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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS
Mestrado em Educação Tecnológica
Renato Sérgio Faria Belisário
COMPETÊNCIAS DE PROFISSIONAIS DE LOGÍSTICA
NA CADEIA AUTOMOTIVA
Belo Horizonte (MG)
2010
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Renato Sérgio Faria Belisário
COMPETÊNCIAS DE PROFISSIONAIS DE LOGÍSTICA
NA CADEIA AUTOMOTIVA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais - CEFET-MG, p
ara
obtenção do tulo de Mestre em Educação Tecnológica.
Orientador: Prof. Dr. José Geraldo Pedrosa
Belo Horizonte (MG)
2010
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Renato Sérgio Faria Belisário
COMPETÊNCIAS DE PROFISSIONAIS DE LOGÍSTICA
NA CADEIA AUTOMOTIVA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação Tecnológica do Centro Federal de
Educação Tecnológica de M
inas Gerais - CEFET-MG, em 02/03/2010
para obtenção do tulo de Mestre em Educação Tecnológica, aprovada pela Banca Examinadora
constituída pelos professores:
________________________________________________________
Prof. Dr. José Geraldo Pedrosa - CEFET/MG - Orientador
________________________________________________________
Prof. Dr. João Bosco Laudares.- CEFET/MG
________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Coutinho Garcia – Faculdade Novos Horizontes
A meu pai, falecido prematuramente,
que mesmo
sem ter trilhado o
caminho do conhecimento
científico,
com sua sabedoria me proporcionou os
primeiros passos e
me conduziu a ele. Através do
estímulo e incentivo me mostrou a
relevância que
este caminho poderia ter em minha vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas que por diferentes formas colaboraram no meu percurso no
mestrado e na elaboração dessa dissertação:
Iolane Vieira Albino
Renata Pêgo Belisário
Sheila Maria Belisário Costa
Leandro Pêgo Belisário
Prof. João Bosco Laudares
Todos os entrevistados
Todos os professores do MET
Todos os colegas da turma do MET de 2007
Especialmente agradeço ao meu orientador Prof. Dr. José Geraldo Pedrosa, por seu interesse,
por sua disponibilidade, por seu compromisso e por sua competência epistemológica.
RESUMO
Este estudo tem como finalidade identificar e analisar as competências dos profissionais de
logística responsáveis pela gestão do fluxo produtivo em empresas do segmento automotivo
em Minas Gerais, que estão inseridas num modelo de gestão indust
rial norteado pelo
toyotismo. Essa mudança na organização da produção,
em curso nas empresas pesquisadas,
norteada pela racionalização do fluxo produtivo, expõe uma complexidade de gestão que era
ausente no modelo fordista que, até então, orientava essas empresas. Como consequ
ência, a
mudança está provocando importantes efeitos no trabalho de profissionais que administram os
fluxos de materiais e de produtos na cadeia
automotiva. O trabalho desses profissionais, antes
segmentado e agora sistêmico, se tornou
mais complexo, exigindo deles novas capacidades,
conhecimentos e saberes para lidar com os problemas que emergem nas novas situações. O
estudo teórico que orientou essa dissertação se baseou na complexificação do trabalho e na
emerncia do modelo de comp
etência. A pesquisa de campo buscou investigar essa
complexificação do trabalho dos profissionais de logística,
culminando com a identificação
das competências requeridas desses profissionais pelas empresas pesquisadas.
Palavras-chave: Competência. Logística. Produção enxuta. Toyotismo.
ABSTRACT
This study aims to identify and analyze the competencies of the professionals in logistic
s,
responsible for managing the productive flow in companies of the automotive segment in
Minas Gerais , that are inserted in a industrial management mode
l guided by the toyotism
(lean production). T
his change in the organization of the production taking place in the
surveyed companies guided by the
rationalization of production flow, exhibits a complexity of
management that was absent in the Ford model tha
t until then directed these companies . As a
result , this change is causing significant effects on the
work of professionals who manages
the flow of materials and products in the automotive supply chain. The work of these
professionals, before segmented and now
systemic became more complex, requiring of them
new skills, knowledge and expertise to deal with the problems that emerge in new situations.
The theoretical study that guided this dissertation was based on the complexity of the work
and the emerging
of the model of competence. The field research investigated the complexity
of the work of logistics professionals, resulting in the identification of competencies
required
of these professionals by companies surveyed.
Key-words: Competence. Logistics. Lean production. Toyotism.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANFAVEA Associação Nacional dos Fabricantes da Indústria Automotiva
BRIC Bloco dos países emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia e China
CCQ rculos de Controle de Qualidade
CLM Council of Logistics Manangement
CKD Complete Knocked Down
CSCMP Council of Supply Chain Management Professionals
EEUU Estados Unidos da América
GM General Motors
IMVP International Motor Vehicle Program
MIT Massachusetts Institute of Technology
MITI Ministério do Comércio Exterior e Indústria do Japão
MRP Material Requirements Planning
OICA
Organisation Internationale des Constructeurs d’Automobiles
(denominação original), ou
International Organization of Motor
Vehicle Manufacturers ou
Organização Mundial da Indústria
Automobilistica.
PIB Produto Interno Bruto
P&L Panhard & Levassor
SNECNA Société nationale d’étude et de construction de moteurs d’avion
STP Sistema Toyota de Produção
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Produção mundial de veículos automotores por região................................. 39
Gráfico 2 Participação japonesa na produção mundial de veículos............................... 52
Gráfico 3 Participação das empresas do EEUU no mercado interno dos EEUU........... 53
LISTA DE QUADROS
Quadro 1– Contraste entre o fordismo e a acumulação flexível ................................ 51
Quadro 2 Comparação entre programação de suprimento KANBAN/JIT e a filo-
sofia (sic) de programação de suprimentos para estoque.......................... 58
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Frota mundial de veículos automotores de 1997 a 2006.................................. 25
Tabela 2 – Produção, emprego e produtividade da indústria automotiva brasileira........... 29
Tabela 3 – Produção artesanal em massa (sic) na área de montagem: 1913 versus 1914.. 32
Tabela 4 – Produção de veículos artesanais em 2008 ....................................................... 33
Tabela 5 – Comparação produtividade GM x Toyota - 1986............................................ 52
Tabela 6– Ranking das cinco maiores empresas automotivas em 2007............................ 61
Tabela 7 – Ranking das cinco maiores empresas automotivas em 2008 .......................... 62
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
I – Da minha prática profissional ao tema dessa dissertação................................... 13
II – Dos estudos realizados sobre o tema ao problema dessa dissertação................. 16
III – Objetivos............................................................................................................ 18
IV – Metodologia........................................................................................................ 18
V – Estrutura da dissertação...................................................................................... 22
1 O AUTOMÓVEL E OS PARADIGMAS DA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA
Preâmbulo.................................................................................................................. 23
1.1 – O automóvel no mundo contemporâneo........................................................... 24
1.2 – Fordismo: os primeiros 50 anos da indústria automotiva – produção em es-
cala e consumo em massa................................................................................. 30
1.3 – Toyotismo: os últimos 50 anos da indústria automotiva – produção enxuta e
flexível e consumo diversificado...................................................................... 39
2 A COMPLEXIDADE DO TRABALHO E AS COMPETÊNCIAS DO TRABA-
BALHADOR
Preâmbulo.................................................................................................................. 54
2.1 – A complexificação da produção no ambiente enxuto e flexível....................... 57
2.2 – A competência logística e as competências profissionais................................. 65
3 AS COMPETÊNCIAS DOS PROFISSIONAIS DE LOGÍSTICA NA CADEIA
AUTOMOTIVA
Preâmbulo.................................................................................................................. 79
3.1 – Os modelos de produção em transição............................................................. 80
3.2 – O lugar da gestão logística nas empresas enxutas............................................. 86
3.3 – O trabalho e as competências dos profissionais de logística............................. 96
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 101
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 104
ANEXO............................................................................................................................. 108
INTRODUÇÃO
__________________________________________________________________________________________
13
INTRODUÇÃO
I - DA MINHA PRÁTICA PROFISSIONAL AO TEMA DESSA DISSERTAÇÃO
A logística permeou grande parte da minha trajetória profissional mesmo sem que
eu pudesse identificá-la e nomeá-la com clareza em alguns momentos. No entanto, nos
últimos 15 anos, ela passou a ter uma maior relevância no meu exercício profissional.
Minha atuação nesta área iniciou-se em 1995, quando fui contratado por uma
indústria ligada ao segmento automotivo, como coordenador de logística. Em seguida, atuei
em outras duas indústrias de autopeças como supervisor e gerente de logística, agregando uma
nova função: o exercício da liderança. Posteriormente trabalhei como consultor associado, em
logística e produção, em uma empresa de consultoria e treinamento também ligada ao setor
automotivo. Atualmente, trabalho como consultor independente em logística e como
coordenador acadêmico e docente em programas de pós-graduação lato-sensu em logística e
produção industrial, numa instituição de ensino superior.
Dessa experiência em três lados da logística - o profissional assalariado, o consultor
e o professor - questões foram emergindo e diferentes reflexões foram feitas com relação às
competências do trabalhador que exerce a atividade no contexto da flexibilização do consumo
e da produção. Esses questionamentos me levaram na direção de outras leituras, ao encontro
com textos acadêmicos e a realização desse mestrado, que possibilitaram um melhor
entendimento de certas questões, principalmente as referentes às competências do profissional
de logística. Portanto, a escolha do assunto deste projeto tem sua origem no meu percurso
profissional e, posteriormente, nos estudos acadêmicos.
De modo mais geral, o tema desse projeto é o trabalho no tempo presente: tempo de
incerteza, de instabilidade e, conseqüentemente de maior complexidade. De modo mais
particular é uma pesquisa sobre o trabalho do profissional de logística que atua em empresas
automotivas que se organizam com base no toyotismo. A referência básica é que o
enxugamento das empresas, a redução dos estoques e a formação de redes intensificam e
tornam mais complexos os fluxos de informações, de materiais e de produtos. Complexidade
que se refere ao que não pode ser simplificado, isto é, reduzido a partes tratadas como
INTRODUÇÃO
__________________________________________________________________________________________
14
independentes umas das outras, conforme Morin (1996). Essa é uma referência para uma
melhor explicitação do assunto a ser tratado. O foco é o conjunto de conhecimentos
necessários a esse novo profissional que atua no ambiente complexo dos fluxos enxutos e
sistêmicos. Adotamos a definição de Perrenoud (2001), de que um conjunto de conhecimentos
que apresentam uma certa unidade em virtude de suas fontes ou de seu objeto pode ser
definido como saber. E que a noção de saber não abrange todos os recursos que um
profissional mobiliza, e ainda, que os saberes se situam no conjunto das competências de um
profissional. Ou seja, competências englobam os saberes, mas não se limitam a eles.
A atividade profissional de gestão do fluxo de materiais e serviços nas empresas
vem passando, nas últimas décadas, por grandes transformações. Essas transformações advêm
basicamente da intensificação da racionalização produtiva imposta pela nova concorrência no
mercado de produtos, concorrência marcada pela superioridade da oferta em relação à
demanda solvente.
No fordismo, a racionalização produtiva teve como centralidade a administração
científica de Taylor, baseada na racionalização do trabalho em cada centro de produção da
fábrica, por meio do estudo dos tempos e movimentos do trabalhador e na produção em
escala
1
. No toyotismo, a racionalização produtiva se orientou por uma ótica sistêmica,
centrada não só na racionalização do trabalho, mas na racionalização de todos tempos
2
envolvidos no processo produtivo e também dos estoques. Essa nova forma de racionalização
produtiva, a produção enxuta
3
e flexível
4
, propõe a eliminação de todas as formas de
desperdícios na cadeia produtiva por meio de melhorias graduais e contínuas em todos os
processos.
1
Utilizarei nesta dissertação a expressão produção em escala ao invés de utilizar a expressão produção em
massa, a despeito de alguns autores citados nesta dissertação assim o fazerem. Reservarei a palavra massa para
utilizá-la na expressão consumo em massa.
2
O toyotismo considera objeto de racionalização não o tempo ciclo de produção, mas também os tempos de
fila, os tempos de preparação de máquinas, os tempos de retrabalho, os tempos de movimentação e transporte,
etc.
3
Termo cunhado pelo pesquisador John Krafcik do International Motor Vehicle Program (IMVP) do
Massachusetts Institute of Technology (MIT), para denominar o Sistema Toyota de Produção (STP) isento de
desperdícios de toda a ordem, como os excessos de estoque, de movimentações, de transporte, retrabalho, etc.
4
Adotei a definição operacional de flexibilidade de Fenterseifer (1989, apud SALERNO,1992, p.58) de que “a
flexibilidade de um sistema pode ser definida como sua habilidade para lidar com as incertezas de um ambiente
em mudança, sendo a incerteza o elemento chave do conceito: sem ela, a flexibilidade deixaria de ser uma
questão.”
INTRODUÇÃO
__________________________________________________________________________________________
15
A estratégia da diversificação e da personalização dos produtos finais para
conquistar mercados, aliada à estratégia de produção enxuta para reduzir custos e aumentar a
competitividade, expôs a complexidade do sistema produtivo, antes escondida pelo paradigma
da divisão das atividades e pela existência de estoques intermediários, isolando os processos
produtivos da incidência da incerteza. Da abordagem toyotista do racionalismo produtivo
emergiu um conjunto de conhecimentos técnicos e comportamentais no modo de se organizar
e governar a produção industrial. Modo esse que convulsionou o paradigma anterior fordista,
e que mesmo nos dias de hoje, quase sessenta anos após o seu surgimento, ainda é
relativamente incompreendido no mundo capitalista ocidental. O trabalho de gestão de fluxo
de materiais e serviços, anteriormente parcelar, segmentado e individual, está evoluindo para
a integração sistêmica, como resposta às novas condições do mercado. Surge então uma nova
atividade profissional, integrada, sistêmica e coletiva, mais complexa que as atividades
anteriores, que eram parcelares e segmentadas. Essa atividade profissional emergente é a
logística empresarial.
A logística empresarial inclui todas as atividades de movimentação de
materiais e produtos e a transferência de informações de, para e entre os
participantes de uma cadeia de suprimentos. A cadeia de suprimentos
constitui uma estrutura lógica para que as empresas e seus fornecedores
trabalhem em conjunto para levar produtos, serviços e informações, de
maneira eficiente aos consumidores finais. A logística envolve a integração
de informações, transporte, estoque, armazenamento, manuseio de materiais
e embalagens. E [...] é responsável por uma das maiores parcelas do custo
final do produto, sendo superada apenas pelos materiais consumidos na
produção (BOWERSOX; CLOSS, 2001, p.13).
A responsabilidade dos profissionais de logística nas empresas flexíveis e enxutas
estende-se desde a programação de suprimentos de insumos externos (de matérias-primas,
materiais, componentes e embalagens) à distribuição dos produtos acabados, passando pela
programação, pelo controle e pelo abastecimento das linhas de produção.
A atividade de logística no Brasil começou a se desenvolver a partir dos anos de
1994, quando a inflação passou a ser debelada. O problema é que as possibilidades de ganho
das empresas pela via da especulação financeira diminuíram com a contenção da inflação. Foi
nesse contexto que a logística ganhou evidência. Ela emergiu como uma forma renovada da
obtenção de lucro pelas empresas capitalistas.
INTRODUÇÃO
__________________________________________________________________________________________
16
Trata-se, pois, de um tema ou objeto relevante pelo seu significado na empresa
contemporânea e que necessita ser analisado na perspectiva da Educação Profissional e
Tecnológica.
O tema desse projeto situa-se na linha de pesquisa II - processos formativos em
educação tecnológica - que aborda a relação entre mudanças societárias, educação e
mercado de trabalho. Assim, o tema insere-se no escopo da referida linha de pesquisa na
medida em que investiga as competências de uma ocupação emergente, a dos profissionais da
logística.
II - DOS ESTUDOS REALIZADOS SOBRE O TEMA AO PROBLEMA DESSA
DISSERTAÇÃO
Uma revisão sobre a produção de conhecimento na área específica das
competências do profissional de logística mostrou ser esse um assunto ainda pouco estudado,
principalmente pela área da Educação. Encontramos algumas dissertações e artigos sobre o
trabalho e o perfil do profissional de logística, mas são abordagens realizadas nos terrenos da
Engenharia, da Administração ou da Economia.
A dissertação de mestrado em Engenharia da Produção de Ganga (2004), com o
título Perfil profissional em logística: uma visão dos docentes em engenharia de produção,
aborda o tema sob o ângulo do perfil ideal para o profissional que atuará em logística sob a
ótica dos docentes em engenharia de produção e a influência dos mesmos em sua formação. O
objetivo da pesquisa foi o de analisar a percepção dos docentes dos cursos de graduação em
engenharia de produção para a formação do profissional de logística, diferentemente do nosso
ângulo de investigação que é a partir do delineamento das competências demandadas pelas
empresas, e que portanto são reais e não ideais.
a tese de doutorado em Economia de Meza (2003) com o título Trabalho
qualificado e competência: Um estudo de caso da indústria automotiva paranaense, aborda o
tema sob o ângulo da empresa, da gestão das competências dos trabalhadores, em empresas
do segmento automotivo do Paraná. A pesquisa da autora tangencia um dos nossos objetivos
de pesquisa, ao abordar as competências para resolução de problemas imprevistos. Os sujeitos
INTRODUÇÃO
__________________________________________________________________________________________
17
da pesquisa foram os diretores e/ou gerentes de recursos humanos e de logística, além dos
operadores de fábrica, mais amplos portanto do que os sujeitos na nossa pesquisa. O objetivo
da autora também diferiu do nosso, que ela postulou analisar o modelo de gestão de
competências em empresas com distintos modelos produtivos.
Alguns artigos como: Construção de indicadores para avaliação de conceitos
intangíveis em sistemas produtivos, de Sellito e Ribeiro (2004); Competências essenciais para
melhoria contínua da produção: estudo de caso em empresas da indústria de autopeças, de
Mesquita e Alliprandini (2003), abordam o tema enfocando as competências demandadas,
mas também com o olhar da área de conhecimento da administração. No primeiro artigo essas
competências são tratadas como “conceitos intangíveis” nos sistemas produtivos e o autor
realiza uma pesquisa quantitativa dos elementos construtivos dessas competências, se
apoiando na “teoria das medições” - que utiliza modelos matemáticos e estatísticos que seriam
capazes de estruturar descrições qualitativas de crenças e preferências de indivíduos e em
programa de computador para tabulação dos dados. No segundo artigo, o autor apresenta os
resultados de uma pesquisa descritiva e exploratória realizada em três empresas da indústria
de autopeças, com a finalidade de identificar competências essenciais para melhoria contínua
da produção. A melhoria contínua da produção é um dos conceitos da produção enxuta do
paradigma toyotista, mas não se limita a ele. Em nossa investigação esse é um conceito
relevante mas não suficiente para delinear as competências dos profissionais de logística.
As empresas reclamam de descompassos entre as competências dos que exercem a
função de governar os fluxos de produtos e serviços e aquelas que seriam essenciais ao
exercício pleno
5
, ao mesmo tempo em que instituições de ensino vêm lidando com desafios na
formação desses profissionais
6
.
Nesse sentido, procuramos respostas à questões referentes ao trabalho dos
profissionais de logística em empresas contemporâneas, que se estruturam com base na
produção enxuta: quais são as competências necessárias aos profissionais de logística, que
5
Essa constatação decorre da minha experiência como profissional assalariado e consultor na área de logística.
No Brasil, a logística é uma atividade relativamente nova e a formação técnica e acadêmica de profissionais
nessa área é recente. Uma considerável parcela dos profissionais que atuam nessa área nas empresas brasileiras
adquiriram suas competências unicamente pela via da experiência.
6
Essa constatação decorre da minha experiência como coordenador acadêmico e docente em programas de pós-
graduação lato-sensu em Logística e Gestão Industrial.
INTRODUÇÃO
__________________________________________________________________________________________
18
lhes permitem enfrentar a complexidade dos sistemas produtivos e agir na urgência e na
incerteza?
IIIOBJETIVOS
III.1 - Geral
Delinear as competências necessárias ao desempenho das atividades profissionais
de gestão da logística e que são requeridas pelas empresas enxutas e flexíveis.
III.2 - Específicos
- Identificar as situações planejadas de trabalho que são vivenciadas pelos
profissionais de logística;
- Identificar as situações imprevistas de trabalho derivadas da incidência da
incerteza;
- Relacionar as atividades demandadas por estas situações de trabalho com as
competências necessárias ao seu exercício.
IV – METODOLOGIA
IV.1- Estratégia de pesquisa
A estratégia de investigação adotada foi a identificação e escolha prévia de três
empresas industriais do segmento automotivo, vinculadas a um mesmo grupo empresarial
multinacional, cujos modelos de gestão da produção fossem convergentes com o modelo
toyotista.
INTRODUÇÃO
__________________________________________________________________________________________
19
As três empresas escolhidas, instaladas em Minas Gerais, são líderes ou elos fortes
das respectivas cadeias produtivas dos seus segmentos de atuação: a fabricação de motores e
transmissões de automóveis, fabricação de veículos comerciais leves e caminhões leves e
pesados, e fabricação de máquinas de construção civil pesada.
Encontram-se essas empresas atualmente em diferentes estágios de implementação
de um modelo de gestão industrial mundial convergente com a produção enxuta, iniciado em
2007. Esse fato, o de que as empresas encontram-se em diferentes estágios de implementação
do novo modelo de gestão da produção, enriqueceu a pesquisa de campo pois possibilitou a
caracterização das competências requeridas dos profissionais de logística também em
diferentes estágios de exigência. A adoção por parte dessas empresas de um novo modelo de
organização da produção inspirado no toyotismo, teve como motivação aumentar o poder de
competitividade, aumentar os níveis de lucratividade das operações e atingir o estagio de
qualidade classe mundial.
Optei por realizar a pesquisa especificamente nas áreas ou nos departamentos de
logística industrial das empresas selecionadas, ou seja, no lugar onde os profissionais de
logística efetivamente trabalham. Essa escolha foi motivada pelo fato de que atividade
logística se caracteriza como uma área nova e em desenvolvimento no Brasil, sendo que as
particularidades de suas atividades não são muito conhecidas pelas outras áreas das empresas,
incluindo a área de recursos humanos.
A lógica de escolha dos sujeitos se baseou na identificação de profissionais que
tivessem a capacidade de caracterizar as competências dos trabalhadores da área de logística.
Optei pela escolha dos deres dos departamentos de logística das empresas escolhidas, por
terem eles experiência numa ampla gama de situações profissionais: na escolha de candidatos
para a admissão; nas situações profissionais reais de gestão do fluxo produtivo; na situação de
identificação de oportunidades de desenvolvimento profissional; e na eventual situação de
demissão de alguns desses profissionais.
Dessa forma foram escolhidos como sujeitos dessa pesquisa cinco gestores e líderes
de equipes de profissionais de logística dessas empresas, sendo dois do segmento de
fabricação de motores de automóveis, um do segmento de comerciais leves e caminhões e
dois da fabricação de máquinas de construção rodoviárias. Dos cinco sujeitos da pesquisa,
um ocupava o nível hierárquico de liderança como diretor, dois como gerentes e dois como
supervisores.
INTRODUÇÃO
__________________________________________________________________________________________
20
Optei por um enfoque qualitativo nesta pesquisa e minha opção decorreu do perfil
do objeto e dos sujeitos a serem investigados. Enquanto as pesquisas quantitativas extraem
dados de um grande número de casos sobre um pequeno número de variáveis, as pesquisas
qualitativas obtêm dados de um pequeno número de casos sobre um número maior de
variáveis. Na pesquisa qualitativa enfatiza-se a compreensão da singularidade e a
contextualidade de fatos e eventos, no entanto, Stake (1983) esclarece que esta não é uma
distinção fundamental. Godoy (1995) ressalta a diversidade existente entre os trabalhos
qualitativos e enumera um conjunto de características essenciais capazes de identificar uma
pesquisa desse tipo. Entre essas características, a principal refere-se ao ambiente natural como
fonte direta de dados.
IV.2. Sujeitos da pesquisa
Os entrevistados são todos do sexo masculino, com idades entre 35 e 50 anos, com
formação superior, dois em engenharia e três em administração, sendo três deles com pós-
graduação lato-sensu. Um deles tem atividade regular de docência em instituição de ensino
superior e dois deles tiveram participações eventuais como palestrantes e docentes
convidados em cursos superiores e de pós-graduação lato-sensu.
Os entrevistados são funcionários contratados mais de 10 anos no grupo
empresarial, tendo experimentado outras atividades antes de ocuparem as atividades que
desempenham atualmente. Dos cinco gestores, apenas um tem menos de 4 anos na atividade.
Todos eles foram capacitados internamente em suas próprias empresas para a
implantação do novo modelo de gestão da manufatura enxuta, se encontrando em diferentes
estágios de formação. As empresas igualmente encontram-se em diferentes níveis de
desenvolvimento da nova estratégia e os modelos de gestão da logística adotados têm também
características e estágios distintos de desenvolvimento.
Utilizarei como identificação dos sujeitos a seguinte codificação:
G1E1 – Gestor 1 da empresa do segmento de máquinas de construção civil pesada;
G2E1 – Gestor 2 da empresa do segmento de máquinas de construção civil pesada
INTRODUÇÃO
__________________________________________________________________________________________
21
G1E2 Gestor 1 da empresa do segmento de comerciais leves e caminhões leves e
pesados
G1E3 – Gestor 1 da empresa do segmento de motores e transmissões de automóveis
G2E3 – Gestor 2 da empresa do segmento de motores e transmissões de automóveis
IV.3. Coleta e análise de dados
Como técnica de coleta de dados, foi adotado um roteiro semi-estruturado de
entrevista.
