenhuma norma oferece fronteiras tão nítidas que eliminem a dificuldade de
determinar se, na espécie, deve-se passar além ou ficar aquém do que as
palavras parecem indicar. Quando existia congruência plena entre as palavras
da norma e o sentido que lhes é atribuído pela razão, quando coincidem o
elemento gramatical e o elemento lógico, a interpretação será declarativa (cum
in verbis nulla ambiguitas est, nom debet admitti voluntatis quaestio).
Todavia, havendo incongruência entre a interpretação lógica e a gramatical,
caberá ao intérprete operar uma retificação do sentido verbal na conformidade e
na medida do sentido lógico. A imperfeição lingüística, expõe Ferrara, pode
manifestar-se de duas formas: ou o legislador disse mais do que queria dizer,
ou disse menos, quando queria dizer mais. No primeiro caso, impõe-se uma
interpretação restritiva (ou estrita), onde a expressão literal da norma precisa
ser limitada para exprimir seu verdadeiro sentido (lex plus scripsit, minus voluit).
No segundo caso será necessária uma interpretação extensiva, com o
alargamento do sentido da lei, pois este ultrapassa a expressão literal da norma
(Lex minus scripsit quam voluit).
A doutrina, de forma um tanto casuística, procura catalogar as hipóteses de
interpretação restritiva e extensiva. certo consenso de que se interpretam
restritivamente as normas que instituem as regras gerais, as que estabelecem
benefícios, as punitivas em geral e as de natureza fiscal. Comportam
37
interpretação extensiva as normas que asseguram direitos, estabelecem
garantias e fixam prazos. (BARROSO, 2009 p. 121)
Contudo, a grande problemática não reside nessas questões expostas acima, mas
trata-se de uma nova forma de se ver o direito, um novo raciocínio jurídico que muda
completamente os métodos de interpretação e integração normativa.
2.2 – A Interpretação Tópica
Como sugere Luis Roberto Barroso (2009 p. 4-5), falando sobre a interpretação e
aplicação da Constituição, a interpretação constitucional pode ser feita por três óticas
distintas. É possível encarar a interpretação constitucional a partir do sistema, do
primado da norma e da dogmática jurídica tradicional, à qual se adicionam
particularidades exigidas pelo caráter singular da Constituição. A interpretação
constitucional, por via de conseqüência, é uma espécie de interpretação jurídica,
enriquecida por princípios e regras próprias. Este método, que se pode identificar como
método hermenêutico clássico, trata a Constituição como lei, e procura desenvolver sua
força normativa, sem embargo de dificuldades que a peculiar estrutura das normas
constitucionais muitas vezes suscita.
Prossegue dizendo que é possível, igualmente, optar por uma metodologia que valorize
antes o objeto que motiva a interpretação, isto é, o caso concreto ou o problema a ser
resolvido. Nos países onde vigora a tradição do commum law, como nos Estados
Unidos, a ênfase da argumentação jurídica recai, precisamente, na discussão dos
aspectos de fato da causa e na busca do precedente mais adequado, sem que exista
normalmente, a rigidez de uma norma taxativa emanada do sistema. Paralelamente ao
case system norte-americano, desenvolveu-se entre os alemães a tópica, o chamado
método pico aplicado aos problemas, pelo qual se sustenta o primado do problema
sobre a norma jurídica e sobre o sistema, onde a interpretação se apresenta como um
método aberto de argumentação, indutivo e não dedutivo. Nele, a ordem jurídica é
38
apenas uma referência, um dos argumentos, um dos topoi a serem levados em conta
na solução das situações concretas.
Por fim revela que é possível, na interpretação constitucional, voltar os olhos para o
papel do intérprete, as possibilidades de sua atuação e os limites de sua
discricionariedade. Aqui é de grande relevo o aporte trazido pela teoria crítica do direito
e seus desdobramentos, notadamente no seu questionamento da onipotência da
dogmática jurídica convencional e da função ideológica do direito e do intérprete. Abre-
se, assim, um espaço para a discussão da objetividade da norma e da neutralidade de
seu aplicador, e do papel do direito como instrumento de conservação e de
transformação.
A primeira forma citada pelo autor é a clássica, onde a Constituição e o Código Civil
seriam interpretados como leis, com suas hierarquias e especialidades, dando pouca
margem de escolha ao intérprete, sendo beneficiada esta interpretação pela
uniformidade e nem tanto pela justiça.
A segunda e terceira forma de se interpretar a Constituição começou a ser cogitada
pelo surgimento da crise do positivismo. Perceba que já foi falado sobre crise do
capitalismo, crise do contrato e agora crise do direito. As crises sempre fizeram parte da
história, foram momentos de grande crescimento para a população, contudo, as crises
têm sido cada vez mais fortes e as soluções têm sido cada vez menos convincentes e
duradouras.
A crise na hermenêutica jurídica nasce, portanto, da constatação que a lei não prevê
todas as situações e que o mais importante em uma decisão judicial não é a aplicação
da lei que reza a cartilha, mas a aplicação da lei mais justa para o caso concreto.
Contudo, temos o costume de formular métodos de interpretação, como verdadeiras leis
para dar sentido a uma interpretação, como se o senso de justiça devesse passar
39
necessariamente por aquele conceito, é o caso do texto do ilustre ministro Carlos Ayres
Brito (2003, p. 188):
Entre duas interpretações possíveis de uma norma constitucional, portanto,
deve-se prestigiar aquela que melhor assegure a eficácia do princípio que mais
proximamente esteja do ser da Constituição (e tal ser é a Democracia, como
tantas vezes dito). É preciso intuir com essa força de gravidade do ser da
Constituição, porque ele é uma porta aberta para a compreensão de cada
parte da Lei das Leis e de todo o conjunto normativo-constitucional. Se o visual
interligado das partes projeta a imagem do todo, o visual do todo inda mais
aclara a visão de cada parte.
Desde a Antiguidade os homens tendem a buscar regras para o exercício do direito e
da filosofia, vemos que até nas teorias que defendem a abolição das regras,
substituindo-as por princípios, tende-se a torná-las regras, sem preocupar-se com as
peculiaridades de cada área do direito e de cada país que irá aplicá-lo.
E por que uma única solução em vez de soluções múltiplas. Por que uma
deliberação valorativa heterônima da Constituição em nome do “direito de ser
mãe” em detrimento de um esquema processual de negociação corporizador do
“direito da mulher a criar o seu papel” no mundo organizacional das
corporations? Por que a imperatividade da equal protection clause em vez da
singularidade e das diferenças nas relações humanas, justificativas do triunfo
da negociação, da flexibilidade, da adaptabilidade e da permissividade? É bem
de ver que estas interrogações pressupõem um outro mundo: o da
absolutização das diferenças e da singularidade, o da complexidade, da
indeterminação e do relativismo! (CANOTILHO, 2001, p. 114)
Outros, como veremos posteriormente crêem que a coletividade sempre deve ser
favorecida em uma decisão, ou que sempre a Constituição é mais justa que as leis
ordinárias etc. Como se a confecção de leis interpretativas evitasse a injustiça das leis.
Em uma época que se acreditava que a decisão judicial era método justificava-se essa
tendência de sistematizar o raciocínio, contudo, a interpretação e integração normativa
têm seguido outra tendência, a citada no segundo e terceiro parágrafo do texto de Luis
Roberto Barroso (2009 p. 4-5), trazido há pouco, ou seja, a tendência é utilizar cada vez
mais a interpretação tópica e aumentar a discricionariedade do julgador.
Como diz Daniel Sarmento (2009, p. 95), O Direito brasileiro vem sofrendo mudanças
profundas nos últimos tempos, relacionados à emergência de um novo paradigma tanto
40
na teoria jurídica quanto na prática dos tribunais, que tem sido designado como
“neoconstitucionalismo”. Estas mudanças, que se desenvolvem sob a égide da
Constituição de 88, envolvem vários fenômenos diferentes, mas reciprocamente
implicados, que podem ser assim sintetizados: (a) reconhecimento da força normativa
dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do
Direito; (b) rejeição ao formalismo e recurso mais freqüente a métodos e estilos” mais
abertos de raciocínio jurídico: ponderação, tópica, teorias da argumentação etc.; (c)
constitucionalização do Direito, com a irradiação das normas e valores constitucionais,
sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do
ordenamento; (d) reaproximação entre o Direito e a Moral, com a penetração cada vez
maior da Filosofia nos debates jurídicos; e (e) judicialização da política e das relações
sociais, com um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do
Executivo para o poder judiciário.
Para a doutrina clássica o conflito de normas é resolvido com base nas três regras
básicas, a hierarquia, a anterioridade e a especificidade. Esse método é eficaz, muitas
dúvidas podem ser dirimidas usando o critério da hierarquia, anterioridade e
especificidade.
Contudo os direitos sofreram valoração, o que não ocorria anteriormente. Os direitos
em um diploma legal eram uniformes, abarcados ou restringidos simplesmente. A
Constituição Federal, porém, elevou alguns direitos ao patamar de fundamentais, dando
a idéia de que esses direitos fazem parte da fundação do país, essenciais para o
exercício da democracia de forma livre, digna e justa.
Portanto, os direitos passaram a ter primazia em relação ao método, à forma. Um
exemplo claro da primazia do direito ante a forma é o direito do Trabalho. Em sede
trabalhista a legislação utilizada é a mais favorável ao trabalhador, ainda que o texto
usado não seja nem sequer lei, como um acordo coletivo, por exemplo.
41
Obviamente que essa interpretação é feita no direito do trabalho porque a lei
expressamente autoriza, mas nos outros ramos do direito têm-se usado outros diplomas
legais, como a própria Constituição para reger relações jurídicas.
Não se trata, porém, de conflito na concepção clássica. A grande transformação que
está ocorrendo no direito almeja a liberdade na escolha da norma, ignorando a norma
aplicável em função de um princípio constitucional.
Revela Francisco Amaral (2006, p 48-51) que essa revisão metodológica começou com
o livro de Theodor Viehweg, em 1953, Tópica e jurisprudência, com o qual o autor
demonstra ser a ciência do direito marcada por um estilo de pensamento, o
pensamento problemático, “uma técnica de raciocínio que se orienta a partir de e em
direção a problemas”, o que exigiria um método jurídico diverso do até então usado
pelo positivismo jurídico, adequado a outro tipo de pensamento, o pensamento
sistemático. O então chamado pensamento tópico levou à compreensão de que o
instrumento decisivo do método jurídico não é subsunção, mas sim a retórica e o
argumento. A par disso, o direito natural, como referência legitimadora do direito
positivo, teria sido substituído pelos valores e princípios das Constituições, sendo
notória a importância do texto constitucional para a garantia de direitos fundamentais de
natureza privada. Isso teria levado à abertura da ciência jurídica a outras ciências do
espírito, como a hermenêutica, a teoria da linguagem e teoria sociológica dos sistemas.
Dessas contribuições surge uma ciência jurídica marcada pelo pluralismo temático e
metodológico, ciência jurídica simultaneamente hermenêutica e analítico-sistemático.
Hermenêutica no sentido de buscar a compreensão do mundo histórico-cultural em que
se desenvolve o direito, compreensão que só é possível por meio da comunicação e,
por isso, uma teoria compreensiva é o mesmo que uma teoria comunicativa.
O objetivo da hermenêutica jurídica, segundo o autor é demonstrar que a investigação
do direito não é uma subsunção, de acordo com regras lógico-formais fixadas em lei,
mas sim um processo criativo, construtivo e concretizador da norma aplicável ao caso,
que parte da compreensão de que a lei não é unívoca e completa, que sua aplicação
42
não é mera reprodução mecânica. Para a moderna hermenêutica jurídica, as normas
positivas são estruturas lingüísticas abertas, cujo significado não se deixa colher
completamente senão em relação ao caso a decidir, e, portanto, no meio de um
processo de transformação da norma em regra concreta de decisão”. A compreensão
da norma está condicionada à específica relação com a situação de fato a que a norma
deve ser aplicada. Além disso, reconhece-se o papel criador da interpretação jurídica e
considera-se o pensamento jurídico como um “pensamento orientado ao problema”.
Conclui o autor que como efeito desse movimento pós-positivista, passa a ocupar um
lugar central na teoria do direito o tema da decisão judicial que, tido como “fenômeno
central e paradigmático do pensamento jurídico, é analisado à luz da sua motivação e
de sua justificação racional”. Passa a considerar-se que a realização do direito é muito
mais do que um simples silogismo, e que o juiz cria direito, não é só a boca que
pronuncia as palavras da lei.
43
3. A aplicação direta dos Princípios Constitucionais e a delimitação da Autonomia
da Vontade
A elevação de patamar dos Princípios Constitucionais ao nível de normas, e não
apenas normas, mas normas primeiras, normas fundamentais, suscitou grande
discussão nas diversas áreas jurídicas, reformulando a forma de pensar o direito. Os
princípios de direito, especialmente os constitucionais, ganharam força, superioridade
normativa e eficácia, tornado-se vetores do pensamento jurídico.
5.2.8. Em síntese, estava criado o clima constitucional propiciador da dicotomia
básica princípios/regras (ou princípios/preceitos) e o fato é que, à sua dignidade
formal a Constituição adicionou uma dignidade material. E assim recamada de
princípios que são valores dignificantes de todo o Direito, é que ela passou a
ocupar a centralidade do Ordenamento Jurídico, tanto quanto os
princípios passaram a ocupar a centralidade da Constituição. Estrada de
mão dupla, pois o fato é que o reconhecimento da força normativa dos
princípios coincide com o reconhecimento da força normativa da Constituição,
num crescendo que chega à superforça de ambas as categorias.
5.2.9. Por um desses fenômenos desconcertantes que timbram a trajetória
humana, se as Constituições padeciam de subeficácia pelo seu caráter
principiológico, foi justamente pelo seu caráter principiológico em novas bases
que elas passaram a se dotar de supereficácia normativa. E se aos princípios
era recusado o status de verdadeiras normas, agora eles se elevam ao patamar
de supernormas de Direito Positivo. (BRITO, 2003, p. 181)
Essa mudança no raciocínio até hoje faz os autores do direito revisitarem o assunto, a
fim de estudar a eficácia normativa dos Princípios Constitucionais, do Código Civil e
solucionar o conflito aparentemente constatado.
A colocação da Constituição como fonte do Direito Civil revisa uma idéia
reinante no Império Napoleônico, quando o código tinha o monopólio de fonte
do Direito Civil. Aquela idéia foi se transferindo à literatura jurídica, atingindo
frontalmente o sistema brasileiro. (RAPOSO, 2002, p. 77)
O direito civil possui autonomia, seus próprios princípios, sendo matéria apartada das
demais. Contudo, a Constituição de 1988 colocou em xeque essa postura, que traz
em seu bojo normas de direito civil, e sendo reconhecida hierarquicamente superior.
44
A questão remanescente deste momento é a aplicação direta da Constituição e seus
princípios fundamentais nas relações de direito civil. Questão não completamente
consolidada, principalmente entre os doutrinadores civilistas.
quem diga que a aplicação deva ser direta, tendo a Constituição eficácia plena em
todas as relações jurídicas, devendo esta nortear todas as relações.
O pensamento sistemático, na perspectiva civil-constitucional, acaba por ser
convocado para justificar a direta aplicação da normativa constitucional nas
relações interprivadas, mesmo em espaços jurídicos onde exista o regimento
infraconstitucional, gozando de plena validade e eficácia.
[...]
Não sem razão, à luz das premissas que justificam a existência de um sistema
civil codificado, unitário e totalizante (e o Código Civil em vigor não logrou
superar este estigma), surge a dogmática impossibilidade de serem os
princípios jurídicos, e mesmo, as regras constitucionais, diretamente aplicáveis
às relações interprivadas. (NALIN, 2006, p. 26-45)
Para outros, contudo, a Constituição serve como orientadora do legislador, devendo
este levá-la em consideração na hora de elaborar a lei, e a partir daí a norma
infraconstitucional rege plenamente as relações.
Quis o constituinte ampliar o espectro de nossa constituição, exatamente para
direcionar, sob sua ótica, o legislador ordinário, impondo-lhe balizas e limites
claros, definidos e expressos, sobre diferentes temas de cunho político, social e
econômico, a exemplo de outros sistemas ocidentais em que de muito se
têm imiscuído conotações, principalmente sociais, aos esquemas tradicionais,
que reduziam à regulamentação da estrutura do Estado e de suas relações com
os cidadãos em seu território a temática constitucional.
Essa tendência, que se manifestou em cartas que a antecederam, nas reformas
européias, constitui um dos pontos referenciais dos Estados modernos, em que
o predomínio do social é o elemento de fundo, nas assim denominadas
“democracias sociais”. A opção pelos pobres”, que serviu de bandeira para a
ruptura com o militarismo, inseriu-se nessa filosofia o “Estado individualista”
pelo “social”, destinado à obtenção de justiça social. (BITTAR, 2003, p. 19)
Faz-se Necessário discriminar a época em que se está discutindo o assunto para
verificar a necessidade de se aplicar diretamente a Constituição, antes de qualquer
coisa.
45
3.1 – Os Princípios Constitucionais e o Código Civil de 1916
Na entrada em vigor da Constituição Federal, em 1988, o Código Civil vigente era o de
1916. A discussão possuía maior relevância naquele momento, pois havia uma
Constituição em vigor cuja mentalidade era diferente da sustentada pelo então digo
Civil.
Indubitavelmente a Constituição Federal tem como objetivo orientar o legislador
infraconstitucional, mas não só a ele, como toda a sociedade. A Constituição Federal é
o plano diretor do país, ela indica o caminho a ser traçado pela sociedade e
principalmente pelo poder público.
Não resta dúvida de que a Constituição, ao entrar em vigor, revogou tacitamente toda
norma que fosse anterior e contrária a ela. Portanto, era possível usar do texto
constitucional para deixar de aplicar determinada norma e, na lacuna da lei, que
aquela norma havia sido revogada, julgar segundo os Princípios Constitucionais.
Embora houvesse certa resistência esta questão não exigiria sequer a invocação da
interpretação tópica para que a viabilização da aplicação direta dos Princípios
Constitucionais fosse aceita, tendo em vista que a regra hermenêutica usada para isso
é a simples recepção ou não daquele princípio ou regra infraconstitucional. Até o mais
legalista dos doutrinadores deveria notar a viabilidade da aplicação da norma pela
teoria da recepção.
Ademais, a interpretação pica ganhou muita força neste período, entre 1988 a 2002,
até em virtude da forma como o Código de 1916 foi elaborado, com base em uma
Constituição Federal de outra época, sem o caráter social e democrático da Carta de
1988.
46
O Aplicador da lei deve seguir o pensamento ideológico da Constituição e,
conseqüentemente, o da sociedade da época. Não é possível abstrair da realidade e
ficar preso em um texto elaborado tempos, com base em princípios que foram
superados.
Segundo Carlos Alberto Bittar (2003), a interpretação deve perfazer-se não pela letra do
texto, mas pelo espírito da Carta, ou seja, em consonância com a sua índole e a
natureza de seus comandos, que, pelo porte das mudanças ditadas, impunha a
reformulação de todo o direito posto no Código Civil de 1916 e em leis outras de cunho
privado, caracterizadas todas por constituírem normas individualistas, paternalistas e
não-intervencionistas, inspiradas por idéias ora superadas. Em seu lugar, deverão
advir, progressivamente, normas em que a ênfase dos aspectos moral e social, do
princípio igualitário e da intervenção supletiva do Estado esteja presente, em
consonância com a própria vida da sociedade nessa quadra da história da humanidade.
Segundo ele, era necessário que o nosso legislador retomasse e definitivamente a
idéia da edificação de nova codificação civil, fazendo-o à luz das diretrizes expostas na
Carta de 1988, adequando-se, assim, toda a ordenação jurídica da vida privada a seus
cânones (Código e leis especiais). Nessa tarefa, inúmeros reflexos estão-se fazendo
sentir no Código Civil, desde a inclusão dos direitos da personalidade em seu
frontispício (arts. 11 a 21), à redução do limite da menoridade (art. 5º); à reforma do
Direito de Família (arts. 1.511 e ss.); à inserção de elementos morais no âmbito das
relações obrigacionais (art. 186); à previsão de mecanismos de intervenção estatal em
contratos privados (arts. 157 e 478 a 480); à consagração legislativa do princípio da
responsabilidade objetiva (art. 927, parágrafo único), com a teoria da responsabilidade
nas atividades perigosas e outras tantas orientações de vulto, modificando,
sensivelmente, o alcance dos institutos de direito privado.
Portanto, a aplicação direta dos Princípios Constitucionais não era apenas viável, era
necessária, pela valorização do sujeito, da sociedade e da democracia como ideais
primeiros da Carta Magna de 1988.
47
Não se trata de uma crítica ao Código Civil de 1916, mas apenas de uma incongruência
entre alguns pontos dele e a Constituição Federal de 1988, incongruências superadas
pelo Código Civil que o sucedeu.
3.2 – Os Princípios Constitucionais e o Código Civil de 2002
Contudo, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, esse raciocínio passou a
não ser tão fácil, que o citado código assumiu a função de regulamentar as relações
cíveis, de acordo com a Constituição vigente.
O que se deve reconhecer é que existem as duas formas de interpretação, devendo o
estudioso e aplicador do direito reconhecer qual é a forma e a intensidade de cada
interpretação, se a interpretação direta é benéfica para a Constituição e sua efetividade
e também se é benéfica para a população e ao direito como um todo.
Segundo o professor Barroso (2009, p. 106), o objeto da interpretação constitucional é
a determinação dos significados das normas que integram a constituição formal e
material do Estado. Essa interpretação pode assumir duas modalidades: a) a da
aplicação direta da norma constitucional, para reger situação jurídica por exemplo: a
aposentadoria de um funcionário, o reconhecimento de uma imunidade tributária, a
realização de um plebiscito sobre a fusão de dois estados etc.; b) ou a de uma
operação de controle de constitucionalidade em que se verifica a compatibilidade de
uma norma infraconstitucional com a Constituição. No primeiro caso, a norma
constitucional incide como qualquer outra, e, se for instituidora de um direito subjetivo,
ensejará a tutela judicial, caso não seja cumprida espontaneamente. No segundo a
norma não vai reger qualquer situação individual, não vai ser aplicada a qualquer caso
concreto, funcionando como mero paradigma em face do qual se vai aferir a validade
formal ou material de uma lei inferior.
48
Indubitavelmente os princípios são normas essenciais, não só para a Constituição
Federal, mas para toda lei que deseja cobrir uma gama considerável de relações
jurídicas. Nessa ótica os princípios da Constituição Federal ganham maior relevância,
pois a Carta Magna foi redigida com o objetivo de direcionar não o Poder Público,
mas em uma tentativa de transformar o país em um lugar mais justo e igualitário. Os
princípios indicam direções e sentidos para todo o pensamento jurídico. É muito mais
do que uma direção, é um padrão ético, é uma chave.
Surgem esses princípios como máximas doutrinárias ou simplesmente meros
guias do pensamento jurídico, podendo cedo adquirir o caráter de normas de
Direito Positivo.
O princípio normativo – observa, por sua vez, Grabitz – deixa de ser, assim, tão-
somente ratio legis para se converter em Lex; e, como tal, faz parte constitutiva
das normas jurídicas, passando, desse modo, a pertencer ao Direito Positivo.
Repartem-se os princípios, numa certa fase da elaboração doutrinária, em duas
categorias: a dos que assumem o caráter de idéias jurídicas norteadoras,
postulando concretização na lei e na jurisprudência, e a dos que, não sendo
apenas ratio legis, mas, também, Lex, se cristalizam desse modo, consoante
Larenz assinala, numa regra jurídica de aplicação imediata.
Acrescenta o mesmo jurista que os da primeira categoria, desprovidos do
caráter de norma, são princípios ‘abertos’ (offene Prinzipien), ao passo que os
segundos se apresentam como ‘princípios normativos’ (rechtssatzförmige
Prizipien)
[...]
Cotejando os princípios com as normas propriamente ditas, Crisafulli, aquele
grande Professor da Itália, assinala que “os princípios (gerais) estão para as
normas particulares como o mais está para o menos, como o que é anterior e
antecedente está para o posterior e o conseqüente.
