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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
Programa de Pós-graduação em Sociologia
Luciana Caravelas
A imagem do Nordeste no jornalismo brasileiro
no contexto dos anos 70 e 80
Através de fotografias e textos do Jornal do Brasil
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
Programa de pós-graduação em Sociologia
A imagem do Nordeste no jornalismo
brasileiro no contexto dos anos 70 e 80
Através de fotografias e textos do Jornal do Brasil
LUCIANA CARAVELAS
Recife, 2006.
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LUCIANA CARAVELAS
A imagem do Nordeste no jornalismo
brasileiro no contexto dos anos 70 e 80
Através de fotografias e textos do Jornal do Brasil
Tese apresentada à Banca Examinadora da Universidade
Federal de Pernambuco, como exigência parcial para obtenção
do título de Doutora em Sociologia, sob a orientação da
Professora Dra. Lília Junqueira.
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C262i Caravelas, Luciana
A imagem do Nordeste no jornalismo brasileiro no contexto dos
anos 70 e 80 através de fotografias e textos do Jornal do Brasil – Recife: o
autor, 2006.
365 folhas: il., tab., graf., fotos.
Orientador: Lília Juunqueira
Tese (doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco.
CFCH. Programa de Pós-graduação em Sociologia. Recife, 2006.
Inclui bibliografia.
1. Nordeste. 2. fotojornalismo. 3. Natanael Guedes.
4. FJornal do Brasil I. título
316.77 CDU (2 ed.) UFPE
302.23 CDD (22. ed.) BCFCH2006/36
5
Dedico este estudo ao povo nordestino, especialmente a meu
querido pai, Natanael Guedes, um homem forte, lutador,
sonhador, que tanto amou o solo, o povo, a paisagem e a
cultura do Nordeste do Brasil.
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Agradecimentos
sta pesquisa começou a ser construída há mais de 30 anos, quando o repórter
fotográfico Natanael Guedes passou a arquivar fotografias feitas por ele e
reportagens sobre o Nordeste brasileiro feitas pelos jornalistas do Jornal do Brasil, da
sucursal de Recife.
Natanael era meu pai e o meu melhor amigo. Um homem que me ensinou a
sonhar sempre que possível, a amar todos os dias e a sofrer só quando necessário. Uma
criatura que marcou definitivamente a minha vida, o meu jeito contraditório de ser, as
minhas poucas virtudes, os meus inumeráveis defeitos, o meu amor ao Recife, a crença
de que podemos ser felizes a qualquer tempo e a disposição de recomeçar sempre que
possível. Com os documentos que deixou em suas gavetas, transformei-os em matéria
prima deste estudo sobre a imagem do Nordeste no jornalismo brasileiro.
Por isso, sou profundamente grata ao meu pai pelo legado que me deixou, pelo
seu profissionalismo e amizade. Infelizmente, ele não está mais aqui para rir de
felicidade, ler as páginas que seguem, não pode ver as suas fotos aqui impressas; não
pode constatar a síntese do fragmento do seu olhar fotográfico que ajudou a construir,
também, imagens sobre a região em que nasceu, viveu e amou.
Quero, também, agradecer a minha mãe, Lúcia César Guedes, por ter me dado
a oportunidade de ver como a mulher nordestina é forte e lutadora, pela chance que me
deu de viver, pois por menor que seja o tempo que eu venha viver já valeu a pena tudo
que senti, experimentei e sonhei, porque a vida é o meu maior presente.
Sou muitíssimo grata à professora Lília Junqueira, por ter acreditado no meu
projeto, pelo seu companheirismo, dedicação e suas pertinentes intervenções.
Sou grata ao Jornal do Brasil, por ter divulgado a minha região com tanta
freqüência nas últimas décadas do século passado e por ter ajudado ao meu pai, através
de seu emprego, a me criar com suas fotografias.
Quero dizer obrigada a todos jornalistas da sucursal do JB em Recife, pelas
matérias que produziram sobre o Nordeste e que são objeto deste estudo,
principalmente a Terezinha Nunes e a Letícia Lins, pela imensa quantidade de
reportagens que pautaram e produziram, ao lado do meu pai, desvendando,
pesquisando fatos, viajando para mostrar uma região que não era apenas uma
caricatura, um discurso, uma construção mental, mas uma realidade social em
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construção extremamente complexa que não podia ser reduzida, rotulada e
estereotipada. A agenda setting da sucursal ajudava, assim, a desconstruir mitos e
preconceitos sobre o Nordeste brasileiro.
Agradeço ao repórter fotográfico Josenildo Tenório, pela gentileza da entrevista
que concedeu sobre fotojornalismo nos anos 70 e 80, e por sua influência na vida
profissional de Natanael Guedes, que o tinha como seu melhor amigo. Juntos, eles
fotografaram os Nordestes de seus sonhos e de suas realidades.
Agradeço a todos os professores do programa de pós-graduação de Sociologia
da Universidade Federal de Pernambuco, pelo ensino gratuito e de qualidade.
A Ceres, meu muito obrigada, por sua gentileza e profissionalismo. No serviço
público, ainda, há funcionários como Ceres, que se colocam na posição do “outro” e
estão sempre dispostos a ajudar e a tornar as relações humanas melhores.
Agradeço a Zuleika Elias, por todo empenho na tramitação do meu processo de
conclusão do doutorado.
Quero agradecer à Universidade Salgado de Oliveira (Universo), por ter me
proporcionado contar com a colaboração de duas alunas do curso de Jornalismo,
através do Programa de Iniciação Científica (PIC).
Sou muito grata as minhas alunas Acaziele Melo e Cleiva Carneiro, por terem
me ajudado na coleta dos dados e pelo companheirismo.
Agradeço a Socorro Job, pela gentileza de ter escaneado algumas das matérias
que compõem esta tese.
A Ana Elizabete da Silva Pereira, obrigada por seu incentivo e companheirismo
nesta caminhada.
Meu muito obrigada a professora Marta Rocha, por sua solidariedade e apoio.
Obrigada, Tatiana Martinez, por ter feito o abstract da tese.
A minha tia Maria José Guedes, obrigada por sempre torcer por mim.
Aos meus filhos Long, Ricardo e Raimundo, gostaria que aprendessem que a
vida é uma luta diária, não se esquecessem que não se conquista o que não se lutou e
acreditassem que através da educação podemos ser melhores como cidadãos e ter vôos
mais altos.
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Resumo
objeto deste estudo é analisar que imagem o Jornal do Brasil veiculou sobre o
Nordeste brasileiro nos anos 70 e 80. Procura verificar como o contexto social e
político influenciaram nas representações sociais do Nordeste brasileiro na imprensa
nacional; detectar de que forma o campo jornalístico contribuiu na construção da
identidade nordestina e na reprodução de estereótipos; identificar como as fotografias e
as matérias jornalísticas revelam o cotidiano, o povo, os políticos, a cultura e a
economia nordestina.
Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, documental, feita a partir da
análise de conteúdo de cerca de 500 reportagens veiculadas no Jornal do Brasil sobre a
região, produzidas pela sucursal de Recife; bem como foi examinado o suplemento
especial anual do jornal, chamado Caderno Nordeste, do período de 1975 a 1981. O
estudo analisa, ainda, 60 fotografias do repórter fotográfico Natanael Guedes,
buscando identificar as representações sociais contidas nas imagens e de que maneira
seu estilo profissional, seu apego à região interferem na produção dessas imagens.
A pesquisa ancorou-se em abordagens sociológicas da contemporaneidade,
como, por exemplo, e a idéia de identidade cultural múltipla, contraditória, híbrida,
móvel, defendida por Stuart Hall, Manuel Castells, Ernesto Laclau e Chantal Mouffe; a
concepção da região Nordeste enquanto imagem e espaço construídos, representação
social, identificadas nas obras de autores como Gilberto Freyre, José Lins do Rego,
Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, Durval de Albuquerque, Djacir Menezes, Josué
de Castro; bem como o conceito de campo social, desenvolvido por Pierre Bourdieu,
especificamente o de campo e de habitus jornalístico.
Os dados revelam que o Nordeste das décadas de 70 e 80 apresenta-se com
imagens híbridas, multifacetadas, fragmentadas, com graves problemas sociais, como,
por exemplo, enchente, seca e miséria, mas também rico, que se desenvolve
economicamente, se industrializando; um Nordeste que reivindica, sabe o que quer.
Nordeste de retirantes, mas também com políticos, artistas e intelectuais de projeção
nacional. Nordeste repleto de praias bonitas, calmas e de águas mornas, com uma
cultura e gastronomia diversificada. Nordeste de gente pacífica, mas também que faz
greve, briga, comete violência. Nordeste estratégico para o governo central, mas
também que quer ser independente. Nordeste onde o moderno convive com o arcaico;
o presente se mistura cotidianamente com o passado.
O olhar do repórter fotográfico Natanael Guedes, o campo profissional do
jornalismo, a linha editorial do Jornal do Brasil, o cenário político, econômico e social
da época, tudo isso contribuiu para a veiculação de várias imagens nordestinas que o
JB mostrou nos anos 70 e 80. Assim, o que se tem não é Nordeste brasileiro, uma
região unitária, homogênea, mas Nordestes brasileiros, uma região híbrida que produz
identidades híbridas, heterogêneas, complexas e contraditórias.
Palavras-chaves: Fotojornalismo; jornalismo; Jornal do Brasil; Natanael Guedes;
Nordeste.
O
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Abstract
he objective of this study is to analyze the image of the Northeast of
Brazil that the Jornal do Brasil newspaper published about that region
in the 1970s and the 1980s. It aims to verify how the social and political context
influenced the social representations
of the Brazilian Northeast within the national press. The study also aims to detect the
way the journalistic field has contributed to the Northeastern construction of identity
and to the reproduction of stereotypes. Finally, the paper intends to identify how the
photographs and journalistic articles reveal daily life, the people, the politicians, the
culture and the Northeastern economy.
The research is of a qualitative, documental nature, built from analyses of the
content of around 500 reports published in Jornal do Brasil about the region, produced
by JB’s Recife branch. Its special annual supplement from 1975 to 1981, called
Caderno Nordeste, was also examined. The study analyzes 60 photographs of the
journalistic photographer Natanael Guedes, seeking to identify the social
representations within the images and the way its photographic style and his
commitment to the region interfere in the production of such images.
The research based itself in contemporary sociological approaches and the idea of
a multiple cultural identity; one which is contradictory, hybrid and mobile – as
sustained by Stuart Hall, Manoel Castells, Ernesto Laclau, and Chantal Mouffe; the
conception of the Northeast region as image and space, social representation identified
in the work of Gilberto Freire, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Graciliano
Ramos, Durval Albuquerque, Djarcir de Menezes, Josué de Castro; and the social
field concept developed by Pierre Bourdieu, specifically the one of journalistic field
and habits.
The data reveals that the Northeast from the 1970s and the 1980s presents itself
through images which are multifaceted, fragmented, hybrid, with deep social problems
as, for instance, floods, drought and famine, but also showing a region that is rich and
developing both economically and industrially. The images and reports portray a
Northeast that protests, that knows what wants; a Northeast of rural exodus, but of
politicians, artists and intellectuals of national projection. A Northeast filled with
beautiful quiet warm water beaches and with diversified culture and gastronomy; A
Northeast of peaceful people but that also goes on strike, fights and commits acts of
violence; A northeast strategically located for the central government, but also that
wants to be independent; A Northeast where the modern lives with the old; the present
mingles with the past on a daily basis.
The eye of the photographic reporter Natanael Guedes, the professional field of
journalism, the editorial line of Jornal do Brasil, the political, economical and social
setting of that time – it all contributed to the publishing of various Northeastern images
that the JB showed in the 70s and the 80s. Therefore, the result is not a Brazilian
Northeast – a region united and homogeneous – but a confluence of Brazilan
Northeasts, a hybrid region that produces hybrid, heterogeneous, complex and
contradictory identities.
Key-words: Journalist; Photograph; Jornal do Brasil; Natanael Guedes; Northeast.
T
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Sumário
Lista de ilustrações,14
Lista de siglas,17
Introdução, 19
Capítulo I -Nordeste: uma identidade regional híbrida, regionalismo e literatura, 26
1.1. Refletindo a questão da identidade regional, 27
1.2. Identidades multifacetadas, 28
1.3. Em busca do regionalismo, da diferença, 32
1.4. Regionalismos Nordestinos, 34
Capítulo II -Indicadores sociais, perfil de um substrato para a imagem do
Nordeste na mídia, 49
2.1. Afinal: O que é o Nordeste brasileiro? 50
2.2. Geografia do Nordeste, 51
2.3. Fragmentos históricos, 53
2.4. As disparidades regionais e a criação da Sudene, 58
2.5. Órgãos de desenvolvimento do Nordeste, 62
2.6. Alguns indicadores sociais do Brasil e do Nordeste, 63
Capítulo III-O cenário dos anos 70 e 80 no Brasil e no Nordeste, 71
3.1. O cenário nacional, regional e internacional dos anos 70, 73
3.2. O contexto internacional e nacional dos anos 80 influenciando no Nordeste, 81
Capítulo IV -
Campo jornalístico nos anos 70 e 80 no Brasil, 89
4.1. Meios de comunicação transmitem imagens, 90
4.2. O jornalismo enquanto habitus e campo profissional, 93
4.3. O desenvolvimento do campo jornalístico no Brasil, 102
4.4. Jornal do Brasil, 107
4.5. Jornalismo, Poder e o Nordeste brasileiro na ditadura e na transição política, 111
4.6. O fotojornalismo no cenário dos anos 70 e 80 no Brasil, 117
Capítulo V - Metodologia da pesquisa, 122
5.1. Objeto, 122
5.2. Modelo da pesquisa, 126
5.3. Métodos e técnicas adotados, 127
5.4. Seleção das fotografias e das matérias jornalísticas, 131
11
Capítulo VI - O Nordeste brasileiro que o JB mostrou nos anos 70 e 80 através do
Caderno Nordeste e das reportagens da sucursal de Recife, 132
6.1. Caderno Nordeste, 134
6.1.1. Caderno Nordeste 1975, 135
6.1.2.Caderno Nordeste 197, 145
6.1.3.. Caderno Nordeste 1977, 159
6.1.4. Caderno Nordeste 1978, 167
6.1.5. Caderno Nordeste 1979, 172
6.1.6. Caderno Nordeste 1980, 187
6.1.7. Caderno Nordeste 1981, 201
6.2. O Nordeste que o JB mostrou através de reportagens da sucursal de Recife, 207
6.2.1. Política, 207
6.2.2. Denúncias, 219
6.2.3. Economia, 231
6.2.4. Meio ambiente, 234
6.2.5. Religião, 237
6.2.6. Educação e esporte, 246
6.2.7. Turismo e cultura, 251
6.3. Gente de expressão, 258
6.4. Comentários, 263
Capítulo VII- O Nordeste brasileiro no fotojornalismo de Natanael Guedes, 265
7.1. Fragmentos históricos da história da fotografia, 265
7.2. Mensagem fotográfica, 267
7.3. Natanael Guedes: repórter fotográfico no furacão da história, 271
7.4. Imagens nordestinas nas lentes de Natanael Guedes, 285
7.4.1. Pobreza e cotidiano romanceados, 285
7.4.2. Política, 313
7.4.3. Símbolos e personalidades nordestinas, 327
7.4.4. Paisagens nordestinas, 337
7.5. Algumas considerações, 347
Conclusões, 348
Referências bibliográficas, 358
12
Lista de ilustrações
Figura 1- Modelo da pesquisa sobre a imagem do Nordeste no jornalismo no Brasil
Fotografia 1 - José Maria saiu de Souza, PB, e depois de viajar a pé 30 dias com
mulher e filho não sabe para onde vai – 09/10/83.
Fotografia 2 - D. Maria José Nunes, que teve 22 filhos, viveu “num tempo atrasado,
sem anticoncepcionais”.
Fotografia 3 - Os programas do Dnocs não mudaram quase nada na vida do
nordestino – 09/12/79.
Fotografia 4 - A miséria com a qual o Recife rico já se acostumou, de tanto ver –
17/06/77.
Fotografia 5 - No mocambo de Maruim, a invasão das águas é uma rotina invariável,
trazendo podridão e doença - 09/10/7.
Fotografia 6 - Em Codó, 80 mil crianças morrem ao nascer, 12% morrem antes de
fazer um ano, e as que escapam subsistem trabalhando apenas para sobreviver, tendo
uma expectativa de vida de 45 anos – 09/10/78.
Fotografia 7 – No Sertão a sobrevivência chega a depender de colheitas irrisórias –
30/11/75.
Fotografia 8 - Os favelados recifenses vendem até a mobília para comprar comida -
18/03/84.
Fotografia 9 - Acampamento de lavradores muda cartão-postal do Recife – 14/09/86.
Fotografia 10 - Comerciantes invadem áreas tombadas, como o Alto da Sé – 18/12/88.
Fotografia 11 - O pouco que se pesca não presta e 25 mil pessoas estão com fome –
08/02/76.
Fotografia 12 - O comércio fechou por causa da inundação do centro – 15/04/84.
Fotografia 1 3 - Com a Subida do são Francisco, as águas estão invadindo as
plantações dificultando ainda mais a vida dos plantadores, especialmente os pequenos -
20/03/79.
Fotografia 14 - Os moradores dos mocambos abandonam seus casebres em barcos –
16/04/84.
Fotografia 15 - Os enormes poços Amazonas, construídos pelos alistados, abastecem
a vizinhança - 22/11/87.
Fotografia 16 - A seca no Ceará, este ano, foi inclemente. A falta de crédito
enfraqueceu ainda mais a agropecuários – 16/12/79
Fotografia 17 – Mais de 40 homens já estão trabalhando nas obras de infra-estrutura
da barragem de Brotas – 08/09/74.
Fotografia 18 - Nas frentes de trabalho, as mulheres trabalham como os homens para
sobreviver na terra sem água.- 18/09/83.
Fotografia 19 – O agrônomo Jonas fiscaliza o replante da cebola - 20/02/8?
Fotografia 20 – Os quilombos sobrevivem no sertão da Paraíba, 30/06/80.
Fotografia 21 - A paralisação dos trabalhadores da Zona da Mata foi considerada legal
– 03/10/79.
Fotografia 22 - Os trabalhadores rurais acham o movimento vitorioso e festejaram o
acordo – 09/10/79.
13
Fotografia 23 - Trepadores de coqueiros exigem que usina pague Cz$ 1,50 por
escalada para tirar coco - 7/09/86.
Fotografia 24 - Na Zona da Mata, cerca de 350 mil trabalhadores recolheram suas
foices e deixaram os canaviais - 22/09/87.
Fotografia 25 - O soldado Valença, que tinha um mês de farda, morreu a facadas e foi
enterrado com honrarias militares – 31/01/87
Fotografia 26 - O destacamento policial foi todo substituído, para maior eficiência na
caça A. Vilmar.
Fotografia 27 - Um pacto moral de não agressão foi conseguido em Exu por dom
Avelar Brandão – 05/08/81.
Fotografia 28 - Maleta 007 e escopeta nas mãos, o major Moura desembarcou da
Veraneio para assumir a Prefeitura – 11/11/981.
Fotografia 29 - Figueiredo viu o Drama da Paixão em Nova Jerusalém. Hoje anuncia
o Pacote do Nordeste na Sudene – 03/04/81.
Fotografia 30 - Mais de 24 anos depois, a história se repetiu em Recife - 28/11/88.
Fotografia 31 - Arraes disse que redemocratização não resolve problemas sociais e
econômicos – 17/09/79.
Fotografia 32 – De volta à cátedra, Marcos Freire considera gratificante a
oportunidade de formar jovens – 12/06/83.
Fotografia 33 - Tancredo prometeu reforma agrária aos trabalhadores rurais, sem
violência e sem traumas – 04/01/85.
Fotografia 34 – Jarbas prometeu reformas ao povo reunido na Prefeitura – 02/01/86.
Fotografia 35- Diante do Paço, Maria Luiza ergueu-se no banco do Oldsmobile e
levantou os braços, como vencedora –02/01/86.
Fotografia 36 - Enquanto Magalhães (E), Krause e Múcio não escondiam a tensão,
Maciel sorria – 27/08/86.
Fotografia 37 – Muito aplaudido, Arraes acenou com o diploma para o público –
10/01/87.
Fotografia 38 - Braga teve festa de correligionários no aeroporto – 22/06/8?
Fotografia 39 - Cem mil pessoas saíram às ruas de Caruaru para recepcionar o
candidato do PRN – 09/10/89.
Fotografia 40 – O picadeiro do Gran Circo é agora tribuna de debates sobre a futura
Constituição – 31/05/86.
Fotografia 41 – Lula levou o filho Sandro para passear de carro de boi e disse que não
era candidato a nenhum cargo: “só se for candidato à cadeia”, 17/06/79.
Fotografia 42 -São muitas as histórias em torno do fardão da Academia Brasileira de
Letras – 12/12/88.
Fotografia 43 – Dom Hélder celebrou a missa no quintal, num altar armado à sombra
das árvores - 19/12/80.
Fotografia 44 - Capiba comemorou 50 anos de frevo desfilando em uma frevioca
(caminhão com orquestra) enquanto a multidão cantava suas músicas – 04/03/81.
Fotografia 46 - Velado em Recife, Luiz Gonzaga será enterrado amanhã em Exu –
03/08/89.
Fotografia 47 – O frevo, símbolo e glória do carnaval pernambucano, quase sumiu das
ruas: fugiu para Olinda – 28/02/79.
Fotografia 48– Desta vez, os vaqueiros foram mesmo o centro da festa. Os políticos,
embora presentes, não tiveram chance de aparecer - 19/07/78.
Fotografia 49- O marxista Anildomá Willians faz campanha apaixonada para seu
ídolo Lampião.
14
Fotografia 50- Os jumentos agüentam apenas um terço do seu peso sobre o dorso, mas
sempre carregam mais.
Fotografia 51 – Os pernambucanos mantêm a tradição de festejar os santos de junho.
No pátio de São Pedro, um arraial improvisado, com quadrilha e tudo mais.
Fotografia 52 Uma grande festa de fim de ano vai transformar a cidade num Festival
de música, comida – e arte popular
Fotografia 53– apesar da desconfiança de índios e caboclos, surfistas e turistas
descobrem aos poucos os encantos da Baía da Traição.
Fotografia 54- Em todas as praias de Recife, a água de coco é vendida em cabanas –
25/06/86.
Fotografia 55 – A praia de Ponta Negra que forma uma pequena baía, é na estrada, a
primeira vista de Natal - 25/06/86.
Fotografia 56– Praias de coqueirais, sol o ano inteiro.
Fotografia 57– Tranqüilidade absoluta a poucos passos da cidade grande - 27/03/85.
Fotografia 58- O roteiro dos Beneditinos em Pernambuco - 22/01/86.
Fotografia 59– Igarassu, uma relíquia colonial – 20/11/85.
Fotografia 60– No Pátio de São Pedro, a arquitetura e os bons restaurantes - 25/06/86.
Matéria 1 – Sudene muda Nordeste em 15 anos - 28/11/75
Matéria 2 –Ação da Sudene no Nordeste - 28/11/75.
Matéria 3 - Indústria impulsiona a economia da Região - 28/11/75.
Matéria 4 – Evolução da economia nordestina - 28/11/75.
Matéria 5 – Melhoria no Nordeste traz nordestino de volta para casa – 26/11/76.
Matéria 6 – Crescimento industrial do Nordeste é maior do que a média nacional –
26/11/76.
Matéria 7 – Petrolândia, pioneira em projeto de irrigação no Nordeste – 26/11/76.
Matéria 8 – Polonordeste – Programa de desenvolvimento integrado – 26/11/76.
Matéria 9 - Balcão de projetos para o Nordeste – 26/11/76
Matéria 10 – Bancos como agentes de desenvolvimento – 26/11/76.
Matéria 11 – A marca do Finor na região - – 26/11/76
Matéria 12– Crescimento nos municípios – 26/11/76
Matéria 13 – Taxas de crescimento longe do ideal – 25/11/77
Matéria 14 – Frentes de trabalho, um “mal necessário”. – 25/11/77
Matéria 15 – Homem expulso da terra é aproveitado após seleção – 25/11/77.
Matéria 16 - Irrigação do Nordeste – 25/11/77.
Matéria 17 – João Pessoa e Campina Grande, pólos industriais da Paraíba – 15/12/78.
Matéria 18 – Bahia tem diversos centros e distritos industriais - 15/12/78.
Matéria 19 – Problemas sociais de Alagoas – 23/11/79.
Matéria 20 - Problemas sociais do Maranhão – 23/11/79
Matéria 21 – Problemas sociais da Paraíba – 23/11/79
Matéria 22 - Seca no Rio Grande do Norte – 23/11/79
Matéria 23 – Reivindicações de São Luís – 23/11/79
Matéria 24 – Reivindicações de Alagoas – 23/11/79.
Matéria 25 – Reivindicações dos municípios cearenses – 23/11/79
Matéria 26 – Reivindicações dos distritos industriais baianos – 23/11/79.
Matéria 27 – Turismo em Natal – 23/11/79.
Matéria 28 – Turismo em Alagoas – 23/11/79
Matéria 29 – Turismo na Bahia – 23/11/79.
15
Matéria 30 - Turismo no Piauí – 23/11/79
Matéria 31 - Turismo em São Luís – 23/11/79.
Matéria 32 – “É hora do Centro-Sul devolver ajuda ao Nordeste” – 28/11/80.
Matéria 33 – Abertura leva Nordeste a lutar por oposição – 28/11/80.
Matéria 34 – Questão social não é prioridade – 28/11/80.
Matéria 35 – Empresariado do Piauí se organiza – 28/11/80
Matéria 36 – Recessão não deveria chegar ao Nordeste – 28/11/80
Matéria 37 – Piauí sofre com seca e inflação – 28/11/80.
Matéria 38 - Planos para combater a pobreza em Pernambuco – 28/11/80.
Matéria 39 - Pólo e projeto Ceará são as únicas soluções – 28/11/80
Matéria 40 – Crescimento da indústria em Sergipe – 28/11/80.
Matéria 41 – Recife, uma cidade que se acorda e se dorme com ela – 28/11/80.
Matéria 42– Fortaleza busca hegemonia no turismo – 28/11/80.
Matéria 43 – Celso Furtado comenta sobre o Nordeste em seminário – 31/07/81
Matéria 44 – Projeto Asa Branca – 31/07/81
Matéria 45 – Projeto Boqueirão - 31/07/81
Matéria 46 – Figueiredo promete mais recursos para Nordeste, 30/06/79
Matéria 47 – Lula visita Dom Hélder, 13/06/79.
Matéria 48 – Lula faz visita sentimental a sítio onde passou infância.
Matéria 49 – Arraes desperta amor e ódio, 8/12/85.
Matéria 50 – Tancredo visita a Sudene – 28/07/84.
Matéria 51 – Sarney promete verba para o Nordeste, - 06/03/86.
Matéria 52 – Comício de Collor em Arapiraca, 17/08/89.
Matéria 53 – Jarbas encerra a carreira de radical, 20/09/87
Matéria 54- O administrador do Engenho Lagoa Dantas diz que só deixa o seu
revólver para arranjar outro maior - 22/09/84.
Matéria 55 – Nordestinos de volta para a casa.
Matéria 56– Recife, cidade estrangulada pelo progresso – 28/04/87.
Matéria 57 – Metrô muda rotina da população – 03/03/85.
Matéria 58 – Rixa das famílias Alencar e Sampaio em Exu.- 03/08/81.
Matéria 59 - Motins em Pernambuco – 22/05/87.
Matéria 60– Políticos envolvidos com desvio de verba para a seca - 22/11/87.
Matéria 61– Escândalo da mandioca (continuação) - -13/12/87.
Matéria 62 – Feira do troca-troca no Piauí -30/04/74.
Matéria 63 – Safra de álcool antecipada -27/07/81.
Matéria 64- Tremor de terra em João Câmara – 11/12/86.
Matéria 65 - Alcântara vai mudar sua história para ser base de mísseis.
Matéria 66 - Depois do espetáculo do corte a carne da baleia é salgada e exposta ao
sol para secagem – 18/12/77.
Matéria 67 - O dia amanheceu. Depois de três horas de sono. Dom Hélder celebra sua
missa. Ele cuida de 3 milhões de católicos – 07/02/79.
Matéria 68 – Dom Hélder visita grevistas – 12/08/79
Matéria 69 – Dom Hélder depõe em defesa de padre incurso na LSN- 15/5/81.
Matéria 70 -Apelo a Cristo nas pichações evidencia engajamento de católicos -
29/10/89.
Matéria 71– Visitar a estátua do Padre Cícero é roteiro obrigatório dos fiéis
16
Matéria 72 - No Sítio Guarda, os romeiros veneram a imagem de Nossa Senhora que,
em 1936, teria aparecido para Maria da Luz (foto), hoje, irmã Adélia, e Maria da
Conceição – 009/11/86.
Matéria 73 – Carmelitas colhem assinaturas para ter de volta o convento – 19-8-84
Matéria 74 - Na casa-grande do engenho, o cenário perfeito para uma aula de História
do Brasil - 04/09/84.
Matéria 75 – Método Paulo Freire – 01/06/86
Matéria 76 – Os bacharéis da estrada – 11-06-77.
Matéria 77 - Givanildo, a experiência a serviço da invencibilidade do Santa Cruz,
07/05/79.
Matéria 78 – Folguedos e folclore no Pernambuco Junino.
Matéria 79– Igrejas, museus, restaurantes e atrações em Recife 12/06/75.
Matéria 80 – No sertão, a festa e a missa do vaqueiro – 16/07/87.
Matéria 81 – Cangaço preservado num Colégio de Freiras
Matéria 82 – Pegando turista pela boca
Matéria 83 – Praias de coqueirais, sol o ano inteiro e a alegria da cirandeira Lia
Matéria 84 – Gilberto Freyre, um cientista que quer ser compreendido
Matéria 85 – Capiba ano 50 do frevo
Matéria 86 – Trajetória de um imortal – 23/8/85.
Matéria 87- O Quixote do chapéu de couro
Matéria 88 – O Nordeste das chaminés
Matéria 89– A história da foto - JC
Matéria 90 – O brilho do Natal do Recife
Matéria 91 – Tem boi no ar
Matéria 92 - Maria Farinha, lugar para sonhar e viver.
17
Lista de siglas
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
Abico - Companhia de Investimentos Árabe Brasileiro
AL - Alagoas
AI-5 – Ato Institucional Nº 5.
AJB – Agência Jornal do Brasil
Arena – Aliança Renovadora Nacional
BA -Bahia
BNH - Banco Nacional de Habitação
BR – Rodovia Brasileira
CCC - Comando de Caça aos Comunistas
CE - Ceará
Cebs – Comunidade Eclesiais de Base
Cepal – Comissão Econômica para a América Latina
CGT - Comando Geral dos Trabalhadores
Chesf- Companhia Hidrelétrica do São Francisco
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNPq – Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia
Codevasf - Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco
Coperba - Companhia de Pesca do Norte do Brasil
CSUs - Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos
CUT - Central Única dos Trabalhadores
DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda
Dnocs – Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
Embratur - Empresa Brasileira de Turismo
Finame –Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos
Industrias
Finep - Fundo de Financiamento para Estudos, Projetos e Programas
Finor - Fundo de Investimentos do Nordeste
Fipeme - Programa de Financiamento de Pequenas e Médias Empresas
FGTS- Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNE -Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste
Funai – Fundação Nacional do Índio
Fundece- Fundo de Democratização do Capital das Empresas
Funrural - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
Funtec - Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico
Geacap - Grupo Especial de Auxílio às Calamidades Públicas
IAA - Instituto do Açúcar e do Álcool
IBDF - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
Incra - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
Iphan - Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional
IPI - Imposto sobre Produtos Industriais
18
IR – Imposto de Renda
ISEB -Instituto Superior de Estudos Brasileiros
JAC - Juventude Agrária Católica
JB – Jornal do Brasil
JOC -
Juventude Operária Católica
JUC -
Juventude Universitária Católica
MA - Maranhão
Master-
Movimento Agrário dos Trabalhadores Sem Terra
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
Mobral - Movimento Brasileiro de Alfabetização
MPAS - Ministério da Previdência AssistÊncia Social
NCP - Núcleo Colonial de Petrolândia
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
Pasep - Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público
PB - Paraíba
PDS – Partido Democrático Social
PDT- Partido Democrático Trabalhista
PE - Pernambuco
PI- Piauí
PIB – Produto Interno Bruto
PIN - Programa de Integração Nacional
PIS - Programa de Integração Social
PL – Partido Liberal
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PND- Plano Nacional de Desenvolvimento
Polonordeste - Programa de Desenvolvimento das Áreas Integradas do Nordeste
PP – Partido Popular
PRN - Partido da Renovação Nacional
PT – Partido Trabalhista
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
RN - Rio Grande do Norte
ONU – Organização das Nações Unidas
SE - Sergipe
SNI - Serviço Nacional de Informação
Sudene – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
Sundepe - Superintendência do Desenvolvimento da Pesca
Ubes - União Brasileira de Estudantes Secundários
UDR - União Democrática Ruralista
UFPE – Universidade Federal de Pernambuco
UNE - União Nacional dos Estudantes
19
Introdução
urante os anos 70 o Brasil era um país que estava sob a ditadura militar e o
mundo estava em plena Guerra Fria. Naquela época, o Brasil era um país
tipicamente subdesenvolvido, periférico, dependente do Primeiro Mundo. A
exportação era pautada na venda de produtos agrícolas, enquanto se importava grandes
volumes de produtos industrializados, principalmente dos Estados Unidos. Era preciso
investir em estradas, portos, aeroportos, barragens, irrigação, escolas, hospitais,
universidades Era necessário dar incentivo à indústria, capacitar à mão-de-obra,
melhorar os índices educacionais e a qualidade de vida da população. Algumas dessas
ações foram implementadas com o chamado “milagre econômico”, que ocorreu em
meados do período, graças a empréstimos internacionais, dando, temporariamente,
impulso a economia nacional, regional e local.
Em meio a tantos desafios e necessidade, o país não tinha democracia. A
ditadura tolhia a liberdade do povo e a voz dos meios de comunicação de massa. A
censura prévia impossibilitava os jornalistas trabalharem com liberdade. Os fotógrafos
não podiam registrar imagens em que contrariassem o receituário da Junta Militar, sob
pena de serem perseguidos e presos.
É nesse cenário que o repórter fotográfico pernambucano, Natanael Guedes,
foi trabalhar na sucursal do Jornal do Brasil, em Recife, e revelou contrastes da região
do Nordeste, mostrando imagens sociais de uma região heterogênea, híbrida, com
traços de identidade regional polissêmica, revestida de vários atributos culturais.
Nordeste que ao mesmo tempo em que se apresentava miserável, com gente passando
fome, alienada, fugindo da seca, migrando em busca de trabalho, com altos índices de
analfabetismo; por outro lado, emergia com altos índices de crescimento industrial,
investimento em infra-estrutura, patrocinados pela Superintendência do Nordeste
(Sudene), Fundo de Investimento para o Nordeste (Finor) e outros órgãos de
desenvolvimento regional. Um Nordeste lindo, cheio de praias paradisíacas, com uma
cultura rica em folguedos populares e arquitetura onde o barroco deixou suas marcas
em casarios e igrejas nas principais capitais. Nordeste politizado, com políticos
ocupando o cenário nacional e com um povo, em que parte da população resistia e não
apenas aceitava docilmente aos interesses e os comandos daqueles que governavam.
D
20
Natanael Guedes era um repórter-fotográfico atento ä censura prévia, ao ethos
do campo profissional do jornalismo na época, a agenda do Jornal do Brasil, mas
também emprestava ao seu fotojornalismo, cuja matéria prima era o Nordeste
brasileiro, seu olhar e profunda identidade nordestina, através do apego à cultura
regional e admiração ao cenário exótico da paisagem natural do Nordeste.
Vale ressaltar que apesar do jornalismo estar na mira da censura, nos anos 70,
vindo a se tornar, existia no período uma política interna dos jornais de grande
circulação no país de se ter sucursais nas principais capitais regionais, trazendo vários
empregos para fotógrafos, repórteres e editores locais. Numa época em que não havia
Internet, não se tinha câmera digital, se operava com telex, com telefoto, exigindo-se
maior especialização do jornalista e precisando mais de mão de obra.
É pertinente observar que a presença de sucursais, por exemplo, em Recife, dos
jornais Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo e o Jornal do Brasil, nos
anos 70 e 80, deu mais chances do Nordeste ser matéria prima do jornalismo brasileiro,
pois como funcionavam com um número maior de profissionais de comunicação do
que as agências de notícias locais ou correspondentes, vai possibilitar, também, a
produção de uma maior quantidade de matérias sobre a região, inclusive de “matérias
frias”, como, por exemplo, turismo, cultura, gastronomia e comportamento.
Esse Nordeste “mais light” que a imprensa veiculou seria resultado do campo
profissional do jornalista na época, das tecnologias comunicacionais que se utilizavam,
bem como da própria necessidade dos jornalistas dessas sucursais de gerarem fatos, de
driblar a censura, de noticiarem outras faces nordestinas que não tivessem a presença
do fantasma da “tortura ideológica da mão invisível do Estado opressor”.
Com a abertura política, a redemocratização do país, o surgimento de vários
movimentos sociais, o aparecimento de novos partidos políticos e de novas lideranças,
o Movimento das “Diretas Já” para Presidente da República, a posição de parte da
Igreja Católica para uma Teologia da Libertação, a realidade do povo brasileiro,
especificamente do nordestino, e da imprensa foi mudando paulatinamente.
Os anos 80 foram cruciais para o fortalecimento da democracia e da imprensa
no Brasil. A mídia, com o fim da ditadura militar, que acabou no governo do general
João Figueiredo, depois de 21 anos, foi, pouco a pouco, se tornando mais livre,
podendo informar, denunciar e opinar. Embora, só pôde, realmente, agir efetivamente
com liberdade após da promulgação da Constituição de 1988.
21
As mudanças políticas e econômicas no cenário nacional e internacional
afetaram substancialmente o campo jornalístico. Outras tecnologias comunicacionais
surgiram. A recessão e a inflação afetaram a economia dos jornais, inclusive a do
Jornal do Brasil, onde muitos tiveram que fechar algumas de suas sucursais. Com isso,
a quantidade de matérias, de notícias sobre o Nordeste, na mídia impressa diminui.
A década de 80 foi um período de turbulência na economia nacional. O país
tinha altos índices de inflação, desemprego e recessão. Declarou a moratória. Fez
diversos planos econômicos heterodoxos. Houve várias greves. O povo ia às ruas em
busca de melhores salários e de empregos. E, isso ocorria, também, no Nordeste.
Muitas empresas fecharam na região. A Sudene ficou enfraquecida e o investimento na
região diminuiu. O Nordeste aparece nos meios de comunicação de massa com
problemas sociais mais visíveis e com um povo mais reinvidicativo. Por outro lado, o
turismo regional passa a chamar mais a atenção da mídia nacional e internacional, uma
vez que o processo de globalização se intensifica.
Desse modo, esta tese de doutorado tem como objetivo central responder como
a imprensa (Jornal do Brasil) mostrou através de reportagens e das fotografias do
repórter fotográfico Natanael Guedes a imagem do Nordeste do Brasil nos anos 70,
marcado por um contexto de desigualdade social, pela ditadura militar e pelo discurso
do “milagre econômico”, e quais representações sociais e estereótipos foram mostrados
da região, nos anos 80, numa época de redemocratização política, recessão econômica
e diminuição das políticas públicas e sociais.
Quisemos, com isso, verificar como o contexto social e político dos anos 70 e
80 influenciaram nas representações sociais do Nordeste brasileiro na imprensa
nacional; averiguar quais as imagens sociais o Jornal do Brasil veiculou sobre o
Nordeste; detectar de que forma o campo jornalístico contribuiu na construção da
identidade nordestina e na reprodução de estereótipos; identificar como as fotografias e
as matérias jornalísticas revelam o cotidiano, o povo, os políticos, a cultura e a
economia nordestina no fotojornalismo; bem como apurar o que faz o Nordeste ser
notícia, matéria prima do jornal numa época de ditadura militar e redemocratização
política.
Para responder a essas perguntas, foi feita uma pesquisa documental, com cerca
de 500 reportagens e com 60 fotografias, veiculadas no Jornal do Brasil, produzidas
pela sucursal de Recife, nos anos 70 e 80.
22
Esta pesquisa nasceu da necessidade de se mostrar que a imagem que a mídia
veicula sobre a região do Nordeste brasileiro não é resultado apenas dos interesses
mercadológicos, ideológicos e políticos dos donos de veículos de comunicação de
massa e dos seus anunciantes, nem somente das representações culturais que os
jornalistas têm sobre o local, mas é também fruto, de um lado, da própria diversidade e
heterogeneidade da geografia, da história e dos indicadores sociais, dos sujeitos
coletivos e individuais que reproduzem imagens, configurações, idéias, representações
sobre o Nordeste. E de outro, de um contexto sócio político nacional que, ao mudar,
requer uma nova “imagem do Nordeste” para compor a imagem do Brasil.
Com este estudo procuramos contribuir no debate sociológico e midiológico de
como a imprensa pôde contar a história, mostrar os contrastes, o cotidiano, a cultura, as
diversas faces de uma região chamada Nordeste brasileiro num período em que a
ditadura militar foi mais repressiva e tinha um discurso desenvolvimentista, de um
“milagre econômico” e de integração regional, onde as feridas sociais não podiam ser
expostas como resultado da concentração de renda, nem como descaso político, como
foi os anos 70 e de outro lado, os anos 80, cujo cenário nacional se expressava no
regional através da abertura política, de choques econômicos na economia, de greves,
inflação, recessão, desemprego e abolição da censura prévia, o que permitia aos
jornalistas denunciar casos de corrupção, as mazelas sociais “sem maquiagem”.
Analisamos as reportagens e as fotografias sobre a região como representações
sociais, indícios, filtros, traços, pegadas da realidade.
Demonstramos como o campo profissional do jornalismo, o olhar do repórter
fotográfico, as sucursais podem ter contribuído para a imagem de um Nordeste híbrido,
multifacetado, tanto nos anos 70 como nos anos 80.
Destacamos que o Nordeste veiculado na mídia não só dependia da agenda
setting do Jornal do Brasil, do campo da comunicação e do habitus do jornalismo, mas
também dependia do que os militares consideravam fatos publicáveis e não publicáveis
sobre a região, logo, o entendimento da mídia não como o primeiro ou o quarto poder,
mas como um braço, um prolongamento do poder estatal na década de 70.
Defendemos que o Nordeste brasileiro que a mídia mostrou nos anos 70 é
bastante híbrido, contraditório e polissêmico, não sendo apenas o espaço da miséria e
da dependência. Ao mesmo tempo em que é o Nordeste do milagre econômico, com
muitos projetos sendo viabilizados pela Sudene, Codevasf e Dnocs, trazendo indústria,
23
irrigação, emprego, infra-estrutura, colonização e progresso, é também o Nordeste das
grandes secas e enchentes, com as capitais se “inchando” de mocambos, com
problemas sociais crônicos.
