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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS
E LITERÁRIOS EM INGLÊS
RODRIGO ENNES DA CUNHA
Rumo ao abstrato: a importação de teorias anglo-americanas
na crítica literária brasileira
São Paulo
2010
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS
E LITERÁRIOS EM INGLÊS
Rumo ao abstrato: a importação de teorias anglo-americanas
na crítica literária brasileira
Rodrigo Ennes da Cunha
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos Linguísticos e
Literários em Inglês da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo,
para a
obtenção do título de Doutor em Letras.
Orientadora: Profª. Dra. Maria Elisa Cevasco
São Paulo
2010
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RESUMO
Ao longo do século XX, houve um aumento significativo da importação de teorias
anglo-americanas na crítica literária brasileira, nem sempre correspondendo a uma
demanda interna. Uma das consequências desse processo foi o afastamento
progressivo entre parte da pesquisa acadêmica e os recursos teóricos e metodológicos
utilizados para o ensino da literatura na educação básica. Este trabalho trata de um
momento importante desse fenômeno: a importação do New Criticism feita por
Afrânio Coutinho. O objetivo é demonstrar como este caso pode ser interpretado
como a primeira fase de um processo de abstração teórica que hoje está naturalizado
no estudo da literatura nas universidades brasileiras.
PALAVRAS-CHAVE: Crítica Literária; New Criticism; Afrânio Coutinho; Literatura
e Sociedade; Teoria Materialista
4
ABSTRACT
Throughout the twentieth century, there was a significant increase in the import of
Anglo-American theories in Brazilian literary criticism, not always corresponding to a
domestic demand. One consequence of this process was the gradual withdrawal from
part of academic research and the theoretical and methodological resources used for
teaching literature in elementary education. This work deals with an important
moment of this phenomenon: the import of the New Criticism made by Afrânio
Coutinho. The goal is to demonstrate how this case can be interpreted as the first step
in a process of theoretical abstraction that is now naturalized in the study of literature
in Brazilian universities.
KEYWORDS: Literary Criticism; New Criticism; Afrânio Coutinho; Literature and
Society; Materialist Theory.
5
SUMÁRIO
1 – Percurso 6
2 – Crítica e ficção 13
2.1 – Cultura é empréstimo 14
2.2 – Cultura é processo 20
2.3 – Cultura é capital 23
3 – O concreto do abstrato 30
3.1 – O símbolo, a literatura e a religião 30
3.2 – A codificação, o paradigma 32
3.3 – A modernização conservadora 35
3.4 – A salvação na poesia 36
3.5 – A salvação no romance 37
3.6 – Objetividade e gosto 39
3.7 – A reificação nos EUA: o New Criticism 46
3.7.1 – Nostalgia: consequências do capitalismo industrial 47
3.7.2 – Codificação: algumas obras 50
3.7.3 – Avaliações do movimento 54
3.7.4 – A literatura e a política 55
4 – Correntes Cruzadas 61
4.1 – O discurso do caos 64
4.2 – A política na literatura 70
4.3 – Remoteness 73
4.4 – Medidas provisórias 77
4.5 – A ciência da literatura 84
4.5.1 – Uma disciplina plural 85
4.5.2 – Abaixo assinado 88
4.5.3 – A literatura alcança a teoria. E agora? 102
5 – Rumo ao abstrato 106
5.1 – Crítica metonímica 118
5.2 – Crítica pela crítica 123
6 – Bibliografia 142
6
1 – PERCURSO
Até mais ou menos dois anos antes do término do prazo deste doutorado,
minha impressão era a de que este trabalho havia começado tarde demais. Foram
muitas idas e vindas deste que cheguei na USP em 2005. A mudança de ares e de área
contribuiu bastante para empacar o processo. A vida cara desta cidade fazia com que
muitas vezes o boleto do aluguel tomasse a frente da lista de prioridades. Ao mesmo
tempo, uma série de autores com os quais eu havia topado de passagem durante a
graduação eram o alicerce nos Estudos Linguísticos e Literários em Inglês. Era
preciso apertar o passo.
O desafio estava posto, não era raro e era esperado. A acolhida da profª.
Maria Elisa Cevasco foi fundamental para tomar coragem. O grupo de estudos
conduzido por ela e pelo prof. Marcos Soares era um modo de avançar nas leituras
mais importantes da área, mas não foram poucas as vezes em que tive de faltar aos
encontros por causa do famigerado boleto do aluguel. Então, à medida que o tempo
foi passando, fui tendo de dar conta das leituras por mim mesmo. Alguns trabalhos
daquela época (e mesmo este) sofreram bastante com isso. Encarei como aprendizado
e fui adiante.
Eu tinha uma certeza: o que havia aprendido no mestrado com o prof. Luís
Augusto Fischer e o que agora estava me sendo apresentado faziam parte de um
mesmo projeto. A Maria Elisa me ensinava como estudar o Brasil a partir do
estrangeiro sem cair no deslumbre das novidade teóricas. Hoje, depois de fazer um
trabalho para o qual tive de ler alguns textos baldios, valorizo mais ainda as pessoas
em quem se pode confiar em tudo o que dizem e escrevem. Tenho muita sorte de
conhecê-las.
Talvez mais sorte do que juízo. Este trabalho começou a ganhar forma quando
escolhi para objeto de estudo os textos publicados nos anais da Associação Brasileira
de Literatura Comparada. Para quem começou a estudar literatura por causa dos
trabalhos de Antonio Candido e Roberto Schwarz, analisar os discursos da Abralic, a
maior e mais influente associação de estudos de literatura no país, poderia ser
autosabotagem. O fantasma do boleto seria uma assombração eterna.
Candido e Schwarz ensinam que o estudo da literatura ganha muito se
conduzido com pelo menos um no chão. É importante que a relação entre a obra
literária, seu contexto de produção, seu público e seus antepassados façam parte do
7
ângulo de análise do estudante. A Abralic, por sua vez, tem como uma de suas
prioridades a apresentação das novidades teóricas em voga no exterior, na maioria dos
casos obedecendo ao ritmo acelerado do mercado acadêmico e deixando de lado a
mediação entre as teorias e o contexto brasileiro.
A leitura dos textos dos anais e, especialmente, dos discursos de abertura dos
congressos da entidade foram de grande valia para armar a questão. A dinâmica do
processo de importação de teorias e o modo como a novidade era capaz de demitir e
enterrar a teoria anterior por vezes remetiam ao comportamento das elites brasileiras
do século XIX retratadas por Machado e iluminadas por Schwarz. As ideias
continuavam fora do lugar – agora mais do que nunca, porque cada vez mais efêmeras
e, por isso mesmo, diziam tanto sobre nós mesmos. Considerando o momento de
enunciação destas ideias, décadas de 80, 90 e 00, a impressão que saltava da leitura é
que os trabalhos de Candido e Schwarz estavam muito sepultados na vala comum
das teorias superadas e isso a despeito de um ou outro elogio perdido em alguns
textos, sobretudo ao primeiro.
A partir destas leituras, foi possível ver o quanto o discurso acadêmico pode
alegar respeito absoluto pelos trabalhos de seus predecessores ao mesmo tempo em
que contribui para esquecê-los. Minha reação inicial foi natural de um cidadão
comum que se depara com um absurdo evidente. Esta reação originou um texto que
trata os textos analisados como seus autores tratam o estudante. Este texto, uma
espécie de reportagem sobre o tema, em que nem sempre o tom acadêmico conseguia
disfarçar o sarcasmo, foi apresentado no exame de qualificação. Ainda bem que eu
estava acompanhado das pessoas certas, porque foi na conversa durante o exame que,
por sugestão do prof. André Bueno, o tema do trabalho começou a ganhar outra
dimensão: ao invés de estudar os textos dos anais da Abralic, estudar a importação do
New Criticism feita por Afrânio Coutinho; ao invés do tom descompromissado,
assumir a seriedade da tarefa a elaborar um trabalho acadêmico que pudesse ser
apresentado em uma banca de doutorado.
Guardei o texto sobre a Abralic no fundo da gaveta. Mais algumas conversas
com a Maria Elisa e decidimos encarar o novo tema. Foram alguns meses de leitura e
fichamento da obra de Afrânio Coutinho. Até então, meu contato com a obra do autor
se resumia a algumas aulas durante a graduação. A leitura foi reveladora. Percebi que
estava diante de um intelectual cuja obra poderia ser um caminho para entender o que
eu tinha lido sobre a Abralic.
8
A começar por sua posição histórica. Afrânio Coutinho é uma das figuras mais
influentes na crítica literária e no começo dos cursos de Letras no Brasil. Entre os
anos 40 e 50, sua coluna no Diário de Notícias da então capital Rio de Janeiro tem
ressonância nacional. Ele faz campanha aberta pela profissionalização do estudo da
literatura, do crítico e do escritor, indo de encontro aos interesses dos críticos
impressionistas, que dominavam a crítica literária naquele tempo.
À medida que as leituras avançavam, o autor ganhava importância. Várias
passagens dos textos dele pareciam ter sido escritas muito pouco tempo. A
atualidade dos argumentos e o tom escolhido para o discurso faziam contato com o
material que eu havia estudado sobre a Abralic. Mas eram raras, para não dizer
inexistentes, as menções a ele nos textos de abertura dos anais e das revistas da
entidade. Como a entidade prima as novidades, achei a ausência natural.
Terminada a leitura, comecei a ruminar as informações. Um intelectual
situado nos primórdios dos cursos de Letras que quer modernizar o trato da literatura
no país; a formulação de um discurso negativista sobre obras, autores, público e sobre
a literatura produzida até o momento, isto é, a divulgação insistente de um estado
geral de crise; uma campanha aberta pela adoção do método mais recente de pesquisa
o New Criticism como o único meio do país acertar o passo com o mundo
intelectual dos países avançados.
Nos textos de abertura dos anais e das revistas da Abralic, o procedimento era
semelhante: havia a divulgação do estado geral de crise nos estudos literários, a
denúncia do esgotamento dos métodos utilizados – tudo para justificar o intuito
modernizador de acompanhar as tendências críticas vigentes no exterior. A história se
repetia a cada dois anos uma releitura dos argumentos de Afrânio Coutinho a cada
bienal. Havia, portanto, uma possibilidade de estabelecer um contato entre os dois
períodos.
Logo depois, foi a vez do New Criticism. Convivi algum tempo com I. A.
Richards, F. R. Leavis, John Crowe Ransom, Allen Tate, Robert Penn Warren,
Cleanth Brooks, William Empson, para ver como o método havia sido elaborado em
seus contextos de origem. Um ponto me chamou a atenção: tanto na Inglaterra, com
F. R. Leavis, quanto nos Estados Unidos, onde o método foi batizado, com Ransom,
Tate e Warren na fase inicial, a teoria havia sido elaborada como uma alternativa para
resguardar a esfera da cultura da invasão dos produtos culturais gerados pelo
capitalismo industrial. A literatura teria o poder de encerrar os valores de uma
9
sociedade supostamente orgânica, estável, e o método era o passaporte para este
mundo encantado. O debate sobre os problemas da vida prática não fariam parte do
universo de interesses de críticos, alunos e professores de literatura. A política, por
exemplo, estava terminantemente proibida de frequentar os domínios da literatura.
Por ter este caráter aparentemente estéril, em pouco tempo New Criticism tornou-se o
método dominante em escolas e universidades nos Estados Unidos e serviu de abrigo
para um sem-número de intelectuais das mais variadas correntes ideológicas durante a
Guerra Fria. Também por seus adeptos se recusarem a avançar na discussão sobre a
consequências do capitalismo industrial é que o método foi facilmente incorporado
pela lógica do sistema.
Voltando ao Brasil, e olhando novamente para os textos de Afrânio, percebi
que a maior parte de seus preceitos e argumentos seguiam ao da letra os
americanos. Para ele, literatura e política não deveriam conversar, e o escritor deveria
ocupar-se dos bens do espírito. O crítico especialista deveria priorizar a análise
interna dos elementos textuais, aprender a ler as palavras na página, como ensinava
Richards. Não era mais possível, segundo ele, que a crítica literária estivesse entregue
a não-profissionais. Por outro lado, seu discurso destoava dos criadores do método:
Afrânio não queria fazer frente à cultura de massa. Estava aberto um flanco por onde
eu poderia interpretar a importação do método como mais um dos produtos do
capitalismo industrial a chegar na periferia.
Isso me fez voltar ao Fredric Jameson que havia estudado com a Maria Elisa
em uma disciplina da pós. Foi no ensaio “Cultura e Capital Financeiro” que achei uma
narrativa ampla sobre a relação entre o comportamento da cultura e do capital.
Schwarz havia apontado este caminho para o caso brasileiro em diversos
momentos, indo a fundo na análise da sociedade local, sozinho e acompanhado de
Machado de Assis. Jameson viaja mais de um século para apresentar as paridades
entre o realismo e a fase de acumulação, entre o modernismo e a fase de expansão e
entre o pós-modernismo e fase de abstração.
Afrânio estava situado no segundo tempo do capital, que correspondia aqui ao
segundo tempo modernista. Na esfera econômica, o autor testemunhou a passagem da
fase de expansão interna da indústria nacional, sobretudo depois da Segunda Guerra,
com Vargas, para a fase de internacionalização da economia, de aliança entre o capital
estatal e o estrangeiro, com JK. Ele também viu que o modernismo brasileiro havia
passado da fase excêntrica e se desdobrado em duas vertentes principais, a crítica e a
10
espiritualista. O caminho escolhido por ele foi adotar e divulgar o método que
descartava os elementos externos ao texto. O New Criticism de Afrânio Coutinho não
é, como o americano dos primeiros passos, uma alternativa para resguardar a cultura
dos produtos culturais da fase de expansão do sistema, mas um biombo que isenta o
crítico da responsabilidade de debater os problemas do mundo real.
Seguindo as regras do método, Afrânio restringe sua análise ao mundo das
letras no país. Assim, além de pregar a crítica intrínseca ao texto, o autor dispara
contra a vida pública e privada dos escritores, suas obras e críticos impressionistas. Se
o crítico não deveria ultrapassar os limites do texto, também seu mundo deveria
limitar-se ao que dissesse respeito exclusivamente à literatura.
Mas, mesmo mirando no abstrato, Afrânio conseguiu desenvolver um discurso
que sobreviveria ao tempo. Seu olhar exclusivo sobre o mundo das letras no país o
levou a criar algumas passagens antológicas na crítica literária brasileira. A leitura
destes trechos me ajudou a compreender o poder abstracionista de um método como o
New Criticism. É possível, como demonstra Afrânio, desenvolver um discurso que
denuncie, critique, apavore e que apresente uma proposta de revolução, renovação,
recomeço. Desde que sem tocar em questões que alterem a ordem estabelecida. O
“discurso do caos” de Afrânio viria a ser uma das justificativas centrais para a
importação de teorias no mercado acadêmico brasileiro ao longo do século XX e
ainda hoje.
Quando cheguei neste ponto do raciocínio, puxei o freio de mão. Seria preciso
estender a análise, incluir o que havia escrito sobre a Abralic para demonstrar as
paráfrases de Afrânio Coutinho nos anais dos congressos. Não daria tempo, faltavam
alguns meses para o término do prazo e ainda tinha muito o que ler, reler e escrever.
Além disso, talvez para o meu azar, outra pergunta apareceu: se o que domina ainda
hoje nos cursos de Letras das universidades brasileiras são as novidades teóricas,
importadas na sua maioria segundo os mesmos preceitos de sempre, que tipo de
professor está dando aula no ensino básico? Em suma, dois trabalhos que deveriam
ser bem mais extensos e completos do que este.
Tentei, então, transformar essa pergunta em uma das justificativas do trabalho.
Não são poucos os professores incomodados com o modo como a literatura é ensinada
nas escolas. um abismo entre o desenvolvimento teórico dos cursos de Letras e as
propostas pedagógicas para o ensino da literatura. Um dos resultados na vida real,
diga-se – é a formação de professores versados em novidades teóricas que, em sala de
11
aula, recorrem à periodização, à estilística, ao estruturalismo, sem falar no onipresente
New Criticism tudo “para efeitos didáticos”. Assim, a literatura brasileira, para os
alunos, segue sendo a mais desimportante das disciplinas que o estudante é obrigado a
aprender para passar no vestibular. Na maioria dos casos, é somente isso. Não entrei
no diagnóstico de Antonio Candido sobre como a literatura perdeu espaço com a
popularização de outros meios de expressão. Olhava para o abismo. Que poderia,
pensava, ser uma reedição, agora em outros termos e sob outro chão histórico, de uma
elitização da literatura, que está cada vez mais encerrada no âmbito universitário.
Foi por que entrou Raymond Williams. Se não dava para estender o
trabalho para abordar essa questão, achei que para ler Afrânio Coutinho deveria armar
o meu ponto de vista com a ajuda do intelectual que vai contra o processo que limita o
estudo da literatura a uns poucos privilegiados. Quando Williams afirma que a cultura
não se restringe apenas à literatura, mas inclui outras formas de expressão que
correspondem a uma tomada de posição no contexto em que se vive, ele também pode
iluminar o professor de literatura que quer mostrar como as obras podem ser lidas
como parte da vida de seus alunos.
Williams e Candido me deram novo fôlego, pois com eles não perderia de
vista que é preciso, tanto quanto possível, dependendo do assunto, que o trabalho
acadêmico na área de Letras mantenha na conta o estudante do ensino básico. Então,
comecei a acreditar que este trabalho, mesmo não abordando o assunto diretamente,
teria a função de ao menos mapear um aspecto do problema que se põe diante do
professor no seu trabalho diário. Candido, que dedica vida e obra a auxiliar os
profissionais da área, havia dado o exemplo específico de como o estruturalismo,
uma das inúmeras correntes derivadas do New Criticism, conseguia reduzir a zero o
papel da literatura na formação do homem com um tipo de análise focada
exclusivamente nos elementos estruturais da obra. A tentativa de descrever, ainda que
sumariamente, tendo por base a obra de um autor, o processo que culminou na
predominância das teorias abstratizantes sobre as demais na crítica literária brasileira
contemporânea seria um dos principais aprendizados que levaria do doutorado para a
vida.
Isso me ajudou a concluir que este trabalho é sobretudo aprendizado pessoal,
uma espécie de retrospectiva de minha vida de estudante desde o ensino médio,
quando, por sinal, não tive aulas de literatura, apenas de gramática e interpretação de
textos –, passando pela graduação, onde tomei gosto por crítica literária, pelo
12
mestrado, onde o Fischer me ensinou a pensar, e chegando ao doutorado, onde a
Maria Elisa me ensinou a importância de estudarmos o que é de fora para estudarmos
o Brasil. Este trabalho, portanto, não começou tarde nem termina aqui. Com todas as
suas limitações e equívocos, é um extrato do que consegui estudar até agora e,
principalmente, do que ainda tenho que aprender. Para melhorar como professor e, se
der, sair do aluguel.
Quanto à outra questão, a da chegada das ideias formuladas por Afrânio
Coutinho nos dias de hoje, a solução, por conta do tempo escasso, foi a de incluir, no
final do trabalho, uma seleção de trechos do que havia pesquisado sobre a Abralic.
Esta última parte pode ilustrar como Afrânio pode ser lido como um dos protagonistas
(se não o único) da primeira fase de abstração do discurso crítico isto é, o momento
em que o discurso da crítica literária especializada afasta-se do mundo real –, e como
este processo de abstração torna-se radical na fase três do sistema, especulativa e
ainda mais intangível, que corresponde ao pós-modernismo de Jameson.
A última é a quinta parte do trabalho. Na primeira, apresentarei os
pressupostos teóricos sobre os quais irei embasar as análises dos textos. estão
Candido, Schwarz, Williams e Jameson. A segunda parte é um breve histórico do
New Criticism, com comentários sobre algumas das obras importantes da corrente. A
parte três é dedicada à análise dos textos de Afrânio Coutinho publicados em jornal e
reunidos em dois livros, Correntes Cruzadas (1953) e Da crítica e da nova crítica
(1957). Na quarta, o fechamento: Afrânio Coutinho situado em seu contexto histórico
e literário atuando como organizador da maior obra de sua vida, A literatura no Brasil
(1955-59), e como uma das figuras centrais na profissionalização do estudo da
literatura no país.
13
2 – CRÍTICA E FICÇÃO
Os cursos de Letras no Brasil sempre adotaram métodos de pesquisa
elaborados em outros países para desenvolverem-se. É um processo natural para uma
nação mais jovem do que as outras e cuja ideologia é fundada desde sempre na
importação de ideias. Não é novidade também que alguns estudiosos, Antonio
Candido e Roberto Schwarz à frente, conseguem tirar o máximo proveito destes
métodos, fazendo as adaptações necessárias para que deles se molde uma lente para
analisar o caso brasileiro em todas as suas dimensões. O curioso neste processo é que
a importação de métodos que passa ao largo da necessária mediação nacional
predomina sobre as demais.
Uma das consequências desse fenômeno é a formação de várias gerações de
pesquisadores e professores que têm dificuldade em ensinar aos seus alunos por que é
importante ler a literatura brasileira – ou por que é importante ler. É numa sala de aula
do ensino básico que os métodos de pesquisa adotados pelo professor durante sua
formação são postos à prova; é que muitas teses vão por água abaixo. Por outro
lado, é na sala de aula das universidades que os futuros profissionais deixam-se levar
pelos encantos das novidades, perpetuando o ciclo que rebaixa a literatura a
conhecimento relevante apenas para prestar vestibular.
Vários outros fatores contribuem para esse processo, e pretendemos abordar
mais alguns ao longo deste trabalho. Mas também é importante tentar identificar
quando e como esse distanciamento entre a literatura e a vida prática começa a ganhar
cor e tom de disciplina acadêmica. O que propomos aqui é uma leitura da produção
crítica de Afrânio Coutinho durante os anos 40 e 50 como o início desse processo.
Mais especificamente, da importação do primeiro método amplamente defendido e
divulgado por ele, o New Criticism. Faremos isso tentando manter um olho no
presente para ver o resultado desse fenômeno na crítica literária brasileira
contemporânea.
O caminho escolhido para este estudo procurou desviar a discussão engessada
entre o cosmopolitismo e o nacionalismo crítico. O próprio autor dá a deixa: já
naquele tempo, Afrânio defendia a ideia de que “a cultura é uma nação acima das
nações”. Estudar este tema hoje, especialmente depois de Roberto Schwarz ter
clareado a questão da importação de ideias no Brasil, requer observar a dinâmica do
capital, que mais do que nunca acabou por apagar as fronteiras entre os países, sem,
14
no entanto, deixar de promover contrastes também na periferia. São os contrastes
resultantes da adaptação da teoria importada ao contexto brasileiro que nos interessam
aqui.
2.1 – Cultura é empréstimo
A condição de cultura reflexa em países como o Brasil é um tema que estimula
interpretações variadas, quase sempre gerando discussões proveitosas. Ao longo da
história intelectual do país, a literatura teve papel fundamental no aprimoramento da
interpretação da cultura, seja através de grandes escritores ou da própria crítica
literária. O tema da importação de elementos esteve sempre presente nessas duas
esferas, às vezes menos como tema do que como prática, o que desperta interesse e
aponta uma questão muito particular para estudo, que envolve, em seu âmbito geral,
certa aproximação, ou semelhança, entre o procedimento de quem produz literatura e
de quem a estuda.
Estes dois pontos não são necessariamente excludentes: os grandes escritores
fornecem à crítica subsídios para análise e interpretação da sociedade de seu tempo; o
crítico, por sua vez, pode oferecer ao estudante caminhos para a leitura e a
interpretação dos textos literários, inclusive produzindo textos de ficção.
No campo literário, o estudante de Letras sabe de cor alguns momentos
importantes nesse sentido. Desde antes da independência, poetas como Santa Rita
Durão, conscientes das condições de produção de seu tempo, principalmente no que
se referia às preferências do ainda parco público leitor, tentavam conciliar valores
europeus com elementos locais e assim satisfazer o gosto médio. A “pele alva como a
neve” da índia Paraguaçu é talvez um dos exemplos simbólicos do tipo de relação que
mantínhamos com a cultura estrangeira naquele tempo. Logo depois de 1822, o
empenho dos poetas românticos em criarem uma literatura legitimamente brasileira
trouxe de volta a figura do índio em tintas equivalentes as do cavaleiro medieval
europeu, tendência que perdurou durante mais ou menos trinta anos na literatura
brasileira. No Parnasianismo, a importação em grande escala das musas gregas serviu
para dar o tom universal às esculturas de rimas raras e versos decassílabos compostas
pelos poetas. Um pouco depois, a geração de 22 importava os manifestos das
vanguardas européias para adequar sua poesia ao andamento da modernidade. O
repertório de casos significativos é vasto.
15
Em relação à crítica, o estudante que recua até os anos 40 para observar o
presente se depara com um grande número de tendências de interpretação acolhidas
pelos estudiosos brasileiros nesse período. Do impressionismo, historiografia
positivista, New Criticism, estilística, marxismo, fenomenologia, estruturalismo, pós-
estruturalismo, teorias da recepção
1
, até um mosaico de teorias surgido nos anos 90 e
que ainda perdura sob a designação de “teorias pós-coloniais”. Paralelamente, é
possível verificar que as linhas de pesquisa nas universidades cresceram em
progressão geométrica, principalmente nos últimos 30 anos.
O estudante que chega hoje a um curso de Letras e se depara com esse cenário
leva um susto, afinal, qualquer livro didático do ensino médio designa a produção
literária brasileira, pelo menos dos anos 60 até hoje, como “Literatura
Contemporânea”, ou, quando muito, “Tendências Contemporâneas”, para aludir às
mudanças ocorridas desde então. Pode ser que alguém alegue que esse descompasso é
resultado do fato de que a universidade é por excelência um lugar de pesquisa, onde
os resultados são testados exaustivamente antes de chegarem até a sociedade, como
ocorre, por exemplo, com novos medicamentos. Mas o estudante mais atento pode
replicar que, estando numa democracia, o risco de vida por pensar criticamente sobre
a cultura de seu país é bem menor. A impressão, portanto, é de que este pode ser um
indício de que a importação desenfreada de teorias teve como uma de suas
consequências o distanciamento entre a vida acadêmica e a vida real, e que se as
teorias não estão explicando a literatura que efetivamente se produz no país, elas se
tornam textos de ficção.
Um bom ponto de partida para essa discussão pode ser ilustrá-la com um
aspecto importante da obra daquele que soube e ensina a resolver esta equação como
ninguém. Ao comentar a apropriação da figura do índio pelos poetas românticos,
Machado de Assis afirma que
Não há dúvida de que uma literatura, sobretudo uma literatura
nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe
oferece a sua região, mas não estabeleçamos doutrinas o
absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor antes
de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu
tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no
1
Roberto Schwarz, “Nacional por Subtração”. In: Que horas são?, p. 30.
16
tempo e no espaço.
2
Machado critica o procedimento de centralizar na figura do índio o paradigma
da identidade cultural brasileira, alegando que isso resulta em reducionismo e que a
avaliação da produção do escritor deve pautar-se na habilidade deste em ser, a um
tempo, local, cosmopolita e contemporâneo. Certamente o estudante citado acima está
familiarizado com a idéia de que Machado é o maior escritor brasileiro de todos os
tempos por ser capaz de representar os meandros do subconsciente, por ter alcançado
um nível de representação estética dos dramas humanos que o coloca, fácil, no mesmo
patamar de Shakespeare. Talvez não seja forçar a mão afirmar que boa parte da
interpretação da obra machadiana ao longo do século XX, bem como do esforço de
atualização de uma parcela significativa da crítica literária brasileira partem desse
pressuposto.
Imaginemos então este mesmo estudante se deparando com a feira de
variedades teóricas disponível hoje nas universidades. À meia distância, ele, com
algum esforço, poderá identificar duas linhas contrastantes no debate acadêmico: de
um lado, os que elegem, digamos, um par de teóricos e uma grande narrativa crítica
para orientarem suas pesquisas; de outro, aqueles que optam pela diversidade de
abordagens, pela atualização constante como forma de sintonizarem-se com o debate
além fronteiras. Entre o reducionismo e o cosmopolitismo, qual escolher? A crença de
que um número reduzido de instrumentos de análise pode ser capaz de explicar a
cultura é interpretada como erro de cálculo, anacronismo, ingenuidade e,
principalmente, retrocesso, afinal, seria desconsiderar um dos ensinamentos de nosso
“fino analista da alma humana”.
No entanto, na convicção da escolha pelo viés de múltiplos enfoques está
subjacente a aceitação dos termos do contrato que condena o estudante a ficar
acertando seu relógio com o fuso dos países avançados ad eternum. Quando a leitura
das novíssimas tendências teóricas se revela inócua aos problemas da vida prática, a
crise no espírito chega disfarçada em sintomas que indicam outra doença e outro tipo
de tratamento. Ou seja, quando a necessidade de mudança de mecanismos de análise e
interpretação dos objetos de estudo começa a acompanhar o compasso da necessidade
de mudança do modelo de celular ou da cor da tintura do cabelo, a saída pode ser
2
Machado de Assis, “Instinto de Nacionalidade”. In: Obras Completas, p.809.
17
deixar o mestre da periferia do capitalismo analisar a alma ou, em outras palavras,
estudar por que as teorias que se inscrevem como uma alternativa viável para a
formulação de uma resposta aos problemas da vida prática tornam-se catalisadoras do
mecanismo opressor.
Uma hipótese para este estudo é a sugerida na frase anterior: o mosaico de
teorias distancia-se tanto da realidade que, ao invés de fornecer instrumental para
reflexão e ação sobre os problemas do cotidiano, se torna um desses problemas.
Soluções e rótulos fáceis são propagados para tentar fornecer ao estudante uma
resposta rápida, padronizada, que satisfaça sua curiosidade ao mesmo tempo em que o
distraia com uma nova pergunta, que de preferência o leve para uma recém
pavimentada via adjacente de pesquisa, onde ele se sinta cosmopolita por estar
inserido no debate contemporâneo. O que fica pra trás é justamente o mais
importante, por serem os questionamentos de fundo: se monografias, dissertações e
teses acadêmicas também parecem ser objetos de estudo para a formulação de
estratégias de marketing e vendas, quem estuda esse processo? Por outro lado, quais
os critérios de seleção do aporte teórico dessas pesquisas?
Estes são alguns dos questionamentos que servem de base para esse trabalho.
Um dos caminhos para respondê-los é dar um passo atrás, isto é, ao invés de pedir a
palavra no debate contemporâneo estabelecido, buscar a origem deste processo.
talvez possamos identificar a matriz do discurso que se desdobrou ao longo do século
XX e chega a este como dominante no debate acadêmico. A característica
fundamental deste discurso é o de que ele sempre é inscrito como um projeto de
oposição, mas, como veremos, revela-se parte de um fenômeno maior cujas regras
estão tão claras e introjetadas na vida cotidiana que podem inclusive ser interpretadas
como seus pressupostos. Esta opção por observar o debate à meia distância é
motivada pelos seguintes hipóteses: as propostas teóricas para a análise dos produtos
culturais formuladas por parte da crítica brasileira obedecem menos a uma
necessidade interna do que às tendências vigentes no exterior; o processo de
importação dessas teorias pode ser estudado observando-se o comportamento do
capital.
O problema é mapeado no Brasil pelo leitor fundamental de Machado de
Assis, aquele que nos revela que por trás do escritor do “Otelo Brasileiro” está um
observador implacável da sociedade de seu tempo. Roberto Schwarz consegue
mostrar que o mesmo homem que sugere uma postura cosmopolita ao escritor
18
também ensina a adequar devidamente o elemento importado ao assunto brasileiro. E
mais: seguindo os ensinamentos de Antonio Candido, que para escrever Formação da
Literatura Brasileira Momentos Decisivos (1959) mergulha na historiografia
literária brasileira produzida até então, sobretudo na obra de Sílvio Romero, e também
os do próprio Machado, que se abre ao debate sobre criação literária munido de
exemplos recolhidos de seus predecessores, o crítico demonstra que o estudo
exaustivo da tradição é uma condição essencial para se avaliar a produção intelectual
do presente e “solicitar o passo adiante”. A partir de um meticuloso estudo sobre a
fortuna crítica de Machado e de trabalhos como Ao vencedor as batatas (1977), em
que pelo estudo da obra do escritor romântico mostra os exemplos de inadequação do
elemento importado quando aplicado à força para retratar o contexto brasileiro,
Schwarz reúne mecanismos de análise para o estudo da obra machadiana. No entanto,
ao invés de relegar a obra de Alencar ao segundo plano como um mau exemplo, o
crítico declara que o escritor romântico é determinante para a maturidade da obra do
escritor realista, demonstrando que tanto quem produz quanto quem estuda a literatura
tem o compromisso de considerar o trabalho de quem veio antes. E é nesse mesmo
sentido que o crítico, ao diagnosticar, ainda nos 80, a aceleração do processo de
importação de teorias nas universidades brasileiras, afirma que
(...) é fácil observar que raramente a passagem de uma escola a
outra corresponde, como seria de se esperar, ao esgotamento de um
projeto; no geral ela se deve ao prestígio americano ou europeu da
doutrina seguinte. Resulta a impressão decepcionante de
mudança sem necessidade interna, e por isso mesmo sem proveito.
O gosto pela novidade terminológica e doutrinária prevalece sobre
o trabalho de conhecimento, e constitui outro exemplo, agora no
plano acadêmico, do caráter imitativo de nossa vida cultural.
3
O conjunto de teorias a que Schwarz se refere é adotado, em ritmo quase
sazonal, em várias das universidades brasileiras. Isso não impede a convivência de
linhas “divergentes” de pesquisa durante um bom tempo, o que, ao mesmo tempo em
que banaliza a reflexão sobre a cultura, resulta no surgimento de produtos culturais
próprios para o estudo através das novidades teóricas, o que gera uma espécie de
3
Roberto Schwarz, “Nacional por subtração”. In: Que horas são?, p. 30.
19
autofagia.
A importação direta de ideias estrangeiras como forma de registrar o
pensamento brasileiro em termos contemporâneos é uma prática que vem de longa
data. Para estudá-la agora, é necessário ter em mente, por exemplo, que, no
Romantismo, a bravura e a honra dos índios recém dizimados vieram à tona para
cantarmos cavaleiros medievais brasileiros, e, no Arcadismo, a índia Paraguaçu foi
submetida a um banho de alvejante somente para adequar-se ao padrão europeu de
beleza. Como ensina Schwarz, não se trata de estabelecer uma discussão entre
nacionalistas e cosmopolitas. Ou, em outros termos, entre os teóricos da hora e os
passadistas. O importante para este caso é, primeiro, entender que essa necessidade de
atualização corresponde a um movimento que transcende os domínios da academia, a
uma lógica cultural determinada pelo sistema econômico, que aqui no Brasil tem
como reflexo um fenômeno que é parte da própria lógica interna do país desde suas
origens: a modernização conservadora.
Sabemos que depois de promulgada a constituição que garantia em seu artigo
primeiro a igualdade de todos perante a lei, a sociedade brasileira ainda sustentou o
regime escravocrata por mais de meio século. E que essa atitude não foi por simples
sadismo. Em uma época em que trabalhar era demérito, os escravos foram a garantia
de sustentação da sociedade do favor. A liberalidade no papel e o autoritarismo na
prática. Na lógica cultural do sistema, a aquisição de conhecimento obedece à ordem
do consumo; estudar o presente a partir do legado da tradição é demérito, e o público
consumidor, cada vez mais ansioso por novidades, é a condição para a manutenção do
poder do crítico. A importação das teorias, portanto, poder ser interpretada como uma
consequência dessa lógica. Veremos mais a fundo os termos desta equação ao longo
deste trabalho.
O desdobramento do problema indica que estamos diante um processo de
reificação do trabalho intelectual. As teorias não valeriam mais pelo conteúdo que
fornecem ao pesquisador, mas pelo que representariam no mercado acadêmico.
4
De
um ponto de vista mais amplo, as teorias não servem mais para explicar os produtos
culturais, mas para gerá-los e sustentá-los. O diagnóstico de Schwarz, formulado
vinte anos, ainda nos serve de advertência:
4
Em país de tradição colonial, a solução para a demanda de mercado é a de, sempre, importar neste
caso, ideias e teorias, que aqui passam a ter apenas valor de troca, não valor filosófico ou científico.
(Devo este comentário a Luís Augusto Fischer).
20
Percepções e teses notáveis a respeito da cultura do país são
decapitadas periodicamente, e problemas a muito custo
identificados e assumidos ficam sem o desdobramento que lhes
poderia corresponder.