Entende este constitucionalista por princípio “toda norma jurídica considerada
como determinante de outra ou outra que lhe são subordinadas, que a
pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em
direções mais particulares”.
Não hesita, a seguir, em demonstrar que um princípio, seja ele expresso numa
forma legislativa ou, ao contrário, implícito ou latente num ordenamento jurídico,
constitui norma, aplicável como regra acrescenta Crisafulli de determinados
comportamentos públicos ou privados.
Proclama em seguida, que todo princípio tem eficácia e que os princípios são
normas escritas e não escritas. Das quais logicamente derivam as normas
escritas e não escritas, das quais logicamente derivam as normas particulares
(também estas escritas e não escritas) e às quais inversamente se chega
partindo destas últimas”. (BONAVIDES, 2005, p. 272-273)
49
Nota-se que os Princípios Constitucionais ganharam força, e são realmente uma
realidade no mundo jurídico, sendo extremamente úteis na vida do jurista.
3.3 – Os Riscos da aplicação direta dos Princípios Constitucionais
Sendo tão bom, por que ainda se perde tempo discutindo a viabilidade da aplicação dos
princípios de forma direta?
Os Princípios Constitucionais, de forma geral, são muito amplos, e podem ser usados
de maneira arbitrária. É muito difícil precisar exatamente que a Constituição deseja
aquele resultado se o fato ao qual é aplicado o princípio não foi previsto pelo legislador.
Ou seja, o princípio foi concebido para indicar a direção da República, e esse princípio
é aplicado em um determinado caso que nada tem a ver com aquele ideal republicano
que gerou o princípio.
Constata-se, portanto, quatro problemas a serem abordados neste capítulo: Sendo os
princípios tão vagos e abrangentes, podem ser aplicados a casos concretos? Em se
podendo, como saber qual princípio é ideal ao caso? Sendo a democracia o ponto
central da Constituição, podem, os princípios serem aplicados também quando os dois
pólos de uma relação são pessoas de direito privado? Em se podendo,
necessidade?
Os princípios, embora sendo vagos e abrangentes, são de extrema importância para a
interpretação do caso concreto. De maneira geral o princípio serve de fundamentação
para a norma jurídica aplicável ao caso concreto, como o princípio da propriedade
privada fundamenta uma reintegração de posse ou o princípio da igualdade fundamenta
a divisão de bens entre todos os filhos herdeiros, sem distinção. Nota-se que a
utilização dos princípios é salutar para a correta interpretação e compreensão da norma
infraconstitucional, reforçando o sentimento de justiça naquela decisão ou
entendimento.
50
Há vezes em que a norma não prevê o caso concreto, e, a analogia e os bons
costumes, não dizem muito sobre o assunto, ou mesmo que digam, não resolvem o
problema de forma satisfatória. Nesse caso usam-se os Princípios Constitucionais.
Parece uma cópia do texto previsto na LICC, mas a importância dos princípios é
diferente. Na LICC os princípios gerais de direito seriam a terceira escolha, nesse
raciocínio que estamos colocando os Princípios Constitucionais não são usados apenas
na integração, mas em conjunto com a norma, não é a terceira opção, é determinante
na integração, inclusive fundamentando o eventual uso de uma analogia ou costume, e
ainda pode ser usado contra legem, ou seja, contra o texto de lei.
Contudo, não é tão simples a aplicação direta dos Princípios Constitucionais
contrariando a lei específica. Como se demonstrou e se demonstrará, autores que
defendem a aplicação direta e que defendem a sua não aplicação. No nosso entender a
aplicação direta, contra legem, deve ser feita apenas em casos manifestamente
inconstitucionais, e não em casos em que a opção por um entendimento era
razoavelmente do legislativo. Explico.
Os Princípios Constitucionais não podem ser usados como uma forma de manifestar
discordância com uma opção legislativa. O judiciário deve respeitar a tripartição de
poderes. O que adianta o legislativo elaborar as leis infraconstitucionais e o judiciário
julgar de forma diversa baseando-se em princípios? Seque os princípios não foram
considerados na elaboração da lei? Será que o legislativo não ponderou os princípios e
escolheu aquele mais conveniente para a sociedade vista como um todo e não a partir
de um caso levado ao judiciário?
Para Barroso (2009, p. 47-49) contém a Carta uma verdadeira “força geradora” do
Direito Privado, destinada tanto ao legislador quanto ao juiz e para os demais órgãos do
Estado.
51
Informa o autor que a posição mais aceita dentre aqueles que negam a proposta de
aplicação direta das normas constitucionais, está na sua idéia e “aplicabilidade
(somente) indireta”. Ou seja, somente podem ser aplicadas se, concomitantemente, for
concretizada uma norma infraconstitucional, mediante a previsão constitucional
expressa (regulamentar da fattispecie abstrata) ou por força de cláusula geral. Na falta
de norma infraconstitucional, a constitucional não pode substituí-la, ou, mesmo, atuar
isoladamente.
Sob esses prismas, a opinião que aceita a incidência direta das normas fundamentais à
realidade do cotidiano, mas também a inibe, por meio de uma interpretação literal de
seus preceitos, em flagrante espírito restritivo, parece ser pior, do ponto de vista da
sinceridade hermenêutica, do que aquela outra posição negativadora das normas
constitucionais.
Para o autor, resta patente a opinião sobre a plena, irrestrita e incondicionada
aplicabilidade da norma constitucional às relações interprivadas, na medida do
reconhecimento de um ordenamento jurídico unitário e da normativa constitucional
como regra de conduta, posta no sentido da funcionalização dos institutos jurídicos
preexistentes, regramento infraconstitucional aberto às novas tendências sociais.
Aqueles que defendem a aplicação direta dos Princípios Constitucionais com certeza
percebem que o princípio democrático deve prevalecer, que o legislativo é eleito para
fazer leis, o judiciário não.
Por vezes, contudo, o legislativo elabora um entendimento manifestamente
inconstitucional, impossível de se encontrar uma interpretação convergente com a
Constituição Federal, nesse caso o aplicador do direito deve usar os Princípios
Constitucionais, utilizando o controle de constitucionalidade difuso, ou eventualmente
concentrado.
52
Deparando-se com esta situação, de ausência de legislação específica ou manifesta
inconstitucionalidade, e havendo conflito entre princípios, como deve agir o intérprete?
A solução para um conflito aparente de princípios é a proporcionalidade. Esse assunto
é pertinente ao presente trabalho, tendo em vista que a Autonomia da Vontade está
sempre em conflito aparente com a igualdade real, a sociabilidade, mas é endossado
pela livre iniciativa.
O professor Daniel Sarmento (2009, p. 117-129) traz alguns dos perigos enfrentados
pelo chamado neoconstitucionalismo e faz três críticas que podem ser levantadas: a de
que o seu pendor judicialista é antidemocrático; a de que a preferência por princípios e
ponderação, em detrimento de regras e subsunção, é perigosa, sobretudo no Brasil, em
razão de singularidade da nossa cultura; e a de que ele pode gerar uma
panconstitucionalização do Direito, em detrimento da autonomia pública do cidadão e
da autonomia privada do indivíduo. Outras críticas importantes existem, mas essas são
as que geram maior apreensão no cenário brasileiro.
Explica o professor que o neoconstitucionalismo tem um foco muito centrado no Poder
Judiciário no qual deposita enormes expectativas no sentido de concretização dos
ideais emancipatórios presentes nas constituições contemporâneas. Contudo, este viés
judicialista sofre contestações pelo seu suposto caráter antidemocrático, na medida em
que os juízes, diferentemente dos parlamentares e chefes do Executivo, não são eleitos
e não respondem diretamente perante o povo.
Segundo ele, esta crítica democrática se assenta na idéia de que, numa democracia, é
essencial que as decisões políticas mais importantes sejam tomadas pelo próprio povo
ou por seus representantes eleitos e não por sábios ou tecnocratas de toga. É verdade
que a maior parte dos teóricos contemporâneos da democracia reconhece que ela não
se esgota no respeito ao princípio majoritário, pressupondo antes o acatamento das
regras do jogo democrático, que incluem a garantia de direitos básicos, visando a
viabilizar a participação igualitária do cidadão na esfera pública, bem como alguma
proteção às minorias. Porém, temos aqui uma questão de dosagem, pois se a
53
imposição de alguns limites para a decisão das maiorias pode ser justificada em nome
da democracia, o exagero tende a revelar-se antidemocrático, por cercear em demasia
a possibilidade do povo de se autogovernar.
Ainda sobre a primeira crítica prossegue o autor dizendo que a questão não é apenas
de divisão de poder ao longo do tempo. A dificuldade democrática não está o-
somente no fato de as constituições subtraírem do legislador futuro a possibilidade de
tomar algumas decisões. O cerne do debate está no reconhecimento de que diante da
vagueza e abertura de boa parte das normas constitucionais mais importantes, quem as
interpreta também participa do seu processo de criação. Daí a crítica de que o viés
judicialista subjacente ao neoconstitucionalismo acaba por conferir aos juízes uma
espécie de poder constituinte permanente, pois lhes permite moldar a Constituição de
acordo com as preferências políticas e valorativas em detrimento daquelas do legislador
eleito. Esta visão levou inúmeras correntes de pensamento ao longo da história a
rejeitarem a jurisdição constitucional, ou pelo menos o ativismo judicial no seu exercício,
dos revolucionários franceses do século XVIII, passando por Carl Schmitt, na República
de Weimar, até os adeptos do constitucionalismo popular nos Estados Unidos de hoje.
Sobre a segunda crítica, a de que a preferência por princípios e ponderação, em
detrimento de regras e subsunção, é perigosa, sobretudo no Brasil, em razão de
singularidade da nossa cultura, o autor fundamenta dizendo que se os princípios não
eram tratados como autênticas normas no Brasil, com a chegada do pós-positivismo e
do neoconstitucionalismo, passou-se em poucos anos a valorizar decisões
principiológicas e desprezar as decisões calcadas em regras legais, que são vistas
como burocráticas ou positivistas. Neste contexto os operadores do Direito são
estimulados a invocar sempre princípios muito vagos nas suas decisões, mesmo
quando isso seja absolutamente desnecessário, pela existência de regra clara e válida
a reger a hipótese. Os campeões têm sido a dignidade da pessoa humana e a
razoabilidade. O primeiro é empregado para dar imponência ao decisionismo judicial,
vestindo com linguagem pomposa qualquer decisão tida como politicamente correta e o
54
segundo para permitir que os juízes substituam livremente as valorações de outros
agentes públicos pelas suas próprias.
O autor alerta que este cenário é problemático porque um sistema jurídico funcional,
estável, e harmônico com os valores do Estado Democrático de Direito, precisa tanto da
aplicação de regras como de princípios. As regras são indispensáveis, dentre outras
razões, porque geram maior previsibilidade e segurança jurídica para os seus
destinatários; diminuem os riscos de erro na sua incidência, já que não dependem tanto
das valorações do intérprete em cada caso concreto; envolvem um menor custo no seu
processo de aplicação, pois podem incidir de forma mais mecânica, sem demandarem
tanto esforço do intérprete; e não implicam, na mesma medida que os princípios, em
uma transferência de poder decisório do Legislativo, que é eleito, para o Judiciário, que
não é.
Quanto à terceira crítica, a de que ele pode gerar uma panconstitucionalização do
Direito, Daniel Sarmento fundamenta dizendo que uma das características do
neoconstitucionalismo é a defesa da constitucionalização do Direito. Sustenta-se que a
irradiação das normas constitucionais por todo o ordenamento contribui para aproximá-
lo dos valores emancipatórios contidos nas constituições contemporâneas. A
constituição não é vista como uma simples norma normarum, cuja finalidade principal é
disciplinar o processo de produção de outras normas. Ela passa a ser vista como a
encarnação dos valores superiores da comunidade política, que devem fecundar todo o
sistema jurídico. Neste modelo, cabe ao intérprete não aplicar diretamente os
ditames constitucionais às relações sociais, como também reler todas as normas e
institutos dos mais variados ramos do Direito à luz da Constituição, emprestando-lhes o
sentido que mais promova os objetivos e a axiologia da Carta.
Segundo ele, a constitucionalização do Direito de que cogita o neoconstitucionalismo
não é aquela que resulta do caráter excessivamente analítico da Constituição e leva ao
preenchimento de meras opções conjunturais do constituinte originário ou derivado,
despidas de maior importância ou dignidade. Este é, segundo o autor, um fenômeno
55
característico da Carta de 88, que se excedeu no casuísmo e nos detalhes, elevando
ao seu texto meros interesses corporativos ou decisões de momento, sem fôlego para
perdurarem no tempo. A constitucionalização louvada e defendida pelo
neoconstitucionalismo é aquela que parte de uma interpretação extensiva e irradiante
dos direitos fundamentais e dos princípios mais importantes da ordem constitucional.
Aqui, contudo, pode-se discutir até que ponto o fenômeno é legítimo. Alguma
constitucionalização do Direito é positiva e bem-vinda, por semear o ordenamento com
os valores humanitários da Constituição. Porém, deve-se tomar cuidado com as teses
extremadas sobre este processo, que acabam amputando em demasia o espaço de
liberdade do legislador, em detrimento da democracia.
A cautela na utilização dos princípios também é necessária para que se evite o uso dos
princípios contra a própria alma da Constituição. Um exemplo bem ilustrativo é o caso
reportado pelo professor Luiz Roberto Barroso (2009, p. 179), onde a Suprema Corte
Americana usa os princípios para fundamentar a discriminação racial, após citar uma
utilização dos princípios de forma correta.
Curiosamente, só voltou a fazê-lo em Dred Scott vs. Sandford, julgado em
1857, onde tinha argumentos para deixar de conhecer o caso, mas preferiu
pronunciar a mais condenada de todas as decisões do constitucionalismo
americano. Nela a Suprema Corte considerou serem inconstitucionais tanto as
leis estaduais quanto as federais que pretendessem conferir cidadania aos
negros, que eram vistos como seres inferiores e não tinham proteção
constitucional. Com isso, a Suprema Corte tomou partido no amplo debate
jurídico e econômico que pouco à frente deflagraria violenta guerra civil, e
alinhou-se com a defesa da escravidão. Muitos anos se passaram até que o
Tribunal recuperasse sua autoridade moral e política.
A partir do exemplo citado acima pode-se concluir que não existe método seguro para a
elaboração de decisões justas, o pensamento do aplicador da norma é sempre
determinante para o resultado. Não garantia de que a aplicação direta da
Constituição Federal resultará em uma decisão justa.
O que deve ser evitado, como já foi mencionado, é que os princípios sirvam de
justificativa para o intérprete fundamentar a não aplicação da lei apropriada ao caso,
56
usando o ordenamento jurídico a esmo, apenas como justificativa para suas
convicções.
Vivendo numa sociedade juridicamente organizada, o jurista sabe que há
critérios gerais, direitos comuns, configurados em normas chamadas leis,
estabelecidas conforme a constituição do país. Nesse contexto, ele invoca um
primeiro princípio geral para iniciar seu raciocínio: o princípio da legalidade.
Ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei. Ele pode ter dúvidas quanto à legitimidade da ordem jurídica em
que vive. Pode por exemplo, segundo um juízo subjetivo, considerar aquela
ordem como autoritária, antidemocrática. Para seus objetivos, porém, é preciso
encontrar um ponto inegável de partida, que possa ser generalizado. Atém-se,
pois, ao princípio. E busca nas leis do país uma regra que lhe seja conveniente.
(FERRAZ, 2008 p. 69)
3.4 – A Ponderação de Princípios e a Proporcionalidade
Como demonstrado ao longo do trabalho, os princípios são valores e objetivos que
regem a Constituição e todo ato proveniente do Estado ou tutelado por ele. Os
princípios, contudo, vez ou outra sofrem de um conflito aparente, de certa forma até um
antagonismo, como se a existência dos dois fosse antagônica.
Esse conflito de princípios é, porém, apenas aparente, tendo em vista que de certa
forma todos os princípios carregam em seu bojo um ideal de uma sociedade
democrática, justa e igualitária.
Os princípios colidem por fazerem parte de todos os ramos da vida e comunidade,
havendo sempre o conflito de direitos embasados em determinados princípios.
Quando isso ocorre o aplicador da lei deve usar os princípios da proporcionalidade e
ponderar os princípios a fim de alcançar uma decisão mais justa e razoável para o caso.
57
É de perceber que se fez referência a sopesar em busca da justiça no caso; às vezes
casos semelhantes podem ter soluções diversas porque em um caso um princípio deve
ser resguardado e no outro caso o segundo princípio deve ser resguardado.
O exercício da ponderação de princípios ficará mais claro no último capítulo, quando se
fará uso de casos práticos para demonstrar o raciocínio.
Para Virgílio Afonso da Silva (2008, p. 34-35) a solução de colisões entre princípios não
exige a declaração de invalidade de nenhum deles e também não é possível que se fale
que um princípio institui uma exceção a outro. Como Alexy ressalta, nos casos de
colisão entre princípios, o que se exige é a definição de relações condicionadas de
precedência. Essa diferença decorre da estrutura dos princípios, que são mandamentos
de otimização. Como mandamentos de otimização, eles exigem que algo seja realizado
na maior medida do possível, mas sempre de acordo com as possibilidades fáticas e
jurídicas do caso concreto. “Condições jurídicas”, aqui, expressam a possibilidade de
colisão com outros princípios, o que poderá limitar, no caso concreto, a realização de
um ou mais princípios de forma parcial ou total. E, mesmo havendo colisão, ao contrário
do que ocorre com os conflitos entre regras, nenhum dos princípios será declarado
inválido. Necessário será, ao contrário, um sopesamento entre os princípios colidentes
para que se decida qual deles terá preferência, que valerá, enquanto precedência
condicionada, apenas para aquele caso concreto. Assim, não se pode dizer que houve
a instituição de uma cláusula de exceção, porque quando isso acontece, no caso das
regras, a exceção é sempre a mesma e vale para todos os casos de aplicação
daquelas regras.
Segundo ele, no caso das colisões entre princípios, portanto, não como se falar em
um princípio que sempre tenha preferência em relação a outro. Se isso ocorrer, o se
estará diante de um princípio pelo menos não na acepção de Alexy. É por isso que
não se pode falar que um princípio P1 sempre prevalecerá sobre o princípio P2,
devendo-se sempre falar em prevalência do princípio P1 sobre o princípio P2 diante das
condições C.
58
Pode-se perceber claramente que a proporcionalidade deve ser encarada como a
adequação dos princípios para cada caso, não sendo possível dizer que um princípio é
importante e outro não, ou dizer que no conflito sempre um princípio prevalece perante
outro. A ponderação é tópica, válida apenas para o caso, embora o raciocínio possa se
repetir em outros casos.
Contudo nem todos os doutrinadores estão tranqüilos com relação ao que foi exposto
acima. A ponderação é exercida de forma pessoal, impossível de se ter um controle
sobre o resultado que gerará esse exercício. Por isso diversos autores alertam sobre a
periculosidade do método.
Para o Professor Dimitri Dimoulis (2006, p.178-192) a atribuição de caráter aberto e
principiológico à proporcionalidade, por muitos doutrinadores, explica, em grande parte,
o interesse da doutrina e jurisprudência contemporânea em muitos países pela idéia.
Em primeiro lugar, quando se indaga sobre as razões do “sucesso” acadêmico e
forense da proporcionalidade, chega-se logo à sua caracterização como uma forma de
resposta a problemas concretos e conflitos envolvendo direitos fundamentais que
apresenta a vantagem de ser particularmente aberta a concretizações nacionais, sem
deixar de ser racional. Além disso, o caráter principiológico permite a adaptabilidade a
situações concretas, isto é, as mudanças nas formas de justificação e nos resultados,
mesmo no interior do mesmo ordenamento jurídico.
Segundo ele, por essas razões a proporcionalidade é estudada com predileção e
parece corresponder à atual postura de muitos integrantes do Poder Judiciário que
consideram que o emprego de técnicas “abertas” de ponderação permite aumentar a
intensidade de intervenção do Poder Judiciário no campo das decisões legislativas
sobre os direitos fundamentais, sem abdicar da necessidade de oferecer justificativas
jurídicas.
59
A proporcionalidade, segundo Dimoulis, deve ser entendida como elemento
disciplinador do limite à competência constitucional atribuída aos órgãos estatais de
restringir a área de proteção de direitos fundamentais, isto é, como resposta jurídica ao
problema do vínculo do legislador aos direitos fundamentais, configurando um limite de
seu poder limitador. Trata-se do limite material por excelência imposto ao poder do
Estado de restringir a área de proteção de um direito fundamental. A determinação da
inconstitucionalidade da ação do legislador não pode se limitar a critérios formais, sob
pena de perda da concretude e da utilidade de seu vínculo aos direitos fundamentais.
Sua decisão política de tutelar (de certa maneira, privilegiar) um bem jurídico-
constitucional em detrimento de outro pode prevalecer se a forma desta escolha
poupar o máximo possível o direito restringido.
Portanto, para ele a proporcionalidade não é analisada e nem deveria ser entendida no
âmbito da dogmática dos direitos fundamentais como uma regra de prudência, de
“ponderação”, de reciprocidade, de moderação, de “bom senso” ou de equilíbrio, mas
tão somente como um instrumento juridicamente equilibrado e delimitado para analisar
problemas de constitucionalidade de atos infraconstitucionais.
Os limites do exercício da ponderação de princípios o muito difíceis de serem
traçados, cabendo ao aplicador da lei usar de extrema cautela. E como se verá à frente,
usar a aplicação direta dos Princípios Constitucionais apenas quando for extremamente
necessário.
3.5 – A peculiaridade das Relações Privadas
O fato do Direito Civil possuir dois particulares, em regra, nos pólos do conflito dificulta
a aplicação direta dos Princípios Constitucionais.
O problema é que quando se procura encontrar um fio lógico e unitário para
recortarmos os termos básicos da questão corremos o risco, assinalado por
alguns, de nos precipitarmos num verdadeiro “desastre conceitual”. Este alerta
exige, pelo menos, que se preste atenção às lógicas escondidas nas várias
60
culturas jurídicas. Assim, a Supreme Court dos Estados Unidos e, em geral, a
doutrina norte-americana parecem reconduzir a problemática da eficácia dos
direitos fundamentais na ordem jurídica privada a uma questão de imputação.
Trata-se de saber se o acto de uma pessoa privada directa ou indirectamente
agressor de direitos ou princípios constitucionais pode ser imputado ao Estado.
Pergunta-se, na verdade, se um comportamento privado poderá ter a qualidade
ou qualificação de State Action, ou seja, se ele, de alguma forma, foi imposto
através do Estado. A rmula tabeliónica da doutrina e jurisprudência norte-
americanas é sempre esta: “(...) so that the action may fairly be treated as that
of the State itself”.
[…]
A ordem jurídica privada não está, é certo, divorciada da Constituição. Não é
um espaço livre de direitos fundamentais. Todavia, o direito privado perderá a
sua irredutível autonomia quando as regulações civilísticas legais ou
contratuais vêm o seu conteúdo substancialmente alterado pela eficácia
directa dos direitos fundamentais na ordem jurídica privada. A Constituição, por
sua vez, é convocada para as salas diárias dos tribunais com a conseqüência
da inevitável banalização constitucional. Se o direito privado deve recolher os
princípios básicos dos direitos e garantias fundamentais, também os direitos
fundamentais devem reconhecer um espaço de auto-regulação civil, evitando
transformar-se em “direito de não-liberdade” do direito privado.
[...]
A “constitucionalização do direito civil” e a “civilização do direito constitucional”
não dispensam a abordagem de relevantes problemas metódicos como os da
unidade da ordem jurídica, da autonomia do direito privado e do direito blico,
da interpretação do direito privado em conformidade com a Constituição, da
aplicação jurídica imediata dos direitos fundamentais pelo juiz e da articulação
da observância dos direitos fundamentais com a ordem pública. (CANOTILHO,
2001, p. 109-115)
O professor Canotilho fundamenta a impossibilidade, ou pelo menos a dificuldade, de
se aplicar diretamente os Princípios Constitucionais baseando-se em um argumento
publicístico, dizendo que os direitos fundamentais, e conseqüentemente os princípios,
são baseados em uma defesa do indivíduo contra o Estado, ou seja, defende a
democracia em detrimento da opressão. O que é uma posição muito consistente, de
certa forma endossada pelo ministro Carlos Ayres Brito (2003, p. 186).