Acreditamos que nos anos 80, o Nordeste permaneceu com alguns traços da
década de 70, principalmente no que tange aos aspectos sociais, à desigualdade social,
sobretudo com o agravamento da crise econômica que afetou todo o país, trazendo
desemprego, inflação e juros altos. Não será mais o Nordeste do “milagre econômico”,
das ações da Sudene. Por outro lado, vai ocupar mais espaço na mídia através do seu
potencial turístico, do multiculturalismo regional e de seus políticos com visibilidade
nacional, tais como Lula, Sarney e Collor, além de muitos outros. Será, também, o
Nordeste onde a indústria da seca é denunciada, onde a violência entre famílias ocupa
espaço na mídia. Um Nordeste de povo valente, que luta, reivindica, faz greve, vota e
sonha por dias melhores.
Assim, a mídia mostrou antigos e novos Nordestes na década de 80. Uma mídia
que, também, se transformou com as mudanças no mundo do trabalho, com a
reestruturação produtiva, com as novas tecnologias e com o desafio de se trabalhar
com uma equipe mais enxuta, sem grandes sucursais regionais e que pode se distanciar
mais do controle do Estado. Ao mesmo tempo em que se tornou mais poderosa e mais
presente na vida dos brasileiros, com o aumento do número de leitores de jornais e
revistas, da audiência da televisão e do rádio, em decorrência da popularização dos
preços desses veículos e de sua liberdade de expressão.
A pesquisa ancorou-se em abordagens sociológicas da contemporaneidade,
como, por exemplo, a idéia de identidade cultural enquanto representação social
(Pierre Bourdieu) e múltipla, contraditória, híbrida, móvel, defendida por Stuart Hall,
Manuel Castells, Ernest Laclau e Chantal Mouffe; a concepção da região Nordeste
enquanto imagem e espaço construídos, representação social, identificadas nas obras
de autores como Gilberto Freyre, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Graciliano
Ramos, Durval de Albuquerque, Djacir Menezes, Josué de Castro; o conceito de
campo social, desenvolvido por Pierre Bourdieu, especificamente o de campo e de
habitus jornalístico; o caráter conotativo da mensagem fotográfica, assinalada por
Roland Barthes.
A tese está dividida em sete capítulos. O primeiro capítulo trata da questão da
identidade regional, da multiplicidade e fragmentação de identidades que o indivíduo
24
pós-moderno tem, e de como se situa o regionalismo nordestino nesta fragmentação,
destacando a contribuição de alguns autores e cientistas que com suas obras ajudam a
construir imagens sobre o Nordeste, cada um emprestando sua visão de mundo, o seu
olhar ou experiência aos seus personagens ou síntese sobre o lugar. Nele, encontram-se
fragmentos das obras de Gilberto Freire, Josué de Castro, Djacir Menezes, José Lins
do Rego, Raquel de Queiroz, José Américo, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo
Netto entre outros.
O segundo capítulo questiona o que é, realmente, o Nordeste. Traz à tona
alguns fragmentos da geografia, da história , dos principais órgãos de desenvolvimento
e indicadores sociais da região.
O terceiro capítulo analisa o contexto político, social e econômico em que o
Brasil e o Nordeste se encontravam no período dos anos 70 e 80, bem como pontua
como era o cenário internacional da época, numa época de Guerra Fria, de dicotomia
entre o capitalismo e o socialismo no primeiro momento, passando por mudanças
profundas no mundo do trabalho, da produção, de formação de uma nova ordem
mundial apressada pelo neoliberalismo e pela globalização no segundo tempo.
O quarto capítulo aborda o campo jornalístico no Nordeste e no Brasil durante
a ditadura militar e a redemocratização do país. Analisa como era o habitus da
comunicação num período em que se tinha AI-5, censura prévia aos meios de
comunicação de massa, em que as sucursais dos grandes jornais brasileiros abasteciam
a população de imagens segmentadas no Nordeste brasileiro. Mostra a importância da
Constituição Federal de 1988 no métier do jornalismo, quando acaba legalmente com a
censura no Brasil.
O material de pesquisa, seus objetivos, técnicas, instrumentos, métodos
utilizados, bem como o processo de seleção das fotografias e das matérias jornalísticas
se encontra no capítulo cinco.
As manchetes sobre o Nordeste, como o JB mostrou a região a partir do
suplemento especial Nordeste, de 1975 a 1981, bem como os principais fatos
publicados sobre a região, nesse período, através da sucursal de Recife, estão sendo
analisados no capítulo seis.
A linguagem fotográfica e seus significados sociais, culturais e históricos, a
partir do registro fotográfico de Natanael Guedes nas matérias publicadas no Jornal do
Brasil¸ sobre o Nordeste brasileiro, num período que era proibido fotografar o que era
25
contrário ao regime ditatorial e de abertura do sistema, estão sendo analisadas no
capítulo sete. A fotografia é analisada como indício da realidade, representação social
e não como cópia do real. Buscou-se mostrar como a identidade regional e o estilo
pessoal do fotógrafo interferem no registro fotográfico, mesmo quando se é pago para
cumprir pautas e atender aos interesses mercadológicos e ideológicos do veículo de
comunicação de massa para o qual se trabalha. Foram analisados os significados
culturais e sociais da região a partir da leitura de imagens de 74 fotografias, feitas por
Natanael Guedes.
Finalmente, o estudo mostra que tanto nos anos 70 como na década de 80, o
Nordeste que aparece no Jornal do Brasil é reflexo do cenário político econômico
nacional, e até mesmo internacional, onde a mídia mostra várias representações sobre a
região a partir de indicadores sociais, geográficos, culturais, históricos, políticos e
econômicos. É também resultado do campo jornalístico da época, com a presença de
sucursais na região, a qual lhe dava mais visibilidade, dos interesses mercadológicos e
da linha editorial do JB. É um pouco do olhar dos jornalistas da sucursal de Recife e
do repórter fotográfico Natanael Guedes.
26
Capítulo I
Nordeste: uma identidade regional
híbrida, regionalismo e literatura.
idéia que temos de nós mesmos, do lugar em que moramos, do que é justo, belo
e bom são criações sociais, abstrações que tomam formas reais, e que passamos
a acreditar como verdade, e até mesmo a lutar por elas. Isso se da tanto por
mecanismos de controle social, que nos domesticam em busca de um consenso, ainda
que, às vezes, temporário e frágil, e através de ideologias que são passadas para nós em
busca, também, de nossa adesão; como também constituem um lugar no mundo para o
nosso pensamento, sentimento e expressão individuais.
Esse juízo, imagem que construímos ou aprendemos a aceitar como a nossa
realidade não ocorre de forma neutra. Há sempre interesses que são gerados pela
própria sociedade ou de grupos que dominam a sociedade e que são os maiores
beneficiários do poder, da riqueza ou do prestígio social. Ela, também, está atrelada à
herança cultural, à construção histórica do lugar, aos aspectos ambientais e de ordem
política, moral e educacional.
Portanto, a identidade social não nasce com o ser humano, não é um traço
biológico, ela é construída no dia-a-dia e ao longo do tempo nas entranhas da
organização social e cultural. Ela se vale “da matéria-prima fornecida pela história,
geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por
fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso”
1
.
Logo, a identidade regional do homem e da mulher nordestina foi construída
socialmente, sendo a nosso ver híbrida, multifacetada, fragmentada e erguida por
diversos atributos culturais, históricos, políticos, econômicos, bem como pela imagem
que os indicadores sociais, a mídia, os intelectuais e artistas constroem sobre a região.
Esses diversos atributos servem de fonte, pauta para mídia, a fim de agendar o
Nordeste para o público, dentro dos critérios de noticiabilidade, mostrando imagens
múltiplas da região. Aqui, será mostrados outros Nordestes, que ajudam a construir
identidades múltiplas, a partir de um enfoque mais teórico, discutindo a questão da
1
CASTELLS, Manuel. 2 ed. O poder da identidade. Vol. II. São Paulo: Paz e Terra, 2001, p. 23.
A
27
identidade, do regionalismo e do olhar de diversos literatos e cientistas nordestinos
sobre o Nordeste brasileiro.
1.1. Refletindo a questão da identidade regional
A identidade é, segundo Castells, “o processo de construção de significado com
base em um atributo cultural, ou ainda conjuntos de atributos culturais inter-
relacionados, o(s) qual (ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado”
2
.
É através da identidade que nós reconhecemos que somos diferentes do outro.
É como defende Maura Penna, "lutar pela identidade enquanto reconhecimento social
da diferença significa lutar para manter visível a especificidade do grupo - melhor
dizendo, aquela que o grupo toma para si - para marcar projetos e interesses distintos”
3
.
Não se vê, nem se toca na identidade social, mas ela se objetiva através de
determinados traços sociais e culturais que são adquiridos e transmitidos nas relações
sociais, na vida prática, passando a ser visíveis para os outros. Portanto, ela pode ser
interpretada como representação, ou seja, imagem social, que penetra a realidade
social. Pierre Bourdieu chama a atenção para o fato de que
A procura dos critérios “objetivos' de identidade 'regional ou
'étnica' não deve fazer esquecer que, na prática social, estes critérios
(por exemplo, a língua, o dialeto ou sotaque) são objetos de
representações mentais, quer dizer, de atos de percepção e de
apreciação, de conhecimento e reconhecimento em que os agentes
investem os seus interesses e os seus pressupostos, e de
representação objetiva, em coisas (emblemas, bandeiras, insígnias,
etc). 0u em atos, estratégias interessadas de manipulação simbólica
que têm em vista determinar a representação mental que os outros
podem ter destas propriedades e dos seus portadores”
4
.
Para Durval Albuquerque "a identidade nacional ou regional é uma construção
mental, são conceitos sintéticos e abstratos que procuram dar conta de uma
2
CASTELLS, Manuel. Idem, p. 22.
3
PENNA, Maura. O que faz ser nordestino: identidades sociais e o “escândalo”Erundina. São Paulo:
Cortez, 1992, p. 22.
4
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 3. ed. Rio de Janeiro, 2000, p. 112.
28
generalização intelectual, de uma enorme variedade de experiências efetivas”
5
. A
identidade nacional no período moderno pode ser pensada como um reducionismo.
Às vezes, essa generalização em relação ao outro é cheia de estereótipos, que
denigre a imagem, baixa a auto-imagem, coloca o outro, sobretudo o colonizado numa
visão de subalternidade. Trata-se de um discurso dominante que quer impor sua visão
de mundo, seus conceitos, sua forma de ser, como se fosse superior ao outro que tem
uma identidade cultural estereotipada.
Os estigmas construídos pelo lugar de origem, pelo sotaque, são também,
criticados por Bourdieu como “um caso particular de lutas de classificação, lutas pelo
monopólio de fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor
a definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e desfazer
os grupos”, pois segundo o autor o que “está em jogo é o poder de impor uma visão do
mundo social através dos princípios de divisão (...) sobre a identidade e a unidade do
grupo, que fazem a realidade da unidade e da identidade do grupo”
6
. E, isso, sem
dúvida ocorre com o que se quer rotular de região Nordeste ou de nordestino.
1.2. Identidades multifacetadas
Os diversos atributos culturais podem criar um determinado modelo de
identidade social, mas tamm, podem gerar fragmentos de identidades ou múltiplas
identidades, principalmente no momento de intensa globalização da economia e da
comunicação e do fenômeno da mundialização da cultura.
Na modernidade, a identidade nordestina era pensada como um padrão único,
formado por determinados atributos. Esses atributos concorriam para a construção da
identidade do povo nordestino através do sotaque, do comportamento, do estilo de
vida, da vida cotidiana, de atributos que faziam perceber, por exemplo, que o
nordestino não é sulista.
Hoje, há algumas formas e atributos culturais de ser nordestino que os fazem
distintos de outros brasileiros. Para os autores Laclau e Mouffe, a identidade social não
é fruto de uma ideologia dominante. A identidade não é a mesma para todos, não é
universal, nem tem uma base essencialista, mas é composta por diversos processos de
5
ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A invenção do Nordeste. 2 ed. Rio de Janeiro Cortez, 2001, p.
27.
6
BOURDIEU, Pierre. Idem, p. 113.
29
divisões e antagonismos sociais. Um único indivíduo, para Laclau e Mouffe, pode ser
portador de uma multiplicidade de identidades
7
.
Identidades essas que podem ser dominantes numa relação e em outras serem
dominadas, dependendo da posição em que se encontre, dos pontos nodais da relação.
Esses servem de referência temporariamente hegemônica, contingente e relacional da
posição do sujeito. Ou seja, conforme os autores, os pontos nodais são “fixações
parciais que limitam o fluxo do significado sob o significante”, salientando que “esta
dialética não-fixação/fixação só é possível porque a fixação não é pré-determinada
porque não existe qualquer centro de subjetividade que preencha as identificações de
identidades”
8
. Assim sendo, o sujeito apresenta-se como múltiplo de identidades,
portanto, não homogêneo, cujo processo é quem elege os sujeitos hegemônicos.
Esse processo de descentra mento da identidade, tornando-a não fixa, essencial
ou permanente, é o que Stuart Hall chama de produção do sujeito pós-moderno. É
justamente a ideologia como “falsa consciência”, que os pós-modernos, hoje, tanto
repudiam, pois partem do pressuposto que a maior parte do que as pessoas dizem sobre
elas mesmas e sobre o mundo são verdadeiras. Aceitar a falsa consciência seria, assim,
aceitar, que os indivíduos vivem uma grande mentira, uma farsa, uma fantasia, ou
então, que estão sempre sendo manipulados, impotentes e vivendo uma grande ilusão.
É como se os indivíduos fossem anestesiados, incapazes de construir suas próprias
vidas; fossem apenas fantoches das condições sociais de uma época.
Por outra parte, não é só a ideologia como categoria explicativa da sociedade,
das diferenças sociais, da legitimação de dominação de uns grupos sobre outros que os
pós-modernos rejeitam. Eles rejeitam os ideais iluministas, decretando a morte do
sujeito, o fim da história, o universalismo, o essencialismo. Descartam o marxismo, as
análises dicotômicas e as classes sociais como categoria unificadora. Substituem o
conceito de sociedade pelo de linguagem.
Segundo Lyotard, a condição “pós-moderna” é marcada pela incredibilidade
em relação as grandes narrativas, pela deslegitimarão da ciência, pelo critério
operatório tecnológico, pela heterogeneidade dos jogos de linguagem, pela
7
LACLAU, Ernesto & MOUFFE, Chantal. “Além da positividade social: antagonismos e hegemonia”.
In: Hegemony and socialisty stratategy. London: Verso, 1985, (circulação restrita a trabalhos em sala de
aula –tradução provisória de Joanildo Burity, Aécio Amaral e Josias de Paula).
8
MOUFFE, Chantal. “Feminismo, Cidadania e política democrática radical”. In: O regresso do
político. Lisboa: Gradiva, 1996, p. 103.
30
multiplicação de centros de poder, pelo uso da informática e pela mercantilização do
saber
9
.
A contraposição de Lyotard às grandes narrativas totalizantes na cultura pós-
moderna, acreditamos nós, vai trazer um novo olhar nas ciências humanas. Agora, vai-
se resgatar o cotidiano, as diferenças, as resistências, o local, o marginal, o que existia,
mas não era visível. A história linear e universal, marcada por determinados episódios
e com grandes heróis, com o perfil iluminista, será questionada. Passa-se a se
interessar pelo micro, pelo caso, pelos que estão fora do sistema, pelas práticas sociais
do cidadão comum, pela diversidade. E, isso vai gerar uma nova consciência em
analisar os movimentos sociais, as questões de etnia, de gênero, pois já não se poderá
atribuir às mesmas causas, as mesmas histórias, os mesmos processos a realidades tão
complexas e plurais
10
.
Para Stuart Hall, “a identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e
transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”
11
.
Vale dizer que não é só o fato de que “dentro de nós há identidades
contraditórias, empurrando em diferentes direções, de modo que nossas identificações
estão sendo continuamente deslocadas”
12
, mas é o fato também de que a própria
realidade, principalmente as das sociedades não-tradicionais, é contraditória, plural, e
não são reduzidas a categorias dicotômicas, como pobre e rico, feio e bonito, universal
e particular, capitalista e proletário, grande e pequeno, homem e mulher, explorador e
explorado. E, isso não é uma coisa apenas do que se convencionou chamar de condição
pós-moderna. A realidade há muito tempo é mais complexos do que pensavam os
sociólogos, os essencialistas, os defensores dos metarrelatos totalizantes da ciência, os
adeptos do Iluminismo, que acabavam levando ao reducionismo econômico, político,
religioso, biológico, tecnológico, racial e de gênero ou a se pensar que a história de
homens e mulheres, de povos e nações, teria que passar pelos mesmos estágios,
necessidades e realizações.
Na verdade, a realidade não é pura, homogênea, se é que existe “a realidade”.
Não estamos mais vivendo no mundo moderno, quando as comunicações começaram a
9
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 7 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.
10
Ibidem.
11
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Ed. DP&A, 1998, p.13.
12
Ibidem.
31
se difundir. Não vivemos isolados. As novas tecnologias comunicacionais nos colocam
sempre diante do “outro”. A maioria das sociedades contemporâneas são híbridas e
conseqüentemente os indivíduos também o são, sobretudo com a intensificação da
globalização.
No mundo do consumo e do capitalismo, por exemplo, nascemos de um jeito e
podemos nos transformar “n” vezes, por modismo, porque está na mídia ser dessa
forma e não de outra, ou então, porque nos defrontamos com situações diversas ou por
processos sociais amplos, como a circulação de informação e de pessoas pelo mundo, a
troca cultual intensificada, o turismo global, o consumo global, etc.
Assim, quanto mais complexa a realidade e mais globalizada tecnológica e
comunicacionalmente, mais descentrada tende a ser a identidade, pois o indivíduo
tende a ter mais opção em aderir a novos padrões culturais. Numa sociedade
tradicional, como a indígena, por exemplo, se os índios não são aculturados eles
tendem a ter uma identidade cultural mais fixa, mais homogênea e duradoura. Então,
“à medida que o ritmo, as dimensões e a complexidade das sociedades modernas
aumentam, a identidade vai se tornando cada vez mais instável e frágil”
13
.
Na sociedade massiva, por exemplo, a identidade não vai sendo adquirida
apenas com os “outros significativos” para a pessoa, mas também com os personagens
de TV, com os artistas, intelectuais e desportistas famosos que ditam moda e passam a
ser imitados, ainda que temporariamente, tornando-a menos previsível e mais mutável.
Ou seja, a identidade não só se constrói através da interação face a face, mas também
da interação mediada pelos grandes meios de comunicação de massa, ao longo do
processo histórico e dentro de determinada conjuntura social que pode ser
diversificada, gerando identidades contraditórias e diversas.
A globalização na questão da identidade cultural avança por diversos caminhos,
seja acentuando a hibridização cultural, aumentando as trocas do mercado de bens
simbólicos, intensificando a permuta de mensagens, aproximando os povos, mas
também tem o seu lado negativo, podendo segregar, produzir novas desigualdades e
estimular reações diferenciadoras. Esse poder que tem a globalização, principalmente,
13
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia: estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o
pós-moderno. São Paulo: Edusc, 2001.
32
na questão da comunicação afeta diretamente as culturas locais, que a cada dia se vêem
expostas a novos modismos, a novos padrões estéticos e a novos desafios
14
.
1.3. Em busca do regionalismo, da diferença
Para a identidade cultural do nordestino, os símbolos ligados ao local e a
natureza sempre foram importantes. A seca, o mandacaru, o sertão, o baião, o chapéu
de couro, o gibão revelam traços do Nordeste brasileiro.
Assim sendo, a identidade cultural, também, nasce do local, do território em
que se vive, dos costumes, hábitos, crenças, da geografia, da vivência de um povo de
determinado lugar, que o faz ser diferente do outro. E o Brasil é híbrido por formação.
Aqui, as regiões conservam algumas características próprias que dão roupagem,
moldura, à população nascida ou que vive em uma dada área geográfica., embora se
viva, atualmente, um intenso processo de globalização da comunicação, que cada vez
mais diminui as fronteiras regionais e homogeneíza padrões culturais e de
comportamento.
Essa forma de um grupo social querer se posicionar, mostrar o que tem de
homogêneo em relação aos seus traços culturais e valores que o identificam enquanto
diferente do outro local, chama-se regionalismo, sendo considerado, também, como
uma maneira de se situar contra a dominação simbólica e colonial. O regionalismo
surge no mundo moderno, como um tipo de identidade substancial.
O que se tem registro é que o Nordeste brasileiro passou a ser visto e
reivindicado como um espaço regional e cultural diferente do restante do país, a partir
da metade do século XIX, quando “se dava a construção da nação e que a centralização
política do Império ia conseguindo se impor sobre a dispersão anterior”
15
, atingindo o
apogeu do discurso regionalista na década de 20 do século XX, com o movimento
modernista. Assim,
Os discursos políticos dos representantes dos estado do Norte, antes
disperso, começam a se agrupar em torno de temas que sensibilizam
a opinião pública nacional e podem carrear recursos e abrir lócus
institucional no Estado. A seca, o cangaço, o messianismo, as lutas
de parentela pelo controle dos Estados, são os temas que fundarão a
própria idéia de Nordeste, uma área de poder que começa a ser
14
CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 1997, p. 31.
15
ALBUQUERQUE Jr, Durval. Idem, p. 47.
33
demarcada, com fronteiras que servirão de trincheiras para a defesa
dos privilégios ameaçados.
16
No entanto, de acordo com Albuquerque, a elaboração do Nordeste enquanto
região se dá mais no plano cultural do que político, através das obras de ensaístas e
intelectuais oriundos da elite nordestina, como, por exemplo, do sociólogo Gilberto
Freyre, dos romancistas Raquel de Queiroz, José Lins do Rego, entre outros. Para o
autor, “o Nordeste é gestado como o espaço da saudade dos tempos de glória, saudades
do engenho, da sinhá, do sinhô, da Nega Fulô, do sertão e do sertanejo puro e natural,
força telúrica da região”
17
.
Por outro lado, isso não significa, a nosso ver, que antes não existia o Nordeste
enquanto espaço historicamente produzido, e que ele não é apenas uma construção de
vários discursos, mas um lugar múltiplo, diversificado, desigual desde a sua formação,
com um povo que tem sotaque, hábitos alimentares, visão de mundo, valores e crenças
sociais que, em algum momento, parecem ser só seus. Carla Nogueira Gomes, em sua
dissertação de mestrado sobre A brasilidade nordestina, afirma que
O Nordeste existe. Existe e sempre existiu como fruto do sentido
básico da ocupação do território brasileiro, que determinou, ainda
no século XVI, a formação de um tipo de organização espacial cujas
características, apesar de sucessivas re-elaborações, manteve-se
relativamente constante até os nossos dias
18
.
Desse modo, o espaço nordestino teria se formado a partir dos interesses de
núcleos econômicos e da necessidade de atender os interesses capitalistas voltados para
a produção e consumo internacional, sendo o espaço em torno do açúcar o primeiro a
ser determinado
19
.
Já Maura Penna, em O que faz ser nordestino, estuda a questão regional como
fenômeno histórico social, relacionando com o discurso desenvolvimentista dos anos
50/60, bem como faz comparações sobre os diversos conceitos e demarcações do que é
regional. Em seu livro, discute, principalmente, sobre a identidade social do
16
ALBUQUERQUE Jr, Durval. Idem, p. 35.
17
Ibidem.
18
GOMES, Carla Nogueira. A brasilidade nordestina: a definição de um espaço e de uma cultura
nordestina na década de 20. Recife, dissertação de mestrado apresentada a Universidade Federal de
Pernambuco, 1989, p.19.
19
PENNA, Maura.Ibidem.
34
nordestino, chamando a atenção para o fato de que as questões relativas à identidade
envolvem processos cognitivos, sociais e psicológicos, portanto, constitui-se de um
campo de trabalho multidisciplinar. Para a autora,
O regionalismo não se construiu e se expressou apenas através dos
discursos de políticos, ou através de uma produção intelectual que
fornecia “embasamento científico” a formas de percepção do
Nordeste e a reivindicações da classe dominante regional.
Construiu-se e expressou-se através de toda uma produção literária
(...) que procurava afirmar o nordeste contra o Sul desenvolvido,
buscando delinear traços identificadores da região: o agrário, a
pobreza, a secura (ou a decadência do açúcar), a linguagem. E,
como observa Francisco de Oliveira, esta literatura regionalista era
por vezes mais rica, captando as diversidades, a dinâmica da região,
do que outras obras que pretendiam traçar, com status de
cientificidade, a história econômica e social do Nordeste
20
.
·.
Segundo Penna, “o regionalismo pretendia, tomando como base à condição de
nordestino, unir a todos num mesmo destino e em torno de interesses idênticos”
21
.
Com a finalidade de responder a pergunta sobre quem eram os nordestinos, a autora
levanta quatro hipóteses: a identidade pelo local de nascimento (naturalidade), pela
vivência (experiência de vida), pela cultura (práticas culturais) e pela a auto-atribuição
(o indivíduo se reconhece como nordestino).
A autora chega à conclusão de que a identidade cultural não se dá pelo
nascimento, uma vez que uma mesma naturalidade pode gerar várias naturalidades;
nem pela vivência, posto que numa mesma região podem se gerar diferentes
identidades de grupos; mas como uma forma de representação, de classificação, de
percepção, ou seja, através do sentido e do uso de classificações que os indivíduos
fazem do sistema de classificação.
1.4. Regionalismos Nordestinos
O Nordeste além de sua cultura, geografia e economia está, também, na mente
do povo, dos literatos e cientistas que escrevem e pensam sobre ele. A imagem que
esses sujeitos sociais passam, constroem sobre a região, depende da posição em que se
20
PENNA, Maura.Ibidem.
21
Idem, p. 50.
35
encontram. Assim, eles poderão mostrar um Nordeste farto, miserável, alienado,
clientelista, exótico, de gente que chora, de povo infeliz que foge da seca e da miséria.
As próprias condições sociais desses sujeitos sociais interferem no olhar que têm sobre
a região. Aqui, vamos citar e comentar sobre alguns desses nordestinos que ajudam a
pensar o Nordeste, a partir de suas obras.
Durval Muniz de Albuquerque, em A invenção do Nordeste, de uma forma
não linear de contar a história, sofrendo a influência metodológica do filósofo Michel
Foucault, fala sobre a emergência do Nordeste, apoiando-se, sobretudo, na análise do
discurso regionalista. Busca verificar a imagem do Nordeste através da produção
artística, literária e intelectual, ou seja, a percepção da região através da arte, da poesia
e da prosa de nordestinos renomados. Para isso, discute Ariano Suassuna, Gilberto
Freyre, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, João Cabral de Melo Neto, José Lins do
Rego, João Câmara, Glauber Rocha, Jorge Amado, entre muitos outros literatos e
artistas. O resultado é sensacional.
Michel Zaidan, em O fim do nordeste, também, comenta sobre o movimento
regionalista de 1920 e o romance de 30, mostrando a visão de “brasilidade nordestina”,
de Gilberto Freyre, com a tese da miscigenação racial cordial brasileira, e o “homem
telúrico”, de Raquel de Queiroz. Este teria como traços psicológicos característicos: “a
solidão, a solidariedade irrestrita, o apego à terra, o fatalismo etc.”
22
Zaidan acredita que a região Nordeste “não é uma positividade espacial, mas,
ao contrário, um produto sociocultural das disparidades geográficas no processo do
desenvolvimento capitalista”
23
, chamando a atenção, também, para a construção
simbólico-cultural da região, como a obra de publicistas, ensaístas, pensadores.
Em Casa Grande & Senzala, o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre
mostra um Nordeste litorâneo, agrícola, latifundiário, baseado na economia açucareira,
da família patriarcal e escravocrata, de um povo híbrido de três raças. O autor
acreditava que
Nenhum povo colonizador, dos modernos, excedeu ou sequer
igualou nesse ponto aos portugueses. Foi misturando-se
gostosamente com mulheres de cor logo ao primeiro contato e
multiplicando-se em filhos mestiços que uns milhares apenas
de machos atrevidos conseguiram firmar-se na posse de terras
22
ZAIDAN FILHO, Michel. O fim do Nordeste & outros mitos. São Paulo: Cortez, 1991, p. 24.
23
Idem, p. 48.
36
vastíssimas e competir com povos grandes e numerosos na
extensão de domínio colonial e na eficácia de ação
colonizadora. A miscibilidade, mais do que a mobilidade, foi o
processo pelo qual os portugueses compensaram-se da
deficiência em massa ou volume humano para a colonização
em larga escala e sobre áreas extensíssimas
24
.
Freyre não apresenta o escravo contra o colonizador. Faz entender que os
negros da senzala ou que circulavam a casa grande viviam em harmonia com seus
senhores. Não se percebe rebeldia por parte dos escravizados, tudo parece acontecer
com o consentimento do oprimido. Aliás, a opressão está nas entrelinhas. Tudo faz crer
que se vivia numa democracia sexual e racial, com o português sem preconceito racial.
Mas, onde fica o homem escravo? O que representava a virgindade para os homens
negros? Como se sentiam as mulheres brancas que viam seus maridos terem amantes,
ou escravas sexuais negras? Não há lugar para isso em Casa Grande e Senzala. Para o
autor, “a sociedade brasileira é de todas da América a que se constituiu mais
harmoniosamente quanto às relações de raça: dentro de um ambiente de quase
reciprocidade cultural no máximo de aproveitamento dos valores e experiências dos
povos atrasados pelos adiantados...”
25
.
Gilberto Freyre mostra a sociedade patriarcal que ele percebeu, enquanto
fidalgo, herdeiro de senhor de engenho. É o Nordeste açucarado, dos grandes engenhos
escravocratas, que se vai encontrar na obra de maior prestígio do autor. Até os dias
atuais Casa Grande & Senzala mexe com o imaginário do povo, é assunto de
intelectuais e de todos aqueles que querem compreender um pouco do Brasil e do
Nordeste litorâneo.
Outro autor que vai divulgar o lado açucarado, “melado” do Nordeste, é José
Lins do Rego. O cotidiano que descreve tem aspectos sociológicos: é a exploração do
escravo, a iniciação dos garotos brancos com as negras, o casamento pomposo das
mulheres ricas, a fartura na casa grande, a pobreza na senzala. Ele nos fala da morte,
da loucura, dos desejos, do sexo, dos valores e dos costumes nordestinos.
Em Menino de engenho, por exemplo, José Lins aborda a paisagem nordestina,
a gente dos engenhos, os amores proibidos, a iniciação sexual, os valores de um povo,
o paternalismo, o cotidiano de um menino chamado Carlinhos que foi morar com o seu
24
FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. Rio de Janeiro: São Paulo: Record, 2000, p. :84.
25
Idem, p.163.
37
avô e seus tios, porque sua mãe foi morta pelo seu pai, que mais tarde foi considerado
louco. No engenho de seu avô, Carlinhos passou a viver num outro mundo. O mundo
da tradição, da sociedade patriarcal, de valores religiosos perpetuados por suas tias, da
sexualidade despojada com as negras, do casamento farto e cheios de presentes dos
senhores de engenho, da discriminação com os mais pobres, da liberdade de tomar
banho de rio e de passear pelo mato, da naturalização da pobreza e da desigualdade
social.
O povo do Nordeste, sobretudo o negro, apresenta-se como naturalmente
miserável. Nesse romance reproduz-se o patriarcalismo, o poder do homem sobre a
mulher e seus serviçais, o uso da mulher como objeto de uso e de prazer,
principalmente, as escravas. Trata-se de um Nordeste religioso, preconceituoso, cheio
de diferenças sociais que são transmitidas ao longo de gerações.
Ao contrário de Freyre e José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, cearense,
primeira mulher a fazer parte da Academia Brasileira de Letras, vai apresentar através
da literatura um outro Nordeste, seco, miserável, cheio de retirantes, de personagens
com sentimentos contidos e tolhidos. Por exemplo, em O quinze, a autora mostra
configurações sobre o Nordeste, tomando como referência, o sertão nordestino. Ela
narra o cotidiano e o comportamento do nordestino diante da seca, de como fica a
vegetação, o gado, o céu, o solo com a escassez de água. Mostra a vida do retirante, do
flagelado, o sofrimento de deixar a terra, de ver o gado morrendo de fome. Realça a
valentia de quem vive num lugar pedregoso, árido, mas que insiste que é preciso viver.
O quinze éum romance que trata da questão social da seca (sem uma reflexão
política), dos seus efeitos, da expulsão do homem da terra que a ama, da fome que
mata os animais e as pessoas, da vegetação espinhosa, do solo rachado, do sol quente
que queima a pele, das relações humanas que, apesar da solidariedade, são áridas como
o chão. Não se trata de um livro que incita a mudança social, mas faz refletir sobre a
região, a miséria e o povo do sertão nordestino.
Outro autor nordestino de projeção nacional que propagou idéias sobre o
Nordeste através de romances e contos foi o alagoano Graciliano Ramos. Mostrará o
Nordeste sem retoques burgueses, pelo sertão, pela escassez, pela miséria, pelo
sofrimento e pela subserviência de um povo que não expressa através da linguagem a
sua indignação da diferença, da dominação. Um lugar cercado de pobreza, que não
traz saudade (Albuquerque Jr., 2000).
38
Em Vidas Secas, Graciliano conta a vida da família de Fabiano, um retirante
nordestino, de pouca conversa, contido num mundo psicológico e social sem sonhos.
Seus filhos não têm nome no romance, são apenas conhecidos como menino mais
velho e filho mais novo. Tem uma cachorra chamada Baleia que é tratada como gente.
Sua mulher chama-se sinha Vitória.
A miséria, a seca parece deixar a realidade do retirante sem nenhum enfeite. A
realidade é dura, as relações entre pai e filho são secas como a vida, sem carinho, sem
demonstrar amor.
A nordestina representada, no romance, na figura da sertaneja sinha Vitória era
uma mulher machucada pelo tempo e a pobreza, de voz estridente, de aparência
envelhecida pela miséria, magra, com poucas roupas, mas trabalhadora e lutadora.
As crianças não estudavam. Não tinham brinquedos nem ambição. Muitas
vezes, andavam nuas em casa porque não tinham roupas para vestir. O pai servia-lhes
de modelo de homem. Um homem forte, que sabia lhe dar com os animais, “trazer uma
faca de ponta na cintura, fumar cigarros de palha, calçar sapatos de couro cru” (Ramos,
2004: 53).
A “cachorra Baleia, que era como uma pessoa da família, sabida como gente”,
descreve Graciliano, era uma espécie de brinquedo das crianças e de companhia para
Fabiano. Era um animal esperto, forte, uma retirante da seca, que caçava preás, juntava
o gado. Com ela, muitas vezes ele pôde dar e retribuir carinho.
Em Vidas Secas, Graciliano Ramos entra no interior de seus personagens,
narrando o que eles poderiam sentir, pensar e desejar. Mostra uma realidade
simplificada, sem muitas emoções, sem regalias, sofrida. Um mundo onde as relações
interpessoais são afetadas pela aridez do tempo, da vegetação e da vida. Vidas que são
secas.
A narrativa da seca no Nordeste brasileiro é, também, enfocada por José
Américo de Almeida, em A bagaceira, onde confronta a vida dos nordestinos
sertanejos e brejeiros. Mostra o drama da seca, os valores morais atacados e destruídos
pela miséria, pela lei da sobrevivência, pela humilhação da fome. Fala do retirante
sertanejo quando chega à área do brejo:
Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não
tinham pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos
39
do seu paraíso por espadas de fogo, iam ao acaso, em descaminhos,
no arrastão dos maus fados.
Fugiam do sol e sol guiava-os nesse forçado nomadismo (...).
Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma. Eram os
retirantes. Nada mais (...).
Faiscavam o cheiro enjoativo do melado que lhes exacerbava os
estômagos jejunos. E, em vez de comerem, eram comidos pela
própria fome numa autofagia erosiva (...).
Párias da bagaceira, vítimas de uma emperrada organização do
trabalho e de uma dependência que os desumanizava, eram os mais
insensíveis ao martírio das retiradas.
A colisão dos meios pronunciava-se no contato das migrações
periódicas. Os sertanejos eram malvistos nos brejos. E o nome de
brejeiro cruelmente pejorativo
26
A beleza desbotada da retirante Soledade pela fome, pelo sofrimento,
representa a estética da mulher nordestina surrupiada pelas condições sociais e
ambientais. O amor à terra, a pesar de esta ser ingrata, de expulsar, de maltratar com a
fome, é lembrado na fala de Pirunga, quando responde a Lúcio, protagonista da estória:
_ “Moço, sertanejo não se adoma no brejo. O sertão é pra nós como homem malvado
pra mulher: quanto mais maltrata, mais se quer bem”
27
.
A leitura social de um Nordeste pobre, miserável, que não deve ficar
condenado a um destino naturalmente que não traçou, mas que deveria ser
transformado, foi percebido principalmente nos escritos de Graciliano Ramos e Djacir
de Menezes.
O autor de Outro Nordeste, Djacir Menezes exibe, também, a resistência e a
coragem do povo nordestino, a exploração para com a região e para com grandes
parcelas da população. Inicialmente, o autor relata que as habitações construídas no
Nordeste brasileiro refletem, no período colonial, não somente a mesologia, mas
também a exploração econômica e a organização do latifundiário. O regime alimentar,
também, decorrente da monocultura da cana-de-açúcar, seria conseqüência da
exploração econômica da terra.
Assim como Gilberto Freyre, Djacir acredita que “o desenvolvimento social do
nordeste, como do Brasil, seria incompreensível ou impossível sem a imensa
26
ALMEIDA, José Américo. A bagaceira.Rio de Janeiro: José Olympio, 2002, p. 8.
27
Idem, p. 30-1.
40
miscigenação que se verificou entre as raças conquistadoras”
28
. Só que o autor não faz
apologia da democracia sexual. Para ele,
As condições sociais são (...) determinantes. De uma parte, está uma
minoria de brancos ou mamelucos, conquistando a terra e
submetendo o gentio ou exterminando-o; de outro, a grande massa
aborígine, onde estão os elementos futuros das populações
trabalhadoras, pela miscigenação que se processava, para a
variedade de tipos mestiços do litoral. O contingente negro reduziu-
se extraordinariamente
29
.
Djacir faz uma análise crítica do que fizeram com o negro no período de
colonização. Segundo o autor, o negro foi a moeda corrente desse tempo, era o capital
vivo dos senhores de engenho, sendo que “os gordos dotes que se davam as filhas
freiras, aos doutores e morgados manavam desse suor negro: o trabalho escravo
alimentava e vigorava todos esses exploradores”
30
.
Aquelas pessoas que não tinham terra nem escravos eram tratadas como se
fossem fora da lei. Assim era o gentil o que não tinha a proteção missionária, a plebe
rural e a imensa mestiçagem que era explorada pelos sesmeiros. Desse modo, Djacir
acredita que os inúmeros movimentos sociais e políticos do Nordeste, tais como
cabanada e sabinada, não eram reflexos de anarquia, ou banditismo como fazia
entender o discurso oficial, mas que não passavam de “movimentos sociais desses
elementos que ainda na aprenderam a falar a linguagem das reivindicações modernas.
Movimentos inconscientes, revoltas que explodem sem direção, sem programa, dos
choques obscuros, das forças de classes desorganizadas, caóticas, num tremendo
período de formação histórica”
31
.
A resistência física e moral do sertanejo é realçada pelo o autor o qual
compartilha com Euclides da Cunha que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”.
Então, por que o Nordeste se encontra em posição inferior? Para Djacir, isso ocorria
devido a fatores políticos e sociais, cuja elite política e econômica procuravam
disfarçar as verdadeiras causas, devendo o “Governo central agir no sentido dessa
valorização”
32
28
MENEZES, Djacir. O outro Nordeste. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972., p. 65.
29
Idem, p.72.
30
Idem, p. 78.
31
Idem, p. 80.
32
Idem, p. 90.
41
O autor, também, critica a forma pela qual foi colonizado o Brasil e alguns
tratados que prejudicaram o desenvolvimento do país, tais como Methuen, que
favorecia os ingleses; a proibição da fabricação de aguardente em detrimento da
compra de vinho português; a cobrança do quinto do ouro; a obrigação dos sapateiros
trabalharem apenas com couro vindo de Portugal; o monopólio de escravos africanos e
de gêneros de consumo por parte da Companhia do Grão-Pará (o que originou a
Revolta de Beckman); enfim a exploração por parte daqueles que queriam apenas
extrair, sugar do país e da população, sobretudo os mais pobres, o que tinha de melhor.
Djacir mostra que o negro se manifesta na história contra a sua exploração, não
sendo uma raça meramente subserviente e dócil com o seu explorador. Para ele,
Não é na psicologia religiosa dessas raças que estão as raízes que
explicam esses movimentos insurrecionais contra a ordem pública.
Os antagonismos econômicos vão exacerbar ou criar antagonismos
étnicos ou religiosos, acender ou reacender ódios raciais e políticos.
Sob a brutalidade do senhor branco, as raças negras começam,
desde a primeira escaramuça de 1807 e 1809 às grandes
insurreições de 1813, chefiadas pelos haussas, que eram o elemento
dominante, a sentir a unidade diante do explorador: essa unidade
mental se serve do Islamismo como instrumento ideológico da
situação material de classes
33
.
Sobre a psicologia do sertanejo, entre os pobres, Djacir crê que foi modelada
pela falta de interesse por bens terrenos, pelo misticismo e pela religião, fazendo-lhe
uma gente ingênua e crédula, que muitas vezes era usada e manipulada em sua boa-fé,
o que aconteceu em Canudos, com Antonio Conselheiro, e em Juazeiro, com padre
Cícero.
Djacir, assim como Euclides da Cunha, não mostra o cangaceiro como um
pervertido, uma pessoa naturalmente violenta, mas como alguém vítima do sistema, da
contradição socioeconômica, realçando que “não vale a pena querer encontrar, nos
traços somatopsicológicos do cangaceiro os estigmates da degenerescência e do crime,
As determinantes primordiais não estão nele: estão no meio onde evolve”
34
.
Desse modo o outro Nordeste que Djacir Menezes mostra, é um Nordeste que
não é alienado, de um povo que aceita tudo pacificamente e ingenuamente, mas um
33
MENEZES, Djacir. Idem, p.7-8.
34
Idem, p. 187.
42
Nordeste revolucionário, que contesta, que se insurge contra a opressão dos
exploradores da região e do povo.
Vale salientar que a fome e a miséria do povo nordestino que servem de base a
romances e ensaios são romanceados por alguns literatos, são também corroborada por
estatísticas sociais e por estudos científicos como, por exemplo, o de Josué de Castro
que, em Geografia da fome, faz um mapa da fome, uma das mais graves misérias da
humanidade que se reflete na falta de carências protéicas, minerais e vitamínicos,
sendo um fenômeno de cunho social, político e geográfico. O autor procura analisar os
hábitos alimentares dos diferentes grupos humanos em diversas áreas geográficas,
buscando as causas sociais e naturais que nos influenciam diferentes grupos. O
Nordeste é uma das regiões da fome, especificamente o Sertão e a Zona da Mata.
Para Castro, enquanto na Amazônia a fome decorre principalmente da pobreza
natural da floresta equatorial em alimentos, no Nordeste não se pode explicar a fome
por questões naturais, haja vista que na Zona da Mata se encontra um dos solos mais
férteis do país, o massapé, mas que foi explorada economicamente de forma
intempestiva pela monocultura e o latifúndio da cana-de-açúcar, destruindo a floresta,
prejudicando o cultivo da policultura e a criação de animais de corte, favorecendo o
êxodo rural. O que teria ocasionado numa alimentação pobre de frutas, verduras, carne
e leite
35
.