5
As consequências dessa reificação são significativas, e voltaremos a elas mais
adiante. Por enquanto, é importante ressaltar que a pressa de muitos em rotular a
produção intelectual do passado como entulho teórico não provoca, ao contrário do
que podem pensar os novidadeiros, uma reação em nome da defesa dos teóricos
descartados. Ao invés disso, arma uma questão que ainda demanda aprofundamento.
2.2 – Cultura é processo
Em um tempo em que a necessidade de adesão às novidades teóricas acaba por
embaçar a visão histórica, privando desse modo o aprofundamento das questões
levantadas pela tradição e contribuindo para a ideia de que dependemos da orientação
de teóricos novidadeiros para enxergarmos o que está à nossa volta, todo professor de
literatura em formação (ou não) também deveria ler Raymond Williams. Não seria
necessário que todos concordassem com suas teses, mas que pelo menos soubessem
que houve um teórico cujo pensamento se baseou no pressuposto de que cultura é um
modo de vida e de construção de significados. Pelo menos teriam uma motivação a
mais para alcançarem por seus próprios meios uma independência intelectual no meio
acadêmico (e fora dele) e, principalmente, subsídios para tratar a literatura não como
um repositório de valores de uma determinada sociedade, mas como uma parte
importante da cultura, como algo próximo da vida real de seus alunos.
Os pontos do debate de Williams com seus contemporâneos que nos
interessam aqui dizem respeito à sua oposição em relação ao que se entendia como
estudo da literatura. Ele é contemporâneo de F. R Leavis, o crítico que, como veremos
mais adiante, encoraja os primeiros passos do que viria a ser o New Criticism. Para
Leavis, era necessário defender a cultura da invasão da cultura de massa, de tudo o
que levasse a um questionamento da ordem vigente no mundo das Letras. Para isso,
ele ajuda codificar um método que isola o texto do contexto, supervalorizando os
5
Roberto Schwarz, “Nacional por subtração”. In: Que horas são?, p.31.
21
elementos textuais em detrimento de seu significado social. Williams, por sua vez,
defende que tanto a literatura como os produtos da cultura de massa e o próprio modo
de vida das pessoas instituições, hábitos, costumes, memórias familiares, por
exemplo,– fazem parte da cultura.
6
Para o propósito deste trabalho, interessa sublinhar
que a literatura, nesta visão, não é propriedade de poucos iniciados em seus métodos
de investigação, é parte da vida das pessoas.
O ensinamento de Williams não ajudaria o professor a estudar e a ensinar
os possíveis vínculos entre forma literária e processo social como serviria de bússola
para o aspirante a mestre mover-se no ambiente de ampla oferta de produtos teóricos
que é a universidade. Para ilustrar a necessidade de bússola, vejamos uma citação fora
de contexto: imaginemos um estudante se deparando com uma feira de novidades
teóricas e ponderando se deve ou não aderir às novidades teóricas trazidas ao Brasil. É
bem provável que, diante da badalação em torno da chegada das últimas tendências,
de tamanha oferta de métodos, ele comente com um colega:
(...) Nosso poder de aproveitar as experiências humanas mais
significativas depende dessa minoria, que mantém vivos os
aspectos mais sutis e mais frágeis da tradição. Dela dependem os
standards implícitos que ordenam as formas de vida mais refinadas
de uma época, o sentido de algo aqui é mais valioso do que acolá,
que devemos ir nesta ou naquela direção.
7
Se o poder de apontar os caminhos considerados mais relevantes para a
pesquisa na área de Letras no Brasil está delegado a uns poucos, a noção de cultura
como algo extraordinário prevalece sobre a de Williams. Uma das consequências
disso é o fato de a maioria da população brasileira admirar as manifestações artísticas,
mas não entender muito bem para que elas servem. Arte, para o homem cordial, é
entretenimento. Assim, configura-se aqui o mesmo problema contra o qual Williams
dedicou sua vida para apontar caminhos de solução: os produtos culturais, por não
serem entendidos como algo que é decisivo na vida das pessoas, são interpretados
como algo além do alcance, quando não como algo inútil. Em nosso caso, na periferia
6
Raymond Williams, Culture and Society, p. 255, apud Maria Elisa Cevasco, Para ler Raymond
Williams, p.90.
7
F. R. Leavis, “Mass Civilization and Minority Culture”, In: Maria Eliza Cevasco, Para ler Raymond
Williams, p. 87.
22
do capitalismo, o espetáculo das teorias esvazia o sentido da arte.
A minoria que adquiriu e que mantém esse poder de decisão nos dias de hoje
deve muito a Afrânio Coutinho. Williams também ajuda a enxergar esse processo.
Veremos que tanto Afrânio como os teóricos contemporâneos articulam uma resposta
ao momento histórico em que vivem e conseguem persuadir leitores e estudantes com
uma forma peculiar de oposição ao sistema estabelecido. O discurso não raro tem tom
revolucionário, mas no fundo acaba aderindo às formas de vida determinadas pela
organização econômica de países centrais. Os domínios da literatura servem de
refúgio para os males da civilização desde a época de Afrânio. No fim do século XX,
a sofisticação da linguagem e o tom radical e libertário dos discursos também servem
de fachada para uma renúncia ao debate sobre temas que podem efetivamente
interferir na vida prática.
Partindo do princípio de que o que não corresponde à realidade pode ser
interpretado como ficção, podemos, para comentar a produção teórica de Afrânio e
seus sucessores, lembrar do que Williams chama de “estrutura de sentimento”. Para
ele, mais do que simples características comuns em várias manifestações artísticas em
um determinado momento histórico, as estruturas de sentimentos são identificadas
como componentes que articulam uma resposta a esse momento histórico. Esses
componentes, ao mesmo tempo em que são elementos estruturantes das obras de arte,
correspondem ao tipo de experiência de vida do artista em seu contexto de produção.
A síntese dialética entre o que é, a um tempo, externo e interno à obra deve ser
avaliada em seu potencial de configurar uma interferência significativa nesse
contexto.
A interferência significativa de teóricos novidadeiros no contexto em que
vivem, seja na metade ou no fim do século passado, promove profundas mudanças na
área acadêmica. E quando lembramos que grande parte dos profissionais que irão para
as salas de aula tentar incluir a literatura no rol de interesses dos estudantes seduzidos
pelos meios de comunicação de massa são versados sobretudo no lado abstrato da
matéria, é preciso ter ciência de que estrutura de sentimento nos cabe.
Então, para estudarmos o caso de Afrânio Coutinho e em seguida ilustrarmos
como sua prática crítica ainda reverbera nos dias atuais, partimos do pressuposto de
que a literatura, como integrante da esfera da cultura, é um elemento que integra a
vida das pessoas, e não um domínio ao qual têm acesso aqueles que se dispõem a
fazer parte de associações.
23
Dito isso, tentaremos analisar as teorias importadas como produtos culturais
determinados pela lógica do sistema econômico. Como ensina Roberto Schwarz, é
preciso tentar enxergar como o influxo externo de ideias, combinado à dinâmica do
progresso do capital, faz com que surjam contrastes que são parte da vida cultural
brasileira. E como ensina Fredric Jameson, um caminho é interpretar os movimentos
artísticos como parte do movimento global do capital, em suas várias fases. É o que
tentaremos fazer de agora em diante.
2.3 – Cultura é capital
Comecemos pelo presente. O fato de termos testemunhado a pressa com que a
crítica especializada tenta encontrar nomes novos para cada avalanche de teorias faz
com que o muito apregoado conceito de pós-modernismo seja visto com receio. Mas
o termo novo que nesta altura, pela lógica, é antigo ganha fundamento de
conceito em Pós-Modernismo – A lógica cultural do capitalismo tardio (1991).
Neste livro, Fredric Jameson, a partir da leitura da obra de Jean Baudrillard,
teórico francês de quem mais discorda do que concorda, bem como de seus
predecessores (Marcuse, McLuhan, Lefebvre), o crítico elabora uma revisão dos
esquemas tradicionais da tradição marxista. Segundo ele, a ausência dos intelectuais
marxistas permitiu que a mediatização da sociedade americana, iniciada nos anos 60,
gerasse novos fenômenos sociais mediáticos e informacionais influenciados pela
direita. O estudo desses fenômenos teria influenciado na formação da idéia de “fim
das ideologias” e permitido, por fim, o surgimento de um conceito novo para o tempo,
o de “sociedade pós-industrial”. A articulação entre teoria e prática dos teóricos de
direita e, sobretudo, o livro O capitalismo tardio (1972), de Ernest Mandel,
acordariam, se não grande parte dos teóricos de esquerda, ao menos Jameson, do
“sono dogmático canônico”
8
. E é com base tanto na revisão crítica da obra de teóricos
anteriores quanto no livro de Mandel, que pela primeira vez descreve o terceiro
estágio do capitalismo de um ponto de vista marxista, que o crítico chega à sua
concepção de pós-modernismo, que ao invés de simplesmente designar um “espírito
de época”, se fundamenta na história do capital:
(...) dotar a cultura pós-moderna de qualquer originalidade
8
Fredric Jameson, s-modernismo ou a lógica cultural do capitalismo tardio, p. 396.
24
histórica equivale a afirmar, implicitamente, que uma diferença
estrutural entre o que se chama, muitas vezes, de sociedade de
consumo e momentos anteriores do capitalismo de que esta
emergiu.
9
O pós-modernismo, segundo a concepção de Jameson, é uma tentativa de
teorizar a lógica específica da produção cultural do terceiro estágio da história do
capital. Esta lógica inclui, como é de se esperar, uma resistência a esse tipo de
conceituação, que a abordagem totalizante do conceito não combina com os efeitos
da presença da forma mercadoria não mais apenas como mediadora das relações
sociais, mas como determinante no modo de interpretar o mundo. Ciente disso, ele
lembra que o próprio conceito é resultado de uma abstração histórica, assim como a
noção de modo de produção e de capitalismo, de modo que é preciso estar atento para
não incorrer no erro de acreditar no conceito como um substantivo concreto, tangível,
sob pena de cometer-se exatamente o que está sendo criticado neste trabalho, a
reificação conceitual.
Essa resistência ao conceito totalizante, então, é parte do pós-modernismo. E
talvez seja por causa da opção dos teóricos inovadores em rejeitar o exercício de
abstração histórica que a influência da forma mercadoria se torne invisível para eles.
A reificação conceitual se pela incapacidade em distinguir a influência da
mercadoria na elaboração dos produtos culturais e das teorias que os estudam. A
naturalização do poder da mercadoria nas várias esferas da vida transforma a
abstração teórica em substantivo concreto, em mais um produto cultural decorrente da
lógica do sistema.
É o caso, portanto, de utilizarmo-nos da abrangência do conceito de pós-
modernismo para estudarmos as teorias como produtos culturais. Jameson indica que
a utilização desse conceito envolve também uma concepção renovada de mediação,
ou seja, a identificação de um “nível no interior do social que tenha se desenvolvido
ao ponto de ser governado internamente por suas próprias leis e dinâmicas
intrínsecas”
10
, que estaria situado entre o nível econômico e o estético. Isto não
significa, como uma leitura apressada pode sugerir, que o caminho seja identificar
9
Idem, Ibidem, p. 80.
10
Fredric Jameson, “O Tijolo e o Balão”, In: A Cultura do Dinheiro, p. 175.
25
“aquilo que no campo extra-artístico não existe (...), uma estrutura sem referência”
11
,
um entre-lugar. A proposta do crítico é que se analisem os produtos culturais do ponto
de vista econômico, o que ao mesmo tempo envolve o poder concreto do dinheiro
sobre a vida das pessoas e o processo de abstração absoluta do capital.
Mais uma vez, ele desenha o mapa: no ensaio “Cultura e capital
financeiro”(1997), impulsionado pela narrativa da história do capitalismo de Giovanni
Arrighi em O longo século XX (1994), o crítico reúne questões importantes sobre o
funcionamento das sociedades atuais. Algumas chamam a atenção:
por que estamos prestando mais atenção aos investimentos e ao
mercado de ações do que à produção industrial que, em todo caso,
está prestes a desaparecer? Como se pode obter lucros sem
produção? Por que a especulação e a bolsa de valores devem se
sobressair como setores dominantes nas sociedades avançadas,
onde “avançado” tem certamente algo a ver com a tecnologia, mas
também deveria, presume-se, ter algo a ver com produção?
12
Segundo Jameson, a história de Arrighi identifica três importantes fases do
capitalismo. A primeira delas envolve comércio e acumulação primitiva; na segunda,
o dinheiro se transforma em capital e é territorializado, ou seja, investido em
agricultura e manufatura, transformando um território em centro de produção até o
ponto em que a condição para a manutenção dos lucros seja o fim da expansão. Esse
esgotamento determina a terceira fase. Com o fim da fase de produção, opta-se pela
busca de lucros obtidos nas próprias transações financeiras, isto é, o dinheiro se
separa de sua dimensão concreta, de fábricas ou locais de expansão e produção e vai
para as bolsas de valores.
Estas três fases proporcionariam também a formulação de uma teoria mais
complexa e satisfatória do papel do dinheiro na produção cultural, uma teoria mais
abrangente para o entendimento da sequência histórica e estrutural de que fazem parte
realismo, modernismo e pós-modernismo, pensada do ponto de vista econômico.
As flutuações abstratas do dinheiro na nova sociedade industrial, na virada do
século XIX para o XX, seriam determinantes de um modo radicalmente novo de
11
Roberto Schwarz, “Adequação nacional e originalidade crítica”, In: Seqüências Brasileiras, p. 31.
12
Fredric Jameson, “Cultura e capital financeiro”, In: A Cultura do Dinheiro, p. 143.
26
pensar e perceber. Se antes o dinheiro provocou alteração na percepção das
propriedades físicas dos objetos, agora, os efeitos do valor de troca e da equivalência
monetária teriam como resultado a mudança das velhas noções de substâncias estáveis
e suas identificações unitárias. Ou seja, os objetos se tornam equivalentes enquanto
mercadorias, e o dinheiro nivela suas diferenças intrínsecas como coisas individuais.
Assim, tanto a cor como a forma, por exemplo, passam a ser semi-autônomas, isto é,
se liberam de seus antigos veículos e conquistam independência como campos de
percepção e como matérias-primas da arte. A abstração decorrente dessa fase,
segundo Jameson, é a que conhecemos como modernismo, que corresponde ao
segundo estágio da industrialização capitalista.
Esta fase de abstração do capital alcançaria o ponto máximo hoje, levada pelos
avanços tecnológicos que proporcionam, por exemplo, a transferência de enormes
somas de capital de um ponto a outro do planeta em segundos. Para Jameson, a
ruptura da relação tempo/espaço produziu novos tipos de bloqueio político e gerou
sintomas novos e irrepresentáveis em nosso cotidiano. Além disso, a produção e o
consumo culturais de massa, em conjunto com a globalização e com as novas
tecnologias da informação, seriam tão econômicos e integrados no sistema de
mercantilização quanto as outras áreas produtivas do capitalismo tardio. E é este
momento de regência do capital financeiro, aliado às abstrações resultantes da
tecnologia cibernética, que resultariam no que poderíamos chamar de pós-
modernidade, que articula sintomas de um estágio de abstração qualitativa e
estruturalmente distinto do modernismo.
Jameson apresenta duas contribuições para a análise dessa narrativa. Uma
delas é uma teoria dialética do paradoxo do “realismo como modernismo”, ou seja,
um realismo tão essencialmente ligado à modernidade que exige uma descrição nos
moldes reservados ao modernismo, isto é, que inclua a ruptura, o novo, o surgimento
de novas percepções, e assim por diante. Sua proposta é de que se observem esses
modos historicamente distintos e aparentemente incompatíveis do realismo e do
modernismo como dois dos muitos estágios de uma dialética da reificação, que se
apodera das propriedades e das subjetividades das instituições e das formas de um
mundo pré-capitalista anterior, para nivelá-las.
Segundo Jameson, com a intensificação das forças da reificação e sua
expansão em zonas cada vez mais amplas da vida social incluindo a subjetividade
individual –, é como se a força que gerou o primeiro realismo agora se voltasse contra
27
ele e o destruísse. Dessa forma, as pré-condições ideológicas e sociais do realismo a
crença ingênua numa sociedade estável, por exemplo são agora desmascaradas,
desmistificadas e desacreditadas, e as formas modernistas geradas justamente pelas
mesmas pressões da reificação tomam seu lugar. Nessa narrativa, a supressão do
modernismo pelo pós-modernismo seria, previsivelmente, lida do mesmo modo,
como uma intensificação das forças de reificação, com resultados dialéticos
totalmente inesperados para os modernismos agora hegemônicos.
A outra contribuição do autor postula um processo formal específico do
moderno que parece ser bem menos influente no realismo e no pós-modernismo, mas
que pode ser esteticamente ligado a ambos. Jameson segue Lukács para observar a
reificação modernista em termos de análise, decomposição e, acima de tudo, de
diferenciação interna. Ao colocar essas hipóteses sobre o modernismo em vários
contextos, Jameson afirma ser produtivo observar esse processo em termos de uma
“autonomização”, ou seja, elementos que antes faziam parte de um todo tornando-se
independentes e autosuficientes.
No entanto, esta lógica parece não mais funcionar, segundo o autor. Do
mesmo modo que, na esfera da cultura, as formas de abstração que pareciam, no
período moderno, feias, dissonantes, escandalosas, indecentes ou repugnantes também
se transformaram em formas dominantes do consumo cultural e não chocam mais
ninguém ao contrário –, todo o sistema de produção e consumo de mercadorias está
baseado, hoje, nessas velhas formas modernistas, que antes eram antisociais.
As noções convencionais de abstração também não parecem apropriadas ao
contexto pós-moderno, e, no entanto, como diz Arrighi, nada é tão abstrato quanto o
capitalismo financeiro, que escora e alimenta a pós-modernidade. Ao mesmo tempo,
também parece claro que a autonomização continua bem presente na pós-
modernidade. Assim, um processo e uma lógica de extrema fragmentação parecem
ainda estar em operação aqui, mas sem nenhum de seus efeitos anteriores.
O que teríamos, conforme Jameson, seriam formas radicalmente novas de
abstração correspondentes à nova lógica do capitalismo, diferentes das do
modernismo e que podem ser observadas em operação na produção cultural
contemporânea. Nesse sentido, ao invés de pensarmos nos termos de uma
autonomização, mais apropriado seria tomar o conceito de “desterritorialização”, que
dá conta do processo de abstração do estágio contemporâneo do capital, que se
transfere instantaneamente de um ponto a outro do planeta (seja entre dois países ou
28
duas contas correntes) e, no campo da arte – e das teorias –, do fato de que o conteúdo
é suprimido em favor da forma.
A narrativa de Jameson emoldura este trabalho. Aqui, ao estudarmos o caso da
importação do New Criticism por Afrânio Coutinho, tentaremos traçar um paralelo
entre o comportamento das teorias e do capital no Brasil. Com isso pretendemos
mapear as bases do processo de importação teórica na crítica literária brasileira e
esboçar uma interpretação da dinâmica deste processo nos dias de hoje.
Esta volta e estes termos parecem ser necessários também por conta da face
peculiar que as ideias estrangerias assumem quando suas adaptações são guiadas pela
lógica do capital na periferia do sistema. Olhando mais uma vez para trás
rapidamente, vemos que um Brasil agrário, escravocrata, independente e de
mentalidade colonial tenta dar um salto de evolução mental adotando ideias de
sociedades onde o capital está em fase de expansão. Considerar apenas esse
descompasso já seria um tópico para estudo. Mas sabemos que o problema ganha vida
nova quando levamos em conta que a economia fundada no trabalho escravo é parte
dessa fase de expansão. Ou seja, mesmo contrariando um dos preceitos básicos do
capitalismo, o trabalho assalariado, a mão de obra escrava é parte dele. No caso
brasileiro, portanto, estávamos fadados desde o início a conviver com ideologia
liberal e autoritária, em proporções semelhantes. Assim, essa contradição está na base
da formação da vida mental da sociedade letrada, a minoria dominante, que teve de
gerenciá-la conforme suas conveniências.
13
É observando o comportamento da minoria letrada do século XIX – que
permanece sendo minoria até os dias de Afrânio Coutinho que aprendemos que
uma espécie de margem de erro no discurso ideológico estrangeiro que aporta no
Brasil. No entanto, os critérios de seleção do que é conveniente aplicar são sempre
relativos, e a vida ideológica consegue se formar a despeito de qualquer contradição.
Confrontar a ideia estrangeira com a realidade brasileira, como lembra Schwarz, não
parece ser importante para eles. Qualquer incoerência é perdoada, pois, na visão de
quem comanda, a cultura pertence a uma esfera separada da vida real.
14
Manipuladas conforme o interesse da classe dominante, as ideologias de fora
tem pouco ou nenhum contato com a realidade e são deformadas em seus princípios
fundamentais. O resultado é uma abstração de segundo grau, um discurso mutante e
13
Roberto Schwarz, “As ideias fora do lugar”, In: Ao vencedor as batatas, p. 13.
14
Idem, ibidem, p. 15.
29
vazio mesmo quando usado propriamente. Segundo Schwarz, este tipo de discurso
está presente também ao longo do século XX, nas várias tentativas de acertamos, à
força, nosso relógio com o fuso dos países avançados.
15
Sendo a cultura vista como uma esfera separada da vida real, “adotar, citar,
macaquear, saquear, adaptar ou devorar” teorias para o estudo da literatura é uma
prática que também resulta nesta dupla abstração. Para o objetivo deste trabalho, não
interessa apenas apontar as lacunas entre a teoria e realidade brasileira, mas estudá-las
como parte do processo de construção de nossa crítica literária.
Veremos, então, que Afrânio Coutinho, para justificar a importação do New
Criticism, elege um conjunto de práticas discursivas determinadas pelo momento
sócio-histórico em que vive. O resultado, como pretendemos mostrar, é a formulação
de paradigmas que hoje representam a primeira fase de abstração do discurso na
crítica literária brasileira, isto é, a formalização do distanciamento entre crítico, teoria,
objeto e sociedade.
15
Idem, ibidem, p.18-21.
30
3 – O CONCRETO NO ABSTRATO
Para descrever o processo do trabalho de Afrânio Coutinho sobre o New
Criticism é necessário compreender um pouco da história do movimento na Inglaterra
e nos Estados Unidos. Esta parte do trabalho será dedicada a destacar alguns pontos
que podem ser úteis nesse propósito. Como as várias versões desta história muitas
vezes se confundem com a própria dinâmica contraditória da construção teórica do
movimento, não pretendemos esmiuçar o passo a passo de suas diferentes fases, mas
traçar uma trajetória que passe por alguns pontos considerados importantes para este
trabalho.
Se chegaremos mais tarde ao ponto de afirmar que Afrânio Coutinho renuncia
seu papel social de crítico literário em um dos momentos políticos mais conturbados
da história brasileira, e que ele serve-se dos preceitos da própria teoria para justificar
sua atitude, esta breve história do movimento pretende funcionar como um
contraponto: aqui tentaremos demonstrar o processo de formação da teoria, sua face
histórica, seu vínculo estreito com o processo social nos contextos de origem e
algumas obras que ajudaram em sua codificação.
Esta trajetória começa na Inglaterra, no século XIX, com Matthew Arnold
relacionando o papel da literatura ao da religião, passa ao século XX, com os
trabalhos de I. A. Richards e F. R. Leavis, e vai aos Estados Unidos, onde a teoria
desenvolve-se, ganha nome próprio e passa a ser dominante em escolas e
universidades. O fato de ter começado como um movimento conservador para atender
aos interesses dos sulistas americanos e, em pouco tempo, ter angariado seguidores
das mais variadas correntes políticas em todo o território americano é uma prova de
seu poder de persuasão. Os fatores que levam a essa transformação merecem atenção,
sobretudo porque são praticamente os mesmos que carimbam o passaporte do New
Criticism e facilitam sua entrada no Brasil e em vários países.
3.1 – O símbolo, a literatura e a religião
Quando a Inglaterra se torna a primeira nação capitalista industrial do mundo,
a arte se desvaloriza. A ideologia predominante é a da classe média industrial, que
reduz as relações humanas a trocas de mercado e promove uma reconfiguração na
paisagem social do país. A literatura está em período romântico, e a expressão da
31
subjetividade, o escapismo, é também consequência deste contexto opressor. É um
momento em que a obra literária passa a ser vista como uma unidade orgânica: nela
estariam preservados os valores expulsos pela lógica do sistema, a salvo do
racionalismo filisteu dominante. Os principais poetas românticos fazem da literatura
uma ideologia alternativa a esse sistema, mas suas ações políticas se resumem a uma
exaltação da total liberdade da imaginação. Consequentemente, também é um
momento em que o texto se afasta consideravelmente da vida real.
É nesta conjuntura histórica que aparece a filosofia da arte, ou ‘estética’. A
obra de arte passa a ser um objeto passível de análise profunda, que guarda em si um
certo mistério inacessível que provoca no observador uma experiência única. A
literatura vai por esse caminho. Os escritores, agora desprovidos de prestígio e
deslocados na sociedade, partem para uma jornada no mundo da imaginação e
transformam sua literatura em fetiche solitário. Disso decorre a ascensão do símbolo,
doutrina que está no centro da teoria estética. Neste ícone abstrato estariam resolvidos
todos os conflitos da vida prática:
Todas as suas várias partes operavam espontaneamente em conjunto,
para o bem comum, cada qual em seu lugar subordinado. Portanto, não
é de espantar que o símbolo, ou artefato literário como tal, tenha sido
oferecido regularmente durante os culos XIX e XX como um modelo
ideal da própria sociedade humana. Se as classes inferiores
esquecessem suas reivindicações e se unissem para o bem de todos,
grande parte da tediosa agitação poderia ser evitada.
1
Estas classes inferiores estão no centro do projeto de Matthew Arnold, figura-
chave neste momento. Se os escritores creem que têm o talento de alimentarem-se de
seus próprios egos, a grande massa de trabalhadores acusa o primeiro esgotamento
do sistema econômico. Aliado a isso, as descobertas científicas fazem com que a
religião, que era a ideologia capaz de manter as classes em seus lugares, caia em
descrédito. Resta fazer com que os próprios escritores forneçam a solução para o
problema: o símbolo, que tudo pode e abriga, é tão fechado à demonstração racional
quanto os dogmas da religião. A literatura, então, passa a ser o principal discurso
ideológico:
1
Terry Eagleton, “A ascensão do Inglês”, In: Teoria da Literatura: uma introdução, p.33.
32
A literatura habituaria as massas ao pensamento e sentimento
pluralistas, persuadindo-as a reconhecer que há outro pontos de
vista além do seu ou seja, o dos seus senhores. Transmitiria a elas
a riqueza moral da civilização burguesa, a reverência pelas
realizações da classe dia e, como a leitura da obra literária é uma
atividade essencialmente solitária, contemplativa, sufocaria nelas
qualquer tendência subversiva de ação política coletiva. Além disso,
ela faria com que tivesse orgulho de sua língua e literatura nativas:
se a pouca educação e as muitas horas de trabalho impediam que os
trabalhadores produzissem eles mesmo obras-primas de literatura,
ainda assim eles poderiam ter o prazer ao pensar que outros iguais a
eles – outros ingleseso haviam feito.
2
A disciplina “Inglês” foi criada para isso, tornando-se o Clássico dos pobres.
Primeiramente, foi ministrada nos institutos e cursos profissionalizantes e de
extensão, como um meio de proporcionar uma educação “liberal” a quem não tinha
condições de frequentar uma escola particular ou as universidades de Oxford e
Cambridge. Até se tornar uma disciplina acadêmica, teve de superar o preconceito da
classe governante, que tratava a literatura apenas como passatempo de pessoas de
bom gosto. Para eles, a literatura não seria capaz de concorrer em de igualdade
com as demais disciplinas acadêmicas. Só mais tarde, quando a classe dominante teve
de reconstruir o senso de identidade arrasado pela Primeira Guerra Mundial é que a
literatura ganha novo fôlego e o Inglês é admitido nas universidades.
3.2 – A codificação, o paradigma
Os organizadores da disciplina, em Cambridge, são membros de uma classe
social que chega pela primeira vez às universidades. O momento é um dos mais
importantes para os estudos literários: os professores diletantes começam a dar lugar a
um grupo de visão radicalmente oposta, que consegue profissionalizar o estudo da
literatura.
I. A. Richards estava no centro desse processo. Seu papel era o de formular e
2
Idem, ibidem, p. 38.
33
legitimar um novo método de abordagem por meio do qual o leitor encontrasse
elementos que o levassem a louvar, de alguma forma, o país. Em Principles of
Literary Criticism (1928), Richards desenvolve um sistema de códigos destinado a
orientar o professor sobre como mediar o contato do aluno com o texto. É preciso que
o crítico-professor seja capaz de desdobrar sua opinião passando ao largo do tom
subjetivo da crítica impressionista:
Estamos acostumados a dizer que um quadro é belo, em vez de
dizer que causa em s uma experiência que de certo modo é
valiosa. Foi uma aquisição grande e difícil a descoberta de que a
observação - Isto é belodeve ser resolvida e desdobrada desta
maneira, antes que seja mais que um mero barulho assinalando o
fato de que aprovamos a pintura. Tal é o poder insidioso das formas
gramaticais (...)
3
Em suma, explicar o belo: esse era o ponto de partida para a elaboração do
método. O aluno-leitor deveria estar apto a identificar e a demonstrar os elementos
textuais que o comoviam de alguma forma. Richards ensina que as reações do leitor
diante do texto podem ser mapeadas observando-se linhas de força que partem do
poema. Esses elementos encerrariam o poder de harmonizar e equilibrar os impulsos
gerados pelo ato da leitura. Cada uma das partes formadoras desta sinestesia poderia
se tornar objeto de análise, ou seja, os componentes textuais que determinam uma
reação emocional no leitor permaneceriam intactos e poderiam ser analisados em si
mesmos.
Por mais que o discurso desafie os limites da abstração, o propósito é bem
objetivo: estimular o nacionalismo e manter a coesão social. Se os estudantes
conseguissem mapear os estimulantes textuais geradores da emoção do leitor e
traduzir esta emoção em linguagem, teriam acesso aos valores nobres e elevados da
arte:
As artes são nossos depósitos de valores preservados. (...) Registram
elas os mais importantes julgamentos que possuímos quanto aos
valores da experiência. Constituem um testemunho que, por falta de
3
I. A. Richards, Princípios da Crítica Literária, p. 14.
34
uma psicologia aproveitável pela qual interpretá-lo, e através da
influência dessecante da Ética abstrata, tem sido deixada intocada
por estudiosos professos de valor. (...) As artes, se devidamente
abordadas, fornecem os melhores dados disponíveis para decidir
que experiências são mais valiosas que outras. A condição
qualificativa é entretanto muito importante.
4
Para desviar o leitor da abstrações do discurso impressionista e encaminhá-lo
para o estudo criterioso dos textos literários, um outro perfil de crítico-professor seria
necessário. Alguém que fornecesse o instrumental capaz de revelar “os valores da
experiência” contidos no texto literário, que levasse pela mão o aluno-leitor na
travessia:
É essencial construir uma ponte no abismo, aproximar o nível da
apreciação popular do consenso da opinião mais qualificada e
defender essa opinião contra os ataques prejudiciais (...) é essencial
dar uma justificativa mais clara do que foi feito até agora, de por
que essa opinião é correta.
6
Se a alta literatura continha os valores humanos universais capazes de suprir
inclusive a ausência do material, não havia por que considerar o contexto sócio-
histórico de produção do texto nem mesmo a vida de seu autor. Bastava ater-se às
palavras na página. Isso significa um salto para dentro do texto, uma manobra que
tem por consequência o descarte imediato da reflexão ampla sobre o processo social a
partir da literatura. Dessa forma, os propósitos se unem: desenvolve-se um sistema de
códigos capaz de dar ao estudo da literatura o status de disciplina independente e
relevante e, ao mesmo tempo, limita-se o espectro de visão do aluno-leitor aos
domínios da obra literária.
Se lembrarmos que esse é o momento nascente da crítica moderna e que tal
limitação é um de seus conceitos principais, podemos pensar que a literatura estava
condenada à irrelevância social desde a primeira tentativa de sistematização de seu
estudo. E talvez ir adiante e perguntar em que medida os avanços teóricos do século
XX contribuíram efetivamente para alterar este quadro, que este modo de ler ainda
4
Idem, Ibidem, p. 25-26.
6
Idem, ibidem, p. 29.
35
é considerado “natural” ou “correto”, tanto por quem estuda literatura na escola
quanto para quem simplesmente gosta de ler. No caso brasileiro, um paradigma
formulado nestes termos por Afrânio Coutinho permanece intocável, como se de sua
preservação dependesse a promoção de avalanches teóricas sazonais na crítica
brasileira.
3.3 – A modernização conservadora
O projeto de Richards se expandiu em Cambridge com F. R. Leavis, com
função social parecida. Ele cria, em 1932, a revista Scrutiny, que é fundamental na
ampliação e na popularização do método. Para Leavis, a estabilidade da sociedade
inglesa estaria garantida se o estudo da literatura contribuísse para formular um
contraponto à padronização promovida pela cultura da sociedade de massas no entre-
guerras. O close reading, o método da leitura das palavras na página, era para ele uma
forma de investigar e preservar os valores humanos mais fundamentais contidos nas
obras literárias. Fazer crítica envolvia construir um consenso de valores a partir do
qual seria possível julgar os rumos incertos da civilização contemporânea.
7
Se antes o estudo da literatura deveria funcionar como um ópio para aqueles
que viviam em condições adversas para que não questionassem a ordem vigente,
contribuindo, desse modo, para a manutenção da utopia da comunidade orgânica, na
época de Leavis, estudar o texto literário tem o mesmo objetivo, mas o sentimento é
de nostalgia daquela utopia. Os valores que se perderam no mundo real permanecem
intactos nas obras literárias. A comunidade orgânica é uma ficção, mas a preservação
de seu conceito é visto como um instrumento real para a manutenção da ordem. Cabe
ao crítico-professor ensinar aos alunos como encontrá-la em uma obra literária. No
presente, não é mais possível, para Leavis, que a cultura e a sociedade dos métodos de
produção andem juntas. Falta algo do passado:
The modernity manifests itself, for the most part, in a complacent
debility; the robust, full-blooded emotional confidence of the
Victorians is lacking, a modest quietness being the Georgian study;
and technical liberation, accordingly, takes the form of loose,
7
Maria Elisa Cevasco, Dez lições sobre Estudos Culturais, p. 35.
36
careless, unconvinced craftsmanship.
8
3.4 – A salvação na poesia
A atmosfera vigente é adversa e demanda um novo momento na produção e na
análise dos textos literários. Leavis quer desenvolver e popularizar um método que
faça frente à banalização da cultura contemporânea e que, ao mesmo tempo, devolva
ao escritor e à literatura o lugar de destaque na sociedade. Para tanto, o discurso deve
ser pessimista. As transformações são visíveis a todos, mas poucos conseguem
enxergar o mal que elas fazem. Cabe ao crítico mostrá-lo – sempre em tom de
perplexidade absoluta diante do que sua lente privilegiada enxerga –, e oferecer um
caminho de salvação. talvez tenhamos um outro paradigma da crítica moderna: a
aceitação de uma nova teoria depende de discursos que denunciem crise generalizada.
No pacote emergencial formulado por Leavis, é preciso que, além dos estudantes, os
próprios escritores estejam cientes da necessidade de reformulação de seu trabalho:
To make a fresh start in poetry under such conditions is a desperate
matter. It is easy enough to say that poetry must be adequate to
modern life, and it has often been said. But nothing has been done
until such generalities have been realized in particulars, that is, in
the invention of new techniques, and this, in an age when the
current conventions will not serve even to provide a start, is
something beyond any but a very unusually powerful and original
talent. The established habits form a kind of atmosphere from which
it is supremely difficult to escape.
9
O discurso é, a um tempo, nostálgico e categórico: cabe ao escritor, no uso de suas
habilidades, decodificar a transmitir os valores da experiência humana ao leitor. É um
apelo à responsabilidade do escritor para com seu público:
The potencialities of human experience in any age are realized only
by a tiny minority, and the important poet is important because he
belongs to this (and has also, of course, the power of
8
F. R. Leavis, New bearings in English poetry, p. 22.
9
Idem, ibidem, p. 22.