5.4.10. Que o fechamento deste tópico seja a afirmação de que a teoria
constitucional já dispõe de todos os elementos lógicos para reconhecer até
mesmo uma tríplice e o apenas dúplice centralidade: a Democracia está
no centro dos princípios constitucionais, tanto quanto os princípios
constitucionais estão no centro da Constituição e a Constituição esno centro
do sistema jurídico.
61
Como as ações cíveis, em geral, compreendem dois particulares, é difícil, não
impossível, a aplicação direta da Constituição Federal por tratar-se de direito das
partes. Fazer o Estado suportar um determinado ônus é mais fácil do que fazer um
particular suportar um ônus além daquele legalmente previsto, correndo o risco de
desfigurar o princípio da igualdade na tentativa de implantá-lo.
Segundo Claus-Wilhelm Canaris (2009, p. 133) os destinatários das normas sobre
direitos fundamentais são, em princípio, apenas o Estado e os seus órgãos, mas não os
sujeitos do direito privado. Em conformidade se deveria falar de eficácia imediata em
relação a terceiros se os direitos fundamentais se dirigem contra os sujeitos de direito
privado como destinatário da norma. A imediata vigência dos direitos fundamentais,
segundo ele, nada tem a ver com a eficácia imediata em relação a terceiros.
Contudo, completa o autor, a circunstância de, não obstante, os direitos fundamentais
exercerem efeitos sobre os sujeitos de direito privado explica-se a partir da sua função
como imperativos da tutela. Pois o dever do Estado de proteger um cidadão perante o
outro contra uma lesão dos seus bens garantidos por direitos fundamentais, deve ser
satisfeito também ao nível do direito privado.
Ciente das minúcias do direito civil e dos valores constitucionais, o legislador civil
elaborou o Código tomando certas precauções, motivo pelo qual os Princípios
Constitucionais devem ser aplicados em comunhão com a normativa civil, visando
sempre a harmonia dos diplomas legais, e não a supressão de um ou de outro.
Isso se fundamenta tendo em vista que o Código Civil possui dispositivos que estão de
acordo com a nova hermenêutica, adotando cláusulas gerais que abrem espaço para a
interpretação a partir dos Princípios Constitucionais, sem a necessidade de suprimir a
norma infraconstitucional, mas aproveitá-la e potencializá-la com tais princípios.
Para Francisco Amaral (2006, p. 52-60) o Código Civil apresenta-se como um sistema
aberto e flexível, no sentido de incompleto, mutável e evolutivo, graças aos princípios,
62
cláusulas gerais e conceitos indeterminados que enriquecem a sua estrutura. Isso
implica mudanças na metodologia da realização do direito civil, que, da concepção
tradicional de interpretação jurídica, tinha por objeto as normas do texto legal, a
caracterizar um sentido hemenêutico-positivista, passa a ter um sentido prático-
normativo. A interpretação jurídica deixa de ser uma simples hermenêutica do texto
legal para transformar-se numa atividade prático-criativa do direito a cargo do jurista
intérprete.
Segundo ele, o Código Civil orienta-se pelos princípios gerais de socialidade, da
eticidade e o da operabilidade, e seus institutos básicos, por princípios institucionais,
como o da dignidade da pessoa humana, o da igualdade, o da autonomia privada, o da
boa-fé, o da eqüidade, o da função social do contrato, o da função social da
propriedade. Desse modo, o novo Código confere ao juiz não poder para suprir
lacunas, mas também para resolver, onde e quando previsto em conformidade com
valores éticos.
Indica o autor que a referência a este princípio pelo legislador demonstra a sua não
aceitação do dogma da plenitude da ordem jurídica, vendo-a como um sistema aberto,
flexível e lacunoso, donde a necessidade de recurso à integração e a conseqüente
importância dos princípios jurídicos. Mas o significado desse princípio jurídico é mais
extenso, não se limita à crítica da sistematicidade lógico-formal pica do positivismo.
Fundamenta ele, também, a crença de que o equilíbrio econômico dos contratos é a
base da ética de todo o direito obrigacional, o que aproxima do princípio da boa-fé, no
sentido ético, objetivo.
Conclui que dessa opção metodológica do legislador resulta conceder-se larga margem
de criação ao intérprete para determinar a norma jurídica adequada ao caso concreto,
influenciando-se reciprocamente doutrina e prática, a revelar um processo de
jurisdicização do direito, no sentido de se reconhecer, no juiz, grande poder e maior
responsabilidade no processo interpretativo e criativo do direito. Os princípios, que dão
flexibilidade ao sistema e liberdade ao intérprete, exigem, em contrapartida, do jurista,
63
advogado e magistrado, grande preparo e responsabilidade no processo de
nomogênese jurídica.
3.6 – Os benefícios de se interpretar o Código Civil e a Constituição de forma
harmônica
Deve-se, no entanto, interpretar o Código Civil à luz da Constituição, o que é diferente
de aplicar diretamente a Constituição.
O enfoque interpretativo da Carta, conseqüentemente, de ser outro. É uma
efetiva mudança de atitude, pois “[...] deve o jurista interpretar o Código Civil
segundo a Constituição e não a Constituição segundo o código, como ocorria
com freqüência (e ainda ocorre)”. A suma divisão do Direito, nos seus ramos do
Público e Privado, tornou órfãos os civilistas do país do constitucionalismo
moderno, por conta de que pouca ou nenhuma importância está sendo atribuída
ao princípio (constitucional) da interpretação das leis em conformidade com a
Constituição, de relevante significado no cenário geral da interpretação das leis,
na medida em que a presença da Constituição se torna cada vez mais evidente
na solução das questões jurídicas. (NALIN, 2006, p. 38)
O autor acima defende a interpretação do Código Civil à luz da Constituição, contudo,
como visto anteriormente, o mesmo defende a aplicação direta de Princípios
Constitucionais, suprimindo a norma infraconstitucional, mesmo após a vigência do
Código Civil de 2002.
Interpretar o Código Civil segundo a Constituição é identificar na norma civil a direção
constitucional, e não suprimir a norma cível em razão de determinado princípio, sem
que haja verdadeiramente necessidade de fazê-lo.
Os Princípios Constitucionais, por serem amplos, impessoais e gerais, muitas vezes
entram em conflito entre si, optando o constituinte por permitir que o legislador
infraconstitucional dose a aplicação destes princípios.
Afirma Alexy: Um conflito entre regras somente pode ser resolvido se uma
cláusula de exceção, que remova o conflito, for introduzida numa regra ou pelo
menos se uma das regras for declarada nula (ungültig)”. Juridicamente,
64
segundo ele, uma norma vale ou o vale, e quando vale, e é aplicável a um
caso, isto significa que suas conseqüências jurídicas também valem.
Com a colisão de princípios, tudo se passa de modo inteiramente distinto,
conforme adverte Alexy. A colisão ocorre, p. Ex., se algo é vedado por um
princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve
recuar. Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica seja
declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele se introduza.
Antes quer dizer elucida Alexy que, em determinadas circunstâncias, um
princípio cede ao outro ou que, em situações distintas, a questão de prevalência
pode se resolver de forma contrária.
Com isso afirma Alexy, cujos conceitos estamos literalmente reproduzindo
se quer dizer que os princípios têm um peso diferente nos casos concretos, e
que o princípio de maior peso é o que prepondera. (BONAVIDES, 2005, p, 279-
280)
Dessa forma, para minorar os riscos citados neste trabalho, é importante que o
aplicador da lei e o estudioso do direito tenha o cuidado de aplicar a Constituição
Federal de forma direta, mas buscar o respaldo ou pelo menos não ferir o Código Civil,
a não ser que esse seja omisso. Nesse caso os Princípios Constitucionais devem ser
usados a fim de prover a solução mais justa ao caso concreto, prestando o juiz o seu
dever de solucionar a lide usando o Princípio, a ponderação e a razoabilidade.
3.7 – O peso da Autonomia da Vontade na Ponderação
Um artigo muito citado para fundamentar o interesse social, em detrimento da
Autonomia da Vontade, é o artigo 170 da Constituição Federal, que ressalta a
valorização do trabalho, a livre iniciativa, a existência digna, a justiça social, e
posteriormente elencará princípios para a ordem econômica.
A Autonomia da Vontade é, portanto, um dos princípios valorizados pela carta magna,
devendo ele ser interpretado em harmonia com os demais princípios elencados.
Para Francisco Amaral (2006, p. 348), quanto à importância do tema e do seu estudo, a
autonomia privada constitui-se em categoria lógica e princípio fundamental do direito
65
civil e do direito constitucional (na versão da liberdade de iniciativa econômica), e
também em categoria histórica e dogmática, consagrada que foi como expressão da
liberdade individual, especialmente em matéria de contratos. E, se por um lado, a tão
falada crise do direito a afeta, não só quanto à sua própria existência, mas também
quanto à própria eficácia e limites, devido à crescente intervenção do Estado no
domínio privado, por outro lado, reafirma-se a sua importância e função com o
“recrudescimento da mística contratual” e o uso crescente do negócio jurídico como
instrumento de sua realização e ainda como faculdade de instituir juízo arbitral para
dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (Lei 9307, de 23 de
setembro de 1996).
Como já foi dito anteriormente, o Código Civil vigente contemplou os Princípios
Constitucionais, mensurando em cada situação qual deles deveria prevalecer, adotando
inclusive cláusulas abertas, para que o aplicador da lei possa avaliar a solução mais
justa para o caso.
Em alguns casos, porém, é possível suscitar um princípio diverso daquele escolhido
pelo legislador. Optamos por usar um exemplo do direito de família, onde este conflito é
claro e, a partir daí, retornaremos aos contratos para que a linha de racionio possa
prosseguir.
A Constituição Federal consagra o princípio da igualdade
1
, atribuindo à união estável,
no parágrafo terceiro do artigo 226
2
, o status de família, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.
Contudo, em alguns casos, a legislação civil trata de modo diverso o casamento e a
união estável. Tem sido sustentado por ilustres juristas que essa distinção é
1
Art. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
2
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como
entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
66
inconstitucional. A diferença de tratamento tem como objetivo, exatamente, o incentivo
à conversão da união estável em casamento.
Não temos o objetivo de avaliar se a decisão do legislador foi correta ou não, mas
aqueles que pregam a restrição da Autonomia da Vontade em detrimento do bem
coletivo, social, não pode sustentar que a opinião pessoal deva prevalecer sobre a
opinião do legislador.
A intenção não é pregar o positivismo nos termos de Kelsen (2003) abstraindo o fato
concreto e aplicando a lei, mas deve-se considerar a lei como norte das decisões
judiciais. A lei não teria nenhuma validade se todos os operadores do direito dotados de
retórica pudessem inverter a aplicação da norma da forma que lhe fosse conveniente.
Como já tivemos oportunidade de explanar, se o legislador fez uma opção ela deve ser
respeitada. Claro que se deve buscar a justiça, não a justiça individual, mas a justiça
coletiva, e isso em todos os ramos do direito. A justiça social não se faz apenas em
casos isolados, mas ela se revela em cadeia. O aplicador do direito, muitas vezes,
procura o bem das partes e se esquece do bem comum. Se o princípio constitucional
tende a diminuir o bem individual e priorizar o bem comum, isso deve ser feito de forma
sistêmica, para que finalisticamente a sociedade seja beneficiada.
Retornando ao caso da união estável. Talvez, para o aplicador da norma, o mais justo,
ao se deparar com um caso de união estável, seria aplicar a norma referente ao
casamento e não a norma referente à união estável. Contudo, se a norma vel que
regula a união estável cair em desuso, o incentivo constitucional absorvido pelo
legislador civil para a conversão da união estável em casamento torna-se ineficaz. Daí
se teria a propagação cada vez maior da união estável em detrimento do casamento
que socialmente é mais benéfico, reconhecido constitucionalmente. Portanto, o que
seria um incentivo para a conversão da União Estável em casamento se torna uma
medida ineficaz.
67
É possível verificar, portanto, que a aplicação direta de Princípios Constitucionais pode
tornar ineficazes outros desejos constitucionais.
Esse raciocínio não se aplica apenas ao caso supracitado, deve ser feito, também,
sempre que se objetiva proteger a parte mais fraca de uma relação. Muitas vezes, na
ânsia de proteger o hipossuficiente, o legislador ou aplicador da lei, impõe mais ônus
para o mesmo. Parece contraditório, mas, por ser o tutelado a parte mais fraca da
relação, é ele, em última instância, quem arca com o ônus imposto à outra parte. Esse
raciocínio é importante para que se demonstre que, muitas vezes, o desejo de proteger
pode acabar desprotegendo, por via reflexa.
Chamamos a atenção para o fato de que o desejo de que sejam aplicados diretamente
os Princípios Constitucionais, no intuito de restringir a Autonomia da Vontade, pode ser
feito o mesmo raciocínio de forma reversa, sendo feito para proteger a autonomia
individual.
A Autonomia da Vontade, sendo reconhecida como princípio constitucional, deve ser
aplicada em harmonia com os demais princípios e não de forma hierarquicamente
inferior, como citado abaixo:
Os direitos individuais homogêneos são aqueles em que se identifica um grupo
de pessoas que o titulares do mesmo direito. Individuais, mas homogêneos,
no sentido de que várias pessoas têm o mesmo direito.
Os direitos coletivos pertencem a categorias, em que o se podem identificar
as pessoas, mas a categoria que pertencem.
Os direitos difusos são aqueles em que não se podem identificar pessoas ou
categorias a que pertence este direito. Eles são de qualquer pessoa. Como o
direito ao meio ambiente.
Nos contratos, na hipótese de conflito entre o direito individual e qualquer
destes direitos, deverá prevalecer o sentimento mais geral, independente do
direito individual. (RAPOSO, 2002, p. 85)
A Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial dos Direitos Humanos de
Viena, de junho de 2003, revelou que os direitos fundamentais são “universais,
68
indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados”, sendo equivocada a hierarquização
dos direitos individuais, coletivos e difusos.
O destaque dos elementos sociais impregnará o direito privado de conotações
próprias, eliminando os resquícios ainda existentes do individualismo e do
formalismo jurídico, para submeter o Estado brasileiro a uma ordem baseada
em valores reais e atuais, em que a justiça social é fim último da norma,
equilibrando-se mais os diferentes interesses por elas regidos, à luz de uma
ação estatal efetiva, inclusive com a instituição de prestações positivas e
concretas por parte do Poder Público para a fruição pela sociedade dos direitos
assegurados.
Assim é que mecanismos especiais de controle e de fiscalização por parte do
Estado serão postos à disposição dos necessitados e dos lesados na órbita
jurídico-privada; a institutos clássicos de defesa de interesses individuais juntar-
se-ão outros de caráter coletivo, com o reconhecimento de direitos e entidades
e a sindicatos; aos instrumentos tradicionais de postulação e de garantia de
direitos outros se acrescerão, permitindo a interferência de particulares no
processo legislativo e, mesmo, judicial; da função social da propriedade, e nos
limites traçados em seu contexto poderá obter-se distribuição mais equitativa
das riquezas, sanando-se injustiças no uso de terras e outros reflexos daí
decorrentes. (BITTAR, 2003, p. 27-28)
Tem-se, portanto, que a harmonização dos direitos e interesses individuais e coletivos,
é o objetivo da Constituição e sendo esta a tarefa do legislador, harmonizar a norma
infraconstitucional com os dizeres da Constituição.
Isso não significa que a Constituição deva ser desconsiderada na aplicação da norma
no caso concreto, muito pelo contrário, ela é fundamental na interpretação do digo
Civil. Trata-se de interpretação conjunta, e não de supressão da norma
infraconstitucional. Interpretar o digo Civil à luz da constituição é ver o princípio da
transparência e da solidariedade no da boa-fé objetiva; é ver o bem comum a partir da
função social do contrato; é utilizar as ferramentas do Código Civil para alcançar os fins
da Constituição.
Se o raciocínio adotado pelo pós-positivismo é o de pensar o problema, de não usar
uma espécie de hermenêutica, mas o pluralismo, estudar cada caso. Se em outras
áreas do direito, ou mesmo no direito civil de outros países, se justifica esta
verticalização do direito, aplicando-se diretamente os Princípios Constitucionais,
suprimindo a norma cível, com relação ao Código Civil vigente essa afirmação não é tão
69
simples. Como analisamos o dispositivo infraconstitucional possui meios de solucionar
os conflitos, permitindo a harmonização entre a Constituição e o citado código, e,
portanto, a interpretação deve ser feita de forma que Código Civil e Constituição
caminhem juntos, e não que se contraponham.
Vemos, portanto que a aplicação direta da Constituição deve ser feita de forma
cautelosa e que o Código Civil trouxe em seu bojo armas para a solução dos problemas
em conformidade com a Constituição.
Não é necessário romper com os paradigmas antigos, de forma abrupta, para se
alcançar a modernização do direito. Posteriormente trataremos sobre a relação da
Autonomia da Vontade com os outros princípios, de ordem constitucional e civil, e notar-
se-á que os princípios se enriquecem na mesma proporção que se restringem.
Restringem-se por serem um o limite do outro, por ser o bem social diferente do bem
individual, muitas vezes até opostos.
Enriquecem-se porque muitas vezes o social e o individual se convergem, a
Constituição Federal e o Código Civil dizem a mesma coisa, não com a mesma palavra,
mas com o mesmo sentido. Os princípios presentes no Código Civil são simplesmente
reflexos daqueles garantidos na Constituição Federal, como se verá mais adiante.
O leitor mais desatento poderia ter dificuldade de identificar a posição adotada com
relação à aplicação direta dos Princípios Constitucionais, pelo fato de se trazer
argumentos favoráveis e desfavoráveis ao neoconstitucionalismo.
A verdade é que se aceitou a premissa, admitiu-se a aplicação direta, a relevância dos
princípios, mas também admitiu-se que podem acontecer abusos e que a legislação
infraconstitucional também deve ser preservada.
Comunga-se com a opinião de Daniel Sarmento (2009, p. 132), de assumirmos o
neoconstitucionalismo se for pensado como uma teoria constitucional que, sem
70
descartar a importância das regras e da subsunção, abra também espaço para os
princípios e para a ponderação, tentando racionalizar o seu uso. Se for visto como uma
concepção que, sem desprezar o papel protagonista das instâncias democráticas na
definição do Direito, reconheça e valorize a irradiação dos valores constitucionais pelo
ordenamento bem como a atuação firme e construtiva do Judiciário para proteção e
promoção dos direitos fundamentais e dos pressupostos da democracia. E, acima de
tudo, se for concebido como uma visão que conecte o Direito com exigências de justiça
e moralidade crítica, sem enveredar pelas categorias metafísicas do jusnaturalismo.
71
4. Autonomia da Vontade e Cidadania
A idéia de Cidadania está freqüentemente ligada ao direito blico, e à idéia de
Autonomia da Vontade ligada ao direito privado.
Contudo, vê-se que esta dicotomia não é verdadeira. Obviamente a cidadania é
fortemente ligada ao direito público, à conquista dos direitos civis, políticos, sociais e
metaindividuais, à conquista de democracia, ao reconhecimento dos cidadãos como
pessoas de direito, pessoas dignas, com participação política, econômica, à igualdade
ainda que formal e à busca da igualdade real.
A Autonomia da Vontade está intimamente ligada ao direito privado, à autonomia das
partes, à contratação, à idéia de autodeterminar-se em igualdade com outros sujeitos,
mas os dois ramos se convergem, extrapolando a dicotomia tradicional.
Vê-se o caráter social do direito privado atuante nas legislações vigentes, como o
direito do trabalho, o Código de Defesa do Consumidor, diplomas pertencentes
anteriormente ao Direito Civil, regidos por ele ainda que subsidiariamente, mas
autônomos em sua aplicação e estrutura. É o direito privado rico em direito público, ou
o direito público retomando o que era exclusivamente privado.
Não é neste ponto se vê o casamento dos dois direitos, mas no próprio código civil é
possível ver o caráter social, reconhecendo a importância pública do direito privado.
No século XIX o Código Civil tinha a pretensão e função de normatizar todas as
relações jurídicas entre os indivíduos. A partir do pós-guerra a Constituição Federal
passa a ter, pela doutrina, a força para unificar o direito, fazendo com que as decisões e
políticas públicas convirjam para um mesmo ideal, passando o Código Civil a ser
apenas mais um diploma legal.
72
Dessa forma, o direito público, apoiado na Constituição, se irradiou por todo o
ordenamento jurídico, sepultando de vez a antiga dicotomia direito público-privado
A Cidadania e a Autonomia da Vontade se ligam pela história. É impossível falar de
cidadania sem falar de liberdade, liberdade negocial, sujeito de direitos e deveres, a
personificação do ser humano. A Autonomia da Vontade está significativamente ligada
ao sujeito e sua emancipação pela cidadania.
A Autonomia da Vontade está intimamente ligada à idéia de sujeito, e não um sujeito
em uma massa, mas um sujeito capaz de se diferenciar por sua personalidade e
conquistas individuais. A cidadania não deve ser apenas uma forma de beneficiar o
social, mas uma forma de permitir ao cidadão lutar pela sua individualidade em
benefício do coletivo.
Esta idéia parece liberal em uma primeira visão, como se fizéssemos menção à mão
invisível do Estado, mas vê-se que a intenção é a preservação também do coletivo. A
presença do Estado como corretor de abusos, como se fosse um árbitro esportivo,
permitindo a criatividade individual e pune os abusos pelo bem do espetáculo.
O professor Boaventura de Souza Santos (1997 p. 238-240) indica em três momentos
diferentes a relação entre subjetividade, da qual boa parte é representada pela
Autonomia da Vontade, e cidadania.
Em primeiro lugar, o princípio da subjectividade é muito mais amplo que o
princípio da cidadania. A teoria liberal começa por teorizar uma sociedade onde
muitos - no início, a maioria - dos indivíduos livres e autônomos que
prosseguem os seus interesses na sociedade civil não são cidadãos, pela
simples razão de que não podem participar politicamente na actividade do
Estado. As sociedades liberais não podem ser consideradas democráticas
senão depois de terem adoptado o sufrágio universal, o que não acontece
senão no nosso século e, na maioria dos casos, já com o século bem adentrado
(sem esquecer o caso da Suíça, onde as mulheres adquiriram o direito de
voto em 1971)
Em segundo lugar, o princípio da cidadania abrange exclusivamente a
cidadania civil e política e o seu exercício reside exclusivamente no voto.
Quaisquer outras formas de participação política são excluídas ou, pelo menos,
73
desencorajadas, uma restrição que é elaborada com sofisticação particular na
teoria schumpeteriana da democracia. A redução da participação política ao
exercício do direito de voto levanta a questão da representação. A
representação democrática assenta na distância, na diferenciação e mesmo na
opacidade entre representante e representado. Kant, no Projecto de Paz
Perpétua, de 1795 (1970: artigo definitivo), definiu melho r que ninguém o
carácter paradoxal da representação democrática ao afirmar que a
representatividade dos representantes é tanto maior quanto menor for o seu
número e quanto maior for o número dos representados. Pela própria natureza
desta teoria da representação e também pela interferência dos interesses
próprios dos representantes, como é hoje comumente reconhecido pela teoria
política, o interesse geral não pode coincidir, quase que por definição, com o
interesse de todos.
[...]
A relação entre cidadania e subjectividade é ainda mais complexa. Para além
das idéias de autonomia e de liberdade, a subjectividade envolve as idéias de
auto-reflexividade e de auto-responsabilidade, a materialidade de um corpo
(real ou fictício, no caso da subjectividade jurídica das -"pessoas colectivas"), e
as particularidades potencialmente infinitas que conferem o cunho próprio e
único à personalidade. Ao consistir em direitos e deveres, a cidadania
enriquece a subjectividade e abre-Ihe novos horizontes de auto-realização,
mas, por outro lado, ao fazê-Io por via de direitos e deveres gerais e abstractos
que reduzem a individualidade ao que nela há de universal, transforma os
sujeitos em unidades iguais e intercambiáveis no interior de administrações
burocráticas blicas e privadas, receptáculos passivos de estratégias de
produção, enquanto força de trabalho, de estratégias de consumo, enquanto
consumidores, e de estratégias de dominação, enquanto cidadãos da
democracia de massas. A igualdade da cidadania colide, assim, com a
diferença da subjectividade, tanto mais que no marco da regulação liberal essa
igualdade é profundamente selectiva e deixa intocadas diferenças, sobretudo as
da propriedade, mas também as da raça e do sexo que mais tarde vão ser os
objectos centrais das lutas igualitárias.