A entrevista é uma técnica de abordagem que focaliza o comportamento verbal e
caracteriza-se por um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma obtenha informações a
respeito de determinado assunto, mediante uma conversação. Por sua natureza interativa, a
entrevista permite tratar de temas complexos que dificilmente poderiam ser investigados
adequadamente através de questionários, explorando-os em profundidade (MARCONI;
LAKATOS, 2007).
A opção por um roteiro semi-estruturado tem amparo em duas justificativas:
garantir com que as questões centrais sejam alvo de todos os diálogos e propiciar a inclusão
de questões específicas decorrentes das particularidades das experiências dos sujeitos.
O roteiro de entrevista, anexado ao final, foi organizado em três tópicos nucleares:
Caracterização da mudança no modelo de organização da produção em
convergência com a produção enxuta;
Caracterização da gestão da logística em cada empresa sob o novo modelo;
Competências requeridas dos profissionais de logística de cada empresa
As entrevistas, gravadas por mecanismo digital com o consentimento dos
entrevistados, tiveram a duração entre uma hora e trinta minutos e duas horas e trinta minutos
e foram realizadas na própria empresa, durante a jornada de trabalho dos mesmos. Uma das
entrevistas teve dois momentos de realização em razão da disponibilidade do entrevistado e as
demais foram realizadas em um único encontro.
As gravações foram transcritas literalmente, resultando em textos impressos, que se
constituíram na matéria-prima do capítulo III.
INTRODUÇÃO
__________________________________________________________________________________________
22
No exame do material coletado por meio das entrevistas procedeu-se nos termos de
uma análise categorial. A análise categorial é um processo de classificação das respostas
significativas em categorias estabelecidas tanto de modo exógeno quanto de modo endógeno.
As categorias exógenas foram elaboradas a partir da literatura mobilizada no
referencial teórico e as categorias endógenas estabelecidas a partir das próprias entrevistas.
VESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
A dissertação está organizada em três capítulos principais além da introdução e das
considerações finais.
O capítulo 1 tem caráter ao mesmo tempo histórico e teórico. Nele é feita uma
caracterização das metamorfoses vividas pela indústria desde o período de produção artesanal
passando pelo paradigma da produção em escala e pela tecnologia de produção enxuta e da
empresa flexível. A manifestação da racionalização capitalista também se modifica ao longo
do percurso das mudanças de paradigma colocando novos desafios à gestão e operação das
empresas. A meta é caracterizar as peculiaridades e as estratégias de produção adotadas em
cada um dos paradigmas em suas respectivas épocas para obter a racionalização capitalista.
O capítulo 2 tem também uma base conceitual. Entre seus objetivos busca
caracterizar a complexificação das operações ao longo das transformações na organização da
produção das empresas orientadas pela demanda, num mercado altamente competitivo e
também promover uma discussão sobre as competências, saberes e conhecimentos requeridos
das profissões complexas. O objetivo final é o estabelecimento de um conjunto de referências
que permitam um delineamento das idéias de competências do profissional de logística que
atua em ambientes empresariais complexos.
O capítulo 3 é ao mesmo tempo empírico e analítico. Nele serão apresentados e
analisados os resultado da pesquisa de campo. A idéia de um capítulo empírico e analítico é
decorrente de uma preocupação em não dicotomizar a base teórica da base empírica. Assim,
pretende-se apresentar resultados e, simultaneamente relacioná-los à teoria sistematizada nos
capítulos 1 e 2.
CAPÍTULO I
__________________________________________________________________________________________
23
1. O AUTOMÓVEL E OS PARADIGMAS DA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA
PREÂMBULO
Este capítulo tem como tema o automóvel - primeiro, principal e mais complexo
bem de consumo durável produzido pela indústria capitalista - sua relevância no contexto da
sociedade moderna e seus impactos na vida das pessoas. Sobre o papel do automóvel em
nossa civilização, Urry
1
(2000 apud OKUBARO, 2000, p.17), afirma que “não dirigir e não
ter um automóvel é deixar de participar plenamente da sociedade ocidental”.
Também se insere no tema deste capítulo, a indústria automotiva que se consolidou
em torno da fabricação do automóvel, se constituindo num ícone do capitalismo. Com o
apoio de Womack, Jones e Roos (1992) é possível pensar que a indústria automobilística foi e
ainda é o carro-chefe da indústria moderna. Carro-chefe no sentido de referência para o modus
operandi dos demais ramos industriais. Drucker
2
(1946 apud WOMACK; JONES; ROOS,
1992, p.1) denominou-a de a indústria das indústrias”. Por isso, os estudos sobre a indústria
automobilística têm uma certa relação com aquilo que acontece de modo mais amplo na
economia industrial.
O automóvel e a indústria automotiva se constituíram no ponto de partida dessa
dissertação, e isso teve como motivação o caráter paradigmático dessa indústria que no
fordismo forjou a produção em escala e o consumo em massa, e no toyotismo a produção
enxuta e flexível. É importante ressaltar que em ambas as situações, tanto o fordismo como o
toyotismo influenciaram e nortearam, em suas respectivas épocas, o modus operandi de
empresas de diversos segmentos produtivos, das instituições públicas e privadas e o
comportamento dos indivíduos de uma maneira geral em todo o mundo.
Compreender essa metamorfose da indústria automotiva através do tempo,
promovida pela busca incessante do racionalismo produtivo como forma de maximizar a
acumulação capitalista - incorporando novas técnicas e métodos de produção e gestão - é
relevante para a investigação sobre o trabalho do profissional de logística inserido em
1
URRY, John. Valor econômico, 2,3, 4-6-2000.
2
DRUCKER, Peter. The Concept of the Corporation, John Day, Nova York, 1946.
CAPÍTULO I
__________________________________________________________________________________________
24
empresas enxutas e flexíveis, e das competências requeridas desse trabalhador por essas
empresas.
Esse capítulo foi estruturado em três tópicos:
O automóvel no mundo contemporâneo;
Fordismo: os primeiros 50 anos da indústria automotiva - produção em escala e
consumo em massa;
Toyotismo: os últimos 50 anos da indústria automotiva - produção enxuta e
flexível e consumo diversificado;
Diversas fontes de referência foram consultadas, iniciando por obras publicadas
relativas ao significado do automóvel na sociedade urbana, como “Reestruturação Urbana:
tendências e desafios” (VALLADARES; PRETECEILLE, 1990), “Apocalipse Motorizado: A
tirania do automóvel em um planeta poluído” (LUDD, 2004) e “O automóvel um
condenado?” (OKUBARO, 2000).
Sobre os paradigmas da indústria automotiva, as obras “A máquina que Mudou o
Mundo” (WOMACK; JONES; ROOS, 1992) baseada no estudo do MIT sobre o futuro do
automóvel, “Pensar pelo Avesso O Modelo Japonês de Trabalho e organização” (CORIAT,
1994), “O trabalho em migalhas” (FRIEDMANN, 1983) e “Sobre o ‘modelo’ japonês”
(HIRATA, 1993) foram consultados.
Para recuperar informações estatísticas sobre a indústria automotiva nacional e
mundial, foram consultados os sites da Associação Nacional dos Fabricantes da Indústria
Automotiva (ANFAVEA) e da Organização Mundial da Indústria Automobilística (OICA).
1.1. O AUTOMÓVEL NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Em sua edição de abril de 2007, a revista brasileira Carta Capital publicou o artigo
intitulado “O Totem do Capital” do jornalista Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa. Nesse
artigo o autor diz que: “Em sua primeira visita a terra, um extraterrestre pouco sofisticado
poderia julgar que o automóvel é a espécie dominante do planeta, e que os humanos são seus
escravos, sem fazer muita distinção entre culturas.” (COSTA, 2007, p. 13).
CAPÍTULO I
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25
Segundo Okubaro (2001), desde que Gottlieb Daimeler e Karl Benz produziram o
primeiro automóvel em 1885, com crescimento vertiginoso da produção mundial, as previsões
indicavam que haveria mais de 800 milhões de veículos no mundo no ano de 2003. Suas
previsões foram superadas pode ser visto na tabela 1.
Tabela 1
Frota mundial de veículos automotores de 1997 a 2006
Anos Frota (em mil)
1997 695.909
1998 697.793
1999 715.858
2000 748.712
2001 775.392
2002 808.218
2003 837.184
2004 849.730
2005 888.925
2006 953.927
Fonte: ANFAVEA Anuário da Indústria
Automobilística Brasileira - 2008
No dia 5 de março de 2008, o portal de notícias das Organizações Globo divulgou
que no ano de 2007, de acordo com os dados da OICA, a frota mundial de veículos
automotores atingira a marca espetacular de um bilhão de unidades (G1, 2009).
No período de 1997 a 2007, conforme os dados da tabela 1, a taxa de crescimento
da frota mundial de veículos automotores foi de 3,7% ao ano em média, sendo que nos
primeiros cinco anos, de 1997 a 2002 a média foi de 3,0%, e de 2002 a 2007 a média foi de
4,4% ao ano. Se verificarmos o crescimento de 2007 em relação a 2006 verificamos que essa
taxa é ainda maior ou seja de quase 5% ao ano. Percebe-se portanto que a taxa de crescimento
da frota de veículos automotores está em plena ascensão.
CAPÍTULO I
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26
Em 2007 as estatísticas revelaram que a população mundial superou os 6,6 bilhões
de habitantes, o que significa estabelecer uma relação de aproximadamente 150 veículos por
mil habitantes. Em 1927, no apogeu do fordismo, a relação era de aproximadamente 15
veículos por mil habitantes. Ou seja, passados 80 anos essa relação se multiplicou por cerca
de 10 vezes.
Segundo a ANFAVEA, em 2006, a relação nos Estados Unidos da América
(EEUU) foi superior a 800 veículos por mil habitantes, e na Europa, em alguns países como a
Itália, França Alemanha, Espanha e Reino Unido, ela é superior a 600 veículos por mil
habitantes, assim como na Austrália e Canadá. São os países pobres e os emergentes que
puxam a estatística para baixo, sendo que o Brasil apresenta uma relação de menos de 130
veículos por mil habitantes.
Como a população mundial cresce nos últimos anos a uma taxa de pouco mais de
1,2% ao ano, em declínio, e a frota mundial de veículos cresce a uma taxa superior a 4,4% em
ascensão, poderíamos inferir que daqui a aproximadamente de 40 anos, ou seja, antes do ano
de 2050, a frota de veículos superará a população humana no planeta, se nada ocorrer em
contrário. De fato, não estamos muito distantes da ocorrência do fato de que os veículos
automotores serão a espécie dominante do planeta conforme escrito por Costa (2007) em seu
artigo à revista Carta Capital, o que demonstra a dimensão da expansão dessa impactante
invenção do final do século XIX:
[...] o carro não era meramente o primeiro da fila de bens de consumo
duráveis a serem produzidos por métodos de produção fordista, ele foi
também o principal. Após a casa, o carro transformou-se na maior aquisição
de um consumidor comum, sendo equivalente a vários meses de salários
(LUDD, 2004, p. 91).
Okubaro (2000, p. 9) pergunta: “o que de mais importante surgiu na vida
econômica do século XX?” Ele próprio responde que nada ainda supera a importância do
automóvel, que revolucionou a vida moderna, influenciando a forma de vida nos ambientes
urbanos e a organização das cidades, promovendo a integração de regiões e países, antes
isolados, pela construção de ruas e estradas. Permitiu também um grau de mobilidade de
pessoas e bens - mobilidade essa inexistente antes de sua invenção - provendo a criação dos
serviços e sistemas de transporte que hoje fazem parte da vida das pessoas.
CAPÍTULO I
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27
Em sua trajetória, o automóvel esteve lado a lado com o crescimento das
comunicações e das telecomunicações, convivendo com a expansão do rádio, da telefonia, da
televisão, da internet. Apesar do grande avanço das telecomunicações e da internet, que tende
a reduzir as necessidades de deslocamento, a participação do automóvel ainda continuará a
crescer, conforme Ludd (2004).
O automóvel, símbolo da identidade democrática moderna, representa uma
promessa de liberdade física e de mobilidade.
Para o indivíduo, a posse do carro oferece um salto para a liberdade e a
oportunidade. A liberdade para ir aonde e quando quiser. Uma liberdade
impensável para as pessoas das primeiras gerações da classe trabalhadora.
Certamente para o homem, aprender a dirigir é a principal ruptura com as
restrições sufocantes da família e o primeiro passo para chegar a idade adulta
(LUDD, 2004, p. 93).
Por outro lado, várias publicações e estudos científicos vêm sendo produzidos sobre o
automóvel rotulando-o como vilão ou até mesmo como o réu, pelos prejuízos e crimes que a
ele são creditados.
O automóvel impõe custos à sociedade como um todo e não apenas aos seus usuários,
como os custos de infra-estrutura, os problemas ambientais, o impacto sobre o espaço urbano,
os acidentes e os congestionamentos. Esses custos poderiam ser quantificados pela
contabilização dos danos que ele causa ao meio ambiente, os gastos médicos e absenteísmo
relativos aos acidentes de trânsito, a carga tributária imposta aos contribuintes destinada à
construção e à manutenção de vias de circulação e os prejuízos atribuídos aos
congestionamentos, dentre outros (OKUBARO, 2001).
Além disso, o número de empregos gerados pela indústria automotiva vem diminuindo
ininterruptamente desde 1989. O número de veículos produzidos por ano por trabalhador no
Brasil, saltou de 3,2 em 1958 para 25,4 em 2008, conforme tabela 2.
Essa paradoxal invenção do final do século XIX, o veículo automotor, se
transformou no ícone da economia capitalista no mundo oriental e ocidental, mobilizando
inúmeras outras indústrias em torno de si, em diversos setores como o aço, plástico, borracha,
vidro, tecido, madeira, e também atividades de apoio como as empreiteiras, a publicidade e o
setor financeiro (LUDD, 2004). Atualmente, com os avanços da tecnologia, a indústria
automotiva incorpora também novos materiais como os chips eletrônicos.
CAPÍTULO I
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28
Conforme Ludd (2004) a economia capitalista moderna se tornou a tal ponto
dependente da produção dos veículos automotores que a sua própria produção se transformou
em indicador econômico importante por seu próprio mérito.
Em 1998, nos países industrializados, a indústria automobilística respondia por uma
fatia de 10 a 20% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que na Alemanha a indústria
automobilística fora o maior setor exportador, gerando um quarto de todos os impostos
recolhidos no país, e ainda respondendo por um quinto de tudo que o setor industrial investiu
(OKUBARO, 2000).
A OICA publicou em seu tio eletrônico que em 2005 a indústria automotiva
mundial produziu 66 milhões de automóveis, camionetas, caminhões e ônibus, equivalendo a
um volume financeiro de 1,9 trilhões de euros, e que se o setor fosse um país, corresponderia
a sexta maior economia do mundo. A indústria automotiva é o motor do crescimento
econômico mundial, sendo que em uma década (de 1995 a 2005) cresceu a uma taxa de
superior a 30%, gerando mais de 50 milhões de empregos diretos e indiretos.
Sobre esse aspecto, o da empregabilidade, o número de empregos gerados por essa
indústria está em declínio, com uma queda ininterrupta desde 1989. Isso se explica pela
adoção por parte das empresas, de novos métodos e técnicas que reduzem a incidência da
mão-de-obra, produzindo-se a cada ano muito mais veículos com muito menos trabalhadores.
Segundo Okubaro (2000), a produtividade nos anos de 1990 saltou de cerca de oito
unidades produzidas por trabalhador para dezenove, mais que o dobro. Esse salto é resultado
dos novos processos de racionalização produtiva adotados.
No Brasil, a produção de veículos automotores iniciou-se em 1957, com a produção
de 30.542 unidades, empregando 9.773 pessoas. A tabela a seguir, elaborada por mim a partir
de informações da ANFAVEA, mostra a evolução da produção, emprego e produtividade no
Brasil ao longo das cinco décadas de história.
CAPÍTULO I
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29
Tabela 2
Produção, emprego e produtividade da indústria automotiva brasileira
ANO
PRODUÇÃO
(unidades)
EMPREGO
(pessoas)
PRODUTIVIDADE
(Veículos/empregado)
1958 60.983 19.248 3,2
1968 279.715 62.953 4,4
1978 1.064.014 142.653 7,5
1988 1.068.756 138.646 7,7
1998 1.586.291 93.135 17,0
2008 3.215.976 126.777 25,4
Fonte: ANFAVEA - Anuário da Indústria Automobilística Brasileira - 2008.
O bloco de países emergentes formado pelo Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC)
atualmente responde por mais de 40% da produção mundial de veículos, sendo que em 2013
ou 2014 deverá ser também o mais importante mercado consumidor do mundo (G1, 2009).
Se nas suas contradições, o veículo automotor será considerado culpado ou inocente,
para este estudo sua importância é incontestável. Ao longo de mais de um século, a indústria
automotiva vem experimentando transformações na organização do processo produtivo e por
conseqüência no trabalho dos assalariados, influenciando diversas empresas tanto do setor
primário, quanto do secundário e terciário no mundo inteiro. Por isso se constitui o lócus de
nossa pesquisa sobre as competências do profissional de logística.
Em tantas dimensões a complexidade do produto [veículo automotor] em
termos de design e fabricação, a quantidade de atributos importantes para o
consumidor, a variedade do processo tecnológico, a dimensão da rede de
fornecedores, o grau de globalização, a intensidade do envolvimento
governamental, a variedade das relações trabalhistas e o impacto na
paisagem da vida humana a indústria automobilística apresenta uma gama
de desafios gerenciais cuja complexidade torna pequenos os da maioria das
outras indústrias (U. S. Department of Commerce, 1996, apud OKUBARO,
2001, p. 23)
3
.
3
U.S. Department of Commerce. Meeting the Chalenge: U.S. Industry Faces the 21 st Century The U.S.
Automobile Manufacturing Industry. Washington, 1996, p. 84
CAPÍTULO I
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30
A história da fabricação do automóvel tem dois grandes marcos - a primeira e a
segunda guerra mundial - que podem ser consideradas os divisores do surgimento dos três
paradigmas de fabricação: a produção artesanal no período anterior a primeira grande guerra,
que foi liderado pelas empresas européias, o fordismo no período entre as duas grandes
guerras, que foi liderado pelas empresas dos EEUU, e o toyotismo, no período posterior a
segunda grande guerra, liderado pelas empresas japonesas.
1.2 – FORDISMO: OS PRIMEIROS 50 ANOS DA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA –
PRODUÇÃO EM ESCALA E CONSUMO EM MASSA.
As empresas fabricantes ou montadoras de automóveis, nos primórdios da indústria
automotiva, eram tipicamente oficinas artesanais que produziam os bens sob encomenda, com
base no trabalho de artesãos habilidosos, atendendo a encomendas individuais, com projetos
específicos e baixos volumes de produção.
no final do século XIX, algumas oficinas de máquinas e ferramentas na Europa
se dedicavam a montagem de carros, no sistema artesanal, sendo a Panhard e Levassor (P &
L), da Inglaterra, a principal delas.
Os dois fundadores da companhia Panhard e Levassor, e seus assistentes
mais imediatos, eram responsáveis pelos contatos com os consumidores,
para determinar as especificações exatas dos veículos, encomendando as
peças necessárias e montando o produto final (WOMACK; JONES; ROOS,
1992, p. 10).
Não havia qualquer padronização entre veículos produzidos, pelo contrário,
procurava-se ajustar cada produto ao exato desejo do comprador, o que fazia sentido, que
os consumidores de automóveis nessa época eram abastados, e suas principais preocupações
eram com a personalização de cada automóvel e também com a velocidade. Com relação à
velocidade, em 1896, na Inglaterra, foi realizada uma corrida de automóveis em que alguns
poucos carros ultrapassaram a velocidade máxima permitida, de dezenove quilômetros por
hora, que era o novo limite recém estabelecido pelo parlamento inglês (WOMACK; JONES;
ROOS, 1992).
CAPÍTULO I
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31
A técnica de fabricação das peças da época não possibilitava muitas especificações
e os diferentes fornecedores as entregavam às oficinas com variações nas medições, o que
exigia mão-de-obra especializada para que essas peças pudessem ser montadas ajustando-se
umas às outras. Uma das características da produção artesanal era:
Uma força de trabalho altamente qualificada em projeto, operação de
máquinas, ajuste e acabamento. Muitos trabalhadores progrediam através de
um aprendizado abrangendo todo um conjunto de habilidades artesanais.
Muitos podiam esperar administrarem suas próprias oficinas, tornando-se
empreendedores autônomos trabalhando para firmas de montagem
(WOMACK; JONES; ROOS, 1992, p. 12).
Os volumes de produção eram muito baixos, inferiores a mil unidades anuais,
sendo que os lotes de fabricação de cada modelo ou projeto eram inferiores a 50 unidades
(WOMACK; JONES; ROOS, 1992). Como referência, a unidade fabril da Fiat Automóveis
em Betim, Minas Gerais, produziu no mês de outubro de 2009 essa quantidade (de mil
veículos) em apenas um turno de produção de oito horas de trabalho, ou seja, a produção
anual de veículos dessa montadora é mais de seiscentas vezes superior àquela referida pelos
autores.
4
Os tempos e consequentemente os custos de produção de veículos no processo
artesanal eram altos, e não decaíam com o volume produzido, o que impedia que o automóvel
pudesse ser consumido em maior escala pelos cidadãos das classes sociais menos abastadas.
Após cerca de vinte anos da produção do primeiro veículo comercialmente viável
pela P&L, segundo Womack, Jones e Roos (1992, p. 12) “já haviam centenas de companhias
na Europa e América do Norte fabricando automóveis em pequenos volumes usando as
técnicas artesanais”. A produção artesanal tinha como outra característica
Organizações extremamente descentralizadas, ainda que concentradas numa
cidade. A maioria das peças e grande parte do projeto do automóvel
provinham de pequenas oficinas. O sistema era coordenado por um
proprietário/empresário, em contato direto com todos os envolvidos:
consumidores, empregados e fornecedores (WOMACK; JONES; ROOS,
1992, p. 12).
4
Informação baseada nas estatísticas de produção de veículos por fabricantes da ANFAVEA. No mês de outubro
de 2009 a Fiat Automóveis (Betim-Mg) produziu 72.765 veículos.
CAPÍTULO I
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Além dos altos custos de produção, a confiabilidade e a durabilidade dos veículos
eram também outros problemas que o processo artesanal de produção enfrentava, e que
seriam atacados pelo novo paradigma fordista que se implantaria a partir de 1914, e se
consolidaria após a primeira Guerra Mundial.
Ford desenvolveu diversas técnicas de produção que por um lado promoveriam
significativas melhorias na qualidade do produto e na produtividade e, e consequente
diminuição de custos, com reduzida necessidade de investimento.
Os números da produtividade comparada entre os dois sistemas estão representados
na tabela 3.
Tabela 3
Produção Artesanal versus Produção em Massa (sic) na Área de Montagem: 1913 versus 1914
Tempo de Montagem (em minutos)
Produção Artesanal
Tardia Outono
1913
Produção em Massa
Primavera
1914
Percentual da
Redução do Esforço
Motor
594 226 62
Gerador
20 5 75
Eixo
150 26,5 83
Componentes principais
em um Veículo Completo
750 93 88
Fonte: WOMACK; JONES; ROOS (1992, p. 17)
Muitas organizações como a P&L não sobreviveram à nova concorrência
estabelecida entre as empresas que adotaram o novo sistema de produção em grande escala,
como a Ford e a General Motors (GM),
[...] no entanto, algumas firmas de produção artesanal sobrevivem até hoje.
Elas continuam voltadas para pequenos nichos, na extremidade superior,
mais sofisticada, do mercado, composta de consumidores ávidos por uma
imagem personalizada e a possibilidade de lidarem diretamente com a
fábrica na encomenda de seus veículos (WOMACK; JONES; ROOS, 1992,
p. 13).
CAPÍTULO I
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33
Algumas empresas da produção artesanal tardia, que sobreviveram à concorrência
como as inglesas Aston Martin (fundada em 1930) e Bentley (fundada em 1919), as italianas
Lancia (fundada em 1906) e Maserati (fundada em 1914) e a francesa Bugatti (fundada em
1909), se juntaram a outras que foram constituídas nas décadas seguintes como a alemã
Porshe (fundada em 1931), e as italianas Ferrari (fundada em 1947) e a Lamborghini (fundada
em 1963), que optaram pela produção em pequena escala de modelos de automóveis
sofisticados e semi-artesanais.
5
Como estratégia de sobrevivência, elas se aliaram a organizações gigantes e
continuaram produzindo artesanalmente seus veículos, como a Bentley, Lamborghini e
Bugatti (do grupo Volkswagen), Ferrari, Maserati, Lancia e Alfa Romeo (do grupo Fiat) e
Aston Martin (do grupo Ford). Outras poucas empresas, como a Porsche, permaneceram
independentes (WOMACK; JONES; ROOS, 1992).
Além disso, também incorporaram “vários dos elementos da produção em massa
(sic), em particular peças consistentemente permutáveis e minuciosa divisão do trabalho.”
(WOMACK; JONES; ROOS, 1992, p. 17).
Tabela 4
Produção de veículos artesanais em 2008
Empresas
Veículos
produzidos
Participação
(%)
Bugatti 82
0,0001
Lamborghini 2.424
0,003
Bentley 7.692
0,01
Maserati 9.292
0,01
Porsche 96.721
0,14
Alfa Romeo 103.097
0,15
Lancia 113.307
0,16
Fonte: OICA
5
As informações sobre as datas de fundação das empresas citadas foram obtidas nos respectivos sítios
eletrônicos.
CAPÍTULO I
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A produção mundial de veículos em 2008 foi de 69.561.356 sendo que o total
produzido por essas empresas, da produção artesanal tardia, representou menos de 0,5% da
produção mundial de veículos no mesmo ano, conforme a tabela 4.