37
communication). Indeed, his capacity for experiencing and his
power of communicating are indistinguishable; not merely because
we should not know of the one without the other, but because his
power of making words express what he feels is indistinguishable
from his awareness of what he feels. He is unusually sensitive,
unusually aware, more sincere and more himself than the ordinary
man can be. He knows what he feels and knows what he is
interested in. He is a poet because his interest in his experience is
not separable from his interest in words; because, that is, of his
habit of seeking by the evocative use of words to sharpen his
awareness of his ways of feeling, so making them communicable.
And poet can communicate the actual quality of experience with a
subtlety and precision unapproachable by any other means.
10
A bela descrição das habilidades de um grande poeta impressiona. E também
demonstra que a figura do professor-decifrador de textos torna-se imprescindível ao
aluno-leitor. O crítico-professor, tal como o poeta, faz parte da minoria que consegue
perceber as “potencialidades da experiência humana”. É ele quem detém o método
para buscar as virtudes do texto. Quem não se dispuser a usá-lo, portanto,
permanecerá confinado no entre-lugar da história, perdendo a oportunidade de
enxergar os valores contidos nos textos literários e, assim, salvar sua pele.
3.5 – A salvação no romance
É com esse poder que, mais tarde, Leavis, no uso de suas atribuições legais,
apresenta-se como o sujeito capaz de julgar o que serve ou não no romance inglês.
Em The Great Tradition (1948), declara logo de saída que os grandes são Jane
Austen, George Eliot, Henry James e Joseph Conrad. Ele explica seu critério de
seleção:
It is necessary to insist, then, that there are important distinctions to
be made, and that far from all of the names in the literary histories
really belong to the realm of significant creative achievement. And
as a recall to a due sense of differences it is weel to start by
10
Idem, ibidem, p. 13.
38
distinguishing the few really great the major novelists who count
in the same way as the major poets, in the sense that they not only
change the possibilities of the art for practitioners and readers, but
that they are significant in terms of the human awareness they
promote; awareness of possibilities of life.
12
Assim como a Vida, entendida como um conjunto de valores criados pelo
indivíduo em suas relações interpessoais, a criatividade e o grau de inovação de cada
obra – em função da expressão desses valores – é o critério central. Para que o estudo
do romance se molde aos novos tempos, para que também seja uma via para buscar os
tesouros da sociedade perdida, é preciso elencar as obras exemplares para isso. É
preciso ler o romance de outra maneira, buscando nos conflitos e nas trajetórias das
personagens a experiência do vivido aquilo que de positivo, elevado e perene cada
texto apresenta. E embora isso implique em revisar a história literária, não significa,
para ele, desconsiderar a tradição, mas reformular seu conceito:
To insist on the pre-eminent few in this way is not to be indifferent
to tradition; on the contrary, it is the way towards understanding
what tradition is. ‘Tradition’, of course, is a term with many forces
– and often very little at all. There is a habit nowadays of suggesting
that there is a tradition of ‘the English novel’ and that all that can be
said of the tradition (that being its peculiarity) is that ‘the English
novel’ can be anything you like. To distinguish the major novelists
in the spirit proposed is to form a more useful idea of tradition (and
to recognize that the conventionally established view of the past of
English fiction needs to be drastically revised). It is in terms of the
major novelists, those significant in the way suggested, that
tradition, in any serious sense, has its significance.
13
Ao relativizar o conceito de tradição, Leavis se habilita a apresentar uma nova. A
mesma estratégia é usada para a história. Para ele, ser importante para a história
literária não garante a inclusão de uma obra nesta tradição:
12
F. R. Leavis, The great tradition, p. 2
13
Idem, ibidem, p. 3.
39
To be important historically is not, of course, to be necessarily one
of the significant few. Fielding deserves the place of importance
given him in the literary histories, but he hasn’t the kind of classical
distinction we are also invited to credit him with. He is important
not because he leads to Mr. J. B. Priestley but because he leads to
Jane Austen, to appreciate whose distinction is to feel that life isn’t
long enough to permit of one’s giving much time to Fielding or any
to Mr. Priestley. Fielding made Jane Austin possible by opening the
central tradition of English fiction. In fact, to say that the English
novel began with him is as reasonable as such propositions ever
are.
14
Se o caos é geral e o crítico é um dos poucos capazes de diagnosticá-lo, nada o
impede de reformular o que se entende por história, por tradição, ou até mesmo
apontar aos escritores que caminho seguir. Nesse sentido, a liberdade de criação do
crítico é até maior do que a dos escritores. A seleção de obras é orientada pela
necessidade de codificação do método, que privilegia a exatidão, a precisão e a
clareza na descrição. É natural, portanto, que Leavis insista em louvar o virtuosismo
formal:
The great novelists in that tradition are all very much concerned
with form’; they are all very original technically, having turned
their genius to be working out of their own appropriate methods and
procedures.
15
3.6 – Objetividade e gosto
Entre parênteses: embora haja por parte deste método uma preocupação em
estabelecer um conjunto de normas objetivas para a avaliação das obras literárias,
normas que forneçam ao estudante e ao crítico argumentos que contraponham o
julgamento subjetivo, em certo sentido, e descontada a carga ideológica do método, é
exatamente a subjetividade que prevalece quando o método é aplicado a um objeto de
estudo. Em outras palavras, para o estudante, pouca diferença entre um crítico
14
Idem, ibidem, p. 3.
15
Idem, ibidem, p. 8.
40
impressionista que se vale de sua erudição para avaliar uma obra e o professor
versado em close reading desta maneira: ambos utilizam o “critério de gosto”, seja
sentado em uma poltrona confortável vasculhando a biblioteca da memória ou em
uma sala da aula investigando a presença ou não de “valores humanos universais” nas
obras. Nesse sentido, a briga contra o subjetivismo é vazia. No caso de Leavis, o
“critério de gosto” é evidente quando ele comenta os autores que considera
importantes:
Jane Austen’s plots, and her novels in general, were put together
very “deliberately and calculatedly” (if not “like a building”). But
her interest in “composition” is not something to be put over against
her interest in life; nor does she offer an aesthetic” value that is
separable from moral significance. The principle of organization,
and the principle of development, in her work is an intense moral
interest of her own in life that is in the first place a preoccupation
with certain problems that life compels on her as personal ones. She
is intelligent and serious enough to be able to impersonalize her
moral tensions as she strives, in her art, to become more fully
conscious of them, and to learn what, in the interests of life, she
ought to do with them. Without her intense moral preoccupation she
wouldn’t have been a great novelist.
16
No trecho acima, a referência objetiva às qualidades do romance de Jane
Austen se resume à primeira frase, onde Leavis faz menção ao modo de construção. O
restante é um julgamento subjetivo sobre como, digamos, sua personalidade
influencia em sua escrita. Para quem quer descartar o biografismo, o argumento é
inusitado. O “interesse pela vida” também parece ser a qualidade suprema de Joseph
Conrad:
We have a master of the English language, who chose it for its
distinctive qualities and because of the moral tradition associated
with it, and whose concern with art he being like Jane Austen and
George Eliot and Henry James an innovator in ‘formand method
16
Idem, ibidem, p. 7
41
is the servant of a profoundly serious interest in life.
17
Os valores humanos universais e o interesse pela vida também credenciam
Henry James como um autor da tradição literária capaz de servir ao propósito de
resgate e preservação da mentalidade da comunidade orgânica:
Mr. Winters discusses him as a product of the New England ethos in
the last phase, when a habit of moral strenuousness remained after
dogmatic Puritanism had evaporated and the vestigial moral code
was evaporating too. This throws a good deal of light on the
elusiveness that attends James’ peculiar ethical sensibility.
18
A “sensibilidade ética peculiar” do autor americano desafia alguns dos valores
tradicionais da sociedade inglesa:
We have, characteristically, in reading him, a sense that important
choices are in question and that our finest discrimination is being
challenged, while at the same time we can’t easily produce for
discussion any issues that have moral substance to correspond.
19
Se o critério “moral” entendido aqui como uma preocupação sensível com a
totalidade da qualidade de vida em si
20
– está em xeque, resta ao crítico salientar, mais
uma vez, que o autor tem grande “interesse pela vida”. De fato, Henry James sai dos
Estados Unidos e viaja por diversos países da Europa até estabelecer-se em Londres,
onde produz a maior parte de suas obras. Sua experiência de vida conta muito para
Leavis, que o lê como um autor “do mundo”:
He has an easy well-bred technical sophistication, a freedom from
any marks of provinciality, and a quiet air of knowing his way about
the world that distinguish him from among his contemporaries in
the language. If from the English point of view he is unmistakably
17
Idem, ibidem, p. 18.
18
Idem, ibidem, p. 11.
19
Idem, ibidem, p. 11.
20
Terry Eagleton, “A ascensão do Inglês”, p. 41.
42
American, he is also very much a European.
21
E parece ser a critério da “peculiaridade” que inclui George Eliot, pseudônimo da
escritora inglesa Mary Anne, na lista de Leavis:
Weighty, provincial, and pledged to the school-teacher’s virtues”,
she was not qualified by nature or breeding to appreciate high
civilization, even if she had been privileged to make its
acquaintance. These seem to be accepted commonplaces which
shows how little even those who write about her have read her
work.
22
Mas esta figura caricata tem enorme interesse pela vida e pela natureza humana:
(...)what she brought from her Evangelical background was a
radically reverent attitude towards life, a profound seriousness of
the kind that is a first condition of any real intelligence, and an
interest in human nature that made her a great psychologist.
23
Considerando estes dois autores, Henry James e George Eliot, não é inútil
observar que é na leitura do professor Leavis que as virtudes, pelo menos as que ele
aponta, vêm a lume. Mas chama a atenção o fato de que suas figuras humanas, isto é,
suas biografias (que na análise do texto deve ser descartada) têm peso enorme para a
inclusão deles nesta tradição.
Se um autor é popular, não interessa a Leavis. Pelo menos é o que se pode
concluir da leitura do trecho abaixo, no qual o autor justifica a exclusão de Charles
Dickens da grande tradição do romance inglês:
That Dickens was a great genius and is permanently among the
classics is certain. But the genius was that of a great entertainer, and
he had for the most part no profounder responsibility as a creative
artist than this description suggests. Praising him magnificently in a
very fine critique, Mr. Santayana, in concluding, says: In every
21
F. R. Leavis, The great tradition, p. 12.
22
Idem, ibidem, p. 13.
23
Idem, ibidem, p. 14.
43
English-speaking home, in the four quarters of the globe, parents
and children would do well to read Dickens aloud of a winter’s
evening.This note is right and significant. The adult mind doesn’t
as a rule find in Dickens a challenge to an unusual and sustained
seriousness. I can think of only one of his books in which his
distinctive creative genius is controlled throughout to a unifying and
organizing significance, and that is Hard Times, which seems,
because of its unusualness and comparatively small scale, to have
escaped recognition for the great thing it is. Conrad’s view on it,
supposing it have to caught his attention, would have been
interesting; he was qualified to have written and apt appreciation.
24
Embora o autor tenha sido aceito pelos leavistas, ele não figura na grande
tradição. Outro escritor importante que não está na lista dos quatro citados na frase
inicial do livro – mas que depois aparece na última frase do capítulo, é D. H.
Lawrence. Entre suas principais virtudes estão a de ser radical e inovador em relação
à forma e, claro, ter um grande interesse pela vida:
Lawrence, in the English language, was the great genius of our time
(I mean the age, or climatic phase, following Conrad’s). (...) In
nothing is the genius more manifest than in the way in which, after
the great success (...) of Sons and Lovers he gives up that mode and
devotes himself to the exhausting toil of working out the new
things, the developments, that as the highly conscious and
intelligent servant of life he saw to be necessary. (...) He is the most
daring and radical innovator in “form”, method and technique, and
his innovations and experiments are dictated by the most serious
and urgent kind of interest in life.
25
Mas, embora com tais qualidades, sua obra, para Leavis, é irregular:
I am not contending that he isn’t, as a novelist, open to a great deal
of criticism, or that his achievement is as a whole satisfactory (the
potenciality being what it was). He wrote his later books far too
24
Idem, ibidem, p. 19.
25
Idem, ibidem, p. 24.
44
hurriedly. But I know from experience that it is far too easy to
conclude that his very aim and intention condemned him to artistic
unsatisfactoriness. I am thinking in particular of two books at which
he worked very hard, and in which he developed his disconcertingly
original interests and approaches – The Rainbow and Women in
Love. (...) I still think that The Rainbow doesn’t build up sufficiently
into a whole. But I shouldn’t be quick to offer my criticism of
Women in Love, being pretty sure that I should in any case have
once more to convict myself to stupidity and habit-blindness on
later re-reading. And after these novels there comes, written,
perhaps, with an ease earned by this hard work done, a large body
of short stories and ‘nouvelles’ that are as indubitably successful
works of genius as any the world has to show.
26
E então, com essa justificativa, ele apresenta sua frase de efeito, agora com D. H.
Lawrence completando seu Top 5:
I have, then, given my hostages. What I think and judge I have
stated as responsibly and clearly as I can. Jane Austen, George
Eliot, Henry James, Conrad, and D. H. Lawrence: the great tradition
of the English novel is there.
27
Uma avaliação desta fase é formulada por Terry Eagleton. Para ele, a
concepção de Vida com que trabalham Leavis e seus seguidores, especialmente na
revista Scrutiny, não é passível de definição:
a Vida era sentida, ou não. A grande literatura reverenciava
abertamente à Vida, e o que a Vida era podia ser demonstrado pela
grande literatura. Era um círculo vicioso, um raciocínio intuitivo,
impremeável a qualquer argumentação, refletindo o grupo fechado
dos próprios leavistas.
28
Por isso, a leitura de Leavis para a obra de D. H. Lawrence é orientada,
26
Idem, ibidem, p. 27.
27
Idem, ibidem, p. 27.
28
Terry Eagleton, “A ascensão do Inglês”, p. 64.
45
digamos, por um código interno. Aquilo que o caracterizaria como um autor de
extrema direita autoritarismo, racismo é deixado de lado. O foco de Leavis busca
a crítica do autor às consequências do capitalismo industrial na Inglaterra. Para
Eagleton,
(...) visto que tanto Lawrence como Leavis recusavam-se a fazer
uma análise política do sistema a que se opunham, nada mais lhes
restava senão falar sobre a vida criativa e espontânea, conversa essa
que se tornou mais abstrata quanto mais insistia em coisas
concretas.
29
As coisas concretas estariam acessíveis a quem se dispusesse a desconsiderar a
abordagem beletrista e impressionista e adotasse a “crítica prática” e a “leitura
analítica” (close reading). Era possível, como defendia a Scrutiny, a partir de um
poema ou um trecho de prosa tomar contato com a Vida contida em cada texto, sem
que fosse necessária a contextualização cultural ou histórica. O método criava a ilusão
de que qualquer trecho de linguagem, literária ou não, podia ser estudado e
compreendido isoladamente. Conforme Eagleton, “tratava-se desde o início, de uma
‘reificação’ da obra literária, seu tratamento como um objeto em si mesmo”.
30
Ao tornar o texto literário um objeto, o leitor não mais tem independência para
construir o significado do texto por meio da leitura, passando a uma posição de
consumidor dos significados pré-estabelecidos pelo crítico e membro de uma
comunidade hipotética. Esta comunidade, para Leavis, deveria louvar, antes de mais
nada, o modo de vida inglês. Os valores investigados e apresentados ao leitor
reforçariam a supremacia da sociedade inglesa sobre as demais. E a figura do crítico é
tão fundamental neste processo que ele inclusive por vezes assume a posição de
editor, contrariando a própria natureza da forma romance: as partes das obras que
evidenciam a dificuldade de o autor representar o mundo à sua volta são
desqualificadas ou simplesmente deixadas de lado. Em outras palavras, quando o
romance, pelo seu modo de construção ou pelos conflitos que apresenta, contradiz as
intenções do crítico, este joga sua luz apenas sobre o que lhe interessa.
31
É natural que um crítico ou historiador literário sirva-se como queira do
critério de gosto. No entanto, neste caso, parece haver uma incompatibilidade entre o
29
Idem, ibidem, p. 65.
30
Idem, ibidem, p. 67.
31
Maria Elisa Cevasco, Para ler Raymond Williams, p. 101-107.
46
viés objetivo da teoria e o resultado prático de sua aplicação, que é pessoal e
arbitrário. Talvez não seja o caso de afirmarmos que este é mais um dos paradigmas
da crítica moderna, mas, do ponto de vista de quem está do lado de cá do pólo
exportador, o rótulo até faz sentido. Também é natural que, como figura responsável
por divulgar o caos e apresentar um método, o crítico revista-se de uma autoridade de
juiz, e que por isso queira apontar (ou determinar) os caminhos que a literatura deve
seguir. Para alvejar a cultura de massa, Leavis propõe a investigação de valores do
passado nas obras literárias, revisando conceitos, orientando escritores e levando o
estudo da literatura para as universidades. Como o aval das instituições que
comandam o país é necessário para o andamento de seu projeto, é preciso, portanto,
que ele deixe de lado as discussões políticas. Veremos mais tarde que, em alguns
pontos, Afrânio Coutinho é o reflexo de Leavis no Brasil.
3.7 – A reificação nos EUA: o New Criticism
O processo de reificação da obra literária ganha força quando chega aos
Estados Unidos, em parte pela forte influência que o trabalho de Richards exerce
sobre os principais atores do movimento. Sua tese de que a poesia expõe todos os
impulsos da vida humana, mas com o mínimo de conflito e frustração, é vista como
um modo de serenar as angústias da vida moderna. A poesia, assim, funciona menos
como um modo de descrever o mundo do que de organizar os sentimentos do leitor
em relação a ele. A proposta é de contemplação. Se o mundo moderno é
desorganizado, à poesia cabe o papel de harmonizar as contradições na mente do
leitor. A organização mais eficiente dos impulsos inferiores desordenados, escreve
Eagleton, assegurará efetivamente a sobrevivência dos impulsos superiores e
melhores: isso não está longe da convicção vitoriana de que a organização das classes
inferiores assegurará a sobrevivência das classes superiores.
32
Estes princípios norteiam a primeira fase do movimento no país. o debate
se entre o Sul, que havia sido predominantemente agrário, emoldurado pela
religião e que se industrializava rapidamente, e o Norte, movido pelo capitalismo
industrial, em uma espécie de reedição da Guerra Civil Americana no plano da
cultura.
32
Terry Eagleton, “A ascensão do Inglês”, p. 70.
47
Três figuras são centrais: John Crowe Ransom, Allen Tate e Robert Penn
Warren. Eles alegavam que o Sul oferecia a imagem de uma alternativa social àquela
dominante na América moderna. Ransom se declarava abertamente contra a
modernização, argumentando que o Sul tinha um conjunto distinto de valores do resto
do país, e que por isso a modernização não era nem desejável, nem necessária. Para
ele, a sociedade americana moderna via o volume de produção material como o
principal critério de avaliação de uma ordem social. Isso abstraía valores econômicos
dos valores sociais e culturais, o que, segundo ele, destruía a complexidade das
relações entre as pessoas e entre a humanidade e a natureza. O modo de vida do Sul,
segundo Ransom, não colocava a produção de valores materiais à frente e acima de
tudo, por isso permitia a “máxima atividade da inteligência”.
33
3.7.1 – Nostalgia: consequências do capitalismo industrial
Ransom, Tate e Warren foram buscar na história e na tradição religiosa do Sul
elementos para organizarem uma reação a esse processo. É interessante notar a
configuração social deste movimento: intelectuais se unem a fazendeiros para
articular uma resposta ao processo de industrialização do sul do país. Em jogo está a
manutenção do poder da sociedade patriarcal. A reação, em um primeiro momento, é
em defesa dos valores que sustentam esse modelo econômico. É por isso que o
discurso nostálgico inclui o lamento pela perda de poder da religião e pela ascensão
da ciência e nos remete à Inglaterra de Matthew Arnold.
Em “The Fallacy of Humanism” (1929), Tate sustenta que o problema do
humanismo é que ele se baseia no conceito de razão semelhante ao do naturalismo e
da ciência, e que isso resultaria na reificação de valores. Para ele, uma religião
somente pode definir valores se reconhecer os limites da racionalidade para então
representar o problema do “mal” que, no caso, eram os valores da sociedade
capitalista.
34
Este argumento é semelhante ao de Ransom em “God Without Thunder: An
Unorthodox Defense of Orthodoxy” (1930), onde ele usa a religião para contrapor à
ciência. A tese de Ransom é a de que a ciência, ao contrário da religião, não está
33
John Crowe Ransom, “The South: Old and New”, citado por Mark Jancovich em The cultural
politics of the New Criticism, p. 22.
34
Mark Jancovich, The cultural politics of the New Criticism, p. 23.
48
preocupada com o mundo concreto, mas com abstrações. Para ele, a ciência definiria
os objetivos materiais como fins em si mesmos, o que a tornaria incapaz reconhecer
as limitações sociais desses objetivos. Além disso, Ransom sustenta que a ciência não
o prazer como um elemento necessário e presente no momento em que se buscam
tais objetivos. Esta visão de prazer, segundo ele, separa a ideia de trabalho da de lazer,
e o lazer como uma atividade que gira em torno do consumo. Conforme Ransom,
isso resulta na perda da memória e do senso do que é “mal”. As pessoas perderiam o
contato com a riqueza e a complexidade de seus contextos sociais e materiais e se
tornariam incapazes de manipulá-los conforme seus anseios. A religião, por sua vez,
seria um modo de representar a experiência do “mal” e de estabelecer relações sociais
e econômicas e contrapor o desejo de poder proposto pela racionalidade científica.
35
um recuo histórico nos termos do debate. O predomínio de questões que
abordam a disparidade entre religião e ciência tem a ver com a perplexidade de
latifundiários sulistas diante da sedutora cultura da mercadoria, que modifica as
relações de poder estabelecidas até então. Assim, os primeiros passos do New
Criticism, que veio a se tornar uma regra geral para a análise de textos literários e,
mais que isso, um método que promove a reificação do discurso crítico obedecendo
à própria lógica do capitalismo , pretendem ser uma alternativa, um movimento de
oposição à cultura do sistema. A conquista da oposição pela situação não tarda.
O grupo de intelectuais organiza uma resposta organizada e coerente ao “novo
Sul”. No simpósio “I’ll Take My Stand: the South and the Agrarian Tradition” (1930),
eles reconhecem que o Sul precisava desenvolver formas de produção cultural que
combatessem a domínio da cultura capitalista do Norte, o que seria possível se
estabelecessem uma academia de intelectuais do Sul, além de órgãos de publicação. A
cultura passava a ser vista como um processo material, ou seja, nos termos do sistema.
Mas o discurso ainda é de oposição. Em sua intervenção, Ransom explica a
crítica do movimento agrário ao capitalismo industrial. Para ele, a cultura deveria ser
encarada como uma atividade material relacionada a uma base econômica, a um modo
de vida. O capitalismo industrial havia produzido uma forma degradada de cultura
que poderia ser alterada por meio de uma reorganização social e econômica da
sociedade.
Mesmo que o tom seja, digamos, anticapitalista, uma certeza subjacente de
35
Idem, ibidem, p. 24.
49
que não é mais possível alterar os rumos da configuração social. Allen Tate lamenta
profundamente o predomínio do Protestantismo sobre o Catolicismo no Sul. Para ele,
o domínio da cultura da mercadoria ocorreu por um erro estratégico, o de tentar
manter “uma sociedade feudal sem uma religião feudal”. Qualquer tentativa de
modificação no modo de vida da região naquele momento viria tarde demais.
A intervenção de Warren toca em uma questão muito cara aos demais, o
racismo. Para ele, o capitalismo industrial havia negado ao trabalhador qualquer
independência do capital e feito com que os empresários colocassem brancos e negros
em disputa por vagas de trabalho. Esta situação não enfraqueceria o poder de
barganha dos dois grupos, mas também forçava o branco a reconhecer que os destinos
do branco pobre e do negro estavam interligados, que o bem-estar de um dependeria
do outro. Somente a sociedade agrária seria capaz de libertar o trabalhador branco e o
trabalhador negro da dependência do capital e dar a eles um lugar seguro na sociedade
americana, que assim estaria livre da exploração e de conflitos raciais. E finaliza: se o
trabalhador branco não estiver apto a partilhar seus interesses com o trabalhador
negro, ele não pode respeitar a si mesmo como homem. Ao reconhecer que o negro
estava sendo explorado pela sociedade americana em geral, e pelo Sul em particular,
Warren surpreende os demais.
36
Sabemos que a história é outra, que o racismo prevaleceu e que se sustenta até
hoje. De fato, não era mais possível mudar o modo de vida da sociedade, apenas
preservar alguns valores abstratos que garantissem de alguma forma a manutenção de
poder da classe dominante sulista. Como os valores abstratos podem assumir cor,
forma e conteúdo de acordo com os interesses de quem os defende, o método para sua
investigação se torna universal e atende aos anseios dos mais variados grupos. O
discurso que prega, com fervor, a reorganização social e econômica da sociedade vai
por água abaixo. O que fica amaina a indignação da minoria, que contribui para
deixar tudo como está. Isso não significa, é claro, o abandono do discurso do caos,
porque o estado de pânico garante a demanda pela salvação, que é ofertada por eles
mesmos.
36
Idem, ibidem, 25-28.
50
3.7.2 – Codificação: algumas obras
Assim, os encontros e debates não tardam em multiplicar seguidores e dar
resultados concretos. Era preciso levar adiante o trabalho de Richards, divulgar a
capacidade do texto literário em encerrar e resolver os conflitos da vida prática,
aprofundar a habilidade de leitura que mapeia o conteúdo simbólico do texto. Se o
estudante/leitor admitisse que a complexidade da vida das personagens de um
romance ou de um eu-lírico de um poema era equivalente à sua, a primeira batalha
estaria ganha. Restava apenas instruí-lo para acatar as soluções apresentadas nos
textos de ficção, isto é, tomar os pontos altos na trajetória das personagens como seu.
Algo não muito distante do fenômeno em que o espectador de um filme ou novela se
como participante da trama. Mas, no caso do texto escrito e impresso, o leitor
deveria formular as imagens, montar o cenário, enfim, materializar de alguma forma o
mundo ficcional. O método de leitura deveria fornecer os instrumentos para isso.
Um dos primeiros trabalhos relevantes nesse sentido é de um aluno de
Richards, William Empson, que apresenta uma proposta para codificar a
complexidade do poema. Seven Types of Ambiguity (1930), considerado um dos
pilares do New Criticism, a partir da ênfase por dada por Richards aos elementos
orgânicos da análise semântica, propõe a hipótese de que a beleza do poema é
proporcional à ambiguidade inerente à linguagem utilizada pelo autor, ou seja, que a
multiplicidade de significados cria a beleza artística do poema. Os sete tipos de
ambiguidades iriam desde significados duplos de uma palavra até significados
claramente contraditórios. Seu conceito de ambiguidade favorece o debate:
An ambiguity, in ordinary speech, means something very
pronounced and as a rule a witty or deceitful. I propose to use the
word in an extended sense, and shall think relevant to my subject
any verbal nuance, however slight, which gives room for alternative
reactions to the same piece of language.
40
Em um trecho magistral, Empson, ao mesmo tempo em que demonstra clareza
a respeito de sua proposta e das limitações do método que está ajudando a codificar,
consegue relativizar algumas das várias críticas que o New Criticism iria sofrer ao
40
William Empson, Seven types of ambiguity, p. 1.
51
longo do tempo:
In whishing to apply verbal analysis to poetry the position of the
critic is like that of the scientist wishing to apply determinism to the
world. It may be not valid everywhere; though it be valid
everywhere it may not explain everything; but in so far as he is to
do any work he must assume it is valid where he is working, and
will explain what he is trying to explain. I assume, therefore, that
the ‘atmosphere’ is the consciousness of what is implied by the
meaning, and I believe that this assumption is profitable in many
more cases than one would suppose.
41
Tal como o comportamento mutante dos valores abstratos, os critérios de
análise do texto podem mudar dependendo de quem lê, orienta e de onde se o
estudo. Para Eagleton, Empson é um “impenitente adversário” de algumas das
principais doutrinas da corrente, pois ao leitor certa autonomia para construir o
significado do texto, levando em consideração o que as palavras significam no
contexto em que vive. Os conflitos não mais estariam resolvidos em uma estrutura
fixa, fechada, mas estariam submetidos à reação do leitor diante de texto, tornando-o
uma fonte inesgotável de significados.
42
Outro trabalho que representa um dos primeiros e mais importantes passos
para a codificação do método nos Estados Unidos é o de Cleanth Brooks. Se o êxito
popular do New Criticism no país está relacionado ao fato de que muitos de seus
divulgadores ocupavam cargos de ensino, Brooks e Warren detêm grande parte do
mérito. Ambos escreveram dois manuais que foram empregados em escolas e
universidades como forma de “melhorar” o ensino da literatura.
Em Understanding Poetry (1938), Brooks e Warren apresentaram uma
antologia de textos segundo o novo método. Ao invés de disporem os textos na ordem
cronológica, preferiram agrupá-los sob títulos que designavam problemas críticos:
Metro, Tonalidade, Ponto de Vista, Imagens. O método levava a crer na possibilidade
de estabelecer uma continuidade da literatura estudando-se poemas de épocas
diferentes, considerando-os como microcosmos. Este método seria capaz de levar à
descoberta de estruturas normativas permanentes e observáveis ao longo do tempo na
41
Idem, ibidem, p. 17-18.
42
Terry Eagleton, “A ascensão do Inglês”, p. 78-79.
52
poesia, e assim conceber uma história da poesia enquanto arte.
Em Understanding Fiction (1943), eles apresentam um método para o estudo
da ficção. O livro é organizado da seguinte maneira: uma apresentação trechos de
contos que ilustram cada um dos componentes da ficção (Enredo, Personagens, Tema,
Espaço), com sugestões de como o leitor pode interpretá-los, mais quatro contos de
autores conhecidos, seguidos de comentários dos dois críticos. As duas primeiras
edições do livro traziam ainda uma “Carta ao Professor” que os ensinava a usar o
manual:
(…) the student can best be brought to an appreciation of the more
broadly human values implicit in fiction by a course of study which
aims at the close analytical and interpretative reading of concrete
examples. It seems to us that the student may best come to
understand a given piece of fiction by understanding the functions
of the various elements which go to make up fiction and by
understanding their relationships to each other in the whole
construct ... such an end may best be achieved by the use of an
inductive method.
47
O “método indutivo” seria a habilidade de identificar estruturas permanentes
em qualquer texto de ficção, desenvolvida, é claro, somente por aqueles que
utilizassem o close reading. Assim, da mesma forma que, no estudo da poesia, o close
reading seria capaz de revelar ao estudante um padrão estrutural usado ao longo do
tempo, em qualquer época, o método indutivo cumpriria este papel na ficção. Não se
tratava, portanto, de reexaminar a história literária nem de tentar conciliar a análise
literária dos textos com a história: a possibilidade de escrever uma história da poesia e
da ficção enquanto arte fazia crer na hipótese de escrever a história de uma sociedade
orgânica.
Ao abrirem essa possibilidade, Brooks e Warren atendiam aos anseios dos
sulistas saudosos. A harmonia, a estabilidade e a manutenção das hierarquias e
instituições estariam disponíveis nas obras literárias. Bastaria ao leitor adotar o
método. Este talvez seja o fechamento do primeiro ciclo do New Criticism. A partir de
então, os debates se intensificam, mas no plano teórico. Surgem as primeiras reações
47
Clenth Brooks e Robert Penn Warren, Understanding fiction, p. XIII XIV.
53
ao método, os primeiros detratores.
Brooks, então, com The Well Wrought Urn (1947), se inscreve no debate
estético do movimento e reitera a avaliação sobre a situação da crítica contemporânea
e a necessidade de mudança de rumos. O historicismo é o alvo:
The temper of our times is strongly relativistic. We have had
impressed upon us the necessity for reading a poem in terms of its
historical context, and that kind of reading has been carried on so
successfully that some of us have been tempted to feel that it is the
only kind of reading possible. We tend to say that every poem is an
expression of its age; that we must be careful to ask of it only what
its own age asked; that we must judge it only by the canons of its
age.
Era preciso mudar o enfoque e, para ele, a história literária ou o
cientificismo de modo geral deveria ser deixada de lado no estudo literário. Ele
justifica sua posição:
(...) If literary history has not been emphasized (...), it is not because
I discount its importance, or because I have failed to take it into
account. It is rather that I have been anxious to see what residuum,
if any, is left after we have referred the poem to its cultural matrix.
43
E ataca os positivistas:
We live in an age in which miracles of all kinds are suspect(...). The
positivists have tended to explain the miracle away in a general
process of reduction which hardly stops short reducing the “poem”
to the ink itself. But the miracle of communication” (...) remains.
We had better not to ignore it, or try to reduce it to a level that
distorts it. We had better begin with it, by making the closest
possible examination of what the poem says as a poem.
44
43
Cleanth Brooks, The well wrought urn, p. X.
44
Idem, ibidem, p. XI.
54
o close reading seria capaz de garantir o “milagre da comunicação”, assim
como a preservação dos valores fundamentais de uma sociedade orgânica
garantiria a plena paz de espírito.
3.7.3 – Avaliações do movimento
O caminho para a projeção do leitor/estudante no texto estava traçado. Ao
desmembrar o texto, o método conseguia materializar (ou racionalizar) a emoção por
meio do treino da leitura técnica. Para um comentarista do movimento, Richard Gray,
o ideário da sociedade paternalista, baseado em um modo de produção pré-capitalista
sustentado pelo trabalho escravo explicaria a ênfase dos teóricos na natureza orgânica
do texto. Segundo ele, os teóricos do movimento baseiam-se em idéias próprias da
cultura sulista, como as noções de “mal”, de falibilidade e das limitações do ser
humano, que estão associadas à religião. Ele relaciona esta estrutura de sentimento
com a experiência da escravidão e identifica similaridades entre Ransom, Tate e
Warren e os defensores da escravidão. Seu argumento é o de que, embora estes
escritores fossem contra a escravidão, eles desenvolveram uma reação às formas
capitalistas de racionalização baseada em um modo de pensar típico do Sul. E é a
presença da religião, segundo ele, que auxilia no reconhecimento da complexidade
das condições históricas e materiais da existência humana e rejeita as soluções
abstratas e ideais que não contribuem para isso. Este modo de pensar levaria o Sul a
valorizar os modelos orgânicos de pensamento que buscavam reunir elementos
contraditórios em relações “harmoniosas”, “balanceadas” e “estáveis”. Segundo ele,
Ransom, Tate e Warren interpretam a experiência histórica utilizando-se dos códigos
sulistas e, portanto, o zelo pelo organicismo é um produto destes códigos.
Richard Godden, outro comentarista do movimento, vai no mesmo caminho,
mas para mais adiante. Ele também defende que o New Criticism era uma parte da
reação sulista à produção capitalista e às relações de mercado. Para ele, a formulação
de um método que desconsidera os elementos externos e privilegia a análise intrínseca
do texto literário, a leitura das palavras na página, descreve o texto como um “ícone
verbal”, o que pode ser interpretado como uma alternativa aos modos de
representação associados à cultura da mercadoria.
38
38
Richard Godden, citado em Mark Jancovich, The cultural politics of the New Criticism, p. 17.
55
Para Mark Jancovich, que estuda das raízes às consequências do movimento, o
modo icônico de representação está relacionado à mentalidade da cultura sulista e é
dependente da especificidade de suas relações sociais. Segundo ele, conscientes disso,
os críticos promoveram e desenvolveram esta técnica, que acreditavam que este era
um método para apresentar o objeto de uma forma diretamente oposta às abstrações
do sistema capitalista. Portanto, o método não estaria buscando racionalizar o objeto,
mas apresentá-lo como uma entidade complexa.
Esta complexidade, segundo Jancovich, ratifica o poder do símbolo, o que
distancia o texto literário do mundo concreto. Dessa forma, então, o método que quer
ser um contraponto às abstrações proporcionadas pela cultura da mercadoria contribui
para reificar o texto, tornando-o mais um produto desta lógica. Aprender a ler e
estudar seguindo os parâmetros do New Criticism não significa intervir diretamente
no mundo real para alterá-lo, mas encontrar no texto literário uma justificativa para
preservar a memória de um passado idílico. Para quem efetivamente detém o poder,
permitir a formação de um estado paralelo e abstrato no mundo acadêmico pode
significar livrar-se de um incômodo em potencial.
3.7.4 – A Literatura e a política
Tal como o símbolo, que consegue neutralizar conflitos insolúveis, o New
Criticism teve o poder de reunir representantes do movimento agrário sulista e grupos
de esquerda. várias explicações para esse fenômeno. Uma delas é formulada por
Keith Cohen, para quem o interesse manifestado pelos conservadores em favor da
descentralização, sua hostilidade ao intervencionismo estatal, sua análise da sociedade
americana enquanto dissociada do homem comum, coincidiam com certos temas
marxistas.