Esta tensão entre uma subjectividade individual e individualista e uma cidadania
directa ou indirectamente reguladora e estatizante percorre toda a
modernidade.
Neste primeiro momento o autor mostra o liberalismo, reconhecendo a subjetividade,
mas ainda carente em relação à cidadania.
Este ponto, narrado pelo autor, é uma das conquistas da cidadania, o reconhecimento
dos direitos civis e da subjetividade, ainda que temporariamente fosse só para alguns.
O segundo momento reconhecido pelo autor é a supressão da cidadania e
subjetividade, por conseqüência da Autonomia da Vontade, no marxismo.
74
A verdade é que, mesmo que se tivessem cumprido todas as previsões de
Marx, restaria sempre a irredutibilidade da subjectividade individual à
subjectividade colectiva e conseqüentemente faltariam sempre à teoria marxista
as instâncias de mediação entre ambas. (SOUZA SANTOS, 1997 p. 242)
Vê-se, mais uma vez, a relação estrita entre a cidadania e o tema abordado por este
trabalho, sendo mais uma vez ressaltada a idéia de que a Autonomia da Vontade é,
sim, um dos pontos basilares da democracia e da cidadania. Do mesmo modo que o
Estado deve proteger os cidadãos contra as lesões civis, deve também este Estado
Democrático permitir o livre exercício da liberdade negocial, desde que atenda os
interesses públicos e individuais.
Não basta que uma atividade seja benéfica ao coletivo e não ao individual, da mesma
forma que o coletivo não pode ser prejudicado pelo bem individual.
Segundo Marshall, na linha da tradição liberal, a cidadania é o conteúdo da
pertença igualitária a uma dada comunidade política e afere-se pelos direitos e
deveres que o constituem e pelas instituições a que azo para ser social e
politicamente eficaz. A cidadania não é, por isso, monolítica; e constituída por
diferentes tipos de direitos e instituições; é produto de histórias sociais
diferenciadas protagonizadas por grupos sociais diferentes. Os direitos vicos
correspondem ao primeiro momento do desenvolvimento da cidadania; são os
mais universais em termos da base social que atingem e apóiam-se nas
instituições do direito moderno e do sistema judicial que o aplica. Os direitos
políticos são mais tardios e de universalização mais difícil e traduzem-se
institucionalmente nos parlamentos, nos sistemas eleitorais e nos sistemas
políticos em geral. Por último, os direitos sociais se desenvolvem no nosso
século e, com plenitude, depois da Segunda Guerra Mundial; têm como
referencia social as classes trabalhadoras e são aplicados através de múltiplas
instituições que, no conjunto, constituem o Estado-Providencia. (SOUZA
SANTOS, 1997 p. 243-244)
Mais uma vez o autor trata da cidadania como fator de convergência à subjetividade e à
liberdade individual, inclusive de natureza negocial. Tanto que posteriormente ele
demonstra que para Foucault não tensão entre cidadania e subjetividade,
demonstrando o que estamos afirmando neste capítulo.
Para Foucault, não tensão entre cidadania e subjectividade porque a
cidadania, na medida em que consistiu na institucionalização das disciplinas,
criou a subjectividade a sua imagem e semelhança. A subjectividade é a face
individual do processo de normalização e não tem existência fora desse
75
processo. O sujeito e o cidadão são produtos manufacturados pelos poderes-
saberes das disciplinas. E com base nesta idéia que Foucault se recusa a
atribuir ao Estado um lugar central no processo histórico de dominação
moderna. De facto, segundo ele, o poder jurídico-político sediado no Estado e
nas instituições não tem cessado de perder importância em favor do poder
disciplinar. A cidadania é, pois, para Foucault, um artefacto deste poder mais do
que do conjunto dos direitos vicos, políticos e sociais concedidos pelo Estado
ou a ele conquistados. (SOUZA SANTOS, 1997 p. 246-247)
Tendo sido demonstrada a convergência entre subjetividade e cidadania, resta localizar
a Autonomia da Vontade como parte integrante da cidadania.
76
5. A Socialização do Direito Civil
O Direito Civil, embora o pareça, é extremamente vanguardista. As grandes
transformações na sociedade e no direito começam pelo Direito Civil. Esse pioneirismo
do Direito Civil não é aparente por possuir, o Direito Civil, princípios milenares, como o
da Autonomia da Vontade, e normas ainda provenientes do direito romano, como boa
parte do direito das obrigações.
Os ideais da Revolução Francesa de liberdade, igualdade e fraternidade foram
baseados no desejo de possuir liberdade contratual, igualdade formal e propriedade
privada. O movimento filosófico da época dava total autonomia ao direito civil,
consolidando os direitos de propriedade e livre comercialização, além da consolidação
da família burguesa.
Para Ana Prata (1982, p. 7) a análise do conceito de autonomia privada e a sua história
revelam inequívoca ligação deste conceito com os de sujeito jurídico e de propriedade.
Dessa ligação, certamente recíproca, se procurará dar, sinteticamente, conta antes de
serem tratados a extensão e o conteúdo da autonomia privada, historicamente
marcados pelo fluir da realidade apreensível e que nesse conceito é formalizada. Há
que observar que sujeito jurídico, propriedade e autonomia privada não são conceitos
universais: eles pertencem ao domínio das relações entre proprietários. A atribuição de
personalidade jurídica e, conseqüentemente, de capacidade negocial, encontra-se
estreitamente vinculada ao surgimento da posse privada e do direito de propriedade:
reivindicando a posse, ou afastando judicialmente as turbações na posse do bem, a
pessoa a quem esse bem foi atribuído surge como capaz de realizar atos produtores de
efeitos jurídicos. Mas porque só a ela foi repartida-atribuída a posse de certa terra,
ela pode praticar esses atos que à terra respeitam e que produzem efeitos jurídicos.
O movimento socialista foi baseado no fim da propriedade privada, na igualdade formal
e no fim da circulação de mercadoria. Vê-se que a alteração na sociedade seria
77
essencialmente no direito civil. Obviamente que os direitos constitucional, administrativo
e penal sofreriam grande alteração, mas o primeiro direito atingido seria o civil. O
movimento marxista objetiva, segundo Naves (2000, p. 18) ver que a “desmontagem”
do aparelho conceitual pachukaniano remete para a constituição de uma ideologia que
reconstrói todas as figuras do direito e estabelece o princípio “democrático” do império
da lei como princípio supremo da sociedade “sem classes”. Que a ideologia jurídica
possa ter tomado o lugar do marxismo, não nos deve surpreender. Pois, como lembra
Bernard Edelman, tal como é o sonho da burguesia que o capitalismo seja uma vez por
todas garantido pelo direito, assim também este “socialismo” sonha ter no direito a sua
eterna garantia.
O movimento social ao qual já se faz referência, bem como o movimento neoliberal,
pregam uma intervenção estatal nas relações privadas e no direito do indivíduo, o que
inevitavelmente seria a intervenção estatal nos contratos e na propriedade. Vê-se,
portanto que o direito civil é de tal importância para a sociedade que todas as
mudanças estruturalmente relevantes na sociedade e no direito começam pelo direito
civil.
Isto posto, cabe salientar que o direito tem sofrido um fenômeno de profundas
mudanças, sentidas no direito civil e no princípio da Autonomia da Vontade. A partir
desse fenômeno, e da relevância que ele possui, podemos debater questões como a
descodificação, funcionalização e despatrimonialização do Direito Civil, bem como a
adoção pelo código de cláusulas abertas ou fechadas. Embora pareçam eventos
distintos, eles estão intimamente ligados e são efeitos de uma tendência do direito civil
atual, que é a costumeirização do direito.
Sabe-se que o Brasil adota o sistema da civil law, baseado no direito positivo e na
segurança jurídica que este proporciona. O direito anglo-saxão, tradicionalmente
commum law, é baseado nos costumes e na rápida adaptação do direito ao caso
concreto.
78
O que se está vivendo é a adoção do civil law de institutos próprios da commum law, e
o oposto também ocorre. Os dois principais sintomas dessa costumeirização do direito
civil é a adoção de princípios para regular as relações, deixando o direito de prever
todas as situações e deixando a cargo do aplicador da norma moldar a dimensão
daquela norma a partir do fato concreto. O segundo sintoma está incluído no primeiro é
a força normativa da decisão judicial, sendo cada vez mais usada a jurisprudência para
embasar decisões do que a própria lei, embora essa ainda seja imprescindível.
Tratar-se-á, portanto, dos temas acima citados, para vermos sua influência sobre o
direito positivo e o direito costumeiro.
O evento da descodificação do direito civil passa por duas vertentes. A primeira seria a
relativização do Código Civil, para que sejam adotados Princípios Constitucionais, e o
segundo seria a migração de conteúdos essencialmente civis para outros códigos, entre
eles o código de defesa do consumidor e a CLT.
A ressistematização do Direito Civil, a codificação e a sua descodificação estão
intimamente imbricados com a abordagem sistêmica, tendo em vista que o
Código Civil – cujo modelo, creio, não superará a razão exegética nele presente
é obra de um sistema jurídico fechado, ao passo que a tônica, agora, é a de
um sistema aberto.
[...]
Identifica-se a idéia de sistema fechado com o seu método lógico-dedutivo (jus-
racionalista), enclausurado nele mesmo, sem que outras experiências (jurídicas
e metajurídicas) possam renovar suas bases.
[...]
Reflexo da vivida ineficiência contemporânea da codificação de 1916 foi o seu
desmantelamento, diluído em leis especiais e microssistemas jurídicos,
trazendo à lembrança alguns momentos legislativos, com a CLT, Lei do
Inquilinato, Código de Defesa do Consumidor etc., para ficar no plano do
trânsito jurídico interprivado. Tal processo de esfacelamentos não foi revertido
pelo atual digo Civil, pois, ao contrário de uma esperada reunificação do
Direito Civil, passou a assumir papel de fonte coadjuvante, com as demais
fontes civilísticas vigentes, incorporando o processo de descodificação.
(NALIN, 2006, p. 59-121)
79
Quanto à não unificação dos microssistemas do direito do consumidor e do trabalho,
não quer dizer que o direito civil está descaracterizado, esvaziado. A não reunificação
destas outras vertentes do direito apenas fortalece o direito civil, e reconhece esses
microssistemas como independentes e com seus próprios princípios e conceitos. O fato
de o Código Civil ser aplicado subsidiariamente não descaracteriza a identidade de um
e de outro sistema.
Ademais, o fato de o Código Civil ter abarcado a legislação comercial não mudou a
distinção de metodologia e trabalho de cada área. O direito civil só se fortaleceu,
reestruturando suas relações e tratando de forma mais igual os integrantes das
relações civis.
Vê-se, portanto, que a Autonomia da Vontade, ao invés de ter sido extinta, foi
reembasada para que possa ser exercida de forma satisfatória, sem o risco de
exacerbar as relações jurídicas provocando desigualdades.
A desigualdade presente nas relações de consumo e nas relações de trabalho é
patente, sendo de suma importância a proteção dos considerados hipossuficientes.
Contudo, tendo essa desigualdade sido minorada, sobra para o Código Civil as
relações que não envolvem esses agentes.
É sabido que o código de defesa do consumidor não prevê contratos ou relações
específicos, apenas princípios aplicáveis a qualquer relação de consumo. Mas a
aplicação desses princípios aos contratos do Código Civil molda essas relações no
sentido de torná-las amplamente diversas do que seriam se o Código Civil fosse
aplicado diretamente. Por isso referem-se ao direito do consumidor como um novo
microssistema.
Estando os contratos trabalhistas regulados pelo direito do trabalho, os contratos
administrativos regulados pelo direito administrativo, os contratos de consumo
regulados pelo código de defesa do consumidor e os contratos de adesão, que não
80
sejam de consumo, regulados também pelo código de defesa do consumidor e em dois
artigos do Código Civil, restam ao direito civil as relações paritárias, onde a Autonomia
da Vontade encontra sua expressão maior.
Portanto, a “divisão” do direito civil em outros microssistemas não o enfraquece, dando-
lhe autonomia para regular as relações pelas quais ele foi concebido, tornando-o assim
mais forte e mais igualitário.
A funcionalização do direito civil está ligada ao lado social do direito, e é a positivação
da supremacia do interesse social sobre o individual. É mais um indício da
costumeirização do direito civil. Esse evento consiste na atribuição de uma função
social aos institutos de direito civil, como a função social do contrato e a função social
da propriedade.
A funcionalização do direito civil objetiva obrigar os atores do direito civil a “usarem suas
ferramentas”, ou seja, não é interessante para a sociedade que os institutos de direito
civil sejam usados para fins exclusivamente egoísticos, sem que produzam algo
relevante para a sociedade.
Para Paulo Nalin (2006 p. 69-248) o sistema aberto não se esgota em si ou nos seus
elementos componentes, mas sim, na força jurisprudencial, depreendendo-se dele,
sobretudo, uma finalidade evidenciada pela funcionalização dos institutos jurídicos. A
justiça passa a ser social quando se permite ao sistema ser informado com valores
como: a dignidade do homem, a busca pela redução da pobreza e das diferenças
regionais, a tutela dos hipossuficientes e vulneráveis etc. Ao se cogitar em função social
da propriedade se está, do ponto de vista da finalidade do instituto da propriedade,
buscando reduzir a pobreza entre os brasileiros e, em última análise, dignificando os
favorecidos pela lei, haja vista queo existe dignidade sem um patrimônio mínimo.
81
Evento semelhante é o da despatrimonialização do direito civil que consiste em dar um
valor social, humano e dignificante aos institutos de direito civil, muito mais do que o
seu valor exclusivamente patrimonial.
Para ele, quando se faz referência à despatrimonialização do Direito Civil e
conseqüente despatrimonialização do contrato, tem-se em vista a renovação dos
propósitos do contrato contemporâneo, dentre o que se destaca atenção maior
dispensada ao sujeito do que à produção e ao consumo, sem que, com isso se sustente
a superação do conteúdo econômico do negócio, mesmo que, minimamente, retratado.
E nem poderia ser diferente, pois não se está a tratar do contrato à luz de uma
economia planificada, mas sim, em livre mercado, não obstante funcionalizado.
Portanto, o Direito Civil tem se modificado para atender as exigências da sociedade e
aos valores e parâmetros instituídos na Constituição Federal.
Todos esses eventos acima mencionados se resumem à adoção, com exceção da
descodificação, pelo direito civil, de cláusulas abertas ou fechadas, a fim de evitar a
positivação das situações fáticas, mas inserir no código princípios que orientem os
aplicadores do direito.
Tem-se notado que a adoção de normas principiológicas abertas tem sido a tendência
dos países adotantes da civil law, tendo em vista que a previsão legal de todos os
eventos fáticos possíveis é inalcançável, sendo a adoção das cláusulas abertas uma
solução eficaz para esse problema.
Para Nalin (2006, p. 61) é a constatação de que o sistema jurídico não pode ser
encarado fora do contexto de valores materiais e históricos, de nada servindo para a
efetividade do ordenamento jurídico as construções meramente abstratas do
pensamento. Uma proposta sistêmica de cunho fechado em seus próprios enunciados
deu provas de sua inadequação para a resolução dos casos práticos que a vida
oferece, a leitura que parte da jurisprudência faz do princípio da liberdade contratual,
82
ainda centrada no voluntarismo jurídico, sem que se tenha dado conta de que a
condição para o exercício de tal princípio está na funcionalização de seus efeitos,
baseado na justiça social (Carta, art. 170, caput).
A doutrina mais refinada também, completa ele, deu prova da convivência em nosso
sistema da controvérsia entre princípios fundamentais, ao tratar do tema do contrato em
face da realidade pós-moderna da contratação em massa. A constatação é a de que
existem, ao menos, dois modelos amplos de contrato: um primeiro lastreado no
voluntarismo jurídico e no dogma da vontade, especialmente presente em relações
interprivadas; um segundo, decorrente das contratações de massa, mais freqüente na
atualidade, no qual inexiste exercício concreto aparente da Autonomia da Vontade,
apesar da formação eficaz de um contrato.
Para Francisco Amaras (2006, p. 72-73) Significativa inovação do Código Civil de 2002
é o enriquecimento de seu sistema normativo com a inserção de variados princípios e
regras jurídicas de genérica aplicação, as chamadas cláusulas gerais. Significativa
porque exprime um novo pensamento jurídico, pós-positivista, diverso do que orientou a
codificação de 1916, contribuindo assim para a reabilitação do direito como ciência
prática e realçando a importância da doutrina e a responsabilidade do intérprete na
realização do direito.
Cláusulas gerais, completa ele, são proposições normativas cuja hipótese de fato
(fattispecie), em virtude de sua ampla abstração e generalidade, pode disciplinar um
amplo número de casos, conferindo ao intérprete maior autonomia na sua função
criadora. Diferem das regras jurídicas pelo fato de estas contarem com uma estrutura
mais precisa, menos vaga. Apresentam certa indeterminação na hipótese de fato, e por
isso elas só se compreendem em cortejo com outras realidades normativas. Seriam,
assim, regras incompletas, que se concretizam no âmbito dos programas normativos de
outras disposições.
83
Segundo ele, a função das cláusulas gerais seria a de “permitir a abertura e a
mobilidade do sistema jurídico”, estando presentes nas Constituições, nos Códigos, nas
leis especiais, na doutrina, na jurisprudência. No Código Civil brasileiro, dotado de
“fórmulas genéricas e flexíveis” ou “modelos abertos”, aptos a permitir a evolução e a
obra de interpretação, quer dos autores, quer da jurisprudência, são exemplo de
cláusulas gerais os dispositivos que se referem à boa-fé (arts. 113, 187 e 422), aos
bons costumes (arts. 13, 187, 1.638, III), ao exercício abusivo de direito subjetivo (art.
187), aos usos do lugar (113), à eqüidade (arts. 413, 944, 953, parágrafo único), à
função social do contrato (arts. 421), à reparação de danos decorrentes de culpa ou
risco (art. 186, 927 e parágrafo único).
Como mencionado no início deste capítulo, esses eventos são responsáveis pela
costumeirização do direito civil; é a adoção de um método commum law em uma
legislação essencialmente civil law.
A adoção, pelo Código Civil, de normas abertas, principiológicas, sem o compromisso
de positivar todas as situações fáticas, possui uma vantagem enorme, que é a rápida
adaptação da lei ao caso concreto. Extingue-se o pensamento de que a justiça é o que
a norma determina, e faz-se um juízo de valor no caso concreto para que seja
solucionado o problema.
Nasce, porém, o problema da imprecisão do legislador, sendo de difícil mensuração do
conteúdo da norma. Com o tempo os tribunais superiores uniformizarão o entendimento
sobre aquele instituto, seguramente. Mas e os atos praticados até aquele momento,
não gozariam da chamada “segurança jurídica”?
Com efeito, as cláusulas abertas, em um país cuja tradição é de normas positivadas,
causa um desconforto inicial, uma impressão de insegurança. Mas possuem uma
vantagem que é a atualização imediata do ordenamento jurídico sendo atualizado não
pela legislação, mas pelo judiciário.
84
Vê-se claramente, mais uma vez, a prevalência do interesse coletivo sobre o individual.
De fato, naqueles casos onde os conceitos são moldados, a norma retroage a favor de
um e contra o outro, que o entendimento jurisprudencial, que passa a ser muito mais
importante, era diverso ou inexistente no momento da prática do ato.
Isso seria um limitador da Autonomia da Vontade contratual? Seria a alegada
segurança jurídica essencial para o exercício desse princípio?
Aparentemente o. Pelo contrário, a adoção de cláusulas abertas vem na contramão
da tendência de se restringir a Autonomia da Vontade, dando-lhe liberdade para que
seja feito o que não contrarie o bom senso, os bons costumes e a ordem pública. Não
haveria mais a necessidade de presumir-se nulos ou anuláveis determinados tipos de
contrato, bastando que os contratantes demonstrem, em eventual julgamento, que
agiram de boa fé e com transparência.
Um caso que exprime tipicamente o que tenta-se demonstrar com a proposta de usar
normas abertas para substituir regras é a anulabilidade da compra e venda de pai para
filho.
“Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros
descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.”
É possível neste caso notar que o legislador presume que esta venda será fraudulenta,
uma forma de adiantar a herança legítima em favor de um herdeiro e em prejuízo dos
demais, dando-lhes o poder de fiscalizar esta compra e venda e denunciar quando
forem prejudicados.
Suponha-se que haja um caso em que os irmãos são desafetos, ou ainda melhor, um
dos herdeiros mora a mil quilômetros de distância, não tem condições de se deslocar ao
local da contratação para convalidar o ato.
85
O legislador está, na tentativa de proteger o herdeiro, inviabilizando uma contratação
legítima, onde o objeto é lícito, a forma prescrita em lei e os contratantes maiores e
capazes.
Alguém poderá dizer: Mas o negócio é apenas anulável, podem os dois contratar e
posteriormente o herdeiro que não pode se deslocar convalida o negócio.
Na teoria seria possível, mas seria inviável conseguir um financiamento para o bem ou
qualquer outro tipo de transação que envolvesse outro agente, pois ninguém se
submeteria a se envolver em um negócio que poderia ser anulável.
Ademais, no caso de haver desavença entre os irmãos a contratação não poderia ser
convalidada, que o legislador não exige motivação do herdeiro que não autoriza a
realização do contrato.
Em suma, o Código Civil poderia atingir seu objetivo sem sequer incluir o artigo
supracitado, bastaria que um dos herdeiros ingressasse com uma ão anulatória caso
faltasse algum dos elementos necessários para a realização do negócio, no caso seria
a ausência de um preço justo, ou talvez a devolução do valor pago, o que caracterizaria
doação, ou qualquer ato que ensejasse a invocação do princípio da boa-fé objetiva.
Este é apenas um exemplo de como podem ser utilizadas as ferramentas trazidas pela
Constituição Federal e o Código Civil, sem prever exatamente aquela situação, mas
atuando segundo o mais ilibado padrão de justiça, permitindo o negócio jurídico quando
justo e protegendo os herdeiros quando necessário.
Outro exemplo que ilustraria a aplicação da norma nos moldes trazidos nesse capítulo
seria a anulação de um contrato de locação de um imóvel cujo fim seria o de abrigar
uma casa de prostituição.
86
Imagine que uma pessoa alugue uma casa para instituir um prostíbulo. As partes são
maiores, capazes. O objeto do contrato é lícito, uma casa, com habite-se, escritura e
tudo mais que for necessário. Com os débitos fiscais em dia. A forma é prescrita em lei,
o contrato de aluguel é amplamente celebrado no país.
Até o Código Civil de 1916 seria impossível anular esse tipo de contrato, mas o Código
Civil de 2002 trouxe uma ferramenta capaz de anular esse negócio jurídico, mesmo
estando perfeitamente preenchidos os requisitos do contrato, trata-se da função social
do contrato, um princípio concebido exatamente para inibir o exercício da Autonomia da
Vontade de forma lesiva.
O próprio Código Civil, nas suas disposições transitórias fala de anulabilidade dos atos
que contrariem a função social do contrato e da propriedade, servindo como
embasamento para o fim que citamos há pouco.
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes
da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores,
referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste
Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas
partes determinada forma de execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de
ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a
função social da propriedade e dos contratos.
A partir do Código Civil e da Autonomia da Vontade, vê-se uma nova tendência
legislativa, sendo natural que, se forem bem aplicadas, as normas abertas já existentes,
surjam novas legislações que adotem essa técnica.
Portanto, vê-se que o Direito Civil, de uma forma geral, e a Autonomia da Vontade, em
específico, adotaram um posicionamento capaz de trazer ao direito civil uma
mentalidade voltada ao social, diferente daquela concepção individualista e
patrimonialista que o caracterizou no passado.
87
Percebe-se que a elaboração de leis como o Código de Defesa do Consumidor, a CLT,
a lei de locação, entre outras legislações que privilegiam uma parte da sociedade
fragilizada, prioriza a busca de uma sociedade livre, justa e solidária, nos termos do
artigo 3º da Constituição.
