vi
RESUMO
Nosso objetivo é mostrar como o Mito da Democracia Racial interfere nas decisões tomadas no
sistema jurídico. O “Mito da Democracia Racial” é considerado um dispositivo ideológico de
reprodução das relações raciais, impedindo sua tematização pública. Efetiva-se através de duas formas
de discurso: o desconhecimento ideológico das relações raciais e o não-dito racista. O “Mito da
Democracia Racial” instaurou-se pelo deslocamento do discurso racial (racista ou não) do âmbito do
discurso “sério” (argumentativo, racional, formal e público), constituindo o que estamos chamando
aqui de desconhecimento ideológico. O desconhecimento não é “ausência” de conhecimento,
ignorância passiva, mas, demarcadas as questões relevantes, marginaliza saberes tidos como irrelevantes,
falsos problemas, sem-sentidos. O discurso racial, então, entrincheirou-se no discurso “vulgar”
(aforismático, passional, informal e privado), através da forma do não-dito racista que se consolidou,
intimamente ligado às relações “cordiais”, paternalistas e patrimonialistas de poder, como um pacto de
silêncio entre dominados e dominadores. O não-dito é uma técnica de dizer alguma coisa sem, contudo,
aceitar a responsabilidade de tê-la dito, resultando daí a utilização pelo discurso racista de uma diversidade de
recursos tais como implícitos, denegações, discursos oblíquos, figuras de linguagem, trocadilhos,
chistes, frases feitas, provérbios, piadas e injúria racial.
Palavras-Chaves: Mito da Democracia Racial, relações raciais, racismo, teoria do discurso, sistema
jurídico.
ABSTRACT
Our aim is to show how the Myth of Racial Democracy interferes with decisions made at the level of
the legal system. The “Myth of Racial Democracy” is considered as an ideological device for
reproducing racial relations by hindering its public discussion. Its actualization is based on two forms of
discourse: the ideological unrecognizing of racial relations and the racist “unsaid”. The “Myth of Racial
Democracy” was established by the displacement of racial discourse (racist or not) from the domain of
“serious discourse” (argumentative, rational, formal and public), thus constituting what we call here
ideological unrecognizing. Such non-recognition does not mean an “absence” of knowledge or passive
ignorance, but the marginalization of those types of knowledge considered as irrelevant, as false
problems, as non-sensical, via the establishment of what constitutes the relevant issues. Racial discourse
has been concealed by everyday discourse (aforismatic, passional, informal and private) with the
consolidation of the racist “unsaid”, itself, closely linked to “cordial”, paternalistic and patrimonialistic
power relations: a silence pact between dominators and the dominated. The unsaid is but a technique of
saying something without having to accept the responsibility of having said it. Therefore, racist discourse makes use
of a plethora of resources such as the implicit, oblique speech, figures of speech, puns, witticisms,
commonplace sentences, proverbs, jokes and racial insults.
Key Words: Mith of Racial Democracy, racial relations, racisme, discourse theory, legal sistem.
RÉSUMÉ
Ce travail veut démontrer la façon par laquelle le « mythe de la démocratie raciale » intervient aux
décisions prises dans le cadre du système juridique. Le « mythe de la démocratie raciale » est envisagé
comme un dispositif idéologique de reproduction des relations raciales, ce qui empêche sa discussion
dans la sphère publique. Ce mythe s’accomplit par le biais de deux formes de discours : la
méconnaissance idéologique des relations raciales et le « non-dit » raciste. Le « mythe de la démocratie
raciale » s’est établit à partir du changement du discours raciale (raciste ou non raciste), du discours
« sérieux » (argumentateur, rational, formel et publique) à la constitution de ce qu’on appelle ici de
« méconnaissance idéologique ». La méconnaissance n’étant pas envisagé comme l’absence de
connaissance, l’ignorance passive, mais comme la marginalisation des savoirs considérés comme
insignifiants, des faux problèmes et dépourvus de sens. Le discours racial s’est alors barricadé dans le
domaine du discours « vulgaire », c'est-à-dire aphoristique, passionnel, informel et privé, sous la forme
du « non-dit » raciste. Celui-ci s’est établit comme un pacte de silence entre dominés e dominateurs,
étroitement lié aux relations « cordiales », paternalistes et patrimoniales du pouvoir. Le « non-dit » est