mesmo, ele era um “propositor de atividades criadoras”
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, termo que também
podemos utilizar para nos referirmos à Lygia.
No conceito de abertura adotado por Lygia Clark está implícita uma
criação compartilhada, e não apenas uma fruição ou execução coletiva.
Merleau-Ponty também discorre sobre a abertura, não necessariamente
dos objetos, ou objetos de arte, mas do “visível”. Em sua opinião, esta abertura
contribui para o entendimento do papel do observador:
Mas é próprio do visível, dizíamos, ser a superfície de uma
profundidade inesgotável: é o que torna possível sua abertura a
outras visões além da minha. Quando, portanto, essas se
realizam, acusam os limites da nossa visão de fato, salientam a
ilusão solipsista que acredita que toda superação é uma auto-
superação. Pela primeira vez, o vidente que sou me é
verdadeiramente visível; pela primeira vez, me apareço até o
fundo debruçado sobre mim mesmo debaixo de meus próprios
olhos. Também pela primeira vez meus movimentos não se
encaminham para as coisas a serem vistas, a serem tocadas, ou
em direção a meu corpo, no ato de vê-las e palpá-las, mas
dirigem-se ao corpo em geral e por ele mesmo (seja o meu ou o
de outrem), pois, pela primeira vez, seu acoplamento com a carne
do mundo, o corpo traz mais do que recebe, acrescentando ao
mundo que vejo o tesouro necessário do que ele próprio vê.
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Ponty nos traz a idéia de uma dupla abertura, do mundo e do sujeito, do
vidente e do visível, ampliando, assim, as possibilidades de compreensão desta
abertura além do campo das obras de arte, já que para que o objeto se abra para
o espectador é fundamental e imprescindível que o espectador também se abra
para a obra.
Nas idéias de Ponty é freqüente esta idéia de “mão-dupla”, porque não
há neutralidade nem do sujeito, nem do objeto, e isto é favorecido pelo fato do
corpo estar no mundo, e aqui podemos entender como parte deste mundo as
obras de arte. Segundo Merleau-Ponty, lidamos com o mundo e com os outros
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“o artista é o propositor de atividades criadoras: o objeto é a descoberta do mundo a cada
instante, não existe como obra estabelecida ‘a priori’, ele é a criação do que queiramos que seja:
um som, um grito, pode ser o objeto, a obra tão propalada outrora, ou guardada num museu: é a
manifestação pura – a luz do sol que neste momento me banha é o objeto (...).OITICICA, Hélio.
“Objeto – instâncias do problema do objeto”. GAM nº 15, Rio de Janeiro, Fev. 1969. Apud
PECCININI, Dayse. Objeto na arte: Brasil anos 60. São Paulo, FAAP, 1978, p. 97 e 98.
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MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2000a, p. 139.
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