Para Cristiano Chaves de Farias (2005, p. 35) os Princípios Constitucionais influenciam
diretamente o Direito Civil, com uma visão constitucionalizada, inclui a solidariedade
social como princípio do Direito Civil, princípio este que busca conciliar as exigências
coletivas com interesses particulares. Ao lado de princípios históricos do Direito Civil
como Autonomia da Vontade, o Direito Civil no Brasil, após a Constituição Federal de
1988, vem sofrendo alteração significativa no seu conteúdo valorativo.
Este mesmo professor denomina esse fenômeno de despatrimonialização, isto é,
encontra-se no direito civil por limitações de índole pública, uma função social, um
cunho de direito submetido a interesses públicos. Os princípios gerais de Direito Civil
tem como motor de impulsão uma visão socializada, por conta da Constituição de 1988
(art. 3º, III), visando equilibrar as relações sociais. Ressalta-se a tendência de incluir
solidariedade social como princípio do Direito Civil.
Outros princípios da Constituição Federal, que influenciam essa nova fase do Direito
Civil Constitucional, segundo Cristiano Chaves, são: a dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III), a solidariedade social (art. 3º) e a igualdade substancial (art. 3º e 5º).
Vê-se que o reconhecimento de um novo rumo dado ao Direito Civil, no intuito de
socializá-lo, de fazê-lo vivenciar os ideais constitucionais é patente. O que não poderia
deixar de ser feito, mas é importante que ressaltemos essa nova visão de Direito Civil
para que não usemos como argumento para a Aplicação Direta da Constituição nas
Relações Cíveis o fato de eventualmente não ser o digo Civil voltado para a
dignidade humana, para o bem social, para o coletivo e para a livre iniciativa e
valorização do trabalho.
88
O que pode sim ser levantado é que o Código Civil não previu todas as situações de
desequilíbrio contratual que pudessem ocorrer, como o poderia deixar de ser, que
usou ainda muitas regras para disciplinar as relações privadas, mas nunca que não se
preocupou com os ideais constitucionais.
Para Francisco Amaral (2006, p. 60-62) os princípios institucionais são os que
fundamentam os institutos de direito privado. Nos direitos da personalidade, o princípio
da dignidade da pessoa humana. No direito de família, o princípio da igualdade dos
cônjuges (CF, art. 226, § 5º) e o princípio da igualdade dos filhos (CF, art. 227, § 6º). No
direito contratual, os princípios da autonomia privada, da Boa-fé, da eqüidade, da
função social do contrato. Nos direitos reais, o princípio da função social da propriedade
(CF, art. 170, III).
O princípio da equidade, segundo ele, é um modelo ideal de justiça, um princípio
inspirador do direito que visa à realização da igualdade material. É antes e acima de
tudo, um critério de decisão de casos singulares, apresentando-se sob a forma de
cláusula geral. A equidade tem função interpretativa, recorrendo aos critérios da
igualdade e da proporcionalidade para realizar o direito no caso concreto. Tem função
corretiva, no sentido de temperar o direito positivo, principalmente em matéria
contratual, e função quantificadora, como ocorre, por exemplo, no caso de ser critério
de fixação de valor de uma indenização. Pode ainda ter função supletiva, como nos
casos de compromisso arbitral, quando as partes a elegem como critério de solução. No
direito civil brasileiro recorre-se à eqüidade: a)quando a lei assim determinar (CPC, art.
127), como se faz no Código Civil nos arts. 413 (cláusula penal), 479 (onerosidade
excessiva), 944 (responsabilidade civil), parágrafo único do art. 953 (valor da
indenização), 156 (estado de perigo); b) quando as partes assim o convencionarem
(compromisso arbitral; e c) quando o juiz tiver de decidir com base nas cláusulas gerais
e com fundamento no princípio da concretude, do novo Código Civil.
Ainda assim, mesmo que defendamos o caráter social do digo Civil, quem
defenda que ainda é pouco e tardio.
89
Para Paulo Nalin (2006, p. 81-86) despontam como pontos favoráveis ao atual Código
Civil: a inclusão, no renovado capítulo das Disposições Gerais (Dos Contratos em Geral
Título V Capítulo I Seção I), da limitação do exercício da liberdade contratual a
uma função social do contrato (art. 421); a boa-fé, enquanto princípio geral dos
contratos (art. 422), e uma vez incluída nas Disposições Gerais, distanciando-se do
modelo corrente que suscita o princípio sob análise, de maneira pontual. Ademais,
ainda na linha da boa-fé, reconheceu-se ter ela pluriaplicação na relação contratual, na
medida em que se torna exigível sua observância, na dicção imperfeita, pois restritiva
da lei, tanto na conclusão quanto na execução da avença.
Mesmo reconhecendo as inovações critica dizendo que, em verdade, as inovações”
trazidas não são renovadoras do pensamento contratual contemporâneo.
Comparativamente ao impacto legislativo causado pelo Código de Defesa do
Consumidor, este sim, renovador ao relançar não a boa-fé, mas ainda os princípios
da confiança, transparência e especialmente, da eqüidade, o vigente Código Civil nos
traz notas já conhecidas.
Conclui dizendo que, após a carta de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor, o
novo Código Civil não chega a inovar, vez que não lança um novo sistema contratual.
Em verdade, sua apresentação no cenário jurídico brasileiro foi tardia, sob o prisma do
impulso social que uma nova legislação civil pode proporcionar. Em algumas palavras:
consolidou conquistas doutrinárias, jurisprudenciais e, sobretudo, constitucionais; logo,
não apresentou um novo sistema contratual.
Com efeito, o Código Civil, embora tenha sofrido todas as mudanças citadas neste
capítulo e ao longo do trabalho, não apresentou um novo sistema contratual. Foi
implantado com pelo menos 20 anos de atraso em relação aos códigos civis ao redor
do mundo.
90
Apesar disso, com as cláusulas abertas disciplinadas, a nova face, voltada para o lado
social e a interpretação conjunta e harmônica com a Constituição, oferece ao estudioso
e aplicador do direito uma gama de ferramentas até então inexistente no direito
brasileiro.
91
6. Autonomia da Vontade e os outros princípios
O primeiro assunto que deve ser abordado neste capítulo é a classificação dos
princípios.
Este trabalho é sobre Autonomia da Vontade e sua delimitação pelos Princípios
Constitucionais. Portanto, não cabe dissertar sobre princípios de uma forma geral, mas
para fins de definição usar-se-á a do professor Luis Roberto Barroso (2009).
Segundo ele, o ponto de partida do intérprete que ser sempre os Princípios
Constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da
Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os Princípios
Constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou
qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da
Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser
apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da
regra concreta que vai reger a espécie.
O autor elabora um quadro geral dos princípios, classificando os princípios conforme a
importância para o ordenamento jurídico. Sua Classificação se resume a Princípios
Constitucionais Fundamentais, Princípios Constitucionais Gerais, também se irradia por
todo o sistema, mas ele próprio já deriva de outro. E Princípios Específicos ou setoriais,
derivam do princípio geral e não se irradiam por todo o ordenamento jurídico.
À luz dos conceitos gerais expostos acima e com o objetivo de auxiliar o intérprete
colocando à sua disposição um catálogo tópico, o autor, esboça um quadro geral dos
Princípios Constitucionais brasileiros, tendo como moldura o Texto Constitucional em
vigor. A enunciação está longe de ser exaustiva, mas pretende haver captado os mais
destacados princípios enquadrados na tipologia aqui delineada: fundamentais, gerais e
setoriais.
92
À vista do direito posto, são princípios fundamentais do Estado brasileiro, segundo o
autor, os seguintes:
Princípio republicano;
Princípio federativo;
Princípio do Estado Democrático de direito;
Princípio da separação de Poderes;
Princípio presidencialista;
Princípio da livre iniciativa e valorização do trabalho.
De outra parte, figuram dentre os princípios gerais os que se seguem:
Princípio da legalidade;
Princípio da liberdade;
Princípio da isonomia;
Princípio da autonomia estadual e municipal
Princípio do acesso ao judiciário;
Princípio da segurança jurídica;
Princípio do juiz natural;
Princípio do devido processo legal.
São princípios setoriais, aqueles que derivam dos gerais e regem determinada
atividade:
IV – Ordem Econômica:
Princípio da garantia da propriedade privada;
Princípio da função social da propriedade;
Princípio da livre concorrência;
Princípio da defesa do consumidor;
Princípio da defesa do meio ambiente.
93
Note-se que não citamos o Princípio da Autonomia da Vontade, por não estar
expressamente previsto na Constituição Federal, apesar disso, por sua imensa
importância, julgamos que o princípio da Autonomia da Vontade seja um princípio
setorial por alguns motivos.
O primeiro motivo é que ele não atua em todas as áreas do Direito, apesar de derivar
do princípio da livre iniciativa, não pode ser considerado um Princípio Geral, que o
Princípio da Liberdade, por exemplo, é muito maior do que o da Autonomia da Vontade.
Aliás, no capítulo sobre a questão terminológica, definimos a Autonomia da Vontade
como sendo estritamente negocial, algo que restringe o campo de atuação do princípio,
tornando-o assim setorial.
O autor usou uma técnica cartorial para elaborar essa classificação, separou os artigos
da Constituição Federal que contém princípios e os dividiu entre Fundamentais, Gerais
e Setoriais.
Sendo os Princípios Gerais menos importantes que os Princípios Fundamentais,
discordamos do autor quando o mesmo diz que a liberdade decorre da livre iniciativa,
quando entendemos que é exatamente o oposto. A liberdade é garantida e em seu bojo
está a livre-iniciativa.
Contudo a Constituição Federal importância maior à livre-iniciativa porque ela define
a forma econômica do Brasil, não a liberdade. Talvez o autor tenha entendido que a
liberdade decorre da democracia. Se for essa a interpretação estamos de acordo.
A inter-relação entre os princípios é muito salutar, como dissemos anteriormente, e
antes de fazermos a relação dos Princípios Constitucionais com a Autonomia da
Vontade, nos resta dizer que não estão no mesmo grau de importância como já dito
anteriormente. Sabe-se muito bem onde está localizado o princípio citado, não é
94
expresso na Constituição Federal, mas apenas implícito. Contudo, desempenha um
papel fundamental no setor onde atua e representa todos aqueles ideais citados no
capítulo dedicado à cidadania.
6.1 – Autonomia da Vontade e o Princípio da Livre Iniciativa
O princípio da Autonomia da Vontade é a maior vertente do princípio da livre iniciativa.
Não coloca-se os dois como sinônimos por se entende que a livre iniciativa é mais
ampla, abarca o Direito Comercial, Civil, Trabalhista, do Consumidor e até o Direito
Administrativo se contratado com particular, enquanto o princípio da Autonomia da
Vontade apenas diz respeito aos contratos.
Contudo, o princípio da Livre Iniciativa eleva a importância da Autonomia da Vontade
por garantir independência do contratante em relação ao Estado. O fato de a lei
autorizar a contratação por particular do que não for defeso em lei, o que não é
permitido ao ente público, decorre do princípio da Livre Iniciativa. É ele quem legitima a
Autonomia da Vontade e que faz esse princípio tão notável.
6.2 – Autonomia da Vontade e o Princípio da Liberdade
Como dito anteriormente, o princípio da Autonomia da Vontade é muito próximo do
princípio da liberdade, e muito menos abrangente. A liberdade é, em um país
democrático, o direito de locomoção, associação, liberdade de imprensa, expressão,
contratação, de atividade financeira ou não, bem como a liberdade pode ser um direito
negativo, liberdade de não fazer algo se não em virtude de lei.
Hegel abriu as portas da filosofia contemporânea. O seu pensamento filosófico foi
construído em um momento histórico em que a burguesia havia assumido o controle do
Estado e feito a positivação do direito. Vale dizer que o primeiro grande Código Civil do
mundo foi o Code Napoleón em 1804, que protegeu os valores antes ditos “direitos
95
naturais” consubstanciados na propriedade privada, na liberdade e na isonomia, além
do direito de família e sucessões.
O Estado Britânico, também pioneiro na democracia trouxe as seguintes inovações
para o Estado Democrático Moderno, segundo Paolo Biscaretti di Ruffia (1982):
Basicamente os institutos inovadores do direito britânico foram:
A monarquia constitucional, a introdução de um chefe de Estado acompanhado
de assembléias legislativas, exercendo o poder conjuntamente, de acordo com a
lei;
A irresponsabilidade do chefe de Estado, com a participação dos ministros nos
atos do soberano, e sua plena responsabilidade diante das câmaras;
O parlamento bicameral;
A tutela jurisdicional eficaz para proteger as liberdades civis essenciais.
Vê-se, portanto, como dito anteriormente, a Autonomia da Vontade foi sinônimo de
liberdade. Melhor dizendo, a Autonomia da Vontade já se escondeu atrás da bandeira
da liberdade, em um momento onde o voto, a liberdade negocial e o status de cidadão
eram garantidos a poucos.
Foi importante para a ocasião que se levantasse a bandeira da liberdade, pois, mesmo
que a liberdade negocial estivesse por trás daquela bandeira, os conceitos demoram
em se consolidar, passando cada vez mais a ser consolidada a diferença entre um
princípio e outro.
De certa forma o socialismo percebeu que a liberdade da qual falavam os burgueses
era a liberdade negocial, passou-se então a sacrificar a liberdade pelo bem da
isonomia. Por fim, verificou-se que os assuntos são distintos e passou-se a disciplinar
cada princípio em sua área de atuação.
96
Para Ana Prata (1982 p. 77) se pensarmos a autonomia privada como referida a
pessoas singulares, ou na medida em que assim se possa pensar, não o poder de
autodeterminação econômica não constitui uma manifestação ou um aspecto do mais
vasto problema da autodeterminação humana, da liberdade individual, isto é, não a
autonomia privada (no sentido jurídico e, portanto, econômico) e liberdade não são
conceitos confundíveis, como são, em grande medida, conceitos antinômicos. Na
medida em que exista uma real igualdade econômica ou contratual dos sujeitos dos
contratantes, a livre manifestação das suas vontades corresponderá necessariamente
ao exercício de “liberdades” qualitativamente muito diversas. Aquele que se encontra
em um “estado de necessidade” por não ter alternativas contratuais ou que se acha em
uma situação de indiscutibilidade (ou de muito restrita discutibilidade) dos termos
contratuais, não exerce a sua liberdade ao contratar. E o prejuízo resultante do
contrato, por sua vez e são duas questões muito diversas - , pode justamente refletir-
se na esfera da sua liberdade. Isto é, liberdade contratual é muito mais criação das
condições materiais para exercício dessa liberdade, entendida em termos substanciais
e não formais, do que não intervenção, aliamento de uma esfera de relações em que
essa liberdade atua.
Prossegue dizendo que as dificuldades sentidas na compatibilização da autonomia
privada com a autoridade resultam da conjugação de duas erradas concepções, ainda
quando elas não estão explicita ou sequer conscientemente assumidas: a da
consideração da autonomia privada como uma manifestação da liberdade individual, e
a da liberdade individual como instrumento de defesa do cidadão contra Estado.
Explica que a primeira consiste em erigir em ordem natural aquilo que é ordem
econômica historicamente referenciada: entender que a liberdade do sujeito se
expressa necessariamente pela celebração de negócios jurídicos é formalizar como
princípio intemporal o que constitui uma forma relacional correspondente a situações
históricas.
97
A segunda supõe uma separação estanque entre a sociedade civil e o Estado e a
consideração que dentro daquela integrada por sujeitos iguais, nenhuma ameaça à
liberdade se encontraria porque esta consistiria justamente na garantia da não
intervenção estadual na sociedade civil.
Discorda-se da autora quando coloca que a Autonomia da Vontade e a liberdade são
antagônicas, como se uma fosse a liberdade boa e a outra a liberdade ruim proveniente
do negócio jurídico.
A Autonomia da Vontade é manifestação da liberdade, sim, obviamente que nos
referimos à liberdade e Autonomia da Vontade benéficas. A liberdade também pode ser
adulterada e extrapolada no sentido de tornar danosa a convivência e relação dos
indivíduos, não pode ser encarada como pura apenas quando a Autonomia da Vontade
é regulado.
Como se repetirá no item da isonomia, a liberdade pressupõe, sim, a igualdade de
condições e a livre manifestação da vontade para ser plenamente alcançada no âmbito
dos contratos.
Para Renan Lotufo (2002, p. 81-84) pode-se imaginar que a liberdade de contratar, em
si, nada tem a ver com a política; entretanto todos os governos monocráticos tendem
concentrar qualquer forma de liberdade, inclusive para preservar o mesmo poder. De
outro lado, os governos liberais tendem a se isentar de qualquer participação nas
relações privadas, como se aquele fato não estivesse dentro de um sistema que
garantisse a liberdade de todos. Neste sentido o “contrato social” de Rousseau, define
bem a questão da liberdade, ao determinar que cada cidadão cede um pouco, para
preservá-la. Pode parecer contraditório, mas na realidade com a liberdade ocorre,
realmente, desta forma.
Segundo o autor, a prevalecer o comportamento do “gato contra o rato”, no dizer
popular, este sentimento liberal pode parecer plena liberdade, quando na verdade é a
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prevalência do forte sobre o fraco, em todos os aspectos que se conhece: físico,
econômico, social etc. A justiça social nega este sentimento lúdico de liberdade, que, na
verdade, inibe completamente o comportamento dos mais fracos, gerando uma ditadura
dos mais fortes e contrariando o dispositivo de que “todos são iguais perante a lei”. Ao
contrário quer garantir a liberdade de todos, tratando desigualmente os desiguais, para
permitir uma convivência pacífica.
Completa dizendo que parece então indispensável pensar em uma liberdade com
justiça social, pois, fora disto, a liberdade é uma falácia em que os mais fortes
determinam as regras, seja em que campo for notadamente no campo econômico-
social. Evidentemente, tem-se de ter certo cuidado com a intervenção do Estado; no
entanto ela se torna imperiosa quando a liberdade de contratar e de definir o conteúdo
desse instrumento está cronicamente afetada. Por fim, assinale-se que a simbiose entre
liberdade individual e justiça social permite a livre disposição contratual, possibilitando a
todos que possam decidir pela contratação, assim como pela definição do conteúdo de
cada instrumento contratual.
6.3 – A Isonomia e a Autonomia da Vontade
Ao lado do princípio da solidariedade, o princípio da isonomia é aquele que mais
interfere na Autonomia da Vontade. O motivo é simples e justo. A isonomia pretendida
pela Constituição de 1988 não é mais aquela da revolução francesa, ou seja, a
igualdade formal, mas uma igualdade real.
Desta reflexão sobre a fundamental importância do princípio de isonomia como
critério de organização do Estado-nação, e de sua análise da condição dos
apátridas, Hannah Arendt extrai a sua conclusão básica sobre os direitos
humanos. Não é verdade que "todos os homens nascem livres e iguais em
dignidade e direitos", como afirma o art. 1.° da De claração Universal dos
Direitos do Homem da ONU, de 1948, na esteira da Declaração de Virgínia de
1776 (artigo 1.º), ou da Declaração Francesa de 1789 (art. 1.º). Nós o
nascemos iguais: nós nos tornamos iguais como membros de uma coletividade
em virtude de uma decisão conjunta que garante a todos direitos iguais. A
igualdade não é um dado - ele não é physis, nem resulta de um absoluto
transcendente externo à comunidade política. Ela é um construído, elaborado
convencionalmente pela ação conjunta dos homens através da organização da
99
comunidade política. Daí a indissolubilidade da relação entre o direito individual
do cidadão de autodeterminar-se politicamente, em conjunto com os seus
concidadãos, através do exercício de seus direitos políticos, e o direito da
comunidade de autodeterminar-se, construindo convencionalmente a igualdade.
(LAFER, 1988, p. 150)
Vê-se que a isonomia formal é fácil de conseguir, basta decretar na Carta Magna, mas
a igualdade real é mais suada, mais difícil. Por certo até impossível de se alcançar em
uma sociedade como a brasileira hoje. Em virtude disso foram dados passos
importantes como o reconhecimento das partes mais fracas nas relações contratuais.
É de notar que, mesmo a isonomia sendo um Princípio Fundamental, muito maior e
muito mais abrangente que a Autonomia da Vontade, um Princípio Setorial, é no setor
onde se encontra a Autonomia da Vontade que encontramos a grande problemática
envolvendo a isonomia.
A isonomia processual é alcançável, a igualdade de direitos também. O ponto mais
frágil da isonomia é, indubitavelmente, a área econômica. Onde a Autonomia da
Vontade se encontra.
Esse é o ponto crucial para aqueles que desdenham o princípio da Autonomia da
Vontade. Embora ele seja setorial, colide com princípios mais amplos, mas que naquele
setor se equivalem em importância.
Por isso dize-se que foram benéficas para a Autonomia da Vontade as mudanças que a
restringiu, porque se equilibra o contrato, equilibra o setor e seus princípios.
Para Perlingieri (2008, p. 492-494) o princípio da igualdade opera conjuntamente com
os outros Princípios Constitucionais e contribui junto com eles para estabelecer
preferências e compatibilidades, isto é, o quadro normativo de referência primária para
a solução do problema concreto. Isto, de um lado, introduz a regra hermenêutica da não
postulação de uma preferência hierárquica exclusiva do princípio referido e, do outro,
requer que a sua aplicação seja necessariamente realizada no quadro geral do sistema
100
de princípios e valores constitucionais. Nesta perspectiva, o problema se traduz
naquele mais amplo da aplicação direta da norma constitucional nas relações de Direito
Civil.
Prossegue dizendo que as autonomias, todas, incluindo a autonomia negocial, não
serão, assim, aviltadas, mas reforçadas como poderes justificados segundo os
princípios supremos do ordenamento. E neste sentido não há contraposição entre
princípio constitucional da igualdade e direito civil: a peculiaridade das relações cíveis
não contrasta irremediavelmente com o princípio da igualdade. Certamente o direito
privado tradicional assim se desmantela, mas isto significa, justamente, construção de
um direito civil na legalidade constitucional, para o qual ocorre razoabilidade e
adequada capacidade hermenêutica na chamada ponderação dos valores segundo
critérios de proporcionalidade.
Segundo o autor, nessa perspectiva, a aplicação generalizada do princípio da igualdade
nos ordenamentos privados não tem caráter de excepcionalidade e não pode mais
incutir o temor de abrir caminho à utopia do igualitarismo, isto é, a igualdade de todos
em tudo. Assim, reside exclusivamente neste temor, de supressão das liberdades e do
fim do direito privado, a proposta de limitar a operatividade da igualdade ao exercício do
poder legislativo e, em geral, do poder do direito público. Mas como pode um valor que
caracteriza o ordenamento, fundamento do Estado Social de Direito, não ser relevante
para a atividade regulada pelo Direito Civil segundo a Constituição? O princípio da
igualdade faz parte do ordenamento público constitucional, ao qual ninguém e muito
menos os indivíduos podem subtrair.
O autor prossegue no relacionamento do Princípio da Igualdade e da Autonomia da
Vontade, dizendo que não vale aduzir que a aplicação do princípio da igualdade a
autonomia privada seria completamente destruída em razão dos limites absurdos que
se acabaria por colocar à liberdade de contratar, de testar, de dispor. Prescindindo do
fato de que uma coisa é a paridade de tratamento, outra, é o princípio da igualdade, a
limitação da autonomia, o controle sobre o merecimento de tutela dos seus conteúdos
101
não significa suprimir a autonomia mesma: entre o conceito de limitação e o conceito de
supressão existe uma incompatibilidade absoluta. De pouco vale, portanto, proclamar a
igualdade substancial como princípio geral em tema de contratos; por outro lado, como
se pretender fazer depender a aplicabilidade de uma norma constitucional da existência
de um dever específico de paridade de tratamento posto por uma norma de nível
inferior?
De fato o princípio da igualdade e a Autonomia da Vontade parecem antagônicos, mas
é quando os contratantes são iguais que a vontade pode ser livremente manifestada.
Tende-se sempre a imaginar a Autonomia da Vontade como unilateral, como o império
de um sobre o outro, como dominação.