A Aston Martin, por exemplo, produziu menos de 10 mil carros em suas
instalações inglesas nos últimos 65 anos, e atualmente produz um único
automóvel por dia trabalhado. Sobrevive por se manter pequena e exclusiva,
fazendo dos altos preços exigidos por suas técnicas artesanais de produção
uma virtude (WOMACK; JONES; ROOS, 1992, p. 13).
Nas primeiras décadas do século XIX, a indústria de automóveis européia
“permanecia em sua maior parte uma indústria artesanal (sic) de alta habilidade (embora
organizada corporativamente) produzindo carros de luxo para consumidores de elite [...]”
(HARVEY, 1992, p. 124).
Nesse mesmo período se disseminava nos EEUU os princípios da administração
cientifica de F.W. Taylor,
[...] um influente tratado que descrevia como a produtividade do trabalho
podia ser radicalmente aumentada através da decomposição de cada processo
de trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefas de
trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo de
movimento (HARVEY, 1992, p.121).
A obra de Taylor (1986) “Princípios da Administração Científica”, publicada em
1911, dois anos antes de Henry Ford instalar a primeira linha de produção em Dearbon,
Michigan (HARVEY, 1992) é um manifesto sobre o redesenho do processo de trabalho,
visando aumentos de produtividade nunca antes imaginados. Taylor propôs um método de
análise do trabalho que se baseava na decomposição das tarefas em movimentos elementares
onde cada um deles era cuidadosamente estudado e cronometrado, sendo que os movimentos
desnecessários eram eliminados da atividade. Depois de racionalizadas e cronometradas, as
tarefas elementares eram recompostas, e os seus respectivos tempos eram somados até se
obter um tempo médio da atividade como um todo.
Os esforços de Ford na fabricação de automóveis iniciaram-se em 1903, antes
portanto da publicação de Taylor, com a produção do seu primeiro projeto, o Modelo A. Em
1908, às vésperas da introdução do seu vigésimo projeto, o Modelo T, o ciclo de tarefas
médio de um montador era de 514 minutos, onde cada um deles montava grande parte de um
CAPÍTULO I
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35
mesmo carro, antes de prosseguir para o próximo, buscando as peças necessárias, ajustando-as
até que se adaptassem uma às outras e aparafusando-as em seus lugares (WOMACK; JONES;
ROOS, 1992).
Em 1908, Ford obteve o que Womack, Jones e Roos (1992, p. 14) denominariam de
“a chave da produção em massa
6
(sic)”: a intercambialidade entre as peças. Tornando as peças
intercambiáveis entre si, o ajuste entre elas na montagem do automóvel ficaria mais simples,
mais fácil e mais rápido, e por consequência eliminaria a necessidade de ajustadores
qualificados, que poderiam ser substituídos por montadores menos qualificados.
Outras inovações foram concomitantemente adotadas por Ford, como o
desenvolvimento de projetos de automóveis reduzindo o número de peças necessárias, e
também fazendo com que as peças chegassem em cada estação de trabalho, permitindo aos
montadores ficarem no mesmo local o dia todo. Ford também decidira que “cada montador
executaria uma única tarefa, movimentando-se de veículo para veículo através da área de
montagem.” (WOMACK; JONES; ROOS, 1992, p. 15).
Todas essas mudanças introduzidas por Ford na produção de automóveis em 1913,
às vésperas da introdução da linha de montagem móvel, promoveriam a redução do ciclo
médio de tarefa de cada montador de 514 minutos para 2,3 minutos. Isso ocorreu não
porque a completa familiaridade com uma tarefa permitia ao trabalhador executá-la mais
rapidamente, mas também porque todo o ajuste de peças havia sido eliminado com a
introdução do conceito de intercambialidade. Essa radical redução promoveu substanciais
aumentos na produtividade, “provavelmente bem maiores do que a economia introduzida pelo
passo subsequente [...] a introdução, em 1913, da linha de montagem de fluxo contínuo.”
(WOMACK; JONES; ROOS, 1992, p. 16).
Sendo ainda fixa a linha de montagem, a mudança introduzida por Ford, fazendo
com que o montador executasse uma única tarefa movimentando-se de veículo em veículo,
trouxe como conseqüência, frequentes congestionamentos no trânsito dos montadores ao
longo da linha de montagem.
A grande façanha de Ford na primavera de 1913, em sua nova fábrica de
Highland Park, em Detroit, foi a introdução da linha de montagem móvel,
6
“Ford propôs este termo em seu artigo de 1926 para a Encyclopédia Britannica, ‘Mass Production’ [...]”
(WOMACK; JONES; ROOS, 1992, p. 36).
CAPÍTULO I
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36
em que o carro era movimentado em direção ao trabalhador estacionário. Tal
inovação diminuiu o ciclo de trabalho de 2,3 para 1,19 minutos; a diferença
resultava do tempo economizado pelo trabalhador por ficar parado em vez de
caminhar, e pelo ritmo mais acelerado de trabalho, que a linha móvel podia
propiciar (WOMACK; JONES; ROOS, 1992, p. 16).
A teoria de Taylor, que propunha o planejamento, a divisão, a prescrição, e controle
do trabalho dependia da disciplina do trabalhador e de rígida fiscalização da direção da
empresa. Segundo Costa (2007, p. 14), “de um só golpe, a linha de montagem de Ford deu
forma material e objetiva ao controle e o tornou praticamente automático. Em vez de ser
simplesmente apressado pelo contramestre, o operário tinha de correr para acompanhar o
ritmo da esteira [...].”
A saga de Taylor (1986, p. 40) era contra a constatação de que
É tão generalizado o habito de fazer cera com tal finalidade que,
dificilmente, um trabalhador competente, em uma grande empresa, pago por
dia, por tarefa, mediante contrato, ou qualquer outro sistema, não dedique
grande parte de seu tempo a estudar a maneira de fazer mais devagar o
trabalho e convencer o patrão de que é bom o seu rendimento.
Sendo assim, a linha de produção de Ford, por si só, obrigou o trabalhador a realizar seu
trabalho no ritmo que a direção da empresa determinasse, eliminando a porosidade no
trabalho, e consequentemente aumentando a produtividade. Conforme previra Taylor (1986,
p. 35), “afastando esse hábito de fazer cera em todas as suas formas [...], advirá, em média,
aumento de cerca do dobro da produção de cada homem e de cada máquina.”
Harvey (1992, p.121) constata que:
A data inicial simbólica do fordismo deve por certo ser 1914, quando Henry
Ford introduziu seu dia de oito horas e cinco dólares com recompensa para
os trabalhadores da linha automática de montagem de carros que se
estabelecera no ano anterior em Dearbon, Michigan.
O conceito de fordismo aqui utilizado tem o significado que designa um princípio
geral de organização da produção e de métodos de trabalho. Ferreira et al. (1991, p.5)
destacam como princípios constitutivos do fordismo,
CAPÍTULO I
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37
a) racionalização taylorista do trabalho: profunda divisão tanto horizontal
(parcelamento das tarefas) quanto vertical (separação entre concepção e
execução) e especialização do trabalho; b) desenvolvimento da
mecanização através de equipamentos altamente especializados; c) produção
em massa (sic) de bens padronizados; d) a norma fordista de salários:
salários relativamente elevados e crescentes incorporando ganhos de
produtividade para compensar o tipo de processo de trabalho
predominante.
No entanto, apesar do fordismo e taylorismo se fundirem nessa concepção anterior,
havia algo mais no pensamento de Ford que o distinguiria do taylorismo, que “era a sua visão,
seu reconhecimento explícito de que produção em massa (sic) significava consumo em massa,
um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista” (HARVEY,
1992, p. 121).
Para viabilizar esse consumo em massa e atingir outra camada, o consumidor
médio, Ford projetou e fabricou carros com grande facilidade de operação e manutenção.
Desse modo, os compradores podiam dirigir e realizar os reparos nos próprios automóveis
apenas consultando o manual do usuário e usando ferramentas simples. Isso não ocorria com
os automóveis produzidos pelas oficinas artesanais européias, cujos compradores, clientes
abastados, contratavam motoristas e mecânicos particulares para dirigirem e fazerem os
reparos. Também com o mesmo propósito de ampliar a fatia de compradores, Ford conseguiu
reduções expressivas (de mais de dois terços) no custo final do produto ao consumidor.
Toda essa estratégia possibilitou, no início da década de 1920, atingir o pico de
produção de 2 milhões de veículos iguais (WOMACK; JONES; ROOS, 1992).
Nesse sentido, na formulação do conceito de fordismo um segundo significado
posto de forma mais global, que “designa o modo de desenvolvimento [...] que marca uma
determinada fase de desenvolvimento do capitalismo em países do centro: os anos de
prosperidade sem precedentes (a era de ouro) do sistema no pós-guerra.” (FERREIRA et al.,
1991, p. 4).
O dia de oito horas e cinco dólares implantado por Ford em 1914 tinha dois
propósitos. O primeiro era o de obrigar o trabalhador a adquirir a disciplina necessária à
operação da linha de montagem de alta produtividade e o segundo consistia em dar aos
trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os produtos
fabricados em escala, que as corporações estavam por produzir. Ford acreditava que o novo
CAPÍTULO I
__________________________________________________________________________________________
38
tipo de sociedade poderia ser construído simplesmente com a aplicação adequada ao poder
corporativo (HARVEY, 1992).
Esse novo modus operandi do mercado, fundado em uma nova relação com o
Estado ou esse estilo de vida fundado na massificação do trabalho e do consumo, foi
compatível com um novo tipo de indústria, que inovou ao buscar essa racionalização
econômica através da produção em escala e do consumo em massa, ampliando os princípios
de racionalização produtiva da teoria da administração científica de Taylor.
O apogeu da produção em escala foi o ano de 1955, em que a venda de automóveis
nos EEUU superara a marca de sete milhões de unidades, representando a maior parte das
vendas de automóveis em todo o mundo. As três grandes empresas estadunidenses, Ford, GM
e Chrysler sozinhas responderam por 95% dessa venda, e apenas seis modelos produzidos por
elas representavam 80% do total (WOMACK; JONES; ROOS, 1992).
A tendência de esgotamento do fordismo decorre da sua própria eficácia, pois com
o avanço das forças produtivas, a oferta de mercadorias cresceu e superou a demanda
solvente. Isso fez emergir uma nova concorrência, muito mais intensa, que foi o toyotismo.
Pelo gráfico 1, a seguir, podemos constatar o declínio da produção em escala e a
ascensão da produção enxuta e flexível.
CAPÍTULO I
__________________________________________________________________________________________
39
Gráfico 1
Produção mundial de veículos automotores por região
Fonte: Womack, Jones e Roos (1992, p. 32)
Legenda: RM = Resto do mundo, inclusive União Soviética, Leste Europeu e China
NIR = Nações de industrialização recente, principalmente Coréia, Brasil e México
J = Japão
E = Europa Ocidental, inclusive Escandinávia
AN = América do Norte: Estados Unidos e Canadá
1.3 – TOYOTISMO: OS ÚLTIMOS 50 ANOS DA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA –
PRODUÇÃO ENXUTA E FLEXÍVEL E CONSUMO DIVERSIFICADO
Enquanto nas primeiras décadas do século XX a produção de automóveis nos
EEUU se ampliava com as novas técnicas de produção da Ford Motor Company, no Japão as
iniciativas para se produzir automóveis ainda eram incipientes. O marco foi a viagem de
Kiichiro Toyoda, tio de Eiji Toyoda (fundador da Toyota) em 1929 aos EEUU para licenciar a
tecnologia de teares automáticos produzidos por sua empresa, a Toyota Motor Company. Ele
ficou impressionado com a quantidade de veículos que transitavam nas ruas das cidades dos
EEUU, fato que o motivou a investir em equipamentos para a fabricação de motores de
automóveis e na instalação de uma oficina que foi montada na sua fábrica de teares. No Japão,
em 1935, a equipe de Kiichiro Toyoda, criou um protótipo de um carro de passageiros, o
modelo A1 (MAGEE, 2008).
CAPÍTULO I
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40
A fundação da Toyota Motor Company ocorreu no ano de 1937, estimulada pelo
governo japonês, se especializando inicialmente na fabricação de caminhões militares. Não
muitos foram os veículos produzidos pela empresa quando alguns poucos anos depois houve o
início da segunda guerra mundial, interrompendo as iniciativas de produção. Após a guerra
havia, por parte da família Toyoda, o firme propósito de ingressar na fabricação em larga
escala de carros e caminhões comerciais (WOMACK; JONES; ROOS, 1992).
No entanto, existiam muitos obstáculos a serem transpostos pela incipiente
indústria automotiva japonesa. O país, devastado pela guerra, com uma economia precarizada,
escassez de matérias-primas, leis trabalhistas que dificultavam a demissão e fortaleciam os
trabalhadores nos acordos com patrões, um mercado interno (do Japão) cobiçado pelas
empresas estrangeiras e um mercado externo (EEUU e Europa) bem protegido e preparado
contra a concorrência dos produtos japoneses. A proteção de seus mercados (EEUU e Europa)
teve como resposta do governo japonês a proibição de investimentos externos diretos nas
indústrias nacionais e a imposição de elevadas tarifas alfandegárias à importação, protegendo
o nascimento e desenvolvimento da indústria automotiva japonesa (WOMACK; JONES;
ROOS, 1992).
Além dessa iniciativa protecionista, o governo japonês por intermédio do
Ministério do Comércio Exterior e Indústria (MITI) acreditando serem a escala de produção
elevada e a especialização de produtos os principais requisitos para tornar a indústria
automotiva do país internacionalmente competitiva, propôs a fusão das doze embrionárias
companhias em apenas duas ou três. Desse modo, o MITI entendia que após a fusão, com a
especialização, haveria redução da competição interna entre as empresas e com a escala de
produção ampliada poderiam concorrer com as Big Three de Detroit
7
. No entanto, a proposta
do MITI fracassou pois a Toyota, a Nissan e outras companhias desafiaram o governo japonês
optando por trilharem outro caminho, o de se tornarem empresas completas com toda uma
diversidade de produtos (WOMACK; JONES; ROOS, 1992).
Taiichi Ohno, principal engenheiro de produção da Toyota, percebeu que nem as
técnicas artesanais (de baixa produtividade e qualidade) nem as técnicas da produção em
escala (custos declinantes para quantidades crescentes produzidas, com variedade restrita de
modelos) seriam a estratégia adequada para os propósitos de sua empresa – produzir pequenas
séries de produtos variados a baixo custo. Seria necessário encontrar outros mecanismos de
7
Assim eram conhecidas as três maiores indústrias automotivas dos EEUU: a Ford, a GM e a Chrysler.
CAPÍTULO I
__________________________________________________________________________________________
41
ganhos de produtividade, ou seja, criar um novo sistema de produção que fosse eficaz nessas
condições especiais (WOMACK; JONES; ROOS, 1992). Esse novo sistema deveria
responder a uma questão principal: “o que fazer para elevar a produtividade quando as
quantidades não aumentam?” (OHNO, 1978 apud CORIAT, 1994, p. 31).
8
Coriat (1994) ressalta que essa não seria uma tarefa muito fácil de ser realizada,
que a fabricação de automóveis em 1940 era solidamente dominada por empresas de grande
porte como a Ford e a GM, quando os fabricantes japoneses inciaram suas atividades.
duas maneiras de aumentar a produtividade. Uma é a de aumentar as
quantidades produzidas, a outra é a de reduzir o pessoal de produção. A
primeira maneira é, evidentemente, a mais popular. Ela é também mais fácil.
A outra, com efeito, implica repensar, em todos os seus detalhes, a
organização do trabalho (OHNO, 1978 apud CORIAT, 1994, p. 33)
.
9
Uma vez que as quantidades produzidas não aumentavam, a resposta à questão
formulada por Ohno não poderia estar no conhecimento e nas técnicas de produção em escala.
A chamada economia de escala promovia redução dos custos unitários quando as quantidades
produzidas aumentavam. Coriat (
1994, p.31)
conclui que
[...] todo o saber-fazer acumulado em torno das economias de escala e da
grande série, que a formidável logística do fordismo, que se tornou
patrimônio comum da indústria no mundo inteiro, que tudo isso não é mais
imediata e diretamente utilizável.
Coriat (1994, p. 32) ressalta que o espírito desse novo sistema de produção era “[...]
buscar origens e naturezas de ganhos de produtividade inéditas, fora dos recursos das
economias de escala e da padronização taylorista e fordista, isso na pequena série e na
produção simultânea de produtos diferenciados e variados.”
As primeiras descobertas de Ohno, que o conduziriam à solução da difícil questão
decorreram de sua experiência na adaptação e aperfeiçoamento do sistema de estampagem
10
8
OHNO,T. Toyota seisan hôshiki.Tokio: Diamond Sha, 1978, p. 27.
9
OHNO,T. Toyota seisan hôshiki.Tokio: Diamond Sha, 1978, p.71.
10
Processo de dar um formato ou conformação à chapa de aço transformado-a em peças tridimensionais, como o
paralama ou o capô dos automóveis. Para tal, as fábricas utilizam máquinas conhecidas como prensas mecânicas.
Para cada modelo de peça a ser conformada, as prensas utilizam moldes específicos tecnicamente conhecidos
CAPÍTULO I
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42
da Toyota. As prensas, equipamentos que podem produzir modelos diferentes de peças por
meio da troca dos estampos, produziam grandes quantidades ou lotes de cada modelo de peça
no sistema de produção em escala. Isso se devia a dois fatores: o primeiro fator se refere à
escala de produção de automóveis que, sendo grande, demandava também a fabricação de
grandes os lotes de cada peça. O segundo fator relaciona-se a pouca diversidade de modelos
de automóveis nesse sistema, o que também implicava em pouca variedade de peças.
Os estampos pesavam várias toneladas, e o procedimento de fazer as suas trocas,
para fabricar modelos diferentes de peças, era uma operação minuciosa que demandava
operadores especializados e consumia uma significativa quantidade de horas, às vezes todo o
dia.
Se o objetivo do sistema de produção da Toyota Motor Company era fabricar uma
série restrita de modelos diversificados, então o problema estava posto: como a estamparia
poderia produzir uma variedade maior de peças em quantidades restritas, se economicamente
os lotes deveriam ser grandes?
Ohno desenvolveu uma técnica, que mais tarde ficou conhecida como troca rápida
de ferramentas. Essa técnica consistia em estudar detalhadamente a operação de troca de
estampos das prensas, como se esta fosse uma operação de fabricação de peças, sujeita
portanto aos métodos de racionalização do trabalho de Taylor, transformando-a em uma
operação mais rápida e mais simples do que a realizada pelo sistema de produção em escala.
Tornando-se mais simples, a operação não mais exigia trabalhadores especializados, o que
significava que os próprios operadores de produção, menos especializados
11
, poderiam
realizá-la e durante o seu tempo ocioso, que quando havia a troca de estampos a prensa não
produzia peças. Tornando-se mais rápida (e bem mais rápida, que Ohno conseguira reduzir
o tempo para trocar moldes de um dia para três minutos), foi possível reduzir a escala mínima
do lote de produção tornando economicamente viável a produção de pequenos lotes de peças
(WOMACK; JONES; ROOS, 1992).
Mas a principal descoberta feita por Ohno fora a de que
[...] o custo por peça prensada era menor na produção de pequenos lotes do
que no processamento de lotes imensos. [...] Produzir lotes pequenos
como estampos, que devem ser permutados quando as prensas terminam a produção de um certo modelo de peça
e preparam-se para produzir outro modelo.
11
Evidencia-se aqui o princípio da desespecialização e polivalência operária que busca a intensificação do
trabalho e que se constitui num dos princípios do toyotismo (CORIAT, 1994).
CAPÍTULO I
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43
eliminava os custos financeiros dos imensos estoques de peças acabadas que
os sistemas de produção em massa (sic) exigiam. E ainda mais importante,
produzir apenas poucas peças antes de montá-las num carro fazia com que os
erros de prensagem aparecessem quase que instantaneamente (WOMACK;
JONES; ROOS, 1992, p. 43).
Dessa experiência de Ohno, não apenas o problema de viabilizar economicamente a
produção de lotes pequenos foi resolvido. Ele descobriu também que a fabricação de
pequenos lotes proporcionava relevantes benefícios adicionais: redução de estoques de peças
em processo e consequentemente redução de capital imobilizado, e exposição dos problemas
de qualidade no processo. Com poucas peças produzidas, os erros de produção tinham que ser
resolvidos mais rapidamente pois não havia a proteção de grandes estoques de peças para
substituir aquelas com defeito.
A redução dos estoques, obtida a partir da redução dos lotes evidenciaria outras
questões igualmente importantes, relatadas por Coriat (1992, p.32):
Atrás do estoque um “excesso de pessoal”, excesso de pessoas
empregadas em relação ao nível da demanda solúvel e efetivamente escoada.
Da mesma forma e se necessariamente o estoque é permanente, atrás do
estoque o excesso de equipamento.
O autor evidencia que novos ganhos de produtividade poderiam advir a partir das mudanças
promovidas por Ohno: reduzindo-se os estoques reduzir-se-iam o excesso de pessoal e
também o excesso de equipamento. Essas descobertas de Ohno sobre a produtividade se
contrapõem a abordagem da produção em escala,
Posteriormente, com a evolução do sistema de produção de Ohno, identificou-se
outro importante benefício advindo dessa prática de se fabricar lotes reduzidos de peças em
contraposição a estratégia de grandes lotes do sistema de produção em escala: o de que a
velocidade do fluxo de peças aumentava. Com o aumento da velocidade do fluxo de produção
a empresa reduzia o tempo total de fabricação dos produtos, podendo prometer a seus clientes
menores prazos de entregas que os dos seus concorrentes. E ainda, que se o tempo total de
fabricação se reduzia, a capacidade de produção da fábrica se ampliava, já que poderia
fabricar mais produtos num mesmo dia de trabalho.
As iniciativas de Ohno em reduzir os lotes de produção de peças para adequar seu
sistema aos objetivos da Toyota, tornavam o fluxo mais enxuto com a redução dos estoques
CAPÍTULO I
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44
intermediários, por outro lado tornariam a operação do sistema de produção muito mais
complexa, conforme constata Wood Jr (1992, p. 14):
O fluxo de componentes era coordenado com base num sistema que ficou
conhecido como just-in-time . Esse sistema, que opera com a redução dos
estoques intermediários, remove, por isso as seguranças, e obriga cada
membro do processo a antecipar os problemas e evitar que ocorram.
Os estoques intermediários no fordismo eram sinônimos de comodidade, segurança
ou mesmo proteção do sistema contra as eventualidades que pudessem causar interrupções no
fluxo de produção. “Dispor de um estoque em todo ponto frágil da produção, previne contra
as panes, os defeitos de qualidade, e permite fazer face a bruscos aumentos das encomendas.”
(CORIAT, 1994, p. 48).
No novo sistema de Ohno esses estoques estavam sendo removidos, ou seja, o
sistema de produção nessas condições ficava exposto às incertezas e portanto se tornava mais
vulnerável o que implicaria em uma coordenação mais complexa.
Antecipar os problemas e evitar que eles ocorram, passava a ser nessas condições
uma questão imperativa para a continuidade do fluxo de produção, agora enxuto, sem as
proteções que os estoques intermediários proporcionavam.
A produção de modelos diversificados em quantidades reduzidas, ou seja, com
flexibilidade em contraposição à rigidez do modelo fordista de produção, cuja essência era a
produção em série de poucos modelos para um consumo em massa, não pode ser caracterizada
como uma continuidade ou evolução do modelo fordista/taylorista. Ao contrário,
evidências de uma descontinuidade, mesmo quando se verifica que a linha de produção de
Ford também está presente no novo sistema de produção da Toyota assim como a descoberta
de Ford sobre a intercambialidade entre as peças.
Ao implantar a produção em pequenos lotes nos processos antecedentes à linha de
produção, Ohno conseguiu os mesmos benefícios obtidos pela linha de produção móvel de
Ford, ou seja, um fluxo contínuo. A linha de produção de Ford racionalizou o fluxo na
montagem final dos automóveis, materializando o controle sobre os operários proposto por
Taylor, pois eles tinham que acompanhar o ritmo da esteira. Assim como a linha de produção
de Ford, operários da Toyota ao trabalharem em um sistema enxuto, sem as seguranças que os
CAPÍTULO I
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45
estoques intermediários proporcionavam, também tinham que acompanhar o ritmo mais veloz
do fluxo de materiais em pequenos lotes.
O que faltava a Ohno em seu sistema de pequenos lotes de produção, e que Ford
havia descoberto na linha de produção - o fluxo automático governado pela propulsão da
esteira - era como conduzir o fluxo de materiais e produtos nos processos antecedentes à linha
de montagem, de forma automática mas sem uso da esteira, que esta não se aplicava nessas
circunstâncias. Ou seja, ele precisava encontrar uma forma de dar ao fluxo de materiais e
produtos a condição de se auto-propulsionar, ou torná-lo automático assim como a esteira da
linha de produção o fez.
Os conhecimentos que as técnicas de produção em escala - fortemente
influenciados pelo paradigma da divisão do trabalho entre concepção e execução,
planejamento e operação - nem tampouco os conhecimentos da produção artesanal eram as
melhores e mais indicadas alternativas a serem usadas nas novas circunstâncias de fluxo de
produção enxuto e célere introduzidos por Ohno. Seria necessário desenvolver uma nova
técnica a partir da qual as máquinas e os operários fizessem os materiais e produtos fluírem
automaticamente nos processos de produção, prescindindo das tradicionais ordens de
produção emitidas pelas equipes de planejamento da empresa, e que não funcionariam bem
nas condições de estoques intermediários muito reduzidos.
Segundo Coriat (1994, p. 37) “os anos 1949 e 1950 se constituem sozinhos um
momento maior da história do sistema, como aliás na história da firma automobilística em seu
conjunto”.
