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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA
SILVIO IUNG
ENSINO SUPERIOR NA IECLB: UMA PRIMEIRA HISTÓRIA
São Leopoldo
2010
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SILVIO IUNG
ENSINO SUPERIOR NA IECLB: UMA PRIMEIRA HISTÓRIA
Dissertação de Mestrado
Para obtenção do grau de
Mestre em Teologia
Escola Superior de Teologia
Programa de Pós-Graduação
Área de concentração: Religião e Educação
Orientador: Prof. Dr. Wilhelm Wachholz
São Leopoldo
2010
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SILVIO IUNG
ENSINO SUPERIOR NA IECLB: UMA PRIMEIRA HISTÓRIA
Dissertação de Mestrado
Para obtenção do grau de
Mestre em Teologia
Escola Superior de Teologia
Programa de Pós-Graduação
Área de concentração: Religião e Educação
Data: 2 de agosto de 2010
Wilhelm Wachholz – Doutor em Teologia – EST (Presidente)
__________________________________________________
Remi Klein – Doutor em Teologia - EST-PPG
________________________________________________________
Danilo Streck – Doutor em Filosofia da Educação - UNISINOS
________________________________________________________
RESUMO
O tema central desta dissertação é o ensino superior na IECLB. Inicialmente, localizam-se o
surgimento do ensino superior comunitário no Brasil e sua estruturação ao lado da oferta do
poder público. Apresenta-se a formação do sistema de educação comunitária vinculada à
Igreja, com escolas primárias, a partir das dificuldades enfrentadas pelos imigrantes alemães
evangélico-luteranos, na sua chegada ao Brasil, com a ausência de escolas. Contextualizado o
espaço do surgimento da educação superior comunitária e a tradição do ensino básico de
caráter comunitário, abre-se o cenário para resgatar as discussões em torno da criação de
faculdades e cursos superiores no âmbito do Sínodo Riograndense, um dos formadores da
IECLB. Destaca-se a tentativa infrutífera de oferecer cursos naquele período em que as
demais instituições brasileiras que atuam com ensino superior iniciam sua atividade. Este
trabalho tenta compreender as causas dessa dificuldade e analisa as alternativas adotadas. Por
último, volta-se a atenção para as trajetórias exitosas de surgimento de cursos a partir da
década de 1970, mas com resultado especialmente na virada para o século XXI. A pesquisa
revelou que a opção por não oferecer ensino superior decorre de todo um contexto de igreja
que passava por reorganização. Também certa indefinição interna quanto a quem caberia a
responsabilidade de oferecer cursos retarda a oferta desses. O trabalho culmina com o
apontamento de alternativas para que o ensino superior na IECLB possa ter maior
participação no cenário educacional brasileiro. A pesquisa aponta para uma revisão na
sistemática de manter faculdades e cursos em instituições comunitárias da IECLB, para o caso
de estas quererem se consolidar no cenário brasileiro.
Palavras-chave: Ensino superior comunitário. Educação confessional. IECLB.
ABSTRACT
The subject matter of this dissertation is higher education within IECLB (the Evangelical
Church of Lutheran Confession in Brazil). The paper starts out by examining the origin of
congregational education in Brazil and its structural organization alongside public education.
The formation of the congregational education system is presented, which started with
primary schools linked to local church congregations that were set up in response to the
difficulties with the lack of schools found by German Lutheran immigrants upon their arrival
to Brazil. After setting the context for the emergence of congregational higher education and
the tradition of congregational basic education, the paper analyzes the discussions around the
creation of colleges and higher education courses within the Synod Riograndense, one of the
founding constituents of IECLB. Special emphasis is given to the unsuccessful attempt to
offer courses at the time when many other Brazilian institutions working with higher
education started their activity. This paper attempts to understand the reasons underlying these
difficulties and examines the alternatives adopted. Finally, attention is given to the successful
emergence of courses in the 1970s, but which took effect especially at the turn of the 21
st
century. Our studies reveal that the option not to offer higher education stemmed from a
larger context of the church that was then undergoing reorganization. Some internal
uncertainty about who would bear the responsibility for offering courses further delayed the
process. The paper concludes by indicating alternatives for higher education in IECLB to play
a greater role in the context of Brazilian education. The research points out the need for a
systematic review of the way colleges and courses are maintained by institutions within
IECLB should they want to consolidate their position in Brazil.
Keywords: Congregational higher education. Denominational education. IECLB.
SUMÁRIO
RESUMO ----------------------------------------------------------------------------------------------5
ABSTRACT -------------------------------------------------------------------------------------------6
INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------------7
1 ENSINO SUPERIOR COMUNITÁRIO ----------------------------------------------------- 12
1.1 O amparo legal à instituição educacional comunitária ------------------------------ 13
1.2 A caracterização da instituição comunitária ------------------------------------------ 14
1.3 A natureza da instituição comunitária ------------------------------------------------- 15
1.4 A Lei 4024/61 e as raízes do ensino superior comunitário ------------------------- 16
1.4.1 O laico e o confessional na educação superior --------------------------------- 16
1.4.2 O estabelecimento da Lei 4024/61 ----------------------------------------------- 19
1.4.3 A reforma universitária de 1968 -------------------------------------------------- 22
1.5 Ausência de regulação para a educação comunitária -------------------------------- 26
2 EDUCAÇÃO PROTESTANTE NO BRASIL ---------------------------------------------- 29
2.1 A Reforma Protestante ------------------------------------------------------------------- 31
2.2 Educação e igreja protestante no Brasil----------------------------------------------- 33
2.2.1 Escolas regulares ainda não têm...------------------------------------------------ 36
2.2.2 Escolas em torno do Sínodo Riograndense ------------------------------------- 39
2.2.3 A Segunda Guerra Mundial: um tempo de transformação-------------------- 42
2.3 O associativismo e o comunitário ------------------------------------------------------ 44
3 O ENSINO SUPERIOR EM PAUTA --------------------------------------------------------- 48
3.1 O sistema educacional e a qualificação de professores------------------------------ 48
3.2 O Conselho Sinodal de Educação e a ênfase teológica------------------------------ 53
3.2.1 A Faculdade Evangélica de Filosofia, em Estrela------------------------------ 54
3.2.2 Escola de Serviço Social----------------------------------------------------------- 57
3.3 A opção pela informalidade ------------------------------------------------------------- 59
4 CONCRETIZA-SE A IGREJA NACIONAL ----------------------------------------------- 62
4.1. A discussão pelo espaço da educação formal na IECLB--------------------------- 63
4.2 Os bastidores ------------------------------------------------------------------------------ 67
4.3 Para onde se evoluiu---------------------------------------------------------------------- 69
4.3.1 ISCET -------------------------------------------------------------------------------- 70
4.3.2 IFPLA -------------------------------------------------------------------------------- 72
4.3.3 Faculdade Três de Maio------------------------------------------------------------ 73
4.4 O apoio formal ---------------------------------------------------------------------------- 75
4.5 O planejamento conjunto ---------------------------------------------------------------- 79
4.6 Perspectivas-------------------------------------------------------------------------------- 83
CONCLUSÃO -------------------------------------------------------------------------------------- 87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS----------------------------------------------------------- 92
Arquivos ---------------------------------------------------------------------------------------- 95
Entrevistas-------------------------------------------------------------------------------------- 95
Anexo 1 ----------------------------------------------------------------------------------------- 96
Anexo 2 ----------------------------------------------------------------------------------------108
Anexo 3 ----------------------------------------------------------------------------------------123
Anexo 4 ----------------------------------------------------------------------------------------134
7
INTRODUÇÃO
diversas discussões ao longo dos últimos cinquenta anos, no âmbito da Igreja
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
1
, sobre a criação de faculdades. Neste
tempo o ensino superior brasileiro experimentou um grande impulso. As instituições
universitárias ainda hoje de maior reconhecimento no cenário brasileiro surgiram a partir da
década de 1940 até 1980. Além da atuação pública estatal, um conjunto de instituições
privadas foi moldado e presta imensa contribuição para o ensino superior.
As escolas primárias e secundárias ligadas à IECLB apresentaram-se como amplos
sistemas educacionais no sul do país, contribuindo para o desenvolvimento dessa região do
Brasil. Elas são fonte primária para entender a forma de organização comunitária da
sociedade brasileira. Seu sistema se estruturou desde o século XIX e atingiu o patamar de
possuir desde a formação de professores até o estabelecimento de escolaridade mínima, em
vinculação com a Igreja na primeira metade do século XX. Entre as maiores igrejas históricas
do Brasil, a IECLB está entre as que apresentam menor atividade na educação superior. A
Igreja
2
não conseguiu se valer de seu sistema de educação primário e secundário para criar
instituições expressivas de ensino superior identificadas com ela.
A proposta para a presente pesquisa é uma abordagem de natureza qualitativa, com
ênfase nos estudos em história, que permita compreender o contexto de decisões em torno do
tema da oferta de ensino superior em instituições da IECLB. O meio acadêmico não tem
registro de estudos aprofundados sobre esse tema sob a ótica histórica. A História Imediata
(História Nova) servirá de referencial teórico significativo por se caracterizar emdar a
palavra aos que foram atores dessa história
3
. Imprescindível é considerar que este
pesquisador está envolvido no processo como articulador dos desdobramentos das decisões
em estudo desde o final da década de 1990. Na condição de diretor executivo do
Departamento de Educação da IECLB, desde o ano 2000 denominado Rede Sinodal de
Educação, este pesquisador teve no ensino superior o assunto a ser conduzido a partir de sua
atividade profissional. O quadro teórico é composto ainda pelo estudo sobre a legislação
1
A IECLB torna-se um corpo eclesiástico em 1968, como resultado da fusão de três sínodos. A aproximação
inicial já aconteceu em 1950, com a criação da Federação Sinodal. Um desses sínodos, o Riograndense,
mantinha casas de formação de pastores e professores no Brasil e, no período da Federação, intensificou o envio
de pastores e professores aos demais sínodos. Cf. DREHER, Martin N. Igreja e Germanidade. São Leopoldo:
Sinodal, 2003. p. 15-22.
2
No presente trabalho, a expressão Igreja será tomada como sinônimo de IECLB, assim entendida como a
instância administrativa responsável pelos caminhos e posições institucionais deste corpo eclesiástico.
3
LE GOFF, Jacques. A história nova. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes. 1995. p. 217.
8
educacional para o ensino superior, principalmente a partir dos anos 1950. Em especial,
Durmeval Trigueiro Mendes, Helena Maria Sant’Ana Sampaio e Carlos Roberto Cury
servem a esse propósito. A historiografia da IECLB, especificamente a constituição de escolas
desde os primeiros anos da imigração no Brasil, foi buscada em Martin N. Dreher, Gisela
Isolde Streck, Arnildo Hoppen e Isabel Cristina Arendt. A identidade vinculada aos conceitos
do comunitário e do associativismo transpassa ao longo do trabalho, baseando-se em estudos
de Arthur Blasio Rambo, Clarissa Eckert Baeta Neves e Gerd Uwe Kliewer.
O caminho percorrido é o resgate da memória das pessoas e a coleta de documentos
sobre as decisões referentes ao ensino superior nas instituições vinculadas à IECLB. Contam
muito entrevistas dos professores Willy Fuchs, Hans Günther Naumann e Dorival Adair
Fleck, todos eles articuladores de decisões. Fuchs foi diretor do Departamento de Ensino do
Sínodo Riograndense a partir do final da década de 1930 até início da década de 1960.
Naumann reabriu o Seminário de Formação de Professores na década de 1950 e implantou o
Instituto de Formação de Professores de Língua Alemã. Fleck foi diretor do Departamento de
Educação da IELCB a partir do início da década de 1980 até o final da década de 1990. Todos
tiveram atuação em conselhos responsáveis pelas decisões pesquisadas. O levantamento de
materiais, tais como atas e documentos, aconteceu em arquivos no Departamento de
Educação, no Arquivo Histórico e na Secretaria-Geral, todos órgãos da IECLB.
O objetivo é resgatar as discussões sobre o ensino superior na IECLB e avaliar as
repercussões das decisões quanto ao lugar ocupado pela Igreja no cenário brasileiro nesse
setor. Pretende-se oferecer subsídios a partir da compreensão do momento histórico em que
não houve o apoio para a oferta de ensino superior e do papel que instituições de ensino
superior vinculadas à Igreja desempenham. A pesquisa pretende oferecer pistas à IECLB no
sentido de esta apoiar mais intensamente iniciativas de ensino superior a partir de instituições
a ela atreladas. As perguntas que nortearam o trabalho foram: Por que a IECLB migrou do
ensino primário para o secundário, mas deste não ingressou no ensino superior? Como se
entende a opção pela oferta a estudantes evangélicos de casas de estudantes ao invés de uma
faculdade? A decisão do Conselho Sinodal de Educação, em 1967, desrecomendando a
criação de cursos superiores influenciou em que medida eventual plano de criar instituições de
ensino superior? A decisão de não ofertar o ensino superior tem alguma relação com a criação
da IECLB? Como pode ser avaliado o surgimento do Curso de Administração, na SETREM
(Sociedade Educacional Três de Maio), em 1973? Como é possível avaliar a criação do
ISCET
(Instituto Superior de Catequese e Estudos Teológicos) e do IFPLA (Instituto de
Formação de Professores de Língua Alemã)? Que implicação tem a decisão do Conselho de
9
Educação, em 1987, sobre a atuação das instituições de educação básica e as comunidades
religiosas sobre a criação de cursos superiores?
O primeiro capítulo deste trabalho traz um apanhado da arrumação do ensino
superior brasileiro a partir do momento em que ele se torna mais representativo na sociedade
brasileira. A política de expansão alcança uma oferta estatal nos grandes centros e outra,
privada confessional, que atua complementarmente ao proporcionado pelo governo federal. O
conturbado processo de estabelecimento do ensino superior confessional, ao lado daquele
desse nível patrocinado pelo Estado, é marca do período posterior à Segunda Guerra Mundial,
até o início dos anos de 1960. Este é o momento da definição da primeira Lei de Diretrizes e
Bases da educação brasileira. Essa Lei para o ensino superior de cunho comunitário, assim
como a reforma universitária de 1968, tem um peculiar contexto e uma significativa
importância para o atual modelo de ensino superior brasileiro.
Os estabelecimentos superiores surgidos entre as décadas de 1940 e 1980 resultaram
em um modelo peculiar de instituição superior: a universidade comunitária
4
. Elas são
confessionais, católicas e protestantes, ou oriundas de consórcios regionais, com o
envolvimento do poder público municipal, professores, associações e igrejas. Esse tipo de
instituição superior teve como precursora a escola comunitária primária e secundária. Essas
instituições atuaram onde o Estado não criava escolas, cabendo à população solucionar suas
dificuldades com uma forma própria de organização.
A consolidação do ensino superior acontece até a década de 1980, quando a
democrática Constituição Federal (CF) de 1988 reorganiza o Estado brasileiro. É pela
inserção no texto constitucional que o ensino superior comunitário existe de direito. A
mobilização em favor desse lugar encontra guarida principalmente no Rio Grande do Sul,
berço do genuíno ensino superior comunitário brasileiro. Nesse estado brasileiro houve um
consistente sistema de educação básica, em que o poder público pouco ou nada opinava. A
educação comunitária é fruto das restrições encontradas pelos povos que chegaram para
ocupar território e posteriormente ela se desenvolveu no país.
O segundo capítulo volta-se à compreensão das motivações da formação do ensino
comunitário, principalmente no meio protestante e nos seus paralelos com a Igreja Católica. A
ênfase está no Sínodo Riograndense, precursor da IECLB. Buscam-se na Reforma Protestante
as motivações que os imigrantes luteranos trouxeram para, apesar de toda a adversidade, não
abandonar a instrução dos seus descendentes. Nesta parte do trabalho ocorre a diferenciação
4
NEVES, Clarissa Eckert Baeta. Ensino Superior Privado no Rio Grande do Sul A Experiência das
Universidades Comunitárias. Documento de Trabalho NUPES, Universidade de São Paulo, 1995. p. 4-5.
10
entre a forma de trabalho do protestantismo de missão, oriundo principalmente dos Estados
Unidos da América e aquele denominado de imigração. Ver-se-á que, embora genericamente
denominados de protestantes, sua forma de trabalho é distinta. Ademais, essa distinção tem
efeito concreto na oferta de ensino superior.
Na parte final desta fração do texto estão os efeitos do período conhecido como
nacionalização do ensino, durante a vigência do Estado Novo no Brasil. A nacionalização
sepultou inúmeras experiências educacionais, interrompendo uma trajetória linear ascendente
de trabalho entre os evangélico-luteranos. Sua condição de minoria religiosa, ao lado da balda
que representava a descendência germânica, trouxe receios e a interrupção de atividades. A
convivência paralela ao Estado brasileiro estava encerrada e, a partir daí, surgiram leis
regulatórias, sobretudo para quem quisesse ofertar escolas. O capítulo encerra com um debate
conceitual sobre a forma de organização entre os imigrantes, distinguindo conceitualmente o
comunitário e o associativo.
Com as bases postas sobre as condições existentes no Estado brasileiro para o ensino
superior e a trajetória da educação no âmbito da Igreja, o terceiro capítulo resgata o que
aconteceu em termos de estudos sobre a oferta de ensino superior no âmbito da IECLB. A
constituição de um sistema de ensino secundário sólido está na pauta da Igreja. O período de
estruturação do ensino secundário localiza-se na década de 1950, no âmbito do Sínodo
Riograndense. No país, surgem as escolas superiores para formar um contingente
populacional que despertava para a necessidade do ensino universitário. A boa penetração que
as escolas secundárias demonstravam habilitava-as também para mais um nível. Era o
momento sociopolítico mais favorável para ofertar esse nível educacional, mas com
contratempos de diferente ordem dentro da Igreja. A discussão sobre o ensino superior
principia como forma de atender à falta de professores na educação básica. Seguindo sua
tradição, a Igreja procura resposta a uma necessidade de sua organização: formar seus
professores em nível superior.
A segunda etapa das discussões ocorre na década de 1960 dentro do Conselho
Sinodal de Educação, em dois momentos: a criação da Faculdade de Filosofia em Estrela e a
criação de uma Escola de Serviço Social, de caráter ecumênico, em Porto Alegre, no Rio
Grande do Sul. Essas discussões acontecem no difícil período de 1960 da vida brasileira e em
uma fase de transição na Igreja. No primeiro caso, uma iniciativa que o reunia elementos
suficientemente abrangentes, a ponto da Igreja, com seus parcos recursos, se dispor a investir
em uma região com um contingente populacional pequeno e com dificuldades de acesso. A
11
segunda, prejudicada pela ebulição que vivia o ensino superior no país e pelas prioridades de
uma nova Igreja que surgia.
O último capítulo tem o propósito de descrever as iniciativas exitosas da formação
em nível superior identificadas com a IECLB. No início dos anos 1970, aconteceram as
primeiras experiências de ensino superior. Elas eram voltadas para o público de maior vínculo
com as organizações eclesiásticas e se valeram de uma formação superior em outras
instituições comunitárias. A Igreja oferecia seu específico, com um nível de aprofundamento
nos temas que interessavam a ela, de forma paralela. Também está situado na década de 1970
o caso da Faculdade de Administração de Três de Maio/RS, primeiro curso superior
reconhecido de uma entidade vinculada à Igreja. O seu surgimento se quando não havia
qualquer posição favorável da Igreja para esse tipo de iniciativa.
Na década de 1980 surge um parecer do Conselho de Educação como resposta a um
pedido do Concílio Eclesiástico sobre o tema. O surgimento de uma manifestação formal de
apoio à oferta de ensino superior e seus desdobramentos são objeto de análise. Em sequência,
na década de 1990, efetivamente são instalados vários cursos e, no novo século, surge uma
intensa mobilização em favor da criação de faculdades. A janela aberta por um novo ambiente
de expansão do ensino superior é aproveitada por várias escolas de educação básica. Surge um
trabalho conjunto entre essas instituições. Por fim, com base na pesquisa, uma tentativa de
apresentar algumas perspectivas para esse conjunto de instituições identificadas com a
IECLB, que não chega a uma dezena, de forma que possam atuar em nome de um projeto
evangélico-luterano de ensino superior no país.
Desde 1956, momento em que se abriu a discussão sobre a criação de uma faculdade,
até um ingresso mais expressivo da IECLB no ensino superior passaram-se quarenta anos. A
inexpressiva participação de instituições evangélico-luteranas no cenário de ensino superior
no Brasil, apesar de sua aparente contribuição para a consolidação conceitual do que são
instituições comunitárias confessionais, é o retrato que se pretende apresentar nas páginas
seguintes.
1 ENSINO SUPERIOR COMUNITÁRIO
O Brasil republicano é um país que construiu seu sistema educacional através da
convivência entre as instituições públicas e as de administração privada, cabendo ao Estado o
poder de controle. Por vontade política ou por viabilidade financeira, esse é um preceito
constitucional que vigora desde 1891, quando aquela Constituição ofereceu “abertura do
sistema à iniciativa privada” e “os estabelecimentos particulares que eram criados passaram a
fazer parte do sistema nacional de ensino superior”
5
. O ensino superior sempre foi
prerrogativa federal, diferentemente da educação básica, de atribuição estadual. A situação
vigorou em todas as constituições brasileiras e espresente na carta magna vigente desde 5
de outubro de 1988
6
. Essa, porém, assegura constitucionalmente uma categoria educacional
intermediária entre o setor público estatal e o setor privado: as instituições comunitárias.
A consolidação do conceito “comunitário” em âmbito nacional é recente, o que leva
ao equívoco de supor também o seu estabelecimento coevo. A natureza comunitária do ensino
existe em todos os níveis educacionais, mas a afirmação conceitual no ensino superior é o que
será alvo neste capítulo. O período seguinte ao rmino da Segunda Guerra Mundial, a partir
de 1945, e com o advento da Constituição de 1946, que desemboca no “ciclo das leis de
diretrizes e bases”
7
, marca a passagem da educação de nível primário para aquela de níveis
secundário e superior. É a ocasião de consolidação do sistema universitário brasileiro, com a
criação de importantes instituições públicas e privadas. Nesse período encontram-se as
origens do ensino superior comunitário.
A política educacional desenvolvida no período que antecede a promulgação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1961, e nos anos posteriores sob o jugo do
governo golpista, até o final dos anos 1970, firma instituições que, no seu conjunto, passam a
ser denominadas comunitárias na Constituição de 1988 e, a partir de então, a se organizar,
mesmo que de forma tímida. Embora no período de 1950 até 1980 as instituições
comunitárias estivessem na categoria genérica do ensino privado, tentar-se-á demonstrar que
o surgimento desse modelo educacional aconteceu juntamente com a expansão do ensino
superior brasileiro, como desdobramento de iniciativas de congregações religiosas e
5
SAMPAIO, Helena Maria Sant’Ana. O ensino superior no Brasil: o setor privado. São Paulo: Hucitec;
FAPESP, 2000. p. 118.
6
Cf. CURY, Carlos Roberto et al. A relação educação-sociedade-Estado pela mediação jurídico-constitucional.
In: FÁVERO, Osmar (Org.).
A Educação nas Constituintes Brasileiras 1823-1988. Campinas: Autores
Associados, 1996. p. 6.
7
BOAVENTURA, Edivaldo M. A educação na Constituinte de 1946: comentários. In: FÁVERO, 1996, p. 191.
13
comunidades que se serviram desse modelo na educação básica. A natureza de instituição
privada atualmente em vigor adquiriu seus contornos distintos quando pessoas físicas
passaram a ver na educação um negócio lucrativo, e a denominação comunitária” é pleito
dos educadores e mantenedores para marcar diferença na forma e no propósito de atuação.
1.1 O amparo legal à instituição educacional comunitária
A instituição educacional comunitária é o resultado de uma longa trajetória e a sua
identificação explícita acontece na Constituição de 1988, no artigo 213. Dizem o seu caput e
incisos:
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser
dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei,
que:
I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em
educação;
II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária,
filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas
atividades.
8
A Constituição Federal distingue e instala, oficialmente, o chamado terceiro setor. O
primeiro setor, o governo, que é responsável pelas questões sociais, reconhece nas
organizações sem fins lucrativos e não-governamentais a ajuda ao gerar serviços de caráter
público, para o que ele próprio pode apoiá-las. O segundo setor, o privado, responsável pelas
questões individuais, ainda que possa prestar serviços de natureza social, é excluído
diretamente dessa carta magna como potencial recebedor de recursos. Assim, o texto
constitucional diferencia as instituições de caráter estritamente privado das do terceiro setor.
A Lei 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no seu artigo 20,
incisos II, III e IV, define instituições comunitárias, confessionais e filantrópicas:
II - comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas
físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e
alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade;
III - confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas
físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional
e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior;
IV - filantrópicas, na forma da lei.
9
8
CURY, Carlos Roberto Jamil. Legislação educacional brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 26.
9
CURY, 2003, p. 34.
14
No que tange ao inciso IV, cabe esclarecer que filantrópicas, segundo o Decreto
3.860
10
, de julho de 2001, são aquelas que se submetem à auditoria independente, aplicam
excedentes financeiros para os fins da instituição mantida e não remuneram conselheiros,
instituidores ou sócios. Elas devem prever destinação patrimonial, em caso de fechamento, à
entidade congênere ou instituição pública municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou
semelhantes.
1.2 A caracterização da instituição comunitária
A recente caracterização da educação comunitária deve-se mais à natureza
administrativa e aos fins e objetivos da instituição do que à origem histórica. A administração
e seus fins são determinantes para a caracterização da instituição e ela retrata sua natureza
antes mesmo das sutis diferenças conceituais. Assim, nas palavras de Clarissa E. B. Neves,
instituição educacional comunitária é uma entidade
privada, mantida e administrada por grupos leigos ou confessionais, mas de caráter
público não estatal, voltada para interesses exclusivamente educacionais e com
destinação certa para seu patrimônio [...]
[...]A mantenedora é uma entidade filantrópica reconhecida de utilidade pública
municipal, estadual e federal, com registro no Conselho Nacional de Serviço Social,
sem fins lucrativos e com prazo de duração indeterminado.
11
A pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nesse
conceito, mantém juntos, como na Constituição de 1988, os três tipos de instituições definidas
como potenciais destinatárias de recursos públicos. Ela procura demonstrar que o caráter
comunitário se baseia nos fins e objetivos para os quais se institui o trabalho educacional,
ainda que haja particularidades. Não como ser comunitário sem ser filantrópico. É da
natureza das instituições comunitárias buscarem a filantropia – como atributo legal, outorgado
até pouco tempo pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)
12
e desde
novembro de 2009 ao encargo do próprio Ministério da Educação (MEC) e como razão
última de atuação. As instituições confessionais são mais antigas, como veremos mais adiante,
e poderiam ter natureza distinta, mas a própria condição filantrópica as faz comunitárias.
10
O Decreto 3.860 dispõe sobre a organização do ensino superior, a avaliação de cursos e instituições, e
outras providências.
11
NEVES, 1995, p. 16-17.
12
O CNAS sucedeu ao Conselho Nacional de Serviço Social na concessão do registro. Ele fornecia o CEBAS
(Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social) às entidades, que cumprem uma série de requisitos,
isentando-as do pagamento de impostos. Com o advento da Lei 12.101/09, essa atribuição foi dividida por área
de atuação. No caso das entidades de educação, isso coube ao MEC.
15
Além disso, elas devem atender, segundo a Lei 9.394/96, no seu artigo 20, inciso III, ao
disposto para as instituições comunitárias. Portanto, a instituição confessional é uma espécie
do que pode ser denominado gênero comunitário.
1.3 A natureza da instituição comunitária
A incorporação do termo “comunitário” na Constituição de 1988 é fruto de grande
movimentação e empenho na década de 1980. Algumas universidades passaram, nesse
período, a utilizar a expressão “universidade comunitária”. Esse movimento, acompanhado
por seminários e estudos, procurava demonstrar a natureza alternativa desse tipo de
empreendimento e aproximava instituições laicas e confessionais em torno da ideia do
“público não-estatal”. A culminância dessa mobilização aconteceu com a reunião de vinte
reitores de universidades comunitárias brasileiras na Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS), em 1988, oferecendo subsídios para o item concernente à legislação
educacional na carta magna promulgada em outubro daquele ano.
13
A instituição educacional comunitária move-se de acordo com a microestrutura
existente na sociedade, adequando-se de maneira mais precisa e ágil às necessidades das
pessoas que vivem nesta sociedade. As políticas macroestruturais, como normalmente são as
da educação pública, caracterizam-se como produto exógeno à comunidade, determinando
alternativas incapazes de perceber movimentos regionais. Também a educação puramente
confessional, desprezando o comunitário, pode ser tomada como ato de política
macroestrutural. Em nome da orientação religiosa, a política eclesiástica alija a comunidade
das decisões. A política eclesiástica ainda está sujeita aos movimentos das igrejas, com as
suas correntes internas, que, ao proporem atuação nacional, internacional ou mundial, não
observam tendências específicas e localizadas.
A educação de natureza comunitária pressupõe um papel social do povo, da
sociedade organizada, que busca alternativas para seus problemas, além de desonerar
significativamente o poder público federal, no caso do ensino superior. O governo federal
reparte o ônus frequentemente com municípios e o poder estadual. A administração cuidadosa
dos recursos, acompanhada de perto por aqueles que se valem deles, torna o processo
educacional na matéria financeira mais eficaz. A instituição comunitária é sensível às
demandas regionais e possui como formuladores das grandes políticas da instituição pessoas
que vivem junto daqueles beneficiados nas localidades. A compreensão dessa natureza de
13
Cf. NEVES, 1995, p. 17-18.
16
instituição parece ser decisiva para que o Estado tenha se mostrado sensível a ela,
reconhecendo-a e subsidiando-a.
14
1.4 A Lei 4024/61 e as raízes do ensino superior comunitário
A Constituição promulgada em 18 de setembro de 1946, a quarta do período
republicano, inaugura um período de normalidade democrática, que, no campo da educação,
desemboca na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Lei
4024/61. O longo período de discussão foi marcado pela defesa de interesses e pela
consolidação do primeiro contingente expressivo de universidades particulares no país
15
, além
da estruturação do sistema universitário federal.
O período de discussão que resultou nesse documento conferiu unidade ao sistema
educacional brasileiro, representatividade da sociedade e dos colegiados nos órgãos de
administração, além da manutenção de liberdade na oferta de ensino. Essa lei resguardou ao
órgão oficial a fiscalização. Para o ensino superior, o fator determinante da Lei 4024/61 reside
na possibilidade de criação de instituições isoladas de ensino superior, o que redundou na
ampliação expressiva do número de instituições privadas.
O cenário político e o despreparo da sociedade para algumas das implicações
previstas pela LDB minaram-na rapidamente com grandes reformulações. Toda a ideia do
planejamento educacional contida nessa lei ficou prejudicada. As leis complementares e os
interesses inerentes ao poder autoritário propiciaram vida curta a essa LDB como instrumento
de integração da legislação educacional. Suas marcas no ensino superior, contudo,
sobrevivem até os dias atuais, porque sobre ela se construiu o ensino universitário brasileiro
vigente.
1.4.1 O laico e o confessional na educação superior
As raízes mais salientes do ensino superior comunitário remontam à separação entre
o ensino laico e confessional, no início da década de 1940, e à criação das universidades
14
Apesar desse reconhecimento, frise-se que o país também vivia uma crise econômica na década de 1980,
período da Constituinte. A participação da sociedade civil mostrava-se conveniente, porquanto ela assumia parte
do ônus do poder público.
15
Nesse período são criadas nove Universidades Católicas (PUCs do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do
Sul, Minas Gerais, Paraná e Campinas, Católica de Goiás, Pernambuco e Pelotas/RS) e uma Presbiteriana
(Mackenzie – São Paulo).
17
católicas, tornada fato em 1946.
16
Católicas, portanto confessionais, essas instituições
garantiram a existência do setor privado de ensino a partir da década de 1940. A separação
referida deu-se em condições especiais, e “as universidades confessionais criadas depois de
1946 estabeleceram-se antes como um setor semigovernamental do que estritamente
privado”
17
.
A criação de faculdades isoladas privadas tomou proporção além da vontade política
desempenhada pela Igreja Católica, em consequência da “expansão das oportunidades de
escolarização no ensino secundário e a equivalência dos cursos médios ao secundário”
18
.
Emergia, no país, a ideia da ascensão social pela formação acadêmica. Para atender à
demanda, o governo federal propôs uma resposta, criando faculdades públicas onde apenas
havia instituições privadas, mediante a manutenção do ensino gratuito
19
e a “federalização”
das faculdades estaduais e privadas
20
.
Estabeleceu-se uma mentalidade no país segundo a qual o ensino público superior é
sempre melhor, razão pela qual as iniciativas de promoção da educação buscavam sua
assimilação pelo poder oficial
21
em detrimento da qualificação sem a participação estatal.
Essa realidade ampliou enormemente a oferta pública. Esse período tornou-se o da instalação
da maior parte das instituições federais ainda hoje existentes.
A referência de instituição superior para o período era a Universidade do Brasil
(UB), hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, constituída pela reunião de faculdades
preexistentes. A excelência de seu corpo docente era balizador. A oferta de ensino superior
deveria ocorrer em universidades. Esses dois conceitos oriundos da instituição-referência no
país tornaram enorme o custo-aluno do ensino superior público. Na preparação do corpo
docente, houve a criação de instituições de fomento à pesquisa, a exemplo do que fizera o
16
A Igreja Católica tinha pretensões de ser a responsável pelo ensino superior no país. A disputa ocorrida nos
anos 1930 tinha na outra ponta Anísio Teixeira, defensor do ensino laico. Na tentativa de acomodar os diferentes
interesses, o ministro Francisco Campos propôs a divisão das universidades. A do Distrito Federal teria
orientação laica; a Universidade do Brasil, orientação católica. Insatisfeita, a Igreja Católica passa a criar
faculdades e universidades. A primeira foi a PUC-RJ, em 1946. Cf. PAIM, Antônio. Por uma universidade no
Rio de Janeiro. In: SCHWARTZMANN, Simon (Org). Universidades e instituições científicas no Rio de
Janeiro. Brasília: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 1982. p. 17-96.
17
SAMPAIO, 2000, p. 48.
18
CUNHA, Luiz Antônio. Ensino superior e universidade no Brasil. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA
FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive (Orgs.). 500 anos de educação no Brasil. 2. ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2000. p. 171.
19
O ensino público gratuito é garantido apenas na Constituição de 1988 e, embora não chegasse a haver
cobrança de taxas, a ausência de garantia constitucional anterior enseja acalorado debate a cada lei que afetava o
ensino superior.
20
Cf. CUNHA, 2000, p. 171.
21
Cf. MENDES, Durmeval Trigueiro. O Planejamento Educacional no Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2000. p.
91.
18
governo de São Paulo, com a criação da FAPESP
22
. É de 1951 a criação da Campanha
Nacional de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (hoje CAPES Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e do Conselho Nacional de Pesquisas
(CNPq). A prática inspirada na UB levou à existência de universidades com número de alunos
reduzido, muitas com menos de um mil estudantes.
As instituições católicas, apesar da ajuda governamental, tiveram grande dificuldade
em prover um corpo docente em condições similares ao que se constituía nas universidades
públicas. Elas, contudo, evitaram a federalização, buscada por várias instituições isoladas.
Mendes explica que o espírito de missão serviu inicialmente como motivador da educação
superior católica, passando a alimentar em seguida “uma máquina de prestígio”, modificada
mais tarde pelas determinações do Concílio Vaticano II
23
. A estruturação de um projeto de
universidade, feito com religiosos, pessoas sem preparo para o ensino superior ou com as
horas sobrantes dos professores das instituições públicas, não obteve o êxito esperado.
Reconhecido o equívoco, a partir da década de 1960, e quando o poder público não pôde
manter os investimentos de outros tempos, algumas dessas instituições católicas passam a ter
“identidade própria” e “identificam-se com as suas comunidades” e “apresentam tendências
mais saudáveis que as instituições oficiais”.
24
Evidencia-se aqui a natureza comunitária – de compromisso com as necessidades das
comunidades em detrimento da condição puramente missionária. Embora o projeto inicial
não fosse esse, é nisso que ele redundou. A credibilidade do ensino comunitário tem na
tradição da universidade católica um referencial qualificado. Quando acontece a consolidação
do ensino comunitário, parece ser conveniente às universidades católicas a sua identificação
com o setor comunitário. A esse apresentar-se junto às instituições católicas, tão contributivas
na formação intelectual e profissional da população brasileira, era igualmente adequado.
O período também evidencia um dos equívocos repetidos na educação superior
brasileira. Os altos investimentos não garantem sucesso por si do empreendimento. O
louvável empenho no aperfeiçoamento dos docentes e os vultosos investimentos em pesquisa
são a face positiva do período. A implantação de um modelo universitário único, tomando
como base o Distrito Federal, mostrou a dificuldade histórica dos governantes em administrar
um país continental e elementos para compreender as razões para o aprofundamento das
22
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo foi criada em 1950, como parte do dispositivo
constitucional de 1947 que garantia 0,5% da receita pública para o apoio ao trabalho de pesquisadores
individuais. Cf. CUNHA, 2000, p. 173.
23
Cf. MENDES, 2000, p. 90.
24
MENDES, 2000, p. 90.
19
desigualdades regionais. Parcela majoritária das universidades limitava-se a uma aglutinação
de escolas isoladas, incapazes de estabelecer vínculos entre si e com suas comunidades, não
justificando pela sua prática o título com o qual se identificavam.
1.4.2 O estabelecimento da Lei 4024/61
Instituída em favor da liberdade e da solidariedade humanas, a Lei 4024/61 fixa as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Foram introduzidas modificações no ensino
superior, dentre as quais o aumento do controle e poder normativo com a criação do Conselho
Federal de Educação (CFE) e a possibilidade do ensino superior ser ministrado tanto em
universidades quanto em escolas isoladas.
O ensino superior brasileiro apresentou crescimento vertiginoso nos primeiros anos
de vigência da Lei 4024/61. Segundo dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE)
25
, em 1962, o ensino superior brasileiro contava com 107.509 acadêmicos
e, em 1967, esse número era de 212.882. Portanto, o número de estudantes praticamente
dobrou em cinco anos. Esse incremento aconteceu
[...] pelo acesso de um público socialmente mais diversificado, com a inclusão
acentuada do gênero feminino, de uma clientela composta por pessoas de maior
faixa etária e que se encontravam integradas no mercado de trabalho, em função
de grandes transformações no campo da produção econômica, da expansão dos
centros urbanos, do desenvolvimento das grandes burocracias estatais e privadas.
26
A absorção desse contingente aconteceu basicamente pela expansão do sistema
universitário federal, com a criação de novas instituições e a ampliação da oferta existente.
Todo esse esforço, porém, não atendeu à demanda, o que ocasionou a criação de elevado
número de instituições isoladas de pequeno porte. O surgimento desses cleos totalizando
419 instituições isoladas no ano de 1971 (ver Quadro na p. 20) – atendia à demanda de ensino,
preponderantemente, naqueles lugares onde o poder público não atuava. O Brasil tornava-se
um país de empresas de grande porte. O diploma em uma instituição de ensino superior
garantia acesso a esse mercado de trabalho.
A Igreja Católica, tradicional parceira do poder público, recomendara, no V
Congresso das Universidades Católicas, em 1960, a abertura de novas instituições apenas
25
Cf. ESTATÍSTICAS do Século XX Educação. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos_xls/educacao.shtm>. Acesso em: 01 out 2009.
26
MARTINS, Carlos Benedito. O ensino superior brasileiro nos anos 90. São Paulo, Perspec., v. 14, n. 1, p. 47,
jan./mar. 2000.
20
quando houvesse professores competentes em número suficiente.
27
Essa atitude, na prática,
significou a criação de poucas novas instituições por essa igreja. Ela apenas consolidou
projetos em andamento.
28
Nesse momento, ingressa um grupo de pessoas interessadas em atuar comercialmente
no setor educacional, vendo no ensino uma oportunidade rentável de negócios. Mas o período
também é de organização da sociedade, que deseja possuir suas instituições de ensino
superior. Surge espaço para a atuação do setor comunitário laico, o qual possui forte apoio da
Igreja Católica. Ela não é mais a entidade mantenedora das novas instituições.
A diferenciação é evidente na forma de atuação das instituições estritamente privadas
e daquelas que atuam supletivamente ao poder público, organizadas a partir de suas
comunidades. Em um estudo apresentado em 1988, Tramontin & Braga afirmam que, durante
toda a década de 1960, a maioria das instituições comunitárias era custeada pelo orçamento da
união, que financiava mais da metade das despesas dessas instituições. A situação começou a
ser invertida, chegando, ao final dos anos 1970, a menos de 2% do orçamento anual.
29
A
partir dessa mudança na forma de financiamento e pela necessidade de diferenciação constrói-
se o conceito de instituição comunitária. Os autores do estudo mencionado esclarecem:
A denominação “universidade comunitária” passa a ser mais usada na medida em
que dois grupos de universidades as confessionais e três de natureza fundacional
começam a dar-se conta de que no perfil das entidades que as compunham havia um
conjunto de características que, de uma parte, as diferenciava de outras instituições
particulares pela especial dimensão pública que assumem e, de outra parte,
estabeleciam uma identidade quanto ao modo como originaram, como também
quanto às propostas de atuação que as animam.
30
As confessionais referidas são as instituições católicas e uma metodista. As
fundacionais acima indicadas são a Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul FIDENE/UNIJUI
31
, a Universidade de Caxias do Sul (UCS) e a Universidade de Passo
Fundo (UPF).
Coube a lideranças leigas, como professores e profissionais liberais, e políticas,
compostas por prefeitos e deputados, interessados no desenvolvimento das suas regiões,
assumirem um papel de destaque. Ilustrando o caso gaúcho, Clarissa Neves salienta que
27
Cf. MARTINS, 1988, p. 33.
28
Em 1961, ainda foram inauguradas as universidades Católica de Salvador/BA e Católica de Petrópolis/RJ.
Apenas em 1975 é inaugurada a Universidade Santa Úrsula/RJ. A seguinte é a UNISINOS (Universidade do
Vale do Rio dos Sinos), criada como faculdade em 1960 e transformada em universidade em 1983.
29
Cf. TRAMONTIN, Raulino; BRAGA, Ronald. Universidades Comunitárias: um modelo alternativo. São
Paulo: IPEA – CEC/IPLAN; Loyola, 1988. p. 24.
30
TRAMONTIN; BRAGA, 1988, p. 9.
31
A Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado FIDENE, mantenedora da
UNIJUÍ, surgiu em 1969 e foi responsável por importante projeto de conscientização para o desenvolvimento
regional, com a participação da comunidade e dos municípios. A UNIJUI surgiu em 1985.
21
[...] a expansão recente do ensino superior no Rio Grande do Sul não foi resultado de
uma intervenção no plano de política estadual e nem da ação de grupos e/ou
indivíduos aproveitando-se de “espaços” criados pela política educacional nacional.
Ao contrário, percebe-se, claramente, nas principais experiências de instalação do
ensino superior, a formulação de projetos complexos de iniciativa de grupos
religiosos ou leigos, lideranças locais interessadas na valorização, integração e
revitalização sócio-econômica [sic] e cultural de regiões que experimentavam um
processo de intensa modernização e diferenciação social.
32
Como representativo desse momento está a criação das primeiras universidades
particulares não-confessionais. Em 1967 é criada a Universidade de Caxias do Sul e em 1968,
a Universidade de Passo Fundo. Com o apoio das prefeituras locais, de lideranças e da igreja
católica local, elas inauguram o modelo de universidade fundacional de direito privado, sobre
a qual se assenta a ideia de universidade comunitária desenvolvida na década de 1980.
O primeiro ano em que o IBGE apresenta uma estatística sobre o ensino superior é
relativo a 1971 e dimensiona bem a presença de instituições privadas, especialmente das
isoladas. Evidentemente ainda não há diferenciação entre as instituições privadas.
QUADRO
33
Universidades e estabelecimentos isolados, segundo a dependência administrativa,
por Unidades da Federação — 1971
UNIVERSIDADES ESTABELECIMENTOS
Segundo a dependência administrativa Segundo a dependência administrativa
UNIDADES DA FEDERAÇÃO
Total
Federal Estadual Municipal Particular
Total
Federal Estadual Municipal Particular
Acre ................................... 1
1
Amazonas ......................... 1
1
1
1
Pará .................................... 1
1
4
1
3
Maranhão ................................... 1
1
5
3
2
Piauí.................................... 1
1
Ceará ................................... 1
1
12
1
4
1
6
Rio Grande do Norte ................................ 2
1
1
2
1
1
Paraíba................................... 2
1
1
7
7
Pernambuco ................................... 3
2
1
19
2
1
16
Alagoas ................................... 1
1
3
1
2
Sergipe ................................... 1
1
Bahia ................................... 2
1
1
12
2
2
8
Minas Gerais ................................... 12
5
5
2
62
5
7
5
45
Espírito Santo ................................... 1
1
10
1
5
4
Rio de Janeiro ................................... 3
2
1
30
1
2
27
Guanabara ................................... 3
1
1
1
53
12
4
37
São Paulo ................................... 7
1
2
1
3
233
2
17
20
194
Paraná ................................... 4
1
2
1
25
15
2
8
Santa Catarina ................................... 3
1
1
1
13
7
6
Rio Grande do Sul ................................... 9
4
5
47
2
45
Mato Grosso ................................... 2
1
1
7
4
3
Goiás ................................... 2
1
1
6
2
4
Distrito Federal ................................... 1
1
4
4
BRASIL ............. 64
31
13
4
16
555
22
67
47
419
32
NEVES, 1995, p. 8.
33
ESTATÍSTICAS do Século XX Educação. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos_xls/educacao.shtm>. Acesso em: 01 out 2009.
22
A possibilidade de criação de instituições isoladas foi a marca dessa fase inicial da
Lei 4024/61. Isso atendia à necessidade da sociedade. Essa lei constituiu-se em um
mecanismo de controle para um sistema que exigia a expansão, cuja fiscalização ela delega ao
Conselho Federal de Educação (CFE), instituído por essa lei. Sua atuação era menor no
campo político do que no técnico. A instituição dos requisitos mínimos para a abertura de
novos cursos, que incluía itens como capacidade financeira da mantenedora e a comprovação
da necessidade do curso para a região de sua implantação, não foi inibidora das iniciativas
laicas. A atuação confessional – notadamente a católica – passa por um declínio nesse
período.