Os New Critics, segundo Cohen, nessa época podiam, sem esforço, adotar
posições aparentemente igualitaristas pelo fato de que direita e esquerda estavam
sendo atraídas juntas, para o centro, em consequência do movimento de reunião
nacional provocado pelo esforço da guerra. No entanto, para ele, aquilo que podia
parecer uma contradição entre posições públicas e posições privadas pode, hoje, com
56
a perspectiva do tempo, não mais parecer excludentes.
48
Os preceitos conservadores de direita são evidentes, mas a crítica à sociedade
industrial teria um tom parecido com a de esquerda. Segundo Jancovich, para avaliar
o movimento é preciso tentar responder à seguinte pergunta: por que um movimento
antiburguês, antiliberal e anticientífico tornou-se dominante em uma sociedade
capitalista em ascenção como a dos Estados Unidos do pós-guerra? Para ele, esta é
uma possibilidade de resposta:
Many of the writers associated with the New Criticism were
Northern, liberal, or bourgeois, and even left-wing in some cases,
but the central figures of the movement were Southerners. It was
these Southerners John Crowe Ransom, Allen Tate and Robert
Penn Warren who were responsible for drawing the diverse group
of critics together. Their campaign to reorganize the teaching of
English gave this group a sense of identity, and while this
movement was held together by a shared sense of dissatisfaction
with industrial capitalism and its culture, it was the Southerners who
offered the intellectual and organizational coherence necessary to
create a common sense of purpose. This is not to imply that there
were no differences or disagreements within the movement – or
even between the three Southerns themselves but it was the
intellectual project of these three Southerns which remained
central.
50
A insatisfação com a cultura do capitalismo industrial era geral no país, e não
apenas uma causa sulista. Ransom, Tate e Warren foram os responsáveis por unir um
grupo dissonante de críticos em torno de seu projeto intelectual. A aproximação de
intelectuais de esquerda ao New Criticism, lembra Jancovich, é resultado da
conjuntura histórica da época:
Not only had many become dissatisfied with the Communist Party,
but left-wing politics was dangerously associated with support for
the Soviet Union. As a result, many were attracted to the New
48
Keith Cohen, “O New Criticism nos Estados Unidos”, In: Luiz Costa Lima, Teoria da literatura em
suas fontes, p. 576.
50
Idem, ibidem, p. 17.
57
Criticism. It offered them an anti-bourgeois ideology which had no
taint of Soviet sympathies, and provided them with an image of
unalienated pre-capitalist culture of the past. In fact, even many
overtly left-wing critics of the period chose to oppose capitalist
America with the image of pre-capitalist or traditional societies,
rather than socialist alternatives. (...)
52
O carnaval ideológico em torno do movimento pode ser explicado ainda pela
lente de Pierre Bourdieu. Para ele, a posição dos intelectuais burgueses sempre é
difícil, porque, mesmo que sejam membros da classe dominante, eles são vistos como
a “parte dominada” da classe dominante, isto é, são dependentes do setor da burguesia
envolvido na esfera da produção econômica. Nesta configuração, a parte da burguesia
que trabalha na esfera da cultura é forçada a lutar contra a responsável pela esfera da
produção econômica para valorizar suas atividades culturais em relação às atividades
econômicas. Por esta razão, o setor cultural da burguesia não tem de salientar a
autonomia das atividades culturais para defendê-las do critério econômico de
avaliação, mas também adotar posições políticas que se oponham aos interesses
materiais e econômicos de sua própria classe. Daí a ironia de que os intelectuais
burgueses quase sempre se dizem antiburgueses em suas práticas políticas.
51
A discussão poderia ser ampliada ainda mais, com a inclusão de várias outras
versões para questões centrais (e laterais) a respeito do movimento. Mas a leitura que
mais contribui para elucidar a relação entre os estudos literários e a política, neste
caso, é a de Terry Eagleton. Para ele,
A interpretação que a Nova Crítica dava ao poema como um
equilíbrio delicado de atitudes contrárias, uma reconciliação
desinteressada de impulsos opostos, foi profundamente atraente
para os intelectuais céticos, desorientados pelos dogmas conflitantes
da Guerra Fria. Estudar poesia pelo todo da Nova Crítica não
implicava a necessidade de se comprometer: tudo o que a poesia nos
ensinava era o “desinteresse”, uma rejeição serena, especulativa,
impecavelmente imparcial de qualquer coisa em particular. Ela nos
levava menos a uma oposição ao Macartismo ou a maiores direitos
52
Idem, ibidem, p. 18.
51
Idem, ibidem, p. 23.
58
civis do que à interpretação dessas pressões como meramente
parciais, sem dúvida harmoniosamente equilibradas em algum
ponto do mundo pelos seus contrários complementares. Tratava-se,
em outras palavras, de uma receita de inércia política e, portanto, de
submissão ao status quo político.
53
Sem voz política aparente, o esforço é o de legitimação do método. Para
Eagleton, o sucesso da disseminação do New Criticism se deve ao fato de que o
movimento evoluiu paralelamente ao esforço pela profissionalização da crítica
literária. A forma de codificação da disciplina, uma série de instrumentos objetivos de
análise, era uma forma de apresentar um método de estudo da crítica literária tão
eficiente quanto ao das ciências exatas. Conforme Eagleton,
Tendo começado a vida como um suplemento humanista, ou
alternativo, da sociedade tecnocrata, o movimento viu-se, assim,
reproduzindo essa tecnocracia em seus próprios métodos. O rebelde
fundia-se na imagem de seu senhor, e com a passagem das décadas
de 1940 e 1950 foi rapidamente cooptado pelo sistema acadêmico.
Não demorou muito para que a Nova Crítica passasse a ser a coisa
mais natural do mundo da crítica literária: de fato, era difícil
imaginar que jamais houvera outra coisa.
54
O processo de absorção do New Criticism pelo sistema tem consequências que
se estendem até os dias atuais. Uma delas é que as ideias reacionárias assumiram
formas disfarçadas ao longo do tempo. Ainda durante os anos 50, segundo Jancovich,
os universitários americanos adotaram um elitismo, herdado de T. S. Eliot, literário e
universitário. Uma forma de elitismo não proclamado do alto de uma torre de marfim,
mas revestido das respeitáveis vestes do liberalismo. Com a apropriação de uma
terminologia liberal que se tornou característica dos discípulos espirituais e
profissionais do New Criticism durante os anos 50, esta geração formulou uma
espécie de liberalismo esclarecido para enfrentar o ativismo radical que se
desenvolvia nas universidades (desde as campanhas pelos Direitos Civis dos anos 50
até o radicalismo mais geral dos anos 60).
53
Terry Eagleton, “A ascensão do Inglês”, p. 76.
54
Idem, ibidem, p. 75.
59
A herança do New Criticism, então, formou um núcleo conservador que foi
envolvido por várias camadas de liberalismo e acompanhado de um mecanismo
regulador que permitia a qualquer um esconder suas cores. Dessa forma, foi possível
distanciar-se dos reacionários sulistas para quem o homem de letras era o herói
encarregado de afastar a política utópica e a sociedade comunista –, resguardando-se
na figura do professor esclarecido que, tal como um poema livre de conflitos e
frustrações, encerrava harmoniosamente tendências conservadoras e tendências
pretensamente liberais. O universitário moderno, nesse contexto, não tem função
social – a não ser, é claro, a de perpetuar tacitamente a ideologia dominante.
56
No próximo segmento, veremos como algumas dessas linhas de força são
redimensionadas por Afrânio Coutinho no contexto brasileiro. Alguns pontos deste
capítulo que intentou uma breve história das origens e da formação do movimento
merecem ser levados para o próximo.
Vimos que, na Inglaterra, a literatura perde valor quando uma burguesia
culturalmente medíocre começa a dar as cartas e que, depois, aparece como a única
via para a preservação da ordem social, por meio da exaltação dos valores de uma
sociedade orgânica que, mesmo não existindo, é certamente inglesa. Quando em
baixa, a literatura serve de refúgio para os escritores excluídos pela nova ordem,
transforma-se em um fetiche solitário. Em alta, torna-se objeto com função social
velada, que responde aos interesses de uma minoria que inventa um outro modo de ler
para preservar o poder. No período entre-guerras, a literatura aparece também como
um meio de preservação da “inglesidade”, mas agora com um caminho para a
reconstrução da identidade maculada pela primeira guerra e, principalmente, como
um modo de combater os produtos culturais de massa.
O crítico-professor, nesta dinâmica, ascende ao patamar mais alto da esfera
cultural. uma quebra de hierarquia: o que era visto como entretenimento passa a
ser ofício, ganha importância para o projeto do país e desbanca as disciplinas
tradicionais. Sem aquela figura – e seu método – é impossível ao leitor enxergar o que
a obra carrega consigo; é impossível manter a ordem. A luta pelo reconhecimento do
método, portanto, se relaciona estreitamente com o processo de profissionalização do
crítico, mas resultados porque tal quebra de hierarquia não ultrapassa os limites
da universidade.
56
Mark Jancovich, The cultural politics of the New Criticism, p. 577.
60
Nos Estados Unidos, os produtos culturais do capitalismo industrial ameaçam
o poder da classe dominante sulista, sustentada pelo latifúndio, pela escravidão e pela
religião. Para fazer frente a esta nova realidade, intelectuais se ligam a grandes
fazendeiros para combater a banalização cultural e a gradativa perda de poder –, e
desenvolvem e ampliam o método inglês, criando o New Criticism. Em um cenário
que está dominado pela lógica cultural do sistema, o método ganha novos termos,
especificidades, dinâmica. O momento histórico do país faz com que intelectuais
adeptos de ideologias conflitantes se reúnam em torno da proposta. Assim, em pouco
tempo, o New Criticism é absorvido pelo sistema e se alastra pelo país transformando-
se no método predominante em escolas e universidades.
A aproximação de intelectuais de várias procedências tem um desdobramento
importante nas décadas seguintes. Mesmo adotando postura e discurso liberal, um
núcleo conservador se mantém e orienta o rumo ideológico dos estudiosos e
defensores do método. História, Sociologia, Psicanálise e Marxismo dão as caras vez
ou outra, mas como ornamento. As tendências teóricas derivadas do New Criticism
têm esta característica: uma mesma linhagem consegue perpetuar-se no poder
vendendo (caro para quem tem pouco) a ideia de que é preciso salvar o mundo. Mas
sem modificá-lo.
Eagleton lembra a irônica contradição histórica na origem do método: “a
própria ordem social contra a qual a poesia era um protesto estava cheia de
“reificações” que transformavam pessoas, processos e instituições em ‘coisas’”. No
Brasil, a teoria não combate a ordem social capitalista, se coloca a favor dela como
mais um elemento de alienação à realidade. Por outro lado, intefere diretamente na
realidade, pois subsídios para o estudo da literatura em escolas e universidades e
transforma-se, aqui também, na forma natural de ler textos. Uma descrição do
processo de adaptação da teoria aqui no Brasil feita por Afrânio Coutinho deve
considerar sua feição histórica de origem e encará-la como um produto cultural que é
disseminado mundo a fora pelo sistema (capitalista) universitário americano. Nesse
sentido, como uma teoria de valor abstrato.
61
4 – CORRENTES CRUZADAS
Está o merceeiro bem acomodado a vender os seus neros quando
se instala, defronte, uma loja de discos. Assiste ele, intranquilo,
inquieto, àquele esbanjamento de som, lançando no ar algo
imponderável, que não se vê nem se toca, e que agarra, como que
pelos ouvidos, um mundo de fregueses. Não compreende, o pobre
homem, a atração que aquela mercadoria pode exercer. Em vez de
virem à sua casa, que vende produtos de primeira necessidade,
urgentes, imperiosos, toda aquela gente que entra e sai da lojinha
carregando os seus embrulhinhos bonitos, com a sua matéria
requintada, em verdade não pode estar boa da bola. O mundo virou
de pernas pro ar. Está tudo perdido, raciocina inconformado o
merceeiro. É preciso impedir que a loucura tome conta de toda a
gente. E o perdoa o vendedor de discos, que chamou a atenção da
freguesia para aquela coisa nova.
1
Este miniconto faz parte de um conjunto de textos publicados por Afrânio
Coutinho em janeiro de 1957 na sua coluna “Correntes Cruzadas” no Diário de
Notícias, no Rio de Janeiro. É um texto que ilustra uma crítica do autor aos críticos
que fazem análise sociológica da literatura, que é, segundo ele, uma invasão de
elementos externos no terreno literário. Em uma primeira leitura, pode ser possível
interpretar que o merceeiro representa, para ele, o status quo da crítica literária
brasileira na época, e o vendedor de discos, ele mesmo. A distância no tempo e a
observação do conjunto de sua produção nos anos 40 e 50 permitem uma leitura
diferente hoje: os outros críticos poderiam ser os donos da loja de discos; Coutinho,
por sua vez, o merceeiro. Ou, como ele mesmo se denominava, um livre-atirador. Ou
ainda, como seu filho Eduardo Coutinho veio a chamá-lo mais tarde, “Um Quixote
das Letras”. Esta parte do trabalho procurará demonstrar essa leitura através de
comentários sobre os dois principais livros dessa fase, Correntes Cruzadas (1953) e
Da crítica e da nova crítica (1957), que reúnem grande parte dos artigos publicados
em jornal no período. A intenção, nesse momento, tanto quanto possível, é aproximar-
se do ponto de vista do autor para tentar esclarecer os motivos que o levam a adotar
uma postura pragmática no processo importação teórica.
1
Afrânio Coutinho, Da crítica e da nova crítica, p. 133.
62
Afrânio Coutinho é a eminência parda em boa parte dos estudos literários
contemporâneos no Brasil. Foi um dos mais importantes intelectuais a assumirem
publicamente o papel de embaixador das teorias estrangeiras na crítica literária
brasileira, a defendê-las abertamente contra as eventuais acusações negativas como se
fosse um de seus criadores. Fez importação teórica direta e à luz do dia – como muitas
vezes o estudante mais atento vê no ambiente universitário ainda hoje, e às vezes com
motivação semelhante. Mas Coutinho não investiu tanto em maquiagem para disfarçar
teorias estrangeiras como algo parte de nosso meio. Ele as trouxe para o Brasil com o
intuito primeiro de modernizar o estudo de literatura e de “moralizar” o ambiente
literário de então. Isso significava estar na contracorrente do fluxo do pensamento
sobre literatura, do establishment literário. E, inclusive, da própria produção de parte
dos escritores da época. Mas, se, hoje, depois do amplo desenvolvimento das
universidades, dos cursos de Letras e, principalmente, depois dos desdobramentos e
avanços proporcionados pelo debate sobre o tema, a demanda interna da produção
cultural não é necessariamente um quesito importante para quem organiza as bienais
teóricas, na época de Coutinho, muito menos. Sobretudo porque, para ele, o livre
trânsito internacional das teorias era avalizado pelo New Criticism, que considerava a
obra literária independente de seu contexto.
Mas, mesmo com o passaporte carimbado, era preciso persistência e coragem.
Do seu ponto de vista, o ambiente das letras no país era caótico. Os primeiros tempos
foram marcados pelo triunfo da “crítica de rodapé”, uma crítica literária ligada
fundamentalmente à não-especialização da maior parte dos que se dedicavam a ela, na
sua quase totalidade “bacharéis”. Era uma crítica que, em termos formais, sofria
influência decisiva do meio em que era exercida, o jornal: oscilação entre a crônica e
o texto informativo, o cultivo da eloquência, que se tratava de convencer rápido
leitores e antagonistas, e a adaptação às exigências: entretenimento, redundância e
leitura fácil; o ritmo industrial da imprensa; grande circulação – o que explica, por um
lado, a quantidade de polêmicas e, de outro, o fato de alguns críticos se julgarem
verdadeiros “diretores de consciência” de seu público, como costumava dizer Álvaro
Lins e um diálogo estreito com o mercado, com o movimento editorial seu
contemporâneo.
Ocupando os pés de página ou colunas exclusivas, havia então nomes
diversos: Tristão de Ataíde, Sérgio Milliet, Otto Maria Carpeaux, Mário de Andrade,
Sérgio Buarque de Holanda, Antonio Candido, Wilson Martins, Nelson Werneck
63
Sodré, Olívio Montenegro, Agripino Grieco, Afrânio Coutinho, além do onipresente
Álvaro Lins, segundo Drummond, “o imperador da crítica brasileira entre os anos 40
e 50”, que colaborava regularmente com os jornais Correio da Manhã (RJ), Diário de
Pernambuco, Diário de Notícias (BA), Jornal do Comércio (PE).
Mas, se o meio de divulgação era comum, as colunas, os rodapés e os
suplementos literários abrigavam, contudo, posturas conflitantes a respeito do
exercício da crítica. E uma polêmica, ora surda, ora em alto e bom som, foi se
delineando nos decênios de 40 e 50. Os oponentes eram os antigos “homens de
letras”, que acreditavam ser a “consciência de todos”, defensores do impressionismo,
do autodidatismo, da review como exibição de estilo, e os críticos formados pelas
faculdades de Filosofia do Rio de Janeiro e de São Paulo criadas, respectivamente,
em 1938 e 1934 e interessados na especialização, na crítica ao personalismo e na
pesquisa acadêmica.
Havia, então, dois modelos bem diversos de críticos em disputa, que se
encontravam momentaneamente lado a lado nas páginas da imprensa diária. O que se
iniciou foi um processo de validação daqueles que exerciam a crítica literária. A
“carteira de habilitação” em meados dos anos 40 não era mais a mesma das primeiras
décadas daquele século. E parecia prever um tipo de intelectual cuja figura não cabia
mais nas funções, até então supervalorizadas, do jornalista, do crítico cronista. O
crítico universitário, então, começava a ganhar espaço.
2
Afrânio Coutinho estava no centro desse debate. Era um dos mais ferrenhos
detratores dos críticos impressionistas, dos antigos homens de letras da época,
defendia a especialização a que ele mesmo havia se submetido até aquele momento. O
intelectual baiano, depois de formar-se em Medicina em 1931, abandonou a carreira
para se dedicar ao ensino de Literatura e de História no curso secundário. Foi
bibliotecário na Faculdade de Medicina de Salvador e professor da Faculdade de
Filosofia da Bahia. Mas, em 1942, vai para os Estados Unidos, onde, além de
trabalhar como redator-secretário na revista Seleções do Readers Digest, frequenta
por cinco anos cursos na Universidade de Columbia e apresenta trabalhos nas
universidades de Boston e Yale, especializando-se em crítica e história literária. É o
período em que ele tem contato com as novas teorias e alguns de seus principais
formuladores. Quando regressa ao Brasil, em 1947, vai morar no Rio de Janeiro,
2
Flora ssekind, “Rodapés, tratados e ensaios”, In: Papeis colados, p. 15-17.
64
onde, no ano seguinte, cria a coluna “Correntes Cruzadas”, que mantém até 1961 no
Suplemento Literário do jornal Diário de Notícias.
4.1 – O discurso do caos
Se na Inglaterra e nos Estados Unidos o método ganhou força e cada vez mais
adeptos por ser uma alternativa para resgatar o senso de identidade e enfrentar a
ascensão da cultura de massa, com Afrânio esse discurso restringe seu âmbito: a
desordem está predominantemente no mundo das letras. A não ser em alguns
momentos em que ele menciona as graves deficiências do sistema educacional
brasileiro, suas críticas em geral não ultrapassam o campo literário. Quando chegam à
realidade concreta, o foco é na figura abstrata do “homem brasileiro”. Para ele, a
cultura de massa é bem-vinda e pode funcionar como um suporte para o contato com
a literatura. Esta delimitação é significativa: funciona como um pressuposto para a
articulação das ações do crítico e da formulação e defesa de seus pontos de vista.
Assim, Afrânio movimenta-se em terreno seguro, abstrato, pois não ultrapassa as
fronteiras e pede a palavra no debate estabelecido (ou que quer se estabelecer) sobre o
mundo concreto. Ao mesmo tempo, seu discurso reveste-se de um tom de revolta.
Depois da temporada nos Estados Unidos, onde testemunha a
profissionalização do homem de letras em âmbito universitário, Afrânio volta com a
intenção de sistematizar os estudos literários no Brasil. Como se a viagem o tivesse
feito passar por uma experiência semelhante à descrita na “Alegoria da Caverna”, de
Platão, o crítico descreve o mundo das letras no Brasil com estupefação:
Entre os espíritos mais conscientes e lúcidos das últimas três
gerações brasileiras, e entre representantes mais íntegros da
mocidade, lavra hoje um descontentamento em relação aos bitos
vigentes entre s quanto ao exercício das letras. Por toda parte,
sente-se a reação contra aquelas modas e costumes. Tal reação
encontra eco no esforço de alguns por uma moralização de nossos
costumes intelectuais. A literatura no Brasil sempre viveu presa a
um dilema entre a vida literária e a obra literária, de funestas
consequências para o valor de nossa literatura e fonte de
inferioridade para os nossosbitos intelectuais.
65
Disse Oscar Wilde certa feita a André Gide que havia dado a sua
obra somente o seu talento, enquanto pusera “todo o meu gênio em
minha vida”. Esta frase parece que pode ser tomada como uma
definição de toda a literatura brasileira. Os homens de letras no
Brasil gastam o que possam ter de gênio na sua vida, dedicando às
obras apenas um pouco de talento. D a conclusão geral que se
deduz da observação de nossa história literária: no Brasil, a vida
literária é mais importante do que a literatura. A vida literária
suplanta as obras.
3
O argumento de que havia um predomínio da vida literária sobre a literatura
produzida foi um dos cavalos de batalha do crítico desde sempre. No “esforço de
alguns por uma moralização de nossos costumes intelectuais”, Afrânio Coutinho é
uma das figuras principais, se não central. E embora ele enxergue um
descontentamento geral em relação às práticas de escritores e críticos, a sua é uma das
vozes mais altas a condená-las. O emprego do termo moralização, vale dizer, não é
em sentido metafórico. Era preciso mudar a ordem das coisas. Para quem tinha
recentemente frequentado as grandes universidades americanas, “toda a literatura
brasileira” estava equivocada: a informalidade com que se tratava, se estudava e se
vivia a literatura no país era algo medonho. Na sua visão, a “inferioridade” em
“nossos hábitos intelectuais” era a razão para o atraso de nossa produção literária:
Ao invés de se propor uma obra de criação, o escritor brasileiro
prefere viver literariamente. Dispersa a sua atividade, a sua
capacidade, o seu nio, nas rodas, nos corrilhos, nas disputas, nas
intrigas. As lutas entre as várias capelinhas é uma delícia. Uma
antologia de epigramas trocados entre os vários escritores e
grupinhos, e de suas intrigas, faria o encanto dos amantes da sátira.
Seria talvez mais genial que sua própria poesia.
4
Segundo ele, enquanto a literatura brasileira denotava grande pobreza em
obras, por outro lado, era “muito rica em figuras de homens curiosos, de homens de
espírito, numa palavra, em vidas”. E a vida que se desenvolvia em torno da literatura
3
Afrânio Coutinho, Correntes cruzadas, p. XVI.
4
Idem, ibidem, p. XVII.
66
seria de fato muito mais interessante, de modo geral, do que importantes as obras. E
embora não fosse afeito a argumentos de cunho cientificista para explicar os
fenômenos literários, sua indignação o faz derrapar à moda do século XIX:
Talvez por uma questão de temperamento racial não temos as
qualidades intelectuais e psicológicas para nos dedicarmos à
produção de grandes obras. Talvez ainda não estejamos maduros,
ainda não tenhamos atingido a maioridade mental. Com certeza.
5
O ambiente descrito é, de fato, desastroso:
(...) a vida literária nem sempre é muito limpa. O que domina é a
intriga, o espírito de capela, as rivalidades, as competições
mesquinhas, as ambições pessoais. De maneira geral, é o
personalismo. Tudo gira em torno de pessoas. Da glorificação de
uns. Da destruição de outros. Raramente a sinceridade é o vel
das atividades. Na maioria dos casos o é o interesse geral,
coletivo, do país ou da sua literatura, que predomina.
6
Se mundo literário era dessa categoria, viver da literatura era para poucos.
Para sua sobrevivência, restaria à boa parte dos escritores, portanto, recorrer à prática
do favor. E esse, para Coutinho, era outro dos importantes fatores que contribuíam
para desqualificar nossa literatura. Mesmo com o foco restrito ao mundo das letras, o
autor deixa de lado a figura do leitor e concentra sua avaliação apenas em escritores e
obras. Ou seja, para ele, o número reduzido de leitores não é motivo para que os
escritores se dediquem a outras atividades para sobreviverem:
Um dos cios mais graves da nossa vida literária é a tendência que
têm os escritores a não se limitarem à literatura. Fazer literatura é
antes o veículo para alcançar posições na administração pública, na
vida social ou política. É a tendência ao expoente. Não se
compreende porque se critica tanto o medalhão. Pois o tipo
mais representativo do homem de letras brasileiro do que o
5
Idem, ibidem, p. XVIII.
6
Idem, ibidem, p. XIX.
67
medalhão. É o indivíduo que, depois de conquistar fama e prestígio
pela publicação de meia zia de livros, passa a ser figura
indispensável na saudação de banquetes ou ofícios fúnebres, nas
comemorações patrióticas ou sociais. Torna-se membro de todas as
sociedades recreativas e beneficentes. É uma figura. A literatura fica
para trás, esquecida. Serviu apenas de canal ou instrumento de
acesso.
7
E continua:
Ressalvando-se um ou dois exemplos, raros têm sido os nossos
homens de letras que tiveram a capacidade de serem fieis à vocação,
e se dedicarem de corpo e alma, a vida toda, à construção de uma
obra. o temos essa pertinácia, essa constância, essa fidelidade,
que fazem as grandes obras. Tudo o que produzimos é apressado,
fragmentário, à margem. A literatura brasileira é uma literatura
marginal. Os escritores brasileiros são homens marginais.
8
A prática do favor e o cotidiano mesquinho seriam responsáveis, também, pela
perda do prestígio do intelectual perante o público e, consequentemente, pelo baixo
público leitor:
Tudo isso é que fez a literatura muito desmoralizada no Brasil.
Ninguém acredita mais nela. Sempre houve entre o nosso povo uma
tendência para respeitar a literatura e os homens de letras, certa boa
vontade para com eles. Pode-se falar mesmo em certo respeito nato
no brasileiro pelo intelectual. Mas de algum tempo a esta parte vem
sendo a literatura e intelectuais desacreditados. uma queixa
constante entre s: por que existe tal divórcio entre literatura e
povo, por que não se lêem os nossos livros? Uma das razões deverá
ser esta: o povo não acredita mais em intelectual brasileiro. Literato
é hoje palavra de significado pejorativo, quase sinônimo de
cafajeste. O povo cansou de suportar o intelectual. Cansou de lhe
dar regalias, de lhe conceder certas licenças e privilégios, para
7
Idem, ibidem, p. XX.
8
Idem, ibidem, p. XXI.
68
que ele pudesse viver a vida a seu modo, a boa vida, a boêmia.
Cansou de malazartismo. Cansou da literatice de nossos literatos e
da sua mentalidade de aldeia.
9
E, antes de encerrar seu diagnóstico pessimista sobre o ambiente das letras no país,
faz a ressalva: “É mister falar claro e francamente, embora sabendo a quanto nos
arriscamos.”
Coutinho parecia estar ciente de todos os riscos. Estes textos foram publicados
entre 1948 e 1950 e, embora, de passagem, o autor faça ressalvas em alguns
momentos admitindo a existência de exceções, sua avaliação é generalista e nivela por
baixo, no mínimo, a produção literária brasileira desde o modernismo. Descontado o
tom imediatista, eloquente e polêmico típico do jornal, o fato é que a geração a que
ele se refere inclui o modernismo paulista da primeira e da segunda hora, o Romance
de 30 e a Geração de 45. Alguns nomes: Mário e Oswald de Andrade, Graciliano
Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Murilo Mendes, Carlos Drummond de
Andrade, Cecília Meirelles e João Cabral de Melo Neto. Sua mira está voltada, é
verdade, para os autores de poesia. Mas sua avaliação engloba, como vimos, o
“homem de letras brasileiro” e “toda a literatura brasileira”. O tempo, a história e o
estudo da literatura e da crítica literária nos ensinaram a importância de tais autores
no panorama da literatura brasileira. Não é necessário contra-argumentar nesse
momento, nem mesmo iluminar seu erro de avaliação. O que importa, por enquanto, é
tentar entender a lógica interna do pensamento do autor para que ele formulasse tais
afirmações, naquele tempo.
Se o que Afrânio Coutinho quer é sistematizar o estudo da literatura no Brasil,
à moda do exemplo americano, é preciso divulgar a desorganização reinante neste
campo por aqui. Além disso, as obras literárias deveriam se prestar a serem objetos de
estudo do New Criticism. Não é exatamente o que acontece com a maioria, embora
fosse possível aplicar a teoria a qualquer tipo de obra, e isso explica parte de sua
indignação e do seu tom. O fluxo de temas e abordagens é outro. O modernismo de
22, de ímpeto libertário e louvação de peculiaridades brasileiras por meio da
exploração das desventuras da linguagem oral, do improviso e do foco no folclore não
serviria, pois desconsiderar o contexto social contido na poesia seria transformá-la em
simples jogos de palavras. O da segunda fase, mais maduro, reflexivo e intimista, e a
9
Idem, ibidem, p. XXI.
69
geração de 45, com João Cabral e o segundo momento de Drummond à frente, talvez,
mas ainda era pouco. No campo da prosa, as obras mais relevantes do período eram as
do romance de 30, de viés político e de denúncia social. Definitivamente, não era um
campo fértil para o seu modo de interpretação do New Criticism. Afrânio recusa
admitir, mas dá a entender que as obras para tanto são raras aqui:
O fato é que a nossa produção ainda é episódica, inconsistente,
fluída. Ainda é muito pobre. Ainda não desenvolveu um sentido de
universalidade que a fará ouvida e admirada no estrangeiro.
Naturalmente, falando-se de maneira geral, sem querer argumentar
com exceções.
10
Um exemplo ilustrativo de sua persistência de propósitos e de seu
descontentamento com a literatura dos modernistas e seus descendentes está em um
texto de janeiro de 1950. Drummond havia escrito um artigo que abordava, entre
outros temas, o tipo de linguagem empregada pelos escritores brasileiros. Coutinho
transcreve um trecho do texto do poeta:
(...) O autor de Quincas Borba peca por esse vício inicial de
escrever bem, bem demais, excessivamente bem. o é
recomendável que se institua um modelo dessa ordem, num país
ainda novo, que deve cultivar sobretudo as suas forças primitivas e
cósmicas. Ai de s se tal exemplo frutificar! Mas, felizmente, o
frutificará. Alguns dos mais belos nomes da nova geração assim o
garantem.
11
E rebate não sem antes apontar o acerto do poeta em dar a entender (e não afirmar)
que o conhecimento ou o estudo da tradição é necessário para quem escolhe a arte
literária como ofício nivelando agora a opção dos escritores pela linguagem e por
temas do cotidiano e o tipo de crítica a ser suplantada:
Essa teoria que procura endeusar o telurismo desmedido e
desenfreado, em oposição a qualquer preceptiva, é bem o recurso de
10
Idem, ibidem, p. XXI.
11
Carlos Drummond de Andrade, In: Afrânio Coutinho, Correntes Cruzadas, p. 158.
70
quem quer fazer das fraquezas força. Por incapacidades de criar
disciplinas justas e de a elas subordinarmos nossa fonte criadora;
por impossibilidade romântica de respeitar cânones e padrões
necessários pois não arte verdadeira sem eles vamos
instituindo nossa inferioridade em norma de escola, uma escola
brasileira.
Defeito similar é o que nos leva a dignificar o impressionismo. Na
falta de rigorismo metódico, contrário aos nossos mais fortes
pendores e decorrente daquela incapacidade para a disciplina
intelectual, adotamos o impressionismo, no pior sentido, como
método de trabalho, pesquisa e interpretação.
12
Para ele, não é esse o caminho a ser seguido. Seu desejo também é o de que a
literatura brasileira seja universal, seja lida no estrangeiro. Mas o quadro geral que ele
enxerga à sua frente o leva ao desespero:
O fato é este: nós nos queixamos de que os outros não conhecem as
nossas obras, e acusamos a barreira linguística. A verdade é que a
língua o foi obstáculo para os russos serem universalmente
conhecidos. Quando força real, todas as barreiras são derrubadas.
Devemos antes fazer um auto-exame e compreender que nada temos
que possa impor-se à atenção.
13
4.2 – A política na literatura
Este autoexame apontaria, segundo ele, um dos problemas principais que
demandavam urgência no tratamento: a presença da política na literatura. Para um
purista que quer implantar a análise intrínseca da obra literária, esta é uma pedra no
sapato. Se a intenção do autor é a de que também a literatura produzida no Brasil seja
lida no estrangeiro, o engajamento político dos escritores nacionais, na sua visão, é
um empecilho para que os textos alcancem uma dimensão universal. Os grandes
mestres do New Criticism condenam a prática; o próprio método serve de refúgio para
quem não quer se envolver com questões delicadas do tempo. No Brasil, segundo ele,
12
Idem, ibidem, p. 159.
13
Idem, ibidem, p. XXV.
71
não deve ser diferente:
O fato é que ela (a literatura brasileira) interessa atualmente pela
possível mensagem de caráter político ou social que porventura
encerre. Os escritores procuram, para mostrar-se à altura do tempo,
infiltrar essa mensagem na obra que produzem. Os críticos
contentam-se com realçar, o mais dos casos, o aspecto ou a intenção
política, consciente ou latente, da obra ou figura que examinam. A
literatura como arte, essa não vale a pena de ser encarada. Não se
leva em consideração. Nem muito a quem lhe ocorra que existe
nela esse aspecto estético.
14
A favor da corrente teórica estrangeira e na contramão do momento histórico
brasileiro, ele advoga a favor de uma literatura desvinculada da política:
Não escapa a ninguém, todavia, a posição, quase diria ridícula, ao
menos sem sentido, dos que se esforçam por manter-se fieis à
literatura nesse momento no Brasil. Nunca foi a atmosfera tão
pouco propícia ao exercício das letras puras. O desprestígio da
inteligência desinteressada mostra como não há lugar na sociedade
profundamente materializada de nossos dias senão para o
combatente político. A inteligência tem que ser subordinada aos
interesses da luta, e a literatura não tem valor senão como veículo
de outros valores. Parece que revivemos a época das lutas de
religião, quando a literatura servia de veículo da catequese ou da
reconquista religiosa. Apenas, agora, é diferente a palavra em voga,
faz-se benefício de ideais partidários, nesse mundo separado, com
duas facções políticas em antagonismo, tal qual aqueloutro em que
duas metades de colorido religioso dividiam a cristandade outrora
unificada.
15
Então, tal como os ingleses de Leavis, ao invés de tomar parte na discussão
política, o homem de letras brasileiro deveria preocupar-se mais com o bem-estar do
espírito, porque disso dependeria a capacidade de encontrar a ordem social:
14
Idem, ibidem, p. XII.
15
Idem, ibidem, p. XV.
72
O desprestígio da literatura nesse instante bem reflete a desordem
reinante nos espíritos, a subversão de valores, a confusão de planos
que caracteriza a época, situação ainda agravada em nosso meio
pelas deficiências que nos são peculiares no terreno educacional.(...)
A Literatura qua Literatura, em si mesma, parece não interessar ao
homem atual, tremendamente solicitado pelos partidos da hora.
Nossa época dilemática dilacera-lhe a alma, obrigando-o a tomar
partido por um dos lados, como se estivesse a solução de seus
problemas íntimos, a resposta ao enigma de seu destino. As palavras
de ordem e os “slogans” partidários pretendem substituir a
meditação das grandes obras-primas do passado. Esquecemos que
lucramos muito mais no caminho da perfeição com dois trechos do
Hamlet ou dos Pensamentos de Pascal, e que os problemas humanos
são problemas sobretudo espirituais, no homem encontrando a
almejada pacificação. Em todas as épocas houve quem se batesse
pelos problemas da justiça, e essa luta é legítima. Mas o problema
da justiça não pode ser enquadrado no plano do econômico
somente. É de ordem moral e espiritual, o econômico e o político
dele dependendo estritamente.