Em 1949, a Toyota se viu a beira da falência vivendo uma séria crise financeira,
originada por uma forte queda da demanda, provocada pela política de austeridade conduzida
pelo governo do Japão no ano anterior e também pelos excessivos desperdícios decorrentes da
ineficiência do método de gestão da produção que utilizava (dekansho
12
). Essa situação levou
a empresa a adotar um enérgico plano de reestruturação imposto por um grupo de bancos
credores. Esse plano obrigava a Toyota a reduzir drasticamente o quadro de funcionários, a
promover uma cisão criando uma empresa independente para a comercialização e distribuição
12
Consistia em produzir nos primeiros vinte dias do mês as peças e os componentes dos automóveis e nos 10
últimos dias montar efetivamente os automóveis. Esse procedimento ocasionava grande desordem no sistema
produtivo da Toyota, gerando a formação de grandes estoques de peças e produtos em processo, o que
sacrificava o caixa da empresa (CORIAT, 1994).
CAPÍTULO I
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46
dos automóveis e a ajustar a produção de veículos às quantidades efetivamente vendidas pela
nova empresa. Essa última exigência dos bancos, viria a se tornar uma importante inspiração
ao novo sistema de produção de Ohno, estendendo essa lógica de puxar a produção a partir
das vendas (CORIAT, 1994).
Em 1950, eclodiu uma greve, em parte associada ao plano de reestruturação,
resultando na demissão de aproximadamente 1.600 empregados e também do próprio
presidente, Hiichiro Toyoda. Pouco depois do término da greve iniciou-se a guerra com a
Coréia, evento que desencadeou um grande afluxo de encomendas de veículos à Toyota, num
momento em que a empresa encontrava-se com capacidade limitada de produção devido às
demissões e também à crise financeira pela qual passava.
A Toyota achou-se na obrigação de realizar um princípio de adaptação de
produção às suas vendas e de submeter-se assim ao primado do comercial
[...] ainda que reduzindo seu pessoal [...]. O que se tornará uma das chaves
do método produzir exatamente as quantidades vendidas e produzi-las no
tempo exatamente necessário (CORIAT, 1994, p. 43).
É nesse ambiente e diante de todos esses problemas que Ohno cria o método
Kanban
13
de programação de materiais “que constitui, em matéria de gestão da produção, a
maior inovação organizacional da segunda metade do século” (CORIAT, 1994, p.56). Esse
método iria solucionar de uma vez o problema de automatizar o fluxo de materiais, e ao
mesmo tempo estava adaptado às circunstâncias restritivas que a Toyota estava submetida,
nessa época, como escassez de recursos financeiros e de mão-de-obra.
O sistema de programação automática de produção desenvolvido por Ohno e que
ficou conhecido como Kanban foi a resposta encontrada para esse problema.
14
Esse sistema inverteu a lógica fordista de programação de fabricação,
tradicionalmente, de montante a jusante na cadeia, para uma nova lógica cujo ponto de partida
era o das vendas de veículos pra trás, ou seja, de jusante a montante na cadeia. Nesse sistema
13
Ideograma japonês que tem o significado de cartão, ou quadro ou registro visível. É um termo largamente
utilizado para nomear o sistema de programação de produção puxada desenvolvido pela Toyota Corporation.
14
O desenvolvimento do sistema kanban teria sido motivado pelo desejo do presidente-fundadador da Toyota
(de produir exatamente o que é necessário, no tempo exatamente necessário) e que foi materializado por Ohno
adaptando à fábrica, um novo princípio de gestão de estoques introduzido nos supermercados dos EEUU. A
lógica desse novo principio era a de que a partir do registro das vendas nos caixas é que se fazia a reposição dos
estoques vendidos. Houve também a influência de um artigo de um jornal profissional publicado em 1954 que
noticiara que a companhia Lokheed, fabricante de aviões, adotara o sistema de supermercado tendo obtido
economia de duzentos e cinqüenta mil dólares por ano (CORIAT, 1994).
CAPÍTULO I
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47
cada posto posterior emite uma instrução de fabricação, uma encomenda da quantidade exata,
ao posto que lhe é imediatamente anterior, instrução essa que está contida em cartões
anexados às próprias embalagens (CORIAT, 1994).
Nessa nova lógica, os próprios operadores de produção, ao circularem os cartões e
embalagens vazias entre os postos de fabricação, estão realizando a programação das
quantidades a serem produzidas na fábrica, automaticamente.
Aqui novamente se evidencia elementos de descontinuidade do modelo
fordista/taylorista mencionados anteriormente. Segundo Coriat (1994, p. 58),
[...] avançamos a tese segundo a qual o kanban consiste num conjunto de
princípios ou de recomendações francamente não ou antitayloristas. [...] São,
ao mesmo tempo, a divisão funcional do trabalho (entre “departamentos” na
empresa) e a divisão do trabalho na oficina que são repensadas e
diferentemente projetadas.
O kanban juntamente com a troca rápida de ferramentas, que viabilizou a redução
de lotes de fabricação, são responsáveis pela constituição de um dos mais relevantes
princípios do toyotismo: a desespecialização. Desespecialização essa, que segundo Coriat
(1994) não se restringiria somente ao trabalho operário, mas se estenderia por toda a empresa,
promovendo a reagregação de tarefas na fábrica em quatro dimensões. A primeira seria a
polivalência e pluriespecialização dos operadores, que devido a racionalização do quadro
pessoal, passariam a ter funções de operação de máquinas diversas. A segunda diz respeito à
reincorporação das tarefas de diagnóstico, reparo e manutenção quotidiana das máquinas às
funções dos operadores diretos. A terceira se refere à reintrodução das tarefas de controle de
qualidade nos próprios postos de fabricação. A quarta dimensão seria a reagregação das
tarefas de programação às tarefas de fabricação, o que na lógica fordista era “efetuada por um
departamento especializado (o de ‘métodos’) confiando tais responsabilidades ao chefe de
equipe” (TOYOTA, 1967 apud CORIAT, 1994, p. 56).
15
Uma quinta dimensão da reagregação de tarefas se manifestaria finalmente, a de
incorporar às tarefas das equipes de produção as iniciativas de melhorar o próprio processo
produtivo. Era reservando um horário periodicamente para sugestões coletivas em
colaboração com os engenheiros industriais, tendo como objetivo o aperfeiçoamento contínuo
15
TOYOTA AUTOMOBILE Co LTD. Toyota jidôsha 30 nenshi (30 anos de história da Toyota), 1967.
CAPÍTULO I
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48
e gradual. Essa prática, que no ocidente ficou conhecida como círculos de controle de
qualidade, veio a se tornar no toyotismo uma de suas importantes técnicas - o kaisen.
16
Muitas vezes o kaisen era adotado para dar solução definitiva aos problemas que
ocorriam no sistema produtivo e que ameaçavam a interrupção do fluxo de materiais e
produtos. Esses problemas, como as panes em máquina ou fabricação de peças com defeito
decorriam de erros nos processos, que no fordismo ficavam escondidos pelos imensos
estoques de materiais, produtos em processo e produtos acabados, e na produção enxuta se
tornaram expostos. Havia mesmo um estímulo para desnudá-los pois estando expostos eles
poderiam ser analisados profundamente pela equipe até se pudesse chegar a causa raiz do
problema. Conhecendo-se a causa raiz do problema, as soluções encontradas impediriam que
no futuro eles ocorressem novamente.
Mas, segundo Womack, Jones e Roos (1992, p. 44)
[...] se os trabalhadores não fossem capazes de antecipar os problemas antes
de ocorrerem e de se tomar iniciativas para solucioná-los, todo o trabalho de
fábrica poderia facilmente chegar a um impasse [...] e rapidamente
conduziriam ao desastre a fábrica de Ohno.
Em 1946, no momento crítico em que se encontrava a Toyota, a demissão dos
1.600 empregados proporcionou aos remanescentes, duas garantias que viriam a se constituir
no ambiente propício à implantação das iniciativas de Ohno: o emprego vitalício e a
progressão salarial por tempo de serviço. Essas garantias estimularam os funcionários a se
tornarem mais permeáveis ao novo sistema, a se tornarem mais flexíveis às novas tarefas
reagregadas e mais comprometidos com os interesses da empresa, introduzindo melhorias em
vez de reagirem aos problemas (WOMACK; JONES; ROOS, 1992).
Nesse ponto, uma sensível diferenciação entre os ganhos de produtividade na
produção em escala e na produção enxuta: no sistema de produção em escala os ganhos de
produtividade resultavam de uma dinâmica centrada sobre a parcelarização do trabalho e sua
repetitividade, a grande série e a busca de grandes economias de escala. Já no sistema de
produção enxuta, a lógica era de que a produtividade e qualidade eram inseparavelmente
16
Ideograma japonês que tem o significado de mudança para melhor.
CAPÍTULO I
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49
ligadas e conjuntamente buscadas por meio da flexibilidade produtiva
17
, reagregação de
tarefas e multifuncionalidade dos trabalhadores (CORIAT, 1994).
Ohno conseguira implantar o “[...] fluxo de produção sem abalos” (CORIAT, 1994,
p.55), ou seja, o fluxo contínuo, desde as vendas de automóveis até a fabricação de peças e
montagem, produzindo lotes reduzidos de peças que eram puxadas, de jusante à montante,
pela técnica de kanban, associando produtividade e qualidade (pela técnica do kaisen), e isso
na série restrita de modelos variados, como era seu objetivo.
Sua iniciativa exitosa o estimulou a estender o sistema além dos muros da fábrica,
incluindo os sub-fornecedores de peças e componentes, para resolver o problema da
coordenação do fluxo de suprimento externo de peças ao sistema de produção.
Segundo Womack, Jones e Roos (1992, p. 49) “coordenar tal processo, de modo
que tudo combine na hora certa, com alta qualidade e baixo custo, tem se constituído num
desafio constante para as firmas montadoras na indústria automobilística”.
Diferentemente da produção enxuta, Ford acreditava na absoluta integração vertical
da cadeia de suprimentos como estratégia da produção em escala. Ele desenvolveu o primeiro
e mais ambicioso complexo empresarial verticalmente integrado do mundo, que incluía minas
de carvão e minério de ferro, madeireiras, fábricas de vidros, plantio de soja para fabricação
de tintas e até investimento em terras na amazônia brasileira para a produção de borracha.
Além disso, para transportar os materiais e produtos acabados, ele investiu em um porto,
ferrovias, caminhões e embarcações. Ford pretendeu controlar todos os aspectos da
movimentação de estoque ao longo de uma rede de mais de quarenta instalações de produção,
serviços e montagem, espalhadas pelos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia,
Reino Unido e África do Sul, assim como para os revendedores localizados no mundo inteiro
(BOWERSOX; CLOSS, 2001).
No auge da verticalização, a empresa enfrentou barreiras econômicas,
regulatórias e sindicais que, eventualmente, exigiam que os produtos e
serviços fossem oferecidos por uma rede de fornecedores independentes. A
resposta para a comercialização eficiente foi inicialmente encontrada por
meio do desenvolvimento de uma forte rede de revendedores independentes.
Com o passar do tempo, a Ford descobriu que empresas especializadas
17
O autor utiliza uma outra expressão, “economias de envergadura” para designar os benefícios que são obtidos
pela “multiprodução”, ou produção diferenciada e variada, associada a flexibilidade das instalações produtivas
(CORIAT, 1994).
CAPÍTULO I
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50
podiam executar parte significativa do trabalho tão bem ou melhor que a sua
própria estrutura burocratizada. [...] No decorrer do tempo, a estratégia da
Ford mudou de um controle orientado à propriedade para um controle de
articulação dos relacionamentos no canal
(BOWERSOX; CLOSS, 2001,
p.88,89).
Na produção em escala, as empresas adotaram diferentes graus de integração
formal, ou seja, da produção própria, variando de 25 a 70%, sendo no caso da Ford
inicialmente de 100% e posteriormente, após a guerra, de 50% (WOMACK; JONES; ROOS,
1992).
No entanto, o dilema entre comprar fora ou produzir internamente, que
gerara tantos debates nas firmas de produção em massa (sic), não pareceu
importante para Ohno e outros na Toyota, ao pensarem na obtenção de
componentes para os carros e caminhões. A questão real era como
montadores e fornecedores poderiam colaborar entre si, para reduzir custos e
melhorar a qualidade, qualquer que fosse o relacionamento legal e formal
entre eles (WOMACK; JONES; ROOS, 1992, p. 49).
Na década de 1950, a Toyota implantou o sistema de kanban entre os sub-
fornecedores e sua fábrica. Dessa forma integrou toda a cadeia produtiva no sistema de
produção enxuta e puxada automaticamente, desde as vendas de automóveis até a fabricação
de peças e componentes pelos diversos sub-fornecedores. A plena implementação do sistema,
que iria proporcionar à Toyota grande produtividade, qualidade dos produtos e agilidade no
atendimento a flutuações da demanda do mercado, se estenderia por mais de 20 anos
(WOMACK; JONES; ROOS, 1992).
As diferenças entre os dois sistemas de produção pode ser vista pelo quadro 1 a
seguir:
CAPÍTULO I
__________________________________________________________________________________________
51
Quadro 1
Contraste entre o fordismo e a acumulação flexível
Produção fordista
(baseada em economias de escala)
Produção just-in-time
(baseada em economias de escopo)
A. O PROCESSO DE PRODUÇÃO
Produção em massa de bens homogêneos Produção em pequenos lotes
Uniformidade e padronização Produção flexível e em pequenos lotes de uma
variedade de tipos de produtos
Grandes estoques e inventários Sem estoques
Testes de qualidade ex-post (detecção tardia de
erros e produtos
Controle de qualidade integrado ao processo
(detecção imediata de erros)
Produtos defeituosos ficam ocultados nos
estoques
Rejeição imediata de peças com defeito
Perda de tempo de produção por causa de longos
tempos de preparo, peças com defeito, pontos de
estrangulamento nos estoques, etc.
Redução do tempo perdido, reduzindo-se “a
porosidade do dia de trabalho”
Voltada para os recursos Voltada para a demanda
Integração vertical e (em alguns casos)
horizontal
Integração (quase-) vertical, subcontratação
Redução de custos através do controle dos
salários
Aprendizagem na prática integrada ao
planejamento a longo prazo
Fonte: Swyngedouw (1986, apud Harvey, 2008, p.167)
18
A produtividade e qualidade dos produtos obtida como desenvolvimento da
produção enxuta foi notável. Os estudos realizados pelo IMVP, compararam duas fábricas de
automóveis, uma a GM de Framingham que produzia veículos no sistema de produção em
escala, e outra a Toyota de Takaoka, que produzia no sistema de produção enxuta.
Das análises feitas pelos pesquisadores, resultou uma comparação entre elas, que
resumidamente está mostrado na tabela 5, a seguir.
18
Swyngedouw, E. The socio-spatial implications of inovations in industrial organization. Working Paper no.
CAPÍTULO I
__________________________________________________________________________________________
52
Tabela 5
Comparação Produtividade GM x Toyota - 1986
GM
(Framingham)
Toyota
(Takaoka)
Horas brutas de montagem por carro 594 226
Horas ajustadas de montagem por carro
20 5
Defeitos de montagem por 100 carros 150 26,5
Espaço montagem por carro (m
2
) 750 93
Estoques de peças (média) 2 semanas 2 horas
Fonte: Womack; Jones; Roos, 1992, p. 71.
As consequências dessa revolução na fabricação de automóveis, foram percebidas
nas décadas que sucederam a introdução da produção enxuta. A indústria automotiva
japonesa, de uma maneira geral, aumentou vertiginosamente sua produção, ampliando sua
participação no mercado mundial, enquanto a indústria automotiva dos EEUU e Europa
reduziram sua participação, como pode ser verificado pelas figuras 2 e 3.
Gráfico 2
Participação Japonesa na Produção Mundial de Veículos
(incluindo as produções doméstica e no exterior)
Fonte: Automotive News Market Data Book (apud Womack, Jones e Roos 1992, p. 59)
CAPÍTULO I
__________________________________________________________________________________________
53
Gráfico 3
Participação das empresas dos EEUU no mercado interno dos EEUU
Fonte: Automotive News Market Data Book (apud Womack, Jones e Roos 1992, p. 33)
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
54
2. A COMPLEXIDADE DA GESTÃO DO FLUXO PRODUTIVO ENXUTO E AS
COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS
PREÂMBULO
O capítulo I teve como tema o automóvel e a indústria automotiva em duas de suas
referências paradigmáticas: o fordismo que emergiu no início do século XX e que teve o seu
apogeu na sua primeira metade, e o toyotismo que surgiu após a segunda grande guerra e que
tem o seu apogeu no final do século XX e início do século XXI.
No toyotismo a busca do racionalismo produtivo como forma de maximizar a
acumulação capitalista tornou a gestão operacional mais complexa. Este capítulo tem como
tema a complexificação da operacão de produção industrial no novo ambiente enxuto e
flexível que o toyotismo fez emergir, e a conseqüente complexificação do trabalho de gestão
do fluxo produtivo nesse ambiente sistêmico, ou seja, o trabalho de gestão logística. As
empresas, como forma de operarem exitosamente nesse ambiente, desenvolveram novas
estratégias operacionais para preservar a acumulação capitalista e sua sobrevivência,
estratégias operacionais que Bowersox e Closs (2001) denominaram de competência logística.
As transformações que ocorreram nos processos de produção desde o artesanato até
a produção enxuta trouxeram profundas implicações no trabalho. Trabalhadores que tiveram
sua formação escolar e profissional sob a luz do taylorismo, da simplificação e do
determinismo, estão nos dias de hoje diante de uma situação anacrónica de trabalho, que se
defrontam com a complexidade e incerteza nas situações profissionais em suas empresas.
O problema que se coloca atualmente não é o de substituir a certeza pela
incerteza, a separação pela inseparabilidade ou a lógica clássica por não sei o
quê... Trata-se de saber como vamos fazer para dialogar entre certeza e
incerteza, separação e inseparabilidade etc [...] é preciso começar por utilizar
a teoria dos sistemas, a cibernética e a teoria da informação (MORIN, 1999,
p. 27).
O trabalho parcelar e prescrito do taylorismo, e a qualificação do posto de trabalho
que a produção fordista adotou, perdeu sua eficácia no ambiente enxuto e flexível do
toyotismo. Zarifian (2001) esclarece que dois elementos passam a estar presentes nas
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
55
mudanças na organização: A prescrição se desloca das operações de trabalho recaindo agora
nos objetivos e resultados das atividades, o que abre espaço para a iniciativa dos
trabalhadores; a competência é assumida por um coletivo e as competências ativas de cada um
concorrem para o sucesso da ação coletiva, ou seja, o trabalho em equipe materializa a
convergência necessária das ações profissionais.
1
Neste capítulo analisaremos as abordagens do STP e da produção em escala para
lidarem com as complexas operações dos sistemas de produção enxutos e flexíveis, que
evidenciarão a complexidade de gestão do fluxo produtivo e dos trabalhadores que atuam em
sua gestão.
Diversas fontes de referência que abordam os sistemas, a complexidade e a
incerteza foram consultadas como, “Ciência com Consciência” (MORIN, 1996), “Por uma
reforma no pensamento” (MORIN, 1999), Introdução ao pensamento complexo” (MORIN,
2007) e “Epistemologia da complexidade” (MORIN, 1998). Sobre a complexidade do ofício
do professor no contexto das profissões complexas, saberes e competência, foram consultadas
obras como “Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza” (PERRENOUD, 2001),
“Objetivo competência: por uma nova lógica” (ZARIFIAN, 2001), “Estratégias empresariais
e formação de competências” (FLEURY; FLEURY, 2007), “Competências – conceitos e
instrumentos para a gestão de pessoas na empresa moderna” (DUTRA, 2004).
Esse capítulo foi estruturado em três tópicos:
A complexificação da produção no ambiente enxuto e flexível;
A competência logística e as competências profissionais;
2.1. A COMPLEXIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO NO AMBIENTE ENXUTO E FLEXÍVEL
A produção de um modelo de automóvel envolve o projeto, fabricação e montagem
de mais de 10 mil peças distintas em cerca de 100 grandes componentes: motores,
transmissões, sistemas de direção, suspensões, etc. (WOMACK; JONES; ROOS, 1992).
1
Esse assunto será explorado com mais profundidade no tópico 2.2 deste capítulo.
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
56
Com a implementação dos novos modelos de produção baseados na produção
enxuta e flexível surge um desafiante problema: o crescimento substancial da complexidade
operacional.
A produção enxuta reduziu drasticamente os estoques intermediários em toda a
cadeia automotiva. Reduzindo os estoques entre os processos internos da fábrica, e os
processos externos (entre os fornecedores e a fábrica, e entre a fábrica e os clientes), o
andamento da produção se transformou em um efetivo fluxo de produção. A produção em
fluxo integrou os processos, antes separados pelos estoques, num intrincado sistema de
produção, criando ações, interações e retroações. Paralelamente, a redução dos estoques
intermediários em toda a cadeia produtiva expôs o sistema aos fenômenos aleatórios
2
, ou seja,
à incerteza.
Pode-se dizer que complexidade onde quer que se produza um
emaranhamento de ações, de interações, de retroações. E esse
emaranhamento é tal que nem um computador poderia captar todos os
processos em curso. Mas também outra complexidade que provém da
existência dos fenômenos aleatórios [...] (MORIN, 1996, p. 274).
Essa complexidade operacional decorrente do emaranhamento de ações, interações
e retroações e da incerteza, não estava presente na produção em escala. Diante de qualquer
ocorrência de eventos, como a falta de peças ou uma pane numa máquina, a situação era
resolvida lançando-se mão dos repletos estoques de peças existentes entre os processos de
fabricação. Nesse sentido, pode-se dizer que os confortáveis estoques de materiais entre os
processos funcionavam como antídotos contra os efeitos da incerteza.
No toyotismo, trata-se portanto de gerir um todo, e não apenas as partes do sistema,
como no fordismo. Poderíamos nesse ponto ousar em afirmar que o paradigma fordista está
para o paradigma da simplificação, assim como o paradigma toyotista está para o paradigma
da complexidade.
Segundo Morin (1996, p. 265), o macroconceito de sistema tem três faces:
2
Esses fenômenos aleatórios são as panes em equipamentos, as faltas de materiais, os desvios de qualidade, as
mudanças imprevistas na programação de fabricação, as encomendas repentinas de clientes, etc. Ou seja, tudo o
que Zarifian (2001) denomina como eventos, ou incidentes ou acontecimentos, ou seja, o que ocorre de maneira
parcialmente imprevista, inesperada e que perturba o desenrolar normal do sistema de produção.
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
57
- sistema (que exprime a unidade complexa e o caráter fenomenal do todo,
assim como o complexo das relação entre o todo e as partes);
- interação (que exprime o conjunto das relações, ações e retroações que se
efetuam e se tecem num sistema);
- organização (que exprime o caráter constitutivo dessas interações – aquilo
que forma, mantém, protege, regula, rege, regenera-se – e que dá a idéia de
sistema a sua coluna vertebral).
A organização a que se refere o autor, que forma, mantém, protege, regula, rege e
regenera-se, ou em outras palavras, governa as interações no sistema é o que pode-se
denominar de gestão logística, ou seja, a estratégia de gestão do fluxo de produção. Gestão
logística que no toyotismo foi recriada, reformulada para se confrontar à complexidade e
incerteza decorrentes da metamorfose no modo próprio de abordar a produção de automóveis.
Farei no próximo tópico uma conceituação mais detalhada da logística, mas faz-se
necessário neste ponto esclarecer o que significa estratégia de gestão do fluxo de produção, ou
seja, a gestão logística:
Para as indústrias de grande porte, as operações logísticas podem consistir de
milhares de movimentos, que culminam, por fim, na entrega de produtos ao
usuário industrial, ao varejista, ao atacadista, ao revendedor ou a outro
cliente. [...] As operações logísticas têm início com a expedição inicial de
materiais ou componentes por um fornecedor, e terminam quando um
produto fabricado ou processado é entregue a um cliente (BOWERSOX;
CLOSS, 2001, p. 44).
Minha hipótese é a de que as indústrias de produção em escala, para não perderem a
competitividade no mercado automotivo, perceberam a necessidade de realizar algumas
mudanças na mesma direção da produção enxuta, ou seja, aumentar a diversidade de produtos
e modelos e reduzir os estoques. No entanto, não compreenderam o como realizar tais
mudanças, nem o porquê das mesmas, nem tampouco as implicações de tais mudanças no
sistema produtivo.
O quadro 2, a seguir, focaliza alguns fatores, como o estoque, o tamanho dos lotes,
as preparações, fornecedores, qualidade, manutenção e tempo de reabastecimento, que
permitem comparações entre as diferentes visões e interpretações e métodos da produção em
escala e produção enxuta, ou como o Ballou (2001, p. 318) denomina, “programação de
suprimento para estoque” e “programação Kanban/Jit”, respectivamente
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
58
Quadro 2
Comparação entre programação de suprimento KANBAN/JIT e a filosofia (sic) de
programação de suprimentos para estoque
Fatores Programação de suprimento para
estoque
Programação KANBAN/JIT
Estoque
Um ativo. Protege de erros de previsão,
problemas de equipamentos e entregas
atrasadas do fornecedor. Mais estoque é
“mais seguro”.
Um passivo. Cada esforço deve ser
despendido para trabalhar sem ele.
Tamanho de
lotes, quan-
tidades com-
pradas
Quantidades determinadas por economias de
escala ou pela fórmula EOQ
3
. Nenhuma
tentativa é feita para mudar os custos de
preparação para conseguir quantidades de
produção e de compra menores
Apenas satisfaz necessidades imediatas.
Uma quantidade mínima de reabastecimento
é desejada para bens manufaturados e
comprados, mas é determinado pela fórmula
de EOQ.