1.4.3 A reforma universitária de 1968
A Lei 5540/68 é essencialmente regulatória. Ela abrange a essência da instituição de
ensino superior, com mudanças conceituais profundas. Além da abordagem, que
genericamente pode ser denominada de ação para aumento da produtividade, convém lembrar
que ela se processou no período mais duro do governo golpista. A aposentadoria compulsória
de professores, demissão sumária de reitores, todo o controle policial e o cerceamento das
entidades estudantis são fatos relevantes, que devem servir como pano de fundo para a
compreensão desse período.
A ão para o aumento de produtividade teve como foco principal a integração e a
ampliação da capacidade de atendimento do ensino superior público, com o intuito de torná-lo
mais eficiente e abrangente. Daí resultam a departamentalização, em substituição às
cátedras
34
, a instituição do regime de matrículas por créditos e a divisão dos cursos de
graduação. Essa integração institucional pretendia dar conta do que a Lei 5540/68 dizia no
artigo 2º, a saber, que “o ensino superior, indissociável da pesquisa, será ministrado em
universidades e, excepcionalmente, em estabelecimentos isolados, organizados como
instituições de direito público ou privado”
35
. A instituição isolada parecia assumir caráter
transitório, fato não consumado nas prioridades eleitas pelo governo, pela crise instalada nos
anos 1970 e a expressiva demanda no ensino superior.
Essa lei reconheceu, por outro lado, o papel do ensino superior pago e não o
diferenciou em relação ao ofertado pelo governo. E nesse aspecto, a participação crescente da
34
Cf. FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. Da Cátedra Universitária ao Departamento: subsídios para
discussão. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/1118t.PDF>. Acesso em: 28 out. 2009.
15 p.
35
LEI 5.540, de 28 de novembro de 1968.
23
iniciativa privada era conveniente: “Desde a Reforma Universitária de 1968 (Lei
5.540/1968), o Governo federal facilitou muito a criação de cursos superiores isolados
particulares, como uma forma de suprir a demanda de vagas que as escolas públicas não
davam conta”
36
.
Dessa forma, o regime instituído de convivência entre o ensino público e privado no
período merece melhor análise. Partindo-se do pressuposto que a convivência entre ambos
fez-se necessária, houve uma distribuição de tarefas. O ensino público evidenciava-se como
responsável pela formação da intelectualidade do país e constituía-se no espaço capaz de
desenvolver pesquisa. Nessa esteira surge o “aumento progressivo do custo absoluto e relativo
do ensino público”
37
. No ensino privado, mais barato e destinado à formação das massas, não
houve investimento na qualificação da infraestrutura e do corpo docente. Estabeleceu-se um
sentimento de privação nos dois setores pela velocidade de crescimento. A concepção da Lei
5540/68, que previa ensino superior em universidades que realizam ensino e pesquisa, foi
sufocada pela crescente demanda de ensino superior. No estudo feito pela professora Helena
Sampaio
38
, de 1965 a 1980, as matrículas no ensino superior público cresceram 453,8%. Esse
aumento de vagas resultou da otimização do uso de recursos, respaldada nas medidas
previstas na Lei 5.540/68.
O aumento de demanda facilitou os processos de autorização de cursos superiores, no
período a partir de 1968 até 1977, para a iniciativa privada, dado que houve “deslocamento de
investimentos públicos e de sua alocação prioritária em setores infraestruturais”
39
. A opção de
investimento do poder público em áreas como a de infraestrutura limitava o aumento
proporcional de recursos no orçamento da união. Essa medida privava o ensino público de
maior expansão, mas também retirava recursos das instituições privadas, até então fortemente
subsidiadas pelo Estado.
Nesse período surgem as primeiras instituições claramente orientadas pelo mercado,
com a gerência prevendo investimento rentável. Algumas dessas instituições
procuram adquirir um caráter declaradamente elitista, definindo uma clientela de
classe A, capaz de arcar com suas elevadas anuidades. Boa parte delas, contudo,
orienta-se para o ensino profissional de massas, situadas que estão em pontos
estratégicos de intensa demanda demográfica [...] Essas IES mantêm uma tradição
36
VAIDERGORN, José. Uma perspectiva da globalização na universidade brasileira. Cad. CEDES, v. 21, n. 55,
p. 86, nov. 2001.
37
SAMPAIO, 2000, p. 69.
38
Cf. SAMPAIO, 2000, p. 69.
39
MARTINS, 2000, p. 34.
24
de independência em relação ao MEC e deste pleiteiam tão somente [sic] autonomia
para administração acadêmica flexível.
40
A marca dessas novas instituições é própria e caracteriza um novo modelo de ensino
privado. Apesar de, em tese, serem igualmente supletivas ao Estado, elas declaradamente
evitam estabelecer-se no âmbito “público não-estatal”. As iniciativas comunitárias,
requisitórias do apoio estatal, não são parâmetro a esse tipo de empreendimento.
O sistema de ensino superior acabou se organizando dentro de uma funcionalidade
que tem no poder público instituições seletivas, responsáveis pelo desenvolvimento da
pesquisa, e encontra no setor privado o ator responsável pela educação complementar, de
massa ou para atuação em regiões inalcançáveis pela iniciativa estatal. A literatura que retrata
a expansão do ensino superior brasileiro é marcada fortemente pela defesa do ensino superior
público e universal. Os estudos sobre o ensino superior acontecem onde se concentra a
pesquisa, portanto no setor público, e um combate ostensivo à iniciativa privada. Há,
porém, profundas diferenças entre o que genericamente passa a ser designado de setor
privado. O risco de fazer-se defesa intransigente, ideológica, por vezes prejudica a própria
causa defendida.
Mendes
41
lembra que, dentro do empenho de integração regional e de atenção ao
atendimento da demanda reprimida, um importante passo aconteceu com a interiorização do
ensino superior. Esse processo iniciara antes da reforma universitária de 1968, mas seus
desdobramentos são decisivos nesse período para a formação da instituição educacional
comunitária, muito distinta daquela universidade que pretende tão-somente autonomia em
relação ao MEC. A comunitária, ao contrário, quer a participação estatal.
Em relação à interiorização do ensino superior brasileiro, os estados de Minas
Gerais, Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul são os que obtêm efeitos
duradouros decorrentes dessa política. Nos demais estados – mas também nesses referidos –, a
iniciativa enfrentou dificuldades, que basicamente podem ser sintetizadas pela inexistência de
núcleos culturais que dessem suporte ao processo de criação de cursos superiores. A ausência
de apoio a partir de centros metropolitanos, de tal forma que os alunos mais abastados e
melhor preparados continuavam buscando o vestibular nas capitais, igualmente prejudicou a
interiorização.
A consolidação da interiorização nos estados referidos ocorreu de maneira distinta,
com diferentes atores. No caso de Minas Gerais, a consolidação aconteceu pela atuação
40
TRAMONTIN; BRAGA, 1988, p. 24.
41
Cf. MENDES, 2000, p. 118-123.
25
extensiva do governo federal
42
. No Paraná e em São Paulo
43
, foram os governos estaduais os
propulsores do ensino superior. Santa Catarina seguiu o modelo fundacional municipal,
congregado pela Associação Catarinense de Fundações Educacionais (ACAFE)
44
.
No exemplo do Rio Grande do Sul, houve um grande impulso a partir do governo
federal. Nesse estado funcionam universidades federais consolidadas
45
em quatro cidades: Rio
Grande do Sul e de Ciências Médicas (em Porto Alegre), Pelotas, Rio Grande e Santa Maria.
A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), resultado de esforço de interiorização
desencadeado em 1946, teve atuação destacada. Ela foi criada por Mariano da Rocha Filho
em 1960 e foi a primeira universidade instalada fora do eixo das capitais de Estado no Brasil.
A lei que disciplinou a implantação de campi universitários fora da sede, denominada
“multiversidade”, foi de autoria de Mariano Filho, quando integrante do CFE, em 1968.
46
A ação desencadeada pela UFSM levou à criação de onze instituições no Estado
47
e
extensões em regiões distantes, como o caso do campus avançado do ensino superior na
Amazônia, que posteriormente transformou-se na Universidade Federal de Roraima. Esse
esforço de aumentar as matrículas uma das prioridades da Lei 5540/68 revestiu-se de
grande importância para as comunidades, porque jovens com recursos insuficientes para se
transferir aos centros com universidades passaram a ter acesso ao ensino superior próximo de
suas localidades. Aproximar as pessoas de suas demandas é uma marca da instituição de
caráter comunitário.
O exercício dos campi fora da sede teve curta duração e, em 1971, o CFE proibiu a
prática. A experiência não foi perdida, porque as comunidades, com apoio de lideranças leigas
42
O governo federal mantinha 43 universidades ao início do segundo mandato do presidente Luis Inácio Lula
da Silva, das quais oito em Minas Gerais. São elas as universidade federais de Juiz de Fora; Lavras; Itajubá;
Minas Gerais; as fundações universidades federais de Ouro Preto; Uberlândia; Viçosa; São João del Rei, além de
três das cinco instituições isoladas de ensino superior federal existentes no país: Escola de Farmácia e
Odontologia de Alfenas; Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro; Faculdades Federais Integradas de
Diamantina.
43
São três as universidades estaduais paulistas. A USP iniciou a interiorização na década de 1960 e atualmente
possui seis campi. A Unicamp possui três campi. Expressivo é o caso da UNESP, atualmente com 15 campi.
44
Os presidentes das fundações criadas por lei municipal e da fundação criada pelo Estado constituíram, em
1974, a ACAFE.
45
No segundo governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva foram criadas mais duas instituições: a
UNIPAMPA e a Universidade da Fronteira Sul, esta com campi no Rio Grande do Sul. Elas ainda se encontram
em fase de estruturação.
46
HISTÓRICO da UFSM. Disponível em: <http://www.ufsm.br>. Acesso em: 29 maio 2010.
47
Foram criadas: Faculdade de Direito de Santa Cruz do Sul; Escola Superior de Educação Física de Santa Cruz
do Sul; Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santa Cruz do Sul; Curso de Pedagogia de Livramento;
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Uruguaiana; Escola Superior de Educação Física de Cachoeira do
Sul; Instituto de Ensino Superior do Alto Uruguai de Frederico Westphalen; Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras de Santo Ângelo; Curso de Letras, Estudos Sociais e Ciências de Santa Rosa; Curso de Letras e Pedagogia
de São Borja; Curso de Letras e Estudos Sociais de Santiago; Curso de Administração de Três de Maio. Cf.
NEVES, 1995.
26
e das igrejas, assumiram os projetos, que passaram a ter autonomia e a funcionar como
instituições isoladas. Esses núcleos tornaram-se base para a instalação de instituições como a
Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), a Universidade Regional Integrada (URI) e
mesmo de ampliação da Universidade da Região da Campanha (URCAMP). Somadas a
outras instituições preexistentes, como a FIDENE/UNIJUI, a UCS e a UPF, cristalizava-se a
partir daí a educação superior comunitária no interior do estado do Rio Grande do Sul.
A UFSM não foi a única a atuar no período. A FIDENE/UNIJUI tornou-se
instituição regional, fomentando o desenvolvimento do ensino superior. Ela assumiu, em
1973, um projeto de ensino superior em Santa Rosa.
48
outras iniciativas que têm em seu
bojo a sadia rivalidade entre municípios e regiões, que, percebendo as oportunidades
conferidas pela formação de ensino superior, se valeram da política educacional no âmbito
federal para cobrir o Estado com escolas superiores.
A Lei 5540/68 converteu-se em outra prática do que na essência sua letra previa. O
momento político e econômico-social foi ímpar. A demanda por ensino superior servia para
pressionar e justificar atos que a própria lei não previa. Essa expansão desordenada não pode
ser vista, porém, como puramente danosa. O sistema público, ainda que sem recursos,
ampliou a oferta, e as universidades federais assumiram a pesquisa. Muitas pequenas cidades
foram beneficiadas com ensino superior como consequência da interiorização. Hoje, essas são
prósperas cidades. O papel do ensino privado, notadamente daquele que seria denominado nos
anos 1980 como comunitário, experimentou expansão, contribuindo para a diminuição do
déficit educacional no país. O tipo de sociedade na qual essas instituições estavam inseridas
foi decisivo para impulsionar esse movimento.
1.5 Ausência de regulação para a educação comunitária
A existência da instituição comunitária é certa. Sua previsão está demonstrada na
Constituição Federal de 1988 e na LDB (Lei 9394/96). Transcorridos mais vinte anos desde
que essa denominação foi inserida na carta magna brasileira, sua regulamentação está aberta e
as instituições, em grande medida, são comunitárias por autodefinição.
Os dados oficiais do MEC registram 438 instituições no segmento comunitário, no
qual estão abarcadas as confessionais, e representam, pelo Censo da Educação Superior de
2007, 28% das matrículas da educação superior. As instituições públicas federais, estaduais
48
Cf. NEVES, 1995, p. 38.
27
e municipais detêm 25% dessa conta.
49
Sua importância para o país é destaque por esses
dados. O fato de se regerem por estatutos que as definem como sem fins lucrativos, é
condição bastante para a autodeclaração de comunitário. Durante a Constituinte de 1988, o
Pe. Waldemar Valle Martins, da Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas
(ABESC)
50
, afirmou que
[...] são universidades sob a responsabilidade de uma associação ou fundação sem
fins lucrativos, confessionais ou não, dentro do pluralismo democrático,
reconhecidas como idôneas para prestação de serviços educacionais de interesse
público, e que aplicam seus recursos e resultados financeiros nas suas finalidades
universitárias, buscando realizar, assim, efetivamente, sua função social.
51
Fatores como a previsão de recebimento de recursos e a crescente aceitação tácita de
um modelo juridicamente simpático à sociedade, com o potencial ingresso de instituições que
não comungam dos conceitos defendidos à época de sua inserção na Constituição, resultam
em movimentos em busca de um marco legal.
A regulação tem à testa instituições que bastante tempo congregam instituições
ditas de caráter comunitário, como o Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas
(COMUNG) e a ACAFE. Ao lado dessas, encontra-se a Associação Brasileira de
Universidades Comunitárias (ABRUC)
52
, organização que reúne, além de universidades
comunitárias, centros universitários e faculdades comunitárias. Surgida em 1995, seus
movimentos hoje estão nitidamente em oposição ao chamado ensino empresarial, o que
reforça a importância de um marco legal. Essa articulação encontra eco no Congresso
Nacional, que possui uma Frente Parlamentar Mista em Defesa das Instituições
Comunitárias
53
e tem posição a favor da formulação de um marco legal das instituições
comunitárias.
O processo de regulação, embora imprevisível, firma-se como uma disputa por um
modelo de universidade reconhecido no Brasil como intermediária entre o público e o privado
empresarial, do qual pode resultar uma via efetivamente nova. A maior dificuldade está em
49
Cf. CENSO da Educação Superior. Disponível em:
<http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/sinopse/2007>. Acesso em: 26 out. 2009.
50
A ABESC, juntamente com a ANAMEC e a AEC, constituiu em 2008 a Associação Nacional de Educação
Católica (ANEC).
51
Apud GADOTTI, Moacir. Universidade Estatal Universidade Comunitária. Disponível em:
<http://www.paulofreire.org/twiki/pub/Institucional/MoacirGadottiArtigosIt0020/Universidade_estatal_1995.pdf
>. Acesso em: 28 out. 2009. p. 5.
52
A ABRUC foi fundada em 1995 e “reúne atualmente 54 instituições de ensino superior sem fins lucrativos,
voltadas prioritariamente para ações educacionais de caráter social”. Educação a serviço da comunidade.
Disponível em: <http://www.abruc.org.br>. Acesso em: 28 out. 2009.
53
Cf. Comissões discutem marco regulatório para o ensino comunitário. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/materias.html?pk=141970&pesq=universidades
comunitárias>. Acesso em: 28 out. 2009.
28
manter reunidas instituições bastante distintas. A formação das instituições ditas comunitárias
no sul do país deu-se de outra forma do que as de outros Estados. Mesmo essas, que
essencialmente têm maior respaldo comunitário, começam a se afastar de alguns propósitos.
As instituições confessionais e laicas hoje abrem filiais por interesses estratégicos, de
sustentabilidade, não como resposta aos anseios comunitários. O financiamento, cada vez
mais dependente dos pagamentos dos alunos ou dos aportes para um tipo de formação, não
permite maiores investimentos naquilo que não gera retorno imediato ou que comprometa a
estabilidade.
A regulação somente terá sentido se vier para que a sociedade possa manter uma
instituição que responda adequadamente à sua necessidade. A maioria das instituições que
atuam em favor do marco regulatório tem em sua história esse predicado. Regular,
conceitualmente, definindo-a tem sentido se isso vier acompanhado de condições para
atuar, o que passa basicamente por duas questões: a autonomia e o financiamento. O Estado
cada vez mais controlador e prescritivo, assemelhando as instituições comunitárias às suas
instituições federais, vai incorporando-as ao seu sistema. Certamente não é dessa regulação
que o sistema de ensino superior comunitário necessita.
2 EDUCAÇÃO PROTESTANTE NO BRASIL
Quando os imigrantes alemães vieram para o Brasil, a partir de 1824, os luteranos
puderam praticar sua fé aqui sob o broquel tácito da tolerância, isto é, o culto luterano não era
admitido, apenas tolerado, desde que o espaço de culto não tivesse sinal externo que o
identificasse como um templo: cruz, torre ou sino. Os imigrantes estavam habituados à
existência de um sistema escolar bastante satisfatório em sua terra de origem. Acostumados
com escolas oferecidas pelo governo ou pela igreja, eles se confrontaram com a falta e a
precariedade de instituições que ministrassem o ensino da leitura e da escrita no Brasil. Como
o Império não implantou escolas nas regiões de imigração dos alemães, os próprios colonos se
organizaram, criando e sustentando suas escolas. Seus filhos precisavam aprender a ler, a
escrever e a fazer contas, uma forma de acesso à livre interpretação das Escrituras.
O instinto de sobrevivência e o propósito de progresso ensejaram uma lenta e
progressiva organização das comunidades em favor do letramento de seus filhos. Uma
convicção de trezentos anos da importância da escola para a vida em sociedade estava
presente nas diversas colônias. Sem poder reclamar ao Estado, a organização deu-se pela
criação de espaços de ensino inicialmente sem qualquer caráter formal, mas que preencheram
a necessidade de aprender a escrever, fazer contas e ler, em especial a Bíblia. Assim, no início
“tratava-se de educação doméstica. A mãe ensinava em casa, onde também participavam os
filhos dos vizinhos mais próximos”
54
.
Através da organização da sociedade, em meio ao contexto político brasileiro, com o
auxílio do exterior, criou-se um sistema educacional
55
independente do poder público. Esse
sistema destinado à alfabetização dos descendentes de alemães ganhou robustez na primeira
metade do século XX. Ele perdurou até a eclosão em território brasileiro da Segunda Guerra
Mundial, quando as escolas confessionais evangélico-luteranas buscaram outro tipo de tarefa.
54
KLUG, João. A Escola Teuto-Catarinense e o Processo de Modernização em Santa Catarina A Ação da
Igreja Luterana Através das Escolas. São Paulo: USP, 1997. p. 75.
55
A utilização da palavra “sistema” decorre aqui da opção que o próprio Sínodo Riograndense fez em adotar
essa nomenclatura, mas ela tem acepção diferente no período anterior e posterior à Segunda Guerra Mundial. No
período anterior, o “sistema educacional” deve ser entendido na acepção conferida por HOUAISS da “estrutura
que se organiza com base em um conjunto de unidades inter-relacionáveis [...] pelas características
semelhantes”. No período posterior à Segunda Guerra, a acepção assume o pressuposto de ser “arrolamento de
unidades e combinação de meios e processos que visem à produção de certo resultado”. Ou seja, na primeira
fase, as instituições cumpriam uma finalidade em si e isso lhes conferiu identidade para constituírem um sistema.
Na fase seguinte, houve uma tentativa de produzir um resultado como conjunto que a Igreja poderia demonstrar
como seu à sociedade. O sistema, a partir de 1980, passa a ceder espaço para a rede de escolas, como hoje são
conhecidas as instituições educacionais identificadas com a IECLB.
30
uma clara linha ascendente na organização das comunidades em favor do ensino
nesse período. Parte-se de atividades esporádicas, nos primeiros anos de imigração, até a
imposição de uma escolaridade mínima para o acesso ao ensino confirmatório no Sínodo
Riograndense
56
e no Sínodo Evangélico de Santa Catarina. A mudança de hábitos da
sociedade brasileira e o fim do idioma alemão como vértice agregador dos descendentes
mudaram a realidade. Surge a inevitável pergunta sobre a real capacidade da igreja protestante
evangélico-luterana em manter uma educação que sirva aos seus fiéis em tempo e contextos
diferentes.
A criação do Ginásio Sinodal pelo Sínodo Riograndense
57
pode ser entendida como a
pretensão de entrada pela porta da frente na sociedade brasileira com o ensino secundário.
Esse esforço é uma tentativa de resposta ao desafio da Igreja em atender aos seus fiéis e às
suas necessidades. Essa experiência também serviu como alternativa na reconstrução do
trabalho em favor da educação em instituições eclesiásticas no pós-guerra. Apesar disso, a
transição do modelo educacional rural, característico até a nacionalização, voltado à
alfabetização, não chegou a encontrar no contexto urbano um equivalente à altura.
A igreja de imigração, que hoje é a IECLB, resultado da união de sínodos, entre os
quais os acima citados Riograndense e Evangélico de Santa Catarina, tem seus conceitos
baseados na assim denominada “Volkskirche”, que, como diz Kliewer, é a igreja do povo
alemão evangélico que migrou para o Brasil. Etnia, cultura e se confundiam
58
. A
“Volkskirche”, ou igreja do povo, responde aos desafios no espaço geográfico. Ela atende ao
seu povo, mantendo-o firme na sua cultura e na sua fé. Tanto é assim que, nos espaços de
imigração, havia um cuidado ao separar alemães protestantes e católicos.
A urbanização levou a uma menor frequência da língua alemã, a uma vida em
sociedade para além da comunidade de e com isso à perda da identidade. A “Volkskirche”
em território brasileiro é uma igreja rural, que apresentava um funcionamento modelar
enquanto foi possível. Não pela ausência de dificuldades, mas com elas servindo para manter
56
“Os primeiros, na colônia, eram cursos de 4 anos. Em geral até a confirmação na igreja, nas comunidades, a
própria igreja fez questão de incluir na confirmação, somente os confirmandos, somente depois de eles terem
cursado um curso de 4 anos. Era condição para o ensino confirmatório a freqüência escolar de 4 anos primários.
Ali a própria igreja deu o grande impulso: a obrigação de uma educação”. FUCHS, Willy. Entrevista concedida
ao autor, 29 de abril de 2004.
57
“Porque justamente a criação do Sinodal é que esta sendo apagada. Porque com o tempo pode parecer que o
Sinodal é uma criação da Comunidade Evangélica de São Leopoldo, que não é o fato. Foi um concílio que criou
o Sinodal. E foram os membros leigos do Concílio do jubileu de ouro do Sínodo Riograndense, em 1935. Aliás
1936, que quiseram colocar um marco no jubileu e então colocaram um curso intermediário entre o primário e o
superior, que é o secundário. Então é o secundário oficializado. Bom dali é que surgiu o Sinodal”. FUCHS,
2004.
58
KLIEWER, Gerd Uwe. Estudos estatísticos da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. [Porto
Alegre]: [s.n.], 2007. p. 145.
31
a comunidade unida. Sem a sua cultura, o idioma e o que ele pressupõe, ela se desmantela. A
migração para uma tentativa de ser igreja luterana urbana, com expectativas que nela
poderiam ser depositadas, trouxe importantes alterações.
2.1 A Reforma Protestante
O movimento da Reforma Protestante, encravado no contexto das profundas
transformações classicamente inseridas no início da Idade Moderna, teve no teólogo Martim
Lutero, na primeira metade do século XVI, seu grande protagonista. A revisão dos
procedimentos da Igreja Católica era o objetivo do teólogo da Universidade de Wittenberg. O
sistema medieval, no qual “era negado à sociedade o exercício das liberdades individuais,
sendo esta governada pela autoridade política, religiosa e cultural, representada no grau
máximo pelo imperador e pelo papa, que eram também os avalistas da ordem social e
cultural”
59
.
Os posicionamentos teológicos de Lutero apresentam justificativas para que as
pessoas se opusessem à ordem vigente. Lutero redescobre fundamentos da relação do ser
humano com Deus que oferecem novos conceitos para o ensino, mas que são centrais na sua
teologia. É sempre importante destacar que Lutero, embora não fosse educador, tem
significativo interesse na educação. Ele expressa sua teologia como forma de ajudar as
pessoas a encontrarem seu bem-estar, a estarem bem consigo e com Deus. A experiência
libertadora, que encontra centro na em Deus e na sua graça, requer a transformação das
práticas dos crentes e sua preocupação com as coisas deste mundo. O reformador Lutero
assume posições em assuntos educacionais a partir de suas convicções teológicas. A
capacidade de leitura tornou-se um tema básico para uma melhor prática religiosa dos
luteranos. O dever de educar, na convicção de Lutero, era das famílias e do Estado. Esse
posicionamento está evidente quando ele escreve:
O progresso de uma cidade não depende apenas do acúmulo de grandes tesouros, da
construção de muros de fortificação, de casas bonitas, de muitos canhões e da
fabricação de muitas armaduras. Inclusive, onde existem muitas coisas dessa espécie
e aparecem tolos enlouquecidos, o prejuízo é tanto maior para a referida cidade.
Muito antes, o melhor e mais rico progresso para uma cidade é quando possui
muitos homens bem instruídos, muitos cidadãos ajuizados, honestos e bem
59
GOMES, Derti J. Seminário Evangélico de Formação de Professores: origem e trajetória da instituição e perfil
dos egressos. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia, 2005. p. 26.
32
educados. Estes então também podem acumular, preservar e usar corretamente
riquezas e todo o tipo de bens.
60
Lutero possui em mente uma escola cristã, mantida pelo Estado, para todos os que
vivem em um determinado território. Ele diz que educar é um ato de seriedade ao qual os pais
devem conferir máxima importância. Oferece os alicerces para uma valorização da escola
fundamental nos territórios alemães.
61
A escola passa a ser entendida como parte intrínseca da
comunidade. Gênero de primeira necessidade para a vivência em sociedade, razão pela qual o
reformador insiste no dever de cada cidadão em ajudar a manter a escola.
Também cada cidadão deveria pensar o seguinte: até agora despendeu inutilmente
tanto dinheiro e bens com indulgências [...] estando agora livre dessa ladroeira e
doações para o futuro, pela graça de Deus, que doravante doe, por agradecimento e
para a glória de Deus, parte disso para a escola, para educar as pobres crianças, onde
está empregado tão bem.
62
Interessante observar que Lutero defende uma escola básica para todos, mas não se
esquece do passo seguinte. Os mosteiros medievais foram cedendo seu espaço às vicejantes
universidades na Europa. Lutero foi professor em Wittenberg, a partir de 1508, então uma
jovem universidade, com seis anos. Esse espaço serviu de berço e difusão para a Reforma.
63
O
reformador soube valorizar o espaço que lhe propiciou oferecer novos elementos à
interpretação da Bíblia. A criação de escolas para as classes mais populares não era o
suficiente. Também a formação de líderes era uma necessidade. Nas palavras de Nestor Beck,
À medida que se implantava a Reforma em territórios e cidades, os líderes fundavam
escolas, com o apoio e orientação de Felipe Melanchton e Lutero. Assim surgiram as
universidades de Marburgo, Tübingen, Königsberg e Jena. Outras, como a de
Leipzig, foram reformadas segundo o modelo de Wittenberg.
64
Lutero tem em mente a formação de líderes de uma elite, se quisermos denominar
assim, porque desses líderes dependem os rumos da sociedade. A Reforma Protestante está no
contexto de revoluções, como o surgimento da imprensa, que permitiram rapidamente levar à
difusão de seus ideais pela Europa. Sobretudo, nesse período também se abre uma nova
60
LUTERO, Martinho. Aos Conselhos de Todas as Cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas
cristãs. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1995. v. 5, p. 309.
61
Aqui, em verdade, temos a valorização do ensino e a formação dos conceitos centrais que ainda hoje
caracterizam a escola, tais como a disciplina, obrigatoriedade de frequência, organização curricular o que
precisa ser aprendido, horário de início e término de atividades. A escola como se conhece é aquela surgida
nesse período, com influência decisiva do movimento da Reforma, em Lutero.
62
LUTERO, 1995, p. 305.
63
Coube a Felipe Melanchton papel decisivo na reforma do currículo da universidade de Wittenberg, o que fez
juntamente com Spalatin (Jorge Burckhardt) e o próprio Lutero. O modelo dessa reorganização, que introduziu o
iluminismo bíblico, serviu posteriormente as demais universidades em que os efeitos da Reforma aportaram. Cf.
BECK, Nestor Luiz João. Estudar pra quê? Educação na expectativa do Reino de Deus. São Leopoldo: Edição
do autor, 1996.
64
BECK, 1996, p. 33.
33
perspectiva daquilo que genericamente é denominado de educação. A Reforma Protestante
esteve no centro da consolidação de sistemas escolares. Ainda distante de ser um direito,
como modernamente se fala, a educação passou a estar no imaginário coletivo. Lutero prega
que
A escola deve dar personalidades à Igreja, personalidades capazes de se fazerem
Apóstolos, Evangelistas, Profetas, o que vale dizer pregadores, pastores,
governadores, sem falarmos das demais funções, necessárias ao mundo, quais sejam,
entre outras, ministros de Estado, conselheiros, notários, importantes auxiliares do
governo.
65
Transcorridos mais de três séculos dessa revolução, que se não foi pela Reforma
Protestante, tem nela um dos episódios centrais, essas transformações estavam incorporadas
ao cotidiano dos povos europeus, muito especialmente ao do povo protestante que emigrou no
início do século XIX. As coisas são como se conhece. E os imigrantes que chegaram ao Brasil
conheciam o mundo da Reforma da Europa. No início, a universidade era inimaginável, mas a
escola deveria existir.
2.2 Educação e igreja protestante no Brasil
A Igreja Protestante chega representativamente de duas formas ao Brasil. A primeira
é pelos imigrantes alemães, que mantêm suas tradições. A segunda forma está associada às
frentes de missão cristã da segunda metade do século XIX oriundas dos Estados Unidos da
América. A educação tem uma centralidade nesses aportes, porque está umbilicalmente
associada às duas iniciativas. Em comum, o fato de essas encontrarem um país praticamente
sem regulação para as iniciativas educacionais, o que fez florescerem iniciativas dependentes
unicamente do esforço de comunidades e pessoas. Essa situação manteve-a distantes dos
trâmites formais que, mais tarde, dominaram o meio educacional. O registro de escolas e
professores serviu para controle do sistema, mas também para reprimir aquelas iniciativas
paralelas que se demonstravam supostamente ameaçadoras.
Os imigrantes chegados a partir de 1824 tinham na educação um elemento
importante para a vida em sociedade. A situação local deixou os cidadãos à própria sorte. Eles
passam a procurar sua própria solução. Nessa conjuntura surgem as primeiras escolas
protestantes no Brasil, dos imigrantes alemães luteranos. Dreher, em seu Breve História do
65
LUTERO, Martinho. Uma Prédica para que se Mandem os Filhos à Escola. Obras Selecionadas. São
Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1995. v. 5, p. 348.
34
Ensino Privado Gaúcho, lista a presença de escolas em alguns povoados gaúchos.
66
Eram
iniciativas precárias. A chegada de alguns imigrantes com melhor formação trouxe um
primeiro alento para algumas comunidades.
67
O século XIX foi marcado por um movimento de reavivamento da na Europa, que
conferiu também uma nova valorização à igreja.
68
Esse movimento cuidava de iniciativas de
entidades voltadas para a missão interna e externa, inclusive as voltadas à diáspora dos teutos
em terras distantes da Europa. Nesse contexto, a Sociedade Evangélica para os Alemães
Protestantes na América enviou pastores ao Brasil. Ela estendeu esse seu serviço também para
o envio de professores, resultando disso a criação, em 1869, de uma “escola superior”,
destinada a apoiar os professores em terras brasileiras. Embora de pouco êxito e de curta
duração, vale o registro como primeira iniciativa de melhorar o ensino entre os alemães no
Brasil.
O apoio externo levou a uma organização local de sínodos. Surgiram o Sínodo
Riograndense na área do Rio Grande do Sul, em 1886; o Evangélico Luterano de Santa
Catarina, Paraná e outros Estados da América do Sul, em 1905; o Evangélico de Santa
Catarina, em 1911 e o Evangélico do Brasil Central, em 1912. Estruturas como a do Sínodo
Riograndense foram decisivas para implantar o que pode ser denominado de sistemas
escolares para a alfabetização. Na área de Santa Catarina, em Timbó, chegou a ser criado o
“Deutsche Evangelische Lehrerpräparande”, instituição que deveria prover com professores
as escolas rurais. Ela foi financiada com recursos do governo alemão e da Igreja Evangélica
Alemã.
69
As igrejas protestantes de missão também se instalaram no país oferecendo
educação. As igrejas presbiteriana, metodista, batista e adventista, para citar aquelas com
papel de maior destaque, se estabeleceram no Brasil a partir da segunda metade de século
XIX. Com origem no modelo político religioso norte-americano, a chegada desses
protestantes estava amparada em uma concepção salvacionista, que incluía a educação. Os
Estados Unidos pretendiam assumir uma hegemonia na América, que, no caso do Brasil,
esbarrava nas relações com a Inglaterra, desde a chegada de D. João VI , em 1808, e no
próprio modelo de governo, ainda de um império. O fomento às escolas em terras brasileiras
66
Em São Leopoldo e Campo Bom, no Rio Grande do Sul, os registros do historiador apontam para os anos de
1824, e Hamburgo Velho, em 1826.
67
Trata-se aqui dos Brummer, combatentes da Guerra contra Rosas, que chegaram ao Brasil em 1852. Cf.
DREHER, Martin N. Breve História do Ensino Privado Gaúcho. São Leopoldo: Oikos, 2008. p. 40.
68
Cf. WACHHOLZ, Wilhelm. Atravessem e ajudem-nos: a atuação da "Sociedade Evangélica de Barmen” e de
seus obreiros e obreiras enviados ao Rio Grande do Sul (1864-1899). São Leopoldo: Escola Superior de
Teologia; Sinodal, 2003. p. 31-120.
69
Cf. KLUG, 1997, p. 216-217.
35
deu-se com base na ausência de instituições formativas. A educação atendia ao propósito
expansionista das igrejas, mas também a uma nova mentalidade que se instalava no país. A
visão norte-americana era incentivada pelos liberais brasileiros e atendia a interesses
ideológicos e comerciais. Não por acaso, a constituição republicana de 1889 denominou o
país de República dos Estados Unidos do Brasil.
70
A evolução do protestantismo dependia da alfabetização dos fiéis, para que se
pudesse exercer o ideal protestante, do livre exame e interpretação das Escrituras Sagradas.
As missões americanas chegadas ao Brasil já estavam mais distantes da Reforma, visto que os
ideais do liberalismo, individualismo e pragmatismo compunham a mentalidade missionária.
Essa mentalidade religiosa era fomentada nos Estados Unidos por atender ao novo modelo de
organização econômica e política que se impunha. O ideal liberal brasileiro da educação para
todos, mas com um diferencial para a burguesia, seria bem atendido pelas iniciativas
missionárias.
Diferente do trabalho dos protestantes nas colônias de imigração, desde logo os
missionários americanos atuaram em espaços de concentração urbana. Os adventistas ensinam
os valores bíblicos e, desde 1896, em Curitiba, no Paraná, mantém pequenas escolas
paroquiais. Os batistas instalaram escolas nas capitais brasileiras.
71
Os metodistas escolherem
cidades de porte médio, com grande potencial de desenvolvimento.
72
Os presbiterianos
investiram fortemente na cidade de São Paulo, com o apoio das missões americanas chegadas
a partir da década de 1860. Já em 1870, é criado o colégio que viria a ser a primeira
universidade protestante brasileira, o Mackenzie. Além de estar no coração econômico
brasileiro, essa instituição tinha entre suas tarefas formar professoras para as escolas fundadas
pelas missões presbiterianas no Brasil. O objetivo da alfabetização, embora presente, é
secundário. A formação das elites para o país é o principal desafio dos missionários
protestantes.
No início do século XX, também o Sínodo Luterano Missúri marca presença no
Brasil e origem à Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). Esse passa a atuar em
concorrência com os pastores do Sínodo Riograndense, os quais, embora em maior número,
70
Cf. HACK, Osvaldo Henrique. Mackenzie College e o ensino superior brasileiro: uma proposta de
universidade. São Paulo: Editora Mackenzie, 2002. p. 40-47.
71
Nos primeiros anos das missões batistas, o interesse pela fundação de colégios e escolas foi secundário. Mas,
após 15 anos, em 1898, surgiu o Colégio Americano, de Salvador. Na sequência, surgem os Colégios Batistas de
São Paulo (1902), Recife (1906), Rio de Janeiro (1908) e vários outros. Cf. HACK, 2002, p. 62.
72
São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais são o foco metodista. O início da atuação metodista está em
1875, por convite do então deputado provincial Prudente de Morais, republicano, que mais tarde tornou-se o
primeiro governador do estado de São Paulo (1889-1890), e o terceiro presidente do Brasil, primeiro político
civil a ocupar o cargo.
36
ainda eram insuficientes para assistir aos imigrantes luteranos e seus descendentes no sul do
Brasil e no Espírito Santo. A exemplo das demais missões americanas, a educação desde logo
passa a ser um tema central na experiência evangelizadora missuriana, inclusive com a
formação de professores em terras brasileiras. No ano de 1900, junto com a chegada da
missão, surge a primeira escola paroquial. Em 1903, acontece a primeira experiência de
formação de professores. A formação de professores
73
torna-se efetiva a partir de 1907, com a
abertura, em Porto Alegre, do que viria a ser o Seminário Concórdia.
74
O protestantismo histórico brasileiro, de duas vertentes, teve no protestantismo de
missão seu braço em favor da esperança de ajudar a modificar o mundo, buscando o progresso
e a modernização, seguindo os interesses norte-americanos. Daí não ser estranho o surgimento
de escolas superiores, que se converteram em faculdades e universidades. Era uma resposta à
convicção da elite intelectual e política do país que se opunha ao modelo imperial. A
República, surgida no final do século XIX, imagina desenvolver o país sob as mesmas bases
conceituais dos Estados Unidos da América. O protestantismo de imigração respondia às
demandas das comunidades locais, das colônias. O apoio para se organizar coincide com o
início da República. O apoio aos descendentes de imigrantes, oriundo do Velho Continente,
confrontava-se de alguma forma ao pensamento que passaria a ser dominante no país. Quando
a organização do protestantismo de imigração atingiu um patamar mais robusto, a ideologia
que ele representava estava em desacordo com o pensamento predominante no país.
2.2.1 Escolas regulares ainda não têm...
A expulsão dos jesuítas, em decorrência da reforma pombalina de 1759, criou um
hiato na oferta educacional.
75
Uma tentativa de organização da instrução primária apareceu
com a Constituição de 1824
76
, que atribuía o ensino primário, sem qualquer critério, ao
73
Embora não se tenha encontrado registro explícito, nem nos dois principais estudos que tratam da formação de
professores na IECLB, apresentado por HOPPEN, [1991] e por GOMES, 2005, parece que a experiência
missuriana está intrinsecamente ligada à implantação de um Seminário para Formação de Professores no Sínodo
Riograndense. A condição concorrencial, percebida como invasão no território do Sínodo Riograndense, por
parte do Sínodo Missúri, exigia uma resposta ao reclamo vindo das comunidades por professores melhor
formados ( com o apelo do pastor de Teutônia que dizia que um seminário era tão necessário quanto o pão de
cada dia. Cf. HOPPEN, [1991?],p. 16). Desde a formação do Sínodo Riograndense, a formação de professores
era reclamada, mas não se efetivava. Pode-se deduzir com facilidade que os professores formados pelo
Seminário da IELB em Porto Alegre poderiam representar um risco “concorrencial” adicional nas comunidades.
74
Cf. BUSS, Paulo. Lutero no conceito do luteranismo brasileiro. In: HEIMANN, Leopoldo (Org.). Lutero, o
educador. 1. ed. Canoas: ULBRA, 2005. v. 2, p. 39-79.
75
Os jesuítas retornaram lentamente a partir de 1849, portanto noventa anos após sua expulsão. Cf. RAMBO,
Arthur Blasio. A escola comunitária teuto-brasileira. Caderno de Estudos. Porto Alegre: UFRGS, 1984. p. 9.
76
Em verdade, foi uma reforma da Constituição, denominada Ato Adicional, em 1834.
37
encargo das províncias, para que essas atuassem livremente de acordo com suas condições. A
instrução primária gratuita acessível a todos os cidadãos, constante na carta constitucional,
fracassou
77
, ao menos no alcance pretendido. Conforme Dreher
78
, em verdade, a Província
podia tomar medidas próprias no tocante à educação, mas sem condições práticas de executá-
las. Em decorrência disso, escolas foram criadas pelo poder público no sul do país, mas nunca
chegaram a funcionar. Não havia professores e muito menos uma diretriz educacional, com
métodos pedagógicos capazes de provocar mudança, por iniciativa do poder público, no
quadro do analfabetismo.
A preocupação dos imigrantes em garantir uma condição razoável de vida incluía a
educação para os filhos. Parecia presente na consciência coletiva que a prosperidade nas
desabitadas terras brasileiras dependia da educação. As estruturas legalmente previstas e as
promessas formuladas aos imigrantes de condições sociais equivalentes ao país de origem não
foram honradas. Para atender aos conceitos que os acompanhavam, os imigrantes partiram
para a improvisação. Willy Fuchs expressa sua visão sobre esse tempo:
Os imigrantes quando vieram não encontraram escola nenhuma, tiveram que
lecionar em casa. Não queriam sucumbir culturalmente. A sobrevivência cultural dos
imigrantes e dos filhos dos imigrantes foi justamente esse esforço e essa felicidade
deles cuidarem da cultura e da religião também. Eles fizeram questão disto. E então
nasceram as primeiras escolas em casas de família, primeiro, e depois nas
comunidades juntaram-se e ministraram o essencial: ler, escrever e fazer contas. A
linha básica.
79
As palavras de Fuchs apontam para a inexistência de regularidade. As atividades
educacionais aconteciam quando outras estivessem atendidas. Por maior que fosse o
empenho, é importante salientar o ambiente hostil encontrado nos locais ocupados pelos
imigrantes. O idioma, o desconhecimento em relação às plantas nativas, os riscos de entrar em
contato com indígenas e o isolamento precisavam ser superados, visto que o caminho no
Brasil era sem volta. O surgimento das escolas nas picadas e povoamentos acontece de forma
natural, sem se constituir em um evento digno de registro especial. A criação da escola era
parte da estruturação da nova vida, decorrência da própria manutenção das tradições trazidas
de além-mar. Assim, não se encontra o registro preciso sobre o início de atividades. Esclarece
Lúcio Fleck:
Estava fundada a Escola Evangélica Duque de Caxias, hoje Instituto Sinodal Duque
de Caxias. Qual a data da fundação? Não se sabe. Aconteceu num destes 180 dias do
77
Essa “oferta constitucional” certamente estava no rol das muitas feitas aos imigrantes, daí esses terem sua
expectativa frustrada ao não ter escolas. A falta de escola era apenas mais uma promessa não cumprida,
contribuindo para o descrédito e o descompromisso com o poder público.
78
Cf. DREHER, 2008, p. 31.
79
FUCHS, 2004.
38
primeiro semestre, sem alarde nem grande propaganda, sem cerimônia de
inauguração [...]. O nome do primeiro professor é desconhecido. Geralmente era um
imigrante que perambulava pelas Picadas com dificuldade de adaptação ao novo
ambiente, muitas vezes alcoólatra, ou mesmo um colono um pouco mais letrado, e
que se frustrara na sua tarefa de agricultor.
80
Sobre a situação do ensino e sobre as escolas nos primeiros cinquenta anos da
presença germânica no sul do Brasil se tem razoáveis estudos de pesquisadores.
Invariavelmente eles apontam para essa condição de abandono. Em correspondência da
década de 1830, um imigrante escreve aos parentes moradores na Alemanha e atesta essa
frustração ao dizer que “escolas regulares como na Alemanha ainda não temos. As poucas
opções que existem distam tanto, que não podem ser frequentadas pelas nossas crianças, o que
nos obriga a nós mesmos proporcionar-lhes instrução da melhor forma possível”
81
. Tudo
estava por ser feito.
Durante todo o período que Klug
82
chama de instalação do imigrante alemão na nova
terra, no Brasil, esse tem que canalizar seus esforços para sobreviver em uma terra
desconhecida e hostil. Nesses difíceis primeiros anos, o ensino fez parte das motivações
recíprocas dos imigrantes, dos pastores e “a escola brotou da convicção consciente de que sem
ela a tradição cultural e religiosa se achava seriamente comprometida”
83
. Os pastores
perceberam que teriam sérios problemas para cumprir seu papel de animar as comunidades na
sem uma escolaridade mínima. A falta de escolas e sobretudo de professores foi sendo
contornada na medida do possível, ora pelo ensino dos incapazes de atuar no trabalho braçal,
ora pelos próprios pastores.
Apesar de todo o esforço, houve impacto negativo junto aos colonos pela falta de
escolas, de regularidade e de professores. O conceito que os professores gozavam no
imaginário dos imigrantes foi atingido negativamente. Pessoas despreparadas e sem a
necessária qualificação causaram prejuízo no conceito dos professores em geral. A
comunidade só podia contar com ela própria para evitar a deculturação. O princípio determina
a essência. Todos estavam comprometidos com a escola, para ficar no tema que mais nos
interessa aqui. As características peculiares de organização permearam as gerações seguintes,
com a autonomia das comunidades sobre as escolas. Esse princípio reforçou sobremaneira a
importância da comunidade na vida das pessoas, com o descrédito ao que vinha externamente.