16
E emenda uma pergunta: “Porventura o pragmatismo da ação ou o interesse da massa
constituirão o padrão da civilização futura, na qual não mais haverá lugar para certas
coisas “inúteis”, certas atividades desinteressadas?”
Ao contrário do sentimento antiamericano propagado pelos romancistas de 30,
sabidamente identificados com o comunismo soviético, e da aversão à cultura
americana manifestada por alguns modernistas de 22, o Brasil, para Afrânio, deveria
reconhecer as virtudes do sistema educacional americano e tomá-lo como exemplo:
Temos a mania de proclamar nossa superioridade cultural sobre os
americanos. Para s, eles o passariam de repetidores insossos,
especialistas medíocres ou cacetíssimos professores. A cultura
americana seria um pasticho ou era feita de vulgarização.
Confundimo-la com as revistinhas de divulgação popular em que é
16
Idem, ibidem, p. XVI.
73
fértil a indústria americana do livro. Fingimos ignorar ou ignoramos
de fato que, tanto no terreno da especulação pura como no da
criação artística, os americanos se elevaram ao plano da
maturidade, e que este progresso eles deveram ao estudo sério,
sistemático, profundo, que lhes proporcionaram as suas magníficas
e numerosas universidades. Ao contrário de nosso conceito da
produção de cultura a partir do vácuo, da improvisação, das forças
instintivas, muito que acreditam eles que a cultura se faz e se
produz a partir da tradição, por intermédio do livro ou do mestre.
Daí a formidável e esplêndida produção intelectual que, no plano da
criação literária e do pensamento crítico e filosófico, podem eles
estadear. Não é por comparar, pelo simples gosto de diminuir-nos
ou lisonjear os americanos, do que esta seção não pode ser suspeita,
que se referem esses fatos. Mas para que abramos os olhos e
tomemos tento, que chegamos à idade do juízo. (...) É tempo de
vermos que o pensamento ou a literatura o coisas rias, quando
marcadas de sentido construtivo, e não simplesmente para brilhar
nos suplementos literários.
17
4.3 – Remoteness
Tudo somado, o amadorismo dos escritores e de sua literatura, a presença
incômoda da política no texto literário e os sinais de aversão à cultura americana, o
resultado é o de atraso cultural. Afrânio viria a ser o responsável pela formalização do
argumento do “atraso” para justificar a adoção de teorias estrangeiras nas
universidades brasileiras. O fato de termos chegado à “idade do juízo” nos obrigaria a
deixar de lado a ingenuidade de quem quer construir uma cultura própria repelindo a
influência estrangeira. É necessário, segundo ele, “abrir os olhos” para poder enxergar
além da fronteira e acertar o passo com o andamento da vida intelectual dos grandes
centros:
Não escapou a certo intelectual estrangeiro o que me parece mais
característico da atmosfera mental do Brasil: é aquilo a que ele
chamou remoteness. Nenhum país lhe deu melhor impressão de
17
Idem, ibidem, p. 48.
74
distância, de inatualidade, de atraso, de desacerto de passo, quanto
aos acontecimentos intelectuais, de lentidão em ecoá-los.
Não há novidade nisso, porquanto sabemos que os movimentos
intelectuais brasileiros são réplicas retardadas, duas ou três décadas
no mínimo, de movimentos europeus. A dificuldade de
comunicação faz que a semente dos movimentos germine aqui
depois de muito tempo; e às vezes quando entraram em
decadência ou desapareceram no lugar de origem, entre nós ainda
são levados a sério ou mesmo começam a frutificar.
18
O argumento do “atraso” para justificar a importação desenfreada de teorias
foi proferido à exaustão ao longo do século XX, e é ainda hoje, nas bienais teóricas.
Afrânio tem motivações muito claras dentro de sua lógica para usá-lo. A
campanha para desqualificar o ambiente das Letras no Brasil é forte e redundante, e é
preciso fazê-la para justificar a adoção do método e a criação de cursos superiores na
área. Ele inclui em sua lista de argumentos outro que sobrevive até hoje, o de
atualizar-se para evitar constrangimentos no debate com intelectuais estrangeiros:
Gafe maior não pode cometer um nosso escritor do que pretender
inovar em assuntos estrangeiros de história cultural, há muito
batidos pela argúcia e paciência dos especialistas. O mais do tempo
teremos que conformar-nos com estar em dia, no terreno que nos
interessa, com o que produzem lá fora. E isso mesmo não é tarefa de
somenos, tendo-se em vista as dificuldades de documentação
comuns entre s. É tarefa que exige, além disso, muito fogo
interior, do contrário soçobra ante a geleira de indiferença e
desestímulo intelectual do ambiente brasileiro.
Quanto a querer contribuir com visões novas, interpretações
pessoais ou revalorações de obras ou escritores famosos, é
pretensão no mínimo ridícula. Dante, Shakespeare, Cervantes,
Goethe, que poderá um dizer de novo sobre eles e outros, dessas
bandas, aonde nem chega o principal da bibliografia imensa que
sobre eles existe e continuamente se produz nos países de origem?
Como logra superar pesquisadores eruditos, cuja existência é,
18
Idem, ibidem, p. 65.
75
muita vez, totalmente dedicada ao tema, ou mesmo a subdivisões do
tema, e em centros onde a vida intelectual é organizada, e sobre
bases honestas de documentação e esclarecimento?
19
Note-se que aqui quem deve “inovar em assuntos estrangeiros de história
cultural” é o escritor. Segundo esta visão, a culpa pelo atraso e pelo consequente
constrangimento geral (dele), ora é do crítico diletante, ora é do escritor. Mas este,
infelizmente, está preocupado com a política quando deveria estar preocupado com o
espírito.
Para Coutinho, qualquer sistema de organização é bem-vindo, e ele sente estar
fazendo sua parte ao propagar e propagandear a seriedade das instituições
universitárias americanas e dos críticos em destaque na época. O empenho
modernizador é louvável e certamente contribuiu muito para o desenvolvimento dos
cursos de Letras no Brasil desde então. Mas não vai ao encontro do que acontece na
literatura do país naquele momento. A campanha de primeira hora pela adoção do
New Criticism, portanto, não é motivada pela falta de mecanismos de análise para
produção interna, mas para adotar uma sistemática acadêmica para o estudo das
Letras por aqui, além de ser uma forma de oferecer ao pesquisador brasileiro
instrumentos para a análise de objetos literários. Mas não necessariamente nacionais.
Se a teoria descarta o contexto, o teórico também:
Ao advogar a renovação ou a criação do ensino de literatura entre
nós, não se pretende uma imitação da América, mas da aplicação
dos princípios adotados em todo o centro civilizado, é o que faz
qualquer povo que aspire a sair de estádio primitivo de cultura. Foi
o que fez a América tamm. Hoje, os próprios americanos
apontam sérios defeitos no seu ensino literário, em certos setores;
mas isso é de um país que se pode dar ao luxo de criticar o que
tem, com vistas ao aperfeiçoamento. se atingiu a uma fase de
exagero, daí a insatisfação. Como resultado da mecanização do
ensino, chegaram alguns a querer “fabricar” romancistas e poetas à
custa de cursos de “fiction” e “poetry”. É o extremo oposto do
nosso erro.
20
19
Idem, ibidem, p. 181.
20
Idem, ibidem, p. 104.
76
O exemplo americano libertaria os autores brasileiros da escravidão da subjetividade:
Entre s o que prevalece é a tese romântica que faz do poeta ou
romancista um mago, inspirado, que nada tem a dever à técnica, ao
aprendizado, ao artesanato. Evidentemente, nenhum ensino literário
“fabrica” poetas e romancistas. Sairá dele melhor poeta ou
romancista. Sobretudo, o ensino literário cria uma medida de
consciência literária, que proporciona um estado de auto-crítica,
um padrão de bom gosto geral. Em face dos vícios do ensino
literárioo se deduza que não deve haver ensino de Literatura.
21
Este estudo sistemático da literatura voltaria os olhos, tanto os do estudante como os
do público leitor em geral, para a tradição, o que proporcionaria a construção de uma
literatura sob bases sólidas:
Mormente fazendo com que aprenda a “ler”, que é a base da
formão literária, e pondo o iniciante em contato com a tradição, o
ensino literário corrigirá um defeito do autodidatismo, segundo o
qual os novos se lançam com sofreguidão aos autores da moda, sem
a necessária formação básica. Mesmo para renovar é mister partir
do início, isto é, da tradição. Infelizmente, porém, a norma vigente é
inversa. Haja vista o que ocorre presentemente. Kafka, Sartre,
Camus, Proust, Joyce, estão na ordem do dia, o mesmo que se deu
no passado com outros grupos. E por isso, nada se constrói com
raízes, e o que assim se edifica é efêmero.
22
Caberia uma pergunta: se a avaliação do autor nivela por baixo “toda a literatura
brasileira”, que tradição seria essa? Vale lembrar que esses comentários são
contemporâneos do início de alguns cursos de Letras no Brasil, mas Afrânio não
parece fazer questão de considerar seus interlocutores, quer exclusividade, e, mais
tarde, fará algo semelhante ao que fez Leavis: de posse de um cabedal de métodos,
apresentará sua “grande tradição” da literatura brasileira. E dialogando pouco com os
21
Idem, ibidem, p. 104.
22
Idem, ibidem, p. 104.
77
trabalhos de história literária compostos até então e com os intelectuais de sua época.
Por enquanto, o discurso é outro: trata-se de convencer o público de que, com
o estudo aprofundado das questões críticas e do fazer literário, o escritor brasileiro
(sim, todos) estaria apto a dar o salto de qualidade necessário para atingir o público
estrangeiro, o que o faria resgatar a dignidade da profissão, libertando-se da sombra
da subjetividade e do círculo vicioso da sociedade do favor. O termo de comparação
vem de fora:
Que é que constitui o segredo da produção regular nos escritores
estrangeiros, xime europeus, mesmo nas condições mais
adversas? Que explica sua pertinácia, seu método, sua capacidade
de realizar as obras que planejam, de levá-las a termo?
Tudo conspira entre nós contra o trabalho do espírito, mesmo em
relação aos mais bem dotados. Em primeiro lugar, a deficiente
formão, fruto do autodidatismo, responsável pela ausência de
disciplina mental, pelo espírito de diletantismo, pela falta de
persistência em perseguir os objetivos colimados, pela inexistência
de metodologia, pela atitude dispersiva e borboleteante da
inteligência, pelo virtuosismo personalista, pela tendência ao
enciclopedismo, ao poligrafismo, às generalidades. Depois, as
condições de vida; a profissão de letras, não sendo organizada em
base de independência ecomica, torna-se meramente subsidiária
de outras, sobretudo da carreira administrativa, o que leva o
intelectual a se dispersar, veiculando suas energias em outras
direções que não a da vida intelectual. O intelectual no Brasil, na
melhor hipótese, é funcionário público, sua verdadeira atividade é o
serviço do Estado, ficando assim o estudo e a produção relegados
para segundo plano, para as horas vagas e cansadas da luta pela
subsistência.
23
4.4 – Medidas Provisórias
As justificativas para a abertura dos portos são as mais variadas e abrangem
desde questões relacionadas ao processo de composição dos escritores, seus temas,
23
Afrânio Coutinho, Da crítica e da nova crítica, p. 98.
78
sua linguagem, suas obras, até as imprecisões metodológicas cometidas pela crítica e
os maus hábitos do público leitor. Autores de primeira e segunda geração, suas obras
e o público leitor: um sistema literário totalmente equivocado. Como se fizesse um
balanço da situação descrita acima, Coutinho escreve em tom e forma de manifesto,
aliás, muito semelhante ao utilizado frequentemente anos depois em discursos de
abertura das bienais teóricas. Para Coutinho, portanto, torna-se imperioso:
O alargamento das influências estrangeiras em nosso país, pondo-se
termo ao monopólio e ao imperialismo cultural, e abrindo-se janelas
para os vários quadrantes do horizonte. A cultura é supra-nacional,
não pertence a este ou àquele país. E toda contribuição lida é útil
e fecundante. Só assim, lograremos a maturidade e a autonomia
intelectuais: pela exploração de todas as sementes que nos possam
oferecer os povos ricos em experiência. O amor da cultura não
implica o reconhecimento de superioridades ou primazias de povos.
Mas a aceitação das correntes cruzadas supranacionais, que formam
a unidade da cultura, essa nação acima das nações.
24
E, ao mesmo tempo em que critica tanto a importação sem propósito de teorias
francesas quanto a recusa de alguns críticos em admitir no Brasil o pensamento de
fora, assume a responsabilidade de fazer ele mesmo uma importação que considera
imparcial, legítima e imprescindível, já que está habilitado para isso:
Quem conhece o autor deste sabe que ele o é um admirador cego
e passivo dos Estados Unidos, sua opinião pessimista tendo sido
mais de uma vez exposta de blico. o se peja ele de sua
formão sobretudo francesa e sua fidelidade à cultura católica,
sorvida por intermédio do grande rio gaulês. Mas, doutro lado,
julga-se com suficiente independência de espírito para saber
distinguir aquilo que na influência francesa é nefasto ou está errado,
mormente para diferençar o que é a verdadeira e melhor tradição
francesa do pechisbeque que seus importadores, por cálculo,
vesguice ou comodismo mental, fazem passar por boa mercadoria,
com nenhum outro intuito senão o de tirar disso o máximo partido.
24
Idem, ibidem, p. VI.
79
E, “çá va sans dire”, essa independência conserva-lhe o juízo claro
para enxergar o que há de progressista em outras plagas,
especialmente o que há de fecundo para nós em abrirmos as janelas
a todas as influências. Não tem culpa que muitos, por acanhamento
provinciano, sejam impermeáveis a outros ares, numa adoração
imutável, sentimental e acientífica do que chamam a “tradição
francesa”. O preconceito antiamericano, em particular, é muito
comum em certos intelectuais que, por maiores que sejam as provas,
simplesmente o tomam conhecimento da Arica, a despeito de,
no mínimo, ela ser hoje o mais sério e mais importante centro de
estudos do mundo.
25
O andamento do raciocínio do autor sugere que não outra mediação
possível: ou se repele ou se adota, em todos os seus termos, a influência estrangeira. E
mais, assumindo-se como uma espécie de embaixador das teorias estrangeiras por
aqui, sugere que somente ele seria capaz de importá-las adequadamente. Nem o fato
de que o autor está com os olhos voltados exclusivamente para o mundo das letras,
nem mesmo sua instransigência em aceitar a invasão de elementos extrínsecos ao
objeto literário justificam o equívoco de avaliação – a cegueira parece ser uma opção:
o close reading estava sendo aplicado, com grande proveito, por intelectuais como
Antonio Candido, Anatol Rosenfeld e Augusto Meyer.
Por outro lado, o reflexo do pensamento de um intelectual situado na capital
cosmopolita Rio de Janeiro tem alcance bem maior do que o daqueles da provinciana
São Paulo. Esta diferenciação, que é fato na época, talvez ajude a compreender
postura exclusivista de Afrânio Coutinho. Mais interessado em acabar com o
amadorismo na crítica, no estudo e na produção literária do que em aplicar as teorias,
seu discurso-manifesto é pra ser ouvido de norte a sul:
A primeira idéia é a da necessidade de criação de uma consciência
crítica para a nossa literatura, que venha a corrigir a atitude acrítica
e emrica, segundo a qual a literatura é produto exclusivo das
forças inconscientes, telúricas, selvagens, virgens, primitivas,
expressão do gênio local, indisciplinado, original. Contra o mito do
autoctonismo absoluto, da originalidade incondicional,
25
Idem, ibidem, p. VII.
80
apresentamos a noção da tradição válida, do passado útil, não com
espírito de oposição ou de dilema, porém como corretivo, pois da
fusão dos dois o gênio local e a tradição é que é possível a
produção de uma literatura madura e consciente, não simplesmente
empírica.
26
Para tanto, reitera a necessidade de ampliação e aperfeiçoamento dos cursos
superiores de Letras:
Essa consciência crítica só se cria pelo estudo superior e sistemático
de letras, estudo universitário, em que pese à nossa descrença, de
origem romântica, a viabilidade e eficiência do aprendizado de
letras. Os fatos que nos mostra a história literária e a experiência
estrangeira convencem de que a literatura se ensina e aprende. Esse
estudo sistemático desenvolverá a crítica sobre bases científicas e
filosóficas, acentuando o papel da teoria e dos princípios, pois, sem
uma concepção geral da Literatura, é vã qualquer procura de
método crítico. E à crítica assim concebida e desenvolvida cabe
uma função norteadora de disciplina do espírito e da Literatura,
proporcionando, direta e indiretamente, a formação de um clima de
autocrítica nos autores e de gosto policiado e exigente no público.
27
E a solução de todos os problemas se torna palpável e iminente:
O instrumento dessa reforma de conceitos e todos de trabalho
intelectual terá de ser o ensino superior de letras ministrado nas
Faculdades de Filosofia e Letras. Criando melhores professores de
letras e investigadores literários, estes, por sua vez, melhorarão o
ensino de letras no curso secundário. Daí sairão melhores poetas,
melhores romancistas, melhores críticos, melhores pesquisadores e
trabalhadores intelectuais. Não serão mais diletantes, autodidatas os
homens de letras. A questão fundamental brasileira é a de método.
um todo, que aperfeiçoará nossa qualidade de trabalhadores,
seja no terreno mecânico, seja no intelectual. Improvisadores e
26
Idem, ibidem, p. IV.
27
Idem, ibidem, p. IV.
81
curiosos, temos as intuições das coisas. Falecem-nos o “know-how
de tudo, descura-se o aspecto “craftmanship”, de artesanato de
quanto se faz. E a tese não é desmentida, ao contrário, confirmada,
pelas tentativas isoladas, mesmo brilhantes, que se perderam em
meio à desordem geral.
28
Neste novo momento dos estudos literários no Brasil, não haveria espaço para
o estudo do tipo de crítica exercida até então. E não estamos falando apenas do
impressionismo crítico. Para ele, aquele era o momento, a oportunidade para uma
renovação total. O bonde da história das idéias críticas que trazia os grandes
protagonistas da reforma muito esperada estava de passagem pelo Brasil, e ele era
o homem responsável por conduzi-lo por aqui. Mais ainda, ele se impunha o dever
patriótico de apresentar os trabalhos daqueles homens ilustres ao grande público.
Antes disso, porém, era preciso desqualificar os métodos vigentes, apontar-
lhes os erros, demonstrar seu esgotamento. É o que ele faz, começando pelo
historicismo. O tom e a forma ainda são de manifesto:
A defesa da perspectiva estético-literária na apreciação da literatura
contra o predomínio do método histórico. Isso não significa,
todavia, o abandono das contribuições históricas, mas apenas a
colocação do método histórico no seu devido lugar, que não é, na
consideração da literatura, o primeiro. A crítica é, acima e antes de
tudo, crítica-poética, no sentido aristotélico, e a história vale na
medida em que é um auxiliar na compreensão da obra, um meio e
não um fim, e um meio útil às vezes, por vezes perturbador, e nem
sempre indispensável. Para a “nova crítica”, o movimento de âmbito
universal que forma hoje a tendência dominante, o que importa,
sobretudo, é a obra, o texto, e na análise do texto de poesia ou de
prosa se especializam as várias escolas, buscando o difícil núcleo,
o intrínseco, que forma a essência estética da obra de arte literária.
Aos métodos extrínsecos, ela ajunta e sobrepõe os métodos de
análise intrínseca.
29
28
Idem, ibidem, p. V.
29
Idem, ibidem, p. V.
82
Em seguida, é a vez da sociologia,
O erro da crítica de orientação sociológica determinista foi acreditar
na explicação genética exclusiva do meio, da raça e do momento.
Sabemos quão superada está a teoria de Taine e dos críticos que
nele se inspiraram. Os fatores extrínsecos o têm o monopólio da
formão artística, nem mesmo a importância que se lhes atribuiu.
Podem estar ou não presentes na nese da obra e o satisfazem de
todo quando pretendem explicar a natureza do produto estético. Por
si não passam, quando estão presentes, de meros condicionantes,
incapazes de esgotarem o mistério da criação artística.
30
da psicologia,
Em igual situação está o fator psicológico. Como se pode estudar
em um livro recente, Taste and Criticism in the Eighteenth Century
(1952), o século XVIII, ao reintroduzir na explicação da poesia,
noções como a de sentimento, de paixão, de entusiasmo, de nio,
de imaginação, legaria ao Ocidente um corpo de doutrinas estéticas
e literárias que teria imensa fortuna em todo o período de tempo que
se lhe seguiu até nossos dias. Doutrinas estas que formariam o
sistema de idéias romântico e que, por assim dizer, monopolizariam
a mente dos críticos, a elas consciente ou inconscientemente
subordinados. Ao reagir contra o primado das regras, que fora outro,
o romantismo forçou a mão na estimão do princípio pessoal da
inspiração, do gosto, do temperamento individual, do gênio, da
emoção, qualidades estas a que se passou a responsabilizar por toda
a criação artística.
31
e do biografismo:
Um passo apenas e cairíamos em outro monismo interpretativo: o
da obra através do homem, que redundaria, pela mão mágica de um
Sainte Beuve, no estudo do homem artista graças a tudo que a isso
30
Idem, ibidem, p. VI.
31
Idem, ibidem, p. VII.
83
se prestasse, inclusive, às vezes, a obra. De estudo da literatura na
obra, a crítica resultou em biografia dos autores, em retrato
psicológico dos escritores, para o que podia também, caso fosse útil,
utilizar-se a obra, simples documento ilustrativo de uma vida.
Inverteu-se a ordem do estudo literário: em vez da obra através do
autor, chegou-se ao autor por intermédio da obra. Como se, afinal
de contas, o que devesse interessar acima de tudo ao estudo
literário, à crítica, não fosse a obra, o documento literário por
excelência, cuja autoria é um simples acidente, nem sempre
interessante ou útil à interpretação, às vezes até prejudicial muitas
vezes ignorada sem que se perca qualquer parcela do interesse e
valor estético da obra.
32
E decreta:
Tudo isso está fora da literatura propriamente dita. Historicistas,
psicólogos, sociólogos, biologistas, marxistas (estes últimos, apenas
uma variante do historicismo, veem na literatura um reflexo da luta
de classes, para eles, o fato essencial da história, determinado por
forças econômicas), todas essas escolas críticas, surgidas em reação
ao impressionismo subjetivista, consideram a obra literária somente
como resultado de certas forças naturais, e seu interesse dirige-se
apenas para o fato (fatualismo ou fenomenalismo), isto é, o
documento histórico, sociológico ou psicológico, a ser verificado,
descrito e rotulado. Mergulha a Bacon a linha filosófica
inspiradora de tais teorias e da metodologia “científica” delas
resultante como técnicas de abordagem do fenômeno literário.
35
Nenhum dos métodos utilizados até aquele momento daria conta da
complexidade do objeto literário. O discurso não poderia ser diferente, afinal,
Afrânio, assim como Leavis, quer legitimar um método, uma disciplina, um curso de
Letras. Daí vem seu intuito de criar uma disciplina independente das demais, mas que
ao mesmo tempo englobe instrumentos de outras áreas. Para ele, somente algo com
32
Idem, ibidem, VII.
35
Idem, ibidem, p. VIII.
84
estatuto de ciência seria capaz disso.
4.5 – A ciência da literatura
O processo de formulação conceitual da “ciência da literatura” tem algumas
particularidades. Uma delas é a que vimos acima. um esforço extremo para provar
o esgotamento de cada um dos métodos que vinham sendo utilizados para os estudos
literários. O fato de cada um pertencer a uma área distinta e não-literária, isto é, que
não tem a literatura como objeto primeiro de estudo, e servir como método para o
estudo das obras configura uma invasão em terreno alheio. Terreno que ele está
demarcando, aliás. Por outro lado, sua intenção não é a de incorrer no mesmo erro
apontado por ele e elaborar uma abordagem monista do texto literário, nem mesmo,
como alguns o acusam, parecer subserviente ao New Criticism e à cultura americana,
por isso prega o alargamento de fronteiras. E é essa postura cosmopolita que o leva
considerar uma integração com as mesmas disciplinas que ele critica. O que ele
defende é uma inversão de predomínio: o critério estético deve prevalecer sobre os
demais. A crítica científica da literatura estaria aberta às outras áreas.
Seu lado cosmopolita também tem outro particular. Como homem do mundo,
por um lado, e como um radar em terras brasileiras, por outro, Afrânio, no espaço
estrito do jornal, cita trechos inteiros de livros de teóricos estrangeiros, sobretudo os
do New Criticism, e assina embaixo. Às vezes, inclusive, sem citar a fonte. Além
disso, é possível notar uma certa espectativa da parte do autor em relação aos
trabalhos publicados fora do país sobre o tema. O desenrolar do debate é
acompanhado de perto. Quando alguma obra importante sobre o New Criticism é
lançada, ele imediatamente a notícia, invariavelmente saudando como o grande
avanço teórico que todos (ele) esperavam. Isso faz com que o autor mudando de
opinião, às vezes radicalmente, à medida que o debate evolui lá fora.
É uma forma peculiar de importação teórica, que pode ser interpretada como
uma espécie de apropriação do discurso alheio ou simples divulgação da novidade,
tanto faz, mas o fato é que não há mediação, a não ser o argumento redundante de que
é preciso sistematizar/profissionalizar/moralizar o mundo das Letras por aqui. Ser um
estudioso aberto e atualizado com o que se passa fora do país é o ideal de todo o
crítico e professor, não dúvidas. No caso de Afrânio Coutinho, contudo, a tentativa
de dar conta de quase todas as teorias disponíveis irá inviabilizar seu trabalho.
85
4.5.1 – Uma disciplina plural
Afrânio começa explicando em que medida a ciência da literatura seria uma
disciplina diferente das demais:
A crítica científica (empregando com a devida ressalva essa
expressão equívoca e cheia de conotações perturbadoras) é aquela
que, relacionando, como todo conhecimento, o espírito ao ser e à
realidade, numa adequação entre o espírito e as coisas sensíveis,
procura examinar a estrutura intrínseca, o específico, o individual, a
matéria, que constitui o fato literário. (...) Mas que tenha as
características, as propriedades adequadas às do objeto a ser
estudado, e não qualidades emprestadas de disciplinas de objeto
heterogêneo. Ou a crítica literária desenvolve métodos estéticos ou
literários, ou então ficará sempre à mercê das tentativas de aplicação
de métodos estranhos à natureza do fenômeno estudado métodos
da Sociologia, das ciências naturais, da Matemática. O método da
crítica literária será literário, estético, “poético”, ou jamais a crítica
será científica, isto é, crítica, mas uma epi-disciplina, dependente
das variações de moda das ciências às quais buscará por empréstimo
seus métodos.
37
E, como se quisesse validar a incômoda expressão e passar a usá-la sem receio, o
autor recorre à tradição, o que também pode ser uma resposta a quem o acusa de
copiar os americanos:
O grande mestre da crítica científica é Aristóteles, que deixou na
Poética as normas para o assunto. O primeiro passo é a correta
observação do fato literário, na sua intimidade, ou intrínseco do fato
literário; a análise de seus elementos (com todos os recursos
disponíveis), a descrição e classificação desses elementos, isolados
ou combinados; o estudo de seus processos de produção e recepção,
e, por último, o julgamento de seu valor. Sem julgamento o
crítica, e nisso a crítica distingue-se da ciência. Mas, para julgar, o
37
Idem, ibidem, p. XI.
86
crítico necessita de um corpo de critérios ou padrões objetivos, o
que faz que a crítica não possa ser verdadeiramente crítica enquanto
permanecer no plano impressionista (...) A terminologia crítica se
escoimada dos sentidos ambíguos, no esforço de torná-la cada vez
mais exata, precisa e unívoca, sem conteúdo emocional,
exclamatório, puramente subjetivo. Impõe-se o estabelecimento de
um vocabulário crítico internacional, indispensável ao
desenvolvimento da crítica como ciência. Portanto, nada que não
seja estritamente observado e que não se apóie em severa
verificação deve ser considerado no exame do fenômeno literário.
39
Depois de declarar, portanto, que é preciso a adoção de um “vocabulário crítico
internacional” para o estudo da literatura no Brasil, Afrânio começa a utilizar arsenal
teórico externo para dizimar o impressionismo:
está desmoralizada a crença de que a literatura brota
espontaneamente. Literatura se estuda e se aprende. “O mundo da
poesia”, disse o criador da crítica moderna, I. A. Richards, não
tem, em nenhum sentido, qualquer realidade diferente do resto do
mundo e não tem leis especiais nem peculiaridades de um mundo
estranho; é produto de experiências, cujas finalidades são
exatamente as mesmas que as das que nos vêm por outros meios”.
Essa noção é combatida pelos que, explorando a Literatura com
objetivos inconfessáveis, advogam certa explicação abscôndita, que
a faz propriedade de alguns magos iniciados em seus segredos.
40
Ao criticar a espontaneidade com que a literatura é estudada (e criada), o autor não se
furta em montar um álibi contra qualquer acusação de exclusivismo. No Brasil, quem
detém o poder é o crítico diletante, é ele quem explora a literatura “com objetivos
inconfessáveis”, que advoga “certa explicação abscôndita” em benefício próprio. A
precaução é notável. Dessa forma, ele se exime da responsabilidade de ser o principal
divulgador de um método que tem por princípio o mesmo exclusivismo, fundado na
crença de que “as potencialidades da experiência humana somente são percebidas por
39
Afrânio Coutinho, Correntes cruzadas, p. XI.
40
Idem, ibidem, p. XIII.
87
uma minoria”, como ensina Leavis, e o crítico-professor é quem deve orientar o
aluno-leitor em sua jornada pelo universo literário. É seis por meia-dúzia, mas o que
interessa no momento é inverter os termos para divulgar que o impressionismo está
“desmoralizado”, e as demais correntes, afundadas em equívocos. O caminho a
seguir, embora não as descarte, deve inverter o predomínio delas na análise dos
objetos:
Entre s, onde predomina exclusivamente a perspectiva exterior, é
mister acentuar a outra. D ser chocante. Mas isso não significa
excluir, apenas subordinar, colocar em segundo plano, a técnica
sócio-histórico-biográfica. A crítica moderna que ser integrativa,
à base de um conceito unificador, literário e filosófico, segundo as
lições de Aristóteles e Coleridge.
41
Para sustentar sua tese, logo na sequência de seu texto está um trecho do mestre
Leavis:
“Tudo deve começar de um treino da sensibilidade, e ser associado
com ele. Por um exercício contínuo e variado de análise, deve-se
acentuar a noção de que a Literatura é feita de palavras, e que, em
crítica de prosa ou verso, aquilo que merece ser dito se liga a juízos
concernentes a determinados arranjos de palavras na página.” F. R.
Leavis, Education and the University
42
E, então, o autor apresenta a bibliografia de seu novo curso:
Se formos buscar o modelo para essa crítica verdadeiramente
literária, estético-literária, “poética”, teremos que mergulhar a
Aristóteles, que, na sua Poética, lhe estabeleceu as bases e as
normas. E, modernamente, ao maior dos críticos, Coleridge. Dentre
os contemporâneos, Eliot, Richards, Empson, Leavis, Brooks,
Alonso, Leo Spitzer, etc.
43
41
Idem, ibidem, p. 95-96.
42
Idem, ibidem, p. 109.
43
Afrânio Coutinho, Da crítica e da nova crítica, p. 131.
88
4.5.2 – Abaixo Assinado
Para Afrânio Coutinho, “a cultura é uma nação acima das nações”. Isso talvez
justifique a fusão, ou a apropriação de opiniões dos teóricos que ele admira. um
nivelamento no discurso, uma quebra de hierarquia autoral, uma ampliação (ou
apagamento) de fronteiras. O próprio método prevê essa prática. Se, para o New
Criticism, o texto deve ser o foco do pesquisador, os elementos externos, sejam eles
quais forem, são acessórios. Este procedimento, no caso de Afrânio, se estende para o
campo da crítica, da adoção de idéias teóricas estrangeiras. Dentro de seu raciocínio,
o caótico mundo das letras justifica a adoção da corrente no Brasil, seu olhar
impiedoso sobre críticos, autores, público e obras demonstra isso. Não importa se ele
está segundo o que advoga na contramão do que acontece no país, este é um dado
lateral, é necessário mudar o sentido do fluxo. Paralelamente, suas leituras das obras
que orientam a nova crítica também obedecem ao mesmo critério, aos mesmos
princípios defendidos na teoria. Em outras palavras, seu objeto de estudo é a própria
teoria; é dela que ele extrai os ensinamentos, é nela que ele os exercita. A literatura
brasileira, ao menos a que ele critica, ainda não oferece material para isso. Sua
alternativa é a de fazer uma investigação detalhada do método de cada uma das
teorias como se buscasse um Santo Graal, a tal essência da obra de arte. É nessa
jornada que ocorre a apropriação do discurso alheio e a consequente fusão de opiniões
com que vez ou outra nos deparamos. Assim, quando um tema que também faz parte
do debate brasileiro (ou ao menos que tenha sido abordado por ele) surge no debate
internacional, o autor transcreve textos de outros autores como se servissem como
argumento seu para o caso brasileiro e assina embaixo. O procedimento se encaixa
perfeitamente no modo como ele estuda, interpreta e defende a teoria. É o caso do
tema política versus literatura:
Naquele necessário inquérito sobre a nossa (da crítica)
indispensável interpretação, será mister ao homem de letras sair da
Literatura, buscando refúgio ou engagement na política, nas lutas
sociais? Que nos diz que a Literatura não nos pode satisfazer com
uma resposta a nossa angústia? E que nos diz que a Literatura o é
também útil como elemento integrativo e coordenador da vida
nacional e de nossos espíritos? (...)
89
Como crítico e estudioso do fenômeno literário, penso como um
grande crítico e professor inglês de Literatura, F. R. Leavis, diretor
da Scrutiny: O crítico literário justifica sua atividade como válida
politicamente se procura tornar mais difícil a certos intelectuais
exibir pobreza de pensamento e confusão. Quer dizer, o ofício do
crítico, como lhe for possível, é promover a difusão da inteligência
crítica, fazer o que estiver a seu alcance para tornar influente a boa
crítica. Assim ele estadesempenhando sua função política como
crítico literário e essa função é das mais essenciais. Ele não
precisapensar em um Partido da Crítica Literária para defender os
valores tradicionais.”
Por outro lado, como homem de letras, penso como T. S. Eliot, que
“a primeira responsabilidade do homem de letras é, naturalmente,
sua responsabilidade para com sua arte, a mesma, que nem o tempo
nem as circunstâncias pode diminuir ou modificar, de todos os
artistas: isto é, ele deve fazer o ximo com o meio que lhe é
próprio.”
45
Quando alguma obra importante é lançada, o autor demonstra seu entusiasmo.
Além de arrolar uma série de obras de I. A. Richards, transcreve um trecho de um
elogio a um livro de William Empson, sem citar a fonte. O comentário sobre a obra
pode ser lido como palavra sua:
Mais do que nunca, e mais que nenhum outro, o movimento da nova
crítica justifica a noção de que a crítica é a arte de ler e de ensinar a
ler a Literatura em prosa ou verso. De obra de I. A. Richards, ponto
de partida da nova crítica (1923), com The Meaning of Meaning,
Principles of Literary Criticism, Practical Criticism, Interpretation
in Teaching e How to Read a Page, pode-se afirmar que tem como
pensamento dominante geral aquilo que está explícito no título da
última como ler uma página e no subtítulo um curso de leitura
eficiente. Essa idéia domina a corrente. Da teoria à prática. O livro
soberbo de seu grande discípulo William Empson, Seven Types of
Ambiguity, “é um sistemático reconto das leituras do autor pela
poesia inglesa à cata de ambigüidade; é o mais imaginoso relato de
45
Afrânio Coutinho, Correntes cruzadas, p. 43-44.
90
leituras ainda impresso, é Empson o leitor mais acurado, mais rico
de recursos, que a poesia jamais teve.”
44
Do mesmo modo, ele acompanha de longe, mas de perto o desenrolar do debate
sobre o New Criticism. Quando alguma questão vem à tona, ele não deixa de publicá-
la:
“Há porém limitações mais rias da “nova crítica”, particularmente
seu estreito âmbito de avaliações. Ela deu pouca atenção ao
romance e ao cinema, e ocasionalmente tratou da Literatura em
suas relações com as Belas Artes. Agora é que es começando a
avançar além da investigação da metodologia poética e dratica,
entrando na análise das mais novas técnicas e formas da ficção.
(Um dos melhores no particular foi o trabalho de Joseph Frank
Spacial Form in Modern Literature). Aqui está, a meu ver, o futuro
imediato da crítica na direção do romance. O caminho foi
preparado em crítica técnica por críticos: Martin Turnell, R. P.