Preparações
Uma prioridade baixa. Maximizar a saída é o
alvo usual, para que os custos de preparação
possam ser uma consideração secundária
São consideradas insignificantes. Exigem
uma mudança extremamente rápida para
minimizar o impacto nas operações, ou a
disponibilidade de máquinas extras pré-
paradas. Uma mudança rápida permite que
pequenos lotes sejam praticados e uma
ampla variedade de peças seja feita.
Estoque de
produtos em
processo
Um investimento necessário. A acumulação
de estoque entre os processos permite que
operações seguintes continuem no evento de
um problema com a operação de suprimento.
Também, pelo fornecimento de uma seleção
de serviços, a gestão da fábrica tem maior
oportunidade de combinar várias habilidades
dos operadores e capacidades de máquinas, e
para combinar preparações de forma a
contribuir para a eficiência das operações.
Eliminá-los. Quando há pouca acumulação
de estoque entre os processos, a necessidade
de identificar e resolver os problemas
aparece mais cedo.
Forncedores
É mantido um relacionamento profissional à
distância do aperto de mãos. Fontes
múltiplas são a regra, e é pico colocá-las
em oposição umas às outras para alcançar os
menores preços.
Considerados como co-trabalhadores. O for-
necedor cuida das necessidades dos clientes,
e o cliente trata o fornecedor como uma
extensão de sua fábrica. Poucos são usados,
mas o risco de interrupções de suprimentos
3
Abreviatura de Economic Order Quantity. Em português, Lote Econômico de Compras (LEC). Técnica
utilizada pela produção em escala para determinar o lote ótimo, a partir de um raciocínio baseado na análise do
custo de manutenção de estoque e o custo de efetuar o pedido. Raciocínio esse criticado pela produção enxuta
que considera que o custo de pedido, ou custo de preparação, ou custo de set-up pode ser reduzido, o que implica
que o lote pode ser inferior ao LEC obtido pelo raciocínio da produção em massa.
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
59
pode aumentar.
Qualidade
Tolera alguns defeitos para manter o fluxo
de produtos e evitar custos excessivos para
garantir um nível elevado de qualidade
Zero de defeitos é a meta. Se a qualidade
não for de 100%, produção e distribuição
estão em risco.
Manutenção
de equipa-
mentos
Como requisitado. Não crítico que os
estoques são mantidos.
Manutenção preventiva ou excesso de
capacidade é essencial. A paralisação do
processo arrisca parar as operações seguintes
quando nenhum estoque está disponível para
atuar como um pulmão.
Tempos de
reabasteci-
mento
Tempos de reabastecimento longos não são
problemas sérios pois podem ser compen-
sados com estoques adicionais.
Mantê-los curtos. Isto melhora os tempos de
reabastecimento ao longo do canal de supri-
mentos/distribuição e reduz as incertezas e a
necessidade de estoques de segurança.
Fonte: BALLOU (2001, p. 318).
As comparações feitas por Ballou no Quadro 2 dizem respeito a como os dois
sistemas encaram o fluxo de produção. Mais do que isso, como a produção enxuta consegue
imprimir maior fluidez, maior velocidade ao fluxo produtivo, e como ela consegue confrontar
as incertezas que ameaçam a continuidade desse fluxo.
A primeira comparação, a dos estoques, dá mostras de quão radical é a diferença de
conceito: para a produção em escala o estoque é um ativo, e para a produção enxuta um
passivo, no sentido de algo indesejável. O ativo, no balanço patrimonial das empresas,
representa os bens e os direitos que a empresa possui, e o passivo, as dívidas e as obrigações
que ela contraiu. Apesar do estoque na contabilidade tradicional ser tratado como algo que
pode ser convertido em dinheiro, e portanto um ativo, a produção enxuta o trata como
passivo, devido às diversas improdutividades e desperdícios que ele causa ou encobre.
O mesmo raciocínio pode ser feito para a quarta comparação, a dos estoques de
produtos em processo. A existência dos estoques entre os processos, no fordismo, tinha uma
particular função e uma tácita intenção: garantir a continuidade do andamento
4
da produção.
Mas porque seria necessário garantir a continuidade do andamento da produção, ou o que
poderia ameaçar essa continuidade?
4
Utilizei intencionalmente a expressão andamento da produção quando poderia utilizar a expressão fluxo da
produção, pois me parece que a fluidez efetivamente passou a ocorrer no toyotismo, após a redução dos lotes de
fabricação.
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
60
A resposta a essa pergunta, é que a ameaça à continuidade do andamento da
produção viria da incerteza. Incerteza essa que estando presente nas atividades produtivas -
como panes em máquinas, defeitos de qualidade e outras - ficava isolada, blindada pela
existência dos estoques entre os processos de produção. Havendo qualquer distúrbio nos
processo de fabricação que colocasse em risco o andamento da produção, lançava-se mão dos
estoques, e estaria garantida a continuidade. No entanto, na logística toyotista, os estoques
foram removidos, removendo-se, a reboque, a proteção contra os efeitos da incerteza, o que
poderia ser interpretado apressadamente como um paradoxo. Além disso, a remoção dos
estoques integrou os processos fabris, transformando a fábrica num efetivo e complexo
sistema de produção e o andamento da produção em verdadeiro fluxo. Em outras palavras,
significou a complexifixação das operações.
A mesma estratégia foi estendida para aos fornecedores de insumos e aos
distribuidores de automóveis, integrando o fluxo, não só nos limites da fábrica, mas em toda a
extensão da cadeia produtiva.
Passarei para a sexta e sétima comparações, qualidade e manutenção de
equipamentos. Ambas as análises dizem respeito à ruptura do fluxo produtivo, pois com
estoques entre processos minimizados, ocorrências de defeitos de qualidade e paradas de
equipamentos concorrem para a descontinuidade da produção. Por isso a perseguição de zero
defeito e manutenção preventiva de equipamentos, para preservar a continuidade do fluxo
produtivo.
Voltarei a segunda e terceira comparações, do tamanho dos lotes e tempos de
preparação. Como mencionei no tópico 1.3 do capítulo I, a redução dos lotes e dos tempos
de preparação foi a descoberta feita pela Toyota, que ao mesmo tempo que viabilizou a
estratégia de produção de séries restritas e variadas de produtos, transformou em fluxo a
produção e deu maior celeridade a ele.
A quinta e oitava comparações referem-se aos fornecedores e os respectivos tempos
de reabastecimento. A produção enxuta integrou os fornecedores numa cadeia única, passou a
tratá-los como parceiros e não como adversários, que a alta performance deles poderia
contribuir para a fluidez da produção. A qualidade e a velocidade do reabastecimento são
fatores importantes nesse sentido.
Para o entendimento da dimensão e das conseqüências dessas diferenças, voltarei à
tabela 5, do capítulo I, que compara o desempenho da GM e da Toyota em 1986. Nela pode-
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
61
se ver as discrepâncias entre os resultados das duas empresas, como a cobertura de estoque, de
2 semanas e 2 dias, respectivamente. Grosso modo, significa que a Toyota operava com cerca
de 1/7 do capital circulante necessário às operações da GM.
A diferença de eficiência entre a gestão logística da Toyota e das empresas dos
EEUU e Europa persiste até hoje.
[...] em 2007, poucas empresas eram tão faladas no mundo dos negócios e na
mídia como a Toyota. A empresa foi manchete naquele mesmo ano quando
anunciou uma produção anual e um objetivo de vendas que se alcançados, a
transformariam na maior fabricante de automóveis do mundo (MAGEE,
2008, p.1).
Em 2007, de acordo com dados da OICA, a Toyota ocupava a segunda colocação
entre os fabricantes de veículos automotores, ficando atrás apenas da GM, como pode ser
verificado na tabela 6.
Tabela 6
Ranking das cinco maiores empresas automotivas em 2007
Rank Empresa Produção Veículos
1 GM 9.349.818
2 Toyota 8.534.690
3 Volkswagen 6.267.891
4 Ford 6.247.506
5 Honda 3.911.814
Fonte: OICA.
5
Em 2008, a Toyota superaria a GM se tornando a maior indústria automotiva do
mundo, como pode ser visto na tabela 7, a seguir:
5
Disponível em http://oica.net/wp-content/uploads/world-ranking-2007.pdf. Consultado em 15/07/09.
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
62
Tabela 7
Ranking das cinco maiores empresas automotivas em 2008
Rank Empresa Produção Veículos
1 Toyota 9.237.780
2 GM 8.282.803
3 Volkswagen 6.437.414
4 Ford 5.407.000
5 Honda 3.912.700
Fonte: OICA.
6
Assim como na crise mundial do petróleo de 1973, na atual crise financeira iniciada
no final do ano de 2009 a Toyota também se mostrou mais consistente e mais preparada que a
GM, que vem passando por uma profunda reestruturação imposta pelo governo dos EEUU.
Pela primeira vez na história as vendas da indústria automotiva asiática no mercado
dos EEUU superaram as vendas da indústria automotiva estadunidense, demonstrando que as
diferenças de performances entre elas ainda persistem.
7
Nos dias de hoje, as indústrias sob o paradigma da produção em escala ainda têm
dificuldades em lidar com esse sistema produtivo complexo, exposto à ação da incerteza, de
forma mais eficiente que aquelas desenvolvidas pela produção enxuta. A produção enxuta ao
inovar produzindo pequenas séries de produtos variados com custos e qualidades otimizadas,
se autoproduziu, reinventou a sua própria gestão logística utilizando novas e diversas técnicas
e abordagens, como por exemplo o kanban e o kaisen. (ver tópico 1.3 do capítulo anterior)
Uma organização como a empresa está situada num mercado. Produz objetos
ou serviços coisas que saem dela e entram no universo do consumo. Mas
limitar-se a uma visão heteroprodutiva da empresas seria insuficiente, pois
ao produzir coisas e serviços ela ao mesmo tempo se autoproduz. Isso
6
Disponível em <http://oica.net/wp-content/uploads/world-ranking-2008.pdf.> Consultado em 15/07/2009.
7
As vendas de veículos produzidos pelas montadoras asiáticas no mercado dos EEUU em 2009 representaram
47,4% contra 44,2% de General Motors (GM), Ford e Chrysler juntas, segundo dados da Autodata Corp.
disponível em <http://www.newstin.co.uk/uk/AUTODATA_CORPORATION> consulta realizada em
15/01/2010.
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
63
significa que produz todos os elementos necessários à sua sobrevivência e
organização. Ao organizar a produção de objetos e serviços a empresa se
auto-organiza, se automantém, se auto repara se necessário, e, se as coisas
não vão bem, autodesenvolve-se enquanto desenvolve sua produção. Desse
modo, ao produzir produtos independentes do produtor, a empresa
desenvolve um processo no qual o produtor produz a si mesmo. De um lado,
sua autoprodução é necessária à produção de objetos; de outra parte, a
produção de objetos é necessária à sua própria produção (MORIN, 1986, p.
136).
Esse autodesenvolvimento organizacional mencionado pelo autor na citação
ocorreu na Toyota Motor Company, ou melhor, vem ocorrendo até os dias atuais, continua em
movimento. Diferentemente da compreensão ocidental, a logística da produção enxuta não é
exatamente uma nova metodologia, uma nova ferramenta, ao contrário, é um processo vivo,
em curso e que se auto-aprimora permanentemente.
Segundo Magee (2008, p. 18), “a empresa [Toyota] provavelmente teria tido
sucesso em qualquer área, já que seu segredo não reside tanto em como produzir, mas em
como encarar o processo e a mentalidade de produção.”
As empresas sob o paradigma da produção em escala, que perceberam a
necessidade de redirecionar os seus sistemas produtivos norteados pelas metas da produção
enxuta, inicialmente produziram a sua própria gestão logística. Criaram o seu próprio modelo
de lidar com o sistema, com a complexidade e a incerteza. No entanto, o princípio constitutivo
não se alterou, ou seja, as bases permaneceram as mesmas, centradas no taylorismo, na
simplificação e no determinismo, ou seja, na estabilidade, na previsibilidade.
Ao contrário, as empresas sob o paradigma da produção enxuta se auto-
desenvolveram para criar um modelo de gestão logística centrado na reagregação de
atividades, no trabalho coletivo e na melhoria contínua.
Zarifian esclarece que a as mudanças na organização do trabalho
8
fizeram emergir
dois elementos: i.) o deslocamento da prescrição das operações do trabalho para formalizar-
8
Zarifian (2001) explica que as transformações mais importantes na organização do trabalho são: a organização
celular, ou organização por pequenas equipes dotadas de autonomia, que teve origem nos anos 50 quando
começou-se a se falar em equipes semi-autônomas; organização em rede, mais recente, que visa especialmente
obter desempenho global pela organização transversal, o que a organização celular não resolvia; e, organização
por projeto, desenvolvida para estimular a aceleração dos processos de inovação, por meio da formação de
equipes multifuncionais em torno de projetos de inovação, com objetivos precisos e por um período
determinado. Sua proposta é uma organização celular em rede animada por projeto, uma confluência das três
transformações, tendência nas grandes empresas.
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
64
se nos objetivos e resultados das operações, o que significa um movimento de retorno do
trabalho ao trabalhador, de poder de pensamento e ação do trabalhador, logo de sua
competência; ii.) a competência é assumida por um coletivo, mas depende de cada pessoa
individualmente, e o sucesso da ação coletiva depende da competência de cada um, não
havendo mais a automaticidade no desencadeamento das ações, mas um processo de
entendimento recíproco.
Como princípio que defende melhoria contínua -, a estrutura do STP é um
processo fluido impulsionado pela colaboração e criatividade dos
empregados. O STP não é um sistema rígido de produção, mas uma
referência para ajudar a encontrar melhores modos de produção de forma
contínua (MAGEE, 2008, p. 24).
A forma de abordagem da melhoria também se fundou em outro princípio, o da
participação dos empregados, e não no da melhoria de cima para baixo como no fordismo. “A
premissa era a de que o chefe não pode ver nem saber tudo o que os trabalhadores são capazes
de observar diariamente enquanto realizam seu trabalho.” (MAGEE, 2008, p. 25).
Um exemplo disso foi a criação do kaizen que pode ser considerado um dos
princípios constitutivos da logística da produção enxuta, que é utilizado tanto para
aprimomorar os processos de produção quanto para aprimorar o seu próprio modelo de gestão
logística.
A gestão logística do sistema de produção de automóveis em fluxo e exposto à
incerteza exigiu o desenvolvimento de processos de planejamento, programação e controle
mais sofisticados do que os da produção em escala. Mais do que isso, para lidar com as
situações imprevistas - com a incerteza - e esse sistema passou a requerer novas habilidades,
conhecimentos, e competências da empresa e dos profissionais da gestão logística.
Pode-se dizer afinal, que diante dos sistemas complexos e ambientes incertos, as
empresas enxutas desenvolveram uma maior competência logística que as empresas de
produção em escala.
A competência logística pode ser entendida como a capacitação de uma empresa
para fornecer ao cliente um serviço competitivamente superior ao menor custo total possível,
procurando superar a concorrência em todos os aspectos das operações (BOWERSOX;
CLOSS, 2001).
CAPÍTULO II
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65
2.2. – A COMPETÊNCIA LOGÍSTICA E AS COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS
No tópico anterior mencionei a superior competência logística das empresas de
produção enxuta para atuar em ambientes complexos e incertos.
Antes de entrar na temática da competência, é importante definir o significado da
logística. Farei um retorno na linha do tempo, e uma análise da metamorfose pela qual ela
vem passando até os dias de hoje.
A logística, segundo Bowersox e Closs (2001, p. 21),
[...] existe desde o início da civilização: não constitui de modo algum uma
novidade. No entanto a implementação das melhores práticas logísticas
tornou-se uma das áreas operacionais mais desafiadoras e interessantes da
administração nos setores privado e público.
Além das áreas pública e privada, citadas pelos autores na definição anterior, o
termo logística também está associado ao contexto militar, neste sentido sendo definido como
“O ramo da ciência militar que lida com a obtenção, a manutenção e o transporte de materiais,
pessoal e instalações.” (BALLOU, 2001, p.21).
Como forma de delimitação para este estudo, adotei a definição de Ballou (2001,
p.19), ou seja, da logística do segmento empresarial. “A logística empresarial é um campo de
estudos relativamente novo da gestão integrada, em comparação com os campos tradicionais
de finanças, marketing e produção.”
Segundo Ballou (2001, p. 21), “o primeiro livro-texto a sugerir os benefícios da
gestão coordenada da logística apareceu somente em 1961, em parte explicando porque uma
definição da logística empresarial ainda está por vir.”
Como as atividades logísticas foram sempre essenciais para as empresas, o
campo da administração logística é uma ntese de muitos conceitos,
princípios e métodos, das áreas tradicionais de marketing, produção,
contabilidade, compras e transportes, bem como das disciplinas de
matemática aplicada, comportamento organizacional e economia (BALLOU,
2001, p. 9).
A abordagem do autor sobre a atividade logística sugere que é ela uma atividade
transdisciplinar, que não se comporta dentro de apenas uma das disciplinas citadas,
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
66
podendo se situar entre ou através das disciplinas e além delas. A formação superior do
profissional de logística transita entre as áreas de administração de empresas e engenharia de
produção o que demonstra essa condição transdisciplinar
9
. São várias as atividades a serem
geridas pela logística, atividades essas que já existiam nas empresas desde a produção
artesanal passando pela produção em escala chegando à produção enxuta.
[A logística] tem recebido várias denominações, inclusive distribuição física,
administração de materiais, gerenciamento de transporte e gerenciamento da
cadeia de suprimentos. As atividades a serem geridas podem incluir todo ou
parte do seguinte: transporte, manutenção de estoques, processamento de
pedidos, compras, armazenagem, manuseio de materiais, embalagem,
padrões de serviço ao cliente e programação da produção (BALLOU, 2001,
p.9).
O que mudou foi o grau de integração dessa atividade nos três sistemas de
produção, ou seja, era sistêmica na produção artesanal, tornou-se parcelar na produção em
escala, e voltou a se tornar sistêmica na produção enxuta.
A logística empresarial abrange atividades dos três setores da economia: o setor
primário, o secundário e o terciário.
As operações logísticas no setor secundário, ou seja, na indústria podem ser
decompostas em três funções básicas: suprimento, apoio à manufatura e distribuição física.
A função de suprimento é responsável pela obtenção de produtos e materiais de
fornecedores externos, abrangendo a identificação ou o desenvolvimento de fontes de
fornecimentos, negociação, programação de entrega, colocação de pedidos, transporte,
recebimento e inspeção, armazenagem e manuseio e garantia da qualidade.
A função apoio a manufatura é responsável pelo planejamento, pela programação e
apoio às operações de produção, abrangendo o planejamento e controle da produção,
seqüenciamento, manuseio, transporte interno e armazenagem de produtos em processo.
A função distribuição física é responsável pela movimentação de produtos acabados
para entrega aos clientes e pelas atividades relacionadas com o fornecimento de serviço ao
cliente, incluindo o recebimento e processamento de pedidos, posicionamento dos estoques,
9
Afirmo isso baseado no que observo na minha prática profissional como coordenador acadêmico e docente em
cursos de pós-graduação lato-sensu em logística.
CAPÍTULO II
__________________________________________________________________________________________
67
armazenagem, manuseio e transporte dentro de centro de distribuição (BOWERSOX;
CLOSS, 2001).
Bowersox e Closs (2001, p. 21) afirmam que “o objetivo central da logística é
atingir um nível desejado de serviço ao cliente pelo menor custo total possível.”
Para cada nível de serviço há um custo associado, e para a determinação do nível de
serviço adequado há que se levar em consideração o respectivo custo.
O serviço logístico representa um equilíbrio entre prioridade de serviço e
custo. Um material que não esteja disponível no momento necessário para a
produção pode forçar uma paralisação da fábrica, causando transtornos
significativos em termos de custos e possível perda de vendas, e levar até
mesmo à perda de um bom cliente. O impacto sobre os lucros com esse tipo
de falha pode ser substancial. Por outro lado, o impacto sobre os lucros,
causado por um atraso inesperado de dois dias na entrega de produtos para
reabastecer um armazém pode ser mínimo ou mesmo insignificante ao
considerarmos o desempenho operacional geral (BOWERSOX; CLOSS,
2001, p.24, grifo meu).
Os autores utilizam a expressão desempenho operacional geral ao final do texto, o
que me leva a pensar em um desempenho não apenas das partes, mas do sistema como um
todo, ou seja, um desempenho sistêmico, que é um dos principais objetivos da logística atual.
“Antes da década de 50, as empresas executavam normalmente a atividade logística de
maneira puramente funcional. Não existia nenhum conceito ou uma teoria formal de logística
integrada.” (BOWERSOX; CLOSS, 2001, p.26).
Ballou (2001, p.21) refere-se à definição de logística do Conselho de
Administração Logística dos EEUU (CLM)
10
.
Logística é o processo de planejamento, implementação e controle do fluxo
eficiente e economicamente eficaz de matérias-primas, produtos em
processo, produtos acabados e informações relativas desde o ponto de
origem até o ponto de consumo, com o propósito de atender às exigências do
cliente (BALLOU, 2001, p.21, grifo meu).
10
CLM Council of Logistics Management, é uma associação de âmbito mundial, fundada em 1963, com sede
em Chicago, Ilinois, EEUU, com mais de 8.500 membros de 67 países, dos setores da indústria, governo e
universidades. São membros do CLM profissionais que atuam nas aeras de logística e supply chain. O CLM
mudou recentemente sua denominação para Council of Supply Chain Management Professionals CSCMP.
CAPÍTULO II
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68
É possível perceber as metamorfoses da logística, ao verificar a atual definição do
Conselho dos Profissionais de Gestão da Cadeia de Suprimentos (CSCMP), que é a nova
denominação do antigo CLM:
A Gestão logística é a parte da gestão da cadeia de suprimentos que planeja,
implementa e controla com eficiência e eficácia o fluxo direto e reverso e
armazenamento de produtos, serviços e informações relacionadas, entre o
ponto de origem e o ponto de consumo, a fim de atender as necessidades dos
clientes (CSCMP, 2009, grifo meu).
Interessante observar que a própria entidade originalmente denominada de
Conselho dos Profissionais de Gestão Logística, mudou a denominação para outra mais
abrangente, Conselho dos Profissionais de Gestão da Cadeia de Suprimento.
Além disso, a segunda definição cria uma nova função, a gestão da cadeia de
suprimentos, e coloca a gestão logística como parte dela, o que pode significar que a logística,
segundo a definição do CSCMP, se restrinja à empresa apenas, não se estendendo à cadeia de
suprimentos como um todo.
Outra diferença na definição do CSCMP em relação ao CLM é a inclusão do fluxo
reverso, ou como é mais comumente conhecida, a logística reversa, que trata do retorno dos
produtos e embalagens após a venda ou após o consumo para serem reutilizados pelo canal
direto. Assim o conceito atual é de que o canal reverso deve estar incluído no planejamento e
controle logístico, ou seja, na gestão logística (BALLOU, 2001).
Mas o que pode ser particularmente relevante para esta dissertação é a inclusão do
termo fluxo, nas duas definições de gestão logística, a do CLM e a do CSCMP, e até então
ausente nas definições anteriores. Retomarei esse assunto mais a frente neste tópico.
Sobre as fronteiras da gestão logística, o CSCMP define que:
As atividades de gestão logística normalmente incluem o gerenciamento do
transporte de entrada e saída, gerenciamento da frota, armazenamento,
movimentação de materiais, atendimento a pedidos, projeto de rede logística,
gestão de estoques, planejamento de suprimento/demanda, e gestão de
provedores de serviços logístico de terceira parte. Em variados graus, a
função logística também inclui o fornecimento e aquisição, planejamento e
programação da produção, embalagem e montagem, e serviço ao cliente.
CAPÍTULO II
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69
Com relação às interfaces e relacionamentos, o CSCMP define que a gestão
logística
Está envolvida em todos os níveis de planejamento e execução estratégico,
operacional e tático. A gestão logística é uma função integradora, que
coordena e otimiza todas as atividades de logística, bem como as atividades
de logística se integram a outras funções incluindo o marketing, vendas,
manufatura, finanças e tecnologia da informação.
Feitas as conceituações sobre o significado de logística, retornarei a expressão que
utilizei para qualificar o desempenho da gestão logística, ou seja, a competência logística.
Competência logística, que Bowersox e Closs (2001) definiram como a capacitação de uma
empresa para fornecer ao cliente um serviço competitivamente superior ao menor custo total
possível, procurando superar a concorrência em todos os aspectos das operações.
Para se entender melhor o conceito de competência recorrerei inicialmente a
Perrenoud (2001) que faz uma abordagem de competência em função da complexidade da
prática pedagógica. A profissão do professor assim como outras profissões inclusive a dos
profissionais de logística está inserida em ambientes complexos e incertos, que fazem emergir
situações e problemas também complexos.
As transformações trazidas pela produção enxuta que discorremos nos tópicos 1.3,
1.4 do capítulo I e 2.1 do capítulo II, colocou os profissionais de logística frente a situações
complexas de trabalho que exigem deles agir na urgência e decidir na incerteza, tomando de
empréstimo a expressão de Perrenoud (2001).
Agir na urgência, que não é o mesmo que agir com urgência, com pressa, com
afobação ou com improvisação. É agir na hora certa, nem antes nem depois, conforme as
necessidades, determinados na direção daquilo que querem alcançar, como fazem um bom
cirurgião ou um bom cozinheiro.
Decidir na incerteza, porque uma coisa é decidirmos no contexto de certezas, em
que temos um maior controle das variáveis que regulam o processo, um certo controle dos
resultados. Outra coisa é decidirmos num contexto no qual esses controles não são totalmente
possíveis, no qual dispomos de algumas coordenadas e no qual a interação entre os fatores
se dão de muitos modos e resultam em outras tantas variáveis não previsíveis e
indeterminadas (PERRENOUD, 2001).
CAPÍTULO II
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70
Assim, Perrenoud (2001, p. 23) afirma que “[...] a competência consiste sobretudo
em identificar e resolver problemas complexos, navegando entre valores contraditórios e
enfrentando conflitos internos e intersubjetivos.”