Sendo o contrato um negócio jurídico bilateral, ainda que a prestação possa ser
unilateral, ele sempre exige a manifestação da vontade de ambas as partes. E
manifestação da vontade não é apenas concordância, mas o exercício de todos
aqueles aspectos elencados neste trabalho. E isso é possível apenas quando as
partes são iguais substancialmente.
Neste sentido explana Renan Lotufo (2002 p. 88-89), dizendo que nestas
circunstâncias, nas questões contratuais, igualdade de Direitos e desigualdades de
fatos. A liberdade, neste caso, não deve ser o elemento supremo do contrato, pois ela
deve ser dividida igualmente entre os contratantes. Assim, a igualdade é um elemento
que neste caso se impõe para corrigir a liberdade, deturpada por fatos circunstanciais
que impedem o seu exercício.
Segundo ele é evidente que é a harmonia entre a autonomia privada e a solidariedade
social que repousa o grande ideal da sociedade humana. Assim é que foi substituído o
foco no individualismo abstrato e inorgânico por outro que se fixe na finalidade social de
um Estado moderno, criando, assim, a função social do contrato.
102
Este princípio, segundo ele, está consubstanciado hoje no direito privado. Fica claro
que o entendimento espelhado na obra de Darcy Bessone está considerando o sentido
global do direito privado. Assim, não se pode mais falar em direito privado como um
instrumento do individualismo exacerbado; muito menos este ramo do Direito pode se
dar ao luxo de ser instrumento de uma Autonomia da Vontade.
6.4 – Princípio da Solidariedade e Autonomia da Vontade
O Princípio da Solidariedade não está expresso na Constituição Federal, mas com
certeza está implícito e é um Princípio Fundamental. Tem-se dado muita importância a
este princípio por ter se descoberto que a partir dele pode-se desenvolver uma série de
direitos de terceira e quarta dimensão.
São os direitos metaindividuais, direitos coletivos e difusos; direitos de
solidariedade. A nota caracterizadora desses ‘novos’ direitos é a de que seu
titular não é mais o homem individual (tampouco regulam as relações entre os
indivíduos e o Estado), mas agora dizem respeito à proteção de categorias ou
grupos de pessoas (família, povo, nação), não se enquadrando nem no publico.
Nem no privado. (WOLKMER, 2003, p. 9)
Seguindo o raciocínio do tópico anterior, a solidariedade também se faz muito presente
na parte do Código Civil referente aos Contratos.
Isso porque o contrato, embora muitos preguem a luta de classes, é uma situação de
mútuo acordo, pelo menos deveria ser. Quando se celebra o contrato as partes
reconhecem que aquilo que foi celebrado será benéfico para ambos.
Exatamente por isso as partes devem ser solidárias, não basta cada um cumprir a sua
obrigação, é necessário que haja empenho para que o outro contratante também
cumpra o acordado, o esforço deve ser mútuo, e não individual.
Do Princípio da Solidariedade vieram princípios, hoje, essenciais ao Direito Civil, o da
função social e o da Boa-fé objetiva, que serão tratados a seguir.
103
6.5 – Autonomia da Vontade e os outros princípios contratuais
foi amplamente demonstrado que, como explana Francisco Amaral que o Código
Civil orienta-se pelos princípios gerais de socialidade, da eticidade e o da operabilidade,
e seus institutos básicos, por princípios institucionais, como o da dignidade da pessoa
humana, o da igualdade, o da autonomia privada, o da boa-fé, o da eqüidade, o da
função social do contrato, o da função social da propriedade.
Os princípios contratuais, com o passar do tempo, foram ampliados, devido à nova
realidade contratual. Os princípios basilares são três, deles decorrem todos os outros.
São eles o da Autonomia da Vontade, o da força obrigatória dos contratos e o da
relatividade de seus efeitos.
Como demonstrado pelo professor Cláudio Godoy, (2007, p. 13), Na visão clássica, três
eram, basicamente, os princípios fundantes da disciplina do direito contratual. Tratava-
se do princípio da liberdade das partes (ou da Autonomia da Vontade), cujo elastério
envolvia a plena liberdade de contratar, do que contratar e de com quem contratar, do
princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda) e do princípio da
relatividade de seus efeitos (o contrato não prejudica nem favorece terceiros, além das
partes contratantes). Para alguns, haveria de se acrescentar ainda o princípio do
consensualismo ou o da supremacia do interesse público.
Segundo o professor, a Autonomia da Vontade se coloca em termos diversos, em que a
liberdade de contratar, que lhe sustento, não mais pode ser compreendida de modo
absoluto, nas três vertentes sobre as quais sempre se manifestou. Nem sempre
escolha de contratar ou não e de com quem contratar, bastando lembrar, a propósito,
hipóteses como a da compulsória renovação da locação, da prestação, em regra
irrecusável, de serviços monopolísticos ou do fornecimento de massa (art. 39, II, da Lei
n. 8078/90, no exemplo brasileiro das relações de consumo). Da mesma forma, devem
104
ser lembradas as cláusulas gerais de contratos estandardizados, que impedem a livre
fixação do conteúdo contratual. Ou seja, completamente modificada a liberdade
contratual subjacente à Autonomia da Vontade, aliás, em extensão tal de modo a
ensejar se reconheça hoje existente um novo princípio dos contratos, o princípio da
autonomia privada.
Segundo ele, também o princípio da força obrigatória dos contratos cede espaço à
verificação de hipóteses em que a rígida aplicação dessa intangibilidade levaria a
situação de desigualdade real, mercê de fatos extraordinários que tivessem alterado a
base da contratação, tal como ocorre, por exemplo, na aplicação da teoria da
imprevisão.
Por fim, conclui o professor, o princípio da relatividade dos efeitos do contrato, também,
em sua concepção clássica, não mais se compadece com a idéia de que o ajuste se
insere no contexto social, portanto longe de encerrar um ato isolado praticado pelas
partes contratantes.
Para Humberto Theodoro Júnior (2008, p.1-3) na visão do Estado Liberal, o contrato é
instrumento de intercâmbio econômico entre os indivíduos, onde a vontade reina ampla
a livremente. Salvo apenas pouquíssimas limitações de lei de ordem pública, é a
Autonomia da Vontade que preside o destino e determina a força da convenção criada
pelos contratantes. O contrato tem força de lei, mas esta força se manifesta apenas
entre os contratantes.
Segue o autor dizendo que todo o sistema contratual se inspira no indivíduo e se limita,
subjetiva e objetivamente, à esfera pessoal e patrimonial dos contratantes. Três são,
portanto, os princípios clássicos da teoria liberal do contrato: o da liberdade contratual,
de sorte que as partes, dentro dos limites da ordem pública, podem convencionar o que
quiserem e como quiserem; o da obrigatoriedade do contrato, que se traduz na força de
lei atribuída às suas cláusulas (pacta sunt servanda); e o da relatividade dos efeitos
contratuais, segundo o qual o contrato vincula as partes da convenção, não
105
beneficiando nem prejudicando terceiros (res inter alios acta neque nocete neque
prodest).
O autor explica a transformação do Direito Civil, dizendo que o Estado social impôs-se
progressivamente, a partir dos fins do século XIX e princípios do século XX, provocando
o enfraquecimento das concepções liberais sobre a Autonomia da Vontade no
intercâmbio negocial, e afastando o neutralismo jurídico diante do mundo da economia.
A conseqüência foi o desenvolvimento dos mecanismos de intervenção estatal no
processo econômico, em graus que têm variado com o tempo e com as regiões
geográficas, revelando extremos de uma planificação global da economia em moldes
das idéias marxistas; ou atuando com moderação segundo um dirigismo, apoiado em
modelo em que o controle econômico compreende uma atuação mais sistemática e
com objetivos determinados; ou, ainda, elegendo uma terceira atitude de
intervencionismo assistemático, caracterizado pela adoção de medidas esporádicas de
controle econômico, para fins específicos. Essa nova postura institucional não poderia
deixar de refletir sobre a teoria do contrato, visto que é por meio dele que o mercado
implementa suas operações de circulação das riquezas. Por isso, não se abandonam
os princípios clássicos que vinham informando a teoria do contrato sob o domínio das
idéias liberais, mas se lhe acrescentam outros, que vieram a diminuir a rigidez dos
antigos e a enriquecer o direito contratual com apelos e fundamentos éticos e
funcionais.
Nota-se que não como, verificando a evolução do contrato, dizer que os institutos
contratuais não foram severamente alterados pela evolução da idéia de socialização
dos institutos. Contudo, verificamos que os novos princípios adicionados à teoria dos
contratos não anularam os antigos, apenas garantem que os clássicos não extrapolem
a sua função na elaboração e cumprimento do contrato.
O princípio da força obrigatória dos contratos é de vital importância para a segurança e
eficácia dos contratos, tendo em vista que sem ele os contratos seriam constantemente
quebrados, o que levaria o instituto à falência. Obviamente que assim como o princípio
106
da Autonomia da Vontade e todos os institutos contratuais, o princípio conhecido como
pacta sunt servanda sofreu grandes restrições, fortemente influenciado pelos
movimentos sociais do século XX.
Para RIZZARDO (2002, p. 16) é irredutível o acordo de vontades, conforma regra
consolidada no direito canônico, através do brocardo pacta sunt servanda. Os contratos
devem ser cumpridos pela mesma razão que a lei deve ser obedecida. Ou seja, o
acordo das vontade, logo depois de declaradas, tem valor de lei entre os estipulantes, e
impõe os mesmos preceitos coativos que esta contém. É certo que essa vontade não é
mais aquela que se enquadrava na concepção filosófica da teoria clássica, quando
igualou o contrato à lei, mas é a concepção moderna da Autonomia da Vontade como
expressão social de tudo aquilo que vem inserido na lei, conceito certo de onde se
origina a fonte criadora de todos os direitos subjetivos, pelo simples acordo de vontades
humanas, quando livremente manifestadas.
Informa Rizzardo que a força da obrigatoriedade foi erigida em lei por alguns sistemas,
como o Código Civil Francês, no art. 1.134, que, de modo expresso, consagra que as
convenções legalmente formadas constituem lei para aqueles que as celebram.
O princípio da relatividade dos efeitos do contrato, como dito anteriormente, é o terceiro
princípio basilar dos contratos. Segundo ele o contrato pode comprometer apenas as
pessoas e o patrimônio dos contratantes, e nunca terceiros. Este princípio também
trazia a idéia de que o que foi contratado interessa às partes e apenas a elas. Esse
conceito também vem sofrendo alterações, já que os efeitos dos contratos têm impactos
na sociedade.
Para Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 26), funda-se tal princípio na idéia de que os
efeitos do contrato se produzem em relação às partes, àqueles que manifestaram a
sua vontade, vinculando-os ao seu conteúdo, não afetando terceiros nem seu
patrimônio.
107
Mostra-se ele coerente com o modelo clássico de contrato, que objetivava
exclusivamente a satisfação das necessidades individuais e que, portanto, produzia
efeitos entre aqueles que o haviam celebrado, mediante acordo de vontades. Em razão
desse perfil, não se poderia conceber que o ajuste estendesse seus efeitos a terceiros,
vinculando-os à convenção.
Em cooperação com o princípio da Autonomia da Vontade está do consensualismo,
dando mais importância à vontade dos contratantes do que às formalidades dos
contratos. Sobre este princípio discorre o Carlos Roberto Gonçalves (2007, p, 25-26),
dizendo que de acordo com o princípio do consensualismo, basta, para o
aperfeiçoamento do contrato, o acordo de vontades, contrapondo-se ao formalismo e
ao simbolismo que vigoravam em tempos primitivos. Decorre ela da moderna
concepção de que o contrato resulta do consenso, do acordo de vontades,
independentemente da entrega da coisa.
Explica ainda que os contratos são, pois, em regra, consensuais. Alguns poucos, no
entanto, são reais (do latim res: coisa), porque somente se aperfeiçoam com a entrega
do objeto, subseqüente ao acordo de vontades. Este, por si, não basta. O contrato de
depósito, por exemplo, se aperfeiçoa depois do consenso e da entrega do bem ao
depositário. Enquadram nessa classificação, também, dentre outros, os contratos de
comodato e mútuo.
Como já foi exposto, o conteúdo e forma dos contratos não interessam apenas às parte,
mas à sociedade como um todo. Por força do Princípio da Supremacia do Interesse
Público a intervenção do Estado nas relações privadas é cada vez mais recorrente.
Para Álvaro Villaça (2004, p. 27) o Estado, muitas vezes, interfere na ordem privada,
retirando dos indivíduos a possibilidade de exercício pleno da liberdade contratual.
Quando o direito de uma das partes do contrato não se veja diminuído pelo da outra,
evitando a colisão dos mesmos direitos. As normas de ordem pública não podem ser
108
alteradas pela vontade das partes, porque representam um pensamento coletivo
irremovível.
Diz-se que parte da doutrina inclui o princípio descrito acima porque nem todos citam de
forma explícita, até porque não um artigo no Código Civil que institua este princípio.
Contudo é unânime que este princípio existe de forma tácita e para alguns autores está
contido nos princípios reformadores, como o da boa-fé objetiva, o do equilíbrio
econômico do contrato e o da função social do contrato.
Ainda no objetivo de conter a força excessiva dos contratos o princípio da revisão dos
efeitos dos contratos, ou teoria da imprevisão, também conhecido como cláusula rebus
sic stantibus, que permite que os contratos sejam revistos judicialmente por força de
eventos posteriores aos contratos e imprevisíveis, além de ser irresistível.
Para Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 27), opõe-se tal princípio ao da
obrigatoriedade, pois permite aos contraentes recorrerem ao Judiciário, para obterem
alteração da convenção e condições mais humanas, em determinadas situações.
Originou-se na Idade Média, mediante a constatação, atribuída a Neratius, de que
fatores externos podem gerar, quando da execução da avença, uma situação muito
diversa da que existia no momento da celebração, onerando excessivamente o
devedor.
Segundo ele, a teoria recebeu o nome de rebus sic stantibus e consiste basicamente
em presumir, nos contratos comutativos, de trato sucessivo e de execução diferida, a
existência implícita (não expressa) de uma cláusula, pela qual a obrigatoriedade de seu
cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de fato. Se esta, no entanto,
modificar-se em razão de acontecimentos extraordinários (uma guerra, por exemplo),
que tornem excessivamente oneroso para o devedor o seu adimplemento, poderá este
requerer ao juiz que o isente da obrigação, parcial ou totalmente.
109
Embora estes últimos princípios tenham como finalidade contrabalancear a força dos
princípios basilares ele não os suprime, trata-se apenas de ajustar os conceitos para
que a liberdade de contratar seja exercida de forma razoável. Trata-se também de uma
proteção ao contratante mais vulnerável, para que eles possam contratar em igualdade
de condições.
Não há consenso sobre o número de novos princípios contratuais, mas podemos
elencar, sem dúvida, dois princípios trazidos pelo Código Civil de 2002 e a partir deles
nascem outros novos princípios contratuais.
Portanto, os novos princípios de lealdade, solidariedade, transparência, mútua
cooperação são naturalmente provenientes da boa-fé objetiva e da função social do
contrato, inclusive o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Por isso se fez referência, anteriormente, às normas abertas, possibilitando esta
derivação de princípios a partir de dois princípios norteadores no contrato.
O princípio da boa-fé é tão importante quanto os princípios citados acima, tendo em
vista que os valores da sociedade e a conduta ética são essenciais para qualquer
atividade lícita. Ademais, a boa-fé é fundamental para o princípio da Autonomia da
Vontade, garantindo que os contratantes acordem em relação ao objeto, pessoas e
encargos dos contratos. A boa-fé tradicional é apenas subjetiva, tratando-se de
inovação a boa-fé objetiva, da qual trataremos mais adiante.
Para Rizzardo (2002, p. 26) é este um dos princípios básicos que orientam a formação
dos contratos. As partes são obrigadas a dirigir a manifestação da vontade dentro dos
interesses que as levaram a se aproximarem, de forma clara e autêntica, sem o uso de
subterfúgios ou intenções outras que as não expressas no instrumento formalizado. A
segurança das relações jurídicas depende, em grande parte, da lealdade e da
confiança recíproca. Impede que haja entre os contratantes um mínimo necessário de
credibilidade, sem o qual os negócios não encontrariam ambiente propício para se
110
efetivarem. E este pressuposto é gerado pela boa-fé ou sinceridade das vontades ao
firmarem os direitos e obrigações. Sem ele, fica viciado o consentimento das partes.
Embora a contraposição de interesses, as condutas dos estipulantes subordinam-se a
regras comuns e básicas da honestidade, reconhecidas tão-só em face da boa-fé que
impregna as mentes.
Como refere Orlando Gomes, o princípio diz respeito mais à interpretação: “Por ele se
significa que o literal da linguagem o deve prevalecer sobre a intenção manifestada
na declaração de vontade, ou dela inferível. Ademais, subentendem-se, no conteúdo do
contrato, proposições que decorrem da natureza das obrigações contraídas, ou se
impõem por força de uso regular e da própria eqüidade”.
Ter boa fé, de forma objetiva, é ser transparente, leal e ético, não dificultar o
cumprimento da obrigação da outra parte, e mais, ajudar no que for possível. Ter boa
vontade.
Distingue-se, portanto, da boa fé subjetiva porque esta deve ser provada, importando a
intenção do agente. A boa objetiva não deve ser provada, devendo o contratante agir
com a maior diligência possível.
Segundo Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 17) no Direito Civil Alemão, a relação
obrigacional criada pelo contrato “tem um conteúdo que será essencialmente
determinado pela vontade das partes, mas que será igualmente apreciado em face do
princípio de confiança e de boa-fé enunciado pelo § 242 BGB”. Os deveres e
obrigações que os contratantes definem não são os únicos que o contrato provoca,
que, pela lei, devem ser eles completados por outros que as regras de interpretação e
cláusula geral de boa fé 242 BGB) determinam. Dessa maneira, estabelecem-se,
independentemente de convenção das partes, e por força do princípio da boa-fé,
obrigações acessórias como as de informação, segurança, confiança etc., tão exigíveis
entre os sujeitos da relação contratual como as prestações expressamente pactuadas
111
Para o autor, pelo princípio da boa-fé, exige-se das partes do contrato uma conduta
correta, sob a ótica mediana do meio social, encarada não com enfoque do
subjetivismo ou psiquismo do agente, mas de forma objetiva. O que importa é verificar
se o procedimento da parte quando negociou as tratativas preliminares, quando
estipulou as condições do contrato afinal concluído, quando deu execução ao ajuste e
até depois de cumprida a prestação contratada, correspondeu aos padrões éticos do
meio social.
Completa dizendo que a lei não define esses padrões, mesmo porque eles são
variáveis, no tempo e no espaço. A regra, aqui e nas fontes do direito comparado que
alimentaram o Código Civil brasileiro, corresponde ao tipo de norma que a doutrina
denomina “cláusula geral” para indicar preceitos genéricos ou abertos, cujo conteúdo
haverá de ser completado e definido casuisticamente pelo juiz. Mais do que normas
definidoras de conduta, as cláusulas legais da espécie se endereçam ao juiz, exigindo-
lhe um trabalho de adaptação a ser cumprido por meio da hermenêutica, da
interpretação.
O princípio da boa-fé objetiva, portanto, desempenha um papel preponderante para a
celebração e execução do contrato, sendo, a partir de sua concepção, irrelevante as
reais intenções dos contratantes, se ele quiseram ou o lesar a outra parte. O que
interessa para a boa-fé objetiva é saber se o contratante agiu com diligência, se ele se
preveniu para não causar dissabor ao outro contratante, e mais, se ele colaborou de
forma diligente para que a outra parte cumprisse o contratado e não se limitou a cumprir
sua obrigação de forma desinteressada.
Nota-se, portanto, que a boa-fé objetiva é um padrão ético, é lealdade, é diligência, é
solidariedade. E mais, boa-fé objetiva é respeito, é eticidade, é agir conforme a
Constituição Federal prevê. Exatamente, por ser a boa-fé objetiva uma cláusula aberta,
pode ser preenchida com os valores e princípios instituídos na Carta Magna.
112
Se a boa-fé objetiva é tudo isso que dissemos, por ser aberta e prezar pelos valores
constitucionais no contrato. Muito mais amplo e complexo é o instituto da função social
do contrato.
O equilíbrio contratual, a dignidade da pessoa humana e a circulação de bens são
funções contidas neste princípio.
Com efeito, a função social do contrato não se resume à circulação de riquezas, mas
essa é, definitivamente, uma das funções sociais do contrato.
Portanto, vê-se que a função social do contrato privilegia o interesse coletivo em
detrimento do individual, mas isso não quer dizer que não seja objetivo da função social
do contrato que o contrato represente a circulação de bens e, assim, o interesse
individual.
É o caso de uma pessoa que seja detentora de uma patente, que não a comercializa,
está descumprindo a função social, já que a função social desta patente é que a pessoa
explore aquele produto e o disponibilize no mercado. A circulação de bens gera
emprego, negócios e fortalece a economia do país, sendo, portanto, de grande função
social.
Para Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 33-53) o Estado democrático de direito, em
seus moldes atuais, evita participar diretamente na produção e circulação de riquezas,
valorizando o trabalho e a livre iniciativa privados. É, com efeito, na livre iniciativa que a
Constituição Federal apóia o projeto de desenvolvimento econômico que interessa toda
a sociedade. Não é, contudo, apenas a livre iniciativa, o único valor ponderável na
ordem econômica constitucional. O desenvolvimento econômico deve ocorrer
vinculadamente ao desenvolvimento social. Um e outro são aspectos de um único
designio, que, por sua vez, não se desliga dos deveres éticos reclamados pelo princípio
mais amplo da dignidade da pessoa humana, que jamais poderá ser sacrificado por
qualquer iniciativa, seja em nome do econômico, seja em nome do social. Nada, com
113
efeito, justifica o tratamento da pessoa como coisa ou como simples número de uma
coletividade.
Prossegue o autor dizendo que a função social do contrato corresponde à necessidade
sentida pelo Estado moderno de limitar a autonomia contratual, em face da exigência
social de garantir o interesse geral e coletivo que não se satisfaziam dentro da
sistemática do Estado Liberal. A liberdade de contratar, nessa ordem de idéias, não
pode contrastar com a utilidade social em temas como segurança, liberdade, dignidade
humana, devendo sobrepor à autonomia contratual interesses coletivos como os
ligados à educação, à saúde, os transportes, a utilização adequada das fontes de
energia, à tutela do meio ambiente, a proteção a certos setores produtivos etc. uma
reciprocidade, nesse aspecto, entre as regras de limitação da propriedade e as que
restringem a autonomia contratual. Incluem-se, ainda, no âmbito das limitações da
liberdade de contratar (função social) a tutela da livre concorrência no mercado
(combate aos trusts e às praxes de dominação de mercado) e à tutela das partes
“débeis” das relações de mercado (os consumidores no que diz respeito à propaganda
enganosa, aos contratos standard, à contratação a distância etc.).
Sobre a função social como ferramenta para a delimitação da Autonomia da Vontade
pelos Princípios Constitucionais nos reportaremos mais adiante, em capítulo próprio.
Fez-se referência, antes, à desnecessidade de se aplicar diretamente os Princípios
Constitucionais nos processos de natureza civil. Esta desnecessidade decorre da
amplitude dos dois princípios contratuais aqui explicitados, sendo possível, portanto, a
interpretação do Código Civil à luz da Constituição, não havendo necessidade deste
suprimir aquele.
Como dito anteriormente, o conflito entre os novos princípios e o da Autonomia da
Vontade é meramente aparente, sendo aqueles princípios perfeitamente harmônicos
com a Autonomia da Vontade, e, de certa forma, até o ampliam, tendo em vista que
114
muitas normas fechadas precisariam ser feitas para que o objetivo pretendido com
esses dois princípios fosse alcançado.
se fez alusão ao artigo
3
do Código Civil que prevê a anulabilidade da venda de
ascendente para descendente. O objetivo do legislador era prevenir uma possível
antecipação de legítima para um descendente em detrimento de outro ou do cônjuge.
Se esse artigo não tivesse sido positivado, bastaria que os contratantes comprovassem
que a compra e venda fora realizada de forma leal, transparente e que o preço fora
justo. Verificamos, portanto, que da mesma forma que a boa-fé objetiva pode restringir
a Autonomia da Vontade, gerando encargos para os contratantes, ela também pode
ampliá-la.