Blackmur, Harry Levin, F. R. Leavis, Joseph Warren Beach,
Malcom Cowley e Morton D. Zabel.” R. W. Stallman, num estudo
da contribuição até o momento.
Diante de uma crítica ao movimento, Coutinho, primeiramente, saúda o equilíbrio do
comentarista como se indicasse aos outros críticos como e em que termos o debate
sobre o tema (ou sobre quaisquer no campo literário) deveria acontecer no Brasil.
Funciona como uma espécie de regra de boas maneiras, etiqueta intelectual. No
entanto, o centro do argumento de R. W. Stallman, a necessidade de ampliar o estudo
do romance com os métodos da New Criticism, é deixado de lado quando ele comenta
o trecho:
As palavras acima transcritas refletem um julgamento flexível e
compreensivo sobre um movimento em evolução, de cujo
aperfeiçoamento muito esperam os que acreditam na crítica, como
um disciplina autotélica, independente (mas o separada) da
História, da Sociologia, dentro das técnicas até agora conseguidas
44
Idem, ibidem, p. 10-11.
91
para a “leitura exata” (close reading) da obra de arte literária, e para
a descoberta e interpretação de seu conteúdo estético intrínseco, que
é o futuro da crítica. Na pesquisa desse “intrínsecoda obra literária
é que se empenham as mais representativas figuras do movimento,
um F. R. Leavis, na Inglaterra, à testa da esplêndida revista
Scrutiny, um Kenneth Burke, nos Estados Unidos, ao lado de
Cleanth Brooks, René Wellek, Austin Warren, R. P. Warren, etc.
46
Ao invés de refletir o caso brasileiro, sobre como, por exemplo, ultrapassar as
fronteiras da poesia para o estudo do romance nos termos de sua nova crítica, o autor
assume uma posição de espectador (“de cujo aperfeiçoamento muito esperam os que
acreditam na crítica”) e cita como exemplo o trabalho dos figurões do New Criticism.
Poderia-se argumentar que é por causa das limitações do jornal, da linguagem a ser
empregada no tipo de publicação, do pouco espaço disponível para o aprofundamento
da questão. Mas sabemos que não se trata disso. Por enquanto, o que interessa para
ele é fazer campanha pró-adoção de sua nova crítica. Desenvolver os temas, aplicar o
método, é algo para ser feito em âmbito universitário.
Aliás, sobre isso cabe um parêntese. Ao mesmo tempo em que está em
campanha pública pelo New Criticism, Coutinho comanda outra pelo fim da crítica
literária como ele a entende no jornal. É um ataque, por outra frente, aos críticos
diletantes, e uma forma de chamar a atenção de todos para a necessidade de criação
de cursos de Letras nas universidades:
Está fora de vida o ser mais possível, nas circunstâncias
vigentes, a antiga fórmula da crítica, herança do século XIX, em
que se procurava fazer alta crítica no jornal, como Sainte-Beuve. No
momento, a crítica propende para um grau tal de especialização,
como disciplina por assim dizer científica e autônoma, que seu
exercício não se coaduna com a imprensa diária. Dirigiu-se então
para a tedra, a revista especializada, o livro. Ficou no jornal a
forma de crítica aplicada, a recensão ou o “review”, leve,
informativo, notícia de livros, ligeiramente comentada. o se pode
impedir a existência das seções de livros nos jornais, pois livro
46
Idem, ibidem, p. 129.
92
também é notícia. Apenas isso não é crítica.
47
E justifica sua opinião com uma rápida avaliação sobre o dinamismo da vida
moderna:
(...) o é compreensível que o jornalismo ligeiro, de acordo com
uma vida superficial e apressada, comporte os longos e pesados
rodapés de crítica. Quando muito se admitiriam no jornalismo
especializado em literatura, mas esse é muito escasso e sem
repercussão maior na opinião e na vida geral. Em inquéritos
recentes, chegou-se à conclusão de que oblico não exige os
rodapés de crítica, nem sente falta deles, com o seu
desaparecimento dos grandes jornais. Conclui-se que não
correspondem mais às necessidades e à sensibilidade do público
atual.
48
Ao declarar que o jornal não é o meio adequado para o exercício da crítica
literária como ela deve ser, Afrânio Coutinho se desincumbe da tarefa de aprofundar a
discussão sobre os temas que ele mesmo propõe. Além disso, o formato da publicação
o isenta de qualquer culpa no caso de transcrição de trechos de livros de seus críticos
prediletos seguidos de comentários breves. O espaço limitado demanda objetividade.
Por outro lado, se isso justifica o comedimento em sua abordagem e reflexão, também
contribui para o efeito de fusão/apropriação de idéias. E isso fica claro quando o texto
quer ter peso de argumento, mas na verdade tem caráter informativo:
O aparecimento quase simultâneo de várias obras de cunho
inventariante ou revisionista, a publicação de ensaios e livros
doutrinários da maior importância, e de alguns livros de aplicação,
bem assim de antologias, por meio das quais se avalia mais
facilmente a realização e a contribuição sólida da nova crítica”,
dão a impressão de que se atingiu um ponto de transição na história
do movimento. Em resposta a um recente inquérito-revisão
empreendido pela Kenyon Review, R. P. Blackmur não esconde a
47
Afrânio Coutinho, Da crítica e da nova crítica, p. XV.
48
Idem, ibidem, p. 56.
93
esperança de que a mesma perícia de análise crítica empregada em
poesia nos últimos vinte anos venha a ser aplicada nos próximos
decênios ao romance, que está a exigir precisamente aquele tipo de
atençãodesde que aagora somente as técnicas mecânicas de um
lado e as moralistas de outro têm fornecido qualquer recurso de
análise.
49
Mais uma vez, o incômodo assunto “romance”. Naquele momento, se alguém
observasse a estante de “Literatura Brasileira” em alguma livraria ou biblioteca
encontraria, por exemplo, Macunaíma, Vidas Secas, Jubiabá e Fogo Morto. A saída é
juntar-se a R. P. Blackmur e “não esconder a esperança” de que “a mesma perícia de
análise crítica (...) venha a ser aplicada nos próximos decênios” ao gênero. Mais
espectador do que crítico ou professor.
Enquanto as novidades não chegam, Afrânio, mesmo dentro dos limites do
jornal, investe em uma espécie de curso básico de New Criticism à distância,
indicando mais obras para a bibliografia:
A nova crítica, no entanto, não forma um conjunto uniforme; ao
contrário, fragmenta-se em rios grupos divergentes quanto a
opiniões e todos, e quanto a vocabulário. Essa especialização dos
grupos ou das figuras prova a riqueza do movimento, e, se é comum
a todos o desejo de tornar a crítica independente, e mormente em
Kenneth Burke este desejo se aproxima vigorosamente da
concretização (A Grammar of Motives), é mister distinguir as
tendências peculiares a cada um. Em Blackmur é o estudo da
linguagem poética; em Tate sobretudo o da trica; em Winters,
uma posição mais tradicional, de conotações morais, à procura de
estruturas lógicas e conteúdo racional do poema; em Cleanth
Brooks, John Crowe Ramson, e Winters também, a análise
estrutural da poesia.
O livro mais recente dentro da máxima preocupação da escola a
análise das propriedades estruturais da poesia, indo ao coração do
poema como poema é de Cleanth Brooks, The Well Wrought Urn,
estudo de dez textos (...) no intuito de atingir a natureza da poesia
49
Afrânio Coutinho, Correntes cruzadas, p. 128-129.
94
através do exame direto do poema. O autor é um dos líderes do
movimento de renovação crítica, tendo-o levado até os meios
universitários com três excelentes manuais de ensino interpretativo
e explicativo da poesia, da prosa de ficção e do drama.
50
E, quando julga necessário, sai em defesa da teoria:
O maior equívoco a respeito da nova crítica” resulta de que ela
pretende considerar sobretudo a obra de arte, e desta seu conteúdo
estético intrínseco antes e acima de qualquer outro caráter. É o valor
literário em si que lhe importa, ao contrário de tantas outras escolas
críticas de conteúdo platônico ou horaciano, para as quais o valor
literário é levado em conta apenas como veículo de outros valores
políticos, morais, religiosos. Assim estipulando, todavia, os
doutrinadores da “nova crítica” o isolam a obra de arte de suas
raízes sociais, apenas não procuram explicá-la pela consideração
exclusiva dessas raízes, isto é, não a em apenas como um
documento da época, do meio, da personalidade que a criou. As
acusações de estetismo que lhe têm sido lançadas resultam em
grande parte de se deixar escapar a consideração desse aspecto.
51
Mas nunca sozinho:
Interessante, no particular, é anotar a posição do crítico inglês F. R.
Leavis, diretor da revista Scrutiny, o qual, segundo ele mesmo diz,
tem sido acusado ora de estreiteza de vistas ao denotar demasiado
interesse pelas “palavras na gina”, ora de preocupação espúria
com a História e a Sociologia em detrimento da Literatura (num
artigo em “Politics and Letters”, 1947). E, precisamente, sua atitude
equilibrada de usar para a crítica “tudo o que tiver à disposição”,
como diria Kenneth Burke, é que acarreta essas incompreensões,
muito embora sua orientação crítica se delineie claramente no
sentido do valor literário intrínseco.
É o que se pode depreender de todos os seus livros publicados.
50
Idem, ibidem, p. 11.
51
Idem, ibidem, p. 130.
95
Leavis acompanhou a evolução da “nova crítica”. Seus primeiros
livros, nos quais se espelha a Scrutiny, foram dedicados ao reexame
da poesia inglesa, à luz das cnicas de leitura acurada das palavras
no poema; New Bearings in English Poetry (1932) e Revaluation
(1936) foram trabalhos que marcaram época na reinterpretação da
poesia inglesa e constituem o ponto de partida da nova apreciação
dos poemas ingleses. As novas técnicas de análise crítica
encontraram nele um seguro e penetrante manipulador, e serão por
ele sistematizadas em livro futuro do qual alguns capítulos saíram
em Scrutiny.
52
E é o mesmo Leavis, enfim, que lhe apresenta a peça que faltava em seu quebra-
cabeças:
Essas mesmas cnicas acaba F. R. Leavis de aplicar ao romance
inglês, consoante ao mesmo espírito de reavaliação da melhor
tradição do gênero, em um obra magistral há pouco lançada, The
Great Tradition (1948), da qual se deve dizer o maior estudo ainda
aparecido sobre romance, e a primeira grande contribuição da nova
crítica, modelar, pode-se afirmar, no estudo desse gênero tão
complexo e tão difícil de análise. É, pois, mais um passo à frente
que a nova crítica, correspondendo ao desejo de Blackmur e
Stallman.
Pondo em relevo a grande tradição inglesa no romance,
relacionando uns aos outros os principais espécimes, e isolando os
pontos altos, Leavis enfoca seu poderoso instrumental crítico sobre
as obras ximas de George Eliot, Henry James e Joseph Conrad,
usando para investigar sua natureza íntima todos os recursos
disponíveis, de ordem biográfica, histórica, moral, cnica, mas
subordinando tudo à atenção precípua ao texto em si próprio, nos
seus elementos estruturais, às palavras, cujas combinações variadas
constituem afinal o núcleo de seu valor ou qualidade estética.
53
Com The Great Tradition, o New Criticism de Afrânio Coutinho ou nova crítica, ou
52
Idem, ibidem, p. 130.
53
Idem, ibidem, p. 131.
96
crítica científica, ou ciência da literatura ganha visto permanente no país. Prova
disso é que o manual do professor Leavis está na base da conceituação daquela que
será a obra de sua vida: a série de 5 volumes intitulada A Literatura no Brasil. Era a
lente que faltava para que ele pudesse enxergar as virtudes da produção literária
brasileira. Esta é sem dúvida uma das obras mais importantes para Afrânio Coutinho
formular sua adaptação da teoria por aqui. Ele mesmo reconhece que o romance é um
gênero “complexo e de difícil análise” em seus termos e que a obra é “modelar”.
A partir de então, o sentimento parece ser de alívio. O predomínio do estudo
da poesia no New Criticism torna-se passado. Ou, mais ainda, natural:
Que a poesia foi o primeiro campo de ão não é de surpreender,
porquanto, como diz Blackmur (...), “na história a crítica tem sido
quase toda dedicada à poesia e à poesia dramática, recentemente
outras formas de literatura têm requerido crítica e “scholarship”,
cada uma de seu tipo especial.” Quem está honestamente a par dos
desenvolvimentos dos trabalhos, sabe que o drama e o romance
vão recebendo as atenções dos adeptos da nova crítica, haja vista o
excelente estudo (..) de F. R. Leavis, em seu esplêndido livro The
Great Tradition e nas páginas da revista Scrutiny. Tudo isso revela
que a análise exata aplicada ao romance está em vias de ocupar os
próximos vinte anos da nova crítica, tal como ocorreu com a poesia
nos últimos vinte anos, como disse Blackmur noutro ensaio recente,
e como exemplificou Ransom também em estudo novíssimo,
tentativa de clarificação teórica e de orientação sobre os problemas
envolvidos no assunto.
54
Sua nova crítica, então, chega ao ápice. Coutinho apresenta um breve histórico
das raízes do movimento e indica que não é possível falar em uma escola de New
Criticism:
Vários trabalhos recentes reconhecem que a chamada nova crítica”
(new criticism) e, como acentua um articulista, a Literatura que é
tanto a causa como a consequência dela, alcançou importância
pública, extravasando o rculo de iniciados que lhe deram os
54
Idem, ibidem, p. 228.
97
primeiros cuidados. Significando análise intensiva, exata e acurada
da Literatura (close reading) (...) Ela começou com os “formalistas”
eslavos, russos e do Centro Linguístico de Praga; e grande cópia da
“explication de textes” francesa entra na sua técnica. Nos países de
língua inglesa, onde foi apelidada a “nova crítica”, a influência
remonta a Coleridge, cujas explicações de Shakespeare são o germe
da moderna análise. Mas foi Richards quem estabeleceu os cânones
e forneceu os modelos da nova prática, seguindo-se-lhe Empson e,
mais recentemente, os ingleses da Scrutiny e os americanos de
vários matizes, pois não se pode falar numa só escola de “new
criticism”.
55
De fato, sua intenção é ir além. Ao afirmar que o New Criticism é plural, lança a
hipótese de que é possível modificá-lo para o caso brasileiro. Mas isso não se por
meio de um diálogo mais estreito com as obras de nossa literatura ou com um debate
com críticos daqui, e sim por uma abertura aos outros métodos de análise. Os
mesmos, aliás, execrados recentemente por ele. Isso não significa necessariamente
uma evolução, que a mudança de atitude é um exemplo não tomado de
empréstimo como transcrito em sua coluna:
Não se compreende, de modo algum, já agora, a atitude muito
comum até bem pouco tempo de oposição entre estudos científicos
e estudos humanísticos. Certa mentalidade obscurantista é que era
responsável pela oposição ou divórcio entre aquelas duas atitudes
do espírito em face da realidade. A tendência atual entre cientistas e
humanistas é para reconhecer a necessidade de acordo entre os dois
métodos de abordagem ou conhecimento. Foi o que expressou
recentemente o grande crítico I. A. Richards, em um trabalho acerca
do acordo entre a crítica literária e a ciência. (Speculative
instrument. Londres, 1955. – Reproduzido de Confidence.).
56
A conciliação entre os métodos críticos é uma tendência no exterior. Coutinho
reproduz o debate:
55
Idem, ibidem, p. 207.
56
Afrânio Coutinho, Da crítica e da nova crítica, p. 218.
98
Coleridge e Aristóteles, que não somente sobrevivem, mas se
reforçam mutuamente e se completam. Ninguém ainda conseguiu
esgotar a mina que é Coleridge; ninguém logrou até hoje acabar
com o que nos pode fornecer Aristóteles; ninguém, ainda, os reuniu.
(...)
O trecho acima transcrito é de um crítico americano cujo nome
aparece frequentemente nesta seção, e com a maior consideração
por parte de quem a assina. Trata-se de Richard Blackmur, que é
hoje sem dúvida uma das três ou quatro maiores figuras da crítica
de língua inglesa, daqueles que reúnem as tendências mais fortes do
pensamento crítico contemporâneo, numa tentativa de síntese quase
genial, que precisamente constitui a base da ciência crítica,
quando a crítica literária deixar de ser um affair individual para ser
um corpo de normas impessoais, isto é, quando ele deixar de seras
críticaspara ser “a Crítica”, tal como das sociologias passamos à
Sociologia.
56
E adere à causa com uma afirmação até certo ponto surpreendente em vista das
inúmeras críticas já feitas à idéia:
Blackmur advoga na citação acima, em termos magníficos e com
autoridade superior, algo muito caro a esta seção, e que tem sido
nela defendido com risco de incorrer na pecha da confusão
doutrinária e da falta de discriminação. Sempre pareceu possível um
esforço de conciliação de métodos críticos que, ao invés de
opositores, se confessam, a um exame desapaixonado, antes
complementares, porquanto o dois caminhos de abordagem
convergentes para o mesmo ponto final. (...) Não que anular uma
linha de pensamento estético, por eleger uma oposta, como se a
cultura não fosse justamente esse choque dialético de contrários a
culminar numa grande síntese.
57
Mas admite a dificuldade da tarefa:
56
Idem, ibidem, p. 219.
57
Idem, ibidem, p. 220.
99
Naturalmente, tal pretensão, se não é estulta, o deixa de ser difícil
de concretizar-se, e exigente quanto à energia que se deve
despender para alcançar o objetivo. Mas isso o implica a
confissão prévia de derrota, a demissão antecipada ante qualquer
esforço de procura, o conformismo com a situação estabelecida.
58
Coutinho parte, então, para a sua mais nova jornada: abrir o diálogo com
outras áreas. Mas antes deixa um recado a quem o detrata:
O equívoco maior que vigora entre nós a respeito do que podemos
chamar a nova crítica decorre da identificação entre ela e uma de
suas correntes ou aspectos, o new criticismanglo americano. Em
verdade, a nova crítica não pertence a este ou àquele país, nem
indivíduo.
59
“Uma nação acima das nações”. Para incluir outras disciplinas e chegar ao
conceito de crítica científica, é preciso reiterar a ideia de independência entre a teoria
e seu contexto de origem tal como faz o método no trato do texto literário. O que
Richards aponta como uma “tendência atual entre cientistas e humanistas de
reconhecer a necessidade de acordo entre as duas abordagens” passa a fazer parte de
seu discurso:
O método ideal em crítica literária é o integral, que hoje está sendo
propugnado pelas correntes e figuras mais avançadas em todo o
mundo. A crítica alcançará seu objetivo de uma completa
compreensão da obra de arte quando utilizar tudo o que estiver ao
alcance para essa finalidade. Nada pior em crítica do que a
unilateralidade de método ou o método único. A obra literária é
polimorfa e não será bem vista enquanto encarada por uma face
do prisma. O conjunto de perspectivas é que oferece a oportunidade
para uma visão total. Há obras que se deixam ver melhor por
determinado ângulo de visão e mediante certas técnicas de
abordagem. Ao passo que outras escondem seus segredos se o
58
Idem, ibidem, p. 221.
59
Idem, ibidem, p. 248.
100
colocadas sob a luz de refletores apropriados.
60
A mudança de discurso é notável. Se lembrarmos de trechos de artigos anteriores,
como “tudo o que produzimos é apressado, fragmentário, à margem” e “o fato é que a
nossa produção ainda é episódica, inconsistente, fluída. Ainda é muito pobre. Ainda
não desenvolveu um sentido de universalidade que a fará ouvida e admirada no
estrangeiro”, podemos avaliar mais precisamente o modo como a evolução do debate
sobre o tema influenciou sua mudança de opinião. Agora, a “obra literária é polimorfa
e não será bem vista enquanto encarada por uma só face do prisma” e, principalmente,
“há obras que se deixam ver melhor por determinado ângulo de visão e mediante
certas técnicas de abordagem. Ao passo que outras escondem seus segredos se não
colocadas sob a luz de refletores apropriados”. O estudo da literatura brasileira,
portanto, tem salvação: a crítica integral e literária (ou nova crítica, ou crítica
científica, ou ciência da literatura).
O que se pretende é (...) um método que seja “integral”, isto é, que
abrace tudo o que existe na obra de arte, e literário”, isto é, que
estude todos os elementos dentro dos limites da obra, de um ponto
de vista literário. E que, assim, consiga conciliar rias perspectivas
com a cnica do “close reading”, “close scrutiny of style”, “close
verbal analysis”, detailed study of factual words on the page”, o
princípio básico do moderno método crítico.
61
Diante dessa possibilidade ampla de diálogo, a adoção de várias tendências teóricas,
de vários países, torna-se de interesse nacional:
Culturalmente, o interesse do Brasil não é substituir um monopólio
por outro, mas repeli-los todos. E sobretudo abrir janelas a todos os
ventos culturais. Que venham as contribuições de qualquer parte,
para alargar nosso horizonte, aperfeiçoar nossos todos, aprimorar
nossas técnicas. Advogar a influência francesa, servir de
instrumento às suas pretensões atuais de revanche e reconquista, é
tão malsão quanto pretender substituí-la pelo monopólio americano.
60
Idem, ibidem, p. 18.
61
Idem, ibidem, p. 19.
101
Nosso dever sadio e inteligente é aproveitar as sementes mais
variadas, a fim de extrair dessa poli-cultura a necessária autonomia
e a inevitável maturidade, que nos farão encarar com sobranceira e
de igual para igual aqueles que hoje nos tratam como coloniais. De
semelhante convergência de influências é que resultaram as culturas
nacionais modernas da Europa. Podemos nós tirar proveitos ótimos
de cada uma das contribuições que nos aportem a nossas plagas
todos os vários povos muito autônomos e ricos de
experiência.
66
Esse discurso não é estranho ao estudante de Letras que frequentou alguma
universidade brasileira, digamos, nos últimos 30 anos. A semelhança é grande e
significa muito tanto para a avaliação da obra de Afrânio Coutinho. Outros
fragmentos podem ilustrar, inclusive, como o discurso pela importação de teorias,
necessárias então, segundo Coutinho, para pôr ordem na casa, pode perfeitamente
servir como uma descrição do ambiente contemporâneo, onde o que predomina são as
bienais teóricas:
O ambiente brasileiro é profundamente desalentador para quem
pretenda exercer a profissão das letras com espírito de seriedade.
Não estímulo para tal tipo de intelectual. O iniciante ou
procura integrar-se na vida literária dos cafés e livrarias, para o
que existe até a necessidade de aprender um “jargon” especial,
adaptando-se à escola da maledicência e do epigrama, e do elogio
dos habituados da roda, ou estafadado a ser sempre um marginal.
Entre s, é possível a Literatura superficial nascida à sombra
das igrejinhas e mantida e glorificada pelo elogio entre amigos.
Nossa desgraça é que, enquanto em toda parte existe, ao lado dessa,
a vida literária séria e construtiva, bem informada, escudada no
estudo, no culto da Literatura e da verdade, entre s é tolice tentar
fugir da norma. É fantástica a desproporção entre o valor da nossa
produção literária e o que lhe atribuem os elogios compadrescos.
(...) Mas todos estão satisfeitos, por que é disso que vivem.
67
66
Idem, ibidem, p. 49.
67
Idem, ibidem, p. 50.
102
4.5.3 – A literatura alcança a teoria. E agora?
Para Coutinho, sobretudo depois do livro de Leavis, a literatura brasileira
ganha outro valor. Ele nunca diria isso abertamente, nunca indicaria uma mudança de
opinião sobre a produção literária brasileira. O discurso é de quem espera que a
literatura daqui alcance o desenvolvimento teórico que ele estava propondo, a Ciência
da Literatura, com as mais variadas contribuições, dos mais diversos países. É por
isso que a impressão é a de que ele chega com razão ao nirvana quando isso
acontece:
É-nos cito, aliás, afirmar que o advento da nova crítica es
condicionado ao estágio correspondente da evolução literária e às
exigências de sua interpretação. (...) O caso de um Guimarães Rosa,
entre nós, violenta completamente os quadros da crítica tradicional,
que fica perplexa diante dele, incapaz de penetrar e compreender
um mundo e uma fala inadequada à aferição pelos padrões
tradicionais. A nova crítica é, portanto, também uma exigência da
evolução literária, e seu desenvolvimento é paralelo ao da literatura
contemporânea.
68
A publicação de Grande Sertão: Veredas é o sinal que ele esperava. Seu empenho
para atualizar a produção e o estudo da literatura no Brasil tinha valido a pena. Pelo
menos é o que o leitor de hoje é levado a concluir. O feito de Guimarães Rosa
proporciona uma reflexão interessante para ele. Uma espécie de autocrítica, um
balanço de seu trabalho até aqueles dias, que, aliás, também serve como um álibi
contra os que o acusam de subserviência intelectual. Mas sem nunca perder de vista o
conceito de que a teoria ou de que a cultura não tem território fixo:
Não se quer exigir do brasileiro que construa uma filosofia própria.
Podemos talvez jamais chegar a tal altura. Mas devemos desejar que
renunciemos a esse hábito de buscar filosofias no estrangeiro, como
espécies de panacéias para os nossos males, como em parte foi o
erro de Silvio Romero e continua a ser de muitos. Isso não é fazer
filosofia, mas propaganda ou apologética. É justamente para evitá-
68
Afrânio Coutinho, Da crítica e da nova crítica, p. 93.
103
lo que devemos adquirir espírito filosófico, e pôr em funcionamento
a aparelhagem do trabalho filosófico. O essencial é fazer funcionar
a Filosofia, mesmo que nunca tenhamos uma filosofia, original ou
adotada. (...) Para um povo maduro, a cultura o tem pátria; o é
uma questão de superioridade ou primazia desse sobre aquele país.
Constitui uma unidade supranacional, forma uma nação por cima
das nações.
69
E esse balanço o leva a falar em um ponto crucial na sua produção: como aplicar todo
o instrumental teórico que ele defende ao estudo das obras literárias?
Uma acusação séria tem sido proferida contra o autor do presente
volume: a de que, em sua atividade nas Correntes Cruzadas, não sai
do terreno da teoria para o da prática crítica. (...)
Talvez haja lugar aqui para mais uma nota pessimista, ou ao menos
de humildade: nossa incompetência para realizar-nos, para
concretizar aquilo que idealizamos ou visualizamos. Falecem-nos as
disciplinas, os recursos, mesmo quando o ignoramos onde estão.
As gerações como a de quem aqui escreve, comprometidas por
graves deficiências de formação e falta de orientação, agravados tais
defeitos pelas circunstâncias locais, é natural que se vejam peadas
no realizar a operação de passagem dos princípios básicos e dos
planos teóricos para o campo da prática.
70
E, como veremos mais adiante, sua obra de história literária brasileira A Literatura no
Brasil vai refletir esse pensamento:
Além disso, que se deixar espaço para a atividade oportuna e
necessária dos que têm preferência pelas questões de princípio e
método. É uma tarefa que se impõe no Brasil, e é justo que nela se
especialize quem de vocação e gosto, numa divisão racional de
trabalhos. o há mal nenhum em que alguém faça a crítica dos
padrões vigentes e aponte novos caminhos, a outrem deixando a
complementação do esforço na prática.
69
Idem, ibidem, p. 94.
70
Afrânio Coutinho, Correntes cruzadas, p. XXIV.
104
Se nada mais fizer do que essa contribuição ao debate revisionista e
clarificador de normas e rumos, confessa-se seu autor bem
compensado com o papel de agente catalisador. Sua contribuição
fica como uma ponte para a imperiosa reforma de todos
críticos.
71
Ou seja, não importa se ele não consegue pôr em prática seu método de estudo. O
importante é formulá-lo, apontar caminhos para o exercício da crítica especializada no
país. Ele se assume como um orientador coletivo dos trabalhos à luz de sua nova
crítica. Um “agente catalisador”, um radar que detecta os avanços no campo da crítica
literária em várias partes do mundo e os ecoa no Brasil. A opção por múltiplos
enfoques acompanha a evolução do pensamento no exterior, antecipando, dessa
forma, a prática de boa parte da crítica atual.
A obra de Afrânio Coutinho, evidentemente, não se resume aos textos
publicados em jornal, mas um predomínio do debate teórico sobre o estudo de
obras literárias. A época de publicação desses textos, entre 1948 e 1957, coincide com
o período de expansão das teorias literárias em todo o mundo e, mais especificamente,
com os primeiros sinais do New Criticism no país. Embora seja apontado hoje como o
principal teórico da corrente entre nós, os textos posteriores a esse período são
orientados na direção de uma teoria mais abrangente, a tal Ciência da Literatura, que
originou, inclusive, o único departamento com esse nome em uma universidade
brasileira, na UFRJ. Isso quer dizer que, durante uma década, a defesa pela
implantação da teoria foi feita pelo jornal, daí a redundância, a brevidade nos
comentários, o tom constante de texto informativo sem falar no paradoxo. Bem ou
mal, foi assim a defesa pública do New Criticism no Brasil. Em parte, muito
semelhante à fragmentação tão criticada pelo próprio autor. Como se fosse uma
reação desesperada ao caos que ele enxergou quando voltou da temporada nos
Estados Unidos.
Quer dizer: quando voltou à caverna depois de algum tempo, tudo e todos que
nela habitavam representavam uma ameaça ao Quixote; sua perplexidade o fez livre-
atirador:
Este escritor tem sido acusado, malevolamente e sem apoio nos
71
Idem, ibidem, XXIII.
105
fatos, de exageradamente submisso às novidades americanas. É
possível, aliás, que aos americanos ele pareça hostil, como é comum
ocorrer com os livre-atiradores que a nenhum partido enfeudam sua
opinião: têm todos contra si.
72
A ironia da crítica do trecho que abre este capítulo, o miniconto sobre o
merceeiro e os discos, talvez seja influenciada por essa visão quixotesca. Tudo é
ameaça, tudo está errado. Depois desse passeio sobre os textos publicados por
Coutinho no jornal, podemos ver que o tal merceeiro pode ser ele mesmo, um sujeito
em conflito com o mundo que o cerca, que não vê razão para o tipo de vida superficial
que levam os escritores e críticos da época, acostumados a seduzirem-se pelo elogio
em cadeia, pelas “literatices de café”, deixando de lado a disciplina intelectual, o
estudo orientado da tradição, enfim, tudo o que para ele eram os “produtos de
primeira necessidade”.
Vejamos alguns pontos para levar para os próximos capítulos. Vimos que
um debate em curso para a legitimação do crítico profissional, formado em
universidades, que inclui a defesa de um conjunto de métodos. Tal defesa pressupõe a
necessidade de atualização com o que de mais avançado no estrangeiro além da
negação do país como unidade válida para pensar. também um discurso
negativista constante que faz uma crítica impiedosa de estudiosos, autores e sua
literatura. Esta crítica desconsidera o trabalho dos críticos seus contemporâneos e
questiona os métodos utilizados até então por críticos e historiadores da literatura,
bem como o amadorismo do escritor, seu engajamento em questões políticas e sua
“postura” em sociedade. A literatura, nesta visão, deve conter a solução para os
problemas do espírito, e não servir para a reflexão dos problemas do mundo concreto.
É preciso, segundo Afrânio, ensinar o escritor, o público e o crítico a pensar dessa
maneira; inverter os termos: a literatura deve ser uma consequência da teoria.
72
Afrânio Coutinho, Da crítica e da nova crítica, p. 197.
106
5 – RUMO AO ABSTRATO
No Brasil, assim como a segunda metade do século XIX se caracteriza pela
transformação de uma economia escravista de grandes plantações em um sistema
econômico baseado em trabalho assalariado, a primeira metade do século XX está
marcada pela progressiva emergência de um sistema cujo principal centro dinâmico é
o mercado interno. O processo de industrialização começou no Brasil
concomitantemente em quase todas as regiões. As primeiras manufaturas têxteis
modernas se instalaram no Nordeste e, em 1910, o número de operários dessas
indústrias era semelhante ao de São Paulo. Entretanto, durante a Primeira Guerra
Mundial, a aceleração do desenvolvimento industrial fez com que o processo se
concentrasse em uma região, São Paulo. Embora existisse, na primeira metade do
século, uma certa consciência de interdependência econômica – à medida que se
articulavam as distintas regiões em torno do centro cafeeiro-industrial em rápida
expansão –, por outro lado, as tensões regionais decorrentes do favorecimento de uma
região também estavam presentes.
1
Uma comparação com as consequências da primeira fase do capitalismo na
Inglaterra seria um tanto deslocada historicamente, mas alguns termos podem ser
elucidativos. Como o Brasil tinha, durante a década de 30, mais da metade de sua
população ainda analfabeta e a religião não estava em crise, a literatura obviamente
não teria o poder de manter a coesão social. O índice é alto, mas é bem menor do
que os 84% de 1890. A Era Vargas, como um dos resultados da fase de
descontentamento, acalmou os ânimos: foi um período em que a grande massa de
trabalhadores foi beneficiada com medidas de grande aceitação popular.
Os produtos culturais de massa correspondentes à fase de expansão do sistema
capitalista incorporam a nova leva de potenciais leitores. Entretanto, aqueles que se
aproximavam das letras tinham, a partir de então, uma relação diferenciada com a
literatura e com o escritor, não mais necessariamente mediada pelos críticos
diletantes. É significativo nesse processo o papel da criação das universidades. Em
São Paulo, onde o estudo superior estava segmentado em diversas faculdades que
formavam os profissionais de prestígio, os liberais, a criação da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras é decisiva para o nascimento da USP. No Rio de Janeiro,
1
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 233-235.
107
onde a UFRJ, então Universidade do Rio de Janeiro, existia desde 1920 também pela
reunião de várias faculdades, é criada a Faculdade Nacional de Filosofia e Ciências
Políticas, em 1938. Em ambas, as faculdades de Filosofia representam uma quebra da
hierarquia dominante na área de produção de conhecimento. No entanto, este
rompimento tem o apoio da própria classe dominante e se como uma pressão da
classe média, que tem amplo acesso ao ensino superior. A diversidade de perfis na
comunidade universitária gera uma reformulação de valores.
É com as primeiras turmas de formandos dessas universidades que vem a
mudança. São eles que, armados do instrumental especializado acadêmico, batem de
frente com os “homens de letras” e defendem que a literatura deve ser estudada em
universidades, e não ser um passatempo de pessoas de bom gosto, para usar a
expressão que remete à geração de Richards de Leavis. Como a crítica literária se
dava predominantemente em jornais, o veículo foi o alvo e o meio por onde o debate
ganhou força.
Mas as querelas entre críticos impressionistas e scholars através da imprensa
não resume a questão da literatura nesta fase. A política, a história e a estética haviam
marcado para sempre a produção literária do período, seja com o carnaval estético-
ideológico dos modernistas de 22, seja com a literatura-de-porta-de-fábrica de Jorge
Amado ou com o discurso político indireto livre de Graciliano Ramos. Por outro lado,
os anos 40 são cenário de uma ruptura significativa entre a preocupação estética e a
preocupação político-social. Se o espiritualismo da literatura de Jorge de Lima e
Murilo Mendes ainda convivia harmoniosamente com o materialismo no fim dos anos
30, agora o período é de radicalização de parte a parte: os escritores políticos se
tornam panfletários e os estetas se afastam da realidade social. É nesse contexto que
germina a crítica eminentemente estética por aqui:
Mais significativo que tudo, porém, são as revistas e os
agrupamentos poéticos e críticos, as mais das vezes fascinados por
problemas de organização formal da sensibilidade, de clarividência
poética, e manifestando irritada impaciência com as impurezas
literárias da geração anterior. Rapazes frequentemente afeitos à
nova crítica, neoformalista, ou à dialética existencial; (...) umas
vezes excessivamente maduros, outras com o ingênuo egotismo da
adolescência. Em qualquer caso, raras vezes passando além da
108
habilidade superficial, do drama simulado ou da revolta aparente.
Para quem lê com mais atenção a poesia brasileira dos últimos anos,
impressiona desde logo o pouco ou nada que ela tem para dizer. E
quando tem, o quanto é devido à sensibilidade e aos temas da
geração anterior.
2
Quase sempre a distância no tempo favorece a avaliação dos fatos. No entanto,
esse texto, escrito em 1950, apresenta uma acuidade crítica capaz de iluminar ainda
hoje esta fase. O trecho acima, embora critique abertamente a produção dos poetas, é
endereçado também aos críticos estetas. Todos os qualificativos do parágrafo servem
para ambos. Na frase onde se lê “poesia brasileira”, por exemplo, leia-se “crítica”, que
não haverá alteração de sentido. O trecho também abre a possibilidade de avaliar os
dois movimentos em conjunto, como complementares, operando de forma semelhante
no cenário nacional. Ao afastamento da literatura da realidade concreta corresponde
um afastamento da crítica.