Os autores Bowersox e Closs utilizam a expressão competência com o foco na
empresa, ou seja, no coletivo e não no indivíduo, como a maior parte da literatura sobre o
tema o faz. Mas Perrenoud (2001, p. 191) pergunta: “Será que as competências são totalmente
individuais”?
Observa-se que no caso japonês, como no caso dos grupos semi-autônomos,
a responsabilidade pela execução do trabalho é também atribuída ao grupo e
não ao indivíduo; isto é facilitado pela quase inexistência da organização por
posto de trabalho (FLEURY; FLEURY, 2001, p. 10).
O próprio Perrenoud (2001, p. 191), que formulou a pergunta em seguida a
responde: “Os trabalhos sobre a organização como ator coletivo capaz de aprendizagem
sugerem ser urgente levar em conta as competências coletivas que não são a soma das
competências individuais, nem mesmo a sua sinergia [...]”. Segundo o mesmo autor, esse
tema, o da orquestração das competências, relaciona-se com os trabalhos sobre a cooperação
de profissionais.
Como analogia a essa cooperação ou colaboração de profissionais em situação de
trabalho coletivo, pode-se pensar numa equipe de atletas remadores competindo com outras
equipes em uma prova esportiva de remo. O trabalho coletivo colaborativo, coordenado,
orquestrado, mais competente dará a vitória a uma ou a outra equipe.
Pense em duas pessoas que estão serrando um tronco, cada uma em uma
ponta da serra, ou em um casal dançando. Uma propriedade importante da
ação humana é o ritmo, a cadência. Cada gesto apropriado, coordenado, tem
um certo fraseado. Quando esse fraseado se perde, como as vezes acontece,
surge a confusão, nossas ações deixam de ser coordenadas. Da mesma
maneira, o domínio de um novo tipo de ação que exige competências é
acompanhado pela capacidade de dar aos nossos gestos um ritmo apropriado.
Ora, no caso do tronco serrado ou da dança, o ritmo deve ser
totalmente compartilhado. Essas ações terão sucesso se houver um ritmo
comum, e nossa ação é um dos seus elementos. Trata-se de uma experiência
diferente da coordenação de minha ação com a de alguém mais; por exemplo
CAPÍTULO II
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71
quando corro para o lado do campo de futebol para onde sei que alguém vai
me passar a bola (TAYLOR
11
, 1951, apud PERRENOUD, 2001, p. 192).
Zarifian (2001, p. 116) lembra que
[...] essa questão da competência coletiva é bem conhecida das pequenas
empresas. Quando a empresa inteira funciona como um único e mesmo
coletivo, o proprietário sabe bem que o funcionamento dele é delicado: é
preciso que haja certa complementariedade e certo acordo entre todas as
pessoas.
O ambiente sistêmico e enxuto que passou a permear a gestão do fluxo de produção
sob o paradigma toyotista, como já foi descrito e analisado desde o início dessa dissertação, se
tornou também coletivo pois com a integração do fluxo de produção os problemas se
tornaram coletivos. Sendo coletivos não dependem apenas de um único profissional, mas de
grupos interdepartamentais dentro da empresa e às vezes inter-empresariais, envolvendo
profissionais de empresas integrantes da cadeia de suprimentos.
Esse envolvimento coletivo em torno de um problema foi exemplificado por
Zarifian (2001, p. 44) num caso real ocorrido na fábrica francesa de montagem de motores de
aeronaves Snecna
12
, na qual era rotineira a ocorrência de falta de peças para montagem de
motores, o que colocava em risco a continuidade do fluxo produtivo.
A solução encontrada foi a realização de uma reunião diária com a participação dos
diversos atores, internos e externos à fábrica, que tinham responsabilidades e implicações com
o problema. A reunião, com a colaboração de todos, operários de montagem, representantes
comerciais, gerentes responsáveis pelo fluxo de produção, especialistas em abastecimento e
fornecedores tinha como objetivos compreender as causas dessas faltas, fixar objetivos
coletivos de melhoria reduzindo-se as faltas e elaborar planos de ação de melhoria do fluxo.
Estes planos podiam levar a mudanças organizacionais mais profundas, como o
abastecimento direto à linha de produção sem que certas peças passassem pelo almoxarifado.
Autores como Dutra (2004) afirmam que a competência é atribuída a vários atores:
as pessoas dispõem de um conjunto de competências aproveitadas ou não pela organização, a
11
TAYLOR CH. [1956]. Suivre une règle, Critique, agosto-setembro de 1996, no. 579-580 sobre Pierre
Bourdier, p. 554-572.
12
Société nationale d’étude et de construction de moteurs d’avion
CAPÍTULO II
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72
empresa dispõe de um conjunto de competências, ou um patrimônio de conhecimentos, que
lhe são próprios e que irão estabelecer suas vantagens competitivas.
Torna-se necessário fazer duas considerações importantes para a delimitação do
conceito de competência profissional que adotarei nesta dissertação, conceito esse precário,
inacabado e polissêmico, cujo significado comporta diversas abordagens.
Primeiramente sobre a natureza dos saberes profissionais, se são conhecimentos,
saberes ou competências
13
, recorrerei a Perrenoud (2001). O autor explica que o essencial é
situar os saberes
14
, sejam eles quais forem no conjunto das competências de um profissional,
se recusando a aceitar a concepção de saber no sentido de abranger todos os recursos
cognitivos que um profissional mobiliza. Se recusa a conceber o profissional como um
simples especialista detentor de saberes que se limita a colocá-los em prática, seguindo uma
certa rotina, sem pensar no sentido de suas ações. Ainda, que a implementação é
eminentemente problemática e exige outros recursos e que sem essa capacidade de
mobilização e de atualização de saberes, não há competência, mas apenas conhecimentos.
Segundo Perrenoud (2001. P. 139),
[As competências] englobam os saberes, porém não se limitam a eles! Ao
contrário dos conhecimentos, que são representações organizadas da
realidade ou do modo de transformá-la, as competências são capacidades de
ação.
Nesse ponto uma convergência do conceito de Perrenoud (2001) de que
competências são capacidades de ação, e do conceito de Le Boterf
15
(1994, apud
PERRENOUD, 2001, p. 21) de que
A competência o reside nos recursos (conhecimentos, capacidades...) a
serem mobilizados, mas na própria mobilização desses recursos. A
competência pertence à ordem do ‘saber mobilizar’. Para haver competência
13
Perrenoud (2001) reconhece que distinções entre saberes e conhecimentos, mas considera que não
utilidade em os contrapor como duas categorias. Para o autor ambos “são representações organizadas do real,
que utilizam conceitos ou imagens mentais para descrever e, eventualmente, explicar, às vezes antecipar ou
controlar, de maneira mais ou menos formalizada e estruturada, fenômenos, estados, processos, mecanismos
observados na realidade ou inferidos a partir da observação.” (PERRENOUD, 2001, p. 18).
14
Perrenoud (2001, p. 141) se refere aos “saberes eruditos [científicos ou não] ou do senso comum, declarativos
ou procedimentais, individuais ou compartilhados, explicativos ou normativos.”
15
Le Boterf. De La compétence. Essai sur attracteur étrange. Paris, p. 16, 1994.
CAPÍTULO II
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73
é preciso que esteja em jogo um repertório de recursos (conhecimentos,
capacidades cognitivas, capacidades relacionais...).
Mas a questão da mobilização dos recursos por parte do trabalhador encontra quatro
obstáculos: o primeiro por parte do próprio trabalhador, que é a autonomia, que segundo
Dadoy (2001, p. 130) apresenta
[...] uma dimensão comportamental, na medida em que implica uma
interiorização dos objetivos da empresa, um respeito pelas regras, uma
consciência do espaço de liberdade e de seus limites, um cuidado constante
com a interação de seu próprio trabalho com o dos outros, uma preocupação
permanente de informar os colegas e sua hierarquia dos problemas e da
situação.
Mas essa autonomia do trabalhador, característica tão procurada pelas empresas,
tangencia o segundo obstáculo, que é o de que para interiorizar os objetivos da empresa estes
precisam ser claros e transparentes ao trabalhador, ou seja,
A chefia tem frequentemente um papel insubstituível a desempenhar na
explicitação das implicações de uma unidade de produção e na explicitação
do motivo (do ‘porquê’) do que é exigido dos assalariados, na instauração de
uma forma de reelaboração coletiva desse motivo (desse ‘porquê’)
(ZARIFIAN, 2001, p. 117).
Além disso, pergunta Dadoy (2001, p.130),
Como suscitar a autonomia, ou seja, a capacidade de assumir sozinho as
disfunções, de inovar em situação de incerteza, de até mesmo inventar o
trabalho em caso de força maior e, ao mesmo tempo, impor o respeito pelos
procedimentos, a submissão a prescrições numerosas e complexas?
ainda, um terceiro obstáculo, uma outra questão, de mesma gênese que a da
autonomia do empregado que é a da co-responsabilidade entre grupos da empresa. Como
lembra Zarifian (2001), essa co-responsabilidade entre departamentos da empresa poderá
se desenvolver plenamente se uma co-responsabilidade equivalente for construída entre as
chefias superiores desses grupos. Havendo conflitos entre as chefias, dificilmente haverá
cooperação entre os funcionários dos grupos e consequentemente autonomia e
responsabilidade.
CAPÍTULO II
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74
Um quarto obstáculo que se coloca à automobilização das competências, como
lembra Zarifian (2001), é a motivação do indivíduo, que a automobilização não pode ser
imposta nem prescrita pela empresa. Provavelmente reside aí uma responsabilidade e ao
mesmo tempo, um desafio às empresas, que precisam fazer com que os indivíduos queiram
desenvolver e mobilizar as suas competências, o que implica em superar o medo do
desemprego, a dúvida sobre suas próprias competências, o receio de fracassar em estágios de
formação ou nas novas responsabilidades que lhe são confiadas.
Uma das formas que o toyotismo utilizou e ainda utiliza para promover a
automobilização, como vimos no tópico 1.3 dessa dissertação, é o emprego vitalício e a
promoção por antiguidade. Além disso proporciona maior autonomia ao empregado com a
reagregação de atividades e formação de grupos autônomos para melhoria contínua.
Para Zarifian (2001, p. 122), para possibilitar a automobilização
[...] a empresa precisaria concomitantemente:
- dar garantias, no que puder. Se não pode garantir o vel de emprego, pode
afiançar a política que segue para assegurar a sua sobrevivência e garantir
meios referentes à ajuda a ser dada a cada indivíduo para seus projetos ou
perspectivas profissionais [...];
- apoiar cada indivíduo no aproveitamento de suas capacidades de
aprendizagem e nos desenvolvimentos a dar a elas, para aumentar a
confiança que ele pode ter em si mesmo.
Retornando às duas considerações importantes para a delimitação do conceito de
competência que adotarei nessa dissertação, discorri sobre a primeira, da natureza dos saberes
profissionais. Em segundo lugar, adotei como ponto de partida para o entendimento das
competências, a linha de raciocínio de Zarifian (2001, p. 147) que faz uma opção pela
abordagem da competência social em detrimento a abordagem do saber-ser, “por ser a única a
ter uma relação legítima com a lógica da competência.”
A abordagem da competência social enfatiza o comportamento e as atitudes do
indivíduo, enquanto a abordagem do saber-ser enfatiza os traços de personalidade e as
aptidões do indivíduo. A segunda considera o indivíduo em sua totalidade, em seu “ser”,
enquanto a primeira, uma visão parcial e manifesta do indivíduo, ou seja, a maneira como ele
apreende seu ambiente ‘em situação’, a maneira como ‘se comporta’. O comportamento pode
CAPÍTULO II
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75
ser adquirido, pode evoluir e ser avaliado e é o que se pretende apreender, e não o “ser”.
(ZARIFIAN, 2001).
Feitas as considerações retornarei as conceituações de competências. Nesse sentido
Zarifian (2001, p. 68) apresenta uma primeira definição de competência que integra várias
dimensões e reúne varias formulações: “A competência é o ‘tomar iniciativa’ e o ‘assumir
responsabilidade’ do indivíduo diante de situações profissionais com as quais se depara”.
Uma segunda definição é apresentada por Zarifian (2001, p. 72) a de que “A
competência é um entendimento prático de situações que se apóia em conhecimentos
adquiridos e os transforma na medida em que aumenta a diversidade das situações”, enfatiza a
dinâmica da aprendizagem.
Uma terceira conceituação é feita por Zarifian (2001, p. 74), “A competência é a
faculdade de mobilizar redes de atores em torno das mesmas situações, é a faculdade de fazer
com que esses atores compartilhem implicações de suas ações, é fazê-los assumir áreas de co-
responsabilidade.”
As três definições de Zarifian (2001) trazem elementos importantes, que serão
explorados no tópico seguinte deste capítulo, como: tomar iniciativa, assumir
responsabilidade, entendimento prático, situações, que se apóia em conhecimentos adquiridos,
transformação dos conhecimentos adquiridos, diversidade de situações, mobilizar rede de
atores, compartilhar as implicações de uma situação, assumir área de co-responsabilidade.
A noção de evento é o pólo articulador da abordagem de Zarifian (2001) sobre as
mutações no conteúdo do trabalho. Em torno do conceito de evento, comunicação e serviço
ele constrói uma nova lógica de organização do trabalho: a lógica da competência. Por evento,
entende Zarifian (2001), ser tudo o que ocorre de surpreendente e imprevisível numa situação
industrial, que ele define de duas maneiras, sendo a primeira a partir dos próprios sistemas de
produção:
Entende-se, aqui, por evento, o que ocorre de maneira parcialmente
imprevista, inesperada, vindo a perturbar o desenrolar normal do sistema de
produção, superando a capacidade da máquina de assegurar sua
autoregulagem. Esses eventos são bem conhecidos, constituem o cotidiano
na vida de uma oficina automatizada. São as panes, os desvios de qualidade,
os materiais que faltam, as mudanças imprevistas na programação de
fabricação, uma encomenda repentina de um cliente, etc. Em resumo tudo o
que chamamos de acaso. (ZARIFIAN, 2001, p. 41).
CAPÍTULO II
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76
A segunda maneira, a partir
[...] dos novos problemas colocados pelo ambiente, que
mobilizam as atividades de inovação. Por exemplo, novos usos potenciais dos produtos, novas
expectativas da clientela.” (ZARIFIAN, 2001, p. 42).
No confronto com os eventos, os três momentos - antes, durante e depois compõem
um processo de resolução do problema concomitantemente com um processo de
aprendizagem dinâmica
- antes do evento: sua expectação atenta, sua antecipação parcial, quando o
assalariado sabe perceber indícios da iminência de um evento, ou sabe
empregar meios “preditivos”;
- durante o evento: a intervenção ativa e pertinente em situação de evento,
muitas vezes sob forte pressão de prazo preciso reparar rapidamente uma
pane ...);
- depois do evento: o debruçar reflexivo sobre o evento ocorrido, com
“frieza”, para compreendê-lo, para analisar profundamente as causas e os
motivos que fizeram com que esse evento ocorresse, para evitar que volte a
ocorrer. (ZARIFIAN, 2001, p. 41).
Ou seja, é em torno do ciclo antecipar-intervir-compreender:
- antecipação preventiva desses eventos;
- confronto direto com os eventos;
- análise crítica e sistemática desses eventos (de suas causas, dos sucessos e
dos fracassos de tentativas feitas para dominá-los etc.). (ZARIFIAN, 2001,
p. 44).
Mais adiante, Zarifian (2001) complementa que o conceito de evento desestabiliza
profundamente o esquema do trabalho industrial clássico, trazendo cinco importantes
conseqüências:
A primeira, a de que o conceito de trabalho retorna ao trabalhador, já que trabalhar
é aão competente do indivíduo diante de uma situação de evento. Esse conceito se
aproxima da atividade camponesa, sensível aos acasos (do clima, do comportamento das
plantas e dos animais) e que sempre foi guiada pelo saber tácito dos camponeses. Portanto,
seria absurdo falar em posto de trabalho competente.
CAPÍTULO II
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77
A segunda, a de que o trabalho se recoloca na interioridade do trabalhador, tanto no
ponto de vista cognitivo quanto no ponto de vista da motivação e do comportamento. Ou seja,
há a questão da automobilização, existindo uma parcela indispensável de iniciativa que
provém do próprio indivíduo, que não pode ser prescrita.
A terceira, a de que o trabalho torna-se coletivo em situações complexas de trabalho
e evento, ultrapassando o saber e ação de um único indivíduo, impondo mobilização de rede
de atores.
A quarta, a de que o trabalho torna-se uma seqüência de eventos, de situações
singulares que se entrechocam, que reagem umas as outras e se modificam. O trabalho não
pode mais ser visto como uma seqüência de operações programadas, rotinizadas e repetitíveis,
como antes.
A quinta, a de que o conceito de evento muda muito a maneira de encarar as
aprendizagens e de avaliar as experiências profissionais.
O segundo conceito de Zarifian (2001) de comunicação, se contrapõe à lógica
anterior taylorista da divisão do trabalho, da separação entre tarefas e responsabilidades. A
integração sistêmica exige agora uma gestão das interações, em torno de problemas e eventos
que não podem mais serem inteiramente previstos com antecedência. A qualidade das
interações é, a partir de agora, fundamental para melhorar o desempenho das organizações.
Para Zarifian (2001, p. 46), comunicar-se é:
- entender os problemas e as obrigações dos outros (os outros indivíduos da
equipe, as outras equipes de trabalho, as outras formações profissionais, os
outros serviços...), e entender a interdependência, a complementariedade, e
a solidariedade das ações;
- conseguir entender a si mesmo, e conseguir avaliar os efeitos de sua
própria ação sobre os outros, em função desse entendimento;
- chegar a um acordo referente às implicações e aos objetivos de ação,
aceitos e assumidos em conjunto, quanto às regras que vão permitir
organizar essas ações;
- [...] compartilhar normas mínimas de justiça, que permitam acesso
igualitário à informação e uma distribuição equitativa de seus benefícios.
Evidentemente, seria ilusão imaginar que informações de diferentes níveis
sejam unificadas e, por conseguinte, que as relações hierárquicas vão
desaparecer. [...] Trata-se de [...] reconhecer o direito de cada um ter acesso
CAPÍTULO II
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78
à informação que conta para o exercício de seu trabalho profissional,
porque ela condiciona a qualidade e o significado desse trabalho.
O terceiro conceito de Zarifian (2001), o de serviço, torna concreto o conceito de
fornecedor (que produz o serviço) e cliente (que é o destinatário do serviço), que trabalhar
consiste em produzir um serviço para um destinatário, que é essencial para uma produção
moderna. No entanto, Zarifian (2001, p. 50) adverte que
Ainda hoje há dificuldades de encarar a prestação de serviço como finalidade
que une assalariados, que sentido unificado à comunicação, e permite
concretizar “aspirações de clientes-usuários” que o amplamente
compartilhadas no seio da empresa ou da instituição em que trabalha.
CAPÍTULO III
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79
3. AS COMPETÊNCIAS DOS PROFISSIONAIS DE LOGÍSTICA NA CADEIA
AUTOMOTIVA
PREÂMBULO
Este capítulo abordará os resultados da pesquisa de campo realizada nas três
empresas do segmento automotivo, com os cinco gestores de logística à luz das referências
teóricas dos capítulos anteriores desta dissertação.
Tem como objetivo analisar as mutações na gestão do fluxo produtivo industrial
convergentes com o toyotismo nessas empresas, e as competências dos profissionais de
logística nesse novo ambiente de organização da produção e que emergiram dos relatos dos
entrevistados.
O fato das empresas pesquisadas se encontrarem em estágios distintos de adoção do
novo modelo de gestão da produção convergente com o toyotismo, enriqueceu a pesquisa pois
permitiu identificar competências requeridas dos profissionais de logística em diferentes
estágios de evolução.
O grupo empresarial ao qual as empresas pesquisadas são integrantes, adotou até o
ano de 2007, métodos e técnicas de gestão produtiva próprios ou seja, uma estratégia
particular que teve origem em sua matriz na Europa. As estratégias até então adotadas pelo
grupo apesar de se mostrarem exitosas se comparadas com a maioria dos seus concorrentes
ocidentais, tinham o seu desempenho significativamente inferior aos concorrentes que adotam
as estratégias da produção enxuta. Em 2006, diante de uma crise sem precedentes que
ameaçava a continuidade dos negócios, o grupo resolveu se reestruturar adotando estratégias
convergentes ao toyotismo, ou seja, a produção enxuta.
A pesquisa realizada nessas empresas no momento em que essa mudança de rumo
nas estratégias acontecem, 60 anos após as mesmas iniciativas na Toyota do Japão, forneceu
elementos importantes de análise de um “pensar pelo avesso” a gestão da produção, tomando
emprestada a expressão de Coriat (1994).
CAPÍTULO III
__________________________________________________________________________________________
80
Tem este capítulo portanto a função de retratar a metamorfose da organização da
produção e do trabalho nas empresas pesquisadas e evidenciar as convergências e
divergências em relação à teoria estudada nos capítulos anteriores desta dissertação.
Esse capítulo foi estruturado em três tópicos:
Os modelos de produção em transição;
O lugar da gestão logística nas empresas enxutas;
O trabalho e as competências dos profissionais de logística.
3.1. OS MODELOS DE PRODUÇÃO EM TRANSIÇÃO
As três empresas participantes da pesquisa são integrantes do mesmo programa de
introdução da estratégia e dos métodos de produção enxuta inspirado no sistema desenvolvido
pela Toyota do Japão, que o grupo empresarial adotou a partir do ano de 2007.
A estratégia foi inicialmente implantada em duas unidades fabris dos EEUU e
Europa, e a partir daí se difundiu para as demais fábricas do grupo empresarial que abrange
mais de 50 empresas em todo o mundo.
Os entrevistados utilizaram várias expressões para nominar essa estratégia de
gestão do fluxo produtivo adotada por suas empresas, como: sistema, programa, metodologia,
ou mesmo expressões utilizadas no meio industrial, como Sistema Toyota de Produção, lean
production
1
, lean manufacturing
2
, produção flexível, produção puxada
3
ou produção enxuta.
Adotarei a nomenclatura nova estratégia de gestão enxuta do fluxo produtivo,
aproximando minha nomenclatura à idéia de estratégia de Morin (1996, p. 135),
1
Expressão que significa produção enxuta.
2
Expressão que significa manufatura enxuta, que tem o mesmo significado de produção enxuta.
3
Produção puxada, ou programação puxada, ou fluxo puxado são expressões utilizadas para diferenciar o
método adotado pelo toyotismo (materializado pela técnica de kanban) do método da produção em escala que
era empurrado. Essa diferenciação estabeleceu uma nova maneira de se programar o fluxo produtivo na indústria
automotiva, com mais eficiência que a anterior.
CAPÍTULO III
__________________________________________________________________________________________
81
A idéia de estratégia é oposta à de programa. Um programa é um seqüência
de ações predeterminadas, que deve funcionar nas circunstâncias que
permitem o seu cumprimento. Se as circunstâncias externas não forem
favoráveis, o programa cessa ou fracassa. A estratégia elabora um ou vários
cenários. Desde o início, há uma preparação para o novo ou inesperado, para
integrar, modificar ou enriquecer a ação.
O gestor G1E2 relatou que vários foram os programas gerenciais e métodos
isolados que o grupo adotou em suas empresas, como o círculos de controle de qualidade,
(CCQ), six sigma
4
, JIT. Kaisen e vários outros. No entanto, relata o mesmo gestor, os
resultados que esses programas proporcionaram não foram permanentes e muitas vezes eles se
restringiam a algumas área específicas da empresa. A relação custo-benefício desses
programas muitas vezes não era stisfatória.
Segundo Morin (1996, p. 135), a adoção dos programas proporcionam simplicidade e
economia às empresas, pois “com ele[s] não é necessário refletir, tudo se faz de modo
automático”. No entanto tem sua eficácia limitada. A estratégia, ao contrário, pode
proporcionar às empresas resultados mais estruturais e permanentes, mas é mais difícil de ser
implantada pois,
[a estratégia] é determinada levando-se em conta uma situação imprevista,
elementos adversos e até adversários, uma situação que teve de se modificar
em função de informações fornecidas durante a operação. Tem, portanto,
grande maleabilidade. Contudo, para que uma estratégia possa ser conduzida
por uma organização, é necessário que tal organização não seja planejada
para obedecer a programas. Ela deve ser capaz de lidar com elementos
que contribuam para a elaboração e desenvolvimento de estratégias
(MORIN, 1996, p.135).
A idéia de se adotar a nova estratégia surgiu quando a cúpula do grupo empresarial
em questão, diante de uma crise sem proporções que ameaçava a continuidade dos negócios,
se viu obrigada a realizar uma mudança estrutural que pudesse reerguer o grupo e suas
empresas instaladas no mundo inteiro.. De acordo com o gestor G1E2, o diretor do grupo
mundial que assumiu a posição nos anos anteriores a 2006 com a missão de promover a
mudança estrutural, foi convencido por outro executivo da empresa que para atingir os
4
Expressão que significa seis sigma e que faz uma alusão à medida estatística denominada desvio-padrão, cuja
unidade é a letra grega σ (sigma). A expressão seis sigma foi usada para nominar um método de
desenvolvimento de projetos baseado em medições estatísticas, que garantiriam maior precisão e eficácia.
CAPÍTULO III
__________________________________________________________________________________________
82
objetivos almejados pelo grupo seria imprescindível a adoção de um sistema de produção
alinhado com o STP.
O gestor G2E1, ao responder sobre as razões da escolha do STP e não outro sistema
foi categórico:
... porque é o mais lucrativo e o mais inteligente que existe [...] e o motivo
básico [da escolha], não tem como esconder, vai além da sobrevivência, é
promover aumento da lucratividade. [...] queremos fabricar nossos produtos
com um custo de transformação muito menor do que o que temos hoje.