Portanto, os princípios clássicos e recentes convivem de maneira harmônica no
ordenamento jurídico, mostrando uma evolução natural do direito civil em comunhão
com os Princípios Constitucionais.
3
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o
cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o
da separação obrigatória.
115
7. A Função Social do Contrato como ferramenta para o uso de Princípios
Constitucionais
Considera-se impossível que neste ponto do trabalho ainda haja alguém que não
sustente a eficácia dos Princípios Constitucionais nas relações privadas, tendo em vista
todas as justificativas propostas até o presente momento.
Contudo, guarda-se para este momento a grande chave para a utilização dos Princípios
Constitucionais nas relações cíveis. Refere-se à função social do contrato.
Em uma primeira análise parece um instituto de Direito Civil, puro e simples, mas não, é
a chave do legislador para a valoração dos contratos através dos Princípios
Constitucionais.
O Código não define o que é a função social do contrato, e nem deveria, não é sua
função, os institutos devem ser definidos pela doutrina e jurisprudência.
Porém, a vontade do legislador foi permitir que os Princípios Constitucionais atuassem
nas relações veis de forma direta, invalidando aqueles contratos que não estiverem
de acordo com eles.
Em consonância com o que estamos dizendo, Humberto Theodoro Júnior (2008 p. 43-
44) diz que a novidade do tema trazido a debate pelo artigo 421 do atual Código Civil
brasileiro, ainda não permitiu que a doutrina definisse, com a desejada precisão, as
bases conceituais da função social do contrato, traçada, normativamente, pela lei como
limite da liberdade de contratar.
Define que para uns, a função social estaria localizada no propósito de colocar o
interesse coletivo acima do interesse individual, o que, no domínio do contrato,
implicaria a valorização da solidariedade e cooperação entre os contratantes. A base da
116
função social do contrato estaria no princípio da igualdade, o qual atuaria, in caso, para
superar o individualismo, de modo a fazer com que a liberdade de cada um dos
contratantes seja a mesma. Seria a idéia de igualdade na dignidade social ou na
liberdade “para todos”, que faria com que o contrato, outrora concebido de maneira
individualista, possa passar a exercer, na sociedade, uma “função social”.
Para Francisco Amaral (2006, p. 364-366) emprestar ao direito uma função social
significa considerar que os interesses da sociedade se sobrepõem aos do indivíduo,
sem que isso implique, necessariamente a anulação da pessoa humana, justificando-se
a ação do Estado pela necessidade de acabar com as injustiças sociais. Função social
significa não-individual, sendo critério de valoração de situações jurídicas conexas ao
desenvolvimento das atividades da ordem econômica. Seu objetivo é o bem comum, o
bem-estar econômico e coletivo. A idéia de função social deve entender-se, portanto,
em relação ao quadro ideológico e sistemático em que se desenvolve, abrindo a
discussão em torno da possibilidade de se realizarem os interesses sociais, sem
desconsiderar ou eliminar os do indivíduo. Mas o que se assenta é que a função social
se configura como princípio superior ordenador da disciplina da propriedade e do
contrato, legitimando a intervenção do estado por meio de normas excepcionais,
operando ainda como critério de interpretação jurídica.
O autor considera que o direito é, assim, chamado a exercer uma função corretora e de
equilíbrio dos interesses dos vários setores da sociedade, para o que limita, em maior
ou menor grau de intensidade, o poder jurídico do sujeito, mas sem desconsiderá-lo,
que ele é, em última análise, o substrato político-jurídico do sistema em vigor nas
sociedades democráticas e desenvolvidas do mundo contemporâneo que se
caracterizam, precisamente, pela conjunção da liberdade individual com a justiça social
e a racionalidade econômica.
Completa ainda o autor, tratando do tema deste trabalho que exemplo do
reconhecimento e da limitação funcional da autonomia privada no direito brasileiro é o
disposto no art. 421 do Código Civil, segundo o qual a liberdade de contratar será
117
exercida nos limites da função social do contrato. Significa isso que esse poder só pode
exercer-se em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores
primordiais da boa-fé e da probidade, e levando em conta os efeitos que se possam
produzir em face de terceiros.
Note-se que a função social do contrato abrange uma infinidade de justificativas, e o
mais importante é que nunca ela é um fim em si mesmo.
Ao se deparar com uma frase do tipo: Esse contrato não cumpre a função social. O
locutor se deparará com um questionamento. Por que esse contrato não cumpre a
função social?
Eis o ponto em que os Princípios Constitucionais agem livremente, como dito
anteriormente, é um incentivo do legislador para o uso dos Princípios Constitucionais de
uma Constituição Social.
A combinação dos nomes não é mera coincidência. É desejo da Constituição que os
institutos de direito mantenham um caráter social. Inspirado nisso e a fim de permitir a
viabilidade deste caráter social, o Código Civil de 2002 introduziu este instituto.
Um contrato não cumpre a sua função social quando não está de acordo com os
Princípios Constitucionais, se fere a dignidade da pessoa humana, se fere a isonomia,
solidariedade, liberdade, devido processo legal, ou qualquer outro princípio Contido na
Carta Magna.
Alguém poderia ler esse capítulo e dizer que a Constituição não está mais sendo
aplicada diretamente, pois o que está sendo aplicado é o instituto da função social do
contrato. Trata-se de um equívoco, como dito anteriormente o instituto por si não se
sustenta, ele deve vir acompanhado de valores que o justificam. Nessa hora a
Constituição mostra a sua riqueza e age no fato concreto.
118
O fato de se citar um artigo do Código Civil como base para a aplicação de um Princípio
Constitucional não quer dizer que a Constituição Federal não é atuante. Muito pelo
contrário, este artigo apenas indica que este campo, o contrato, é propício para a
aplicação dos Princípios Constitucionais.
Tudo o que foi dito até aqui indica que os Princípios Constitucionais não são aplicados,
a partir de 2002, apenas por aqueles adeptos do pós-positivismo, neoconstitucionalismo
ou racionalistas. Os Princípios Constitucionais foram legitimados pelo Código Civil como
instrumentos efetivos de delimitação da Autonomia da Vontade Contratual. Sendo o
intérprete positivista ou pós-positivista, ele aplicará os Princípios Constitucionais. Não
apenas por convicção de sua efetividade, o que é indiscutível, mas porque a legislação
infraconstitucional o legitima e até obriga, dependendo de quão patente é a violação do
caso em tela.
Como se trará adiante os casos em que a o judiciário aplicou diretamente a
Constituição Federal nas relações privadas, trazemos mais uma vez aquele contrato de
aluguel onde o locatário intenta usar o imóvel para constituir um prostíbulo.
Veja que antes de 2002 o poder público poderia fechar o local, mas não poderia anular
o contrato senão com base em cláusulas contratuais. Contudo, esse contrato passou a
ser passível de anulação por não cumprir sua função social. Agora vêm a justificativa
sobre a qual se fez referência: não cumpre a função social porque fere a dignidade da
pessoa humana, porque não preza pelo princípio da livre iniciativa e valorização do
trabalho.
Quando se referiu à interpretação consonante entre Código Civil e Constituição era a
isso que se fazia menção. Se for possível apoiar a decisão em duas fontes não
necessidade de corrermos o risco de se cometer alguns dos abusos reportados nos
capítulos anteriores.
119
Para Renan Lotufo (2002, p. 87) pode parecer, à primeira vista, que a função social dos
contratos é algo que se antepõe à autonomia privada; mas este entendimento é falso,
pois a função social na verdade não nega, mas prestigia a autonomia privada.
Segundo ele, realmente, a função do contrato é mais do que ser um instrumento de
circulação de riquezas, devendo mais ter uma função digna e social, evitando a
preponderância do individualismo exacerbado, contrariando os interesses da maioria.
120
8. Casos concretos nos quais a Autonomia da Vontade é delimitada pelos
Princípios Constitucionais
Sabe-se que o uso de exemplos é muito benéfico para ilustrar o caso discutido, mas por
outro lado personifica a explanação, tolhendo a imaginação do leitor para identificar em
seus próprios exemplos a teoria passada.
Optou-se por trazer a este trabalho alguns casos onde a Autonomia da Vontade é
delimitada pelos Princípios Constitucionais a fim de demonstrar a solidez do tema
proposto e divulgar a forma como isso tem sido usado no mundo, de forma prática e
consistente.
8.1 – A jurisprudência alemã
Sabe-se que o Código Civil de 1916 foi baseado no BGB, Código Civil Alemão, bem
como a Constituição de Weimar possui grande influência sobre a Constituição Federal
do Brasil de 1988. Por isso é salutar a utilização de exemplos alemães, que guardam
grande identificação com o Direito Brasileiro. Pelo menos de forma positiva. Os casos
alemães e americanos foram retirados do artigo de Jane Reis Gonçalves Pereira (2006,
p. 165-166)
A Corte Federal do Trabalho decidiu no sentido da nulidade de uma cláusula de celibato
inserta em contrato de formação profissional de enfermagem firmado por uma jovem, ao
fundamento de que esta violava o art. 6, alínea 1, (proteção ao casamento e à família) e
os arts. 1 e 2 (dignidade da pessoa humana e liberdade) da Lei Fundamental. A referida
corte decidiu, também, que o comando de igualdade entre homens e mulheres
constante do art.3, alínea 2, da Lei Fundamental não se dirige exclusivamente às
contratações do serviço público, mas também incide no âmbito das relações privadas,
devendo ser observado na elaboração dos acordos salariais de categorias.
121
Nota-se claramente a ponderação de princípios nas decisões acima. Na primeira, como
no primeiro caso de Canotilho, que será analisado mais adiante, a cláusula contratual
que exige celibato da enfermeira é abusiva, tolhendo a mulher de sua sexualidade. Vê-
se claramente que o contratante que formulou esse tipo de cláusula não está
preocupado com a felicidade do outro contratante, mas apenas na lucratividade de seu
negócio e os gastos que a empresa tem quando uma de suas funcionárias engravida.
Creio que seja essa a motivação, sendo eliminada a hipótese de inserção da cláusula
por opção religiosa, o que não mudaria o resultado da análise, que a opção religiosa
deve ser voluntária, e nunca imposta.
A segunda decisão claramente opta pelo princípio da isonomia dos sexos, o que se
mostrou uma tendência mundial, sendo implementada no século passado em muitos
lugares por decisão judicial, como o caso supra, ou legislativa, como foi no Brasil.
A Corte Federal de Justiça também chegou a acolher a idéia de incidência dos direitos
fundamentais nas relações privadas em determinados julgados. Em um deles, o
problema girava em torno da legitimidade da conduta de um jornal consistente em
haver publicado carta escrita por advogado, para um de seus clientes, como se fora
expressão de seu próprio pensamento. A Corte entendeu que houve ofensa aos direitos
da personalidade do advogado, cuja proteção é contemplada no art. 1 c/c art.2, alínea 1
da Lei Fundamental. A condição hermenêutica então adotada mesclou preceitos civis e
constitucionais: com fundamento no art. 823 do Código Civil alemão, o qual prevê a
reparação de danos em caso de ofensa a um direito, o tribunal acolheu a pretensão do
advogado no sentido de que fosse publicada uma nota especificando que a carta não
era expressão de seu próprio pensamento, mas houvera sido redigida no exercício de
funções de representação de um cliente. Em outra oportunidade, o Tribunal decidiu que
a mudança de religião por parte de um dos cônjuges não podia caracterizar culpa pela
separação, entendendo que a liberdade de crença projeta-se na relação privada
matrimonial.
122
Os direitos da personalidade não eram citados no Código Civil de 1916, passando a ser
codificado apenas em 2002. Contudo o instituto do Dano Moral já estava amplamente
instaurado, sendo tratado por diversos autores de grande respeito como Aguiar Dias e
Rui Stocco. Vê-se, portanto que mesmo antes da Constituição Federal de 1982 os
doutrinadores e aplicadores da lei faziam menção a direitos ainda que não
positivados. O dano moral foi criado pela doutrina, interpretando o artigo do Código Civil
que dizia que aquele que causar dano a outrem está obrigado a repará-lo.
O instituto se consolidou na Constituição Federal de 1988 e como não poderia deixar de
ser, foi regulado pelo Código Civil. Vê-se que a cultura de utilizar a Constituição Federal
no dia a dia do jurista não é nova.
Com relação ao segundo caso, se tratará de forma específica mais adiante, quando se
trouxer os casos propostos por Canotilho. Faz-se menção nesse ponto apenas para
demonstrar o que pensa a jurisprudência alemã.
Outra decisão curiosa diz respeito ao Anti-semitismo e a liberdade de expressão.
A controvérsia teve origem nos seguintes fatos: em 1950, o Presidente do Clube de
Imprensa de Hamburgo, Erich Lüth, defendeu, em discurso feito perante produtores e
distribuidores da indústria cinematográfica, que fosse feito um boicote ao filme
“Unsterblich Gelibte” (Amante Imortal), dirigido por Veit Harlam, em virtude de este
cineasta ter elaborado filme de conotação anti-semita na época de Hitler.
A produtora do filme de Harlam recorreu ao Tribunal de Hamburgo objetivando que
fosse determinado a Lüth que cessasse a conclamação ao boicote, com fundamento no
art. 826 do Código Civil (Quem, de modo contrário aos bons costumes, cause danos
dolosamente a outro, está obrigado a reparar o dano). A demanda foi acolhida pelo
Tribunal, o que ensejou a interposição de recurso perante a corte Constitucional, que,
por sua vez, reformou a sentença entendendo ter havido violação ao direito
fundamental de Lüth à liberdade de expressão.
123
Verifica-se mais uma vez a preferência do julgador pelo direito de liberdade de
expressão em face ao direito econômico do produtor do filme, que certamente deixou
de lucrar. Ademais, a produtora exerceu o seu direito de expressão ao divulgar um filme
que teria um viés anti-semita. A liberdade da produtora foi respeitada, devendo ela
pagar o preço pela sua opção na elaboração do filme.
8.2 – A experiência americana
A questão americana é mais complicada que a alemã no que diz respeito ao direito
comparado.
Os Estados Unidos, embora praticante da commum law, ambiente propício para a
utilização da interpretação tópica, enxerga as liberdades individuais como proteção ao
Estado, dando muita importância aos direitos de primeira dimensão, que são negativos,
prezando pelo respeito do Estado aos direitos individuais.
Essa forma de ver os direitos privados dificulta a aplicação de princípios no sentido de
delimitar as liberdades individuais.
Segundo Canotilho (2001, p. 109-115) o problema da aplicação direta da Constituição
Federal nas relações privadas é que quando se procura encontrar um fio lógico e
unitário para recortar-se os termos básicos da questão corre-se o risco, assinalado por
alguns, de precipitar-se num verdadeiro desastre conceitual”. Este alerta exige, pelo
menos, que se preste atenção às lógicas escondidas nas várias culturas jurídicas.
Assim, a Supreme Court dos Estados Unidos e, em geral, a doutrina norte-americana
parecem reconduzir a problemática da eficácia dos direitos fundamentais na ordem
jurídica privada a uma questão de imputação.
Trata-se de saber, segundo Canotilho, se o ato de uma pessoa privada direta ou
indiretamente agressor de direitos ou Princípios Constitucionais pode ser imputado ao
124
Estado. Pergunta-se, na verdade, se um comportamento privado poderá ter a qualidade
ou qualificação de State Action, ou seja, se ele, de alguma forma, foi imposto através do
Estado. A fórmula tabeliónica da doutrina e jurisprudência norte-americanas é sempre
esta: “(...) so that the action may fairly be treated as that of the State itself”.
Se fez referência, anteriormente, à decisão da Suprema Corte Americana que usou a
Constituição para cancelar medidas que proibissem a discriminação racial. Traz-se o
caso novamente, desta vez reportado por Jane Reis Gonçalves Pereira (2006, p. 171-
175), dizendo que na decisão dos Civil Rights Cases a Suprema Corte declarou
inconstitucional o Civil Rights Act de 1875, que estabelecia medidas visando a evitar
discriminação racial em locais públicos (public accomodations) tais como teatros,
hotéis, restaurantes, meios de transporte etc. -, contemplando conseqüências penais e
civis contra pessoas privadas que praticassem atos discriminatórios. O referido ato
legislativo fora editado com fundamento na Seção 5 da 14ª Emenda, que conferia ao
Congresso o poder de desenvolver mediante uma legislação apropriada as
liberdades estabelecidas na Seção 1.
A Suprema Corte, ao examinar cinco litígios civis que envolviam a discriminação de
negros em locais públicos, apregoou que “invasão individual de direitos civis não é
matéria concernente à emenda.” Entendeu-se que o Congresso só poderia legislar para
assegurar a efetivação da emenda em relação aos atos estatais (state action), uma vez
que as liberdades nela enunciadas não alcançariam as relações privadas. Assim, o
legislativo federal na visão então assumida pela Corte extrapolara do poder
conferido pela seção 5 da emenda. Decidiu-se que o poder de editar leis, estabelecido
na seção 5 da emenda tinha o mesmo raio de ação dos direitos civis contemplados na
seção 1, ou seja, estava limitado a proscrever invasões por atos do Estado, e, por isso,
as relações jurídicas entre pessoas privadas poderiam ser reguladas pelos Estados-
membros, sem pertinência com a proibição contida na 14ª Emenda.
É lamentável a decisão supracitada, deixando claro que, para a Corte americana, a
igualdade garantida é apenas formal. Nesse caso não teria sequer intervenção
125
econômica, era simplesmente moral. Ainda assim a Suprema Corte se pronunciou
dessa forma.
A aplicação direta dos Princípios Constitucionais deve ser feito segundo os mais
sublimes valores da sociedade. A superação dos valores antigos e o alcance de novos
patamares, bem ao estilo hegeliano, é demonstrado nessa decisão que se viu antes. Só
que nesse caso a Corte foi conservadora, ao invés de servir de apoio para a
conscientização que se espalhava na época.
Uma decisão oposta à tomada acima foi proferida pelo mesmo órgão, mas em outra
época.
Marsh, pregadora da religião “Testemunhas de Jeová”, distribuía panfletos religiosos
nas ruas de Chicksaw, uma cidade privada (company town), ou seja, um vilarejo
construído sobre terrenos de propriedade de determinada empresa (Guilf Shipbuildin
Company), a qual administrava o local com plena autonomia. A religiosa, embora
advertida de que não poderia continuar a pregação sem que fosse autorizada pela
empresa, ignorou a ordem e recusou-se a sair da cidade, razão pela qual foi presa e
condenada, com fulcro em uma lei do Alabama, que tipificava penalmente a entrada ou
permanência sem a autorização na propriedade alheia (trespass).
A Suprema Corte anulou a condenação, adotando o entendimento de que a empresa,
ao atuar como poder público, devia obediência à liberdade de religião (1ª Emenda). O
ponto decisivo para a adoção dessa tese foi a constatação de que, no caso, não se
tratava de uma propriedade privada qualquer, tendo em vista a natureza e a magnitude
das funções administrativas desempenhada pelos prepostos da empresa. A Corte
observou que Chicksaw estava organizada como uma verdadeira cidade, tendo “todas
as características de qualquer outra cidade americana”. O Juiz Black consignou que, se
a cidade estivesse sob administração municipal, esta não poderia limitar os direitos civis
dos que viviam ou passavam, caberia perguntar então: “Podem as pessoas que
vivem ou vêm a Chicksaw ter negadas as liberdades de imprensa e religião apenas
126
porque uma única empresa tem um título legal que abrange toda a cidade?” Conclui-se
que, embora as ruas do distrito comercial na cidade não pudessem ser qualificadas
como propriedade pública, o fato de estarem abertas ao público importava em uma
série de limitações aos direitos do proprietário. Considerou-se, então, que “quando um
proprietário, em proveito próprio, abre ao uso do público em geral, mais limitados
tornam-se seus direitos pelos direitos legais e constitucionais dos que a usam”. Os
proprietários da cidade não poderiam restringir as liberdades constitucionais dos que
transitam por suas ruas, principalmente quando se trata da liberdade de imprensa e de
religião, que, segundo a jurisprudência norte-americana, desfrutam de uma posição
preferencial (prefered position).
Vê-se claramente o posicionamento dos Estados Unidos de respeitarem as relações
privadas, intervindo o mínimo possível. o faz quando uma pessoa privada assume
um papel público, dessa forma deve respeitar os direitos pessoais dos que usufruem
daquele serviço.
8.3 – O caso francês de arremesso de anão
O célebre caso Francês do arremesso de anão é típico para a abordagem da Aplicação
Direta dos Princípios Constitucionais nas Relações Privadas. Explica Carvalho (2005)
que é bom ser rememorado episódio havido já na última década deste Século (mais
precisamente em outubro de 1991), que demonstra a força da jurisprudência francesa.
Uma empresa de discotecas inventou uma grotesca brincadeira para brindar os jovens
freqüentadores dos seus clubes: o lancer de nain. Isto mesmo: o arremesso de anão!
Consistia em transformar um homem de pequena estatura em projétil, a ser
arremessado pela platéia de um ponto a outro da casa de espetáculo. Movido pela
repugnância que a iniciativa provocou, o prefeito de uma das cidades (Morsang-sur-
Orge) interditou o espetáculo, fazendo valer a sua condição de guardião da ordem
pública na órbita municipal. Do ponto de vista legal, o ato de interdição teve como
fundamento o Código dos Municípios, norma de âmbito nacional (a França é um país
unitário) que disciplina de forma minuciosa o exercício da ação administrativa estatal no
127
plano municipal. Nos termos desse Código (art. 131), incumbe ao Prefeito, sob o
controle administrativo do representante do poder central na respectiva circunscrição
(Préfet), o exercício do poder de polícia no Município, podendo intervir em atividades ou
limitar o exercício de direitos sempre que necessário à preservação da ordem pública.
Por outro lado, a decisão administrativa do Prefeito se inspirou em uma norma de
cunho supranacional, o art. da Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos do
Homem e das Liberdades Fundamentais. Insatisfeita, a empresa interessada, em
litisconsórcio ativo com o deficiente físico em causa, Sr. Wackenheim, ajuizou ação
perante o Tribunal Administrativo de Versailles visando a anular o ato do prefeito.
Relata ainda que em primeira instância os autores obtiveram êxito, já que a corte
administrativa (na França, os órgãos jurisdicionais, mesmo em primeira instância, têm
em regra a estrutura colegial) julgou procedente o recours pour excès de pouvoir por
eles ajuizado e anulou o ato do Prefeito, entendendo que o espetáculo objeto da
interdição não tinha, por si só, o condão de perturbar a “boa ordem, a tranqüilidade ou a
salubridade públicas”. Mas, ao examinar o caso em grau de recurso, em outubro de
1995, o Conselho de Estado, órgão de cúpula da jurisdição administrativa, reformou a
decisão do Tribunal Administrativo de Versailles, declarando que “o respeito à
dignidade da pessoa humana é um dos componentes da (noção de) ordem pública;
(que) a autoridade investida do poder de polícia municipal pode, mesmo na ausência de
circunstâncias locais específicas, interditar um espetáculo atentatório à dignidade da
pessoa humana.”
Completa dizendo que está retratado, aí, um quadro moderno do prestígio desfrutado
pela jurisprudência na França de hoje, inclusive delineando uma perfeita ligação entre o
Código dos Municípios e a Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos do
Homem e das Liberdades Fundamentais.
O caso do arremesso de anão é usado para defender a aplicação direta do princípio da
dignidade da pessoa humana, bem como para demonstrar que a proteção da dignidade
pode gerar mais indignidade. Explico.
128
Como reportado anteriormente, o anão recorreu da decisão que proibiu a atividade por
alegar que aquele emprego era o único que ele tinha e que era o modo que ele possuía
para sustentar sua família.
Segundo o anão, dignidade é ver sua família bem alimentada e usufruindo os recursos
conseguidos com o trabalho. A decisão que decidiu pela dignidade da pessoa humana
teria cessado a indignidade de ser arremessado e instaurado a indignidade de não ter
emprego e sustento.
Em que pese a dor do anão e sua dificuldade de encontrar um emprego, a dignidade
preservada pela decisão não é apenas dele, mas de todos os anões da França, e por
que não, do mundo. O que seria da população se virasse mania nacional o arremesso
de anão? As pessoas brincariam disso na rua, na escola, universidade, no intervalo do
almoço. Quantos anões não seriam tratados como brinquedo.