80
FLECK, Lucio. Sereis minhas testemunhas. [Sapiranga]: Edição do autor, 2001. p. 108.
81
HOPPEN, Arnildo. Formação de Professores Evangélicos no Rio Grande do Sul: I parte (1909-1939). São
Leopoldo: Edição do autor, [1991?]. p. 11.
82
KLUG, 1997, p. 70.
83
RAMBO, Arthur Blásio. A escola comunitária teuto-brasileira: Gênese e Natureza. Estudos Leopoldenses,
Série Filosofia, São Leopoldo, n, 86, p. 44, 1985.
39
2.2.2 Escolas em torno do Sínodo Riograndense
O Sínodo Riograndense foi fundado em 1886. Sua atuação junto às escolas foi mais
abrangente que a de outros sínodos, embora nesses haja casos de relevante interesse.
84
O
Sínodo Riograndense foi decisivo no fomento e na valorização dos professores, estabelecendo
uma conexão entre a vivência de e o ensino. Nas palavras de Dreher, sua fundação deu “ao
protestantismo do Rio Grande do Sul a oportunidade de se apresentar como uma unidade
diante das autoridades civis e assumir tarefas como o serviço de pregação itinerante, escolas e
instituições de missão interna”
85
.
O tema da educação esteve sempre na pauta desse sínodo, tendo como um de seus
mandamentos estatutários servir “como elemento de união entre as comunidades da Província
do Rio Grande do Sul, para zelar pela boa ordem nas comunidades evangélicas e representar
seus interesses relacionados à igreja e à escola”
86
. A preocupação desse sínodo com a causa
da educação fica evidente em vários episódios: ao assumir o que é hoje a Fundação
Evangélica, em Novo Hamburgo, em 1895; ao passar a manter uma escola na cidade de Santa
Cruz do Sul, em 1897, local onde, em 1910, passa a acontecer a formação de professores; e
naquilo que é seu principal legado: a fundação, em 1909, do Seminário Evangélico de
Formação de Professores na cidade de Taquari. A organização desse sínodo conferiu impulso
ao sistema educacional entre os imigrantes evangélicos luteranos no Rio Grande do Sul.
A chegada de pastores com pretensão de organização supracomunitária não tem
aceitação pacífica. A organização em torno do sínodo é contestada nas comunidades. A defesa
de interesses locais (pessoais) é parte da vida constitutiva da comunidade. Muitos espaços
haviam sido ocupados por pastores de emergência, e em alguns desses houve confronto com
os novos pastores. Gertz
87
descreve que, nas comunidades, alegava-se a liberdade oferecida
pelo Brasil como forma de justificar não receber “lições” de pastores. Também a pesquisadora
Isabel Arendt reforça esse entendimento. A publicação comemorativa do Sínodo
Riograndense pelo centenário da imigração alemã nominava um conjunto de escolas como
sendo do sínodo. Contudo, essa afirmação foi contestada pela Associação de Professores
Evangélicos no Rio Grande do Sul, reivindicando que a escola comunitária somente poderia
84
Klug faz um estudo sobre o impacto da escola teuto-brasileira evangélico-luterana no processo de
modernização de Santa Catarina. Cf. KLUG, 2007.
85
DREHER, 2003, p. 17.
86
Der Deutsche Ansiedler, apud ARENDT, Isabel Cristina. Educação, Religião e Identidade Étnica: o
Allgemeine Lehrerzeitung e a escola evangélica alemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Oikos, 2008, p. 24.
87
GERTZ, Rene. Resultados políticos do projeto de imigração e colonização no Rio Grande do Sul. Disponível
em: <http://www.renegertz.com/resultados-politicos-do-projeto-de-imigracao-e-colonizacao-no-rio-grande-do-
sul#_ednref10>. Acesso em: 10 maio 2010.
40
crescer “estando em nível de igualdade em relação à igreja, não de subordinação a ela”
88
. Esse
ponto fica claro quando Arendt descreve a perspectiva das escolas quando da fundação do
Sínodo Riograndense:
A resistência, no entanto, está presente, inclusive na Primeira Assembléia Ordinária
do Sínodo Riograndense, ocorrida em maio de 1887. As comunidades evangélicas
haviam se organizado Comunidades Escolares [Schulgemeinden] ou Sociedades
Escolares [Schulvereine] para suprir a necessidade de escolas e passam a questionar
a possível subordinação destas ao Sínodo [Riograndense].
89
Com iniciativas mais ou menos bem-sucedidas, ao lado da organização de uma
igreja, constitui-se um sistema escolar que, em suma, pretendia oferecer às comunidades
apoio na tarefa de educar seus filhos. Exemplo concreto disso está no estudo de Derti Jost
Gomes sobre o Seminário Evangélico de Formação de Professores, em que a pesquisadora
afirma que a criação do Sínodo Riograndense levou a que esse apoiasse as escolas
comunitárias, fundando, em 1901, a Associação de Professores Alemães. Mais tarde, em
1909, surge o Seminário de Formação de Professores, igualmente com o intuito de “criar um
Seminário para a formação de professores e pregadores para a Igreja, para suprir o grande
número de vagas no pastorado e no magistério”
90
. O Seminário teve a tarefa de abastecer com
professores as escolas rurais instaladas no seio das comunidades das colônias de descendentes
de imigrantes alemães luteranos. As lideranças perceberam que
para terem escolas autênticas, seria necessário formar obreiros teuto-brasileiros do
seu meio. Para formá-los, havia necessidade de criar e manter as respectivas
instituições. Esse era o ponto nevrálgico, pois exigia sacrifícios materiais além de
uma visão que transcendia a própria comunidade. A conseqüência foi que as escolas
para formação de professores e pastores surgiram na hoje IECLB (Igreja Evangélica
de Confissão Luterana no Brasil) apenas em 1909 e 1921.
91
As dificuldades financeiras de organização do Seminário passaram a ser contornadas
com auxílio externo. O papel que esse poderia desempenhar na vida na colônia alemã desperta
interesse. O objetivo de cultivar a língua alemã, os costumes e a ligação cultural com o país de
origem fez com que a Sociedade Evangélica de Barmen e o Conselho Superior da Igreja da
Prússia assumissem inclusive déficits do orçamento do Seminário de Professores. Esses
movimentos levaram a um aumento na procura de jovens pelo seminário e a um florescimento
no ensino entre alemães luteranos. De cerca de 150 escolas na virada para o século XX,
ocorreu um salto para 413 escolas no ano de 1924, centenário da imigração alemã. Ao lado da
88
ARENDT, 2008, p. 209.
89
ARENDT, 2008, p. 25.
90
GOMES, 2005, p. 88.
91
HOPPEN, [1991?], p. 9.
41
expansão de escolas, também o ensino deveria ser melhor. Interessante constar a avaliação de
Dorival Fleck sobre isso:
Neste ano, 1924, foi criado o Departamento de Ensino do Sínodo, com tarefas muito
abrangentes. Estabeleceu-se, então, como pré-requisito para a admissão ao Ensino
Confirmatório, a conclusão de quatro anos de escolarização. Mesmo que isso nunca
tenha funcionado de fato, fica o registro de que foi o Sínodo Riograndense a
primeira instância a fixar uma espécie de escolarização mínima no Brasil.
92
O fomento à organização de um sistema educacional no âmbito do sínodo encontra
melhor sentido quando entendido no contexto religioso da virada para o século XX. Ainda
que sejam registrados alguns momentos de colaboração entre alemães católicos e protestantes,
havia uma clara disputa entre ambos. O Projeto de Restauração Católica, que, no caso do Rio
Grande do Sul, contou com o trabalho dos padres jesuítas, estava em pleno curso. Considere-
se ainda que os jesuítas no Rio Grande do Sul haviam sido expulsos da Prússia no conflito
denominado Kulturkampf
93
. Entre as providências dos jesuítas no sul do Brasil, eles
“organizaram uma rede de apoio a essas escolas paroquiais”
94
. A formação de professores
(1890) e a própria associação de professores católicos (1892) são anteriores aos seus similares
evangélico-luteranos.
Parece que a imposição de desafios grandiosos levou a conquistas importantes dos
evangélico-luteranos. Com professores formados e o apoio da igreja-mãe na Europa Central,
as escolas comunitárias aumentaram significativamente. Segundo Streck
95
, em 1934, eram
513 escolas, com 589 professores e 17177 alunos na área do nodo Riograndense. Gomes
96
aponta para 570 escolas em 1935. Esses números levaram a iniciativas que pudessem oferecer
novas possibilidades aos descendentes de alemães. Isso levou à criação do Colégio Sinodal,
no ano de 1936, como forma de oferecer formação para que as lideranças leigas das
comunidades pudessem acessar o ensino universitário.
92
FLECK, Dorival Adair. Luteranismo e Educação. In: GOLDMEYER, Marguit Carmem; WACHS, Manfredo
Carlos; MALSCHITZKY, Gustavo (Orgs.). Luteranismo e educação: reflexões. São Leopoldo: Rede Sinodal de
Educação; Sinodal, 2006. p. 32.
93
Movimento de natureza essencialmente nacionalista desencadeado por Otto Bismarck a partir de 1870, que
não via com simpatia o apoio que parcela importante do clero católico alemão dava em favor dos direitos dos
estados da Alemanha meridional, aos alsacianos e à minoria polonesa. O interesse em obter apoio dos "nacional-
liberais" para as bases do novo império estaria sujeito à oposição do papa. Em consequência, houve a
promulgação, entre 1872 e 1875, de uma série de leis e decretos que levou a eliminar inteiramente qualquer
capacidade de influência da Igreja Católica na vida pública da Alemanha. Tratou de obter a expulsão do país da
Companhia de Jesus, colocou todos os seminários católicos sob o controle do Estado e promulgou as "Leis de
Maio", que autorizavam o governo a regular a nomeação de bispos e padres.
94
ARENDT, 2008, p. 20.
95
STRECK, Gisela I. W. Escola comunitária: fundamentos e identidade. São Leopoldo: Sinodal, 2005. p. 90.
96
GOMES, 2005, p. 55.
42
2.2.3 A Segunda Guerra Mundial: um tempo de transformação
A nacionalização é um período decisivo para a compreensão dos rumos da educação
vinculada à Igreja. A iniciativa oficial levou ao fechamento de praticamente todas as
instituições. A nacionalização está associada aos anos de 1938
97
e 1939, com os decretos
estaduais e federais que impuseram restrições ao uso da língua estrangeira e ao uso de
determinados materiais didáticos, proibição aos estrangeiros de serem diretores, além da
exigência do registro de escolas nas secretarias estaduais que abrigavam a pasta da educação.
Através da Campanha de Nacionalização do Ensino, estabeleceu-se um processo intimidatório
e, não raro, violento.
98
A Segunda Guerra Mundial serviu ao adequado intento de pôr fim a um tema que
preocupava as autoridades brasileiras mais tempo. A formação de grandes núcleos
germânicos despertou o temor em relação à presença de alemães no Brasil de parte das
autoridades brasileiras. Dreher consegue sintetizar isso da seguinte forma:
A questão das escolas localizadas em áreas de imigração alemã e depois italiana
preocupou as autoridades governamentais. As crianças destas áreas não estariam a
aprender a língua nacional. Em maio de 1864, o Governo Provincial, através da Lei
579, oferecia remuneração especial para os professores que lecionassem em
língua portuguesa nas áreas de imigração. Não houve pessoas habilitadas. O governo
positivista republicano buscou fazer frente a essa situação abrindo escolas públicas
nas áreas de imigração. Como fossem gratuitas, passaram a concorrer com as escolas
privadas e paroquiais, atraindo parcela dos descontentes de imigrantes. Desde 1918,
o governo federal daria subvenções para a nacionalização do ensino.
99
As quase 700 escolas evangélico-luteranas
100
do Rio Grande do Sul e de Santa
Catarina e também as comunidades teuto-católicas foram atingidas. A nacionalização é o fim
do tipo de sistema de educação da escola particular
101
que nasceu como afirmação cultural do
imigrante no Brasil. Chegara ao fim o modelo de escola comunitária em que para lecionar
97
Em Santa Catarina, o Decreto Estadual 88, de 31 de março de 1938, foi o primeiro desse período final da
nacionalização. Cf. KLUG, 1997. Embora não determinando o fechamento das instituições, o nível de exigências
era tão alto, que o encerramento das atividades era o único caminho. No Rio Grande do Sul, também dois
decretos, um primeiro em abril e outro em maio, foram impondo restrições quando ao uso do idioma, inclusive
exigindo que professores e diretores fossem brasileiros natos. Cf. DREHER, 2008.
98
Cf. RISTOW, Arno. Educação: história ilustrada de um ideal. Florianópolis: IOESC, 1999.
99
DREHER, 2008, p 82-83.
100
Dreher expõe um quadro estatístico de que, em 1931, havia 549 escolas vinculadas ao Sínodo Riograndense e
116 ao Sínodo Evangélico de Santa Catarina. Cf. DREHER, 2008, p. 25.
101
Essa escola recebeu diversos nomes, desde “Gemeindeschule”, que é o termo que o autor entende mais
apropriado para a maioria das instituições, mas também de “Kolonieschule”, “Schulgemeinde”, teuto-brasileira,
alemã, até outros nomes, como “Synodalschulen”.
43
bastava anunciar disposição. Abrir uma escola sem qualquer prescrição do Governo
102
não era
mais possível a partir da nacionalização.
A escola comunitária, portanto, não se revestia de um valor em si. Fora encarregada
pela família e pela comunidade, como expressão formal e grupal da vontade dos
pais, para se responsabilizar pela complementação da educação. Não lhe cabia a
tarefa e muito menos o direito de dizer o que ensinar, nem o como ensinar, nem até
que ponto os limites dos conteúdos e a própria estratégia didático-pedagógica,
emanavam, em última análise, da vontade e dos direitos dos pais, expressa pela
comunidade. A comunidade zelava pelo conteúdo programático e acompanhava de
perto a correta execução pelo professor. Escolhia o professor, credenciava-o,
sustentava-o, amparava-o e o demitia, quando a conveniência e educação dos filhos
assim o exigiam.
103
Após a Segunda Guerra, o sistema educacional construído junto às colônias alemãs,
que atuou supletivamente ao Estado, deveria dar lugar à rede pública. As escolas, ainda que
confessional ou culturalmente identificadas, reabertas após o regime do Estado Novo, já
funcionam sob outra égide. As proibições, em menor ou maior grau nos Estados brasileiros,
não permitiam a continuidade do ensino sem que houvesse registro junto às secretarias
estaduais. O maior óbice foi proibir o ensino no idioma alemão, principal forma de
comunicação entre os descendentes alemães. Pesquisadores, como Arthur Rambo, falam que a
“nacionalização intempestiva resultou de fato numa quase geração de analfabetos”
104
. O
Estado, que até então abandonara a educação, ensaiou o que ele pretende ser desde então: o
único a ter competência sobre essa área. A responsabilidade do poder público em garantir
educação foi a justificativa para essa posição. O receio de que a escola de iniciativa
comunitária entre os imigrantes pudesse se constituir em espaço de disseminação de ideias
separatistas parece ser o verdadeiro motivo. razões para deduzir que o contexto histórico
era apropriado para que esses riscos fossem contidos.
Após a guerra, o Sínodo Riograndense passa a dar assistência às escolas do interior
interessadas em reabrir estabelecimentos fechados. Segundo Lucio Fleck, essa tarefa coube ao
professor Willy Fuchs.
Para o Prof. Willy Fuchs começou uma luta inglória. Teve que assumir, por
correspondência, a direção de escolas como as de Marcelino Ramos e Panambi, que
perderam seus diretores por serem estrangeiros. Muitos professores abandonaram a
sua profissão. A falta de docentes era muito grande. Fuchs teve que apelar a grupos
de juventude para suprir as necessidades das escolas.
105
102
FUCHS, 1999 apud BEHS, Edelberto. O processo de abrasileiramento da “Igreja dos Alemães”.
Florianópolis: UFSC, 2001. p. 38.
103
RAMBO, 1985, p. 43.
104
RAMBO, 1984, p. 68.
105
FLECK, 2001, p. 172.
44
Como se vê, as comunidades rurais, as que mais necessitavam das escolas, foram
atingidas de morte no seu ímpeto de manter escolas. No final dos anos 1940 e início dos anos
1950, algumas escolas primárias restauradas transformam-se em ginásios e colégios. O
atendimento em nível médio – e não somente alfabetização – foi a tentativa de responder a um
novo contexto. O poder público se ocuparia com a educação primária, à Igreja restaria atuar
onde o Estado não dava conta da demanda. Essas escolas caberiam em espaços urbanos, onde
a Igreja se movia com muita dificuldade. Escolas maiores trouxeram novos desafios e novas
formas de organização. Entre essas, surgiu a discussão também sobre o ensino superior. Esse
tema passara a ser assunto na década de 1930 no país, como vimos no capítulo anterior. Seus
desdobramentos dentro da IECLB serão abordados nos dois capítulos seguintes.
2.3 O associativismo e o comunitário
O associativismo era mesmo um movimento no contexto protestante e católico,
com associativismo cristão
106
– do final do século XVIII e no século XIX. Contudo, o
movimento associativista do protestantismo da imigração e colonização alemã no Brasil é
essencialmente de fora para dentro. No caso do protestantismo luterano, o apoio à diáspora
levou a que sociedades alemãs enviassem pastores e professores e a partir deles trabalhassem
na organização de estruturas associativas entre os colonos. Nesse contexto estão a chegada do
pastor Hermann Borchard ao sul do país, em 1864, e a tentativa de formação de um primeiro
sínodo, em 1868, agrupando comunidades e igrejas que possuíam sua caminhada conjunta.
De fato, apenas em 1886 esse propósito tem sucesso, sob a liderança do pastor Wilhelm
Rotermund, fundando o Sínodo Riograndense. Essa experiência associativa religiosa é a
primeira de maior vulto. O impulso associativista, quando chega ao país, encontra uma
comunidade estabelecida.
Desprovidos, os imigrantes cultivavam poucos direitos, sendo tolerados como
estrangeiros. A maioria dos imigrantes era de protestantes que chegavam a um país católico.
Tolerados, os protestantes tiveram dificuldades em manter a sua fé. A religião constitui-se em
meio de socialização. A comunidade dos colonos representava uma forma de enfrentar
problemas. Era necessário para prover educação aos filhos, gerar algum comércio dos
106
Cf. SCHALLENBERGER, Ernesto. O associativismo cristão no Sul do Brasil: a contribuição da Sociedade
União Popular e da Liga das Uniões Coloniais para a organização e o desenvolvimento social sul-brasileiro.
Porto Alegre: PUCRS, 2001.
45
produtos, socorrer-se em caso de enfermidade, adispor de um cemitério para os mortos.
Lúcia Schneider Hardt descreve essa situação da seguinte forma:
Os imigrantes, desde a sua chegada até 1840 aproximadamente, sobreviveram à
custa de uma agricultura de subsistência, praticamente sem receber auxílios.
Cultivavam diversos produtos, e a mão-de-obra era familiar. Em caso de
necessidade, havia a colaboração entre vizinhos. Assim, pouco a pouco, começam a
surgir núcleos coloniais um tanto “fechados” em si mesmos.
107
O protestantismo de imigração praticamente não tinha ênfase missionária. Este país
pretendia ocupar território com a alocação de colonos em certas áreas de terra. A chegada dos
imigrantes não tinha motivação religiosa, tanto que vieram alemães protestantes e católicos. A
igreja formada pelos colonos era para a manutenção de costumes e práticas religiosas, sem
motivação proselitista ou ideológica. Aliás, a prática proselitista sempre foi condenada entre
os imigrantes, porque “a confissão estava ligada à região (cuius regio, eius religio, no
domínio de um príncipe todos deviam seguir a religião dele)”
108
. Sua organização era baseada
na necessidade de atender a todos que estavam nas imediações que se poderiam percorrer a
ou a cavalo. Não havia rigor formal. Esse contexto da organização das comunidades rurais,
que se estabelece pela necessidade de sobreviver, amalgamou de forma peculiar as relações
do povo que teve sua vertente na etnicidade, pela língua e tradições que preservaram.
Dreher
109
define a organização dos imigrantes em torno dos eixos religião, escola, agricultura
e arte e diversões. Não havia em torno disso qualquer rigor associativo formal.
O período entre a fundação do nodo Riograndense e a política da nacionalização,
em 1939, é aquele onde o associativismo rende seus maiores frutos. São desse período as
iniciativas que projetam a criação de instâncias com maior articulação, especialmente aquelas
relacionadas ao país de origem. As pesquisas que trataram do tema apontam que a
organização da igreja e o fomento ao ensino eram a forma de manter o vínculo com o país de
origem. O propósito foi de manter uma colônia alemã no Brasil suficientemente estruturada
para defender o assim chamado Deutsches Volkstum”. Desse período de pouco mais de
cinquenta anos são os “Vereine”, as associações voltadas às escolas. As “Gemeinde”,
comunidades, são dos outros quase setenta anos de presença dos descendentes luteranos no
Brasil no século XIX. As “Gemeinde” são valorizadas entre evangélico-luteranos após a
Segunda Guerra. Não um rigor temporal na separação da nomenclatura entre “associação”,
Verein, e a “comunidade”, Gemeinde, mas há um princípio que norteia os diferentes períodos.
107
HARDT, Lúcia Schneider. Germanidade e Cidadania: a escola na trajetória da comunidade. In: SPERB,
Angela Tereza (Org.). Sal da Terra: 160 anos da Comunidade e Escola Evangélica de Campo Bom. Canoas:
Escola Profissional La Salle, Gráfica Editora, 1992. p. 47.
108
KLIEWER, 2007, p. 148.
109
DREHER, 2008, p. 34.
46
Enquanto os princípios associativos tinham clara separação interna de membros e sua
vinculação dirigida a determinados propósitos, as Gemeinde têm uma demanda em torno da
qual todos se unem. Na associação, pessoas determinam uma causa. Na comunidade, uma
causa mobiliza pessoas. E, nesse sentido, a história da educação no contexto das colônias de
imigração avançou, ordinariamente em estreito vínculo com a igreja, quando uma causa
mobilizava as pessoas. O analfabetismo, que ninguém combatia, mobilizou as comunidades.
O ensino superior, sempre alvo de maior atenção por parte do Estado brasileiro, nunca
mobilizou verdadeiramente as comunidades, mesmo que isso fosse uma defesa do reformador
Lutero. Interessante é observar o texto da Conferência Sul-Americana de Líderes da Igreja
Evangélica, ocorrido em julho de 1935, localizado por João Klug:
Nós precisamos escolas comunitárias evangélicas [...] não associações escolares,
mas escolas comunitárias são necessárias em nossa época [...] Onde o pastor não
dedica atenção aos assuntos escolares, ali o trabalho da comunidade não progride.
110
A organização dos imigrantes em comunidade ultrapassa o formato associativo. Do
ponto de vista formal, isso é assim porque a organização de comunidade o é externa, mas é
um movimento de dentro dela própria, portanto uma forma intencional da vida das pessoas
que dela participam. Do ponto de vista prático, porque ultrapassa o da associação em seu
propósito. A comunidade é resultado da condição essencialmente social e política do ser
humano. O apelo contido no texto dessa conferência reconhece que a vida na comunidade é
entrelaçada de tal forma, que, interdependentes, precisa de outras condicionantes para se
manter. É o imperativo do interesse comum determinando valores e compromissos comuns da
vida para as colônias rurais. A associação é uma mobilização em favor de uma utopia, o que
deixa vago o objetivo a alcançar. A vida comunitária passa a ter forma quando ela enfrenta
temas da vida das pessoas, como construção de cidadania, trabalho e educação. No caso dos
imigrantes, é comunidade de que atua também com a razão. Ela procura se manter distante
da associação para além da sua comunidade. Quando muito, esse tipo de relacionamento serve
para suprir algo que não se alcança na comunidade. Esse suprimento, contudo, sofre enormes
resistências quando representa qualquer ataque à autonomia da comunidade.
Imigrantes protestantes e católicos caminharam em sua estruturação de forma muito
semelhante durante os primeiros cem anos no Brasil. Ambos formaram comunidades,
organizando-se, nos primeiros anos, em função de suas necessidades. O fomento pelas
sociedades alemãs e congregações religiosas deu início ao associativismo mais amplo. Com a
110
Konferenz der Ständigen Vertreter der Deutschen Evang. Kirche in Südamerika ab 1935, (EZA 5/2055)
apud KLUG, 1997, p. 85.
47
nacionalização, os caminhos deixaram de ser paralelos. Tendo em vista a particularidade
eclesiástica, as comunidades evangélico-luteranas retomaram mais acentuadamente a essência
surgida no período da estruturação da vida no Brasil. Os católicos tiveram uma figura
agregadora maior. Na educação, enquanto os católicos passaram a manter escolas por
congregações, como maristas, lassalistas, salesianos, franciscanos e tantos outros, os
evangélico-luteranos deixaram essa tarefa ao nível local, sem maior interferência da Igreja.
A IECLB, não se pode esquecer, é a igreja territorial, a “Volkskirche”. Em torno de
uma comunidade, seu povo fez a escola, inclusive para manter a liturgia do culto. Ela tem
dificuldades para se movimentar por motivações externas. Quem se movimenta é o povo. A
necessidade transforma-se em característica. Os traços típicos da “igreja do povo alemão
foram se perdendo e isso gerou a crise que chega aos dias atuais.
111
Nas conjunturas
desfavoráveis, as estruturas podem servir de alento para a manutenção da identidade. No
esforço de construção de uma igreja luterana no Brasil, a história em educação, se pudesse ter
sido mantida, poderia auxiliar. Contudo, também o sistema escolar relativamente sofisticado
para o meio rural, ao se tornar urbano, encontrou sua crise nesse espaço. A cidade precisa da
academia, do ensino superior, que essa Igreja cogitou oferecer e, como veremos adiante, não
teve fôlego para fixar. A cultura eclesiástica de responder à necessidade do seu povo retirou
da pauta o tema da educação básica nos anos de constituição da IECLB. Nesse tempo,
administrava-se a herança, mas não se investiu em novas possibilidades educacionais. O
poder público agora oferecia ensino básico, a alfabetização. Também o ensino superior não
era uma dificuldade, então abastecido pelo poder público ou completado em um esforço que
envolvia as pessoas para além da Igreja, tendo como resultado o ensino comunitário na forma
vista no capítulo anterior.
As comunidades identificadas em torno da IECLB, particularmente no quesito da
educação para a alfabetização, desenvolveram ao longo de sua história no Brasil, de fato, o
conceito hoje em uso do público não-estatal. O modelo gestado pelas comunidades de
imigrantes, no caso protestante, foi defendido e mantido, apesar das várias tentativas de
modificar esse modelo. Para além do associativismo, mesmo no período em que ele se
manifestou mais consistentemente, as prioridades e tarefas públicas eram decididas pelos
membros das comunidades, os quais cuidavam para que essas fossem exitosas. Instâncias com
maior articulação, típicas do associativismo e de contextos mais complexos para a vida em
sociedade, como são os espaços urbanos –, sofreram resistências.
111
Cf. KLIEWER, 2007, p. 144.
3 O ENSINO SUPERIOR EM PAUTA
A formação superior na Igreja teve como primeira experiência a Faculdade de
Teologia. Em 1946, o Sínodo Riograndense atende a um anseio de longa data. Ele passa a
oferecer formação teológica em nível superior no Brasil. Tratou-se de um empreendimento
que exigiu grande esforço e mobilização de recursos. Essa iniciativa revela vontade de
integração da Igreja no cenário brasileiro. Apesar de ser uma escola superior, ela não pode ser
tomada como a criação de faculdade, no sentido que este trabalho descreve, porque
precipuamente a teologia foi reconhecida como curso superior no final da década de 1990.
Essa experiência foi, de fato, a constituição de um seminário. E essa era uma prioridade da
Igreja.
3.1 O sistema educacional e a qualificação de professores
O sistema educacional evangélico-luterano atingira seu apogeu na década de 1930,
quando teve sua trajetória interrompida. A política da tolerância, instalada no culo XIX,
persistiu até 1938. A partir daí, as aulas deveriam ser ministradas em Língua Portuguesa e a
escola dirigida por um brasileiro nato. Professores e escolas precisavam ser registrados. Essa
atitude obrigou ao fechamento da maior parte das escolas primárias. Os professores
estrangeiros tiveram limitações para trabalhar e não havia professores brasileiros em número
suficiente para responder às necessidades.
Como parte dos festejos do cinquentenário do Sínodo Riograndense, o Concílio
Geral de 1935, em uma proposta dos representantes leigos, decidiu criar uma escola
secundária. E em 1936 surgia o Ginásio Sinodal, logo denominado Colégio. A lenta
reabertura das escolas primárias, a partir de 1945, foi acompanhada pela abertura de escolas
secundárias. Inspirados pelo modelo do Colégio Sinodal, emergiam escolas secundárias de
caráter regional. O então diretor do Departamento de Ensino do Sínodo Riograndense,
professor Willy Fuchs, lembra que esse setor auxiliava no provimento de professores,
assessorava as escolas no seu processo de regularização perante o órgão fiscalizador do Rio
Grande do Sul, “na Diretoria da Instituição Pública”
112
. Fuchs diz que “o ensino secundário
nasceu nos fins da década de 40, quer dizer, a expansão do ensino secundário. Em fins da
112
HOPPEN, [1991?], p. 61.
49
década de 40, por exemplo, em Panambi, o Ginásio Evangélico de Panambi, em 47, 48. Em
Ijuí foi logo em seguida e assim por diante”.
113
Em 12 de outubro de 1952, quando estavam constituídos doze estabelecimentos
secundários no âmbito do Sínodo Riograndense, surge o Centro de Diretores de
Estabelecimentos de Ensino Secundário (CDEES), em uma entidade que congregou
lideranças dos estabelecimentos, como associação dos diretores de escolas secundárias de
tradição evangélico-luterana. Embora sem caráter oficial, ou seja, não integrada ao
organograma da Igreja, essa entidade fez pelas escolas secundárias o que o Departamento de
Ensino do Sínodo fez pelas escolas primárias. O CDEES e o Departamento de Educação
assumiam conjuntamente a manutenção de um diretor para o trabalho executivo.
Em 1956, na fase de consolidação dos ginásios congregados pelo CDEES, explode a
discussão sobre a falta de docentes. No Congresso dos Professores Secundários
Evangélicos, em Ijuí, os 14
114
estabelecimentos filiados lançam um “brado de alerta aos pais e
demais interessados”
115
por conta da falta de professores. A ampliação do número de alunos e
estabelecimentos estava inviabilizada porque não havia professores para o exercício do
magistério nas escolas. O pequeno contingente de alunos formados nos cursos de filosofia é
atribuído à baixa remuneração dos docentes.
O problema vinha se apresentando progressivamente. Em um relatório apresentado
em 1954, o pastor Rodolpho Saenger, diretor do Colégio Sinodal e então presidente do
CDEES, apontava como três as principais tarefas desse centro: orientação dos
estabelecimentos, formação e vocação dos professores e garantia de uma vida socialmente
despreocupada dos docentes. Por ocasião desse relatório, surge o registro mais remoto a
respeito de uma faculdade da Igreja: “A formação de professores secundários, mesmo se
excluirmos por inoperante a idéia da criação de uma Faculdade de Filosofia própria, constitui
o problema que consideramos vital por excelência, se quisermos sobreviver
116
.
A primeira alternativa concreta foi a constituição de um Fundo de Formação de
Professores Evangélicos, o qual recolhia 1% (um por cento) da receita das instituições
113
FUCHS, 2004.
114
Instituto Pré-Teológico, Colégio Sinodal, Escola Técnica de Comércio “São Leopoldo”, Escola Normal
Evangélica, de São Leopoldo; Fundação Evangélica, Ginásio Pindorama, de Novo Hamburgo; Escola Normal e
Ginásio Martin Luther, de Estrela; Ginásio e ETC Alberto Torres, de Lajeado, Colégio e ETC Mauá, de Santa
Cruz do Sul; Colégio Augusto Pestana, de Ijuí; Ginásio e ETC Sinodal, de Panambi; Ginásio e ETC Júlio de
Castilho, de Marcelino Ramos; Escola Agrícola, de Teutônia; Ginásio da Paz, de Porto Alegre.
115
CDEES. [Carta]. jul. 1956. (DEIECLB, caixa 9).
116
RELATÓRIO do Rev. R. Saenger, apresentado à Assembleia Geral do CDEES, em 10 de Fevereiro de 1954.
(DEIECLB, caixa 68).
50
filiadas, destinando-o aos interessados em ingressar no magistério. Cabia aos próprios
diretores motivar alunos de seus estabelecimentos a buscarem uma Faculdade de Filosofia.
117
Durante o acima referido 3º Congresso, em Ijuí, a discussão sobre a falta de docentes
atinge seu ápice, em uma Assembleia Extraordinária do CDEES. O então presidente,
professor Friedhold Altmann, e o secretário, professor Wilmar Keller, em 21 de dezembro de
1956, expedem carta ao presidente e membros da diretoria do Sínodo Riograndense. Lê-se:
Em Assembléia Geral Extraordinária, realizada em Ijuí, no dia 3 de julho do corrente
ano, por ocasião do Congresso dos Professores Evangélicos do Ensino
Secundário, o Centro de Diretores Evangélicos (CDEES) apreciou duas moções, a
primeira assinada pelo Rev. Rodolpho Saenger e a segunda pelas diretorias da
Comunidade Evangélica e do Colégio Evangélico Augusto Pestana de Ijuí, versando
ambas o mesmo assunto, ou seja, o estudo da possibilidade da instalação de uma
Faculdade Evangélica de Filosofia por nossa Igreja, ou então, em comunhão com
outras igrejas evangélicas do Estado.
118
O Sínodo Riograndense cria a comissão de estudos para dar parecer sobre esse
assunto. Paradoxalmente, incumbe a presidência ao próprio pastor Saenger, o autor de uma
das moções. Essa comissão é composta pelos professores Kurt G. Schmeling, Hans G.
Naumann, Guilherme F. Rotermund e os pastores Heinrich Höhn e Karl E. Neisel. A
comissão é chamada em 07 de fevereiro de 1957 e se reúne no dia 12 de fevereiro,
apresentando imediatamente dois pareceres, “considerando cumprido plenamente o seu
mandato”
119
, com a remessa dos dois pareceres à diretoria do sínodo. Nesse momento,
ofereceu-se a primeira decisão formal no âmbito da Igreja sobre o ensino superior, iniciando
uma discussão que se arrastaria por mais de trinta anos.
120
A liderança do pastor Saenger parecia adequada para essa discussão naquele
momento. Além de diretor, ele também era professor da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) e conhecedor da realidade do ensino superior do período na condição de
docente. Responsável pela implantação da primeira escola secundária no âmbito do Sínodo
Riograndense, o então Ginásio Sinodal, orientava-o fortemente a qualidade na formação das
pessoas. O Sinodal, desde a sua criação em 1936, rapidamente constitui-se em referencial para
a Igreja, no qual outros estabelecimentos se inspiravam para a oferta do ensino secundário. O
Sinodal ganhou renome nacional por conta de uma proposta ousada que, paralelamente ao
117
Cf. REGULAMENTO do Fundo de Formação de Professores Secundários Evangélicos, de 06 de fevereiro de
1955. (DEIECLB, caixa 68).
118
CDEES. [Carta]. 21 dez. 1956. (DEIECLB, caixa 68).
119
PARECER 1, de 12 fevereiro de 1957. (DEIECLB, caixa 27).
120
Em 1987, o Conselho de Educação da IECLB posiciona-se a respeito de moção conciliar e é pela
recomendação de que ele adote uma política de incentivo ao surgimento de estabelecimentos de ensino de nível
superior, mantidos por instituições evangélicas. Porém, o cenário educacional possibilitou que apenas em 1996
fosse criada uma instituição, o Instituto Educacional Luterano de Santa Catarina, em Joinville, SC. Cf.
CONSELHO DE EDUCAÇÃO DA IECLB. Parecer 01/87. (DEIECLB, caixa 101).
51
ensino, propunha uma ampla formação às pessoas, capacitando-as à liderança em suas
comunidades. Segundo o entendimento do pastor Saenger, a qualidade da proposta de ensino
é o que justificava a atuação da Igreja no setor educacional. Essa era a tônica no Colégio
Sinodal. Willy Fuchs lembra:
Então o centro de diretores encarregou uma comissão, um grupo de 3 ou 4 pessoas,
eu acho que de 3, para examinar profundamente a criação, quer dizer, a existência de
uma Faculdade de Filosofia aqui no Morro do Espelho por parte da Igreja. E a voz
principal nessa comissão foi dada pelo pastor Saenger. E o pastor Saenger era meio
rigoroso, meio exigente. Era professor da UFRGS em Porto Alegre e conhecia o
funcionamento de um curso superior na UFRGS e o resultado final dessa comissão
foi de que concluíram que não convinha criar uma faculdade fraca, de menos
recursos, e também de menos capacidade, uma Faculdade de Filosofia, própria,
única aqui em São Leopoldo. Que não convinha formar uma faculdade que não fosse
de mão cheia. Uma faculdade de grande produção. Essa exigência o pastor Saenger
colocava. Ele defendia essa tese de que importa era uma faculdade que tinha uma
ótima produção para se manter e para ser reconhecida pelo público pelo seu valor.
Então essa comissão achou que a igreja, que o Sínodo Riograndense, naquele tempo
não tinha a IECLB, não tinha condições de montar uma tal faculdade aqui no Morro
do Espelho. Essa foi a conclusão dessa tal comissão.
121
O ônus da criação e manutenção da faculdade tinha como obstáculos básicos a
inexistência de recursos financeiros e de pessoas habilitadas para atuar como docentes. A
criação da faculdade redundaria no deslocamento dos docentes das escolas secundárias para
essa instituição, evidentemente em prejuízo daquelas. Na década de 1950, o nodo
Riograndense tinha como prioridade para a formação a estruturação da Faculdade de
Teologia
122
que ainda funcionava em instalações bastante acanhadas e a estruturação da
Escola Normal Evangélica
123
, indispensável para o provimento de professores às escolas
primárias e também secundárias. Um dos principais atores do período foi o professor Hans
Günther Naumann, responsável pela reabertura do Seminário de Formação de Professores,
precursor da Escola Normal. Ele foi o artífice da legalização dessa formação perante o órgão
oficial e membro da comissão que emitiu o Parecer de 12 de fevereiro de 1957. Ele lembra:
Bom, tem que se ver o contexto que havia na época. Estava num lugar [A Igreja]
que reiniciou a formação dos professores, na antiga escola normal, no antigo
Lehrerseminar. Depois de muita dificuldade conseguimos a oficialização, em 1954.
A primeira tentativa falhou. O prédio não era suficiente. [...] Éramos uma escola
pobre. Acho que não havia nenhuma escola da rede que tinha prédios tão modestos,
tão mal cuidados. Nós não tínhamos recursos para melhorar. Fazíamos quase tudo
mesmo, os próprios alunos colaboravam. Este é o contexto. Não havia recursos.
Faltava um prédio para a Escola de Teologia, a theologische Hochschule, se
chamava escola superior... modestamente se chamava escola de teologia. [...] Um
pouco antes o Dohms tinha falecido, em 56, e a pau e corda tinham feito um novo
prédio, no mato, mas isso não era suficiente e se viu que não, nós temos que
121
FUCHS, 2004.
122
Cf. HOCH, Lothar Carlos (Org.). Formação Teológica em Terra Brasileira. São Leopoldo: Sinodal, 1986. p.
23.
123
Cf. MUSSKOPF, Egon Hilário. Construindo. Novo Hamburgo: Echo, 1999. p. 21-26.
52
formar, construir uma Escola de Teologia. Mas nós temos que formar uma Escola
Normal, porque aqui estava quebrando, o prédio. Tínhamos uns 70, 80 alunos
naquela época. E tudo tinha que se expandir. Além disso era um local muito
inadequado para internato. Passava caminhões, fazia barulho, era um terror. Não
havia espaço absolutamente para fazer esporte, estas coisas todas.
124
A Escola Normal estudava a sua transferência de São Leopoldo e havia convivido
com o dilema da oficialização do curso, deixando a condição de seminário. Essa era a
primeira experiência de formação de quadros para a Igreja com reconhecimento oficial. Uma
experiência que tinha apenas dois anos, quando houve o pronunciamento sobre a Faculdade
de Filosofia. Sobre o reconhecimento da Escola Normal, comenta Fuchs:
Então eu fui falar com o Pastor Dohms Hermann Dohms, Presidente do Sínodo
Riograndense, disse pra ele, nós vamos reconhecer pelo estado A nova Escola
Normal, a anterior tinha sido fechada em 1939 –. A pergunta que o Dohms então
fez: Senhor Fuchs, o senhor então sabe, que faz a colocação dos professores, que
o senhor não é mais dono, digamos, desta turma de formandos. Digo, eu sei
perfeitamente. Mas se nós não formos conseguir que a escola Normal, a formação de
professores não for capaz de incutir, de levar os formados, para uma de se
considerarem professores evangélicos, então nós nem precisamos começar a
formação de professores evangélicos, a formação própria de professores. Então o
Dohms me deu, disse: Olha Fuchs, se vocês pensam assim, então mandem, peçam a
fiscalização do Estado.
125
Mais uma iniciativa, a faculdade, poderia dispersar energias, considerando a carência
de recursos, de corpo docente e o recente reconhecimento da formação dos docentes, em
condições precárias. Mas essas razões são seguidas de outras, implícitas, que parecem tão
fortes quanto aquelas, ainda que não lhes seja dado tal caráter. Há, na segunda metade da
década de 1950, uma forte preocupação de inserção dos descendentes germânicos na
sociedade e no Estado brasileiro, de certa forma evidenciada pelo depoimento acima. Essa
razão aparece quando o Parecer 1 (um) emitido pela comissão designada pelo Sínodo
Riograndense considera o fato “de o estado ainda oferecer garantia de liberdade de
consciência em seus estabelecimentos blicos”
126
e que “não deixa de ser de interesse da
Igreja apoiar esta iniciativa”. Além disso, ainda segundo esse parecer, uma iniciativa ao lado
da católica e do Estado poderia ser interpretada como “perigo de maior isolamento”.
Sintomático é que essa expressão possui, entre parênteses, o correspondente em alemão do
que se entendia por ela – Einkapselung. Desta forma, o parecer encerra desrecomendando não
somente a criação da Faculdade Evangélica de Filosofia pela Igreja, como também o
envolvimento em uma eventual iniciativa ecumênica.
124
NAUMANN, Hans Günther. Entrevista concedida ao autor, 29 jun. 2004.
125
FUCHS, 2004.
126
PARECER 1, de 12 de fevereiro de 1957. (DEIECLB, caixa 70).
53
A Igreja parece assumir, nesse momento, como importante atribuição a inserção de
sua gente na sociedade brasileira, querendo contribuir com o desenvolvimento do país, mas
sem perder a característica de sua orientação confessional. Essa atitude está evidenciada no
parecer seguinte, elaborado pela mesma comissão que desrecomendou a criação da Faculdade
de Filosofia. Nesse uma recomendação: criar o Centro Evangélico Universitário, em Porto
Alegre. Ele deveria se constituir em uma espécie de casa de estudante com o propósito de
manter integrados estudantes oriundos de diferentes cidades. Nesse espaço, de estudo e de
acompanhamento espiritual, seriam oferecidos cursos de religião. E aqueles que os
frequentassem e pretendessem exercer o magistério receberiam bolsas de estudo, “abundantes
e suficientes”.
127
Esse parecer também evoca a importância de o restringir esse espaço apenas a
membros da Igreja, “devendo conservar as portas bem abertas para todos os irmãos do
movimento ecumênico”. Vale lembrar que aqui o ecumenismo ainda não se estende à Igreja
Católica, porque ela vivia tempos anteriores ao Concílio Vaticano II. O texto do Parecer 2
finaliza com o apelo da rápida concretização do projeto do Centro Universitário
Evangélico
128
, por tratar-se da “segurança da orientação religiosa da nossa juventude
acadêmica”. Diferente da posição mais confrontativa do início do século, conforme visto no
capítulo anterior, agora não reagia com instituições semelhantes às da Igreja Católica. O país
começava a mudar, a Igreja mudava, os desafios eram enormes, mas a década de 1950
aparentava ter sido de grandes realizações.
3.2 O Conselho Sinodal de Educação e a ênfase teológica
Em novembro de 1962, a diretoria do nodo Riograndense cria o Conselho Sinodal
de Educação como órgão consultivo, de estudos e de orientação em assuntos
educacionais”
129
. O conselho passa a funcionar efetivamente em junho de 1964, com reuniões
mensais. Embora sem poder decisório, as sugestões e os pareceres emitidos pelo Conselho
Sinodal de Educação tornam-se referência, especialmente porque entre os seus componentes
sempre estiveram os principais expoentes da educação evangélico-luterana do período. Esse
conselho reunia os diretores das escolas formadoras de professores, diretores dos
127
PARECER 2, de 12 fevereiro de 1957. (DEIECLB, caixa 27).
128
Diferentemente do que o nome pode sugerir, não se tratava de uma instituição universitária, mas de um
conjunto de iniciativas destinadas aos estudantes universitários evangélicos. Era o acompanhamento que a Igreja
poderia dar a seus membros.
129
REGIMENTO Interno do Conselho Sinodal de Educação. (DEIECLB, caixa 27).
54
estabelecimentos mais atuantes e os dirigentes do Departamento de Educação do Sínodo e do
Centro de Diretores de Ensino Médio Evangélico (CDEME), novo nome conferido ao CDEES
em função da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A Lei 4024/61 instituíra nova
nomenclatura ao antigo ensino secundário.
3.2.1 A Faculdade Evangélica de Filosofia, em Estrela
Em 1964, na reunião de 24 de novembro do Conselho Sinodal de Educação, o diretor
da então Escola Normal Martin Luther, casa formadora de professores na região do Vale do
Taquari, em Estrela, mantida pela Sociedade Educacional Estrela, foi chamado ao conselho
para “prestar esclarecimentos sobre a ‘criação de uma Faculdade de Filosofia por parte do
Sínodo Riograndense’, em Estrela”
130
. Na apresentação ao plenário do conselho, o diretor
Gustavo Adolfo Simon informa que a proposta é uma iniciativa das sociedades educacionais
do Vale do Taquari que mantêm estabelecimentos evangélicos.