Esse homem Nordeste açucareiro, segundo Castro “já perdeu o gosto e o hábito
de comer fruta. Considera a fruta um gulodice, como considera folha e verdura comida
de lagarta. Comida de homem para essa gente é mesmo feijão, carne e farinha
36
.” Isso
porque foram criados “vários tabus alimentares, proibições, restrições ao uso de certos
alimentos em determinados períodos, tudo sem nenhum fundamento biológico, puras
sobrevivência culturais das interdições dos senhores a seus escravos e moradores”
37
.
Entre esses tabus, que se constituíram em verdadeiras barreiras psicológicas, o autor
exemplifica
Afirmando e fazendo crer aos negros, e depois aos moradores de
suas terras, que não se deve misturar nenhuma fruta com álcool, que
melancia comida no mato logo depois de colhida dá febre, que
manga com leite é veneno, que laranja só deve ser comida de
35
CASTRO, Josué. Geografia da fome. 11 ed. Rio de Janeiro: Gryphus, 1992, p.114-137.
36
Idem, p. 153.
37
Idem, p. 154.
43
manhãzinha, que fruta pouco madura dá cólica, que cana verde dá
corrimento, os senhores e os patrões diminuíam ao extremos as
possibilidades de que os pobres se aventurassem a tocar nas suas
frutas egoisticamente poupadas para seu exclusivo regalo
38
.
Enquanto se criaram vários interditos alimentares para que a população pobre e
escrava não “mexesse” nas frutas dos senhores de engenhos, a mesa dos abastados era
rica em hidrocarbonetos, como, por exemplo, aipim, cará, inhame, batata-doce, pão
doce, grudes, mel, beijus, bolos, pamonhas que eram servidos no café da manhã,
lanches, ceias e nas sobremesas, levando o excesso do consumo de açúcar a grande
incidência de diabete nessas famílias
39
.
Assim, ao contrário de Gilberto Freyre que acreditava que os escravos eram os
mais bem alimentados, Josué de Castro ressaltava que não se deve confundir
quantidade com qualidade de comida e que ao dar
Maior quantidade de comida ao negro, o senhor de engenho estava
pensando em alimentar a própria cana, em transformar o feijão e a
farinha barata em açúcar de muito bom preço, vendido a peso de
ouro, num processo muito semelhante aos dos criadores de porco
que, alimentando esses animais com muito milho, vendem depois o
milho por bom preço, transformado em carne e ensacado na própria
pele do porco
40
.
Segundo Josué de Castro, com a abolição da escravatura, os baixos salários dos
negros levam não só a uma diminuição na qualidade, mas também na quantidade da
alimentação. A baixa carência protéica no homem do brejo nordestino tem como
primeira manifestação o crescimento lento e precário da população, o que acarreta em
indivíduos de baixa estatura, como também o aparecimento de várias doenças
endêmicas, tais como, tuberculose, anemia (ausência de ferro no organismo que
acarreta amarelidão e o hábito de comer terra, barro), dentes fracos (falta de cálcio nos
alimentos), avitaminoses (carência de vitamina A, levando a cegueira; deficiência de
vitamina B, acarretando congestões nas córneas, “dando um ar de maldade à expressão
fisionômica”
41
.
38
CASTRO, Josué.Idem, p. 154-5.
39
Idem, p. 155.
40
Idem, p. 156.
41
Idem, p. 157-167.
44
Com a seca, a fome fica mais visível. O sertanejo esfomeado “se traduz de logo
pela magreza aterradora, exibindo todos faces chupadas, secos, mirrados, com os olhos
embutidos dentro de órbitas fundas, as bochechas sumidas e as ossaturas desenhadas
em alto-relevo por baixo da pele adelgaçada e enegrecida”
42
Trata-se, assim, de um
fenômeno que não apenas dizima a população, mas também a põe de joelho, a torna
menor, a faz menos cidadã.
Esse tipo de abordagem realça a fome, tanto na Zona da Mata, como no Sertão
Nordestino, como um fenômeno que faz parte do que se imagina ser o Nordeste, como
uma das características do povo nordestino. O flagelo da seca, produzindo uma série de
retirantes, que saem expulsos de suas terras áridas, sem água, aponta o nordestino
como miserável, alguém de “cuia na mão”, que traz problemas, criando estereótipos
que são reproduzidos, comumente, pela mídia.
A pobreza, a desigualdade social, as mazelas da vida são também, expostas
pelo poeta João Cabral de Melo Neto, mas sem enfeite, sem máscaras. No entanto, de
forma maestral como é no poema Morte e Vida Severina:
-Severino, retirante
deixa agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia, de Recife.
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, Severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama a vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a corrida;
42
CASTRO, Josué. Idem. p. 229.
45
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida Severina
43
.
Esse tipo de abordagem realça a fome, tanto na Zona da Mata, como no Sertão
Nordestino, como um fenômeno que faz parte do que se imagina ser o Nordeste, como
uma das características do povo nordestino. O flagelo da seca, produzindo uma série de
retirantes, que saem expulsos de suas terras áridas, sem água, aponta o nordestino
como miserável, alguém de “cuia na mão”, que traz problema, criando estereótipo que
são reproduzidos, comumente, pela mídia.
Ao contrário da imagem negativa do sertanejo como um povo fraco, retirante,
que foge da seca e da fome, para Euclides da Cunha, o sertanejo não seria uma sub-
raça inferior. A seu ver, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, destacando que “a sua
aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista revela o contrário. Falta-lhe a plástica
impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas”
44
.
Euclides contrapõe o vaqueiro gaúcho ao vaqueiro sertanejo, realçando que o
primeiro é criado dentro de um ambiente físico mais favorável, por isso, a vida lhe é
apresenta com mais despreocupação, enquanto o segundo aprende a ser forte, a
sobreviver, com as adversidades do clima, da miséria, e da aridez do solo.
Em Os sertões, o jornalista Euclides da Cunha, em sua grande reportagem que
fez para o Jornal Estado de São Paulo, fala da Guerra de Canudos, movimento que
surgiu nos finais do século XIX, no sertão baiano, encabeçado por um homem que se
apresentava como profeta e era acompanhado por uma multidão. O autor mostra como
era o sertão, quem foi Antônio Conselheiro, e por que tantas pessoas se identificavam
com o projeto de sociedade de Conselheiro.
Desta forma, Euclides apresenta uma imagem do sertanejo como um povo
forte, religioso, cuja vida está em função da terra. “Monte Santo como um lugar
lendário”
45
Descreve Antônio Conselheiro (Antônio Vicente Mendes Maciel) como
um paranóico, um gnóstico bronco, mas que era visto pelo seu meio, pelo sertanejo
como um
43
NETO, João Cabral. Poesias completas (1940-1965). Rio de Janeiro: Ed. Sabiá, 1968.
44
CUNHA, Euclides. Os sertões. 21 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000, p. 112
45
Idem, p 138.
46
profeta, o emissário das alturas, transfigurado por ilapso estupendo,
mas adstrito a todas as contingências humanas, passível do
sofrimento e da morte, e tendo uma função exclusiva: apontar aos
pecadores o caminho da salvação. Satisfez-se sempre com este papel
de delegado dos seus. Não foi além. Era o servo jungido à tarefa
dura; e lá se foi, caminho dos sertões bravios, largo tempo,
arrastando a carcaça claudicante, arrebatado por aquela idéia fixa,
mas de algum modo lúcido em todos os atos, impressionando pela
firmeza nunca abalada e seguindo para um objetivo fixo com
finalidade irresistível
46
.
Mostra a moral arraigada, a importância do casamento, o sentimento de traição
e de vergonha modificando profundamente o homem Antônio Vicente Mendes Maciel,
que por ter casado com uma mulher de má índole que cometeu adultério com um
policial, foi se esconder pelos sertões, distante das pessoas que o conhecia. Não
suportando a traição da mulher, Antônio não sabia como enfrentar a sociedade. Era
como se para ele a vida tivesse que ser outra.
A miscigenação, a religiosidade do povo do Sertão eram elementos que,
segundo Euclides, favoreciam a adesão às idéias de Conselheiro, visto que
No seio de uma sociedade primitiva que pelas qualidades étnicas e
influxo das santas missões malévolas compreendia melhor a vida
pelo incompreendido dos milagres, o seu viver misterioso rodeou-o
logo de não vulgar prestígio, agravando-lhe, talvez, o temperamento
delirante (...) A sua insânia estava, ali, exteriorizada. Espelhavam-
na a admiração intensa e o respeito absoluto que o tornaram em
pouco tempo árbitro incondicional de todas as divergências ou
brigas, conselheiro predileto em todas as decisões
47
.
Para destruir Canudos foram enviadas quatro expedições militares, sendo duas
estaduais e duas federais. A primeira contou com 100 soldados; a segunda, com 250
homens; a terceira, tinha cerca de 3000 homens, e a quarta, que pôs fim a Canudos,
durante o governo Prudente de Morais, em 10 dias de luta, tinha cerca de 7000
homens. Os seguidores de Conselheiro não se renderam facilmente. Lutaram até o fim
com enxadas, foices, facões, paus, como descreve
Assim sendo, o Nordeste na visão Euclidiana apresenta-se como uma região de
povo forte, lutador, resistente, embevecido por valores morais conservadores, cheio de
religiosidade e misticismo.
46
CUNHA, Euclides Idem, p 145.
47
Idem, p.154.
47
Já o coronelismo, a figura do jagunço, das mulheres da vida alegrando os
homens nos cabarés, o misticismo e a religiosidade do nordestino, particularmente, do
baiano, é realçada na obra de Jorge Amado. Foi com O país do carnaval, que o autor
iniciou sua discussão sobre a identidade nacional
48
, criticando através de seus
personagens a alienação social, o viver por viver, a sobrevivência míope daqueles que
riem de si mesmos.
Pelo que foi exposto todos esses autores vêem o Nordeste por parte, como um
fragmento. Mostram e constroem através do seu olhar, de sua vivência de mundo ou de
sua experiência nordestina imagens, um pedaço do Nordeste que imaginam ou que
pensam ser real. Reproduzem e desfazem estereótipos. Chamam a atenção da opinião
pública para determinado Nordeste. Portanto, o que se vê aqui são vários Nordestes em
pedaços.
Desse modo, o regionalismo cria diferenças, pode gerar bairrismo,
etnocentrismo, denúncia social, sentimentos de superioridade e de inferioridade;
produz sentimentos de repulsão ou aproximação; atribui capital simbólico positivo ou
negativo aos nascidos ou moradores de determinadas regiões.
Todavia, a questão da identidade regional não pode se resumir ao âmbito do
local. A identidade nordestina deriva de imagens, representações e estereótipos sobre a
região, que foram construídos historicamente e socialmente dentro de um cenário
político e econômico nacional, que também está atrelado a uma conjuntura
internacional, que perpassa toda a vida dos nordestinos natos ou migrantes. Não é
resultado apenas do discurso oficial, do que os intelectuais, os poetas, artistas e
cientistas dizem sobre a região. Mas, é também fruto da ação do povo quando se
acomoda ou “vira o jogo”, da desigualdade social que se instalou desde a colonização
do país se perpetuando ao longo do tempo, produzindo não apenas estatísticas sociais
negativas mas realidades antagônicas, díspares. É também o que a mídia com seus
interesses econômicos e ideológicos veicula sobre a região. É resultado de como cada
um nordestino enfrenta a vida, se com alienação, esperando que a “mão de Deus o
ilumine”, ou se superando, buscando seus sonhos, construindo um lugar que valha a
pena sonhar, lutar e viver. Enfim, o Nordeste brasileiro não é um discurso, uma
abstração, uma mera imagem ou idéia, mas um conjunto de contradições que se tornam
48
ALBUQUERQUE Jr, Durval. Idem, p. 212.
48
reais. É um lugar, povoado de costumes, crendices, tradições, sol, mar, seca, miséria,
riqueza, de gente se movimentando, fazendo história, sobrevivendo e vivendo. Um
lugar exótico, ímpar, contraditório, diversificado, que permite a ter várias identidades e
não apenas ser rotulada por determinado atributo social. Esse lugar cheio de contrastes
ocupa lugar na mídia, faz parte da agenda setting dos principais jornais brasileiros,
como é o caso do Jornal do Brasil.
49
Capítulo II
Indicadores sociais, perfil de um substrato
para a imagem do Nordeste na mídia
Nordeste brasileiro desde a sua formação histórica e social edificou seus pilares
numa série de contradições sociais, que se tornaram estruturais, e que ao longo
do tempo foram acentuadas, seja pela diversidade cultural do lugar; da visão de mundo
de artistas, cientistas e intelectuais; pelos diversos tipos de clima, vegetação e relevo;
seja pela distribuição desigual de poder e renda, e pelas mudanças de estratégias
nacionais e internacionais para região que já foi a mais rica do país e, hoje, é a mais
pobre.
Atualmente, além dos indicadores estatísticos que apresentam a região como
um local desigual socialmente, que não atingiu altos níveis de industrialização e
comercial, existe também a imagem de um lugar que falta avançar tecnologicamente
em muitos setores, numa era das sociedades informatizadas
49
, em que o conhecimento,
a ciência, a robótica distinguem indivíduos e nações. Mas, também, existe o Nordeste
rico culturalmente, com grande potencial turístico, um celeiro de artistas e intelectuais.
Um Nordeste com mão de obra que se qualifica constantemente para atender aos novos
desafios do mundo do trabalho, com portos e aeroportos em expansão. Um Nordeste
que está se desenvolvendo e não para de crescer, mesmo diante de contradições sociais
profundas.
O Nordeste que se apresenta na pós-modenidade é híbrido, heterogêneo,
múltiplo, fragmentado, complexo, com seus fatores históricos, políticos, culturais e
sociais gerando imagens, estereótipos e representações diversas, que não permitem
49
Sobre o campo do saber nas sociedades informatizadas, Lyotard defende as hipóteses de que o saber
muda de estatuto no período pós-industrial e na idade das culturas pós-modernas; que o saber científico
é uma espécie de discurso; a circulação dos conhecimentos é afetada pela multiplicação de máquinas
informacionais; o valor de uso do saber se transforma cada vez mais em mercadoria para ser vendida; a
ciência conservará e reforçará sua importância na capacidade produtiva das nações; o domínio da
mercadoria informacional servirá para estratégias industriais, comerciais, militares e políticas,
expressando-se em forma de poder nos jogos econômicos no cenário internacional. Acredita que o saber
passa a ser uma mercadoria que pode ser vendida ou não, aumentando a concentração de poder, à
distância entre países pobres e ricos.
O
50
mais rotular a região e os nordestinos sob um único aspecto. Nordeste e nordestinos
são multi. Na pós-modernidade não existe mais o Nordeste, o nordestino, mas
nordestes e nordestinos. Apesar de o arcaico, o tradicional, o subdesenvolvido, a
pobreza, a exclusão social, na região, conviver com a tecnologia, o desenvolvimento e
a riqueza.
Para mostrar essa hibridização do Nordeste, procuramos eleger alguns atributos
e processos sociais que ajudam a construir representações e identidades nordestinas na
contemporaneidade, repercutindo nas imagens que a mídia mostra da região e que, por
conseguinte, influenciam na formação da opinião pública sobre a região, tias como os
aspectos históricos, sociais, culturais e geográficos, a fim de mostrarmos como é difícil
e impreciso se pensar o Nordeste apenas por um dado isolado.
São esses diversos atributos que constroem a identidade regional que a mídia se
apropria, dá um enfoque jornalístico e transforma em manchete, reportagem,
fotografia, construindo imagens, reproduzindo estereótipos, informando, manipulando,
simulando, mostrando o Nordeste em pedaços, fragmentado, híbrido e complexo.
2.1. Afinal: O que é o Nordeste brasileiro?
Há na verdade uma grande dificuldade de delimitar a região nordestina. Muitos
apontam o Nordeste como a área das secas, necessitando de verbas governamentais;
outros vêem o Nordeste como áreas dos grandes canaviais e determinados teóricos a
tem como uma região subdesenvolvida, de baixa renda per capita, conforme chama a
atenção Manuel Correia de Andrade
50
.
Margareth Rago, prefaciando o livro A invenção do Nordeste, afirma que “até
meados da década de 1910, O Nordeste não existia. Ninguém pensava em Nordeste
(...) As elites locais não solicitavam, em nome dele, verbas ao Governo Federal para
resolver o problema de falta de chuvas, da gente e do gado que morriam de fome e de
sede ...”
51
.
50
ANDRADE, Manuel A terra e o homem no Nordeste. A terra e o homem no Nordeste 6 ed. e: Editora
Universitária da UFPE, 1998, p. 23.
51
RAGO, MARGARET. In: ALBUQUERQUE Jr, Durval. 2001.
51
Carlos Garcia chama a atenção para o fato de não haver uniformidade de clima,
vegetação, topografia, solo no Nordeste brasileiro, sendo essas algumas das razões da
região se apresentar tão diferenciada geograficamente e socialmente, pois
O Nordeste é uma região de contrastes. Nele podem ser encontradas
populações vivendo num estádio de seminomadismo (...) e grupos
(...) que atingiram as etapas mais avançadas da civilização
moderna. Na região existem desde comunidades que vivem
praticamente sem utilizar dinheiro e pessoas que se dedicam à
especulação no mercado financeiro. Há aqueles que vivem a dezenas
de quilômetros de qualquer estrada carroçável e os que diariamente
enfrentam problemas de engarrafamento de trânsito nas grandes
capitais
52
.
Em 1941, o Conselho Nacional de Geografia classificou o Nordeste, para fins
administrativos, envolvendo os estados do Maranhão até Alagoas. A Sudene
configurava o Nordeste como uma área que vai do Maranhão até o norte de Minas
Gerais; o Banco do Nordeste atuava no polígono da seca, desenhando sua intervenção
na região, excluindo o Maranhão, porém incluindo parte de Minas Gerais da Bacia do
São Francisco. Em 1968, o IBGE considerou como estados nordestinos Maranhão,
Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e o
território Federal de Fernando de Noronha, este que foi extinto com a Constituição de
1988, voltando a pertencer ao estado de Pernambuco
53
.
2.2. Geografia do Nordeste
Geograficamente, o Nordeste brasileiro é uma região que possui uma área de
1.660.359 quilômetros quadrados, o que corresponde a 19,5% do território nacional.
Divide-se em quatro regiões naturais: Zona da Mata, Agreste, Sertão e Meio Norte.
Tem clima tropical e tropical semi-árido, o que faz com que haja período longos de
seca, que afetam diretamente a vida do nordestino, sobretudo a dos sertanejos
54
. Tem
52
GARCIA, Carlos. O que é o Nordeste brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 8.
53
: ANDRADE, Manuel Correia. Idem, p. 24.
54
GARCIA, Carlos. Ibidem.
52
como principais rios o Rio São Francisco, Rio Parnaíba, Rio Una. Recife, Salvador,
Fortaleza, Natal e Maceió são as capitais mais importantes da região.
Tem como principais rios o São Francisco, Parnaíba e Una. É banhada por três
bacias hidrográficas: Bacia do rio São Francisco
55
, Bacia do Atlântico, trechos
Norte/Nordeste
56
, Bacia do Atlântico Sul - trechos norte e nordeste
57
. Dessas, a mais
importante é a do rio São Francisco, pela importância econômica, política e social.
Dos 20.000 sítios arqueológicos identificados no país, 286 ficam na Bahia, 14
na Paraíba, 88 em Pernambuco, 18 no Maranhão, 729 no Piauí, 23 no Ceará e 85 no
Rio Grande do Norte. Dos cinco sítios arqueológicos tombados pela União, dois ficam
no Nordeste. São eles Sambaqui, no São Luís, e o Parque Nacional da Serra da
Capivara, no Piauí
58
.
A vegetação nordestina é marcada por florestas, como a Mata Atlântica
59
;
dunas mangues, cerrados e caatinga, que com suas árvores secas, de pequeno porte,
espinhosas, como é o caso do mandacaru, o xiquexique, a faveleira e o pinhão-bravo,
dão ares exóticos ao semi-árido nordestino.
Planalto da Borborema, Chapada do Apodi (estende-se desde o Ceará - Mirim,
no Rio Grande do Norte, até a oeste de Russas, no Ceará), Chapada do Araripe são as
principais formas de relevo da região. É comum no sertão a presença de serras, como,
por exemplo, as serras de Meuoca e de Baturité (Ceará), São Miguel, Luís Gomes,
55
A bacia do rio São Francisco nasce em Minas Gerais, na serra da Canastra, e atravessa os estados da
Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. O rio São Francisco possui uma área de drenagem superior a
630.000 km
2
e uma extensão de 3.160 km, possui uma vazão média anual de 3.360m
3
/s, volume médio
anual de106 Km
3
. (www.brcactaceae.org/hidrografia.html, capturado em 16/10/04 às 21h50).
56
A Bacia do Atlântico - Trecho Norte/Nordeste banha extensas áreas dos Estados do Amapá,
Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, e parte do Estado da Paraíba, Pernambuco, Pará e
Alagoas. Possui uma vazão média anual de 6.800 m3/s e uma área de drenagem de 996.000 Km²
composta por dois trechos: Norte e Nordeste. O Trecho Norte corresponde à área de drenagem dos rios
que deságuam ao norte da Bacia Amazônica. O segundo trecho - Nordeste,corresponde à área de
drenagem dos rios que deságuam no Atlântico, entre a foz do rio Tocantins e a do rio São Francisco.
(Ibidem)
57
É formada pelos rios Acaraú, Jaguaribe, Piranhas, Potengi, Capibaribe, Una, Pajeú, Turiaçu, Pindaré,
Grajaú, Itapecuru, Mearim e Parnaíba, sendo este o formador da fronteira dos estados do Piauí e
Maranhão. (Ibidem).
58
No Brasil, todos os sítios arqueológicos são considerados bens patrimoniais da União, sendo
protegidos pela Lei nº 3924/61 ( www.iphan.gov.br/bens/Mundial/p18.htm
, capturado em 16/10/04 às
22h30).
59
Mata Atlântica é composta por árvores que ficam na costa brasileira, com altura de 15 a 20 metros,
tendo como principais espécies a pindoba, carnaúba, pau d'alho, azeitona-da-mata, visgueiro, sapucaia,
ingá e pau d'arco (www.sudene.gov.br
, capturado em 18/02/05, às 22h11).
53
Martins, João do Vale (Rio Grande do Norte), Teixeira (Pernambuco), Baixa Verde
(Paraíba)
60
.
O clima é o elemento que mais afeta a paisagem nordestina, devido ao seu
regime pluvial que não é homogêneo. Por exemplo, a Zona da Mata tem clima quente e
úmido, porém seco, com duas estações bem definidas, sendo uma chuvosa e a outra
seca. O Sertão possui clima quente e seco, podendo ter longos períodos de estiagem.
O Agreste é uma área de transição entre a Zona da Mata e o Sertão, apresentando
trechos úmidos e outros secos. O Meio Norte é uma área a Oeste extrativista e
pecuarista, compreende extensa área do Piauí e do Maranhão
61
.
A falta deágua é o principal problema da população do Agreste e do Sertão
nordestino. O Polígono das Secas não se resume apenas ao Sertão, envolvendo os
estados do Ceará, Paraíba, do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e
Bahia
62
.
O coqueiro, a carnaubeira, o xiquexique, o mandacaru são vegetações que
fazem do Nordeste uma paisagem exótica, atraente, exuberante e diferente de outras
regiões brasileiras.
2.3. Fragmentos históricos
Historicamente, o Brasil se originou no Nordeste, quando Pedro Álvares Cabral
chegou, em 1500, foi em Porto Seguro, Bahia.
Durante o período colonial o Brasil foi dividido no sistema de capitanias
hereditárias, que foram distribuídas no litoral. Foram um total de 17 capitanias, dessas
a capitania de Itamaracá foi a que mais prosperou, sendo doada ao donatário Duarte
Coelho, que chegou em 1535, para colonizar a capitania de Pernambuco, a fim de doar
terras de sesmarias aos cristãos e escravizar os índios. Criou as vilas de Igarassu e
Olinda. Lutou contra os índios caetés e tabajaras. Desenvolveu a monocultura da cana-
de-açúcar
63
.
Por mais de três séculos, o Nordeste conseguiu ser a região mais rica da
América Portuguesa, com o comércio do pau-brasil, da cana-de-açúcar, do algodão e
60
ANDRADE, Manuel. Ibidem.
61
Ibidem.
62
Idem, p. 37.
63
GARCIA, Carlos. Ibidem; ANDRADE, Manuel. Idem, p. 60-1.
54
do couro durante todo o período colonial brasileiro e metade do império. Olinda
chegou a ser, no século XVII, a mais rica cidade do continente americano. A região só
veio perder essa condição com a exploração de ouro em Minas Gerais, a partir de
meados do século XVIII
64
.
Isso ocorria porque a economia brasileira se dava por ciclos econômicos que,
primeiro foi, o do pau-brasil, depois o da cana-de-açúcar, em seguida o do algodão e o
do ouro, e finalmente o café, pois como chama a atenção Caio Prado Júnior, “a
colonização não se orienta no sentido de constituir uma base econômica sólida e
orgânica, isto é, a exploração racional e coerente dos recursos do território para a
satisfação das necessidades materiais da população que nela habita”
65
. Não devemos,
também, esquecer que o Brasil foi uma colônia de exploração e não de povoamento, ou
seja, os colonizadores brasileiros não tinham intenção de desenvolver o território, mas
de explorá-lo, de retirar de nossas terras o que de melhor poderia ser produzido ou
extraído.
A economia colonial brasileira e nordestina se deu, assim, pela presença da
grande propriedade que foram doadas a alguns colonos cristãos, pela monocultura e
pelo trabalho escravo. Esses três elementos ajudaram a acentuar a desigualdade social
da população, bem como esta organização do trabalho e da produção estavam voltadas
para atender o comércio internacional, aos interesses externos
66
.
Por conta da produção da cana-de-açúcar, o Nordeste teve muitos engenhos. Só
para se ter uma idéia, segundo Manuel Correia de Andrade,
Se forem cinco em 1550, somavam trinta em 1570, sessenta e seis em
1584 e cento e quarenta e quatro por ocasião da conquista
holandesa em Pernambuco, havendo ainda dezenove na Capitania
da Paraíba e dois no Rio Grande do Norte, totalizando, assim, no
Nordeste, 166 engenhos
67
A casa grande e a senzala, o trabalho explorado do negro, a ascensão do
homem branco, do senhor de engenho em relação as suas escravas, resultou não só
numa paisagem diferente, numa economia onde poucos têm tudo e muitos não têm
64
ANDRADE, Manuel. Idem, p. 28.
65
PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1983, p.73.
66
Idem, p. 125.
67
ANDRADE, Manuel. Idem, p. 64.
55
nada, mas também influenciou na organização social, no modelo de família e nas
relações sociais. O patriarcalismo é a marca dessa sociedade, onde o homem,
sobretudo o fidalgo tinha direito a tudo, ao desejo, ao sexo, a mandar na mulher, nos
filhos e nos escravos.
Os escravos eram freqüentemente submetidos a maus tratos, a
castigos corporais, podendo ser batidos com chicote, varas ou
correias de couro, ser postos de ferro ou no tronco ou até ser
acorrentados pelos pés ou pelo pescoço; não convinha, entretanto,
aos senhores matar ou mutilar os cativos que lhes haviam custado
muito dinheiro
68
.
Além da cana-de-açúcar, no século XVI, a criação do gado em pé vai dar um
novo impulso à economia. O sertão nordestino passou a desenvolver a pecuária,
multiplicando o número de fazendas “em mão de proprietários modestos, que habitam
ordinariamente nas suas propriedades e participam inteiramente do trabalho e da vida
do sertão”
69
.
Em plena fase de expansão, a cultura da cana-de-açúcar vai ser cobiçada pelos
invasores holandeses, a partir de 1630. Durante a invasão, os holandeses destruíram
engenhos, canaviais, casa grande e parte do gado foi dizimado, bem como alguns
escravos chegaram a fugir para o interior. Por outra parte, os invasores,
posteriormente, reorganizaram essa economia que ajudaram a destruir. O conde
holandês Maurício de Nassau, tendo chegado em Recife em 1637, fez muitas
benfeitorias, trouxe artistas, embelezou a cidade que veio para administrá-la,
70
sendo
um dos maiores governantes que Pernambuco já teve.
Com o desenvolvimento da cafeicultura em São Paulo e a queda dos preços
internacionais do açúcar e do algodão, o poder político que o Nordeste tinha foi
perdendo espaço no cenário nacional, sendo transferido para o eixo Centro-Sul
71
Segundo Manuel Andrade, enquanto o Centro-Sul se modernizava, recebiam
migrantes europeus, adotava o trabalho assalariado, o Nordeste mantinha sua estrutura
rural arcaica, baseada no latifúndio da cana-de-açúcar, com o trabalho escravo ou com
baixos salários. Com isso, muitos nordestinos, principalmente os vitimados pelas
68
ANDRADE, Manuel. Idem, p. 74.
69
PRADO JUNIOR, Caio. Idem, p. 191.
70
ANDRADE, Manuel. Idem, p. 70.
71
GARCIA, Carlos. Idem, p. 30.
56
secas, começaram a migrar para os estados do sul e sudeste atraídos por melhores
salários e melhores condições de vida
72
.
Desse modo, paulatinamente, a economia nordestina foi se deteriorando e o
poder político da região foi se esvaziando, sendo transferido para o Centro-Sul. O
Nordeste deixava, assim, de ser uma região próspera para se tornar a região mais pobre
do Brasil, marcada pela concentração de renda nas mãos da elite açucareira e política,
baixa infra-estrutura social, por indicadores sociais que fazem os outros brasileiros
enxergar e perceber a região como um problema para o país.
O fato é que o empobrecimento, acompanhado da diminuição do prestígio
político da região, faz do Nordeste “uma região de segunda classe”, de “pires na mão”,
afetando de forma negativa, sobretudo a vida dos estados, dos municípios e da
população mais pobre.
De acordo com Sebastião Barreto Campelo, “no primeiro recenseamento feito
no Brasil, em 1872, o Nordeste surge como produzindo 65% do PIB brasileiro e com
uma renda per capita de 144% da média nacional (...). Hoje esses valores reduziram-se
a 12% e 41% respectivamente”, acrescentando que “no início do século o Estado de
Pernambuco tinha um orçamento equivalente ao de São Paulo. Hoje é seis vezes
menor”
73
, o que demonstra claramente um imenso empobrecimento da região e na
vida da população.
Para Campelo, a causa desse contínuo empobrecimento da região nordestina se
deu por diversos fatores, entre eles: o aviltamento da cana-de-açúcar, que era o
principal produto de exportação da região, as condições topográficas desfavoráveis na
Zona da Mata, pouca precipitação pluviométrica no semi-árido, o latifúndio, a má
aplicação das poucas verbas federais, transferências de recursos fiscais e econômicos
para outras regiões, bem como o poder político nas mãos de uma oligarquia retrógrada
e exploradora
74
.
Em relação aos tipos de transferências de recursos do Nordeste para o Centro
Sul teria se dado, segundo Campelo, pelo:
72
GARCIA, Carlos. Idem, p. 31.
73
CAMPELO, Sebastião. Quatro séculos de exploração. 2 ed. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 1995,
p. 37.
74
Idem, p. 37-8.
57
a) Confisco cambial, a partir de 1930, como subsídio do governo brasileiro a
importação de bens de capital para estimular a industrialização, baixando o
preço das exportações;
b) ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadoria), cujo imposto é pago pelo
consumidor e incide na origem do produto, aumentando, assim, as receitas dos
estados industrializados do Centro-Sul. Esse imposto, desde a Constituição de
1988 passou a ser chamado de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias
e Serviços) e está cobrando uma alíquota de 7%, quando a transação é feita do
Sudeste para o Nordeste e 12% quando se dá a operação no sentido inverso, o
que vem diminuindo a transferência de recursos feitas por este imposto para as
regiões mais desenvolvidas;
c) O decreto-lei 915, de 31 de dezembro de 1938, assinado por Getúlio Vargas, que
regulamentava a cobrança, pelos estados, do Imposto de Vendas e Consignações,
isto é, estabelecia que nos casos de consignação, era considerado como lugar de
operação, para efeitos fiscais, aquele onde a mercadoria era fabricada. Isso
significava que uma mercadoria quando era transferida do fabricante para uma
filial, noutro estado não pagava IVC. Porém, quando essa mercadoria era
vendida pelas filiais, recolhia o imposto no estado de origem. Assim, quase toda a
produção industrial com Centro Sul era para transferida para o Nordeste sem
pagar imposto, só o fazendo quando vendida a pela filial, mas recolhendo o IVC
no Centro Sul;
d) O comércio triangular – O Nordeste exporta para o exterior quase toda a sua
produção constituída de bens primários, a preços competitivos internacionais e
compra produtos do Centro Sul a preços protegidos alfandegariamente. Desse
modo o Nordeste tem um grande saldo na balança comercial com o exterior e um
déficit no comércio por vias internas;
e) As transferências bancárias – até 1984 haviam linhas de créditos especiais com
juros subsidiados e o valor das aplicações dependia dos depósitos ou do valor
das operações realizadas por cada banco . Como houve uma concentração
bancária propiciada durante a primeira gestão do ministro Delfim Neto (...) esses
bancos contabilizavam os depósitos e operações realizadas no Nordeste, porém,
utilizavam os créditos no Centro Sul, onde estão as suas matrizes;
f) RGG e RGR – As tarifas de energia elétrica tinham embutidos dois itens
chamados de Reserva Geral de Garantia (RGG) e Reserva Geral de Reversão
(RGR), itens esses recolhidos a Eletrobrás (...) O RGG é cobrado com a
justificativa de ser uma taxa de equalização de tarifas, a fim de subsidiar as
empresas menos viáveis economicamente. O RGR é justificado como uma reserva
cobrada pela Eletrobrás, para permitir a desapropriação das empresas
distribuidoras particulares, no fim da concessão (...) a partir de novembro de
1993 houve modificações na política tarifária, regionalizando as tarifas de
energia elétrica. Assim, a Chesf passou a cobrar bem menos do que Furnas (...)
75
A estrutura fundiária, a seca, o desemprego são algumas das causas da
migração de grande parte da população nordestina do campo para a cidade, fazendo
com que muitas capitais se tornem “cidades inchadas”, expressão de Gilberto Freyre,
75
CAMPELO, Sebastião . Idem, p.: 38-42.
58
formando bolsões de pobreza, aumentando a favelização urbana, a mendicância e o
subemprego
76
.
2.4. As disparidades regionais e a criação da Sudene
A disparidade entre os estados brasileiros tornou-se mais nítida com a
cafeicultura, a proclamação da República e a política café com leite, em que São Paulo
e Minas Gerais passaram a comandar politicamente e economicamente o país, bem
como com o surto de industrialização do Sudeste, sobretudo com a chegada da
indústria automobilística.
O desenvolvimento econômico de São Paulo, principalmente na década de 50,
chamou a atenção de muitos nordestinos, fazendo com que milhares deles migrassem
para aquele estado em busca de emprego, de uma vida melhor, fugindo, assim, da seca,
da fome e da miséria. Para se ter uma idéia, dos 11 milhões de migrantes rurais
brasileiros dos anos 50, quase metade (46,3%) vinha do Nordeste
77
, pois foi a época
das grandes secas, da construção da Belém-Brasília e da nova Capital. Deste modo, o
Nordeste passou a ser uma região exportadora de mão-de-obra barata, vista como um
problema nacional, um lugar cheio de bolsões de pobreza, sinônimo de
subdesenvolvimento, de atraso econômico e social
78
.
Naquela época as seqüelas da Primeira e Segunda Guerra Mundial tinham
deixado feridas abertas, e o sentimento mundial de reconstrução e desenvolvimento
contagiou as nações, inclusive o Brasil, passando os Estados Unidos a liderar o bloco
capitalista e a União Soviética o bloco socialista, gerando o que se chamou de Guerra
Fria
79
.
Os países passaram a ser vistos como desenvolvidos e subdesenvolvidos. Esses
teriam grande endividamento externo, pouca tecnologia e indústria, forte influência de
76
ANDRADE, Manuel. Idem, p. 50-1.
77
www.Direito\Visor IPEA - ano II, nº 5 - setembro 1997.htm, capturado em 24/12/05, às 19h50.
78
Ibidem.
79
A União Soviética e os Estados Unidos eram as grandes potências econômicas, a primeira
representava uma economia planificada, em que se pregava a ditadura do proletariado, o fim dos direitos
privados em detrimento do direito público, a abolição da propriedade privada e da economia de
mercado, o controle das informações, o não-consumismo, a massificação das idéias socialistas, a
ditadura do Partido Comunista; a segunda representava o interesse do capital, o respeito e o direito à
propriedade privada e ao lucro, o consumismo, a liberdade de imprensa, as ideologias das elites
dominantes, a ampliação dos direitos subjetivos, a existência de pobres e ricos.
59
empresas estrangeiras, através de multinacionais, graves problemas sociais, tais como,
falta de saneamento básico, baixa escolaridade, falta de moradia, baixo nível de bens
de consumo. Enquanto os primeiros se caracterizariam pelo desenvolvimento industrial
e tecnológico, economia equilibrada, gerando melhor distribuição de renda e qualidade
de vida para a população, o que levaria a alta renda per capita e Produto Interno Bruto
(PIB). De acordo com Argemiro Brun ,
Na década de 50, predominava ainda uma visão linear do fenômeno
desenvolvimento subdesenvolvimento. Acreditava-se que os países
atrasados, para atingirem o desenvolvimento, deviam percorrer as
mesmas etapas por que haviam passado os países já desenvolvidos.
O subdesenvolvimento não era concebido como fruto de uma
estrutura econômica mundial de exploração, nem como uma
característica peculiar específica de determinadas sociedades
nacionais. Era considerado simplesmente um atraso resultante de
um ritmo mais lento de crescimento econômico linear. Identifica-se
desenvolvimento com mero crescimento econômico. E pensava-se
que, acelerando-se o ritmo de crescimento econômico, se chegava ao
desenvolvimento
80
.
No governo de Juscelino Kubtischeck o termo desenvolvimento passou a ser
incorporado no discurso político com maior ênfase do que em outros governos,
defendendo a entrada de capitais internacionais para acelerar o desenvolvimento
econômico e a industrialização do país, criando o Plano de Metas, cujo objetivo
principal era desenvolver o país em 50 anos em cinco anos de governo, nos setores de
energia, transporte, alimentação, indústria de bases e educação
81
. Além disso, com sua
política desenvolvimentista JK construiu Brasília, a fim de ser a nova capital do Brasil,
e criou agências regionais de desenvolvimento.
É com este ânimo que nos finais dos anos 50 foi feito um relatório do Grupo de
Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), que deu origem à criação da
Sudene. Seus dados revelavam que:
1. A disparidade de níveis de renda existente entre o Nordeste e o Centro-Sul
do país é o mais grave problema a enfrentar o desenvolvimento econômico nacional;
2. O ritmo de crescimento da economia nordestina, nos últimos anos, vem
sendo substancialmente inferior ao da economia do Centro-Sul;
80
BRUM, Argemiro. Desenvolvimento econômico brasileiro. 18 ed. Petrópolis: Vozes, 1988, p.231.
81
Idem, p. 231-5.
60
3. A ausência de uma compreensão adequada dos problemas decorrentes da
disparidade regional de níveis de renda tem contribuído para que a própria política
de desenvolvimento agrave o problema;
4. As relações econômicas do Nordeste com o Centro-Sul caracterizam-se por
um duplo fluxo de renda, operando o setor privado como instrumento de transferência
contra o Nordeste e o setor público (o governo federal) em sentido inverso;
5. O desenvolvimento da economia nordestina tem recebido seu impulso
básico, até o presente, do setor exportador. Foram as exportações de açúcar, algodão,
cacau, fumo, couros e peles (...) As exportações para o exterior foram seriamente
prejudicadas, até 1953, pela política cambial. As exportações para o Centro-Sul, não
só cresceram com intensidade maior, como também apresentaram muito mais
estabilidade;
6. Se bem que o elemento dinâmico fundamental da economia nordestina venha
sendo o quantum de suas exportações, o setor púbico também desempenha um papel
básico. O governo federal despende na região uma soma de recursos muito superior
ao que ali arrecada;
7. A regressividade do sistema tributário federal, e mais ainda estadual e
municipal, faz com que a carga tributária do Nordeste seja, dentro do conjunto da
Federação, maior do que seria de esperar dado o seu nível de renda.;
8. Aumentar as exportações de produtos primários é, seguramente, a forma
mais “barata” de uma economia crescer;
9. A economia da zona semi-árida do Nordeste define-se por um complexo de
pecuária extensiva e agricultura de baixo rendimento;
10. O combate aos efeitos das secas tem consistido, até o presente, em medidas
de curto prazo – principalmente de caráter assistencial – e de longo prazo,
concentrando-se estas últimas na construção de uma rede açudes. Por motivos
diversos, nenhuma dessas medidas conseguiu ainda modificar o curso dos
acontecimentos
82
.
Após as conclusões que chegou do diagnóstico da região Nordeste, O GTDN
propôs quatro diretrizes básicas para o Plano de Ação:
a) intensificação dos investimentos industriais, visando criar no Nordeste um
centro autônomo de expansão manufatureira;
b) transformação da economia agrícola da faixa úmida, com vistas a
proporcionar uma oferta adequada de alimentos nos centros urbanos, cuja
industrialização deverá ser intensificada;
c) transformação progressiva da economia das zonas semi-áridas no sentido de
elevar sua produtividade e torná-la mais resistente ao impacto das secas;
d) deslocamento da fronteira agrícola do Nordeste, visando incorporar à
economia da região as terras úmidas do hinterland maranhense, que estão em
82
GTDN. Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste. In: BACELAR, Tânia e outros
(orgs). O GTDN,: da proposta à realidade: ensaios sobre a questão regional. Recife: Ed.
Universitária, 1994., p. 150-160.
61
condições de receber os excedentes populacionais criados pela reorganização da
economia da fixa semi-árida
83
.
Com isso, a indústria foi destacada pelo GTDN como o setor fundamental para
o desenvolvimento do Nordeste; enfatizou a necessidade do avanço tecnológico e do
aumento da produtividade dos produtos agrícolas; apontou a irrigação como um
processo capaz de trazer viabilidade econômica ao semi-árido
84
.
Segundo Tânia Bacelar, “o relatório do GTDN propunha uma ação
governamental de caráter transformador das tradicionais e consolidadas estruturas
sócio-econômicas do Nordeste. Propunha ações típicas de um Estado reformista e
modernizador de velhas estruturas”
85
. O documento defendia que o
Estado Desenvolvimentista, já presente no Centro-Sul, se estendesse
ao Nordeste. Ao invés de atender à população com programas
assistencialistas e apoiar as tradicionais oligarquias nordestinas, o
Estado Brasileiro devia assumir papel central de patrocinador do
desenvolvimento das forças produtivas do Nordeste. Esse era o papel
principal que ele já desempenhava no Centro-Sul desde os anos
trinta do século XX
86
.
Em 1961, foi inaugurada a Sudene, com sede em Recife, cujo primeiro
superintendente foi o economista Celso Furtado, a fim de diminuir as desigualdades
regionais e possibilitar a efetivação de estratégias de desenvolvimento no Nordeste
brasileiro.