O mesmo gestor faz uma comparação entre a lucratividade por veículo da empresa
fabricante de automóveis do seu grupo e a lucratividade da Toyota. Para obter o lucro que a
Toyota aufere em um único veículo a empresa de seu grupo empresarial tem que produzir
vários automóveis.
Segundo o gestor G1E1, a adoção do modelo de gestão produtiva nas empresas do
grupo empresarial baseado na produção enxuta, se deu, principalmente, pela necessidade de
... reduzir custos pela competitividade. [...] estamos inseridos no mercado
que é muito competitivo e você não consegue mudar o preço do mercado.
Quem [estabelece] o preço no mercado é o próprio mercado, o são as
empresas que estão atuando. Nós não [...] atuamos como um monopólio no
mercado e precisamos, para continuar no mercado, de sermos competitivos e
remunerar os nossos acionistas melhor, para que eles tenham a rentabilidade
esperada é [necessário] reduzir o custo. Para se reduzir custos, você precisa
trabalhar de forma diferente. Precisa eliminar as ineficiências que você tem
durante todo o decorrer do processo.
Sobre esses aspectos, dos objetivos de aumentar da competitividade e a
lucratividade, houve convergência dos relatos dos gestores G2E1 e G1E1.
No entanto o gestor G1E1 mencionou um outro aspecto, um outro objetivo que o
grupo empresarial pretende atingir, com a adoção da nova estratégia que é:
[...] dar ao acionista um valor da ação maior do que ele tem hoje. Porque na
verdade, o que vale a empresa hoje? Ela vale não pelo que ela é hoje, mas
pela expectativa que se tem dela para amanhã. Se for pelo que ela é hoje só,
não vale muita coisa. Mas [o seu valor poderá ser maior] pelo que ela poderá
produzir, pelo que ela poderá entregar, pelo que ela poderá ser no futuro.
Então se você tem um processo desse implementado, que vai a cada passo
CAPÍTULO III
__________________________________________________________________________________________
83
dando resultados melhores, melhorando a produtividade, reduzindo custos,
você com certeza terá um valor bem melhor [no futuro].
O grupo empresarial em questão adotou uma sistemática de implantação da nova
estratégia, caracterizada pela adoção simultânea por todas as unidades fabris do grupo em
todo o mundo. Estabeleceu degraus de metas e objetivos de progresso e avaliações periódicas
de cada empresa, o que segundo o gestor G1E1, “tem provocado [...] uma competição sadia
entre as fábricas do próprio grupo. Todas as fábricas são avaliadas [...] com um mesmo
critério, com o mesmo auditor externo” e cada uma recebe uma pontuação, e uma
classificação - bronze, prata e ouro - em função da pontuação obtida.
O gestor G1E1, que visitou outras unidades fabris do grupo na Europa, as quais
obtiveram pontuação mais elevada que as suas unidades no Brasil, enfatiza que se ele não
tivesse visto os resultados alcançados por essas empresas, diria ser impossível alcançá-los.
Como tentativa de explicar a essência dessa nova estratégia, pode-se pensar nela
como uma busca intensa e determinada pelo racionalismo do sistema produtivo, que esteve
anos estagnado sob a égide do fordismo e da divisão do trabalho. Uma busca da otimização
contínua em todos os processos, com o objetivo final de proporcionar redução do custo de
transformação e aumento da capacidade produtiva pela via do contínuo aumento da
velocidade do fluxo produtivo. Em outras palavras, aumentar continuamente o lucro e
maximizar o valor da empresa, produzindo com os mesmos recursos e capacidades existentes,
sem necessidade de novos investimentos, com custos cada vez menores por produto, e uma
vazão cada vez maior de produtos decorrente da aceleração do fluxo produtivo. E isso tudo
preservando a qualidade final dos produtos, ou seja, a satisfação dos clientes.
5
O gestor G1E2 explica a abrangência da estratégia adotada, que segundo ele, tem
diversos pilares
6
mas o que norteia a iniciativa é a redução anual de 8% nos desperdícios e
perdas
7
no processo produtivo. Nesse ambiente produtivo estagnado anos, emergem uma
5
A estratégia elegeu três grandes metas: elevar a qualidade dos produtos a níveis da manufatura classe mundial,
reduzir à metade o custo de transformação e concomitantemente dobrar a produtividade, e reduzir o lead time de
entrega mais que 5 dias.
6
A estratégia estratifica o sistema produtivo em dez pilares: segurança, meio ambiente, cost deployment,
manutenção, logística, melhoria focalizada, controle de qualidade, atividade aunoma, desenvolvimento de
pessoas e gestão de equipamentos.
7
Entende-se como desperdícios e perdas tudo aquilo (trabalho humano, uso de equipamentos, gastos e
investimentos) que não agrega valor ao produto final. O conceito de agregar valor ao produto está associado à
CAPÍTULO III
__________________________________________________________________________________________
84
infinidade de proposições de melhorias em processos que poderiam contribuir para a meta de
redução anual de 8% dos custos industriais. Nesse sentido, a estratégia adotada funciona
também como mecanismo norteador de ações de melhoria, de intervenções no sistema
produtivo, avaliando os impactos dos problemas, priorizando as ações mais relevantes e
fornecendo técnicas adequadas a cada tipo de problema ou ineficiência encontrados. Funciona
como uma matriz de priorização e uma verdadeira caixa de ferramentas à disposição dos
empregados para utilizarem nas oportunidades identificadas de eliminação de desperdícios.
O gestor G1E1 explica que os funcionários, diante dos problemas (que são
encarados como oportunidades de melhoria) devem adotar três procedimentos:
1. Ver ao vivo, com os próprios olhos, pois não fazendo isso o farão por
interpretação do fato, o que poderá gerar uma visão distorcida da realidade e
consequentemente errôneas proposições de abordagem;
2. Encontrar o real problema sem se preocupar em encontrar culpados. A empresa
tinha, anteriormente, o hábito de procurar um culpado para um determinado
problema e penalizá-lo. O problema em si ficava em segundo plano sem
solução. Encontrado o problema, o segundo passo é entender a causa raiz
8
,
decompondo o problema até se chegar à sua verdadeira causa, para que o
mesmo não ocorra novamente;
3. Respeitar as pessoas, não no sentido da gentileza, do tratamento educado, mas
no sentido de respeito à inteligência dos empregados, à sua capacidade de
realizar um trabalho eficaz, a sua capacidade e autonomia para propor soluções
diante das situações de trabalho.
A nova estratégia está sendo implantada em todas as empresas do grupo e em todo
o mundo
[...] com muita resistência por parte de várias empresas do grupo, por parte
de várias pessoas mais antigas dentro da organização, mas que a cada ano
vem sendo quebrada [...]. A cúpula do grupo enxergou e cada vez mais
percepção dos clientes, internos e externos. Como forma de materializar esses desperdícios e perdas, estes são
classificados em sete tipos: superprodução, excesso de inventário, tempo de espera, transporte desnecessário,
movimentação desnecessária, processamento incorreto e defeitos.
8
Expressão largamente utilizada pelos profissionais do meio industrial, que parece redundante, mas reforça a
necessidade de diante de um problema, não de satisfazer em encontrar uma causa superficial, que precisa ser
decomposta até se chegar à raiz do problema.
CAPÍTULO III
__________________________________________________________________________________________
85
pessoas dentro do grupo estão enxergando que essa é a forma de fazer a
produção de maneira mais racional e competitiva e isso é muito claro para
todos. (G1E2).
Sobre esse aspecto, dos problemas enfrentados para a implantação da nova
estratégia o mesmo gestor relatou, que talvez seja esse o mais relevante.
A resistência à implantação se manifesta nos diversos níveis hierárquicos mas
principalmente com os empregados mais antigos. Como a sistemática de implantação da nova
estratégia é de cima para baixo no sentido vertical da hierarquia, as resistências nos escalões
mais altos da organização são mais vigorosas e estão se manifestando em primeiro lugar.
Para resolver o problema da resistência dos funcionários, o grupo tem promovido
substituições daqueles que não acreditam na eficácia da nova estratégia, se opondo, tácita ou
expressamente à sua implantação;
Vários plant managers
9
foram e estão sendo substituídos por não
acreditarem e não aderirem à [nova] estratégia” [...] diretor de planta que não
acredita [na estratégia] sobrevive até que alguém [da cúpula] descubra.
(G1E2).
O gestor G1E1 relatou que nos escalões mais baixos também resistência dos
empregados. Algumas pessoas não se adaptam às novas formas de desempenhar as atividades
apesar da insistência de seus superiores em convencê-los de que a empresa quer a mudança.
Quando não se consegue mudar a mentalidade delas, então a solução adotada é a substituição
dos empregados que se opõem à mudança por outros que se adaptam, aceitam e se conformam
em trabalhar do jeito novo. Como conseqüência, um certo atraso na implantação das
mudanças, que a resistência de alguns empregados produz uma redução na velocidade de
implantação desejada pela empresa.
O gestor G1E2 considera que as mudanças têm que ser efetivas, em profundidade, e
que esse é um problema que precisa ser resolvido nas empresas situadas no Brasil. Segundo
ele, os empregados fazem o discurso de que estão convencidos dos benefícios da mudança e
que estão dispostos a aderirem a ela, mas no fundo não acreditam e o agem conforme o
discurso. O mesmo gestor observou que mesmo oferecendo essas resistências, os brasileiros
9
Gerentes de plantas, ou gerentes de fábricas, ou gerentes industriais.
CAPÍTULO III
__________________________________________________________________________________________
86
são mais receptivos, mais colaborativos e se envolvem mais no processo de implantação da
nova estratégia que os europeus.
Em seu relato o gestor G1E2 acredita que “tem que se conseguir [...] arraigar [a
estratégia], e virar uma cultura, pois essa é uma mudança cultural”. Segundo o mesmo gestor
a diferença que a empresa que não adotou a produção enxuta tem em relação ao estágio atual
do STP são 60 anos de experiência, e que as dificuldades que as empresas do seu grupo estão
vivendo hoje para implantar o novo sistema são as mesmas que Ohno viveu quando do início
do desenvolvimento da produção enxuta na Toyota do Japão, na década de 1950.
O gestor G1E2, explicando sobre o que ele considera como essa “mudança
cultural” necessária para a plena adoção da nova estratégia, relata que a maneira habitual do
empregado trabalhar é oposta às idéias da produção enxuta, principalmente no que se refere
ao planejamento do trabalho. Exemplifica o fato dizendo que diante de um problema de
retrabalho
10
em 50 veículos, a tendência dos empregados é tentar realizar o trabalho
simultaneamente em todos os veículos, ao passo que a lógica da produção enxuta é realizar o
trabalho veículo por veículo, um a um. Esse raciocínio, um a um, foi uma importante
descoberta de Ohno sobre a redução dos lotes de fabricação, conforme mencionei no capítulo
II, ou seja, o fluxo fica mais enxuto e veloz, com lotes cada vez menores.
3.2 O LUGAR DA GESTÃO LOGÍSTICA NAS EMPRESAS ENXUTAS
A área de logística nas três empresas pesquisadas tem características específicas
adequadas ao funcionamento de cada fluxo produtivo e também a cada modalidade de gestão
industrial adotada.
As responsabilidades e as funções das áreas de logística em cada uma das empresas
têm variações na extensão, nos limites de responsabilidade e também no modo de executar o
trabalho da gestão do fluxo produtivo,e de se organizarem funcionalmente.
10
Expressão largamente utilizada no meio industrial que significa executar novamente um trabalho que foi
realizado sem sucesso, ou com anomalias de qualidade e que portanto deve ser refeito. No caso específico
narrado, os 50 veículos foram produzidos na linha de produção faltando alguma peça devido a ausência de
estoque da mesma no dia da montagem, e que teriam que era retrabalhados após a chegada da peça faltante.
CAPÍTULO III
__________________________________________________________________________________________
87
No entanto em comum todas elas têm a função de suprir a fábrica com os materiais
adquiridos de empresas fornecedoras integrantes das respectivas cadeias de suprimento. E isso
deve ocorrer sob certas condições, atendendo a certos parâmetros de desempenho, que no
contexto da produção enxuta são cada vez mais desafiantes: uma cobertura de estoque
11
menor possível, e uma ruptura do fluxo
12
quanto mais próxima de zero possível. Em outras
palavras, os profissionais de logística responsáveis pela gestão do fluxo têm que suprir a
fábrica com os materiais necessários à industrialização dos produtos finais sem que haja
excesso ou falta.
A estratégia de produção enxuta persegue sistematicamente a redução da cobertura
de estoque concomitantemente com a eliminação das faltas, tornando o trabalho muito mais
complexo para esses profissionais.
Para atingir metas de cobertura de estoque cada vez menores, sem que haja ruptura
no fluxo de materiais, os gestores e profissionais de logística de todas as fábricas enfrentam
alguns obstáculos.
Segundo o relato do gestor G1E1, o primeiro obstáculo é a flexibilidade e a
liberdade de escolha do mix de produtos a ser fabricado no curto prazo, uma característica
marcante, um modus operandi típico desse grupo empresarial.
O departamento comercial das empresas desse grupo tem ampla liberdade para
promover alterações no mix de produtos no curto prazo para atender aos clientes, o que causa
certa turbulência no fluxo de materiais e um aumento na cobertura de estoque. Ocorre a
turbulência no fluxo produtivo porque na operação enxuta os materiais e insumos são supridos
numa seqüência que guarda estreita relação com a seqüência de fabricação. Alterando-se a
seqüência de produção, dever-se-ia também alterar a seqüência de chegada dos materiais na
11
A cobertura de estoque é uma medida logística de eficiência da gestão do fluxo de materiais. Quanto menor
for a cobertura menor será o investimento em capital circulante, que é um dos principais objetivos da estratégia
de produção enxuta. Essa medida é feita somando-se ao final do mês todo o estoque de materiais de propriedade
da empresa, no almoxarifado ou em transporte, e dividindo-o pela produção de veículos no mês, ambos em
valores monetários. Em tese, se a empresa conta com vinte e um dias de cobertura de estoque significa que ela
poderia produzir durante esse tempo com o seu próprio estoque, sem necessidade de fazer novas aquisições de
materiais. Na prática isso não ocorre, em virtude do desbalanceamento existente entre os itens de materiais em
estoque.
12
A ruptura do fluxo de materiais, também conhecida como stock-out, representa as faltas de materiais
necessários à montagem do produto final. Essas faltas de materiais são indesejáveis e combatidas, mas quando
ocorrem podem causar mudanças no seqüenciamento da produção, montagem incompleta do produto final
gerando retrabalho futuro ou parada de linha no caso da falta desse material impedir o curso normal da linha de
produção.
CAPÍTULO III
__________________________________________________________________________________________
88
fábrica, o que nem sempre é possível no curto prazo, por duas razões: a primeira se refere ao
fato de que os materiais componentes de um certo produto que tem a sua ordem de produção
postergada, já foram programados com os fornecedores, não sendo possível adiar sua entrega.
Se não é possível adiar, a conseqüência é que eles ficarão em estoque; a segunda razão se
refere a situação de antecipação da ordem de produção que nesse caso obrigaria antecipar a
entrega dos materiais componentes do produto. Sendo possível em função do lead time de
fornecimento isso implicaria em custos adicionais de urgência, como utilizar transporte aéreo,
mais oneroso. Não havendo tempo hábil para antecipação uma outra alternativa seria a de
manter estoques em níveis mais elevados desses materiais.
Em outras palavras, se a empresa quer ter muita flexibilidade para alterar a
seqüência prevista de produção no curto prazo, então ela terá inevitavelmente que contar com
um estoque de materiais necessário para suportar essa estratégia, e possivelmente incorrendo
em custos de urgência.
É isso que ocorre nesse grupo empresarial, que tem como princípio a flexibilidade
de escolha dos produtos a serem produzidos em curtíssimo prazo e como conseqüência um
nível de cobertura de estoque relativamente alto.
Sobre esse aspecto, o gestor G1E1 faz a seguinte observação sobre a conduta oposta
da fábrica da Toyota no Brasil que o gestor verificou ao visitar essa empresa recentemente. O
gestor de logística da fabrica da Toyota explicou ao gestor G1E1 como se comporta sua
empresa em relação a esse aspecto, da flexibilidade de escolha do mix de produção no curto
prazo:
Estamos [fabricando] trezentos e doze veículos por dia [...] e estamos
dimensionados para fabricar trezentos e noventa, mas para [passarmos para
esse patamar] tem que ser bem discutido e [só] é [possível] daqui a seis
meses. Esse mês são trezentos e doze, mês que vem são trezentos e doze
assim por diante. O que não está definido é quais os [modelos dos] trezentos
e doze carros do mês que vem, mas nós estamos decidindo agora e assim que
se fechar esse mix não se toca mais nele.
Ainda relatando as diferenças entre o modo de encarar a flexibilidade da Toyota e das
empresas do seu grupo empresarial, o gestor G1E1 explica que essa capacidade de produção
de trezentos e noventa veículos por dia se refere a dois turnos de produção, pois o terceiro
turno é reservado à manutenção das máquinas e equipamentos. Isso não ocorre nas empresas
CAPÍTULO III
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89
do seu grupo, que diante de uma elevação da demanda procuram atendê-la utilizando o
terceiro turno noturno para a produção, sacrificando as atividades de manutenção.
Havendo pressão da área comercial para aumentar os níveis de produção, a área de
logística argumenta que mesmo que o mercado esteja demandando quatrocentos ou
quinhentos automóveis por dia, a empresa não abrirá mão do planejamento já feito, e não fará
uso do terceiro turno para produção em detrimento da manutenção.
Outra característica desse grupo empresarial é a enorme diversidade de modelos e
opcionais de produtos em catálogo, um outro aspecto que impacta a gestão enxuta do fluxo
produtivo. Essa diversidade implica numa complexificação no fluxo produtivo e
concomitantemente num aumento dos níveis de estoque de materiais. Sobre esse aspecto, o da
diversidade de produtos, mencionei no capitulo II desta dissertação que a estratégia adotada
pela Toyota no início da sua trajetória foi exatamente a diversidade de modelos, em
contraposição à estratégia fordista de produção de um único modelo de veículo, o Ford T,
numa única cor, a preta. O gestor G2E1 chama a atenção para esse aspecto afirmando que a
Toyota no Brasil, paradoxalmente, não tem essa diversidade atualmente. Ela oferece seus
automóveis em poucas opções de cores, a preta, a prata, a branca e talvez uma ou outra cor a
mais.
Nossa empresa utiliza cinqüenta cores. Eles [Toyota] fabricam duas ou três
famílias
13
de produtos, nossa empresa fabrica umas dez famílias. Eles
[Toyota] têm poucos modelos opcionais, pois incorporam muitos
opcionais nos modelo básicos, nós temos uma enorme gama de opcionais
que geram inúmeras possibilidades de combinações. (G2E1)
Outro aspecto levantado pelo gestor G2E1 é com relação ao que ele denomina
design for manufacturing, ou seja, projetar o veículo focalizando a logística de produção.
Segundo o mesmo gestor, “quando o japonês desenha [o carro], ele desenha em função do
jeito mais fácil de produzir [...]. O nosso produto não é concebido de uma forma lean.”
Dentro da nova estratégia de produção adotada pelo grupo não menção a esse
aspecto, ou seja, não há um foco na engenharia de produto voltada para a logística de
produção, o que poderá implicar em dificuldades futuras para se atingir os patamares de
13
A indústria automotiva estratifica os modelos de veículos produzidos em famílias como: veículos populares,
sedans, compactos premium, station wagon dentre outras.
CAPÍTULO III
__________________________________________________________________________________________
90
excelência produtiva almejados pelo grupo. Outro aspecto levantado pelo gestor é com
relação à confiabilidade dos seus fornecedores. Fornecimentos confiáveis em prazo,
quantidade e qualidade, podem prescindir de estoques de segurança, enquanto que os
fornecimentos incertos exigem aumentos dos níveis de estoque de segurança, impactando na
cobertura de estoque.
Outro problema enfrentado pelo gestor é sobre a responsabilidade de escolha e
definição dos fornecedores, se nacionais ou estrangeiros. Sob o ponto de vista logístico
fornecedores próximos à fábrica contribuem para a confiabilidade do fornecimento ao mesmo
tempo que reduzem o lead time de entrega dos materiais, e conseqüentemente os veis de
cobertura de estoque. No entanto, nas empresa desse grupo a escolha é uma estratégia de outra
área da empresa, a área de compras, que tem outros critérios de escolha, não privilegiando os
aspectos logísticos. Dessa forma, a eficiência da cobertura de estoque pode não depender
apenas das ações do gestor de logística.
Perguntado sobre as razões da escolha de fornecedores estrangeiros, se por questões
de conveniência comercial ou inexistência de fornecedor nacional capaz de fabricar, ele
responde:
[...] um pouco é estratégia comercial, pois o [departamento de] compras tem
o objetivo de comprar pelo menor custo possível [...] considerando o
transporte, o imposto de importação e ponto final. Não se leva em
consideração os custos logísticos, como armazenagem, estoque no canal
14
,
estoque de segurança, etc. também a questão de não haver fabricante no
Brasil. (G1E1)
Até esse ponto, apresentei as colocações sobre os obstáculos e dificuldades que os
gestores do fluxo logístico das empresas pesquisadas enfrentam para atingirem o desempenho
almejado, tanto da redução da cobertura de estoque quanto da ruptura do fluxo.
Farei agora, a partir dos relatos dos gestores de logística, uma caracterização dos
fluxos produtivos em cada empresa, com suas peculiaridades e complexidades, para uma
análise das características das equipes de gestão do fluxo produtivo em cada empresa.
14
Estoque existente no canal de abastecimento entre o fornecedor e a fábrica.
CAPÍTULO III
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91
Iniciarei pela empresa E3, cujo fluxo produtivo é o menos complexo,
posteriormente empresa E2 com nível de complexidade intermediário, e finalmente a empresa
E1 que tem o maior nível de complexidade no fluxo de materiais e produtos.
O principal aspecto que determina essa diferença de complexidade é a menor ou
maior quantidade de itens de materiais a serem geridos pela equipe de logística. outros
aspectos que também influenciam na complexidade do fluxo produtivo, como o lead time de
fornecimento e a quantidade de fornecedores, mas a quantidade de itens é a mais relevante.
A empresa E3, subsidiária da montadora de automóveis, fabrica os motores e as
transmissões em vários modelos para todos os veículos da montadora do mesmo grupo. Está
localizada dentro das instalações da mesma, ocupando uma área anexa no mesmo galpão da
montadora.
A complexidade da operação é baixa comparativamente com as outras duas
empresas pesquisadas. São cerca de 1.200 itens de materiais sendo cerca de 400 itens
importados da Europa, Japão, China, EEUU e Argentina. O restante dos itens são de origem
nacional, principalmente de fornecedores estabelecidos em São Paulo. Para realizar a
operação com um mínimo de ruptura do fluxo, a empresa trabalha atualmente com uma
cobertura de estoque de três dias para os itens nacionais e de vinte dias para o material
importado.
A equipe de programação e follow-up
15
é composta por dez pessoas, sendo nove
homens e uma mulher, com idades variando de 25 a 50 anos.
A empresa E2 fabrica veículos comerciais leves em duas famílias de produtos desde
o ano 2000, e caminhões médios e pesados desde o ano 2004. Na linha de comerciais leves, a
empresa fabrica os seus modelos de veículos e também veículos para outras montadoras
brasileiras com as suas respectivas marcas, sendo os produtos em si similares àqueles que ela
produz com suas marcas próprias. Fabrica também conjuntos em complete knocked down -
CKD
16
para outra fábrica do grupo na Venezuela.
15
Expressão utilizada em logística para caracterizar a atividade de acompanhamento, diligenciamento ou
controle da programação de fornecimento. É uma atividade que, se bem executada pelos programadores,
possibilita a expectação ou a percepção dos indícios da ocorrências de um evento, ou incidente, conforme ensina
Zarifian (2001).
16
Modalidade de fornecimento de produtos em subconjuntos que permitirá sua montagem futura na fábrica de
destino. Essa operação é normalmente realizada entre fábricas da mesma corporação, ou entre os fornecedores de
sua cadeia de abastecimento, como estratégia de global sourcing.
CAPÍTULO III
__________________________________________________________________________________________
92
Das três empresas do grupo mundial ela é a mais nova a se instalar no Brasil, e
como consequência é também aquela que tem os processos de gestão industrial menos
desenvolvidos em relação às outras duas. Sua classificação na avaliação da estratégia de
produção enxuta é também a mais baixa entre as três empresas pesquisadas.
Como mencionado, a complexidade da operação pode ser verificada pela
diversidade de itens a serem comprados dos fornecedores da cadeia de suprimentos para a
montagem dos diversos tipos e modelos de produtos finais, que, no caso dessa empresa,
representa um total de vinte e sete mil e duzentos part numbers
17
. Desse total, mensalmente,
cerca de doze mil e quinhentos itens ativos, ou seja, itens que geraram demanda de
compras em função dos produtos finais programados. Além da quantidade de itens, outro fator
importante de complexificação do fluxo produtivo é o lead time
18
de ressuprimento - quanto
maior o lead time maior é a complexidade. Segundo o gestor G1E2, nessa empresa, os itens
de materiais estão distribuídos em 3 grupos, com lead times diversos: 1/3 dos itens são
produzidos por fornecedores estabelecidos no Brasil, 1/6 por fornecedores da Argentina, e 1/2
por fornecedores da Europa.
A característica dessa empresa é que para realizar a operação de suprimento de
peças para a fábrica com um mínimo de ruptura do fluxo, eles precisam ter uma cobertura de
estoque igual ou superior a vinte e um dias. Esse número guarda uma relação direta com o
lead time de fornecimento dos itens. Segundo o mesmo gestor, eles estabeleceram um patamar
de cobertura para cada grupo de itens de materiais: uma semana para os itens nacionais, duas
semanas para os itens da Argentina, e quatro semanas para os itens da Europa. Esses
patamares foram estabelecidos em função do tempo de transporte dos materiais dos
fornecedores até a fábrica.