A questão que se impõe nessa reunião é o andamento do pedido de apoio dirigido à
Igreja, encaminhado através do presidente do Conselho Sinodal, pastor Rodolfo Schneider.
De um lado, o conselho parece carecer de informações, com pedidos de “subsídios” aos
representantes do Vale do Taquari. De outro, o diretor Simon solicita que membros do
Conselho Sinodal integrem a comissão que se ocupa com o assunto e pede uma posição
imediata desse conselho, mediante uma aprovação “em tese” do projeto. Pelo teor do debate,
uma ideia sem proposta efetiva, razão pela qual os subsídios solicitados não são
fornecidos. Como encaminhamento, é decisão de que o conselho se ocupe com o assunto,
recebendo um relatório do que já foi tratado, além de recorrer ao parecer de 12 de fevereiro de
1957, quando, pela primeira vez, houve um pronunciamento no âmbito do sínodo a respeito
desse assunto. O tom confrontativo dos debates e o encaminhamento parecem prenunciar o
desfecho.
Em um estudo, o Conselho Sinodal emite posição contrária de apoio a um incentivo
da Igreja ao ensino superior, porque ele se justificaria apenas se pudesse “ser enquadrado
integralmente no planejamento e na política da Igreja Evangélica”
131
. O documento sustenta
também que a criação seria inadmissível caso a faculdade pretendesse representar a Igreja no
ensino superior ou “concorrer, neste terreno, com a Igreja Romana”. O parecer, porém, não
desconsidera eventuais benefícios oriundos de uma Faculdade Evangélica de Filosofia e
130
CONSELHO SINODAL DE EDUCAÇÃO. Ata n. 6. (DEIECLB, caixa 27).
131
PARECER da comissão nomeada pelo Conselho Sinodal de Educação para estudar a conveniência da
fundação de uma Faculdade Evangélica de Filosofia. (DEIECLB, caixa 27).
55
elenca, entre outros, o de poder se constituir em um centro de aperfeiçoamento e formação de
professores, além de ofertar-se “como janela aberta ao desenvolvimento cultural e científico
do país”.
A recomendação contém elementos que demonstram que os membros do conselho
estavam bastante atentos ao cenário nacional. O parecer recupera uma tendência decorrente de
decisão do V Congresso de Universidades Católicas que, em 1960, sugere a suspensão da
criação de novas instituições devido à falta de professores para atuar nesses estabelecimentos,
quando expressa que “a própria Igreja Romana está mudando de orientação no terreno da
educação, desaconselhando a criação de novas escolas”. Em uma relação com outra
experiência confessional, o parecer diz que “é desanimadora a experiência feita pela Igreja
Metodista de São Paulo, a qual não conseguiu, apesar de todos os esforços, realizar a
faculdade de filosofia por ela idealizada”. Toda essa decisão decorre da impressão de que o
Estado brasileiro assumiria integralmente a tarefa educativa no país, também nos ensinos
primário e médio, onde o sínodo mantinha seu sistema escolar. O parecer constata que há “um
ensino gratuito cada vez mais eficiente”.
Outra preocupação é com o pequeno número de docentes para cursos superiores
existentes no país. O parecer salienta que o governo não possui professores e que a
constituição de um corpo docente, principalmente no interior, seria tarefa inalcançável. Sob a
ótica docente, ainda havia outra questão: a formação de professores para as escolas do sínodo.
Isso, que poderia ser visto como benefício, é considerado desnecessário, por um lado, porque
“o Sínodo, até hoje, sempre conseguiu recrutar professores idôneos” e, por outro, a
orientação pedagógica, filosófica e ideológica adotada pelas faculdades existentes não colide
com o ponto de vista da Igreja Evangélica”
132
.
Desta forma, o parecer, na sua parte conclusiva, apresenta-se menos definitivo do
que aquele emitido em 1957. Apesar de julgar “inoportuna” a criação de uma Faculdade
Evangélica de Filosofia, a discussão em torno do tema produz efeito, e ao sínodo é
recomendado “preocupar-se seriamente com os problemas relacionados com o ensino superior
no país” e “observar vivamente o desenvolvimento intelectual e cultural do país”. A timidez
nas ações propositivas decepciona, com a continuidade daquilo que era promovido,
mediante a ampliação das casas dos estudantes evangélicos e uma ação nos moldes da
academia evangélica para estudantes evangélicos de ensino superior. As casas dos estudantes
eram a forma de tentar efetivar o Centro Universitário Evangélico. A academia evangélica foi
132
PARECER da comissão nomeada pelo Conselho Sinodal de Educação para estudar a conveniência da
fundação de uma Faculdade Evangélica de Filosofia. (DEIECLB, caixa 27).
56
criada em agosto 1963 e promovia reuniões com conferencistas brasileiros e do exterior,
tratando assuntos bíblicos centrais, temas filosóficos e científicos, problemas da atualidade e
outros de interesse da Igreja. Tratava-se de uma experiência alemã adaptada à realidade
brasileira. Imaginava-se melhor servir ao país com esse esforço. Sua atuação certamente não
poderia ser equiparada a de uma formação universitária. A academia encerrou suas atividades
no ano de 1967.
133
Há, porém, elementos ocultos no parecer e nas atas desse período, os quais ajudam a
compreender a posição do Conselho Sinodal de Educação. A iniciativa, ainda que legítima,
não era tão altruísta quando se apresentava. A Escola Normal Martin Luther vivia tempos
difíceis. Após uma grande ampliação e com um enorme prédio ocioso, ela necessitava buscar
alternativas para seu funcionamento. A criação da faculdade, com o apoio do sínodo, teria
essa função. O professor Hans Günther Naumann, membro da comissão que emitiu o parecer
de 12 de fevereiro de 1957 e integrante do Conselho Sinodal de Educação no período da
solicitação da comunidade de Estrela, comenta: “Não, eu acho que eles queriam salvar o
Colégio Martin Luther. Eles não sabiam o que fazer com esta escola. Isso vinha de um déficit
para outro”.
134
As relações entre os representantes da escola e os membros do Conselho Sinodal
também estavam abaladas. A postura do diretor Simon e do presidente da entidade
mantenedora, Dr. Ito Snell, incomodavam dentro do Conselho Sinodal de Educação e dentro
do CDEME. Naumann avalia a atitude dos dois:
Esse foi o: Ado, Ado, nosso deputado! Gustavo Adolfo [Simon], depois ele
desapareceu. Ele era mais advogado do que professor. Isso era muito bairrismo,
sabe? Estrela, olha, Estrela... [...]
O Ito Snell, o médico, era uma pessoa muito dinâmica. Ele conseguiu realizar seus
objetivos, que a parte pedagógica, a preocupação pelo trabalho pedagógico sério,
essa nos parecia que não havia lá, já desde o início.
135
Mesmo tomando por base os elementos ocultos, eles devem ser entendidos como
absolutamente legítimos, porque se buscava uma alternativa para a situação da escola em
Estrela. Ainda que totalmente válidos os argumentos apresentados pela comissão encarregada
pelo Conselho Sinodal de Educação para estudar o caso, é inegável a influência do parecer de
fevereiro de 1957 sobre esse emitido em 22 de março de 1965. Chama a atenção que a
resposta às consultas é a mesma, ainda que as motivações sejam outras. Em 1957,
133
Cf. ATA do 59º Concílio Sinodal do Sínodo Riograndense: 31 de maio a 2 de junho de 1967. São Leopoldo:
Sinodal, [1967]. p. 14.
134
NAUMANN, 2004.
135
NAUMANN, 2004.
57
necessitava-se formar professores para as escolas, enquanto que, em 1965, o objetivo, não
expresso, se baseava em fazer algo com um espaço que começava a ficar ocioso. Importa aqui
que a saída alternativa foi a mesma: apoiar as casas de estudantes.
Disso tudo resulta o processo de sedimentação de uma ideia. A Igreja o deve se
ocupar com o ensino superior laico. A ela cabe atuar em estreita parceria com o setor público
e cuidar de suas escolas primárias e secundárias. Àqueles que buscavam o ensino superior a
Igreja oferecia formação teológica. A Igreja ainda imaginava uma instituição de educação
básica ou superior exclusivamente para o seu povo evangélico.
3.2.2 Escola de Serviço Social
O Conselho Sinodal de Educação foi solicitado a se manifestar “sobre a criação da
Faculdade de Serviço Social, de âmbito ecumênico”
136
, a partir de “vasto dossier” remetido ao
Departamento de Educação, desta vez encaminhado pela direção da Igreja. O assunto tem
origem em um convite da reitora do Colégio Americano, instituição metodista de Porto
Alegre, para tratar do assunto da criação de uma Escola Superior de Serviço Social.
137
Após
duas reuniões, uma em 15 de abril de 1967 e outra em 16 de maio daquele ano, na qual se
constou que “os problemas sociais têm alcançado uma perspectiva gigantesca”
138
e que as
igrejas evangélicas têm procurado enfrentar o problema, mas elas “sempre têm sofrido por
falta de elementos tecnicamente preparados”, fez-se uma consulta às igrejas evangélicas com
sede em Porto Alegre para “uma ação conjunta para a criação de uma Escola de Serviço
Social, de nível Superior, que preparasse esses obreiros”. O relatório constata:
Nessa reunião foram apreciados todos os dados recolhidos e as exigências do
Ministério de Educação e Cultura para uma Escola assim. Esses mesmos dados e
exigências foram colocados dentro das possibilidades e realidades do grupo e
conclui-se que poderemos atender ao que é requerido.
Também foram apreciadas as possibilidades de onde deveria funcionar a referida
Escola e decidiu-se que o Colégio Americano, entre os locais de possibilidades das
Igrejas, é o que oferece, atualmente, melhores condições.
139
Do grupo de igrejas inicialmente convidadas estavam, além da IECLB, a Igreja
Episcopal do Brasil e a Igreja Metodista do Brasil. Somaram-se, na reunião seguinte, a Igreja
Presbiteriana e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil. O relatório não permite uma conclusão
sobre encaminhamentos nas diferentes igrejas, mas o assunto chegou ao Conselho Sinodal de
136
CONSELHO SINODAL DE EDUCAÇÃO. Ata n. 21. (DEIECLB, caixa 70).
137
CLARK, Mary Hellen (reitora). [Carta ao Dr. Ernesto Schlieper]. 07 abr. 1967. (AHIECLB, SR 116/6).
138
RELATÓRIO da reunião sobre a criação de uma Escola de Serviço Social. (AHIECLB, SR 116/5).
139
RELATÓRIO da reunião sobre a criação de uma Escola de Serviço Social. (AHIECLB, SR 116/5).
58
Educação na reunião do dia 21 de agosto de 1967
140
, quando esse constitui comissão de
elaboração do parecer. Ele logo definiu a data de 18 de setembro para sua apresentação. A
comissão foi constituída pelos professores Wilmar Keller, Willy Fuchs, Walter Koch, Telmo
Lauro Müller e Arnildo Hoppen.
O parecer é produzido em meio às discussões da principal reforma universitária
ocorrida no Brasil. Embora o texto fosse publicado apenas em novembro de 1968
141
, as
discussões já apontavam os principais temas que mereciam alteração. Entre esses está a
centralização nas instituições universitárias. O parecer refere isso dizendo que “o ensino
superior tende a superar a existência de escolas e faculdades isoladas, não inseridas em um
contexto universitário”.
142
Na prática, o parecer está dizendo que a tarefa é muito maior do que aquela posta em
discussão, tanto que, no terceiro parágrafo, a referência é esta: somente há sentido em analisar
a questão se o objetivo for a criação de uma universidade evangélica. São apresentadas
algumas conjeturas, como “ter a extensão, qualidade e condições de funcionamento das
universidades existentes” e estar apta a contribuir de maneira inconfundível para o
desenvolvimento cultural e científico do país”. Para tanto são elencadas condições, tal como
ser “precedida de um planejamento de longo curso, em que os aspectos humano, financeiro e
técnico deveriam estar devidamente equacionados”, não podendo prescindir “de colaboração
técnica e financeira de entidades eclesiásticas estrangeiras para a sua instalação e posterior
manutenção”. O parecer ainda lança uma pergunta definitiva: “Universidade com orientação
confessional não contradiz ao próprio espírito de universidade?”.
O parecer prossegue mais naquilo que ele entende como a única alternativa à
formação superior dos jovens, recomendando que os estudantes evangélicos busquem o
“convívio geral”, “inserindo-se no mundo”, ou seja, buscando “as universidades oficiais”
143
.
Transparece aqui novamente o temor do isolamento, certamente ainda herança do tempo em
que ser oficial era sinônimo de ser estatal. Esse posicionamento fica claro com a alternativa
sugerida para o caso concreto da Escola de Serviço Social. Recomenda o parecer que a
direção da Igreja, junto com a comissão ecumênica, aproveite a reestruturação da UFRGS
140
Cf. CONSELHO SINODAL DE EDUCAÇÃO. Ata n. 21. (DEIECLB, caixa 70).
141
A referência aqui é a Lei 5540/68, de 28 de novembro de 1968, que reorganizou o ensino superior brasileiro,
dando-lhe praticamente a feição ainda hoje em vigor.
142
PARECER do Conselho Sinodal de Educação sobre a presença da Igreja no ensino superior, de 19 setembro
de 1967. (DEIECLB, caixa 70).
143
PARECER do Conselho Sinodal de Educação sobre a presença da Igreja no ensino superior, de 19 setembro
de 1967. (DEIECLB, caixa 70).
59
para buscar a criação de um instituto superior que contemple esse curso na Universidade
Federal, em Porto Alegre.
Em sua conclusão, o parecer prevê número crescente de estudantes evangélicos na
universidade, com posterior destaque ao papel que exercerão na sociedade, recomendando à
Igreja um papel de atuação complementar, mas próximo de professores e estudantes. Toda a
ação da Igreja passa a ser diretamente, por sugestão do parecer, no acompanhamento da vida
espiritual dos estudantes. As estratégias principais são a criação de pastorados para estudantes
e ampliação das casas de estudantes.
A Igreja deve concentrar esforços específicos na formação de obreiros para a
pregação, diaconia, catequese e magistério, o que se torna praticamente uma sentença. A
Igreja, através do Conselho Sinodal de Educação, nesse terceiro pronunciamento sobre o
ensino superior, põe um marco para uma geração: ensino superior laico não é assunto da
Igreja. De forma diferente do que nos dois primeiros pareceres, nos quais a carência de
recursos ou a inconsistência do projeto podem ser alegações, nessa última manifestação
definitivamente não é o caso.
A decisão consciente de não investir no ensino superior é de responsabilidade,
paradoxalmente, de quem atuava em educação e não daquele corpo que pode ser denominado
como o clero dentro da Igreja. Pelo contrário, o assim denominado clero sustentou as
discussões com as demais igrejas, remetendo o assunto aos que pudessem se somar com
experiência em educação para a tomada de decisões. Caberia apenas especular se o trabalho
ecumênico poderia ser visto como óbice, mas isso não se sustenta. A trajetória ecumênica dos
evangélico-luteranos já era longa e consistente para derrubar também esse argumento.
3.3 A opção pela informalidade
Após esse parecer de 1967, abre-se a discussão por uma política educacional na
IECLB, em 1968.
144
Esse parecer é tomado como inteiramente válido. Todas as iniciativas no
campo educacional da Igreja voltam-se à formação de obreiros e à complementação de
formação teológica de graduados em outras instituições de ensino superior.
A opção mantinha o vértice de um sistema eclesiástico paralelo ao Estado, o que
representava a possibilidade de manutenção dos formados à disposição da Igreja, preservando
144
Cf. Contribuição para o delineamento de uma política educacional da IECLB. Documento elaborado, em
1968, pelo Departamento de Educação, Conselho Sinodal de Educação e Centro de Diretores de Escolas
Evangélicas. (DEIECLB, caixa 27).
60
uma ideia que acompanhou a formação de quadros em tempos anteriores. Era a ótica de
possuir seminários. A Igreja relutou muito em abrir mão da autonomia conferida pelos
seminários, ainda que isso viesse em prejuízo dos formados. Willy Fuchs lembra:
Não quiseram oficializar o curso. Fazer um curso normal oficializado na Fundação
Evangélica, como todos os colégios de freiras fizeram. Todas elas eram oficializadas
pelo estado. Isto na Fundação Evangélica se negou, porque os formandos da
Fundação Evangélica não estavam à disposição da Igreja para prover uma vaga,
digamos. [...] Mas a Igreja tinha a sua própria Rede de estabelecimentos e estes
candidatos fugiriam, então, para a Rede Estadual. Esta foi a argumentação, o motivo
da negação de fazer o curso da Fundação Evangélica um curso oficializado pelo
Estado. E no Lehrerseminar foi a mesma coisa. “Nos fizemos a nossa”, nos diziam
também. Os professores formados pelo Lehrerseminar, pelo antigo Lehrerseminar,
da formação própria, o estado pode dispor deles, então a gente paga, e sofre, e
custeia a formação de gente, da qual depois o estado faz uso. Isto não dá!
145
Em março de 1969, surge o Curso Superior de Formação de Professores Catequistas,
oferecido pelo Curso Superior de Estudos Teológicos (CSET), em uma tentativa de assumir
aquela que é considerada pela Igreja a sua tarefa: favorecer a formação de pessoas para
atuação em atividades específicas da Igreja.
O CSET prevê uma formação de quatro anos, com um mínimo de seis horas
semanais de aulas. O curso seria frequentado preferencialmente por portadores do certificado
de conclusão de ensino médio, recebendo ao final, um Diploma de Licenciatura em Ensino
Evangélico, reconhecido pela Igreja. A própria Igreja mantém o curso financeiramente.
146
Paralelamente, o estudante é incentivado a frequentar cursos de licenciatura em instituições de
ensino superior. O CDEME apoia essa iniciativa, redirecionando os recursos de seu Fundo de
Formação exclusivamente para aqueles que cursarem juntamente a sua opção de licenciatura,
o CSET.
O curso efetivamente passa a funcionar. O Sínodo Riograndense habilita os
concluintes para ministrar o ensino evangélico de grau médio. Logo nos primeiros anos, as
escolas veem seus objetivos inalcançados. Os catequistas formados passam a atuar mais nas
comunidades e paróquias e o objetivo de possuir pessoas com forte base teológica atuando em
escolas é prejudicado.
147
A IECLB começava a se integrar na realidade brasileira. O sistema educacional fora
constituído não apenas sob a base confessional, mas também étnica. Diz Hoppen: “em todos
os relatórios sobre concílios gerais do Sínodo Riograndense, aparece, na ordem do dia, o
assunto escola. Essa era considerada fundamental para a difusão da doutrina cristã e a
145
FUCHS, 2004.
146
Cf. REGIMENTO do Curso Superior de Estudos Teológicos. (DEIECLB, caixa 54).
147
Cf. ATA da Reunião de Comissão de Reestruturação da ENE/CSET, 09 dez. 1974. (DEIECLB, caixa 57).
61
sobrevivência da Igreja luterana através da conservação das peculiaridades étnicas (Volkstum)
de seus membros”.
148
A Igreja não reaprendeu a fazer educação enquanto deixava de ser
menos germânica.
O novo marco da legislação educacional brasileira, com a Lei 5.692/71, põe em
xeque o sistema que a Igreja tentava manter. Por conta da necessidade legal e também de
reorganização dos espaços de atuação das instituições da IECLB
149
, surge o Instituto Superior
de Catequese e Estudos Teológicos
150
, nova experiência de formação interna, que aparecerá
no capítulo seguinte. Evidente está o ocaso do que ainda se imaginava ser o sistema de
educação mantido pela Igreja. O viés associativo, que tinha um comando mais centralizado,
desaparece com a instalação, de fato, da IECLB. As escolas voltam a fortalecer sua relação
com a comunidade, porque a Igreja, na década de 1970, se distancia da educação. Pode-se
localizar o início do que atualmente é denominado de rede de escolas, na Rede Sinodal de
Educação.
148
HOPPEN, Arnildo. Fundação do Ginásio Sinodal no contexto do sistema escolar do Sínodo Riograndense. In:
Simpósio de História da Igreja. São Leopoldo: Sinodal, 1986. p. 129.
149
Cf. MUSSKOPF, 1999, p. 49-52.
150
Cf. REGULAMENTO do ISCET. (DEIECLB, caixa 57).
4 CONCRETIZA-SE A IGREJA NACIONAL
O Concílio Eclesiástico ocorrido em Santo Amaro, São Paulo/SP, em outubro de
1968, extinguiu os sínodos, reorganizando a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil em regiões eclesiásticas, cada qual com seus respectivos distritos eclesiásticos. Essa
decisão é resultado de um longo processo de aproximação entre quatro sínodos de tradição
luterana e reformada, que ganhou força a partir do final da Segunda Guerra Mundial. Em
1949, houve a criação da Federação Sinodal. Tratava-se de “uma união, de uma federação,
não, porém, de uma fusão”.
151
A referida “união” se expressa na igreja unitária, com o
desaparecimento dos sínodos e uma organização interna denominada regiões eclesiásticas, as
quais passaram a assumir tarefas até então privativas aos sínodos, esses com vinculação
autônoma à Igreja, mas aquelas não mais.
Desde logo surge a pergunta pelo espaço da educação na IECLB. Embora todos os
sínodos tivessem instituições educacionais em suas comunidades, era no Sínodo
Riograndense, que abrangia além do Rio Grande do Sul o oeste dos estados de Santa Catarina
e Paraná, onde o trabalho se mostrava mais orgânico. A IECLB não assumiu as funções do
Departamento de Educação do Sínodo para extensão de suas atividades a todas as regiões.
Coube às Regiões Eclesiásticas III e IV, localizadas na área do antigo nodo
Riograndense, incorporar o trabalho. Com seu funcionamento junto à Região Eclesiástica IV,
em São Leopoldo, e uma ideia de trabalho conjunto em vista da consolidada tradição, as
controvérsias surgiram em relação à Região Eclesiástica III, que acabou criando seu próprio
Departamento de Educação. A função de diretor foi acumulada pelo diretor do Colégio
Evangélico Panambi. A experiência não foi exitosa, visto que as principais demandas
mantinham-se junto ao diretor do Departamento da Região IV.
O itinerário do ensino superior da IECLB é intrincado. Ao mirar especificamente
para o período no qual a IECLB se apresenta como a instância jurídica sucessora dos antigos
sínodos, é necessário afirmar que a própria Igreja não tinha total clareza de seu papel.
Enquanto ela não tinha prioridades, emergia o conceito da responsabilidade social da Igreja.
Naumann diz:
Ora, naquela época, por volta dos anos 1970, discutia-se na IECLB a necessidade
premente de uma integração mais decidida da Igreja na realidade social e política
brasileira. Ela deveria deixar de ser a Igreja quase exclusivamente preocupada com
as comunidades dos imigrantes alemães. Teria de assumir decididamente sua missão
151
PRIEN, Hans-Jürgen. Formação da Igreja Evangélica no Brasil. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes,
2001. p. 491.
63
de Igreja Evangélica de Confissão Luterana neste nosso país, com todas as
implicações, inclusive e principalmente também com as implicações socais e
políticas.
152
Percebe-se que conceitos bastante amplos nas palavras acima. Isso dificulta ações
mais objetivas, que reúnam várias pessoas em torno de uma proposta, como seria de imaginar
para um projeto mais consistente de ensino superior. A quantidade de frentes possíveis para
responder à demanda da realidade social e política brasileira dificultava conferir prioridades.
As peculiaridades das heranças dos diferentes sínodos tornaram complexa a formulação de
algumas políticas. Os sínodos eram bastante coesos; a IECLB mostrava-se ainda amorfa. Isso
deu espaço à indefinição em relação às heranças que deviam ser geridas. O setor educacional
é exemplo disso.
A indefinição por um espaço da educação formal dentro da IECLB, regiões sem
atendimento ou servidas inadequadamente e a confusão decorrente da instalação de uma
secretaria de formação voltada exclusivamente à formação teológica estenderam-se na década
de 1970. Esse confuso cenário contribuiu decisivamente à falta de uma articulação para
enfrentar novos projetos. Dentre esses, o ensino superior.
4.1. A discussão pelo espaço da educação formal na IECLB
Na IECLB, o termo educação formal tem sido utilizado para designar a oferta de
ensino em instituições reconhecidas perante o Estado brasileiro, abrangendo da educação
básica ao ensino superior. Esse conceito, portanto, exclui as instituições que atuam em
formato de seminário, mesmo que elas sigam programas curriculares similares aos definidos
pelos organismos educacionais oficiais. A presença desse conceito ainda hoje demonstra com
nitidez que uma educação feita pela Igreja, a informal, sem se submeter ao controle do
Estado. O enquadramento prescrito nas normas do país para a assim denominada educação
formal reduz a liberdade de organização e exige regras que nem sempre se está disposto a
cumprir.
O espaço da educação formal surge desconexo na reestruturação eclesiástica de
1968. As instituições atendidas pelo Departamento de Educação do extinto Sínodo
Riograndense ficaram órfãos. Fuchs testemunha isto ao dizer que “o Conselho Diretor, a
maior parte dos membros de outras regiões, não compreenderam, não sentiram o que nós do
152
NAUMANN, Hans Günther. Se você não assumir...: recordando a caminhada de um professor de professores.
São Leopoldo: Sinodal; Novo Hamburgo: Echo, 2009. p. 269.
64
Rio Grande do Sul sentíamos”
153
. As instituições deste sínodo eram herdeiras de uma
trajetória de trabalho conjunto. Elas compreenderem sua atuação como sendo da Igreja, para
o que necessitavam de um organismo que as congregasse. O trabalho requerido pelas escolas
oriundas do Sínodo Riograndense deveria ser dividido entre as Regiões Eclesiásticas III e IV.
no II Concílio Regional da Região IV, surge a advertência do diretor do Departamento de
Educação, professor Wilmar Keller, em seu relatório:
As atribuições do Departamento de Educação, restrito administrativamente ao
âmbito do antigo Sínodo Riograndense, por força das circunstâncias e na falta de um
órgão de âmbito eclesiástico revestem-se, freqüentemente, de caráter geral no
atendimento de assuntos educacionais que lhe são atribuídos ou que reclamam
atenção imediata. Evidentemente assuntos que digam respeito à Igreja toda e que
se refletem em todo o seu âmbito. Uma atuação mais desimpedida do Departamento
nestes casos é prejudicada pela falta de definição de suas atribuições e por um
natural constrangimento de invadir esfera que não é de sua competência. De outro
lado, os assuntos de interesse geral e que forçosamente devam ser equacionados em
nível eclesiástico tendem a tomar vulto, já em decorrência da própria re-estruturação
da Igreja, reclamando as atenções do Departamento para além dos limites
geográficos a que está restrito. Este aspecto merece atenção para que o trabalho se
possa desenvolver sem contratempos e com a necessária organicidade.
154
O Departamento de Educação intermediava recursos do salário-educação
155
,
auxiliava nos processos de cedência de professores da rede pública e, em sintonia com
entidades eclesiásticas do exterior, trabalhava pelo ingresso de recursos para a formação de
professores e ampliação de escolas. O trabalho dava sequência à estrutura proposta em outro
modelo de igreja. Na estrutura da IECLB, ele ingressou de forma marginalizada, mas
desejado pelas instituições educacionais, que possuíam dele préstimos que representavam a
sobrevivência das instituições. O clamor por um espaço parecia uma contingência do existir.
A manifestação conciliar de 1971, acima referida, surtiu efeito. Em novembro desse
ano, o secretário-geral da IECLB, pastor Rodolfo Schneider, questiona os pastores regionais
“a fim de que os Conselhos Regionais se pronunciem sobre a extensão da ação do
Departamento de Educação para todas as Regiões e a criação do conselho de educação
previsto”.
156
Nesse intervalo, a Região Eclesiástica III possui seu “encarregado dos
assuntos de educação e de projetos”
157
: o diretor do Colégio Evangélico Panambi, professor
Hermann Wegermann. A Região III é aquela que se pronuncia a respeito do assunto, em
153
FUCHS, 2004.
154
KELLER, Wilmar. Relatório do Departamento de Educação de junho de 1971. p. 4. (ASGIECLB).
155
O salário-educação foi criado em 1964 e alterado pelo Decreto-Lei 1.422, de 23 de outubro de 1975. Sua
finalidade era financiar a educação primária, depois a de Grau. As empresas deveriam recolher aos cofres
públicos montante estipulado sobre a folha de salários. Uma previsão permitia que as empresas substituíssem o
recolhimento pela compra de vagas nas escolas particulares para seus funcionários e dependentes.
156
SCHNEIDER, Rodolfo. [Carta 9753/71]. 19 nov. 1971. (ASGIECLB).
157
BURGER, Germano. [Carta ao P. Regional]. 25 nov. 1971. (ASGIECLB).
65
posição favorável, perguntando a respeito do tipo de vinculação e da abrangência do trabalho
a ser desenvolvido.
158
Na prática, não mais registro expressivo sobre o tema até novembro de 1973,
quando as discussões ressurgem mais consistentes. Os diretores Arnildo Hoppen e Hans
Günther Naumann
159
apresentam um pedido, que se constitui como esboço de proposta, a
ser apreciado pelo Conselho Diretor da IECLB:
Em âmbito da IECLB deveria existir um Departamento de Ensino. O Departamento
da RE IV, com a saída do Prof. W. Keller deveria ser reduzido à semelhança do da
RE III. Atribuições do Dep. de Ensino da IECLB seriam: estudo de assuntos
educacionais de relevante interesse da IECLB (criação de universidade, por
exemplo); coordenação dos departamentos regionais; problemas escolares nas novas
regiões de colonização, etc. O Centro de Diretores planeja criar uma própria
Secretaria Geral. Surge a pergunta se esta iniciativa não pode ser combinada com o
Departamento de Educação da IECLB. Cogita-se em P. Alegre como sede e sentiu-
se junto ao Prof. Keller uma certa disposição de assumir o cargo de Diretor do Dep.
de Ens. da IECLB. Possivelmente o Dep. de Catequese poderia ser incluído. O
semestre de 1974 vai ser semestre de transição. O Centro de Diretores quer até na
próxima reunião (em 15/02/1974) ter uma resposta positiva ou negativa em termos
gerais por parte do CD.
160
A desarticulação começa a mostrar seus sinais. A ausência de uma política
eclesiástica requer reorganização dos papéis. novos desafios se apresentando, mas esses
não caberiam, na avaliação dos protagonistas, nas estruturas existentes. Chama a atenção que,
nesse momento, são enumeradas apenas três tarefas desse novo departamento: o óbvio,
coordenação dos departamentos regionais; o tema candente na IECLB no período, as novas
regiões de colonização; e a universidade.
O fato é que nas novas áreas não surgiram empreendimentos educacionais de vulto
(seria pela falta de uma coordenação?) e a universidade também não aflorou. Mas a discussão
seguiu com a aprovação, pelo Conselho Diretor, da criação, ainda que apenas “em
princípio”
161
, do Departamento de Educação em âmbito nacional, com uma comissão
162
responsável pelos estudos das implicações financeiras decorrentes dessa criação e a
organização estrutural deste departamento, que abrangeria também o Departamento de
Catequese e o Centro de Diretores de Educandários Evangélicos (CDEE)
163
. O CDEE
sucedera ao CDEME, com o advento da Lei 5.672/71.
158
Cf. BURGER, Germano. [Carta ao P. Regional]. 25 nov. 1971. (ASGIECLB).
159
Hoppen era diretor do Colégio Sinodal, de São Leopoldo, e Naumann, diretor da Escola Normal Evangélica
de Ivoti.
160
Visita dos Srs: Dir. Hoppen e Dir. Naumann. 26/11/73. (ASGIECLB). (Grifo nosso).
161
Cf. SECRETÁRIO Geral da IECLB. [Carta ao CDEE]. 14 dez. 1973. (ASIECLB).
162
A Comissão, presidida por Friedhold Altmann, contava também com Martin Reusch, Rodolfo Schneider e
Wilmar Keller.
163
SECRETÁRIO-GERAL da IECLB. [Carta ao CDEE]. 14 dez. 1973. (ASIECLB).
66
A comissão apresentou seu estudo para o Conselho Diretor.
164
Nesse, ela sugere a
criação de uma Secretaria de Formação ainda que não houvesse consenso em torno desse
nome –, atendendo ao “setor escolar”
165
e ao “setor formação de obreiros”.
166
O cronograma
de implantação previa seu início de funcionamento no segundo semestre de 1974, e até o
início de 1975 deveriam estar equacionadas “as responsabilidades e atribuições do setor e [...]
sua vinculação à Secretaria Geral, as regiões e ao CDEE”
167
. Estava previsto também que,
durante o ano de 1974, o Departamento de Educação e o CDEE proveriam os recursos de
manutenção, e em 1975, seriam estabelecidas as obrigações financeiras da IECLB e do CDEE
na manutenção do setor escolar.
168
O início do funcionamento dependia da decisão do
Conselho Diretor da IECLB.
A proposta inicial de 1973, que desencadeou o estudo para a vinculação do
Departamento de Educação à IECLB, entendia a criação de cursos superiores como “estudos
relevantes para a IECLB”. Na proposta de reformulação, nada é referido sobre o tema, ao
menos não de forma explícita.
A reestruturação não acontece na forma proposta. As dificuldades para as escolas
particulares aumentam com o cerceamento a subsídios indiretos
169
e com a diminuição dos
diretos, notadamente o salário-educação. Isso afasta muitos membros das comunidades, que
não conseguiam mais assumir os encargos educacionais. A discussão em torno da identidade
da escola evangélica passa a ganhar uma conotação mais ampla, a qual envolve, em síntese, a
questão: qual o sentido de uma escola evangélica que não atende a um grande contingente de
filhos de evangélicos? Essa problemática é expressa na carta endereçada ao CDEE pelo
Conselho Diretor, em início de 1977, “para que haja uma definição clara a respeito da escola
evangélica”, o que “envolve o problema da identidade”.
170
Em outras palavras, a Igreja diz
164
COMISSÃO de Reestruturação do Departamento de Educação. Doc. 004706, de 08 maio de 1974.
(ASGIECLB).
165
Pela proposta, a esse setor caberia atender a política educacional da IECLB; a orientação e assistência à rede
escolar, através dos departamentos regionais; o relacionamento com autoridades educacionais, órgãos similares
de outras igrejas, entidades de classe; intermediar recursos do exterior; fazer o atendimento direto das escolas nas
Regiões III e IV, filiadas ao CDEE.
166
Nesse setor estaria a formação de obreiros; a formação de catequistas e demais obreiros no serviço
comunitário; a educação religiosa em geral, tais como ensino confirmatório, escola dominical e nas próprias
escolas; material didático e literatura; e a missão suburbana e nas áreas de colonização.
167
COMISSÃO de Reestruturação do Departamento de Educação. Doc. 004706, de 08 maio de 1974.
(ASGIECLB).
168
COMISSÃO de Reestruturação do Departamento de Educação. Doc. 004706, de 08 maio de 1974.
(ASGIECLB).
169
No ano de 1977, a legislação que conferia isenções às entidades de caráter filantrópico sofre transformação,
atingindo principalmente instituições sem aparato administrativo.
170
KELLER, Wilmar. Relatório para o Concílio Geral da IECLB – 1978. p. 2. (ASGEIELB).
67
que não tem claro se ela deve manter escolas, e se isso não estiver resolvido, não razão
para manter um departamento com essa finalidade.
Essa longa indefinição e a impotência do professor Wilmar Keller para conferir novo
impulso às instituições ficam evidentes no último relatório dele ao Concílio Geral, em 1980.
Em um relatório de três parágrafos, ele se limita a dizer que “nada de especial há para
acrescentar referente ao período que transcorreu desde então (referindo-se ao último
Concílio)” e que “as atividades escolares decorreram normalmente” e que “está em curso um
estudo de reestruturação” o que significa ele deixar “por aposentadoria, funções que ora
exerce”
171
. O projeto de educação básica, a despeito de manter ainda escolas com muita
credibilidade, agonizava. A reestruturação de fato implantada deveria reconstruir exatamente
a identidade do que remanescia, para apenas mais tarde voltar a confrontar-se com desafios
como o do ensino superior.
4.2 Os bastidores
O período inicial de organização da IECLB demandou assumir muitas atividades sem
uma inserção orgânica em sua secretaria-geral. E nesse vácuo sucederam alguns fatos
referidos posteriormente como oportunidades desperdiçadas para a oferta de ensino superior.
Nesse rol estariam pedidos de apoio à criação de uma Faculdade de Direito
172
e de
intermediação de recursos para instituições não vinculadas à IECLB.
A razão para a intermediação deve-se à inserção dúbia do Serviço de Projetos de
Desenvolvimento (SPD). Esse serviço era uma espécie de braço estendido da Community
Development Service (CDS)
173
da Federação Luterana Mundial. O SPD atendia as mais
diversas entidades e igrejas, sendo que a manutenção financeira decorria dos organismos
financiadores do exterior. Não era, portanto, um serviço da IECLB, exclusivamente, e
também não era mantido financeiramente pela IECLB:
O SPD mantém-se com recursos obtidos através da FLM, e parcialmente com
recursos recebidos das entidades portadoras de projetos, segundo o “Plano de Auto-
Financiamento Parcial do SPD”, maneira pela qual também o SPD arca,
diretamente, com 25% de participação própria. Ressaltamos que também o SPD é
171
KELLER, Wilmar. Relatório para o Concílio Geral da IECLB – 1970. (DEIECLB).
172
Diz Fleck: “A questão do Espírito Santo é aquele Colégio Martim Lutero que tinha lá. [...] E esse diretor que
tinha era membro do conselho diretor. Ele sempre quis abrir uma faculdade de Direito. E ele provocou pelo
menos duas vezes oficialmente a Igreja pra isso [...]foi na IECLB. E o Conselho Diretor é que explicitamente
negou, com base nesta ideia de que a Igreja deveria investir na formação teológica”. FLECK, Dorival Adair.
Entrevista concedida ao autor, 29 jun. 2005. Não foram localizados registros formais dessa tentativa. Cf.
FLECK, 2005.
173
Cf. RELATÓRIO do Pastor Presidente – XII Concílio Geral. p. 26. (DEIECLB, caixa 105).
68
considerado, anualmente, pelos doadores, como projeto acompanhado de um
orçamento, a fim de ver deferida a garantida a nossa (sic) manutenção.
174
Inúmeros projetos na área escolar, como a ampliação de escolas e construção de
internatos, eram destinados às instituições vinculadas à IECLB. Contudo, também projetos de
outras igrejas e entidades
175
que buscavam recursos no exterior tramitavam por esse serviço.
Esse foi o caso de instituições de ensino superior, notadamente de algumas instituições
comunitárias e daqueles vinculados à IELB
176
, porque inclusive essa integrava seu conselho,
como um dos dez membros da Comissão de Projetos, a quem cabia apreciar aqueles pedidos
das entidades.
177
Qualificar esse tipo de auxílio como sendo da IECLB, tanto pelo fato dos
recursos não serem oriundos da Igreja, quanto por sequer os serviços de manutenção ser por
ela alcançados, é um equívoco. Os projetos para instituições de ensino superior que por
tramitaram não significaram um redirecionamento de recursos em detrimento de outros
projetos que não pudessem ser desenvolvidos.
O serviço funcionou de forma autônoma até 1978, quando foi incorporado pela
Secretaria Geral da IECLB, passando então a atender somente as estruturas da IECLB.
Contudo, somente em 1983, o Conselho Diretor toma a decisão de pedir a revisão da
exigência das agências doadoras quanto à IECLB avalizar os projetos encaminhados pela
IELB.
178
Há, aqui, um caso de omissão pelo fato de não se buscar os recursos para um projeto
de ensino superior, em vista da ausência de suporte financeiro ser um dos gargalos inclusive
para os projetos que foram implantados. Há, também, indefinição por não se saber claramente
para onde os recursos seriam estendidos. Afinal, a falta de um projeto de futuro para a
educação fazia com que não a Igreja como todo, mas as comunidades individualmente
pensassem seus projetos. E aos projetos, mesmo que não eram da IECLB, deu-se apoio. A
Igreja estava envolvida na sua inserção na realidade brasileira, discutindo seu compromisso
174
SUDHAUS, Ingo. Relatório do Serviço de Projetos de Desenvolvimento da IECLB para o VII Concílio
Eclesiástico. (DEIECLB, caixa 65).
175
uma carta da Campanha Nacional das Escolas Comunitárias direcionada à IECLB, na qual se pergunta a
forma para se habilitar aos recursos desse serviço de projetos. Of. AD820/72. CNEC. (ASGIECLB).
176
Willy FUCHS, integrante do corpo de funcionários da Secretaria Geral da IECLB cita certa visita de Ruben
Becker, solicitando o apoio. Segundo Fuchs, o apoio em seu setor o que cuidava de assuntos da Federação
Luterana Mundial para o âmbito da IECLB não foi possível, dirigindo-se o requerente então diretamente ao
secretário-geral. Cf. FUCHS, 2004.
177
Cf. SUDHAUS, Ingo. Relatório do Serviço de Projetos de Desenvolvimento da IECLB para o VII Concílio
Eclesiástico. (DEIECLB, caixa 65).
178
Cf. BOLETIM Informativo do Conselho Diretor. Porto Alegre. IECLB. 23 dez. 1983.
69
com o povo e não mais apenas com a parcela de descendentes germânicos.
179
Por outro lado,
os préstimos do SPD à IECLB foram enormes e responsáveis pelo aporte de recursos do
exterior na estruturação da rede de educação básica, claramente com o intuito de aparelhar as
instituições que se preparavam para o ensino profissionalizante e para a oferta do segundo
grau.
180
4.3 Para onde se evoluiu
O tema do ensino superior nunca chegou a ser dominante. A Igreja estava envolvida
com outros temas. E as escolas de educação básica lutavam pela sobrevivência. Um complexo
quadro de mudança socioeconômica dos anos 1970 forçou o encerramento de muitas escolas.
A manutenção desse modelo de escola, que deixa de ser sistema, para voltar à sua origem, de
projeto unicamente local, constituía-se em prioridade. As palavras de Fleck ajudam nessa
compreensão:
A década de 70 foi muito complicada na administração das escolas do ponto de vista
de controle das mensalidades, porque foi toda a década de ação da SUNAB e, de
repente, as mensalidades eram controladas assim como as batatas. [...] Então, para as
escolas foi um período de extrema angústia e instabilidade, em que ninguém tinha a
menor chance de pensar em alguma coisa. Era sobreviver de um mês para outro.
Esse é um aspecto e o outro é o crescente discurso dos pobres, dos oprimidos e
assim por diante. [...] Então, 70 foi uma década perdida. E foi 80 adentro. Isso foi até
85, 86.
181
Houve, contudo, alguns ensaios de projetos de ensino superior. Os anos de discussão
pela definição do espaço para a educação, procurando acomodar a herança remanescente das
instituições educacionais, portanto, não representou ausência completa de iniciativas de
formação superior. Além da continuidade da Faculdade de Teologia, surgida em 1946, para a
179
Cf. SCHÜNEMANN, Rolf. Do gueto à participação. São Leopoldo: Sinodal, 1992. Fuchs também comenta
que a eventos importantes da Igreja, até então frequentados pelas autoridades, tomaram outro caráter:“Ela foi
considerada prejudicial, a ponto de a Federação Luterana Mundial ter cancelado a Assembléia prevista para
Porto Alegre, porque a Igreja daqui convidou o Presidente Médici para participar da abertura, deste concílio. E
isto a Federação Luterana Mundial refutou. Mas ali havia então uma linha política, ai entrou uma ideologia
política que se misturou em coisas da igreja, também aqui havia pastores que acusaram a direção da igreja em
muitas iniciativas. Por exemplo, aqui na faculdade de teologia, houve um jubileu de 25 anos da faculdade de
teologia, isso foi bem, teve uma elaboração completa, ampla de comemoração. Inclusive numa sessão solene,
isso foi na década de 70, quando então havia sido convidado o prefeito, o juiz, o comandante da guarnição, às
vezes até o delegado de polícia, as autoridades, sabe. Isto era praxe. Pra aquela reunião, a UNISINOS também
havia sido convidada, a Igreja Missúri. Naquela época já era pública a oposição de grupos dentro da Igreja contra
tal procedimento, tais presenças, nas instituições da Igreja. Então aquela noitada aconteceu sem a presença de
representantes oficiais. Nenhum representante oficial apareceu naquela solenidade, em vista de oposição de
certas alas dentro da Igreja contra as autoridades. Aquela ideologia política. Desde aquele momento não se
convidou mais os representantes de instituição oficial.” FUCHS, 2004.
180
Cf. SCHÜNEMANN, 1992, p. 77-81.
181
FLECK, 2005.
70
qual se pretendeu inclusive algum tipo de reconhecimento
182
, a formação catequética teve nos
anos de 1970 seu período de grande atenção. O modelo previa a formação de catequistas no
Instituto Superior de Catequese e Estudos Teológicos (ISCET), junto à Faculdade de
Teologia, e a formação simultânea em uma faculdade de Educação. O ISCET pretendia
formar pessoas identificadas com a IECLB para atuar nas escolas. Era uma forma de justificar
a manutenção de instituições educacionais vinculadas à Igreja.
Além disso, na esteira do modelo do ISCET, surge o Instituto de Formação de
Professores de Língua Alemã (IFPLA). A Sociedade Educacional Três de Maio (SETREM),
entidade constituída a partir da comunidade evangélica local, atendendo à solicitação do
município de Três de Maio, assume o primeiro projeto de ensino superior. Passa a funcionar
na SETREM uma faculdade de Administração. Essas duas iniciativas da década de 1970 são
heranças valiosas na vida das instituições educacionais da IECLB no tempo presente.
4.3.1 ISCET
Em março de 1969, surge o Curso Superior de Formação de Professores Catequistas,
oferecido pelo Curso Superior de Estudos Teológicos (CSET), em uma tentativa de assumir
aquela que é considerada pela Igreja a sua tarefa: favorecer a formação de pessoas para a
atuação em atividades específicas da Igreja.