A partir dos anos 60 assistiu-se ao crescimento, à diversificação da
base econômica do Nordeste. As atividades urbanas se expandiram
ampliando a participação no PIB regional de setores como os
intermediários financeiros, a indústria de transformação e o
comércio, que entre 1965 e 1990 aumentaram, respectivamente, de
13% para 20%, de 14% para 19% e de 17% para 21%, seu peso na
economia regional, conforme dados da Sudene. Paralelamente, a
agropecuária teve uma redução de sua participação de 29% para
12%.
87
.
83
GTDN . Idem, p. 160.
84
BACELAR, Tânia e outros (orgs). O GTDN,: da proposta à realidade: ensaios sobre a questão
regional. Recife: Ed. Universitária, 1994. Idem, p. 15-9.
85
Idem, p. 143.
86
BACELAR, Tânia e outros (orgs). Ibidem.
87
BACELAR, Tânia. Revista teoria e debate. http: //www.fpa.org.br/td/td19/td19_nacional.htm,
capturado em 26/12/85.
62
A desigualdade entre as regiões e dentro da própria região era muito nítida e
real nos anos 60, e se sentia a necessidade de “queimar etapas”, para se atingir o
desenvolvimento econômico, a partir da expansão da indústria.
2.5. Órgãos de desenvolvimento do Nordeste
Com a concepção de que o Nordeste precisava se desenvolver, além da Sudene, a
região passou a conviver com agências de desenvolvimento e de fomento já existentes,
bem como foram criadas outras. O Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
(Dnocs), Banco do Nordeste, Companhia de Desenvolvimento do Vale do São
Francisco, (Codevasf) e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) são alguns
desses órgãos.
O Dnocs foi instituído em 1909, no governo Nilo Peçanha, com o nome
Inspetoria de Obras Contra as Secas – IOCS, sendo até 1959, praticamente, a única
agência governamental federal executora de obras de engenharia na região. De lá para
cá esse órgão federal fez estudos geográficos, geológicos, climatológicos, botânicos,
sociais e econômicos da região. Construiu açudes, barragens, hidrelétricas e poços.
Procurou, também, desenvolver a região através da agricultura com ênfase na
fruticultura irrigada, implantação de projetos de piscicultura e realização de trabalhos
assistenciais
88
.
O Banco do Nordeste do Brasil foi fundado em 1952, no governo de Getúlio
Vargas, com o objetivo de promover o desenvolvimento da região Nordeste, uma vez
que sofria com as constantes secas e não tinha recursos para dinamizar a economia.
Sua principal função é promover uma política de desenvolvimento para o Nordeste,
através da capacitação técnica e financeira dos agentes produtivos da região. É o
principal agente do Governo Federal para o desenvolvimento da região
89
.
A Codevasf, atualmente, vinculada ao Ministério da Integração Nacional, foi
criada em 16 de julho de 1974. Tem por finalidade o aproveitamento, para fins
agrícolas, agropecuários e agroindustriais, dos recursos de água e solo dos Vales do
São Francisco e do Parnaíba.
90
.
88
www.dnocs.gov.br, capturado em 16/10/2004, às 22h10.
89
www.bnb.gov.br, capturado em 17/10/04 às 08:58.
90
www.codevasf.gov.br, capturado em 20/01/05.
63
A Chesf foi criada em 1945 por Getúlio Vargas. É responsável pela produção,
transporte e comercialização de energia elétrica para todos os estados nordestinos, com
exceção do Maranhão. Com a construção da Usina Hidroelétrica de Paulo Afonso, em
1955, a região começou a dar um grande impulso de desenvolvimento. A empresa,
atualmente, tem produzido uma média anual de 40 milhões de MW, para um consumo
médio anual na Região de 33,5 milhões de MW
91
.
A existência dessas agências e órgãos de desenvolvimento e financiamento para
o Nordeste não foi suficiente para promover o desenvolvimento regional. A indústria
da seca e da miséria, bem como a corrupção, o clientelismo político, o nepotismo, o
lobbying, a guerra fiscal entre os estados dificultam o progresso da região.
2.6. Alguns indicadores sociais do Brasil e do Nordeste
Em 1970, segundo o IBGE, o Brasil tinha uma população de mais de 93
milhões de habitantes, e em 1980, eram mais de 119 milhões de pessoas morando no
Brasil, um crescimento de mais de 26 milhões de habitantes em dez anos. O número de
mulheres se apresentava sensivelmente superior ao dos homens, desde a década de 50,
como pode ser percebido no gráfico um.
Gráfico 1– População residente no Brasil por sexo – 1950 a 1980
10 000
20 000
30 000
40 000
50 000
60 000
1950 1960 1970 1980
População residente do Brasil por sexo
Homen
Mulhere
Fonte: IBGE. Estatísticas do Século XXI.
91
www.sudene.gov.br/nordeste/fne.html, capturado em 19/02/05, às 10h03.
64
A partir dos anos 70, o Brasil se torna um país urbano, pois 46% de sua
população se concentrava nas cidades, contra 44% dos brasileiros morando no campo.
A migração, a atração das cidades, com a expansão da indústria e do comércio fizeram
a população das cidades crescer. E, com o crescimento, muitas vezes desordenado, os
problemas sociais se acentuaram, pois nem sempre a população imigrante conseguia
emprego, podia pagar um imóvel para alugar ou comprar. O déficit habitacional
aumentou. Na época o BNH tinha um papel fundamental no financiamento de imóveis
para classe média, com recursos do FGTS, e havia as Cooperativas de Habitação
(Cohabs), para os assalariados da classe média baixa, que dividiam o pagamento dos
imóveis em até 25 anos. Contudo, muitos brasileiros estavam fora desse perfil, e
acabavam indo morar em favelas ou nas periferias, sem saneamento básico, sem ruas
calçadas, enfim sem infra-estrutura social, ficando excluídos socialmente, órfãos da
cidadania.
A população dos anos 70 era predominantemente formada por crianças e
jovens, o que indicava que precisava de muito investimento na saúde, educação e
cultura. Apenas 1,8% dos habitantes tinham 70 anos de idade ou mais, como pode ser
visto no gráfico dois, o qual mostra a evolução do tamanho da população por faixa
etária desde a década 50, onde se observa um crescimento populacional em todos os
grupos de idade, principalmente nas faixas entre 0 a 29 anos de idade. Por outro lado, é
visível que a população foi amadurecendo ao longo dos anos. E na década de 80, a
população de mais de 50 anos de idade se acelera, dando sinais que é preciso o
governo pensar políticas sociais para um país que não vai ficar jovem a vida inteira,
onde muitos ficarão idosos, irão se aposentar e necessitar de novas demandas sociais e
pessoais.
65
Gráfico 2 – População brasileira por faixa e etária – 1950 a 1980
0
5000000
10000000
15000000
20000000
25000000
30000000
35000000
1950 1960 1970 1980
População brasileira por faixa etária
0 a 9 anos
10 a 19 anos
20 a 29 anos
30 a 39 anos
40 a 49 anos
50 a 69 anos
70 anos ou mais
Fonte: IBGE. Estatísticas do Século XXI.
Durante a década do ”milagre econômico”, mais de 30 milhões de brasileiros
não sabiam ler nem escrever, o que dificultava o desenvolvimento social e o bem-estar
da população. Essa realidade negativa possibilitou a criação do Mobral no governo
militar. Só que, muitas vezes, o cidadão acabava apenas aprendendo a desenhar seu
nome, servindo de passaporte para ser eleitor durante as eleições de parlamentares,
haja vista que analfabeto não podia votar na época.
Dessa forma, na maioria das vezes não se mudava a vida desse homem e
mulher que queria aprender ler e escrever, mas se perpetuava a desigualdade social, se
votava nos “coronéis” que, geralmente, só pensavam em si mesmos e em favorecer
seus amigos e parentes, na política do “toma lá, da cá”, sem nenhuma preocupação
com o nepotismo. Contudo, o gráfico três vislumbra um cenário positivo, mostra que
desde a década de 60 o número de alfabetizados vem crescendo. Por outro lado, nos
anos 50 mais da metade da população era analfabeta, o que mostrava claramente o
subdesenvolvimento, o atraso do país.
66
Gráfico 3 – Alfabetização da população residente no Brasil – 1950 a 1980
Alfabetizão da
oulação residente no
0
10 000 000
20 000 000
30 000 000
40 000 000
50 000 000
60 000 000
1 950 1960 1970 1980
Sabem ler e escrever
Não sabem ler e escrever
Fonte: IBGE. Estatísticas do Século XXI.
A religião católica era professada por mais de 86 milhões de brasileiros nos
anos 70, ou seja, 90% da população, o que demonstrava a hegemonia, a força e o
prestígio da Igreja Católica no período, conforme pode ser observado no gráfico
quatro. Embora, se perceba que esse número de adeptos ao catolicismo venha
diminuindo lentamente ao longo dos anos, desde a década de 50 até a de 80, onde se
observa um pequeno crescimento dos evangélicos nos país. Vale salientar que nesse
período a Igreja Católica esteve dividida, entre aqueles que se silenciaram diante das
injustiças sociais, preocupando apenas em cuidar da “alma” dos seus fiéis, com a
oração e fé, e a ala da Igreja que não se restringia ao ato litúrgico, aos aspectos do ser,
mas também do ter, denunciando injustiças sociais, tomando partido pelos oprimidos,
pelos mais fracos politicamente e economicamente.
67
Gráfico 4 – Religião da população residente no Brasil – 1950 a 1980
Religião da população residente no Brasil
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1950
1960 1970 1980
Espírita
Evangélica
Católica
Fonte: IBGE. Estatísticas do Século XXI.
Em 1970 havia quase 30 milhões de pessoas casadas no país e quase 20
milhões de solteiros. Na época, a sociedade era muito tradicional, de cunho patriarcal,
onde o casamento, a virgindade, a família nuclear eram extremamente valorizados. A
mulher descasada, a mãe solteira, a mulher que deixava de ser virgem antes de se casar
sofriam preconceito de toda a ordem e não eram bem vistas nem benquistas pela
sociedade. O conceito de família e casamento chegavam a ser confundidos no
imaginário social. O filho fora do casamento não tinha direito de reivindicar herança, a
sociedade o rotulava de bastardo, estigmatizando-o, fazendo-o sofrer, segregando-o. A
união consensual não era reconhecida. Havia o rótulo de mulher “honesta” para casar,
e a mulher apenas para se divertir. Sexualmente, a mulher casada tinha que ser
reprimida, comedida. Era comum o homem ter mais de uma mulher. Aliás, isso o
valorizava enquanto macho, provedor da casa. Muitos casamentos eram de aparência,
sem amor e o sexo era feito, comumente, apenas para procriação. Mas, também o
casamento era para ser a vida toda. O prazer sexual, geralmente, era para se ter com
“as mulheres da vida”, numa sociedade em que “o falso moralismo imperava”. Na
época havia menos de 1,5 milhão de brasileiros divorciados, separados e desquitados.
E, nos anos 50, o número de separados era ínfimo. Nos anos 80 já se observa um
crescimento da categoria dos que não são casados e que são viúvos.
68
Gráfico 5 – Estado civil da população residente no Brasil – 1950 a 1980
Estado civil da população brasileira
0
5 000 000
10 000 000
15 000 000
20 000 000
25 000 000
30 000 000
35 000 000
40 000 000
45 000 000
1950 1960 1970 1980
Solteiros
Casados
Separados
Desquitados e
Viúvos
Fonte: IBGE. Estatísticas do Século XXI.
O número médio de filhos nascidos vivos, no Brasil, era de 3,1 crianças por
mulher no início dos anos 70, conforme o IBGE. A idade média de fecundidade era de
29,86 anos. A esperança de vida do brasileiro era de 51,06 anos para os homens e
59,22 para as mulheres, o que era pouco, refletindo o baixo desenvolvimento social e
tecnológico.
O Nordeste durante os anos 70 e 80 foi um pedaço do Brasil que seguiu as
tendências do país, apresentando uma população predominantemente católica, jovem,
sensivelmente feminina, com adultos casados e com filhos, migrando para as cidades e
se alfabetizando, ainda que não no mesmo ritmo social.
Observa-se no gráfico seis que só a partir dos anos 80, a população nordestina
se tornou mais urbana do que rural, resultado da emigração das secas, do crescimento
econômico das cidades, principalmente, das capitais e metrópoles. Em 1970, mais de
16 milhões de nordestinos moravam na zona rural, contra quase 13 milhões morando
em áreas urbanas. Para se ter uma idéia de como o processo de moradia se inverteu na
região, nos anos 50 menos de cinco milhões de habitantes residiam nas cidades, contra
a mais de 13 milhões de nordestinos morando e trabalhando no campo.
69
Gráfico 6 – População rural e urbana residente no Nordeste – 1950 a 1980
Po
p
ulação rural e urbana residente do Nordeste
0
2000000
4000000
6000000
8000000
10000000
12000000
14000000
16000000
18000000
20000000
1950 1960 1970 1980
Rural
Urbana
Fonte: IBGE. Estatística do século XX.
Com o crescimento da população, a densidade demográfica também aumentou
progressivamente, como ilustra o gráfico sete, saindo de 11,6 hab/km
2
, nos anos 50,
para mais de 22 hab/km
2
, em 1980, ou seja, em quatro décadas, o número de habitantes
do Nordeste duplicou dentro do território nordestino.
Gráfico 7 – Densidade demográfica do Nordeste – 1950 a 1980
Evolução da densidade demográfica da
população residente do Nordeste
0
5
10
15
20
25
1940 1950 1960 1970 1980
Fonte: IBGE. Estatística do século XX
70
Por outra parte, apesar do crescimento populacional do Nordeste ter sido
vertiginoso nesse período, observa-se no gráfico oito, que desde os anos 50, é a região
brasileira que apresenta os maiores índices de emigração, ou seja, de expulsão, de
êxodo, chegando a 16,2% em 1970 e a 19,3%, em 1980, quando o país vivia numa
crise econômica imensa, e as regiões mais desenvolvidas economicamente apareciam
como a saída para o desemprego e para o sucesso profissional.
Gráfico 8 – Taxa de emigração líquida por região – 1950 a 1980
Taxa de emigração líquida
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
1 950
1 960 1 970 1980
NORTE
NORDESTE
SUDESTE
SUL
CENTRO-OESTE
Fonte: IBGE. Estatística do século XX
De todas as regiões do Brasil, o Nordeste foi a região que apresentou as
menores taxas líquidas de imigração no período de 50 a 80 do século XX. A
construção de Brasília, a partir dos anos 50, mudando o foco das decisões políticas
para o interior do país, na região Centro-Oeste, vai ser a principal responsável pelos
altos e crescentes índices de fluxos migratórios no local, inclusive de muitos
nordestinos. A região Sul e Sudeste até os anos 70 eram respectivamente, a segunda e a
terceira região que atraiam mais imigrantes. Em 1980, a segunda região que mais
recebeu imigrante foi a região Norte, devido as altas taxas do estado de Rondônia, e a
diminuição de procura pelo Sul do país.
71
Capítulo III
O cenário dos anos 70 e 80 no Brasil e
no Nordeste
ompreender o cenário nacional dos anos 70 e 80, e o Nordeste que foi
agendado, veiculado pela mídia, requer, primeiramente, retomar a
década de 60, que foi marcada por profundas mudanças em nível mundial e no Brasil.
Portanto, junto da reflexão sobre as desigualdades social e econômica do país,
viu-se uma intensificação da produção cultural no Brasil. Naquele período, o mundo
passava por várias transformações culturais, foi a época do rock, da Guerra do
Vietnam, da Revolução Sexual Feminina, da descoberta da pílula anticoncepcional, do
movimento hippie, dos
Beatles, da filosofia existencialista, da contracultura. Período
em que se acreditava na cultura como motor de mudança, de visão de mundo. Segundo
Douglas Kellner,
Os anos 60 foram uma época de prolongados tumultos socais em que
a todo o momento surgiam novos movimentos sociais a desafiarem
as formas estabelecidas de sociedade e cultura e a produzirem novas
contraculturas e formas alternativas de vida. Geraram uma era de
intensas “guerras culturais” entre liberais, conservadores e radicais
no sentido de reconstrução da cultura e da sociedade segundo seus
próprios programas, guerras que continuam sendo travadas na
atualidade.
92
No Brasil, “participar do cenário cultural da época significava tentar viabilizar
um trabalho de aproximação entre a população brasileira e os intelectuais, incluindo os
artistas”
93
. A tendência era o engajamento político através da arte, que ficou
conhecido como “arte popular revolucionária”. Os artistas teriam que assumir a causa
do povo, procurando associar a produção cultural à infra-estrutura da sociedade. E, o
Nordeste representava a diversidade cultural ao mesmo tempo em que tinha graves
problemas de ordem econômica
94
.
92
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia: estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o
pós-moderno. São Paulo: Edusc, 2001, p. 25.
93
BARBALHO, Alexandre. Cultura e imprensa alternativa. Fortaleza: UECE.
94
Ibidem.
C
72
Naquele momento, a maioria dos intelectuais e dos artistas defendiam com
mais entusiasmo o comunismo e o socialismo, como forma de diminuir a desigualdade
social regional. A defesa dos pobres, dos oprimidos, passou a ser a grande bandeira de
luta desses sujeitos coletivos que acreditavam e pregavam as idéias marxistas. Aliás,
Marx era uma paixão nacional e internacional daqueles que acreditavam que só com a
luta de classes, a ditadura do proletariado e a planificação do Estado poderiam abolir as
desigualdades sociais. Então, quase todos os movimentos sociais que reivindicassem a
quebra da hegemonia da classe burguesa eram “vistos com bons olhos” por esses
militantes, como foi o caso, por exemplo, das Ligas Camponesas, lideradas por
Francisco Julião.
Segundo Barbalho, com o surgimento das Ligas Camponesas, com a tensão no
campo, “o Nordeste vira tema preferencial do discurso dos intelectuais ligados às
esquerdas, em nível nacional”
95
, pois é o espaço conflituoso ideal para uma revolução
socialista, um lugar em que a luta de classes aflorava com mais nitidez.
Tratava-se de um período em que desde o final dos anos 50 a participação
popular tomou fôlego, intensificando-se no início dos anos 60
96
, principalmente depois
da renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, e no governo de
João Goulart, que não tinha o apoio dos Estados Unidos por ser de tendência socialista,
defendendo reformas de base, tais como: reforma agrária, (acesso da terra para todos),
urbana (combate à especulação imobiliária), da empresa (participação dos
trabalhadores nos lucros e nas decisões), partidária e eleitoral (extensão do voto aos
analfabetos e praças, ou seja, cabos, soldados e marinheiros), administrativa
(substituição da improvisação pelo planejamento), fiscal e tributária (extinção dos
privilégios fiscais, eliminação das diversas formas de evasão e sonegação), bancária
(criação do Banco Central), cambial (incremento às exportações e proibição de
importações desnecessárias), educacional (democratização do ensino) e reforma da
consciência. nacional (fortalecimento da mobilização social)
97
.
Novos atores sociais passaram a fazer parte da história do Brasil e das
reivindicações sociais no período 50-60, como, por exemplo, o Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT), sindicato dos trabalhadores, controlado pelos comunistas;
95
BARBALHO, Alexandre. Ibidem.
96
BRUN, Argemiro. Ibidem.
97
Idem, p. 269-72; www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque, capturado em 27/04/05, às 13h15.
73
movimentos rurais como as Ligas Camponesas, no Nordeste, e o Movimento Agrário
dos Trabalhadores Sem Terra (Master), no Sul; segmentos progressivos da Igreja
Católica, que apoiavam às reivindicações do homem do campo e os operários;
movimentos estudantis como a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Juventude
Universitária Católica (JUC) e a União Brasileira de Estudantes Secundários (Ubes).
Além da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que era comandada por
reformistas moderados; a Juventude Operária Católica (JOC); a Juventude Agrária
Católica (JAC); o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), o jornal tablóide
Brasil, Urgente!
98
, a Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, o Movimento Armorial,
de Ariano Suassuna, a Geografia da Fome, de Josué de Castro, entre muitos outros.
Contudo, com o Golpe Militar de 1964 os movimentos sociais ligados ao
campo, ao trabalhador, bem como os intelectuais, os artistas e a imprensa contrários ao
regime foram perseguidos. Muitos políticos foram cassados, inclusive Juscelino
Kubitschek. A UNE foi extinta através da Lei Suplicy. As eleições para governador
passaram a ser indiretas. Instituiu-se a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional,
com pena de morte e prisão perpétua. Mais de 60 municípios foram considerados áreas
de segurança nacional, sendo proibidos de realizar eleições. Foi instituído o Comando
de Caça aos Comunistas (CCC). Foi formulado Ato Institucional Nº. 5 (AI-5), o ato
mais autoritário do governo, impondo a censura aos meios de comunicação de massa,
eliminando garantias individuais, suspendendo o
hábeas corpus, diminuindo a ação do
Poder Judiciário
99
.
3.1. O cenário nacional, regional e internacional dos anos 70
Quando chegou a década de 70 a população brasileira vivenciou o período mais
repressivo da ditadura, sobretudo no Governo Médici, freando a mobilização social,
deixando a mídia divulgar apenas o que era permitido pela junta militar. Chegou –se a
criar o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Em contrapartida, o governo criou alguns
mecanismos para manter a população controlada, contida em suas reivindicações.
98
BRUN, Argemiro .Idem, p. 279-83.
99
www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque, capturado em 27/04/05, às 13h15.
74
Como compensação do silêncio do povo, de não resistir ao regime, “promete-se”
construir o país com uma economia mais sólida, tendo como fundo ideológico a troca
da máxima positivista da bandeira nacional “ordem e progresso” para “segurança e
progresso”
100
. Como chama a atenção Brum.
A segurança era entendida, sobretudo como segurança do próprio
Estado autoritário e como capacidade de defesa ou resposta
adequada e eficaz de frente à “ameaça do comunismo internacional
e seus aliados internos”. Visava também a garantir a “paz social”.
Não, propriamente, pela superação das injustiças e pela correção
dos desequilíbrios sociais e regionais, mas através do controle
coercitivo do meio político e social pelo aparelho do Estado.
Garantida a “paz” interna, o Brasil tornava-se também mais
atraente aos investidores estrangeiros e assegurava condições para
a obtenção de taxas expressivas de acumulação de capital e
crescimento econômico
101
.
Então, com o sentimento de “tocar para frente” a política desenvolvimentista
no país, desde os anos 50, os militares deram continuidade ao crescimento econômico
interno através de empréstimos internacionais dos países capitalistas do Primeiro
Mundo, principalmente dos Estados Unidos, e de liberação de crédito internamente. O
objetivo era promover o Brasil a “Grande Potência”.
O vertiginoso crescimento do PIB nacional, de 11,3%, em 1971; 10,4% em
1972, chegando ao recorde de 11,4% em 1973
102
, foi batizado de “milagre
econômico”, elevando o Brasil ao
ranking da oitava economia do mundo. “Milagre”
esse que, conforme Nadine Habert, se deu sustentado em três pilares:
O aprofundamento da exploração da classe trabalhadora submetida
ao arrocho salarial, às mais duras condições de trabalho e à
repressão política; a ação do Estado garantido a expansão
capitalista e a consolidação do grande capital nacional e
internacional; e a entrada maciça de capitais estrangeiros na forma
de investimentos e empréstimo
103
.
Essa “injeção” de capital externo permitiu ao país ter um crescimento
econômico nunca antes visto na história do Brasil, com o crescimento do PIB, no
governo Médici (69-74), cujo “milagre” chegou ao fim no governo do general Ernesto
100
BRUN, Argemiro.Idem, p. 302.
101
Ibidem.
102
HABERT, Nadine. Idem, p. 13.
103
BRUN, Argemiro. Idem, p. 13-4.
75
Geisel (74-79), quando a dívida externa chegou a U$S 9,5 bilhões, a inflação a mais de
34% e os salários ficaram corroídos
104
.
Com o discurso do “milagre econômico” se procurava fazer a população
amordaçada, como se tudo estivesse bem e não se tivesse do que se reclamar. Mas, a
realidade não era bem assim, o bolo econômico cresceu, mas não foi dividido, só
alguns “comeram desse bolo”, que foi obtido “à custa da pauperização e do silêncio
forçado de imenso contingente de trabalhadores assalariados”,
105
diz Nadine Habert.
A indústria da construção civil, de automóveis, de eletro-eletrônicos, enfim de
bens duráveis, foi a grande responsável internamente pelo chamado “milagre”,
acompanhada pela ampliação de crédito ao consumidor, a juros baixos, bem como pelo
incremento da mecanização do campo e subsídios agrícolas beneficiados com a
política do governo que utilizava como slogan “exportar é a solução”
106
.
Foi um período em que a mulher ampliou seu espaço no mercado de trabalho,
ainda que, muitas vezes, com salários inferiores ao do homem, e no sistema
educacional.
Foram criados vários programas de assistência de integração social e regional.
Entretanto, esse crescimento foi pontual, focalizado e acabou beneficiando mais as
elites econômicas, as oligarquias e as regiões mais desenvolvidas do país.
Nos anos 70 os militares instituíram o I, II e III Planos Nacional de
Desenvolvimento (I PND, II PND e III PND). O I PND foi criado entre 1972 e 1974,
tendo a política social voltada para a integração social, através da parceira entre o
governo e o setor privado, através do Programa de Integração Social (PIS), Programa
de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), Fundo de Assistência ao
Trabalhador Rural (Funrural), Programa de Colonização na Região Transamazônica,
Programa de Integração Nacional (PIN), Projeto Rondon, Programa Nacional de
Centros Sociais Urbanos (CSUs)
107
.
Com o PIN, foi criado o projeto de colonização , sob a responsabilidade do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que visava distribuir
terra para os colonos em lugares distantes, como a Amazônia, Rondônia, Mato Grosso,
104
. BRUN, Argemiro. Ibidem.
105
HABERT, Nadine. Idem, p 15.
106
Idem, p. 16.
107
SILVA, M. Ozanira. O Serviço Social e o popular: resgate teórico-metodológico do projeto
profissional de ruptura.São Paulo: Cortez, 1995, p. 32-3.
76
Goiás. O resultado desse processo não foi positivo. A devastação ecológica, a violência
contra a população local levou a vários conflitos, violência e morte
108
. Várias reservas
indígenas foram invadidas. Além disso, “os colonos da Transamazônica e os posseiros
do Brasil Central foram expulsos de suas terras e transformados em ‘peões’ em regime
de quase escravidão nas grandes fazendas, madeireiras, mineradoras”
109
.
Com o II PND (1975-1979) a política social se voltou “para
beneficiar
especialmente as populações que se situam no nível de ‘pobreza absoluta’,
preconizando a redistribuição de renda”, conforme Ozanira Silva
110
. Já o III PND
(1979-1985) era um plano de intenções que visava a melhoria da distribuição de renda,
o desenvolvimento da agropecuária, o controle do endividamento externo, o equilíbrio
da balança de pagamentos, a redução das disparidades regionais, desenvolvimento do
setor energético, controle da inflação, aperfeiçoamento das instituições políticas e o
acelerado crescimento da economia
111
.
Essa política de repressão, de integração social e regional, de tentativa de
controlar a inflação e o déficit público tinha o aval dos Estados Unidos. Afinal, estava-
se em plena Guerra Fria e o Brasil era um país estratégico para a manutenção das
idéias capitalistas no continente sul-americano.
Desse modo, os programas sociais instituídos juntamente com a Sudene vão
tentar colocar o Nordeste dentro da rota do desenvolvimento, da industrialização e da
integração regional, pois os militares tinham a região como um local estratégico para a
manutenção do poder, posto que era onde havia os maiores bolsões de pobreza no país,
com problemas habitacionais, de saneamento básico, emprego, alimentação, lazer,
altas taxas de natalidade e mortalidade infantil e baixa escolaridade da população que
registrava, em 1970, uma taxa de 53,8% de analfabetismo entre a população nordestina
com 15 anos ou mais de idade, conforme o IBGE
112
.
Politicamente, o povo brasileiro não votava em Presidente da República, nem
para governador, senador e prefeitos das capitais, esses eram nomeados pela junta
militar. Só havia eleições para cargos parlamentares e prefeitos do interior, tendo o
cidadão que escolher entre os partidos Arena e MDB, numa época em que a oposição
108
HABERT, Nadine.Idem, p. 22.
109
Ibidem.
110
SILVA, M. Ozanira. Idem, p. 37.
111
BRUN, Argemiro. Idem, p. 384-5.
112
www.ibge.gov.br, capturado em 27/01/06, às 14h30.
77
tinha que ser comedida, acanhada; era obrigatória a fidelidade partidária; os
parlamentares deveriam votar conforme o líder do partido e os projetos do governo
eram automaticamente aprovados, caso não fosse aprovado em tempo hábil, baseando-
se na estratégia de decurso de prazo
113
.
A censura aos meios de comunicação de massa possibilitou à junta militar a
governar o país com “mão de ferro”, sem uma oposição incisiva e praticamente sem
denúncias. Os censores estavam em todos os locais, nas redações, nas emissoras de
rádio e TV. Havia espiões nas universidades, nas escolas, no trabalho. Enfim, o povo
estava vigiado. Comunista sofria, era perseguido e às vezes, morria. A ala progressista
da Igreja Católica era perseguida. Era uma situação de terror, de medo, de “liberdade
assistida”.
No governo Geisel “o milagre econômico” chegou ao fim. O Congresso
Nacional foi fechado por dez dias. Foi um período de “caça às bruxas”, com prisões e
tortura e morte aos opositores do regime. Apesar da opressão, os movimentos sociais
ressurgem e começam a voltar às ruas. Iniciou a abertura política lenta e gradual, e a
luta pela anistia conseguiu apoio da Igreja, da Associação Brasileira de Imprensa
(ABI) e da OAB
114
.
Em 1979, tomou posse o último ditador militar brasileiro, o general João
Figueiredo. No seu governo foi aprovada a Lei de Anistia, pelo Congresso Nacional.
Começa a volta dos exilados políticos ao país. O bipartidarismo é extinto
115
. O número
de greves aumenta e surgem novas lideranças políticas, como, por exemplo, Luís
Inácio Lula da Silva.
No mesmo ano, segundo Celso Furtado, mais de 90% da população urbana
nordestina tinha problemas de carência alimentar
116
. Com o discurso da miséria e da
pobreza alguns setores da elite econômica e política do Nordeste se beneficiavam
dessa realidade, como forma de “justificativa para manter o mecanismo de incentivos
fiscais e financeiros, inclusive e especialmente, para a agropecuária, um dos
instrumentos mais poderosos do ‘financiamento’ da modernização e do aumento do
113
BRUN, Argemiro. Idem, p. 26.
114
HABERT, Nadine.Idem, p 27-32.
115
Idem, p. 86.
116
FURTADO, Celso e outros. Nordeste: o tempo perdido. Recife: Editora ASA Pernambuco, 198, p.
19.
78
patrimônio privado das novas gerações de ‘herdeiros’ da oligarquia nordestina”, como
lembra a economista Tânia Bacelar
117
.
Todavia, vale ressaltar que mesmo se tendo um discurso de pobreza da região,
desde a década de 1970 até 1990, o PIB vem crescendo muito mais do que a média
nacional. Para se ter uma idéia na década de 60, o PIB do Nordeste cresceu 3,5%,
contra 6,1% do Brasil. Com o funcionamento pleno da Sudene, nos anos 70, no
período conhecido como milagre econômico, o PIB do Nordeste cresceu 8,7% contra
8% do País. E, na chamada “década perdida”, de 1980 a 1990, quando o Brasil
desacelerou sua economia, o PIB do Nordeste teve crescimento de 3,3% , enquanto o
País cresceu apenas 1,6%
118
.
E qual era o cenário internacional na década de 70 que o Nordeste brasileiro
estava inserido e que sofreu fortes influências? Naquela época, a política neoliberal
119
e a reestruturação produtiva estavam a passos lentos, o mundo passava por uma forte
crise do petróleo. Os países subdesenvolvidos e socialistas aumentaram seu
endividamento, aumentando as desigualdades entres os blocos de países
120
, havendo
uma maior dependência
121
dos países periféricos dos países centrais.
Dava-se início a uma forte crise do capital marcada pela super-acumulação do
capital dinheiro nas mãos de um minoria (lucro especulativo, redução do tempo de giro
do capital) e pela superprodução (excesso de mercadoria e estoque, capacidade
produtiva ociosa, gerando um elevado nível de desemprego)
122
. De acordo com
Kellner,
117
Revista Teoria e Debate nº19 -nacional - Fundação Perseu Abramo.htm, capturado em 26/12/05.
118
www.famílias tradicionais do Nordeste consolidaram poder com verba da Sudam e Sudene.htm,
capturado em 26/12/05.
119
O primeiro país a adotar o neoliberalismo foi o Chile. A Inglaterra foi o primeiro país do capitalismo
avançado a por em prática a política neoliberal. Nos anos 80, foi a vez dos Estados Unidos, Alemanha,
Dinamarca e quase todos os países europeus a aderir o receituário neoliberal que consiste na economia
de mercado, baixa inflação, privatização das empresas estatais, menor participação do Estado na
economia e nas políticas públicas entre outros critérios. (MOREIRA, Igor. O espaço geográfico:
geografia geral e do Brasil. 41ª ed. São Paulo: Ática, 1998, p.38-49).
120
COELHO, Marcos & TERRA, Lygia. Geografia geral,o Paulo: 2001, p. 207.
121
Segundo Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, “a dependência da situação de
subdesenvolvimento implica socialmente uma forma de dominação que se manifesta por uma série de
características no modo de atuação e na orientação dos grupos que no sistema econômico aparecem
como produtores ou como consumidores. Essa situação supõe nos casos extremos que as decisões que
afetam a produção ou o consumo de um economia dada são tomadas em função da dinâmica e dos
interesses das economias desenvolvidas”. (CARDOSO, Fernando & FALLETO, Enzo. Dependência e
desenvolvimento na América Latina. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1970. p. 26).
122
ALVES, Giovanni. Nova ofensiva do capital, crise do sindicalismo e as perspectivas do trabalho. In:
TEIXEIRA, Francisco. Neoliberalismo e reestruturação produtiva. São Paulo: Cortez, 1996, p. 114-6.
79
Durante os anos 70, a recessão econômica mundial fez estourar a
bolha de prosperidade do pós-guerra, e o discurso sobre uma
“sociedade da pós-escassez” foi substituído por outros, que falavam
de diminuição das expectativas, redução do crescimento e
necessidade de reorganização da economia e do Estado. Tal
reorganização ocorreu na maior parte do mundo capitalista durante
os anos 1980, na vigência de governos conservadores que fizeram
cortes nos programas de bem-estar social ao mesmo tempo em que
expandiram o setor militar e aumentaram o déficit das contas
públicas, com dívidas maciças que ainda não foram pagas.
123
A economia mundial era bipolar e não se tinha ainda em escala mundial a
chamada globalização da economia e da comunicação, mas ainda uma
internacionalização das empresas Então, o local e o tradicional tinham muita
importância para a formação das identidades regionais. Além do mais, no Brasil, a
economia era um tanto fechada para os mercados internacionais, as barreiras
alfandegárias eram gritantes e a tecnologia no setor de comunicação era precário, o que
dificultava um maior contato da população com o que estava se fazendo em outros
países, com exceção dos Estados Unidos.
Contudo, mesmo o mundo não passando, ainda, por intenso processo de
globalização como ocorreu a partir dos finais dos anos 80, o que acontecia com os
países ou entre países já interferia bastante na geografia e na economia mundial.
Assim, a Guerra Fria, a crise do petróleo, a recessão mundial, as mudanças que
começam a ser iniciadas no mundo do trabalho e da produção afetaram
substancialmente a economia nordestina, o discurso político hegemônico e até mesmo
indiretamente as relações sociais da população, uma vez que o Brasil, sendo um país
de economia periférica, dependente dos Países do Primeiro Mundo, centrais, seguia a
cartilha do capitalismo imposto por esses países, havendo internamente uma verdadeira
“caça às bruxas” aos simpatizantes do socialismo e do comunismo. Aliás, quantas
pessoas, inclusive nordestinos, foram perseguidas, torturadas, exiladas ou mesmo
morreram porque defendiam idéias marxistas, leninistas, stalinistas durante a ditadura
militar? E o desemprego e o aumento da inflação que aprofundaram o abismo social
entre nordestinos não apenas por causas endógenas, mas também exógenas?
Desse modo, o Nordeste nos anos 70 tinha um quadro social menos favorável
economicamente em relação às demais regiões brasileiras, vivia numa dependência
econômica e política do governo ditatorial, tinha seca, enchentes e sofria as
123
KELLNER, Douglas. Idem, p. 25.
80
conseqüências externas de uma economia mundial em crise, de uma política
internacional conflituosa, que dividia o mundo entre socialistas e capitalistas.
Como as demais regiões, a migração da população do campo para a cidade se
intensificou ano a ano. A população ia para as cidades em busca de trabalho e de
melhores condições de vida. Mas, nem todos conseguiam um lugar no mercado de
trabalho, e acabavam ficando na informalidade e morando em mocambos. Outros
nordestinos migraram para terras longínquas, como colonos, movidos pelas promessas
do projeto de colonização do Incra.
Outro aspecto que marcava o Nordeste era a forte concentração de renda,
sobretudo no campo, marcada por uma estrutura fundiária herdeira desde a
colonização, as capitanias hereditárias e a distribuição de sesmarias, em que poucos
concentram quase toda a terra. E muitos não tinham o que plantar, onde plantar e onde
morar. A pecuária, também, era extensiva, com o gado criado solto. A agricultura era
pouca mecanizada, sendo comum a presença de crianças e mulheres trabalhando na
lavoura. Para Celso Furtado,
A estrutura agrária é a causa principal da extremada concentração
de renda no conjunto da economia. Não tanto porque a renda seja
mais concentrada no setor agrícola do que no resto das atividades
produtivas, mais pelo fato de que, não havendo no campo nenhuma
possibilidade de melhoria nas condições de vida para a massa
trabalhadora, a população rural tende a deslocar-se para zonas
urbanas, congestionando nestas a oferta de mão-de-obra não
especializada
124
.
Por outro lado, em alguns setores o Nordeste foi beneficiado, com o “milagre
econômico”, a partir da transferência de recursos para a região, com investimentos em
infra-estrutura, tais como construção de estradas, viadutos, escolas, apoio à indústria,
subsídios agrícolas, produção de energia, aumento de oferta de emprego, alternativas
ao petróleo ancoradas pela ação da Sudene, Dnocs, Codevasf, Banco do Nordeste e
Finor.
Esse Nordeste que quer crescer, se desenvolver, ficar independente, vai emergir
na mídia, como será visto no próximo capítulo. No entanto, com o “fim do milagre
econômico”, as feridas sociais também ficarão mais abertas e à mostra, os
124
FURTADO, Celso e outros. Idem.
81
governadores e políticos começarão a reivindicar maior investimento para a região. O
povo, também, voltou às ruas para lutar por seus direitos.
Assim, durante toda a década de 70 o jogo de poder e as relações econômicas
em nível federal influenciaram no desenvolvimento e nas imagens e estereótipos da
região nordestina. Da mesma forma, que o cenário nacional e internacional vão
influenciar no Nordeste dos anos 80, como poderá ser visto no próximo item.
3.2. O contexto internacional e nacional dos anos 80 influenciando no Nordeste
O endividamento externo e interno, o crescimento da inflação, o arrocho
salarial, a concentração de renda, a exclusão social, a diminuição do apoio dos Estados
Unidos ao governo repressivo, os reflexos da crise mundial do petróleo nos países
subdesenvolvidos e endividados vão acelerar a derrocada da ditadura militar nos finais
dos anos 70 no Brasil. Junte-se a isso a insatisfação do povo, o crescimento das
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), o apoio da ala Progressista da Igreja Católica,
através dos adeptos da Teologia da Libertação, a inquietação da mídia e da OAB, a
inquietação dos movimentos sociais, as greves que começavam a aparecer.
O general João Figueiredo continuou com o processo de abertura política, com
a missão de completar o Projeto Brasil Potência, instituiu o III PND; aprovou a Lei
Orgânica dos Partidos Políticos, em que possibilitava eleição direta para governador,
senador e prefeito, bem como extinguia os dois partidos existentes, Arena e o MDB; e
concluiu o ciclo dos militares no governo
125
.
Nesse período novos sujeitos sociais emergem no cenário nacional, convivendo
com antigos políticos, intelectuais e religiosos que se destacaram na década anterior.
Surge Luís Inácio Lula da Silva, sindicalista pernambucano do ABCD paulista que
fundou o Partido dos Trabalhadores (PT); toma vulto nacional o governador mineiro,
Tancredo Neves, como candidato a Presidência da República, e fundador do Partido
Popular (PP) juntamente com o banqueiro e político Magalhães Pinto; os políticos que
estavam no exílio como o ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, e Leonel
Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul e fundador do Partido Democrático
Trabalhista (PDT); José Sarney que se transformou no primeiro Presidente civil da
República depois do ciclo militar, através de eleição indireta; os teóricos e admiradores
125
BRUN. Argemiro, Idem, p. 382.
82
da Teologia da Libertação, como, por exemplo, Dom Hélder Câmara e Frei Leonardo
Boff; a Central Única dos Trabalhadores (CUT), próxima ao PT e a Central Geral dos
Trabalhadores (CGT); Fernando Collor de Mello, idealizado pela mídia. como o
“caçador de marajás”, tornou-se o primeiro presidente brasileiro eleito pelo povo,
depois de 21 anos de ditadura, em 17 de dezembro de 1989; vários partidos políticos,
tais como PMDB, PRN, PDS, ex-Arena, Partido Trabalhista Brasileiro PTB, com Ivete
Vargas na sua presidência, e tantos outros que ficaram no anonimato, mas que fizeram
a história deste país
126
.
No último governo militar o povo, a mídia, os órgãos de classe, os estudantes,
os políticos da oposição começaram a se mobilizar contra ao regime de forma mais
incisiva, pois a inflação estava alta, os salários baixos, o desemprego crescente. Foi
uma fase aguda de insatisfação popular, em que houve muitas greves dos
trabalhadores, os movimentos sociais passaram a ir mais às ruas reivindicar direitos.
A transição democrática não se deu totalmente de forma pacífica, seqüestros,
bombas, atentados e mortes eram freqüentes, como, por exemplo, o seqüestro ao jurista
Delmo Dallari, bombas em bancas de revistas que vendiam publicações alternativas,
no Rio centro
127
.e em diversos locais.
Em 1982, aconteceram as eleições diretas para governador de estado. O povo
ocupou as ruas, com bandeiras, broches, camisas, chapéus de seus candidatos. Foi uma
festa da democracia há muito tempo não vista.
A mobilização social tomou fôlego e em 1983 começou a campanha das
Diretas Já, promovida por Ulysses Guimarães e Teotônio Vilela. Em 1984, o Brasil
viveu um de seus momentos de maior manifestação popular. Multidões iam aos
comícios nas capitais e principais cidades do país, reivindicar eleições para Presidente
da República e o fim da ditadura militar. Em São Paulo, o Vale do Anhangabaú chegou
a abrigar mais de 1,7 milhão de pessoas querendo votar em presidente
128
.
Em 25 de abril foi votada a Emenda Dante de Oliveira, que estabelecia eleições
diretas para Presidente do Brasil. No entanto, a emenda constitucional foi rejeitada,
pois não conseguiu obter os 2/3 de votos do Congresso Nacional, conforme previa a
126
www.1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/brasil, capturado em 27/04/05, às 13h17.
127
RODRIGUES, Marly. A década de 80: Brasil quando a multidão voltou às praças. São Paulo:
Ática, 1992, p. 14-5.