Ao ser indagado sobre a meta da empresa em termos de cobertura de estoque, com
a implantação da nova estratégia, o gestor G1 E2 afirmou:
Eu acho que reduzir a nossa cobertura [de estoque] pela metade seria um
desafio para dois ou quatro anos, ou seja, reduzir de vinte e um dias para
17
Um part number é uma peça específica que tem uma codificação particular, diferenciando-se das demais.
18
Expressão usada em logística que significa o tempo decorrido entre o início e o fim de uma atividade. Neste
caso específico trata-se do lead time de fornecimento, ou seja, do tempo decorrido entre o momento em que a
solicitação de material e a chegada efetiva na fábrica.
CAPÍTULO III
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cerca de dez dias, [...] estaria validando tudo o que a gente acredita [na
estratégia de produção enxuta].
Sob o ponto de vista da adoção das técnicas de fluxo puxado, a empresa realiza
operações de kanban apenas entre as linhas de produção e o almoxarifado, não tendo
introduzido ainda qualquer iniciativa em termo de puxar o fluxo da cadeia de suprimentos
para a fábrica.
A equipe de profissionais de logística responsável pela gestão do fluxo produtivo
nessa empresa é composta por 12 homens e 12 mulheres. Eles estão distribuídos em quatro
atividades, que são: programação de itens nacionais, programação de itens importados da
Argentina, programação de itens importados da Europa e follow-up de itens nacionais. A
atividade de follow-up de itens da Argentina e de itens da Europa é terceirizada por empresas
localizadas nas respectivas regiões.
Todos os integrantes da equipe têm formação superior, sendo a maioria na área de
administração. Cerca de 40% da equipe tem curso de pós-graduação lato-sensu.
Como a empresa ainda não implementou iniciativas de fluxo puxado com os
fornecedores da cadeia produtiva, o trabalho de programação é realizado basicamente pelo
método do MRP
19
.
Passarei agora para o relato dos gestores G1E1 e G2E1 da mesma empresa , que
tem a operação logística mais complexa entre as três empresas pesquisadas.
A empresa E1 fabrica máquinas para construção civil pesada desde a década de
1970, tendo seis linhas de produção, uma para cada tipo de equipamento: retroescavadeira,
motoniveladora, escavadeira, trator de esteira, pá carregadeira leve e pá carregadeira pesada.
De acordo com o gestor G1E1, o volume total de peças para a fabricação das seis
famílias de produtos em diversas variações de modelos é em torno de 25.000 itens, sendo que
mensalmente são programados cerca de 15.000 itens ativos. Cerca de 35% em valor do são
representados pelos itens importados dos EEUU e da Europa. Os demais itens de materiais é
são fornecidos por empresas brasileiras localizadas em diversos estados. Os itens importados
são incorporados ao inventário da empresa no momento de emissão do documento de
19
O MRP é uma metodologia de programação de materiais adotada no ocidente e classificada como empurrada,
ao contrário da metodologia desenvolvida pela Toyota, que é classificada como puxada. O MRP é
operacionalizado por um programa de computador ao contrário do Kanban que utiliza informações visuais.
CAPÍTULO III
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exportação no país de origem, o que onera a cobertura de estoque. Mesmo estando em
transporte os materiais já são de propriedade da empresa, sem que no entanto possam ser
utilizados na montagem dos veículos.
Atualmente, para realizar a operação com um mínimo de ruptura do fluxo, são
necessários 25 dias de cobertura de estoque, devido ao tempo de transporte que normalmente
é marítimo. Segundo o gestor G2E1, “Hoje, se conseguirmos manter [a cobertura de estoque]
na casa dos 25 dias, eu diria que atendemos a expectativa da empresa, mas é claro que o nosso
sonho é cair abaixo dos dez dias. E vamos perseguir isso exaustivamente.”
De acordo com o gestor G2E1, a função do departamento de logística industrial de
sua empresa é abastecer
... a linha de produção para suprir a fábrica com material da melhor forma
possível, gastando a menor quantidade de recursos[...] desde o planejamento
de materiais, composição do produto, até a parte física, recebimento dos
materiais, conferência, armazenagem, separação e abastecimento de linha
[...] e a retro logística [logística reversa], que é toda a gestão de embalagens
vazias sejam elas retornáveis ou não e os descartes, papelão, madeira [...].
Para realizar a operação de logística industrial, o gestor tem uma equipe de
aproximadamente 150 funcionários, sendo 107 na função de handling
20
e 43 na função de
planejamento de materiais, composição do produto e engenharia logística. Na função
específica de planejamento de materiais, que nessa empresa engloba também as atividades de
follow-up, existem treze funcionários, sendo quatro mulheres e nove homens. Cerca de 70%
tem curso superior e os demais o ensino médio. A idade varia de 23 anos a 50 anos. De acordo
com o gestor G2E1, é importante ter gente jovem e gente de mais idade na equipe, pois há
possibilidade de troca de experiências, e também homens e mulheres para dar um certo
equilíbrio à equipe, e todos interagindo. O equilíbrio a que o gestor se refere relaciona-se ao
clima organizacional e ao o relacionamento social no seu departamento. Segundo ele, caso a
equipe fosse composta somente por homens, o nível de relacionamento e comportamento no
trabalho seria mais baixo do que uma equipe composta por homens e mulheres.
O gestor G1E1 falou ainda que, no passado, a equipe não tinha componentes com
curso superior e que mais recentemente a empresa procura pessoas com formação superior,
20
A operação de handling ou manuseio ou movimentação física dos materiais, envolve as atividades de
recebimento de materiais, armazenagem, separação e abastecimento das linhas de produção.
CAPÍTULO III
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com formação em logística e comércio exterior e até com s-graduação nessas áreas, que
o mercado oferece. No entanto, ele afirmou também que uma alternativa é formar
internamente um funcionário, um estagiário, mas isso acontece quando não uma
necessidade mais urgente de recompor a equipe, pois nesse caso a empresa procura um
funcionário formado e experiente.
Cada planejador tem cerca de 30 a 40 fornecedores sob sua gestão, o que representa
cerca de 1.000 a 1.500 itens de materiais sob sua responsabilidade.
O gestor G1E1, falando sobre a rotina de trabalho dos planejadores, afirmou que
“[o trabalho dos planejadores] é um trabalho bem difícil, é um trabalho estressante, não é
fácil, os planejadores são cobrados de todos os lados, pela produção, pelos superiores
hierárquicos, por entes externos, pela controladoria [...]”
A rotina mensal dos planejadores segundo, G1E1, é elaborar periodicamente em
ciclos semanais os programa de fornecimento de materiais para cada um dos fornecedores dos
seus itens, com horizonte semanal, e em alguns casos, a cada duas semanas. Diariamente eles
têm que consultar o crítico de linha
21
dos itens que eles administram, e abastecer a fábrica dos
materiais que serão necessários para a fabricação dos produtos, fazendo follow-up constante
dos programas de entrega dos seus fornecedores. Os planejadores dessa empresa têm também
a função de formar a carga e posicionar os superiores sobre a ocorrência de eventuais
problemas.
21
O crítico de linha é uma ferramenta de trabalho desenvolvida pela logística dessa empresa para fazer face a
exagerada flexibilidade de mudanças no seqüenciamento da produção, característica das empresa desse grupo
empresarial. Em tese, o MRP deveria refletir as diversas mudanças que são feitas no seqüenciamento de
produção. No entanto, muitas mudanças são feitas entre uma rodada e outra do MRP, ou seja, mudanças no
curtíssimo prazo que não o percebidas pelo MRP. O crítico de linha reflete essas mudanças, apontando
aquelas peças que ameaçam a ruptura do fluxo. Portanto se tornou talvez uma ferramenta mais eficaz que o
próprio MRP, nesse ambiente de grande flexibilidade no curto prazo que as empresas do grupo operam.
CAPÍTULO III
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3.3. O TRABALHO E AS COMPETÊNCIAS DOS PROFISSIONAIS DE LOGÍSTICA
Iniciarei esse tópico com o relato do gestor G1E1, que ao falar sobre o trabalho de
gestão do fluxo de materiais usou a expressão “trabalhar em situações que são desafiadoras”.
Pedimos que ele explicasse o sentido de tal expressão, e sua resposta foi:
Porque em logística diz-se que você tem que matar um leão a cada dia. Num
dia você tem que matar dez, no outro dia alguns ressuscitam e aparecem
outros, e você tem que matar mais dez. É então um grande desafio trabalhar
nessa área porque são muitas as variáveis que influem inúmeros
fornecedores, serviço de transporte, mudanças no programa de vendas [...],
restrições na fábrica, panes em máquinas [...], ou seja, tem-se n variáveis que
podem falhar, e havendo as falhas tem-se que encontrar alternativas [...] para
não interromper a produção, pois a produção estabelecida para o mês tem
que ser entregue. Tem que ter a capacidade de administrar todas essas
variáveis, resolver os problemas do dia, e os que vão ocorrer no próximo dia,
tem que ter a capacidade, o jogo de cintura para [...] fazer a coisa acontecer.
O relato do gestor G1E1 sobre o trabalho dos profissionais de logística converge
com a primeira abordagem de evento
22
de Zarifian (2001, p. 41), como citado na capítulo II:
Entende-se, aqui, por evento, o que ocorre de maneira parcialmente
imprevista, inesperada, vindo a perturbar o desenrolar normal do sistema de
produção, superando a capacidade da máquina de assegurar sua
autoregulagem. Esses eventos são bem conhecidos, constituem o cotidiano
na vida de uma oficina automatizada. São as panes, os desvios de qualidade,
os materiais que faltam, as mudanças imprevistas na programação de
fabricação, uma encomenda repentina de um cliente, etc. Em resumo tudo o
que chamamos de acaso.
Para uma melhor compreensão, retornarei novamente com a conceituação de
Zarifian (2201, p. 43) sobre os eventos,
Por definição, os eventos provocam perturbação, agitação. O trabalho não
pode mais ser visto como uma seqüência de operações programadas,
‘rotinizadas’, repetitíveis. Torna-se uma seqüência de eventos, de situações
singulares, que se entrechocam, que reagem umas as outras em um regime
de modificação (e não de repetição) da maneira de produzir.
22
Em Zarifian (2001) o termo francês evenement foi traduzido como evento, apesar de alguns autores
considerarem mais adequados os termos incidente ou acontecimento.
CAPÍTULO III
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Essa característica do trabalho dos profissionais de logística, do enfrentamento do
evento, ou apagar incêndio no linguajar próprio do ambiente industrial, é o mais relevante
aspecto das atividades desses profissionais e que foi relatado por todos os entrevistados. No
entanto eles não deixaram de mencionar que um outro lado, o do trabalho previsto, do
planejamento e da programação que eles denominam como “parte técnica”. O cargo que os
profissionais de logística exercem, tem as denominações de planejador ou programador,
dependendo da empresa pesquisada. O tulo do cargo sugere serem estas, planejamento e
programação, as mais relevantes funções da atividade de gestão do fluxo de materiais. No
entanto, ao serem indagados sobre o perfil e as características profissionais requeridas desses
profissionais, os gestores entrevistados evidenciaram a relevância das características que
podem ser nominadas como não-técnicas, e que os mesmos classificam como humanas ou
comportamentais.
Sobre esse ponto, o gestor G1E1 faz uma importante constatação de que “os
motivos que levam a contratar [o planejador de logística] são diferentes daqueles que levam a
demiti-lo”. Para este gestor as contratações são feitas dando-se ênfase à qualificação, ao
conhecimento técnico e à experiência profissional específica do candidato nas situações
prevista de trabalho, e as demissões são motivadas pelo real desempenho do profissional em
situações imprevistas de trabalho, ou na lógica da competência de Zarifian (2001)
Quando ele não conseguir mais [se] relacionar com as pessoas [atores da sua
cena profissional], quando ele não conseguir trabalhar sob pressão, quando
ele não conseguir encontrar alternativas para solução dos problemas que
ocorrerão, quando ele começar a reclamar de tudo e parar de desempenhar
[...] (G1E1)
Segundo o mesmo gestor, o que provoca a demissão do profissional não é a falta de
conhecimento, ou da técnica. Ele não é demitido por não conhecer as ferramentas de trabalho,
mas sim pela ausência de ação, pela falta de atitude, ou seja, pela não mobilização das suas
competências profissionais.
Quando questionados sobre essas características dos profissionais de logística, as
respostas foram:
A pessoa hoje de planejamento de follow-up [...] tem que ter algumas
características importantes. Ela tem que saber absorver problemas, saber
analisá-los, e ter um poder de reação [diante dos problemas], se mexer
CAPÍTULO III
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rápido, procurar solucionar os problemas de forma bem rápida, [pois] para
todos eles a pior coisa que tem [...] é parar a linha de produção. (G2E1).
No relato do gestor G2E1, ele utilizou uma expressão, “absorver problemas”.
Solicitei a ele que explicasse melhor o sentido de tal expressão e ele respondeu:
Por absorver problemas entende-se uma série de coisas. Eu diria que a
primeira é [...] saber escutar a necessidade da produção e não entrar em
pânico [diante da ocorrência de um problema, como uma falta de peça]
porque problemas vão ocorrer todos os dias, a despeito de trabalharmos para
minimizá-los. [absorver problema] é também escutar e agir, partir para
encontrar uma solução, eu diria que talvez seja a característica mais
importante que temos aqui dentro.
Outra característica apontada pelo mesmo gestor na continuação do seu relato foi
que “A pessoa que trabalha [como planejador] tem que ter bastante energia [...] estar ativo
quando estiver [no trabalho]." Indaguei se o que ele queria dizer com ter energia poderia ser o
mesmo que ter disponibilidade. Ele complementou dizendo que era mais do que isso, seria se
mobilizar para resolver o problema e persistir se as primeiras tentativas não resultassem em
sucesso. Ele exemplifica sua explicação em duas situações de trabalho.
- Se está faltando um item [na produção] então vou ligar para o fornecedor.
Se não deu certo vou ligar para o concessionário. Não desistir nunca;
- Deu um problema [de processo de suprimento] na linha [de produção]. Vai
olha, identifica o problema, analisa e propõe uma solução. Por exemplo,
elabora um projeto para desenvolver um rack, ou mudar a estratégia de
locação móvel para locação fixa.
Observa-se pela fala e pelos exemplos dados pelo gestor G2E1 que a característica
que ele denominou como “ter energia” no sentido de mobilizar solução e persistir no
problema não se restringe à solução prática do problema mas também à iniciativa para propor
uma melhoria no processo inapto.
Fazendo uma análise do seu ralato à luz do modelo de competência de Zarifian
(2001), verifica-se algumas congruências como o ciclo de enfrentamento dos eventos em três
momentos: expectação, enfrentamento e análise das causas e aprendizado. No exemplo dado
CAPÍTULO III
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pelo gestor G2E1, ele cita um primeiro caso de enfrentamento, e outro de proposição de
melhoria.
Percebe-se também pela fala do gestor G2E1 que a atividade de melhorar o seu
próprio trabalho já está incorporada na expectativa que a empresa tem do trabalho dos
planejadores. Além de planejar, programar, acompanhar o andamento do fluxo, enfrentar os
problemas que surgem nas situações de trabalho, os planejadores, assim como os demais
trabalhadores da empresa, têm que reservar parte do seu tempo para implementar melhorias.
Essa fatia de tempo a ser dedicada para pensar e promover melhorias, é tanto maior
quanto mais elevado é o cargo do trabalhador na hierarquia da empresa. Empregados do alto
escalão precisam dedicar mais da metade do seus tempos para essa atividade, ao passo que os
funcionários de chão de fábrica, um pouco menos da metade do seus tempos, como explica o
gestor G2E3.
Ainda sobre esse ponto, o da melhoria, o gestor G1E1 relata que
Se você tem todos os funcionários da fábrica, por exemplo 500, pensando no
que eles podem fazer melhor, serão 500 cabeças pensando, ao invés de 5
[cabeças dos engenheiros de processos]. E não estão pensando em melhoria
de uma maneira abstrata, [pois] vão fazer a melhoria naquilo que está ao
lado deles, naquilo que eles conhecem melhor que ninguém: montar uma
peça que precisam de fazer muita força, ou porque machucam a mão, ou
porque há risco de acidente.
Mas sobre essa questão doa melhoria, o gestor G1E1 observou que para dar certo
tem que haver o envolvimento dos empregados, e esse envolvimento é possível se eles
entenderem o porque, a razão, e que aquilo que estão fazendo trará um benefício para a
empresa que no final se reverterá a todos.
Nesse ponto reportarei novamente a Zarifian (2001), extraindo quatro competências
que julgo pertinentes e convergentes com a fala do gestor, ou seja as competências para:
- assumir responsabilidades pela melhoria contínua dos desempenhos;
- compartilhar as implicações da eficiência produtiva;
- associar ação local com desempenho global;
- entender utilidade e impactos dos serviços aos seus destinatários.
Finalmente, gestor G1E1 ressalta outra característica necessária aos planejadores:
CAPÍTULO III
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[eles] tem que ter habilidade para trabalhar sobre pressão, você tem que
mudar e correr para conseguir entregar nas linhas tudo o que você precisa,
habilidade para tratar com os fornecedores, com os clientes internos e
externos, [...] tem que ter jogo de cintura, flexibilidade para tratar com [as
demandas] das áreas [produção, comercial, engenharia, etc.]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A referência básica desse estudo foi que o enxugamento das operações e a
formação de redes empresarias orientadas pelo toyotismo, como uma nova forma de
racionalismo produtivo, intensificaram e tornaram mais complexos os fluxos produtivos. Os
fluxos produtivos sendo enxutos transformaram operações produtivas em sistemas produtivos
e também expuseram a incerteza, antes escondida pelos fartos estoques de materiais existentes
entre os processos de fabricação.
Ao realizar a pesquisa de campo num grupo empresarial multinacional tradicional
do segmento automotivo mundial, pôde-se verificar a real dimensão da mudança que seria
necessária para proporcionar a convergência da organização produtiva com a estratégia de
produção enxuta.
O início da reestruturação produtiva nas empresas estudadas somente se viabilizou
com a contratação de uma empresa japonesa de consultoria, detentora desse conhecimento,
apesar desse grupo empresarial atuar no mercado automotivo mundial com sucesso há mais de
um século. Isso indícios da complexidade das novas estratégias e das dificuldades para as
empresas promoverem a transformação.
Ficou claro na pesquisa que a tarefa de empreender tal reestruturação seis décadas
após a Toyota do Japão ter iniciado o desenvolvimento do seu STP, será de enormes
proporções e consumirá muito tempo e energia desse grupo empresarial. Isso porque há que se
recuperar mais de sessenta anos, senão de estagnação, pelo menos de lentidão no
aprimoramento dos processos logísticos industriais.
Realizamos a pesquisa em três empresas deste grupo que iniciaram a reestruturação
em 2007. Pelos progressos obtidos três anos após o seu início, em relação ao percurso
completo de mudanças planejado, tudo leva a crer que o grupo empresarial estará empenhado
nessa tarefa provavelmente durante toda a década de 2010.
Por outro lado ficou também evidenciado que as empresas, que transitam nesse
ambiente concorrencial no qual o preço do produto não é mais definido por elas, mas pelo
mercado consumidor, não têm outro caminho senão o da reestruturação inspirada na redução
de custos. Nos casos estudados, a meta da reestruturação é a redução do custo de
transformação em 50% concomitantemente com a duplicação da produtividade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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102
Alguns problemas que se colocaram como obstáculos à reestruturação produtiva
nas empresas pesquisadas emergiram nos relatos dos entrevistados: resistência dos
trabalhadores em adotarem novas formas de executar o trabalho, desconhecimento de algumas
das empresas da cadeia de fornecimento dos métodos da produção enxuta, falta de
capacitação dos trabalhadores e também problemas decorrentes da excessiva flexibilidade de
produção.
Nos capítulos teóricos desta dissertação discorri sobre a estratégia inventada pelo
toyotismo em contraposição à produção em escala, de se produzir séries restritas de produtos
variados. Na pesquisa de campo ficou evidenciada uma mudança de rumo com relação à
diversidade de modelos de automóveis produzidos atualmente pela Toyota do Brasil: poucas
variações de modelos produzidos em poucas opções de cores. Além disso, os programas de
produção são nivelados, ou seja, a quantidade e a seqüência de produtos são congelados num
certo horizonte de planejamento.
Na reestruturação estudada, ficou evidente o conflito vivido por esse grupo
empresarial que tem na flexibilidade industrial o seu diferencial competitivo e que pretende
implantar as estratégias da produção enxuta sem abrir mão dessa flexibilidade absoluta, o que
soa como um paradoxo para um dos entrevistados.
Sobre a resistência dos trabalhadores em adotarem as novas formas de executar as
tarefas da estratégia da produção enxuta, ficou claro que como o método de implantação é de
cima para baixo na hierarquia, substituições estão sendo feitas quando a empresa percebe
resistências de empregados, mesmo sendo relatado que no Brasil esta resistência é mais
branda que nas empresas localizadas na Europa e EEUU. Essas resistências derivam
principalmente da intensificação do trabalho tornando-o mais “estressante” como relatado por
um gestor entrevistado, ou impor ao empregado um trabalho “em condições desafiadoras”,
como explicado por outro gestor.
O enxugamento do fluxo produtivo elimina a proteção que os estoques
proporcionavam, e o trabalho de gestão do fluxo produtivo fica muito mais exposto às faltas
de materiais que ameaçam o andamento das linhas de produção.
Assim, o trabalho dos profissionais de logística, responsáveis pela eficácia da
continuidade do fluxo de materiais e produtos nessas condições, se torna mais complexo.
Novas capacidades, novos saberes precisam ser mobilizados para seu exercício pleno. Não
basta apenas a qualificação técnica. Requer-se desses trabalhadores nessas condições outras
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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103
capacidades e outras competências, que vão além do savoir-faire tradicional. Mais que o
saber-fazer o trabalho agora requer um savoir-que-faire, o saber-o-que-fazer diante dos novos
problemas que se apresentam.
Emergem continuamente os eventos que perturbam o desenrolar do sistema
produtivo, e que foi detectado pela pesquisa - as situações de “apagar incêndio” ou “matar
leões” que são o dia-a-dia dos profissionais de logística nas empresa pesquisadas.
Num relato de um dos gestores da pesquisa de campo, aparece com clareza a
emergência do modelo de competência de Zarifian (2001), quando o gestor relata que
descobriu que os critérios de admissão de um planejador de logística eram diferentes daqueles
que motivavam a sua demissão. Isso porque os critérios de admissão eram baseados na
qualificação, no conhecimento técnico e na experiência profissional específica nas situações
previstas de trabalho, e os critérios de demissão eram baseados na performance do planejador,
no seu real desempenho nas situações imprevistas de trabalho, ou seja, no enfrentamento dos
eventos.
Da pesquisa de campo várias competências necessárias ao desempenho do trabalho
dos profissionais de logística foram levantadas, como: ter energia para enfrentar os
problemas, no sentido de mobilizar solução e persistir no problema; absorver problemas, no
sentido de se responsabilizar, de trazer para si a responsabilidade, da solução dos problemas e
também das implicações da solução adotada; saber se relacionar com os demais atores da cena
produtiva; e implementar melhorias.
Esta última, a da implementação de melhorias, nos parece ser a competência mais
almejada no momento em que as empresas se encontram com relação à reestruturação
produtiva, e talvez a mais difícil de ser encontrada nos profissionais das empresas.
Aprimorar o sistema produtivo sempre foi uma tarefa sob responsabilidade
exclusiva do departamento de engenharia dessas empresas. Mudar a centralidade dessa
responsabilidade transferindo-a para os empregados, pareceu ser o maior desafio a ser
vencido, mesmo havendo incentivos financeiros e programas de estímulo para tal.
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TAYLOR, Frederick W. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 1986.
VALLADARES, Licia; PRETECEILLE, Edmond. (Coord.). Reestruturação Urbana:
Tendências e desafios. Rio de Janeiro: Nobel/Iuperj, 1990.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2005.
WOMACK, J.P., JONES, D.T., ROOS, Daniel. A máquina que mudou o mundo. Rio de
Janeiro: Campus, 1992,p. 6-18.
WOOD JUNIOR, Thomaz. Fordismo Toyotismo e Volvismo: os caminhos da indústria em
busca do tempo perdido. Revista Administração de Empresas. São Paulo: Set /Out 1992
ZARIFIAN, Philippe. Objetivo Competência Por Uma Nova Lógica. São Paulo: Atlas,
2001.
ANEXOS
__________________________________________________________________________________________
108
ANEXO I - ROTEIRO DE ENTREVISTAS
1ª. Parte – Aquecimento (Apresentação da empresa, departamento, equipe e gestor)
Contextualização do departamento de logística dentro da estrutura da empresa
(Missão, objetivos, metas, etc);
Caracterização da equipe (Funções, composição da equipe, % homens/mulheres,
formação acadêmica, experiência, turn-over);
Caracterização do gestor da equipe (formação, origem, tempo de experiência na
função.
2ª. Parte – Compreensiva (A reestruturação empresarial)
As mudanças que a empresa está promovendo na gestão do fluxo produtivo;
Razões para promoção das mudanças;
Caracterização dos problemas decorrentes dessas mudanças;
Os resultados que a empresa pretende atingir com as mudanças.
3ª. Parte - Compreensiva (O trabalho dos profissionais do departamento de logística)
Rotina mensal (Planejamento, follow-up, etc);
Quantificação do trabalho (quantidade de itens, cobertura de estoque objetivo, etc);
As competências requeridas pela empresa dos profissionais;
Desenvolvimento das competências (o próprio profissional, a empresa, etc).
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