Ademais o fundamento para se proibir essa atividade é o mesmo fundamento para
proibir a prostituição, é a coisificação do ser humano. O anão deve ser tratado como
uma pessoa, com problemas e soluções, inteligência equiparada às demais pessoas, e
não como um brinquedo passível de aluguel.
Repete-se aqui o entendimento do professor Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 33-
34), que ao falar sobre a função social do contrato, demonstrou seu entendimento
congruente com o que se expôs, dizendo que o Estado democrático de direito, em seus
moldes atuais, evita participar diretamente na produção e circulação de riquezas,
valorizando o trabalho e a livre iniciativa privados. É, com efeito, na livre iniciativa que a
Constituição Federal apóia o projeto de desenvolvimento econômico que interessa toda
a sociedade. Não é, contudo, apenas a livre iniciativa, o único valor ponderável na
ordem econômica constitucional. O desenvolvimento econômico deve ocorrer
vinculadamente ao desenvolvimento social. Um e outro são aspectos de um único
desígnio, que, por sua vez, não se desliga dos deveres éticos reclamados pelo princípio
129
mais amplo da dignidade da pessoa humana, que jamais poderá ser sacrificado por
qualquer iniciativa, seja em nome do econômico, seja em nome do social. Nada, com
efeito, justifica o tratamento da pessoa como coisa ou como simples número de uma
coletividade.
Portanto, esse é mais um caso onde a Autonomia da Vontade foi corretamente
delimitada pelo Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Ainda que o
próprio anão, protegido na decisão, tenha que arcar de forma mais severa com os
efeitos da decisão, por não ter mais o emprego do qual provia a sua subsistência.
Sabe-se que os direitos do trabalho são irrenunciáveis, ainda que isso acarrete
prejuízos ao trabalhador. Sacrifica-se o interesse daquele trabalhador pelo bem da
classe.
8.4 – As Advertências de Canotilho
Neste item propõe-se discutir os casos trazidos pelo professor Canotilho (2001, p. 111-
112) que tentam advertir o estudioso do direito quanto às peculiaridades do direito
privado e o conflito de direitos fundamentais, onde a ponderação com certeza ferirá um
direito garantido pela Constituição Federal.
Em que pese o posicionamento do ilustre professor, que é de grande valia para o
debate do assunto, os casos precisam de solução. A ponderação deve ser usada a fim
de preservar o que é mais interessante para o coletivo, ainda que na decisão em
particular seja em benefício de um só. Refiro-me ao fato de que muitas vezes o direito
individual é aquele mais benéfico para a sociedade.
Sem mais delongas, vai-se aos casos trazidos pelo professor e à ponderação de
direitos passível de ser feita em cada caso.
130
O primeiro caso trazido pelo autor é denominado de “A urbanização quimicamente
branca” ou a action under color of State Law”. O caso conta-se em poucas palavras.
Os compradores de moradias dentro de uma urbanização localizada em uma cidade
norte-americana teriam de aceitar a clausula contratual de proibição de venda a
indivíduos de raça negra. Um dos adquirentes violou a clausula contratual, alienando a
sua propriedade a um “cidadão preto”. O problema está: será de imputar a violação
do princípio da igualdade ao próprio Estado na medida em que este, através dos seus
tribunais, da razão aos titulares da urbanização, reconhecendo a nulidade da venda em
violação de uma cláusula contratual? Mas o que é que é “nulo”: é a própria cláusula
contratual por amor à Constituição (princípio da igualdade) ou a venda em violação da
cláusula por amor à liberdade contratual?
Neste caso vê-se claramente a delimitação do Princípio da Autonomia da Vontade.
Uma cláusula contratual não pode ser discriminatória, como qualquer outro ato da vida
humana. A ponderação dos princípios deve ter como objetivo o fim da Constituição, que
é fazer uma sociedade mais justa e igualitária. A descriminação, seja racial, sexual, por
idade ou por sexo, já se utilizam diversos artifícios ocultos para ferir o princípio da
igualdade. A recusa de contratação não tem a obrigatoriedade de ser motivada.
Portanto, existem diversos casos onde um dos contratantes, de forma silenciosa, deixa
de contratar com alguém por razões discriminatórias.
Se nos casos ocultos não há possibilidade do Estado intervir, nos casos onde a
igualdade é violada de forma ostensiva, de ter uma intervenção para que o princípio
não seja minorado.
Ademais, a liberdade de escolha do contratante deve ser feita segundo os princípios da
livre-iniciativa e valorização do trabalho. Não é facultado ao contratante escolher a raça
ou sexo do outro contratante, mas a liberdade diz respeito a contratar com aquele que
inspira mais confiança, que pode dar maior probabilidade de ganho ou da forma que
seja mais confortável. O princípio da liberdade não pode ser reduzido a meros
caprichos de contratantes que não respeitam a igualdade e a dignidade humana.
131
O segundo caso é denominado pelo autor de “a terceira mulher”: da “mulher
diabolizada” e da “mulher exaltada” à “mulher criadora do seu papel”. Este caso é hoje
conhecido como o caso do “diferencialismo das executivas”. A história tem mulheres de
carne e osso e conta-se também em curtas palavras. Uma multinacional propõe a uma
de suas executivas top, a colocação imediata num importante posto de chefia com a
cláusula de proibição de gravidez ou de “barriga de aluguel” durante 10 anos. A opção
para a mulher de 26 é clara: ser mãe ou ser mulher de sucesso. A “proibição de
gravidez” é uma clausula constitucionalmente proibida; mas como proibir, no mundo da
autonomia contratual-global, a inserção de uma condição que mais não é, segundo
alguns, que a invenção da “terceira mulher”: a “mulher criadora do seu próprio pape!”?
Mais uma vez se verifica que a Autonomia da Vontade deve dar lugar aos princípios da
valorização da família e da socialidade. Não é de interesse para a população que as
suas mulheres deixem de ser genitoras por imposição contratual. Em primeiro lugar
ninguém, em uma idade fértil, pode afirmar que não será pai ou mãe nos próximos dez
anos. Vê-se nesse caso a patente violação do princípio da razoabilidade. As pessoas
podem mudar de idéia em questão de dias, quanto mais em um período de dez anos. O
compromisso de o engravidar pelo período de um ano já seria abusivo, por ser a
fertilidade algo impossível de se evitar em sua plenitude. Todos os métodos
contraceptivos possuem margem de falha, são passíveis de erro até em sua
manipulação, além dos erros intrínsecos à atividade. Portanto, trata-se de cláusula
impossível de ser cumprida, por não haver método contraceptivo capaz de garantir a
satisfação plena da obrigação.
A não ser que a contratante deixe efetivamente de manter relações sexuais por 10
anos, o que seria ainda mais abusivo. Se não é possível garantir que não haverá desejo
de ser mãe pelo período proposto, quanto mais que a contratante não se apaixonará
por alguém durante esse período, que vemos a todo o momento casais se unindo na
terceira idade.
132
O mais importante nesse caso é ressaltar que a família é de extrema importância, a
carreira também, o patrimônio também, mas para a sociedade é importante que as
famílias estejam felizes e cumprindo o seu papel de família, se amando, se doando um
pelo outro e tendo filhos quando o planejamento familiar assim o determinar, ou quando
na impossibilidade de impedir a fertilização, esse filho seja amado e respeitado como
um ser humano digno.
O terceiro caso trazido pelo autor é denominado de “As antenas parabólicas dos
emigrantes portugueses”. O caso vem relatado em revistas alemãs. Vale a pena
conhecer a história. Um emigrante português solicitou ao senhorio do prédio que
tomara de arrendamento a autorização necessária para colocar no telhado uma antena
parabólica de televisão para melhor captar os programas em língua portuguesa. O
senhorio denegou tal autorização, e, perante esta recusa, a emigrante portuguesa
intentou a ação competente junto dos tribunais para o reconhecimento do seu direito
fundamental à informação. O êxito junto aos tribunais ordinários foi nulo, mas o mesmo
não aconteceu quando, através da ão constitucional de defesa, o Tribunal
Constitucional Alemão teve de se pronunciar sobre o assunto. A ordem jurídica dos
direitos fundamentais está presente na “ordem dos contratos”. Os contratos de
arrendamento não são espaços livres de direitos fundamentais como o direito de
informar-se e ser informado.
Nesse caso, pelo que nos foi apresentado, a recusa do senhorio foi imotivada, se não
foi não nos foi passada a motivação.
Obviamente que o direito de informação é de extrema importância, estar conectado à
sua terra natal faz parte da cultura da pessoa, e respeitar a cultura é respeitar o
indivíduo e o povo com suas peculiaridades.
Contudo, apenas seria justificada a recusa por parte do senhorio se a instalação da
antena parabólica danificasse de forma irreparável a sua propriedade, motivo pelo qual
a arrendatária deveria procurar outra maneira de estar conectada à sua terra natal, mas
133
essa hipótese não foi levantada pelo problema, motivo pelo qual mantemos o nosso
posicionamento acima.
O direito de propriedade, como a Autonomia da Vontade, não é absoluto. Tanto não o é
que o poder público tem o poder de desapropriar a fim de satisfazer o interesse público.
Ademais, diversas legislações vêm constantemente minorando os abusos que são
passíveis de ser cometidos pelos proprietários.
Mais uma vez se menciona a impossibilidade de prever todos os fatos da vida humana,
devendo a Constituição Federal e a legislação fornecer elementos para que o aplicador
da lei possa minorar os abusos no caso concreto, mesmo em sacrifício de uma
liberdade.
O que se verifica muitas vezes é o abuso de direito. Quando vemos casos como os
expostos nesse trabalho, percebe-se claramente que os princípios são usados para
impedir o abuso de direito, ou seja, aquela pessoa que não abre mão de um direito seu
e passa a ferir o direito de outrem.
O quarto caso trazido pelo autor é denominado “Liberdade de consciência ou ciência
aplicada?” O caso do “químico anti-radiativo”. O cientista “X”, que trabalhava em uma
empresa de produtos químicos, viu-se confrontado com um projeto de investigação
destinado a estudar tratamentos contra as doenças radioativas resultantes da utilização
de armas nucleares. Defensor como era da utilização pacífica da energia atômica,
recusou-se a participar de um projeto atentatório da sua liberdade de consciência e de
convicção. O despedimento esperava-o. Mas poderá ou não invocar-se o direito
fundamental da liberdade de consciência contra a violação de deveres funcionais
resultantes de uma relação jurídica de emprego?
Esse caso é um pouco mais complicado, não como invocar uma estabilidade ao
contratado que mantiver justamente o seu direito de convicção. Não se pode no caso
134
fazer uma alusão à convicção do juiz ou promotor, exatamente pela peculiaridade do
direito privado.
Em sendo lícita a atividade, não pode o empregado se recusar a fazer alguma coisa
sob pena de insubordinação, ainda que contra suas convicções.
Eis um caso onde a liberdade de convicção e consciência é respeitada, reconhecida,
mas não pode garantir estabilidade ao empregado, sob pena de abuso do instituto da
aplicação direta, como nos referimos acima. Ninguém pode obrigar um empregador a
manter um empregado que não faz o serviço que lhe é pedido, por mais justa que seja
a motivação do empregado. Estamos supondo, obviamente que a atividade é cita, sob
pena de ter que arcar o empregador não com as despesas da rescisão contratual
como também indenizar o empregado pelo constrangimento.
O reconhecimento de um caso onde a aplicação direta da Constituição Federal não é
possível não minora o que até aqui foi dito. Adverte-se durante toda a dissertação que
nem sempre seria possível a aplicação de tal técnica, aliás, se disse que o método
deveria ser usado apenas quando o jurista não vislumbrasse uma decisão consonante
com a Constituição e adequada ao caso concreto.
O quinto e último caso trazido por Canotilho, é denominado Liberdade de religião” ou
“divórcio religiosamente correto”? Mais uma ingerência na ordem jurídica civil. Desta
feita é a ordem civil matrimonial que está em causa. A senhora "X" solicitou o divorcio
porque o seu marido mudou de religião, o que tornou insustentável uma relação
matrimonial construída no pressuposto da igual religião dos cônjuges. Será
juridicamente correto fazer apelo à liberdade constitucional de religião (e de mudança
de religião) para se opor à dissolução do matrimônio num tribunal civil? Em que medida
o contrato de casamento (e o seu termo) estará condicionado à ordem constitucional
dos direitos fundamentais?
135
Em que pese a delicadeza do caso exposto, a motivação para a dissolução do
casamento, pelo menos no Brasil, é um fato puramente de Direito Civil. O Código, de
certa forma, minorou a busca de um culpado para a falência da sociedade conjugal.
Sendo de menor importância decidir se a culpa está com o marido que mudou de
religião ou da mulher que não soube respeitar a nova religião do marido.
Os direitos de livre expressão religiosa e de respeito à família não foram
desrespeitados, mas não é possível minorar todos os efeitos da tomada de uma
decisão.
casais que se separam por questões muito menos relevantes do que esta trazida
pelo autor, o que revela que muitas vezes o fato trazido aos autos como motivo da
discórdia é apenas um pretexto para a dissolução de um vínculo deveras enfraquecido.
O exercício proposto neste item é exatamente a proposta da interpretação tópica,
analisar cada caso para ver a necessidade ou não de aplicação dos Princípios
Constitucionais, viu-se que em alguns casos o exercício foi bem sucedido, no quarto
caso prevaleceu a regra e no último não se achou qualquer afronta à Constituição
Federal.
8.5 – A Jurisprudência do STF
Dois casos são freqüentemente usados para demonstrar a afeição do Supremo Tribunal
Federal à aplicação dos Princípios Constitucionais nas relações privadas a fim de
minorar os danos da Autonomia da Vontade.
O primeiro caso se refere ao Recurso Extraordinário 158.215-4 do Rio Grande do Sul,
cujo relator foi o Ministro Marco Aurélio. Segue a ementa:
DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A
intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal
136
direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica
segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o
conhecimento de extraordinário, de ser direta e frontal. Caso a caso,
compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria,
distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com
procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se
necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum.
Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em
um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal,
com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de
normas estritamente legais.
COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO -
DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado
decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao
devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio
do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a
atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto
da cooperativa.
Trata-se, portanto de exclusão de associado da cooperativa sem respeito ao Devido
Processo Legal. A partir do momento que as pessoas se associam e fazem regras para
o ingresso na cooperativa, a exclusão de pessoas deve ser motivada e devidamente
analisada, até porque muitas vezes aquela associação é deveras importante para o
associado, sendo impossível de mensurar os problemas que a pessoa enfrentará ao ser
excluído daquela associação.
Mas o mais importante desta decisão é o precedente que ela abre. Ausente no Código
Civil artigo que previa o evento danoso, os ministros do Supremos Tribunal Federal se
valeram do Princípio do Devido Processo Legal, mesmo em sede privada, para que
fosse assegurado o direito de defesa antes da possível exclusão do associado.
Tradicionalmente o devido processo legal foi concebido para resguardar o particular de
dano proveniente do Estado. Contudo a sua aplicação no âmbito privado foi necessária
e exemplarmente aplicada, abrindo precedentes para que as demais instâncias do
judiciário utilizem o mesmo raciocínio.
Outro caso patente de utilização do Princípio Constitucional na relação privada diz
respeito à isonomia no local de trabalho. O acórdão foi proferido no Recurso
137
Extraordinário 161.243-6 do Distrito Federal, cujo relator era o Ministro Carlos
Veloso. Segue a ementa:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE.
TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA:
ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR
ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, §
1º; C.F., 1988, art. 5º, caput.
I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a
empresa francesa, no Brasil, o foi aplicado o Estatuto do Pessoal da
Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade
seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao
princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º,
caput).
II. - A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou
extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo
religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag
110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465.
III. - Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso.
IV. - R.E. conhecido e provido.
O Princípio da Isonomia resta patente no caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
Igualdade entre os empregados que desempenham a mesma função em uma empresa.
Tendo em vista que o branco não pode receber mais vencimentos que o negro, que o
homem em relação à mulher, que o heterossexual em relação ao homossexual,
também não é possível que o estrangeiro receba mais vencimentos do que o brasileiro.
Até porque todas as empresas atuantes no Brasil, embora o capital possa ser externo,
são empresas regularmente inscritas no Brasil, atuando em igualdade de condições
com as empresas de capital nacional, sendo claro que no Brasil recebem o mesmo
tratamento que as outras empresas, não podendo assim fazer distinção entre seus
trabalhadores.
138
Com relação aos exemplos era isso que se tinha a propor. Tendo sido demonstrado
que nem sempre é possível encontrar um resultado sem impactos aos tutelados, que
algumas vezes a Autonomia da Vontade não pode ser delimitada por Princípios
Constitucionais, por não ser razoável a sua delimitação, e que algumas vezes a
aplicação direta da Constituição não é possível. Contudo, a aplicação Direta dos
Princípios Constitucionais é salutar se usada com moderação.
139
Conclusão
Não seria propriamente correto dizer, no sentido atribuído neste trabalho, que a
Autonomia da Vontade foi diminuída, restringida a ponto de não ser mais um princípio
basilar do contrato e da sociedade. Ao contrário, a Autonomia da Vontade individual foi
restringida, mas o princípio se moldou às necessidades contemporâneas da sociedade.
Os valores éticos e a socialização do Direito Civil fizeram com que a Autonomia da
Vontade ganhasse mais legitimidade, mais liberdade de ação, no sentido de incentivar
os contratos que forem benéficos para ambos os contratantes e para a sociedade.
O Princípio da Autonomia da Vontade pode ser delimitado pelos Princípios
Constitucionais por duas vertentes. A primeira delas é legislativa e a segunda é judicial.
A delimitação pelo legislativo foi feita em grande parte e por certo continuará
ocorrendo. Os sinais desta delimitação pelos princípios são patentes. Em cada regra ou
princípio do digo Civil e das legislações pertinentes, como a lei de locação e o
Código de Defesa do Consumidor, é possível indicar o princípio da socialidade, da
dignidade da pessoa humana, da supremacia do interesse público, da liberdade, da
igualdade, da livre iniciativa e valorização do trabalho, entre outros diversos que não é
possível mensurar.
Os princípios da socialidade e solidariedade são possíveis verificar no cerne do Código
Civil, nos princípios de boa-fé objetiva e função social do contrato, na legislação
trabalhista, impedindo que o trabalhador labore por um período superior ao razoável e
outros tantos institutos que nos são conhecidos.
A dignidade da pessoa humana pode ser reconhecida nos direitos da personalidade,
nos artigos do Código Civil que protegem o consumidor dos danos que eventualmente o
140
fornecedor de produtos e serviços pode causar, na instituição do salário mínimo, na
proteção ao locatário e à sua moradia, sendo esse rol também exemplificativo.
A supremacia do interesse público pode ser identificada em todas as vedações
contratuais contidas na legislação, como função social do contrato e todas as regras de
direito do consumidor.
A liberdade é vista no Código quando prevê os contratos inominados, dando ao
contratante a faculdade de criar contratos que sequer foram regulamentados. Também
é vista na liberdade de contratar, na dispensa imotivada da lei de locações e do direito
do trabalho, neste último pagando o que couber.
O princípio da igualdade, de forma comutativa, é visto em todo tipo de artigo, aqueles
que tratam os contratantes de forma parelha e os que tratam os contratantes de forma
desigual. Isso porque a legislação reconhece que se naquele caso a lei trata de forma
desigual é porque naquele momento as partes não são iguais.
O princípio da livre iniciativa e valorização do trabalho é, talvez, a personificação dos
princípios descritos acima. Primeiro porque este princípio traz consigo o liberal e o
social, o individual e o coletivo, a dignidade de ambos os contratantes, o interesse
público e a igualdade paritária e comutativa.
Dessa forma percebe-se a presença dos Princípios Constitucionais na legislação
privada delimitando o Princípio da Autonomia da Vontade a fim de o purificar e
transformá-lo em um princípio novo.
Se é um princípio novo, por que não acolher a sugestão de mudança de nomenclatura
e denominá-lo Autonomia Privada? Porque esta mudança não poupará o princípio da
Autonomia da Vontade das críticas que recebe. A mudança de nomenclatura apenas
reconhece a delimitação e altera a terminologia, mas nunca o conteúdo. Por isso se
141
mantém o entendimento de que Autonomia da Vontade e Autonomia Privada são
sinônimos.
Desta forma, se nota, também, que não apenas a Autonomia da Vontade se moldou a
fim de corresponder às necessidades da sociedade, mas o Direito Civil se modificou
para adaptar os seus institutos aos novos parâmetros.
Nesse processo o Direito Civil se despatrimonializou, valorizando mais o indivíduo que
seu patrimônio. Passou por um processo de descodificação, para poder atender a todas
as vertentes da vida privada que insurgiam. Ainda passou por um processo de
funcionalização, deixando o caráter individual que possuiu no passado. Adotou
cláusulas abertas que potencializaram o alcance do jurista a fim de coibir os abusos no
Direito Civil, reconhecendo que a capacidade do ser humano de renovar as suas
relações e criar novas formas de contratar, ou mesmo de agir, é muito grande, sendo
impossível que a legislação, mesmo que de forma descodificada, acompanhe todas
essas mudanças.
Ademais, o Código Civil adotou, com a positivação de normas abertas, uma
característica própria dos institutos da commum law, ou seja, passou a olhar o caso
concreto como único, não como um objeto que se encaixa na norma, mas um evento da
vida, que muitas vezes pode ser único, e que precisa obter uma decisão justa.
Para alguns, esta conclusão poderia parar por aqui, reconhecendo a eficácia da
Constituição Federal na legislação infraconstitucional. Contudo para nós a Constituição
Federal é atuante nas causas cíveis, de preferência atuando junto com o Código Civil.
Está-se fazendo referência à atividade judicial na delimitação da Autonomia da Vontade
pelos Princípios Constitucionais. Esta atividade possui dois momentos marcantes. O
primeiro é anterior ao Código Civil de 2002 e o outro é posterior ao referido código.
142
Antes do Código Civil de 2002 entrar em vigor tinha-se uma Constituição, a de 1988,
com uma mentalidade social, despatrimonializada e voltada para a democracia e tinha-
se um Código Civil de 1916, que obviamente não foi elaborado em consonância com a
referida Carta Magna por ser o Código Civil muito mais antigo.
Neste caso a teoria da recepção resolvia o problema. Se o jurista se deparasse com
uma regra que não fosse congruente com a Constituição vigente bastaria concluir que a
regra não foi recepcionada pela referida Constituição, o que permitiria ao julgador
considerar o artigo revogado e usar do espírito da Constituição Federal, ou seja, seus
princípios, para solucionar o caso, quando outra forma de integração de normas não
fosse mais apropriada.
Contudo, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, elaborado em consonância
com a Carta Magna, este raciocínio não era mais possível, devendo o intérprete,
quando se deparasse com um caso de conflito aparente entre a legislação civil e a
Constituição Federal, verificar se a incongruência é real ou trata-se de uma opção
legislativa.
Portanto, após a entrada em vigor do Código Civil vigente, as possibilidades de
aplicação direta da Constituição Federal ficaram mais restritas, possível apenas nos
casos em que o Código Civil é manifestamente inconstitucional ou quando o Código é
omisso.
Ainda assim, em conjunto com os Princípios Constitucionais é possível, e até
aconselhável, o uso dos Princípios do próprio código, que como visto acima, refletem os
ideais e valores da Constituição Federal.
Desta forma, a Autonomia da Vontade pode enfim ser exercida de forma livre e legítima,
desde que respeitados os valores éticos e a ordem pública.
143
Desta forma vê-se que a Autonomia da Vontade valoriza o sujeito e sua individualidade;
está estritamente ligada à cidadania, sendo de grande importância para a Democracia;
foi importante como motivação para a conquista dos direitos de primeira dimensão; em
alguns contratos está muito restrita, a ponto de se restringir ao exercício da atividade e
não a cada contrato de forma individual; está fortalecida pela reforma social, sendo hoje
em dia não apenas aquele conceito individual do início de sua veiculação, mas um
princípio enriquecido pela igualdade das partes, eticidade e solidariedade em todas as
fases de sua execução.
144
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