128
RODRIGUES, Marly. Idem, p. 18-9.
83
Constituição Federal
129
. Muitos cidadãos e políticos choraram. O povo havia perdido
naquele momento o direito de decidir o caminho político do país. Mas, a luta
continuava. Era preciso criar estratégias, fazer alianças para vencer o autoritarismo.
Foi assim que Tancredo Neves fez, procurou se aliar a vários políticos,
prometeu ao povo fazer uma Nova República, plano de governo idealizado por Ulysses
Guimarães, que sugeria eleições diretas para capitais e áreas de Segurança Nacional,
negociação da dívida externa, redução das prestações do Banco Nacional de Habitação
e congelamento da cesta básica entre outras medidas
130
.
Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves foi eleito Presidente do Brasil, pelo
voto indireto, através do Colégio Eleitoral, composto pelo Congresso Nacional e
delegados da Assembléia Legislativa, vencendo seu opositor, Paulo Maluf, candidato
da situação, por 480 votos contra a 180 votos
131
.Sua vitória representava, naquela
época, uma nova esperança para o povo, já que ele havia prometido iniciar um novo
ciclo político e econômico no país, instalando uma Nova República.
No entanto, horas antes de receber a faixa presidencial, em 15 de março de
1985, Tancredo Neves passou mal, teve que ser hospitalizado e ser submetido a uma
cirurgia, no Hospital de Base de Brasília, sendo transferido posteriormente para o
Instituto do Coração. Em seu lugar assumiu o vice-presidente da República José
Sarney
132
.
Mas, o que era para ser uma posse interina acabou sendo permanente, pois
depois de sete cirurgias, Tancredo faleceu oficialmente, no dia 21 de abril, causando
uma comoção social imensa no país, que foi também acentuada pela mídia que muitas
vezes o mostrava como “o salvador da pátria”, “o pai de uma Nova era, de uma Nova
República”. E, assim, o povo se sentia só, frustrado, órfão. Tinha acabado de sair de
uma ditadura militar de 21 anos, e seu primeiro presidente civil, eleito por um Colégio
Eleitoral, que prometeu mudanças profundas no país, não chegou a governar. Isso
mexeu muito com a auto-estima do povo. Era preciso recomeçar, acreditar que José
Sarney, que passou quase todos os anos ao lado do governo ditatorial, sendo partidário
da ex-Arena, viesse fazer as mudanças propostas no plano de governo da Nova
República.
129
RODRIGUES, Marly Ibidem.
130
Idem, p. 22-3.
131
Idem, p. 23.
132
Idem, p. 23-4.
84
Só em junho de 1985, Sarney passou, realmente a governar o país, recebendo a
faixa presidencial, os símbolos da República e a Ordem do Mérito Nacional. A partir
daí, Sarney pôde tomar algumas medidas que havia assumido como plano de governo.
Encaminhou a proposta de uma Assembléia Nacional Constituinte
133
para se elaborar
uma constituição democrática, porque a que vigorava tinha sido feita pelos ditadores,
era repressiva, tirava direitos fundamentais do povo. Em 1988, o Brasil passou a ter
uma nova Constituição Federal, mais livre e mais cidadã.
Se nos anos 80 o Brasil conseguiu fazer sua transição democrática, acabando
com a ditadura militar, votando uma Assembléia Constituinte, promulgando uma
Constituição Federal cidadã, eliminando legalmente a censura aos meios de
comunicação de massa, fazendo eleições diretas, permitindo ao povo ir às ruas
reivindicar direitos. Por outro lado, economicamente, foi uma década extremamente
difícil para o país, com recessão, desemprego, greves, decretação da moratória da
dívida externa, choques heterodoxos que não deram certo, como o Plano Cruzado
(congelamento de preços, baixas taxas de juros, rigidez cambial), Plano Bresser
(anúncio da moratória brasileira, controle de preços) e Plano Verão (medidas de caráter
emergencial para controlar a inflação)
134
, instituídos no Governo Sarney.
O Plano Cruzado, elaborado pela equipe econômica do ministro da Fazenda
Dílson Funaro, apareceu, inicialmente, como um milagre para o povo e contou com a
iniciativa popular e com a mídia. A população passava a ser fiscal de Sarney contra ao
aumento dos preços das mercadorias. Era proibido aumentar os preços. Os juros
ficaram baixos e o povo pôde ir às compras. No entanto, começou a vir o
desabastecimento, a faltar produtos nas prateleiras. E aí, o que parecia ser um sonho
tornou-se num pesadelo. O governo teve que recorrer a outras medidas de emergência
que, também, acabaram não dando certo, acentuando a crise econômica, o desemprego,
a insatisfação popular.
Nos finais dos anos 80, o povo, os políticos, os órgãos de classe e a mídia se
preparavam para a primeira eleição direta para Presidente da República, depois de 21
anos de ditadura militar. O povo voltava às ruas, cheio de esperanças. O sindicalista
Lula, do PT; o comunista Roberto Freire, PCB; o populista Leonel Brizola, PDT; o
direitista da União Democrática Ruralista (UDR), Ronaldo Caiado; o conservador
133
RODRIGUES, Marly Idem, p. 24.
134
BRUN, Argemiro. Ibidem.
85
Domingos Afif, do Partido Liberal (PL); o peemedebista histórico Ulysses Guimarães;
peessedebista Mário Covas; o antigo aliado da ditadura militar, Paulo Maluf; o
governador de Alagoas, do PRN, Fernando Collor foram alguns dos mais de 20
candidatos a Presidente da República no primeiro turno
135
.
Desses, disputaram o segundo turno das eleições presidenciais de 1989, Luís
Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello. Esse último teve sua imagem
veiculada na Rede Globo, no programa Globo Repórter, como o “caçador de marajás”,
pois foi mostrado como um governador que era contra corruptos, funcionários públicos
ineficientes e aos altos salários do setor público.
O Brasil “ficou vermelho”, com o PT de Lula, e “amarelo”, com Collor. O
povo estava nas ruas, nos comícios, nas rodas de amigos, discutindo política, decidindo
seu futuro. Esquerda e direita se dividiam. A mídia tomava posição em favor dos seus
candidatos, de acordo com seus interesses políticos e econômicos. Acabou vencendo,
depois de 29 anos, sem um presidente brasileiro eleito pelo povo, Fernando Collor de
Mello, que nos anos 90 sofreu processo de
impeachment, sendo também o primeiro
presidente brasileiro a se tornar inelegível, por ter sido impedido legalmente de
governar o país, por ter cometido atos de responsabilidade.
Internacionalmente, a década de 80 sofreu alterações bruscas no mundo do
trabalho, com a reestruturação produtiva e a desestruturação do trabalho caracterizada
pela revolução tecnológica, a robótica, a microeletrônica, a flexibilização do
trabalho
136
, novos padrões de gestão da força de trabalho
137
, substituição do modelo de
produção fordista
138
pelo toyotismo
139
, crise no sindicalismo com a perda do poder de
barganha do trabalhador.
O mundo passou por uma forte recessão econômica, com altas taxas de juros
praticadas pelos países centrais, com crise no capital e no sistema produtivo, ao mesmo
135
RODRIGUES, Marly. Idem, p. 31-2.
136
Substituição do cronômetro e da produção em série e de massa por novos padrões de produção
adequados à lógica do mercado. (ANTUNES, Ricardo.Adeus ao trabalho. 5ª ed. Petrópolis: Vozes,
1998, p. 16).
137
Destacando-se os Círculos de Controle de Qualidade –CCQs, a busca pela “qualidade total” de
“gestão participativa”. Ibidem.
138
Verticalização na produção, uso de estoque, gestão rígida.
139
De acordo com Ricardo Antunes, “o toyotismo estrutura-se a partir de um número mínimo de
trabalhadores, ampliando-os, através de horas extras, trabalhadores temporários ou subcontratação
dependendo das condições de mercado”, acrescentando que o trabalhador opera várias máquinas, a
empresa aumenta a produção sem aumentar o número de trabalhadores, modelo de gestão de
supermercado. Ibidem
86
tempo em que deu impulso ao desenvolvimento dos Tigres Asiáticos (Coréia do Sul,
Taiwan, Hong Cong e Cingapura). Tudo isso levou, também a uma crise de
paradigmas. Foi uma época em que o socialismo real pôs-se a desmoronar no Leste
Europeu, começando com a União Soviética, durante o governo de Mickail
Gorbatchev, em 1985, quando inaugurou a
Perestroika
140
e a glasnost
141
. Houve o
acidente nuclear, em Chernobyl, Ucrânia, se espalhando por vários países da Europa.
Viu-se, também, a queda do muro de Berlim em 1989 e o fim da Guerra Fria, uma vez
que os Estados Unidos e a União Soviética se reaproximam, superando
divergências
142
. Com isso, a globalização
143
da economia e o neoliberalismo se
intensificaram em escala mundial no final do decênio, trazendo mudanças de hábitos
de consumo, aumentando o abismo social entre pobre e ricos, exigindo-se muito mais
do trabalhador no mercado de trabalho, diminuindo as políticas públicas e o tamanho
do Estado burocrático. E, consolidado o modelo capitalista dependente, os países da
América Latina que viviam sob regime de ditadura já não precisavam mais contar com
esse tipo de regime antidemocrático
144
para consolidar e ampliar o ethos do
capitalismo.
E, o que aconteceu com o Nordeste diante desse cenário político e econômico
nacional e internacional? Passou por um forte processo recessivo, inflacionário,
recebendo pouco investimento por parte do governo e do empresariado; teve suas taxas
de desemprego e de concentração de renda aumentadas; precisou se adaptar aos novos
desafios do mundo do trabalho e da produção; sua população urbana aumentou;
vivenciou várias greves dos trabalhadores e presenciou o fechamento de várias
empresas.
Foi uma década muito difícil economicamente para os nordestinos. Em
contrapartida, politicamente, o povo “saiu das amarras da repressão” da ditadura
militar, podendo votar, ter a liberdade de manifestar seu pensamento, interesses e
140
Referentes a mudanças no sistema econômico, substituindo a economia planificada pela de mercado.
141
Mudanças no âmbito político, democratização das relações entre Estado, sindicato e povo.
142
IANNI, Octavio. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999, p. 11-21.
143
A globalização da economia a partir dos anos 80 tem as seguintes características: a produção deixa de
ser local para ser mundial; decomposição do processo produtivo em escala mundial; a divisão
internacional do trabalho fica subvertido; internacionalização do capital; redução dos custos de
produção, com aprimoramento tecnológico, mão de obra e matérias primas baratas; maior
competitividade etc (MOREIRA, Igor. Idem, p. 58).
144
RODRIGUES, Marly. Idem, p. 8.
87
reivindicações. A violência no campo e nos centros urbanos aumentou e ficou mais
nítida na mídia.
Muitos políticos nordestinos passaram a ter mais projeção nacional, como, por
exemplo, Miguel Arraes, José Sarney, Fernando Collor, Marco Maciel, Antônio Carlos
Magalhães, entre muitos outros. Em nível religioso, Dom Hélder Câmara se tornou o
arcebispo nordestino de maior expressão, fazendo parte da ala progressista da Igreja
Católica.
Com a política econômica no país, marcada por planos heterodoxos, e a
extinção do Ministério do Interior, a Sudene teve seu papel enfraquecido diante dos
recursos destinados à região. A bandeira do desenvolvimento, da industrialização, da
modernização teria que se adaptar à realidade de um país que não se tornou potência,
como pregava os militares, mas que estava endividado, “quebrado”, tendo que repensar
seu futuro e continuar seu presente, com conflitos, contradições e novos desafios.
Por outra parte, com a intensificação do processo de globalização, o Nordeste
passa a fazer parte da rota turística internacional. As belas praias, a complexidade de
sua cultura, o acolhimento do povo, o Sol o ano inteiro vão ser propagados como as
mercadorias da indústria do turismo nordestino, tendo a rede hoteleira que se adaptar a
novas exigências e desafios.
Então, nos anos 80 não era apenas o Nordeste que estava em crise,
praticamente o mundo todo estava em crise, seja econômica, política ou ideológica. Foi
um período de crise econômica sem precedentes, mudando valores, crenças e atitudes,
buscando novos caminhos e direções. Até mesmo a crise no socialismo real interferiu
na vida de muitos nordestinos, sobretudo de intelectuais e de religiosos que viam no
marxismo a grande mudança para a “virada social”, deixando-os órfãos de ideologia.
Portanto, o Nordeste continuava pobre, desigual, concentrador, com graves
problemas sociais, mas emergia como uma região com um povo resistente, que busca
saída para seus problemas, que não se acomoda. Igualmente, era reproduzido em nível
regional o que acontecia em escala nacional e internacional. Desse modo, o Nordeste
não é apenas um local, um fragmento social, uma forma de olhar, uma construção de
um conjunto de pessoas, mas é fruto, também, dos processos históricos, econômicos e
políticos que atravessam o tempo e o espaço. Segundo Celso Furtado,
88
Os nordestinos só deixarão de ser vistos com complacência, como
dependentes incômodos ou como reserva de caça para aventureiros
políticos, na medida em que o Nordeste constitua uma vontade
política própria e amadureça a consciência de seus problemas.
Então será recuperado o papel que já lhe coube nos destinos
nacionais. Não será por falta de fé n futuro deste país que os
nordestinos deixarão de cumprir a missão que lhes corresponde na
obra histórica de reconstrução que temos pela frente
145
.
A economista Tânia Bacelar faz críticas ao discurso hegemônico do Nordeste
como uma região problema, ávido de verbas públicas. Acredita que essas é uma das
estratégias de manutenção das elites econômica e política regional, como pode ser
observado a seguir:
Nordeste, região-problema. Nordeste da seca e da miséria, dos
homens-gabirus; Nordeste de uma economia incapaz de gerar
empregos para sua população e, por isso, histórico fornecedor de
mão-de-obra para outras regiões do país. Nordeste, berço das
"hostes errantes", dos emigrantes que "incham" as cidades do Sul e
Sudeste ou "vagam" pelas fronteiras da expansão agrícola ou dos
garimpos do Centro-Oeste e do Norte.
Nordeste sempre ávido de verbas públicas, verdadeiro "poço sem
fundo", onde as velhas e conhecidas políticas sociais
compensatórias, de caráter essencialmente assistencialista, são
sempre reclamadas pelas elites regionais em nome da massa de
miseráveis, que aumenta a cada dia.
É assim que a região é vista pela maioria dos brasileiros e até por
estrangeiros. Essa é a caricatura moldada pelo discurso hegemônico
dos que têm voz, dos que têm poder para falar pelos nordestinos.
Discurso construído e divulgado pelas elites locais. Discurso que
funciona eficazmente para emocionar mecanismos econômicos e
políticos que servem a essas elites: para mantê-las e reproduzi-las.
Porque a reprodução econômica e política da grande parte da elite
local depende da exploração e da manutenção da miséria da maioria
dos nordestinos.
146
145
FURTADO, Celso. Idem, p. 35.
146
BACELAR, Tânia. Revista Teoria e Debate nº19.
89
Capítulo IV
Campo jornalístico nos anos 70 e 80 no
Brasil
m lugar existe para as pessoas que moram nele ou para aqueles que têm
conhecimento, de alguma forma, que ele existe. A mídia tem ajudado a
globalizar o mundo. Assim, quando determinado veículo de comunicação noticia,
informa, sobre determinado lugar, seja ele país, região, estado, município, bairro, ilha,
montanha, continente, está propagando idéias, estereótipos, imagens, representações
sobre esse lugar e seu povo.
Às vezes, essas imagens veiculadas pelos
mass media são positivas, servem de
marketing, de publicidade, como é o caso dos locais turísticos (com belas paisagens e
diversidade cultural), dos parques industriais, dos grandes centros de compras, de
ciência e tecnologia entre outros. Por outro lado, a divulgação, por exemplo, de dados
sobre violência, terrorismo, guerra, narcotráfico, pobreza, endemias, abuso de poder,
falta de estrutura social, delinqüência infanto-juvenil, prostituição, fome ajudam a
construir uma imagem negativa sobre determinado lugar ou povo perante a opinião
pública
147
.
Com isso, os meios de comunicação vão formando opinião que aproximam ou
afastam culturalmente e socialmente pessoas de lugares diferentes, pois as
representações sociais que divulgam são um sistema de interpretação “que se enraíza
nas formas de comunicação social permitindo aos indivíduos interiorizar as
experiências, as práticas sociais e os modelos de condutas, o indivíduo consegue
através dessas representações sociais construir e se apropriar de objetos
socializados”
148
.
147
Para Sarah Da Viá, a opinião pública consiste em manifestações de atitudes coletivas, implica na
existência de outras opiniões distintas delas, refere-se ao grau de informação que as pessoas têm sobre o
assunto a opinar, trata-se, do resultado de uma elaboração, sendo a vontade popular o resultado de uma
soma (DA VIÁ, Sarah. Opinião pública: técnica de formação e problemas de controle. São Paulo:
Loyola, 1983, p. 8-9).
148
PERRUSI, Artur. Imagens da loucura: representação social da doença mental na psiquiatria. o
Paulo: Cortez; Recife: Editora da Universidade Federal de Pernambuco, 1995. p. 61.
U
90
O Nordeste, veiculado no jornalismo brasileiro no contexto dos anos 70 e 80,
estava inserido num contexto histórico, político, econômico e social nacional e
internacional que influenciava no cotidiano de seu povo, nos níveis de emprego, de
participação e organização política, como foi visto no capítulo anterior. Some-se a isso
seus problemas endógenos, tais como os agravantes climáticos, a pobreza, a
desigualdade social e o machismo. E, acrescente seu lado pitoresco, como a
gastronomia, as praias e sua diversidade cultural.Tudo isso vai fazer do espaço
geopolítico chamado Nordeste brasileiro servir de notícia, matéria-prima para a mídia.
4.1. Meios de comunicação transmitem imagens
John Thompson define a comunicação de massa “como um tipo distinto de
atividade social que envolve a produção, a transmissão e a recepção de formas
simbólicas e implica a utilização de recursos de vários tipos”
149
, tendo como
características: a mercantilização das formas simbólicas, no sentido de que os objetos
produzidos pela mídia passam por um processo de valorização econômica; envolve
certos meios técnicos e institucionais de produção e difusão; estabelece uma
dissociação estrutural entre a produção das formas simbólicas e sua recepção; extensão
da disponibilidade das formas simbólicas no tempo e no espaço; circulação pública de
forma simbólica
150
.
Esses meios não são neutros, transmitem ideologias, preconceitos, estereótipos,
costumes, crenças, estilos de vida, sentimentos, informações, entretenimento,
desconfiança, certeza; provocam mudança, alienação, acomodação, inquietação,
alegrias, tristezas; servem para justificar o sistema, as relações de poder, a
desigualdade social; homogeneíza, padronizam comportamentos; servem de elemento
socializador, de companhia, lazer; ditam moda, padrão de beleza, de consumo e estilo
de vida, gerando uma cultura de massa, descartável, temporária, que atende aos
interesses capitalistas; dão a sensação de proximidade entre as nações e as pessoas; são
indispensáveis na contemporaneidade; têm um poder imenso de persuasão. Por isso,
podem ser extremamente perigosos ou se tornar aliados de seus públicos, que podem
ser receptores passivos ou ativos. Assim sendo,
149
THOMPSON, John. A mídia e a modernidade. Petrópolis: Vozes, 1998,
p. 25.
150
Idem, p.
33-6.
91
Os media fazem um papel de mediação entre a realidade e as
pessoas. O que ele nos entregam não é a realidade, mas a sua
construção da realidade. Isto é, da enorme quantidade de fatos e
situações que a realidade contém, os meios selecionam só alguns, os
decodificam formando mensagens e programas se difundem,
carregadas agora de ideologias que os meios lhes atribuem
151
.
Em vista disso, a imagem de uma região veiculada pelos meios de comunicação
de massa não é em si mesma a realidade de uma região, mas uma representação, ou
seja, “um sistema de interpretação da realidade, organizando as relações do indivíduo
com o mundo e orientando as suas condutas e comportamentos no meio social”
152
.
As representações sociais de um povo ou de um local podem ser propagadas
através de fotografias, fofocas, reportagens, cultura, ciência, paisagem, literatura,
música, pintura, história, geografia, política, religião, pesquisas, meios de
comunicação, indicadores sociais e econômicos entre outros fatores.
Essas representações são repassadas pela mídia em forma de imagens visuais e
textuais, são agendadas, podendo ou não ser incluídas nas conversas diárias do
público. Como representações, elas não são a verdade, mas podem ser parte da verdade
ou apenas uma grande invenção, manipulação, simulação.
Dependendo da linha editorial do veículo, do faro jornalístico do repórter, da
importância do fato, da proximidade, impacto, utilidade, raridade, expectativa,
suspense, repercussão, oportunidade, conseqüências, originalidade, marco geográfico,
descobertas, progresso, dinheiro, política, culto aos heróis, descobertas e invenções,
sexo e idade, poderá se tornar notícia
153
ou não.
Dessa maneira, o que é noticiado não só corresponde a critérios técnicos de
noticiabilidade, mas também atende aos interesses políticos, econômicos, religiosos
151
BORDENAVE, Juan. Além dos meios e mensagens. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 80.
152
Idem, p. 61.
153
As notícias podem aparecer de forma literária (com nariz de cera, introdução, informações menos
importantes para culminar com as mais interessantes), pirâmide invertida (informações mais importantes
no primeiro parágrafo, no lead, para terminar com fatos mais simples) e no sistema misto (fatos
importantes, desencadeados em ordem cronológico. Quanto aos elementos que as compõe, pode ser
sintética (curta) e analítica (argumentada); previsível (o jornalista sabe que vai ocorrer) e imprevisível
(acontecimentos sem previsão) em relação à ocorrência em si; quente e fria, de acordo com a
oportunidade de publicação, e quanto ao local de ocorrência pode ser local, regional, nacional e
internacional (ERBOLATO, Mário. Técnicas de codificação em jornalismo, São Paulo: Ática, 1991, p.
66-77).
92
dos editores, patrocinadores, jornalistas e dos grupos de pressão. A noticiabilidade,
segundo os teóricos dos
newsmaking, seria
Constituída pelo conjunto de requisitos que se exigem dos
acontecimentos – do ponto de vista da estrutura do trabalho nos
órgãos de informação e do ponto de vista do profissionalismo dos
jornalistas – para adquirirem a existência pública de notícias. Tudo
o que não corresponde a esses requisitos é “excluído”, por não ser
adequado às rotinas produtivas e aos cânones da cultura
profissional. Não adquirindo o estatuto de notícia, permanece
simplesmente um acontecimento que se perde entre a “matéria-
prima” que o órgão de informação não consegue transformar e que,
por conseguinte, não irá fazer parte dos conhecimentos do mundo
adquiridos pelo público através das comunicações de massa
154
.
Entre os componentes da noticiabilidade, os valores/notícia (news values)
seriam os mais importantes. Esses, segundo Mauro Wolf, “constituem a reposta à
pergunta seguinte: quais os acontecimentos que são considerados suficientemente
interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em noticiais”
155
.
Eles são derivados de pressupostos implícitos ou de considerações relativas, como, por
exemplo, as características substantivas das notícias, ao seu conteúdo; a
disponibilidade do material e aos critérios relativos ao produto informativo; ao público
e à concorrência
156
.
As fontes de informação são um outro fator que deve ser considerado na
produção de notícia. Um bom jornalista, geralmente, tem boas fontes. Gilberto
Dimenstein diz que “o jornalista independente e, portanto, com credibilidade, significa
atritos com o poder – logo, com as fontes”
157
.
De acordo com Bourdieu, os jornalistas se interessam pelo que é excepcional,
pois “o princípio da seleção é a busca do sensacional, do espetacular”. Ele acredita que
“os jornalistas têm ‘óculos’ especiais a partir dos quais vêem certas coisas e não
outras; e vêem de certa maneira as coisas que vêem. Eles operam uma seleção e uma
construção do que é selecionado”
158
.
154
WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 2001, p. 190.
155
Ibidem .
156
Idem, p. 201.
157
DIMENSTEIN, Gilberto & KOTSCHO, Ricardo. A aventura da reportagem. São Paulo: Summus,
1990, p.22.
158
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão; tradução de Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Zahar,
1997, p. 25.
93
Mas, o que o jornalista publica não só depende do seu olhar, dos seus “óculos
especiais” para enxergar o acontecimento como notícia, um fato que merece ser
publicado. A mensagem é social e o fenômeno cultural está presente no processo da
comunicação. Os valores, as crenças de uma sociedade emergem nas folhas dos
jornais. O momento histórico e político, também, intervém na produção de notícias.
É importante, também, considerar se o veículo de comunicação de massa tem
correspondente, agência de notícia, filial ou sucursal em determinada cidade, estado,
região ou país, uma vez que esses locais sendo mais divulgados, passam a existir mais
para o público, a entrar na agenda discursiva dos receptores de mensagens.
Foi o que aconteceu com o Nordeste, durante os anos 70 e 80, em Recife, onde
os grandes jornais brasileiros tinham sucursais na cidade, como, por exemplo,
Jornal
do Brasil, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e O Globo.
Na época não havia
Internet no país, o processo de globalização da comunicação era incipiente no país,
Recife sediava a Sudene e o Dnocs, sendo um importante centro político e econômico
da região.
Assim sendo, não só a ideologia, as tecnologias comunicacionais e os interesses
mercadológicos movem a indústria cultural, os
mass media. Esses são feitos por gente,
por profissionais que não são neutros, que servem de filtro cultural, que fazem parte de
uma rede de relações,
network, que têm interesses próprios, identifica-se com
determinado imaginário social, “consciência coletiva”, tornando-se propagadores de
imagens sociais e visuais sobre determinado tema, evento ou lugar.
4.2. O jornalismo enquanto habitus e campo profissional
A comunicação é um campo social, isto é, um campo delimitado, segundo
Marques de Melo, pela indústria midiática e os serviços midiáticos, que envolve atos
da comunicação interpessoal, grupal, comunitária e da comunicação pública, mediada
por tecnologias de largo alcance
159
.
Enquadrado como campo científico a comunicação faz parte do campo
acadêmico e profissional. Trata-se de um campo profissional multifacetado, fincado
159
MELO, José. História do pensamento comunicacional. São Paulo: Paulus, 2003.
p. 59-60.
94
dentro do segmento das ciências sociais aplicadas, que envolve profissionais de
Jornalismo, Publicidade, Relações Públicas, Radialismo, Televisão, Cinema
160
.
Conforme Martino, o campo jornalístico começou a se diferenciar do campo
literário no século XX, no momento em que as duas profissões passaram a ter caráter e
atividades específicas
161
. Na América Latina, de acordo com Marques de Melo, “o
campo da comunicação estabeleceu-se (...) nos anos 70, representando a ampliação da
disciplina de Jornalismo, que começou a legitimar-se nos anos 30 (Argentina e Brasil)
e a prevalecer nos anos 60”
162
.
Pierre Bourdieu define o campo social é um espaço multidimensional de
posições sociais, sendo “construído sobre a base de princípios de diferenciação ou de
distribuição, constituído pelas semelhanças das propriedades agigantadas no universo
social considerado”
163
, podendo o agente ocupar diversos campos. A estrutura do
campo social, de acordo com o autor, “é definida a cada momento pela estrutura da
distribuição do capital e de características de diferentes campos particulares”
164
.
O jornalismo enquanto profissão tem sua própria identidade ocupacional,
atributos e atividades peculiares ao
métier e ao seu campo de atuação, gerando o que
Bourdieu chama de
habitus, um senso e saber prático, voltado para a ação. Ou seja,
“um sistema de disposições duráveis e transferíveis que integrando todas as
experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções,
apreciações e ações”
165
.
O
habitus seria, segundo Bourdieu, uma estrutura estruturada estruturante, em
que forneceria regras práticas para sua ação, não necessariamente racionais. Ou seja,
São sistemas de disposições duráveis de observação e atribuição de
sentido. Esses sistemas se objetivam em estruturas estruturadas (ao
longo de uma singular observação da realidade) predispostas a
funcionar de uma singular observação da realidade) predispostas a
funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípios
160
MELO, José.Idem, p. 61-2.
161
MARTINO, Luís. Mídia e poder simbólico. São Paulo: Paullus, 2003.
162
MELO, José Marques. Idem, p. 39.
163
BOURDIEU, Pierre. Espace social et gênese dês classes. In: Actes de la Recherche en scienses
sociales. Nº 52-53 – juin 11984.
164
Ibidem.
165
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.
95
organizadores de percepção em novas situações de experiência e
geradores de comportamento nessas
166
.
A posição dos sujeitos, dos agentes, no campo social vai depender do seu
habitus, como sistemas de percepção e apreciação, como estruturas cognitivas e
valorativas adquiridas na experiência duradoura de ocupar um espaço no mundo
social”
167
.
Desse modo, ser jornalista é ter um
habitus diferente de uma outra pessoa que
não o é. Espera-se de um jornalista uma conduta específica a sua função. Criam-se
diversas imagens sociais sobre esse profissional da comunicação que podem ser
mudadas ao longo do tempo e diferir de acordo com a situação política e cultural do
país.
O jornalista “lida com a palavra impressa quase todos os dias de sua vida
profissional. A relação que mantém com ela é em geral nervosa, intensa, vibrante”
168
,
tem como papel fundamental informar com rigor na apuração e ética, tem um cotidiano
corrido, transmite fatos e notícias, precisa saber trabalhar em equipe, escrever de
maneira concisa, com objetividade e, atualmente, precisa conhecer outros idiomas e
saber usar programas de informática
169
. Trata-se de um profissional que tem como
papel fundamental
Transmitir fatos e notícias atualizadas, reportagens, crônicas,
comentário; contribui para todos de forma consciente sobre os
rumos e transformações da sociedade. Este profissional da
informação vai atrás da notícia onde quer que ela esteja: nas
guerras, nas manifestações, nos gabinetes políticos, nas ruas.
Investigando, consultando e checando fatos que se tornam matéria-
prima de jornais, revistas, tevês, agências internacionais
...
170
Exercer a função de jornalista pode significar ter um capital simbólico que
agrega valor ao profissional, dependendo principalmente da forma e do alcance da
mídia em que trabalha. Geralmente, é vista como uma profissão de prestígio, que dá
166
BARROS FILHO, Clóvis & MARTINO, Luís. O habitus na comunicação. São Paulo: Paulus, 2003,
p. 74.
167
BOURDIEU, Pierre. Apud BARROS FILHO, Clóvis & MARTINO, Luís. O habitus na
comunicação, p. 32.
168
SILVA, Carlos. O adiantado da hora:a influência americana sobre o jornalismo brasileiro. São
Paulo: Summus, 1991.p. 20.
169
www.fae.br/cur_jornaismo/campo_atuação.html, capturado em 27/04/05, às 09h35.
170
DINES, Alberto.Ibidem.
96
impressão de poder, de pessoa bem informada, sendo o jornal o veículo massivo que
mais se confunde com o jornalismo.
De acordo com Travancas, o jornalista é cercado por um conjunto de imagens
que a população faz dele, seja de narcisista (gosta de chamar a atenção para si),
vaidoso, sacerdote (a profissão é sagrada), neurótico (respira notícia), boêmio (sai para
beber no bar, relaxar), saber escrever, tem prestígio (principalmente o jornalista de TV)
e tem o falso sentimento de poder (poderoso)
171
.
Alberto Dines tem razão quando diz que “mesmo numa empresa de
comunicação, os jornalistas são considerados como privilegiados. Aqueles que
procuram o poder os endeusam. Aqueles que chegaram ao poder os abominam. O
público os vê mitologicamente”
172
. E, essa falsa impressão de poder, às vezes, “mexe
muito com a cabeça” do jornalista, tornando-o vaidoso, “dono da verdade”, “detentor
do saber das mentes para quais escreve, se dirige”, achando-se “uma estrela”.
No Brasil, conforme chama a atenção Juarez Bahia, a definição jurídica da
profissão de jornalista, como se entende hoje, é oriunda da Lei de Imprensa
5.250, de
9.2.1967.
em plena ditadura militar, consagrando a reserva de mercados para os
portadores de diploma de jornalismo
173
.
Segundo o Decreto-lei nº. 972, de 17 de outubro de 1969, que
dispunha sobre o exercício da profissão de Jornalista, em seu artigo segundo, a
profissão de jornalista compreende o exercício habitual e remunerado das seguintes
atividades:
a) redação, condensação, titulação, interpretação, correção ou coordenação de matéria a ser
divulgada, contenha ou não comentário;
b) comentário ou crônica, pelo rádio ou pela televisão;
c) entrevista, inquérito ou reportagem, escrita ou falada;
d) planejamento, organização, direção e eventual execução de serviços técnicos de
jornalismo, como os de arquivo, ilustração ou distribuição gráfica de matéria a ser divulgada;
e) planejamento, organização e administração técnica dos serviços de que trata a alínea "a”;
f) ensino de técnica de jornalismo;
g) coleta de notícias ou informações e seu preparo para divulgação;
h) revisão de originais de matéria jornalística, com vistas à correção redacional e à
adequação da linguagem;
i) organização e conservação de arquivo jornalístico e pesquisa dos respectivos dados para a
elaboração de notícias;
171
TRAVANCAS, Izabel. O mundo dos jornalistas. São Paulo: Summus, 1993 , p. 81-91.
172
DINES, Alberto. O papel do jornal. 5 ed. São Paulo: Summus, 1986, p. 118.
173
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. 2 vols. 4 ed. São Paulo: Ática, 1990, p. 416.
97
j) execução da distribuição gráfica de texto, fotografia ou ilustração de caráter jornalístico,
para fins de divulgação;
l) execução de desenhos artísticos ou técnicos de caráter jornalístico.
Pode o jornalista profissional, enquanto empregado, exercer as seguintes
funções, de acordo com o artigo 6º do Decreto-lei nº. 972, de 17 de outubro de 1969:
(a)Redator: aquele que além das incumbências de redação comum, tem encargos de redigir
editoriais, crônicas ou comentários;
b) Noticiarista: aquele que tem o encargo de redigir matéria de caráter informativo,
desprovida de apreciação ou comentários;
c) Repórter: aquele que cumpre a determinação de colher notícia ou informações,
preparando-as para divulgação;
d) Repórter de setor: aquele que tem encargo de colher notícias ou informações sobre
assuntos pré-determinados, preparando-as para divulgação;
e) Rádio-Repórter: aquele a quem cabe difusão oral de acontecimento ou entrevista pelo rádio
ou pela televisão, no instante ou no local em que ocorram, assim como o comentário ou
crônica pelos mesmos veículos;
f) Arquivista-Pesquisador: aquele que tem a incumbência de organizar e conservar cultural e
tecnicamente, o arquivo redatorial, procedendo à pesquisa dos respectivos dados para a
elaboração de notícias;
g) Revisor: aquele que tem o encargo de rever as provas tipográficas de material. jornalístico;
h) Ilustrador: aquele que tem a seu cargo criar ou executar desenhos artísticos ou técnicos de
caráter jornalístico;
i) Repórter-Fotográfico: aquele a quem cabe registrar fotograficamente, quaisquer fatos ou
assuntos de interesse jornalístico;
j) Repórter-Cinematográfico: aquele a quem cabe registrar cinematograficamente, quaisquer
fatos ou assuntos de interesse jornalístico;
l) Diagramador: aquele a quem compete planejar e executar a distribuição gráfica de
matérias, fotografias ou ilustrações de caráter jornalístico, para fins de publicação.
A Lei de Imprensa, de fevereiro de 1967, não tolerava propaganda de guerra;
proibia livros e jornais que atentassem contra a moral e aos bons costumes; tolhia o
anonimato no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e da informação;
obrigava a todo jornal estampar no seu cabeçalho, o nome de diretor ou redator-chefe;
proibia a publicação de segredo de Estado, com pena de um a quatro anos de detenção;
vedava a publicação ou divulgação de notícias falsas que provocassem a perturbação
da ordem pública, desconfiança do sistema bancário, prejuízo ao crédito da União e na
cotação das mercadorias e dos títulos no mercado financeiros, com pena de um a seis
meses de detenção mais multa; coibia apologia de fato criminoso e caluniar alguém;
não tolerava que se fizesse ou obtivesse, mediante pagamento ou recompensa,
publicação ou transmissão que importasse em crime previsto em lei; coibia obter ou
procurar obter vantagem para si ou para outros, favor, dinheiro, a fim de não fazer ou
Impedir que se fizesse publicação ou distribuição de notícias.
98
Essa lei foi criada em plena ditadura militar para, também, enquadrar
penalmente os crimes da profissão, pois “toda vez que a imprensa incomoda, a
primeira reação é calá-la. Cria-se, assim, uma gangorra de crime e castigo que
desemboca nos regimes censóreos, de conseqüências tão funestas”
174
, diz Alberto
Dines.
Com isso, eram considerados responsáveis civis pelos crimes cometidos da
imprensa e das emissoras de radiodifusão, sucessivamente, segundo o art. 37 da Lei de
Imprensa:
I – o autor do escrito ou transmissão incriminada, sendo pessoa idônea e residente no Pai,
salvo tratando-se de reprodução feita sem o seu consentimento, caso em que responderá como
seu autor quem tiver reproduzido;
II – quando o autor estiver ausente do País, ou não tiver idoneidade para responder pelo
crime:
a) O diretor ou redator-chefe do jornal ou periódico, ou
III – o diretor ou redator no caso de programa de notícias, reportagens, comentários, debates
ou entrevistas, transmitidas por emissoras de radiodifusão.
IV – se o responsável não tiver idoneidade para responder pelo crime:
a) O gerente ou proprietário das oficinas impressoras, no caso de jornais ou periódicos;
b) O diretor ou o proprietário da estação emissora de serviços de radiodifusão.
Então, os jornalistas tinham que se policiar, ter cuidado com o que produzia,
noticiava, sob pena de serem presos ou pagarem multa. A Lei de Imprensa servia,
assim, como um receituário de como deveria conduzir o jornalista no exercício da
profissão.
Como só podia ser jornalista quem tivesse o diploma de jornalista, o número de
faculdades de Comunicação Social cresceram. Nos anos 70, os cursos de comunicação
eram polivalentes, e “os cursos de jornalismo, que se expandiram no Brasil a partir a
regulamentação de 1969 da profissão de jornalista (...) têm sido outra fonte de
inestimável importância para a disseminação dos valores e técnicas do jornalismo
americano”
175
.
Para exercer a função de jornalista era necessário requerer prévio registro no
órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social que poderia
ser feito mediante a apresentação de: prova de nacionalidade brasileira; folha corrida;
carteira profissional; diploma de curso superior de jornalismo, oficial ou reconhecido,
registrado no Ministério da Educação e Cultura ou em instituição por este credenciada,
174
DINES, Alberto. Idem, p. 120.
175
NOBRE, Freitas. Imprensa e liberdade: princípios constitucionais. São Paulo:
Summus, 1988, p. 84.
99
para as funções relacionadas de redator, noticiarista, repórter, repórter de setor, rádio-
repórter, arquivista e revisor. Não se fazia necessário ter curso superior o jornalista
que exercia a função de repórter-fotográfico, revisor, diagramador e repórter-
cinematográfico.
A Lei de Imprensa 494, de 29 de dezembro de 1979, acrescenta para o registro
profissional a necessidade de prova de que não está denunciado ou condenado pela
prática de ilícito penal; sendo revogada tal cláusula de atestado de bons resultantes,
com a Lei n. º 6.868, de 3 de dezembro de 1980.
Na época, só eram consideradas empresas jornalísticas aquelas que tinham
como atividade a edição de jornal ou revista, ou a distribuição de noticiário, com
funcionamento efetivo, idoneidade financeira e registro legal. As empresas de
radiodifusão, televisão ou divulgação cinematográfica, ou de agência de publicidade,
também, eram consideradas empresas jornalísticas.
Durante a década de 80 a Lei n. º 7.084, de 21 de dezembro de 1982, instituiu a
carteira de identidade do jornalista, válida em todo território nacional, como prova de
identidade, para qualquer efeito, emitida pela Federação Nacional dos Jornalistas
Profissionais. Devendo constar na carteira, conforme o artigo 2º, pelo menos, os
seguintes elementos:
Nome completo; nome da mãe; nacionalidade e naturalidade; data
de nascimento; estado civil; registro geral e órgão expedidor da
cédula de identidade; número e série da carteira de trabalho e
previdência social; número do registro profissional junto ao órgão
regional do Ministério do Trabalho; cargo ou função profissional,
ou licenciamento profissional; ano de validade da carteira; data de
expedição; marca do polegar direito; fotografia; assinaturas dos
responsáveis pela entidade expedidora e do portador; número de
inscrição no Cadastro de Pessoa Física; e grupo sangüíneo.
O profissional de jornalismo no Brasil passou a ter uma atuação mais
autônoma, a partir da Constituição Federal de 1988 (CF-88), que reserva o capítulo V à
comunicação social, nos seus artigos 220, 221, 222, 223 e 224.
A CF-88 proíbe a censura prévia no Brasil, como pode ser observado no
§
do art. 220 em que afirma
– “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir
embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social, observado o disposto no Art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. E, no
§
- que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
100
O artigo 5º da CF
-88 diz que:Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes”:
IV - - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado
o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer;
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional;
Já o artigo 221 da CF-88 estabelece que a produção e a programação das
emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive
sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais
estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.
Em relação à propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de
sons e imagens, o artigo 222 preceitua que “é privativa de brasileiros natos ou
naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sede no País”.
No Brasil, cabe ao “Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e
autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o
princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”, conforme
artigo 223 da CF-88.
Como se vê o campo jornalístico no que concerne à apuração e divulgação de
notícias passou, pelo menos legalmente, a ser isento de censura. Todavia, sabe-se que a
“censura” sempre existe nas redações quando fere interesses, ainda, que seja uma auto-
censura da própria empresa jornalística.
Na verdade, o “autêntico” jornalismo só existe quando há democracia,
liberdade, quando a imprensa não se alia ao governo. Nas ditaduras, o jornalismo é
101
amordaçado, o jornalista não pode cumprir sua principal função que é informar.
Acaba-se noticiando apenas o que é permitido, tolerado, suportável ao poder.
Alberto Dines sustenta que “a imprensa só pode existir no regime da livre
iniciativa, seja ele puramente capitalista, seja socialista-democrático. A detenção dos
órgãos de comunicação pelo poder político invalida-os, como neutralizador desse
poder, sua razão de ser”
176
. E chama a atenção para o fato de que
O prestígio de um jornal (e de jornalistas) é uma arma de dois
gumes e, por isto mesmo, extremamente perigoso. Quanto mais
influente, mais perto está de perder essa influência. Quanto mais
poderoso, salvo se houver uma sadia disposição de não se deixar
impregnar pelo poder, mais perto está do descrédito, ou do
comprometimento
177
.
Vale ressaltar que ideologicamente, muitos teóricos da comunicação defendem
a tese de que o jornalista deva ser neutro, ter objetividade, tratar os fatos como são, se
isentando, se abstraindo da realidade do fato. Entretanto, sabe-se que a questão da
objetividade sempre foi um ideal do jornalismo informativo, mas que, muitas vezes, a
defesa dessa objetividade nada mais é do que esconder interesses e ideologias. E como
afirmam
Adorno & Horkheimer "a mídia escrita transmite a idéia de objetividade,
contribuindo para a difusão de bens simbólicos e conteúdos ideológicos disfarçados
em informação neutra”
178
. Ou ainda como chama a atenção
Martino, “a
noção de
objetividade do jornalismo, sua imparcialidade, a neutralidade das informações
veiculadas e a independência do repórter são rituais estratégicos provedores das
garantias de que a mídia é um espelho da realidade”
179
.