O CSET prevê uma formação de quatro anos, com um mínimo de seis horas
semanais de aulas. O curso seria frequentado preferencialmente por portadores do certificado
de conclusão de ensino médio ou por estudantes do curso de magistério da Escola Normal
Evangélica, de Ivoti, recebendo ao final um Diploma de Licenciatura em Ensino Evangélico,
reconhecido pela Igreja. A própria Igreja mantém o curso financeiramente.
183
A sobrecarga de
estudos durante o curso e a atuação do formado fora do espaço escolar, quando os catequistas
passam a atuar mais nas comunidades e paróquias, redunda em frustração para as escolas, que
pretendiam possuir pessoas com forte base teológica atuando como professores.
184
182
Fuchs lembra que em uma “[...] ocasião procuravam um reconhecimento da formação da Faculdade de
Teologia pelo Ministério da Educação. E então, andaram procurando. Eu estive presente uma vez numa
entrevista que eles tiveram com o então Ministro de Educação, Tarso Dutra, em Novo Hamburgo [...]Os
estudantes sentiam a falta de reconhecimento do estudo da Teologia perante as autoridades oficiais. E isso então
o Tarso Dutra recomendou. Olha, eu posso fazer o seguinte: vocês tem aqui uma universidade funcionando em
São Leopoldo, com todos os cursos, nada impede que a Igreja evangélica organize e mantenha um curso dentro
da faculdade, dentro da UNISINOS.”. Isso aconteceu possivelmente em 1970. Cf. FUCHS, 2004.
183
Cf. REGIMENTO do Curso Superior de Estudos Teológicos. (DEIECLB, caixa 54).
184
Cf. ATA da Reunião de Comissão de Reestruturação da ENE/CSET, 09 dez. 1974. (DEIECLB, caixa 57).
71
Como resultado do inatingimento dos propósitos, e tendo ainda como pano de fundo
o marco da legislação educacional brasileira com a Lei 5.692/71, inicia, em 1977, o ISCET. O
Instituto Superior de Catequese e Estudos Teológicos surge
185
em decorrência da necessidade
da reorganização dos espaços de atuação das instituições da IECLB
186
, como resposta à
necessidade legal, constituindo-se como nova experiência de formação interna. O estudo
teológico-catequético é realizado paralelamente ao estudo universitário, com financiamento
da Igreja e com bolsas de estudo do governo federal, denominado crédito educativo. Os
estudantes recebiam sua formação catequética em dependências no Morro do Espelho, em São
Leopoldo, e a formação universitária se desenvolvia em instituições como Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), em São Leopoldo, e Federação de Estabelecimento de
Ensino Superior em Novo Hamburgo (FEEVALE), em Novo Hamburgo. Não havia um
vínculo formal do ISCET com essas instituições universitárias.
A crise econômica que atingiu o país no início dos anos 1980 repercutiu sobre esse
modelo, com a drástica redução das bolsas públicas e a incapacidade do orçamento da IECLB
assumir as somas faltantes. O ISCET acabou desativado por decisão do Conselho Diretor em
junho de 1982. A substituição por outro modelo de formação decorre da necessidade de
encontrar um projeto que “não limitasse tanto o acesso e fosse menos oneroso”.
187
O espólio do ISCET acaba integrando o complexo denominado Escola Superior de
Teologia (EST), surgido por decisão do XIV Concílio da IECLB.
188
Com o nome de Instituto
de Educação Cristã, a formação catequética funcionaria na mesma estrutura que abriga a
Faculdade de Teologia da IECLB, o Departamento de Música, o Instituto Ecumênico de Pós-
Graduação, entre outros. Nessa nova modalidade, não havia qualquer compromisso de
formação universitária reconhecida pelo MEC. Portanto, equivale a dizer que o diploma
universitário “terceirizado” deixa de existir compulsoriamente, vinculando a formação
exclusivamente ao seminário teológico.
185
Cf. REGULAMENTO do ISCET. (DEIECLB, caixa 57).
186
Cf. MUSSKOPF, 1999, p. 49-52.
187
ORÇAMENTO da IECLB para 1985. Comentário quanto aos diversos títulos. p. 7. (DEIECLB, caixa 105).
188
O Concílio acontece na cidade de Marechal Cândido Rondon, Paraná, em outubro de 1984. Ele apenas
homologa a decisão que o próprio Conselho Diretor tomara em junho de 1982, por considerar o modelo do
ISCET muito oneroso financeiramente. A desativação foi progressiva. A última turma se formou em 1986. Cf.
ATA do XIV Concílio Geral Ordinário da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. (DEIECLB, caixa
105).
72
4.3.2 IFPLA
O IFPLA surgiu em 1974, embora a primeira turma tenha iniciado seus estudos em
1977, devido à necessidade de formar professores de Língua Alemã para as escolas
vinculadas ao então Departamento de Educação. Sua efetivação encontrava dois empecilhos,
como lembra o diretor da Escola Normal Evangélica e artífice do projeto de formação de
professores, professor Hans Günther Naumann:
Nós estávamos muito concentrados na formação de catequistas e a época foi quando
nos caracterizamos pelos jovens pastores que se conscientizavam de transformar
essa igreja de imigrantes alemães numa igreja voltada a todo povo brasileiro. [...]
Então poderiam interpretar isso como um retrocesso, dessa tentativa de inserção no
Brasil. [...] A gente via que a Igreja não tinha recursos suficientes nem para
continuar a injetar aqui na formação de catequistas. Então nós temos que procurar
outros meios.
189
A falta de recursos e o temor de não se esforçar para retirar um rótulo do qual a
Igreja pretendia se desfazer, inserindo-se no cenário brasileiro, ajudam a entender melhor a
mentalidade presente nos anos 1970. As escolas possuíam identificação com um tempo que
para essa nova Igreja era passado.
Na decisão em favor da criação do IFPLA, o aspecto econômico acabou
prevalecendo, mas como resultado de uma alternativa criativa encontrada pelo professor
Naumann. A motivação surgiu do diretor do Departamento de Educação, com receio de não
fazer mais jus ao repasse de recursos provenientes do governo alemão, como subsídio para o
ensino de Língua Alemã. Esse recurso era redistribuído para as escolas e um percentual
permanecia no próprio Departamento de Educação, compondo uma parcela do orçamento de
manutenção. O professor Naumann lembra que “Keller sempre dizia: nós estamos recebendo
tantos recursos e os professores, os bons professores, estão morrendo aos poucos e nós não
podemos aceitar esses recursos, se não assumirmos uma preocupação séria na formação de
docentes qualificados”
190
.
A criação do IFPLA, que poderia ter se mostrado como um novo ônus, em verdade,
resultou em um projeto de característica peculiar. Em parceria com a UNISINOS, coube a
esta a formação de professores em Língua Portuguesa, e ao IFPLA, a formação de professores
de Língua Alemã. O diploma nas duas habilitações era expedido pela UNISINOS. O projeto
foi financiado pelo governo alemão, beneficiando indiretamente toda a estrutura que se
desenvolvia em Ivoti, na formação para o magistério em nível médio (2º grau) e a formação
189
NAUMANN, 2004.
190
NAUMANN, 2004.
73
de catequistas.
191
O IFPLA ajudava a suportar financeiramente alguns custos fixos e absorvia
alguns egressos da escola para a formação universitária.
A atuação dos professores em diversas instituições vinculadas à IECLB demonstra o
mérito do projeto. A falta de formação específica de professores em nível superior pela Igreja
levou a recrutar “diretores e coordenadores pedagógicos das escolas neste Instituto”, visto que
“a formação para o magistério que esses professores recebem no IFPLA os torna uma equipe
de elite intelectual que passa a influenciar a escola como unidade”
192
. O modelo gestado
na década de 1970 permanece praticamente inalterado, com a estreita vinculação do IFPLA à
UNISINOS e o financiamento pelo governo alemão.
O IFPLA é o grande responsável pela oferta de lideranças, quer em âmbito de
direção, quer em âmbito de coordenação pedagógica para a atual Rede Sinodal de Educação.
Os bons professores de alemão ajudaram a manter recursos oriundos do governo alemão,
importantes à manutenção financeira das escolas.
4.3.3 Faculdade Três de Maio
A Faculdade Três de Maio abriga o mais antigo curso superior reconhecido pelo
MEC em instituição vinculada à IECLB. Seu surgimento remonta à política vigente dentro da
UFSM, com a criação de cursos fora da sede. O período dessa experiência foi de 1968 a 1971,
para posterior proibição de funcionamento dessa modalidade. A perspectiva de
desenvolvimento trazida pelos cursos mobilizou as comunidades, mas a desvinculação da
UFSM era legalmente inevitável. Segundo Clarissa B. Neves,
Restava às inúmeras escolas e cursos implantados, o caminho da autonomia. Em
diferentes localidades este se transformou num importante projeto comunitário. O
apoio político do deputado e Ministro Tarso Dutra foi decisivo para concretizar
muitos destes projetos na forma de IES privadas. É no conjunto destas novas
instituições de ensino superior, tornadas independentes e algumas poucas
preexistentes, que alguns anos mais tarde, emergirá a conceituação de IES
comunitárias.
193
A mobilização, a partir de 1969, da comunidade de Três de Maio convenceu a UFSM
a abrir o solicitado “Curso de Administração Pública e Privada”. Através de convênio
envolvendo a municipalidade, a manutenção do curso foi transferida, inicialmente, para a
Sociedade dos Missionários Nossa Senhora da Consolata, que desenvolvia atividades
educacionais no município. Quando houve a desistência dessa entidade mantenedora, e com a
191
Cf. NAUMANN, 2004.
192
FLECK, Dorival Adair. In: MUSSKOPF, 1999, p. 182.
193
NEVES, 1995, p. 9.
74
precipitação dos fatos de retirada da UFSM, a Sociedade Educacional Três de Maio
(SETREM) passa a manter o Curso de Administração. Surgida em 1950, a SETREM atendia
aos projetos educacionais de formação de professores, formação técnica e básica da
Comunidade Evangélica de Confissão Luterana de Três de Maio.
A decisão pela mantença veio acompanhada de “longos estudos e análise
aprofundada dos detalhes e das condições”
194
. Dentre essas condições esteve o recebimento de
uma área com um prédio onde funcionaria o curso. O ano era o de 1973. Em outubro desse
ano, quando o Conselho Universitário da Universidade de Santa Maria homologa a decisão
195
da transferência, há vinculação do curso à SETREM. Coube à nova mantenedora, nessa
condição, promover o reconhecimento do curso junto ao então Conselho Federal de
Educação. O reconhecimento, com a criação da Faculdade de Administração Três de Maio,
como faculdade isolada ocorre em 26 de agosto de 1976.
Essa data pode ser entendida como aquela que marca oficialmente o início do ensino
superior em uma instituição da IECLB, incorporada integralmente ao sistema educacional
brasileiro. Ela acontece, contudo, à margem de uma discussão no âmbito eclesiástico
administrativo. No arquivo do Departamento de Educação não qualquer correspondência
de parte da mantenedora SETREM informando sobre a incorporação do curso, tampouco
qualquer manifestação desse departamento sobre o tema, apesar do longo período em que o
assunto tramitou. O contato da SETREM com o Departamento de Educação permaneceu ao
longo do período. Mas os assuntos de ordem administrativa nunca fizeram referência de que
estivesse tramitando ou funcionado um curso superior.
196
Nas correspondências oficiais
arquivadas, a primeira referência ao Curso de Administração é o convite, não nominalmente
dirigido, de 05 de outubro de 1975, para “no dia 18 de outubro próximo, por ocasião da
inauguração do Prédio da Faculdade de Administração”
197
participar do programa de entrega
do prédio doado pela municipalidade à SETREM.
O curso surge, nitidamente, na marginalidade. Trata-se de uma experiência arriscada,
que não possui acompanhamento e de nenhuma forma de apoio por parte do
194
MUSSKOPF, 2003, p. 62.
195
Cf. MUSSKOPF, 2003, p. 63.
196
o comunicado da troca de diretor, da presidência da mantenedora, informações sobre auxílios para o
ensino da Língua Alemã, de salário-educação e, inclusive, em 7 de março de 1975, informa-se sobre a
centralização dos serviços administrativos, que passariam a acontecer na Avenida Avaí, 370. Esse é o prédio
doado pelo município, dentro do acordo por assumir a mantença do curso de Administração. Sobre isso, porém,
nada é comentado. (DEIECLB).
197
Convite assinado pelo prefeito municipal de Três de Maio, Ceslau Sawitzky, e pelo presidente da SETREM,
P. David H. Nelson. (DEIECLB).
75
Departamento de Educação ou da Secretaria Geral da Igreja
198
. O processo é guiado pelas
circunstâncias de desvinculação do curso da UFSM e pelo desejo do município de Três de
Maio em conservá-lo. A SETREM, em contrapartida à sua estruturação, assume
responsabilidade pelo curso e o conduz, de maneira isolada, até 1999, quando então surge o
curso seguinte. Decisivo para esse fim certamente foi o apoio material exigido do município,
que possibilitou uma melhor estruturação também da educação básica na SETREM. Nesse
caso, o ensino superior, antes de ser um investimento com visão de futuro, mostra-se como
uma forma de persistir na educação básica. Essa iniciativa é responsável hoje por um sólido
projeto educacional, sem o qual a própria SETREM teria dificuldades para manter seus
demais empreendimentos. A Faculdade de Administração em Três de Maio possui hoje a
companhia de mais oito cursos superiores, constituindo-se na maior estrutura de ensino
superior vinculada à IECLB.
4.4 O apoio formal
A IECLB assume o Departamento de Educação em 1981, vinculando-o à Secretaria
de Missão. Em 1980, o setor educacional é reestruturado. Nele se prevê uma direção
executiva e um Conselho de Educação. A estrutura desse departamento é mantida com
recursos oriundos das escolas. A mudança em relação aos departamentos das regiões
eclesiásticas é que o trabalho se destinará às instituições educacionais de toda a Igreja, mesmo
que os recursos para o trabalho inicialmente sejam das mesmas escolas que já o ofertavam até
essa data.
O ano de 1985 levou as comunidades da IECLB a discutir educação, através do tema
do ano “Educação: compromisso com a verdade e a vida”. O debate em torno do assunto
acontecia em um momento político de abertura no país. Simbolicamente, esse ano também
pode ser caracterizado pela existência de sinais de reacomodação das instituições
educacionais vinculadas à IECLB. A crise econômica ainda perduraria, as diferenças
ideológicas também teriam manifestações posteriores bastante contundentes, mas as escolas
198
Fuchs comenta o episódio:“Eu nem tomei conhecimento. Isso era uma coisa que a diretoria de lá,
independentemente, isso acontece de vez em quando. Eles tinham personalidade jurídica e condições próprias
como pessoa jurídica própria então tinha condições de fazer uma coisa dessas.” FUCHS, 2004.
76
passaram a ter novamente um projeto
199
, consequência da reestruturação sofrida em 1980 e
implantada a partir daí.
Nesse contexto surge, em 1986, no XV Concílio Geral Ordinário da IECLB, ocorrido
no Rio de Janeiro, uma moção da Comunidade Evangélica Luterana de Curitiba, nos seguintes
termos:
Considerando o papel significativo das Universidades e institucionalização da
reforma e da Igreja Luterana, que recomenda a necessidade do debate dos problemas
da sociedade em Universidades, dando oportunidade de participação aos
interessados;
Considerando que o mundo atual e em particular o Brasil passam por uma grave
crise institucional e moral, cujos problemas devem ser discutidos e analisados nos
meios Universitários;
Considerando que a obrigação da Igreja é a educação e formação moral e religiosa
da sociedade;
Considerando que o professor que tiver um embasamento sólido de formação
moral e social poderá influir positivamente na sociedade;
Considerando que o IX Concílio Regional da Região Eclesiástica [pede] à cúpula
da IECLB, para assumir seu papel na educação secular através da moção nº V.
PROPOMOS QUE A IECLB:
Apoie a COMUNIDADE EVANGÉLICA LUTERANA DE CURITIBA CELC, e
colabore com ela na elaboração do projeto para fundação de uma Faculdade
Luterana de Filosofia, Ciências e Letras em Curitiba, com o objetivo de formar
professores para as escolas luteranas, e a rede de ensino em geral, promover a
reflexão e o debate dos problemas atuais da sociedade, desenvolver pesquisa nas
áreas das Ciências Humanas, e através da extensão, integrar o ensino superior aos
objetivos da sociedade.
200
O Concílio não consegue analisar essa questão, e possivelmente nem o poderia fazer,
visto que não está contido na moção qualquer projeto, apenas uma superficial análise da
realidade e um pedido de colaboração na elaboração de um projeto. O assunto é remetido,
assim como as demais moções sem apreciação, ao Conselho Diretor da IECLB. Esse, por sua
vez, remete o assunto ao Conselho de Educação, que é quem passa a se ocupar do assunto
quanto à oferta de ensino superior.
O Conselho de Educação emite seu parecer, mas com uma longa análise histórica das
duas manifestações anteriores que o Conselho Sinodal de Educação emitiu em 1965 e em
199
Na segunda reunião do Conselho de Educação, em 1981, a direção executiva do Departamento de Educação
apresenta um Plano de Trabalho. Nesse Plano estavam os projetos que deveriam nortear a ação do Departamento
de Educação, tais como promover o congraçamento entre as instituições, intermediar recursos para bolsas de
estudo, qualificação de recursos humanos, publicar periódicos, prestar assistência técnica e definir uma política
educacional para a escola comunitária evangélica. Cf. CONSELHO DE EDUCAÇÃO DA IECLB. Ata n. 02.
(DEIECLB).
200
MOÇÃO XII, do XV Concílio Geral Ordinário da IECLB. (DEIECLB, caixa 105).
77
1967, e dos desdobramentos que aquelas posições tiveram na vida da Igreja. Integram a
extensa análise as conclusões tiradas por uma consulta da Federação Luterana Mundial
denominada Educação à luz da Lei e do Evangelho
201
, que em possível frase-síntese diz que a
igreja deve direcionar sua influência sobre a educação secular na via crítica e construtiva.
202
A análise, em sua última parte, já possui caráter de conclusão, quando sugere que não
a IECLB, mas as mantenedoras que com ela se identificam sejam as responsáveis pelos
projetos, cabendo à IECLB: 1) oferecer linhas e diretrizes gerais, para que a Igreja apoie
moralmente aquelas instituições que as seguirem; 2) atribuir tarefas específicas às instituições
apoiadas; 3) manter diálogo permanente com as instituições que recebem apoio. Nesse parecer
também é feita referência ao Curso de Administração, em Três de Maio, do qual a IECLB
poderia estar se valendo.
Na parte específica, o parecer conclui
[...] pela recomendação ao Conselho Diretor de que aprove a Moção encaminhada ao
XV Concílio Regional, nos termos em que se encontra transcrita no presente
Parecer;
pela recomendação ao Conselho Diretor de que adote uma política de incentivo ao
surgimento de estabelecimentos de ensino de nível superior, mantidas por
instituições evangélicas;
pela constituição de uma Comissão Especial deste Conselho, incumbida de elaborar
subsídios mais aprofundados sobre o assunto em pauta, de modo a instrumentalizar
as instituições com documentos capazes de informar um processo de tomada de
decisão quando o interesse em ingressar no ensino de grau se manifestar, bem
como formular sugestões capazes de orientar as decisões e informar a prática, tanto
do Departamento de Educação, quanto do Conselho Diretor, nas questões mais
amplas relacionadas com o ensino superior.
203
A abordagem de todo o parecer é nitidamente cautelosa. Ela também é reativa, na
medida em que o posicionamento acontece por provocação. A consciência da necessidade de
implantar cursos superiores sempre contrastou com as dificuldades econômicas, e nesse
momento não foi diferente. A ênfase, contudo, é que não se esperava mais da Igreja a
iniciativa de manter cursos superiores, mas das comunidades.
O Conselho Diretor acatou, na íntegra, o parecer do Conselho de Educação e ainda
solicitou desse a formulação das orientações e subsídios previstos no parecer. Resultado disso
é outro documento, denominado Parecer 03/87, que apresenta “Subsídios para o
estabelecimento de uma política para o ensino de grau na IECLB”. Seu caráter é oferecer
um roteiro aos eventuais interessados em executar um projeto de ensino superior com apoio
201
Erziehung im Licht von Gesetz und Evangelium (tradução nossa).
202
Cf. CONSELHO DE EDUCAÇÃO DA IECLB. Parecer 01/87. (DEIECLB, caixa 171).
203
CONSELHO DE EDUCAÇÃO DA IECLB. Parecer 01/87. (DEIECLB, caixa 171).
78
da IECLB. Esse documento, dividido em subtítulos, apresenta: os objetivos; os princípios
orientadores
204
; as áreas prioritárias
205
; a forma de encaminhamento; as competências; e a
administração.
Seus efeitos foram muito mais anímicos do que práticos. Como resultado dessa
iniciativa, o Departamento de Educação iniciou estudos para constituição de cursos
superiores. Conforme Fleck
206
, houve sondagens junto às Faculdades Integradas de Santa
Cruz do Sul (FISC), à Fundação Alto Taquari de Ensino Superior (FATES) e uma reunião
com lideranças da comunidade de Carazinho. As duas primeiras foram estudos que
pretendiam assumir os cursos existentes na instituição ou participar da administração. A
escolha da FISC deu-se porque a instituição, nascida de forma semelhante ao curso superior
em Três de Maio, possuía forte veio comunitário, mas atravessava dificuldades financeiras. O
equacionamento da dívida não permitiu a evolução das tratativas. A FATES, um consórcio de
municípios, estava esvaziada, e os estudos remetiam para que a Igreja pudesse integrar esse
consórcio. Contudo, o estatuto vedava a participação de igrejas. A última, em Carazinho, a
única que se constituiu em um pedido da comunidade local para que houvesse participação da
IECLB na instalação de cursos na cidade, não ocorreu, aparentemente, pela forte disputa
partidária que acompanhava a discussão.
Essa desoneração da IECLB repercute, lentamente, com a iniciativa da comunidade
de Joinville, a qual obtém o reconhecimento como instituição da Igreja na década de 1990.
Nas discussões internas ocorridas, em 1990, no Colégio Bom Jesus, em Joinville, está o
embrião do primeiro projeto sobre o qual o Parecer 1/87 tem algum efeito prático, ainda que a
motivação inicial não decorresse desse parecer expedido pelo Conselho de Educação e
referendado pelo Conselho Diretor da IECLB. Os créditos da motivação com áreas de
desafio são atribuídos ao Dr. Uriel Zanon, do Hospital Dona Helena, instituição de saúde
vinculada à Comunidade Evangélica de Joinville.
207
Da aceitação do desafio ao início dos estudos de implantação, em 1991, até o
funcionamento do primeiro curso, em 1997, transcorreu um longo período. Houve a
constituição de uma Comissão de Estudos de Implantação do Grau, a elaboração de uma
204
Segundo o Parecer 03/87, o apoio se condicionaria: a) à existência de um projeto educativo claramente
definido com base em dados antropológicos (cultural, social, psicológico, bíblico), na perspectiva de uma
sociedade mais digna e humana; b) ao exercício de um estilo democrático de administração, de modo que
execução e decisão sejam atribuição da comunidade educativa como um todo, o que equivale à busca de um
caráter comunitário e participativo de administração; c) à formação de políticas e estratégias comprometidas com
as necessidades do país e com as prioridades da IECLB, enfatizando a inovação e as soluções alternativas.
205
As quatro áreas prioritárias são: Administração, Promoção Comunitária, Saúde, Educação.
206
Cf. FLECK, 2005.
207
REVISTA INDEZ. Informativo Cultural do Bom Jesus/IELUSC, n. 02, p. 3, jul./ago. 1997.
79
carta-consulta à IECLB e à Comunidade Evangélica de Joinville para apreciação do projeto e
a criação do Instituto Educacional Luterano de Santa Catarina (IELUSC). A oferta de ensino
superior em Joinville incorpora as diretrizes do parecer do Conselho de Educação, adotando
inclusive as áreas Saúde, Educação e Promoção Social como aquelas em que ocorreria oferta
de cursos.
208
Esse é o primeiro projeto de ensino superior dentro de instituição da IECLB
reconhecido pelo MEC e preparado pelos seus executores. E nele também está a síntese do
que é possível realizar como instituição de ensino superior: um projeto local, conduzido pela
entidade mantenedora, que o sustentará. O corpo administrativo e docente do Colégio Bom
Jesus teve de fazê-lo, ainda que esse contasse com as reflexões de outras pessoas, algumas
vinculadas à própria Igreja. Trata-se de assegurar projetos plenamente identificados com a
diretriz confessional da IECLB. É assim que o parecer se expressa, dizendo que não cabe à
IECLB, como instância eclesiástica, manter cursos superiores, mas às instituições a ela
vinculadas, para o que ela dará apoio moral. E assim acontece com o IELUSC, que hoje
possui cinco cursos, mas que realiza todo o investimento como decorrência do aporte do
Colégio Bom Jesus, do próprio IELUSC e de agências parceiras no fomento à formação
educacional superior e à pesquisa.
Ao dizer isso, a IECLB reencontra o caminho da origem de suas instituições: as
instituições comunitárias. Ela remete às comunidades a oferta de ensino superior, verdadeiras
interessadas na educação que se devolve. Se essa for a vontade delas. A inclinação pelo
congregacionalismo parece ter inviabilizado um projeto único ou centralizado. Essa retirada
serviu para que novos projetos começassem a brotar. Necessário afirmar que em um cenário
educacional bastante distinto a partir de 1995.
4.5 O planejamento conjunto
O caminho do ensino superior na IECLB está delineado pela via das comunidades,
que podem ou não requer apoio da IECLB, pelo Conselho de Educação. Três instituições
dirigiram-se a esse conselho solicitando aval para seus projetos. A última manifestação
aconteceu em 1998. Do Parecer 2/98 também é possível extrair uma ntese dos
posicionamentos emitidos:
208
REVISTA INDEZ, 1997, p. 4.
80
Pelo Parecer 3/87, foi esclarecido o objetivo a que visa a IECLB ao apoiar
iniciativas na esfera do ensino superior, os princípios que regem esse apoio e as
áreas consideradas merecedoras de apoio prioritário. O documento encerra, ainda,
itens esclarecedores dos procedimentos a serem seguidos pelas instituições
interessadas em alcançar o apoio da IECLB, no que se refere a elementos
constitutivos da carta-consulta, à distribuição de competências e a requisitos quanto
à administração das instituições.
Desde a data de aprovação desse Parecer, uma instituição, o Instituto Educacional
Luterano de Santa Catarina – IELUSC, encaminhou carta-consulta ao Conselho
Diretor, obtendo o aval solicitado, com base no Parecer 2/95 deste Conselho.
Além disso, a Comunidade Evangélica Luterana de Curitiba CELC encaminhou
minuta de anteprojeto e, através do Parecer 1/96, foi incentivada a aperfeiçoar
seu projeto [...]
O Plenário do Conselho de Educação – IECLB conclui favoravelmente a que a
IECLB empreste seu aval e seu apoio ao projeto do Instituto Superior de Educação a
ser mantido pela Associação Evangélica de Ensino, de Ivoti.
209
O aval ao IELUSC e ao Instituto Superior de Educação de Ivoti tinha como pano de
fundo o atendimento às áreas prioritárias, respectivamente saúde e educação. Elas também
vieram acompanhadas de uma qualificada proposta pedagógica, com formação prévia de
docentes. O projeto da CELC não recebeu apoio
210
, por “alguns aspectos que carecem de
melhor elucidação ou mesmo redefinição”
211
. Entre esses, por não ficar comprovado no
anteprojeto “tratar-se de iniciativa eminentemente comunitária”. O Parecer 2/98 indica que
“não carecem elas [as instituições] de nenhum tipo de autorização para pôr em andamento
seus projetos, nem há orientações que devam, obrigatoriamente, atender”. As instituições
atuam livremente. Daí se conclui que a IECLB, pela sua estrutura administrativa, pode manter
e interagir com instituições superiores às quais empresta aval, sem qualquer prejuízo à
iniciativa de comunidades isoladas interessadas em oferecer um projeto que atenda à
necessidade da sociedade.
209
CONSELHO DE EDUCAÇÃO DA IECLB. Parecer 2/98. Disponível em:
<https://www.redesinodal.com.br/restrito/instituicoes/_files/2009-08-
17_selecao_parec_docum_recom_conselho_1981a2008.pdf>. Acesso em: 31 maio 2010.
210
Em 10 de dezembro de 1997, segundo se depreende dos estatutos do Instituto Martinus de Educação e Cultura
IMEC, a Assembleia Geral Extraordinária da CELC-UP institui organismo para a oferta do ensino superior. O
IMEC surge um ano após a negativa de aval da IECLB. A despeito disto, o IMEC incluiu diversos órgãos da
IECLB como partícipes permanentes da sua administração. São eles: I Comunidade Evangélica Luterana de
Curitiba União Paroquial (CELC-UP), na qualidade de fundadora, através do seu conselho diretor; II os
órgãos da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB, com Registro Civil sob 5.031, em
25.10.68, na Comarca de Porto Alegre, a seguir nominados; a) o Conselho da Igreja (IECLB); b) o Conselho
Sinodal do Sínodo Paranapanema; c) o Departamento de Educação da IECLB; III O Colégio Martinus, com
Registro Civil sob 578.912, no Primeiro Ofício de Títulos e Documentos da Comarca de
Curitiba; IV a
Fundação Luterana de Assistência Social FLAS, com Registro Civil 411653, em 13/05/1990, no Primeiro
Oficio de Títulos e Documentos da Comarca de Curitiba. Cf. ESTATUTO do IMEC. (DEIECLB, Pasta IMEC).
Não registro no arquivo do Departamento de Educação da IECLB que possa, minimamente, demonstrar a
participação na
administração desse instituto. A inconsistência registrada pelo Conselho de Educação no Parecer
1/96 ficou evidente. Endividado, ele foi encerrado a partir de 2005. A IECLB foi arrolada como litisconsorte
passivo e é co-ré em pedido milionário de reparação por quebra de contrato.
211
CONSELHO DE EDUCAÇÃO DA IECLB. Parecer 1/96, de 7 junho de 1996. (DEIECLB, Pasta 5.55).
81
Em 1999, professores das instituições de ensino superior em funcionamento e
daquelas que se projetavam para iniciar atividades se reúnem em 13 e 14 agosto para o
Encontro de Professores de Educação Superior, em Três de Maio. O evento acontece dentro
do programa de atividades do Departamento de Educação da IECLB. Cerca de trinta pessoas,
sendo metade dessas da instituição anfitriã, a SETREM, debatem sobre as perspectivas do
ensino superior nas instituições da IECLB. O encontro também está no contexto de uma
discussão sobre a política educacional da IECLB. O Fórum Permanente de Educação e
Formação, funcionando a partir da Secretaria de Formação da IECLB, dedicava-se ao estudo
do “3º grau”. O próprio Secretário de Formação da IECLB, P. Edson Streck, participa dos
debates em Três de Maio. A iniciativa aflora um debate mais intenso, o que faz com que
várias instituições iniciem estudos sobre a viabilidade de ofertar o ensino superior
212
, a
maioria infrutífera.
A sequência dos encontros de professores
213
gera motivação em torno da ideia de
oferecer ensino superior de maneira mais ampla. Entre os anos de 2001 e 2002, as instituições
localizadas na região metropolitana de Porto Alegre pretendem criar faculdades integradas,
para posterior constituição de um centro universitário. A EST ofertava seu curso de Teologia
reconhecido pelo MEC
214
, sendo que as demais interessadas
215
ainda trabalhavam em projetos
de criação de faculdades. As motivações para o trabalho, os objetivos e um cronograma estão
presentes no protocolo de intenções redigido pelas instituições. O propósito de compartilhar
infraestrutura e o reconhecimento de que o trabalho conjunto representa maior oportunidade
de êxito estão no teor do protocolo, mas a integração de fato das instituições é descartada e
“cada uma das entidades mantém-se autônoma [...] podendo retirar a qualquer momento”
216
.
Os estudos resultaram na criação de instituições isoladas, sem qualquer integração formal.
Em 8 de abril de 2002 é assinado, na Secretaria Geral da IECLB, o Programa de
Cooperação e Integração do Ensino Superior. Ele acontece de maneira paralela à iniciativa da
região metropolitana, abrangendo todas as instituições interessadas. O documento é firmado
212
Além daquelas que, efetivamente, deram início ao ensino superior, pelo menos as seguintes instituições
encetaram estudos para a oferta de cursos de graduação: Colégio Ipiranga, de Três Passos; Colégio Cônsul
Carlos Renaux, de Brusque; Colégio Evangélico Augusto Pestana, de Ijuí; Instituto Luterano de Educação do
Parecis; de Campo Novo do Parecis; Colégio Sinodal, de São Leopoldo; Colégio Evangélico Alberto Torres, de
Lajeado; Escola Barão do Rio Branco, de Blumenau e Colégio Evangélico Panambi, de Panambi.
213
O 2º Encontro acontece da Escola Superior de Teologia, em 2000, e o terceiro, no IELUSC, em Joinville,
sempre no mês de agosto.
214
Bacharelado em Teologia da Escola Superior de Teologia foi autorizado por ato 1436/99, publicado no
DOU em 4 out. 1999.
215
Instituto de Educação Ivoti, Instituição Evangélica de Novo Hamburgo, Colégio Sinodal e Colégio Pastor
Dohms.
216
PROTOCOLO DE INTENÇÕES Criação de Faculdades Integradas, de março de 2002. (DEIECLB, Pasta
5.55).
82
por seis instituições implantadas
217
, por mais três
218
que comparecem com o intuito de
ofertar graduação e pelos representantes da Secretaria de Formação e do Departamento de
Educação. Trata-se, em verdade, de um protocolo de intenções para a cooperação e integração
visando ao “desenvolvimento do ensino superior no país”
219
. As instituições passam a se
mover a partir da indicação desse protocolo, que pretende reunir as potencialidades físicas e
intelectuais das instituições de educação básica em torno dos tenros projetos de oferta de
ensino superior.
A providência inicial é um planejamento conjunto. Em 24 de outubro de 2002, “as
Instituições de Ensino Superior da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
(IECLB), alicerçadas no propósito de manter destacada atuação no cenário educacional
brasileiro, apresentam seu primeiro planejamento conjunto”. O planejamento apresenta a
forma de trabalho conjunto, elege programas para a atuação e define metas prioritárias. Elas
instituem a Unisinodal.
A Unisinodal é uma organização de instituições de ensino superior vinculadas à
IECLB, constituída de fato pelo trabalho conjunto em favor da promoção do saber
científico e da formação profissional, porém não como entidade educacional
enquadrada no conceito de Universidade perante a legislação educacional brasileira.
A Universidade Sinodal pretende colaborar na criação de centros universitários e
universidade nas suas instituições de ensino superior. É entendimento das
Instituições que mesmo atingindo os status de universidades dentro do conceito da
legislação educacional brasileira, a Unisinodal permanecerá, haja vista que surgiu
para atender a um propósito que transcende a organização oficial.
220
O ambicioso projeto também sequência na forma de articulação entre as
instituições. Surge a Câmara das Instituições de Ensino Superior. Essa forma de articulação
fora apontada pelo protocolo de intenções, assinado em 8 de abril. A câmara, após aprovação
do Conselho de Educação da IECLB, passa a funcionar em junho de 2003 e articula algumas
iniciativas, em especial a realização do vestibular conjunto. As dificuldades operacionais, as
diferentes culturas regionais e até a concorrência entre a instituções permitem apenas duas
edições nesse formato de processo seletivo. A câmara não consegue levar em frente os termos
do planejamento conjunto. As diferenças entre instituições profundamente amoldadas às suas
comunidades não foram superadas e a associação entre diferentes, ainda que
confessionalmente identificados, restou inviável.
217
SETREM, FAHOR, EST, IELUSC, ISEI, IMEC.
218
A IENH e o Colégio Pastor Dohms de fato implantam cursos. O Colégio Sinodal, de o Leopoldo, opta por
reforçar sua atuação na educação básica, com a abertura de um novo colégio na cidade de Portão-RS.
219
PROGRAMA de Cooperação e Integração do Ensino Superior Protocolo de Intenções, de 08 de abril de
2002. (DEIECLB, Pasta 5.55).
220
UNIVERSIDADE SINODAL – Unisinodal Planejamento. (DEIECLB, Pasta 5.54).
83
A Unisinodal era um ente estranho, e ela não se concretizou. O espaço para discussão
e aproximação de maior destaque da Câmara das Instituições de Ensino Superior foi o
Congresso do Ensino Superior. Seguindo o exemplo inspirador da educação secundária, que
em 1953 cria um congresso tradicional no âmbito da educação na IECLB, as instituições de
ensino superior realizam, desde 2005, um congresso bienal. Na primeira edição, um debate
mais sereno é proposto ao conferencista principal do evento. Walter Altmann, pastor
presidente da IECLB, fala sobre “Identidade Luterana e Educação”. Os congressistas, nos
trabalhos em grupo, recebem a tarefa de apresentar propostas para a “Construção de uma
proposta de identidade para o Ensino Superior na Rede Sinodal de Educação”.
O primeiro Congresso do Ensino Superior encerra com a apresentação da Carta de
Camburiú, documento que se pretende como “uma carta de intenções sobre a Identidade da
Educação Superior na Rede Sinodal”. Nela se que “o resultado das reflexões ensejadas
expressa-se em quatro princípios básicos. São eles: preocupação com o/a aluno/a como
pessoa; preocupação com a qualidade dos processos de ensino-aprendizagem; busca por uma
gestão profissional; respeito à cultura local e regional”.
221
Parece claro que as instituições
estão dipostas a conviver, a apresentar-se de forma a serem vistas como semelhantes, mas sem
intenção de trabalhar de forma efetivamente conjunta. A cultura local, a sua comunidade, não
pode ser atingida por um pretenso projeto associativo mais amplo. Nesse momento, em 2005,
o cenário do ensino superior demonstrava uma definição mais clara. As oito instituições
presentes nesse congresso, além do próprio IFPLA, são aquelas que, em 2010, ainda atuam
com a oferta de ensino superior.
4.6 Perspectivas
A janela de ingresso ao ensino superior para novas instituições foi fechada no final
da década de 2000. O volume de recursos necessários para ofertar essa etapa de educação no
país torna improvável que surjam novas instituições vinculadas à Igreja nos próximos anos.
Grupos estrangeiros têm aumentado a concorrência, deixando comprometida a qualidade no
ensino. Um princípio fundamental estabelecido nas instituições comunitárias é evitar a
competição que resulte em prejuízo aos egressos. A dificuldade de instalação de uma
instituição está nos critérios rigorosos de infraestrutura e corpo docente exigidos pelo MEC.
Outros fatores também contribuem para esse quadro: o baixo valor das mensalidades, alta
221
REDE SINODAL DE EDUCAÇÃO. Textos orientadores para a educação evangélico-luterana. São
Leopoldo: Rede Sinodal de Educação, 2005. 40 p. p. 38.
84
inadimplência por parte dos alunos, risco de endividamento das instituições com bancos e o
fisco, proliferação do ensino a distância e a falta de gestão profissional.
Restando improvável o surgimento de novas instituições, cabe tentar prenunciar o
que acontecerá com as atuais nove instituições que se identificam com a IECLB. Elas
possuem a seguinte conformação em 2010:
IES Nº de
Cursos
Cursos oferecidos 1º Proc seletivo Alunos
curso
Total da IES em maio
de 2010
IFPLA 1 Letras Português/Alemão 1977 64 64
Teologia
222
1/00 269 EST
2
Musicoterapia 1/03 80
349
Administração
223
2/76 346
Sistemas de Informação 2/99 106
Pedagogia 1/00 64
Enfermagem 2/01 111
Engenharia de Produção 1/04 110
Redes de Computadores 2/04 67
Psicologia 2/07 82
Agronomia 1/09 93
SETREM 9
979
Enfermagem 1/97 149
Comunicação Jornalismo 1/98 163
Comunicação Public e Prop 1/98 200
Turismo 2/99 13
Educação Física 2/01 70
IELUSC 5
Nutrição 1/03 163
758
Engenharia Mecânica 1/02 260
Engenharia de Produção 1/04 144
FAHOR 3
Economia 1/05 81
485
FLT 1 Teologia 1/02 53 53
ISEI 1 Pedagogia 1/04 136 136
Administração 1/07 113
Redes de Computadores 2/09 28
IENH 3
Ciências Biológicas 1/10 5
146
Redes de Computadores 1/08 106
Sistemas para Internet 1/08 78
Gestão Comercial 2/08 65
Gestão De Segurança Privada 1/09 31
TecnoDohms 3
Logística 2/09 22
302
Totais 28 3272
Nove instituições é um número muito acima daquele possível de se manter,
considerando a localização geográfica e o público atualmente atendido. Cinco estão na região
metropolitana de Porto Alegre e duas, próximas em 20 km, em Três de Maio e Horizontina,
no noroeste do Rio Grande do Sul. ainda duas em Santa Catarina. O país deve
222
Como curso autorizado pelo MEC. O primeiro ingresso no curso de teologia, sem reconhecimento oficial,
aconteceu em 1946.
223
Em 1973, a extensão do Curso Superior de Administração passou a ser mantida pela SETREM e no ano de
1976 é reconhecida como Curso Superior.
85
experimentar uma redução do número de entidades mantenedoras nos próximos anos.
224
Essa
tendência deve atingir também as atuais instituições identificadas com a IECLB, ainda que
elas tenham características como sua inserção comunitária e sua história na educação básica.
A proximidade tornará as instituições cada vez mais ferozes concorrentes entre si, se
mantidas isoladas. Sua atual estrutura é de escolas básicas, em que os custos fixos,
decorrentes de carga horária mínima para docentes e apoio para oferecer serviços aos alunos,
são muito menores do que os verificados no ensino superior. Há uma crescente dificuldade
para manter a regularidade de funcionamento. O órgão regulador da educação superior
nacional impõe às instituições de ensino superior, em nome da qualidade, exigências de difícil
cumprimento às pequenas instituições.
A última década serviu de aprendizado às instituições vinculadas à IECLB. Boa parte
dos protagonistas em função decisória deste período mantém-se em colocação de influenciar o
trabalho nos próximos anos. O planejamento conjunto, em especial na região metropolitana de
Porto Alegre, na primeira metade da década de 2000, era permeado dos conceitos válidos à
educação básica. Além de essa ser naturalmente mais próxima das famílias e das residências,
ela se realiza em instituições com uma reconhecida trajetória, iniciada no século XIX ou no
início do século XX. Restou demonstrado que não transferência significativa da imagem
qualitativa para o público externo do cabedal construído dessas instituições.
Uma instituição de ensino superior surgida da educação básica é, de fato, uma nova
instituição e não uma continuidade do nível anterior. A começar pelo público: os formados
nas reconhecidas instituições de educação básica procuram instituições públicas para a
graduação. Nem mesmo as tradicionais universidades comunitárias têm conseguido atingir
adequadamente o contingente de egressos do ensino médio das escolas comunitárias.
Transcorridos quase dez anos, é possível imaginar que os protagonistas desse período
apreenderam que a sobrevivência depende de trabalho conjunto e de novos conceitos. A
dificuldade de atuar em conjunto pode ser menor, mas para isso os pressupostos da autonomia
e do comunitário necessitam nova conceituação no meio educacional evangélico-luterano. O
comunitário na IECLB encontra na propriedade um elemento indispensável. O sentimento de
pertença é também um sentimento de posse. Grandes instituições, como tendem a ser aquelas
que oferecem ensino superior, exigem modelos complexos, em que a lógica paroquial não tem
espaço. Como o início deste estudo demonstrou, o conceito do comunitário firmou-se, mas
224
As cerca de duas mil instituições de ensino superior do segmento de ensino superior privado são mantidas por
um mil e duzentas mantenedoras. Estudos do MEC apontam que o número de mantenedoras cairá para cerca de
400, com a expansão de grupos educacionais, até 2015. Cf. REVISTA ENSINO SUPERIOR. São Paulo:
Segmento, ano 12, n. 138, p. 20.
86
depois evoluiu para que pudesse ter alcance nacional. Evoluir em sua forma de responder a
uma comunidade – e o que ela significa – é imperioso para que instituições de ensino superior
se estabeleçam fortes a partir da IECLB.
A educação em uma igreja luterana precisa ser entendida como uma necessidade
confessional. O corpo eclesiástico necessita da educação para animar e reanimar sua teologia.
Em um artigo contando a história do Instituto Pré-Teológico, Naumann escreve: “Instituições,
também estabelecimentos de ensino, não são um fim. São um meio para que determinado fim
seja alcançado.”
225
A educação básica serve como testemunho da Igreja na sociedade. A
educação superior abastece a Igreja com pesquisa e com reflexão. Um olhar a partir de uma
teologia serena e renovada para a sociedade brasileira é espaço da igreja luterana no país. É de
sua responsabilidade manter esse lugar.
A Faculdades EST, nome atualmente atribuído à EST, mantém um reconhecido
programa de pós-graduação que serve a esse propósito de manter a Igreja na vanguarda de
temas que lhe são caros. Com conceito 7, o mais alto conferido pela CAPES, a manutenção
em alto nível desse programa é um fenômeno. As instituições de ensino superior com
programas desse nível o mantêm com recursos oriundos da graduação, apoiadas em
instituições universitárias sólidas. É possível imaginar que seu nível decline com a ausência
de uma instituição robusta que oferte graduação.
O cenário educacional para a instituição confessional comunitária no ensino superior
passará por novas e profundas transformações. Um projeto educativo é mais do que oferecer
cursos, razão pela qual as atuais instituições, juntamente com a IECLB, devem atuar de
maneira integrada, em um esforço permanente para interpretar os desafios e vislumbrar
possibilidades. A longa trajetória da educação na Igreja demonstra o quanto ela está
identificada com essa forma de promoção da pessoa. Também essa identificação permitiu que,
mesmo com os percalços desse período, certo atraso na oferta de ensino superior pudesse
começar a ser compensado. A falta de uma instituição, ao modelo do Ginásio Sinodal para a
educação secundária, é percebida hoje. Superar idiossincrasias sem se afastar dos
fundamentos é o que permitirá êxito nessa trajetória de honrar a história, encontrar novos
caminhos e afirmar compromisso com o desenvolvimento da sociedade brasileira.