Até então, a literatura havia sido a responsável por dar certa organicidade à
cultura brasileira. É interessante observar a inversão de ponto de vista contida nesta
afirmação. Enquanto os críticos estetas montam seus discursos argumentando que a
literatura e os estudos literários devem se livrar das demais ciências, a (boa)
sociologia da literatura ensina que as melhores manifestações do pensamento
brasileiro sempre estiveram ligadas à literatura. De Gonçalves Dias a Joaquim
Nabuco; de Euclides da Cunha a Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, a
literatura fornece elementos para a interpretação da cultura e do país, contribuindo
mais do que supõem os estetas da hora para a formação de uma consciência nacional e
a pesquisa dos problemas brasileiros. Sendo assim, é elemento central para suprir as
deficiências na formação do espírito científico e técnico no país.
No contexto dos anos 40, a literatura deixa de ocupar posição de destaque em
outras áreas. uma reação ao questionamento dos valores tradicionais de ordem
social, política e ideológica levantado pelo modernismo radical. A poesia
espiritualista, originada do simbolismo, e o romance psicológico (Clarice Lispector,
por exemplo) se desdobram em uma tendência à investigação do Eu profundo, que
representa também uma forma de preservação daqueles valores. Vista em plano
aberto, a literatura debruça-se sobre a própria literatura para reagir à invasão da
2
Antonio Candido, “Literatura e cultura de 1900 a 1945” In: Literatura e Sociedade, p. 118.
109
cultura de massa, que seduz os leitores com imagem e som. Os conflitos decorrentes
da perda de importância da literatura e do peso da industrialização na vida do
brasileiro estariam emoldurados e muitas vezes resolvidos nos textos. As questões
sociais engendradas pelo tempo presente ficam em segundo plano, aliás, nem fazem
parte de sua pauta. O escritor retrai-se e, procurando assegurar a sua singularidade
ante as demais áreas da atividade intelectual, produz textos que refletem intensa
pesquisa estética destinados, por isso, a um público cada vez mais restrito. Um
comentário de outro intelectual católico sobre a obra de Murilo Mendes pode ilustrar
o que estamos falando: “Místico, ele (Murilo) perfura a crosta das instituições e dos
costumes culturais para morder o cerne da linguagem religiosa, que é sempre a
ligação do homem com a totalidade”.
3
Atitude semelhante tem o crítico esteta. A primeira geração de críticos que sai
das universidades nos anos 40, além da missão de destronar os impressionistas,
incumbe-se de diferenciar o estudo da literatura das demais áreas do conhecimento. O
momento é de divisão do trabalho intelectual: a especialização do conhecimento
proporcionada pelo ensino superior deve limitar o âmbito de estudos de cada
profissional. Isso em parte justifica o ataque intermitente à história e à sociologia. Se
os grandes trabalhos sobre a literatura brasileira haviam sido escritos sob a égide
destas ciências, era imperativo desqualificá-las, demarcar o terreno estritamente
literário. Ao restringir seu âmbito de ação desta forma, o crítico, além de renunciar à
sua função social, elitiza sua linguagem.
Vejamos algumas implicações desta postura intelectual, voltando ao trecho
citado anteriormente. Como vimos na parte anterior deste trabalho, a “irritada
impaciência” não é somente com a geração anterior, uma generalização, a
literatura brasileira como um todo é menor. O discurso de desqualificação geral
funciona como uma legitimizacão de seu próprio discurso, ou seja, ao generalizar a
crítica aos procedimentos adotados pelos escritores e críticos, ele indiretamente
afirma que sua posição é única, quando na verdade não é. No caso específico da
geração anterior, o problema estaria relacionado ao uso político da literatura, contra o
que reagem alguns autores. E críticos:
A literatura e a política caminharam confundidas no país. Seria
3
Alfredo Bosi, História concisa da literatura brasileira, p. 447.
110
difícil concebermos o homem de letras puro, que não fosse, ao
mesmo tempo, um lutador, um pensador’, um guia de opinião
política. E é um esforço quase aberrante procurar compreender a
literatura sem os liames que a prendem à política e a tornam um
instrumento de propaganda e ação cívica. Assim foi, sobretudo no
século XIX, – independência, abolição, guerras, república,e assim
tem continuado a ser em nosso século sem que se haja logrado a
libertação da literatura em relação à política.
3
Nesse sentido, o embalo que afasta o crítico da realidade social também o leva
a negar a história. O resultado é uma contradição na natureza do trabalho: a ruptura
poderia se dar no plano estético (de produção), mas é estranho que se também no
plano crítico (de análise desta produção). Em outras palavras, ao negar os fatos, o
crítico é levado a produzir ficção. A própria expressão “crítica estética” talvez ajude a
entender a fusão de que estamos falando. Nestes termos, a única literatura válida é a
que privilegia as aventuras estéticas. Se a literatura está assumindo outra direção, para
longe do mundo real, a crítica deve ir junto. Lembrando Williams, temos uma
“estrutura de sentimento” bem definida: a articulação entre a postura do escritor e do
crítico como uma resposta ao momento histórico brasileiro, quando grande parte das
Letras está relacionada à política. Nesse sentido, os elementos estruturantes da teoria
correspondem ao tipo de experiência de vida do crítico em seu contexto de
formulação. A teoria então funciona como um fetiche solitário, uma fuga tanto em
relação à tal tendência de engajamento quanto ao próprio, digamos, “amadorismo”
dos praticantes e analistas da literatura no Brasil da época. Então, como escrever uma
história literária dessa forma? Sequestrando o Romance de 30? Não:
Em vez de procurar na literatura os reflexos da autonomia política e
da formação da consciência nacional, cumpre à crítica e à história
literária investigar a autonomia das formas, acompanhando a sua
evolução para verificar o momento em que a ficção, poema, drama,
ensaio, alcançaram, entre nós, se alcançaram, na estrutura e na
temática, um feitio brasileiro típico, peculiar, distinto, que possa
considerar-se uma contribuição nova ao gênero, uma nova tradição.
4
3
Afrânio Coutinho, Introdução à literatura no Brasil, p. 52.
4
Idem, ibidem, p. 42.
111
A “Grande Tradição” da literatura brasileira não estaria ligada nem à história
nem à política, mas ao processo de evolução das formas. A visão é idealizada e
propõe a criação de uma nova tradição que busque a tipicidade brasileira. Afrânio,
então, lança mão do expediente do “homem novo”:
Colocado em uma nova situação” para a formão da qual
concorriam um meio físico e uma organização social e econômica
peculiar tinha o homem (novo) que criar um estado de espírito
diferente, atitudes, desejos, ideais, esperanças, uma sensibilidade e
psicologia, em suma uma nova concepção da vida e das relações
humanas, uma visão própria da realidade. À nova situação
corresponderia, por certo, uma visão diferente da do europeu, ou da
do colono quando ainda vivia na Europa. O impacto do novo meio
fez dele um homem novo, e foi muito forte para que essa
transformação durasse três séculos. E de um homem novo um
mestiço de sangue ou de cultura forçosamente surgiria uma nova
literatura, como surgiu também um novo estilo de falar a mesma
língua da metrópole, uma “fala” diferente.
5
A ideia subjacente a esta afirmação é a de que uma identidade da literatura
brasileira estaria ligada ao ponto de vista deste homem brasileiro. A crença na
existência deste cidadão é o pressuposto no qual o estudante deve se basear para
conseguir acompanhar a evolução estética das formas no país. Mas isto, como
dissemos, está apenas subjacente. Não uma defesa de valores como em Leavis ou
nos sulistas norte-americanos. Ou seja, não propriamente uma sociedade
supostamente orgânica (evidente) amparando o seu discurso, um vínculo direto com a
realidade imediata. Um dos pontos de contato está no fato de que Afrânio Coutinho e
escritores espirituralistas são intelectuais católicos, o que em parte explica a
preferência por temas que não digam respeito ao material; para eles, a literatura que
fala dos pobres é menor. Também por isso, no caso de Afrânio, a defesa de suas teses
dá em termos estéticos:
5
Idem, ibidem, p. 42.
112
Estabelecer uma autonomia literária é descobrir os momentos em
que as formas e artifícios literários assumem o domínio da
expressão, como formas e artifícios literários, prestando-se, ao
mesmo tempo, a fixar aspectos novos e uma nova perspectiva
estética, ou uma visão estética de uma nova realidade. Esses
momentos foram encarnados por grandes estilos estéticos, cuja
sucessão constitui as etapas ascensionais em busca da auto-
expressão literária. É somenos que hajam sido importados, desde
que aqui tenham sofrido um peculiar processo de adaptação.
6
O processo de adaptação da teoria, de fato, é peculiar. Em um momento de
turbulência e de tomada de posições políticas, Afrânio embarca nas abstrações de uma
corrente da literatura brasileira e propõe que a teoria sirva para o leitor enxergar esta
nova realidade de um ponto de vista “estético”. Deste ângulo, seria possível olhar para
trás e redescobrir a história da literatura brasileira acompanhando a evolução do
abstrato (forma literária) e com isso demarcar uma nova tradição.
Aqui encontramos uma contradição interna no julgamento. Logo em seguida,
o próprio crítico aponta que um dos problemas para a debilidade de nossa literatura é
justamente a ausência de uma tradição. Segundo ele, a luta entre a tradição importada
e uma possível tradição nova, que constituiria o drama de nossa história intelectual,
não permitiu que vingasse uma tradição, que constituísse um “passado útil” para a
inspiração dos escritores. Assim, cada geração se sentiria obrigada a partir do começo,
numa desastrosa negação de um princípio de harmonia da produção artística. Essa
repulsa da continuidade nos tornaria não somente incapazes de receber as velhas
convenções, mas pouco hábeis para criar novas. Por conta disso, haveria uma
periódica desintegração das tentativas de criação de tradições, que não resistiriam e
degenerariam em movimentos frustrados. Em vez de um movimento pendular da lei
da permanência e da mudança, o que se verifica entre nós, segundo Afrânio, é a
antropofagia das gerações: cada nova geração, marcada pelo ceticismo e pelo
iconoclastismo, em vez de procurar formar-se, tem uma diretriz, a destruição da
que a antecedeu conforme o mito da soberania da geração presente, a que corresponde
uma estase da realização artística e da acuidade crítica, somente possíveis num clima
6
Idem, ibidem, p. 41.
113
de continuidade.
7
O que temos, portanto: um movimento interno, na própria literatura do (curto)
período em questão, que empurra o crítico na direção do abstrato; uma oferta externa
de métodos formulados também para o estudo destes textos; a certeza de que é
necessária uma ruptura com os modos vigentes de produção e de análise da literatura
e – a mesma ruptura como causa principal para a debilidade da literatura. Essa
contradição existe e não é a única: ao defender a existência de um “homem novo” que
tem suas atitudes moldadas pelo meio, Afrânio se escora no determinismo, que ele
mesmo quer excluir da análise literária.
O debate com os predecessores, ou o reaproveitamento da “sensibilidade e
temas da geração anterior”, diga-se, também existe:
No caso de Silvio Romero podemos sintetizar o estado de espírito
de toda a nossa historiografia literária no que concerne à
periodização. Sua atitude de ceticismo e hesitação decorre da
inexistência de uma concepção do processo da evolução literária, o
que redunda na variedade de divisões, ora baseadas em fatos
políticos, ora puramente cronológicas, sem qualquer significação
em relação à realidade do desenvolvimento. Dessa maneira,
podemos variar ao infinito as divisões e classificações, ao sabor das
conveniências, de maneira puramente mecânica ou com intenção
didática (...)
8
O intelectual que privilegia a abstração, nega a história e se afasta da política,
então, revolta-se:
A revolta contra o positivismo e o historicismo na metodologia do
estudo literário fundamenta-se em graves críticas ao método
histórico: (...) é complacente com autores medíocres, sob o pretexto
de que esclarecem e explicam os contemporâneos; em vez disso não
deveriam ter guarida na literatura, pois não souberam criar beleza,
além de que, nesses assuntos, entre o pequeno e o grande a
diferença não é de grau, mas de natureza; (...) grande ênfase às
7
Idem, ibidem, p. 50.
8
Idem, ibidem, p. 32.
114
influências e imitações, como se a única coisa que devesse contar
em arteo fosse o elemento pessoal do espírito e da obra.
9
Mudanças radicais deveriam ser efetuadas urgentemente no plano das ideias,
porque os sinais de transformação social colocavam o requinte da literatura em
risco. Quando aponta o distanciamento entre o escritor e o público como um dos
fatores para a fraqueza da literatura, o autor comenta que
com o acesso da massa ao poder político, econômico, social, e à
posse da cultura.(....) o risco perdura, pois a ninguém será permitido
asseverar que essa ascensão não se fará em detrimento de valores
estéticos, com um desnivelamento dos padrões de cultura para
adaptar-se às exigências da mesma massa. Assim, o conflito entre as
tendências ‘highbrow’ e ‘lowbrow’ se resolveria por baixo.
10
Comentamos antes sobre o nível de analfabetismo no Brasil nesta época e o
consequente abismo intelectual entre as classes. Então, leiamos o trecho abaixo
considerando o nivelamento entre escritor introspectivo e crítico esteta, como se o
homem de letras, os escritores, fossem esse último, e a literatura, a teoria. O grifo é
meu:
(...)o homem de letras (crítico), divorciado de uma tradição, sente-
se separado dos predecessores, que ignora, da sociedade, que o
desconhece, ou dos seus pares, a que não presta atenção. No
entanto, apesar desse desprezo entre os escritores (críticos), a
literatura (teoria) seria produzida na intenção deles. É literatura
(teoria) requintada, feita por uma classe para o divertimento dessa
mesma classe, levando-se em conta o enorme abismo que separa
elite e povo no Brasil, elite cultivada e dona da vida, povo distante,
analfabeto e deserdado. Esse povo jamais foi atingido pela literatura
(teoria), destinada a um público reduzido, de classe.
11
Cabe lembrar que o crítico se distancia voluntariamente do mundo real.
9
Idem, ibidem, p. 11.
10
Idem, ibidem, p. 51.
11
Idem, ibidem, p. 51-52.
115
Quando volta, é pra lembrar que, mesmo sendo um país que tem maioria analfabeta, a
culpa da mediocridade das letras é do povo:
O brasileiro é um povo de sensibilidade rontica, exacerbada pelo
Romantismo, e acredita na força miraculosa da improvisação, causa
e efeito de falta de consciência cnica. A sua no espontâneo, na
arte natural, na inspiração telúrica, faz com que despreze o estudo e
a formão técnica. (...) É a esse culto da improvisação que se deve
também a tendência subjetivista e personalista em crítica, que não
se fundamenta em critério de avaliação nem se inspira em tábua de
valores para os seus julgamentos. Não crítica, assentada em
código de normas e valores, em terminologia estável, em
epistemologia e criteriologia adequadas.
12
Mesmo sendo possível acreditar no disparate a partir do trecho visto que
raramente seus comentários fazem referência a um dos pilares do sistema literário, o
público leitor –, Afrânio na verdade quer se referir à ausência de consciência técnica.
Segundo ele, a vida artística e intelectual cresceu a despeito do ensino e divorciada do
sistema educacional. Caminhou por si, e o autodidatismo foi a regra. Jamais houve
educação especializada de letras que pudesse proporcionar uma formação técnica.
Isso se deveria ao culto da improvisação.
Para remediar as deficiências da literatura e da crítica no Brasil, Afrânio
Coutinho organiza sua obra de história literária, A Literatura no Brasil. Note-se o
significado do título: como o autor não reconhece como válido o debate brasileiro,
isto é, nem a obra dos críticos predecessores e contemporâneos, nem mesmo o
conjunto das obras dos autores, seu trabalho diz respeito à literatura produzida no
país, não propriamente a uma “Literatura Brasileira”, como algo estabelecido. O
conceito subjacente é que não como alcançar a unidade que permita ao estudante e
ao crítico o uso de tal designação a não ser pelo(s) método(s) apresentado(s) na
obra.
Aqui temos um momento significativo na obra do autor: nela, há a tentativa de
adequar a história literária brasileira às inúmeras correntes em voga na crítica literária
mundial. Ou vice-versa. Seja como for, não haveria intelectual mais entusiasmado
12
Idem, ibidem, p. 51.
116
para a tarefa na época: Afrânio funcionava como um radar de inovações técnicas para
o estudo da literatura. A atitude de abertura intelectual à influência estrangeira em seu
pensamento crítico está, digamos assim, materializada neste livro. Mas não por ele.
Talvez seja esta mesma postura que tenha tornado o trabalho inexequível, segundo
ele, por um homem só. A obra torna-se, então, uma reunião de artigos escritos por
diversos intelectuais. Mesmo selecionados e orientados pelo próprio Afrânio, o
resultado é um livro que por vezes escapa ao seu controle, mas, mesmo assim,
coerente com a perspectiva plural a que se propunha:
Obra coletiva, inspira-se na ideia de que não é mais possível a
história literária senão como tarefa de cooperação. Em primeiro
lugar, levanta-se diante do historiador a montanha de material
impresso, que deve ler e avaliar. É isso possível no estágio atual?
Afirmou Veríssimo haver lido todas as obras de que tinha que falar.
Mesmo em relação ao que havia sido publicado no passado, o que
devia ler era muito menos do que perto de 50 anos depois. (...) De
modo que, a um homem, é mister admitir que a tarefa se afigura
insuperável. A cooperação impõe-se, não obstante a dificuldade
nova que se antolha, como decorrência da própria natureza do
método: a exigência de conciliação entre a unidade de planejamento
e concepção e a execução mediante diversidade de autoria. A
necessária submissão ao conjunto não implica em renúncia, por
parte dos autores, das qualidades técnicas e da densidade crítica. Ao
contrário, sem as virtudes individuais é impossível lograr-se a
eficiência que se espera do plano.
13
O autor escreve a introdução geral e uma introdução para cada um dos seis
volumes da coletânea. Nestes textos, vemos por extenso muitas das idéias esboçadas
em seus textos de jornal. A primeira impressão é que um esforço sobre-humano
por parte do autor para achar um fio condutor em um emaranhado de correntes. Aqui
figuram o New Criticism, o formalismo russo, a estilística, todas elas com suas várias
subcategorias. De fato, a tarefa de conjugar tantos métodos em uma obra de história
literária é imensa. Mas a linha mestra adotada por Afrânio mas não por todos é a
pedra fundamental de seu método preferido: o distanciamento entre a literatura e a
13
Idem, ibidem, p. 73.
117
realidade concreta. Seu papel é o de fazer uma atualização dos estudos críticos:
A história literária é uma tarefa sempre em andamento, cabendo a
cada geração refazê-la e completá-la. No estado em que esses
conhecimentos haviam sido deixados pelos antecessores, fazia-se
sentir a necessidade de uma atualização, com uma conseqüente
revisão e renovação críticas. Pretende, assim, A Literatura no Brasil
ser uma nova ordenação e hierarquização de valores, uma
reavaliação e reinterpretação da literatura brasileira, baseada em
conveniente reunião de fatos estabelecidos e sugeridos pela
pesquisa e pelo pensamento crítico atual. De acordo com os moldes
recomendados por Wellek, procura fugir ao “excessivo
determinismo que reduz a literatura a mero espelho passivo de
outras atividades humanas”, concentrando-se, embora sem
extremismos, no estudo da obra mesma, à luz de uma teoria estética
da literatura e da história literária.
14
Para avaliar tais implicações decorrentes deste momento histórico, lembremos
alguns pontos: temos um crítico que defende o estudo exclusivo dos elementos
intrínsecos da obra literária mas que equipara a qualidade da literatura brasileira ao
modo de vida de seus autores; que nega os critérios deterministas mas afirma que o
meio influenciou um “homem novo” a produzir literatura brasileira; que rebaixa a
literatura produzida aqui e que, ao mesmo tempo, defende que a autonomia literária
existe e que pode ser investigada por meio de seu método de estudo. Resta ver o
sentido dessas contradições.
A literatura brasileira não dependeu da realidade imediata do país para ser
produzida. Ela foi se transformando ao longo do tempo em um ritmo mais acelerado
do que o das demais esferas. Nem o analfabetismo predominante impediu que
Machado de Assis alcançasse um grau de resolução estética inédito. Nesse sentido, as
contradições entre o grau de civilidade do país e de sua elite intelectual não são
entrave para o progresso das ideias. E representam desde sempre um modo típico de
desenvolvimento do país.
15
Afrânio Coutinho faz parte da elite intelectual de sua época. Nada impede,
14
Idem, ibidem, p. 74-75.
15
Roberto Schwarz, “Os sete fôlegos de um livro”. In: Sequências brasileiras, p. 55.
118
portanto, que queira atualizar-se com o que ocorre no estrangeiro e seguir a marcha do
tempo. Considerando os contextos de origem das teorias, onde a concepção do
método de estudo da literatura respondia a propósitos específicos formulados a partir
da realidade social de cada país, seu pensamento, embora se enquadre nesta lógica,
representa uma abstração de segundo grau, pois se distancia da realidade local no
sentido de que renuncia à função social do intelectual e assume a posição de uma
das vertentes da produção literária de seu tempo. O método, nesta perspectiva, estaria
em um plano duplamente distante do país. O distanciamento entre a obra e a
realidade, pressuposto do New Criticism, e, logo a seguir, dos demais métodos, é
suficiente para que o bloco de conceitos passe livre pela alfândega e invada a avenida
tocando um samba (gringo), amainando seu pessimismo. dissemos que seu objeto
de estudo, mesmo quando escreve os textos de introdução de sua obra máxima, não é
propriamente a literatura, são as teorias. O esforço de atualização é proporcional ao
esforço de compreensão e de defesa dos métodos, mas não ao de aplicação deles. O
que pode ser resultado tanto de sua recusa em admitir alguma relação entre a literatura
e o andamento da vida nacional como do desvio voluntário de sua conduta como
crítico.
5.1 – Crítica metonímica
De uma perspectiva mais ampla, veremos como esta dificuldade de aplicação
de métodos, ou essa visão fragmentada e contraditória, pode ser lida como
consequência das transformações promovidas pelo capital no país.
Se retomarmos a narrativa de Jameson, talvez possamos ver como a relação
entre o movimento das teorias e do capital são peculiares por aqui. A primeira fase,
que é de comércio e acumulação primitiva e que corresponde ao momento do
Realismo, tem faces diferentes no centro e na periferia. Enquanto o que predomina
é o trabalho assalariado, aqui, é a escravidão. O processo de acumulação é
semelhante, isto é, corresponde a uma minoria. A ideologia que no centro surge do e
para o sistema, aqui serve de ornamento para os mais cosmopolitas atualizarem-se
com o tempo. Nesse contexto, o Realismo à brasileira é fundado com um livro de
memórias de um defunto-autor.
Como a escravidão e o favor também dão o tom da vida nacional dos sem
posses, a possibilidade de ascensão social destes é mínima. Aliás, nem mesmo aos
119
requisitos básicos de um cidadão eles têm acesso. Uma das consequências disso para
o desenvolvimento da literatura é o número reduzido de leitores, e este é um dado
fundamental que Afrânio deixa de lado na hora de avaliar, por exemplo, por que
alguns escritores brasileiros não conseguem sobreviver trabalhando somente com
literatura. O que, para ele, é amadorismo, é resultado da influência do sistema
econômico na vida prática – que ele opta por ignorar.
O baixo número de leitores, por outro lado, não impede o avanço técnico e
temático da literatura, que o aporte ideológico evolui sem os entraves do mundo
concreto. Mas esta independência entre um e outro não determina que o escritor ou o
crítico devam operar sempre no abstrato. Muito menos impede que este analise estas
contradições, contribuindo extraordinariamente para o entendimento do fluxo e da
acomodação das ideias estrangeiras por aqui, mantendo-se abertos à influência de
fora.
Este é o abismo que separa Machado de Assis, Antonio Candido e Roberto
Schwarz de Afrânio Coutinho. Os três primeiros importaram ideias estrangeiras e
serviram-se delas como um mecanismo de análise das consequências do processo no
país. Neste caso, o avanço estético e teórico se deu pela imersão na realidade nacional
(literatura e sociedade), seja no olho clínico de Machado para desbaratar as relações
sociais em seu tempo, ou no de Candido para recompor minuciosamente o debate
teórico sobre a literatura brasileira, ou no de Schwarz, que revela, quase cem anos
depois, o alcance da visão do mestre da periferia do sistema.
Afrânio, por sua vez, acredita que “a cultura é uma nação acima das nações” e
no elemento externo uma possibilidade de transformação total da realidade local,
por isso nega a validade da literatura brasileira e do debate nacional. Para ele, as
ideias estrangeiras funcionariam como um “agente” do progresso literário brasileiro.
A literatura brasileira somente ganharia relevância se acompanhasse em tempo real o
desenvolvimento do debate teórico internacional. O foco no presente limita seu
ângulo de visão.
Os anos 40 e 50 de Afrânio correspondem ao segundo tempo da fase dois do
capitalismo, que é de investimentos e expansão na periferia. Em boa medida, a
dinâmica da vida ideológica brasileira, no entanto, permanece a mesma da fase um: a
ideologia estrangeira vem no pacote que traz as regras do avanço econômico e aqui
transforma-se em um biombo para encobrir os contrastes, sobretudo para quem insiste
em ignorá-los. O país boas-vindas ao investimento estrangeiro, que desembarca
120
com pão e circo. A ideologia dominante no Rio de Afrânio, capital cosmopolita, porto
de chegada dos novíssimos produtos culturais e centro da vida política, intelectual e
econômica brasileira, tem alcance maior do que a da São Paulo de Candido,
provinciana.
A fase de expansão é um momento, segundo Jameson, em que as flutuações
abstratas do dinheiro modificam radicalmente a percepção: ocorre a fragmentação dos
elementos constituintes dos objetos, que passam a ser vistos como autônomos. Esse
processo opera radicalismos como os das vanguardas européias, que anunciam e
conceituam esta fragmentação. O modernismo paulista, por sua vez, importa o
conceito e a forma dos manifestos vanguardistas para acentuar os contrastes típicos do
país, mas o debate interno se dá no plano estético, abstrato, com os parnasianos
(cariocas), e o externo, com a própria Europa. Ao tentarem virar a mesa, inverter a
ordem hierárquica estabelecida pelo capital, e transformar o Brasil em centro, os
paulistas evidenciam como o processo de reificação de conceitos contribui para
separar a literatura do mundo concreto. Um ilusionismo comparável ao cidadão
descrito por Drummond em “A flor e a náusea”, aquele que “soletra o mundo,
sabendo que o perde”.
A corrente espiritualista originada no Simbolismo permanece em pé. É nela
que, a despeito da incorporação de alguns pontos da inovação estética proposta pelo
modernismo de 22, sobretudo no que diz respeito à linguagem, se preservam os
valores elevados do ser humano. A literatura, com eles, está a salvo do mundo. Um
tipo de isolamento que pode ser interpretado como uma consequência da
fragmentação do sujeito, o que leva também a uma tendência para a introspecção. Um
casulo para os intelectuais católicos, como o próprio Afrânio, que desviam do debate
sobre o destino dos abandonados à própria sorte, sobre o lado perdedor do sistema,
amplamente difundido pelos romancistas de 30.
Nesse contexto, o New Criticism, que nasce como uma alternativa para
combater os produtos culturais do capitalismo industrial e logo toma a forma de um
desses produtos, funcionando também como um refúgio inclusive para intelectuais de
posições antagônicas, chega aqui, com Afrânio, como um dos elementos incluídos no
pacote de expansão do sistema na periferia. Assim, o processo de reificação aqui
ganha outra dimensão.
Com Afrânio, a figura do crítico analista do todo passa a ser a de analista de
uma de suas partes. Em outras palavras, ao invés de estudar o processo, o trabalho do
121
crítico concentra-se em um dos elementos deste processo: o contexto, a obra, o autor,
o público, o crítico e a teoria, que fazem parte de um todo – os estudos literários –, se
transformam em elementos independentes, autossuficientes, sofrem o que Jameson
chama de processo de autonomização. Para Afrânio, a teoria, como uma mercadoria
equivalente à literatura, passa ao primeiro plano, e não mais existe em função desta.
Daí ser possível, dentro desta lógica, ocupar-se apenas dela:
A solução está na historiografia literária que seja a descrição do
processo evolutivo como integração dos estilos artísticos. As
hesitações e os erros da periodologia corrigem-se com a adoção de
tal sistemática. É a que inspira a concepção e planejamento de A
Literatura no Brasil. Suas divisões correspondem aos grandes
estilos artísticos que tiveram representação no Brasil, desde os
primeiros instantes em que homens aqui pensaram e sentiram, e
deram forma estética a seus pensamentos e sentimentos. (...) A
periodologia estilística é dos mais importantes capítulos na marcha
da história ou ciência da literatura para a sua emancipação da
história geral.
16
Deste modo, embora a lente objetiva emprestada de fora tenha se
transformado em um caleidoscópio, fragmentando o ângulo de análise do crítico e
causando pânico, ainda é possível ao menos organizar uma história da literatura
desde que negando a própria história da literatura e distante da dinâmica do processo
social.
Distância em termos. Como cidadão, Afrânio está perfeitamente integrado à
lógica do sistema, e sua campanha de importação acelerada de instrumentos teóricos
tem resultados práticos. A variedade e o poder de fogo de tamanho arsenal, batizado
de Ciência da Literatura, exigia a ampliação da área de combate, bem como a
descoberta de novos alvos. Não era mais possível, então, que o estudo de Letras se
resumisse a um departamento, a uma sub-área na Faculdade Nacional de Filosofia e
Ciência Política, onde vigorava desde 1939. A recompensa pela renúncia ao
engajamento político veio com o golpe militar e a Reforma Universitária de 1967. No
ano seguinte, quando assume a função de diretor da recém-independente Faculdade de
16
Idem, ibidem, p. 33-34.
122
Letras da UFRJ e o papel de crítico militante Afrânio demonstra total sintonia
com o desenvolvimentismo que marca o momento político do período, declarando,
em sua aula-inaugural, cujo título-programa é “Letras para o desenvolvimento”, que
“uma Faculdade de Letras hoje é assim um imperativo do próprio desenvolvimento
nacional”.
A distância no tempo permite uma leitura da contribuição de Afrânio nesta
linha, ele está na base deste movimento, seu modo de utilização do New Criticism e
demais teorias e, principalmente, seu conjunto de justificativas para a adoção dos
métodos são verdadeiros paradigmas para seus seguidores diretos e indiretos. Ao
mesmo tempo, ele pertence a uma linhagem que se estabelece ainda no século XIX, a
mesma que promove o distanciamento entre ideologia e vida prática, para quem
qualquer incoerência mostrada pelo confronto entre o que se diz e o que se faz é
perdoada, pois o plano das ideias não tem relação direta com o mundo real. Colocado
lado a lado com a dinâmica do capital, o processo de importação do New Criticism
por Afrânio Coutinho pode ser visto como o marco inicial da abstração do discurso
teórico na crítica literária brasileira.
A metáfora do caleidoscópio pode servir como um ponto de partida para o
procedimento adotado por alguns teóricos brasileiros desde então. O fluxo intenso de
teorias na crítica brasileira nas décadas seguintes justifica-se, em linhas nem tão
gerais, nestes termos. A demanda cultural do país não é o critério primeiro para a
importação de teorias. O nível de abstração da subjetividade dos próprios críticos, que
se tornam, algumas vezes a contragosto, parte da lógica do sistema, cresceu e se
multiplicou.
Esse é o período que conhecemos por pós-modernismo, que corresponde,
segundo Jameson, aos produtos culturais originários da dinâmica do terceiro estágio
da lógica do capital. Como vimos, é a fase em que o esgotamento da fase de expansão
e investimentos concretos faz com que o dinheiro comece a gerar dinheiro no
abstrato, ou seja, no mercado financeiro gerenciado pelas bolsas de valores. Nesse
sentido, o primeiro estágio da reificação conceitual que temos em Afrânio se
intensifica ou se esgota e a postura do crítico que se recusa a olhar o mundo
concreto, a adotar um conceito totalizante, tem outras consequências.
E, como vimos, a opção dos teóricos inovadores em rejeitar o exercício de
abstração histórica faz com que a influência da forma mercadoria se torne invisível
para eles. A reificação conceitual se pela incapacidade em distinguir a influência
123
da mercadoria na elaboração dos produtos culturais e das teorias que os estudam. A
naturalização do poder da mercadoria nas várias esferas da vida incluindo a
subjetividade individual transforma a abstração teórica em substantivo concreto, em
mais um produto cultural decorrente da lógica do sistema. Assim como o capital, que
por conta dos avanços tecnológicos que permitem a transferência de largas somas de
um ponto a outro do planeta em segundos e do próprio jogo especulativo em um plano
abstrato, mas de consequências reais e nefastas para a maioria, a reificação conceitual
passa a outra fase, que talvez também possamos chamar de especulativa. O nível de
abstração teórica cresce em proporções inéditas.
No Brasil, esta fase corresponde à criação e desenvolvimento dos cursos de
pós-graduação, ainda nos anos 70. Mas o processo ganha força com a criação, nos
anos 80, da Associação Brasileira de Literatura Comparada. Sabemos que este é um
tema que pode render outra tese, bem mais aprofundada e minuciosa do que esta, mas
vamos fechar este trabalho incluindo na próxima seção alguns exemplos para ilustrar
esse processo.
5.2 – Crítica pela crítica
Uma boa síntese da variedade de ideias apresentadas ao longo dos anos pode
ser encontrada nos discursos de abertura de alguns dos congressos da entidade.
Selecionamos alguns deles para ilustrar este processo e grifamos algumas passagens
significativas. O primeiro deles é de 1986, ano do Seminário Latino-Americano de
Literatura Comparada, evento que marca a fundação da Abralic:
O encontro de pesquisadores latino-americanos intentou articular
linhas de investigação comuns que nos permitam pensar a América
Latina através de suas manifestações culturais visando ao
conhecimento do que lhe é próprio e, sobretudo, à sua
integração continental.
O temário básico do Seminário previu três grandes linhas – As
relações culturais da Arica Latina com os contextos europeu
e africano, Inter-relações culturais na Arica Latina e
Perspectivas comparatistas nas literaturas latino-americanas
124
cuja abrangência possibilitou acolher diferentes propostas de
análise e reflexão.
A variedade dos temas tratados nas diversas mesas-redondas
ilustra a pluralidade mesma da América Latina, entidade ainda não
plenamente definida mas com incontestável existência real.
O interesse das comunicações explica nosso empenho de fazê-
las chegar rapidamente aos leitores a fim de que eles também
possam contribuir para a reflexão comum que o
SEMINÁRIO LATINO AMERICANO DE LITERATURA
COMPARADA tinha por objetivo provocar ou relançar.
16
Se confrontarmos os trechos em destaque com alguns poucos mas
significativos fatos do contexto da época, talvez seja possível ver o grau de
distanciamento entre o debate teórico e as questões levantadas pela realidade
imediata. Enquanto o país vive um período marcado pelo fim do regime militar e
abertura política, pela eleição indireta de um novo presidente cujo vice cria a chamada
“Nova República”, que traz também uma nova moeda, o primeiro congresso da
entidade propõe temas que buscam a “integração continental”: “As relações culturais
da América Latina com os contextos europeu e africano; Interrelações culturais na
América Latina e Perspectivas comparatistas latino-americanas”.
Pelo primeiro discurso podemos ao menos supor a orientação geral das
pesquisas que seriam apresentadas nos eventos posteriores. Além disso, vemos que
existe um empenho especial por parte da diretoria da entidade na divulgação e na
popularização dos trabalhos, para que eles cheguem “rapidamente aos leitores a fim
de que eles também possam contribuir para a reflexão comum.”
O primeiro grande congresso da entidade acontece em 1988, ano em que,
logo depois da eleição em que os candidatos da situação são eleitos para governar 22
dos 23 estados brasileiros, a nova moeda se desvaloriza rapidamente, a inflação volta
com prefixo “hiper” e a população chega a promover quebra-quebra de
supermercados. É também o ano em que é promulgada uma nova constituição que
cria três novos estados, Rondônia, Amapá e Tocantins. Este trecho do texto de
apresentação dos anais dá o tom dos assuntos abordados no evento:
16
Tânia Franco Carvalhal, 1° Seminário Latino-Americano de Literatura Comparada. [1986]
125
Reunindo um número expressivo de estudiosos brasileiros e de
diversas nacionalidades, os trabalhos ali (no Congresso)
apresentados deram origem a três volumes de Anais. (...) Nos três
volumes, atesta-se a riqueza dos aspectos analisados em torno
de dois temas básicos: intertextualidade e
interdisciplinaridade.