Por outro lado, é nítido que a objetividade é um mito e que não existe
neutralidade no tratamento das notícias, pode haver bom senso, razoabilidade, mas o
que se veicula interessa sempre a alguém, e não há liberdade total na grande imprensa.
É como afirma Barros Filho & Martino: "Se o jornalista não pode ser 'escravo do fato',
pela distância intrínseca entre o discurso e seu referente, ele também não é 'o senhor da
176
DINES, Alberto. Idem, p. 109.
177
Idem, p. 108.
178
Apud MARTINO, Luís. Idem.
179
MARTINO, Luís. Idem, p. 59.
102
mensagem' por não ser inteiramente responsável pelas representações que acredita
construir nos textos que produz"
180
.
4.3. O desenvolvimento do campo jornalístico no Brasil
A profissão de jornalista decorre do aparecimento e do desenvolvimento da
imprensa, que teve origem no século XV, com o alemão Johan Gutenberg. Segundo
Nelson Werneck Sodré,
A história da imprensa é a própria história do desenvolvimento da
sociedade capitalista. O controle dos meios de difusão de idéias e de
informações – que se verifica ao longo do desenvolvimento da
imprensa, como reflexo do desenvolvimento capitalista em que
aquele está inserido – é uma luta em que aparecem organizações e
pessoas da mais diversa situação social, cultural e política,
correspondendo a diferença de interesses e aspirações. Ao lado
dessas diferenças, e correspondendo ainda à luta pelo referido
controle, evolui a legislação reguladora da atividade da imprensa
(...)
O estreito vínculo entre a imprensa e a ordem capitalista aparece,
também, na evolução do problema da liberdade de informar e de
opinar
181
.
Inicialmente, a imprensa era voltada para um público elitista, tradicional, uma
vez que o sistema educacional não atingia a maioria da população; a periodicidade era
esporádica e os jornais tinham vida efêmera por terem um conteúdo mais opinativo,
não terem praticamente publicidade e o comércio ser incipiente.
Como chama a atenção Marques de Melo, as primeiras manifestações do
jornalismo (relações, avisos, gazetas) servem para atender ao público local, às
necessidades dos governantes e súditos das cidades, pois naquela época os meios de
transportes e as tecnologias existentes não permitiam uma maior circulação das
notícias
182
.
A falta de periodicidade se dava, também, porque o jornalismo, em sua origem,
assume uma conotação mais política, seja através de “publicações clandestinas,
manuscritas ou até mesmo impressas, que circulam a margem do aparelho censório,
desafiando o poder absolutista”, ou são publicações oficiais que tinham como
180
BARROS FILHO, Clóvis & MARTINO, Luís. Idem, p. 49.
181
SODRÉ, Nelson. História da imprensa no Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro: Maud, 1999, p. 1.
182
MELO, José Marques. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1994., p.18.
103
mensagens matérias elogiando as ações dos governantes, vindo a se tornar um processo
regular, contínuo com a ascensão da burguesia
183
.
Segundo Thompson, entre os fatores que contribuíram para que a imprensa se
tornasse mais periódica e estável destacam-se: a fabricação do papel, o
desenvolvimento de novas técnicas de impressão, o advento da indústria gráfica, o
surgimento das línguas nacionais, a luta contra o colonialismo, o aparecimento de uma
variedade de publicações periódicas, o aumento do comércio, o maior acesso à
escolaridade e o declínio do poder da Igreja Católica sobre o que era publicado
184
.
Acrescente-se a isso o desenvolvimento dos meios de transportes, dos correios e
tecnologias comunicacionais, como o telégrafo e o telefone.
Com a Revolução Industrial, na Inglaterra, a imprensa tomou um novo rumo,
torna-se mais profissional, mais informativa, e passa a ter mais periodicidade. A
informação passa a ser a grande mercadoria da imprensa, com isso, começa a receber
mais investimento da publicidade, os jornais tornam-se grandes empresas e passam
circular com mais regularidade, como mostra Alfredo Pereira Jr., em
Decidindo o que
é notícia:
Durante o século VXI, a indústria jornalística adquiriu um aspecto
crescentemente comercial, procurando aumentar a circulação como
um meio de implementar a renda gerada através das vendas de
anúncios e comerciais. Sua rápida expansão tornou-se possível pela
melhoria dos métodos de produção e distribuição, bem como pelo
crescimento da alfabetização e abolição de impostos
185
.
Para que a imprensa se desenvolvesse foi necessário aumentar a sua rapidez na
difusão de suas informações e contar com tecnologias, como o telégrafo, o cabo
submarino, o telefone, o rádio. Além de ter que separar informação de opinião
186
. No
momento que informação se transformou na grande matéria-prima do jornalismo, as
empresas jornalísticas passaram a ser mais lucrativas e a receber maior volume de
publicidade.
Conforme Thompson, o desenvolvimento das indústrias da mídia desde o início
do século XIX se deu por três tendências: transformação das instituições da mídia em
183
MELO, José Marques. Idem, p. 20.
184
THOMPSON, John. Idem, p. 47-66.
185
PEREIRA JR., Alfredo. Decidindo o que é notícia. 3 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, p. 45.
186
SODRÉ, Nelson Werneck. Ibidem.
104
interesses comerciais de grande escala; a globalização da comunicação e o
desenvolvimento das formas de comunicação mundial
187
.
No Brasil, a imprensa chegou em 1808 com a Família Real Portuguesa, sendo o
Correio Braziliense, o primeiro jornal brasileiro, impresso na Inglaterra.
De acordo
com Lage,
A história do jornalismo brasileiro pode ser dividida em quatro
períodos distintos: o de atividade panfletária e polêmica (Primeiro
Reinado e às regências); o de atividade onde a literatura
predominava (Segundo Reinado); o de formação empresarial
(República Velha); e a fase mais recente, marcada por oposições do
tipo nacionalismo/dependência, populismo/autoritarismo, pelo uso
intensivo na comunicação no controle social
188
.
É no Segundo Reinado que vão surgir os jornais, tais como o
Jornal do
Commercio
(1827), a Gazeta de Notícias (1874) do Rio de Janeiro; o Estado de São
Paulo
(1875); e o Jornal do Brasil surgido em 1891
189
. Esse, em pouco tempo, com as
transformações urbanas e o crescimento da classe média “tornou-se uma espécie de
símbolo, com certos hábitos, certo cinema (o cinema novo) e certa música (a bossa
nova)”
190
. Em relação ao poder econômico e ideológico dos jornais, Juarez Bahia
chama a atenção para o fato de que
No Império e na República, entre 1827 e 1930, convergem para a
imprensa capitais e interesses de comerciante, profissionais liberais
e aristocratas associados a latifundiários, fazendeiros de açúcar e de
café, e exportadores. As famílias que detêm o controle acionário das
empresas jornalísticas trazem essas origens.
A ideologia predominante é conservadora até a queda da
monarquia, e liberal-conservadora, com a federação republicana.
Depois de 1930 se delineia a estrutura industrial do jornalismo que
corresponde ao contorno de massa da sociedade, ditada pela
distribuição de renda, vestuário, comercialização de mercadorias a
crédito, transportes e cultura
191
.
Enquanto empresas jornalísticas, os jornais brasileiros passaram a ter como
principal matéria prima a informação, seguindo a tendência do jornalismo norte-
americano. Todavia, até a década de 1950, o sistema dominante de organização do
187
THOMPSON, John. Idem, p. 73.
188
LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro:
Record, 2001, p. 42.
189
LAGE Idem, p. 43.
190
Ibidem, p. 45.
191
BAHIA, Juarez. Idem, p. 227.
105
jornal era o do jornalista-proprietário de empresa
192
, e isso acaba comprometendo o
que é de interesse do público do que é interesse empresarial.
Conforme lembra Juarez Bahia, “o Brasil não conhecia a liberdade de imprensa
ao editar o seu primeiro jornal”
193
e acrescenta que “uma pioneira e vigorosa tentativa
para assegurar a liberdade de imprensa no Brasil surgiu em Pernambuco, na Revolução
de 1817. Luta-se por uma república cuja constituição preconiza no seu artigo 25 a
liberdade de imprensa”
194
.
É só em 1822 que se tem a primeira legislação específica para a imprensa. E,
“em 1828, com a promulgação da primeira constituição (...) o conceito de liberdade de
imprensa ganha maior expressão”,
195
assegura Bahia. Os crimes cometidos no
exercício no jornalismo são transferidos da polícia para a Justiça com a legislação de
1871
196
. Em 1914, “a imprensa tem seus direitos cerceados e mais uma vez a censura
prévia pontifica”
197
. Em 1934, o governo de Getúlio Vargas edita a Lei 24.776, da Lei
de Imprensa, tendo vida curta
198
. Em 1937, o Estado Novo, através de Getúlio Vargas
impõe censura “engordando receitas de jornais, revistas, agências noticiosas, empresas
de propaganda, emissora de rádios, dando subsídios ao papel e a importação de
equipamentos gráficos e de som favorecendo os que colaboraram com o poder”
199
.
Segundo Bahia,
Os grandes jornais estão do lado da lei e da ordem, e às vezes
também do lado que obstrui o desenvolvimento, barra as mudanças
exigidas desde os anos 20, estimula a corrupção e derruba as
aspirações de modernização consubstanciadas no voto secreto e no
exercício pleno da democracia
200
.
Em 1939, Getúlio Vargas criou o Departamento de Imprensa e Propaganda
(DIP) para controlar o conteúdo veiculado pela mídia. Em meados dos anos 60 mais
uma vez a imprensa sofre com o golpe da censura, o país fica sob o domínio dos
militares, durante uma ditadura que vai durar 21 anos e criará mecanismos de controle
192
DINES, Alberto. Idem, p. 110.
193
BAHIA, Juarez.Idem, p. 300.
194
Idem, p. 302.
195
Ibidem.
196
BAHIA, Juarez. Idem, p. 303.
197
Ibidem.
198
Ibidem.
199
Ibidem.
200
Idem, p. 205.
106
nunca antes de visto na história do país, como, por exemplo, o AI-5. Só, realmente,
com a CF-88, que o jornalista vai se livrar, legalmente, da censura prévia no país.
Em sua origem os jornais não eram divididos em cadernos, não tinham
praticamente publicidade, não tinham fotografia, eram em preto e branco, o texto era
rebuscado, dividido por fios de colunas, não tinham departamento de pesquisa, seu
papel sujava as mãos, a impressão era rudimentar, não havia computadores nas
redações. As notícias sobre o que acontecia no mundo chegavam de forma defasada,
desatualizada, devido as tecnologias comunicacionais existentes na época.
No final do século XIX surgiram as primeiras empresas jornalísticas brasileiras.
Na década de 1930, a estrutura industrial do jornalismo toma impulso, com o aumento
das vendas de exemplares, devido a melhoria da qualidade de vida da população nas
áreas urbanas. Mas, é na década de 50 que se observa o crescimento vertiginoso do
jornalismo brasileiro, ao mesmo tempo em que o país, embalado pela política
desenvolvimentista, aumenta sua participação no setor industrial, principalmente no
Sudeste e Sul do Brasil
201
.
Nos anos 60, com os diversos órgãos de desenvolvimento instalados em
algumas regiões do país, bem como com os movimentos sociais e a política em
efervescência, os grandes jornais do Sudeste do país vão instalar sucursais em cidades
estratégicas, a fim de terem suas redações abastecidas de notícias de outras partes do
país. Naquela época, a presença do jornalista no local em que acontecia o fato era
indispensável, pois as tecnologias comunicacionais da época não permitiam uma maior
agilidade na produção e difusão da notícia. Não havia, por exemplo, celular, Internet,
microcomputador, a maioria dos municípios não tinham luz elétrica, o número de
linhas telefônicas era irrisória em relação à demanda social.
Assim, as sucursais foram fundamentais para a divulgação do Nordeste
brasileiro. Entre os jornais que ajudou a mudar o jornalismo brasileiro e que teve
sucursal no Nordeste brasileiro nos anos 60, 70 e 80, destaca-se o
Jornal do Brasil,
trazendo várias transformações na forma de diagramar, noticiar e dispor os fatos.
201
BAHIA, Juarez. Idem, p.227-8.
107
4.4. Jornal do Brasil
O JB foi fundado em 9 de abril de 1891, no Rio de Janeiro, por Joaquim
Nabuco e Rodolfo de Souza Santos
202
, sendo considerado um dos primeiros grandes
jornais brasileiros da época Republicana, sendo montado, de acordo com Sodré, como
empresa e com estrutura sólida, uma vez que os jornais da época tinham vida
efêmera
203
.
Mas, foi na gestão de M.F. do Nascimento Brito, genro da condessa Pereira
Carneiro, proprietária do jornal, que o JB marcou significativamente o jornalismo
brasileiro, com as reformas que se permitiu fazer, adaptando novas técnicas de
redação, modernizando a impressão, mudando a linha editorial
204
.
Trouxe mudança na diagramação de seu jornal, eliminando os fios das colunas,
influenciando os demais jornais. Foi o primeiro a introduzir o uso de pauta, a criar um
departamento de pesquisa nas suas redações, deu atenção especial à fotografia. Criou o
Caderno B, a revista de Domingo, a primeira agência nacional de Notícias (AJB), o
primeiro jornal
on line no Brasil
205
.
Na década de 50,
O Jornal do Brasil inovou sua diagramação, sendo um marco
na história da imprensa no Brasil, a partir do trabalho do artista plástico Amílcar de
Castro. Juarez Bahia, no seu livro
História, jornal e estética descreve que “em 1956, o
modelo do velho jornal diário, pesado e feio, de linguagem rebuscada, quase ilegível e
pouco atraente, seccionado em colunas por fios verticais e outros adereços, parece
definitivamente esgotado”
206
.
Segundo Ferreira Júnior, o JB abandona o modelo pesado, com fios de coluna e
passa a atualizar o concretismo, deixando as colunas livres, a introdução da lauda
marcada para a contagem do texto, simetria redundante tomada por anúncios e a
incorporação da fotografia, valorização do espaço da página e limpeza de adornos
202
www.projetomemoria.art.br/RuiBarbosa/glossario/j/joranl-brasil.htm, capturado em 27/04/05, às
19h03.
203
SODRÉ, Nelson. Idem, p. 25.
204
http://jbonline.terra.com.br/destaques/nascimentobrito/mat_3.html, capturado em 27/04/05, às 16h25.
205
Ibidem.
206
BAHIA, Juarez. Ibidem.
108
desnecessários. Isso vai refletir na maneira de como os fotógrafos deverão fazer suas
fotos e de como os jornalistas deverão escrever suas matérias
207
.
Com a modernização da diagramação do JB, outros jornais seguiram sua
tendência, passando a valorizar mais a notícia e as imagens visuais que marcaram os
fatos daqueles tempos. De acordo com Zuenir Ventura, o JB,
Em 61, foi censurado pelo governo Carlos Lacerda, e em 64 teve sua
sede militarmente invadida pelos fuzileiros navais do governo de
Jango; sofreu incontáveis ações de arbítrio e, de dezembro de 68 a
janeiro de 69, circulou sob censura prévia; enfrentou censores na
redação, sofreu um implacável boicote econômico, teve diretores e
editores presos (...) e deixou de circular duas vezes como protesto”,
acrescentando que de 1960 a 1979, o JB recebeu 72 prêmios
nacionais, sendo 52 Essos
·.
O JB foi o primeiro jornal a criar o cargo de editor-chefe, a partir de janeiro de
1962, adotado por M. F. do Nascimento Brito. Isso representou uma mudança muito
grande na estrutura funcional do jornal, dando uma feição mais profissional ao
jornalismo. Essa iniciativa acabou sendo adotada por outros jornais brasileiros,
tornando a relação mais horizontalizada entre a empresa e os jornalistas.
208
.
Outra inovação que o JB trouxe ao jornalismo brasileiro foi o
Caderno B,
suplemento criado por Reynaldo Jardim, que é de comportamento e cultura, servindo
de exemplo para os segundos cadernos de outros jornais. Mas, sua reforma se efetivou,
realmente, com a chegada de Alberto Dines ao jornal, o qual passou 12 anos como
editor-chefe, de 61 a 73, introduziu o Departamento de Pesquisa, o Caderno Infantil, o
Jornal do Futuro, o Departamento Educacional, o Caderno de Jornalismo e
Comunicação, a Coluna do Castelo, o Festival JB de curta-metragem
209
.
Na década de 60 o JB e outros grandes jornais brasileiros, como, por exemplo
Estado de São Paulo, O Globo, Folha de São Paulo tinham correspondentes em todas
as regiões do país e sucursais nas principais capitais do Brasil. Em meados da década
de 60 o
Jornal do Brasil tem sucursal em Recife, Salvador, Brasília, São Paulo, Porto
Alegre e Belo Horizonte. Com isso, o Nordeste passa a ser mais visto e lido fora da
região.
207
FERREIRA JÚNIOR, José. Capas de jornal: a primeira imagem e o espaço gráfico visual. São
Paulo: Senac, 2003.
208
DINES, Alberto. Idem, p. 111.
209
Jornal do Brasil. Edição centenário, domingo 7/4/91, p. 5.
109
Em 1964, o JB inaugurou sua sucursal em Recife, tendo cerca de 10
funcionários, entre fotógrafos, jornalistas, secretários de redação e chefe de redação.A
partir daí o jornal vai noticiar mais os políticos, os problemas, o povo, o cotidiano e as
paisagens nordestinas. No início da década de 80, sofreu uma crise econômica interna
e fecha a sucursal de Recife, agora, com mais de 20 funcionários, ficando apenas com
um correspondente. Em meados dos anos 80, paulatinamente, reabre a sucursal da
capital pernambucana com uma equipe reduzida. Nos anos 90, com as mudanças no
mundo do trabalho, com o enxugamento das empresas, o JB fica apenas com
correspondente no Recife.
A reforma trouxe o noticiário para a primeira página, antes ocupada apenas por classificados e
poucos títulos e texto (JB, edição centenário, domingo 7/4/91, p. 5).
110
Em 1966, o JB fundou a Agência JB, Serviços de Imprensa Ltda., que
funcionava como agência de notícias para jornais do interior e do exterior.
Sua constituição acionária era inédita: 51% pertencem aos
proprietários do Grupo JB e o restante aos principais executivos da
redação (...) a AJB foi um sucesso jornalístico, tendo se
transformado na grande e única agência brasileira e num êxito
comercial. Seu balancete de novembro de 1993 dava um resultado
positivo de 800 mil cruzeiros. No rol de seus clientes regulares
encontravam-se todos os grandes jornais brasileiros fora do Rio e
São Paulo"
210
.
Não só a agência de notícias AJB foi importante para divulgar as regiões
brasileiras, como as sucursais nas principais capitais. Isso, também, deu um fôlego no
jornalismo e aumentou o nível de emprego para os jornalistas locais.
Durante a ditadura militar, várias vezes o Jornal do Brasil foi repreendido e
seus jornalistas perseguidos. Segundo Borges Neto,
Mesmo quando nos anos 70 começou a ter problemas financeiros, o
JB não deixou de ser escola de jornalismo. Continuou a publicar
editoriais ajustados ao momento histórico. Muitas vezes incômodos e
contrários ao governo. Só nos anos 1998-2000, quando a crise
atingiu seu pique, a linha editorial adotaria um estilo menos
agressivo. Mas, mesmo então e sempre com o beneplácito do doutor
Brito, o jornal manteve sua independência e nunca se recusou a
publicar artigos avessos ao regime político ou ácidos para com fatos
alheios a boa ética
211
.
O que o JB e a imprensa em geral publicam são fatos e imagens que não são
neutras, não são apenas signos sem significado social, mas são ideológicas, atendem a
diversos interesses políticos, mercadológicos. Juarez Bahia lembra que
O jornal é um bom negócio se o cidadão que o consome se dispõe a
pagar pela notícia da mesma forma como paga pelos serviços e bens
que elege como essencial, à sua vida, como paga pelo privilégio de
ser ele próprio notícia ou anunciar alguma coisa que tem para
vender. Esse é o princípio da informação como mercadoria colocada
venda em forma de entrega avulsa ou domiciliar, em forma de venda
de espaço e de tempo
212
.
210
DINES, Alberto. Idem, p. 113.
211
http://jbonline.terra.com.br/destaques/nascimentobrito/mat_3.html, capturado em 27/04/05, às 16h25.
212
BAHIA, Juarez. Idem, p. 224.
111
4.5. Jornalismo, Poder e o Nordeste brasileiro na ditadura e na transição política.
O golpe militar de 31 de março de 1964 só foi possível com o apoio do governo
dos EUA, num período de Guerra Fria, em que os Estados Unidos representavam o
capitalismo e a União Soviética o socialismo.
Nesse período o Judiciário e o Legislativo ficaram extremamente
enfraquecidos. O Presidente da República tinha muitos poderes, dentre eles, conforme
os atos institucionais com que governaram o país, podia:
x Decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das
Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só
voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República;
x Decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na
Constituição. Os Interventores nos Estados e Municípios eram nomeados pelo
Presidente da República;
x Suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar
mandatos efetivos federais, estaduais e municipais;
x Mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer
titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregados de autarquias,
empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a
reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados,
quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço
213
.
Foi uma época em que ficaram suspensas as garantias constitucionais ou legais,
tais como: vitaliciedade, inamobilidade e estabilidade, bem como a de exercício em
funções por prazo certo
214
. A garantia de hábeas corpus também ficou suspensa, nos
casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a
economia popular
215
.
A suspensão dos direitos políticos ocorriam nos casos de cessação de privilégio
de foro por prerrogativa de função; suspensão do direito de votar e de ser votado nas
eleições sindicais; proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza
política; aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança: liberdade
vigiada; proibição de freqüentar determinados lugares; domicílio determinado
216
.
213
BAHIA, Juarez. Ibidem.
214
AI- 5.
215
Ibidem.
216
BAHIA, Juarez. Ibidem.
112
Em 1969, os militares instituíram o AI-5, o ato que “põe total controle dos
meios de comunicação de massa, sujeitando jornais, revistas, emissoras de rádio e TV,
livro, cinema, teatro, música, disco e todas as formas de expressão do pensamento à
censura prévia”
217
. Na época, “muitos jornais foram invadidos, depredados ou
fechados pela Polícia. A resistência de imprensa é enfrentada com o bloqueio
econômico, da mesma forma que a oposição partidária é silenciada, cassada ou
aprisionada”
218
. Dessa forma, conclui-se que os jornais que se licenciavam, que se
aliaram ao poder vigente, foram beneficiados, enquanto os outros que se opunham
veementemente sofriam sanções econômicas.
No dia 15 de setembro de 1972 a Polícia Federal distribuiu aos jornais cariocas
um decálogo intitulado “Regras Gerais de Censura” relacionando os temas proibidos:
1) Inconformidade com a censura de livros, periódicos, jornais e diversões;
2) Campanha visando a revogação dos Atos Institucionais, nomeadamente do Ato
Institucional nº. 5;
3) Contestação ao regime vigente. Difere de Oposição, que é legal;
4) Notícias sensacionalistas que prejudiquem a imagem do Brasil e tendentes a desnaturar as
vitórias conquistadas pelo Brasil.
5) Campanha de descrédito à Política Habitacional, Mercado de Capitais e outros assuntos
de vital importância para o governo;
6) Assaltos à mão armada a estabelecimento de crédito e comerciais, acompanhado de
abundante noticiário, instrutivo e exemplificativo, em sentido negativo;
7) Tensão entre a Igreja Católica e o Estado e agitação nos meios sindicais e estudantis;
8) Ampla publicidade sobre nações comunistas e pessoas do mundo comunista;
9) Críticas contundentes aos governadores estaduais, procurando demonstrar o desacerto de
sua escolha pelo governo Federal;
10) Exaltação da imoralidade e do erotismo, notícias sobre homossexualismo, prostituição e
tóxico
219
.
Segundo Dines, “a rigor, os jornais ficavam proibidos de noticiar coisa alguma,
a não ser inaugurações, notas oficiais, acidentes de rua. Mesmo as tragédias humanas
podiam gerar problemas para o jornal, como foi o caso de uma notícia oriunda da
sucursal de Recife dando conta de um menino comido por ratos...”
220
.
Então, só podia ser noticiado o que fosse de interesse do governo militar. Havia
um “livro negro” da censura, passado às redações dos jornais. Juarez Bahia esclarece
que “o livro negro da censura”, “não é nenhuma edição especial lançada no mercado
217
BAHIA, Juarez. Ibidem.
218
Ibidem.
219
DINES, Alberto. O papel do jornal, p.136-7.
220
BAHIA, Juarez. Idem, p. 137.
113
para satisfazer o insaciável apetite de leitores frustrados em seu direito de conhecer a
verdade dos fatos”
221
. Trata-se de “pequeno caderno de capa preta em que se
achavam classificados, quase sempre breves sumários, comunicados, na sua maioria
sem assinatura, procedentes dos censores (...) ditando o que podia e não podia ser
publicado”
222
.
O controle de opinião não estava somente em seguir as “Regras Gerais de
Censura”, mas chegava às redações através de telefonemas, editais, decretos, portarias
e resoluções
223
.
Muitos jornais foram invadidos, depredados, deixaram de circular. “A
resistência da imprensa é enfrentada com o bloqueio econômico, da mesma forma que
a oposição partidária é silenciada, cassada ou aprisionada”.
224
Conforme Bahia, “O
Correio da Manhã e o JB, entre os grandes da imprensa, deixar de circular, três
diretores seus presos, são ocupados por forças policiais e militares”
225
.
É notório que nem todos seguiam à risca “As Regras Gerais da Censura”, mas
os que se arriscavam a ser contra ao governo de forma pública corriam todos os riscos
de serem perseguidos, torturados e de verem suas empresas de comunicação
fechadas
226
. Em 1970 as emissoras produtoras de programas assinaram no
Departamento de Polícia Federal um documento que aceitavam a fazer a
autocensura
227
.
A censura, os problemas políticos e econômicos em que estava mergulhado o
Brasil não possibilitou um jornalismo informativo, investigativo. O compromisso com
o leitor estava quebrado. Desta forma, não se noticia a verdade dos fatos, mas meias
verdades, ou simplesmente, omite-se a verdade. É nesse sentido que se diz que
A censura inventa um país que não é o real. O irrealismo do regime
é capaz de gerar o ‘milagre’ econômico, mas não de esconder as
lágrimas de um ditador ao verificar que, embora o Estado tenha
progredido, o povo empobreceu e o que se enxerga nele é a face da
miséria, como confessa Médici ao visitar o Nordeste
228
.
221
BAHIA, Juarez . Idem, p. 320.
222
Ibidem.
223
Ibidem.
224
Ibidem, p. 313.
225
Ibidem.
226
DINES, Alberto. Ibidem.
227
BAHIA, Juarez. Idem, p. 320.
228
Idem, p. 334.
114
Em 1974 teve início a censura prévia de rádio e TV. Em 75, o jornalista
Vladimir Erzog foi morto sob tortura nas dependências do DOI-Codi. Em 76 uma
bomba explode na Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
229
.
Os jornalistas para fugir dessa mordaça, sobretudo, os das sucursais,
intensificam a construção de suas próprias pautas que possam sem aceitas pelos
censores, muitas vezes, elaborando matérias especiais, “frias”, sobre gastronomia,
cultura, turismo, arte, amenidades, possibilitando a visibilidade de outros fragmentos
da realidade, como ocorreu com o Nordeste na mídia. São estratégias que o campo
jornalístico criam, na época, para exercer seu
habitus.
Observa-se, também, que nos anos da ditadura militar houve o crescimento da
comunicação alternativa no país, com uma linguagem mais revolucionária, panfletária,
comprometida com a cidadania, num formato de jornal tablóide ou revista, sendo
“publicações de caráter cultural, político e expressavam interesses da média da
burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia”
230
, vendidos nas bancas ou de
mão em mão. Como realça Festa:
Apesar da censura prévia e outros tipos de pressões, das
dificuldades econômicas e da falta de publicidade, dezenas de
jornais e algumas revistas foram editadas nessa fase: pasquim, pato
Macho, De Fato, Versus, Movimento, Posição, paralelo, Repórter,
Opinião, O São Paulo, Em Tempo, Extra, Bondinho, Mutirão,
Brasil - Mulher, Nós-Mulheres etc.
231
.
Essa comunicação popular, geralmente, era anônima, utilizava-se de
pseudônimo e instrumentos alternativos, ligado aos movimentos populares e as
Comunidades Eclesiais de Base, no período da Teologia da Libertação, que tinha como
um dos principais expoentes no Nordeste o arcebispo de Recife e Olinda, Dom Hélder
Câmara, bastante censurado pelo regime militar.
Assim sendo, nos anos 70, por conta da ditadura militar, o jornalismo da grande
imprensa era “amordaçado”, “engessado”, não era investigativo, nem opinativo. Furos
jornalísticos políticos e sobre corrupção praticamente não existiam. O agenciamento de
notícias para o público era controlado. O leitor lia o que a junta militar permitia.
Vale salientar que mesmo com a ditadura militar, naquela época o jornalismo
era um campo profissional que tinha um
glamour, trazia uma nostalgia. Muitos
229
BAHIA, Juarez . Ibidem.
230
FESTA, Regina. Comunicação popular alternativa no Brasil. São Paulo: Ed. Paulinas.
231
Ibidem.
115
jornalistas, depois de uma jornada de trabalho, iam para os bares e restaurantes,
conversar, beber nas calçadas dos bares, dançar, namorar... Isso fazia parte do
métier
do campo jornalístico. Não havia celular, computador, nem Internet, como já foi dito; a
televisão era um veículo de elite, o telefone fixo era um artigo de luxo, ou seja, a
comunicação era menos mediada e mais face a face. Apesar do canadense Marshall
McLuham, nos anos 70, ter cunhado a expressão “aldeia global”, o Brasil não estava
globalizado, visto que nos anos 70 e 80, muitas parcelas da população não tinham
acesso aos meios de comunicação de massa, como jornal e TV.
O campo jornalístico estava acobertado pela reserva de mercado, em que era
estabelecido que só os formados em jornalismo podiam exercer a função de jornalista,
com exceção dos repórteres fotográficos e diagramadores. A reestruturação produtiva,
o neoliberalismo, ainda, não havia chegado ao Brasil. E, isso permitia uma concepção
de trabalho nos moldes taylorista-fordista, em que cada um desempenhava o seu papel.
Ou seja, a divisão do trabalho era mais definida, e assim, o repórter não fazia o
trabalho do fotógrafo ou vice-versa. Ou ainda, o repórter não precisava dominar as
normas cultas da língua portuguesa, pois havia o redator, o copidesque. Desse modo, o
trabalho era mais fragmentado, cada um fazia a sua parte. Os jornalistas não
precisavam saber fazer um jornal todo, como é, hoje, em que é exigido do profissional
boa redação, saber fotografar, diagramar e editar.
As principais capitais do país tinham sucursais dos jornais brasileiros de maior
destaque daquela época, como, por exemplo,
Jornal do Brasil, Estado de São Paulo, O
Globo, Folha de São Paulo
. Isso trazia emprego para os jornalistas locais, que
acabavam sendo divulgadores das notícias de sua região, e passavam a ter um
habitus
diferenciado de jornalista em relação aos outros colegas. Acabavam também tendo
mais prestígio profissional local, uma vez que seu trabalho tinha maior repercussão,
atingia um público mais heterogêneo, de diversas identidades regionais, bem como era
mais remunerado. Então, trabalhar numa sucursal de um grande jornal ou revista
agregava valor, aumentando o capital simbólico profissional.
O Nordeste brasileiro era naquele período uma região midiática, porque tinha a
Sudene que precisava divulgar suas ações; possuía um dos comandos militares mais
importantes do país em Recife; sofria problemas de ordem ambiental e social, tais
como seca e enchente; era a região com problemas sociais mais aflorados, embora nem
116
sempre pudesse ser mostrado pela mídia; tinha lideranças políticas e religiosas de
oposição ao governo.
Portanto, o Nordeste era uma região estratégica para a mídia e para o governo.
Assim, a
identidade regional, o povo, o cotidiano, a política, os agravantes climáticos,
a pobreza, a desigualdade social, a gastronomia, as praias, a diversidade cultural, as
condições históricas, as relações sociais e de poder que se estabelecem no espaço
geopolítico chamado Nordeste brasileiro serviam de matéria-prima para a
grande
imprensa.
Com a abertura política no país, o Nordeste e o jornalismo sofrem suas
conseqüências. Vão surgir novos atores sociais no campo político e dos movimentos
sociais. As feridas sociais ficaram mais expostas. A mídia pôde atuar mais,
informando, pesquisando, denunciando. Embora se deva dizer que muitos jornalistas
continuaram a ser perseguidos. Só com a Constituição Federal Brasileira de 1988 -_ do
tipo cidadã, com a suspensão da censura prévia e com a volta da liberdade de
imprensa, de pensamento e de expressão, proibindo-se qualquer tipo de censura – é que
os jornalistas passam a desenvolver um trabalho com mais liberdade e a desenvolver
um jornalismo mais investigativo, podendo apontar injustiças sociais, corrupção,
fraudes etc.
A recessão, a inflação, o desemprego nos anos 80 afetaram o desenvolvimento
do Nordeste e o dia-a-dia da população nordestina. O cenário econômico do país, bem
como as mudanças no mundo do trabalho e da produção que aconteciam nos países
desenvolvidos, as novas tecnologias comunicacionais, acarretaram profundas
transformações nas empresas jornalísticas. Elas tiveram que fazer verdadeiras
reengenharias nas suas redações. Deste modo, para se adaptar aos novos desafios, os
jornais passaram enxugar seu quadro de funcionários, procuraram aumentar a
produtividade se informatizando, o que acarretou desemprego no setor e fechamento
de muitas sucursais, inclusive em Recife.
É importante ressaltar que durante esses anos a influência norte-americana foi
muito expressiva não só no jornalismo brasileiro, como na mídia em geral. Os valores,
o estilo de vida, o consumismo, os heróis e mitos norte-americanos estiveram nas telas
do cinema, em livros, nos seriados, na propaganda, nos filmes da televisão e nas
páginas dos jornais. A ditadura militar se acabou, mas os ideais norte-americanos se
117
perpetuam até hoje na sociedade brasileira e muitos deles se incorporaram ao cotidiano
da vida do povo brasileiro, do nordestino.
4.6. O fotojornalismo no contexto dos anos 70 e 80 no Brasil
A fotografia foi a principal técnica visual que o jornalismo utilizou até hoje. As
fotos impressas no jornal resumem os fatos, faz o leitor acreditar naquilo que está
lendo, suaviza a diagramação e pode servir de prova documental. Antes da invenção
das câmeras digitais e dos softwares para tratamento da imagem, era mais difícil a
simulação de imagens, os truques e as montagens, necessitando mais da presença do
fotógrafo profissional nas redações. A fotografia era tida como cópia do real, por isso
incontestável, tornando-se uma “arma poderosa” para a imprensa, capaz de causar
sensações e emoções, de influenciar na atitude do leitor.
No Brasil, as primeiras fotos na imprensa brasileira foram publicadas na
Revista da Semana em 1900. Depois, outros jornais e revistas intensificam o uso de
fotografias, como, por exemplo,
Kosmos, O Malho, A Vida Moderna, Fon-Fon e
Careta
. Mas, é somente em 1911, com o registro do carnaval carioca, feito pelo
primeiro fotógrafo oficial da prefeitura do Rio de Janeiro, Augusto Malta, que se inicia
o fotojornalismo brasileiro
232
.
No início do século XX os profissionais de diferentes áreas interessados na
prática da fotografia, como uma forma de expressão artística, formaram um
movimento chamado fotoclubismo que teve grande importância para o
desenvolvimento da fotografia no país, tendo sua fase áurea na década de 40. Outro
fato que foi importante para o fotojornalismo no país foi o lançamento da
Revista Iris ,
em 1947, a mais antiga publicação brasileira especializada em fotografia, que ainda se
encontra em circulação até os dias atuais
233
.
Os anos 50 vão marcar a alavanca do fotojornalismo brasileiro. A revista
O
Cruzeiro
e o Jornal do Brasil vão valorizar as fotografias junto às suas reportagens. As
fotos deixarão de ser apenas acessórios do texto, terão autonomia pela sua força de
expressão. Mas, é a revista
Manchete, lançada em 1952, que vai, realmente, dar
grande destaque à fotografia, trazendo uma narrativa visual mais independente do
232
www.miniweb.com.br/Artes/artigos/fotografia_brasil.html, capturado 12/06/05 às14h30.
233
Ibidem.
118
texto
234
.
Contudo, a fotorreportagem, o fotojornalismo chega ao auge, no Brasil, na
década de 60, no século passado, com o surgimento das revistas
Realidade (1966) e
Veja (1968) e do Jornal da Tarde (1966). Neste período se destacam o trabalho
fotográfico de Claudia Andujar Maureen Bisilliat, Luigi Mamprin, David Drew Zingg,
George Love e Walter Firmo
235
.
Todavia, esse é um período em que o Brasil sofre intensas transformações. Em
31 de março de 1964 os militares instauram uma ditadura que durou 21 anos. E, isso
altera a vida dos brasileiros e da imprensa. Nem tudo poderá ser escrito, dito, nem
mostrado ou fotografado. Os repórteres-fotográficos passam a conviver com a censura,
e para não serem perseguidos, muitos tiveram que não fotografar. determinado traços
da realidade que o governo militar julgava não publicáveis.
É nesse período da ditadura militar que o nordestino Natanael Guedes
236
intensifica sua profissão de repórter-fotográfico. Ele que aos 19 anos, fez seu curso de
fotografia por correspondência do Instituto Técnico e Cultural de São Paulo,
conseguindo revelar sua primeira fotografia através da luz candeeiro Aladim . Depois
desse feito, Natanael saiu de sua terra natal, Maria Farinha, município de Paulista, e
veio morar no Recife, a procura de trabalho no Jornal do Commercio.
Naquela época o jornalismo era tido como um campo profissional glamouroso,
nostálgico, de vanguarda. Muitos jornalistas gostavam da boemia. .A comunicação era
menos mediada e mais face a face, interpessoal, como foi visto antes. E, Natanael
era um desses jornalistas que gostava de ficar mais tempo na rua, tomando cachaça
com os amigos, saindo com as “mulheres da vida”, do que ir para casa. Era um
jornalista de plantão, amante da profissão.
O repórter fotográfico não precisava de formação universitária. Além disso, as
funções dos jornalistas eram bem definidas. Cada um fazia a sua tarefa, ou seja, a
prática fordista, do trabalho parcelado, também, se encontrava dentro das redações. Os
jornalistas eram classificados nas categorias de repórter, redator, fotógrafo,
diagramador, subeditor, editor, chefe de reportagem, pauteiro, radioescuta, editor-
234
www.miniweb.com.br/Artes/artigos/fotografia_brasil.html, capturado 12/06/05 às14h30.
235
Ibidem.
236
Maiores detalhes sobre a vida de Natanel Guedes no capítulo VII.
119
chefe, editorialista, havendo hierarquia entre eles, e isso implicava em poder, prestígio
e renda, como foi visto nos capítulos anteriores.
Isabel Travancas, no livro
O mundo dos jornalistas, diz que o fotógrafo “é
considerado jornalista pela categoria, recebendo a denominação repórter fotográfico. É
com ele que o repórter vai para a rua no carro do jornal”. Na verdade, o repórter-
fotográfico é mais do que isso, ele sintetiza, resume, materializa o fato jornalístico a
partir de uma linguagem visual que é a fotografia. Para isso, não basta ser fotógrafo, é
preciso também ter faro jornalístico, saber o que deve ou não conter na matéria, ter
consciência da linha editorial do veículo para qual trabalha, dominar o
habitus
profissional.
Então, em plena ditadura militar, o repórter-fotográfico tinha que se enquadrar
dentro do contexto político da época, como qualquer outro jornalista. Seu trabalho,
também, estava na mira da censura. Suas fotos não poderiam ser
contrárias a imagem da junta militar. Era preciso criar estratégias para continuar
noticiando e fotografando fatos, e uma delas eram as “matérias frias”, de cultura e
turismo.
Em 1966, Natanael chegou a ser preso, durante a ditadura militar, no governo
Paulo Guerra, por policiais militares, no exercício da profissão, por tirar uma foto que
“não deveria”, fato esse que trouxe grande inquietação da imprensa local, que via a
cada dia a liberdade de imprensa ser mais ameaçada pelas forças opressoras. O
episódio mereceu uma página inteira no JC, quando, ainda, a censura não era
oficializada, o que só veio acontecer em 1969, com o AI-5.
Naquela época havia na cidade, como foi dito anteriormente, várias sucursais
dos grandes jornais brasileiros, tais como
Jornal do Brasil, O Globo, Folha de São
Paulo, Estado de São Paulo, Correio Braziliense
. E, trabalhar num jornal de grande
circulação nacional, trazia visibilidade ao jornalista, criava um diferencial, dava
prestígio, além de ser, geralmente, mais remunerado do que um jornalista de um jornal
local.
Com grandes sucursais dos principais jornais brasileiros o Nordeste passa a
ocupar uma posição de destaque no jornalismo, vai ter visibilidade, existir para o
público leitor do JB, não apenas porque a região ocupava estrategicamente uma
posição política para os militares, ou pelos órgãos de desenvolvimento regionais
sediados nas principais capitais nordestinas, mas também pelo próprio
habitus da
120
comunicação que requeria a presença de agências e sucursais para difundir notícias
sobre determinados lugares, e essas tinham que, também, criar fatos e não apenas
mostrá-los.
Assim sendo, a sucursal do JB, em Recife, além de cumprir pautas de matérias
quentes, dentro dos critérios de noticiabilidade, tais como proximidade, importância, o
impacto, utilidade, raridade, expectativa, suspense, repercussão, oportunidade,
conseqüências, originalidade, marco geográfico, descobertas, progresso, dinheiro,
política, o culto aos heróis, descobertas e invenções, sexo e idade, citados por
Erbolato
237
, vão dar oportunidade aos seus jornalistas de criarem as próprias pautas e a
veiculação de várias matérias frias.
Essa necessidade mercadológica de produção de notícias, pelas sucursais dos
grandes jornais, e particularmente, pelo JB, é o que vai possibilitar a veiculação de
matérias de um Nordeste brasileiro híbrido, fragmentado, polissêmico, contrastante,
desigual, pela sua história, geografia, cultura, política, economia e gente. Criou-se até
um Caderno Nordeste, um suplemento especial do JB, veiculado anualmente para
mostrar “nordestes”.
Diante da censura, o campo jornalístico permitia na ocasião, aos repórteres e
fotógrafos que trabalhavam nas sucursais, a despistar o Nordeste a orientação do
governo militar para a imagem do Nordeste ou que era comum a mídia veicular. Então,
os jornalistas começaram a intensificar matérias sobre a culinária nordestina, suas
praias, beleza de suas paisagens, folguedos populares, e não somente sobre ações
governamentais e problemas sociais, tais como fome, miséria, seca e violência, que
não poderiam também ser expostos de forma sensacionalista, visto que “arranhavam” a
imagem do governo. Então, repórteres e fotógrafos se apropriaram da diversidade e da
complexidade da região, e expuseram o “outro nordeste”, o que “merece ser visto e
visitado”.