225
NAUMANN, Hans Günther. A transferência do IPT para Ivoti fim ou preservação de uma missão? In:
DROSTE, Rolf (Org). Uma escola singular: Instituto Pré-Teológico – Proseminar. o Leopoldo: Sinodal,
[1997]. p. 130.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa teve como centro a história do ensino superior na IECLB, desde as
primeiras discussões até o quadro no momento da entrega do trabalho. A tarefa exigiu
compreender o contexto do ensino superior brasileiro, a história da educação protestante, além
de discutir formas organizativas percebidas como decisivas para compreender o objeto da
pesquisa.
As escolas primárias dos evangélico-luteranos foram criadas por comunidades
interessadas na educação de seus filhos. Escolas tornaram-se então impulso para o
desenvolvimento das colônias de imigrantes no sul do Brasil. Nessas escolas não havia
participação oficial. Na fase de estruturação dos sínodos evangélico-luteranos brasileiros, os
quais desembocam na IECLB, houve incentivo a um projeto mais orgânico do ensino ofertado
por comunidades. O início disso se dá no final do século XIX. Em especial o Sínodo
Riograndense desenvolveu um sistema educacional bastante amplo, resguardado em conceitos
como formação de professores e estabelecimento de escolaridade mínima para que seus
membros frequentassem o ensino confirmatório. A eclosão da Segunda Guerra Mundial
também em terras brasileiras alterou o percurso desse trabalho.
A partir do momento do Pós-Guerra, a igreja luterana teve que reorganizar sua forma
de trabalho. O Seminário de Professores do Sínodo, fechado por causa da guerra, não conferia
aos concluintes a habilitação oficial de normalistas. A falta de professores habilitados foi uma
das razões que levou ao fechamento de escolas primárias durante a guerra. Na década de
1950, surgia a oferta do ensino secundário. Para evitar algum novo revés, a habilitação de
professores impunha-se como desafio. O esforço era no sentido de prover as escolas com
professores formados. Novos conceitos para a Igreja, que procura uma inserção na vida
brasileira, e desafios como estruturação de sua base teológica no Brasil, deram início, a partir
da década de 1950, ao afastamento das instituições educacionais do centro de interesse da
Igreja.
A Igreja Católica manteve o interesse na educação por um tempo maior. Enquanto no
início do século XX as iniciativas dos religiosos católicos e protestantes entre os descendentes
alemães corriam paralelamente, após a Segunda Guerra não é percebida a mesma ão no
ensino superior. A atuação da Igreja Católica, tacitamente ainda a religião oficial do país no
século XX, oferecia incentivo para que suas instituições educacionais desenvolvessem o
ensino superior nas décadas de 1940 a 1960, nascedouro da maioria das grandes universidades
88
católicas brasileiras. A decisão do início dos anos 1960, a partir da orientação do Concílio
Vaticano II, de que as instituições católicas deveriam ter papel de maior abertura na
sociedade, sinalizou também para a igreja luterana que a disputa confessional não era a
mesma. Uma expansão menor dos projetos católicos no ensino superior foi percebida como
uma tendência no país de este não ser um espaço das igrejas. Isso contribuiu como fator de
desestímulo para que a IECLB oferecesse formação em faculdades.
Outras igrejas protestantes instaladas no Brasil passaram a oferecer faculdades e
universidades. Em seu horizonte estava que a criação de escolas superiores fosse ponto
determinante de apoio aos seus projetos missionários. Assim, mesmo criando escolas básicas,
quando a janela do ensino superior se oferece, a partir da década de 1940, igrejas como a
metodista e a presbiteriana voltaram-se conscientemente para essa finalidade. A IECLB
estava envolvida na atenção de suas prioridades internas. Não havia tempo e recursos para um
empreendimento da grandeza da criação de uma faculdade nesse momento. Por outro lado,
havia uma nítida preocupação de colaborar com o Estado, que acena ser o ensino sua tarefa, e
à Igreja “não convinha criar uma faculdade fraca”
226
. Como igreja de imigração, interessava
atender ao seu povo. O importante era garantir a formação religiosa elementar dos seus
membros e orientar jovens que buscavam formação superior. A opção das casas de estudantes
é a materialização dessa ideia.
A opção pela oferta de casas de estudantes aos jovens evangélicos ao invés de uma
faculdade era uma tentativa de ser igreja no Brasil. A manutenção de uma identidade
confessional, sem um confronto com o Estado ou com outras igrejas, está na raiz dessa
decisão. A proposta de ser um povo evangélico-luterano era mais forte do que a de ter uma
proposta evangélico-luterana para a sociedade. Formou-se uma ideia equivocada de que seria
possível manter o povo evangélico-luterano reunido em comunidade a partir do
acompanhamento desse onde quer que ele esteja. Essa posição era absolutamente coerente
com a concepção de Igreja, de Volkskirche, da igreja de imigração. Ser igreja de imigração,
não missionária, teve seu desdobramento na proposta de educação para o país.
A desativação das estruturas dos sínodos, a partir de 1968, leva a um período de certa
paralisia, que prejudicou a retomada das discussões estratégicas para a educação. A IECLB,
que estava surgindo como igreja nacional, estava preocupada com o processo de fusão entre
sínodos. Ela não soube perceber a importância da oferta de ensino superior a partir da reforma
universitária de 1968. Os posicionamentos existentes sobre a educação superior no Conselho
Sinodal de Educação, até 1967, foram tomados como referência, retardando até a metade da
226
FUCHS, 2004.
89
década de 1980 a reativação do assunto no âmbito eclesiástico. As comunidades aguardavam
uma posição da Igreja e esta tardiamente diz ser a educação superior tarefa das comunidades.
A reconstrução das trajetórias de constituição das instituições de ensino superior
identificadas com a IECLB aponta para a pequena participação da Igreja. O atraso evidencia-
se com a busca de soluções compensatórias na formação de pessoas para dentro das
instituições da Igreja. Decisiva é a forma de financiar os projetos. A criação do ISCET e do
IFPLA reflete essa situação. Esses institutos continham em si a necessidade de a IECLB ou
seus parceiros (no caso do IFPLA, o governo alemão) financiarem os projetos na íntegra. E,
nesse caso, por melhor que fosse o projeto, em algum momento, quando não houvesse
recursos financeiros dessa fonte, ele sucumbia. O surgimento da Faculdade de Administração
na SETREM, em 1973, é um acidente de percurso. O primeiro curso superior no âmbito de
instituições da IECLB surge como surgiram as primeiras escolas: sem qualquer participação
intencional da Igreja
227
. Assim como a Igreja não fomentava, ela também não vedava o
surgimento de cursos. Não havia, portanto, política sobre o assunto na década de 1970, o que
remete à ideia de omissão sobre o tema, na medida em que não foi percebido como importante
para a vida eclesiástica.
O fato é que a IECLB se mostrou muito menos orgânica do que os nodos que a
constituíram, porque teve que harmonizar as diferenças internas. Isso fortaleceu as
comunidades, em uma tendência congregacionalista. Na educação, as decisões cabem às
mantenedoras, entes vinculados às comunidades. Reforçar essa posição em uma igreja
luterana significa reafirmar o respeitável elemento da comunidade como determinante da ação
na estrutura eclesiástica. As ações na área da educação transitaram entre o comunitário ou o
associativo, nunca conseguindo se firmar definitivamente um ou outro conceito. Na origem, a
condição comunitária prevaleceu. Dessa forma, criaram-se muitas escolas primárias.
A estrutura associativa, chegada com os sínodos, interferiu naquela organização
congregacional e impulsionou a formação de um sistema de ensino. Essa participação
prescritiva da Igreja assinalou uma espera por novas atitudes da Igreja. A criação de uma
igreja nacional, com a união dos sínodos iniciada em 1949, sinaliza uma atuação mais
hierárquica. O posicionamento do Conselho Sinodal de Educação deve ser avaliado nesta
circunstância, quando considera inoportuna a oferta de cursos superiores, tem um peso
227
Naumann isto como característica da Igreja: “Vamos começar, sem discutir muito. Vamos começar, quase
todas as nossas instituições escolares nasceram assim. O Dohms também começou assim.. Então vamos começar
na minha casa paroquial, o seminário de professores, não alugavam.”. NAUMANN, 2004.
90
decisivo na iniciativa da Igreja e das próprias comunidades. O comunitário ou o associativo
serviu para impulsionar os projetos de educação, mas também ajudou a contê-los.
Deve-se destacar que a IECLB perdeu espaço no cenário educacional brasileiro. Sua
omissão em relação ao ensino superior de alguma forma pode ter contribuído para que os
índices educacionais de alfabetização, vistosos na comparação com regiões do país onde ela
não teve influência, não fossem tão reluzentes quando tomada a educação superior. Esse dado
vale principalmente naquela parcela que reflete a pesquisa. A Igreja sentirá os reflexos disso
nos anos vindouros. O colunista Claudio Moura Castro, da Revista Veja, ao analisar o perfil
dos cientistas brasileiros mais destacados, segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia,
constata que
Surpreende a ausência dos estados do Sul, cujo único cientista era alemão. Ou seja,
estados que hoje lideram em qualidade de vida e veem desabrochar suas indústrias
de base tecnológica não foram capazes de produzir um cientista ilustre. A maior
cobertura de educação básica não bastou. Seria a falta de boas universidades para
nutrir os seus melhores talentos?
228
Desenvolver um projeto maior para o país, e não apenas para uma região, mostra-se
um desafio para a Igreja. As iniciativas isoladas são insuficientes para consolidar uma posição
nacional. Ter um centro irradiador, de grande pujança, não está no horizonte da IECLB, e o
fato de até a década de 1980 não haver a concepção de um projeto universitário no seio da
Igreja é uma causa disso. Cabe às atuais gerações tentar reverter esse quadro, se o objetivo for
manter a identidade que constituiu a Igreja no Brasil.
Apenas com o apelo conciliar de 1986 e o posicionamento do Conselho de Educação
em 1987, o tema do ensino superior tem uma manifestação de apoio da IECLB. O Conselho
de Educação apreende o que se percebia na IECLB, de que ela não tinha um projeto de
educação para além da formação de obreiros. Daí resulta uma nova e clara orientação: a Igreja
até pode confiar apoio a iniciativas de oferta de ensino superior, mas cabe às comunidades
assumir papel de protagonista na oferta desses serviços. A IECLB emprestaria apoio, se
entender que os projetos pudessem servir à Igreja como um todo.
Nesse episódio reafirma-se a dicotomia histórica entre uma estrutura associativa
orgânica e a resposta da comunidade. Vive-se desta dicotomia entre o associativo, onde
alguém deve decidir pelo conjunto, e a autonomia da comunidade. A conveniência de a
decisão não estar na comunidade é usado como subterfúgio para não fazer. De fato, a
autonomia das comunidades confere a elas pleno poder para encontrar seus próprios
228
REVISTA VEJA. São Paulo: Abril, ano 43, n. 12, 24 mar. 2010, p. 32.
91
caminhos. Essa atitude também prejudica os empreendimentos existentes se reunirem para se
fortalecer. Comunidades quando isoladas têm grande dificuldade de empreender projetos
maiores, porque esses exigem reunião de esforços. Reunir-se exige descartar premissas que
são insustentáveis para um projeto maior.
A dificuldade de se unir levou ao fracasso os planejamentos conjuntos das
instituições, fomentados pela Igreja e encetados no início dos anos 2000. A perda de espaço
pode ser ainda maior, porque a geração do início do século XXI também tem dificuldades de
oferecer respostas mais ágeis. A entrega às comunidades da tarefa de atuar nos projetos
somente terá êxito se essas conseguirem sobrepujar diferenças que não são decisivas para o
objetivo, mas que são postas como o centro do problema. A questão patrimonial é talvez a
maior delas.
A presente pesquisa teve como preocupação o estudo do conjunto, qual seja,
daqueles aspectos que tiveram um papel de impacto para compreender a trajetória do ensino
superior na IECLB, do ponto de vista histórico. Este pesquisador aponta três itens como
merecedores de um aprofundamento. O primeiro é a compreensão melhor do papel
desempenhado pelo Conselho Sinodal de Educação, que funcionou na década de 1960. Seu
estudo evidentemente não deve se limitar ao ensino superior, mas abranger outros temas sobre
os quais ele se pronunciou.
Em seguida, a ação que o serviço de projetos desempenhou junto às comunidades. É
provável que nele esteja a ideia da “ajuda da Alemanha”, presente ainda no século XXI em
muitas comunidades. Inúmeras comunidades que, na sua origem, se mobilizaram para
construir seus projetos passaram a esperar apoio externo desde que esse serviço passou a
atuar. Embora sua atuação não seja superior a vinte anos (da década de 1960 até a década de
1980), impregnou-se na vida das comunidades a espera pela ajuda externa. Outro aspecto que
merece maior estudo é o impacto das iniciativas do ISCET e do IFPLA. A presente pesquisa
apenas se ocupou em descrever o contexto de seu surgimento. A riqueza e a peculiaridade
envolvidas nessas iniciativas reservam espaço para aprofundar uma pesquisa.
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Arquivo Histórico da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. São Leopoldo, RS.
(AHIECLB).
Entrevistas
FLECK, Dorival Adair. Entrevista concedida ao autor, 29 jun. 2005.
FUCHS, Willy. Entrevista concedida ao autor, 29 abr. 2004.
NAUMANN, Hans Günther. Entrevista concedida ao autor, 29 jun. 2004.
Entrevista com Willy Fuchs
96
Anexo 1
Entrevista com prof. Willy Fuchs.
Concedida em 29 de abril de 2004, em São Leopoldo, a Silvio Iung.
Sílvio: Eu inicialmente explico o que eu estou fazendo.
Fuchs: Perfeitamente.
Sílvio: O senhor sabe que nos últimos anos nós ampliamos bastante o número de cursos
superiores.
Fuchs: Sim, eu já perdi completamente a conta.
Sílvio: E no meu Mestrado, quando eu entrei, o meu objetivo foi tentar entender essas
discussões que aconteceram sobre ensino superior ao longo do tempo, porque hoje nós somos
uma rede. E isso é fruto do trabalho de vocês, com muito reconhecimento no estado, quando a
gente fala quais são as escolas que trabalham conosco a gente tem um reconhecimento sempre
é uma coisa incrível. Agora, por que esta rede de escolas de educação básica não formou curso
de ensino superior. Essa é a minha pergunta, a minha dúvida. Porque nos anos 50, o senhor fez
referência por telefone ontem, nos anos 60 havia discussões sobre isso. Falava-se sobre criação
de faculdade de Filosofia, enfim sobre cursos superiores. Mas isso nunca acabou acontecendo.
Acabou acontecendo em Três de Maio, mas por outra via. Então, assim coisas desse tipo. A
minha dúvida é tentar entender porque a Igreja da IECLB não foi para o ensino superior. Essa é
a minha dúvida. O que se discutiu, por que se discutiu e o que se fez.
Fuchs. Sim. Certo. A grande força na educação na igreja evangélica foi o primário, o curso
primário. Os imigrantes quando vieram não encontraram escola nenhuma, tiveram que lecionar
em casa. Não queriam sucumbir culturalmente. A sobrevivência cultural dos imigrantes e dos
filhos dos imigrantes foi justamente esse esforço e essa felicidade deles cuidarem da cultura e
da religião também. Eles fizeram questão disto. E então nasceram as primeiras escolas em
casas de família, primeiro, e depois nas comunidades juntaram-se e ministraram o essencial:
ler, escrever e fazer contas. A linha básica. E isso se desenvolveu se aperfeiçoou nas vilas, nas
cidadezinhas e ali então vieram cursos mais ampliados, cursos primários mais ampliados. Os
primeiros, na colônia, eram cursos de 4 anos. Em geral até a confirmação na igreja, nas
comunidades, a própria igreja fez questão de incluir na confirmação, somente os confirmandos,
somente depois de eles terem cursado um curso de 4 anos. Era condição para o ensino
confirmatório a freqüência escolar de 4 anos primários. Ali a própria igreja deu o grande
impulso: a obrigação de uma educação, o que vou dizer, foi decretada aquilo que o estado
também faz. Foi a própria igreja, quer dizer, a igreja colaborou nisso, aliás o nome do sínodo
na parte da educação como entidade importantíssima no passado foi justamente ligado a
contribuição do sínodo na formação do ensino, na parte cultural, e isto dali a educação de nível
primário só. E foi ali onde nasceu o Departamento de Educação. Eu me considerava obrigado a
cuidar da manutenção dessa, da manutenção da educação nesse nível e foi essa a minha, o meu
grande esforço de manter essas escolas e manter os professores e quando foi fechada a
formação de professores, eu, na década de 40, então eu mobilizei professores leigos, quer
dizer, professores não formados recrutados nas fileiras da juventude evangélica. E muitos
Entrevista com Willy Fuchs
97
professores naquela ocasião, quer dizer grande parte, quase todos eles saíram das fileiras da
juventude evangélica, mas isso não era solução definitiva, uma solução indicada, então nasceu
a restauração da formação do Lehrerseminar, da formação de professores, que começou
primeiro, tudo improvisado. Durante dois anos os candidatos freqüentaram o pró-seminário.
Durante o primeiro ano e foram para as aulas e aí receberam o primeiro galope de ortografia
e essa coisa toda. E então surgiu a restauração do antigo Lehrerseminar, com o professor
Naumann.
Sílvio: Isso foi em 1950.
Fuchs: Isso, em 1950. E então se procurou colocar essa formação na restauração a finalidade
e a maneira do curso normal, igual ao antigo ministrado no Lehrerseminar. Esse curso era
muito bom. O antigo Lehrerseminar tinha quase, sempre tinha excelentes professores alemães.
Todos eles eram alemães. Eu tinha, por exemplo, no meu curso, na minha formação em 1930,
1932. No fim eu tinha 4 professores alemães, aliás, já no ano, no mínimo 4 professores
alemães. Um de História, um de Geografia, de Alemão, outro de Pedagogia. Nós tínhamos um
curso de pedagogia e mais outro que o próprio diretor assumia e ali nós aprendíamos muita
coisa. Esses professores eram escolhidos a dedo na Alemanha e mantinham o nível da
educação, do curso, da formação de professores e isso eu procurei elaborar com o professor
Naumann desde o inicio para a restauração da formação de professores. Pois é.
Sílvio: Isso a gente tem bem claro. Isso era a necessidade. Depois tem outra necessidade que
foi a do ensino secundário, não é.
Fuchs: certo. E quanto à necessidade do ensino secundário. O ensino secundário nasceu
nos fins da década de 40, quer dizer, a expansão do ensino secundário. Em fins da década de
40, por exemplo, em Panambi, o Ginásio Evangélico de Panambi, em 47, 48. Em Ijui foi logo
em seguida e assim por diante. E tinha uma meia zia de cursos em funcionando na
primeira metade da década de 50, até mais cursos. Tinha em Marcelino Ramos.
Sílvio: O Alberto Torres.
Fuchs: O Alberto Torres também, Mauá em Santa Cruz, em Três Passos. Agora a parte que
eu cuidava, que eu considerava a minha função principal, foi o ensino no nível primário. Eu
não queria, naquela ocasião, sozinho entrar na parte secundária. Então o que a gente fez? Nós
fizemos uma reunião com os diretores dos cursos secundários e então, lá nesse curso de
diretores, se fundou o Centro de Diretores Evangélicos. Ali o Pastor Saenger, como diretor do
Sinodal. Isso passou a funcionar muito bem. Ali então a direção do Centro de Diretores se
dedicou toda a sua atenção na educação do nível secundário. E eu, como Diretor do
Departamento de Educação, eu só me preocupava com o nível primário, de formação de
professores de nível primário. Então nós dividimos um pouco o trabalho. O pastor Saenger foi
a grande colaboração no centro de diretores evangélicos.
Sílvio: Justamente com o trabalho do professor Saenger o ensino secundário passou a ter
muito destaque?
Fuchs: Perfeitamente, JUSTAMENTE. A coordenação é que valeu muito. E ali nasceu o
primeiro Congresso de Professores, em 1957.
Sílvio: Acho que foi em 1953.
Fuchs: Isso.
Entrevista com Willy Fuchs
98
Sílvio: Em 1954 foi a Olimpíada.
Fuchs: Isso foi obra do centro de diretores. figurando como parte do Departamento de
Educação. Quem unificou todo o trabalho foi o professor Keller. Eu já não fiz mais. Não cuidei
da parte do nível secundário.
Sílvio: mas essa é parte da minha dúvida. Veja, o ensino secundário surgiu por conta do
excelente trabalho, do grande trabalho feito na educação primária.
Fuchs: perfeitamente.
Sílvio: Com exceção do Sinodal, as outras escolas tinham o trabalho de educação básica e
foram para o secundário e depois vem essa pergunta: Por que mais adiante colégios como o
Sinodal, como o Mauá, como Ijuí, estavam muito bem naqueles anos, muito bem aceitos nas
comunidades. Por que eles não se sentiram desafiados ao ensino superior? Essa é a minha
dúvida.
Fuchs: Bom, o único estabelecimento de ensino secundário citado nessa rede sem base
primária era o Sinodal, aqui. Porque o Sinodal. Conhece a criação do Sinodal? Eu fiz um
trabalho que infelizmente não saiu no Sinodal Lembra.
Sílvio: Sim, um livrinho.
Fuchs: Ali a turma publicou uma entrevista minha anterior. Eles consideram mais histórica,
não sei o quê. Mas não é bem isso. Porque justamente a criação do Sinodal é que esta sendo
apagada. Porque com o tempo pode parecer que o Sinodal é uma criação da Comunidade
Evangélica de São Leopoldo, que não é o fato. Foi um concílio que criou o Sinodal. E foram os
membros leigos do Concílio do jubileu de ouro do Sínodo Riograndense, em 1935. Aliás,
1936, que quiseram colocar um marco no jubileu e então colocaram um curso intermediário
entre o primário e o superior, que é o secundário. Então é o secundário oficializado. Bom dali é
que surgiu o Sinodal. Os outros secundários daquela época nasceram do primário, Mauá,
Alberto Torres, outros nasceram pelo primário. Bem, você quer saber por que não tinha a idéia
do superior, de um curso superior. Isso surgiu na década de 50. Isso começou a ser lembrado
durante a década de 1950, um curso de formação, um curso de Filosofia, para a formação de
professores para o curso secundário. E isto foi lembrado e então surgiu a ideia da igreja criar
aqui no Morro do Espelho uma faculdade de Filosofia própria e isso foi discutido, em parte, no
Centro de Diretores Evangélicos, mas também por elementos de fora. Um ou outro pastor que
estava se interessando, que acompanhava a parte da educação na Igreja, e então o centro de
diretores encarregou uma comissão, um grupo de 3 ou 4 pessoas, eu acho que de 3, para
examinar profundamente a criação, quer dizer a existência de uma Faculdade de Filosofia aqui
no Morro do Espelho por parte da igreja. E a voz principal nessa comissão foi dada pelo pastor
Saenger. E o pastor Saenger era meio rigoroso, meio exigente. Era professor da UFRGS em
POA e conhecia o funcionamento de um curso superior na UFRGS e o resultado final dessa
comissão foi de que, concluiu que não convinha criar uma faculdade fraca, de menos recursos,
e também de menos capacidade, uma faculdade de filosofia, própria, única aqui em São
Leopoldo. Que não convinha formar uma faculdade que não fosse de mão cheia. Uma
faculdade de grande produção. Essa exigência o pastor Saenger colocava. Ele defendia essa
tese de que importa era uma faculdade que tinha uma ótima produção para se manter e para ser
reconhecida pelo público pelo seu valor. Então essa comissão achou que a igreja, que o Sínodo
Riograndense, naquele tempo não tinha a IECLB, não tinha condições de montar uma tal
Entrevista com Willy Fuchs
99
faculdade aqui no Morro do Espelho. Essa foi a conclusão dessa tal comissão. E com isso a
criação de uma faculdade de filosofia própria aqui no Morro, essa idéia morreu.
Sílvio: O senhor teve nessa comissão também?
Fuchs: Eu tive, eu participava, não participava dessa comissão, mas participava das
discussões.
Sílvio: O senhor lembra mais alguém que estivesse junto. O professor Naumann talvez
estivesse junto? O professor Telmo Muller?
Fuchs: Não sei, porque não há documentação sobre o trabalho dessa tal comissão.
Sílvio: Não há. Eu procurei e não achei. Interessante que, mais adiante, em 1964 uma
nova discussão, depois nós vamos falar mais sobre isso, de Estrela que pediu lá, e nessa
comissão sobre isso tem registro e faz referencia a esse estudo de 57. Nas atas a gente vê que o
professor Naumann faz referência: “olha foi estudado isso em 57 e tem um parecer”.
Fuchs: O seu Naumann, eu acho, que conhece mais. O seu Naumann, se não me engano, teve
o documento inicial que criou o Centro de Diretores.
Sílvio: Isso nós temos lá também.
Fuchs: É, eu fiz uma convocação dos diretores e foi o trabalho deles que criou o centro. Não
foi criado pelo sínodo, nada disso. Foi criado pelos próprios diretores, que criaram o seu centro
de Diretores evangélicos.
Sílvio: Mas tem outra questão, são coisas que o pessoal comenta e a gente não sabe muito
bem: Algo assim de que naqueles anos de 56, 57 teria havido uma, alguém me disse isso: Um
dia os jesuítas e pessoal da igreja evangélica se reuniram e ai o pessoal da Igreja Evangélica
disse: “não, faculdade, nós não vamos entrar nisso. Se vocês quiserem entrar, nós vamos dar
apoio, pros jesuítas, dizendo isso”. E teria sido a origem da UNISINOS. O senhor sabe alguma
coisa nesse sentido?
Fuchs: Não. Eu não sei disso. Para voltar a aquela comissão onde principalmente o pastor
Saenger era a mola mestra. O pastor Saenger disse, o que importa, nós igreja vamos apoiar a
faculdade de filosofia nos cursos superiores bons que o Estado, que o governo mantém, porque
o governo tem dinheiro e recursos, gente, consegue colocar gente de gabarito nisso e foi isto,
esta a idéia do pastor Saenger. Invés de fazer uma faculdade que o mantém um nível
indicado convém dar todo o apoio às faculdades boas que existem e pode ser que nessa
discussão, nesse exame, tenha surgido essa idéia então apoiar o que os jesuítas estavam
fazendo, porque quanto ao nível de trabalho dos jesuítas não vida. Eu não me lembro.
Houve o seguinte, isso foi em 1954, me parece os estudantes, o centro acadêmico da faculdade
de TEOLOGIA onde o pastor Ulrico Sperb - ele sabe mais sobre isso - ele era o porta-voz dos
estudantes que naquela ocasião procuravam um reconhecimento da formação da faculdade de
Teologia pelo Ministério da Educação. E então, andaram procurando. Eu estive presente uma
vez numa entrevista que eles tiveram com o então Ministro de Educação, Tarso Dutra, em
Novo Hamburgo num Concílio Sinodal, em Novo Hamburgo, ou não.
Sílvio: Talvez tenha sido da própria IECLB.
Fuchs: Sim. Onde estudaram com ele, expuseram isso para ele. Os estudantes sentiam a falta
de reconhecimento do estudo da Teologia perante as autoridades oficiais. E isso então o Tarso
Entrevista com Willy Fuchs
100
Dutra recomendou. Olha, eu posso fazer o seguinte: vocês tem aqui uma universidade
funcionando em São Leopoldo, com todos os cursos, nada impede que a Igreja evangélica
organize e mantenha um curso dentro da faculdade, dentro da UNISINOS. Eu acho que
pouco a sua referência foi a isso.
Silvio; bom , é que há sempre comentários.
Fuchs: Bom, mas o caminho real da discussão que eu estou lhe dizendo foi esse. Era uma, ali
então, dar esse passo. Ali as direções da igreja, quer dizer a reitoria, a direção do curso, os
professores, não quis, não acompanhou essa idéia de que o Tarso Dutra. Foi o Tarso Dutra,
ministro, que lembrou essa maneira de organizar o curso de Teologia da IECLB, dentro da
UNISINOS. Então esse curso tem todas as regalias de oficialidade, tipo do IFPLA. Foi o que o
IFPLA fez. O IFPLA foi um curso que nasceu de uma idéia, saindo de Ivoti. De continuar a
formação de professores, mas de fazer uma formação especial de professores de língua alemã.
O senhor conhece o IFPLA?
Sílvio: Eu estudei no IFPLA. Sou ex- aluno do IFPLA.
Fuchs: Ah, bom. Pois é, o IFPLA foi um curso que não era criado pela UNISINOS. A
UNISINOS inclui, claro que teve que funcionar como um curso da UNISINOS. O IFPLA é
um curso normal regular da UNISINOS, mas é um curso que teve até uma direção própria.
Sílvio: Continua hoje. O IFPLA é o Instituto ao lado da faculdade de Letras, que forma os
professores.
Fuchs: É. Um curso incluído na UNISINOS, incorporado na UNISINOS, que para o IFPLA.
O Tarso Dutra antes tinha proposto o Uli Sperb na audiência que se teve com o ministro,
para solucionar o problema, a preocupação dos estudantes da Teologia.
Sílvio: Não foi algo semelhante que se fez com o ISCET? O Instituto Superior de Catequese.
Fuchs: Como?
Sílvio: Por que o ISCET tinha uma formação dentro, junto aqui na Faculdade de Teologia, os
catequistas.
Fuchs: Sim.
Silvio: Mas a exigência era de que eles fizessem alguma outra faculdade, filosofia ou alguma
outra para ter a titulação de ensino superior.
Fuchs: Bom isso já escapa um pouco da minha área, é da área do Keller.
Silvio: Sim. Mas interessante que tanto o ISCET como o IFPLA funcionam como institutos
superiores de formação, mas nenhum deles, vamos chamar assim, como propriedade da própria
Igreja na titulação. Não são cursos que a igreja poderia titular com nível superior. Isso era
delegado para outra instituição.
Fuchs: Eu não conheci. Eu estou tão fora que eu não conheci por menores disso que o senhor
está dizendo. Claro, pela formação eles têm a titulação para estarem trabalhando.
Sílvio: Sim, mas no regulamento do ISCET a exigência para que eles estudassem aqui era de
que eles tivessem junto outro curso superior, só daí eles podiam estudar aqui. É diferente do
pessoal da Teologia, da Faculdade de Teologia. Eles vinham aqui, faziam tudo aqui e não
precisavam fazer outro curso fora.
Entrevista com Willy Fuchs
101
Fuchs: Bom, eu acompanhei isso muito a margem. Quanto a isso convêm uma vez
entrevistar o Ulrico Sperb.
Sílvio: ah, isso é interessante.
Fuchs: Pega o Ulrico Sperb, que o senhor a pouco lembrou a tentativa de se fazer um
curso superior em comunicação com os jesuítas, eu acho que o que o senhor lembrou foi essa
linha que eu lhe disse há pouco.
Sílvio: Interessante.
Fuchs: Foi a entrevista do Ulrico Sperb. O presidente acadêmico do CADES. Isso foi no
CADES, eu estive presente nessa entrevista com o ministro e...
Sílvio; O senhor conhecia bem o ministro.
Fuchs: Sim, eu conhecia bem o ministro, da época de Porto Alegre e também em parte como
ministro. A gente dependia em parte de uma penada dele, de uma assinatura dele. Eu acho que
é bem isso que o senhor se referiu a pouco, que a tentativa de fazer alguma coisa em conjunto
com os jesuítas foi o que surgiu da idéia surgida da boca do ministro, da entrevista do Sperb
com ele.
Silvio: Já que nós estamos falando da questão oficial, o senhor sabe de alguma outra coisa de
que nos anos 70, na época do presidente Médici ou talvez o Tarso Dutra como ministro, de que
em algum momento o presidente da IECLB teria sido procurado, se a IECLB não queria uma
universidade. Por que tem outra coisa que se comenta.
FUCHS: Eu não tenho conhecimento disso. Não tenho nenhum conhecimento disso.
Sílvio: Até que ano o senhor trabalhou na secretaria do sínodo?
Fuchs: Eu trabalhei até 72, espera aí, eu era membro da direção do Conselho até 72, trabalhei
até 78. Era o tempo do Gottschald.
Sílvio: Pois é, nesse tempo o senhor não ficou sabendo claramente de algo nesse sentido?
Fuchs: Pois é, nesse sentido não.
Sílvio: De que alguma forma teria sido sondada, perguntado se a IECLB queria uma
faculdade ou uma universidade ou algo assim.
Fuchs: Foi sempre daquela idéia, da idéia do Tarso Dutra na entrevista com o Sperb, de
colocar a formação teológica como curso da UNISINOS, foi a idéia do Tarso. Essa foi a ideia
oficial, quer dizer a origem oficial de uma tal ideia. O que existe foi isso e de outra coisa eu
não tenho conhecimento. E o Gottschald. Eu estava intimamente ligado a ele. Ali não acontecia
algo que eu não sabia, também.
Sílvio: Pois então, porque isso é freqüente ouvido, comentários dessa natureza muito em
função de que naquele tempo também surgiu a ULBRA, os primeiros cursos.
Fuchs: Não. Isso pode ter surgido dentro da Igreja Luterana de Missúri. Ali sim. Porque o
Rubem Becker que foi o criador da ULBRA. Ele era um pastor que trabalhava antes, se
meteu em muitas iniciativas, no tempo eu estou lembrado, quando eu ainda estava na secretaria
geral eu cuidava do setor de auxílios do exterior, de ajuda do exterior, corria por minhas mãos.
E um dia eu recebi a visita do pastor Rubem Becker, foi diretamente ao meu gabinete, para
Entrevista com Willy Fuchs
102
conversar comigo, para obter por meu intermédio uma subvenção de igrejas luteranas da
Europa para formação de faculdades da igreja Missúri, em Canoas.
Sílvio: Sim, as faculdades Canoenses.
Fuchs: As faculdades Canoenses, foi assim que começou. Ele não disse bem que era
faculdade para o seu trabalho. Eu não estava preparado nada, o meu setor, a minha atividade,
era encaminhar os assuntos da Federação Luterana Mundial. Eu não tinha autorização para
tratar de assuntos que viessem de fora da IECLB, de iniciativa de pedido de auxilio de fora da
IECLB, eu cuidava de iniciativas de pedidos nascidos dentro da IECLB, e neste caso era
uma ajuda solicitada de fora da IECLB. Ali naquela ocasião o Rubem foi em cima, um
elemento muito agressivo nesse sentido, um personagem muito agressivo. Então ele sondou
o pedido de auxilio para as suas faculdades às igrejas da Federação Luterana Mundial, onde os
auxílios nas igrejas européias precisavam o aval da IECLB. E passavam por minhas mãos. Eu
disse para o Becker, “escuta Becker, eu não tenho condições. Eu não vou tratar do seu assunto.
Eu entendo a sua situação, procure o secretario geral da igreja, o pastor Schneider”, naquela
ocasião. Eu o encaminhei para o Pastor Schneider. Eu não sei se ele foi procurar o pastor
Schneider.
Sílvio: Mas enquanto o senhor estava na secretaria da igreja houve algum apoio para esse
pedido do Becker, mais adiante.
Fuchs: Não, não houve.
Silvio: Nunca houve aval da IECLB para isso?
Fuchs: Não, eu não conheço, a não ser que tenha sido fora da minha alçada.
Sílvio: Interessante.
Fuchs: Quanto a isso eu não sei, ele pediu o que o Becker solicitou. Nunca fiz uso disso. Dos
assuntos internos dessa natureza eu não fiz publicidade.
Sílvio: Mas interessante, o que realmente chama a atenção é desse comentário forte desse
pedido, a pergunta que se teria feita ao pastor Gottschald sobre a criação de uma faculdade, que
na verdade o senhor não sabe nada a respeito.
Fuchs: Eu não sei. Agora tem o seguinte: segure uma vez as fontes dessas versões. Assim
quem sabe eu poderia...
Sílvio: O pastor Schneider já é falecido Quem mais estava naquele tempo na secretaria
geral da Igreja. O pastor Droste já tinha envolvimento ali na época?
Fuchs: O pastor Droste sempre teve bom envolvimento na secretaria geral. Ele como pastor
encarregado da Casa Matriz, dessa formação das diaconisas. O curso das diaconisas foi
oficializado por iniciativa do pastor Droste: ele era Diaconiesser, era chamado o pastor que
cuidava das diaconisas, com dois ss. E então o problema era o seguinte, eu vou lhe dizer como
é que correu esse assunto: O Hospital Moinhos de Vento era dirigido pelas diaconisas e sempre
tinha diaconisas lá e que também o hospital pagava uma taxa para o trabalho das diaconisas e a
taxa foi registrada na contabilidade do hospital, com o nome das diaconisas, de cada diaconisa.
E então um dia a previdência social, a fiscalização foi atrás disso e examinaram e encontraram
então salários pagos a essas mulheres, as diaconisas, que não recolheram para o INPS. E então,
montaram em cima disso e ameaçaram com multa e era uma coisa extraordinária. Porque as
Entrevista com Willy Fuchs
103
diaconisas não eram consideradas religiosas. Eram consideradas simples empregadas e como
tais eram obrigadas a recolher ao INPS e então foi um grande problema que surgiu para o
hospital Moinhos de Vento, porque a responsabilidade era do Hospital. E então o Pastor Droste
falou comigo, e eu cuidava da parte da previdência da Igreja, e ele nos disse: bom, nós
formávamos uma comissão, Droste, eu e o mais um terceiro membro. A fichinha às vezes não
cai logo... O Rössler de Montenegro, também fez parte, tinha o hospital. Nós examinávamos
a situação dos pastores na previdência, porque eu descobri no conselho diretor que não havia
nada previsto para a previdência dos pastores a não ser a caixa de aposentadoria e pensões dos
pastores, a CAP própria, descobri que essa, que o fundo, não havia fundo, que no dia que
tivesse que funcionar não havia recursos e então o conselho diretor nomeou uma direção do
Droste, do Rössler, e de mim de estudar o fundo de previdência dos pastores e quando na
primeira reunião o pastor Droste veio com essa: “Eu tenho um problema das diaconisas do
Hospital Moinhos de Vento”, que a previdência social está montando em cima, estão
fiscalizando, etc, tão reclamando, qual é a situação disso. Eu disse: olha, o problema está na
falta de reconhecimento das diaconisas como religiosas e esse reconhecimento de religiosas.
Eu dei a idéia ao Pastor Droste, e então nos elaboramos um projeto para o Ministério do
Trabalho para o reconhecimento das diaconisas como religiosas e esse processo existe. Agora
convinha o senhor agora pegar cópia desse processo. Eu tinha sempre isso em mãos. O
Gottschald então pediu ao Ministério do Trabalho de considerar as diaconisas como religiosas
que realmente eram. Só que não tinham o nome, não eram tão conhecidas, difundidas.
Sílvio: Interessante.
Fuchs: Bom, ali então isto, essa é a ligação que o pastor Droste tinha.
Sílvio: Não havia outras pessoas que o senhor lembre que trabalhavam na secretaria geral
naquele tempo e que trabalhavam.
Ucks: Ligadas ao setor de Educação?
Sílvio: Não necessariamente. Mas que pudessem ter alguma informação sobre esse fato. Os
pastores Hasenack, ninguém tinha ligação nessa época.
Fuchs: Não. Espera ai um pouquinho. O pastor Kunert.
Silvio: Talvez o próprio professor Naumam saiba disso.
Fuchs: O professor Naumann sabe do Centro de Diretores, e sobre a comissão da qual eu lhe
falei, no qual a decisão do Pastor Saenger foi vitoriosa em considerar a faculdade não oportuna
naquela época no Morro do Espelho. Naquela época, para a Igreja, fazer uma faculdade
própria, de Filosofia.
Sílvio: Pois é, eu vou perguntar uma outra questão: Como é que na época se viu a criação
do curso lá de Três de Maio de Administração?
Fuchs: Ninguém tomou conhecimento.
Sílvio: Era o que eu suspeitava.
Fuchs: Eu nem tomei conhecimento. Isso era uma coisa que a diretoria de lá,
independentemente, isso acontece de vez em quando. Eles tinham personalidade jurídica e
condições próprias como pessoa jurídica própria então tinha condições de fazer uma coisa
dessas.
Entrevista com Willy Fuchs
104
Sílvio: Mas o que o senhor, não sei se o senhor tem uma opinião sobre isso, e se isso tivesse
chegado até a igreja e perguntado se a igreja apoiaria isso, que resposta será que se teria ai?
Fuchs: Teria sido afirmativa. A partir da época que o professor Keller assumiu a direção do
Departamento de Educação essas questões tiveram um curso mais fácil, essas questões foram
de tratamento mais fácil. Eu vou lhe dar um outro exemplo: quando o Naumann e eu a gente...
Sílvio: O senhor me disse gostaria de comentar uma outra coisa.
Fuchs: O reconhecimento do curso normal da escola evangélica. O curso normal da nova, da
escola normal evangélica, assim chamamos o inicio de Ivoti, sabe, que funcionou aqui em São
Leopoldo, o reconhecimento pelo estado da formação da escola normal evangélica porque o
Lehrerseminar, ele não tinha reconhecimento. Eu não sei se o senhor sabe que nós não
tínhamos nenhum formado pelo Lehrerseminar, nenhum tinha reconhecimento oficial.
Sílvio: E nem depois se conseguiu esse reconhecimento. O senhor, por exemplo, que foi
formado pelo Lehrerseminar?
Fuchs: Não, a gente, eu consegui provisoriamente no Ministério da Educação. Eu fui da
primeira turma de professores do Sinodal. E trabalhei com registro provisório. Depois eu fiz
um exame de Português para lecionar Português, por exemplo, e História e Geografia no
Sinodal, o que eu queria. Eu pedi então um exame de suficiência que a faculdade de Filosofia
de Porto Alegre ainda hoje tem para quem precisa de um comprovante de conhecimento
suficiente em uma matéria. E eu fiz o exame de suficiência em Português, Historia e Geografia
em POA, na UFRGS, na faculdade de Filosofia. Fui aprovado em Português e Historia e não
fui aprovado em Geografia. Porque realmente eu era, eu não sei porque eu,.. porque eu queria
geografia. Eu gostava de geografia, mas eu não tinha preparo para me defender no concurso lá.
Esse é o meu reconhecimento. O exame de suficiência na Faculdade de Filosofia em Porto
Alegre. O reconhecimento oficial que eu tenho é esse. E depois com esse comprovante de ter
esse exame, o Ministério da Educação então mudou meu registro para registro definitivo. Eu
tenho dois registros: provisório inicial e depois um definitivo, depois do exame de suficiência.
Mas o Lehrerseminar não tinha, ninguém tinha, nós não éramos reconhecidos como
normalistas, que nos éramos. Todos eles não eram reconhecidos como normalistas. Isso nos
incomodava. Era o que incomodava o Uli Sperb, quando falou do reconhecimento do curso de
Teologia. Aqui a mesma coisa. Nós não éramos normalistas. O Sínodo tinha, mantinha a
Fundação Evangélica. Os pais de Hamburgo Velho, de Novo Hamburgo. Sempre, de novo, um
outro membro se lembrava: vamos fazer uma escola Normal, fiscaliza pelo Estado, na
Fundação Evangélica. Ah, não! A Fundação tinha direção própria, não permitiu isto. Nem a
direção da Igreja também. Isto foi no tempo do velho pastor-presidente Dietschi, Teófilo
Dietschi. Não quiseram oficializar o curso. Fazer um curso normal oficializado na Fundação
Evangélica, como todos os colégios de freiras fizeram. Todas elas eram oficializadas pelo
estado. Isto na Fundação Evangélica se negou, porque os formandos da Fundação Evangélica
não estavam a disposição da Igreja para prover uma vaga, digamos. As formandas estavam à
disposição do Estado, para a Rede Estadual. Mas Igreja tinha a sua própria Rede de
estabelecimentos, e estes candidatos fugiriam, então, para a Rede Estadual. Esta foi a
argumentação, o motivo da negação de fazer o curso da Fundação Evangélica um curso
oficializado pelo Estado. E no Lehrerseminar foi a mesma coisa. Nos fizemos a nossa, nos
diziam também, os professores formados pelo Lehrerseminar, pelo antigo Lehrerseminar, da
formação própria, o estado pode dispor deles, então a gente paga, e sofre, e custeia a formação
Entrevista com Willy Fuchs
105
de gente, da qual depois o estado faz uso. Isto não dá! Ninguém nunca, aliás não era discutido,
mas nós sofríamos isto na carne, nós formados sofríamos isto na carne, quando não éramos
reconhecidos oficialmente como normalistas. Isto eu discuti, eu depois examinei bem com o
Naumann. E disse ao prof. Naumann - ali o Naumann foi um grande, o grande valor do prof.
Naumann nesse momento foi que ele entendeu isto. Sabe, ele entendeu isto que era um curso
que tinha que ser superado, que tinha de ser mastigado bastante. Eu disse ao Naumann, nos
tínhamos esta orientação que se nos não formos capazes de incutir na nova formação de
professores uma orientação dos formados, de que se sintam atraídos para o trabalho nas
próprias escolas evangélicas. Se nós não formos capazes de incutir esta formação entre os
alunos da nova formação de professores evangélicos, então a gente nem precisa mais abrir uma
escola própria de professores evangélicos, uma formação própria de professores evanlicos. E
o prof. Naumann também disse naquela ocasião: Não, isto não deve acontecer, que a gente não
forneça uma tal formação. Então eu fui falar com o Pastor Dohms,disse pra ele, nós vamos
reconhecer pelo estado, a pergunta que o Dohms então fez: Senhor Fuchs, o senhor então sabe,
já que faz a colocação dos professores, que o senhor não é mais dono, digamos, desta turma de
formados. Digo, eu sei perfeitamente. Mas se nós não formos conseguir que a escola Normal, a
formação de professores não for capaz de incutir, de levar os formados, para uma de se
considerarem professores evangélicos, então nós nem precisamos começar a formação de
professores evangélicos, a formação própria de professores. Então o Dohms me deu, disse:
“Olha Fuchs, se vocês pensam assim, então mandem, peçam a fiscalização do Estado”.
Silvio: E assim aconteceu.