A escolha mesma destes temas indicava, por parte dos estudiosos
da especialidade, uma compreensão abrangente de Literatura
Comparada e a preocupação com seus modos e campos de atuação.
Sublinhava-se, por um lado, a natureza relacional do
comparativismo, sua ação entre textos, entre autores e entre
diferentes áreas do conhecimento e da expressão artística; de
outro, destacava-se a confrontação e o diálogo que todo estudo
comparado quer estabelecer.
As perspectivas desenvolvidas eram as mais recentes, embora
se tratasse de um 1° Congresso. Na realidade, o indicativo de
só se referia ao movimento associativo, que era novo, o a
uma reflexão e a uma prática que, mesmo de forma espontânea
e difusa, há muito ocorria no Brasil. (...)
17
Para a Abralic, 1988 é um ano propício não para o debate político
engendrado pela situação histórica de um país prestes a eleger um presidente civil em
muitos anos, mas para se estudar “a natureza relacional do comparativismo, sua ação
entre textos, entre autores e entre diferentes áreas do conhecimento e da expressão
artística” (grifo do autor). A busca pelo novo aparece em destaque: “as perspectivas
desenvolvidas eram as mais recentes”.
Passada a eleição presidencial, e logo após uma nova abertura, esta ao capital
estrangeiro e às concepções neoliberais, a Abralic realiza o seu segundo congresso. O
texto de abertura de uma das revistas lançadas no evento inclui a seguinte passagem:
(...) Incentivar o interesse pela leitura da meria cultural de um
país é conjugar o olhar do presente com o do passado, sem se ater
a posições passadistas e conservadoras. As pesquisas de
Literatura Comparada, voltadas para esse fim, empenham-se
17
Tânia Franco Carvalhal, Anais do I Congresso Internacional da ABRALIC, p. 5-6.
126
em tornar mais nítida a compreensão do presente, reacendendo
polêmicas próprias das atuais contradições culturais.
O programa do Congresso compõe o número especial do
CONTRAPONTO e comprova, pelo grande volume de trabalhos
que nele se encontra, tanto o interesse pelo tema escolhido quanto a
expressiva dimensão atingida pelos estudos de Literatura
Comparada no Brasil. O convívio de pesquisadores nacionais e
estrangeiros muito contribuirá para a troca de experiências e
para o reconhecimento saudável dos pontos de contato e das
diferenças. Satisfeita com os resultados positivos do esforço
dispendido na organização deste Congresso, a atual Diretoria da
ABRALIC acredita estar propiciando aos presentes um encontro
que marca a paixão comum pelo exercício cotidiano da
literatura.
18
Ao contrário dos eventos anteriores, no texto de abertura dos anais e das
revistas da entidade, podemos ver um ponto de contato entre o contexto brasileiro e a
pesquisa acadêmica: no momento em que o novo presidente declara que as estatais
estão obsoletas e representam um entrave ao desenvolvimento do país, a entidade faz
questão de afirmar que suas posições não se atêm a “posições passadistas ou
conservadoras”, que estas “empenham-se em tornar mais nítida a compreensão do
presente, reacendendo polêmicas próprias das atuais contradições culturais” e que “o
convívio de pesquisadores nacionais e estrangeiros muito contribuirá para a troca de
experiências e para o reconhecimento saudável dos pontos de contato e das
diferenças”. Além disso, as consequências do “Programa Nacional de
Desestatização”, e mesmo a adesão a essa proposta, ecoam no texto de abertura dos
anais, quando a diretoria declara que o evento “não teria sido possível” sem o apoio
de inúmeras entidades públicas e privadas:
(...) A realização do Congresso não teria sido possível sem o
inestimável apoio da UFMG que nos proporcionou as condições
necessárias para o bom andamento dos trabalhos. Nossos
agradecimentos dirigem-se à reitora (...). Os agradecimentos são
extensivos aos órgãos ligados à UFMG, à PUC/MG, às demais
18
Eneida Maria de Souza, Contraponto. [1990]
127
entidades estaduais, particulares e internacionais de fomento, além
de firmas particulares: Curso de Pós-Graduação em Letras da
UFMG; Departamento de Semiótica e Teoria da Literatura;
Departamento de Ciência da Computação da UFMG; Pró-Reitoria
de Extensão da PUC/MG; CNPq; FINEP; FUNDEP; FAPERGS;
FAPERJ; FAPESP; FAPEMIG; Comissão Fullbright; Embaixada
da Bélgica; Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa de Belo
Horizonte; Fundação Calouste Gulbenkian; Museu de Arte de Belo
Horizonte; Centro de Cultura Nansen Araújo Sesiminas;
Faculdade Metodista Izabela Hendrix Curso de Letras; União dos
Escritores Angolanos; SEPESP; Rede Fio de Ouro; Livraria
Ouvidor; Mineral Engenharia; NPJ Engenharia; Água de Cheiro;
Consórcio União; MAC Minas Automóveis e Caminhões;
Tectônica Engenharia; Helptur; Vox Populi; Vinícola Aurora. (...)
Não resta a menor vida de que a Literatura Comparada no Brasil
vem atingindo posição de destaque no meio acadêmico, pela
efetiva vitalidade da Associação, que não se furta em proporcionar
à comunidade o constante fórum de debates.
19
No ano seguinte, a entidade lança aquela que viria a ser uma de suas
principais publicações, a Revista Brasileira de Literatura Comparada, em cujo texto
de apresentação lê-se que:
Com o objetivo de oferecer uma reflexão mais aprofundada de
temas relevantes ligados à disciplina no interior da cultura
brasileira, a revista contribuirá também para a divulgação da nossa
atual produção científica.
Os ensaios aqui reunidos tratam o de questões que visam à
releitura do conceito de identidade cultural na Modernidade e
na Pós-Modernidade, com especial ênfase nos movimentos
modernistas no Brasil, como de reflexões sobre a prática
interdiscursiva em textos literários e paraliterários. Integram
ainda a revista estudos que evidenciam a escolha de temas próprios
da contemporaneidade: a estratégia interdisciplinar da
Literatura Comparada, a crítica literária e a interpretação, o
19
Eneida Maria de Souza, Anais do II Congresso Internacional da ABRALIC, p. 5.
128
ensaio-conto parapolicial, ou a transfiguração estética do
tempo e da morte. Pautados pela construção de objetos teóricos
e conceitos operacionais relevantes para a constituição de um
pensamento crítico de Literatura Comparada no Brasil, os
artigos que compõem este volume comprovam a oportuna
contribuição desta revista para o aquecimento do debate cultural
entre nós.
20
Em 1991, ocorre o primeiro grande teste da Nova República: menos de um
ano depois de o país eleger democraticamente seu presidente, uma crise instala-se no
alto comando da nação. É o momento em que todos assistem perplexos ao primeiro
grande escândalo da nova fase da democracia. A entidade, por sua vez, uma vez mais
encerra-se nos domínios da academia. No texto de apresentação, a comissão editorial
declara que a revista tem “o objetivo de oferecer uma reflexão mais aprofundada de
temas relevantes ligados à disciplina”. O processo de abstração ainda é radicalizado:
“os ensaios aqui reunidos tratam não de questões que visam à releitura do conceito
de identidade cultural na Modernidade e na Pós-Modernidade (...) como de reflexões
sobre a prática interdiscursiva em textos literários e paraliterários”. Com temas como
“a estratégia interdisciplinar da Literatura Comparada”, “o ensaio-conto parapolicial”
e “a transfiguração estética do tempo e da morte”, o objetivo da entidade é a
“construção de objetos teóricos e conceitos operacionais relevantes para a
constituição de um pensamento crítico de Literatura Comparada no Brasil”
21
, e não a
análise de questões que se relacionem com as demandas da sociedade. Parece não ser
o momento para ressaltar qualquer tema que remeta ao contexto brasileiro.
O terceiro congresso realiza-se em 1992. O texto de abertura dos anais do
evento inclui a seguinte passagem:
(...) 1992 é um ano que se presta a muitas discussões que
reclamam a imaginação e a palavra dos teóricos e analistas de
Literatura. No seu horizonte, há alguns anos, estava a
invenção da América pelos europeus. (...) Na produção teórica e
analítica dos companheiros de letras, estão os temas que
caminham tanto para a interdisciplinaridade quanto para a
20
Idem, Revista Brasileira de Literatura Comparada.1 [1991]
21
Idem, Revista Brasileira de Literatura Comparada.1 [1991]
129
intertextualidade, e ainda para uma possível intercomunicão
entre os vários discursos artísticos. Ao final da cada passada,
acontecimentos históricos imprevisíveis e angustiantes
trouxeram de volta a incontornável relação entre o artístico e o
político no século XX. Levando em conta estes dados históricos,
culturais e sociais e outros que não caberiam no curto espaço
desta Nota, é que a atual Diretoria pensou em concentrar os
esforços dos nossos pesquisadores, durante estes três dias de
agosto, em torno da noção de LIMITES. Desde novembro do ano
passado, um “call for papers” foi publicado em português e francês,
e fartamente distribuído. A recepção ao nosso chamado foi digna
da tradição da Associação que atualmente dirigimos.
22
No ano de realização do terceiro congresso da Abralic, o país está apagando
as chamas do escândalo político do homem do partido da reconstrução nacional. Mas
parece não ser ainda o momento de aterrissar: “a palavra dos teóricos e analistas de
literatura”, segundo a entidade, deve voltar-se, uma vez mais, para a
“interdisciplinaridade e intertextualidade”, para uma “possível intercomunicação entre
os vários discursos artísticos”. Os “acontecimentos históricos imprevisíveis e
angustiantes” referidos no texto dos anais, naquele momento, eram os ocorridos no
final da década de 80. Nenhuma palavra sobre o ano que havia passado, muito menos
uma revisão crítica das posições teóricas ou políticas abordadas nos congressos
anteriores. Apenas a sugestão de que o congresso serviu para que os pesquisadores
passassem “três dias de agosto” reunidos “em torno da noção de Limites”. A própria
seleção lexical do trecho os três dias soltos no mês de agosto e, principalmente, a
imagem dos pesquisadores “reunidos em torno” de algo vago como uma “noção”, sem
falar no próprio tema, “limites”
23
não leva a crer que as discussões tenham resultado
em algo relacionado ao mundo objetivo. Deste modo, convenientemente, os anos de
90, 91 e 92 ficaram no limbo do entre-lugar.
Os anais do 4º congresso apresentam o seguinte texto de abertura:
Saúdo em nome da Comissão Organizadora do IV Congresso
ABRALIC os participantes deste evento, com a certeza de que as
22
Anais do III Congresso Internacional da ABRALIC. [1992]
23
Anais do III Congresso Internacional da ABRALIC. [1992]
130
reflexões dos próximos dias permitirão aprofundar o nosso
conhecimento no campo comparatiano literário. A vitalidade
desse campo de pesquisa é atestada pelas quase 450 comunicações
aprovadas para a apresentação neste Congresso. Creio que cabem
neste momento de abertura do evento algumas observações
sobre o sentido político-cultural da ênfase que ocorre nos
estudos de literatura comparada.
Entendo que a preocupação em discutir semelhanças e diferenças
literárias vem da atual situação histórica que, em ritmo
vertiginoso, aplaina e ao nivelar, radicaliza a manifestação de
diferenças. Numa perspectiva mais ampla, forma-se novos blocos
supranacionais de poder, ao lado da reação no sentido de se
aproximar realçar o sentido comunitário. Nessa redefinição de
fronteiras, inclusive fronteiras culturais, a literatura
comparada mostra-se campo fértil para a investigação
literária.
Comparar assim além da pertinência crítica de se buscar a
circulação das formas literárias – é também um ato de política
cultural. A série literária articula-se, pelo comparatismo,
supranacionalmente uma ponte que envolve não apenas a
matéria literária, mas tamm seus atores.
Ao mesmo tempo, nas instituições universitárias, a literatura
comparada fortalece-se num momento que pede radicais
reformulações curriculares. Novos campos de pesquisa são
constituídos em áreas que interseccionam limites que antes
delimitavam antigas disciplinas. Todo conhecimento novo vem
desses novos recortes e não da divisão positivista das
disciplinas em subcampos de conhecimentos. É um equívoco, a
meu ver, o simples acréscimo de novas disciplinas às antigas,
aumentando a carga horária dos cursos de forma exaustiva e
não operacional. Preservam-se assim as formas de poder
corporativas das antigas disciplinas e com elas a ritualização
da mesmice.
Os estudos de literatura comparada têm procurado refletir sobre
questões teóricas e metodológicas. Multidisciplinar por excelência,
ela tem incorporado perspectivas intertextuais e intersemióticas,
que ampliam o seu campo de investigação.
131
Os congressos, seminários e encontros científicos promovidos pela
ABRALIC, mostram como se transformou não apenas a base
teórica do comparatismo, mas tamm o seu objeto de estudo.
Para não se descaracterizar como um campo de investigação
com um perfil próprio, os comparatistas literários m
discutido sempre essas questões teóricas, sem entretanto deixar
que essa discussão, necessária, venha a sufocar a atividade
crítica, os estudos comparados. São esses estudos os principais
responsáveis pelo prestígio atual desse campo de investigação.
A literatura comparada, ao romper com o antigo positivismo,
veio a construir um campo de aproximação interdisciplinar, para
pesquisas antes espartilhadas pelas antigas disciplinas. Não é por
acaso, pois, que a ABRALIC veio a se firmar, assim, em seus oito
anos de atividade, como grande associação brasileira no âmbito da
literatura, com seus quase mil sócios.
Gostaria, agora, de abordar uma das linhas de investigação dos
estudos comparados, por sua relevância política. Seria conveniente
que nas atividades da associação, além de se valorizar o
comparatismo norte-sul é claro, numa ótica de quem se situa no
sul , que se incremente com maior vigor, o comparatismo pelos
paralelos do sul. Diríamos assim que não ficaríamos apenas no
comparatismo que adveio das necessidades de importação de um
país dependente. Destacaríamos também um comparatismo da
solidariedade – uma forma político-cultural de somarmos forças
para atenuarmos as conseqüências da dependência cultural.
Através das “laçadas” críticas dos estudos comparados, enfatizo
sobretudo a importância de se discutir as produções literárias da
América Latina e dos países de língua portuguesa. Ao movimento
dominante de indefinição de fronteiras, movimento
concomitante ao da indiferença em relação ao outro,
corresponde o da diferença, com a formação de novas
aglutinações supranacionais com base nos comunitarismos. São
formados, assim, novos reagrupamentos determinados por
afinidades culturais e outras, contrapostas à pasteurização
cultural conjunturalmente hegemônica.
Creio que é importante, por exemplo, a efetiva implementação de
estratégias político-culturais que nos permitam (re)imaginar uma
132
constelação de países ibero-afro-americanos. Nessa comunidade
(previsão de 645 milhões de falantes do português e do castelhano
para o início do culo XXI), Portugal, Brasil e os países africanos
de língua oficial portuguesa constituiriam um dos pólos da
paridade histórica que nos envolve em relação aos países
hispânicos uma paridade similar, mas que pode ser menos
conflituosa do que aquela que marcou a história de Portugal e da
Espanha. Neste momento de abertura do Congresso, entendo que
perspectivas político-culturais (não apenas a que apresentei e que é
a de um grupo de pesquisadores da USP) devam figurar em nosso
horizonte, dando sentido à discussão dos trabalhos de investigação
que nos mobilizaram nos dois anos que nos separam do último
Congresso ABRALIC (...).
24
no congresso, a relação entre as pesquisas e a realidade concreta torna-se
mais evidente. Pelo menos é o que podemos supor se lembrarmos que naquele ano
ocorrem mudanças significativas do ponto de vista econômico. Em janeiro, Canadá,
México e Estados Unidos assinam o NAFTA, Tratado Norte-Americano de Livre
Comércio. Entre os pontos principais do acordo estão a eliminação das barreiras
alfandegárias, o aumento das oportunidades de investimentos dos países participantes e
a promoção de condições para uma competição justa dentro da área de livre comércio.
Com o apagamento de fronteiras, o cosmopolitismo volta à pauta: a realidade não é a
imediata, brasileira, a referência é ao movimento histórico mundial. Isso não significa
uma reflexão sobre como tais modificações poderiam alterar a vida prática do
brasileiro.
Para o propósito deste trabalho vale ressaltar como as modificações no plano
econômico influenciam na reflexão teórica. O Nafta parece servir de mote para o
desdobramento temático das pesquisas na área interna da disciplina. Questões como
“supressão de fronteiras” e “identidade cultural” vão imediatamente para a vitrine. Quer
dizer, o foco não está nas consequências do movimento histórico do centro na periferia,
mas em como este processo pode ser convertido em valores acadêmicos que possam ser
aproveitados na difusão da disciplina. O viés cosmopolita da Literatura Comparada
estaria assim assegurado.
24
Benjamin Abdala Junior, Anais do IV Congresso Internacional da ABRALIC. [1994]
133
Isso pode ser interpretado como uma reedição da ideia de cultura como “uma
nação acima das nações”, agora com a influência dos mecanismos do capital
naturalizada no discurso crítico, isto é, com o capital em fase abstrata determinando a
abstração teórica. O acordo que dilui fronteiras econômicas demanda, para a entidade,
“radicais transformações curriculares”, porque “novos campos de pesquisa são
constituídos em áreas que interseccionam limites que antes delimitavam antigas
disciplinas”. É preciso, segundo esta lógica, acatar novos recortes disciplinares para
acabar com a “ritualização da mesmice” paráfrase pós-moderna do discurso de
Afrânio Coutinho.
O “revival” do discurso do autor ganha força ainda no mesmo ano. A
velocidade das transformações é impressionante. Enquanto no congresso se anunciava a
necessidade de se repensar as disciplinas, no texto de introdução da revista da entidade,
publicada ainda em 1994, as novas disciplinas são apresentadas como um dado
concreto. Elas são o caminho para solucionar “a crise geral das disciplinas
tradicionais”:
Neste momento em que a crítica literária inovadora pauta-se
por recortes interdisciplinares, intertextuais e intersemióticos,
a ABRALIC lança o segundo número de sua revista, reunindo
ensaios que permitem entrever constantes atuais nos estudos
literários. É em razão da crise geral das disciplinas tradicionais
que os novos horizontes da crítica literária, como se depreende dos
estudos aqui organizados, abandonam teorias imanentes de
estrutura e doutrinas reflexológicas do signo. A focalização
desloca-se, então, para o exame das condições da possibilidade de
produção, dos modelos culturais de formalização e recepção.
Revela-se, ao mesmo tempo, a historicidade dos textos, fato que
inclui a consideração da descontinuidade e da diferença,
descartando-se perspectivas organicistas ou evolutivas. Como o
leitor poderá observar, os ensaios foram dispostos sem divisão
aparente, ainda que sua ordem delineie grupos temáticos que
estabelecem diálogo, por vezes tenso e contraditório, entre
posições teóricas e metodológicas. Assim, se uma primeira seção
traz textos de teoria, a seguinte apresenta os de tema histórico,
seguindo-se os de análises de obras particulares. É de se ressaltar
134
também a anexação que fazem de outros saberes, como a
sociologia, a psicanálise, a filosofia, a antropologia e a história, de
modo múltiplo e fecundo.
25
Se, pela lógica da Abralic, as consequências das modificações do mercado
externo devem ser medidas no âmbito acadêmico, e não na sociedade, o elemento
modernizador induz a uma reavaliação das disciplinas nas universidades. Assim, a
adaptação das teorias gera uma demanda nova no âmbito acadêmico; o discurso está em
sintonia com a política que apregoa que o estado brasileiro está sucateado. O fenômeno
é interessante: o elemento importado, ao invés de ser discutido em sua relação direta
com a sociedade, chega à academia e levanta questões relevantes para a disciplina
todas elas, diga-se, maquiadas como posições anticapitalistas (o que não gera
incoerência para quem prefere manter o debate em plano abstrato) –, ao mesmo tempo
em que promove uma discussão que vai ao encontro dos preceitos neoliberais, como se
fizesse parte do Programa Nacional de Desestatização: “É em razão da crise geral das
disciplinas tradicionais (...) que a crítica literária inovadora pauta-se por recortes
interdisciplinares, intertextuais e intersemióticos (...) descartando perspectivas
organicistas ou evolutivas.” Se qualquer visão totalizante está descartada, se todas as
fronteiras começam a desaparecer, se o questionamento do cânone é o mandamento da
vez, nada mais natural que, no número 2 da RBLC, os ensaios estejam estrategicamente
dispostos “sem divisão aparente.”
26
A crise das velhas disciplinas e a avalanche de novidades teóricas e de linhas
de pesquisa é referendada pelo evento seguinte. No texto de abertura dos anais, a
comissão organizadora afirma que o 5º congresso
oferece um quadro bastante completo do que vem se produzindo na
área dos estudos literários comparatistas no país, e demonstra a
fase de consolidação a que chegou a Associação Brasileira de
Literatura Comparada em seus dez anos de existência.
27
Todas as novidades encontram seu espaço, as linhas temáticas do evento
indicam o novo momento da disciplina: “Cenários da Cidade”, “Nacionalismos,
Etnias e Sexualidades”, “Pós-Colonialismo e Identidades Culturais” e “Práticas e
25
Revista Brasileira de Literatura Comparada. N° 2 [1994]
26
Revista Brasileira de Literatura Comparada. N° 2 [1994]
27
Eduardo F. Coutinho. Anais do V Congresso Internacional ABRALIC. [1996]
135
Instâncias Canônicas: Teoria, Crítica e Historiografia Literárias”. A pluralidade vira a
palavra de ordem: “a publicação dos Anais (...) vem comprovar a alta qualidade dos
trabalhos apresentados neste (...) congresso (...), bem como a diversidade de enfoques
adotados no tratamento dos temas.” A abertura à diversidade em detrimento da
organização da publicação: “sempre que possível”, afirma o autor do prefácio, o leitor
tem subsídios para encontrar uma linha que o ajude a interpretar o todo.
28
No texto da sessão de abertura, o tema da suposta crise volta à pauta: lemos
que uma “efervescência intelectual (...) vem caracterizando o campo dos estudos
comparatistas no momento” e que isso motivou a formulação da questão, “tão
premente hoje, da desconstrução dos cânones literários tradicionais e da necessidade
de revisão e contextualização de todo e qualquer instrumento de reflexão crítico-
teórica.” Essa necessidade de revisão teórica vem acompanhada da ação estratégica:
“com a publicação dos Anais (...), os trabalhos desses especialistas circularão pelo
meio acadêmico brasileiro, permitindo maior acesso às pesquisas mais avançadas na
área”
29
.
Este mesmo tom permanece no texto de apresentação do número 3 da RBLC.
No período em que a política neoliberal também promove o apagamento ou a
substituição da reflexão histórica pelo culto ao novo, simbolizado pela criação, em
1996, de uma nova moeda e pela naturalização da idéia de que as estatais devem ser
entregues ao capital estrangeiro, o que representaria, argumentavam, uma melhora
significativa nos serviços oferecidos –, qualquer avaliação geral sobre a gestão
administrativa do país estaria impugnada, que o governo estaria isento da
responsabilidade sobre o mau funcionamento das estatais. Ou seja, no âmbito político
e econômico, o leilão do estado brasileiro acarreta uma mudança nos critérios de
avaliação, que passam a ser os mesmos utilizados por grandes empresas
multinacionais. O grande público, por sua vez, tem que se adaptar aos novos códigos.
E o faz, novamente embarcando num voo cego rumo à modernização, sem, no
entanto, pensar criticamente a respeito. No âmbito acadêmico, a orientação é a “de
instaurar um verdadeiro intercâmbio entre os diversos centros nacionais e estrangeiros
onde se estuda Literatura Comparada e de interferir de modo mais eficaz no debate
cultural da atualidade”. Naturalmente, o texto de abertura da publicação inclui a
seguinte advertência: “a disposição dos ensaios, procurando respeitar a diversidade
28
Idem, ibidem. [1996]
29
Idem, ibidem. [1996]
136
dos interesses, resulta numa sequência relativamente aleatória. As associações e
enlaces ficam por conta do leitor.”
30
No congresso seguinte, o 6º, este posicionamento é ratificado, mesmo que
maquiado como sendo de oposição. O discurso, que ao mesmo tempo em que é
furioso é recheado de índices semânticos que indicam a adesão à nova ordem, é
contraditório em si e revela uma contradição dentro da própria associação. A posição
a favor do estudo que considere intertextualidade e interdisciplinaridade é, sem
delongas, substituído (o grifo é do autor):
A Abralic, ao avaliar as abordagens horizontais (de texto a texto)
como práticas ultrapassadas, e ciente da tendência inegável dos
estudos literários na direção das abordagens verticais (que
vinculam o local e o global), propõe (...) o questionamento de
hierarquias e mediações, acumulações diferenciais de poder e
prestígio, linguagens e valores. Em que medida e extensão podem
ser formuladas alternativas que redefinam o contraponto entre
discursos globais (sejam estes neoliberais ou pós-coloniais) e
práticas locais (sejam elas particularistas ou universalistas)?
31
Note-se que as teorias pós-coloniais aparecem como um contraponto ao
neoliberalismo. Mas sabemos que isso não é nada que represente perigo a quem
comanda, já que as “hierarquias e mediações” a serem questionadas não se referem ao
mundo concreto, não se converteriam em uma prática política, por exemplo.
No texto de abertura da edição 4 da revista da entidade, parece haver um
esforço para apresentar o resultado do fim das fronteiras, cânones e hierarquias. A
linguagem é radical e cifrada:
Este número da RBLC pretende ser um entressigno, um sinal
entre dois tempos, situado além do universal e as o sujeito.
Prosseguindo o debate de indeliberada homenagem ao Fiat modes,
pereat ars, de Max Ernst, estampado em Declínio da
Arte/Ascenção da Cultura (Florianópolis, março de 1997), e ao
mesmo tempo preparando o VI Congresso da ABRALIC, cujo
30
Idem, Revista Brasileira de Literatura Comparada. N° 3 [1996]
31
Raúl Antelo. Caderno de Resumos do VI Congressos ABRALIC. [1998].
137
mote, com prudência interrogativa que equipara comparatismo a
estudos culturais, de encerrar a gestão catarinense desta
associação, a Revista Brasileira de Literatura Comparada reúne,
em seu mero 4, variados materiais para esse debate. Em suas
diferenças e tensões, eles revelam que, como sabemos, nos
últimos cinquenta anos, o modelo dos estudos literários descansou
na oposição entre o cânone e seu outro, a cultura popular. O dictum
de um crítico de arte, Clement Greenberg, pode aliás sintetizá-lo:
vanguarda ou kitsch? Porém, as guerras teóricas dos anos 80
mudaram, radicalmente, o panorama. Com as abordagens
desconstrutivas e pós-estruturais, isto é, com o tópico da “morte da
literatura”, as oposições entre alta e baixa cultura, ruptura e
permanência, centro e periferia tornaram-se insustentáveis. As
guerras teóricas recentes mostram que, em última análise, a
literatura comparada é a teoria da guerra e que, ao mudar o
cenário e o objeto das lutas (o mais o indivíduo, não mais o
valor, não mais a disciplina, o mais a nação) o específico da
literatura comparada, nos dias de hoje, é sua passagem ao ato, sua
dissolução, sua transgressão, seu movimento ao exterior de si.
Não é fortuito que comparatismo e guerra se vejam assim
associados. A dimensão universal, central ao comparatismo, se
consolida, de fato, manu militari, no início do século XX. Porém,
esse movimento de reorganização dos mapas geopolíticos e
acadêmicos trouxe consigo uma nova definição de objeto. A arte
passa a perseguir uma beleza de choque, convulsiva, que, o raro,
se apropria de elementos primitivos para aprofundar a percepção e
aguçar a sensibilidade. Uma vez alcançado, o conceito universal
muda consequentemente. A estética dada se assumirá como
detentora de muitas nacionalidades simultâneas ao passo que o
surrealismo associa suas intervenções ao universal
particularizado (o estalinismo) ou ao universal em
transformação constante (o trotskismo). Todavia, após as análises
frankfurtianas sobre a dialética da modernidade, compreende-se
melhor até mesmo aquilo que Adorno e Horkheimer teriam
dificuldade em aceitar, isto é, que um saber sem ilusão é uma
pura ilusão. Não existe mito puro, nos diz, aliás, Michel Serres, a
não ser o saber puro de todo mito. Fundem-se aí, em
138
consequência, a poesia e o mito, o cânone e seu outro, (Pasolini,
Arguedas, tantos mais), dimensões que, para serem analisadas,
passam a requerer novos conceitos operacionais, tais como o
sagrado e o profano, o heteroneo e o homogêneo. Aquilo que se
apresenta irredutível a toda assimilação (o assassino, o louco, o
poeta maldito) define-se como heteroneo. Narra-se nas vidas
infames de Foucault e pratica-se para além dos marcos da
profissão e da disciplina. Por que deveríamos ser probos se
Marx viveu de bolsas, Nietzsche ou Kierkegaard se recusaram a
atender o bem comum, Blanqui ou Wilde foram confinados a uma
cela e Maiakovski ou Benjamin encontraram a via exterior no
suicídio? Contra a economia do dom, heterogênea, abre-se, pelo
contrário, em todos esses casos, como pano de fundo, a sociedade
homogênea, de intercâmbio e acumulação, para a qual toda a
heterogeneidade se transforma em subversão.
(...) A literatura o é, o pode ser, uma reles carta de burguesia
ou distinção. A literatura situa-se, portanto, para além de uma
simples recondução, populista e redistributiva, dos bens
simbólicos mas, ao mesmo tempo, posta-se, ainda, para além do
refúgio onde se acoberta e monopoliza toda distinção social.
(...) É necessário, porém, mais do que nunca, interpretar o período
atual como modulação diferencial da guerra nômade. Trata-se
da passagem do mercado de bens para o mercado de capitais
(daí as entidades bancárias e financeiras liderarem o novo processo
de megafusões). Como a renda dos investimentos de longo prazo é
menor do que o lucro que se obtém com as aplicações de curto
prazo, a própria fusão estratégica do capital monetário aparece
agora subordinada à fusão estratégica do capital fictício. A poesia e
o mito, eis a chave dos príncipes da moeda e suas engenharias
geopolíticas.
A poesia, nos disse Mallarmé, remunera os defeitos dasnguas. Na
guerra simlica, a literatura comparada visa remunerar os
defeitos das particularidades. Para tanto, busca ir além do
particular regional ou nacional, tendo que lutar agora com a
emergência de novos saberes, via de regra, comprometidos com
o investimento a curto prazo, empenhados eles mesmos em
ultrapassar o próprio conceito de universal. São os estudos da
139
cultura, já praticados na Inglaterra pauperizada pelo fim do
colonialismo mas globalizados, irreversivelmente, pela nova
ordem mundial. Nas páginas que seguem tentamos reunir um
mostruário de tendências a repensar essas questões sob uma
particular visão latino-americana, certos de que essa região supra-
nacional é a primeira maneira de ultrapassar o estatuto colonial e
de, ao mesmo tempo, construir um multiculturalismo específico.
Confiamos no debate que elas possam suscitar.
32
Da seleção de textos que apresentamos nesta seção, este talvez seja o exemplo
mais significativo de como o poder abstratizante do capital consegue absorver e
neutralizar um discurso de oposição. O autor incorpora ao seu discurso as
consequências do momento histórico e das transformações engendradas pelo terceiro
estágio do sistema. Como vimos na primeira parte deste trabalho, Jameson aponta que
nesta fase uma lógica de extrema fragmentação que proporciona o surgimento de
formas radicalmente novas de abstração. Na esfera da cultura, o que antes era
escandalizante é absorvido pelo sistema de produção e consumo de mercadorias. Para
os fins deste trabalho, talvez possamos interpretar isso como um momento em que
nem mesmo autonomização da teoria em relação ao objeto de estudo é chocante. A
reificação teórica, no contexto pós-moderno descrito por Jameson, por fazer parte do
sistema de produção e consumo intelectual, fragmenta-se no abstrato e, tal como o
capital, sofre o processo denominado desterritorialização. O resultado disso é um
discurso multifacetado, emoldurado como proposta de ruptura, mas que reproduz e
radicaliza a abstração engendrada pelo processo econômico.
No trecho citado, o do raciocínio está na ausência de referente. Logo na
primeira frase, uma fragmentação radical: uma revista que reúne uma série de
trabalhos é apresentada como algo que “pretende ser um entressigno, um sinal entre
dois tempos, situado além do universal e após o sujeito.” É a linguagem resultante da
reificação teórica promovendo a reificação de um objeto concreto (uma revista). O
discurso do caos ganha outra dimensão, agora relacionando as transformações nas
esferas econômicas e políticas à crise nas teorias. Mas o que parece um vínculo com o
concreto se dissolve nos próprios enunciados.
32
Raúl Antelo. Revista Brasileira de Literatura Comparada. N°4. [1998]
140
Para o autor, o fim da guerra fria representa a “passagem do mercado de bens
para o mercado de capitais” e o começo das megafusões em escala global. Na mesma
linha, as “guerras teóricas” dos anos 80 teriam alterado radicalmente o panorama dos
estudos literários, e as oposições entre “alta e baixa cultura, ruptura e permanência,
centro e periferia” teriam se tornado insustentáveis. As transformações decorrentes do
plano econômico e político, dessa forma, não passam a objeto de estudo das teorias,
ao contrário, acabam ditando novos termos em que o debate deve se dar. É a aceitação
tácita do processo.
E é do interior desse debate abstrato que o autor formula sua proposta de
ação. A “guerra” não é contra as consequências daquelas transformações no plano
concreto, mas contra outra proposta teórica, os estudos da cultura. O objeto das lutas,
“(não mais o indivíduo, não mais o valor, não mais a disciplina, não mais a nação)”
perde o referencial objetivo. A literatura comparada, nestes termos, é capaz de abrigar
uma variedade enorme de tendências, sejam elas teóricas ou políticas (tal como o New
Criticism, aliás), torna-se “a teoria da guerra”, mas uma guerra no plano das ideias.
Uma síntese da fragmentação radical, da desterritorialização, está na frase que diz que
“o específico da literatura comparada, nos dias de hoje, é sua passagem ao ato, sua
dissolução, sua transgressão, seu movimento ao exterior de si”. O que é específico
para a disciplina envolve uma ação e ao mesmo tempo uma dissolução, que pode ser
interpretada também como uma transgressão. Não um referente, a não ser uma
declaração de guerra aos estudos culturais, que, segundo o autor, é uma teoria
resultante da própria lógica da nova fase do sistema, algo equivalente aos
“investimentos de curto prazo”. No entanto, a literatura comparada não é designada
objetivamente como um “investimento de longo prazo”.
Assim, mesmo inscrevendo-se como um discurso de oposição às
consequências do processo político, econômico e histórico, o autor decompõe ao
longo de seu discurso todos os elementos que poderiam significar uma ação no plano
objetivo. Nesse sentido, as batalhas entre as teorias se aproximam do jogo
especulativo das bolsas de valores. No fim das contas, o autor enumera os fatores que
determinam o caos, mas aceita-o como um dado de realidade e propõe não uma ação
para revertê-lo, mas uma luta contra uma de suas consequências no plano das ideias.
Pode ser uma outra espécie de “oco dentro do oco”, de que fala Roberto Schwarz.
Mesmo sendo um evento que acontece a cada dois anos, os congressos da
Abralic não se distanciam tanto da dinâmica esboçada nestes exemplos. uma
141
grande badalação em torno das últimas tendências no campo dos estudos literários,
não raro com a presença de um teórico internacional emergente. Com o passar do
tempo, a perspectiva plural adotada pela entidade fez que com ela se tornasse a mais
importante associação de estudos literários do país. Tanto que é capaz de abrigar
múltiplos grupos de trabalho, inclusive aqueles ideologicamente contrários às suas
propostas.
a entidade, como dissemos, renderia outro trabalho. Como a intenção aqui
é ilustrar um ponto de chegada do fenômeno de reificação teórica iniciado por Afrânio
Coutinho nos anos 40 e 50, ficamos por aqui. Com o que dissemos nos capítulos
anteriores mais esta breve seleção de exemplos, talvez seja possível identificar a
criação e o desenvolvimento de uma linhagem que promove a abstração de teorias na
crítica literária brasileira.
142
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