E, Natanael foi um desses jornalistas que sugeria pautas e fazia um
fotojornalismo que não somente atendia aos interesses da redação, dos leitores, dos
patrocinadores e da mão invisível do Estado, mas também que pudesse divulgar sua
região, o seu lugar, como, por exemplo, Maria Farinha.
237
ERBOLATO, Mário. Ibidem.
121
No final dos anos 70, com a abertura política, os repórteres-fotográficos vão,
também, se sentirem mais livres. As redações passam a dar cobertura a fatos, eventos e
sujeitos sociais que, antes, eram proibidos falar, mostrar e fotografar. Assim, o
fotojornalismo toma um novo impulso, tornando-se mais crítico e politizado.
Durante os anos 80, o Brasil consegue se livrar da ditadura militar. Surgem
novos movimentos sociais, o povo passa a ir às ruas protestar, fazer greve, reivindicar.
Luta-se pelas “Diretas Já”, faz-se uma nova constituição, acabando com a censura
prévia e aumentando os direitos sociais, políticos e trabalhistas. O País passa por
diversos planos econômicos, que eram verdadeiros choques na economia.
As mudanças que ocorreram na sociedade brasileira nos anos 80 irão
influenciar nas mensagens jornalísticas e fotográficas. Os fatos serão outros. Agora, a
imprensa poderá mostrar eleições diretas, corrupção, gente se opondo, novos
movimentos sociais, pois a democracia começa a chegar. As fotografias terão uma
conotação mais política e social, inclusive as de Natanael Guedes. O fotojornalismo
torna-se mais investigativo, especulativo, denunciador e revelador.
122
Capítulo V
Metodologia da pesquisa
exposição do Nordeste no jornalismo brasileiro implica em vê-lo como uma
matéria prima da mídia, que é de interesse dos meios de comunicação de massa,
do público e dos anunciantes, seja porque é uma “mercadoria lucrativa”, porque seja
uma região brasileira com diversas facetas que pode ser explorada pelo
mass media,
seja por suas especificidades.
Para haver comunicação é necessário que haja emissor ou fonte, destinatário ou
intérprete, canal ou veículo, finalidade ou objetivo, mensagem, contexto e que haja
conseqüências. Esses elementos são complementares. Um existe em função do outro.
No entanto, sem o contexto, sem a compreensão da mensagem num dado momento e
situação, a comunicação não se efetiva plenamente. Sem levar em consideração o
contexto social em que a imprensa estava mergulhada, no Brasil, nos anos 70 e 80, as
fotografias e as reportagens sobre o Nordeste brasileiro podem parecer ter força
própria, quando muitas vezes eram tolhidas, editadas, mascaradas pelas forças
ideológicas da censura prévia, instalada com a ditadura militar.
5.1. Objeto de pesquisa
As imagens visuais (fotográficas) e textuais (reportagens) que os jornalistas e
fotógrafos do
Jornal do Brasil produziam sobre o Nordeste brasileiro, nessa época,
através da sucursal do veículo em Recife, estavam atrelados a um cenário político,
econômico e social brasileiro, internacional e regional que permitia a ampliação do
campo profissional do jornalista, mesmo com a ameaça da censura, interferindo nas
pautas, nas idéias, no pensamento e na veiculação das mensagens, para um público
que, também, não podia se rebelar, discordar muito, pois tanto os veículos de
comunicação, como os produtores de notícias e fotografias, bem como ao povo era
proibido protestar, contestar sobre a ordem vigente.
A
123
A pesquisa sobre a imagem do jornalismo brasileiro foi feita levando em
consideração o veículo jornal, o repórter fotográfico Natanael Guedes e os jornalistas
da sucursal do JB como fontes, os contextos dos anos 70 e 80, as fotografias e as
reportagens sobre o Nordeste como as mensagens que devem ser estudadas para
compreender a imagem que o JB veiculou sobre o Nordeste.
As imagens visuais “falam”, comunicam alguma coisa, sobretudo quando o
receptor se identifica com o que vê. O texto, também, diz muito, pois as palavras são
cheias de significados. É claro que é preciso compartilhar do mesmo repertório
lingüístico para entender determinado texto, caso contrário nos é incompreensível.
Thompson chama a atenção para o fato de que “a mensagem não pode
significar qualquer coisa, e um indivíduo deve ter algum conhecimento das regras e
convenções em base às quais uma mensagem é produzida”
238
.
No jornalismo o texto escrito se expressa em vários gêneros: nota, notícia,
reportagem, ensaio, artigo, coluna, resenha, entrevista, carta entre outros. Sem
esquecer do título, subtítulo e das legendas.
Entre os diversos gêneros jornalísticos, a reportagem, neste estudo, se sobrepõe.
A reportagem é um gênero jornalístico interpretativo, investigativo. Ela comenta,
analisa, exemplifica, tem pesquisa, entrevista, figuras e fotografias. Geralmente, é feita
por uma equipe. Pode “ser “quente”, se os fatos só são importantes, atuais, naquele
momento, bem como podem ser ‘frias”, ou seja, não é um assunto urgente, o tempo
não é um empecilho para a sua atualidade, podendo ser feita a qualquer tempo
239
.
Nilson Lage diferencia notícia de reportagem, dizendo que a primeira é “a
exposição que combina interesse do assunto com o maior número possível de dados,
formando um todo compreensível abrangente”, enquanto a segunda é “comumente
rompimento ou mudança na ocorrência normal dos fatos, pressupõe apresentação bem
mais sintética e fragmentária”
240
. Vale dizer que uma reportagem pode ter mais de
uma notícia. Geralmente, tem uma notícia principal, acompanhada de outras notícias
vinculadas ao fato.
238
THOMPSON, John. Idem, p. 45.
239
KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem. 4. ed. São Paulo: Ática, 2001, p. 135.
240
LAGE, Nilson. Idem, p.112.
124
De acordo com Mário Erbolato, “a notícia deve ser recente, inédita, verdadeira,
objetiva e de interesse público”
241
, sendo que para muito teóricos a objetividade é um
mito. Clóvis Rossi, por exemplo, diz que “se fosse possível praticar a objetividade e a
neutralidade, a batalha pelas mentes e corações dos leitores ficaria circunscrita à
página de editoriais, ou seja, a página que veicula a opinião dos proprietários de uma
determinada publicação”
242
.
Mas, quais os critérios para um fato ser notícia? Os critérios variam no tempo,
depende da linha editorial da mídia, do faro jornalístico do repórter. Erbolato enumera
uma série de critérios que podem fazer um fato se transformar em notícia, entre eles: a
proximidade, a importância, o impacto, a utilidade, a raridade, a expectativa, o
suspense, repercussão, a oportunidade, as conseqüências, a originalidade, o marco
geográfico, as descobertas, o progresso, o dinheiro, a política, o culto aos heróis, as
descobertas e as invenções, o sexo e a idade
243
.
Segundo o modelo de Galtung e Runge, para a seleção de notícias é preciso
levar em consideração: os eventos cotidianos, a percepção da mídia, a imagem do
mundo criado pela mídia e os 12 fatores de seleção que são: a freqüência ou momento
do acontecimento, a magnitude do acontecimento, a clareza, a significação, a
consonância, o inesperado, a continuidade, a composição, as notícias sobre países do
chamado Primeiro Mundo, reportagens sobre as elites, personalização e o
negativismo
244
.
Desse modo, o que é noticiado não só corresponde a critérios técnicos de
noticiabilidade, mas também atende a interesses políticos, econômicos, religiosos dos
editores, patrocinadores, jornalistas e dos grupos de pressão
245
. Assim, por mais que a
notícia pareça neutra, sem adjetivações, atende sempre a algum interesse.
241
ERBOLATO, Mário. Ibidem.
242
ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 9.
243
ERBOLATO, Mário. Ibidem.
244
Apud MARTINO. Idem, p. 12-4.
245
As notícias podem aparecer de forma literária (com nariz de cera, introdução, informações menos
importantes para culminar com as mais interessantes), pimide invertida (informações mais importantes
no primeiro parágrafo, no lead, para terminar com fatos mais simples) e no sistema misto (fatos
importantes, desencadeados em ordem cronológico).
Há várias maneiras de se classificar a notícia. Quanto aos elementos que as compõe, pode ser
sintéticas (curtas) e analíticas (argumentada); previsíveis (o jornalista sabe que vai ocorrer) e
imprevisíveis (acontecimentos sem previsão) em relação à ocorrência em si; quentes e frias, de acordo
com a oportunidade de publicação, e quanto ao local de ocorrência pode ser local, regional, nacional e
internacional (Idem, p. 66-77).
125
Portanto, nem tudo que é importante como fato jornalístico
246
é publicado,
logo, não chega ao conhecimento do público. Essa omissão do fato e decisão de não
publicá-lo, pode se dar por interesse particular do jornalista, da empresa, de um núcleo
social ou pelo interesse em resguardar a própria sociedade
247
.
Em decorrência disso, “não basta que uma notícia seja exata, comprovada,
verdadeira para ser publicada, constituindo a veracidade tão-só o primeiro elemento
essencial à sua divulgação, encontramos na conveniência e na oportunidade os outros
pesos a ser considerados em nossa atividade selecionadora”
248
, salienta Amaral.
Há muitos interesses que se escondem entre o publicar ou não publicar uma
foto, uma reportagem. No Brasil, na ditadura militar, havia a “mão invisível da
censura” que tolhia, reprimia os fotógrafos e repórteres. E havia, também, a o braço
visível da força dos ditadores quando os jornalistas, a imprensa, contrariavam seus
interesses políticos e econômicos.
Os estudos midiáticos da atualidade dão muita ênfase aos construtores de
informações do texto jornalístico e não exploram muito a fotorreportagem como um
Mas, a notícia não acontece em si mesma. Nem tudo que é importante é publicável, assim como
nem tudo que é publicado é importante. A sua publicação atende a determinados interesses, que, quase
sempre, o público desconhece. Mattelart chama a atenção para as técnicas de diluição e recuperação dos
fatos publicados. O que é isso? No primeiro caso, um fato importante é diluído, minimizado pela
imprensa, é noticiado de forma tímida, sem muita importância, quando deveria receber destaque. No
segundo caso, a relação se inverte: um fato não muito importante para determinado público passa a ser
recuperado, enfatizado, recebendo destaque vez em quando.
246
Atualmente, os estudos científicos sobre a notícia e o jornalismo vêm apresentando crescimento no
campo da pesquisa sobre mídia e comunicação. Entre as teorias contemporâneas que estudam os efeitos
dos mass media e a maneira como esses veículos constroem a imagem da realidade social destacam-se as
hipóteses da agenda setting e do newsmaking (PEREIRA JR., Alfredo. Decidindo o que é notícia. 3 ed.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, p.77).
As duas praticamente se complementam, pois a primeira supõe que os mass media agendam os
assuntos que o público vai incluir em suas conversas, e a segunda trata dos critérios da produção da
notícia, para que o acontecimento se torne público.
Entretanto, a agenda setting não pretende persuadir o público, como chama a atenção Wolf,
mas apresentá-lo “uma lista daquilo sobre que é necessário ter uma opinião a discutir” (WOLF, Mauro.
Idem, p. 145)
Metodologicamente a hipótese da agenda-settingo se concentra apenas no emissor, nos
fazedores de notícia, no agendamento dos fatos, mas também como essas informações interferem na
formação de opinião, nas experiências e expectativas do público Assim, haveria duas agendas: uma dos
mass media e a do público, que nem sempre são a mesma. Essa última teria três tipos: agenda
intrapessoal (realce pessoal), agenda interpessoal (realce comunitário) e a terceira corresponde à
percepção que o destinatário tem da opinião pública
O impacto dos assuntos veiculados pelos meios de comunicação, segundo a hipótese do agendamento,
repercute no destinatário em dois níveis: a. “a ordem do dia’ dos temas, assuntos e problemas presentes
na agenda dos mass media; b. a hierarquia de importância e de prioridade segundo a qual esses
elementos estão dispostos na ‘ordem do dia’”, como realça Wolf (Idem-146-7).
247
BELTRÃO, Luiz. O jornalismo opinativo. Porto Alegre: Sulina, 1980, p. 39.
248
AMARAL, Luiz. Jornalismo – matéria de primeira página. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1986, p.13.
126
instrumento sociológico capaz de denunciar, de mostrar determinados traços sociais,
culturais e econômicos de uma dada sociedade.
Como diz Maria Alegre “o estudo da imagem é fundamental para o
entendimento dos múltiplos pontos de vista que os homens constroem a respeito de si
mesmos e dos outros, de seus comportamentos, seus pensamentos, seus sentimentos e
suas emoções em diferentes experiências de tempo e espaço”
249
.É concordando com
essa visão da imagem fotográfica como documento, instrumento de pesquisa social que
essa pesquisa se fundamenta, pois compartilha com Luciana Bittencourt que “imagens
fotográficas retratam a história visual de uma sociedade, documentam situações, estilos
de vida, gestos, atores sociais e rituais, aprofundam a compreensão da cultura material,
sua iconografia e suas transformações ao longo do tempo. Mais ainda, a análise de
registros fotográficos tem permitido a reconstituição da história cultural de alguns
grupos sociais, bem como melhor entendimento dos processos de mudança social...”
250
.
5.2. Modelo da pesquisa
A figura um mostra o modelo da pesquisa sobre a imagem do Nordeste no
jornalismo brasileiro. Verifica-se que o contexto nacional e regional dos anos 70 e 80
serão o pano de fundo para compreender as reportagens e as fotografias sobre o
Nordeste, veiculados pelo JB, tendo como fonte de informação os jornalistas e os
fotógrafos da sucursal de Recife. Nota-se que esse contexto interfere diretamente nas
fontes, no canal e nas mensagens. O destinatário não está no modelo, porque esta
pesquisa não visa um estudo de recepção, mas não resta dúvida que ele, também, será
influenciado não só pelo contexto, mas também pela mensagem que é veiculada e
propagada.
249
ALEGRE, Maria Sylvia. Reflexões sobre iconografia etnográfica: por uma hermenêutica visual. In:
FELDMAN-BIANCO, Bela & MOREIRA LEITE, Miriam (orgs.). Desafios da imagem: fotografia,
iconografia e vídeo nas ciências sociais, p.76.
250
BITENCOURT, Luciana. Algumas considerações sobre o uso da imagem fotográfica na pesquisa
antropológica. FELDMAN-BIANCO, Bela & MOREIRA LEITE, Miriam (orgs.). Desafios da Imagem:
fotografia, iconografia e vídeo nas ciências,Sociais, p. 200.
127
Contexto dos anos 70 e 80
Campo jornalístico
Influência do Estado
Aspectos culturais, políticos e sociais
Grupos de pressão
Interesses dos patrocinadores
Interesses do receptor e do jornalista
Fonte Canal Mensagem
Sucursal do JB em Recife Jornal Textual Visual
Fotógrafo Jornalista Reportagem Fotografia
sobre o NE sobre o NE
Imagens do
Nordeste
Figura 1- Modelo da pesquisa sobre a imagem do Nordeste no jornalismo no Brasil
5.3. Métodos e técnicas adotados
Estudar as imagens construídas ou mostradas sobre o Nordeste brasileiro, a
partir das fotografias e das reportagens veiculadas pelo
Jornal do Brasil, através da
sucursal de Recife, durante os anos 70 e 80, tendo como pano de fundo um cenário
político e econômico internacional, nacional e regional, implica em percorrer em
vários caminhos e utilizar diversas técnicas de pesquisa, tais como: análise
documental, análise de conteúdo, análise de imagem parada entrevista, além de fontes
secundárias, tais como pesquisa bibliográfica e uso de Internet como fonte de
informação.
128
Trata-se de uma realidade complexa, híbrida, emaranhada, fragmentada que
sofre influência de todas as ordens até chegar às páginas dos jornais em forma de
fotografia e de texto jornalístico. Diante desse cenário, utilizou-se o artifício que José
Marques Melo, em
História do pensamento comunicacional, chama de hibridismo
teórico e superposição metodológica, muito comum nas pesquisas de comunicação na
América Latina, mesclando conceitos e idéias de concepções sociológicas.
É um estudo de cunho qualitativo, intencional, que não pode ser generalizado
estatisticamente, mas que é representativo aos casos semelhantes, procurando
identificar os significados culturais e sociais expressos nas imagens visuais e textuais
que o JB veiculou nesse período sobre a região Nordeste.
Desse modo, as fotografias e as reportagens sobre o Nordeste veiculadas no
Jornal do Brasil durante os anos da ditadura militar e da redemocratização política são
a matéria-prima desta pesquisa. Preferimos estudar as matérias jornalísticas produzidas
pelo JB, por ser um dos mais antigos jornais brasileiros com periodicidade regular e
um dos mais importantes do país, ser um jornal de vanguarda que sempre inovou, por
ter introduzido o uso de pauta, ter dado atenção especial à fotografia, ter instituído a
primeira agência nacional de Notícias (AJB). Em relação à fotografia, decidimos
analisar como o estilo, o olhar, a identidade cultural do repórter fotográfico Natanael
Guedes
251
, que trabalhou na sucursal do JB, em Recife, durante 17 anos, pode ter
contribuído com a construção de imagens nordestinas no período 70-80, uma vez que
ele emprestava às suas lentes uma visão de mundo humanística, romanceada da vida.
Todavia, considerávamos, também, importante analisar os assuntos pautados pelo
jornal para o seu leitor a partir das reportagens que eram produzidas e noticiadas sobre
a região.
Vale salientar que ao pesquisar representações sociais do Nordeste na imprensa
não se quer encontrar a “realidade”, a “verdade” sobre o Nordeste brasileiro através de
fotografias e reportagens, mas pegadas, indícios, fragmentos, traços sobre os costumes,
as tradições, a política, a economia, o cotidiano, o comportamento do povo nordestino.
As fotografias e as reportagens sobre o Nordeste brasileiro, do acervo pessoal
do repórter fotográfico Natanael Guedes, são os documentos que embasam esta tese.
São cerca de 500 matérias sobre o povo, a cultura, a miséria, a seca, as enchentes,
251
Maiores detalhes da biografia de Natanael Guedes no capítulo VII.
129
violência no campo, políticos, infra-estrutura, personalidades, artistas, turismo, religião
na região.
Para fazer a análise de conteúdo sobre o a imagem do Nordeste brasileiro no JB
foi feita uma pré-análise do material que Natanael guardou. Depois, foram feitos
cadernos em tamanho A-3 das matérias selecionadas por assunto, tais como: Nordeste
em Manchete; Turismo e Cultura; Cotidiano; Caderno Nordeste; Política, Educação e
Religião.
Separadas por temas, as reportagens foram lidas e depois listadas por assuntos,
onde se procurou analisar o conteúdo das mensagens, a informação que o JB estava
passando sobre o Nordeste. Em seguida, foram selecionadas algumas das reportagens
que tiveram impacto devido à magnitude, a raridade, a repercussão do fato, ou seja, os
critérios de noticiabilidade. Essas estão nas páginas seguintes.
Durante a pesquisa documental, após ter folheado os Cadernos Nordeste, de 75
a 81, optou-se também por analisar de que forma o JB mostrou o Nordeste através de
seu suplemento especial. Esse caderno era feito não só pela sucursal de Recife, mas
também por correspondentes que cobriam a região. A metodologia utilizada para
analisar os assuntos que eram pautados sobre a região foi a mesma das reportagens.
Nesse caso, procurou-se verificar que imagem o JB procurava passava a cada ano
sobre o Nordeste. O que fazia o Nordeste de 75, por exemplo, ser diferente do de 76, o
que estava acontecendo de importante na região que merecesse ocupar as páginas do
jornal.
A técnica utilizada para compreender a imagem social do Nordeste, através da
fotografia, foi a de semiótica de imagens paradas, proposta por Gemme Pen, a partir
dos estudos de Roland Barthes. Nessa técnica, a autora procura analisar a imagem com
o signo de primeira e segunda ordem. Na primeira ordem, a análise do signo é
denotativa, ou seja, é como ele se apresenta, sendo análogo ao objeto, isto é, representa
um objeto, não é o próprio objeto. Já na segunda ordem, o signo é analisado
conotativamente, necessitando de compreensão cultural sobre a imagem impressa
252
.
Destacando que o caráter denotativo foi priorizado na pesquisa, ancorando-se no
conteúdo do texto (reportagem, notícia, título, legenda).
252
BAUER, Martin & GASKELL, George. Pesquisa qualitativa, com texto, imagem e som; tradução de
Pedrinho Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 323.
130
Na análise semiótica de imagens paradas, o primeiro passo foi escolher as
imagens que foram analisadas, neste caso são as fotografias preta e branca, de capa e
das reportagens de página inteira sobre o Nordeste no JB, feitas por Natanael Guedes.
O segundo passo foi listar os elementos denotativos que são apresentados na
fotografia, procurando dissecá-los em unidades menores, catalogando-os, fazendo um
inventário completo. O terceiro estágio foi procurar o significado do inventário
denotativo, ou seja, do que é percebido, mostrado, precisando para isso de
conhecimentos culturais sobre o material da pesquisa. Esse estágio corresponde ao
nível conotativo da análise, ou seja, a segunda ordem de significação. A quarta fase foi
compreender a fotografia a partir da legenda, do título da matéria e do próprio texto
(notícia ou reportagem)
253
. Depois de analisar todos os elementos na fotografia e seus
elementos circundantes foi feito um relatório discursivo (qualitativo).
Vale salientar que, nesta pesquisa, não foram considerados os critérios de
plasticidade da foto, formas, cores, texturas e composição
254
para a análise do conteúdo
social das fotografias jornalísticas sobre o Nordeste.
A análise das fotos procura verificar o significado, o conteúdo sociocultural e
não o significante (tipografia, cor da letra e tamanho), os elementos plásticos. Aliás, o
tamanho e a posição que a fotografia ocupa na matéria são utilizados apenas para
perceber a importância que o JB dedicava aos fatos sobre a região do Nordeste do
Brasil.
A entrevista utilizada na pesquisa foi do tipo não-estruturada, em profundidade,
aberta, feita face a face, anotada, com o repórter fotográfico Josenildo Tenório, que
trabalhou durante os anos 70 e 8, na sucursal do
Jornal Estado de São Paulo. Além
dele foi entrevistada a jornalista Letícia Lins que trabalhou nesse período na sucursal
do
Jornal do Brasil em Recife.
A entrevista teve como objetivo verificar como eram as rotinas produtivas de
uma sucursal; o que representava para eles trabalhar numa sucursal de um jornal de
grande circulação; como o contexto político influenciava na produção de notícias e nas
fotografias que eram veiculadas; como era o campo profissional na época; que tipo de
253
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso , p.12.
254
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem.ed. São Paulo: Papirus, 1996.
131
Nordeste era pautado e de que forma as tecnologias comunicacionais do momento
afetavam seus trabalhos.
Para compreender o cenário nacional e regional dos anos 70 e 80 foram feitas
pesquisas bibliográficas e do uso da Internet como fonte de informação. O campo
jornalístico e o
habitus profissional nos anos 70 e 80 foram compreendidos a partir da
fundamentação teórica de Bourdieu, José Marques Melo, Martino, além do uso de
Internet como fonte de informação e de entrevistas com os jornalistas supracitados.
As múltiplas imagens nordestinas vão implicar numa hibridização e
fragmentação da identidade cultural nordestina, cuja análise foi ancorada pelo viés
teórico de Laclau, Mouffe, Canclini e Stuart Hall.
5.4. Seleção das fotografias e das matérias jornalísticas
A amostra dos documentos midiáticos que serviram de matéria-prima são do
período de 1974 a 1989. A amostra deste estudo é do tipo não-probabilística e
intencional, ou seja, foi feito um estudo sobre a imagem do Nordeste brasileiro na
mídia a partir do Jornal do Brasil. As fotografias e as reportagens foram selecionadas
pelo repórter fotográfico Natanael Guedes, portanto, trata-se de documentos que fazem
parte do arquivo pessoal do jornalista, cerca de 500 matérias jornalísticas. Logo, as 74
fotografias que foram analisadas é de Natanael.
E, as reportagens analisadas foram feitas pelos jornalistas que trabalhavam na
sucursal do JB em Recife. Os Cadernos Nordeste (1975-1981), como foi dito
anteriormente foram produzidos não só pela sucursal de Recife, não havendo créditos
dos jornalistas.
A pesquisa foi do tipo de estudo de longitudinal, ou seja, ao longo de anos, cuja
análise é de cunho descritivo e explicativo. Utilizou fontes de dados secundários e
primários, bem como fez uso de técnicas qualitativas. As fontes primárias (compiladas
e analisadas pela própria pesquisadora), foram as fotografias e textos impressos sobre o
Nordeste, bem como jornalista. A tese fez uso de pesquisas documental e bibliográfica.
132
Capítulo VI
O Nordeste brasileiro que o JB mostrou nos anos 70 e
80 através do Caderno Nordeste e das reportagens da
sucursal de Recife
O Nordeste foi manchete do Jornal do Brasil nos anos 70 e 80 por diversas
vezes. Das 500 matérias sobre a região, nos arquivos existentes no arquivo pessoal do
repórter fotográfico Natanael Guedes, mais de 50 são de primeiras páginas. Dessas, o
domingo foi o dia da semana em que mais o Nordeste esteve na primeira página do JB,
o que dava importância às matérias, visto que esse é o dia em que mais se vende e lê
jornal no país. Os meses que compõem o segundo semestre do ano são responsáveis
por 68% das matérias de capa sobre o Nordeste.
O JB veiculou 69% das matérias de primeira página com teor negativo sobre o
Nordeste, mostrando a região como um local dependente economicamente, de gente
atrasada, pobre, miserável, violento, vítima da seca e dos problemas climáticos. Os
31% das matérias favoráveis à região referem-se à diversidade cultural e a bravura do
povo. Não se explica por que a região se apresenta dessa forma, não se questiona as
estruturas políticas e sociais, apenas informam, constatam e mostram esses aspectos
ruins. Isso ocorre não só por questões do momento político da época, mas também pelo
gênero jornalístico mais utilizado na primeira capa que é a notícia, onde 82% das
matérias sobre o Nordeste são informativas.
O Nordeste que o JB estampou em suas manchetes é um Nordeste híbrido,
fragmentado, heterogêneo, que retrata o cotidiano do nordestino. Faz lembrar o
descrito por Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, quando fala da seca, do retirante; o
sofrimento e os valores conservadores do povo como retrata José Américo de Almeida;
sugere os aspectos de pobreza descritos por João Cabral de Melo Neto e Josué de
Castro; mas a imagem do nordestino é forte como realça Euclides da Cunha; não é
alienado como chama a atenção Djacir Menezes; tem um senso de solidariedade e
mistura racial como dá entender Gilberto Freyre e José Lins do Rego. Trata-se de
133
identidades complexas, pinceladas na primeira página de um jornal num determinado
período histórico, mas que, em muitas situações parecem muito atuais.
Os títulos
i
de Primeira Página sobre o Nordeste chamam a atenção para o
flagelo da seca; enchentes do rio Capibaribe que deixavam a cidade do Recife em
alerta e desolada; rebeliões ao regime militar, violências, greves; a redemocratização
da região e do país; a força da mulher nordestina; a pobreza da região que precisa de
verbas; e o Nordeste como palco da política nacional, como pode ser visto na lista a
seguir:
x “Mutuários fogem de correção em Olinda”, 08.04.74.
x “Geisel assegura apoio às vítimas da enchente”, 29.07.75
x “Nordeste terá de importar feijão”, 05.06, 76
x “Nordeste terá um novo tipo de irrigação”, 21.08.76
x “General afirma que liberdade é obra do Estado”, 11.09.76
x “Rio Capibaribe enche e inunda Grande Recife”, 02.05.77
x “Governo afirma que Capibaribe não enche mais”, 03.05.77
x “Governo decide punir o general Hugo Abreu”, 01.10.78
x “Arraes defende apoio popular para oposição”, 17.09.79
x “Greve no campo em Pernambuco já tem 18 mil parados”, 03.10.79
x “Canavieiros aceitam acordo e não há greve”, 09.10.79
x “Dnocs chega aos 70 anos”, 09.12.79
x “Chuva mata 52 e desabriga 20 mil em Recife”, 11.06.80
x “Padre que compôs hino a Vito pega 2 anos de prisão”, 30.06.81
x “Major assume Exu com frieza e sem discurso”, 11.11.81
x “Seca que flagela adultos faz da criança a vítima”, 18.09.83
x “Temporal mata sete e inunda ruas de Recife”, 15.04.84
x “Dom Hélder quer no Nordeste mudanças das estruturas”, 23.04.84
x “Tancredo vai propor fim do Ministério do Interior”, 24.06.84
x “Andreazza e Tancredo deixam Sudene”, 28.07.84
x “Tancredo admite eleição direta em 85 nas capitais”, 17.12.84
x “Tancredo acusa grupos de buscar ‘lucros criminosos’ com inflação”, 04.01.85
x “Verbas para o Nordeste não terão cortes”, 25.05.85
x “Collor realiza maior comício da campanha”, 09.10.89
x “Produtor de teatro mata seqüestrado”, 08.12.90
x “A dama de ferro das Alagoas”, 09.12.91
A maioria dessas matérias retrata um cotidiano difícil do nordestino, com seca,
enchente, falta de estrutura urbana, trabalho árduo de mulheres em frente de
emergência, brigas entre famílias, dependência econômica da região para com o poder
central, trabalhadores fazendo greve por conta de baixos salários e precárias condições
no serviço. Por outro lado, mostra-se, também, que no Nordeste há alguma resistência
à ditadura militar, aparentando um povo forte, não alienado; apresenta uma igreja ao
134
lado do povo, pois nessa época, o arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara
era um dos ícones da Igreja de Base, num período que se falava de Teologia da
Libertação; uma gente que mesmo debaixo d’água não se esquece de resgatar seus
livros; um local que tem carnaval, cultura popular.
As fotografias de Primeira Página são de matérias quentes, de fatos que são
importantes naquele momento. Por isso, vai se mostrar um Nordeste mais dependente,
cheio de problemas sociais, de contradição, mas de gente que também luta, que não
aceita a realidade dada, por isso faz greve, resiste aqui e a acolá. Esse Nordeste vai
diferir, por exemplo, da imagem visual e social de um Nordeste rico em gastronomia,
folguedos populares, cheio de artistas, intelectuais e políticos famosos, veiculados no
Caderno de Turismo, como poderá ser visto adiante.
6.1. Caderno Nordeste
O Caderno Nordeste era um suplemento especial que o JB veiculava no
segundo semestre de cada ano, tinha uma média anual de 30 páginas e procurava
enfocar a questão do desenvolvimento social do Nordeste, servindo também de
informe publicitário para as ações dos governos estaduais, das agências de
desenvolvimento e das autarquias. Era produzido pelas sucursais de Recife, Fortaleza e
Salvador. Cada capa tinha uma fotografia
255
que ocupava quase toda a página e um
texto que sintetizava a imagem do Nordeste que iria emergir nas páginas seguintes.
Não havia créditos nem do repórter-fotográfico, nem dos jornalistas. Muitas vezes não
se sabe quando começa o jornalismo e quando termina o informe publicitário.
Foi veiculado de 1975 a 1981, deixando de ser produzido em anos posteriores
devido à crise financeira que o JB passou, tendo que fechar muitas de suas sucursais ou
então, em alguns casos, diminuir a quantidade de jornalistas.
255
Algumas dessas fotografias serão analisadas no próximo capítulo.
135
6.1.1. Caderno Nordeste 1975
Nordeste mudou. A paisagem tradicional do jangadeiro e do vaqueiro caatinga adentro,
somam-se hoje, a chaminé, o asfalto, o caminhão pesado de carga. Com o suor, a
tenacidade e a inteligência do seu povo, dos seus técnicos e das suas lideranças, esta
vasta região de 1 milhão e 600 mil quilômetros pulou para o futuro em 15 anos. Contra os 10
mil quilômetros de estradas em 1960, existem agora quase 30 mil quilômetros. Cerca de 1 mil
e 630 novos empreendimentos foram aprovados pela Sudene, significando investimentos em
torno de Cr$ 33 bilhões e 59 milhões. A indústria está presente e viva em seus nove Estados
ainda no Norte de Minas Gerais, produzindo álcool propileno glicóis a palito de fósforo. De
um crescimento médio anual de 3% entre os anos 40 e 50, a economia nordestina saltou para
7,1% entre 1960 e 1974. As exportações cresceram 650,3% em 10 anos, a capacidade
instalada de energia elétrica aumentou de 280 mil para mais de 2 milhões de quilowatts. Há
15 anos, pouco depois da Sudene, tudo isto era sonho. O JORNAL DO BRASIL mostra, agora,
o que mudou e o que continuará mudando. E traz o Nordeste que vai muito além do vaqueiro –
uma região onde o
256
.
256
Jornal do Brasil. Nordeste/75, 28 de novembro de 1975, capa, 33 páginas.
O
136
O Caderno Nordeste 1975 é o que mostra uma imagem mais otimista de todos
os suplementos em relação à região. A idéia de “milagre econômico” também chegou
ao Nordeste. Nada de miséria e pobreza. A imagem era de uma região que mudou,
aonde o desenvolvimento chegou, ficando independente economicamente, pois a
industrialização começava a se impor e com o isso o emprego, a infra-estrutura social,
como estradas, barragens, portos, produção de energia. Tratava-se de uma região que
tinha potencial industrial e energético em todos os seus nove estados, cujo PIB crescia
7,1% ao ano e em 10 anos viu suas exportações crescerem mais de 650%. Toda essa
transformação do cenário econômico da região tinha como alavanca a criação e a ação
da Sudene, ancorada por outros órgãos de desenvolvimento da região, tais como a
Chesf, Dnocs, Codevasf, Banco do Nordeste, e o do Fundo de Investimentos do
Nordeste (Finor).
O JB mostra a mudança da imagem do Nordeste e procura corroborará essa
transformação com a foto de capa do caderno, onde mostra a presença da chaminé
como sinal que a industrialização havia chegado, substituindo a jangada e o vaqueiro,
como pode ser visto na matéria 1, mostrando que a região crescia a mais de 7% ao ano
entre 1960 a 1974, a industrialização dava sinais fortes de crescimento, a triplicação no
número de estradas e os inúmeros projetos aprovados pela Sudene.
137
Matéria 1 – Sudene muda Nordeste em 15 anos - 28/11/85.
138
A seca de 1910 que chegou a matar mais de 150 mil nordestinos, o apego à
monocultura, a falta de capacidade empresarial, os métodos superados de exploração
econômica, ausência de tecnologia, capacidade ociosa e o predomínio de uma elite
despreparada são alguns dos fatores que a matéria 2 aponta como responsáveis pela
decadência da economia nordestina nas décadas anteriores. Numa época também em
que a política governamental para região restringia-se à ação hidráulica, através de
intervenção de órgãos específicos para combate a seca, tais como o IFOCS, em 1909, e
depois do Dnocs. Todavia, a matéria analisa que a partir dos anos 50, o governo com
enfoque desenvolvimentista muda sua estratégia de ação para a região, criando a
Chesf, o Banco do Nordeste e a Sudene em 1959. Inicialmente, a Sudene criou
incentivos fiscais para a indústria nordestina, com subsídios do governo, dando
dedução no Imposto de Renda para as empresas que se instalassem na região. Contudo,
a partir de 1966 esses incentivos foram transferidos também para outras regiões mais
desenvolvidas economicamente, o que reduziu a capacidade de investimento na região.
A Sudene passou a dividir os incentivos com o Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal (IBDF), a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca
(Sundepe) e a Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), reduzindo a capacidade de
investimento na região. Mas, mesmo assim, o Nordeste dá um salto na
industrialização. E, como a instituição do Finor, em 1974, a região retomou o
crescimento e passou a atrair mais empresas, como pode ser visto na matéria dois.
139
Matéria 2 –Ação da Sudene no Nordeste - 28/11/85.
140
A indústria passa, na ocasião, a ser percebida como o grande motor do
crescimento da economia nordestina, chegando a crescer 11,5% no período de 1960-
74, movido também pelas exportações que chegaram alcançar em 1974, 19% do valor
total exportado pelo Brasil, como assinala a matéria 3. Em 16 anos a Sudene chegou a
provar mais de 1630 projetos, dinamizando a economia, gerando mais de 272 mil
empregos diretos, nos dez estados em que atuava, pois o semi-árido mineiro, incluía
Minas Gerais no Nordeste brasileiro.
Matéria 3 - Indústria impulsiona a economia da Região - 28/11/85.
141
O JB enfatizava que apesar de haver pobreza, do analfabetismo dos adultos
chegar a mais de 50% da população de mais de 15 anos; de 600 mil famílias viverem
em habitações inadequadas; das altas taxas de mortalidade infantil, da baixa renda per
capita da população, sobretudo a do semi-árido, que chegava a ser ¼ da renda
nacional, o Nordeste estava nitidamente mudado a partir dos 16 anos de criação da
Sudene, pois o PIB nordestino havia crescido para 7,1% ao ano, o número de
empregos cresceu de 7 milhões para mais de 11 milhões entre 1960 e 1973; a
capacidade de energia cresceu de 280 mil quilowatts para mais 2 milhões de
quilowatts; as estradas triplicaram; a expectativa de vida aumentou de 48 para 54 anos;
a taxa de mortalidade decresceu; a taxa de alfabetização cresceu; a produção de
cimento aumentou de 1 mil e 161 toneladas em 1971 para 2 mil toneladas em 1974.
Matérias de meia página ou mesmo de páginas inteiras mostravam o potencial
do estados nordestinos, assinalando as ações dos governos estaduais. Por exemplo, do
Piauí é destacado que além do crescimento do setor rodoviário, saúde, educação,
agropecuárias, saneamento, eletrificação rural, incentivos a pequenas empresas, o
estado lança projetos para modernização da agricultura; programas de ação social para
treinamento de mão de obra e erradicação de mendicância; a construção do porto
marítimo de Luís Correia; o fortalecimento do sistema ferroviário; execução de
programas de irrigação.
Quanto ao Maranhão, o JB enfatizou a construção da primeira etapa do Porto
de Itaqui, construção de ma estrada de ferro que liga São Luís a Carajás, no Pará; a
futura implantação e construção da siderurgia de aço com capacidade anual de 12
milhões de aço
142
Matéria 4 – Evolução da economia nordestina - 28/11/85.
143
Pernambuco foi lembrado com a elaboração de sete projetos: a criação da
Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife (Fidem), tendo
como atribuição o planejamento integrado de desenvolvimento metropolitano; criação
do Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana; implantação de 26 Centros
Sociais Urbanos; saneamento ambiental em relação à bacia fluvial do Jordão/Setúbal e
na bacia do Beberibe; criação da segunda perimetral; instalação de terminais de
transporte rodoviários e ferroviário de longa distância; valorização das praias, com a
implantação da malha Norte da PE-01; e parques metropolitanos, com a intenção de
preservar os remanescentes da Mata Atlântica e aumentar as condições de lazer da
população. Mostra, também, a modernização de estradas, com pavimentação e asfalto,
servindo de boa opção para viagem, como a BR-232, BR-428 e a BR-122; a produção
de álcool como uma fonte de energia alternativa ao petróleo que se repõe; o
desenvolvimento da caprinocultura e da ovinocultura. O vale do São Francisco foi
apresentado como um dos futuros celeiros do país na produção de frutas, hortaliças e
grãos, a partir do investimento feito na região e da implementação de projetos de
irrigação por parte da Codevasf, beneficiando tanto pernambucanos como baianos.
Do Estado do Ceará, o JB destacou o Plano de Ação Municipal de Fortaleza,
que visava humanizar a cidade, preocupando-se com a limpeza pública, melhorando a
malha viária, arborização, recuperação das praias, aumento do número de matrículas e
de salsa de aula. Foram também comentados os projetos de irrigação sob
responsabilidade do Dnocs, com a finalidade de melhorar a produtividade da lavoura; a
associação do estado ao “Projeto Sertanejo”, elaborado pelo Ministério do Interior,
possibilitando a construção de quatro mil barragens e a perfuração de poços profundos;
a expansão da eletrificação rural, com a construção de mais de 5.500 quilômetros de
linhas; recuperação de estradas danificadas pelas inundações de 1974 e de estradas de
interesses turísticos, as obras da BR-020 (Fortaleza – Picos – Brasília), conclusão da
BR-230 (Lavras – Mangabeira – Campos Sales) e BR-226 (Jaguaribe-Crateús). A
diversificação de cultura agrícola, como, por exemplo, o estímulo à castanha de caju,
de maracujá, citrus, sorgo e amendoim.
Em relação à Paraíba, foi enfatizada a criação da Secretaria de Indústria e do
Comércio com o intuito de estimular à atividade empresarial e a intensificar os
programas industriais, tais como interiorizar o processo de industrialização, ampliação
e melhoria dos distritos de João pessoa e Campina Grande, integração do estado com
144
os demais, estímulos à implantação de fábricas que usem matérias-primas existentes e
intensificação dos conhecimentos de todos os recursos minerais do Estado. A
comercialização da carne da baleia e tubarão era mostrada como uma grande fonte de
renda para o estado. Em 1975, mais de 250 tubarões foram caçados na costa paraibana,
cerca de mais de 34 toneladas de carne, um peixe que de tudo se aproveita para o
comércio, dentes, couro, fígado, carne, enfim tudo. A Companhia de Pesca do Norte do
Brasil (Coperba) capturou mais de mil baleias nesse ano, movidos pelo valor da carne
no comércio interno e externo, por seu sabor e valor nutritivo.
Da Bahia, o Caderno Nordeste falava da construção do Pólo Petroquímico da
Bahia, em Camaçari, mudando a paisagem e dando novos horizontes à economia e à
população. Mostrou o centro Industrial de Aratu, como um dos melhores locais de se
investir no país, com a construção de seu porto, por ter terrenos equipados, a preço de
subsídio, energia, água rede escolar, transporte, segurança, uma moderna central
telefônica e por ser urbanizada. Mencionou o crescimento da cafeicultura do estado e a
corrida ao ouro ao diamante nos municípios de Andaraí e Lençóis.
A extração anual de mais de 1 milhão de toneladas de sal e a produção de
algodão foram os grandes destaques dado ao Rio Grande do Norte.
O potencial produtivo de Alagoas foi marcado pela fixação do salgema no
estado através da instalação do complexo cloro-químico, a fim de fabricar e exportar
dicloretano, aumentando o nível de emprego da população e o aumento de divisas.
De Sergipe, o grande destaque que o JB deu ao estado, foi a produção de
petróleo na plataforma continental de Guaricema, tornando-se o segundo maior
produtor no Brasil; os três mil empregos que a Petrobrás paga aos funcionários,
incrementando o comércio da região, e o pagamento de
royalties.
Desse modo, o Nordeste que o JB veiculou no seu suplemento especial é um
Nordeste em crescimento, cheio de projetos, de investimentos, de planejamentos. Um
Nordeste onde a pobreza praticamente não aparece. Um Nordeste que vale a pena
investir. É o discurso do “milagre econômico” se reproduzindo na região, é a política
desenvolvimentista se efetivando. Não há espaço para contestação, tudo parece “as mil
maravilhas”. É muito mais um informe publicitário. Mas, não resta dúvida que muita
coisa estava acontecendo. Havia investimento. E, esse dinheiro, na maioria das vezes
vinha através de empréstimos internacionais, fazendo o Nordeste mudar sua imagem
para uma região que constrói, se industrializa, abre estradas.