Fuchs: Assim aconteceu. A Fundação Evangélica tinha curso normal também, oficializou
também depois da nova formação de professores evangélicos. Também a Fundação Evangélica
teve depois a fiscalização do Estado..
Silvio: Eu ainda queria voltar um pouco naquele assunto que no início também falei. Parece
que o senhor não lembra muito. Daquele pedido do Vale do Taquari. Da Faculdade de
Filosofia, daqueles anos.
Fuchs: Eu tenho pouco. Não era mais do meu tempo.
Silvio: Mas o Senhor estava no Conselho Sinodal de Educação naquele tempo.
Fuchs: Ah bom, isto sim.
Silvio. E ai entrou um pedido, do professor ou reverendo Simon, que teria vindo em uma
reunião do próprio Conselho Sinodal. se constitui então uma comissão, que o senhor, o
professor Naumann, acho que o prof. Telmo Muller, integraram. E que então a resposta foi que
a Igreja deveria apoiar, isto que tinha sido falado em 1957, apoiar aquelas boas faculdades e
apoiar as casas de estudantes que surgiam naquela época, ao invés de fazer uma faculdade. A
Faculdade, ela teria sentido se fosse feita uma faculdade evangélica ecumênica ou alguma
coisa assim. O que o senhor lembra disso?
Fuchs: Sim isto foi, eu me lembro vagamente, em vez de fazer uma formação própria, de
uma faculdade, de apoiar estudantes evangélicos na formação em outras faculdades.
Silvio: Inclusive surgiu um pouco antes um tal de Centro Universitário Evangélico, que era
pra reunir os professores e alunos evangélicos pra apoiá-los quando vinham estudar.
Entrevista com Willy Fuchs
106
Fuchs: Tenho nesses projetos, nessas... Eu acompanhei tudo isso. O que foi resolvido
naquela oportunidade, eu tive conhecimento e aprovei também. Agora eu tive menos, não tive
tanta participação nisso. Eu tenho lembrança, agora que o senhor mencionou isto. Ali eu tenho,
eu me lembro, no trabalho da comissão na qual o Pastor Sanger era voz muito influente. Nessa
comissão surgiu também essa idéia de, em vez de fazer, de custear uma faculdade própria,
difícil, então convinha apoiar estudantes evangélicos em estabelecimentos de gabarito. Através
de uma casa de estudante em Porto Alegre, por exemplo. Aliás, uma política feita muito antes,
no tempo do Pró-Seminário, quando os formados do Pró-Seminário, do Pré-Teológico, que
não foram fazer o estudo de teologia, que então ingressaram, de uma maneira ou outra, no
curso superior de Porto Alegre. Assim, por exemplo, existe um cientista, Harald Schultz, ele
foi ex-aluno do Pró-Seminário. Ele foi um legitimo ex-aluno do Pró-Seminário, que depois fez
a sua formação na Universidade de Porto Alegre. Esses estudantes foram apoiados, não sei
com verba de quem. Havia até uma casa especial em Porto Alegre que recolhia estes
estudantes, sabe. Havia o Harald Schlutz, o Max Homrich, Maximiliano Homrich, havia o Dr.
Ingbert Schmiedt, que foi médico lá em Não-Me-Toque, depois.
Silvio: eu conheço o Dr. Ingbert.
Fuchs: É?! Conhece. Ele fez a medicina em Porto Alegre, pra ele poder se manter em Porto
Alegre, houve então uma casa de estudante da nossa, não era bem da Igreja. Parece que era o
Consulado que fazia isto. O dedo do Consulado está no meio disto também. Havia até um
Jugendwart Kraus. Havia até um diretor de estudantes, que acompanhava estes estudantes.
Alguém que veio da Alemanha especialmente para isto. Jugendwart que cuidava da juventude,
de jovens. Jugendwart Kraus. Esse eu visitei em 1960, quando estive na Alemanha.
Silvio: Outra pergunta ainda. E com essa a gente pode encerrar hoje. Certamente o senhor
também está cansado.
Fuchs: A gente com o tempo cansa um pouco.
Silvio: É, eu imagino. Uma última coisa, então ainda. A gente olha nas atas, hoje, e verifica o
quanto nos anos 50, 60, o Sínodo Riograndense era influente no estado. O governador,
secretário de estado, elas se faziam presentes em Concílios e, enfim, nos eventos importantes
da Igreja. Eu fico pensando, eu não tenho tanto material ainda. Nos anos 70, quando então a
IECLB começou a tomar mais corpo, parece-me que esta influência da Igreja foi menor.
Fuchs: Ela foi considerada prejudicial, a ponto de a Federação Luterana Mundial ter
cancelado a 5ª Assembléia prevista para Porto Alegre, porque a Igreja daqui convidou o
Presidente Médici para participar da abertura, deste concílio. E isto a Federação Luterana
Mundial refutou. Mas ali havia então uma linha política, ai entrou uma ideologia política que
se misturou em coisas da igreja, também aqui havia pastores que acusaram a direção da igreja
em muitas iniciativas. Por exemplo, aqui na faculdade de teologia, houve um jubileu de 25
anos da faculdade de teologia, isso foi bem, teve uma elaboração completa, ampla de
comemoração. Inclusive numa sessão solene, isso foi na década de 70, quando então havia
sido convidado o prefeito, o juiz, o comandante da guarnição, às vezes até o delegado de
polícia, as autoridades, sabe. Isto era praxe. Pra aquela reunião, a UNISINOS também havia
sido convidada, a Igreja Missúri. Naquela época era pública a oposição de grupos dentro da
Igreja contra tal procedimento, tais presenças, nas instituições da Igreja.. Então aquela noitada
aconteceu sem a presença de representantes oficiais. Nenhum representante oficial apareceu
naquela solenidade, em vista de oposição de certas alas dentro da Igreja contra as autoridades.
Entrevista com Willy Fuchs
107
Aquela ideologia política. Desde aquele momento não se convidou mais os representantes de
instituição oficial.
Silvio: Isto foi em 71, depois daquela solenidade na Faculdade de Teologia. Se os Sínodos
tivessem continuado, pelas iniciativas que ele tinha, talvez a gente teria chegado no ensino
superior como um processo natural, como aconteceu do primário para o secundário. Depois,
talvez, pro ensino superior. Com a IECLB, a Igreja parece que passou a ter que atender muitas
diferenças regionais e acabou esquecendo um pouco aquilo que era a sua própria tradição
histórica.
FUCHS: Aqui no Sul. Não era tradição em outras áreas.
Silvio. No sul, e talvez tivéssemos mais cedo cursos superiores ou alguma coisa assim.
Fuchs: Eu sou testemunha disso. O Conselho Diretor, a maior parte dos membros de outras
áreas, de outras regiões, não compreenderam, não sentiram o que nós do Rio Grande do Sul
sentíamos, nestas situações. Isso é um fato.
Entrevista com Hans Günther Naumann
108
Anexo 2
Entrevista com prof. Hans Günther Naumann
Concedida em 29 de junho de 2004, em Ivoti, a Silvio Iung.
Sílvio: Bem, quem sabe antes eu explico um pouco o que eu estou fazendo. Isso surgiu quase que
por um acaso, aqui numa conversa num seminário que a gente teve sobre ensino superior. Ai eu
coletei algumas informações até trouxe aqui, quem sabe depois o senhor possa dar uma olhada para
recordar algumas coisas. A História, um pouco, do Conselho Sinodal de Educação do qual o senhor
fez parte e algumas discussões que houve no final dos anos 50 e inicio dos anos 60, sobre a criação
de faculdade de Filosofia dentro da Igreja.
Naumann: Claro, questão controvertida.
Sílvio: Isto. Houve três pareceres neste histórico. Uma em 57 numa comissão que eu acho que o
senhor fez parte, mas ela não tem assinatura e depois outras duas, essas o senhor integrou. Uma em
65, em que a comunidade de Estrela encaminha um pedido ao Conselho Sinodal de Educação se ele
poderia apoiar a criação de faculdade, de uma faculdade lá no Alto Taquari e depois em 67 de novo.
Naumann: 67?
Sílvio: Em 67, e tem um terceiro parecer que eu fui descobrir agora pouco tempo. Ele é um
pedido da Igreja diretamente, se a IECLB deveria se envolver na criação de uma Faculdade de
Filosofia. Eu tenho cópia desse parecer aqui. E interessante é que a referência é sempre em relação
aos anteriores, referendando os pareceres anteriores a partir daquele primeiro estudo de 57, num
pedido do Concílio. Então o que eu estou fazendo. Estou tentando resgatar um pouco o histórico
das discussões sobre ensino superior, pra chegar evidentemente onde nós estamos hoje. Depois, na
criação dos cursos, e quero passar evidentemente por algumas iniciativas como o ISCET e o IFPLA
que foram não iniciativas da Igreja, mas que pra sim são sintomáticas encima das decisões que a
Igreja tinha tomado através das decisões do Conselho Sinodal de não ingresso no ensino superior.
Essa é a minha pesquisa, o levantamento de informações.
Naumann: Eu não me lembro. Em 57 eu fiz parte disso e teve várias reuniões e isso a gente
estudou a fundo. Mas em 65, a situação já era um pouco diferente e eu me lembro de uma de 67.
Sílvio: Podemos olhar depois. Quem sabe a gente começa o que o senhor lembra?
Naumann: Do primeiro.
Sílvio: É.
Naumann: Bom, eu sei que o presidente da comissão foi o Saenger.
Silvio: Sim. Ele assina.
Naumann: Fazia parte provavelmente o Fuchs como Diretor do Departamento de Educação. Eu
fiz parte....
Sílvio: Ele não é assina. Assinado é pelo Pastor Saenger, só.
Naumann: Mas é. Deve aparecer nas atas do Concílio ou então da diretoria sinodal.
Entrevista com Hans Günther Naumann
109
Sílvio: Pois é a referência é o Concílio de Ijuí, que nomeia uma comissão. Eu procurei nos anais
da IECLB e não consegui falar ainda com o pastor Hasenack. Mas afora isso não houve um
Concílio de Ijuí, em 56, do Sínodo Riograndense. Pelo menos não indicativo. Talvez, sei lá, o
Concílio que houve foi antes em 46.
Naumann: Sim, sim.
Sílvio: Então, ainda tenho que costurar isso.
Naumann: E Panambi.
Sílvio: Pois é Panambi. Acho que teve um Concílio em 55 ou 56. Mas em Ijuí não houve
Concílio. Mas esse de Panambi, eu li a ata e não tem referência à constituição de uma comissão
para estudos de ensino superior. Eu ainda quero falar com o pastor Hasenack para ver se algum
documento,sei algum original. O que eu tenho é o relatório publicado do Concílio que esta na
biblioteca da EST. Então eu quero ver se ali tem algum material. É bem possível que tenha isso.
Naumann: Bom nessa comissão se discutiu muito. Foi justamente em 57.
Sílvio: Não, em inicio de 57 saiu. Em fevereiro de 57 saiu.
Naumann: Bom, ai tem que se ver o contexto que havia na época. Estava num lugar que reiniciou
a formação dos professores, na antiga escola normal, no antigo Leherseminar. Ele estava depois de
muita dificuldade conseguimos a oficialização, em 1954. A primeira tentativa falhou. O prédio não
era suficiente. Na verdade havia escolas normais regionais com prédios muito menos adequados.
Por exemplo, aqui em Ivoti dez anos depois, aquilo foi uma, um estábulo, salas de aulas menores
que essas aqui, que davam para escolas públicas, normal regional....Mas nós não reconhecemos,
realmente estava tudo mal mobiliado. Éramos uma escola pobre. Acho que não havia nenhuma
escola da rede que tinha prédios tão modestos, tão mal cuidados. Nós não tínhamos recursos para
melhorar. Fazíamos quase tudo mesmo, os próprios alunos colaboravam. Este é o contexto. Não
havia recursos. Faltava um prédio para a Escola de Teologia, a theologische Hochschule, se
chamava escola superior... modestamente se chamava escola de teologia. Isso também é uma
História longa. Eu tenho a minha explicação. Afinal na Alemanha havia......Bom mais , isto é outra
conversa. Mas faltava isso. Um pouco antes o Dohms tinha falecido, em 56, e a pau e corda tinham
feito um novo prédio, no mato, mas isso não era suficiente e se viu que “não nós temos que
formar, construir uma Escola de Teologia”. Mas nós temos que formar uma escola Normal, porque
aqui estava quebrando, o prédio. Tínhamos uns 70, 80 alunos naquela época. E tudo tinha que se
expandir. Além disso era um local muito inadequado para internato. Passava caminhões, fazia
barulho, era um terror. Não havia espaço absolutamente para fazer esporte, estas coisas todas. E ai
veio esse pedido acho que do Concílio.
Sílvio: A referência é do Concílio.
Naumann: Preponderância seria a formação de pastores. Tinham que ser substituídos aos poucos,
a maioria dos pastores é que eram alemães. Professores para as escolas da rede. Muitas escolas
privadas. Tinha que pagar os professores. Isso era tarefa da Escola Normal Evangélica e para o
ginásio da época, ensino médio. Também faltavam. Tanto que muitos egressos da escola normal
que tinha o grau ginasial, hoje oitava série, quando saiam, nona rie. Eram aproveitados como
professores nos ginásios e alguns logo se tornaram diretores. Tamanha era a falta de lideranças nas
nossas escolas. Tudo isso contribuiu para a fundação desse Parecer. Revendo ele hoje, vejo isso, ele
está bem.
Entrevista com Hans Günther Naumann
110
Sílvio: Uma das coisas que fica bem claro para mim é a preocupação de fazer bem feito. Isso o
pastor Saenger tinha
Naumann: Exatamente.
Sílvio: Isso o pastor Saenger em algumas atas que tem ai, que são adicionais ao próprio parecer,
em algum lugar eu vi isso, em que diz que é bem isso. se justificava criar uma faculdade, se ela
fosse de qualidade, porque se fosse apenas para fazer não teria sentido. Isso ele já trazia da UFRGS.
Ele era professor da PUC ou da UGFRS?
Naumann: Da UFRGS.
Sílvio: Pois é, isso ele trazia de lá. E ai vem outra manifestação em algum lugar da intenção de
colaborar com o Estado na formação profissional. E que a Igreja então poderia fazer uma formação
quase paralela, aos moldes da Academia Evangélica daquela época, em que trazendo os alunos para
uma Casa do Estudante, lá pudesse fazer uma formação. É o que diz ali.
Naumann: Exatamente. Diz aqui: Casa de Estudante Evangélica e aberta a outras denominações
evangélicas (...) Católicas se excluía na época. Sim, isso foi importante, pois em parte contribui
para que aquele movimento em torno da casa do Estudante Evangélica. Que foi uma iniciativa dos
ex-alunos do Colégio Sinodal onde deles era líder o Twiskon Dick, que mais tarde foi reitor da
UFRGS.
Sílvio: Ele foi diretor de relações internacionais na CAPES no governo anterior. Quando o Baeta
Neves era diretor da Capes ele era diretor de relações internacionais.... No Governo Fernando
Henrique, no mandato do ministro Paulo Renato.
Naumann: E hoje tem alguma função. Ele viaja bastante. Bom isso eu falei. Casa do Estudante
não saiu assim como a gente tinha imaginado.
Sílvio; Pois é, ai fala. Ali se falava no Centro Evangélico Universitário.
Naumann: É Centro Evangélico Universitário.
Silvio: Isto foi depois da Casa do Estudante, não foi?
Naumann: Sim. E junto a esse Centro Universitário achamos que deveria se procurar constituir,
organizar o um curso superior não reconhecido, não havia lugar na legislação pertinente, de
formação de professores de religião. Essa sim, seria uma tarefa da Igreja. Então, a gente procurava
ficar na realidade, por isso. E bom em 1965, teria sido o segundo parecer. estávamos em plena
campanha de construção aqui da ENE. Também não ia para frente. E até hoje não teria sido
construído, apesar de todos os esforços. Por que durante anos eu viajava pelas comunidades,
sozinho. O pessoal estava cansado de ajudar na escola de teologia. Havia em algumas regiões,
algumas pessoas acompanhavam. Sozinho, eu fazia palestras. E realmente teve o seu jeito mas...
porque veio depois o auxilio da Alemanha. E isto foi decisivo. E depôs a manutenção dessa história
aqui. Também foi difícil. O estado naquela época e muito menos a federação, o governo federal,
não apoiavam financeiramente o Ensino Superior. Apoiava o ensino, a formação de professores da
Escola Normal Evangélica, durante 7, 8 anos. Tinha um convênio com o Estado que nos dava
recursos para 120 alunos internos. Se não tivesse os recursos, nada tinha. Isto foi uma luta de vários
anos e foi o que se conseguiu.
Sílvio: Eu estou tentando localizar aqui. Justamente esse pedido de Estrela. Aqui está a carta em
que o pessoal de Estrela...
Naumann: Do Dr. Ito Snel?
Entrevista com Hans Günther Naumann
111
Sílvio: Isso, esse mesmo. Olha aqui: De acordo com as resoluções da ultimas reunião do
Conselho Sinodal de Educação passa a responder os três quesitos apresentados:
1. incentivar o suprimento de docentes evangélicos para o estabelecimento de todos os graus:
Oficial e particular, ainda que haja inflação de cursos normais no Estado de maneira geral esse setor
ainda comporta estabelecimentos evangélicos. Hoje a criação de uma faculdade evangélica de
Filosofia. Os temas surgirão como conseqüências dos assuntos tratados. Então, essa é a questão. E
em algum lugar está esse parecer.Que sai dessa... Deixa eu ver aqui... Eu sei que em algum lugar
fala de SIMOM. Deve ser o Pastor Simon. É o Alfredo SIMON. Não sei se ele atuou lá em Estrela?
Naumann: Casualmente abri aqui. Parecer do Conselho Sinodal de Educação sobre a presença da
Igreja no ensino Superior.
Sílvio: É, eu acho que é este ai. De que data é este?
Naumann: 1967
Sílvio:Este é o último né? É o que eu referi. Tem um intermediário que se refere então a este de
Estrela. É o de Estrela. Mas este é o último parecer. Que é aquele .
Naumann: Eles estão em ordem cronológica,sim, 1966 Tá aqui.
Sílvio: Encontrei. É uma ata de 1965, eu acho. Que é a ata número 6 do CSE de 24/11/64. Então
aqui o que diz: “Pastor Schneider abriu os trabalhos...
Naumann: Aqui, está o parecer..
Sívio: Pastor Simon, diretor da Escola Normal Martin Luther de Estrela prestasse esclarecimento
sobre a criação de uma faculdade de Filosofia por parte do Sínodo Riograndense, em Estrela. Já que
o diretor Simon procurara o presidente Schneider para orientar o assunto. O diretor Simon, fazendo
uso da palavra, expôs o que se havia feito no Alto Taquari a respeito do assunto. O mesmo leu
parte da ata da reunião levada a efeito em Estrela em que abordava a criação de uma faculdade
Evangélica de Filosofia pelas Sociedades Educacionais que mantém estabelecimentos evanlicos
no Alto Taquari. Terminada a exposição, o diretor Simon ficou a disposição dos presentes para
perguntas. Então começa aqui, oh.
Pastor Schneider disse que a comissão mande subsídios ao Conselho. O diretor Simon sugere que
o conselho indique um ou dois membros para integrar a comissão. O Conselheiro Muller insiste na
necessidade de haver um expediente por parte da comissão para que o conselho se manifeste. O
diretor Simon quer saber se o conselho “em tese” aprova o projeto para que a comissão possa
continuar o seu trabalho. O Conselheiro Naumann pede que se procure o parecer elaborado em
1957 sobre o mesmo assunto, de parte do Centro de Diretores. É de parecer ainda que a comissão
não pode tomar posição ante o problema mesmo em tese. O conselheiro Schmelling sugere que se
leia o parecer de 1957.O conselheiro Dietschi diz que o conselho deve estudar o que a comissão
elaborou... Enfim ai vem uma seqüência. Mas aqui diz: o presidente Schneider pede que o
conselheiro Keller leia o parecer de 1957, de 12/02/1957. Então, quer dizer, quando este pessoal de
Estrela apareceu o que houve foi que se remeteu a esse Parecer, que me parece que o senhor
localizou ai.
Naumann: Sim, eu estou vendo, ai, que folheando rapidamente ele repete.
Sílvio: O que acaba acontecendo nos outros dois é sempre a referência com este parecer de 1957.
Entrevista com Hans Günther Naumann
112
Naumann: Por exemplo, aqui diz que o Sínodo não pode manter uma rede de faculdades de
Filosofia, como faz a Igreja romana, a faculdade única estaria fatalmente condenada a adquirir um
caráter regional. Exceção feita se sua localização fosse à capital do Estado.
Naumann: Ah! Isso foi o Simon de Estrela. Não o Pastor. Esse foi esse o Ado, Ado, nosso
deputado! Gustavo Adolfo, depois ele desapareceu. A ele era mais advogado do que professor. Isso
era muito bairrismo, sabe ? Estrela, olha Estrela. Ta gravando?
Silvio: Sim
Naumann: Então eu não vou dizer. Tem que ler depois no livro do Altmann, tem que ler depois.
Isso foi em 54, 55, 56 ou 59 eu não sei agora. Quando se discutiu eventualmente a transferência da
Escola Normal Evangélica para Ivoti. Que se fosse incluída, integrada a Escola Normal Martin
Luther. Naquele prédio que tinha sido construído antes, eles tinham muita dificuldade de encher
esse prédio de alunos/alunas.
Sílvio: Em Estrela?
Naumann: Sim, apesar de ter todo esse internato, em uma das regiões mais fortemente
evangélicas do nosso estado. È ai uma comissão foi para Estrela estudar este assunto e aquilo
terminou de uma forma muito dramática. Isto está relatado no livro do ALTMANN...
Sílvio: Quando foi isso?
Naumann: Pois é.
Sílvio: Quem foi isto, quem levou?
Naumann: O presidente do curatório. Não é segredo. Eu posso falar disto. O Dr. ITO SNELL era
um camarada muito impulsivo e tínhamos a nítida impressão de que aquilo foi uma coisa mais ou
menos combinada.
Sílvio: E a origem disto? Era algo assim, “nós queremos aparecer mais”.
Naumann: Não, eu acho que eles queriam salvar o colégio Martin Luther. Eles não sabiam o que
fazer com esta escola. Isso vinha de um déficit para outro.
Sílvio: Quer dizer, ai a motivação não foi maior. Talvez foi realmente muito...
Naumann: Sim... o prédio existia e não sei com que recurso foi construído. Eu não me lembro. O
ITO SNELL, o médico, era uma pessoa muito dinâmica. Ele conseguiu realizar seus objetivos
que a parte pedagógica, a preocupação pelo trabalho pedagógico sério, essa nos parecia que não
havia lá, já desde o início.
Sílvio: Estrela já tinha o ginásio na época. Ao lado da escola normal.
Naumann: Tinha o ginásio e a escola normal era do grau, do ciclo. Era a continuação do
ginásio. O ginásio também estava lutando, perdia sempre contra a estrutura pedagógica muito mais
eficiente do Alberto Torres.
Sílvio: Sim.
Naumann: Porque ali tinha uma pessoa como o Altmann. Tinha professor, ele consegui formar
corpo docente.
Sílvio: O professor Altmann não estava no meio desse processo, ele não estava no Conselho
Sinodal, não havia, não dava para perceber algum tipo de vaidade ou dificuldades regionais ali.
Entrevista com Hans Günther Naumann
113
Naumann: Não. Não sei porque ele não estava nesse conselho. Não me recordo.
Sílvio: Por que ele esteve durante algum tempo no Conselho Sinodal?
Naumann: Não, o Altmann não.
Sílvio: Tudo bem. Eu acho que consigo entender de fato esse caso de 64, 65 de Estrela. Talvez
tenha sido muito mais uma motivação regional. Mas em 67, este outro parecer, de novo.
Naumann: Sim, isso veio de veio de Curitiba ou São Paulo.
Sílvio: Sim. Não diz da onde vem.
Naumann: Do Conselho do IECLB
Sílvio: Por que o Conselho do IECLB funcionava meio paralelamente na época. O professor
Fuchs me disse que o serviço começava a aumentar muito no Conselho da IECLB naquele
período. E cada vez mais e nas atas também consta isto. E cada vez mais coisas caiam na mesa do
que viria a ser a IECLB.
Naumann: A Federação Sinodal? Sim.
Sílvio: Então eu acho que esse pedido vem daí. Mas ali tem uma referência interessante.
Naumann: O Conselho da IECLB. Isso também é interessante porque disse que a IECLB iniciou
em 1968. Isso não é verdade. Eu participei do 1° Conselho Geral da Federação Sinodal que
aconteceu em 1950. Eu era um dos delegados e ai dizia Federação Sinodal quer ser IECLB, se
discutiu muito em torno da confissão luterana, se era confissão ou de confissão luterana.
Sílvio: Pois é, mas ai vem de novo, já que estamos fazendo algumas pontes.
Naumann: Só que era realmente uma federação de sínodos.
Sílvio: Sim.
Naumann: Mas, o nome era Federação Sinodal, entre parênteses IECLB.
Sílvio: Mas eu quero dizer que aquela referência feita ali ao Concilio de 56, em Ijuí. Ali não
poderia ter alguma coisa relacionada à IECLB? Aquilo... acho que era só Sínodo Riograndense.
Naumann: Deve ser só Sínodo...
Sílvio: Pois é, mas vem a questão: esse pedido de 1967. Esse parecer do Conselho Sinodal.
Interessante, porque isso cai na mesa do Conselho Sinodal se é pedido da IECLB. Porque o
Conselho Sinodal era só do RS, do Sínodo Riograndense.
Naumann: A escola Normal Evangélica pertencia do sínodo Riograndense, mas desde o início
nós nos consideramos também zuständig, responsáveis, pelo envio de professores para outras
Igrejas, se elas quisessem. E recebíamos também alunos de SC, por exemplo. Um ou outro do
Paraná, também. Quer dizer, o Sínodo sempre tinha essa abertura, o nosso Sínodo. Essa abertura
para com as outras Igrejas. A mesma coisa o Conselho Sinodal. Não havia outros conselhos
Sinodais, nos outros sínodos. Então era o único órgão que refletia especificamente sobre assuntos
de educação.
Sílvio: Por que o parecer de 67 faz referência a uma coisa que eu descobri nesse meio tempo. Em
1960 houve um congresso das Universidades Católicas e elas na época dizem ou recomendam à
Igreja a não criação de novas instituições por conta da falta de professores, os católicos. E ali no
final em algum momento, assim de passagem, de que não seria conveniente a Igreja Evangélica
Entrevista com Hans Günther Naumann
114
investir no ensino superior, porque a Igreja Romana estava diminuindo ou não recomendando ou
tinha dificuldade com professores. E ali havia outro elemento. Isto talvez o senhor também possa
esclarecer um pouco. No tempo todo sempre parece que um cuidado em relação a não parecer
que a própria Igreja Evangélica tomasse um protagonismo no cenário nacional. Ali sempre se fala:
que se for uma iniciativa, seria importante que ela fosse de cunho ecumênico e tal, que só isso
justificasse. Isso tem algum cunho político ou isso realmente é falta de força?
Naumann: Na minha opinião, isso não seria ausência de coragem, para fazer alguma coisa
somente confessional e sim uma certa abertura ecumênica e também a preocupação de que nós não
tínhamos força para manter uma universidade, com os nossos próprios recursos, com os recursos
limitados que tínhamos. Uma, já havia, a Mackenzie, e uma metodista, também.
Sílvio: Evangélica, a única que existia, era a Mackenzie de 1952. Depois, em 1973, é criada a
Unimep, em Piracicaba. Isso significa que os metodistas nos anos 60 trabalhavam no Ensino
Superior para estruturar, preparar. Eu não conheço direito esta história
Naumann: Eu também não conheço a força deles. Mas os metodistas desde o início, da história
nos EUA e da Inglaterra também, se preocupavam muita com a fundação de ginásios, não tanto
com o ensino primário. Ao passo que nossa história é diferente. Nós estávamos vinculados às
comunidades rurais e tínhamos que cuidar dessas escolas.
Sílvio: Os batistas foram um pouco assim. Nesses dias conversei com um batista que disse que as
missões americanas tiveram o cuidado de criar uma escola em cada capital de estado brasileiro. È
outra idéia que acompanha a Igreja de missão. Acho que tem esse elemento também.
Naumann: Pois é. Então nessas comissões sempre estava presente a preocupação pela formação
de professores de Ensino Religioso. Isso já aparece no primeiro parecer e pra mim isso não
funcionou. Isso foi uma mola propulsora na nossa campanha para construção de Ivoti. Formação de
professores catequistas... podemos iniciar quando tiver mais espaço e isso tem que ser feito em
nível de grau. Normal 2º grau. Isso pode iniciar aqui. Houve alguns cursos de férias e
quando a primeira turma se formou, esses profissionais tiveram apenas qualificação legal para
serem professores de a série, mas precisávamos muito de professores, foi dito no primeiro
parecer aqui, para... Ocorreu o seguinte, eu sempre quis ver isto numa ata. Isso foi em 68. Eu
fazia parte da diretoria do Sínodo, veio o pedido do Conselho Sinodal de que a Igreja deveria
indicar um pastor que fosse professor de religião no Colégio Sinodal. Eles tinham antes um Pastor
Goetz, que depois veio para Ivoti especificamente... O curso de catequista. Então eles tinham mais
outro pastor e um outro pastor que dava religião. Ele saiu e então eles não tinham alguém para
dar religião. Então o Colégio Sinodal, diante da impossibilidade da diretoria do Sínodo indicar um
professor, eles contrataram um pastor Missúri e aquilo foi uma vergonha. Caiu na diretoria do
Sínodo. É um sinal que nós temos que começar a formação da turma de catequistas formados na
escola normal. Vamos dar mais um passo. Retomando esta proposta do parecer. Vamos criar
um curso de nível superior para formação de professores de religião.... É, vamos fazer isso. E
vamos formar não só especialistas em religião e sim professores de qualquer disciplina, Matemática
ou História. Seria muito bom se fosse também de Ciências naturais: História, Português, Inglês e
teologia. Seriam professores bivalentes.
Sílvio: e daí surgiu a ISCET.
Naumann: Eu fui encarregado de formar a comissão de elaborar o currículo. Participou desta
comissão o Brackemeyer. Ele recém tinha voltado da Alemanha, com doutorado. Ele participou
desta comissão. E voltou da Alemanha o Kirst, doutor em Teologia, ele era docente de Antigo
Entrevista com Hans Günther Naumann
115
Testamento na Faculdade de Teologia, ele foi indicado diretor do CSET. Esses estudantes fariam
algumas disciplinas, algum curso de licenciatura na Unisinos ou na Feevale e simultaneamente um
currículo de 10 aulas semanais que funcionava nos prédios da antiga escola normal.
Sílvio: Isso começou em 1969?
Naumann: 69, os primeiros foram o Danilo Streck e Valburga Streck e o René Gertz..
Sílvio: Que durou até 1983, durou 14 anos.
Naumann: Sim, depois mudou de nome, porque aquilo também não deslanchava: o Martin
Volkmann foi diretor.
Sílvio: Mas veja. No fundo este é o mesmo modelo que o IFPLA. Praticamente é o mesmo
modelo. Cerca de 10 horas por semana de formação de professor e o resto é da Universidade.
Naumann: Aí já pode ver onde nasceu isso...
Sílvio: Mas esses são dois modelos de ensino que foi de maneira indireta ingresso no ensino
Superior. Mas por que isso? Isso é uma coisa que me intriga, porque a Igreja achava de fato que não
tinha condições ou porque ela ?... porque isso era. Essa sua idéia foi o quê? Um atalho porque o
contexto não permitia? Foi uma decisão absolutamente consciente porque não se queria oferecer.
Como é que o Senhor vê?
Naumann: Vários pontos. O primeiro seria esse de que não tínhamos nenhuma Universidade, com
curso superior em licenciatura. poderia funcionar numa universidade. Nós não tínhamos
Universidade.
Sílvio: A licenciatura só podia funcionar dentro da universidade na época?
Naumann: Sim, até hoje um pouco, em faculdades. Em escolas superiores. Não havia. Esse é o 1°
ponto. O 2°: nós não queríamos professores univalentes e sim bivalentes, o que eu até hoje acho
certo. Na escola, o poder docente é o professor, não é o médico, nem o psicólogo. Nem o Teólogo
somente. Tem que ser o professor formado em X disciplina, “séria”, entre aspas, e com Teologia,
com uma formação teológica, mas principalmente pedagogo. Isso nós víamos que não funcionava
com o professor-pastor. Além disso, o pastor sempre se acha que é teólogo e que é pastor. Ele
professa a fé evangélica por incumbência de um cargo que ele exerce, é Pastor. Do professor não se
espera isso. O aluno, digamos. Se o professor é o que professa a e ensina, ele é levado muito
mais a sério pelo aluno.
Sílvio: Sem dúvida, ele não faz isso como decorrência ou como conseqüência da roupa que ele
trás, mas de uma opção dele.
Naumann: Uma opção, ele pode deixar a qualquer hora de ser professor. Ele continua professor,
somente. Eu fiz uma palestra sobre esse assunto no Conselho.
Sílvio: Deixa eu tentar dizer uma coisa. Bom nos anos 50, a preocupação era mesmo com a
faculdade de Teologia, com a estruturação. Nos anos 60 foi com Ivoti, com a estruturação, com a
formação de professores. Fomos em busca da solução melhor do nosso problema teológico da
formação de pastores. Vamos em busca da formação de professores da educação básica,
fundamental. Tudo bem que nos anos 70, final dos anos 60, se achou essa alternativa do ISCET e
do IFPLA, mas em relação ao que se movimentou antes, o que se fez na década de 70, talvez tenha
sido modesto na década de 80. De qualquer forma é como vejo isso hoje. E escutando o senhor falar
reforça um pouco a minha idéia.
Entrevista com Hans Günther Naumann
116
Isso tem a ver, volto a perguntar, com a estruturação da IECLB naquele período? De tal forma
que a preocupação maior esta na organização, na acomodação dos sínodos dentro da Igreja, ou seja,
as forças estão muito mais para resolver as questões internas da própria Igreja e menos daquelas
que são a relação da Igreja com o mundo. Daria para dizer isso, ou o senhor acha que isso é
simplista? O senhor entendeu?
Naumann: Não entendi bem, não.
Sílvio: Eu tenho uma suspeita. A de que a criação da IECLB foi um retrocesso, sobretudo para o
sínodo Riograndense.
Naumann: Não.
Sílvio: Pois é. É o que eu digo: é uma suspeita. Considerando o espaço que os evangélico-
luteranos tinham na década de 50, 60 e daquilo que eles movimentavam e faziam e aconteciam,
contra o que se passou a fazer na década de 70 e 80, me parece que foi um passo atrás. E essa
suspeita eu descarrego nessa idéia: de que foi importante conseguir acomodar e resolver coisas
quase de cunho administrativo dos diferentes sínodos, as diferenças do Sínodo Riograndense, com
o sínodo de SC e tal.
Naumann: Não vejo assim. Não vejo retrocesso das décadas de 70 em relação às décadas
anteriores. Pelo contrario. O que aconteceu a partir da década de 70, principalmente de 70, quase
que de forma explosiva. Quanto a isso uma ou duas frases no meu artigo. Houve quase uma
explosão de tarefas que a Igreja, de repente, passou a verificar, a ver, que antes passavam
despercebidas ou não se preocupava com isso. Isso está vinculado com a evolução social. A fuga do
campo para as cidades, a criação dos bairros, a pobreza dos bairros. A migração para as novas áreas
de concentração, o problema do índio e a necessidade da Igreja se inserir decididamente naquilo
que na época se chamava realidade brasileira, toda esta questão política, de tortura militar.
Sílvio: A Igreja foi muito “condenada”, entre aspas, tanto é que não se realizou a Assembléia da
Federação em Porto Alegre..
Naumann: Sim. Esse episódio da Assembléia da FLM, que fracassou, foi 3 semanas antes de
iniciar. Ela foi transferida rapidamente para aquela cidade vizinha do Lago de Genebra, Evian. Isso
foi uma ducha fria para a nossa Igreja. Bom isso e ai os pastores, vêem que a Igreja tem que
assumir um papel, seu papel de participante dos problemas políticos aqui também,
manifestações.”Wächteramt der Kirche”, guardiã dos problemas sociais e políticos. Não é cil
dizer isto em uma ditadura, mas alguma coisa se podia.
Silvio: Então deixa entrar num outro assunto...
Naumann: E a o abandono de uma Igreja completamente, primordialmente voltada aos
descendentes imigrantes. Isso já iniciou na década de 60.
Silvio: As pessoas comentam, o Belmiro, não sei se o Ruben já não comentou, de que justamente
naquele período da ditadura militar, não se no Médici ou com o Geisel, inicio dos anos 70, num
deles em determinado momento entre aspas “também o governo teria oferecido uma universidade a
IECLB”. Mais ou menos assim: chamando para... Eu perguntei isso para o professor FUCHS e ele
disse que não lembra, que não sabe e que é são essas conversas. Foi oferecido para A IECLB e ela
não quis e a IELB foi e pegou, mais ou menos nesses termos. O que existe nesse sentido? Houve
algum desafio que tenha sido feito pelo governo na época?
Naumann: Não sei.
Entrevista com Hans Günther Naumann
117
Silvio: O senhor já tinha ouvido falar?
Naumann: Não, nunca ouvi. Se isso for lenda sempre tem um fundo histórico. Eu acho que é
lenda. Aconteceu o seguinte, mas isso foi na década de 50 já. Quando na Associação Evangélica de
Ensino, ainda era Associação dos Seminários Evangélicos. Acho que foi essa. Foi em 54, 55 nós
decidimos: nós vamos sair de São Leopoldo e isso foi basicamente Fuchs e eu tomamos a frente
nessa historia e vamos para Ivoti. Havia alternativas: Portão, Lomba Grande, Vila Scharlau e
Estrela surgiu nessa época também e nós escolhemos Ivoti por uma serie de motivos e ai veio o
Deputado Germano Dockhorn, de Três de Maio. Um três-maiense, para um ex-tresmaiense vai ser
interessante ouvir isso. O deputado disse que era muito amigo do Getulio Vargas. Então deve ter
sido em 54.
Silvio: Em 54.
Naumann: Deve ter sido em 53. Eu sou muito amigo do Getulio e eu vou arrumar recursos para a
construção de uma Faculdade de Teologia. E ai o Schliepper que estava na presidência, o Dohms
estava na Alemanha, disse que a Faculdade de Teologia nos vamos construir com recursos da
Igreja. O que nos falta é uma escola normal. Um prédio para a escola normal. O Dockhorn disse:
bem, eu vou fazer isso. Daí vai surgir uma universidade. O Fuchs sentou e elaborou um
requerimento solicitando recursos para a construção de uma Escola Normal Evangélica em Ivoti e
entregou ao Germano Dockhorn e nunca mais se ouviu nada a respeito. Muitos anos depois surgiu a
Escola Normal Presidente Getulio Vargas, em Três de Maio. Isso nunca ficou confirmado, mas eu
acho que ele pegou este projeto e...bom, Três de Maio era reduto eleitoral dele, né? Nós achamos,
tanto o Fuchs como eu. Pena que nós não recebemos esses recursos, mas achamos que foi uma
solução boa, porque realmente Três de maio teve uma importância muito grande como
estabelecimento para a formação de professores, até 60 e poucos. Mas eles também tinham
dificuldade em conseguir professores, diretor, se não me engano o primeiro foi o Florêncio Berger,
depois foi o Donário Bencke, um tempo e a gente via que não funcionava nada bem. Tanto que até
recordo disso. Eu falei com a minha esposa. Eu acho que nós deveríamos pensar, isso aqui agora
mais ou menos, e ir lá quem sabe vamos nos transferir para lá. Eu conto isso somente para dizer que
nós apoiamos isso lá.
Silvio: Sim, eu entendo. Isso já foi na década. 50. Foi antes da morte do Getulio. E talvez quase
que o nome tenha sido como uma homenagem póstuma, de qualquer forma, e em especial por
conta dessa relação.
Naumann: Sim. Por causa dos recursos que o presidente mandava. Nós vamos construir uma
escola lá também e construíram.
Sílvio: Sim. Isto, mas na década de 70, então o Senhor não lembra de nada?
Naumann: Duvido muito.
Silvio: O interessante...
Naumann: O Fuchs já estava fora.
Silvio: Sim, mas ele era a pessoa na época responsável por todos os projetos da IECLB, pelos
contatos com a Federação Luterana Mundial, e ele disse dificilmente entraria alguma coisa desta
natureza que ele não soubesse.
Naumann: O Fuchs era Secretario Geral da Igreja, mas tinha uma comissão geral de projetos. O
presidente era o Ingo Sudhaus, uma pessoa muito tímida.
Entrevista com Hans Günther Naumann
118
Silvio: O que ele disse lá: o Fuchs. Que de fato a IECLB dava aval a IELB para o
encaminhamento de projetos e que num determinado momento, eu acho que foi na época do pastor
Kunert, então resolveram suspender esses avais, porque o Becker vinha e assina, não era nem
uma questão de encaminhamento de projeto e que isso num determinado momento não teria ficado
muito simpático. Então resolveram cancelar os apoios. Isto o professor Fuchs me disse e também
que podia ser uma lenda dos anos 60.
Naumann: E também poderia saber alguma coisa, pois a comissão de projetos estava voltada para
o exterior.
Sílvio: Sim. Uma outra coisa que o Fuchs falou é que havia no final da década de 60 um
movimento em favor da legalização perante o Ministério da Educação do curso de Teologia. Num
movimento que na época o estudante Ulrico Sperb meio que liderou e num determinado momento
houve uma audiência com o Tarso Dutra, aqui em Novo Hamburgo, da qual o próprio professor
Fuchs participou. O Tarso Dutra disse que se fizesse na Igreja como se faz na igreja católica, ou
seja, que se vá a busca de uma formação em Filosofia e de que não teria nada que a Igreja ou
Estado se preocupar com a formação de pastores e religiosos.
Naumann: Eu até hoje não entendo bem porque uma faculdade de Teologia tem que ter um curso
superior tem que ser reconhecido pelo estado num sistema de separação de Estado e Igreja. Sim,
tem as suas vantagens sem duvida nenhuma, porque a EST consegui isto. Nós sempre tivemos essa
preocupação. A não ser que fosse para dar mais segurança aos pastores.
Silvio: Esta é a questão. Foi ai que o Tarso Dutra teria dito: então façam uma faculdade de
Filosofia, quer dizer cursem, né. E ai vem de novo a pergunta: A partir disso não houve nenhum
tipo de iniciativa ou algo que levasse a criação de uma faculdade de Filosofia dentro da Igreja. Quer
dizer, a pergunta é: este parecer de 67 não poderia ter isso como motivação?
Naumann: Motivação de quê? De...
Silvio: De criar uma faculdade de Filosofia para ser a via legal de formação dos pastores, perante
o estado.
Naumann: Não sei. Eu não vejo vinculação.
Silvio: A recomendação na época do Tarso Dutra foi de que ao invés de reconhecer o Curso de
Teologia, os pastores fizessem adicionalmente ou fizessem o curso de Filosofia que era
reconhecido. Então é isso eu quero dizer: nesse parecer de 67. Por que ali a Igreja que pergunta.
Naumann: Bom isso eu não posso dizer.
Silvio: Mas o senhor não...
Naumann: Aliás, a partir da década de 70, quando começou o IFPLA, eu perdi um pouco a
vinculação ex-officio com os órgãos da Igreja. Isso a partir da criação do IFPLA.
Silvio: Essa história eu já conheço. Mas para deixar registrado.Por que se criou o IFPLA?
Naumann: Bom, havia na época uma certa, bom número de escolas da rede, 30, 35 no Maximo
que valorizavam o ensino da língua estrangeira e dentre elas, a língua, o alemão. Antes o Inglês
como primeira língua. Porque muitos alunos vinham com conhecimentos de alemão de casa, então
aproveitavam esses conhecimentos e muito rapidamente, poderiam adquirir conhecimentos mais
sólidos. Um pouco também contribuía para isso a oferta de recurso financeiro da Alemanha
Sprachbeihilfe. Tanto que na mente de alguns diretores isso era o fator decisivo. Não sei. Mas acho
que era. E não havia professores porque os cursos de germanística havia um curso na UFRGS, um
Entrevista com Hans Günther Naumann
119
na PUC e um na recém criada UNISINOS. Mas eram cursos muito fracos. Eu fiz letras anglo-
germânicas na UFRGS, aquilo foi uma coisa muito pobre no que se refere ao nível lingüístico e
muito mais como referência parte pedagógica e didática. Não havia praticamente nada. O nível
lingüístico que havia no nosso curso eram sete alunos, 4 deles eram ex-alunos do IPI. Eu era mais
velho entre eles. O segundo era o Zille, que depois foi diretor do Farroupilha e o Walter Koch. E o
quarto era o Dieter Franck, que depois se tornou medico. Havia 3 moças, das três que fizeram
Anglo- Germânicas, fizeram alemão porque tinham que fazer, estava vinculado ao Inglês. se
interessavam pelo Inglês. Eu de saída fui dispensado de freqüentar as aulas disse o professor
“Bleiblen Sie Lieber Weg. Sie lernen ja nix mehr”.
Silvio: Bleiben Sie Lieber Weg.
Naumann: E curiosamente ele não disse isso para os outros. Talvez por ser mais velho que os
outros. E também porque morava em São Leopoldo, que na época era muito distante de Porto
Alegre. Bom, então os cursos não funcionavam e se sai a ai gente com bons conhecimentos de
Alemão era porque tinham adquirido isso antes ou então paralelamente ao curso da universidade,
a mesma coisa era a UNISINOS... O Volkmann confirmava isso. O Luiz Bencke que fez o curso na
Unisinos, a mesma coisa. Não porque os professores não fossem eficientes e sim porque os
estudantes não traziam conhecimentos. Vinham zero km, praticamente. A Alemanha nos dava os
recursos e o Keller administrava as coisas. Dizia: “Nós temos que fazer alguma coisa”. E eu
hesitava, o que é que para fazer? Nós estávamos muito concentrados na formação de catequistas
e na época foi quando nos caracterizamos os jovens pastores se conscientizavam de transformar
essa igreja de imigrantes alemães numa igreja voltada a todo povo brasileiro. Era uma coisa certa.
Eu disse agora nós vamos começar a formar professores em Ivoti, que forme catequistas em 1°
lugar. Começa-se a se preocupar com a formação de professores. Então interpretar isso como um
retrocesso, essa tentativa de inserção no Brasil. Se bem que não era isto. Depende como se justifica
a coisa. Eu achava que não se deveria vincular isto. Eu discuti isso com o colega o Reusch, aqui.
Que naquela época estava aqui. Ele via isso um pouco diferente. Ele estava mais na linha do
Keller, depende como se justifica isso. Esses são os principais motivos, Ah e depois o Keller
sempre dizia nós estamos recebendo tanto recursos e os professores, os bons professores, estão
morrendo aos poucos e nos não podemos aceitar esses recursos senão tivermos, assumirmos uma
preocupação séria na formação dos docentes qualificados. Bom, assim as coisas foram evoluindo.
Entre nós, eu posso dizer mais uma coisa, na época Ivoti lutava muito. A gente via que a Igreja não
tinha recursos suficientes nem para continuar a injetar aqui na formação de catequistas. Então s
temos que procurar outros meios. Então eu disse: “Keller, olha Keller, eu vou me preocupar com
um assunto, mas nós vamos vender isso e a Alemanha oferece recursos para isto. Então eles vão
pagar aquilo que vale e não o nosso preço, módico. Sempre muito modestos. Então Ivoti vai ter que
se beneficiar financeiramente com isso também. E realmente foi. Mas não foi a única solução
porque nós, o único motivo. Se nos quisermos formar um curso eficiente, a premissa seria que
não se começasse da estaca zero. Os estudantes tinham que ter um nível bastante adiantado. A partir
daí se pode montar um curso eficiente tanto na parte lingüística, como pedagógica. Você pode se
concentrar mais na parte didática- pedagógica, por isso a vinculação com Ivoti. A Historia
comprovou isso, com exceções sempre.
Sílvio: Uma última pergunta. Ecoou, se ouviu, o que se disse da criação do curso de Três de
Maio de Administração na época. Isso se comentou?
Naumann: Administração Escolar?
Silvio: Não o curso de Administração, que foi o 1° curso Superior da Igreja.
Entrevista com Hans Günther Naumann
120
Naumann: Oficializado pode ser.
Silvio: Exato, foi o de 1973.
Naumann: Ah! Sim.
Silvio: Se ouviu disso, se falava disso, aqui?
Naumann: Se tomava conhecimento disso. O Keller era diretor de Departamento. Bom o Keller
certamente sabia. Isso foi uma iniciativa. Bom, agora eu não posso dizer. Nesses anos eu estava
muito absorvido aqui. Tinha uma série de problemas difíceis e tanto que até saí da diretoria do
sínodo.
Silvio: O Conselho Sinodal não existiu no período. Ele foi extinto em 1968 e depois ele
retornou em 1981, como Conselho de Educação do Departamento de Educação.
Naumann: Foi uma das ultimas iniciativas do Keller ainda.
Silvio: É, dizem eu vou ter que perguntar isso pro Fleck bem certinho. Quem montou o
Departamento de Educação foi o Keller e o Fleck. Os dois.
Naumann: Dá volta, é?
Silvio: É foi lá numa Assembléia...
Naumann: Bom eu não sei. A idéia talvez surgiu na cabeça do Keller, mas o Fleck é o grande
organizador. Ele foi o artífice na formação da estrutura.
Sílvio: Pois é, não se falava sobre isto, não foi um feito para a Igreja. Quer dizer, feito foi. Mas
não foi falado.
Naumann: Não me recordo. Eu na época vi como iniciativa local, regional.
Silvio: Não, eu digo isso porque se a gente olha hoje essas duas iniciativas da década de 70 são
pra nossa herança hoje, no que tange ao Ensino Superior, talvez mais significativas, o IFPLA e Três
de Maio. Três de Maio é hoje a nossa mais sólida estrutura de ensino superior. Hoje, tem 7 cursos.
É a instituição mais perto de se constituir centro universitário, universidade e o IFPLA é o grande
responsável hoje pela, isso nós falamos ainda, os novos diretores e os diretores mais perspicazes.,
eles são oriundos do IFPLA: O Valdir R., Waldir S., André R., Romerio S., Jadir R., Enfim, toda
uma turma, uma geração de novos diretores que são oriundos do IFPLA.
Naumann: Sim, O IFPLA era a única instituição de ensino superior. Se bem que não era
autônoma administrativamente.
Silvio: As dez horas passadas conseguiram fazer efeito no grupo de pessoas. Quer dizer foi ali
que se constituiu o grupo. Foi ali que se constituía um sentido.
Naumann: Sim, eu acho que um dos segredos foi de que Três de Maio é que crescer
organicamente, aos poucos.
Silvio: Isto, exatamente.
Naumann: Começaram com a base, não como Curitiba.
Sílvio: Ou mesmo como Joinville, se a gente quiser. Joinville tem muito mais solidez, mas vai
levar dez anos para ter a solidez que tem Três de Maio hoje.
Naumann: Sim, mas os primeiros dez anos também forma difíceis.
Entrevista com Hans Günther Naumann
121
Silvio: Sim. A vantagem é que hoje quando eles se apresentam com um curso que tem quase 30
anos, eles são vistos de um jeito do que outro que tem curso... Por que Ivoti mesmo quando se
apresenta o Normal Superior sempre se apresenta a História de que começa em 1909. Porque isso
dá solidez.
Naumann: Eu queria dizer uma coisa que escapou na pergunta ai. Por que faltou coragem de
conseguir uma instituição autônoma? Eu sei que assim olha então pra que se comece não vamos
repetir a Historia da Escola de Teologia ou então do antigo Lehrseminar. Durante decênios discutia-
se nas comunidades e nos sínodos, que estava nascendo a necessidade de se formar pastores. Isso
são palavras de 1880. E levou mais 30 anos até que se começou o seminário. Bom, minha posição
sempre foi de não falar muito. Aqui eu fiquei muito impaciente com a criação do superior, mas aqui
a situação é bem diferente. Ele enfrentou resistência no Ministério também, senão teria saído muito
mais cedo. Vamos começar, sem discutir muito. Vamos começar, quase todas as nossas instituições
escolares nasceram assim. O Dohms também. Então vamos começar na minha casa paroquial, o
seminário de professores, não alugavam... E surgiu mais ou menos assim também que tínhamos
e era a solução mais praticável iniciada rapidamente. Claro que se tivesse esperado um pouco mais
a gente teria montado uma estrutura mais ampla. Aquilo foi uma coisa pobre nos dez primeiros
anos, doze.
Sílvio: Já que o senhor citou o assunto.
Naumnn: Pobre externamente e não quanto aos efeitos.
Sílvio: Talvez tenha um outro elemento, agora que o senhor falou agora. Eu acho que de fato
havia muitas carências que precisavam ser supridas - nós falamos sobre isso - a formação de
pastores e de professores primários. Se a gente se compara com as outras igrejas o grau de inserção,
ou a forma de inserção na sociedade aqui foi com objetivos diferentes. Os protestantes que vieram
em com missão pra cá eles tinham por trás de si uma condição de se preocupar com aquilo, ou seja:
“vamos constituir comunidades”. Mas a forma de fazer isso, no caso os presbiterianos, e
metodistas, muito forte, esta relacionado com a criação das escolas. No caso dos católicos, bem os
católicos se confundiram com o Estado até final dos anos 40, 50. Havia quase que uma confusão
com o Estado. Até o final da década de 30 era uma coisa . Quer dizer então o apoio para a
constituição das universidades católicas, eu não conheço isso a fundo, mas eu imagino que em larga
escala isso tenha acontecido por apoio governamental mesmo. Quer dizer nós tínhamos outras
carências e não tínhamos os apoios que talvez outras confissões, ou a igreja católica, tinham por um
lado e por outro, talvez em alguns momentos faltava esse senso prático... Então vamos e vamos
fazer. Talvez nem isso tenha sido determinante.
Naumann: É acho que senso prático havia também. FIDENE quando começou, foi uma coisa
muito pobre, também, muito modesta, mas havia sempre uma ordem religiosa por traz: os jesuítas,
maristas, os capuchinhos lá, os lassalistas tinham estrutura.
Silvio: ah. Deixa ai eu perguntar mais uma coisa: em algum momento os jesuítas e os evangélicos
teriam sentado e dito: olha nos precisamos criar uma faculdade em São Leopoldo e os jesuítas,
‘mas vocês evangélicos tem mais condição de fazer isso’, empurra daqui, empurra de e acabou
que os jesuítas teriam feito isso e dali surgiu a Unisinos. Isso também é uma lenda ou um fato....
Naumann: Nesses termos é uma lenda. Quem me falou isso, não sei se foi o Marobin, uma vez,
ou meu amigo partiuclar, o Padre Wetzel. O que eles disseram, o Sinodal havia se tornado uma
escola conhecida, exemplo de escola de 2° grau. Eu acho que os jesuítas estavam pensando: Ah!, o
Saenger agora esta na UFRGS, entrou no magistério superior, o Gottschald também. Daqui a
Entrevista com Hans Günther Naumann
122
pouco eles vão fundar uma escola superior”. Essa preocupação havia entre os jesuítas. Se eles
soubessem desse parecer não teriam se preocupado.
Silvio: Quer dizer: nunca houve de sentarem à mesma mesa mas havia uma preocupação com
isso.
Naumann: Talvez houvesse algum contato. Não sei. a Unisinos, a faculdade ela se abriu,
Filosofia eles sempre tinham para os seminaristas, não sei se era reconhecido. Acho que não. Então
eles abriram o curso de Filosofia no seminário Cristo Rei, para leigos e para moças. Isso foi no
inicio da Unisinos. Isso foi 50 e tantos. O primeiro reitor foi o Nedel. O padre Nedel, que agora é o
pároco da comunidade São José, em Porto Alegre. Não o reitor foi o outro que fez tese sobre
comunismo. Não me recordo o nome dele. O Nedel foi o segundo.
Silvio: Ele é pároco hoje de onde?
Naumann: Da comunidade São Jose de Porto Alegre, da comunidade Alemã
Silvio: Tá bem.
Naumann: Da igreja São José, defronte ao Plaza São Rafael.
Silvio: Talvez fosse interessante conversar com ele pra esclarecer esse fato. Se ele sabia de
alguma coisa.
Naumann: Sim, ele deve saber. Mas no fim eu acho que ele esta senil. Não está mais na ativa.
Silvio: Acho que não.
Naumann: Outra coisa que eu queria dizer ainda. Não havia apenas, eu me criei nessa tradição,
que pra nós é sempre mais importante o conteúdo, mais do que a forma. O prédio não é tão
importante. O conteúdo é importante. E mais importante do que a legalização. Isso tive que
aprender no decurso. Não sei quantos anos, eu corrigi essa parte. Porque nos formávamos também
gente que tinha nível de grau e uma da primeira aluna que se formou em 57. A Hildegard
Wegner, que foi diretora lá em Agudo, né, hoje. Hoje é Roos.
Silvio: Foi diretora, saiu no ano passado.
Naumann: Já tinha 65 anos. Foi nora do velho professor Roos. Ele foi colega do Fuchs no
seminário. E ela, quando se formou, era de Arroio do Tigre, de Sobradinho e foi contratada pelas
irmãs católicas, numa escola normal católica, de grau. Com curso de grau foi dar aula de
português para o 2° grau .
Sílvio: Mas esta bem eu acho que já da para juntar algumas peças da nossa história de hoje.
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 123
Anexo 3
ENTREVISTA COM DORIVAL Adair FLECK
Concedida em 29 de junho de 2005 , a Silvio Iung, em São Leopoldo
Fleck: A questão do Espírito Santo é aquele Colégio Martim Lutero que tinha lá. Isto tu
conheces?
Sílvio: Sim, eu conheço. Eu soube da história do fechamento, depois.
Fleck: E esse diretor que tinha lá era membro do conselho diretor. Ele sempre quis abrir uma
faculdade de Direito. E ele provocou pelo menos duas vezes oficialmente a Igreja pra isso e
fora do âmbito do Conselho Sinodal. Já foi na IECLB. E o Conselho Diretor é que
explicitamente negou, com base nesta idéia de que a Igreja deveria investir na formação
teológica.
Sílvio: Mas em que período foi isso?
Fleck: Isso foi depois de 68.
Sílvio: Anos 70?
Fleck: Acho que ele foi do 1º Conselho Diretor.
Sílvio: Nome?
Fleck: Não.
Sílvio: Tá bom.
Fleck: Mas é o cara que nós botamos pra rua depois.
Sílvio: Tá.
Fleck: Ele era vitalício. A coisa lá virou Colégio dele.
Sílvio: Sim.
Fleck: Peter é o nome. E isso reforçou de novo a gente não tentar mexer. Porque via que não
adiantava. A IECLB estava fechada para o negócio. Tanto que quando depois nós começamos
a dizer: “Olha, não na hora?”. A nossa abordagem para a Igreja foi muito cautelosa. Só para
pedir o aval e nada mais. Aí, entra a história de Curitiba, aquela mulher querendo o curso
superior, que era um projeto muito personalíssimo da Dilma, professora da Universidade
Federal. Ela tentou duas vezes e aí com o apoio do Piske.
Sílvio: Pois é. Falando no Piske. O Piske, num encontro que eu tive dois meses, fez
referência de que houve apoio a biblioteca da PUC/ Curitiba, através do projeto que tramitou
pela IECLB, com recursos da Federação Luterana Mundial.
Fleck: Não.
Sílvio: Você tem algum conhecimento disso?
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 124
Fleck: A coisa é diferente. Isso é uma confusão. É que a IECLB no Brasil era a
intermediária de um monte de agências na Alemanha. As agências na Alemanha elegeram a
IECLB para isso. E a IECLB tinha que servir de caminho. E também a ULBRA. Que foi
construída com recursos que tramitaram na IECLB, mas do serviço de projetos. E não recursos
da Igreja. como uma agência intermediadora. A mesma coisa a PUC, que nada tinha a ver
com a Igreja. Mas o serviço de projetos era a instância burocrática pelo qual tramitavam esses
projetos. Então não tramitavam ali... Eu não sei se eram da Federação Luterana Mundial ou
do governo alemão. Porque isso também vinha por ali. não tramitavam por ali, recursos das
agências católicas, a ritas, a Miséria. era outro caminho. Mas todos os outros, inclusive
do governo alemão era por ali. Não tinha que conexão de uma coisa com a outra. Era como se
o Departamento de Educação agenciasse verba do governo federal.
Sílvio: E o fato desse serviço estar localizado dentro, junto à estrutura física da IECLB,
possivelmente tenha gerado esse tipo de confusão.
Fleck: Sem dúvida.
Sílvio: E os conselhos, os órgãos que aprovavam esses projetos? Eles estavam aonde, ou
eram compostos por quais pessoas?
Fleck: Não tinha. Era serviço de despacho. As normas eram todas do doador. Então pra
esse doador tinha que encaminhar o pedido desse jeito, pra aquele daquele jeito e o escritório
examinava se o pedido estava de acordo com isso. Não tinha órgão de decisão pra dizer:
esse tinha e esse não. Não havia crivo nesse ponto de vista.
Sílvio: Sim. A busca de recursos acontecia antes. Na verdade, possivelmente eram
projetos já meio carimbados, ou seja, projetos que tinha um destino certo. Pra gente pegar
dois exemplos concretos. O da PUC de Curitiba e o da ULBRA. O caminho estava pré-
estabelecido. Possivelmente contatos extra, extra não, diretos com estas fontes para que
apenas se fizesse o trâmite formal.
Fleck: Tinha as duas alternativas. Uma era essa a de ter conversado com os caras lá,
porque todas essas entidades tinham agora um déficit. todos os projetos, não do
Brasil, também de outras partes do mundo caiam naquela mesa. E eles diziam: esse projeto
me interessa, esse projeto me interessa e quando havia o contato antes essa entidade de
fomento vinha preparada. Quando caia , esse é meu. E outros não tinham nada disso. E o
projeto tinha que convencer alguém dali. Ou não convence ninguém.
Sílvio: Mas havia dentro dessa estrutura prioridades. Eu resgatei um documento que era uma
discussão de dentro da IECLB, de quais as áreas necessárias que ela apoiaria.
Fleck: Isso foi depois.
Silvio: Final dos anos 70.
Fleck: é quando o PT começa a mandar na Igreja. entrou a questão dos sem-terra, das
áreas missionárias. Mas a IECLB foi dizer para eles, que ela não queria mais que eles
aceitassem tais projetos, mas o crivo não era feito aqui.
Sílvio: Tá.
Fleck: O projeto ainda ia pra lá, mas ninguém pegava. Porque a IECLB tinha dito: “Não
peguem isso”.
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 125
Sílvio: É, talvez para os tempos de hoje seja um pouco difícil a gente entender isso. Não era
um serviço da IECLB, mas que a IECLB fazia. E justamente nesta relação de que se tramitou
pela IECLB, foi a IECLB que avalizou.
Fleck: E inclusive, esse serviço era auto-sustentável. A IECLB não colocava "pila" nenhum
ali. Da própria verba recebida um percentual era para o serviço, para a manutenção.
Sílvio: bem. Eu acho que isso esclarece muitas coisas sobre esse aspecto. Agora, em
relação a questões como a influência ou aproximação que havia no início dos anos 70 entre a
IECLB e o governo. Porque inclusive algumas trocas de correspondências. Livros falam
isso. Da proximidade que o Presidente Gottschald teve com o Presidente Médici e outras coisas
mais. E se essa situação houve, o Belmiro comentou isso, o Ruben, de que havia, foi feito,
um desafio ou algo assim para a IECLB instalar cursos superiores. Sabes de alguma coisa?
Fleck: Não. Nunca caiu nada desse tipo em alguma reunião que eu estivesse. Nunca.
Sílvio: Essa discussão que você referiu no início a respeito do Peter, ou seja o nome que
tenha o diretor do Espírito Santo, do Martin Luther. Ele chegou, por exemplo, em algum
seminário, em alguma discussão...
Fleck: Não, porque a coisa foi um pouco diferente. O problema é que aquela escola era
mantida pela IECLB, como a Faculdade de Teologia. Porque houve uma evolução daquela
coisa, foi uma iniciativa de um pastor que construiu um internato. Para os alunos do interior.
Quando o internato não seu mais, ele foi transformado em escola.
Sílvio: Como muitas por aqui.
Fleck: É. em Marechal Candido Rondon foi a mesma coisa. Aquilo foi internato e os
luteranos da IELB construíram a escola. Foi uma “joint venture”, depois o internato morreu e
nós estávamos com a bucha. E o mantenedor daquilo lá acabou sendo a IECLB, assim como
a IECLB era mantenedora de Cianorte. E o pedido dele para a IECLB, foi porque a IECLB era
a mantenedora e não foi um pedido do ponto de vista de apoio ou de pra IECLB ir pro superior.
A coisa é um pouco diferente ali.
Sílvio: Teria sido em termos de aproximação como se a EST tivesse ao lado um outro
projeto.
Fleck: Perfeitamente.
Sílvio: legal! Agora, nesse período todo, como é que você a formação do ISCET e do
IFPLA, que são agências formadoras de nível superior que caminharam meio na informalidade,
ou para dizer de outra forma, que optaram por formar mas não certificar os seus egressos.
Como você vê isso?
Fleck: Bom, vamos começar pelo ISCET. Isso foi um reconhecimento de que havia
necessidade de formar professores de Ensino Religioso. que sempre com a idéia de não
entrar no superior como tal e fazer isso, sempre em colaboração com outra instituição. A idéia
inicial era fazer com a UFRGS. O problema é que os nossos alunos não passavam na UFRGS
em número suficiente. E também tinha o problema de lugar. Então, acabou sendo a
UNISINOS. O IFPLA, na verdade, é uma evolução do que Ivoti faz. Pela qualidade de ensino
de língua. Qualquer um dos dois foi crescendo porque tinha dinheiro para isso. O IFPLA foi
financiado pela Alemanha. Se não fosse isso, não existiria. Mas a Alemanha não iria financiar
um curso inteiro. A Alemanha estava interessada em Língua Alemã. Então, porque tinha
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 126
dinheiro pra isso, se moldou essa solução IFPLA. O ISCET é a mesma coisa, funcionava
porque tinha dinheiro pra isso. Tinha destinação específica de verbas pra isso. Quando essa
vinda de dinheiro da Igreja da Alemanha pra IECLB começou a minguar, dentro daquele
programa de autonomia e sobrevivência com os próprios pés da Igreja, ele morreu.
Sílvio: É, eu peguei a discussão disso numa ata. Eu acho que a questão era: como é que os
alunos do ISCET recebem auxílio-moradia e os alunos da EST não recebem. Bom, e dizia,
os do ISCET não recebem o estudo integral. Essa era uma discussão?
Fleck: E também a acusação, porque os alunos do ISCET eram financiados na UNISINOS.
"Como? financiados em uma universidade católica?" Essas bobageiras.
Sílvio: Mas nesse espaço, bom...
Fleck: Mas eu quero insistir. Só foi viável porque tinha dinheiro.
Sílvio: Pois é, nesse espaço, meio desavisadamente, Três de Maio começou com uma
faculdade.
Fleck: Até não por isso. É uma herança. Porque aquilo foi um convênio entre a Universidade
de Santa Maria e o município.
Sílvio: Sim.
Fleck: A universidade de Santa Maria caiu fora e a gente tinha que pegar, meio de
"devesgeio", no susto.
Silvio: É por isso que eu digo, meio desavisadamente. É, mas também a IECLB não se
pronunciou a respeito. A IECLB não a via como uma instituição superior luterana. Está bem.
Vamos fechar os anos 70. Toda discussão nos anos 70 não é o que fazer ou como fazer
educação. É como manter ou não manter as escolas. Ou seja, é apenas a administração do
passivo. Não é um investimento, não se enxerga assim. Enfim, eu gostaria que você
comentasse um pouco isso, também.
Fleck: É, e isso está intimamente ligado a duas coisas. A década de 70 foi uma década muito
complicada da administração das escolas do ponto de vista de controle das mensalidades,
porque foi toda a década de ação da SUNAB e, de repente, as mensalidades eram controladas
assim como as batatas. E isso foi um período extremamente complicado. Teve diretores que
foram presos. A SUNAB entrava na escola, arrombava gaveta. Foi um caos aquilo. Tudo por
causa do controle da inflação. Então, para as escolas foi um período de extrema angústia e
instabilidade em que ninguém tinha a menor chance de pensar em alguma coisa. Era sobreviver
de um mês para outro. Esse é um aspecto e o outro é o crescente discurso dos pobres, dos
oprimidos e assim por diante. Porque houve situações que acabaram por fim fechando escolas.
Santo Ângelo é um resultado disso. Explícito. Acho que não tem uma situação mais clara do
que lá. Então 70 foi uma década perdida. E foi 80 adentro. Isso foi até 85, 86.
Sílvio: O que aliás tem paralelo, me parece, com as outras instituições eclesiásticas de um
modo geral. Porque se a gente olha o processo de expansão em ensino superior, ele aconteceu
muito pouco na década de 70, início dos anos 80. As instituições que estavam aí foram aquelas
criadas na década de 50, década de 60 e não na década de 70, 80. São raríssimas as exceções.
Então, nesse sentido, a IECLB não foi a única em sofrimento.
Fleck: Com certeza.
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 127
Sílvio: Porque a SUNAB não escolheu as nossas escolas. Agora, ao lado disso, havia um
problema de identidade das escolas dentro da Igreja. Não é?
Fleck: É, sim. Eu acho que sim. Foi um período também muito complicado pelas lideranças
que havia. Incompreensão. Toda aquela história de estruturação da IECLB deslocou os
departamentos para uma situação marginal. E não só os departamentos, de educação, de
catequese, em que os executores ficaram desalojados. Não estavam vinculados a lugar nenhum.
E todo mundo mandava. Por exemplo, no Departamento de Catequese, quem é que mandava
lá? A secretaria de comunicação, de pessoal, de formação, ali não havia nenhuma uniformidade
de ação, de programa eclesiástico pra isso. Então, eles viviam no ar. E pra eles ainda foi pior,
sobre esse ponto de vista, porque dependiam do orçamento da IECLB. s ficamos fora disso
e ficamos andando sozinhos. Vamos embora. Não estamos nem precisando de vocês. E isso
ajudou a criar um hiato, um espaço vazio entre as escolas e o departamento da IECLB. Porque
nós não precisávamos deles, né? Então não havia porque ficar conversando, trocando
figurinhas. E era muito forte essa questão ideológica. Nós nos concebíamos de um jeito, as
escolas se concebiam de um jeito e não tinham espaço para dizer isso porque o discurso da
Igreja era outro. Foi muito complicado. Foi um vazio existencial.
Sílvio: Está bem. Vamos olhar um pouco mais para o início dos anos 80 e essa reorganização
que também a educação sofreu. Porque me parece que depois de 10, 11 anos ela tinha uma
localização, uma possibilidade do Departamento de Educação de ser visto dentro da IECLB
como um organismo capaz de congregar todas as instituições educacionais. Porque essa era a
discussão. Porque as escolas fora do RS não tinham onde aportar. Bem, essa reorganização
coincidiu com um novo projeto, não é?
Fleck: É. Na verdade, a gente, quando começou a pensar essa reorganização, tinha feito um
diagnóstico. Nesse diagnóstico estava bem claro que havia necessidade de construir em torno
desse conceito de rede, que na verdade significa identidade. que a gente não falava em
identidade. A gente falava em construir um conceito de rede. E praticamente tudo o que se
imaginou foi dentro dessa idéia, de reforçar essa idéia de rede. Interesse igual e identidade. Nos
últimos tempos, o Keller, a doença dele, começou a se manifestar de maneira muito forte. O
Alzheimer dele. Quando ele não conseguia mais organizar pensamento. Ele começava uma
reunião e de repente ficava quieto. Sumia o pensamento dele e todo mundo ficava esperando
ele voltar. Ele sentiu necessidade de se cercar de ajuda. E concebeu um conselho, que era
informal, formado por pessoas que ele tinha convidado. Depois do conselho do departamento e
isso foi muito bom. Porque ali é que análise toda foi feita e na conversa com o próprio Keller a
gente descobriu muita coisa que podia fazer e que ele dizia "tem que fazer, mas olha, eu não
consigo". E foi por aí. Agora, esse lugar das escolas na Igreja só começou a dar resultado na
metade de década de 90. A década de 80 foi toda, ainda, de gestão interna. A partir de 90 é que
elas começaram a aparecer, e resultado do movimento todo, e começaram a aparecer como
uma entidade dentro da Igreja. Começaram a ser vistas como tal. E também a mudança de
mentalidade dos dirigentes da Igreja. Quando entra a fase Kirchheim, a coisa muda
radicalmente. Não que fosse o Brackemeyer, mas os secretários dele. E entra o Kirchheim e
ele tinha um discurso específico para as escolas. O discurso do Brackemeyer era teológico. Ele
sabia falar. Ele foi professor de Ensino Religioso. Quer dizer, até ele ia. Agora, o discurso
político veio com o Kirchheim.
Sílvio: Pois é. Se a gente olha da frente pra trás, acho que é importante esse processo de
reorganização, porque de fato, considerando as dificuldades sociais, econômicas, enfim, a
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 128
história por assim dizer, tenha sido reunida. Os cacos tenham sido juntados. E justamente
pensado a educação no conjunto da Igreja, que na tua expressão mesmo acaba se manifestando,
entendido assim pela cúpula eclesiástica, e por boa parte das comunidades no final dos anos
90. Mas é dali que surge o projeto que vai dar sustentabilidade para que se olhe para as
instituições e do que faz parte o Ensino Superior, mas nesse intervalo houve muitas coisas.
Uma delas foi o apoio formal, apoio surgido dentro do Conselho de Educação e sugerindo que
a IECLB analisasse projetos de apoio ao Ensino superior. Isso surgiu num Concílio. Tem uma
ata num Concílio em que diz que justamente Curitiba pede apoio para uma faculdade de
Filosofia e Letras. Se é uma senhora, eu não sabia. Eu desconfiava que poderia ser o Burghard,
já naquele tempo.
Fleck: Não.
Sílvio: E isso foi motivador para essa discussão do Conselho de Educação? Essa discussão
começava a correr paralelamente?
Fleck: Não, já antes. Para nós, no Conselho, Curitiba sempre foi uma pedra no sapato,
porque sempre era um negócio à margem. A gente sabia que era um projeto pessoal e a gente
não apostava nada naquilo. E não queríamos que aquilo prosperasse do jeito que a coisa estava
nascendo. Mas a discussão dentro do Conselho vinha de anos. A gente percebeu que estava
na hora entrar no Superior. E isso começou a se espalhar. Curitiba, antes dessas referências que
tu encontraste, essa mulher tinha feito uma tentativa antes, cinco anos. A mesma. E ela
voltou ali, naquele momento, porque ela se aposentou na Federal. Agora vamos adiante. O que
resultou dessa recomendação, do documento do conselho pra IECLB, isso leva muito em conta
a situação de Curitiba. Olha, alguém tem que avaliar antes da IECLB dar o aval. E por isso o
Conselho diz: "nós temos que falar sobre isso". Essa é a razão. Mas a motivação não surge com
Curitiba. Curitiba é o tropeço. Atrapalha. A idéia era que a coisa nascesse dentro de uma
escola, mas que tivesse um vínculo forte com as demais e não Curitiba, que era marginal. Nem
era pra ser no Martinus. Era pra ser fora. E depois, quando veio o projeto Martinus e o
Conselho examinou e disse assim "não dá!, melhorem isso aqui". deu aquele “uá”, e o
Conselho rejeitou. “Que, cacaca”. Me chamaram para uma reunião.
Sílvio: Mas isso já foi na segunda metade dos anos 90.
Fleck: É. É que depois que Joinville começou, eles correram atrás, mas era continuação da
mesma coisa.
Sílvio: Sob a liderança de outra pessoa.
Fleck: Aí era outra coisa. Aquela mulher já tinha desistido.
Sílvio: Aquele pronunciamento dos anos 80 - 87 -, também foi um período da história
brasileira inadequado. As condições do momento eram insatisfatórias. Eu me lembro que eu
estudava na UNISINOS e a discussão era “será que a UNISINOS corre risco de fechar?”.
Porque estava endividada, me lembro como hoje. Eu estava no primeiro ciclo e o meu
professor dizia: Olha, a UNISINOS muito endividada. Esse foi o período em que se
pronunciou sobre o assunto. O momento não favorecia.
Fleck: O Ministro da Justiça, o Galvão. De uma hora pra outra terminou com todas as
filantropias. Saiu com uma portaria. E isso foi um baque. E isso foi revertido de novo e tal.
Inclusive o Figueredo que num 28 de fevereiro assinou cinco mil e tantas decretos de utilidade
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 129
pública. Foi um negócio. Para que eles ainda falassem. Que dizer, quem tinha e quem não tinha
não tinha mais.
Sílvio: Que foi em 77, o Geisel
Fleck: Não, foi o Figueiredo. Eu estava em Três Passos ainda.
Sílvio: Esse fato eu não sabia.
Fleck: Mas foi o Figueredo. Na véspera, ele fechou a coisa. Então foi um período
complicado, diferente. De controle. Mas na verdade nunca houve período fácil. Vai me dizer
que hoje é um período fácil? Daqui a vinte anos alguém vai olhar e dizer como é que os caras
conseguiram. O interessante, eu acho que a gente tem que levar em consideração e que as
escolas a partir de um determinado momento começaram a se qualificar. Qualificar-se,
também, tecnologicamente. Então elas investiam num microscópio que projetava em grande
escala na parede. O próprio data-show mudou a escola. A escola entendeu que a biblioteca é
um lugar diferente, que tem que se qualificar. E começou a investir no ambiente da biblioteca.
Também os banheiros! É um negócio meio idiota, mas é. E isso foi um processo muito lento.
Mas eu acho que faz parte neste conjunto todo de se chegar numa universidade. Se não tivesse
acontecido isso, eu acho que não teria chegado lá.
Sílvio: É, mas aquele parecer, pra gente retomar mais um pouco é, (acho que foi o Belmiro
que comentou comigo), vocês chegaram a fazer algumas incursões pelo interior do RS,
chegaram a visitar algumas comunidades. E que impressões vocês levaram, o que vocês
pretendiam, o que não, o que deu certo o que não?
Fleck: O meu sonho era comprar a UNISC. Porque a UNISC estava numa "naba"
desgraçada. A UNISC devia as calças, as cuecas, o pijama, tudo para o governo. E não tinha
aparentemente saída aquilo lá. O meu sonho era conseguir um dinheiro da Alemanha para
comprar a UNISC. Pagar a dívida. Mas aí, politicamente, eles zeraram a dívida e, tudo bem,
foram embora. Mas seria bastante complicado, porque dentro da UNISC está muito forte o
bispado de Santa Cruz.
Sílvio: É até onde eu sei a UNISC nasceu assim como Três de Maio. Também como
extensão de Santa Maria, que acabou depois sendo assumido pela comunidade local e de um
outro jeito foi....
Fleck: Aí nós fizemos duas tentativas. Uma foi Carazinho, por provocação de Carazinho. E a
outra foi Lajeado por provocação nossa. Lajeado, porque aquela mantenedora tinha muito
similaridade com a antiga mantenedora de Teutônia. Porque a antiga mantenedora de Teutônia
tinha comunidade evangélica, o município de Teutônia, outro município do lado, a Igreja, o
Sínodo. Então, era um negócio meio assim, uma cooperativa e só com o tempo aquilo evoluiu
para uma fundação. E a mantenedora na época, a FATES, também eram municípios e havia
interesse da FATES em mais uma parceria. E lá nós trancamos num dispositivo do estatuto que
dizia que a FATES nunca ia fazer associação com igrejas. não tinha mais como continuar.
Agora, teria sido viável, em termos de uma parceria. Entrar como parceiros daquele
consórcio. Ainda mais que o único dos consorciados que mantinha vínculo era o município de
LAJEADO. Os outros municípios todos caíram fora, nunca mais quiseram nada com aquilo.
Nós não chegamos a conversar com o pessoal da FATES. Mas o que nós fizemos, foi que o
pessoal de Lajeado buscou informações.
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 130
Fleck: E restou Carazinho. Carazinho provocado pela escola de lá. Era o Leopoldo na
época. s fomos lá. Tinha gente da comunidade, um monte de gente de lá. Notamos que era
politicagem pura: era PDT pra cá, PMDB pra lá, PDS. Ex-prefeito que queria promover. Já
tinha feito movimento.
Sílvio: É que Carazinho eu conheço. Eles chegaram a constituir, como chamava, Associação
Carazinhense Pró-Ensino Superior. Eles têm um ginásio de esportes com o nome de
ACAPESU. Há um patrimônio como resultado de uma mobilização pelo Ensino Superior.
Fleck: E o patrono dessa mobilização era o Keller, o tal do eterno deputado de Carazinho.
Não sei se ouviste falar nele?
Sílvio: Sim, conheço ele.
Fleck:.Ainda vive?
Sílvio: Sim.
Fleck: Quantos anos?
Sílvio: Ah..
Fleck: Ele já era velho quando eu era guri.
Sílvio: Ele foi prefeito umas 4, 5 vezes lá.
Fleck: Esse era o patrono da coisa. Bom, entrou um outro complicador junto, porque
tinha uma turma que estava em negociação com a ULBRA. Queriam que a ULBRA fosse pra
lá! E tinha um outro interessado, que Passo Fundo fosse pra lá. Então, aquilo era um vespeiro.
Quem é que foi comigo?
Sílvio: O Belmiro. O Belmiro me disse que esteve lá, também.
Fleck: Mas foi mais gente. Quem mais foi junto? O Erni.
Sílvio: É o Erni era daquela região.
Fleck: Eu disse: olha aqui, não adianta nos metermos, porque só vamos dar com os burros na
água. E como de fato foi. Foi Passo Fundo pra lá e depois ULBRA.
Sílvio: É, a ULBRA bem mais tarde. Passo Fundo foi e se instalou no colégio La Sallle e
ficou por uns dez anos lá.
Fleck: E depois deu briga, porque Passo Fundo recolheu tudo e Carazinho tinha posto lá
biblioteca. Aí, meu Deus, os caras são fogo.
Sílvio: Pois é. na seqüência acabou surgindo Joinville. A informação que eu tive de
Joinville é de que a motivação não foi tanto por causa desse parecer. Foi mais uma motivação
local. De umas pessoas, de um médico que teria vindo de um outro local. Quer dizer é... Dá pra
dizer assim que o resultado, ele acontece nos demais cursos depois. Talvez Ivoti seja diferente.
Mas Horizontina, o processo de ingresso no ensino superior se como conseqüência de um
momento favorável na comunidade. E não como um desafio que a escola daqui a pouco lança
pra a comunidade. Que tal nós irmos para o Ensino Superior!
Fleck: Eu acho que é uma conseqüência daquilo que a escola tem, daquilo que a escola
fazendo, mas com uma motivação que vem do local. Horizontina é muito claro! É a Jorge
Logemann lá, a John Deere agora disposta a sustentar a coisa, porque eles precisam dos
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 131
profissionais de nível superior e só por isso. Horizontina não para pensar sem John Deere,
não existe. E o curso técnico não existe sem a John Deere. Então, ali a escola fazendo, mas
eu diria que o peso dela é 30% na história.
Sílvio: Mas nessa relação, pra gente pensar um pouco na história das instituições. Aonde
entra o desafio que a escola da comunidade coloca e aonde entra a resposta que a escola dá ao
anseio da comunidade civil. Por que isso? Porque isso nos ajuda a entender um pouco as
comunidades que migraram para determinadas áreas de ensino. Panambi, quando foi para o
ensino técnico, ou algumas outras quando oferecem ou não curso superior hoje, ou apenas a
educação média. Parece-me que nos anos 40, 50 - não vamos nem falar na origem com as
escolas primárias - mas as escolas secundárias são uma clara resposta a uma necessidade da
comunidade de ter o ensino secundário. Será que nós temos conseguido fazer isso nessa
relação hoje, ainda? onde entra o desafio que uma escola pode oferecer a uma comunidade
civil agora?
Fleck: Isso é muito complicado, Sílvio. Eu acho que não nem pra tentar generalizar. Eu
acho que Horizontina é uma resposta ao desafio da comunidade. Sem dúvida. Acho que Três
de Maio também é. Agora, com o curso de Pedagogia não é mais. é invenção da escola.
Se vai se impor e ter importância, isso o futuro vai mostrar. O de Administração, sim. Bem, é
o que eles têm. O de Informática que a comunidade ocupa com facilidade. Eu acho que a
única nesse sentido é Ivoti. Talvez também Joinville, pela Enfermagem. Como uma resposta
da escola a comunidade. Mas eu não sei se isso é tão importante. Seja de onde for que venha a
motivação - se é da escola ou se é uma resposta da escola a uma demanda da comunidade - o
que vai interessar é o tipo de curso que a escola vai ser capaz de oferecer. Ou a diferença está
ali, ou é irrelevante de onde vem a motivação. Não adianta vir a motivação da escola e ser um
curso como qualquer outro e também não há nenhum mérito em responder a uma demanda da
comunidade com um curso como qualquer outro. A capacidade desta escola de fazer um curso
diferente do que tem por aí: ali tem um valor! Se não, não. Dohms, por exemplo. O que o
Dohms esta fazendo é uma iniciativa da escola, não demanda, não tem ninguém
pressionando o Dohms para fazer isso. O que ele tá tentando fazer - eu acho difícil
implementar e eu disse isso pro Belmiro - é muito complicado. Mas o que ele tentando
fazer, se der certo, vai ser um diferencial fantástico. Vai ser um estouro. O problema vai ser ele
conseguir parceiros suficientes para isso. Ivoti fazendo uma coisa diferente também. E eu
acho que vai acabar “fazendo escola”, inclusive. Agora, interessante, na continuidade - eles
estão pensando adiante agora - querem ficar extremamente presos ao tradicional. Eles
conseguiram, nas duas licenciaturas, um negócio belíssimo, inovador. Ao pensar adiante,
caíram no tradicional. Talvez não consigam romper isso.
Sílvio: Pois é. Essa é a questão que se põe. Também nos aproximando mais do final. O
que justifica de fato o ingresso no ensino superior, se for para não oferecer cursos que estão aí,
que são repetidos em larga escala, hoje. Eu peguei o jornal hoje de manhã. no vestibular de
inverno, no mínimo 20 instituições, fora as universidades que estão oferecendo vestibular.
Quer dizer é um tal de FARGS, e outros. Um negócio que eu nunca tinha visto. E reproduzindo
certamente modelos que foram sendo consolidados ao longo do tempo. E aí, qual é o desafio
que move as nossas instituições quando falam em oferecer ensino superior?
Fleck: Bom, uma delas, eu acho, é sobrevivência. Pra mim isso é nítido. Assim como um
tempo atrás quem tinha jardim da infância - das OASES por aí - pra sobreviver tinha que entrar
no primário. Depois do primário tinha que botar o ginásio, como quem tinha o ginásio tinha
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 132
que colocar o colégio. Senão, morre mesmo. Assim hoje é o superior. Eu acho que no andar,
com o tempo, vão se manter ou aquelas instituições médias muito boas.
Sílvio: Em grandes centros.
Fleck: Em grandes centros. Eu estava comentando ontem com a Eliane. Eu acho interessante
que o Sinodal não consiga bater a barreira dos mil alunos. O Sinodal tinha que ser uma escola
com demanda para 2000, 2500 alunos. Demanda, não quer dizer que tem que aceitar todo
mundo. Mas demanda de 2000 alunos e não consegue. Claro, pra São Leopoldo, ele é muito
caro. Esse é o problema dele. Mas por outro lado, se ele tivesse 500 alunos a mais, ele poderia
fazer uma mensalidade mais barata. Tem um problema de concepção administrativa. Acho,
também, que eles estão trabalhando com menos de 70% de comprometimento da receita com
pessoal. Acho. Entende. O Sinodal está sujeito a não se manter. Foi o que aconteceu com
Cachoeira. Cachoeira quase quebra. Fui pra lá e, primeiro: “Olha, vocês têm a maior
mensalidade em relação ao salário pago ao professor”. Lajeado paga mais ao professor e cobra
menos do aluno. Aonde indo o dinheiro? fizeram uma “reforma” lá. Tiraram aquele
tesoureiro vitalício e mudou a coisa. E aí, bom vamos recuperar! eles conseguiram. Não sei
com quantos alunos eles estão hoje.
Sílvio: Estão com 420, 430.
Fleck: Mas é muito pouco!
Sílvio: É, mas também não pra entrar, essa até onde eu vi, é uma das aprendizagens
com Joinville. Entrar cheio de estilo e achar que o fato de transferir o nome da escola de
educação básica que tem um conceito, acha que isso automaticamente se transfere para o
ensino superior. E com isso, isso é um temor que eu tenho em relação a estas instituições. De
superestimar a condição, a capacidade que estas escolas tem. Por exemplo, Ivoti, ah Ijuí, pensa
em colocar um curso de normal superior. Não tem nada a ver coma escola e não tem o publico,
a clientela não seria de qualquer forma, ´porque o publico está buscando outra coisa,
que estuda na escola. Mas ainda oferece um curso de Magistério, na área de magistério.
Fleck: Não. é viável se eles fizerem convenio de numeros clausus com os municípios.
De não esperar que os alunos paguem e sim os municípios.
Sílvio: Acho que é uma alternativa.
Fleck: Mas eu não to vendo empenho deles no sentido de busca solução desse tipo. Eu acho
que eles pensam, vamos fazer vestibular e vamos embora.
Sílvio: Bom, pra gente, é a última pergunta que eu faço gravando. Essa é uma possibilidade.
Mas nós temos hoje no RS, em 35 cidades, nós temos escola. Também não dá pra imaginar que
a gente possa ter universidades em 35 cidades.
Fleck: Essa é outra que não tem solução. Sabe qual é o grande problema que s temos com
o superior e que Ivoti vai logo começa a sentir. É ela começa a crescer um pouquinho.
Aumenta o numero de turmas do normal, é o corpo docente, nós não temos uma inteligência
luterana formada. Nós não temos um plantel, nós vamos buscar o pessoal onde eles estão
sedimentados, com todos aqueles vícios acadêmicos. Aquela invejeira desgraçada. Foi o que
estourou com Joinville. Eles tinham um projeto inicial quando chamaram o pessoal, fizeram o
que acabaram fazendo. O outro problema de Joinville foi buscar gente a peso de ouro. Isso não
se faz. O pessoal gasto dinheiro e não resolveu coisa nenhuma. Não chamo algum. Mas eu não
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 133
sei, isso não tem solução. Isso é contigo..Faz disso como descoberta da tua profissão. Não
sei.
Sílvio: Ta legal.
Fleck: Eu sei que Sapiranga ou um jeito naquela escola ou vai fechar. Ou tem que
entrar no técnico com força. Sapiranga é uma cidade industrial. Não tem técnico ou vai pro
superior. Que tem espaço, mas tem quer ser na área tecnológica. Se ficar na escola que
está fecha. Interessante que eles com muita ênfase disseram não, não faço isso. Alguns diziam
que eram muito caro e o René eu acho que tinha que estar mordido de alguma forma com a
IECLB. A posição dele era de jeito nenhum, a universidade tem que ser pública. A
universidade abre e não fecha para uma confissão. Essa era a posição dele. A gente saiu com a
sensação de que a reunião não serviu para nada. Não é que, não sei o que a gente queria. Não
era em curso superior. Isso foi uma reunião que alguém sugeriu que era interessante fazer...
Sílvio: Sem muita finalidade.
Fleck:É não tinha um objetivo assim. Também dali não saiu motivação pra pensar em coisa
mais seria pra alguma coisa, foi ao contrário. Não fica calma. Não entra nisso.
Sílvio:É essa trajetória eu quero reconstruí um pouco, porque, olha as pessoas não estavam
paradas evidentemente. Mas havia um cenário que conspirava contra.
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 134
Anexo 4 -
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 135
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 136
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 137
Entrevista com prof. Dorival Adair Fleck 138
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