145
6.1.2.Caderno Nordeste 1976
epois de 17 anos de ação planificada para o desenvolvimento o Nordeste brasileiro já
apresenta condições de atrair os milhares de nordestinos que deixaram a região em
busca de melhores condições de vida no Sul do país e, ao mesmo tempo, de criar
oportunidades de fixação à área dos seus 31 milhões de habitantes – uma nação quase, dentro
do Brasil – que vão descobrindo meios de permanecer em seus nove Estados. A irrigação
apresenta resultados. A industrialização cresce a taxas elevadas. O emprego aumenta em
ritmo constante. As oportunidades de educar-se multiplicam em condições satisfatórias.
Embora reste muito a fazer, o Nordeste de 1976 já apresente sinais bem nítidos de vitalidade
econômica e desenvolvimento social.
257
257
Nordeste/76, 26 de novembro de 1976, capa, 32 páginas.
D
146
O aumento do nível de emprego, o retorno dos nordestinos as suas cidades
natais por conta da melhoria na região, os incentivos fiscais, a atuação do Dnocs na
região, a luta contra a seca, o balcão de projetos para a região e a irrigação são os
principais assuntos do Caderno Nordeste 76, que mostra a imagem de um Nordeste em
desenvolvimento, que busca saída, que luta e não se acomoda.
O JB mostra que em 1975, os projetos da Sudene chegaram a gerar mais de 274
mil empregos diretos e estáveis na região. O II PND previa a geração de 1 milhão 320
mil novos empregos, e o INPS, registrou no período 09/75 a 09/76 mais de 1 milhão
731 mil novos empregos, 14% acima do previsto pelo plano. E, em Camaçari se
esperava gerar mais de 15 mil empregos a partir do funcionamento do pólo.
Com o aumento de empregos na região, por conta do crescimento na economia,
sobretudo no setor secundário, muitos nordestinos começaram a fazer o caminho de
volta, principalmente aqueles que não conseguiram se firmar profissionalmente no
Centro-Sul do país, como mostra a matéria 5.
A ação da Sudene, o planejamento de áreas, a presença dos investimentos do
Finor, a entrada para recursos para projetos a baixo custo, os incentivos fiscais são
apontados como causas do crescimento industrial na região, a ponto do crescimento
industrial ter uma taxa média anual de 89% no período de 1960 a 1974, maior do que a
do país, que foi de 8,4% no mesmo período, conforme mostra a matéria 6.
147
Matéria 5 – Melhoria no Nordeste traz nordestino de volta para casa – 26/11/76.
148
Matéria 6 – Crescimento industrial do Nordeste é maior do que a média nacional – 26/11/76.
A irrigação é apresentada como a grande solução para vencer a seca, manter o
trabalhador na terra e produzir alimentos o ano inteiro. Petrolândia, município do
sertão pernambucano, foi o primeiro a implementar projeto de irrigação no Nordeste,
149
em 1938, com a chegada da Companhia Industrial do São Francisco, como mostra a
matéria 7. De lá para cá, muitos projetos de irrigação no Vale do São Francisco foram
implementados.
Matéria 7 – Petrolândia, pioneira em projeto de irrigação no Nordeste – 26/11/76.
150
Os primeiros projetos de irrigação foram lançados por Apolônio Sales,
promovendo a colonização do sertão nordestino. Sua idéia logo se espalhou. E, em
1976, o Núcleo Colonial de Petrolândia (NCP) dispunha de uma área de três mil
hectares, distribuídas em 106 famílias, dispondo cada uma de 19 hectares, cultivando
majoritariamente goiaba e coco, e dois colonos plantando uva Itália. Além da
agricultura o NCP dispunha de um centro incubador para a produção de 150 mil pintos
de um dia. Também em Petrolândia iria ser construída a Barragem de Itaparica, a 10
km da jusante da cidade, com capacidade de gerar 2 milhões 400 mil kw, trazendo
mudanças na vida da população e incrementando o comércio local.
A Bahia estava implementando dez projetos de irrigação nas margens do São
Francisco, destacando-se o cultivo de trigo, através do Projeto Mandacaru. Esse que foi
crido em 1964 pela Suvale, recebendo financiamento do Banco do Nordeste, utilizando
o sistema de irrigação por infiltração, distribuindo lotes, visando promover a
agricultura familiar entre os colonos, fixando-os na região.
No Ceará, que tinha 98% de sua área localizada no polígono da seca, o maior
rio seco do mundo, o rio Jaguaribe, estava sendo beneficiado com projetos de irrigação
do Dnocs, entre os quais o de Morada Nova, promovendo a irrigação de 8 mil 483
hectares, na produção de frutas e verduras, visando também à fixação de milhares de
famílias em estabelecimentos agrícolas.
Na Paraíba estava sendo desenvolvido o Projeto de Desenvolvimento Rural
Integrado do Vale do Piranhas, abrangendo 11 municípios, beneficiando uma
população de mais de 193 mil habitantes, cuja exploração agrícola era voltada para o
cultivo de milho, feijão, algodão arbóreo, banana e arroz, e a produção pecuária se
destacava pela bovinocultura.
Outro projeto que visava à intensificação da produção irrigada era o Projeto
Sertanejo, de iniciativa da Sudene. Ele foi criado com intuito de beneficiar meeiros,
pequenos proprietários e parceiros de áreas mais atingidas pelas estiagens, nos Estados
de Ceará, Pernambuco, Paraíba, Bahia e Rio Grande do Norte, atingindo uma área de
atuação de 860 mil quilômetros quadrados, beneficiando uma população estimada em
mais de 300 mil pessoas, prestando assistência a 30 mil pequenas e médias
propriedades.
151
O Programa de Desenvolvimento das Áreas Integradas do Nordeste
(Polonordeste), criado em 1974, tinha o primeiro a ser criado com o objetivo de
promover o crescimento global, sendo considerado na época, conforme matéria 8, “o
mais significativo esforço de planejamento integrado do desenvolvimento rural já
realizado no Brasil”. Projetos na área de educação, saúde, assistência técnica, crédito,
saneamento, estradas, e outras obras de infra-estrutura compunham o Polonordeste.
Dos 23 projetos aprovados, quatro estavam sendo executados no Agreste e no Pajeú,
em Pernambucano, beneficiando dezenas de famílias, com vistas a aumentar a renda
familiar, melhorar qualidade de vida da população, elevar a produção agrícola,
explorar culturas agrícolas tecnicamente orientadas para o comércio.
O Nordeste se tornava um balcão de projetos para irrigação, combate à seca,
instalação de indústrias químicas, farmacêuticas, têxtil, perfumaria, gráficas, produtos
alimentares, vestuário e calçados, exploração do setor hoteleiro, como pode ser visto
na matéria 9, num período em que as empresas eram atraídas por subsídios, isenções
fiscais de Imposto sobre Produtos Industriais (IPI) e do Imposto de Renda,
financiamentos, enfim uma série de vantagens que o governo oferecia. Numa época em
que a reestruturação produtiva, ainda, não tinha acontecido, o fordismo prevalecia, a
automação das fábricas não era tão grande, dependendo de grande quantidade de mão
de obra, não necessariamente qualificada, recebendo, quase sempre, baixos salários.
152
Matéria 8 – Polonordeste – Programa de desenvolvimento integrado – 26/11/76.
153
Matéria 9 - Balcão de projetos para o Nordeste – 26/11/76.
154
Matéria 9 - Balcão de projetos para o Nordeste (continuação)
155
Matéria 9 - Balcão de projetos para o Nordeste (continuação)
156
Para a viabilização desses projetos era necessário planejamento; contava-se
com investimentos externos e com financiamentos de bancos estaduais e de
desenvolvimento da região, conforme mostra matéria 10. O Finor foi importantíssimo
para o salto industrial do Nordeste, dando novo impulso à economia a partir de 1974,
como pode ser observado na matéria 10.
Matéria 10 – Bancos como agentes de desenvolvimento – 26/11/76.
157
Matéria 11 – A marca do Finor na região - – 26/11/76.
158
O Caderno Nordeste/76 mostrou também o recorde da produção de algodão no
Ceará, o incremento de vendas de fumo de corda e de folha em Alagoas, a exploração
de babaçu, maior riqueza natural do Maranhão, pesquisa do Piauí para recuperar o
rebanho bovino.
Os investimentos na região, os projetos de irrigação, a instalação de novas
indústrias, os planos de desenvolvimento para região, tudo isso trazia um clima de
otimismo, o que levava o JB a mostrar que o sertão nordestino visto, anteriormente
como marca da pobreza e miséria, também, havia mudado, dando espaço para o
desenvolvimento, principalmente as cidades do Vale do São Francisco, como, por
exemplo, Petrolina, passando por profundas transformações, como mostra a matéria
12.
Matéria 12– Crescimento nos municípios – 26/11/76.
159
Capitais como, por exemplo, Teresina, com mais de 300 mil habitantes, na
época, cheia de problemas sociais, agravados pelo fluxo migratório, pela falta de infra-
estrutura urbana, pelas precariedades dos serviços municipais, era mostrada, agora,
cheia de investimentos em urbanização, principalmente em calçamento, construção de
mercados públicos, intensificação da coleta de lixo, reformas e construções de parques,
entrega de mais 2100 lotes de terras, entre outras benfeitorias.
A industrialização na região trouxe mudanças não só espacial no Nordeste, mas
também melhorou a qualidade de vida da população, melhorando as estradas,
ampliando a rede hoteleira, diversificando o lazer, tendo grandes redes de
supermercados e lojas, vendendo mercadorias produzidas na própria região.
O Nordeste que o JB mostrou no seu suplemento especial de 1976é de uma
região em desenvolvimento, cheia de projetos de infra-estrutura se efetivando por
conta das agências de desenvolvimento, do financiamento e crédito para as empresas.
Uma boa opção de investimentos. Um lugar onde a população está se beneficiando
com as políticas sociais para a região e com a industrialização.
6.1.3. Caderno Nordeste 1977
Nordeste em 1977 apresenta características bem distintas dos anos mais recentes no
campo da administração e planejamento voltados para o desenvolvimento. Apresenta-se
como uma área que tomou conhecimento de que deve fazer muito mais para superar os
perigosos desníveis sociais que o separam do Centro-Sul do país e o aproximam das Nações
mais pobres da América do Sul. “Ainda não temos condições de influenciar o comportamento
da agricultura”, reconhece o Superintendente da Sudene, Sr. José Lins Albuquerque, ao
afirmar que o crescimento da economia regional poderia ter sido mais intenso não fosse o
milenar problema da seca periódica, que atingiu três vezes a região nos anos 70, sucedidas
por enchentes catastróficas duas vezes. Mas, apesar disto, fatos novos surgem a partir da
descoberta de potencialidades que dão à Região vantagens comparativas em relação ao resto
do Brasil. O plano nacional do álcool é uma delas pretendendo-se produzir em 1980, perto de
500 milhões de litros, criando-se 45 mil empregos. Ou nas descobertas de minérios que
reverterão a expectativas de desenvolvimento de Estados como Rio Grande do Norte e Ceará
na implantação de um superporto no litoral de Pernambuco. Ou na consolidação do Pólo
Petroquímico da Bahia.
258
258
Jornal do Brasil. Nordeste/77, 25 de novembro de 1977, capa, 26 páginas.
O
160
A partir de 1977, o caderno Nordeste é mais crítico, pontuando o
desenvolvimento da região como um problema político, denunciando que as taxas de
crescimento estão longe do nível ideal. A região é vista sob um prisma mais negativo,
que também contagiava o país, no momento em que o país se acordou para o “milagre
econômico” que, realmente, não chegou, atingindo alguns setores da economia e
beneficiando determinados grupos. Por outro lado o JB procura mostrar que a região
tem potencialidades e iniciativa para se desenvolver economicamente.
Muitas matérias mostravam o Nordeste como uma região problema,
estampando os seguintes títulos:
x Desenvolvimento do Nordeste um problema político
x Taxas de desenvolvimento estão longe do nível ideal
x Terra no Nordeste está nas mãos de poucos donos
x Nordeste ainda não criou infra-estrutura capaz de enfrentar a seca periódica
x Em busca de soluções para região-problema
161
x Indústria sem parque de transformação preocupa cada vez mais governo
baiano
x Exportação de lagosta baixa e pesca não se desenvolve
x Irrigação no Nordeste é só de 2% da área irrigada de todo o país
x Sudene enfrenta o problema do homem que não tem terra
As duas secas que atingiram a região, as enchentes foram apontadas pelo
superintendente da Sudene na época, José Luiz Albuquerque, como fatores limitativos
ao crescimento econômico da região, a pesar do investimento pela parte do governo e
da iniciativa privada, como pode ser visto na matéria 13. A inundação em 1974 trouxe
grandes prejuízo à lavoura e a seca de 1976 reduziu em 13% as lavouras e afetou a
vida de mais de 15 milhões de nordestinos.
Matéria 13 – Taxas de crescimento longe do ideal – 25/11/77.
As secas periódicas são apontadas como um dos principais motivos da
migração de nordestinos, geralmente, sem qualificação profissional, para o Centro-Sul,
162
principalmente para as capitais e São Paulo, símbolos de progresso. Para aqueles que
resistem, ficando na região seca, a única alternativa é participar de frente de trabalho.
São 16 milhões de nordestinos do semi-árido trabalhando nessas frentes. É
reconhecida, por parte dos técnicos do Grupo Especial de Auxílio às Calamidades
Públicas (Geacap), que esta não é a solução, mas um atenuante imediato para os
flagelados, conforme mostra a matéria 14. Portanto, mesmo com a Sudene, o Dnocs, o
Banco do Nordeste, o Finor, a Codevasf e a presença do empresariado privado, o
“Nordeste ainda não criou infra-estrutura capaz de enfrentar a eca periódica”.
Matéria 14 – Frentes de trabalho, um “mal necessário”. – 25/11/77.
163
Observa-se, também, um tom mais crítico das reportagens em relação aos fatos.
Isso já era reflexo, de uma maior distensão da mídia, num momento em que a crise
econômica começa dá sinais. Na matéria 15, com título “homem expulso da terra é
aproveitado após seleção”, ancorado pela posição da Igreja Católica, da ala
progressista, inicialmente se critica o fato dos colonos analfabetos, velhos e doentes,
expulsos das terras não serem aproveitados pela Codevasf, no Projeto de Irrigação de
Mandacaru, indo de encontra ao título da matéria, que mostra que os 34 colonos
contemplados com assentamento são de outros estados e outras regiões. Os títulos,
também, começam a aparecer com ares de reivindicação, tais como: “colono tangido
pela seca quer seu pedaço de terra”.
Matéria 15 – Homem expulso da terra é aproveitado após seleção – 25/11/77.
164
A irrigação é apontada ao longo desses anos como a saída para o
desenvolvimento das áreas semi-áridas. Ao contrário dos outros anos, o JB em suas
reportagens vai apontar críticas, fragilidades e inconsistências dos projetos, como pode
ser visto na matéria 16, onde as frases se apresentam cheias de reticências e advérbios
de intensidade, como, por exemplo, “irrigação do Nordeste é
2% de área irrigada de
todo o país”; “a irrigação no Nordeste
ainda está a uma área reduzida;” “no
Bebedouro, por exemplo, são atendidos
apenas 100 colonos”
259
, entre outras.
Todavia, o JB continua mostrando a força dos projetos de irrigação, tais como
os desenvolvidos pelo Dnocs, no Ceará, beneficiando 240 famílias de colonos
trabalhando nos projetos Caldeirão; os da Estação de Pesquisas do Vale de São
Francisco, em Pernambuco, para o cultivo de tomate em escala industrial; o de São
Gonçalo, na Paraíba, com a criação de quase mil empregos.
Mostra, também, que o Nordeste continua crescendo, cheio de perspectivas e
desafios a vencer, como pode ser observado nos seguintes títulos de reportagens:
x Nordeste cultiva sorgo e milheto
x A nova Meca do turismo é um convite aos que gostam de sol e hospitalidade
x Industrialização do caju dá ao Piauí nova perspectiva
x Ceará inicia nova fase com exploração de recurso mineral
x Vantagens da carne de baleia incluem duas vezes mais proteína que do gado
x Bicho-da-seda é nova opção para os agricultores
x Fogão solar, nova pesquisa
x Executado, Plano do álcool ampliará campo de trabalho
x Salgema de Alagoas abre campo de trabalho e novo alento à economia
x Projeto de irrigação cria na Paraíba mil empregos diretos
x Bode conquista nova dimensão
Assim, de Teresina, é destacado o maior projeto agroindustrial da cultura de caju
no Piauí e o maior do mundo ocidental, A Cajunorte do Brasil S.A., ocupando uma
fazenda de 33 hectares de terra, empregando 400 trabalhadores.
Sobre o Maranhão, o JB tratou do projeto de povoamento do Maranhão que até
1972 foi administrado diretamente pela autarquia passou a ficar sob o comando da
Companhia de Colonização do Nordeste (Colonef), no mesmo ano, sendo assentadas
mais de 2200 famílias, em lotes de 50 hectares, para explorar carne bovina, culturas
temporárias, como arroz, mandioca, milho e feijão.
259
Grifos nossos.
165
Matéria 16 - Irrigação do Nordeste – 25/11/77.
166
A Salgema de Alagoas foi o grande assunto que o JB abordou sobre o estado,
ocupando uma área de 17 hectares, com investimento em torno de 10 milhões de
dólares, tem capacidade para produzir 250 mil toneladas de ácido clorídrico e 6,25 mil
toneladas de hidrogênio. A salgema é encontrada a uma profundidade de mil metros e
nos locais há seis poços.
De Pernambuco, foi dado ênfase à implantação do Complexo portuário
industrial de Suape, no litoral Sul do estado, com sistemas de embarcação para navios
de grande e médio porte e para navios que servirão de cais de uso público. O projeto
previa a instalação de fábricas de cimentos, pneumáticos, alumínio e cimento-alumina,
bem como a movimentação de 7 milhões toneladas/ano de petróleo cru e derivados,
trazendo grandes investimentos para a economia de Pernambuco. Foi mostrado
também a caprinocultura como uma nova alternativa econômica do sertão.
Outro assunto que Pernambuco foi destaque foi sobre o Projeto Sertanejo. A fim
de fortalecer a economia e acabar com as secas na região. O Proálcool, programa
alternativo ao petróleo como combustível, lançado pela Sudene, foi outro assunto que
pôs Pernambuco na agenda nacional. Esse programa lançado pela Sudene, quando
atingir sua produção máxima, produzirá 1 bilhão 800 milhões de litros, mais de 180
mil empregos diretos, sendo os grandes beneficiários os estados de Pernambuco e
Alagoas, os maiores produtores de açúcar da região. Além de emprego e divisas para
região, as destilarias de álcool produzem muita poluição, devendo buscar soluções
técnicas.
O bicho-da-seda, como nova opção para os agricultores do Rio Grande do
Norte e as reservas minerais de sal, calcário, petróleo, gás natural foram abordados
pelo JB como potencial de crescimento econômico do estado.
Mas, foi o Ceará o estado nordestino que teve o maior número de matérias
positivas, conforme pode ser constatado nos títulos de matérias a seguir:
x Ceará procura ampliar seu parque industrial para manter liderança
x Fortaleza, hoje: A nova Meca do turismo é um convite aos que gostam de sol e
hospitalidade
x Carnaúba sustenta economia cearense e obtém bom preço
x O Polonordeste no Ceará
x Ceará inicia nova fase com exploração de recurso mineral
x Produtos da terra, redescobertos, a grande riqueza
167
O sol, a hospitalidade, as praias, a modernização da cidade, fez de Fortaleza um
point do turismo nacional na época. Como Ceará era o terceiro pólo industrial da
região, tendo a indústria têxtil seu principal indústria, para se manter na liderança
precisou investir em outras opções do setor secundário, tais como calçadista, mineral,
metal-mecânico. A carnaúba, um produto do qual tudo se aproveita, com a crise do
petróleo, passou a ser um produto de exportação.
O Nordeste que o JB mostrou no Caderno/77 foi híbrido, pois ao mesmo tempo
em que se desenvolvia, estava preso a estruturas do passado, de pobreza e miséria, e
sofria às conseqüências das secas e das enchentes.
6.1.4. Caderno Nordeste 1978
á quase vinte anos, um órgão era criado para planejar e impulsionar o desenvolvimento
do Nordeste – a Sudene. E nestas duas décadas, muita coisa mudou na região. Nem todos
os problemas foram solucionados. Mas o saldo é bastante positivo. Hoje, uma área que
já foi conhecida apenas pela pobreza, pela aridez do seu sol, pelas secas periódicas, pode ser
apresentada com uma boa oportunidade de investimentos. Transformou sua economia,
fortaleceu sua indústria e abre perspectivas em novos campos, como o turismo. Ainda há
muito para ser feito. Dificuldades a serem superadas. Programas a serem aperfeiçoados. Mas
as centenas de empreendimentos e os milhares de empregos criados são uma realidade. E
demonstram que vale a pena aplicar no Nordeste.
260
260
Nordeste/78, 15 de dezembro de 1978, capa, 20 páginas.
H
168
A imagem que o Caderno Nordeste/78 traz da região é de um lugar que vale a
pena investir, pois tem potencial energético, financiamento, indústrias instaladas. A
ampliação de infra-estrutura está provocando, também, melhoria nas cidades e na
qualidade de vida da população.
Entre os projetos de infra-estrutura que estavam sendo implementados na
região, o Projeto Suape tomou visibilidade, cuja construção estava a 40 km de Recife,
sendo mostrado como a alternativa econômica mais importante para Pernambuco,
podendo receber navios de até 135.00 tdw, possibilitando a descentralização industrial
da região metropolitana do Recife. Estava prevista, inicialmente, a implantação de
uma fábrica de fertilizantes, uma unidade de produção de alumínio metálico, uma
usina siderúrgica, um terminal exportador de cimento.
Como matérias primas potenciais à indústria regional, o JB veiculou matérias
sobre a exploração do coco babaçu, destinada a produção de carvão coque para a
indústria siderúrgica, aparece como um dos melhores investimentos no Piauí; o álcool
é apresentado como a grande esperança do desenvolvimento de Alagoas, levando-o a
novo estágio econômico; a produção de eteno a partir do álcool criaria até 1980 cerca
de dez distritos industriais em Alagoas; o aumento da produção de cana-de-açúcar em
40% na Paraíba, possibilitando maior desenvolvimento para o estado; o crescimento da
produção de cobre, na Bahia, podendo ultrapassar a 50 mil toneladas em quatro anos;
indústria química e mineral não-metálicos, metalurgia e mecânica, têxtil -confecções,
material elétrico, manufaturados de plástico
s foram apontadas por órgãos
governamentais como os quatro ramos da indústria que têm grandes oportunidades de
se expandir em Pernambuco; a cultura de caju passou a ser modelo de agroindústria,
pois transformou uma cultura de subsistência em uma agricultura de mercado; a
fabricação de carbonato de sódio
, popularmente conhecido como barrilha, na fábrica
da Alcanorte, em Macau, Rio Grande do Norte, possibilitando o Brasil se tornar o
segundo pólo produtor do mundo; o funcionamento, em caráter experimental da
primeira estação fitossanitária do Norte /Nordeste, no município de Glória de Goitá,
em Pernambuco.
No tocante às indústrias no Nordeste foram destacados a diversificação dos
pólos industriais de João Pessoa e Campina Grande, na Paraíba, com 74 empresas
instaladas, produzindo até fogão, como assinala a matéria 17; os centros industriais de
Aratu, Subaé e Itabuna, e os distritos industriais de Ilhéus, Itabela, Imborés, Jequié,
169
Juazeiro e Sauípe, como mostra a matéria 18; O Pólo Petroquímico de Camaçari,
Bahia, estava oferecendo 60 opções e investimentos de terceira geração, contando com
uma área de 2 mil e 500 hectares, com sistema viário, energia elétrica, telefonia com
serviço de discagem interurbana e internacional, apoio técnico e financiamento; a
expansão dos três distritos industriais da Região Metropolitana do Recife, Cabo,
Paulista e São Lourenço da Mata, contando-se em médio prazo com o Complexo
Industrial de Suape; bem como o incentivo que o estado de Pernambuco estava dando
a industrialização em cidades de médio porte, a fim de interiorizar o desenvolvimento
diminuindo, assim, movimentos migratórios nas Zonas da Mata, Agreste e Sertão. Para
isso, está criando distritos industriais, com infra-estrutura e oferecendo vantagens para
as empresas se instalarem. As primeiras cidades a serem beneficiadas eram Petrolina,
Caruaru e Garanhuns.
Matéria 17 – João Pessoa e Campina Grande, pólos industriais da Paraíba.
170
Matéria 18 – Bahia tem diversos centros e distritos industriais - 15/12/78.
171
Para aumentar a atividade industrial na região Nordeste a presença e os
investimentos da Chesf na produção de energia elétrica foram fundamentais, trazendo
profundas mudanças no cenário espacial e na vida da população.
Com investimento em infra-estrutura, financiamento, aumento da atividade
industrial e ação planejadas as cidades melhoraram, como, por exemplo, as capitais de
Recife e fortaleza. A capital pernambucana teve suas pontes ampliadas, ruas calçadas,
avenidas, parques e praças.
A ação governamental era, na época, de suma importância para a alocação de
recursos. Por iniciativa do Presidente da República, foi implantado em Fortaleza, com
recursos do Finor, o Terceiro Pólo Industrial do Nordeste, sendo o primeiro em
Salvador, e o segundo em Recife. Decisão essa que causava um impacto extremamente
positivo para a capital do Ceará.
Sobre o Ceará, o JB veiculou, ainda, a imagem de um estado que planeja e
realiza, aumentando a modernização dos métodos de exploração de terra, implantando
indústrias, melhorando a qualidade genética d gado, estimulando a ampliação da bacia
leiteira do estado, construindo estradas, ampliando a eletrificação rural, elevando sua
produção pesqueira, tornando-se líder regional na captura da lagosta; investindo na
educação, em obras públicas, construindo centros sociais urbanos e melhorando o
sistema de saneamento básico na capital
.
O Maranhão traçou como prioridade de governo agricultura e pecuária,
tentando duplicar a safra de 1 milhão e 200 toneladas, a fim de que o Brasil deixasse
de importar, por ano, 6 mil toneladas do produto, recebendo apoio do governo federal.
O estado estaria ganhando, também, recurso para investir na construção civil, no
saneamento básico, na ampliação de energia elétrica, na indústria e no turismo.
O suplemento destacou que Sergipe em 10 anos cresceu nos setores de
telecomunicações, construção civil, saúde, educação e indústria. Para melhorar as
condições econômicas do estado, estava concentrando esforços para a criação de um
complexo de indústrias químicas e base, a fim de explorar seu potencial de reservas
minerais.
Ao analisar o Caderno/78 observa-se que o JB não veiculou matéria sobre o
turismo, mas que ele está nas entrelinhas das reportagens sobre melhorias e
investimentos das cidades, como em Recife, Salvador e Fortaleza.
172
É no Caderno Nordeste/79, como será visto a seguir, que o turismo recebe um
papel de destaque na região e onde as belezas das praias, a diversidade cultural serão
veiculadas.
6.1.5. Caderno Nordeste 1979
o mesmo tempo em que amplia um moderno parque industrial e desenvolve projetos para
a exploração de novas vocações econômicas, como a utilização de um potencial
energético a partir de diversas matérias-primas encontradas em grande quantidade na
Região, o Nordeste continua enfrentando problemas antigos e estruturais: a desnutrição, o
analfabetismo, a seca, a questão fundiária. Técnicos, políticos e autoridades têm reclamado,
constantemente, maiores recursos e atenção do poder central. Agora, quando o governo
Federal anuncia novos planos e verbas, alguns demonstram mais otimismo com o futuro desta
área, enquanto outros reivindicam transformações mais radicais para eliminar, em curto
prazo, as disparidades entre o Nordeste e o Centro-Sul.
261
Uma região antagônica, com grande potencial energético e turístico, mas com
graves problemas sociais, em busca de verbas, de investimento do poder central. Essa é
a imagem que o Caderno de 1979 traz do Nordeste, numa época em que o Brasil estava
fazendo sua abertura política e os jornais começavam a mostrar com maior nitidez as
feridas sociais.
É o suplemento especial mais crítico em relação à região, mostrando as sociais,
a insatisfação de alguns políticos, a vontade de vencer, mas com problemas climáticos
como seca não ajudando o Nordeste avançar, além da vontade política. Por outro lado,
mostra como o turismo está crescendo na região, como as cidades estão se preparando
para receber fluxos turísticos domésticos e internacionais.
Entre os problemas sociais foram destacados o déficit de habitação popular, a
baixa oferta de vagas no 2º grau na rede oficial de ensino em Alagoas (matéria 19); a
falta de escola, casa, trabalho e saneamento no Maranhão (matéria 20); mortalidade
infantil e evasão escolar, na Paraíba, sobretudo no interior (matéria 21); problemas
esses comuns em toda a região. Junte-se o flagelo da seca, diminuindo a produção
agrícola (matéria 22) e dizimando o gado.
261
Ibidem. Nordeste/79, 23 de novembro de 1979, capa, 38 páginas.
A
173
Diante dos problemas sociais que não são abolidos nem resolvidos, apenas
atenuados, num momento em que o país estava passando por transformações políticas,
começando a abertura política, o povo indo mais às ruas fazer reivindicações, a crise
econômica se instalando, os estados nordestinos passaram a reivindicar mais
investimentos.
O Maranhão, por exemplo, reivindicava hospitais, água, estradas, mercados
públicos (matéria 23); as microrregiões de Alagoas reivindicava água, energia e
médicos (matéria 24); apoio a agropecuária no Piauí; os municípios do Ceará
reivindicavam melhoria na carga tributária (matéria 25); na Bahia se reivindicava
maiores investimentos em outros centros industriais, além de Aratu, Ilhéus e Feira de
Santana (matéria 26).
Matéria 19 – Problemas sociais de Alagoas – 23/11/79.
174
Matéria 20 - Problemas sociais do Maranhão – 23/11/79.
175
Matéria 21 – Problemas sociais da Paraíba – 23/11/79.
176
Matéria 22 - Seca no Rio Grande do Norte – 23/11/79.
177
Matéria 23 –
Reivindicações de São Luís – 23/11/79.
178
Matéria 24 – Reivindicações de Alagoas – 23/11/79.
179
Matéria 25 – Reivindicações dos municípios cearenses – 23/11/79.
180
Matéria 26 – Reivindicações dos distritos industriais baianos – 23/11/79.
181
Mas, o Nordeste não só tinha problemas sociais, gente e governo reivindicando.
Tinha, também, projetos de desenvolvimento em andamento e potencial energético,
tais como a Salgema em Alagoas; potássio, magnésio e sódio dando impulso às forças
da economia de Sergipe;
know-how do Ceará na produção de álcool de mandioca;
aproveitamento da energia solar na Paraíba, entre outras fontes de energia.
A indústria de alimentos, de transformação de minerais metálicos, indústria
têxtil, de produtos plástico, couro e peles crescia substancialmente na Paraíba, além da
produção de tungstênio; a Usina Mandacaru, na Bahia, a primeira instalada em área
irrigada, produzia mais de 600 mil sacas de açúcar; o cacau dava US$ 1 bilhão de
divisas para a Bahia e já havia no estado mais de 115 milhões de covas de café; a
construção de casas populares em Pernambuco; a consolidação o II pólo industrial do
Nordeste; crescimento de 20% nas exportações de alagoas; implantação da cidade
hortifrutigranjeira no Rio Grande do Norte, ocupando uma área de 300 hectares e
empregando mais de 1000 pessoas; criação de novos núcleos industriais em
Pernambuco, tais como, Moreno, Igarassu, São Lourenço da Mata, na área
metropolitana; no Maranhão estava sendo criado do distrito nº. 1 de São Luís e do
futuro terminal exportador siderúrgico, que escoará o minério de Serra dos Carajás.
O Nordeste tinha, também, muitas praias, cachoeiras, colinas, tempo ameno,
balneários, marinas, folclore, cultura, gastronomia e investimento na rede hoteleira. O
JB mostrou o potencial político de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte (matéria
27) Alagoas (matéria 28), Bahia (matéria 29), Piauí (matéria 30) e Maranhão (matéria
31).
Nunca um Caderno Nordeste do JB foi tão híbrido como o de 1979. Foi
mostrado feridas sociais profundas, problemas de infra-estrutura, seca, insatisfação
política, mas também indústria, ampliação de infra-estrutura e ênfase ao turismo.
182
Matéria 27
– Turismo em Natal – 23/11/79.
183
Matéria 28 – Turismo em Alagoas – 23/11/79.
184
Matéria 29 – Turismo na Bahia – 23/11/79.
185
Matéria 30 - Turismo no Piauí – 23/11/79.
186
Matéria 31 - Turismo em São Luís – 23/11/79.
187
6.1.6. Caderno Nordeste 1980
Nordeste busca novos meios para acelerar seu desenvolvimento: a exploração de
minérios, fontes de energia não convencionais, um programa de turismo integrado,
projetos para melhorar as condições de vida da população, o combate à seca através de
obras racionais e de menor custo que possibilitem ao contingente da zona rural, não apenas
sobreviver mas participar do processo produtivo. Governadores e empresários reconhecem o
esforço que vem sendo feito em favor da região, mas defendem uma ação política mais eficaz,
reivindicando, do Governo Federal, tratamento diferenciado para o Nordeste reduzir os
desníveis regionais
262
.
262
Ibidem. Nordeste/80, 28 de novembro de 1980, capa.
O
188
Entre os cadernos Nordeste que o JB publicou, o de 1980 é o que apresenta o
maior número de matérias com políticos e empresários reivindicando um tratamento
diferenciado para o desenvolvimento da região, num momento em que o país apresenta
altas taxas de desemprego e inflação, e a população começa a se mobilizar e a mostrar
sua insatisfação com a ditadura militar. A seca aparece como um problema que, ainda,
atormenta os nordestinos, parte do potencial turístico da região é exposto, e alguns
projetos de desenvolvimento são publicados, bem como a ideologia de que o Nordeste
tem tudo para se desenvolver aparece nas páginas do suplemento.
As mudanças políticas, a inflação e a recessão que dava sinais na sociedade
brasileira viam-se nas páginas dos jornais e refletiam diretamente na região Nordeste,
com cortes de verbas, diminuição de financiamento nos projetos de desenvolvimento,
com a alta carga tributária, tudo isso fazia os governadores, mesmo os da situação, a
manifestar a sua inquietação, a reivindicar um tratamento político diferenciado do
Centro-Sul., como pode ser constatado nos seguintes títulos de matérias.
x Política tributária privilegia Centro-Sul e aumenta desníveis
x Magalhães também vê política como o problema do Nordeste
x Maciel defende mais decisão para superar as dificuldades
x Administração não basta para resolver todos os problemas
x Buriti diz que abertura leva Nordeste a lutar por oposição
x Economista critica modelo de desenvolvimento nordestino
x Palmeira diz que é hora do Centro-Sul devolver ajuda ao NE
x Região exige suprimento em nível adequado
O governador da Paraíba, Guilherme Palmeira, na época defendia uma política
descentralizada para o Nordeste e defendia a tese de que era “hora do Centro-Sul
devolver tudo o que o Nordeste lhe ofereceu e vem oferecendo”, como mostra a
matéria 32.
189
Matéria 32 – “É hora do Centro-Sul devolver ajuda ao Nordeste” – 28/11/80.
O governador de Alagoas, Tarcísio Burity, também defendia um tratamento
diferenciado efetivo para a região, descentralizado, embora não fosse a favor de “idéia
separatista”, conforme pode ser observado na matéria 33.
190
Matéria 33 – Abertura leva Nordeste a lutar por oposição – 28/11/80.
191
A falta de prioridade de resolver a questão social e o tratamento lineares a essas
questões eram também criticadas não só por políticos, mas também por empresários,
como pode ser visto na matéria 34
.
Matéria 34 – Questão social não é prioridade – 28/11/80.
192
Diante da inflação, da restrição ao crédito, da diminuição de recursos nos
projetos de desenvolvimento social, o empresariado começa a se organizar e se o
opuser ao governo, como mostra a matéria 35.
Matéria 35 – Empresariado do Piauí se organiza – 28/11/80.
193
A recessão que traz desemprego, desacelerização da economia, aumenta a
pobreza, as distâncias sociais e regionais, inquietava o povo, os políticos e os
empresários. Esses defendiam a criação de uma estrutura econômica autopropulsora
capaz de afastar dos nordestinos a recessão que atormentava a todos, como mostra a
matéria 36.
Matéria 36 – Recessão não deveria chegar ao Nordeste – 28/11/80.
A seca no Ceará, Alagoas e no Piauí são discutidas no suplemento, sendo a
situação da população flagelada agravada pela inflação, recessão e diminuição de
investimentos no setor (matéria 37).
194
Matéria 37 – Piauí sofre com seca e inflação – 28/11/80.
195
Em Pernambuco, estado da federação que apresentava, na época, a maior
desigualdade de renda, foi criado o Projeto Asa Branca, com o objetivo de combater
esses desníveis, a pobreza, a seca do Sertão e do Agreste, como mostra a matéria 38.
Matéria 38 - Planos para combater a pobreza em Pernambuco – 28/11/80.
196
A impressão que dá é que o Nordeste do Caderno-80 desconstrói a região em
crescimento, cheia de projetos sociais e de infra-estrutura, mostrado nos suplementos
anteriores. O Ceará, por exemplo, que teve tantas matérias enaltecendo sua infra-
estrutura, seus investimentos, pólos industriais, agora, emerge como um estado abatido
pela aridez do solo, tendo como únicas saídas o pólo e projeto Ceará (matéria 39).
Matéria 39 - Pólo e projeto Ceará são as únicas soluções – 28/11/80.
Por outro lado, nem tudo estava perdido nem acabado. Apesar da crise
econômica que afetava o país e a região, havia setores em crescimento, projetos em
andamento, construção de estradas, energização rural e crescimento industrial, como
mostra a matéria 40.
197
Matéria 40 – Crescimento da indústria em Sergipe – 28/11/80.
198
O setor em expansão, em evidência, que o JB mostrava era o turismo, fruto
também de uma necessidade da população mundial de se globalizar, de estar em todos
os locais, de conhecer novas culturas, paisagens e povos. Nesse sentido, o jornal
divulgava a região, o que ela tinha de mais expressivo em nível de potencial turístico.
Recife (matéria 41), Salvador, Fortaleza (matéria 42), Goiana (PE) foram às cidades
contempladas pelo jornal, ressaltando a gastronomia, os pontos turísticos, o folclore, as
praias e a rede hoteleira.
Caderno Nordeste/80 reflete a ebulição política e econômica do cenário
nacional. A desaceleração da economia mostra um Nordeste desasticido, procurando
solução, reivindicando, sendo mais combativo e crítico. A abertura política
possibilitava, de certa forma, os políticos e a mídia serem mais incisivos, mostrar as
desigualdades sociais e regionais, a “realidade com menos maquiagem”. Recessão e a
inflação faziam o país acordar de um sonho, “um milagre econômico” passageiro.
199
Matéria 41 – Recife, uma cidade que se acorda e se dorme com ela – 28/11/80.
200
Matéria 42– Fortaleza busca hegemonia no turismo – 28/11/80.
201
6.1.7. Caderno Nordeste 1981
nergia. Alimentos. Flagelos. Potencial. Miséria. Perspectivas. Poder Público.
Empresários. O homem do campo. Esperança. Obstinação. Planejamento. O Nordeste,
conscientizado, parte em busca de sua consolidação
263
.
263
Jornal do Brasil. Nordeste/81, 31 de julho de 1981, capa, 34 páginas.
E
202
O Caderno Nordeste 1981 mostrou uma imagem ambígua do Nordeste,
contraditória, com miséria, flagelos, ao mesmo tempo em que é conscientizado,
obstinado, tem energia, planejamento, empresários investindo. Ele também traz
reflexões de políticos e técnicos sobre a região durante Seminário sobre o Nordeste,
promovido pelo JB, em Fortaleza.
O JB veiculou o posicionamento de alguns palestrantes, como, por exemplo, o
governador Roberto Magalhães falou dos aspectos políticos do subdesenvolvimento; o
ex-ministro do Planejamento, João Paulo Velloso, comentou sobre o papel do Nordeste
na divisão regional do trabalho; o ex-ministro da Agricultura, Aliso Paulinelli, tratou
do desenvolvimento no Nordeste; o economista Nilson Holanda avaliou o Nordeste de
1954 até 1980; o ex-superintendente da Sudene, Celso Furtado, abordou sobre
alternativas institucionais para o desenvolvimento do Nordeste (matéria 43).
Matéria 43 – Celso Furtado comenta sobre o Nordeste em seminário – 31/07/81.
Vários foram os projetos e programas em andamento na região que o jornal
veiculou no seu suplemento especial. Entre eles destacavam-se:
x A ampliação do Projeto Asa Branca, no semi-árido nordestino, tendo como
principal objetivo a perenização de rios, rodovias vicinais e eletrificação rural,
(matéria 44);
203
x Projeto de colonização Boqueirão, produzindo 25 milhões de coco por ano,
numa área de 15 hectares, distribuída em 350 lotes (matéria 45);
x Projeto Italuís, de abastecimento de água de grande porte, expandido o
fornecimento de água na capital maranhense;
x Programa de Aproveitamento de Recursos Hídricos do Nordeste de águas
superficiais e subterrâneas, dotando de infra-estrutura as propriedades
beneficiadas;
x Programa Cesta do Povo, com instalação de mais de 130 postos de revenda em
Salvador, vendendo mais de 50 itens de alimentos, com preços 35% mais
baratos que o preço de mercado;
x Programa de Valorização do Médio e Baixo Jaguaribe (Promovale), da
Secretaria de Agricultura do Ceará, abrangendo uma população de mais de 440
mil habitantes, numa faixa de terra de 18.538 km
2.
com a finalidade de
aproveitar racionalmente o potencial hídrico, fazendo pequenas irrigação;
x Projeto Cidade Hortigranjeira, em João Pessoa, com o objetivo de produzir
beterraba, alface, repolho, cenoura e outros produtos, com caráter social,
fazendo o preço de horta cair;
x Programa Rodoviário Estadual, recuperando, construindo e pavimentando
mais de 590 quilômetros de estradas, naquele momento, fazendo parte da
política de integração estando interligada ao Centro-Sul e Amazônia.
x O Incra através de 12 programas desapropriou em 1980 cerca de 71 mil 500
hectares de terra nos municípios de Alagoas, Paraíba e Pernambuco, com o
objetivo de implantar colônias agrícolas.
A idéia de crescimento na região se reflete na continuidade de investimento em
infra-estrutura, ainda que em ritmo mais lento do que em anos anteriores, como foi
visto nos outros suplementos. Entre as obras de infra-estrutura na região, destacava-se
a promessa de se construir uma malha rodoviária, cobrindo todo território paraibano; a
localização privilegiada do porto de Itaqui, no Maranhão, com capacidade de
comportar navios de 60 mil toneladas, num cais de 27 metros de profundidade; em
Sergipe estava sendo mobilizados esforças para um terminal portuário; o investimento
dos Ministério dos Transportes na ampliação e construção de portos e rodovias na
região, com a finalidade melhorar as condições de portos e aeroportos, e de facilitar a
comercialização de mercadorias; melhoria de estradas para escoamento da produção
em Pernambuco.
204
Matéria 44 – Projeto Asa Branca – 31/07/81.
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